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Copyright © Aline Rubert, 2020 Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento, cópia e/ou reprodução de qualquer parte dessa obra — física ou eletrônica — sem autorização prévia da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.9.610./98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Esta é uma obra de ficção, nomes, lugares e acontecimentos aqui descritos são produtos da imaginação da autora, toda e qualquer semelhança com eventos reais são mera coincidência.
Revisão: Bah Pinheiro Capa: Aline Rubert Diagramação: Aline Rubert 2020 1ª Edição
HECTOR Irmãos Vanslow – Livro 1 © Todos os direitos reservados a Aline Rubert
Sumário Nota da Autora Capítulo Um Capítulo Dois Capítulo Três Capítulo Quatro Capítulo Cinco Capítulo Seis Capítulo Sete Capítulo Oito Capítulo Nove Capítulo Dez Capítulo Onze Capítulo Doze Capítulo Treze Capítulo Quatorze Capítulo Quinze Capítulo Dezesseis Capítulo Dezessete Capítulo Dezoito Capítulo Dezenove Capítulo Vinte Capítulo Vinte e Um Capítulo Vinte e Dois Capítulo Vinte e Três Capítulo Vinte e Quatro Capítulo Vinte e Cinco Capítulo Vinte e Seis Capítulo Vinte e Sete Capítulo Vinte e Oito Capítulo Vinte e Nove Capítulo Trinta Capítulo Trinta e Um Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três Capítulo Trinta e Quatro Capítulo Trinta e Cinco Capítulo Trinta e Seis Capítulo Trinta e Sete Capítulo Trinta e Oito Capítulo Trinta e Nove Capítulo Quarenta Capítulo Quarenta e Um Capítulo Quarenta e Dois Capítulo Quarenta e Três Capítulo Quarenta e Quatro Capítulo Quarenta e Cinco Capítulo Quarenta e Seis Capítulo Quarenta e Sete Capítulo Quarenta e Oito Capítulo Quarenta e Nove Epílogo Dê uma espiada no próximo livro
Nota da Autora Este é um trigger warning (aviso de gatilho). Este livro contém cenas gráficas e fortes de temas como depressão, borderline e ansiedade. Se você não se sente confortável com estes temas, peço que, por favor, feche o livro agora. Se você precisar de ajuda de qualquer forma, o número do CVV (centro de valorização à vida) é 188, e também pode ser acessado por chat pelo site https://www.cvv.org.br/. Depressão não é brincadeira, é uma doença psicológica e merece todo o respeito e tratamento de doenças físicas. Se você se identificar com os sintomas da personagem, procure ajuda. Nunca é tarde para melhorar. Atenciosamente, Aline Rubert.
Que saco. Eu já estava atrasado há dois minutos, e o maldito elevador não chegava até a cobertura. Sim, a reunião era com meus irmãos, ainda assim, não pegava bem chegar atrasado. Bem, pelo menos eu tinha a certeza de que chegaria antes de Ethan, que só aparecia quinze minutos depois em todas as reuniões que tínhamos da empresa. Senso de responsabilidade zero. Bati o pé no chão de metal, impaciente. O elevador finalmente parou na cobertura do Pallace e eu saí, seguindo até a sala de reuniões de Roman. Meu irmão morava no apartamento de cobertura do Pallace de Nova York, hotel que administrava. Vez ou outra quando alguma coisa surgia, às vezes apenas para deixarem uns aos outros a par de tudo, fazíamos uma reunião aqui, sobre a Vanslow Corporation, empresa de nosso pai. A Vanslow. Corp administrava outras empresas das quais éramos donos individualmente, e ficamos como donos responsáveis da empresa em si, após nosso pai, Frederick Vanslow, se aposentar. As reuniões eram sempre aqui ou no prédio central da Vanslow Corp, mas preferíamos nos reunir aqui, e já transformar a reunião de negócios em uma reunião de família, que estavam mais raras a cada dia. Entrei na sala, vendo três dos meus quatro irmãos. Roman era o mais
velho, com trinta anos, e de acordo com as mulheres era o mais bonito dos cinco. Já ouvi mais de uma secretária dizendo que ele era como vinho, que só melhorava com a idade, e sempre ri disso. Mal sabiam elas que meu irmão era mais frio que uma pedra quando se tratava de alguém fora da família. Ele tinha olhos claros e usava o cabelo curto, sempre pra cima. Eu era o segundo mais velho, com vinte e sete anos, seguido pelos gêmeos de vinte e cinco. Brian e Phillip não eram idênticos, eram quase opostos. Um de cabelos castanhos rentes à cabeça, raramente usava terno e ganhava a vida como pintor e com galerias de arte, enquanto o outro era loiro como nossa mãe, vivia com aquele terno azul de risca de giz e era o mais empenhado na empresa, depois de Roman, mais até do que eu. — Me desculpem o atraso — falei, enquanto me sentava na minha cadeira habitual. Brian riu. — Três minutos não é atraso. Ethan é atraso. — Ele deu de ombros, se recostando na cadeira, e eu podia ver que estava lutando contra o impulso de colocar os pés na mesa. Ele era o mais desleixado, depois do mais novo. E como se por falar no diabo nós o invocássemos, Ethan passou pela porta, os cabelos despenteados e usando uma jaqueta de couro. Dos cinco, ele era o mais rebelde, com o cabelão escuro e a barba, nunca usava um maldito terno nem se comportava como devia. Roman detestava isso nele, e eu também. — Chegou cedo. Que milagre é esse, caiu da cama hoje? Só cinco minutos de atraso, seu novo recorde — provoquei, rindo. Ele me mostrou o dedo do meio em resposta. — Ethan! — Roman repreendeu e nosso irmãozinho simplesmente deu de ombros, se sentando e fazendo o que Brian não tinha coragem: colocando os pés na mesa. Roman suspirou, revirando os olhos. — Muito bem, eu chamei vocês aqui para uma conversa sobre um evento beneficente que está surgindo, e como cada um pode ajudar. Afinal, não é porque... — Somos privilegiados, que não vamos ajudar os outros — nós quatro completamos a frase que ele adorava repetir, rindo. — Já sabemos, Roman. E imagino que já tenha pensado em tudo. — Bem, sim. — Ele deu de ombros, cansado de nosso mau comportamento e pegando quatro pastas, empurrando uma na direção de cada um de nós. — A Vanslow Corp participará fazendo pequenos eventos beneficentes e promoções para a ajuda, a começar pela galeria de Brian e seus
quadros, com um leilão cem por cento sem lucros, com todo o valor arrecadado indo para a causa. — E podemos saber qual é a causa? — Crianças. Mais especificamente, crianças necessitadas e órfãs de várias partes do mundo — Roman continuou a explicação. — Ok. Parece bom pra mim, e os outros? — Brian ergueu uma sobrancelha, olhando ao redor da mesa para nós. Abri a pasta na minha frente, enquanto Roman voltava a falar. — A gravadora de Phill fará um show beneficente com todos os artistas que conseguir reunir, de preferência em um dos eventos que vamos sediar. Ethan, você vai fazer uma doação significativa, já que ainda não tem nada fixo. — Não sei por que ainda faz essas reuniões, só pra nos dar ordens, poderia ter mandado só uma mensagem. — Ethan deu de ombros e eu não segurei uma risada. Ele não estava totalmente errado. — Continuando — Roman ignorou o comentário dele —, eu sediarei um evento beneficente aqui no Pallace, para grandes personalidades famosas, e por último, Hector. Como ele também trabalha com hotéis, ficaria repetitivo mais um evento, então ele usará seu segundo talento: falar. — Ele se virou para mim, com aquele sorrisinho de quem se achava o dono do mundo. — Você dará palestras em faculdades e auditórios, falando sobre crescimento profissional e a importância de ajudar quem não teve as mesmas condições de crescer. Mais especificamente, você irá arrecadar doações de quem estiver disposto a ajudar. — Ou seja, vou fazer o que já faço e pedir doações no final? — Exatamente — Roman assentiu, e eu balancei a cabeça. Sempre ficava com a parte mais trabalhosa, mas ao menos isso mostrava que eu tinha responsabilidade. — A primeira palestra será na escola de artes Lucille, para os alunos de alguns cursos de lá. Cinema, direção, atuação... um pessoal com o qual você vai se identificar. — Ah com certeza. — Revirei os olhos ironicamente, rindo. Eu era de exatas até não poder mais, havia me formado em Economia, e fazia toda a contabilidade dos meus irmãos e da empresa. Era o cérebro matemático da família, perdendo apenas para Roman, que era praticamente uma divindade.
