Comunicacao como pratica educacional

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Comunicação como prática educacional Clarissa Diniz DIÓGENES1

Resumo Tanto a comunicação como a educação precisa do diálogo para ser compreendida entre os sujeitos envolvidos. A educação é comunicação, é a discussão de um assunto, em que os participantes não são apenas espectadores, mas pessoas ativas que podem problematizar e tentar mudar a sua realidade. Utilizar os meios de comunicação durante o processo educativo é uma das maneiras encontradas para estimular jovens e adultos a se expressarem e mostrarem as suas opiniões e idéias, reconhecendo, assim, que são produtores de cultura. Esse artigo faz um panorama sobre como se dá a relação educação/ comunicação e tem como objeto de pesquisa as oficinas de formação em rádio-escola que foram realizadas no Assentamento Santana, município de Monsenhor Tabosa, interior do estado do Ceará, pela ONG Catavento. Palavras-chave: Comunicação, educação, participação, diálogo.

1. A evolução da comunicação A comunicação humana tem início desde que os homens primitivos se agrupavam em pequenas sociedades. Nessa época, os homens se comunicavam entre si por meio de gritos ou grunhidos, gestos ou utilizando objetos para produção de sons. Com o aparecimento da linguagem oral, a comunicação entre os homens ficou mais compreensível entre eles. Cada grupo social criava seus próprios códigos lingüísticos para que houvesse o diálogo. Porém, a linguagem oral possui algumas limitações, por exemplo, não há como registrar e arquivar e não é possível atingir longo alcance. Para fixar suas mensagens e idéias, os homens utilizavam os desenhos nas cavernas e, mais tarde, criaram a linguagem escrita. A escrita inicialmente seguia a mesma seqüência que a língua falada. Nos primeiros pictogramas, signos que guardam correspondência direta entre o desenho e o 1

Estudante de graduação em Jornalismo na UNIFOR, Fortaleza, Ceará. Membro da ONG Catavento,

Fortaleza, Ceará.

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objeto representado, a seqüência dos signos reproduzia a cronologia dos eventos narrados. Um acontecimento interessante na história da humanidade foi quando os homens perceberam que as palavras ou nomes de objetos compunham-se por unidades de som, os fonemas. Com os fonemas, os signos podiam representar as unidades de som e não mais objetos ou idéias. O fato de os signos gráficos passarem a representar unidades de som menores que as palavras deu origem ao conceito de letras. Com isso facilitou o maior alcance da linguagem escrita, pois qualquer pessoa podia aprender a combinar os sons sem ter que conhecer as equivalências dos signos gráficos com idéias e objetos determinados. O autor, Juan Bordenave (2003), no seu livro, O que é Comunicação, fala que “apesar de existirem os alfabetos, por muitos séculos, a cultura transmitiu-se oralmente”, pois não havia uma maneira prática e rápida para a transmissão das informações escritas de um determinado local para outros mais distantes, a maioria das informações era feita em pedras e pergaminhos de couro. Antes do advento da imprensa, já havia redes organizadas de comunicação funcionando na Europa, controladas e estabelecidas por instituições e/ou pessoas importantes da época, como a Igreja Católica, que utilizava essas redes de comunicação para ter contato com o clero e as elites políticas dispersas pelo continente; autoridades políticas dos estados e principados, essas redes serviam para facilitar a administração e a pacificação de cada território; e, os negociantes que criaram sua própria forma de comunicação para fornecer informações aos seus clientes. Além disso, as informações também eram transmitidas às cidades e aldeias através das redes de comerciantes, mascates e entretenedores ambulantes, tais como contadores de histórias e trovadores. Ao se reunirem em espaços públicos de uma localidade, relatavam acontecimentos ocorridos em lugares mais distantes. Essas redes de comunicação se desenvolveram e deram origem aos correios e a imprensa para produção e disseminação de notícias. A evolução da linguagem aconteceu paralelamente ao desenvolvimento dos meios de comunicação. Johann Gutenberg, em 1440, foi um dos precursores da imprensa com a criação de técnicas de fundição de metal para a impressão de textos. Com o surgimento da imprensa, a difusão das notícias acontecia em espaço de tempo cada vez menor. Além disso, a nova forma de comunicação produziu um novo fluxo de

