Acordei Noiva do meu Chefe - Luna Soares

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LUNA SOARES

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Copyright© Luna Soares

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CAPA: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA REVISÃO: INDEPENDENTE DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

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Sumário Sinopse Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28

Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31 Epílogo Conheça outros trabalhos da autora

Sinopse

Era para ser só uma noite de bebedeira, mas eu acabei na cama com meu chefe – e noiva dele.

Miguel Marino era o típico homem que poderia ter a mulher que quisesse: lindo, poderoso, herdeiro milionário de uma empresa de arquitetura renomada, sexy como o inferno. Só que eu não era o tipo de mulher a me entregar a sexo casual. Pelo contrário, eu era virgem. Isso até acordar de ressaca, depois de uma festa, nua ao

lado do meu chefe, com uma vaga lembrança de que até trocamos promessas de noivado. O que eu não sabia sobre Miguel era que ele tinha uma bebezinha e que estava lutando pela guarda dela. O fato de termos sido filmados juntos, bêbados e indo para um quarto de hotel, poderia arruinar sua causa e dar a vitória de bandeja aos avós da menina. Tudo o que ele precisava fazer para ganhar a ação era sustentar a imagem de um homem sério e responsável. Por isso, me fez uma proposta: fingir ser sua noiva por um tempo, até que as coisas se resolvessem. Era para ser uma mentirinha de nada, algo inofensivo, mas não contávamos que o destino daria suas cartas e que o amor entraria em jogo, pronto para partir nossos corações ou curá-los para sempre.

Prólogo

Você alguma vez já parou em algum momento de sua vida e se perguntou: “Como é que eu vim parar aqui”? Eu tinha sentido isso três vezes no decorrer das últimas horas. A primeira, foi quando eu cheguei naquela noite em uma das festas da empresa. Eu simplesmente não compreendia a necessidade de obrigar pessoas que, em sua maioria, não tinham qualquer afinidade umas com as outras, a participarem de um evento como aquele.

Se já é algo desagradável em empresas pequenas, nas grandes

se

torna

insuportável.

Aquele

monte

de

gente

desconhecida, música chata, comida ruim e chefes de setores fazendo seus discursos já bêbados e completamente descartáveis. Porém, eu sabia bem o que eu estava fazendo ali. Daquela vez, era mais do que uma simples obrigação para manter o meu emprego. Haveria o anúncio de algumas promoções, e eu tive a ilusão de que meu nome estaria naquela lista. Mal cheguei ali e descobri que estava completamente enganada. O segundo questionamento tinha vindo com relação à minha própria vida profissional. Eu era uma arquiteta formada, com pósgraduação e mestrado, tinha sido uma das melhores alunas da minha turma e sabia bem o quanto era boa no que fazia. Quando entrei naquela empresa para assumir um cargo de assistente, achei que seria apenas o primeiro degrau da minha escalada rumo ao sucesso. Dois anos e sete meses depois... eu ainda me mantinha na mesmíssima posição. Enquanto isso, meu superior direto, Antônio,

havia sido recém-promovido a um cargo mais alto usando para isso os meus projetos. Levando o crédito pelo meu trabalho. Aquela festa, aliás, era também para comemorar isso. E eu tinha comprado o vestido mais bonito que meu salário poderia pagar, acreditando que fosse eu a levar aquela promoção. Foram o gasto e a ilusão mais odiosos da minha vida. Quando o ouvi junto a um grupo de executivos se gabando de sua nova posição foi que eu peguei a primeira taça de champanhe de um garçom que passava por mim na hora. Foi a primeira e ainda tímida dose de álcool da noite. A festa acontecia no saguão de um hotel mega luxuoso, com uma decoração tropical. Além de uma pista de dança, mesas e do bar, o espaço era preenchido com estandes semelhantes a quiosques de praia, vendendo coisas tipo água de coco, espetinhos de camarão e todo o tipo de artesanato. Eu é que não pretendia gastar um mísero centavo ali. Já tinha gastado demais com aquele vestido, e agora queria apenas aproveitar o bufê liberado e o open bar para tentar recuperar um pouco do prejuízo e afogar as mágoas.

O bufê era de altíssima qualidade, o que me fazia pensar na afronta que era todo aquele gasto com algo tão inútil quanto uma festa de empresa. Eu só pretendia ficar por ali por meia hora, só o tempo de ser vista por todos, e então eu iria embora, para a minha casa, onde o meu gato me esperava para passar a noite juntinho comigo. Nota: meu gato de verdade. Nada de homens na minha vida. Eles eram sinônimo de problema. E de problemas já me bastavam os que aquela empresa dos infernos me proporcionavam. Eu já estava me preparando para ir embora, quando o babaca do Antônio chamou para si a atenção de todos, iniciando um discurso sobre sua promoção. E daí, uma parte muito masoquista de mim decidiu ficar para se torturar com aquilo, enquanto eu pensava em de quantas formas eu poderia matar aquele idiota. Foi então que eu decidi que o champanhe já não me bastava e que eu precisava de algo mais forte. Fui para o bar e iniciei realmente a minha noite de grandes equívocos. Logo em seguida, minha atenção – e a de todos ali – foi puxada para a grande atração do evento. O tal Miguel Marino, dono da Marino Arquitetura, onde eu trabalhava. Era a primeira vez que o

via pessoalmente – embora já trabalhasse há mais de dois anos em sua empresa e ele tivesse assumido os negócios há alguns meses. Ele tinha o seu próprio andar da empresa, exclusivo para ele, com seu próprio grupo seleto de bajuladores particulares, e não costumava se misturar com os outros empregados, como eu. Ele era bem diferente da imagem que eu tinha dele. Bem, ao menos confirmei uma coisa que todos diziam a seu respeito: ele tinha uma pinta e tanto de playboy. Em meio segundo, já havia três mulheres lindas ao seu redor, bajulando-o. E um copo de bebida parecia ter surgido em sua mão em um passe de mágica. Porém, apesar dos comentários a respeito de sua beleza também serem bem constantes, eu juro que não fazia ideia de que fosse tanto assim. Meu chefe era uma perdição em forma de gente. Mas isso, é claro, não alterava em nada o grande fracasso que era a minha vida. Isso ficou ainda mais evidente quando Miguel Marino se aproximou daquele plagiador de merda do Antônio e o cumprimentou. Aqueles parabéns eram para ter sido para mim. Junto com a promoção do cargo.

Não me restava mais nada a ser feito além de encher a cara para afogar aqueles problemas. A partir do terceiro ou quarto drink – é, eu sempre fui fraca para bebidas – havia um borrão em minha memória que apenas se reiniciava na manhã seguinte quando eu acordei. Deitada de bruços na cama, logo que abri os olhos observei um quarto grande, com um frigobar e uma TV enorme. Definitivamente, eu não estava na minha casa. Na primeira tentativa que fiz para me levantar, a minha cabeça doeu e eu precisei voltar a fechar os olhos e aguardar mais alguns instantes para tentar novamente. Então, eu me sentei, apoiando os pés no chão, repetindo a mim mesma aquela pergunta do início. Como diabos eu tinha ido parar ali? Levei uma das mãos à cabeça, encontrando meus cabelos amontoados como um ninho de pardal. Sonolenta, desci a mão pelo pescoço, até chegar ao ombro. Chamou-me a atenção o fato de sentir diretamente a minha pele. Sem alças de roupas ou sutiãs. Baixei os olhos devagar, com medo do que eu iria encontrar, mas

minhas suspeitas foram confirmadas. Eu estava completamente nua. Encontrei minhas roupas completamente espalhadas pelo chão. Uma peça em cada canto do quarto – o vestido, a calcinha, o sutiã, a meia-calça, os sapatos – como se tivessem sido arremessadas com muita fúria. — Que porra é essa? — resmunguei, sonolenta demais para conseguir processar o que teria acontecido. Flashs invadiram a minha mente. Eu estava feliz, sorrindo, praticamente gargalhando e... beijando um cara? Lembrei-me de abrir a porta daquele quarto e entrar, acompanhada por alguém. Ambos rindo, nos divertindo. E fui eu mesma que tirei os meus sapatos. Será que o restante das roupas também? Se tudo aquilo já estava me deixando assustada o suficiente, de repente veio o completo terror ao ouvir alguém resmungando algo atrás de mim, ao mesmo tempo em que eu sentia um movimento sobre o colchão. Levantei-me em um pulo, girando o corpo.

Meu Deus, meu Deus, meu Deus, meu Deus! Eu realmente não estava sozinha! Havia um homem deitado na cama, parecendo despertar nesse momento. Ele estava coberto da cintura para baixo, mas seu peitoral estava à mostra, o que me dava muitas dicas de que, assim como eu, ele também estaria completamente nu. Apesar de ser a primeira vez em meus quase vinte e cinco anos de vida que eu acordava sem roupas dividindo a mesma cama com um homem, eu sabia que existia apenas uma explicação possível para aquilo. Tentei puxar pela memória e minha cabeça voltou a doer. Que merda, eu não me lembrava de mais nada. Como eu poderia não lembrar da minha primeira vez? Certo, eu tinha preservado aquela porcaria de virgindade durante quase vinte e cinco anos, com o pensamento de estar me guardando para um momento especial ao lado de um homem especial, tudo para, após uma noite de bebedeira, simplesmente dar para um total desconhecido? Um desconhecido bem gostosão, mas, ainda assim, um desconhecido.

Ele esfregou os olhos, parecendo enfim identificar a minha presença ali. Então, ele disse algo: — Desculpa, mas eu não lembro o seu nome... — Certo... aquela estava longe de ser a coisa mais romântica que eu poderia sonhar ouvir do cara que havia tirado a minha virgindade. O que a minha avó diria se me visse naquele momento? — Que lugar é esse? — ele completou. Ele cerrou os olhos, visivelmente sendo afetado por uma dor. Na certa, também na cabeça. Era só o que me faltava: minha primeira vez tinha sido completamente bêbada com um cara igualmente bêbado, que parecia se lembrar tanto da noite anterior quanto eu. Eu não iria dizer o meu nome para um desconhecido – ainda que eu tivesse dado para ele. Comecei a, de forma aflita, recolher minhas peças de roupa do chão. Foi então que o olhei melhor e mal pude acreditar no que constatava. Ele não era um total desconhecido. Era o meu chefe!

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Capítulo 1

Eu nunca fui do tipo que namora, manda flores ou se empenha na conquista. Sexo era o que era: algo puramente físico e casual. E talvez eu realmente me esquecesse do nome da maioria delas em alguns dias, mas não no dia seguinte. E, se minha memória costumava ser boa para nomes, era ainda melhor para situações. E isso tornava ainda mais estranho o fato de não fazer ideia de quem era aquela mulher e como tínhamos ido parar ali em... Onde eu estava?

Pelo amor de Deus, que quarto era aquele? Quanto eu havia bebido na noite anterior? Voltei a olhar para a mulher, forçando a memória para tentar me lembrar de onde eu a conhecia. As imagens surgiram como flashs na minha cabeça. Eu tinha chegado à festa, cumprimentado aquele bando de puxa-saco chatos dos infernos, e tinham algumas mulheres me cercando. Por mais que eu raramente dispensasse a ideia de uma boa noite de sexo, funcionárias da minha empresa eram cartas fora do baralho. Meu pai tinha, no decorrer de sua vida, colecionado problemas por sua mania de se envolver com funcionárias, e eu definitivamente não queria isso para a minha vida. Mas aquela mulher ruiva ali diante de mim, estava certo, não era nenhuma daquelas. Eu tinha uma ótima memória visual, modéstia à parte. Sem contar que aqueles cabelos vermelhos dela seriam difíceis de serem esquecidos. Eu tinha tido um dia dos infernos. Foi dia de reunião com os advogados da empresa, que no momento cuidavam de uma causa inteiramente minha. E o panorama com relação a ela não era das

melhores. Encher a cara depois de tudo o que ouvi definitivamente não era a atitude mais inteligente, mas nem sempre eu era um sujeito esperto. Caso fosse, não teria chegado àquela situação, afinal. A nenhuma das situações. Nem a do assunto tratado pelos advogados, nem àquela do momento. Eu conversei sobre aquilo com aquela mulher, eu recordava vagamente disso. Lembrava de ela ter me dado alguns conselhos... Ou talvez ela tenha contado piadas, não me lembrava muito bem. E aparentemente eu tinha feito sexo com ela. Não que eu recordasse, mas era só o que explicava termos acordado nus na mesma cama. Bem, ela era bem bonita, então provavelmente tinha valido à pena. — Ai, meu Deus... — foi tudo o que ela disse, antes de se apressar em vestir as roupas. Ou talvez, pela reação dela, não tivesse sido tão bom assim. — Onde nós estamos? — voltei a perguntar.

— Não importa — foi a resposta ríspida dela. — Nada disso importa, vamos fingir que não aconteceu. Apenas não me demita, por favor. — Você trabalha para mim? — Inferno! Eu tinha então, realmente, me envolvido com uma funcionária? Que grande merda... — Apenas finja que nada aconteceu, tudo bem? — ela terminou de enfiar o vestido no corpo e começou a olhar ao redor, à procura de algo. Até que correu até um canto do quarto, pegou uma bolsa e saiu. Saiu como se estivesse fugindo de um demônio. Sério, a noite tinha sido tão ruim assim? Voltei a me estirar na cama fechando os olhos e tentando me recuperar daquele misto de sono com ressaca. Meu nível de confusão mental estava muito além de qualquer outra bebedeira da minha vida. Porém, aos poucos, fui me recordando de algumas coisas da noite passada. Aquela mulher... lembrei de tê-la visto sozinha no bar, tomando um drink atrás do outro. Sim, foi isso, eu estava bem sóbrio naquele momento. Depois que a vi a primeira vez, acho que ainda

levei mais de uma hora até decidir me juntar a ela. Eu tinha as minhas razões para encher a cara e, aparentemente, a moça também, e foi por isso que puxei assunto. É, essa parte estava bem nítida. Lembrava-me exatamente quais tinham sido nossas primeiras palavras trocadas.

— Olha, eu não te conheço e sei que isso não é da minha conta, mas... Não está bebendo um pouco demais? Ela ergueu o copo em minha direção e retrucou sem sequer me olhar: — É tudo por conta da empresa. E quero dar muito prejuízo para esse CEO filho da puta. Surpreso

com

o

comentário

tão

sincero,

vi-me

momentaneamente sem resposta. Acredito que ela tenha percebido isso, porque enfim virou o rosto em minha direção, olhando para mim e me reconhecendo. Porém, ao invés de ficar sem graça, ela riu. Ela simplesmente riu. E ainda acrescentou: — Ai, meu Deus, você é o filho da puta! — Tomou o conteúdo de seu copo em um só gole e seguiu gargalhando.

Acho que ela realmente estava muito bêbada. Mas, para o inferno, ela tinha razão. Eu era mesmo um grande filho da puta e só restava a mim beber um pouco também. Pedi que o barman me servisse o mesmo que ela e virei goela abaixo, logo pedindo outra dose. A bêbada ao meu lado pareceu curiosa com isso. — Eita, teve um dia ruim, foi? — Têm sido vários dias ruins, na verdade. — Que tipo de dia ruim um cara como Miguel Marino teria? Acabou a champanhe da limusine? Quis trocar seu helicóptero por um modelo mais moderno e não tinha a cor que você queria? Ah, já sei: queria passar o fim de semana na sua mansão em alguma praia paradisíaca, mas a previsão do tempo disse que ia chover, não é? Nossa, força para você, guerreiro! Aquilo não seria problema para mim. Minha casa em Trancoso tinha uma área externa com piscina coberta. Mas talvez comentar a respeito disso fizesse com que eu parecesse tão esnobe e fútil quanto ela achava que eu seria. E eu não era. Nem tinha uma limusine. Achava meio brega.

— Não é só porque eu sou rico que eu não tenha problemas de verdade — retruquei, observando enquanto o barman servia mais duas doses para nós. — Você está morrendo? — ela perguntou de repente. — Nossa, não. — Alguém da sua família está morrendo? — Não. — O seu cachorro está morrendo? Como ela sabia que eu tinha um cachorro? — Não, meu cachorro está ótimo. — Então, meu caro, você não tem um problema de verdade. — Por acaso você está morrendo? — Eu não nasci em berço de ouro. Existe uma infinidade de problemas que eu posso ter. — Então por que o meu único problema seria alguém morrendo? — Porque seria a única coisa pela qual você não poderia pagar. Qualquer outra coisa, aposto, sua grana é bem capaz de resolver.

Eu queria que ela estivesse com a razão. Mas não estava, pelo motivo que expus: — Nem tudo na vida pode ser comprado com dinheiro. — Sabe quem gosta de dizer bobagens assim? Gente com muito dinheiro. — Seus problemas seriam resolvidos com dinheiro? Ela pareceu pensar por um instante. — Uma boa parte deles, sim. Se eu fosse uma herdeira milionária como você, não precisaria sofrer esperando por uma promoção e vendo um filho da puta qualquer roubando ela de mim. Percebi que ela falava muitos palavrões. Não que isso me incomodasse. Mas estava acostumado a mulheres que, na minha presença, tentavam manter uma linha mais culta-educada-boamoça. Claro, isso antes de eu as levar para a cama, onde se tornavam verdadeiras devassas. Pensei em como aquela boquinha suja deveria se comportar enquanto trepava com alguém. Eu poderia tentar descobrir, mas não faria isso por duas razões. A primeira, era que ela era funcionária da minha empresa, o que era algo meio proibido para mim, pelas

minhas próprias regras. E a segunda é que a mulher estava completamente bêbada. Tomei mais uma dose. Do jeito que aquilo era forte, talvez eu não demorasse a ficar igual a ela. Bem, para falar a verdade, havia ainda mais um motivo para eu não tentar nada com a moça ao meu lado. Eu estava em um processo de mudanças em minha vida, e estas incluíam ser menos festeiro e menos mulherengo. Como aquela era uma festa da empresa, sentia que podia me dar ao luxo de beber um pouco além da conta. Fiz um comentário mental de que a empresa deveria promover festas toda semana. Colocaria isso na pauta de mudanças a fazer. Enquanto via o barman encher mais uma dose para mim, voltei a focar minha atenção no que ela tinha acabado de me contar. — Como assim alguém roubou a sua promoção? — Ele ainda é meu superior... Aliás, agora mais superior ainda. Por isso eu não posso denunciá-lo, senão ele pode querer se vingar. — Ela virou o copo, o que pareceu ter lhe dado uma dose extra de coragem. Ou de falta de noção de perigo. — Ah, que se

foda, vou contar, sim! O filho da puta do Antônio apresentou o meu projeto como se fosse dele. — Fala do projeto do condomínio? Ele é seu? Caramba, ele é ótimo. — Eu sei. E deu muito trabalho. — Vou conversar com o Antônio amanhã e ele vai ter que me explicar essa situação. — Se você contar que eu te contei, ele pode me demitir. — Só quem pode demitir alguém ali dentro sou eu. E eu não pretendo demitir ninguém. — Nem o Antônio? — Nem o Antônio. — Afe... Você é mesmo um bundão. Novamente, eu não esperava pelo termo nada educado sendo dirigido a mim. Nunca tinha sido tratado daquele jeito por uma mulher, muito menos por algum funcionário da minha empresa. Mas não me importei muito com isso. Acho que já estava ficando bêbado o suficiente para começar a ver aquilo com uma certa naturalidade.

O que não havia nada de natural era como aquele início de conversa no bar tinha evoluído para nós dois acordarmos nus dividindo a mesma cama. Para começar, ela me chamou de bundão. E de um jeito nada sexy. Minha cabeça doeu, sendo tomada por uma névoa e eu não consegui mais me lembrar da sequência daquela conversa. Ainda tentei forçar um pouco a memória, mas nada surgiu. Decidi, contudo, que nada daquilo tinha importância. Eu não queria ir para a cama com uma funcionária, mas agora já tinha ido, nada poderia mudar isso. Vida que segue... E a minha, no caso, tinha muito a seguir. Levantei-me, peguei minhas roupas jogadas pelo chão, usei o banheiro do quarto, vesti-me e saí. No estacionamento do hotel, entrei em meu carro e logo percebi que não estava tão bem assim para dirigir. — Que merda... — resmunguei, sentindo a cabeça girar um pouco.

Que bom que o local não ficava tão longe assim da minha casa. Ainda assim, iria redobrar a atenção e dirigir bem devagar. A última coisa que eu precisava na vida era me envolver em um acidente ou ganhar uma multa de trânsito. — Preciso ser a porra de um homem exemplar... — aquele tinha virado praticamente o meu mantra nas últimas semanas. Acabava de atravessar o portão do estacionamento e virava à esquerda na rua em frente ao hotel quando meu celular tocou. Posicionei-o no painel do carro e o atendi no viva-voz. Em geral, ignoraria, já que estava dirigindo e, repito: precisava evitar ao máximo levar uma multa. Mas eu não me permitiria perder uma ligação de Janete. Janete era atualmente a mulher mais importante da minha vida. Não, eu não tinha qualquer envolvimento amoroso ou sexual com ela – mesmo porque, ela era casada, além de ter idade para ser minha mãe. E também não tinha qualquer parentesco comigo. Porém, no momento, eu ousaria dizer que ela tinha uma importância maior do que a minha própria mãe. Janete era minha advogada.

É, eu sei que isso pode soar bem frio. Mas, na realidade, era o extremo oposto disso. Porque Janete não estava no momento cuidando de nenhum processo que dissesse respeito a questões financeiras ou patrimoniais. Ela cuidava do processo mais importante e vital de todos para mim. — Que tipo de merda você tem na cabeça? — Como eu disse, Janete não era minha namorada nem minha parente. Mas ela era dura, direta e nada comedida com as palavras. Bem, ela era advogada da minha família há mais de vinte anos, tinha me visto crescer, então ela podia se dar àquelas ‘intimidades’. E eu até gostava, porque demostrava o quanto ela estava empenhada em ganhar aquela causa. — O que eu fiz dessa vez, Janete? — Uma funcionária da sua empresa, Miguel? É sério isso? Não tem vinte e quatro horas que tivemos uma conversa séria e você prometeu que ia entrar nos eixos, e pouco depois você se enfurna em um hotel com uma mulher, e ainda com uma funcionária?

Cocei a cabeça, cansado. Sabia que ela estava com toda a razão, mas não pude deixar de externar uma reclamação: — Colocou alguém para me espionar agora, Janete? — Eu não precisei fazer isso. Os seus inimigos já fizeram. Acabei de receber fotos e vídeos de você bebendo com a moça, se agarrando com a moça, entrando no quarto de hotel com a moça à uma e meia da manhã, e ela saindo sozinha e descabelada agora há pouco, às sete e quinze. Puta que pariu! Xinguei mentalmente todos os palavrões dos quais eu conseguia me lembrar. Como aqueles filhos da puta podiam ter chegado tão baixo? — A ação está completamente perdida, então? — questionei por fim, sentindo um verdadeiro pavor da resposta. — Me encontre em meia hora no meu escritório e nós vamos discutir sobre as ameaças e propostas feitas. Não se atrase. — Não vou me atrasar. Eu ia me atrasar. E tinha a impressão de que até ela sabia disso.

Além de estar ainda saindo do hotel, bem longe do escritório dela, eu ainda precisaria parar para tomar um café bem forte. Os efeitos da bebida estavam bem acesos no meu organismo. Além da dor de cabeça e do estômago revirando, eu estava também com uma tontura bem forte, o que me fazia me perguntar que inferno de misturas alcoólicas eu devia ter feito durante a noite. Logo que Janete desligou a ligação, eu, irritado com toda aquela história, soquei com força o volante, tentando extravasar um pouco da minha raiva. Só então, reparei algo no dedo anelar da minha mão direita. Algo que definitivamente não estava ali antes. — Que porra é essa? — resmunguei, forçando a cabeça para tentar me lembrar como aquilo tinha ido parar ali. Uma onda de desespero ainda maior tomou conta de mim quando algumas lembranças daquilo invadiram a minha mente.

-----**-----

Capítulo 2

Eu nem sabia direito como tinha conseguido chegar em casa. Só o ato de colocar o meu próprio endereço correto no app do UBER já era um feito e tanto para alguém com uma ressaca tão avassaladora como a minha. Tudo ao meu redor parecia girar continuamente, ao mesmo tempo em que minha própria mente dava voltas ao redor de si mesma para tentar conectar os últimos acontecimentos, e sempre encerrava na mesma frase. Eu tinha acordado nua, na cama de um quarto de hotel, ao lado do meu chefe.

Quantos questionamentos diferentes poderiam girar em torno dessa informação? Eu sequer sabia o que deveria fazer depois daquilo. Bem, a lógica me mandava apenas seguir vivendo a minha vida, já que nada do que eu fizesse a partir daquele momento teria o poder de mudar o passado. Olhando pelo lado bom: meu chefe não era de maiores interações com seus funcionários. Nós mal o víamos, para falar a verdade. Seria bem simples retornar para o trabalho como se nada tivesse acontecido, porque eu fatalmente nem voltaria a vê-lo. E, se me visse, as chances de ele sequer me reconhecer eram enormes. Ele não me reconheceu nem mesmo ao acordar ao meu lado, aliás. O que mais eu poderia esperar? Além do mais, virgindade era algo meio superestimado. E daí que eu nem fosse capaz de me lembrar da minha primeira vez? Construiria boas lembranças a partir da segunda. Algum dia... Sei lá quando... Eu não tinha pressa, porque estava focada em coisas mais importantes na minha vida. — Tão focada que enchi a cara e dei para o meu chefe... — resmunguei, enquanto enfiava a chave na fechadura da porta do

meu apartamento. Ao entrar na sala, fui recepcionada pelo Tapioca, meu gato branco. Como de costume, ele veio esfregar seu corpo nas minhas pernas e soltou um miado. — Shiu, Tapioca! — pedi, sussurrando. Abaixei-me no chão, pegando-o no colo e voltando a me levantar. — Vovó ainda deve estar dormindo. Não por muito tempo, eu sabia. Eram quase oito da manhã e ela logo estaria de pé para abrir sua livraria às nove. Enchi o potinho de comida do Tapioca e corri para o meu quarto, apressando-me em pegar roupas limpas e ir para o banheiro tomar um banho. Depois da bebedeira – o cheiro de álcool parecia escapar por todos os poros do meu corpo – e do que eu tinha feito na noite passada, eu precisava demais daquele banho. O que eu tinha feito... Que droga, tudo no meu corpo parecia estar do mesmo jeito do dia anterior. Eu não sentia qualquer diferença. Nada estava doendo – além da minha cabeça, claro. Mais uma coisa que servia para anular completamente aquela ‘primeira vez’ da minha vida.

Saí do banheiro e fui para a cozinha, indo direto até a geladeira pegar um copo de água, que virei goela abaixo como se tivesse acabado de retornar de um tour pelo deserto. Fazia o mesmo com o segundo copo, mas sobressaltei e quase me engasguei com a voz que chegou de súbito aos meus ouvidos. — Acordou cedo em um sábado, Mila. Olhei para a minha avó que entrava na cozinha naquele momento, e me senti como uma fugitiva da polícia. — Ah... é que... eu perdi o sono. — Sono era o que eu mais sentia naquele momento. — Mas você voltou tão tarde da festa. Acabei dormindo e nem vi que horas você voltou, aliás. — Ah... Nem era tão tarde assim. A festa estava bem chata. Como toda festa de empresa, não é? — Ah, mas essa não foi tão chata assim, porque anunciaram nela a sua promoção, não foi? Me conta, meu amor, como foi? Ela se sentou, apoiando os cotovelos na mesa de madeira de quatro lugares e me olhando com seus olhinhos azuis encantadores e admirados. Ela não costumava tomar café antes das dez da

manhã, mas sempre fazia uma parada na cozinha antes de sair para o trabalho. Minha avó tinha setenta e cinco anos, mas muito mais disposição física do que eu. Ainda assim, tinha todo o estereotipo de vovozinha das histórias infantis: os cabelos curtos e completamente brancos, as bochechas rechonchudas e rosadas, os óculos de grau, a baixa estatura e o olhar amoroso. No jeito, no entanto, tinha suas diferenças daquele perfil ‘Dona Benta’. Não era uma exímia cozinheira – a gente estava sempre pedindo comida por delivery – nem adepta a tricô, crochê nem nenhum tipo de trabalhos manuais. A paixão dela eram os livros. Paixão que tinha passado para a minha mãe e, na sequência, para mim. Porém, por mais que a livraria fosse a vida da minha avó, ela sabia que eu tinha outros planos de carreira. Meu pai era arquiteto, e meu sonho sempre foi chegar longe nesse trabalho. Sentia que, em algum lugar, ele ficaria muito orgulhoso de mim. Assim como minha avó estava agora, sem saber que as coisas não tinham acontecido exatamente como eu e ela prevíamos. Eu precisava contar a ela a verdade. Porém, diante daqueles olhinhos tão esperançosos, eu desmoronei por dentro. Eu já tinha

me decepcionado muito naquela última noite. Mas decepcionar a minha avó, a mulher que tinha me criado desde os meus oito anos – quando meus pais morreram em um acidente de trânsito – e a pessoa que eu mais amava no mundo era doloroso demais para mim. Pelo menos por aquele momento eu não queria passar por mais aquilo. O barulho de vidro se quebrando chamou a nossa atenção e eu quase agradeci quando me virei e vi que Tapioca tinha subido em cima da pia e derrubado um copo no chão. — Que menino mais levado! — minha avó ‘brigou’ com ele, daquele jeito dela que parecia qualquer coisa, menos uma bronca, e se levantou, indo até os cacos de vidro e ameaçando se abaixar para pegá-los. Eu a detive. — Não, vó, deixa que eu cuido disso. Não está na hora de abrir a livraria? — Tudo bem, querida. Mas de noite você me conta tudo sobre o anúncio da sua promoção, está bem? — Está bem — respondi, forçando um sorriso e me abaixando para receber um beijo dela na minha bochecha. Torcia

para que meu banho e a quantidade de vezes que escovei meus dentes tivessem sido suficientes para disfarçar um pouco o cheiro do álcool que emanava do meu ser. Está bem... Eu era uma porcaria de uma falsa dos infernos. Eu não podia mentir para a minha avó. Mas também não podia decepcioná-la daquele jeito. Nós duas havíamos sonhado tanto com aquela promoção. Mesmo que ela recusasse a princípio, eu prometi a ela que com o valor a mais no meu salário eu iria economizar para ajudá-la com a sua livraria, que vinha enfrentando sérios problemas financeiros. Aquela livraria, que tinha sido aberta por ela e pela minha mãe antes mesmo de eu nascer, era importante demais para ela. E para mim também. Não conseguíamos admitir que ela pudesse vir a fechar as portas. Afastando os lábios da minha bochecha, ela pegou a minha mão e soltou um comentário que me trouxe uma certa confusão. — Nossa, que anel bonito. É a cara da sua mãe. Anel?

Olhei

para

o

dedo

anelar

da

minha

mão

direita,

compreendendo a parte que dizia respeito ao fato de que aquilo era a cara da minha mãe. Era um anel artesanal feito com pequenas miçangas coloridas. Minha mãe era uma pessoa que amava artesanatos, e algo feito com miçangas era realmente a cara dela. Definitivamente, não era a minha. — Ah... eu comprei em um estande na festa... — comentei. Recordava-me de um estande cheio de bijuterias naquele estilo, mas realmente não conseguia me lembrar de ter comprado algo lá. Especialmente um anel que definitivamente não fazia o meu estilo. Bem, mas só podia ter sido aquilo, não? De que outra forma aquele anel teria ido parar no meu dedo se não fosse por eu ter comprado? Vovó repetiu mais uma vez que ele era lindo e virou as costas, saindo. Comecei, então, a recolher os cacos de vidro do chão, enquanto forçava a memória para me recordar daquela compra. Travei de repente, ao finalmente me lembrar.

— Acho que a gente devia transar — ele disse, depois de sei lá quanto tempo que já estávamos enchendo a cara juntos. — Eu não vou dar para você, a gente se conheceu hoje — respondi, mostrando que, àquela altura, eu ainda tinha em mim algum resquício de lucidez e juízo. — Quanto tempo precisa para te levar para a cama, então? Precisamos nos casar antes? — Também não é para tanto. Mas precisaria ao menos termos um relacionamento sério. — Podemos ficar noivos, então! — Nem temos alianças. — A gente resolve isso. — Foi então que ele me puxou até o estande das miçangas.

— Não, não, não... — repeti, em pânico. Não podia ser verdade. Definitivamente, eu deveria ser proibida de beber. Eu tinha mesmo trocado a minha virgindade por uma porcaria de um anel que não devia ter custado nem vinte reais?

Larguei os vidros ali mesmo e corri de volta para o meu quarto. Peguei meu celular dentro da bolsa e fiz uma ligação para a única pessoa com quem eu me sentia à vontade para contar toda aquela loucura. Laís, minha melhor amiga, atendeu no terceiro toque. — Como vai a nova arquiteta-chefe da Marino Arquitetura? O novo arquiteto-chefe deveria estar muito bem. Sem dúvidas de que estava muito melhor do que eu naquele momento. Não que isso fosse difícil. Contei a ela o motivo da minha ligação em um fôlego só: — Eu perdi a minha virgindade. Ela começou a tossir, mostrando que havia se engasgado, provavelmente com qualquer coisa que bebia. — Uôu... Calma... bom dia. Não se dá uma notícia dessas desse jeito, ainda estou tomando meu café da manhã. Como ela já parecia estar recuperada do engasgo, eu repeti: — Eu perdi a minha virgindade. — Ok... explique. Você ontem disse que estava indo para uma festa da empresa.

— E fui. — Não é aquela empresa em que todo mundo ou é velho demais, ou é chato demais, ou são as duas coisas ao mesmo tempo? — Não foi com um velho. — Eu poderia complementar dizendo que ele também não era chato, mas eu não tinha lembranças suficientes da noite para afirmar isso. — Meu Deus, amiga... conte-me tudo! Você guardou tanto essa virgindade, que isso merece até mesmo uma comemoração. Vamos sair para beber! Meu estômago revirou apenas com a ideia de ingerir mais uma gota de álcool. — Não há o que comemorar, Laís. Não foi nada especial. — Ah, amiga... na real, primeira vez na maioria das vezes não é nada do que os romances pintam para a gente. É normal doer e ser meio incômodo, mas a partir da segunda a coisa começa a ficar boa de verdade. Sei lá se tinha doído ou se tinha sido incômodo. A verdade é que eu não sentia nada de diferente no meu corpo.

Ao menos nada além do meu estômago revirando e da minha cabeça dando triplos mortais carpados sem parar. — O problema, Laís, é que eu não me lembro de nada. Eu estava bêbada. O tom de voz dela mudou, assumindo um ar de preocupação. — Meu Deus, amiga... Algum maldito abusou de você? — Poderíamos considerar assim caso ele estivesse sóbrio. Mas ele estava tão bêbado quanto eu. — Espera... Então você e um cara qualquer se embebedaram e transaram, é isso? — Não era um cara qualquer. Foi o meu chefe. — O quê? — a pergunta dela foi praticamente um grito. — E, aparentemente... Antes de transarmos, nós ficamos noivos. — Noivos? Como assim noivos? Ele te deu uma aliança? — Na verdade, foi um anel vagabundo de miçangas. Ela ficou em silêncio, parecendo repassar mentalmente toda aquela história. Até que, por fim, declarou: — Fique bem aí onde você está.

— O que vai fazer? — Pegar o meu carro e ir até aí, te levar para beber. — Laís, acho que eu realmente não preciso de uma bebida nesse momento. — Mas eu preciso. Chego aí em quinze minutos.

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Capítulo 3

Já era a terceira vez que aquele vídeo se repetia no monitor preso por um suporte à parede da sala de reuniões do escritório. Geralmente, minhas reuniões ali com Janete – ou Doutora Janete, como a chamavam as pessoas que certamente não a conheciam desde os cinco anos de idade, como eu – eram acompanhadas por outros advogados, mas dessa vez, por ser um sábado, éramos apenas nós dois. Mas eu sabia que a decisão dela de não ter chamado ninguém não tinha sido pelo respeito ao dia de descanso de sua equipe.

Tinha mais a ver com poder chamar a minha atenção de forma incisiva sem ter ninguém por perto para testemunhar. O vídeo feito aparentemente pela câmera de um celular mostrava eu, acompanhado pela moça ruiva, gargalhando um ao lado do outro no bar. Até que eu a segurava pela mão e íamos juntos em direção ao elevador. Dali, a imagem cortava para outra, aparentemente da câmera de segurança do elevador. Quando a porta se fechou, veio o momento de maior constrangimento quando eu me virei de costas e comecei a rebolar, enquanto a mulher parecia cantar e fazia também uma dancinha bêbada e ridícula ao mesmo tempo em que dava tapinhas na minha bunda. — Isso vai acabar com você em qualquer tribunal... — Também já era a terceira vez que Janete repetia aquilo enquanto movia a cabeça negativamente, mostrando-se tomada pelo sentimento de vergonha alheia. Quando a porta do elevador voltou a se abrir, a imagem novamente foi cortada para a de outra câmera de segurança no corredor. Nós seguimos até a porta de um dos quartos e começamos nos beijar.

E a nos agarrar. E a nos esfregar. E eu realmente não fazia ideia de como a gente não tinha consumado aquilo ali mesmo. Porém, eu consegui abrir a porta e nós entramos juntos no quarto. A imagem voltou a ser cortada, dando lugar a outra feita pela mesma câmera, mas já com o horário da manhã daquele mesmo dia. A mulher ruiva abria a porta e saía do quarto, com a maior expressão perdida que o rosto de alguém poderia exibir. Acho que nunca na minha vida tinha visto aquela reação em uma mulher que tinha ido para a cama comigo. Não que, àquela altura, isso fosse realmente uma questão importante. Meu ego estava um pouco ferido, confesso, mas era o de menos diante de todos os problemas que aquela noitada poderia me ocasionar. O vídeo chegou ao fim e eu agradeci mentalmente por Janete não decidir exibi-lo mais uma vez. Ao invés disso, ela contou o que eu já imaginava escutar: — O advogado dos Albuquerque me enviou esse vídeo às sete e meia da manhã, junto a uma mensagem bem clara e direta: ou você desiste da ação, ou esse vídeo será anexado ao processo

como uma prova contra você. Eles estão dispostos a fazer um acordo caso você decida pela desistência. — Eu não quero acordo algum com eles. — Ou você aceita o acordo, ou você perde. E de uma forma bem constrangedora, vale a pena ressaltar. — Repito que não aceito fazer acordo algum com aqueles filhos da puta. — A parte boa de sermos apenas Janete e eu ali, era que eu não precisava controlar o linguajar. A parte ruim é que ela também não. — Pensasse sobre isso antes de fazer uma merda desse tamanho. — Ela se levantou, começando a caminhar ao redor da enorme mesa retangular de mogno. — O que nós conversamos, Miguel? Qual foi o nosso acordo? Você iria assumir o comando do escritório de arquitetura da sua família, iria comparecer à empresa de segunda à sexta feira, mostrando ser um gestor interessado e responsável, iria parar com as festinhas, as baladas, a bebedeira e, principalmente: com as mulheres. — Era uma festa da empresa, fazia parte do meu trabalho. E achei que nela não teria problema se eu bebesse um pouquinho.

— Um pouquinho? Você mal se aguentava nas pernas quando saiu do bar e fez uma dancinha ridícula no elevador. — Como eu ia saber que tinha alguém me filmando? E, sobre a mulher, não estava mesmo nos meus planos. Eu me aproximei dela realmente apenas para conversar, não era para terminarmos na cama. — Se não era para terminarem na cama, me explica por que a reserva do quarto do hotel foi feita duas horas antes dessa filmagem de vocês dois subindo? Duas horas antes? O vídeo do corredor exibia o horário de uma e trinta e dois da madrugada. Duas horas antes, às onze e meia, eu ainda não estava nem a uma hora conversando com a ruiva. Já passava das dez e meia quando me aproximei dela no bar. Eu não me recordava de muita coisa, mas tinha certeza de que em uma hora eu ainda não estava em um estado de embriaguez que me permitisse perder o juízo daquele jeito. Eu definitivamente não tinha feito uma reserva naquele momento.

Bem, mas o horário exato daquilo realmente não vinha ao caso. Eu tinha feito merda, era só o que importava. — E com uma funcionária da sua empresa! — ela retornou a um ponto também de bastante relevância. — Dá para imaginar o tipo de coisa que pode ser alegada? Eu passei a minha carreira jurídica inteira defendendo seu pai de processos movidos por funcionárias ‘seduzidas’ por ele. Isso pode ser facilmente levantado no processo e se voltar contra você. Aquela, para mim, era uma das piores partes. Porque eu sempre jurei para mim mesmo que não seria como o meu pai. Não naquele ponto, pelo menos. Como pai, ele não tinha sido dos piores, mas a fama de um milionário casado que estava sempre tendo casos com funcionárias de sua própria empresa sempre pesou sobre as minhas costas. — Ela parece ser uma garota legal — falei, me referindo à ruiva. — Eu posso conversar com ela. — Talvez isso deixe de piorar um pouco a sua situação, mas ainda não serve para melhorá-la. Você está perdido, Miguel. E, falando como sua advogada e amiga de sua família, eu realmente

recomendo que você aceite fazer um acordo. É isso ou nada, porque você não tem mais chances. Fechei os olhos por um momento, respirando profundamente. Eu não queria entrar em qualquer acordo com Marta e Cláudio Albuquerque. Odiava até mesmo a ideia de ter que precisar ver as caras deles mais uma – ou várias – vezes. Porém, se eu tinha colocado tudo a perder em uma bebedeira irresponsável, precisava ao menos tentar conter os danos disso. Voltei a abrir as pálpebras e, olhando para minha advogada que havia parado no lado oposto da mesa ao que eu estava, indaguei: — Que tipo de acordo eles querem fazer? — Visitas quinzenais, com duração de duas horas, sempre na casa deles e com a supervisão deles. Fechei o punho, socando com força a mesa diante de mim. Isso não era o bastante. Jamais seria. Eu era pai de Alice. Ela estava prestes a completar um ano de vida, e eu até então a tinha visto pessoalmente exatas cinco vezes. Já tinham sido mais do que o suficiente para eu entender que eu precisava dela, muito mais do que ela de mim.

Eu era louco por aquela garotinha. Ela era minha filha, porra! Pouco me importava se meu caso com sua mãe tivesse sido apenas uma noite de sexo sem compromisso e ela fosse o resultado de uma camisinha que estourou. Ela era minha filha! Meu sangue. O maldito casal Albuquerque ainda tentou, na ocasião, me convencer de que sua filha havia mentido no e-mail que tinha me enviado apenas algumas horas antes do acidente que tirou a sua vida, e que Alice não era minha. Solicitei, na ocasião, um teste de DNA apenas para ter aquela prova de paternidade documentada, mas para mim isso sequer seria necessário. Com exceção dos olhos azuis idênticos aos da falecida mãe, Alice parecia uma fotocópia minha. Quando sua mãe, Andreza, me enviou uma foto dela anexada ao e-mail, eu passei as primeiras horas comparando a imagem com uma fotografia minha de quando era bebê, assustado com o nível surreal de semelhanças. Mas o exame tinha comprovado: ela era o meu bebê. E tudo o que eu queria era o direito de ser o seu pai. Mas seus avós não estavam dispostos a permitir aquilo. A decisão ficaria a cargo de um juiz. Uma ação que eu teria tudo para ganhar. Eu era um pai querendo ter a guarda de sua própria, depois da morte da mãe da

criança. Pois é, eu teria tudo para ganhar. Se eu não fosse... eu. A porra de um playboy festeiro, mulherengo e irresponsável. — Eu não posso aceitar essa merda desse acordo, Janete. — Se esses vídeos forem expostos no processo, você pode perder até mesmo isso, Miguel. Eles vão insistir na tese de que você é uma péssima influência para a criança, e com isso você talvez não tenha sequer o direito de vê-la. Você tem muito dinheiro e influência, mas os Albuquerque também têm. Você é pai da menina, mas eles são os avós maternos, que cuidam dela desde que ela nasceu. Não resta absolutamente nada a seu favor. — Mas eu tenho a melhor e mais perspicaz advogada da cidade. Você vai encontrar uma solução. Diga para mim que vai, Janete, por favor. — Não tenho como trabalhar se não tenho nada a seu favor. Sei que estava completamente bêbado na última noite, mas tente se lembrar de algo que possa te ajudar em alguma coisa. Apoiei a testa sobre as mãos e voltei a fechar os olhos. Eu precisava fazer um esforço, precisava recordar de alguma coisa, qualquer coisa.

Tentando tirar como parâmetro as cenas que vi no vídeo, forcei-me a recordar daqueles momentos. A dancinha estúpida no elevador. Talvez eu me recordasse um pouco dela. A ruiva e eu cantamos juntos o refrão de um funk que eu nem sabia que conhecia, enquanto ela dava tapas na minha bunda. E comentava qualquer coisa sobre eu ser um gostoso... Isso não me ajudava. Segui nas recordações. Nós saímos do elevador, começamos a nos agarrar... Acho que aquela não foi a primeira vez que eu a beijei. Tínhamos trocado alguns beijos antes no saguão do hotel. Lembrei de ter apertado a bunda dela e ter feito uma nota mental de que era bem firme e deliciosa, e... Novamente, isso não ajudava. Forcei a mente um pouco mais. Entramos no quarto, tiramos as roupas, voltamos a nos beijar, e... Ela parou.

Não só parou de me beijar, como praticamente despencou em meus braços. Eu a chamei. Sacudi e tudo, mas... ela tinha dormido. Tinha praticamente apagado, ainda de pé, nos meus braços. Lembrei de, nesse momento, ter sentido minha cabeça girar e quase ter ido ao chão, levando-a junto. Era isso, eu estava com sono. Uma porra de um sono completamente insuportável. Sem muitas forças, consegui jogar a mulher na cama e me joguei ao seu lado, virei para o lado, e... Escuridão. Eu simplesmente apaguei. — Nós não fizemos nada! — declarei, eufórico, enquanto me levantava da cadeira. Acho que nunca na vida tinha me sentido mais feliz por não ter transado com uma mulher bonita. Diante do olhar de confusão que Janete me lançou, eu expliquei: — Nada aconteceu entre a ruiva e eu. Nós entramos no quarto e dormimos. Janete revirou os olhos. — Pelo amor de Deus, Miguel, que criança você acha que vai enganar com essa desculpa? Você dois quase copularam ainda no corredor.

— Mas nada aconteceu no quarto. Eu juro. Ela praticamente desmaiou logo que entramos. Eu a coloquei na cama, deitei-me do lado dela, e dormi. Ela me analisou em silêncio por alguns instantes, parecendo pensar se deveria ou não acreditar naquilo. Por fim, suspirou. — Ótimo, vocês não fizeram nada. Mesmo que ela aceite te ajudar e comprove isso em um tribunal, quem vai acreditar? E que diferença vai fazer diante do seu comportamento durante toda a noite? Merda, ela tinha toda a razão. Aquilo ainda não era o suficiente. Cocei a cabeça, tentando me lembrar de mais alguma coisa importante. Foi quando a porra daquele anel ridículo de miçanga se enroscou nos meus cabelos. Puxei a mão e arranquei o objeto do dedo. — Por que inferno eu ainda estou usando essa porcaria? — resmunguei, jogando o anel sobre a mesa. Janete olhou para aquilo, curiosa, e esticou a mão até a bijuteria, pegando-a para analisar. — Desde quando você usa essas coisas tão... rústicas?

— Comprei ontem em um estande meio hippie lá na festa. — Não pude evitar rir ao me lembrar da história. — A ruiva falou que não poderia transar comigo porque tínhamos acabado de nos conhecer e não tínhamos qualquer compromisso um com o outro. Então a gente foi nesse estande, eu comprei dois anéis e fiz uma brincadeira sobre pedi-la em noivado. Aparentemente deu certo. Ou nem tanto, porque no final não rolou nada entre nós. Janete desviou os olhos do anel para voltar a me olhar, e eu conhecia bem aquele brilho nos olhos dela, de quem estava tendo uma ideia. — Sabe o que poderia te salvar de ser considerado um libertino que vai pra festas, enche a cara e vai para a cama com suas funcionárias, Miguel? — O quê? — questionei, esperançoso. — Se por acaso ela não fosse apenas uma funcionária, mas também sua noiva. Ela sorriu, mas eu permaneci sério, ainda tentando processar aquelas palavras e fazê-las criarem algum sentido na minha cabeça.

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Capítulo 4

Ter saído com Laís no sábado não foi algo que tenha efetivamente me ajudado. Minha amiga ficou perplexa com toda aquela história, tanto que, talvez pela primeira vez desde que nos conhecemos, ela não tinha um conselho a me dar. E nos conhecíamos desde os nossos oito anos, quando meus pais morreram e fui morar com a minha avó, assim passando a ser vizinha de porta dela. A mãe dela ainda morava no mesmo apartamento, de frente para o meu, mas ela tinha se mudado ao se casar, há dois anos.

Laís tinha sido uma criança altamente comunicativa, que não por acaso se tornou uma mulher igualmente comunicativa. Ela sempre teve muitas opiniões e conselhos a dar com relação a absolutamente tudo. Agora, eu sabia que não exatamente a tudo. A única coisa que ela podia dizer a uma amiga que tinha enchido a cara na festa da empresa e acordado desvirginada na cama ao lado do chefe era: “Que merda, Mila”. Era realmente uma grande merda. Esperava, pelo menos, não ser demitida, ou não ser obrigada a me demitir. Não consegui contar o ocorrido para a minha avó. Eu sempre contava absolutamente tudo da minha vida para ela, mas aquilo, definitivamente, era diferente de qualquer coisa ocorrida até ali. Eu já poderia imaginar a decepção nos olhos dela quando eu relatasse aquelas minhas aventuras bêbadas, e eu não podia lidar com isso. Eu poderia lidar com qualquer coisa na vida, menos com a possibilidade de decepcionar a minha avó, que era a pessoa mais importante do mundo para mim.

E foi exatamente por isso que eu, também, não tinha contado a ela que eu não fui promovida. Apenas sorri todas as vezes que, no final de semana, ela comentou qualquer coisa a respeito de estar orgulhosa de mim, ou se referiu a mim como ‘a nova arquiteta-chefe da Marino Arquitetura’. Eu era incapaz de mentir para a minha avó, mas nem foi esse o caso. Eu apenas não contei a verdade. Era diferente, não era? Mas se tinha algo do qual eu não podia fugir era de retornar ao trabalho na segunda-feira. Já seria difícil de qualquer maneira, porque encarar o bosta do Antônio usufruindo de seu novo cargo conseguido com o meu trabalho seria um verdadeiro martírio. Agora, tudo seria muito pior devido à minha recente aventura com o chefão Miguel Marino. Bem, pelo menos ele nunca aparecia no meu setor. — Menina do céu, você não sabe quem esteve aqui! — foi desse jeito que Giovana, a estagiária, me cumprimentou logo que cheguei. — O gostosão do Miguel Marino. Vi-me subitamente sem ar diante da notícia. O que aquele sujeito tinha ido fazer no meu setor? Ele nunca se misturava aos mortais.

— Só pode ser piada... — resmunguei, sentando-me na minha cadeira. Ela permaneceu de pé ao meu lado, com seus olhos castanhoescuros brilhando de empolgação, como os de uma adolescente. Bem, era praticamente o que ela era, com seus dezenove anos de vida. — Ficou todo mundo aqui sem acreditar também! — ela concluiu. — Mas o que, exatamente, ele veio fazer aqui? — Acho que veio fiscalizar o trabalho, sei lá. Foi estranho porque ainda faltavam cinco minutos para o início do expediente, nem tinha muita gente aqui ainda. Ele só chegou, cumprimentou todo mundo, passou de mesa em mesa olhando tudo... Aliás, a sua foi onde ele parou por mais tempo. Ficou olhando a sua foto ali, acho que te achou bonita. Como não achar, né? Gata desse jeito. Ela apontou para o porta-retrato em minha mesa e eu suspirei, desanimada. Era uma foto minha abraçada à minha avó. Ele certamente tinha me reconhecido. — Ele falou alguma coisa? — questionei.

— Não, só olhou tudo mesmo, depois saiu. Ninguém entendeu nada. Só sei que, pelo amor de Deus, o homem é lindo demais! Você precisava ver! — É, eu já vi... — E tinha feito muito mais do que apenas ver, aliás, mas isso não vinha ao caso. Giovana me olhou, surpresa. — Você o viu? — Ah... er... ele foi à festa de sexta-feira. — Jura? Queria tanto ter ido. Um absurdo os estagiários não terem sido convidados. Mas, ei, é verdade! O que você está fazendo aqui? Ainda não pegou as suas coisas para liberar a mesa? Tem sua própria sala agora, chefinha! Eu não tinha... — O Antônio tem a sala dele, não eu. — Como é? Eu ia contar a ela sobre o ocorrido. Porém, nesse momento, o dito cujo chegou, ditando ordens e comunicando que a partir daquele dia estaria em sua própria sala, mas que ainda assim fiscalizaria o nosso trabalho. Ao final, alguns puxa-saco foram lhe

dar novamente os parabéns, enquanto eu permaneci parada, sentada em minha cadeira, remoendo todo o meu ódio. — Ele não tem competência para isso — Giovana opinou, abaixando-se para falar próximo ao meu ouvido. Movimentei a cabeça em concordância. — Foi por isso que ele roubou o meu trabalho. Era para ser apenas um sussurro, mas acabei falando um pouco mais alto do que gostaria, de forma com que as pessoas mais próximas escutassem. E nisso incluía-se Antônio, que olhou para mim, deixando imediatamente de sorrir. — Disse alguma coisa, Camila? — Não, Antônio. Eu não disse nada. — ‘Senhor’ Antônio — ele me corrigiu, com toda a sua arrogância agora multiplicada. — Não esqueça de que agora eu sou o chefe do setor. — Graças ao meu trabalho — ousei responder, vendo o olhar dele em minha direção se tornar completamente possuído pelo ódio. — Não faça acusações levianas. Você integrava a minha equipe, fez o projeto sob minha supervisão.

— Fiz o projeto sozinha, ficando até nove da noite todos os dias aqui na empresa e ainda levando trabalho para casa e virando noites. Você sabe que não teve qualquer participação nisso. Ele trancou os lábios, visivelmente tentando se controlar para não gritar qualquer insulto em resposta. Estávamos cercados por outras pessoas, ele sabia que acabaria perdendo a razão caso se excedesse. — Certo, Camila... venha comigo até a minha sala. Vamos conversar sobre isso sem plateia. Eu sabia o que aquilo significava. O filho da puta ia providenciar a minha demissão. Era tudo o que eu menos precisava naquele momento, mas simplesmente não consegui aguentar calada ao vê-lo se beneficiar de um trabalho que tinha sido feito por mim. E se eu tive coragem o suficiente para peitá-lo ali, diante de um setor cheio de funcionários, não seria diante daquela ameaça que eu iria demonstrar medo. Eu obviamente estava apavorada com a ideia de ficar desempregada, mas não abaixaria minha cabeça. Por isso, levantei-me, já me preparando para segui-lo até a sua sala. Mas nenhum de nós deu sequer um passo quando

ouvimos aquela voz: — Na verdade, venham os dois comigo até a minha sala. Antônio se virou em direção à porta e, com isso, saiu da frente de meu campo de visão, permitindo que eu pudesse ver quem tinha falado aquilo. Não que eu tivesse qualquer dúvida. Eu ainda não me recordava de muitas coisas da noite de sexta-feira, mas dentre as minhas lembranças estava aquele tom de voz forte e máscula daquele homem. Voltando a ouvi-la e, agora, ainda podendo olhá-lo sem estar bêbada ou de ressaca, eu conseguia entender perfeitamente por que eu tinha ido para a cama com ele. Só era uma grande pena eu não me lembrar de nada. — Perdão, senhor, eu... — Antônio começou a falar, mas foi interrompido por Miguel Marino, que repetiu: — Para a minha sala. Agora. Ele virou as costas e saiu caminhando em direção ao elevador. Cheguei a entortar o pescoço para o lado, para poder vê-lo melhor. Mesmo usando aquele terno, dava para notar com perfeição a gostosura que era a sua bunda. Um flash de memória me atingiu.

Elevador, bunda gostosa... Um funk cantado por duas vozes bêbadas e desafinadas, ele rebolando enquanto eu dava tapas no seu traseiro e também dançava de forma completamente desajeitada. Balancei a cabeça, forçando-me a me desvencilhar daquelas lembranças. Aquilo era constrangedor. Por fim, levantei-me e, ao lado de Antônio, saí, seguindo até a porta do elevador. Lá dentro, nosso chefe já nos aguardava. Miguel Marino apertou o botão para a cobertura e, na sequência, digitou no teclado digital um código de quatro dígitos, que provavelmente restringia o acesso à sua sala. — Você não perde por esperar... — Antônio me provocou, sussurrando. Senti vontade de responder com um nada educado ‘foda-se’. Eu já não tinha mais nada a perder por ali. Tudo o que me restava era (um pouco da) minha dignidade, e iria mantê-la até o fim. Se seria demitida, sairia dali de cabeça erguida. Enfim chegamos à cobertura. A porta do elevador se abriu, exibindo aos nossos olhos toda a beleza daquele lugar.