Pessoal de humanas que aplaudia o sol não era exatamente a minha praia. — Bem, por hoje é isso. — Viu o que eu disse? Podia ter só nos mandado mensagens e teria o mesmo efeito — Ethan resmungou, pegando o celular do bolso e checando suas mensagens. Roman respirou fundo. — Por mensagem, eu não poderia fazer... isso! — E atirou a pasta de Brian diretamente na cabeça de Ethan, que gritou um sonoro “porra”, enquanto erguia o olhar para Roman, que ria, em um de seus raros momentos. — Eu te odeio. — Também te amo, irmãozinho. — Ele riu, empurrando a cadeira de rodinhas para trás e se levantando. — Agora, quem quiser me acompanhar em uma bebida, vou estar no bar. Ethan, pode evaporar. — Vou beber seu whisky caro, obrigado. — Ethan se levantou, seguindo Roman para fora. Eu fui o último a sair, indo encontrar com eles no bar da varanda. A cobertura tinha dois andares, e o primeiro onde estávamos ficava a sala de reuniões, o bar interno e o externo, uma sala de estar ampla, ao lado de uma cozinha e uma enorme sala de jantar. Todos os dois últimos andares do Pallace eram dele, então era espaço de sobra. Caminhei até o bar, vendo meu reflexo nas paredes de vidro que dividiam a área interna da externa. Meu cabelo estava razoavelmente arrumado, raspado nas laterais e penteado para trás em cima, a barba um pouco grande no mesmo tom claro de castanho. Eu estava usando um terno, tinha vindo direto de outra reunião, e folguei a gravata enquanto pegava um copo com whisky de cima do bar e ia me sentar perto dos outros. — E então, por qual motivo vamos encher a paciência uns dos outros hoje? — Eu diria relacionamentos, mas considerando que somos quatro solteirões e um bebê — Phill apontou para Ethan, rindo —, nem teria graça. — Sou só três anos mais novo que você, palhaço. — Exatamente, um feto nesa vida, nem empresa própria tem ainda, por pura indecisão. — Eu tenho vinte e dois anos. O homem normal de vinte e dois anos
não tem nem formação acadêmica completa, que dirá uma empresa própria. — Ethan era o mais realista de nós, ao menos alguma vantagem ele tinha. — Não somos pessoas normais, somos herdeiros de um império bilionário. Temos tantas obrigações como os outros, mas as nossas são um pouco diferentes. — Brian deu de ombros, tomando um gole de whisky. Havíamos puxado o gosto do nosso pai por bebidas fortes. — Somos um clichê. — Phillip riu. — Conseguem imaginar quantas adolescentes leem cinquenta tons e imaginam que somos como o tal do sei lá o que Grey? — CEOs frios e calculistas, com fetiches estranhos e violentos. Quem diria que nossa imagem ficaria resumida a isso. — Roman balançou a cabeça, se recostando na poltrona onde estava. — Não é de se impressionar que estejamos todos solteiros. — Brian riu. — Só nos aparecem malucas com fetiches em personagens de livros. Será que custaria demais alguém fazer um CEO que não fosse um pé no saco? — Quebraria o estereótipo. — Eu ri, tomando um gole do meu copo. — Consegue imaginar um livro com um CEO bom, que faça caridade e ame cachorrinhos pequenos e adoráveis? Não venderia nada. — Está querendo um livro só sobre você e seu pug, Hector? — Ethan me alfinetou, rindo. Eu dei de ombros. — As grandes aventuras de Hector e Rudy, seu fiel escudeiro canino. Me soa bem. — Pobres de nós, temos um irmão louco. — Brian riu, arrancando risadas dos outros três. Apenas dei de ombros, rindo também. — Vai dizer que não gostaria de viver uma história como a daqueles filmes que você assiste? E não tente me enganar, eu vi você saindo do cinema quando foi assistir ao filme da Lady Gaga, e sei que chorou. — Não tinha como não chorar. — Brian riu, dando de ombros. Ele era o mais sensível dos cinco, e o único que não fazia sentido estar solteiro. Roman e eu éramos obcecados com trabalho, Ethan e Phillip eram playboys, mas Brian? Brian era o anjinho de nossa mãe, o menino sensível e amoroso, que sonhava em ter uma família enorme. Sinceramente ele havia puxado tanto a ela que só havia de nosso pai os cabelos. — Sensível demais para o meu gosto — Ethan resmungou, virando o
copo de whisky. — Bem, se me dão licença, eu preciso ir embora. Tenho mais o que fazer do que olhar pra cara de vocês. — Ele riu. — Claro que tem, bebê desocupado — provoquei, rindo. Ele se levantou, me mostrando o dedo do meio. — Até mais, otários. — Suma daqui! — Atirei uma almofada nele, rindo, mas o desgraçado se esquivou. — Bom, eu não sei vocês, mas eu realmente tenho muito o que fazer. — Roman acabou seu whisky, colocando o copo na mesinha. — Tenho duas reuniões hoje à noite, pobre da Camilla, que precisa organizar tudo isso. — Já falei que você deveria dar um aumento para a coitada. — Vou dar, ela mais do que merece. — Ele sorriu, algo raro, e se levantou. — Pois bem, senhores, se puderem desaparecer do meu apartamento, eu ficaria muto grato. — Como quiser, alteza — resmunguei, ouvindo os outros rirem enquanto saíamos. Descemos pelo elevador exclusivo que parava dentro do apartamento, indo até a garagem. Era óbvio que não íamos beber e dirigir, para isso tínhamos motoristas. O meu se chamava Nick, e estava à minha espera na vaga com meu nome. — Senhor Vanslow. — Nick — cumprimentei, entrando no banco traseiro do carro. Limusines haviam saído de foco há alguns anos, mas nada me impedia de aproveitar um bom Sedan preto. — Para casa, por favor. — Sim, senhor. — Ele deu a partida, saindo da garagem. Nick só estava comigo há alguns meses, por recomendação da minha assistente. Ele era noivo de June, e até agora vinha fazendo um ótimo trabalho. Não demorou muito e chegamos ao Empire, meu hotel. Eu tinha só uma suíte presidencial com cozinha, sem necessidade dos luxos exagerados que meus irmãos tinham. Morava sozinho, para que precisaria de uma cobertura de dois andares, sala de jantar e três suítes? Não era meu irmão, não precisava ostentar tanto. Minha suíte presidencial era suficiente demais para um homem só. Entrei no elevador, apertando o vigésimo quinto andar. O Empire onde morava era o primeiro que comprei, anos atrás, quando ainda era um menino
aprendendo a lidar com os negócios. Agora já existiam Empires em todo o leste americano, e um em Los Angeles. Havia crescido bem, graças a ajuda dos outros e de nosso pai. As paredes eram em tons de branco, creme e cinza. June quem havia decorado quando fui me mudar para tornar residência fixa aqui, e eu gostei do resultado. Começava com uma sala, que abria caminho para a pequena cozinha de um lado e do outro, atrás de portas de correr, o meu quarto. O quarto mesmo tinha tons de preto também, e uma cama king size bem no meio. Chutei meus sapatos para longe e afrouxei mais a gravata, a tirando e deixando numa cadeira, junto com meu paletó. Pulei na cama, em um ato infantil e, ainda assim, prazeroso, dando uma risada sozinho e fechando os olhos, estava exausto. Precisava planejar as palestras, mas isso ficaria para depois. Por agora, eu só queria dormir um pouco.
Hoje seria a primeira das palestras na Lucille, para os alunos de alguns cursos de humanas, exatamente como Roman tinha dito. Eu iria falar sobre crescimento pessoal, e como uma boa vida pessoal poderia ajudar em uma boa vida profissional. Era clichê, mas realista. Quanto melhor nos sentimos, melhor trabalhamos, e é sobre isso que eu falaria, além de comentar sobre como fiz um hotel crescer e frisar que mesmo que alguns sejam mais privilegiados que outros, todos podem conseguir algo. Eu, às vezes, me sentia tosco falando essas coisas, mas havia sido bem treinado. E, é claro, iria sortear algumas vagas de estágio no Empire e um fim de semana com tudo pago. Levantei da cama, andando até o meu banheiro. Eu tinha acordado há pouco tempo e ficado na cama, então estava usando apenas minha cueca boxer, que tirei e larguei no cesto de roupas sujas. O banheiro era enorme, com uma banheira grande o suficiente para caber duas pessoas confortavelmente, além de um chuveiro ao lado. Liguei o chuveiro, uma ducha personalizada de alta pressão, e entrei debaixo d’água, pegando meu vidrinho de shampoo e lavando o cabelo. Eu era vaidoso? Era. Não é por ser homem que eu preciso ser porco, mesmo que alguns pensem assim.
Deixei a água quente me relaxar, enquanto repassava mentalmente as palavras que diria na palestra. Tinha alguns cartões para me ajudar, mas era melhor saber tudo de cabeça. Desliguei o chuveiro, pegando minha toalha e enrolando na cintura, saindo com os cabelos e a barba pingando mesmo. Andei até meu closet, espaçoso demais só pra mim, e comecei a me vestir. Boxer, calça e camisa social, blazer. Sem gravata, afinal era uma palestra informal. Peguei minha pasta — sim, eu era o clichê do executivo com uma pasta — e saí do apartamento, sem comer nada mesmo. Não gostava de tomar café da manhã normalmente, no máximo tomava apenas uma xícara de café quando estava com muito sono. Mandei uma mensagem, avisando a Nick que me esperasse no carro, e apertei o botão do estacionamento no elevador. Nick tinha um apartamento no hotel, que vinha como parte do emprego. Há um mês June havia se mudado para o apartamento dele, o que só me trazia vantagens em ter minha assistente sempre por perto, sem falar que os dois faziam um casal muito bonito. Dois dos hóspedes do hotel entraram no elevador também, me dando bom dia. Retribuí, com um sorriso. Claro que sabiam quem eu era, mas eu deixava claro que não queria nenhum tratamento especial. Não era um rei, era apenas o dono de um hotel. Ao chegar à garagem, andei até o carro, no qual Nick já havia dado a partida. O cumprimentei com um bom dia e entrei no banco detrás, sem precisar dizer aonde íamos, ele já havia sido informado da palestra na Lucille. Eram nove e dez agora, e a palestra seria às dez e meia. Considerando o trânsito nova iorquino, chegaríamos bem em cima da hora. Ótimo, eu odiava ficar enrolando nos lugares sem nada para fazer. O caminho foi tranquilo, com Nick comentando sobre o clima e dizendo que ele e June estavam planejando se casarem logo, até o final do ano. Apoiei a decisão, dizendo que queria ser convidado e rindo. Chegamos à Lucille às dez e vinte, como eu havia previsto. Quando desci, o reitor já estava me esperando, e fomos levados ao auditório. — E agora, com vocês, Hector Vanslow. — Fui apresentado e sorri, entrando no palco, ouvindo os curtos aplausos. — Bom dia — cumprimentei os alunos presentes, sendo respondido com um “bom dia” coletivo. — Eu tentarei ser o menos chato possível por hoje, e ir direto ao ponto, certo? — Eles riram. — Hoje falarei sobre
crescimento pessoal e como isso pode ajudar no crescimento profissional. Irei começar com a parte mais difíceis, os dias em que pensamos em desistir... Continuei a falar, com foco na questão de que por pior que as coisas estiverem, nós nunca devemos desistir. Frisei bastante o ponto de que nunca é tarde demais para buscar ajuda, e então entrei com a parte profissional, comentando sobre como um bom ânimo pode te fazer crescer profissionalmente. Estava no final, quando abri para perguntas, vendo as mãos se erguerem. — Você não acha que é fácil demais falar, considerando a família de onde veio? — uma garota me perguntou e eu sorri, assentindo. — Nunca neguei ter tido privilégios, mas o tema que estou abordando pode ser útil em qualquer ramo. Desde estagiários, vendedores, até professores, CEOs, e até mesmo o presidente do país. Deus sabe que ele precisa de um pouco mais de bom humor — arrisquei uma piada política, ouvindo os alunos rirem. Ótimo, deu certo. — Mais alguma pergunta? — Vi braços se erguerem de novo e apontei dessa vez para um garoto lá no fundo do auditório. — Você realmente acredita que qualquer um tem o potencial para coisas grandes? — Acredito. Alguns têm mais vantagens que outros, mas potencial todos nós temos para uma coisa ou para outra. Potencial para ser artista, no caso de muitos de vocês, potencial para ser professor, para ser pesquisador... todos temos uma vocação, e nossa missão na vida é descobri-la. — O que você faz pessoalmente nos dias que quer desistir? — Uma voz chamou de uma das fileiras da frente, e dirigi meu olhar para ela. Era sem dúvidas a garota mais bonita daquele auditório, e demonstrava um olhar tão... triste? Não tinha certeza de longe, mas parecia triste. — Eu luto contra isso. Eu saio da cama, mesmo assim, eu tomo um banho bem quente e enfrento o dia, mesmo que mais desanimado, pois sei que eventualmente o ânimo vai voltar. — E se não voltasse, o que você faria? Se acordasse todos os dias sem vontade de se levantar e, mesmo assim, precisasse para não decepcionar os outros? — Ela me olhou direto nos olhos, eu pude sentir o olhar dela mesmo à distância. Respirei fundo, pensando por alguns instantes na resposta.