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dados, gráficos, mapas e teorias na época, também contribuiu para o surgimento das línguas nacionais. A invenção da fotografia teve um impacto muito forte sobre o desenvolvimento da comunicação visual, pois possibilitou a ilustração de livros, jornais e revistas; inspirou o cinema, primeiro mudo, mais tarde sonoro; aliada a eletrônica, culminou na transmissão das imagens via televisão. Outro veículo importante criado foi o rádio que por meio da voz de homens e mulheres foi possível se divertir e ficar informado dos acontecimentos locais e nacionais. Desde a sua criação, os meios de comunicação influenciam e interferem na vida dos indivíduos que de alguma forma participam dele, sendo emissor ou receptor da mensagem que é transmitida.

2. Para que serve a comunicação?

A comunicação é uma necessidade para qualquer pessoa. Juan Díaz, em seu livro O que é Comunicação, enumera funções destinadas à comunicação: Função instrumental: satisfaz necessidades materiais ou espirituais da pessoa; função informativa: apresenta novas informações; função regulatatória: controla o comportamento dos outros, função interacional: relacionamento com outras pessoas; função de expressão pessoal: forma de identificar e expressar seu próprio eu; função heurística ou explicativa: explora o mundo dentro e fora da pessoa. (BORDENAVE, 2003: 46).

A comunicação está presente em todo momento na vida de um ser humano que vive em sociedade, seja, na sua casa, ao dirigir um automóvel, no ambiente de trabalho, na escola. O que seria dos homens e mulheres se não houvesse o ato de comunicar entre eles? É a partir da comunicação que uma sociedade estabelece a sua cultura, seus hábitos, valores e crenças. É durante o processo comunicativo que o homem transmite seus pensamentos, idéias e cria relações com outros homens. A comunicação serve para que as pessoas se relacionem entre si, transformando-se mutuamente e a realidade que as rodeia. Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo. Pela comunicação as pessoas compartilham experiências, idéias e sentimentos. Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas (BORDENAVE, 2003: 36).

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Sabe-se que a comunicação é fundamental para estabelecer a organização de todo grupo social. Mas, então, como seria a nossa sociedade se não houvesse os meios de comunicação? Há bastante tempo, os recursos midiáticos fazem parte do nosso cotidiano, hoje em dia, já não é possível pensar a comunicação sem as suas formas de mediação. Os meios de comunicação, desde a sua criação, interferem no cotidiano das pessoas, pois produzem novas formas de interação entre as pessoas; cria relações de intimidade, mesmo que não seja recíproca, entre pessoas que não se conhecem face a face, como é o caso de fãs com seus ídolos; possibilita que pessoas conheçam outras experiências e/ou lugares muito distantes de onde estão. O processo de auto-formação é cada vez mais alimentado por materiais mediados, que apresentam várias opções aos indivíduos. Diante da tempestade de informações que são transmitidas diariamente, cabe ao receptor selecionar as que lhes são de maior interesse, filtrando as outras. A mídia não domina as ações e os pensamentos das pessoas, é o próprio ser humano, que a partir dos recursos simbólicos que lhe são disponíveis, vai construindo a sua identidade.

3. Relação entre comunicação e educação

Durante o processo comunicativo, não há sujeitos passivos, pois o que caracteriza a comunicação é diálogo entre os envolvidos. Para que a relação comunicativa aconteça de forma eficiente é preciso que os sujeitos estejam dentro de um mesmo sistema de signos lingüísticos. A mensagem comunicada só terá significação se os participantes do processo estiverem compreendido o que o receptor pretendeu comunicar. Da mesma forma, isso acontece na educação, pois esta é comunicação, é diálogo. É um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a compreensão de um assunto, e não a transmissão ou extensão sistemática de um saber dado por uma única pessoa. A educação deve ser uma construção de pensamentos e idéias, em que os sujeitos envolvidos deverão ter liberdade para se expressar e o educador deve ter respeito ao ouvir as opiniões de seus estudantes. Ensinar não é transferência de conhecimento, mas uma forma de intervenção no mundo. 4

A tarefa do educador é problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado. Neste ato de problematizar os educandos, ele se encontra igualmente problematizado. (FREIRE, 1985: 81)

