Ao Seu Ritmo - Priscila Nascimento

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Editora crystal books

São Paulo 2020

Copyright © 2020 Priscila Nascimento

Capa: LA Capas Revisão: Bianca Bonoto Diagramação: April Kroes Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados. Esta obra literária é ficção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, eventos ou estabelecimentos é mera coincidência. Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico. Produzido no Brasil.

O texto segue as Normas vigentes da Língua Portuguesa, contudo características da coloquialidade foram utilizadas para aproximar a linguagem às falas de situações do cotidiano.

Conhecendo o antes Engana-se quem pensa que pode fugir dos problemas, que pode driblar a tristeza, que é fácil seguir em frente. Não queridos, nada disso é possível, a vida, quando quer fuder a gente, arruma um jeitinho e na minha ela caprichou. Era uma sexta-feira de 2010, nós tínhamos acabado de sair do hotel e estávamos voltando para casa. Nosso casamento era recente e estava tudo indo a mil maravilhas; o natal estava chegando e Marina queria toda a família reunida, e claro que eu faria mais essa vontade para ela, como todas as outras que sempre fiz. A estrada estava escura e chovia um pouco. Ela fazia graça, como de costume, brincando com tudo. Decidimos contar os postes com as luzes acesas para passar o tempo, e me manter acordado, pois estava dirigindo. Eu queria ter ido no dia seguinte bem cedo, mas Marina queria chegar rápido em casa porque tinha os presentes para comprar e embalar, queria montar a árvore grande e encher de enfeites, e eu queria dar tudo a ela, sempre quis... E esse foi meu erro. — Aron deixa de bobeira, o que é um Natal sem árvore? — Sua voz era doce como sempre.

— Mari Natal é uma merda, não gosto disso, só serve para comprar presente — digo, pois sei que ela odeia quando falo assim. — Aron, pelo amor de Deus, quem odeia o Natal? É uma data linda — ela faz cara de brava e eu sei que é pura encenação. — Eu ué! — Falo rindo. — Oh Deus, não escute esse pobre homem, ele é um tolo! — Ela levanta os braços para o alto e sorri. Eu amo vê-la sorrir, suas covinhas lindas a tornam mais linda, se é que isso é possível, seu cabelo loiro solto a deixa angelical, seus olhos azuis dão a ela uma beleza única. Me viro por um segundo para admirar o seu sorriso e mais uma vez cometo um erro... Amar é algo errado, devia ser proibido amar alguém tanto assim e, nossa, como eu a amo, mas o seu semblante muda de alegria para horror, sua voz de desespero me tira do meu transe. — ARON, CUIDADO!! Tudo acontece rápido demais, olho para frente e vejo um carro vir para cima de mim. Tento desviar, mas a pista molhada e o carro muito em cima não me deixam muita opção. Tento então jogar o carro para o lado, mas é tarde demais. O carro bate do lado da Mari, fazendo nosso carro capotar. Tento segurá-la, mas não consigo, meu cinto fica preso. Olhei para o sorriso que tanto amo e não me atentei ao que aconteceria a seguir. Seus cabelos voam, ouço ela gritar meu nome. Bato minha cabeça em alguma coisa, a dor é insuportável e uma luz forte me cega. Nossos corpos são lançados para frente com o impacto sofrido pelo carro. Seus olhos vidrados nos meus, vejo seu sorriso tentando me acalmar. Senti que era nossa despedida... e foi quando o breu me sufocou. Acordo no susto, está tudo claro demais um barulho chato invade meus ouvidos. Estou confuso, não sei onde estou. De repente vejo uma mulher com um jaleco, "acho que estou no hospital", mas o que aconteceu? — Senhor Muniz? O Senhor pode me ouvir? — Sua voz é calma, ela sorri para mim. — E-eu, si-sim — com muita dificuldade consigo falar, minha cabeça dói e a claridade faz doer meus olhos. — Ah que bom. Bem, o Senhor sabe onde está? — Enquanto me faz perguntas ela me examina. — Ñ-N-ão, não — tenho muita dificuldade em falar, gaguejo bastante, as palavras me fogem.

— Ok, não precisa forçar a fala. Vou te fazer algumas perguntas e você só acena com a cabeça, você consegue? — Ela me pergunta. Faço que sim com a cabeça e ela sorri em resposta. — Muito bem, então vamos lá. Você sente isso? — Ela passa alguma coisa no meu pé direito, e eu faço que sim com a cabeça. — Muito bem, muito bem. E você consegue levantar sua mão esquerda? Eu levanto e ela sorri. Após todos os exames e perguntas, ela vira para mim e finalmente responde minhas dúvidas. — Bem, como o Senhor já deve ter notado, você está no hospital — ela me olha com certa tristeza, e um flash me vem à mente, é o sorriso da Mari, seus cabelos voam e então acaba. — Onde está minha mulher? — Minha voz sai baixa e tremida. — Preciso que o senhor tenha calma... — Sinto meu coração parar, seu semblante já me mostra a resposta. — Bem, infelizmente sua esposa não resistiu... Sinto o mundo desabar na minha cabeça.

Desde pequena sempre fui apaixonada por música. Adorava dançar, cantar, me sentia livre, era o meu momento de ser como o vento, leve e livre. Quando completei 3 anos, minha mãe me colocou no ballet e, nossa, foi amor à primeira vista, não existia lugar melhor no mundo que aquele, ali era o meu refúgio. No meu aniversário de 7 anos ganhei um concurso de dança, e nossa, aquilo foi sensacional, eu era a pessoa mais feliz do mundo, eu tinha minha mãe, meu pai e a dança, quando fiz 15 anos o meu pai e minha mãe me deram o melhor presente que eu podia imaginar, ele me levaram para assistir um Concerto Orquestra e Ballet, eu fiquei tão impressionada que não consegui dormir por dois dias, eu sai do concerto sabendo o que eu queria para minha vida, eu iria ser uma bailarina, um dia seria eu naquele palco. Algumas semanas depois eu estava na minha aula de ballet e recebi uma ligação; ali exatamente naquele momento o meu mundo desabou, meu pai pediu para que eu fosse para casa pois tinha acontecido algo muito sério e

que não podia me falar por telefone, minha mãe tinha sido baleada em um assalto e não resistiu, sem dúvida aquele foi o pior dia da minha vida. Depois disso foquei ainda mais no ballet, eu sentia tanta raiva do bandido, da minha mãe por estar lá naquele momento, de mim por estar assim, na verdade sentia raiva do mundo. Mas com o tempo superei a perda da minha mãe eu e meu pai que já éramos melhores amigos nos tornamos ainda mais unidos, ele passou a me apoiar ainda mais a seguir o meu sonho de ser bailarina profissional, passei a dedicar cada segundo da minha vida ao ballet e ao meu pai. Era uma quinta à noite, o ano era 2010 jamais vou me esquecer desse dia, estava tudo indo bem, passei o dia treinando os passos para a apresentação mais importante da minha vida, passei semanas, meses ensaiando para que tudo saísse perfeito. Meu maior sonho é ser bailaria, uma bailarina profissional e esse dia finalmente chegou, mas como nada nessa vida é perfeito comigo não seria diferente. Sai de casa atrasada pois meu pai resolveu que ia me levar de qualquer jeito, mas o chefe dele só liberou ele com 5 minutos de atraso, o que me atrasou, como pode míseros 5 minutos mudar a vida de alguém. — Alice meu bem tenha paciência vai dar tudo certo, você vai chegar na hora — meu pai dizia enquanto descíamos as escadas do flat que morávamos. — Eu prometo que você vai chegar na hora. — Tá pai, fala menos e anda mais! — Falo gritando, pois estou uma pilha. Eu e meu pai temos uma ótima convivência, nos entendemos superbem, mas estou tão nervosa com a apresentação que não consigo me controlar, ele está tão nervoso quanto eu, e o fato de estarmos atrasados está nos deixando uma pilha. Chovia bastante mas nada iria me parar, esse era o meu sonho, e eu faria de tudo para realizá-lo, mesmo com a chuva a rua estava cheia, pessoas passado de um lado para o outro, umas correriam para fugir da chuva, outras só passando com seus guarda-chuva grandes e coloridos, sai desesperada do carro com minha mochila nas costas e minhas sapatilhas na mão, enquanto meu pai fechava o carro, não podia perder mais nenhum segundo... Tudo seria diferente se eu tivesse esperando meu pai, se eu tivesse olhado para onde ia, se eu escutasse a minha razão me dizer para ir devagar... Afinal eu já estava atrasada mesmo... Eu estava sem guarda-chuva, e com pressa não prestei atenção nas

pessoas, um casal que vinha na direção oposta sorrindo e brincando, também não me viu e o homem acabou trombando em mim me fazendo perder o equilíbrio, para não cair dei um passo para trás, só não contava com um buraco bem atrás de mim, meu pé entrou no buraco e eu acabei torcendo-o e cai sentada, foi tudo muito rápido, o casal parou para me ajudar a mulher me deu a mão e o rapaz pediu desculpas, e eu com pressa só acenei a cabeça e já ia saindo quando meu pai me alcançou. — Alice o que aconteceu? Está tudo bem? — Ele disse preocupado. — Não foi nada pai, só uma trombada, agora vamos — como fui idiota. Troquei a roupa e assim que fui colocar minha sapatilha vi meu pé inchado, mas não liguei pois não sentia dor (claro que não ia sentir, estava com o sangue quente), e lá fui eu para a minha sentença. Comecei a dançar que tinha ensaiado e no primeiro giro senti meu pé, cambaleie mas continuei com o Échappé[1], e acabei em demi-plié[2] no chão, assim que meu pé tocou o chão ele virou, e eu cai com tudo, a dor era tão grande que eu só conseguia chorar, não tinha forças para levantar, meu pai veio correndo ao meu encontro me pegou no colo e me levou para o hospital. Eu me despertei, a dor ela insuportável, meu pai ficou do meu lado tentando me acalmar. — Calma filha vai ficar tudo bem, não fique nervosa, deve ser só uma torção — ele tentava me acalmar em vão. — Boa noite, Senhor Rodrigues? — O médico chaga com alguns papeis na mão. — Sim sou eu, boa noite Doutor. Consigo para de chorar um pouco e pergunto: — E então Doutor? Eu vou ficar bem né? — Bem trago boas e más notícias, a boa e que você vai ficar bem e com bastante força de vontade e exercícios seu pé ficará novo em folha, a má é que você não pode mais dançar, você fissurou um osso chamado navicular, você vai ter que ficar de molho por um tempo e vai precisar de fisioterapia. — Eu vou voltar a dançar? — Meu coração dispara e sinto um frio na barriga. — Infelizmente não como antes, você vai precisar de muita fisioterapia. Eu perco o ar, sinto o mundo ir diminuindo cada vez mais, minha barriga revira.

A vida tem que continuar 8 ANOS DEPOIS — Aron vai ser legal, você nunca sai com a gente para beber, é sempre a mesma coisa todo dia... — Murilo reclama enquanto lutamos. — O Bar fica na esquina, o que custa? — Para de falar e se concentra Murilo — ele faz careta para mim e tenta me acertar com um soco de direita, mas eu sou mais rápido, e desvio. — Engraçadinho você... — Ué estou concentrado — ele diz com deboche. — Vamos fazer assim? Vamos lutar sério, se eu te ganhar você sai com a gente, mas se você ganhar eu não encho mais você! Olho para ele e dou um sorriso de lado, ele sabe que não existe a possibilidade dele me ganhar. — Fechado. Uma luta entre nós dois é algo que acontece todos os dias, mas Murilo não cansa de apanhar e eu adoro bater, então por que não? — Você sabe que vai apanhar Murilo porque não desisti logo no começo? — Pergunto enquanto coloco minhas luvas.

— Seu mal é se achar demais meu caro — ele responde tentando parecer confiante. — Então tá, quais são as regras? — eu pergunto já socando o nada. — É fácil, o primeiro a arregar perde — ele se levanta e fica em pé na minha frente. — Você já está pronto? — Eu nasci pronto rapá — falo com deboche e ele ri. A luta começa e Murilo vem com tudo para cima de mim, eu acho graça e me esquivo com facilidade, sinto que ele fica puto, o Murilo detesta perder, fico levando ele em banho Maria, esquivando, fazendo graça, e deixando ele cada vez mais puto, só que agora eu cansei e já está na hora de ir pra casa. Então esquivei com a cabeça a direita de um jab de esquerda e dei diretos curtos em seu tronco, ele escapa se esquivando e tenta me acertar, mas fui mais rápido e esquivei de um jab de esquerda tirando a cabeça a direta, ao mesmo tempo que dei um direto de direita na sua cabeça. Ele cai sentado e levanta a mão avisando que acabou a luta. — Filho da puta! Pow Aron era só uma brincadeira, essa doeu — ele diz tirando a luva e passando a mão na cara. — Ué, mas eu nem levei a sério, você é um maricas — tiro a luva e jogo nele que desvia. — Agora eu vou embora quero tomar um banho e cair na cama. — Tudo isso para não sair pra beber, tu é um viado mesmo — ele se levanta e vai em direção do vestiário. Coloco uma camisa pego minhas luvas, jogo dentro da mochila e vou embora. Toda noite eu faço a mesma coisa, saio do treino, passo na lanchonete do "pingo" compro minha janta, geralmente é um hambúrguer com batatas fritas e uma cerveja, ou uma coca, depois vou andando pra casa. Eu moro num flat pequeno no centro da cidade, uma cidade pequena onde todo mundo conhece todo mundo, eu não conheço ninguém porque não gosto de criar laços, não depois de ter perdido a Mari, mas isso não quer dizer que eu não sabia o que falam de mim por aí, as velhinhas cochicham quando eu passo, e as moças simplesmente viram a cara para mim, e eu? Bem, eu estou pouco me fudendo para esse povo de merda. Meu único amigo aqui é o Murilo, não sei nem como ele conseguiu me fazer falar com ele, mas isso também não me importa. Eu faço o mesmo trajeto todos os dias na mesma hora, então sempre vejo as mesmas pessoas, nos mesmos lugares. Saio da academia as onze e

meia da noite e à meia-noite eu passo em frente ao "MyBallet" uma escola de ballet para crianças, e sempre está tocando uma música triste. Meu pensamento é sempre o mesmo: "Porque sempre está tocando a mesma música triste?", mas não é da minha conta então passo direto. Chego em casa cansado e com muita fome, como de costume não acendo as luzes, vou para sala e me sento na minha velha e gasta poltrona, ligo a TV e como minha janta, que hoje é pizza de queijo com bacon. As noites para mim são difíceis, quase todas eu tenho pesadelos com a Mari me gritando, ou ela morrendo nos meus braços, então tento me manter acordado o máximo possível, já passei duas semanas sem dormir, mas quando o corpo pede eu tomo um remédio e apago, tenho a mania de dar boa noite para ela, todas as noites e isso tem que parar já procurei um psicólogo mais ouvir as coisas que ele falava me deixava com muita raiva, ouvir ele dizer com aquela voz calma e monótona "a culpa não foi sua Aron, não foi você quem a matou." A minha vontade era de voar em seu pescoço, então decidi parar com essa porra. Deixo o resto da pizza na pia e decido tomar um banho, entro no banheiro e ligo o chuveirono mais quente possível e deixo a água cair, meu corpo dói por causa dos hematomas, hoje o treino foi pesado. Saio do banho enrolado na toalha, e assim que chego na porta do quarto o telefone toca, eu fico olhando para ele tocar, eu sei quem é, mas não quero atender, não quero conversar, não quero ter que fingir que está tudo bem, ou que vai ficar tudo bem. Mas a insistência me irrita e eu decido acabar logo com isso. — Alô? — Digo ríspido. — O-oi, Aron? — Sua voz é triste e de alívio ao mesmo tempo. — Sim sou eu — digo num suspiro. — Ah meu filho, que saudades. Como você está? Já jantou? — Sua voz é trêmula como se estivesse segurando o choro. — Estou bem mãe, já jantei — todas as noites ela me liga, e todas as noites eu não atendo, sei que ela é minha mãe e que se preocupa comigo, mas falar com ela me traz sentimentos que eu quero enterrar. — O que foi? — N-Nada, eu... eu —ela suspira. — Ah meu filho eu fico tão preocupada com você, eu sinto tanto a sua falta, Aron... Eu sei que você precisa seguir em frente, mas porque tem que ser longe da gente? — Mãe eu te amo, e você sabe disso... — Sinto um nó se formar na garganta, fecho meus olhos e vejo o sorriso de Mari. — Ainda não estou

pronto mãe. Preciso que você entenda. — Mas, Aron já se passou tanto tempo, você podia tentar vir me visitar, seu pai sente sua falta... — Ela não segura as lágrimas, mas tenta esconder o choro. — Mãe está tarde, eu preciso ir... Amanhã eu tenho treino pesado — ela suspira alto e fica calada por alguns segundos. — Filho eu te amo e estarei aqui, sempre. — Eu sei, boa noite mãe — mas antes que eu desligue o telefone ela deixa escapar num sussurro. — Fica com Deus. Desligo o telefone com tanta raiva que tenho certeza de que ela se assustou. DEUS? DEUS?? Ele me abandonou faz muito tempo!

ANOS DEPOIS — Vamos Bia, de frente para a barra, mantenha o foco... — Digo com firmeza. — Isso muito bem, no começo e difícil mesmo. Sinto um orgulho enorme de cada uma delas, elas são esforçadas e amam tanto quanto eu a dança. Bem, terminamos por hoje, amanhã tem mais. Não esqueçam de nada na saída. Vocês foram ótimas. Mais um dia completo, minhas meninas vão embora, e mais uma vez estou sozinha aqui. Sento no meio da sala e me encaro no espelho, minha postura continua impecável, olho para minha sapatilha vermelha e suspiro, que saudades... Me levanto coloco minhas sapatilhas e ligo o som, a música invade o lugar a voz de Amy Lee invade meus ouvidos, vou até a porte e me certifico que todos já se foram. — Estou sozinha. — Sento no meio da sala e começo meu alongamento, alguns minutos depois levanto e estou pronta, fecho meus olhos e dou o primeiro passo, mas sou interrompido pelo celular tocando: "Papai", desligo o som e atendo. — Oi pai! — Oi filha, você já acabou aí? — Ele diz Feliz. — Já sim, só estou arrumando as coisas aqui, você sabe que não gosto de deixar trabalho para o dia seguinte... — Ah, sei sim... filha tenho novidades vê se não demora muito, tudo

bem? — Tá bem papai, te vejo logo. Desligo o telefone e volto para minha dança "proibida" , todas as noites eu faço a mesma coisa, fecho a escola e danço meu médico disse que eu poderia voltar a dançar — não como antes — eu sei, mais cada dia é um dia e eu sinto nas minhas veias que eu vou mudar isso, vou dançar como antes, vou ser o que não pude a oito anos atrás, aos poucos já consigo saltar, ficar na ponta do pé, quando me entrego para a música danço como se essa maldita fissura nunca tivesse existido, tudo bem que não posso forçar, e quando sinto o primeiro sinal de dor tenho que parar, mas sinto que cada dia eu consigo ficar mais tempo, e eu sei que vai chegar um dia que essa dor ficará no passado como uma história que vou contar para os meus netos. Olho no relógio e já são meia noite e vinte, perdi a noção do tempo então tiro minhas sapatilhas e escondo no armário, fecho a escola e vou para casa. Não gosto de mentir para o meu pai, na verdade não estou mentindo, estou omitindo. Ele morre de medo de que eu volte a dançar, pois o sofrimento que passei foi demais para nos dois, mais sem meu pai eu estaria perdida, foi ele quem me levantou, ele que me ajudou a ter a escola, sou o que sou hoje graças a ele, e eu o amo por isso. Chego em casa jogo minha mochila no sofá e vou direto tomar um banho, saio do banheiro e o cheiro da janta invade o meu nariz. — Vem comer Alice! — papai me chama da cozinha. Coloco um pijama e corro para lá, me sento a mesa e a comida já está no prato. — Sim eu tenho o melhor pai do mundo. — Humm, carne assada e batatas coradas, você é o melhor senhor Thomas! — Digo com a boca cheia. Ele sorri orgulhoso. — É então pai? Qual é a novidade? Ele abre um sorriso, e suspira com orgulho. — Eu inscrevi a MyBallet no concurso de dança — paro com o garfo no ar e olho para ele sem expressão. — Você o que? — Eu não sei o que sentir, não sei se fico muito puta ou se fico muito feliz e agradecida. — Alice?! Você não vê a oportunidade que está pela frente? — Ele diz empolgado. Papai!!! Você devia ter me consultado antes, eu não sei o que te dizer...

— Meu Deus Alice, pensa se vocês ganharem o concurso a MyBallet vai ter patrocínio, a escola vai crescer, sem contar que tem um prêmio em dinheiro que pode mudar tudo... — Ele está tão empolgado e eu tão desnorteada que prefiro não bater de frente com ele. — Você não gostou? — Eu, eu... Bem eu — me faltam palavras. — Gostei pai, Obrigada. Sinto que ele fica triste, então decidi mudar de assunto e prometo pensar melhor em tudo isso, termino de comer e vou para o meu quarto, estou realmente cansada e meus pés doem, voltar a dançar não está sendo fácil ainda mais quando se faz tudo escondida. Todas as noites eu espero meu pai dormir para colocar meu pé de molho na água quente, sempre alivia a dor e o inchaço, essa noite não foi diferente. Me deito na cama e começo a pensar na notícia que papai me deu. — Será que é uma boa? — digo para mim mesma. Ter um patrocínio com toda certeza seria ótimo, e o dinheiro também não seria ruim poderia arrumar a escola, comprar sapatilhas para as meninas, fazer um uniforme com a nossa logo, seria um sonho. Acabo caindo no sono. "Estou num palco e só vejo minhas sapatilhas vermelhas, eu as pego e coloco, de repente uma música começa a tocar e eu vejo um homem vindo em minha direção, não vejo seu rosto só seus olhos de um azul expressivo, ele me observa dançar, eu fico hipnotizada por aqueles olhos, então eu danço, danço para ele. Meus pés não doem mais, a música me embala e eu danço... E ele me observa sentado na minha frente eu tendo chegar mais perto para poder vê-lo melhor mas por algum motivo a luz só ilumina o azul dos seus olhos, e a cada passo da minha dança ele sorri para mim, fecho meus olhos e me entrego a dança, ao final escuto ele aplaudir abro meus olhos e ele está de pé e eu consigo ver o seu belo sorriso, faço uma referência para agradecer, e assim que dou um passo para frente, para chegar perto dele eu acordo." Me sento na cama confusa, que sonho mais estranho foi esse? Olho para a janela e vejo que ainda é noite, me deito e volto a dormir, mas dessa vez ele não está lá.

Um olhar intrigante — Aron, você sabe que eu te amo — seu sorriso iluminava o seu rosto, suas covinhas apareciam e me faziam sorrir também. Eu a abraço forte e beijo seu pescoço, fazendo ela se arrepiar. — Mas eu gosto de ouvir você dizer, não existe som melhor que a sua voz — ela dá uma gargalhada. De repente ela me olha de um jeito diferente, e lentamente vai se afastando de mim. — Aron, por que você não corta esse cabelo? Você está com uma cara de cansado, o que aconteceu? Do nada me vejo sozinho num quarto onde só tem um espelho, eu tento achar uma porta ou janela, mas não vejo nada, do nada apareço na frente do espelho, minha cara está suja, minha barba está grande e meu cabelo também, o azul dos meus olhos são tristes e distante. Me sinto sujo, dou alguns passos para trás e piso em algo, quando olho para baixo vejo que é um sapatinho de bebê azul, sinto um nó se formar em minha garganta e acordo assustado. "Merda mais um pesadelo", me levanto e olho no relógio já são 7h30 dormir demais, preciso correr, vou para o banheiro e tomo um banho rápido,

evito olhar no espelho passo direto e vou para o quarto, troco de roupa e vou comer alguma coisa, abro a geladeira e só tem uma caixa de leite, no armário só tem meia caixa de sucrilhos "Droga, preciso fazer compras", como o que tem, pego meu celular, os fones de ouvido e saio, enquanto desço as escadas vou selecionando as músicas que vou escutar enquanto corro, chego no hall do flat e me aqueço por dez minutos. — Bom dia Senhor — o porteiro diz, eu olho para ele e aceno com a cabeça. Todos os dias na mesma hora eu saio para correr, depois volto para casa pego minhas coisas e vou treinar, pois o torneio é em duas semanas, todos os dias o porteiro me dá bom dia e eu não respondo, não entendo como ele não se cansa. Começo minha corrida de duas horas, eu gosto de correr pois não penso muito enquanto corro, geralmente o Murilo corre comigo, mas hoje ele não deve vir porque saiu para beber ontem, e ele trabalha. O Murilo é advogado, e anda engravatado eu já fui advogado um dia, quando tive uma vida, agora me dedico cem por cento ao boxe, e se você está perguntando se dá dinheiro, a resposta é sim, uma vez ou outra o Murilo tenta me convencer a voltar a advogar, mas isso não é mais para mim. Como de costume passo em frente à escola de ballet às 8h, e sempre tem uma mulher abrindo o lugar, mas nunca presto atenção nela. Hoje como me atrasei não vi ela abrir a escola, nem o senhor Carlos, o padeiro levar o pão até a lanchonete da esquina, nem o bistrô ser aberto, olho no celular e já são 8h30, então vou em direção ao parque, sempre correndo no mesmo ritmo, gosto de correr no parque ver as pessoas andando, os patos no lago... Me distrai, corro por mais meia hora e volto para casa. — Bom dia Senhor — mais uma vez o porteiro me cumprimenta, aceno com a cabeça como sempre e subo pelas escadas, não gosto de elevadores. — Chegou fila da puta, e aí porque se atrasou hoje? — Mal chego na academia e Murilo já começa a encher o saco. — Me atrasei — sempre levo na secagem as zoeiras dele, mas hoje não estou bem, então respondo seco. Ele me olha e logo para de rir, ele sabe quando a noite não foi boa para mim, no fundo ele é um bom amigo. — Noite foda? — Ele pergunta sério.

— Foi... Mas não quero falar, vamos malhar que mais tarde eu tenho treino. — Beleza, hoje eu acabo com você — ele me faz rir. — Vai nessa... Passo quase todo o tempo calado, geralmente esses sonhos não me deixam assim já se passaram oito anos, é claro que choro sentindo saudade dela, que sinto raiva por não ter prestado atenção na porra da direção, eu sei que a culpa foi minha e sei que não mereço perdão nem ser feliz de novo, por isso larguei tudo para trás e vim morar aqui, o meu último psicólogo disse que eu deveria recomeçar minha vida, mas como? Sem a minha Marina, sem a luz que ela trazia para a minha vida? Agora só me resta trevas e escuridão. Eu perdi toda a minha sensibilidade, perdi todo o meu amor próprio, não quero mais me entregar para ninguém, não quero passar por isso, de novo. Termino de malhar e já é meio dia, arrumo minhas coisas e vou comer, eu almoço em um restaurante que fica próximo a academia, o dono já me conhece, só não fala comigo, na verdade ninguém dessa cidade fala comigo, um cara sozinho, barbudo, cabeludo, com cara de mal encarado que para completar matou a mulher... Sim essa é a história que o povo conta ao meu respeito, por isso todos me olham de rabo de olho e as criancinhas tem medo de mim. Chego no restaurante e como de costume me sento no canto lá no fundo, Murilo recebeu uma ligação do escritório e teve que sair correndo, então vou almoçar sozinho, ele disse que volta para o treino mais tarde. — Bom dia, o que vai querer hoje Senhor? — A garçonete fala me tirando do meu devaneio. — Quero um bife com fritas e arroz branco, traz um suco de laranja com acerola também — ela anota o meu pedido e sai com o seu sorriso forçado. Enquanto espero fico olhando a TV, a porta se abre e o barulho me faz olhar para ver o que é, duas mulheres entram conversando, elas estão vestidas com roupas de bailarina, uma toda de preto e a outra de rosa escuro, a de preto tem os cabelos castanhos presos em um coque, e seus olhos também castanhos são marcantes, ela olha para mim por um momento sem desviar os olhos dos meus, eu sustendo o olhar sem piscar por um tempo. Ela percebe que não vou desviar o olhar então ela mesmo o faz, por alguns segundos eu continuo a olhar sem perceber que está ficando estranho, então a garçonete me chama com o meu pedido em sua bandeja.

— Senhor? — Ela diz com uma voz monótona. — Oi? — Digo despertando do transe que estava. — Aqui está o seu prato, o senhor vai querer mais alguma coisa? Ela coloca o meu prato na mesa e pega o seu bloquinho esperando que eu responda. — Não — digo seco. Ela revira os olhos e sai, olho mais uma vez procurando a moça da roupa do balé, mas ela está sentada de costas para mim, me sinto idiota com essa minha atitude, então volto minha atenção para o meu prato.

Como suas sapatilhas — Jura que seu pai fez isso? Meu Deus Alice, sem dúvidas ele é o melhor — Samanta fala enquanto andamos em direção ao restaurante. — Eu também achei Sam, claro que de primeira eu fique sem reação, mas depois pensei melhor, e tipo, salvaria a gente com certeza. Assim que entramos no restaurante, olho para o fundo e fico sem reação, um homem está sentado na única mesa que tem no fundo do restaurante, ele olha para mim sua expressão é triste, mas seus olhos... Seus olhos são vivos, um azul que hipnotiza, por alguns segundos nós nos encaramos, e eu não consigo parar de olhar para aquele mar azul, aqueles olhos, eles me lembram alguma coisa... — Alice? O que foi? — Samanta me chama e percebo que está muito estranho, ficar olhando para ele assim, então desvio o olhar. — Tá olhando o que? Eu puxo ela disfarçadamente, e assim que vejo uma mesa me sento de costas para o tal homem. — Sam, você vai me achar doida, mas sabe aquele homem lá atrás? — Que homem? — Ela olha disfarçadamente. — O que parece sujo?

— Aí credo ele só está cabeludo, malcuidado... Sei lá... — eu digo meio que repreendendo ela. — Tá mais o que tem ele? — Ela me corta me ignorando. — Sam eu acho que sonhei com ele, bom não sei se foi ele mesmo, tenho certeza de que aqueles olhos estavam no meu sonho... — digo enquanto alguns flashs do sonho me fazem devanear. — Sim agora tenho certeza que você está louca e... — Boa tarde, o que vão querer hoje? — Uma garçonete a interrompe, e me faz voltar minha atenção para ela. — Quero aquela salada de alface, cenoura ralada com queijo minas e filé de frango — digo para a garçonete que anota meu pedido. — Quero um suco de abacaxi com hortelã, sem açúcar. — E a senhorita? — Ela se vira para Sam. Quero um risoto de camarão, filé de peixe, e salada pode ser a mesma que a dela, o suco também. Ela me olha com uma cara de quem vai voltar a tocar no assunto dos olhos azuis, porém sou mais rápida. — Sam, acho que vou deixar a coreografia para cada professora escolher a sua, o que você acha? — Ela sorri, pois entendeu o recado. — Acho muito bom, vai ser muito diferente e tenho quase certeza de que a MyBallet já ganhou essa bagaça! — Tomara...

Sam e eu passamos quase o dia todo montando os detalhes para a reunião que faremos com as professoras da MyBallet, às 17h dei minha primeira aula do dia, e às 21h após encerar a última aula chamei todas as professoras para dar um recado. — Atenção meninas, tenho notícias então faremos uma reunião amanhã as 16h, espero que todas estejam lá, é uma coisa muito boa, eu juro! — Digo sorrindo e fazendo todas rirem junto. Ter uma escola de ballet dá bastante trabalho, mas eu amo fazer o que faço. Dou aula e gerencio a escola, papai me ajuda bastante, mas ele tem o trabalho dele, e a nossa casa para cuidar, ainda bem que tenho a Sam ela além

de ser minha melhor amiga é meu braço direto. Todas as meninas terminam o que estavam fazendo e aos poucos cada uma vai indo embora. Fico no escritório separando alguns papeis, algumas contas para pagar, e alguns papeis que ficaram faltando para a inscrição no concurso, acabo esquecendo da hora, quando dou por mim já são 23h. Guardo tudo e vou para a minha sala de aula, pego minhas sapatilhas vermelhas, e começo meu ritual de todas as noites, me sento no meio da sala calço minhas sapatilhas e ligo o som. A voz de Ed Sheeran toda conta do lugar e eu começo a me aquecer. Alguns minutos depois estou pronta para a minha "dança proibida", troco a música e a voz de Amy Lee é quem toma conta do lugar agora, e nesse momento me entrego a música, cada parte do meu corpo parece não me pertencer, mas sim a melodia, a cada acorde meu corpo corresponde, é involuntário. A música me invade, e meu corpo responde, nesse momento eu sou a música, eu sou o som, eu simplesmente me entrego, me esqueço de tudo, nada me atinge, só a voz de Amy Lee. A cada dia meu pé parece melhorar, e dentro de mim cresce a certeza de que vou voltar a ser o que era antes, e que do passado só vai me restar a lembrança de um dia ruim.

Sou interrompida pelo meu celular que não para de toca, desligo o som e atendo. — Oi papai. — Oi filha, e aí? Já está vindo para casa? — Ele pergunta. — Já sim, só estou terminando de fechar a escola, já, já estou em casa — meu pai é um daqueles pais babões, toda noite ele me liga. —Tudo bem, então até daqui a pouco — ele diz com sua voz de pai protetor. — Até! Desligo o celular e quando vejo já são 00h30, eu me espanto pois dancei por uma hora direto, sem meu pé doer, não consigo me controlar me sento no banco e começo a chorar, as lágrimas saem descontroladas, sinto

vontade de voltar e dançar mais, mas não posso pois já está tarde. Então troco de roupa guardo minhas sapatilhas, vou até meu escritório pego minha mochila e vou para casa. Eu adoro a noite, o silêncio que vem com ela é confortante, vou andando para casa, não todos os dias, mas a maioria deles, tem dias que papai me empresta o carro e algumas vezes ele me busca na MyBallet. Mas isso só quando ele tem alguma entrega na cidade, meu pai é um artista ele faz esculturas lindas, seu sonho é fazer uma exposição com suas esculturas, um dia sei que ele vai conseguir. Chego em casa acabada, não moro longe, mas depois de um dia cansativo de trabalho, até ir ao banheiro é longe. — Olha quem chegou! — Meu pai diz sorridente. — A mocinha do papai! — Aí pai só você... Quando você vai se tocar que a mocinha do papai já tem 28 anos? — Digo me jogando no sofá. — Você pode ter 100 anos, mas sempre será a mocinha do papai! — Ele diz me fazendo cair na gargalhada. — Pai, com 100 ambos eu serei no máximo a múmia do papai! — Nós caímos na gargalhada. — E então como foi o seu dia? — Ele pergunta se sentando em sua poltrona. — Foi cansativo — me deito no sofá. — Tive três aulas hoje, e ainda montei a reunião de amanhã, tenho que ver os papéis que faltam para mandar para o concurso, tenho bilhetes para mandar aos pais das meninas para que elas possam participar... — Eu suspiro cansada. — Muito trabalho pela frente Seu Thomas... — Ah, mas sem trabalho não se tem recompensa, não é mesmo? — Meu pai é demais. — Verdade, agora vou tomar banho e dormir que amanhã é dia. — Não vai jantar? — ele pergunta. — O que tem de bom? — Pergunto gritando do meu quarto. — Lasanha! — Ele grita de volta. — Com toda certeza! — Grito para ele que ri em resposta. Acordo antes do relógio despertar, e já corro para tomar um banho e arrumar minhas coisas, estou empolgada com a reunião de hoje. Tomo meu café e parto para a escola.

— Bom dia pai, até à noite! — Grito da porta. — Bom dia Ali, vai com Deus — ele grita da cozinha. Não conheço muitos pais, mas sem dúvida não deve existir um melhor que o meu. Chego na escola e encontro Sam abrindo a porta. — Bom dia perua — digo para ela que sorri ao me ver. — Bom dia! Dormiu bem? — Sabe que sim, sinto que o dia hoje vai ser ótimo! — Digo sorrindo, Sam sorri de volta e entramos na escola para mais um dia de trabalho. Meu dia passa voando, com tudo que tenho para fazer, acabo não indo almoçar então Sam compra umas quentinhas para nós duas, termino de comer e ela vai verificar as aulas como todos os dias, enquanto eu faço os bilhetes para mandar aos pais das meninas. Alguém bate à porta. — Com licença, Ali — Sam entra. — Oi, o que foi? — Digo sem olhar para ela para não perder a concentração no que estou fazendo. — Já está na hora da minha aula? Ou da reunião? — Não, você ainda tem tempo — ela Diz puxando a cadeira que está na frente da minha mesa e se jogando nela. — Hum tá, então o que foi? — Digo mordendo a tampa da caneta e olhando para ela. — Nossa que rosa linda. Ela segura uma rosa vermelha, mas não era qualquer rosa vermelha, essa era de um vermelho vivo. — Não é? — Sam diz com um sorriso travesso no olhar. — Muito, foi alguma aluna que te deu? — Ela sorri e percebo que está zoando com a minha cara. — O que foi Samanta? Ela solta uma gargalhada divertida e estende a rosa para que eu a pegue de sua mão, eu semicerro os olhos e ela sorriso brincalhona. — Pega besta! — Ela sacode a rosa e eu a pego desconfiada. — Não é minha, ela apareceu no balcão lá da entrada e tinha esse bilhete em cima dela. Ela me entrega o bilhete e eu o leio em voz baixa. "Para a bailarina de sapatilhas vermelhas"

Já aconteceu de você estar em um lugar, achando sua vida uma merda, achando que nada mais faz sentido, e de repente belos olhos castanhos encontram os seus, e por algum momento, um mísero momento, digamos uma fração de segundos você vê uma luz, uma luz que brilha forte, te mostrando que dentro de você, mesmo que você ache que não, mas existe um coração, e sim minha gente, ele bate. E então? Já aconteceu com você? Não? Pois comigo sim, quer saber quando? Eu te lhe digo, foi no restaurante, e não pense você que eu não achei estranho, porque eu achei. Termino meu almoço e saio do restaurante, alguma coisa dentro de mim me pede para voltar para lá, mas eu ignoro, decido então passar na banca de jornal que fica na praça quase em frente ao restaurante, finjo olhar as coisas, mas as vezes olho para a porta do restaurante. — Boa tarde, o senhor deseja algo? — A voz áspera do jornaleiro me tira do devaneio. — Não... — Ele me olha de cara feia, então eu mudo de ideia. — Quer dizer... Quero sim, um chiclete! Ele me entrega o chiclete com má vontade. Meu celular toca "Murilo" — Fala! — Minha voz sai sem emoção. — Pow cara, onde você se meteu? — Sua voz é preocupada. — Já estou aqui na "AdL" (Arte da Luta, academia), e você nada de chegar. Tá fazendo o que? Eu suspiro, pois sei que ele deve ter pensado mil coisas. — Estou a caminho, chego aí em 20 minutos, e não pira que não fiz nada. Ele tem todo direto de ficar maluco atrás de mim, pois das vezes que eu sumi realmente não estava fazendo nada de bom. Ele já teve que arrombar meu flat, pois tentei me matar algumas vezes, é depois do sonho de hoje eu tentaria algo, mas por algum motivo fazer isso nem me passou pela cabeça. Decido deixar para lá a ideia de ficar esperando a bela bailarina sair do restaurante, e ir logo treinar, chego na academia e encontro Murilo já treinando, ao me ver seu semblante muda para um de puro alívio e depois para muita raiva.

— Seu filho da puta! — Ele diz alto. — Porra Aron para que sumir assim? — Deixa de viadagem Murilo eu só fui almoçar e depois parei para... — Me vem à mente aqueles olhos castanhos profundos. — Parei para comprar um chiclete. É foi isso um chiclete. Ele me olha com cara de desconfiado. — Tá vai se trocar, que hoje eu vou acabar com você! Dou uma gargalhada. — Sei, como todos os dias que você nunca conseguiu, né? — Pego minha mochila e deixo ele me xingando. Hoje estou cheio de energia, durante a luta me senti vivo com vontade de lutar me entreguei completamente ao treino, é como dizem: "Quando estamos fazendo algo que gostamos muito o tempo passa voando", e comigo não foi diferente passou tão rápido que quando me dei conta só tinha eu e mais dois na academia. Estou suado e cansado, então vou para o vestiário tomar um banho rápido, coloco uma blusa branca e uma calça comprida de malha cinza, dou um nó no cabelo, pego minha mochila e saio. São onze horas, e a rua está quase vazia, faço o meu trajeto de todos os dias, só que dessa vez quando chego em frente ao MyBallet, a música triste me chama atenção, e me atrai como um imã, involuntariamente eu caminho até lá, as luzes estão apagadas, mas pela janela vejo uma claridade lá no fundo, coloco a mão na maçaneta e a porta se abre, não sei porque mas meu coração acelera. Entro e sigo a música triste que vai aumentando a cada passo que dou, ando por um corredor escuro que me leva a porta de uma sala que está entreaberta, eu olho pela fresta e por alguns momentos só vejo a luz da sala, meus olhos se acostumam com a luz, e eu consigo ver o que tem dentro da sala, as paredes são cobertas por espelhos do chão ao teto, o chão e de madeira escura, e no meio da sala está ela, meu coração acelera ao vê-la. Ela vestia uma roupa preta, seu cabelo está preso num coque perfeito, e nos seus pés, sapatilhas vermelhas de um vermelho vivo, e ela dança... E como dança... E eu? Eu estou hipnotizado... Ela dança com uma leveza, ela se entrega a música como se fosse parte dela, sim ela é a música... Eu fico ali admirando extremamente encantado, e ela dança, como se sua vida dependesse disso. Perco a noção do tempo vendo-a dançar, de repente ela para e vai até um canto da sala, eu a perco de vista, mas escuto a sua voz, e ela é doce,

percebo que ela fala ao telefone. Me ajeito para poder vê-la melhor, ela está sentada num banco aos prantos, e eu estou sentado no chão ainda encantado com sua dança e com toda sua delicadeza. Pela primeira vez em oito anos tive uma noite de sono, sim eu dormi, e dormir sem sonhar talvez seja por estar muito cansado, ou talvez por ter tomado remédio, o importante foi que eu dormir, me levanto no horário, faço a minha rotina matinal, Murilo me liga para saber se vou malhar hoje. — Vou sim, na verdade já estou a caminho. — Tá bom então, te vejo lá — ele diz e desliga. Estou a uma quadra da academia de musculação, quando passo em frente a uma floricultura e uma rosa vermelha me chama atenção. — Bom dia — digo seco. — Bom dia! — A moça diz contente, ela está de costas e não vê que sou eu, mas assim que ela me vê seu semblante muda para descaso. — O que posso fazer por você? — Ela diz sem emoção. — Quero aquela rosa vermelha ali — digo apontando para a rosa. — E um cartão também. Ela sai me deixando sozinho por um instante, depois volta com a rosa e o cartão. — Você tem caneta? — Pergunto. — Tenho sim — ela me entrega a caneta e se afasta. Eu escrevo no cartão dou o dinheiro e a caneta para ela e saio. Assim que saio da floricultura me bate um arrependimento, "mais que porra eu estou fazendo?" dou um passo em direção a lixeira, "Aron você é um babaca mesmo." Assim que faço menção de jogar a rosa no lixo vejo a bailarina passar apressada por mim, dou um tempo e vou atrás dela. Ela para na porta da escola e começa a conversar com a mesma mulher que estava com ela no restaurante, elas entram e eu espero do outro lado da rua. Agora você imagina que cena ridícula: um cara barbudo, de cabelos soltos, com uma camisa branca e um colete com capuz de malha creme, uma calça de moletom preta, e um tênis branco, em pé do outro lado da rua segurando uma rosa vermelha na mão. Ridículo não é? Pois é, esse sou eu. Eu atravesso a rua e em um impulso entro na escola, não tem ninguém na recepção, então eu deixo a rosa em cima do balcão, coloco o cartão em cima e saio de lá o mais rápido que consigo.