— Isso nunca me aconteceu, mas acho que continuaria tentando. Em algum momento, tudo sempre precisa melhorar, nada é ruim permanentemente, tudo tem solução. — Eu realmente acreditava naquilo, acreditava em finais felizes. Tosco, eu sei, mas gostava de acreditar que no fim tudo sempre ficava bem. A garota dos olhos tristes e cabelos cacheados não disse mais nada, então passei para a próxima pergunta. Respondi mais duas sobre privilégios, uma sobre a campanha das crianças e uma sobre minha vida pessoal. Sim, eu estava solteiro. Ri das risadinhas após essa última e pedi para o reitor me trazer os papéis com os nomes dos alunos para que eu sorteasse seis vagas de estágio e um fim de semana com tudo pago no Empire, na suíte master. Muitos se animaram com a ideia. Primeiro foram os seis nomes do estágio. John Willick, Emma Green, Edward Pillsbury, Nicole Benitez, Bianca Sanders e Charlotte Lynch. Os alunos foram levantando o braço, enquanto eram chamados, e logo chegou a hora tão aguardada do sorteio do fim de semana. Mexi bem na urna com os nomes, até puxar um papel. Vieram dois grudados. Mexi um pouco, separando-os e ficando com o que estava do lado esquerdo. — Alice Rogers — chamei, me surpreendendo ao ver a garota dos olhos tristes levar um susto e erguer a mão, acanhada. — Meus parabéns, você acaba de ganhar um fim de semana no Empire, com tudo pago. Os alunos que foram sorteados, por favor, me encontrem após serem dispensados. Quanto aos demais, tenham um bom dia, e nunca se esqueçam de se manterem positivos. Me despedi dos alunos, ouvindo um sonoro “tchau” da maioria, e dei um sorriso, acenando. Saí para os bastidores e fiquei à espera dos alunos, vendo um por um eles aparecerem. Para os que foram sorteados ao estágio, eu entreguei uma ficha cadastral, para que apresentassem no Empire, até o final da semana, para serem chamados. E, por fim, a senhorita Rogers se aproximou de mim, meio tímida, segurando as mangas do moletom que usava. Ela era bonita, não tinha dúvida alguma. Com olhos claros e um tanto tristes, um cabelo castanho em cachos que desciam até a altura dos seios, e um corpo cheio de curvas grandes, visíveis mesmo através do moletom. Era de fato a mulher mais bonita que já vi. — Oi, eu ganhei o fim de semana no Empire.
— Eu sei. — Sorri, abrindo a pasta e pegando o voucher que havia trazido. — Em qualquer fim de semana deste semestre, é só apresentar esse voucher que poderá se hospedar na suíte master com tudo pago, inclusive, itens de frigobar. Você tem direito a um acompanhante. — Ela deu uma risadinha irônica quando eu disse isso e pegou o voucher da minha mão, me dando um sorriso. — Obrigada. É só apresentar o voucher na portaria, mais nada? — Só isso, sim. E se precisar de qualquer coisa, durante a sua estadia, é só mandar me chamar, eu moro na suíte presidencial. — Chique. — Ela deu um sorrisinho, abaixando os olhos para o voucher nas mãos. — Bem, muito obrigada. — Ela ia se virando para sair, quando eu a interrompi. — Me permite fazer uma pergunta? — Claro. — Ela se virou, olhando para mim com uma interrogação no olhar. — Aquelas perguntas que você fez... tem algum motivo em especial? — Ela ficou pálida, engolindo em seco e parecendo pensar bem antes de me responder, segurando o moletom com mais força. — Não... nada. Eram apenas perguntas. — Ela parecia nervosa. — Se precisar de alguma ajuda, pode falar. Eu me disporia a lhe ajudar — comentei, olhando nos olhos dela. — Obrigada, mas não preciso de nada. — Ela me deu um sorriso tão desanimado, parecendo ensaiado até, que doeu na minha alma. — Obrigada mesmo, é bom ver que ainda têm pessoas que se dispõem a ajudar o outro. — De nada. Se mudar de ideia, aqui está o meu cartão. — Entreguei o cartão com meu número pessoal para ela, tomando coragem e completando: — Ou se quiser, quem sabe, tomar um café... — Está me chamando para sair assim, na cara dura? — Eu reconheço que poderia ter sido mais sutil, mas sim — comentei, rindo. Ela sorriu de novo, um sorriso menos triste, balançando a cabeça e erguendo uma mão para pegar o cartão. Sucesso! Mas quando ela ergueu a mão, o moletom abaixou um pouco, deixando à mostra algumas marcas em seu pulso. Engoli em seco. Ela viu meu olhar e rapidamente puxou o braço,
arregalando os olhos. Não precisei perguntar, podia ver claramente o que estava acontecendo. — A oferta de ajuda foi séria também. Se precisar de qualquer coisa, dia ou noite, pode me ligar. — Eu... obrigada. — Ela sorriu e se virou, saindo praticamente correndo. Parabéns imbecil, você assustou a garota. Suspirei, indo de volta até o estacionamento onde Nick me esperava. E no caminho todo para casa, eu não parei de pensar nela, a imagem vívida daquelas marcas no pulso dela ficava me assombrando. Eu já havia lido sobre isso, assistido a séries sobre isso, mas nunca havia visto tão de perto alguém que sofresse desse mal. Chegando ao hotel, eu parei na portaria, dando ordens para que me avisassem se o voucher de fim de semana fosse usado por alguma Alice Rogers. Daphne nem fez perguntas, apenas assentiu e disse que me avisaria. Ótimo. Subi para minha cobertura e me joguei na cama, sem nem tirar os sapatos, minha mente ainda rodeando tudo o que aconteceu. Na hora que eu vi aquela menina, eu senti uma atração imediata, e quando tive aquele pequeno vislumbre dos problemas dela, eu soube que precisava ajudá-la. Eu não entendia por que meu coração se apertava tanto ao pensar nela, mas algo me dizia que o buraco era mais embaixo, e que ela precisava de mais ajuda do que parecia transparecer. Sempre fui intuitivo como minha mãe, sabia que não estava errado sobre isso. Fechei os olhos, me perguntando o que aquela garota teria de tão especial. Agora só me restava esperar que ela me ligasse, ou aparecesse no hotel.
Três semanas depois, Daphne me notificou de que uma Alice Rogers estava no quarto dois andares abaixo do meu, na suíte master número 2352. Eu estava prestes a sair do quarto para ir até ela, me fazer de sonso e perguntar se precisava de algo, quando ouvi uma batida na minha porta, provavelmente June com algum arquivo de reunião, mas quando a abri, não
era uma baixinha loira com um terninho que me esperava. Era Alice.
Meudeusdocéu, ele era mais lindo do que eu me lembrava. Ele me deu um sorriso, me olhando rapidamente de cima a baixo. Eu estava usando um moletom de unicórnios e uma calça jeans. Eu usava muitos moletons, principalmente para esconder os cortes, mas também porque eles me davam uma sensação de segurança, de abraço. — Senhorita Rogers, em que posso ajudá-la? — Ele sorriu mais amplamente, fazendo meu coração disparar. Calma aí, coração. — Vim ver se a oferta do café ainda estava de pé. — Sorri, meu peito à beira de explodir. Eu precisei de toda a minha coragem e incentivo de mamãe para vir aqui hoje, me hospedar no hotel e aceitar falar com ele. De acordo com mamãe — e com vovó — era bom que eu socializasse mais, pois passava tempo demais trancada no quarto. Elas que me convenceram, com muito esforço, a encarar essa oferta de encontro. Disseram que não era sempre que eu teria chance com um rico bonitão, vovó só faltou ter um ataque quando eu disse qual dos Vanslow era... foi uma loucura. No final, reuni toda a minha coragem e aproveitei que estava tendo um dia bom, e decidi vir.