Com a problematização de um caso, ninguém permanece como mero espectador, pois durante esse processo, os sujeitos envolvidos vão discutindo e abrindo novos caminhos de compreensão do objeto analisado. Para que a educação aconteça de forma libertadora é preciso que haja uma problematização do mundo para que educando e educador analisem os fatos ocorridos de maneira crítica e, assim, possam mudar ou transformar a realidade em que vivem. A participação dos estudantes nas discussões em sala de aula propostas pelo professor é uma oportunidade para que eles se expressem, aprendam a conviver com as opiniões alheias, além de questionarem sobre o mundo em que vivem propondo ações de mudanças. O papel do professor é mediar essas discussões, levantando pontos que sejam interessantes e relevantes para o cotidiano dos estudantes, pois aquilo que não tem relação com o contexto do educando torna-se algo cansativo e não atrativo para o seu aprendizado. A educação precisa estar vinculada com a vida dos participantes. Porém, educar não é apenas responsabilidade da escola, mas também da família, das relações de amizade, das comunidades religiosas, dos movimentos sociais e, principalmente, dos meios de comunicação, já que fazem parte da vida diária das pessoas. Por isso a mídia não é para ser somente entretenimento e diversão, mas também expressar a cultura local e nacional, ter informação educativa e contextualizada, preocupando-se com formação de cidadãos críticos. Uma boa maneira de tornar o aprendizado mais prazeroso e fazer com que os estudantes sejam sujeitos mais ativos da sua realidade é levar para o processo educativo formas de comunicação e expressão. Educar-se é envolver-se em um processo de múltiplos fluxos comunicativos. O sistema será tanto mais educativo quanto mais rica for a trama de interações comunicações que saiba abrir e por à disposição dos educandos. Uma comunicação educativa concebida a partir dessa matriz pedagógica teria como uma de suas funções capitais a provisão de estratégias, meios e métodos destinados a promover o desenvolvimento da competência comunicativa dos sujeitos educandos. (KÁPLUN, 1999: 74)

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3.1 Escola tradicional X Meios de comunicação de massa

Apesar de pesquisas e experiências que envolvam a relação educação/ comunicação (aqui chamamos de educomunicação2), constatem resultados favoráveis a formação de indivíduos mais críticos e ativos na nossa sociedade, a educação tradicional ainda é realidade no nosso país e apresenta muitos entraves para que essa relação realmente aconteça e tenha sucesso. A educação tradicional é o termo dado à pedagogia utilizada em sala de aula em que professores se colocam como pessoas que sabem de tudo e transferem seus conhecimentos aos estudantes, estes são considerados como sujeitos que nada sabem. O que predomina é palavra do professor. Por isso, os conteúdos e métodos didáticos utilizados costumam não ter relação com o cotidiano e o contexto social em que o estudante está inserido. Esse tipo de educação e o sistema de meios de comunicação não conseguem dialogar entre si devido aos fortes preconceitos e às resistências existentes, um subestima ou desvaloriza o outro, ambos trabalham com conceitos diametralmente opostos. Exemplo disso, é que a escola repousa sobre a lógica da razão, a grande mídia sobre a surpresa do acontecimento, o impacto e o emocional; um procura formar cidadãos, o outro consumidores. Uma das maneiras para transformar a educação tradicional é preparar os educadores para as diversas possibilidades que tem direito no campo educacional, desenvolvendo trabalhos com os estudantes em que estimulem a sua criatividade e que sejam de interesse dos participantes e da sociedade, pois, assim, eles irão se reconhecer como produtores de cultura. Porém mudanças somente no campo educacional não adiantam, é preciso mudar os sistemas de comunicação para que estes também sejam agentes de transformação social. A educação e a comunicação não podem caminhar dissociadas, como afirma Maria Tereza Freire (2000):

É nos meios de comunicação que a educação encontra sua democratização, a sua popularização, pois suas atividades, suas transformações e suas conquistas ultrapassam os espaços das discussões eruditas, os círculos culturais restritos e alcançam outras camadas da sociedade. Por intermédio da comunicação, que 2

Termo criado por Mario Kaplún para designar a relação entre comunicação e educação.