Miguel Marino não tinha exatamente uma sala. Era, na realidade, um andar inteiro, preenchido por móveis luxuosos e com paredes de vidro que exibiam uma vista completa da cidade, já que aquele era o prédio mais alto dela. Caminhamos até pararmos próximos à grande mesa de mogno, onde o chefe se virou, ficando de frente para nós. — Sobre projeto do condomínio... — Miguel começou a falar, ainda de pé, percorrendo os olhos pelo nada, como se pensasse a respeito do que diria. Antônio se apressou em interrompê-lo. — Eu não sei exatamente o que o senhor ouviu, senhor Marino, mas essa moça está querendo me prejudicar. — Eu ouvi o suficiente, Antônio. Plagiar o projeto de uma colega é algo um tanto quanto desprezível, para dizer o mínimo. Senti o meu queixo cair, porque aquilo era algo que eu realmente não esperava ouvir. Ele estava do meu lado, então? — Senhor... — Antônio insistiu. — Não houve plágio algum. O projeto que ela afirma ter feito foi na realidade completamente orientado por mim, e... Miguel não permitiu que ele prosseguisse:

— Sabe, eu andei dando uma olhada no portifólio e nos outros projetos feitos pela... — ele me olhou nos olhos de uma forma que fez com que minhas pernas parecessem se transformar em gelatina. — Camila, não é? Era Camila, sim... Mas aquele homem maravilhoso poderia me chamar pelo nome que quisesse, e... Meu Deus, Camila, foco! — Sim — foi tudo o que eu consegui responder. — Então, Camila... — ele continuou. O som do meu nome dito na voz dele causava arrepios por todo o meu corpo. — Eu olhei o seu portifólio, e os seus projetos são sensacionais. Eu realmente não entendo como você está há tanto tempo aqui na empresa assumindo o mesmo cargo. Talvez porque tanto ele, que tinha assumido o comando há poucos meses, quando a mãe dele, CEO anterior que assumiu quando o pai dele morreu, quanto o pai dele, que ainda estava na ativa

quando

comecei

a

trabalhar

ali,

não

valorizassem

adequadamente os seus funcionários. Mas achei mais conveniente não responder. Queria ver até onde iria aquela sessão de elogios.

Ele voltou a olhar para Antônio e declarou, como se não fosse nada demais: — Sua promoção foi anulada. Vai voltar ao seu cargo anterior. Tire suas coisas da sala, porque a senhorita Camila vai assumir o seu lugar. Eu novamente senti como se meu queixo fosse despencar até o chão, e por alguns segundos ainda me perguntei se não estaria tendo algum tipo de alucinação. Talvez o álcool ingerido tantos dias atrás ainda estivesse fazendo efeito nos meus sentidos, porque aquilo era completamente surreal. Eu tinha ido até aquela sala certa de que seria demitida, e agora sairia de lá promovida? Bem... qual era o espanto? Eu tinha ido na sexta à noite até um luxuoso hotel para uma festa da empresa, e saí de lá desvirginada, bêbada e com um anel de miçanga no dedo. Eu já era a prova viva de que nem sempre as coisas terminam como a gente espera. Só era surpreendente que, daquela vez, a mudança de planos estivesse sendo para melhor.

Antônio também parecia surpreso, mas, ao contrário de mim, vivia uma surpresa negativa. Ainda tentou argumentar com o patrão, mas eu sequer conseguia prestar atenção à discussão, porque ainda repassava em minha mente a notícia que tinha acabado de receber. Eu tinha sido promovida. Promovida! Um cargo melhor, minha própria sala, um salário quase o dobro do que eu recebia antes... Tudo isso sem qualquer pegadinha. Ei, espera... E se houvesse uma pegadinha? Eu tinha ido para a cama com o chefe, esse fato não deveria ser desprezado. E, agora, ele me promovia. Teria sido realmente pela minha competência, ou apenas como uma forma de ‘pagamento’ pelos serviços sexuais prestados? Ou, pior, e se fosse a contrapartida de alguma chantagem? Para que eu não contasse nada a ninguém sobre a nossa noite juntos, ou para que eu voltasse a ter relações com ele. Para que eu me tornasse seu brinquedinho sexual entre uma reunião de negócios e outra.

Ah, não! Isso eu jamais iria aceitar. Por mais que ele fosse lindo como o inferno e dono de uma bunda muito gostosa. Eu tinha princípios, era uma profissional ética, jamais aceitaria algo assim! Eu



estava

ficando

revoltada

apenas

com

aquele

pensamento, mas permaneci ali quieta, aguardando até que Antônio saísse e Miguel Marino, enfim, se virasse para mim, para dizer o que tinha em mente. E a frase que ele me disse foi uma confirmação às minhas suspeitas: — Camila, eu preciso muito de um favor seu. Sabia! Sabia, sabia, sa-bi-a! Favores sexuais, é claro. Quem ele achava que era para falar assim com uma mulher? Tomei fôlego para responder a ele de forma nada educada, mas, antes que eu dissesse qualquer coisa, ele completou: — Nós ficamos noivos há algumas noites. E eu preciso que a gente siga com esse compromisso. Mas o que estava acontecendo?

Meu chefe estava realmente querendo levar a sério a brincadeira bêbada feita por nós alguns dias antes? Ele queria... que fôssemos noivos?

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Capítulo 5

Eu sabia bem que aquele meu pedido não era dos mais convencionais. Especialmente para mim, aliás. Eu nunca na minha vida tinha me imaginado fazendo um pedido de noivado a uma mulher, e, ainda que o fizesse, não seria com alguém que eu mal conhecia e cujo contato mais íntimo tinha sido uma dancinha ridícula dentro de um elevador, além de alguns beijos e mãos bobas. Nada além disso. Porém, ainda assim, eu imaginava que ela teria alguma reação. Qualquer reação.

Mas ela simplesmente não teve reação nenhuma. Apenas pareceu ter paralisado, olhando fixamente para mim. Ela sequer piscava. — Você ouviu o que eu falei? — tentei. Ela enfim piscou algumas vezes, como se processasse aquelas palavras. Até que, enfim, disse alguma coisa, apontandome o dedo indicador, em fúria. — Eu sabia! Toda essa história de tirar a promoção do Antônio e dar para mim, sabia que tinha uma chantagem em troca. Mas o quê? Quem aquela mulher achava que eu era? Bem... ela poderia estar achando que eu era como o meu pai. Era o tipo de ‘troca’ que ele costumava fazer com frequência com suas funcionárias: promoções e aumentos de salário em troca de favores sexuais. Eu não era como o meu pai. Mas ela não era obrigada a saber disso. Portanto, tentei manter a calma para explicar: — Não tem chantagem nenhuma. Nada vai alterar a minha decisão, o cargo é seu. — E por que fez isso, então?

— Porque ele roubou o seu trabalho, oras. Eu apenas fiz o que era justo. — E o senhor acreditou nisso tão fácil, só pelo pouco que você ouviu da minha discussão com ele? — Não só por isso. Nós conversamos a respeito disso na sexta à noite, lembra? Logo depois que eu me juntei a você no bar. Ela revirou os olhos, parecendo forçar a mente a se lembrar daquela conversa. E acho que deu certo, porque uma expressão de pavor se instalou em seu rosto. — Eu por acaso não te chamei de... — Bundão? É, você chamou, sim. — Não é um modo muito educado e sensato de se referir ao seu patrão. — Não éramos patrão e funcionária ali, mas duas pessoas bebendo e conversando. E, não esquente, apesar do insulto inicial, a gente logo se deu bem. O rosto dela ficou completamente vermelho, me dando uma dica de que estava constrangida com a minha última frase. Bem, de fato, não era a minha intenção. Eu realmente usei o ‘nos demos bem’ associado ao fato de que logo estávamos

conversando com descontração, rindo juntos, e até mesmo dançando. Essa última parte trouxe um constrangimento a mim também. Pigarreei, retomando o assunto: — Por que eu te faria uma chantagem para que se tornasse minha noiva? — Porque eu lembro, também, de por que o senhor me comprou aquele anel ridículo. Eu estava bêbada e disse que apenas com um compromisso sério eu... Arg, isso não vem ao caso. Eu estava fora do meu juízo normal, agora essa analogia estúpida não vai funcionar. — Está achando que eu quero... Não! Pelo amor de Deus, não estou usando o termo “ficarmos noivos” como analogia para te levar para a cama. Pode ficar sossegada, porque nada vai acontecer entre nós. Ela cruzou os braços diante do corpo e sua cabeça tombou para o lado. — Então, eu não estou entendendo aonde o senhor quer chegar.

Apontei para as poltronas diante da minha mesa, já sabendo que aquela era uma conversa que deveríamos ter com um pouco mais de calma, para que não restasse mais mal-entendidos. — Por que não se senta um pouco? — Estou bem de pé. Diga logo o que quer de mim. — Quero mesmo que você se torne minha noiva, mas... Ela me interrompeu, não permitindo que eu concluísse: — Não vai dizer que se apaixonou por mim por uma noite, né? Pelo amor de Deus, sem chance, eu conheço bem a sua fama. — É exatamente essa fama que eu estou querendo mudar. Ouça, Camila... Eu quero que você finja ser minha noiva. Apenas isso. Será uma farsa. Tudo o que terá que fazer é andar com um anel no dedo, me acompanhar a um ou outro evento, apenas por três meses. Apenas isso. Não precisamos ter qualquer intimidade, nada precisa acontecer entre nós. Novamente,

ela

pareceu

travar,

como

se

repassasse

mentalmente cada palavra dita por mim e tentasse buscar alguma razão nelas. Eu não a culpava, afinal. Não era algo que se ouvisse todos os dias.

Antes que ela concluísse, no entanto, eu resolvi dar um pequeno empurrãozinho com a contrapartida para aquele favor: — A minha proposta é quinhentos mil reais, para três meses fingindo ser minha noiva. Ela tossiu, como se tivesse se engasgado ao ouvir a proposta. Será que tinha achado pouco? Eu poderia aumentar, caso ela quisesse. — Quer me pagar meio milhão de reais para que eu passe três meses fingindo que somos noivos? — Isso. — Sem qualquer obrigação de intimidade? — Nenhuma. — E a troco de quê? — Já disse: preciso mudar a minha imagem. — Por que comigo? — Porque alguém filmou nós dois na noite de sexta, indo juntos para o quarto de hotel, e saindo de lá no sábado de manhã. Ela levou as mãos à cabeça, parecendo preocupada.

— Como assim filmaram? Vão colocar isso na internet? Meu Deus, se alguém mandar isso para o WhatsApp da minha avó, eu juro que... O que a avó dela tinha a ver com a situação? — Ninguém vai mandar nada para a sua avó. Sua avó não tem relevância alguma. Ela voltou a me apontar o dedo indicador, furiosa. Acho que eu tinha feito uma péssima escolha de palavras. — Repita isso mais uma vez e saio daqui direto para uma delegacia para te denunciar por assédio e por tentar me subornar. Pelo amor de Deus, tudo o que eu menos precisava era de uma denúncia contra mim. Respirei profundamente, tentando colocar minhas próprias ideias no lugar. Eu tinha começado tudo aquilo de uma forma péssima, e precisava consertar tudo. — Por favor, Camila, vamos nos sentar e eu te explico tudo. — Explicar o quê? Nada nisso tudo faz qualquer sentido. Olha, quer saber? Eu me demito. Vou pegar as minhas coisas e vou embora daqui, antes que o senhor diga algo pior e a gente tenha problemas mais sérios.

Ela se virou, começando a caminhar em direção ao elevador. Mas eu não poderia deixar que ela fosse embora. Se a situação, para mim, já não estava nada favorável, ficaria ainda pior se a mulher com quem eu fui flagrado indo para um quarto de hotel depois de uma bebedeira, além de ser minha funcionária ainda se demitisse no primeiro dia útil após o ocorrido. Imagino o tipo de argumento que aqueles advogados carniceiros dos infernos usariam com relação àquilo. Eu precisava fazer com que Camila entendesse o quanto tudo aquilo era sério e importante. Ela já chegava ao elevador quando declarei, praticamente gritando: — Eu tenho uma filha. Camila parou, mas ainda levou alguns segundos até se virar de frente para mim. Então, ela perguntou, em um tom curioso: — E o que uma filha tem a ver com essa proposta ridícula que você me fez? Voltei a apontar para as poltronas e pedi: — Por favor, volta e senta, que eu prometo que vou te explicar tudo.

Ela ainda hesitou por alguns instantes, enquanto eu a encarava com a melhor expressão de desespero que eu poderia fazer – até porque, era como eu realmente me sentia –, até que, por fim, ela voltou a se aproximar, a passos lentos, observando-me ainda com desconfiança. Mas, para a minha gratidão, ela se sentou. Fiz o mesmo na poltrona ao lado da dela, e iniciei as explicações: — Eu só descobri sobre a Alice, minha filha, quando ela já estava com três meses de vida. A mãe dela, Andreza, me mandou um e-mail com fotos dela. Marcamos de nos encontrar no dia seguinte para eu conhecer a menina, mas... a Andreza sofreu um acidente de carro naquela mesma noite e não resistiu. Os pais dela não queriam que eu me aproximasse da bebê. Ganhei na justiça o direito de fazer um teste de DNA e, com o resultado positivo, pude enfim registrá-la. Agora estou com uma nova ação para conseguir a guarda dela. — Então foi por isso que disse que está tentando mudar a sua fama? — Exatamente. E estava indo bem, até que nos filmaram naquela festa. Os avós da minha filha querem usar isso como prova de que não sou responsável o suficiente para criar uma criança. E é

por isso que eu preciso da sua ajuda. Apenas você pode me ajudar agora, Camila. Ela desviou os olhos por um momento, pensativa. — Então o senhor vai querer convencer o juiz que nós somos noivos? — Eu não serei mais um mulherengo festeiro que encheu a cara com uma funcionária da minha empresa e a levei para a cama. Estava apenas bebendo com a minha noiva e, como a festa terminou tarde e sou responsável demais para dirigir estando embriagado, nós optamos por passar a noite no mesmo hotel da festa. — Senhor Marino... o senhor pode ser meu patrão, mas... o que está me pedindo é grave demais. Não posso mentir para um juiz. — Bem, não será exatamente uma mentira, não é? Nós realmente ficamos noivos, esqueceu? — Levantei minha mão direita, exibindo o anel de miçanga que ainda mantinha em meu dedo. Ela fez uma careta, como se aquilo não remetesse a boas lembranças.

— Desculpe... sinto muito, mas não posso fazer isso. — Eu vou te pagar. Vou te pagar muito bem. Se acha que quinhentos mil é pouco, eu posso aumentar esse valor. Ela se mostrou ofendida com o meu argumento. — Eu não achei que fosse fazer isso, mas eu preciso dar razão a uma frase que me lembro vagamente de ter ouvido do senhor enquanto bebíamos. Não sei se foi exatamente com essas palavras, mas o ouvi dizer que nem tudo nesse mundo pode ser comprado com dinheiro, ou será que estou enganada? — E você me disse que isso era uma bobagem, não disse? — Talvez porque eu achasse que estivéssemos nos referindo a coisas, não a pessoas. Desculpe, mas eu não estou à venda. Ela se levantou e eu fiz o mesmo, tentando argumentar antes que ela fosse embora: — Eu não quero comprar você, Camila. É apenas um pagamento por um favor. — Em primeiro lugar, favores não são algo que possa ser pago. E, em segundo, querer que eu passe três meses fingindo ter contigo uma relação que nós não temos e ainda mentir diante de um

juiz não configura um simples favor. Não sei se sabe, mas isso é crime e eu não vou fazer algo assim. — Qual é? Não precisa levar as coisas tão a sério. — Se você tivesse levado a sua vida mais a sério, não estaria agora tão desesperado para fabricar uma imagem falsa de si mesmo. Dito isso, ela se virou, começando a caminhar em direção ao elevador. Eu cheguei a abrir a boca para argumentar, mas nenhuma palavra saiu, simplesmente porque... inferno, ela tinha toda a razão! Eu era exatamente aquilo que os avós de Alice queriam provar que eu fosse: uma porra de um playboy irresponsável. Eu tinha decidido que iria mudar, mas acabei em um balcão de um bar, me entupindo de álcool até o ponto de perder completamente o juízo e levar para o quarto uma funcionária da minha empresa. Aliás, bebi tanto que nem mesmo cheguei a consumar o que tínhamos ido fazer, já que eu tinha simplesmente apagado de sono, de tão bêbado que eu estava. A voz de Camila me trouxe de volta de todos aqueles pensamentos:

— Aliás, pode devolver a promoção para o Antônio, porque eu me demito. Ela não podia fazer aquilo... — Acha que vai ser fácil conseguir um novo emprego? — eu não queria soar presunçoso nem a intimidar, estava apenas sendo sincero. Além de toda a merda na qual a minha vida estava atolada, tudo o que eu menos queria era que a moça ficasse desempregada por minha causa. — Quem sabe? — De costas para mim, ela apertava repetidas vezes o botão do elevador, como se aquilo pudesse fazê-lo chegar mais rápido ali. — Como o senhor mesmo disse, meu portifólio e meus projetos são sensacionais. Nem sei por que perdi tanto tempo da minha vida insistindo nesse escritoriozinho que não valoriza seus funcionários. ‘Escritoriozinho’ era um tanto pejorativo para se referir a um dos maiores escritórios de arquitetura do país, mas eu não tinha tempo para remoer orgulho empresarial ferido. — Eu não aceito a sua demissão. Seu emprego continuará te esperando. E eu também seguirei todos os dias por aqui, aguardando que você mude de ideia.

— Eu não vou mudar de ideia. — A porta do elevador se abriu e ela entrou, voltando a se virar de frente para mim para apertar o botão do andar para o qual queria ir. Eu fiz mais uma tentativa: — Eu dobro a oferta. Um milhão de reais. A resposta dela veio por meio da sua mão sendo levantada e seu dedo do meio sendo exibido para mim. — Vá à merda! — eu ainda a ouvi gritar enquanto a porta se fechava. A moça era sincera. Tão sincera quanto cruel.

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Capítulo 6

Se existia uma certeza em minha vida era a de que gatos eram melhores do que gente. Era por isso que Tapioca era a minha companhia favorita no mundo. Ele não me fazia perguntas, não me julgava, era fiel, carinhoso, sincero... E jamais me faria uma proposta de mentir em um tribunal em troca de dinheiro. Mas, ao menos em minha casa, eu não poderia fazer reclamações nesse nível. Quando minha avó retornou da livraria no

dia anterior e me encontrou em casa, e eu disse a ela que tinha pedido demissão, ela logo se mostrou preocupada, mas percebeu e entendeu que eu não queria conversar a respeito e, por isso, não me forçou a nada. Minha avó me conhecia bem e sabia que, quando triste, eu era adepta ao silêncio e à solidão. Foi assim durante toda a minha vida, desde coisas mais banais, como notas baixas em provas na escola ou ser esnobada por algum garoto que eu gostasse, até coisas mais sérias. Eu tinha levado mais de um mês para conseguir desabafar com ela a respeito da morte dos meus pais. Antes disso, passava a maior parte do tempo no meu quarto, sozinha e em silêncio. Mesmo agora, já uma mulher adulta de vinte e quatro anos, minha primeira reação ainda era a de me recolher. Por isso, ela não me fez mais perguntas, levou o jantar para mim no quarto e, antes de dormir, foi até lá me dar um beijo e dizer que me amava. Agora, no entanto, já pela manhã, eu sabia que não poderia ficar mais tempo recolhida na tristeza. Eu precisava me levantar daquela

cama

e

correr

atrás

do

prejuízo

de

ter

ficado

desempregada. Uma proposta não iria simplesmente bater na minha porta ou cair de mão beijada no meu colo. — Tirando uma certa proposta de meio milhão de reais... — resmunguei. Tapioca dormia ao meu lado, mas acordou com a minha voz, olhando-me com curiosidade. Eu nem tentaria explicar a ele. Tudo aquilo era confuso demais até para que eu mesma entendesse. Ouvi batidas na porta, arrancando-me dos meus pensamentos. Olhei para lá no momento em que ela se abriu e o rosto de minha avó surgiu. — Posso entrar, querida? Assenti e me sentei, aguardando até que minha avó se aproximasse, depositando um beijo na minha testa. — Ainda não foi para a livraria? — perguntei. — Estou indo para lá agora. Vim te perguntar se você não quer me acompanhar. — Vou lá mais tarde. Agora preciso levantar da cama e atualizar o meu currículo para começar a distribuir por aí.

— Vai querer conversar agora sobre o que aconteceu? Querer eu não queria. Mas precisava. Porém, contei apenas o que julguei relevante. — Um idiota levou o crédito pelo meu trabalho e foi promovido no meu lugar. Eu fiquei com vergonha de te contar isso no final de semana. — Ô, meu amor, vergonha de quê? Vergonha devia ter esse mau caráter que fez isso com você. — É que... a senhora estava tão orgulhosa de mim. — E sigo com o mesmo orgulho, nada nunca será capaz de mudar isso, querida. Então, foi por isso que você se demitiu? Era também por isso, não era? Então, não seria uma mentira, no final das contas. — É, vó. O senhor Marino ainda tentou apaziguar a situação, mas... eu acabei discutindo com ele. Não dava para continuar lá. — Você discutiu com o dono da empresa? Achava que ele fosse inacessível. — Ele é, um pouco. Mas... o que importa é que agora eu preciso de um novo emprego.

— Vai conseguir, querida. E não se preocupe, nós temos a nossa livraria, mal ou bem ela vai segurar as contas da casa. Muito mal, para falar a verdade. O local estava à beira da falência. Mas eu não ia entrar naquele assunto. A ideia de fechar a livraria era completamente inconcebível para a minha avó. Ela se despediu e saiu. Eu, então, decidi que era hora de me levantar. Não podia, mesmo, ficar ali lamentando pelo resto da minha vida. Escovei os dentes, tomei um banho e voltei para o quarto, sentando-me na minha mesinha de trabalho e abrindo o notebook. Precisava mesmo dar uma atualizada no meu currículo para começar a correr atrás de algo. Na verdade, eu nem sabia muito como começar. Trabalhava no mesmo local desde que me formei, e confesso que, por ser um escritório tão importante, eu acabei me acomodando ali, acreditando que poderia crescer lá dentro e permanecer lá durante muitos anos. Doce ilusão... Ia começar a digitar quando meu celular tocou. Era uma chamada de vídeo de Laís. Atendi. Ela era professora de História e, naquele horário, já deveria estar em uma das escolas onde

trabalhava. Comprovei isso quando a avistei aparentemente na sala de professores. — Estava esperando você me ligar, mas demorou tanto que eu mesma estou fazendo isso. Falei com dona Lurdes ontem de noite e ela deixou escapar que você se demitiu. Nem ela acreditou quando eu falei que ainda não sabia. Acho desconfortável que minha melhor amiga não tenha me atualizado sobre algo tão importante. Suspirei, cansada. O argumento de Laís tinha cabimento, já que sempre contávamos tudo uma à outra. Mas, naquele momento, eu realmente só quis ficar um pouco sozinha. — Eu ia te mandar uma mensagem daqui a pouco — expliquei. — Mas agora você já sabe, né? É isso, eu pedi demissão. — Pelo amor de Deus, Mila, o que aconteceu? O Marino te fez alguma chantagem ou ameaça? Ele te assediou? Te expôs? — Nenhuma dessas coisas. O que ele me fez foi uma proposta. Sem nenhum cunho sexual, que isso fique claro. — Tipo um ‘cala a boca’ para você não contar a ninguém que transou com ele? Aquela frase ainda me trazia uma sensação de mal-estar.

— Você deveria usar essa palavra em seu ambiente de trabalho? — Estou sozinha no momento. E dou aula para ensino médio, amiga. Meus alunos sabem o que é transar muito melhor do que eu. Saudades dessa fase da vida. — Eu, nessa fase da vida, não sabia. — Você não conta. Não sabia até semana passada. E continuava sem saber, para falar a verdade. Mas isso não vinha ao caso. — A proposta dele foi para que eu finja ser sua noiva durante três meses. — Como é? Respirei fundo, tomando fôlego para recontar a história que ele tinha me narrado. — Em resumo: ele engravidou uma moça, ela morreu e os pais dela ficaram com a guarda do bebê. Ele entrou com um processo pela guarda da criança, e para isso precisa melhorar a sua imagem. — Miguel Marino? Quem daria a guarda de um bebê para aquele homem? Até onde eu saiba, ele só vive na farra. Então foi

por isso que há pouco tempo ele enfim assumiu o comando da empresa da família? — É, foi. E andou tentando pegar leve na farra também. Só que alguém nos filmou indo para o quarto do hotel, bêbados, e indo embora separados na manhã seguinte. Então ele quer que eu finja que somos noivos. — Não seria tanto fingimento assim, já que vocês realmente noivaram, não é? Ah, mas espero que com isso ele te dê uma aliança melhor. — Não tem graça, Laís. Nós não ficamos noivos de verdade, foi só uma alucinação bêbada. — Tá, desculpa. Mas então... você não quer ajudá-lo? — Você está louca? Ele quer que eu minta para um juiz. — É... realmente, isso pode te dar problema caso alguém descubra a verdade e dedure vocês. Fez bem em não aceitar, amiga. — Sei que fiz. E ele ainda tentou me convencer a aceitar, com um papo de que me pagaria meio milhão de reais por isso, e... — Espera! — ela praticamente gritou, me interrompendo. — Ele ofereceu um pagamento de meio milhão?

— É, ofereceu. — E você não aceitou? — Não. — E além de não ter aceitado, ainda pediu demissão do seu emprego? — Pedi... — Imaginei que a revolta dela ficaria ainda maior se eu mencionasse que antes da demissão eu ainda tinha recusado ser promovida. Talvez fosse melhor ocultar tal informação. — Você está maluca, Camila? Como alguém recusa quinhentos mil reais? E ele ainda fez uma contraproposta de um milhão. Mas, novamente, achei melhor deixar essa informação de lado. — Mentir em um tribunal, esqueceu? — eu a relembrei. — Por quinhentos mil eu mentiria até para o Vaticano. Você é louca de recusar algo assim? — Nem tudo na vida pode ser comprado com dinheiro, Laís. — Olha eu, já falando que nem uma milionária, embora fosse o mais completo oposto disso.

— Nem tudo, mas o terreno ao lado da livraria da sua avó poderia ser comprado. E vocês poderiam fazer a expansão que tanto querem. Ok, ela tinha tocado em um ponto certeiro. Como muitas livrarias físicas no país, a Andrade Livraria – criada há anos pela minha mãe e pela minha avó – estava passando por tempos difíceis. No entanto, nós tínhamos um projeto para tentar salvá-la: a ampliação do espaço com abertura de um café e uma sala para eventos: encontros literários, palestras com autores, sessões de autógrafo, coisas assim. Havia um terreno vazio à venda, bem ao lado, que era perfeito, mas o proprietário não aceitava qualquer negociação que não fosse o pagamento a vista. Nós não tínhamos tanto dinheiro disponível, e provavelmente agora seria bem mais difícil seguirmos economizando para ter, já que eu estava desempregada. A proposta de Miguel Marino poderia ser a nossa salvação. Porém, eu seguia convicta na decisão de não aceitar aquilo. — Não vou me vender desse jeito a um playboy milionário, Laís. Começa com esse papo de ‘apenas dizer que é minha noiva’ e

logo ele estará me exigindo outros ‘favores’ para justificar o investimento dele. Não serei a prostituta de luxo de ninguém. Laís abriu a boca para responder, mas uma voz feminina invadiu o cômodo onde ela estava. — Professora, está incentivando alguém a se prostituir? Ela virou o rosto em direção à porta e, dessa forma, eu também pude avistar as três meninas, que não deviam ter mais do que catorze ou quinze anos, ali paradas, olhando-a com expressões surpresas no rosto. Confesso que fiquei constrangida, mas minha amiga pareceu não ter ficado nem um pouco. — E daí? Eu incentivo todos os dias vocês a estudarem. Isso por acaso funciona? Anda, vão para a sala que o recreio já está quase no fim, já encontro vocês lá. As meninas saíram e Laís voltou a olhar para a câmera. — Preciso ir, amiga. De noite conversamos melhor sobre isso. — Se vira agora para explicar essa conversa para os seus alunos, porque aposto que quando você chegar na sala, todos já estarão sabendo.

— Vou fazer mais do que explicar. Farei uma enquete pedindo as opiniões deles sobre que decisão você deve tomar. — Laís? Está louca? — Não menospreze o poder de opiniões de uma turma de primeiro ano. Ah, mas fique tranquila, omitirei os seus nomes. Beijos, te ligo à noite. — Laís, esper... — Nem consegui terminar, pois ela logo desligou. E eu conhecia a minha amiga o suficiente para saber que ela realmente iria fazer aquela enquete em sala de aula. Decidi deixar aquilo de lado e tentar me focar em meu currículo. Contudo, minha cabeça estava abarrotada demais para isso. Por fim, acabei desistindo. Deixaria isso para depois. Naquele momento, eu precisava arejar um pouco a mente. Coloquei comida, troquei a água e limpei a caixinha de areia de Tapioca e saí de casa. A livraria da minha avó ficava na mesma rua do prédio onde morávamos, de forma com que eu cheguei lá em menos de cinco minutos. Logo que entrei, encontrei, como já estava virando costume, o local vazio, e isso sempre me enchia de tristeza.

Tinha lembranças da minha infância naquele lugar. Eu amava ir para lá depois da escola e ficar sentada em um cantinho, sobre o carpete, lendo algum livro infantil, enquanto observava o entra-e-sai de pessoas. De todos os tipos de pessoas. De homens e mulheres voltando do trabalho, idosos sozinhos ou acompanhados de seus netos, adolescentes atrás de livros de fantasia, de romances ou de biografias de seus artistas favoritos... Gente de todos os tipos, atrás de livros também de todos os tipos. Eu nem entendia o porquê, mas simplesmente amava aquilo. Era como estar em um universo a parte, em que, mergulhando em minhas leituras, eu me tornava princesa, heroína, bruxa, fada, ou qualquer coisa que eu pudesse sonhar ser. E, quando me distraía de minha leitura para olhar ao meu redor, via outras pessoas também mergulhando em outros mundos enquanto folheavam os títulos. Virando astros do rock, mocinhas vivendo lindas histórias de amor, cavaleiros da idade média... transitando em lugares e épocas distintos. Não que a magia da leitura estivesse se acabando, mas ela não parecia mais acontecer com frequência por ali. Em plena era digital, as pessoas compravam seus livros pela internet, e vinham perdendo o hábito de frequentar lugares como aquele. E eu

compreendia isso perfeitamente. O local havia parado no tempo, mas eu tinha certeza de que novos atrativos poderiam trazer o público de volta. Mas isso seria difícil com o espaço tão limitado que tínhamos ali. Caminhei até o balcão do caixa, onde encontrei minha avó praticamente escondida, com a cabeça abaixada e os olhos fixos em papéis e mais papéis rabiscados. — Algum problema, vó? — perguntei. Ela se sobressaltou, pega de surpresa ao ouvir a minha voz, e começou a juntar os papéis, enquanto olhava para mim e sorria. — Não, querida. Nada demais. Só estava verificando as contas. — Verificar as contas é sempre algo demais. Ela suspirou e, vencida, declarou: — A luz aumentou muito esse mês, e as vendas foram muito abaixo do padrão, que já é baixo. Vou ter que mexer na poupança para conseguir quitar as dívidas do mês. — Não pode mexer na poupança, vó. Estamos juntando para conseguir comprar o terreno ao lado.

— Ah, querida... não adianta mais, não vamos conseguir. Encontrei o proprietário do terreno aí na frente hoje cedo. Parece que um casal interessado na compra veio ver o local, e... ele disse que eles estão bem dispostos a fechar o negócio. Pediram apenas alguns dias para a resposta final. Senti um tom de choro na voz da minha avó ao me dar aquela notícia. E isso fez uma onda de desespero tomar conta de mim. — Ele não pode vender para outra pessoa, vó. E se a gente cobrir a oferta? — Como, Mila? A gente ainda não conseguiu nem metade de quanto ele quer pelo terreno. — Mas a gente não pode desistir, vó. Desse jeito, vamos acabar tendo que fechar as portas. Mal terminei de dizer aquelas palavras e já me senti terrivelmente arrependida ao ver a primeira lágrima escorrendo pelo rosto da minha avó. Nada nesse mundo poderia me dilacerar mais do que ver minha avó chorando. E ela sabia disso. Tanto, que se apressou em forçar um sorriso, ao mesmo tempo em que se levantava da cadeira e

passava as mãos pelo rosto, secando as lágrimas. — A gente vai dar um jeito, meu amor. Preciso ir ao banheiro lavar o meu rosto. Chegaram alguns livros novos, você me ajuda a cadastrá-los? Sem esperar por respostas – mesmo porque, era visivelmente uma pergunta apenas para fugir do assunto anterior – ela entrou no depósito da loja, onde ficava o nosso pequeno banheiro, e fechou a porta. Eu me sentei na cadeira onde ela estava antes, sentindo ainda a dor forte no meu peito por ver a nossa única chance de conseguir reviver aquela livraria ir por água abaixo. Aquele lugar tinha sido tão especial para a minha mãe... e era ainda tão especial para a minha avó. Eu sentia que era minha obrigação cuidar de tudo por ali e impedir que a livraria viesse a fechar as suas portas. Mas... o que eu poderia fazer? A única solução seria conseguir, em poucos dias, dinheiro suficiente para cobrir a oferta pelo terreno ao lado. Era irônico que eu soubesse exatamente onde conseguir aquilo.

-----***-----

Capítulo 7

Um empurrão do meu dedo e a caneta rolava sobre a mesa, até parar ao chegar à minha outra mão. E, assim, eu voltava a empurrá-la, fazendo-a rolar de um lado para outro, repetindo o movimento que minha mente fazia tentando encontrar uma solução para o meu caso. Aquela imagem entediante provavelmente não era a que qualquer pessoa esperasse encontrar na sala do CEO de um dos maiores escritórios de arquitetura do país, mas eu já fazia muito em

estar ali fingindo ser produtivo, quando tudo o que eu conseguia fazer era buscar mentalmente alguma solução para a minha vida. Janete me telefonaria a qualquer momento. Aquele era o dia do prazo final dado pelos advogados dos Albuquerque para que minha defesa respondesse se aceitava ou não fazer um acordo. Acordo este que apenas me permitiria ver minha filha durante duas horas a cada quinze dias, sob supervisão constante dos avós. E aquilo era simplesmente inconcebível para mim. Queria levar Alice para a minha casa. Queria preparar um quarto para recebê-la, passear com ela, vê-la crescer, levá-la e buscá-la da escola. Queria vê-la brincar com Apolo, meu cachorro. Eu nunca tinha achado muita graça nesses vídeos que rodam a internet e que mostram cães e bebês brincando juntos, mas agora, sempre que via um, me perdia no desejo de ter isso em minha casa. Que droga, eu queria até mesmo aprender a trocar as fraldas dela, enquanto ela ainda as usava. Ela já estava com onze meses, e eu já tinha perdido tanto de sua vida. Não admitia perder mais absolutamente nada. Por outro lado, recusar o acordo seria permitir que aqueles malditos vídeos fossem anexados ao processo e, com eles, talvez

eu viesse a perder definitivamente qualquer chance de voltar a ver a minha filha. O telefone em minha mesa tocou e eu o atendi sem empolgação alguma. Era a minha secretária. — Senhor Marino, o representante da Falcão Construtora está na linha para conversar com o senhor. — Manda ele ligar semana que vem — rebati, nada paciente. — Já falei, Patrícia, desmarque absolutamente tudo e despache qualquer um que ligue essa semana, eu estou apenas para os meus advogados. Ou para a Camila. Se uma mulher chamada Camila ligar, repasse imediatamente. Fora isso, não estou para mais ninguém. — Mas, senhor... Não deixei que ela concluísse e desliguei a ligação. É, eu sei. Fugir das obrigações de minha função de CEO ia na mais extrema contramão do que Janete tanto insistia que eu deveria fazer, que era me tornar um homem exemplar. Mas a minha conduta durante a festa da empresa já havia cagado completamente com qualquer

boa

imagem

que

eu

poderia

sinceramente, agora nada mais me importava.

construir,

então,

O som da porta do meu elevador sendo aberta no outro extremo da sala chamou a minha atenção, fazendo com que eu desviasse os olhos da caneta para olhar para lá, apreensivo. Ninguém chegava ao meu andar a não ser que estivesse acompanhado por mim, ou caso tivesse o acesso liberado por minha secretária, passando antes pelo andar abaixo do meu, onde ficava a minha recepção. Para ir até a cobertura, o elevador exigia um código de segurança, que apenas eu e minha secretária tínhamos. E eu não tinha autorizado a ela que deixasse ninguém entrar. Porém, quando vi quem era, fui tomado por uma imensa onda de alívio. Ela poderia entrar. Ela era, aliás, a pessoa que eu mais desejava encontrar naquele momento. Porque apenas ela poderia me salvar da enrascada onde me enfiei. Levantei-me, apoiando as mãos sobre a mesa, esperando até que ela se aproximasse. O que pareceu uma eternidade, já que além de a distância da minha mesa até o elevador ser de uns bons

metros, ela também veio caminhando devagar, como se quisesse fazer um suspense a respeito do motivo de sua visita. Até que ela parou, do outro lado da mesa, e me encarou em silêncio por alguns instantes. — Quinhentos mil reais, certo? — foi a primeira coisa que ela falou. Nossa, clara e direta. — Quinhentos mil — reforcei. — Mas posso aumentar a proposta se você... — Quinhentos mil é o suficiente — ela me cortou. Estranhei aquilo. No mínimo era inusitado ela própria não querer que eu aumentasse a oferta. Mas eu não iria discutir. Não discutiria com nada. — Quinhentos mil, então. Você quer dizer que aceita se passar por minha noiva? — Não tão rápido assim. Me fala, o Antônio assumiu o cargo de chefia? O cargo, claro! Seria outro pagamento mais do que justo.

— Não. Ele realmente voltou para a função anterior dele. O cargo continua vago. Mas ele é seu por direito, e vamos fazer o certo dessa vez. Ainda não aceitei a sua demissão. — Tem razão: o cargo é meu por direito. O projeto escolhido foi feito por mim, e ele me deu muito trabalho. Mas não é isso o que eu quero. Não posso assumir isso. Pelo menos não enquanto for sua... noiva. — Como assim? Por que não? — Porque todo mundo vai dizer que fui promovida porque estou dando para o chefe, oras! — Eu gostava da sinceridade e da escolha direta de palavras dela. Tinha achado que era algo exclusivo de quando ela estava embriagada, mas aparentemente ela também ficava assim quando estava emocionalmente alterada. — Quero o cargo, mas apenas quando nossa farsa chegar ao fim, e então eu poderei assumi-lo. Não como um pagamento por algo, mas porque ele é meu por direito. — Certo. Combinado. — Por Deus, eu aceitaria qualquer condição que ela impusesse. — Mas precisarei colocar alguém provisoriamente para assumi-lo, não posso deixá-lo vago por três meses.

— Já pensei nisso também. Quero que coloque a Giovana. — Giovana... certo... — Eu obviamente não reconhecia o nome. Tinha gente demais trabalhando naquele escritório para que eu conhecesse todo mundo. Bem, na verdade, acho que não conhecia nem a décima parte. — É uma arquiteta do seu setor? — Mais ou menos. Quase isso. Na verdade, a Giovana é estagiária. — O quê? Quer que eu coloque uma estagiária no cargo de chefia? — É provisório, não é? Será por poucos meses. Além de precisar pagar a faculdade, a mãe dela está doente, esse salário melhor por esse tempo vai ajudá-la muito. — Mas é uma estagiária! Como pode ter um cargo de chefia? — Bem... Fiz uma busca no google e descobri que o atual CEO da Marino Arquitetura, que por um acaso é o senhor, abandonou a faculdade faltando menos de um ano para se formar. Certo, aquilo era golpe baixo, mas não deixava de ser um argumento válido. Voltei a me calar. Eu não estava em condições de negar qualquer ideia de negociação que ela tivesse.

— Tudo bem, vamos colocar a estagiária no cargo até você poder assumir. Com isso você aceita a proposta? — Só mais uma condição. Quero deixar muito claro que nosso envolvimento será puramente de fachada. O que significa que nunca haverá qualquer intimidade entre nós. As lembranças da minha língua invadindo a sua boca inundaram a minha mente. — Você quer dizer de agora em diante, né? O

rosto

dela

ficou

vermelho.

Achei

a

reação

meio

desproporcional. Oras, tínhamos trocado uns beijos, uns amassos, uma mão aqui, outra ali, nos vimos nus e tudo mais, mas... nada além disso. Ela ia mesmo ficar constrangida toda vez que se recordasse disso? Isso parecia, inclusive, constrangê-la bem mais do que ter chamado o patrão dela de bundão. — Sim, de agora em diante — ela enfim respondeu. — Qualquer assédio, gracinha ou tentativa sua de avançar o sinal, e eu espalho para Deus e o mundo que nosso noivado é uma farsa. Correto?

— Corretíssimo. Ah, e eu prometo, também que vou te dar um anel de verdade. Com um diamante enorme, do jeito que vocês mulheres tanto gostam. — Você pode pegar o seu diamante e enfiar no... — Ela se deteve, fechando os olhos e respirando fundo para retomar a calma. Que coisa... eu jurava que toda mulher fosse louca por aqueles anéis com grandes diamantes. — Bem... Temos um acordo, então? — Estendi minha mão em direção a ela, tentando não deixar tão visível o quanto eu tremia naquele momento. A concordância dela naquilo era fundamental para mim. Tanto que, quando ela apertou a minha mão, eu tive até mesmo vontade de abraçá-la. Só não o fiz porque a forma nada amigável com a qual ela me olhava deixava claro que ela não estava muito aberta a tais demonstrações. — E então... — ela falou logo que soltou a minha mão. — Como exatamente isso vai funcionar? Na verdade, eu não fazia ideia. Mas conhecia alguém que sabia.

Pedi que Camila aguardasse um minuto e peguei um i-pad sobre a mesa, usando-o para fazer uma chamada por vídeo. Janete atendeu com uma cara bem desanimada, mas que se transformou completamente em segundos quando eu me posicionei ao lado de Camila, colocando-a também no foco da câmera. Contudo, a mudança não foi para o alívio, mas para a raiva. — Eu não acredito que você está se encontrando com mulheres na sua sala, Miguel. Depois de tudo o que aconteceu, que tipo de merda você tem nessa sua cabeça oca? Quer o quê, foder de vez com a sua vida e com a minha também? Ela fez uma pausa, na qual parecia esperar por uma resposta à sua pergunta claramente retórica. Ao meu lado, parecendo meio chocada com toda aquela reação, Camila perguntou, com a voz baixa. — Ela é sua mãe ou coisa do tipo? — Pior. Ela é minha advogada. — Pigarreei, limpando a garganta, para enfim responder às dúvidas de Janete. — Doutora Janete, essa aqui é a Camila. Ela acabou de aceitar o acordo e... estamos noivos!

Forcei um sorriso. Janete piscou algumas vezes, parecendo processar aquelas palavras, até por fim soltou um suspiro de alívio. — Graças a Deus. Ainda há esperança para o seu caso. Perdão pelo mal jeito, Camila, é que o histórico do meu cliente infelizmente faz com que eu sempre pense o pior dele. — Ei! — protestei. — Estou ciente disso — Camila concordou. — Ei! — protestei novamente, sendo mais uma vez ignorado. Janete, então, tomou a palavra. — De qualquer maneira, essa é uma ótima notícia. Por favor, sentem-se, precisamos conversar sobre como tudo isso vai funcionar. Obedecemos, sentando os dois lado a lado em um sofá que ficava em um canto da sala. Porém, Camila fez questão de se afastar um pouco e de colocar sua bolsa entre nós, cortando o contato físico do meu braço encostado ao dela. Aquilo, também, contava como intimidade? Após uma pausa de um minuto, na qual folheou um calhamaço de papéis, Janete retomou a palavra.

— A audiência ocorrerá em exatos três meses e dez dias. E eu preciso que esse relacionamento dure no mínimo até o dia seguinte a isso, tudo bem? Depois fica como se vocês tivessem terminado e cada um seguido o seu rumo. Mesmo que os Albuquerque recorram, não vão poder anexar os vídeos porque, para todos os efeitos, toda a situação seria facilmente explicável. Vocês eram noivos, foram juntos à festa da empresa, e, como os dois tinham bebido, foram prudentes e decidiram passar a noite no hotel e irem embora apenas no dia seguinte. Entendido? Olhei para Camila, aguardando que ela respondesse. Ela me lançou um rápido olhar irritado, que deixava claro que não tinha gostado de saber que o prazo real do nosso acordo ainda levaria dez dias além do combinado inicialmente. Mas, por fim, ela voltou a olhar para a tela e balançou a cabeça em concordância. Janete prosseguiu. — Então, vamos lá... o primeiro passo para fazermos isso dar certo será formalizar publicamente o relacionamento de vocês. Acho que o ideal para isso seria um jantar com as duas famílias, o que acham?

— Espera! — Camila reagiu. — Como assim entre as famílias? Minha única família é a minha avó, e eu não quero que ela saiba dessa situação. — E ela não saberá. Não sobre ser uma farsa, isso vocês não devem contar para absolutamente ninguém. Ela, assim como a família de Miguel, deve acreditar que vocês estão mesmo noivos. — O quê? Vocês querem que eu minta para a minha avó, é isso? Que eu diga a ela que estou noiva do meu chefe? E que começamos a nos relacionar depois que fiquei bêbada na festa da empresa e fui parar na cama com ele? — Os detalhes de como tudo começou ficam a seu critério, Camila. Mas, sim, sua avó, assim como qualquer pessoa próxima a você, deve realmente acreditar que você está noiva. — Mas nem pensar! — Ela agarrou a bolsa e ameaçou se levantar. Larguei o I-pad no sofá e a segurei para detê-la. — Camila, espera... Você disse que tinha concordado com o acordo. — O acordo era mentir para um juiz completamente desconhecido, não para a minha avó.

— Será uma mentira pequena, por uma boa causa. — Chama de ‘mentira pequena’ deixá-la acreditar que estou noiva? Eu conheço a minha avó, ela vai começar a sonhar com casamento e tudo mais. — Ah, por falar nisso... — a voz de Janete chamou a nossa atenção. Voltei a pegar o I-pad. — Seria importante vocês marcarem uma data de casamento. — O quê? — dessa vez, a pergunta foi feita em coro por mim e pela ruiva. Janete explicou com a calma de quem não diz nada que vá mudar a vida de alguém. — Você ficando noivo, anula o argumento dos Albuquerque, mas em geral não altera muito as suas chances. Muitas pessoas passam anos noivas. Mas, uma perspectiva certa de casamento, em compensação... — Isso definitivamente está fora de cogitação! — Camila declarou. E eu tive o ímpeto de concordar com ela. Oras, a mera menção à palavra ‘casamento’ já seria capaz de me causar urticárias.

Contudo, a data marcada seria posterior à audiência, simplesmente terminaríamos tudo antes, o casamento seria cancelado, e minha vida voltaria a ser como antes. E a dela também. Aliás, como antes não. Eu teria a minha filha comigo. Eu seria ainda um pai solteiro livre para cuidar da minha filha e curtir a vida. — Camila, por favor. Será apenas uma mentirinha... Talvez um pouco maior do que planejamos a princípio, mas... Eu sei que esse dinheiro vai te ajudar, e você também irá me ajudar muito com isso. Apenas três meses. Por favor. Ela parecia ainda enfurecida, mas engoliu em seco o que parecia querer dizer, e pareceu voltar a pesar toda a situação. Eu percebi que a questão do dinheiro era realmente importante para ela. Contudo, quando ela disse algo, eu percebi que as prioridades dela eram um pouco estranhas. — Não posso mesmo contar a verdade para a minha avó? Era essa a preocupação maior dela? Eu achava que fosse, como a minha, a questão do casamento e tudo mais... Mas ela

estava muito mais preocupada com a mentira a ser dita para a avó. Janete respondeu por mim: — Infelizmente não. Ninguém mais poderá saber a verdade. Esse é um segredo que será mantido entre nós três. Até mesmo os demais advogados do caso deverão acreditar que Miguel Marino está planejando se casar. Mas, antes de tudo, providenciem para ontem o jantar com suas famílias. Vou dar um jeito de que isso saia na imprensa. Já vou começar a fazer meus contatos por aqui. Falo com vocês mais tarde. E ela desligou a ligação. Camila se levantou, começando a caminhar de um lado para o outro diante de mim, visivelmente transtornada com tudo aquilo. Às vezes, ela passava as mãos pelo rosto, demonstrando estar à beira de um surto. Eu precisava dizer algo para tranquilizá-la. Embora não fizesse a menor ideia do quê. — Escuta, Camila... — comecei. Mas ela me interrompeu. — Acho bom essa porcaria desse diamante ser grande o suficiente para fazer isso valer a pena.

Soltei o ar dos pulmões, aliviado, já que aquilo aparentemente queria dizer que ela seguiria com o nosso plano. — Será. Eu prometo que será.

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Capítulo 8

— Eu estou noiva — declarei em um só fôlego, depois de dar infinitas voltas para iniciar o assunto após o jantar, ainda sentadas diante da mesa da cozinha. Dei

a

nossa

versão

previamente

ensaiada

sobre

os

acontecimentos, que misturava as mentiras a algumas situações reais. Contei que, durante a festa da empresa, ele me pediu em noivado de forma completamente espontânea e não-planejada, por isso acabamos improvisando com anéis de miçanga comprados em um estande por lá mesmo.

Tive que segurar o riso ao fazer um comentário sobre ele ser um homem tão rico e, ao mesmo tempo, tão simples a ponto de fazer um pedido tão humilde e simbólico. Simplicidade agora era sinônimo de embriaguez? Porém, contei que ele pretendia formalizar tudo com nossas famílias me entregando um anel de verdade durante o jantar que ofereceria em sua mansão no próximo sábado. Olhei por um instante para baixo, percebendo que, sentado no chão, até mesmo Tapioca me olhava com curiosidade, como se tivesse entendido a minha frase a ponto de saber que ela não fazia qualquer sentido. Meu último namoro tinha sido no final da faculdade, e nisso já se passavam quase três anos. Eu tinha certeza de que minha avó jurava que eu tinha pretensões de virar freira. Isso, é claro, porque ela não sabia o que eu tinha feito na festa da empresa. Voltei

a

olhar

para

ela

e

percebi

que

ela

piscava

insistentemente, como se tentando encontrar lógica naquelas palavras.

— Mas por que não me contou nada, querida? Por que escondeu o namoro de mim? Aquela pergunta seria a pior a ser respondida. — É que... eu não queria te dizer nada enquanto... sabe... enquanto... — Você ainda não tivesse certeza sobre os seus sentimentos? — ela completou, olhando-me com aqueles olhos bondosos e sonhadores dela. Eu, de fato, não tinha certeza dos meus sentimentos por Miguel Marino. Era algo tipo ‘quero que ele suma da face da terra’, que nome deveria dar a isso? Bem, não importava. — É, vovó. Exatamente isso. A gente se conheceu há pouco tempo, sabe? E as coisas foram acontecendo um pouco rápido demais... — ‘Rápido’ do tipo perder a virgindade com quem conversou durante poucas horas, estando ambos completamente bêbados. Porém, novamente, não era algo que valesse a pena ser mencionado. Era algo, inclusive, que eu pretendia apagar da minha mente.

— Ah, querida... anda, me conta, quem é o felizardo? Disse que é um homem muito rico e que estava na festa. É alguém da empresa, então? — Então, vó... Ele meio que é o meu chefe... Ela fez uma expressão horrorizada. — Fala do cara que roubou o seu projeto? — Eca, não! Não mesmo! Quando digo chefe, quero dizer um chefe maior... — Alguém superior a ele na empresa? — Digamos que... O superior a todos na empresa. — Minha filha... você não está falando do... — É, vó, ele mesmo. Eu estou namorando o Miguel Marino. — Eu sabia, Mila! Sabia que tinha algo muito estranho naquela sua demissão. Agora tudo faz sentido. A afirmação me deixou um pouco tensa. — Tudo o que, vó? — Oras, você não sabia como lidar com seus sentimentos, ficou com medo de que ele te achasse uma interesseira, e por isso

se demitiu. Achou que fosse um amor proibido, não é, meu amor? — Ela segurou as minhas mãos por cima da mesa. Como toda boa dona de livraria, minha avó amava livros. Todos os tipos de livros. Dos clássicos aos modernos, do terror à fantasia, passando por suspense, autoajuda, biografias e até mesmo os já fora de moda livros para colorir. Mas os preferidos dela seriam sempre os romances. Quanto mais clichês, mas ela amava. E aquilo que ela me narrou era simplesmente o mais perfeito enredo de um clichezão patrão e funcionária. Mas a minha vida não era um romance. As minhas diversas fases se encaixariam em gêneros diversos. O final da minha infância foi como um triste e pesado drama com a morte dos meus pais. Minha adolescência mais parecia uma comédia juvenil, da típica garota nerd, desajeitada e desastrada com dificuldades de se enturmar. Então veio a faculdade e, desde então, meus dias eram menos parecidos com uma ficção e mais como uma série de livros técnicos. Eu me foquei inteiramente nos estudos e, depois, no trabalho. Porém, agora eu me sentia vivendo em uma daquelas histórias com julgamentos, investigações, tribunais... e eu era a personagem

que iria mentir para todo mundo, inclusive para um juiz. Esperava não terminar a história sendo presa. É, eu sabia que era uma ação de guarda de uma criança, e não um julgamento criminal de um assassinato. Mas eu realmente sentia como se fosse. — É, vó, foi por isso — respondi, por fim, provando mais uma vez que eu era uma mentirosa da pior espécie. Como eu podia ter coragem de mentir para a minha avó? — Mas o que importa é que você esteja feliz, meu amor. E que esteja seguindo o seu coração. E está, não está? Estávamos chegando a um ponto crítico de mentiras. Como se para me salvar daquela conversa, alguém tocou a campainha e eu me levantei em um pulo e corri para atendê-la. Já sabia quem era, mas, mesmo assim, minha primeira reação ao ver minha melhor amiga foi a de me jogar nos braços dela, abraçando-a com força. — Que bom que chegou! — choraminguei, abraçando-a. — Eu não posso continuar sozinha com essa mentira. — Ai, amiga... Que droga que... — ela subitamente alterou o tom de voz, o que me fez perceber que minha avó chegava à sala

nesse momento. — Que droga que você não me contou isso antes, sua danadinha! Parabéns, estou tão feliz por você! Suspirei e a soltei, virando-me de frente para a minha avó e forçando um sorriso para disfarçar que eu estava a ponto de chorar. Laís a cumprimentou com um beijo no rosto e as duas conversaram por alguns poucos minutos, coisas triviais como minha avó perguntando como estavam os pais e o marido dela e minha amiga querendo saber da livraria. Até que minha avó anunciou: — Bem, vou deixar vocês assistirem aos seus filmes e conversarem sozinhas. Como nos velhos tempos, não é? — Fique um pouco conosco, dona Lurdes! — Laís pediu. — Vamos pedir uma pizza, por que não come com a gente? — Acabei de jantar, querida. E já estou velha, estou na fase de ir cedo para a cama e ficar na companhia de um bom livro até o sono vir. Eu vivia naquela fase desde que fui alfabetizada. Vovó nos deu boa noite e se retirou. Laís e eu também fomos para o meu quarto, porque lá eu poderia fechar a porta e poderíamos conversar sem eu sentir medo de que minha avó

levantasse para pegar um copo de água e ouvisse algo da conversa. Logo que entramos no quarto, Laís deixou sua bolsa com suas roupas na mesinha ao lado da cama e eu perguntei: — Tudo bem mesmo você passar a noite aqui, amiga? — Tudo mais do que bem. Carlos e eu trocamos um vale night essa noite. — Nossa, e você vai usá-lo para ficar enfurnada aqui em casa comendo pizza e aturando o meu choro? — É justo. Carlos está usando o dele em uma noite de videogame lá em casa com o irmão dele. A idade adulta meio que muda as nossas noções de ‘noitada’. Ah, mas a minha mãe é que não pode saber que eu vim para o prédio e passei a noite com você em vez de com ela. — Deveria dormir no apartamento dos seus pais, então. — Está louca? Minha mãe só encontra comigo para me cobrar netos. É sempre uma insuportável sessão de ‘a filha da Neide está grávida, você soube?’ Mais uma vantagem das visitas de Laís é que ela sempre me atualizava das fofocas. Mesmo que fossem sobre pessoas que

morassem no meu próprio prédio. — A filha da Neide está de novo grávida? — É. Pela quarta vez. Nos parâmetros da minha mãe, Neide é a mulher mais feliz do mundo, com sua casa cheia de netos. Sentei-me na cama e Tapioca pulou sobre mim, se aconchegando no meu colo. — Pelo menos a minha avó não me faz esse tipo de cobrança. Acho que ela já entendeu que o mais próximo que ela chegará de netos é o Tapioca. — Sorte a sua. Acho que ainda que eu adote uns cinquenta gatos, minha mãe continuará me cobrando netos humanos. — Laís se calou, parecendo pensar em algo. Então, sentou-se ao meu lado. — Amiga, por falar em filhos... Sei que você não se lembra de muita coisa, mas... como eu vou falar sem que você surte? — Falar o quê? Pelo amor de Deus, Laís, olha o que virou a minha vida nesses últimos dias. Nada mais no mundo pode me fazer surtar. — Tudo bem, então. — Ela respirou fundo, como se precisasse tomar coragem para o que queria perguntar. — Você por um acaso

consegue se lembrar se você e o Miguel Marino... — Mais uma pausa. Aquilo já começava a me deixar impaciente. — Se nós o quê? — Se vocês... usaram camisinha? Ainda levei alguns segundos para processar aquela pergunta e conectá-la com o ‘por falar em filhos’ que deu início a ela. Quando isso aconteceu, minha mente pareceu ter sido jogada em um liquidificador, dando mil giros por segundo. Levantei-me de forma tão súbita que acabei assustando o pobre Tapioca, que deu um salto, indo parar do outro lado do quarto. — Vo... vo... você... você acha... você achar que... — comecei a gaguejar, sentindo um verdadeiro pavor em sequer formular aquela pergunta na minha mente. — Você acha que eu posso estar grávida? — Se estiver em seu período fértil e se vocês fizeram sexo sem proteção, existe uma grande chance, amiga. — Não... Eu não posso, além de ter perdido a minha virgindade e ter ficado ‘noiva, ainda ter engravidado depois de uma bebedeira.