— Claro que está. — Ele sorriu, abrindo espaço para mim na porta. — Quer tomar o café aqui, ou prefere descer até a cafeteria? — Ele parecia querer ter certeza de que eu estaria confortável, afinal, era o apartamento de um estranho. Mas “apartamento de estranho” me soava bem mais convidativo que “café cheio de gente”, devido ao meu pânico de multidões. — Aqui está bom. — Sorri. — Contanto que você faça um bom café. — Garanto que a minha cafeteira faz. — Ele riu, me guiando no caminho até a cozinha. O apartamento dele era magnífico, grande e espaçoso, em tons claros e muito bem decorado, o que me fez duvidar se havia sido ele mesmo a decorar. Homens em geral não tinham tanto bom gosto assim. Mas ele não era um homem comum. Era o dono de uma rede de hotéis, extremamente bonito e milionário. Só de estar falando comigo, eu já me sentia em uma fanfic de adolescentes, que dirá o fato de estar oficialmente em um... era um encontro mesmo? Com ele. — Pode se sentar. — Ele apontou para os bancos encostados na bancada da cozinha, indo até a cafeteira. — Como prefere o seu café? — Forte, e com bastante açúcar. — Sorri, me sentando apoiada na bancada e vendo-o erguer uma sobrancelha. — Ou seja, o café perfeito para matar um estômago. — Ele riu e eu acompanhei, balançando a cabeça. Era bom rir, algo que havia se tornado raro com pessoas reais. — Por que não me ligou? — Queria te fazer uma surpresa. — Na verdade, eu estava morrendo de medo de não ter coragem de te encontrar ou de ter uma crise de pânico, por isso resolvi aparecer do nada quando tivesse coragem. Claro que eu não disse essa parte, mas pensei. — Fiquei muito surpreso, pode acreditar. — Ele sorriu, colocando o pó de café na cafeteira. — Quando ouvi a porta, pensei que fosse June. — June? — Quem era June? Não me diga que ele já tem alguém, ah não. — Minha assistente. — Ufa. — Ela, de vez em quando, aparece aqui com informações de última hora, reuniões ou pastas de trabalho. — Ele deu de ombros, colocando uma caneca embaixo da cafeteira e apertando o botão. Em seguida colocou uma segunda caneca, enquanto enchia a primeira de açúcar. Sorri, vendo ele me entregar a caneca e tomei um gole.
— Meus parabéns, cafeteira, ficou ótimo. — Agradeci à máquina, rindo. Ele ergueu uma sobrancelha para mim e riu também, com aquele riso que iluminava o lugar. Eu queria ter um riso assim, mas normalmente nem rir eu conseguia, hoje estava num dos raros dias que acordei me sentindo bem o suficiente para encarar o mundo de braços abertos e ser engraçada por desespero. — O cara que colocou o pó e apertou o botão não ganha nenhum crédito? — ele disse, me olhando e se encostando do outro lado da bancada. — Quantos anos você tem, senhorita Rogers? — Pode me chamar de Alice. — Senti meu rosto esquentar um pouco pelo modo formal com que ele me tratava. — Tenho vinte e um. E antes que pergunte, meu curso é atuação. — Adivinhei a pergunta seguinte dele, vendoo erguer as sobrancelhas. — Ah, então tenho uma atriz em mãos. Por que atuação? — Quer a resposta verdadeira ou a bonita? — perguntei, tomando mais um gole do café. Estava realmente bom, deviam ser grãos importados, daqueles chiques e bem conhecidos. — As duas. — A bonita é que eu quis ser atriz para contar histórias ao mundo. A verdadeira é que eu não queria ser eu mesma. — Dei de ombros, sendo sincera e tomando mais um gole do café. Sim, café forte cortava um pouco o efeito da minha medicação para ansiedade, mas eu amava café, mesmo assim. Me ajudava a ficar alerta. — E por que não queria ser você mesma? — Ele parecia genuinamente curioso, me analisando com o olhar. — Quem quer ser uma garota do Brooklyn, com vinte e um, semidesempregada e... — Me calei antes de dizer a parte “depressiva, com ansiedade e diagnosticada com borderline”. — E...? — E desajeitada — improvisei, vendo que ele não acreditou muito. — Até que não são razões muito ruins. Qual sua peça preferida? — Romeu e Julieta — respondi de imediato, sorrindo ao me lembrar da peça. — Meu sonho é interpretar Julieta, ao menos uma vez na vida, mas
nunca consigo os papéis principais. Já fiz a ama dela uma vez, no colegial. — Pois eu acho que você daria uma ótima julieta. — Ele sorriu, tomando um gole do próprio café. — Romeu, oh Romeu, por que tinhas de ser Romeu? Renega teu pai, despoja-te do nome... — recitei baixinho. Ele parecia fascinado, aqueles olhos castanho-acinzentados me derretendo. Ele era lindo demais para ainda ser rico, bem-sucedido e simpático. Tanta perfeição em um só homem deveria ser ilegal. — Juro que estou tentando lembrar a fala do Romeu nessa pausa, mas só consigo pensar em “que luz é essa que emana da janela? Vem do Leste, e Julieta é o sol”. — Ele riu, dando de ombros e tomando mais um gole do café. — Não, essa fala é um pouco antes. Depois de Julieta falar, ele se pergunta se deveria falar algo ou continuar ouvindo. — Sorri, explicando. Eu já havia decorado Romeu e Julieta inteiro. —Viu só? Você será uma Julieta perfeita — ele afirmou, e eu dei um mini sorrisinho, terminando o café e deixando a caneca sobre a bancada. Ficamos um pouco em silêncio, mas não foi um silêncio desconfortável, foi um silêncio bom. — Então — quebrei o gelo —, me fale mais de você. O que existe por trás da fachada do milionário bem-sucedido? — É bom que não esteja esperando um Christian Grey da vida. — Ele fez uma careta e eu ri, uma risada de verdade, balançando a cabeça. — Nunca. Detesto cinquenta tons, sendo sincera. — Ótimo. — Ele riu, dando de ombros. — Sou um cara normal. Acordo todo dia de manhã, saio para trabalhar, ou no meu caso muitas vezes fico aqui trabalhando, gosto de filmes de super-herói — ele comentou, rindo de leve. — Ah, e tenho um pug chamado Rudy, que deve estar dormindo em algum lugar do apartamento. — Um pug?! Meu sonho é um pug! Eu tenho uma vira-lata um pouco insana e mimada, Milady o nome. E ela gosta mais da minha mãe que de mim. — Sorri, me animando ao falar de Milady. — Ela é uma mistura de poodle com o diabo da tasmânia. — Dei uma risadinha. — Ela é a coisa mais linda que eu tenho na vida.
— Seus olhos brilham quando fala nela. — Ele sorriu, se afastando da bancada. — Vou procurar Rudy, me espere aqui um instante. Ele saiu andando para as portas de correr, e eu ouvi um latido. Alguns minutos depois, ele me apareceu carregando a coisinha mais linda deste mundo, um filhote de pug com uma gravatinha borboleta. — É um filhote! — Sorri, encantada. — É sim. — Ele sorriu, se aproximando e me entregando o filhote com cuidado. — Adotei ele há duas semanas, a mãe foi resgatada de um criadouro para venda, e já foi adotada por uma família. — Então além de tudo ele ainda resgata cachorrinhos? Não tinha como ficar mais perfeito, tinha? — Que fofo. — Dei um sorrisinho, abraçando o filhote e encostando o focinho dele no meu nariz. — Você é fofo, um fofuchinho lindo. — Dei um beijinho de esquimó nele. Era a coisa mais fofinha que eu já tinha visto na vida, e eu parecia uma doida falando com voz de bebê, mas o cachorrinho melhorou bastante o meu humor. Coloquei-o sentadinho no meu colo e ergui meu olhar, dando um sorrisinho sem graça. — Desculpe. — Você fica linda falando assim. — Ele deu de ombros, vindo se sentar ao meu lado. — E ele gostou de você. — Ele é um fofo. — Sorri, fazendo carinho em Rudy. — Por que Rudy? — Personagem de um livro que minha mãe gostava de ler para mim, quando era pequeno. Rei Rudolf, na verdade, mas o apelido era Rudy. — Gostei. É um pequeno rei então. — Ergui o filhote e dei um beijinho na cabeça dele, ouvindo um latido como resposta. — Realeza pura, inclusive, ele acha que o apartamento é dele. — Ele riu, estendendo uma mão e dando um dedo para o filhote morder. — Um cachorrinho de sorte em ter um apartamento tão bonito. — Sorri. — Foi você quem decorou? — June, pouco antes de me mudar. Diz ela que Nick ajudou a dar um ar mais masculino ao lugar. — Nick? — O noivo dela, meu motorista. — Assistente, motorista... cheio de mimos.