Uma noite de dança Depois que ganhei aquela rosa fiquei muito curiosa, e sem entender o que aconteceu. E ainda tive que explicar para Sam que sapatilhas eram essas, sem contar para ela que "voltei a dançar", o que não foi fácil, mas depois de duas semanas ela enfim esqueceu isso. Porém essas duas semanas eu fiquei bem atenta com as portas da escola, e não vi ninguém me olhando enquanto ensaiava. Mesmo assim tinha a impressão de que estava sendo observada, não recebi nenhum outro tipo de bilhete, nem flores, confesso que fiquei triste e que todos os dias quando Sam batia a porta eu tinha esperança de ser algo para mim. Idiota eu sei, mas nunca tinha recebido flores, nem bilhetes de alguém. E acho tão lindo quando alguém recebe flores, um dia a Sam ganhou um buquê de rosas rajadas, e era tão grande que não conseguia segurar sozinha. Tudo bem que quase toda semana ela ganha alguma coisa de alguém que ela pegou nas baladas da vida no fim de semana, ela tem um quarto onde guarda as "bagaças" como ela mesmo diz. Quem me dera ser igual a ela... linda, engraçada, inteligente e dança como ninguém. — Vamos meninas atenção, o concurso será daqui um mês

precisamos nos esforçar bastante — Sam dizia para suas alunas. — Hoje nós vamos começar a montar os passos, quero a opinião de todas, ideias são sempre bem-vindas. Sempre duas vezes na semana eu tiro para andar pela escola e olhar as meninas dando suas aulas, gosto de ser o desenvolvimento das crianças, dessas duas vezes uma é quando papai vem ver como andam as coisas. Passo pela sala de Samanta, fico observando ela ensaiar com as meninas , ela dá aula para meninas e meninos de 5 a 9 anos, depois passo pela sala de Bárbara, que está dançando junto com suas aulas, (ela já montaram seus passos) uma música lenta, ela dá aula para meninas e meninos de 10 a 15 anos, logo ao lado tem a sala da Duda ela dá aula para meninos e meninas de 16 a 18 anos e eles dançam umas músicas mais agitadas com batidas fortes. Fico ali observado, e montando na minha cabeça os passos da coreografia, depois que um tempo vou até minha sala para começar a arrumar as coisas para a aula, eu dou aula para as crianças pequenas, de 4 anos e paras as maiores de 19, claro que em horários diferentes, mas hoje quero misturar minhas turmas para montar a coreografia. Entro na sala e ligo o som, e logo me assusto com a música que toca, pois não era essa que eu tinha deixado no rádio ontem à noite. A voz de "Amy Lee" enche a sala. — Droga, esqueci de tirar o CD — digo para mim mesma. Troco a música para uma mais a animada, vou para o vestiário e coloco minhas sapatilhas pretas, faço um coque no cabelo e quando volto para a sala minhas alunas já estão chegando. — Boa tarde meninas, hoje o dia será longo temos muitas coisas para fazer. — Elas abrem um sorriso para mim, e assim começo nossa aula. Depois de um dia cansativo, mas muito gratificante, minha aula chega ao fim e eu estou exausta. — Ali, vamos sair hoje? — Eu sempre recuso educadamente os convites de Sam para sair, mas hoje é sexta e eu estou precisando esvaziar a mente. — Onde você está pensando em ir? — Sua expressão de cansada some e da lugar para euforia. — Jura que você vai? — Ela corre para me abraçar. — Então, queria sair para beber, dançar um pouco... — Pode ser, hoje eu realmente preciso me distrair — ela olha para

mim e da saltinhos, bate palmas e sorri de alegria. — Que horas? — Pode ser às 23h? Eu te ajudo a fechar a escola e saímos juntas. Eu posso te dar uma carona — eu aceito e começamos a arrumar as coisas para fechar. Arrumamos tudo até que rápido, Sam me ajudando e com a nossa conversa quando vejo já estamos pegando nossas mochilas e saindo. Pego minhas chaves e tranco a porta, enquanto isso Samanta pega o carro, o caminho para casa e bem agradável vamos conversando de tudo um pouco. — Eu te pego as onze. — Ok, até lá — digo saindo do carro. Chego em casa e encontro papai cochilando em sua poltrona, entro sem fazer barulho, mas assim que chego na porta do meu quarto ouço a sua voz rouca. — Chegou cedo? — Oi papai, cheguei sim... Peguei uma carona com as Samanta — dou meia volta e volto para a sala. — Ah que bom, e como ela está? — Ele tira os seus óculos de leitura e olha para mim. — Está bem, ela me chamou para sair e beber um pouco, e eu decidir ir dessa vez — ele abriu um sorriso. — Nossa que milagre! Vai sim filha vai ser bom para você, ver gente nova... — Ele se levanta, coloca seu livro e seus óculos em cima da mesinha de centro. — Bem então eu já vou me deitar, hoje o dia foi cheio, e amanhã também será, e divirta-se. Ele vai para o quarto e eu vou me arrumar, separo minha roupa e corro para o banho, demoro um pouco embaixo do chuveiro, deixo a água quente cair no meu corpo e sinto cada pedacinho de mim ir relaxando, e a sensação é maravilhosa. Tem muito tempo que não me arrumo para sair e me divertir, depois do acidente eu decidi me fechar, no começo eu fiquei com dificuldade para andar, e esse foi o motivo principal para que eu não quisesse mais viver a vida lá fora. Saio do banho renovada, coloco minha calça legging preta, uma blusa branca e meu colete vermelho, passo uma maquiagem leve, porém marcante, coloco meu batom, minha bota cano curto e estou pronta. Alguns minutos depois meu celular toca. — E aí menina? Está pronta? — A voz de Sam é animada. — Estou sim! Onde você está?

— Estou aqui na sua porta, desce aí. Pego minha bolsa jogo meu celular dentro e saio correndo, assim que chego na porta ouço a voz de papai. — Tenha uma ótima noite querida. — Obrigada papai! A nossa noite começa animada, já chegamos na "Flash Dance" com nossos copos, Sam já chega chamando atenção, com seu vestido vermelho justo e seus belos olhos azuis. Mal entramos e ela já é abordada por um carinha de cabelos bagunçados e um sorriso de safado. — E aí gata, está sozinha? — ele diz no ouvido dela. — Não, estou acompanhada não está vendo? — Ela diz e me segura pelo braço, eu dou um sorriso de lado para o cara que fica sem graça e sai. — Hoje à noite é nossa amiga! — Oh se é! — Digo rindo. Passamos no bar e pedimos mais bebidas, depois vamos para pista de dança e nos acabamos de dançar. Sinto que a noite vai ser maravilhosa.

— Você vai sim! — Já disse que não — falo seco, sem olhar para a cara de Murilo. — Não adianta fazer cara de durão, nem falar assim — ele fala jogando suas coisas dentro da mochila. — Não estou te dando opção. — Porra Murilo, deixa de encher a merda do saco! — Falo já alterando minha voz. — Aron sabe qual é o seu mal? Falta de sexo! Você precisa encher a cara e pegar alguém, e hoje você vai nem que eu te amarre dentro da porra do carro. — Como se você fosse conseguir, não quero ir pra caralho nenhum, me deixa! — Coloco minha camisa e jogo meu tênis na mochila. — Pow cara, hoje é seu aniversário! Você tem que sair dessa merda, e hoje é por minha conta, só vai eu e você — ele diz sorrindo feito um babaca.

— Não — digo entre dentes, já bufando de raiva. — Eu não tenho o que comemorar nessa merda de data. É só mais um dia! — Te pego às 23h — ele diz me ignorando e saindo do vestiário. Uma raiva toma conta de mim e eu soco o armário, ele sabe bem como me deixar puto, e o pior é que quando ele cisma com as coisas não adianta falar não, merda vou ter que sair com ele. Pego minhas coisas e saio da academia, começo a andar sem olhar para onde vou, só ando, quando dou por mim estou a alguns passos da "MyBallet", droga não vou vê-la dançar hoje, sinto uma raiva ainda maior de Murilo, fecho meu punho com força fazendo minha mão ficar branca, dou mais alguns passos e olho para dentro da escola e não vejo nenhuma luz acesa, acho estranho, mas acabo indo embora. Coloco uma calça jeans clara, um casaco de capuz de tecido fino preto e um tênis branco, prendo o cabelo e estou pronto, dez minutos depois Murilo chega. — E aí tá pronto? — Ele pergunta com cara de deboche. — Parece que sim — respondo de cara fechada, entro no carro. Hum está parecendo até gente... Você devia ter feito teatro ao invés de boxe, você ia se dar bem em "A Bela e a Fera". — Ele dá gargalhadas, eu sinto um pouco de vontade de rir mais olho para fora. — E você devia ir à merda, e dirigir essa joça — ele liga o carro e eu tento manter a cara de puto. — Ei "Fera" parabéns — ele diz e joga uma caixa em cima de mim. — Que Porra é essa? — Digo surpreso. Abro a caixa e dentro tem um relógio muito foda. Tem muitos anos que não sei o que é ganhar presentes. — Valeu mano — digo com a voz embargada. O resto do caminho ficamos em silêncio, chegamos no lugar que Murilo tanto queria me levar. — Que porra de nome feio tem esse lugar Murilo! — Digo assim que desço do carro. — Que Diabos é "Flash Dance"? — Deixa de ser chato cara, vamos entrar e não enche. O lugar está cheio, o som está alto, as pessoas grudadas umas nas outras, a fila do banheiro dá voltas, o cheiro de suor e cigarro toma conta do lugar, olho para o lado e vejo homens e mulheres se agarrando contra a parede, as pessoas bêbadas derrubam suas cervejas, sinto uma vontade de dar

meia volta e voltar para a minha casa, para o meu sofá. Sinto alguém apertar a minha bunda, quando viro para trás vejo uma mulher muito bonita sorrir para mim, penso comigo mesmo: "Ela é bonita demais para estar aqui" ela vem em minha direção e se pendura no meu pescoço. — Nossa você é uma delícia — ela enrola minha barba em seu dedo, e eu tento soltá-la de mim, mas ela parece um visgo pegajoso. — Uma delícia barbuda, mas ainda sim uma delícia, nossa como você é cheiroso... — Obrigado, eu acho... — Digo ainda tentando soltá-la do meu pescoço. — Quais seus planos para essa noite? — Ela diz aproximando sua boca da minha, e eu continuo me afastando ainda mais. — Será um prazer fazer parte dele. — Bom, no momento meu único plano e tirar você de cima de mim — digo tentando ser o mais educado possível. — Que? — ela diz parecendo estar confusa. Quando olho para o lado vejo Murilo rindo da minha cara, por fim consigo soltar a criatura de mim, ela faz uma careta e eu a jogo em cima de Murilo, que não perde tempo e a beija com vontade, sinto um alívio enorme. Murilo enfim solta a doida, quer dizer, a mulher e vem ao meu encontro. — Como você dispensou um avião desses Aron? — Ele diz rindo. — Foi super fácil, não sou piloto — fico tentando não rir, mas não consigo e caímos na gargalhada. — Vem vamos subir, hoje o camarote é nosso! — Ele fala piscando para mim. Nossa noite começa a ficar legal, porque no camarote é bem mais limpo e tem bem menos gente, fico lá sentado olhando o povo dançar, enquanto tomo minha cerveja, Murilo sai para "dar uma volta" e eu fico ali curtindo minha cerveja, até porque só tem isso de bom nesse lugar. Depois de um tempo Murilo volta, e traz com ele duas mulheres, uma ruiva e uma loira, ambas muito bonitas, mais sinto que a intenção de Murilo não vai me agradar muito. — E aí... — Ele diz com um sorriso bêbado. — Fala... — Digo levantando meu copo em sinal de comprimento. — Essas são, Jully com dois eles — a loira levanta a mão me mostrando o número dois. — E essa é Carla, escreve normal mesmo.

— Hum. Que legal, é um prazer — digo e já levanto — Ué, vai aonde? — Ele me pergunta enquanto se senta com as duas mulheres. — Vou dar uma volta. Saio deixando os três sozinhos, decido descer na muvuca, o povo está mais bêbado e dançando, eu vou andando até ser parado por uma mulher muito bonita que tenta me beijar, mas eu desvio e ela acaba saindo e agarrando o carinha atrás de mim. Depois de dar a volta no lugar sinto vontade de mijar, vou para a fila do banheiro e fico esperando-a andar, a voz de uma mulher xingando me chama atenção. — Me solta seu babaca! Eu não quero ficar com você. — Claro que quer, vem aqui — o cara fala. Ele está bêbado e parece que ela também está, até mais do que ele. O cara segura as mãos dela e tenta beijá-la, sinto uma raiva tomar conta de mim e vou para cima do idiota. — EI, LARGA ELA SEU OTÁRIO — grito e já deixo um soco no cara, que cai desacordado. Um grupinho que estava perto me olham assustados, e a moça ficar sem reação olhando para mim. — Está tudo bem? — Eu pergunto para ela que só faz balançar a cabeça em sinal de sim. — Você está sozinha? Ela está bêbada demais para me responder, mas mesmo assim ela tenta. — Nop, Nã... — Ela levanta o dedo, mas depois vai caindo para trás e se escora na parede, e vai escorregando até parar sentada naquele chão nojento. Eu a ajudo a levantar e tento descobrir com quem ela veio, mas ela não fala nada com nada. — Sam. Anta. Sami... Nop! — ela diz e soluça. — Tá bem, não entendi porra nenhuma — eu digo para ela que sorri, e soluça. Decido voltar para o camarote e ver com Murilo o que eu faço. — Murilo ela não diz nada com nada, me ajuda a levá-la para casa — o camarote como todo o lugar é escuro, e quase não dá para ver as pessoas direto só quando bate umas luzes que ficam rodando no teto. — Não vou embora agora Aron, se quiser vai você levar ela, e

aproveita e tira o atraso — ele diz rindo. — Deixa de ser babaca Murilo! — Aron, você nem conhece essa mulher! Pow curte seu aniversário e deixa ela por aí! — Eu não vou deixá-la por aí, ela não está bem. — Então toma a chave e vai levar ela sei lá para onde! — Ele joga a chave na mesa e volta a beijar a morena que está com ele. Eu não dirijo a 8 anos, e só de pegar a chave sinto meu coração bater mais rápido. "Merda o que eu fui inventar" Digo para mim mesmo. Quando decido deixá-la com algum segurança, escuto um barulho, e quando olho para ela, que estava sentada no sofá, vejo que esta caída no chão em cima do seu próprio vômito. "Droga" Eu pego um guardanapo e a chave do carro, pego ela no colo e vou para o estacionamento, coloco ela no carro, coloco o sinto nela, dou a volta no carro e travo na hora de entrar. Saio do meu devaneio ao ouvir ela bater com a cabeça na janela, seu cabelo está toda na cara, eu respiro fundo e entro no carro, coloco o sinto e verifico se o dela está bem preso, pego o guardanapo e quando vou limpa seu rosto ela pega ele da minha mão. Coloco a chave e giro, o carro liga e eu fico olhando para frente travado. — Ei, moça? Qual o seu nome? — pergunto sem olhar para ela, porque o pavor não deixa. — Alice — ela diz baixinho.

— Você consegue me guiar até sua casa? — eu pergunto, e quando enfim consigo olhar para ela meu coração dispara. — Bailarina. Minha voz sai num sussurro, não acredito que ela está aqui tão perto... Respiro fundo e volto minha atenção para o carro que ainda não saiu do lugar. Ela vai me indicando o caminho e em alguns minutos estamos na sua casa, ela tenta sair do carro sozinha, mas não consegue, então eu desligo o carro e saio para ajudá-la, ela me agradece da dois passos e cai sentada na

calçada, ela olha para mim e cai na gargalhada. Eu me agacho na sua frente e a ajudo se levantar, ela para de rir e me olha seria sem piscar, como fez no restaurante. — Sim... Foram seus olhos... Tenho certeza... — ela diz meio soluçando. — Meus olhos? O que tem eles? — Eu pergunto confuso. — Eles... Eles. São. Tristes... — Ela diz pausadamente, depois ela inclina a cabeça levemente para a esquerda e sussurra. — Eu sonhei com eles... — O que? — Mas antes que consiga me responder qualquer coisa, ela começa a ficar mole. — Onde você mora? Ela me aponta um flat, eu a pego no colo e levo ela para casa, quando chego na porta dela, escuto ela sussurrar. — Meu pai, não acorda ele — eu solto um suspiro, ela mora com o pai. Que merda eu estou fazendo. Eu entro na ponta do pé, ela me aponta seu quarto eu a levo até lá e a deixo em sua cama, olho ao redor e vejo o quão simples ela é, seu quarto não tem nada de mais, é um quarto comum, ao lado de sua cama tem um porta retrato de uma mulher muito bonita, seus olhos me lembram o dela, deve ser a mãe. Me assusto com o gemido alto que ela dá, uma mistura de dor e enjoo, eu olho para ela que dorme de boca aberta, eu a ajeito na cama e saio, encosto a porta e vou embora. Entro no carro e ligo para Murilo. — Qual é o seu nível alcoólico? — Pergunto seco. — Be-bem, digamos que alto... — ele responde. — Então vá para casa de táxi, ou uber, ou a pé, se vira... Estou indo para casa amanhã te devolvo seu carro — digo e desligo antes dele reclamar. Chego em casa acabado, e fedendo, tomo um banho e me jogo na cama, fecho os olhos e só vejo os olhos marcantes de Alice, agora sei o nome dela... Acordo no susto, me sento na cama e olho em volta, "estou em casa", olho no relógio que marca 10h, dormir demais. Me levanto para tomar um banho, passo na frente da minha cômoda, eu olho, tento passar direto, mas não consigo lembrar, volto e abro a primeira gaveta que vive trancada, tiro lá do fundo uma caixinha listrada, meus olhos enchem de lágrimas ao ler "Feliz

Natal" na tampa. Me sento na beirada da cama e abro a caixinha, as lágrimas rolam sem o menor esforço, todos os meus psicólogos já me mandaram jogar ela fora e esquecer, mas eu não consigo, não posso simplesmente jogar fora. Fecho a caixinha e a devolvo para o seu lugar, tranco a gaveta vou tomar meu banho. Saio do banho com uma fome monstra, mas ainda não fiz compra, e como hoje é sábado eu decido que está na hora de ir ao mercado, assim que pego meu celular ele toca "Murilo". — Fala pé no saco. — Cara me fala que meu carro está com você!?! — Sua voz é desespero, e eu decido zoar ele um pouco. — Você perdeu o carro? Olha antes ele que o cabaço — dou uma gargalhada. — Filho da mãe! Para de falar merda e fala onde está o carro. — Sei lá, o carro não é seu? Por que eu que tenho que dar conta? — Porra Aron! Para de viadagem, eu sei que está com você. — Já tem oito anos que não dirijo Murilo, por que você acha que está comigo essa merda? Vê com as muitas mulheres que você pegou ontem — estou rindo muito e ele fica ainda mais puto. — Qual é! — Está na garagem, e eu estou saindo agora vou no mercado, vou deixar a chave com o porteiro. — Porra, que alívio — ele diz e eu desligo. Chego no mercado e começo a pegar as coisas e jogar no carrinho, meio que no automático. Saio cheio de sacolas, e vou andando como sempre sem dar atenção para as pessoas ao meu redor, minha mente me avisa que estou passando em frente ao MyBallet, então diminuo o passo e olho disfarçadamente para a janela, e não vejo nada, de repente esbarro numa senhorinha que me xinga. — Ei! Presta atenção, veja só o que você fez!! — Ela me olha de cara feia. — Me desculpe — di go seco e meio sem graça. — Fica aí tomando conta da vida dos outros e não vê por onde anda! Quer fazer ballet por acaso meu filho! — Ela diz com ignorância, o que me faz sair do sério. — E se eu quiser? O que a senhora tem a ver com isso? — Digo um

pouco alto demais, e acabo a assustando. Ela arregala os olhos e pega sua bolsa da minha mão. — E ainda é malcriado! — Ela diz fazendo careta. — E a senhora não fica atrás! — Digo bufando, pego minhas sacolas e vou embora. Chego em casa ainda puto com a velhinha deixo as sacolas no chão da cozinha, pego uma cerveja e vou para a sala, me sento no sofá e fico olhando pela janela. — Eu hein, onde já se viu... Pow nem as velhinhas são mais doces hoje em dia... Quer dizer eu sei que errei, por não olhar para frente, mas... Eu... hum... De repente tudo vem como um baque na minha mente. Por que eu esbarrei na velha? Porque eu estava olhando para lá, para o MyBallet... Aonde eu vou todas as noites depois do treino? Para lá.... Em quem eu estava pensando ontem, anteontem, e hoje? NELA! Não, não, não... Me levanto e começo a andar pela sala. — O que eu estou fazendo? Isso está errado — pego minha mochila, coloco a garrafa em cima da mesa e saio. — Preciso treinar.

Noite de cão Já é tarde quando paro de bater no saco de areia, estou pingando de suor seco meu rosto e decido tomar uma ducha antes de ir embora. Termino meu banho, me visto e vou embora, minha cabeça ainda ferve com meus pensamentos. — Isso está errado, acho que devo estar ficando maluco... — falo comigo mesmo enquanto ando sem destino, não quero ir pra casa. Passo direto da lanchonete, e continuo andando passo na frente da praça onde as pessoas estão sentadas conversando, algumas brincam com seus filhos, sinto um vazio grande em mim. — Preciso vê-la dançar mais uma vez, será a última — sussurro para mim mesmo tentando me convencer que isso é verdade. Quando dou por mim estou na porta da escola, olho ao redor e não passa ninguém, então eu abro a porta bem devagar, e já escuto a música tocar, meu coração já bate mais forte, "não posso mais fazer isso, é errado", dou mais alguns passos e já estou na porta dela, abro bem devagar e lá está ela dançando com toda a sua alma, é hipnotizador, é impressionante como só em vê-la dançar todos os meus medos, todos os meus monstros me deixam em

paz, como sou outras pessoas, como volto a ser apenas o Aron. Me debruço na maçaneta da porta vidrado nela, em sua dança, quando de repente a maçaneta quebra eu perco o equilíbrio e acabo entrando com tudo no salão fazendo um puta barulho, e fazendo com que a doce Alice perca a atenção e caia. É tudo muito rápido, mas para mim pareceu em câmera lenta, ela me olhou com aqueles olhos penetrantes, e eu me sentido o mais filho da puta por tê-la feito cair, então num movimento involuntário, corro até ela é estando minha mão para ajudá-la a levantar. Ela não se mexe, não piscar e chego a pensar que quase não respira. — Me desculpe. — Minha voz sai rouca, porém forte, fazendo ela tremer. Ela não responde, só me encara com olhos arregalados. Vejo que ela não vai aceitar minha ajuda então dou um passo para trás, e a mão que antes estava estendida para ela, agora está atrás da minha cabeça eu coço a nuca e olho para o chão sem graça. — Quem é você, e porque você está aqui? — ela diz em um sussurro. Nesse momento eu olho para ela, buscando as palavras. — Eu... — Minha voz falha, não sei o que dizer a ela. — Fiquei preocupado com você, e quis ver se estava bem, depois de ontem. — Depois de ontem? Ah não... Foi você? — Ela se senta e sua postura é impecável, ela cruza as pernas e me olha intrigada. — Que vergonha... Ela cobre o rosto com as mãos e eu sinto vontade de rir, mais mordo o canto da boca para não o fazer. — Posso me sentar? — pergunto sem jeito apontando para o chão ao seu lado. — Acho que pode, mas como você sabia que eu estaria aqui? — ela diz meio confusa, enquanto eu me sento ao seu lado. Não sei por que mais começo a suar, como vou contar pra ela que eu fico assistindo ela dançar todas noites a algum tempo? Como posso falar isso sem parecer um louco? Ela pode pensar o pior de mim, e com toda razão, mas eu odeio mentiras e não quero mentir para ela, por outro lado não quero que ela pense errado a meu respeito. Ela me olha esperando uma resposta, eu penso em contar a verdade, mas a imagem dela entrando no restaurante me vem à mente. — Você não lembra que nos vimos no restaurante? — digo com

alívio. — Você estava com roupa de bailarina. Ela me olha nos olhos fixamente. — Jamais me esquecerei dos seus olhos... — ela fala, mas parece falar mais pra ela do que pra mim, e eu continua olhando para ela, intrigado — Eu estou bem, quer dizer fisicamente estou ótima, mas moralmente estou péssima, mas nada que uma boa dança não melhore. — Fico feliz de saber que está bem. — Ela sorri sem graça e eu dou um sorriso em resposta. — Você dá aula aqui né? — Sim, a escola é minha, quer dizer minha e do meu pai. — O telefone dela começa a tocar e ela acaba desviando os olhos do meu. — Com licença. Ela se levanta e vai até sua mochila, eu também me levanto e vou em direção a porta, preciso ir embora. Assim que chego na porta ouço ela me chamar. — Ei!? — Eu olho para ela. — Sim? — Você não me disse seu nome. — Aron. — Minha voz sai meio fraca.— Meu nome é Aron. — Prazer Aron, e muito obrigada pela ajuda. — Não precisa agradecer. — Um sorriso no bobo surgi em meus lábios. — Ah, e você dança lindamente. Nesse momento os olhos de Alice brilham como cristais, e um sorriso avassalador toma conta de seus lábios, e ela atende o telefone, eu saio da sala encantado com aquele sorriso ainda escuto ela atender o telefone. — Oi papai... Chego em casa e me jogo na cama, coloco meus braços atrás da cabeça e fecho os olhos, a imagem de Alice dançando toma conta de tudo, sinto uma paz tomar conta de mim, um alívio, me sinto feliz, o que já não sentia a tempos, e com essa imagem eu adormeço. — Foi você, a culpa é sua... Nós perdemos ele, perdemos ... Porque você fez isso Aron? Por quê? — Estou em pé na estrada e vejo o carro capotado na minha frente, dou alguns passos e vejo Marina caída no chão e em sua mão a caixinha. — MARINA, NÃO! Estou suando frio, me sento na cama com o susto, minhas pernas

tremem, meu coração está acelerado, minha boca está seca, me levanto e vou até a cozinha beber um copo d'agua, olho no relógio e são 3h30, minha cabeça dói, minha respiração ainda está descompassada, tomo uma aspirina e volto para o quarto, passo pela cômoda e olho para a gaveta que está trancada, me sento na cama e olho para janela, o céu está nublado, assim como eu... — Quando isso vai acabar? Me deito na cama novamente e passo o resto da noite olhando para o teto esperando o dia amanhecer, a chuva começa a cair lá fora e com ela vem o frio... — Marina... — murmuro baixinho. Ela não sai da minha cabeça, é como uma tatuagem que fica marcada para sempre.

— Oi papai, já estou indo embora, me atrasei acabei perdendo a noção da hora. — Olho para a porta para ver se ele ainda está lá. — Alice Já está tarde, não demora. — Tudo bem, já vou sair daqui, beijo. Desligo o celular e vou até a porta, mas ele não está mais lá. Vou para casa com mil perguntas martelando minha cabeça, e aqueles olhos azuis, que não consigo esquecer. Mas de todas as perguntas que rodeiam meu pensamento a que grita mais é: "Será que verei ele novamente? " Chego em casa cansada, enjoada e sem vontade de nada. — Oi filha, o que foi? — Meu pai pergunta preocupado. — Foi o Thiago? — Não pai, só estou cansada mesmo, quero tomar um banho e dormir. — Estou jogada no sofá. — Não vai jantar? — ele pergunta confuso, pois se tem uma coisa que eu não recuso é comida. — Não, estou sem fome — digo e me levanto. Tenho uma noite de sono maravilhosa, acordo disposta e feliz tomo meu banho, vou para a cozinha e encontro papai já sentado à mesa tomando

seu café. — Bom dia Senhor Thomas! — digo sorrindo. Ele me olha, intrigado e sorri ao ver minha alegria. — Bom dia, pelo visto você dormiu muito bem... — ele diz e toma um gole do seu café. — Dormi sim, e estou cheia de fome — digo me sentando. — Me passa o pão. — Ah aí está ela, e toda a sua fome! — ele fala me fazendo rir. Tomo meu café e converso com papai como de costume, falamos sobre coisas aleatórias e sobre o concurso que se aproxima. Termino de comer e ele também. — Filhota, quer uma carona? Tenho que dar um pulo na cidade para comparar algumas coisas, aí te deixo na escola. — ÓTIMO! — grito do quarto, pego minha mochila, alguns papéis e corro para não perder a carona. Papai me deixa na frente da MyBallet, e Sam já está sentada no banquinho à minha espera. — Bom dia Senhor Thomas! — ela grita sorrindo e acenando. — Olá Samanta, bom dia! — Ele olha para mim e sorri. — Tenha um ótimo dia filha. — Obrigada, você também. Ele se vai e eu me junto a Sam. — E aí? Como você está? — ela me pergunta. — Ótima! Vamos trabalhar? — pergunto abrindo a porta. — Vamos! E assim começa o nosso dia, alguns minutos depois chegam às outras professoras, e aos poucos as crianças. Como estou muito bem, o dia parece voar, e logo chega a hora do almoço. — Ei? Vamos comer? — Samanta me chama da porta. — Vamos sim, hoje o dia está cheio! — digo pegando minha carteira da mochila e me juntando a ela. — Nem me diga, as meninas hoje estão com a corda toda! — Nem me fala.

Depois da minha corrida matinal, tenho que voltar para casa, pois esqueci das minhas luvas, assim que chego no flat vejo um caminhão de mudança parado e alguns homens descarregando o caminhão. Passo sem dar muita atenção, mas acabo olhando para as pessoas pois uma menininha chora e reclama com a mãe sobre algo chamado "Bibo". — Eu quero ele mamãe! Eu quero meu Bibo. — Calma! Deve estar em alguma caixa, ou você deixou no carro. — A mulher branca com cabelos negros e cheios, presos num rabo de cavalo falava com a menina. Uma senhora de cabelos brancos chega perto da menina e diz: — A vovó vai te ajudar a procurar, você quer? A menina de cabelos negros como os da mãe e pele tão branca quanto, olha de cara feia cruza os braços e responde. — Vovó, ele deve estar chorando sem mim. — Ela respira fundo. — Eu sou a mamãe dele vovó, ele está triste. Eu aperto o passo e quando dou uma última olhada para aquela cena, vejo que a menininha, que não deve ter nem noventa centímetros está me encarando, ela me olha com um olhar curioso, seus cabelos presos em Mariachiquinha, e seus olhos cor de mel não desvia de mim, eu fecho a cara e passo direto. Depois de pegar o que precisava, desço e dou de cara com a menina sentada no sofá do hall, suas pernas balançando e em seus barcos um elefante de pelúcia. — Bom dia Senhor Aron — o porteiro diz feliz, e eu simplesmente ignoro. Quando chego na porta para sair escuto uma vozinha falar. — Que feio, ele nem responde. Tio da Porta? Minha mamãe diz que tem que responder quando fala com a gente... Ela fala que é educação... — Eu paro na porta. — Tio da porta? Ele não tem educação? O porteiro solta uma gargalhada e quando me vê ainda parado na porta engole o riso e diz sussurrando para a menina. — Ele é assim mesmo... Um dia ele responde. — Eu fecho o cara e vou embora. O resto do meu dia passa rápido e quando dou por mim já é a hora do almoço. — Ei Aron? Quer ir almoçar? — Murilo me pergunta. — Vamos sim. Chegamos no restaurante de sempre, Murilo faz questão de nos

sentarmos mais para o meio do restaurante, uma garçonete cheia de dentes chega a nossa mesa e parece que só tem o Murilo aqui. — Boa tarde, o que o senhor vai querer? — Ela segura seu bloquinho sem tirar os olhos de Murilo. — Quero um bife com fritas e salada — ele diz piscando para ela que parece que vai derreter. — E você? — ela diz seca, sem olhar para mim. — O mesmo. — Ela anota tudo em seu bloquinho e sai ainda sorrindo para Murilo. — Agora me diz, que porra foi essa de uma Pirralha te chamar de maleducado? — ele diz rindo da minha cara. — Você é um babaca Murilo, já te disseram isso? — Já sim, mas sabe o que nunca me disseram? Que eu sou maleducado! — ele diz com deboche fingido. — Claro que já te chamaram de mal-educado, na verdade já te chamaram de coisas pior ... — Ele me olha sério com uma sobrancelha arqueada. — Pode até ser, mas não uma Pirralha que nunca vi na vida... — E cai na risada novamente. — Deixa de ser otário Murilo, agora me fala logo da causa que você pegou.

Um dia após o outro Mais um dia começa, e não sei por que, mas acordo mais feliz que no dia anterior. — Alice? — Sam me chama da porta. — Oi? — Tem uma moça querendo matricular a filha dela, posso mandá-la entrar? — Ah! Claro, manda sim — respondo tirando os papeis de cima da mesa, tentando deixar o mais arrumado possível. — Com licença. — Uma mulher alta, magra com cabelos negros longos e olhos cor de mel, vestindo uma calça jeans justa e uma blusa de calça preta entra em minha sala. Ela sorri amigavelmente para mim, eu retribuo o sorriso, logo em seguida uma menininha, com cabelos escuros como o da mãe, e olhos de mesma cor entra, ela segura um elefantinho de pelúcia e sorri ao me ver. — Olá, pode se sentar — digo para a mãe da menina. — Ah, muito obrigada — ela se senta e coloca a menina em seu colo. — Prazer me chama Cátia.

— Prazer, e você? Quem é? — pergunto para a menininha que me olha ainda sorrindo e responde. — Sou a Flor — ela diz com vergonha. — Bom, então Cátia meu nome é Alice sou professora e dona do MyBallet, em que posso te ajudar? — Eu gostaria de saber como faço para matrícula a Flor aqui? — Quantos anos ela tem? — Tem 3, mas ela é muito esperta. — A menina sai do seu colo e começa a andar pela sala. — Tem horário para tarde? Ela viria depois da creche. — Tenho sim. — Eu pego um formulário e dou a ela. — E quem viria buscá-la? — Minha mãe, e as vezes eu. — Ela começa a preencher os papeis. — É que eu sou aeromoça, então quase não paro em casa. Ela diz meio triste pela ausência, Flor mexe nas fotos em cima da mesinha e conversa com seu elefante, alguns minutos depois Cátia me devolve os formulários preenchidos, conversamos por alguns minutos para acertar a hora que Flor vai ficar e quem irá buscá-la e depois elas vão embora. Depois do almoço volto para a MyBallet cheia de gás, e com a cabeça fervilhando de ideias. Reúno todas as meninas para dar um aviso. — Oi gente — digo alegre, e todas respondem sorrindo. — Então, hoje vou passar de sala em sala para ver como anda o ensaio, e depois às 17h quero reuni todo mundo na minha sala, já que é a maior, e vamos ver se conseguimos juntar todos os passos, ok?! — Certo!! — Barbara diz dando pulinhos. — Mal posso esperar!! — Eu também!! Nossa meus passos estão muito tops! — Duda fala fazendo todos rirem. — Ok então meninas, vamos lá, nos vemos às 17h! — digo batendo as mãos. Vou para a minha sala e começo arrumar as coisas para minha aula, coloco uma música calma, pego minhas sapatilhas pretas na mochila e as coloco, e começo meu alongamento. — Bom tarde, tia. — A Voz de Jully me faz olhar para a porta. — Boa Tarde Jully — falo achando graça. — Ah é, boa que fala.

— É sim, vem sentar na rodinha. — Jully, é uma de minhas alunas pequenas. Logo em seguida chegam as outras meninas, e começo minha aula. Quando se faz o que ama o tempo passa que nem sentimos, quando olho no relógio falta 5 minutos para às 17h. — Minhas princesas, vamos nos sentar ali no canto, pois todas as meninas vão entrar para que possamos fazer um ensaio geral. — Elas correm saltitando para o canto e logo Samanta bate na porta. — Entra! — Por aqui periquitas e periquitos, vão se ajeitando por aí — ela fala apontando para um canto da sala. Em alguns segundos, todos estão devidamente sentados e esperando que alguém comece a falar, então eu vou para o centro da sala. — Bom gente, hoje vamos começar o ensaio geral, então peço que vocês se organizem como se estivessem em suas salas, nós, eu e suas professoras vamos encaixando vocês para que não fique lacunas — enquanto falo vou andando pela sala, e todos vão se colocando em seus lugares —, qualquer dúvida essa é a hora de perguntar. Depois de todos arrumados, começamos o ensaio. No começo fica meio bagunçado, mas depois pegamos o jeito, e entramos em sintonia. Passamos do horário, então mando um bilhete para todos os responsáveis explicando. — Boa noite a todos e até amanhã. — Me despeço das alunas e alunos. — Ei, Alice? O que vai fazer hoje? — Sam me pergunta. — Vou arrumar as coisas por aqui, depois vou para casa — respondo enquanto guardo as coisa que usamos para o ensaio. — Ata, queria sair para beber — ela diz com cara de "vamos por favor" — Hãm.... Não, não vou — respondo lembrando da última saída. — Poxa! você também! — ela diz batendo o pé e indo embora, eu faço careta para ela. Enfim silêncio e tranquilidade, vou para a secretaria e guardo tudo. Volto para minha sala de aula e ligo para o meu pai. — Oi filha, aconteceu alguma coisa? — Oi papai, não aconteceu nada não, só estou te ligando para avisar que vou chegar um pouco mais tarde. — Ele suspira de alivio, meu pai é um

super pai. — É que acabou tarde a aula hoje, por conta do ensaio, e eu ainda estou arrumando as coisas por aqui. — Ah, tudo bem, obrigado por avisar. — Beijos papai, até mais tarde. — Até. Desligo o telefone e antes de começar o meu ritual para dançar, resolvo verificar se a porta de entrada está aberta. Paro na frente da porta, seguro a maçaneta, mas alguma coisa me impede de trancar, fecho meus olhos e me vem a imagem de olhos azuis, grandes olhos azuis, que me fazem suspirar. Solto a maçaneta e volto para minha sala, pego minhas sapatilhas as coloco, logo o som e a voz de Ed Sheeran toma conta do lugar, meus pés me guiam pelo salão e minha noite de dança proibida começa mais uma vez.

Mais um dia merda começa, e eu só queria dormir, mais uma noite de pesadelos com a Marina. Por que eu não fui no lugar dela? Hoje não vou correr, quero ficar em casa. Abro o armário e nada me chama atenção, então decido tomar café na padaria da esquina. Calço o tênis e saio, encontro uma senhora no corredor, chamando alguém. — Flor? — Ela parece preocupada. — Flor cadê você? FLOR? Passo direto e vou para as escadas, e desço correndo chego no hall e encontro a Pirralha sentada conversando com o porteiro. — Olha Tio da Porta, é o moço que não fala. — Ela aponta pra mim, seus olhos grandes cor de mel e seus cabelos escuros presos em duas ariachiquinhas. Olho de cara feia para ela que sorri para mim. — Bom dia Senhor Aron — o porteiro diz tentando não rir. — Vem Flor, sua vó deve estar te procurando. Ela corre até ele e segura sua mão. — Moço dá educação, tchau — não respondo, ela vira para o porteiro. — Tio da Porta? ele parece um urso né? — Flor, não pode falar tudo o que pensa, ofende as pessoas. — Ele sorri. — Tá bem, desculpa moço Urso. — O porteiro balança a cabeça e

puxa ela até o elevador. — Ei, sabia que vou começar no ballet? Saio do flat e vou andando até a padaria que não é muito longe. — Bom dia, o que vai querer? — uma senhora pergunta. — Um pão na chapa e um pingado — respondo me sentando no banco de frente para o balcão. A senhora sai para preparar meu pedido e eu fico ali olhando as pessoas, muitas coisas na minha cabeça, me deixa muito irritado. — Mari, por que você não me leva logo? — sussurro para mim mesmo. Tomo meu café e saio, preciso descarregar, vou para a academia pego uma luva emprestada e vou para o saco de areia. Me sinto tão perdido e sujo, sinto uma raiva me dominar, e desconto tudo no saco de areia, passo minha manhã e tarde toda ali socando aquele saco de areia, quando me dou conta já é noite e eu ainda estou ali. Sinto fome, então guardo a luva e vou embora, vou para a praça, tem uma barraca com churrasquinhos e o cheiro é muito bom. — Ou, me vê um aí — peço para o cara. Me sento no banco e ficou ali olhando o nada. Sinto uma súbita vontade de andar, me levanto e deixo minas pernas me guiarem, quando dou por mim estou em pé em frente a MyBallet. — Não — digo a mim mesmo, viro as costas e vou embora para casa. Depois do banho me jogo na cama, fico olhando o céu sem estrelas pela janela. — Mari, nada mais faz sentido sem você... — Sinto um vento passar no meu rosto, fecho os olhos. — Porque eu ainda estou aqui Mari? Ouço um barulho, abro os olhos e vejo minhas luvas de boxe caídas no chão. — Isso? Isso é uma merda! Uma merda que só me ajuda à não pensar em você por algumas horas!! — digo gritando como se ela pudesse ouvir. Me levanto da cama, pego as luvas e jogo em cima de uma poltrona, olho para a gaveta trancada e vou até ela, pego a chave que está guardada embaixo de uma caixinha que era da Mari, e abro a gaveta, pego a caixinha e me sento na cama. — Quero você de volta Mari, e a vida que podíamos ter tido, quero que essa merda toda suma... — Choro, as lagrimas caem quentes em meu rosto, eu abro aquela maldita caixinha, e me descontrolo, fecho a caixinha e

jogo dentro da gaveta, derrubo tudo o que vejo pela frente. Pego uma camisa, eu preciso sair, abro a porta e dou de cara com a Pirralha encostada na porta do vizinho, ela dorme agarrada com seu elefante. Todo ódio que eu sentia some na hora, em um impulso rápido eu a pego no colo. — Ei, baixinha? — sussurro. — O que você faz dormindo no corredor? — A vovó esqueceu de mim... — ela diz baixinho. Sinto a raiva voltar, como um furacão, mas que porra é essa? Como uma vó deixa a neta dormir no corredor? — Qual o número do seu apartamento? — pergunto tentando conter a raiva, que me faz tremer. — Não sei tio Urso. — Ela se ajeita em meus braços, e fecha os olhos. — Puta merda! Levo ela para dentro e ligo para o porteiro. — Pois não? — Eu moro aqui a oito anos e nunca falei com esse porteiro na vida, mas hoje eu vou ter que abrir uma exceção. — Boa noite, aqui é o Aron, do 63. — Sinto o susto do porteiro ao ouvir meu nome. — Sim senhor Aron, em que posso ajudar? — É que a Pirralha... quer dizer... a criança, aquela garotinha que se mudou essa semana... — Sei a Flor. — Essa mesmo, ela estava dormindo na minha porta... Ela disse que a velha esqueceu dela! — Ah senhor Aron, calma, eu estou indo até aí. — Tá. Tento colocar ela no sofá enquanto espero, mas a criança parece um chiclete e não solta meu pescoço, a campainha toca e eu vou atender. — Oi Senhor Aron — o porteiro diz assustando ao ver que a Pirralha está no meu colo. — Toma, pega ela — digo entregando-a para ele. — Assim, com licença. — Ele pega ela. — Senhor, a vó dela tem Alzheimer, está no começo, mas a mãe da Flor disse que isso podia acontecer. Então se isso acontecer novamente, será bom o senhor saber que ela mora no 65. Todo o ódio some ao saber os motivos da velha, faço que sim com a

cabeça e fecho a porta, não preciso mais ir para a rua, vou para o quarto me jogo na cama e durmo.

O que não tem explicação As coisas não estão muito boas para mim ultimamente, a aluna nova Flor é o nome dela, tão novinha, e já está cheia de problemas, a vó dela vira e mexe esquece de vir buscá-la e ela fica aqui comigo até tarde, no começo ela ficava triste e eu tive que para meus ensaios as escondidas, mas agora ela guarda o meu segredo e acabamos ensaiando juntas, ela é um doce de menina. Ela fala coisas engraçadas como: "O Tio da Porta é muito legal" e "O tio Urso me ajudou uma vez, mas ele é sem educação". Ela tem muita imaginação, ela me chama de "Tia do vermermelho" Tive que arrumar uma desculpa para o apelido. Estou triste porque já se passaram semanas e o olhos azuis nunca mais voltou. — Flor? — Oi. — No que sua mãe trabalha mesmo? — Ela trabalha de voar, láaa no céu. — Ela aponta para cima. — Hum, e seu pai? — Ela me olha confusa. — Tia vermermelho? — Ela olha pra mim. — Não sei.