E eu que achei que aquela merda fosse open bar. Estava sendo o porre mais caro da minha vida! — Calma, amiga. Vocês devem ter se lembrado de usar camisinha. — Eu não lembro nem como fui parar naquele quarto, Laís. Eu não pensei por meio segundo antes de ir para a cama com aquele homem, acha que eu pensei em preservativos? — Tá... mas ele é um sujeito que deve estar mais do que acostumado com isso, deve andar sempre com camisinha. Certeza de que ele se lembrou, fica tranquila. Voltei a me sentar, abaixando a cabeça e levando as mãos à testa. — Isso não pode estar acontecendo comigo, Laís. Parece um enorme pesadelo. Minha amiga se aproximou, levando a mão ao meu ombro. — Fica calma, amiga. Vamos amanhã em uma farmácia, compramos um teste rápido e tiramos essa dúvida. — E o que vai acontecer se der positivo, Laís? — Bem... Para começar, eu vou ter que ouvir da minha mãe que até a Camila vai ter um filho, e eu não.

— Como assim ‘até a Camila’? — Eu sabia que aquela estava longe de ser a questão importante do momento, mas não consegui evitar a pergunta. — Amiga, você chegou aos vinte e quatro, já prestes a fazer vinte e cinco, virgem e sem namorados, você sabe. — Eu tive namorados. — Seu namoro mais longo durou dois meses. — Ele estava me distraindo e eu precisava estudar. — É o tipo de argumento que uso para meus alunos de quinze anos quando as notas começam a cair por conta dos namoros. E eles não me dão qualquer atenção. — É, mas os meus professores nunca precisaram me dizer esse tipo de coisa. Eu sempre soube que eu queria estudar muito, me tornar uma arquiteta como o meu pai, ajudar a minha avó a fazer a livraria crescer e dar muito orgulho a ela. — Não precisava de tanto para essa última parte. Dona Lurdes tem muito orgulho de você. — Isso porque ela não sabe que eu estou mentindo sobre estar apaixonada pelo meu chefe, nem que dei para ele sem mal o

conhecer, estando completamente bêbada, e que ainda corro risco de estar grávida ou... sei lá, com alguma DST. — Tá, tirando toda essa última parte aí... É por ela que você está mentindo. Vai conseguir o dinheiro para expandir a livraria. E, além disso, você não está fazendo nada ruim, no fim das contas. Está ajudando uma pessoa. Um pai a ter sua filha. — E como eu vou saber se esse é o certo, Laís? Os avós da criança têm sua razão em seu argumento. Miguel Marino é um festeiro, mulherengo, irresponsável... ele só assumiu a empresa por causa dessa ação, antes disso, a mãe dele era que estava como CEO, ele não passava de um playboy inútil de vinte e oito anos, que vivia tendo problemas por dirigir bêbado, fazer arruaças ou frequentar festas clandestinas. Acredita que nem a faculdade ele terminou? Abandonou no penúltimo período. — Ele te contou tudo isso? — Eu trabalho na empresa dele, conheço sua fama desde que entrei lá. Todos achavam que ele iria assumir depois da morte do pai, mas ele nem quis saber. — Essa parte tudo bem, mas você sabe até a idade exata dele e até que período estudou.

— Talvez eu tenha pesquisado a respeito dele no google. Algumas informações básicas, nada demais. — Aposto que sabe até o signo dele ou se tem animais de estimação. — Não exagere. — Tapioca voltou a pular no meu colo e me foquei em fazer carinho nos pelos brancos dele, tentando disfarçar. Mas não funcionou para a minha amiga. — Mila? — Quê? —...Qual o signo do Miguel Marino? Droga de pergunta! — ...Áries? — apesar do tom de interrogação, não era um questionamento, e sim uma afirmação. — E ele tem animais de estimação? — Ele comentou por alto que tinha um cachorro. E por acaso vi pelas fotos que é um Husky Siberiano. E li em algum lugar que se chama Apolo. — Eu sabia! — ela praticamente gritou, me assustando e assustando também o meu gato. — Você stalkeou o seu chefe!

— Eu não stalkeei. Repito: apenas pesquisei algumas informações básicas. Precisava fazer isso antes de aceitar o acordo para saber com que tipo de pessoa eu estava me envolvendo. — E você realmente fez isso depois da proposta, ou depois de ter acordado com ele? — Talvez um pouco em cada ocasião. Mas não tem nada demais nisso. — Será que não, Mila? — É claro, lógico que não. Agora chega desse assunto, porque você disse que viria aqui para eu tentar esquecer um pouco disso de Miguel Marino. Vamos assistir filmes ou não? — Você que manda. Vou só pedir a nossa pizza. Ela pegou o celular, começando a mexer no app de delivery, enquanto eu focava a minha mente em tentar me autoconvencer das minhas próprias palavras. Minha curiosidade sobre Miguel Marino era apenas e unicamente por conta do nosso acordo. E nem tinha sido tão profunda assim. Eu tinha apenas me focado em descobrir e gravar as informações que fossem realmente relevantes a respeito dele. Unicamente isso.

— Ei, Mila... — Laís me chamou, ainda com os olhos fixos no visor do celular. — Será que Miguel Marino gosta de pizza? — Desde que não tenha catupiry — minha resposta saiu de forma automática. Ela desviou os olhos do celular para me olhar, mordendo os lábios para tentar, inutilmente, conter uma risada. Peguei uma almofada e joguei contra ela, embora minha vontade fosse bater em mim mesma. Talvez minha curiosidade sobre Miguel Marino estivesse um pouco, apenas um pouco, além do estritamente necessário.

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Capítulo 9

Pelo enorme espelho na parede do closet do meu quarto, eu dei uma última checada no visual. Não estava muito diferente do meu dia a dia nessa minha atual versão CEO, usando um elegante terno, do tipo que eu não tinha o costume de vestir em casa. Mas a ocasião pedia, afinal. Ainda que fosse tudo uma grande farsa. — Quem em sã consciência não aceitaria se casar comigo? — perguntei. Mas não foi necessariamente sozinho. Sentado no chão ao meu lado, meu cachorro Apolo me olhava com curiosidade através do reflexo do espelho.

— Fica tranquilo, Apolo, será apenas brincadeirinha. Nós não vamos ganhar uma humana nova. Está para nascer a humana que será capaz de me adestrar. — Querido, estou entrando! — a voz da minha mãe invadiu o quarto e eu resmunguei. — Já basta a nossa humana antiga, não é? Sem mais mulheres no comando da nossa vida, garotão. Minha mãe chegou à porta do closet e parou, olhando-me com curiosidade. Ela estava muito elegante com um vestido longo e suas melhores joias, mas isso também não era nenhuma novidade. Eu morei na mesma casa que a minha mãe até os meus dezoito anos, quando me mudei para ter o meu próprio espaço – e, consequentemente, poder fazer minhas festas e receber mulheres. E, durante todo aquele tempo, eu sinceramente não me recordava de alguma vez na vida tê-la visto sem maquiagem. — Chegou cedo, mãe — comentei, já que ela não dizia nada. — Cheguei. Para que desse tempo de nós dois conversarmos e você me contar que história louca é essa de que ficará noivo. Voltei a olhar para o espelho, enquanto ajeitava a minha gravata.

— Na verdade, nós já estamos noivos. Eu já pedi, e ela já aceitou, vamos apenas oficializar tudo com nossas famílias. — Pelo amor de Deus, Miguel, não vai me dizer que você engravidou outra garota? Eu quase ri. A dúvida dela fazia todo o sentido, porque nunca fui um sujeito que me mostrasse, em qualquer momento da minha vida, disposto a me prender a relacionamentos sérios. — Não, mãe, eu não a engravidei. Sua única neta segue sendo a Alice, e muito em breve ela estará aqui em casa. — Já falei que Alice será muito bem-vinda, mas ela poderá me chamar de tia. Acho ‘avó’ muito pesado, sou muito jovem para isso. — Ela tinha sessenta, embora aparentasse ter uns cinquenta e poucos. Mas dizia a todos que tinha quarenta e cinco. — Mas de onde saiu essa garota, afinal? Acho que você tem muito o que me explicar, já que tudo isso apareceu do nada. Estive com você há menos de quinze dias e você não mencionou nada sobre estar namorando. — É que... queríamos manter segredo. — Eu já tinha todo o roteiro pronto e ensaiado. Escrito e dirigido pela doutora Janete. —

Ela teve medo de que as pessoas pensassem que ela estava comigo por interesse. — Sei. O velho clichê do príncipe e da plebeia... — Na verdade, está mais para outro clichê... — Respirei fundo, já sabia que minha mãe não ia receber bem aquela parte. — O de patrão e funcionária. Ela suspirou profundamente e fechou os olhos. Certamente estava revendo um filme em sua cabeça. Meu pai nunca tinha sido fiel à minha mãe. Tinha praticamente desde o casamento o hábito de traí-la com funcionárias da empresa. Como esperado, isso obviamente ocasionou alguns traumas nela. — A mulher está te chantageando, filho? É isso? — Foi o que tinha feito algumas das muitas amantes do meu falecido velho. — Não, mãe... não teve nada de ameaça. Eu apenas gosto dela, ela gosta de mim, e a gente vai se casar. — Do nada, meu filho? Você sempre foi um rapaz de se envolver com muitas mulheres, mas nunca assumiu algum compromisso sério. — Eu era esse rapaz, mãe. Agora estou disposto a mudar, a ser mais responsável, você sabe.

— Sim, eu sei. Para conseguir a guarda da Alice. Enfim, filho, não me interprete mal. Eu só acho meio incomum essa ideia de você estar apaixonado. O impacto da última palavra fez com que eu colocasse mais força na mão que ajeitava o nó da gravata, fazendo com que eu me sentisse subitamente sufocado. Precisei tossir algumas vezes para me recuperar. Apaixonado... eu teria mesmo que usar aquela bendita e fantasiosa palavra? Decidindo por encerrar aquele assunto, chamei a minha mãe para descermos e Apolo nos acompanhou até a sala de estar. Não houve tempo para muitas conversas, pois logo a campainha tocou. Um de meus funcionários da casa foi atender, e minha mãe e eu nos levantamos para receber as visitas. Quando ela entrou, eu me senti paralisar por alguns instantes, completamente sem reação para aquela visão diante de mim. A primeira vez que a vi também tinha sido com um elegante vestido como aquele, embora o da festa da empresa fosse preto e, o de agora, de um azul em tom pastel. Mas, agora, talvez por estarmos em um ambiente mais calmo e sem o fato curioso que me chamou a

atenção naquele dia – a forma descontrolada com a qual ela bebia – eu pude prestar mais atenção a ela, e... Puta merda! Os cabelos avermelhados caíam em ondas sobre os ombros, fazendo um contraste com a pele branquinha, e o vestido se moldava perfeitamente nos contornos do seu corpo. A mulher era linda demais. Exatamente do tipo que eu adoraria levar para a cama. Eu tinha levado, afinal. Embora tudo o que a gente tenha feito foi dormir. Era um desperdício. Minha mãe se apressou em ir cumprimentá-la e eu me forcei a sair daquele transe, também me aproximando. Havia uma senhora ao lado dela, que logo concluí ser sua avó, e fui falar com ela. — A senhora é a dona Lurdes? — Eu era realmente muito bom em lembrar de nomes. Mais cedo, naquele mesmo dia, Camila tinha me enviado uma mensagem com algumas informações que julgava importantes. Para que eu não desse nenhum fora durante o jantar e para que nossas famílias acreditassem que estávamos realmente juntos há algumas semanas. — É um prazer imenso, a Camila fala sempre muito da senhora.

Dei um beijo nas costas de sua mão e ela sorriu. — Oh, meu querido, o prazer é inteiramente meu. Estava ansiosa para te conhecer desde que Mila me contou a seu respeito. Ela me disse que você era bonito, mas, por Deus, não imaginei que fosse tanto. — Vovó! — ouvi a voz de Camila a repreendendo, mas confesso que precisei conter o riso. Então, ela tinha dito para a avó que eu era bonito? Interessante... Minha mãe enfim se afastou de Camila, vindo cumprimentar dona Lurdes. Após trocarem as primeiras apresentações, dona Lurdes comentou: — A casa de vocês é muito bonita. — Ah, não é minha, meu filho mora sozinho. Mas ele tem mesmo muito bom gosto. Puxou a mãe nisso. — E quem é esse garoto tão simpático? — dona Lurdes indagou, se referindo a Apolo. E eu sequer precisei apresentá-lo, pois ela se adiantou em ir até ele. Quando olhei para Camila, no entanto, percebi que a reação dela era completamente oposta à de sua avó. Ela arregalou os olhos

e todo o sangue de seu rosto pareceu desaparecer, enquanto ela recuava alguns passos. Fui até ela, ver se estava bem. — Algum problema? — lembrei-me que não tinha mencionado a ela o fato de ter um cachorro, enquanto ela me passou um relatório completo a seu respeito, inclusive falando sobre o seu gato. Ele tinha um nome de comida. Achei curioso. Contudo, recordei-me de que não contei a respeito justamente por imaginar que ela já soubesse. — Você mesma me perguntou, naquele dia na festa, se por acaso o meu cachorro estava morrendo, lembra? — comentei. — Era uma forma de falar — ela rebateu. — Digo, eu sabia que você tinha um husky, mas... Achei que ele estivesse na casa da sua mãe ou coisa parecida. Não me recordava de, em algum momento da conversa, ter mencionado a ela a respeito da raça do meu cachorro. Mas deixei aquilo de lado. — Não, ele está bem aqui. Algum problema? Ele é bem manso, se o medo é esse. — Isso é o que todo mundo diz. — Ela recuou mais um passo quando ele fez um movimento mais brusco. Contudo, estava apenas

animado com a atenção que recebia das outras duas mulheres. — É o que se diz quando tem um cachorro manso. Ouça, qual o problema? Ela tomou fôlego para responder, mas a voz de sua avó se sobressaiu: — Ah, querida, ele é adorável. Não é à toa que você veio aqui outras vezes mesmo tendo um cão na casa. Voltei a olhar para Camila. — Você veio aqui outras vezes? — Claro que sim! — ela sussurrou em resposta. — Nós ficamos noivos, acha que minha avó iria se convencer se eu não contasse a ela que nós já estamos saindo há algum tempo? Fazia sentido. Mas a parte do cachorro ainda estava um tanto confusa. — E qual é o problema com cachorros, afinal? — Eu meio que... Tenho alguns traumas. — Sério? Já foi mordida? — Já, quando era criança. Ele estava furioso, quase me matou.

Nossa... aquilo realmente era bem ruim. — Eu sinto muito. Mas realmente não precisa ter medo do Apolo. Ele é muito dócil. — Já falei: isso é o que todo dono de cachorro fala. — É, mas suponho que dessa vez não te resta alternativa que não seja acreditar. Disse para a sua avó que veio outras vezes aqui, e o meu cachorro mora aqui, então... Sem aguardar por respostas, eu simplesmente me virei e segui andando até onde minha mãe e dona Lurdes ainda estavam, brincando com Apolo. Insisti para que elas se sentassem e elas foram fazer isso. Camila veio bem atrás de nós, sem tirar nem por um segundo os olhos de Apolo, como se ele fosse atacá-la a qualquer momento. Nem que ela estivesse completamente envolta em pedaços de salame. A visão daquele pensamento não era nada ruim, no fim das contas. Sentei-me ao lado dela, como seria esperado de um casal de namorados. Para a sorte dela, Apolo pareceu bem acomodado pulando no sofá entre as outras duas mulheres.

Minha mãe e dona Lurdes estavam empolgadas na conversa, e descobri que falavam de nós quando minha progenitora comentou: — Miguel, por que você não me disse que sua namorada era essa preciosidade de menina? Ela tem mestrado e pretende em breve entrar para o doutorado, bem que isso poderia animá-lo a voltar aos estudos, não é? — Voltou a olhar para Lurdes. — Nós somos de uma família de arquitetos há pelo menos três gerações, me deixa tão sentida que ele não tenha concluído a faculdade... Era só o que me faltava. Até quando arranjava uma noiva de mentira ela servia como parâmetro de comparação a respeito da minha formação para a minha mãe. Ao menos, aparentemente, aquilo tinha servido para que minha mãe se esquecesse completamente da parte sobre Camila ser minha funcionária e se focasse em seus atributos. Além de sua formação, ela também comentou, mais de uma vez, sobre o quanto minha noiva era bonita. E ela estava certa, afinal. Enquanto isso, Camila estava ocupada demais, mantendo os olhos bem atentos em Apolo, sentado no outro sofá.

Aquilo era ridículo. O meu cachorro era que deveria ter medo dela e não o contrário. Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade – embora não tivesse sido mais do que uns dez minutos – outra de minhas funcionárias chegou, informando que o jantar seria servido. Todos nos levantamos, então ela saiu na frente para nos guiar até a sala de jantar. Camila aproveitou que Apolo permaneceu sentado e se apressou em ir à frente, enroscando seu braço ao da avó, como se sua intenção fosse acompanhá-la e não apenas fugir como louca do cachorro mais manso da face da terra. Minha mãe fez o mesmo comigo e deixou que elas fossem à frente para então comentar para mim, com a voz baixa: — Querido, estou realmente surpresa. Positivamente surpresa. Quando você veio com essa história de noivado, eu imaginei mil tipinhos diferentes, mas nada nem perto da preciosidade que você trouxe para casa. Como conseguiu uma moça tão qualificada? Era um noivado ou uma vaga de emprego, afinal? — Tive acesso ao currículo dela — brinquei. Embora não fosse totalmente mentira.

— E ela é tão bonita! Não achei que diria isso, mas... estou feliz pela sua escolha. — Obrigado, mãe. — Talvez pela primeira vez na vida. — ...Obrigado, eu acho. — Porque, você sabe, você não é do tipo que faz boas escolhas com frequência. — Já entendi, mãe. E já estou agradecido. — E eu cheguei a cogitar que ela pudesse ter algum interesse. Imagine, o que uma moça tão inteligente ia querer com um irresponsável como você? Só pode ser amor, nada mais justifica. — Acho que chega, né, mãe? Ela riu. Mas em segundos voltou a ficar séria. — Ela realmente parece ser uma boa garota, filho. A avó me contou um pouco da história de vida dela. Ela já sofreu muito. Espero que você não a decepcione. — Como eu poderia decepcionar uma mulher, mãe? — Bem, eu ainda estou desconfiada dessa sua paixão súbita. Espero que seja real. Bem, ao menos é o que parece, pelo jeito que

você olha para ela. Dizendo isso, ela passou levemente a mão pelo meu rosto e voltou a caminhar, seguindo rumo à sala de jantar. Eu fiquei ainda ali parado por alguns segundos, tentando achar sentido no que ela tinha acabado de dizer. Oras, de que jeito eu olhava para a Camila? Do jeito que a achava uma sem noção por ter medo do meu cachorro? Bem, não posso negar que a beleza dela me atraía. Mas era apenas isso. Enfim, fui para a sala de jantar e me sentei – novamente, como mandava o figurino, ao lado de minha ‘noiva’. Pela forma com que minha mãe e a avó de Camila estavam se dando bem, achei que fôssemos ter um jantar tranquilo, sem precisar responder a muitas perguntas. Porém, acho que eu ainda preferiria mil vezes ter que inventar de improviso as respostas para um questionário, do que o assunto que minha mãe puxou: — Precisamos falar sobre os preparativos para o casamento! Camila e eu tossimos ao mesmo tempo, ambos engasgando subitamente.

— Meu Deus, bebam um pouco de água! — dona Lurdes sugeriu, preocupada. — Deve ter sido a ervilha. Ervilha é um perigo. Ah, claro, agora a culpa era das pobres das ervilhas. Ignorando completamente a possibilidade de ter dois óbitos por engasgo na mesa de jantar, minha mãe continuou: — O que acham da ideia de um casamento na praia? Nossa casa em Trancoso seria perfeita. A área externa é sem muros, de frente para o mar, comportaria com tranquilidade uma média de quinhentos convidados. Eu tinha parado de ouvir na palavra ‘casamento’. Por isso, Camila assumiu o comando para responder algo. — Acho que não precisamos de tanto. Eu não conheço tanta gente assim. — Podemos reduzir a lista para fazer um casamento mais íntimo. Umas trezentas pessoas acho que são o suficiente. Novamente, eu tentei prestar atenção, mas minha mente outra vez travou na palavra casamento. Eu sei, aquele já era o combinado com Janete, mas... era para ser algo puramente fictício, íamos marcar uma data no cartório, anunciar que seria uma cerimônia intimista e terminar tudo antes que a data combinada chegasse.

Mas minha mãe estava planejando festas? — É que... estamos pensando em algo mais simples — Camila voltou a falar. — Apenas no civil, não queremos festa. — Como assim só no civil? — dona Lurdes pareceu horrorizada com a ideia. — Entendo que queira algo simples, Mila, até porque, é o que nossa condição nos permite. Mas ao menos uma celebração religiosa. Será um sonho te ver entrando de vestido branco em uma igreja. Seus pais ficariam tão felizes com isso. Olhei rapidamente para Camila e, pela sua expressão eu compreendi que tinha sido um golpe baixo usar o argumento dos pais. Minha mãe voltou a tomar a palavra: — Ah, Lurdes, não se preocupe com gastos. Faço questão de assumir tudo. Não vamos economizar em nada. Esses dois merecem o melhor casamento possível. — Com licença... — Camila começou a falar. Havia um sorriso trêmulo em seu rosto, de puro nervosismo. — Eu preciso ir ao toalete. Senhor Mig... digo, querido... poderia me mostrar onde fica? Sei que já vi aqui algumas vezes, mas sua casa é tão grande que ainda me perco.

Compreendendo que aquilo era uma desculpa para falar comigo a sós, concordei e nos levantamos, nos afastando da sala de jantar enquanto minha mãe e a avó dela continuavam a conversar sobre a hipotética festa de casamento. Chegamos ao corredor que levava ao banheiro mais próximo e então paramos e ela começou a falar: — Festa de casamento? Vai mesmo deixar sua mãe contagiar a minha avó com essa ideia estúpida? — Bem... Pelo menos isso dará a elas um assunto em comum. — Elas podem falar sobre flores ou sobre a previsão do tempo. Planejar uma festa não é um mero assunto. — A festa não vai chegar a acontecer. Marcamos a data de casamento para daqui a cinco meses, nosso noivado será rompido antes disso. — Depois de uma festa inteira planejada? — Não se preocupe com os gastos. Minha mãe e eu vamos arcar com tudo. Não será nada demais. Acredite, minha mãe já teve prejuízos bem mais altos comigo. — Eu enumeraria a faculdade, os cursos no exterior e tantas outras coisas.

Os advogados, as fianças em delegacias, um ano a mais de estudo quando repeti o terceiro ano, uma internação hospitalar por coma alcoólico... Enfim, não vinha mesmo ao caso. — Não se trata só dos gastos, mas da minha avó se envolver no planejamento de algo grande que não vai acontecer. Sério, por que aquilo seria um grande problema? — Eu sinto muito por isso, Camila. Não fazia ideia de que minha mãe fosse se empolgar tanto com isso. Vou tentar convencêla de que queremos mesmo algo simples, apenas no civil. Mas, aparentemente, você precisará convencer sua avó disso também. Ela suspirou, parecendo cansada de toda aquela situação. — Prefiro convencê-la agora, do que ela se decepcionar pelos planos daqui a três meses, quando terminarmos com tudo. Concordei com a cabeça e ficamos em silêncio. Aproveitei aquele primeiro momento em que nos víamos sozinhos para olhá-la mais uma vez, voltando a fazer a anotação mental do quanto ela estava gostosa naquele vestido. Foi impossível deixar de me lembrar daqueles momentos flagrados pela câmera do corredor do hotel, em que nos beijamos enquanto eu passeava minhas mãos

pelas curvas daquele corpo. Seria uma merda ter que passar tanto tempo sendo obrigado a conviver com ela tendo que controlar o desejo que ela despertava em mim. Porém, existia outra coisa que ela despertava em mim. E essa eu não pretendia tentar controlar: o riso. Apolo surgiu no início do corredor e ela deu um grito, entrando apressada no banheiro e batendo a porta. — Não precisa disso! — falei próximo à porta, em meio a gargalhadas, enquanto passava a mão pela cabeça de Apolo. — Ele é manso. — É o que todo dono de cachorro diz! — ela rebateu, com a voz chorosa. — E pare de rir, isso não tem graça. Ah, tinha, sim. Aquilo sempre teria graça para mim.

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Capítulo 10

No dia seguinte, eu acordei com a sensação de que um trator tivesse passado por cima de mim enquanto eu dormia. E olha que, dessa vez, eu não tinha bebido uma gota sequer de álcool no dia anterior. Ainda assim, era como se eu estivesse em uma ressaca de todos os acontecimentos. Confesso que tinha achado a mãe de Miguel Marino muito mais simpática do que eu imaginava que seria. Eu trabalhava na Marino Arquitetura já há mais de dois anos, tempo o suficiente para ter passado pela fase em que ela era a CEO e, apesar de ser mais

acessível que o filho, ela ainda era uma figura muito distante, tida como rígida e conhecida por comandar tudo por lá com muito mais mão de ferro do que seu falecido marido. Também diziam que ela era uma perua e, bem, essa parte parecia ser a mais completa verdade. Mas ela pareceu ter gostado de mim, me tratou com muito carinho e, o mais importante para mim: ela se deu muito bem com a minha avó. Se tratava bem a minha avó, já garantia a minha simpatia. No entanto, toda aquela conversa sobre preparativos de casamento foi exaustiva. Quando voltei do banheiro para a mesa, ainda tentei fazê-las mudarem de ideia, mas eu via tristeza nos olhos da minha avó quando pensava na possibilidade de sua única neta se casar apenas no civil. Ela não fazia questão de grandiosas festas, mas, se fosse preciso, ela mesma prepararia um bolo – mesmo não sendo assim tão boa na cozinha – e decoraria a salinha do nosso apartamento para recebermos os amigos e brindarmos ao meu casamento. Além de, é claro, ela sempre ter sonhado em me ver entrar na igreja com um vestido de noiva, buquê e tudo o mais.

E foi por isso que eu perdi completamente a coragem de seguir insistindo e deixei que os planos continuassem a ser feitos. O mesmo pareceu acontecer com Miguel e sua mãe. Porém, ele ainda tentou com mais ímpeto convencê-la de que não queríamos uma grande festa. E foi assim que ela concordou com ‘algo bem simples’, em sua mansão de veraneio, com ‘apenas’ 250 convidados. E tudo isso ainda ocorreu enquanto um lobo selvagem rondava a mesa de jantar. Tá, confesso que Apolo realmente parecia ser um cachorro manso – inclusive minha avó se deu muito bem com ele. Mas o meu medo de cães não desapareceria assim, da noite para o dia. Era domingo e, dessa forma, eu poderia me dar ao luxo de ficar na cama até mais tarde. Mas eram pouco mais de oito horas quando cansei de ficar deitada e me levantei. Chegava à cozinha ainda usando meu baby doll e com os meus cabelos sem pentear quando sobressaltei para trás com a cena que encontrei. Nós tínhamos visitas... àquela hora da manhã? E justamente aquela visita?

— Bom dia, Mila! Acordou cedo, meu amor! Olhe quem veio tomar café conosco. Eu o olhei ainda sem acreditar que estivesse ali, sentado ao lado da minha avó na mesa da cozinha, comendo um pão francês com margarina e tomando uma caneca de café. — Bom dia, flor do dia! — Eu podia sentir claro o tom de sarcasmo na voz de Miguel. E, pela forma como me olhou, eu podia perceber o quanto se divertia ao me encontrar naquele estado deplorável. — Que inferno você está fazendo aqui? — Mila! — minha avó se chocou. — Isso é jeito de falar com o seu noivo? — Tem razão, vovó! — Voltei a olhar para o maldito, que visivelmente tentava segurar o riso. — Que inferno você está fazendo aqui, benzinho? — Bem melhor assim, minha pombinha! — ele rebateu, em um tom de ironia que minha avó obviamente não captou, pois logo se levantou, trazendo um sorriso de encantamento nos lábios. — Como vocês são lindos! Preciso ir à feira, vou deixar vocês sozinhos. Comportem-se, viu?

Ela deixou um beijo no meu braço quando passou por mim e seguiu para fora da cozinha. Virei o rosto para trás e a segui com os olhos até que saísse pela porta da sala. Só então voltei a olhar para o meu noivo fajuto. — São oito e meia da manhã de um domingo, o que está fazendo aqui? — Dona Lurdes me contou ontem que ela costuma acordar cedo aos domingos para ir à feira, então achei que não fosse inconveniente aparecer cedo assim. — Ele deu mais uma mordida no pão e fez uma cara de quem estava se deliciando com a mais fina das iguarias. — Nossa, isso é bom. É sua avó que faz? — É da padaria. — De qual? — Da esquina. O que importa? É só um pão francês. Diga logo, o que quer aqui? Ele voltou a me olhar, percorrendo os olhos pelo meu corpo e abrindo um meio sorriso. — Você sempre acorda sexy assim? Passei as mãos pelos cabelos, tentando abaixá-los um pouco, e senti meu sangue ferver ao perceber o deboche da voz dele.

Eu obviamente não estava nada sexy usando um baby doll com a estampa do Garfield. — Vai dizer o que quer ou não? Ele comeu o último pedaço de pão e se ajeitou na cadeira. — Preciso que vá comigo a um lugar. Que merda! Eu sabia que nosso acordo incluía acompanhá-lo a alguns eventos, mas não imaginei que já fosse começar tão logo. — Que tipo de evento importante você tem em um domingo de manhã? — Vou visitar a Alice. Vi-me subitamente sem resposta ao notar o brilho nos olhos dele ao dizer aquela frase. Era inegável o quanto aquele compromisso era realmente importante para ele. Porém, esforcei-me para manter a postura de durona. — E eu preciso mesmo ir junto? — Seria bem importante se pudesse ir. Quero te apresentar aos Albuquerque como minha noiva. Nosso compromisso já foi informado aos advogados deles, mas Janete acha que ajudaria muito se você fosse junto. Seria bem cabível que minha futura

esposa tivesse interesse em conhecer e conviver um pouco com a minha filha. Dessa vez, não tive certeza se consegui manter a postura defensiva que sempre tinha com relação a ele. Confesso que, no início, eu tive algumas dúvidas se seria mesmo o certo tirar a criança da casa dos avós que a criavam desde que ela nasceu para entregá-la a um playboy irresponsável como Miguel Marino. Porém, agora, ver o brilho nos olhos com que ele me chamava para ir com ele visitar a sua filha, de alguma forma aqueceu o meu coração e me fez pensar que, talvez, eu estivesse realmente fazendo a coisa certa. — Tudo bem, eu vou com você — anunciei. E um enorme sorriso surgiu entre os lábios dele. Preparou-se para dizer alguma coisa, mas foi detido por um espirro. Depois mais outro, e mais outro... foram uns cinco em sequência. Já ia perguntar se ele estava bem, quando Tapioca deu um pulo, subindo na mesa diante dele. Parecendo estar diante de um demônio, ele se levantou subitamente, apontando o dedo para o meu bichano. — Tem um gato na sua mesa! — ele gritou.

Nossa, jura? Quase o agradeci por estar me comunicando o óbvio. — Precisa reagir assim? É só um gatinho. — Acontece que eu sou alérgico a gat... — sua frase foi interrompida por mais um espirro. — Ouça, se incomoda de tirar esse animal daqui? Não consegui deixar de sorrir. Parecia que o jogo tinha virado. — Que coisa... Ontem você achou graça do meu medo do seu cachorro, não é? — É muito diferente! — Mais um espirro. — Claro que é. Seu cachorro poderia arrancar um membro meu, se quisesse. Que mal uma coisinha pequena como o Tapioca poderia fazer a alguém? Mais uma sequência de três espirros foram a resposta dele. — Quanta frescura... — revirei os olhos, deixando-o revoltado. — Não é frescura, é alergia. — Vou levá-lo para o quarto, já que a presença de uma criaturinha tão pequena representa um incômodo para você.

Novamente, ele tentou responder, mas foi impedido por mais uma sequência de espirros. Peguei Tapioca, tirando-o da mesa e me afastando alguns passos. Aguardei que Miguel parasse de espirrar para comunicar: — Vou apenas tomar um banho e vestir algo mais apresentável. Pode me aguardar aqui? — É, eu posso. — Ele voltou a se sentar. Então, apontou para o cesto de pães no centro da mesa. — Tudo bem se eu comer mais um desses? — Pode comer quantos quiser. Contanto que deixe um para mim, ainda não tomei meu café. Ele sorriu, como uma criança que acabava de ganhar um doce, e se serviu de mais um dos pães, que ainda pareciam estar bem quentinhos. Confesso que fui novamente tomada por uma sensação de encantamento diante da cena. Pela amostra que eu tive em uma refeição em sua casa, imaginei que seu café da manhã fosse sempre composto por uma mesa enorme e farta de todos os tipos de comida. Vê-lo apreciar tanto algo tão simples quando um pão com margarina era algo engraçado.

Mas era engraçado de uma forma boa. Antes que ele pudesse me flagrar espionando-o, levei Tapioca para o quarto e fui enfim me arrumar para o compromisso do domingo. Precisava confessar que, para algo que era apenas parte da minha obrigação do nosso acordo, eu me sentia estranhamente nervosa com aquilo.

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Se eu tinha ficado abismada com o tamanho da casa de Miguel, não foi nada diferente com a moradia dos Albuquerque. Aparentemente, eles também eram empresários, muito bemsucedidos e cheios da grana. A pequena Alice teria uma vida de princesa independentemente de quem ganhasse o direito sob a sua guarda. Mas eu realmente torcia para que fosse Miguel. Torcida que aumentou ainda mais quando conheci Marta e Cláudio Albuquerque. Como eu poderia defini-los?

Ah, claro, uma boa palavra para isso seria: insuportáveis. Logo que uma empregada permitiu a nossa entrada na sala de estar e eles vieram nos encontrar, me encararam de cima a baixo com expressões de nojo em seus rostos. A princípio, nenhum sinal da criança. Aparentemente, eles pretendiam terem antes uma conversa com Miguel. — E então... Vocês estão noivos... — Marta falou, estudandonos cautelosamente. Miguel segurou minha mão e a levantou, exibindo o anel em meu dedo. — Não se dá um diamante desses a uma mulher por acaso, não é? — Claro que não — ela rebateu, séria. — Apenas perguntei porque foi um relacionamento que nos pegou de surpresa. — Sério? Não deveria, já que vocês colocaram seus advogados para me espionarem, não é? Aparentemente, eles chegaram ao ponto de infiltrar alguém em uma confraternização da minha empresa. Cláudio assumiu a palavra:

— Você está em uma disputa judicial para tirar nossa neta de nós. O mínimo que precisamos saber é se você tem condições morais para criá-la. — E já se convenceram de que tenho? — Um diamante no dedo de uma mulher, por maior e mais caro que seja, não é o suficiente para provar isso. Temos motivos para crer que existe alguma mentira em tudo isso. E, se tiver, nós vamos descobrir. Aquilo fez o meu sangue ferver. E, pela maneira com que Miguel apertou a minha mão com mais força, percebi que o mesmo acontecia com ele. De repente, senti como se aquela briga não fosse mais apenas de Miguel. Aqueles dois idiotas não podiam falar assim com ele! Enrosquei meus braços ao redor do de Miguel, em uma atitude tão íntima que chamou até mesmo a atenção dele. Quando ele me olhou, usei o tom de voz mais meloso que eu conseguia forçar. — Amor, bem que você me alertou que o ambiente nessa casa não era dos mais amigáveis. Mas estou tão ansiosa para

conhecer a sua bebê, ainda vai demorar muito? Olhando-me nos olhos, Miguel esboçou um sorriso, voltando em seguida a olhar para os Albuquerque, enquanto respondia: — Espero sinceramente que não, meu amor. Tenho uma autorização judicial para visitar a minha filha e acredito que Marta e Cláudio não vão tentar impedir isso, não é? Os dois bufaram, nitidamente irritados, e então saíram, gritando o nome de alguma empregada – provavelmente a babá da menina – para que a trouxesse até nós. Logo que eles saíram, Miguel e eu nos sentamos em um confortável sofá. Sequer me dei conta de que continuava abraçada ao braço dele. Um braço bem forte e musculoso, isso eu não pude deixar de perceber. — Obrigado por isso — ele me agradeceu com a voz baixa, provavelmente não querendo ser ouvido pela empregada que se mantinha no cômodo, com os olhos fixos em nós, como se temesse que a qualquer momento pudéssemos fugir roubando alguma coisa de lá.

Quem iria querer roubar algo da decoração brega daquela sala? — O combinado era que parecêssemos mesmo noivos, não? — respondi. — Especialmente para esses dois abutres aí. — Abutres é a definição perfeita. — Percebi. Olha só a falta de vida desse lugar. Nem parece que eles têm uma criança vivendo nessa casa. — Mais um motivo para eu querer tanto ter a minha filha comigo. Senti a movimentação súbita do corpo dele e baixei os olhos, percebendo que ele balançava a perna de forma visivelmente involuntária. Logo compreendi o motivo disso. Ele estava ansioso para rever a filha. E isso se comprovou quando, enfim, a babá chegou ao cômodo, trazendo em seus braços a bebê. Miguel se levantou em um pulo, apressando-se a ir pegar a menininha em seus braços. E eu ainda fiquei ali parada por alguns instantes, como se completamente paralisada diante da cena. A pequena abriu um enorme sorriso ao ir para os braços do pai e, meu Deus, ela era uma coisinha absolutamente linda. Tinha

os cabelinhos loiros e olhos expressivos. Apesar de os dela serem azuis e os de Miguel castanhos, eram muito parecidos. Se eu já estava achando aquela cena encantadora, ficou ainda mais quando Miguel se sentou sobre o tapete junto com Alice. Ela trazia uma girafa de pelúcia na mão e a entregou ao pai. Ele começou a balançar o brinquedo diante do rostinho dela, enquanto fazia uma voz falsa para o ‘senhor Girafo’, como ele mesmo apelidou a pelúcia. A gargalhada da bebê preencheu todo o ambiente, fazendo meu coração transbordar. E eu permaneci ali sentada, deixando que aquele momento fosse apenas deles dois, observando a cena com um sorriso no rosto e uma sensação de calor no coração.

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Capítulo 11

A minha opção por não aceitar naquele momento a promoção de cargo tinha sido pautada exclusivamente em não ficar mal falada dentro da empresa. Foi desanimador constatar que tal decisão não impediu que isso acontecesse. A notícia de que eu estava noiva do CEO se espalhou como fogo em uma poça de gasolina. Enquanto trabalhava na minha mesa, precisava aturar os olhares atravessados e os cochichos dos meus colegas. Mas nenhum olhar poderia ser pior do que o de Antônio. Agora que ele teve sua promoção cancelada – segundo a cabeça doente

dele, graças a mim – acho que ele seria bem capaz de conseguir me fuzilar com os olhos. E, só para a minha situação por ali ficar ainda mais desagradável, a única amizade que eu tinha naquele lugar agora não estava mais no mesmo setor que eu. E, por falar nela, para meu alívio ela deu uma fugida de sua sala para ir lá me ver. Não que isso fosse difícil, já que agora ela era a chefe do setor. O que, obviamente, fazia com que ela também fosse algo dos buchichos ao redor. — Cara feia pra mim é fome — Giovana zombou, enquanto puxava uma cadeira e se sentava ao meu lado, referindo-se a um colega que passava por nós trucidando as duas com os olhos. Eu ri. Era o que me restava. — Como estão as coisas na nova função? — perguntei. — Confusas. Você é louca de me indicar para o cargo, Mila. Eu ainda estou no terceiro ano da faculdade. — Miguel me pediu uma indicação, e para mim você é a melhor funcionária daqui, mesmo sendo só a estagiária.

Logicamente, eu não tinha contado a ela sobre minha relação com o chefe ser uma farsa. Disse que estávamos namorando escondidos e que eu tinha ganhado a promoção por conta do meu projeto – roubado por Antônio, como ela bem sabia. Porém, temendo que as pessoas começassem a falar sobre eu ter conseguido aquilo por ser noiva de Miguel Marino, preferi esperar alguns meses para assumir e, enquanto isso, pedi para que ele deixasse alguém no meu lugar. — Acho que ainda não te agradeci o suficiente por ter me indicado, né? — ela falou. — Obrigada, amiga. Esse dinheiro vai ajudar demais lá em casa. — Não tem o que agradecer. Já disse que te indiquei por te achar a melhor daqui. — Mas e aí... Você e o Miguel Marino... como conseguiu esconder esse namoro tão bem, de todo mundo? — Ele é um homem discreto. — Flashes de uma dancinha no elevador tomaram a minha mente e precisei sacudir a cabeça para me livrar delas. Talvez discrição não fosse a palavra exata para definir Miguel Marino.

E essa última observação ganhou ainda mais força em minha mente quando o elevador do andar se abriu e de lá saíram três homens, trazendo cada um uns dois ou três enormes buquês de rosas em mãos. Meu primeiro pensamento, é claro, foi sobre para quem seriam aquelas flores, por isso a surpresa foi gigantesca quando eles vieram diretamente até mim, informando que eram entregas para a senhorita Camila Andrade, futura senhora Marino. Como se fosse possível, os olhares em minha direção se tornaram ainda mais raivosos. Com exceção de Giovana, que vibrou. — Meu Deus, que coisa mais linda! Além de lindo e rico, o boy ainda é romântico? Amiga, você está feita na vida. Por alguns instantes, eu me vi completamente sem ação enquanto as flores eram espalhadas pela minha mesa. Sorte que a que ficava ao lado da minha antes era de Giovana e agora estava livre, assim sobrou mais espaço para tantas rosas. Um bilhete foi entregue junto e eu o abri. Percebi que minhas mãos estavam um pouco trêmulas enquanto eu lia as linhas lá escritas.

Você ter ido ontem comigo foi muito mais importante do que pode imaginar. Obrigado.

Obviamente, não era uma declaração de amor, nem nada nem próximo a isso. Era apenas uma demonstração de gratidão pelo que, eu sabia, não era mais do que a minha obrigação dentro do nosso acordo. Ainda assim, a delicadeza daquele gesto fez com que eu visse um pouco mais do lado humano de Miguel Marino. Assim como a cena que presenciei no dia anterior, dele com sua filha. E eu gostava daquele lado dele. Bem mais do que do lado playboy irresponsável. — Está fazendo o que aqui ainda? — Giovana me perguntou, ao meu lado. — Vai lá dar um beijinho de agradecimento no seu noivinho. — Está louca, Gi? Estou no meu horário de trabalho. — Tudo bem. E eu sou a sua chefe de setor e estou te dando uma ordem, fica melhor assim? Eu ri. — Não, sua louca. O que todo mundo vai dizer?

— O que vão dizer eu não sei. Mas sei que já estão dizendo muita coisa. Que diferença faz? Olhei ao meu redor, percebendo que ela estava com toda a razão. Meus colegas não tinham sequer o cuidado de disfarçarem, e me olhavam enquanto cochichavam coisas a meu respeito com quem estivesse mais próximo. Eu poderia agradecer a Miguel Marino pelo telefone ou deixar para fazer isso em qualquer outro momento. Mas eu já estava cansada daqueles olhares e fofocas em minha direção. Sempre tinha sido assim, desde a minha infância. Eu era a aluna CDF. Por sentar-me sempre na primeira fileira, ganhei desde o ensino fundamental a fama de ser puxa-saco dos professores, quando tudo o que eu queria era aprender o máximo possível. Foi o mesmo na faculdade. No trabalho, eu era a funcionária irritantemente certinha. Na verdade, eu sempre fui a pessoa que só quer fazer as coisas certas. Mas, naquele momento, eu via que isso nunca tinha adiantado, porque eu estava ali sendo julgada como se fosse a mais errada das criaturas.

Se era assim, daria àquelas pessoas exatamente o que elas esperavam de mim. — Tem razão — declarei, levantando-me. — Vou lá agradecer o presente ao meu noivinho. — Vai lá, garota! Só para horrorizar ainda mais os ali presentes, Giovana brincou dando um tapinha na mina bunda enquanto eu me afastava. Sim, seu bando de recalcados! Giovana agora é superior de vocês por ser amiga da noiva do chefe. E é por isso, também, que estou parando no meio do meu expediente para ir ao andar privativo do patrão de todos vocês. Continuem pensando assim, é mais fácil do que encarar a verdade, que vocês são um bando de péssimos profissionais! Pensando isso, fui até o elevador e digitei a senha para a cobertura. Enquanto a porta se fechava, ainda acenei para Giovana, fazendo pouco caso dos olhares raivosos lançados em minha direção.

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Essa coisa de comandar uma empresa era meio chata no início, mas aos poucos eu começava a pegar o jeito e até mesmo gostar do trabalho por ali. Já estava pensando até mesmo em retornar para a faculdade para concluí-la e, quem sabe, até mesmo me animasse em fazer alguns cursos de pós-graduação. Eu já era um herdeiro milionário e já assumia o posto mais alto daquela empresa, mas comecei a pensar que poderia ser proveitoso me especializar mais na minha área. Minha mãe iria adorar saber daquilo. Eu nunca tinha sido um bom aluno. Jamais cheguei nem próximo disso. Minhas notas sempre foram péssimas e meus pais eram sempre chamados nna escola para conversar com as professoras.

No colégio, eu matava aulas para jogar futebol ou videogame, para ir ao cinema ou para sair com garotas. Na faculdade, matava para ir a bares, festas, boates, ou para sair com mulheres. Mas, de repente, a ideia de aprender mais sobre o ramo da minha família pareceu-me subitamente atraente. Porém, naquele dia, meu ritmo de trabalho estava mais lento, porque eu não conseguia deixar de lembrar do dia anterior. Tinha passado apenas duas horas na companhia da minha filha, pois logo a avó dela retornou dizendo que ela precisava se alimentar e dormir. Queria eu mesmo poder cuidar daquelas coisas, mas os Albuquerque obviamente não permitiam mais aproximação do que eu já tinha. O fato é que, mesmo com aquelas visitas tão curtas, Alice já parecia entender que eu era o seu pai. Ela já balbuciava alguns sons, e eu às vezes ficava como um bobo repetindo continuamente a palavra “papai”, ansioso para que ela a aprendesse. Ainda não tinha sido daquela vez, mesmo assim, cada segundo daquela visita valeu a pena.

Em algumas semanas ela iria completar seu primeiro ano de vida. E eu torcia para que fosse seu primeiro e último aniversário em que não passaria morando comigo. Todas as visitas a Alice eram especiais para mim, mas aquela tinha sido ainda mais. Eu não saberia explicar os motivos, mas a companhia de Camila fez tudo ficar ainda melhor. Cada momento com ela parecia ter sido especial. Desde o momento em que fui buscá-la em casa e me diverti ao vê-la descabelada e usando um baby doll do Garfield. Como ela podia ficar tão sexy daquela forma? Já na casa dos Albuquerque, teve a forma com que ela se agarrou em meu braço, como se estivesse marcando seu território e deixando bem claro para aqueles dois filhos da puta que nós dois estávamos mesmo noivos. Não estávamos. Não de verdade, pelo menos. Mas, naquele momento, acho que até mesmo eu cheguei a acreditar naquilo. E, incrivelmente, a ideia pela primeira vez não me soou tão ruim assim. Depois que Alice chegou, Camila ficou um pouco mais distante, mas também se aproximou e interagiu com minha filha em

alguns momentos. Enquanto íamos embora, ela me disse que fez isso porque não queria se meter em um momento que julgava ser apenas meu e de Alice, mas comentou várias vezes o quanto minha filha era linda e risonha. E eu ouvi tudo aquilo sentindo meu peito quase explodir de tanto orgulho. Após um dia como aquele, eu não poderia deixar de agradecer a Camila por tudo. Achei que flores poderiam ser uma boa ideia. Esperava que não tivesse exagerado na dose. Pensava a respeito disso quando um sinal sonoro alertou que o elevador tinha parado no meu andar. Aquilo, em um primeiro momento, me deixou em alerta, já que eu não havia autorizado a subida de ninguém. Contudo, quando a porta se abriu, percebi que era a mesma mulher que vinha sendo o foco dos meus pensamentos. Mas como ela tinha a minha senha, afinal? Bem, mas isso não importou no momento. Estava curioso a respeito dos motivos que a levaram a ir até ali, e confesso que algumas possibilidades bem sujas se passaram pela minha cabeça.

De repente, a ideia de me envolver sexualmente com uma funcionária já não era tão ruim assim. Que merda, eu não devia ter aquele tipo de pensamento. Nosso acordo não envolvia nenhum contato mais íntimo, tínhamos deixado isso bem claro logo no início. — Oi! — ela me cumprimentou quando enfim parou diante da minha mesa. Eu me levantei, mas fiquei ali parado como um bobo sem reação. Até que, por fim, respondi: — Oi. Está tudo bem? Digo... por você ter vindo até aqui. Não que eu esteja reclamando, só achei incomum, e... — Cala a boca, idiota! Que inferno, desde quando eu ficava besta daquele jeito diante de uma mulher? Ela sorriu antes de declarar: — Eu vim só para agradecer pelas flores. Achei gentil de sua parte. E, bem, se a ideia era convencer todo mundo de que nós estamos realmente noivos, parece que funcionou. O pessoal lá embaixo agora não fala mais de outra coisa.

Isso era muito bom, embora essa não tivesse sido a ideia inicial. — Imagina. Foi mesmo apenas para te agradecer. Sua companhia ontem foi muito importante. — Faz parte do nosso acordo. — Já que está aqui, por que não se senta um pouco? — apontei para a poltrona do lado oposto da mesa, enquanto eu próprio voltava a me sentar na minha. Ela fez o mesmo. — Por falar no acordo, como o valor que combinamos era um pouco alto, o banco inventou algumas burocracias para realizar a transferência, mas o dinheiro deve cair na sua conta ainda hoje. Ela sorriu, parecendo feliz com a notícia, e isso, em um primeiro momento, me trouxe um pouco de desânimo. A ideia de têla ao meu lado apenas por conta de um pagamento em dinheiro, de repente, me pareceu completamente frustrante. Porém, aquele não tinha sido o combinado desde o início? Ela, no entanto, não deu continuidade ao assunto do pagamento. Parecia ter outra coisa importante para conversar. — Tem uma coisa que eu queria falar contigo, senhor Marino...

— Miguel — eu a corrigi. Mais rápido do que gostaria. — Mesmo estando sozinhos, prefiro que me chame apenas de Miguel. — Certo... Miguel... Eu estava pensando sobre a conversa que você teve com os avós da Alice ontem. Sobre eles terem infiltrado alguém na festa. Eu havia até mesmo deixado aquela desconfiança de lado. Camila ter tocado no assunto reacendeu tal dúvida em mim. — Alguma ideia de quem era a pessoa infiltrada? Notou alguém estranho por lá? — Acho que você próprio não sabe as regras impostas para as suas festas. Era preciso comprovar vínculo empregatício com a Marino para entrar. Tanto que nem mesmo os estagiários puderam ir. — Está dizendo que quem nos filmou foi alguém da própria empresa? — Ou algum funcionário do hotel. O que também faria muito sentido, já que foram obtidas imagens das câmeras de segurança. De qualquer forma foi necessário ter a participação de alguém lá de dentro.

Pensei um pouco a respeito daquilo, lembrando-me de outro fato que tinha ficado sem explicação. Decidi contar a respeito: — Alguém fez a reserva do quarto duas horas antes de subirmos. Quando fui embora, me informaram que tudo já tinha sido pago com antecedência. — Duas horas antes? Acho que a essa altura eu ainda lembraria se tivéssemos feito isso. — É, eu também. Preciso descobrir quem foi. Talvez seja alguém aqui de dentro, e, se for, temos ainda um espião trabalhando para os Albuquerque. Ela desviou os olhos, pensativa, parecendo preocupada, e eu dava total razão a ela. Pensar que alguém ali de dentro poderia estar nos espionando era um tanto quanto assustado. Se fosse o caso, precisávamos descobrir quem era. Embora eu não fizesse ideia de como faria isso. — E se formos ao hotel? — ela perguntou de repente, voltando a me olhar. Eu não queria interpretar aquilo de forma errada, Deus é testemunha disso, mas confesso que minha primeira imagem mental

foi de nós dois conseguindo finalizar o que tínhamos deixado pendente naquela noite. — Miguel, está me ouvindo? Só então percebi que havia me distraído em meus pensamentos. Porém, somente um segundo pensando corretamente a respeito da pergunta fez com que eu enfim compreendesse a intenção dela com aquilo. — Acha que indo até lá posso descobrir algo? Eu poderia ir amanhã. — Não sei, mas talvez a gente consiga fazer algumas perguntas a funcionários que estavam trabalhando naquele dia. Seria interessante também tentar descobrir quem fez as reservas e como os advogados dos Albuquerque conseguiram as imagens das câmeras. — Faz sentido. Mas você não precisa ir comigo. Pelo menos isso não faz parte do nosso acordo. — Não é pelo acordo. Eu também tive minhas imagens vazadas. — É. E seria horrível se sua avó visse aquilo — meu comentário tinha um tom irônico, mas ela não pareceu perceber.

— Nossa, nem me fale, seria mesmo. Eu ri e ela piscou, sem entender. — Não seria, não. Sua avó Ama muito você. Seria preciso bem mais do que um vídeo de uma dancinha no elevador para fazêla ficar desapontada contigo. Camila fez uma careta. — Então as imagens vazadas incluem a dança do elevador, é? Odeio o fato de me lembrar dessa parte. — Não foi tão ruim assim. — Não. O que veio depois certamente foi muito mais constrangedor. Ela não deixava de ter razão. A gente entrar no quarto com todo aquele fogo nos consumindo e, uma vez lá dentro, simplesmente apagarmos de sono tinha sido um fato inédito da minha vida. Mas... Será que aquela observação dela queria dizer que ela gostaria de ter ido com aquilo até o fim? Ou gostaria de nem ter entrado lá comigo?

Era uma pergunta que, para o bem da nossa convivência amigável, seria melhor não fazer. Apenas mencionar a parte da dancinha no elevador já fez com que o rosto dela ficasse completamente vermelho. Nitidamente querendo encerrar o assunto, ela se levantou, reforçou o agradecimento pelas flores e deu meia-volta, seguindo em direção ao elevador. Antes que ela chegasse lá, no entanto, eu a chamei: — Ei! — Ela parou, virando o pescoço para trás para me olhar. — Estou para te perguntar isso há algum tempo: como você tem a minha senha do elevador? — Vi você digitando naquele dia que trouxe Antônio e eu aqui. — Nossa... tem uma boa memória para números, então. — Nem tanto. Mas nesse caso foi fácil. 2905. Vinte e nove, zero cinco. Por acaso, é o dia do meu aniversário, vinte e nove de maio. Mal consegui acreditar naquilo. Era uma coincidência e tanto. — É o dia do aniversário da Alice. Ela

girou

também

o

corpo,

completamente de frente para mim.

ficando

agora

virada

— Jura? — É. Aliás, os Albuquerque vão dar uma festa e, mesmo que eles obviamente não gostem da ideia, os advogados devem tê-los orientado a me convidar. Seria importante se você fosse comigo. — Importante? A pergunta pareceu servir para me despertar. Eu precisava manter o foco. — É. Você sabe, somos noivos, é bom que nos vejam juntos. Percebi que o sorriso no rosto dela estremeceu. Que droga, eu tinha dito algo errado? — Ah... claro... claro que vou. — Está tudo bem mesmo para você? Digo, é seu aniversário, e deve ter planos para esse dia. — Eu fatalmente iria ficar em casa, minha avó encomendaria um bolo e o comeríamos assistindo a novela, junto com o Tapioca. Acho que os dois vão entender se deixarmos esses planos incríveis para a noite seguinte. — Combinado, então. — Combinado.

— E, se você quiser... poderia me acompanhar amanhã ao hotel, para tentarmos investigar sobre aquela noite. — Eu quero. — Ela foi andando de costas até chegar à porta do elevador, onde apertou o botão para chamá-lo. — Mas amanhã é dia de trabalho, espero que minha falta não seja descontada. — Jamais. Você é a noiva do chefe. — Já estou ficando mal falada, acho que ficarei ainda mais depois disso. — É um problema para você? Ela sorriu e balançou os ombros, respondendo enquanto entrava no elevador. — Já foi. Agora não é mais. Fiquei ali parado, observando-a até a porta se fechar por completo. Quando ela se foi, senti aquela enorme sala muito mais vazia do que de costume. Acho que eu já estava gostando demais da companhia daquela mulher.

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Capítulo 12

De repente, a ideia de voltar ao hotel me pareceu a maior das perdas de tempo. Nem eu nem Camila sabíamos sequer por onde começar as investigações, e não tínhamos nem ao menos conversado a respeito disso antes de chegarmos ali. Por isso, acabamos decidindo começar por onde tudo tinha começado, refazendo os nossos passos naquele dia. Então fomos primeiro ao bar do saguão. Dessa vez, no entanto, decidimos pedir duas Coca-Colas. Nada de álcool, para a nossa própria segurança. Tudo o que menos

precisávamos era de um novo porre. Fomos atendidos por uma mulher, o que rendeu a minha primeira observação. — Tinha um cara nos atendendo naquele dia, não é? — Talvez ele só trabalhe por aqui na parte da noite — Camila opinou, tomando o primeiro gole de seu refrigerante. — Então, naquele dia eu vim para cá pouco depois que você chegou. Antes de você se juntar a mim, eu só tinha trocado algumas palavras com o barman, não falei com mais ninguém. — Bem, eu falei com muita gente, mas não percebi em ninguém qualquer intenção de me espionar. O quanto você se lembra das horas de bebedeira? — Muito pouco. Ainda estava bem lúcida quando você se sentou ao meu lado e começamos a conversar. — Estava lúcida quando disse que eu era um bundão? — O álcool nos dá alguma coragem para dizer o que vem à cabeça. Bem, não importa... Depois de alguns minutos de conversa, eu tenho apenas flashs de lembranças. — Lembra da parte do anel de miçanga?

