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Série Irmãos De Marttino
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Uma Nova Chance Mônica Cristina – Livro 2 – 1ª Edição
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De Marttino ― Uma Nova Chance 1º Edição Copyright © 2018 Mônica Cristina Viana Diagramação Digital: Isabel Góes Capa: Thatyanne Tenório Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Qualquer outra obra semelhante, após essa, será considerada plágio; como previsto na lei. Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito do autor.
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A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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Agradecimentos Para Márcia, irmã que assessóra e sonha comigo, Thaty, que nunca me deixa e sempre está pronta.
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Sumário Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31 PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Epílogo
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Capítulo 1
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Filippo O helicóptero levanta voo com Bianca ainda vestida de noiva. Aceno para o casal. Meu melhor amigo finalmente conseguiu acertar a vida e está feliz com a namorada. Agora esposa. Enzo não é só meu melhor amigo. É meu sócio também. Quando começamos com nossa agência de publicidade, depois de estudarmos juntos desde a infância até o ensino superior, achei que levaria mais tempo para conseguirmos algum sucesso profissional. Acontece que meu melhor amigo e sócio é também um herdeiro do nome De Marttino. Nossa primeira conta foi justamente com o vinho de sua família, famoso no mundo todo e depois do sucesso com a marca De Marttino foi PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fácil conseguir novos contratos e temos agora um bom grupo de clientes alto nível. Eu que sempre fui um jovem de classe média, filho único de um casal de trabalhadores agora posso dar aos meus pais algum luxo e muita tranquilidade. Essa é sem dúvida a melhor parte. Pessoalmente nunca liguei muito para qualquer luxo. Namorar Paola Rugani por oito anos me mostrou os dois lados do mundo. Paola é filha de um industrial milionário, por isso estive em muitas festas e jantares luxuosos. Conheci muita gente boa, mas também vi de perto a futilidade de gente rasa e sem qualquer respeito pelo próximo. A vida de ricos e famosos nunca encheu meus olhos. Nosso namoro não acabou da melhor maneira. Primeiro ela decidiu viver em Paris, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS deixar a Itália por algum tempo para se aventurar em um universo que nunca me atraiu foi até aceitável. Não fosse isso, talvez eu não descobrisse meus sentimentos reais por ela. Nossa história se desgastou e no fim eu nem sei se algum dia a amei. A história podia ter simplesmente acabado em uma bonita amizade, aliás, teria sido assim se dependesse de mim, mas Paola perdeu a cabeça. O juízo ou apenas se descobriu. Não sei, ainda não tenho vontade de descobrir, mas abrir um site de fofocas de celebridades e dar de cara com minha namorada, de um relacionamento de oito anos, beijando o famoso estilista Paco Sturano não foi algo fácil. Não nos falamos desde aquela tarde e sinceramente não sei se um dia vamos nos falar de novo. Não a odeio, apenas não quero pensar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS em nada disso. Hoje é dia de festa na Vila De Marttino e acabo de ser padrinho do casamento do casal mais legal que conheço. Meu amigo passou por muitas coisas difíceis e merece essa felicidade. Os De Marttino vêm enfrentando dias difíceis. A morte do irmão caçula, do jeito mais dramático que podia acontecer. A separação, por três anos, de Enzo e Bianca. A descoberta do filho Matteo. Tudo acontecendo ao mesmo tempo. Eu me sinto parte da família e passei por tudo ao lado dele. Hoje, mesmo que ainda estejam aprendendo a superar, sinto que um dia eles serão felizes. Kiara está com Matteo no colo, mostrando o helicóptero se distanciar enquanto o garotinho mais fofo que existe acena para os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pais indo para a noite de núpcias. Kiara De Marttino é a irmã mais nova de Enzo, e eu a conheço da vida toda, mesmo que de uns anos para cá ela tenha mudado. Tornou-se fechada, acabou se envolvendo com gente que não presta, passou a beber, sair com todo tipo de caras, perdeu o respeito por si mesma. Isso me incomoda e tira o sono. Não entendo bem por que me sinto assim, mas penso nela, fico preocupado e queria achar a garota doce que existia e agora está encoberta por muita maquiagem e quase nenhuma roupa. Escondida sob algumas doses de vodca a mais e uma raiva do mundo que ela despeja em um humor cítrico e muita ironia. Fomos padrinhos juntos. Eu em um terno elegante e escuro. Ela com um minivestido preto, decotado e com botas acima dos joelhos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Aliás, ela nunca anda sem elas. Nem mesmo a maquiagem exagerada escondeu o brilho nos olhos e a emoção quando o irmão disse sim e os noivos trocaram suas juras. A cara de concha como a chamo desde criança ainda está lá dentro, só não sabe como sair. A capela pequena da Vila De Marttino com seus poucos convidados passou por um pequeno burburinho quando ela entrou. Se chocar seus convidados e mesmo o padre era seu plano, ela teve sucesso. Eu ri, no fundo achei divertido. Não gosto de levar as coisas as últimas consequências, não gosto de colocar peso em nada. A vida por si já é bem complicada e cheia de surpresas ruins, prefiro então olhar para o belo, o novo e aposto minhas fichas sempre nas boas surpresas. Elas também acontecem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS O helicóptero desaparece e olho em torno. A festa continua, com convidados espalhados em conversas leves regada a muito vinho e comida toscana. Típico. Somos italianos e claro, somos barulhentos, expansivos e isso fica claro até mesmo quando estamos entre os milionários De Marttino e suas tradições de quinhentos anos. ― Volta para Florença conosco? – Meus pais se aproximam. Franco e Carmela Sansone são minhas pessoas preferidas no mundo. Mamãe é a pior cozinheira que existe e não tem meios de ela aceitar isso. Carmela está sempre tentando e papai sempre fingindo que gosta, mas ele tem uma conta no restaurante ao lado do trabalho onde costuma fazer algumas refeições durante a semana. Os dois estão juntos há trinta anos. Felizes do jeito deles. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Acho que o fim do meu namoro com Paola machucou minha mãe muito mais do que a mim. Ela gostava e acreditava no futuro da nossa história. Não aconteceu e acho que leva um tempinho para ela compreender e perdoar Paola. ― Não, papai. Vou até amanhã. Prometi ao Enzo levar a Kiara e o Matteo. ― Eles não vão viajar em lua de mel? — mamãe pergunta. Para sua cabeça simples um casal de recém-casados precisa de uma lua de mel romântica. ― Vão, mamãe. Só que o Matteo vai junto. O garotinho tem dois anos. Não pode ficar sozinho. Eles vão passar um mês fora. ― Ah! Um mês é mesmo muito tempo ― meu pai comenta se servindo de mais uma taça de vinho. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Querido, eu vou dirigir. Você já bebeu demais. ― Carmela, eu estou ótimo, mas pode dirigir se fica mais calma. ― Papai nunca discute com ela e acho que herdei essa impaciência com brigas dele. ― Sua mãe tem uma mania de achar que qualquer taça de vinho me derruba. Um garçom passa por nós servindo doces e meu pai se serve de um cannoli. ― Esse doce está uma delícia. Tratei de ir atrás do chef e pegar a receita. ― Meu pai quase cospe o doce enquanto eu engulo a vontade de rir. ― Sério, mamãe? Tenho certeza que o papai vai amar. Olha como ele gosta. Quem sabe faz amanhã mesmo? ― Boa ideia. Amanhã amor. Vou fazer PERIGOSAS ACHERON
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um almoço leve e de sobremesa cannolis. Tem vários recheios. ― Amanhã? ― Papai me olha, sinto a vingança se aproximar, os olhos faíscam quando algum plano maligno se forma em sua mente perversa e vingativa. ― De jeito nenhum amor. Amanhã não. No próximo fim de semana. Filippo vai estar de volta e exijo que passe o domingo conosco. Você faz um almoço especial e de sobremesa cannoli. ― Tem razão. ― Mamãe passa o braço pelo meu. Papai ri de modo maléfico. Faço minha cara de bom filho. É um meio sorriso que treinei desde a primeira infância. Eu o uso a cada refeição. ― Vão gostar, filho. Vou fazer um almoço digno de uma ceia de Natal. ― Eu vou... amar. Obrigado pela ideia incrível, papai. ― Ele faz uma mesura. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu te amo filho. Estamos nessa juntos, você sabe. ― Papai me dá um tapinha no ombro. Beija os lábios da minha mãe. Se tem uma coisa que ele me ensinou, foi que o amor está acima dessas pequenas questões. ― Vamos, Carmela. Temos horas de estrada. ― A Pietra convidou vocês para passarem a noite aqui. Tem certeza que querem ir agora? ― Sim. Será romântico. ― Mamãe sorri. ― Eu e o papai pegando a estrada sozinhos, com boa música, estamos bem. ― Minha mãe me abraça. ― Cuidado amanhã na estrada com essa criança. ― Pode deixar, mamãe. Boa viagem. ― Meu pai me abraça. ― Bebi demais, vou dormir todo o caminho e ela vai ficar uma fera quando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS chegarmos. Amanhã de vingança não
vai
cozinhar. ― Que pena, papai. Acho que amanhã eu ligo e me certifico que ela vai cozinhar qualquer coisa. Você precisa se alimentar bem para curar a ressaca. ― Faça isso e vai conhecer minha fúria. ― Ele me abraça de novo. Mamãe se despedindo de vó Pietra. Ela não é minha avó, mas me trata com carinho desde menino e gosto dela. Acompanho meus pais até o estacionamento, espero que entrem no carro e quando pegam a estrada eu volto para a festa. ― Achei você. ― Kiara se aproxima com Matteo no colo. ― Fica um pouco com ele. ― Oi, bebê. ― Pego Matteo no colo. Ele é um garotinho bem alegre, vai para a agência às PERIGOSAS ACHERON
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vezes e somos próximos. ― Onde vai? ― pergunto quando Kiara começa a se afastar. ― Banheiro. Posso? Já chega ele que resolveu estranhar todo mundo. Os pais partiram e ele não quer nem a vovó ― ela fala enquanto vai caminhando e eu a seguindo com Matteo no colo. ― Filippo, você pretende me acompanhar no banheiro? ― Não. Estou sendo educado. Você anda falando, estou... te ouvindo, cara de concha. ― Vai para o inferno! ― Ela me xinga e me faz rir. As pessoas em torno nos olham chocadas. ― Inferno, tio? ― Matteo repete, Kiara revira os olhos e se afasta apressada. ― Essa sua tia é muito chata. ― Chata. ― É, mas vamos melhorar esse seu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vocabulário. Amanhã quando te devolver aos seus pais não quero reclamação. Já chega sua tia com a boca suja e o humor ou a falta dele. ― Bola. ― Claro, bola. Sempre bola. Eu vou te ensinar umas brincadeiras novas. Umas em que a pessoa fica parada. Olho em torno. Deve ter uma bola em algum canto dessa festa chique. Não tem um brinquedo, uma diversão para as crianças. As pessoas acham que bolo de chocolate resolve, mas crianças precisam de mais do que isso. Vittorio está numa roda de homens elegantes conversando, todos devem ter pelo menos o dobro da idade dele. Não sei como ele aguenta esse mundo chato dos executivos, mas é o irmão mais velho e dono da Vila De Marttino, deve saber como consigo uma bola para o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS garotinho. ― Bola, tio. ― Calma aí, pequeno. Vamos pedir ao tio Vittorio. ― Tio. ― Ele aponta Vittorio com o dedinho gordo e quero morder a mãozinha. ― Vittorio, você tem por aí uma bola de futebol? ― Olho para os homens em torno dele. Vittorio faz um ar engraçado de quem quer correr para longe de mim e do sobrinho. Os dois definitivamente não tem uma relação. ― Desculpem a interrupção. Tem, Vittorio? ― Por que eu teria uma bola? ― Por que é italiano? Por que tem um sobrinho? Por que eu estou desesperado? Se ele começar a chorar pedindo os progenitores, sabemos que evitar os nomes é melhor, eu caço você e te entrego ele. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Dá para ver que a ideia de ficar com o menino causa erupções alérgicas em Vittorio De Marttino. Os olhos arregalam. ― Me dão licença? ― pede aos convidados e depois faz sinal me pedindo para acompanhá-lo. ― Cadê minha irmã? Ela não tinha que cuidar do menino? Vocês dois não se ofereceram para ficar com ele até amanhã? ― Ninguém se ofereceu. Não foi bem assim. Fomos induzidos. Sua irmã foi ao banheiro atender a um chamado da natureza. ― Não precisa de detalhes, Filippo ― ele reclama. ― Vamos ao quarto do Enzo. Deve ter uma bola lá. ― Papai. ― Matteo faz bico e olha para o céu lembrando do helicóptero. ― Olha aí o que fez? Não fala o nome. Quem vai jogar bola com o tio Filippo lindo? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu! ― Ele ergue os braços rindo, esquece que pretendia chorar e fico aliviado. ― Acha que ele é bipolar? ― Vittorio pergunta estranhando a mudança de comportamento. ― Não, Vittorio. Ele é só um bebê. Chegamos a casa, agora é só atravessar os possíveis dez mil metros e encontramos o quarto. Vittorio sobe as escadas na minha frente. Fico em dúvida se fugindo de mim ou do sobrinho. ― Aposto que meu irmão deve ter deixando os brinquedos do menino aqui. ― Ele abre a porta do quarto. ― É só você.... procurar. ― Vittorio me encara e decido me aproveitar um pouco do seu desespero para rir. ― Certo. Vai trocando a fralda dele enquanto faço isso. ― Olhar horrorizado me faz PERIGOSAS ACHERON
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prender o riso. ― O que disse? ― Fralda, Vittorio. Trocar o menino. Toma ele. ― Ofereço o garotinho. Vittorio dá dois passos para trás. Correria para longe se as pernas respondessem ao seu pânico. ― Nem pensar. Eu procuro a bola. Não me comprometi com ninguém. Vocês são sócios então... se vira. ― Vai deixar um De Marttino ficar assado e com dor? Cara, achava que a família e tal sangue De Marttino fossem importantes para você. ― O que estão fazendo aqui? ― Kiara surge, para alívio de Vittorio. ― Pronto. Ela te ajuda. ― Vittorio desaparece em meio segundo. Kiara me olha sem entender. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Estraga festa ― reclamo. ― Estava torturando seu irmão. ― Com sucesso, pelo pânico que vi nos olhos dele. ― Bola tia, sumiu. ― Ela sorri derretida e dá para ver a doce Kiara de volta num pequeno vislumbre do que um dia foi. Chega a tocar meu coração quando ela abre os braços convidando o garotinho que se atira para ela encantado. ― Sumiu, meu bebê? Vamos procurar. ― Ela beija o rostinho corado. ― Filippo pega ali a bola. No cesto de brinquedos dele. Tem mil brinquedos no cesto. Achar a bola é difícil. Quase preciso mergulhar nele. Quando encontro e me ergo o pequeno bate palmas. Se estica e contorce. ― Aqui. ― Vai jogar bola com ele? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Sim. Quer jogar? ― Não. ― Ela nem inventa uma desculpa. Essa é Kiara e sua honestidade. ― Pega essa cesta de brinquedos e leva para o meu quarto? Ele vai dormir lá comigo. ― Pego. ― Ergo a cesta. Matteo carrega a bola. Caminho até o outro lado do corredor, Kiara abre a porta do quarto e entro com o cesto. Deixo no chão, passo os olhos pelo lugar. Não tem muita coisa. O quarto é meio sombrio. Umas caixinhas de música do século passado, móveis antigos. Tem uma penteadeira de madeira. Um espelho todo trabalhado. Um guarda-roupa escuro. ― Kiara, eu acho que algum fantasma mora aqui com você. Aposto que esse quarto pertenceu a algum De Marttino que deve ser muito apegado a essas coisinhas de mil oitocentos e três. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Kiara abre uma das caixinhas de música e o som invade o quarto me causando calafrios. Ela ri. ― Foi o quarto da vovó Pietra de solteira. Não mudei nada. Quase nunca venho aqui. ― Ainda bem que o quarto de hóspedes é bem diferente. Vamos? Ela me acompanha para longe do quarto mal-assombrado. Fica me olhando enquanto descemos as escadas. ― O que? ― Você parece um garotinho às vezes. Medo de fantasma é tão infantil. ― Não tenho medo. Tenho respeito. ― Kiara ri de mim. Depois me entrega Matteo no fim da escada. ― Bom jogo. Vou circular. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Está esfriando. Devia colocar uma roupa. Olha lá, aqueles caras estão te olhando. ― Tem um três idiotas em uma rodinha que nem disfarçam. Ela me ignora. ― Vai ficar resfriada. ― Aqueles caras ali? ― Ela me aponta os três sem cerimônia. Todos ficamos constrangidos. Eu e eles, já ela ri sem preocupação. ― Vou lá saber o que estão olhando. Te vejo mais tarde. Ela joga os cabelos e caminha com passos firmes em direção ao grupo, os rapazes se assustam. É uma De Marttino, em terra De Marttino, brincar com ela significa problema e o grupo de dispersa antes que ela de meia dúzia de passos. Kiara se volta, abre um sorriso cínico. Dá de ombros e caminha de volta. Meu coração salta. Um misto de raiva e alívio. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Pronto. Sumiram. ― Não achei graça. ― Vocês homens são cem por cento covardes. ― Generalizando. Vem jogar bola e para de me irritar. ― Ela me faz careta. ― Vou fumar um cigarro e tomar um drinque. Não se preocupe, não vou ficar bêbada. Meu irmão tomou o cuidado de não servir vodca. Só esse maldito vinho De Marttino. Sempre me pergunto o que diabos a fez mudar tanto. O pai morreu, depois a também. O padrasto desapareceu e nem sei direito por que. Teve a morte do irmão e hoje é um dia estranho, pois, talvez, se as coisas tivessem sido diferentes, Giovanne poderia estar aqui. Comemorando com os irmãos, mas a mudança, a amargura, e esse peso que dobra seus ombros, PERIGOSAS ACHERON
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eles parecem vir de algum outro lugar. Depois de uma hora correndo pelo jardim com Matteo e a bola o garotinho se cansa. Kiara nos assiste de longe. Não tem nenhum cigarro com ela. Não tem nenhuma bebida. Seu negócio é mais irritar que qualquer coisa. ― A festa finalmente acabou. ― Ela se junta a mim. ― Vou levar o Matteo para dormir. Quer vir? ― No quarto do fantasma? ― Não tem fantasma. Deixa de ser idiota. ― Vamos, conchinha. ― Ela sai na frente brava com o apelido. Assistimos Matteo pegar no sono em dois minutos depois da mamadeira. Kiara abre a porta da varanda. Tem um perfume incrível vindo dos vinhedos. A paisagem de dia deve ser linda, as plantações na sua perfeita formação, PERIGOSAS ACHERON
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mas assim, durante a noite, tudo que temos é escuridão, céu estrelado e perfume de videiras. Ela cruza os braços. A brisa sopra trazendo o perfume mais acentuado. Os cabelos dela balançam. Kiara fecha os olhos. A maquiagem pesada fica mais acentuada. ― Anda tão gótica, cara de concha. Por que? ― Eu gosto. ― É mentira, parece mais outra coisa, mas o que posso fazer se ela não quer contar. ― Achei que a Paola viria. Ela é amiga do meu irmão há tanto tempo. ― Terminamos. Deve saber. Todo mundo sabe da foto. ― Eu vi. Não dei importância. Não é da minha conta. ― Não ficou nem um pouquinho preocupada com meus sentimentos? ― Kiara me PERIGOSAS ACHERON
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olha um momento. Não responde. ― Ficou sim. No fundo gosta muito de mim. Eu sou bonito, inteligente e agora rico. Quando faço a lista das minhas qualidades eu me esqueço de incluir essa. É nova. Estou me acostumando ainda. ― O que me consola é a esperança de estar brincando. ― Estou. ― Sorrio, ela é bonita, maluca e triste. ― Sente falta dela? ― Não da namorada. Essa eu meio que já tinha perdido. Sinto falta da velha amiga. Paola era divertida. ― Conversaram? ― Ainda não. Quer dizer, não estou com raiva, só decepcionado e acho que isso é normal. ― Logo vai estar em outra. ― Seu tom é um tanto amargo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Nem pensar. Quero distância de namoro. Passei toda a vida namorando. Agora estou curtindo um pouco a vida. Saindo. Conhecendo gente nova. Meu melhor amigo se amarrou justo agora, então... ― Você vai sair por aí destruindo corações com essa sua lista de qualidades. Entendi. ― Não. Nem pensar. Não quero coração nenhum no momento. Quero só me divertir. Como você por sinal. ― Amanhã marquei com o Enzo no hotel às seis da tarde. Eles vão pegar o voo das nove, deixamos os três no aeroporto. Pode ser? ― Que talento é esse? Muda de assunto com uma categoria. ― É sério, Filippo. ― Tudo bem para mim. Só não estou PERIGOSAS ACHERON
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gostando de saber que vai ficar sozinha naquela mansão. ― Ela é nova, Filippo, não tem fantasma lá. ― Não estava pensando em fantasma, estava pensando em você se metendo em encrenca. ― Sei me cuidar. Aprendi. ― Pode me chamar a qualquer hora. Sério mesmo, eu prometi ficar de olho em você. Se quiser te trago de volta para a Vila. Ou posso ir sozinho com o Matteo. ― Não vou ficar presa aqui um mês. Sou adulta. Tenho vinte e dois anos. ― Mês que vem só. Ainda tem vinte e um. Vou dormir, cara de concha. Esse pequeno De Marttino vai me obrigar a jogar bola o dia todo amanhã. ― Beijo seu rosto, ela se esquiva PERIGOSAS ACHERON
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um tanto incomodada. Não sou eu. É qualquer um. ― Se precisar me acorda. ― Conte com isso. Boa noite. Deixo o quarto, até sinto vontade de ficar mais um pouco com ela, mas é tarde. Foi um dia corrido e o amanhã promete. O quarto de hóspedes é confortável. Depois de um banho eu me atiro na cama. Sinto saudade do meu apartamento pequeno e aconchegante, com cara de lar e não casa mal-assombrada. ― Que droga, Filippo. Tinha que pensar nisso bem agora? ― Levanto e ligo a televisão. Encontro um canal de desenhos e volto a deitar. Nenhum fantasma sobrevive a canal infantil. Eles correm. Isso é certo. Meu pai me provou isso na infância.
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Capítulo 2
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Kiara Apago as luzes do quarto e deixo uma luz pequena acesa ao lado da cama, quem sabe Matteo acorde no meio da noite com medo de fantasmas, como o tio Filippo. Sorrio com a ideia de um homem feito com medo de fantasmas. Meu sorriso se desfaz quando penso que meus fantasmas são muito reais. Existem e me assombram dia e noite. Não importa se esteja nessa velha mansão ou na casa nova. Não importa se é dia ou noite. Eles me acompanham e nada pode afastá-los. A lembrança sempre me afeta, tanto que sinto um incomodo físico, uma angústia. Abro a gaveta da cômoda e pego o cantil, é sempre um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS bom jeito de esquecer, amortece na hora e tem sido assim e nem penso em ser diferente. Abro e quando levo a boca Matteo se mexe na cama. Paro o cantil de prata no meio do caminho. Tampo e devolvo na gaveta. Só mesmo esse pequeno para me fazer desistir de amortecer a dor. Guardo o cantil de volta na gaveta. ― Não queremos que vovó descubra o roubo. ― Deito ao lado do pequeno, que está espalhado na cama de casal que vamos dividir essa noite. Tem um muro de travesseiros para o caso de se mexer. Toco os cabelos castanhos. ― Você é mesmo a cópia do papai ― sussurro e ele nem mesmo se move, já que dorme profundamente. Foi um dia longo. Pena que não vai ter memórias desse dia que muda tanto sua vida. ― Não ter lembranças às vezes é bom. Eu e ajeito a seu lado. Fico olhando o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS rostinho bonito de traços delicados e infantis. Está seguro agora, Enzo e Bianca vão tentar. Não, vão conseguir. Eu sei que sim. Meu irmão não desistiu de tentar, não desistiu dela e não haver nada no mundo que os faça parar de tentar. Por isso ele está seguro. Está com os pais. Com quem o ama acima de todas as coisas e nenhum estranho vai invadir a vidinha dele e machucá-lo. Bianca vai proteger seu bebê. Enzo vai fazer o mesmo. Não vão desistir de ficar juntos. Os dias difíceis vão ser superados e ele vai ficar bem. ― Mas eu prometo ficar por perto, bebê. Não se preocupe. ― Beijo a testa do pequeno e seguro sua mão. De algum jeito estar perto dele me protege. Essa noite, mesmo sem um gole eu não vou ter medo. Não vou ter lembranças, pois esse pequeno inocente está aqui. Cuidando de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mim. O dia nem bem clareou e Matteo está me cutucando e resmungando. Demoro um minuto para colocar as ideias em ordem e me lembrar do que ele faz aqui. ― Oi, pequeno. Bom dia. ― Cadê a mamãe? ― Ela está chegando. Quer tomar café? ― Bolo, leite, pão. ― Isso. Nada de mamadeira. ― Mamadeira não, não. ― Ele balança a cabeça negando. Agora só toma uma mamadeira antes de dormir. ― Vamos buscar seu café e voltar para cama. Ainda é ontem. ― É ― ele concorda e me arrasto ainda com sono até a cozinha. A casa está mergulhada PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS no silêncio, depois de uma longa festa como a de ontem é natural. Preparo um copo de leito com achocolatado, dois biscoitos e uma fatia de pão fresco com geleia. Matteo no meu colo, atencioso e talvez faminto. Completo o desjejum com uma salada de frutas. ― Meu, tia? ― Seu. Vamos? ― Olho para a bandeja e para ele. Filippo é um péssimo ajudante. Está dormindo e eu aqui. Nem consigo levar o menino e a bandeja. ― Que acha de comer aqui mesmo? ― Ele me olha sem entender direito. ― Vem. Sento com ele no colo e espero que do jeitinho dele vá comendo e bebendo o leite. Demora meia hora mastigando e tomando golinhos de leite. ― Gostoso ― ele diz de boca cheia e tenho vontade de morder a bochecha. Anna PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS surge na cozinha e leva um susto quando nos vê. ― Desculpe, senhorita. Não sabia... quer que eu prepare seu café? ― Não, Anna. Obrigada. Eu não como pela manhã e já dei um jeito. ― Achei que ninguém acordaria tão cedo ― ela me conta um tanto tensa. ― Anna, está tudo bem. Ele já vai voltar para a cama e eu também, não é bebê? ― Desenho. ― Viu? ― Matteo continua a comer e Anna começa a preparar o café da manhã. Uns minutos depois o pequeno afasta o resto do bolo que tem nas mãos. Está com a boca suja, tem pedacinhos de bolo pelo pijama e as mãos estão grudentas. ― Melhor irmos dar um jeito nisso. Estamos indo, Anna. Bom dia. ― Bom dia, senhorita De Marttino. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Kiara, apenas Kiara. ― Não custa tentar. Ela me chama assim desde que eu era uma garotinha. Lembro de Anna gritar por mim pelos vinhedos, “senhorita Kiara”. Acho que isso era coisa do meu pai. Não acho que vovó se importe com isso. Vamos direto para o banheiro, onde lavo as mãos de Matteo. Depois é hora de escovar os dentinhos. Matteo adora isso. A pasta tem gosto de frutas e ele acha divertido criar espuma e tentar cuspir. ― Que nojo, hein pequeno? ― Lavo sua boca, o rosto melado enquanto sentado no balcão da pia ele se diverte brincando com a água. ― Nojo! ― A carinha de nojo que ele faz é tão bonitinha que procuro meu celular. ― De novo, bebê. Nojo. ― Ele repete e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fotografo. ― Mamãe vai amar essa carinha. Desenho? ― Sim. Volto com ele para cama. Matteo fica entretido com o programa e me deito ao seu lado. Ele é tão bonzinho. Uns minutos depois está dormindo e faço o mesmo. Adormeço segurando sua mão. Acordo antes dele. Aproveito que o pequeno está dormindo e vou para o banho. Tenho medo que acorde e saia da cama, esse negócio de bebê dá muito trabalho. É realmente coisa para se fazer em dupla. Uma coisa é ficar umas poucas horas com ele enquanto a mãe vai fazer qualquer coisa. Outra bem diferente é ser responsável pela vida dele, segurança, alimentação. Eu me enrolo na toalha de saio do PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS banheiro para me vestir no quarto. Assim fico de olho no pequeno. ― Ei, pequeno, sozinho aqui? ― Abro a porta do banheiro ao mesmo tempo que escuto a voz de Filippo. Ele se volta e ficamos frente a frente. Cruzo os braços no peito me sentindo nua apesar da toalha. Filippo me olha espantado. Como se estivesse diante de outra pessoa. Não é constrangimento, parece mais surpresa. As gotas do cabelo molhado escorrem por minhas costas causando um arrepio. Fico sem saber se volto para o banheiro ou finjo indiferença. Acabo em silêncio olhando para ele. ― Nossa! Quanto tempo. Eu tinha me esquecido ― ele diz sem desgrudar os olhos do meu rosto. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― O que esqueceu? ― pergunto a ele e nada parece capaz de me desgrudar do chão. ― Como é linda. O rosto... ― Ele mantém o ar de surpresa, ainda está me olhando e eu ainda estou paralisada. ― A maquiagem esconde um pouco. Tinha... tinha esquecido como seu rosto é suave, como você é bonita. Quer dizer, é bonita com a maquiagem. É bonita de todo jeito, não é isso, mas assim... agora, pareceu de novo você. A cara de concha. ― Eu... isso é coisa da sua cabeça. ― Meu coração bate tanto e sinto tanta raiva de ser ele, de ser assim. Odeio sentir isso por ele. ― Preciso me vestir. ― Devia andar assim. A toalha esconde mais do que as roupas. Você sabe. Coxas e decotes. ― Ele não parece muito normal. Ele não é muito normal, mas está tão atrapalhado PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quanto eu. ― Você me mandou sair do quarto? ― Insinuei. A menos que... ― Toco a ponta da toalha. ― Não. ― Ele se apressa e engulo o riso. ― Eu vou... deixou ele aqui sozinho. ― Dormindo. Aposto que você acordou ele entrando assim. Falando alto. Sua cara. Além de me largar sozinha com ele. ― Esqueço que estou apenas de toalha e que tivemos um momento no mínimo estranho e caminho pelo quarto. ― Você mora com fantasmas do Natal passado. O que queria? Eu que não ia ficar aqui. ― Quantos anos você tem, Filippo? ― O bastante para saber que não se brinca com fantasmas. Quer parar de ficar andando de toalha? Essa coisa vai cair e eu estou aqui e vou ver e... te espero lá fora. ― Ele ruma PERIGOSAS ACHERON
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para a porta. ― Filippo! ― eu o chamo. Ele se volta. ― Leva o Matteo. Ele está querendo você. O pequeno me estende os bracinhos de pé na cama, então volto até ele e o ergo nos braços. ― Não demora, estou com fome. ― O que eu tenho com isso? ― A pergunta é ignorada, ele deixa o quarto fechando a porta e faço careta. Capricho na sombra preta e no batom forte. Dane-se que são dez da manhã. Dane-se que estamos numa Vila. Dane-se o que Filippo pensa. O que o mundo pensa. Subo o zíper da bota. Gosto delas. Eu me sinto protegida, escondida, eu me sinto... nem sei, não quero pensar. Não quero sentir. Encaro a cômoda. O cantil está lá e vai continuar. Matteo precisa de mim por mais umas horas. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Quando deixo o quarto vejo Filippo sentado no chão do corredor. Encostado na parede de frente para minha porta com Matteo no colo. Cantando uma música dessas que cantamos no jardim de infância sobre a hora do lanche e eu tenho tanta raiva dele ser assim. Engraçado e gentil. ― Eu não tenho cara de concha e não sei o que faz sentado aí. ― Nem estava pensando na sua cara de concha, conchinha. ― Ele me olha um momento percebe minha irritação. ― Kiara. Vamos comer? ― Não como de manhã. ― Come sim. Vai comer. Estou cuidando de você. Meu amigo pediu. ― Eu quero que você e seu amigo vão para a ... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Olha o menino! ― Ele me impede de terminar a frase e faz bem. Eu ia mesmo dizer algo desagradável. A mesa do café ainda está posta, mas não tem ninguém. Vovó deve estar na sua sala íntima. Ela passa muito tempo lá e Vittorio correndo os vinhedos. Ao menos era assim com meu pai nas poucas vezes em que estive aqui na infância. Matteo pega um biscoito caseiro e se distrai. Filippo realmente se alimenta. Nunca vi tanto ânimo pela manhã. Ele toma café, come pão, queijo, frutas, iogurte. Tudo meio ao mesmo tempo e me dá até enjoo assistir. ― Toma pelo menos um copo de leite. ― Ignoro seu pedido. Fico sentada na janela aberta assistindo sua movimentação. ― Isso sim é um café da manhã. Parece hotel. Lá na casa dos meus pais era uma decepção, nada muito PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS elaborado, mamãe tenta, mas coitada, não tem talento, meu pai muito menos. Agora que moro sozinho é ainda pior. Um dia vai me sobrar tempo e vou fazer um curso de culinária. ― Bom plano já que gosta tanto de comer. ― Eu malho. Não se preocupe. Não vou ficar obeso. ― Não estou preocupada. Isso é problema seu. ― Ele ri. Sempre ri de mim, principalmente quando dou alguma resposta atravessada. ― Boxe. Devia se matricular comigo. Queima calorias e mau humor. Vamos? Até que gosto da ideia. Não respondo, fico irritada em dar razão a ele. Na realidade em dar razão a qualquer um. Tem dias que existir me irrita. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Tio, eu quero. ― Matteo aponta a xícara de café. Filippo e eu trocamos um olhar e ele ri quando, cuidadoso, leva a xícara a boca do pequeno que dá um gole e faz careta. Empurra a xícara e rimos. ― Amargo ― Filippo avisa. ― Tadinho, não resisti. ― Ruim ― Matteo reclama. ― Bola, tio. ― Estava demorando. ― Filippo dá um último gole no café e fica de pé. Depois me sorri. ― Você vem? ― Balanço a cabeça negando. Ele dá de ombros. ― Vou indo então, mas depois vai lá. Ele cansa. ― Não é o tio querido? O melhor amigo do papai Enzo? ― Vai ficar me jogando na cara? ― Ele me manda um beijo. Eu recebo, quase posso sentir e meu corpo reage. Reage a ele como não PERIGOSAS ACHERON
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reage a ninguém nunca. Nenhuma vez, não importa o quanto me entregue, o quanto eu tente. Nunca sinto droga nenhuma. Minha mente viaja para todas as vezes que tentei e nada aconteceu, nada além do leve asco, do tédio, da dor interna. ― Bom dia. ― A voz de Vittorio me desperta, então me dou conta que Filippo se foi e ainda estou sentada na janela olhando para lugar nenhum. Pisco voltando a realidade. ― Bom dia. ― Vittorio se senta para o café. Fico muda. Não temos nada em comum. Não somos próximos, não temos nenhuma relação. Somos irmãos e não conseguimos criar uma relação. Com Enzo é diferente. Somos amigos, ou perto disso. Ele e Vittorio começam a se entender, mas eu, eu não sei como agir. ― Já tomou café? ― ele pergunta se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS servindo de uma xícara. ― Já ― minto com preguiça de explicar que não sinto fome pela manhã. ― Cadê o menino? ― Matteo. O nome dele é Matteo. Não dizer o nome não torna ele mais distante. Ainda é seu sobrinho. ― Eu não estou me esquivando ― Vittorio avisa. ― Sua honestidade é tocante. Pena não vir acompanhada de autocrítica. ― Deve ser DNA. ― Ele sorri. Toma mais um gole de café preto. Se recosta na cadeira. A cabeceira da mesa, sempre sentado ali, onde um dia meu pai se sentou. A mesa vazia, ainda assim ele está na cabeceira e isso diz tanto sobre nós. ― Se quiser eu posso mandar o helicóptero trazer você de volta para ficar na PERIGOSAS ACHERON
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Vila enquanto o Enzo viaja. Vovó ficaria feliz em ter você mais tempo aqui. ― Tenho planos. Não será possível. ― Claro. Bom. Acho que já fiquei aqui tempo o bastante para iludir a vovó. Ela sempre me recrimina por não comer de manhã. ― Fico um pouco espantada por termos isso em comum. ― Assim como você. Eu me lembro. ― Vittorio afasta a cadeira e se coloca de pé. Sinto culpa por machucá-lo. Machucar pessoas e ser machucada por elas. Meu melhor talento. ― Eu posso vir um fim de semana desses. ― Ele me observa. ― Ficar com a vovó. Eu ligo e você manda o helicóptero. ― Ela vai gostar. Bom, tenho trabalho. Se decidir, é só ligar. ― Ele caminha para longe e me obrigo a descer da janela. Evito minha avó. Dou a volta pela cozinha para não passar pela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sala e ter que conversar e mais uma vez me desculpar por não querer ficar aqui. Filippo está deitado na grama. Matteo às gargalhadas sendo erguido e balançando as pernas. Os dois despreocupados e eu queria só um pouquinho disso. Só um pouquinho do riso leve e sem cobranças. Só um pouco do desinteresse dessa relação. ― Mais! Mais! ― pede quando Filippo o coloca deitado em seu peito e lá vai ele subindo às gargalhadas. Filippo senta Matteo em sua barriga. ― O que você acha de irmos andar por aí e achar aqueles cachorros grandões? ― Rosso. ― Matteo se lembra. ― E baby. Titio Vittorio é um tutor sensível. ― Filippo ri sozinho. ― Vamos chamar eles? Rosso. Baby. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Decido me aproximar. Chego quase ao mesmo tempo que os cachorros. Sento no chão e fico olhando enquanto Matteo recebe lambidas e ri de olhos fechados. ― Vão com calma! ― Filippo pede aos cachorros. Depois me sorri enquanto afago o cão amarelo de olhos chocolate. Ele tem um olhar doce e se deita ao meu lado. ― Gostou de você. ― Eu gostei dele. É gentil. O rabo do cachorro acerta Matteo que resmunga. ― Ele tenta ao menos. ― Filippo estica a mão e toca meus cabelos. ― Uma folha. ― Ele conta quando se afasta e por um minuto confundi com outra coisa. Tolice. Esse tipo de coisa não acontece comigo. Não sou o tipo de garota que os caras pensam em gastar gentilezas e delicadezas. ― Acha que ele vai ficar bem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS durante a viagem? Pensei em brincar bastante para ele ir dormindo. ― Bom plano. Falou com o Enzo? ― Ele nega. ― Nem eu. Queria avisar que o Matteo está bem, mas fiquei com medo de interromper alguma coisa. ― É, eu pensei o mesmo. Acho que agora já dá. Vamos tirar uma foto e mandar, assim eles têm certeza que tudo está bem e nem precisam responder. Filippo puxa o celular do bolso, ergue e enquadra todos nós. Parece foto publicitária. Eu, ele, Matteo e dois cachorros deitados na grama verde e bem cuidada sob um céu azul e um sol fraco. Quero fugir para longe. Dói. Estranhamente dói. ― Dá um sorriso, conchinha. Seu irmão vai achar que está brava de cuidar do seu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sobrinho. ― Faço careta. Ele clica e se diverte com o resultado. ― Apaga Filippo. ― Já mandei. Nem adianta. Meu celular, minha foto. Não vou apagar. ― Tento tomar o celular dele. Filippo se esquiva. Aponta de novo para mim. — Para, me dá isso. Não tira. ― Já tirei mais uma. Linda. Quer ver? ― Não. Quero que apague. ― Me deixa ter uma foto sua. Que chata. ― Chata. ― O papagaio fica repetindo tudo. Seu pai vai brigar com você. ― Matteo faz bico. ― Papai. ― Olha o que fez. Me obrigou a falar papai. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu obriguei? Você é ridículo. ― Olhamos os dois para Matteo esperando ele repetir. Ele ri. Acho que não consegue, ou gosta da pressa com que nos viramos para olhar para ele. ― Estou começando a achar que o Vittorio tinha razão e esse menino é bipolar. ― Filippo fica de pé. ― Vamos todos caminhar um pouco. Gastar energias. ― Matteo estica os braços pedindo colo. ― Que parte do gastar energias não entendeu, pequeno? Vai andando. ― Parte nenhuma. Ele tem dois anos. ― Dois anos de puro sedentarismo. ― Filippo pega a mão do pequeno. ― Sorriu, Kiara. Eu vi. Não adianta negar. ― Vamos caminhar? ― peço e ele me faz careta. Seguimos andando a passos de tartaruga, dez minutos de passo a passo pela grama. Daqui PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dois meses chegamos ao vinhedo. Em dois ou três anos talvez a gente consiga quem sabe chegar aos portões da Vila. ― Ok. Isso irrita um pouco. ― Concordo ― ele diz rápido. ― Sua vez de ter uma ideia. ― Minha? Você é o publicitário. ― Verdade, eu tinha me esquecido. Acha que está frio demais para a piscina? ― Acho. ― Já sei. Vamos deixá-lo com a vovó Pietra meia hora. Ela vai adorar. ― Bom plano. ― Aceito imediatamente. Ele pega Matteo no colo. ― Que acha de jogarmos uma partida de gamão? ― ele convida para minha surpresa. ― Gamão, Filippo? Você é o que, uma tia PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS velha? ― Ele faz um ar de desdém. ― Prefiro outros jogos. ― É espertinha? O que joga por aí? ― Strip poker. ― Muito engraçado ― ele reclama. ― Não estou brin... ― Eu não quero saber. Não quero pensar nisso. Você gosta de me irritar. Sabia que ninguém me irrita, nunca? Só você tem esse talento nato de me deixar bravo? Bem bravo? ― Desculpe ofender sua moral. ― Eu também me irrito. Só que me irritar não é privilégio dele provocar isso. Infelizmente. ― Convida a vovó. Quem sabe não prefere jogar bridge? Convida umas idosas da região, a vovó tem uma mesa no clube da cidade. E podem tomar xerez. ― Você lê romances. ― Ele dispara PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS risonho. ― Admita. Isso aí que falou. Tudo, bridge, xerez e idosas elegantes, isso é coisa de clichê de romance. Eu sei. ― Não leio coisa nenhuma. ― Não mais. Já li, amava, sonhava com os mocinhos dos romances, sonhava com o dia que o meu apareceria para fazer meu coração disparar e eu seria feliz para sempre nos braços do cara perfeito, mas ele não existe. Nem eu posso ser a garota delicada da capa. ― Você que deve ler. Sabe tanto. ― Minha mãe adora. Até fiz um trabalho sobre isso na faculdade. É sim uma leitora secreta de romances. ― Ai, cala a boca, Filippo. ― Ele gargalha. Não disse que o deixo bravo, por que afinal já está rindo? Por que diabos fica me provocando essa vontade idiota de acompanhar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sua risada mesmo sem saber qual a droga da piada? ― Fez igual seu irmão. Enzo sempre termina uma discussão assim. ― Dá uma raiva quando ele faz isso, não é? Não sabe argumentar. ― Demais. Eu sempre reclamo. Enzo corre toda vez com esse cala a boca. ― Diz e sai andando. Quero morrer com isso — comento e ele balança a cabeça concordando. Chegamos a parte interna da casa e seguimos lado a lado até a sala íntima da vovó, que fica ao lado do escritório de Vittorio. Tem até uma porta que liga as duas salas, mas que está sempre fechada. ― Oi, vovó. ― Já estava aqui pensando quando vinham ficar um pouco comigo. Sentem. Alguém quer uma xícara de chá? Vem com a PERIGOSAS ACHERON
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vovó, bebê. Matteo vai para seus braços e eu e Filippo nos sentamos, ele no sofá de dois lugares, eu na mesinha de centro. Enquanto ele se distrai com o celular respondendo mensagens e vovó brinca com o netinho eu fico perdida em pensamentos. A verdade é que quando fico perto dele as coisas acabam ficando aos poucos mais leves e não sinto tanta raiva, tanto medo. Se eu sou a única a irritá-lo, ele é o único a me acalmar.
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Capítulo 3
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Filippo ― Cuidado na estrada, Filippo ― Vittorio pede quando apertamos as mãos na partida. Kiara carrega Matteo no colo. ― Se tiver qualquer problema telefona. ― Pode deixar. Vamos ficar bem. ― Beijo o rosto de vovó Pietra, ela é carinhosa e me dá um longo abraço. Depois pega Matteo no colo e aproveito para fotografar. ― Isso vovó, está bem bonitona, vou mandar para o Enzo. Agora entrega ele para o Vittorio. ― Ele me olha quase ofendido. É a coisa mais divertida do mundo provocar o irmão mais velho. ― Pega ele, Vittorio. ― Vocês não têm que ir? ― Vittorio me lembra se esquivando. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Temos. Logo depois das fotos. É para o álbum do casamento. Vai, o menino não é contagioso. ― Vittorio pega o sobrinho. Parece prestes a me agredir. Enzo vai rir muito da expressão do irmão. Fotografo. ― Agora todos juntos. Vai Kiara e vovó. Se juntem para o último registro do fim de semana do casamento. Vovó se gruda ao neto, risonha, já Kiara poderia me cortar as mãos. É hilário assistir o desconforto de Kiara e Vittorio lado a lado na foto família. ― Que família animada. ― Anda com isso, Filippo. Não sabia que você era o cara chato das fotos ― Kiara reclama. ― Em todo grupo tem um idiota que quer registrar tudo. Nunca pensei que seria você. ― Isso. Animados, como quando se tira foto antes de ser preso. Só falta a plaquinha com números. Que orgulho. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Você tem dois segundos, Filippo. ― A voz de Vittorio surge como um trovão e fico pensando que ele furioso deve dar medo. Bato a foto e guardo o celular. ― Prontinho. Momento De Marttino registrado com sucesso. Hora de partir. Nosso plano de gastar as energias do pequeno dá certo e dez minutos de estrada e ele está dormindo. ― Ele vai dormir todo o percurso, depois quando estiverem no avião para os Estados Unidos vai ficar acordado ― Kiara constata. ― O que não será mais problema nosso, já que não vamos estar no mesmo avião. ― Olhando por esse lado. Você tem razão. ― Ela se ajeita no banco e encara a estrada. Então me lembro de vê-la saindo do banho. Linda. A garota mais bonita que já vi. Eu PERIGOSAS ACHERON
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nem sei descrever direito o que foi aquele momento, mas fiquei em um encantamento abobalhado que nunca tinha experimentado. Agora a todo instante o rosto dela me vem à mente. Isso não é nada bom, nada bom. Kiara é a irmã do meu melhor amigo, está em um momento complicado e eu sai de uma história que levou a vida toda. Não vou entrar assim em outra relação. Ainda mais com a garota mais especial que existe. Relação? Eu pensei mesmo nisso? Relação tipo beijo na boca e o resto todo? Onde essa minha mente maligna está me levando? Relação? Que ideia estúpida? Olho para ela. De olhos fechados enquanto aprecia a música baixa. Toda linda nessa maquiagem de Malévola. ― Vai ficar dormindo e me deixar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sozinho a viagem toda? ― Era o plano original, mas não acho que vá me deixar em paz. ― Acertou. Eu não vou servir de motorista particular. Parceria, Kiara. Se ficar acordada não te chamo de conchinha até Florença. ― Nossa! Que favor. Fico emocionada. ― Eu sou um cara legal na maior parte do tempo. Menos quando me irrita. Aí, eu não sou muito legal. ― Avisou o Enzo que deixamos a Vila? ― Avisei antes de entrar no carro. Ele vai nos esperar no saguão do hotel. ― Ótimo. O Matteo está cheio de saudade. Nunca tinha ficado tanto tempo sem a Bianca. Não sei como ela aguentou. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Bianca é mesmo apegada a ele. ― Completamente. Como todas as mães devem ser. ― Pensa na razão da sua mãe ter deixado o Vittorio? ― Penso. ― Kiara suspira e me olha um momento. Coça o nariz e cruza as pernas. Ajeita o cinto. ― Penso que talvez o Vittorio fosse mais apegado ao meu pai, ou minha avó, ou a Vila. Quem sabe ele quis ficar? ― É, pode ser. Já perguntou isso a ele? ― Não. Nem pretendo. Acho que não temos intimidade para nada disso. ― Ele gosta muito de você. Seu irmão se preocupa e está sempre atento a tudo que você faz. Prestei atenção nisso desde a festa. ― Anotando tudo no caderninho das críticas. Junto com o resto da humanidade. É PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS claro. ― Não pode ter certeza disso. ― Ela suspira. Acha enfadonho o assunto e eu não tenho mesmo nada a ver com a relação deles. Se tivesse irmãos seria grudado neles, mas não tenho. Então eu só posso aceitar que cada família é de um jeito. ― E o fantasma da infância do seu irmão. A garotinha. Novidades sobre isso? ― Eu realmente não faço ideia. ― Ela é sempre a margem da família. O que machucou tanto Kiara? O que a fez mergulhar nessa escuridão que não a deixa vir a luz? ― Amanhã eu vou ter uma reunião no fim da tarde com uma marca de maquiagem que quer um novo conceito. O que acha sobre tudo isso? ― Eu? ― Ela fica surpresa enquanto me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS concentro na estrada. ― Sim. Me diz o que pensa sobre isso. Assim eu junto argumentos para a reunião. ― É sobre beleza, mas também sobre... proteção. Sobre como você se enxerga. Como você se esconde. É quem você é. Quem você quer ser. Como o mundo te vê e como você quer ser vista pelo mundo. Ajudou? ― Muito. Dá o que pensar. ― Como faz isso? Como você coordena uma campanha sobre algo feminino? Não maquiagem. Isso não é mais apenas sobre mulheres, mas eu não sei. Quando tem que fazer algo sobre o mundo das mulheres. Como faz? ― Temos um grupo bom. Temos mulheres criativas na equipe. Eu não tenho pretensão de saber profundamente sobre isso. Porque eu sei que vou acabar caindo em algum PERIGOSAS ACHERON
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clichê, então eu e o seu irmão combinamos de quando isso acontece ouvimos as mulheres da equipe, mas a gente aprende um pouco na faculdade a se projetar nas situações. Ler o mercado, acompanhar as tendências. Estar ligado nas mudanças. ― Seu trabalho é bem legal. ― Quer tentar? ― Olho um momento para ela que nega. ― Pode ir um dia desses para a agência. Observar, quem sabe se interessa? ― Não. Eu sou muito... ― Fechada. ― É um jeito de me descrever. Não seria boa. ― Você se dá bem com o Matteo. Leva jeito com criança. ― Talvez. Acho que não conseguiria pensar em cuidar delas. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Pode escrever romances. ― Ridículo! ― Ela se volta para a frente e me faz rir. ― Desculpa. Não resisti. Me diz. O que te faz feliz? ― Filippo, eu posso ser uma herdeira inútil se eu quiser. Ninguém tem nada com isso. ― É um plano. ― Não vai me criticar? ― Dou de ombros. Não combina comigo, mas o que eu tenho com isso? As pessoas fazem o que é melhor para elas. ― Dizer que tenho que produzir, que viver assim é não viver. Que eu vou ficar velha, solitária e não vou deixar nenhuma marca no mundo, que não estou construindo nada. ― Não, mas se pensa assim devia começar a se mexer. ― Ela me observa. ― Esse PERIGOSAS ACHERON
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discurso é mais sobre o que você parece estar pensando. Então... ― Fez publicidade. Não psicologia. ― Você tem toda razão, embora em publicidade a gente precise olhar um pouco para como as pessoas pensam. O assunto muda para música, nesse sentido nossos gostos se parecem, então comida. Kiara é uma ótima cozinheira e entende do assunto. Depois discutimos sobre política. Não aguento que diz que tanto faz, que não gosta e não discute política. Como isso é possível? Tudo é política, não se pode fingir que não está envolvido. Então nos aproximamos de Florença. Matteo desperta e o resto do caminho fazemos dando atenção a ele. Enzo e Bianca estão a nossa espera no PERIGOSAS ACHERON
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saguão do hotel. É bonito ver os olhos do casal brilhando. Meu amigo merece. Tanta dor e tristeza e agora ver que ele não cabe em si de alegria me deixa feliz. Também é bom ver os bracinhos do garotinho se debatendo e o sorriso devastador que ele lança para os pais. Os dois enchem o garotinho de beijos e abraços enquanto eu e Kiara observamos calados. Leva uns minutos até as coisas se acalmarem e recebermos abraços também. ― Felizes? Como foi a noite de núpcias? ― O casal troca um olhar. ― Espera mesmo que eu responda? ― Enzo me pergunta. ― Tudo perfeito. ― Ele sorri para Kiara. ― Ele se comportou? ― Me irritou o fim de semana todo! ― ela resmunga me lançando uma cara feia que a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS deixa mais bonita. ― Perguntei do Matteo. ― Ah! Não, ele foi muito bonzinho. ― Ela quase sorri, mas usa sua força interior para guardar o ar feliz. Dá vontade de fazer cócegas nela até ter um ataque de riso e implorar para que pare. ― Vamos jantar? ― Bianca convida. ― Aqui no restaurante do hotel mesmo, depois vocês nos deixam no aeroporto. O Matteo não pode comer aquela comida de avião. ― Ninguém deveria. ― Enzo continua. ― Vamos. Aí me contam do fim de semana. Amei aquelas fotos. Sem escolha Kiara se põe a caminhar conosco. Não parece contente e queria que ela fosse feliz. Ela pode ser, basta exorcizar essa coisa que a machuca. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Matteo não sabe se fica com a mãe ou com o pai, mas tem certeza sobre não ficar comigo ou Kiara. Acho que está com medo de ser deixado de novo. Assim que pedimos Kiara deixa a mesa com a desculpa de ir ao banheiro. Leva meia hora para retornar. Quando se junta a nós não parece mais a mesma. A voz parece começar a ficar mole. Os olhos parecem mais perdidos. Ela pede um drinque e ninguém diz nada. Depois de uma hora comendo e conversando enquanto ela fica aérea e distante deixamos a mesa e seguimos para o aeroporto. Kiara vai ao meu lado. O casal com Matteo no banco de trás. Levam apenas duas malas. Atravessamos o saguão do aeroporto. Kiara fica de novo distante. Olhando pela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vidraça os aviões levantarem voo. Nós nos despedimos mais uma vez. ― Fica de olho nela? ― Enzo me pede mais uma vez. ― Kiara... ― Eu sei. Pode deixar. ― Pede socorro ao Vittorio se achar que precisa. Eu estou descobrindo um Vittorio bem diferente do que acreditava. Seja o que for, ele ajuda. ― Entendi. ― Obrigado pela foto. Não sei se outra pessoa conseguiria uma foto como aquela. ― Nós dois rimos. Trocamos um abraço. Enzo beija o rosto de Kiara que se esquiva um pouco. Já Matteo ganha abraço e carinho. Ela se dobra para ele sem medo nenhum. Acho bonito. Assistimos o embarque em silêncio. Olho para ela e suspiro, um mês sozinha naquela PERIGOSAS ACHERON
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mansão. Essa gente não tem nada na cabeça se acha que ela vai passar por isso sem fazer uma grande idiotice. Pelo andar meio torto e displicente eu sinto que andou bebendo. Ela até que foi bem. Se comportou enquanto esteve com Matteo, mas foi se livrar da responsabilidade para mergulhar no próprio mundo. Dirijo com ela olhando pela janela. O vento nos cabelos e o olhar distante. São quase nove da noite. Não quero deixar a garota em casa sozinha assim. ― Quer passar a noite lá em casa? ― Kiara sorri e me olha de um jeito diferente e deve ser por que bebeu. ― Por que não? ― ela responde antes de pegar o cantil de prata na mochila e tomar um gole. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Sabia. ― Ela vira o cantil. Chacoalha. ― Acabou! ― Ri e devolve na mochila. ― Vamos aumentar a música! ― Ela mexe no som do carro. Se anima e coloca a cabeça para fora sentindo o vento. ― Está bem doida! ― Ela me lança uma careta. Volta a colocar a cabeça para fora e canta alto chamando atenção das pessoas. Viro na minha rua. Abaixo o som. Não posso chegar com essa música e incomodar meus vizinhos. ― Que chato! ― ela reclama. ― Tem um drinque lá? No apartamento do Filippo. O cara igual a todos os outros. ― O que deu em você? ― Nada! É só Terminando como todas!
mais
uma
noite.
Estaciono. Ainda bem que tive a ideia de convidá-la Kiara não pode ficar sozinha assim. PERIGOSAS ACHERON
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Enzo podia ficar em lua de mel no quarto dele. Subimos os dois lances de escada com ela rindo e se apoiando em mim. Não é o riso dela. Não é a Kiara feliz. Abro a porta e ela entra na minha frente, para no meio da sala pequena. Não tenho muitos móveis ainda, nem está decorado. É só um pequeno apartamento de dois quartos e uma varanda incrível com vista da cidade que eu amo. Dou dois passos para dentro, empurro a porta e Kiara se aproxima, não entendo bem seu comportamento até ela me envolver o pescoço com olhar débil. Está meio mole, acabo envolvendo sua cintura. Ela parece prestes a cair. ― Kiara... ― Hm! Músculos ― ela diz descendo as PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mãos espalmadas por meu peito. Fico atônito, sem saber como agir. Ela passa a língua nos lábios umedecendo e fazendo meu coração saltar. Meu sangue esquenta. As mãos lentas e delicadas chegam a fivela do meu cinto e eu desperto. ― Não, Kiara. ― Seguro seus dois pulsos. Uso o máximo de delicadeza que consigo para afastá-la. ― Eu não quero isso. Se tivesse dado um soco nela, talvez a tivesse magoado menos. Sinto seu olhar, sinto sua angústia. Sua confusão. Sua completa incompreensão. ― Não? Me convidou para vir ao seu apartamento. ― Convidei, mas não... ― Por que me convidou? Não é isso que queria? Como todos. Não é sempre assim? ― PERIGOSAS ACHERON
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Ela está com raiva. Está mesmo brava e eu sem saber o que fazer. ― Nem todos os caras são assim e não pode aceitar e ir na casa de alguém apenas... precisa ter uma história. Você não é... ― Uma vadia? ― Ela anda uns passos para longe. Uma lágrima escorre e borra a maquiagem. Parece tão frágil. ― Sou sim. Sou isso e só. Só isso. Dane-se! Dane-se Filippo! ― Ela soluça. ― Eu não ia dizer isso. ― Tento fazê-la me ouvir, por isso me aproximo e ela anda mais para longe. ― Ia dizer objeto. Ia dizer... ― Você não sabe nada sobre mim. Nada. Kiara corre para a porta, pega a mochila no chão e sai batendo com força e fico ali, tentando entender o que acaba de acontecer. Essa mulher é um carrossel de emoções. Ela me PERIGOSAS ACHERON
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deixa feliz, bravo, triste e com medo e faz isso em minutos e eu não consigo acompanhar todas essas emoções por mais que me sinta vivo. Passo a mão pelo cabelo. Ela me queria? A mim ou qualquer um? Era sobre mim ou sobre a bebedeira? E como eu pude quase me render ao desejo? É a Kiara. Ela não merece ser tratada assim. O que está acontecendo comigo? Eu quero ver a irmã do meu melhor amigo, mas não consigo, não sei se foi ela saindo do banho sem maquiagem, se foi o jeito como olha para Matteo e parece tão delicada. Talvez esse tempo juntos ou minha recente liberdade. Seja lá o que for eu não consigo mais pensar na irmã do meu amigo e sim na garota que ela é. Foi, não sei ainda. Só sinto que tem uma coisa que me empurra para ela. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Onde diabos você está se enfiando, Filippo? — penso enquanto caminho para me sentar. Meio atordoado pelo que acabada de acontecer e então me dou conta que é noite, ela bebeu e está sozinha. Pego a chave do carro e desço correndo. Achei que essa coisa de caçar De Marttinos no meio da noite tinha acabado. Olho para os dois lados da rua. Onde será que ela foi? ― Garota maluca! ― Podia ser uma maluca pobre ao menos estaria no ponto do ônibus e seria muito mais fácil achá-la, mas não. É uma maluca rica, deve ter entrado em um táxi e pode estar em qualquer lugar. Não foi para casa. Tenho certeza. Entro no carro. Tento o telefone. Toca, mas ela não atende. Teimosa. Maluca. Irritante. ― Vamos dirigir pela cidade e entrar nos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS bares. Onde garotas malucas costumam ir quando algum cara tem uma atitude ridícula como a minha? Como fui deixar que ela saísse daquele jeito? Por que estou falando sozinho? Não paro de tentar o telefone enquanto dirijo. Enzo está em um avião agora e morro, mas não ligo para o Vittorio. Como vou explicar uma coisa dessas? Entro em duas boates, mas é noite de domingo. Estão quase vazias e cheias de patricinhas e definitivamente não combinam com aquela maluca. Uma hora dirigindo e telefonando. Uma hora sendo ignorado. Se ela pensa que vou desistir está muito enganada. Busco na memória as vezes em que acompanhei Enzo na caçada aos irmãos. Normalmente era o Giovanne, mas eles tinham amigos em comum. Estavam sempre frequentando lugares juntos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Depois ele ficou mais solitário. Com as drogas a vida dele se afundou e Kiara já não cabia mais na sua vida. Então lembro de um bar, com mesa de bilhar e caras babacas. Bebida forte e música ruim. Foi ela quem indicou. Disse que eles iam juntos lá, que tinham amigos e encontramos mesmo o Giovanne. Acho que consigo chegar. Se o lugar ainda existir ela pode estar lá ou alguém pode saber onde encontrá-la. A rua não é das mais bem frequentada. Sinto raiva só de pensar que ela pode estar lá dentro com algum babaca. Raiva só de pensar que ela pode ter vindo sozinha aqui. Essa garota me deixa bem sem direção. Tem motos e carros parados em frente. Escuto a música e o riso. Vozes que se sobrepõe e suspiro quando caminho para dentro. O lugar é PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS meio escuro, cheio de fumaça. Estico o pescoço procurando entre as pessoas pela garota mais doida e irritante que conheço. Tento me convencer que isso é pelo meu amigo Enzo, que está em lua de mel e me pediu para ficar de olho nela, mas no fundo isso é por mim. Eu a vejo no balcão. Levando um copo a boca e virando sem medo das consequências. Um cara se aproxima dela, diz algo em seu ouvido. Ela o empurra e ele insiste um pouco. Diz mais alguma coisa e ela sorri. Idiota. Eu, ela e esse infeliz. Três idiotas. Piso duro até eles. Desviando de todo tipo de gente. Tentando controlar a vontade de arrastá-la para casa feito um homem das cavernas. ― Achou mesmo que podia fugir de mim? ― Ela me olha surpresa. Isso depois de forçar a visão e me reconhecer. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não tenta me atravessar cara. Cheguei primeiro. Diz para ele, Kiara. ― Cala a boca e sai de perto dela. ― O cara se irrita, mas eu ignoro. Pego a mão dela. ― Você vem comigo. ― Não manda em mim. Me deixa. Quer beber com a gente? ― Ela ri se soltando de mim. O idiota ri com ela. ― Viu? Estamos nos entendendo. Ela fica. ― Ele puxa Kiara pelo braço, ela está tão tonta que quase cai por cima dele. O idiota ri envolvendo sua cintura. Ela fica pálida. Leva a mão ao rosto. ― Saí fora palhaço. A gente se conhece. Diz para ele. Para meu completo e absoluto prazer Kiara vomita no imbecil. Um jato certeiro no peito que o faz se afastar horrorizado e chama atenção de todos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ela está mole. Vomita de novo, dessa vez no chão do bar. Eu corro para apoiá-la. Envolvo sua cintura e ela segura em mim. ― Vai ficar tudo bem, conchinha. Vou levar você para casa. ― Olho para o imbecil que está uns metros distantes imóvel e com cara de nojo. Sem acreditar no que acaba de acontecer. ― Nunca mais chega perto dela. Carrego Kiara no colo para fora do bar. Ela meio fora de si. Quase desmaiada. Colocá-la no carro não é tão fácil. Dou a volta. Ela precisa dormir. Melhor ir para a mansão. Onde tem suas roupas e sua cama. Se sentir em casa quando acordar é o melhor a fazer. Procuro o controle do portão em sua mochila quando chegamos. Eles acham mesmo que ela pode ficar sozinha nessa mansão sem ficar louca? É a Kiara. Ela é frágil. Está com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS medo e perdida. Vou colocar juízo na cabeça desses De Marttino ou não me chamo Filippo Sansone. ― Chegamos, cara de concha. Logo vai se sentir melhor. ― Os portões se abrem e entro. As luzes da mansão estão apagadas. Para que tanto espaço? Dou a volta no carro, abro a porta, ela está de olhos fechados, os cabelos no rosto. Afasto os cabelos. ― Acorda, Kiara. Olha para mim. Está bem? Prefere ir ao hospital? ― Não. Eu quero dormir. Quero dormir para sempre. ― Nem pensar bela adormecida. Para sempre é muito tempo, mas pode dormir até amanhã. Vem. Eu te ajudo.
