APRENDIZAGEM POR OBSERVAÇÃO NAS AH.SD

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APRENDIZAGEM POR OBSERVAÇÃO E SOBRE-EXCITABILIDADE EMOCIONAL NAS AH/SD: UM ESTUDO DE CASO Patricia Neumann Universidade Estadual do Centro Oeste/PR Departamento de Pedagogia Eixo temático: Altas Habilidades/Superdotação Comunicação oral Resumo: O objetivo deste texto é discutir a aprendizagem vicária (AV), a partir de Bandura, influenciada pela sobre-excitabilidade emocional (SE), com base em Dabrowski. O método foi o estudo de caso. O participante é um adulto superdotado de 37 anos. O instrumento foi o Overexcitability Questionnaire, um questionário de 21 questões que investiga a sobre-excitabilidade aplicado em forma de entrevista estruturada. Das 21 questões, foram selecionadas 12 após a entrevista porque as respostas atendiam ao tema aprendizagem. O método de análise dos dados foi o de conteúdo e o tipo da análise foi qualitativa. Os resultados apontam que a aprendizagem do participante, quando em relação com o ambiente, engloba três categorias: relação com pessoas, com desafios e com artefatos culturais. Sua aprendizagem por observação vai além de modelos de conduta devido à SE, a outros fatores das AH/SD e ao processo de aprendizagem do conhecimento por dimensões, possibilidades e multiplicidade, onde a reorganização é frequente. Considera-se que é preciso maior compreensão acerca da aprendizagem por observação para melhor identificar, atender pessoas com AH/SD e capacitar profissionais, bem como de que estas pessoas são, de fato, diferentes e que as facilidades de aprendizagem, que fazem parte de sua vida, têm sido ignoradas. Palavras-chave: altas habilidades/superdotação, aprendizagem; sobreexcitabilidade emocional. Introdução A aprendizagem é um fenômeno tão complexo e atrativo que muitas tem sido as teorias para explicá-lo, cada uma com princípios e perspectivas

diferenciadas. Nas AH/SD, é curioso um dado que as revisões de Pedro et al, 2016 e Chacon e Martins (2011) mostram: investigações sobre identificação, atendimento especializado, práticas pedagógicas, formação de professores e inclusão são mais numerosas que sobre aprendizagem. Tais estudos sobre como as pessoas com AH/SD aprendem são escassos, o que é instigante, pois identificar, atender, incluir e formar professores capacitados depende de se saber clara e distintamente como ocorre a aprendizagem. Esta falta de atenção à aprendizagem pode estar relacionada à ideia de que superdotadas (os) nunca têm dificuldades para aprender qualquer coisa (RECH e FREITAS, 2005) e que sua elevada inteligência basta para uma vida despreocupada, de sucesso e realização (TENTES e FLEITH, 2014), o que é um equívoco. E embora já haja um despertar para as facilidades em vez de apenas as dificuldades, a mudança de olhar leva tempo. Como superdotadas (os) aprendem, afinal? Dentro desta ampla questão, o estudo de Tentes e Fleith (2014) lança alguma luz no que tange, especificamente, aos estilos de aprendizagem. Dentre 53 participantes entre crianças e pré-adolescentes superdotadas (os), os estilos preferidos foram, nesta ordem: leitura, observação, elaboração de perguntas, escrita e, por fim, debate com outras pessoas. É estimuloso que a observação só perca para a leitura. Por isso, o objetivo deste texto é, a partir da discussão da diversidade de fatores envolvidos na aprendizagem vicária (AV) (BANDURA, 2008), com especial menção à sobre-excitabilidade emocional (SE) (DABROWSKI, 2016), chamar a atenção para a necessidade de investigações sobre como as pessoas com AH/SD aprendem. Assim sendo, este texto está organizado em um sucinto momento conceitual que traz a AV e a SE, depois o método, os resultados, a análise e, por fim, a discussão.