O rosto dela ficou vermelho, e eu confesso que achava uma graça a forma como ela ficava tímida com qualquer coisa mais, digamos, íntima. Provavelmente ela havia se lembrado do argumento que nos levou a ‘ficarmos noivos’. Ela tinha dito que não transaria comigo porque não tínhamos um compromisso sério, e eu decidi resolver isso criando um relacionamento sério para nós. Se é que anéis de miçanga trocados durante uma bebedeira poderiam ser considerados sérios. Ela olhou ao redor, apontando para algum lugar. Segui os olhos na mesma direção, encontrando um estande bem colorido, decorado com centenas de penduricalhos. — Foi ali que compramos o bendito anel, não foi? Assenti. Virei o último gole de refrigerante goela abaixo e me levantei, segurando a mão de Camila e puxando-a comigo. Fomos até o local e, para a nossa sorte, eu reconheci a atendente. Era uma mulher de uns quarenta e poucos anos, usando um vestido de tecido leve e colorido, que ia até os pés nos quais usava uma sandália sem salto. Os cabelos loiros e bem cacheados iam até a sua cintura e ela fazia barulho enquanto caminhava devido à quantidade de pulseiras que carregava em seus braços.

Logo que se aproximou de nós para nos atender, ela nos olhou com curiosidade, levando poucos segundos para nos reconhecer. — Vocês voltaram! Nossa, que felicidade reencontrar o casal mais apaixonado que já conheci. Dessa vez, eu é que senti forte uma onda de constrangimento. Apaixonados? De onde aquela louca tinha tirado aquilo? Camila soltou imediatamente a minha mão, parecendo só naquele momento se dar conta de que ainda a segurava. Pigarrei, tentando manter a mentira. — Ficamos felizes que ainda se lembre de nós. Aquela noite foi muito... intensa. — Eu percebi. — Ela deu um sorrisinho. — Espero que tenham vindo me convidar para o casamento, como prometeram que fariam. — Ainda não estamos com os convites, mas voltarem logo que tivermos. — Fiz a anotação mental de que deveria incluir a moça na lista de convidados. Ainda que o casamento estivesse programado para ser cancelado dois meses antes de acontecer, os convites seriam enviados antes disso. Só esperava que ninguém se preocupasse em comprar presentes com antecedência.

Camila assumiu a palavra: — Sabe, estávamos um pouco bêbados naquela noite e, apesar de ter sido tudo lindo e mágico como sempre sonhamos... — Ela fez uma pausa, parecendo engasgar-se em sua própria mentira. ‘Lindo e mágico’? Ela estava mesmo pegando pesado naquilo. — Nós lamentamos muito não nos recordarmos dos detalhes de tudo. Pensei que você pudesse nos ajudar com isso. Sabe, será importante para escrevermos os nossos votos. E não é que ela era boa naquilo? E pareceu ter sido convincente o suficiente para a moça, que abriu um sorriso empolgado e começou a relembrar os fatos. — Bem, vocês chegaram aqui muito animados. Estavam até cantando. — Cantando? — Camila franziu a testa. Aparentemente, ela não se recordava daquele fato. Eu também não, para falar a verdade. Comecei a pensar em que música devíamos ter chegado cantando, e qualquer opção que se passasse em minha mente era bem distante da que a moça relatou: — Sim, vocês estavam cantando Evidências.

— O quê? — nós dois perguntamos em uníssono. — Evidências. Sabe... ‘E nessa loucura de dizer que não te quero...’ — ela cantarolou. E nem era das mais desafinadas, mas aquilo fez a minha cabeça doer. Miguel Marino havia ficado noivo de uma mulher ao som de uma cantoria de Evidências. O quão fim de carreira aquilo era para um playboy sedutor como eu? — Certo, entendi, conhecemos Evidências... — eu a cortei. — E depois disso? — Você disse que queria comprar alianças à altura para formalizar seu compromisso com a mulher mais sedutora que já tinha visto em sua vida. — Ela soltou um suspiro e eu voltei a pensar em toda a breguice daquelas atitudes. — Então eu mostrei os anéis e você escolheram os que gostaram mais. — Quanto custaram? — a pergunta de Camila não tinha qualquer relevância para nossa investigação, mas entendi o objetivo dela. Oras, ela disse que transaria comigo se firmássemos algum compromisso. Acredito que, depois de uma condição dessas, saber o preço do acordo deveria ser importante para ela.

— Ah, eram os mais baratos. Custaram 15,99 cada um. —

Quinze

e

noventa

e

nove...



Camila

repetiu

pausadamente, me lançando um olhar nada amigável na sequência. — Muito à minha altura... Mas do que ela estava reclamando? Ela nem tinha cumprido a parte dela no negócio. Gastei trinta e dois reais em vão, já que ela dormiu logo que chegamos no quarto. E ainda tinha dado a ela, depois, um anel com um diamante enorme que valia mais do que todos os itens daquele estande hippie ali. A moça prosseguiu: — Vocês estavam em dúvida entre ele e um outro modelo. Foi o padrinho de vocês que ajudou a escolher. Camila e eu nos entreolhamos, ambos ligando um alerta diante daquelas palavras. — Tivemos um padrinho? — eu perguntei. A moça riu. — Nossa! Não se lembram disso? Estavam mesmo muito bêbados. Vocês convidaram o Juliano para ser padrinho de vocês.

— Juliano? — Que merda, eu não conhecia ninguém com aquele nome. Mas, para a minha grata surpresa, ele não era um desconhecido da mulher. — Ele geralmente trabalhava na cozinha do hotel, mas nessa noite foi escalado como garçom. — Ele trabalha aqui? — Camila questionou. — Trabalhava. Pediu demissão, ou foi demitido, não sei, há alguns dias. Uma pena, era um rapaz muito simpático. Fiz uma pausa, tentando organizar aquelas informações em minha mente. Camila e eu tínhamos mesmo conversado sobre a possibilidade de ter algum funcionário do hotel atuando como cúmplice em tudo aquilo, e agora tudo estava tão claro quanto água. Eu não fazia ideia do que poderia perguntar a partir dali, mas Camila foi mais esperta que eu: — Não ligue para o meu noivo, ele é mesmo um distraído. É claro que sabemos quem é o Juliano, ele foi tão legal com a gente naquela noite, que não podíamos deixar de convidá-lo para ser o nosso padrinho. Queríamos muito levar um convite de casamento para ele também, é uma pena que não sabemos onde ele mora.

— Ele morava aqui perto, seria fácil descobrir onde, mas agora vai ficar mais difícil porque ele se mudou. Acho que foi até embora da cidade. — Para qual cidade? — perguntei, torcendo para que ela tivesse a resposta. Para meu desânimo, ela não tinha. — Isso eu não faço ideia. Juliano era simpático, mas nunca foi de se abrir muito com nenhum colega de trabalho. Ainda tentamos mais algumas perguntas, mas a vendedora não teve mais nada que pudesse nos ajudar. Então, agradecemos por tudo, ela nos abraçou, sacudiu um incenso ao nosso redor dizendo que nos traria felicidade no amor e muita fertilidade para termos

muitos

filhos



o

que

deixou

novamente

Camila

completamente vermelha – e nos despedimos. Decidimos ir à recepção para tentarmos descobrir algo sobre a reserva do quarto naquela noite. A moça que nos atendeu foi muito educada e atenciosa, e não precisamos inventar nenhuma história para que ela aceitasse fazer o favor de conferir no computador as informações que precisávamos.

Ela digitou algo e se fixou na tela por alguns minutos, até que anunciou: — Encontrei. A reserva foi paga e assinada por Juliano Guimarães. Sabia! Aquilo encerrava de vez qualquer dúvida que poderia existir. O tal Juliano tinha sido o cúmplice dos Albuquerque em toda aquela armação. Ele fez a reserva no quarto, provavelmente foi também quem fez a filmagem de nós dois bebendo, usando um celular. Agradecendo a atendente, nós nos afastamos, e então Camila expôs para mim uma dúvida que também percorria a minha mente: — Como ele poderia saber que chegaríamos a um nível de embriaguez para toparmos irmos juntos para um quarto de hotel? Sei que você é um galinha que vai para a cama com qualquer uma, mas... — Ei! — eu me defendi. — Não é bem assim. Digo, já foi assim um dia, mas eu estou há meses me esforçando para entrar nos eixos e ser um homem decente.

— Exato. Você estava determinado a não fazer algo desse tipo. E ele provavelmente não sabia nada a meu respeito para supor que eu toparia algo assim. Ela se calou e arregalou os olhos, como se uma ideia assustadora invadisse a sua mente. — E se ele não estivesse contando apenas com a embriaguez? — Como assim? — Pensa, Miguel: ele devia estar te espionando esperando que você desse algum deslize. Você se sentou ao meu lado no bar e começamos a beber juntos, até o ponto de ficarmos descontraídos demais. Talvez ele tivesse tido a ideia de acelerar um pouco esse processo... colocando algo em nossas bebidas, talvez? É, aquilo era realmente assustador. — Acha que fomos drogados? — Não concorda que é muito estranho nós dois termos lapsos tão profundos de memórias daquela noite? Certo, o excesso de bebida pode ocasionar isso, mas... nos dois? Aquilo fazia sentido. Eu já tinha tomado porres tão ou mais intensos que o daquele dia, e nunca tinha passado por uma situação

tão bizarra de perda quase total de memória. E também explicava por que nós dois havíamos praticamente apagado de sono logo que chegamos ao quarto de hotel. — Precisamos encontrar esse tal de Juliano para tirar isso a limpo. Bem, ao menos é um alívio saber que o cúmplice dos Albuquerque é um funcionário do hotel e não alguém de dentro da minha empresa. Cheguei a desconfiar que pudesse ter sido o Antônio. Camila revirou os olhos e riu. — Fala sério? Ele jamais teria competência para isso. É um completo inútil. — Sempre achei que ele fosse um ótimo funcionário. — Devia prestar mais atenção à sua empresa. Dito isso, ela se virou, fazendo um sinal para que eu a seguisse, e eu compreendi o recado. Não tínhamos mais nada o que fazer ali, e seria melhor que eu a levasse para casa, já estava quase anoitecendo. Por mais que eu tivesse sugerido irmos até lá pela manhã, Camila insistiu para que deixássemos para o final da tarde e, desta forma, ela pudesse trabalhar durante a maior parte de seu

expediente. Ela garantia que não se importava mais, realmente, com o que os colegas pudessem dizer a seu respeito, mas estava empenhada em um projeto e queria adiantá-lo o quanto fosse possível. Uma coisa sobre a Camila era que ela se empenhava muito em seu trabalho, mas isso ia além da mera obrigação. Ela amava o que fazia e tinha um senso de responsabilidade admirável. Especialmente para um completo irresponsável como eu. Fizemos toda a viagem até a casa dela em silêncio. Apenas quando parei com o carro em frente ao prédio dela foi que ela enfim disse algo. — Quer subir um pouco? Minha avó vai gostar de ver você. — Diga a ela que mandei um beijo, mas vou para casa. O dia foi longo e quero colocar meus pensamentos no lugar. Ainda preciso ligar para a Janete e contar sobre tudo o que descobrimos hoje. — Não precisa dar tantas desculpas apenas para dizer que está com medo do meu gato. Eu ri. Embora, pensando bem, a afirmação não fosse totalmente errada.

— Desculpe, tenho mesmo medo de ter uma crise de espirros. De qualquer maneira, obrigado por hoje. Você foi bem perspicaz nas perguntas. — Acho que li muitos livros de investigação na vida, a gente acaba pegando o jeito. Mas não tem o que agradecer. Também foi por mim que fiz isso. Armaram para você, mas eu também fui envolvida. — É, eu sei. Sinto muito por isso. Você foi envolvida em todo esse transtorno de ter que fingir ser minha noiva e tudo mais. Ela me encarou, parecendo irritada, como se eu tivesse dito algum absurdo. — Sério que você acha que este foi o meu maior transtorno? Minha vida foi mudada completamente. Quando tudo isso acabar, você vai voltar a ser o mesmo solteirão de antes. E eu? — Como assim? Também vai voltar a ser a mesma solteira de antes. — Não será mais como antes, porque tem coisas que não voltam atrás. Eu nunca vou poder viver a minha primeira vez com um cara do jeito que eu sempre sonhei. Sei que você não se importa

com esse tipo de coisa, mas para uma mulher o momento da perda da virgindade é, sim, importante, e eu nem consigo lembrar do meu. Por um momento, era como se nenhuma palavra dita por ela fizesse o menor sentido. — Ei, espera... virgindade? Como se fosse possível, o olhar dela em minha direção se tornou ainda mais horrorizado do que antes. — Como pôde ser tão insensível de ser o primeiro homem na vida de uma mulher e sequer perceber? Primeiro homem? Mas, espera... do que ela estava falando? Não tinha acontecido absolutamente nada entre nós. Será que ela não se recordava de que tínhamos simplesmente caído no sono logo que chegamos ao quarto? Eu devia ter respondido isso imediatamente, mas ainda estava meio em choque com a parte da virgindade. Camila estava prestes a fazer vinte e cinco anos e... ainda era virgem? Acho que eu não encontrava uma virgem declarada desde que terminei o colégio. E sempre dispensei todas elas.

Tirar a virgindade de uma garota era uma responsabilidade que eu nunca quis para mim, especialmente pelo fato de que elas não teriam nada de mim no dia seguinte. Eu fugia de relacionamentos sérios como o diabo da cruz, mas, ainda assim, sempre joguei limpo e nunca iludi ninguém. Meu choque foi aumentando conforme ela continuava a falar: — Pior do que não conseguir me recordar da minha primeira vez, é que não me lembro nem ao menos se usamos camisinha. Eu preciso fazer um teste de gravidez, mas li na caixinha da embalagem que o resultado não é preciso nos primeiros dias, então estou esperando e surtando mais a cada dia que passa. Mas, para você, que diferença faz? Nem vai ser a primeira mulher que você engravida. Não teria de fato sido a primeira, mas só a ideia de ter que lidar com outra situação como a que eu enfrentava com Alice já fazia um arrepio percorrer todo o meu corpo. Um arrepio ruim. Bem diferente do que eu senti com a parte da virgindade. Meu Deus, uma virgem!

— Enfim, nada disso vem ao caso. Nos vemos amanhã na empresa, boa noite. Ela ameaçou abrir a porta do carro, mas eu a detive, segurando-a pelo braço. Quando ela me olhou, não resisti diante da expressão furiosa no rosto dela e acabei rindo. Não foi por maldade, mas ela ficava uma graça daquele jeito. Especialmente porque estava nervosa sem motivo algum. — Do que está rindo? Por acaso eu disse algo engraçado? — Disse. Foi engraçada a possibilidade de você estar grávida. — Que graça tem isso? — A graça é que isso de forma alguma seria possível. Com a Andreza, foi um acidente de uma camisinha estourar, mas foi um caso isolado, porque eu sempre uso preservativos. — E se fosse um novo caso isolado? — Bem... Aí seria um novo caso isolado duas vezes, porque seria muito pouco provável nós fazermos um filho sem termos feito sexo. Ela ainda abriu a boca para rebater, mas nenhum som saiu. A irritação em seu rosto deu lugar à confusão.

— O que quer dizer com isso? — Que a gente se beijou pra caramba e demos uns bons amassos, mas... não passou disso. — Mas... Nós acordamos na mesma cama e... sem roupas. — Porque nós ainda tiramos as roupas antes de você desmaiar de sono. As bochechas dela ficaram vermelhas. — Eu desmaiei de sono? — E eu diria que foi um tanto ofensivo da sua parte dormir antes do sexo, mas a verdade é que também não aguentei acordado por muito tempo e acabei apagando. — Isso quer dizer que eu ainda sou virgem? Novamente, não consegui evitar sorrir. Não que aquilo fosse engraçado, era apenas... diferente. E, por que não dizer... adorável. — Jura que você ainda é virgem? — Bem... Isso não é da sua conta! Furiosa, ela enfim saiu do carro, batendo a porta com força.

Fiquei ali parado, observando enquanto ela caminhava até a entrada de seu prédio, sem conseguir tirar um sorriso bobo do meu rosto.

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Capítulo 13

— E Camila é pura novamente. O mundo voltou a girar em seu eixo normal! Minha amiga era muito metida a engraçadinha. Já estava quase arrependida de ter contado a ela as minhas últimas descobertas com relação à minha própria virgindade, que seguia intocada. Era sábado e estávamos as duas na livraria, enquanto minha avó tinha saído para almoçar. Aproveitei esse momento para conversarmos sobre aquele segredo que apenas Laís sabia.

Enquanto minha avó estava por perto, o tema da conversa era outro: os planos para a expansão da livraria. Eu, novamente, havia mentido para a minha avó. Fechei a compra do terreno ao lado com o proprietário pagando o valor a vista, como era uma exigência dele. Porém, eu não poderia dizer à minha avó que tinha conseguido todo aquele dinheiro, então menti dizendo que peguei um empréstimo e, junto às economias que já tínhamos, consegui fazer um acordo com o proprietário para dar um sinal de entrada e pagar o restante em prestações que cabiam no meu salário. Na verdade, a dívida já estava completamente quitada e ainda me restou algum dinheiro para dar início às obras. Aquilo me enchia de esperanças e me fazia sentir que ter topado fazer parte daquela armação tinha realmente valido a pena. Na realidade, nem era o único motivo. Estava feliz por poder ajudar o Miguel a ter a guarda de sua filha. E, talvez, além disso, eu também estivesse realmente gostando de ter a companhia dele. — Semana que vem é seu aniversário — Laís comentou, me trazendo de volta à realidade. Ela estava debruçada sobre o balcão,

folheando um livro de História da América Latina. — Vamos marcar alguma coisa? — Não vou poder. Já tenho um compromisso com o Miguel. Ela tirou os olhos do livro, olhando-me por cima das páginas. — Vai passar o seu aniversário com o bonitão? Será que a Terra vai novamente perder o seu eixo? — Engraçadinha. Não é nada disso. Na verdade, a filhinha dele faz aniversário no mesmo dia. Vou com ele à festa. Por causa do nosso acordo. — Sei. Festa de criança não é o mais animado dos programas, mas... Sempre se pode emendar a noite. — Ninguém vai emendar noite nenhuma, Laís. Nosso noivado é apenas um fingimento. Tudo o que preciso fazer é acompanhá-lo nesses eventos e nada mais. — Claro. Mas não deve ser tão chato assim, não é? No início você sempre reclamava, falava dele com raiva. Mas de algum tempo para cá, seu tom de voz mudou completamente. — Bem, natural. É bom que a gente se dê bem, né? Vai tornar esses três meses mais toleráveis. — Na verdade, dois. Um praticamente já passou, não é?

Pensei a respeito daquilo, percebendo que eu nem tinha me dado conta. Foi estranho perceber que, em vez de concluir que era ótimo o fato de que agora teríamos quase um mês a menos, eu na realidade sentia um inesperado desânimo por saber que agora só nos restavam pouco mais de dois meses. Bem, mas qual seria o problema nisso? Não tínhamos nada mais do que um acordo. Quando ele passasse, minha vida voltaria a ser como antes, com a diferença de que eu assumiria o novo cargo na empresa, teria um salário melhor, mais reconhecimento do meu trabalho, e minha avó teria sua nova livraria com cafeteria e espaço para eventos. Tudo iria melhorar. E eu não precisaria mais ficar mentindo e aturando a presença de Miguel Marino. Só que essa última parte já não me soava mais tão ruim assim. — Você conheceu a menina, não é? — Laís voltou a falar, voltando a se focar no livro. — Não me contou muito a respeito. Como ela é? Sem me dar conta, eu sorri ao ser tomada pelas lembranças daquela coisinha linda. — Ela é uma fofura. Parece uma bonequinha.

— Se puxou ao pai, deve ser linda mesmo. — É, ela se parece muito com ele. O sorriso é parecido demais. E como ela é risonha, você precisa ver. Os olhinhos dela brilharam tanto quando ela viu o pai. Ele é louco por ela, e isso parece ser recíproco. — Nossa, além de estar ‘tolerando melhor’ aquela gostosura que é o pai, ainda está encantada pela filha? Estou vendo potencial nessa relação, hein? Já se deu bem com a mãe dele também... agora só falta perder o medo do cachorro. Eu deveria, como sempre fazia, rebater a insinuação de Laís com uma bronca. Mas, de repente, fui tomada por uma inusitada tristeza. — Sei que fala essas coisas de brincadeira, amiga. Mas não deveria alimentar esse tipo de coisa. Miguel é um milionário lindo de morrer, que tem toda e qualquer mulher que queira em sua cama em um estalar de dedos. E ele já comentou comigo, mais de uma vez, que não tem qualquer interesse em relacionamentos sérios. Nosso acordo termina em dois meses e cada um seguirá com sua vida.

Ela virou a página do livro, como se eu não tivesse acabado de dizer nada demais. — E você acha que ter alguém brincando a respeito disso pode alimentar em você alguma esperança de que algo possa rolar entre vocês? Era uma pergunta capciosa. Eu conhecia bem a minha amiga, e ela estava me cercando, tentando obter algum tipo de confissão que não iria acontecer. Como se para me salvar, a porta da livraria se abriu e minha avó entrou. — Voltei, meninas. Alguma venda durante a minha ausência? Eu adoraria responder que sim, mas a verdade era que nenhuma viva alma tinha entrado ali durante aquela última hora. Laís, no entanto, levantou o livro que segurava e anunciou: — Eu vou ficar com este, dona Lurdes. Estou sem dinheiro aqui, mas faço uma transferência para sua conta logo que chegar em casa, tudo bem? — Ah, querida, nem precisa fazer isso hoje. Não tenha pressa alguma, você é da família.

— Imagina, dona Lurdes, pago hoje mesmo. Adorei o livro. Vou indicar para as minhas turmas de terceiro ano e sugerir sua livraria para que eles comprem. Agora eu preciso ir, estava só fazendo companhia à Mila até a senhora voltar. Ela foi até a minha avó e depositou um beijo em seu rosto. Depois voltou a se virar em minha direção e comentou: — Aliás, Mila, sobre aquilo que eu falei... eu não estava exatamente fazendo uma brincadeira, viu? Ela me assoprou um beijo e saiu, antes que desse tempo de eu sequer processar aquelas palavras.

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Na segunda-feira, voltou a minha mais nova rotina de trabalho, que agora incluía passar o dia ouvindo indiretas dos colegas. O auge foi durante o almoço, que duas mulheres do meu setor se sentaram na mesa ao lado da minha no refeitório e iniciaram uma conversa sobre uma suposta conhecida delas que tinha privilégios no trabalho porque havia seduzido o chefe.

Precisei respirar fundo trinta vezes para não tacar a minha comida nelas. De volta ao escritório, concluí todo o meu trabalho do dia e aguardei pelo final do expediente para juntar minhas coisas e sair. Desci em um elevador lotado, ouvindo mais alguns comentários a respeito de pessoas especialistas em golpe do baú, até chegar ao térreo, onde fiz questão de andar bem devagar, deixando que os demais saíssem à minha frente. Ao me aproximar da saída do prédio, no entanto, percebi que havia alguém me esperando. Eu não deveria reagir dessa forma, mas senti meu coração acelerar ao visualizar Miguel Marino ali, lindo com seu terno de grife e, o que era mais encantador, abrindo um sorriso ao me avistar. Inferno de tentação. Cheguei a fazer uma meia-parada, mas logo voltei a caminhar, parando a poucos metros de distância dele. — Estava te esperando — ele confirmou minhas suspeitas. Então, me esforcei para me lembrar do fato de que não éramos verdadeiramente comprometidos, e que deveria existir um motivo para aquela espera.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei preocupada. Imaginei que ele poderia ter algum compromisso social marcado de última hora e precisasse da minha companhia para manter as aparências. Tudo apenas pelas aparências, que isso ficasse bem claro em minha mente. — Não. Queria só confirmar contigo se está tudo certo para sábado, e aproveitar para te levar em casa. Pega meio mal a noiva do chefe ficar indo embora de ônibus. Claro... pegava mal... Tudo pelas aparências e pelo plano. Mas o que eu pensei? Que ele pudesse estar preocupado com o meu conforto e bem-estar? Ou, pior: que estivesse interessado na minha companhia? — Está tudo confirmado. Mas não precisa se preocupar de me levar para casa. Moro a quinze minutos daqui. — Mais um motivo para isso não ser preocupação alguma para mim. Anda, vem, meu carro está aí na frente. Ele fez um sinal para que eu o seguisse e eu assim o fiz. O carro realmente estava bem na frente do prédio e ele abriu a porta

para que eu entrasse, o que me fez, inicialmente, fazer uma nota mental de que ele era um cavalheiro. Apenas para, instantes depois, me autocorrigir. Ele era um sedutor. E mesmo que esta não fosse sua intenção comigo, algumas manias não eram perdidas com facilidade. Quando também entrou e deu a partida no veículo, ele começou a falar: — Então, a gente não se vê já há alguns dias, né? Desde que... Ele hesitou e eu completei: — Desde que você ficou abismado por descobrir que eu ainda sou virgem. — Eu ia dizer ‘desde que fomos ao hotel investigar sobre o ocorrido naquela noite’, mas... isso daí também serve como explicação. Ah, mas eu não fiquei abismado, não. Na verdade, eu achei até legal. A palavra usada para descrever chamou a minha atenção. — Legal? — É. Essa coisa de decidir esperar o casamento e tal... eu não faria de forma alguma, mas é interessante quem se propõe a

isso. Bem, aquele não era exatamente o meu caso. E isso não era, de forma alguma, da conta dele, mas, mesmo assim, quando me dei conta já estava dando mais explicações do que deveria. — Nunca realmente planejei esperar por um casamento ou coisa parecida. Tive poucos namoros, e todos duraram muito pouco tempo, não me senti confiante o suficiente para ir para a cama com nenhum deles. Apenas isso. — ...Entendo. Ele não entendia. E eu sabia disso muito bem. Um homem como ele, acostumado a acordar todo dia ao lado de uma mulher diferente não tinha como entender. Ainda assim, eu, novamente, decidi explicar: — Eu não acho que a primeira vez tem que necessariamente ser com alguém com quem se espera ficar a vida inteira, que seja aquele grande amor ou coisa parecida. Mas eu sempre quis que fosse com alguém com quem eu tenha alguma cumplicidade e segurança, sabe? Claro, tendo toda a questão do desejo envolvido, mas não apenas isso.

— No caso, então, essa coisa da cumplicidade e segurança poderia ser substituída por uma alta dosagem alcoólica? Era uma brincadeira e eu, em geral, rebateria de forma irritada. Mas não sentia que ainda precisasse disso com Miguel. Era estranho, mas já me sentia à vontade de ter com ele algumas conversas que eu normalmente só teria com a Laís ou, no máximo, com a Giovana. Será que isso queria dizer que tínhamos nos tornado amigos? — Foi o que quase aconteceu naquela noite, não é? — respondi. — Que bom que não chegou a acontecer. Eu tinha ficado um tanto apavorada ao pensar que eu podia ter perdido a minha virgindade com alguém que eu mal conhecia e, pior, que não tivesse nenhuma recordação disso. Era estranho pensar nisso, mas agora eu compreendia que talvez não tivesse sido apenas o desejo e o álcool que falaram alto naquela noite. Era claro que a bebida tinha contribuído bastante com a perda total da inibição (e do bom senso), mas... acho que, mesmo em uma conversa de poucas horas, eu tinha sentido segurança e cumplicidade em Miguel Marino.

Acho que foi pela forma com que ele próprio também tinha perdido a inibição e o bom senso, e como falávamos livremente sobre o que vinha em nossas mentes, sem qualquer preocupação social de parecer agradável ou correto. — Bem, mas foi realmente só um susto — ele comentou. — Algum felizardo algum dia deixará as boas lembranças que você tanto sonha em ter. Eu não deveria sentir aquilo, mas confesso que, pela primeira vez, fiquei triste por nada ter acontecido naquela noite. Acho que eu jamais voltaria a ter outra oportunidade de viver aquilo com Miguel. Obviamente, o desejo era o que falava mais alto nesse pensamento. Confesso que não tinha sido apenas a segurança e a cumplicidade que haviam faltado nos meus relacionamentos anteriores. Nunca nenhum homem havia provocado em mim o mesmo magnetismo que Miguel Marino. Eu não conseguia deixar de pensar em como aquele homem deveria ser na cama. A mera ideia fez uma onda de arrepios irradiar por todo o meu corpo. Achei, então, que seria mais seguro trocar de assunto. O que não foi difícil quando o rádio do carro começou a tocar uma música

que eu comentei que gostava. Miguel disse que era fã da banda e que tinha ido a um show deles em Los Angeles. E, quando me dei conta, estávamos como duas maritacas tagarelando sem parar. Tínhamos gostos musicais bem parecidos e curtíamos as mesmas bandas. De repente, o rádio foi desligado e estávamos nós mesmos cantando juntos algumas músicas. Éramos igualmente desafinados, aliás, mas eu suspeitava que ele fosse ainda pior do que eu. — Imagino como a moça do estante das miçangas deve ter ficado horrorizada com a gente cantando Evidências — comentei em determinado momento. — Deve ter sido terrível! — ele concordou, rindo. — Amo música, mas sou um péssimo cantor. Jamais conseguiria conquistar alguém com uma serenata, por exemplo. — Menos mal! — opinei. — Poucas coisas na vida são tão bregas quanto uma serenata. — Concordo. Tem que se estar muito desesperado de amor para fazer algo assim. Eu ia fazer algum comentário a respeito, mas, quando me dei conta, ele já encostava o carro na frente do meu prédio. A viagem

tinha sido tão rápida que eu nem tinha percebido o tempo passar. Ao mesmo tempo, pareceu ter se passado muito mais tempo que o real pelo modo com que tínhamos conseguido conversar sobre tantas coisas e sobre nada em especial ao mesmo tempo. — Não quer subir? — Tentei, torcendo para que ele dessa vez aceitasse. — Minha avó está sempre perguntando por você. — Dona Lurdes é uma graça. Diga a ela novamente que mandei um beijo e que virei algum dia para visitá-la. — Bem, sabe que não tem obrigação alguma nisso. Nosso acordo diz respeito às nossas famílias acreditarem que estamos noivos, nada além disso. — Não faz parte do acordo, mas eu realmente gosto da sua avó. Acho que você é muito sortuda por tê-la em sua vida. Eu não tinha qualquer dúvida com relação a isso. Minha avó era do tipo que conquistava fácil qualquer pessoa com aquele seu jeitinho de vovó de programas infantis. E ela também gostava muito fácil das pessoas, e essa era a parte ruim de tudo aquilo. Quando Miguel e eu terminássemos o nosso teatro, ela fatalmente sentiria a falta dele. O pior de tudo é que, provavelmente, não seria apenas ela.

Ouvi um cochicho vindo da calçada e voltei os meus olhos para lá, encontrando um grupo de moradoras do meu prédio, incluído dona Neide – a orgulhosa avó de quatro netos – e a mãe de Laís, juntamente a outras duas vizinhas tão fofoqueiras quanto elas. Olhavam diretamente para mim, mas tentaram disfarçar quando eu voltei os olhos em direção a elas, embora continuassem cochichando, claramente a nosso respeito. — Algum problema? — Miguel perguntou, parecendo perceber meu olhar no grupo de mulheres. — Vizinhas fofoqueiras — resumi. — Provavelmente estão desconfiadas do nosso relacionamento por conta da minha fama de encalhada. Bem, mas não importa o que elas pensem. — E o que você acha que elas pensam? — O mesmo que as pessoas da empresa, provavelmente. Que eu estou dando um golpe do baú. — Isso não é meio ultrapassado? — Você é meu chefe e eu sempre fui uma pessoa completamente focada na carreira, a lógica deles é essa. Bem, mas isso realmente não importa. Nos vemos sábado no aniversário da Alice.

— Sim, mas provavelmente nos veremos antes disso. Se não for um problema para você, posso te trazer em casa mais vezes. Sabe, só para dar mais assunto para as suas vizinhas fofoqueiras. Eu ri e concordei. Não que tivesse qualquer interesse em ser foco de mais assunto para aquelas mulheres, mas a carona tinha sido bem agradável. Abri a porta e comecei a sair do carro. Mal me vi em pé na calçada quando ouvi o som da outra porta sendo aberta e me virei, vendo que Miguel tinha também saído do carro e vinha em minha direção, parando bem à minha frente. — Estava pensando... — ele começou a falar. — Não é bom que as pessoas desconfiem do nosso relacionamento, não acha? — Bem... não é, mas... Não há muito o que se fazer nesse caso. — Na verdade, há. — Sério? O quê? — Passar mais verdade em tudo isso. Ele se aproximou um pouco mais, parando a poucos centímetros de distância de mim, de modo com que eu conseguia ouvir o som de sua respiração. Se ele também ouvia a minha, deve

ter percebido que ela se descompassou por completo diante daquela proximidade do corpo dele com o meu. Se houvesse qualquer dúvida sobre o que ele queria dizer com aquilo, estas foram completamente dissipadas quando ele abaixou o rosto, parando com os lábios muito próximos aos meus. Tão próximos, que aquilo mais parecia uma tortura. Eu já não suportava mais de vontade de beijá-lo. — Tudo bem para você se fizermos isso? — ele sussurrou, o som de sua voz reverberando por cada célula do meu corpo. Um leve aceno de cabeça foi toda a resposta que consegui dar. Então, fechei os olhos e apenas me entreguei àquele momento. Foi como se o mundo inteiro tivesse parado de girar quando os lábios dele encontraram os meus. Deixei o caminho livre para que a língua dele entrasse em minha boca e encontrasse a minha, as duas iniciando uma dança lenta e extremamente sensual. As mãos dele deslizaram devagar pela minha cintura, e mesmo com o tecido da minha blusa impedindo o contato pele a pele, foi como se um milhão de partículas elétricas fossem descarregadas ali.

Não era a primeira vez que ele me beijava. Aliás, tínhamos feito isso várias vezes naquela noite, com o incentivo do álcool em nossas correntes sanguíneas. Porém, dessa vez, foi diferente. Por mais que fosse uma encenação, eu me permiti, por um momento, acreditar na ilusão de que existiam sentimentos ali. Ilusão esta que chegou ao fim juntamente com o beijo. De qualquer maneira, ele sorriu para mim, e eu sorri de volta, sussurramos um até amanhã e eu dei meia-volta, tentando não olhar para trás enquanto caminhava em direção à entrada do meu prédio. — Essa é uma maldita sortuda! — ouvi uma das mulheres cochichando enquanto eu passava por elas. Bem... nisso eu tinha que concordar com ela. Embora eu não soubesse se pudesse ser chamado de sorte beijar Miguel Marino daquele jeito sendo isso apenas parte de uma encenação.

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Capítulo 14

Aquilo era qualquer coisa, menos uma festa de criança. Primeiro porque dava para contar nos dedos a quantidade de crianças que havia ali. Apesar da decoração com um tema infantil, olhar ao redor me dava a impressão de estar em alguma festa beneficente organizada por milionários da terceira idade. — Só tem velho por aqui... — minha mãe reclamou logo que nós dois chegamos juntos. Como avó paterna de Alice, ela também tinha sido convidada. Mesmo que a contragosto dos anfitriões.

Chegamos tão adiantados que nem mesmo a aniversariante tinha chegado. E eu estava em uma ansiedade louca para vê-la. Logo na entrada, alguns fotógrafos pediram para que posássemos para uma foto. Sabia que apenas um deles era contratado pela família, os demais eram membros da imprensa, cobrindo a badalada festa de aniversário de um ano da neta dos Albuquerque e filha de Miguel Marino, a pequena herdeira de duas consideráveis fortunas. Aparentemente, eventos com milionários ainda rendiam bastante visualizações para sites e perfis de redes sociais de diversos veículos especializados naquele tipo de ‘notícia’. Depois de sorrirmos para a chuva de flashs disparados em nossa direção, minha mãe e eu fomos guiados por um recepcionista até a mesa reservada para nós, e minha mãe completou: — Acho que Marta e Cláudio pensaram que era uma festa para velhos como eles... — Mãe, você é da mesma idade deles. — É claro que não. Sou bem mais nova que aqueles dois. Na verdade, minha mãe tinha a mesma idade que o Cláudio e era ainda três anos mais velha do que Marta. Mas decidi não comentar a respeito.

Nós nos sentamos e eu olhei ao redor, para o quintal da enorme mansão todo decorado. Na verdade, meus olhos sempre se desviavam para a entrada, porque não era apenas Alice que eu estava esperando que chegasse. Parecendo ler os meus pensamentos, minha mãe comentou: — Por que você não buscou a Camila em casa? Um absurdo ela vir sozinha. — Foi ela que me pediu para eu vir antes e encontrá-la diretamente aqui. Ela vem direto do serviço. Minha mãe fez uma expressão horrorizada. — Colocou sua própria noiva para trabalhar em um sábado, Miguel? — Não, mãe. Não é na empresa. Aos sábados ela ajuda a avó na livraria da família. — Ah, sim. Lurdes me contou sobre a livraria, e disse mesmo que Camila a ajuda muito. É uma menina tão trabalhadora, não é? A última frase, dita em um tom de admiração, fez com que eu me recordasse dos comentários que Camila vinha recebendo dos colegas de empresa. Confesso que, durante todo o planejamento daquela nossa farsa, eu em momento algum pensei que ela

pudesse ser julgada daquela forma. Por isso mesmo, decidi sondar o que minha mãe pensava a respeito. — Desde que a conheceu, você chegou em algum momento a vê-la como uma interesseira, mãe? Novamente, uma expressão de horror tomou as feições da minha mãe. — É lógico que não. Alguém disse um absurdo desses? — As pessoas na empresa, e até mesmo algumas vizinhas dela, ficam comentando que ela estaria comigo por interesse. — Abutres invejosos! Foi a mesma coisa quando eu comecei a namorar o seu pai. Eu vim de uma família de classe média, e as pessoas ficavam dizendo que eu queria dar um golpe no milionário. Quem dera fosse essa a minha intenção, eu teria sofrido muito menos com os chifres que ele me colocou. O problema é que eu amava de verdade aquele infeliz. Um garçom passou, carregando uma bandeja com copos de bebidas não alcoólicas, e minha mãe se apressou em pegar um e beber, visivelmente tentando disfarçar a própria emoção. A verdade é que, de fato, minha mãe sempre amou o meu pai. Ele provavelmente não a amava da mesma forma, porque, se a

amasse, não a teria feito sofrer da forma que fez. Eu amava o meu pai. Mas o amava como figura paterna, apenas. Era difícil admitir, mas não sentia muito orgulho de como ele era enquanto homem, enquanto marido. Pela primeira vez, pensei que não queria que Alice viesse a no futuro se sentir dessa forma com relação a mim. — Camila é uma ótima menina — minha mãe voltou a falar. — Espero que você nunca a faça sofrer como o seu pai fez comigo. Meu primeiro ímpeto foi o de responder de imediato que eu não faria, de forma alguma. Contudo, logo me corrigi mentalmente, me lembrando que eu não tinha como fazer aquilo com ela. Porque nós não estávamos juntos de verdade. Nosso casamento não chegaria sequer a se concretizar. Por qualquer razão, pensar a respeito daquilo me trouxe uma sensação estranha, como se um bolo tivesse se formado no meu estômago. Um som de risadas infantis chamou a nossa atenção e voltamos nossos olhos para um pequeno playground, onde meia dúzia de crianças brincavam. Uma garotinha de uns três anos subia sozinha as escadas de um escorregador e fez uma pose de

corajosa quando chegou lá em cima, mesmo sendo um brinquedo baixo apropriado para o tamanho dela. Isso me fez sorrir, pensando no quanto eu queria ensinar aquelas pequenas coisas à Alice. Minha pequena menina havia perdido a mãe, ainda com pouquíssimo tempo de vida. O pouco que convivi com Andreza não me deixavam ter noção de se ela seria ou não uma boa mãe. Mas isso, obviamente, não queria dizer muita coisa. Ela provavelmente, se tivesse me conhecido melhor na época, teria toda a certeza do mundo de que eu tinha tudo para ser um péssimo pai. Mas saber da existência de Alice me mudou, e provavelmente tinha mudado também muito em Andreza. Mas de uma coisa eu tinha certeza, consegui perceber apenas em alguns e-mails trocados: Andreza amava sua filha e queria que ela tivesse um pai. Eu seria esse pai. Nada me impediria disso. — Filho... — a voz da minha mãe chegou aos meus ouvidos, mas segui olhando para as crianças. — Eu nunca tive falsa modéstia, e sempre achei que você poderia encontrar uma moça bonita, mas nunca nenhuma que fosse tão linda quanto você. Mas acho que me enganei, viu?

Virei meu rosto em direção a ela e percebi que ela mantinha os olhos fixos na entrada da mansão. Voltei-me para lá, entendendo de onde tinha vindo aquele comentário. E... Puta que pariu! ‘Linda’ seria uma palavra simples para se referir a Camila. Especialmente naquele momento, usando um vestido preto com as alças rendadas e os cabelos ruivos presos em um elegante coque, com algumas mechas soltas caindo sobre o rosto coberto com uma leve maquiagem. Não consegui tirar os olhos dela, completamente enfeitiçado e, para ser sincero, sendo tomado por um tesão enlouquecido. Tive um desejo súbito de puxá-la para fora daquela festa e levá-la para a minha casa, para a minha cama. Claro, isso infelizmente não seria uma opção para mim. Ela parou diante de uma mesa na entrada, provavelmente tendo que informar seu nome a uma recepcionista. Por sermos figuras já mais do que conhecidas em rodinhas da alta sociedade, minha mãe e eu tínhamos entrado direto, sem precisar passar por aquele procedimento. Mesmo porque, todos que chegavam até ali já tinham sido previamente identificados ao chegarem em seus veículos na portaria do condomínio.

Percebi que, mesmo dizendo o seu nome – que deveria fazer parte da lista, já que eu havia informado aos Albuquerque que minha noiva compareceria à festa – Camila não teve sua entrada prontamente liberada e a mulher continuou a lhe fazer perguntas. De repente, fui tomado por um ímpeto de raiva contra aqueles malditos milionários esnobes e seus rígidos e desumanos controles de segurança. Os Albuquerque eram do tipo que viviam em uma eterna paranoia achando que a qualquer momento poderiam ser alvos de um assalto, sequestro, tentativa de assassinato ou qualquer coisa do tipo. Ironicamente, a única filha deles havia morrido tão jovem, não em alguma situação como a que eles tanto temiam. Mas porque tinha saído da casa dos pais completamente transtornada emocionalmente depois de uma discussão com eles e, com isso, acabou provocando um acidente de trânsito, no qual sua vida foi arrancada. De certa forma, a única e maior desgraça de sua família havia sido provocada por eles próprios. Irritado com tudo aquilo, levantei-me e fui até lá. Quando percebeu minha presença, os olhos de Camila se voltaram em

minha direção e eu me vi subitamente paralisado, assim como ela, presos em uma troca de olhares que fez com que alguns segundos parecessem uma eternidade. Até que a voz da recepcionista chegou aos meus ouvidos, me despertando daquele transe. — Desculpe, senhorita, conferi novamente e o nome não consta na lista. Aquilo fez a minha irritação voltar, mas respirei fundo, tentando me controlar. A moça estava ali trabalhando, não tinha culpa alguma naquilo. — Deveria estar — eu afirmei, chamando para mim a atenção dela. — Camila é minha noiva, solicitei aos Albuquerque que incluíssem o nome dela. A mulher pareceu ficar tensa com aquilo. Ela me conhecia, sabia que, além de uma figura influente, eu era nada menos que o pai da aniversariante. Sendo assim, ela pediu desculpas – ainda que o erro não tivesse sido dela – e permitiu que Camila passasse. Logo que deu alguns passos adentrando o quintal, no entanto, ela não conseguiu dizer uma única palavra. Assim que se aproximou de mim, fomos cercados por uma dezena de fotógrafos.

Enquanto pediam por uma foto – que na verdade foram várias, e já estavam sendo disparadas antes mesmo que concordássemos – eles falavam sem parar sobre enfim terem uma foto de Miguel Marino com sua noiva. — Vocês podem se aproximar mais um do outro, por favor? — um dos fotógrafos pediu. Minha vontade, na verdade, era mandar aqueles idiotas à merda e eu via no rosto de Camila que ela nutria o mesmo pensamento. Contudo, isso não seria nada inteligente da nossa parte. E, para falar a verdade, fotos nossas juntos saírem em veículos de imprensa, no fim das contas, representava algo bem positivo para o meu processo. Por isso, segurei a mão de Camila e puxei-a para mais perto de mim. Ambos sorrimos para as lentes, segurando as mãos e com os ombros encostados um ao outro, como um casal de adolescentes em uma festinha de família, tentando passar uma boa impressão aos pais e mantendo um contato corporal mínimo. Os fotógrafos, logicamente, não se deram por satisfeitos com isso.

— Uma foto com um beijo seria ótimo — um deles sugeriu, tendo sua ideia de pronto aprovada pelos outros. Camila

e

eu

nos

entreolhamos,

ambos

levemente

constrangidos com toda aquela situação. Bem, na verdade, ela estava com o rosto em brasas, e o meu constrangimento era por colocá-la

naquela

situação.

Poderia

pegar

muito

mal

se

negássemos a um pedido aparentemente não simples feito a um casal de noivos. Ela esboçou um leve sorriso e movimentou levemente a cabeça em uma afirmação, como se me dizendo que estava tudo bem. Até porque, não seria a primeira vez que iriámos nos beijar. Tínhamos feito aquilo alguns dias antes, quando a levei em casa. E, bem... tínhamos feito bastante na noite em que nos conhecemos. Sendo assim, fechamos nossos olhos e aproximamos nossos rostos, unindo nossos lábios em um selinho. Era só um beijinho inocente, ainda mais do que o anterior. Mas, mesmo assim, causava reações em cada célula do meu corpo. Especialmente em uma parte muito peculiar, que eu desejava que não ficasse visível naquelas fotografias.

Mesmo com as pálpebras fechadas, deu para notar a quantidade de flashs disparados em nossa direção, e eu tinha certeza de que nem mesmo a aniversariante seria alvo de tantas fotografias. Nós dois aparentemente éramos a principal atração da festa. Nosso beijo cenográfico durou alguns poucos segundos, e logo voltei a segurar Camila pela mão, guiando-a até a mesa onde minha mãe nos esperava e deixando os fotógrafos para trás. Minha noiva falsa foi diretamente cumprimentar sua sogra que não sabia que era falsa. — Minha querida, soube que hoje também é seu aniversário, meus parabéns! — minha mãe a cumprimentou. Voltei a me sentar, olhando enquanto as duas se abraçavam. Sempre tinha achado que, se algum dia entrasse em um relacionamento

sério

com

alguma

mulher,

minha

mãe

automaticamente encontraria uma infinidade de defeitos nela, mas não foi nem de longe o que aconteceu. As duas enfim se sentaram e passaram mais alguns minutos conversando, até que minha mãe declarou, enquanto voltava a se levantar:

— Bem, eu já avistei daqui alguns conhecidos, vou lá fazer uma social, me entrosar um pouco com esse bando de velhos e deixar o jovem casal um pouco a sós. Camila respondeu de forma sincera: — Mas a senhora não é nada velha. Pronto. Com isso ela tinha, definitivamente, ganhado o coração da minha mãe, que passou gentilmente a mão pelo rosto dela, e em seguida olhou para mim. — Você realmente tem muito o que aprender com essa moça, meu filho. Dito isso, ela se afastou, indo cumprimentar alguns conhecidos que estavam a algumas mesas de distância de nós. Enfim me vendo sozinho com Camila, pude me desculpar pelo ocorrido na entrada: — Eu sinto muito por tudo isso. — Faz parte do acordo — ela rebateu. Aquela já estava se tornando a sua resposta padrão. E confesso que aquilo estava começando a me incomodar.

Nesse momento, as nossas atenções, assim como as de todos ali presentes, foram voltadas para a chegada da aniversariante, sendo trazida pelos avós. Levantei-me de imediato, pensando que o que eu queria era ir até a minha filha, pegá-la nos braços e lhe dar um abraço de feliz aniversário, mas logo notei que aquilo nem tão cedo seria possível. Os fotógrafos voaram ao redor dela como moscas atraídas por um doce, e mesmo vários convidados também se aglomeraram ao redor, causando uma cena que para muitos seria glamurosa, mas, para mim, era extremamente aflitiva. E logo percebi que Alice também sentia isso, pois logo começou a chorar, assustada com toda aquela aglomeração ao seu redor. Agindo por instinto, eu corri até lá, me enfiando no meio daquela pequena multidão. Ao chegar, praticamente a arranquei dos braços de Marta. Ela e o marido me olharam furiosos, mas tentaram se controlar para não fazerem cena diante dos repórteres. — O que pensa que está fazendo, Miguel? — Cláudio praticamente sussurrou para não ser ouvido pelas pessoas ao nosso redor.

Comecei a balançar Alice, que ainda chorava, visivelmente assustada com tudo aquilo. — O que vocês estão fazendo? — devolvi no mesmo tom de voz. — Não estão vendo que ela está assustada? O que vocês têm na cabeça? Marta rebateu: — Se você tivesse qualquer experiência com crianças, saberia que elas choram, isso é normal. — Não é nada normal. Assim como não é normal um aniversário de um ano de uma criança se tornar um evento da alta sociedade com direito a presença de imprensa e tudo mais. Cláudio rebateu: — Enquanto nós tivermos a guarda dela, somos nós que decidimos essas coisas. Tomei fôlego para responder, dessa vez sem ter certeza se iria conseguir manter o tom de voz baixo. Porém, detive-me ao perceber que o choro de Alice tinha parado e ela emitia um som desconexo, como se estivesse tentando dizer alguma coisa. Eu a olhei e percebi que seus olhinhos azuis estavam fixos em algo, enquanto ela balbuciava alguma coisa.

Segui os olhos na mesma direção, encontrando o que tomava a atenção da minha filha. Camila estava na frente da multidão, trazia duas bexigas de festa, uma em cada mão, e as sacudia diante do rosto, enquanto mandava beijos e fazia expressões faciais engraçadas. Em uma delas, Alice soltou uma deliciosa gargalhada, como se não tivesse chorado tanto há até poucos segundos atrás. E eu também sorri. Dei alguns passos até chegar em Camila e ela estendeu os braços. Alice foi para o colo dela sem pestanejar, como se já a conhecesse há sua vida inteira. Camila se afastou, indo com Alice em direção ao playground, e os fotógrafos a seguiram, disparando seus flashs e parecendo se esquecer completamente de Cláudio e Marta. Até eu teria me esquecido, se eles não seguissem a tentar arrancar a minha paz. — Quem aquela mulher pensa que é para levar nossa neta assim? — Marta questionou, olhando horrorizada para Camila. Eu a encarei, furioso. — Aquela mulher é a minha noiva. Será minha esposa e madrasta de Alice, acostumem-se com isso. Cláudio tomou a palavra:

— Acha mesmo que um casamento vai garantir a você a guarda de Alice? Você é um completo irresponsável, não tem condição alguma de criar uma criança. — Isso você terá que provar para o juiz. Mas não vão conseguir. Nem mesmo colocando pessoas para me vigiar, como fizeram com o funcionário do hotel. — Notei que eles ficaram surpresos ao perceberem que eu havia descoberto o plano patético dos dois. Quase ri diante daquilo, mas me mantive sério. — Aliás, colocar drogas na bebida de alguém é crime, acha que o juiz daria a guarda de um bebê a dois criminosos? — Não tem como provar uma acusação como essa! — Cláudio rebateu. A expressão em seu rosto foi quase uma confissão. — Ainda não tenho, mas estou correndo atrás de ter. E isso não vem ao caso agora. Vim aqui comemorar o aniversário da minha filha. Aliás, a minha noiva também está fazendo aniversário hoje. Portanto, pretendo passar a noite junto com elas duas. Com licença. Sem dar tempo para que eles sequer processassem aquelas palavras, eu me virei, caminhando devagar em direção ao playground. Conforme me aproximava, era capaz de ouvir os

gritinhos de felicidade de Alice enquanto era empurrada em um balanço para bebês. Camila fazia isso com um carinho e cuidado extremos. Ver como as duas sorriam e como se davam bem aqueceu o meu coração de uma forma que eu sequer seria capaz de descrever. Ali eu tive ainda mais certeza de que amava Alice. E tive menos certeza de que minha relação com Camila fosse puramente parte de um acordo. Havia algum sentimento em mim, com relação a ela, crescendo cada vez mais. E isso ia muito além do mero desejo físico.

-----***-----

Capítulo 15

Alice era a criança mais fofa do universo. Ou talvez eu é que fosse a adulta mais bobona do universo, com o tanto que eu já morria de amores por aquela criaturinha. Eu não sabia o que Miguel tinha dito aos avós da menina, só sei que eles nos deixaram em paz durante a maior parte da festa. Aparentemente, eles estavam muito ocupados cumprimentando outros ricaços, mas era óbvio que preferiam estar fazendo isso com a neta nos braços.

Uma forma nada animada de uma criança passar o seu primeiro aniversário. Porém, graças à seja lá o que Miguel tivesse dito a eles, tivemos algumas horas nos divertindo em companhia da Alice. Em alguns momentos, a mãe de Miguel também se juntou a nós. Ela também já estava completamente apaixonada pela netinha, embora dissesse a todo momento que preferia ser chamada de tia. Do jeito com que ela babava na menina, eu achava muito difícil que não fosse se derreter completamente quando Alice aprendesse a dizer ‘vovó’. Alice brincou tanto que, na hora dos parabéns, já estava com muito sono, por isso decidimos ir embora logo depois, ainda que a festa seguisse noite adentro. Uma babá foi buscar a menina para levá-la para dormir e Miguel deu a ela mil orientações, como o pai preocupado que era. Ele era um pai simplesmente adorável. Miguel e a mãe tinham ido em carros separados, por isso nos despedimos dela na saída da mansão e meu noivo de mentira ficou de me levar em casa. Contudo, eram ainda pouco mais de dez da noite, e ele teve uma ideia diferente.

— É seu aniversário, podíamos comemorar em algum lugar. Um restaurante ou um barzinho... A ideia era tentadora. Eu ia realmente adorar passar mais algumas horas com Miguel. — Um barzinho parece ótimo. Mas sem bebidas alcoólicas, por favor. Ele concordou com muita ênfase e seguimos até um local que ele conhecia. Era um local um pouco caro para os meus padrões, mas gostei logo de cara pelo ambiente confortável e música ao vivo. Pedimos alguns petiscos e dois refrigerantes. Nada de álcool para nós. Pela nossa própria segurança. — E então, como foi o trabalho hoje? — ele perguntou, nitidamente tentando puxar assunto. — Trabalhar na livraria é sempre bom. É meu lugar preferido no mundo. Só estou bem cansada, hoje foi puxado. — Aos sábados o movimento é maior? O movimento nunca era maior, porque ele praticamente não existia mais. E foi com um certo desânimo que contei isso a ele. Contei tudo, desde o começo. Como a livraria começou, sendo criada pela minha mãe e pela minha avó, o quanto o local tinha sido

um grande sucesso na região durante muitos anos, e sobre como as coisas estavam ficando mais difíceis nos últimos tempos. Então, contei por que o dia tinha sido tão cansativo: estávamos começando a encaixotar uma parte dos livros, porque o local entraria em obras. Foi só então que Miguel descobriu para que eu tinha utilizado os quinhentos mil do nosso acordo. E pareceu surpreso com isso. — E esse valor será o suficiente para tudo? — Deu para comprar o terreno a vista, como o proprietário exigia, para comprar uma parte do material da obra e pagar as primeiras semanas da mão de obra. Tenho algumas economias, que devem cobrir o restante. Só preciso ir devagar para que minha avó não desconfie. Ela acha que peguei um empréstimo para completar o valor da poupança e comprar o terreno. — Bem, eu sou seu noivo. Posso ajudá-las com isso. Eu ri ao deduzir o que ele queria dizer com aquilo. Era óbvio que não entraria com mais dinheiro, porque não tinha qualquer relacionamento real comigo. — Posso dizer a ela que você me emprestou o valor para pagar a mão de obra — declarei. — Uma mentira a mais, em meio a tudo isso, não fará tanta diferença.

Ele ficou sério, como se não tivesse sido exatamente aquilo que ele tinha proposto, mas não discordou. Nesse momento, a banda no palco começou a tocar e cantar uma música que eu amava e, aparentemente, Miguel também. O que, é claro, rendeu a nós mais um assunto sobre bandas e cantores que ambos curtíamos. Em poucas horas, já estávamos gargalhando juntos, como fizemos na noite do hotel. Com a diferença que, dessa vez, obviamente não rolou nenhuma proposta de transarmos, nem um pedido inusitado de noivado, nem nada parecido. Se divertir sóbrio também tinha as suas vantagens. E a maior delas, para mim, era que eu me lembraria de tudo no dia seguinte. Do quanto a companhia de Miguel era divertida, e do quanto ele me fazia me sentir completamente solta e leve. Falei alguns palavrões como tinha falado quando bêbada, sem me preocupar em ser a neta certinha, ou a aluna certinha, ou a funcionária certinha. Ser certinha o tempo todo era muito cansativo. Sentia que, com Miguel, eu era capaz de ser completamente eu.

— Que tal um brinde? — ele propôs. — Apenas um, não nos fará mal. Bem, ele tinha razão. Uma única dose de álcool não seria ruim. Portanto, aceitei, e pedimos dois drinks, que chegaram em alguns minutos, sendo trazido por um garçom diferente do que vinha nos servindo até então. Brindamos ao meu aniversário e ao de Alice. E à felicidade de nós três. Nós três... Era uma pena que isso jamais chegaria a existir. Terminávamos nossas bebidas quando um homem chegou à nossa mesa, com um comunicado um tanto inusitado. — Com licença... Por acaso é de vocês a BMW estacionada aí na frente? Mesmo tomando tão pouco álcool, eu quase gargalhei com a pergunta, de tão inusitada que era para mim. Nunca imaginei que algum dia alguém me perguntaria se um BMW poderia pertencer a mim. Porém, pertencia ao meu acompanhante. O que ele informou ao homem, que completou:

— É que ele está atrapalhando a saída do meu carro. Poderia chegá-lo um pouco mais para frente para que eu possa sair? — Droga de lugar sem manobristas... — Miguel resmungou. Revirei os olhos. Ai, os problemas de gente rica... Mesmo que a contragosto, Miguel decidiu que ele próprio teria que tirar o carro e me pediu para esperar por ele, enquanto saía, sendo seguido pelo outro homem. Eu o segui com os olhos, não conseguindo evitar fazer o que sempre fazia quando o via se afastar: dar uma boa focada naquela bunda maravilhosa. — Diacho de perdição... — murmurei. Cheguei a inclinar a cabeça para o lado para conseguir ter uma visão melhor daquela belezinha, até que Miguel saiu do bar. Tomei o último gole da minha bebida, sentindo como se eu estivesse ficando cada vez mais fraca para o álcool. Tinha sido apenas um drink, mas eu sentia a minha cabeça um pouco pesada. Percebi que alguém se aproximava da minha mesa e levantei a cabeça. Uma vertigem me atingiu de jeito e, quando olhei para o rosto do homem que havia parado ao lado da minha mesa, tudo o que enxerguei foi um borrão.