— Tudo bem, a tia é muito curiosa. Será que a sua vovó vem te buscar na hora hoje?— digo tentando mudar o assunto. — Nem sei também, ela me esquece as vezes... — Ela volta sua atenção para o elefante. Olho no relógio e já são oito horas, todos já se foram e estão só nós duas novamente. — Flor, vamos sentar lá na frente, para esperar a vovó — Vamos. Pego a mochila dela e vamos para fora, nos sentamos no banco. — Você sabe as cores? — Sei, vermermelho, azul, petro, branco, marelo, rosa! eu gosto de lalanja. — Eu solto uma gargalhada. — Ah tá, então podemos ver os carros passando por enquanto, o que acha? — Tá bom. Tia? — Oi. — Você não vai dançar hoje? — Olho para ela e suspiro. — Não sei Flor, vamos esperar sua vó primeiro. A hora passa e nada da avó dela chegar, sinto que ela já está ficando tristinha e isso acaba comigo.

Saio do treino, ainda me sentindo mal, minha vontade e de ir para casa beber até dormir, olho no relógio e já passa das dez, vou andando olhando para o chão, e quando levanto a cabeça estou exatamente onde não queria estar. — Tio Urso! Você veio me buscar? — E lá está a Pirralha, sentada ao lado da bailarina. Sinto meu coração acelerar e minhas mãos suarem, a semanas venho evitado passar por aqui, a semanas não a vejo dançar, por isso essa maldita escuridão me consome, mal consigo treinar, já desisti do torneio, evito até o Murilo, que vive me ligando e tentando puxar assunto. — Oi?! — A voz dela enche meus ouvidos. — Então você é o tal

Urso... Você veio buscar a Flor? Não consigo responder, olho para a Pirralha que está grudada na minha perna. — Cadê a sua vó? — É a única coisa que saia da minha boca. — Ela esqueceu de mim de novo — ela diz triste. — Eu tentei ligar mais ninguém atendeu, você veio buscá-la? — a bailarina pergunta. — Eu... eu... — Droga, o que eu faço? — Vim sim. É, eu vim. — Que bom, tia vermermelha vou embora! — Ela pega sua mochila e volta correndo para o meu lado. — Obrigada. — A voz dela é tão calma e doce que não sinto vontade de ir embora. Mas o encanto acaba quando sinto minha mão ser agarrada por uma mão minúscula. olho para baixo e aqueles olhos grandes cor de mel estão me encarando. — Te vejo amanhã Flor — diz a bela bailarina sorrindo. — Tchau Tia ermermelha. — É Vermelha, não vermermelha — falo de cara feia. — Foi o que eu falei Urso — ela diz enquanto vamos embora. — Eu não sou um urso. — É sim! Tem muitos cabelos grandes! — Quantos anos você tem mesmo? — Tenho muitos! — Muitos quantos? — ela bufa e responde. — Tenho muitos de três. Ninguém merece, ela vai falando o caminho inteiro feito uma matraca. — Aí eu falei pra Tia Vermermelha, que ela tem que dançar. — Eu a interrompo. — É Vermelha, pela milésima vez! — FOI O QUE EU FALEI URSO! — ela diz gritando. — FALA BAIXO! — Sim, eu estou discutindo com uma criança de três anos. — Aí você é muito teimoso! — Nossa, olha quem fala... Chegamos no flat, ela solta minha mão e sai correndo para o hall. — Tio da Porta? Sabia que o Urso fala? — Ela começa a falar e se

joga no sofá. — Olá Flor, chegou muito tarde hoje. — Ele olha para mim e sorri ao ver que ela veio comigo. — Boa noite senhor Aron. Eu passo direto, e vou em direção as escadas. — Mas continua mal-educado — Flor diz de braços cruzados. — Urso o levador dá pra lá. Eu olho para ela, ignoro e vou para casa. Ver a bailarina me deixa calmo, me dá vontade de viver não sei porque ela me causa essas coisas, vou para o banho e logo depois decido fazer alguma coisa para comer, macarrão é a escolha da vez, coloco a panela no fogo, vou até a geladeira para ver o que tem para acompanhar, acho uma carne moída então decido fazer um macarrão à bolonhesa. Tudo fluindo na minha cozinha, quando escuto alguém bater na porta. Quando abro dou de cara com uma aeromoça, com belos olhos cor de mel, que me faz lembrar uma Pirralha, seus cabelos negros presos num coque, ela sorri para mim. — Oi boa noite, meu nome é Cátia, eu sou a mãe da Flor. — Ela estende a mão e eu hesito em pegar, mas acabo sendo um pouco educado. "Deve ser a bailarina". — Boa noite — digo apertando a mão dela. — Em que posso ajudar? Ela me olha fixamente e isso começa a me incomodar, então me lembro que estou sem camisa, cruzo os braços e olho para ela com uma sobrancelha arqueada, ela fica vermelha de vergonha. — Oi Urso. — A voz da Pirralha me faz olhar para baixo. — O que você faz aqui? — pergunto para ela de cara feia. — Ah, sim ela é minha filha, eu... eu, é... — Ela para, pega a garota pela mão e continua. — Vim lhe agradecer, por ter buscado a Flor na escola de ballet, bom é que minha mãe está doente e... — Eu a interrompo. — Tá bom — digo seco e seguro a porta para fechar. — Mamãe? O Urso não gosta de falar. — A garota puxa a mãe pela mão e vai embora.

Uma pergunta sem resposta Enfim chega a sexta-feira, e eu estou só o bagaço da laranja, como tive que ficar esperando alguém vir buscar a Flor ontem, e para minha surpresa "ele" apareceu, e como da última vez ele mexeu comigo, só que dessa vez algo nele me deixou intrigada, sua expressão era mais triste que o normal, seu olhar não cruzou o meu, seus lindos olhos azuis não brilhavam, e isso me deixou triste. Sei que não o conheço e sei que pode parecer loucura, mas a primeira vez que encarei aqueles olhos eles brilhavam, eram intensos, instigantes, te convidavam a segui-lo por onde ele fosse, o que será que aconteceu? Mais uma aula começa, e minhas pequenas chegam falantes e contentes. — Oi Tia Vermermelha!!! — Flor chega sorridente vestindo seu collant cor de rosa e suas sapatilhas pretas. — Oi Flor, como você está linda — digo sorrindo para ela. Ela se senta junto com as outras meninas e começamos a aula, ela é uma menina esforçada e muito esperta, mal chegou e já pegou a maioria dos passos, sua postura é impecável.

— Vamos lá meninas, olha a postura Bianca... Perna no alto, assim... A hora passa e a aula chega ao fim, todas as meninas vão embora e como na maioria das vezes ficamos eu e Flor, dessa vez não fico lá fora esperando, vou para o escritório arrumar as coisas e levo meu chaveirinho Flor comigo, ela como sempre não para de falar. — Tia? Sabia que o Urso não fala com as pessoas? Mas o Tio da Porta disse que uma vez ele fala. — Ela me conta enquanto coloco minhas sapatilhas vermelhas. — Aí eu disse que ele tem que ter educação, mas ele não reponde ele só olha de cara feia para mim. Ela para de falar e toma um fôlego. — E o que o Urso é seu? — pergunto tentando descobrir mais sobre ele. — Sou amiga. — Ela me olha como se estivesse pensando. — Mas ele ainda não sabe. Ela coloca o dedinho na frente da boca como se pedisse segredo é eu dou uma risada. Vem Flor, vamos dançar. Me sento no meio da sala e ela ao meu lado, cruza as perninhas e começa a alongar comigo. — Tia, eu gosto de ver você dançar... Porque não pode falar o segredo? — Porque segredo não se conta, agora vem. — Me levanto e ligo o som, pego em sua mão e começo a dançar. Estamos rindo e dançando quando do nada Flor solta minha mão e sai correndo para a porta, onde vejo alguém parado, mas não vejo seu rosto pois a pessoas está no escuro. Flor pega na mão da pessoa e o puxa para dentro. — Vem Urso, vemmm!!! — Ele está de cara fechada. — Ah nossa! — digo com espanto, não sabia que ele iria aparecer. Ele me olha e por uma fração de segundos vejo uma expressão em seu rosto que não é a tristeza de sempre, vejo que ele está envergonhado por ter sido pego em flagrante. — Desculpa. — Sua voz é rouca me fazendo arrepiar. — Urso você veio me buscar? De novo? — Ela está eufórica e não para de pular. Ele olha para ela de cara feia, e tenta soltar sua mão da dela, em vão, eu vou até eles, seguro Flor pela mão tentando salvá-lo dela. — Flor tenha calma, e você. — Oolho para aquele mar azul intenso e triste que são seus olhos, e me perco ali por um momento. Ele me encara e eu

perco o ar, não consigo desviar o olhar e ele nem se esforça para não olhar para mim, com muito esforço volto a terra. — Não precisa se desculpar, eu deixei a porta aberta caso a avó de Flor chegasse. Você veio buscá-la? — Não. Quer dizer, sim. — Ele parece confuso, coça a nuca e me olha. — Na verdade eu ouvi a música e entrei. Mas eu já estava indo embora. — Eu também vou! E eu tô com fome, Urso? Me leva para comer? — Os olhinhos dela brilham. Ele bufa, e no impulso não sei de onde veio, mas as palavras pulam da minha boca. — Eu também estou. — Me arrependo na mesma hora. Ele me encara, não sei se é loucura minha, mas vejo o azul desses olhos brilharem, dou um passo em sua direção e ele também, mas me contenho e viro rápido. — Vou me trocar, aproveito e saio com vocês. — Hum, eu também estou com fome — ele diz meio sem graça. — Eba! Vem Tia Vermermelha, o Tio Urso vai levar a gente para comer. — Ela me pega pela mão e sai me puxando na direção do vestiário. Olho para trás ele dá um sorriso sem jeito, como se tivesse muito tempo que não ria, é um sorriso quase forçado, ou forçado demais. Chego no vestiário e ajudo Flor a se trocar, depois me arrumo, hoje vim com uma legue preta, uma blusa bege caída no ombro esquerdo e sapatilhas também preta. Pego minha mochila e a mochila de Flor e voltamos para sala, encontro ele encostado na parede de braços cruzados e com um de seus pés apoiados na parede, seu cabelo preso num coque bagunçado, ele me olha como se pudesse ver dentro de mim, como se os meus segredos mais obscuros, aqueles que guardamos a sete chaves, não estivesse tão bem guardado assim, sinto minha bochecha ficar vermelha, e ele parece perceber mesmo com a luz da sala não ajudando muito, ele desvia o olhar do meu. Eu quero pizza Tio Urso — Flor diz pegando a mochila da minha mão e indo até ele. — Toma. Ele faz careta, mas pega a mochila. — Eu vou falar com sua vó, porque não dá para ela ficar esquecendo de você toda hora — ele diz com certa raiva. — Vamos logo comer. Ele sai andando deixando Flor para trás, ela parece não ligar e vai dando pulinhos atrás dele, eu vou logo atrás. Enquanto andamos em total silêncio, tirando a Flor que não para de cantar as músicas da Frozen, me pego pensando no porque dele ser assim, ele faz questão de demonstrar a

indiferença pelas pessoas e pela vida delas, ele sempre tem a expressão triste e distante. Chegamos a pizzaria e o silêncio reina, não sei o que estou fazendo aqui, Flor se senta à mesa e eu sinto que tenho que ir embora, mas assim que abro a boca para dizer que estou indo, ele puxa a cadeira para que eu possa me sentar. Fico sem saber o que faço e então Flor aponta para a cadeira pedindo para que eu me sente, então eu decido ficar. — Porque você sempre escuta musica triste para dançar? — Ele finalmente quebra o silêncio. — Bem... eu... acho que me acalma. — Não posso contar a verdade para ele, afinal nem o conheço. — Sei o que quer dizer. — Sua voz é triste. — Você dança muito bem. — Obrigada. — Me sinto envergonhada, faz tanto tempo que não sei o que é um elogio. Um garçom chega para anotar os pedidos e ele logo toma a frente dizendo para trazer uma pizza grande metade cinco queijos e metade frango. A pizza chega rápido e logo começamos a comer, o silêncio ainda é gritante. — Tia Vermermelha? O Tio Urso sabe do segredo? — ela diz com a boca cheia. — Sabe — digo sem jeito. — Você não pode contar pra ninguém tá? — ela fala apontando o dedinho para ele como se estivesse brigando com ele. — Ah é? Agora me diz para quem eu vou contar? — ele fala. — Não sei não, mas não pode contar. Segredo não se conta — ela diz revirando os olhos. Ele levanta uma sobrancelha para ela, que sorri para ele fazendo careta. Terminamos de comer e antes de irmos embora ele vai ao banheiro, o garçom vem e fala alguma coisa com Flor que sorri, Aron volta do banheiro paga a conta e vamos embora. Vamos até uma certa parte juntos e perto de nos separamos Flor vira para ele e fala. — Urso? — Ela puxa sua mão, para que ele olhe para ela. — Que? — ele diz ríspido. — O que é Família? — O seu semblante mudo para dor e tristeza, tudo de uma vez. — De onde você tirou isso de família? — As palavras saem da sua

boca como um remédio amargo que você precisa cuspir. — Foi o moço da pizza que falou, ele disse que era uma família bonita a nossa. — A carinha de ingênua dela faz com que ele respire fundo para responder. Não sei Pirralha, o dia que eu tiver uma te falo o que é. — Ele segura ela pela mão e olha para mim. — Da Tchau para a moça e vamos embora. — Tá bém! Tchau tia Vermermelha, até amanhã.

— Amor acorda, você tem que levantar hoje é um dia muito especial. — Marina ao meu ouvido. — Que dia especial é esse? Não quero acordar, me deixa dormir — respondo mal-humorado. — Você não pode ficar assim para sempre, levanta e vai viver Aron. — Sua voz era doce como sempre, mesmo me dando bronca ela era linda. Não! Ela se levanta da cama e vai até a janela abre as cortinas e a claridade toma conta do lugar, me obrigando abrir os olhos. — Amor hoje o seu dia será lindo, mesmo que você não queira. " Acordo assustado, suado e meio desorientado, olho para os lados para ter certeza de onde estou, e a certeza de que estou no meu quarto e sozinho vem como um soco no estomago e sim, dói, a janela está aberta e o sol na minha cara me dá náuseas. — Porra hoje é sábado, eu só queria dormir e mais nada, pra que você tem que vir nos meus sonhos e me acordar? Pra qué? Meu dia vai ser uma merda como todos os outro — falo sacudindo os braços, como se ela pudesse me ouvir. Assim que saio do banheiro meu celular toca. — O que é? — falo ríspido. — E ai cuzão, vai fazer o que hoje? — Murilo não estou a fim de sair, nem beber, nem ir para essas baladas de merda que você vai, nem comer ninguém, nem porra nenhuma que você tenha em mente — fFalo antes que ele comece a dar ideias idiotas. — E

não, hoje não vou ao treino, nem para lugar em algum, vou ficar em casa SOZINHO. — Aron dá um tempo, sei que hoje é um daqueles dias, e não vai rolar de você ficar sozinho — ele começa a falar. — Vai sim. tchau. — Desligo antes que ele tenha alguma ideia mirabolante.

Meu telefone não para de tocar, Murilo insiste, mas eu o ignoro hoje não quero saber de ninguém. Minha mãe também me liga e das cinco vezes eu a ignoro, mas na sexta vez eu atendo. — Oi mãe — digo sem emoção. — Oi filho... — Ela hesita. — Amor como você está hoje? — Estou como todos os dias, uma merda. Mas hoje especialmente estou mais na merda ainda, mas a senhora já sabe por isso está me ligando — respondo ainda sem emoção. — Aron eu sei que hoje é um dos piores dias, mas eu ficaria tão feliz se você viesse nos visitar hoje, e... bem, hum... — Ela para, respira como se tentasse não chorar. — Ah filho, tem tanto tempo que não te vejo, eu sinto sua falta... — Mãe, eu sei que sente..., mas eu ainda não estou pronto. — Respiro fundo — Tenho que ir estou fazendo almoço. — Ah Aron... — Ela funga — Tá bem. Filho não faça nenhuma besteira está bom? — Tá mãe, adeus. Desligo o telefone, e vou para cozinha a água do macarrão já está fervendo, então começo a fazer minha comida. Depois do almoço tento fazer alguma coisa para ocupar a mente, então pego um livro mas não me prende a atenção, vou para o meu quarto e pego o violão, sento na cama e começo a dedilhar as cordas, e automaticamente começo a tocar All Star as lagrimas caem sem eu perceber, essa era a nossa música, foi a música que cantei para ela no nosso casamento, e foi lindo. Perco a noção da hora fico ali tocando e cantando nossas músicas, só volto a realidade quando alguém bate na porta, ignoro, mas a pessoa é

insistente e fica socando a porta cada vez mais forte, sinto uma raiva, mas vou atender. — Mas que merda — reclamo enquanto ando até a porta. — O que é? Abro a porta, mas não vejo ninguém. — Ué? — Coço a cabeça, e quando vou fechar a porta sinto alguém bater na minha perna. — Oi Urso. — A voz irritante da Pirralha me faz olhar para baixo. Ela entra e vai direto para o sofá, se sentando. Ela olha para mim e sorri. — O que você acha que está fazendo? — pergunto de cara feia. — Tô sentada — ela diz apontando para o sofá, com uma cara de "não é obvio". — Eu vi! — digo soltando a porta e indo em sua direção. — Ué, então por que você perguntou Urso? — ela fala revirando os olhos. — Eu vim ficar com você hoje, eu e o Bibo. — É O QUE? — falo gritando. — E QUEM DIACHOS É BIBO? — Ai, não fala alto, sabia que a pessoas tem que ter a educação? E não é educação ficar gritando. — Ela pega o controle e liga a TV. — E outra coisa, o Bibo não é diacho, ele é elefante. — Pirralha como você é abusada! — Eu não, nada disso, meu nome é Flor — ela fala sacudindo o seu dedo indicador para mim. — Eu quero saber o que você está fazendo aqui. — Urso, você é muito nevorso. Eu vim pra cá porque minha vovó não me deixa entrar, ela esqueceu de mim de novo, e o Tio da Porta estava ocupado, então vim ficar com você. — Ela termina de falar e olha para a TV. — E eu estou com fome. — Mas que mer... — Eu respiro fundo e conto até três. — Eu não tenho nada com isso, mas que, que... — É uma "pocaria" que fala, sabe minha mãe fala muito isso, "que pocaria". — Ela levanta os braços e sacode no ar. — Ela fala que isso não é palavão. Eu reviro os olhos e passo as mãos no cabelo. — Vem Pirralha, eu vou te levar para casa. Eu a pego pelo braço e levo até a porta, ela reclama e puxa o braço de volta. — Pera, você esqueceu o Bibo. — Eu bufo e ela volta para o sofá

batendo o pé, pego o elefante e volta me dando o braço. — Pronto agora pode. Levo ela de até a porta, eu bato e ninguém responde toco a campainha e nada, bato de novo e a porta se abre. — Pois não? — Uma senhora de cabelos muito brancos. — Oi Senhora, vim trazer sua neta — digo entregando a mão da Pirralha para ela. A velha me olha de cara feia, franze o cenho e cruza os braços. — O senhor não tem vergonha na cara não? Como você bate na porta dos outras assim? E ainda quer dar a sua filha para uma pessoa que nem conhece? Aonde vamos parar, meu Deus?! Além de tudo é mentiroso! Não sou nada sua, como essa menininha vai ser minha neta? Ah me faça o favor né?! — E bate à porta na minha cara. Eu fico ali olhando a porta por alguns segundos, até que a Pirralha puxa minha mão. — Viu? Eu falei — ela fala e sai saltitando até a minha porta, para e olha para mim. — Vem Urso, eu tô com fome. Merda, merda, merda, merda, vou xingando mentalmente até chegar na minha porta, abro a porta e ela sai correndo e se joga no sofá. — Tem comida? — ela fala mudando o canal.

O dia se fez espcial Não acredito que Marina teve a cara de pau de dizer que hoje seria um dia especial! Ela só pode estar de sacanagem com a minha cara, não é possível. Esquento o macarrão para a Flor, e ainda tenho que fritar um ovo na "teiga", é cada coisa que acontece na minha vida que, puta que pariu. — Pela última vez Pirralha, eu não quero ver você dançar — digo revirando os olhos e passando a mão na cabeça. — Porque? Você vê a Tia Vermermelha dançar mas não quer me ver? Vem cá, você não dorme não? — falo mudando de assunto. — Durmo, mas estou sem sono. Me levanto e pego ela no colo. — Bibo! Bibo! Bibo!! Eu quero o meu Bibo!! — Ela começa a espernear. — Calma! — Volto e pego o bendito do bicho e dou para ela. Chego no quarto e coloco ela sentada na cama, ela cruza as pernas e coloca o elefante sentado em cima das pernas, sua postura é exemplar, ela me olha sem falar nada. Pego meu violão e me sento na beira da cama, olho para ela e ela sorri.

— Você sabe tocar? — Ela pergunta apontando para o violão. — Um pouco. — Passo os dedos pelas cordas devagar fazendo ela abrir um sorriso ainda maior. — Você gosta? — Eu gosto Urso — ela diz ainda sorrindo. Ela está vestindo um macacão jeans e uma blusa amarela, seu cabelo preto está preso num rabo de cavalo mal feito, ela tira os tênis e joga no chão, ficando só de meias cor de rosa listrada com amarelo. Ela se ajeita na cama com seu elefante, e eu começo a tocar as cordas do violão bem devagar pensando qual música eu posso cantar para ela, me deixo levar pelo som que sai do violão e a música começa a sair, "Flor de Lis do Djavan", aos poucos a Pirralha vai fechando os olhos até que adormece. Acordo num susto meu pescoço dói, dormir no sofá é uma merda, o interfone não para de tocar. — O que é? — falo com o meu mal humor de todos os dias. Hum, senhor Aron desculpa incomodar... Aqui é o José seu porteiro... — Eu sei, quem mais iria me ligar no interfone? — Ah sim, é faz sentido — ele diz sem graça. — O que você quer? — Ah, é que a avó da Flor está preocupada com ela, já passa da meianoite a até agora ela não apareceu... E como já procuramos em todos os flat só faltou o seu... Ela apareceu por aí? Eu respiro fundo, essa velha vai me deixar maluco ainda, estou vendo isso. — Ela está aqui desde as oito da noite, eu fui lá levar ela, mas a velha não lembrou da Pirralha, então tive que ficar aqui com ela! — falo tentando não gritar. — Ah ... É o alzheimer... — Ele tenta explicar. — Eu sei! Mas como a mãe dessa criança deixa ela sozinha com uma velha que nem sabe quem ela é?! — Já estou gritando com o idiota do porteiro. — Bom... eu, eu... Não sei...... — ele gagueja. — Esquece! Já sabe que ela está aqui né? Desligo o telefone e quando me viro para ir para a cozinha tomo um susto com a Pirralha parada na porta da cozinha me olhando. — Pata que pariu! — Coloco a mão no peito e encosto na parede. — O que foi? — ela diz sorrindo.

— Você não devia estar dormindo? — falo tomando fôlego. — Eu acordei — ela diz levantando os ombros. — Eu percebi. O que você quer?? — Quero leite com nescau. — Ela vem andando em minha direção arrastando seu elefante pela orelha. Vamos para a cozinha para fazer a porcaria do leite, ela vem atrás de mim e fica me cutucando sem parar. — Mas o que é?! — falo perdendo a paciência. — Eu quero ver, é quero mexer o leite. — Caraca!! — eu falo pegando-a no colo e sentando ela na mesa. É muito difícil ficar na frente de uma criança sem falar palavrão, ela me deixa muito puto. Faço o leite, ela mexe e toma tudo, depois de comer uns cinco biscoitos ela se deita no sofá para ver desenho, me sento no braço do sofá me perguntando que horas a velha vem buscar essa criança, a campainha toca e eu sinto um alívio enorme. Abro a porta. — Boa noite senhor, vim buscar a Flor — ele diz sem graça. — Ela está no sofá — digo apontando para o sofá. Ele pede licença, entra pega ela e sai. — Urso? Amanhã eu volto tá? — Não, amanhã você fica com o cara da porta — digo fechando a porta. Mas ainda escuto ela falar com o porteiro. — Tio da Porta, hoje foi muito legal, ele fez comida pra mim, depois cantou, e aí eu dormir.... Até fez leite! — Ah Flor, você é muito especial — ele diz para ela. — Tio ele ainda não sabe, mas ele gosta de mim né? — Quem não gosta de você Flor? — ele diz para ela e eu vou para o meu quarto. Me sento na cama olhando pela janela. — Marina, você é foda em... Tiro a camisa e me jogo na cama, um vento leve toca meu rosto e o cansaço chega rápido, eu fecho os olhos e durmo.

Mais um dia se inicia uma segunda-feira linda e ensolarada. — Bom dia meninas! Como vocês estão hoje? — digo sorrindo. — Bom dia Ali! — Samanta responde sorrindo. — Viu o passarinho verde foi? — Quem me dera! — digo rindo. — Mas sabe que tive um sonho estranho hoje... Hum não me diga... — ela diz fingindo interesse. — Dá um tempo Sam, vai trabalhar! — digo fazendo careta para ela. E assim começa o meu dia, com brincadeiras e risadas. Minha primeira aula é um sucesso minhas "meninas grandes" já estão com os passos mais que ensaiados. Estou no meio da minha aula e quando alguém bate na porta, deixo as meninas ensaiando e vou ver quem é. — Sim? — digo abrindo a porta. — Ali? Você vai sair para almoçar hoje? — Em seu rosto tem um sorriso estampado, um sorriso tão grande que me assusta. — Que merda você aprontou Sam? — digo levantando uma sobrancelha. — Aí credo! Como você me julga. — Ela cruza os braços fazendo um bico enorme. Eu suspiro, cruzo os braços e encosto na porta. — Onde você quer ir comer? — falo tentando não rir. Ela dá saltinhos e responde: — No Florenza! E eu pago! — Ela pisca para mim. — Samanta! O que você já aprontou? Se eu tiver que enterrar um corpo eu juro que te enterro junto! — Aí para! Juro que não matei ninguém. — Me deixa trabalhar! — digo rindo da cara dela. — Chata! Te vejo às duas — ela diz indo para sua sala. Eu fico ali olhando tentando entender o que aconteceu, o que essa criatura aprontou. — Alice? Já terminamos! — Uma de minhas alunas me chama e eu volto para minha aula. É impressionante como quando temos pressa a hora se arrasta, olho

no relógio de cinco em cinco minutos, e depois de muito tempo enfim termina minha aula e chega a hora do almoço, troco de roupas rápido e vou correndo para a sala da Sam. — Já está pronta? — pergunto entrando na sala. — Já! Vamos? — Ela pega sua mochila e saímos da sala. Tento tirar alguma informação dela pelo caminho, mas ela se faz de surda e muda o assunto todas as vezes. Chegamos no restaurante, eu cheia de fome já escolho um lugar e puxo ela para se sentar, penso que vou conseguir tirar alguma informação dela, mas logo chega um garçom para nos atender. — Boa tarde senhoras, aqui está o cardápio — ele diz com um belo sorriso no rosto. — Senhora é a sua avó! — Sam dizia puxando o cardápio da mão dele que fica vermelho na mesma hora. — Oxe! Lá tenho idade, ou melhor, cara de senhora? — Não... Eu só... — Ele tenta se explicar, mas ela é rápida e o interrompe. — Só foi indelicado! — ela diz fingindo ver o cardápio. — Samanta, ele só quis ser educado, para com isso. — Me viro para o pobre garçom e sussurro. — Não liga não, ela é louca. Ele sorri ainda sem graça e sai. Você é terrível Sam, agora para de enrolar e fala logo! Já estou nervosa tentando descobrir o que você aprontou — falo enquanto escolho o que vou comer, ela me olha divertida e enfim começa a falar. — Tá bem, Tá bem! Não aguento mais guardar isso só para mim. — Ela fecha o cardápio e o coloca em cima da mesa, abre um sorriso cintilante e diz. — Amiga, eu conheci um cara! — Aí meu Deus! — Meu queixo cai e eu fico olhando para ela até conseguir falar. — Samanta, não! — Ele é lindo Ali, nossa muito lindo! — Ela se abana com a mão. — E é tão engraçado! Tem o sorriso lindo, aí é aqueles olhos? Fico molhada só de lembrar! — SAMANTA! — falo colocando a mão na testa e abaixando a cabeça levemente. — O que? — Ela levanta as mãos querendo entender. — Cara você está num restaurante! Tenha modos... — Ah dá um tempo! Até parece que você não fala das suas safadezas... — O garçom chega na hora para anotar os pedidos. — Vou

querer talharim ao molho sugo, um bife ao molho madeira e uma jarra de suco. — E a Senhorita? — ele me pergunta. — Quero o mesmo, só muda o molho do talharim, quero molho branco. Ah o suco é de abacaxi com hortelã. — Sim. Com licença — ele diz e vai embora. — De onde surgiu essa criatura Samanta? — digo tentando entender. — Então, fui a uma reunião chique acompanhando o Roger, aquele amigo meu que é gay, você lembra dele? — Lembro sim. — Então! Ele estava lá, acho que ele é advogado também, bom o que importa é que ele não tirou os olhos de mim um segundo! Me comeu com os olhos, ficou me cercando e na primeira oportunidade que ele teve, que foi na hora que o Roger foi ao banheiro, ele veio falar comigo! E puta merda que cheiro bom! Que homem bom, nossa eu fiquei olhando para ele imaginando tanta coisa, mas óbvio que me fiz de difícil. — Ela não para de sorrir, e eu sem entender o que aconteceu com ela, nunca vi Samanta assim por homem algum. — Ele achou que o Roger era meu namorado, e eu deixei pensar. — Você só pode estar doente, não é possível! — digo ainda em estado de choque. — Sam só me responde uma coisa. — Fala. — Você já deu para ele? — pergunto e fecho os olhos rezando mentalmente para que a se resposta seja "não". — Ah então... Ah Ali... — ela gagueja. — Não, ainda não. O garçom chega com nossos pedidos, e por um tempo ela continua a tagarelar, falando do bendito cara tento me fazer de surda nas partes em que ela fala besteira. — Sam? Qual o nome dessa criatura? — Ah o nome dele é lindo! — ela diz empolgada lá. — É Murilo! — Ah tá, agora vamos embora? E pelo amor, não se entrega demais está bem? — digo com carinho. — Tá bem amiga, fica tranquila você me conhece, não sou dessas. Voltamos para o MyBallet e já vou direto para minha sala, pois já tem criança chegando. Tia Vermermelha! — Flor me recebe com um abraço apertado. — Oi Flor! — Retribuo o Abraço pegando-a no colo. — Sabia que foi o Urso me trouxe? — ela diz descendo do meu colo e

pegando seu elefante que caiu no chão. — Foi mesmo? E onde ele está? — digo olhando para os lados. — Já foi, ele reclamou porque disse que eu não sou dele — ela diz rindo. — E por que ele trouxe você hoje? Sua mãe ainda não chegou? — Não, ela chega hoje de noite. Mas a vovó não estava muito bem, aí eu fui lá na casa do Urso para ele me trazer aqui. Aí ele disse, não, não, não... — Ela sacode o dedinho e muda a voz. — Você não é obrigação, e não quero. Aí eu falei, por favor Urso... falei muitas vezes, aí ele tá bom! E por isso tô aqui. Eu estou sentada olhando para ela gesticular e falar, e a única coisa que consigo fazer é rir. — Ele parece gostar de você né Flor? — Não sei, ele fala que eu sou pirralha. — Ela coloca o dedinho na bochecha pensativa. — O que é pirralha? — É uma criança pequena — digo mudando o assunto. — Vamos dançar? — Vamos! Já passa das nove da noite e nada de alguém chegar para buscar a Flor, eu decido não fechar a porta nem apagar as luzes, Flor vai ao banheiro e eu começo me arrumar para ensaiar, quando escuto a porta abrir penso ser alguém para buscar ela, mas me engano, assim que olho para trás sinto meu corpo gelar, e meus olhos enchem de lágrimas na mesma hora. — O que você faz aqui Thiago? — Minha voz sai baixa e trêmula.

Um abraço, um convite O saco de areia balança a cada soco que dou nele, o suor pinga do meu rosto, minha respiração acelerada, "soco, soco, soco, esquiva, soco...", mas hoje não sinto raiva, não sinto medo, nem tenho vontade de me matar, ou fazer mal a alguém. Não, não estou com paciência, e nem estou amolecendo. Qualquer dia desses vou aparecer lá na sua casa para conhecer essa pirralha que está conseguindo amolecer essa carcaça — Murilo diz com deboche. — Vai a merda, não tem ninguém amolecendo ninguém aqui, e para sua informação essa criatura é um saco, e a mãe dela uma irresponsável! — digo socando o saco de areia. — Onde já se viu deixar uma criança daquele tamanho com uma velha que nem sabe quem é!? Mas deixa ela comigo, assim que ela aparecer ela vai se ver comigo. — Vai fazer o que? Bater na mulher? — Ele solta uma gargalhada. — Sabe que bater em mulher é crime né? — Deixa de ser babaca Murilo! Eu lá sou homem que bate em mulher? Por mais irresponsável que ela seja? Agora me fala aí, quem é essa

mulher que você está todo gamado? — GAMADO? Tá me zoando? — ele diz ofendido. — Tá cego também? — digo rindo da cara dele. — E eu sou homem de ficar gamado em alguém? Vai a merda, só quero é comer ela, mulher difícil da porra. — Sei... Ela vai te dar um cansaço isso sim, aí quando você der conta ela já te enrolou na teia dela e pah! Se fudeu. — Paro de socar o saco para rir da cara dele de desespero. — Não fode Aron! — Ele fica puto e vai para o vestiário. Olho no relógio e são dez e meia, hora de ir embora, vou para o vestiário jogo uma água e vou embora, Murilo vai andando comigo até onde deixou o carro estacionado. — Quer uma carona? — ele pergunta. — Ou vai passar no ballet para pegar a Pirralha? Não sou pai dela Murilo! — digo fechando a cara. — Mas obrigado, vou andando você sabe que não entro em carros. — Valeu até amanhã cuzão! Vou andando olhando para os postes, contando os que estão acessos como fazia com a Marina e acabo passando do MyBallet sem perceber, dou mais alguns passos e de repente a luz do poste apaga, acho estranho e dou mais um passo é a luz do outro poste apaga também, olho para trás e a luz volta a acender. Acho aquilo muito estranho, assim que dou outro passo para frente e a luz apaga de novo. — Que Porra é essa? As luzes dos postes a minha frente estão todas apagadas, mas as luzes atrás de mim estão todas acessas, todas até o poste em frente ao MyBallet, sinto um aperto no peito e decido voltar, assim que chego perto da escola vejo a Pirralha sair correndo em minha direção. — Você ainda está aí... — Começo a falar, mas me calo quando vejo ela chorando. — TIO URSO! O MOÇO MAU BATEU NA TIA VERMERMELHA! AJUDA ELA!!! — Meu coração dispara, um ódio toma conta de mim. — Flor, fica aqui que eu já volto. — Respiro fundo e entro. Assim que passo da recepção ouço a voz da Alice. — Vai embora Thiago, tira a mão de mim!! — Seu grito é de medo.

— Ai! Você está me machucando. — Cala a boca sua puta, você acha que alguém vai te ouvir? O que você estava fazendo naquela boate? Eu não te devo satisfação da minha vida. — Ah você deve, você é minha! Não adianta fugir, eu vou te encontrar, sempre. A cada passo que dou os gritos vão aumentando e a raiva dentro de mim crescendo. Ouço um barulho de tapa e Alice grita, corro até a sala dela e soco a porta que se abre. Vejo Alice caída no chão com a mão no rosto, seus braços estão vermelhos. Um cara de casaco preto e calça jeans está em pé na frente dela. — Que porra é essa? Quem é esse cara Alice? — o cara babaca fala, e pega ela pelo braço como se ela fosse uma boneca de pano. — Me solta! — ela diz chorando. — Solta ela, agora. — Minha voz sai baixa e calma, mais calma do que eu pensei que sairia. Ele solta uma gargalhada. — Quem você pensa que é? — Sua voz é arrastada, ele parece estar bêbado. — O herói dela? Não fode! E sai daqui antes que eu te arrebente! — Ah, mas eu quero ver você me arrebentar... — Meus punhos estão fechados, meus dedos estão brancos de tanto que eu aperto. — Eu vou contar até três para você largar ela, pedir desculpas e ir embora... E meu amigo se eu fosse você, não me deixaria mais puto do que estou! — Nossa que meda de você! Seu bosta. — Ele ignora tudo o que eu falei eu se vira para Alice. — Isso não vai ser legal para você mocinha... — Um... Dois... — Conto com bastante calma. — Nossa ele sabe contar... — Três... Tudo é bem rápido, assim que termino de contar vou em direção ao babaca, ele se vira rindo para mim e já dou um soco na sua cara, ele volta a Alice e cambaleia alguns passos para trás, Alice corre para a porta, e eu vou feito um bicho para cima dele, que se levanta e vem pra cima de mim, ele tenta me dar um soco mas desvio com facilidade e revido, direita, esquerda, direita... Me vejo no ringue, ele não revida, jab direto... Não respondo por mim, soco, soco, desvia, soco... — Aron! Para! Vai matar ele, Aron! Não, para! — Escuto a voz de Alice lá no fundo.

— TIO URSO! VOCÊ ESTÁ FAZENDO DODÓI NO MOÇO MAU! Eu paro. Quando olho para ele vejo que tem sangue para todos os lados, ele cai no chão, seu rosto está muito machucado. O que eu fiz. — Merda! — Eu olho para Alice que vem em minha direção. — Não! Fica aí... Não encosta em mim... O que eu fiz ... — Calma, vai ficar tudo bem ... Vem você precisa limpar as mãos... Vem Flor. Ela me leva ao banheiro e quanto voltamos o cara não está mais lá. — Eu não devia ter me metido nisso, desculpa, vem Pirralha vamos embora. — Eu a pego no colo e quando olho para Alice vejo o medo e a tristeza estampado em seu rosto. — Tia Vermermelha, vem vamos embora, o Urso leva a gente, ele é forte e protege a gente. Eu fico sem graça, e coloco a Pirralha no chão, e vou em direção a ela. — Você está bem? — digo parando a sua frente. — Estou sim... — Seu rosto está machucado. — Só não quero chegar em casa assim, meu pai... ele vai querer ir atrás do Thiago e... Ela começa a chorar e no impulso eu a abraço, ela se aninha em meus braços, meu coração acelera, e minha respiração falha. — Obrigada... — Não precisa agradecer... — digo sem jeito. — Você quer ir para a minha casa? Liga para o seu pai e avisa que vai dormir na casa de uma amiga... Sinto meu corpo ficar dormente, mas que merda eu estou fazendo? — Está bém... — ela sussurrar e sai dos meus braços. Sinto um vazio, uma tristeza, me sinto vazio. Alguns minutos depois ela volta. — Vamos? — Vamos! Eu tô cansada Urso. Pego a Pirralha no colo e Alice vem do meu lado, é hora de ir para casa.

Chego em casa ainda sem entender tudo o que aconteceu, já é tarde passo no apartamento da Pirralha e para minha surpresa a mãe ela está na porta, parece que acabou de chegar, ao seu lado tem uma mala bem grande. — Alice, está vendo aquela porta ali? — digo apontando para a porta o meu apartamento. — Estou sim. — A voz dela é tão doce e meiga. Então aquele é o meu apartamento, toma a chave. — Eu entrego a chave para ela, ela me dá a mochila da Pirralha. — Me espera lá, eu vou levar a Pirralha para casa. Ela acena com a cabeça e sai, ela parece meio desnorteada, respiro fundo e ajeito a Pirralha no meu colo, ela está dormindo agarrada com seu elefante, vou na direção da mãe dela, que assim que me vê abre um sorriso. — Boa noite... É a Flor? — ela pergunta assustada. — Sim! — Respondo entre dentes, tentando manter a calma. — Olha só moça, você precisa ter mais responsabilidade com a sua filha, não é possível você largar a garota com uma vel... Com alguém, que nem se lembra quem é! Tem dois dias que a sua filha está na minha casa, por que a sua mãe não deixa ela entrar em casa!!! — Termino de falar aos berros, e quando olho para ela, vejo que ela está aos prantos. — URSO! O que você fez com minha mamãe?! — A Pirralha acorda assusta e pula do meu colo para o colo da mãe. — Que feio! Não pode falar assim com as pessoas! A mãe dela a abraça e eu me sinto um babaca. — Calma Flor, ele não fez nada com a mamãe só estava me falando que a vovó não deixou você entrar em casa. — Ela olha para mim. — Me desculpe, não vai acontecer de novo, eu vou ficar em casa uns dias e vou resolver isso. E muito obrigada por cuidar da minha menina. Ela se levanta pega a mochila da minha mão e segura a filha com a mão livre. — Tudo bem. Boa noite Pirralha. — Boa noite Urso — ela diz sorrindo. — Tchau Pirralha. Vou para casa e assim que abro a porta, encontro Alice sentada no sofá encolhida. Ela me olha, seu olhar é triste, seu rosto está roxo, sua boca

machucada, fecho a porta e vou até ela é me sento ao seu lado, ela se encolhe ainda mais no sofá. — Você está bem? — pergunto mandando distância. — Quer tomar um banho? Tirar essa roupa? — Não tenho outra roupa — ela diz sem olhar para mim, e isso me incomoda. — Eu posso te emprestar uma blusa se quiser... — Minha voz é baixa e calma, para não a assustar. — Tudo bem... — Ela se levanta e pega a mochila. — Onde fica o banheiro? — Está vendo o corredor? — Ela acena com a cabeça. — Então, no final dele. — Ok. Assim que ela sai da sala eu olho em volta e vejo a zona que está essa casa, merda! Pego a lixeira e saio jogando tudo dentro dela, caixa de pizza, hambúrguer velho, latas de cervejase de refrigerantes, copos plásticos, caixa de camisa chinesa, depois vou para a cozinha, pego todos os restos e jogo fora, abro a geladeira a procura de algo para a janta, e não vejo nada. Mas que droga, preciso de alguma coisa para comer. — Aron? — Alice me chama do banheiro, por algum motivo sinto meu peito gelar. — Oi? — Não tem sabonete aqui. — Não sei por que a voz dela me encanta tanto assim. Ah! Desculpa, só um minuto... — Corro até o quarto e abro todas as gavetas e nada, então pego a chave embaixo da caixinha e abro a gaveta que guardo a "caixinha" pego a sabonete e fecho a gaveta, mas esqueço de trancar. — Toma. — Bato na porta e vou para o lado, deixando só minha mão na frente da porta. — Obrigada. — Ela pega e fecha a porta. — Hum... Alice vou deixar uma blusa minha em cima da cima da minha cama, e fique à vontade para pegar alguma outra coisa nas gavetas e guarda roupas, eu vou dar um pulo aí embaixo para compra alguma coisa para a gente comer... Você tem preferências? — Não, pode ser qualquer coisa. — Ok, volto logo.

Desço correndo, pensando no que posso comprar para ela mas não vejo nada além de cachorro quente prensado e aqueles hambúrguer gigantes, dou mais algumas voltas e nada, pela hora já está tudo fechado, vai ter que ser um podrão mesmo... Compro um prensado pra mim e um hambúrguer para ela, o mais leve que acho, e duas porções de batata frita e para fechar uma coca bem gelada. Volto para casa e encontro a sala vazia, arrumo tudo na sala, ligo a tv e vou ver onde ela está. — Alice? — Chamo do corredor com medo de ela estar pelada. — O-oi! — Escuto um barulho de gaveta fechando. — Pode entrar, já estou vestida. — Ah tá, eu trouxe... — Perco a fala ao olhar para ela, ela está com uma blusa minha preta escrita "Foda-se" um presente de pirraça da Marina, um short de flanela que nunca usei, seu cabelo com as pontas molhadas preso num coque bagunçado. Ela me fez perder o ar. — Você está bem? — Ela me olha de um jeito, parece que vê dentro de mim. — Eu... eu, estou bem? Estou bem... — Babaca, me xingo mentalmente. — Está com fome? — Estou, o que você trouxe de bom? — ela pergunta com um sorrindo tímido. Eu coço a nuca sem graça. — Podrão... — Seu rosto se ilumina. — Jura? — Ela anda mais rápido, na direção da sala. — Estou cheia de fome... Eu amo podrão! Nos sentamos na sala e por alguns minutos ficamos em silêncio vendo TV, depois de algum tempo ela quebra o silêncio. — Você sabe bater né? — Um pouco... Eu luto boxe... — Você o que? — Ela me olha assustada. — Sou lutador de boxe. — Não consigo desviar os olhos dos dela, aquela imensidão castanha me atrai. — Você poderia ter matado ele... — Ela sustenta o olhar. — Sim. — Minha voz sai baixa demais. — Mas não matei. — Porque você é sempre tão triste? — Por que perdia a capacidade de ser feliz... — Ela se aproxima um pouco de mim.