— Vantagens de ser privilegiado. — Ele deu de ombros, piscando um olho. — Quer fazer alguma coisa? Podemos assistir a algum filme ou série, que tal? Pode me apresentar seu favorito. — Pode ser. Eu gosto bastante de... Coraline, já viu? É em desenho stop motion, mas é muito bem feito. — Foi o primeiro filme que pensei que não fosse uma comédia romântica ou sobre assassinatos e cheio de sangue. — Já ouvi falar, mas não vi ainda. Me parece uma ótima oportunidade de ver. — Ele sorriu, olhando nos meus olhos e eu só pude pensar naquela frase boba do cego vendo o mar pela primeira vez. — Onde é o banheiro? — Precisava de uma desculpa para sair dali um pouco. — No quarto, primeira porta à direita. — Ele apontou para as portas de correr e eu me levantei, indo até lá. Claro que o quarto dele parecia ter saído do Pinterest, e que era maravilhosamente lindo. O banheiro então, nem se fala. Enorme, com uma banheira que mais parecia uma piscina, e um espelho gigante. Encarei meu reflexo, suspirando. Eu era gorda — mesmo que mamãe dissesse que eu era apenas curvilínea, eu me achava gorda e horrível com meus cem quilos — com cabelos cacheados demais e arrepiados, uma espinha perdida aqui e ali. A única coisa que eu gostava eram dos meus olhos, que às vezes ficavam azuis e às vezes verdinhos. Puxei as mangas do moletom, analisando os cortes no meu braço. Queria poder tirar o moletom, o apartamento dele era climatizado e já não estava tão frio, mas não podia deixar ele ver, o que pensaria? Aquele dia ele quase viu, já foi arriscado demais. Passei uma água nas casquinhas dos mais recentes e puxei as mangas de volta para baixo, saindo do banheiro. Ele agora estava no sofá, brincando com Rudy. Sorri, indo me sentar ao lado dele. Era tão surreal estar no mesmo sofá de um milionário e seu cachorro, que eu ainda achava que acabaria acordando a qualquer momento. — Estávamos te esperando. Acabei de ligar a tv, podemos ver o filme. — Ligeiro. — Sorri, tirando minhas sapatilhas e cruzando as pernas sobre o sofá. — Ok, só aviso que tem alguns momentos levemente bizarros. — Eu aguento. — Ele sorriu, apertando o controle da tv e começando o filme. Eu já conhecia de cor, e sentia o olhar dele quando eu acidentalmente
repetia em voz alta algumas das frases. Segurei a vontade de dar um sorrisinho bobo, encantada por ele. Ele era lindo, e eu ainda não conseguia acreditar que um cara desses realmente tinha se interessado em mim e me chamado para sair. Ele era tão... irreal. Até agora tinha sido fofo, gentil, simpático... e tinha um cachorrinho que era a coisa mais linda. Fala sério, nem em fanfic eu via isso acontecer, até lá a mocinha era gostosona e padrãozinho. E eu... eu era uma bagunça completa. Tentei não pensar demais nisso. Estava me sentindo bem pela primeira vez em semanas, não podia me deixar abalar, ao menos não na frente dele. Quando eu voltasse para o quarto poderia me odiar e chorar à vontade, mas por agora eu iria sorrir e assistir ao meu filme preferido ao lado do homem mais lindo que já vi. E isso seria o bastante.
O filme passou muito rápido, e eu estava me sentindo tão calma ao lado dele, que quase cochilei, olha o perigo, quase dormindo no sofá de um estranho. Mas sinceramente, já tinha me acontecido tantas merdas na vida, que acho que o universo não me deixaria ser abusada. Seria injusto demais adicionar mais isso à minha lista de tragédias, grandes e pequenas. — Ok, eu admito, a outra mãe me assustou um pouco. — Ele riu, balançando a cabeça e se virando para mim. — Eu avisei. — Ri, balançando a cabeça, olhando aquele rosto bonito na minha frente. Ele era um sonho. — Qual sua teoria sobre o que a outra mãe é, de verdade? — Ela é uma Beldam. Um tipo de bruxa antiga, já li o livro e já assisti a vários vídeos de teoria no Youtube... O menininho do filme até a chama assim. — Sorri, sentindo meu celular vibrar no bolso, e peguei para ver o que era. Notificação dos remédios. Eu tinha três notificações, para não esquecer nenhum dia, já que não tinha horário fixo e só precisava ser no turno da noite. — Uau, já está tarde. — Já eram sete e meia da noite. — A noite é uma criança. — Ele sorriu, piscando um olho. — Você
precisa ir? — Não sei... — Era a verdade. Eu estava por conta própria esse fim de semana, sem mãe ou horários para voltar, poderia ficar até a hora que quisesse. — Fica — ele pediu, com um sorriso de derreter corações. — Janta comigo. — Bem... — Bem...? — O que tem pra jantar? — Sorri, cedendo. Eu poderia me dar ao luxo de passar mais tempo com ele, aproveitar mais desse sonho. — O que você quiser. Pode escolher literalmente qualquer coisa, que eu peço para um chef cozinhar. — Pensei que você fosse fazer o jantar... — Ri, o vendo dar de ombros. — Se quiser jantar torradas com ovos mexidos, eu faço. — Ele riu. — Sou péssimo cozinheiro. — Algum defeito tinha que ter — comentei, e ele ergueu uma sobrancelha. — É sério. Milionário, bem-sucedido, dono de uma rede de hotéis, palestrante, cheiroso, bonito... precisava ter algum defeito, se não nem seria humano. — Eu me calei, sentindo meu rosto ficar cor-de-rosa quando disse tudo isso. Ele apenas sorriu, um sorrisinho de canto maravilhoso. — Cheiroso e bonito, é? — Ele se inclinou um pouco para perto. — O que mais acha de mim? — Eu não deveria ter dito isso. — Mas disse. — Mas eu disse. — Suspirei, dando uma risadinha fraca. Ele ergueu uma mão e tocou meu rosto de leve, me dando um sorriso. — Você também é linda, Alice. — Não sou, mas obrigada. — Dei um sorriso sem ânimo. Eu não sabia reagir a elogios, não estava acostumada com eles vindo de fora da minha família. Ele ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada, apenas se inclinou mais para perto, ficando a centímetros do meu rosto. — É sim, e eu nunca minto, então é melhor aceitar. — Ele sorriu, me
surpreendendo ao me dar um beijo no rosto e se levantando do sofá, me estendendo uma mão. Segurei a mão dele e me levantei, sentindo meu rosto bem quente, enquanto andávamos até a cozinha e ele me entregava um menu. — Escolha o que quiser. Esse é meu menu pessoal, com itens que normalmente não tem na cozinha. — Lasanha de queijo, que tal? — Sorri, já imaginando uma lasanha preparada por um chef cinco estrelas. Ele sorriu, assentindo e pegando um telefone que ficava na cozinha, apertando alguns números. — Geralt? Boa noite. Sim, meu jantar. Hoje vou querer lasanha de queijo, para dois. Sim, só um instante. — Ele se virou para mim, pondo uma mão no telefone. — Olhe na última página, que queijos vai querer. — Todos os que foram possíveis, pode? — Sorri, dando uma risadinha. Ele riu, assentindo, e voltando ao telefone. — Coloque seus melhores queijos, Geralt. Nos surpreenda! — Ele sorriu, desligando em seguida. — Quando estiver pronto, eles nos trazem aqui. — Ele colocou o telefone de volta no gancho. — Você bebe? Posso pedir um vinho de primeira também. — Adoraria... mas não posso. — Dei um sorrisinho triste, dando de ombros. Eu costumava amar vinhos, aos dezoito anos bebia garrafas inteiras sozinha de madrugada, mas a nova medicação me proibia de beber. — Refrigerante, então. Qual seu preferido? — Pepsi, ou mountain dew. — Sorri, satisfeita por ele não fazer mais perguntas. Estava na cara que ele queria saber o porquê de eu não beber, mas não seria invasivo perguntando. Isso era bom. — Mountain dew então, que por pior que seja para a nossa saúde, nenhum outro sabor cítrico supera. — Ele sorriu, indo até a geladeira e pegando duas latinhas, me jogando uma. Quase derrubei a lata duas vezes, mas consegui segurar, praticamente abraçando a lata. Ele riu. — Bem que você disse que era desajeitada. — Ele balançou a cabeça, vindo para perto de mim. — Completamente desajeitada. — Ri, balançando a cabeça. Um pensamento me ocorreu de que ao lado dele eu estava rindo mais do que ria em uma semana inteira, a não ser vendo séries. Isso era bom, eu gostava de rir. Ele ia falar algo, mas Rudy chegou latindo no pé dele e ele sorriu,
deixando a lata na bancada e se abaixando para pegar o cachorro no colo. — Me desculpe, ele é um bebê mimado. — Ele abraçou a bolinha que era Rudy, beijando sua cabeça. — É sim, e um bebê muito mimado. — Ele fez a mesma voz de bebê que eu fiz antes e eu ri. Ri mesmo, uma gargalhada espontânea e rara que eu quase não tinha mais atualmente. Ele ergueu uma sobrancelha. — Posso saber qual é a graça? — ele falou na voz de bebê e eu ri mais ainda, precisando me segurar na bancada. Ele não se aguentou e riu também, gargalhando com o filhote no colo, me acompanhando nesse raro momento. Quando eu finalmente parei de rir estava com lágrimas nos olhos, e os sequei ainda rindo baixinho. Ele me olhava de novo com aquela maldita cara de cego vendo o mar pela primeira vez. — Você é hilário, senhor Vanslow. — Sorri, ainda me recompondo. Ele ergueu uma sobrancelha. — Pode me chamar de Hector. Depois de nos assustarmos juntos com aquela louca em forma de aranha metálica, já podemos partir para o primeiro nome. — Ele riu, me fazendo dar uma risadinha também. — Concordo. Hector, então. — Isso. — Ele sorriu. — Muito bem, vamos nos sentar até a comida chegar. Aliás, esqueci de te perguntar, você cozinha? — Sou boa com sobremesas e massas. — Sorri. — Minha avó paterna é italiana, então aprendi a fazer macarrão caseiro. — Por isso a lasanha? — Por isso a lasanha. — Um dia você vai fazer macarrão pra mim, que tal? — Ele sorriu de canto. — Se você me aguentar até lá... — falei, em tom de brincadeira, rindo, mas era sério. Depois de Victor, nunca tive um relacionamento que durasse mais que uma semana, não duvidava que esses encontros também não fossem durar. — Aguento para sempre, se deixar. — Ele sorriu, piscando um olho. Rudy ainda estava no colo dele, e ele o deixou sobre o sofá. Ele cambaleou nas quatro patinhas até chegar em mim e eu sorri, pegando-o no colo.