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Capítulo 4
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Kiara Eu tentei abrir a calça dele. Essa é a primeira coisa que vem a minha mente quando acordo. Nem consigo abrir os olhos de tanta vergonha. Quero morrer só de pensar em tudo que eu fiz. Perdi todo o controle. Não sei o que me deu. Quando chegamos ao hotel e eu me dei conta que o Enzo ia ficar um mês fora. Que eu estava sozinha. Que ele tem agora uma família, que eu ando para trás. Aquilo foi me assustando. O fim de semana perto do Filippo me fez tão bem e isso também estava acabando. Tomei o cantil todo de vodca em cinco minutos no banheiro do restaurante do hotel. A bebida me pegou de jeito e os drinks durante o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS jantar ajudaram a terminar de me afundar. Ainda consegui mais vodca no bar enquanto eles se distraiam arrumando malas. Eu me encolho na cama cobrindo a cabeça como se isso pudesse apagar as lembranças. Ele me convidou para a casa dele e só pensei que ele queria transar. Quando um cara me convidou para qualquer outra coisa? Nem sei o que me magoou mais. O convite dele ou depois a recusa. Eu me senti um lixo quando ele convidou e achei que ele estava se comportando como todo homem, mas foi ainda pior quando descobri que não e ele me recusou. Cubro o rosto com as mãos, como se a coberta não fosse o bastante para me esconder. Tentei abrir as calças dele, queria ser a vadia que todo mundo pensa que sou e dormir com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ele, depois disso o tirar de dentro da minha alma, pela manhã como sempre faço. Apagar esse sentimento que tenho por ele e está me machucando junto com todo o resto. Saí correndo feito uma menina boba. Uma dessas meninas que lê romances como ele gosta de me provocar. Nem sei como cheguei naquele bar, nem sei quanto mais eu bebi. Lembro apenas que vomitei no Ítalo. Acho que ele bem que mereceu, estava sendo um babaca. Espere. Ele sempre é. Estava sendo apenas ele e eu sei quem ele é. Não seria a primeira vez que acabaria bêbada na cama dele. Como se não bastasse a vergonha no apartamento ainda tinha que me resgatar daquela cena deprimente, tinha que ser ele a me encontrar nem sei como, trazer para casa, ajudar a chegar no quarto. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Pelo menos eu consegui tomar banho sozinha e deitar. Se ele tivesse me ajudado até nisso eu estaria cortando os pulsos agora. De novo a imagem dos olhos dele quando eu tentava abrir sua calça me vem à mente. Ele deve sentir vergonha de mim. Meu irmão vai me odiar quando souber. Filippo é melhor amigo e sócio e eu me atiro em seus braços como se um cara incrível como ele fosse se render a uma vadia estúpida. Alguém que namorou a bela Paola Rugani. Linda, rica e elegante. Gemo com raiva de mim, a vergonha me corroendo. Como se eu não tivesse monstros o bastante dentro de mim para arrumar mais um. Escuto a porta do quarto abrir e não acredito que ele ainda está aqui. Quero ficar sozinha. Quero nunca mais ter que olhar para ele. Eu tentei agarrar o cara e ele está aqui? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Bom dia. ― A voz alegre dele chega a mim e me encolho. ― Não adianta cobrir a cabeça. Estou aqui e só saio quando tiver certeza que está bem. ― Estou bem ― aviso para ver se ele me esquece. ― Senta. Tem suco de laranja e um analgésico. Vai se sentir melhor. Vai, Kiara. Para de drama. ― Eu afasto as cobertas. A luz do dia me dói a cabeça. Tento arrumar os cabelos e olhar para ele. Filippo está lindo. Usa roupas do meu irmão, os cabelos estão úmidos. Ele tem sempre a aparência saudável. É tão bonito e solar. ― Obrigada, Filippo. ― Pego o copo de suco. Coloco o comprimido na boca e tomo alguns goles da bebida azeda e gelada. Isso é mesmo muito bom. ― Desculpe por ontem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Você sempre sabe a coisa errada a ser feita e acredite, quando vomitou no imbecil foi a melhor coisa errada que alguém podia ter feito. Ou seja. Foi perfeito. Cubro o rosto. Eu quero ficar sozinha. Quero nunca mais sair dessa cama. ― Nunca mais entro naquele lugar. ― Vê? A coisa só melhora. Isso sim é boa notícia. Agora só precisa vomitar em mais uns quarenta e cinco bares da cidade e fico realmente despreocupado. ― O Ítalo... ― Não. ― Ele me corta. ― Imbecil, prefiro chamá-lo assim, cai melhor. Pode ser idiota também, mas me apeguei ao imbecil. Vamos chamá-lo assim. ― Desculpe. Por favor, sinto por tudo. O Enzo vai ficar tão bravo comigo. Fiz tanta PERIGOSAS ACHERON
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bobagem ontem. ― Senso crítico. Que gracinha. ― Como ele consegue tornar as coisas tão leves? ― Não se preocupe. Não vou contar a ele. O Enzo me pediu para ficar de olho em você e te perdi na primeira noite. Vamos guardar segredo do desastre. ― Obrigada. ― Pela primeira vez tomo coragem de olhar em seus olhos e eles têm tanta paz que tenho vontade de me agarrar a ele. A segurança que sinto com Filippo por perto. ― Eu tenho que ir trabalhar. Estou muito atrasado. Se cuida e não faz tolices. Me liga se precisar. Balanço a cabeça concordando. Ele caminha para a porta e me olha mais uma vez antes de sair. Fecha a porta atrás de si e me sinto ainda pior. Queria que ele tivesse gritado PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS comigo. Preciso de um tempo longe, porque ficando aqui eu o obrigo a ficar por perto. Meu irmão não tinha nada que jogar nas costas dele a obrigação de cuidar de mim. Agora em nome dessa amizade ele fica preocupado comigo e me caçando por aí e cuidando de mim. Lembro do convite do Vittorio, acho que se ficar na Vila por um tempo o Filippo vai seguir seu caminho, despreocupado. Pelo menos três ou quatro dias. Só o tempo de ele esquecer essa coisa de cuidar de mim. Só o tempo de eu esquecer essa noite vergonhosa. Pego meu telefone. Sempre que pego esse aparelho eu me lembro do meu irmão. Entreguei ele a Giovanne, para que vendesse e juntasse algum dinheiro para pagar a maldita dívida. Ele não vendeu. Talvez a caneta do Enzo tenha sido PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS o bastante, talvez ele não tenha conseguido vender a tempo. Não importa. O que importa é que foi desse telefone que descobrimos seu estado. Esse aparelho esteve em suas mãos enquanto ele morria sozinho em um velho galpão abandonado. ― Alô. ― Vittorio. Você disse que mandava o helicóptero. ― Minha voz sai meio embargada. Ele fica mudo um minuto e eu espero. Com medo dele dizer que não. ― Está a caminho ― ele responde. Sinto um alívio misturado a tristeza. Queria ficar perto do Filippo e ao mesmo tempo longe. Tudo tão confuso dentro de mim. Confuso a tanto tempo. ― Obrigada. Visto uma roupa e prendo os cabelos. PERIGOSAS ACHERON
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Arrumo a bolsa e faço uma mochila com umas peças de roupas. A casa está fechada e arrumada como quando partimos. Mesmo a cozinha e o quarto de hóspedes. Filippo ajeitou tudo e isso só me deixa mais triste. Sento na sala, abraçada a mochila, enquanto espero o helicóptero. Leva uns vinte minutos de lá aqui, acho que ele deve vir ainda pela manhã. O Vittorio vai mandar o piloto vir quando der. Fico olhando para essa casa enorme que não tem nada a ver comigo, mas os cômodos vazios que estão cheios de fantasmas muito mais reais do que os que assombram a mente doce do Filippo. Estuco o som da máquina sobrevoando a mansão e corro para o jardim. Só quero sair logo daqui. O helicóptero desce no jardim. Sobre a placa grande que eu uso às vezes para jogar bola PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS com o Matteo por é uma superfície lisa e ele acha que está ali para ele brincar. A hélice não para de girar quando a porta se abre e Vittorio salta. Ele veio e eu não esperava por isso. Que meu irmão fosse deixar seus afazeres para vir pessoalmente me buscar. Vittorio me olha com atenção enquanto me aproximo. Paro diante dele, mas meu irmão não diz nada, só indica a porta e me acomodo no helicóptero, ele ao meu lado e então levantamos voo. ― Vovó está ansiosa. Mandou preparar o almoço com capricho. Precisa mesmo prestar mais atenção na sua alimentação. Olho para ele um momento. Fico procurando o olhar crítico, só tem um ar preocupado. Ele não quer saber por que estou indo, só veio me buscar e acho que não faz uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS hora que telefonei. Abraço a mochila. Sinto vontade de chorar, mas não quero fazer isso na frente dele, então travo os lábios e encaro a vista em silêncio. Vittorio não diz uma palavra. Fica imóvel e calado, sinto seus olhos sobre mim, mas ele não insiste, nem mesmo pergunta por que estou indo. Só me buscou. ― Vou ficar dois dias. ― Não quero ninguém achando que vou morar na Vila só porque pedi socorro. ― Fique o tempo que quiser. ― Quero outro quarto. Um que não pareça um mausoléu. ― Vamos providenciar. ― Seco uma lágrima. ― Quero só dormir um pouco e respirar ar puro. Só por isso que estou indo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Como se sentir melhor. Quando decidir voltar o helicóptero traz você. É para isso que ele foi comprado. Ele não pode ficar sendo assim paciente e gentil, ele não pode fugir de uma briga. Não é justo. Aperto a mochila no peito, fecho os olhos e fico muda até descermos. Vovó me espera na porta, abre os braços quando me vê e eu a abraço sem muita alternativa. Logo me livro do abraço. ― Que bom que veio ficar conosco. ― Obrigada, vovó. ― Abraço a mochila mais uma vez. Anna surge ao lado da minha avó. ― Anna, prepare o quarto de hóspedes para a Kiara. Ela vai ficar lá até reformarmos o quarto dela ― Vittorio avisa e a mulher balança a cabeça se afastando. Vovó segura meu rosto com as mãos. Só queria ficar quieta longo PERIGOSAS ACHERON
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momento. ― Demoramos demais para fazer isso, merece um espaço que se pareça mais com você. Amanhã vamos a cidade fazer umas compras. ― Vovó me beija a testa. ― Vamos almoçar? Aposto que está em jejum. Mandei adiantar um pouco o almoço. ― Tomei um suco mais cedo. ― Que o Filippo preparou para curar a ressaca da idiota que deu um dos maiores vexames do ano. Nem posso dizer da vida. Já estive no fundo do poço e sei que é bem mais embaixo. Ela segue me abraçando até a sala de jantar onde a mesa está posta com elegância. Sento no lugar de sempre, com Vittorio na cabeceira da mesa e vovó do seu lado direito. ― Vittorio saiu correndo e eu fiquei achando que tinha acontecido alguma coisa. Está PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tudo bem? ― Sim. Não pretendia causar problemas. ― Não causa ― Vittorio responde frio enquanto se serve. Depois ele parece mergulhar no seu mundo silencioso e vovó puxa uma conversa sobre decoração e fico tentando atender seus desejos de escolher móveis e cortinas. Quando consigo me livrar do almoço vou para o quarto de hóspedes, o mesmo que Filippo ficou no final do casamento de Enzo. Tantos quartos e tinha que ser justo o que ele sempre fica quando vem? Sorrio olhando a decoração. Um quarto em tom de bege, sem muito exagero e com certeza livre de fantasmas. Deixo a mochila no pé da cama e me deito. Só quero dormir um pouco e não pensar, PERIGOSAS ACHERON
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mas demoro a pegar no sono, porque a cabeça pesa muito, quando finalmente consigo dormir, uma batida leve na porta me desperta. Vovó entra no quarto e percebo que é noite. Dormi toda a tarde, o que faz com que me sinta melhor. Fisicamente a ressaca me deixou, mas emocionalmente tudo está como antes. ― Boa noite. ― Vovó se senta na beira da cama e me arrumo para atendê-la. Ela me sorri. ― Vim ver como se sente. ― Estou bem. ― Ótimo. Vai descer para jantar? ― Quero dizer não, mas falta um pouco de coragem. Hoje me sinto sozinha demais e ficar com eles me acalma um pouco. ― Vou. ― Está sentido falta do seu irmão. Do Enzo? ― Ela se apressa e só torna a coisa pior. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Dos dois, vovó. A vantagem é que o Enzo está feliz e logo está de volta. O Giovanne se foi para sempre, mas ele não é problema de vocês. Ele não é problema de ninguém. ― Não foi sua culpa. ― Eu podia ter pedido o dinheiro para a senhora. Teria me dado. Fui egoísta com ele. ― Acho que não tinha ideia do que iria acontecer. É tão jovem ainda. Giovanne era responsabilidade do pai dele. ― Pode estar certa, mas éramos amigos. Iguais. As coisas, o jeito que sentíamos as coisas. Não pode entender. ― Eu sei que acha que tinha uma conexão especial com ele, mais do que os outros, mas seu irmão estava em um momento tão doloroso que ele não sentia mais nada. Não siga esse caminho, querida. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não sentir nada pode ser bom. ― Ela nega. ― É melhor que... ― Medo? Vergonha? Dor? Não é, querida. O melhor é ser capaz de sentir todas essas coisas que provam que está viva e se está viva, então pode transformar tudo. Pode mudar isso tudo. ― Eu não sei não. ― É por isso que veio para cá correndo? Estava se sentindo com saudade e triste? ― Eu não quero contar. ― Tudo certo. Enzo ligou. Está feliz, mandou um beijo. Avisei que está aqui conosco e ele ficou feliz. ― Qualquer coisa deixa o Enzo feliz. Ele é irritante de tão fácil de ser feliz. Só o Filippo supera isso. ― Rapaz de ouro ele. Gosto como de um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS neto. Ele leva jeito com o Matteo. ― Balanço a cabeça concordando. ― E tira o Vittorio do sério de um jeito bom. Seu irmão fica para morrer com as intromissões dele. ― Pode me esperar tomar um banho para servir o jantar? Dormi demais. ― Claro. ― Ela olha minha mochila ao lado da cama. ― Nem desfez a mala. ― Vovó ergue a mochila e quando vejo está abrindo. ― Eu te ajudo. ― Não preci... ― As palavras morrem quando ela retira o cantil. ― Desculpe. Eu não devia. ― Meu pai andava com ele no bolso interno do terno. ― Ela toca o brasão da família, contorna o fio de ouro que desenha as linhas famosas em toda Florença. ― Vez por outra ele tirava e tomava um gole. Os homens da época PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS faziam isso. Todo mundo achava que era uísque. ― Ela ri da lembrança. ― Mas papai odiava bebida alcoólica e o que carregava era água. ― Eu não devia ter roubado isso ― admito sem forças para mais essa vergonha. ― Quando me casei ele deu ao seu avô. Ele tinha amor pela família, pelo brasão, pelas terras. Mesmo que não fosse um De Marttino. Fiquei viúva e seu pai herdou esse cantil, mas os homens já não andavam com um desses no bolso e ficou perdido em uma gaveta qualquer. ― Então eu encontrei e roubei. ― Não pode chamar de roubo se pertence a você. Gosto que tenha ficado com você. Eu preferia que não vivesse cheio de vodca, mas estou feliz que é seu. Dei a caneta ao Enzo. Ela também é importante para a família e quando fiz isso eu sabia que o cantil estava com você e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS achei que era bom, cada um de vocês ter algo com o brasão da família. ― Obrigada. ― Penso na caneta que era tão importante e Giovanne deu fim. Não tenho coragem de contar a ela. Vovó ficaria arrasada. ― Fico muito contente de termos vencido essa barreira. Eu estava esperando que me contasse sobre o cantil. ― Não fiz isso, vovó. Você invadiu meu espaço e abriu minha mochila sem ordem. Descobriu sozinha. ― Vó ri com gosto, ajeita meus cabelos como uma espécie de carinho. ― Fez isso primeiro, querida. Invadiu meu espaço abriu uma gaveta sem convite e tomou para si um objeto sem questionar se era importante. Acho que estamos quites. ― Mereci essa. ― Ela me beija a testa. ― Você é muito honesta. Diz o que PERIGOSAS ACHERON
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pensa, é crua nesse sentido. Fico pensando por que não usa isso para expor seus sentimentos. Seria tão mais fácil para sabermos o que fazer. ― Vou para o banho, vovó. Encontro vocês no jantar. ― Meia hora? ― Ela se põe de pé. Afirmo apenas com a cabeça, ela me estende o cantil. ― Água hidrata, rejuvenesce. Vovó deixa o quarto. Encaro o recipiente de prata, imito seus movimentos e faço o contorno do brasão com a ponta do dedo. Água. Eu não sei se consigo. Não sei se posso conviver com os fantasmas assim a seco. Sem a bebida a me entorpecer. Eu não gosto de beber. Não sinto falta, não sou viciada. Só não achei mais nada para aplacar a dor. Posso ficar sem a bebida. Apenas não sei se consigo com a mente limpa. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Deixo o cantil na mochila, agora vazio graças ao porre da noite anterior. O meu comportamento volta a mente com toda a força. Meus dedos na fivela de Filippo e o olhar de choque dele é o que mais me machuca. Eu me enfio no chuveiro e tomo um longo banho, escovo os cabelos e faço minha maquiagem. Dessa vez estou sem paciência e não capricho muito. É só jantar com eles e voltar para cama. Não é ruim estar aqui, mas é tão melhor quando Filippo está por perto. Não fico lutando com lágrimas e dores. Fico lutando com a vontade de rir e brincar. Ele é tão especial e eu me sinto tão boba perto dele. Sempre penso em como seria estar em seus braços. Penso se seria vazio como todos os braços em que estive ou se sentiria alguma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS coisa. Porque sinto quando ele me toca, mesmo se acontece sem querer. Sinto meu coração batendo e fico ansiosa, atenta e parece que vale a pena ficar viva. Só ele provoca isso. Provocava. Depois do vexame ele vai correr para longe de mim e nunca mais vai aparecer de novo. Isso é a mais pura verdade. Eu o constrangi de todos os modos que existem. ― Vamos lançar o vinho em três meses. Vou liberar o Enzo para começar com a campanha assim que voltarem de lua de mel. Kevin criou algo totalmente novo. ― Ele me fez provar e eu adorei. Muito leve e... ― Vovó e Vittorio param de falar quando me junto a eles. ― Está linda, querida. ― Vovó me sorri indicando meu lugar a mesa. Pego meu prato e talheres e sento do outro lado. Os dois ficam me observando calados. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não cansam de repetir tudo igual? Por que eu tenho que me sentar sempre no mesmo lugar? Não é só um jantar em família? Quem disse que tem que ser assim? ― Minha contestadora neta, você está certa! ― Vovó se levanta, pega seu prato e talheres e muda de lugar. ― Abaixo a repressão e a ditadura da mesa de jantar. ― Ela ri, e acaba me fazendo sorrir também. ― Vamos, Vittorio, mexa-se. ― Ainda tenho que voltar ao trabalho, acho que podemos só... ― Ele me olha, estava mesmo indo bem demais. Vittorio não está disposto a mudar nada. ― Está certo. ― Ele pega suas coisas e muda de lugar. ― Pronto? Agora podemos jantar? Anna entra na sala e para olhando os lugares trocados, faz um ar atrapalhado de quem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS parece ter entrado no lugar errado. Depois, como é discreta demais para comentar, apenas se aproxima trazendo a bandeja com o assado. ― Bom apetite. Com licença. ― Ela se retira e me sirvo de um pouco de arroz branco e carne assada. Até que me deu um pouco de fome. Filippo ia gostar da brincadeira se estivesse aqui. Talvez fotografasse para mandar ao meu irmão. Enquanto como fico pensando se não devia telefonar para ele. Avisar que estou aqui, nem trouxe meu celular, mas acho que seria o certo, afinal ele cuidou de mim, pode ser até que esteja preocupado. Ou pode ser que esteja bem feliz de se livrar de mim e que se eu ligar vai parecer que estou pedindo atenção. Não sei. Nem sei por que ainda insisto em pensar tanto nele. Duvido que ele se aproxime de novo. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo 5
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Filippo Espero que ela fique bem. Se não tivesse reunião no fim do dia eu nem viria a agência, porque deixar a Kiara sozinha logo hoje não parece nada bom. Ainda sinto raiva só de lembrar dela naquele bar. Odeio não poder simplesmente dizer que nunca mais ela pode ir a um lugar como aquele. Se aquela menina soubesse como é linda, inteligente e o tanto de coisas que pode conquistar tenho certeza que não jogaria a vida fora assim, sem pensar em nada. Esses De Marttino precisavam fazer umas aulas sobre família com meus pais. Aprenderiam rapidinho que família se mete em tudo e cuida PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS um do outro sem respeitar espaço. Milena entra na minha sala meia dúzia de vezes durante toda manhã. Ou o resto da manhã. Cheguei tarde e atrasei tudo. Fico pensando se ligo ou deixo que durma o dia todo. Pelo menos vai se recuperar da ressaca. A noite eu vou até lá. Preciso pensar num jeito de resolver isso, não posso contar ao Enzo. Não quero atrapalhar a lua de mel dele com preocupações, mas deixar Kiara sozinha todo o tempo naquela mansão não parece nada saudável para ela. Seja o que for que a consome só tende a piorar com o tempo ocioso e a solidão. Almoço com a equipe de criação. Enquanto discutimos os últimos detalhes da campanha do perfume. Acabando essa o pessoal ainda tem que começar a campanha para o dia PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dos namorados de toda nossa carteira de clientes. Reviso tudo que preciso sobre a reunião do fim da tarde e acho que depois que acabar posso comprar uma pizza e levar para Kiara. Quem sabe eu a convenço a assistir um filme e com sorte ela não apronta nada. Garota maluca. Eu não sei como o Enzo dormia. Não consigo pensar nela sem imaginar os perigos que já correu. O imbecil puxando-a como se fosse uma coisa e não uma pessoa me deixa com vontade de ir atrás dele e acertar aquele rosto com um bom direto de direita. Nem sei por que não fiz isso. Eu estava mesmo muito preocupado com ela para começar uma briga. Claro que eu iria perder feio, aqueles caras pareciam muito mais uma gangue. ― Filippo, a sala de reunião está pronta e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS eles já chegaram ― Milena avisa da porta. ― Vou indo. ― Pego minha pasta e sigo para a mesa de reunião. Vou usar as opiniões da Kiara sobre maquiagem para convencê-los que somos a melhor escolha para a publicidade da empresa. São duas mulheres e um homem. A reunião leva mais tempo do que o esperado. Não é muito meu negócio fazer esse tipo de reunião, Enzo é melhor nisso que eu, gosto mesmo é de me envolver nas campanhas. Isso sim me faz feliz. Acontece que meu sócio tinha que casar e me largar sozinho. No fim, usando os argumentos que a Kiara me ofereceu como uma luz do tipo de trabalho que pretendemos para a marca, eles fecham. Apertamos as mãos e agora não é mais comigo. Nosso advogado se reúne com o deles e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fechamos o contrato. Até assinarmos Enzo estará de volta e assume seu posto de De Marttino e o tino que eles têm para ganhar dinheiro. Fico ainda um momento na sala de reuniões arrumando minhas pastas e terminando a reunião com nosso advogado. Meu celular toca e fico feliz de ser o Enzo. ― Lembrou de mim no meio da lua de mel. Que gentil. ― Lembrei. Lembrei da reunião. Como foi? Acabou? ― Conseguimos mais essa conta. Pode dizer que me ama e que eu sou muito bom. ― Te amo, você é muito bom. ― Se deu mal, Bianca! ― Ele ri do outro lado da linha. ― Ela está aí? ― Está com o Matteo. Como vão as coisas? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Tudo bem, e sua lua de mel a três como está indo? ― Especial. Ficar dia e noite com eles é a melhor coisa da vida. Nem quero voltar. ― Sem gracinha. Vai voltar sim. Um mês de férias é mais do que merece. Estou estressado aqui sozinho. ― Deixa de drama que eu sei que essa semana as coisas vão ficar bem calmas por aí. ― O funcionário do mês sabe toda a agenda da empresa. Parabéns. Vou colocar sua foto na recepção. ― Aposto que eu faria muito sucesso ― ele brinca. ― Fez a reunião sozinho? ― Sozinho. Estou pensando em me dar um aumento. A Kiara me deu umas dicas sobre a visão das mulheres, que eu usei. Ela vai ficar feliz que ajudou. Não acha? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Aposto que sim. Liga para ela. Kiara foi hoje de manhã para a Vila. O Vittorio mandou o helicóptero. ― Ela fez isso? Foi para a Vila sem me avisar? Perdi a garota de novo? Mas que difícil cuidar dessa maluca. ― Filippo? Ainda está aí? ― Sim. Eu só... por que ela foi para a Vila? ― Não sei, mas a vovó está feliz. Ela vai ficar uns dias. Acho que deve ser porque estava sozinha em casa. Amanhã ligo para ela. ― Ela chamou o Vittorio e foi de helicóptero? ― Foi o que eu acabei de dizer. ― Só estou confirmando, impaciente. Eu vou... acha que ela está bem lá? ― Está com a vovó e o Vittorio, então acredito que sim. Não parece coisa da Kiara, PERIGOSAS ACHERON
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mas eu fico aliviado dela não estar por aí aprontando. Quando ela voltar você vai dar uma olhada nela de vez em quando? ― Vou. Vou grudar meus olhos nela. Sua irmã não é muito... esquece. Eu vou indo. ― Tchau. Qualquer coisa me liga. Se ela pensa que pode se enfiar no helicóptero da família e me deixar sem um aviso está muito enganada. Kiara podia ter avisado. O que custava? Ir para Vila De Marttino e me largar aqui sem uma explicação? O combinado não era eu cuidar dela? Como é que eu vou cuidar de alguém a quilômetros de mim? Entro no carro bem decidido, sei que vou chegar lá no meio da madrugada, mas a culpa é dela. Droga, bastava aquela maluca me ligar, mas não, preferiu fugir. Agora vai ver que não pode fugir assim. Eu sei que ficou com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vergonha, chateada, mas não precisava fugir. Não precisava me deixar aqui sem um aviso. Se eu não vou ao encontro dela. Se deixo o tempo passar, vai nascer um abismo entre nós. Ela achando que eu estou pensando mal dela e eu achando que ela está fugindo de mim e um dia, daqui uns meses mal vamos nos olhar. Não mesmo. Pego o celular enquanto dirijo. Vou avisar para ela me esperar. Não atende. Kiara quer mesmo fazer minha vida difícil. Eu sei lá quando eu tive tanta preocupação assim. Nunca. Passo em casa, pego meia dúzia de peças de roupas e depois de tomar um banho e comer um sanduíche pego a estrada para a Vila De Marttino. Nem bem cheguei e já estou de volta, mas por que diabos não ficamos lá mesmo? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Tinha evitado aquele idiota pegando nela. Que nojo. Só de lembrar da cara dele. As estradas estão tranquilas. Deixo a música alta. Viajar assim sem planos depois de ter dormido tão pouco. Chegamos de madrugada em casa. Eu esperei que Kiara dormisse para só então ir para cama. Acordei cedo para ficar de olho nela, depois trabalhei o dia todo. Certo que a mocinha estava de ressaca na cama e ela estava fugindo. Muito esperta. Estava com um olharzinho tão triste de manhã. Morta de vergonha. Quem nunca passou da conta e fez uma bobagem? Ela não precisava se sentir daquele jeito. Quis ficar mais tempo com ela. Só saí mesmo para não a deixar mais constrangida. Kiara estava mesmo linda sem maquiagem. A viagem até a Vila De Marttino é um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pouco mais curta do que imaginei. Chego a Vila por volta das duas da manhã. O bom de um lugar como esse é que está tudo aberto. Não tem ninguém tomando conta da propriedade. Passo pelos portões em forma de arco e entro na Vila. A mansão está quase toda apagada. A porta deve estar aberta, eu me ajeito em um quarto qualquer e amanhã pego Kiara de surpresa. Os cachorros me recebem abanando o rabo. ― Sempre atentos e ferozes. Quanta segurança. ― Acaricio os pelos dos dois que parecem felizes com a visita inesperada. Essa é a hora que os fantasmas dessa mansão estão por aí curtindo a solidão e o silêncio. Voando pelos cômodos. Vou dar de cara com um ancestral dos De Marttino. Isso não vai PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ser nada legal, Kiara. Nada legal. Olha o que me faz fazer. Entro pela porta da frente que por sorte está só encostada. Tem um abajur aceso na sala principal. Menos mal. Derrubar móveis não é de bom tom quando se invade uma casa no meio da noite. ― Filippo! ― A voz de Vittorio quase me mata do coração. Quase me faz preferir um fantasma. Demoro um momento para me acalmar, ele acende as luzes da sala. ― O que faz aqui? ― Boa noite. ― Tento sorrir. Sou praticamente da família. Não é nenhum drama estar aqui. Encaro Vittorio. Ele é mesmo um tipo estranho, sempre tão sério e fechado. ― O que faz aqui? ― Vittorio, só para o caso de não ter PERIGOSAS ACHERON
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notado, está usando um pijama de seda cinza, com um robe preto por cima. Um conjunto, todo certinho sabe e isso... isso... estou com medo de olhar para os seus pés e descobrir que está de meias. ― Tento evitar, mas acabo olhando para os pés e lá está. Um par de meias pretas dentro de um chileno de couro fino do tipo que se usa depois dos noventa anos. Esse cara definitivamente não tem uma vida amorosa. ― Eu realmente posso viver sem seus conselhos de moda. O que afinal faz aqui? ― Não tenho tanta certeza se pode. Eu vim falar com a Kiara. ― Ele faz um ar engraçado de quem não esperava por essa. ― As duas da manhã? Viajou de Florença aqui para isso? Já ouviu falar de telefone? E nem é o meio mais moderno de comunicação, mas funciona. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu... eu... ― Minha avó não vai gostar nada dessa sua visita no meio da noite sem aviso. ― Filippo. ― Vovó Pietra surge na sala. Caminha sorrindo para decepção de Vittorio. ― Que bom ter você aqui também. ― Ela me beija o rosto. ― Vim falar com a Kiara, vovó. ― Ela está dormindo. São duas da manhã. ― Vittorio se intromete. ― Filippo? ― Kiara se junta a nós. Vittorio balança os braços se rendendo. ― Vamos dormir, vovó. A Kiara arruma um quarto para o Filippo. ― Vittorio e vó Pietra caminham para a escada enquanto Kiara vem até mim usando uma camiseta que vai até seus joelhos e ela está linda sem maquiagem, com os cabelos soltos, e um ar surpreso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― O que faz aqui às duas da manhã? ― Eles são apegados nessa coisa de hora. ― Eu digo que estou rico, mas ainda não estou podendo comprar helicóptero para caçar você não. Dirigi até aqui. Não consegui chegar mais cedo. ― E por que tinha que vir atrás de mim? ― Quem tem que se explicar aqui é você? Tá muito difícil ficar de olho em você. Foge todo dia. Não pode ficar quieta num canto não? ― Está levando muito a sério o pedido do Enzo. ― Ela faz careta. ― Vem, vou te arrumar um quarto. Não acredito que dirigiu até aqui. ― Cadê seu celular? ― Esqueci de trazer. ― Mas que bonito. No futuro lembre que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS não pode fugir sem celular. Vou colocar um rastreador em você. Caminhamos pela escada, ela com os braços cruzados no peito. Ainda atrapalhada com minha visita. ― Vim só... são só um ou dois dias. Já ia voltar. ― Achou que eu não iria notar? ― Achei. ― Notei, notei bem rápido. Ia bater na porta da mansão com pizza para vermos filmes, mas por sorte o Enzo me contou que estava aqui. ― Desculpe, Filippo. Não era minha intenção preocupá-lo. Já fez demais ontem. ― Você ainda está com isso na cabeça? ― Viramos o corredor. ― Fico nesse quarto aqui, sempre fico nele. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Estou nesse quarto. Vou redecorar o meu. ― Está aqui? ― Ela faz que sim. ― Eu não vou ficar no seu quarto, com os fantasmas, mesmo. Vou dormir no sofá. ― Não tem fantasmas, e não precisa ficar lá. Tem um monte de outros quartos. ― Ela abre a porta ao lado. ― Pronto. Um quarto igualzinho o que dorme. Fica aqui. ― Vamos ser vizinhos. ― Ela prende o sorriso, mas entra comigo. O quarto está arrumado, tem cobertas, toalhas, tudo que alguém precisa. Uma ótima suíte que vai servir até essa doida resolver voltar para casa. ― Kiara, você precisa dar um jeito no seu irmão. Viu aquele pijama dele? O homem não vai casar nunca. Aquilo é pavoroso. ― Ela ri. Fica linda rindo. Eu podia colorar um nariz vermelho e dar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cambalhotas pela casa. Só pelo riso dela. ― Ele é um homem elegante. ― Ele não tem nem trinta anos. Não é um homem elegante. É só um cara fechado. Dá umas dicas para ele. ― Você é louco. Precisa de alguma coisa? ― Nego. Ela ainda de pé no meio do quarto enquanto deixo minha mochila no canto da cama. ― Está com fome? ― Não. É tarde. Melhor ir dormir. ― Vou fazer um sanduíche para mim. Quer vir? ― ela convida e sim. Eu quero ficar mais tempo com ela. ― Vamos. Nesse caso até estou a fim de comer também. Descemos evitando barulho, a casa de novo mergulhada no silêncio e na escuridão. Kiara acende as luzes da cozinha. Parece PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cozinha de restaurante, tudo nessa casa é grandioso. Abro a geladeira moderna e pego frios enquanto ela pega pão. Juntamos todo tipo de guloseimas e nos sentamos para comer. ― Acordei você? ― Não. Eu dormi a tarde toda, estava lendo ― ela responde antes de tomar um gole do refrigerante. ― Romance? ― Idiota. Terror. ― Faço careta. ― Mentirosa. ― Ela lambe os dedos. Isso é interessante, lembro das mãos dela em mim. De quase não ter resistido. ― Mais refrigerante? ― Quero me livrar desses pensamentos, mas anda difícil. ― Pode ser. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― O Enzo ligou. Está feliz, bom, é óbvio, está em lua de mel. ― Ela concorda. ― Está com saudade do Matteo? Eu estou. O pequeno é tão engraçadinho. Ficamos tão próximos. ― Eu estive cuidando dele uns dias. Acho que sinto um pouco de falta, não de ser responsável por ele, mas... sim. Eu sinto. ― Ufa ― brinco fazendo com que ela me olha curiosa. ― Bastava dizer que sim. Não tem que racionalizar e explicar. É só dizer que sente saudade. Como aposto que sentiu de mim. ― Ai, Filippo, você é tão bobo. Ainda não acredito que dirigiu até aqui depois do trabalho. Só porque prometeu ao meu irmão. ― É o que acha? ― Sim. Não é isso? ― Se fosse por ele eu não precisa vir. PERIGOSAS ACHERON
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Está com o Vittorio e sua avó. ― Então por que veio? ― Ela me olha interessada. A verdade é que eu não tenho muita certeza da razão. Só que gosto de como me sinto quando estamos juntos. ― Não sei direito, conchinha. Eu não queria você longe de mim. Não queria que ficasse com vergonha, por causa daquela coisa toda que aconteceu. ― Eu estou. Estou culpada, estou sem graça. Foi... ― Acontece, conversamos pela manhã, não precisa fugir. Não de mim. Não pode fazer isso, toda vez que fizer isso vou caçar você. Melhor desistir disso de agora em diante. ― Como me achou ontem? ― Lembrei que uma vez quando estávamos atrás do Giovanne você disse que iam PERIGOSAS ACHERON
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lá às vezes. Até achamos mesmo seu irmão lá. Resolvi tentar a sorte. ― Fui tão ridícula. ― Vai reformar o quarto? ― Decido mudar de assunto. Não quero mais pensar em nada daquilo. ― Não tem medo dos fantasmas migrarem para outro cômodo? ― Tipo o seu quarto? ― Se me deixar com medo vou dormir com a vovó Pietra. Ela deve ter boas relações com eles. Vai me proteger. ― Vai rir da sua cara. Isso sim. ― Começamos a guardar as sobras e tirar a mesa. ― Eu acho que preciso renovar um pouco aquele ambiente. Vai ser bom. Amanhã. Hoje na verdade. Vamos até a cidade comprar umas coisas. Logo de manhã. ― Ótimo. Assim fico dormindo. Estou PERIGOSAS ACHERON
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bem cansado. ― Você é maluco, Filippo. Completamente maluco. Quanto tempo vai ficar? ― Depende de você. ― Ela me olha surpresa enquanto lava os copos e facas e eu seco. ― Volto quando voltar. Para o bem da agência espero que não decida morar aqui. ― Veio ficar comigo? ― Kiara me pergunta surpresa. Tão surpresa quanto eu. Não sabia que tinha esse plano até esse segundo. ― Parece que sim. Vamos dormir, cara de concha. ― Odeio esse apelido. ― Eu adoro. ― Ela revira os olhos. ― Está tão bonita. Pouca roupa como sempre, mas já me acostumei que economiza tecido. ― Você é a única pessoa que se preocupa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS com isso. ― Não me preocupo. Eu só acho... todo mundo olha. Os homens mexem com você na rua. Ainda mais com as botas. ― Não estou afim de falar disso. ― Falei que está bonita, nem notou. Devia sorrir e dizer obrigada. Pode dizer que estou bonito também, mas isso é opcional. ― Está bonito e obrigada pela gentileza. É mentira, mas agradeço se é importante para você. ― Chata. ― Chegamos a porta dos quartos. Parede com parede. ― Se bater na parede é um código, aí você vem no meu quarto. O que acha do meu plano? ― Infantil. ― Mas vai funcionar. Boa noite, cara de concha. Obrigado pelo sanduíche. Dorme bem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Boa noite. Depois de fechar a porta e ajeitar as cobertas eu dou alguns soquinhos na parede. Rio pensando que ela vai ficar brava. Um minuto depois minha porta se abre. Ela entra rindo. ― Qual seu problema, Filippo? São três da manhã. ― Funcionou. Era um teste. ― Podemos dormir? ― Atravessei o país a cavalo atrás de você. ― Que exagero. Boa noite. ― Consegui a conta com a sua ajuda. Aquela coisa que disse sobre maquiagem. Usei na reunião. Eles gostaram do ponto de vista. Foi legal. Eu devia estar tentando dormir, mas estou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS meio que um bobalhão tentando mantê-la mais um tempo perto de mim. ― Bom saber. Eu vou... dormir. Posso? ― Claro? Quem está te impedindo? Boa noite. Me chama quando voltar das compras com a vovó. ― Algo me diz que vai estar acordado ― ela diz enquanto caminha para a porta. ― Você parece que não dorme. ― A porta se fecha atrás dela. ― Culpa sua que eu não durmo, cara de concha. Culpa sua. E falar sozinho também é culpa sua. ― Deito uns minutos depois. Com a Paola era tudo tão fácil. ― Aí cala a boca, Filippo. Que comparação é essa? O melhor mesmo é dormir. Estou com o sono atrasado e isso está misturando as coisas na minha cabeça, confundindo meus pensamentos e PERIGOSAS ACHERON
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sentimentos. Ao menos é o que parece quando comparo minha história com a Paola com a Kiara. São coisas diferentes. Sem comparação. Se fosse comparar. Não é o caso, mas se fosse, então Paola seria calmaria, Kiara um vendaval de emoções. Cara de concha. Sorrio pensando nela. Paola nunca teve um apelido carinhoso. Aposto que Kiara me chamaria de alguma coisa fofa se fossemos mais do que amigos.
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Capítulo 6
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Kiara Eu não estou entendendo nada! Ele se abalou de Florença aqui para me ver? Apenas por que eu não liguei? Por que eu devia ligar? Não estou entendendo o Filippo. Sei do carinho que ele tem pelo meu irmão, mas isso parece um pouco demais. Ontem foi aceitável, seu comportamento, ele foi bem legal comigo, indo me procurar e tudo, mas também, do jeito que saí da casa dele era evidente que eu faria alguma tolice e claro. Sendo um cara legal e me conhecendo da vida toda ele não iria ignorar aquilo. Filippo me encontrou, cuidou de mim e eu não esperava menos de alguém como ele. Isso é razoável, mas daí a dirigir até aqui só para PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS saber de mim e decidir ficar enquanto eu permanecer parece algo que nem quero sonhar. Não sou mulher para ele. Não mesmo. Filippo é um príncipe. Gentil, bem colocado na vida. Cheio de sonhos, já eu sou essa coisa estranha e perdida. Definitivamente eu não sou para ele. Acho que ele sabe disso. É ilusão pensar que ele pode estar interessado. Não quero sonhar com essas coisas. Não quero me iludir. Se fosse verdade. Se Filippo estivesse interessado, se ele realmente quisesse algo comigo eu nem saberia o que fazer. Como agir. Nunca estive com um cara como ele. No mínimo me comportaria como uma idiota e logo ele se cansaria. Não vou criar coisas na cabeça. Melhor nem me dar ao luxo de sonhar. Será um tombo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS enorme, do tipo que quebra todos os ossos e não tem conserto. Melhor manter meus pés no chão. Bem firmes. Homens como Ítalo gastam tempo comigo. Nunca como Filippo. Nunca. Ele está no quarto ao lado e dormir é realmente uma coisa difícil quando penso que ele está no quarto ao lado. Por mim. Apenas por mim. Não veio com meu irmão, não são férias, nem um fim de semana com amigos, ele veio ficar comigo e está aqui do lado. Meu coração fica feito um louco. Luto entre a ansiedade e o medo e o bom disso tudo é que eu não consigo pensar nas mil coisas ruins do meu passado. Essa é a melhor parte. Acordo com minha avó alisando meus cabelos. Bom humor matutino não conheço. Abro os olhos e fico sem saber o que fazer. Ela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS está sorrindo e nem sorrir de volta eu consigo. ― Bom dia, meu amor. Vamos às compras? ― Sim ― respondo sem alternativa. Não me lembro de ter acordado animada nenhuma vez na vida e sempre que marco para fazer de manhã eu me arrependo, todas as vezes. Quando acordo acho sempre que sou uma estúpida por ter marcado. ― Te espero para o café. Vittorio vai trabalhar em casa então ele faz companhia ao Filippo. Está aí algo que me dá vontade de rir. Vittorio fazendo companhia a Filippo. ― Eu já desço, vovó. ― Ela se curva e me dá um beijo. Então se ergue. É tão elegante. Cabelo impecável, roupa impecável. Perfume, maquiagem. Não conheço mulher mais elegante. PERIGOSAS ACHERON
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Nem sei como acha ânimo para estar assim logo pela manhã. ― Não demora. O Antônio já está a nossa espera. ― Quinze minutos. Levo meia hora, não consigo ser rápida pela manhã. Preciso de pelo menos duas horas acordada para despertar. Quando chego a mesa do café da manhã estão vovó e Vittorio. Ele me olha atento. Está sempre me investigando. Às vezes me incomoda, outras eu ignoro. Depende do teor alcoólico do meu sangue. ― Bom dia. Está linda ― vovó diz por hábito, não estou. Nunca estou. Não quero estar. Odeio me sentir bonita. Beleza é uma droga. ― Bom dia ― resmungo ao me sentar, aproveito e analiso a mesa posta. Filippo vai se PERIGOSAS ACHERON
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divertir com o café da manhã de hotel, como ele diz. Para mim é só razão de enjoo. ― Coma bem que vamos bater perna pelo shopping. ― Meia dúzia de lojas ― Vittorio diz distraído com o celular. ― Deviam pegar o helicóptero e ir para Florença fazer compras. ― Vittorio, temos tudo que precisamos. ― Entendi. Não vou me meter. Agora que o Filippo está aqui. Não querem ficar muito tempo fora. Fico calada. Ele parece bravo. Não sei se com ciúme ou apenas incomodado com a visita sem aviso prévio. Ciúme seria bem engraçado. De mim? Nem somos próximos. ― Gostei muito de ele ter vindo ― vovó comenta. ― Não acha, Kiara? ― Ele é legal. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acho que ele não precisava vir. Deve pensar que não somos capazes de cuidar de você. ― Não preciso de cuidados, Vittorio. Posso me cuidar sozinha. ― Está com seu cartão, vovó? ― Vittorio ignora minha resposta atravessada. ― Estou. ― Ótimo. Mande entregar ainda hoje ― ele exige. Aposto que as pessoas vão largar tudo para fazer o que o De Marttino quer. ― Vocês podem até se provocar, mas façam isso mastigando. Nenhum dos dois tocou no café e Vittorio, pode trabalhar o resto do dia, mas enquanto se alimenta? ― Lendo notícias, vovó. Apenas isso. ― Ele apoia o celular sobre a mesa. ― Eu vou deixar vocês tomando café. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Isso de não comer é dá mãe de vocês. Certeza. Ela era como vocês dois. ― Vittorio arrasta a cadeira. Parece ter sido ofendido. Sua expressão muda e se qualquer outra pessoa tivesse dito isso ele daria um soco, mas como é vovó, ele apenas fica de pé. ― Bom dia. ― Vittorio deixa a mesa. Ela me olha decepcionada. ― Dei o motivo que ele precisava para fugir do café da manhã ― ela resmunga balançando a cabeça. ― Não devia ter feito comparações. Vittorio sofre com isso. ― Sofre? Ele odeia a minha mãe. ― Não, querida. Ele se ressente. Vocês partiram e ele ficou. Não apenas ficou, como por muito tempo não viu nem mesmo os irmãos e ele amava você. Amava o Enzo também, mas você era um bebezinho, uma menininha e ele estava PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS encantado. Adorava ficar cuidando de você. Depois do banho sua mãe sempre o deixava segurar você enquanto ela ajeitava as coisas para te amamentar e ele ficava se sentindo muito adulto com você no colo. ― Eu nunca paro para pensar nisso. Não tenho lembranças dessa parte da história. Minhas primeiras memórias são da minha mãe casada com aquele monstro. ― Não sabia. ― Sim. Ele sempre foi apaixonado pela irmãzinha. Então foram embora. Eu não estava aqui. Não sei como aconteceu realmente, mas sei que machucou seu irmão mais do que qualquer outra pessoa. Fico calada. A ideia me faz pensar sobre isso. Minha mãe sempre foi tão doce, dedicada e amorosa, não consigo pensar nela deixando meu irmão. Sempre pareceu para mim que foi uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS escolha dele. ― Me deixou confusa, vovó. O que ele fala sobre isso? ― Não fala. Talvez escape uma coisa aqui ou ali quando tem seus rompantes de fúria. De resto é silêncio. Como você. Sinto um choque quando o assunto se volta para mim. Um pequeno baque que traz memórias. ― Vamos vovó. ― Fico de pé e ela dá um suspiro cansado, ainda bem que tem Enzo e seu talento para a felicidade. Se dependesse de mim ou Vittorio estaria mergulhada na dor. O shopping é quase uma piada. Meia dúzia de lojas num pequeno prédio de dois andares na cidadezinha próxima a Vila. Uma loja de móveis apenas. Eu faço as escolhas de modo simples. Não penso muito nessa coisa de PERIGOSAS ACHERON
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decoração. Não fosse os comentários de Filippo sobre meu quarto eu nem pensaria nisso. ― Escolha um quarto bem confortável. Um que acomode bem um casal. Quem sabe seu futuro marido está próximo e vai ter que decorar tudo de novo. Eu tive que cuidar de preparar o quarto do seu irmão para ele e a Bianca. ― Vovó. A senhora talvez devesse procurar seu médico. Não anda nada bem. ― Eu? Me sinto ótima. Vamos. Não queremos deixar o Filippo sozinho. Não mesmo. Pensar nele faz meu coração ficar agitado e desvio meus olhos com medo de ser descoberta. ― Roupas de cama ― eu digo deixando a loja de móveis. Paramos para uma xícara de chá e biscoitos às dez da manhã. Ela é cheia de vigor e PERIGOSAS ACHERON
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logo depois está pronta para continuar. Por volta de meio-dia estamos voltando para casa com móveis e decoração nova para o quarto a caminho da Vila. Filippo está no jardim com os cachorros. Eu sabia que não estaria dormindo, muito menos enfurnado em casa. Ele atira uma bola para os cachorros e se volta risonho quando o carro para diante da porta da frente. Saltamos e logo Filippo está ajudando minha avó a descer. Beija seu rosto enquanto dou a volta no carro. ― Compraram tudo? ― Sim, querido. Tudo novo. Cama de casal, móveis modernos. Decoração. Tudo novinho. ― Parece indireta dela e tenho vontade de correr. Felizmente ele não parece perceber. ― Boa, vovó. Acho que agora os PERIGOSAS ACHERON
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fantasmas vão migrar para o seu quarto. Não acho que vão atrás do Vittorio com aqueles pijamas pavorosos dele. ― Filippo, eu compro com muito carinho. Meu neto fica muito elegante e confortável, ele precisa. Trabalha demais. Os ternos ele manda fazer no alfaiate que trabalha com nossa família desde o meu marido, o resto eu providencio. ― Bom, vovó, então a senhora precisa fazer um curso de moda ― Filippo brinca. ― Posso cuidar disso se quiser. Somos responsáveis pela imagem da empresa. ― Vovó, não dá atenção para ele. O Filippo está brincando. Olho feio para ele que dá de ombros. Ela acena rindo. Vovó está é se divertindo, ela se afasta na frente, pretendia segui-la, mas ele me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS segura. ― Onde vai, conchinha? O dia está lindo. Vamos lá com os cachorros. ― Está sol, Filippo. ― Sério? ― Ele me puxa, mas me esquivo, toques em geral me dão agonia, os dele são uma mistura de prazer e angústia. ― Para de graça. Vem logo. Lembra que atravessei o mundo a cavalo? ― Não era o país? ― Ou isso. ― Então me junto a ele na grama. Os cães balançando os rabos para nós dois, ansiosos pela bolinha. ― É simples. Atira a bolinha e eles correm feito loucos para buscála. ― Filippo me entrega uma bola de tênis e fico olhando para ele sem entender qual a graça disso. ― Que graça tem isso? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Nenhuma para você, mas eles adoram. Atiro a bola, os dois correm. Baby chega primeiro. Acho que a linhagem pomposa de Rosso não permite tamanha diversão. Os dois retornam animados. A bolinha vem babada. Tenho que lutar para pegá-la de volta porque Baby não entende bem a brincadeira. ― Filippo, ele não quer devolver. ― Lute, cara de concha. ― Vamos, Baby. Como vou jogar de novo? Me devolve. Quando me dou conta estou correndo atrás do cachorro decidida a pegar a coisa de volta. Ele me vence, é rápido e ágil, acabo esgotada antes de vencer a luta. Então me jogo na grama cansada da batalha. Filippo se joga ao meu lado e logo os cachorros estão sobre nós e ganho uma lambida PERIGOSAS ACHERON
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do queixo a testa de dar nojo. ― Alguém está apaixonado ― ele provoca. A bolinha surge em sua mão e ele atira. Os cães nos deixam correndo em direção a ela e me sento. ― Fomos atacados. ― Cães violentos esses do seu irmão. Rosso finalmente parece conseguir a bolinha e corre em nossa direção orgulhoso. As orelhas subindo e descendo, as patas longas pisando leves na grama e ao longo do caminho ele parece voar em nossa direção. Sentados no chão com aquele pequeno monstro de quarenta quilos correndo para nós me dá medo. Eu me encolho com uma careta. ― Lá vem ele. ― O labrador vem logo em seguida e vai ser um massacre. ― Eu te protejo. ― Filippo me abraça, PERIGOSAS ACHERON
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depois me puxa para a grama e fica quase inteiro sobre mim. ― Lá vem a manada. ― Ele ri divertido, enquanto só consigo senti-lo sobre mim e meus sentimentos são todos uma confusão que não consigo explicar. Os cachorros pulam sobre nós. Lambem e fazem festa. Com as patas e rabos eu acabo me juntando mais a Filippo e quando eles não sentem retorno se afastam correndo e ficamos colados. Abro meus olhos e dou de cara com os olhos carinhosos dele sobre mim. Ficamos um momento em silêncio. Não sei sobre ele, mas eu não encontro nada para dizer. Filippo não se move, afasta uma mão que me envolve, passa o polegar na língua e depois passa no canto do meu olho. Faço careta, muito mais para esconder o que isso me provoca. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Borrou a tinta preta do olho ― avisa sem se mover. ― Lápis. Lápis preto ― digo meio zonza com a aproximação. ― Não precisava babar em mim por isso. Parece um labrador gigante. ― Um Baby humano ― ele brinca e rio. De nervoso para ser honesta. Meu coração vai sair pela boca, eu me sinto inteira acordada e trêmula. Com vergonha e tímida. Confusa de um modo que nem parece eu e um cara. Se tem uma coisa que sempre achei sobre mim é que sabia da arte de seduzir e me sinto uma menininha agora. ― Baby. Exato. ― Ele ri. ― Vou te chamar assim agora. Odeia o nome do Baby. Quando me chamar de conchinha eu vou te chamar de baby. ― Hmmm. Um apelido que eu odeio? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Baby ― repito. ― Nunca me chame de Baby, nunca. Vou me irritar muito. Conchinha. ― Baby. ― Conchinha. ― Eu acho que ele está é gostando. Quero rir da cara dele, beijar Filippo, fugir. Tudo ao mesmo tempo. Então eu noto minhas mãos espalmadas em seu peito. Penso na noite em que tentei abrir seu cinto, dele afastando minhas mãos naquele momento constrangedor. A vergonha toma conta de mim. Meu rosto arde, meu coração se aperta e quero me afastar. Fecho os punhos, estamos tão perto e ele me imobiliza mesmo sem se dar conta disso. ― Vamos entrar. Estou com fome. ― Desvio meus olhos. Encaro a grama verde em torno de nós. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vamos. ― Ele se afasta. Senta e faço o mesmo. Tento ajeitar a roupa sem que ele perceba. Sinto o rosto tão quente que minha vontade é correr para o quarto. Filippo fica de pé. ― Vem. ― Ele me oferece a mão e sem escolha eu seguro e ele me puxa, fico de pé. ― Comer é sempre bom. Tenho que acumular o máximo que posso, quando voltarmos é congelado ou a comida da minha mãe. ― Pode comer em restaurante ― eu o lembro. ― Também. Verdade. Sou rico agora, mas sou sovina. ― Sorrio. ― Pensa que minha vida é uma eterna lua de mel como seu irmão. Meu dinheiro é suado. ― Coitado. Não faz nem uma semana ainda. ― Defendendo o irmãozinho, conchinha? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Claro que não, baby. ― Ele sorri. Apresso o passo. ― Quando o quarto fica pronto? ― Hoje ainda. Eu acho. Amanhã. No máximo. Ele me para na escada da varanda. Toca meus cabelos, lá está meu coração endoidando. ― Grama ― explica. ― Pronto. Tirei tudo. Está linda de novo. Vamos comer. ― Ele toca minha cintura me indicando o caminho e sigo com as pernas bambas de tensão. Esse contato todo me deixa toda atrapalhada. Ainda tenho que decidir o quanto gosto disso.
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Vittorio Minha irmã precisa de tantos cuidados. Eu não consigo conter o ódio que sinto daquele homem do que ele fez com ela, do que ele a transformou. Sinto vontade de ajudar Kiara, mas ela parece preferir a morte a minha ajuda. Tem um universo entre nós. Um milénio de distância e só de saber que ela ama Enzo e que ele está com ela já fico feliz. Vovó está realizada com a ideia de sair as compras com a neta e fico contente, quando ela me ligou eu tive medo de algo grave ter acontecido. Queria ter dito qualquer coisa que a acalmasse, mas eu não sou bom com as palavras. Não se for para tocar o coração de alguém. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Não era quem ela queria de todo modo. Se fosse Enzo ela abraçaria e talvez quem sabe até contasse sobre suas angústias, mas para mim. Não é possível. Sorrio olhando os papéis sobre a mesa sem conseguir concentração para o trabalho. De vez em quando ela ainda tem qualquer coisa do bebê que era. Dura pouco. É só um vislumbre. Kiara está ferida. Enrico devia pagar caro por isso, mas ela nem mesmo consegue se abrir. Como posso exigir que denuncie? Tomei providencias para tirá-lo da cidade. Ele está bem longe e espero que não se atreva a voltar, mas se acontecer nada vai me segurar. Filippo passa pela porta do escritório. Canta uma melodia romântica e depois eu e meu pijama é que somos ridículos. Ele parece uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS criança. Até agora não entendi o que veio fazer aqui, mas acho que Kiara gostou então para mim está bem. Ele não magoando minha irmã tudo fica bem. É mais irmão do Enzo do que eu, pelo menos acho que é assim que Enzo sente. Recosto na cadeira. A melodia de Filippo vai desaparecendo conforme ele vai se afastando. Quem acorda cantando? Acabo me entretendo com o trabalho antes que a chuva de fotos de Matteo comece. Eles já me torturavam com isso aqui. Agora que estão viajando é quase um massacre. Quem resiste ao garotinho? Ele é mesmo muito engraçadinho e tão risonho quanto Enzo era na infância. Muitas vezes eu queria não ter a boa memória que tenho. Seria bom esquecer. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Esquecer os momentos ruins e principalmente os momentos bons. A mudança deles é pior que qualquer coisa. Éramos próximos. Éramos irmãos e estávamos juntos e nos gostávamos, então eles foram embora e na volta, quando nos reencontramos, tudo tinha acabado. Eu estava magoado e eles não me conheciam mais. Recebo um e-mail importante que me faz esquecer o passado e mergulhar no trabalho e quando desperto o barulho do carro chegando me faz caminhar até a janela. Afasto um pouco a cortina. Vovó entra e Filippo e Kiara ficam no jardim com Baby e Rosso. Os cães, carentes de atenção se divertem com os dois me deixando um pouco culpado por não ser mais presente com eles. Pelo menos tem um ao outro para brincar. Rosso gostou do novo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS amigo e Baby, nome estúpido, se adaptou rápido e até que não é nenhum problema. Filippo e Kiara estão se entendendo bem. Muito bem por sinal. Sinto qualquer coisa no ar e penso que é bom que ele não tenha planos de brincar com ela. ― Ela parece estar mudando. ― Vovó surge ao meu lado. Balanço a cabeça concordando. Filippo parece fazer parte dessa mudança. A agência sozinha. Sorrio. ― Acho que vou ter que arrumar eu mesmo uns clientes para a agência e talvez injetar mais dinheiro. Enzo em lua de mel... ― E Filippo querendo uma. ― Os dois estão deitados na grama em um momento bem íntimo e acho que tenho que concordar com ela. ― Mas são dois meninos sérios. Tenho certeza que a agência está bem. Você mandou muitos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS clientes. Não pense que não sei que foi sua indicação que levou para eles metade ou mais dos clientes. ― Deixe que pensem que foram eles a conseguir, vovó. Faz bem para autoestima dos dois. Estão começando. Precisam se sentir seguros. Sei como é começar jovem demais. ― Não vou contar. Eu não entendo muito bem por que ajuda sempre em segredo, mas sou obrigada a respeitar. ― Deixo os dois na grama e me volto para ela. ― Prefiro assim. Acha que ele gosta dela ou está apenas... brincando? ― Filippo? afirmando.
―
Balanço
a
cabeça
― Chegou aqui às duas da manhã. Ela estava fugindo dele e ele veio atrás, isso significa muita coisa. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ela disse isso? Estava fugindo dele por que? Vovó se esse menino se atrever... ― Calma! ― ela me pede. ― Menino, você é muito ciumento. Estou com pena da sua futura esposa. ― Não começa com isso. Já me apresentou metade das moças solteiras da cidade. ― Já entendi! ― ela reclama. ― Kiara estava fugindo dos sentimentos eu acho e ela não me disse nada. São conclusões que tirei com minha experiência. Só isso. ― Ah! Achismos. Entendi. Seu jeito de ser. Como sempre. ― Não comece a me criticar, Vittorio. Sou sua avó. ― Ela tenta ser rígida e me calo. ― Vou pedir a Anna que tire o almoço. Não demore. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Como mais tarde. ― Come agora, com a família. Não invente desculpas. ― Você precisa parar de cuidar da minha vida, vovó. ― Ela não para de andar para me ouvir. ― E de hoje em diante eu mesmo compro minhas roupas. Inclusive as de dormir. ― Filippo fala demais. Vocês de menos. Precisamos de equilíbrio. Equilíbrio ― ela sai resmungando e volto para minha mesa. Não vou almoçar quando ela quer. Não mesmo. Sou um homem. Não vou deixar minha avó comandar minha vida. ― Estive pensando. ― Ainda aqui? ― Voltei. ― Ela se senta na cadeira a minha frente. ― O que? ― Aquela história do Enzo e a garotinha PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS não sai da minha cabeça. Anna disse não saber do que se trata, mas você sabe, ela é um túmulo. Sua discrição não permite que fale sobre nada. ― Realmente. Se tem alguém que saberia responder sobre isso é ela. ― Acontece que hoje quando olhava Kiara dormir eu me lembrei que na época tínhamos uma moça aqui. Esposa de um colono. Ela fazia a faxina, ajudava nas festas, na época da colheita. ― Acha que ela sabe? Ela vive aqui? ― Não. Foi demitida. Não sei por que. Eu viajava tanto. Devia ter estado mais em casa. De todo modo, se Anna não se abrir comigo Antônio vai ter que encontrar essa mulher. Me autoriza a investigar? Se começar a perguntar por aí o pessoal vai ficar de orelha em pé. ― Vovó, se for muito importante para PERIGOSAS ACHERON
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senhora. Vá em frente. Fiquei curioso quando o Enzo contou, mas depois pensei a respeito e acho que ele confundiu as coisas. Acho que brincou com alguma criança daqui mesmo. Se atrapalhou um pouco e foi só. ― Achei o mesmo até o broche da família entrar na história. Aquilo valia uma pequena fortuna. Não estaria nunca nas mãos de uma criança da Vila. ― Pode ser, vovó. Faça como quiser. ― Ela fica de pé. ― Ótimo. Vou dar mais uma chance da Anna conversar comigo, depois vou assuntar por aí. Venha para a mesa. ― Levanto e a acompanho. Só quando chego a sala é que me lembro que pretendia ser rebelde. Ela consegue tudo de mim com esse jeitinho intrometido dela.
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Capítulo 7
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Filippo ― Essas maquiagens todas, coloca aqui na gaveta do banheiro? ― grito para Kiara uns metros de mim arrumando o guarda-roupa novo. ― Tudo preto. Não tem nenhuma maquiagem rosinha não? ― Teria se eu fosse a Barbie ― ela grita de volta e faço careta. ― Conchinha! ― Sorrio para o espelho enquanto vou guardando as coisas. Estamos a uma hora organizando o novo quarto. ― Baby ― responde. Eu rio. Não estou bem certo se gosto do apelido, mas bem que queria que ela me arrumasse um. No fundo eu gosto de ter. Podia ser algo mais viril, mas é PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fofo. Fecho a gaveta e me olho no espelho. Fico em silêncio me lembrando do momento em que ficamos na grama. Eu bem que quis beijar Kiara. Não sabia que a boca dela era daquele jeito perfeito. Toda desenhada. Fico pensando o que aconteceria se eu a tivesse beijado. Não sei se ela iria gostar, também não seria um bom plano. Não pode ser um beijo despretensioso. Não com ela. Pela nossa história, pelo que somos e temos em comum. Não posso nem pensar em beijar Kiara se for apenas por curiosidade. Não é. Tem qualquer coisa nascendo em mim. Ninguém viaja o tanto que viajei sem sentir algo forte, mas vejo que Kiara tem medo de mim. Não é indiferente ou não teria se rendido quando estava bêbada, mas ela recua. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Como hoje e até achei bom. Não estava nada disposto a me afastar dela. Difícil não poder me abrir com meu melhor amigo sobre isso. Como vou contar algo assim para ele? “Tô afim de dar uns beijos na sua irmã”? Não parece um bom jeito de manter uma amizade. ― Está fugindo do trabalho, Filippo? ― ela pergunta surgindo na porta do banheiro e desperto. ― Não. maquiagem.
Estava...
guardando
a
― Vem me ajudar a empurrar a cômoda. ― De novo? ― Só um pouco mais perto da cama. ― Eu empurro e ela fica com a mão na cintura dando a direção. ― Mais um pouco para a direita. Isso, não. Foi demais. Volta um pouco. PERIGOSAS ACHERON
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Assim. Perfeito. ― Me ajudar? Eu faço tudo e você fica aí parada. E agora? ― Acabei. As roupas estão guardadas. São poucas. Cortinas no lugar. Abajur. Tudo pronto. O que achou do meu quarto? ― Muito melhor. Com cor e vida. Sem fantasmas. ― Eles andam preferindo o quarto de hóspedes. É o que ouvi por aí. ― Não tem graça brincar com os traumas das pessoas, Kiara. ― Faço minha cara mais séria e ela parece arrependida. ― Desculpe. Não achei que era algo... sinto muito. ― Ela fica bem linda com pena de mim. Eu podia deixar ela acreditar nisso mais um tempo, mas meu problema é ter coração mole. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Estou brincando. Não tenho trauma. Só medo mesmo. Baseado nos meus profundos conhecimentos de filmes de terror que se vê na adolescência e depois nunca mais se esquece. Aquele arrependimento eterno. ― Ridículo. ― Ela fica brava. ― O que vamos fazer agora? ― Como assim? Por que temos que fazer alguma coisa? ― Por que eu sou hiperativo e não sei ficar parado? ― Problema seu? Vá correr em torno da mansão. Eu não estou a fim de fazer nada. ― Que vontade de apertar ela. Eu ando bem estranho. ― O que está olhando? ― Eu? Nada? Estava pensando. Só isso. Nem estava te vendo ― minto. Agora essa. Ela me faz sentir bem confuso e faço coisas que PERIGOSAS ACHERON
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nunca fiz antes. Como correr atrás dela feito um bobalhão. Coisa que nunca fiz com Paola. Podia ficar dias sem vê-la. Podíamos ficar horas no mesmo ambiente e eu não tinha necessidade de chamar a atenção dela para mim e sim, aqui estou eu, mais uma vez comparando. ― Bolo. ― O que? ― Não ouvi quase nada do que ela disse, só a palavra bolo que não parece se encaixar em nenhum contexto. ― Eu disse que pode me ajudar a fazer um bolo. ― Eu ouvi. ― Ouviu? Então... ― Eu disse que tudo bem. É boa ideia. Está distraída, Kiara. Não está prestando atenção em mim. Deve ser essa sua cara de concha. ― Baby. ― Dou um passo em sua PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS direção. ― Não vem. ― Covarde. — Ela sai caminhando na frente e eu a sigo. Feito um cachorrinho. Baby cai muito bem, obrigado. Dá medo de ela me atirar uma bolinha e eu sair correndo para apanhar. ― Posso misturar os ingredientes? ― Não, mas pode lavar a louça. ― Aí não tem graça. Deixa? Quero aprender a cozinhar. Posso? ― Pode. Vai parar de ficar chato? ― Paro. ― E de me chamar de cara de concha? ― Não posso prometer isso. Sinto muito. ― Chegamos a cozinha. Kiara abre armários, pega utensílios, enquanto fico esperando para ajudar. ― Tem um livro de receitas da vovó? ― Vovó não costuma cozinhar. A Anna PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS faz isso no dia a dia. ― Aprendeu mesmo com sua mãe. Eu lembro do bolo de chocolate dela. Acho que era o melhor que já comi na vida. ― Podemos fazer. Eu sei. ― Sério? Eu misturo as coisas? ― Pode ser. Vamos lá então. ― Ela vai me passando os ingredientes, me dando ordens, passando dicas. Kiara gosta de cozinhar. Leva jeito para ensinar. A massa fica cada vez melhor e quando despejo na forma está com cara de que vai mesmo virar um bolo. ― Cobertura ― decido. ― Eu faço de novo. Estou um cozinheiro de mão cheia. ― Comece picando o chocolate enquanto eu pego o licor lá na sala. ― Vai beber? ― a pergunta escapa. Não era para parecer uma crítica. Ela me olha um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS momento. ― Não sou dependente, nem bebo porque preciso. Para ser sincera, não pensei nisso. Era para a cobertura. ― Deixei Kiara triste e não gosto de provocar isso. ― Me dá um abraço? ― Hã? ― Ela fica surpresa. ― Eu poderia só te abraçar, mas eu acho que não gosta muito, então estou pedindo um abraço. É meu pedido de desculpas, não quis te magoar. ― Eu não estou magoada ― ela avisa com os olhos mais tristes que existem e eu só quero saber, entender, mas ela não fala, não se abre, então fico sem entender. ― Vou pegar o licor. ― Sem abraço então? ― Kiara fica corada. Eu gosto. Dá para notar agora que boa PERIGOSAS ACHERON
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parte da maquiagem que ela fez pela manhã e não retocou está saindo. Sem muito ânimo ela vem até mim e eu a abraço. ― Uma conchinha muito carinhosa. ― Um baby muito bobo. ― Ela se afasta e isso foi bem bom. Estamos flertando. Pelo menos eu estou. Estou flertando com a Kiara e preciso pensar sobre isso. Algo me diz que isso não é de hoje. Algo me diz que sinto qualquer coisa há muito tempo. ― Pronto. Não vai picar? ― Ela está de volta com uma garrafa na mão e eu ainda parado feito um idiota. Começo o trabalho de picar meia barra de chocolate. Vamos conversando sobre culinária, as coisas que ela gosta de cozinhar. O cheiro do bolo e do chocolate derretido se espalha pela cozinha. Quando me dou conta fizemos juntos um bolo de chocolate e ele está lindo sobre a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mesa. ― Melhor comermos. ― Tem que esfriar, Filippo. ― Sério? ― Sim. Quer me ajudar a limpar? ― Aceito, não vou deixar tudo para ela. Eu lavo a louça que sujamos enquanto ela vai arrumando as bagunças. ― Quero voltar amanhã. Não esperava por essa. Acho bom, preciso mesmo trabalhar, só não gosto da ideia de deixá-la sozinha na mansão. ― Me ouviu, Filippo? Quero voltar amanhã. ― Sim. Comigo, de carro? ― Claro. Quer ficar? Estou falando só por que você disse que estava aqui por mim, quer dizer... que estava aqui só... quer voltar? ― PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ela resolve não prolongar seu dilema interno. Faço que sim. Não acho que estou flertando sozinho. ― Sim, conchinha. ― Não resisto a ouvir ela me chamar de baby, é bem fofo. ― Então voltamos amanhã, baby. ― Vou dizer que me chama de baby pois me acha seu baby, não vou contar que é porque me acha um labrador babão. Nós nos viramos e damos de cara com Vittorio. Ele está com um ar de decepção. É quase uma angústia e acho que tem a ver com os apelidos, ele faz uma cara engraçada que não resisto. Tenho que rir. ― Vim beber interromper nada.
água.
Não
queria
― Não quer bolo? ― Kiara pergunta. ― Eu que fiz. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu que fiz ― corrijo. ― O baby fez. A conchinha só deu dicas. ― E se acha com moral de reclamar do meu pijama ― ele diz abrindo a geladeira e tirando uma garrafinha de água. ― As voltas que o mundo dá. Vittorio caminha para deixar a cozinha. Eu rindo. Kiara no meio de uma careta. ― Não quer o bolo que fizemos? ― Já escovei os dentes. ― Seu olhar encontra o dela. Vittorio percebe a decepção da irmã. ― Mas posso escovar de novo. Me serve um pedaço. Vamos ver se está bom. ― “Ah! Se abracem”, eu penso, mas não digo, não quero estragar a pequena conexão. Kiara serve três fatias, acho que ele tem planos de pegar seu pratinho e sair, não se eu puder impedir. Não é possível que esses dois não PERIGOSAS ACHERON
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possam dividir um momento juntos. ― Senta aí, Vittorio. Vamos ver se realmente aprova. ― O irmão mais velho puxa uma cadeira e se senta conosco. Experimento. Muito orgulhoso do meu feito eu descubro que está perfeito. ― Igualzinho... ― Me calo. Dizer mãe, vai magoar o cara. Não sei direito o que aconteceu no passado deles, mas sei que a palavra mãe não cai bem para ele, ainda mais quando se refere a dele. ― Igualzinho esses que compramos. Não acha? ― Não. Está muito melhor ― Kiara responde. ― Está muito saboroso mesmo. ― Vittorio completa. ― Cozinha bem Kiara. Devia montar uma delicatessen. ― Eu? ― Ela fica surpresa. ― Sim. Eu concordo com o Vittorio. PERIGOSAS ACHERON
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Você gosta de cozinhar. Podia montar uma lojinha despretensiosa, só com doces e cafés. Um chocolate quente. Abriria pela hora do almoço e fecharia por volta das sete. Sempre pontual, assim os doces estariam sempre frescos, em pouca quantidade, quase feitos na hora, daria um tom de exclusividade, as pessoas correriam para não perder a hora de fechar e levariam sobremesas para os jantares especiais. Ou comeriam uma fatia de bolo no lugar do almoço em dias frios ou tristes em que elas querem fugir do regime ou esquecer os problemas. Kiara Doces. Faço o logotipo, desenhamos uma caixinha elegante para a viagem. Pode colocar mensagens românticas nas caixinhas. ― E eu é que leio romances? ― ela me pergunta. Eu viajo, mas isso é meu talento para publicidade. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Já disse que a minha mãe lê ― defendo-me. ― Me ajuda, Vittorio. Convence sua irmã. ― Dinheiro você tem. ― Você não é bom nisso de convencer, Vittorio. Ah! O Vittorio vai criar um vinho especial. Um que combina bem com doces, não sei se existe, ele inventa. Vai ser exclusivo. Só vai vender na sua loja. Homens apaixonados vão pedir garotas bonitas em casamento na sua lojinha de doces tomando o vinho Kiara. Não é Vittorio? ― É ― ele diz sem muita convicção, olhando de um para o outro. ― Não ― Kiara responde com sua insegurança clara. ― Ouviu, Vittorio? Ela vai pensar. Kiara é esperta. Não vai sair dizendo não de uma vez. PERIGOSAS ACHERON
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Ela vai pensar enquanto o enólogo vai criando o vinho Kiara. Um vinho que combina muito com doces. ― O cacau, a gordura, muito açúcar, pedem algo mais forte, com mais acidez, com aroma e sabor marcante. Um rótulo com a intensidade do chocolate. ― Vittorio comenta com seu talento para vinho. ― Vê? Forte, ácido e marcante. Sua cara. Vai se chamar Kiara. Ela fica me olhando, não sei bem se está mesmo emocionada com a ideia como está parecendo, mas acho que posso convencê-la a tentar. Olho para Vittorio e ele parece feliz. Até meio encantado. ― Vou deixá-los decidindo ― ele diz e ela balança a cabeça negando. ― Eu... eu não tenho técnica nenhuma. PERIGOSAS ACHERON
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Nunca estudei isso. ― Não precisa. Aí está a graça da Kiara Doces. Não são doces feitos por chefs de cozinha. São aquelas receitas que lembram a casa da gente. Não a minha. A casa de gente que aprendeu a cozinhar com a mãe. Como você. Quando chegava do colégio e ia ajudar sua mãe, eu lembro. Gostava de ver, porque minha mãe cozinha mal e lá na sua casa tinha aquele cheiro de boa comida. Vittorio fica de pé e nos deixa, eu me sinto mal, ele sai sem dizer nada e sei que é minha culpa. Acabei me empolgando e falei demais. Ele ficou magoado, que boca essa minha. ― Droga. Vai lá, Kiara. Acho que chateie ele com esse negócio de mãe. ― Vamos esquecer isso. Eu não saberia PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS administrar um negócio. Não... obrigada por querer tentar, mas continuo como uma herdeira inútil, é mais a minha cara. ― Não é. Vai lá falar com o Vittorio e te espero no quarto. Aí continuamos essa discussão. Vendo um filme até eu dormir. Mudou de quarto de novo e não é mais minha vizinha. Vou ter medo de fantasmas. Não é de todo mentira, apesar de ser um truque para ficar mais tempo com ela. Kiara fica de pé. Olha para a porta e depois para mim. Está preocupada com essa coisa de procurar o irmão e nem registrou meu convite. É bom, assim ela vai me encontrar meio que no impulso. ― Tenho que ir mesmo? ― Tem. ― O que eu vou dizer? Nenhum dos dois quer remexer essa coisa com a mamãe. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não fala nada disso. Pede uma caneta emprestada. ― Filippo. Seu plano é ridículo. Para que eu iria atrás dele pedir uma caneta? ― Sei lá. Não funciono sob pressão. ― Fico um segundo pensando. ― Ah! Já sei, avisa que vai embora comigo e não vai usar o helicóptero e pergunta... do tempo, dos cachorros. ― Tá. Eu vou. Tampa o bolo. Ela deixa a cozinha e sorrio. Eu sou bom em unir esses irmãos. Vovó Pietra vai até me querer na família. Ela pensa que eu não peguei aquela dica de quarto de casal. Subo correndo para o quarto. Vai que a maluquinha me encontra na cozinha e não aceita meu convite de ver televisão comigo até eu dormir. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Estou ajeitando a cama quando ela entra. Fico atento a sua cara. Não levou nem dois minutos. ― E aí? ― Fiquei nervosa, me sentindo ridícula. ― Ela ergue a mão e me mostra uma caneta. ― Acabei pedindo uma caneta emprestada. Você é oficialmente um idiota. Caio na cama no meio do meu acesso de riso. Ela com a expressão completamente desolada com uma caneta na mão e eu sem conseguir parar de rir. ― E ele? ― Ela balança a caneta em resposta. ― Me entregou uma caneta. Agora deve estar ligando para alguma clínica psiquiátrica para virem me buscar. Meu riso a contagia e logo estamos os PERIGOSAS ACHERON
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dois em uma crise de riso e ela fica linda rindo. Os olhos brilham. Combina com ela. Rir combina com Kiara, por mais que ela não queira admitir. Gosto de ver. ― Se visse a cara dele. ― Ela tenta controlar o riso. ― Vittorio.... você pode me emprestar uma caneta? E ele... ele ficou um segundo com a cara mais engraçada do mundo, depois pegou a caneta na mesinha me entregou e eu... eu só... disse boa noite e saí. Foi ridículo. ― Mas também. Que ideia essa sua. Pedir uma caneta? ― Minha Filippo? Ideia sua, baby. ― Não posso deixar de notar que ela me chamou de baby sem eu chamá-la de conchinha. Acho que ela gosta de me dar um apelido fofo. Gosto dela. A lucidez me toma de assalto. Gosto dela como mulher. Gosto dela. Não devia. PERIGOSAS ACHERON
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Não é tempo, não depois de tanto tempo numa história como eu estive com Paola. Não quando ela parece ainda ferida e talvez pouco inclinada para um romance, mas eu gosto. Não sei se gosto desde hoje, ou desde sempre, só gosto. Gosto muito. ― Estou passando mal de tanto rir ― ela me avisa controlando o riso. Não vou dizer a ela. Podia e talvez fosse certo me afastar, mas eu não tenho vocação para fugir do que me faz bem. Então só guardo essa pequena e ainda prematura verdade para mim. ― Rir é bom. O riso se vai. Uma tristeza passa por seus olhos. Quero cuidar dela. Mesmo ela não parecendo muito interessada em cuidados. ― Faz tempo... Acho que é tarde. Melhor... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Fica um pouco aqui. Estou com medo dos fantasmas terem migrado. Vê um filme comigo. Desenho. Desenho é mais seguro. Vem. Senta aqui. Dou espaço para ela na cama. Kiara fica. Tira os sapatos e se encolhe ao meu lado. Não exatamente ao meu lado. Apenas na mesma cama. Tem espaço para um rinoceronte entre nós, mas já é um começo. ― Desenho é bom. Vejo sempre. Afasta... afasta tudo ― ela me diz e concordo. ― Até fantasma. Quando eu era criança e ficava com medo meu pai ligava minha televisão no desenho. Mentia para minha mãe que tinha me feito dormir e deixava eu ver desenho a noite toda. ― Eles são legais. ― No próximo domingo eu prometi PERIGOSAS ACHERON
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almoçar com eles. Vem comigo? ― Ela me olha. ― Eu sei que a comida da minha mãe é péssima, mas te pago um gelato depois. Para tirar o gosto. Eles vão gostar. ― Não vou diminuir a maquiagem, nem mudar minhas roupas só para ir na casa dos seus pais. ― Kiara. Quem parece que não gosta das roupas e da maquiagem é você. Não pedi isso. Convidei você para ir na casa dos meus pais. Só isso. ― Por que acha que não gosto de como me visto e todo o resto? ― Porque está sempre comentando que não vai mudar, que é assim, se gostasse, se fosse o que te faz feliz você simplesmente usaria e pronto. Sem se preocupar. Seria sua natureza. ― Psicologia de mesa de bar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vai comigo ou não? ― Vou ― ela responde se concentrando na televisão. ― Vamos ver o desenho? ― Está me magoando. Depois não adianta vir me pedir uma caneta. ― Ela volta a rir e eu também. Nunca mais vou esquecer essa. ― Baby bobo. ― Ah! Na Kiara Doces, uma vez por mês, você vai dar aulas para crianças. Sim. Vai ter um dia em que vai pegar uma turma de crianças e eles vão fazer seus próprios doces. Vão poder comer juntos no fim da aula. Sujos de chocolate e creme. Felizes. Não vai cobrar nada. Será um dia para crianças simples. Um presente. ― Para de sonhar com isso. Eu não sou assim. ― É sim. E eu vou provar isso. Me aguarde. Agora para de falar que eu quero ver o PERIGOSAS ACHERON
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desenho.
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Capítulo 8
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Kiara Filippo tem tanta energia e passa o dia tão agitado e cheio de planos que parece o Matteo. Até que finalmente se distrai com o desenho e pega no sono. Quero deixar o quarto, mas não consigo parar de olhar para ele. É bom poder olhar sem medo de ser descoberta. Ele é bonito. O rosto dele tem traços definidos. Gosto da boca. Gosto dos lábios. Dá vontade de saber que gosto tem o beijo dele, vontade de sentir os lábios dele. Dá medo também. Eu me ajeito ao lado dele. Não posso dormir. Só que sair daqui e ir ficar sozinha no meu novo quarto é tão difícil. Filippo tem o sono profundo e sinto inveja dessa capacidade. Meu sono é leve. Eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tranco a porta com chave e durmo sempre achando que o trinco vai girar e aquele monstro vai tentar entrar como tentava noite sim, noite não. Foi para fugir dele que aprendi um jeito de sair pela janela. Ninguém sabe o que eu passei, o medo que eu sentia. Ninguém sabe o que é se sentir carne apenas. De segunda linha. Ainda por cima. Tenho vontade de me aninhar pertinho dele e adormecer. Sinto falta do Giovanne. Dele no meu quarto arrastando um saco de se colocando ao lado da minha cama para cuidar de mim do jeito doido que de fazer isso.
entrando dormir e no chão, ele tinha
Era o pai dele e a confusão que tudo aquilo criou dentro dele foi demais. Amar e odiar o pai ao mesmo tempo não foi suportável. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele já vivia esse dilema com o Vittorio. Pensamos tantas vezes que o Vittorio não se importava. Ainda penso às vezes. Mamãe ficou dias naquela cama entre a vida e a morte e ele não foi. Queria tanto que ele tivesse ido se despedir dela. Queria tanto que ele tivesse estado ali ao menos um momento. Seria tão mais fácil perdoar todas as mágoas do passado se soubesse que ao menos ele foi capaz de passar por cima de tudo e ir se despedir. Passo a mão pelo rosto secando as lágrimas. Quando a memória chega sem aviso me jogando no passado eu simplesmente me rendo a dor e a mágoa. Sinto vontade de cutucar Filippo. Exigir que abra os olhos e não durma nunca. Que me faça rir e sonhar bobagens como uma loja de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS doces com meu nome e um vinho em minha homenagem. Isso faz o passado ficar em seu lugar ideal. Um espacinho pequeno e sem importância em uma gavetinha qualquer em um canto escondido. Dá vontade de ficar na Vila De Marttino para sempre. Enquanto estamos aqui é um mundo encantado. A terra do nunca do Peter Pan que agora dorme sem medo. Eu sei exatamente o dia em que me apaixonei por Filippo Sansone. Era uma tarde gelada de inverno. Eu estava sozinha em casa. Tinha quinze anos e ele chegou animado. Queria ver o Enzo. Tinha uma festa com a namorada. Precisava aprender a dançar e me convenceu a treinar com ele e passamos a tarde rindo, dançando. Deslizando pela sala atrapalhados e bobos. Em algum momento nos olhamos e eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sabia que gostaria dele para sempre e que nunca poderia ser eu a garota que dançaria com ele no baile. Porque ele pertencia a Paola e era feliz com ela. Minha mão vai em direção aos cabelos dele, mas paro no meio do caminho. Coragem nunca fez parte de minha essência. Recuo. Hora de me retirar. Amanhã voltamos para casa. Não posso prendê-lo aqui e ele não vai se eu não for. ― Boa noite, baby ― sussurro antes de deixar o quarto em silêncio. Gosto do quarto novo. É alegre e bonito. Tão alegre e tão bonito que nem parece meu. Acabo dormindo, um sono sem sonhos. Não sonho nunca. Já tive pesadelos, mas sonhos. Esses eu nunca tive. Ainda mais aqui. Quando não tranco a porta como gostaria, deixo encostada, porque não quero chamar atenção sobre isso. Tento me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS convencer que está seguro, mas eu não consigo não pensar que não está. Encontro Filippo tomando café. Comer parece ser mais um de seus talentos. Ele se diverte a mesa com vovó. Come um pouco de tudo e fico fingindo comer uma torrada e tomar uma xícara de café. ― Gostei tanto de vocês dois aqui. Quando voltam? ― vovó questiona. ― Vamos almoçar com meus pais no próximo domingo, vovó. Se tudo der certo no outro a gente vem. Kiara é rica e só precisa chamar o helicóptero. Isso é bem legal. ― Vocês vêm mesmo, querida? Talvez Vittorio tenha que viajar. Seria bom ter você aqui. ― Acho que tudo bem. ― Dessa vez não foi tão sufocante estar aqui. Não tem mais a PERIGOSAS ACHERON
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culpa de estar enquanto Giovanne não pode apreciar as vantagens da Vila De Marttino. Talvez seja por isso que agora não sinto asfixia aqui. ― Contei para a vovó sobre a sua loja de doces. Ela amou. Disse que vai adorar te ajudar com os detalhes da decoração. ― Também quero ajudar quando for dar aulas para as crianças carentes. Pensei que um dia eu podia levar as crianças dos colonos. Não seria incrível? ― Eu não tenho uma loja de doces vovó. Isso é coisa da cabeça do Filippo. ― A caravana passa e os cães ladram, já dizia Dom Quixote. Então não fique parada. ― Ele olha para a vovó. ― Ela vai aceitar, vovó. Já sinto o gosto dos mil doces que vou comer de graça. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vai pagar como todo mundo ― digo indignada e ele sorri. ― Viu vovó. A loja de doces vem aí. ― Não foi o que eu disse. ― Querida, foi sim. ― Vovó fica do lado de dele e me ponho de pé. ― Temos que ir, vovó. Pegar a estrada. Vamos voltar de carro. ― Posso esperá-los em duas semanas? ― Pode, vovó. Nos espere com um bolo e muita comida. ― Filippo beija sua testa. ― Gostou de me ter aqui? ― Muito. ― Quer me adotar? ― Já o sinto da família, Filippo. ― Vovó aperta sua mão que ele leva aos lábios galante. Beija e sorri. ― Pode chegar sem avisar às duas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS da manhã sempre que quiser. ― Basta ligar avisando. ― Vittorio chega para o café e lembro da caneta e não sei se rio ou me escondo. ― Eles estão de partido, Vittorio, mas retornam em duas semanas — vovó o avisa. Ele fica calado. Sério. Eu não sei direito se ele se importa, pois em alguns momentos parece que sim e em outros parece que não. Abraço minha avó. Não sou muito de fazer isso, mas estamos nos despedindo. Então é um abraço de despedida. Dou um beijo no rosto de Vittorio. Coisa rápida. Não sei direito como lidar com ele. ― Tchau, helicóptero.
Vittorio.