Todo mundo pode ser feliz, basta querer... — ouvir ela dizer isso faz parecer fácil. — Eu não posso... Quando dou por mim nossas bocas estão a centímetros uma da outra, nossas respirações estão ofegantes e nosso olhar é fixo. Me levanto rápido demais assustando-a, ela chega mais para trás se ajeitando no sofá e para mudar o ar estranho que se formou. — E quem era aquele babaca? — Sabe Aron, nós dois temos feridas... Feridas profundas que nem o tempo foi capaz de fechar... E eu não estou pronta para falar da minha... Eu olho para ela, e sinto que fui longe demais, mas não a julgo por essas palavras, eu sei bem o que ela quer dizer. — É verdade... — Ela se levanta. — Já está bem tarde, estou com sono — ela diz colocando o resto do hambúrguer na mesa. — Vou lavar as mãos. — Está bem, vou arrumar o quarto para você — falo colocando o que sobrou do cachorro quente também em cima da mesa. — Eu posso dormir aqui na sala, não quero te tirar do seu quarto — ela diz sem graça. — Não tem discussão. Ela vai para o banheiro e eu vou arrumar o quarto.

Sentimentos ocultos Meu corpo dói, minha cabeça dói, minha moral está no lixo, e a vergonha é o que reina nesse momento. Medo, eu achei que não nunca mais voltaria a sentir, mas no momento em que meus olhos encararam os de Thiago foi tudo o que senti, pensei que tinha conseguido tirar ele da minha vida, mas foi um engano. Foi um puta engano achar que tinha virado essa página em minha vida, se não fosse o Aron aparecer, se ele demorasse só mais um pouco... não sei o que seria de mim... Me pergunto se ter aceito o convite de dormir aqui foi uma boa, me pergunto também o porquê dele guardar aquela "caixa" dentro da gaveta, sei que foi errado ter mexido nela, mas eu só estava procurando uma roupa, e foi ele quem mandou eu olhar as gavetas... Estou deitada aqui olhando a lua brilhar lá fora sem um pingo de sono, fecho os olhos e os olhos azuis de Aron invadem minha mente, o nosso quase beijo, seu cheiro, sua respiração, um olhar intenso, mas como sempre em minha vida as coisas boas são rápidas, acabam num piscar de olhos. Os azuis se transformam em cinza, a barba grande se torna curta seus cabelos viram pretos, sinto minha barriga embrulhar, um nó se forma em minha garganta, sinto a raiva dele, o ódio.

— Você é nojenta, ninguém vai te querer só eu... Você acha que eu sou ruim? Você é pior... você é muito pior, você merece apanhar, puta! Vagabunda! É tão real sinto meu corpo estremecer, e logo a dor vem, o soco que ele me dá é tão forte que me faz gritar. — Nãããooo!!!! — Ei, calma... Alice! Ai, ai! Dou vários socos nele, não consigo abrir os olhos. — ME SOLTA! NÃO TOCA EM MIM!! CHEGA, EU NÃO QUERO MAIS APANHAR... — Alice calma, sou eu Aron! Ele me segura pelos braços tentando me conter, mas eu fico ainda mais agitada, e começo a me debater, até que ele me abraça forte e uma calma toma conta de mim instantaneamente. O calor dos braços dele, seu cheiro, me fazem despertar desse pesadelo horrível. Está tudo bem, eu estou aqui, vai ficar tudo bem... — Sua voz calma e forte, vai me trazendo de volta. — Ele é horrível... — digo num sussurro. — Eu sei, eu sei ... — ele fala baixinho fazendo carinho nos meus cabelos. Eu me aninho ali e me sinto segura, sinto que nada nem ninguém vai me fazer mal. Como pode um homem que mal conheço me fazer tão bem? Como posso confiar tanto nele, se nem ao menos sei sua história, não sei quem ele é? Não sei explicar nenhuma dessas perguntas, e a cada minuto que se passa, e eu continuo ali em seus braços, mais perguntas me vem à mente, mais segura me sinto e menos respostas eu tenho. — Você está mais calma? — Ele quebra o silêncio me fazendo sair dos meus devaneios. — Estou sim, obrigada. — Minha voz ainda é tremula, o medo ainda está ali, ainda sinto meu rosto doer. — Bom, então fique aqui vou pegar um copo d'agua pra você — ele diz já se levantando. — Está bem. Ele sai deixando um vazio, um quarto escuro. Uma dor toma conta do meu peito e junto com ela uma falta de ar, me levanto e começo andar de um lado para o outro no quarto, tentando tirar a imagem de Thiago me enforcando, quando se tem um passado escuro, um que o que mais se quer e

esquecer é muito complicado, eu tenho um passado assim. — Você quer conversar? — Aron pergunta entrando no quarto com um copo na mão. — Já sei que ele era seu namorado e sei que te batia. Não, quem me batia era meu pai quando eu era criança e fazia pirraça. Ele me espancava... — As lembranças vêm me assombrar. — Me desculpa, mas não estou pronta para falar sobre isso. — Desculpa... — ele diz envergonhado me entregando o copo d'água. — Não quero me meter, nem ser indelicado. Sei que não tenho intimidade para te fazer esse tipo de pergunta. Hum... Já que você está melhor, vou voltar para sala qualquer coisa é só me... — Não! — O interrompo. — Não, por favor... fica, não me deixa sozinha... Eu não consigo dormir, não posso ficar sozinha... — digo me tremendo. — Calma, tudo bem eu fico. — Ele me olha com carinho, e pela primeira vez não vejo tristeza em seu olhar, vejo zelo, cuidado, carinho. — Vou pegar meu travesseiro, já volto. Ele sai, e eu fico sentada na cama o esperando quando ele volta começo a reparar que ele está diferente, não tem mais aquele cara bruto sem sentimentos, tem um cara preocupado, cuidadoso. Ele arruma sua "cama" no chão ao meu lado e se deita cruzando os braços atrás da cabeça, ele olha para o teto. Eu me deito também e solto um suspiro, quero saber mais sobre ele, quero conversar para esquecer os meus medos e pesadelos. — Aron? — O chamo baixinho. — Sim? — Me fala de você? — Como assim? — Ah não sei... — digo sem graça. — Me conte algo que ninguém sabe. — Hum... — ele diz pensativo. — Eu, já fui advogado um dia. Sério? Nossa que legal... Nunca imaginei... — Ninguém imagina mesmo, agora me diz você. — Hum... Eu danço escondida porque ninguém acredita que posso voltar a dançar. — Eu amo ver você dançar — ele diz baixinho, e sinto meu coração acelerar. — Por que as pessoas acham isso? — Porque há oito anos atrás tive um acidente e tive que parar de

dançar... Um dia te conto minha história. — Oito? — Isso. — Eu também perdi muito coisa há oito anos atrás... — O que? — Um dia te conto minha história... Boa noite Bailarina... — Boa noite lutador... E assim um sono tranquilo vem e me leva.

Me levanto da cama abro a janela e deixo o sol entrar, respiro fundo o ar fresco. Olho pela janela e vejo o sol brilhar forte, sinto uma brisa fresca tocar meu rosto. — Bom dia Mari — sussurro. Os dias tem sido diferentes depois do que aconteceu com a Alice, tenho pensado mais nela sem perceber, me senti um babaca por ter me metido naquilo tudo, mas depois... depois de ver aqueles olhos, depois de ouvir ela agradecer inúmeras vezes, e antes de ir embora ainda me chamou de herói, eu herói, mal sabe ela que sou o vilão... Agora estou eu aqui tomando banho e pensando no porque dela ter entrado na minha vida dessa maneira, eu não tinha planejado nada disso, meus planos eram; lutar, me afundar nesse flat e beber em casa. Parece que nada acontece como queremos, uma criança chata (engraçada e esperta, mas ainda assim, chata) apareceu, ou melhor invadiu minha vida e parece que não está com pressa de ir embora, e agora me meti na vida da Alice, sem quer, mas me meti... Saio do banho, como alguma coisa e vou para o treino, hoje não quis ir correr, desço correndo as escadas chegando no hall não vejo a Pirralha só o porteiro. — Bom dia senhor. — Todo dia me pergunto quando ele vai desistir de me dar bom dia. Passo direto, sinto vontade de voltar e perguntar onde está a pirralha, mas acabo deixando para lá. Como não corri cedo, decido ir correndo até a

academia. — E ae cuzão, não foi correr hoje cedo? — Mal chego e Murilo já vem encher meu saco. — Porra cara, você podia me deixar chegar para depois encher o saco né? — Ih está nervosinho? — ele diz rindo. — Até que não, por algum motivo, hoje estou de boa. — E é a mais pura verdade. — Agora chega de se meter na minha vida, e vamos lutar, estou doido para te dar umas porradas... — Vai nessa... — ele diz colocando suas luvas.

Já passa das dez, eu e Murilo ainda estamos lutando. — Você deveria chamá-la para jantar — digo desviando de um jab de direita. — E você deveria tomar conta da sua vida... — Não Fode Murilo, você sabe que já está caído na dela lá... — Ele se desconcentra e eu o derrubo com um soco. — Porra... Está vendo! Não dá para lutar com você... Não cala a merda da boca! — Ele grita se levantando do chão. — Vou tomar meu banho que ganho mais! — Ihhh ele ficou boladinho... — digo com deboche, fazendo ele bufar e jogar uma luva na minha cara. Pego minha mochila e vou embora, mas dessa vez meu destino é certo! Entro e como na maioria das vezes a luz está apagada, vou direto para a sala e encontro a porta entreaberta, a luz clareia a sala, e a música dessa vez é leve e divertida, abro a porta e lá está ela, dançando como nunca, cada passo, cada salto, cada giro é impecável, entro e fecho a porta me sento no canto e fico ali olhando ela dançar. Ela salta dando um giro no ar, tão graciosa... Ela chega ao chão como uma pluma, de tão macio, ela rodopia e para plena bem na minha frente e

sorri ao me ver. — Oi — ela diz sem jeito. — Boa noite bailarina — digo sorrindo para ela. — Olha só! Ele sabe sorrir... — ela diz com um sorriso meigo, que faz meu coração bater um pouco mais rápido. — Nem sabia que ainda sabia — digo fazendo ela gargalhar. — Desculpa te atrapalhar... — Não, você não me atrapalha, gosto da sua companhia. — Ela se senta na minha frente. — Bom saber... É que eu pensei que você gosta de dançar a noite, e que sempre está sozinha... Aí eu... Ué cadê a Pirralha? — Olho para os lados a procura. — Ela não veio hoje, não sei o porquê... — Que estranho... Também não vi ela hoje cedo, e ela está sempre conversando com o "cara da porta". — Ela deve estar matando a saudade da mãe... — ela diz sorrindo sem jeito. — É, e isso nem é da minha conta..., mas e você? Não vai dançar não? — pergunto levantando uma sobrancelha. — Vou sim... Vou dançar para você... Ela se levanta, faz uma reverência, olha para mim e pisca um olho me fazendo sorrir feito bobo. Meus olhos não desgrudam dela, fico ali enfeitiçado com sua beleza e graciosidade... — Por que você dança escondida? Ela suspira, faz uma meia pirueta e para olhando para mim. — A algum tempo atrás eu era um bailarina, semiprofissional e meu maior sonho era ser profissional... dançar na melhor escola de balé, ser uma grande bailarina, mas um dia, sofri um acidente... — Ela para de falar como se estivesse revivendo o passado. — Bom, eu me machuquei e tive que parar de dançar, as pessoas acham que eu não posso mais voltar a dançar... Me tratam como uma boneca de porcelana que pode quebrar a qualquer momento, mas vou mostrar pra todo mundo que eu sou melhor que isso, que quem manda no meu destino sou eu! Ela termina de falar e quando dou por mim estou em pé, a centímetros da sua boca. Minha respiração é ofegante e a sua também ela me olha sem piscar.

— Espero que você consiga — eu começo a dizer, sem me mover um centímetro que seja. — Pelo que eu pude ver, você já está cem por cento... Ela fecha os olhos por alguns segundos e engole seco. — Aron... — ela sussurrar. — Sim? — eu sussurro de volta. Ela dá um passo para trás acabando com a tensão entre nós, sinto vergonha e ela parece perceber, passo a mão pelo cabelo e dou alguns passos me distanciando dela. — Eu... Obrigada, acho que já está na hora de ir, você me acompanha até em casa? — Claro! Podemos comer alguma coisa no caminho. — Eu iria adorar! Ela vai trocar de roupa e eu fico ali me sentindo um idiota, pela atitude que tomei... Que porra está acontecendo comigo?

Curando feridas Minhas noites têm sido maravilhosas na companhia de Aron, meus dias têm sido proveitosos e ansiosos para a chegada da noite e o reencontro com ele. Não sei por que ele me faz tão bem, não sei por que quando estou perto dele tudo é bom, mesmo ele sendo rabugento com os outros comigo ele é outra pessoa, gentil calmo engraçado... — Ali! — Sam me grita. — Presta atenção poxa! — O que? — digo saindo do meu devaneio. — Pow! Estou falando aqui a um tempão e você olhando para a lua, nem tocou no prato, o que está acontecendo? — Ela reclama de cara feia. — Nada, é que eu estou pensando no concurso que está chegando. — Verdade, fiquei meio triste por terem adiado, mas foi bom para treinar mais. — Verdade, agora fala o que você disse e eu perdi? — digo comendo um pouco do meu risoto. — Tá, mas presta atenção! Toda sua...

— Então, sabe o cara que estou saindo? — Faço que sim com a cabeça. — Ele me chamou para sair de novo, só que dessa vez ele quer ir em um restaurante! Nossa um restaurante, e eu fiquei de boca aberta, e não é qualquer restaurante, é um italiano muito chique no centro da cidade... — Meu Deus! Samanta! Você já deu para ele? — Estou surpresa. — Juro de mindinho que não! E ele está super me respeitando... Aí Ali estou me apaixonando! — CACETE O MUNDO VAI ACABAR! — digo brincando com ela. — PARA! — ela grita. — Agora me fala, e o Thiago? Apareceu de novo? Sinto meu estômago embrulhar, empurro o prato, enjoada e olho para Sam. — Que assunto para se tocar na hora do almoço hein Samanta ... — Aí desculpa! Só queria saber... — Não graças a Deus ele não apareceu de novo. — Sinto um alívio por isso. — Mas não vamos falar disso? Vamos falar do seu gato delícia, e de como vai ser essa noite? — Vamos! — Logo ficamos animadas e a conversa flui.

Hoje faz mais de uma semana que não vejo a Flor, já liguei para saber notícia, mas não tive resposta, espero que esteja tudo bem. — Como foi seu dia hoje Bailarina? — A voz de Aron Me faz olhar para a porta. — Olá Lutador, meu dia foi muito bom! E o seu? Estou sentada no meio da sala me alongando. — Mesma merda de sempre... — ele diz, se aproximando. — Temos que trabalhar esse mal humor... Vem senta aqui. — Eu aponto o chão ao meu lado. — Além de bailarina é psicóloga? — ele diz com um sorriso de lado no rosto. — Não engraçadinho... Sou uma amiga, que quer o seu bem. — Hum... Obrigado amiga. — Deixa de ser bobo, e me deixa voltar para minha dança!

— Com toda certeza — ele diz se levantando e sentando no seu canto habitual. Ligo o som e me concentro para começar a dançar, nos primeiros passos já me desligo do mundo, mas mesmo de olhos fechados, totalmente focada na música e nos passos consigo ver ele ali sentado me olhando sem piscar. E ficamos assim por um bom tempo, para mim parece segundos, mas logo Aron me avisa da hora. — Nossa, já passa da meia-noite! — É impressionante como a hora voa quando se faz o que ama, não é? — falo me sentando ao seu lado, ele me entrega uma garrafa com água. — Os meus dias eram sempre a mesma coisa, acordar cedo, correr, academia e treino. — Ele começa a falar olhando para seu reflexo no espelho, minha atenção é toda dele. — Às vezes eu ouvia a música tocar e a vontade de entrar aqui era gigante... Um dia eu resolvi ver o porquê da música triste tocar todos os dias na mesma hora, e foi aí que vi você dançar pela primeira vez, nossa fiquei hipnotizado, você dança muito bem... — Obrigada. — Eu olho para ele e percebo que ele vem me observando a muito tempo. — Então quer dizer que você vem me observando a algum tempo? Ele parece sair do devaneio e me olha sem graça. — Desculpa... — Ele abaixa a cabeça sem saber o que falar. — Ei, não fica assim não... — Eu levanto seu queixo, fazendo e ele levou me olhar nos olhos. — Me senti ainda mais segura, em saber que você tomava conta de mim todo esse tempo... — Sabe Alice, você me traz a paz que não sentia há muitos anos... Eu vivia numa escuridão, uma que pensei não ter força para sair, até hoje. — Eu estou aqui sempre que você precisar, não conheço sua história, mas estarei aqui quando você estiver pronto para contar. — Ele encosta sua testa na minha e suspira. — Obrigado... — ele sussurra. Ele fecha os olhos e encosta seus lábios nos meus, sinto meu corpo estremecer, sua boca quente me fez fechar os olhos, ele passa sua mão em meu rosto, me fazendo carinho e eu retribuo o beijo.

Depois que Marina morreu, eu sofri, chorei, um tempo depois eu senti raiva, ódio, me culpei, culpei o mundo, o carro, motorista que bateu em mim, culpa a Marina por me distrair, gritei com ela mesmo sabendo que ela não está mais aqui e que não me ouvia. Xinguei a todos que tentaram me ajudar, briguei com minha mãe por dizer que a culpa não era minha e que era uma vontade de Deus, briguei com Deus por ser um cara cruel, briguei com meu pai por defender minha mãe e Deus e depois com minha irmã e meu irmão por tentarem me mostrar que eu podia seguir minha vida sem ela é por fim me fechei. Mudei de cidade, mudei de vida, larguei o emprego deixei meus amigos, e decidi que já que os uniam estava contra mim eu iria ficar contra o mundo. Minha mãe sofreu e sofre por eu ter ido embora, brigou comigo por ter abandonado a advocacia e ter virado um lutador, e eu? Eu me ceguei para o mundo, e só continuei vivendo um dia após o outro como se estivesse no automático. Quando alguém se recusa a ter sentimentos, tem que aguentar as consequências, e eu aguentei, me tornei uma pessoa fria, aprendi que não se pode ignorar os sentimentos, porque uma hora tudo vem à tona e quando vier, ah meu amigo, vai ter que ter cu pra aguentar... A boca dela tem um gosto bom, seus lábios macios e delicados me fazem ir à loucura, meu instinto me faz pegar em sua cintura e puxar ainda mais para mim, seu cheiro de rosas me inebria, ela suspira em minha boca e eu retribuo intensificando o beijo, ela segura de meu cabelo. — Marina... — A palavra sai da minha boca sem que eu perceba, mas com toda certeza Alice percebeu. — Quem? — ela diz se afastando de mim. — O que? — digo sem entender o que eu tinha dito. — Você me chamou de Marina... — ela diz sem graça, tomando distância de mim. Fico sem reação, olho para ela sem graça e sem saber o que dizer. — Alice me desculpa, eu não devia ter te beijado, fui um idiota... — Ela se levanta. — Não precisa se desculpar, eu fui meio sem noção mesmo, não devia ter me deixado levar... Vou me trocar.

Me sinto um babaca ainda mais ao ouvir as palavras de Alice, me levanto e no impulso vou até ela. — Alice, espera. — Ela para é me olha sem muita emoção. — Está tudo bem Aron, você não tem que me dar explicações foi só um beijo, no momento... — Alice, Marina era a minha esposa, ela morreu num acidente de carro... — digo de uma vez só como um curativo que dói ao tirar. Ela me olha espantada. — Meu Deus Aron... Eu sinto muit... — Não por favor, não aguento ouvir isso de mais ninguém, principalmente de você... — Ela vem ao meu encontro e me abraça forte. Pela primeira vez depois de oito anos, uma lágrima escorre dos meus olhos sem eu sentir, e estar ali nos braços de Alice me confortava. — Você é a primeira mulher que beijo depois de oito anos... — Estou lisonjeada — ela diz com um sorriso meigo, olho em seus olhos e a atração vem forte mais uma vez. Dessa vez ela é quem toma atitude e me beija, um beijo leve como se estivesse dizendo "eu cuido de você". Chego em casa e para na frente do flat para olhar a lua, que está cheia e linda no céu. — Será que é muita merda o que eu fiz? — pergunto para a lua. Subo de vagar, pareço um cara muito bêbado que anda devagar com medo de cair, nesse momento me dou conta que não bebo desde que conheci Alice, acho que hoje preciso de uma dose. Chego no meu andar e dou de cara com uma cena que me dar muita raiva. — Urso! — A voz dela é baixa e triste. — Pirralha o que você está fazendo aí? — Ela está sentada na minha porta, agarrada no bicho de pelúcia, com cara de quem estava chorando muito. Eu vou até ela e a pego no colo a abraçando. — Diz para mim, onde você estava? Por que sumiu? — Foi o papai, ele me levou para casa dele... — ela diz tristonha. — Você tem um pai? — Ela me olha como se eu tivesse dito um palavrão. — Aí Urso! Todo mundo tem papai! Você não tem? — ela diz confusa.

— Não! Quero dizer, sim, eu tenho, eu... eu sei que todo mundo tem pai, eu só achei que... — Ela me olha ainda confusa. — Ah deixa pra lá..., mas por que você está aqui na minha porta? — Por que a vovó brigou comigo, ela disse que sou pivete aí me trancou no lado de fora, mas eu não sou não, e eu vim ver você, mas você não estava e eu fiquei com medo aí chorei... Sinto uma raiva tão grande que se eu fosse um babaca já tinha ido lá socar a cara daquela velha. Ainda com ela no colo, vou até a porta da sua casa e bato com força, a velha vem desesperada e abre. — O que foi? — ela diz se tremendo. — Liga para a sua filha agora! — digo gritando. — O que? — ela diz confusa. — Flor! O que você faz aí fora? Quem é esse moço? — LIGA AGORA PORRA! — Já estou transtornado e a velha percebe. Ela entra e pega o telefone, disca o número e me entrega o telefone que toca algumas vezes até a "bonita" atender. — Alô, mamãe? O que aconteceu? — Presta bastante atenção, sua filha estava mais uma vez sozinha, trancada do lado de fora porque a VELHA da sua mãe, "esqueceu" dela mais uma vez... — Ai Meu Deus, me desculp... — ela começa a falar, tentando se explicar, mas eu a corto. — CALA A BOCA! Ela vai ficar comigo, na minha casa até você voltar de viagem, mas preste bem atenção, eu acho bom essa merda não se repetir, acho bom você resolver essa porra, porque senão eu vou me meter, e se eu me meter nisso vai dar muita merda! — Desligo na cara dela. — Meu Deus eu fiz de novo não foi? — A velha diz triste. — A senhora tem que se tratar! Agora vá pegar uma roupa limpa para ela — digo espumando de ódio. Ela entra, e em alguns minutos volta com roupas limpas e a mochila dela. — Tenha uma boa noite — digo de cara feia é fecho a porta na cara da velha que me olha com certo desespero. No corredor a caminho de casa Flor olha para mim de cara amarrada. — O que foi? — pergunto a ela.

— Você falou palavão... — suspiro sem graça. — Desculpa... saiu sem querer... — Foi sem querer muitas vezes... — É foi sim, agora vamos tomar um bom banho e dormir. — Mas eu estou com fome também. — Você está sempre com fome... Vou fazer um omelete para você. — COM QUEIJO! — ela diz pulando, com os braços para cima.

Sabe o que é estar nas nuvens? Porque é exatamente assim que acordei hoje, nas nuvens... — Bom dia papai!!! — Entro na cozinha radiante. — Bom dia, flor do meu dia! — ele diz sorrindo. — O que aconteceu? De onde vem toda essa felicidade, que não via a muito tempo? — Da vida paizão... da vida .... Ele está na pia cortando alguma coisa e sorri para mim, ao ver toda a minha alegria. — Agora sai daí, eu quero fazer o seu café da manhã! — Dou uma bundada nele que levanta as mãos como se eu tivesse o rendido. — O melhor pai do mundo merece!! — Nossa, estou deveras espantado!!! — Ele solta uma gargalhada. — Deveras??? — digo já rindo da graça do dia. — Minha palavra inteligente do dia... — ele diz se achando. — Nossa, o senhor está deveras sabido no dia de hoje senhor Thomas... — falo sacudindo a faca e piscando para ele. — E por isso merece o melhor ovo mexido com queijo, bacon e torradas quentinhas na manteiga que eu sei fazer! — Quem é o rapaz? — ele pergunta desconfiado e eu tremo na base. — Oi? — Me Finjo de desentendida. — Alice!?! — Ele me olha com aquele sorriso: "Sou seu pai, eu te criei, te conheço". — Que? — Continuo a cortar o bacon, sem olhar para ele. — Quem sou eu?

— Ah não papai! — Protesto. — Quem sou eu Alice?? — Pai! Pelo amor de Deus!!! Já não sou mais criança, já tenho 28 anos, não faz isso!! — Última vez, quem sou eu? — Reviro os olhos e bufo. — É o meu papaizinho, o meu primeiro e único amor! — Levanto os braços de qualquer jeito, fingindo animação. — Isso aí! Minha menina... Agora para de fingir que não sabe do que eu estou falando, e responde. Quem é rapaz? — Aí pai fala sério! Não é ninguém, é só um amigo. — Sei... E quando eu vou conhecer o seu amigo? — Olho para ele de cara feia. — Não vai conhecer, para que você quer conhecer meu amigo? — Ué! — ele diz rindo. — Ué nada, agora vamos comer que você está muito saidinho hoje. — Para de me tratar como um velho Alice!! — Velho?? Você está na flor da idade! Acho até que deveria arrumar uma namorada! — Brinco com ele enquanto coloco a mesa. — Pelo amor de DEUS! Não tenho mais ideia para isso. — E depois eu que te trato como velho. É uma manhã de sábado linda com um sol maravilhoso, e eu não estou a fim de ficar em casa, pego meu celular e ligo para Samanta. — Fala meu doce! — Sam atende divertida. — Oie! Vamos sair? — digo animada. — Aí, devagar aí e sensível — ela sussurra para alguém. — Poxa cara eu estou ocupada hoje... — Samanta! Eca, para que atender o telefone se está ocupada? — Ué porque você é minha amiga! E amigos vem sempre em primeiro lugar!! — Ela tenta prender um gemido, e isso é demais para mim. — Aí fala sério Sam! Não precisa me colocar frente disso!! Desligo o celular e me jogo na cama, desanimada, penso em ligar para Aron, mas acho que seria idiota da minha parte. Meu celular começa a vibrar e quando eu olho meu coração chega disparar. — Oi! — digo envergonhada. — Oi Alice, sou eu Aron... Não sei se você salvou meu contato. — Salvei sim... — Então, eu estou te ligando porque tem uma pentelha aqui! — Sou

princesa! — Escuto a voz de Flor ao fundo. — Que está enchendo o saco querendo ir à praia, aí eu pensei que seria legal se você pudesse ir... Mas se você tiver compromisso tudo bem... — Ele parece perdido, e tímido. — Claro! Vou adorar, me arrumo em alguns minutos. — Está bem eu vou pedir um uber e passo aí, me passa seu endereço certinho no WhatsApp. — Ok! Até mais. Desligo o celular e corro para o banheiro, preciso ver se a depilação está em dia, tomo um banho escolho meu melhor biquíni, um preto, arrumo minha bolsa e vou até a cozinha. — Vai ser princesa de papai? — meu pai diz de deboche. — Vou sim, vou à praia — digo fazendo careta. — Com seu novo amigo? — Pai! Dá um tempo. Ele dá uma gargalhada, e eu começo fazer sanduíches, faço alguns naturais de cenoura ralada, outros de atum, outros de queijo amarelo, outros de queijo branco e uns de queijo e presunto, faço uns refrescos e coloco tudo na mochila, alguns minutos depois Aron me liga. — Oi, estou aqui embaixo, já está pronta? — Já sim, estou descendo. — Desligo o celular coloco no bolso e pego minhas bolsas — Tchau pai! Assim que apareço na porta do prédio meu coração para, não consigo para de olhar para ele. — Vamos? — ele diz sem jeito. — Vamos! — respondo indo em sua direção. — Tia Vermermelha! — Ela bem correndo na minha direção, eu a pego no colo. — Como você está linda! — Obrigada! — Me dá aqui essas bolsas. — Aron pede já levando-as para o carro. — Tudo pronto? — Tudo! — Flor e eu falamos juntas. — Então vamos lá! O caminho até a praia é divertido, vamos cantando e brincando, tinha muito tempo que não fazia essas coisas. — Urso? Você está namorando a Tia Vermermelha? — Flor solta

essa pérola, fico vermelha na hora. — Somos amigos Pirralha — ele responde sem olhar para mim. Eu fico sem graça e passo o resto da viagem olhando pela janela. — CHEGAMOS! — Flor grita ao ver o mar. Arrumamos tudo na arreia, Aron aluga três cadeiras e um guarda sol, eu estico uma canga e coloco as bolsas em cima, assim que termino vejo que Aron só está de bermuda, o que me deixa hipnotizada, ao seu lado tem uma Flor com um biquíni de joaninha. — Flor, vem aqui passar o protetor! — Ela vem de bico para mim. — O que foi mocinha? — O Urso não quer me levar na água! — Vamos passar o protetor, que depois eu levo você lá, tudo bem? — Tá bem! Passo o protetor nela e depois passo em mim, só não passo nas costas porque não consigo. — Aron? — Que? — Ele está comprando alguma coisa. — Vem passar o protetor! — Não quero. — Ele vem em minha direção com alguma coisa rosa nas mãos. — Isso é coisa de fresco. — Vem passar sim Urso! — Flor diz com seu estivesse brigando. — Da um tempo Pirralha! — EU SOU PRINCESA! — Dá um tempo PRINCESA Pirralha — ele diz dando língua para ela. — Para já vocês dois, e vem já passar o protetor! — digo firme e ele vem sorrindo. Ele fica ainda mais lindo sorrindo.

Abrindo o coração — Urso! Me leva lá no fundo! — Mas eu comprei a piscina para você ficar aqui, lá é perigoso! — Nãooo, eu quero ir lá na água, me leva lá!!!! — Ela pula parecendo uma pulga no asfalto quente. — Não — digo mantendo a calma. Alice olha para mim sorrindo. — Leva ela um pouco Aron — Alice diz com delicadeza. Não sei o que dá em mim, mas eu sorrio feito um pateta e vou, simplesmente vou. — Eba! — A Pirralha grita de alegria. Entro com ela até a água bater na minha cintura, ela dá gritinhos quando a água gelada toca em suas pernas. — Aí, aí, aí. — Ela dá uma gargalhada. — Está gelada né? — Eu falo sorrindo para ela. — Eu disse para você, sua teimosa... Ela começa jogar água em mim e eu nela, quando sinto uma mão em meu ombro direito, me vir para ver quem é, e vejo uma mulher alta magra e

loira, que não era natural, ela me oferece um sorriso forçado e eu fico olhando para ela esperando alguma reação dela que não seja me olhar como se fosse me comer. — Pois não? — falo para ver se ela ressuscita. — Ah, me desculpa... É que achei sua filha muito linda... — Ela começa a falar, e quando eu abro a boca para responder Flor é mais rápida. — Obrigada, senhora! A mulher arregala os olhos ao ouvir o "Senhora" e eu me seguro para não rir da cara dela. — Deveras ser difícil ser pai solteiro né? — A mulher diz, tentando uma aproximação. — Ah não... — eu começo a dizer, mas mais uma vez a Pirralha me corta. — Ele não é solteiro... — Flor abre um sorriso, extremamente falso. — Minha mãe está ali ô. A Pirralha se vira e acena para Alice, que sem saber o que a pestinha estava aprontando acena de volta. — Flor! — falo entre dentes olhando para ela que sorri para mim tapando a boca. — Que papai? Definitivamente, essa criança não vale nada... — Ah sim, me desculpa... Com licença. — A mulher ri sem graça e vai embora. Eu olho para Flor que não para de rir. — Você é uma pestinha! — eu falo fazendo cosquinha nela que ri ainda mais. Voltamos para a areia ainda rindo da traquinagem dela. — O que foi, do que estão rindo? — Alice pergunta. — Nada mamãe — Flor diz enquanto coloco ela no chão. — Que? Mamãe? — Alice arregala os olhos e olha para mim confusa. Eu me sento ao seu lado, e a Pirralha pega seu balde com a pá e vai brincar na areia. — Ela está zoando você, na verdade ela aprontou lá na água... É só brincadeira. — Dá para ver o alívio tomar conta dela. — Hum, Alice... eu queria conversar com você sobre o que aconteceu naquela noite... — Para Aron, não precisa... — Ela me olha nos olhos, e eu vejo que realmente não precisa. — Eu sei que você ainda não superou a perda da sua

mulher... Nunca pensei que um dia eu estaria sentado na praia, conversando com uma mulher linda, compreensiva e com uma Pirralha que nem é minha. — E eu jamais pensei que beijaria outro homem... — Eu olho para ela e sinto vontade de abraçá-la, mas me contenho. — Por que a Flor está com você? — Porque a irresponsável da mãe dela, deixou a garota com a avó de novo e a velha mais uma vez, trancou ela do lado de fora! — Só em ter que falar sobre isso a raiva volta com tudo. — Meu Deus Aron, você já parou para pensar que é muito difícil para ambas? A mãe dela tem que trabalhar, ela é sozinha! E a avó dela não tem mais culpa de estar doente! — Ela me chama a atenção, e eu sinto vergonha da minha atitude. — Eu não pensei nisso... — falo baixo. — Eu vi, por que você não tenta ajudar ao invés de só brigar e criticar? — Como eu posso ajudar? Eu sou um babaca Alice e babacas não ajudam. — Ela me dá um tapa no braço. — Ei! Para com isso! Então me explica o que voce fez lá no MyBallet? E o que você está fazendo tomando conta da Flor? — Eu fecho os olhos cansado. — Eu... não sei! — Abro os olhos e olho para ela. — Eu ajo no impulso Alice... Só penso depois, e quando penso... — Eu estou com fome Urso. — Flor vem reclamando. — Eu trouxe sanduíches — Alice diz se levantando e indo até as bolsas. Passamos um dia muito bom, e em um rompante acabei chamando Alice para jantar. — Você vai levar a Tia Vermermelha para comer? — A Pirralha me pergunta ao me ver arrumado. — Vou. — E eu vou também? — Ela me olha forçando um sorriso. — Não, você já jantou. — Ela fecha a cara. — E agora você vai para casa, dormir. — Mas eu não quero ir para casa, quero ir com você! — Mas você não tem o que querer. — Eu pego suas coisas e a levo

até sua casa. — Agora boa noite e até amanhã. Eu bato na porta e a velha abre, fica feliz em ver a neta, pega ela no colo e antes de entrar passo as instruções. — O que você vai fazer se a velh... sua avó esquecer você? — pergunto para ela entregando um celular velho que eu tinha. — Vou apertar esse botão. — Ela aponta para o número dois. — Isso! Agora boa noite. — Boa noite Urso, e casa com a tia Vermermelha — ela diz se deitando no ombro da avó que sorri para mim. — Não fala besteira Pirralha! Boa noite velha — eu digo fechando a porta. Como não tenho carro, chamo um uber e vou buscar Alice que já estava me esperando na frente do apartamento, está linda com uma calça jeans clara, uma blusa de seda vermelha seus cabelos escuros soltos. — Boa noite Lutador... — ela diz com um sorriso encantador. Boa noite Bailarina... Você está linda. Dou um beijo em sua testa, e ela fecha os olhos, o toque dos meus lábios, seu cheiro me faz não querer sair de perto dela, dou mais um beijo em sua bochecha e ela sorri. — Você também está lindo — ela diz olhando para mim, e é o suficiente para que eu lhe roube um beijo.

— Onde vamos Aron? — Alice me pergunta sem jeito. — Comer... — respondo fazendo ela sorrir, sinto meu coração acelerar. — Eu sei! Queria saber em que lugar. Seu cabelo cai em seu rosto e num impulso dou um passo em sua direção e coloco a mecha atrás de sua orelha. Obrigada — ela diz, e eu me sinto meio idiota. — Estou me sentindo um adolescente. Vem vamos logo. Seguro em sua mão e ela sorri, por alguns segundos me sinto mal por estar aqui e não em casa sofrendo pela Mari, me sinto traindo-a, e uma tristeza toma conta de mim, olho para a janela tentando disfarçar a minha tristeza momentânea. Sinto que Alice não para de olhar para mim, e tento disfarçar sorrindo

para ela, mas parece que ela me conhece mais do que eu pensei. — Sabe, também não está sendo fácil para mim estar aqui Aron, eu gosto da sua companhia, me sinto bem ao seu lado, mas ainda não superei o que passei com Thiago... — Ela não me olha e isso me incomoda. — Você é o primeiro homem que deixo chegar tão perto. Me sinto um babaca sem tamanho, eu estou colocando minhas cicatrizes a frente das dela, me viro e vejo que ela está encolhida no canto do carro olhando para o nada, com o pouco de delicadeza que me resta me aproximo dela, faço um carinho em seu rosto e viro ele para mim, seus olhos estão úmidos. — Vou te fazer uma promessa, essa noite vamos deixar nossos fantasmas de lado e vamos nos conhecer melhor, tudo bem? — Ela sorri e eu me sinto "o cara". — Ok... Saio do carro, dou a volta e abro a porta para ela, que estende a mão para segurar a minha, o calor da mão dela na minha faz meu coração se aquecer, e uma paz toma conta de mim. Um sorriso se forma em meu rosto sem que eu perceba, dou o braço para Alice segurar e ela o faz. — Frutos do Mar? — Alice pergunta sorrindo. É... Por quê? Você tem alergia? — Olho para ela já achando que tinha feito merda. — Droga eu devia ter perguntado, não devia ter tomado a frente da parada. É que eu não queria te levar para um podrão da vida e... — Aron? — Ela é calma e sorri ainda mais com o meu surto. — Oi? — Paro de falar e olho para ela. — Você tem que respirar um pouco, eu adoro peixe... Tenho alergia a camarão, mas não quer dizer que não coma os parentes dele... — Dou uma gargalhada, e sinto um alívio por ter dado uma dentro. — Que bom... Entramos no restaurante e logo um garçom vem nos atender, ele nos leva até a nossa mesa que fica ao lado da janela, a vista é linda o restaurante é de dois andarem e estamos no segundo, as luzes acesas dá a impressão de um céu cheio de estrelas, puxo a cadeira para Alice sentar e depois me sento. — Você é sempre educado assim? — ela diz pegando o guardanapo. — Um dia eu fui, o meu eu de verdade é bem diferente desse que você vê. Eu decidi esconder ele já que se educado não serve de nada quando se não tem como quem ser educado... — Claro que tem, as pessoas ao redor não precisam ganhar todo dia

uma dose diária de pata do urso... Só porque você acha que não vale a pena ser educado com os outros. É impressionante como não fico puto com os esporros que ela me dá sempre que estou errado. — É — respondo sem graça. — Você é uma pessoa linda Aron, e não é só por fora — ela diz com gentileza. — Você acha que a sua esposa iria gostar da pessoa que você se tornou?? Sinto uma facada em meu peito ao ouvir essas palavras, ela fala comigo como Marina falava. — Desculpa Aron, sei que mal nos conhecemos e não tenho direto de me meter em sua vida, mas é que... — Eu seguro em sua mão e ela para de falar. — Não se desculpe, a oito anos me fechei para o mundo e hoje você é a única pessoa que meu coração deixou entrar... — Ela fica vermelha e eu me sinto feliz por estar ali, pela primeira vez. — Senta do meu lado? — ela diz com uma cara engraçada. — Claro! Pego minha cadeira e coloco ao lado dela, que abre um sorriso ainda maior. O garçom chega anota nossos pedidos e depois de um tempo chega nossos pratos, a noite passa rápida e logo estamos indo embora do restaurante. — Alice? — Sim? — ela diz olhando o céu. — Você já viu céu Aron? — Não... — Estou olhando para ela, e nem reparei no céu. — Mas não deve estar tão bonito quanto o que eu vejo agora... — Ah é? E o que você está vendo agora... — Ela vira para mim e sorri quando percebe que o que eu vejo é ela. — Me pergunto como você conseguiu esconder essa pessoa linda por tanto tempo... — Não foi fácil, vamos andando? É bom para a gente ir conversando... — Vamos! Quero conhecer o que mais você esconde por de baixo dessa máscara de mal! Então é só perguntar, o que você quer saber? — digo segurando em sua mão. — Uau! Posso perguntar o que eu quiser? — ela diz com cara de

curiosa. — Pode sim, mas sabia que também vou perguntar. — Tudo bem... — Ela franze a testa pensativa e fica ainda mais linda. — Ah! Já sei... Qual a sua cor preferida? — Preto. Mas não vou te perguntar a sua porque já sei. — Ah é? E qual seria? — Vermelho! — Verdade. Então me diga uma coisa que poucas pessoas sabem sobre você?! — Olho pra ela pensativo. — Tá bem, mas você não pode contar pra ninguém, esse é um segredo que somente uma pessoa sabia. — Pode dizer, seu segredo estará seguro comigo. — Ok, um dia eu amei o Natal...

A caixinha — E por que você não gosta mais do Natal? — Olho para ele e logo me arrependo de ter perguntado. — Tudo bem, não precisa responder... — Marina amava o Natal, e eu adorava ser do contra... Ela morreu uma noite antes do Natal... — Sua expressão é de um menino de cinco anos, que tenta ser forte na hora da vacina e mesmo sabendo que está doendo, diz que não. A partir de hoje também não gosto do Natal... — digo sorrindo. — É só mais um dia, um que se gasta dinheiro! Ele me olha e ri e eu me sinto feliz por conseguir tirar um sorriso dele. — Também tenho um segredo para te contar. — digo para ele e me olha intrigado. — Então diga. — Tá bem, mas promete que não vai me chamar de louca? — Ele faz que sim com a cabeça. — Tá, eu sonhei com você antes de te conhecer... Quer dizer, com os seus olhos. Ele para é olha para mim confuso.

— E isso é possível? — Não sei, mas juro que aconteceu. — Eu acredito em você — ele diz sorrindo com carinho. — Por que você se envolveu com aquele cara? — Essa é uma história complicada... Não sei se você vai querer saber, vamos deixar para o próximo jantar? — E haverá um próximo jantar? — ele me pergunta com uma sobrancelha arqueada. — Espero que sim... — Sabe que eu também? Ele para e se vira ficando de frente para mim, com muito cuidado ele coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, e eu fecho os olhos ao seu toque, sinto seu rosto se aproximar do meu, sua respiração quente no meu ouvido me faz arrepiar. — Obrigado pela noite, pela conversa, e por ter entrado na minha vida... — Sinto um cheiro doce e tento abrir os olhos, mas não consigo. — Espero que você também tenha gostado... Ele sussurra em meu ouvido, todo o meu corpo está arrepiado, abro a boca para responder e um som estranho escapa dela, sinto uma vergonha tomar conta de mim, mas ele parece nem notar, ele dá um passo para trás e eu o abraço forte. — Obrigada você... — digo baixinho. Quando enfim consigo abrir os olhos vejo que ele segura uma flor na mão, e eu a pego colocando no cabelo. — Tenho que te confessar uma coisa Aron... — Desde o dia que estive no apartamento dele estava com isso engasgado. — Pode dizer! — Eu respiro fundo tomando coragem. — Lembra o dia que dormi na sua casa? — Começo ainda sem coragem. — Claro que lembro, o que tem? — Bom... Então eu abri uma gaveta e nela tinha um caixinha... uma caixinha velha e conservada. — Conforme vou falando ele vai mudando suas feições. — Aron me desculpe, mas eu abri a caixinha, eu me arrependi depois de ver o que tinha dentro, eu juro que não foi minha intenção e que eu devia ter lhe contado assim que eu fiz, me desculpa... Vejo seu semblante mudar, ele fica triste e distante, e eu me sinto uma vaca, por ter feito essa merda, ele respira fundo e olhando para o chão começa a falar.