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testemunha e relata o caminhar da educação, a sociedade compreende o alcance das suas possibilidades e da sua formação cultural. Ainda, as mudanças profundas no nosso próprio modo de viver como indivíduos sociais refletem-se na disponibilidade e na estrutura dos meios de comunicação. (FREIRE, 2000: 32)

É por isso que, a partir de necessidades estruturais e dialógicas na educação brasileira, há educadores e comunicadores investindo e acreditando na área da educomunicação.

3.2 O que caracteriza a educomunicação?

O nome é novo, mas estudos dessa prática acontecem há muito tempo. Nos anos 60, Paulo Freire já despertava para a necessidade de uma maior relação entre a comunicação e a educação. Para ele é impossível haver educação sem diálogo e comunicação. E que é um diálogo? É uma relação horizontal de A com, B. nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só ai há comunicação. (FREIRE, 1987: 107)

A educomunicação parte do princípio da pedagogia do diálogo entre os sujeitos. Em que a partir da utilização do debate no processo de construção do conhecimento é possível formar cidadãos argumentativos e autônomos. Uma das maneiras para isso acontecer é relacionar as formas de comunicação na educação. O professor Ismar Soares conceitua a educomunicação como: Expressão usada para identificar ações de cunho pedagógico que têm como objetivo oferecer ferramentas para a decodificação e avaliação da mídia. (...) É processo de análise e/ou de produção de materiais de comunicação como instrumentos de ensino e formação de cidadãos. (SOARES, 2004: 257)

Para o autor, a Educomunicação possui duas principais vertentes: a leitura crítica dos meios, ou seja, é um processo de “desconstrução” do material midiático, a partir de um estudo aprofundado sobre a linguagem, conteúdo, edição, fontes de informação e outros recursos que são utilizados para a produção do que é transmitido

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pelos meios de comunicação; a outra vertente é a apropriação dos meios, em que promove a educação crítica da mídia por meio da produção de conteúdos. Por meio da relação educação/comunicação é possível reforçar o diálogo, valorizando o papel dos estudantes e professores como agentes ativos da sociedade e realizando na prática ações de intervenção social.

4. Apropriação dos meios

A apropriação dos meios é um dos trabalhos referentes à Educomunicação, em que os participantes produzem seus próprios recursos midiáticos, sejam eles, vídeos, jornais, programas de rádio, internet, entre outros, com o objetivo de decodificar e avaliar criticamente a produção da grande mídia. O cotidiano de grupos que participam desse tipo de trabalho tem passado por mudanças significativas, pois a apropriação promove a democratização da comunicação, já que os participantes irão produzir o seu próprio meio de comunicação; o conhecimento das linguagens utilizadas pela mídia; aprendizagem de como as mensagens são produzidas e elaboradas pelos meios de comunicação, tendo uma maior noção de como acontece o processo de edição dos materiais e os interesses que estão por trás da divulgação ou não de certas informações. Só a apropriação dos meios não é o bastante, é preciso que esse trabalho tenha um caráter pedagógico e que os sujeitos tenham uma visão mais crítica do que é transmitido pelos meios de comunicação, se isso não for feito, a mídia que eles produzirem só será mais uma reprodução do que os participantes costumam ser espectadores.

5. A rádio-escola e a relação entre comunicação/educação

O objetivo do projeto Segura essa onda: rádio-escola digital na gestão sociocultural da aprendizagem3 é levar a comunicação, no caso o rádio, para contribuir com a educação de determinada comunidade.

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O projeto Segura essa Onda é desenvolvido pela ONG Catavento Comunicação e Educação.

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A partir disso, o projeto visa desenvolver uma educação contextualizada usando métodos de ensino que sejam prazerosos para a aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo. O professor Ismar Soares, em seu artigo, Comunicação / educação emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais,enumera quatro áreas de intervenção social que podem ser consideradas como trabalhos educomunicativos, são elas: educação para a comunicação, que tem como objetivo formar pessoas autônomas e críticas diante do que a mídia transmite; mediação tecnológica na educação, consiste no utilização das tecnologias da informação na educação, por exemplo, o rádio, a televisão, o computador, entre outros;