Obrigada
pelo
― É seu. Para levar e trazer a qualquer hora, por qualquer razão. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Obrigada. ― Tchau, Vittorio. Quer um abraço? ― Filippo diz a meu irmão que junta as sobrancelhas, olha para ele e depois para mim e estou de novo querendo rir. ― Estou no escritório, vovó. Mais tarde vou correr os vinhedos ― Vittorio avisa sem responder a Filippo. ― Nada de abraço então. Vocês são difíceis. ― Filippo continua. ― Boa viagem. Dirija com cuidado, Filippo, atenção dobrada na estrada ― Vittorio diz a ele me fazendo achar ainda mais graça. ― Kiara, quantas fotos do Matteo você recebeu esses dias? ― ele me pergunta enquanto coloco a mochila nas costas. ― Acho que duas. Não sei, talvez três. ― Por hora? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não. Desde a partida deles. ― Foi o que pensei. ― Vittorio nos dá as costas. Vovó ri com a mão na boca para não ser percebida e acho bonitinho. Tenho impulsos de ir até ela e beijá-la mais uma vez, mas não faço. Seguimos de carro em direção a Florença. Uma viagem que parece passar de modo tranquilo. Ouvimos música, lembramos momentos, Filippo faz planos para minha loja e discutimos vez por outra. O tempo vai passando. Paramos no caminho para almoçar e me sinto leve. ― Eu tenho que ir direto para a agência, mas acho que devia ir me encontrar no fim da tarde. O que acha? ― Para que? ― Às vezes Filippo me confunde. Eu não sei onde estamos indo ou o que está acontecendo na maior parte do tempo. PERIGOSAS ACHERON
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Isso é confuso. ― Não sei. Jantar. Cinema. Nada. ― Ele dá de ombros. ― Vai ficar sozinha naquela mansão. Vamos fazer qualquer coisa juntos. ― Eu passo. Depois das sete? ― Pode ser. Tenho tanta coisa para colocar em dia na agência. Te deixo na sua casa antes de ir trabalhar e passa lá para sairmos. ― Posso fazer isso. Não quero de jeito nenhum ficar sozinha e quero tentar não sair por aí. Beber. Encontrar com gente como Ítalo. Quem sabe eu consigo dar um tempo nessa coisa toda. Não para sempre. Só por agora. Sem pressão. Filippo me deixa em frente a mansão e aceno enquanto vejo o carro partir. Fecho os portões e atravesso o jardim. Essa casa é a cara da vida que Enzo e Bianca querem dividir, mas não tem nada a ver comigo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Se fosse minha escolha teria um lugar pequeno, que me fizesse sentir protegida. Vou direto para meu quarto. Não sei direito o que vou fazer com meu tempo. Até sete da noite posso ler um pouco. Talvez ver um filme. Ficar sóbria torna as coisas bem tediosas, a bebida ao menos tira um pouco a dimensão do tempo e me deixa fora da roda da vida. Retiro as coisas da mochila e encaro o cantil. Vovó sabia. Ela sempre soube que estava comigo e ainda me sinto envergonhada pelo que fiz. Está vazio agora. Talvez eu devesse fazer como meu bisavô e colocar água aqui. ― Vamos com calma, Kiara. Quando Enzo voltar e Filippo declinar do posto de cuidador o cantil e a vodca voltam a seus as companhias fieis. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu me atiro na cama e sinto algo machucar minhas costas, então encontro o celular esquecido. Toco a tela. Sem bateria. Claro. Ficou jogado na cama todos esses dias. Coloco para carregar e entro no chuveiro pensando que saí daqui querendo a morte e voltei sonhando com a vida. Filippo fez isso. Enquanto escovo os cabelos em frente ao espelho penso em como seria se ele me quisesse. Acho que eu fugiria. Tenho medo de não saber como me comportar. Ele é todo certinho. Namorou um tempão. Eu não sei viver uma relação assim. Em dois tempos, acabaria me comportando como uma boba e ele me mandaria para o inferno. ― Paola. Você é muito burra. Trocar o Filippo por um idiota famosinho. Que tolice. ― Volto para o quarto. Pego o esmalte preto e pinto PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS as unhas. Depois me maquio ainda na cama. Carrego no preto. Quanto mais sozinha, mas pesada a maquiagem. Não fica bom. Isso é ótimo. Caço um chiclete na mochila. Acendo um cigarro e de modo mecânico levo o cantil a boca. Não sai nada e me lembro. Atiro o cantil sobre a cama. Meu celular vibra. Ergo o aparelho. Dez chamadas perdidas. Aposto que foi o Enzo. Nem nos falamos, mas ele sabia que eu estava com a vovó. Não deve ter ficado preocupado. O número é desconhecido. Será que dei meu telefone para alguém naquele bar? Estava tão bêbada que posso ter feito isso. Tenho vontade de ligar e descobrir. Melhor não. Eu ando querendo não me meter em encrencas. Ele volta a vibrar. E se for algum telefone novo que meu irmão comprou na viagem? Ou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quem sabe a Bianca? Melhor atender. O que pode dar errado em atender um telefone? Se for algum idiota que eu conheci bêbada eu mando para o inferno e a vida segue. ― Alô. ― Kiara? ― Sim. Quem fala? ― Andou ocupada. Estou tentando todos esses dias. ― Quem fala? ― O tom, o modo de falar. Tudo me lembra os amigos de Giovanne. ― Gata, você andou sumida. Foi bom te ver de volta à ativa. Fez um belo estrago na camisa do Ítalo. Ele virou piada. ― Vou desligar. ― Meu coração dispara. As lembranças se misturam a um medo que não sei de onde vem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Calma. Que desespero. Eu ia falar com você. Estava me aproximando, mas aí o cavaleiro chegou para o resgate e fiquei na minha. Tenho telefonado, mas você sumiu. ― Vou desligar e não liga mais. ― Quer a caneta de volta? ― Aperto o aparelho. Agora sim estou assustada e curiosa. A caneta. Vovó nem sonha que está perdida. Falamos sobre ela, de como é importante para ela. Era importante para o Enzo. ― Está comigo, Marco. Lembra de mim? Giovanne e eu... ― Eu sei. Seriam futuros sócios no tráfico. ― Ele ri. ― Seu irmão não sabia uma regra básica sobre vender drogas. Não se consome o produto. Não tem traficante viciado, gata. Só morto. Como seu irmão. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vai para o inferno. ― Bom. Por mim tudo bem, vendo a caneta então. Eu achei que podia pagar um resgate por ela e ter a relíquia de família de volta. Para mim tanto faz. Só quero mesmo a grana. ― Espera. ― Eu posso devolver isso ao Enzo. Ele ficaria feliz. É só pagar e pegar de volta. O que pode dar errado? ― Sim, gata. Vamos negociar. Cinco mil euros. ― O que? ― Gata, me ofereceram quatro mil por ela. Vai pagar uma taxa extra pela preferência, é uma caneta de família. Tem história. O Giovanne nem teve coragem de vender. Deixou comigo, ele achou que daria outro jeito. Não deu tempo. Quer de volta ou não? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Me dá um minuto. Tenho esse dinheiro numa poupança que só o Enzo mexe. Dinheiro da minha pensão mensal que sobra e ele guarda. Não sei como posso fazê-lo me deixar mexer nisso. Preciso de uma desculpa razoável. ― Uma semana e eu consigo a grana. ― Gata, você não está entendendo. Tem até às cinco da tarde. Está dentro ou fora? ― É muito dinheiro. Eu não consigo levantar assim, do nada. ― Acha que pode me fazer de idiota? É uma De Marttino. Basta pedir ao seu gerente. Será? Chego na minha agência e digo que preciso de cinco mil euros e eles me dão? Penso um momento. A verdade é que acho que pode mesmo dar certo. Tem a poupança em meu nome. As contas que o Enzo movimenta, meu PERIGOSAS ACHERON
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irmão Vittorio. Ninguém questionaria nada. ― Me dá sua conta e transfiro o dinheiro. ― Você é sempre burra assim? Ou está fingindo? ― Quer fazer negócio? Eu deposito. Já disse que estou interessada. ― Me encontra no galpão, às cinco da tarde com o dinheiro e devolvo a caneta. Não vou esperar nem um minuto a mais. ― No galpão onde... ― Onde seu irmão morreu. Sim. Esse mesmo. Acabou tudo por lá. Meus negócios faliram graças aquela cena patética. Você vai até lá, me dá a grana e eu te dou a caneta e sumimos da vida um do outro. Cinco horas. Tenho duas horas para levantar o dinheiro. Pego a caneta e ainda chego a agência a tempo. Filippo nem vai perceber e quando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Enzo chegar eu conto a ele. Talvez ele fique bravo, mas ele iria se estivesse aqui. A caneta é importante. Deve valer bem mais que isso na mão de um colecionador. Por conta do brasão da família. Pego minha bolsa e deixo a mansão. Dessa vez levo o celular. Se Filippo resolve me telefonar e não atendo eu não duvido que ele acione a polícia. Se Enzo viajar de novo eu vou implorar para não pedir ao amigo que fique de olho em mim. Claro que gosto dos cuidados, mas ele está parando a própria vida e ele não precisa disso. Pego um táxi até a agência bancária. Cruzo a porta e ganho olhares. As botas, a saia curta e a maquiagem são tudo que as pessoas enxergam. É tudo que quero que elas vejam. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Subo um lance de escadas e estou no ambiente acarpetado da gerência. Uma jovem vem em minha direção, estende a mão e acho que me conhece, tamanha sua gentileza. ― Preciso dar uma palavrinha com meu gerente. ― Claro, senhorita De Marttino. Por favor, me acompanhe. ― Sabia que toda essa gentileza tinha sobrenome. Um homem calvo e de terno escuro me recebe de modo solícito. Sento em uma cadeira e corro os olhos pelo ambiente monótono. ― Em que posso ajudá-la, senhorita De Marttino? ― Acabo de passar por uma linda bolsa e fiquei encantada. Acredite, não tenho dinheiro para comprá-la. Preciso de cinco mil dólares. O homem ergue uma sobrancelha. Ele PERIGOSAS ACHERON
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deve estar chocado. Pior é saber que bolsas podem custar muito mais que isso. Não tenho nenhuma, nem teria, mesmo que o Kiara Doces existisse e me deixasse rica ainda não pagaria por algo assim. ― Está sem seu cartão de crédito eu presumo. ― Presumiu certo. ― De certo o negócio não pode esperar e estava aqui perto. ― Ele parece muito disposto a me arrumar desculpas. Acho que não é a primeira vez que jovens milionários o procuram para comprar falsas bolsas. ― Uma quadra. ― Sorrio de modo cínico. ― Precisa assinar aqui e aguardar um momento enquanto vou buscar o dinheiro. ― Claro. Acho que o senhor não se PERIGOSAS ACHERON
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incomodaria de manter essa visita com discrição. Meus irmãos acham um absurdo esse meu gosto por...bolsas. ― Sim. Entendo perfeitamente. ― Assino o papel e o homem me deixa. Enquanto espero penso se ele não vai voltar com a polícia. Ou se daqui uns minutos o helicóptero de Vittorio não vai pousar no meio da praça para ele mesmo me arrancar do banco em um ataque de fúria. Nada disso acontece. O homem retorna com um envelope e coloco na mochila. Ótima desculpa, Kiara. A garota que anda com essa velha mochila detonada tem pelo menos dois anos comprando bolsa de cinco mil dólares. O homem nem precisava ser um detetive para entender que não estou trabalhando com a verdade. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Pego um táxi. Quando me sento e indico o caminho meu celular toca. Atendo quando vejo o nome de Filippo surgir. Podia ter uma foto dele. Podia estar escrito baby, talvez eu faça isso. ― Oi ― digo com a voz um pouco tensa. Encontrar Marco e voltar aquele lugar. Eu não acredito que vou ter forças para fazer isso. ― Buzinas. Onde está? ― Num táxi. ― Ah. ― Ele fica calado. Posso sentir sua vontade de me questionar sobre onde estou lutando com a prudência de não invadir meu espaço. Se vou mentir é melhor começar de uma vez. ― Fiquei entediada e decidi dar uma volta. Vou fazer um passeio e depois sigo para a agência. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Pode vir direto. Fica aqui um pouco. Dá uma volta pela agência. Me ajuda. ― Eu... eu... ― quero loucamente dizer sim, saltar do táxi e correr para perto dele. ― Eu já estou no meio do caminho do... museu. ― Museu? Que museu? Não gosta de museu. ― Para ver como estou entediada. Chego aí logo. Antes do combinado. Só vou dar uma volta. ― Sentiu minha falta quando se viu sozinha na mansão? Que droga de pergunta é essa? O que diabos ele quer de mim? Não vê que me faz sonhar e sofrer quando meus pés tocam o chão e o espelho cruza meu caminho. ― Daqui a pouco estou aí. ― Difícil de abraçar. Difícil de admitir PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS saudade. Às vezes acho que o Enzo foi adotado. Eu peço que ele diga que me ama e ele diz na hora. Sem drama. ― Faço careta. ― Que romântico. Confesso que nunca tinha pensado em vocês dois assim. ― O homem vira a rua e toco seu ombro pedindo que pare. ― Engraçadinha. ― Tenho que desligar, Filippo. Até mais tarde. ― Guardo o celular. ― Pronto, senhorita. ― Se importa de me esperar aqui? ― O homem passa os olhos pelo ambiente e nega. ― Sinto muito, senhora. Aqui não é lugar de ficar esperando. Nem devia estar aqui. ― Ele me olha pelo retrovisor, dá uma boa olhada. ― Mas deve saber onde está se metendo. Entrego as notas para ele e salto batendo a porta. Depois me arrependo. Ele está certo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Aperto as alças da mochila nos ombros. Caminho com as botas de saltos altos pelos paralelepípedos com cuidado. Meu coração a mil. Droga de plano estúpido esse meu. Vir sozinha aqui e me enfiar no lugar mais horrível em que já estive. Por uma maldita caneta. Marco não tem porque me fazer mal. O que ele ganharia com isso? Encaro o chão sem forças para olhar em direção onde tudo aconteceu. Escuto as vozes angustiadas de Vittorio e Enzo ecoando por meu cérebro. Penso em Vittorio na interminável massagem cardíaca. Na dor dele. Na dor de todos nós e nos olhos de Giovanne. No seu medo, no seu arrependimento. Meus olhos marejam. Penso em dar meia volta. É tolice. Não PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quero me encontrar com o passado de Giovanne. Ele se foi. Levou a caneta com ele. Que se dane. É tolice. Enzo já superou e vovó não precisa saber. Giro nos calcanhares decidida a voltar. Nem sei por que entrei aqui. ― Kiara. ― A voz de Marco me chega aos ouvidos e me volto. ― Sabia que viria. ― Cadê a caneta. O táxi me espera. ― Claro. Me acha mesmo otário. ― Ele tira a caneta do bolso. Balança e abro a mochila. Estamos uns metros afastados. Pego o pacote com o dinheiro. ― Estou com pressa. ― Minhas pernas não colaboram. Estendo o envelope, mas não tenho forças para me aproximar mais. ― Meu negócio ia muito bem. Eu estava ganhando a confiança do Dom. Ganhando mais PERIGOSAS ACHERON
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territórios. Até o otário do seu irmão me colocar nessa merda de confusão. Cinco mil não pagam os malditos prejuízos que ele me deu. Dom me deixou vivo, mas ficou cada vez mais difícil trabalhar. Perdi território. Perdi clientes. Esse lugar ficou monitorado por um tempo e os clientes migraram. Sabe que tenho um filho para sustentar? Drogas era meu negócio. ― Pega o dinheiro, me dá a caneta e vamos acabar com isso. Tenho que ir. ― Vocês ricos acham que podem tudo. Brincam com a vida das pessoas e tudo bem. Sinto minhas pernas e braços tremerem de medo. Se tivesse bebido qualquer coisa, mas isso tudo a seco. Não é mesmo fácil. Ele acende um cigarro. Caminha até mim e me entrega, pego com medo de perturbá-lo. Marco acende um para ele e me olha de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS um modo estranho. Raivoso. Trago o cigarro. Sinto meu corpo relaxar quando a fumaça invade meus pulmões, solto a fumaça e encaro Marco. ― Giovanne perdeu a cabeça. Eu sinto muito. Pegue o dinheiro. ― Ele pega o pacote e estende a caneta. Coloco na mochila. ― Tenho que ir. Marco segura meu braço, meu coração parece parar de bater um momento. Estamos sozinhos aqui. Talvez seja hora de me juntar a Giovanne, e tudo bem, ninguém perde nada com isso. Enzo vai chorar uns dias. Vovó sentir pena, depois vão seguir com suas vidas. Uma preocupação a menos. Ninguém vai querer morrer. Ninguém vai achar que o mundo acabou. Nem mesmo eu vou me importar realmente. O medo vai embora, ele simplesmente vai embora e me deixa por completo e encaro Marco PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nos olhos. Ele mantém meu braço preso. Aperta com força cortando a circulação. ― Tenho que deixar a cidade e recomeçar em outro lugar. Não podia vender essa merda de caneta. Esse brasão maldito é como um aviso. Deu sorte de eu estar com pressa. Iria pedir muito mais. Merecia muito mais. Seu irmão era um safado. Eu entreguei ele para o Dom. Entreguei porque não me deu outra alternativa. Chegou aqui sem a grana. Com essa caneta estúpida. A droga do celular. Esse seu que eu liguei. ― Não quero saber. ― Ele disse que estava com um otário nas mãos. Que ia tirar muito dinheiro do homem. Voltou transtornado e sem dinheiro nenhum. Dom tinha me dado um prazo e eu avisei a ele. Giovanne ainda pediu o telefone PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS para chamar os irmãos. Tarde demais. Dom atirou e foi embora. Fiz o mesmo. ― Deixou meu irmão agonizando aqui? ― Minha voz falha. Meu coração dói de pensar que ele podia ter pedido ajuda. Que Giovanne podia estar bem. ― Seu irmão. O poderoso irmão mais velho remexeu tanto nisso que muita gente caiu. Dom deixou a cidade. Comanda as coisas de longe agora e cedo ou tarde vai cair nas mãos da polícia. Boa parte dos homens dele foram presos. Para quem sobrou a culpa? ― Ele bate no peito. ― Sim. Eu. ― Me deixa ir embora desgraçado. ― Tento me soltar. Ele me aperta. ― Tomara que a polícia te encontre. Tomara que acabe preso. Sabia que meu irmão era viciado. Sabia que ele não tinha condições se ser seu sócio. Entrou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nessa com ele por que quis. Você é o otário. Ele segura meu outro braço e me chacoalha, eu simplesmente não ligo, não mais. Odeio pensar em tudo isso. Odeio como me rasga por dentro lembrar. ― Eu? Mas a riquinha deixou o irmãozinho morrer. Sim. Vocês deixaram. Trinta mil? Os ternos do seu irmãozinho devem custar mais. Tento me soltar, mas Marco mantém meus braços presos e num impulso eu cuspo no homem a minha frente. Não quero mais ouvir, eu sei da minha culpa, não tem a menor necessidade de me dizer nada. A ira surge em seus olhos e ele solta meu braço para apertar meu rosto com força e me forçar a ficar perto dele. Mordo a parte de dentro da bochecha PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS com o modo com que ele me aperta e sinto gosto de sangue. ― Vadiazinha estúpida. Familiazinha nojenta. O Giovanne contou o que o papaizinho pretendia com a filinha. Ele conseguiu? Vamos? Me conte. Seu irmão nunca guardou segredos. Anda bêbada. Que espetáculo naquele bar. Que show é essa sua vida de piranha. Tento me afastar, empurrar seu braço, mas ele é muito mais forte, meu rosto dói, meu pescoço, o braço que ele ainda mantém preso. Então lembro do salto fino da bota e piso em seu pé com toda minha força, o que faz com que ele grite de dor e me solte ao mesmo tempo que me acerta um tapa. Caio no chão de cimento. ― Vá para o inferno! ― Eu me arrasto um pouco, mas ele me segura os cabelos se curvando para me fazer ficar de pé e me encara PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cheio de ódio. ― Devia levar você comigo, mas eu já disse, tenho um filho para criar. Uma noite dessas um desses seus amantes viciados acaba com você por mim. Você vai estar tão bêbada que nem vai perceber. Ele me empurra de volta ao chão com força e escuto seus passos se afastando. Não me movo por um longo momento. A boca tem gosto de sangue. Minha cabeça dói com a batida. Meus braços ardem e meus joelhos e cotovelos estão ralados. Sinto como se um caminhão tivesse me atropelado. Depois de um tempo me sento, ainda estou atordoada, meu corpo dói, parecendo triturado e só me encolho ali. Dobro os joelhos, que ainda sangram e os abraço. Choro. Não pela dor física. Choro porque minha alma está ferida. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele tem razão. Ninguém me disse tantas verdades quanto esse maldito traficante. As coisas retornam com toda força do universo e só sinto vergonha e medo. Nunca mais a dor vai passar. Nunca mais vou conseguir trancar tudo na gaveta perdida e esquecer. Estou definhando. Eu sou tudo que ele disse. Eu vou acabar exatamente como ele disse e eu não quero. Ergo meus olhos e a mochila está caída. Caço o celular. Meus dedos tremem tanto que pareço ter sido transportada para a Sibéria. Meu queixo bate. ― Filippo. ― Meus confundem com espasmos.
soluços
se
― Kiara. O que... ― Me ajuda. Vem me buscar. Eu não quero acabar assim. Eu não quero ser assim. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Onde? ― Sua voz urgente e desesperada me enche de esperança. Penso nos meus irmãos, nos dias com a minha avó. Não precisa ser assim. ― Kiara onde? Não faz isso comigo. ― No galpão. Onde o Giovanne... onde meu irmão morreu. ― Meu Deus, Kiara... eu... eu estou indo. Chamo a polícia? Está em perigo? ― Não. Só vem. Eu sinto muito. Desculpa. ― Estou indo. Não desliga. conversando comigo até eu chegar.
Fica
― Eu fico. Está vindo? ― Soluço. Olho para meu corpo machucado. Roupa suja. Arranhões pela queda. Ralados. Meu rosto vai ficar marcado, meus braços. Nesse momento eu me sinto do tamanho de uma formiga. Só que PERIGOSAS ACHERON
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sem serventia. Sem lugar no mundo. ― Estou indo. Sua vida vai ser um inferno, Kiara. Um inferno. Vou ser sua sombra noite e dia. Vou ficar no seu pé e vai enjoar de mim. Vai se sentir sufocada e eu não vou ligar a mínima. Já estou no carro. ― Eu queria a caneta de volta. ― Caneta? Você bateu a cabeça? Está confusa? A caneta que pediu emprestada ao Vittorio? ― Não. A caneta com o brasão da família. A caneta de ouro do Enzo. ― Foi atrás daqueles traficantes? ― Choro ainda mais porque Filippo grita. Está nervoso e quero abraçar o Filippo. ― Cactos. É isso. Eu só posso mesmo cuidar de cactos. Porque está claro que de você eu não consigo tomar conta. Vou algemar você a mim. Não vou PERIGOSAS ACHERON
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nunca mais deixar você sozinha. Fala comigo. ― Eu sinto tanto. ― Não chora, conchinha. Por que eu não tenho um helicóptero? Saí da frente. ― Escuto a buzina disparar e a dor no corpo vai aumentando. Minha cabeça lateja e olho em torno agora com medo de alguém aparecer e me machucar. Levanto, pois acho melhor esperar por ele do lado de fora. Sinto tontura e dores pelo corpo. Limpo o sangue no canto da boca e ouço o Filippo dizendo bobagens enquanto dirige. Mesmo tonta e com dores, eu me forço a caminhar até a porta do galpão. Sento do lado de fora e olhando para mim eu me sinto um andarilho, toda suja e rasgada. Machucada por dentro e por fora. Se eu achei que poderia ter qualquer chance com Filippo vai acabar no minuto que colocar os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS olhos em mim. Meia hora. Leva meia hora para finalmente ouvi-lo dizer que está chegando e o carro virar a rua vazia. Filippo salta do carro e cubro o rosto na maior crise de choro que já tive. Está tudo acontecendo de novo. Enrico, minha mãe, Giovanne. Tudo se repetindo e repetindo e só consigo chorar. Sinto seus braços me envolvendo e só quero me sentir segura ali para sempre como me sinto agora. ― Vou matar quem fez isso com você conchinha. ― Eu fiz isso comigo. ― Vem. Vou te tirar daqui. ― Ele me ergue no colo. ― Te levar para minha casa. Vai ficar lá comigo, onde posso cuidar de você. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo 9
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Filippo Kiara fica encolhida no banco do carona enquanto dirijo. Minhas mãos formigam de tanto que aperto o volante e posso sentir o sangue fervendo nas veias. Não consigo acreditar no que aconteceu. Só de ver sua dor meu coração já parece partir ao meio. Vou para minha casa. Não para aquela mansão. Com meu talento para perder essa maluca é capaz de eu a perder em algum buraco negro daquela imensidão de casa. ― Não vou para nenhum hospital ― ela repete se encolhendo mais ao meu lado. ― Já ouvi. Não vou te levar ao hospital. Não chora mais. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Virou errado. ― Estamos indo para minha casa. Vou parar na farmácia. Depois vamos para casa e lá cuidamos de tudo. ― Desculpe te tirar do trabalho. ― Não tem problema. Sou o chefe. Ela soluça, toda encolhida. Como é que foi ter uma ideia estúpida dessas sozinha? Precisava de uma equipe para pensar numa coisa assim. Não Kiara. Ela tem talento para me por doido. Vou comprar cactos, deixar vasinhos espalhados pela casa e me contentar com eles. É para isso que nasci. Gente é complicado. Gente com talento para estupidez então, é impossível. Dá uma olhada nela. Dá uma olhada nela. Enzo não tem a menor ideia do que isso significa. A garota é tipo um X-Men do mal. É PERIGOSAS ACHERON
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muito talento reunido em uma pequenininha com carinha de anjo.
garota
Levo dez minutos dentro da farmácia, compro de analgésicos e anticéptico até ataduras e esparadrapo. Volto para o carro e o coloco em movimento. Deveria ter comprado um calmante também, porque Kiara não consegue parar de chorar e não consegue olhar para nada que não seja os joelhos ralados. Estaciono e corro para ajudá-la a descer. Está machucada, descabelada, com a maquiagem borrada e linda. Pensei que ia morrer quando ela ligou. Eu realmente achei que teria um tipo de parada cardiovascular. Não sou bom nessa coisa de viver no limite de tensão. Queria agitação, Filippo? Achava que sua vida amorosa estava entediante? Parabéns, você conseguiu. Agora, na próxima vez pense antes PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS de desejar as coisas. Elas acontecem. Kiara passa a mão no rosto para secar as lágrimas e meus olhos encontram os dela, sei que vale a pena viver na corda bamba. Por ela vale a pena viver sempre com medo. ― Vem, sua cara de concha borrada. Consegue subir? ― Consigo. ― Que alívio. São dois lances de escada e não tenho músculos para bancar o príncipe por trinta degraus. ― Passo meu braço por sua cintura. Com meu apoio ela vai subindo lentamente. Abro a porta com ela encolhida no canto da parede, o que faz com que me sinta cansado e bravo ao mesmo tempo, mas vem junto com muito alívio. Kiara para no meio da sala sem saber direito o que fazer. Ela precisa de banho, PERIGOSAS ACHERON
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remédios e curativo, mas também precisa me dizer como foi que se enfiou nessa droga de problema sozinha. Quando ela vai entender que não é sozinha? Que tem família? Que tem a mim? ― Eu estava sóbria. ― Agora estou muito mais aliviado, é bom saber que faz merda mesmo sem beber. ― Não quero ser tão irônico nesse momento. ― Isso foi sem precedentes, Kiara. Ir ao local onde seu irmão foi... eu nem sei. Ir ao encontro de um traficante? Sozinha? Por uma maldita caneta? ― Era o presente do Enzo. Tinha o brasão da família. ― Ela tenta se defender. ― O brasão da família é só a droga de um desenho. Uma porcaria de símbolo que não vale nada no século vinte e um. O presente do Enzo é você. Não aquela maldita caneta. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu trouxe de volta. ― Ela toca o zíper da mochila. ― Não me mostra senão atiro pela janela. Desejo que a tinta seque e ela nunca mais assine droga de documento de acordo de milhões nenhum. Porque deve ser só esse a droga do valor dela. ― Fui ao banco e me deram cinco mil. Ninguém nem perguntou nada. Me deram cinco mil e eu não sabia que era tão fácil. Giovanne morreu e eu podia ter conseguido o dinheiro. Ele... o Marco... ele disse que a culpa é minha e está certo. É minha culpa tudo que aconteceu. Eu sou culpada por toda a droga dessa família destruída. ― Seu irmão foi assassinado e não foi você que apertou o gatilho. Não pode se culpar por isso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não entende. ― Ela se encolhe. De pé, abraçando a si mesma quando eu podia fazer. Quando estou aqui disposto a envolvê-la e nunca mais soltar e não sei o que a deixa tão perdida dentro da dor que não enxerga isso. ― Giovanne perdeu o controle de si mesmo e se afundou nas drogas, cavou a própria morte. Eu sinto muito, Kiara. Ele procurou por isso, não é sua culpa. ― É minha culpa sim! ― ela grita e me assusto um pouco. O resto do controle que existe nela vai embora, o choro se mistura a raiva e fico sem saber o que dizer. ― Minha culpa. Ele não aguentou. Não aguentou ver, não aguentou saber. Eu não deixei ele contar, eu tinha vergonha, eu tinha medo de ser culpada e ele não suportou odiar e amar. Eu foi ficando revoltado e se afundando e eu deixei, eu não vi, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS eu estava cheia de nojo, raiva e vergonha e não vi acontecer. ― Do que está falando? ― Não devia estar aqui. Sua vida é tão perfeita, eu estrago tudo, eu puxo as pessoas comigo para o buraco e não merece isso. ― Você não sabe o que é melhor para mim. Não sabe nem o que é melhor para você. Está onde tinha que estar. Fica calma, não está dizendo coisa com coisa. Não é culpada e não arrasta ninguém para nenhum buraco. Ela balança a cabeça em negação. Se afasta um pouco de mim, soluça, treme, quero tirar Kiara dessa crise, mas nem sei como tocála. Está mergulhada em si mesma. ― Ele era meu pai. Era assim que me sentia. Filha dele. A mamãe me ensinou a chamá-lo de pai. Pai. Eu acho que ela não sabia. PERIGOSAS ACHERON
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Ela não podia saber, ela me amava e eu acho que não teria aceitado. Ele sabia, ele sabia que seria a gota d’agua. Por isso ele se controlou e eu não via nada. Não via. Juro que não achava que tinha algo acontecendo, então ela foi atropelada e eu... eu esperava que ela se salvasse. Nós todos. Tinha passado o dia todo no hospital. Com o rosto colado no vidro ouvindo o barulho constante e ritmado daqueles aparelhos. Eu cheguei com fome. ― Ela não me olha e eu tenho tanto medo do que está tentando me contar que só consigo ficar imóvel e em silêncio. ― Fome! ― Ela desabafa. ― Minha mãe morrendo aos poucos e eu com fome. Me sentindo adulta. Querendo cuidar das coisas enquanto ela não estava. Fui fazer o jantar. Coloquei uma roupa confortável e estava terminando quando ele chegou. Meu pai. Senti o cheiro da bebida e tive pena. Pena daquele desgraçado. Pena porque PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS achei que ele estava sofrendo. ― Kiara. ― Engulo em seco. Meu coração se despedaçando. ― Ele se colou nas minhas costas e senti um choque. Não me mexi no começo e quando ele se curvou no meu pescoço eu entendi... Meu pai... Ele era meu pai. Empurrei ele, mas ele voltou, ficou me tocando e dizendo coisas enquanto eu fiquei lutando e eu teria matado ele antes de me deixar vencer, mas ele era mais forte e estávamos sozinhos e eu não alcançava nada para acertá-lo e foi quando o Giovanne chegou e acertou um vaso que tinha na mesa na cabeça dele e aquele homem horroroso e sujo caiu no chão atordoado e fugimos. ― Aquele... eu não... Enzo sabe? Alguém sabe? ― Tudo em mim é raiva. ―
Descobriram.
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Giovanne
prometeu
PERIGOSAS NACIONAIS segredo. Bebemos para esquecer. Bebi todos os dias depois disso para não lembrar. Ele pediu desculpas ao filho, não para mim. Pediu desculpas ao filho e Giovanne aceitou. Ele achava que o pai tinha seus motivos, que minha roupa... eu sabia que seria culpada. É claro. É sempre assim. Minha roupa, meu andar. Eu convidei. ― Claro que não. ― Não sabe o que senti. Ninguém sabe o que senti. A vergonha que tinha de olhar para as pessoas, para o meu irmão, não queria ver minha avó. Não queria ver o Vittorio. Parecia que estava na minha pele, feito uma tatuagem. Parecia que todo mundo podia ver. Que todo mundo sabia e minha mãe morreu e eu estava bêbada demais para ir ao enterro. ― Você era só uma criança, conchinha. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ela cobre o rosto. As lágrimas rolando e quero desesperadamente cuidar dela. Quero matar aquele homem. Ele destruiu uma família. ― Uma burra! ― ela grita. ― Nem uma semana depois eu ouvi a porta abrir e ele estava entrando no meu quarto. Consegui fugir pela janela. Nunca mais destranquei minha porta. Giovanne dormia comigo às vezes e ele estava sempre forçando a porta, nunca conseguiu, mas nunca deixou de tentar e eu fui me sentindo tão suja e tão pequena que eu só queria esquecer. Fui para cama com todo tipo de babaca para apagar os rastros dele de mim. Nada. Não funcionou. Só sentia mais nojo, mais vergonha. Só queria morrer quando o dia clareava e a bebedeira passava e eu só começava tudo de novo. ― Vai esquecer. ― Sua dor assim PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS exposta, saber quem ela é, saber as razões. Tudo me aproxima dela, não afasta. Não diminui nada do que eu sinto, ao contrário disso, acentua. Quero cuidar dela mais do que queria há cinco minutos. ― Sou tóxica. Nada apaga o asco que sinto. Eu morri com minha mãe e morri de novo com o Giovanne. Não tenho que estar aqui. ― Está onde tem que estar. Quero você aqui. Não está morta. Está viva, e eu vou apagar os rastros dele e de todos os outros. Todas as certezas do mundo tomam conta de mim quando eu caminho para ela. Tomo seu rosto com minhas duas mãos e a última coisa que vejo antes de fechar meus olhos e tomar seus lábios são seus olhos aturdidos. Tudo faz sentido quando ela corresponde ao beijo. Eu queria isso há mais tempo do que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tinha ideia até acontecer. O beijo que começa cheio de força ganha delicadeza quando ela toca meu peito e minhas mãos deixam seu rosto para sua cintura e envolver Kiara no abraço que ela merece e precisa. Não me lembro de um beijo trazer tantas certezas, não lembro de sentir tantas coisas com um beijo. Acho que está além do que meu corpo sente. Kiara precisa de mim e eu dela. Agora eu sei quem é ela, por que ela é assim e a compreensão me torna forte para protegê-la. Nós nos afastamos um pequeno momento. Seu olhar é doce, ainda triste e cheio de perguntas, mas sem a escuridão que refletiam a pouco. ― Vai esquecer tudo isso. Ficar aqui comigo e esquecer. ― Volto a beijá-la e ela a corresponder. O gostar que descobri sentir por PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ela agora parece mais claro, mas real. ― Filippo... ― Isso não é sobre o Enzo e o pedido dele, isso não é sobre o que aconteceu, isso é sobre como me sinto. ― Ela está chorando e desejo que beijos sejam capazes de apagar as marcas da dor. ― Essa coisa toda que aconteceu... ― Está tudo bem, foi bom saber, ainda vamos falar disso, mas agora... agora quero só você aqui, nos meus braços. ― Ela toca meu rosto, ainda tão assustada, deve ser difícil carregar tanto peso, fazer isso sozinha por tanto tempo. Eu sei que leva tempo, mas vai passar. Vai voltar a ser a cara de concha engraçada e feliz que foi quando menina. ― Filippo, eu estou muito machucada para... você sabe. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Tem muitas lições a aprender, conchinha. Uma delas é que nem tudo acaba na cama. Não é isso que eu quero. Quero, mas não hoje, hoje também, mas não... ― Eu acho que estou meio confuso, tenho que ter cautela com cada palavra por enquanto. ― Eu sei que precisa de um banho e curativos e devia estar cuidando disso. ― Toco o rosto dela. Kiara em meus braços. Tão linda, mesmo ferida, assustada. Acaricio a pele avermelhada. ― Só mais um beijo. Não estou conseguindo ficar longe de você. Ela me puxa pela nuca e voltamos a nos beijar. Tenho que ser forte para me afastar dela. Kiara já não treme tanto, não está mais gelada como quando eu a encontrei. Seguro sua mão. Sinto que uma timidez sem explicação toma conta dela e que não consegue me olhar, mas sei que ao tempo vai fazer tudo isso ir embora. Eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS posso esperar. ― Vem. Te empresto uma roupa. Toma um banho e vamos cuidar dos ferimentos. Ela me acompanha até meu quarto. Entrego toalhas limpas e uma camiseta. Vai parecer um vestido e aposto que será mais comportado que todo o guarda-roupa dela. Como é que eu vou me controlar para não mandar nas roupas dela? Sinto vontade de ir agora mesmo queimar todas aquelas peças decotadas e curtas, mas agora que sei como ela se sente sobre isso, vou amarrar minha boca. ― Deixe a água morna te aquecer. Depois a gente vê o que faz com os machucados. Vou pedir qualquer coisa para comermos. Qualquer coisa que tenha queijo. Muito queijo. Queijo faz a alma se curar. Ela não parece acreditar, mas não faz PERIGOSAS ACHERON
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questão de responder. Apenas pega tudo e deixo que fique sozinha no quarto. Leva muito tempo para ela sair. Os cabelos estão úmidos, o rosto está limpo, mas agora não é a maquiagem que encobre a pele, são pequenas marcas avermelhadas. ― Peguei uma cueca sua. ― Que íntimo! ― Ela cora. O rosto fica vermelho e ela evita meus olhos e então eu vou até ela e a beijo. Ela vai se acostumar. É bom que se acostume, porque parece que vou fazer isso muitas vezes. ― Senta. Vamos ver esses machucados. ― Não precisa. ― Precisa. ― Cuido dos joelhos, os dois ralados. Ele a empurrou, sei disso porque os machucados são de quem cai de joelhos, tem arranhões na palma da mão e nos braços. Ela PERIGOSAS ACHERON
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fecha os olhos quando toco com o algodão em cada pequeno machucado. ― Dói? ― Um pouco. ― Chora que alivia. ― Ela sorri. ― É sério. Palavrão funciona também. ― As manchas roxas não tem o que fazer. Só o tempo para apagá-las. ― Como se sente? ― Tudo bem ― ela diz sem convicção. ― Moída, eu acho. ― Pego um analgésico e um copo de água que já estava a sua espera. ― Depois que comer vai dormir e amanhã... ― Vou estar tão envergonhada quanto agora. Sinto muito. ― Ela toma o comprimido. ― Me desculpa. Ainda não disse que me desculpa. ― Só se me der um beijo. Eu saí do trabalho, dirigi acima do limite, fiquei PERIGOSAS ACHERON
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assustado, não sei, tem que ser um beijo dedicado. ― Ela quer sorrir, mesmo em sua dor e vergonha ela quer e isso é um começo. Kiara toca meu rosto antes de me beijar. Somos interrompidos pela campainha. Nós nos afastamos. Toco seu rosto com carinho antes de ficar de pé. ― Isso sim foi um beijo de desculpa. Está desculpada. Afasta as coisas da mesinha e vamos comer aqui mesmo. Pago a pizza e o refrigerante e volto para encontrá-la. Kiara está olhando para minha mesinha de centro. ― Kiara. ― O que é isso? ― Ela aponta minha coleção de conchas. ― Conchas. Faço coleção desde pequeno. ― Já que ela está imóvel eu afasto tudo e coloco as coisas. ― Tem por toda parte. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Na casa dos meus pais ficavam só no meu quarto, mas agora que tenho minha casa usei para decorar. Está tudo bem? ― Kiara ainda está imóvel. ― Vem comer. ― Por que me chama de conchinha? ― ela me pergunta e me faz sorrir. ― Porque tem cara de concha. ― Kiara enfrenta meu olhar, presta atenção em mim e envolvo sua cintura. Que luta vai ser dar algum espaço a ela quando só quero ficar assim abraçado. ― Quando eu era pequeno, desde sempre, mesmo bebê, meus pais adoravam me levar a praia. Todas as férias íamos para alguma praia. Era sempre bom, meus melhores dias. Os mais felizes e comecei uma coleção de conchas que achava pelas praias, meus pais me ajudavam a procurar. Gosto delas, da beleza, da paz, do som do mar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Como me encaixo nessa história? ― Gostava de ficar perto de você. Era alegre, engraçada, me fazia sentir em paz. Quando estava na sua casa e você estava por perto eu sempre me lembrava desses momentos na praia então eu acho que relacionei. ― Eu nunca pensei... ― Ela deixa mais lágrimas caírem. ― Não chora. É só um apelido carinhoso. Me chama de baby e eu gosto. Não consigo parar de te chamar assim. ― Eu gosto. Agora eu gosto. Eu não sabia. ― Ela dá um passo em minha direção. Quase me abraça. Talvez me beijasse, mas ela não sabe fazer isso. Então eu faço por ela. Trago Kiara para meus braços e beijo seus lábios. Era para ser só um beijo leve, mas não sou bom em parar isso e nos beijamos. ― Baby ― ela diz PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quando nos afastamos. ― dormir.
Vem
comer,
conchinha.
Precisa
― Acho que não consigo. Não quero fechar os olhos. ― Ela se senta e sirvo pizza e refrigerante. ― Pelo menos se deita e descansa um pouco. Depois da pizza eu a levo para meu quarto. Kiara olha para a cama preocupada. ― Vou dormir aqui? ― Kiara, eu estou ficando rico aos poucos. O apartamento não está pronto ainda. Tem o quarto, a sala e a cozinha, o outro quarto está absolutamente vazio. Então sim. Vai dormir aqui comigo. Ajeito as cobertas e depois que ela se deita eu me ajeito ao seu lado. Logo ela vai estar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dormindo e penso em tudo que tenho que fazer. Não sei se aviso a polícia. Não sei se aviso Vittorio. Tenho que ter cautela para não a machucar ainda mais. O rosto de Enrico me vem à mente. Sinto uma onda de ódio. Acho que vai ser assim para sempre. Toda vez que me lembrar vou sentir isso. Trago Kiara para meus braços. Com ela perto paro de pensar no monstro que a feriu. ― Vamos ficar assim. Sem o rinoceronte no meio. ― Ela ergue os olhos para me olhar surpresa. ― Que rinoceronte? ― Bobagem. Dói alguma coisa? ― Ela balança a cabeça negando. ― Não conseguia falar disso com ninguém. Até hoje. Foi a primeira vez que falei sobre isso. Mesmo com Giovanne era sempre PERIGOSAS ACHERON
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nas entrelinhas, eu não conseguia dizer. ― Pode me dizer qualquer coisa. ― Afago seus cabelos. ― O que pensa de mim agora? ― O mesmo que pensava antes. O que sempre pensei, isso não afeta você, nem o que eu sinto. Penso que é uma cara de concha. ― Enzo vai ficar decepcionado, triste comigo. Pode não contar a ninguém? ― Se prefere assim, não conto. ― Beijo seus lábios. Dessa vez um beijo leve. ― Tenta dormir. Estou aqui. ― Obrigada, Filippo. Eu não sei como estaria sobrevivendo se você não existisse. ― Se eu não existisse algum artista renascentista já teria me inventado. ― Modesto. Chega assusta ― Kiara diz PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS rindo. Finalmente rindo. O rosto ilumina e isso me faz bem, mesmo que seja o riso de um coração partido. ― Que bom que existe. ― Dorme, conchinha. Amanhã vamos conversar melhor. ― Só quero esquecer. Eu não vou acabar como ele disse que eu acabaria. Eu vou... eu... ― Lá vem as lágrimas. ― Pronto. Não pense mais nisso. Vamos ver desenho. Desenho afasta todo tipo de fantasma. Até esses que te assombram. Seco seus olhos, beijo os lábios e testa depois ligo a televisão. Coloco em um canal de desenhos. Ela respira fundo, solta o ar lentamente e se acalma. Uns minutos depois adormece em meus braços. Conchinha. Só conversando com ela sobre isso é que me dei conta de como esse PERIGOSAS ACHERON
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apelido era um sinal dos meus sentimentos e eu não notei. Nunca notei. Será que o Enzo vai ficar bravo comigo? Espero que ele possa entender. Espero que ele não fique contra. Brigar com meu melhor amigo não está nos meus planos, mas se tiver que ser assim eu enfrento.
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Capítulo 10
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Kiara Minha cabeça fica tão confusa, não sei bem o que pensar. Fico de olhos fechados, sentindo a respiração ritmada do sono de Filippo ao meu lado e lembrando dos beijos e das coisas bonitas que ele me disse. Filippo coleciona conchas. Eu o faço se sentir em paz, lembro os bons momentos da infância. Ele me beijou porque quis, disse claramente que não tem nada a ver com as coisas que eu vivi ou o pedido do meu irmão. Não sei se isso vai ser um dia uma relação, nem se eu sei viver uma relação. Eu sei beber demais, ficar mole e corajosa e me oferecer com caras e bocas a algum semiconhecido, dormir com ele e me arrepender PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS na manhã seguinte do pouco que me lembrava. Não tem carinho, não tem beijo se não for para terminar na cama. Será que Filippo está disposto a esperar que eu aprenda? Será que ele esqueceu a Paola? Tão linda e perfeita, sua namorada por tanto tempo. Tem tanta coisa acontecendo comigo que me sinto tão perdida e ele me ajuda a aceitar as coisas, Filippo me ajuda a sorrir apesar delas, gosto dele desde sempre. Se deixar acontecer e acabar será a última cartada. Não sei como enfrento tudo depois. Porque eu posso ser bem tola, como por exemplo fazer o que fiz ontem. Ele tem razão, era apenas uma caneta e eu não devia ter ido sozinha. Foi estúpido e perigoso, ficar arriscando a vida assim é errado. Não é só sobre mim. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Vó Pietra não suportaria se algo tivesse me acontecido. Eu não podia ter feito aquilo. Dei sorte. Preciso arranjar um jeito de ser forte. Não correr para a vodca toda vez que a coisa dá errado. Até por que, as coisas sempre dão erradas para mim. Filippo se mexe na cama ao meu lado, então me obrigo a abrir os olhos, mesmo morrendo de vergonha dele. É a primeira vez que acordo ao lado de um homem sem ter feito sexo com ele. ― Bom dia ― ele diz abrindo um sorriso devastador. Isso é jogo baixo. Só podia vir dele. ― Bom dia. ― Que droga. Tenho que trabalhar. Eu gostava mais de trabalhar antes de você. ― Não vou fazer nenhuma bobagem, Filippo. Pode ficar tranquilo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acha que é por isso? ― Ele ri. Passa a mão pelos cabelos e se espalha na cama. Espaçoso. Ocupa espaço físico e ocupa meu coração quase todo. ― É porque gosto de ficar perto de você, cara de concha, ainda mais agora que evoluímos para beijos. Ele diz as coisas mais bonitas do mundo como se não fosse nada demais. Eu teria que treinar mil anos para dizer algo assim e ainda morreria de vergonha. ― Café da manhã? ― ele pergunta e faço careta. ― Você prepara e eu fico aqui preguiçoso. O que acha? ― Acho que é muito folgado, baby. ― Se eu fosse você corria para o banheiro. Estou querendo te agarrar, isso mesmo, logo cedo e já quero fazer isso. Penso nisso e quero que ele faça, ao PERIGOSAS ACHERON
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mesmo tempo acho que depois que acontecer essa coisa boa que estamos vivendo acaba e eu fico sem ele. Então eu fico de pé e vou para o banheiro. Filippo é cuidadoso com o apartamento, está limpo, tem toalhas extras, escovas de dente, cremes para a pele. Fico pensando se isso é para Paola. Se foi ela de algum modo. Depois do chuveiro, enquanto escovo os dentes eu encaro a bancada e vejo uma concha decorando o ambiente e me sinto idiota. ― Acho que pensa mais na Paola do que o Filippo, Kiara. Melhor dar um tempo nisso. Quando deixo o banheiro ele está sem camisa, forrando a cama, o quarto está com a janela aberta, o sol já invade o ambiente e ele parece tão animado. ― Está sempre animado quando acorda. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS O que te deixa de mal humor? ― Ele para o que está fazendo e me olha sorrindo. ― Quando perco você. E perco você toda hora. ― É sério. Para de brincar. ― Isso é bem sério. Promete me convidar quando quiser fazer algo estúpido? Assim eu convenço você a não fazer e se não for possível então fazemos juntos. ― Meu plano é evitar coisas estúpidas. ― O sorriso dele se amplia, como se fosse possível. Sinto até inveja dessa capacidade que ele tem de ser feliz. Está aí uma lição que quero aprender. ― enquanto minutos. banheiro
Então comece colocando em prática tomo banho. Não fuja. Levo dez ― Faço careta. Ele segue para o e eu caminho pelo apartamento
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pequeno. Abro a porta do quarto vazio. Depois vou até a cozinha. É confortável, espaçosa, a geladeira está quase vazia, mas dá para fazer uma omelete com queijo e um café fresco. Não custa devolver um pouco dos cuidados dele comigo. Ajeito a mesa. Uma xícara de café quente deve ajudar a despertar e me sentir melhor. Meu corpo todo dói, meu rosto está marcado e não tenho nenhuma maquiagem comigo para esconder as marcas. Meus braços estão roxos e os joelhos e cotovelos estão ralados. As mãos estavam também, mas em uma noite elas se recuperaram. Ferimentos leves. Uma semana e não vou ter mais vestígios físicos daquele encontro. As palavras de Marco, essas vão ecoar em minha mente pelo resto da vida. Eu acabei PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS com a vida do meu irmão, eu vou acabar morta por algum idiota e nem vou saber porque vou estar bêbada demais para me dar conta. Tudo tão possível. Tiro a omelete do fogo e deixo em um prato sobre a mesa, junto com o café e pães de forma. Sirvo uma xícara de café quente e forte, fecho meus olhos um momento sentindo o amargor descer por minha garganta e ativar minhas células me fazendo despertar um pouco. ― Nem acredito nisso. ― Abro os olhos e Filippo está de pé, sorrindo para mim, já vestido, com os cabelos úmidos e aquele sorriso que nunca o deixa. Lindo. ― Fez café da manhã para mim? Isso sim é um jeito de começar o dia. Ele vem até mim e me beija os lábios. Não esperava por isso, não sei direito ainda o que estamos vivendo. Beijos assim, pela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS manhã, sem clima, só carinho. Isso parece um tipo de namoro, mas não vou criar expectativas. Filippo senta e aspira o cheiro da comida. ― Sua geladeira está vazia, foi o que consegui. ― Não cozinho, então... você sabe, como fora. ― Claro. Não foi uma crítica. ― Precisa ver minha mãe. Ela entra e vai direto abrir a geladeira, sabe que vai estar vazia, então ela abre que é para poder ter algo para reclamar, depois ela vai de cômodo em cômodo colocando defeito em alguma coisa. ― Minha mãe fazia o mesmo, era só entrar no meu quarto e lá estava ela reclamando. “Forra a cama, Kiara”, “Arruma essas roupas, se lavasse e passasse saberia o trabalho que dá para acabarem assim, jogadas e emboladas”, “E essas PERIGOSAS ACHERON
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maquiagens manchando a gaveta, não tem uma caixinha para guardar? Você não cuida das suas coisas”. Fico triste com a lembrança, com saudade do tanto que aquilo me irritava, de fazer o que ela mandava com um bico de contrariedade. Agora eu faço o que quero e ninguém se importa. Achava que isso era o topo da liberdade e agora eu chamo de solidão. ― Sei o que está sentindo. ― Não acho que saiba. Acho que pensa saber, mas quando acontece, é só vazio. Ela era incrível. Nos amava acima de tudo. ― Desculpa, mas... eu não posso me meter nisso, eu sei, acontece que me lembro dela, lembro de como ela era amorosa e sempre desde a infância, sempre penso no Vittorio. Por que ele ficou, por que ela não amou o mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS velho como amava vocês? ― Você tem razão. ― Tomo um gole de café. ― Eu não penso nisso, nem o Enzo, muito menos o Giovanne e acho que no fundo, bem lá no fundo, evitamos pensar nisso porque... porque dá medo de descobrir que ela talvez não fosse esse exemplo todo. ― Faz sentido. ― Vittorio ficou com o papai, com a vovó, com a Vila, nós... bom, no fim, ficamos com a mamãe apenas, com dificuldades financeiras, aquele... homem. Não sei, todos perdemos muito, todos, de todos os modos. ― Família é coisa séria. Não se brinca com filhos ― ele pondera terminando sua omelete. ― Está muito boa. Divina. Vai achar um espacinho de tempo entre seus doces para cozinhar umas coisinhas assim exclusivas para PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mim? ― Filippo! ― Tá. Eu fico com os doces mesmo. ― Não é isso. Sobre ter um negócio. Não sou capaz de administrar algo assim. Olha para mim, não administro nem minha vida. ― Bianca é administradora de empresa, pode ajudar a montar um plano de trabalho, pode cuidar da parte administrativa de impostos e fica com a parte artística. ― Artística? ― Sim. O que faz é arte. Além disso tem a mim, tem seus irmãos e sua avó. Não vai estar sozinha. Fico olhando para ele meio encantada. Pensando se está mesmo acontecendo. Parece que a qualquer minuto vou acordar e voltar a ser a irmãzinha do melhor amigo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Filippo me beija, fez isso várias vezes. Acabou de fazer, estou no seu apartamento e preparei seu café da manhã e me sinto dentro de um dos romances que ele me acusa de ler e que não é de todo mentira, eu já li muitos e fazia isso fantasiando que ele era o cara, porque eu tinha quinze anos e estava apaixonada pelo amigo do meu irmão, agora tenho vinte e um e continuo. ― Vamos? ― Pisco voltando a realidade. ― Vou te emprestar uma roupa e podemos ir. ― Ir? ― Até sua casa, pegar umas roupas e fica aqui comigo até seu irmão voltar. ― Faltam vinte dias para o Enzo voltar. ― Melhor. ― Ele dá de ombros e no fundo eu concordo. Só não sei se depois consigo voltar para casa e ficar bem. Não sei se Enzo PERIGOSAS ACHERON
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não ficaria chateado. Não quero ser um problema para eles. ― Acha que o Enzo... você sabe, pode ficar chateado? Se souber que estou aqui ele vai pensar que nós dois... ― Não vai estar pensando nenhuma mentira. Podemos não contar por enquanto. Ele liga no seu celular sempre. Não precisa saber que está aqui comigo, mas quando ele chegar vou dizer a verdade. Enzo é como um irmão. ― Eu prefiro não alardear nada por enquanto. ― Até porque acho que o interesse dele não dura tanto tempo. ― Então acha uma roupa minha e vamos. Depois eu te deixo aqui. A menos que queira ficar na agência. O que acha? Para não ficar sozinha aqui. ― Filippo, não sou um bebê. Já disse que PERIGOSAS ACHERON
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não vou fazer nenhuma tolice. Não precisa me levar com você para o trabalho. ― Era um convite despretensioso. ― Ele se chateia um pouco e fico com vergonha. ― Desculpe. Estou pronta. Podemos ir. ― Pronta? Está de camiseta. ― Que parece um vestido. Então... ― Pode acontecer de termos que parar em algum lugar e descer do carro e vai estar de camiseta e botas. ― Não. Vou estar de vestido e botas. ― Como quiser. Vamos passar em algum lugar para fazer uma copia da chave. Fico no carro enquanto ele faz copias das chaves de sua casa para mim. Nem sei direito o que é isso. Essa intimidade. Não saio do carro por que minha pele está tão marcada que não dá PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS para esconder que sofri violência. Ele não fez um comentário. As marcas são visíveis, mas Filippo é discreto, não comenta para não me magoar, não me fazer lembrar. A porta do carro se abre e salto de susto. Meu coração bate descompassado e ele me olha abatido. ― Desculpe te assustar. ― Balanço a cabeça na tentativa de dizer que tudo está bem, mas só consigo mostrar que não está. Filippo me puxa com delicadeza para junto dele, abraça, faz um carinho em meu rosto e me beija. Primeiro um tocar de lábios depois um meio sorriso e um beijo de verdade. Se os beijos dele me deixam sem direção imagine o resto? Filippo é minha perdição. ― Estava distraída ― digo a ele quando nos separamos um momento. Gosto de estar nos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS braços dele. De sentir seu perfume, de ser envolvida a ponto de achar que nada pode acontecer pois ele me tem toda dentro do seu abraço. Ele sabe abraçar, sabe proteger, sabe fazer rir. Ele não existe. Toco seu rosto. Queria enchê-lo de muito carinho. Sinto vontade de ficar em seus braços para sempre, mas sou ridiculamente tímida. Não vou dizer isso a ele. Ninguém acreditaria que no fundo eu sou tímida. Tanta maquiagem, roupas sensuais, noites em farra, tudo mentira, tudo enganação. A Kiara de verdade é tímida. Ele volta a me beijar. Um longo beijo que faz meu coração disparar e minhas mãos espalmam em seu peito mais uma vez e se primeiro em sinto os músculos e meu sangue pulsa logo em seguida eu me lembro do dia em que praticamente o ataquei tentando abrir suas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS calças e me afasto envergonhada. Cubro o rosto querendo desaparecer. ― Que foi? ― ele pergunta afastando minhas mãos do rosto e me exigindo olhar para ele. ― Está tudo bem? ― Aquele dia no seu apartamento. Tenho tanta vergonha. ― Eu queria aquilo. Não daquele jeito, não com você alterada, mas eu queria. Tem uma coisa que precisa saber. Um segredo da humanidade. Não é a única garota a ter bebido demais. Acontece. ― Todo dia? ― Ele ri, então me beija e morde meu lábio inferior levemente. ― Bom. Dá próxima vez eu vou estar pronto, pode apostar. ― Fico vermelha, ele me abraça rindo. ― Linda com essa cara de concha. Agora para de me agarrar que tenho que dirigir. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Pulo de volta para meu banco, estava quase em seu colo. Ajeito a camiseta que está quase na cintura, os cabelos e me concentro em olhar para frente enquanto ele se diverte rindo de mim. Filippo é bem idiota quando quer. Ele me faz rir. ― Baby bobo. ― Não provoca que estou dirigindo. Vai causar um acidente de trânsito. ― Uns minutos depois estamos chegando a mansão. ― Tem aquele aparelhinho que abre o portão? ― Controle remoto se chama ― ela brinca caçando na mochila. Ele para o carro, aperto o botão e os portões altos de grade se abrem elegantes como num castelo de filme. Um exagero que agora acho que combina com Enzo e Bianca, logo isso vai estar cheio de crianças correndo e rindo, o lugar vai ser alegre e vivo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Como uma casa e não um palácio. ― Sabe aquele apartamento colado ao meu? ― Filippo me pergunta e faço que sim. ― Está à venda. Pensei em comprar. O que acha? ― Eu? ― É. Eu queria abrir uma porta e ligar os dois. Ainda não vai ser nem um terço dessa mansão e nem é isso que quero, mas ficaria bom. Quero uma pequena biblioteca, um quarto de hóspedes. Uma salinha íntima. Juntar os dois seria o bastante. ― Ficaria ótimo. É um bom plano. ― Não dá para comprar à vista, mas eu posso fazer negócio e ir pagando. Depois decoro com o tempo. Logo ficaria do jeito que quero. Para sempre sabe? Um lugar para construir o futuro. Gosta do plano? ― Seu bairro é bom. Tem bares, turistas, PERIGOSAS ACHERON
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restaurantes, é animado, movimentado. Eu gosto do lugar. Acho que devia fazer isso. Teria uma casa do tamanho certo. Descemos. Ele fica na sala enquanto corro ao meu quarto. Começo trocando a camiseta dele por uma roupa minha. Saia preta e camiseta de uma banda de rock. Depois junto roupas em uma mochila. Pego o carregador de celular. Preciso colocar meu celular para carregar ou logo vão descobrir que estou com o Filippo. Fecho a mochila e encaro um par de tênis. Quem sabe eu decido fazer algo com ele que seja mais esportivo. Um passeio por aí. Um parque. Abro a mochila de viagem e jogo o par de tênis dentro dela. Quando penso em deixar o quarto sinto medo. E se eu fizer qualquer coisa que o deixe PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS bravo? E se ele mudar de ideia durante esses dias e me mandar embora? Pior. E se tudo correr lindamente e me machucar na hora que meu irmão voltar e eu tiver que voltar? Sem saber o que fazer ou pensar eu me jogo na cama olhando para o teto e pensando em que atitude tomar, entre o medo de ir e o desejo de nunca mais voltar. ― Oi. ― Filippo entra no quarto, deita ao meu lado, entrelaça os dedos aos meus e encara o teto ao meu lado. ― O que está acontecendo? ― Medo. ― Entendo. Vamos com calma. É só... nós dois tentando alguma coisa. Sem peso, sem pressa. ― E se no meio do caminho me odiar? ― Largo toalha molhada sobre a cama. PERIGOSAS ACHERON
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D o u spoiler no meio do filme. Quando me lembro de algum filme de terror eu deixo a luz acesa a noite toda. Quer dizer, no meio de tudo isso, pode ser você a me deixar. Mesmo assim estou correndo o risco. Se for muito difícil para você eu aceito ficar aqui. O importante é ficarmos juntos. Aqui ou lá. ― Por que? ― A resposta oficial é porque você faz muita merda sozinha. A verdade é porque eu quero ficar perto de você. Podemos ir ou podemos ficar, mas se vamos ficar estamos perdendo tempo conversando, podíamos estar beijando. Ele me faz rir. Um delicioso ataque de riso que acaba no meio de um longo beijo e um longo momento de olhos nos olhos que me dá coragem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Estou pronta para ir. ― Muito bom. Ele me deixa na porta do apartamento com um molho de chaves. Novamente me beija os lábios e me entrega a mochila. Ficamos nos olhando um longo momento e ele me puxa para si e me beija encostado no carro. ― Te vejo no fim da tarde. ― Vou deixar essas coisas e ir até o mercado. Se importa? ― Vai cozinhar para mim. Está mesmo afim de me conquistar. Eu sou difícil precisa caprichar no cardápio. ― Melhor você ir, Filippo. ― Eu o empurro levemente. ― Me beija, cara de concha. Assim que se despede do homem que quer conquistar pelo estômago. ― Eu o beijo. Ou ele não vai parar de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS me constranger em público. Um leve beijo nos lábios e quanto tento me afastar ele me puxa para um longo beijo apaixonado e depois fico acenando enquanto ele parte cantando qualquer coisa sem sentido que só depois entendo que é uma referência a banda da minha camiseta. Deixo a mochila. Corro ao mercado, retorno cheia de pacotes, quase comprei flores, daqui a pouco para numa banca e compro um romance e ele vai rir de mim eternamente. Eu me distraio na cozinha. Preparo o jantar tão cedo que é quase um almoço. Desligo o forno, cupcake para a sobremesa. Fiquei distraída fazendo e vamos ver se ele acha que tenho mesmo jeito para doces. A campainha toca. Encaro o espelho do corredor. Corri tanto que não tive tempo de me maquiar. As marcas no meu rosto estão PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS acentuadas agora. Quem pode ser? Talvez um entregador, ou Filippo fazendo alguma graça. Abro a porta já que não tenho alternativa. ― Vittorio?
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Capítulo 11
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Vittorio ― Kevin. ― Ele ergue os olhos do computador. Sua sala está diferente. Fica ao lado da adega, é pequena e antes parecia escura e sóbria, mas agora está clara e colorida. ― Fiz umas mudanças desde que cheguei. Se importa? ― Balanço a cabeça em negação. ― Parece que estava intocável desde os anos cinquenta. ― É possível. Ele se ergue e me estende a mão, que aperto, depois Kevin indica a porta e deixamos a sala em direção a adega onde tonéis de vinho descansam, alguns há anos ou décadas. ― Quero que prove uma coisa. ― Temos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS um armário com taças de vinho. Uma mesa sempre pronta para se sentar ali em meio aos tonéis e bebericar uma taça de vinho. Lembro do meu avô ali e depois dele meu pai. Recordo de achar tranquilo, de sonhar com o gosto do vinho e desejar um dia me sentar com eles e tomar uma taça de vinho, lentamente, conversando sobre a vida. Não aconteceu. Jamais aconteceu. Nenhum dos dois viveu para isso. ― Estou achando muito carregado no tom de frutas. Ele serve duas taças e nos sentamos. Tocamos as taças e provo o vinho depois de agitá-lo na taça e sentir seu aroma. Mantenho na boca um longo momento e depois engulo. Fico em silêncio degustando e deixando as emoções responderem antes da ciência dos sabores. ― Está certo. Muito silvestre. ― Foi o que pensei. Vou fazer umas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS experiências. ― Quero um novo vinho. Esse será bem exclusivo. Do tipo que a receita fica confidencial. Eu e você apenas. Não serão muitas garrafas. Produção pequena. ― Entendi. Pode me falar mais sobre isso? ― É para uma mulher. ― Apaixonado? ― Ele sorri. ― Minha irmã. ― Ah! ― Kevin se decepciona e sorrio balançando a cabeça. ― Achei que era uma história de amor. ― Talvez seja um pouco. Meu tataravô criou um vinho especial para minha tataravó. Cem garrafas apenas, para tomarem em momentos especiais. Nascimento dos filhos, aniversários de casamento. Ainda temos uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS garrafa na adega particular da mansão De Marttino. Depois meu bisavô fez o mesmo, são duas garrafas restantes, vovô criou um vinho chamado Pietra. Cinquenta garrafas. Apenas para os momentos especiais. O nascimento do meu pai. O meu e o do Enzo, ele morreu antes da Kiara nascer. Vovó ainda abre uma garrafa e toma sozinha todo ano, no aniversário de casamento deles. Ela se senta solitária na varanda e toma a garrafa toda sozinha. ― Ela é incrível ― Kevin comenta. ― E seu pai? Fez o vinho com o nome da sua mãe? ― Meu pai quebrou a tradição. Não amou ninguém para dedicar um vinho. Agora quero um vinho para Kiara. Esse será o nome. O estranho é que não foi ideia minha ou dela. Foi do Filippo. Eles são próximos e talvez estejam envolvidos, então, pode ser que seja a tradição PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS De Marttino retornando, mesmo que ele não desconfie disso. ― Sim. É uma história de amor. Gosto da ideia de criar isso. Gosto mesmo. Como é esse vinho? ― Aí está outro ponto interessante, mesmo sem saber, ele deu a direção. Forte, ácido e marcante. Guardei as palavras. ― Kevin sorri. Se recosta na cadeira de madeira e cruza os braços no peito. ― Acho que você tem um novo cunhado. Uma definição interessante. ― Ajudei um pouco. Ela talvez, não tenho certeza se ele vai convencê-la, mas talvez ela abra uma loja de doces, vai vender vinhos exclusivos. Esse vinho. O vinho Kiara e eu dei dicas do tipo de vinho que combinaria com doces. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Esse é um dado importante. Tem que ser forte e tânico para não passar despercebido em meio ao açúcar e gordura. ― Denso e opaco. Notas de cacau. ― Uvas maduras. ― Ele completa. ― Caramba. Já quero trabalhar. ― Ótimo. ― Tenho prazo? ― Não exatamente. Ainda não tenho certeza sobre se vai acontecer a loja, mas tenho certeza sobre o vinho. Mesmo que seja um presente a ela. Uma edição limitada. Para ela comemorar seus bons momentos. Espero que eles aconteçam. Kiara... ― lembro de tudo que passou, as perdas, o ataque nojento que nem sei direito como foi, mas sei que a machucou e marcou para sempre. Sinto raiva, sinto pena, mas o pior dos sentimentos é a impotência. Não PERIGOSAS ACHERON
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poder fazer nada para apagar tudo. Não poder tirar a dor. ― Gosta muito dela ― Kevin constata. ― Dá para ver. Acho que somos bons amigos e você sabe. Escuto aqui e ali. ― Eu sei, a má fama da minha irmã chegou a cidade e pior, a Vila De Marttino. ― Quem se importa? Olhe para mim. Tem ideia de como foram os primeiros dias aqui? Todo mundo achando que estava maluco em contratar um irresponsável motoqueiro todo tatuado para cuidar dos seus vinhos. Eu entrava nos bares para tomar uma cerveja e as pessoas achavam que eu criaria uma briga. Como se eu fosse um vilão de filme de faroeste. Eu sei como é parecer uma coisa e ser outra. ― O problema é que talvez ela seja o que parece. Minha irmã não é nada fácil. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ela é jovenzinha. Isso passa. Eu já fui o que me acusam de ser, agora sou só um engenheiro que gosta do que faz, mas já me meti em confusão por aí na adolescência. ― Conto com isso. Com as mudanças dela. Minhas mãos estão atadas. Ela não me ouve, não se importa com minha opinião. É indiferente, sempre foi e... ― E você nunca vai se dobrar e conversar com ela sobre isso. ― Eu? ― Que ideia. Não tenho que me explicar ou me desculpar, não mesmo, eu sempre estive aqui, sempre estive disposto, sempre estive presente, mesmo à distância, eu sempre a protegi. Não, isso eu não fiz, se tivesse feito aquele monstro não teria se aproximado dela. ― Ela é jovem demais, você também, acontece que é mais vivido, pode passar por PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cima
dessas
coisas
e
ir
tentando
uma
aproximação. ― É o que faria se fosse sua irmã? ― Não tenho família. Sou apenas eu, talvez por isso acho que pode se esforçar um pouco mais. Eu faria se tivesse a chance de ter uma família. ― É difícil. Tem um mundo de coisas do passado entre nós. ― Ela não tenta nunca? São tipo inimigos? Sorrio me lembrando dela batendo na minha porta e me pedindo uma caneta. A coisa mais bizarra do mundo que só muito tempo depois eu me dei conta que pode ter sido uma tentativa de aproximação. ― Não inimigos, estranhos. Estranhos cabe melhor. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Que bom. É só estender a mão e se apresentar e deixam de ser estranhos. ― Tomo o resto da taça de vinho, fico de pé. ― Essa é a parte difícil, Kevin, me apresentar. Eu não gosto de me apresentar. ― Quando se gosta mesmo de alguém, se aprende. ― Eu tenho que ir. O vinho. Trabalhe nele. Me chame para o que precisar. Quero que esteja pronto se tudo der certo. ― Hoje mesmo vou trabalhar nisso. ― Apertamos as mãos. ― Quando Kiara estiver na Vila vou convidá-lo para jantar. Acho que conhecê-la vai ajudar. ― Vou gostar. Sua avó me deu uma bronca por perder o casamento do seu irmão, me distraí no trabalho e não vi a hora passar. Ela me PERIGOSAS ACHERON
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ligou brava. ― Sei que ela pode ser bem dura quando quer. Um jantar conserta isso. Bom trabalho. Vou para minha sala. A secretária me acompanha e começa a sessão recados. Enquanto ela vai me passando os recados eu vou ligando meu computador e me organizando. ― O banco já ligou três vezes senhor. Uma ontem no fim do dia, depois que saiu, e duas vezes essa manhã. ― O banco? Deixaram recado? ― Não senhor. Disseram ser pessoal. ― Ligue para eles, vamos ver o que é. Depois pega aqueles relatórios de vendas e marca a reunião que pedi com os fornecedores de rolha. Um lote todo veio com defeito. ― Sim, senhor. Farei isso agora mesmo. Com licença. Já transfiro a ligação do banco. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Fico tão entretido com o trabalho que quase não escuto uns minutos depois meu telefone tocar. Amélia me transfere a ligação do banco. ― Senhor incomodá-lo.
De
Marttino,
desculpe
― Tudo bem. Do que se trata? ― Senhor, eu sou gerente da agência aqui de Florença. Tenho ordens de monitorar e informar ao senhor a movimentação da conta da senhorita Kiara De Marttino. Sim. Isso é verdade, exigi isso há muito tempo, quando aquele maldito usufruía dos bens dos meus irmãos para uma vida bem fácil. Eu sempre tive medo de ele tomar conta do dinheiro deles. Agora ele não faz mais parte daquela família e nunca me passou pela cabeça desfazer a ordem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Sim, eu sei. Algum problema com a conta dela? ― A senhorita Kiara esteve aqui ontem. Ela levou cinco mil euros em dinheiro. Achei que o senhor gostaria de saber, ela nunca tinha feito isso. Fiquei em dúvida se devia atender seu pedido, achei que pudesse ser uma emergência e transferi dos fundos dela. ― Fez bem. Obrigado. Continue me informando se alguma nova movimentação como essa acontecer. ― Sim, senhor. Bom trabalho. ― Ele desliga e me encosto na cadeira. Fecho meus olhos um momento. Ela não para nunca de aprontar? O que diabos queria com cinco mil? Não acredito nisso. Pego o telefone e ligo para ela, não atende, ela nunca atende a droga do telefone, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ligo para a mansão e a linha cai duas vezes. Ninguém. Onde diabos minha irmã se enfiou. Com cinco mil em mãos pode estar enfiada em alguma boa encrenca. Peço o helicóptero e sigo para a mansão. Se estiver na mansão pode estar bêbada demais, ou pior, com gente estranha. Sabia que devia ter ficado aqui. Na Vila. Onde eu podia estar de olho, mas nem deu vinte e quatro horas e Filippo estava aqui atrás dela. Levou Kiara com ele. Ou está na farra com ela ou a deixou por aí. Muito bom. Realmente muito bom. Desço na mansão. Tudo fechado e vazio. Não posso voltar sem saber dela. Dispenso o piloto e só tem um jeito. Vou a agência. Se Filippo não souber dela então vou ter que acionar a polícia. Um mês Enzo, um mês! Quem precisa de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tanto tempo de lua de mel? Amor é mesmo irritante. Deus me livre de um dia ficar assim idiota nas mãos de uma mulher. O portão está trancado. Olho para ele e sinto raiva. Estou preso dentro da mansão. Preso, não posso pegar um carro e sair, não posso, pois, a droga do portão está fechado. Enzo deixou um controle do portão na Vila e óbvio que não pensei nisso. De todo modo minha avó nem desconfia que estou aqui. Como um bandido idiota eu pulo o portão para a rua. Ganho olhares. É uma cena patética, um homem de terno saltando o portão de uma mansão no meio do dia. Tomo um táxi e rumo para agência. Torço para aquele falastrão saber da minha irmã. Ele a levou da Vila. É responsabilidade dele cuidar dela. Ao menos saber seu paradeiro já que ela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tem idade suficiente para fazer todo tipo de tolices. Passo pela secretária que não tem coragem de me interpelar e entro na sala dele sem esperar convite. ― Vittorio! ― Ele sorri. ― Estava na farra dos cinco mil também? ― Ah! ― Ele sabe do dinheiro. Não sei se sinto alívio ou raiva. ― Pelo visto sim. Onde ela está? ― Senta. Vamos conversar. ― Onde ela está? ― Não tem farra com o dinheiro. Quer sentar e me ouvir. ― Seu tom severo e maduro me agrada. É bom saber que ele não é sempre um garoto bobo. Sento a sua frente. ― O que está acontecendo? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não tinha intenção de trair a confiança dela e contar, mas já que está aqui. ― Vim de helicóptero. Desci na mansão e não tinha ninguém. ― Deve ser legal isso. Chegar pelos céus. Pousar o quintal. Nem precisa ter chave de casa. Bem louco. ― Precisa. Tive que pular o portão para chegar aqui. Fiquei trancado lá dentro. ― Maldita boca essa minha. Filippo quase cai da cadeira com um ataque de riso. Quando percebe minha irritação ele se controla. ― Certo. Tem que admitir que a imagem é sensacional. Esse terno é Armani? ― Não sei. Não me importo. Filippo, quero saber sobre a minha irmã. ― Giovanne roubou a caneta que sua avó deu ao Enzo. Isso foi quando ele morreu. ― Isso PERIGOSAS ACHERON
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de volta é difícil de engolir. ― Bom, sua irmã recebeu uma ligação, um traficante que era amigo dele se podemos chamar assim... ― Estava com a caneta e pediu cinco mil. ― Sim. Ela pegou o dinheiro no banco e foi sozinha levar. Dá para acreditar? Quase morro de susto. Ele deu a caneta, pegou o dinheiro e eles brigaram ou qualquer coisa assim. O infeliz machucou Kiara. ― Sabia. ― Não quero ouvir. Estou cansado disso. Cansado do quão destruídos todos nós fomos. ― Eu a resgatei, ela me ligou e fui buscá-la. Nada grave, só escoriações. Coisa leve, fisicamente. O estrago mesmo foi emocional. Ela está abatida, machucada por dentro e por fora, vai sair dessa. Eu sei que sim. Ela é forte mesmo que não acredite nisso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Onde ela está? No hospital? Na casa antiga? ― Comigo. Está comigo. Vai ficar comigo. Morando comigo até o Enzo voltar. ― Filippo, estão namorando? ― Ele pensa um momento. ― Não. Tem algo começando. Ainda não é um namoro, porque... ― Está usando minha irmã? ― eu grito. ― Ainda bem que está vivo, se um fantasma grita assim comigo eu desmaio. ― Não é engraçado. ― Não é mesmo. Morro de medo. ― Estou falando sobre a minha irmã. Sobre brincar com os sentimentos dela. ― Eu não estou fazendo isso. Você é maluco. Nem me deixou terminar de falar. Não PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estamos namorando porque ainda não deu tempo de fazer um pedido formal. Vou fazer isso de um jeito romântico. Não me pressione. Se me pressiona tenho ideias ruins. ― Quer saber. Me dá seu endereço. Eu não quero falar disso. Infelizmente não é da minha conta. Ele anota o endereço num papel e pego a folha e guardo no bolso. ― Vittorio? ― Ele me chama quando fico de pé. ― Vai pular o portão de novo para entrar na mansão e pegar o helicóptero? ― Vá para o inferno, Filippo. ― Eu o deixo no meio de uma crise de riso. Ela tinha que escolher justo ele? É um prédio baixo, elegante, de um bairro jovem. Um lugar com certo charme que acho que combina com um casal jovem e sem PERIGOSAS ACHERON
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filhos. Subo os dois lances de escada. Não tem elevador. A construção é antiga. Kiara não demora muito a abrir. Fica transtornada ao me ver. Certeza que não me esperava. ― Vittorio? ― Agora que estou aqui não tenho a menor ideia do que dizer, mas seu rosto marcado me dá uma leve ideia. Ela não pode continuar com isso. É minha irmã. É uma garota e precisa fazer algo para se salvar antes que seja tarde. ― Posso entrar? ― Ela desperta e me dá espaço, entro na sala com Kiara me acompanhando. ― O Filippo te ligou? Ele prometeu... ― Seu gerente ligou. ― Ela baixa a cabeça. Sinto vontade de dizer a ela que... eu não sei. Só queria salvá-la. O rosto está tão PERIGOSAS ACHERON
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marcado. Os joelhos. Ela cruza os braços no peito e vejo os braços feridos também. ― Desculpe. Eu consegui a caneta do Enzo de volta. Não bebi com o dinheiro. Ele pode devolver o dinheiro, ele pode fazer isso de lá mesmo se for um problema, eu não queria preocupá-lo, mas eu ligo... ― Dane-se o dinheiro! ― Meu tom é duro, ela me olha espantada. ― Acha que estou aqui por conta de cinco mil? Qual seu problema comigo? ― Meu problema com você? Qual o seu problema comigo. O gerente te liga para dar informação sobre a minha conta? É assim que faz? Controla tudo? Tem medo que eu gaste o seu dinheiro? ― Não está sendo justa! Não está sendo razoável. Nunca mexe na conta. Nunca gasta PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mais do que recebe de pensão. Do nada são cinco mil em uma retirada em dinheiro. ― Que devia ser problema meu ― ela diz sem me olhar. Os cabelos soltos, tudo para me esconder as marcas. ― Olha para mim. Não tem como esconder o que aconteceu. ― Não sem os quilos de maquiagem que sempre usa, mas hoje por alguma razão não passou. ― Não estava bêbada ― ela grita. ― O que é bem pior. Assusta pensar que tomou uma atitude como essa sem uma gota de álcool para confundir seu julgamento. ― Eu podia ter dado o dinheiro a ele, não fiz e ele roubou a caneta, ela não foi o bastante para salvá-lo. Eu queria de volta. Eu não queria nada nosso nas mãos daquele homem. ― Foi a polícia? ― Ela nega. ― Não PERIGOSAS ACHERON
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denunciou? Apanhou, foi extorquida e tudo bem, vai ficar por isso mesmo? Acha certo? ― Eu não tinha nada que ter ido. A culpa é minha. ― Como ela pode carregar sempre a culpa sobre tudo? A morte do Giovanne e todas as outras coisas. Ela se cala e se culpa e depois precisa carregar o peso. Não sei como pode suportar tudo isso. ― Sabe que é. Por isso o silêncio. ― É só uma menina. ― Ela ergue os olhos pela primeira vez, talvez uma das poucas vezes que me olha nos olhos. ― Eu não protegi você. Eu tenho tantas coisas em mim, coisas... coisas que não quero dizer, e eu preferi me fechar na segurança da Vila e deixei ele machucar você. ― Não fala disso ― ela me pede chorando. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu sinto muito. Sinto muito, Kiara. ― Não percebi a tempo. Achava que era carinho de pai, achava que eram cuidados de proteção, eu não vi o que estava vindo até ele... a minha mãe estava morrendo e eu só pensava nela. ― Não é sua culpa, não é. Não pode se culpar por tudo que acontece. Não pode carregar todas as coisas sozinha. Eu podia ter cuidado disso. Mais uma vez machucaram você e de novo eu não pude evitar. ― Faço tudo errado. Estou tentando. Não bebi, não vou beber mais. Eu vou achar um caminho, eu tenho medo de morrer como o Giovanne. Estamos tão perto e tão longe. Tem um abismo entre nós e eu não sei se consigo saltar. Não sei se dá tempo de construir uma ponte. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Penso em abraçá-la, mas isso eu ainda não posso fazer. ― Não chora. Não faz tudo errado. Cuida bem do Matteo. É responsável quando está com ele. Acaba de dizer que não vai mais beber. Está indo bem. Isso tudo vai passar. ― Desculpe. — Ela me olha mais uma vez, secando as lágrimas e me sinto doente, ao mesmo tempo me sinto melhor. Estamos aqui, frente a frente falando das nossas dores e por mais que não consigo ir fundo, é um passo, pequeno, mas um passo. ― Não se desculpe. Eu sou seu irmão mais velho. Eu devia cuidar de você. De todos vocês, eu fiquei lá. Ela balança a cabeça, seca lágrimas e respira fundo. Aos poucos vai controlando as lágrimas. Uma crise de choro deve ser bom. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Nunca tive. Acumulo tudo sem me deixar dobrar. Porque homens não choram. Foi o que ele me fez acreditar. Repetiu isso dia e noite quando ela partiu e eu fiquei. “Homens não choram Vittorio, você não precisa dela, você vai herdar tudo isso, precisa ser forte para cuidar de tudo isso. Erga a cabeça e esqueça sua mãe.” Parei de chorar aos oito anos. Nunca mais aconteceu. ― Foi ao médico? ― Ela balança a cabeça negando. ― São só escoriações. Não está doendo. Queria que a vovó não soubesse disso. Já envergonhei e preocupei tanto ela. Eu quero tentar não fazê-la sofrer mais. ― Não vai saber. Vou tentar enganá-la. Não é meu forte, mas vou tentar. ― Ela é perspicaz. ― Sorrio levemente. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Filippo disse que vai ficar morando aqui. ― Só uns dias. Enquanto o Enzo... só... é que a mansão... ficar lá sozinha. Tudo bem? Acha que tudo bem eu ficar aqui? ― Ela quer mesmo minha opinião? Até me espanta. Se disser não vai levar em conta? Duvido, de qualquer modo. É bom saber que ela está tentando. ― Filippo é honesto, respeitoso com todos nós. Amigo do Enzo de toda a vida. Sim. Acho que está tudo bem ficar. ― É. Acho que é melhor do que ficar sozinha. ― Ainda pode ir a Vila a qualquer hora. Eu mando o helicóptero. Melhor eu ir. Sai... vim sem programar. Só... ― Fiz cupcake. ― Sério que ela vai me PERIGOSAS ACHERON
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fazer comer um? Eu não gosto de doces, já tive que comer o bolo de chocolates e agora isso. Fico calado olhando para ela. ― Pensei em testar, para ver se caso eu decidisse ter uma loja de doces. Se lembra do que o Filippo falou aquele dia? ― Sim. ― Se quiser provar um. Para dar uma opinião honesta. Eu acho que o Filippo vai dizer que está uma delícia. O paladar dele é comprometido. A mãe dele cozinha mal e qualquer coisa que não seja a comida dela ele sempre acha incrível. ― Claro. Vou gostar. ― Ela me aponta a cozinha. Não dá para decidirmos tudo num dia. Não dá para apagar o que passou, nem jogar tudo para fora. Eu ainda não estou pronto. Nem sei se um dia vou me sentir aberto para eles, mas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS eu não quero mais fazer as coisas escondido. Ela me serve um bolinho de chocolate com cobertura colorida e cheio de mil coisinhas que se misturam e parece apenas doce demais. Eu sempre acho isso de qualquer coisa doce que experimente e acho desde sempre. ― E então? ― Ela me olha curiosa. Quer mesmo minha opinião e está preocupada. Opinião honesta é o que ela quer. ― Gostou? ― Uma delícia. Realmente muito bom. Delicado. Super saboroso. ― Ela me estende um guardanapo e um copo com suco. ― Prefiro água, não quero... misturar os sabores. ― Ela me oferece água e agradeço. ― Pensei em falar com a vovó. Sobre isso de loja de doces. Também fico pensando se eu tenho dinheiro para isso. Melhor eu esperar o Enzo voltar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― O Enzo. Claro. ― Passo o guardanapo na boca e tomo mais uns goles de água para ajudar o doce a descer. ― Tenho que ir. Vim porque fiquei preocupado, mas está segura e... é isso. Melhor eu ir. Desculpe vir sem avisar. ― Eu tenho Vittorio? ― ela me pergunta enquanto me acompanha até a porta. ― O que? ― O que precisa. Dinheiro. Talento. Tenho? Não precisa se preocupar com o vinho. Aquilo foi loucura do Filippo. ― Você tem tudo. Basta saber se tem coragem. Sobre o vinho. Um dia... Pergunte a vovó sobre o Vinho Pietra. Ela vai te contar uma boa história. ― Dou uns passos para além da porta. Kiara me segura. ― Vittorio. Obrigada por vir. ― Não demore a voltar a Vila. Vovó se PERIGOSAS ACHERON
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preocupa e sente sua falta. Não tem mais nada a ser dito, não tem mais nada que eu ou ela consiga dizer, então eu a deixo ali me olhando e desço as escadas. Acho que o saldo é positivo. Foi bom vir.