— Era uma noite de chuva, e a minha esposa Marina queria muito que a gente passasse o Natal em casa com a família, a gente estava viajando, e eu disse que seria melhor ir no outro dia de manhã, mas ela está muito empolgada, porque era véspera de Natal e ela tinha planos, eu sempre fiz todas as vontades dela, eu a amava e tudo o que eu queria era a sua felicidade, era ver aqueles sorrisos em seu rosto... — Ele está distante e eu sinto meu coração apertar, um nó se forma em minha garganta. — É foi aí que eu errei, eu me distrai no volante e acabei batendo o carro, não me lembro de muita coisa, só de flashs, e quando acordei eu não tinha mais ela, só me restou aquela caixinha, uma enfermeira me entregou e disse que Marina estava segurando ela quando a levaram... Ele tenta não chorar, e eu também mais eu não consigo, sou fraca demais. — Dentro da caixinha tinha um bilhete, e eu quis morrer quando o abri... — Ele continua contanto. — Ela queria me fazer uma surpresa, ela... eu fui tão idiota, tão babaca, eu devia ter morrido não ela, não era para ser assim... Eu o puxo para mim, um abraço apertado, e ele se deixa ser cuidado. — Me desculpa Aron, não precisa... não precisa falar, está tudo bem, me perdoa eu não devia ter mexido em nada nem ter tocado nesse assunto... — Eu matei, matei ele... Alice, ela estava grávida... era o nosso bebê e eu os matei... Ele chora em meus braços e eu me sinto a pior pessoa desse mundo. Eu o levo para casa e deito ele na cama, ele parece em choque ou simplesmente se desligou, e eu o entendo, mando uma mensagem para papai avisando que não vou para casa, essa noite Aron é quem precisa de mim e eu estarei aqui para ele.

Ver ele nesse estado me corta o coração, me xingo por ter tocado nesse assunto, por ter mexido nessa bosta de caixinha, por ter feito ele chorar, por trazer esse passado à tona. Entro no quarto, ele está deitado de costas para a porta olhando pela janela, o quarto está escuro e só a luz da lua clareia o ambiente, ele continua imóvel e em silêncio, coloco a panela na cabeceira da cama e me deito ao seu

lado olhando para o teto, eu sei que ele está acordado, mas não quero tocar nele, nem falar mais merda então eu fecho os olhos, respiro fundo e começo a falar. — Depois de perder o que eu mais amava, que era dançar, eu me recusei a sair de casa, me recusei a ter amigos porque pensava que eles só sentiam pena de mim, todos começaram a me tratar como se eu fosse uma boneca de porcelana que ia quebrar a qualquer toque, um dia me deu uma louca e eu fugi... andei mancando sem rumo por horas até parar em uma praça, foi nessa dia que conheci o Thiago, no começo ele era tão doce e gentil, me trava como uma princesa, me ajudou na fisioterapia, me dava apoio... Sinto minha garganta arder, mas ainda sim seguro o choro, só de lembrar o que passei com Thiago me dá medo, sinto as dores voltar. Olho para o lado e vejo Aron me olhar fixamente. — Assim que nos casamos ele mudou da água para o vinho, um dia fui ao mercado, ele estava trabalhando quando cheguei em casa ele já estava, foi horrível... Eu mal coloquei os pés em casa e ele veio para cima de mim transtornado, ele me encurralou na porta e eu entrei em desespero... — CHEGA! — Aron grita me assustando. — Não quero mais ouvir, na verdade não quero que você lembre disso.... Como pode alguém ser assim... Ele levanta da cama e eu fico ali sentada olhando para ele, que acende a luz e fecha a janela lá, pois está vetando muito. — Desculpa Alice, não quis te assustar, mas eu fico puto com essas porras como alguém pode fazer isso com uma mulher? Filho da puta! — Dá para ver a raiva em seu rosto. — Tudo bem Aron está tudo bem, eu já superei isso — digo mais para mim do que para ele. Ele continua de pé olhando para mim, um Aron puto e sem camisa, me olhando de um jeito que não consigo decifrar. — Vem cá, senta aqui eu fiz brigadeiro quer? — Pego a panela que estava na cabeceira da cama e coloco na minha perna. — Brigadeiro? — ele diz com uma sobrancelha arqueada, eu faço que sim com a cabeça. — Eu adoro chocolate! Ele se joga na cama ao meu lado me fazendo dar um gritinho de surpresa, ele pega uma colher e sorri para mim. — Está bem gostoso — ele fala balançando a colher.

— Obrigada! — Assim que coloco a colher na panela para pegar mais, um trovão estrondoso me faz gritar e pular no colo dele. — MERDA! Merda, eu odeio essa bosta! — Eita! Calma, eu estou aqui... — ele diz me abraçando forte e rindo da minha cara. — Ei, tenho pavor disso!!! — Mais um trovão cai, e eu me escondo no pescoço dele. — Eu, droga!!! Porque tem que chover com essa porcaria!! — Medrosa! É só barulho... — Ele me abraça ainda mais forte. — Não!!! Fico ali no colo dele esperando para ver se mais algum trovão vai cair, mas nada acontece, então volto para a cama, ele me olha com uma cara triste e eu fico envergonhada por ter ficado no colo dele, então para quebrar o clima estranho que se formou, começo a falar. — Quando eu era pequena queria ter um cachorro, mas minha mãe nunca deixou. — Pego mais um pouco de brigadeiro. — Você já teve cachorro? — Já, era um vira-lata se chamava Bidu, mas ele fugiu um dia e nunca mais voltou. — Tadinho, você é muito ligado aos seus pais? — Ele me olha estranho e eu me arrependo de ter perguntado. — Se não quiser, não precisa falar. — Não, tudo bem... Já fui, mas depois de tudo que aconteceu, eu me distanciei — ele fala meio triste. — Você sente falta deles? — Às vezes, na verdade já me acostumei a ficar sozinho. — Ele pega mais brigadeiro e sorri sem graça. — E a Flor? — O que tem ela? — ele diz de boca cheia. — Ah não sei, você com ela é tão bonitinho, você cuida dela, e fica tão fofo... — Ele ri. — Ah, a Pirralha consegue me trazer uma alegria espontânea... Ela me cativou, sem eu sentir. — É verdade, é bonito ver vocês juntos. — É, eu até gosto dela. A chuva cai forte lá fora, e o frio começa a incomodar. — Aron me arruma uma meia? — Claro! — Ele se levanta e vai até o armário pega um par de meia e

me entrega. — Essa é nova, pode ficar tranquila não tenho chulé. Ele ri, e eu não aguento e caio na gargalhada também. Terminamos o brigadeiro, me levanto para ir levar a panela de volta para a cozinha, olho no relógio e já passa das duas da madrugada. Volto para o quarto e encontro uma cama arrumada no chão, e a cama dele também pronta. — Aron eu durmo no chão — falo já indo me deitar. — Claro que não, eu que durmo — ele fala de cara feia. — Não adianta me olhar de cara feia, já sei que é tudo faixada! — Ele sorri, como que vencido. — Sério Alice, não posso te deixar dormir no chão, deixa de ser teimosa! — Então ninguém dorme no chão. — Eu me jogo na cama e olho para ele que está pensativo. — Vem se deitar aqui do meu lado, essa noite vai ser fria é bom que a gente se esquenta. — É melhor eu dormir aqui Alice — ele fala apontando para o chão. — Aron, deixa de bobeira! Não vou te agarrar a noite, nem estou te pedindo em casamento! Só não quero que você durma no chão frio, eu vou colocar uma parede de travesseiros aqui no meio. — Começo a fazer um montinho. — Está bom para você? Ele sorri sem graça e coça a cabeça ainda pensando, mas depois se dá por vencido, apaga a luz e se deita, eu me deito afastada dele e do montinho. — Boa noite Bailarina — ele diz. — Boa noite Lutador. — Assim que fecho meus olhos um trovão estrondoso cai. Dou um pulo e quando vejo já estou agarrada nele novamente. — Aí... Desculpa Aron assim que passar eu volto para o meu lugar... — Ele me abraça forte e se ajeita na cama. — Está tudo bem, pode ficar aqui... — Sua voz é meiga e me faz olhar para ele. — Obrigada... — digo num sussurro. Ele me olha e mesmo no escuro posso ver aquele mar azul dos seus olhos, seu cheiro é bom e me faz chegar mais perto, me aperta ainda mais em seu corpo quente, eu envolto sua cintura com meu braço direito, ele encosta sua testa na minha, sua respiração e forte, eu fecho os olhos para sentir seu cheiro, ele me dá um beijo leve, eu levo minha mão até seu rosto e ele intensifica o beijo me puxando ainda mais para ele, um gemido fraco escapa

da minha boca e ele me beija com mais fervor.

Uma noite intensa O corpo dela é quente, sua boca é macia e me leva a loucura, nesse momento não consigo pensar em mais nada a não ser o corpo dela, cada detalhe dele, em cada curva, sua pela branca me excita, ela me olha com desejo, e eu? Correspondo a altura... O quarto é escuro, mas não tão escuro assim, na medida certa. Ela responde a cada toque meu, deslizo minhas mãos por todo o seu corpo, quero conhecer cada detalhe dela, quero saber seus pontos fracos, tenho certeza de que ela nunca foi tratada assim, nunca foi desejada de verdade, mas hoje será diferente, hoje vou mostrar para ela o que é ser desejada, o que é ser ama, o que é uma foda de verdade. A cada toque meu ela geme me fazendo perder o controle sobre meu corpo, minha ereção aperta minha bermuda, e a sensação que tenho é que vai rasgar minha bermuda, tento manter o controle e invisto em seu pescoço dando beijos leves e mordidas, mas em um movimento rápido, Alice me joga na cama e sobe em cima de mim, minha visão dela é perfeita, seus cabelos bagunçados e um sorriso safado, ela tira a blusa (que por acaso é minha) e eu percebo que todo esse tempo ela estava somente com ela e uma calcinha

preta. Meu pau vai a loucura e Alice percebe, ela morde o lábio inferior e olha para mim sorrindo, eu seguro em sua cintura e coloco ela sentada em cima do meu pau, que protesta por estar preso ainda dentro da minha bermuda. — Parece que tem alguém querendo sair... Ela diz deslizando seu dedo indicador do meu pescoço até o elástico da minha bermuda, ela para, olha para mim, eu tento tirar a calça mas ela empurra a minha mão, e com delicadeza ela enfia a sua mão dentro da minha bermuda, meu pau só falta falar de alegria, ela liberta o pobrezinho e sem que eu esperasse enfia tudo dentro da boca, solto um gemido tão alto que me sinto uivando, jogo minha cabeça para trás e com a mão direta seguro no cabelo dela para ajudar com o vai e vem da sua boca quente e gostosa, ela chupa lentamente me deixando ainda mais excitado. — Puta que pariu! — falo baixinho, e ela se empolga e vai mais fundo e aumenta a velocidade. O tesão me enlouquece, puxo ela para mim e a jogo na cama, ela me olha com luxúria, dou um sorriso para ela e sem aviso entro com tudo dentro dela que grita de prazer, a cada estocada ela vai ao delírio, fala meu nome é vai me deixando ainda mais louco de desejo. Não sei se é o fato de estar a oito anos sem ninguém, ou o fato dela ser muito gostosa que me leva ao delírio. — Aron... Ataco sua boca com um beijo voraz, sinto seu corpo chegar ao ápice, aumento a velocidade, sinto suas unhas entrar em minhas costas e mais uma vez ela chama meu nome. Me jogo na cama ao lado dela, com um sorriso bobo nos lábios, ficamos em silêncio por um tempo até Alice o quebrar. — Isso foi muito bom... — Olho para ela e sinto uma sensação estranha ao ver que ela não corresponde o olhar. — Foi sim, diria até que foi ótimo. — Volto a olhar para o teto. — Foi sexo casual? — Sinto que agora ela olha para mim. — Não sei... Foi sexo, bom, você se arrependeu? — Já sinto o peso da merda que fiz, ao terminar essa frase. — O QUE? EU... EU O QUE? Ela se senta na cama e cruza os braços, está escuro, mas tenho certeza que a cara dela não é de contente. — Aron, você se arrependeu? — Eu? Claro que não... Eu só pensei... — Me sento ao seu lado. —

Desculpa, não quis passar isso, fui um idiota. — É melhor eu ir embora e fingir que nada aconteceu. — Ela se levanta e eu sinto um puta aperto no peito. — Não Alice, não vai embora. — Me levanto e acendo a luz. Ela é ainda mais linda pelada, e meu pau que ainda estava duro, acaba de ficar mais. Ela me olha, e depois olha para o meu amigo. — Você gozou? — Sua pergunta me faz dar um passo em sua direção. — Eu acho que foi um erro, não devia ter perguntado nada... Eu a agarro e ela deixa ser agarrada, em instantes estamos na cama e dessa vez quem vai gozar sou eu. Acordo com um cheiro bom vindo da cozinha, me levanto coloco uma cueca e vou atrás do cheiro que que faz minha barriga roncar, encontro uma Alice dançando ao som de Ed Sheeran, enquanto frita alguma coisa. — Bom dia! — digo sorrindo. — Bom dia Urso!! — Dou um pulo de susto ao ver a Pirralha ao lado de Alice. — Puta que... Mas o que você está fazendo aqui tão cedo?? — Eu vim tomar café com você, ué! Aí a Tia Vermermelha abriu a porta. — Bom dia Urso! — Alice diz sorrindo. — Eu já volto! — Volto para o quarto, preciso colocar uma roupa. Quando volto para sala encontro uma mesa com muitas coisas, bolo, suco, pão, geleia, manteiga, ovos mexidos, bolinho de chuva e café. — Nossa que delícia, eu adoro bolinho de chuva! — digo me sento a mesa. — Urso? — A Pirralha me chama. — Que? — Tomo um gole do suco de laranja. Você se casou com a tia Vermermelha? — Me engasgo com o suco e começo a tossir. Alice fica vermelha como um tomate, e vem me acudir batendo nas minhas costas. — Não, não a Tia não se casou com o Urso, Flor — ela diz meio nervosa. — Somos amigos, só isso... — Começo a falar quando ela me solta outra pérola. — Ué, amigo dorme pelado? — Ela faz cara de nojo. — Não quero

mais ser amiga do Bruno... — NÃO! Meu pai amado... Ninguém dormiu pelado criança! — falo desesperado, olhado para ela e dela para Alice que cobre o rosto com as duas mãos, não sei se rindo ou com vergonha. — E quem é Bruno? — Oxi, Bruno é meu amigo da escola... — ela diz mordendo o bolinho de chuva. — Amigo beija na boca? — Ave Maria! — eu digo colocando a mão na testa. — Vem Flor, me ajuda a arrumar a cama, deixa o Urso tomar o café dele. — Alice e salva. — Tá bem! — ela diz pegando mais um bolinho e arrastando seu elefante pela orelha. — Tia Vermermelha? Você vai morar aqui agora? — Não Flor, só estou aqui ajudando o Urso — ela diz olhando para mim de rabo de olho. — E a propósito, amigos só se beijam na bochecha... — ECA! — ela diz.

Fico ali sentado olhando para o nada, só curtindo a minha manhã que começou até que bem, termino o café, tiro a mesa, guardo tudo e lavo a louça, vou para o quarto ver o que elas estão aprontando. — Mas se você casar com ele vai ser bom, ele é triste e fica muito sozinho... E essa casa precisa ser arrumada, ele não arruma a coisas, a Tia da minha escola disse que tem que arrumar as coisas... — Fico em pé na porta ouvindo a conversa, Flor está ajudando a Alice com os travesseiros. Mas porque você acha que eu vou me casar com ele Flor? — Alice pergunta. — Porque ele cuida de você, e ele ri quando você está junto... E tem vez que é até educado... — Hum esse é um bom argumento, agora vamos deixar disso e... — Alice para de falar quando me vê em pé na porta. — E aí meninas já acabaram? — falo fingindo não ter escutado a conversa. — Já sim Urso, agora vamos ver TV? — Eu pensei em ir à praça, já que não fui correr nem malhar...

— Eba! — A Pirralha começa a pular feito doida. — Urso quando você se casar com a Tia Vermermelha, posso vir morar com vocês? Fico sem reação, olho para Alice que por sua vez olha para mim, e não sei o que dizer. — Mas Flor meu anjo, você tem a sua mãe e sua vó... — Mas eu posso ter duas casas, e eu posso ter duas mamães... Ah e o Urso pode ser meu pai! — ela diz feliz e eu sinto minha barriga dar uma volta de 360° — Vamos para rua por favor???? Não aguento mais esse papo de maluco!!! — Estou desesperado, pego uma roupa no armário e vou para o banheiro. Meus planos de ir à praça vai pelo ralo, quando abro a janela e vejo que ainda chove. — E agora Urso? — A Pirralha pergunta triste. Não sei... — Podemos jogar um jogo, ou ver filme? — Alice sugere. — Eba! Quero ver a branca de neve!!! — A Pirralha grita. — Ninguém merece... — reclamo. — Eu faço pipoca! — Alice diz levantando a mão. — Mas primeiro preciso ir em casa trocar de roupa. — Eu te levo — falo indo até o encontro dela. — Não precisa eu vou rapidinho, já chamei o carro, fica aqui com a Flor e vai escolhendo o filme que eu volto logo. Faço uma cara de contrariado e a levo até porta, ela se despede da Pirralha e eu abro a porta para ela. — Te levo até o elevador. — Olho para a Pirralha, que está sentada vendo desenho. — Ou eu já volto, não sai daí! — Tá bom! — ela diz sem olhar para mim. Acompanho Alice até o elevador, ela aperta o botão e olha para mim. — O bolinho de chuva estava muito bom... — Começo a dizer, e ela sorri. — Não precisa disso, já até esqueci a conversa de ontem... — E o sexo também? — As palavras pulam da minha boca e automaticamente Alice fica vermelha e coço a nuca sem graça. — Quer dizer... — Com toda certeza essa é a parte que não vou esquecer.

— Porra, acho que fiquei tempo demais sozinho. — Ela dá uma gargalhada. Prometo que não ficará mais. Ela dá um passo em minha direção, coloca sua mão em meu rosto e me beija, eu passo meus braços em sua cintura e puxo ela para mim, não sinto vontade de soltá-la, quero que ela fique exatamente onde está, com sua boca colada na minha e seu corpo colado no meu. — Juro que se não estivesse precisando mudar de roupa, não ia sair daqui tão cedo... — Sentir seu cheiro me deixa doido, sinto vontade de pegála no colo e levar de volta pra minha cama. — Tenho várias blusas lá em casa, e não sou egoísta... — Dou mais um beijo nela. — Divido com você de boa... — Mas acho que suas cuecas não iam ficar legais em mim... — Faço uma cara de espanto. — Eu discordo... — Ela sorri e me rouba outro beijo. — Se bem que por mim você nem precisa de calcinha.... — Aron! — Ela finge espanto e me dá um tapa de leve no braço. — O senhor é bem saidinho... — Você ainda não viu nada... — Dou um sorriso. O primeiro sorriso verdadeiro. — Você é ainda mais lindo sorrindo, quero te ver sempre assim. Para a minha tristeza o elevador chega e ela se vai embora. Vou andando devagar em direção ao meu apartamento, quando escuto um choro vindo de uma porta entreaberta, vou chegando perto e vejo a avó de Flor sentada numa cadeira chorando. — O que aconteceu? — pergunto para ela que me olha limpando as lágrimas. Estou tão cansada... — Sua voz é trêmula e triste. — Essa doença... Essa vida... Minha cabeça... Não aguento mais isso, eu não era assim, não era ... — Calma, a senhora está bem? — digo tentando confortá-la. Ela me olha confusa, e eu vejo que é a primeira vez que a trato bem, nesse momento vejo o bem que Alice está me fazendo, mas, ao mesmo tempo, sinto medo do que estar por vir. — Não... Não estou bem! — ela começa a dizer. — Eu tenho uma filha, mas não lembro dela, nem do seu nome. Tenho uma neta e não sei onde ela está, porque essas coisas acontecem?

Eu não tenho explicação, não sei o que dizer não conheço essa doença, não sei do que ela é capaz... Nesse momento a velha volta a chorar compulsivamente, e eu sinto que preciso abraçá-la, então é isso até faço. — Vai ficar tudo bem... — Ela retribui o abraço. Volto para casa e encontro a Pirralha dormindo no sofá, a pego no colo e levo ela para a cama, essa criança não aguenta acordar cedo. Estou sentado no sofá, depois de um dia cansativo, a cena da velha chorando não sai da minha cabeça, preciso fazer alguma coisa. Alice está dormindo com a cabeça no meu colo, suspiro e fecho os olhos, a imagem de Marina vem a minha mente e com ela uma ideia, dou um pulo do sofá acordando Alice. — Aí! O que foi?? — ela diz se sentando assustada. — Eu já sei o que vou fazer. — Do que? Para ajudar a velha, quer dizer a avó da Pirralha!!! — Estou eufórico. — Jura? O que? — Dou um sorriso travesso e vou até meu quarto.

Realizando sonhos Vou atrás dele que corre feito doido, ele vai até o armário, abre algumas gavetas a procura de alguma coisa, me sento na cama e fico olhando-o revirar as gavetas. — Achei! — ele diz sacudindo algo colorido. — O que é isso? Vem aqui, preciso da mesa. — Ele corre de volta para a sala, e lá vou eu atrás dele. Encontro ele sentado à mesa com algumas canetas jogadas em cima da mesa. — Aron, qual é a ideia? — pergunto curiosa, me sentando ao seu lado. Ele se vira para mim e pela primeira vez vejo algo em seu olhar que me faz sorrir. — Está bem! Presta atenção, uma vez vi em um filme uma mulher que tinha a mesma doença da avó da Pirralha, e ela fazia uma coisa que a ajudava a lembrar das coisas. — Ele está animado e feliz, me pergunto se ele já reparou que a tristeza está o deixando. — Então vou fazer a mesma coisa!

— Nossa que legal! — Me empolgo com a ideia, que ainda não sei direito qual é. — Mas o que era? — Ah é verdade não falei, então ela colava papéis no guarda roupa e sempre ia lá ler e se lembrar, só que com a avó dela? Vou espalhar pela casa, todo dia antes de ir treinar, passo lá e atualizo os papeis, também pensei em conversar com a mãe da Flor para ela pagar um transporte para buscar ela na escola e levar ela para o Ballet, e eu posso buscá-la no Ballet e trazer ela para casa! Ele está tão empolgado e eu fico tão feliz. Ele pega todos os papeis coloridos que tem em casa e começa a escrever: "Você tem uma neta", "O Nome dela é Flor", "Ela tem três anos", "Sua filha é aeromoça", "Flor fica com você, enquanto sua filha trabalha", " Flor estuda, ela vai de condução para a escola", "Você só tem que buscá-la no ballet", "Ela sai às 17h"... Eu fico ali encantada com todo o empenho dele, com toda a sua alegria e energia, ele fica sentado por um bom tempo, vou até a cozinha faço uns sanduíches, suco e levo para ele, puxo uma cadeira e me sento ao seu lado e assim passamos o resto do dia. Meus dias com Aron tem sido muito interessantes, a cada dia ele me surpreende mais, descubro mais sobre ele a cada momento, claro que não fico enfiada na casa dele todo dia, e o sexo só rolou daquela primeira vez, não por falta de vontade acho que mais por respeito um pelo outro, claro que a tensão entre nós dois é muito alta, e óbvio que os amassos são quentes, mas passamos mais tempo conversando e saindo, acho que nós dois nos privamos muito do mundo e agora estamos correndo atrás do tempo perdido. Mais um dia de trabalho, mais um dia de dança, e o coração na boca pois o concurso é amanhã. — Bom dia meninas!! Hoje teremos ensaio geral, não esqueçam. — Bom dia Ali, qual o motivo de tanta alegria? — Samanta pergunta sorrindo. — O motivo é a vida!!! — digo sorrindo. — Sei!! Volto do almoço e vou direto para minha sala, arrumar para o ensaio geral. Escuto um falatório vindo do lado de fora, vai aumentando e ficando cada vez mais forte até chegar na minha porta, alguém bate na porta e, como estou alongando, grito para a pessoa entrar.

— Pode entrar! — Cheguei!!! Tia Vermermelha!! — Flor entrar gritando e pulando como de costume. Oi Flor!! — Ainda estou de costas me levantando, quando olho para trás meu coração para de bater. — Oi. — A voz dele é meiga e doce, e sua cara barbuda sorri ao ver minha cara de espanto. — O que você faz aqui Aron? — Estou envergonhada, me sinto uma adolescente. — Eu vim trazer a Pirralha hoje — ele começa a dizer, e percebo que ele está com as mãos para trás. — Aí aproveitei para te trazer um presente... — Ah tia é um presente lindo mesmo!! — Flor fala animada. — Ah não Aron o que você está aprontando??? — digo nervosa colocando as mãos na cintura. — Você vai gostar, fecha os olhos... Fecho os olhos nervosa, ele pede para que eu estique os braços e me entrega uma caixa grande e pesada, eu começo a apalpar até ouvir um barulho vindo de dentro da caixa. — Aí meu Deus, o que é isso?? — Abre os olhos — ele diz e eu abro. A caixa tem vários furinhos, e é um pouco maior que uma caixa de sapatos, olha da caixa para Aron e dele de volta para caixa, e com cuidado abro a caixa e tenho uma linda surpresa. — Aí mentira! — digo com os olhos cheios de lágrimas. — É verdade sim — ele diz com um sorriso de orelha a orelha. — É um cachorrinho Tia Vermermelha!!! — Flor diz correndo em minha direção. — Ele não é fofo???? Não tenho palavras olho para aquele bicho tão lindo e começo a chorar. — Aron!!! — Coloco o cachorro no chão e corro para ele que abre os braços para me receber. — Obrigada! Não acredito que você me deu um cachorro! — Gosto de realizar sonhos — ele diz sorrindo e chega perto do meu ouvido e sussurra. — E desejos também... — Bom saber... — digo sorrindo. — Eu posso brincar com ele? — Flor pergunta. — Claro que pode! — Volto minha atenção para Flor e o cachorro. —

Você me ajuda a dar um nome para ele? — Ajudo! — ela diz batendo palmas. — Jujuba? Não, não acho melhor Bis! — Bis? — falo achando graça. — É! Aquele chocolate, ele parece um biscoito!!! Pode ser Bis? — ela pergunta inclinando a cabeça para a esquerda. — Pode! Eu adoro bis! Ficamos brincando por um tempo com o cachorro enquanto Aron observa encostado na parede, um tempo depois Samanta aparece. — Ali, já está na hora do ensaio né? — Ela começa a dizer quando bate de frente com Aron. — Benza Deus!!! Olá, está perdido meu bem? Precisa de algo? Reviro os olhos sorrindo com a atitude dela, que já está parada ao lado de Aron que está todo sem graça. — Oi — ele diz seco. Amiga! Quem? — ela diz vindo em minha direção. — Aí meu Deus é um cachorrinho? De que é? É seu Flor? — Não, é da Tia Vermermelha! O tio Urso deu para ela. — Flor diz apontando para mim. Samanta olha para mim com cara de como assim e depois sussurra. — Precisamos conversar sobre isso! — Depois — respondo no sussurro. — Então pode ir chamando todo mundo para começar o ensaio! — Ok! Assim que Samanta sai da sala me viro para Aron que ainda está encostado na parede. — Aron, não posso levar ele para casa, meu pai tem alergia, por isso nunca tive um cachorro... — Não tem problema, ele fica lá em casa, eu trago ele todo dia para você ver, é quando você for lá, ela vai estar te esperando... — Ele vem até mim, pega o Bis, me dá um beijo na testa e volta para a parede. — Você se incomoda se eu ficar para ver o ensaio? É bom que fico para levar a Pirralha para casa. — Não, pode ficar sim, vou adorar dançar para você... — Ele sorri. — Como todas as noites .... — ele diz piscando para mim.

Não sei onde eu estava com a cabeça para comprar a porra de um cachorro, o bicho dorme comigo, toma banho comigo, e para piorar a Pirralha me coloca o nome desses no animal. Quem em sã consciência coloca o nome de um cachorro de Bis. Aron, estava pensando bem que você podia para de viadagem e me apresentar a sua namorada — Murilo fala enquanto dá alguns socos no saco de areia. — Não estou namorando Murilo, vai cuidar da sua vida — respondo. — Eu cuido, só que a minha vida é chata a sua é mais legal... — Dou uma gargalhada e me levanto do chão, depois que fazer cinquenta abdominal. — E como está o seu namoro? — Ele fecha a cara e me dá mais vontade de rir. — O que foi? — Você é um babaca — ele fala sério. — Sou né... — falo sorrindo. Termino meu aquecimento e começo a treinar, Murilo não toca mais no assunto e eu decido deixá-lo quieto. Às 10h meu celular toca, me avisando que está na hora de ir embora. — Tô indo nessa — falo pegando minha blusa do chão. — Ué já vai? — ele diz assustado. — Já, fiquei de buscar a Pirralha hoje. — Tiro minha luva. — Porra, já está criando? — Seu deboche me tira do sério. — Não fode Murilo, é impressionante como você é fútil, arrogante e só pensa no seu próprio umbigo, você não sabe o que acontece na vida dos outros, você nem ao menos quer saber, não se importa com ninguém, egoísta!!! — Já estou gritando com ele, que me olha com os olhos arregalados. — Você só quer saber de gastar dinheiro e comer essas mulheres fúteis que não estão nem aí para você, só para o seu dinheiro! Vê se acorda porra. Saio pisando firme deixando um Murilo desnorteado, não me dou nem o trabalho de olhar para trás, a raiva que sinto dele me faz bufar. Quem ele pensa que é para se meter na minha vida dessa maneira? Não é, e nunca será da conta dele o que faço da minha vida. Entro no vestiário e vou direto para o meu armário, pego minha mochila e quando me viro para ir embora dou de cara com Murilo em pé na

porta. — O que está acontecendo com você cara? — ele pergunta ainda confuso. — Comigo nada, mas gostaria de saber quando você vai amadurecer, acordar para vida e deixar de ser esse babaca. — Minha voz sai firme. — Qual foi Aron?! — Ele tenta se defender em vão. Saio do vestiário deixando-o falar sozinho. Hoje meu dia tinha tudo para ser bom, eu acordei feliz, relativamente, estava disposto, animado, mas, como diz minha mãe: "Quem muito ri, acaba chorando", e é exatamente isso que está acontecendo agora. Saio puto e sem destino, só ando, tem dias que isso acontece comigo, diminuo o passo quando chego perto do MyBallet, está tudo fechado as luzes estão apagadas, passo pelo jardim da frente e vou até a janela, olho e vejo que só a sala de Alice está acesa, uma música toca e dessa vez é uma mais animada, mas não conheço quem canta. — Pelo jeito a Pirralha não está aí — digo para mim mesmo. Pego meu celular e ligo para a avó dela que atende rápido, pergunto da Pirralha e ela diz que ela já está em casa, solto um suspiro de alívio. O céu está nublado e eu decido ir embora, hoje não quero ver ninguém, falar com ninguém, só quero andar sem olhar pra onde estou indo e chegar em algum lugar, que não sei onde é. Acho que o estouro que tive com Murilo mexeu comigo mais de que imaginei. Um ônibus passa ao meu lado com destino para a centro da cidade, penso em entrar, mas desisto e contínuo meu caminho para casa. Passo em uma barraca que está vendendo salgados compro um saco com diversos e só paro quando chego em casa. Sou recebido por um filhote louco por estar tanto tempo sozinho, ele pula nas minhas pernas latindo feito doido. — E aí cara, como foi seu dia? — Faço carinho nele que se joga no chão. — É o meu foi uma merda... Vem cá. Pego ele no colo e me sento no sofá e coloco ele em cima de mim. — É amigo parece que hoje somos só eu e você... Fico ali deitado olhando para o nada, o silêncio me incomoda, me levanto e vou até a cozinha, coloco os salgados em uma travessa pego um engradado de cerveja na geladeira, pego uns ossinhos do Bis e vou para a

sala, com ele no meu calcanhar. — Hoje é a noite dos homens! Coloco ele ao meu lado no sofá e ligo a TV e assim passamos a noite, eu bebendo e comendo salgados, e ele me acompanhando comendo ossos. Acordo tarde no dia seguinte, uma sensação estranha toma conta de mim, me sento na cama e quando olho para minha cômoda vejo que a gaveta que deveria estar trancada está aberta, tomo um susto quando sinto algo molhado e gelado encostar na minha perna, tenho que me acostumar com esse cachorro. Me levanto e vou até a gaveta encontro a caixinha jogada e aberta lá dentro, sinto meu estômago embrulhar. Eu bebi demais, que merda, o papel está amassado ao lado da caixinha e os sapatinhos de croché branco estão lá me olhando. Sinto vontade de chorar, de sair correndo sem destino, sinto vontade de voltar no tempo e mudar tudo, porque não podemos voltar no tempo? Porque não podemos prever o futuro e evitar as merdas que estão por vir? Coloco uma calça jeans e uma camisa verde com um casaco quadriculado, pego o filhote, coloco na coleira. Minha carteira está no bolso e minhas chaves estão na mão, tranco a porta e saio obstinado. Chego no hall e dou de cara com o porteiro. — Bom dia senhor — ele diz sorrindo. Não sei de onde vem tanta alegria, todo os dias com esse sorriso na cara, fico esperando o dia que ele vai desistir dessa porra. Vou andando até a loja, estou decidido é isso que eu preciso, preciso de emoção... — Olá senhor, seja bem-vindo. Em que posso ajudar? — Um vendedor sorridente vem até mim. Olho para ele sem emoção. — Já sabe o que quer? — ele pergunta. — Já sim, quero aquela — digo apontando para a minha nova loucura. Coloco o cão junto comigo na frente, preso é claro. Ganho o mundo, sou eu, um cão e a estrada, as coisas precisam mudar um pouco na minha vida.

Chegou o grande dia, hoje é o dia do concurso e estou muito nervosa e ansiosa. Me levanto animada, ligo o som e a voz de Bruno Mars me faz dançar, hoje vou deixar todos de queixo caído. — Bom dia filha, qual a razão de tanta alegria? — Meu pai aparece na porta me fazendo dar um pulinho de susto. — Aí! Nossa que susto papai — digo colocando a mão no peito. Ele sorri e isso me deixa mais feliz. — Hoje é o grande dia pai, hoje é o concurso! — Ele entra no quarto feliz e me abraça. — Você vai né? — Mas é claro que eu vou!! Já tinha me esquecido! Eles adiaram muito não foi? — Ele diz se sentando na beira da cama. — Foi, deu uns problemas com o lugar onde seria, tiveram que mudar duas vezes, Samanta já estava achando que não ia ter mais. — Vou até meu guarda roupa e pego um short e uma camisa. — Mas graças a Deus deu tudo certo. — Já disse que esse ano é de vocês!!! — ele diz animado. — E como estão as meninas? Animadas? — Muito! Hoje só vou abrir para o ensaio geral e depois, depois vou liberar elas pois tenho que ir buscar as roupas, aí nos encontramos às 16h que é a hora que o ônibus chega. — Estou tão entusiasmada que falo sem respirar, meu pai me olha radiante. — Vai dar tudo certo! Eu te encontro lá. Agora tenho que terminar uma entrega. — Está bem, até mais tarde. Volto minha atenção para a música que já está no fim, vou para o banheiro tomo um banho, saio do banho cheia de fome chego na cozinha e encontro um bolo de cenoura à minha espera. Pego um pedaço, um copo de suco e olho meu celular até agora nada do Aron aparecer. Desde ontem ele sumiu, já liguei e ele não atende, mandei mensagem e nada, como não temos nada não quero ficar em cima dele, fico triste pois queria muito que ele estivesse lá... — Bom dia meninas! Estão animadas?? — Estão todas na minha sala, prontas para o ensaio. — Bom dia! — elas respondem em uníssono. — Todos em suas posições e vamos lá!

O ensaio flui lindamente, e eu me sinto orgulhosa de cada uma delas. — Perto do fim quero que todas vocês se sentem formando uma meia lua, ok? — digo fazendo a meia lua com os braços. — Por quê? — Samanta pergunta curiosa. — Porque estou pedindo — respondo piscando os olhos repetidas vezes. — Está aprontando não é dona Alice? — ela fala cerrando os olhos para mim. Dou um sorrisão para ela e volto minha atenção para as meninas. — Vamos mais uma vez meninas? Quero ver como vai ficar. Depois de ensaiar mais quatro vezes, dispenso todas elas para ir pegar as roupas e para que elas já comecem a se arrumar. Pego um táxi e vou até a costureira, depois volto para o MyBallet deixo as roupas, tranco tudo e ensaio mais uma vez, sem música pois queria só marcar os passos. Olho no relógio e vejo que estou em cima da hora. Pego minhas coisas e vou embora, olho mais uma vez o celular e nada... Ligo para o motorista do ônibus e confirmo tudo, chego em casa separo tudo e vou me arrumar, meia hora depois papai chega. — Oi filha, como estão as coisas? — Tudo certo, estou terminando de me arrumar e já volto para a escola, preciso encontrar o motorista e esperar as meninas chegarem. — Termino de passar meu rímel. — Bom acho que já acabei aqui. — Vai com Deus filha, até mais tarde. Me despeço de papai, pego minha mochila e corro para a MyBallet, chego lá e já começo a agitar as coisas, os papeis, as listas de quem vai, as roupas, cinco minutos depois o motorista chega e quase junto com ele Samanta. — Tudo pronto? — ela me pergunta animada. — Sim! Me ajuda a colocar as coisas no ônibus, depois você pega sua lista e vamos fazer a chamada. — Está bem. Depois de colocar tudo dentro do ônibus, as meninas começam a chegar, o motorista já está no seu posto e eu e Sam começamos a fazer a chama, uma a uma vão entrando e ocupando seus lugares e meu coração acelerar a cada segundo que se aproxima. — Todas vocês, prestem bem atenção! — Eu chamo todo mundo para

se reunir assim que chegamos no local do concurso, elas fazem um círculo ao meu redor. — Eu sei que vocês estão ansiosas, sei que é muito nervosismo, e que é a nossa primeira vez em um concurso, mas quero que vocês respirem fundo e se concentrem, vocês vão se arrumar e fiquem atentas para quando nos chamarem. Elas concordam e se dispersão, cada uma vai cuidar de se vestir e maquiar. Samanta para do meu lado com um sorriso congelado nos lábios. — Estou muito nervosa — ela diz pegando em minha mão. — Vai dar tudo certo, não é? — Vai sim, nós temos chance! — digo mais para mim do que pra ela. — Vou me arrumar. — Está bem. O apresentador do concurso começa os trabalhos, e vai anunciando cada escola participante, e eu vou ficando cada vez mais nervosa, de minuto em minuto eu olho para a plateia à sua procura, mas nada dele aparecer, sinto meu coração ficar cada vez menor. Vejo meu pai chegar e se acomodar na terceira fileira, suspiro aliviada pelo menos meu pai está aqui. — E agora com vocês a escola MyBallet! Meu coração vai na garganta, minha boca fica seca, olho para as meninas e abro um sorriso. — Merda para vocês meninas!!! E assim elas entram e se posicionam em seus lugares vejo o rosto de cada uma se transformar, e nos primeiros passos saio dali e vou me arrumar. Sim eu vou dançar, ninguém sabe disso, não me sinto mais confiante como estava hoje de manhã, como eu queria que Aron estivesse aqui, ele me dá coragem. A música do Ed Sheeran toca e minha meninas dançam lindamente, e quando chega o momento que eu devo entrar as luzes se apagam, as meninas estão todas abaixadas em meia lua a música muda e a voz de Avril Lavigne toma conta do lugar. Todos olham para mim, minha sapatilha vermelha me leva para o centro do palco, e mesmo com todo o nervosismo eu fecho meus olhos, e me entrego para a música entro na ponta dos pés e assim que paro na frente da plateia fico congelada, não consigo me mexer, várias coisas passam na minha cabeça. — Você consegue Alice, você é forte... — digo para mim mesma, enquanto todos olham para mim. Fecho meus olhos e respiro fundo, e quando volto a abrir dou de cara

com Thiago na primeira fileira.

Quando ela dança Muitas coisas passam pela minha cabeça confusa, o vento bate no meu rosto e eu acelero ainda mais minha Harley Davidson, o filhote late empolgado com a adrenalina, me fazendo sorrir. Mesmo com meus pensamentos confusos, e minha cabeça a mil sigo sem destino, olho para uma estrada vazia e sem graça, mas algo me leva até minha doce Marina, seu sorriso me vem contudo como uma surra de saudades. Passo por uma placa que diz: "A vida precisa ser vivida, não deixe para trás o que te faz bem". — Como a vida é clichê! — resmungo. Minha barriga reclama de fome, então começo a prestar mais atenção na estrada para possíveis lugares para comer. Alguns quilômetros à frente vejo um restaurante, um daqueles de beira de estrada, mas como a fome está muito grande, e como tem um filhote que provavelmente deve estar faminto e com sede, decido parar. Estaciono a moto ao lado do restaurante que tem o nome de Comer no Asfalto, não é nem um pouco atrativo, mas a fome é grande. Me sento de frente para o balcão, e peço o prato do dia, que espero ser

bom. O cão (Vou chamá-lo de todos os nomes possíveis, menos o dele, é Gay demais.) Está ao meu lado comendo a ração que comprei para ele, enquanto espero minha comida pego meu celular, me assusto com várias ligações perdidas; Alice, Murilo e minha mãe. Ela sempre me liga e como eu não estou em casa, ela liga para o meu celular. "Oi Aron, hoje é a apresentação das meninas no concurso, você vem, não é? Alice" Ela me mandou duas mensagens, e eu me sinto mal por não ter respondido na hora, mas preciso ficar sozinho um tempo. A mulher trás meu prato e vejo que é feijoada, detesto feijoada, por isso como só o arroz a farofa e a couve. Olho no relógio e penso que se eu pegasse a moto agora e voltasse chegaria a tempo para ver a apresentação. — E aí puto? O que você acha? — pergunto para o filhote que late para mim em resposta. — É eu também acho o mesmo... Decido ficar de longe observando, o lugar é escuro e a atenção de todos está no palco e as meninas que dançam impecavelmente. Eu estou ali nas sombras a espera dela, à espera do fim do concurso para que eu possa vêla e ir embora, não quero que ela me veja ali, não quero ter uma recaída e acabar caindo em seus braços novamente, sei que ela respeita essa porra toda que eu sou, mas ela merece alguém completo, alguém sem cicatrizes, ela já tem as dela para curar... Não precisa de mais um fodido para tomar seu tempo. Mas quero estar ali para ela, quero estar perto dela, mesmo que seja assim distante, as escondidas. Fico ali encostado de braços cruzados, até que as meninas se abaixam fazendo uma meia lua no palco e a música muda, e mesmo sendo uma música triste eu abro um sorriso, conheço essa, já vi ela dançar ela. Não acredito que ela vai fazer isso. instintivamente descruzo os braços e desencosto da parede, meu coração dispara quando a vejo entrar, suas sapatilhas vermelhas parecem não tocar o chão, me sinto hipnotizado por ela, toda de preto e com aquelas sapatilhas vermelhas, mas ela parece travar, e eu continuo a andar em sua direção, ela fecha os olhos e respira fundo como se estivesse tomando coragem, e a cada passo que dou em sua direção sinto que estou fazendo o certo. Ela precisa de mim assim como eu preciso dela, e hoje ela vai dançar,

vai dançar mais uma vez para mim. Paro há alguns passos do palco e ela sorri ao me ver, eu retribuo o sorriso e sussurro. — Dança para mim? — Vejo seu rosto se iluminar, e ela responde sussurrando. — Sempre... Ela fecha os olhos e mostrar para o que veio, ela se entrega à música, se torna a música e me encanta, ou melhor nos encanta, olho rapidamente para o lado e vejo as pessoas chorando ao ver a leveza dela, a entrega dela à música, as meninas a sua volta olham fascinadas sem piscar, mas dentre todas as pessoas ali só uma né chama atenção... — Filho da puta... — digo entre dentes. Aquele babaca está ali e na primeira fileira, ela olha para ela como um cão sarnento olha um pedaço de carne, não tem carinho, ele olha para ela com nojo, como se estivesse odiando o fato dela ter superado a queda, ele não piscar ao ver ela dançar, é como se estivesse esperando sua queda, um erro que seja. Me recuso a continuar olhando para ele, volto minha atenção para ela que dança de olhos fechados, seus passos parecem se encaixar na música, cada pirueta, cada detalhe... A música chega ao fim, e todos aplaudem de pé, e eu aproveito a deixa e saio dali. Estou parecendo um louco andando de um lado para o outro na porta do teatro onde está rolando o concurso, não sei se entro para dar os parabéns pela bela apresentação ou se vou embora. Um vendedor de flores para do meu lado e me oferece uma rosa, eu agradeço e digo que não quero e ele vai para o outro lado, o filhote que dormia na moto acorda e começa a latir, eu vou até ele é me encosto na moto. — Ela estava linda filhote — falo para ele que late abanando o rabo. — Mas acho que temos que ir agora. Vejo o escroto sair com um sorriso tão grande que a raiva sobe, sinto vontade de ir para cima dele e socar tanto aquela cara, mas me seguro pois estamos em local público. Olho para o cara da flor e o chamo. — Ei? — digo para o rapaz. — Sim? — ele diz vindo em minha direção. — Quero vinte rosas — falo para ele que arregala os olhos. — Qual a cor? — ele diz nervoso.