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Enquanto caminhava pela calçada em direção ao local onde meu carro estava estacionado, na rua lateral do bar, fui recapitulando partes daquela noite que, para mim, já era uma das melhores da minha vida. Há até muito pouco tempo atrás, eu acharia patético alguém dizer algo assim com relação a um aniversário de criança, seguido por algumas horas em um barzinho tomando refrigerante e tendo uma conversa sem qualquer conotação sexual com uma mulher. Mas era esse o estágio de vida adulta no qual eu tinha chegado. Comemorar o primeiro ano de vida de um filho era algo que eu não fazia ideia de que fosse tão significativo até viver aquilo na pele.

Alice estava crescendo rápido. Na primeira vez em que a vi, ela era só um pacotinho, mal conseguia segurar meu dedo indicador usando sua mãozinha inteira. Agora, ela já ficava em pé sozinha e dava alguns passos sem necessidade de apoio, já balbuciava algumas palavras e imitava alguns sons (os de um cachorro eram os favoritos dela, o que me deixava ansioso pelo dia em que ela poderia conhecer o Apolo). Era mágico perceber tudo isso e poder, mesmo que de forma ainda distante, acompanhar o crescimento daquela coisinha que era uma parte de mim. Mas confesso que aquela noite tinha sido ainda melhor pela presença de Camila. O carinho e o cuidado que ela tinha com a minha filha eram algo que sem dúvida alguma mexia com o meu coração. Em alguns momentos eu me pegava pensando que, se nosso noivado fosse mesmo real, Alice seria uma garotinha de sorte tendo uma mulher como Camila como sua segunda mãe. Aliás, a quem eu queria enganar? Não era só Alice que teria sorte. Eu seria um filho da puta sortudo se tivesse aquela mulher ao meu lado em todos os momentos. Não apenas me ajudando a criar a minha filha, mas dormindo e acordando comigo todas as noites.

Sendo minha todas as noites. Estava se tornando a cada dia mais forte o meu desejo de poder explorar o corpo dela com minhas mãos, língua e lábios e de me enterrar dentro dela com força, ouvindo-a gemer o meu nome. Mas não era apenas isso. Camila era uma perdição em forma de mulher, mas existiam outras mulheres bonitas no mundo, e muitas dispostas a uma noite de prazer em minha cama. Mas existia algo em Camila que ia além da mera expectativa de luxúria. Eu amava o senso de humor dela. A inteligência e perspicácia dela. A forma como era sincera em suas opiniões. O jeito esforçado de correr atrás de seus sonhos e objetivos e de cuidar da avó que tanto amava... Eu amava conversar com ela, seria capaz de passar horas, dias inteiros fazendo isso sem sentir tédio nem por um breve segundo. Eu amava o seu sorriso, a sua pureza... tanto de corpo quanto de sentimentos. Eu amava coisas demais naquela mulher. E era a primeira vez na vida que me sentia dessa forma. E isso era um tanto assustador.

Fui arrancado dessas divagações quando entrava na rua lateral do bar, passando por um trecho um tanto escuro por conta de uma lâmpada quebrada em um poste. Dali, visualizei o meu carro e veio a surpresa ao constatar que ele não impedia a saída de nenhum outro, simplesmente porque não havia nenhum veículo nas vagas ao lado. Isso acendeu em mim um alerta, ao mesmo tempo em que olhei para o chão e vi, embora fraca pela iluminação precária, a sombra do homem que me seguia fazendo um movimento súbito erguendo algo em mãos. Consegui me virar rapidamente, usando as duas mãos para deter o objeto que vinha em direção à minha cabeça, que agora eu constatava se tratar de uma barra de ferro. Percebi no rosto do sujeito um aparente desespero de quem não esperava por uma reação. Eu tinha, durante anos da minha vida, praticado Muay Thai, e mesmo estando parado há uns dois ou três anos, ainda me mantinha frequentando a academia e mantendo minha boa forma física. Sabia que, em algum momento da minha vida, aquilo ia me ser útil.

Segurando a barra de ferro com as duas mãos, apoiei-me em uma das pernas, usando a outra para desferir um chute certeiro no abdômen do cara, que com isso foi jogado para trás e por pouco não caiu. Fui andando em direção a ele e estava em plena vantagem agora. Porém, não era uma porra de um covarde como ele, por isso joguei a barra de ferro longe. Usaria apenas as mãos para dar uma lição naquele infeliz. Imaginava que ele fosse tentar ainda um contra-ataque, já que meu primeiro pensamento era que sua intenção fosse me assaltar ou coisa parecida. Contudo, ele apenas se virou e, assustado, saiu fulgindo, correndo como um rato. — Volta aqui, seu filho da puta! — gritei. Ainda iniciei uma corrida atrás dele, mas parei em poucos metros, quando um alerta foi aceso em mim. E se a intenção não fosse fazer algo contra mim, mas deixar Camila sozinha e alguém tentar algo contra ela? Tomado pelo desespero daquela possibilidade, eu dei meia volta e segui correndo, fazendo o caminho de volta até o bar. Logo

que entrei lá, meu pavor foi multiplicado ao perceber que a mesa que eu antes dividia com Camila agora estava vazia. Comecei a percorrer os olhos por todo o local, até enfim avistá-la. Próximas ao palco, algumas pessoas dançavam ao som das músicas tocadas pela banda e, em meio a elas, eu reconheci os cabelos ruivos de Camila. Contudo, ela não estava dançando, e sim andando pelo local em direção à outra saída que ficava do lado oposto do bar. Observando melhor, consegui ver que ela não estava sozinha. Havia um homem ao seu lado, abraçado a ela, com uma das mãos em sua cintura, parecendo guiá-la para algum lugar. O primeiro alerta ligado em mim foi algo que eu nunca tinha sentido antes com aquela intensidade. Senti um ódio profundo por aquele homem estar com as mãos imundas tocando Camila, algo que reconheci como ciúmes. Porém, isso logo foi substituído por outro alerta ainda mais forte. Soube que Camila estava em perigo. Praticamente voei em direção a ela.

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Capítulo 16

Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Sentia como se meu corpo flutuasse e se movesse independente da minha vontade. Começou quando eu ainda estava na mesa, esperando pelo retorno de Miguel. Alguém – um cara que eu não conhecia – me pediu para acompanhá-lo e... eu obedeci. Eu simplesmente obedeci, sem contestar ou fazer perguntas. Não sabia para onde ele estava me levando, mas meus pensamentos estavam tão desconexos que eu não sentia preocupação, medo... nem nada, para falar a verdade. Eu apenas caminhava, sendo guiada por ele. Os sons da música e das vozes

das pessoas ao meu redor foram se tornando um mero ruído sem sentido aos meus ouvidos. Se eu pudesse descrever, eu diria que era como se minha alma não estivesse mais em meu corpo. De repente, nós paramos. O homem que me guiava parou, na verdade. Ou, melhor dizendo: foi parado por algo. Ou por alguém. Os sons ao meu redor se tornaram diferentes. Consegui identificar que a música havia parado, e agora ouvia o barulho de gritos e de coisas sendo quebradas. Fechei os olhos por um momento e respirei fundo, mas logo percebi que aquilo foi um erro, pois o peso em minha cabeça e a sensação de sono quase me fizeram apagar de vez. Voltei a abrir as pálpebras e sacudi a cabeça. O que era aquilo que estava acontecendo comigo? Virei o rosto para trás e me deparei com um grande tumultuo. Aparentemente, dois homens lutavam, enquanto as pessoas ao redor tentavam separá-los. Esfreguei as pálpebras e olhei melhor. Na realidade, um homem só socava e o outro até tentava se defender, mas apenas

apanhava, enquanto o povo tentava evitar que um assassinato acontecesse. Aquilo devia ser algum tipo confuso de sonho. Mesmo porque, eu nunca fui uma garota que chegasse sequer perto de uma confusão como aquela. Após alguns instantes, reconheci um dos homens da confusão. O que batia, aliás. Apenas consegui me focar em seu rosto quando outros quatro homens se juntaram para conseguir segurá-lo, enquanto o outro já estava caído no chão com a cara toda sangrando. Era Miguel Marino. Que coisa... ele não podia bater em alguém daquela forma. E a imagem de bom homem dele? E a limpeza de sua fama? Tudo iria por água abaixo E tive ainda mais certeza disso quando consegui reconhecer um som estridente que chegava aos meus ouvidos. Era uma sirene policial. — Camila! Camila! — os gritos de Miguel pareceram despertar um pouquinho o meu cérebro. Ele me olhava de uma forma meio desesperada. Estava preocupado comigo? Ué, mas nem

tinha sido eu que tinha apanhado... — Você está bem, Camila? Fala alguma coisa comigo! — Eu... — consegui responder com a voz muito mais lenta que o normal. Falar alguma coisa? O que eu deveria falar? — Que bom que isso tudo é só um sonho, né? A partir dessa fala, eu já não me lembrei de mais nada.

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A sorte daquele filho da puta foi terem chamado a polícia. Porque foi isso que o permitiu continuar vivo. Mas, por outro lado, este também foi o azar dele. Porque ele não se safaria da justiça tão fácil assim.

No caminho para a delegacia, liguei para Janete, e ela foi correndo até lá para salvar a minha pele. E a minha reputação. E também para me ajudar com Camila, que adormeceu ainda a caminho da delegacia, e seguiu dormindo mesmo quando parecia desperta o suficiente para andar, sendo guiada por mim, até uma cadeira, onde se sentou e voltou a apagar. Janete e eu nos revezamos em cuidar dela enquanto fazíamos todo o procedimento. Para o meu alívio, Janete conseguiu me livrar da acusação de lesão corporal, já que a legítima defesa foi comprovada. O covardão ficou tão assustado na presença do delegado que acabou confessando tudo. Assumiu que colocou uma droga na bebida de Camila e tentou sair com ela de lá. A intenção, segundo ele, era de fazer com que, ao retornar, eu não a encontrasse no bar. Um sujeito tinha sido pago por ele para dizer para mim que tinha visto minha noiva saindo com um cara que disse que ia para um hotel em frente ao bar. Eu deveria ir até lá e pegar os dois no flagra, mas, ainda que eu não fosse, ele tiraria fotos dele com Camila e enviaria para a imprensa. Saber dos detalhes sórdidos daquilo me fez, novamente, sentir um desejo quase incontrolável de esmurrar aquele infeliz até matálo.

O procedimento correto seria Camila fazer um exame toxicológico para comprovar que tinha ingerido o sedativo, mas Janete conseguiu, com seu jeito persuasivo, fazer com que essa burocracia fosse deixada de lado, já que, além do cara ter confessado tudo, um homem do bar que tinha nos acompanhado até lá contou que tinha visto quando o filho da puta colocou algo na bebida de Camila. Fora isso, um frasco com a droga foi encontrado no bolso dele. Já havia provas suficientes. Isso, claro, junto ao depoimento que Camila conseguiu dar, que se resumiu a frases como “O que é que tá rolando?”, “Preciso colocar a comida do Tapioca” e “Vocês não acham que ele tem uma bundinha muito sexy?”. Eu realmente esperava que essa última frase fosse com respeito a mim. Porém, o cara não disse absolutamente tudo o que precisava ser dito. Ele afirmou que fez tudo isso por conta própria, disse que não gostava de mim pelas notícias que lia a meu respeito e queria ferrar com a minha vida. Mas eu, obviamente, sabia que aquilo era tudo mentira. Ele tinha feito aquilo sob as ordens de alguém. Certamente de Marta e Cláudio.

— Você se safou por pouco... — Janete comentou comigo, depois que estávamos, enfim, liberados. O criminoso dos infernos tinha sido levado para um hospital e, de lá, iria direto para a cadeia. — Quase matou o cara, Miguel. Entendo que ficou furioso, mas se fosse preso por homicídio você não veria sua filha nunca mais na sua vida. Aquele argumento foi um baque para mim. Eu realmente estive a ponto de fazer a maior merda da minha vida. — Não consegui me controlar, Janete. Ele estava levando a Camila sei lá Deus para onde, dava para ver pelos passos dela que ela não estava bem. — Pobre garota... — Ela olhou para Camila, que dormia encolhida em uma cadeira, enrolada ao meu casaco. — Olha a situação em que você a colocou. — A situação em que Marta e Cláudio nos colocaram. Nós certamente também fomos drogados naquela noite na festa da empresa. Tentaram o mesmo método de novo, mas dessa vez certamente em uma dosagem mais forte. — O problema maior é conseguirmos provar isso. Se tivéssemos uma mísera prova, você conseguiria facilmente a guarda

de Alice. — Será que não tem chance desse cara abrir o bico? — Ele deve ter sido muito bem pago para ficar calado. Bem, pelo menos você escapou de mais essa. Apenas torça para que ninguém no bar tenha filmado você dando uma surra no infeliz. — Se filmaram, eu tenho toda a história real para provar que foi em legítima defesa. — Você já provou para a polícia. A opinião pública não é tão fácil assim de se convencer da inocência de alguém. Bem, mas não vamos nos preocupar precipitadamente pelo que ainda não aconteceu. Melhor você levar a moça em casa, e também ir para a sua descansar. E eu vou fazer o mesmo. Preciso te dizer uma coisa, garoto: seu pai me deu muito trabalho. Mas nunca me tirou da cama no meio da madrugada de um final de semana para me fazer ir para uma

delegacia.

Escolhi

trabalhar

com

Direito

Empresarial

exatamente para não ter que passar por esse tipo de situação. — Eu fico te devendo essa, Janete. Mais essa. — Pode ter certeza de que eu vou cobrar. Boa noite e me manda notícias amanhã.

Ela podia reclamar, mas eu sabia que estava preocupada comigo. Janete era meio mãezona, do jeito dela – que era bem diferente do da minha própria mãe, mas igualmente acolhedor ao seu modo. Ela foi embora e eu caminhei até a cadeira onde Camila estava. Parecendo sentir a minha aproximação, ela abriu as pálpebras, sonolenta, e olhou ao redor de forma curiosa. — O que está acontecendo? — ela perguntou, completamente grogue. — Onde é que a gente está? Pensei na covardia que era alguém fazer aquilo com uma mulher.

Ela

estava

completamente

indefesa.

Alguém

mal-

intencionado poderia fazer qualquer coisa com ela sem ter qualquer reação. — Amanhã eu te conto tudo com calma. Como está se sentindo? — Com sono... — Imagino. Não posso te levar para casa desse jeito, dona Lurdes vai ficar preocupada e não tenho como contar a ela o que aconteceu. Além disso, amanhã você vai acordar completamente

confusa e é bom que eu esteja perto para te explicar o que aconteceu. — Certo... — Vou ligar para a sua avó e dizer que você vai passar a noite na minha casa, tudo bem? — Tudo bem... — Amanhã eu te levo para casa, tá? — Tá... — ...Você não entendeu uma única palavra do que eu falei, não é? — É... Eu ri, pensando que Camila era divertida até mesmo de forma completamente involuntária. Ela voltou a fechar os olhos e meu coração pareceu ter sido dilacerado em um liquidificar ao ver a forma como ela estava e tudo o que havia passado por minha causa. Não quis acordá-la, por isso, peguei-a em meus braços e a levei para o meu carro. Consegui abrir a porta do lado do carona e a coloquei sentada no banco. Precisei me debruçar sobre o corpo dela para pegar o cinto de segurança e aquela proximidade trouxe

reações bem inapropriadas a uma determinada parte do meu corpo. O cheiro dela me inebriava e me deixava completamente louco. Porém, é claro, não era o momento de eu ter tais sensações. Afivelei o cinto dela e comecei a me levantar, mas a mão dela tocou levemente o meu peito e, quando fitei o seu rosto, percebi que estava novamente acordada. — Ei, Miguel, você me salvou, não foi? Sei que não era proposital, mas o tom de voz sussurrado dela não ajudou muito na reação daquela parte tão estimada do meu corpo. Senti-o ainda mais duro. Xinguei-me mentalmente, tentando agir com naturalidade na resposta. — É, foi algo tipo isso. Eu não concordava totalmente com a afirmação de que eu a tinha salvado, tendo em vista que ela não estaria naquela situação caso não estivesse comigo. — Eu não entendi o que estava acontecendo... — ela declarou, ainda me olhando nos olhos. — Sabia que havia algo errado, mas estava tão confusa...

— Eu imagino, querida... — a última palavra saiu de forma automática. — Você deve ter ficado muito assustada, não foi? — Na verdade, não. Eu não senti medo nenhum. De alguma forma, era como se eu soubesse que você chegaria para me salvar. — Não deveria ter tanta fé em mim, Camila. Lembra que eu sou apenas um playboy irresponsável e mulherengo? Ela movimentou a cabeça em uma negação. — Você era assim, mas não é mais. Você mudou... e continua mudando... pela sua filha. — Bem... eu tenho tentado... e você tem me ajudado muito nisso. — Eu posso te pedir um favor? — Qualquer coisa. — Eu quero um beijo. Não como o de hoje na festa, mas um de verdade, como os do dia em que nos conhecemos. Cacete! Aquela mulher não deveria me provocar daquela forma. — Acho melhor deixarmos para outro dia, Camila. Amanhã você nem vai se lembrar de que isso aconteceu.

— Mas vou saber no momento em que estiver acontecendo. Por favor... Ela enroscou os braços ao redor do meu pescoço e me puxou para mais próximo. Ela sabia ser insistente, mas não tinha tanta força assim naquele estado. E esse era mais um motivo para eu saber o quanto seria errado fazer aquilo. Por isso, antes que nossos lábios se tocassem eu subi o meu rosto, depositando um beijo demorado na testa dela. Não tinha sido, nem de longe, o que ela esperava, tampouco como os beijos da noite em que nos conhecemos. Foi bem diferente. Mas, para mim, muito mais significativo. Porque agora ela não era mais uma garota enchendo a cara comigo em uma festa. Ela era a garota que eu queria proteger de todo e qualquer mal. Ela soltou um suspiro e achei que fosse reclamar. Porém, ela disse algo que eu de forma alguma esperava ouvir: — Miguel Marino... Acho que estou apaixonada por você. Tomado de surpresa por aquela declaração, eu me afastei bruscamente, voltando a olhá-la no rosto. Ela já havia voltado a fechar os olhos e, ao que tudo indicava, tinha novamente adormecido.

Passei a mão em seu rosto, afastando os fios de cabelo que caíam por ele. Então, respondi, também com a voz sussurrada: — E eu tenho certeza de que sinto por você algo que nunca senti antes por ninguém. A mim parecia certo que ‘paixão’ era, realmente, o nome daquilo. E isso era, ao mesmo tempo, assustador e maravilhoso.

-----***-----

Capítulo 17

Eu já devia estar começando a me acostumar com aquela coisa de acordar em uma cama que não era a minha, sem fazer qualquer ideia de como eu tinha ido parar ali. E, novamente, assim como da outra vez, eu tinha Miguel como companhia nisso. Só que, agora, ele não estava dormindo como na ocasião anterior, além de estar devidamente vestido, embora de forma mais despojada do que nos ternos que eu estava acostumada a vê-lo. Ainda deitada na cama desconhecida, eu levantei o edredom branco que me cobria, dando uma checada no meu próprio corpo. Graças a Deus, eu estava vestida!

— Bom dia — Miguel me cumprimentou. Ele estava sentado em uma poltrona próxima à cama, me observando enquanto bebia algum líquido quente em uma caneca. — Está tudo bem, mas imagino que deva estar confusa, então estou aqui para responder a todas as suas perguntas. Que merda era aquilo? Eu não fazia ideia de que tipo de pergunta eu deveria fazer. Assim como na noite da festa da empresa, havia um vão nas minhas memórias. Só que, dessa vez, de forma ainda mais profunda. Não existiam sequer flashs de lembranças como na outra vez. Era como se eu tivesse simplesmente desaparecido da mesa do bar e surgido ali, naquela cama de lençóis brancos, naquele quarto de paredes e cortinas brancas, de frente para aquele homem que mais parecia um anjo de tão lindo. — Eu por acaso morri? — e essa foi a única pergunta que eu consegui elaborar. Por um instante completamente insano, ela fez sentido na minha cabeça. Não fez para Miguel, obviamente, porque ele pareceu travar por alguns instantes, depois piscou, confuso e, por fim, explodiu em

uma gargalhada. Acho que ele não reagiria daquela forma se fosse um anjo recepcionando minha alma no paraíso, e isso devia ser sinal de que eu estava viva. — Ninguém morreu por aqui, Camila. Em primeiro lugar, fique tranquila, você está na minha casa. Liguei para a sua avó ontem à noite disse a ela que você iria dormir aqui. — Disse para a minha avó que eu ia dormir na sua casa? — Eu sabia que eu já era uma mulher adulta, que estávamos no século XXI e que seria completamente ridículo ter pudores de passar a noite com o meu suposto noivo. Mas era a primeira vez na vida que eu passava pela situação de a minha avó ser informada disso. — Meu Deus, o que ela deve estar pensando de mim? — Na verdade, as palavras dela foram ‘aproveitem bem, meus queridos!’. Senti-me engasgar, embora não estivesse comendo nada. — Ela disse isso? — Disse. Depois de conversarmos por uns vinte minutos. Ela falou sobre o quanto está feliz por você ter encontrado um ‘bom rapaz’, e... — Ele suspirou, colocando a caneca na mesinha ao lado.

— Pediu para que eu cuidasse bem de você. Eu me senti muito mal por não estar fazendo isso da forma certa. O que ele queria dizer com aquilo? Certamente deveria ter alguma relação com a situação que me levou a ter que ir para a casa dele. Para a casa dele... E para a cama dele, ao que tudo indicava. Certo, essa já era a segunda vez em pouco mais de um mês que eu vivia a situação de me sentir desesperada achando que tinha perdido a minha virgindade sem me recordar de absolutamente nada depois. Na primeira, tinha sido apenas um engano. E agora? — Alguma coisa aconteceu entre nós? — perguntei, sendo direta. — Novamente, você apenas dormiu, pode ficar tranquila com relação a isso. Balancei a cabeça em concordância, embora uma parte meio louca de mim achasse uma pena ter desperdiçado uma bebedeira com perda total da inibição para transar com aquele homem maravilhoso.

Espera... Bebedeira? Mas eu havia tomado apenas um drink, nada além disso. — Por que eu não me lembro de como vim parar aqui? — perguntei, confusa. — Na verdade, a última coisa que me recordo é que um homem veio te pedir para tirar o seu carro que estava atrapalhando a saída do dele, e você me pediu para esperar. Depois disso eu não consigo lembrar de nada. — Nada além disso? — Absolutamente nada. Não sei se foi impressão minha, mas ele pareceu um pouco chateado, como se houvesse algo naquela noite que ele quisesse que eu me recordasse. Porém, ele não insistiu e apenas me contou: — Não tinha carro nenhum, era uma armadilha. O cara tentou me acertar com uma barra de ferro, mas fui mais rápido que ele e consegui colocá-lo para correr. — Meu Deus! E você se machucou? — Não. Isso foi o de menos. — Ele te roubou alguma coisa? — Não, essa não era a intenção dele. Era uma armadilha para te deixar sozinha. Tinha outro cara no bar que conseguiu colocar

uma droga no seu drink. Deve ter feito efeito logo que eu saí e te deixei sozinha. Travei completamente por alguns instantes, em pânico com o que aquilo poderia significar. Parecendo ler os meus pensamentos, Miguel me tranquilizou: — Calma, não chegaram a fazer nada contra você. O cara tentou sair com você do bar. Mas eu consegui chegar a tempo. A gente terminou a noite na delegacia, ele confessou tudo e foi detido. — E o que ele pretendia fazer? — questionei, sentindo o meu coração acelerar devido ao pavor das possibilidades de respostas. Miguel não se mostrou muito confortável em ter que me contar aquilo, mas o fez mesmo assim: — Segundo ele mesmo contou, a intenção era te levar a um hotel ali em frente e tirar algumas fotos comprometedoras com você para mandar para a imprensa. Outro sujeito no bar recebeu um dinheiro dele para, assim que eu retornasse depois de me recuperar da pancada, vir até mim e contar que minha noiva tinha ido com um cara para o hotel ali em frente. A ideia seria eu dar um flagra em uma

suposta

traição

sua

e

terminarmos

o

noivado.

Mas

provavelmente contaram com a possibilidade de eu decidir por não

terminar por conta do processo, e aí eles teriam as fotos como trunfo. Seria um novo escândalo para Miguel Marino e com isso minhas chances de ganhar a guarda de Alice seriam reduzidas. Eu não sabia nem por onde começar a recapitular todo aquele enredo para poder ordenar tudo o que eu sentia naquele momento. Era medo, junto à raiva, junto ao nojo, junto a um sentimento de gratidão por nada de pior ter acontecido. — Ele foi preso? — foi a primeira coisa que consegui perguntar. Ficava apavorada com a possibilidade de aquele homem voltar a tentar algo. — Na verdade, primeiro ele foi levado para um hospital, mas deve ter recebido os cuidados necessários e logo deve ir direto para a prisão. — Hospital? Por quê? — Talvez eu tenha batido um pouco nele. — ‘Um pouco’ quanto? — O suficiente para não precisarmos nos preocupar com ele fugir do hospital. O miserável mal conseguia andar. Notei um meio sorriso de satisfação no rosto de Miguel quando ele contou aquilo. Confesso que eu não o condenava por isso.

Gostava da ideia de o idiota ter se dado mal. Só então foquei em outro fato importante: Miguel tinha feito aquilo para me proteger. — Como você está? — ele perguntou. Sua voz perdeu o ar leve que mantinha até então, agora se mostrando um pouco angustiada. Fui sincera na resposta: — Como se tivesse sido atropelada por dez tratores, cinco tanques de guerra, dois trios elétricos e um rolo compressor. — Sincera e específica. — A sensação é a mesma da ‘ressaca’ do dia depois da festa da empresa? — Estou sentindo as mesmas coisas, mas muito pior. — Imaginei. Acho que isso encerra as nossas dúvidas de que alguém nos drogou naquele dia. Como agora provavelmente queriam que fizesse efeito mais rápido, te deram uma dose maior. — Será que demora muito para esse efeito passar? Ele se levantou e apanhou a caneca na mesinha, enquanto informava:

— Como imaginei que você estaria assim, já me adiantei falando ontem para a dona Lurdes que você irá passar o dia aqui comigo. Falei que vamos aproveitar o domingo juntos para decidirmos algumas coisas para o casamento. Pode ficar tranquila e descanse o quanto quiser, eu te levo para casa de noite. Concordei, sabendo que, naquele estado, eu não teria como fingir para a minha avó que nada havia acontecido. Miguel continuou: — No banheiro tem toalhas limpas, sabonete, escova de dentes nova e o que mais você precisar. Minha mãe às vezes dorme aqui em casa e sempre deixa algumas peças de roupa, então separei algumas para você. É um pijama e é meio brega, mas ela tem mais ou menos a sua altura, então deve servir para você passar o dia mais confortável. — Obrigada — falei, me referindo não apenas às toalhas ou ao pijama, mas por tudo. Por ter me salvado e por estar cuidando de mim. O ar cansado no rosto dele denunciava que pouco havia dormido naquela noite. Ele balançou a cabeça, como se não estivesse à vontade com os agradecimentos.

— Na realidade, eu é que te devo um pedido de desculpas por tudo. Mas depois conversamos sobre isso, vou providenciar um café da manhã para você. Encontro você lá embaixo, fique à vontade. E, sem que desse tempo para que eu respondesse qualquer coisa, ele saiu do quarto apressado. Eu ainda fiquei algum tempo ali sentada, recapitulando tudo o que ele tinha me contado e a sua reação. Entendi que ele se sentia culpado por tudo aquilo, mas a verdade é que a culpa era de pessoas ruins como aqueles Albuquerque. Com certeza tinha sido mais uma armação deles. Miguel era uma vítima de tudo aquilo, não o culpado. Por fim, levantei-me e fui para o banheiro da suíte onde fui instalada. Tomei um banho demorado, não por uma mera busca por relaxamento, mas porque meus movimentos ainda estavam lentos demais. Vesti as roupas separadas para mim e, ao me olhar no espelho, ri pensando que Miguel tinha razão: eram meio bregas, de um

jeito

espalhafatoso.

Terrivelmente

rosa,

decorado

lantejoulas ou sei lá que nome eu deveria dar àqueles brilhos. Minha sogra, definitivamente, era uma figura.

com

Espera... Como assim minha sogra? Ela era mãe de Miguel, apenas isso, nada minha. Meu noivado com ele era uma mentira, e eu precisava manter isso bem claro em minha mente. Saindo do banheiro, senti meu estômago reclamar de fome e pensei que a ideia de descer e tomar o tal café da manhã que Miguel tinha ido providenciar para mim seria muito bem-vinda. Abri a porta do quarto na intenção de sair, quando fui atacada por uma criatura ensandecida. Um verdadeiro lobo selvagem. Gritei, apavorada, enquanto era jogada no chão.

-----***-----

Estava sentado diante da mesa na sala de jantar, aguardando por Camila, quando ouvi um grito apavorado vindo do andar de

cima. Levantei-me subitamente e corri o mais rápido que conseguia, no caminho escadaria acima pensando nas mais diversas possibilidades para o que estaria acontecendo. Preparei-me psicologicamente para todo tipo de emergência, para defendê-la de qualquer tipo de ataque. Mas não daquele. Definitivamente, não era aquela cena que eu imaginava encontrar. Camila estava caída no chão do corredor. Sobre ela, um husky siberiano abanava o rabo e lambia o seu rosto, em uma nítida tentativa de chamá-la para brincar. Enquanto isso, Camila chorava e gritava por socorro. Precisei de uma pausa de alguns segundos para normalizar meus batimentos cardíacos acelerados por conta do susto que ela me deu Só então consegui ter a reação que a situação me pedia: fui salvá-la das garras de Apolo. Logicamente, gargalhando enquanto fazia isso. — Sai daí, garoto, a Camila não quer brincar com você — falei enquanto o puxava.

Meu cão logo pareceu compreender aquilo e se afastou, sentando-se ao meu lado e olhando curioso para aquela mulher que se mantinha caída no chão. — Já está salva, Camila. Pode se levantar. Ela abriu os olhos e ergueu o tronco do chão, arrastando-se um pouco para trás em uma tentativa de ficar ainda mais longe de Apolo. — O seu cachorro me atacou! — ela gritou, histérica. — Apolo não ataca nem uma mosca. Ele só quis brincar com você. Ela não respondeu, e eu imaginei que estivesse pensando a respeito do que tinha acontecido e concluindo que não tinha levado nem uma mísera mordida do cachorro. Aproximei-me dela e estendi minha mão em sua direção para ajudá-la a se levantar. Ela aceitou a ajuda e, logo que ficou de pé, recuou mais um passo, assustada. Olhei para Apolo e percebi que o susto dela foi porque ele, mesmo sentado, tinha voltado a abanar o rabo. — Tem certeza de que ele não vai me morder? — ela choramingou. — Posso te garantir que não vai.

— Como você pode ter tanta certeza disso? — Porque eu conheço o Apolo desde que ele era um filhote. Confio cem por cento nele. Ele é incapaz de fazer mal a alguém. Assim como tenho certeza de que você diria que seu gato não poderia matar uma pessoa. Ela não respondeu de imediato, e aquilo já me assustou um pouco, o que piorou quando ela enfim disse algo: — Não tenha tanta certeza. Eu não diria isso a respeito do Tapioca. Acho que ele é muito capaz de matar alguém, se quiser fazer isso. Anotei aquilo mentalmente para ficar de olhos bem abertos quando estivesse na presença do gato dela. — Conversaremos sobre o seu gato depois. Anda, vamos tomar café. — Vou ficar com medo de descer com ele indo atrás. Você não pode segurá-lo? — Como assim segurá-lo? — Levá-lo no seu colo. —...Camila, ele é um husky. Pesa quase trinta quilos.

— Eu peso mais do que isso e você conseguiu me trazer até aqui, não foi? Pare de drama! Bufei, achando tudo aquilo um enorme exagero. Mas, por fim, obedeci, pegando aquele cachorro enorme no colo. Apolo ajeitou as patas dianteiras sobre os meus ombros enquanto eu o carregava descendo as escadas, e percebi que, andando ao meu lado, Camila olhava para o cachorro ainda com desconfiança, mas, em determinado momento, acabou abrindo um sorriso. Acho que ela estava começando a se permitir ser conquistada por Apolo. E eu já tinha sido completamente conquistado por ela.

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Capítulo 18

Era curioso observar aquela amizade começando a nascer. Enquanto tomava o seu café, Camila ainda olhava para Apolo com desconfiança. Mas logo fez um comentário sobre ele ser um cachorro bonito. Depois, me perguntou se ele podia comer um pedaço de torrada e, quando eu disse que sim, ela jogou longe para ele pegar, provavelmente para ter certeza de que ele não morderia acidentalmente a sua mão quando fosse abocanhar a iguaria. — Ele parece ser bonzinho mesmo... — ela comentou em determinado momento. — Ele é. E quer ficar seu amigo, mas você não dá uma chance.

— Não é fácil. Eu tenho alguns traumas. Fui mordida quando tinha sete anos. — Era um cachorro grande como o Apolo? Ela já havia parado de comer, mas pegou mais uma torrada, levando-a à boca, em uma clara tentativa de fugir da resposta. Não funcionou, pois continuei olhando para ela, até que, enfim, declarasse: — Na verdade, era um pinscher. Eu quis... juro que quis levar aquilo na seriedade, mas, quando me dei conta, já havia explodido em uma gargalhada. Camila ficou irritada com aquilo. — Qual é a graça nisso? — Um pinscher? Você me disse que o ataque do cão quase te matou! — Eu tinha sete anos! E doeu muito! — Eu imagino... Desculpe, eu apenas... achei engraçado. Mas fique tranquila, Apolo não é bravo como um pinscher. Não passa nem perto disso. — Não é fácil perder medos assim... — ela retrucou, fazendo bico. Mas logo pareceu desviar os pensamentos para outras coisas.

Não precisei perguntar a respeito, pois ela própria me contou: — Por que falou em me pedir desculpas? — Não é óbvio? Você não estaria passando por tantas situações tão desagradáveis e perigosas se não estivesse envolvida nesse acordo louco comigo. — Já me envolveram muito antes do acordo, desde que nos filmaram juntos e colocaram alguma droga nas nossas bebidas. — Foi porque você estava perto de mim. Eu tenho sido uma maldição na sua vida desde que nos aproximamos pela primeira vez. Depois do incidente dessa noite, eu vou entender se você quiser desfazer o nosso acordo. Ela tomou fôlego para dizer algo, mas eu fiz um sinal para que esperasse até que eu falasse tudo o que vinha ensaiando naquelas últimas horas. Temia que, se ela me interrompesse, eu pudesse acabar desistindo. — Eu entendo que você entrou nisso porque precisava do dinheiro para reformar a livraria da sua avó. O dinheiro já é seu, mesmo que o acordo não vá até o final, e... — Acha que a minha questão é o dinheiro? — ela conseguiu me interromper.

Droga, como sempre, eu fazia uma péssima escolha de palavras. — Não. É claro que não acho. Mas esta noite eu fiquei apavorado quando percebi que tinham a intenção de fazer alguma coisa contra você. Se eu não conseguisse chegar a tempo para te salvar, eu nunca iria me perdoar. — Mas você chegou. E me salvou. E graças a você eu estou bem, não é? — Graças a mim, só Deus sabe o que poderiam ter feito com você, no estado em que estava. — Mas não fizeram, Miguel. E nem farão nada, vamos ficar mais espertos de agora em diante. Faltam menos de dois meses para a audiência, logo tudo isso chega ao fim. Fim era tudo o que eu menos queria. Se seguíssemos com aquela farsa, em pouco menos de um mês eu poderia ter Alice comigo. Mas não teria Camila. De repente, essa equação me pareceu falha, incoerente. Não fazia sentido algum para mim. Porém, seguir também significava que eu poderia ter mais algumas semanas em companhia de Camila. Mas eu não queria

isso se a contrapartida fosse colocá-la em risco novamente. — Você deve estar muito cansada, Camila. Por que não descansa mais um pouco? Eu preciso fazer alguns telefonemas e resolver algumas coisas, você pode ficar à vontade, tá? Vou levar o Apolo comigo para ele não te assustar mais. Certamente aquela era uma atitude meio covarde da minha parte, embora eu realmente tivesse os tais telefonemas para fazer. Precisava falar com Janete e saber se o cara da noite passada tinha sido realmente preso e confirmar se ninguém no bar tinha filmado a surra que dei nele e jogado na internet para me prejudicar. Precisava saber qual era a minha real situação atual para, a partir dela, decidir o que faria dali em diante. E, além disso, eu realmente achava que Camila não estava em condições de ter aquela conversa naquele momento. Por mais que já estivesse lúcida o suficiente para tomar suas próprias decisões, estava emocionalmente abalada. Queria dar algum tempo a ela. Por isso, levantei-me e estalei o dedo para que Apolo me seguisse, e saí da sala de jantar, deixando Camila lá sozinha. Cheguei à sala de estar e iria começar a subir as escadas quando a voz de Camila me deteve.

— Miguel, espera! Parei e volte-me para ela, que vinha correndo em minha direção, até parar diante de mim. Apolo tinha aproveitado que a porta estava aberta e correu para o quintal, onde adorava passar o dia brincando. Porém, senti como se ele de alguma forma entendesse que deveria nos deixar a sós. — Você tem razão em uma coisa... — ela começou a falar, parada diante de mim, olhando fixamente nos meus olhos. — Foi pelo dinheiro que topei entrar nisso. Mas definitivamente não é por dinheiro que eu quero continuar. A declaração dela não foi necessariamente uma surpresa para mim. Tanto, que comentei: — Sei que você verdadeiramente quer me ajudar a ganhar a guarda de Alice. — Quero. Quero isso mais do que tudo. Mas um cara com a sua fama de mulherengo deveria ser capaz de entender uma mulher um pouco melhor e perceber que eu quero muito mais do que isso. Ok... Dessa vez, sim, foi uma surpresa. Camila não perdia a sua mania de ser clara e direta. Uma coisa era ela me dizer que estava apaixonada enquanto estava sob efeito de um sedativo.

Outra, bem diferente, era fazer aquilo de cara completamente limpa como naquele momento. Já que ela estava sendo sincera, eu também seria. — Ontem à noite, quando te coloquei no carro, você me pediu um beijo. O rosto dela ficou levemente corado e ela desviou os olhos, parecendo se esforçar para tentar se recordar daquele momento. Não soube se ela realmente se lembrou de algo, ou se meramente intuiu: — E você não deu, não é? — Não. Não do jeito que você me pediu. Você estava dopada e eu sabia que não se lembraria de nada no dia seguinte. Eu não iria me aproveitar daquele seu momento vulnerável. — Se fosse em outro momento, você atenderia ao meu pedido? — Estamos em outro momento. Você poderia descobrir se tentasse, caso realmente queira isso. — Então me beija. Dessa vez, ela não precisaria me pedir novamente. Aposseime dos lábios dela com os meus, dando exatamente o que ela me

solicitou na noite anterior: um beijo de verdade. Intenso. Expressando todo o desejo insano que eu sentia por ela. E eu poderia dizer que foi como os beijos maliciosos que trocamos na noite da festa da empresa, mas estaria mentindo se afirmasse isso. Era muito melhor. Mesmo sem o álcool, o tesão agora era muito mais forte. E havia algo inexplicável junto a ele. Porque eu estava acostumado a desejar ter uma noite com uma mulher. Mas com Camila eu desejava ter dias e noites. Queria prová-la de todas as maneiras, em todos os cômodos daquela casa, de todas as formas e posições possíveis e por todos os dias do que restasse da minha maldita vida. Percorri minhas mãos pelas suas costas, descendo até chegar à sua bunda, e ela, em um impulso, enlaçou suas pernas ao redor dos meus quadris. Sem deixar de beijá-la, comecei a subir as escadas, quase tropeçando em alguns momentos, de tão inebriado que eu estava com seu beijo e por sentir sua boceta quente por baixo das calças de seda do pijama, pulsando em meu pau já mais do que duro. Levei-a diretamente até o meu quarto, jogando-a sobre a minha cama e caindo sobre ela, sem deixar de beijá-la por nem um

momento. Há tempos que eu desejava fazer aquilo. Para ser bem preciso, desde que a conheci, no balcão do bar daquela festa, e isso apenas foi se tornando mais e mais urgente conforme eu convivia com ela. Em uma troca meio estabanada de mãos, ela abria os botões da minha camisa, enquanto eu fazia o mesmo com a parte de cima do pijama que ela usava. Não que eu tivesse alguma dificuldade nisso, mas acabava me atrapalhando por conta dos movimentos afoitos e desajeitados das mãos dela. Era encantadora a forma como ela, apesar de estar aparentemente consumida por desejo, não ter qualquer experiência naquilo. Então, o alerta vermelho acendeu em minha mente. Um alerta que gritava: VIRGEM. Caralho, que inferno eu estava fazendo? — Espera! — eu praticamente gritei, enquanto parava de beijá-la e afastava um pouco o rosto. Quase me arrependi profundamente por isso. Dessa forma, eu tive uma visão panorâmica de seus seios à mostra pela blusa já totalmente aberta. Ela estava sem sutiã. Aquilo era golpe baixo.

— O que foi? — ela perguntou, com um tom de insegurança na voz. — Você não quer? Meu pau chegou a doer ao som daquele questionamento. Se eu não a queria? Que inferno! Em qualquer outra circunstância, eu já estaria me enterrando dentro dela. — Sobre aquilo que você disse aquele dia... sabe... sobre você ser... — Virgem? — ela completou com naturalidade, o que me fazia me sentir um completo idiota por estar tão alarmado com relação àquilo. — É, isso. Não acha que estamos indo rápido demais? Ela sorriu de forma zombeteira. — É mesmo o sedutor Miguel Marino quem está perguntando algo assim? Eu entendi o que ela queria dizer com a pergunta. Eu desconhecia completamente o conceito de ‘ir devagar’ quando se tratava de sexo. Mas dessa vez era diferente. — É que... Você mesma me disse que sempre quis que sua primeira vez fosse com...

— Alguém com quem eu sentisse cumplicidade e segurança. Check. — Eu sou um cara todo errado, Camila... — Você era. Sabe que não é mais. Se esse é o seu medo, Miguel, eu prometo não te cobrar nada depois disso. Tudo continuará sendo como antes. Eu não queria que as coisas continuassem sendo como antes, e sabia bem que Camila também não. Aquela declaração dela na noite anterior, mesmo tendo sido feita em um momento de quase total inconsciência, tinha sido sincera. Eu queria ser o primeiro da vida dela. Queria, também, ser o único. O quão louco era isso? Decidi, assim como ela, jogar com a sinceridade: — Preciso confessar que não sou tão experiente assim. Não entendo muito de virgens. Não na prática. — Bem, e eu não entendo muito de sexo. Não na prática. Acho que podemos aprender um com o outro. A proposta foi simplesmente irrecusável.

Voltei a beijá-la, e ela retornou ao trabalho de continuar a desabotoar minha camisa. Ao terminar, foi tentar fazer o mesmo com a minha calça, mas, como se fosse possível, se enrolou ainda mais naquilo. Toda aquela aflição de desejo dela misturada à total inexperiência era completamente adorável. E me deixava ainda mais louco de tesão. Desci meus lábios para o seu queixo, seguindo pelo pescoço, até chegar aos seus seios, onde me detive por alguns momentos. Ela arfou quando tomei um dos mamilos em minha boca, contorcendo-se sobre os lençóis. Enquanto provava um, tomei o outro seio em minhas mãos, passando os dedos pelo mamilo, notando o quanto Camila parecia gostar disso. — Gosta assim? — perguntei, provocando-a. A voz dela saiu entrecortada pelos gemidos. — Gosto... Gosto muito... Eu ainda daria outras coisas que ela iria gostar muito mais. Desci a boca pelo vale entre os seus seios, deixando beijos pelo caminho, descendo por sua barriga. Agarrei o cós da calça do pijama e da calcinha com as duas mãos, descendo as duas peças até os seus joelhos em um único movimento. Ela mexeu as pernas,

se livrando do restante das roupas. Voltei a beijar sua barriga, enquanto deslizava as mãos pela parte interior de suas coxas, afastando-as suavemente. Os gemidos dela me atiçavam cada vez mais, deixando o meu pau a cada segundo mais dolorosamente desesperado para se enterrar dentro dela. Mas eu iria devagar. Camila já havia se torturado quando achou que tivesse vivido sua primeira vez sem trazer qualquer lembrança disso. Agora, eu não apenas queria me certificar de que ela teria lembranças, como também que seriam as melhores possíveis. Sentindo que ela já estava mais do que preparada para um contato mais íntimo, lancei-me de boca em sua boceta que já estava molhada, passando nela a minha língua, provando o gosto doce de sua inocência. Ela soltou um gemido ainda mais alto e contraiu os quadris. Passei a contornar a língua ao redor de seu clitóris e comecei a chupá-lo. Dessa vez, o som que escapou dos lábios dela foi um grito contido, enquanto ela arqueava as costas. Mas eu não queria que ela se contivesse. Queria ouvi-la gritar de prazer.

— Não pare, Miguel... Por... por favor... não pare... — a última palavra foi seguida de mais um grito. Ouvir meu nome sendo choramingado daquela forma na voz dela era como uma tortura para mim. Parei por um instante para levantar o rosto e olhá-la. Ela estava exatamente do jeito que sempre sonhei ver em um momento como aquele: com seu rosto corado, os cabelos vermelhos espalhados pelo lençol branco, os olhos fechados e a boca entreaberta para conseguir respirar melhor. Pensar que eu era o primeiro homem a provocar aquilo nela mexeu com o meu ego de uma forma que nunca havia ocorrido antes. — Por favor, não pare... — ela voltou a pedir. Passei novamente a língua por seu clitóris. Apenas uma vez, de forma provocativa. — É assim que você gosta? — Assim. Mais, Miguel, por favor... A forma como ela choramingava suplicando por prazer me enlouquecia ainda mais. Voltei a chupá-la, sentindo-a cada vez mais molhada. Era assim que eu a queria para quando fosse penetrá-la.

Voltando a me afastar, introduzi devagar um dedo dentro dela. Estava tão molhada, que o dedo deslizou com facilidade. Então, eu testei mais um. Ela choramingou e ergueu um pouco os joelhos. Iniciei um movimento suave com o indicador e o dedo médio dentro dela, enquanto voltava a lamber e chupar o seu clitóris. Fui acelerando os movimentos, até senti-la próxima ao orgasmo. Substituí minha língua pelo dedo polegar, porque fiz questão de olhá-la naquele momento. Ela mordia os lábios com força, parecendo se esforçar para conter os gritos. — Não se contenha, querida... — pedi, colocando ainda mais força nos movimentos. — Deixe-me ouvir o quanto você gosta disso. — Miguel... eu... eu vou... — sua voz se tornou nada além de um grito de prazer. Ela arqueou as costas e suas pernas se apertaram com força ao redor da minha mão. Voltei a subir e afastei os cabelos que caíam pelo seu rosto. Estirada sobre a cama, respirando pesadamente, seus olhos transbordavam a mais pura satisfação. Não resisti em tomar os

lábios dela com os meus, encontrando sua língua com a minha, fazendo-a sentir o seu próprio gosto. E isso era só o começo. Levantei-me e tirei as minhas calças. Na mesinha ao lado da cama havia uma cartela de preservativos e apanhei um, colocando-o em meu pau. Quando voltei a me focar em Camila, notei que ela o olhava, parecendo levemente assustada. Odiei ter que fazer a observação a seguir: — Podemos parar por aqui se você quiser, Mila. Ela esboçou um sorriso, e notei que percebeu que aquela era a primeira vez que eu a chamava por seu apelido. Mas não comentou nada a respeito. — Acha que pode me provocar desse jeito e não ir até o fim, senhor Marino? A forma como ela me chamou fez com que meu pau doesse ainda mais. Aquilo já estava insuportável. Ainda assim, tentei mais uma vez: — Tem mesmo certeza disso? — Disse que queria aprender com você, não disse? Por que não vem logo me ensinar? Ah, eu iria...

Tinha muito o que eu queria ensinar a ela. Ajoelhei-me na cama e novamente afastei suas coxas, de forma lenta, enquanto falava. — Primeiro você tem que se abrir para mim, querida. Ela obedeceu, afastando as pernas. — Assim, senhor Marino? Eu gostava daquela brincadeira de patrão e funcionária... Ah, eu gostava demais... — Assim. Talvez doa um pouco, mas prometo ir bem devagar. — Eu confio em você. Inclinei-me sobre ela, voltando a beijá-la. Afastei um pouco mais as suas pernas e encaixei a cabeça do meu pau na entrada da sua fenda. Aquela foi a maior prova de autocontrole que já precisei fazer na vida. Empurrei para dentro dela, o mais devagar que pude. Ela estava tão molhada, tão pronta e era tão deliciosamente apertada que eu só queria possui-la com força. Ela soltou um gemido diferente dos anteriores. Dessa vez, era de dor. A expressão em seu rosto deixou isso mais claro ainda.

— Tudo bem? — perguntei, fazendo o esforço sobre-humano de parar Ela tinha fechado os olhos, mas voltou a abri-los, olhando diretamente nos meus. — Tudo bem. Apenas continue. — Só é assim na primeira vez. Depois passa a ficar bom, eu prometo. — Bom como foi quando você fez com os dedos e a boca? — Melhor que aquilo. Ela abriu um leve sorriso. — Duvido. É impossível. Eu iria provar a ela que não era. Comecei a movimentar os quadris de forma lenta. Ela gemeu de dor mais algumas vezes, e a cada vez eu parava, sentindo que iria enlouquecer a qualquer momento. Até que os gemidos começaram a ficar diferentes, ainda com um pouco de dor, mas misturados ao início do prazer. — Está doendo? — testei. — Está, mas... É bom... Não pare, Miguel, por favor.

Continuei, ainda devagar, atento aos seus sons, aos seus movimentos e ao ritmo de sua respiração. Os olhos dela, fixos aos meus, transbordavam desejo, e aquele era todo o sinal que eu precisava para aumentar o ritmo. Estoquei-a com mais força, entrando e saindo de forma cada vez mais rápida, enfim saciando o meu desejo e também o dela. Ela choramingava pedindo por mais e logo seus quadris também começaram a se mover, acompanhando os meus no mesmo ritmo. Senti em seu corpo os sinais de que ela estava chegando ao orgasmo e intensifiquei os movimentos, também sentindo o meu próximo. Os gemidos dela se misturavam aos meus, tornando-se um só som, assim como nossos corpos viravam apenas um, movendo-se em total sincronia. Gozamos juntos, e eu voltei a me apossar de sua boca, enquanto meu pau ainda pulsava em seu interior. Ali eu tive ainda mais certeza de que as coisas não teriam como voltar a ser como antes.

-----***-----

Capítulo 19

Podia parecer extremamente clichê, como os livros que minha avó amava ler, mas era um fato que, depois do sexo, era uma delícia a sensação de dormir abraçadinha. Especialmente se fosse depois daqueles orgasmos. Por mais que eu sempre idealizasse a minha primeira vez, nunca tive uma expectativa real de sentir prazer nela. Mas Miguel tinha me proporcionado aquilo tanto nas preliminares quanto no ato em si. Tinha doído também, era verdade, além de ter deixado uma sensação incômoda no ‘local dos acontecimentos’, mas, ao mesmo tempo... foi tão, mas tão, mas tão gostoso...

Eu teria topado mais, se não fosse o fato de a pocaria do sedativo da noite anterior ainda estar surtindo algum efeito no meu corpo. E, depois da canseira que Miguel me deu, eu acabei pegando no sono. Acordei algumas horas depois e percebi que ele também havia adormecido. Ali na cama, ao meu lado, abraçado a mim e deixando que eu usasse seu peito como travesseiro. Aquilo confirmava a minha suspeita de que ele provavelmente tinha passado a noite em claro, cuidando de mim, para que eu não acordasse assustada sem saber onde estava e como tinha ido parar ali. Ele havia me protegido, cuidado de mim e tornado a minha primeira vez simplesmente inesquecível. Aquele homem era um verdadeiro presente dos céus na minha vida. Era uma pena que não fosse um presente exatamente destinado a mim. Como eu mesmo garanti a ele, nada iria mudar. Ainda éramos noivos de mentira. Pensei que poderia passar horas ali vendo-o dormir, mas o som do toque de um celular o despertou. Dei espaço para que ele pudesse se levantar, e confesso que achei certa graça em vê-lo meio perdido olhando o chão ao redor, certamente procurando por

sua calça, já que o celular provavelmente tinha sido deixado no bolso dela. Interessante vê-lo fazer isso completamente nu. Fiz um comentário mental de que aquela bunda dele conseguia ser ainda muito mais sexy sem qualquer tecido cobrindo-a, especialmente vista de tão perto. Enfim, ele encontrou o celular e o atendeu logo após olhar o nome do contato no visor. — Oi, Janete... É, eu ia te ligar hoje de manhã, mas... Desculpa, andei meio ocupado aqui... Eu tinha sido a ocupação dele naquela noite. Um orgulho bobo se apossou do meu peito quando pensei nisso. Fiquei observando enquanto ele caminhava de um lado a outro no quarto, conversando com sua advogada pelo telefone. Foi uma ligação rápida e em menos de cinco minutos ele desligou e se virou para mim, abrindo aquele sorriso lindo de playboy sedutor. — O celular te acordou, não é? Desculpe por isso? Movimentei a cabeça em uma negativa. — Eu já estava acordada. Acho que já é quase noite, preciso ir para casa.

— Eu vou te levar. Mas não precisa ter pressa. A gente só tomou café e dormimos o dia quase inteiro. Vamos comer alguma coisa, e... podemos também tomar um banho... A malícia dele naquele último comentário não me passou despercebido. — Podemos. Primeiro eu, depois você... separados. Sei bem onde essa coisa de banho pode nos levar e eu preciso mesmo voltar para casa hoje. Ele fez um bico, novamente com a maior carinha de playboy, e isso derreteu de vez o meu coração. Meu Deus, eu estava muito apaixonada. Apaixonada pelo meu chefe. De quem eu também era noiva, mas de mentirinha... Pensei em como algum dia eu contaria uma história louca daquelas para os meus filhos. Miguel voltou até a cama e se sentou, inclinando-se sobre mim e deixando um beijo em meus lábios. Novamente senti meu coração sendo derretido e, ao mesmo tempo, preenchido com a esperança de que as coisas não seriam mais exatamente como antes.

— Acho que você poderia passar mais uma noite aqui — ele provocou. — Vamos para a mesma empresa amanhã, não é? — Não, não é — retruquei, rindo. — Não vou para a empresa, amanhã é a minha folga. — Como assim folga? Quem autorizou? Vão dizer que você está tendo regalias por estar indo para a cama do chefe. — A folga já está marcada desde bem antes de eu vir para a cama do chefe. Sempre agendamos todas no início do ano. Como meu aniversário caiu em um sábado, decidi pegar a segunda-feira seguinte para poder me recuperar melhor da ressaca. — Que ressaca estava planejando? Disse para mim que sempre passa seus aniversários comendo bolo e assistindo novelas com sua avó e o Tapioca. — Não me lembro de mencionar que não teria umas cervejas para acompanhar. — Dona Lurdes não bebe. E eu imagino que o Tapioca também não. Iria se embebedar sozinha? — É o que resta a uma virgem solteirona cujos amigos já estão todos casados.

— Não é mais uma virgem solteirona. Agora você é a noiva do chefe. Ele me deu mais um beijo e meu coração acelerou diante daquelas palavras. Teria sido apenas uma brincadeira dele com base no nosso relacionamento de mentira? Senti medo de perguntar a respeito.

-----***-----

Passamos ainda mais algumas horas juntos naquele dia. Quando saí do meu banho – sozinha, apesar de o safado ter voltado a insinuar que devíamos ter ido juntos – ele havia providenciado uma mesa de lanches que era um verdadeiro banquete. Juntou o efeito do sedativo com a manhã de sexo, seguida por horas de sono, e eu me sentia um leão esfomeado, então não fiz qualquer cerimônia em me alimentar muito bem. Miguel e eu conversamos mais, sobre um monte de coisas e sobre nada em especial. Falamos de trivialidades e rimos muito juntos, mas não tocamos em nenhum assunto sério, como algo relacionado ao nosso futuro.

Ah, e o Apolo novamente se aproximou durante a refeição. Confesso que estava começando a me habituar com a presença dele. Miguel me levou em casa e, dessa vez, concordou em subir, o que deixou minha avó muito feliz. Mas tive que tirar o Tapioca da sala para que os espirros diminuíssem. No dia seguinte, conforme informei a Miguel, não fui para o escritório. Mas não aproveitei minha folga para descansar. A obra na livraria começaria naquele dia, e com isso uma parte dela ficaria interditada. Minha avó e eu precisávamos organizar tudo por lá, o que incluía carregar caixas e mais caixas de livros de um lado para outro. Logicamente, esse trabalho ficaria para mim, porque, por mais que insistisse em ajudar, a coluna da minha não estava boa o suficiente para um trabalho assim. — Faz tempo que não te vejo tão feliz — vovó comentou em determinado momento. Ela estava debruçada sobre o balcão do caixa, fazendo algumas anotações em seu caderno de orçamentos, enquanto eu tirava os livros de uma prateleira na parte que seria interditada e os colocava em uma caixa.