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Capítulo 12
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Kiara O que foi isso? Vittorio veio até aqui. Apenas para... para... não sei, saber de mim? Isso é estranho. Estranho bom, eu acho, não estranho ruim. Ele se importa. Vittorio é tão ou mais fechado que eu, difícil desvendar seus sentimentos, acho que um pouco é se sentir responsável por mim. Como se estivesse no lugar dos nossos pais, mas também tem sentimento de irmão e carinho. Não foi a conversa que seria com o Enzo, mas nem poderia. Do jeito que somos é complicado. Enzo é mais tranquilo. Ele, na maior parte das vezes, nem dá atenção ao meu jeito fechado, só me abraça, beija e diz o que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pensa, mesmo quando eu não estou afim. Crescemos juntos. Dividindo os bons e maus momentos. Essa proximidade é natural. Por muito tempo, muito mais do que o saudável Vittorio foi apenas um estranho, um nome, um rosto, não tinha personalidade, não era uma pessoa. Mesmo quando comecei a frequentar a casa do meu pai, quase sempre ele não estava e quando mais adolescente ele começou a estar em casa era só um estranho trancado no escritório ou correndo os vinhedos. Distante. Apenas isso. Distante. Fecho a porta e caminho para sala. Uns minutos depois a campainha toca. Vittorio pareceu entrar de mãos vazias. O que ele pode ter esquecido? Abro a porta e dou de cara com Filippo com um maço de flores na altura do PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS rosto. ― Filippo. ― Ele baixa o ramo de flores e está com um lindo sorriso no rosto. ― Não fui eu que contei ao Vittorio ― ele me avisa e dou espaço para que entre. ― Eu sei, foi o gerente do banco. ― Quando passa por mim ele me beija de leve. ― Ele esteve aqui. ― Eu sei, estava escondido esperando que saísse. Não queria estragar o momento irmãos. Se abraçaram? ― ele pergunta enquanto eu o sigo pela casa. ― Não. ― Ele se volta e me olha, as flores ainda em suas mãos. Ilusão. Achei que eram para mim. ― Não? Como são difíceis. abracinho de irmãos não é nada demais.
Um
― Acha que ele veio atrás de um abraço? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Brigaram? ― Meio que quase brigamos, mas no fim deu tudo certo. Estava escondido? ― É, ele saiu da agência meio estressado vindo para cá, achei melhor vir também, caso precisasse de abraços e beijos depois. Parece que não. ― Foi tudo bem. ― Conchinha, essa é a hora que diz que sempre precisa dos meus abraços e beijos. Precisa aprender a ser fofa. ― Eu preciso. ― Olho para o chão, escuto seu riso e sinto seus braços me envolvendo. Encaro Filippo e ele me beija. Um beijo especial. As flores ainda em suas mãos cutucando minhas costas. ― Essas flores são para enfeitar a casa? ― Ah! ― Ele se afasta. ― São suas. ― PERIGOSAS ACHERON
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Filippo me estende. ― Fiquei treinando e esqueci. Flores para uma rosa ou qualquer coisa assim. Pego as flores um tanto emocionada, são lindas. É a primeira vez que ganho flores. Não sabia que gostaria tanto, nem sei direito o que fazer ou dizer. Só consigo me concentrar em não chorar feito uma boba. ― E essa é a hora que me beija em gratidão. Não consigo evitar sorrir antes de ir até ele e me esticar para beijá-lo sem deixar as flores. Podia dormir com elas. ― São lindas, Filippo. Obrigada. Você tem um vaso. ― Um vaso? Claro que não. Eu sou um homem que mora sozinho. Já sei. Vamos colocar na jarra de água. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS A cozinha está perfumada quando entramos juntos, ele parece que ainda não percebeu. ― Deu o controle do portão para o seu irmão? ― Que pergunta. Por que faria isso? ― Não. ― Não? ― Ele ri. ― O James Bond vai ter que pular de novo coitado. ― Pular? O Vittorio? ― Ele desceu lá de helicóptero e você não estava então ele ficou preso lá dentro. Pulou para ir à agência e agora vai ter que pular para pegar o helicóptero de volta. Ele não controla o riso e nem eu. Pensar no meu irmão todo sério, arrumado, com os cabelos alinhados e a roupa impecável saltando aquele portão de pelo menos três metros é bem coisa do senhor Bond. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu não imaginava. Ele não disse nada. Que cena engraçada. Já pensou se a polícia o para? Vittorio me arrancaria o couro. ― Seria mesmo muito bom. Não, ele me arrancaria o couro também. Ele coloca água até metade no jarro de vidro e eu deposito as flores. Com um sorriso bobo ajeito o ramo. São lindas, sem muito arranjo, só flores coloridas presas a uma fitinha vermelha. ― Vou colocar na sala. ― Levo até a mesinha. Afasto as conchas de vários tamanhos, lembro do apelido e seu significado, sinto muitas coisas, entre elas medo. Tanto carinho me assusta. Não sei corresponder. ― Cozinhei. ― Sabia que não era da vizinha de baixo esse perfume de boa comida. O cheiro da comida dela sempre chega aqui. Só que nunca PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tão acentuado. Filippo me envolve a cintura, ele me faz sorrir. Toco seu rosto. Queria tanto saber devolver. ― Também fiz cupcakes, foi só um treino. Para o caso de decidir... você sabe. ― Kiara Doces. ― É, ainda não estou dizendo sim. Quer provar? O Vittorio adorou. Acho que ele será um provador de doces, ele é bem honesto, então acho que não vai mentir. Não acha? ― Acho. ― Ele beija meus lábios, depois me dá uma mordida no queixo. ― Acho que tem que fazer o Vittorio provar todo o cardápio. Acho que vamos passar um fim de semana lá na Vila, você fica cozinhando seus doces e ele provando. ― Sabe, eu acho boa ideia. Se eu PERIGOSAS ACHERON
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resolver tentar, pensei em ligar para o Enzo e ver o que ele acha. ― Ele vai achar bom. Podemos comer? ― Já? ― Sim. Estou com fome. Só tem um ser nesse planeta que compete com meu apetite. É aquele pequeno glutão do Matteo. Estou com saudade dele. ― Eu também. ― Admitindo sentimentos. admitir que está louquinha por mim.
Só
falta
― Vem. Você coloca a mesa enquanto aqueço a comida e depois prova os doces. ― Provo. Vai ver que provo. Posso olhar? ― Ele fica uns minutos encantado com os doces. Eles são diferentes e Filippo decide que vai ter que provar todos para escolher. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vem jantar. ― Só quando a comida está sobre a mesa é que ele para de admirar os doces. Nós nos sentamos e eu o sirvo. ― Eu estou até emocionado. Isso parece coisa de família feliz. Comida boa, você me servindo. Se deu mal, mamãe! Coitado do meu pai. Vou mandar uma foto para ele morrer de inveja. Filippo realmente faz isso, tira uma foto do prato e envia ao pai. ― Seu pai sabe que estou aqui? ― Ainda não. Quando formos almoçar lá eu conto. ― Acha que vai ser um problema? ― Óbvio. Ele vai querer vir jantar aqui todo dia. No caso é claro de você decidir continuar com essa coisa de cozinhar. Não estou pressionando nem nada. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Gosto de cozinhar. Me distrai. Limpa minha mente, vai ser bom. ― Carregou seu celular? ― Nem me lembrei, meu olhar é um aviso e ele balança a cabeça. ― É sério. Você desrespeita o esforço Graham Bell. Ele queria unir povos, aproximar pessoas, revolucionar a comunicação, mas você, você apenas esnoba a evolução. ― Me esqueço, mas eu vou prestar mais atenção nisso, eu prometo. ― Conchinha, se eu ligar e não atender eu vou largar o trabalho e correr atrás de você e pelo visto o Vittorio vai fazer o mesmo, ele vai virar um tipo de mestre do salto em altura, então facilita nossa vida. ― Entendi, baby, vou usar o telefone. Eu juro. ― Boa menina. Sabe o que merece? Que PERIGOSAS ACHERON
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eu largue essa pasta divina regada a muito queijo e vá aí beijar você. ― Ele deixa seu lugar a mesa e vem me beijar. Depois volta a comer. ― Isso está incrível. ― Lembrei que gosta de queijo e exagerei um pouco na dose. ― Esse é o caminho. Como se sente? Alguma dor? ― Nego e lembro das marcas e toco o rosto. ― Meu dia foi estranhamente agitado e nem me lembrei de maquiar. No fim Vittorio acabou... vendo. Ele ficou bravo quando contou que estou aqui? ― Ele é bravo. Tipo com tudo, mas eu estava rindo dele pulando o muro, então não levei ele a sério. ― Você nunca o leva a sério. ― Filippo dá de ombros despreocupado. ― Mas ele sabe PERIGOSAS ACHERON
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que vou ficar uns dias aqui e parece que tudo bem. ― Estou feliz que ele sabe. Vamos ver o Enzo o que vai achar. Já posso comer os doces? ― Ele realmente gosta de comer. ― Claro. ― Podemos ver uns filmes. O que acha? ― Pode ser. ― Eu fico um tanto nervosa. Pensar em nós dois aqui sozinhos sempre me deixa ansiosa. Quero dar mais um passo, mas morro de medo, então eu não sei como agir. ― Preciso de um banho antes, mas depois eu sou todo seu. ― Fico corada, é meio que um susto e ele ri. ― Estamos indo bem devagar, Kiara. É só me beijar, ficar pertinho, cozinhar para mim, ser linda, ter cara de concha e lavar a louça. ― Esperto. Você seca. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Seco, mas vou comer mais um cupcake, quero tentar esse de chocolate com creme rosa. Nem sei como esse negócio ficou rosa, mas está bem bonitinho. Ele me ajuda, uns minutos e está tudo arrumado. Depois quando penso que ele vai para o banho. Filippo me puxa para seus braços. ― Obrigado. Estava tudo incrível e não, você não precisa fazer nada disso. Basta estar aqui. Encosto em seu peito, com vontade de chorar. Parece que mergulhei em um sonho bom e tenho medo de despertar. É como se a fada madrinha tivesse me visitado e ele fosse um tipo de presente. Quero ficar ali para sempre, mas me afasto, estico e beijo Filippo. Ele gosta, eu posso ir aos poucos ganhando confiança para PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS demonstrar um pouco. Deixar meus impulsos dominarem para o bem como deixo para o mau. ― Banho. Dez minutos. Escolhe o filme. ― Escolho. ― Fico sozinha, aproveito para colocar o celular para carregar e ligar para o Enzo. ― Alô. ― Oi. ― Oi. Tudo bem? Estava aqui pensando em te ligar. Está com a vovó ainda? ― Não. Eu... eu voltei para Florença. ― Você está bem? Kiara, não está... ― Não bebo desde que viajou. Eu estou bem. ― Ele fica mudo, leva um tempo para as pessoas pararem de esperar o pior de mim, mas isso se eu ajudar. ― Isso é bom. Um alívio. Eu tenho PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estado preocupado. Ontem tentei te ligar, não consegui, aí tinha que pegar o avião e acabou que não falamos. ― Onde está? ― pergunto querendo desviar o assunto. ― No hotel em Los Angeles. Matteo acabou de pegar no sono. É uma da tarde aqui. Ele veio descansar um pouquinho. ― Estão se divertindo? ― Muito. Nem chegamos aos parques ainda, estivemos em Nova York esses dias. ― Legal. ― Comprei muitos presentes para você. Tem muita coisa que é a sua cara naquela cidade. Jantamos com os Stefanos uma noite e é verdade, eu tive que perguntar. Giovanna nunca esteve na Itália na infância. ― Isso é mesmo um mistério. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Sim, não quero pensar nisso, me conta. O que está fazendo? ― Enzo. O Filippo deu uma ideia, sobre eu abrir uma loja de doces caseiros. Uma pequena. Só para... não é para... ― Eu gosto. ― Nem terminei de falar, mas eles querem tanto que me ocupe. ― Não acha irresponsável eu começar um negócio sem ser uma técnica. Não estudei. ― Mas cozinha tão bem quanto a mamãe, talvez melhor. Sua especialidade são os doces, desde menina. Acho que vai se dar bem. Comece um negócio despretensioso. Vai ser bom. ― Eu penso que não sirvo para me deitar num divã e falar sobre mim com um terapeuta, então talvez, me ocupar com algo assim. Enzo, eu quero mudar um pouco minha vida. Não se PERIGOSAS ACHERON
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encha de esperanças. É só uma ideia. É só um plano inicial. ― Dá vontade de pegar um avião e ir até aí te dar um abraço. ― Ele e o Filippo tem uma mania de abraço. ― Fala com o Filippo. A agência te ajuda em tudo que precisar. Vou ligar para o Vittorio. ― Ele sabe. ― Isso está indo muito bem. Já vai estar tudo adiantado quando eu chegar. Não inaugure sem mim. ― Não disse que vou fazer. Só que estou pensando nisso. ― Vai fazer sim. Bianca está dizendo que vai cuidar da administração para você. Quer receber em doces. ― Eu vou... eu vou pensar. Respondo amanhã. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Está querendo que eu implore? ― Não. Estou pensando com carinho. Vou desligar. ― Filippo está de pé, olhando para mim enquanto passa a toalha nos cabelos úmidos e eu acho que ele não faz ideia de como isso mexe comigo. ― Kiara? ― Sim. ― Se puder... não bebe. Se for difícil, volta para a Vila, convida o Filippo para ir aí em casa. Não bebe. Eu me sinto idiota por não esclarecer o mal-entendido. A mentira na verdade, menti deliberadamente e isso é bem ridículo porque mesmo o Vittorio já sabe. ― Eu faço isso. Divirta-se. ― Você fica bem. Beijo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Outro. Um para Bianca e Matteo. Ele está feliz? ― Vai ficar surpresa. Um pequeno tagarela. Tchau. ― Desligo. ― Enzo? ― Balanço a cabeça. ― Tudo bem com ele? ― Tudo. Ele acha boa ideia a doceria. ― Sabia que ele acharia. Amanhã começa o cardápio e precisa andar por aí e se encantar com um ponto comercial. Precisa olhar para ele e se ver lá. Já sei, vamos todos os dias almoçar juntos, me encontra na agência, almoçamos e damos uma volta, vamos achar esse lugar. Agora diga, “Sim Filippo, quero montar a Kiara Doces. Sua ideia é genial”. Ele vem até mim. Atira a toalha sobre o sofá e me puxa para seus braços. Meu coração dispara na mesma hora. Meus olhos se prendem PERIGOSAS ACHERON
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aos dele. Engulo em seco. Quero me entregar e ao mesmo tempo quero conservar essa coisa bonita que temos. Que é pura e imaculada. ― Sim. Quero a Kiara Doces. ― Faltou dizer que sou genial. ― Você é incrível. Ele me puxa para mais perto e nos beijamos. Não uma vez, mas muitas, só beijos, só carinho, olhares. Ele me faz rir, sonhar, eu fico me sentindo de novo com quinze anos e como a menina de quinze anos eu não tenho ideia de como me comportar quando estamos assim. Até tem um filme passando na televisão e deve ser bonito, só não consigo sair dos braços dele. Então, quando ele me chama de conchinha no meu ouvido eu me derreto e nem consigo esconder muito. O que o deixa bastante PERIGOSAS ACHERON
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orgulhoso de si mesmo. Passa da meia-noite quando decidimos ir dormir. Essa intimidade de dividir cama é uma coisa que vou aprender. Porque gosto, mas morro de vergonha. A garota de maquiagem e botas, que bebe vodca num cantil de prata riria de mim, mas essa garota não existe, eu inventei para me esconder e acontece que acho que não quero mais me esconder. ― Gostou do lado da cama? Quer trocar? ― Não sei, tanto faz. Prefere trocar? ― Eu gostei de como ficou, mais ou menos, eu me comportei muito, estava pensando em te abraçar, mas achei melhor ir com calma. ― Ah. ― Ele me deixa sem fala. ― Eu... ― Coragem Kiara. ― Eu acho que tudo bem me abraçar. Eu acho que eu gosto. Não. Eu tenho PERIGOSAS ACHERON
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certeza que gosto. Filippo começa a bater palmas e quero atirar o travesseiro nele. Estamos frente a frente um de cada lado da cama. Ele me aplaudindo como se eu tivesse feito um discurso. ― Belas palavras. Belas palavras. ― Idiota. ― Deito e puxo as cobertas, ele me puxa para seus braços, não consigo ficar brava muito tempo. ― Baby bobo. ― Cara de concha. Agora desenho até pegar no sono. Almoço com ele, passeio por Florença segurando sua mão e visitando estabelecimentos comerciais onde eu possa abrir minha pequena loja de doces, preparo jantares e troco carinhos e beijos por quatro dias perfeitos e especiais. No sábado passamos o dia todo juntos. Comemos doces em algumas lojas e penso que quero algo PERIGOSAS ACHERON
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mais romântico e menos elegante. As lojas de doces são tão finas, com cara de restaurante caro e penso que intimidam as pessoas. Quero um lugar onde qualquer um sinta vontade de entrar. Que não tenha medo de não estar vestido de acordo. Que não sinta que os doces vão ser mais caros do que pode pagar. Quero que as pessoas se sintam na cozinha de casa, olhando a mãe ou a avó preparar a sobremesa de natal. ― Quero que a cozinha fique junto ao salão ― conto ao Filippo no domingo logo que acordamos. Ele sorri, deitado ao meu lado, enquanto nos olhamos sem sair da cama. Ele é tão lindo quando acorda. Ele é lindo todo tempo, mas quando acorda quero me encolher em seus braços, mas agora estamos só nos olhando de frente um para o outro. ― Quero que as pessoas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS me vejam cozinhar. Sem vidro, sem portas. Quero que o cheiro do forno e do chocolate derretendo no fogo baixo agucem a fome dos clientes. Que perfume o salão. Quero garotinhos e garotinhas se pendurando no balcão curiosos e quero levar a colher de pau até eles para provarem o que estou fazendo. ― Estou aqui para o dia que vai admitir que tem um romance escondido aí debaixo do travesseiro. ― Para de me provocar com isso! ― Faço careta e ele me beija. ― Gosto da ideia. Eu não sei como é essa coisa das leis sobre cozinha comercial, mas vamos descobrir. ― Vou ter uma loja de doces. Eu decidi isso. ― Eu sei, vi isso no dia que estávamos PERIGOSAS ACHERON
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na cozinha da Vila. Seus olhos brilharam. Eles brilham às vezes. Como agora, quando está impressionada com a minha beleza matinal. O que mais gosto nele é que diz essas coisas sem mudar a expressão no rosto e isso, mais do que as coisas que diz é que me provoca o riso fácil. ― Você é tão bobo. ― Sou. São quase onze, eu aconselho a se esforçar um pouco e tomar café da manhã. Vai enfrentar o almoço da minha mãe, quanto menos fome melhor. ― Vou tomar um banho. Filippo, eles sabem que vou com você? ― Sabem Kiara. São meus pais. Meu Deus. Conhece eles desde pequena. Que drama. ― Sei lá. Evito a maquiagem exagerada, eu meio PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que não tenho mais vontade de me maquiar tanto, por mim, nem quero mais colocar, mas também não quero que as pessoas pensem que mudei do dia para a noite e tem a leve mancha do lado esquerdo que ainda não saiu. Melhor esconder do que explicar. Filippo segura minha mão quando descemos em frente à casa dos seus pais e fico pensando como ele vai explicar nossa relação. A porta está encostada, entramos e me lembro de vir aqui na infância. Os pais dele e minha mãe acabaram desenvolvendo uma amizade e viemos em todos os seus aniversários. Sorrio quando me lembro de correr por essa casa, brincando nas festas infantis. Depois eu me apaixonei e ele namorava a Paola e me machucava tanto vê-los juntos que eu parei de vir. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Chegaram. ― Franco me beija o rosto. Seu tom de voz é sempre alto, ele abraça, ele beija, ele gesticula, ele é um italiano. ― Está linda! ― Bom dia, Franco. ― Carmela está na cozinha. Ainda preparando o almoço. ― Ele faz careta. ― Tomaram café da manhã? ― Ela não. Bem feito ― Filippo brinca. ― Bem feito mesmo, cozinhando aquelas delícias que meu filho manda fotos toda noite e eu aqui... ― Chegaram, Franco? ― Carmela grita da cozinha. ― Chegamos mãe ― Filippo grita de volta. ― Vão ficar aí. Venham aqui. Eu não posso deixar as panelas ― ela continua gritando. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não mesmo, porque se não elas correm ― Franco sussurra e tenho uma crise de riso. Nem sei por que acho tanta graça, mas é bom me lembrar como eles são felizes e divertidos. Filippo me puxa pela mão, chegamos a cozinha e Carmela está perdida com as panelas no fogo. Sinto a acidez do molho só pelo cheiro. Ela vem me abraçar e beijar meu rosto, gesticula, fala alto, toca o tempo todo porque é também italiana e eu gosto. ― Muito cedo. Ainda vai demorar. ― Quer ajuda? ― Ofereço. Filippo se recosta nos armários e Franco arrasta uma cadeira e se senta com um café. ― Por que não? Experimenta meu molho, receita nova. Quero fazer algo especial para vocês. ― Olho para Filippo ele nega com a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cabeça, faz uma leve careta como um alerta para eu não provar, mas acompanho Carmela. ― Molho à Matriciana. ― É um molho demorado que precisa de atenção e algum talento, mas gosto da tentativa. Deixo cair umas gotas na palma da mão e provo. Está ralo e salgado demais. O queijo pecorino é salgado e é preciso cuidado na hora de usá-lo. ― E então? ― Salgado e ralo. Ruim. ― Silêncio. Eu não vejo razão para enganá-la. Não sou o tipo que faz essas coisas. ― Bem ruim. ― Olho para Filippo e ele está mudo e Filippo nunca fica mudo, eu me arrependo na hora. ― Mas posso salvá-lo. ― Ruim? Sério? Então por que está aí parada? Salve meu molho. Começo o trabalho de tentar refazer o molho, ela ao meu lado observando. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Tem que tomar cuidado com o sal quando usa esse queijo. ― Dá uma olhada na massa. Só de olhar eu já sei. Mole demais. Quase um mingau. ― Cozinhou demais. ― Ela faz careta. ― Então vamos cozinhar outra. Vou jogar essa fora. Será que errei a mão hoje? ― Carmela, pelo que sei você meio que nunca acertou. ― Sério isso? Cozinho mal, Filippo? ― Mamãe, eu... eu... sim. ― Franco? ― Há trinta anos ― ele admite e ela me olha surpresa. ― E precisou você vir aqui para eu saber disso? Por que eles nunca me contaram? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Porque amam você. Não queriam magoá-la. ― Me magoar? Eu odeio cozinhar. Por mim nem entrava na cozinha. Por que diabos ficaria magoada? ― Aprendi a mentir com o papai ― Filippo avisa. ― Amo você, Carmela, não queria que se chateasse. Se esforça tanto. ― Claro! Não gosto, por isso me esforço. ― Diálogo é tudo ― brinco mexendo panelas e abrindo armários. Esse é meu lugar favorito em uma casa, aqui eu não tenho problemas. Aqui eu não sou infeliz nunca. ― Gosta de cozinhar, Kiara? ― Amo. ―
Ótimo.
Soube
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ontem
que
está
PERIGOSAS NACIONAIS passando uns dias com o Filippo, vai me ensinar. Não faz nada mesmo. É rica. ― Honestidade é via de mão dupla. ― Já sei como vamos fazer. Vem jantar aqui duas vezes na semana. Me ensina, o Filippo vem jantar e pegar você. É isso. Combinamos assim então. Olho para Filippo pensando o que ele acha disso. Agora ele está rindo com gosto. Franco também. Os dois me olhando e eu sem fala. ― Quem mandou ser honesta? Agora aguenta, senhorita a verdade nada além da verdade. Boa sorte, professora. Terças e quintas está ótimo para mim ― Filippo me avisa e olho para Carmela. ― Para mim também. Segunda, quarta e sexta, faço ioga. ― Perfeito. Vou separar todas aquelas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS receitas incríveis que sempre quis fazer. Odeio cozinhar, mas amo comer. Coloquem a mesa rapazes. Se movimentem. ― Sim, senhora. ― Depois da pequena confusão que criei com minha honestidade crua e desnecessária o clima fica tão bom que nem vejo a hora passar e quando nos sentamos em torno da mesa eu me sinto em casa. Franco abre um vinho. Começa a servir as taças e quando pega a minha eu prefiro ser de novo honesta. ― Obrigado, Franco, mas já bebi por uma vida. Eu fico com apenas água. Filippo sorri e se move da sua cadeira, então me beija na frente dos pais, que me deixa sem reação. Feliz. Feliz de um modo que não se explica. Tem vezes que ele faz coisas que me emocionam a ponto de ter que lutar com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS lágrimas e essa é uma delas. Estive apaixonada por ele durante anos, mas hoje o que sinto é mais forte e ao mesmo tempo mais suave e de todos os modos, definitivo.
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Capítulo 13
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Filippo ― Está realmente muito bom. Esse é um momento histórico. Nós aqui reunidos em torno da velha mesa e comendo uma comida saborosa. ― Que não foi comprada, papai. Já comemos comidas incríveis que foram compradas, Kiara. ― Ela sorri. Está feliz em estar aqui eu posso ver no modo como me olha. ― Dois grandes idiotas. Por isso vão lavar a louça. ― Minha mãe determina. ― Eu concordo, Carmela. Eles lavam a louça. ― Isso é uma rebelião ― papai brinca tomando o final da sua segunda taça de vinho ―, mas depois vai me deixar assistir ao futebol PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS na sala. ― Ele me sorri. Toca a mão dela que descansa sobre a mesa. ― Ela me obriga a ver o futebol na televisão pequena do quarto. Acho uma injustiça. ― Assistia aos jogos com os meninos. O Enzo adora, o Giovanne gosta mesmo é de bagunça, ele.... ― Ela se lembra que Giovanne não está mais aqui e fica um momento desnorteada. Meu pai aperta sua mão carinhoso. ― Está tudo bem. Todos nós sentimos muito o que aconteceu. Foi uma tristeza grande. É natural esquecer às vezes que ele não está mais aqui. Meu irmão morreu há dez anos e às vezes ainda penso em ligar para ele. ― Acho que tem razão, Franco, não é questão de esquecer. Não vou. É só me acostumar. Quando parou de lamentar? ― Vejo que Kiara luta contra as lágrimas e quero tirar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS isso dela. É difícil gostar assim de alguém. Porque tem dores que não pode curar. ― Difícil dizer. Meu irmão teve um ataque cardíaco. Deixou esposa e dois filhos e ainda hoje lamento. Não me leva mais as lágrimas lembrar. Meus sobrinhos cresceram, a mãe deles se casou novamente e estão todos bem. Vivendo suas vidas. Então é isso, a vida não para e temos que seguir com a nossa. ― E a Kiara já está fazendo isso ― digo para deixá-la mais tranquila. ― Ela vai ter uma doceria. Uma delicatessen. ― Isso sim é boa ideia. Conte comigo ― mamãe diz e quando todos trocamos olhares ela faz careta. ― Apoio moral. Melhor que nada. Rimos junto com ela. É bem legal saber que ela não ficou chateada quando descobriu que cozinhar não é seu talento. Achava que isso PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS a deixaria arrasada. Kiara tem esse jeito sincero desde sempre e eu devia ter imaginado que ela não fingiria gostar da comida. ― Mais alguém quer vinho? ― meu pai pergunta. Todos nós negamos. ― Ótimo. Vou guardar para a hora do futebol. ― Vem, Kiara. Enquanto eles cuidam da louça eu aproveito para te mostrar fotos do Filippo bebê. Nós nos levantamos e a ideia não me agrada em nada, porque lá vai mamãe com fotos constrangedoras. ― Mamãe... ― Vem, Kiara. Tem uma ótima dele nu na banheira. ― Mãe! ― Você tinha um ano. Aliás deve ter alguma foto sua Kiara. Vem, vamos procurar. ― PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha mãe puxa Kiara pela mão e elas deixam a cozinha. Começo a juntar os pratos, levo para pia. Papai se encosta ao meu lado. Cruza os braços me observando. ― E então? O que está rolando entre vocês? ― Papai, pega o pano e me ajuda enquanto conversamos. Não quero deixar aquelas duas sozinhas muito tempo. Kiara é sincera nível kamikaze. ― Verdade. Acho que vou até sentir falta da comida ruim da sua mãe, era nossa marca registrada. ― Paro de lavar a louça para olhar para ele desconfiado. ― Não. Não mesmo. ― Definitivamente. Papai pega o pano limpo e começa a secar os pratos e empilhar sobre o balcão. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Me conta. Vi o beijo, é namoro? Achei que não começaria nada assim rápido. Ficou tanto tempo com a Paola. ― É diferente. ― Namoro? ― Não oficial. Eu... eu quero pedir. Não é mais assim que as coisas funcionam, mas acho que ela merece isso. É especial, viveu coisas difíceis que eu não suporto nem mesmo pensar. ― Quer me contar? ― Não, mas o que digo é que Kiara merece que eu faça tudo bem certinho. Por ela e pela minha amizade com o Enzo. ― Bom. Acho que se gosta mesmo dela é bom deixar tudo às claras. ― Gosto. ― Filho, gosta mesmo? A Paola... isso PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS não é de algum modo mágoa? Quem sabe não está só querendo esquecer a Paola. ― Pai. Eu não sinto qualquer mágoa dela. Acho que no futuro, quando ela voltar, se voltar, podemos até ser amigos, aconteceu. Eu não sinto falta, eu nem penso mais nela. ― Traição não é fácil de ser esquecida. ― Não joga toda culpa na Paola. Tenho culpa em tudo que aconteceu. ― Paro a louça para olhar para ele. ― Papai, eu não estava mais preocupado em manter aquela história do que ela. Não dava a mínima. Não sentia falta. Nos acostumamos e sei lá. Era só uma rotina comum. Tanto tempo juntos e quando fui comprar meu apartamento, do jeito que eu queria, no lugar que eu queria, nem me passou pela cabeça saber o que Paola queria. O que achava. Eu só fiz o que queria fazer. Então, é um pouco culpa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS minha. Ela está feliz lá. Com gente com os mesmos sonhos que ela. Fazendo o que gosta. ― E a Kiara. Vocês têm sonhos em comum? ― Sorrio. Gosto dessa parte da vida. São uns dias juntos, mas sinto que é diferente. ― Kiara está feliz com os sonhos de começar seu pequeno negócio e se importa com o que penso, divide comigo cada ideia. Me deixa participar. Me pergunta sobre o meu trabalho, se interessa. Penso nela de um jeito diferente. Penso em futuro. Não só no hoje, mas em construir uma vida. Entende? ― Sim. Achava ela tão doidinha. Hoje a senti diferente. ― Não. Ela é assim, sempre foi. mudou nadinha. Kiara esteve numa crise está passando. Essa é ela. Paola passava dias no shopping, usava um tapa olho PERIGOSAS ACHERON
Não que seus para
PERIGOSAS NACIONAIS dormir e não ter olheiras, não podia beijá-la depois que se maquiava. Kiara é mais despreocupada com tudo isso, gosta de ficar vendo desenho até dormir, como eu, de cozinhar, de ficar conversando bobagens, de andar de mãos dadas. ― Está apaixonado. Acho que é a primeira vez que vejo isso. Você tem razão, ela é a pessoa certa. Paola nunca fez seus olhos brilharem. E nunca cozinharia com sua mãe, e menos ainda estaria lá agora, sabe lá fazendo o que com ela. ― Kiara é mais do nosso mundo, papai. Apesar do sobrenome e do dinheiro da família ela teve uma vida classe média como a gente e me sinto mais eu perto dela. ― E sexo? Isso é importante. Como está indo? Morar junto é diferente de namorar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não aconteceu ainda. ― Meu pai volta a secar a louça um tanto chocado, o que me faz rir e volto a lavar, lembrando da pressa de me juntar a elas. ― Ela é muito tímida. ― Tímida? ― Ele duvida. ― Sim. Do tipo que desvia os olhos e fica corada, ela tem vergonha e acho fofo. Então estou indo com calma. ― Filippo, eu e sua mãe vamos ser bem liberais sobre isso, conhecemos essa família há anos, mas Kiara... quer dizer, moramos no mesmo bairro, sabemos... ― Eu sei o que pensa. Sei o que andaram dizendo dela por aí. Eu não ligo a mínima. O que importa é quem ela é comigo, além disso é como eu disse, aquilo tudo foi uma fuga de algo ruim que aconteceu com ela. Kiara é uma garota especial, ela nunca me trairia e eu tenho certeza PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS disso. Comigo ela é ela mesma e por isso é assim retraída. Comigo ela não usa máscara. ― Eu tinha que falar sobre isso, quando partirem sua mãe vai querer saber. Estou vendo que está decidido e é um homem, tem sua vida, não vamos interferir. Kiara e qualquer De Marttino é bem-vindo aqui como sempre foi desde que tinha seis anos. ― Tem chance de um dia sermos uma família só, pai. Até nisso eu tenho pensado. ― Rápido assim? ― Oito anos com a Paola e nunca desejei nada além de quem sabe morarmos juntos, com ela eu sinto, desejo uma família. Então por que esperar? Já aprendi que essa coisa de tempo é bobagem. ― Ok. Só, se cuida. ― Vamos falar mais disso, papai. Agora PERIGOSAS ACHERON
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pelo que entendi duas vezes por semana. Terminamos a cozinha. Seguimos os dois apressados para sala e elas estão lado a lado conferindo fotos. Rindo das minhas fotos de pequeno. Kiara me sorri. ― Era um bebezinho muito fofo. ― Lindo desde pequeno então? ― pergunto sentando ao seu lado. Passo meu braço por seu ombro e ficamos olhando as fotos juntos, lembrando histórias de infância. Encontramos fotos dela e dos irmãos em meus aniversários. Duas fotos de Giovanne que a fazem entristecer um pouco e chega de nostalgia. ― Vamos? ― convido e ela afirma sem tirar os olhos do álbum até que virando páginas ela encontra fotos da adolescência e lá está Paola em meia dúzia delas. É meio PERIGOSAS ACHERON
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constrangedor, não por mim. Não sinto saudade, mágoa ou tristeza, mas não quero que ela se senta mal. Eu não ficaria à vontade vendo fotos dela com nenhum outro cara. Fecho o álbum e tiro de suas mãos. Papai sente o clima e inventa um café. Vamos para cozinha e depois de uma xícara de café, de pé entre despedidas e combinações de voltarmos, nós nos despedimos. Kiara entra no carro mais silenciosa do que quando chegamos. Sinto que é algo com as fotos, meus pais foram o tempo todo legais com ela e não foi nada com eles. ― Um gelato? ― Pode ser. ― Ela mantém os olhos na janela fechada. ― A comida ficou muito boa, meu pai está feliz da vida. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu devia ter me controlado. Não foi legal. ― Foi bem legal. Minha mãe achou pelo menos. Finalmente ela pode admitir que odeia a cozinha. Os Sansone odeiam cozinhar. É nosso jeito. Agora ficou claro. ― É acho que sim. ― Silêncio. A praça está cheia de turistas, domingo, fim de tarde, é claro que está repleta de gente tirando fotos e tomando gelato na saída dos museus e igrejas. Estacionar é sempre complicado. É preciso conhecer as ruelas. ― Se pouquinho?
importa
de
caminhar
um
― Não. Por mim tudo bem. Descemos, procuro sua mão, acho que ela está brava e procuro não provocar. Não sei bem como é Kiara brava de verdade. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Está tudo bem? ― Sim. Por que não estaria? ― Está calada. Só isso. ― Sente falta da Paola? Acabou de um modo... sei lá. Com traição. O que está acontecendo entre a gente é sério para você ou um passatempo até a Paola voltar? ― Que ideia. Tem ciúme? É ciumenta? Agora fiquei curioso. ― Sorrio ao pensar nisso. ― Não. ― Está mentindo. Ela sente sim. ― Não tem graça nenhuma. Eu não quero que brinque comigo. ― Nem eu faria algo assim. Achei que já tivesse percebido isso. ― Uma coisa é cuidar da irmã do seu melhor amigo. Vi as mil fotos que tem com o Enzo. Natural uma amizade de toda vida, como a de vocês, te fazer sentir... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu já disse que não tem nada a ver com seu irmão. Não larguei tudo e fui atrás de você na Vila, no meio da noite, porque sou amigo do Enzo. ― Paramos de andar e ficamos frente a frente no meio da praça. Gente passando a nossa volta enquanto nos encaramos, sérios. ― É ofensivo duvidar disso. ― Ok, Filippo você tem razão, vamos tomar o gelato e pronto. É tolice minha. ― Ela tenta andar, mas não me movo. ― Vamos. ― Não mesmo. Quero terminar essa conversa. Acha que brincaria com você? ― Acho que pode gostar dela e em algum momento decidir procurá-la e isso não seria nenhum crime. Podemos continuar com o plano de tomar um gelato? ― Você também pode decidir me deixar, pode mudar de ideia sobre nós quando seu irmão PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS voltar. Não se sentir mais sozinha e me dar adeus. Estamos brigando, estamos fazendo isso no meio da rua e eu estou bravo, não estou como sempre fingindo que não está acontecendo. Eu quero ficar nessa briga e não correr como sempre. Ela mexe com tudo em mim. Incluindo meu humor. Adoro isso. Feliz, bravo, apaixonado, uma montanha russa de emoções que me deixa vivo e sempre foi o que eu precisava. ― Você só pode estar maluco. Só isso explica achar que estou me esforçando tanto apenas por que me sinto sozinha. Tem anos que me sinto sozinha ― ela grita comigo. ― Com o Enzo, sem ele, nunca fez diferença. Sempre me senti sozinha. Com você é diferente. Não é porque meu irmão viajou, é porque eu estou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS apaixonada por você e vou tomar a droga do gelato sozinha. Baby idiota! Ela me larga parado ali e apressa o passo pisando duro. Sorrio. Isso sim é viver. Sou louco por essa garota. Corro para alcançá-la. Ultrapasso Kiara e impeço seu caminho parando na sua frente. ― Eu também estou apaixonado por você, cara de concha maluca. Não vê isso? Que se dane a Paola e a traição infantil dela. Não ligo a mínima. Quero você. Não vê isso? A gente vai namorar e estragou meu pedido de namoro romântico. Quer namorar comigo? Te pago um gelato se disser sim. Vejo tudo nela se transformar, expressão mudar da raiva, para a surpresa depois se emociona e sinto os olhos brilharem um meio sorriso se abrir. Ela quer. Sinto, Kiara PERIGOSAS ACHERON
a e e é
PERIGOSAS NACIONAIS sincera não apenas nas palavras, mas nas expressões. ― Um gelato? ― Pensa bem. É uma boa proposta. ― Não sei. Posso querer tomar mais um. Está calor. ― É como eu disse. Estou ficando rico aos poucos. Um gelato. Pegar ou largar. ― Eu pego. ― Ela sorri quando eu a tomo nos braços. Estava louco por isso. Para ter minha namorada assim nos braços. Não foi um pedido romântico com direito a cadeado como o Enzo, mas foi do nosso jeito. ― Conchinha ― digo com minha boca colada a dela antes de beijá-la. Nem me importo de estarmos na praça. Estávamos brigando em público, por que não beijar em público? Meu coração bate descompassado. Ela mexe com PERIGOSAS ACHERON
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tudo em mim. Eu estou mesmo apaixonado e arrisco dizer que é mais que isso. Kiara me envolve, seus dedos mergulham em meus cabelos e ficamos colados. Aprofundo o beijo. ― Namorada ― digo em seu ouvido antes de me afastar. ― Namorado. ― Entrelaçamos os dedos e nos beijamos mais uma vez e então seguimos para o gelato. ― Namoro sério, Kiara. ― Eu sei. Filippo, não acho nada natural traição. Eu não vou... ― Nem eu. Tenho ciúme até da sua roupa. Sabe disso. ― Tem? Achava que era só implicância. ― Eu também achava, mas agora estou vendo que era ciúme. Então vamos ser namorados bem direitinho. Do tipo que me PERIGOSAS ACHERON
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atende quando eu ligo e não dá papo para outros caras. ― Claro que não. Nem você. ― Não curto caras. ― Palhaço. ― Paro em frente ao balcão. Aquele monte de sabores é sempre um problema. ― Nozes para mim. ― Morango. Quer calda? ― Ela nega. ― Um de nozes e um de morango com calda de caramelo e chocolate. ― O atendente acha engraçado, mas atende meu pedido. Sentamos na praça tomando nosso sorvete e trocando beijos. ― Quer do meu? ― Depois que acabar com essa meleca de caldas. Meu paladar é aguçado. ― Ok, proprietária do Kiara Doces. ― Graças a você. Nunca pensaria nisso sozinha. Obrigada. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Namorados são para isso. ― Dou um beijo gelado e ela me acaricia o rosto. ― Ainda não era namorado. ― Era. Larguei tudo e atravessei o mundo a cavalo, enfrentei perigos, isso é coisa de namorado. ― Ela desata a rir. ― Toda vez que conta isso aumenta um pouco. ― Ela me beija. Kiara vem para perto de mim e me beija. Isso é bom. Não é sempre que se solta assim. Depois se afasta. ― Deixa eu provar do seu. Trocamos de sorvete, ela experimenta o meu e eu o dela. Kiara é mesmo boa para escolher doces. O dela está muito melhor. ― Pode ficar com o meu. Ficou doce demais. Prefiro esse. ― Filippo. Não vem com essa. Um gelato inteiro para namorar com você. Tomei PERIGOSAS ACHERON
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metade e já me tomou. ― Interesseira demais. Vamos dividir. A gente joga o meu fora e divide o seu, bem coisa de namorados. Ainda teve aquela parte em que confessei estar apaixonado. ― Também disse ― ela conta corando só de lembrar. ― Você? O que? Não lembro de ter ouvido nada. Pode repetir? Só ouvi o “Baby idiota”. ― Disse que pouquinho de você.
estou
gostando
um
― Bem pouquinho? ― Puxo ela para o meu colo. Kiara envolve meu pescoço e nos beijamos. Continuo a tomar seu sorvete. ― Quer um pouco do meu sorvete de nozes? ― Quero. ― Dou em sua boca. Ela lambe os lábios e aproveito para roubar mais um PERIGOSAS ACHERON
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beijo. Tão linda. Ela se encosta em meu ombro e ficamos olhando as pessoas indo e vindo. ― Será que o Enzo está assim? Como esses turistas? Tirando fotos, olhando tudo com surpresa? Encantado? ― Vocês não foram com seu pai algumas vezes viajar para lá? Ele já conhece. ― Não. Viajar com meu pai era... ele ficava trabalhando e ficávamos no hotel, ou na casa de algum amigo dele que tivesse filhos. Não tinha passeios turísticos não. ― Nunca saí do país. Quando terminar de ficar rico vou convidar minha namorada para uma viagem assim. ― Uma com mochila nas costas, sem destino? ― Ela se anima. Desencosta do meu ombro para me olhar. ― Uns dias pelo mundo. Só nós dois? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Combinado. Ano que vem. O que acha? ― Ano que vem? Eu gosto. ― Kiara pisca, olha para o horizonte, parece emocionada. ― Acha longe? É que eu quero comprar o apartamento antes que alguém compre, não dá para... e tem a Kiara Doces, mas podemos... ― Não. ― Ela me olha. ― Eu gosto do plano. É que disse ano que vem e pensei que são planos longos e fico... fico meio boba sabe, acho... eu gosto que pense em nós dois juntos tanto tempo. Ela nem desconfia que faço planos para a vida toda com ela. A vida toda e ainda vai parecer pouco. Tenho vontade de dizer, mas acho melhor guardar mais um pouquinho. Quero deixar as coisas irem acontecendo dentro dela aos poucos. Sem colocar muita pressão. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vamos para casa, conchinha? Está anoitecendo. ― Sim. ― Ela fica de pé, damos as mãos e caminhamos para o carro. ― Seus pais. Acha que tudo bem? Eles gostaram da gente junto? ― Eles gostam de me ver feliz e eu estou, então tudo certo. É você, eles te conhecem. Te amam como família. Temos fotos juntos no meu aniversário de dez anos. ― Acha muita intromissão eu ir ensinar sua mãe a cozinhar? ― péssima.
Acho
ótimo.
Mamãe
é
mesmo
― Vamos jantar com seus pais duas vezes por semana. Isso é coisa de namorados. ― Passo meu braço por seu ombro, puxo Kiara para um beijo. Acho que agora que estou aprendendo essa coisa de namorar. Nunca vivi PERIGOSAS ACHERON
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nada disso com Paola. ― E no próximo fim de semana vamos para a Vila De Marttino. Vai me apresentar para vovó Pietra como seu namorado? ― Vou. Ela vai amar. ― Abro a porta do carro para ela. ― Que namorado gentil. ― Apaixonado ― digo antes de fechar a porta e dar a volta para me sentar atrás do volante. Trocamos um olhar e sinto as coisas se aquecerem. Apenas com os olhos. Apenas com o modo como ela me olha eu já sinto meu corpo reagir. Kiara remexe minha vida de todos os modos.
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Capítulo 14
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Kiara Nem sei por que a briga começou ou se foi mesmo uma briga, mas terminou com pedido de namoro. Fico meio boba só com a ideia de que namoro com Filippo. Tenho vontade de encontrar a Kiara de quinze anos e dizer a ela para ir com calma. Ter paciência e confiança que um dia as coisas vão ser melhores. Também poderia me encontrar com a Kiara de seis meses atrás e dizer a ela para lavar o rosto, a alma e tentar ser feliz, porque talvez ela merecesse. Trocamos um sorriso enquanto ele dirige. Namorar implica em algumas situações que me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS deixam tensa. Sexo. Eu não sei direito o que ele espera de mim. Se quer a mulher de maquiagem pesada e botas longas, por que essa garota não é real e precisa de uma dose de vodca adicionada a duas de tristeza para existir e não tenho nada disso comigo nesse segundo. Eu sou meio tímida para essa coisa de sentimento. Também não sei como agir com ele. Depois de tentar abrir sua calça e ser afastada não tenho ideia do que ele espera. Se ele acha que sou uma devoradora de homens experiente e cheia de truques, vai se decepcionar muito. Eu nunca vivi uma relação. Eu deixava meu corpo nesses momentos. Uma parte de mim. A parte que importa e me define ficava escondida e afastada, minha mente nublava de tal modo que eu nem sabia direito o que estava fazendo e quando me dava conta PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tinha acabado e estava só a culpa misturada a vergonha. ― Quer comprar o jantar? Podíamos levar alguma coisa. Assim não volta para a cozinha. O que acha? ― Filippo me desperta. Volto a realidade e tento sorrir. Ele é sempre gentil e carinhoso. Sempre pensando em mim. Quero tanto retribuir sendo especial para ele. ― Pode ser. Você escolhe. ― Escolho. Sou bom nisso. Que acha de comida chinesa? Gosta? ― Pode ser. Eu não tenho costume de sair muito da nossa culinária. Nunca penso em comprar comida. Se tenho fome eu preparo, mas gosto da ideia. ― Ótimo. Eu sou o oposto. Comprar comida é comum para mim, pois na casa dos meus pais, por motivos que conhece bem, o PERIGOSAS ACHERON
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papai sempre inventava de pedir comida, e depois que fui morar sozinho não tive escolha. ― Quer aprender? ― Com a minha namorada? ― Sorrio e ele puxa minha mão para beijar. ― Vou gostar, não espere muito de mim, mas o básico será bom aprender. ― Certo. Vou pensar em coisas assim para te ensinar. ― Ele pisca e então para em frente a um restaurante pequeno. ― Vem comigo. Quero te exibir um pouco. Estou doido para encontrar um amigo qualquer. ― Para que? ― Apresentar minha namorada. Já sei, vamos sair para dançar um dia desses. ― Você não sabe dançar, Filippo. ― Ele faz um olhar de decepção e me lembro de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quando me apaixonei por ele. Enquanto tentava ensiná-lo a dançar. Menti naquele dia dizendo que ele estava indo bem, não estava. ― Me ensinou, cara de concha. Me lembro direitinho de nós dois dançando na sala da sua casa. Nem sabia que seria minha namorada. ― Você não foi bom aluno. Ficou fazendo graça o tempo todo. Entramos no restaurante e vamos direto para o balcão dos pedidos. Um chinês nos atende com muito sotaque. Penso na ideia de nós dois pelo mundo com uma mochila e acho que vai ser engraçado viajar assim, sem destino para lugares exóticos. Não levamos dez minutos, mas é legal estar por aí com ele. Sempre fui eu, apenas eu e agora somos nós, fazendo coisas juntos, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS decidindo coisas juntos. É bom e novo para mim. Em casa eu coloco a mesa, Filippo fica me olhando com um jeito divertido. ― O que foi? ― Comida pronta significa comer na caixa e não sujar nada. Esse é o lance, mas eu gosto de saber que você tem esse jeito seu de servir mesa, comer em prato. ― É. ― Olho para a comida dentro do isopor e depois para ele. O jeito dele pode ser mais prático, mas prefiro o meu. Minha mãe gostava disso. Ela queria sempre a mesa posta e todos nós reunidos. Dizia que era importante. ― Quer do seu jeito? ― Não. Quero do seu jeito. Jantar de pedido de namoro. ― Sim. É isso, primeiro dia de namoro. Ele me ajuda a terminar de colocar a PERIGOSAS ACHERON
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mesa. Sirvo para nós dois. É tanta comida que acho que vai sobrar muito. Bebemos água para acompanhar. ― Filippo, pode beber se quiser. Vinho, cerveja. Eu não vou ficar com vontade, não vai ser um problema. Não quero beber e tudo bem. Não sou... ― Eu sei. Eu estou bem. Quase nunca bebo. Um vinho numa festa, uma cerveja com o Enzo ou meu pai, mas só. ― Eu quero que um dia ninguém mais, nem mesmo eu associe bebida a mim. Penso em encher o cantil de água e também penso em esquecê-lo numa gaveta. Decisão boba, mas tenho outras tantas como essa pelo caminho. ― Uma vez ficou bêbado. Se lembra? Você e o Enzo, no seu aniversário de dezoito anos. Chegaram na madrugada, bêbados. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Me lembro. Dois idiotas tropeçando nos móveis. Dormi no seu sofá e fez um chá de manhã, lembra disso? Que me deu chá para ressaca? ― Lembro. Estava péssimo. Enjoado e com dor de cabeça. Um péssimo bêbado. ― E achei ele tão lindo, com a carinha amassada e os olhos vermelhos, enjoado e com dor de cabeça. Levei um susto quando desci pela manhã e ele estava dormindo no sofá. Meu coração acelerou como acelera ainda hoje, todas as manhãs quando acordo ao seu lado. ― Está pensando no que? ― Que me assustei com você lá. Que estava bonito. Bobagens. Filippo sorri de um jeito lindo. Depois volta sua atenção a comida. Se eu for bem fria com meus pensamentos não preciso ter ciúme da PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Paola. Eu também tenho um passado com Filippo. Temos uma história que se mistura desde muito antes dela. Filippo recolhe a louça e se encosta na pia para lavar os pratos, dá uma vontade de dizer que eu mesma faço isso, mas ao mesmo tempo eu não quero ser a garota submissa que vive no século passado. Não sou a garota de botas e maquiagem pesada, não sou a garota submissa do século passado. Quem eu sou? Preciso descobrir. ― Vai ficar me olhando? Seca aí a louça, cara de concha. ― Como posso gostar tanto de ser chamada assim agora? Acho fofo quando ele diz isso. Quero parar qualquer coisa que esteja fazendo e beijá-lo. Se bem que eu quero isso toda hora, mesmo quando ele não está dizendo nada. Mesmo quando está como agora, lavando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pratos. ― Estou indo. ― Ajudo Filippo. Dez minutos e tudo está em ordem. São oito da noite e me sinto completamente atrapalhada. Não tenho ideia do que devo fazer. ― O que quer fazer? ― ele pergunta quando me abraça. Seus dedos correm por meus cabelos. Gosto dos olhos dele. São tão cheios de carinho. Não é a cor, nem o tamanho, mas a verdade sobre seus sentimentos. Filippo realmente gosta de mim. ― Não sei. Basta estar aqui com você. ― Está. ― Ele me beija. ― E quero que o Enzo fique mil anos em lua de mel. ― Acho que ele quer o mesmo. ― As notícias do meu irmão são sempre cheias de muito riso e momentos divertidos. Ele me beija mais uma vez. Cada frase um beijo e esse PERIGOSAS ACHERON
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carinho não acaba nunca. ― Eu vou tomar um banho. Tirar essa maquiagem. ― Vou depois de você. ― Sem que ele espere eu me estico e o beijo. ― Enquanto espero vou comer o último cupcake. Você não quer, né? ― Não. ― Do jeito que me ofereceu a resposta pareceu meio óbvia. ― Pode testar mais doces amanhã se quiser. Eu posso ir provando enquanto não vamos para a Vila e o seu novo provador oficial não assume o posto. Tomo banho, lavo os cabelos e tiro a maquiagem. Visto minha camiseta de dormir e fico pensando se eu não devia ter algo mais sexy do que uma velha camiseta. Ele entra no banho logo depois de mim. Antes me beija os lábios e aspira meu pescoço, PERIGOSAS ACHERON
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faz uma graça e depois se fecha no banheiro, cantando. Feliz e péssimo cantor. Aproveito para secar os cabelos. Eles escorrem lisos. Podiam ter um pouco mais de volume. Talvez eu faça um novo corte. A ideia me faz sorrir. Tinha perdido a vontade de me arrumar para me mostrar. Sempre quis me esconder, mas agora quero que ele me deseje. Filippo e mais ninguém. Coloco uma gota do meu perfume. O vidro estava cheio até Filippo entrar em minha vida. Agora gosto de colocar umas gotas. Gosto quando ele mergulha por entre meus cabelos e aspira meu perfume. Quando sussurra palavras em meu ouvido. Fecho os olhos um momento e quando abro ele está atrás de mim. Filippo me abraça e ficamos nos olhando pelo espelho. Assisto quando ele afasta meus PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cabelos e beija meu pescoço, de novo nos olhamos através do espelho. ― Cheirosa. ― Você também. ― Ele me vira, sem me soltar e ficamos de frente um para o outro. ― Minha namorada. Fico repetindo isso na mente para acreditar. Eu é que não acredito que depois de anos pensando em como queria estar em seus braços, um momento que fosse, como mais que a irmã do seu melhor amigo, somos namorados. Sinto vontade de me abrir com ele. Quero que ele me conheça e saiba de como eu sempre estive à espera desse momento. Não quero nada entre a gente. ― Quero contar uma coisa. Só que estou meio com vergonha. ― O que? ― Ele sorri. Fica ansioso em PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS saber e me arrependo de ter começado. Meu rosto queima. Não disse ainda e já sinto vergonha. Com ele tudo é diferente. ― Eu... ― Sinceridade é minha marca, não é agora que vou recuar. ― Eu gosto de você. ― Isso eu sei, até aceitou namorar comigo. Tudo bem que te paguei um gelato e isso contou um pouco. ― Meio. Meio gelato. Tomou o resto. ― Ele me beija de leve. ― Não é isso. Quero contar que gosto de você faz tempo. ― Sério? Tipo eu era seu muso? Dormia pensando em mim? ― Mais ou menos isso. Não fica se gabando. ― Ele me aperta mais contra ele. ― Conta mais. Quando foi que começou? Como era? Seu coração acelerava quando eu chegava? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Chega, Filippo. Não vou ficar contando nada. Só... queria ser um pouco sincera. Sempre foi segredo. Absolutamente segredo. Ninguém soube disso. ― Só eu? Tipo como melhores amigos? ― É. Mais ou menos isso. ― Ter sua amizade também é importante. Sempre achei que era só a coisa de ser irmã do Enzo e a amizade deles sempre foi tão importante e bonita, mas quero um pouco disso, eu não tenho amigos. Sou sempre só eu para entender meu coração e ele é tão complicado. ― Acho que gosto disso. De ser seu amigo, de saber que sentia algo por mim. Fico sempre achando que sentia também, não sabia. Quando penso em como suas roupas me incomodavam. Como eu detestava não saber onde estava. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Acaricio seu rosto. Minhas descansam em seu peito. Ele me sorri.
mãos
― Eu não achava que nada ia acontecer entre a gente. Só que eu sonhava e... ― Agora um nó se forma em minha garganta. Não queria me lembrar de nada daquilo, mas me lembro e dói. Falta o ar e sufoca toda vez que penso naquele homem que um dia chamei de pai. ― Pode me dizer qualquer coisa, Kiara. Qualquer coisa. Não estou aqui para julgar suas atitudes. O que sinto por você vai além dessas pequenas coisas. ― Sei disso. Eu sempre estive apaixonada por você e como era uma menina eu sonhava, sonhava com isso. ― Eu nos braços dele. Meu sonho de adolescente. ― Quando aquele homem me tocou, ele... ele tirou um pouco isso de mim. Meus sonhos. De ser você, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS de ser especial. Eu fugi dele e me entreguei... eu não queria mais ser eu e queria apagar todos aqueles sonhos e fiz um monte de tolices por conta disso. ― Eu estou aqui. Você está, namoramos. ― Seu abraço me envolve de modo diferente, mais carinhoso. ― E agora eu vou te mostrar como ainda pode ser bem especial. ― Não me sinto bonita para alguém como você. ― Não quero usar o nome dela, mas Paola é a perfeição e me sinto um patinho feio quando me comparo a ela. ― Se soubesse como está linda agora. Descalça, com essa camiseta e esse rosto lindo e delicado. Não tem ideia de como eu desejo você agora. De como é perfeita para mim. Filippo me solta do seu abraço e segura minha mão. Lentamente me leva para seu quarto PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS e meu coração dá pulinhos. Já sou mais feliz nesse momento do que fui a vida toda. Já sinto mais coisas só por andar assim para o quarto com ele do que senti em toda minha vida sexual. O quarto está iluminado apenas com o abajur do lado da cama. A meia luz cria um clima romântico e ele me ergue nos braços e me coloca na cama. Filippo cobre meu corpo com o dele. Sinto meu coração batendo tanto que acho que ele pode ouvir a explosão que acontece dentro de mim. Então acontece um beijo, primeiro apenas o sabor dos seus lábios. A maciez do seu toque gentil. Fico assustada ao perceber tantas coisas, tenho medo de não corresponder e devolver a ele essas mesmas sensações que ele me provoca. Nós nos olhamos um momento. Quero PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dizer isso a ele. Mostrar todos os meus medos, quero que me conheça por inteiro. Não quero mais cobrir meu rosto com maquiagem e nem minha alma com dor. Quero ser feliz. Quero que ele seja. ― Filippo, eu não sei bem o que espera. ― Ele me dá um meio sorriso cheio do charme que ele tem e sempre me faz saltar o peito. ― Acha que não fico inseguro às vezes? ― Sua voz é suave, ele não deixa de se conectar pelo olhar. Tem tanta verdade no modo como ele se mostra. ― Só estive com uma garota, Kiara. Talvez você espere demais. Somos oposto e iguais. O medo parece que vai aos poucos me abandonando quando consigo sorrir em meio ao desejo e o medo. Mergulho meus dedos em seus cabelos e o puxo para um beijo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vamos deixar acontecer. Nós dois merecemos uma segunda chance ― ele me pede. Sim. É isso, não tem como dar errado quando o que sinto é tão certo pela primeira vez na vida. Ele volta a me beijar. Sua mão sobe pela minha coxa tocando minha pele e me deixando quente e viva. Estou aqui. Estou vivendo essas sensações, não sou uma estranha assistindo de fora. Sou eu e cada toque dele me faz sentir como se fosse a primeira vez que alguém me toca. Cada beijo. Todas as vezes que seus lábios descem por minha pele tenho a sensação de estou descobrindo novos sentimentos, assim como também estou sendo descoberta. Eu também o toco, também acaricio e sinto suas reações. No olhar, no arrepiar da pele, no sussurrar ao ouvido. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Quando pertenço a ele por inteiro eu descubro o que desejo. Quando meu corpo e o dele vibram juntos eu descubro que essa é minha primeira vez e por isso é especial. Especial como aquela garota de quinze anos sonhava que seria. Sinto meus olhos marejarem de emoção, ele me beija. Um longo beijo de quem compreende minhas emoções. Não preciso mais me explicar. Filippo me conhece por inteiro agora. Sou eu por inteira agora. Dele. Todas as tolices e inseguranças da minha mente perturbada me abandonam e talvez voltem algum dia, mas agora elas são apenas tolices. Tem uma verdade. Uma grande verdade que é só minha. Amo Filippo. O sentimento me toma no momento em que meu corpo vai ao limite e explode em prazer. Nunca senti isso, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nunca foi assim e me faz feliz como jamais achei possível. Plena e inteira. A parte quebrada parece ganhar a nova chance que ele me ofereceu e sinto que tudo pode ser apenas bom e novo. Diferente e melhor. Depois de um beijo longo que me traz aos poucos de volta ficamos nos olhando, silenciosos. Ele traça o contorno dos meus lábios com o dedo indicador. Filippo me faz sorrir. As lágrimas se foram e tem uma paz que me deixa leve e feliz. Sem palavras e um sorriso parece mais capaz de traduzir minha emoção. ― Gosto do seu sorriso ― Filippo conta entre um beijo e mais carinhos. ― Seu rosto fica mais doce e delicado quando sorri. ― Acha? ― Você é linda. Sempre. Mesmo quando PERIGOSAS ACHERON
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esconde isso com tinta preta. ― Sorrimos. ― Eu sei, chama rímel. Mesmo com tudo aquilo, é tão linda que não esconde. ― Talvez eu não precise mais da tinta preta. ― Isso eu não me importo. Ou não devo me importar. Você que escolhe. Agora o decote. ― Ele faz um ar bonitinho, franze o nariz. Junta as sobrancelhas. ― Um pouquinho menos eu queria. ― Baby. ― Mas não vou falar nada. ― Eu o beijo. ― Vou, já falava antes de ser namorado. Então eu posso. Está feliz? ― Muito. Foi especial. Especial como eu sonhava. ― Foi para mim também, conchinha. ― Você faz a velha Kiara voltar. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo 15
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Filippo ― Ela sempre esteve aí. Só estava escondida. Nunca vi outra Kiara. Sempre vi você. Só que com medo. ― Ela me sorri. Beijo seus lábios. Estava apaixonada por mim todo o tempo e eu não sabia. Em alguns momentos eu me pergunto o que teria feito se soubesse. Acho que eu despertaria na mesma hora. Provavelmente teria sido eu a trair e não a Paola. Por isso não carrego mágoas. ― Tive tantos medos bobos. Medo de você não gostar ― ela conta. Ainda fica com o rosto corado, mesmo depois da intimidade que compartilhamos. ― De não gostar da gente aqui. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Foi perfeito. ― Especial como nos meus sonhos. ― Você é especial. Acho que todas as vezes vão ser assim. Porque somos nós juntos. Porque eu estou apaixonado por você e você gosta de mim um pouquinho. ― Ela ri. ― Muito. ― Sou seu labrador. ― Kiara afirma e depois me beija. Estamos ainda colados, nus e imóveis aproveitando o momento mágico que dividimos. ― Meu baby. ― E você é minha conchinha e o Enzo vai achar que atravessou algum portal mágico quando chegar e encontrar tantas mudanças. ― Meu irmão não é bom em perceber as coisas. ― Ela tem razão e pensar nisso me faz rir. ― Ele vive no mundo da lua. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Enzo é puro, mas acho que eu estive nesse mundo, porque não vi que gostava de mim. A gente se implicava tanto. ― Implicar com você escondia o que eu sentia, eu vivia numa briga interna. Você me via como a irmã do Enzo, então... ― Não via não ― eu me defendo. Não era assim, nunca foi. Ou quase nunca. Talvez um pouco quando éramos pequenos. ― Você tinha seu lugar, Kiara. Você era a minha cara de concha. Chata às vezes, implicante e que estava sempre me tirando o sono. ― Eu fazia isso? ― Ela gosta de saber. Vira-se na cama e se arruma em meus braços, olha para mim, linda com os cabelos espalhados no travesseiro e o rosto corado. Não tem mais olhos fundos. Agora está viva. Saudável e posso perceber que feliz e é só isso que quero para PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mim. ― Pensava em você e pronto. Já ficava imaginando se estava aprontando alguma. Com medo do Enzo me ligar avisando que era hora de te caçar. ― Eu não queria te preocupar, mas no fundo eu gosto de saber que se preocupava. ― Agora está aqui. Em meus braços. Onde posso cuidar de você. ― Pode. Eu gosto que cuide de mim. ― Aproveito para beijá-la. ― Você também pode cuidar de mim se quiser. ― Posso? Como faço isso? Assando cupcakes? ― É um modo, mas prefiro que cuide me dando carinho. Tipo agora. Estou aqui. Você também. Já pode começar a cuidar de mim. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Um cintilar em seus olhos me desperta. Eu posso ver o desejo acender nela e saber que ela se sente assim me desperta também. Kiara se move, fica sobre mim. Agora menos tímida. Aos poucos vamos aprendendo. Não sei se isso pode ser melhor do que foi, mas eu vou sempre estar pronto para me entregar por inteiro nessa montanha-russa de emoções que é estar com ela. Ainda bem que eu a vejo tomar o anticoncepcional todas as manhãs, porque não pensamos em nada e acho que vamos estar sempre assim, prontos. Ela me beija. Seus cabelos se espalham agora por meu peito como um carinho e eu a envolvo. Temos a noite toda para isso, temos a vida toda se depender de mim. Quero sempre estar com ela e agora que começamos eu acho PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que isso tende a ficar mais forte. A pele dela é macia, delicada e queima a cada toque. Sinto o perfume dela e ele gruda em mim, sinto seu gosto e não tenho medo de descobrir mais sobre nós. Kiara está livre dos medos, agora, está solta, cada vez que me toca com as mãos suaves, cada vez que me beija eu quero parar o tempo para não acabar. ― Baby delícia! ― ela brinca com um sorriso nos lábios entre nossos beijos. Gosto de ser assim, leve e sem roteiro. ― É? ― pergunto me movendo e ficando sobre ela. Kiara ri antes de me puxar para si e nossos corpos se colarem. ― Linda. Ficamos tomados um pelo outro sem perceber o tempo passar, prolongando o momento o máximo que podemos até o PERIGOSAS ACHERON
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arrebatamento nos atingir e então vem o dormir enrolados. Misturados um no outro como se fossemos um só. Queria ter flores para oferecer a ela assim que abrir os olhos, eu penso enquanto a admiro dormir em meus braços. O sol entrando pela janela que esquecemos aberta. Vai ser bom dormir agarrado a ela no inverno e péssimo deixar a cama nas manhãs de geada para ir ao trabalho. Penso em passar no fim do dia na sua loja de doces, sentar em uma mesinha e esperar fechar, aí tomamos um chocolate quente conversando sobre o dia. Então seguimos para casa de mãos dadas, não, abraçados para aquecer e terminamos aqui. Como a noite passada. A melhor que já tive. Kiara acorda aos poucos, eu já aprendi um pouco sobre isso, ela sempre se mexe um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pouco, ajeita-se na cama lutando contra o despertar, depois os olhos se abrem em câmera lenta e vem um quase sorriso. Talvez hoje ela deixe escapar um sorriso, porque agora não precisa mais escondê-los. Simplesmente porque estamos felizes e não é mais preciso fugir disso. Finalmente ela pode se render sem sentir culpa. Quando os olhos se abrem e cruzam os meus o sorriso vem por inteiro e me alegra assistir. Ela fica sorrindo sem se mover. Perfeita como só ela pode ser até ao acordar. ― Faz um dia que namora comigo e já acorda sorrindo. ― Acho que é um bom namorado. ― Eu a beijo. Ela me envolve o pescoço e se encolhe em meus braços. ― Faz de conta que está frio e vamos ficar assim quietinhos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Estava pensando nisso, que vai ser bom estar aqui com você no inverno. ― Tem que trabalhar? ― Tenho. Quer ir comigo? ― Te encontro lá mais tarde para almoçar. Vou fazer umas compras. ― Manhã de shopping? ― Ela enruga o nariz e nega. ― Não. Manhã de mercado. Frutaria. Essas coisas. ― Hmmm. Isso sim. Será que vai querer namorar comigo se eu engordar? Sabe aqueles casais que começam a namorar e ficam gordos? Que só fazem programa que envolve comida? ― Acho que sei. ― A gente pode ser um desses se quiser. Não ligo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Esperto. Não mesmo. Vamos ser o casal que faz aula de boxe juntos. Lembra que me convidou? ― Não passo nem na porta da academia desde que chegou. ― Então vai voltar e eu vou me matricular. Vai ser bom. ― Você está certa. Para alguém que vai ter uma doceria você precisa ser magra e elegante. ― Por que? ― Ela ri achando graça. ― É sério. Para as pessoas entrarem e pensarem, “Olhe para ela, passa o dia fazendo doces e é assim magra e linda, uma fatia de bolo não vai me matar. Depois eu corro uns minutinhos a mais na esteira”. ― Bom dia, publicitário. ― Viu que cuido da sua carreira? ― Eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS beijo Kiara. ― Agora vou tomar banho. ― Faço um expresso para você. Cuida da minha carreira e eu do seu estômago. Kiara prepara o café. Toma uma xícara enquanto me assiste comer. Depois vou para a agência e ela fica. Na hora do almoço ela me encontra, comemos e andamos pela cidade. Tem um bom ponto comercial, pequeno e despretensioso, perto da agência. Fica no caminho para casa e parece ser o lugar perfeito. Dá para ver pelo modo como ela consegue imaginar a sua loja ali. Prometo me informar sobre o preço e as condições. Depois ela volta para casa e eu para agência. Converso com Enzo. Quero contar sobre nós dois, mas a ideia de perder o olhar espantado dele me impede de me abrir. Quando chegar será uma surpresa. Depois PERIGOSAS ACHERON
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de um dia cheio eu compro as flores que queria dar pela manhã. Vi que ela gostou de receber flores. O cheiro de comida começa assim que entro no pequeno saguão do prédio de dois andares e quatro apartamentos. No segundo lance de escadas eu me dou conta que o cheiro vem do meu apartamento. Se deu mal vizinha do primeiro andar. Minha namorada é uma quase chef de cozinha. Jantamos com ela animada me mostrando um livro de receitas. Depois é nossa noite, com beijos, com amor, como se fosse de novo a primeira vez. A vida pode ser perfeita, eu sabia que podia e sabia que aconteceria um dia, mas não assim. Tão rápido. Fiquei chocado quando Enzo me disse estar amando Bianca. Achei que ele estava insano por ser tão rápido e agora eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS entendo. Acontece e pronto. Não tem a ver com quantidade de tempo. Almoçamos juntos na terça-feira e quando nos despedimos eu sinto um pouco de receio. ― Não liga para qualquer tolice que minha mãe diga. Se quiser eu ligo e invento uma desculpa. ― Filippo, eu quero ir. Vai ser divertido. Falei com ela hoje pela manhã. Ela fez compras para prepararmos uma receita da sua avó. Vai ser legal. ― Certo. Umas seis horas estou lá. Qualquer coisa liga e vou te resgatar. ― Não precisa. ― Vai sentir saudade? ― Ela me abraça. Ainda fica insegura às vezes, em público, mas eu sei que agora é mais fácil para ela tomar PERIGOSAS ACHERON
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atitude de me procurar e um dia todo receio vai embora. ― Vou. ― Então tenha isso em mente para o caso de a mamãe dizer algo que te faça querer fugir de mim. ― Não tem chance ― ela me avisa. Depois me beija e me dá as costas. A saia é tão curtinha e as botas tão longas. Não podia ser o contrário. Suspiro enquanto assisto seu andar elegante. Os chicletes se foram, a maquiagem quase toda também, mas as roupas. Ela é linda, mesmo que a saia fosse longa e as botas curtas ainda ganharia olhares. Só me resta aceitar. Volto para dentro da agência. O problema não é ela, o problema são esses caras que assobiam e dizem coisas. Isso PERIGOSAS ACHERON
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sim é problema, devia ter me oferecido para acompanhá-la. ― Vai aprendendo a se controlar, Filippo ― digo a mim mesmo. Não sei explicar a razão, mas eu sempre senti ciúme dela. Pego o telefone e ligo para minha mãe. ― Oi, mãe. ― Algo errado? Nunca me liga no meio do dia. ― Eu também amo muito você, mamãe. ― Ela ri. ― Mamãe a Kiara está indo para sua casa. ― Sei disso meu filho, nós combinamos. ― Mãe, não precisam competir quem é a mais sincera. Cuidado para não dizer nenhuma bobagem. ― Não vou fazer isso, Filippo. Que ideia. O que posso dizer demais? ― Eu sei lá, é uma mãe, vocês fazem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS essas coisas. Eu gosto mesmo da Kiara, não quero que nada estrague, estou apaixonado. ― Eu também estou. Não sabia que ela tinha se tornado uma moça tão especial. Ela é muito autêntica. Eu gostei disso. Estou achando ela muito companheira também. ― Ela é. ― Vou confessar que estava muito brava com a Paola, eu tinha certeza que se casariam. Quando vi você beijando a Kiara no almoço foi um choque. Pensei que estava se metendo em encrencas, mas acho que ela é muito mais a sua cara que a Paola. Estou aliviada agora. ― Esse é o tipo de coisa que quero que evite. Não compara, não fala nada que possa machucá-la, tá bom? Ela é delicada, está aprendendo ainda. Estamos namorando. ― Eu entendi. Meu Deus, menino, que PERIGOSAS ACHERON
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coisa chata. Te vejo a noite. ― Tchau. Não esquece. Ela desliga. Pelo resto do dia eu trabalho com algum receio, quero que elas se deem bem, Kiara precisa saber que é bem-vinda. Torço por isso, vamos ver. Quando chego a casa dos meus pais escuto o riso da minha mãe na cozinha. Meu pai assiste ao noticiário na sala. Ele ergue os olhos ao me ver. ― Oi. ― Tudo bem por aqui, papai? ― Beijo seu rosto, ele me oferece um lugar ao seu lado. ― Vou ver aquelas duas primeiro. ― Vá em frente. Tomara que não seja expulso. Sua mãe é péssima cozinheira, mas é uma aluna aplicada e me expulsou da cozinha. Alegou que eu a desconcentro. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Então elas estão indo bem. Encontro as duas colocando a mesa. As panelas desligadas e a conversa a pleno vapor. Demoram a me notarem. As duas sorriem e Kiara vem até mim. Eu a puxo para meus braços e beijo seus lábios. Ela se encosta em meu peito. ― Tudo bem por aqui? ― Tudo. Sua mãe estava me falando sobre a ioga. Ela pratica há dez anos e eu não tinha ideia. ― Mamãe é cheia de surpresas. Corre tudo bem no jantar. Dessa vez minha cara de concha se sente mesmo em casa. Sorrindo, conversando e rindo dos meus pais e suas implicâncias. Quando partimos estou feliz. Não tenho mais medo, eles gostam mesmo dela. Achava PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que a fofoca do bairro poderia fazer mais estragos. Tenho sorte de ter pais livres de preconceitos. Kiara se anima para a segunda aula. Leva a sobremesa e meu pai adora o doce com morangos silvestres. Fico mais feliz ainda. Não gosto de comparar as histórias, mas é impossível não pensar nas diferenças entre o que vivi com Paola e o que vivo agora com Kiara. Descubro que por oito anos eu estive dormindo. Aquilo não era um relacionamento e eu nem sabia. Isso que temos é. Combinamos de viajar na sexta pela manhã. O helicóptero nos pega na mansão e passamos pelo menos cinco minutos rindo ao pensar em Vittorio De Marttino saltando o portão. Ela se encosta em meu ombro quando o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS helicóptero sobrevoa a mansão. Vai ser difícil me acostumar de novo sem ela quando Enzo voltar. Em uma semana ele está de volta e queria que ela ficasse comigo, mas é um passo grande e não sei se ela quer isso. Não sei se está pronta e menos ainda se a família dela vai achar boa ideia. Vamos tentar essa coisa de namorar cada um na sua casa. Vamos ver se funciona por uns meses e se tudo der certo como quero que dê vou me casar com ela e nossa lua de mel será a viagem que ela disse querer. Sem destino com mochila nas costas, eu e ela, sozinhos pelo mundo por umas semanas. Casados e na volta quem sabe começar uma família. ― Fico impressionada. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Com o que? ― pergunto voltado a realidade. ― Como sua cabeça funciona o tempo todo. Quando fica em silêncio eu quase posso ver seu cérebro trabalhando. Fico pensando que adoraria ler pensamentos. ― Faço planos, imagino coisas, idealizo situações. Eu crio e depois... não sei, acho que é a mente criativa de um publicitário que não desliga nunca. ― Pode ser. Acho mesmo que é isso. Tem medo? De no caminho as coisas que idealizou darem errado e sei lá. Sofrer. ― Não. Sei que pode acontecer mais eu tenho talento para ser feliz. ― E fazer pessoas felizes também. ― Principalmente minha namorada linda e com uma carinha de concha. ― Ela fica PERIGOSAS ACHERON
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corada. Eu beijo seus lábios. ― Estou diferente? Essa última semana. Acha que mudei? ― Está perfeita. Por que? ― Vovó e o Vittorio. Será que vão achar que estou diferente? ― Quer que achem ou que não achem? ― Ela ri. Dá de ombros. ― Não sei. Vou falar com o Vittorio sobre alugar aquele ponto comercial e quero que ele sinta alguma confiança que não vai estar jogando dinheiro fora e quero... falar da gente. Estou com um pouco de receio. ― Sobre nós? ― Não tenho a confiança deles sobre nada. Porque não mereço mesmo. Fiz muitas tolices. Estou com medo deles... Filippo, eu gosto de você, sabe quando ficou preocupado de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS eu ficar sozinha com a sua mãe? E ligou para ela pedindo para ser cuidadosa? ― Minha mãe tem uma boca! Sei. O que tem isso? ― Eu não pude fazer o mesmo. ― Não tenha medo está bem? Não tem nada que possa ser dito que vai mudar o que eu sinto e acho que eles gostam de mim. Vovó Pietra gosta. O Vittorio eu não sei, mas ele ama você. Não acho que vá fazer qualquer coisa que te machuque. ― Vou torcer por isso. Nem sei como conto que estamos namorando. ― Se quiser eu conto. ― Ela me beija. ― Meu quarto não tem mais fantasmas, vai dormir lá comigo? ― Vou. Acha que vai ser um problema para eles? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Bom, eu tenho minha vida e não sou nenhuma adolescente tola, se for problema para eles será um problema deles. Entendeu? ― Ela ri. Kiara é contestadora e acho que não vai mesmo dar ouvidos a nada. Quando descemos Anna vem nos receber. Aquela mulher deve guardar os segredos de umas quatro gerações de De Marttinos. Ela é sempre silenciosa, mas cuida de tudo tem tempo demais. Aposto que sabe tudo da fantasminha amiga de infância do Enzo. Um arrepio percorre meu corpo. Toda vez que chego aqui penso em fantasmas. Para que morar numa casa com duzentos anos? ― Bom dia, senhorita De Marttino. Bom dia, senhor Sansone. ― Bom dia. ― Ela nos segue até a sala. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Aquilo é tão ridículo. Será que segue o Vittorio toda noite quando ele chega do trabalho? Vou prestar atenção nisso. Vó Pietra e Vittorio estão na sala. Ele devia estar no escritório, mas no fundo eu sabia que deixaria de trabalhar para receber a irmã e ela nem vai se dar conta disso. Meu objetivo hoje é arrancar um abraço desses dois. Eu vou juntar esses esquisitos. Vou mesmo. Kiara vai ser muito mais feliz assim. ― Bom dia! Todos dando abraço de boas-vindas. ― Abraço Pietra e depois sigo para Vittorio, ele me estende a mão, mas eu o abraço, Kiara assisti sorrindo, beija a avó e acaba me imitando. Vittorio tem o pior abraço do mundo. Ele usa um braço apenas, e abraça desabraçando. É engraçado e triste. ― Gosto tanto de vê-los juntos. Que bom PERIGOSAS ACHERON
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que veio também, Filippo ― vó Pietra admite. Kiara me olha. Ela não consegue mesmo ficar natural com ele. E contar é uma luta. Porque exige admitir sentimentos diante dos dois e ela ainda não consegue isso. ― Vai nos ver muito juntos, vovó. ― Eu resolvo contar. ― Kiara me pediu com jeitinho e resolvi dar uma chance a ela, estamos namorando. ― Baby idiota ― Kiara diz brava, mas depois sorri, o maior sorriso que já a vi dar dentro da mansão De Marttino e ele é todinho meu. ― Mas ele tem razão. ― Ela encara a avó. ― Estamos namorando. Só que foi ele que pediu. Me comprou na verdade. Com um gelato. ― Quem pode resistir a um gelato? ― Pietra abraça a neta. Vittorio continua com seu eloquente silêncio. Ele está radiante, mas é por PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dentro, eu posso ver pelo modo como olha Kiara que gosta de vê-la bem. ― Vamos nos sentar e me conta tudo. Venham meninos. O Vittorio já ia me mostrar as fotos que o Enzo mandou. Vamos ver todos juntos. ― Acho que vou trabalhar vovó e a Kiara mostra. ― Não tenho fotos novas, Vittorio ― Kiara avisa. ― Também quero ver. Meio espantado e um pouco confuso ele nos segue até a sala íntima de vó Pietra e sentamos em torno da senhora doce e forte. Pego a mão de Kiara, beijo antes de descansá-la sobre meu colo. Ela me olha um momento. Depois a contragosto, Vittorio puxa seu celular.