— Pode mandar todas as cores que tiver aí, mas quero as vermelhas no meio. Ele me entrega o buquê improvisado, pego o filhote coloco embaixo do braço e entro no teatro atrás dela.

Jurei para mim mesma que hoje seria o meu dia, que eu entraria de cabeça erguida naquele palco e mostraria para todos que não sou frágil como todos pensam, que eu sou superior e que não existe barreiras que eu não possa derrubar. Mas quando vi que o Thiago está ali, bem na minha frente, me olhando daquela maneira... Meu mundo desabou, meu corpo não respondia, mas ver o Aron sorrindo para mim, me dando força, eu dancei... Para ele, sempre vou dançar. O perdi no meio da multidão que me aplaudia de pé, me emocionei e chorei, mas quando fui procurá-lo ela já tinha sumido, as meninas me abraçaram forte, estavam em choque, felizes e querendo entender, quando, onde é por quê. — Sua vaca! Como assim você não me contou?? — Samanta gritava comigo enquanto trocávamos de roupa. — Pensei que éramos amigas! Que você me contava tudo!!! Safada! — Para Sam! Era surpresa, estava esperando o momento certo. — Tento me explicar em vão. — Sam eu te amo, mas era uma coisa que eu precisava fazer sozinha! — Você estava incrível, estava linda! Dançou impecável! Ai amiga. — Ela me abraça forte. — Parabéns! — Obrigada!!!! — Eu a aperto ainda mais em meus braços. — Vou lá fora falar com as meninas e ver a próxima apresentação, depois que terminar de se vestir me encontra lá fora. — Ela me dá um beijo na bochecha e sai. Volto minha atenção para as roupas espalhadas no sofá do camarim, me sento na beirada do sofá e tiro a meia calça, jogo na mochila que está no chão ao meu lado, me levanto para procurar minha calça, quando escuto a porta se abrir, pego a primeira coisa que vejo pela frente e coloco na minha

frente tentando me tampar. — Ei! Não entre sem bater, quem você pensa que é... — Começo a gritar com quem entrou, mas assim que vejo quem é, as lágrimas enchem meus olhos. — O que você está fazendo aqui? — Você sabia que eu viria, sabia que não perderia. Sabia que vinha atrás de você. — Ele tranca a porta e da passos lentos em minha direção. — É por isso que já está sem roupas, não é? Uma vez vagabunda, sempre vagabunda... — Não de mais nenhum passo Thiago. — Minha voz é fraca, meu coração dispara o medo toma conta de mim. Ele sorri com desdém e me segura pelo braço me fazendo soltar o pano que me protegia dele. — Não tente mandar em mim! — ele diz firme me fazendo tremer. — Quem dá ordens aqui Alice? Uma lágrima escorre em meu rosto, e eu me recuso a responder. — QUEM DÁ ORDENS AQUI ALICE? — ele diz mais forte, e eu tremo mais uma vez, balanço a cabeça negativamente e é o suficiente para ele perder o juízo e me dar um tapa no rosto. — Não me faça perder a cabeça, responde! — Você... — Meu rosto arde, minha voz sai num sussurro. Ele sorri e eu sinto nojo. — Isso, eu! Não pense que só porque não estou na sua cama, por enquanto, que você deixou de ser minha! Você sempre será minha Alice, minha... — Me solta Thiago... Por favor... — Peço tentando prender o choro. — Soltar? — Ele dá uma gargalhada e me jogo no sofá. — Você acha que eu vou soltar você? Você acha que só porque conseguiu dar uns passinhos é alguém? Você não é ninguém, ninguém!! Ele vem para cima de mim e tenta me beijar, eu viro o rosto e ele fica transtornado. Ele aperta meu braço deixando-o vermelho e com a marca dos seus dedos, tendo me soltar em vão, quanto mais eu faço força, mais ele me aperta, viro o rosto, mas ele me puxa mais forte e me beija, sinto nojo vontade de vomitar, ele me puxa e me aperta contra seu corpo, sinto sua ereção e a vontade de chorar aumenta e eu não consigo mais segurar, as lágrimas caem molhando meu rosto. — É saudades? Está chorando por saudades né? — ele diz me beijando freneticamente, eu tento me afastar, mas ele me puxa ainda mais

beijando meu pescoço e minha boca sem parar. — Eu sei que você estava louca de saudades de mim, do meu corpo, da minha boca. Não é amor? — Não Thiago, para eu não quero! Ele fica com raiva e rasga uma alça do meu sutiã. — Quer sim... É se você gritar eu vou te bater como nunca bati antes... Você entendeu? — Da para ver o ódio em seu rosto, o medo me faz concordar. — E é bom você me mostrar que está gostando, você sabe o que acontece se eu não ver o tesão nesse rosto lindo, que é só meu... Me sinto suja, destruída, não existe palavras para descrever como estou nesse momento, fico ali no chão chorando, sozinha trancada naquele camarim. Alguém bate na porta e eu não respondo. — Alice? — A voz doce do Aron me faz chorar ainda mais, não quero que ele me veja assim. — Alice sou eu Aron... Você está aí? Queria te dar os parabéns... Um soluço alto escapa. — Alice? — ele fala mais alto. — Eu ouvi você, o que aconteceu? Ele bate mais forte na porta e eu me tremo inteira. — Vai embora por favor — falo entre soluços. — Você está chorando? — ele quase grita. — Foi aquele babaca? O que ele faz com você? Abre! Ele soca a porta e eu me encolho ainda mais e fecho os olhos, escuto um estrondo e quando abro os olhos vejo que ele arrombou a porta e está em pé ao meu lado bufando. — Onde ele está?!?! Onde ele... Meu Deus! Alice... — Ele solta as flores que estava segurando, e coloca alguma coisa preta no chão, seu rosto é uma mistura de raiva, tristeza e pena. O que me faz chorar ainda mais. — O que ele fez com você? — Sai daqui, não quero que você me veja assim... Por favor... — Estou soluçando e tentando me encolher, ele tenta chegar perto, mas eu me afasto. — Não Aron... Vai embora. — Não faz isso, me deixa cuidar de você... — ele sussurra. — Eu fui um idiota por fugir e te deixar sozinha, se eu estivesse aqui... Ele está ali agachado na minha frente, limpando minhas lágrimas e tentando chegar perto, e eu tentando afastar ele de mim. — Eu vou matar aquele filho da puta, eu vou arrebentar a cara dele... — Ele faz menção de levantar, porém, eu o impeço.

— Não, ele pode machucar você... — Ah vai sim, eu... eu ... — Ele olha para mim e para de falar. — Vem, você vai embora comigo. Ele me ajuda a levantar, eu sinto vergonha do meu corpo, mas ele não olha para mim, tira sua jaqueta e me entrega. Eu a coloco e ele me pega no colo, depois pega o Bis e vamos embora. Ele me leva no colo até o seu quarto, em momento algum me deixa tocar no chão, não olho para ele com vergonha, porém, em momento algum ele olha para o meu corpo, só me olha nos olhos. Ele só toca em sua jaqueta, e eu o agradeço por isso. Ele me coloca na cama e sai do quarto, eu me encolho e me afundo nos travesseiros. Depois de alguns minutos ele volta com uma caixa e uma vasilha, ele se senta na cama. — Vem cá — ele diz baixinho, batendo na cama ao seu lado. — Por que você está fazendo isso? — pergunto. — Porque é o certo. Ele começa a cuidar de mim, fazendo curativos. Meu corpo está dolorido, ele percebe. — Se deita aqui, vou fazer uma massagem em você com esse creme. Eu me deito e ele faz a massagem em todo o meu corpo. — Ele abusou de você?— ele pergunta baixinho. Eu não consigo responder.

Já tem cinco horas que estou sentado na beira da cama olhando ela dormir, seu sono é agitado, ela suspira a cada dez segundos para ser exato, e a cada suspiro que ela dá sinto meu corpo se contrair de ódio. Respira Aron, digo para mim mesmo tentando me conter e não ir até onde esse desgraçado está e socar tanto a cara dele que vão precisar de pinça para achar cada pedacinho dela, acho que nem a mãe dele vai reconhecê-lo. Alguém bate na porta e eu penso vinte vezes antes de deixá-la sozinha e ir atende, mas como a criatura não para de socar a porta me levanto

contrariado para abrir a porra da porta. Assim que pego na maçaneta os socos aumentam. — Mas que porra é essa? Falo alto e abro a porta, um cara transtornado entra me empurrando e gritando. Sua raiva é tão grande que ele cospe ao falar. — ONDE ELA ESTÁ? Ele tenta me encurralar na parede, mas sou mais rápido e saio com facilidade, o filhote late, mas eu consigo empurrá-lo para o corredor, ele choraminga e corre para o quarto, volto minha atenção para o babaca que invadiu minha casa. — Tá maluco? — pergunto calmamente para ele que bufa olhando para mim. — VOCÊ AINDA NÃO ME VIU MALUCO, SEU OTÁRIO! — Respiro fundo tentando me acalmar. — Você invade minha casa. Chega gritando. Tenta me bater, e ainda me xinga? — Ele vem para cima de mim, transbordando ódio. — Se você der mais um passo, eu não respondo por mim. — Ah é mesmo? Tá achando que é o super-homem? — ele diz com deboche. — Vou te perguntar mais uma vez, aonde está a minha mulher? — Se a mulher é sua como eu vou saber? — Devolvo o deboche. — NÃO TENTA ME TIRAR DE OTÁRIO!! CADE A ALICE???? — Sai da minha casa, agora. — Minha voz sai mais calma do que eu pensei que sairia. — Só saio daqui com ela. Ele anda em direção ao corredor e eu perco a paciência, pego ele pelas costas e dou um mata leão nele que se debate e tenta sair, mas minha raiva não deixa ele se mexer, sinto que ele vai desmaiar pois as porradas que ele dá no meu braço para que eu o solte vão diminuindo, um som estranho começa a sair da sua boca, e eu sei bem que som é, ele não consegue respirar. — Eu te avisei seu escroto, eu disse pra você ir embora, eu avisei, mas você se acha o sacudo da parada, você acha que é o fodão da parada, você é um miserável um grande filho da puta... — Estou lavando a minha alma, quando escuto um gritinho, vindo do corredor a minha frente. — MEU DEUS ARON! SALTO ELE, VOCÊ ESTÁ MATANDO-O! — Quando volto a mim vejo Alice pálida olhando para mim. — Não vale a pena Aron!

Ela está tão linda vestindo só uma blusa minha que mais parece um vestido nela. Mas depois de tudo ela parece forte, pronta para enfrentar o mundo. As marcas em seu corpo me fazem querer matá-lo, mas vê-la olhar para mim assim me mostra que não é o certo a fazer. — Sai daqui agora! — falo entre dentes. Eu o solto e ele cai de joelhos no chão tentando desesperadamente respirar, ele levanta a cabeça e olha para Alice, que abaixa a cabeça com medo. — Sua puta, vagabunda, por isso você está estranha... — Ele respira com dificuldade, ao ouvir as palavras sussurradas dele vou com tudo para cima dele. — Você está dando para esse filha da puta, você vai ver o que eu vou fazer com você, piranha!!!! Pego ele pelo colarinho da blusa e levanto ele no ar. — Você só pode estar ficando maluco!!!! — Estou bufando de ódio. Antes que eu o jogue pela janela sinto a mão de Alice em meu braço. — Aron por favor, deixa ele ir. Não quero que você acabe com sua vida por causa de mim.... — Sua voz é meiga, triste e me desarma na hora. Levo ele até a porta e jogo ele para fora, ele cai de cara no chão, eu bato a porta e grito lá de dentro. — Vou te dar dez minutos pra você sumir daqui caso contrário eu ligo para a polícia. Volto para a sala e não encontro Alice, vou até a cozinha e ela não está então vou para o quarto e encontro ela encolhida na cama. — Ei? — digo baixinho. — Ele já foi embora tá? Ela nem olha para mim, eu me sento na beira da cama e fico ali quieto olhando para o chão, ela não fala nada e eu sinto que sou eu quem precisa falar. — Eu tinha cinco anos quando a vi pela primeira vez, ela tinha acabado de se mudar e estava sentada na varanda da casa ao lado da minha. — Fechos os olhos me transportando até aquele momento. — Ela estava lá sozinha com uma bola laranja na mão, e eu fui até ela e desde esse dia não nos desgrudamos mais. Fundamental, ensino médio, faculdade... Éramos amigos, cúmplices, um dia ela foi viajar e eu fiquei porque tinha prova da OAB, foram os piores dias da minha vida, nada tinha graça sem ela. Então tomei uma decisão, ela precisava ser minha para o resto da vida, organizei tudo quando ela voltasse eu ia fazer o pedido. Tudo certo, quando o avião pousou e ela passou pelo portão, os balões estavam lá, as margaridas brancas

estavam por toda parte, na mão de cada pessoa que estava ali tinha uma, tinha um caminho de pétalas brancas que a levava para mim e no fim do caminho tinha um Aron ajoelhado com uma caixinha preta na mão que guardava um anel de ouro branco. Abro os olhos e vejo que Alice me encarando com total atenção em mim. — Termina — ela diz baixinho. — Ela aceitou. — Meus olhos estão marejados. — Nos casamos no meio do mato, no sítio da minha vó, uns três anos depois. Foram os melhores anos da minha vida, ela era o meu lado feliz, minha alegria ao acordar, ela me acordava cantando e pulando na cama, eu adorava contrariar ela e ela adorava ser contrariada, nosso sonho era sermos três, mas eu estraguei tudo... Ela vem para cima de mim e me abraça forte, eu a aperto em mim e respiro seu cheiro. — Você é tão lindo, não só por fora... — Não sou não, me perdi há muito tempo. — Mas vamos nos achar juntos. — Ela limpa minhas lágrimas e me beija com carinho.

Noite de parque — Você precisa denunciar ele Alice, eu posso te ajudar — Aron diz para mim. — Não posso... — Minha voz sai rouca rosto baixa. — Não pode por quê? — Ele insiste. Solto um suspiro e olho ao redor, tantas coisas já aconteceram na minha vida, coisas que nem sei como consegui passar, coisas que me fizeram forte e outras que me derrubaram. Olho para ele e vejo que somos uma dupla de mancadas que a vida zomba todos os dias. — Você sabia que nunca imaginei conhecer uma pessoa tão boa como você? — digo para ela em um devaneio. — Você é uma surpresa boa que a vida me deu... — É, digo o mesmo. — Ele me olha ainda esperando uma resposta. — Ele conhece todo mundo por aqui, ele tem amigos em toda parte... — Me sento na cama e cruzo as pernas. — Eu já tentei, já dei parte dele... Na época nem meu pai acreditava em mim, ele sabe conquistar as pessoas, levou tempo até eu conseguir provar para o meu pai o que acontecia comigo, e até hoje ele se culpa, até hoje ele tenta suprir o que não supriu antes...

— Não acredito que as pessoas fecham os olhos assim.... — Ele fica puto e se levanta da cama, vai até a janela. — Ele tem que pagar por toda essa merda! — Eu sei, eu mais do que ninguém sei disso, mas o que eu posso fazer? — Um nó se forma em minha garganta, sinto vontade de chorar, gritar, sair correndo e me esconder num lugar onde ele não possa me achar. — Como será que ele me achou aqui? Como ele descobriu que você mora aqui? — Não sei. Mas ele não é o único com conhecimentos, isso não vai ficar assim, não mesmo. — Ele soca a parede. O dia está triste e sem graça, desliguei meu celular e só sei ficar deitada, tentei ir embora para casa duas vezes, mas o Aron não deixou, disse que era perigoso e por um lado eu não queria ir embora mesmo, me sinto protegida com ele por perto, a cada dia que passa sinto que estamos nos tornando mais amigos e isso é bom, eu acho. — Você devia comer um pouco Alice, eu fiz sopa — Aron diz me tirando do meu devaneio. — Depois eu como, não estou com fome... — Ainda não consigo encarar ele, sei que isso o incomoda muito, mas preciso de um tempo. — Pensei em ir embora hoje... — Minha companhia não está mais agradável? — ele pergunta, olho de relance para ele que está em pé encostado na porta de braços cruzados e sem camisa. — Você não sente frio? — Às vezes, te incomoda? Vou colocar uma blusa... — Ele vai até o guarda roupa, e eu tento dizer que não precisa, mas ele me interrompe. — Estava pensando podíamos dar uma saída... O que você acha? — Eu gosto Urso! Quero ir ao parque. — Olho para a porta e vejo Flor entrando... — Flor! — digo abrindo os braços, ela corre e pula em cima de mim me abraçando. — Mas como você entrou aqui garota! — Aron fala se virando para olhá-la. — Tinha uma moça saindo do apartamento dela, aí disse: “Abre aqui? Me tranquei do lado de fora.” Aí ela abriu e puf entrei! — Ei, já disse que essa menina é foda? — ele diz surpreso.

— Ei olha o palavão! — Flor briga com ele sacudindo o dedinho. — Isso não é bonito Urso! — Desculpa, saiu sem querer. — Me surpreendo ao ouvir ele baixar a guarda com ela. — Cadê o Bis? — Ela sai da cama gritando o cachorro. E eu começo a rir. — Vou esperar na sala, quero ir ao parque. Ela sai do quarto brincando com o cachorro, Aron olha para mim sorrindo. — E então? Vamos no parque? — Vamos! — Me animo. — Vou tomar um banho e já volto. Depois de brigar com ele por meia hora consegui fazer ele ir comprar uma roupa para mim, já que ele não me deixa ir em casa e nem falar com Samanta onde estou, ele disse que quanto menos pessoas souberem onde estou será melhor, toda vez que olho para ele vejo que sua cabeça está maquinando alguma coisa contra o Thiago. Chegamos no parque e Flor está eufórica, correndo para todos os lados querendo tudo que vê pela frente. — Algodão doce! — ela diz sacudindo a mão do Aron que revira os olhos, mas compra o que ela quer. — Vamos nos brinquedos? — Vamos! — Aron responde animado. Ver os dois se divertindo é lindo, ele se solta, o Aron é outra pessoa. Uma pessoa feliz e sem problemas, então decido que eu também posso entrar na dança, e que hoje seremos felizes. Pego na mão de Flor que corre para o carrinho bate-bate. — Tia Vermermelha, vamos bater no carro do Urso! — Ela está tão empolgada e feliz que me faz sorrir também. — Vamos! — Ah então é um complô? — rle diz com um sorriso lindo em seu rosto, seus olhos chegam a brilhar. — Vocês não vão ganhar! — Vamos sim!!! — Flor grita agitada. Nossa noite é animada, vamos em vários brinquedos, roda gigante, castelo no medo que a Flor riu o trajeto inteiro, e eu também não tinha nada de susto naquilo, casa dos espelhos, túnel do amor que não verdade eu não fui só ela é o Aron. Comemos pipoca, maçã do amor, algodão doce. Flor parece um poço sem fundo, estamos sentados bebendo refrigerante. — Urso, quando você se casar com a Tia Vermermelha vocês vão ter

um bebê? — Sua pergunta é tão ingênua, mas tão forte que ele para de beber o refrigerante na mesma hora. — Por que você acha que vou me casar com ela Pirralha? — Ele pergunta sem olhar para mim. — Porque você cuida dela e está toda vez junto, e eu quero que case. — Mas não é assim Flor. — Eu tento explicar, mas ela é esperta. — Por quê? Você não gosta do Urso? — Ela volta sua atenção para mim. — Gosto... — digo, mas logo me arrependo e me calo. — Gosta? — Ele pergunta, sua atenção é toda em mim. — Viu, e você gosta dela não é Urso? — ela pergunta para ele com um sorriso. — Eu? Eu.... — Seus olhos não desgrudam dos meus. Meu coração acelera ansioso pela resposta e ao mesmo tempo com medo do que ele possa responder, se é que ele vai responder...

Um dia após o outro, esse é o meu lema depois de tudo o que passei, já tem uma semana que não vejo Alice, ela foi embora depois da noite no parque, mais precisamente depois que eu não respondi a pergunta que a Pirralha fez, uma pergunta idiota coisa de criança, mas parece que para Alice não era... Me cansei do boxe, me cansei de correr, me cansei de malhar, decidi que o melhor mesmo era me afundar no sofá enchendo a cara de cerveja. Nem a lembrança da Mari me faz animar, me cansei de me culpar também na verdade, cansei de mim. A Pirralha também sumiu, como sou um merda ninguém me procura. Até o Murilo sumiu, deve ser porque eu não atendi as vinte ligações dele. Mas nesse momento quero que todos se danem. Já nem sei que dia é hoje e também não me interessa, estou aqui jogado no sofá olhando o teto e ouvindo a TV. Alguém bate na porta e eu ignoro, mas a pessoa não, continua socando a porta, eu fecho os meus olhos esperando que a criatura desista e vá embora depois de cinco minutos de

silêncio, suspiro aliviado. Dez minutos depois escuto um barulho na fechadura, o filhote começa a latir e abanar o rabo. — Para cara, vai se deitar! — Minha voz sai embolada pelo excesso de álcool. A porta se abre e um cheiro doce toma conta do lugar, mas eu estou bêbado demais para levantar e olhar quem é que estava invadindo minha casa. — Aron! Meu Deus, que zona! — A voz meiga de Alice me faz sorrir. — O que está acontecendo? — E aí Bailarina?! — Tento me levantar, mas não consigo. — O que você faz aqui? — Eu estava preocupada, você sumiu, não atende o telefone. O Murilo disse que não te vê a dias... — Ela vai chegando perto tirando as coisas do caminho. — Ele te ligou, e você não atendeu... Ah Aron, o que aconteceu com você? — Ele é um pé no saco, nem estou falando com ele... — Ela chega perto de mim e me ajuda a sentar. — Ele não é legal Bailarina... Não quero assunto com ele e... Nossa como vocês está cheirosa, você tem cheiro de chiclete, gosto de chiclete. — Obrigada pelo elogio, agora vamos você precisa de um banho. — Solto uma gargalhada e ela olha para mim tentando entender. — Eu não tenho cheiro de chiclete né? — Não, na verdade você cheira a queijo. — Ela fica vermelha, e eu dou mais uma gargalhada. — Agora você está da cor do chiclete, me deu vontade de te comer. — Ela me olha engraçado e eu sinto que falei demais, mas como não estou em mim no momento ela deixa passar. — Tá bem, agora vamos tomar um banho, você realmente está precisando. Ela me carrega para o banheiro e me ajuda a tirar a roupa, menos a cueca, e me coloca no box, liga o chuveiro. — Você toma um bom banho, pode demorar o tempo que quiser, quando você terminar me chama, vou arrumar lá fora e preparar um café bem forte pra você. — Aceno com a cabeça positivamente e ela sai. Tiro a cueca e entro com tudo de baixo da água gelada, fico ali por um tempo sentindo a água cair no meu corpo, minha cabeça dói um pouco, passo as mãos na cabeça, estou cansado, cansado dessa vida.

Algum tempo depois saio do banheiro, vou para o quarto, troco de roupa e volto para sala um cheiro de café toma conta do lugar, me surpreendo com a sala arrumada e Alice sentada com duas canecas na mão, ela sorri para mim e estende a mão com uma caneca, eu a pego e sorrio sem graça para ela. — Obrigado. — Ela dá um tapinha no sofá ao seu lado, pedindo para que eu me sente ao seu lado. — Não precisa agradecer, você já fez muito mais por mim, uma caneca de café não é nem o começo. — Me sento ao seu lado e tomo um gole do café. — Não estou falando do café, aliás como você entrou aqui? — Peguei a chave com o porteiro. — Ela sorri sem graça. — Ah tá, e outra coisa, você conhece o Murilo? — Conheço, ele é o namorado da Samanta minha amiga. — Minha cabeça lateja com a informação. — Aquela loira que trabalha comigo, lembra? — Estou sem reação. Murilo? Estamos falando do mesmo Murilo? — Acho que sim, por quê? Ele tem cabelos pretos e olhos claros..., não é esse? Advogado? — Santa mãe... — Estou pasmo. — Ele pediu? Então era ela o tempo todo? Que dia é hoje? Quanto tempo eu estou aqui? Minha nossa... O que está acontecendo com o mundo? — Aron, respira! Porque o espanto? Hoje é sexta-feira, você está trancado aqui há algumas semanas... — Nossa! Estou sem saber o que falar... Alice ele teve coragem de pedir? Nossa, caraca... Ela ri e toma mais um gole do café, ela fica linda até escondido atrás da caneca. — Espero que ele não magoe a minha amiga. Agora vamos parar de falar da vida dos outros, quero saber o que aconteceu com você, por que você se isolou do mundo? — Seus olhos me examinam com cuidado e carinho, eu adoro quando ela me olhar assim. Fico olhando para ela pensando no que eu vou responder, tomo mais um gole do café que por sinal está uma delícia. — Eu tenho pesadelos com a Marina quase todos os dias, quando te conheci eles diminuíram, mas não pararam, toda vez que tenho pesadelos acordo mal, eu achei que tinha superado isso, me enganei, mas não é esse o problema, eu me sinto mal por estar aqui e ela não, eu me sinto mal por ter

que seguir em frente sem ela, me recusava a fazer isso. Mas agora tenho você, a Flor e o filhote... É muita coisa acontecendo... Ela chega perto de mim segura minha mão e suspira. — Tem momentos na vida que você precisa pensar em você, eu sei que é difícil acordar todos os dias e erguer a cabeça para enfrentar o mundo, mas isso é uma coisa só você pode fazer, mas não quer dizer que você vai estar só. — Ela toca meu rosto com carinho, me fazendo fechar os olhos. — Eu estou aqui e estarei aqui sempre que você quiser, só não estarei quando você me mandar embora. Abro meus olhos ao ouvir suas palavras, sinto medo de perdê-la. — Você não vai a lugar nenhum. Posso te levar a um lugar? — Claro. — Já volto vou pegar minha jaqueta. Vou até o quarto e decido não pensar em nada só seguir a minha vontade o que meu coração machucado pede, depois de muitos anos vou — ouvi-lo. Pego o meu capacete e um para ela, pego minhas chaves verifico se tem comida e água para o filhote, tudo certo. — Vamos? — pergunto para ela, que se levanta sorrindo pega sua bolsa e seu casaco. — Vamos lá. Chegando lá embaixo o porteiro sorri ao me ver. — Bom dia senhor. — Bom dia — respondo com um sorriso, ele abre um sorriso ainda maior e acena com a cabeça.

Subo na moto, Alice sobe logo atrás e me abraça forte, a viagem leva cerca de duas horas, passo boa parte dela calado, Alice tenta quebrar o gelo algumas vezes, porém nesse momento eu realmente preciso ficar calado, tenho medo de me arrepender. Pode ser loucura da cabeça, mas sinto que a Marina está muito feliz com essa minha decisão. Alguns quilômetros à frente vejo uma floricultura, um sorriso surge em meu rosto sem que eu perceba, vou diminuindo a moto até parar ao lado

da floricultura. — Vou dar uma parada aqui — falo para ela. — Está bem. Desço da moto e antes que eu pergunte se ela quer ir junto, ela se adianta e encosta na moto. — Te espero aqui. — Está bem, não vou demorar é bem rápido. — Sem problemas — ela diz levantando os polegares e sorrindo. Entro na floricultura e logo vejo umas margaridas brancas, sinto um vazio no estômago. O que eu estou fazendo aqui cacete, respiro fundo e sigo em frente até chegar no balcão. Uma mocinha de aparelho e rabo de cavalo sorri para mim. — Boa tarde, em que posso ajudar? — Boa tarde, vou querer um buquê de lírios. — Ela sorri carinhosamente. — Tem preferências de cor? — Ah sim, quero cor de rosa. — Nossa, que sorte a sua acabou de chegar os lírios rosa. — Ela se levanta do seu banquinho. — Só um minuto que já trago. Fico ali encostado no balcão olhando ao redor, me sentindo animado e ao mesmo angustiado. Como será quando eu chegar lá? Qual vai ser a reação de todos? Será que está na hora? Sou interrompido pela balconista. — Aqui está. — Ela em entrega um buquê muito bem arrumado. — O senhor deseja mais algumas coisas? Olho ao redor e vejo uma rosa vermelha rajada, dou um sorriso. — Vou querer uma daquela — digo apontando para a rosa. — Só uma? — ela diz pegando a rosa. — Sim. Ela me entrega as flores eu pago e vou embora. Encontro Alice ainda encostada na moto olhando os carros passando na estrada, vou até ela bem devagar, chego em seu ouvido e sussurro. — Para você Bailarina. — Passo o meu braço direito em volta dela lhe entregando a rosa. Ela vai virando-se para mim com um sorriso lindo em seu rosto. — Muito obrigada! — Ele pega a rosa da minha mão e me abraça

com força. — De nada, agora vamos estamos chegando. — Espero que sim, pois fiquei preocupada com esses lírios. — Ela me solta e sobe na moto, eu subo também e ela, mas abraça. — Gostaria de dizer que você está bem sexy com essa jaqueta de couro. Dou uma gargalhada e ligo a moto. — Sabe que pensei em comprar uma para você? Você deve ficar bem gostosa usando uma. — Sinto ela me apertar um pouco mais e contenho a vontade de largar a moto e beijá-la. Alguns minutos depois chegamos ao condomínio, diminuo a velocidade, meu coração dispara vejo aquelas casas todas parecidas. Paro em frente a um portão de madeira branco os muros altos coberto por heras. — Chegamos. — Minha voz sai meio rouca, minha boca está seca e meu coração acelerar. — Chegamos aonde exatamente? — Alice pergunta descendo da moto. Eu olho para ela e as palavras simplesmente não saem, começo a me arrumar como um adolescente que precisa impressionar, prendo meu cabelo, arrumo a jaqueta e seguro o buquê como se minha vida dependesse disso. — Vem... — digo para ela nervoso. — Você está bem? — ela pergunta balanço a cabeça positivamente. Pego a chave no meu bolso abro o portão, me sinto hipnotizado vejo Alice ao meu lado, falando comigo, mas não a escuto, não entendo tudo parece em câmera lenta, só paro na porta de frente da casa. Minha respiração está descompassada eu olho para a porta, mas não consigo bater, sinto vontade de desistir, Alice parece perceber meu desespero e segura minha mão. Olho para ela que sorri me encorajando, levanto a mão e bato na porta. Ouço os passos se aproximando da porta olho para o chão tomando coragem, a porta vai abrindo devagar e depois de oito anos eu escuto a voz da minha mãe. — ARON! — ela grita e me abraça forte, quase me sufoca. — MEU DEUS, oh meu Deus é você, é você meu filho, não acredito!!! — Ela me aperta e me beija loucamente. — Sou eu mãe... — Tento falar, mas ela me não deixa. — Igor! IGOR!!! VEM AQUI — ela grita meu pai feito louca, as

lágrimas molham seu rosto. — Meu Deus o que foi mulher?? — Meu pai para atrás da minha mãe sem reação. — Oi pai — falo baixo sem olhar para ele. — Ele voltou Igor, ele está aqui! Está em casa. — Estou sim mãe, será que eu posso entrar? — pergunto tentando sair dos seus braços. — Ah! Mas é claro, meu Deus entra meu filho, vem... — Ela me puxa e eu entro, mas assim que a porta fica livre eles veem Alice. O silêncio volta, contudo, minha mãe me solta e olha intrigada de mim para Alice sem falar nada. Eu volto e estendo a mão para Alice que tímida segura, ela sorri daquele seu jeito que me derrete, e parece que derrete meus pais também. — Boa tarde, meu chamo Alice. — Ela cumprimenta de um jeito meigo fazendo meu pai sorrir. — Boa tarde Alice, meu nome é Igor. — Meu pai estende a mão para ela que aperta. — Seja bem-vinda. — Obrigada. — Ela é minha... — Começo a dizer mais as palavras fogem da minha boca quando minha mãe olha para mim. — Amiga! Sou amiga do Aron. — Ela completa minha frase rápido, como se já estivesse ensaiado. — Ah sim, é um prazer conhecer você Alice — minha mãe começa a dizer indo até ela. — Me chamo Magnólia. — O prazer é meu — Alice diz docemente. — Mãe, eu trouxe para você — falo chamado atenção, dou a ela o buquê. — Oh meu filho! Os olhos dela enchem novamente, ela me abraça forte sem conseguir segurar o choro. E depois de todos esses anos eu a abraço de volta, é tão bom estar ali, tão bom sentir o calor dos seus braços. Tinha esquecido como era bom. Ficamos lá por um tempo, até meu pai nos chamar para almoçar. Acho que no fundo ele ficou com ciúmes. — Ah sim, vocês devem estar famintos, vem vou colocar mais dois pratos à mesa. — Ela nos leva até a sala de estar onde a mesa já está posta. — Só um segundo, vou pegar um vaso.

Ela sai e depois de instantes volte com as flores no vaso, coloca no centro da mesa e se junta a nós, que já estamos sentados à sua espera.

— Mãe o almoço estava incrível, senti falta da sua comida. — Me levanto e vou tirando os pratos da mesa, minha mãe sorri ao ouvir meu elogio. — Ah meu amor, você devia ter avisado que vinha. — Ela me entrega o prato. — Eu teria caprichado mais. Alice se levanta e vem me ajudar a tirar as coisas da mesa. — Nossa, e teria como caprichar mais?! — Alice diz sorrindo fazendo minha mãe sorrir ainda mais. — Provavelmente ela enfeitaria mais a salada ou colocaria as louças mais bonitas. Ela gosta dessas coisas — meu pai diz fazendo minha mãe fiar vermelha. — Igor! — Ela protesta. — Mas eu posso fazer uma sobremesa, a sua preferida! — Mãe nós acabamos de comer, vamos dar um tempo ok? — Tudo bem. Vou para a cozinha deixar a louça, Alice vai junto levando o resto das coisas. Coloco tudo na pia e fico ali encostado na bancada, sinto os braços de Alice envolver minha cintura. — Estou orgulhosa de você, esse foi um grande passo. — Me viro para ela, e a abraço forte. — Ah fico feliz por isso — digo dando um beijo em sua testa. — Mas sabe que estou me sentindo perdido aqui, não sei muito bem o que eu realmente vim fazer aqui... — É muito fácil, você estava deprimido, então você precisava do que todos que estão na merda precisão... — Ela sorri para mim e eu sinto vontade de beijá-la, tento me segurar mais não consigo. Encosto meus lábios nos dela que fecha os olhos, minha língua invade sua boca, ela me aperta em seu corpo, eu a levanto e a coloco sentada no balcão. Seguro em seu cabelo, ela solta um suspiro e sinto vontade de subir com ela para o meu quarto. Mas acho que ela lembra onde estamos. — Aron? você sabe que estamos na cozinha da sua mãe né? E sabe

que ela ou seu pai pode aparecer aqui a qualquer momento. Muito puto da minha vida, me sentindo muito contrariado dou um passo para trás, o suficiente para que ela possa descer do balcão, mais ainda sim esbarrar em mim. Ela dá um pulo do balcão e como o previsto ela esbarra em mim e eu a agarro pela cintura fazendo ela dar um gritinho e tampar a boca sorrindo. — Acho que o perigo me excita, se você soubesse o que eu queria fazer com você nesse balcão... — digo para ela que olha para mim transbordando desejo. — estou percebendo... — Ela aponta para a minha ereção. Sua voz é sexy, me seguro ao máximo para não jogar ela naquele balcão. — ARON FILHO, NA GELADEIRA TEM UM PUDIM QUE FIZ ONTEM, TRAZ PRO SEU PAI — minha mãe grita. — Alice por favor leva o pudim, não dá para ir lá agora... — Peço para ela sem graça. — Está bem... — Passa por mim e só para me manter mais tempo na cozinha ela passa colada em mim. A tarde é pela primeira vez após muito tempo agradável, mostro o lugar para Alice que fica encantada, depois minha mãe nos arrasta para uma tarde de conversa e chá,eu detesto chá. Ela quer saber de tudo o que eu fiz nos mínimos detalhes nesses oito anos. Depois de conseguir tirar todas as informações que ela julga importantes, ela muda o alvo e começa a interrogar Alice, e muito educada responde a todas as perguntas, até as mais escrotas, que ela faz. O pôr do sol começa a dar os primeiros sinais, então aviso para Alice que vamos embora, minha mãe parece notar que estamos de partida e vem como uma leoa para cima de nós. — Vocês vão dormir aqui, não é? — Ela faz aquela cara que toda mãe faz quando quer nos dobrar. — Já arrumei os quartos, e já mandei seu pai separar aquele vinho que você adora, estou fazendo aquela macarronada! — Mãe... — Eu tento dizer que temos que ir. Sério minha mãe deveria fazer novela, uma daquelas mexicanas. — Ah meu filho você não pode ir agora... — Ela se joga no sofá, e começa a chorar. — Foram oito anos! Oito! Igor, fala para ele que oito anos não se coloca em um único dia! Por que ele tem que me deixar assim? Alie? Foi alguma coisa que eu fiz? Eu disse algo? Por que vocês não dormem aqui?

Por que, não podemos tomar um café juntos? Olho para minha mãe jogada no sofá chorando como se não houvesse amanhã, Alice olha para mim e sorri com carinho e eu entendo o recado. — Tudo bem mãe, nós vamos ficar... Como em um passe de mágica mamãe se recupera, dá um saltinho do sofá e levanta como se nada tivesse acontecido. — Que bom meu amor. — Ela limpa o rosto e eu olho para meu pai que sorri, revira os olhos e volta sua atenção ao seu jornal. — Agora com licença vou voltar para a cozinha. — Vou junto! — Alice diz indo atrás dela. Me sento no sofá novamente e fico ali olhando o nada. — Você está bem Aron? — A voz do meu pai me chama a atenção. — Estou sim — digo vagamente. — Você sabe que não estou perguntando se você está bem no momento, não é? — Ele me olha por cima dos óculos quadrados. — Sei sim pai, mas eu realmente estou bem. — Fico feliz em saber. Agora me diga, o que te fez vir até aqui hoje? — Se tem alguém que realmente me conhece, esse alguém é o meu pai. — Hmm, bem eu... — Meu pai se levanta de sua poltrona e se senta ao meu lado no sofá. — Eu estive mal, na verdade fiquei mal por um tempo... — Ela te trouxe a vida? Essa menina Alice? — Meu velho sabe das coisas. — É complicado pai, mas no resumo de tudo, sim ela me deu uma sacudida... E a Flor também... — Quem é Flor? — ele pergunta franzindo o cenho. — Essa é uma longa história... — digo sorrindo. Depois do jantar nos reunimos na sala para conversar, parece que nada aconteceu, que não estou voltando depois de oito anos, é como se eu estivesse dormido e tivesse um pesadelo, sabe aquele pesado que não te larga nem quando você já acordou? Então, só que nesse momento parece que eu me livrei desse maldito pesadelo. Olho para os meus pais conversando e rindo, olho para Alice que parece tão confortável aqui, parece que sempre esteve aqui, meus pais gostam muito dela. Me sinto feliz e completo, completo eu realmente disse essa palavra. — Uma vez o Aron quase me matou do coração! Ele devia ter uns

quatro anos, eu fiz uma sopa e ele perturbando querendo comer, eu coloquei para esfriar em cima da pia, você acredita que quando olhei ele estava que era sopa pura? — Minha mãe está contando minhas merdas de quando era criança, Alice não para de rir. — Não sei como ele fez, mas ele puxou o prato e veio tudo em cima dele, corri para o médico com ele. Igor você lembra disso? — Oh se lembro! — meu pai diz achando graça. — Ele era terrível. — Ah Obrigado por me expor assim... — Ah você sabe que gostamos que contar as coisas Ron — Minha mãe diz bagunçando meu cabelo. — Você devia cortar esse cabelo. — Ah não! — Alice diz fechando a cara. Eu olho para ela. Suas bochechas vermelhas por conta do vinho que estamos tomando. — Sabe que não vou fazer isso — respondo minha mãe enquanto prendo o cabelo novamente. — Bom agora acho que vou dormir. — Mas já? — Minha mãe protesta. — Amanhã é um novo dia! — Alice diz se levantando. — Você também já vai? — Vou sim, preciso descansar o dia hoje foi cansativo. Aron, você pode me mostrar onde vou dormir? — Ela me pergunta. — Claro. — Me levanto. — Vamos. Me despeço deles e subo junto com Alice, o quarto dela fica em frente ao meu, mostro para ela e como estamos bem casados nos despedimos, vamos cada um para o seu lado. Vou direto para o banho, depois coloco uma cueca e me jogo na cama, deixo minha roupa jogada no chão. Cruzo os braços atrás da cabeça e suspiro. É bom estar em casa, meu quarto parece o mesmo desde o dia que fui embora, tem algumas fotos minhas na parede e umas de Mariana, mas decido não olhar para ela. Fecho os olhos pois o sono já está chegando, mas tomo um susto quando alguma coisa cai em cima de mim. — Porra! O que é isso? — Desculpa! Aí desculpa... — A voz de Alice me deixa surpreso. — Alice? — Me sento na cama, acendo a luz do abajur. — O que você está fazendo? — Aí nossa! Você está de cueca... — Ela tampa os olhos com a mão. — É sério isso? — Olho para ela confuso. — Até onde lembro você já me viu pelado...