Apenas depois do comentário dela eu percebi que estava cantando. Como uma boba apaixonada. Sorri. Era bom não precisar mentir para a minha avó, enfim. — Acho que foi o melhor aniversário que tive em muitos anos. Isso, claro, tirando a parte de ter sido drogada e ter terminado a noite em uma delegacia. Como eu não me recordava desses acontecimentos, eles não pesaram muito no meu comentário. — Não me contou como foi a festa. Alice estava feliz? Algumas crianças não aproveitam tão bem o primeiro aniversário. Como se fosse possível, o sorriso em meu rosto aumentou. — Ela estava radiante, vó. A senhora precisa conhecê-la. Ela é tão risonha, tão carinhosa... E linda como uma bonequinha. — Não vejo a hora de conhecer a minha futura bisnetinha. Aquele comentário me trouxe um pequeno choque de realidade. Caso Miguel e eu fôssemos verdadeiramente nos casar, eu viria a ser como uma nova mãe para Alice, e de repente a ideia me soou completamente perfeita. Eu já adorava aquela garotinha, afinal de contas. E não tinha dúvidas de que dona Lurdes seria a melhor bisavó do universo.

Mas não seria dessa forma. Miguel era um mulherengo, que vinha sendo privado de suas farras com mulheres aleatórias por conta da obrigação de se mostrar ‘um homem responsável’. Eu seria a sua válvula de escape até que passasse a audiência. O brinquedinho sexual que eu tanto temia me tornar. Eu não podia reclamar por isso, já que fui eu mesma que me entreguei de bandeja para ele. E não estava nem um pouco arrependida disso. Minha primeira vez tinha sido muito mais perfeita do que os meus melhores sonhos com relação a ela. Mas eu precisava manter a minha mente em ordem para não acabar me iludindo de que teríamos algo além disso. O que se tornou muito difícil quando a porta da livraria se abriu e Miguel entrou por ela, com seu sorriso sedutor e seu cheiro bom que logo dominou todo o pequeno ambiente. — Que surpresa mais maravilhosa! — minha avó declarou logo que o viu. Ao entrar, ele passou primeiramente pelo balcão, dando um abraço e inúmeros beijos nas bochechas rechonchudas da minha

avó. O carinho que ele demonstrava por ela era outra coisa que mexia com o meu coração. Mas não devia. Ele era apenas um homem terrivelmente gostoso e sedutor, capaz de conquistar o coração de qualquer mulher, inclusive os de vovós fofas. — A Mila comentou comigo que vocês duas iriam passar o dia organizando as coisas por aqui. Decidi também tirar um dia de folga para vir ajudá-las. Certo, ele estava começando a pegar pesado naquela coisa de sedução. Soltando

minha

avó,

ele

então

veio

até

mim,

cumprimentando-me com um selinho ao mesmo tempo inocente e encantador. — A Mila estava me contando sobre a Alice — minha avó declarou. O sorriso no rosto de Miguel ficou ainda maior, no maior estilo pai-babão. — O que ela contou? — Que você tem uma garotinha adorável.

— A senhora precisa conhecê-la. Estou certo de que ela vai amar a bisa-vovó-Lurdes. Ele definitivamente não deveria fazer aquele tipo de comentário. Era uma ilusão tanto para a minha avó quanto para mim. Os dois continuaram a falar sobre a Alice, até que o telefone da loja tocou e minha avó o atendeu. Enquanto ela falava com seja lá quem estivesse ligando, Miguel me perguntou, olhando ao redor para se ambientar no local. — Mas então, o que devo fazer? — Não é o tipo de trabalho que você está acostumado a realizar — impliquei. — Quem sabe você se surpreenda? — O milionário CEO da Marino provavelmente não é do tipo que tenha prática em carregar caixas. — Você me fez carregar o meu cachorro de trinta quilos, o que são umas caixas com uns livrinhos dentro? — Tudo bem então, senhor trabalhador braçal. Pode começar com essa aqui? — apontei para a caixa que eu tinha acabado de encher de livros. — Leve-a ali para o depósito por favor?

Ele abriu um sorriso vitorioso, certamente se sentindo o máximo pela oportunidade de mostrar serviço. No entanto, quando ele se abaixou para levantar a caixa, o sorriso em seus lábios desapareceu e resmungou um palavrão entre os dentes. — O que você colocou aqui? Duas toneladas de chumbo? — São só alguns livrinhos, nada demais — retruquei, provocadora. Ele me encarou com uma expressão irritada que eu sabia que se tratava de puro fingimento. Então, mostrou-me que conseguia perfeitamente erguer a caixa, embora seguisse com ela até o depósito reclamando sobre o quanto aquilo era pesado. Eu ri, porque sabia que era puro drama da parte dele. Não era apenas o Apolo que pesava mais do que aquela caixa, mas eu também, e ele aparentemente não teve qualquer problema em me carregar da delegacia até o carro dele, e depois do carro até o quarto quando eu estava dopada. Fora isso, eu no dia anterior tinha tido uma prova e tanto da capacidade do condicionamento físico dele. A imagem daquele corpo de músculos bem torneados invadiu a minha mente e eu precisei respirar fundo para me livrar da

sensação que aquilo causou entre as minhas pernas. Eu não via a hora de repetir a dose, dessa vez sem a incômoda dor da primeira vez. — Queridos... — minha avó falou, logo que desligou o telefone. — Eu vou precisar ir ao correio. Vocês podem cuidar das coisas aqui para mim durante alguns minutos? — Claro, vó — respondi. De dentro do depósito, Miguel gritou em resposta: — Vai sem pressa, dona Lurdes. Quando a senhora voltar, eu já vou ter guardado todas essas caixas. Ela riu e concordou, saindo da loja enquanto deixava um conselho no ar: — Tenham juízo e comportem-se na minha ausência. Senti meu rosto esquentar diante daquele comentário. A cabeça de Miguel surgiu na porta do depósito, olhando para a direção onde minha avó havia saído e depois para mim. — O que ela quis dizer com isso? Será que leu os meus pensamentos sobre as coisas que quero fazer com você em meio a esses livros?

Aquilo esquentou ainda mais o meu rosto. Imaginei que estivesse com a cara quase no mesmo tom dos meus cabelos. — Não sei que tipo de pensamentos você teve, mas quando chegou disse que tinha vindo para trabalhar. — Guardo essa meia dúzia de caixas em cinco minutos, e vai nos restar tempo livre até sua avó voltar. Apontei para a parede atrás de mim, coberta de prateleiras de uma ponta a outra, todas abarrotadas de livros. — Ainda tenho todos esses aqui para encaixotar. Ele bufou, parecendo realmente frustrado. — Droga. Acho que não vai dar tempo para tudo o que quero fazer com você. Mas ao menos dará para isso. Ele veio até mim e contornou um braço pela minha cintura, puxando-me para mais próximo a ele. Então, uniu seus lábios aos meus, dando-me o beijo quente que eu desejava receber desde que ele chegou ali. Eu amava a forma como a língua dele tomava posse da minha, amava sentir o seu cheiro e o toque de suas mãos deslizando pelas minhas costas. Óbvio que eu aproveitei a oportunidade para fazer o mesmo com as minhas, deslizando-as até aquela bunda que eu tanto amava.

Acho que eu já amava coisas demais naquele homem. Com nossos corpos praticamente colados, pude sentir o volume sob suas calças se tornar mais duro e isso quase me fez jogar o juízo para o quinto dos infernos, mas tentei manter minha sanidade em dia e me forcei a me afastar dele. Precisei respirar profundamente algumas vezes para recuperar o fôlego e conseguir dizer algo: — Caixas. Vamos voltar para as caixas. — Malditas caixas... — ele reclamou, mas logo riu. Deu mais um beijo em meus lábios – dessa vez, para a nossa própria segurança, foi apenas um selinho rápido – e voltou a me ajudar no trabalho. Ele já ia pegar mais uma das caixas quando seu celular tocou. E ele provavelmente esperava por alguma mensagem importante, pois largou tudo o que fazia e pegou o aparelho no bolso. Um sorriso surgiu em seus lábios quando leu a mensagem. — Já tem programa para o sábado, meu amor? — ele perguntou. Meu amor? O que ele queria? Acabar comigo?

— Nunca tenho. Terá algum evento social importante que Miguel Marino precise ir com sua noiva? — Terá o evento mais importante de todos. A Janete conseguiu para mim uma liminar para que eu possa, aos finais de semana, passar algumas horas com minha filha fora da casa dos Albuquerque. Vou poder levá-la para passeios. Percebi uma alteração no tom de voz dele, mostrando que ele estava tomado pela emoção. Aquilo me contagiou e eu larguei os livros que segurava de volta na prateleira, correndo até ele para abraçá-lo. Ele me levantou, tirando meus pés do chão e girando comigo. — Eu vou poder ter momentos de pai com a minha filha, Mila! — Você vai! E será incrível! — Será. Porque você vai estar com a gente. Eu estaria com eles. Abracei-o com ainda mais força, sentindo-me realmente feliz e grata por tudo aquilo.

-----***-----

Capítulo 20

A reação dos Albuquerque à decisão de me deixarem passar algumas horas com minha filha sem a sua supervisão, obviamente, não foi das melhores. Eles estavam com muito ódio e me ligaram no dia anterior, querendo me forçar a aceitar que a babá nos acompanhasse. Eu não aceitei. Por mais que muita gente pudesse achar maravilhoso ter alguém de plantão para cuidar da criança durante um passeio, não era aquilo que eu pretendia. Queria um dia sendo verdadeiramente pai de Alice. Queria passar o dia em companhia dela e de Camila. Apenas nós três, sem ninguém para incomodar.

Na verdade, não éramos três. Acabamos sendo quatro, porque levei Apolo comigo, para desespero de Camila. Ela foi durante todo o trajeto até a casa dos Albuquerque com os olhos fixos no retrovisor, de olho no cachorro que ia no banco de trás. Para o alívio dela, Apolo não se importou muito com sua presença. Ele amava passeios de carro, por isso aproveitou cada segundo com o focinho para fora da janela, curtindo o vento na cara. — E se ele atacar a Alice? — Camila perguntou, sem tirar os olhos do retrovisor. Apontei para o animal com cara de bobão e olhos fechados, aproveitando feliz o vento que alvoroçava seus pelos cinza. — Isso te parece uma fera prestes a atacar uma criancinha? — Ele pode encará-la como uma ameaça. — Um bebê de um ano te parece uma ameaça? — Eu também não parecia quando fui atacada por um cão. — Não era um cão. Era um pinscher. Praticamente uma fera selvagem indomável. Como os gatos. — Gatos não são feras indomáveis. — Você mesma me disse que seu gato é capaz de matar alguém, caso queira.

— Mas ele não quer. A diferença é essa. — O Apolo também não, acredite em mim. Mas eu espero que os dois se deem bem. Alice gosta de cachorros de pelúcia e de desenhos de cachorros. Ela até sabe imitar um. Será que ela vai gostar do Apolo? Eu

não

queria

parecer

um

sujeito

inseguro,

mas

absolutamente tudo a respeito de Alice me deixava assim. Eu queria ser o melhor pai possível para que ela se sentisse segura comigo, para que ela sentisse orgulho de mim. — Ela vai gostar do Apolo, Miguel — A mão de Camila posou sobre a minha. — Até eu, que morro de medo de cachorro, já gosto do Apolo. Mas eu sei que o questionamento real na sua mente é outro, então deixe que eu o responda também: ela já gosta muito de você. Dá para ver o amor dela naqueles olhinhos lindos pelo jeito que ela olha para você. — Acha mesmo? — Lá estava eu, novamente, bancando o inseguro. — Não acho, tenho certeza. A mão dela se apertou ao redor da minha e isso me trouxe uma sensação de segurança que eu não esperava sentir em apenas

um gesto e algumas palavras. Era surreal a forma como tudo vinha parecendo mais fácil desde que Camila tinha entrado na minha vida. Depois da nossa primeira transa – e única até o momento – muita coisa havia mudado entre nós. Não precisávamos mais fingir sermos um casal apaixonado, porque era exatamente assim que nos comportávamos durante todo o tempo. Eu a levava para almoçar comigo no intervalo da empresa, depois a levava até em casa e na maioria das vezes subia e aceitava o convite para jantar de dona Lurdes. Mas ela, apesar de todo o pacote ‘vovó de comercial de margarina’, não gostava de cozinhar, então elas sempre pediam alguma coisa, ou Camila fazia a comida. Em uma dessas ocasiões eu a ajudei na cozinha. Ou ao menos tentei. Fui expulso por ela depois de quebrar dois copos e um prato, e toda missão que ela me passou foi a de lavar a louça. Depois disso, eu ia para casa e, antes de dormir, passava algumas horas conversando com Camila por chamada de vídeo. Algumas delas, aliás, eram bem quentes. Aquela mulher sabia como enlouquecer um homem.

Porém, apesar de tudo isso, não houve nenhuma conversa a respeito do nosso futuro, ou mesmo do nosso presente. Já tínhamos um rótulo social de noivos, mas, entre nós, ainda não existia uma palavra que descrevesse que tipo de relacionamento realmente tínhamos um com o outro. O

que

era

um

terreno

seguro

para

mim,



que

relacionamentos nunca foram o meu forte. Estava confortável daquele jeito para mim, assim como também parecia estar para Camila. Enfim chegamos para pegar Alice na casa de Marta e Cláudio. Como o período permitido para mim foi de apenas três horas, decidi não perder tempo e optamos por ir a uma grande e bonita praça dentro do próprio condomínio dos Albuquerque. Não era nada que se pudesse considerar um grande passeio, mas eu não queria perder tempo em viagens de carro. Além disso, apenas o fato de estar fora do campo de vigia daqueles dois avós da minha filha já era algo que me trazia um enorme alívio. — Au-au! Au-au! — No meu colo, Alice vibrou olhando para o chão, onde Apolo seguia caminhando ao meu lado.

— Viu só? — Camila comentou. Ela andava também do meu lado, mas no oposto de onde Apolo seguia. — Disse que ela ia gostar dele. — Au-au! — Alice repetiu, soltando em seguida uma risada deliciosa de se ouvir. Seguíamos os quatro a pé no caminho para a praça. — Sim, é um au-au! — comentei. — O nome dele é Apolo. Você consegue dizer isso? A-po-lo. — Au-au! — ela repetiu, em um tom de quem me corrigia. — Certo, vamos chamá-lo de Au-au. Até porque, antes de aprender a falar o nome dele, você precisa falar ‘papai’. Papai! Papai! — Au-au! — Ela seguia olhando para Apolo, visivelmente não dando qualquer atenção às minhas palavras. Ao meu lado, Camila riu. — Tudo ao seu tempo, Miguel. Tudo ao seu tempo. Ela tinha razão. Porque naquele momento, tudo o que importava era aproveitar cada segundo daquele dia.

E talvez Camila concordasse em dormir na minha casa, e, dessa forma, eu e ela aproveitaríamos a noite também. — O que vai fazer depois que sairmos daqui? — perguntei, deixando minhas intenções bem claras no meu tom de voz. Ela não pareceu perceber. E, se percebeu, disfarçou muito bem ao me dar a resposta sem muitos rodeios: — É noite das garotas. Minha melhor amiga Laís e eu vamos ao shopping fazer compras e depois ao cinema. Droga. Fui trocado por uma melhor amiga. Nem pude insistir porque, nesse momento, chegávamos à praça e Alice esticou os bracinhos para frente ao avistar o playground. No fim das contas, eu tinha escolhido o programa certo. — Acho que ela quer ir no balanço — Camila alertou, apontando para o brinquedo. — Eu preciso ligar para a minha avó, disse que faria isso logo que chegássemos porque ela ficou preocupada de os Albuquerque não te deixarem sair com Alice. Eles nem seriam loucos de fazerem isso. Mas achei uma graça a preocupação de dona Lurdes. Na minha próxima saída com Alice, esperava poder levá-la para conhecer a avó de Camila, achava que elas iriam gostar muito uma da outra.

Camila parou para fazer a ligação e eu segui levando Alice até um dos balanços. Apolo foi logo atrás de nós, parecendo também animado com o local. Coloquei Alice sentada na cadeirinha já própria para crianças pequenas. Apolo aproveitou o momento para se aproximar e começar a farejá-la, fazendo o reconhecimento. Minha filha riu, passando a mãozinha pela cabeça do cachorro. Ela, então, falou qualquer coisa que não fazia qualquer sentido linguístico, mas que eu de alguma forma consegui entender como um pedido para que eu a empurrasse, e eu assim o fiz. Os gritinhos de alegria dela a cada vez que o balanço se movimentava traziam para mim uma sensação de felicidade totalmente indescritível. Ficamos assim por algum tempo, percebi que vários minutos tinham se passado e Camila não retornava. Tive, então, curiosidade de virar o rosto para trás, olhando para onde ela tinha parado para telefonar, e me surpreendi ao ver que ela realmente usava o celular, mas para tirar fotos minhas com Alice. Ela sorriu, parecendo um pouco sem graça ao ser pega no flagra, e então se aproximou, contando:

— Eu achei vocês tão lindos juntos que decidi que deveria registrar o momento. Acho que a Alice vai gostar de ver essas fotos para relembrar esses momentos no futuro. — Ela nem vai se lembrar desse dia. — Por isso as fotos serão ainda mais especiais. Eu amo olhar algumas fotografias antigas da minha infância, em que estou com meus pais. Em boa parte, eu não me recordo de nada, então gosto de ficar imaginando o que estaria acontecendo ali, o que estávamos fazendo ou o que eles disseram ou acharam daquelas situações. Bem, você provavelmente vai estar com Alice por tempo suficiente para contar tudo a ela. E é assim que essas lembranças serão construídas. Sorri diante daquelas palavras, e comentei: — Seus pais devem ter sido pessoas incríveis. — Pensei que uma pessoa incrível como Camila só poderia ter sido criada por outras pessoas incríveis. — É, eles eram. Sinto saudades. Mas espero que, onde eles estejam, sintam-se orgulhosos da adulta que me tornei. — Eu não tenho qualquer dúvida disso.

Alice soltou mais um grito, acompanhado por uma risada, e nos voltamos para ver o que tinha acontecido. Apolo havia ficado de pé, apoiando as patas dianteiras na parte da frente que servia como trava de segurança do balanço. As pequenas mãozinhas da minha filha acariciavam o enorme focinho de forma destemida. — Eu disse que ela ia gostar do Apolo — Camila bateu seu ombro no meu braço, como uma criança implicando com outra. — Mas antes você disse que ele poderia vê-la como uma ameaça e atacá-la. — Talvez eu tenha sido um pouquinho exagerada. — Tudo bem. Você só quis protegê-la. Nesse momento o meu telefone tocou. Olhei no visor, vendo que era a minha mãe. — Pode olhar Alice para mim enquanto atendo? — pedi a Camila, mesmo sabendo que nem seria preciso pedir aquilo. Ela assentiu, mas fez uma ressalva: — Tá, mas antes tira o Apolo dali. Ele não atacar Alice não quer dizer que ainda não possa me atacar. Ri, mas atendi ao pedido, chamando Apolo, que logo veio até mim, assim permitindo que Camila chegasse mais perto de Alice,

começando a empurrá-la no balanço. Sorrindo como um bobo diante da cena, eu atendi a ligação. — Oi, mãe. — Oi, meu querido. Como estão as coisas? Aqueles velhos estúpidos não implicaram por você levar a Alice, não é? Novamente, minha mãe seguia fingindo ignorar o fato de que Marta e Cláudio eram da mesma faixa etária dela. Mas deixei isso de lado. — Eles não eram loucos de fazer isso. Recebi uma autorização judicial, e eles não vão querer descumprir uma para correrem o risco de isso os prejudicar na ação. — São dois idiotas. Bem, mas eu liguei para te dizer que me ligaram do bufê que contratei para o seu casamento. Ouvir a palavra ‘casamento’ relacionada a mim ainda era algo que me causava calafrios. Mas confesso que bem menos do que há até algumas poucas semanas. — Sim, e o que eles queriam? — Agendar a prova para a escolha dos pratos que serão servidos na festa. Agendei para quarta-feira.

— E você vai ter que ir até Trancoso para fazer essa tal prova? — Ah, querido, é claro que não. Quem vai é você. Em um primeiro momento, vi-me sem resposta. Minha mãe era completamente sem noção. Afastei-me um pouco de Camila para poder alterar meu tom de voz sem preocupá-la. — Você está louca, mãe? Sempre disse que queria que eu fosse responsável, mas agora que eu assumi o comando da empresa acha que posso largar tudo no meio da semana para ir para Trancoso provar salgadinhos de festa? — Oras, pensasse nisso antes de decidir se casar. — Camila e eu dissemos que queríamos um casamento simples, só no civil, sem grandes festas. Quem insistiu para que fizéssemos a celebração do ano em Trancoso foi você. E garantiu que iria cuidar de tudo. — Disse que ia organizar todo o casamento, e estou fazendo isso. Mas decidir o bufê é algo muito pessoal. São os noivos que têm que fazer isso.

— Daí você simplesmente marcou uma data para mim, sem me perguntar se eu podia. — Meu filho, pelo amor de Deus. Você é o CEO, não precisa estar no escritório religiosamente todos os dias como se estivesse marcando cartão de ponto. Sem contar que você pode ir pela manhã, de jatinho, e voltar no dia seguinte. Apesar de que eu acho que deveria passar alguns dias por lá. Pegar um pouco de sol vai te fazer bem. E a Camila também. A última parte fez com que eu de fato considerasse a ideia. Camila e eu... em uma viagem... alguns dias sozinhos, em um local paradisíaco... Ou talvez nem tão sozinhos assim. Voltei a olhar para Camila e Alice, se divertindo juntas. Ela tinha um carinho tão grande pela minha filha, que era visivelmente recíproco. Será que Janete conseguiria mais uma de suas autorizações judiciais para mim, em tão pouco tempo? Pensei em nós três viajando juntos, como uma família... Família... Nunca achei que essa palavra pudesse me parecer tão encantadora.

Dias de família e... quando Alice dormisse, noites livres para Camila e eu... Talvez eu até mesmo cogitasse a ideia de contratar uma babá, para aproveitar com Camila alguns momentos do dia também. — Tudo bem, mãe. Vou conversar a respeito com Camila. — Mande um beijo para ela. E diga para a Alice também que a titia mandou um milhão de beijos. — Vou dizer a ela que sua avó mandou beijos. — Sabe que tem muita gente que diz que eu pareço ser sua irmã? — Tchau, mãe. Desliguei a ligação e voltei para perto de Camila e Alice. Apolo não me acompanhou porque tinha se distraído rolando de barriga para cima sobre a grama. — Disse que vai ao shopping hoje com sua amiga, não é? — falei assim que me aproximei. Camila me olhou surpresa, provavelmente não tinha notado a minha aproximação. — Disse.

— Pode aproveitar para comprar algumas roupas de praia? — E por que eu faria isso? — Porque você vai ganhar uma folga da Marino essa semana. E nós temos uma viagem para fazer. Ela arregalou os olhos, provavelmente confusa com tudo aquilo. Logo ela iria entender. E eu esperava que se empolgasse com a ideia tanto quanto eu.

-----***-----

Capítulo 21

— O que acha desse? Usando um dos biquinis que eu tinha comprado dois dias antes, eu dei uma volta em torno de mim mesma diante da tela no notebook que estava sobre a mesinha do meu quarto. Estava em uma chamada de vídeo com Laís, e ela já parecia meio de saco cheio de acompanhar tantas trocas de roupa. — Ele está ótimo, Mila. Assim como o anterior, e o que você usou antes dele. São todos lindos e você está linda. Escolhe logo quais você quer levar e fecha logo essa mala! Ela tinha razão em sua aflição. Já passava das onze da noite e eu viajaria na manhã do dia seguinte. Minha mala estava pronta e

faltava apenas colocar nela algumas roupas de banho. Não deveria ser tão difícil assim... — Fico insegura de usar biquini na frente do Miguel — confessei. — Imagina a quantidade de mulheres lindas que já devem ter frequentado essa casa dele de Trancoso? — Vamos lá, Mila; em primeiro lugar: você não tem espelho em casa? Você é linda, e esse tipo de neura nem combina contigo. E, em segundo lugar: vergonha de usar biquini? Ele já viu e explorou o seu corpo inteiro de uma ponta a outra. Sabia que ela tinha razão. Cansada, deixei-me cair sentada na cama, passando a mão pela cabeça de Tapioca, que dormia profundamente. — Eu não devia estar tão nervosa, não é? — Não devia. Apenas curta a viagem. Só vocês dois em um lugar lindo... sexo à beira-mar o dia inteiro, pelo amor de Deus, será perfeito. Acho que era exatamente a ideia de que Miguel e eu voltaríamos a fazer sexo que me deixava mais nervosa. Um misto de ansiedade e insegurança.

E de um calor no meio das pernas sempre que eu pensava nisso. Laís se corrigiu: — Ou não necessariamente o dia inteiro, não é? Já que a garotinha vai junto. Aquilo me trouxe uma certa tristeza, pelo motivo que expus: — Acho que ela não vai. Falei com Miguel agora há pouco e a advogada dele ainda não tinha uma resposta sobre a autorização para a Alice ir com a gente. — Ah, então a coisa muda de figura. Será sexo o dia inteiro mesmo, então. Por que você não me parece feliz por isso? Bem, a ideia de sexo o dia inteiro não era ruim... porém... — Eu queria muito que Alice fosse com a gente. O Miguel poderia passar mais tempo com ela, e... bem, eu poderia passar mais tempo com os dois. Laís suspirou. — Amiga... Você não só está apaixonada pelo Miguel, como também já ama a filhinha dele. Isso é realmente grave.

— É, eu sei. Quando eu vejo o sorriso da Alice ou quando a seguro nos meus braços, é como se... Ai, eu nem sei explicar. Eu nunca tive uma grande vontade de ter filhos, mas a Alice desperta em mim um sentimento tão louco, sabe? — Quer saber? Eu sei por que você está tão insegura. Não é só por causa da viagem. É porque o tempo está passando e você não quer que isso entre vocês termine. — Eu não quero — confessei pela primeira vez em voz alta. — Então por que não conversa sobre isso com o Miguel? Abra seu coração e diga como está se sentindo. Quem sabe se ele não está sentindo o mesmo? — É diferente para ele, amiga. Ele só está curtindo uma parceira fixa porque não pode ter várias no momento por conta da ação. Quando tudo isso passar e ele tiver a guarda da Alice, vai poder voltar à sua vida de mulherengo, e eu não vou mais ter graça. Eu sei que é assim e decidi que ficaria ok com isso. Vou apenas aproveitar o tempo que temos juntos e, quando terminar, vou seguir com a minha vida e está tudo bem com isso. Laís fez uma cara que me deixava claro que ela não acreditava nas minhas palavras, de que ao final eu ficaria bem.

Nem mesmo eu acreditava.

-----***----Na lista de coisas que nunca imaginei fazer na minha vida, entrar em um jatinho particular estava bem próximo ao topo. A aeronave, pequena perto de um avião comercial, tinha um espaço interno maior do que eu esperava. Tinha três fileiras duplas de cada lado, com o total de doze poltronas reclináveis e absurdamente confortáveis e, logo atrás, um grande e luxuoso sofá em L de frente para um painel com televisão, contando ainda com frigobar, banheiro e, é claro, a cabine de comando onde iriam o piloto, o copiloto e uma mocinha simpática que, pelo que entendi, trabalhava ali apenas para servir os passageiros, coisa que eu achei um grande absurdo, já que, quem quisesse, poderia levantar a bunda da cadeira e abrir a porcaria do frigobar para pegar o que quisesse beber. Eu observava o interior do local enquanto, na pista, Miguel conversava com o piloto. Sentei-me em uma das poltronas, colocando minha bolsa ao meu lado. Fiquei ali por algum tempo,

pensando que Miguel estava demorando demais para entrar. Até que seu rosto apareceu na entrada da aeronave. — Ei, Mila, está pronta para uma surpresa? — Você não trouxe o Apolo, não é? — testei. Eu já gostava do Apolo, mas acho que ainda ficaria tensa dividindo com ele um ambiente pequeno como o jatinho durante algumas horas de viagem. — Não, ele ficou com a minha mãe. Mas trouxe alguém, de qualquer forma. Certo, isso me desanimou um pouco. Só na minha cabeça que aquilo poderia ser, para Miguel, a oportunidade de uma viagem romântica. Iríamos por causa da farsa do casamento, para fazer a prova dos pratos do bufê para a festa que nem chegaria a acontecer e ele decidira aproveitar o passeio para ficar alguns dias e descansar um pouco. Aparentemente, ele aproveitou, também, para levar algum amigo junto. Eu era uma grande idiota. — Vem, Alana, cuidado com o degrau! — ele falou, olhando para o lado de fora.

Alana? Então ele tinha convidado uma amiga? Uma mulher para ir junto com a gente? Senti que estava a ponto de chorar quando ele chegou para o lado, dando passagem para que a tal Alana entrasse. Para a minha surpresa, a mulher loira, de estatura baixa e cabelos lisos presos por um rabo de cavalo entrou usando um uniforme branco e, em seus braços, não trazia uma mala, mas uma bebê. A bebê mais linda de todo o mundo, que abriu um sorriso enorme logo que me viu. — Ai, meu Deus... — eu praticamente gritei. Então me levantei, indo pegar Alice nos meus braços. — Meu amor, você veio! Você vai com a gente! — A autorização saiu agora de manhã — Miguel contou. — Os Albuquerque bateram o pé e disseram que só iriam permitir se a babá dela pudesse ir junto. E eu estive prestes a ter uma crise idiota de ciúmes! Agora, no entanto, minha crise era de pura felicidade. Sentia que, com Alice com a gente, a viagem seria completa.

Olhei para a babá, que me observava como o vigia de um presídio temendo que os detentos armassem uma fuga. O que ela achava? Que eu fosse derrubar Alice ou coisa parecida? Ainda assim, fui educada e gentil com ela. — Prazer em conhecê-la, Alana. Sou a Camila. Será ótimo ter você conosco nessa viagem. — O prazer é meu, senhora — ela respondeu. Educada, embora não muito simpática. — Com licença, preciso trocar as fraldas de Alice antes da decolagem. E, sem aguardar por respostas, ela tirou a menina dos meus braços, levando-a para o banheiro. No caminho, pegou uma bolsa de bebê que só agora eu percebi que Miguel trazia em mãos. Ele veio até mim e me puxou, guiando-me até duas poltronas, onde nos sentamos. — Provavelmente Marta e Cláudio deram ordens bem rígidas para ela nos vigiar enquanto estivermos com Alice — ele falou, com a voz baixa. Concordei, embora imaginasse que não fosse apenas isso. — Acredito que ela também vá nos vigiar para saber se nosso noivado é mesmo real.

— Deixe que vigie. Só espero que não pretenda anotar quantos beijos eu vou te dar durante esses dias, senão vai se perder nas contas. Lá estava ele novamente fazendo os hormônios do meu corpo entrarem em ebulição. O que apenas piorou quando me deu o primeiro dos beijos prometidos. O apoio de braço que separava as duas poltronas estava suspenso, o que permitiu uma maior aproximação dos nossos corpos. Quando nos afastamos, achei que seria a chance perfeita para o meu sangue resfriar um pouco, mas ele não me deu oportunidade para isso ao comentar, com a voz sussurrada: — A única desvantagem de Alice estar indo com a gente é que não vou poder com você o que eu pretendia já no avião. — Pervertido! Uma aeronave não é lugar para essas coisas. — Qualquer lugar é lugar, querida. A frase, ao mesmo tempo em que me atiçou, me fez pensar em quantas mulheres ele já devia ter carregado naquele jatinho, inclusive levando-as para a mesma casa para onde estávamos indo. O que era isso? Eu estava com ciúmes de novo?

Tentei retomar o foco quando Alana voltou do banheiro, trazendo Alice junto. Cheguei a pedir para levá-la, mas a babá negou, dizendo que a menina estava com sono e iria colocá-la para dormir. E, como se realmente temesse que Miguel e eu agarrássemos a criança e saíssemos fugindo sei lá Deus por onde, já que nesse momento o piloto fechava a porta da aeronave e anunciava que já iriámos decolar, ela se sentou na primeira fileira de cadeiras, deixando uma fileira vazia de distância de nós. — Alice poderá ficar com a gente em algum momento? — perguntei a Miguel, já irritada. — Querida, eu só estou esperando esse avião aterrissar para passar à mocinha ali as regras da casa onde ela vai ficar. Eu esperava que sim, ou iria acabar armando um barraco se aquela mulher não nos deixasse ficar com Alice. Levou ainda mais de uma hora até que o avião recebesse permissão para levantar voo. A história de que Alice estava prestes a dormir se mostrou uma mentira, já que ela ainda passou mais vários minutos rindo e balbuciando algumas coisas, até se calar. Olhando por cima das poltronas, percebi que a babá também pareceu ter pegado no sono.

— Você parece estar mais preocupada do que eu — Miguel comentou. E ele tinha razão. Não que ele não se mostrasse incomodado com as condições para que sua filha nos acompanhasse na viagem, mas eu estava com tanta raiva daquilo... como se eu fosse mãe dela. E eu não era, precisava manter isso em mente. — Ainda falta muito para chegarmos lá? — desconversei. — Calma, acabamos de decolar. — Quer ver um pouco de TV para passar o tempo? — Sinceramente? Não. Tem outras coisas que prefiro fazer. Eu o encarei e pude ver a malícia explícita nos olhos castanhos dele. Aquilo acendeu em mim os pensamentos menos puros que eu poderia ter. Lembrei-me da insinuação dele de que poderíamos fazer... coisas impróprias... naquele avião caso Alice e sua babá não estivessem ali. A ideia de ter o corpo dele nu junto ao meu e de ser tocada das formas como ele me tocou em sua casa quando tirou a minha virgindade inundou a minha mente. — Não estamos sozinhos, senhor Marino... — eu o adverti. Percebi que, em momentos mais íntimos, ele gostava de ser

chamado daquela forma. — Não estamos, e é só por isso que precisaremos nos conter. — Você precisará se conter. — Sério? Então você não está excitada? A forma como ele disse a última palavra, sussurrando em meu ouvido, provocou calafrios em cada poro da minha pele. Mas mantive-me firme. — Não estou. Não é lugar para isso. — Pois eu aposto que você está. — Não estou. E você não tem como provar isso. — Ah, eu tenho... seu corpo dá sinais muito claros, minha querida... Mas podemos começar ficando um pouco mais à vontade. Ele ajustou as duas poltronas, colocando-as em posição deitada, de modo que as pessoas que estivessem à frente da aeronave não tivessem como nos ver, a não ser que se aproximassem. O que aparentemente não ocorreria. Os funcionários estavam na cabine e a babá chegava a roncar na poltrona mais à frente, juntamente com Alice.

Ele levou a mão ao meu rosto, traçando as costas dos dedos delicadamente pelas minhas bochechas. Era como se minha pele queimasse através daquele contato. Seu polegar se arrastou pelos meus lábios, a mão descendo lentamente pelo queixo até o meu pescoço, e fazendo em seguida todo o caminho de volta. Eu não queria permitir que minha própria respiração me traísse, mas não pude controlar e precisei entreabrir os lábios para conseguir respirar melhor. E se eu achei que aquelas carícias já estavam me deixando suficientemente louca, eu não contava que ainda fosse piorar. A mão voltou a descer, dessa vez pelo meu colo, indo até os meus seios por cima do fino tecido do vestido que eu usava. Atenta ao olhar faminto dele, eu o vi desviar os olhos para baixo e seus lábios se curvarem em um meio-sorriso cheio de malícia. Seus dedos começaram a circular, de forma lenta e torturante, um dos meus mamilos. O bojo fino do vestido não era o bastante para amenizar o contato. Senti que meus mamilos estavam enrijecidos devido àqueles toques e, tive certeza, Miguel também pôde sentir isso em seu toque. Tanto que declarou, com um tom de voz tranquilo:

— Esse é um dos sinais... Que inferno! Como aquele homem podia mexer comigo daquela forma com tamanha tranquilidade? Por Deus, se eu estava excitada? Estava a ponto de arrancar as roupas e abrir as pernas para ele ali mesmo. Mas, obviamente, a lucidez logo me alertou que isso não seria possível. E eu também não estava disposta a dar o meu braço a torcer, por isso procurei uma desculpa para a reação do meu próprio corpo. — Eu devia ter trazido um casaco, esse ar-condicionado está me deixando com frio, apenas isso. Ele riu, obviamente desacreditando das minhas palavras. Porém, mesmo assim, ele se levantou, abrindo um armário que ficava acima dos nossos assentos e pegando lá um edredom, o qual usou para me cobrir. Deitou-se de lado, de frente para mim, também se cobrindo. — Está aquecida agora, senhorita Camila? — Estou, senhor Marino. Obrigada por ser um chefe tão gentil.

— Por nada. Embora eu não ache que você tenha sentido frio. Até porque, estou certo de que tem uma parte de você que está bem quente nesse momento. Por baixo da coberta, ele voltou a descer a mão. Prendi a respiração, contendo qualquer som que pudesse escapar de meus lábios ao perceber onde ele pretendia chegar. Seus dedos deslizaram de forma leve por cima do tecido do vestido e da minha calcinha. — Está realmente bem quente... — ele sussurrou em meu ouvido. — E acredito que isso conte como mais um dos sinais do seu corpo. — Isso não é justo, Miguel — sussurrei de volta, sentindo meu rosto queimar. — Não pode me deixar desse jeito. Não estamos sozinhos aqui, esqueceu? — Não podem nos ouvir da cabine. E Alana e Alice estão dormindo, e mesmo que acordem não têm como nos ver. — Mas elas podem ouvir e acabar acordando. — Não vão se você for uma boa menina e se controlar. Seus dedos exerceram um pouco mais de pressão nas carícias e eu puxei o ar com força para dentro dos pulmões. Achava

que conseguiria me manter assim, mas ele afastou meu vestido e, por baixo da coberta, sua mão escorregou para dentro da minha calcinha. Apertei com força uma perna contra outra, até que a voz sussurrada dele em meu ouvido fez uma nova onda de arrepios se alastrar pelo meu corpo. — Se abra para mim, meu amor. — Não faz isso comigo, Miguel... — supliquei. — Você não gosta desse carinho? — Os dedos continuaram a acariciar meus grandes lábios. Aquilo estava se tornando uma tortura. — Não vou conseguir me controlar... — confessei. E um novo sorriso brotou nos lábios dele. — Tudo bem, então... Vamos parar por aqui... Sua mão deslizou em um vai e vem por mais algumas vezes, antes que ele começasse a retirá-la. Que inferno, já era tarde demais. Eu não ia mais conseguir me conter. Agarrei seu braço com força e, olhando-o nos olhos, afastei um pouco as pernas, dando a ele o sinal de que eu não queria que ele parasse.

Mais um sorriso. Mordi com força meu lábio inferior para não gemer quando seus dedos deslizaram até a minha fenda, retornando depois até encontrar meu clitóris. — Acredito que este seja o sinal definitivo — ele declarou, provavelmente se referindo ao modo como eu já estava molhada. E eu, àquela altura, já me encontrava incapaz de tentar negar aquilo. Enquanto o dedo dele se movia em um vai e vez, eu cobri o rosto com o edredom, tentando sufocar meus gemidos. Miguel usou sua mão livre para descobri-lo. — Quero olhar para você enquanto você sente prazer, senhorita Camila. Gosto de fiscalizar o trabalho de minhas funcionárias. — E o que quer que eu faça, senhor? — instiguei, embora soubesse que entrar naquele jogo era um erro. — Quero apenas suas respostas. Está bom desse jeito? Se estava bom? Acho que meus lábios iriam sangrar de tanto que eu os pressionava evitando gemer. — Está... — Como disse? — Está, senhor...

— E assim? — Ele se fixou no meu clitóris, colocando um pouco mais de pressão no dedo. Dessa vez, não consegui controlar um gemido que foi quase um grito. Miguel abafou o som pressionando seus lábios contra os meus, sua língua fazendo miséria com a minha bem como sua mão lá embaixo. Ele foi acelerando os movimentos e meu quadril também começou a se mover no mesmo ritmo. Senti as primeiras ondas de prazer irradiarem em minhas coxas e estava quase lá quando ele desacelerou, arrancando de minha garganta um ruído de protesto. Sua boca liberou a minha e ele voltou a sussurrar, enquanto usava a mão livre para afivelar meu cinto de segurança. — Precisa ficar quietinha, senhorita Camila, seu quadril se movendo pode fazer muito barulho... deixe que eu cuido de tudo. — Sim, senhor... — sussurrei, embora fosse quase impossível ficar quieta. Meu Deus, eu não ia aguentar por muito tempo... — Está gostoso assim, senhorita Camila? — Está...

— Está o quê? — Um pouco mais de pressão em seu dedo quase me fez gritar. Respirei mais profundamente, engolindo em seco. — Está muito gostoso, senhor... — Muito bem... Está fazendo um ótimo trabalho. — Meus músculos começaram a se contrair e ele, percebendo isso, alterou o movimento e voltou a reduzir o ritmo. — Mas a senhorita deve aguardar a minha autorização para finalizar, certo? — Miguel, por favor... — choraminguei. — Senhor Marino... eu quero... por favor... — Você quer... isso? — Então, ele me surpreendeu ainda mais quando, sem qualquer aviso, introduziu um dedo dentro de mim. Puta que pariu! Nem eu sabia que era aquilo que eu queria antes de receber. Ele logo penetrou mais um dedo, movendo dois dentro de mim, enquanto o polegar massageava meu clitóris. Cerrei os dentes com força enquanto gemia baixinho e choramingava palavras que nem mesmo eu seria capaz de decifrar. Ele se aproximou mais de mim e usou a mão livre para guiar minha

cabeça, levando meu rosto de encontro ao seu peito. Afundei-me ali, tentando abafar os sons de prazer que eu não conseguia controlar. Os movimentos aumentaram, arrancando tudo o que restava da minha sanidade. Ele não podia parar naquele momento. Eu sentia uma urgência louca de chegar a um lugar que eu nem seria capaz de descrever. — Está autorizada, senhorita — ele sussurrou em meu ouvido de uma forma extremamente sensual. — Goze para mim, meu amor... E eu obedeci. Presa pelo cinto de segurança, meus músculos se contraíram na mais completa sensação de prazer. Ouvir alguns gemidos baixos de Miguel em meu ouvido foi tudo o que eu precisava para me lançar de vez no orgasmo. Há até alguns dias eu nem sabia o que era um orgasmo. E agora estava ali, tendo um em uma poltrona de avião, tendo outras pessoas ao redor sem fazerem qualquer ideia do que estava acontecendo e tendo como instrumento apenas a mão de Miguel. Ele soltou o meu cinto e eu me virei, debruçando-me sobre o corpo dele, com a cabeça apoiada em seu ombro, sentindo os

braços dele ao meu redor enquanto eu lutava para regularizar a minha respiração. — Quando chegarmos lá, você não precisará mais se conter. Poderá gritar à vontade. E prometo que vou me certificar de que fará isso. Aquela era uma promessa que eu pretendia fazê-lo pagar.

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Capítulo 22

Logo que chegamos, eu precisei lidar com a situação da fiscal que Cláudio e Marta haviam enviado para nos vigiar. E logo confirmei que Camila tinha toda a razão em sua suspeita de que aquela mulher estava ali, também, para se certificar de que nosso relacionamento era mesmo real. Fiz questão de dar alguns beijos bem quentes em Camila diante dos olhos dela para que ela repassasse aquilo aos seus patrões. Quando chegamos à minha mansão, mostrei todo o lugar para elas e pedi aos meus funcionários que levassem as malas, instalando Alana e Alice em um quarto do primeiro andar. Primeiro,

para que a babá não tivesse que ficar subindo e descendo escadas com a bebê no colo e, segundo, porque eu pretendia cumprir minha promessa de fazer Camila gritar muito naquela noite e, dessa forma, queria que elas estivessem o mais distantes para que não pudessem ouvir. Claro que eu fazia isso para preservar a minha filha. Por mim, Alana poderia ouvir absolutamente tudo e depois repassar em seu relatório aos seus patrões. Que ela dissesse que eu não apenas estava realmente noivo, como tinha uma vida sexual bem ativa com a minha futura esposa. De repente, me referir mentalmente a Camila assim já não me causou mais as aflições que causavam no início. Era como se a nossa inicial mentira já houvesse, de forma natural, se transformado em uma realidade, embora eu ainda evitasse pensar sobre o assunto. Depois que todos nos instalamos, Camila e eu decidimos passar aquele primeiro dia na praia que ficava bem em frente à mansão. Alana nos acompanhou levando Alice no colo. Quando chegamos à faixa de areia, no entanto, eu decidi que queria curtir aquele momento com minha filha.

— Vou levá-la para um mergulho — comuniquei a Alana, me aproximando para pegar minha filha no colo. Ela recuou um passo, reagindo: — Dona Marta e Senhor Cláudio deram ordens para que Alice não entrasse no mar. Ao meu lado, Camila ficou furiosa com o alerta. — E o que os bonitos esperavam que fôssemos fazer em Trancoso? Esquiar na neve? É claro que vamos entrar no mar, e é claro que vamos levar Alice conosco. Alana a olhou com desdém. — Desculpe, mas cumpro ordens dos meus patrões, e eles são os avó de Alice. Apenas eles podem decidir o que ela poderá ou não fazer, e não alguém que não tem qualquer parentesco com ela. — Eu sou o pai dela — intervi. — E Camila é minha noiva, em breve será madrasta dela. Tenho uma decisão judicial que me concede passar os próximos dias com a minha filha, e nesse período o responsável por ela serei eu e, por extensão, a minha noiva. Permitimos que você viesse conosco para que Marta e Cláudio ficassem mais tranquilos e reclamassem menos, mas não é

você quem vai decidir o que minha filha pode ou não fazer. E também não vou permitir que fale com Camila desse jeito. Ela me encarou com puro ódio em seus olhos, mas visivelmente compreendendo o recado. Estendi mais uma vez os braços e, mesmo a contragosto, ela entregou minha filha para mim. Segui com ela no colo e com Camila ao meu lado em direção ao mar, deixando a babá para trás. — Obrigada... — Camila falou. — Por me defender daquela forma. — Já estou de saco cheio com essa coisa de babá. Não sei se vou querer ter uma quando enfim tiver a guarda de Alice. Ao meu lado, Camila riu. — Acredite, você vai. Por mais que pretenda ser um superpai, terá seus compromissos com a empresa e alguém terá que cuidar dela. — Mas será diferente. Sou eu quem vou criar a minha filha. Sei que os Albuquerque não dão qualquer atenção a ela. Apenas pagam babás para fazerem todo o trabalho. — E ainda assim não querem que ela fique com você...

— A questão é muito mais por vingança do que propriamente por amor à neta. Camila parou de andar, intrigada com as minhas palavras. Parei logo à frente e me virei em sua direção quando ela perguntou: — Por que vingança? Suspirei. Não era uma história da qual eu sentisse orgulho. — A Andreza não era nada do que eles, com sua futilidade, considerariam uma ‘garota de ouro’. Era tão louca e irresponsável quanto eu, tanto que sempre nos encontrávamos em festas. — Vocês chegaram a namorar sério? ‘Namorar sério’ não era algo que eu estivesse habituado a fazer. — Não. Mas nos relacionamos algumas vezes, sem qualquer compromisso. Nem eu nem ela éramos adeptos a isso. Em uma dessas ela acabou engravidando, mas não me disse nada. Até porque, eu não a encontrei mais em nenhum evento. Só tive notícias dela um ano depois, quando ela me mandou o e-mail contando sobre Alice. Camila movimentou a cabeça e não fez mais perguntas, mas percebi que ainda parecia curiosa a respeito daquilo.

Sentei-me na areia, de frente para o mar, e coloquei Alice sentada diante de mim. Ela logo começou a brincar com a areia molhada. Camila se sentou ao meu lado, e eu continuei: —

Andreza

me

contou

algumas

coisas

no

e-mail.

Aparentemente os pais dela não lidaram bem com a sua gravidez. Acharam que isso acabou com o futuro promissor que a filha tinha e me culpavam por isso. Ao mesmo tempo, transformaram a vida dela em um verdadeiro inferno. Não queriam que ela me contasse sobre a nossa bebê e, quando souberam que ela tinha entrado em contato comigo, fizeram um escândalo e a colocaram para fora de casa. — Que coisa horrível... — Camila parecia de fato horrorizada. — A Andreza chegou a me mandar uma mensagem quando estava saindo da casa dos pais, contando por alto o que tinha acontecido e dizendo que estava indo para a casa de uma amiga. Lembro de ter dito para que ela não fizesse nada com a cabeça quente, mas não sei se ela chegou a ler minha resposta. Ela estava a caminho da casa da amiga quando sofreu o acidente. A Alice estava com ela. — Meu Deus... — Camila levou a mão à boca, e seus olhos se desviaram para Alice, com preocupação.

— A sorte é que Alice estava na cadeirinha de segurança. Mas Andreza não teve a mesma preocupação com ela própria. Estava sem cinto e acabou não resistindo. — E eles te acusam de ter destruído o futuro promissor da filha deles? Eles destruíram a chance de ela ter qualquer futuro. — É. É o mesmo que eu penso. — Eles mesmos colocaram Alice, junto com a mãe, para fora da casa deles. Por que agora não a deixam ficar com você? — Porque são dois filhos da puta. — Miguel! — Camila me repreendeu, usando as duas mãos para tampar os ouvidos de Alice. Aquilo me fez rir. — Não diga palavras feias na frente dela! — Acho que ainda tenho muito o que aprender sobre ser pai. Incluindo controlar o meu vocabulário na presença dela. Não quero minha filha repetindo ‘palavras feias’. — Então não as diga na frente dela, oras. Alice riu, como se estivesse entendendo a discussão. Camila e eu rimos juntos e eu comentei: — Acho que ela gosta de te ver brigando comigo, que coisa...

— Sabe que o papai fez coisa errada, não é, bebê? Pode deixar que a tia Camila vai brigar sempre que ele fizer isso. — Então a ‘tia Camila’ terá que brigar com o papai muitas vezes, Alice. Porque ele faz muitas coisas erradas. Mas ele está tentando se acertar, para ser o pai que você merece. — Quer saber? Acho que você já é. Levantei o rosto para voltar a olhar para Camila e encontrei diretamente seus olhos com os meus. Ficamos ali presos por algum tempo naquela troca de olhares, até que a surpreendi, me aproximando rapidamente e roubando um beijo seu. Ela riu e nós nos levantamos, segurando cada um em uma das mãos de Alice e, com isso, guiando seus pequenos passinhos até o mar. Quando a primeira onda atingiu nossos pés, minha filha soltou uma gargalhada deliciosa de se ouvir, e depois mais outra a cada onda nova que chegava. Ficamos ali na parte rasa, para a segurança de Alice, e nós três nos divertimos juntos como uma família. No entanto, em um momento que olhei para trás vi que Alana falava ao celular, enquanto mantinha seus olhos fixos em nós.

Deduzi que estivesse contando cada passo nosso para seus patrões. Beijei Camila novamente apenas para dar a ela um assunto a mais para contar.

-----***-----

Capítulo 23

A varanda da parte dos fundos da casa tinha uma vista privilegiada do mar, e foi lá que Camila, Alice e eu ficamos juntos durante as primeiras horas da noite, depois que voltamos da praia, comemos alguma coisa e tomamos um banho. Aliás, Camila e eu demos um banho em Alice juntos, sob o olhar irritante da nossa vigia participar. Essa vinha sendo a única função daquela mulher por lá, já que Camila e eu cuidávamos de tudo relacionado a Alice, mesmo ambos sem quase nenhuma experiência com bebês. Ficamos um pouco enrolados com algumas coisas, mas logo nos adaptamos. Eu

já sabia muitas coisas sobre Alice, como o que ela gostava de comer e suas brincadeiras favoritas. O restante, íamos descobrindo aos poucos, com uma pequena ajuda da internet em algumas pesquisas como ‘o que pode significar o choro do bebê’ (era a fralda suja, aliás). Eu tinha naquela casa um velho violão, lembrança de uma fase da adolescência em que cismei de aprender a tocar na esperança de algum dia me tornar músico, mas logo descobri que não levava o menor jeito para isso. Descobri que Alice gostava muito do som que saía dele, e eu o usei para tocar algumas das poucas canções que eu tinha aprendido. Após algum tempo juntos ali na varanda, brincando juntos, cantando músicas e fazendo palhaçadas para que Alice se divertisse, minha filha começou a dar sinais de sono e eu pude fazer algo que sonhava em fazer desde que a conheci, que era niná-la até que ela dormisse. Camila assistiu à cena em silêncio, sentada em uma espreguiçadeira, trazendo um leve sorriso no rosto. Era incrível como a presença daquela mulher me dava força em tudo aquilo. Quando Alice enfim adormeceu, Alana – que passara todo esse tempo na sala que saía para a varanda, observando-nos como

fazia durante todo o dia – veio até mim, se apressando em pegá-la no colo. — Acho que eu agora posso levá-la para o nosso quarto, não é? — Era mais uma comunicação do que uma pergunta. Como elas dividiriam o mesmo quarto, acabei deixando sem mais reclamações. Esperei até que ela sumisse de nosso campo de visão para sentar-me ao lado de Camila, enrolando meus braços ao redor de sua cintura e trazendo seu corpo para mais junto do meu. Depois de tantas horas trocando beijos comportados, enfim pude beijá-la como havia feito no avião a caminho de lá. Afastei-me quando o ar começou a nos faltar. Antes que o clima esquentasse demais, existia algo que eu precisava dizer a ela: — Obrigado. — Pelo quê? — ela pareceu confusa. Era sério que ela estava me perguntando isso? — Olha, seriam muitas coisas para enumerar, mas, no momento, obrigado por me acompanhar nessa viagem, por se mostrar tão feliz pela presença da minha filha e por me ajudar a cuidar dela.

— Eu me mostro feliz porque é assim que eu me sinto. Apesar de a ideia de ter passado a tarde fazendo sexo na piscina ser verdadeiramente muito tentadora, eu realmente tive um dia ótimo com você e com a Alice. — Bem... Sempre temos a opção de passar a noite fazendo o tal sexo na piscina. Ela me deu um tapa no ombro e riu. — Bobo. Pare de me provocar assim. Você me faz sentir coisas que eu não sentia antes. Sabia que ela estava falando sobre sexo. E eu podia sinceramente dizer que eu também me sentia assim, embora ela fatalmente fosse achar que se tratasse de uma mentira minha, com o seu argumento de ‘você teve tantas mulheres antes e blábláblá’. Eu tive, realmente. Mas nenhuma delas mexia com os meus instintos como Camila. Ali mesmo, eu sentia um desejo imenso de arrancar suas roupas e fodê-la de várias formas, durante o que restasse da noite. Mas não era só isso. E era o que eu julgava mais importante de contar a ela. — Você também provoca isso em mim.

Ela revirou os olhos e fez exatamente o comentário que imaginei ouvir. — O mulherengo e sedutor Miguel Marino? Até parece! — Eu de fato te desejo como nunca desejei nenhuma outra mulher antes, mas não é a isso que me refiro, Camila. Ela piscou, parecendo confusa. — Então ao que você se refere, Miguel? — Sabe a noite do seu aniversário? Quando saímos da delegacia e te levei para o carro... — E eu te pedi um beijo — ela completou. — É, você me contou essa história deprimente. — Não foi só o beijo, Camila. Você também me fez uma revelação. Disse que achava que estava apaixonada por mim. Como acontecia sempre que ficava envergonhada, o rosto de Camila rapidamente corou e eu não pude deixar de sorrir, porque achava que ela conseguia ficar ainda mais linda daquele jeito. — Eu estava fora do meu juízo normal — ela argumentou. — Não deveria acreditar nas palavras ditas por alguém assim.

Acho que nem ela própria seria capaz de acreditar naquele argumento. Mas talvez eu até acreditaria há até um tempo atrás, já que eu não podia ser considerado um sujeito entendedor de sentimentos como paixão ou amor. Mas eu sabia que existia algo forte ligando Camila a mim. — Bem, mas eu estava em meu juízo perfeito. Não quer saber o que eu respondi? — Que eu era uma tola? — Não. Nunca te achei uma tola. O que eu respondi foi que, embora você naquele momento apenas achasse, eu já tinha certeza.

Certeza

de

que,

naquela

ocasião,

eu



estava

completamente apaixonado por você. Percebi que ela ficou totalmente sem palavras diante da minha confissão. Então, eu aproveitei a falta de reações dela para fazer algo que, eu sabia bem, ela considerava a coisa mais brega do universo. Mas eu tinha dito a ela que um sujeito precisaria estar muito desesperado de amor para fazer aquilo. E, bem... talvez eu estivesse. Levantei-me e peguei o violão, afastando-me até sair da varanda, chegando ao quintal. Acho que eu não sabia tocar aquela

música, mas... que diferença fazia? Eu não sabia tocar muitas mesmo, e nenhuma delas bem, e, de qualquer maneira, minha voz desafinada iria abafar completamente o som do violão. — Quando digo que deixei de te amar, é porque eu te amo... — comecei a cantar os versos da clássica ‘Evidências’. Como esperado, Camila enfim reagiu, explodindo em uma gargalhada. — Quando digo que não quero mais você, é porque eu te quero... — Eu não acredito nisso! — ela gritou, sem conseguir parar de rir. — Eu tenho medo de te dar meu coração e confessar que eu estou em suas mãos... — Fui me aproximando mais, até o primeiro degrau da varanda. — Mas não posso imaginar o que vai ser de mim se eu te perder um dia... Continuei a tocar e a cantar e logo Camila também começou a me acompanhar, o que fez com que uma nova crise de risos fosse compartilhada por nós dois. Ela era tão desafinada quanto eu, e quanto mais nos empolgávamos, mais aquilo doía em nossos ouvidos.

Voltei

a

subir

para

a

varanda,

parando

diante

da

espreguiçadeira onde Camila ainda estava sentada, e me ajoelhando à sua frente, enquanto nos empolgávamos juntos no refrão de Evidências. Quando a música chegou ao fim, Camila desceu da espreguiçadeira, ficando também de joelhos no chão à minha frente e tomou os meus lábios com os seus em um beijo. — Essa é... a coisa mais brega, cafona, desafinada... e linda que alguém já fez para mim — ela declarou logo que nossos lábios se afastaram. — Mesmo? — Mesmo. — Isso quer dizer que você aceita? — Aceito o que, seu louco? Você não fez nenhum pedido. — Bem... é que você já está usando um anel, e eu achei que seria meio idiota comprar outro. E já temos uma festa marcada. Tudo o que precisamos fazer é não cancelar. Ela ficou séria. Um brilho de insegurança invadindo seus olhos. — Você está falando sério, Miguel?