gestão comunicativa, envolve ações

relacionadas ao planejamento, execução e avaliação de projetos voltados para a área de comunicação/educação; e a reflexão epistemológica, que é designada a qualquer pesquisa e/ou estudo realizado na área de educomunicação. Pode-se caracterizar o trabalho realizado pela equipe da ONG Catavento como educomunicativo, já que o objetivo do projeto Segura essa Onda é formar cidadãos mais conscientes e mais envolvidos com as questões sociais que fazem parte do seu ambiente sócio-cultural, a partir das discussões realizadas durante as oficinas e, principalmente, com a construção da sua própria forma de comunicação e expressão, o rádio. Além disso, o Segura essa Onda é um projeto que tem como proposta principal a relação entre a comunicação e educação. Todas as suas fases sejam elas de planejamento, execução das oficinas e avaliação do trabalho feito tem como foco principal trabalhar a utilização da comunicação no processo educativo. A reflexão epistemológica também está inserida no projeto, um dos exemplos disso é o presente artigo, pois além de está na prática da educomunicação, há uma preocupação da equipe em registrar e refletir sobre o trabalho, unindo a teoria à prática. Atualmente, o Segura essa Onda acontece no Assentamento Santana, município de Monsenhor Tabosa, interior do estado do Ceará. O projeto desenvolve oficinas de formação em rádio-escola digital com turmas de 25 estudantes e 15 educadores de todas as áreas do conhecimento, com a carga horária de 120 horas/aula para os estudantes e 80 horas/aula para os educadores. As oficinas são dadas em turmas separadas de professores e estudantes, já que os propósitos pedagógicos são distintos. Com os estudantes procura-se discutir as formas de comunicação e como podem ser utilizadas no dia-a-dia da rádio-escola. 9

Já com os professores, a mediação discute como utilizar o rádio como recurso pedagógico, por exemplo, ao conhecer melhor como se faz um rádio-documentário, os educadores planejam como trabalhar essa técnica com os seus estudantes em sala de aula, pois para que o meio de comunicação tenha um caráter educativo, os professores precisam dominar as técnicas e saber quando podem ser usadas. Durante as oficinas, os participantes discutem junto com a mediação os conceitos e a utilização das técnicas de comunicação radiofônicas, além da discussão de temas que fazem parte do cotidiano dos moradores da comunidade, como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), organização e participação do assentamento, influência dos meios de comunicação na vida dos moradores, abordagem dos meios de comunicação a respeito da juventude e do meio rural, entre outros assuntos. A formação pretende fazer com que os participantes conheçam as técnicas radiofônicas a partir de conceitos que já fazem parte do cotidiano deles. Por exemplo, quando discutimos a técnica de rádio-teatro, eles já sabiam como se fazia uma peça teatral já que os participantes costumam apresentar-se em eventos que acontecem no assentamento, além disso, eles tinham noção de como adequar à história ao rádio, já que eles assistem diariamente as telenovelas e estas têm origem nos rádio-teatros. Depois de produzir uma técnica, a turma se reúne e avalia os trabalhos, discutindo se realmente os produtos radiofônicos estavam de acordo com a proposta construída, além disso, avalia-se em que pontos a equipe acertou e o que podia ser melhorado. As atividades e dinâmicas sempre trazem uma reflexão sobre a importância da coletividade e o papel de cada um na estruturação do grupo. Por exemplo, ao realizar a “brincadeira do tubarão”, os participantes refletiram sobre a coletividade do grupo. A dinâmica era a seguinte: antes de começar a brincadeira, a mediação distribuiu cinco folhas de jornal pela sala. Depois, as mediadoras pediram para que as pessoas caminhassem como se estivesse no oceano e que a qualquer momento podia aparecer um tubarão, que seria indicado pela voz da mediação. Para que os participantes se protegessem do “animal”, eles podiam refugiar-se nas pequenas ilhas, que no caso, seriam as folhas de jornal. Depois que o tubarão ia embora era tirada uma ilha e os que não conseguiam espaço no papel saiam da brincadeira. A dinâmica acabava quando sobrava uma única ilha. Ao final da brincadeira, o grupo refletiu sobre o egoísmo de cada um, pois no momento em que todos precisam se “salvar”, ninguém pensa no outro, 10