A Aprendizagem Vicária A aprendizagem vicária é um conceito da Teoria Social Cognitiva (TSC) de Bandura (1925- atual). Esta é uma complexa teoria da aprendizagem que parte da ideia de que as pessoas são aptas a aprender grande variedade de coisas como comportamentos e conceitos, seja de modo direto, indireto ou por combinação de ambos quando se trata de coisas complexas. Na aprendizagem direta, o indivíduo aprende na experiência, ao fazê-la. A indireta, também conhecida como aprendizagem vicária, ocorre por observação do comportamento das outras pessoas. Estas observações afetam diretamente a autoeficácia que, de modo sucinto, é a crença que o indivíduo possui sobre sua capacidade de realizar algo, de ter sucesso ou fracasso. A autoeficácia se refere especificamente à expectativa, positiva ou não, do quão capaz se é de agir. Ela influencia amplamente a motivação e fatores como o nível de esforço a ser dirigido à ação, o quanto se persiste para alcançar o objetivo e, claro, na aprendizagem (BANDURA, 2008). A ideia de aprender por observação de outras pessoas é proeminente na TSC porque se tem por base que as pessoas são capazes de influenciar suas ações, i.e., podem colaborar naquilo que lhes acontece sem, entretanto, determinar o que lhes acontece. Não podem determinar porque as ações humanas são resultado de três fatores: a pessoa, o comportamento e o ambiente. O que ocorre em um destes fatores, influencia os demais e vice-versa. Não há predominância de um sobre o outro. A pessoa se refere a todos os elementos componentes da cognição, o ambiente se trata de tudo que está fora da pessoa e o comportamento se refere às ações da pessoa, não dos outros. Isto porque as ações dos outros fazem parte do ambiente (Ibid, 2008). A aprendizagem vicária é fundamental pois, através dela, a pessoa não precisa realizar a ação para aprender. Ao observar a ação do outro, a cognição entra em cena ao julgá-la favorável ou desfavorável. A maior parte da aprendizagem é vicária e permite desenvolver comportamentos que são

adequados às situações e a evitar comportamentos inadequados, i.e., aprender a fazer e a não fazer a partir de modelos com fins de convivência social (Ibid, 2008). Por isso, a teoria é social e é cognitiva.

A Sobre-excitabilidade Emocional A sobre-excitabilidade é um conceito basilar da Teoria da Desintegração Positiva (TDP) fundada por Dabrowski (1902-1980). Esta teoria objetiva explicar as diferenças de personalidade e tem especial interesse por aptidões e talentos que são indispensáveis para a manutenção do sentido da vida, vínculos emocionais de amizade e amor, autoconsciência do desenvolvimento, empatia, consciência social, autenticidade e responsabilidade, em suma, o papel das emoções no desenvolvimento. Isto com base na ideia de que há um potencial de desenvolvimento que fundamenta o crescimento da personalidade em níveis, cinco ao todo, os quais parte da mais inferior (a personalidade é regulada pelos instintos e regras sociais) até a mais superior (regulada por si mesma). Este potencial de desenvolvimento engloba vários fatores, sendo um deles a sobreexcitabilidade (DABROWSKI, 1959; 1976). A sobre-excitabilidade é uma resposta sensível e emocional ampla e intensa frente a situações psíquicas e/ou ambientais/sociais (MENDAGLIO e TILLER, 2006). Isto quer dizer que o indivíduo sente as experiências da vida com muito mais abundância emocional, o que comumente é visto por quem não as sente desta magnitude como exagero proposital. A sobre-excitabilidade é um fenômeno, porém, que independe da vontade de quem o sente, pois é neurológico. A resposta do sistema nervoso frente a uma situação é muito rápida devido à constituição neuronal do cérebro, o que leva também a respostas emocionais e comportamentais julgadas como descomedidas (PIECHOWSKI, 1997). A sobre-excitabilidade se mostra no âmbito intelectual, imaginativo, sensorial, psicomotor e emocional e é tautócrono às AH/SD. Destes âmbitos, a

SE é a maior responsável pelo desenvolvimento, junto à intelectual e imaginativa, as três, por sinal, mais encontradas em pessoas com AH/SD (LAYCRAFT, 2011).

