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Burning Man: o que um festival com uma estrutura arcaica pode nos ensinar sobre a cultura do futuro?
O Burning Man é um festival anual que ocorre nos Estados Unidos, no Black Rock Desert, durante o período de uma semana. O evento sempre começa na última segunda de Agosto e termina na primeira segunda de Setembro, que coincide com o feriado do dia do trabalho nos Estados Unidos.
Então, imagina que tem uma grande área, no meio do deserto, que não tem nada o ano inteiro e durante 1 semana, todo ano, cerca de 70.000 pessoas vão até esse lugar, constroem uma cidade, do nada, e depois dessa 1 semana o deserto volta ao mesmo estado, ou seja, como se não tivesse nada lá.
O festival começou com apenas 2 pessoas, Larry Harvey e seu amigo, que decidiram fazer um homem de 2 metros e meio para queimar em uma praia de San Francisco. Quando olharam ao seu redor, tinha cerca de 40 pessoas, todas curiosas para ver o que estava pegando fogo. Dai veio o nome: “Burning man”, homem em chamas. Hoje, quase 30 anos depois, no sábado do festival, ainda é queimada uma escultura de madeira em formato de um homem. E esse homem foi crescendo, junto com a população do festival.
O que começou então com cerca de 40 pessoas e um homem de 2 metros e meio de madeira em uma noite, hoje se transformou em um festival que reúne 70.000 pessoas, dura uma semana inteira e tem uma escultura em formato de homem de madeira de 32 metros de altura.
O evento é descrito como “um experimento em arte, comunidade, auto expressão e autossuficiência”.
Na minha experiência no festival, ele é tão importante na vida de algumas pessoas, que tem alguns que chegam ao extremo de falar, com essas palavras “O burning man é o mais perto de uma religião para mim”.
E muito disso vem justamente dos princípios que regem a cultura do festival. Sim, o Burning Man tem princípios, que foram escritos pelo próprio Larry Harvey e são visíveis a cada passo que você dá lá dentro.
O primeiro deles é a Inclusão Radical . Todos são bem vindos. Qualquer pessoa pode ser uma parte do Burning Man. Todos saúdam e respeitam o desconhecido, seja quem for, como for. Não existem prérequisitos para a participação nessa comunidade. Existe até um ritual para você que nunca foi à “playa”, que é como eles chamam o local. Quando você é um “virgem” do festival, você chega e os integrantes te saúdam com abraços. Logo depois, é mandatório você deitar e rolar na areia da playa para já se sentir em casa. Depois disso você toca um sino e fala: “eu não sou mais virgem!!!”
O segundo principio é o Ato de Presentar , ser radicalmente generoso. Nas palavras de Larry: oferecemos o nosso tempo e esforço livremente. Burning Man estimula atos de presentear. O valor de um presente é incondicional. Mais importante: Oferecer um presente não contempla um retorno ou uma troca por algo de igual valor. É muito normal você estar andando pela playa e de repente ganhar um suco, por exemplo. Aqui no meio tem o exemplo da Kustom Kult: É bem simples: você entra na fila, escolhe a fantasia que você achar mais legal em você, veste ela e sai dançando pela passarela com o seu novo figurino. Pronto, a fantasia agora é sua!
E o presentear não só se limita a coisas físicas. Pode ser também, uma sessão de terapia. Aqui tem o exemplo de um cara que colocou uma plaquinha: “você precisa de ajuda?"” e ficou lá apenas conversando e ouvindo os outros.