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Capítulo 16
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Kiara Ninguém faz nenhum comentário. Eu não estou nem maquiada, quer dizer, apenas um rímel leve e nada de batom. Só com as botas longas e um vestido, nem usaria se não fosse o medo de chocar todo mundo. Só que esperava ao menos um comentário e acho que nenhum dos dois reparou. Vittorio aproveita que estamos aqui e me entrega o celular. Fica sentado na poltrona de canto enquanto vou passando as fotos de Matteo para vovó. Meu irmão perdeu mesmo o limite. É um documentário de cada passo do dia do pequeno. Vovó fica com os olhos brilhante e ri a cada comentário divertido do Filippo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Quando terminamos de olhar as fotos do dia fico pensando que Vittorio vai se apaixonar pelo pequeno nem que seja na marra, Enzo não está dando escolha a ele. Antes de devolver o celular eu descubro para minha surpresa que Vittorio não apagou as fotos. ― Não deletou nenhuma foto, Vittorio? ― Olho para ele e dá para ver que ele fica surpreso. Ele me encara por um momento, possivelmente procurando uma desculpa. ― Vai ocupar todo seu celular. ― Já ocupou. Eu estou usando um outro para trabalhar. Tive que comprar. ― Era mais fácil apagar. ― Vittorio dá de ombros. ― Vovó pode querer ver as fotos de novo então... eu.... eu deixei por aí. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acho que se responder, ao menos de vez em quando, eles param de mandar tantas. Ignorar não parece estar te ajudando a se livrar deles. ― Talvez eu não queira me livrar deles, Kiara. ― Filippo me cutuca e dou um pulo de susto. Olho para ele e percebo que de novo eu falei demais. Boca fechada devia ser minha meta de vida. ― Kevin vem jantar aqui, vovó. Vou trabalhar em casa hoje. Vejo vocês mais tarde. Antes que me acuse de alguma coisa. Preciso tocar o vinhedo. Não é uma fuga. Ele sai de modo intempestivo. Merecia um Leão de ouro de melhor ator dramático. ― Eu fico aqui com a vovó e você vai pedir uma caneta emprestada. Ele vai acabar precisando montar uma fábrica de canetas se não segurar essa sua língua ― Filippo me provoca. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Foi você da outra vez, baby. ― Do que estão falando? ― vovó pergunta, faço careta para Filippo. Ele ri, depois me beija e aperta. Vai ser difícil me acostumar com seus carinhos em público. Fico um tanto envergonhada por conta da vovó. Só que o sorriso dela é tão resplandecente e parece que viu um anjo. ― Sua neta é muito atrapalhada, vovó. Ela tem uma coisa para falar com o Vittorio. Ficamos aqui conversando sobre como eu sou perfeito para namorar sua neta. Vai, conchinha. ― Para, Filippo. Não fiz nada demais. É drama dele. ― Se a sua consciência não vai pesar, tudo bem. ― Ele sabe me convencer. Agora vou ficar o resto do dia achando que provoquei uma briga desnecessária. Suspiro. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não vou pedir caneta de novo. O que eu falo? ― Estou me sentindo por fora. Isso é coisa de namorados? ― Não. É coisa de gente que se intromete na vida dos outros. O Filippo está determinado a unir os povos de todas as nações e quer começar por mim. ― Vai falar para ele do imóvel. Ele que vai pagar. ― Eu já venho. Vovó qualquer coisa que ele diga. Apenas ignore. Não é bem assim. ― Fico de pé e dou as costas a eles. ― Vovó, não sabe como ela implorou para eu namorar com ela. ― Filippo! ― Eu me volto e ele está rindo. Três dias disso. Não vai ser fácil. Então me apresso para ir logo e voltar rápido. Ele não PERIGOSAS ACHERON
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tem nenhum limite para suas idiotices. Baby idiota. A porta de Vittorio está aberta. Desconfio que ele trabalha sempre com a porta aberta para ver tudo que acontece. Eu quando queria me esconder me escondia, não fica à espreita. A raiva passa e vem uma onda de algo diferente. Talvez carinho. Não somos parecidos como todos dizem. Eu não queria estar com as pessoas. Vittorio quer, só não sabe como fazer isso. ― Posso entrar? ― Ele ergue os olhos do papel. Faz sinal indicando a cadeira. Sento com Vittorio fingindo indiferença. Leva um longo momento olhando papéis e a tela do computador. ― Quer que volte depois? Não sou a garota mais fácil ou paciente que existe e se não vai me dar atenção não vou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS implorar. Ele larga os papéis e me olha. ― Pode falar. ― Fico tensa, agora que tenho sua atenção não sei o que fazer. Filippo é mesmo muito irritante. Por que diabos fico dando ouvidos a ele? Encaro a mesa e seus papéis. ― Precisa de uma caneta? Mordo o lábio subitamente com vontade de rir. Encaro Vittorio. ― Não tenho o número novo. De telefone. O que você comprou. Disse que comprou. ― Posso te dar o número se faz questão. Pensei em deixar para problemas de trabalho, mas eu mando por mensagem para você. ― Ah... não, se é comercial tudo bem. ― Olho em torno. Tudo igual, exatamente igual, como me lembro desde a minha infância. Nada diferente, nenhuma mudança. Nada que lembre PERIGOSAS ACHERON
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Vittorio. É como se ele fosse apenas a sombra do nosso pai. Uma extensão dele. Talvez seja isso o que mais nos afasta. Vittorio me lembra nosso pai e eu o lembro da nossa mãe. ― Eu devia estudar psicologia. ― O que? ― Ah! Nada. Estava bobagens. Está ocupado?
só
pensando
― Pretendia começar a trabalhar. ― Ele se recosta na cadeira. Cruza os braços. ― Mas pode falar. Precisa de alguma coisa? É sobre seu namoro? ― Não. Não tem nada para falar do meu namoro. Tem algum problema para você? ― Eu não tenho nada com isso. Achei que estavam namorando há mais tempo. Pensei que ele tinha terminado o outro namoro para ficar com você. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Pensou isso? Por que pensou isso? Nunca ficamos juntos antes de ele terminar o namoro. ― Não quero que ninguém pense isso. Não foi assim e eu não faria uma coisa como essa. ― Ele gosta de você faz tempo e você gosta dele. Achei que estavam envolvidos. Ninguém se incomodava mais com sua roupa e maquiagem que o Filippo e ele colocava você no meio de qualquer conversa. Era tão óbvio. ― Ah! ― Fico muda. Ele também. Será que já posso ir embora sem parecer que vim só por que fui grossa e não sei pedir desculpa? Vittorio parece uma parede. Não dá uma ajudinha. Fico procurando um assunto. Lembro finalmente da desculpa que iria usar. Kiara Doces. ― Achei um ponto comercial. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Bom. ― Decidi mesmo abrir a Kiara Doces. ― É uma boa ideia. ― É. O ponto é simples. Como eu queria. O aluguel não vai ser muito alto. Não sei se vai dar certo. Quanto vou ter de lucro. Então não quero ter muitos gastos com essas coisas. Aluguel e impostos. Bianca vai ver essa parte quando chegar. ― Alugar? Por que alugar? ― Orçamento. Eu não tenho dinheiro para comprar um imóvel. ― Penso em Filippo e sua conversa de estar ficando rico aos poucos. Quase posso sorrir. ― Me passa o endereço e cuido disso. É dona de tudo que está a sua volta. Tem mais terras do que seus olhos podem alcançar. Mais dinheiro do que pode contar. É para isso que PERIGOSAS ACHERON
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trabalho. ― Não quis te ofender. ― Você não me ofende. Ofende nossos ancestrais. Gente que trabalhou pesado de sol a sol para construir esse pequeno reino. Meu trabalho é leve perto do deles. É a herança dos De Marttino. Estou aqui para honrar os que vieram antes. Sabia que os De Marttino construíram essa casa com as próprias mãos? Tijolo por tijolo? ― Eu não sabia disso. ― Vovó pode contar. ― É. Eu nunca escuto muito ela. Vou fazer isso. ― Silêncio de novo. Eu olhando em torno e ele me olhando. Preciso sair daqui e deixá-lo trabalhar. ― Trouxe uns ingredientes para fazer doces. Testar umas receitas e aí você... vocês experimentam. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vai ser... bom ― ele responde e me ponho de pé. ― Eu vou te deixar trabalhar. ― Nem espero ele responder. Deixo a sala e Filippo me espera sentado no corredor. Ele tem mania de fazer essas coisas. ― O que está fazendo aí? ― Vovó Pietra foi dar ordens sobre o jantar. Ela é tão fina. Dar ordens para o jantar é coisa de filme da aristocracia. Não acha? ― Acho. ― Dou a mão a ele e Filippo fica de pé. Está com nossas mochilas e vou puxando ele para a escada, assim guardamos as coisas. ― O que falou para ele? ― Comecei pedindo o telefone dele. Acredita? ― Me dá seu telefone é o novo me empresta uma caneta. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Péssimo. ― Ele não consegue parar de rir. ― Para de rir de mim. Coisa irritante. ― Quando brigar comigo promete fazer as pazes assim? Dizendo alguma coisa bem fora do contexto? ― Não quero brigar, Filippo. ― Eu sinto medo até da ideia. Não sou forte para um desentendimento com ele. Não sou forte para passar por isso sem amortecer a dor com algo como meu cantil de vodca que está perdido no fundo da minha mochila. Entramos no quarto. Está arrumado e aberto. Anna cuida de tudo. Tem o perfume das uvas entrando pela janela. Jogo a mochila no chão. ― Usa uma gaveta para você Filippo. ― Você não usa uma gaveta lá em casa. Fica tudo na mochila. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não me deu uma gaveta. ― Ele sorri, vem até mim e me envolve. Ajeita meus cabelos, beija a ponta do meu nariz e depois meus lábios. ― Tem a casa toda para você, namorada. Por favor use uma gaveta. ― Certo. ― Beijo Filippo. ― Vittorio quer o endereço do imóvel, vai cuidar do aluguel, eu acho. ― Não, cara de concha. Ele vai comprar. ― Será? Ele ficou meio bravo mesmo quando disse que não tenho dinheiro. ― Por que não é verdade. Você é rica. Por isso eu namoro você e sou amigo do Enzo. ― Bobo. Baby muito bobo. O que conversou com a vovó? ― Nada demais. Ela disse para eu fazer você feliz. Essas coisas de vó. Nada que eu não esperasse. Disse que sou bem-vindo, que você PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fez bem em me implorar para ficar com você, porque eu devo ser o melhor partido da Itália e que se não cuidar de mim ela vai te colocar de castigo. ― Tudo mentira. Você é mesmo um... ― Um lindo. Um apaixonado que atravessou o país a cavalo, enfrentou perigos, e quase morreu só para resgatá-la. ― Não vejo a hora de chegar um dragão nessa sua história. Me ajuda a preparar os doces? Quero servir de sobremesa no jantar. ― Quem é Kevin? ― Não tenho a menor ideia. Deve ser amigo do Vittorio. ― Ele tem amigos? ― Boa pergunta. ― Ele me beija o pescoço. Depois os lábios. ― Filippo temos que cozinhar ― aviso quando ele vai me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS empurrando em direção a cama e eu não ofereço resistência realmente, não acho que queira resistir. ― Não sei cozinhar, conchinha. ― Isso é muito ruim. Eu tenho que te ensinar. ― Ainda bem que somos jovens e temos uma vida pela frente. ― Caímos na cama, ele sobre mim. Quem pode resistir? Os olhos dele são puro amor e eu só quero ser feliz aqui como sou na casa dele. Sua boca cobre a minha e meu coração descompassa. Quando vejo as roupas já se foram, meu corpo queima de paixão e eu sou apenas dele. Nunca tinha sentido prazer. Filippo me deu isso. Só com ele eu fui capaz de sentir. Só com ele meu corpo está completo. Ele
me
sorri
PERIGOSAS ACHERON
quando
voltamos
a
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realidade. No meio do dia, na mansão De Marttino, eu e Filippo. Isso é como um sonho. Sem culpa, sem dor emocional. Só carinho, só paixão, real, honesto. Todas as vezes eu fico emocionada. Quando voltamos a realidade ele nunca me dá as costas, ele continua comigo. Continua me querendo com ele e eu não me acostumo nunca com isso. Com a ideia de que não sou só um corpo descartável. ― Agora sim podemos cozinhar docinhos ― ele brinca. ― Aqui eu também tenho que lavar pratos? ― Sim. ― No Kiara Doces eu exijo ser tratado com mais respeito. Não vou lavar pratos. ― Vai sim. Não adianta tentar ser rebelde. ― Ele me morde o ombro. ― Vamos, PERIGOSAS ACHERON
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Filippo. Não quero que pensem bobagens sobre nós dois aqui. Sozinhos em pleno dia. ― Nem eu. Vittorio é fortão. Paramos o preparo dos doces para almoçar. Vittorio não se junta a nós. Ele evita sempre que pode e não posso achar que está fugindo. Já fica todo revoltado. Acho graça que sempre sou eu que tenho que ir atrás dele. Dá próxima vez ninguém vai me obrigar. Não mesmo. Voltamos para cozinha para terminar os doces. Anna trabalha no jantar. Achei que iria ter uma equipe. Sempre que tem gente eles contratam uma ou duas senhoras entre os colonos. Vovó vai descansar um pouco no meio da tarde. Eu e Filippo aproveitamos um pouco o sol no jardim com os cachorros. Baby se diverte PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mais do que Rosso. De noite eu e Filippo nos fechamos no quarto para nos arrumarmos para o jantar. ― Acho que vai esfriar mais tarde. ― Seria bom. Só que duvido ― aviso a ele enquanto enrolada em uma toalha eu separo uma saia preta e uma blusa da mesma cor. ― Jeans combinam com botas longas ― ele avisa para o caso de eu não saber. Olho para ele. ― Só estou comentando. Dá de ombros já pronto deitado na cama me assistindo. Eu ignoro. Sei qual seu problema e me lembro da conversa de mais cedo com Vittorio. Ele achava que Filippo gostava de mim. Sorrio com a lembrança. ― Acha que sirvo meus doces para a visita? ― Só se ele detestar doces ou for gordo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Está com ciúme? ― Eu não. Acha que é um velho? Acho que é. Vittorio tem cara que só tem amigo velho. Ele disse Kevin, não disse a família do Kevin ou o Kevin e a família. Será que é solteiro? ― Está com ciúme. ― Vou até ele, paro no meio do caminho. Só de toalha não é boa ideia. Ele não vai mais me deixar. ― Covarde! ― Ele ri quando nota minha intenção. ― Vai ficar me olhando? Tenho que me vestir. ― Vou. ― É sério. ― Eu sei. Estou aqui para esse momento. Lembra quando entrei aqui para ver o Matteo e estava assim? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Pensou nisso? ― envergonhada. Ele ri. Depois nega.
pergunto
― Na verdade eu não pensei muito nisso. Estava tão linda sem maquiagem e fazia tanto tempo que não via sua cara de concha que me concentrei nisso. ― Ele sempre faz isso e me deixa mais apaixonada. Tomo coragem para ignorar sua presença e me trocar. Quero ter essa intimidade. Quero ser dele não apenas na cama e vou aprender. Filippo me faz bem. Quando estou terminando a maquiagem Anna vem nos avisar que estão nos esperando para o jantar e eu e Filippo descemos de mãos dadas. No meio da escada olhamos para a sala. Um homem alto e forte de cabelos longos e tatuagens que descem pelos dois braços está PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sentado na sala tomando vinho com vovó e Vittorio. Aparenta uns trinta anos. ― Achei que o Vittorio gostasse de mim. Pelo visto não. Isso é jogo baixo. ― Eu estou apaixonada por você, Filippo. Não é qualquer homem bonito que vai mudar isso. ― Achou ele bonito? ― Eu sabia. ― Não quero saber. Às vezes odeio sua sinceridade. Chegamos à sala. Vovó está cheia de sorrisos e nos acena convidando a nos aproximar. O homem fica de pé. ― Kevin, essa é minha neta Kiara e seu namorado, e parte da família, Filippo. Kevin sorri. Ele tem um sorriso gentil. Estende a mão, primeiro para mim, aperto e sinto que é um aperto de mão firme. Depois Filippo que tem um braço me envolvendo a PERIGOSAS ACHERON
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cintura. ― Boa noite ― digo apenas. Eu não me sinto bem com ninguém que não seja Filippo, Matteo e Enzo. Qualquer outra pessoa, mesmo o resto da família ainda me incomoda um pouco e não seria diferente com o convidado. Filippo me traz mais para perto de si. ― É amigo do Vittorio? ― pergunta quando nos sentamos abraçados em uma poltrona. Era isso ou dividir o sofá com o convidado e não parece ser o objetivo de Filippo. ― Também. Sou enólogo dos vinhos De Marttino. ― Eu pensava que o Vittorio é que fazia isso ― Filippo comenta. ― Ele poderia se quisesse ― Vovó diz cheia de orgulho. ― Vittorio sabe tudo sobre PERIGOSAS ACHERON
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vinhos. Poderia ser um enólogo desde a adolescência. ― Mas não consigo conciliar tudo. ― E fico muito grato por isso. Gosto muito do trabalho ― Kevin brinca. ― Você tem uma agência de publicidade, não é? É sócio do outro irmão. ― Sim. ― E você vai ter uma loja de doces ― ele comenta cheio de leveza. ― Acho que sim. Não é italiano. ― Eu percebo um leve sotaque. ― Americano. Quando terminei a faculdade de agronomia eu vim me especializar em enologia e nunca mais fui embora. Me apaixonei pela Itália. ― Querem beber alguma coisa antes do jantar? ― Vittorio pergunta e negamos os dois. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Qual seu vinho preferido, Kiara? ― Que abusado. ― Filippo sussurra e quero rir. É bom para minha autoestima perceber seu ciúme. ― Ironicamente eu não bebo vinho. No momento não bebo nada, mas eu sei que os vinhos De Marttino são os melhores do país. Parabéns. ― Não mereço nenhum crédito ainda. Nenhum vinho em circulação é minha criação. Estou trabalhando em algo novo. ― Ah! ― Ele me olha. Não consegue esconder que o convidado o irrita. Ele é mesmo muito gentil, mas apenas isso na minha opinião. ― O Filippo fez a campanha do último lançamento. ― Eu vi. Foi um belo trabalho. Cheguei aqui logo no fim da campanha. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não vejo a hora de chegar a festa da colheita. Já posso ver o quanto meu bisnetinho vai se divertir. Vai conhecê-lo, Kevin. Um encanto. Estão viajando. ― O Vittorio tem fotos. Mostra para ele, Vittorio. ― Filippo pede na esperança que ele fique por volta de três meses olhando aquele tanto de fotos. ― Uma outra hora, Filippo ― Vittorio avisa. ― O jantar está servido, senhor De Marttino. ― Anna comunica em seu tom formal. Vittorio fica de pé. ― Vamos? Kiara preparou algumas de suas receitas, Kevin. Coisas que vão estar na Kiara Doces. É esse o nome? ― Eu afirmo. Foi o nome que o Filippo escolheu e eu gosto só por isso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Que boa ideia. Vai ser bom prová-los. São os que vai vender na sua loja? ― Kevin me pergunta. ― Se forem aprovados, sim. São tantas opções. Pensei num cardápio mais variado no começo, até descobrir os doces preferidos. Sentamos em torno da mesa. Filippo ao meu lado e Kevin na nossa frente, ao lado de vovó Pietra. ― Como são todos muito próximos eu não elaborei um cardápio muito diferente do dia a dia ― vovó avisa. Filippo está me observando. Eu não sei direito como pode achar que qualquer homem no mundo pode me roubar dele, mas é fofo e mesmo morta de vergonha eu me movo na cadeira para beijá-lo. Quero que ele sabia que é ele e só ele. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Um beijo leve basta para fazê-lo sorrir. Ele sabe. Talvez não seja nada para os outros, mas é complicado para mim e Filippo compreende que beijá-lo ali em torno da mesa de jantar com vovó e Vittorio, além de um estranho é um esforço e faço por nós. ― Cara de concha linda! ― ele sussurra no meu ouvido antes de começarmos a nos servir.
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Capítulo 16
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Filippo Uma hora de jantar. Não sei por que comer tão devagar. O cara parece um entrevistador de talk show: engraçado, inteligente e focado em descobrir tudo sobre a Kiara. Tanta pergunta. Já nem esconde o interesse e ninguém parece se incomodar. Até a Kiara já sorriu duas vezes. Dois sorrisos, não ligo a mínima se pareço ridículo contando os sorrisos dela, mas Kiara não é de sorrir, não era, agora fica gastando sorrisos com um quase desconhecido muito intrometido e que todo mundo parece adorar. Chega a hora da sobremesa. Tomara que os doces dela sigam direto para a barriga PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tanquinho do fortão tatuado. Ele deve passar metade do dia na academia, malhando os músculos saltados. Deve tomar litros de anabolizantes. Tatuado, motoqueiro e de cabelo cumprido. O tipo de cara que atrairia a garota de tinta preta no rosto. Não consigo mais nem participar da conversa. O tiramisú está divino. Kiara sabe mesmo como deixar um doce com cara de jantar em família. Além dele ainda tem a panna cotta. Essa eu ajudei a fazer. Fiquei uma hora mexendo a calda de frutas vermelhas. Kevin se delicia com os doces. De vez em quando olha para Vittorio, como se os dois já tivessem conversado sobre ela. Como se tivesse apenas com os olhos confirmando alguma coisa. Aposto que o Vittorio arrumou esse cara só para PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conquistar a irmã dele. ― Realmente não temos nenhum vinho a altura dessas delicias. Kiara sua doceria será um sucesso. Prometo ir sempre que possível. ― Obrigada, Kevin. Vai deixar o trabalho e pilotar a moto até Florença para comer uma fatia de doce? Eu que viajei uma noite toda apenas para vê-la ninguém lembra. Que irritante. ― Já que não temos um bom vinho para saborear junto com os doces podemos ir tomar um expresso na sala. Vamos? Vittorio é muito legal com estranhos. Faço careta. Deixamos a mesa. Kiara acho que podia deixar o grupinho reunido e me dar atenção. Sou o namorado dela. Sentamos todos na sala, eu de propósito na poltrona. Kiara demora a escolher onde PERIGOSAS ACHERON
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sentar, fica de pé e recusa o café. ― Eu tenho boas garrafas na adega aqui de casa. Depois precisa ir conhecer. ― Vovó Pietra oferece a Kevin. ― Posso imaginar os tesouros que tem aqui, senhora De Marttino. Vou adorar conhecer. ― Depois os meninos descem com você. ― Reviro os olhos. Kiara se senta ao lado da avó e ao me olhar eu desvio meus olhos. Eles começam um assunto chato sobre safras de vinho e sei lá mais o que. Não entendo nada desse assunto. ― Kiara, conhece nosso trabalho de criação? ― Kevin questiona. Ela nega, seus olhos me procuram, mas estou meio bravo no momento. Então eu desvio meu olhar. ― Não. Eu sempre morei em Florença. Vim pouco, nunca me envolvi nas coisas da PERIGOSAS ACHERON
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empresa. ― Amanhã pode ir lá conhecer, vou estar trabalhando apesar de ser sábado. Quem sabe vocês dois não vão até lá. Adoraria mostrar todo nosso trabalho. ― Se quiser acompanho vocês. ― Vittorio aprova. O café chega e Anna serve a todos, mas eu recuso, não estou com cabeça para isso. Fico entre o ciúme que estou sentindo de Kiara e a raiva de mim. Eu não devia me sentir assim. Nunca na vida tive esse sentimento. Nunca fui inseguro. Ela é linda, delicada e frágil. Prato cheio para canalhas. ― Quer alguma outra coisa, querido? ― vó Pietra me pergunta quando recuso o café. ― Não, vovó. Obrigado. Eu vou dar uma volta lá fora enquanto tomam o café. Se me dão PERIGOSAS ACHERON
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licença. Preciso de um pouco de ar para colocar as ideias em ordem. Tenho uma linda namorada que gosta de mim e preciso aprender a não me comportar como um idiota. Kevin não será o último cara com que vamos ter que conviver. Eu tenho obrigação de me acostumar com isso, dar segurança a ela dos meus sentimentos e da minha confiança. É ridículo agir assim. Sento nas escadas da varanda. A noite não está mais tão quente. A Vila fica linda no outono. Penso em como vai ser bom estar aqui com ela. Fico em silêncio olhando a noite. Baby e Rosso se aproximam. Baby traz uma bola na boca. ― Oi amigo. ― Tiro a bola da sua boca e atiro ao longe. Eles me olham desanimados, nenhum dos dois se move. ― Acho que não PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS entenderam a brincadeira. Eu jogo e vão buscar. ― Nada. Os dois apenas se sentam me olhando. ― Vão buscar a bolinha. Por que estão aí parados? ― Por que são cães livres e não seus empregados. Quer a bolinha vá buscar você mesmo. ― Vittorio se senta ao meu lado nos degraus da escada. ― Bem irmão da Kiara mesmo. ― Ele meneia a cabeça. ― As coisas nem sempre são como parecem. As pessoas nem sempre são como nós as vemos. ― Se vai me dar conselhos no estilo Mestre dos Magos é bom saber que eu sou o Eric. ― Vittorio junta as sobrancelhas enquanto eu me lembro de brincar de Caverna do Dragão com Enzo e os irmãos. ― O Enzo é o Hank. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Sempre querendo ser o líder. ― Começo a rir quando me lembro de Kiara brava pois queria ser a Sheila e eu dizia que ela era a Uni. ― A Kiara era a Uni. Ficava brava demais comigo. ― Não tenho a mais leve ideia do que está falando. ― Nunca assistiu a Caverna do Dragão? De que planeta você é? ― De um bem distante desse mundo de fantasia de vocês. ― Deixou a Kiara lá sozinha com o Conan? ― Vittorio ri. Não acho a menor graça. Ele nunca ri de nada, mas minha desgraça o alegra. Vai ver se incentivo minha cara de concha a ir pedir caneta emprestada. ― Você é ridículo. Não. Kiara se retirou assim que saiu fazendo cena de traído. ― Não fiz nada disso. Onde ela está? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acho que foi chorar no quarto. ― Fico com remorso. Já estava antes, agora já quero correr para ela. ― Kevin vai fazer o vinho, imbecil, por isso tantas perguntas e atenção. Um vinho para ela, como você queria. Um presente seu. ― Gosto de jeito que me ama. ― Vittorio revira os olhos. ― Pensei que estava tramando para nos separar. ― Por que não deixa a agência e vai escrever um livro? ― Talvez eu faça isso ― resmungo sem olhar para ele. ― Gosto mesmo dela. Me apaixonei, na verdade, quando olho para toda nossa história acho que sempre gostei dela de um modo especial. ― Torço seu pescoço se a fizer sofrer mais do que já sofreu. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu mesmo torço meu pescoço se fizer isso. Não se preocupe. ― Ótimo. ― Ficamos calados. As coisas que ela me disse me tomam a mente. Entre a culpa e a vergonha vem junto a raiva e a tristeza. ― Ela me contou. Sobre aquele maldito. Eu o odeio mais que tudo. Odeio a mim mesmo por não ter enxergado. Odeio você, o Enzo. Odeio até o Giovanne. Deixamos acontecer. Assistimos o mundo dela ruir. Ficamos olhando e não fizemos nada. Ela não tinha mais mãe, estava sozinha e fez um monte de tolices consigo mesma e deixamos acontecer. ― Se ela te contou então você deve ser muito especial para ela. Kiara não disse a ninguém. Não sabemos até onde foi. Como exatamente aconteceu e eu nem sei se sou forte o bastante para pedir que me conte. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Vittorio merecia mais amor dos irmãos. No meio da minha crise de culpa eu acho espaço para pensar sobre isso. Ele é bem solitário. Ama os irmãos, mas não se encaixa. Não sei bem quem afinal quis tanto separá-los, mas fez um bom trabalho. ― Ele... ele tocou nela e tentou ir além, ela não conseguia se defender e o Giovanne chegou e quebrou um vaso na cabeça dele. Salvou Kiara do pior, mas a culpou pelas roupas, como se isso fosse uma espécie de consentimento para ser atacada pelo próprio pai. ― Engulo em seco de ódio. ― Ele não parou de tentar. Ele continuou forçando sua porta sempre que tinha chance. Ela não ficava sozinha com ele. Aprendeu a fugir pela janela. Às vezes eu vejo tudo aquilo dentro dos olhos dela. Está se apagando um pouco, mas nunca vai desaparecer por completo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Quis matá-lo. Quis fazer isso com minhas mãos, mas não... quis entregá-lo a polícia. Falei com um grande criminalista. Ele me alertou que seria pesado. ― Devia fazer isso. Ele tinha que apodrecer na prisão. ― O advogado me disse que eles, os advogados dele iriam desconstruir Kiara. Iria mostrá-la como uma jovem sedutora, inconsequente, iriam fazer parecer que ela se ofereceu a ele. Que não era nenhuma garota inocente e viriam fotos, testemunhas e você sabe como seria fácil mostrar uma Kiara assim. Então teria a mídia e ela seria apontada na rua e daqui a dez anos ainda aconteceria de alguém encontrá-la e perguntar se ela não era a garota dos jornais e isso mataria minha irmã. ― E então ele segue impune enquanto ela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS carrega todas as marcas. Se ninguém paga o preço as coisas não mudam. ― Quer que Kiara pague o preço? Minha irmã não é nenhum mártir. Isso não é para proteger o nome. Isso é para proteger a pessoa. ― Não estou duvidando disso. É que não aguento meu ódio. Se desse de cara com ele eu nem sei. ― Fiz com que fosse demitido. Ameacei entregá-lo a polícia se ele não deixasse a Toscana. Sei onde encontrá-lo. Enrico saiu sem nada. Está vivendo de subempregos. ― Sabe onde encontrá-lo? ― Vittorio afirma. Queria um momento diante dele. ― Não. Nem pense nisso. Sei o que está pensando. Quer ir até ele, mas não vai. Você é tudo que faz Kiara feliz. É você que está trazendo minha irmã de volta a vida e eu não PERIGOSAS ACHERON
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vou deixar que ela perca você. Então desista. Fique longe de encrencas e faça Kiara sorrir. ― Como agora? Porque eu sou bem estúpido. Devia estar lá agora mesmo pedindo uma caneta emprestada. ― Vittorio sorri. Ele sabe que foi uma desculpa. Vittorio é perspicaz. Ele conhece as pessoas muito mais do que quer admitir. ― Vá em frente. ― Ele me aponta a porta com um movimento de cabeça. Sorrio. Ela é a coisa mais linda que existe nesse mundo e eu sou bem idiota por duvidar dos sentimentos dela. ― Tem uma coisa que não pode esquecer Filippo. ― O que? Não use metáforas. ― Vou ser bem claro então. Usar todas as palavras mesmo que nos machuque. ― Pode dizer. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Minha irmã tem fama, você sabe. Vadia. Eu mesmo ouvi uma vez. Comecei uma briga como se fosse um adolescente. ― Não me importo com isso, ela não é, eu sei quem ela é. ― Não tenho qualquer dúvida sobre isso, mas não estou falando de você. Estou falando dela, das coisas que escutou, das coisas que sabe que pensam sobre ela e que ela não pode apagar. Quando tem uma crise de ciúme e duvida dela em companhia de um homem, Kiara pode pensar que você pensa nela como todos. Que acredita que ela é quem as pessoas dizem que é e se você pensa isso então ela não pode suportar. Porque é você. Não eu, ou estranhos, mas você. O namorado, o cara por quem ela está apaixonada. ― Vittorio, você é muito sensível. ― Ele se irrita, o que me faz sorrir. ― Desculpe. Eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sei, nunca mais vou fazer isso. Prometo. Não para você, para mim, quero fazê-la feliz e mais nada. Isso não é bem bonito? Me ama? ― Não. ― Tem certeza? Podemos nos abraçar. O que acha? ― Que é um idiota. ― Nisso ele está certo. Respiro fundo. Minha cara de concha e todas as dores que carrega. Olho para ele. ― O vinho... vai me deixar dar a ela? ― Vou. ― Eu sabia. Só que eu não vou. Vai ter que admitir que se importa. É seu presente e não vou ficar com a glória em seu lugar. Fico de pé e caminho para a porta. Espero que ela esteja brava e não triste. Não gosto quando fica triste, mas amo quando fica brava. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Filippo ― ele me chama quando pretendia abrir a porta e me volto para olhá-lo. ― Quem é Uni? ― Vittorio me faz rir. ― Um mini unicórnio. A coisinha mais fofa e irritante que existe. Entro apressado e vejo que vovó Pietra conversa com o fortão, que está prendendo os cabelos com um elastiquinho preto que carrega no pulso. Isso só pode ser calculado para conquistar garotas. Ainda bem que minha conchinha não está assistindo. Vovó deve estar com as pernas bambas agora. Aceno sem atrapalhar o assunto e subo correndo as escadas. Enquanto corro vou desejando que ela esteja brava. Nem preparei um discurso romântico de pedido de perdão. Talvez só implorar seja o bastante. Não tenho certeza. A porta do quarto está entreaberta. Eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS empurro lentamente e Kiara está sentada na cama, tem nas mãos o cantil de prata, encara aquela coisa enquanto os olhos estão marejados e me sinto fraco e envergonhado. Ela ainda não está forte o bastante para uma briga de namorados. Está tudo em minhas mãos. Tenho que ser equilibrado e calmo. Paciente e cuidadoso. Minha cara de concha ainda está quebrada. Kiara me nota. Ergue os olhos em minha direção e vejo as lágrimas. Corta meu coração e esse é meu castigo por fazê-la chorar. ― Não quero te atrapalhar. Vim só perguntar se por um acaso você teria uma caneta para me emprestar. Preciso escrever um bilhete pedindo perdão a minha namorada. Vejo quando a dor passa e a emoção se transforma. Kiara deixa o cantil e vem apressada PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS para meus braços. Eu a envolvo e aperto Kiara em meus braços enquanto ela chora. ― Desculpe. Sinto muito, cara de concha, não queria te fazer chorar. Foi uma crise de ciúme, você é linda e especial, por isso acho que todos os caras do mundo querem namorar você. Ela nega escondida em mim. Sem conter o choro. Mergulho em seus cabelos para liberar seu perfume. Paixão não descreve mais o que sinto. Vai muito além. Talvez eu esteja pronto para assumir que é amor. ― Não faz isso mais, Filippo. Não faz. ― Nunca mais. Me perdoa. Claro que nunca iria me trocar pelo Conan. Só porque ele é bonito, musculoso e sexy. ― Ela ri por entre as lágrimas. ― Talvez você precise ficar alerta. O cara é um tipão. ― Escuto seu riso e é só por ele PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que vivo agora. Kiara se afasta um pouco secando as lágrimas e rindo. ― Me perdoa, conchinha. Eu sou meio baby idiota. ― Não é meio baby idiota não. ― Ela me envolve o pescoço. ― É baby idiota por inteiro. ― Posso beijar você? Não vai me mandar embora? ― Mandar você embora? Nem pensar. E se você decide pegar o telefone do Kevin? ― Mereço. ― Toco seu rosto. Seco pele molhada pelas lágrimas. ― Não fica triste comigo. Fica brava. Me xinga, me situa. Só não fica triste. ― É difícil. Tem tantas coisas. Estava tentando ser uma pessoa normal. Não queria ficar ali, não queria manter uma conversa e nem falar sobre mim ou o que gosto, mas eu estava me esforçando porque eu quero muito ser uma PERIGOSAS ACHERON
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pessoa como as outras. ― Fui egoísta. Pensei em mim. Tive ciúme e não merecia que eu a ignorasse. Me perdoa. ― Pode parar de falar e me beijar. Acho que funciona melhor. ― Ela me faz sorrir e antes que mude de ideia beijo Kiara. Um longo beijo que imprime um pouco do que sinto. Ela corresponde. Meu coração fica aquecido. Não penso mais na conversa difícil com Vittorio, nem em nada que não seja nós dois e o amor que sentimos. Kiara sempre está tão entregue. Tem sua timidez, não é reflexo das suas dores. A timidez é sua natureza. Mesmo assim, mesmo sendo tímida. Kiara se deixa viver em meus braços. Tem tantas coisas que gosto nela. As mãos são delicadas. Suaves e quando elas PERIGOSAS ACHERON
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entram por dentro da minha roupa a procura da minha pele eu não consigo mais pensar. Só quero a ela. Só quero nós dois. Minha camisa fica pelo chão. Vamos caminhando para cama entre beijos. Toques e suspiros fazem parte do itinerário. Eu me entrego ao carinho que recebo dela. Dou tudo que tenho de volta e a ouço sussurrar meu nome. Tem qualquer coisa mais intensa dessa vez. É como elevar a relação a um novo lugar. Nem consigo tirar meus olhos do rosto dela quando nos deitamos lado a lado depois de todo o entorpecer que vivemos juntos. Ela tem uma leveza no olhar agora. Um sorriso simples no rosto. Fica a me olhar em silêncio. ― Você é linda e especial. ― Tem ciúme de mim ― ela constata PERIGOSAS ACHERON
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agora sorrindo. ― Não quero nunca mais brigar e ficar com medo de perder você porque me machuca, mas eu gosto de pensar que sente ciúme. Me deixa achando que sou mesmo especial. ― Você é. Amanhã vamos fazer uma visita ao Kevin, vou me comportar e te mostrar que não é sobre não confiar em você. Isso que fiz hoje foi mais como não confiar em mim. ― Tem tudo que eu quero, Filippo. É você desde que eu era uma menina. ― Muito apaixonada por mim. ― Baby bobo. ― Ela se move e se deita em meu peito, então me abraça e depois suspira. ― O cantil. Eu pensei em beber, não ia beber, só pensei nisso. Quando doía eu bebia para não sentir e pensei nisso. ― Tudo bem. Aos poucos vai ficar forte. PERIGOSAS ACHERON
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Quero ser o melhor por nós, Kiara, mas sou só um cara e posso errar de novo. Tem que achar outro modo de passar por isso. ― Eu sei. Fico pensando que quando tiver meu trabalho, uma rotina, uma vida, sabe? Acho que vou ser mais forte e não me esconder sempre que tudo dá errado. ― É provável. Gosto de cuidar de você, mas quero fazer isso sem que precise que eu faça. Quero você feliz o tempo todo. ― Sem você não consigo. ― Meu coração até descompassa. Kiara não costuma se declarar tanto. Quando faz é até uma surpresa. Porque sei que é honesto. Eu beijo seus lábios. ― Só tenho uma palavra para isso. ― Qual? ― Uni! ― Ela me belisca. ― Aí. ― Como foi lembrar disso? Que raiva! PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Aí. Não me morde. Ou morde. Até que é bom. ― Ela me morde o peito. ― Estava conversando com o Vittorio e me lembrei. ― Baby idiota. Nem quero saber como chegaram a isso. ― Era você, não é? Não era a amiguinha fantasma do Enzo? Nossa até me arrepiei agora. Para que fui lembrar dela? Justo aqui nessa casa? Me abraça. Só tem duas escolhas. Ou assistimos desenho ou fazemos sexo. Preciso esquecer. Escolhe. ― Escolha complicada, Filippo. Tenho que pensar um pouco. Por que não me beija enquanto eu decido? ― Do seu jeito. Sempre do seu jeito.
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Capítulo 17
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Kiara O dia amanhece um pouco nublado, o verão está nos deixando, mas até que não é ruim, já que tem feito um calor desumano. Fico pensando como Vittorio aguenta o inverno. Sair cedo para correr o vinhedo em meio a geada e ter certeza que as videiras estão bem. Lembro de assistir pela janela do quarto meu pai sair cedo com um casaco pesado para verificar se tudo estava bem. Ele desaparecia no nevoeiro e aquilo sempre me deixava angustiada. Algumas vezes eu me mantinha na janela por horas até vê-lo caminhar de volta. Nunca fomos muito ligados, mas ele era meu pai e de algum jeito eu o amava. Devia ter amado meu pai mais do que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS amei
aquele
homem.
Nem
consigo
mais
pronunciar o nome dele. Meu corpo estremece quando penso nos abraços e carinhos. Nunca vou ter certeza quando e se alguma vez foi mesmo carinho ou apenas sua lascívia. ― Com frio? ― Filippo me abraça, aproveito e recosto em seu peito. ― Quer que feche a janela? ― Não, baby. Já vamos descer. Vai mesmo querer ir visitar o Kevin? ― Sim. O Vittorio disse que ia. Então vamos descer e tomar café com ele. Aí pegamos uma carona. ― Ontem odiava o cara, hoje está doido para encontrá-lo. Não te entendo. ― Ele me solta dos seus braços com um sorriso, então pega minha mão e me puxa para descermos. ― Ontem eu estava com ciúme, hoje já PERIGOSAS ACHERON
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organizei tudo isso na minha cabeça. ― Aceito. Até prefiro. Fiquei sem chão com ele me tratando daquele modo. Eu não sou forte o bastante para lidar com algo como o que aconteceu ontem. ― Só tem uma coisa. ― Filippo para no meio da escada e ficamos de frente um para o outro. ― Tem uma coisa que ele faz... é sobre prender aquela cabeleira dele de Sansão. Não olhe. Ok? ― Que? ― Não faz essa cara de não estou entendendo. É bem simples. Quando ele começar com aquele negócio de prender o cabelo para mostrar os músculos saltados do braço e o balanço dos cabelos estilo Conan, o bárbaro, você olha para mim. ― Filippo sorri. É bem difícil manter um ar sério e não cair na risada. ― Pense nele como a Medusa. Tipo se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ficar olhando vira pedra. ― Você nunca foi o que pode se chamar de normal, mas de ontem para cá está muito pior. Está me dando medo. ― Fixe na mente que está apaixonada por esse meu jeito carinhoso e inteligente e esqueça os músculos. Tudo bem? ― Não tem ninguém que me faça mais feliz no mundo, Filippo. Eu não gosto de músculos. Eu gosto de você. Entende? Você. Não precisa ficar preocupado ou inseguro. Isso não existe. ― É mais ou menos esse o caminho que tem que seguir. Me elogiar e beijar muito também ajuda. Pode começar agora se quiser. Nunca beijamos na escada. ― Me deixem passar antes. Tenho que trabalhar ― Vittorio pede um pouco acima com PERIGOSAS ACHERON
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um ar engraçado de quem está diante de alguma cena nojenta. Nós nos encostamos cada um de um lado do corrimão e ele passa por nós apressado. ― Se querem carona sejam rápidos com isso de... vocês sabem. Vittorio some e trocamos um sorriso. Então Filippo vem até mim e envolvo seu pescoço. Não quero visitar lugar nenhum. Quero só ficar beijando meu namorado. Apenas isso. Trocamos um beijo, que a cada dia ficam mais cheios de significado para mim. O que sinto por ele me domina por inteiro e faz tudo em mim vibrar de um modo que só quero que continue. Quando nos afastamos olho para cima desejando voltar para o quarto, ele nega e me puxa para descer. É o jeito. Vamos fazer um tour pela De Marttino. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Estamos reunidos em torno da mesa do café. Vovó sorri. Vittorio olha seu celular fingindo tomar uma xícara de café. Eu faço o mesmo. Filippo tem a fome de um leão pela manhã e acho engraçado. ― Vão comigo? ― Vamos ― Filippo avisa Vittorio. ― Kevin não trabalha aqui na Vila? Se ele é enólogo não é aqui que faz o vinho. Lá não é só o escritório. Tipo os papéis? ― eu pergunto a Vittorio, que larga o celular, então me observa um momento, pensativo. Não sei nada sobre esse assunto. Cresci e vivi uma vida toda sem qualquer envolvimento com o vinho De Marttino. ― Vou mostrar como tudo funciona. O que acha? ― Faço que sim. Não sei direito se quero, mas parece importante para ele e sinto PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vontade de fazer algo por Vittorio. ― Já terminaram o café? ― Já — aviso. Filippo para com o pão no meio do caminho à boca. ― Não? ― Não é sua última refeição, Filippo. Pode comer mais na volta. ― Vittorio o repreende e ele faz uma careta engraçada ante de levar o pão a boca. ― Vou comendo ― ele diz arrastando a cadeira. ― Devia ser pecado deixar uma mesa como essa sem estar próximo de uma congestão. Acho que só mesmo o Matteo para me entender. Aceno para vovó. Ela tem os olhos marejados quando deixamos a casa juntos. Vittorio ao meu lado com seu porte elegante. Assim que chegamos ao jardim os cachorros se aproximam dele fazendo festa. Ele acaricia os pelos dos animais. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Prontos para correr o vinhedo? ― Vittorio diz a eles e os cães partem na frente animados. Troco um sorriso com Filippo. Seguimos em silêncio até os pés de uva enfileirados. Não passamos da primeira fila. São quilômetros de videiras protegidas e bem cuidadas. ― Aqui estão os pés de uva. Tem mais de um tipo de uva em mais de uma fase de desenvolvimento. Começamos com a preocupação com a terra. Se está saudável e se as mudas estão crescendo e depois quando estão adultas e começam a dar uvas escolhemos as que vamos colher. Cor. Idade. Verdes ou maduras sabe? ― Faz diferença? ― Uvas maduras dão um tipo de vinho e as verdes outro. ― Ah! E depois? ― Ele me aponta os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS galpões. Longas construções uns metros do vinhedo. Antes do conjunto de casas dos colonos que fica próximo a colina. ― Maceração. Venham ver. Seguimos pelo caminho de terra batida, com flores plantadas a beira do caminho. Passamos por colonos que acenam e sorriem para logo depois voltarem ao trabalho. Vittorio abre a porta de correr e entramos no primeiro prédio. ― O que fazem aqui? ― Tem máquinas enormes instaladas. ― Maceração. As uvas são esmagadas. Antigamente se esmagava com os pés. Como fazemos na festa da colheita em um ou dois tonéis para celebrar. Ainda se faz vinho assim. ― Mas nós usamos as máquinas ― comento e ele concorda. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Exato. Fabricamos em grande escala. ― O que vem depois? ― Vou explicar de modo superficial. Sem dar detalhes técnicos. Acharia tedioso. ― E provavelmente não entenderia nada. ― Já não tenho tanta certeza. Está no seu sangue. ― Ele me garante. ― Enzo conhece tudo isso? ― Sim. Quando passei a conta da vinícola para eles, os dois vieram conhecer todo o processo. ― Olho para Filippo e ele afirma sorrindo. ― Entendi. Sou a única que não sabe de nada. Vá em frente. O que acontece depois? ― Essa é a primeira fermentação. Fermentação alcoólica. Precisa de total atenção. Kevin fica o tempo todo por aqui quando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estamos nessa fase. ― Por que? ― Quero mostrar algum interesse. Não custa nada. Ele parece tão empolgado. Acho que Vittorio gosta mesmo do que faz. ― Temperatura. Tempo de duração do processo. Tudo isso faz diferença. Oxigenação. Levedura em alguns casos. Cada tipo de vinho exige um processo diferente de contato com o ar, a temperatura e a duração. Por isso atenção total. ― Demora? ― Uns quatro dias. Uma semana. Depende. Depois reduzimos a acidez, mais uns dias. Chamamos de fermentação melolática. Não em todos os casos. ― Tudo isso aqui? ― Sim. Tudo aqui. ― E depois? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Deixamos o prédio e vamos caminhando para o outro prédio com o mesmo tamanho. Tudo tão limpo e bem cuidado. Tanto trabalho e dedicação. Quase posso sentir vergonha por ignorar por tanto tempo. ― Aqui é onde fica a maturação. Os vinhos vêm para esses barris, que são de carvalho francês. Aqui ficam dias, semanas, meses, décadas. ― Nossa! Incrível. Daqui eles vão para garrafas? ― Sim. Lá na cidade. Engarrafamos e rotulamos. Temos ainda a distribuidora, então os caminhões fazem as entregas. Em navios, aviões para o resto do mundo. Trem pela Itália. Ou mesmo nos caminhões para alguns lugares. Nosso avô comprou uma frota de caminhões, nosso pai montou uma distribuidora. Então além PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS do vinho temos uma distribuidora, temos imóveis, mais terras fora da Itália. Investimentos em outros campos. Por isso fico na cidade. Nos escritórios onde acompanho quase todo esse processo. ― Entendi. E o Kevin se divide entre aqui e lá? ― Sim. Ele tem um escritório lá. Precisa de um pequeno laboratório. Onde faz testes, me ajuda acompanhando o processo todo até os vinhos estarem dentro dos caminhões de partida para seus destinos. ― É sempre bem complicado. Nunca pensei muito sobre isso. ― Filippo se mantem calado. Não olho muito para ele. Tenho certeza que está pensando em que momento vamos nos abraçar. Ele vive para isso. Vai soltar uma assim a qualquer momento e vou desejar estrangulá-lo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Com o tempo fica uma rotina agradável. A fase de criar algo novo é muito boa. Envolvente. Manter a qualidade da marca. Não mudar o sabor de uma safra para outra. Ou mudar dependendo do caso. É excitante e nunca fica maçante. ― Você não precisa dele, não é mesmo? Aprendeu tudo isso. ― Me formei em administração, Kiara. Tudo que sei sobre isso aprendi fazendo. Sem técnica. Conhecimento de pai para filho. Desde conhecer a terra a todo o resto. Kevin tem formação técnica. Além de mais tempo para estudar e criar coisas novas. Trazer modernidade para nosso vinho. Isso nos mantem no topo. ― Vamos até a cidade? Acho que fui lá uma meia dúzia de vezes e foi há muito tempo. ― Claro. ― Deixamos o prédio. Os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cachorros sempre nos cercando. Felizes com o passeio. Seguimos direto para a garagem. Tem uma caminhonete. Dois carros esporte e um carro da vovó. Um Mercedes quatro portas preto tão confortável que lembra um avião. Vittorio pega a caminhonete. Filippo corre para o banco de trás. Ele é incansável nessa coisa de unir os povos. ― Vai na frente com seu irmão, cara de concha. Vittorio dirige em silêncio. Coloca uma música suave. Uma orquestra apenas e fico agoniada me perguntando qual a hora que a letra vai começar. Sempre fico na expectativa e isso é irritante. ― Posso mudar? ― Pode ― ele diz com um meio sorriso. ― Escolha um CD. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vamos de rádio mesmo, Vittorio. Não é nada pessoal, Vittorio, mas não acho que você tem uma música decente nesses seus CDs. ― Conclusões muito precipitadas, Kiara. Sou bem eclético. ― Suspiro antes de abrir o porta-luvas e me surpreender. Vittorio é cheio de surpresas. Tem muita música boa. Remexo os cds e escolho um rock não muito pesado. Ele presta atenção na estrada enquanto Filippo batuca fingindo tocar uma bateria imaginária e canta alto. Não sei o que me diverte mais. Ele dando um show no banco de trás, posicionado exatamente atrás de Vittorio ou as mil caretas do meu irmão que está odiando esse momento com todas as suas forças e arrisco dizer que Filippo tem plena ciência disso. São pouco mais que dez minutos de carro. A pequena cidade. Não passa de um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vilarejo entre a Vila De Marttino e San Gimignano. Os prédios são baixos, tem um comércio quase medieval. Um minisshopping. Com poucas lojas. Um cinema para no máximo cem pessoas que caberia provavelmente a cidade toda. Algumas casas. Na rua principal fica o prédio De Marttino. Três andares de uma construção moderna. Ao lado da distribuidora onde caminhões estão estacionados. Nem imagino quantos funcionários dependem de Vittorio e acho que consigo entender um pouco melhor seu comprometimento com os negócios da família. Ele cuida de tudo sozinho desde muito cedo. Cedo demais. Era para estar vivendo a vida. Se apaixonando, mas teve que largar todas as possibilidades para assumir os negócios da família. Terminou a faculdade a distância. Assumiu tudo antes mesmo de se formar e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mesmo tão jovem ainda fez a empresa crescer. ― Quase toda a cidade trabalha para você ― constato quando entramos no prédio. Ele meneia a cabeça. Subimos de elevador até seu andar. ― Tem um heliponto no telhado agora. Essa é minha sala. ― Entramos e está como sempre esteve. Do jeitinho que era quando papai era vivo. ― Igual. Eu me lembro. Devia mudar tudo por aqui. ― Só preciso da mesa, cadeira e meu computador. Não ligo para o resto. ― Ele mostra o ambiente a nossa volta. Procuro alguma boa memória sobre esse lugar e não encontro. Só ficava sentada no sofá de couro à espera do meu pai e depois íamos para casa. Vim pouco aqui. Com a vovó, todas as vezes quando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ela nos trazia a cidade para um passeio nas férias e então vingamos até o papai. Ele não nos dava qualquer atenção. ― Vinha muito aqui? ― pergunto a Vittorio. ― Quando criança. Você vinha? ― Sim. Primeiro com a ma... ― Ele para de falar de modo brusco e sei que é sobre a mamãe. ― Sim. Eu vinha muito aqui. Quer ir encontrar o Kevin agora? ― Pode ser. ― Deixamos a sala. Descemos um andar e depois dos escritórios chegamos ao laboratório do nosso enólogo. Kevin está com um avental branco. Os cabelos presos que me lembram os conselhos de Filippo e quero rir. ― Vieram? Que bom. Entrem. ― Ele aperta minha mão. Depois a de Filippo e só então a de Vittorio. ― Consegui o que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estávamos
buscando.
Estava
agora
mesmo
pesquisando umas coisas. Depois falamos. ― Acho que agora temos um pouco de pressa. As coisas se encaminharam mais rápido do que o que pensei. ― Os dois falam por código. ― Não se preocupe. Vamos usar uma base já pronta. ― Kevin me sorri. ― Mas entrem. Vou mostrar meu trabalho. Vittorio nos deixa e ficamos com Kevin, mas dessa vez Filippo não está disposto a dar espaço, ele procura minha mão. Entrelaça seus dedos aos meus e se torna muito participativo. Nem acho tempo de formular uma pergunta. Ele pergunta tudo antes. Kevin é gentil, ficamos meia hora ali com ele. Conversando sobre seu trabalho. Aprendendo mais sobre o vinho e suas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS particularidades. ― Estou indo para a Vila. Querem carona? ― Sim. ― Não. ― Eu e Filippo dizemos juntos. Ele negando e eu concordando. Trocamos um olhar. ― Pensei em passear um pouco pela cidade. O que acha? Tem cinema. Quer ver um filme? Almoçar por aqui. Seria um passeio romântico. ― Pode ser. ― Eu gosto do plano, mesmo achando que é apenas ciúme dele. ― Obrigada, Kevin. Acho que nos vemos na Vila mais tarde. ― Claro. Quem sabe vão provar comigo uma taça de um vinho novo que estamos produzindo? Filippo leve a Kiara para experimentar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Com certeza. Passamos lá. ― Filippo beija minha mão. ― Obrigado pela atenção. Agora vamos dar um abraço de tchau no Vittorio. Ele gastou metade da manhã conosco. É tipo um recorde de convivência de vocês. ― Estava esperando por isso. ― E se reparar bem, você manteve sua língua bem dentro da boca. Muito fofinha. Vai para casa sem precisar pedir telefone ou caneta. ― Você é tão baby bobo. ― Ele me puxa pela cintura no meio do corredor e me beija. Eu queria não ceder sempre tão fácil, mas quem resiste? Só me entrego aos beijos longos dele. Sem ligar a mínima para os funcionários indo e vindo. Bato na porta de Vittorio. Ele resmunga um “Entre” e Filippo ri. ― Bom humor é tudo na vida. ― PERIGOSAS ACHERON
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Empurro a porta e quando entramos ele deixa seus papéis. ― Estamos indo. Vamos dar uma volta pela cidade. Ir ao cinema. ― Boa sorte com o cinema. O filme deve ser em preto e branco. Talvez cinema mudo. Estamos um tanto atrasados por aqui. ― Não tem problema. Vamos ficar o tempo todo beijando mesmo ― Filippo avisa e eu o cutuco sem acreditar. ― O que eu disse demais? ― passeio.
Tchau,
Vittorio.
Obrigada
pelo
― Quando estiverem prontos passem aqui e vamos juntos para casa. Caminhando leva uma hora ou mais e não vão querer passar por isso. Não temos táxi aqui. ― Ah! Está certo. Passamos aqui então. O cinema não é tão ruim. O filme é atual PERIGOSAS ACHERON
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e a pipoca ótima. Assistimos um romance depois do almoço. Entre beijos e pipoca. Andamos pela cidade. Leva menos de uma hora e estamos de volta na porta do cinema. ― Uma metrópole ― Filippo brinca. ― Pronta para voltarmos? ― Pronta. Vittorio deve estar nos esperando. ― Seguimos de volta para a empresa. ― Meu irmão está chegando. Vem na sexta-feira. ― Vai ser bom ter seu irmão de volta. ― Ele me sorri. Sinto falta do meu irmão e do Matteo. Até mesmo da Bianca. Criamos laços e ela é como uma amiga. Uma figura feminina e jovem com quem posso quem sabe me abrir um pouco sobre meus sentimentos. ― Então volto para a casa dele. ― Volta. Sua casa, conchinha. Sua casa. PERIGOSAS ACHERON
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― Não. A casa dele. Ainda não me sinto em casa. Minha casa são os braços de Filippo. Onde ele está. Dá uma certa melancolia pensar sobre isso. Que não vou mais acordar em seus braços. Dormir enrolada nele. ― Eu sei ― digo sem querer me abrir demais. Voltamos com Vittorio. Dessa vez ele mesmo escolhe a música e não é instrumental. Quando chegamos Filippo insiste em provarmos o vinho. Vamos ao encontro de Kevin. Vittorio e vovó vão conosco. Sentamos em torno uma mesinha de madeira. Com as sobras das sobremesas que eu mesma preparei no dia anterior. O vinho combina bem. Demoro um pouco para aceitar. Meu paladar não é preparado para o vinho. Mesmo assim eu gosto da união dos sabores. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Todos estão bem felizes, dá para sentir. Acho engraçado minha aprovação ser tão importante, mas não me importo muito. Eles estão sempre tentando me inserir ao grupo e eu estou mesmo tentando. Prova disso é provar o vinho. Nunca gostei. Partir na noite do domingo é até um pouco triste tenho que admitir. Cada vez mais gosto de estar na Vila. Não tem abraço apertado. Filippo bem que tenta. Tem qualquer coisa parecida com um meio abraço e um beijo desajeitado no rosto. Vittorio é péssimo nessa coisa de carinho muito mais do que eu. Passo a semana ocupada com receitas, na quinta-feira tenho o cardápio inicial pronto. O logotipo da empresa está pronto. As caixinhas na gráfica. Uma semana produtiva. Terminei todos os dias nos braços dele. Nenhum dia foi menos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS romântico. Eu sinto Filippo tão presente que pensar em voltar para casa e não o ter comigo o tempo todo está doendo. Amanhã. Penso enquanto o observo dormir ao meu lado. Amanhã a essa hora vou estar sozinha no meu quarto, na casa do meu irmão. Fico triste. Devia estar feliz pelo retorno deles, mas fico mais triste que feliz e vai ser difícil esconder. Eu me ajeito nos braços de Filippo que acorda, então me envolve e beija meu pescoço depois volta a dormir e procuro fazer o mesmo.
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Capítulo 18
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Enzo Matteo dorme em meu colo enquanto eu observo a casa escura no momento em que meu sogro estaciona na porta. Pelo visto Kiara está por aí, pois já passa da meia-noite. Tinha esperança de encontrá-la bem, sóbria e quem sabe dormindo. Tolice achar que faria uma surpresa. ― Obrigada, papai. Amei o jantar. ― Bianca beija o pai e depois a mãe. ― O jantar estava ótimo, mamãe. Estava louca de saudade de uma comida caseira. É um lindo país, mas aqueles americanos não entendem nada de culinária. ― Tanto tempo fora da nisso. ― Depois de beijarem o neto o casal volta para o carro e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS entramos em casa. Bianca com Matteo nos braços e eu com muitas malas. O dobro do que levamos. ― Achei que ela estaria aqui. Devíamos ter vindo direto. Eu podia jantar com meus pais amanhã. ― Amanhã vamos para a Vila depois do almoço. Vou na agência de manhã só para ver como as coisas estão e depois.... ― Eu suspiro. ― Eu vou ligar. Será que nem bem cheguei e já tenho que caçar Kiara? ― Meu amor. Eu tenho certeza que ela está bem. Passou bastante tempo com a avó na Vila. Atendeu você todas as vezes que telefonou. ― Pode ser. Vou subir com as malas enquanto coloca ele na cama. Beijamos Matteo adormecido. Esse pequeno garotinho deve estar muito esgotado. PERIGOSAS ACHERON
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Vai levar uns dias para se acostumar novamente com horários e rotina. ― Acha que ele vai estranhar estar de volta a própria cama? ― Bianca questiona encarando a caminha em forma de carrinho. ― Bom, ele chora ou nos chama. Vem. ― Ela me puxa pela mão e a acompanho. ― Vou ligar para a Kiara. Não consigo ir dormir sem saber dela. ― Enzo. Sua irmã está indo bem. Sua avó elogiou as mudanças dela. Não chega pressionando. Por que não manda uma mensagem avisando que estamos de volta e vamos dormir? ― Acha? ― Mostra confiança. ― Estava tão tranquilo toda a viagem. Acreditei que ela está indo bem sozinha. No PERIGOSAS ACHERON
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fundo achei que uns dias de solidão até fariam bem a ela. Sem tanta pressão, mas aí chego em casa e ela não está. ― Enzo. ― Bianca me envolve o pescoço e me beija levemente. ― É noite de sexta e sua irmã tem vinte e um anos. ― Você está certa. Vou mandar uma mensagem e vamos dormir. Foi uma longa viagem. ― Melhor assim. ― Envio um recado avisando que estou de volta em casa. Tantos presentes. Sinto saudade dela. Queria abraçar minha irmã, mesmo que com toda a má vontade dela. ― O que acha de comemorarmos o aniversário dela aqui na mansão? Semana que vem. Vovó e Vittorio podiam vir. Ficar o fim de semana. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Meu amor. Para se livrar das mil fotos que manda para o Vittorio eu acho que ele aceita. Seu irmão não aguenta mais as fotos e estando aqui não precisamos enviar fotos. ― Se ele não quiser mais fotos que diga. Quero ouvir da boca dele. ― Adoro provocar meu irmão. Quero mexer com as emoções dele. Ele não é essa estátua fria que sempre quis parecer, que eu acreditei por tanto tempo. ― Seu irmão precisa de uma namorada ― Bianca diz enquanto vai ajeitando a cama. Aproveito para abrir as janelas. Kiara poderia ao menos ter aberto um pouco a casa. Ficou aqui um mês, sozinha, e parece que nem foi capaz de deixar um pouco de ar circular pelos ambientes. ― Ele tem alguém? Já viu seu irmão com uma namorada? ― Namorada não. Já vi ele com algumas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mulheres. Quando o Filippo namorava a Paola eu encontrava meu irmão às vezes, naquelas festas importantes que os pais dela davam. ― Que tipo? ― Bianca pergunta enquanto começa a remexer suas roupas. ― Preciso de um banho morno para relaxar os músculos. ― Vou com você. ― Pego toalhas. ― Do tipo da Paola. Só mulheres bem-vestidas e sei lá. Elegantes. Algumas mais velhas. Só mulheres que homens de negócios se relacionam. ― Hmmm. ― Ela segue para o banheiro e a acompanho. Assisto enquanto solta os cabelos dourados e começa a se despir. Meu raio de sol. Linda e especial. Os melhores dias da minha vida, só nossa pequena família e unidos como nunca. ― Amo você. Não vem? ― Faço que sim. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Por que fez, “Hmmm”, sobre meu irmão? ― Seu irmão é um homem do campo, Enzo. Todas as vezes que estivemos na Vila eu o vi caminhando pelo vinhedo, acompanhado dos cachorros. Não sei, penso que ele precisa de uma mulher mais natural. Uma que poderia viver na Vila. O que me descreveu não parece o tipo de mulher para ele. ― Se está dizendo. Eu que não vou discutir ― aviso antes de abrir o chuveiro e puxar Bianca. ― Comemorar a volta para casa. ― Comemorar é sempre boa ideia. Acordo com Matteo ao meu lado. O quarto claro e ele dormindo. Bianca está vestida escovando os cabelos, sorri do jeito lindo que tem de me sorrir todas as manhãs. ― Bom dia, meu amor. Dormi feito uma PERIGOSAS ACHERON
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pedra. Ele chorou? ― Não. Encontrei ele deixando o quarto logo cedo. Muito bonitinho. Acordou e estava vindo sozinho. Mamou e pegou no sono de novo. ― Ela vem até mim e me beija. ― Te amo. ― Também. Vou descer e preparar nosso café. ― Já te encontro. ― Pego o celular antes mesmo de sair da cama. Visualizado e não respondido. Kiara. Suspiro meio deprimido. Sigo para o banho. Tenho que me vestir e ir procurá-la. Odeio isso. Filippo talvez saiba alguma coisa. Eles estão próximos. Ele foi a Vila com ela. Quem sabe ela o avisou sobre seus compromissos. Sonho. Kiara não dá satisfação. Quando fico pronto Matteo desperta. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Papai. Acordei de novo. ― De novo? ― Vou até ele que me estende os braços. Beijo seu rosto corado. ― Vamos escovar os dentinhos e tomar café? ― Praia, papai. ― Praia, filho? Estamos em casa. Não tem praia. ― Avião. ― Não é tão simples. Só pegar um avião. Papai tem que trabalhar. Abre a boca. ― Escovo os dentinhos branquinhos e pequenos. Depois de lavar e secar o rosto desço com ele no colo. A porta se abre quando passo e Kiara entra sorrindo. Minha irmã está linda, noto no primeiro olhar. Está sem maquiagem. Pode ser apenas por que a noite foi intensa e saiu tudo. Não vou comemorar. Ela usa as roupas de sempre, mas PERIGOSAS ACHERON
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tem algum brilho novo nos olhos. Então ela sorri. Um largo sorriso que não é coisa dela, Kiara tem preguiça de sorrir. ― Matteo! ― Ela estica os braços e meu garotinho se oferece na mesma hora. Ela beija seu rosto muitas vezes. ― Que saudade do meu pequeno. Passeou muito? ― Não. ― Não? Quer passear mais? ― Avião ― ele conta. Ela me sorri. ― Oi. ― Está bronzeado. ― Kiara coloca meu pequeno no chão e nos abraçamos. Ela corresponde. ― Saudade. Fazia tempo que não ficávamos tantos dias longe. Eu nem sei se já ficamos tantos dias assim longe. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acho que não. Foi tudo bem? ― Foi tudo perfeito. ― Ela me solta para abraçar Bianca. ― Bianca, você está linda. Bronzeada. Com cara de garota californiana. ― Elas riem da ideia e vamos todos para cozinha. Só então vejo a mochila da minha irmã. Parece bem cheia de roupas. ― Esteve fora? ― Sim. ― Café, pessoal. Vamos comer enquanto contam novidades ― Bianca pede e sentamos. Kiara pega apenas um copo de água. ― Então o Kiara Doces é uma realidade? ― Sim. Estou empolgada. Escolhi o lugar, é perto da agência. Tenho o cardápio e o Filippo está cuidando dessa parte de logotipo e sei lá. Você sabe, essas coisas todas que PERIGOSAS ACHERON
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precisam. ― Fico feliz. Trouxe presentes, espero que goste. ― Ela sorri. Olha para o chão. ― Vou dar um pulo na agência e depois do almoço vamos para a Vila ver a vovó. Por que não vem com a gente? Voltamos domingo. ― Achei que chegavam hoje ― Kiara comenta sem me responder. ― Adiantamos um dia. Foi bom. Jantamos com meus pais. Eles estavam com muita saudade. ― Bianca, eu nem sei como conseguiu ficar tanto tempo. Quero fazer uma longa viagem também, mas daqui um tempo. Quando minha loja de doces estiver caminhando bem. Me contem. Como foi? Contamos alguns momentos divertidos, principalmente de Matteo. O quanto ele gostou PERIGOSAS ACHERON
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dos parques e das praias, meia hora de conversa leve e o interesse genuíno dela. Nem parece minha irmã. ― Meninas. Vou deixá-las. Tenho que ir à agência ver meu amigo. Fazer uma surpresa a ele e ver como estão as coisas na agência. Fico de pé, mas Kiara segura meu braço, seus olhos ansiosos, tanto que fico preocupado. ― Enzo, eu quero contar uma coisa. ― Claro. ― Volto a me sentar e percebo que Bianca me olha tranquila. Eu não sei se gosto muito disso. ― Fala. ― Esses dias. Desde que você viajou, na verdade. Bom. Eu não consegui ficar aqui. Casa grande e.. e umas coisas aconteceram que não quero falar agora. Eu... eu fiquei esses dias todos na casa do Filippo. Estava lá quando mandou mensagem. Ele me deixou aqui e foi PERIGOSAS ACHERON
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para a agência. Queria entrar para contar, mas não deixei. Queria eu contar. Caso fique bravo. ― Que drama, Kiara. Por que ficaria bravo de passar uns dias na casa do Filippo? Podia ter me dito antes. Eu teria aproveitado muito mais minha viagem. Sem tanta preocupação. Ele foi legal em receber você lá. Não esperava menos do meu melhor amigo. ― Acho que não é bem isso que a Kiara está dizendo, meu amor. ― Não? ― Não. ― Kiara me avisa. ― Estou... esse tempo juntos, o jeito como ele cuidou de mim. Estamos... eu e o Filippo... ― Dormiu com ele? ― Não sei bem o que pensar. São livres, mas não sei se posso achar natural. Filippo é meu melhor amigo. Dormir com a minha irmã. Ela é frágil e ele PERIGOSAS ACHERON
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podia ter segurado seus instintos. ― Estamos namorando. ― Isso é completamente diferente. Não foi uma distração. Um jogo. É um relacionamento, isso posso gostar de ver. ― Namorando? ― Todo mundo sabe. A vovó. O Vittorio. ― Menos eu. Por que não me disseram? ― Filippo queria surpreender você. Íamos buscá-lo no aeroporto, mas aí chegou antes e me deu meio que um pânico, porque a última coisa que quero é estar no meio dessa amizade de vocês. Estou apaixonada por ele. ― Gosta dele faz tempo. Eu sei disso. Achava que era só... encantamento sabe. Amigo do irmão mais velho. Fantasia de adolescente. Ele namorava e eu só... mas agora que estão namorando... ele pediu? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Foi tudo certinho. Quer dizer... do nosso jeito. ― Nosso jeito? ― Sorrio com a ideia. ― Vocês já têm um jeito? ― Três semanas juntos. Mais ou menos isso. Tudo bem? Se não estiver tudo bem. Por favor, não briga com ele. Briga comigo. ― Tudo bem. Estou feliz, eu acho. Com medo de isso não dar certo e as coisas ficaram estranhas. Você é minha irmã e ele é como um irmão, mas eu torço. Não tem ninguém que eu confie mais que ele. Admiro o meu amigo e sei que ele é um cara legal. Namorando? ― Sim. ― Ficou todo esse tempo lá? ― Fiquei. ― Olho para a mochila. ― Mas agora está de volta? ― Ela balança a cabeça afirmando e não parece muito PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS animada com isso. ― Por minha causa? ― Sim... não. A razão de ter ido para a casa dele foi sua viagem e essa casa gigante. Agora está de volta. ― Bianca me olha. Ela é sensível e perspicaz. Parece saber assim como eu que minha irmã não quer estar aqui. ― Kiara você é livre. ― Ele não convidou para ficar lá. Eu acho que deve ser mesmo o jeito certo. Somos namorados sabe. Ele talvez queira um pouco de liberdade e acho que vamos dar um jeito de namorar assim. Como todo mundo que namora. Sem dividir a cama... casa. Sem dividir a casa. ― Kiara me faz rir. Gosto desse jeito atrapalhado dela. Gosto de sentir que ela está mudando e saber que Filippo está ajudando me deixa feliz, um pouco preocupado, mas feliz. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vocês estão se cuidando? ― Olho para Matteo, ela segue meu olhar e ri. ― O que? ― Nem a vovó pensou em me perguntar algo assim. Enzo, eu... sabe que não sou nenhuma garotinha tola e inexperiente. Tomo anticoncepcional. ― Ah! Claro. Desculpe, mas é minha irmã. Achei que devia perguntar. ― Está tudo bem? Sobre nós dois. Eu e o Filippo. Você aceita? ― Só se me der um abraço de boa vontade. ― Vocês dois e essa coisa de abraços. ― Ela revira os olhos e vem me abraçar. Cabelos macios, olhos brilhantes, rosto saudável. Eu só posso mesmo agradecer por isso. ― Vamos com vocês para a Vila. O Vittorio mandou recado para eu ir. Deve ser coisa do Kiara Doces. Ele PERIGOSAS ACHERON
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estava cuidando do aluguel da loja. ― Todos nós na Vila? Vovó não vai acreditar. É tão raro. ― Ela vai mesmo ficar feliz, eu acho. ― Eu vou até a agência. Pode me fazer um favor? ― Kiara balança a cabeça concordando. ― Fica quinze minutos sem falar com seu namorado? Quero fazer surpresa. ― Enzo. Ele está ansioso para saber sobre nossa conversa. ― Chego lá em quinze minutos. Por favor. ― Tá. ― Beijo seu rosto, a testa do meu filho, os lábios da minha esposa e então deixo a casa. Filippo merece um bom susto para aprender a não guardar segredos. Conto tudo para ele e o sacana me esconde justo que está namorando minha irmã? Minha irmã? Eu não PERIGOSAS ACHERON
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estou pronto para isso. Não mesmo. Vai ser bem estranho ver os dois aos beijos. ― Não. Vai ser bem engraçado. Vou perturbar muito meu amigo. Chego à agência cumprimentando os funcionários que estão indo e vindo sem muita festa. Quero pegar meu amigo desprevenido. Filippo está olhando para o celular quando abro sua porta. ― Então eu peço que fique de olho na minha irmã e se aproveita dela? Que tipo de amigo é você? ― Vocês De Marttino adoram umas entradas triunfais ― ele diz soltando o celular e ficando de pé. ― Outro dia foi o Vittorio, “Estava na farra dos cinco mil?”, agora você. ― Não estou achando graça, Filippo. Acabou amizade. Acabou sociedade. Estou me sentindo traído. O que fez foi ridículo! ― Ele PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS me olha um momento. Surpreso e levemente preocupado. ― Está com ciúme de mim ou dela? Porque se for de mim eu entendo e faz sentido, mas se for dela é bem ridículo. Kiara é uma adulta e estamos apaixonados. ― Quer dizer que vai manter isso? Prefere colocar fim a sociedade e a nossa amizade? ― Ele suspira. Faz um ar divertido e meio irritado. ― Estou namorando sua irmã. Estou apaixonado por ela. Quer parar de chilique! Sorrio. É bom saber disso. Bom ver que ele pode lutar por ela. Kiara tem ainda um caminho a percorrer para ser realmente feliz. Se tem alguém pode ajudá-la nisso esse alguém é meu amigo-irmão. ― Idiota! Que susto que me deu. ― PERIGOSAS ACHERON
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Filippo fica aliviado. Vem até mim e nos abraçamos. ― Quando ela recebeu a mensagem que estava de volta quase desmaiou. Tadinha da minha cara de concha. Não queria nem que eu a levasse, mas já viu como aquela conchinha é linda. Não ia deixar ela por aí sozinha. Tive que jurar que não ia entrar. ― Por que não me contou? ― Sentamos. Ele em sua cadeira e eu a sua frente. ― Porque eu queria ver a sua cara de bobo. ― Gargalho. ― No fim você que ficou com cara de trouxa. Idiota. ― Chato. Estragou todos os meus planos. Você é patético. ― Filippo se recosta na cadeira. ― Me conta da lua de mel. ― Foi tudo bem. Quero saber sobre você e minha irmã. Isso é sério? Filippo, a minha PERIGOSAS ACHERON
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irmã... ― Sei tudo sobre a Kiara. Tudo. Incluindo o que aconteceu com ela e não quero falar disso hoje. ― Ela contou. Isso demonstra a confiança que tem nele. ― Estamos felizes. Estou apaixonado. Acha que sempre fui apaixonado por ela? Percebeu alguma coisa? ― Percebi seus cuidados, seu ciúme. Achava que era meio que instinto de proteção, pela nossa amizade. ― Se dando muita importância. ― Eu o chuto por debaixo da mesa. ― Ai, Enzo. ― Morando juntos? Cara, não estou acreditando nisso. Me conta. ― Quer mesmo saber? Porque é sua irmã, depois não reclama. ― Sem detalhes. Como ela está? Como está se comportando. Ela disse que não bebeu PERIGOSAS ACHERON
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mais. Como rolou. ― Nossa! Que desespero. Quer se debruçar na janela e olhar a vida alheia fofoqueiro? ― Conta logo. Sem detalhes sórdidos. Não esquece. ― Não sei. Você foi embora e... ela veio aqui. Convidei. Meio que... brigamos. Daí fui atrás dela. Olhando agora eu acho que fui bem romântico, mas não sabia direito o que estava fazendo. O que estava sentindo. ― Brigaram por quê? ― Não quer saber. ― Faço sinal para que continue. ― Bom, ela tinha bebido, estava num bar e carreguei ela comigo. Para minha casa. Isso aproximou a gente. Então ela fez bobagem logo depois e decidi que ela ia morar comigo até você chegar e ficamos juntos. Sou louco por ela. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Posso perguntar que bobagem ela fez ou vou me arrepender? ― O importante é saber que eu estava disposto a adotar cactos e esquecer humanos, sua irmã me deixou louco por uns dias. Agora ela está bem. Não bebeu nunca mais. Frequenta a casa da minha mãe duas vezes na semana e acredite. Mamãe está aprendendo a cozinhar. ― Sério? ― Fomos a Vila, ela e o Vittorio estão se dando.... estão tentando se dar bem. Kiara vai te encher de orgulho. ― Pelo visto já está enchendo você de orgulho. ― Meu amigo está realmente feliz. ― A gente briga de vez em quando. Ela me faz sentir todo tipo de coisas. Me sinto vivo, sabe? Temos apelidos fofos. Não é ridículo que nem raio de sol. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Como ela te chama? ― Ela me chama de Baby. ― Explodo em gargalhada. ― Isso é uma empresa. Se controla. Ela me chama de baby bobo, às vezes de baby idiota. ― E você a chama de conchinha. E a Paola? Superada? Cara, minha irmã é tão frágil. ― Já estava superado antes dela. Sempre esteve superado. Não é nem perto do que vivo com a minha conchinha. Isso é uma relação. Agora eu sei. Estamos felizes e sei lá. Vai ser estranho não acordar todas as manhãs com ela na cama. Vou morrer de saudade. Entende? Saudade. Quando foi que senti saudade da Paola? Ou ela me tirou do sério, ou teve um ataque de riso comigo? Nunca. ― Kiara num ataque de riso? ― Sim. Tem tanta coisa que não sabe. PERIGOSAS ACHERON
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Vai ficar encantado. Isso é sério, Enzo. ― E todo mundo sabe, menos eu? ― Já fomos como casal oficial para a Vila. Dormimos juntos lá. Então não fica com ciúme. ― Claro que não. Só quero ela feliz e você também. Quanta ingratidão pensar isso do seu melhor amigo. Depois de se aproveitar de uma viagem minha para seduzir minha irmã, não duvido de mais nada que vem de você. ― Ela que me seduziu. Me obrigou a pensar nela dia e noite. Desfilou sem maquiagem para provocar minha imaginação. Sem contar a toalha e... ― Chega. Estou aqui. ― Ele se cala. ― Vai conosco para Vila? ― Vou. Precisa ficar de olho na sua mulher. Vittorio contratou um enólogo novo. Já PERIGOSAS ACHERON
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conheceu ele? Kevin? ― Balanço a cabeça negando. Não tenho muito contato com as coisas da empresa. Filippo sabe disso. ― Conan, o bárbaro. É meu amigo, espero que confie muito nesse seu charme. ― Confio no amor da Bianca. ― Confie mantendo os olhos abertos. É meu conselho. Já podemos ir? Quero dar um beijo na minha conchinha. Ela estava tão assustada. Não fez graça com ela espero. Ela é muito delicada. Sensível. ― Estou impressionado. ― Achou ela com cara de apaixonada? Vamos? Como ela te contou? ― Filippo, eu vim trabalhar um pouco. ― Faz um mês que não faz isso. Um dia a mais não vai te matar. Eu conto tudo que rolou por aqui no caminho. Vai ou não? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vou. Não tenho escolha. Vamos almoçar e ir para Vila. ― Deixa de ser burro. Vamos almoçar na Vila. A comida lá é ótima. ― Filippo é ainda o mesmo esfomeado de sempre. Ao menos isso não mudou. ― Me conta da lua de mel. Teve espaço para algum romance com o Matteo lá? ― Muito romance. Muita alegria também. Gostei de viajar com ele. Isso terminou de nos unir. Eu e meu filho. ― Vamos para o carro. Ele deixa o dele na agência e vem comigo. ― Que cinco mil? Disse que o Vittorio veio aqui falando sobre cinco mil. ― Cara, você tem sua caneta de volta. ― Pelo olhar dele isso tem a ver com Kiara e a bobagem que fez. ― Melhor eu te contar para ela não ter que reviver tudo aquilo.