Método Modalidade: estudo de caso.

Participante: Álvaro (nome fictício) tem 37 anos, mora em uma cidade do Estado do Paraná/Brasil, é pedagogo, mestre e doutor em Ciência da Informação. Possui avaliação psicoeducacional que confirma sua superdotação com indicativos para o tipo acadêmico.

Instrumento:

Overexcitability Questionnaire - OEQ (LYSY e PIECHOWSKI,

1983). Trata-se de um questionário aplicado em forma de entrevista estruturada composto por 21 questões. Segundo Lysy e Piechowski (1983), a vantagem deste instrumento está em que as respostas dadas de modo livre permite maior abrangência da individualidade da(o) entrevistada(o).

Aplicação: Para a entrevista, o instrumento (em anexo) foi traduzido do inglês para o português pela autora deste texto. Ela foi feita em 2018, gravada pelo celular e transcrita na íntegra manualmente, sem auxílio de software. Teve duração de uma hora e a gravação foi apagada após a transcrição. Feita a entrevista das 21 questões, foram selecionadas 12 (questões 1, 2, 3, 5, 6, 11, 13, 14, 16, 17, 20 e 21), nas quais apareceu de algum modo menção à aprendizagem.

Método e tipo de análise: análise qualitativa e de conteúdo, especificamente análise da enunciação com foco na singularidade da elaboração individual (BARDIN, 2004).

Aspectos éticos: Álvaro assinou termo de consentimento que autoriza esta publicação.

Resultados Os resultados da entrevista estão organizados por numeração em negrito crescente das questões selecionadas e numeração em itálico crescente de linhas das respostas:

1.Você já se sentiu realmente em êxtase ou incrivelmente feliz? 1.Esse sentimento é quando aprendo algo novo, sempre que posso realizar algo 2.que desejo. A alegria e a euforia são sempre que aprendo algo que eu queria 3.ou nem esperava que ia aprender. Por exemplo, na 4ª série eu ficava 4.extremamente ansioso para o próximo ano para aprender inglês. 2.Qual foi sua mais intensa experiência de prazer? 5.Posso colocar minha extrema felicidade de poder conversar com sujeitos 6.surdos. A língua de sinais é algo muito precioso na minha vida porque tenho a 7.possibilidade de conversar com estas pessoas. Uma outra é ir para a Bolívia. 8.Foi uma experiência que mudou minha visão de mundo, onde eu conheci o 9.que é a pobreza. 3.Qual é o seu tipo mais especial de devaneios e fantasias (se ocorrem)? 10.Hoje não mais ou bem menos por conta das atividades. Mas era muito intenso 11.no sentido de devaneios literários e filmes também. Na minha época de 12.menino do quarto, apelido dado pelo tio por eu ser solitário, os devaneios 13.eram frequentes e eu me sentia feliz lendo, escrevendo, desenhando... no 14.meu mundo. Meus devaneios eram desejos, eu quero conhecer o mundo, 15.quero falar cinco línguas, o que minhas condições reais não permitiam muita 16.coisa. 5.Quando você sente mais energia e o que você faz com ela?