— Ei! Você está muito assanhado... — Ela está sentada na beira da cama e percebo que está enrolada em uma toalha. — Mas o que é isso! Você está de toalha? — Ela sorri, e eu entendo tudo. — Espera aí, você bebeu vinho demais não foi? — Não! — Ela segura a toalha e olha para mim. — E que eu não trouxe roupa, aí vim te perguntar se você tem uma blusa para me emprestar.... — Tenho sim, espera aí. Me levanto e vou até o meu guarda-roupa e pego uma blusa branca e dou a ela, ela agradece e pega a blusa. — Segura aqui. — Ela aponta para a toalha onde ela está segurando. Eu penso mil vezes, mas acabo segurando, ela coloca a blusa e conforme ela vai caindo ela diz para que eu solte, ver aquela toalha caindo indo e aquela blusa descendo... Dou um passo à frente, mas paro, sinto que não posso fazer isso, parece errado. Ela também dá um passo em minha direção, mas ao ver que eu permaneço parado ela recua. — Boa noite Aron. — Ela pega a toalha do chão e sai rápido. — Merda... Me sento na cama me sentindo um idiota, por mais que minha vontade seja jogar ela na cama e passar a noite toda com ela, não consigo... Parece que estou traindo a Marina, as fotos dela estão aqui, é como se ela estivesse me olhando. Olho para foto dela na escrivaninha que cai do nada e quebra. — Mais o que? — Me deito na cama e fico olhado para o teto. De repente me lembro da conversa que tive com Alice na cozinha. Me levanto e vou até o quarto dela, a porta está entreaberta, olho pela brecha e vejo ela deitada na cama, falando no celular. Bato de leva na porta e ela olha para mim e pede um minuto. Ela desliga e olha para mim esperando que eu diga algo. — É que eu... Bem... — Aron, eu fui bem sem noção. — Ela me interrompe. — Eu não devia ter ido no seu quarto daquele jeito, não devia ter desrespeitado a casa dos seus pais assim... Para falar a verdade acho que eu realmente exagerei no vinho, sei que somos amigos e nada além disso. Vejo ela falar e sei que quem errou fui eu. — Vim aqui perguntar o que você ia falar na cozinha... — Ela para de

gesticular e olha para mim intrigada. — Jura? — Ela coloca a mão cintura. — Ou isso é só uma desculpa, para vir aqui? Por que é óbvio que eu ia dizer "Mãe" porque todos sentem falta de carinho de mãe... ​Não me seguro agarro ela pela cintura e a beijo. ​

E agora? Cada pedaço de mim pede por isso, penso na nossa primeira vez e como não aproveitamos o momento, não foi especial, e nossa como eu queria que tivesse sido. Ela envolve meu pescoço com seus braços e eu a agarro firme pela cintura para que seu corpo não desgrude de mim por nada. Minha língua invade sua boca, como se estivesse tomando posse, seu gosto me deixa louco de tesão, não quero desgrudar meus lábios dos dela, e parece que ela também não quer que eu saia dali. Solto sua cintura por alguns segundos, tempo suficiente para tirar minha blusa que parece um vestido nela, aproveito esses segundos para olhar para ela, sua pele branca me faz sorrir de alegria, seguro em suas mãos e a puxo para mim, ela sorri e me beija. — Você tem certeza de que quer fazer isso Aron? — ela pergunta ainda me beijando. — Certeza absoluta. — Pego-a no colo. — Você é tudo o que quero. Coloco ela na cama com cuidado. Olho para ela deitada, cabelo espalhado apenas com sutiã, corpo

perfeito e pele macia. Penso em porque perdi tanto tempo. Beijo cada parte do seu corpo que me pedi atenção, vejo o desejo nos olhos dela e ali sinto que devo fazer a coisa certa. Me dou conta de que estou em sua parte mais delicada e a cada beijo ela se contorce e isso me faz querer cada vez mais, cada suspiro, cada gemido de prazer... Minha língua dança sobre sua parte mais delicada e eu fico duro a ponto de explodir com cada sensação, o gosto dela me deixa louco, preciso ficar dentro dela, sentir o corpo dela abraçando meu pau, não perco tempo porque o desejo me consome e sinto que é o que ela quer também. Explodindo de desejo entro dentro dela, e a sensação é inimaginável. Os dois gemendo, o movimento faz com que cada partes dos nossos corpos fiquem em sintonia. Mágico, gostoso, perfeito. Aumento a velocidade porque é mais forte que eu, ela também pede isso com o olhar. Deixo o desejo me levar porque não consigo mais segurar e sei que ela também, e no momento que ela diz o meu nome, é o meu fim. — Aron... Acordo com um sorriso bobo no rosto, um sorriso que simplesmente aparece, e ele aumenta quando vejo Alice deitada com o cabeça no meu peito e o braço em cima de mim. Parece que esse lugar pertence a ela. Decido não me mexer, não quero acordar ela é perder essa visão perfeita. Percebo que o sol ainda não saiu, me ajeito na cama e abraço Alice que se encaixa ainda melhor em mim, e volto a dormir. — Bom dia!! — Acordo com a voz doce dela. — Hmm... — É tudo o que minha preguiça me deixa dizer. Ela me faz um carinho e eu abro os olhos. Encontro uma Alice de cabelos bagunçados, uma beleza que me deixa duro de novo. Coloco o travesseiro em cima tentando disfarçar. — Você acredita que já são dez da manhã? — ela diz se deitando em cima de mim preguiçosa. — Jura? — Puxo ela para um beijo. — Minha mãe deixou a gente dormir tudo isso? — Parece que sim...— Ela se levanta e pega minha blusa do chão. — Vou tomar um banho, estou com fome. — É uma ótima pedida, também estou com fome. — Pego meu short do chão e visto. — E um banho cairia muito bem... Escuto um barulho lá fora, vou até a porta e vejo minha mãe subindo.

— Merda, vou para o meu quarto. — Agarro ela pela cintura e a beijo com vontade, meu pau corresponde ao beijo. — Vou ficar te devendo um banho, e com toda certeza uma transa de bom dia. — É mesmo? — Ela sorri. — E como toda certeza eu irei cobrar. Volto para a porta e olho para os lados a procura da minha mãe, não vejo nada então corro para o quarto e me jogo na cama. Suspiro pensando na noite maravilhosa que tive com Alice, e fecho os olhos. — Onde você estava Aron? — A voz da minha mãe me assusta. — Porra mãe! Quer me matar do coração?! — Me sento na cama com a mão no peito. — Mocinho.... — Seu olhar é engraçado. — Já tem tempo que não sou mocinho — respondo fazendo careta e cruzando os braços. — Você dormiu com ela não foi? — Ela ignora minha cara feia. — QUE? — Tento fingir surpresa, mas minha mãe é esperta demais, e só faz arquear uma sobrancelha em resposta. — Está bem... Eu não devo satisfação de com quem eu durmo. — ARON! — Minha a mãe me repreende. — Você tem que ter o mínimo de educação. — Tá desculpa. — Não gosto de ser grosso com ela ainda mais quando ela faz aquela cara, cara de mãe triste. — Mãe, não estou pronto para isso agora, você pode esperar? — Você precisa parar com isso, chega de se culpar, chega de se torturar, chega de não ser feliz! Você já viu como essa menina olha para você? Já viu como ela cuida de você? Já reparou o quanto ela mudou sua vida? Filho se permita ser feliz! Nesse momento me lembro o quanto eu amo a minha mãe e o quanto eu senti falta dela. Então eu faço o que eu vim aqui fazer. — Me desculpa? — A abraço apertado e choro, choro tudo o que não chorei com ela a oito anos atrás. — Obrigado, por tudo. Depois do almoço arrumo as coisas e voltamos para casa. Não sei se é só comigo, mas a volta para casa é sempre mais rápida. Deixo Alice em casa e vou para a minha, doido para descansar. Não à lugar como o lar é o que dizem, mas sabe que foi essa a sensação que tive assim que cheguei?

— Oi puto, como foi esses dias sozinho? — Pego o filhote que está louco ao me ver. — Fez muita merda? Fez... fez sim... Limpo a casa que está um nojo e caio na cama. Tomo um susto com os socos que estão dando na porta, me levanto em um pulo e vou correndo para abri. — Senhor Aron!!! Senhor!!! O porteiro me grita. — É o que?? Vai derrubar a porta! Que horas são? — Abro a porta e encontro um porteiro pálido. — O que aconteceu? Sinto um frio na barriga, um enjoo tomar conta de mim. — É a Flor... Quer dizer a mãe dela... mãe dela... Ah meu deus... — Ele está desorientado. Assim que escuto o nome Flor minhas pernas somem. — O que tem ela? — Minha a voz sai num sussurro. — Foi o avião, o avião... Tadinha da Flor... — Perco a paciência, agarro ele pelos ombros e o sacudo. — FALA DE UMA VEZ PORRA! O AVIÃO CAIU! — ele grita, seus olhos arregalados. Perco o chão, tudo fica lento, vou andando até chegar no sofá e cair ali.

Seguir em frente, pensei que jamais iria cogitar fazer isso, mais hoje depois de muito tempo tenho alguém que vale a pena correr o risco. — Bom dia!!! — grito ao chegar na cozinha onde meu pai toma café. — Bom dia sumida... — ele diz e toma mais um gole do seu café. — Como foi o passeio? Foi... — Fecho meus olhos lembrando do quanto foi bom. — ...bom, bem bom... — Que bom, fico muito feliz em saber... — Ele volta a beber seu café. — Ah, meus parabéns pelo primeiro lugar no concurso, tanta coisa aconteceu que eu nem pude dar os parabéns. — Ah papai!!! nada disso seria possível sem você, agora vamos as mudanças... — Pego um pouco de suco. — Tem tanta coisa acontecendo de

bom na minha vida, que confesso que estou com medo do que vem pela frente... — Mordo meu bolo de chocolate. — Bom agora eu tenho que ir, meu dia de Cinderela acabou. Bebo mais um gole do suco e me levanto, mas meu pai me chama antes que eu chegue na porta. — Ali? — Oi?!— digo voltando. — Ele está bem? Ele está te fazendo bem, mas quero saber como está toda aquela escuridão... — Meu pai ainda nem conheceu o Aron ainda, mas ele se preocupa. São essas pequenas coisas que me fazer amar ainda mais o meu pai. Suspiro e me aproximo dele. — Ele está bem melhor, não é uma coisa que passa assim de uma hora para outra..., mas ele está vivendo um dia de cada vez. — Fico feliz por isso, estava pensado... — Ele olha com um olhar pidão. — Será que ele viria jantar com a gente? Sinto meu coração bater mais forte. — Jura? — Um sorriso enorme toma conta do meu rosto. Claro! quero conhecer a pessoa que te fez sorrir assim de novo... Dou um abraço apertado nele, e encho ele de beijos. — Vou falar com ele hoje, vamos almoçar juntos. Eu te ligo avisando! — Tudo bem, até mais. — Dou mais uns beijos nele que sorri feliz e vou embora. Pego um táxi e assim que me acomodo nele pego meu celular na mochila, estou ansiosa para vê-lo o mais rápido possível. Ligo para ele, chama, chama, chama e ele não atende, sinto um aperto no peito, ligo mais duas vezes, mas continuo sem resposta. Chego no Myballet agoniada, sinto meu coração apertado, tento liga mais uma vez e nada. — Bom dia meninas — digo distraída. — Bom dia! — algumas meninas respondem juntas. Sam olha para mim curiosa. — Está tudo bem Ali? — ela pergunta. — Humm?— digo distraída. — Ah, oi Sam. você pode vir até minha sala, rapidinho?

— Claro! — Ela vem junto comigo até minha sala, assim que entramos ela começa a falar. — O que aconteceu? Você está estranha, pensei que você ia chegar radiante, cheia de novidades, vocês brigaram? Os pais dele não gostaram de você? — Samanta, para de falar igual uma matraca! Parece que nem respira! — Ela para de falar no susto, e me olha envergonhada. — Desculpa. — Olho para ela e jogo minha mochila no canto e me sento ainda olhando para o celular. Alguém me ligou antes de eu chegar? — Não... — Ela franze o cenho. — Aconteceu alguma coisa? — Não sei, eu estou ligando para o Aron, mas ele não atende. — Ligo mais uma vez, e nada ainda. — Sam liga para o Murilo estou com uma sensação ruim... — Está bem, assim que eu souber de algo te aviso. — Ela se levanta e para sair. — Ali fica calma, não deve ser nada. — Espero. Posso minha manhã distraída e sem notícias de Aron, Sam também não consegue falar com Murilo, e isso me deixa ainda mais nervosa. Tento focar nas aulas e nas minhas alunas, e até que funciona por um tempo, mas quando chega perto da hora do almoço meu coração volta a apertar. Deixo as meninas revisando os passos e vou dar mais uma olhada no telefone, assim que chego no banheiro meu celular toca. "Aron" Atendo no primeiro toque. — Oi! — digo nervosa. Ele suspira antes de falar. — Oi Bailarina, como estão as coisas? — Fico confusa por um tempo, como ele pode falar como se não tivesse sumido a manhã toda. — Tudo certo para o nosso almoço? — Aron, está tudo bem? — Claro, por que não estaria? — Sinto que ele está forçando muito para parecer normal. Tudo bem, você não quer falar, é que eu te liguei praticamente a manhã toda, e você não atendeu. — Ele suspira mais uma vez. — Eu sei, podemos conversar no almoço? — Podemos sim. — Sinto um nó na garanta. — Então nos vemos daqui a pouco. Beijos Bailarina.

— Beijos Lutador. Desligo o telefone ainda mais triste e preocupada. A hora se arrasta, e quando falta dez para uma da tarde, libero as meninas. Vou até o banheiro e mudo de roupa, olho no relógio e vejo que já está na hora. — Sam estou indo almoçar, qualquer coisa estou no celular. — Está bem. Assim que passo na porta, pego meu celular para ver se ele me mandou alguma mensagem. — Oi! — Sou surpreendida com ele me esperando na frente do trabalho. — Vamos? Um sorriso de felicidade toma conta do meu rosto e pela primeira vez não me contenho, vou até ele, passo meus braços pelo seu pescoço e o beijo. Ele está tão lindo que não sinto vontade de largá-lo. Ele me pega pela cintura e retribui o beijo com mais intensidade, solto um suspiro e ele me aperta ainda mais. Por alguns segundos me esqueço que estamos na rua, sentir sua boca na minha, seu gosto, seu corpo quente me faz perder o juízo. — Senti sua falta — ele diz sem desgrudar de mim um milímetro se quer. Eu também. — Gostaria de informar que é com muita raiva que estou te soltando. — Ele me beija mais uma vez e antes de me largar dou uma mordida leva em seu lábio. — Você também não ajuda. — Vamos? — digo sorrindo. — Vamos! — Ele me entrega um capacete e eu subo na moto atrás dele. Chegamos no restaurante, um bem simples, mas, ainda sim, com sua beleza. — Comida caseira — Aron diz puxando a cadeira para mim. — Não existe nada melhor — digo me sentando. Fazemos nossos pedidos e assim que a garçonete sai Aron pega em minha mão. Olho para ele e vejo um olhar triste, aqueles olhos azuis tão tristes me faz querer abraçá-lo para sempre. — Preciso te contar uma coisa... — ele diz acariciando minha mão. — Aron você está me deixando nervosa. — Eu sei.

— Então conta logo, porque eu estou imaginado mil coisas. — Ontem à noite... — Ele para e respira. — Bom depois que te deixei em casa, eu fui para minha casa e dormi, um tempo depois acordei com alguém batendo na porta, era o porteiro, ele estava muito nervoso... — Ele passa a mão livre no cabelo. — Alice aconteceu um acidente, a mãe da Flor morreu, o avião caiu. Fico sem chão, sem reação. — Meu Deus! — minha voz sai num sussurro. — E como ela está? E agora? Calma — ele diz firme. — Como eu posso ter calma? Tadinha... — Eu estou resolvendo as coisas... Ela tem uma tia, que ficou de buscar ela e a avó... Por isso não te atendi, eu estava ajudando. — Ela já sabe? — Eu contei. — Ele está arrasado, e isso me destrói. — Disse que a mamãe dela virou uma estrela... — Você disse isso para ela? — ele diz que sim com a cabeça. — Que merda! Eu estava tão feliz hoje, eu disse para o papai que estava muito bom para ser verdade, eu sabia que vinha coisa ruim por aí... — Mas ela vai ficar bem, ela tem a tia que vai cuidar dela e da velha. — E eu fazendo planos para hoje à noite — digo mais para mim do que para ele. — O que? — Ele diz curioso. — Que? — falo percebendo que ele ouviu. — Nada. Tento mudar o assunto, mas não consigo. — Fala, o que foi? — Não, é que meu pai pediu para te convidar para jantar com a gente... — Ele abre um sorriso que me contagia. — Não precisa aceitar. — Está aceito! Preciso me distrair, será um prazer jantar com você e seu pai.

Meu estômago parece que vai explodir, estou me sentindo um

adolescente que vai sair pela primeira vez com a namorada, ou melhor preço que estou indo pedir permissão para isso. Minha cabeça não me deixa focar somente no jantar que já estou a caminho, ele fica me levando até a Pirralha, fico me perguntando como será que ela está, se ela está bem, se está chorando, se já comeu... Preciso deixar isso para lá, não é da minha conta, não é problema meu. A deixei levar o filhote para não se sentir sozinha. Mas alguma coisa está me incomodando, não me deixa relaxar, não me conforta saber que ela está com essa mulher. Estou com o meu melhor jeans, minha melhor blusa preta e meu tênis all star preto. Me olho no espelho e até que não estou ruim, mas esse buquê na minha mão me deixa com cara de bobão, tem muito tempo que não faço isso. Pego minhas chaves e vou embora, não quero me atrasar, detesto atrasos. Alice abre a porta com um sorriso arrebatador em seu rosto. — Olá Bailarina! — digo entregando as rosas para ela. — Olá Llutador! — Ela pega o buquê. — São lindas, muito obrigada! — Você está linda, como sempre. — Ela está usando uma saia clara e uma blusa de alça azul, seu cabelo está preso num rabo de cavalo. — Você também não está de se jogar fora. Vem, entra meu pai está lá na cozinha. — Da cozinha dá para ver a porta? — pergunto olhando por trás dela, mas sem sair do lugar. Ela franze o cenho sem entender. — Não, porq... Eu a interrompo com um beijo, ela fecha os olhos lentamente e me abraça. Eu não queria agarrar ela na frente do pai, mas não ia conseguir segurar essa vontade de beijá-la por muito tempo. O pai dela é bem legal, e a ama muito, dá para perceber o zelo que ele tem por Alice. Ele tem um jeito de falar que tira coisas da gente sem que possamos perceber, em alguns minutos ele me fez contar coisas que não contei nem para Alice ainda. — Então você tem uma empresa de advocacia? — Ele me pergunta empolgado, olho para Alice que me encara com uma cara de o que? — Tenho... — Me sinto envergonhado. — Mas depois do acidente eu preferi me afastar, por um tempo...

— Nossa, mas como você consegue administrar tudo estando longe? Estamos colando as coisas na mesa para começar a comer. — Tenho um amigo que cuida das coisas para mim, ele me mantém informado. — Nos sentamos à mesa e começamos a nos servir. — Ajudo ele com alguns casos... Sabe, para não enferrujar... — Sei bem como é, apesar de tudo você ama o que faz... Fazia. — Olho para ele e uma sensação boa toma conta de mim, um sorriso sincero enche meu rosto. — É, acho que sim..., mas vamos falar dessa bela dama que dança muito bem por sinal. — Alice sorri para mim enquanto leva o garfo a boca. — Ah, e gostaria de dizer que esse é sem dúvida o bife de panela mais gostoso que já comi e me faltam palavras para esse purê! — Verdade papai, está divino! O jantar flui agradável conversamos por muito tempo coisas divertidas, e engraçadas tenho uma noite muito boa, algo que não tinha a muito tempo. Mas as coisas começam a mudar quando o assunto chega no casamento de Alice com aquele babaca. — No começo tudo era maravilhoso, ele tratava Alice como uma princesa, ela vivia sorrindo feliz, estava dançando como nunca. — Thomas fala, consigo sentir raiva na sua voz. — Mas as coisas foram mudando, ela começou a parecer triste e distante, medrosa, fria, o sorriso não fazia mais parte do dia a dia dela, ela começou a não vir mais me ver, vivia chorando. Um dia fui visitá-la pois tinha um mês que não a via, quando cheguei lá ela estava caída no chão, ela tomou vários remédios, no começo eu pensei que era depressão, não quis acreditar que o marido da minha filha, que prometeu cuidar dela, era o culpado por tudo aquilo... Me dói ouvir aquelas coisas, me dói saber que ela sofreu tudo isso. — Mas as coisas mudaram, ele já não faz mais parte da minha vida. — Isso, agora eu estou aqui. — Essa frase assusta a todos na sala. Confesso que eu me assusto mais que do que eles. Meu celular toca, eu olho, mas é um número desconhecido então rejeito a ligação. Terminamos o jantar e o bate papo, tomamos um café muito bom e depois de uma despedida que me deixa duro, vou embora. O número me liga mais umas três vezes e eu continuo rejeitando. Quando se conhece uma pessoa e criamos um laço com ela, se torna

difícil ficar sozinho. Eu vivi isso com a Mari, nós éramos inseparáveis desde sempre, ela era minha única amiga e eu o único amigo dela. É assim que acontece quando se muda. Ela foi meu primeiro beijo, minha primeira transa e como ela dizia fui seu primeiro pau fixo, eu dizia que era pau do amor. Ela discordava. Chego em casa cansado, porém feliz, e pela primeira vez pensei na Mari e não sentir dor, senti uma coisa diferente. Acordo bem cedo no dia seguinte e disposto, faço umas abdominais, umas flexões, levanto uns pesos e depois tomo um copo de nescau, porque não é só de whey que vive o homem. Tomo um banho e vou para academia. — Bom dia cuzão! — Murilo grita ao me ver. — Bom dia. — Hmm está alegrinho? — Fico olhando para ele me perguntando de onde ele tira tanto sarcasmo. — Estou sim, e você? Como está o namoro? — Retribuo o deboche. — Até que está bom, não achei que seria legal se amarrar em alguém. — Ele coloca as luvas e continua. — Ela cuida de mim sabe? Se preocupa... É legal. — Ela é sua namorada ou sua mãe? — falo já caindo na gargalhada. — Vai se fuder! — Ele ri junto. — Vamos logo porque hoje eu estou cheio de trabalho, falando nisso preciso uma ajuda tem um caso que está acabando com a minha paciência, tem como você dar uma olhada? — Claro! Na hora do almoço vejo isso. Depois do treino vou trocar de roupa e dou uma olhada no celular tem mais chamadas não atendidas. Mas que bosta de número é esse? — Bora? — Murilo me chama. — Vamos! — digo ignorando o celular. Vamos para o restaurante de sempre e logo fazemos os pedidos, estou empolgado para trabalhar. Estou entretido com os papeis quando o celular toca, já ia xingar quando vejo "Alice" escrito na tela. — Bailarina... — Começo a dizer quando ela me interrompe. — Aron, preciso que você venha aqui no MyBallet, AGORA! — Ela está nervosa, me levanto na mesma hora. — Chego aí em dez minutos.

Jogo o dinheiro na mesa, Murilo me olha sem entender o que está acontecendo. — Tenho que ir, aconteceu alguma coisa com Alice, leva esses documentos lá em casa para mim depois. — Tá beleza, depois me liga pra me dizer o que aconteceu — ele diz recolhendo os papeis. Saio em disparada, subo na moto e corro para saber o que está acontecendo.

Como uma flecha eu chego no MyBallet, mil coisas passam na minha cabeça já sinto minha mão formigando com o soco imaginário que dei na cara do babaca do Thiago. — Cadê ele? O que ele fez? Você está bem? — Meu coração está disparado. Olho todos os lados dela para ter certeza de que está tudo bem. — Aron! — ela diz alto para que eu te de atenção. — Respira, fica calmo. Eu estou bem, na verdade não estou bem, estou nervosa. Está? Então o que foi? — Paro e olho ao redor, ela está em pé andando de um lado para o outro e sentada na poltrona está Samanta. — O que está acontecendo? — Aron, preciso que você se sente. — Ela me olha seria e aponta a cadeira que está na frente da mesa. Olho para ela ainda tomando folego e me jogo na cadeira. — Quer um copo de água? — Samanta diz se levantando. — Vou aceitar, Alice fala de uma vez... — Samanta acena com a cabeça e sai fechando a porta. — Recebi uma ligação hoje cedo.... — Meu estômago dá uma volta de 360°. — O número era desconhecido, eu hesitei em atender, mas acabei atendendo, pensei que seria mãe de aluna. Era, aí Aron... — Ela para de andar e se senta à minha frente, tampa o rosto com as mãos e suspira. — Era uma mulher, a ligação estava ruim ela falava baixinho como se estivesse escondida, não sei, ela perguntou: "Alô, é a Vermermelha?", senti meu

coração para na hora depois ela perguntou se sou amiga da Flor... e a ligação caiu! A cada palavra dela sentia o mundo aos meus pés ir sumindo, minha boca ficando seca me sinto impotente. — E depois? — pergunto ainda zonzo. — Depois nada, depois eu tentei ligar e não consegui, depois eu procurei nos documentos da Flor e não achei nada passei o dia assim, procurando... Aí te liguei. Você precisa me dizer o nome da tia ou onde ela mora... Qualquer coisa! — EU SABIA!!! — grito socando a mesa. — Não estava bem com o fato de ela estar lá... o que será que está acontecendo? Eu vou até lá. Eu vou junto! — Alice diz se levantando. Escuto a porta se abrir e logo Samanta entra. — Vai aonde? — Samanta pergunta franzindo cara feia. — Toma sua água. E parem de surtar! Pelo amor né, vocês não sabem se isso é verdade pode ser um trote, Aron liga para a tia dela e pergunta. Vocês não vão sair feito dois doidos pela rua sem saber o que está recebendo acontecendo! — Por isso que quero ir até lá, não posso simplesmente fingir que nada aconteceu! — falo levantando os braços. — Ela está sozinha, sem a mãe! — Mas está com a tia! É Família, você acha que vai chegar lá e fazer o que? — Eu vou... — Levo um baque, não sei o que vou fazer. — Eu... — Você nada! — Samanta continua a falar. — Mas Samanta é uma ligação preocupante!! — Alice pensa, vocês vão sair correndo e chegar lá e falar o que? Alguém te ligou e perguntou se você era a Tia Vermermelha? Você é só a exprofessora dela! — Ela se vira para mim. — E você o vizinho! Um bem maluco, sozinho, grosso e mal-humorado! Ela nem vai abrir a porta. Paro por um minuto e vejo que ela realmente tem razão, me sinto um sem noção. — Você tem razão, eu vou ligar para ela. — Ah que bom... — ela diz levantando os braços como se estivesse cansada. Alice se joga no sofá respirando fundo. Pego meu celular e ligo para a tia da Flor. — Alô, aqui é o Aron... — A mulher é seca.

Não sei quem é. — E desliga o telefone. Olho para Alice pensando no que fazer, tento me acalmar para não fazer uma besteira. — Eu vou até lá, eu tenho que ir.... — O celular toca e atendo surpreso. — Alô? — Senhor Aron, me desculpe, eu me lembrei do senhor, e que eu estou com a cabeça cheia minha mãe não está bem, ela piorou e eu tive que interná-la, a Flor não aceita a morte da mãe e o pai sumiu... Eu imagino o porquê da ligação, mas tudo não passou de uma brincadeira dela com a vizinha e eu já chamei atenção dela, ela não vai mais ligar para a dona Alice... — Ah tudo bem, não precisa ficar nervosa está tudo bem, você está precisando de alguma coisa? Eu posso ir até aí e levar algumas coisas para a Flor... — NÃO! — ela diz, assustada. — Desculpe, não precisa está tudo bem, não precisamos de nada. — Mas eu só queria aju... — Ela desliga o telefone. — O que foi Aron? O que ela disse? — Alice diz preocupada. Tento não pensar para não agir no impulso, respiro fundo e antes que eu fale algo meu celular toca novamente e vejo que é a tia da Flor. — Sim? — Tento manter a calma. — Oi Urso. — Ouvir a vozinha dela me dá vontade de ir até lá e buscála. — PIRRALHA! — grito de alegria. — Aí! Não grita no meu ouvido. — Mandona como sempre. Foi sem querer, como você está? Alice tenta chegar perto para ouvir também, dou um leve empurrão nela e faço uma cara de esse momento é meu. Ela franze o cenho e cruza os braços mostrando que não gostou. — Estou bem Urso, mas tenho que ir porque tenho trabalho de escola para fazer. Minha tia disse que já está na hora... E que era só para você ver que estou bem. — Você está bem mesmo? — pergunto preocupado. — Tem certeza? — Tenho sim, agora já vou, tchau. — Flor!? — Que? — Qualquer coisa você me liga está bem? Eu corro para te ver.

— Está bem Urso, manda beijo para a tia Vermermelha. Sinto um alívio por ter ouvido a voz dela, mas ao mesmo tempo não estou convencido, mas como não posso fazer nada aceito, por hora. — Ela está bem. — Finjo um sorriso de alívio. — Jura? — Alice pergunta feliz. — Juro — respondo.

Uma semana depois... Já são sete e meia da noite e eu estou nervoso. Muita coisa para fazer, estou nervoso, ansioso e com medo dela não gostar. Meu celular toca e é Alice. — Olá minha Bailarina... — Meu coração bate forte. — Oi... — Sua voz é doce. — Aron o que você está aprontando? — Você vai saber às 22h, não se atrase. Eu vou te buscar. — Mas eu estou curiosa! — Ela protesta. — E vai continuar até às 22h, agora deixa eu ir estou ocupado, até mais tarde Bailarina. — Até mais tarde Lutador... Volto para os preparativos, ainda ansioso e com certo receio dela não gostar da surpresa. Logo tudo está no lugar, termino tudo e quando vejo a hora ainda tenho uma hora, então vou me arrumar. Pego minha moto e vou buscar Alice, o coração bate forte no peito, chego rápido na casa dela. — Você está extremamente linda hoje. E ela está mesmo não consigo para de olhar para ela. — Você também não está de se jogar fora. — Hmm bom saber... Vamos? — Claro! Não aguento mais de curiosidade. Minhas mãos estão suando, faz tempo que não sinto essas coisas, e também faz tempo que não faço uma surpresa para alguém. Estou parado na porta segurando a maçaneta, Alice está com um

sorriso que parece estar congelado no rosto. Está pronta? — pergunto, um frio na barriga está me matando. Acho que sim... Abro a porta, e peço para ela fechar os olhos, ela fecha e eu a guio para dentro. — Não abre ainda, só quando eu disser. — Está bém... Aron estou nervosa. — Eu solto um suspiro alto. — Eu também. Depois de uns segundos, paro ao lado dela, chego perto do seu ouvido e falo: — Pode abrir...

Você aceita? Fico ali impactada, está tudo tão lindo! Ele teve um trabalho danado para arrumar tudo, a luz está apagada e no chão tem um caminho de velas em potinhos de vidros, em cada canto tem uma rosa vermelha como a que ele me deu na primeira vez, dou um passo para frente e vejo uma mesa muito bem arrumada com taças e pratos, sinto um cheiro muito bom vindo de lá, me viro para falar com ele mas sou surpreendida por um beijo. Eu amo essa boca, adoro seu beijo, seu cheiro, sua pegada... Você gostou? — ele pergunta sem desgrudar sua boca da minha. Eu amei! Aron, você é tão lindo. — Você merece muito mais. Agora vem, vamos comer, estou faminto! Ele me puxa em direção a mesa, puxa a cadeira eu me sento, ele contorna a mesa e se senta à minha frente. — Você fez tudo isso sozinho? — pergunto pegando o guardanapo. — Fiz sim, eu sou um príncipe, você ainda não percebeu isso? — ele diz sorrindo. — Nossa! Sabe que não tinha reparado? — Ele coloca o vinho na

taça. — Na verdade eu suspeitava, mas não ia perguntar para não te assustar... — Fez bem, sou um príncipe tímido e amedrontado, eu poderia ter saído correndo... — Seria uma coisa bem estranha de ver. — Ela dá uma gargalhada. — Deixa que eu sirvo a comida. — Ei! Eu sou o cavaleiro aqui... — E eu sou a dama à frente do meu tempo! Sirvo a macarronada, ele fez dois tipos de molho e cada um serve o seu, o jantar flui maravilhoso, rimos, conversamos, falamos bobeiras, até que chega a sobremesa. — Sorvete! — Ele anuncia — Nossaaa! Melhor jantar romântico da vida! — exclamo animada. Ele serve o sorvete e eu ataco, estou ali me acabando no sorvete quando vejo ele esticar a mão e pegar a minha, levanto os olhos para olhar para ele e vejo que ele está segurando uma caixinha. Solto a mão dele e levo as minhas duas a boca. — O que é isso Aron? — digo em um sussurro. — Alice, eu quero te pedir uma coisa... Meu coração vai na boca e volta. — Aron eu... — Calma ainda não falei nada! — ele diz sorrindo, ele coloca a caixinha na mesa e prende o cabelo num coque. — Alice, você chegou na minha vida e fez tudo ter sentido, me fez sentir vontade de viver, me deu alegria de novo, me fez sentir vivo novamente, a cada dia que passa eu e apaixono mais por você, e hoje é a primeira vez que digo isso em voz alta, sinto sua falta quando você não está, quero estar sempre com você, e quero dizer uma coisa que não digo a oito anos. — A cada palavra meus olhos enchem de lágrimas. — Eu te amo Alice, e eu juro que nunca pensei que sentiria isso de novo, confesso que estou com medo, e sei que com certeza você também está, vamos ter que aprender a nos entregar de novo para alguém, mas eu estou disposto a isso e espero que você também, quero que você faça parte da minha vida, mas quero que seja tudo ao seu tempo, então quero saber se você aceita namorar comigo!? Eu fico ali em choque, ele realmente está me pedindo em namoro, será algo oficial. E eu sinto medo, muito medo, mas eu quero, quero arriscar, quero ser dele.

— Eu aceito meu Lutador! — Ele abre um sorriso tão grande, que me faz levantar da cadeira e ir até ele. — Agora você é minha Bailarina, minha de verdade, só minha... — Ele coloca o anel no meu dedo, e me agarra me beijando. Temos um anel de compromisso, você realmente é um príncipe. Eu disse que era. Ele me pega no colo e me leva até o seu quarto sem para de me beijar, ele nem coloca na cama e tira a blusa. — Vou ter que me acostumar com um príncipe muito feio... — digo sorrindo. — Ah vai sim.... — ele diz vindo na minha direção. Ele tira a minha blusa e volta a me beijar, puxo ele para mim, quando ele vai tirar minha calça alguém bate na porta, na verdade quase derruba. Ele tenta ignorar e voltar a atenção para o botão da minha calça, mas a pessoas começa a tocar a campainha sem tirar o dedo dela. — PORRA! — ele diz se levantando. — Calma, deve ser importante. — Me levanto da cama. — Não, pode esperar aí que já volto. — Ele protesta ao me ver colocar a blusa. — Amor, olha o seu estado! Você não irá abrir a porta assim... — digo apontando para sua ereção que está quase rasgando sua calça. Quando volto a olhar para ele vejo que ele está me olhando com uma cara engraçada, e um sorriso safado invade o seu rosto. — O que? — pergunto sorrindo de volta. — Você me chamou de amor... — ele diz vindo na minha direção. — E foi tão sexy... Ele me puxa pela cintura e ataca minha boca, solto um gemido baixo quando ele beija meu pescoço e vai descendo até chegar no meu seio e enfia tudo na boca, ele suga com vontade. Por um segundo esquecemos a porta, assim que ele me joga na cama a campainha volta a berrar. — Aron, vamos ver quem é... — falo entre os gemidos. — CACETE! — Ele se levanta muito puto. — Abre lá essa merda! Que assim que der eu vou lá! — Está bem. — Pego a camisa dele e visto. A campainha continua a tocar e ainda sim a pessoa não para de bater na porta, acendo a luz porque as velas já acabaram, está escuro. — Já vou, calma — digo abrindo a porta, tomo um baque quando vejo

quem é. — ARON!!!!! CORRE AQUI AGORA!!! Grito nervosa, ele vem feito um doido só de cueca. — O que foi?! — Ele para ao ver a Flor em pé na porta. — Eca Urso, você está pelado! — Ela cobre os olhos com as mãos. — Pirralha? — ele diz baixinho. — O que você está fazendo aqui? O que ela está fazendo aqui? — ele diz olhando para mim. — Eu não sei... — respondo mesmo sabendo que foi uma pergunta retórica. — Flor como você chegou aqui? — Foi a Bruna, ela me trouxe. — Ela está com uma mochilinha nas costas e com o Bibo nos braços. — Urso já está de roupa? — Porra estou pelado! — ele grita e volta para o quarto.

Não sei o que sentir, felicidade, alegria, medo ou desespero ao ver aquela Pirralha na minha porta. Coloco uma cueca e volto para sala e encontro ela sentada no sofá com um prato de macarrão entre as pernas vendo TV. Alice está ao lado dela com uma expressão que não sei descrever. — Quem é Bruna? — pergunto me sentando na poltrona. — Urso eu estava com saudades, eu não gosto da tia e não quero voltar para lá. Você só tem 3 anos! Você não tem o que querer, como você chegou aqui? — Ela revira os olhos e olha para mim. — Vim de ônibus... — Flor quem é Bruna? — Alice pergunta. — É a vizinha, ela é muito legal! Ela me dá comida, banho e me leva na escola... — Sinto uma dor no peito ao ouvir isso. — AQUELA MULHER NÃO TE DÁ COMIDA? ELA NÃO DÁ BANHO EM VOCÊ??? — Não... — ela diz meio triste. — Ela diz que está ocupada, e que tem que trabalhar... Ela disse que a vovó também dava trabalho, mas que agora que ela foi embora melhorou. Só que ela fala que eu também dou trabalho, não quero que ela me mande embora, então eu vim para você. — Ela volta a olhar para a TV e enche a boca de macarrão.

— Alice, vamos ali no quarto... — digo me levantando. — Vai namorar? — Flor pergunta. — Que? Não! Quem te ensinou isso? Pelo amor de Deus! — respondo assustado. — Eu vi na TV. — Na TV? Alice desliga essa merda! — Aron ela está vendo desenho, para de surtar, vamos conversar — ela diz me puxando. — Tenho até que bloquear os canais, me lembra disso depois. — falo para ela enquanto ela me empurra para o quarto. — Esta bem doido. — ela diz rindo. — Agora fala! Alice eu estou pensando, não quero —mandá-la de volta. — Eu ando de um lado para o outro pensando. — Eu, eu vou pedir a guarda dela! — Você vai? — Ela olha para mim surpreso. — Aron você tem certeza? — Tenho! Eu sinto que é isso que preciso fazer. Mas eu entendo que estamos começando algo agora, e que ela é uma criança, toma tempo e cuidado... Eu vou entender se você quiser voltar atrás... — Aron eu estou com você, e vou estar com você em cada decisão que você tomar, eu amo a Flor ela é muito pequena não merece passar por tudo isso que está passando, eu quero fazer parte disso, se você quiser que eu faça. Olho para Alice e sinto uma alegria enorme por ouvir cada palavra. — Obrigado Bailarina, você me faz te amar cada vez mais... Ela abre um sorriso e envolve meu pescoço com seus braços. — O que você disse? — ela pergunta me puxando para um beijo. — Eu disse que te amo — respondo a beijando. — Acho que não ouvi bem. — Dou um sorrisinho e sussurro em seu ouvido. — Eu amo você Bailarina. — Acho que posso me acostumar com isso Lutador. Agora vamos dar a notícia para a Flor? — Vamos! Ela me puxa de volta para a sala onde a Pirralha está deitada no sofá de perninhas cruzadas vendo uma porca na TV. — Flor? — Alice a chama. Oi Tia Vermermelha?

— O que você acha de ter pais novos? — Pais novos? Você vai comprar para mim? — ela pergunta confusa. — Não Flor... — Alice começa a falar mais eu tomo a frente. Coloco ela em meu colo e começo a explicar. — Pirralha, eu gosto de você mesmo você sendo difícil... — Urso você também é difícil, me dá muito trabalho. — Ah dou sim..., mas eu quero te fazer uma pergunta. — Ela me olha séria, toda sua atenção está em mim. — Você quer vir morar comigo? — Você vai deixar Urso? Mais não tem nem quarto para mim... — Eu arrumo um quarto para você, se você quiser ficar... — Eu quero muito! A Tia Vermermelha vai morar com a gente? — Vou vir te ver todo dia... — Você tem que se casar com ela Urso, aí ela mora com a gente. — Vamos ver isso mais para a frente Flor — digo para ela. — Esta bem! Agora vou ver desenho. — Não agora você vai dormir, vou arrumar a cama e você vai se deitar já está tarde, amanhã você tem escola. Deixo as duas na sala e vou para o quarto arrumar a cama, troco o lençol e arrumo uma cama no chão, volto para a sala. — Vamos? — Pego a Pirralha no colo e levo para a cama. Alice vem depois de apagar tudo e trancar a porta. — A cama é de vocês, eu vou dormir aqui no chão. Não Urso deita com a gente! — Não Pirralha, agora vai dormir e boa noite. Minha primeira visão ao abrir os olhos são cabelos pretos, depois sinto meu braço formigar acho que está dormente. Levanto a cabeça e vejo que estou na beira da cama e Alice está no meio deitada no meu braço, levanto mais e vejo Flor toda encolhida nos braços de Alice. Fecho os olhos sorrindo. Essas mulheres vão acabar comigo. Nem vejo a hora, decido dormir mais um pouco, afinal hoje é sábado. — Urso! Acorda estou com fome, Tia Vermermelha acorda quero comer!!! — Levanto no pulo, assustado. — O que? Que horas são? — Limpo a vista para enxergar uma Pirralha de cabelos para o alto em pé na cama. — Hora de acordar, e eu tenho aula. — Hoje é sábado! Sábado não tem aula... — Ela fecha a cara e cruza os braços.

— Mas você disse que eu tinha aula hoje!— Eu respiro fundo e levanto da cama. — Eu sei, mas eu esqueci que era sexta-feira... — Ela me interrompe. — Urso é muito feio falar mentiras! — Eu não falei mentira, eu só me enganei! Agora vamos ver algo para tomar café. Levo a Pirralha para a cozinha comigo e deixo Alice dormindo, reviro a cozinha a procura de algo, mas não acho nada, tenho que começar a fazer compras, me dou por vencido e me arrumo para ir na rua. — Vamos Pirralha, temos que comprar comida. Quero sucrilhos! E danonen, quero biscoito, suco, chocolate, compra bala? Batatinha, carninha, leite, nescau, sorvete! — Ela vai listando todas as porcaria que quer comer e começo a pensar esse negócio de ser pai vai ser foda. — Compra nugueti? Paro de prestar atenção, na tagarela, pois um carro preto me chama atenção, ele estava parado na esquina do outro lado da rua em frente ao flat, e começou a andar de vagar assim que saímos, fico atento. Chego no mercado faço quase uma compra de mês, essa criança pede tudo que vê, e volto para casa. O carro não está mais a vista então fico despreocupado. Saio depois do almoço para encontrar com Murilo e começar a resolver a adoção da Flor. Deixo as duas em casa vendo filme e comendo pipoca. Faz anos que não vou ao escritório, e voltar hoje é um passo bem grande que estou dando. Os olhares estão todos em mim, acho que é a primeira vez que eles estão me vendo sem uma gravata. — Bom dia, tenho uma reunião com o Murilo. — A secretária parece ser nova ali, ela me olha de cima a baixo depois olha em seu caderninho. — Seu nome por favor? — Sinto vontade de rir, mas ela não entenderia. — Aron, me chamo Aron. — Ela olha de volta para o Caderno. — Aron de que? — Fico pensando será que ela vai entender quem eu sou quando eu responder essa pergunta. — Aron Moniz — respondo abrindo um sorriso. — Senhor! — ela diz assustada. — Me perdoe, o senhor Murilo está a sua espera. — Obrigado. Entro no escritório e encontro Murilo atrás de uma pilha de papéis.

— Olha só ele sabe trabalhar... — Ele levanta a cabeça e abre um sorrisão. — Um bom filho a casa torna... — Quem diria, não é? — Pois é quem diria, senta aí e desembucha o que você quer de tão importante? Me sento e vou direto ao assunto. — Quero adorar a Pirralha, e quero isso o mais rápido possível.

Meu dia hoje fugiu totalmente da minha rotina, acordei e tinha um café maravilhoso me esperando e junto com ele um homem sem camisa, lindo de morrer e para fechar uma linda menininha de cabelos pretos mal penteados a minha esperar para tomar café. Confesso que me senti em uma história ou brincando de casinha, pensei até que seria um sonho, um daqueles que não dá vontade de acordar. Passamos um dia delicioso e depois do almoço Aron deu uma saída, eu fiquei vendo filme com a Flor. — Sabe o que cairia bem agora? — pergunto para ela. — O que? — eEla reponde sem desgrudar os olhos do filme. — Sorvete! — EBA! — ela grita pulando do sofá. — Eu queria ir à praça, me leva pra brincar Tia Vermermelha? — Levo! — respondo animada. Quando está mais fresquinho levo Flor para passear, ela pega seu Bibo e vamos cantando pela rua. Alguns quarteirões a frente, começo a me incomodar com um carro que está seguindo a gente desde quando sai de casa.