— Oi, bebê. — Sorri, fazendo carinho nele. — Ele gostou mesmo de você. Normalmente, ele foge dos meus irmãos. — É que eu tenho o cheiro de Milady. — Sorri, pegando o cachorrinho e o erguendo no alto, como se fosse mesmo um bebê. — Não é, meu fofucho? — O que é isso? — ele perguntou, me olhando estranho. Só então percebi que a manga do moletom, folgado demais para mim, tinha descido e dois cortes de anteontem estavam aparecendo. Abaixei o cachorro rápido, puxando a manga para cobrir novamente e sentindo o desespero bater. — Nada — murmurei, torcendo para ele deixar isso de lado. — Alice... — Ele se aproximou mais, me olhando nos olhos com um olhar tão forte que eu não pude desviar. Segurou meu braço com cuidado, tocando a ponta da manga do moletom. — Posso? Eu poderia dizer não. Poderia entregar Rudy a ele e sair correndo, e sabia que não insistiria, era educado e respeitoso demais para insistir. Mas algo no olhar dele foi mais forte que meu medo e minha vergonha, então eu apenas assenti, em silêncio. Ele puxou a manga, os olhos se arregalando um pouco quando viu os cortes. Dois deles ainda estavam bem abertos, os mais recentes. Os outros eram mais antigos, mais rasos, ainda assim, muitos. Cobriam meu braço esquerdo inteiro, além das cicatrizes já saradas por baixo. Eu era uma bagunça. Ele ergueu o olhar para o meu, os olhos tristes. — Não vou me pedir que me explique agora, não precisa falar nada até estar pronta. Apenas... posso te dar um abraço? — Assenti e ele me puxou para os braços, me envolvendo no calor da pele e do cheiro dele que me lembrou erva doce, e eu não pude fazer outra coisa que não o abraçar de volta, me sentindo segura. Ele beijou meus cabelos, me mantendo junto dele e fazendo carinho nos meus ombros. — Obrigada — sussurrei, fechando os olhos e deixando-o me abraçar, sentindo algo que eu mal me lembrava como era: calma. Quando se afastou, ele me deu um sorriso, tocando meu rosto. — Pode contar comigo, ok? Você tem meu número. A hora que precisar, pode ser no meio da madrugada, me ligue. Não estou falando só da boca pra fora, é sério. — Ele fez carinho na minha bochecha com o polegar,
olhando nos meus olhos, aquele mar castanho me derretendo. Ele era lindo, por dentro e por fora. — Você é tão bom. Tem certeza de que é real? — Dei uma risadinha, espelhando o movimento dele e tocando seu rosto. A barba era macia, e eu me perguntei como seria beijá-lo. Nunca tinha beijado alguém de barba... Meus pensamentos nada apropriados foram interrompidos por uma batida na porta. Nosso jantar. Um funcionário entrou com um carrinho com dois pratos em bandejas cobertas, da forma que se via nos filmes, e o deixou ao lado da bancada da cozinha, colocando os pratos na bancada e saindo em seguida. Dei um sorrisinho, acenando de leve para o... seria entregador o nome certo? Empregado? Garçom? Seja como for, Hector se levantou, me estendendo uma mão e andando comigo até a bancada. — Me desculpe por isso, mas nunca coloquei uma mesa de jantar de verdade aqui. Normalmente como no sofá ou na varanda. — Ele deu de ombros. — Sem problemas, a bancada está ótima. — Sorri, me sentando no mesmo banquinho de antes. O entregador, vou chamá-lo assim, havia tirado as tampas, e o cheiro da lasanha estava ótimo. Hector pegou as latas de mountain dew que tínhamos esquecido e as trocou por novas, já que haviam esquentado, e veio se sentar ao meu lado. — Espero que goste da lasanha. Geralt é incrível com massas, fez um curso na Itália. — Tenho certeza de que vou adorar. — Sorri, pegando a lasanha com um garfo e provando um pedaço. Foi como uma explosão de tomate e queijo na minha boca, me fazendo quase ver estrelas. — É a melhor lasanha que provei na vida! E olha que eu amo a lasanha da minha mãe — comentei, sorrindo. Ele riu, assentindo. — Eu disse que Geralt era incrível. — Ele sorriu, comendo uma garfada da própria lasanha. — Gostou dos queijos? — Amei. — Ótimo. — Ele me deu outro sorriso, e continuamos a comer, em silêncio por um tempo. — Hey, se importa se eu puxar as mangas do moletom? Está meio
quente aqui, e já que você já viu... — Eu precisava saber se a visão constante das cicatrizes e cortes não seria demais para ele. Ele apenas assentiu e eu enrolei as mangas até o cotovelo. — Não sei por que anda de moletom. Ok, estamos no final do inverno, mas você me entendeu. Não precisa esconder quem é, Alice. — Ele deu de ombros, me surpreendendo por pensar assim. Ele era a primeira pessoa a me dizer para não esconder os cortes. — As pessoas tendem a reagir mal quando veem as marcas. Tendem a fugir — comentei, dando outra garfada na lasanha e tomando um gole do meu refrigerante. Melhor combinação possível. — As pessoas estão erradas — ele disse, simplesmente. — Ninguém deveria precisar esconder quem é, ou o que passa, por causa da opinião alheia. — Concordo. É uma pena o mundo ser tão duro — murmurei, sentindo uma pontadinha de tristeza. — Você pode sempre ser você mesma perto de mim. Não são algumas marcas que vão me assustar. — Ele sorriu, e eu dei um sorrisinho em resposta. Era tão estranho um novato na minha vida me tratar melhor do que “amigas” que eu conhecia há anos. — Obrigada. Por tudo. — Não há de quê. — Ele sorriu, mordendo a lasanha, enquanto parecia pensar. — Alice... você já buscou ajuda? — Quer dizer um tratamento? Já. Inclusive, comecei um novo há duas semanas, com novos medicamentos. Por isso não posso beber — expliquei, e ele pareceu mais aliviado em saber que eu estava me tratando. — Ah, bom. Ótimo, na verdade... eu já ia me oferecer para lhe pagar um tratamento. — Ele deu um sorrisinho e eu ri, balançando a cabeça. — Mal me conhece e já quer me oferecer ajuda. Tem certeza de que isso não é uma pegadinha daquelas elaboradas que aparecem na TV? — Absoluta certeza. — Ele sorriu, se virando para mim. — É tão difícil acreditar em ricos de coração bom? — Sim — respondi e ele riu, quase se engasgando. — Assim você me magoa. — Ele riu, balançando a cabeça. — Sabe,
nem todo CEO é frio, calculista e abusivo como aquele livro conta. Alguns de nós somos manteigas derretidas, com cachorrinhos resgatados e lasanha. — Ele piscou um olho, me fazendo sorrir. Eu estava sorrindo bastante com ele, e ficava me lembrando disso constantemente. Quando se está feliz é que se percebe a quantidade absurda de tempo que se passa estando triste. — Gosto do seu sorriso — ele comentou, quase lendo minha mente. — Você tem sorte de vê-lo. Estava agora mesmo pensando nisso. — Sorte? — Em dias normais, eu não sorrio tanto. — Pronto, minha missão vai ser te arrancar sorrisos. — Ele sorriu, tomando um gole do refrigerante. Nem percebi que durante a conversa a lasanha havia acabado. — Até agora está se saindo muito bem. — Sorri mais amplamente, de propósito. — Este vai ser o fim de semana mais divertido da sua vida, eu garanto. — Ele sorriu, se levantando. Me levantei também, ouvindo mais uma notificação no meu celular e o tirei do bolso. Era mais um aviso dos remédios, agora o das oito e quarenta e cinco. — Wow, já está bem tarde. — Considera quase nove horas tarde? — Ele ergueu uma sobrancelha e eu dei de ombros. — Os remédios me dão sono, então em dias normais eu durmo às dez — falei a verdade. Ele disse que eu não precisaria me esconder, e isso era bom. Sem segredos e mentiras elaboradas para esconder. — Muito bem, eu te acompanho até seu quarto, então. — Ele sorriu, sem insistir mais dessa vez, me entendendo e estendendo uma mão para que eu segurasse. Dei a mão a ele e saímos, caminhando silenciosamente pelo corredor até o elevador. Eu só estava dois andares abaixo dele, então não encontramos ninguém no caminho. É claro que ele sabia qual era meu quarto. Paramos em frente à porta 2352, e ele se virou para mim, ainda segurando minha mão. O olhar dele era lindo, focado nos meus olhos, enquanto se inclinava para mais perto. — Se você não me impedir — ele sussurrou —, eu vou te beijar. —
Meu coração disparou. Não falei nada, em vez disso soltei a mão dele e toquei seu rosto, ficando na ponta dos pés. Ele era um tanto mais alto que meus 1,66 de altura. Ele se inclinou mais para perto e tocou os lábios nos meus, em um beijo leve, sem pressão. Estava me dando a escolha. Fazia tanto tempo que eu não era beijada que estava insegura, com medo de ter desaprendido a beijar, mas quando a língua dele encostou na minha, eu esqueci todas as preocupações e só me deixei levar pelo momento. Ele beijava tão bem quanto era de se esperar, me guiando num ritmo lento, um beijo calmo e sem exigências. Era um verdadeiro cavalheiro. Enrosquei meus dedos na parte detrás de sua cabeça enquanto retribuía ao beijo, me entregando. Parte de mim ainda estava com medo de que fosse tudo um sonho, mas se fosse eu iria aproveitar. Quando ele se afastou, eu sorri, ainda de olhos fechados, sentindo-o encostar a testa na minha. — Boa noite, Alice — ele sussurrou, fazendo um último carinho no meu rosto e se afastando. — Te vejo amanhã? — Apenas assenti, sem ser capaz de falar ainda. Ele sorriu e se afastou, voltando para o elevador. Peguei o cartãozinho da porta no meu bolso e coloquei na fechadura eletrônica, destrancando a porta e entrando no quarto, fechando em seguida. Me joguei na cama, suspirando, sentindo meus lábios formigarem. Ele era maravilhoso! Eu só esperava que o que quer que eu estivesse tendo com ele durasse, considerando meu histórico de estragar tudo. Suspirei, me levantando e indo até minha bolsa, pegando o porta-comprimidos. Ainda não podia ser confiada com as caixas do remédio, então toda semana minha mãe colocava os comprimidos nos buraquinhos semanais de segunda a domingo. Eu estava há algumas semanas tomando a medicação nova, e até agora eles estavam funcionando bem, mas me davam muito sono, e eu precisava comer antes de tomar um deles. Era bom, porque servia como incentivo para comer nos dias que me sentia sem ânimo nem para respirar. Peguei uma garrafinha de água no frigobar e coloquei os dois comprimidos na boca, tomando um gole da água e os engolindo de uma vez. Pronto, remédio tomado. Marquei a caixinha de lembrete do celular de que havia tomado, fazia isso todos os dias para não me esquecer. Os remédios eram caros, chegando a preços absurdos que eu não gostava nem de pensar, e nós sofríamos para me
manter na medicação. Eram quase mil dólares de remédio por mês. Finalmente tirei o moletom e andei até o banheiro, que também não era nada pequeno. Fui tirando as roupas, enquanto enchia a banheira de água quente e entrei, fazendo uma careta e praticamente chiando quando a água bateu nos cortes mais frescos. Ardia, ardia muito, mas era o melhor jeito de mantê-los limpos. Quando eu estava em dias bons, como hoje, eu reclamava da dor, mas quando estava em dias ruins, eu aproveitava porque me poupava de cortar mais. Os cortes eram um vício para mim, assim como o álcool ou as drogas poderiam ser para outros. Suspirei, tomando meu banho e saindo da banheira, me enrolando num roupão macio e andando até o quarto. Tirei com cuidado minhas lentes de contato e as guardei na caixinha, em seguida pingando o colírio nos meus olhos. Peguei na minha malinha um blusão que usava de pijama e uma calcinha, me vestindo e caindo na cama queen size. O climatizador estava programado automaticamente para deixar o quarto numa temperatura amena, e puxei um cobertor sobre a cabeça, desligando as luzes com o interruptor ao lado da cama. Fechei os olhos, dando um sorriso antes de dormir. E, mais uma vez, me ocorreu há quanto tempo eu não fazia isso.