16.Eu sempre fui muito sedentário fisicamente, mas o que me dá ânimo são os 17.novos desafios e as coisas para resolver em torno deles. 6.De que maneira você observa e analisa outras pessoas? 18.Eu sempre fui muito, muito observador, a ponto de que minhas amizades 19.sempre foram pessoas mais velhas e mulheres. Um recurso que usei muito 20.no meu período de menino do quarto foi escrever diário. Ele era meu amigo 21.e eu conversava com ele. Eu fazia os registros das minhas observações nele 22.como quando eu era atacado, as pessoas diziam “por que você é assim?” 23.como se eu fosse triste por ser solitário, mas eu não era e elas não 24.entendiam. 11.Experimentar alguma coisa é muito especial para você? Descreva de que modo é especial. 25.Hoje mais do que antes. Viajar é especial pra mim, preciso experimentar isso. 26.Eu não me sentiria vivo se o que eu estou fazendo hoje eu fizesse sempre. 27.Isso pra mim seria a morte. Não me vejo sempre no mesmo lugar. Eu preciso 28.desse novo. 13.Você sempre pensa sobre seus pensamentos? Descreva. 29.Isso sim. Tomando banho, dirigindo, caminhando. Questões, problemas, fico 30.pensando. É natural da minha pessoa. Às vezes pra dormir também”. 14.Em que situação(ões) você sente um grande impulso para fazer alguma coisa? 31.Acho que quando eu vou fazer vai surtir um efeito pra um número grande de 32.pessoas. 16.Se você se depara com uma ideia ou um conceito difícil, como ele se torna claro para você? Descreva o que se passa em sua mente neste caso. 33.Sempre através da leitura e também pela ciência da computação. 17.Você tem inclinação para a poesia? Se sim, dê um exemplo do que vem em sua mente quando você está em um estado poético.

34.Sim. Eu copiava poemas e depois tentei escrever minhas próprias poesias. 35.Em minha mente vinham relações entre os seres humanos e com o mundo, 36.as preocupações de problemas financeiros e com a natureza, mas sempre 37.envolvendo o ser humano. Não tão poético romântico. É onde que conseguia 38.colocar meus questionamentos internos”. 20.Quando você lê um livro, o que mais te interessa? 39.Da história em si, o que mais me chama atenção são os aspectos 40.intrapsíquicos das personagens. Pra mim, eu me inspirava em personagens 41.fictícios. 21.Descreva o que você faz quando está simplesmente matando tempo. 42.Ou é ler ou ver filmes.

Análise A análise foi organizada em uma seção que compreende excertos da categoria aprendizagem quando mencionada explícita e implicitamente. Dentro desta, interessa a relação de Álvaro com elementos do ambiente, tendo por ambiente a concepção de Bandura (2008), organizados em subcategorias por ordem crescente de menção à relação com pessoas, com desafios e com artefatos culturais:

Subcategoria 1: relação com pessoas 2.Qual foi sua mais intensa experiência de prazer? 5.Posso colocar minha extrema felicidade de poder conversar com sujeitos 6.surdos. 7.Uma outra é ir para a Bolívia. 8.Foi uma experiência que mudou minha visão de mundo, onde eu conheci o 9.que é a pobreza. 6.De que maneira você observa e analisa outras pessoas?

18.Eu sempre fui muito, muito observador, a ponto de que minhas amizades 19.sempre foram pessoas mais velhas e mulheres. 14.Em que situação(ões) você sente um grande impulso para fazer alguma coisa? 31.Acho que quando eu vou fazer vai surtir um efeito pra um número grande de 32.pessoas. 17.Você tem inclinação para a poesia? Se sim, dê um exemplo do que vem em sua mente quando você está em um estado poético. 35.Em minha mente vinham relações entre os seres humanos e com o mundo, 36.as preocupações de problemas financeiros e com a natureza, mas sempre 37.envolvendo o ser humano. 20.Quando você lê um livro, o que mais te interessa? 39.Da história em si, o que mais me chama atenção são os aspectos 40.intrapsíquicos das personagens. Pra mim, eu me inspirava em personagens 41.fictícios.

Subcategoria 2: relação com desafios 1.Você já se sentiu realmente em êxtase ou incrivelmente feliz? 1.Esse sentimento é quando aprendo algo novo. 2. A alegria e a euforia são sempre que aprendo algo que eu queria 3.ou nem esperava que ia aprender. 3.Qual é o seu tipo mais especial de devaneios e fantasias (se ocorrem)? 14.eu quero conhecer o mundo, 15.quero falar cinco línguas, 5.Quando você sente mais energia e o que você faz com ela? 16. o que me dá ânimo são os 17.novos desafios e as coisas para resolver em torno deles. 11.Experimentar alguma coisa é muito especial para você? Descreva de que modo é especial.