— Nunca falei tão sério em toda a minha vida. Acha que é um pouco precipitado? — Na verdade, eu acho. E eu não sou uma pessoa de fazer coisas precipitadas, mas... — Para tudo tem uma primeira vez. Ela voltou a sorrir. — Fico feliz de ter mais uma primeira vez com você, então. E novamente nos beijamos. Senti que aquilo era um sim. Eu a peguei nos braços e a levei escadaria acima, até o meu quarto, onde cumpri a promessa feita mais cedo, fazendo-a gritar de prazer. Primeiro, fizemos amor, de forma lenta e apaixonada. Depois, eu a fodi de forma bruta, de um jeito que eu logo descobri que ela gostava... muito. O sol já estava quase raiando quando enfim adormecemos, juntos em minha cama. Eu e minha noiva... Eu e a mulher que eu já sabia que amava.

-----***-----

Capítulo 24

Eu havia aprendido mais uma coisa sobre sexo: quando se faz demais, as pernas doem no dia seguinte. Na verdade, meu corpo inteiro doía. Ao acordar eu me senti como se tivesse sido atropelada por um caminhão. Mas, ainda assim, não me fiz de rogada quando um beijo de bom dia acendeu um fogareiro entre nós e, quando me dei conta, Miguel já estava dentro de mim novamente. No espaço de alguns dias eu visivelmente tinha ido de uma virgem a uma viciada em sexo. Na verdade, eu acho que minha droga se chamava Miguel Marino.

Fomos descer já era quase onze da manhã, o que nos forçou a uma mudança de planos com relação aos passeios programados para a parte da manhã. Miguel já conhecia aquele lugar desde criança, mas queria que Alice e eu pudéssemos conhecer máximo possível durante aquela estadia. Bem, mas agora ele não tinha tanta pressa assim, já que logo voltaríamos lá. Seria o local do nosso casamento, afinal de contas. Casamento... Eu, esposa de Miguel Marino. A ideia, ao mesmo tempo que surreal, era absolutamente maravilhosa. Tão maravilhosa quanto o fato de que eu não apenas ganharia um marido, mas também uma criança linda que eu já amava como se fosse minha. Às três da tarde, conforme o planejado, seguimos os três – infelizmente acompanhados por Alana – até a sede do bufê que cuidaria do nosso casamento. Alice, inclusive, também participou da degustação. Miguel e eu nos divertimos dando pedacinhos pequenos de comida na boquinha dela, e as expressões que ela fazia nos ajudavam a decidir o que seria aprovado ou retirado do cardápio.

Alana ficou bem distante de nós, mas em um pouco estratégico onde poderia seguir nos vigiando. A prova ocorreu em um salão enorme e a babá se manteve à distância, em um corredor, andando de um lado para outro e, por vezes, sumindo do nosso foco de visão, embora logo voltasse a aparecer. Percebi que ela não parava de mexer no celular, como se estivesse em contato direto com alguém. E aqui, por qualquer razão, me deixou desconfiada. Após algum tempo ela adentrou o salão, informando: — Alice está comendo demais, desse jeito vai acabar passando mal. Miguel rebateu com um toque de impaciência na voz: — Acha que estamos entupindo um bebê de comida? — Talvez não ainda, mas pelo que vejo tem ainda muitos pratos para passar por vocês, e ainda nem chegaram aos doces e bolos. Na casa dos Albuquerque, ela é criada em uma dieta livre de açúcar. Essa mudança súbita pode acabar fazendo mal a ela. Pensei em me meter na situação e dizer que um dia comendo algumas coisas não tão saudáveis não faria nenhum grande mal no organismo de Alice, mas, ao olhar para Miguel, percebi que ele estava pesando aquelas palavras e me dispus a fazer o mesmo.

Talvez não fosse a melhor das ideias mexer de forma súbita na dieta de uma criança. Alana estendeu as mãos para pegar Alice, que estava sentadinha no meu colo, e sugeriu: — Tem um playground ali no pátio. Ficarei ali brincando com ela até que vocês terminem aqui. Miguel e eu nos entreolhamos, praticamente travando uma conversa em total silêncio, apenas com nossos olhares, até chegarmos a um comum acordo e ambos balançarmos a cabeça em uma confirmação um para o outro. Assim, eu entreguei Alice a Alana. Fizemos o que seria inteligente e racional, pelo próprio bem da criança. Contudo, algo em meu peito gritava que eu deveria ter continuado com Alice em meus braços. Enquanto via a babá se afastar com ela, tentava me convencer de que não haveria risco algum. Elas estariam bem ali, a duas paredes de distância, e Alana era uma profissional contratada para cuidar dela, fazia isso desde que Alice nasceu. Nada poderia dar errado. Ao menos era no que eu queria acreditar.

Voltei a tentar me descontrair na prova dos demais pratos, até que, cerca de vinte minutos depois, ouvimos um grito feminino, seguido pelo barulho de um carro saindo em disparada. Miguel e eu nos levantamos e saímos correndo para a parte externa do salão, onde ficava o playground. Não havia ninguém ali. Olhamos para o portão e vimos Alana caída sentada na calçada. Era ela quem gritava. Corremos até ela e constatamos que ela estava sozinha. A bolsa de fraldas de Alice estava caída ao seu lado, mas não havia qualquer sinal da bebê. — Onde está Alice? — Miguel gritou, olhando desnorteado de um lado para outro na rua, provavelmente procurando rastros do carro que tínhamos ouvido. — Um homem a levou! — Alana respondeu, trêmula. Eu a ajudei a se levantar, com meu coração disparado em meu peito, tentando entender o que tinha acontecido e onde a minha garotinha estava. — Ele me rendeu com uma arma, tirou a Alice de mim e a levou no carro. — Qual era o carro? — Miguel perguntou, tirando as chaves de seu próprio veículo do bolso. — Para que lado ele foi?

— Eu não entendo de carros, era um desses de modelo popular, da cor cinza. A placa era de Salvador. Foi por aquele lado! — ela apontou em uma direção. Miguel se virou e começou a correr em direção ao estacionamento onde tinha deixado seu carro. Eu comecei a seguilo, mas ele parou e me deteve. — Fique aqui com a Alana e chame e polícia — Tenha cuidado — foi tudo o que eu consegui dizer. Sem respostas, ele apenas voltou a correr. Retornei para perto de Alana, que já estava sendo amparada por funcionárias do bufê. Corri de volta para dentro do imóvel, indo até o local onde estava antes e pegando minha bolsa que havia deixado pendurada na cadeira onde estive sentada enquanto fazia as degustações. Peguei meu celular dentro dela e liguei para a polícia.

-----***-----

Seja lá qual caminho o desgraçado havia feito, eu não consegui alcançá-lo. Percorri as ruas de Trancoso durante algumas horas, e não vi nem mesmo rastros do tal carro cinza. Bem, na verdade, carros populares na cor cinza eram comuns em qualquer lugar, mas não achei nenhum que tivesse a placa de Salvador, como Alana havia descrito. Em determinado momento, Camila me ligou, contando que estavam a caminho da delegacia, então segui para lá, na esperança de que tivessem alguma pista de quem tinha sequestrado a minha filha. Logo que cheguei, Camila estava sentada, mas se levantou e correu em minha direção, vindo me abraçar. O corpo inteiro dela tremia e ela chorava. Percebi que, ao contrário dela, Alana parecia tranquila demais.

Logo que cheguei, tentei me atualizar da situação. Soube melhor do relato de Alana. O carro tinha parado diante dela, um homem com o rosto coberto por um capuz saiu apontando um revólver e ordenou que ela lhe passasse a bebê. Quando a entregou, Alana foi derrubada no chão e o homem entrou no carro com Alice e fugiu. — Por que estava na rua e não no playground, como disse que faria? — questionei, enfurecido. Alana estava sentada em uma cadeira e levantou o rosto, me olhando de forma assustada. Aparentemente, eu parecia assustá-la muito mais do que ter passado pelo que ela passou. — Estava muito quente, levei Alice para fora para pegar um ar. — E no tempo que fez isso, um total estranho veio e, sem razão alguma, sequestrou a minha filha? Eu já estava praticamente gritando. Minha vontade era sacudir aquela mulher até que ela contasse o que realmente tinha acontecido. Camila veio até mim e suas mãos tocaram o meu peito, em uma tentativa de me acalmar e de se colocar entre Alana e eu.

— Miguel, a dona do bufê liberou a câmera de segurança para os policiais. Eu vi com eles as imagens, e aconteceu exatamente o que a Alana contou. Eu ainda custava a acreditar naquilo. Óbvio que sabia que Camila não estaria mentindo para mim, mas a situação ainda não fazia qualquer sentido. Olhei para o delegado. — Por que alguém sequestraria a minha filha? Ele respondeu com a calma de quem via situações assim em seu dia a dia. — O senhor é Miguel Marino, não é? Empresário milionário e famoso. Tudo indica que seja realmente uma situação de sequestro para pedido de resgate. Ele se calou quando um policial se aproximou, dizendo algo baixo próximo ao seu ouvido. Então, ele pediu licença e se levantou, saindo da sala. Após a sua saída, Camila se jogou novamente em meus braços, me abraçando com força. Eu a abracei de volta em uma forma não apenas de acalmá-la, mas também de buscar um pouco de paz para o inferno onde minha mente e minha alma pareciam terem sido atiradas.

— Eu não devia ter deixado ela sair... — Camila chorou junto ao meu peito. — Eu tive uma sensação ruim naquela hora, não devia ter entregado ela para a Alana. Beijei o topo de sua cabeça. — Você não tem culpa de nada, Mila. Vamos encontrar os culpados disso. E teremos nossa filha de volta. As palavras foram ditas sem que eu sequer raciocinasse a respeito delas. ‘Nossa filha’... Sabia que Camila já a amava dessa forma. A maior prova disso era o tanto que estava nervosa naquele momento. Ao contrário de Alana que parecia calma demais para alguém que teve uma arma apontada para si. Para alguém que cuidava de Alice desde que ela nasceu. Minutos depois, o delegado voltou à sala, trazendo uma notícia: — Encontraram o carro. Bate com as descrições obtidas pelas imagens. — E a Alice? — Camila perguntou, me soltando e voltando-se de frente para o delegado.

— Sinto muito, o veículo estava vazio. Certamente foi abandonado e o criminoso usou outro para seguir em sua fuga. — Tem certeza de que era o mesmo carro? — questionei. — É um Ford Ka 2010, de cor cinza, com a placa daqui mesmo de Porto Seguro. Aquela última informação não batia. — A placa não era de Salvador? — Não, é de Porto Seguro. Está bem claro nas imagens da câmera, e a mocinha ali confirmou a informação. Ele apontou para Alana e eu segui os olhos na mesma direção, encarando-a. Parecendo assustada, ela se levantou, recuando alguns passos. — Você me disse que a placa do carro era de Salvador... — falei, controlando-me ao máximo o ódio que eu sentia por aquela mulher. — Eu me confundi... — ela usou a desculpa mais estúpida que podia. Novamente, Camila veio até mim e se colocou à minha frente. Eu não era um covarde e seria incapaz de agredir uma mulher, mas o ódio que eu sentia naquele momento quase me cegava

completamente. Novamente, queria sacudir Alana até que ela contasse tudo o que sabia e o que ainda escondia, e que outros ‘enganos’ teria cometido quando contou o ocorrido. — Foi apenas um engano — o delegado tentou defendê-la. — A moça estava nervosa, fez uma confusão na hora de falar. Olha, senhor Marino, sei que isso é difícil, mas o melhor a ser feito é deixar isso com a minha equipe e voltar para casa. Não vai adiantar nada ficar por aqui. Dois oficiais meus irão acompanhá-los para o caso de o sequestrador entrar em contato, o que acreditamos que ele vá fazer. Eu não queria sair dali, mas sabia que o delegado tinha razão em um ponto: ficar não ajudaria em nada. Mas eu não poderia simplesmente esperar que um sequestrador entrasse em contato comigo. Eu não fazia ideia do que poderia fazer que fosse realmente eficaz. Mas sabia que não conseguiria ficar quieto. Decidi, então, que percorreria toda aquela cidade à procura de qualquer pista ou informação que pudesse me levar até a minha filha. De qualquer maneira, aceitei a escolta policial até em casa. Pretendia ir também para lá, mas apenas para deixar Camila em

segurança. Foi informado que Alana ainda precisaria permanecer por ali para responder a mais algumas perguntas, por isso, apenas um policial iria conosco e outro ficaria para levar Alana assim que ela terminasse com seu interrogatório. Assim

sendo,

seguimos

para

fora

da

delegacia,

acompanhados pelo policial. Ela passou o trajeto inteiro chorando, o que me destruiu ainda mais por dentro. Garanti a ela, inúmeras vezes, que tudo ficaria bem. E eu também queria acreditar naquilo.

-----***-----

Capítulo 25

Eu queria a minha garotinha de volta. Isso era tudo no que eu conseguia pensar. Era só o que a minha mente repetia sem parar, em meio às perguntas infinitas sobre se ela estaria bem. Se alguém a teria machucado. Se estava alimentada e agasalhada. Dentre tantas outras questões. Mas eu não tinha a resposta para nenhuma delas. Logo que voltamos para casa, Miguel deu alguns telefonemas. Ele era um homem influente, que conhecia muita gente e aparentemente tinha também alguns contatos naquela região. Para

não me preocupar ainda mais – como se isso fosse possível – ele fez esses telefonemas no escritório da casa, deixando-me sozinha na sala. Bem... não exatamente sozinha. O policial estava lá, além de Leila, a governanta da casa, a quem Miguel tinha pedido para ficar por perto para o caso de eu precisar de algo. Mas tudo o que eu precisava era ter Alice de volta. Já era noite e Miguel já estava há mais de uma hora em seus telefonemas, quando enfim retornou para a sala. Levantei-me e, como das outras vezes, corri para abraçá-lo. Ele me acolheu forte em seus braços e isso me passava conforto, embora eu soubesse que eu é que deveria confortá-lo. Miguel estava se mostrando muito forte com tudo aquilo. Muito mais do que eu. — Vou sair para ver se consigo encontrar alguma pista — ele me comunicou. Afastei-me dele e declarei: — Eu vou com você. — Não, Camila. É preciso que alguém fique. Temos uma linha telefônica fixa na casa e é possível que o filho da puta que levou Alice tente entrar em contato por ela.

— Onde você pretende procurar? — perguntei, aflita. — Vou tentar em lugares onde ele pode ter parado. Postos de gasolina, lojas de conveniência... Até mesmo hospitais. A última palavra fez um calafrio percorrer o meu corpo. A ideia de que Alice pudesse ter se machucado em algum acidente ou coisa parecia me deixava em pânico. Tentei dizer algo, mas o policial presente na sala o fez: — Desculpe, senhor, mas acho que tudo isso será em vão. Nossa equipe provavelmente já checou esses lugares. — Vou checar de novo, então! — Miguel rebateu. — O que eu não posso é ficar aqui de braços cruzados. O policial abriu a boca para retrucar, mas sua voz foi sufocada pelo toque de um telefone, o que causou uma grande apreensão a todos ali. Era o aparelho do próprio policial, que ele atendeu. Ele disse meia dúzia de palavras bem sucintas como ‘ótimo’, ‘entendido’ e ‘certo’, e encerrou com um ‘já estamos a caminho’. Agarrei a mão de Miguel com força, ambos olhando para o agente e aguardando que ele nos informasse o que havia acontecido. Para o nosso alívio, ele parecia ter boas notícias.

Mas eu sinceramente não esperava uma tão maravilhosa quanto a que ele deu: — Encontraram a menina. Ela está bem. Senti minhas pernas enfraquecerem devido à emoção, e agradeci pelo braço forte de Miguel que se contornou ao meu redor, servindo de apoio para que eu não caísse. Não consegui dizer uma única palavra, e Miguel ainda levou alguns poucos segundos parecendo se recuperar do baque para enfim conseguir perguntar algo: — Como ela está? Onde ela está? — Ela está bem. Foi levada para um hospital apenas para confirmarem se está mesmo tudo bem, mas ela já está sendo atendida. — Onde a encontraram? — perguntei, ainda nervosa. Só conseguiria me acalmar totalmente quando estivesse com ela em meus braços. — Justamente em um posto de gasolina. Estava sentada no chão de um corredor que leva aos banheiros. — Nada disso importa agora — Miguel falou. — Para que hospital a levaram?

— Eu vou acompanhar vocês até lá. E saímos, sendo guiados pelo policial. No caminho, fui pedindo a Deus para que nossa garotinha estivesse realmente bem e que não tivessem feito qualquer mal a ela.

-----***-----

O caminho da minha casa até o hospital não era longo, mas para mim, naquele momento, pareceu levar uma eternidade. Logo que chegamos lá e fui informado sobre em que sala minha filha estava, agarrei a mão de Camila e seguimos juntos praticamente correndo. Abrimos a porta sem bater e, junto ao alívio de ver minha filha ali, bem, acordada e aparentemente sem qualquer ferimento,

veio a surpresa nada agradável ao vermos quem a segurava no colo. Marta estava de pé, com Alice em seus braços. Conversando com ela estava, além de uma enfermeira, também Alana. É claro... Alana havia ligado para seus patrões e os deixado a par de toda a situação. Não havia surpresa alguma nisso. Passados alguns breves segundos em que Marta e eu nos encaramos em silêncio, desviei minha atenção de volta para a minha filha quando ela sacudiu os bracinhos em minha direção logo que me viu. Marta, no entanto, recuou alguns passos, deixando claro que não me entregaria a minha filha. — Ela está liberada, então? — ela perguntou, voltando a olhar para a enfermeira. — Sim, senhora. E está tudo bem com ela, pode ficar tranquila. Foi apenas um susto. — Muito obrigada, minha querida — ela agradeceu e a enfermeira, pedindo licença, saiu da sala. Alana a seguiu, provavelmente percebendo que a situação ficaria tensa por ali. Camila apertou minha mão com mais força,

mostrando que permaneceria ao meu lado. — Acredito que a sua fiscal te ligou para passar as notícias — falei. — Eu sabia que era um erro confiar a minha neta a você. Na primeira oportunidade de cuidar dela, olha o que acontece. Sim, Alana teve a decência de fazer o que você não fez: ao menos ligar para nos contar o que estava acontecendo. Vim o mais rápido que pude. — E ela também teve a decência de te contar que tudo aconteceu porque ela não ficou nos esperando onde disse que ficaria? — Pelo amor de Deus, Miguel, vai agora jogar a culpa na pobre moça? Ela não tem culpa se você tem inimigos dispostos a usarem sua filha para te atingir. — Eu não tenho inimigos, Marta. Vocês podem me acusar de qualquer coisa... De ser irresponsável, festeiro, imprudente, o que for... Mas não sou do tipo que faz inimizades. Nunca fui. — Ah, não? Como você explicaria o que aconteceu, então? Alguém sequestrou Alice e não foi para pedir dinheiro algum como resgate, foi apenas para te atingir. Ela foi largada sozinha em um

chão sujo de um posto de gasolina, só Deus sabe o que poderia ter acontecido com ela. Meu Deus, pensar naquilo me causava um medo que eu nunca imaginei sentir em toda a minha vida. Eu só queria naquele momento poder abraçar a minha filha, enchê-la de beijos e me certificar de que de fato não estava machucada, então levá-la comigo para casa em segurança, jurar a ela que nunca deixaria ninguém mais lhe fazer mal algum, e... pedir perdão. Porque Marta estava com a razão: tudo aquilo era culpa minha. Eu realmente não era alguém que criava intrigas por onde passava, mas quem poderia afirmar que não existiam algumas pessoas que me odiavam por qualquer coisa? Camila deu um passo à frente, encarando Marta. — Existem diversas outras possibilidades para o que aconteceu, senhora. Talvez fosse mesmo alguém tentando dar um susto por pura vingança, mas o que te faz ter tanta certeza de que tenha sido por causa do Miguel e não por você e seu marido? Também são duas pessoas muito influentes, quem garante que não tenham sua cota de inimigos por aí? Os olhos de Marta pareciam em chamas quando ela retrucou:

— Em primeiro lugar, estou conversando sobre isso com Miguel porque, mal ou bem, ele é o pai de minha neta, mas esse assunto não diz respeito a você. Ainda assim, vou respondê-la: ainda que o ocorrido fosse por conta de inimizades minhas e de meu marido, isso certamente não teria acontecido se Alice estivesse conosco. Como sei disso? Porque ela tem um ano de vida e mora conosco desde que nasceu, e nunca nada nem parecido com isso jamais aconteceu a ela. Mas ela está há dois dias com vocês e olhem no que deu. — Camila é minha noiva — eu me manifestei. — Quer você queira ou não, ela logo será também parte da família de Alice. E eu vou descobrir quem fez isso com Alice e por que e, te garanto, não importa de quem ele seja inimigo, vou cuidar para que isso não ocorra novamente. — Ah, não vai acontecer mesmo. Porque minha neta não ficará nem mais um dia sob seus cuidados. Estou voltando para casa com ela. E eu duvido muito, Miguel, que depois desses acontecimentos de hoje algum juiz dê a guarda dela para você. No que depender de mim e do meu marido, você perderá os direitos até mesmo das visitas monitoradas.

— Não pode fazer isso! — Camila praticamente gritou, parecendo se esquecer de que estava em um hospital. — Miguel tem uma autorização judicial para passar a semana com a Alice. — Ele tinha. — Segurando Alice com apenas um braço, ela levou a outra mão à bolsa em seu ombro e retirou de lá um papel, entregando-o para mim. Peguei e li, mal conseguindo acreditar que ela tinha conseguido aquilo em um espaço de tempo tão curto. — Agora sou eu quem tenho uma autorização para levar minha neta de volta comigo para casa. E pretendo fazer isso ainda essa noite. A não ser que vocês queiram voltar para a delegacia para discutirmos isso. — Você não vai levar a Alice! — Camila voltou a se impor. Toquei em seu braço, fazendo com que ela olhasse para mim. — Mila, ela tem razão. Não vamos resolver nada com o sangue quente. Ela tem a autorização, brigar contra isso não vai adiantar de nada. — Mas, Miguel... — ela começou a falar. Deslizei os dedos de forma carinhosa pelo seu braço, tentando mostrar a ela que estava tudo bem.

Não estava nada bem. Mas, naquele momento, eu apenas queria me focar no fato de que minha filha estava salva de todos os perigos pelos quais passou... Não importava naquele momento de quem fosse a culpa. Eu só queria que ela ficasse bem. E nada ficaria bem se ainda saíssemos dali de volta para uma delegacia para travarmos uma briga inútil. Ela tinha a autorização. Naquele momento, a vitória era dela. Alice percorria seus olhos pelos rostos dos adultos do recinto, e tinha uma expressão cansada e assustada em seu rosto. Já estava muito tarde e ela tinha passado por um dia terrível. Seria melhor, naquele momento, permitir que Marta a levasse para que ela pudesse descansar. Aquele comportamento não era o meu natural. Há até bem pouco tempo, eu insistiria na briga, tentaria tirar Alice à força das mãos daquela mulher por quem eu não sentia nada além de asco e não aceitaria facilmente o que eu consideraria como uma derrota. Mas eu parecia ter amadurecido mais naqueles últimos meses do que em todos os anos anteriores da minha vida. Entender-me enquanto pai tinha contribuído com uma enorme parte disso.

A outra parte vinha de meu relacionamento com Camila e do tanto que ela vinha me ensinando sobre responsabilidades, prioridades e proteger quem você ama acima de qualquer outra coisa. Estendi o papel de volta para Marta e comuniquei: — Isso não é uma derrota, Marta. Não vou desistir da minha filha. — Pode ficar com o papel, é apenas uma cópia. Guarde como recordação do dia que você quase matou a sua filha. E que isso te sirva também como uma lembrança para que você coloque a mão em sua consciência e pense se você quer realmente o melhor para ela, ou apenas o melhor para você. Com essas palavras amargas, ela passou por nós e saiu da sala. Camila ainda olhou para a porta por alguns instantes, como se cogitando ir atrás dela. No fim, sei que ela entendeu que de nada adiantaria isso e voltou a se virar de frente para mim, esticando a mão de encontro ao meu rosto. — Está tudo bem? — ela perguntou, com a voz sussurrada e carregada de angústia. Movimentei a cabeça em uma negativa.

— Não está. Mas vai ficar. Ela concordou com um movimento de cabeça e me abraçou com força. E eu torci para que minhas palavras estivessem certas.

-----***-----

Capítulo 26

Nada mais fez qualquer sentido naquela viagem. Tanto que, no dia seguinte, decidimos fazer as malas e voltar para casa. O voo de volta foi triste e silencioso. E eu não tinha qualquer perspectiva de que as coisas melhorariam quando estivéssemos em casa. Quem telefonou para Janete e contou a ela todo o ocorrido foi Camila, porque eu, por mais que soubesse que aquele era um passo necessário, me sentia como a porra de um covarde sem qualquer ânimo para encarar de frente os seus novos problemas. Eu sabia que Janete iria surtar e gritar sobre o quanto eu fui irresponsável e como a situação agora estava definitiva e totalmente

a favor dos Albuquerque. E eu realmente não estava no espírito de aguentar mais isso. Ao menos não naquele momento. Logo que desembarcamos, minha mãe já nos aguardava, o que me dava uma dica de que Camila também tinha entrado em contato com ela para lhe passar a situação. Ao menos, minha mãe não me faria julgamentos. Apenas nos recebeu com abraços apertados, disse palavras de apoio e nos levou em seu carro até a minha casa falando, por todo o trajeto, sobre como Cláudio e Marta eram duas víboras peçonhentas e dois ‘velhos malditos carniceiros’. Eu concordaria com ela, se tivesse ânimo para isso. Ao chegar ao portão da minha mansão, no entanto, o carro foi detido por uma pequena aglomeração de jornalistas. Por falar em carniceiros... Eu não vinha acompanhando as últimas notícias, mas era de se esperar que o ocorrido com Alice fosse uma pauta importante para todos os jornais. — Vou passar com o carro em cima deles — minha mãe ameaçou, e eu sabia que não era força de expressão e ela estava realmente disposta a isso.

Desde os escândalos do meu pai em seus relacionamentos com suas funcionárias que minha mãe não tinha um grande apreço por repórteres, em especial aos de fofocas. — Não, mãe... eu vou falar com eles — declarei. — Está louco? — minha mãe rebateu. — Não tem que falar nada com esse bando de abutres. — Não tenho, mas quero. Não sei como ficou a minha imagem pública depois de tudo o que aconteceu, mas acredito que não esteja nada boa, e preciso tentar melhorá-la. Camila estava no banco de trás do carro e sua mão foi parar em meu ombro, massageando-o. — Eu vou com você — ela anunciou. Eu não queria que ela tivesse aquela exposição, mas sabia o quanto a companhia dela me daria suporte naquele momento. Não estava certo se conseguiria encarar aquilo sozinho. Por isso, concordei. Nós saímos do carro e os jornalistas vieram todos até nós, nos cercando. Uma explosão de flashs de câmeras fotográficas me cegou por um momento, ao mesmo tempo em que um monte de perguntas desencontradas chegou aos meus ouvidos.

Consegui distinguir uma delas: — A polícia já tem alguma pista do sequestrador? — Até onde eu saiba, não. Mas estão trabalhando nisso. — Existe a possibilidade real de o sequestro ter sido uma vingança de algum inimigo seu, como os avós da criança estão argumentando? — Eu sabia que essa pergunta viria, só não imaginei que fosse tão direta assim. Isso me trazia a notícia de que Marta e Cláudio não haviam perdido tempo em falarem com a imprensa. — Eu não tenho inimigos declarados — informei. — Mas a polícia está trabalhando com todas as possibilidades. O importante no momento é que minha filha está bem. Uma mulher levantou outro questionamento: — O senhor pretende, depois disso, insistir no pedido de guarda? — Insistirei até o fim. Alice é minha filha e não há nada de concreto que me torne incapacitado para ser o pai dela. Porém, eles pareciam dispostos a enumerar uma lista de motivos:

— O senhor já se envolveu em diversas polêmicas ao se exceder em festas depois de bebedeiras ou ser flagrado com várias mulheres ao mesmo tempo, inclusive com mulheres casadas. As próprias circunstâncias do seu atual noivado envolvem algumas situações curiosas, como o fato de ela ser funcionária de sua empresa, e de o romance ter sido revelado subitamente já com data de casamento marcada, quando apenas alguns meses antes o senhor foi flagrado saindo de um hotel com uma artista famosa. E agora, na primeira oportunidade de passar alguns dias com a criança, ocorreu essa situação de sequestro. Acha que tem alguma chance de ganhar essa ação? Tomei fôlego para responder, mas Camila se adiantou. — Se me permitem responder a isso. Sim, o meu romance com Miguel foi súbito. Porque assim foram os nossos sentimentos um pelo outro. Tivemos uma afinidade quase automática logo que nos conhecemos e, como ele mesmo me disse na ocasião, em poucos minutos era como se não fôssemos patrão e empregada, mas dois amigos conversando juntos em um balcão de bar. Se nosso casamento parece apressado, é porque o nosso amor também foi assim.

As palavras de Camila me emocionaram. Ela segurava a minha mão, e a apertei com um pouco mais de força nesse momento, como em um agradecimento silencioso pelo que fazia. Por estar ao meu lado naquele momento tão difícil. Ela prosseguiu: — A forma como Miguel se comportava no passado ficou no passado. Ele mesmo passou essa página a partir do momento em que descobriu que era pai. E se um homem disposto a mudar um comportamento de uma vida inteira para poder ser o melhor pai que uma criança pode ter não merece um voto de confiança da justiça, eu sinceramente não sei mais quem pode merecer. A fala de Camila poderia soar emocionante para mim, mas pareceu não ter surtido efeito nenhum nos jornalistas, que, como um bando de robôs sem emoção, voltaram a disparar um monte de perguntas desencontradas. Foi a minha vez se assumir a palavra: — Eu não sei quantos de vocês aqui têm filhos. Mas eu tenho certeza de uma coisa: nenhum de vocês é uma mãe ou um pai perfeito. Aquela mulher ali no carro é a minha mãe. — Apontei para

lá e todos seguiram os olhos para ela. — E ela também não foi e não é uma mãe perfeita. — Ei! — minha mãe gritou, colocando o rosto pela janela do carro. Ignorando-a, prossegui. — Porque ela, assim como vocês e assim como eu, é um ser humano, e nenhum de nós é perfeito. Mas, com seus erros e acertos, aquela mulher foi a melhor mãe que poderia ser. Eu sempre vi o seu esforço para isso e sou eternamente grato pela forma como me criou. Porque acho que é isso que separa bons pais de pais ruins: o desejo e a busca por ser sempre o melhor que se pode ser, dentro de suas condições, sejam financeiras ou emocionais. E é isso o que pretendo ser com Alice: o melhor pai que eu puder. Eu sei disso. E sei também que os Albuquerque nunca tiveram essa preocupação

com

Andreza.

Eles

sempre

estiveram

mais

interessados em exibir uma filha perfeita para a sociedade do que em entendê-la, em conversarem com ela ou demonstrarem amor. Andreza mencionou para mim algumas vezes sobre ter crescido em um lar sem amor. E sei que ela não iria querer que Alice vivesse o mesmo. Enquanto eu estiver aqui, não vou permitir que isso aconteça. E por hoje é só, a entrevista está encerrada.

Sob protestos, Camila e eu voltamos a entrar no carro e, dessa vez, minha mãe realmente quase cumpriu sua promessa de passar por cima deles enquanto entrava com o carro em minha garagem.

-----***-----

As palavras de Miguel haviam sido precisas e certeiras, e eu esperava, de coração, que fossem publicadas na íntegra e que servissem para mobilizar a opinião pública a seu favor. Logo a minha sogra – agora eu poderia de fato chamá-la assim – foi embora e nos deixou a sós. Liguei para a minha avó para contar que já tínhamos chegado e que eu passaria aquela noite com Miguel. Ela disse que viu os nossos depoimentos na televisão e que

tinha se emocionado muito com aquilo. E eu esperava que isso tivesse acontecido a mais pessoas. Miguel estava realmente muito mal, por isso insisti para que ele fosse se deitar. Ele tinha liberado os funcionários da casa naquele dia – já que era para ainda estarmos em nossa viagem. Por isso, eu fui até a cozinha preparar algo para ele comer. Imaginei que estivesse tão sem apetite quanto eu, por isso optei por preparar uma bandeja com alguns lanches. Ele precisava comer algo, e, na verdade, eu também. Estava distraída nisso quando um latido atrás de mim me fez sobressaltar. Virei-me, encontrando Apolo parado na entrada da cozinha. A mãe de Miguel o tinha deixado em casa antes de ir nos buscar. — Meu Deus, Apolo, que susto! — comentei, levando a mão ao peito. Eu sabia que huskys, por natureza, não eram de latir muito. Sim, talvez eu tivesse feito uma pesquisa sobre a raça quando descobri que Miguel tinha um e que fatalmente em algum momento nós iríamos nos conhecer.

Porém, compreendi de imediato que ele estava tentando chamar a minha atenção. Ele adentrou a cozinha, vindo até mim. Por instinto, recuei um passo, mas ele insistiu, esfregando a cabeça em minha perna. Acho que era um sinal de paz. Embora trêmula e ainda desconfiada, levei a mão à cabeça dele, afagando seu pelo. — Está preocupado com o Miguel, é isso? — perguntei. — É, eu também estou. Faltam poucas semanas para a audiência, vamos precisar dar muito apoio para ele até lá. Ele levantou a cabeça, me olhando nos olhos, e percebi que aquela era a primeira vez na vida que eu conversava com um cachorro. Bem, mas eu sempre conversava com o Tapioca, então, no fim das contas, não achei isso tão preocupante assim. — Acho que nós dois podemos ser amigos, não é? Aliás, se eu sou a mãe humana de um gato, posso ser a sua também. Ele inclinou a cabeça para o lado, como se tivesse entendido o que eu tinha dito. — Anda, agora vamos levar um lanche para o seu humano lá de cima. Vem, me segue. Ah, mas vê se não vai morder a minha

bunda, hein? Peguei a bandeja já pronta e segui, saindo da cozinha e subindo as escadas. Apolo veio bem atrás de mim, e confesso que de tempo em tempo eu olhava para trás, apenas para me certificar de que eu não fosse mesmo levar uma mordida. Quando entrei no quarto, pensei que fosse encontrar Miguel deitado, mas ele estava sentado diante de uma mesa, com um notebook aberto diante dele. Deixei a bandeja sobre a cama e me aproximei, percebendo que ele olhava notícias sobre o sequestro de Alice e toda a repercussão do caso. Suspirei e me debrucei sobre as costas dele, passando os braços ao redor de seus ombros e dando um beijo em seu rosto. — Amor, não deveria estar vendo essas coisas. Ele devolveu o beijo, logo voltando a se focar na tela. — Precisa ver os comentários dessas notícias. Estão dizendo coisas horríveis a meu respeito. — Não sabe a regra número um para manter a saúde mental na internet? Não leia os comentários. Especialmente se forem de uma notícia sobre você.

— O caso já se tornou público, Mila. E, infelizmente, a opinião pública sempre tem seu peso em situações assim. — Não deveria. São pessoas que não te conhecem, não sabem nada a seu respeito. — Ninguém se importa com isso, Mila. Tenho medo de que tudo agora tenha sido perdido. — Não foi. Ouça, minha avó me disse que viu a sua coletiva e que se emocionou bastante. Aguarde até todos os veículos transmitirem aquilo e vai ver como terá emocionado muitas outras pessoas. Tinha muita verdade e sentimento no que você falou. — Por falar nisso... — Ele girou a cadeira e me puxou para que eu me sentasse em seu colo. — Muito obrigado por hoje. Aliás, por tudo até agora, mas especificamente ao que você disse aos repórteres. Gostei da forma como falou que nosso casamento foi apressado porque o nosso amor também foi. Só então eu me dei conta de que ainda não tínhamos dito, com todas as letras, um ‘eu te amo’ um ao outro, e o quanto isso era totalmente irrelevante. Porque eu já sentia o amor dele por mim, e sabia que ele também sentia o meu por ele. — Eu falei a verdade, não foi?

— A mais pura verdade. Você é incrível, Camila. — Eu estava pensando aqui... Não que faça diferença, mas... Eu queria falar para você, com todas as letras, que eu te amo. Acho que você meio que já desconfia disso, mas eu ainda não tinha falado. Ele passou o dedo polegar levemente pelo meu rosto e tomou meus lábios com os seus. Depois de um beijo lento e demorado, ele respondeu: — Eu também amo você. Mas eu já tinha dito isso, embora você provavelmente não se recorde. Levantei uma sobrancelha, realmente não me lembrando de tal fato. Ele sorriu de forma implicante e cantou o infame verso inicial de Evidências: — Quando eu digo que deixei de te amar é porque eu te amo... Comecei a rir e ele me acompanhou. Então, eu o abracei, afundando minha cabeça em seu ombro. E ficamos assim, em silêncio, por um longo tempo. Eu sabia que ele não conseguia deixar de pensar em toda aquela situação com Alice. E, bem... eu também não.

-----***-----

Capítulo 27

Voltar ao trabalho, inicialmente, pareceu ser uma boa ideia para tentar distrair a mente de todos aqueles acontecimentos. Estávamos agora a dois dias da audiência. Miguel não teve autorização para rever sua filha e isso o deixava cada dia mais deprimido. Janete estava empenhada em encontrar algo que pudesse nos ajudar, mas, até o atual momento, nada tinha sido achado. Trabalhar era o que nos restava para tentar manter nossas mentes ocupadas. E Miguel também achava que seria bom seguir

indo para a empresa para manter sua imagem de empresário dedicado. Porém, meus dias na Marino não estavam sendo exatamente relaxantes. O trabalho me fazia bem, mas as pessoas ao redor não eram das mais amigáveis. Se antes já passavam horas de seu tempo se dedicando a fofocas a respeito da colega que ‘está tentando um golpe do baú no chefe’, agora, depois dos últimos ocorridos envolvendo o nome de Miguel Marino, a coisa piorara ainda mais. Mas eu tentava ao máximo ignorar tais comentários e apenas segui em minha rotina. Faltava pouco menos de meia hora para o final do expediente quando eu consegui concluir o projeto no qual vinha trabalhando. Sorri, olhando para a tela do computador, pensando no quanto queria mostrar aquilo para o Miguel. De algum tempo para cá ele vinha se interessando verdadeiramente pela arquitetura, e até falava em retornar à faculdade para concluir o seu curso, queria até mesmo se especializar. Desliguei o computador e me levantei, indo ao banheiro, já me preparando para logo encontrar com Miguel na saída do prédio. Como todos os dias, ele me levaria em casa antes de seguir para a sua.

Tinha acabado de entrar em uma das cabines do banheiro feminino quando as vozes que adentraram o banheiro chamaram a minha atenção, pelo fato de estarem pronunciando o meu nome. Camila não era um nome nada incomum, e provavelmente existiam outras naquela empresa. Mas em instantes me certifiquei de que era realmente de mim que uma das mulheres falava em uma conversa com outra. — A Camila nunca me enganou. Sempre achei que aquele jeito certinho dela, toda ‘funcionária exemplar’ era puro fingimento. — Ela é muito esperta, isso sim — a outra opinou. — Esperou a primeira oportunidade para se atirar em cima do Miguel Marino. Engraçado é que ainda assim fica tentando fingir que é uma profissional dedicada. — Puro fingimento. Vai ver só depois do casamento. Acha que, com marido milionário, ela vai continuar trabalhando? Esse papo de amar o trabalho é só enquanto não tem um trouxa para pagar suas contas, menina. Eu realmente amava o meu trabalho e não pretendia deixá-lo depois de me casar, mas não seria da conta delas se eu optasse

mesmo por parar, ou por seguir, ou por mudar de área, ou por fazer qualquer outra coisa da minha vida. Odiava toda aquela intromissão, mas estava disposta a esperar que aquelas duas saíssem, para também sair da cabine e seguir com minha vida, ignorando totalmente a opinião daquelas pessoas. Contudo, eu simplesmente não seria capaz de ignorar o que uma delas disse a seguir: — É como o papo de amar a futura enteada. Foi muito suspeita essa tentativa de sequestro da menina, aposto que teve dedo dela nessa história. — Você acha? Que horror! — a outra pareceu surpresa. — Eu tenho certeza. Ela queria dar um fim na menina, mas desistiu na última hora e mandou libertarem ela. Essa gente disposta a dar golpes, quer dar o golpe por completo. Não vai querer um filho de outra mulher atrapalhando a relação e dividindo a herança com os futuros filhos dela. Sério, aquilo já era demais para mim. Eu nem conseguia acreditar que uma pessoa poderia supor algo tão horrível quanto aquilo.

Eu amava Alice e não iria admitir que uma filha da puta como aquela sequer cogitasse que eu pudesse fazer qualquer mal à minha menininha. Empurrei a porta com força, abrindo a cabine em um estrondo que causou um susto às duas mulheres. A que tinha levantado aquela hipótese nojenta se calou no momento em que me viu e eu sequer dei tempo para que ela tivesse qualquer reação e praticamente voei em cima dela. Fechei meu punho e o acertei com força bem no meio de seu nariz. Eu nunca tinha dado um soco em ninguém em toda a minha vida, e meu punho doeu com o impacto. Mas era uma dor boa, porque eu sabia que a fuça daquela infeliz doía muito mais. Furiosa, ela contra-atacou, agarrando-se com força em meus cabelos. Fiz o mesmo nos dela, gritando todos os piores palavrões que eu conhecia para insultá-la. Ouvi os gritos da outra mulher enquanto ela saía do banheiro correndo, pedindo por ajuda. Não me importei. Eu só queria acabar com a raça daquela maldita.

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Eu mal pude acreditar quando minha secretária me ligou informando que aquele homem tinha tido coragem de ir até a empresa para falar comigo. Permiti que sua subida para a minha sala fosse autorizada, e me levantei, ficando de pé em frente à minha mesa, olhando fixamente para o elevador e aguardando que a porta se abrisse com sua chegada. Não pretendia me sentar ou convidá-lo a fazer o mesmo. Seja lá o que ele estivesse querendo comigo, que fosse rápido. Mesmo porque, já estava quase na hora do final do expediente de Camila e, como sempre, o combinado era que eu a aguardasse na saída para que fôssemos embora juntos. Faltando dois dias para a audiência, tudo o que eu menos queria era me estressar com aquelas pessoas.

A porta do elevador se abriu e a figura de Cláudio Albuquerque surgiu diante dos meus olhos. Minha mãe tinha a sua razão quando o chamava de velho. Não era algo relacionado diretamente à sua idade real, mas ao semblante carrancudo e mal-humorado que sempre carregava em seu rosto. — Miguel Marino. Como vai? — ele me cumprimentou. Eu não ia perder tempo respondendo ao cumprimento ou devolvendo a pergunta educada. — O que o traz aqui? — fui direto. — Não vai me convidar para me sentar ou me oferecer um café? Já vim a esse escritório outras vezes durante a vigência do seu pai e ele sempre foi muito cortês com suas visitas. — Estou com pressa, Cláudio. Se você puder ir direto ao que o trouxe aqui, eu agradeço. — Tudo bem. Eu vim para lhe propor um acordo. Aquilo era tão ridículo que eu não consegui evitar rir diante de tamanha pretensão. Ele achava mesmo que, àquela altura, eu iria aceitar fazer acordo algum com ele? — Pelo amor de Deus, Cláudio, perdeu seu tempo vindo até aqui para isso?

— Vamos ser honestos, Miguel: você não tem muitas chances de ganhar essa ação. Um bom acordo pode ser muito vantajoso para você. Eu deveria meramente escorraçar aquele filho da puta da minha sala. Mas queria saber até onde ia a audácia dele. — E qual seria a sua proposta? — Visitas semanais, em nossa casa, de forma monitorada, e talvez possamos incluir alguns fins de semana por ano para que ela fique com você, desde que acompanhada por uma babá e um segurança nossos. Aquilo era ridículo. — Não vou concordar com isso. Sou pai de Alice e é comigo que ela deve ficar. Sem ter um segurança na minha cola como se eu fosse um delinquente. — Sabe que isso não vai acontecer, Miguel. Você já mostrou que não tem condições de cuidar da segurança dela. Sei que está tentando criar uma imagem falsa de um sujeito mudado, que está tentando se passar por um homem de família, mas você não tem como saber se isso vai convencer o juiz. — O que quer dizer com isso?

— Você pode achar que engana a imprensa e a opinião pública, Miguel, mas não a nós. Sabemos que você não conhecia aquela moça até o dia da festa da empresa. Depois do contato dos meus advogados com os seus, ela magicamente se tornou sua noiva. Era óbvio que ele sabia. O tal Juliano, que foi quem fez a reserva do quarto para nós e também quem provavelmente colocou as drogas em nossas bebidas, chegou a conversar com a gente... foi até convidado a ser nosso ‘padrinho de noivado’, o infeliz! Porém, aquela era a parte da história que Cláudio e Marta certamente não queriam tornar pública. — Sério? Como pode afirmar algo assim, Cláudio? A não ser que estivesse me vigiando. Só pelos vídeos que vocês tiveram acesso não dá para afirmar algo assim. Ele sorriu, o que era algo raro de acontecer. Nós dois sabíamos o que havia acontecido. — Tem razão. Não posso afirmar algo que não sei. Mas posso então fazer outra afirmação com propriedade: está se empenhando para destruir a vida daquela moça como fez com a da minha filha.

Aquele desgraçado... como podia dizer uma atrocidade dessas? — Quem tornava a vida de Andreza um inferno eram vocês. — Nós apenas queríamos que ela estudasse, que se interessasse pelos negócios da família. Depois que ela acabou, em sua rebeldia, engravidando, queríamos garantir que nossa neta tivesse um futuro decente. Você era só um playboy irresponsável que provavelmente iria acabar falindo o escritório que seu pai te deixou. Iria, não: vai. — As coisas por aqui andam muito bem, como pode ver. — Ainda reflexo da gestão da sua mãe. Por quanto tempo isso vai se manter? Você nem sabe direito o que está fazendo aqui, sequer terminou a faculdade. Mas, voltando à moça... sua suposta noiva... Acha que estar prestes a se casar conta pontos a seu favor, não é? E que não é nada demais você ter sido flagrado se embebedando com a moça em uma festa. Mas... e se esse for um comportamento negativo recorrente? — O que quer dizer com isso? — Quero dizer que aquelas não são as únicas imagens que tenho. Na noite da festa de Alice, por exemplo... o que vocês

fizeram quando saíram de lá? Aquilo fez eu sentir como se todo o sangue do meu corpo tivesse subitamente congelado. Porém, eu não disse nada e deixei que aquele canalha seguisse contando o que sabia: — Bem... vocês foram para um bar e novamente se embebedaram... tanto, que sua futura esposa se engraçou para cima de um cara, e você... que coisa, você o agrediu. — Vai mesmo tentar usar esse argumento furado? O cara está preso e confessou o que fez: ele colocou um sedativo na bebida de Camila. — Você pode apresentar provas disso em um tribunal. Mas elas adiantarão de alguma coisa diante de uma imagem publicamente queimada? Imagine a imprensa tendo acesso aos vídeos daquela noite... O que dirão sobre você? Pior, o que dirão sobre a moça? Soube que ela foi criada pela avó, imagine a pobre velhinha tendo que ouvir comentários sobre a conduta totalmente promíscua de sua neta? Diante daquilo, eu não consegui mais me controlar. Agarrei Cláudio pelo colarinho e o empurrei até que suas costas se chocassem contra a parede. Forcei meu antebraço contra o seu

pescoço, aproximando meu rosto do dele e o olhando fixamente nos olhos, deixando que percebesse todo o meu ódio. O telefone em minha mesa tocou, mas eu o ignorei por completo. — Deixe Camila fora disso! — vociferei. — Como posso deixá-la fora disso? Ela é sua noiva, não é? É quem supostamente vai criar minha neta junto a você, caso você ganhe a ação. — Já disse que tenho como provar o que aquele homem fez, que Camila foi uma vítima dele. — Até que você consiga provar, a moça já terá enfrentado todo um linchamento popular. E, além do mais... Ele confessou o que fez, mas por acaso citou quem foi o mandante? Em um intervalo de dias tentam sequestrar a noiva e a filha de Miguel Marino. Só reforça ainda mais o quanto você é um sujeito que oferece risco às pessoas próximas a você. A não ser... — A não ser o quê? — A não ser que você concorde com o acordo. Maldito! Filho da puta dos infernos! Pressionei meu braço com mais força contra o seu pescoço. Ele pareceu ficar sem ar, mas não me importei nem um pouco com isso. Para meu assombro, ele

também parecia não se incomodar e até mesmo sorriu, em meio a expressões de dor. Ele até mesmo conseguiu voltar a falar, embora com dificuldade: — Está mesmo disposto a tudo para ganhar a guarda de Alice? Até mesmo de destruir a vida de uma pessoa inocente? Antes de te conhecer, ela era uma arquiteta com um futuro brilhante pela frente, uma mulher discreta que nunca se envolveu em qualquer polêmica. Ele não conseguiu falar mais nada, pois a força em meu braço aumentou ainda mais. Eu estava completamente cego pelo ódio e teria feito uma loucura, se não fossem as mãos de alguém – que eu logo percebi serem minha secretária – me puxarem, enquanto ela gritava. — Senhor Miguel, pare! Vai acabar matando-o! Matá-lo era tudo o que eu queria naquele momento. Porém, de repente, fui tomado por um lapso de consciência do tamanho do erro que estava prestes a cometer. Soltei-o, virando-me de costas e me afastando alguns passos enquanto passava as mãos pelos cabelos em uma tentativa de me acalmar. Cláudio caiu sentado no

chão e Patrícia, minha secretária, abaixou-se ao seu lado, checando se estava bem. — O que está fazendo aqui? — perguntei à Patrícia. — Por que não ligou antes de subir? — Eu liguei, senhor. Várias vezes, mas o senhor não atendeu. Me perdoe por ter entrado assim, mas é que é uma emergência. — Que tipo de emergência? — A dona Camila, sua noiva, se envolveu em um problema. Parei de andar naquele momento, olhando para Patrícia à espera de uma explicação.

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Capítulo 28

Foi necessário que dois seguranças da empresa invadissem o banheiro feminino para conseguirem me afastar daquela cobra cascavel vinda direto do inferno. Fomos levadas para a sala da segurança e colocadas em cadeiras bem distantes uma da outra. Deram para mim um saco de gelo para eu colocar sobre meu rosto, que, segundo me contaram, estava roxo (embora eu estivesse com o sangue tão quente que não sentisse absolutamente nada). Miguel entrou na sala parecendo que estava indo salvar a vida de alguém, de tão aflito e assustado que se mostrava. Veio direto até a minha

cadeira, abaixando-se à minha frente e levando uma das mãos ao meu rosto, de forma preocupada. Senti-me terrivelmente envergonhada por aquele papelão que eu tinha feito. — Como você está? Acha que precisa ir a um hospital? A pancada pode ter sido forte. Eu precisei rir, movimentando a cabeça em uma negativa. Hospital? Ele provavelmente falava isso comigo porque não devia ter reparado em como estava a cara da outra mulher. Aliás, nesse momento um dos seguranças disse exatamente isso, que estava indo leva-la ao hospital, já que eu aparentemente tinha quebrado o nariz dela (e não me arrependia nem um pouco). Miguel concordou e todos saíram da sala, deixando meu noivo e eu a sós. Quando me vi sozinha com ele, diante do olhar preocupado que ele me lançava, eu enfim senti forte o peso do que eu tinha feito. Meus olhos rapidamente começaram a transbordar, o que trouxe ainda mais preocupação a Miguel. — Está sentindo dor? — Ele passou os dedos pelo meu rosto, secando minhas lágrimas. — Tem certeza de que não é melhor ir ver um médico? Ele me tratava como se eu tivesse meramente sido agredida, e não me metido em uma briga e sido a principal agressora. Isso fez a minha sensação de culpa aumentar, e eu desabafei:

— Eu posso ser meio desbocada quando estou nervosa e tudo mais, mas... eu nunca briguei na minha vida, nem mesmo quando era criança. Sei que é ridículo chegar aos vinte e cinco anos e me atracar com uma colega de trabalho como se estivéssemos no quinto ano do fundamental, mas... eu não aguentei. Ela disse coisas horríveis! — Mais insinuações maldosas sobre nós dois? — Pior. Se fosse isso, eu teria conseguido me controlar, mas ela envolveu a Alice nos seus comentários. E eu não posso admitir isso. Ele não disse nada, mas percebi pelo seu olhar que um milhão de coisas pareciam se passar em sua mente. Ele segurou a minha mão e, após uma pausa, contou: — Cláudio Albuquerque veio à empresa para falar comigo. — O que aquele homem queria? — Ele veio me propor um acordo. Visitas semanais supervisionadas e um número determinado de finais de semana para Alice passar comigo, sempre com a presença de uma babá e um segurança deles. Ele fará essa proposta na audiência. — Que idiota! O que o fez pensar que você fosse aceitar algo assim? — Eu vou aceitar. Eu mal podia acreditar que estivesse mesmo ouvindo aquilo. — Como é? Está louco, Miguel?

— Se eu não aceitar o acordo, ficará a cargo do juiz decidir, e as chances de eu perder totalmente até mesmo a possibilidade dessas visitas é enorme. — Não é! É claro que não é. Você assumiu como CEO da empresa, parou de sair em matérias de revistas de fofoca frequentando festas, enchendo a cara, fazendo arruaças e saindo com um monte de mulheres diferentes... Você tem entrado na linha, está noivo e vai se casar em alguns meses. — E eu tive apenas dois dias com minha filha para provar que poderia cuidar bem dela, e nesse tempo ela foi sequestrada e depois abandonada sozinha no chão de um posto de gasolina. Os Albuquerque vão alegar ao juiz que foi algum inimigo meu e que, ficando comigo, Alice estará sujeita a passar por coisas assim mais vezes. — Eles não têm como provar isso. —

Existem

mais

coisas,

Camila.

Eles

têm

mais

vídeos

comprometedores meus para anexar ao processo. Não precisei pensar muito para supor quais seriam. Afinal, a gente já previa que isso pudesse vir a acontecer. — Alguém te filmou batendo no cara que me drogou no bar, não foi? E, deixa eu adivinhar: também me filmaram tentando sair de lá com ele, certo? Daí as novas informações a seu respeito seriam que você está

para se casar com uma adúltera e que tem comportamentos agressivos movidos por ciúmes. Ele movimentou a cabeça em uma confirmação e eu senti vontade de voltar a socar alguém. Dessa vez, a cara dos Albuquerque. Porém, logo emendei com algo que desmancharia todos aqueles argumentos: — Mas o homem em quem você bateu foi preso e confessou tudo o que fez. Você bateu nele para me proteger. — A minha noiva foi drogada por um homem que tentou levá-la com ele. Ninguém sabe o que o motivou a fazer isso, a única coisa que ele disse para a polícia foi que fez isso porque não gosta de mim. Apenas algum dia depois, em outro estado, outro homem sequestra a minha filha de um ano. Aparentemente, por qualquer questão pessoal contra mim também. Eu posso alegar que não foi algo pessoal com relação a Alice, mas... também a você? Duas pessoas próximas a mim, em um intervalo de dias, não têm como ser coincidência. — Não é uma coincidência. Armaram para você. Duas vezes. Vamos encontrar um modo de provar isso. Você não pode desistir, Miguel. — Eu posso, Camila. Posso e vou, especialmente porque eu acabei percebendo que tudo isso é um erro. — Tudo isso o quê? — Ser pai da Alice. A quem eu quero enganar? Eu não tenho como ser um bom pai para ela, assim como não tenho como ser um bom marido

para você. O quê? Mas do que ele estava falando? — É lógico que tem, Miguel. — Ah, eu tenho? Faz ideia dos perigos que a Alice correu? Como eu posso saber que não foi mesmo alguém querendo me atingir? E quanto a você, Camila? Colocaram droga na sua bebida duas vezes quando você estava comigo. E quanto àquele cara no bar, só Deus sabe o que ele poderia tentar fazer com você se tivesse conseguido te levar. — Mas não conseguiu! — Mas podia ter conseguido. E sobre os vídeos do bar, se vazar na internet, que tipo de coisa vão falar a seu respeito? E a sua avó, Mila? Imagine a dona Lurdes tendo que lidar com as pessoas comentando coisas maldosas sobre a neta que ela tanto ama. Já basta o que você tem aturado de comentários maldosos aqui no escritório. Hoje você saiu no tapa com uma pessoa, você mesma disse que nunca tinha passado por algo assim. — Eu posso lidar com tudo isso. — Mas eu não quero que lide. Não se eu puder evitar. — E vai fazer o que para evitar? Vai terminar comigo? Ele fez uma pausa, o que pareceu ter destruído meu coração em mil pedaços. Era a prova de que, sim, ele tinha chegado a cogitar aquilo.

— Eu não posso permitir que você passe por isso, Mila... — Que tal eu decidir o que estou disposta ou não a passar? Ele não respondeu, e isso fez minha tristeza se transformar em raiva. Eu poderia aceitar que ele quisesse terminar comigo caso tivesse algum motivo plausível para isso. Mas para me proteger? Eu poderia perfeitamente decidir do que queria ser protegida ou não. — Podemos terminar tudo se você disser que não me ama. Fora isso, não vou deixar que você desista de mim ou da Alice. — Eu não estou desistindo de vocês, Mila. Estou apenas decidindo pelo que será melhor para vocês. — O melhor para mim é ficar com o homem que eu amo. E o melhor para Alice é ser criada pelo pai dela e não por babás contratadas pelos avós que sequer dedicam seu tempo a ela. — Será que é o melhor mesmo, Camila? Olha para mim. Eu sou uma farsa! E não parei de trazer problemas para a sua vida desde que você chegou nela. Você estaria muito melhor se não tivesse me conhecido. Talvez nós dois estivéssemos, aliás. Fiquei subitamente sem fala diante daquela última declaração. Aquilo doeu em mim como uma faca sendo cravada em meu coração. — Se é isso o que você acha... — foi só o que consegui falar.