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Capítulo 19
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Kiara Minha mente viaja para os melhores dias da minha vida. Os dias românticos e divertidos com ele. Não tenho muita certeza como as coisas vão ficar agora. Nós dois em casas diferentes, meu irmão e melhor amigo dele de volta. Não sei se posso ser forte e levar uma relação saudável quando o medo me domina tanto. A vida sempre parece grande. Sempre me assusta. O mundo é cheio de perdas e eu só ganhei uma vez. Quando ele me olhou. Não esperava que justo Filippo me visse, mas ele viu e tenho medo de perder a segurança dos seus braços. A mão de Bianca toca meu ombro me trazendo de volta a realidade. Ela tem um sorriso PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS suave. Olhos carinhosos. ― Vai dar tudo certo. Eles são como irmãos. ― Para eles eu sei que vai dar tudo certo. Não sei se vai dar tudo certo para mim. ― Confia nos seus sentimentos? Nos dele? ― Acho que sim. Nos meus sim. Filippo... fico insegura. Enzo é a pessoa mais próxima de mim. Nem sei como me comportar na frente dele com o Filippo. ― Duvido que o Filippo vá se comportar diferente e o seu irmão acostuma. Ele tem o filho para cuidar. Você já é adulta e não tem que pensar na opinião dele. Aliás, nunca pensei que a opinião de alguém importasse para você. ― Sei o que todo mundo pensa. Cabelos, roupas, cigarros e bebida. Eu faço o que quero. PERIGOSAS ACHERON
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Não. Nem de longe. Isso tudo é só para não ser vista. Agora que o Filippo me viu eu fico querendo que ele não pare de olhar. ― Eu diria para ser você mesma, mas acho que ainda está descobrindo mais sobre você. ― Sinto isso também. Tantas coisas novas sobre mim. ― Que bom. ― Bianca me olha do jeito carinho que sempre olha para mim ou Matteo. São poucos anos de diferença entre nós, mas eu vejo que ela tem cuidado comigo como se fosse mais velha e algumas vezes acho que isso me acalma um pouco. ― Como tem sido? O romance eu quero dizer. ― Romântico ― digo rindo. ― Filippo é carinhoso. Apaixonado e está sempre me dando força. Ele me faz muito bem. Quando aconteceu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nossa primeira vez. Eu... eu me senti como uma virgem. Entende? Nunca tinha sentido nenhum tipo de prazer. Ao mesmo tempo, nunca tinha sentido tanta timidez. ― Lindo isso. Significa que foi especial. Eu já sabia. ― Sabia? ― Fico surpresa. ― Sobre eu gostar dele? ― Sim. E também sobre ele estar apaixonado. Só que não seria eu a contar. Achei que cedo ou tarde aconteceria. ― Bianca, você é muito observadora. ― Não. Vocês é que são muito cegos. ― Isso também pode ser. ― Eu rio. Ela suspira. Matteo está distraído com seus brinquedos. ― Nem chegaram e já vão de novo viajar. ― Deixei uma mala pronta para todos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nós. Vou deixar lá para não ter que ficar levando e trazendo toda vez que formos a Vila. Quero frequentar muito aquele lugar. Quero meu bebê crescendo naquele ambiente saudável. ― Eu nunca tinha dado muita atenção a nada daquilo. Dessa última vez vi tudo com outros olhos. Achei beleza, riqueza, não sei. O Filippo faz isso comigo. Não bebo mais. Não fumo mais. Quero mais sol, mas oxigênio. Mais vida. ― Meus olhos marejam. ― E continuo uma boba. ― Uma boba muito apaixonada! ― Bianca ri. ― E com o Vittorio. Como vão as coisas com ele? ― Tem horas que acho que somos iguais e isso nos afasta. Tem horas que acho que somos muito diferentes e isso também nos afasta. ― E o que une vocês? ― ela me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pergunta. Eu fico pensativa. ― Sangue talvez. As coisas que temos em comum. Enzo, vovó. Vittorio até que tenta, eu também, mas não sei. Somos distantes. ― Se der uma chance a ele isso pode mudar. ― Bianca e eu começamos a ajeitar a cozinha. Assim a casa fica pronta para a viagem. ― Estive conversando com o Enzo sobre o Vittorio. Acho que ele precisa de uma garota. Uma namorada. ― O Vittorio? ― Ela me faz rir. ― Por que não? ― É estranho demais. Não imagino ele com uma garota, sendo carinhoso, abraçando e beijando. ― Nem consigo imaginar a cena. ― Que tipo de garota derreteria aquele coração de gelo? ― Não uma garota, mas a garota. A que PERIGOSAS ACHERON
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está por aí. Ela existe. Uma hora aparece. Duvido existir mulher mais romântica que eu ― Bianca conta. Acredito muito no amor. Depois da história que vivi. Depois de ter certeza que tinha acabado e estar aqui com meu filho e o meu marido. ― Ela mostra a aliança. ― Sou tão feliz, tão realizada e acredito que sim, o amor muda as pessoas. ― Acho que sim. Eu mudei. Estou mudando. Me vejo fazendo umas coisas que nem acredito. ― Viu? Pode acontecer com ele. ― Pode, mas será que ele vai saber reconhecer isso? Porque eu acho que o Vittorio não gosta muito de contato afetivo. Não estou falando de sexo. Ninguém melhor que eu, sabe que é bem diferente. Às vezes, um abraço é muito mais íntimo que sexo. Acho que ele tem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS uma vida. Só não acho que ele... ― Possa amar alguém? Ele ama. Ama a avó. Já reparou como é cuidadoso com ela? ― Muito. É visível. Sinto que mesmo tudo que ele faz por mim ou o Enzo é por ela. ― Não. Ele ama vocês também, acho que só não sabe demonstrar. Ele não consegue. ― Bianca, você é mesmo romântica. ― Eu? Só eu? ― Faço careta, depois sorrio. Penso neles e olho meu celular. ― Enzo nunca brigaria com o Filippo. Já reparou o quanto Filippo perturba o Vittorio? ― Sim, o tempo todo. Concordo rindo. ― E nem o Vittorio consegue brigar com ele. Imagina esses dois? Deixa de ser boba. Vamos ter dias lindos na Vila. Tenho fé. ― Vai me ajudar com o Kiara Doces? ― Muito. A administração é comigo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Kiara. Você vai ter muito sucesso. ― Só quero uma loja pequena que venda os doces que vou fazer com carinho, porque gosto de cozinhar e gosto de ver as emoções das pessoas quando provam um doce que eu mesma fiz. Só isso. ― Isso se chama sucesso. Fazer o que gosta. Não estou querendo nada além disso. Não precisa de uma rede de lojas para ter sucesso. ― Está realmente certa. Sabe que acho que não foi só o Enzo que ganhou? Ter você é bom para todos nós. Ela deixa seus afazeres e vem me abraçar. Eu gosto de como ela é carinhosa. Combina com meu irmão, ele adora isso. É como ela. Matteo será um menino assim também. Ele adora dar beijos molhados. ― Vittorio agora tem dois celulares ― PERIGOSAS ACHERON
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conto a ela e rimos juntas quando explico a razão. Depois que tudo está pronto eu e Bianca sentamos na sala. Matteo vem para meu colo. Aproveito para beijar a bochecha. Amo esse par de bochechas rosadas. Enquanto ela me conta da lua de mel escuto o carro chegar. Fico gelada, meu coração acelera. Escuto as portas dos carros baterem. Não os esperava tão cedo. Talvez seja só o Enzo de volta. Espero que tudo esteja bem entre eles. A porta se abre e meu irmão entra na frente. Filippo vem logo em seguida. Está rindo. Meu coração se acalma. O medo me deixa, mas a timidez me domina. ― Conchinha, o seu irmão me assustou e você deixou. Era para ter me mandado uma mensagem secreta e nós teríamos pego ele e não o contrário. ― Fico corada com ele caminhando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS para mim falando sem parar. Ganho um beijo nos lábios. Não sei bem o que dizer. Meu rosto queima. Enzo está nos olhando e não sei o que fazer. ― Está tudo bem? ― Filippo percebe. ― Sim. ― Então me chama de baby para ele ver que é muito melhor que raio de sol. ― Filippo brinca e não acredito que até isso ele já contou. Nem quero pensar se ele disso sobre nossas intimidades. Ele diria. É a cara dele dizer. ― Não faz isso, irmãzinha. Baby é ridículo demais. Chama mesmo esse bobalhão de baby? ― Eu... vieram cedo. Filippo toca seus lábios nos meus mais uma vez, sorri. Afasta um pouco meus cabelos. ― Acho lindo quando fica tímida ― sussurra no meu ouvido e fico ainda mais PERIGOSAS ACHERON
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atrapalhada. ― Agora deixa eu pegar esse meu sobrinho no colo. Fico um pouco de lado para Matteo receber suas atenções. O pequeno adora as brincadeiras do Filippo, parece que tem a mesma idade. Enzo está longe, com Bianca e provavelmente falando sobre mim. Sobre nós. Eu e Filippo. Não me importo muito. Antes a ideia de ser a pauta em uma conversa me enfurecia. Agora não mais. ― Vamos almoçar na Vila ― Filippo avisa enquanto está sentado no chão empurrando um carrinho de corrida junto com Matteo. ― Trocar não Matteo. A Ferrari é minha. ― Esse seu, tio ― Matteo insiste. ― A McLaren. Não. Como vou vencer um grande prêmio assim? Já viu como eles estão numa péssima fase? ― Matteo olha para ele sem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS entender uma única palavra. Só quer mesmo o carro vermelho e chamativo de volta. ― Esse meu, tio! ― ele insiste. ― Peguei primeiro. ― Filippo retruca. Rezo para estar apenas brincando embora ache que é bem provável que seja mesmo verdade. ― Crianças o helicóptero está vindo. ― Matteo fica de pé. Esquece o carrinho. Olha para o teto. ― Avião, papai. Avião. ― Estende os braços todo ansioso. ― Pelo menos eu fiquei com a Ferrari. ― Filippo continua a empurrar o carrinho no chão agora sozinho. ― Enzo, sabe o que lembrei outro dia? ― O que? Larga esse carrinho, Filippo. ― Nem vem. Fica com o outro. Esse eu peguei primeiro. ― Enzo me olha. Sorrio. Eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS gosto do jeito brincalhão de Filippo. ― Lembrei da Caverna do Dragão. ― Pensa que não sei que ainda assiste? ― Enzo comenta rindo. ― Quase não passa mais. ― Ganho os dois pares de olhos. Eles sorriem ao mesmo tempo. ― Uni ― dizem juntos. ― Idiotas ― reclamo. Filippo larga finalmente o carrinho e vem me beijar. ― Não resisti, cara de concha. Já disse que está linda hoje? Escutamos o barulho do helicóptero e pego minha mochila. Talvez eu também deixe umas coisas lá. Nem sei direito se ainda gosto das minhas roupas. ― Vamos? ― Enzo convida e saímos pela lateral. ― O Filippo me contou do Vittorio pulando o portão. ― A lembrança me faz sorrir. PERIGOSAS ACHERON
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Depois me lembro da razão e me machuca lembrar, o rosto ficou marcado uns dias, a alma ainda parece estar. ― Obrigado por resgatar a caneta. ― Enzo me abraça mais uma vez. Matteo em seu colo. ― Lá, papai. Avião. ― Que pressa, pequeno ― Bianca brinca enquanto nos acomodamos. Filippo passa o braço por meu ombro e me recosto nele, que beija meus cabelos. Tudo sempre tão simples para ele. Tudo tão complicado para mim. Pelo menos temos mais um fim de semana juntos, depois será diferente. ― Sabiam que a Kiara começou a fazer boxe? Duas vezes por semana. Já tivemos duas aulas. Bianca se interessa e vou contando o que achei das duas aulas. Três vezes por semana vou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fazer boxe a noite, duas vezes por semana ensinar Carmela a cozinhar. Serão todas as noites da semana em companhia dele. O difícil vai ser dar boa noite no portão e dormir sem Filippo. A conversa se estende para saúde, beleza, e depois todos nos distraímos com a paisagem. Até que descemos direto na Vila. Isso fez mesmo muita diferença. Sem o helicóptero não seria tão simples ficar indo e vindo. Vovó está ansiosa e seus olhos vão direto para Matteo, o modo como seu amor transborda por ele é encantador. Felizmente o pequeno corresponde. Ele corresponde a toda demonstração de carinho. Vai para seu colo e recebe atenções e beijos. Anna está perdida com tantas pessoas para reverenciar. Isso me irrita um pouco. Ela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS podia ser mais calorosa e menos profissional. Trabalha aqui a vida toda. Quando nos acomodamos em torno da mesa para o almoço Vittorio chega. Olha para todos e percebo que não sabe como agir. Lembro da conversa sobre a garota que vai derreter o coração de gelo e se ela existe é bem-vinda. Ele precisa disso. Sem saber como receber o irmão retornando de viagem apenas acena para todos. ― Senta para almoçar, Vittorio. Enzo vai contar sobre a viagem. ― Não acho que tenha ficado nada de fora dos registros fotográficos, vovó. Sabemos cada passo da viagem. ― Que bom que gosta, Vittorio. O Matteo adora tirar fotos. ― Enzo se faz de desentendido. Meu
irmão
conta
PERIGOSAS ACHERON
um
pouco
suas
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impressões das cidades, da viagem e de tudo que viveu. Bianca ajuda no relato e passamos mais de uma hora na mesa do almoço. Eu, Enzo e Vittorio. Fico buscando na memória outro momento assim. Uma hora juntos falando sobre coisas leves sem brigas, provocações ou mágoas do passado e nunca aconteceu. ― Talvez esse seja o dia mais feliz da minha vida ― vó Pietra diz quando o café é servido. ― Todos aqui. Meus netos queridos. Meu bisnetinho. ― Eu estou incluído nos netos queridos? ― Filippo pergunta e me encosto em seu ombro. Vovó sorri. Procura a mão de Bianca. ― Vocês dois estão incluídos. ― Ela olha para Vittorio. Ele balança a cabeça em negação. ― Felizmente acho que não restou mais PERIGOSAS ACHERON
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nenhuma moça solteira para me apresentar na cidade, vovó. Me deixe livre disso. ― Eu não faço de propósito. Só quero sua companhia às vezes e convido amigas para vir jantar. Não é sobre você ― vovó mente. Todo mundo sabe que ela vive procurando um bom partido para meu irmão e que todas as moças da cidade e talvez todas as moças da Toscana adorariam entrar para a família. Olho para Bianca pensando na nossa conversa. Ela dá de ombros. ― Eu tenho que voltar ao trabalho. ― Vittorio afasta a cadeira. ― Vejo todos vocês no jantar. ― Tchau! ― Filippo fica de pé e me estende a mão. ― Vamos namorar um pouco em particular, cara de concha? Ou quer namorar em público. Podemos nos exibir um pouco para o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Enzo. ― Em particular, por favor ― Enzo brinca. ― Vovó, vamos colocar o Matteo para dormir e mais tarde nos vemos. Ainda não descansamos o bastante da viagem. O almoço estava maravilhoso. ― Também vou descansar um pouco. Jantamos às oito hoje. Será um jantar muito especial. Deixo a sala de jantar e acompanho Filippo ao jardim. Vamos de mãos dadas. Os cachorros seguem Vittorio para os galpões. Agora eu sei o que acontece por lá. ― Foi tudo bem com meu irmão? ― pergunto quando nos sentamos na grama sob a sombra de uma árvore. Filippo me puxa para seus braços. O ar está fresco. O dia bonito. ― Conchinha, estava mesmo com medo? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Um pouco, mais por você. São amigos. Não queria ficar no meio disso. ― Eu sei, tudo bem. Seu irmão me ama ― brinca e me faz rir, então me beija carinhoso. ― Vamos ficar no mesmo quarto? ― Prefere que não? ― Prefiro que sim. Só que nem quer me beijar na frente do Enzo. ― Vamos dividir o quarto sim. Vou me acostumar. Já estou me acostumando, baby. Você me ajuda. Me ajuda em tudo. ― Com segundas intensões, Kiara. Não crie expectativas. ― Que intensões? O que quer em troca, baby bobo? ― Como estamos ao ar livre, pode começar com beijos, mas quando estivermos entre quatro paredes eu acho que beijos talvez PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sejam só o começo. ― Exigente. ― Apaixonado. Deito sobre a grama puxando Filippo comigo, ele me beija. Um longo beijo. Ficamos ali um momento, entre beijos e carinhos castos. Gosto disso nele, a maneira como me protege. Não me expõe, pensa em mim de todos os modos. Quando penso no modo como já fui tratada e permiti, porque achava que era só isso que merecia, achava que era apenas para isso que servia. Sinto vergonha de ter me menosprezado tanto. Filippo me ensina meu verdadeiro valor. ― Conchinha, nos filmes, ficar namorando sobre a grama num lugar bonito como esse parece bem romântico, mas acontece que na vida real existem formigas e acho que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS uma me picou. Eu não consigo parar de rir enquanto nos levantamos e ele fica se debatendo tentando espantar formigas do corpo. Não sinto nada, acho que ele está só impressionado. ― Para quieto, baby. Deixa eu ver se tem alguma formiga. Não senti nada. ― Porque fui o escolhido. Meu sangue é doce. Elas farejam. ― Farejam Filippo? Formigas farejam? ― Sei lá. Vem. Vamos entrar. Quando a hora do jantar se aproxima eu fico remexendo minhas roupas. Não queria nada assim tão curto ou sexy. Não são vulgares, são roupas caras, de bom corte, apenas escuras, pesadas no modelo. Sempre sensuais demais. Coloco um jeans, tenho o par de tênis que comprei para as aulas de boxe e decido colocáPERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS los. Uso uma blusa de tecido escuro, mas fino que perde um pouco o peso da sensualidade combinado com o jeans. Escovo os cabelos e deixo soltos. Fico com preguiça de me maquiar e apenas coloco perfume. Filippo está pronto, deitado e me assistindo da cama. ― Acho que todo mundo já desceu. Vamos? ― Ele está me olhando. Está me vendo, mas está calado. ― Filippo! Estou pronta. Vamos? ― Toda hora me apaixono por você. É linda. ― Meu coração parece que vai parar e depois ele salta e dispara. ― Filippo... ― Vai ser um jantar muito especial e está linda. Perfeita para dar boas-vindas ao futuro. Nem pergunto muito, não quero ficar nervosa com essa frase misteriosa. Nós nos PERIGOSAS ACHERON
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reunimos na sala e todo mundo parece normal, então acho que ele exagerou. Ninguém comenta nada do meu jeito de vestir, nem da falta de maquiagem e não sei se alguém percebe ou se importa. Seja como for, o bom é que eu estou feliz. Jantamos conversando. Vittorio um tanto distante como de costume. Matteo já dormindo no quarto e a babá eletrônica ao lado de Enzo. ― Sobremesa? ― vovó pergunta. ― Pedi para fazerem uma receita da Kiara. Não sei se vai ser tão bom quanto os doces dela. Uma palha de chocolate bem delicada. ― Seria bom se tivesse uma bebida para acompanhar. O que acha Vittorio? ― Filippo pergunta quando Anna surge trazendo o doce e servindo a todos. Vittorio ganha olhares e atenções. Parece ter algo acontecendo, ele olha PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS para Filippo. ― Você tem qualquer coisa para dizer não tem? ― Talvez você mesmo... ― Eu não ― Filippo o interrompe. ― Isso é com você. ― O que... ― tento perguntar, mas Vittorio afasta a cadeira e fica de pé. Deixa a mesa um momento e retorna com uma caixa. Tem o logotipo que Filippo preparou para Kiara Doces, mas é uma caixa muito elegante. Os doces já estão servidos então deve ser apenas uma apresentação do logotipo da empresa. Exagero do Filippo. ― É... Acho... acho que cabe contar uma pequena história antes... ― Vittorio me olha e depois olha para a caixa e para vovó. Ela está com os olhos marejados e eu não sei direito o que está acontecendo, mas seja como for parece PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS importante. ― Talvez nem você saiba disso, Filippo. Apesar de ser bem intrometido e invasivo. ― Bondade sua ― Filippo responde como se estivesse sendo elogiado. Enzo ri. Eu estou meio perdida até para isso. ― O vinho De Marttino é produzido nessas terras há muitas gerações. Homens fortes trabalharam muito. Eles quase sempre, infelizmente não é uma regra, mas quase sempre tiveram ajuda e apoio de mulheres ainda mais fortes e histórias... românticas foram contadas. Vinhos especiais foram criados para essas esposas. Edições limitadas e particulares. Hoje são relíquias em nossa adega. ― Vittorio encara vovó. ― Vovó teve um vinho em sua homenagem feito pelo vovô. Um tipo de tradição familiar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Que bonito, vovó. ― Olho para ela que seca uma lágrima emocionada. ― Ainda me restam algumas garrafas e um dia vamos tomar uma delas juntos ― vó Pietra avisa. ― Sem saber disso, por sorte de principiante o Filippo teve a ideia de presentear você com um vinho especial. Para ser vendido na sua loja. ― Eu... ― Isso me encanta de tantos modos que nem sei o que dizer. Era só uma ideia e agora tem outro significado e me emociona e cala. ― Um vinho que combinasse com você e com seu trabalho. Ele ajudou a fazer dando as características que enxergava em você e Kevin criou o vinho. Filippo quer que parece um presente meu, mas a verdade é que foi ideia dele PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS e só... só... dei ordens para ser feito. São exclusivos, só você pode comercializá-los. Espero que goste. Ele me estende a caixa um tanto desajeitado e eu caminho para ele. Ele não deu apenas ordens. Eu sei que fez mais que isso. Sei o quanto se empenha para que me sinta melhor. Não o vejo mais como antes. Ainda tem algo grande entre nós, mas eu me emociono e o abraço em gratidão. Sinto que abraçar Vittorio faz Filippo mais feliz do que se o abraçasse. Meu irmão retribui de modo inseguro. ― Obrigada, Vittorio. ― Eu me afasto e pego a caixa de madeira. Levanto a tampa depois de abrir o delicado fecho dourado. É tão elegante que nem dá vontade de tocar. O rotulo está lindo. Tem meu nome. Meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vinho. Um feito para mim, com as uvas que uma infinidade de homens e mulheres plantaram e colheram ao longo de suas vidas. Toco o rótulo, encaro a garrafa. É bonito. Pela primeira vez me sinto uma De Marttino, como nunca me senti antes. Estão todos em silêncio. Olho para vovó, somos as mulheres da família e ambas temos um vinho inspirado e produzido com nosso nome. Em nossa homenagem. Somos uma família. Todos aqui. ― Nem sei o que falar. Pode abrir? ― Ofereço de novo a Vittorio a garrafa. ― Para provarmos junto com o doce? ― Claro. ― Ele recebe a garrafa de volta. Olho para Filippo e seus olhos brilham tanto. Eu o amo. Está além de paixão. Além de desejo. Queria acreditar em destino. Porque é o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que parece quando ele pede um vinho sem saber que existe a tradição de homens apaixonados criarem vinhos para suas amadas. Vittorio serve a todos. A garrafa fica sobre a mesa. Vovó ergue a taça. Filippo procura minha mão. Beija meus dedos. Depois meus lábios. ― Vamos brindar? ― vovó convida e erguemos todos as taças. ― Ao sucesso, mas acima de tudo ao amor. Depois de tocarmos as taças tomo um gole do vinho. É saboroso. Talvez porque é especial, não sei, gosto do sabor como nunca gostei antes. Tomo um gole apenas. Deixo a taça sobre a mesa. Abraço Filippo. Ele mudou minha vida. Muda todo tempo. Nosso relacionamento, ele me faz bem sem qualquer esforço. Só por existir, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mas quando se esforça então é isso. Um vinho é criado em minha homenagem. Ele seca uma lágrima que escorre por meu rosto. ― Obrigada, baby. ― Falei que devia chamar Conchinha, mas De Marttinos são finos demais. Nenhum deles aprovou a ideia. ― Beijo Filippo. ― Vittorio se empenhou muito. Ele não quer admitir, mas se esforçou. Já o Conan é só o trabalho dele. Não precisa achar muito especial da parte dele. ― Você é especial ― digo baixinho. Depois olho para Vittorio. Sorrio para meu irmão. Ele não sabe sorrir de volta e eu entendo. Aprendi a sorrir esses dias com Filippo. ― Obrigada, Vittorio. Eu sei que se dedicou. Eu... eu fico feliz e... obrigado. ― Bianca, pegue o Matteo e vamos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS voltar para nossa lua de mel. Quando estamos fora coisas acontecem. Tenho medo do avião ter passado por alguma turbulência e termos acabado em uma dimensão paralela. ― É! ― Filippo concorda. ― E agora vamos todos nos abraçar. Vem Vittorio. Um abraço. O que acha? ― Que você brinca muito com a sorte. ― Todos nós rimos. Ficamos ali, comendo doces, bebendo vinho e conversando. Só conversando. Passando tempo juntos. Sem pressa. Só uma família.
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Capítulo 20 Vittorio Assim que o jantar termina eu me retiro, não sou o cara que faz discursos e se não fosse o irritante Filippo eu nem teria feito o pequeno espetáculo. Não nasci para isso. No fundo eles nem se importam muito, são próximos entre eles, têm um ao outro e a vovó. Estive o tempo todo longe, afastado deles, não temos ligação. Esse esforço todo em falar, esse esforço todo em conviver. Isso é uma droga. Só quero que estejam bem, e estão. Agora estão. Percebo pelo modo como Enzo ama a esposa e o pequeno, além de suas constantes PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS visitas a Vila. Está claro que superou os tristes acontecimentos do nosso passado. Kiara segue o mesmo caminho e infelizmente devo agradecer ao paspalho do Filippo. Ele faz bem a ela. Minha irmã está a cada dia melhor. Menos fechada. Menos machucada e se ela dividiu com ele seu maior trauma então é porque se gostam de verdade e se tudo der certo serão felizes. Vovó não cabe em si de alegria, ver os netos reunidos em torno de sua mesa como sempre sonhou. Ter Kiara participando de tudo, com o rosto corado e o coração tranquilo é tudo que desejou. Isso me basta. Basta que estejam bem. Que construam suas histórias e me deixem em meu canto. Trabalho para eles. Para essa terra. Para essas crianças que estão chegando. Matteo e os que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS virão depois dele e quem sabe entre eles alguém descubra amor por essa terra e o vinhedo. Alguém que possa continuar quando eu estiver cansado demais. É tudo que posso querer e de resto prefiro meu canto. Se eles podem esquecer eu não me permito tal luxo. Não perdoo o fato de Giovanne ter morrido em meus braços. Não pude fazer nada. Dois estranhos. Dois desconhecidos. Irmãos. Meu irmão. Ela o manteve o mais distante que pode de mim. Como se eu tivesse alguma maldita doença contagiosa e talvez, apenas talvez eu pudesse tê-lo ajudado. Não fiz. Quando meu pai se foi e depois, quando ela se foi, continuei distante. Podia ter batido naquela porta e estendido a mão ao meu desconhecido irmão, mas não fiz. Minha arrogância me impediu e ele não está mais aqui e eu não tenho nenhuma memória para me agarrar e superar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Só o que tenho é o rosto fraco e magro daquele garoto se esvaindo em sangue e arrependimento. Só tenho os poucos minutos em que lutei por ele e perdi porque ser um De Marttino é um pouco isso. Perder muito mais do que ganhar. É isso. Kiara e Enzo são irmãos. Tem histórias e um passado juntos. Até Filippo tem mais momentos com eles do que eu. Sou aquela peça do quebra cabeça que não se encaixa em lugar nenhum. Que parece pertencer a outra figura. A peça que sobra na engrenagem e não faz falta. Não é culpa deles. Não é culpa minha. Foi o caminho que percorremos. Nunca vou saber por que. Nunca vou entender o que eles ganharam. O que ela ganhou me deixando para trás. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS A noite está um tanto fria, mas é bom caminhar e respirar. Rosso e seu irmão labrador de nome estúpido caminham ao meu lado. Companheiros. Não somos muito diferentes. Aceitamos o que a vida oferece sem pedir muito em troca. Aspiro profundamente o ar noturno e lembro do rosto iluminado de Kiara quando viu o vinho. Ela gostou mesmo. Foi bom fazê-la feliz. Era um lindo bebê e não esqueço o rostinho dela. Enzo era terrível, ficava pulando de um lado para outro e escalando os móveis, já minha irmãzinha era quietinha e gostava de ficar no colo. Fico tentando me lembrar quando foi que tudo mudou. Por que as coisas degringolaram e eu fiquei para trás. Éramos uma família feliz. Tenho certeza que sim. Lembro do riso, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS das brincadeiras e até do carinho. Vovó ficava tão pouco aqui. Ela cuidava de tudo. De nós, da casa. Esperava meu pai e parecia gostar. Adorava fazer doces. Bolo de chocolate, tortas. Talvez seja só um misto de imaginação com memórias. Não sei ao certo. Até uma noite em que teve uma briga. Foi uma grande briga. Eu fiquei com a Kiara no colo. O Enzo não pareceu notar. Não dava para ouvir o que diziam, os gritos eram abafados pela porta fechada. Anna foi nos buscar e nos levou para a cozinha, serviu bolo de chocolate. Ouvi quando meu pai saiu batendo a porta. Ela dormiu comigo aquela noite. Acordei mais de uma vez e ela chorava. Às vezes penso se não sonhei com isso. Foi há muito tempo. Parece que tudo mudou ali, ela não sorria PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mais, eles brigavam todo tempo. Anna nos levava para cozinha e me enfiava doces e mais doces para me distrair e até hoje toda vez que como algo muito doce parece que volto àquele tempo. Não demorou muito e ela se foi. Desse dia eu quase não me lembro. Tem um bloqueio. Lembro do carro sumindo no horizonte da estradinha de terra, mas não me lembro de antes. Chego aos tonéis onde os vinhos descansam. Onde amigos, compradores e família se reúne para provar vinhos. Sento à mesa com uma garrafa de vinho, uma taça e a tábua de queijos. Rosso e o irmão que me recuso a chamar pelo nome se sentam aos meus pés. ― Só um pedaço cada um. ― Corto o queijo e ofereço a eles. Depois sirvo uma taça de vinho e tomo um longo gole. Suspiro PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS longamente. Os cães se acomodam novamente. Rosso não é mais um garotinho. Adora se encostar pelos cantos e dormir. ― Vai me oferecer uma taça ou quer beber sozinho? ― Kevin aparece. ― Ainda aqui? ― Faço sinal para que se sente. Ele se junta a mim com sua taça limpa e eu o sirvo. ― Me distraí. Como foi? Kiara aprovou? ― Sim. Ficou bastante emocionada. Foi bonito de ver. ― Nem tanto. Está aqui e não lá com eles. ― Kevin é um bom amigo. Possivelmente o único com quem fico à vontade, ele sabe um pouco sobre meu passado. Não muito. Eu não me abro demais com ninguém. Viro a taça de vinho e encho de novo. ― Já entendi. Não está querendo conversar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não. ― Estive conversando com a Paloma. ― Ele ri. Foi uma ótima noite aquela. ― Elas estão retornando para a Espanha na segunda-feira. ― As duas? ― Sim. Anita quer te ver. Combinei de jantarmos os quatro, amanhã. Quem sabe esticar a noite em um bar. ― Não sei. ― Vittorio. Você gostou da Anita. Ela é divertida e foi uma noite muito boa. Até onde estivemos juntos. Depois vocês dois sumiram e eu e Paloma fomos para minha casa e só te vi na tarde seguinte. ― Ela é bem... simpática. Foi bom. ― Kevin termina o vinho em um só gole. Depois fica de pé. ― Te espero lá no mesmo restaurante que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS jantamos com elas. Tenho que ir. Vê se aparece. Não tenho mais vinte anos. Não dou conta das duas. ― Eu vou adorar repetir essa sua frase para elas. Vamos ver o que elas vão achar disso. ― Apertamos as mãos. ― Aí é você que vai ter que dar conta das duas sozinho. ― Ele ri. Sei que é só uma brincadeira, Kevin é um cara legal e nunca o vi desrespeitar uma mulher. ― Até amanhã. ― Não sei. Meus irmãos estão aqui. ― E você não está com eles. Então vamos nos divertir um pouco. Anita e Paloma são ótimas e estão de partida. Balanço a cabeça afirmando sem muita convicção. Encho mais uma taça de vinho. Kevin caminha para deixar o galpão. ― Vai com calma nesse vinho ― ele PERIGOSAS ACHERON
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pede. ― Devia colocar todo esse passado em pratos limpos. Virar a mesa e exigir umas respostas. Deve ter alguém nessa Vila capaz de contar alguma coisa. Boa noite. ― Boa noite. Ele bem que tem razão, minha memória é falha, vovó esteve fora por meses naquela época. Ela não conseguia ficar muito aqui depois da morte do meu avô. Demorou anos para parar de sentir a presença dele em cada canto da Vila. Por dois ou três anos ela estava só viajando. Passava umas semanas aqui e partia de novo e não sabe nada do que se passou. Termino a quarta taça de vinho. Talvez seja vinho demais. Talvez seja o tempo. O cansaço, mas talvez Kevin tenha razão. Eu devia exigir respostas. Eu posso fazer isso. Encosto na cadeira. Anna. Anna sempre esteve aqui. Nasceu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS e cresceu aqui. Ela sabe tudo sobre todos. Arrasto a cadeira. Chega. Meus passos se tornam decididos. ― Anna! — grito ainda na varanda, uma fúria me dominando, é o meu jeito intempestivo aditivado por meia dúzia de taças de vinho. ― Anna! Abro a porta e vejo a família ainda reunida conversando, agora em silêncio me olhando sem entender. ― Vittorio. O que é isso? ― Anna! ― Ignoro minha avó e o olhar confuso de todos. ― Anna! ― Ela finalmente surge, de os olhos arregalados. Anna tem sessenta anos. Não quero ser rude, mas é sobre minha vida e a de toda uma família. Chega de silêncio. ― Por que? Por que ela foi embora? Por que eu fiquei? Quem era a criança que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS brincou com o Enzo? ― Eu não sei de nada, senhor De Marttino. Não me meto com a vida dos patrões ― ela diz tentando esconder a verdade. Pode ser o bastante para minha avó. Não é para mim. ― Não sabe? Você que sempre viveu aqui. Você que ouvia as brigas. Eram amigas. Lembro o quanto conversavam. ― Coisas da casa. Só isso. A senhora De Marttino cuidava de tudo na época. Eu só recebia ordens. ― Vittorio! ― Vovó insiste. Meus irmãos em silêncio. ― Arrume suas coisas, Anna. Vou levar você até a cidade. Está demitida. Não se preocupe com nada. Vou pagar um hotel e vai receber uma ótima indenização pelos anos de trabalho. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vittorio, eu insisto que se controle. O que deu em você? ― Vovó me exige. ― Ela não se importa conosco, vovó. Não dá a mínima. Sabe tudo, mas cala. Cala porque não se importa. ― Olho para Anna. ― Ainda aqui? Já disse. Faça sua mala. ― Lucia ― ela diz ainda cheia de indecisão. ― Lucia era... era... ― Conte tudo de uma vez, Anna ― Enzo pede. Ela balança a cabeça concordando. ― Lucia. Lucia nasceu aqui. A mãe morreu quando ela completou cinco anos. Se lembra disso senhora? ― Sim. Foi uma grande tristeza para todos. Ela ficou com o pai, ele trabalhava aqui desde rapaz. Não me lembro o nome dele. Meu marido gostava muito do trabalho dele. ― Graziano. Era o pai dela. Ele não PERIGOSAS ACHERON
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deixou ela ir trabalhar na colheita. Queria que ela estudasse. Quando ela fez dezessete anos descobriram que estava grávida. ― Anna olha para minha avó, que balança a cabeça concordando. ― Ela não dizia quem tinha feito aquilo. Foi logo que o senhor De Marttino morreu e a senhora começou a viajar muito. ― Sim. Ela ficou aqui. Morando com o pai. ― Antonella, a mãe de vocês gostava muito da menina. Até ajudou com o enxoval. Tinha pena da moça ter sido abandonada, por isso se aproximaram muito, mas seu pai não gostava nada. Não queria Lucia aqui dentro. Logo que o bebê dela nasceu a senhora Antonella ficou grávida da Kiara. Lucia parou de frequentar a casa. Tinha um bebê e ficava com os colonos. Todo mundo ajudava. Todo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mundo sentia muito por uma mocinha tão jovem ter um filho. Uma menininha. Valentina. A história começa a fazer algum sentido. É nojenta, mas eu sinto que rumo tudo isso vai tomar. ― Eu vi a garotinha algumas vezes. ― Vovó se lembra. ― Um lindo bebê. O avô morreu, lembro agora. Logo depois, lembro dos colonos chocados, meu marido, o avô de vocês tinha falecido e o pai de Lucia também. Me lembro deles pedindo para reabrir a capela para missas aos domingos. ― Lucia ficou sozinha, dezoito anos e com um bebê. Valentina tinha um ano. Sua mãe queria ajudar. Pediu ao senhor Lorenzo para deixá-la morar aqui. Ele ficou furioso. Procurou a Lucia para exigir que ela partisse e foi quando sua mãe ouviu uma conversa e descobriu a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS verdade. ― Que Valentina era filha dele? ― Claro. Tão óbvio. ― Então minha mãe se revoltou. Resolveu deixá-lo e foi embora com meus irmãos me deixando. Está tudo bem claro. ― Não foi assim senhor De Marttino. ― Anna está nervosa, Filippo surge com um copo de água para ela, depois a ajuda a se sentar e minha avó faz o mesmo. Eu ando pela sala, não consigo acreditar. Não consigo aceitar que algo assim aconteceu. Que ela me deixou. ― Como foi, Anna? Por favor. Conte tudo ― Enzo pede enquanto Filippo volta para perto de Kiara que treme um pouco com olhos arregalados. Já eu me sinto um tigre preso a uma jaula. ― Antonella morreu um pouco aquele dia. Ela amava muito o marido e o senhor PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Lorenzo jurou que tinha sido uma única vez. Que a moça se aproveitara de uma noite em que ele tinha bebido demais e que ele não tinha resistido. ― Claro. A moça é a culpada ― Kiara desabafa irônica. ― Sempre muito fácil. ― Eles brigaram muito. Sua mãe não queria perdoá-lo, uns dias depois ela começou a ceder, mas exigiu que ele assumisse a filha. Ela disse que ficava com ele e o perdoava se ele desse um nome a menina que não tinha culpa de nada. Que merecia o mesmo respeito que vocês. ― Só que o meu pai não aceitou isso. Certo? ― Enzo comenta e ela concorda. ― Não e na manhã seguinte Lucia e Valentina não estavam mais aqui e ninguém sabia delas. O casamento tinha acabado também. Antonella não conseguia aceitar ou esquecer. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ameaçou seu pai com um escândalo. Ele foi ficando fora de si. Eles brigavam muito e uma vez, numa briga ele a empurrou e ela caiu. Cortou o braço. Ameaçou chamar a polícia e ele a colocou para fora de casa. Não deixou que levasse nenhum de vocês. ― Meu Deus! Como tudo isso pode ter acontecido? Como Lorenzo pode ter sido tão cruel? ― Vovó cobre o rosto. Enzo vai apoiá-la. ― Kiara ainda mamava. Enzo chorou toda a noite e o senhor ficou apenas quieto. Pela manhã ela voltou implorando. Disse que ficava, que eles podiam tentar de novo, mas ele estava cheio de ódio. Entregou os dois pequenos. Disse que ela levasse os dois até que tivessem idade para ele tomá-los de volta. Proibiu Vittorio de ir, ela se recusou. Disse que não ia sem os três, mas ele ameaçou tomar todos e Kiara mamava e ela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS não tinha nada. Não podia brigar com ele na justiça. Ele disse que os colonos deporiam, diriam que ela era péssima mãe e ela perderia e os trabalhadores diriam mesmo qualquer coisa que ele mandasse. Sua mãe foi embora com os dois pequenos. Ele não queria preocupações e ela achou que quando o senhor começasse a chorar ele acabaria mandando o senhor ir viver com a mãe. ― Mas não aconteceu. Ele me mandou parar de chorar e eu parei. ― Por meses ela ligou todos os dias. Primeiro falava com ele. Implorando, depois ele não queria mais atendê-la e eu dava notícias suas. Todos os dias. Ela conheceu um bom homem na época. Ela me dizia isso. Estava sozinha com os filhos e sentia tanto medo e o homem era bom. Seu pai descobriu. ― Enrico PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS era o bom homem. Quanta ilusão. ― Ele a odiou ainda mais. Mandou o senhor para um colégio interno. Tinha medo de ela conseguir se aproximar. O senhor já não falava mais da mãe e ele achou que tudo estava bem. ― Ele não tentou nos tirar dela? ― Enzo questiona. ― Ela tinha casado de novo e tinha um menininho, o irmão de vocês. Não era mais tão tola, sabia que ele não tiraria os filhos tão fácil. O marido dela a aconselhou a exigir os direitos, pensão e essas coisas. A senhora De Marttino estava de volta e queria ver vocês e exigia que ele tentasse uma aproximação. ― Eu não entendia tanto ódio, ainda não entendo. Não entendia como ela tinha ido embora sem levar o Vittorio. Ele dizia que tinha sido um acordo, que o menino queria ficar com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS o pai. Que ela tinha permitido e logo Antonella se casou e achei que sim. Que era possível. Vittorio era o primogênito e Lorenzo parecia tão disposto a ensinar tudo ao filho. Me disse que o colégio interno era para ele ter uma boa educação e só exigi que oferecesse o mesmo aos outros. ― Ele começou a pagar a pensão. Mandava dinheiro, mas exigia as crianças aqui nas férias. Primeiro vinha só o Enzo. Kiara era muito pequena. Só quando ela começou a crescer é que passou a vir também. ― Eu nem sei o que dizer de tudo isso. Eu não entendo como ele pode ser tão cruel. Meu filho... ― O senhor De Marttino não aceitava que ela não o amava mais. Ele tinha assumido os negócios, a morte do pai era muito recente e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tudo aconteceu ao mesmo tempo. Acho que depois ele se deu conta, mas aí era tarde, ela tinha outro e ele nunca mais deixou ela se aproximar do Vittorio. Como um castigo. Não sei dizer, senhora. O que sei é que ele deixava o filho sempre longe dos irmãos, uma vez Antonella me disse que era para eles não saberem dos sentimentos dela de mãe. Para não contarem ao Vittorio sobre como ela sentia falta dele. Mas ela disse que nunca falava sobre ele. Que não conseguia. Que sentia dor só de pensar nele e... ― Anna olha direto para mim. ― Ela amava muito o senhor. Essa foi sempre sua dor. Eu me afasto. Encaro a noite pela janela. Está escuro lá fora. Está escuro dentro de mim. Tudo revirado. Tudo trocado. Eu não sei o que devo sentir. Eu não sei quem eu sou e fico só em silêncio querendo desesperadamente recolocar as coisas naquele lugar em que me acostumei e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS agora não cabem mais. ― O fantasma da menininha do Enzo ― Filippo pergunta. ― A fantasminha é essa Valentina? ― Sim ― Anna confessa. ― Lucia esteve aqui uma vez. Me disse que queria que a menina e o pai ficassem frente a frente. Deixou ela aqui umas horas, o Enzo estava e passaram um tempo brincando. Depois ela foi embora, não sei nada delas. Não sei onde estão, como vivem. Nem mesmo sei se a garotinha sabia que ele era o pai. Se descobriu depois. ― Então eu tenho uma irmã? ― Kiara diz com a voz embargada. Não olho para ela ou qualquer outro. Não quero. ― Uma irmã com quase a minha idade que está perdida? ― Vamos encontrá-la ― aviso. Não vou descansar até achar a garota. Todas as minhas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS chances com Giovanne foram tiradas, mas não vou permitir que o mesmo aconteça com essa garota. Valentina.
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Capítulo 21
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Kiara Tudo que acabo de ouvir tem proporções gigantescas, na verdade, nem sei por onde começar a organizar todas essas coisas. Filippo passa os braços por meus ombros. Estarrecida é a palavra para me descrever. É um turbilhão de informações. Uma volta ao passado que traz dor e verdades. Coisas se encaixam enquanto outras desaparecem deixando um vazio. Ódio? Foi isso que sempre moveu meu pai? Medo e culpa? Foi isso que moveu minha mãe? Somos o efeito dessa história torta e cheia de reviravoltas? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Bianca acalma Anna, até que finalmente ela está pronta para ser acompanhada de volta ao seu quarto. Vovó permanece imóvel na poltrona. Vittorio tem o olhar perdido através da janela e só sei tremer. Por onde começo? ― Vittorio... ― Agora não, vovó. Agora não. ― Ele nos deixa, sobe as escadas e some para seu quarto e acho mesmo que ele precisa de tempo para digerir tudo isso. ― Sua avó não está bem, conchinha. Quem sabe faz um chá para ela? ― Olho para Filippo. ― É o filho dela. Você tem que ser mais forte que ela agora. ― Você está certo. ― Lentamente me afasto dele, que mais uma vez está certo, eu não posso ser sempre a garota frágil que se esconde, é preciso às vezes tomar a frente. Enzo está PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS segurando a mão da vovó e vou para cozinha. Encontro Bianca. ― Vim fazer um chá para acalmar a vovó. ― Estou pegando um analgésico para a Anna. Ela está com dor de cabeça. ― Vou levar um chá para vovó. Leva um para ela também. ― Enquanto espero a água ferver, eu e Bianca trocamos um olhar, mudas. Nem sabemos o que dizer. O que acaba de acontecer é tão inaceitável que dá até medo. Preparo duas xicaras, uma Bianca leva para Anna, só então vou ao encontro da minha avó com outra. Ela aceita com dedos trêmulos. Toma uns goles em silêncio. Todos nós em silêncio. Um silêncio pesado. Cheio de significados. ― Vovó, já está tarde, eu te ajudo a ir para cama. Amanhã tudo vai parecer melhor. ― PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Vovó me olha sem acreditar muito e com toda sua experiência ela sabe que amanhã tudo vai estar ainda mais claro e possivelmente muito pior. Apoio seu andar fraco pelas escadas. Faço sua cama enquanto ela se troca e faz sua higiene. Quando ela se deita eu seguro sua mão um momento. ― De tudo isso o bom é te ver assim. Forte e inteira. Minha menina está cada dia melhor. ― Tento sorrir. Não é bem verdade, eu estou apenas ignorando tudo que ouvi por um tempo. Afastando para um canto em meu cérebro onde guardo tudo que me machuca. Aquele quarto escuro e cheio de caixas que evito entrar. ― Descansa vovó. ― Vou tentar. Estou tão... não sei mais o que pensar. Sinto culpa por ter ficado tão PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS distante de tudo sem querer me envolver em uma briga de casal. Sinto pena por tudo que vocês perderam e ainda sinto uma angústia sem fim por pensar que tenho uma neta por aí. Uma linda menininha que já tive em meus braços sem saber que me pertencia. ― Ainda vai abraçá-la, vovó. Ouviu o que Vittorio disse. Ele vai encontrá-la. Vittorio tem o mundo a seus pés. Se ele diz que encontra é por que encontra. ― Vou viver para esse dia. ― Todos nós. Agora durma um pouco. ― Te amo, querida. ― Também, vovó. Boa noite. ― Acendo o abajur, apago a luz e deixo o quarto com a porta entreaberta. Tenho medo dela sentir qualquer coisa durante a noite. Passo
pela
porta
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de
Vittorio.
Está
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fechada. A luz apagada. Penso em bater, não sei o que ele está sentindo agora. Nem sei se está disposto a conversar ou o que eu diria então apenas volto para sala. Filippo abre os braços quando me vê. Meu melhor presente, por isso só me apresso para ele e me aninho em sua proteção. Como isso é bom. Todo mundo devia ter alguém para abraçar assim quando o mundo desaba como agora. Bianca está ao lado de Enzo. Meu irmão tem olhos perdidos e pensativos. Está calado. ― No que está pensando, Enzo? ― pergunto e ele volta a terra, até me dá um meio sorriso. ― Estava tentando me lembrar do rosto da nossa irmã. Em como nos divertimos naquele dia e me senti tão próximo dela. Pensando agora PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS foi um encontro incrível e faz sentido eu ainda me lembrar. ― Sim. Lembra do rosto? Lembra de detalhes? ― Não muito. Cabelos castanhos e longos. Sorriso vivo. Não sei. Éramos crianças. ― Tantas coisas para pensar. Tanta maldade. Mamãe não falava nunca do Vittorio. Nunca. Agora entendo o porquê. ― Pior é pensar que ela largou o papai e acabou nas mãos do Enrico. Ela amava nosso pai. ― Se ela não tivesse morrido... talvez em algum momento ela e o Vittorio tivessem se encontrado. Como será que ele está? ― Olho para a escada. Deve estar arrasado. Ele tinha ou tem ainda tanta mágoa da nossa mãe. ― Não sei o que fazer. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Sou do time do abraço ― Filippo avisa. ― Vão lá e abracem ele. ― Filippo, abraços não resolvem tudo ― Enzo diz a ele. ― Para mim resolve. Quando eu estiver bravo com você, conchinha, é só me abraçar e pronto. Tudo está resolvido. ― Vou me lembrar disso. ― Ele me beija. Dá um sorriso e afasta meus cabelos do rosto. Tem olhos carinhosos sobre mim, a simples presença de Filippo me acalma. ― Será que Valentina sabe da nossa existência? ― Enzo questiona. ― Acho que não. É fácil nos encontrar. Ela já é adulta. Bastava vir. ― Talvez não queira nos encontrar. Pode nos odiar. Nunca se sabe. ― Papai deu uma joia de família a ela. O PERIGOSAS ACHERON
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brasão. Ele pode até não ter nunca assumido a garota, mas ao menos naquele momento ele admitiu a paternidade. ― Pode ser que ela ache que vocês não a querem por perto. O fato é que dá para encontrar e dá para criar novos laços. Sempre é possível. ― Bianca sempre otimista. ― Ela me sorri. Sim ela é assim. Depois que reencontrou Enzo e eles tiveram uma segunda chance de ser feliz ela tem esse olhar otimista sobre tudo. ― O que a gente faz com o Vittorio? ― Toda preocupada com o irmãozinho ― Filippo brinca. Fico sem graça, mas eu não consigo não pensar que mamãe passou dias morrendo naquele hospital e ele não foi vê-la e no fim ela o amava. Se eles tivessem ao menos se despedido de algum modo. Como quando Giovanne morreu. Aquele momento de dor que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS eles dividiram os uniu pela eternidade e apagou os anos de distância. Tenho certeza que Giovanne sentiu isso. Conheço meu irmão. Sei que sentiu isso. ― Vai, conchinha. Vai ver se ele precisa de alguma coisa. Pergunta se quer uma caneta emprestada. ― Filippo, tem cada ideia. Caneta? ― Enzo faz um ar de estranheza que nos arranca um sorriso mesmo em meio a perplexidade dos acontecimentos. ― Coisa de casal, Enzo. Cuida da sua vida ― Filippo responde. ― Pelo menos de tudo isso a única coisa boa é a certeza que o Enzo não sofre de esquizofrenia. ― Já você com certeza é um caso a ser estudado ― Enzo diz antes de olhar para escada. ― Será que a vovó conseguiu dormir? Será que o Vittorio dormiu? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ele tinha tomado uns vinhos a mais. Acho que sim ― Bianca comenta. Acho que hoje o certo é todo mundo tentar dormir e amanhã com a cabeça fria, tentar lidar com a situação. ― Vamos todos nos recolher? ― Enzo convida. Amanhã conversamos. Bianca fica de pé. Acho que é mesmo o melhor. Abraço meu irmão na beira da escada. Suspiramos juntos. Todos nós perdemos muito com os acontecimentos do passado. Todos nós fomos afetados. Ninguém saiu inteiro. Nem mesmo meu pai que parece ser o grande responsável, saiu ileso disso. ― Que bom que está aqui Enzo. ― Ele me beija a testa. ― Boa noite. Filippo me puxa pela mão para nosso quarto. Acho que posso dizer nosso. Já nem sei. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Os fantasmas dessa casa devem estar em polvorosa com tantos segredos revelados. ― Quando você está aqui pensa em fantasmas o tempo todo. Isso chama sabia? ― Para, Kiara. ― Ele liga a televisão e eu vou para o banho. Deixo a água morna cair sobre meus ombros e me acalmar. Quando finalmente nos deitamos estou desperta como se fosse meio-dia. As palavras de Anna reverberam em meu cérebro e se espalham por meu corpo em forma de dor muscular. Tudo tensionado e só consigo pensar na dor da minha avó e do Vittorio. ― Vem ficar aqui abraçada comigo, conchinha. Cuido de você até dormir. Eu vou e o mais estranho é que assim que me aconchego, adormeço, com ele mexendo em meus cabelos e respirando no meu pescoço o sono acaba me dominando. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Acordo quando ainda é muito cedo. O sol mal surgiu e estou com os olhos abertos. A noite começou bonita. Ganhei um vinho, feito para mim e idealizado por Filippo. Como minha avó teve e a mãe dela antes dela e a avó da minha avó. Isso é especial. Só que somos De Marttinos e tinha que terminar em tragédia, nem mesmo Filippo conseguiu transformar em farsa como sempre faz. Vou despertando devagar, ajeitando-me e me acomodando em seus braços. Sinto um beijo no ombro. Meus olhos marejam quando penso no passado. Na minha mãe e em uma vida infeliz. Tudo por conta de uma traição. Porque meu pai achou que podia tudo. Que como homem tinha direito de acabar com a vida de duas mulheres. Uma menina de dezessete anos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha mãe. Seus filhos. Tanta gente sofrendo por seus erros. Que vida atormentada a dele. A de todos eles. ― Não pode acordar chorando ― Filippo me diz ao ouvido. Faço que sim com a cabeça, mas fico calada controlando a tristeza. ― Melhor deixarmos a cama. Vou preparar café da manhã para você. ― Eu me afasto dele e Filippo está sorrindo. ― Isso também te faz feliz. Além de abraços. Comida. ― Pronto. Já sabe tudo sobre mim. Sou bem simples de se entender. Anna nos encontra na cozinha e se assusta ao me ver, não sabe bem como agir e sinto tantas coisas. Raiva por anos de segredo, pena. ― Posso preparar o café, senhorita De Marttino — anuncia. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Faço isso. Já estou fazendo e de hoje em diante prefiro que me chame de Kiara apenas. Chega de toda essa cordialidade e controle desmedido e desnecessário. Apenas Kiara. ― Se prefere. Eu vou aprontar a mesa. ― Ela leva a louça para a mesa enquanto preparo um café da manhã reforçado, nem sei bem por que, mas isso me acalma. Logo Bianca está comigo e Filippo senta com Enzo na sala de jantar. Quando levamos o café, vovó está lá e Matteo está em seus braços mastigando um biscoito que acabo de assar. ― Conseguiu dormir, vovó? ― Um pouco. Levou um tempo ― ela avisa tomando café e fazendo carinho em Matteo que está imune a nossas dores. ― Bom dia. ― Vittorio surge em terno e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS gravata com sua pasta na mão em pleno sábado. ― Bom dia. Fiz café. Você está bem? ― Sim, Kiara. ― Senta Vittorio. Vamos tomar café juntos ― Enzo convida. Ele não se move. ― Nós podemos conversar sobre tudo e... ― Eu realmente não preciso que sintam pena de mim ou qualquer coisa do tipo. ― Ele olha para Filippo. ― Não. Eu não quero um abraço. Tenho muitas coisas para fazer. Vou para o escritório e a noite tenho um compromisso. Não volto hoje. ― Querido... ― Vovó, sua neta será encontrada, vou cuidar disso. Não se preocupe. Se me dão licença... ― Ele caminha uns metros e depois se volta. ― O helicóptero e o piloto estão à disposição de vocês para levá-los para casa PERIGOSAS ACHERON
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amanhã. Estou com meu celular caso aconteça uma emergência. Vittorio nos deixa e pouco depois ouvimos o carro arrancar. Olhamos todos para vovó, ela o conhece melhor que ninguém. ― Deem tempo a ele. Logo Vittorio digere tudo isso, ele precisa de um tempo. ― Podia fazer isso aqui. Junto de todos nós ― Enzo diz meio decepcionado. ― Vittorio tinha muitas convicções. A mãe o abandonou. O pai sofreu e tentou fazer dele um homem. Ele sempre foi obediente. Sempre quis mostrar força e coragem, e acho que não está conseguindo. É como um animal ferido. Se retira para tratar as feridas. Ele volta. Nada importa mais a ele do que essas pessoas aqui diante da mesa. Ele volta por mim e por todos vocês. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― E nós vovó. O que fazemos? ― Vivem, querida. Vocês continuam suas vidas e procurem ficar juntos. Procurem ser fortes e se manterem unidos. Isso passa. ― Para começar vamos comer. Antes que o Matteo acabe com tudo. Menino esfomeado. Ele vai ficar obeso, Bianca. ― Filippo se serve e fico por ali. Fingindo como todas as manhãs. ― Como vai ser seu aniversário, Kiara? ― vovó pergunta e dou de ombros. Nem penso nisso. Por mim será como tem sido os últimos anos. Um dia comum. ― Nada, vovó. Só... um dia comum. ― De jeito nenhum. Já tenho tudo planejado. ― Bianca continua. ― Será uma festa lá em casa. Um fim de semana em família. Pietra e Vittorio vão passar o fim de semana conosco. No sábado jantamos todos. Meus pais. PERIGOSAS ACHERON
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Os pais do Filippo. ― Gosto da ideia ― vovó diz tentando sorrir, se ela fica feliz então tudo bem. Olho para Filippo, que pisca sorrindo. ― Nesse caso pode ser. Faço um bolo. ― Isso. Um bolo de chocolate. Uns docinhos. Passamos todo o dia tentando ficar próximos da vovó, nós nos revezamos e tentando acalmá-la. Enzo fala com Vittorio pouco antes do jantar. ― Ele está num bar. Tem música e pessoas falando. Acho que está bem. ― Que bom. Ele se distraí um pouco e não pensa tanto. ― Vovó se tranquiliza. Partimos depois do almoço sem sinal de Vittorio. Deve ter sido mesmo uma noite boa. Nem voltou para casa. Quando descemos na PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mansão eu volto a pensar nos meus problemas. Não que eu tenha problemas reais, mas a ideia de me despedir do Filippo me deixa bem triste. ― Cara de concha, vamos namorar no cinema? Depois jantamos. O que acha? ― Acho perfeito. Um filme de amor. ― Não, conchinha, eu já te conquistei. Agora já posso dizer que gosto de filme de ação. Nada de romance. ― Romance dá mais vontade de ficar namorando ― digo em seu ouvido. Ele ri alto. Enzo olha de um para o outro. ― Vamos ver um romance então. ― O que disse a ele, Kiara? Me conta. Quero usar com o Enzo. ― Bianca pede. Rimos ainda mais. ― Uma hora te conto. ― Beijo Matteo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Passear, tia. ― Ele aponta a porta. O garotinho parece que tem formiga. ― Dormir, garotinho. Nada de passear. Nem chegou direito. Ele tem tanta energia. Nem romance, nem ação. Acabamos em uma comédia engraçada e leve. Jantamos em uma lanchonete ao lado do cinema. Tomamos gelato enquanto caminhamos de mãos dadas. A noite começando a ficar fria e eu sonhando com o inverno nos braços dele. ― Baby, acha que ligo lá na Vila? Ando preocupada. Eu antes estava tão mergulhada em mim que não via a dor dos outros, mas agora é diferente. Penso mais neles e... Por que está me olhando assim? ― Até parou de andar. Tem um sorriso bobo no rosto e fico sem entender. ― Baby ― ele diz simplesmente e junto as sobrancelhas. ― Disse baby. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu sei que disse. Não é a primeira vez. ― Desse jeito fofo é. Não disse meio irritadinha, como quando te provoco. Ou no meio de uma graça. Disse baby no meio de uma conversa. Como se fosse assim que me chama o tempo todo. Nem ouvi direito o resto da frase. Quer repetir, por favor, conchinha? ― Disse que vou ligar lá na Vila para saber da minha avó. ― Ele continua a me olhar. Dou uns passos para ele e o abraço me esticando para beijar seus lábios. ― O que acha, baby? ― Acho perfeito. ― Agora ele me beija. Não um simples beijo. Um dos que me fazem bambear e estremecer. ― Você é tão especial. Obrigada por existir para mim. ― Sempre. Sempre ― ele me avisa. ― Agora telefona. Fala direto com seu irmão. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Filippo, que empenho. Meu Deus! Pego o celular, sentamos em um banco e quando Vittorio atende fico meio sem saber o que dizer. Olho para Filippo. Ele faz um movimento com a mão como se estivesse escrevendo, o que me provoca vontade de rir e paro de olhar para ele. ― Kiara! ― Vittorio estranha meu silêncio, claro que ele tem meu número gravado. ― Oi, Vittorio ― digo meio sem graça. ― Eu pensei em ligar para saber se tudo está bem. ― Sim. ― Está na Vila? ― Cheguei há pouco. Vovó está bem. Já se recolheu. ― Ah! ― Fico calada e ele também. Filippo me dá um leve empurrão no ombro, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS então me afasto dele. Ele se aproxima e me empurra de novo e fico de pé. ― E você? Está tudo bem? ― Estou bem. Já cuidei do imóvel. Amanhã o corretor vai entrar em contato com você. ― Obrigada, Vittorio. Eu nem estava me lembrando disso. ― Entendo. Vou ligar para a Bianca amanhã e ver o que mais é preciso para abrir sua empresa e logo vai poder começar. ― Fico feliz. ― De novo silêncio. Não sei nem como continuar, nem como desligar. ― Quer que chame a vovó? Talvez ela esteja acordada. ― Não. Não incomode ela. Você vem? Vovó falou do meu aniversário? Pensei que podia vir também. ― Ufa! Convidei. Eu PERIGOSAS ACHERON
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precisava fazer isso eu mesma. Sei bem que a pedido da vovó ele inventaria uma desculpa. Agora ele fica em silêncio. ― Vittorio? ― Vou. Eu vou com ela. ― Então... nos vemos no fim de semana. Boa noite. ― Boa noite ― ele diz e desligo. ― Baby bobo. Me deixa nervosa. Rindo de mim. ― Filippo me abraça, beija meu pescoço e depois a boca. ― Toda atrapalhadinha. Dorme lá em casa hoje? ― Sinto alívio. Acho que nem escondo muito, logo abro um sorriso. É só isso que quero. Não me despedir dele. ― Sim. ― Passo meus braços por seu pescoço. Trocamos um longo olhar. ― Estava com saudade de dormir com você me abraçando. ― Eu também. PERIGOSAS ACHERON
Nem
dormirmos
PERIGOSAS NACIONAIS separados e já senti saudade. A gente começa com isso a partir de amanhã. ― É. Amanhã. Hoje é domingo. Namorados dormem juntos aos domingos. ― Todos eles. Tenho certeza. Vem. Vamos para casa. A noite termina romântica. Entre beijos e pressa. Nós dois entregues matando a saudade de estarmos juntos. Aproveito cada segundo dele. Da presença dele. Depois de uma incrível noite e um começo de manhã romântico Filippo me deixa em casa e segue para o trabalho. Quando entro Bianca conversa ao telefone com Vittorio. Eu fico brincando com Matteo. Leva quase meia hora a conversa. Eles falam de trabalho. Então não entendo quase nada. Quando ela desliga está PERIGOSAS ACHERON
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sorrindo. ― O que? ― Começo na próxima segunda-feira a trabalhar para os De Marttino. Essa semana sou totalmente sua. Para cuidarmos da sua empresa. Tem uma conta com um bom capital inicial. ― Sério? ― Fico ansiosa. ― O que a gente faz? Meu irmão já foi? ― Tem uns dez minutos. Vamos trabalhar, Kiara. Temos muita coisa para resolver e já pode começar a pensar na inauguração. Acho que um mês é mais que suficiente. ― Um mês? Não sei se estou pronta. ― O medo não manda mais em você. Está pronta sim. Matteo vai adorar andar para cima e para baixo. ― O que vai fazer com ele? Quando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estiver trabalhando? ― Por um tempo será meio período. Ele vai ficar com o Enzo na agência até ter idade de ir a uma escolinha. Ainda não confio nele em um lugar que não conheço. ― Pode contar comigo também. Cuido dele. ― Nem pensar. Imagina ele cercado de doces? Aí sim ele vai acabar obeso. ― Tem razão. Por onde começamos? ― Documentação. Depois reformas, móveis, utensílios, tudo que vai precisar. Também temos que cuidar do seu aniversário e de preparar a casa para receber sua avó e o seu irmão. Será uma semana intensa. ― Talvez eu goste disso. Sempre passei meus dias matando o tempo. Depois do colégio larguei os estudos e só... você sabe. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Sei. Os De Marttino precisam aprender a deixar o passado para trás. Acha que não tem um monte de coisas no meu passado que me machucam? Mas eu passei por cima disso. Meu presente é tão incrível. ― Sim. Você está certa. Acha que tem problema dormir no Filippo de vez em quando? ― De vez em quando todo dia? ― Ela ri. ― É muito, não é? ― É pouco. Quando se gosta é muito pouco. Vá ser feliz, Kiara. Você merece. Para de caçar problemas. ― Faço mesmo isso. Estou tão acostumada a tudo ser errado em mim que quando é certo fico procurando motivos. Vou ligar para o Filippo e ver se ele já chegou na agência. Prometi para ele. Depois sou toda sua. Prometo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vou pegar minha bolsa. Acho que vamos combinar do Filippo levar o Enzo para o trabalho e ficamos com o carro. Assim fazemos tudo mais rápido. ― Ela desaparece e fico sorrindo meio feliz demais apesar de todos os pesares. É isso. Presente e futuro. Chega de passado. Do passado só quero de volta minha irmã. Nada mais.
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Capítulo 22
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Filippo Bem que queremos viver como os casais de namorados por aí a fora. Cada um na sua casa. Dando tempo para sentir saudade. Só não deu mesmo tempo. Kiara está em um momento importante. Com todas as descobertas, a loja a caminho. Ela precisa de mim e quero estar com ela. Então durante toda semana acabamos dormindo juntos. Duas noites na casa dela e três na minha. É natural. Ficamos conversando. Decidindo coisas, as horas passam e quando nos damos contar é tarde e acabamos dormindo juntos. Eu não acho nada demais. Namorei anos com Paola sem nunca sentir vontade disso. Para mim era natural me despedir dela e ir para casa. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Raras as vezes dormíamos juntos. Um ou duas vezes na semana. Às vezes em fins de semana que viajávamos juntos, mas sempre muito pouco. Com Kiara todo segundo longe é saudade. Tiro os olhos do computador com um sorriso no rosto. Kiara está tão feliz com sua vida profissional. Vittorio comprou a casa onde a loja vai ficar. Já tem homens fazendo as reformas. Ficamos até tarde no shopping comprando enfeites e utensílios. Os móveis já estão comprados. Uma semana intensa. Agora tenho que pensar no aniversário dela. É amanhã e preciso aproveitar a tarde para comprar um presente. ― Ocupado? ― Enzo entra em minha sala. ―
Não.