Três semanas depois... Mais uma semana que passo na casa do Aron, e minha felicidade só aumenta. Ele está todo empolgado com a adoção de Flor e eu também estou, já está tarde e estamos deitados no sofá vendo TV e conversando, Flor está na cama dormindo e eu suspiro de alegria enquanto ele faz cafuné em mim. — Estava pensando... — ele começa a dizer — preciso de um apartamento novo, um com pelo menos dois quartos. — É seria ótimo, a Flor tem que ter um espaço só dela. — Estou aninhada em seu peito, me sinto tão bem ali. — Isso, foi isso que pensei... — Mais vai sair daqui? Do flat? — Foi meu primeiro pensamento, mas ontem quando cheguei do treino vi um aviso no quadro lá no hall. — Ele se ajeita no sofá e volta a fazer o cafuné. — Vagou um apartamento no quinto andar e tem três quartos, o que você acha? Paro por um momento, ele realmente me pediu opinião sobre se mudar? Me sento no sofá e jogo minhas pernas por cima dele. — Você quer minha opinião, para se mudar? — Quero sim, por que o espanto? — Porque é uma decisão importante na sua vida... E, bom eu... — Ele olha para mim e franze a testa. — Alice, você e a Flor são as decisões mais importantes na minha vida. Você tem alguma dúvida sobre nós dois? — O que?! — Me espanto com a pergunta dele, passei a impressão errada para ele. — Aron, eu amo você! Amo a Flor, amo estar aqui é exatamente isso que eu quero na minha vida... Eu só fico com medo disso tudo. — Eu entendo. — Ele me abraça e me dá um beijo leve. — Vamos ver o apartamento amanhã? — pergunto fazendo ele sorrir. — Vamos! — ele diz empolgado. — Estive pensando, seus pais moram tão longe... Por que você veio morar aqui? — Ele sorri sem jeito. — Eu precisei me afastar das pessoas que conhecia depois de tudo o que aconteceu, esse lugar foi o lugar que vim com a Marina, foi saindo daqui que sofremos o acidente... Parece meio mórbido, mas eu tive bons momentos com ela aqui. Uma noite chuvosas que passei na rua. — Um flash me vem à

mente. — Na noite anterior de irmos embora nós discutimos porque eu não queria ir embora e ela queira, estávamos andando distraídos depois de uma discussão que esbarrei em uma moça a coitada caiu e... — Fui eu... — minha voz sai num sussurro. — Foi você...você... — Que? — ele pergunta confuso. — Alice, você está bem? Você está pálida. — Aron... Eu era a moça... — Me levanto desnorteada. — Eu... eu tenho que ir, eu vou embora... — Ei! como assim... Alice, não vai, espera... — Ele se levanta atrás de mim. — Amor, fica... Pela primeira vez ouvir ele me chamar assim me dói, pego minha mochila e vou em direção a porta, ele vem atrás de mim. — Alice, não vai, vamos conversar... Me perdoa. — Ele realmente está perdido, mas eu não consigo dormir com ele hoje. — Eu busco a Flor amanhã na escola, você pode pegar ela no MyBallet. Tchau. — Bato a porta deixando ele ali em pé olhando para o nada.

No dia seguinte parece que acordei com uma ressaca horrível, sinto como se o sonho bom tivesse virado um pesadelo me fazendo acordar. Faço o que combinei com Aron, busco Flor na escola e mando uma mensagem para ele avisando que já estou com ela. Ele me responde que buscará ela às 22h. Sei que ele está triste por eu estar ignorando, mas eu preciso de um tempo para pôr minha cabeça em ordem. Flor fica toda feliz por passar o dia comigo no ballet, ela trouxe poucas roupas quando fugiu então eu comprei algumas para ela e Aron comprou outras, mas achei engraçado que a roupa de bailarina ela não esqueceu. — Por que você e o Urso brigaram? — ela pergunta enquanto faz o alongamento. — Quem disse que brigamos? — Tento disfarçar em vão. — Eu ouvi ontem, e depois você foi embora e o Urso ficou triste, ele até dormiu no sofá. — Ela faz uma carinha triste. — Tia Vermermelha você

não vai mais ser minha mãe? Sinto um nó se forma na minha garganta, eu vou até ela e a abraço forte. — Flor, os papais também brigam às vezes, mas não quer dizer que vão deixar de ser papais... — Mas você não vai mais morar com a gente? — Vou sim meu amor, só preciso esfriar a cabeça. — Ela abre um sorriso lindo. — Tá bem, mais por que você não toma um banho de água fria? — Dou uma gargalhada. — E que vai mais rápido. — Obrigada pela dica. Voltamos nossa atenção para a dança, estou a muito tempo sem dançar depois do horário de aula, sinto que preciso dançar, preciso descarregar toda essa tenção. Coloco minhas sapatilhas vermelhas ligo o som e começo a dançar, como senti falta disso. A música toma conta do meu corpo, e naquele momento parece que vou flutuar. Flor fica por um tempo me vendo dançar como se estivesse hipnotizada, depois de um tempo ela se levanta e se junta a mim. Estamos tão entregues a dança que nem percebi que tinha alguém em pé na porta. Dou um rodopio, em direção a pessoa achando que era o Aron. Paro na frente dele e sinto meu coração parar quando ele me pega pelo braço com força. — LARGA ELA! LARGA, SEU BOBO! — Flor grita ao ver meu desespero, tento me soltar, mas ele aperta ainda mais. — ME SOLTA! THIAGO ME LARGA! — grito me debatendo. — Já chega de brincar de casinha, hora de voltar para casa!

Filha — Aron, preciso que você espere um pouco. — Murilo me chama. — Murilo não vou sair com você, tenho que buscar a Pirralha já estou atrasado — respondo pegando a mochila. — Que beber o que, eu tenho uns papeis para você assinar. — Olho para ele com cara de porra. Pow, vejo isso amanhã! É coisa do escritório? Não lesado, é coisa da sua filha! — A ficha demora a cair. — Filha?! FILHA! FILHA? — Meu coração dispara. — Isso! — ele diz sorrindo. -Você conseguiu a guarda, a tia dela não se opôs! — Caralho! — Abraço ele de alegria. — Me dá os papeis, preciso correr para contar para elas!!! Assino tudo e saio em disparada, tento achar uma floricultura aberta, mas já é tarde, então improviso. Pego algumas flores no meio do caminho e vou o mais rápido que posso, chego no MyBallet e vejo que a porta está entreaberta sinto um calafrio na espinha, ando mais devagar e abro a porta, escuto a música tocar e

sinto um pouco de alívio mas ainda sim alguma coisa ainda me incomoda, entro na sala de Alice e fico sem reação, as flores caem da minha mão, Alice e Flor não estão ali. Sem destino, o desespero me define onde elas estão?! Ligo para Alice e o celular só dá desligado, ligo para Samanta e ela não sabe onde Alice está, ligo o pai dela que também não sabe, ele achava que ela estava comigo, acabo deixando-o nervoso, vou até lá e juntos começamos a procurar. Passamos a noite inteira atrás dela e nada, vou até a polícia junto com Murilo e o pai dela e damos queixa. Já não sei mais o que fazer ligo para o celular dela e nada, só desligado. Estou em casa procurando alguma coisa que possa me levar até onde ela está quando a campainha toca, corro para atender e logo vem a decepção. — Oi, sou a Tia da Flor — ela diz com uma caixa na mão. — Você lembra de mim? Lembro sim, como vai? — Tento parecer normal. Bem, eu vim trazer as coisas da Flor que estavam lá em casa. — Ela olha parecendo procurar por pela Flor. — Estão lá embaixo com o porteiro, eu subi com isso, o cachorro. — Ah que bom! — Sinto uma ponta de alegria. Pego a caixa e tiro o puto de dentro. — Cadê a Flor? Queria dar um beijo nela... — Ela está na escola. — Ela dá um passo para trás. — Agora preciso ir. — Ah Está bem, até... Fecho a porta e volto para o quarto, o filhote vem atrás de mim latindo e vai direto para as coisas da Pirralha. — Ela sumiu cara... — digo para ele e sinto uma lágrima quente escorrer. Uma súbita vontade de ir para o MyBallet vem à tona, me levanto em um pulo fazendo o filhote latir. — Vem, precisamos sair. Assim que chegamos sinto um calafrio, saber que elas não estão ali me dá medo de não descobrir o que aconteceu. Não tem ninguém por que Samanta decidiu fechar o lugar enquanto Alice não aparecesse. O Filhote sai correndo na frente direto para a sala de Alice e começa a latir, eu vou atrás dele e começo a procurar o motivo dos latidos ele vai direto

para o vestiário. Escuto um barulho vindo do armário de roupas, assim que abro encontro um celular que está tocando. — Alô? — digo atendendo — Olha o escroto aí... — A voz de Thiago me dá nojo. Onde elas estão? — Tento manter a calma. Estão em casa. — Deixa de ser maluco! RESPONDE! — Só estou te ligando para avisar que elas estão em casa agora e que não adianta você tentar bancar o herói. — Ele é debochado. — Eu vou te achar, e quando isso acontecer você vai pedir a Deus se é que você acredita em algo, para que ele te leve... Ele desliga e eu saio feito doido tentando entender onde ele possa ter as levado, depois de andar por todos os lugares abandonados da cidade que eu conheço decido ir até o pai de Alice que também está feito louco a sua procura. — Boa tarde senhor Thomas, vim aqui porque preciso conversar... — Suas feições é triste e cansada. — Diga, você tem alguma ideia de onde elas podem estar? — O Thiago, elas estão com ele... — Ele fica pálido. — O QUE? Como você sabe? — Ele falou comigo no telefone, mas ele disse uma coisa que me deixou intrigado. — O que? — Ele disse que elas estão em casa... Você tem uma ideia do que seja? Ele fica inquieto, eu sei que ele sabe, mas sinto medo emanar dele. — Você precisa ir até a polícia. Vamos rápido, ele vai machucar a minha filha! — Sinto o desespero em sua voz me levanto e vou com ele. — Pois não? — O policial nem olha para a gente. Preciso que vocês me ajudem minha filha foi levada pelo ex-marido, ele não pode ficar a menos de 10 quilômetros de distância dela, e agora ele a levou. Ele é agressivo... — Seu Thomas fala em prantos. O policial que agora nos dá total atenção escreve tudo o que ele diz. — O Senhor tem alguma ideia de onde ele pode ter levado ela? — Eu sei exatamente onde eles estão. Em uma casa no bosque, lá não tem acesso de carro, tem uma trilha a pé para chegar. — Vem comigo senhor, preciso que você descreva todo o lugar e

como chegar lá. Vou mandar uma viatura. — Ele levou minha filha junto! — falo para o policial que rapidamente leva Thomas para uma sala. Eu escuto tudo e gravo cada detalhe do que ele diz, assim que ele termina de explicar dou o filhote para que ele tome conta, pego minha moto e vou atrás desse filho da puta, mas antes verifico se minha pistola está embaixo do banco da moto, e sim lá está ela. — Esse filho da puta vai ver uma coisa! — falo alto subindo na moto e indo buscar minhas meninas.

Minha cabeça está a mil, meu coração está acelerado, a raiva toma conta de mim. Estou a 120 quilômetros minha moto só falta voar, na minha mente só vem o rosto de desespero da Flor e o medo de Alice, mas isso acaba hoje! Sinto que estou perto, acabo de entrar numa estrada de barro e não vejo mais a estrada. As árvores vão tomando conta até não ter mais espaço para um carro passar, mas como estou de moto consigo avançar mais um pouco. Vejo uma clareia mais à frente e um pouco escondido vejo um carro, já sinto meu coração pulsar, desço da moto e vou empurrando-a até mais à frente onde tem umas rochas grandes e escondo ela ali. Olho ao redor e não vejo nada parecido com uma casa, casebre, gruta, toca... nada que ele possa estar usando como esconderijo, então vou até o carro para ver se acho alguma pista, olho ao redor e vejo uma trilha indo em direção a mata densa, não penso duas vezes; pego uma lanterna na moto e sigo a trilha, ando por um tempo que parece uma vida, a mata começa a fucar mais densa e escura. Acendo a lanterna e continuo andando já estou perdendo as esperanças, preciso parar um pouco para pensar pois sinto que estou no lugar errado. Me encosto em uma árvore e tento respirar, manter a calma. — Onde vocês estão... — sussurro. Olho com mais atenção ao redor e vejo uma luz brilhar bem mais a frente, dou um sorriso de alívio e ando em direção da luz, pela primeira vez

em muito tempo eu começo a rezar, peço em silêncio para que nada de mal aconteça com Alice e Flor. Passo a mão no bolso que está a arma, tomara que eu não tenha que —usá-la, a luz vai ficando mais forte até que eu consiga ver uma galpão todo de madeira bem velha, uma porta enorme e do lado direito de onde estou tem três janelonas algumas quebradas outras com alguma coisa tapando, mas tem uma com um buraco que sai uma luz fraca. Vou até lá bem devagar para não fazer nenhum tipo de barulho. Escuto a voz de Alice e meu coração vai na boca. — Thiago me deixa ir embora... — Sua voz é fraca e triste. — Por favor... — Cala a boca! — ele grita e escuto um estalo. — Não bate nela! Bobo! — Flor grita desesperada. — NÃO!! NÃO TOCA NELA, THIAGO OLHA PARA MIM, EU ESTOU AQUI... — Alice grita, eu olho pelo buraco e vejo ele parado a dois passos de Flor que está encolhida em um cantinho. Ele olha para trás e eu acompanho seu olhar e vejo Alice em pé, com a roupa rasgada e o rosto vermelho. Seu rosto é de dor, mas ainda sim parece forte. — Eu estava engana, eu só precisava de um tempo... Agora eu consigo ver que é você... Só você... — Ela continua a falar e o boçal sorri e vai até ela. — Viu! Você consegue ver, eu entendo, entendo sim, você só precisava ver que eu sou o seu homem. — Ele a abraça, vejo o nojo no rosto dela. Sinto uma vontade de entrar e dar logo um tiro na cara dele, mas tenho que esperar o momento certo. — A gente vai viajar, eu você e nossa filha. Vamos para a Grécia você sempre quis conhecer... — Seu semblante e feio, ele está completamente desnorteado. — Ela vai gostar de viajar com a gente né amor? — Vai sim... — ela diz aceitando o beijo dele. Ele alisa o corpo dela e eu sinto nojo, olho para Flor que não se mexeu e continua encolhida no chão com a cara virada para umas caixas. Volto a olhar para eles e não consigo me controlar, ele lambe o ombro dela e vai subindo até o pescoço, depois volta mordendo-a com força vejo em seu rosto que está doendo. Pego a arma e destravo, depois vou andando bem devagar procurando

algum lugar que dê para entrar, quase na porta de entrada eu vejo uma brecha, olho por ela e só consigo ver caixas. — Maravilha, vou pegar esse babaca de surpresa — digo sorrindo. Entro pela brecha e vejo que só tem caixa formando uma parede, algumas abertas outras fechadas, olho para ver o que é e só tem madeiras e isopor. Fico ali agachado esperando para pegar esse otário, empurro um pouco a caixa para conseguir ver os dois e tenho uma visão perfeita. Ele tenta beijar ela a força, mas Alice não deixa e isso o deixa transtornado. — VOCÊ ESTÁ MENTINDO PARA MIM! VOCÊ TEM QUE ME AMAR! TEM QUE ME AMAR, PORQUE SE VOCÊ NÃO AMAR A MIM NÃO VAI AMAR NINGUÉM!!! — Ele puxa uma arma da parte de trás da calça e coloca na cabeça dela que começa a chorar compulsivamente. — Não, não Thiago não é isso, eu amo você, amo sim..., mas a nossa menina está aqui ela não pode ver isso... — ela diz tentando acalmá-lo. Ele a joga no chão e vai até onde está a Flor, mas ela não está mais ali eu vou andando bem devagar em direção de Alice enquanto ele vai atrás de Flor gritando. — CADÊ ELA?! VEM AQUI NO PAPAI! — ele grita feito louco. Estou a alguns passos de Alice que se levanta quando me vê e quando vai correr para mim, escuto um tiro. — Se você der mais um passo na direção desse filho da puta, o próximo tiro será na sua cabeça!! — ele diz calmo, até demais. — Onde está a garota? Ele anda em direção a Alice com coma arma apontada para ela o tempo todo o dedo no gatilho, sua mão treme e eu sinto medo dele atirar então permaneço imóvel. Ele chega perto dela e a agarra pelos cabelos, e coloca ela de escudo. —Thiago, não faz isso por favor... — Cala a boca filha da puta! — ele grita com ela. — Ele pegou a nossa filha! E quer levar você de mim!!! Ele não vai tirar você de mim, você é minha, MINHA! — Eu sei, eu sei... Você precisa de ajuda, deixa a gente te ajudar... — NÃO! — Ele coloca a arma na cabeça dela. — CALA A BOCA, CALA ESSA MERDA DE BOCA!!! — Ei espera, não precisa disso... — Começo a falar. — Vamos conversar pode ser? — Se você abrir essa boca mais uma vez, vai catar os miolos dela no

chão! Ele começa a andar para trás em direção da porta dos fundos, vou seguindo-o com os olhos e dando pequenos passos em sua direção, seguro a arma atrás de mim e assim que ele dá o primeiro vacilo Alice se joga no chão, ele se assusta e eu aponto a arma para ele. — Não se mexe porra! — eu digo para ele, que aponta a arma pra mim. Sua mão treme, seus olhos estão arregalados, ele está suando frio. Eu tento manter a calma, pois só vou gastar uma bala. — Isso acaba hoje. — Eu e ele falamos juntos. Então tudo é muito rápido eu aperto o gatilho e ele também, em uma fração de segundos tudo acontece. Escuto Alice gritar, e em seguida estou no chão uma dor enorme toma conta de mim. — ARON! MEU DEUS. — Alice grita e aparece do meu lado. — Fala comigo, vai ficar tudo bem. — O que aconteceu? — eu pergunto tentando me levantar. Coloco a mão na barriga e sinto algo molhado. — O que é isso? — Calma não faz força — ela diz me segurando. Eu olho para minha mão e vejo muito sangue. — Eu estou sangrando, Alice... Cadê ele? — Começo a me sentir fraco. Ela olha para trás e seu rosto é um misto de horror e alívio. — Aron ele... acho que ele morreu... — É tudo o que consigo ouvir antes dos meus olhos fecharem.

Surpresas Desde quando me vi livre do inferno que era minha vida com Thiago, coloquei na minha cabeça que nunca mais seria aquela menina frágil e boba que era antes, quando conheci o Aron tive medo de me entregar e sair ferida, dei tempo ao tempo. Me dei limites, não me entreguei por inteira. Quando vi que Thiago estava na porta naquele dia tentei ser forte, me fiz de forte na verdade. Fingi ser alguém que não sou, me coloquei a frente dele para defender a Flor, não me deixei abalar, cada tapa, cada soco, cada chute que ele me deu passou como se não tivesse acontecido, não chorei! Não na frente dela. — Vai ficar tudo bem meu amor... Sussurrei essa frase para ela várias vezes e sorri, sim eu sorri e ela sorriu de volta. E para mim estava tudo bem. Quando vi que Aron estava ali senti alívio, rezei repetidas vezes para tudo dar certo. Mas não deu. — ARON! FALA COMIGO! FALA COMIGO POR FAVOR, NÃO DORME, NÃO DORME. — Gritei o tempo inteiro enquanto dirigia aquele carro.

Não sei como consegui levar ele até lá, mas consegui. Estava tão desesperada sem saber onde estava Flor, quando cheguei no carro só sabia chorar e gritar: "NÃO DORME". Quando abri a porta do carro e vi Flor ali sentadinha, senti um alívio tão grande que me faltaram palavras para dizer o que senti. Dirigir, só isso me vinha a cabeça. Atenção Alice, vai ficar tudo bem. Ele vai ficar bem. — Aron fala comigo, você consegue? — Alice... Flor... Ai... — ele sussurrava coisas sem sentido. — Por favor amor não dorme, você é forte! — Eu tentava mantê-lo acordado. — Quero que você olhe para mim. Olha para sua Bailarina. — Por que o Urso está sangrando? — Flor pergunta baixinho. — Ele se machucou minha filha, mas vai ficar tudo bem — eu respondo olhando para ela pelo retrovisor. — Está bem... — Ela está tão assustada e eu percebo que tenho que manter a calma. — Você é minha mãe agora? A resposta sai sem que eu pense. — Só se você quiser... O resto da viagem ela não fala mais nada, eu continuo tentando manter Aron acordado. Enfim vejo o hospital, e paro de qualquer jeito o carro. — Flor preciso que vice fique aqui com o Urso está bem? — falo para ela já saindo do carro. — Vou buscar o médico. Entro na emergência gritando feito louca, até alguém vir me atender. Um enfermeiro pega uma cadeira de rodas e vem ao meu encontro. — Ele está no carro! — Estou tão nervosa e com medo. O enfermeiro o tira do carro e o leva direto para a sala de cirurgia. Eu pego Flor no colo e me sento na sala de espera. Só nesse momento que sinto as dores no corpo, me sinto tonta e minha barriga dói. — Tia? O que você tem? Está branca... — Flor diz, mas escuto sua voz tão longe. De repente tudo escurece. Acordo assustada e meio grogue. Vejo uma mulher de branco ao meu lado mexendo nuns fios. — Ah você acordou. Pode me dizer seu nome?

Aperto meus olhos para tentar focar no rosto dela. — Alice. — Minha voz sai fraca e meio rouca. Alice, como você está? — Olho ao redor e depois para meus braços que estão furados. — É soro, você estava muito desidratada... — Minha cabeça dói. — Você vai se sentir dolorida um pouco, mas logo vai passar... Você sofreu algumas escoriações. Você caiu? — Aron... Onde ele está? — digo assustada. — Quem é? — Eu o trouxe, ele levou um tiro... — Tento me levantar. — Eu preciso vê-lo — Ah sim, calma! — Ela me segura. — Ele já saiu da cirurgia, e está estável. Mas você precisa esperar um pouco, vou pedir para a enfermeira te levar até lá para vê-lo, só mantenha a calma. — Flor?! Cadê?! — Sua filha? Ela está bem está no refeitório com a agente social, está comendo. A polícia quer falar com você. — Está bem, eu preciso mesmo falar com a polícia. Depois de dar queixa de Thiago e ver minha Flor, espero para ver o Aron pois uma enfermeira disse que ele já está acordado, uma médica entra no quarto sinto um frio na barriga. — Boa noite, como você está se sentindo? — Ela pergunta olhando umas folhas. — Bem, as dores pararam, eu já posso ir ver o Aron? Meu pai já chegou? — Já sim, ele está com sua filha. — Me sinto tão bem ao ouvir essa frase. — Agora vamos fazer uma ultra, para ver como está o seu bebê. O meu o que? — Meu corpo inteiro fica dormente, meu coração dispara. — Você não sabia? — ela diz sem graça. — N-Não... — Então Parabéns! — ela diz com uma felicidade forçada. Ela me leva para fazer a ultra e eu ainda estou em choque, uma mulher passa um gel na minha barriga e logo em seguida um negócio gelado e um som alto de coração batendo enche a sala. Meus olhos enchem de lágrimas na hora, meu coração enche de alegria e ao mesmo tempo de medo.

— Quanto tempo? — Tenho medo da resposta. — Tem como saber quantos meses? — Tem sim — a médica diz sorrindo. — Você está com cinco semanas. Um alívio e uma alegria sem tamanho tomam conta de mim. Saio da ultra com uma cópia do ultrassom, e vou direto para o quarto do Aron. Assim que entro vejo ele deitado sorrindo com as graças de Flor. — Olha só Urso! A mamãe chegou! — O que você disse Pirralha? — Aron pergunta sorrindo. — E que a Tia disse que se eu quiser ela pode ser minha mãe, e eu quero... — É eu também meu amor! — digo sorrindo. — É como você está meu Lutador? Estou melhor agora que você está aqui... — Ele sorri e eu sinto vontade de me jogar nele. — E você? Ele te machucou? — Não, eu estou bem. — Eu chego perto dele e dou um beijo. — Sou muito forte. — Eu sei, você é muito forte... A médica disse que vai demorar para eu ter alta, eu perdi muito sangue. — Onde foi o tiro? — No abdômen, mas eu vou ficar bem — ele diz sorrindo. — Eu sei, eu vou cuidar de você! — Mal posso esperar — ele diz com cara de safado. — Sossega! — Ele e eu caímos na gargalhada. — Eu tenho uma novidade para vocês! — Ele olha para Flor sorrindo. — Flor agora eu sou seu pai! — Urso! Eu vou morar com você para sempre? — Até depois disso! — ele diz abraçando Flor muito apertado.

Meu corpo ainda está dolorido, mas estou feliz por estar de alta, Alice

e Flor já estão em casa. Estou só esperando a hora de ir embora, Alice deve estar chegando, estou com fome e sentindo falta de casa. — Nossa olha como ele está lindo! — Alice entra no quarto sorrindo, ela está de vestido florido e está incrivelmente linda. — E então Lutador, pronto para ir para casa? Tem uma Pirralha louca de saudades do pai dela. Um sorriso bobo toma conta do meu rosto saber que agora sou pai, nunca pensei que sentiria tanta felicidade algum dia. — Por que ela não veio com você? — pergunto descendo da cama. -Porque ela está na escola. — Ela pega minha mochila, e vem me ajudar a sentar na cadeira de rodas. — Queremos uma filha inteligente e com um futuro maravilhoso pela frente. Olho para Alice que sorri com tanto carinho para mim, sinto meu coração acelerar. — Obrigado por estar na minha vida Bailarina. — Obrigada você por deixar que eu te amasse! Agora vamos embora tem uma surpresa linda te esperando em casa! — Seus olhos brilham, ela empurra a cadeira me levando para casa. Estamos no táxi abraçados, não consigo parar de beijá-la, ela parece ainda mais linda. O curativo na barriga incomoda um pouco, mas não quero tirá-la dos meus braços. — Você avisou minha mãe? — pergunto baixinho enquanto beijo seu pescoço. — Até liguei para ela, mas não tive coragem de contar que você quase morreu... — Fez bem, depois eu ligo para contar a novidade para ela. — Ela sorri maliciosamente. Chegamos no flat e já faço cara feia por ter que ir de elevador, o porteiro nos ajuda com a mochila já que Alice não me deixa andar sozinho. Entramos no elevador e vejo que Alice aperta o 5° andar, antes que eu pergunte alguma coisa ela se adianta. — Preparado para a surpresa? — Dá para ver a euforia em seus olhos. — Com você ao meu lado estou sempre preparando! Chegamos no andar e logo ela pega a mochila com o porteiro e agradece a ajuda. Depois tira a fita do seu vestido e coloca nos meus olhos. — Agora preciso que você seja um bom rapaz e me deixe te guiar. — Sorrio para ela e ela aproveita para roubar um beijo. — Vamos! Ela vai me puxando devagar, depois de alguns passos escuto uma

porta se abrir, ela pede para que eu ande mais alguns passos, depois escuto a porta se fechar. — Fica com os olhos fechados, só pode abrir quando eu falar. — Sim senhora — digo sorrindo. Ela tira a venda dos meus olhos e eu permaneço de olhos fechados, um cheiro doce invade meu nariz. Cruzo os braços e fico esperando ela dizer que já posso olhar. Escuto ela andar de um lado para o outro, de repente uma música calma começa a tocar. — Uma certa noite tive um sonho, sonhei com belos olhos azuis que me viam dançar. Ele me acompanhava sem piscar, de repente um homem surgia e dançava comigo... — Ela começa a falar e eu sou todo ouvidos. — Alguns dias depois vi esses mesmos olhos no restaurante, ele me olhava entrar e me encarou por um tempo sem piscar, pensei que estava louca, isso não era possível... Foi apenas uma coincidência! Uma certa noite dancei, me entreguei a dança como sempre, pensei estar sozinha, mas no dia seguinte descobri que não, que os mesmos olhos me olhavam dançar e o dono desses olhos me fez sorri pela primeira vez depois de anos com um gesto simples, uma rosa vermelha... Esses mesmos olhos ainda me veem dançar, ainda está nos meus sonhos, ainda me faz sorrir... Me protege, me faz sentir amada, e me faz amar loucamente o dono deles. Minha boca está seca, meu coração acelerado. — Hoje meu Lutador tenho uma surpresa para você, um presente... Pode abrir os olhos. Eu abro os olhos e me surpreendo com vários balões pendurados no teto com fitilhos nas pontas, balões rosas e balões azuis, no chão tem vários confetes da mesma cor, estou na sala com os meus móveis só que ela é bem maior que a minha, tem uma mesa de jantar linda de vidro e em cima dela um bolo com as mesmas cores, na parede um cartaz "Parabéns você será papai de novo", na frente do bolo um papel e um ultrassom. Eu não consigo respirar, uma lágrima escorre no meu rosto. — Alice.... — É tudo o que sai da minha boca. Ela está ali na minha frente com um sorriso lindo no rosto. Eu vou até ela e a abraço forte. — Nós vamos ter um bebê, meu Deus um bebê... — Eu a beijo, estou tão feliz com a notícia que só consigo beijá-la. — Eca! Para de se agarrarem, toda hora é beijo... — A voz da Pirralha me faz soltar Alice para procurá-la.

— Pirralha! Minha Pirralha, vem aqui!!! — Ela corre para o meu colo sorrindo está com uma caixa de sapato na mão. — O que é isso? — É para você! — Ela sorri e me entrega. — Abre pai! — Pai? — Sinto um frio na barriga e meu coração para na hora. — Você me chamou de pai? — Chamei, não pode? — ela diz tímida. — Po-pode!! CLARO QUE PODE! É isso que eu sou seu pai, seu pai minha mini bailarina!!! — Coloco a caixa no sofá e pego ela no colo e começo é dar beijos nela toda, ela cai na gargalhada. Começo a sentir dor no curativo e coloco ela no chão e me sento no sofá. — O que foi? — Alice vem correndo e se senta do meu lado. — Aron, você não pode pegar peso, você ainda está com pontos, você tem que fazer repouso! Vem vamos nos deitar, você abre o seu presente lá no quarto! — Eu tenho um quarto agora Urso! Ele é rosa, e tem bailarina. Minha cama é de princesa!!! Olho para Alice que faz cara de desculpe sou culpada. — O que estamos fazendo aqui? — pergunto olhando ao redor. — Ué mudamos de casa... — Flor responde tentando me ajudar a levantar. — Como você ficou internado muito tempo eu fui agilizando as coisas, você disse que precisávamos de um lugar maior. E vagou esse aqui então pedi ajuda para a Samanta e para o Murilo, meu pai também ajudou... — Você é foda, sabia que eu te amo? — Ela me beija. — Eu também te amo, agora vem vamos nos deitar. — Ela me ajuda a deitar e logo depois Flor volta com a caixinha. — Agora abre — ela diz me entregando a caixa. — Tá bem, vem se sentar aqui — digo apontando para o lado vazio da cama. Estou no meio da cama com as mulheres da minha vida uma de cada lado, a caixa no colo. Eu abro e na hora saí uns balões pequenos azuis e um estouro com purpurina azul cai na cama. — É um menino! — Alice diz sorrindo, eu olho para ela e vejo as lágrimas em seu rosto. — MEU DEUS!! É UM MENINO! — Eu grito, mas não me mexo pois dói muito os pontos. — EBA! NÃO VOU DIVIDIR MEU QUARTO DE PRINCESA!!!

— Flor grita e pula na cama. — Sua sapeca!! — Alice diz sorrindo. — Agora vamos que está na hora de deixar seu pai descansar.

Três meses depois... — O papai Nobel vai trazer presente para mim não vai papai? — Flor pergunta quanto arrumamos a árvore. — Vai sim querida. — Alice responde quando vê minha cara de cu. — Como ele vai entrar se não tem chaminé? — Ela pergunta e eu sinto vontade de rir. — Acho que a porta é uma boa, né amor? — Pergunto para Alice que faz cara feia para mim. — O que? — Cala a boca! — ela diz fazendo cara feia. — Mas eu nunca vi o Papai Noel passar pela porta! Ele não vai vir né? — Ela faz cara de choro. — Filha, olha para o pai — eu digo segurando-a pelo braço. — O papai Noel é um cara muito esperto, ele entra por onde ele tem que deixar o presente... Então fica tranquila que na manhã de Natal seu presente vai estar embaixo da árvore. Ela sorri e me abraça, eu retribuo o abraço e voltamos a montagem da árvore. — Pensei em Júlio — Alice diz enquanto coloca um anjo na árvore. — Ah não esse nome é feio. — Flor reclama. Eu dou risada e Alice também. — Eu gosto de Rei — Flor diz levantando os braços. — Mas rei não é nome — digo achando graça, porém ela falava sério. — Vamos colocar na lista, está bem? — Alice tenta amenizar como sempre. — Está bem! — E pronto já esqueceu de tudo e toda sua atenção está

nos enfeites. — Pensei em Henrique... — Flor sorri ao ouvir o nome. — É lindo! Seus pais vêm para o Natal? — Alice pergunta é quanto separa os pisca-pisca. — Vem sim. — Pego a estrela para colocar no topo da árvore. — Vem Flor vamos colocar a estrela? — Vamos! — Ela fica de pé e levanta os braços para que eu a pegue no colo.

... — ARON!! PELO AMOR DE DEUS TIRA ESSA CRIANÇA DE DENTRO DE MIM!!!— Ouvir Alice gritar me deixa ainda mais nervoso. — Calma amor, vai ficar tudo bem...— Ela me segura pelo braço e aperta com uma força tão grande que fecho os olhos. Como uma mulher tão pequena pode ter uma força dessa? — CALA A BOCA!!! NÃO ESTÁ TUDO BEM!!! NÃO VAI FICAR TUDO BEM!!! — Tá bem, tá bem desculpa!! — Estou nervoso e não sei o que faço. — Cadê a porra do médico dessa merda?!?!? — CADE O MEU PAI???? — Alice grita e agarra a cama. Ela está toda suada, com raiva e com dor, muita dor... — Ele foi buscar o médico, eu vou atrás dele... — Solto as bolsas e quando dou um passo em direção da porta Alice solta um grito estridente que me faz dar meia volta. — NÃOOOO, AMOR!! POR FAVOR ARON... — As lagrimas rolam pelo seu rosto eu corro para o seu lado e seguro sua mão. — Não me deixa sozinha aqui, eu estou com medo, estou com dor... Ela choraminga. — Eu estou aqui, nunca vou te deixar sozinha... — Dou um beijo em sua testa.

— Aron? — Ela me olha nos olhos, sinto o pavor em sua voz. Confesso que tenho medo de perguntar o que foi. — Aron Meu Deus, tem uma coisa saindo aqui... — Aqui aonde? — pergunto de olhos arregalados. Ela aponta para o meio de suas pernas e eu sinto vontade de chorar. — Olha aqui!!! — Ela levanta a coberta. — Não, não, não... Nem fudendo... — Balanço a cabeça desesperado. — OLHA LOGO!! — ela grita e faz força ao mesmo tempo. — TÁ!!! Grito de volta, e olho para baixo. — AI MEU CARALHO!!! AMOR FECHA A PERNA, FECHA ELE ESTÁ SAINDO!!! PORAAA MÉDICO, CADE ESSE FILHO DA PUTA!! Eu seguro as pernas dela e quando vou soltar para procurar alguém, um médico velhinho entra na sala, acompanhado do pai de Alice. — Boa tarde, como vocês estão? — ele pergunta sorrindo. — PARINDO!!!!— Alice grita. — Porra doutor, já tá saindo ali ô!!— Aponto para as pernas fechadas de Alice. Com toda calma do mundo o médico se abaixa para olhar, e quando vê que a cabeça do bebê já está para fora dá um grito. Aperta um botão vermelho e começa a pegar uns panos no armário ao lado. Em segundos o quarto fica cheio de enfermeiros seguro a mão de Alice, uma enfermeira pede para que só o pai da criança fique no quarto. O médico se senta na frente de Alice e pede para que ela faça uma força longa, ela aperta minha mão com força e grita. E então ouço o choro do bebê. Uma emoção tão grande toma conta de mim. — É um meninão!!! — O médico diz levantando para que nós possamos ver o rostinho dele. — Olha amor, ele é lindo... — digo já babando. Estou vivendo um momento tão bom que parece ser um sonho, olhar para o rostinho dele tão pequeno faz passar um filme na minha cabeça, tenho uma família linda, dois filhos maravilhosos, uma mulher linda, gostosa e dança como ninguém... Quem diria que um lugar que me fez tão mal me traria tantas alegrias. Seguro meu filho com tanto amor que tenho medo de sufocá-lo. Alice me olha com tanto carinho, seu sorriso é tão lindo e meigo que tenho vontade

de agarrá-la ali mesmo. — Será que posso segurar meu neto agora Aron? — Thomas me pergunta esticando os braços. — Claro! — respondo entregando meu pacote para ele.

5 anos depois

— Eu juro que não sei porque estou me matando pra fazer esse tutu, eu deveria ter escutado seu avô e ter comprado, mas não sou teimosa o suficiente para inventar moda. — Reclamo para Flor que sorri para mim. — Mãe ele está lindo! Vai ser o mais lindo de todos — ela diz dando uma voltinha para se exibir. — Eu jurava que você ia ser puxa-saco saco do seu pai, mas me enganei!! — digo dando um tapinha na bunda dela. — Vocês dois são tão bobos!! — Ela pega sua sapatilha e se senta. — Quem é bobo aqui? — Aron entra no quarto com Hugo no colo. — Não sou eu papai — Hugo responde se defendendo de algo que nem sabe o que é e começa a pular na cama de Flor. — Para de pular na minha cama garoto! — Ela reclama já fechando a cara. — Flor, não fala assim com seu irmão! — Aron diz sério. — Pai! minha cama não é pula-pula!! Para de pular na cama cacete! — Aron grita com Hugo que se joga na cama de cara feia. — É assim que fala né? — Reclamo com Aron que sorri sem graça. — Mas eu sou grande, e o pai também... — Ele tanta se defender. — Ei, eu preciso me arrumar, está quase na hora da apresentação! — Flor começa a falar nos expulsando do seu quarto. — Você vai ser uma adolescente bem chata, estou avisando que se

você não for um doce de adolescente eu vou te mandar para casa do seu avô! Não sou obrigado — Aron diz para a Flor que cai na gargalhada e joga sua sapatilha nele. — Vem Hugo vamos terminar de arrumar esse cabelo para sairmos! — Tô indo mãe! — Ele desce da cama e para na frente da irmã, coloca a mão no bolso e tira uma Flor rosa e entrega para irmã. — Valeu Pirralho. — É impressionante como ela é parecida com o pai.

Eu estou tão orgulhosa da Flor ela está se tornando a melhor bailarina da escola os sonhos dela estão parecendo os meus, ela tem uma imponência ao dançar que encanta a todos. Ela é um orgulho em tudo que faz. — Alice vamos? — Aron me chama. — Vamos! — Pego minha bolsa e vou. Ela estava linda, e quando subiu ao palco para se apresentar eu não me segurei e chorei até não poder mais. Aron estava segurando o choro, eu olhava para ele que sorria e limpava o rosto disfarçadamente. Ao final da apresentação ele foi o primeiro a levantar e aplaudir, ela sorria tão empolgada que eu precisei de um lenço para me conter.

— E aí??? Animado para sua festa Hugo?— Eu estou mega animado, adoro festa de criança. — Não papai, queria ir ao parque... — Hugo adoro parques. — Mas vai ter coisas de parque na festa... — Alice tenta animá-lo. — Mas eu queria o parque mamãe... — Ele é muito engraçado quando está brabo. — Filho? Amanhã prometo que vamos no parque! — Eu não vou! — Flor fala de cara feia.

— Você não se manda mocinha, para de show! — falo com cara de pai. Sim eu tenho uma cara de pai, e ela é bem má. Alice é a única que gosta, mas em outras ocasiões. — Parque é coisa de criança! — Ela reclama. — É mesmo? E quando foi que você cresceu tanto? — Ela bufa e cruza os braços. — Às vezes você é tão Urso! — Eu solto um sorriso. Eu sei... — respondo ainda sorrindo. — Mãe a gente podia ir ao shopping quanto os meninos vão no parque. — Ela tenta se livrar. — Vamos ver, agora já para o banho. Daqui a pouco os convidados estão chegando. Ajudo a montar as mesas, a encher bola, o cara dos brinquedos chega é eu corro para ajudar. As 17h já está tudo arrumado, e os convidados começam a chegar. — Amor, vai se arrumar — digo para Alice. — Sobre e se arruma amor, eu me arrumo aqui embaixo. Ela me dá um beijo doce e se vira para subir. A festa começa e as crianças não param um segundo. Esse é o momento dos pais e eu adoro esse momento, estamos sentados conversando e bebendo. — Foi incrível como o Murilo defendeu aquele cara, o júri não tirava os olhos dele. -Samanta comenta orgulhosa. — Ela babá demais o seu ovo... — digo tirando sarro de Murilo. — Tem que babar mesmo, ela me ama! — Ele a beija como se estivessem sozinhos. — O porra, vão para o quarto! — Alice diz jogando numa bolinha de papel neles. — Você está andando muito com o seu marido! Alice, você não era assim... — Samanta reclama. — As coisas mudam, não é mesmo Sam? — ela diz apontando para a barriga da amiga que parece que vai explodir a qualquer momento. Você bem sabe! Quem diria que Aron iria voltar a advogar depois de tantos anos... -Samanta diz me fazendo sorrir. — Para mim a única coisa que me chamou atenção, foi ele focar nas famílias agora... -Murilo diz sorrindo. — Agora ele é um velho, aquele pai

babão! Imagina quando Flor começar a namorar... — Minha filha não vai fazer isso! — respondo já me aborrecendo. — Amor ela só tem oito anos, acho que falta muito tempo ainda. — Alice tenta me acalmar. — Vamos deixar esse seu lado mau para depois não é mesmo?! — Sim senhora! — respondo roubando um beijo. — Eca! — Hugo chega na hora. — Para disso. Mamãe quero bolo. Quanto Alice vai buscar o bolo eu continuo a botar pilha no Murilo. — E aí? Já escolheram o nome? — Já vai ser Benicio! — Samanta diz toda feliz. — Vai nada, vai ser João — Murilo diz com um sorriso de idiota, já sei que é para botar pilha na mulher. — Você nem começa Murilo, já falei que se você vier com a certidão do meu filho com esse nome eu vou rasgar essa merda! — Ela chega a ficar vermelha de raiva. Eu caio na gargalhada e sinto que preciso sair de fininho. Depois de um dia cheio e cansativo, ajudo Alice a pôr as crianças na cama e arrumar toda a bagunça. Tomamos um banho juntos, ela sai primeiro e eu continuo no banho. — Você acredita que Hugo veio me dizer que quando crescer quer ser DJ! — Alice diz do quarto. De onde ele tirou isso? — digo achando graça. — Não sei! Deve ser da escola... — Ela tenta não rir. — Ele vai ser um grande DJ, melhor que lutador... — Saio do banho e encontro Alice deitada com uma camisola branca de seda. — Nossa amor.... — O que? — ela diz com cara de ingênua. — Que delícia... — Beijo seu pescoço fazendo ela sorrir. — Quem diria né amor, que depois de cinco anos estaríamos aqui, casados com dois filhos lindos nessa casa linda. Quando vi essa casa não dava nada por ela. — E agora não se vê sem ela ne? Nossa casa é a nossa cara. Para falar a verdade jurava que não saia daquela igreja casado! Você estava bêbada, eu estava puto com alguma coisa, já até esqueci o que era... Flor não queria entrar, nossa foi o pior casamento que alguém podia ter! — digo me deitando ao lado dela que só faz rir, ela se aconchega em meus braços. — Foi muito louco, você brigou comigo porque eu estava bêbada e grávida — ela diz gargalhando.

— Você foi muito maluca isso sim... — Ela me beija. Eu a abraço forte, e mentalmente agradeço a Mari por tudo o que aconteceu na minha vida. — Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida Alice, posso te pedir uma coisa? — Claro amor! — Ela se senta na cama e olha para mim. — Dança para mim? Ela abre um sorriso lindo e se levanta, vai até o armário pega suas sapatilhas vermelhas, calça. Eu ligo o som e Beyonce e Ed Sheeran começam a cantar, e ela dança pra mim... Em meio a dança ela sussurra para mim. — Eu te amo Lutador. — Não mais que eu Bailarina...

Rodapé [1] Um échappé é um passo de salto, onde os dois pés pulam fechados em quinta e trocam de lugar no ar. [2] O Demi-Plie é uma meia dobra dos joelhos ou uma pequena dobra dos joelhos. É a base de tudo que você faz no balé.

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Ao Seu Ritmo - Priscila Nascimento

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