25.Viajar é especial pra mim, preciso experimentar isso. 26.Eu não me sentiria vivo se o que eu estou fazendo hoje eu fizesse sempre. 27/28.Não me vejo sempre no mesmo lugar. Eu preciso desse novo. 13.Você sempre pensa sobre seus pensamentos? Descreva. 29.Isso sim. Tomando banho, dirigindo, caminhando. Questões, problemas, fico 30.pensando. É natural da minha pessoa. Às vezes pra dormir também.

Subcategoria 3: relação com artefatos culturais 16.Se você se depara com uma ideia ou um conceito difícil, como ele se torna claro para você? Descreva o que se passa em sua mente neste caso. 33.Sempre através da leitura e também pela ciência da computação. 21.Descreva o que você faz quando está simplesmente matando tempo. 42.Ou é ler ou ver filmes. É possível observar que a subcategoria 1 reúne 6 menções com relação a pessoas, a subcategoria 2 reúne 4 menções da relação com desafios e a subcategoria 3 reúne 3 menções que indicam a relação com artefatos culturais.

Discussão Observar é uma das características centrais de pessoas com AH/SD (PÉREZ e FREITAS, 2012; SÁNCHEZ e COSTA, 2000). Em certa medida, pessoas em geral têm a capacidade de observar e a utilizam no cotidiano. O que diferencia as pessoas em geral das superdotadas é a intensidade e sensibilidade das

observações,

amparadas,

inclusive,

por

uma

estrutura

neuronal

diferenciada, como têm mostrado recentes investigações da neurociência como as de Durdiaková et al, (2016). Ao menos, em parte, a abundância e a receptividade de estímulos provenientes do meio externo são explicadas pela SE, pois esta condição neurológica dá suporte para que as percepções sejam mais apuradas quantitativa e qualitativamente. Isto somado, certamente, a vários outros fatores como as inteligências e traços de personalidade.

Para Bandura (2008), um fator central da aprendizagem por observação, i.e., a AV, é a interpretação cognitiva das ações dos outros, de seus sucessos ou fracassos. Esta aprendizagem se refere, especificamente, à comparação que uma pessoa faz de si com outras pessoas, sendo os outros modelos de conduta. A aprendizagem direta, i.e., pela experiência pessoal, é mais forte que a AV para construir crenças de autoeficácia, visto ser a fonte mais ampla de informações acerca das capacidades. Porém, a AV pode influenciar significativamente este processo, principalmente quando os modelos são similares ao observador. Quem observa, olha tanto a performance quanto as características do modelo e as compara consigo. Isto não quer dizer que o observador simplesmente copie o modelo, mas que esta comparação afeta a crença em sua capacidade de ter êxito ou não. Também não se trata apenas de comparação sem intenções, mas quem observa quer encontrar modelos competentes naquilo que lhes interessa. Os processos afetivos são incluídos por Bandura (2008) na construção das crenças da capacidade de lograr êxito ou não nas realizações, bem como os motivacionais e os de decisão, junto aos cognitivos. O que nos cabe, portanto, pensar, nas AH/SD, é sobre a influência dos processos afetivos no julgamento cognitivo feito durante a AV, i.e., das observações. Bandura delimitou a AV à observação de ações de outras pessoas que servem de modelos. Entretanto, a aprendizagem por observação, em pessoas com AH/SD, vai além da observação de modelos. As pessoas com AH/SD também aprendem com modelos, mas não se limitam a eles. Isto porque sua sensibilidade proporcionada pela SE faz com que captem nuances não só de outras pessoas, mas de tudo que as cerca, bem como a imediata relação com conhecimentos já adquiridos. A SE somada a fatores como alta capacidade de planejar, reestruturar e redefinir os objetivos de um problema cuja solução requer grande dose de inovação; a elevada inteligência que os permite utilizar os processos de codificação, combinação e comparação seletiva para resolver situações através de procedimentos novos e incomuns; o pensamento intelectual legislativo