Quando a deixei no quarto dela e voltei para o meu, eu não conseguia tirar da mente a sensação dos seus lábios nos meus. Eu já havia beijado uma boa quantidade de mulheres nos meus vinte e sete anos, e nenhuma havia sido como ela. Foi um beijo único, um beijo forte, um beijo que eu nunca me esqueceria, e esperava que ela também não. E foi então que as imagens dos braços dela vieram me assombrar. O quão desesperada uma pessoa precisa estar, para fazer isso consigo mesma? O ser humano tem uma resistência contra ferir a si mesmo, acho que li isso uma vez, por isso não conseguimos simplesmente parar de respirar ou normalmente nos machucar de propósito. O quanto alguém precisa estar sofrendo para quebrar essas barreiras e rasgar a própria pele? — Precisamos ajudar ela Rudy — sussurrei para o cachorro, pegando-o no colo e caminhando até minha cama. Coloquei Rudy em cima da cama e ele se enrolou no meu travesseiro. Ri, indo trocar de roupa. Eu estava usando uma camisa social, e fui soltando os botões enquanto falava. — Eu adorei beijá-la, e sinceramente não me incomodaria nem um pouco em começar um relacionamento, mas mesmo que ela não queira, eu vou querer ser amigo dela. Ela parece tão solitária, preciso ter certeza de que ela vá sempre ter
alguém. Eu sei, eu sei, parece estranho eu me encantar assim por ela, sendo que não sou de “me apaixonar” à primeira vista, mas ela é diferente. Os olhos dela... nunca vi olhos tão tristes. Joguei minha camisa no canto do quarto e fiz o mesmo com a calça. Rudy ergueu uma orelha e me ignorou, se enroscando mais no meu travesseiro, o ladrãozinho. Suspirei, balançando a cabeça e me jogando na cama, tomando o cuidado de não roubar o espaço dele. Pensei em algo mais alegre, no beijo dela. Sorri, balançando a cabeça e puxando meus cobertores, afinal, ainda estava bem frio. Ela beijava divinamente bem, e eu tinha minha cota de mulheres com quem comparar. Ela estava com gosto de lasanha e mountain dew, a combinação perfeita. Foi pensando nela que peguei no sono.
Acordei com Rudy lambendo meu nariz, e resmunguei alguns palavrões enquanto me levantava e o carregava até o tapetinho higiênico no canto do quarto. Como ele ainda era filhote, não levantava a pata para fazer xixi, o que facilitava muito a minha vida. Ele acabou e saiu abanando o rabinho pelo quarto, indo até o potinho de água, enquanto eu andei até o banheiro, sentindo o ar frio da manhã. Liguei o chuveiro no mais quente possível e entrei embaixo da água, sentindo os jatos de alta pressão nas minhas costas. Melhor jeito de começar o dia... bem, segundo melhor. O melhor mesmo era sendo aquecido nos braços de uma mulher, mas era melhor não me distrair com isso agora. Bastou pensar em mulher que minha mente foi para Alice. Lembrei de como ela não aceitou bem o elogio na noite anterior e balancei a cabeça, me perguntando por que seria tão difícil aceitar um elogio. Ela tinha um sorriso que iluminava o ambiente, e ela mesma admitiu que era raro sorrir. Eu a faria sorrir o máximo que pudesse, mesmo que o que quer que nós tivéssemos só durasse esse fim de semana. Terminei de lavar meu cabelo e saí do banheiro, enrolando uma toalha na cintura e sentindo um arrepio com o choque do ar enfumaçado e quente para o frio. Sim, o apartamento era climatizado, mas ainda ficava bem frio no
inverno, principalmente quando eu esquecia a varanda aberta. Vesti uma camisa de manga comprida e uma calça folgada de moletom, já que provavelmente passaria o dia inteiro aqui. Decidi ligar o notebook e continuar vendo uma série que tinha começado um dia desses, mas não consegui me concentrar em mais que dois episódios. Fechei o notebook e fui até o computador no meu quarto, que era o de trabalho, checar os e-mails, não tinha nada muito urgente do hotel, então eu realmente teria o dia inteiro livre. Ótimo. Andei até a cozinha e fiz uma caneca de café, indo até a varanda e me sentando no ar frio, olhando lá para baixo. Era final de fevereiro, então ainda estava bem frio, e dava pra ver o Central Park com a neve indo embora. Pensar no frio me fez pensar nela de novo. Como será que Alice escondia as marcas no verão? Agora tudo bem, tinha a desculpa do inverno e primavera para usar mangas compridas, mas e em junho, que chegava a quase trinta graus? Ela provavelmente derretia naquelas roupas enormes. Suspirei, percebendo que estava pensando demais nela. Eu tinha uma boa quota de mulheres, mas nenhuma tinha tido tanto impacto assim de primeira, nem mesmo Elisa. Elisa era minha ex. Ela era filha de um amigo do meu pai, crescemos juntos, e eu namorei com ela dos vinte e dois aos vinte e cinco, mas terminamos por termos planos divergentes de futuro. Eu queria me casar e ter filhos, ela queria conhecer o mundo e ser livre. Ainda somos amigos, mas não temos mais aquela conexão que tínhamos antes. E por mais que tenha tido alguns casos nos últimos anos, não namorei sério depois dela. Mas o impacto de Alice me fazia repensar meus planos. Ouvi uma batida na porta e fui atender, abrindo um dos lados das portas duplas e me deparando com ela. — É muito abuso meu aparecer aqui, dois dias seguidos, sem avisar? — Ela deu um sorrisinho, piscando os olhos de uma forma incrivelmente linda. — Pode aparecer amanhã também, não me incomodo nem um pouco. — Sorri, abrindo espaço para ela entrar e fechando a porta. Ela deu alguns passos, olhando em volta até encontrar o que queria. — Rudy! — Ela sorriu para o cachorro, pegando-o no colo e enchendo o focinho dele de beijos. — Como está o meu príncipe lindo hoje? Você
dormiu bem? — Ela o abraçou e eu ri, erguendo uma sobrancelha. — Por que será que eu não recebo um bom dia desses, hein? — comentei, vendo-a ficar cor-de-rosa e se aproximar, ficando na ponta dos pés e me dando um beijo no rosto. — Melhorou. — Sorri, piscando um olho. — O que vamos fazer hoje? — Ela continuou a fazer carinho no cachorro, olhando para mim. — Eu tenho o dia livre, então o que você quiser, está bom pra mim. — Você se importaria de ficarmos aqui? Eu vi um monte de gente lá embaixo quando cheguei ontem, e não gosto muito de multidões. — Ela deu um sorrisinho sem graça, e eu ergui uma sobrancelha. Síndrome do pânico, talvez? — Como quiser. Podemos assistir a algo, jogar alguma coisa, o que você tiver vontade. — Andei até o sofá, me sentando e dando uma batidinha no espaço ao meu lado, chamando ela. Ela se sentou do meu lado, com Rudy ainda no colo, abanando o rabinho enquanto ela brincava com as patinhas dele. — Ele realmente gostou de você. — Sorri. — Normalmente ele foge dos meus irmãos, principalmente de Ethan. — Ethan? Não me lembro de ter visto o nome dele na mídia. — Ele é o mais novo, ainda não tem nem empresa própria. E sinceramente eu não julgo Rudy, todos nós fugiríamos dele, se pudéssemos. — Ri, me recostando no sofá. — Por quê? Tadinho dele. — Ela deu uma risadinha baixa, mantendo o foco em Rudy. Deus, ela estava apaixonada pelo cachorro! — Ele é o mais imaturo e irresponsável da família, não decidiu ainda o que quer da vida... sim, um homem normal de vinte e dois anos não precisa tomar essas decisões, mas não somos normais! — Não, vocês só são a realização do sonho de qualquer leitora de fanfics — ela comentou, irônica, com uma risadinha. — Ah, pronto, lá vamos nós ser fetichizados. — Ri, balançando a cabeça. — Você lê fanfics? — Leio, mas não as desse tipo. Sinceramente eu gosto, ou gostava na época que estavam no auge, das de Crepúsculo.