Estava
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aqui
pensando
no
PERIGOSAS NACIONAIS presente de aniversário da Kiara. ― Bianca já comprou o nosso. Uma coleção de livros de culinária pelo mundo. Com fotos artísticas. Acho que ela pode deixar como decoração do Kiara Doces. ― Não quero dar um presente para loja. Quero um presente para ela. ― Claro. Você tem razão. Vai dormir lá em casa hoje? ― Enzo pergunta. ― Acha ruim? Porque dormi lá duas vezes e os outros dias a Kiara fica comigo. Eu sei que temos que ter alguma calma, acontece que não consigo ficar longe dela. ― Se quer saber se tem problema para mim, posso dizer que não. Por mim tudo bem. Desde que eu saiba onde minha irmã está. Por aquele dia que ela esqueceu de me avisar fiquei preocupado. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― É, eu sei, chegamos tarde e... ― Tá. Não dá detalhes. Só avisa quando forem ficar na sua casa. Não tenho mais condições de perseguir irmãos por aí. ― Quando a gente casar vai ficar querendo notícias todos os dias? ― Casar? Estão pensando em casar? ― ele pergunta todo sorrisos. ― Não. Não juntos. ― Como assim? Pensando em casar com outra? Filippo eu não aceito que brinque com a minha irmã. ― Seu tom duro me arranca um sorriso. ― Não estamos pensando nisso juntos. Que drama. Estou pensando nisso sozinho. Isso que quis dizer. ― Ah! ― Ele volta a sorrir. ― Fala mais. Pensa nisso? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Penso. Somos tão ligados, a gente se gosta e é tão difícil ficar longe. Casar é uma boa ideia. ― Precisa ter certeza. ― Eu tenho. Sei como me sinto. Vivi uma história antes, posso comparar e saber que o que vivo hoje é real e me faz feliz. ― Sei que Enzo está se dedicando com todas as forças para unir a família. Para reerguer os De Marttino. Então sei que a felicidade da irmã é no momento seu maior interesse. ― Minha questão é, Kiara quer isso? Está pronta? Ela passou muito tempo no escuro e enquanto tudo para mim está definido. Meu trabalho, minha família e mesmo minha vida amorosa, a dela ainda está em construção. ― E acha que em algum momento ela pode desistir de você? ― Enzo parece incrédulo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu sei que é complicado, mas o que sinto por ela é forte o bastante para esperar. ― Confio no que ela sente. Não é isso. Só quero dar um tempo, para ela poder se concentrar nas outras coisas. Acho que é o certo a fazer, mas vou casar com a sua irmã um dia. ― Eu torço para isso, Filippo. Sabe disso. É meu irmão. Quero os dois felizes. ― Só que esse um dia não vai ser tão distante assim. Não quero namorar mais oito anos. Quero construir uma família com ela. Quero tudo e não quero que demore demais. ― Enzo ri de mim. ― Por que está rindo? ― Disse que não queria ninguém, que não estava pronto e queria curtir a vida. Viajo e quando volto quer casar com a minha irmã. Você agora diz que vai esperar, o que significa que antes do mês acabar esse casamento vai estar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS marcado. ― É, pode acontecer mesmo. ― Dou de ombros. Não é sempre que uso a sensatez, se decidir pedir eu peço e se ela aceitar caso e pronto. ― Vou sair agora e comprar o presente. É noite de sexta-feira e amanhã já sei que ela vai precisar de nossa ajuda para preparar o jantar. Mamãe está feliz com o convite. ― Já somos um pouco família. É natural seus pais estarem presentes. Já éramos antes do namoro de vocês. Fico de pé. Pego as chaves do carro e aceno. Enzo também se levanta. Temos trabalhado muito desde que ele chegou. Enzo trouxe um ânimo novo. O casamento fez bem a ele. Matteo principalmente. Acho que um dia quando tiver filhos vou ser um pai amoroso assim. Será que a Kiara quer filho? Nunca PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS falamos sobre isso. ― Quero ter filhos ― aviso a Enzo. ― Acha que ela quer? Acha que ela leva jeito? ― Se quer não tenho ideia. Nunca falamos disso, mas que tem jeito com crianças isso tenho certeza. É só ver como se derrete com o Matteo. ― É. Tolice me Vamos casar. Viajar um Direitos iguais e depois certo. Organizado. Gosto coisas.
preocupar com isso. mês que nem você. filhos. Pronto. Tudo de organizar bem as
― Bem organizado. Só esqueceu de comunicar a Kiara. ― Você se apega muito aos detalhes, Enzo. Tenho que ir. Ele fica parado lá como se eu tivesse dito alguma bobagem. Vou para o shopping. Nunca PERIGOSAS ACHERON
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fui bom em frequentar shoppings. Não tenho paciência, normalmente sei o que quero e mantenho o foco, mas agora não tenho ideia. Preciso olhar para algo e achar que se parece com ela. Vou caminhando por lojas. Nada de roupas, isso não é nada romântico. Nada de livros, ela não é minha colega de trabalho. Livros e CDs são impessoais demais. Podia comprar um par de tênis. Sapatos baixos, mas as botas são um pouco ela e no fundo eu gosto. Podia ser um perfume, mas eu amo o cheiro dela. Melhor ela cuidar disso. Paro diante de uma joalheria. Fico olhando todas aquelas peças brilhantes, mas não sei muito se Kiara gostaria. Ela nunca usa muitas joias. Um conjunto de pulseiras pretas apenas e elas sumiram nos últimos dias. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não. Nada de joias. Kiara não vai gostar. Quando estou deixando a loja, um relance de uma concha me chama atenção. Volto para olhar. Não sei se vi o que acho que vi. Passo meus olhos pela vitrine em busca do que pode ter sido apenas ilusão e lá está o colar simples com uma única concha pendurada na ponta. Pequena e delicada. É ela. Combina com a minha cara de concha. Tem significado. Para mim e para ela. Sim. É isso. Entro na loja e uma jovem cheia de joias se aproxima com muita maquiagem e um sorriso elegante. ― Posso ajudar? ― Pode. Aquele colar com a concha. É prata? ―
Todo
de
ouro
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branco.
Modelo
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exclusivo. ― Estava começando a ficar rico e minha conchinha já vai me deixar pobre. Eu vou levar. Só não sei se a vista ou em mil prestações. Saio da loja orgulhoso da minha escolha. Combina com ela. Vai sempre se lembrar da gente quando usar. Uma conchinha bem linda como a minha. Encontro Kiara na Kiara Doces. Combinamos de nos encontrar lá para falar com os homens da reforma. Posso ser bobo e ciumento, mas não gosto nada de pensar nela lá sozinha com eles. Chamo de cuidado, eles chamam de ciúme, seja que nome, for gosto de estar perto toda vez que ela vai lá. ― Comprei seu presente. ― Cadê? ― Ela sorri procurando por algo que tenha em mãos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Está fazendo aniversário hoje? ― Não ― ela responde quando envolvo sua cintura. ― Então por que está querendo presente? Só amanhã. ― Está certo. Meia-noite já vai ser amanhã. ― Kiara, eu quero me exibir, vou dar o presente quando estiver todo mundo reunido. Se der antes na hora da festa todo mundo te dá presente e vai parecer que não te dei nada. ― Entendi. Vou ficar curiosa então. ― Entramos na loja. Vittorio pediu para que o trabalho fosse feito com urgência. Ele não gosta muito de esperar e tem dez homens trabalhando no local. Damos uma boa olhada em tudo. Ela faz uma ou duas exigências. Depois está tudo PERIGOSAS ACHERON
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decidido e deixamos a loja. Já está com a aparência que decidimos. Um ar familiar, simples como um cafezinho na cozinha de casa. Como Kiara sonhou. Os vinhos Kiara estão prontos para chegarem em breve. Quando a loja estiver pronta. ― Quer jantar em algum lugar? ― convido. ― Não, baby. Prometi ir direto para casa. Vamos ficar um pouco com o Matteo. Enzo e Bianca vão sair. Além disso quero preparar uns doces para amanhã. Vou aproveitar que o Vittorio vem para uma última prova. ― Confia muito na opinião dele. A minha não vale nada. ― Você gosta de tudo. Quando foi que colocou defeito em um doce meus? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― E quando foi que o Vittorio colocou? ― Nunca, mas ele colocaria se achasse algum doce ruim. ― Duvido, ele nem parece que gosta tanto assim, mas deixo que ela acredite no que for melhor para ela. Para eles. É mais fácil eu dizer que não gosto do que ele. Matteo é muito divertido. Enquanto Kiara cozinha ficamos no chão da sala brincando. Quando Enzo e Bianca retornam o pequeno está suado e cansado. Enzo vai cuidar de dar banho no pequeno e colocá-lo na cama. Depois nos reunimos na cozinha. ― Eu tinha certeza que eram cinco rolinhos prontos. ― Kiara procura pela mesa enquanto eu e Enzo mastigamos o rolinho cheio de doce de leite. Trocamos um olhar. ― Bianca não tinham cinco prontos? Só tem três. ― Estavam aqui na mesa. Acebei de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS passar no açúcar. ― Bianca nos observa. Paramos de mastigar. ― Abre a boca, Enzo. ― Ele nega. ― São eles, Kiara. Os dois. ― É sério isso? Assim nunca vamos acabar. Dá para esperar amanhã? ― O Enzo que pegou primeiro. ― Mentira. Foi ele. Você é muito dissimulado, Filippo. Só comi porque achei injusto ele comer sozinho. ― Vão lá para sala. Estão aqui só atrapalhando. Aposto que podem achar um jogo qualquer no canal de esportes. ― Kiara nos enxota. ― Andem. Deixamos a cozinha ainda mastigando e rindo. Estava uma delícia. Elas ainda vão dar falta de mais uma meia dúzia de docinhos, mas estava irresistível. Passa da meia noite quando as duas PERIGOSAS ACHERON
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retornam da cozinha. Trazem chá e biscoitos frescos. Eles têm gotas de chocolate e ainda estão quentes. Impossível resistir e ficamos ali conversando e beliscando até tarde. ― Melhor irmos dormir. Amanhã o dia vai ser longo. Pietra me disse que quer chegar por volta das seis, mas acha que Vittorio só vai estar livre depois das oito. ― Bianca começa a recolher a louça na mesinha da sala. ― Ele vai enrolar o máximo que puder ― eu os lembro. ― Vittorio não fica à vontade fora da Vila. ― Só de ele vir já fico bem feliz. Isso porque minha irmã convidou. Se eu tivesse convidado ele diria não. ― Enzo está com ciúme ― Kiara brinca. ― É de mim? Ou dele? Espero que de mim. ― Estou achando que é do Vittorio, PERIGOSAS ACHERON
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Kiara. O Enzo quer ser o irmão mais amado entre os irmãos. ― É isso, Enzo? ― Calem a boca. ― Ele foge e nos faz rir. ― Vou ver meu filho. ― Foge da brincadeira e da arrumação ― reclamo. ― Boa noite, Filippo. Te vejo no café da manhã ― Enzo diz da escada. ― Vai ficar, baby? ― Kiara vem para meus braços. ― É tarde. Vai dirigir a essa hora? ― E voltar amanhã. Por que prometi te ajudar. ― Prometeu. Então fica. ― Acho que é melhor mesmo. ― Kiara sorri. Passa os braços por meu pescoço e beijo seus lábios. ― Se eu for vai ficar com saudade? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vou. Melhor ficar. ― Muito melhor. Vamos subir. Ela me leva pela mão. Tem roupas minhas no quarto dela, roupas dela no meu quarto. No fim temos duas casas. Não sei se é prático, começo a pesar em casamento muito mais do que antes. Adoro a vida com ela. Penso em nós dois juntos e só consigo imaginar coisas boas. Não acho nenhuma razão para não resolvermos isso. Para não ficarmos juntos. O único motivo plausível é ela estar vivendo esse momento. De resto só tem vantagem. Falta dizer e ouvir um eu te amo. Fico olhando enquanto Kiara caminha pelo quarto arrumando coisas. Ela é linda, faz minha vida cheia de sentido, faz meu coração bater, e também me tira do sério muitas vezes. Ela me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS deixa com ciúme, com medo, feliz, bobo, apaixonado. Eu a amo. É tão claro isso. Podia dizer agora mesmo, mas dizer assim do nada? Melhor fazer disso um evento. Uma noite especial, só nós dois. Causar impacto. Sou bom nisso. Depois do aniversário dela. Vou preparar uma supernoite para nós dois e dizer que a amo. ― O que está maquinando, Filippo? ― Eu? ― Fico surpreso. ― Por que acha que estou fazendo isso? ― Está? ― O que? ― Maquinando. Para de me enrolar. ― Puxo Kiara e ela cai sobre mim na cama. Gosto do riso dela. Fazer Kiara rir assim abertamente me emociona. Acabar com a nuvem de dor sob os olhos dela sempre foi meu objetivo e aquela dor quase não existe mais. Tem muitas coisas em PERIGOSAS ACHERON
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seu olhar. Amor, medo, carinho, ansiedade, paixão como agora, mas não dor. Dor só quando ela se lembra e ela quase não se lembra mais. ― Te enrolar assim? ― Passo meus braços e pernas envolvendo Kiara. Ela ri. ― Assim pode. ― Previamente autorizado eu tomo seus lábios. Na minha casa ou na dela, terminamos sempre do mesmo jeito. Meus pais são os primeiros a chegar. Mamãe se junta a Bianca e Kiara. Papai se senta comigo e Enzo para olhar Matteo brincar. Logo os pais de Bianca chegam. O jantar está pronto. Abrimos uma garrafa de vinho, tem petiscos pela sala. Só falta vovó e Vittorio. O helicóptero se aproxima depois das oito. O barulho deixa Matteo todo ansioso. ― Avião, papai. Vem. ― Ele estende a mão para o pai. ― Tchau, tio. ― O menino PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS podia passar o dia voando. Ele adora. ― Você não vai a lugar nenhum, pequeno. O tio Vittorio e a vovó que estão chegando. ― Matteo faz bico. Pede colo e Enzo o ergue enquanto deixamos a casa para ir recebê-los nos fundos. Depois do jardim. ― Avião, papai. Passear. ― Depois. ― Ficamos esperando o piloto deixá-los. Enzo entrega o pequeno a mãe e vai ajudar o irmão com duas pequenas malas e vovó. Vó Pietra caminha animada e sorridente. Vittorio está sério. Acho tão engraçado como ele é relutante e como os irmãos ficam sempre perdidos sem saber como lidar com ele. Perto de Vittorio eles são mesmo irmãos mais novos. Ele devia conduzir a relação, mas é cheio de travas e os irmãos ficam perdidos no trato com ele. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Depois dos cumprimentos voltamos para a casa. Kiara está lá e sorri ao ver a avó. Ganha um longo abraço de Feliz aniversário. ― Feliz aniversário, querida. Que você seja muito feliz. Amo muito você. ― Obrigada vovó. ― Seu presente está na mala. Já vou pegar. É meu e do Vittorio. ― Vovó se senta pedindo a mala a Enzo. Kiara e Vittorio se olham um instante. ― Feliz aniversário, Kiara ― ele diz sem se mover. Eu devo mesmo ser o único do time do abraço. Será que tenho que fazer tudo? ― Obrigada ― ela diz também imóvel. ― Reza a lenda que se não der abraço junto com o Parabéns o ano da pessoa é péssimo. Dos dois. ― Todos me olham. ― Não é, mamãe? ― Minha mãe ri. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Os De Marttino não conhecem essa lenda? Querido. ― Ela olha para papai. ― Aconteceu comigo uma vez. Foi um ano terrível ― papai brinca. Faz um sinal para Vittorio e Kiara pedindo um abraço e é claro Kiara toma a frente e abraça o irmão. Vittorio precisa urgentemente de um curso. Ele deve ser o pior abraçador de todos os tempos. É desajeitado. Não sabe direito como fazer e fica engraçado. ― Parabéns, Kiara. ― Obrigada. ― Ela beija o rosto do irmão. Depois Vittorio se afasta, senta em uma poltrona um pouco distante. ― Aqui, querida. Seu presente. ― Vovó Pietra oferece uma caixinha a ela. Kiara abre ansiosa. É uma chave de carro. Kiara olha primeiro para mim. Depois para a avó e para o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS irmão mais velho. ― Um carro, vovó? ― A chave é simbólica. Você vai poder ir à loja escolher o modelo e a cor. Vittorio cuidou de tudo. ― É sério? Achei que nunca... que vocês não confiavam... um carro? ― Ela parece não acreditar. ― Vittorio, diz para ela. ― Achamos que você está pronta para ter seu próprio carro. É responsável agora ― Vittorio conta a ela. Kiara vai até ele e beija seu rosto. ― Obrigada. ― Ela está sorrindo. Os outros presentes são mais simples, mas ela ama todos. Sorri e agradece com abraços e beijos. É mesmo de novo a Kiara de antigamente. Aquela que conheci antes do mundo desabar. ― Só falta PERIGOSAS ACHERON
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você, Filippo ― ela diz me abraçando. ― Tenho que ficar por último, porque como namorado você precisa gostar mais do meu presente. Vovó não tinha nada que dar um carro. Complicou as coisas, vovó. ― Duvido muito, Filippo. Aposto que qualquer coisa que venha de você vai ganhar do meu presente. ― Vovó se manifesta. ― Para de suspense. Desde ontem que está fazendo pressão com isso. ― Ok. ― Pego a caixinha no bolso. É longa de veludo escuto e Kiara sorri. ― Olhei e pensei que era perfeito para você. Kiara pega da minha mão. Abre e os olhos brilham quando vê a concha colar fino. Olha emocionada para mim. Feliz. ― Que lindo. Coloca em mim. ― Os olhos dela deixam tão claro que amou que fico PERIGOSAS ACHERON
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emocionado. Kiara me entrega o colocar, dá as costas erguendo os cabelos. Coloco o colar. Ela toca o pescoço e me sorri. ― Como ficou? ― Agora são duas conchinhas. A minha e a sua. ― Ela me abraça e nos beijamos. Kiara me puxa pela mão em direção a um espelho. Envolvo sua cintura enquanto ela se olha. Já não tem quase nada daquela garota perdida de maquiagem escura e olhos vidrados e distantes. Não tem mais a palidez nem as roupas pesadas. Está leve e sorridente. ― Linda. ― Amei o presente, baby. Obrigada. ― Esquecemos um pouco dos outros. Ficamos no nosso mundo, entre beijos e carinhos. ― Jantar! ― Enzo nos convida, voltamos a realidade, depois de trocarmos um sorriso damos as mãos e seguimos para sala de jantar. ― Vittorio, tem vários doces. Eu fiz um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS monte para provarem. Deu muito trabalho, mas é para decidir o cardápio final da minha loja. ― Ah! Eu estou ansioso para os doces ― ele diz arrastando a cadeira. ― Então não come muito. Quero que todos provem. ― Tio, avião. ― Matteo estica os braços para Vittorio assim que nos acomodamos todos para jantar. Não acho que qualquer outra coisa na vida deixaria Vittorio mais desconfortável. Ele olha para o pequeno com os braços esticados pedindo por ele com tanto desespero que quero rir. ― Pega eu, tio. Vamos lá no avião. ― O helicóptero voltou para a Vila. ― Ele pega o pequeno no colo meio desengonçado. ― Mas não é tão tarde eu posso chamá-lo. ― Está maluco, Vittorio? Chamar o piloto só porque ele quer voar. Ele quer voar o PERIGOSAS ACHERON
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dia todo. Ficou muito excêntrico esse meu filho ― Bianca brinca enquanto serve Vittorio. Matteo não tem qualquer problema em mergulhar os dedinhos na comida do tio e levar a boca um pouco de carpaccio. ― Matteo! Enzo pega ele. ― Papa ― Matteo diz enquanto mastiga. ― Não tem problema ― Vittorio avisa meio sem saber o que fazer. Enzo pega o garotinho esfomeado do colo do irmão. ― Vem pequeno. Belisca o prato do papai. Ele já jantou ― Enzo avisa. Todos sabemos a fama do pequeno. Não é novidade. Kiara sorri. Olha para todos em torno da mesa, depois para mim. ― Feliz? ― pergunto baixinho. Ela balança a cabeça concordando, depois me puxa em sua direção e trocamos um beijo leve. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Parece outra família. Parece que estou assistindo um filme. Um final de filme sabe? É bom, mas estranho. Me dá a sensação que a qualquer momento algo vai dar muito errado. ― Está se acostumando. Não vai dar nada errado, conchinha. Vamos comer? O cheiro está ótimo. Sua festa ainda está só no começo. ― Quero chegar logo nos doces. Vou servir meu vinho. ― Que namorada chique que eu tenho. Tem um vinho com seu nome. ― E um colar de concha. ― Ela toca o colocar sorrindo. Sou obrigado a beijá-la mais uma vez.
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Capítulo 23
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Kiara Todos em torno da mesa. As pessoas em todo o Universo que mais amo e respeito. Essas pessoas são tudo que preciso. Não quero nada além de tê-los por perto. Estão aqui. Reunidos por minha causa, para comemorar comigo esse dia. Eu não esperava por isso. Não fiz nada para merecer. Nadinha. Muito pelo contrário. Eu os preocupei. Irritei. Acusei. Mesmo assim estão aqui. Reunidos em torno da mesa. Rindo e conversando, e tudo que consigo pensar é que vai dar errado a qualquer segundo. Isso sou eu. As coisas dão errado para mim e nem me dou conta. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Franco diz qualquer coisa engraçada. A risada do grupo me arranca do mundo dos pensamentos. Desperto decidida a aproveitar o momento e não ficar como um corvo agourando minha própria felicidade. ― O jantar está mesmo cada dia melhor lá em casa. ― Franco continua depois do riso de todos e entendo que tem qualquer coisa a ver com o curso intensivo de culinária de Carmela. ― Carmela é boa aluna. ― Ela pisca para mim. Feliz com meu elogio. ― Sou nada. Embora me esforce, mas você é uma ótima e paciente professora. ― O que é a grande novidade. Kiara paciente ― Enzo me provoca. Ele me conhece o bastante para saber que paciência é coisa nova para mim. Eu me sinto tão leve que tudo parece pequeno e não saio do sério. Nada me atinge PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mais como antes. Quase nada. Talvez as memórias ainda tenham um efeito pesado. Não quero pensar nisso agora. Hoje é noite de festa. ― Menos com você, Enzo. Então não começa. ― Ele ri de mim. ― É. Não provoca minha namorada. É aniversário dela. Nem pense em chamá-la de Uni na mesa de jantar. ― Filippo é um cínico lindo e bobo. ― Filippo! ― Estou te defendendo, cara de concha. ― Acho que podemos sobremesa. ― Vovó decide.
passar
a
― Isso. Melhor hora. ― Carmela aplaude. ― Agora tenho doces incríveis em casa todos os dias. Vamos engordar e a culpa será da minha nora linda e cozinheira. ― Mamãe, você nem disfarça que está se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS aproveitando dela. ― Disfarço sim. Finjo que estou aprendendo a cozinhar duas vezes por semana. Vamos, Bianca. Eu te ajudo a buscar a sobremesa. ― Eu e a Kiara tiramos a mesa. ― Enzo se oferece. ― Vai, Kiara. ― Kiara fica morando comigo! ― resmungo me colocando de pé. ― Claro, babá e cozinheira de graça. Quem não quer? ― Acho que podem ter ajuda. Se o problema for dinheiro posso pagar. ― Vittorio se oferece. ― O problema deles não é dinheiro, Vittorio ― digo enquanto vou recolhendo os pratos. ― É convicção. ― E o problema dela é reclamação ― Enzo brinca rindo e recolhendo a louça comigo. PERIGOSAS ACHERON
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― Não queremos empregados em casa, gostamos da privacidade ― ele avisa me seguindo para cozinha. Cruzamos com Carmela e Bianca. Ajudo com os doces e sento ansiosa ao lado de Filippo. Meu trabalho. Pode ser tolice para os outros, mas é muito para mim. Não tinha ideia que queria algo assim até acontecer. Agora é parte importante do meu sonho. ― Fiz pequenos para degustarem todos. Podem dar notas, opiniões. Eu espero contar com a honestidade de vocês. ― Estão lindos. Dá até pena de comer. ― Vovó me sorri. ― Vou só provar, querida. Sabe que na minha idade não posso brincar. Tenho um regime bem rígido. ― Exato, vovó ― Vittorio alerta. Ele cuida da minha avó com todo zelo. Tem uma parte dele que não desliga nunca dela. Eu já PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS notei. Ele se preocupa quando ela se levanta, quando se senta. Quando desce e sobe escadas. Presta atenção no que come e em quanto bebe. Não fala nada, só fica atento e ao mesmo tempo que acho bonito sinto um pouco de pena. É quase uma prisão. Tudo nele parece aprisioná-lo. Já me senti assim. Agora Filippo destrancou a cela e estou saindo à luz aos poucos. Vittorio ainda parece incapaz de destrancar a porta. De romper as amarras. Sempre penso na minha mãe. Sempre penso que ele não esteve com ela no fim. Quando papai morreu todos nós estivemos por perto, mesmo sem entender bem por que estava ali, eu estava e não sofri muito, não o sentia próximo, não a ponto de minha vida perder o sentido, mas eu pude me despedir. Todos nós pudemos. O passado está sempre querendo me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS perturbar. Quando nos reunimos todos eu sempre tenho uma lembrança ou outra e fico lutando para afastá-las. Antes eu me rendia fácil a dor que me causavam. Agora luto bravamente e a empurro para longe. ― Vittorio, você pode dizer o que acha. Escolher o preferido. Serve o vinho? ― Confio muito na opinião dele. Filippo e Enzo comeriam pedra triturada, então vão gostar de tudo. O resto pode não ser capaz de dar uma opinião honesta, mas acho que ele vai dizer o que realmente acha. ― Escolher um preferido... não sei se consigo. Vamos provar. ― Todos eles provam, fico distraída observando os rostos. Sorrisos. Suspiros. Gula no caso do meu namorado e do meu irmão. O vinho servido para acompanhar. Tudo tão bom. Quero que meus clientes se sintam exatamente assim. Em casa. Num jantar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS informal. ― Gostei desse aqui de chocolate com chocolate ― Enzo me avisa. ― Prefiro o tiramisú ― Filippo discorda e olho para Vittorio. ― Eu? ― Ele fica em silêncio olhando os doces. ― Difícil. O cannoli de mascarpone está muito saboroso e leve. ― Prefiro o de recheio de doce de leite ― Carmela comenta. Todos parecem concordar com ela. ― Eu também prefiro mascarpone, Vittorio ― Emília concorda com meu irmão e a mãe de Bianca é uma cozinheira experiente. ― A panna cotta e o tiramisú não podem faltar é claro. O salame de chocolate é muito bom. Pode variar entre ele e a palha já que são parecidos. ― Emília, vai acabar ganhando um PERIGOSAS ACHERON
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emprego ― brinco e ela me aperta a mão por sobre a mesa. ― Quando precisar é só pedir. Vou te ajudar. Pode ser que precise de um dia de folga, uma viagem. Um resfriado. Conte comigo. Não tenho idade para trabalhar o dia todo, mas cozinhar uma ou duas vezes na semana será um prazer. ― É muito bom saber ― Filippo avisa. ― Quando tirarmos férias. Ou prolongarmos o fim de semana. ― Nem começou e meu filho já quer férias ― Carmela o repreende e ele lança um beijo para a mãe. ― Vai ter gelato? ― Franco questiona e não tenho certeza. ― O que acham? ― Que só deve ter o bastante para PERIGOSAS ACHERON
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acompanhar alguma sobremesa. Se tiver no cardápio pode acabar virando uma sorveteria como tantas na cidade. ― Bom, Vittorio. Vou fazer isso então. ― Ele sabe o que diz e não sou mais aquela menina intransigente. Posso ouvir um bom conselho agora. ― Inauguro em vinte dias. ― Vou convidar uns amigos. Vovó também. Filippo e Enzo cuidam do evento ― Vittorio avisa e fico feliz de ter que só cozinhar que é o que gosto. ― Kiara esse vinho é o encontro perfeito ― Franco comenta depois de um gole. ― Devíamos brindar ― Filippo se lembra. Todos completam os copos. Olho minha taça e decido que essa será a única bebida alcoólica que vou beber. ― Sim. Vamos brindar a minha irmã. ― PERIGOSAS ACHERON
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Enzo ergue a taça e fazemos todos o mesmo. Fico corada. Com vergonha. Emocionada também, todos brindando a minha vida. ― Sorte na nova vida. Sucesso e todo amor do mundo ― vovó diz com olhos marejados e as taças se tocam fazendo o som alegre do cristal que lembra uma música. ― Obrigada. ― Não sei o que mais dizer e tomo um gole de vinho. Continuamos pela mesa, tomando vinho e comendo doces. Falando sobre o meu futuro trabalho e não sinto como intromissão, parece sempre que é só minha família. Pessoas que amo sonhando comigo. Aos poucos vamos nos dispersando. Enzo vai para o jardim com Filippo e Matteo. Vittorio acha um canto para se isolar com seu celular e sei que está trabalhando. Emília e Carmela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ajudam Bianca na cozinha. Sou expulsa porque é meu aniversário e enquanto Franco e Erico conversam eu me sento com vovó. ― Tem me feito muito feliz, querida. ― Tenho sido feliz, vovó. ― Ela segura minha mão. Beijo seus dedos enrugados. Às vezes me pego fazendo isso. Sendo carinhosa. Filippo me ensina a ser assim sem nem mesmo perceber. Ele me dá tanto carinho que sobra para distribuir aos outros. ― Vejo nos seus olhos. ― Sorrio para ela. Olho através da porta de vidro quando Filippo gira Matteo nos braços comemorando um gol. ― Ele preenche qualquer ambiente ― ela comenta e concordo. ― Qualquer um. Onde ele estiver é cheio de riso e alegria. ― Filippo é contagioso ― vovó brinca. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vovó, amava o vovô? ― Muito. ― Ela sorri. ― Fomos muito felizes. ― Ainda o amaria se ele mudasse? ― Que tipo de mudança? ― De todo tipo. ― Ela aperta mais minha mão. Os olhos carregam um mundo de lições. Dá vontade de mergulhar neles e aprender. ― Por que não faz a pergunta de modo claro. É sobre você e sobre o Filippo. Então não vamos fazer rodeios. ― Tem toda razão, vovó. Nunca fui de rodeios. Eu sou um pouco com ele. Nunca tive um namorado e quero muito que dê certo. Então eu tento não fazer nenhuma tolice, para não estragar as coisas. ― Muito sábio ― ela diz sorrindo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Quando começamos. Parece que faz mil anos, pois mudei muito, mas quando começamos eu era mais fechada. Eu era diferente, vovó. Maquiagem demais. Botas, roupa sensual demais. Aquela tristeza toda dentro de mim que foi passando e eu fui mudando, tenho medo dele achar que não sou mais eu. ― É uma preocupação legitima. Seria se eu sentisse que mudou. Você se apaixona por uma pessoa e descobre que ela é outra é realmente uma decepção, mas não é seu caso. Filippo te conhece de toda a vida. ― Isso é verdade, mas o sentimento mudou. Apaixonado ele ficou só agora. Vai ver ele gosta da maquiagem forte, das roupas, dessa Kiara... ― Para baixo? Da Kiara sofrendo? ― Sei PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS onde ela quer chegar. ― Olhe para ele. ― Olhamos as duas através das portas e lá está ele rindo com Enzo como se os dois tivessem de novo doze anos. Jogando bola e brincando como quando éramos crianças. ― Impossível achar que alguém como ele pode se apaixonar pela sua dor. Acho que tem gente assim, mas não ele. Filippo se apaixonou pela garota que morava dentro da casca que você usava. Usa um pouco ainda. ― Outra roupa, outra maquiagem, isso não muda o que ele sente por mim. Não acha? ― Não. Só muda se ficar com tanto medo de ser você mesma e começar a ser o que acha que ele quer que seja. Isso vai acabar com vocês dois. ― Nunca. Prometo. Tenho vontade de comprar roupas novas. Penso em mim na minha PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS doceria. Preparando doces e atendendo mesas e não consigo imaginar uma garota de tubinho preto e botas até as coxas. ― Como se imagina? ― Nenhum estereótipo em especial, vovó. Não como uma mama dos anos cinquenta, ou uma esposa dedicada. Só roupas novas. Só mais confortáveis. Entende? ― Será que não vai mais parar de me deixar orgulhosa? ― Tomara que não. ― Ela me puxa para um abraço e beija o rosto. ― Parabéns, querida. Te amo muito. Filippo ama quem está aí dentro. Ele nem se importa com o que está por fora. Para de pensar tolices. ― Não sei se ama, mas sei que gosta muito. Que está apaixonado. Como eu. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ama muito esse rapaz. Todo mundo sabe. Agora que acha de me acompanhar ao quarto? Quero dormir. Vejo vocês amanhã. Nem vou me despedir. ― Vamos, vovó. ― Levo minha avó até o quarto dela. Bianca preparou um quarto muito especial e confortável para minha avó. Ela se despede de mim com mais um abraço. Volto para sala. Filippo me abraça. ― Saudade. ― Ele me beija os lábios e depois o pescoço. ― Meus pais já vão. Nós nos despedimos de todos. Os pais de Bianca também partem. Vittorio se despede e vai para seu quarto. Vejo como é difícil para ele e fico feliz que ele tenta. Por ele estaria na Vila. Sinto que ele preferia mesmo um hotel. Quando me dou conta estamos só nós dois na sala. A casa toda em silêncio. Só o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS jardim ainda iluminado. Filippo me segura em seus braços. Passa um pouco das onze da noite. É cedo para um aniversário e desconfio que quiseram nos deixar sozinhos. Penso na camisola sensual que comprei num impulso pensando em usar hoje. Nas velas perfumadas que Bianca prometeu acender no meu quarto para deixar um clima romântico e fico completamente sem graça. Filippo me beija os lábios. Está feliz demais essa noite. Tem um sorriso de menino travesso no rosto o tempo todo e fico querendo nunca mais sair dos seus braços. ― Três abraços e dois beijos ― ele brinca e passo meus braços por seu pescoço. ― Eu contei. Você e seu irmão são muito íntimos. ― Você chegou ao cúmulo de contar? ― Estou pensando em lançar uma PERIGOSAS ACHERON
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campanha. Todas as mídias. ― Eu não duvido que fizesse mesmo isso. Um dia vai ter um outdoor no caminho de casa ao trabalho. ― Não me dá ideia. ― Baby bobo. Quer comer alguma coisa? ― Ele nega, afasta meus cabelos e toca o colo onde o colar descansa. Acho que nunca mais vou tirá-lo. ― Está tão linda. ― Foi o presente mais especial que já ganhei na vida. Obrigada. Filippo se curva para beijar meus lábios. Um beijo casto, quando pensa se afastar eu o seguro, quero mais que um tocar de lábios, então nos beijamos longamente. O medo de parecer ridículo o quarto com velas e a camisola vai embora. Somos um casal e isso é romântico. Aquece nossa história. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acho que podemos subir. ― Ele ergue uma sobrancelha. ― Vai ficar, não é? ― Fico todo dia. Imagina hoje que é seu aniversário. O primeiro que passamos juntos. Feliz aniversário, conchinha. ― Pode verificar as portas e as luzes? Te espero no quarto. ― Sim, senhora. ― Beijos seus lábios de leve e corro para a escada. O quarto está lindo quando entro. Algumas velas aromáticas acesas em pontos estratégicos. Bianca fez um trabalho lindo. Abro a gaveta no closet e pego a camisola. É branca. Queria de propósito uma cor oposta a que costumo usar. Mesmo que caísse no clichê de noite de núpcias eu quis arriscar. É longa com detalhes em renda e por sorte tem um generoso decote que deixa a conchinha à mostra. Quando me olho no espelho PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS a meia luz no closet gosto do que vejo. Eu me sinto bonita. Volto para o quarto e percebo que estou meio sem saber onde ficar ou o que fazer. De pé, no meio do quarto indecisa e emocionada quando a porta se abre. ― Subi correndo no escuro pensando em fan...tas...mas... esqueci ― diz meio atordoado. ― Você está deslumbrante. ― Eu pensei... ― Não sei o que dizer e ele não sai do lugar. Fica me olhando encantado e nem acho que percebeu as velas. Meu coração salta atrapalhado e feliz. Filippo gostou. ― Soube que amanhã é seu aniversário de novo ― fala caminhando em minha direção e rio. Isso me acalma um pouco. Ainda é só o Filippo, meu baby bobo que amo, mas não consigo dizer a ele. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele toca o tecido da camisola. Começa na alça fina e desce com dedos delicados, traça a fenda do decote profundo contorna meu seio, desce lento até minha cintura e quase me esqueço de respirar. Enquanto sua mão envolve minha cintura, os lábios descem para meu pescoço e um jato de sangue parece pulsar em minhas veias. Meu corpo se agita. O simples contato do hálito quente com minha pele e estou a queimar por ele. Ele procura minha boca, o beijo não tem nada de casto. É cheio de desejos e intensões. Cheio de promessas que vão se cumprindo quando sua camiseta deixa o peito nu e minhas mãos percorrem o dorso desenhado. ― É uma linda camisola, mas hoje quero só a conchinha ― ele sussurra em meu ouvido. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― A minha e a sua ― sussurro de volta. A camisola escorre por minha pele e até isso me faz arder. Ele me ergue nos braços, leva até a cama e cobre meu corpo com o seu. O peso de Filippo sobre mim. Esse é meu momento preferido. O que faz existir ser o bastante. Não preciso de mais nada. Apenas nós dois. Cada vez que seus lábios tocam minha pele sinto meu corpo arrepiar. Correspondo com todas as células. Seus olhos estão sempre em busca dos meus. Não temos pressa. É especial, somos nós dois, não porque estamos comemorando qualquer coisa. Somos especiais juntos. ― Kiara ― ele diz de modo urgente e meu nome em seus lábios no momento do êxtase é como um presente. Soa como um apelo por PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mim. Filippo me quer. A pessoa que sou. Essa. Sem roupas, maquiagem, loja de doces, medos, só eu. Está além das coisas mundanas e essa certeza me fortalece. ― Filippo ― digo seu nome com a mesma verdade. Selamos o momento perfeito de entrega com um longo beijo que dura até nossos corpos voltarem a realidade ― Minha conchinha linda. Adoro seu aniversário. É oficial. ― Ele me faz rir no momento em que me aninho em seus braços. ― Comprou essa camisola para nós dois? ― Foi. Agora estou achando meio bobo. ― Eu nunca mais vou esquecer. Entrei no quarto e parecia uma deusa. Esteve linda a noite toda, mas com ela. Sei lá. Gostei demais do branco contra a sua pele. ― Gostou? Acha que fico bem de PERIGOSAS ACHERON
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branco? ― Fica melhor assim. Cor da pele. ― Baby bobo. ― Conchinha. ― Ele beija meu colo. Toca o colar. ― Ficou linda em você. Bati os olhos e sabia que era sua. ― Amei. Agora estou com medo de quando chegar seu aniversário. Não sei como competir com esse presente. ― Camisola. Quero camisola. Aposte nisso. Vamos ousar. Novas cores, novas rendas. ― Quer uma camisola de presente? ― Ele me provoca o riso. ― Sim. Uma não. Várias. Não esquece de pôr você dentro. ― Entre o riso meus olhos encontram os dele e o riso some. Filippo me envolve. ― Quero você, conchinha. Quero você de todo modo. Sempre. Em qualquer cor, nesse PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quarto, de mãos dadas pela rua. Na minha vida. O resto não importa. Não preciso de presente. ― Você me emociona. Diz essas coisas e quero chorar. ― Linda. ― Ele me beija. ― Mas pode me dar presente se quiser.
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Capítulo 24
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Filippo Vittorio e vovó partem logo depois do almoço. É nítido que Vittorio só fica porque não tem nenhuma desculpa para ir embora em um domingo de manhã. Além de vovó Pietra estar encantada com a casa e com Matteo. O pequeno é esperto e consegue tudo da bisavó. Eu e Kiara passamos o domingo em casa. Enzo leva Matteo para um passeio no fim da tarde e nós dois ficamos sozinhos. Depois de jantarmos eu preciso ir para casa. Não tenho roupa para trabalhar amanhã. ― Que acha de ficar comigo lá em casa? É fim de semana de aniversário e só acaba amanhã que é segunda-feira. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acho que tem razão. Chato terminar o fim de semana de aniversário longe de você. ― Muito chato e não tenho roupa aqui. Já você tem lá em casa. Então ficamos lá e amanhã deixo você onde quiser. ― Agora eu tenho carro. Não sei o que escolher. O que acha? ― Que devia escolher um carro bom para seu trabalho. Pode ter que levar coisas de lá para cá. Não sei. Um carro grande. Tipo caminhonete. O que acha? ― Acho que me conhece. Eu gostaria de ter uma caminhonete. Não é um carro de garota, mas eu gosto. ― Carro de garota? ― Passo meu braço por sua cintura. Ela se recosta em mim. ― Sério isso? ― Bem estúpido o que disse. Não tem PERIGOSAS ACHERON
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carro de garota. Está certo. Durante a semana vai comigo? Escolher o modelo e essas coisas? Não entendo nada de carro. ― Muito menos eu, mas posso fazer cara de quem entende e o vendedor não te engana. ― Bom plano. ― Ela me beija rindo. ― Quer ir? Só preciso pegar minha mochila. ― Vamos. Que acha de um gelato por aí? Um passeio qualquer. Podemos tomar alguma coisa em um bar. Quer dançar? ― Dançar? ― É. Eu acho que se quiser sair podemos. Gostava antes e agora quase não saímos. Não quero que faça só as coisas que eu gosto. ― Baby, eu não saia porque gostava. Não danço bem sóbria. Eu só... não queria pensar. Gosto de ficar só nós dois. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu também. Se estamos juntos por mim tudo está bem. Só preciso da minha conchinha. Não consigo ficar sem ela. Quero tentar. Só para ver como é, mas toda vez que temos que nos despedir eu não consigo, nem ela. Ficamos arrumando desculpas para prolongar o tempo juntos. Isso é bom. Querer Kiara o tempo todo, sentir a vida pulsar intensa me faz vivo de um jeito que nunca me senti. Faço planos, sonho, tenho pressa, tenho medo, tudo misturado. Tudo grande. Um turbilhão de emoções. Organizamos a semana. Metade das coisas vai dar errado, mas ela está em pleno vapor com o projeto da loja e organizar é o melhor jeito de dar certo. Bianca assume sua vaga como diretora de qualquer coisa na empresa e começa a trabalhar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS todas as manhãs. Matteo passa a ir trabalhar com Enzo até o meio-dia e é mesmo a coisa mais divertida do mundo ter aquele pequeno perdido pela agência sendo paparicado por todos os funcionários e mexendo em tudo. A semana passa quase toda, nenhum dia durmo longe de Kiara. Já fiz meu plano perfeito de dizer que a amo no dia da inauguração da Kiara Doces. Até já ensaiei as palavras. Precisa ser melhor do que aquele pedido de namoro atrapalhado. Espero que ela não me deixe irritado e eu acabe dizendo eu te amo na hora errada. Os trabalhadores terminam as obras na quinta-feira. Agora faltam duas semanas para a inauguração. Nem sei quem de nós está mais ansioso. Todo mundo quer Kiara bem. As aulas de boxe vão bem. É bom e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS divertido
treinar
com
ela.
É
mais
uma
brincadeira. Um jeito de gastar energias. Além dela ficar linda com roupas de ginástica e luvas de boxe. ― Estou indo ― Enzo diz da porta da minha sala no meio da tarde. ― Voltamos no domingo. Não deixa minha irmã sozinha. ― Não vou deixar. Que ideia. Bom fim de semana que começa na quinta-feira e estou anotando essa sua boa vida. ― Já disse que amanhã trabalho de lá da Vila. Bianca tem a primeira reunião com o meu irmão e estou achando isso o máximo. ― Eles estão bem amiguinhos. ― Enzo ri. ― Está com ciúme por mim? ― Alguém tem que ficar com ciúme nessa relação. Nem que seja uma terceira PERIGOSAS ACHERON
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pessoa. ― Uma terceira pessoa que devia cuidar da própria vida. Se resolverem ir para Vila estamos lá. O Vittorio manda o helicóptero correndo para a queridinha dele. ― Você é bem engraçado com ciúme dos seus irmãos. ― Pior é você com ciúme da minha esposa por mim. ― Sou seu melhor amigo. Matteo vai ser descontado por faltar amanhã. ― Enzo ri. O garotinho já aprontou de tudo aqui na agência. ― Me liga qualquer coisa. Tenho que ir. O piloto está a nossa espera em casa e o Matteo descobriu que vai andar de avião como ele diz. Está quase indo sozinho. A Bianca me ligou implorando para eu ir logo. ― Tchau. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vão ficar lá em casa? ― Não. No meu apartamento. Kiara vai para lá depois que forem para a Vila. Preferimos. É mais romântico e vamos ter um fim de semana... ― Ele balança a cabeça, então me acena e deixa a sala. ― Nem ia dizer nada demais. ― Volto ao trabalho. Tenho uma campanha importante para criar. O lançamento de uma coleção de joias. Enzo prometeu falar com vó Pietra sobre isso. Ela ama joias, não vive sem colares e brincos, anéis e pulseiras. Conjuntos de todo tipo de pedras, modelos exclusivos. Coisas que a deixam feliz e ela deve saber o que a convida a comprar. Estou no meio de uma pesquisa na internet quando uma leve batida na porta me chama atenção. Ninguém bate ainda mais quando a porta nunca fica fechada. Ergo meus PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS olhos. Paola está de pé, sorri como se nada tivesse acontecido. Pisco sem acreditar. ― Oi ― ela diz tranquila. Está linda como sempre. Impecável e perfumada. Meio sem fala pela surpresa eu a convido a entrar. ― Paola. ― Que saudade. ― Ela me abraça. Correspondo. Temos uma história juntos e não carrego mágoas. Afasto-me um pouco para olhar para ela. ― Você está lindo. ― Senta. ― Aponto o sofá, uso uma poltrona para manter distância. Não parece que Paola está entendendo a situação atual. ― Quando chegou? ― Hoje pela manhã. Quase vim direto te ver, mas preferi passar em casa para ficar mais apresentável. ― Bobagem. Está sempre apresentável. PERIGOSAS ACHERON
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Férias? ― Depende. ― Ela pisca longamente e parece algum tipo de sedução. É estranho. Não me lembrava dela sendo assim. Acho que ela não era. ― E a agência? Estão ganhando nome. Eu tenho notado. Meu pai pensa em passar a conta dele para vocês. Falamos por telefone esses dias sobre isso. Eu pedi a ele. ― Ah! ― Fico sem fala. Antigamente esse jeito dela não era um incômodo, mas agora me irrita um pouco. ― Não é comigo nada disso. Essa parte é com o Enzo e os advogados. Nem sei se temos porte para mais uma conta tão grande. ― Quando se recusa clientes é porque tudo está indo mesmo muito bem. ― Ela joga os cabelos para trás e cruza as pernas de um modo elegante. Parece pronta para um clique. É uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dessas poses de capa de revista e chega a me deixar com vontade de rir. ― Isso está mesmo, cada dia melhor. ― Você está bem ― ela constata com um sorriso largo. ― Sim. Você também. ― Paola suspira. ― Podemos sair para jantar? Quem sabe hoje? ― ela convida. Queria muito poder esclarecer as coisas e ter uma boa relação com ela, mas isso não sou eu que decide. É Kiara. Depende do quanto ela fica confortável com isso. ― Me dá um minuto? ― Pego meu celular. Kiara deve estar em casa e não quero mentir sobre Paola estar aqui. Melhor que ela saiba. “Paola está aqui. Se quiser vir me encontrar podemos jantar os três. Você escolhe. PERIGOSAS ACHERON
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Se for um problema tudo bem.” ― Eu não devia ter demorado tanto a voltar, não é mesmo? ― Paola, isso não mudaria nada. ― Ainda seria o fim e eu ainda amaria minha conchinha. ― Estou aqui agora. ― O que pensa que isso quer dizer? ― Quero entender o que se passa com ela. ― Que temos uma história. Que podemos decidir juntos um jeito de passar por cima do que aconteceu no passado. Retomar nossa relação, Filippo. ― Sabe que tenho namorada? Acabei de convidar a Kiara para vir nos encontrar. ― Então finalmente ela conseguiu. ― Finalmente? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Filippo. Vai mesmo dizer que nunca soube dos sentimentos dela? ― Nunca. Nada aconteceu entre a gente até terminarmos. ― Primeiro não terminamos. Não oficialmente. Segundo que Kiara aproveitou sua fraqueza depois daquele acontecimento para atacar. ― Nossa! Temos mesmo muita coisa a esclarecer. ― Olho meu celular. Kiara não me responde. ― Ela não se aproveitou de nada. Aconteceu de modo bem natural. Nos aproximamos por outros motivos e me dei conta de como me sentia. Não é sobre você. ― Foi bem rápido. ― Paola, nós dois não estávamos mais juntos. Sabe disso. Eu entendo aquele seu caso. Eu acho que era inevitável acontecer. Claro que PERIGOSAS ACHERON
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não foi legal, mas não me machucou. Não como pensa. ― Não? Querido, não precisa mentir. Eu tentei falar com você e nem mesmo me atendeu. Acho natural que por orgulho tenha ido procurar consolo. Acho que Kiara é até aceitável. Ela gostava de você e bom... sabemos como ela é... ― Cuidado, Paola. Não vá por esse caminho. Não vou admitir. ― Ok. Sempre me esqueço que ela é irmã do Enzo e que são amigos e sócios. ― Estivemos oito anos juntos, Paola. Oito anos. Abri um site de fofocas e estava beijando um outro cara. Claro que não foi a melhor coisa, claro que fiquei em choque. Só que não foi por isso que não te atendi. Você ignorou muitas coisas. Ignorou que tenho uma família. Que não fui o único a abrir aquele site. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Que meus pais abriram também. Você os magoou. Eu ouvi comentários por aí. Em rodinhas de amigos. Por um tempo as pessoas paravam de falar quando eu chegava. Não foi nada divertido passar por isso. ― Sinto muito por isso. ― Dá para ver que ela não sente realmente, que suas palavras são ensaiadas para me convencer e apenas isso. ― Não sinta. A verdade é que alguém precisava fazer você perder um pouco a cabeça. É jovem demais e parece esquecer disso o tempo todo. ― Eu não gostei de perder a cabeça. Aquilo não foi importante. Foi um encantamento passageiro, durou umas semanas apenas. Foi bom ver como é estar com alguém que pensa como eu, mas acabou. ― Então resolveu me procurar? Depois PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que perdeu o encanto. Achou que eu estava aqui a sua espera? Ela se ergue, anda um pouco pela sala e aproveito para olhar mais uma vez o celular. Custava Kiara responder? “Vem ou não conchinha? Paola ainda está aqui.” ― Penso que termos tido outras experiências foi bom para termos mais certezas. Nunca tinha estado com mais ninguém e acho... Filippo é enfadonho esse jogo de descobertas, de atrair alguém. Gosto da natureza simples da nossa relação. ― O problema é que gosto da natureza complicada da minha relação com a Kiara. Quer um café? ― Não. Tive uma gastrite. Não estou bebendo. A vida lá é uma loucura. Festas, PERIGOSAS ACHERON
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badalação, coquetéis dia e noite. Acho que me pareço mais com minha mãe do que pensei ser possível. ― Eu não sou seu pai, Paola. Eu não quero alguém que cuide das minhas camisas e sorria para meus convidados em festas à beira da piscina. Todo esse tempo juntos e não me conhece. ― Nos compara? Eu e a Kiara? ― Paola. Isso é tão superficial. ― Ela volta a se sentar. ― Claro que comparo as duas histórias. Não comparo as duas pessoas. Comparo como me comportei com você e como me comporto com ela. Comparo o tempo todo como me sentia com você e como me sinto com ela. Isso é humano. Não diminuo você. São só mulheres diferentes. Eu sou o mesmo. Só que reajo diferente com pessoas tão diferentes e a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conclusão é que sou feliz agora e não era antes. Sinto muito. ― Sente muito. ― Ela se recosta no sofá. O corpo ereto. Nenhum músculo, nenhum fio do cabelo fora do lugar. Perfeita como uma estátua de bronze. ― Talvez precise de um tempo para me perdoar. Acho que posso aceitar isso. Esperar até que ela te canse. ― Não vê isso? Não olha para os seus sentimentos? Não gosta de mim, Paola. Não me ama. Nunca me amou. Tudo bem. Acontece ou não e não aconteceu com a gente. ― Por que acha isso? ― Porque não pode se sentar diante de mim com essa naturalidade e dizer que vai esperar minha história acabar e então voltamos a viver uma relação. ― Ela ergue uma sobrancelha com um ar irônico. ― Não pode PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ouvir que tenho outra pessoa e agir como se tivesse todo tempo do mundo para aguardar enquanto me desiludo. Precisa ficar maluca. Precisa ficar brava. Furiosa. Chorar, me odiar, ir embora, brigar por mim. Não sei, mas não pode agir como está agindo. Isso não é amor. ― Quer isso? Quer que eu tenha uma crise? Aí vou ser a pessoa que espera que eu seja? ― Minha mente desperta. Kiara está agora mesmo tendo uma dessas reações que descrevi. Porque Kiara está apaixonada por mim e é como me sentiria se ela me mandasse uma mensagem dizendo que está recebendo um ex-namorado de oito anos e me convidasse para jantar com eles. ― O que diabos eu estou fazendo? ― Filippo, podemos resolver de modo civilizado. Somos bons juntos. Somos simples. ― Não estou civilizado nesse momento PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― aviso enquanto pego o telefone e digito o número dela. Ando pela Atende Kiara. ― Ela vai não grita comigo? Invade cena? Odeio que faz essas fazer caçá-la.
sala angustiado. ― me ignorar. Por que essa sala e faz uma coisas. Foge para me
― Brigaram? ― Paola pergunta. ― Não, mas parece que vamos brigar. Eu disse que você estava aqui. — Paola ri. Não sente mesmo nada por mim ou por si mesma. ― Eu preciso ir. Foi bom te ver. ― Pego meu celular e as chaves do carro. Paola me segura o braço. ― Tenho que ir. ― Filippo. Espera. O que quer com ela? Entende que sua vida vai ser correr atrás de uma garota bêbada que já saiu com metade de Florença? A metade podre é claro. É isso que sonha para você? Passar seus dias atrás dela e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS encontrá-la bêbada e borrada? ― Está tão longe da verdade e isso é tão mesquinho que não combina nem mesmo com você. Não faz isso com a gente. Não traí você. Amo aquela garota, nunca nem mesmo pensei em outra mulher quando estivemos juntos. Não é porque beijou um outro cara. Juro que não. Desculpe te machucar. Podemos ter uma vida razoável. Conviver sem mágoas, mas tem que aceitar que amo outra pessoa. ― Ama? ― Amo. Amo e aposto que ela está nesse segundo estragando meus planos de fazer uma declaração de amor especial. Vai me obrigar a esfregar meu amor na cara dela. Com ela é assim. Calmaria, tormenta, tudo junto o tempo todo e eu amo. Agora eu tenho mesmo que ir. Abro a porta e Paola me segura de novo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Primeiro me olha um momento acho que procura enxergar qualquer coisa em mim. Não tenho nada a oferecer a ela. ― Se mudar de ideia... se... se ela... ― Vou me casar com ela. ― Casar! ― Ela fica surpresa. ― Quero que seja feliz. Talvez eu volte para Paris, talvez eu... ― Procura pelo cara certo. O que vai fazer você perder a cabeça sempre. Perder a cabeça é bom. Não precisa ser como a sua mãe. ― Você é o cara certo ― ela me diz quando decido deixá-la ali e correr atrás do meu amor. Viro-me por um momento. ― Sabia mesmo como ela se sentia? ― Ela afirma. ― Por que nunca me disse? Nunca falamos sobre ela. Nunca nem mesmo insinuou nada. ― Paola encara o chão. Pensa um segundo PERIGOSAS ACHERON
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e quase desisto da resposta por que tenho pressa. ― Eu não seria inteligente se despertasse sua curiosidade. ― Ela ri de modo triste. ― No fundo acho que desconfiava que tinha muita chance de você corresponder. O jeito como estava sempre pensando nela. Preocupado. O modo como a chamava com um apelido idiota e... eu não queria despertar nada em você. ― Era seu direito. Sinto muito por tudo que deu errado com a gente. Tenho que ir. Dirijo para a mansão. No caminho passo na doceria. Quem sabe ela resolveu ir até lá? Nada. Está vazio. Sigo meu destino com medo dela não estar mais lá. Kiara tem esse jeito frágil. Por que eu fui fazer aquilo? Onde estava com a cabeça? ― Atende o telefone! ― Vou acabar batendo o carro. Deixo o telefone sobre o banco PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ao lado. Quando me aproximo da mansão assisto o helicóptero levantar voo. Encosto a testa no volante. ― Kiara, eu não acredito! Vou ter que dirigir até a Vila De Marttino de novo? ― Enfio a cabeça pelo vidro do carro e olho para o céu assistindo o helicóptero sumir pelo horizonte. ― Eu te amo, sua cara de concha esquisita! ― grito feito um idiota. Claro que ela não está me ouvindo. ― E vamos nós enfrentar dragões e cavaleiros até a Vila no meio da noite. Que hora para a Paola aparecer. Agora estão todos lá na Vila e eu aqui. Sem minha namorada. Devia deixá-la de castigo. Não ir só para ela aprender a não fugir e me deixar aqui. Basta ficarmos sozinhos em Florença que perco a garota. ― Cactos, Filippo. Pense seriamente nisso. Cactos. Esse é seu talento. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Acho que deixei umas mudas de roupa na Vila. Não vou nem passar em casa. Como que eu faço para convencer o Vittorio a plantar uva mais pertinho? Quem sabe ele compra o Jardim Baldinni? Deve caber aquele monte de pé de uva e nem precisa de helicóptero. Vou ligar para o Enzo. Pego o celular enquanto dirijo para fora da cidade. Não acredito mesmo nisso. O celular toca meia dúzia de vezes. Jogo o celular para o lado. Devia alugar um helicóptero, mas vou dirigir até lá só para ela morrer de pena de mim. Depois de duas horas na estrada meu celular toca. Finalmente alguém colocou juízo naquela cabeça. É o Vittorio. O que me decepciona um pouco. ― Alô. ― Mando o helicóptero para te buscar? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ele é sempre tão direto. ― Era bom se tivesse me ligado há duas horas. Agora já estou na estrada. ― Ótimo. Tchau! ― Ei! ― grito. Ele é meio doido isso sim. ― Não desliga. Me fala como ela está. ― Como acha? Qual seu problema? Ligar avisando que vai jantar com a ex? ― Convidei ela. Eu... eu... sou meio idiota, mas amo sua irmã. Achei que era bom avisar que a Paola estava lá. Não convidei. Ela chegou e o que eu iria fazer? ― Qualquer coisa que não envolvesse minha irmã chorando ― ele esbraveja. ― Então fica abraçando ela até eu chegar. ― Devia trancar as portas. Isso sim. ― PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele desliga na minha cara. ― Ingrato! ― digo ao telefone antes de jogá-lo de volta no banco e me concentrar em dirigir. Agora que o inverno se aproxima os dias já não duram tanto e o céu começa a escurecer. Pelo menos não vou chegar no meio da madrugada.
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Capítulo 25
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Kiara Paola está com ele? Paola! E ele me manda uma mensagem querendo saber que quero sair com eles? O que ele tem na cabeça? O que acha que estou sentindo? Ela beija outro. Ele descobre por sites de fofoca. As pessoas ficam apontando ele na rua e mesmo assim ele acha que podem ser amigos? É isso? Ele quer que todo mundo se sente em torno de uma mesa de modo civilizado? Ando pela sala secando lágrimas. Eles têm uma vida juntos. Uma longa história. Um passado e Paola é linda. Linda e confiante. Paola é meu oposto. Ele deve estar tão encantado que nem sabe direito o que está fazendo. Por isso essa mensagem descabida. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Nunca me sentaria com ela para uma refeição. Nunca. Não com ela. Lembro de todas as vezes que ela tripudiou, de como ela me olhava de cima, do desdém. De como usava meus sentimentos por ele para rir de mim. Agora me sento lá e fico assistindo os dois relembrarem o passado? Quanto tempo até ele dizer que a ver o fez se lembrar de como eram felizes que ele ainda a ama? Sinto meu coração se partir ao meio. Uma dor intensa e sem fim me toma. Quero ficar longe da verdade. Longe dele e do que ele vai dizer cedo ou tarde. Eu sabia. Sabia que ela voltaria. Sabia que minha felicidade tinha prazo de validade. Não fui feita para ser feliz. Não fui feita para sonhos de amor. Meu mundo é o da noite, do álcool e... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS minha cabeça gira e não sei o que fazer. Fico olhando para o telefone. Outra mensagem. Meus dedos tremem quando pego o celular. Passo a mão pelos olhos. Quero secar as lágrimas para enxergar o que está escrito. “Vem ou não conchinha? A Paola ainda está aqui.” Por que ele me machuca assim? O que espera que eu diga? Não vou. Ele faz o que? Vai sozinho? Então que vá e seja feliz com ela. Não vou ficar no meio de oito anos de relação. Amo o Filippo. Amo a ponto de pensar nele e no que o faz feliz e não vou estar no meio disso. Ao mesmo tempo me sinto morrer por dentro, subo correndo as escadas para meu quarto. Abro a mochila. Atiro todas as coisas pelo chão e o cantil rola para debaixo da cama. Abaixo para apanhá-lo, eu me contorço PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS toda tocando o chão até alcançá-lo e quando toco o metal frio e sento no chão com aquela coisa na mão a crise de choro me toma por completo. Talvez o desespero de tatear e me contorcer em busca dele. Talvez todo o tempo em que me mantive longe. Algo se parte em mim com a certeza que ele não pode mais me ajudar. Que seja o que for eu preciso resolver sem essa muleta. Não sou alcoólatra. Eu não dependo disso e não quero mais estar com a mente entorpecida. Encho o cantil de água no banheiro e tomo uns goles. Pego o telefone. A Vila, eles estão todos lá e sou forte perto deles. Eu não quero ser a garota da maquiagem preta. Não quero estar num bar sendo tocada por ninguém que não seja ele. Só Filippo pode me tocar e não PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vou me entregar a ninguém para apagá-lo de mim. ― Alô. ― Vittorio, vem me buscar. ― Meus soluços me impedem de ouvi-lo. ― Vittorio. ― Estou indo. Fica aí. Exatamente aí. Onde mais eu iria sem o Filippo? Desligo e enfio tudo de volta a mochila. Quero ser forte. Quero ser normal, mas eu não consigo ainda. Eu pensei que estava curada, mas não estou. Não por inteiro. Sento no jardim, seguro firme a mochila. Já fiz isso uma vez. Foi exatamente assim e no meio da madrugada ele estava atrás de mim em seu cavalo depois de enfrentar todo tipo de perigos enquanto atravessava o país e a lembrança do seu exagero me derruba ainda mais e meus soluços me fazem curvar de dor. PERIGOSAS ACHERON
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Burra. Eu sou uma burra. Uma sonhadora burra. Nunca vou ser capaz de competir com a perfeição dela. Não sei quanto demora, mas até o helicóptero pousar eu soluço entregue a essa dor que parece forjada em aço flamejante. Vittorio salta e meu coração parece ganhar qualquer coisa de força. Ele parece sempre uma muralha. Filippo me torturou tanto com essa coisa de abraço e agora eu sinto que preciso do abraço de Vittorio e faço isso. Abraço meu irmão. Ele me envolve em silêncio, pois não sabe dizer nada para a dor passar. Só sabe ser o braço forte que me puxa quando estou mergulhando fundo demais. ― Pronta para ir? ― Faço que sim me soltando dele. Sento no banco ao seu lado e mais uma vez fazemos a viagem em completo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS silêncio. Só minhas lágrimas e soluços parecem sobrepor o som das hélices me levando para longe do sonho de um amor tranquilo. Vovó e Enzo estão na sala. Bianca deve estar distraindo Matteo. Enzo me abraça. Depois vovó. ― Cadê o Filippo? Não podem ter brigado. Sai de lá e tudo estava bem ― Enzo pergunta quando me afasto do abraço acolhedor da minha avó. ― Ele... a Paola está na agência. Voltou. ― Ah! Ela voltaria uma hora dessas. Ficou com ciúme? Brigaram? ― Não, Enzo... eu... eu... ela voltou entende? Linda, exuberante. Ela. A ex-namorada perfeita. ― Aquela mulher está á anos luz de distância da perfeição ― Vittorio se pronuncia. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Nisso eu concordo com o Vittorio e não tenho dúvidas de que o Filippo também. Ele sabe que está aqui? ― Não. Me mandou mensagem dizendo... sei lá. Estou nervosa. Convidando para jantar com ela. Avisou que ela estava lá. ― O Filippo é meio pateta, mas ainda não achei o erro fatal ― Enzo diz com naturalidade. Homens sempre se unem nessas horas. Corporativismo sem limites. ― Acha normal ele nos querer na mesma mesa de refeição? Ele não vai nem mais lembrar meu nome depois de vê-la. Volto a chorar. Todos eles em silêncio. ― Ele lembrou de te avisar que ela estava lá. Foi o que disse ― vovó me lembra e só faço chorar feito uma fraca. ― Vou mostrar as mensagens. ― Abro a PERIGOSAS ACHERON
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mochila. O cantil cai quando puxo o celular. O silêncio se torna mortal. ― Fique com essa droga vovó. Se acham que estava bebendo é bom saber que é água! ― Atiro o cantil sobre o sofá. ― Eu tinha motivos. Eu tinha coisas... eu estava sofrendo. Beber apagava aquela dor. ― Ninguém está te acusando, Kiara ― Enzo me avisa. ― Eu vivia bêbada porque eu não queria lembrar. Não bebi agora. Não quero esquecer o Filippo. Ele é toda memória feliz que tenho nos últimos anos. O resto é só dor. ― Tudo bem, Kiara. ― Enzo me abraça. ― Quando a mamãe morreu... eu bebi tanto... Não fui me despedir dela. ― Eu me lembro. Encontrei você. Está tudo bem. Era só uma menina. Bebeu demais e não conseguiu ir. Nossa mãe não te culparia por PERIGOSAS ACHERON
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isso. ― Não. Eu não fui no enterro porque estava bêbada. Eu fiquei bêbada porque não fui. Eu não podia ir. Eu tinha vergonha dela. Eu achava que não merecia estar lá. Porque o marido dela... ― Você tem que parar de uma vez por todas de se culpar pelo que aconteceu. Era uma criança. Aquele homem é um monstro e um dia vai pagar. ― A voz de Vittorio soa cheia de mágoas. Pesada. Olho para ele. Parece que tudo está de volta de uma vez. ― Não entende. Você não entende como me sinto porque odiava a mamãe. Nem foi se despedir dela. Não foi vê-la no hospital, não foi no enterro. Não... ― Não fui? ― ele grita comigo e fico assustada e um pouco chocada também. ― Nem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sabe o que está dizendo. Ninguém sabe. Ela morreu segurando a minha mão. ― O grito dele não choca mais do que suas palavras. Queixos caídos e olhos esbugalhados de surpresa em todos os três ouvintes que o encaram. ― Vocês ligaram para avisar a vovó. Nenhum de vocês pensou em como eu me sentia. Dirigi até lá. No minuto que ela me disse eu dirigi até o hospital. Esperei a linda e unida família sair quando a noite caiu e entrei. Os médicos me deixavam passar a noite toda com ela. Saia pela manhã e esperava vocês passarem o dia com ela e então eu voltava. Eu ofereci todo dinheiro que tínhamos aqueles médicos. Eu disse que ela podia se tratar em qualquer parte do mundo. Não tinha nada a ser feito. Nada. ― Vittorio ― vovó diz com a mão no peito e a minha dor é a mesma que a dela. Sinto a dor de Vittorio. Sinto tantas coisas. Ele não PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS chora, mas posso ver a dor que sente. As marcas internas. ― Segurava a mão dela da hora que entrava até o dia amanhecer e eu partir. Eu tinha certeza que ela não me queria ali. Tinha certeza que tudo que ela queria eram os filhinhos que ela criou com amor e mesmo assim eu ficava ali a noite toda segurando sua mão, rezando para ela abrir os olhos uma vez que fosse e isso não aconteceu. Os médicos disseram que estava no fim. Que podia ser a qualquer momento e eu prometi a ela cuidar de vocês e depois disso ela se foi. Assisti ao enterro de longe. ― Vittorio olha diretamente para mim. ― Não foi porque sentia vergonha? Pois eu fiquei de longe porque achava que ela não me queria lá. Acho que fica claro que não é muito inteligente tirar conclusões. Quando Anna nos contou a verdade eu soube que estive o tempo todo no lugar certo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Que ela me queria ali nos últimos momentos dela e que eu devia ter estado ao lado do Enzo no enterro da nossa mãe. Escute o que o Filippo tem a dizer antes de tantas certezas. Nesse momento eu não consigo pensar em nada. Só me dar conta de como nós não somos justos com Vittorio. Acho que Enzo pensa o mesmo. Ele está calado. Estamos diante dele e parece que agora que disse tudo Vittorio não tem ideia de como se comportar. ― Melhor conversar um pouco com o Enzo. Vocês se entendem e ele conhece seu namorado. Eu vou deixá-los sozinhos. ― Fica. Fica com a gente, Vittorio. Foi você que eu chamei. ― Kiara tem razão. ― Enzo me ajuda. ― Não vamos deixar eles ganharem. Essa gente que tentou nos afastar e machucar. Só fica aqui. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Trouxe chá. ― Bianca surge. Está escrito em seu rosto que nos ouviu. ― Matteo dormiu. Sentem-se. Vamos todos tomar um chá e só... ficar aqui. Sento ao lado de vó Pietra, que segura minha mão. Vittorio se senta. Pega uma xícara e fica calado. Minha cabeça perdida entre o relato que ouvi e a saudade de Filippo. É ele que me ajuda a digerir essas coisas todas. Tomo um gole do chá. O nó ainda está em meu peito, mas quando olho para eles eu sinto alguma força. ― Você está certo, Vittorio. Nem devia ter fugido assim como fiz. Devia ter ficado e ouvido o Filippo. Talvez eu devesse mesmo ter ido até ele. ― Ele me ligou. ― Enzo olha o telefone. ― No meio de tudo isso eu não... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Tome o chá, Enzo. Depois fala com ele ― vovó pede. ― Acho que vou subir e descansar um pouco. Minha cabeça está doendo. ― Fico de pé. Olho para eles, por último Vittorio. ― Obrigada por ter segurado a mão dela. Sinto tanta paz em saber que estava lá com ela. ― Foi sem sofrimento. Só... só parou tudo. ― Sinto vontade de chorar de novo. Não quero. Respiro fundo. Olho para Enzo e depois para ele de novo. ― Enzo tem ciúme de nós dois. ― O que? ― Vittorio fica sem reação e noto que em alguns momentos ele parece mais menino do que eu e Enzo. ― É. Ele quer que eu goste mais dele. Quer que você goste mais dele. Enzo é um ciumento. ― Então me curvo e beijo seu rosto. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Mas eu gosto dos dois, igual. ― Tanto esforço. Só por que não tenho um helicóptero? ― Enzo tenta brincar e apenas nós dois rimos. Um dia Vittorio ainda vai rir conosco. Se ao menos Filippo estivesse aqui. Fico olhando para meu telefone depois de lavar o rosto e tomar um analgésico. Talvez seja melhor só descansar um pouco e pegar o helicóptero de volta para Florença. Olhar nos olhos dele e saber o que se passa. Será que ele foi jantar com ela? Talvez nem tenha descoberto que estou aqui. Posso até voltar sem ele saber que vim e conversar. Ou avisar que estou aqui e esperar até amanhã. Fecho os olhos assistindo o tempo passar. Por que ela tinha que voltar e estragar minha felicidade? Ainda estão todos na sala quando desço. Não vim jantar, mas sei que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS possivelmente ninguém jantou, mas gosto de ver Vittorio ali com eles. conversando sobre vinho.
Todos
trocados
e
Escuto o carro. Quando um motor desliga meu coração descompassa. Ganho todos os olhares e sei que é ele. Minhas pernas fraquejam. Ele veio. Filippo viajou horas de novo. Meus olhos ficam cheios de lágrimas quando a porta se abre e ele entra apressado. ― Quantas vezes eu vou ter que atravessar o país a cavalo no meio da noite enfrentando todos os riscos que existem lá fora para você entender que eu te amo, sua cara de concha confusa? ― Filippo! ― Ele disse que me ama. Ele atravessou o país e enfrentou perigos para dizer que me ama. Nem consigo me mover. ― Para de estragar meus momentos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS especiais. Eu te amo. Quero casar com você. Nem tive a chance de comprar um anel e pedir direito. ― Quer casar comigo? ― Ele caminha até mim. Mal posso enxergá-lo por conta das lágrimas. ― Te amo, conchinha. Casa comigo? ― Amo tanto você. ― Abraço Filippo. Meu coração em meio a uma explosão que me assusta. Ele pode simplesmente parar de funcionar a qualquer momento. ― Quero casar com você. Só o que quero na vida é parar de arrumar desculpas para não ficar longe de você. Eu amo você. Filippo sorri. Ele tem o mais bonito sorriso do mundo. Penso nisso antes dos lábios deles tomarem os meus num beijo cheio de amor na frente de todos e não ligo. Amo Filippo e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estou em casa. Com as pessoas que amo. Ele afasta um pouco meus cabelos. Seca minhas lágrimas. Os olhos brilham. ― Não chora. Se visse o dragão milenar que tive que enfrentar. Ainda bem que nunca saio do castelo sem minha espada, mas eu faria tudo de novo por você. Dessa vez eu o puxo para um longo beijo. Quando nos afastamos todos estão em silêncio. ― De Marttinos. Entrei para a família. ― Filippo anuncia. ― Só se parar de se drogar. Que história é essa de dragão? Espada e castelo? ― Enzo questiona e só rimos os dois. Antes de mais um beijo. ― Vittorio ou você vende seu helicóptero para ela parar de fugir de mim ou me compra um para correr atrás dela. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Nunca mais vou fugir, baby. ― Não precisa, conchinha. É você que eu amo. Isso é tão claro para mim. É a única certeza que tenho na vida. Amo você. Só você e é a única mulher que eu já amei na vida. ― Posso abraçar os noivos? ― Vovó se aproxima. Primeiro ela me abraça, depois Filippo. ― Só mesmo essa notícia para encerrar esse dia com tanta alegria. Estou feliz por vocês. Por todos nós. ― Quero me casar aqui na capela, vovó. ― Olho para Filippo. ― É disso que estamos falando, não é? Casamento mesmo. Com vestido e aliança? ― É. Se parar de fugir eu consigo um tempinho para comprar um anel. Meu plano era pedir na inauguração. Tinha um discurso ensaiado, mas você me obrigou a esfregar nessa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sua cara de concha a verdade antes da hora. ― Eu não preciso de discurso. Nem de anel. Só preciso de você. ― Vamos todos desejar felicidades aos noivos e deixá-los. Eles estão precisando de privacidade. ― Bianca se aproxima. Recebo seu abraço e depois o de Enzo. Vittorio se aproxima. ― Tenho certeza que vão ser muito felizes, Kiara. Parabéns. ― Ele tenta sorrir. ― Quero que entre comigo na igreja Vittorio. Mamãe ficaria orgulhosa de ser você. ― Eu o abraço. ― O que foi que eu perdi? ― Filippo pergunta me fazendo rir enquanto me afasto de Vittorio. ― Boa sorte com sua escolha ― Vittorio brinca antes de apertar a mão de Filippo. ― Estou de olho. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu sei que está. Somos parentes agora. A família se dispersa e ficamos os dois na sala. Abraçados e nos olhando. Ele me beija de leve. ― Desculpe perder a cabeça. ― Desculpe não usar a minha ― ele brinca. ― Tem tanta coisa que temos que conversar. ― Tenho coisas para contar também. Só que agora só quero que fique me abraçando. ― Recosto em seu peito. ― Posso fazer isso lá no quarto. O que acha? ― Ele convida e sorrio. ― Muito boa essa sua ideia. ― Puxo Filippo pela mão. ― Você é minha noiva agora. Não é mais namorada. Primeira noiva que eu tenho. Vamos ter que aprender como funciona isso de noivado. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Única Filippo. Única noiva e eu sei direitinho como funciona isso de noivado. Pode deixar que vou ensinar. ― Possessiva e ciumenta. Tem alguém amando ― ele provoca e me faz rir. Eu passei por tantas emoções hoje, mas estar rindo agora e no topo da felicidade é muito inesperado. ― Te amo, baby bobo.
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Capítulo 26
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Filippo ― Vai casar comigo ― lembro a Kiara e ela se ajeita em meus braços. Puxo o edredom para aquecê-la, tantas coisas para conversar, mas só conseguimos entrar no quarto e nos entregar. ― Tive medo de você dizer não. De ter estragado tudo. ― Dizer não? Eu nunca conseguiria. ― Ela se encolhe em meus braços. ― Você é muito ciumenta. Precisa controlar isso. Fazer algum tratamento. Eu sei que sou bem irresistível, mas isso já está virando doença. Você me persegue. ― Filippo, você é tão idiota. ― Kiara tenta ficar séria, mas acaba rindo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Gostei que teve ciúme. Achava que nem ligava para mim. ― Ela se move e ficamos nos olhando. ― Foi por isso que me mandou mensagem? Queria me provocar ciúme? ― Acredite. Essa foi a última coisa que pensei. Eu quis ser honesto. Quis mostrar que pode confiar em mim. ― Ela coloca uma mexa de cabelo atrás da orelha. O rosto corado e um olhar atencioso. Eu me movo só para beijá-la antes de continuar. ― Pensei em te encontrar no fim do dia e dizer, sei lá, durante o jantar, estive com a Paola hoje, ela foi no meu trabalho. Pensei que isso iria parecer, não sei, enganação. Então mandei a mensagem, algo como “Paola está aqui. Venha e veja como eu não me importo”. Não deu muito certo. ― Tadinho! ― Ela me beija rindo da PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS minha cara de decepção. ― Como foi? Você... sentiu alguma coisa? Não vai dizer de qualquer modo. ― Dragões milenares, se lembra? Por você, não por ela. ― Ela faz um movimento afirmativo. ― Foi bom, foi importante e necessário. Paola é boa pessoa, ficou meio chocada, acho que na cabeça dela eu estava esperando por ela. No fim entendeu. Eu disse a ela que amo você. Disse que íamos nos casar. ― Disse essas coisas? Já sabia? Já tinha certeza que queria casar comigo e disse a ela? ― Sim. Como eu disse, tinha planos, mas foi do nosso jeito e tudo bem. Como tinha que ser. Essa coisa de declaração as margens do rio com cadeado e discurso é mais a cara do Enzo e da Bianca. Com a gente é diferente e cada coisa no seu lugar. Esse é o nosso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Foi tudo lindo. Muito melhor que meus sonhos. ― Sonhando com um pedido de casamento. Apaixonada por mim. Me desejando desesperadamente. ― Menos, Filippo. Um pouco afim de você. No máximo. ― Ela é linda. Enruga o nariz e quero apertá-la em meus braços. Ela me beija. ― Paola sabia. Sabia que você era louca por mim. Ela me disse. ― Eu sei disso. Muitas vezes... esquece. ― Kiara quer afastar os pensamentos, mas eu quero saber de tudo. ― Muitas vezes o que? Não quero segredos entre nós. O que? ― Ela desdenhava um pouco de mim. Tinha um ar superior e me provocava. Nada que eu não respondesse a altura, mas machucava PERIGOSAS ACHERON
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mesmo assim. ― Fio estranho vê-la dizer coisas ofensivas, porque ela é mimada, superficial, mas não é má. Paola é só muito rasa, mas é um ser humano e não é perfeita. ― Eu achava que era. Entendi muitas coisas hoje. Aprendi que a aparência não significa nada. É que ela é tão linda, e fina, sabe sentar, sabe falar, sabe andar e nunca desse o nível ou eleva a voz. Parecia perfeição para mim. ― Não é. Acho que no fundo nem ela gosta de ser como é. Apenas foi educada desse modo e tenho certeza que tudo isso que aconteceu vai ajudar a Paola a descobrir quem é. Ela ainda vai ser feliz. ― Apesar de sentir ciúme e eu sinto muito nesse momento. ― Kiara me alerta. ― PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Acho lindo isso em você. Respeitá-la, sentir carinho, não desdenhar. Isso é maduro, bonito. Gosto que seja assim. ― Conchinha, é uma história totalmente superada. Por isso tenho o distanciamento necessário para agir assim. Se fosse você. Acredite, seria bem diferente. ― Porque você me ama. Quer inclusive casar comigo. ― Inclusive eu quero casar logo, antes queria te dar um tempo, esperar você estar mais resolvida, mas está claro que você é tão apaixonada por mim que não suporta a distância, então o melhor é casar logo com você. ― Como um favor? Por que é muito generoso? ― Kiara brinca enquanto acaricia meu rosto. ― É. Eu tenho esse coração incorrigível, PERIGOSAS ACHERON
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sou assim. Benevolente e generoso. É minha natureza. ― E eu tenho muita sorte de ter você? ― Não quero me gabar, mas sim. Você deu sorte. Caiu nas minhas graças, aproveite a oportunidade. ― Tá. Agora volta para a realidade ― ela exige e eu a envolvo, aperto Kiara, beijo seus lábios e ficamos nos olhando por um longo momento. Como é linda, delicada, encantadora. ― O que foi? ― ela pergunta quando percebe meu olhar perdido na beleza dela. ― No que está pensando? ― Uni. ― Para! ― Ela me morde o ombro. ― Aí! Perguntou. Queria que eu mentisse? Não me morde que conto para minha mãe e ela vai salgar sua comida de vingança. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Te amo. ― Ela volta a se acalmar. De novo se deita em meu peito e suspira. ― Vittorio esteve o tempo todo com a minha mãe. No hospital. Ele estava lá e eu não sabia. ― Sempre achei que ele tinha ido. ― Ela se senta. O corpo nu fica a mostra e Kiara procura minha camiseta. Veste e enrola os cabelos para ajeitá-los. Um segundo depois eles se espalham de novo pelo rosto. Encosto na cabeceira da cama. Passo as mãos pelos cabelos. ― Depois que o seu pai morreu eu vinha para cá com o Enzo, de vez em quando. Sua vó convidava e nesse tempo o Vittorio estava aqui. Assumindo as coisas do vinhedo e da empresa. Dava para ver que ele se preocupava com vocês. Perguntava de você. ― Quando não fui mais obrigada a vir ver meu pai eu simplesmente parei de vir. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Achava meu pai um monstro e ele era mesmo, mas achava que tinha sorte de ter um novo pai. Um que gostava de mim. Quanta tolice. ― Vocês conversaram? Ele contou? ― Vittorio não conversa. Vittorio explode e desabafa em meio a uma crise. ― Tudo que sei dele descobri assim. Ele contou que esteve o tempo todo com ela. Que ela segurava a mão dele quando se foi. Que ele fez tudo que pode e isso é tão importante para mim, ele não faz ideia. ― Disse a ele? ― Quando meu pai morreu estávamos aqui. Não foi algo lento e esperado como a mamãe. Ele sentiu uma dor forte no peito, aí foi se deitar e passamos lá, eu e o Enzo, no quarto dele. Ficamos uns minutos até o médico chegar. O Vittorio também estava. Meu pai deu um PERIGOSAS ACHERON
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milhão de recomendações a ele sobre o trabalho. Não disse nada sobre sentimentos, nem para ele, nem para nós, mas estivemos ali. O médico disse que ele precisa de atendimento e uma ambulância chegou e ele se foi e no fim do dia soubemos da morte dele. Ficamos até o fim do funeral. Vovó estava abatida, o Vittorio meio em choque. Ele cuidou de tudo e depois o motorista nos levou de volta para casa e para a mamãe. ― E achava que ele tinha ignorado sua mãe? ― Eu não queria ter estado com meu pai naquele quarto. Não me entendia com ele, não estava feliz, também não achava que ele ia morrer, achava que homens como ele não morriam. Papai era muito forte. Alto. Igual ao Vittorio. Mesmo assim fiz por ele. Por meu pai. Então achava que mamãe merecia o mesmo e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS imaginava que o Vittorio era frio e vazio de amor. Porque deu as costas a própria mãe, mesmo sabendo que ela estava morrendo, por pura mágoa. ― Agora sabe que ele não fez isso. ― Sim. Amava meu irmão mesmo com esse sentimento e agora só sinto amor mesmo, como o que sinto pelo Enzo. Isso é bom. ― Só que não disse a ele. ― Filippo, o Vittorio não gosta de falar de sentimentos. Eu tenho tentado mostrar. Às vezes é melhor que uma conversa. ― Eu vi que convidou ele para entrar com você na igreja e achei perfeito. Agora só falta dar muito abraço nele. Nem a vovó faz isso. Coitado. ― Perdeu quando disse que gosto dele igual gosto do Enzo e dando um beijo no rosto PERIGOSAS ACHERON
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dele sem nenhum motivo aparente. ― E ele saiu correndo apavorado? ― Ela ri. Gosto de vê-la assim. Rindo. Fica tão linda. ― Não. Fez cara de Vittorio. Você sabe. Mantenha distância. ― Sei. Ele fica sem saber o que fazer. ― Acha que o Enzo fica mesmo com ciúme? ― Não. Ele quer muito unir todo mundo. Claro que ele deve sentir qualquer coisa, mas nada que seja problema. Ele vai ser meu padrinho de casamento. Já decidi. ― Filippo. Ele tem que ser meu padrinho. Sou muito fechada, não tenho muitos amigos. ― Ah eu não tenho nada com isso. Convidei ele na infância. Não posso desconvidar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Você é ridículo às vezes. ― Ela faz bico e vem para meus braços. ― Vou casar sem padrinhos e todo mundo vai rir que sou uma solitária esquisita. ― Azar seu. ― Kiara me olha torto. ― Quando vai casar comigo? ― Estou padrinhos.
repensando.