(preferência por trabalhar em ambientes e com tarefas pouco estruturadas para poder colocar sua ordem mental e escolher seus próprios procedimentos), global (preferência mais por questões gerais que por detalhes, quando iniciam um projeto, primeiro, fazem uma representação mental ampla onde os detalhes não atrapalham sua visão geral) e liberal (preferência por trabalhar em atividades que exijam e permitam questionar formas antigas e criar formas novas e melhores), bem como elevada criatividade e motivação intrínseca (SÁNCHEZ e COSTA, 2000) faz com que a observação dos modelos e a avaliação cognitiva do sucesso ou fracasso seja apenas um elemento da AV. Vejamos isto em Álvaro. Suas respostas da subcategoria relação com pessoas apontam para observações não apenas de modelos, mas de situações mais complexas como ir a outro país e aprender o que é a pobreza (linha 9), ao observá-la. Situações como conversar com sujeitos surdos (linhas 5-6), manter amizades com pessoas mais velhas (linha 19), ter motivação por realizar algo quando envolve um número grande de pessoas (linhas 31-32) e a produção criativa em torno de relações entre os seres humanos e com o mundo (linha 35) são algumas experiências que envolvem pessoas, mas que também englobam as percepções de outros elementos como análise das relações sociais e os múltiplos fatores que as compõem. Não se trata apenas de conversar com surdos, e.g., mas de aprender a partir da existência destas pessoas em sua relação com os mais variados aspectos do mundo, o que vai além da AV no sentido de avaliação de modelos de conduta, embora a AV, neste sentido, também aparece em Álvaro quando ele diz se inspirar nos personagens fictícios (linhas 40-41) e seus aspectos intrapsíquicos (linhas 39-40). Quanto à subcategoria 2, a relação com desafios, Álvaro traz a importância do novo em sua vida e da resolução de situações. Ele fica incrivelmente feliz quando aprende algo novo (linha 1) ou que nem esperava que ia aprender (linha 3); sente mais energia em torno de novos desafios e as coisas para resolver (linha 17); sente que precisa experimentar coisas novas como

conhecer o mundo (linha 3), falar [...] línguas (linha 3) e viajar (linha 25). Tudo isto sendo processado pela capacidade de pensar sobre os próprios pensamentos, atividade que lhe é natural (linha 30). E, ainda, na subcategoria 3, a relação com artefatos culturais se mostra essencial para Álvaro em seu processo de entendimento cognitivo feito por leitura, [...] ciência da computação (linha 33) e filmes (linha 42), o que novamente aponta para observações que não se restringem a modelos. Estas situações citadas por Álvaro sinalizam para a complexidade da aprendizagem de pessoas com AH/SD que envolvem as emoções, a necessidade de experimentar estímulos variados do ambiente por diferentes experiências (como línguas, viagens, livros, ciências, filmes), bem como o contato com situações que desafiem as capacidades. Este complexo processo de funcionamento da aprendizagem pode ser representado, metaforicamente, por um rizoma1, como na Figura 1. Figura 1. Representação por imagem da aprendizagem nas AH/SD

Fonte: www.google.com.br (2018) 1

Inspirado em: DELEUZE, Gilles; GATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio de Janeiro: Ed.34, 2007.

Uma aprendizagem rizomática conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer, onde o conhecimento não é feito de unidades, mas de dimensões. Ele é múltiplo e modifica-se em sua composição de pontos e posições. Não há uma neutralização das possibilidades nem da multiplicidade por modelos previamente determinados. O aprender em forma de rizoma é heterogêneo e múltiplo onde o que importa é fazer novas conexões. No rizoma, as singularidades desenvolvem um vir a ser em que não há centralização em padrões. A aprendizagem de pessoas com AH/SD funciona como múltiplos pontos que podem ser acessados de qualquer lugar do rizoma e que permitem uma reorganização a cada vez que são pensados. Tudo isto potencializado pela SE na AV, o que faz com que as observações levem estas pessoas além da avaliação cognitiva de modelos.