O terceiro principio é a “ Decomoditização ”. Esqueça o dinheiro – não tem nada para comprar por aqui. Para preservar o espírito de presentear, nossa comunidade procura criar ambientes sociais que não são mediados por patrocínios, transações ou publicidade. Buscamos substituir o consumo por experiências participativas. No Burning Man não existe dinheiro. Uma vez lá dentro as únicas coisas que você pode comprar são café e gelo. Mais nada. Aqui uma foto que eu tirei da caixinha de gorjetas dos barmans. Os próprios participantes são voluntários por servir bebidas no Burning Man, e as gorjetas são então: um caderno, um maço de cigarros e outras coisas mais. A descomoditização vai além disso. Você comoditizar algo, por exemplo, quer dizer que agora você consegue facilmente medir, ranquear alguma coisa. Basicamente você deixa algo mais simples e mais superficial, em vez de mais profundo e mais complexo. Hoje em dia, devido ao mundo em que vivemos, acabamos comoditizando outras pessoas e nós mesmos. Ficando cada vez mais como “coisas” e cada vez menos humanos. A descomotização é reverter esse processo. É fazer o mundo e as pessoas nele mais únicas, sem preço, mais humanas. Entender que nada que somos pode ser comprado ou vendido, e que somos mais importantes que tudo isso. O principio da descomoditização do festival é um lembrete a isso. A comoditização em excesso leva a ambientes tóxicos para seres humanos, e a alegria de verdade depende desses espaços descomoditizados. A descomoditização é o primeiro passo para o próximo principio a Auto Expressão Radical . Liberdade para ser você mesmo. A auto expressão surge dos dons únicos de cada indivíduo. Ninguém mais além do indivíduo, ou de um grupo colaborando, pode determinar o seu conteúdo. E isso é oferecido como um presente para os outros.
Neste espírito, quem oferece deve respeitar os direitos e liberdades de quem recebe. E aqui vemos nas fotos exatamente isso, as pessoas se expressando como bem entendem, Sem julgamentos, sem dar a mínima para outras pessoas. As pessoas na sua mais pura essência. O quinto principio é a Autosuficiência Radical . Você é responsável por você mesmo, mentalmente e fisicamente. O Burning Man encoraja o indivíduo a descobrir, exercitar e confiar nos próprios recursos internos. Ou seja, garanta que você tem comida, água, e tudo que você necessita para sobreviver. Não dependa de ninguém, a não ser de você mesmo. Ao mesmo tempo, como já falamos, não só recursos físicos, mas mentais também. Encorajar as pessoas a se desenvolver espiritualmente e mentalmente para aguentar o desafio que for. Afinal o deserto não é um ambiente hospitaleiro. Muito pelo contrário, pode ser bem hostil. Aqui nas fotos é um pouco do que eu passei. Quando tava fazendo a mala para ir pra Black Rock City, todos me falaram para levar kits de reparo de bicicleta, corda, canivete e silver tape, falando que com certeza eu iria arrumar uso para eles. Dito e feito: Minha bicicleta, por exemplo, perdeu o pedal esquerdo no segundo dia, uum amigo esqueceu de trazer os pauzinhos para montar sua barraca. Tivemos que improvisar com o que tínhamos. O banco da bicicleta não foi diferente: para deixar mais macio, silver tape, toalha e plástico bolha fizeram toda a diferença.
O sexto principio é a Cooperação . Juntos somos mais fortes. Nossa comunidade valoriza cooperação criativa e colaboração. Nós nos esforçamos para produzir, promover e proteger as redes sociais, espaços públicos, obras de arte, e métodos de comunicação que apoiam tais interações. Aqui alguns exemplos de cooperação que eu participei: 1. uma edição do TEDx, lá, no meio do deserto, em Black Rock City!! Com os melhores palestrantes do Vale do Silício, em um ambiente impar, muito diferente da maioria das conferências convencionais. Venha de bicicleta, pare, e encontre um sofá, um tapete, ou mesmo sente na areia. Fique livre e confortável. 2. O templo amarelo; uma instalação de arte incrível. Dentro do templo, existiam diversos livros em branco e canetas. Então as pessoas, colaborativamente, escreviam livros e livros com todo o seu conhecimento.Várias outras passavam horas lendo e apreciando as obras de arte de literatura e diversos desenhos. No final, tudo virou cinzas.
Mais um principio, a Responsabilidade Civil . Uma família de indivíduos, nós cuidamos uns dos outros. Valorizamos a sociedade civil. Os membros da comunidade que organizam eventos devem assumir a responsabilidade de bemestar público e se esforçar para comunicar responsabilidades cívicas para os participantes. Devem também assumir a responsabilidade para a realização de eventos de acordo com leis locais, estaduais e federais.Aqui, os banheiros do Burning Man, que podem muito bem ter uma dupla função e servir de sauna também, dependendo da hora do dia que você vai utilizar. Apesar de ser um dos banheiros químicos mais limpos que já vi na minha vida (existem equipes voluntárias que limpam a cada hora).