Peguei a minha bolsa e caminhei até a porta, deixando-o para trás, na esperança de que ele me chamasse. Que dissesse que falou aquilo sem pensar, que me pedisse para conversarmos mais... Mas ele não fez nada disso. Ele não disse uma única palavra, e entendi que ele realmente queria que eu fosse embora. Então, cumpri a vontade dele.

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Minha avó vinha ficando até mais tarde na livraria, empolgada nos planejamentos da obra. Nesse dia, eu agradeci muito por isso, porque odiaria que ela me visse chegar em casa naquele estado e que me perguntasse o que aconteceu. Como eu iria explicar o que nem eu própria era capaz de compreender? Fui direto para o meu quarto, sendo seguida por Tapioca. Troquei a água dele, limpei sua caixinha de areia e coloquei comida em seu potinho, mas ele não ligou para nenhuma dessas coisas e simplesmente veio para a cama onde me joguei, deitando-se ao meu lado. Era como se, de alguma forma, ele compreendesse que eu não estava bem.

— Os humanos são confusos demais, Tapioca... — desabafei, afagando os pelos de sua nuca. — Eu acredito, ou quero acreditar, que ele disse aquela coisa horrível apenas para me afastar, mas... doeu tanto. O celular em minha bolsa, que eu tinha jogado no chão ao lado da cama, tocou. Não tive ânimo para atender. — Se for ele... eu estou com tanta raiva, que não quero falar nada agora, ou corro risco de dizer alguma besteira. Você está vendo, Tapioca, como humanos são confusos? Após alguns minutos, meu celular voltou a tocar e, por mais que naquele momento eu não quisesse falar com Miguel, toda aquela insistência me deixou alerta sobre a possibilidade de algo grave ter acontecido. Peguei o aparelho dentro da bolsa e vi que o contato exibido na tela não era o de Miguel, mas sim o da doutora Janete. Apesar de eu ter o número dela salvo, ela nunca havia me ligado. Intrigada, atendi. — Boa noite, doutora Janete — cumprimentei. — Camila! Por favor, diga para mim que o cabeça-oca do meu cliente está perto de você. Revirei os olhos. E eu achando que fosse ele me ligando quando, na verdade, estava era ignorando telefonemas também, com certeza evitando falar comigo caso eu lhe ligasse.

— Não, ele não está. — Que droga! Estou tentando ligar para ele, mas o cretino não me atende. Já que você me atendeu, eu posso te contar o que aconteceu. — Sim, pode. Algum problema? — O nome Juliano Guimarães te diz alguma coisa? O sobrenome não me dizia nada, mas logo me recordei onde tinha ouvido aquele nome pela última vez. — O carinha do hotel? — O próprio. Descobri o novo endereço do bonitão. E você não vai acreditar onde ele está morando. A cidade de Porto Seguro, na Bahia, também te diz alguma coisa? Dizia. Dizia coisa demais. — Meu Deus... Estivemos muito próximos dele, em Trancoso, e... Janete, acha que ele tem alguma coisa a ver com o sequestro da Alice? — Se eu acho, meu amor? Eu tenho certeza. Não é fácil encontrar bons cúmplices para fazerem o seu trabalho sujo. Os Albuquerque encontraram um, não iriam desperdiçá-lo em apenas uma missão, não é? — Você tem o endereço dele? — Tenho um endereço e muitas suspeitas, mas nenhuma prova. Sinceramente não sei exatamente o que fazer com isso. Se eu tivesse conseguido isso há dois ou três dias, poderia ir até Porto Seguro para

tentar conversar com esse homem, arrancar alguma coisa dele, sei lá. Mas estamos a menos de quarenta horas da audiência. Não tenho como ir e voltar e preparar tudo o que tenho ainda pendente, e sinceramente não queria ter que deixar isso nas mãos de outro advogado da nossa equipe. Então eu pensei em falar com Miguel para... — Não — eu a interrompi. — Por favor, não fale nada com o Miguel. Nem mencione isso a ele, ou então ele vai querer ir até lá falar com Juliano. As chances de ele perder a cabeça e acabar fazendo alguma besteira são grandes. Sem contar que qualquer imprevisto pode fazer com que ele se atrase ou perca a audiência. — Mas... se ele não puder fazer isso, então... — Então você pode deixar comigo. Fui até o meu guarda-roupa e o abri, percorrendo os olhos pelo interior dele até encontrar minha velha mochila dos tempos da faculdade. Não cabia muita coisa nela, mas seria uma viagem curta, ela seria mais do que suficiente. — Estou indo para Porto Seguro pela manhã — concluí.

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Capítulo 29

Logo que desliguei a chamada com Janete, liguei para minha sogra e expliquei a ela a situação, pedindo o favor de me emprestar o jatinho da família para que eu pudesse fazer a viagem. Foi o pedido de empréstimo mais inusitado da minha vida. O meu habitual era pedir algumas roupas emprestadas a Laís, nunca ia muito além disso. No dia seguinte, às onze da manhã, o jatinho estava pronto para mim. Faltavam exatas vinte e quatro horas para a audiência.

Houve ainda uma demora relativamente longa para a decolagem ser autorizada, e, chegando em Porto Seguro, eu ainda me enrolei para conseguir um táxi e ele acertar o endereço que Janete tinha me passado. Dessa forma, já eram mais de três da tarde quando um táxi me deixou em frente a uma casa de muro baixo, localizada em um bairro simples da cidade. Desci do veículo e caminhei devagar até o portão da casa. Confesso que senti medo ao pensar no que poderia estar esperando por mim. Respirando fundo, toquei a campainha ao lado do portão. Levou alguns segundos até que uma figura surgisse na varanda. Uma bem diferente da que eu imaginava encontrar, aliás. Era simplesmente uma velhinha. Uma senhora que certamente já tinha seus quase ou mais de oitenta anos. Ela veio andando devagar até o portão e, quando o abriu, olhou-me com seus olhos castanhos e curiosos. — Boa tarde, filha, no que posso te ajudar? Ok, talvez seja coisa de quem foi criado por avó, mas velhinhos eram o meu ponto franco. Eu poderia estar furiosa, mas apenas a presença de um já me desmanchava completamente.

Certo, eu também era assim com crianças e com gatos. Acredito que Apolo tivesse me transformado em fraca também para cachorros. Tá, eu era uma molenga para muitas coisas, essa era a verdade. — Boa tarde. Essa aqui é a casa do Juliano? — confesso que torci para que ela dissesse que não. Seria mais difícil ameaçar aquele filho da puta se tivesse uma velhinha por perto. — É sim, querida. Ele está no banho, mas se quiser entrar e esperar. Aceitei o convite e comecei a entrar. Ao passar pela varanda, avistei duas crianças – um menino e uma menina, aparentemente ambos com uns três ou quatro anos – sentados no chão, brincando juntos com blocos de montar. Sentado ao lado deles, havia um gato. Sério, Deus, quais as chances disso? — Juliano tem filhos? E um gato? Que coisa! — murmurei, tão baixo que apenas eu pude me ouvir. O som de patinhas sobre o piso foi ouvido por mim. Olhei para um corredor, de onde vinha um cachorro vira-lata de porte médio.

— E um cachorro... — concluí. O combo completo da fraqueza. Se eu bobeasse, talvez eles tivessem ainda um panda dentro do banheiro. Não havia mais qualquer possibilidade de eu levar adiante o plano de tacar fogo na casa no caso de ele não concordar em me ajudar. Que merda! — Vou chamar o Juliano, fique à vontade — a velhinha falou. Tinha uma boneca sobre o sofá e ela se apressou em pegá-la, dando espaço para que eu pudesse me sentar. — Desculpe, como é o seu nome? — Maria — falei o primeiro nome que me veio à mente. Todo mundo conhecia alguma Maria, Juliano provavelmente conheceria também. — Diga a ele que é a Maria, por favor. Ela assentiu e saiu. Fiquei ali sentada no sofá, olhando as crianças brincarem e mantendo minha atenção sempre atenta ao cãozinho (afinal, não era porque Apolo tinha se tornado meu amigo, que todos os outros caninos automaticamente também seriam). Passaram-se uns dez minutos até que Juliano chegou à sala. Quando ele me viu, tive a impressão de que ele preferia encontrar com o demônio do que comigo.

Ele era um homem grande, de cabelos castanhos e ralos de quem já parecia estar iniciando um processo de calvície, embora aparentemente tivesse uns trinta e poucos anos. A velhinha voltou e chamou as crianças para irem para o quarto para deixarem Juliano ‘e sua amiga’ conversarem a sós, e os dois peludos os seguiram. Fiquei ali sentada, olhando calmamente para Juliano, que permanecia de pé à minha frente, como se estivesse vendo uma assombração. — É um prazer reencontrar meu padrinho de noivado — ironizei. — O que está fazendo aqui? Como me encontrou? Me disseram que vocês nem iam lembrar de nada no dia seguinte... — Notei que ele olhava o tempo todo para o corredor e falava baixo, o que me deu uma dica de que não queria que a velhinha no outro cômodo soubesse a meu respeito. Ou a respeito das merdas que ele havia feito. — Não nos lembramos. Mas nada que uma investigação não ajudasse. Agora você vai se sentar para a gente poder conversar? — Eu não tenho nada para conversar com você.

— Prefere conversar com a polícia, então? Aquela velhinha é sua avó? Acho que ela e as crianças ficariam meio assustadas se aparecessem policiais aqui, não é? Ah, e só para deixar claro: minha advogada sabe que estou aqui nesse momento. Nem tente fazer nada conta mim, ou ela realmente vai chamar a polícia. Parecendo suficientemente convencido, ele se sentou em uma poltrona que ficava de frente para o sofá onde eu estava. — Não precisa de polícia, dona Camila. Eu não vou fazer nada com você. — Você já fez algo contra mim. Colocou algo na minha bebida e na do meu noivo, reservou um quarto de hotel e nos instigou a irmos para ele para que fôssemos flagrados saindo de lá pela manhã. E provavelmente também foi você quem fez a filmagem pelo celular enquanto bebíamos juntos, não é? — Mas eu não machuquei ninguém. Coloquei uma dose até menor do pozinho nos copos de vocês, porque tive medo de que pudesse ser forte demais. — Muito atencioso da sua parte. Mas o que você fez com a Alice, uma bebê, poderia tê-la machucado muito seriamente.

Nesse momento, eu curvei levemente o tronco para frente, e precisei me controlar para que as lembranças daquilo não me fizessem voar no pescoço dele. Eu havia aprendido no dia anterior que era capaz de quebrar o nariz de alguém. Não teria nada a perder fazendo novamente. — Eu não machuquei a menina. Eu cuidei direito dela, até alimentei e troquei as fraldas. — Você a deixou sozinha e indefesa no chão de um posto de gasolina — eu aumentei o tom de voz, furiosa com aquela lembrança. Ele fez um sinal para que eu falasse mais baixo, voltando a olhar para o corredor. — Foi por menos de um minuto. E fui eu mesmo que avisei à moça do balcão da lanchonete que tinha ouvido um choro de bebê vindo de lá. Ainda fiquei um bom tempo escondido e vigiando para ver se ela iria mesmo lá verificar e para ver se iria chamar a polícia, vai que fosse uma louca e fizesse alguma maldade com a menina? Eu tenho filhos, dona. Jamais faria nada para machucar uma criança. Então, as duas crianças eram mesmo filhas dele... Bom saber.

Bem, mas o fato de ser pai não o isentava de toda a sua culpa. — Foram os Albuquerque que te contrataram para fazer aquilo? — instiguei, cruzando os braços diante do corpo. — Olha, dona... Eu posso ter problemas sérios se contar quem me contratou. — Vai ter problemas mais sérios se eu chamar a polícia. — É, foram os Albuquerque — ele declarou, vencido. — E a babá foi cúmplice, não foi? Toda aquela cena de você a ameaçando com o revólver e empurrando ela no chão foi puro teatro, aposto. — Quando traçamos o plano, analisamos também o local e vimos que havia câmeras de segurança lá, ela não tinha como apenas me entregar a menina. Ah, mas a arma era de brinquedo, eu não mexo com essas coisas, não. — Que alívio! Você não mexe com armas, apenas sequestra criancinhas. — Foi apenas para dar um susto. Repito: não iria machucar a criança. Jamais aceitaria um trabalho assim. — Nossa, ele tem princípios... — Revirei os olhos.

— Olha, eu sei que fiz coisas que não deviam, mas... Você mesma viu, eu tenho dois filhos pequenos, sou viúvo... A única família que tenho é a minha avó, que foi quem me criou, mas a aposentadoria dela mal dá para pagar os remédios que ela precisa comprar todo mês. Eu já estava para ser demitido do hotel. Quando o seu Cláudio me procurou, ele me fez uma proposta muito generosa. Além do dinheiro, ele pagou minhas passagens de volta aqui para a minha cidade natal, para eu ficar com minha avó e meus filhos, que tive que deixar quando consegui o emprego no hotel. Aquilo me desarmou por um momento. Como já mencionei, velhinhos e crianças eram a minha fraqueza, e os argumentos dele uniam as duas coisas. Contudo, o fim não justificava os meios. E eu estava certa de que aquele homem não deveria fazer ideia do tamanho do mal que ele estava prestes a causar. — Você fez isso para poder ficar com os seus filhos, Juliano... Mas faz ideia de que as coisas que você fez podem impedir que um outro pai tenha a chance de ficar com sua filha? — O senhor Cláudio me disse que Miguel Marino seria um péssimo pai para a menininha.

— Ah, claro. Avô bom é ele, né? Que pagou alguém para sequestrar a própria neta. — Olha, dona... eu realmente sinto muito pelo que eu fiz. Mas já está feito, não tenho como voltar atrás. E eu realmente precisava demais desse dinheiro que recebi para isso. Já o Miguel Marino tem dinheiro suficiente para resolver todos os problemas dele. — Eu também já pensei assim. Mas foi com o próprio Miguel que eu entendi que o dinheiro realmente não pode comprar tudo. Olha toda a grana que ele tem... e não será suficiente para permitir que ele fique com a própria filha. — Eu realmente sinto muito por ele. Mas não posso fazer nada. — Você pode. Pode desfazer todo o mal que você fez indo comigo e contando tudo ao juiz. — O senhor Cláudio me disse que poderá me chamar para futuros

trabalhos.

E

eu

não

posso

recusar

isso.

Estou

desempregado e tenho dois filhos e uma avó idosa para cuidar. Não posso me dar ao luxo de me queimar com alguém que está me dando oportunidades.

— Oportunidade de drogar pessoas e sequestrar crianças? Já contou para a sua avó que seu dinheiro está vindo disso? — Shiu, fala mais baixo! Eu ri, achando graça do fato de um homem daquele tamanho ter tanta preocupação com a imagem que sua avó faria dele. Bem, eu também fui uma criança criada por avó, entendia daquilo melhor do que ninguém. — Acha que seus filhos vão sentir orgulho quando crescerem e descobrirem as coisas que você fez? Aliás, será que você próprio vai conseguir colocar a sua cabeça no travesseiro e dormir tranquilo sabendo que amanhã um pai pode perder a oportunidade de poder criar a própria filha, por sua culpa? — Eu posso lidar com essa culpa. — E eu posso chamar a polícia. — Vai ser horrível se você fizer isso, mas faz parte do meu acordo com o seu Cláudio. No caso de eu ser preso, ele vai pagar os meus advogados, contanto que eu não conte sobre o envolvimento dele. Se precisar confessar o que fiz, direi que foi uma questão pessoal minha com Miguel Marino.

Claro... como o cara do bar tinha feito. Eu deveria estar gravando aquela conversa, mas sequer tinha pensado nisso. Na minha cabeça ingênua, meus argumentos – e ameaças – seriam plenamente possíveis de fazer aquele homem concordar em ir comigo. — Se já disse tudo o que veio dizer, dona, acho que já pode ir embora. Ele se levantou e apontou em direção à porta. Mas eu não estava disposta a ir embora. Não tão fácil assim. — Não estou com pressa. Posso ficar aqui o dia todo. — Vai se cansar. — Não tem problema. Nesse momento, a avó dele retornou para a sala. — Desculpem se estou incomodando, estou só de passagem para a cozinha, está na hora do lanche das crianças. Maria, não quer tomar o café da tarde com a gente? Eu ainda levei um segundo para me lembrar que ‘Maria’ era eu. Olhei para Juliano, que me fuzilava com os olhos, voltando o rosto para a velhinha logo em seguida. E abri o meu mais

encantador sorriso. — Claro, senhora. Vou adorar lanchar com vocês! Ela sorriu e seguiu para a cozinha. Voltei a olhar para Juliano e completei: — Quem sabe eu não fique para jantar também?

-----***-----

Quatro horas depois e eu já tinha tomado café, pulado corda com Sofia e Breno – as crianças –, brincado com Fluffy – o gato – e até mesmo me arriscado em fazer uns cafunés em Toby – o cachorro. Dona Ângela – a avó – já tinha me contado toda a sua história de vida e eu sentia que ela já estava a ponto de me mostrar os álbuns de fotos da família. Mas Juliano seguia irredutível. Ele permaneceu na sala durante todo o tempo, na certa temendo que, se saísse, eu acabasse contando para sua família as coisas que ele não queria que eles soubessem. No momento, dona Ângela se emocionava ao contar sobre o falecido filho – pai de Juliano. Falava sobre ele ter sido a vida inteira

um homem bom e trabalhador, que fez de tudo pela esposa e pelo filho. Isso me remeteu à minha própria história, e eu também me permiti contar um pouco dela: — Meu pai também era assim. Minha mãe e eu éramos tudo na vida dele. Sinto tanto que eu esteja para me casar em alguns meses e ele não vá estar lá para entrar na igreja comigo. — Eu imagino, minha querida. Tem muitos anos que ele morreu? — Ele e minha mãe, na verdade. Eu ainda era criança. Foi minha avó quem terminou de me criar e eu ainda moro com ela. Sempre disse que só sairia de casa quando me casasse, sabe? — Ah, que nem esse garoto aqui! — ela apontou para o neto. Percebi que Juliano me espiava de forma intrigada, mas ignorei completamente, voltando minha atenção à Dona Ângela. — Ele saiu de casa quando se casou, mas teve que voltar depois que a esposa morreu, porque não tinha quem cuidasse dos gêmeos. — Não foi só por isso, vó — ele resmungou. Era a primeira vez que se manifestava na conversa. — Ah, ele diz que também foi para cuidar de mim, mas é conversa fiada dele. Eu tenho meus problemas de saúde, mas estou

muito bem. Não preciso de uma babá. — A minha avó fala a mesma coisa. E ela, assim como a senhora, também é muito ativa. Nós temos uma livraria, e ela cuida de tudo por lá praticamente sozinha. — E são apenas vocês duas? Ou você já tem filhos? A palavra ‘filhos’ tocou de forma certeira em meu coração. E a imagem de Alice surgiu forte em minha mente. — Eu tenho uma filha, mas ela não mora comigo. Ela veio de outra mãe, na verdade. É filha do meu marido. Ah, vou te mostrar uma foto dela! — Empolgada, peguei o celular e acessei a galeria de fotos, até achar uma que tirei com Alice e Miguel no dia do aniversário dela. — Olhe como ela é linda. — Meu Deus, é uma bonequinha! Juliano, venha ver que criança linda! — Eu já conheço a menina, vó... — ele novamente resmungou. E eu me empolguei em seguir falando sobre a Alice: — Parece que desde o primeiro momento que a conheci o meu coração já gritou que ela era minha, sabe? Eu a amo tanto... Ela e o babaca do pai dela. Nós estamos meio brigados, mas espero que a gente se acerte.

— Ah, vão se acertar. E logo vocês três serão uma linda família. — Queria que isso dependesse só de nós três, dona Ângela. Mas, infelizmente, existem coisas na nossa vida nas quais dependemos de outras pessoas. — Bem, espero que sejam pessoas boas. Porque, se forem, vão entender que uma família deve permanecer unida, aconteça o que acontecer. Ela segurou a minha mão e eu sorri, agradecida por aquele carinho vindo de alguém que mal me conhecia. Bem, ela já me conhecia há cinco horas e estava sendo um período de tempo bem intenso... De repente, para a minha surpresa, a voz de Juliano foi novamente ouvida: — Vó, a senhora poderia cuidar dos meninos para mim? Só até amanhã. — Até amanhã? Vai viajar, Ju? — Vou. Na verdade, a... Maria... veio até aqui para me pedir uma ajuda.

— E por que ainda está aqui? Se tem algo que possa fazer para ajudar essa menina tão adorável, é bom que faça logo. Eu o olhei e sorri, sentindo lágrimas turvarem a minha vista. — Obrigada... — sussurrei, emocionada. — Vou só pegar um casaco e meus documentos e já venho... — Ele se levantou, seguindo em direção ao corredor Dona Ângela se levantou também e anunciou, enquanto corria para a cozinha: — E eu vou preparar um lanche para vocês levarem na viagem. Mande lembranças minhas à sua avó e diga que quando ela vier a Porto Seguro ela pode vir me visitar. — Eu digo, sim! — respondi, entre risos e lágrimas. Olhei o relógio no visor do meu celular. Faltavam catorze horas para a audiência. Teríamos tempo de sobra e tudo iria dar certo.

-----***----

Capítulo 30

Nada estava dando certo. Absolutamente nada. Juliano ainda levou mais de duas horas para sair de casa. Os filhos começaram a chorar com medo de que ele estivesse novamente indo para um novo emprego e que com isso levasse muito tempo para voltar para casa. Ele consolou pacientemente cada um deles e fez mil promessas de que estaria de volta no dia seguinte.

Quando enfim conseguimos sair, veio a outra onda de azares inacreditáveis. Não era temporada de chuva no sul da Bahia. Mas, é claro, nesse dia o universo precisava criar uma enorme exceção e mandar um temporal com toda a sua vontade. Demoramos

para

conseguir

um

táxi

e,

depois

que

conseguimos, o trajeto até o aeroporto se tornou uma tormenta. Já passava de uma da manhã quando enfim conseguimos chegar. Então, seria apenas embarcar, certo? Errado. Muito, muito errado. O céu parecia que ia cair e, com isso, não pudemos levantar voo. Não havia nenhuma previsão de o tempo melhorar e, com isso, devido ainda à fila de voos particulares e comerciais que aguardavam autorização para decolar, a previsão era que não conseguiríamos decolar antes da manhã chegar. Não bastasse o atraso de horas para decolar, houve ainda um atraso no pouso. O piloto precisou ficar dando voltas por quase uma hora além do previsto, até obter autorização para aterrissar. Porque o mau tempo parecia ter sido algo instituído em nível nacional nesse dia.

Quando enfim desembarcamos, faltavam ainda duas horas para o início da audiência. A mãe de Miguel estava lá com seu carro para nos buscar. Em tempos normais, o trajeto do aeroporto ao fórum levaria pouco mais de uma hora. Daria tempo perfeitamente. Se estivéssemos em um ‘tempo normal’ e não em uma maré de azar surreal da Camila! Como consequência das chuvas, o trânsito estava caótico. Duas horas e meia, era o que o aplicativo de trânsito nos dava de estimativa para chegarmos ao nosso destino. Pensei em ligar para a Janete, mas só então me dei conta de que meu celular estava com a bateria descarregada. Minha sogra sempre estava com o seu, mas neste dia, excepcionalmente (e ironicamente) ela o havia esquecido em casa. Fomos torcendo para que um grande milagre acontecesse e desafogasse o trânsito à nossa frente para que conseguíssemos chegar a tempo.

-----***-----

Cláudio e Marta estavam radiantes, como se aquilo não fosse uma audiência judicial, mas um de seus eventos sociais. Estavam vestidos de forma elegante, e Marta segurava Alice em seus braços como um troféu, na maior pose de avó orgulhosa, mesmo que estivessem acompanhados por uma babá – que não era mais a Alana. Minha filha esticou os bracinhos em minha direção quando me viu, mas Marta não deixou que eu me aproximasse. Aquilo me destruiu. Mas, talvez, fosse melhor assim. Eu não teria qualquer chance naquela ação. A aceitação do acordo era o máximo de vitória que eu poderia levar naquele dia. Estava sentado no banco do corredor do fórum, em frente à sala de audiência, e os Albuquerque se mantinham, junto aos seus advogados, a uma distância segura de mim. Faltavam cerca de dez

minutos para o horário de início quando Janete chegou, sentando-se ao meu lado. — Desculpe o atraso — ela pediu. Janete sempre chegava com uma grande antecedência aos seus compromissos, chegar apenas dez minutos antes era considerado um atraso para ela. — Diga para mim que o seu ‘atraso’ foi na tentativa de encontrar alguma nova informação que possa me salvar. — De fato foi, mas não consegui. Tenho tentado falar com a Camila desde cedo, mas o telefone dela está fora de área. Você tem falado com ela? Eu covardemente não tinha. Viver sem Camila era uma ideia com a qual eu não era mais capaz de conviver, mas, ao mesmo tempo, eu precisei ficar longe dela naqueles dias. Eu conhecia bem aquela ruiva louca e sabia que ela iria insistir em tentar achar formas de encontrar informações que desmontassem os argumentos que os Albuquerque tinham contra mim. E eu não podia admitir que Camila se arriscasse mais por minha causa. E correr riscos era tudo o que ela tinha feito desde que me conheceu. — Não. Mas por que quer falar com Camila?

Janete disfarçou olhando a pilha de papéis que trazia em mãos. — Nada em especial. Apenas gosto de conversar com ela. — Janete? ...Janete, olha para mim! — Ela levantou o rosto, me olhando. — Que assuntos são esses que você tem com a Camila? — A gente fala mal de você. Aquilo tinha uma grande possibilidade de ser verdade. Porém, eu sabia que existia algo mais, e fiquei preocupado com o que poderia ser. Finalmente, a porta da sala de audiência foi aberta e fomos convidados para entrar. O local tinha uma parede de vidro transparente, embora pelo lado de fora fosse espelhado, que dava vista para o estacionamento do fórum, e uma grande mesa retangular de madeira. À frente dela, havia uma bancada onde já estavam o juiz e o escrivão. Sentei-me ao lado de Janete e, do lado oposto da mesa, sentaram-se Cláudio, Marta – com Alice no colo – e seu advogado. Este logo começou a apresentar sua proposta de acordo. Ele fez questão de apresentar os termos minunciosamente e eu esperei

que, quando ele terminasse de falar, Janete se manifestasse para dizer que aceitava, conforme havíamos combinado. Contudo, ela não disse nada e eu a olhei, percebendo que ela estava distraída com os olhos fixos no seu celular que deixou sobre a mesa. — Janete! — eu a cutuquei, fazendo-a se dar conta de que todos ali aguardavam por uma resposta dela. — Desculpe, preciso de um minuto para analisar os termos. — Ela esticou a mão, pedindo para que o outro advogado lhe entregasse os papéis com a proposta. E eu não consegui entender o que ela pretendia com aquilo. Nós já sabíamos dos termos presentes ali, já tínhamos conversado a respeito e o combinado era que iríamos aceitar. Visitas semanais à minha filha jamais seriam o suficiente para mim, mas ou eu aceitava isso, ou poderia correr o risco de perder qualquer chance de estar com ela. Enquanto minha advogada olhava os papéis, aparentemente sem qualquer pressa, o som do choro de Alice chegou aos meus ouvidos e eu olhei para ela, vendo que ela sacudia seus bracinhos para mim, querendo vir no meu colo. Por instinto, estiquei minhas

mãos para pegá-la, mas Marta a puxou a tempo, virando-a de costas para mim. — Fique quieta, Alice, nós logo vamos voltar para casa — Marta sussurrou, tentando forçar um tom carinhoso em sua voz, onde na realidade eu só senti impaciência. O juiz se manifestou, cobrando uma resposta de Janete, que pediu mais um minuto. Juro que eu não compreendia o que tanto ela analisava ali. Tomei fôlego para perguntar isso a ela, mas as palavras morreram na minha boca quando meus olhos se detiveram na parede de vidro ao avistarem uma figura conhecida adentrando o pátio correndo. Pisquei algumas vezes, tentando me certificar de que estava enxergando de forma correta. — Aquela ali é a Camila? — perguntei, incrédulo. Janete se virou na mesma direção para olhar o que eu indicava. Depois se ajeitou na cadeira e devolveu os papéis ao outro advogado, informando: — Nós não aceitamos a proposta. — O quê? — eu praticamente gritei, voltando a olhar para ela. Então, passei a sussurrar. — Você está louca, Janete?

— Confia em mim, garoto. Alguma vez na vida eu já te deixei na mão? Antes

que

eu

pudesse

responder,

o

advogado

dos

Albuquerque pegou fôlego e começou a discursar, contando todos os fatos que me faziam ser um péssimo pai. Confesso que já nem prestava muita atenção ao que ele dizia, pois minha atenção se dividia entre Alice, que ainda chorava, e tentando entender por que Janete tinha recusado o acordo e o que Camila estaria fazendo no fórum. Como se eu estivesse preso em um sonho em que nada faz sentido, voltei a ver o vulto de mais pessoas correndo no pátio do fórum e novamente olhei para a parede de vidro. Dessa vez, quem entrava correndo era um homem que eu não conhecia, sendo seguido pela... minha mãe? Que diabos a minha mãe estava fazendo ali? E Camila? E quem era aquele sujeito? Será que alguém tinha colocado de novo alguma droga em algo que eu bebi? — Papá! Papá! — a vozinha de Alice, em meio ao choro me trouxe de volta à realidade. À certeza de que aquilo era real, apesar

de, agora, mais parecer um sonho. Ela tinha me chamado de pai pela primeira vez... Levantei-me e estiquei os braços para pegá-la. Marta também se levantou e recuou. Aquilo irritou o juiz. — Senhores, permaneçam sentados, a audiência ainda não chegou ao fim. — Meritíssimo... — eu falei, tentando controlar o tom de emoção na minha voz. — Perdão, essa foi a primeira vez que minha filha falou a palavra ‘papai’. Ela está chorando muito e dando sinais de que quer vir comigo. Eu só quero segurá-la um pouco, por favor. Marta protestou, mas o juiz, parecendo se compadecer do meu caso, pediu que ela me entregasse a criança, e ela assim o fez, visivelmente a contragosto. Como mágica, Alice parou de chorar logo que veio em meu colo e eu voltei a me sentar, abraçando-a com força, pensando em como iria suportar se aquela fosse a última vez que eu pudesse tê-la em meus braços. E talvez realmente fosse. Ao ouvir tudo o que era dito a meu respeito, eu pensava que nem eu próprio deixaria uma criança aos cuidados de alguém como o homem descrito naquelas palavras.

Quando enfim o advogado terminou com todo o seu discurso, o juiz virou-se para Janete e eu e perguntou se tínhamos algo a dizer. Janete me olhou em silêncio, como se perguntando se eu queria assumir a palavra. E eu queria, embora não tivesse nada de realmente concreto para anunciar. — Meritíssimo, infelizmente eu não tenho como provar que as coisas ditas a meu respeito são ou ultrapassadas ou mentirosas. É verdade que eu era um playboy irresponsável e imprudente, mas isso ficou no passado. Desde que descobri a existência de Alice, eu mudei. É também verdade que não apenas ela, mas também a minha noiva sofreram tentativas de sequestro recentemente. E eu sei que isso tudo foi uma armação contra mim, mas eu infelizmente não tenho provas disso. Então tudo o que me resta são as minhas palavras. — Papá! — Alice repetiu, levando sua pequena mãozinha de encontro ao meu rosto. Quando a olhei, fui recebido pelo sorriso mais lindo de todo o mundo e, diante disso, eu não consegui segurar as lágrimas. Olhando para ela, eu continuei a falar:

— Eu não sabia verdadeiramente o que era o amor antes dessa garotinha entrar na minha vida. Foi ela quem abriu o meu coração, e foi graças a ela, também, que eu me apaixonei por uma mulher maravilhosa, que também ama a minha filha e seria para ela a melhor mãe do mundo. E tudo o que queremos é poder ter essa oportunidade. É por Alice que venho tentando ser um homem melhor, dia após dia. Por ela e por... Minha fala foi interrompida quando a porta da sala foi violentamente aberta. Todos os presentes – até mesmo Alice – voltaram seus olhos para lá, encontrando Camila totalmente esbaforida, como se tivesse corrido uma maratona até chegar ali. — E por... essa doida que acaba de invadir a sala... — completei, incrédulo. — Quem é você e o que está fazendo aqui? — o juiz indagou, completamente em choque. Camila deu mais alguns passos, adentrando a sala, e levantou a mão, olhando para o juiz. — Eu protesto, meritíssimo! — ela conseguiu pronunciar, quase sem ar. — Protesta contra o quê?

— Eu... Não sei... Mas eu sempre escuto isso nos filmes. Cláudio começou a falar enquanto ia em direção a Camila. — Quem deixou essa louca entrar aqui? Não tem seguranças nesse fórum? — Ele ameaçou segurá-la pelo braço, mas eu me levantei e, levando Alice comigo, praticamente corri, entrando no meio dos dois e impedindo que aquele filho da puta tocasse nela. — Fique longe da minha noiva — falei, em um tom ameaçador. O juiz se levantou, irritado com tudo aquilo. — Ordem! Ou vou chamar o segurança. Aliás, onde está o segurança? Quem é essa senhora e o que ela está fazendo aqui? Camila respirou fundo e se virou novamente de frente para o juiz, começando a falar: — Eu posso explicar tudo, vossa Eminência... — Excelência — eu a corrigi. — Isso. Senhor juiz, pode ser? Pode, né? — Apenas diga o que veio fazer aqui — o juiz ordenou, já mais do que impaciente. — Eu trouxe provas novas para o caso, que mostram que Miguel é inocente de tudo o que aqueles dois o acusam, e que

foram eles que armaram tudo. Por favor, eu só preciso de cinco minutos e poderei explicar tudo. Uma verdadeira confusão foi armada ali. A porta voltou a se abrir e por ela entrou o segurança que deveria estar de plantão no corredor, mas só agora parecia perceber que houve uma invasão à sala de audiência. Cláudio e Marta começaram a gritar para que tirassem ‘aquela mulher louca’ dali. Janete gritava de volta, pedindo para que deixassem Camila falar. Mas o som mais significativo que chegou aos meus ouvidos foi o da risada de Alice, que sacudiu seus braços feliz ao ver Camila. — Oi, princesa! Eu também estava com saudades... — Camila falou, segurando a mãozinha de Alice, onde depositou um beijo. Em seguida, olhou para mim. — Estava com saudades do seu pai idiota também, mas com ele eu me entendo depois. — Silêncio! — o grito do juiz fez com que todos se calassem e olhassem para ele. Então, ele apontou para Camila e ordenou ao segurança. — Pode deixar que a moça diga o que veio dizer. E todos vocês voltem a se sentar. O guarda concordou e voltou a sair da sala. Levando Alice comigo, voltei ao meu lugar ao lado de Janete. Os Albuquerque

ainda protestaram mais um pouco, mas por fim também acabaram obedecendo e voltaram a se sentar. Camila permaneceu de pé e se virou de frente para o juiz. Respirou fundo, se preparando para o que tinha a dizer.

-----***-----

Capítulo 31

— Eu conheci o Miguel no dia da festa da empresa — comecei desmascarando a nossa própria mentira. — É, eu sei que a história que sustentamos é que já estávamos compromissados naquela ocasião, mas a verdade é que eu nunca tinha encontrado pessoalmente com o meu chefe até aquela noite. Eu não sou de beber, mas nesse dia estava realmente muito chateada e parei algum tempo no bar da festa. Miguel se aproximou e me fez companhia, sem em momento algum dar em cima de mim ou me faltar com o respeito nem nada do tipo. Só que alguém colocou uma droga nas nossas bebidas e com isso nós acabamos perdendo totalmente qualquer noção. A mesma pessoa que nos drogou,

reservou um quarto para nós dois e nos indicou o caminho até lá. Bem, a gente realmente trocou alguns beijos enquanto íamos para lá, mas pegamos no sono logo que entramos no quarto. — Vocês não têm provas disso — o advogado dos Albuquerque falou. Bem... que coisa... não é que nós tínhamos? Olhei para Janete e esta agiu, tirando de uma pasta uma folha de papel impressa e entregando-a ao juiz, enquanto explicava: — Consegui esse comprovante da reserva, junto ao hotel. Foi feita e paga por Juliano Guimarães, que trabalhava lá na ocasião, mas se demitiu no dia seguinte. O juiz olhou o papel e Cláudio rebateu: — Isso não prova nada. Outra pessoa fez a reserva para eles, provavelmente a mando do próprio Miguel Marino. E isso também não prova que este mesmo homem tenha colocado algo na bebida dos dois. Ignorando-o, eu prossegui: — Um detalhe importante que vale ser ressaltado, meritíssimo, é que Juliano saiu do emprego do hotel e voltou para a cidade natal

dele, Porto Seguro. Por um leve acaso, é a cidade onde se localiza o distrito de Trancoso, onde Alice sofreu o sequestro. — Mais uma coisa que não prova nada — Cláudio rebateu. — Se o senhor quer provas, eu trouxe a prova. Fui até a porta e a abri, fazendo um sinal para que alguém entrasse. Juliano já aguardava no corredor e, meio assustado, entrou na sala. Não pude deixar de sorrir ao ver a expressão de desespero nos rostos de Cláudio e Marta ao reconhecê-lo. Juliano estava meio nervoso quando entrou, possivelmente com medo de que Cláudio pudesse tentar alguma represália contra ele. Contudo, eu passei horas de nossa interminável viagem garantindo a ele que nós lhe daríamos todo o suporte e apoio necessário, inclusive jurídico para que ele não fosse para a cadeia pelos crimes que cometeu. Ele narrou detalhadamente tudo o que tinha feito. Marta e Cláudio ainda tentaram interrompê-lo inúmeras vezes, alegando que tudo aquilo era mentira, mas o juiz os mandou ficar calados em todas essas ocasiões. Ao final do relato, todos na sala estavam estarrecidos e houve quase um minuto inteiro de silêncio enquanto o juiz folheava

as páginas do processo ao mesmo tempo em que parecia refletir sobre tudo o que havia acabado de ouvir. Por fim, ele voltou a levantar o rosto e percorreu seus olhos demoradamente sobre cada uma das pessoas ali, parando por um tempo maior em Miguel e em Alice que estava em seu colo. Por fim, veio a sua declaração: — A decisão está adiada até que possamos apurar as denúncias graves que acabaram de chegar. Até lá, a guarda da menor Alice ficará de maneira provisória com o seu pai, senhor Miguel Marino. A audiência está encerrada. Novamente, assim como ocorreu quando eu cheguei, a sala explodiu em vozes, gritos e reações diversas. Janete vibrou de alegria, os Albuquerque protestaram enquanto seu advogado tentava acalmá-los. A mãe de Miguel invadiu a sala, sendo seguida pelo segurança. Miguel se levantou e eu fui de encontro a ele, abraçando ele e Alice ao mesmo tempo — Ela vai ficar com você! — vibrei. Era como se, no momento em que os abracei, toda aquela confusão ao nosso redor simplesmente não existisse e fôssemos apenas nós três.

Não importava que, a princípio, a decisão fosse apenas provisória. Tínhamos as provas necessárias agora para provar todo o mau-caratismo dos Albuquerque. Ele se afastou um pouco, me olhando nos olhos. — Ela vai ficar com a gente. Com nós dois. — Ah, é? E o que aconteceu com aquele papo de que tanto eu quanto ela ficaríamos melhores sem você? Sinceramente, eu deveria roubar a Alice para mim e criá-la sozinha, é o que você merecia. — Me perdoa, Mila. Eu realmente fiquei tão confuso com tudo isso, tão atordoado... Tudo o que quero é que você seja feliz. — Sou feliz quando estou com você — declarei. E, em meio à confusão ao nosso redor e aos gritos do juiz pedindo por silêncio, Miguel e eu nos beijamos. Um beijo rápido, mas profundo e completamente apaixonado. Quando nos afastamos, notamos que Alice nos olhava com as duas mãozinhas sobre a boca, rindo da cena que presenciou. Miguel deu um beijo em sua bochecha enquanto eu comecei a fazer cócegas em sua barriguinha, fazendo com que ela explodisse em uma sonora gargalhada.

— Quer se casar comigo? — Miguel perguntou, de repente. Eu ri e levantei minha mão, exibindo o enorme diamante em meu anel de noivado. — Já vamos nos casar, benzinho. — Mas falta muito. Vamos nos casar hoje mesmo, o que acha? Revirei os olhos, fingindo pensar sobre a proposta. — Podemos deixar para amanhã? Sabia que eu virei a noite em claro? Hoje eu só preciso dormir. — Meu Deus, o que aconteceu com as mulheres românticas desse mundo? — Bem... E se eu dormir coladinha com você, fica mais romântico? — Muito mais! Ele voltou a se aproximar, depositando um selinho em meus lábios.

-----***-----

Dois meses depois...

Estávamos a uma semana do nosso casamento, mas eu podia dizer que aquele era um dia igualmente especial para nós, por dois motivos. O primeiro dizia respeito ao local onde estávamos. Novamente, em uma ‘festa da firma’, só que dessa vez a firma era da família da minha noiva e não da minha, embora eu também tivesse uma cota modesta de participação naquilo. Entrei como investidor da livraria, o que fez com que a obra acelerasse e, em poucos meses, o novo espaço fosse entregue devidamente finalizado. O local tinha mais do que dobrado de tamanho, ganhado um visual mais moderno, uma área para eventos

e uma cafeteria, que tinha tudo para ser o novo point do bairro. Dona Lurdes estava radiante, e eu me emocionava com a felicidade dela. Eu já amava tanto aquela senhora... Eu já amava tudo o que dizia respeito à vida de Camila, aliás. Acho que até o seu gato, mesmo que ele me obrigasse a ter sempre uma cartela de antialérgico na bolsa para quando eu fosse ao seu apartamento. O segundo motivo era que, em meio à festa, Camila e eu estávamos alertas à espera de notícias. Janete iria se atrasar para a festa porque estava com vários trabalhos para esse dia. Um deles era receber a decisão judicial mais importante das nossas vidas, com respeito à guarda definitiva de Alice. Os Albuquerque estavam sendo investigados pelos crimes cometidos contra nós. Mas era incrível como, quando se encontra algo podre de alguém, é como se mexesse em um vespeiro e mais falcatruas começavam a vir à tona. Agora, o casal de empresários respondia também a outros processos como lavagem de dinheiro, isso sem contar a quantidade de ex-funcionários de suas empresas que, depois das notícias, se sentiram mais seguros para os denunciarem por também terem sido coagidos ou ameaçados para realizar trabalhos sujos. Dentre eles, o homem que tentou me

agredir com uma barra de ferro na rua lateral ao bar na noite do aniversário de Camila e Alice. Com tantos processos e investigações das costas, quem diria, o casal perfeição agora era claramente uma péssima influência para uma criança. E eu, também quem diria, era o modelo de pai ideal. Nem eu acreditava que eu chegasse a esse ponto. Empresário respeitado, prestes a se casar e a retornar para a faculdade para concluir sua graduação. Camila e eu já planejávamos, inclusive, fazer um mestrado juntos. Alice estava morando comigo sob guarda temporária desde o dia da audiência e Camila já praticamente vivia com a gente, já passava a maior parte das noites na minha casa – que em breve seria oficialmente nossa – e, não por acaso, há pouco mais de um mês havia sido, pela primeira vez, chamada de ‘mamãe’ por Alice. — Mamã! — minha pequena repetia, em meu colo, todas as vezes que via sua mãe passando. Como

organizadora

da

festa

de

inauguração,

Camila

praticamente não parava. O local estava cheio, mas, ainda assim, ela sempre conseguia ouvir os chamados de Alice. Dessa vez, trazia

em mãos um pacote de marcadores de livros que tinham acabado de chegar para serem distribuídos e logo que ouviu a voz de Alice nos olhou, sorriu, e correu de onde estava até nós. — Mamãe está muito ocupada, meu amor! — ela disse a Alice, dando um beijo em sua bochecha. — Seja boazinha e obedeça ao papai. Hoje nós vamos dormir na casa da bisa, e você vai poder brincar com o Tapioca. — Ioca! — ela repetiu, abrindo um enorme sorriso. Camila a beijou novamente e olhou para mim. — Janete ainda não chegou? — Não — respondi, aflito. — E ela não atende a porcaria do celular, deve estar dirigindo. — Ocaria... — Alice repetiu. Estava na fase de aprender novas palavras, mas nem sempre se focava nas que eram mais importantes. — Miguel! — Camila me repreendeu. — Pare de falar palavras feias na frente dela. Está vendo? Ela aprende! — ‘Porcaria’ não é uma ‘palavra feia’ — rebati. — Ocaria! — Alice voltou a falar, parecendo empolgada com a contribuição para o seu vocabulário.

— É claro que é! — Ela voltou a olhar para Alice. — Não pode falar mais isso, tá, meu amor? Camila voltou a beijar Alice e depositou também um beijo em meus lábios, voltando a correr para levar os marcadores para a mesa de brindes. Fui até a mesa onde minha mãe estava, sentada ao lado de Leon, seu novo namorado. O segurança do fórum. Apenas depois da audiência eu descobri como Camila tinha conseguido entrar na sala. Aparentemente, minha mãe tinha distraído a atenção do segurança, fingindo que tinha torcido o pé e pedindo ajuda a ele. E também ‘usando de seu charme’, conforme ela mesma declarou. — Ah, querido, escute só isso! — ela falou logo que me viu me aproximar. — Sabe que Leon tem uma moto, não é? Eu e ele decidimos que vamos fazer uma viagem cruzando todo o litoral do país. — Em uma moto? — questionei, imaginando que pudesse ter ouvido errado.

— Sim, não é maravilhoso? — Ignorando minha cara de incredulidade, ela estendeu os braços para pegar Alice do meu colo. — Ouviu isso, meu amorzinho? Os titios vão viajar de moto pelo país. Quando você estiver maiorzinha, faremos isso novamente e te levaremos juntos. — Não vai levar minha filha em uma viagem de moto — rebati, sendo devidamente ignorado por ela, que seguiu fazendo planos. — Meu falecido marido jamais toparia esse tipo de coisa — ela comentou. — Ele era um velho! — Meu pai era apenas dois anos mais velho que ela. — Por isso que é bom se relacionar com pessoas que tenham a idade parecida com a nossa. Leon tinha quarenta e cinco anos. Quinze a menos que ela. Mas eu é que não iria lembrá-la disso. Enquanto ela falava sem parar – o pobre Leon mal conseguia abrir a boca. — Alice a olhava compenetrada, como se interessada em tudo o que era dito. Até que ela falou, enfim conseguindo a proeza de fazer a minha mãe se calar: — Bobó! Minha mãe abriu a boca, espantada, e senti vontade de rir da ironia daquilo. Ela tanto insistiu que queria que Alice a chamasse de

‘tia’, mas a palavra simplesmente não tinha ainda sido aprendida pela minha pequena. Ela já dizia ‘papá’ e ‘mamã’, já dizia ‘iza’ para se referir à sua bisa-avó, e até mesmo tinha aprendido a falar ‘Ioca’ e ‘Popolo’ para chamar seus amigos peludos Tapioca e Apolo. Minha mãe vivia reclamando que nunca chegava a sua vez e, quando chegou, não foi da forma como ela previa. Contudo,

passados

alguns

segundos

de

assombro,

a

expressão que dominou o seu rosto foi a de alegria. — Meu amor, você me chamou de vovó! Que coisa mais linda! Fala de novo: vovó! — Bobó! — Meu Deus, é a coisa mais linda desse mundo! — Ela começou a mexer na bolsa, a procura de seu celular. — Preciso filmar isso, vou mandar para todas as minhas amigas. — Não está chateada por não ser o ‘tia’ que a senhora planejava? — impliquei. — Apesar da minha pouca idade, eu não sou tia dela, sou avó, ora essa! Só vou precisar explicar para as pessoas que eu fui mãe muito jovem e meu filho também, mas isso não será problema.

Ela pegou o celular e começou a filmar, tentando fazer com que Alice repetisse a palavra. Rindo diante da cena, eu virei o rosto por um momento em direção à entrada da livraria e vi que Janete chegava nesse momento. Imediatamente me levantei e percorri os olhos pelo local, procurando por Camila. Logo que a avistei, vi que ela também tinha percebido a chegada de nossa advogada e também procurava por mim. Nossos olhares se encontraram no mesmo momento em uma mistura de angústia, medo e esperança. Corremos os dois, chegando em Janete quase ao mesmo tempo. Ela se assustou com nossa parada brusca diante dela. — Meu Deus, de onde vocês surgiram? — ela perguntou, levando a mão ao peito. — Por favor, Janete, conte logo qual foi a decisão final! — pedi. Ela olhou para mim por um momento, em silêncio, e depois fez o mesmo com Camila. Por fim, suspirou e abriu sua pasta, tirando de lá uma folha de papel impressa, que entregou a nós, enquanto comunicava. — Leiam e tirem suas próprias conclusões. Tem alguma coisa para comer nessa festa? Estou faminta!

Dito isso, ela simplesmente se afastou de nós. Camila e eu nos entreolhamos, enquanto ambos segurávamos o papel, cada um com uma mão. — Você lê ou eu leio? — perguntei. — Melhor lermos juntos. Aceitei a sugestão dela. Envolvi um dos meus braços por cima dos ombros dela, e ela fez o mesmo com o seu ao redor das minhas costas. Assim, abraçados e em silêncio, voltamos nossos olhos para o papel, lendo a decisão judicial. Ao interpretar aquelas palavras ali escritas, eu senti lágrimas quentes rapidamente inundando meus olhos e meu coração disparar a uma velocidade que eu sequer sabia que ele poderia bater. Abraçado a Camila, pude sentir que os batimentos dela também se alteraram. — Eu entendi certo? — ela indagou, insegura. — É realmente isso? — É realmente isso. A Alice é nossa. Ela veio para a minha frente e me envolveu também com seu outro braço, abraçando-me com força.

Eu a acolhi em meus braços e foi como se não houvesse mais ninguém ao nosso redor. E fôssemos apenas nós dois ali, protegidos por uma bolha, envolvidos em nossa própria felicidade. Em meio aos sons desencontrados de dezenas de vozes ao nosso redor, uma se sobressaiu, atingindo em cheio os nossos ouvidos e os nossos corações. — Papá! Mamã! — Alice gritou, do colo da avó, a poucos metros de distância de nós. Camila e eu a olhamos e ela abriu aquele sorriso banguela mais lindo do mundo. — Ela é nossa... — Camila falou, com a voz misturada ao riso e ao choro. — Nossa... — repeti, sentindo que seria impossível viver qualquer momento mais feliz do que aquele. Eu ainda mal sabia quantos momentos incríveis ainda me aguardavam naquela nossa nova vida. -----***-----

Epílogo

Eu era o homem mais feliz de toda a porra do universo. E eu nunca imaginei que fosse dizer algo assim no dia do meu casamento. Eu nunca nem imaginei que um dia iria me casar, para início de conversa. Nem que estaria tão nervoso com aquilo. Nervoso de uma forma muito boa. A festança que minha mãe tanto queria enfim aconteceu. Tinha umas trezentas pessoas no quintal da casa de Trancoso, e uma boa parte delas eu mal conhecia. Mas estavam também ali algumas

pessoas muito especiais que de alguma forma faziam parte da nossa história. Minha mãe estava toda elegante na sua função ‘mãe do noivo’ – ‘que mais parecia ser irmã’, segundo as palavras dela própria. Tinha levado o seu ‘namorido’ de acompanhante. Leon era um cara legal, e parecia verdadeiramente gostar da minha mãe, por isso eu fazia bom grado daquele relacionamento. Meus padrinhos eram Janete e seu marido Alberto, enquanto os de Camila eram sua melhor amiga Laís e o marido dela, Carlos. Também estavam na cerimônia a Giovana, estagiária da Marino que ocupou um cargo de chefia por três meses, até que Camila enfim assumisse, mandando para o inferno quem quisesse insinuar que tinha conquistado aquilo por ser noiva do chefe. Nós dois sabíamos que era um mérito totalmente dela, e isso bastava. Também convidamos a Ingrid, dona do quiosque de miçangas do hotel e testemunha do nosso noivado improvável. Ah, e Juliano e sua família. Não foi nada fácil para mim perdoá-lo, mas Camila passou tantas horas com a família dele que conseguiu compreender sua situação, e me explicou que ele tinha feito tudo o que fez por seus filhos. E como dona Ângela, avó dele, acabou ficando amiga de dona Lurdes, não tinha mesmo como negarmos convites a eles.

E não podiam faltar os convidados de honra: Apolo e Tapioca, ambos usando gravatas borboleta e sentados de forma comportada na primeira fileira. O gato e o cão haviam se dado bem, no final das contas, após alguns conflitos iniciais. Meio que como os donos deles... Os músicos contratados iniciaram uma música instrumental, me dando a dica de que, enfim, chegava a hora. Todos se levantaram e voltaram seus olhos para a entrada do caminho que Camila deveria percorrer. A primeira a aparecer foi a minha princesinha Alice. Usando um vestidinho branco, rodado e todo adornado por rendas, ela veio caminhando com seus passinhos ainda um pouco desajeitados de uma bebê de um ano e meio, mas já tinha muito equilíbrio e elegância. Ela carregava uma cesta, de onde tirava com sua pequena mãozinha pétalas de rosa e as atirava para o alto, parecendo se divertir muito com aquilo, enquanto uma cerimonialista a guiava. Tudo ia muito bem, até que ela avistou seus melhores amigos na primeira fileira de cadeiras. — Popolo! Ioca! — ela gritou, mudando a rota para correr em direção a eles, causando uma onda de gargalhadas pelo local.

A cerimonialista ajudou-a a se sentar em uma cadeira e Tapioca se acomodou em seu colo, enquanto Apolo, curioso, cheirava a cesta de flores. A música mudou e voltei meus olhos novamente para a entrada. Ainda levou alguns segundos até que, de braços dados com sua avó, Camila surgisse diante dos meus olhos. Linda. Perfeita. Minha. Minha noiva. Em alguns minutos, seria minha esposa. A mãe da minha filha e dos outros filhos que ainda planejávamos ter. A mulher mais louca que já conheci na vida, e também a mais maravilhosa. Ao vê-la entrar usando um vestido branco, com os cabelos ruivos caindo em cachos por cima dos ombros, eu não consegui segurar as lágrimas. E conforme ela se aproximava, eu via que a emoção também havia tomado conta dela. Logo que chegaram até mim, dei um beijo no rosto de dona Lurdes, eternamente agradecido por ela ter criado a pessoa mais incrível do mundo. Ela então se afastou, indo para perto da bisneta, e eu segurei a mão de Camila, perdendo-me por algum tempo olhando em seus olhos. Desviei o olhar para o dedo anelar de sua

mão direita, avistando ali o anel de miçanga que marcou o nosso primeiro encontro. Eu também usava o meu. Naquela noite da festa, eu cheguei àquele bar buscando apenas uma companhia para algumas doses de álcool. Quem diria que com isso eu ganharia uma família? A cerimônia foi toda muito especial. Quando enfim fomos declarados marido e mulher, eu a beijei, sobre os aplausos das pessoas presentes. Horas depois, juntos e enfim sós em nosso quarto da casa para a nossa primeira noite de casados, ela me deu mais um presente maravilhoso: a notícia de que, mal tínhamos nos tornado três, e já seríamos quatro. Ela estava grávida. Teríamos mais um filho. Nossas vidas estavam mais do que completas.

FIM

Conheça outros trabalhos da autora Corações em Jogo Link: https://www.amazon.com.br/dp/B08HR5XWWY/ Sinopse: Tudo ia muito bem na minha vida. Era o bem-sucedido CEO de uma grande rede de lojas e, apesar de ser um homem bem centrado nos negócios, também sabia como curtir a vida: festas, noitadas, amigos e mulheres. Todas eu quisesse ter. E eu queria todas... até ela aparecer. Foi por uma aposta que a conheci. Uma briga de egos com meu irmão, que me provocou dizendo que eu só conquistava garotas por causa do meu dinheiro. Eu teria duas semanas para seduzi-la, mas ela não poderia saber quem eu era; não poderia saber que era rico, muito menos que era seu chefe. O problema era que eu não esperava que Luíza fosse tão especial e que eu acabasse me apaixonando por ela e por sua filhinha, Sofia, com quem precisei fazer um pacto muito engenhoso quando descobriu minha identidade antes da mãe. O que era para ser apenas uma aposta, acabou tomando rumos diferentes. Agora, não era apenas uma conquista que estava em jogo... mas também o meu coração.

Um Encontro do Destino Link: https://www.amazon.com.br/dp/B08QBM1YNV/

Sinopse: Uma viagem longa de ônibus não era algo que estivesse nos meus planos. Mas surgiu um compromisso muito importante em outra cidade distante. Eu poderia ir de avião, mas simplesmente me recusava a entrar em um. Sim, era um CEO bem-sucedido, com grana suficiente para ter o meu próprio jatinho, mas tinha medo de entrar em um avião. Ir de carro seria uma opção, mas era uma viagem longa e cansativa e, de última hora, não consegui um motorista disposto a aceitar o trabalho bem nessa época do ano. Eu não me importava que esse compromisso fosse no dia 26 de dezembro e essa viagem significasse que eu passaria o Natal sozinho. Esse já era o meu padrão. Desde garoto, sempre fui um solitário durante todos os dias do ano, uma data no calendário não tornava as coisas diferentes. Contudo, tal viagem trouxe algumas surpresas. Umas ruins, como um imprevisto na estrada que acabou atrasando tudo ainda mais. Outras, muito melhores do que eu poderia imaginar, como a jovem Laura e seu bebê Daniel, que foram minhas companhias no assento ao lado. Talvez aquele Natal fosse diferente de tudo o que eu já tinha vivido até então.

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Acordei Noiva do meu Chefe - Luna Soares

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