Considerações Finais É significativo que de 21 questões do instrumento que investiga a sobreexcitabilidade, em 12, i.e., próximo a 60%, houve menções à aprendizagem associada à observação do ambiente na relação com pessoas, desafios e artefatos. Isto sugere que pessoas com AH/SD estão frequentemente a aprender a partir de suas experiências de observação. Isto precisa ser considerado quando se pensa em identificá-las e atendê-las, assim como em capacitar profissionais da educação e da saúde. Já se sabe que superdotadas (os) são observadoras (es) e estão a maior parte do tempo, senão todo o tempo, atentas (os) ao ambiente, mas pouco ainda se conhece do funcionamento específico e global desta atividade e sua relação com outros fatores no processo da aprendizagem. A relevância de investigar tal fenômeno é de, além de maior compreensão sobre ele, poder, em termos mais específicos, principalmente na educação, oferecer maiores oportunidades de desenvolvimento a estas pessoas. Já em termos mais amplos, ainda não se tem dado suficiente visibilidade

à questão de que as pessoas com AH/SD são, de fato, diferentes da maioria, desde sua constituição biológica até sua existência no mundo. Ser diferente, no imaginário social, comumente ainda tem sido algo ruim e/ou equivocado que precisa ser corrigido e, a partir deste imaginário direcionado por modelos tidos como corretos, estas pessoas não são reconhecidas pelo que são e desejam ser, nem sua existência é legitimada, a menos que se enquadre nos padrões de pensamento, sentimento e conduta comumente já aceitos. É preciso, então, evidenciar as diferenças para que todos, pessoas superdotadas ou não, aprendam a lidar com elas. Nesse sentido, conhecer como as pessoas com AH/SD aprendem é fundamental, inclusive para ajudá-las no que quer que venham a precisar. Além disso, é preciso modificar a ideia que se tem acerca das facilidades de aprendizagem, as quais têm sido ignoradas em todos os sentidos e em todas as pessoas, não só nas superdotadas. Eis o momento de uma mudança de perspectiva, a começar, e.g., pela modificação do foco quase exclusivo dado às dificuldades. Não se trata de diminuir a atenção quanto a isto, mas de incluir outros aspectos como as facilidades em aprendizagem. Acerca disso, praticamente nada sabemos de seu funcionamento e, por falta de conhecimento deste fenômeno, estamos a desperdiçá-lo. Ainda se acredita que nada há para dizer ou pensar acerca das facilidades, seja das pessoas com AH/SD, seja das que não tem AH/SD. Ou seja, por si, esta já é uma atitude de exclusão, ao ignorar algo que faz parte das pessoas, e que tem passado despercebida.

Referências BANDURA, Albert. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed, 2008. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.