pensa somente em si mesmo. Levando para o contexto dos participantes, questionaramse como eles irão reagir diante de um problema que surgir na rádio-escola, já que as pessoas não estão pensando no grupo, mas somente em si mesmas. A formação também pretende fazer com os participantes interajam mais com o ambiente sócio-cultural que os circunda, estreitando relações entre a comunidade e a escola, valorizando histórias de pessoas que moram na própria comunidade. A formação também busca o aumento da auto-estima dos professores e estudantes, pois ao elaborar os conteúdos radiofônicos e divulgar pelo assentamento, eles serão valorizados pelos moradores e se reconhecerão como produtores de cultura. Além disso, a comunidade passa a perceber que a escola tem um papel fundamental na formação da cultura local, que não apenas transmite saber aos estudantes, mas pode produzir conhecimento com um objetivo de formar pessoas que possam interferir na construção da realidade. A mediação é formada de duas jornalistas, uma pedagoga e uma estagiária de comunicação. As mediadoras são responsáveis em levantar discussões; construir junto com os participantes conceitos coletivos sobre as técnicas radiofônicas a partir do que eles já conhecem; organizar e planejar as oficinas; avaliar de acordo com suas percepções e teorias o que acontece durante a formação e tentar solucionar junto com os participantes os problemas que possam surgir. As oficinas acontecem na escola São Francisco, única escola da comunidade, e são realizadas durante os finais de semana a cada quinze dias. A rádio não fica localizada na própria escola, pois não há estrutura para isso. O estúdio encontra-se no antigo posto telefônico no centro do assentamento, assim, quando ligadas, as cornetas expandem o som da rádio para toda a comunidade. Além da rádio, o assentamento conta com um laboratório de informática desenvolvido pelo projeto Centro Rural de Inclusão Digital (Crid) que tem como objetivo unir internet e educação. Essa iniciativa foi realizada pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) e teve apoio da Universidade Federal do Ceará (UFC). A proposta do projeto Segura essa onda: rádio-escola digital na gestão sociocultural da aprendizagem é tornar a rádio do assentamento Santana acessível para qualquer pessoa por meio da internet. Os programas ainda não estão disponíveis na rede, mas foi criado o Portal do projeto (www.seguraessaonda.org.br), em que

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brevemente estarão sendo veiculadas as produções realizadas durante as oficinas de formação em rádio-escola e os programas que serão produzidos ao longo do processo.

5. Considerações Finais

Um meio de comunicação inserido no processo educativo pode se tornar uma ferramenta interessante, desde que os participantes, professores e estudantes, saibam como utilizá-lo de forma interativa e dialógica. Toda forma de educação deve está voltada para o contexto de cada grupo social, com o objetivo de formar cidadãos críticos e ativos na sociedade. Esse artigo tem o propósito de apresentar um trabalho educomunicativo realizado numa localidade do meio rural do semi-árido cearense, utilizando o rádio durante o processo educativo. A partir dessa e de outras experiências, percebe-se como é interessante para a formação cidadã de um grupo um trabalho que relacione a educação e a comunicação, pois com a utilização de práticas educomunicativas o papel de estudantes e professores se renovam e se reestruturam no ambiente escolar e cada um se sente responsável em interferir e transformar a realidade que os circunda.

6. Referências bibliográficas

BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1ª edição, 2003. FREIRE, Maria Tereza Martins. O jornal como agente promotor da relação entre comunicação e educação. Revista de estudos da comunicação. Ano 2000, v. 1, n. 2, mês SET, pg. 31 – 37. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? São Paulo: Paz e Terra, 8ª edição, 1985. _____________. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 18ª edição, 1987. KAPLÚN, Mario. Processos educativos e canais de comunicação. Revista Comunicação & Educação. São Paulo: Moderna / ECA-USP, p. 68-75, jan./abr. 1999.

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SOARES, Ismar. Comunicação / educação emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Disponível em http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/140.pdf Acessado em 29/04/2007, 10:00 horas. ______________. VIVARTA, Veet (org.). “Instrumentalizar crianças e adolescentes para decodificar a linguagem dos meios de comunicação é o principal objetivo da Educação para a Mídia ou Educomunicação”. Remoto Controle: linguagem, conteúdo e participação nos programas de televisão para adolescentes. São Paulo, p. 257 – 289, 2004. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 7ª edição, 1998.

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