O oitavo principio é Não deixe rastros “leave no trace”. Do pó ao pó, deixe apenas pegadas. Nossa comunidade respeita o meio ambiente. Temos o compromisso de não deixar nenhum vestígio físico das nossas atividades. Onde quer que nos reunamos,
nós limpamos depois de nós mesmos e procuramos, sempre que possível, deixar tais lugares em melhor estado do que quando os encontramos.
O burning man criou até um termo, “MOOP”, que significa “matter out of place”, ou seja, matéria fora do lugar, e há um esforço gigantesco de todos os participantes para deixar cada coisa em seu lugar. Lixo no lixo. Todo ano, é feito um mapa de quantidade de MOOP na cidade, para mostrar como cada acampamento cuidou de seu espaço.
O nono principio é a Participação . Se envolva. Burning Man é o que fazemos. Nossa comunidade está empenhada em uma ética radicalmente participativa. Acreditamos que as transformações, quer no indivíduo ou na sociedade, podem ocorrer apenas por intermédio de uma profunda participação pessoal. Alcançamos o ser através do fazer. Todos estão convidados a trabalhar. Todo mundo é convidado para participar. Nós fazemos o mundo real por meio de ações que abrem o coração. Então, como já mostrei, as pessoas que se disponilizam para limpar o banheiro, os barmans que servem bebidas a outros voluntariamente, você descobrir que tem uma tiroleza no meio da balada e querer participar, ou ainda você sabe fazer malabarismo com fogo e se dispor a fazer isso… toda hora, em todo lugar, existe a oportunidade de participar.
Finalmente, o ultimo principio é o Imediatismo . Faça o agora valer. Esteja aqui e agora. Experiência imediata é, em muitos aspectos, a característica mais importante em nossa cultura. Procuramos superar as barreiras que se interpõem entre nós e o reconhecimento do nosso eu interior, a realidade dos que nos rodeiam, a nossa participação na sociedade, e o contato com um mundo natural superior aos poderes humanos. Nenhuma idéia pode substituir esta experiência. Na verdade, o que quer dizer isso? É estar PRESENTE. Desligar a porra do celular. Fazer alguma coisa e estar naquele momento de corpo, mente e alma. Descobrir novas experiências através da presença, celebrar a vida, celebrar a natureza. Por exemplo, apesar de sabermos exatamente do nascer e por do sol todos os dias, são poucas as vezes que realmente contemplamos esse fenômeno e toda sua beleza e significado. No Burning man, a cada nascer do sol e por do sol, todos se voltam ao Sol e começam a aplaudir e uivar, celebrando o momento.
O Burning man também é talvez a maior celebração de arte que eu já presenciei. As carros alegóricos e instalações de arte me deixavam de boca aberta a cada segundo.
Imagina eu, no meu primeiro dia, a noite andando com a minha bicicleta, e, eu viro pro lado direito, tem um fantasminha do pacman. Olho então pra esquerda e tem um polvo gigante soltando fogo…. é fantástico!!!
Na playa, você chega com o seu carro, estaciona, e pronto, você não pode mais usar ele. Os únicos carros que tem a permissão de veicular a 10 km/h são os carros alegóricos, como por exemplo o polvo. Você só pode andar à pé ou de bicicleta, ou pegar carona em algum carro alegorico.