CHACON, Miguel C.M. MARTINS, Barbara A. A produção acadêmico-científica do Brasil na área das altas habilidades/superdotação no período de 1987 a 2011. Rev. Educação Especial, v. 27, n. 49, p. 353-372. DABROWSKI, Kazimiers. On the philosophy of development through positive disintegration and secondary integration. Dialetics and Humanism, n.3, 1976, p.131-144. ___________. Sur la disintegration positive: une esquisse de la théorie concernant le dévelopment psychique de l’homme à travers les états de déséquilibre, la nervosité, nevroses et psychoses. Annales MédicoPsychologiques, 2eme tome, 1959, p.642-668. DURDIAKOVÁ, Jaroslava et al. Testosterone metabolism: a possible biological underpinning of non-verbal IQ in intellectually gifted girls. Acta Neurobiologiae Experimentalis, v.76, 2016, p.66-74. FREITAS, Soraia. N.; PÉREZ, Suzana. G. B. P. Altas habilidades/superdotação: atendimento especializado. Marília: ABPEE, 2012. LAYCRAFT, Krystyna. Theory of positive disintegration as a model of adolescent development. Nonlinear Dynamics, Psychology and Life Sciences, v.15, n.1, 2011, p.29-52. LYSY, Katherine Z.; PIECHOWSKI, Michael M. Personal Growth: an empirical study using Junguian and Dabrowskian measures. Genetic Psychology Monographs, n.108, 1983, p.267-320. MEDAGLIO, Sal; TILLIER, William. Dabrowski’s Teory of Positive Desintegration and Giftedness: overexcitability research findings. Journal for the Education of the Gifted, vol.30, n.1, 2006, p.68-87. PEDRO, Ketilin M. et al. Altas Habilidades ou Superdotação: levantamento dos artigos indexados no Sielo. Interfaces da Educação, v.7, n.9, 2016, p.p.275295. SÁNCHEZ, Maria Dolores P.; COSTA, Juan-Luis C. Los Superdotados: esos alumnos excepcionales. Pavia: Ediciones Aljibe, 2000. PIECHOWSKI, Michael M. Emotional Giftedness: the measure of intrapersonal intelligence. Handbook of Gifted Education, 2ed. Boston: Allyn & Bacon, 1997, p.366-381.

RECH, Andréia J.D.; FREITAS, Soraia N. Uma análise dos mitos que envolvem os alunos com altas habilidades: a realidade de uma escola de Santa Maria/RS. Rev. Bras. Ed. Esp., v.11, n.2, 2005, p.295-314. TENTES, Vanessa T.A.; FLEITH, Denise S. Estudantes Superdotados e Underachievers: Prevalência, Características, Interesses e Estilos de Aprendizagem. Psico, v. 45, n. 2, 2014, p.157-167.

Anexo QUESTIONÁRIO DE SOBRE-EXCITABILIDADE 1. Você já se sentiu realmente em êxtase ou incrivelmente feliz? Descreva seus sentimentos. 2. Qual já foi sua mais intensa experiência de prazer? 3. Qual é o seu tipo mais especial de devaneios e fantasias? 4. Com quais tipos de coisas sua mente se ocupa? 5. Quando você sente mais energia e o que você faz com ela? 6. De que maneira você observa e analisa outras pessoas? 7. Como você age quando algo te estimula? 8. Como precisamente você visualiza os eventos, real ou imaginariamente? 9. Em quê você mais gosta de se concentrar? 10. Qual tipo de atividade física (ou inatividade) te dá maior satisfação? 11. Experimentar alguma coisa é muito especial para você? Descreva de que modo é especial. 12. Você pega a si mesmo vendo, ouvindo e imaginando coisas que não são reais? Dê exemplos. 13. Você sempre pensa sobre seus pensamentos? Descreva. 14. Em que situação(ões) você sente um grande impulso para fazer alguma coisa?

15. Sempre te parece que as coisas ao seu redor têm vida própria e as plantas, animais e toda a natureza têm sentimentos? Dê exemplos. 16. Se você se depara com uma ideia ou um conceito difícil, como ele se torna claro para você? Descreva o que se passa em sua mente neste caso. 17. Você tem inclinação para a poesia? Se sim, dê um exemplo do que vem em sua mente quando você está em um estado poético. 18. Com que frequência você desenvolve um argumento em sua mente? De que tipos de assuntos estes argumentos são? 19. Se você perguntar a si mesmo “quem eu sou”, qual é a resposta? 20. Quando você lê um livro, o que mais te interessa? 21. Descreva o que você faz quando está simplesmente matando tempo. Fonte: traduzido de LYSY e PIECHOWSKI (1983, p.317).
APRENDIZAGEM POR OBSERVAÇÃO NAS AH.SD

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