Não
tenho
― Não vem querendo me enrolar. Não precisa de padrinho, precisa de noiva, noivo e padre. Você faz o papel da noiva, eu faço do noivo e a gente arruma um padre. Pronto. Isso basta. ― Me ama muito, quer muito se casar comigo. ― Ela me imita. É isso mesmo que quero. Passar o resto da vida com ela. ― Vamos ter filhos. Dois filhos. O que acha? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Bom plano. Vamos morar no seu apartamento. Já vou avisar o Vittorio. É capaz dele dar uma mansão como aquela de presente de casamento. ― Isso. Estou quase fechando a compra do apartamento vizinho. Nossa casa vai ficar do tamanho certo para nós quatro. Eu, você e os meninos. ― Ou meninas. ― Ou meninas. ― Vou comprar roupas novas, Filippo. Acha que vai me amar do mesmo jeito se eu aposentar as botas? ― Vou. Amo o que está dentro. Por fora só gosto da cara de concha. ― Não me irrita mais quando me chama assim, não agora que sei que ama conchas, quis dizer “eu te amo” quando me contou isso. ― Eu PERIGOSAS ACHERON
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a puxo para se deitar de novo, fico sobre seu corpo. Ela ri enquanto me olha nos olhos. ― Pelos meus cálculos, se tivesse dito, a essa hora, já estaríamos voltando da lua de mel. ― Acha que já me amava? ― Acho. Acho mais. Acho que são apenas duas da manhã, o que significa que temos uma longa noite pela frente e que podemos usá-la para dormir ou para namorar. A escolha é sua. Sempre sua. ― Namorar. Sempre namorar ― ela diz antes de me puxar para um beijo. Tomamos café com todos os De Marttinos reunidos. O clima está ameno, só Vittorio ainda mantém o ar distante e sério, os outros riem e gosto de vê-los assim. ― Por que não ficam o fim de semana já que estão aqui? ― vovó convida. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Tenho muito trabalho na agência, vovó, a Kiara tem que terminar os detalhes da doceria. ― Quando vai ser esse casamento afinal? ― Enzo pergunta. ― Dois meses ― Kiara anuncia. ― Em duas semanas inauguro, aí podemos começar a planejar o casamento. As duas coisas juntas não consigo. ― Certo. Vou aproveitar esse tempo para fazer uma pequena reforma na capela. Faz tempo que planejo isso. Vittorio... ― Como quiser, vovó. Mando um arquiteto aqui. ― Obrigada, querido. ― Decidimos morar no meu apartamento ― aviso a família. ― Vittorio eu sei o quanto quer me dar uma mansão, mas a Kiara e eu PERIGOSAS ACHERON
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preferimos um lugar menor. ― Estava ansioso para te dar uma mansão, Filippo. Acabou com meus sonhos. ― Vittorio se ergue. Até que ele anda bemhumorado. ― Bianca nossa reunião fica para as duas da tarde. Surgiu um imprevisto e tenho que ir ao escritório. ― Espera, Vittorio ― Kiara pede e ele se volta. ― Bom trabalho. Vai estar na inauguração? ― Sim. Convidei uns amigos. Bom... café. Esperamos em silêncio até ele partir. Depois trocamos olhares. ― Ele é muito difícil ― comento. ― As garotas devem penar para conquistá-lo. Nem um sorrisinho. ― Vamos, Filippo? ― Kiara me convida. PERIGOSAS ACHERON
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― Estou animada para resolver as coisas. ― Chegamos domingo pela manhã. ― Enzo me avisa. Eu o abraço. ― Estou feliz por você, mais do que pode sonhar. ― Eu sei. Te vejo em casa. Vou cozinhar. ― Matteo vem para o meu colo. ― Tchau papai. ― Queria muito acreditar que isso é por mim, mas é pelo helicóptero. ― Se deu mal, pequeno. ― Filippo beija Matteo. ― Vamos de carro. Porque sua tia fugiu de mim e eu tive que... ― Enfrentar toda sorte de perigos para resgatar sua donzela. ― Enzo termina a frase pegando o filho no colo. ― Cuida da minha irmã e vê se não perde ela. Se não eu mesmo vou ter que te comprar um cacto. ― Fala para ele, conchinha, que me ama PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS e não vai mais fugir. ― Não vou. ― Depois de mais abraços seguimos de volta a Florença. ― Acha que seus pais vão gostar? ― ela me pergunta no meio da viagem. Minha mãe está louca por ela. Claro que vão aprovar. Sem chance de não gostarem. ― Tenho certeza que sim. ― Gosto da sua mãe. Gosto dos dois. Não me lembrava que eram tão alegres. Fiquei tanto tempo mergulhada na escuridão. Hoje fico pensando em como fui covarde. ― Fala como se tivesse maturidade. Era uma menina, Kiara. Apenas uma menina. Até que foi bem. ― Passado. Tudo passado. ― Sim. Passado. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Quando o Enzo voltar quero ir até nossa velha casa. Está na hora de voltar lá. Remexer todas aquelas coisas. Abrir a casa, resolver o que fazer com tudo que tem lá. Depois quero vender. ― Tem certeza? ― Tenho. Quero começar nossa vida sem nada do passado no caminho. Fechamos a casa e partimos. Não tivemos forças para remexer aquelas coisas, mas tem fotos, tem lembranças. Coisas que quero guardar e coisas que quero queimar. ― Vou estar com você, conchinha. ― Sei que sim. ― Ela se estica para me beijar, volto minha atenção para a estrada. ― Vai ser a última coisa que eu e o Enzo vamos fazer sozinhos, sem o Vittorio. Acho que ele sofreria demais ali. No meio daquelas coisas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS todas que ele foi impedido de ter. Entende? Ele se sentira excluído. ― Ele foi excluído. Você tem razão. É bom ser algo seu e do Enzo. ― Se não fosse você... eu ainda estaria lá. ― Mais fé em si mesma, cara de concha. Ela me sorri com os olhos brilhantes. Tudo se torna correria. A inauguração toma todo nosso tempo. Convites, coquetel, decoração, tudo feito por ela com a minha ajuda e da família. Emília, mãe de Bianca ajuda muito com seu talento para cozinha. Minha mãe também ajuda, mas seu talento é outro. Ela calcula preços, ajuda a decorar e organizar e no fim, a união de todos faz com que tudo fique pronto na hora certa. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Oi! ― Kiara salta de susto. Está perdida em sua doceria ainda vazia dando uma última olhada quando chego para encontrá-la. Está linda. Jeans, tênis e camiseta. Rabo de cavalo e uma camisa xadrez amarrada na cintura. ― Que susto, baby. ― Ela vem para meus braços. ― Não te vi chegar. ― Te amo, sabia? Está tão linda. Ansiosa? ― Apavorada. Queria só abrir as portas amanhã. Sabe? Sem isso de coquetel, só trabalhar. Não gosto de ser o centro das atenções. ― Conchinha, não será o centro das atenções. Os doces serão. ― Ela faz careta e me beija. ― Vamos almoçar? ― Sim. ― Ela se afasta e me mostra uma PERIGOSAS ACHERON
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mesa posta. ― Surpresa. Vamos almoçar aqui. Preparei almoço. Só nós dois. Antes de abrirmos as portas. Uma comemoração. ― Você é bem romântica. ― Beijo seu pescoço. ― Dei muita sorte mesmo. Sorte de ter você. ― Eu que tive. Me salvou de tantos modos. Nunca vai saber. Obrigada. ― Não tem que agradecer. Tem que me amar. ― Puxo sua mão até a mesa que ela preparou. ― E me alimentar. ― Faço os dois com tudo que tenho. ― Sim, é verdade ela faz, Kiara me enche de amor e comida. Sou seu provador oficial. Ela confia mais em Vittorio, mas eu estou mais a mão, então ela me usa para experimentar tudo que prepara, também sou eu a receber todo seu amor que não é pouco. Kiara tem doçura. Paixão e me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS faz me apaixonar todos os dias. Ela está em constante transformação. Por fora tem pouco da garota que um dia Enzo me pediu para ficar de olho enquanto viajava. Por dentro é a mesma essência, mas cada dia mais forte. Foi preciso coragem para olhar para dentro de si mesma, reconhecer as fraquezas, lidar com elas, vencer dia a dia e ser hoje a pessoa forte que vejo nascer. ― Te amo, conchinha. ― Ela ergue os olhos da travessa que acaba de colocar a mesa e sorri. ― Amanhã vai ser um grande dia. Vou estar do seu lado, mas não vai precisar de mim. Isso é o que mais amo. É tão forte agora. Não precisa de mim. Mesmo assim ainda me quer aqui. ― Porque eu te amo. ― Eu sei, posso sentir. ― Kiara se dobra PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS para me beijar. ― Agora vamos comer. Chega de romance. Ainda tenho que voltar a trabalhar. ― E hoje sou eu que vou buscar você no trabalho com a minha caminhonete ― ela brinca e fico feliz. O carro combina com a mulher que ela está se tornando. Dona de si mesma. Forte. Inteira.
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Capítulo 27
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Kiara Depois que Filippo volta para a agência eu me concentro no trabalho. Estou sozinha terminando os doces para o coquetel de abertura. Quero que seja tudo perfeito, quero que cada um desses doces tenha a minha marca. Meu toque. Quero que estejam impecáveis. Gosto do perfume que se espalha, do avental sujo, gosto da pressa. Tudo meio corrido. Fazer várias coisas ao mesmo tempo. A mente limpa, nada além de pensar nas caldas fervendo, no freezer, na temperatura do chocolate. Na delicadeza das finalizações. Por volta de seis da tarde tudo está pronto. Agora é só chegar cedo para colocar os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS doces nos lugares certos, ajeitar as mesas e está pronto. Os vinhos estão na prateleira, as taças, pratos, talheres. Tudo limpo e semipronto. Meu coração se aquece quando escuto o tilintar do sino na porta. Tem uma placa escrito fechado, mas alguém resolveu entrar e me volto para avisar que apenas amanhã vai estar aberto. Paola invade o espaço, impecável como de costume. Os olhos dela correm pelo ambiente. Limpo as mãos no avental. Ela observa com um sorriso de desdém. Talvez ela seja mesmo uma ótima pessoa com o resto da humanidade, mas nunca foi comigo. ― É mesmo você? ― pergunta diz quando tiro o avental e dou a volta no balcão. ― Estamos fechados. Vai ter que voltar um outro dia. ― Ela ergue uma sobrancelha. ― Ficou bonito. Sem glamour, mas com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS algum charme. ― Escuto os saltos tocarem o chão enquanto ela anda pelo salão olhando tudo. Para em frente os vinhos. Pega uma garrafa e encara o rótulo. ― Kiara. ― Sim. Exclusivo. É um bom vinho. Desenvolvido para mim. Ideia do Filippo. ― Publicitário. ― Apaixonado ― corrijo. Ela não pode me atingir. Não pode me machucar. Nem mesmo me deixar com medo. Estou forte sobre nós dois. Filippo me ama e vamos construir uma vida juntos. Já estamos fazendo isso. ― A maquiagem está ótima. Natural ― ela diz me observando atenta. ― Não tenho tempo para maquiagem. Não mais. Sou uma cozinheira agora. Com muito orgulho. ― Parece que sim. Acha que pode fazê-lo PERIGOSAS ACHERON
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feliz? ― Paola, eu e você não temos nada para falar. Não entendo o que veio fazer aqui. ― Ter certeza. Vim ter certeza se pode fazer o Filippo feliz. ― Nenhuma de nós duas pode. Isso é com ele. Aprendi tem pouco tempo. Ninguém é dono da felicidade de outro. ― Filosofia barata. ― Possivelmente. ― Nós nos olhamos. ― Tenho que ir. Preciso encontrar Filippo e marquei às seis e meia. Logo ele começa a ligar, se puder... ― Aponto a porta. ― Vão casar. É o que ouvi. ― Sim. Ouviu certo. Em dois meses, pouco menos. ― Filippo, sempre foi... impulsivo. Um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sonhador. ― Sonhamos juntos agora. ― Ele lida bem com tudo? Você sabe, os outros caras, a bebida. Vadia não é mesmo? Foi o que me disse uma vez. ― Essa vadia aqui não beija um cara quando namora outro. Essa vadia aqui não deixa que ele descubra isso em site de fofoca. Essa vadia aqui ama o seu homem e dá a ele tudo que ele precisa. Recebe em dobro e não tem vontade de ser a vadia de mais nenhum outro. ― Vulgar ― ela diz meio assustada, tanto que me faz rir. Sinto certo orgulho de ver como estou forte para a encarar sem me diminuir. Sinto um pouco de pena em assistir sua confusão emocional. ― Paola, eu não sei o que veio fazer aqui. Se veio me machucar não pode. Se veio PERIGOSAS ACHERON
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tentar nos separar não vai conseguir. Segue seu caminho. Aqui, em Paris, tanto faz. Só me deixa, nos deixe. Você é maior que isso. ― Sou ― ela diz por fim. ― Se Filippo quer isso... uma garota como você. Um lugar como esse. Uma vida como essa. Realmente não podemos ficar juntos. Eu sou de outro mundo. Foi isso que vim fazer aqui. Vim ter certeza. Vim olhar para você. ― Então já pode ir. ― Kiara De Marttino. Sua família sabe o quanto ele é... nem sei como chamar, mas o Filippo não gosta da pompa do seu sobrenome, não fica à vontade com tanto glamour. ― Então ele está na família certa. Somos apenas uma família. ― Isso também parece que é novidade. Até onde eu sabia era só o Enzo correndo atrás PERIGOSAS ACHERON
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dos irmãos problema e o Vittorio fingindo que não existiam. ― O que prova que não sabe nada sobre nós ou sobre o Filippo. Foi além de todos os limites e não tem ideia do quanto eu posso ser vulgar. Por favor vá embora enquanto é tempo. ― Tem razão. Boa sorte na inauguração. ― Ela caminha para a porta. Abre, mas para antes de sair, e me olha por sobre o ombro com um ar superior. ― Veja se não toma todo o vinho. Deixe alguns para vender. Meu ataque de riso a irrita e ela sai intempestiva batendo a porta de vidro. Foi como um filme, engraçado, mas também uma aventura. Quando o riso passa eu me dou conta que estou imóvel e de pernas bambas. Suspiro e sento na cadeira mais próxima para me recompor, quando me vejo de novo calma eu me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS coloco em movimento. Fecho tudo e caminho para o carro. Foi melhor assim. Um último encontro. A prova final. O confronto me deu certeza de que agora sou forte, mais ainda, ele me deu certeza que Paola e Filippo não combinam, que ela não é um risco e não ligo a mínima se ela vai ou fica. Paris ou Florença, Paola não está no meu caminho e isso é mesmo muito bom. Filippo senta ao meu lado e me beija, só então coloco o carro em movimento. Ele está animado, também ansioso e feliz. Muito mais feliz que eu. Vovó e Vittorio chegam essa noite. Meu irmão vai receber os amigos Stefanos. Tenho quase nenhuma lembrança deles, só um pouco de Lissa Stefanos, que sempre foi gentil comigo, lembro de ficar dois dias na ilha, eu e Enzo, na casa deles, meu pai PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nos deixou e só retornou na hora de nos buscar. Eram nossas férias com o papai, mas estávamos sempre jogados por aí. Eles vêm para inauguração. Vão ficar num hotel e Vittorio vai jantar com eles. Vovó vai com eles. Amanhã eles vão para o coquetel e isso vai com certeza ganhar uma notinha no jornal. ― Paola esteve comigo hoje. ― O que? ― ele pergunta sério. Sorrio. ― Foi atrás de mim. Estou bem, não se preocupe. Se quer saber achei bom. Acertamos algumas coisas. ― Desculpe por isso. Achei que tinha sido claro ― ele pede se recostando no banco do carro. Dou de ombros. ― Acho que você foi. Ela só quis... não tenho certeza, acho que quis me desafiar, mas eu PERIGOSAS ACHERON
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me senti forte. Lidei com ela sem medo. Melhor que isso, fui calma, antes eu a atacava para me defender, mas dessa vez eu não precisava me defender e foi tudo bem. ― Não esperava por isso. Achei que tudo tinha ficado resolvido, mas fico orgulhoso de não estar nesse momento indo buscar meu cavalo para caçar você. ― Disse que não fugiria e não vou. Estou bem. Estou mesmo ótima. Se tem algo me tirando o chão é esse coquetel, não a Paola. ― Bom. Muito bom. Tudo pronto? Quer falar sobre a Paola ou só... seguimos em frente. ― Seguimos em frente. Não tem o que falar. Ela se foi das nossas vidas. ― Disse que amo você? ― Ele beija minha mão e depois suspira. ― Também te amo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Vamos passar no meu irmão só para dar um beijo na vovó. Depois vamos para o seu apartamento. Eles vão sair para jantar com os convidados do Vittorio. ― A gente não tem que ir? ― Não. Temos que descansar, relaxar. Amanhã estaremos cedo lá. O coquetel é às cinco da tarde, mas tenho que estar lá ao meiodia pelos meus cálculos ou não fica tudo pronto. ― Ótimo. Podemos ver um filme abraçados, dormir cedo. Vai ser perfeito. Amanhã será um grande dia. ― E depois casamento. Não vejo a hora de poder pensar nisso e nada mais. Só no nosso casamento. ― Minha mãe só pensa nisso ― ele me avisa e eu sei, falamos disso o tempo todo. Fico freando os mil planos dela, mas sei que é seu PERIGOSAS ACHERON
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único filho e quero que Carmela participe de tudo. ― Vou convidar os pais da Bianca para padrinhos ― aviso Filippo. ― Emília tem me ajudado tanto. É tão carinhosa. Sua experiência na cozinha me dá tranquilidade e nos aproximamos tanto nessas duas semanas. Tudo bem? ― Conchinha, eu só quero que diga sim na hora que o padre perguntar. O resto eu não me importo. ― Baby, é só o que quero dizer. Sim. ― Desvio meus olhos das ruas, sorrio para ele que pisca. Amo tanto Filippo. Somos tão certos um para o outro. Tolice pensar diferente. ― Tem uma coisa que precisa saber. ― Fala? ― Vou usar um vestido amanhã. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Que susto! Imaginei. ― Não é um tubinho preto, que cobre apenas o necessário para não ser presa, como antes. É um vestido, baby. ― Se for branco a gente aproveita caça um padre na rua e já resolve logo tudo. ― Não é. O branco é só no casamento. ― Ok. Estou ansioso. Curioso também. Eu não durmo bem. Estou ansiosa demais para dormir. Quero que passe logo o coquetel. Chegamos, como combinado, ao meio-dia, apenas eu e Filippo, que me ajuda a deixar tudo pronto. Sinto como se fosse o nosso negócio de tão animado e prestativo que ele é. Às três e meia voltamos para casa e fico pronta. Encaro o espelho. O vestido em um tom nude é de cintura marcada com um detalhe em preto que parece um cinto com laço. Tem o PERIGOSAS ACHERON
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mesmo detalhe em preto na barra da saia rodada um pouco acima dos joelhos, mangas longas com o mesmo detalhe na ponta. Um modelo romântico que me deixa feliz com o resultado. Maquiagem leve, só um batom simples. Meu colar, saltos médios e cabelos presos por conta da comida que vou mexer. ― Estou pronta. ― Filippo fica a me olhar. ― Me preparando para o vestido de noiva? ― Ele sorri. ― Está tão linda. ― Vamos, baby. Temos que abrir e receber os convidados. ― Mordo o lábio. ― Faço as relações públicas, conchinha. Fica tranquila. Logo após estarmos na loja algumas pessoas começam a chegar. Apenas hoje contratei três garçons para servirem os PERIGOSAS ACHERON
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convidados. Tem uma música suave tocando. São poucos convidados. Meu objetivo não é encher o lugar pequeno. É quase uma festa íntima de apresentação. Enzo e Bianca chegam cedo, vovó e Vittorio vem com os Stefanos. Lissa e o marido Leon. Seu filho Luka, a esposa e os filhos gêmeos. Apenas alguns Stefanos que moram na Grécia. Vittorio é muito grato ao apoio que recebeu deles. Papai era amigo dos irmãos. Eles foram ótimos tratando meu irmão de igual para igual e isso deixou os executivos mais seguros quando ao fato de um jovem assumir uma empresa tão importante. ― Você está linda. Tudo está impecável ― Bianca me diz depois de um abraço. ― O que eu tenho que fazer, Bianca? ― Nada. Sorrir, conversar. Está tudo sob PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS controle. Tire as dúvidas dos convidados e sorria. ― Vou tentar. Obrigada por toda ajuda. ― Me agradeça com doces. Olha meu filho? ― Matteo está no colo do pai com a boca suja de glacê. ― O que eu faço com ele? Ele vai falir seu negócio. Cuidado. ― É bom avisar. Assim já começo a cobrar os doces dele. ― Parece que o certo vai ser pagar a mesada dele direto para você. Vovó entra com meu irmão e os convidados ilustres. A maioria já chegou. Acho que só mesmo eles faltavam. Lissa Stefanos está linda. Ela ainda é como me lembrava, parece que o tempo esqueceu dela. Leon está tão elegante quanto sempre. Junto deles vem Luka, mas me lembro PERIGOSAS ACHERON
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pouco dele, era um garotinho peralta, e agora tem uma linda ruiva a seu lado, que deve ser a esposa e dois pequenos no chão. Os filhos gêmeos acredito. ― Ficou tudo lindo, querida. ― Vovó me abraça. ― Amei o lugar. Que delicadeza. ― Obrigada, vovó. ― Filippo já se coloca ao meu lado. Dois homens bonitos juntos ele realmente não tem estrutura para suportar. ― Estou feliz que está aqui, Vittorio. ― Tomo a frente e abraço meu irmão. Ele nunca faria isso, muito menos em público. ― Parabéns, Kiara. Está mesmo tudo lindo. Se lembra do Leon e da Lissa? ― Sim. ― Abraço Lissa. Ela beija meu rosto e aperto a mão de Leon. ― Que bom que estão aqui. Fico emocionada de virem da Grécia apenas para a inauguração. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Inaugurar doces é com a minha mãe ― Luka diz me beijando o rosto. ― Isso é mesmo. Estão lindos. Meu Deus. Que coisas mais bonitas. Por que não temos uma assim no jardim de casa? ― Lissa me sorri. ― Eu perderia minha Afrodite se tivesse uma dessas no jardim. Sem dúvidas ― Leon me avisa. ― Esse é meu namorado. Filippo. ― Filippo aperta as mãos de todos. ― Filippo estes são, Leon e Lissa. O Luka.... ― Olho para a ruiva desconhecida. ― Essa é minha dinossaura. Os pequenos são meus filhos. Erossauro e Theo-rex. ― Luka! Quer parar de me apresentar assim ― ela reclama, mas está rindo. Realmente conchinha não é nada demais. ― Sou a Bia, PERIGOSAS ACHERON
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meus filhos Theo e Eros. ― A gente pode comer essas coisas todas? ― Eros pergunta. ― Claro que sim. Tudo que quiserem. ― Os pequenos trocam um olhar e depois de sorrirem correm para o balcão. Crianças e a atração por doces. Não importa se ricos ou pobres, eles sempre vão amar. ― Vem, amor. Vamos provar uns doces também. ― Lissa dá a mão ao marido e os dois se afastam. Filippo aponta uma mesa ao casal e nos sentamos os quatro. ― Vinho? ― Filippo oferece a eles. ― Para mim não ― Bia recusa. ― Soube que é em sua homenagem, mas eu não bebo, Kiara. ― Minha dinossaura tem problemas com cama giratória. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Está vendo, conchinha? Dinossaura é bem pior. ― Reclama com ele? ― Luka me pergunta. ― Não mais. ― Também já desisti. ― Bia compartilha da minha desistência. ― Como é ter gêmeos? ― Filippo pergunta quando os meninos passam correndo junto com Matteo. ― Fácil. Agora queremos tentar uma ruivinha. Não sabemos quando, mas em algum momento. ― Seria linda. ― Vamos tentar gêmeos, cara de concha? ― Filippo me convida e balanço a cabeça negando. ― Tem uma receita? ― Filippo é inacreditável. Isso é pergunta? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Luka não se atreva. ― A esposa adverte. ― Dinossaura, o que posso fazer se tenho superespermas, ele quer saber. ― Talvez eu também tenha. Será que tem gêmeos na minha família? ― Eu e Bia trocamos um olhar. Acho que esses dois tem muito em comum. O jeito é aceitarmos. ― E sua irmã, Luka? ― Alana está numa expedição. Ela é muito cientista, vai ficar um mês em alto-mar, fazer umas incursões num submarino. ― Eu gostaria de mergulhar. ― Filippo me abraça. ― Vamos fazer isso um dia desses? ― Vão lá para casa e a Alana leva vocês. O marido dela também é um cientista como ela e os dois trabalham juntos num projeto que não tenho a menor ideia do que significa, mas é PERIGOSAS ACHERON
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importante. ― Que acha, cara de concha? Lua de mel na Grécia? Estou ficando rico e acho que dá para pagar uma viagem dessas. Talvez você também fique rica um dia, basta vender cinco milhões de doces. ― Abra a loja em frente à minha casa e mamãe dá jeito nisso ― Luka comenta. ― Meu tio Nick ajuda quando estiver de férias por lá. Minha prima Lizzie também. ― Acho que meu sobrinho dá jeito nisso sozinho. ― Matteo e os gêmeos estão se achando muito adultos ocupando uma mesa só para eles, balançando perninhas nas cadeiras e se lambuzando de doces. ― Os pequenos tem uma mesa só para eles ― Luka comenta. ― Nem estão ligando para os brinquedos e tenho que ficar carregando. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Estava brincando com os bonecos até agora ― Bia comenta. Tira dos bonecos da Marvel da mochila e coloca sobre a mesa. Filippo se encanta na mesma hora. Já perdi as contas de quantas vezes ele me obrigou a assistir seus filmes de heróis. ― Sou o Homem de Ferro. ― Filippo pega o boneco. ― Nem pensar. ― Luka toma dele e dá o Capitão América. ― Sou ligado em tecnologia e muito inteligente, então eu sou o Homem de Ferro e você é o Capitão América que é só bonito e sei lá, honrado. ― Pelo menos ele tem um escudo. ― Filippo pega o boneco. ― Mas é muito sem graça. Luka, eu sou o Homem de Ferro desde criança. ― Eu também. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Meninos brinquem juntos ou vão ficar de castigo ― alerto e eles trocam um olhar emburrado. ― E eu vou guardar os bonecos. ― Bia completa. Os dois colocam os bonecos sobre a mesa. ― Acho que não vamos poder ser amigos se continuar assim, Filippo. Quer tudo que eu tenho. Nem olha para minha dinossaura, ela tinge o cabelo de vermelho. É falso. ― Tenho minha cara de concha que é toda original. ― Bia, cuida das crianças, vou dar uma volta ― aviso achando graça na implicância de dois homens feitos. Matteo é definitivamente muito mais maduro. Filippo me puxa o braço. Só um leve toque para que me curve e eu o beijo. ― Te amo, baby. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Baby? Ela te chama de baby? Isso é tipo o topo. Meu sócio acaba de perder o posto. Não deve ter nada mais gracioso que isso. Baby? Vou contar para ele. Deixo a mesa achando esse casal muito divertido. Luka continua muito parecido com o que me lembrava. Encontro Lissa saboreando cannoli de chocolate, lambe os dedos para não perder nada. Leon e Vittorio conversam de pé enquanto tomam vinho. Meu irmão deve ser uns vinte anos mais novo que Leon, mas eles têm os mesmos gostos, interesses e assuntos. Leon é um homem moderno é claro, mas a grande verdade é que meu irmão precisa descobrir um jeito de ser jovem um pouco. Não precisa voltar a primeira infância como Filippo, mas pode ser mais como PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Enzo. Seria bom para ele. ― Leon gosta muito do seu irmão, ele é como o Josh. Meu sobrinho mais velho. Queridinho do meu marido. Muito talentoso e sério no trabalho. Leon admira isso. ― O problema é que meu irmão não vive. Só trabalha. ― Um amor resolve isso. Sou a favor de garotas perfeitas para resolver as coisas. ― Garotos perfeitos também resolvem ― digo olhando para Filippo que está num acesso de riso com o novo amiguinho. ― Vocês são um casal lindo. ― Eu o amo, vamos casar em breve. Foi tudo ao mesmo tempo na minha vida. Toda a dor e toda a alegria num espaço curto de tempo. ― Mas as coisas boas superaram as ruins. Ao menos hoje está sorrindo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Acho que aprendi a aceitar e sim, hoje estou feliz. ― Ela me abraça. Dá para ver como eles são carinhosos. ― Está gostando? Pelo que entendi você é muito experiente com doces. ― Tudo perfeito. O lugar, as escolhas dos doces, o sabor. Tem a cara da Itália. Amei. Vou voltar amanhã antes de partir, como cliente, me sentar numa mesinha e vamos ver. ― Estou aliviada. ― Vou te dar uma receita especial, para quando eu voltar aqui. Torta de chocolate. Uma que aprendi com um chef francês muito meu amigo. Ele vai permitir. Digo que será exclusiva. Quer? ― Vou adorar. Obrigada. Vai se chamar torta Lissa. ― Finalmente! ― Ela aplaude e recebe olhares. Os olhos azuis são incríveis. Ela é PERIGOSAS ACHERON
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encantadora. ― Você tem a mesma carinha de quando era criança. ― E você é tão linda quanto me lembrava, Lissa. Já agradeci por ter vindo? ― Eu que agradeço, foi bom passear um pouco, tão bom estar aqui. Eu e o Leon saímos pouco da ilha, só mesmo para encontrar a família em Nova York. Até decidimos esticar um pouco a visita e ficar mais dois dias. Os meninos nunca tinham vindo a Itália. Nem minha nora. ― Vão para a Vila? ― Não. Sua avó convidou, mas voltamos um outro dia. Quero vocês na ilha em breve. ― Prometo. Tem tantos anos. Fui na infância. Depois... ― Então me calo. Depois eu fiquei rebelde e distante, meu pai decidiu que podia parar de fingir que nos amava a ponto de nos levar em férias pelo mundo. ― Vou circular PERIGOSAS ACHERON
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um pouco. Quero a receita. ― Amanhã. Vou lá com meu marido. Aposto que estão falando de trabalho. Vovó me abraça quando paro a seu lado. Tem olhos cheios de orgulho e nem sabia que me importava com isso. ― Você está tão linda, Kiara. Acho que não faz ideia de como tudo isso te fez bem. ― Sim, vovó. Fez bem de muitos modos. ― Torcia por você e Filippo tem muito tempo. ― Eu descobri que não sou nada boa em esconder sentimentos. Absolutamente todos sabiam de como me sentia. ― Menos o Enzo ― ela brinca. ― Seu irmão é de uma inocência. Espero que continue assim. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Enzo estava perto demais, vovó. De mim e do Filippo. Isso nublou a visão dele. Quer um doce? ― Provei um. Sabe que não posso exagerar e estou aqui no vinho. ― Sempre preferiu o vinho. ― Sangue! ― ela brinca. ― Seu vinho está fazendo sucesso também. Vai vender muito. ― Vovó, vou testar umas receitas de sobremesas sem açúcar. O que acha? ― Que não deve nunca parar de arriscar e sonhar. Que vai ter sorte. Que já tem amor e não precisa de mais nada. ― Só de mim. ― Filippo me abraça pelas costas. ― Pensa que vou deixar a mulher mais bonita da festa sozinha muito tempo. ― Ele me beija o pescoço. ― Estou com saudade, cara de concha. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Eu também. ― Viro para beijá-lo e recosto em seu peito. Enzo e Bianca estão conversando numa rodinha de convidados, sorrindo, Vittorio conversa com Leon e Lissa, parece tranquilo. Um dia vamos nos entender. Vovó me olha cheia de orgulho e Filippo demonstra seu amor na presença constante e no carinho sem limites. Tem uma pequena parte de mim que ainda guarda certa dor, mas tudo em torno é tão claro e aquecido que a dor sucumbe sempre. ― Hoje deve ser o dia mais feliz da minha vida. ― O primeiro de muitos outros, conchinha. Vou cuidar disso. Todos os dias.
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Capítulo 28
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Filippo ― Esse. ― Aponto o banner preferido entre os três que a equipe de criação me mostra. ― Gosto mais do tom e está com menos brilho. Mais alguma coisa? Aproveitem, é meu último dia antes de me tornar um homem de bem. Quero todos lá. ― A equipe está toda animada para o casamento. Tratamos de tantas coisas que nem sei mais se deu tempo de tudo. Sempre parece que falta algo. Decidimos a lua de mel que é o mais importante. Uma mochila cada um. Uma passagem para Nova York e depois não sabemos. Serão trinta dias pelo mundo. Onde vamos acabar não importa. O que importa é que vamos começar na capela da Vila De Marttino. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Deixo a sala de criação e volto para minha. Acho que aqui tudo está decidido. Enzo vai cuidar de tudo enquanto eu estiver fora. Minha mãe e a mãe da Bianca vão cuidar do Kiara Doces que deve ser a coisa que minha conchinha mais ama no mundo. Ela acorda feliz todos os dias, cheira a chocolate e baunilha, tem um sorriso estampado no rosto todo fim de tarde quando atravesso a porta para apanhá-la e o sino toca. Sento atrás da minha mesa e abro a gaveta para recolher o que tenho que levar comigo para a Vila. Passagens, documentos, cartões e algum dinheiro. Tudo arrumado. ― Boa tarde. ― Enzo entra seguido por Vittorio. ― Os dois irmãos. Que medinho. ― Eles se sentam a minha frente. ― O que? Por que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estão aqui? Se estão com medo de eu fugir garanto que meus planos são casar com ela e ter filhos. Estou fixado em gêmeos. ― Filippo, estamos aqui para saber sobre suas intensões com a minha irmã. ― Enzo começa tentando parecer sério. ― Meio tarde para isso, mas se quer saber são as piores possíveis. ― Nós dois rimos. Vittorio continua sério. Olhamos para ele. ― Eu não vim aqui para brincar, quero conversar sério. ― Ele acaba com a leveza das coisas, mas é bonitinho vir me procurar. Vittorio ama a irmã. ― Tão machista. Foi lá saber das intensões da Bianca com o Enzo? ― Ele respira fundo. ― Ok. Diga, sou todo ouvidos. Vocês ficam pensando numa pessoa cheia de orelhas quando dizem algo assim? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não ― respondem juntos e aposto que minha conchinha pensa. ― Filippo, eu sei que ama a Kiara. Sei que sabe dela muito mais que nós dois. Não vim aqui duvidando dos seus sentimentos... ― Amor, Vittorio. Pode dizer essa palavra, não vai arder no inferno por isso. ― Ele encara o irmão que dá de ombros como se não pudesse me controlar. ― Ok. Continue. ― Kiara está feliz. Esses últimos meses foram cruciais e você é o grande responsável pelas mudanças, até a coisa que ela mais ama. Kiara Doces, até isso veio de uma ideia sua. ― Conheço ela. ― Fico orgulhoso. ― Ela ainda é frágil. ― Muito mais forte hoje. Coloquem fé nela. Kiara está inteira de novo. Eu sinto isso. ― Bom. Se está dizendo é bom ― Enzo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS garante. ― Porque sei que você conhece minha irmã muito bem, ela se abre com você como não faz com mais ninguém. ― Então isso é o que? ― pergunto a eles. ― Nada. Só irmãos e cunhado conversando às vésperas do casamento. ― Enzo garante. ― Eu tinha planos de dar a ela uma casa. Não como um irmão generoso, mas porque é direito dela. ― Vittorio me avisa. ― Já sei que não querem. Sei que está indo bem aqui. Que não tem nada a ver com dinheiro. Que tem seus brios, mas Kiara tem direito a usufruir do dinheiro dela. ― Lá no começo eu disse que quero gêmeos, quem sabe não vou precisar dessa herança para comprar fraldas? ― Filippo, isso é sério. Soube que tentou PERIGOSAS ACHERON
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comprar o apartamento vizinho, fez uma boa oferta e ele já tinha sido vendido. ― Queria saber quem foi o safado que me passou a perna. ― Eu ― Vittorio avisa para deleite de Enzo que gargalha. ― Um safado do bem. ― Vittorio dá um sorriso. ― Que sorrio para o cunhado. ― Comprei o apartamento, está em nome da Kiara. Vim aqui porque não quero que pense que estou tentando te diminuir ou comprar, não sei o que pode achar disso. ― Não acho nada. Estou chegando lá, Vittorio. Estou quase rico, não me diminui e deixa minha conta bancária feliz. Sei o que eu sinto pela Kiara e ela por mim. Dinheiro é um detalhe que não está entre a gente. Obrigado pelo presente de casamento. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Bom, não é um presente. ― Ele olha para o irmão. ― Fala, Enzo. ― É que o apartamento é meio como essa coisa da herança, então pensamos que tínhamos que dar um presente. ― Esse negócio de lua de mel com mochila... ― Nos comprou mochilas Vittorio? A da Kiara está mesmo velha.
novas,
― Não. Eu pensei em dar uma semana... o Enzo concordou. Nesse um mês de vocês pelo mundo, eu e o Enzo pensamos em dar uma semana com um pouco mais de... de... Enzo... ― Vittorio pede socorro. ― Dubai. Uma semana num hotel incrível em Dubai, com direito a muito luxo e tudo que quiserem. ― Não queremos nos intrometer na vida PERIGOSAS ACHERON
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de vocês, nem estragar com os planos de mochila e sei lá. Essa coisa toda hippie que inventaram. ― Vittorio não se conforma muito com nossos planos, acha inacreditável querermos viver esse tipo de aventura. ― Está bravo? ― Enzo questiona. ― Claro. Todo mundo que ganha uma semana cheia de luxo em Dubai fica furioso. Talvez eu até corte relações com vocês. ― Viu, Vittorio. Falei que ele não ia achar nada demais. Podemos ir? ― Veio aqui só para me ver? ― pergunto a Vittorio. ― Não. Vim para uma reunião importante no escritório com a Bianca e também buscar umas coisas que a minha avó pediu. Já estou voltando. Kiara vai comigo. ― Por que? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Você vai mais tarde com o Enzo. Ela quer provar o vestido e não sei, coisa de noiva. ― Certo. Minhas coisas estão prontas. Então eu vou junto. ― Filippo... ― Você pode tentar convencê-la a dizer não, ela pode querer minha opinião sobre qualquer coisa. Sou o noivo. Quero ir também. ― Temos que ir então. Enzo e Bianca vão amanhã cedo. ― Vou dormir minha última noite de solteiro sem minha conchinha? Nem pensar. ― Nem tivemos despedida de solteiro ― Enzo reclama ficando de pé. ― Ela vetou. É muito ciumenta. Sou tão atraente que ela achou prudente me manter escondido. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ainda bem que vamos de helicóptero e a viagem é curta. ― Antes vamos dar um abraço? ― Não. ― Enzo. Me dá um abraço? ― Enzo me abraça rindo. ― Não podia me deixar mais feliz. É bom ter você na família oficialmente, sempre foi um irmão. ― Obrigado. Viu Vittorio? Vem cá me dar um abraço. Prometo gostar dos dois do mesmo jeito. ― Ele revira os olhos e aperta o passo para deixar a sala. Pego minha pasta com tudo que tenho que levar. ― Me espera cunhado. Um abracinho só. Somos família. ― Ela ainda não disse sim ― ele diz por sobre o ombro. Enzo se acabando de rir. ― Isso foi uma ameaça? ― grito PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS enquanto ele me ignora. ― Foi Enzo? — pergunto a ele, que afirma. ― Te vejo amanhã. Vejo todos amanhã. Vão cedo para casa se preparar. Felicidades para mim. Cuidem da minha agência. Vittorio, me espera. Ele está na porta do meu carro. Com um ar sério que me diverte. Precisa de carona. ― Sem piadas ― avisa quando me junto a ele. ― Vamos encontrar minha irmã na doceria? ― Depois de passar em casa. Vou pegar nossas coisas. Vai carregar umas malas. Tudo se atrapalha. Vittorio resmunga de vez em quando porque temos que voltar ao apartamento para pegar umas coisas que esqueci, depois o helicóptero levanta voo com mais de uma hora de atraso. Kiara ama a ideia de uma semana luxuosa PERIGOSAS ACHERON
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em Dubai. Não tem nada de errado nisso, eu não me sinto ofendido, porque são eles, minha família desde menino. Ao menos Kiara e Enzo. Os outros estão chegando agora, mas ainda vão fazer parte disso. Na Vila a correria não diminui. Tem tantas providências, coisas a serem aprovadas, um monte de gente trabalhando e quando conseguimos ir para cama caímos no sono na mesma hora. Véspera de casamento. Despedida de solteiro e eu e Kiara dormindo abraçados às dez da noite. Amor. Isso se chama amor. O helicóptero nos acorda na manhã do casamento. Meu coração dispara assim que abro os olhos. Tenho um par de alianças lindo, um terno. Muito amor e sonhos para dividir com ela. ― Bom dia, noiva. ― Ela me abraça emocionada também. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Já estou com vontade de chorar. ― Não chora, conchinha. Te amo. Vamos ser muito felizes. ― Vamos. Queria ficar aqui um pouco, mas tem tanta coisa a fazer. ― Então vamos fazer. ― Trocamos um beijo e meia hora depois estamos à mesa para o café. ― O helicóptero voltou para buscar seus pais e os pais da Bianca. Os outros convidados vêm de carro ― Enzo me avisa. ― Kiara, hoje tem que se esforçar e comer alguma coisa ― vovó Pietra pede. ― O maquiador já chegou. Toda a equipe que vem arrumar as senhoras. ― Senhorita, vovó ― Kiara brinca. ― Senhora só depois do sim. ― Às cinco da tarde, na capela, não falte, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conchinha. ― Beijo seus lábios e ela acaricia meu rosto. ― Quando estamos assim, reunidos, num dia especial como o de hoje eu penso na minha irmã por aí ― Kiara diz tomando um gole de chá e enrolando com uma torrada na mão. ― Pensam nela? Valentina. ― Todo tempo ― vovó responde e Bianca aperta sua mão. ― Vamos encontrá-la. ― Achei que até o casamento ela estaria aqui. ― Kiara, está mais complicado do que pensei que seria, mas tenho uma equipe cuidando disso. Ela será encontrada ― Vittorio comunica. ― É. Não vamos desistir ― Enzo decide. ― Ela está por aí e vamos achá-la. ― Moças, vamos terminar logo esse café PERIGOSAS ACHERON
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e começar, são dez da manhã. O tempo está correndo ― vovó comenta e fico achando um exagero. O casamento será só às cinco da tarde. ― Vamos. ― Kiara tenta ficar de pé, a avó segura seu braço. ― Só depois que comer. Ela senta de novo com um ar irritado e gosto de ver que Kiara é mais suave agora, capaz de obedecer a avó, não atacar com alguma frase cítrica, mas ao mesmo tempo ainda tem um pouco daquela irritação que a torna intensa. Meus pais chegam animados. Mamãe até um pouco chorosa. Mães tem isso, não passa mais que dez minutos comigo e se junta as mulheres. Meu pai e eu caminhamos pelo jardim. Ele está encantado com a decoração da festa que vem depois da cerimônia. ― Está tudo incrível. Vai ser um bonito PERIGOSAS ACHERON
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casamento. ― É ela, pai. É tanta certeza em mim. Isso é quase mágico. ― É magico. Sete bilhões de pessoas e encontra sua metade. ― Você está certo, papai. É magico. Tive sorte de ela estar tão perto. ― Tenho certeza que vão ser felizes. ― Obrigado por tudo papai. Você me ensinou muito, me ajudou. Está me apoiando agora. ― Foi sempre fácil ficar do seu lado. ― Ele toca meu ombro. Tem olhos carinhosos e muita juventude. ― Sabe que gosto que seja ela? Eu fiquei surpreso quando começaram, mas estou cheio de confiança na história de vocês. ― A mamãe se apaixonou por ela ― comento e ele concorda. ― Acho bonito, fico PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS feliz também, porque minha conchinha perdeu a mãe tão cedo e a vovó é especial, mas é uma outra geração. Acho que a Kiara pode contar com a mamãe para essas coisas de mãe e filha. ― Pode. E eu posso contar com os talentos culinários da minha nora. O melhor dos mundos. ― Sim. O melhor dos mundos. Estou ansioso demais. Já posso me arrumar? ― Se for bem lento no processo, sim. ― Devia ter marcado ao meio-dia. ― Aí acho que ela nem teria dormido. Noite de núpcias em Florença? ― Sim. Um quarto especial num hotel, amanhã aeroporto e sei lá. O mundo por uns dias. ― E na volta netos? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Daqui um ano. Queremos aproveitar um pouco, Kiara quer trabalhar, acho justo. ― Um ano está bom. Boa sorte, filho. Eu podia te dar algum conselho, mas sinto que não preciso. É um bom homem, ama sua noiva e vai ser feliz. Você tem talento para ser feliz. Voltamos para a casa, depois de repassar pela última vez todos os detalhes eu vou para o quarto me aprontar. Ninguém me deixa ver Kiara, mas eu sei que ela vai estar linda. Encaro o espelho. Aperto o nó da gravata, confiro as alianças no bolso. É hoje. Eu não tinha ideia de como os últimos meses seriam incríveis. Amo minha garota. Quero isso e cada dia tenho mais e mais certezas. ― Pronto? ― Enzo entra no quarto e me viro para ele abrindo os braços. ― Muito bonito. ― Comprometido. Tire os olhos de PERIGOSAS ACHERON
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cobiça. ― Sou seu padrinho. Achei que devia vir aqui dizer qualquer coisa de útil. ― Daí complica. ― Idiota. Feliz? ― Como nunca. Viu ela? ― Não. Me impediram de entrar. Ela está pronta. Todo mundo já foi para a capela. Só falta você. Vittorio está lá embaixo agoniado com essa coisa de entrar com ela na igreja. Coitado do meu irmão. ― Então vamos. Quero que chegue logo. Sabe que amo sua irmã e que fazê-la feliz é minha missão. ― Por que acha que aceitei ser seu padrinho? Sei que só podia ser você mesmo. São iguais e absolutamente diferentes. Então isso deve ser o ideal. Boa sorte. Seja feliz junto com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ela. ― Vou ser. Já sou. ― Damos um abraço. Depois rimos um para o outro e começamos a descer. — Quis chorar no seu casamento? ― Sim. Ainda mais quando eu a vi. Linda. Especial. Bianca é meu raio de sol. Todo dia ela dá um jeito de fazer meu coração disparar. Estamos planejando aumentar a família. ― Me espera. Um ano e vou estar pronto. Vamos ter um filho juntos. Paramos na sala e Vittorio tem olhos arregalados. É uma frase a se pensar, dita por dois caras abraçados no meio da sala é ainda mais estranho e ele não esconde. ― Vocês dois me dão medo. Se puderem ir. Kiara só está esperando isso. ― Um abraço? ― provoco Vittorio. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não. ― Eu e Enzo partimos rindo. Sei que depois da cerimônia ele vai ter que me abraçar e vou me divertir com isso. ― Diz para Kiara que eu a amo muito e que estou esperando por ela. ― Diz você quando ela chegar lá. Podem ir, por favor? Minha avó não tem idade para ficar de pé esperando. Deixamos a casa, são só alguns metros pelos fundos até a capela. O caminho está especialmente enfeitado. Ela vai ficar linda caminhando em minha direção. Não consigo parar de imaginar.
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Kiara Ficar sozinha me traz lembranças da minha mãe, em quanto ela gostava de pensar em como seria meu casamento. Eu achava aquilo tão distante e impossível. Ela adoraria saber que seria o Filippo, mamãe gostava tanto dele. O vestido branco é lindo. Olho para mim refletida no espelho e nem parece eu. Lembro de estar diante desse espelho com as velhas botas, agora aposentadas por completo. O rosto pintado de preto, escondia a tristeza que varria meu coração e agora, a diferença é tão grande que parece ser outra pessoa. Tudo ele. Meu baby bobo, que me ama e mudou minha vida. Penso em Giovanne, no quanto o queria aqui. Meu companheiro. Meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS protetor. Talvez ele esteja agora ao lado da minha mãe assistindo esse momento. Fecho meus olhos um momento e faço uma pequena oração. Agradeço o amor que recebi deles e desejo paz. Fomos tão atormentados por tanto tempo que agora que tudo dá certo parece se tratar de uma outra família qualquer. Uma leve batida na porta me desperta. Respiro fundo. Encaro o espelho. Ao menos não borrei a maquiagem apesar da emoção. ― Entre ― convido sabendo que é Vittorio. Quem mais bateria? Ele surge e sorrio através do espelho. ― Pronta? ― Faço que sim. Viro-me e ele tem os olhos tão cheios de carinho. ― Está muito bonita. Filippo já foi, mas dá tempo de fugir se quiser, o piloto está de plantão ― ele PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS brinca, não é muito seu costume e gosto quando ele se solta um pouco. ― É tentador ― brinco de volta. ― Estou feliz, Vittorio. Nunca fui tão feliz. ― Posso ver. ― Desculpe. ― Ele me olha um tanto surpreso. ― Desculpe não ter enxergado você. Obrigada. Cuidou de mim a distância. Eu não deixava ninguém chegar perto, foi paciente e quando eu precisei esteve comigo. Não merecia depois de tantas acusações. ― É seu casamento. Não precisamos falar disso. Eu não quero falar de nada disso. ― Ele ainda reluta. Sempre vai relutar. ― Pronta para ir? ― Faço que sim. ― Pode pegar o buquê ali? ― Aponto na cadeira de canto. Ele pega com cuidado. Sorri. ― Conchinhas? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Sim. Uma surpresa para o Filippo. Vi numa rede social e mandei copiar. ― Combina com você. ― Ele fica muito mais bonito quando sorri, mas sorri muito menos do que deveria. ― Queria que fosse você, Vittorio. Porque eu vou ficar bem nervosa. Já estou e quando está perto, me sinto mais confiante, segura. ― Você não precisa ficar nervosa. Tudo que o Filippo quer é você. Ele é muito sincero em seus sentimentos. Vão ser felizes, mas me sinto honrado em acompanhar você. Quero que seja feliz. Descemos as escadas, ele me ajuda, fico com medo por conta do vestido longo e os saltos. Na sala eu me ajeito e pego o buquê. PERIGOSAS ACHERON
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Damos a volta e encaro o caminho florido e perfumado até a porta da capela. Meu coração dispara. ― Pronta para ir? Pronta para o sim? ― Sim. ― Meu coração é que parece meio confuso. Bate alucinado, entre muito feliz e com muito medo de algo dar errado. ― Vittorio? ― Eu o paro quando ele pretende começar a caminhada. ― É pela mamãe? Pelo que jurou a ela? Pelo nosso sobrenome? Por que é o chefe da família? ― Você e o Enzo são irritantes e insistentes. É seu casamento. Temos mesmo que lidar com isso? ― Faço que sim. Ele suspira. ― É por você, pela minha irmã. Sou mais velho. Guardo memórias que desconhece. Quero estar aqui. Quero te acompanhar. Podemos ir? Eu me estico, beijo seu rosto, então me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ajeito ao seu lado, passo meu braço pelo dele. Sorrio e respiro fundo. ― Podemos. Quando nos aproximamos da porta a música ressoa pelo ambiente. Meu coração volta a saltar. Minhas pernas tremem e sinto a força de Vittorio a me manter firme, caminhando. Filippo está encantado. Meus olhos dão de encontro com os dele. O mundo se encaixa, ele sorri. É um menino. Um homem. Tudo que preciso para ser feliz está ali. No sorriso dele. O resto da distância percorro com segurança. Tolice ter medo. É ele. O homem que amo a me esperar. Ele troca um aperto de mão com Vittorio. Escuta um “boa sorte” e depois beija minha mão. Percebe o buquê. ― Conchinha! ― Ele sorri. Sim. Concha PERIGOSAS ACHERON
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na forma de um buquê e meu colar no pescoço. Tive que lutar por ele. Aquelas insanas ousaram dizer que não combinava com o vestido. Trocaria o vestido, nunca o colar. ― Te amo. Está linda. ― Eu também amo você, Filippo, mas acho que é primeiro o padre e depois nossas juras. ― Ele me ajuda e nos ajeitamos diante do padre. ― Estamos aqui reunidos nessa linda tarde de verão para celebrar... ― Não escuto mais. Minha mente faz uma retrospectiva, desde o garotinho chato me chamando de Uni até o homem ao meu lado. Muitos momentos passam por mim e descubro que de alguma maneira em todos os momentos difíceis ele esteve por perto. ― Kiara De Marttino, aceita Filippo Sansone como seu legítimo esposo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Não pensa muito. Só responde ― Filippo sussurra e me faz sorrir. Dá a leveza que preciso para viver. ― Eu aceito. ― Trocamos um sorriso emocionado. ― Filippo Sansone. Aceita Kiara De Marttino como sua esposa? ― Não pensa muito. Só responde ― brinco de volta também aos sussurros. ― Completamente sim ― ele diz e chega a hora de trocar alianças e repetir o juramento de amor e fidelidade. Juro com todo meu ser. Com todo meu amor. Cada palavra que repito do padre crava em minha alma com a força de um real juramento. Coloco a aliança em seu dedo e depois recebo a minha. Sinto o quanto é honesto e emocional o juramento de Filippo. O padre nos declara casados. Permite o beijo. Filippo me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS envolve. Descanso minhas mãos em seu peito. ― Amo você, meu marido. ― Te amo para sempre, conchinha. ― Trocamos um beijo. Devia ser mais casto, mas estamos ali, no momento mais marcante de nossas vidas. É um beijo que sela nossa união, então ele é cheio de nossa paixão, de nossa entrega. Deixamos a capela guiando o cortejo. Meu casamento. Na capela onde todos os De Marttino se casaram. Uma tradição. Achava que nada disso poderia ser meu um dia. Sentia que era uma boba por sonhar e agora eu e Filippo deixamos a igreja juntos e casados. Uma vida com ele me espera. Quero cada segundo dela. Olho para seu sorriso sem fim ao meu lado quando chegamos ao lado de for da igreja. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Está tão linda. ― Ele beija minha mão com a aliança depois entrelaça a sua. É assim que vai ser agora. Nós dois. De mãos dadas. ― Pensei que meu coração ia parar de bater quando entrou na igreja. Está linda, cara de concha. Buquê de concha e colar de concha. Acho que está colecionando conchas também.
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Capítulo 30
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Filippo Uma fila de pessoas se forma para nos felicitar. Parentes distantes, amigos do trabalho e da faculdade, meus pais e a família de Kiara ficam no fim da fila. Kiara me sorri vez por outra. Meia hora depois chegamos finalmente a parte boa, as pessoas que amamos. Papai e mamãe estão radiantes quando nos abraçam. Minha mãe tem os olhos úmidos. ― Emocionada, mãe? ― Não é todo dia que a gente se livra de um filho. ― Mamãe me abraça rindo e chorando ao mesmo tempo. ― Não se livrou de um filho, ganhou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS uma filha ― respondo a provocação. ― Pelo menos ela sabe cozinhar. Já que você nem isso ― papai comenta me abraçando. ― Já disse que estou orgulhoso? Formam um lindo par e minha nora está linda. ― Kiara ganha abraços dos dois. Depois Enzo e Bianca. ― Somos todos uma família só. Isso é fantástico. ― Bianca me abraça. ― Bem-vindo, Filippo. ― Madrinha diga se já viu noiva mais bonita que minha, conchinha. ― Não. Corremos a Itália em busca do buquê de conchas, ela olhou para ele e se apaixonou. Imprimimos a foto e saímos em busca, tudo para você. ― Essa mulher é louca por mim. ― Kiara sorri. Os olhos parecem dois diamantes de tanto que brilham. Eu a faço feliz. Enzo me PERIGOSAS ACHERON
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abraça. ― Faz minha irmã feliz e no caminho, aproveita e seja feliz também. É bom ser finalmente irmãos de verdade. ― Quer me fazer chorar? ― brinco quando nos abraçamos mais uma vez. ― Obrigado. ― Filippo, você estava emocionado e emocionando na cerimônia. Acho que nunca chorei tanto em um casamento. Exceto no meu. ― Vó Pietra me abraça. ― Eu sempre achei que combinavam. ― Sei disso, vovó. Quando fez a reforma no quarto dela eu sabia que tinha planos para mim. ― Ela ri. ― Menino esperto. Eu enxergo longe. Reconheço uma história de amor quando vejo uma. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Essa vai durar para vida toda. ― Com toda certeza ― Kiara concorda. ― Vovó, eu não quero jogar o buquê. ― Jogar aonde meu buquê? É de concha, vai para minha coleção! ― Ela pensa que vou permitir isso? ― Não precisa jogar esse, querida ― vó Pietra fala baixo. ― Eu e a Bianca providenciamos um para isso. É mais simples e parecido. Não se preocupe. Me dê aqui o seu que vou deixar guardado no quarto. ― Vovó pega o buquê e nos deixa. Vittorio é o último da fila. Sinto sua agonia ao se aproximar, por isso fico sério. Quero ver se ele vai apenas dizer um “parabéns” frio ou se me dá um abraço. ― Boa sorte, Kiara. Foi uma linda cerimônia. Vovó se emocionou muito. ― Ele vive escondido nas asas da avó. Sempre a usa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS como escudo. Kiara o abraça, beija seu rosto. Ela está ficando boa nisso. Então nos encaramos um momento. Acho esse cara tão engraçado. Devo ser o único que o vê com humor. Os outros sempre o veem como uma figura atormentada, mas só enxergo um grandão desengonçado, ao menos internamente. ― Vittorio?
Quer
uma
caneta
emprestada,
― Felicidades ― ele diz me esticando a mão. ― Cuidem um do outro. ― O que é isso, cunhado? Um abraço aqui no novo membro da família. ― Ele dá um meio sorriso e me abraça de má vontade, mas sei que está feliz. Sinto isso. Eu aproveito para irritá-lo e prolongo o abraço. ― Me deixa, Filippo. ― Ele se liberta, mas está rindo. ― PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Você é muito carente. Sinto pena da Kiara. Vou... me misturar aos convidados. Ficamos eu e Kiara parados, rindo dele. Ela entrelaça seus dedos aos meus e se encosta em meu ombro. Tem mesmo um monte de gente que veio comemorar conosco. Isso é bem especial. ― Posso desejar felicidades aos noivos? ― Viro-me para saber quem faltou e lá está ele. Conan, o bárbaro. ― Claro. ― Kiara abre um sorriso largo enquanto faço uma careta. O homem usa camisa e terno, jeans e tênis, não está de gravata e os cabelos estão presos. Ele é todo estiloso. Que irritante ser bonitão assim. ― Felicidades aos noivos ― ele diz beijando a mão dela. Preferia um abraço. Ele é um conquistador musculoso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ok, Conan, vá jogar seu charme em outra. Essa acabou de me dizer sim. ― Parabéns, Filippo deu muita sorte. É uma linda noiva. ― Que é minha. Obrigado. ― Apertamos as mãos. ― Ficou por último só para ter tempo de jogar charme. É tarde, ela me ama. ― Adoro seu jeito bem-humorado. Estava preparando o vinho Kiara. A festa está linda. Eu vou dar uma volta. Mais uma vez parabéns a cerimônia foi muito bonita. O bonitão se afasta e fico observando até que se misture aos convidados. ― Acha que bem-humorado foi um jeito educado de me chamar de palhaço? ― Não, baby. Foi ele sendo inocente e achando que todos esses absurdos que acaba de dizer eram de brincadeira. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Ninguém me leva a sério. Estou de olho em você. É a de vestido branco. Bem fácil de identificar. ― Vem, baby, vamos comemorar. Tomamos vinho, dançamos, a festa está linda. Todos felizes, até Vittorio parece relaxado entre os convidados. ― Vocês viram meu filho? ― Enzo pergunta se juntando a nós. Balançamos a cabeça em negação. ― Ótimo. Então sem que a mãe dele perceba, podem me ajudar a achá-lo? ― Claro. Onde ele pode ter ido? ― Kiara olha em torno. ― Que pergunta. É o Matteo. Deve estar na mesa dos doces ― aviso e os dois irmãos olham para a grande mesa onde o bolo repousa sublime. Seguimos os três em direção a ela. ― Não está! ― Enzo se decepciona. PERIGOSAS ACHERON
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Kiara começa a rir e nos juntamos a ela. ― Olhem isso. ― Ela aponta o bolo branco de quatro andares que tem um casal de noivos sentados em uma concha. Tem um pequeno buraco nele. Bem na base falta um pedaço considerável do bolo. Eu rio junto com ela. Já Enzo parece em choque. ― Desculpe, Kiara. Nem sei o que dizer. Quando eu encontrá-lo... ― Enzo, não seja bobo. Adorei isso. Fotografa. Vai entrar para a história. ― Eu já estou tirando fotos, do bolo e uma muito melhor, do próprio meliante, embaixo da mesa, com a boca toda sua de glacê e limpando as mãozinhas na toalha branca de cetim e renda que está na família faz algumas gerações como vó Pietra repetiu uma dúzia de vezes só hoje. ― Matteo! ― A voz de Bianca nos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS assusta a todos. Paramos os três de rir. ― Bolo, mamãe. Gostoso. ― Ele dá um sorriso com aquela boca melada e sujo até o nariz. Passa a mão por ela, depois pela roupa elegante. ― Pode comer mais bolo? ― Eu não sei o que dizer. ― Eu sei. ― Agora é Pietra a surgir. ― Diga que pode. Ele está mesmo lindo. Vem com a bisa. Te dou mais bolo. Matteo corre para ela todo feliz. Bianca acaba sorrindo e Enzo também. ― Acho que é hora de cortar o bolo ― Kiara decide. As pessoas se aproximam. Enquanto Bianca limpa o pequeno, eu e Kiara damos as mãos e juntos cortamos um pedaço do bolo. Desejo fazê-la feliz. Ao menos me concentro em pensar sobre isso enquanto cortamos o primeiro ou segundo pedaço PERIGOSAS ACHERON
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dependendo do ponto saboreamos juntos.
de
vista.
Depois
― Hora do buquê ― vovó avisa e minha noiva se posiciona no meio do jardim. Moças animadas se grudam na tentativa de pegá-lo. Algumas antigas amigas da faculdade, moças da região, filhas de colonos. Pelo menos metade delas tem olhos direcionados a Vittorio. Conan o cutuca rindo. Os dois são amigos e Vittorio revira os olhos e aponta para o amigo. Bianca está abraçada a Enzo. Vovó ao lado, com Matteo nos braços e encaro minha noiva. Tenho muita sorte de ser o noivo. De ser ela minha metade em sete bilhões, como papai disse. É linda. Está rindo e me faz feliz. Somos perfeitos juntos. O buquê gira no ar depois de uma contagem regressiva e acaba nos braços de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS uma moça que não conheço, mas ela comemora e vou ao encontro de Kiara. ― Te amo ― aviso quando ela enlaça meu pescoço. ― Eu te amo muito mais, baby bobo. ― Conchinha. Pronta para fugir discretamente em um helicóptero que quando levantar voo vai estremecer essa festa e vão nos pegar em flagrante? ― Com você eu estou sempre pronta para fugir. ― Sem mim Sejamos honestos.
também,
conchinha.
― Jurei que não fugiria mais. ― Ao menos espere eu terminar de ficar rico, Vittorio preferiu nos dar uns dias em Dubai, pensei que ele entenderia a deixa e nos daria um helicóptero. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Até parece que você iria querer um. Não quer nem trocar de carro. ― Gosto da nossa vidinha classe média. Vamos falar com meus pais e a sua avó. Depois fugimos. ― Vou tirar o vestido. Ele não vai caber depois da mochila. ― Faço que sim. Ela me beija. Um longo beijo e depois me deixa ali e desaparece. Um pequeno grupo se reúne comigo perto do helicóptero para as despedidas. Minha conchinha surge com um vestido curto, branco e sapatilhas. Está linda. Os cabelos soltos. O sorriso ainda vivo. Gosto dela assim. Simples. Essa é minha Kiara. Abraços e mais felicitações e então partimos com uma mochila nas costas cada um e o mundo todo a nossa espera. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS De cima a festa está linda. Com lamparinas a iluminar o ambiente e velas aromáticas nas mesas. Uma pequena cidade de luzes e vida que vai diminuindo até que as luzes de Florença surjam no horizonte nos guiando. Um carro nos leva até o hotel onde reservamos a suíte de núpcias. Na porta Kiara fica imóvel. Jogo as mochilas para dentro e fico a sua espera. Ela continua parada. ― Conchinha, não é hora para se fazer de difícil. ― Você tem que me carregar. ― Sim. Claro. O noivo entra com a noiva. Tenho visto muitos filmes românticos nos últimos meses. Ergo minha esposa nos braços. É bom pensar nela assim. Chuto a porta quando passamos para o lado de dentro. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Enfim sós ― digo completando a tradição. Não a coloco no chão. Caminho até a cama com ela nos braços e a deito com cuidado. ― Casou comigo. ― Casei. ― Ela ri. ― Depois daquela noite no seu apartamento em que fugiu de mim como uma virgenzinha eu entendi que com você era só casando. Não tive escolha. ― Moço de família. Não pode ir abrindo meu zíper assim. ― Ela ri ainda mais. É bom poder rir de algo que no passado a machucou. Kiara está livre do passado. O riso se vai. Ficamos mergulhados nos olhos um do outro. ― Te amo, cara de concha. Devo te amar há muito tempo. Olhando agora eu nem sei quando foi que começou. ― Amo você desde o dia em que dançamos na sala da minha velha casa. ― Meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS coração falha um pouco. Talvez tenha mesmo sido ali que tudo mudou. Depois daquele dia eu passei a me preocupar com ela como nunca me preocupei com mais ninguém. ― Amo você, Filippo. ― Mudou minha vida ― conto a ela enquanto meus dedos correm o colo delicado e tocam o colar de concha. Seus olhos marejam. ― Apagou todos os rastros. Todas as marcas. Só tem você marcado em mim. Só tem seus dedos a me percorrer. Mais nada. Me salvou. Iluminou minha vida. Amo você ainda mais por isso. É só por isso que existimos. Para nos amar. Não tem mais nada a ser dito. Tudo está claro. É hora de sentir. Sentir o amor que as palavras não conseguem expressar com clareza e tomo sua boca rosada. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Queria que eu tivesse vindo com o vestido, você sabe, para me ajudar a tirar? ― Isso é só um fetiche, conchinha. Tudo que quero e preciso está aqui. Você. O mundo que vamos percorrer perde a dimensão e a importância. Nosso mundo está aqui, entre os lençóis, só nos dois, na noite mais especial de todas. A noite em que decidimos por dividir todas as outras. Uma linda noite que se divide entre quente e sensual, doce e romântica. Até o dia amanhecer ensolarado como um presente para o casal de apaixonados. Voamos para Nova York de primeira classe, ganhamos champanhe e felicitações do piloto. O hotel é simples, nossos quatro dias no centro do mundo são de passeios românticos e jantares íntimos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Visitamos todos os cartões postais da cidade. Reproduzimos meia dúzia de cenas de filmes e seriados. Tudo é especialmente bom ao lado dela. Seguimos direto para Dubai. É pura ostentação. Cada pequeno canto da cidade, o hotel mais caro, a suíte mais especial, os passeios organizados com limusine e motorista italiano. ― Baby, se nós tivéssemos pago essa viagem terminaríamos pobres ― Kiara brinca quando nos despedimos do quarto. A vista é tão incrível que nem precisava de mais nada. Uma semana e nem chegamos a conhecer toda a suíte. É quase do tamanho do meu apartamento. Piano, sala de jogos e piscina. Tudo num quarto. ― Dava para morar aqui e criar uns cinco filhos. ― Ainda bem que estamos indo embora PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― ela brinca e concordo. Isso não é para nós. Somos dois jovens que viveram a vida toda num bairro residencial de classe média. Esse luxo não nos convence, mas é bom por uns dias. ― Índia? ― Índia. ― Não sei bem o que nos deu. Talvez um casal que conhecemos em Nova York e que nos contou das belezas exóticas do lugar, mas é isso, desde aquele dia decidimos que nossas mochilas nos levariam a Índia. Conhecemos o rio Ganges. Suas histórias e gosto de ver como é tudo tão sagrado por lá. O trânsito caótico me deixa alucinado. Passo o tempo todo de olho nela. Com medo de ser atropelada por um tuk tuk. ― Quero um tuk tuk desses, baby. ― Quer me deixar doido. Presta atenção nessa gente maluca. Assim que chegamos a Índia compramos PERIGOSAS ACHERON
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roupas adequadas. Kiara usa vestidos longos com os ombros sempre cobertos. É assim que se faz ao invadir a cultura de outro povo. Respeito aos costumes. Em Agra ficamos diante de uma das maravilhas do mundo moderno. O Taj Mahal. ― O homem construiu tudo isso para sua amada ― digo chocado com a beleza implacável do mármore branco na arquitetura fantástica datada de 1653. ― E você se gabando de um dragão milenar ― ela brinca. Queria beijá-la. Os olhos dela estão embevecidos com a beleza, mas eles não gostam desse tipo de demonstração de afeto pública e me contento em beijar seus dedos. Terminamos nossa lua de mel na ensolarada Tailândia. Em uma pousada simples com vista para o mar, drinks coloridos e nosso PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS amor. Quando descemos do avião em Florença eu me sinto feliz por começar a vida com ela, mas com saudade do mundo que conhecemos. Enzo, Bianca e Matteo nos esperam no aeroporto. Depois de abraços saudosos seguimos para nosso apartamento. Enzo dirige. Matteo está grudado a Kiara. ― Vittorio deve estar maluco, como se não bastasse as fotos do Matteo enchemos ele com fotos da lua de mel. Foi tudo tão lindo. ― Quero saber de tudo ― Bianca diz animada. ― Como foram as coisas aqui? Como está a agência? ― Tudo esperando.
bem.
― E minha doceria? PERIGOSAS ACHERON
Muito
trabalho
te
PERIGOSAS NACIONAIS ― Minha mãe diz que estão sempre perguntando por você, Kiara. Seus clientes te esperam ansiosos, mas tudo deu certo. Amanhã vamos descansar e desfazer as malas, depois retomamos nossa rotina. Bianca e Enzo foram gentis em ir até o apartamento mais cedo, abrir para arejar e deixar o jantar pronto. Não ficam para nos fazer companhia. Apenas nos deixam na porta. A reforma para unir os dois apartamentos começa em uma semana. Nosso futuro está se desenhando como sonhamos há dois meses, no dia que decidimos dividir a vida. ― Conchinha. Sabe o que me dei conta? ― digo quando saímos do chuveiro. Ela vestida com uma camiseta minha. Apenas uma camiseta minha e esse é o jeito em que mais gosto dela. ― O que? ― ela pergunta me olhando na PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cama a sua espera. ― Não temos que inventar mais nenhuma desculpa para dormirmos juntos. ― Baby, você está certo. Eu não tenho que ir para a casa do meu irmão nunca mais. ― Ela vem para a cama, deita aninhada em meus braços. ― Essa é minha casa. ― Kiara me beija. ― Nossa casa. Temos uma casa juntos. ― Temos uma vida juntos. ― Trocamos um beijo. ― Hora de estrear a vida de casados em grande estilo. ― Você tem planos? ― ela pergunta com olhos lânguidos. Minha resposta é bem simples. Vem em forma de beijo. O verão dá lugar ao outono e quando o inverno chega somos tão felizes que nem mesmo o frio congelante das manhãs de geada parece nos afetar. Kiara ama seu trabalho. Ainda acorda PERIGOSAS ACHERON
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animada. ― Sabe o que mais amo no inverno? ― pergunta me assistindo tomar café da manhã enquanto se distrai com uma xícara de expresso. ― Dormir em meus braços? ― É. Não tinha pensado nisso. Sabe qual é a segunda coisa que mais amo no inverno? ― Posso pensar em muitas coisas, mas vamos lá. O que? ― Quando as pessoas entram na loja esfregando as mãos e pedem um chocolate quente no fim da tarde, se sentam nas mesinhas com um doce e o chocolate quente, ou uma taça de vinho e ficam ali, se aquecendo depois do trabalho. Me sinto mais do que uma cozinheira. É como levar conforto as pessoas. ― Eu me estico para beijá-la. ― Você faz isso, conchinha. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Filippo, eu disse qualquer coisa sobre te amar? ― Teve um momento assim essa noite, mas não tenho certeza se entendi. ― Amo você. No fim do dia sou eu a entrar na doceria esfregando as mãos. O dia está gelado. Menos cinco graus e talvez até neve. São mais de sete e a loja está fechada. Kiara me serve uma taça de seu vinho. As garrafas estão ficando famosas e tem gente que vem apenas para comprá-las. Ela se senta ao meu lado na mesinha perto da janela e olhamos o movimento de pessoas indo e vindo apressadas fugindo do frio. ― Um homem pediu a namorada em casamento nessa mesinha, hoje, no fim da tarde. ― Era o que eu tinha sonhado em fazer antes de você fugir e destruir meus planos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ― Temos nosso jeito, baby. ― Gosto do nosso jeito. ― Trocamos um beijo. Ela se recosta em mim. ― Está pronta? ― Já quer ir para casa? ― Pronta para o outro passo? ― Um bebê? ― Ela se afasta dos meus braços para me olhar. Sorri. Sei que sim. Ela quer tanto quanto eu. ― Quero jogar bola com meu filho, ir a um show de rock com ele. Não quero envelhecer primeiro. Vamos ter um bebê? ― Sim. Estou pronta. Seis meses está perfeito. Temos certeza de tudo. Do modo como vivemos, do que queremos. Nossa casa está pronta. Eu quero. ― Então termine o vinho e vamos para casa, conchinha. Temos um bebê para providenciar e eu não desisti dos planos de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS gêmeos. ― Te amo. Papai baby. ― Também te amo. Mamãe conchinha. ― Ela volta para meus braços e ficamos ali, bebericando sozinhos no Kiara Doces, numa noite de inverno, como um dia eu imaginei que seria. Um dia, dois ou três garotinhos vão estar correndo por entre as mesas, sujos de doces, com rostos corados pelos exercícios e eu vou ouvir um deles me chamar de papai, vou erguer meus olhos e ganhar um sorriso e ela vai estar exatamente aqui, nos meus braços. Assistindo não mais a vida lá fora acontecer, mas a vida aqui dentro.
Fim PERIGOSAS ACHERON
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