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arte efemera o Arte efêmera O conceito de arte efêmera é levado bem a sério no Burning Man. É o desapego de tudo que é material, de se deixar livre para continuar criando, sem ficar preso pelo que já passou. Obras de arte gigantescas e maravilhosas, de deixar o queixo cair, que foram
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planejadas e construídas no decorrer de um ano inteiro são simplesmente queimadas no final. The Man ▪ “O Homem” O Homem é o grande emblema do Burning Man, e a cerimônia de queima faz jus à sua presença e expectativa. É uma grande algazarra, com todos os carros mutantes reunidos tocando música no centro de Black Rock City e todos se juntam para assistir de perto a cerimônia de queima. Com 65 mil pessoas reunidas pra ver um único acontecimento, claro que fica difícil conseguir um bom lugar para assistir, certo? Errado. Com muito respeito e solidariedade ao próximo, todos se sentam para assistir ao homem queimar. Todos sabem que, se todos sentarem, fica muito mais fácil todo mundo ver a cerimônia. Muito diferente de muitos lugares que conhecemos, não? O custo de construção e projeto do homem foi estimado em U$ 400,000.00. O Templo ▪ “O Templo” O templo foi a instalação de arte que eu mais gostei. É um lugar com uma energia incrível, onde todos, com muito respeito, vão praticar sua espiritualidade. Como ele também foi queimado, era possível ver em todas as partes, pessoas escrevendo mensagens a pessoas especiais, ou mesmo deixando tributos a elas. Tinha desde mensagens para um parente que já se foi, até mesmo uma foto do Robin Willians. Na cerimônia em que o templo foi queimado, ao invés da algazarra que aconteceu na queima do homem, por exemplo, o que ocorreu foi que todos estavam em silêncio, até mesmo os carros mutantes. Mais uma vez que eu fiquei muito surpreendido com a comunidade como um todo e o respeito que emanava entre todos. Como pode, em um lugar com tanta diversidade, onde todos estão pouco se importando com a opinião dos outros, haver tanto respeito? O templo, eu não consegui descobrir quanto custou. A única referência eu achei no Reddit em um valor “em torno de U$ 500,000.00”. Ainda assim, eles realizaram uma campanha no Kickstarter também para financiar a instalação.
Pois bem, agora que vocês são experts em Burning man. Para quem é esse festival?
Você quer ir pra balada todo dia, beber muito, farrear, vendo DJs famosos e bandas de todo mundo, indo de 4 a 5 baladas por dia? Sim, esse é o lugar perfeito para você. Você quer ir ficar sozinho, refletir sobre a sua vida, se isolar de toda informação, uma verdadeira jornada de desintoxicação? Sim, esse é o lugar perfeito para você. Você quer fazer exercícios, aprender a meditar, fazer aulas de yoga todos os dias, ver obras de arte de tirar o fôlego? Sim, esse é o lugar perfeito para você.
Mas o mais incrível mesmo, é como uma o que um festival com uma estrutura arcaica pode nos ensinar sobre a cultura do futuro?
Imaginem, então, todos esses 10 princípios aplicados à uma sociedade. Imagina extrapolar essa cultura para as nossas cidades, por exemplo.
uma sociedade radicalmente generosa onde cada um consegue viver e cuidar da sua própria subsistência uma sociedade que respeita e vive em sincronia com o ambiente que vive que colabora como comunidade para um bem comum que aceita a todos radicalmente, que entende que cada um é único, que aceita que é necessário responsabilidade cívica para se viver em sociedade, com respeito. Uma sociedade com auto expressão radical onde todos entregam como presente sua melhor versão, sua verdadeira e real essência. Entendendo também a essência do outro. Uma sociedade que é presente, que entende o valor do tempo, e da presença de corpo, mente e alma nas atividades. descomoditizada, cada vez mais humana nossa comunidade procura criar ambientes sociais que não são mediados por patrocínios, transações ou publicidade. Buscamos substituir o consumo por experiências participativas. que entende que nada que somos realmente pode ser comprado ou vendido. que prefere experiências ao consumo
Todos esses são valores do passado, de sociedades muito primitivas, indígenas, por exemplo, mas que se perderam no meio do desenvolvimento da sociedade atual.
Mas a medida que rumamos a um futuro distribuido, complexo, em rede, de abundância, esses valores, essa cultura pode ser a chave para realmente transcendermos como espécie. Esse tipo de comportamento já se mostra, por exemplo, em espaços de coworking, hacker spaces, bairros na Holanda por exemplo, que tem esse senso de comunidade.
E isso vai ser crucial para mantermos nosso planeta e até mesmo quando formos a outros planetas…. Mas esse papo vai ficar para a próxima aula.. =)