— Crepúsculo? — Ergui uma sobrancelha, claramente julgando-a. Ela sorriu, assentindo. — Sim, Crepúsculo. Foi por onde eu peguei o gosto por ler e comecei a me conhecer melhor. Foi também o que me fez querer ser atriz, lá quando eu tinha doze anos. — Ela deu de ombros, sorrindo, colocando Rudy no sofá entre nós dois. Ele deu duas voltas e se aconchegou entre nós, o folgado. — Não vou julgar muito, eu assisti aos filmes e não odiei. — Dei de ombros, vendo-a erguer uma sobrancelha. — É sério! É meio ridículo um vampiro brilhar? Sim, mas não tira o mérito de que a história até que não foi mal escrita. — Você não pode ser real, Hector Vanslow. — Ela sorriu, balançando a cabeça. — Homem, milionário, CEO, tem um pug, não detesta Crepúsculo, é um amor de pessoa... você não existe! — Existo, e estou bem aqui. — Sorri, erguendo uma mão e a estendendo para ela. — Pode pegar, sou de carne e osso. Ela deu um risinho, pegando minha mão e entrelaçando os dedos dela. Ela ergueu o olhar para mim, as bochechas cor-de-rosa. — É, realmente você é real. — Ela ficou segurando minha mão, fazendo carinho nos meus dedos. — Sou. — Sorri, levando a mão dela aos meus lábios e dando um beijo de leve. — E agora está se comportando como um mocinho de época. — Ela suspirou, balançando a cabeça. — Mocinho de época? — Ergui uma sobrancelha. Que diabos ela estava falando? — É. Sabe, eu leio muitos romances regenciais, e você pareceu agora com os mocinhos dos livros, com toda a coisa de beijar minha mão e ser super educado. — Isso é um elogio? — Um grande elogio. — Ela deu um sorrisinho mais amplo, me olhando nos olhos. — Então podemos adicionar isso ao monte de coisas que me fazem ser “bom demais para ser real”. — Eu ri. — E você, Alice, o que faz de você um
sonho? — Eu?! Há! Eu não sou nem de longe um sonho. Sou, na melhor das hipóteses, um sonho daqueles esquisitos, e na mais realista delas, um pesadelo. — Ela deu de ombros, soltando minha mão e voltando a fazer carinho em Rudy. Ergui uma sobrancelha. — Sabia que eu nunca me incomodei com pesadelos? É verdade! Eu até gostava quando era mais novo e os tinha, era uma onda de adrenalina. Bem mais divertidos que sonhos comuns. — Você acabou de romantizar meu drama? — Ela ergueu uma sobrancelha e eu ri, assentindo. — Sim, acho que sim. Funcionou? — Um pouquinho. — Ela balançou a cabeça, me dando um sorriso contido. — Mas falando sério, eu não tenho nada de especial. Sou comum, simples, gosto de ler bastante, estudo atuação, criada no Brooklyn... coisas que você já sabe. — Vamos, deve ter alguma coisa que não me contou ainda. — Bem... tem os detalhes não bonitos da minha vida, mas eu acho que um segundo encontro ainda é cedo demais pra te assustar com isso. — Então isso é de fato um encontro? — Sorri, vendo-a corar de novo. Ela parecia se envergonhar facilmente. — É sim. — Bom saber. — Ergui uma mão, tocando o rosto dela e afastando uma mecha de cabelo para de trás da orelha. Ela sorriu, e eu sorri de volta. — Posso dizer uma coisa, sem que você se assuste? — Claro que pode. — Lembra quando eu comentei dos sorrisos? — Eu assenti. — Eu falei sério. Normalmente eu não sorrio tanto quanto nos últimos dias, e se você realmente tem planos de seguir tendo encontros comigo, acho melhor que já saiba disso desde o começo. Eu tenho alguns problemas que não vem ao caso agora, três diagnósticos psiquiátricos e não me dou bem com multidões em geral. Eu sou extremamente complicada, e se o que quase temos, durar, vão ter dias em que você vai me odiar. Acho melhor já saber disso tudo desde agora, para evitar que depois você diga que eu não avisei. — Ela abaixou a
cabeça, suspirando. — Ei... — Segurei o queixo dela, fazendo-a levantar o olhar para mim. — Eu não vou fugir só porque você pode ser um pouco complicada. Todos temos problemas, todos temos um lado sombrio, e não sei quanto aos outros que você já pode ter conhecido, mas eu não me amedronto com isso. Eu sou um homem, não um moleque qualquer. E eu gostei de você, Alice. — Viu só? Não pode ser real. — Ela me deu um sorrisinho, suspirando. — O que eu preciso fazer pra você acreditar que eu existo, e que isso não é uma pegadinha? — Ergui uma sobrancelha, deduzindo o que ela estava pensando. Ela deu de ombros, erguendo uma mão e tocando meu rosto, fazendo carinho na minha barba. — Não sei. É estranho, sabe, conhecer alguém depois de tanto tempo sozinha. — Não consigo entender o que te faria ficar sozinha. — Balancei a cabeça, pegando a mão dela. — Você é fascinante, Alice. — Eu sou comum. — Ela deu de ombros, e eu decidi não insistir, ao menos não por agora. Teria que desfazer as barreiras dela aos poucos, uma por uma. Eu não me amedrontava facilmente, mas ela parecia assustada demais para ser pressionada de uma vez. — Bem, senhorita comum, o que quer fazer hoje? Temos literalmente todas as opções possíveis dentro de um apartamento, incluindo jogos de tabuleiro e maratonas de séries. — Sorri, mudando o assunto para algo mais alegre, e ela pareceu se animar. — Quais jogos você tem? Eu amo jogos de tabuleiro, mas raramente tenho com quem jogar. — Tenho uma boa quantidade de jogos. Cresci jogando-os com meus irmãos, e a maioria ficou comigo. Ainda jogamos uma vez ou outra, mesmo estando teoricamente velhos demais pra isso. — Eu ri, me levantando. — Venha, vou lhe mostrar. Ela se levantou e me seguiu até o closet, enquanto eu abria uma das portas que era mais um depósito de coisas. Como eu tinha metade do closet livre, acabava usando para guardar as coisas mais variadas. Essa porta tinha uma pilha com jogos de tabuleiro, incluindo diferentes versões especiais de Monopoly. Ela deu um gritinho quando viu a versão de Game of Thrones.
— Esse! — Ela sorriu, e eu me abaixei para pegar o jogo, tentando com todo o cuidado evitar que os outros caíssem. Consegui. — Então você gosta de Game of Thrones? — Eu amo! — Ela sorriu, voltando comigo para a sala. — Mesmo com o final péssimo da série. Ah, e eu jogo com a casa Lannister, falei primeiro! — Tudo bem, eu sou Targaryen mesmo. — Ri, me sentando no chão junto da mesinha da sala e fazendo um sinal para ela se sentar do outro lado, tirando as coisas que estavam ali em cima e colocando no chão. — Ao menos não é Stark, senão eu teria que ir embora agora mesmo. — Ela deu uma risadinha, se sentando na minha frente e pegando a caixa, começando a montar o tabuleiro. — Por favor, diga que você é bom com contas, pois eu sou uma negação completa! — Sou formado em Economia, senhorita humanas. — Ri, ajudando-a a montar o tabuleiro e pegando o livreto de regras. Fazia algum tempo que eu não jogava esse, e era bom relembrar como funcionava. — Ótimo, então você é o banqueiro. — Ela me empurrou a caixa do jogo com as peças e dinheiros, rindo. Revirei os olhos de brincadeira e peguei a caixa, começando a separar o dinheiro. — Muito bem, você sabe jogar? — São os mesmos princípios do Monopoly normal, não são? — Teoricamente, sim, mas como essa é a versão mais recente, tem as moedas em vez de dinheiro normal. Rapidinho você se acostuma com o jogo. — Sorri, entregando o manual para ela, e começamos o jogo.
— Eu ganhei! Né? — Ela sorriu, animada. Era bom vê-la assim. Eu assenti, rindo. — Considerando que nenhum de nós está mais com paciência para continuar jogando, e você tem mais propriedades e fortalezas, além de todo o dinheiro, eu diria que ganhou, sim. Parabéns, milady. O trono de ferro é seu. — Eu ganhei! Ganhei! Lalalá, ganhei! — Ela fez uma espécie de dancinha, me fazendo rir. Puta merda, como ela é maravilhosa! — Vossa alteza, Alice Lannister. — Alysanne. Soa mais Game of Thrones. — Ela sorriu, esticando os braços sobre a cabeça. — Que horas são? — Não sei... — Peguei meu celular do sofá para olhar. — Quase meiodia. — Ah, isso explica a fome. — Se não estiver cansada da minha companhia, podemos pedir o almoço. — Sorri, me levantando do chão e estendendo uma mão para ela. — Cansada? Tá brincando? Estou num dos raros dias que gosto da
presença humana junto de mim, eu vou é aproveitar. — Ela riu, e eu comecei a perceber um padrão nisso. Ela gostava de fazer piadas com a própria situação. — Muito bem, o que quer almoçar? Pode pedir qualquer coisa, literalmente. Se não tiver aqui no hotel, eu mando alguém buscar. — Sorri, vendo-a pensar por um instante. — Pode ser batata recheada? Parece bobo, mas eu amo batata recheada. — E batata recheada será. — Sorri, indo até a cozinha e pegando o telefone com linha direta lá para baixo. — Geralt? Sou eu. Hoje vou querer batatas recheadas. Nos surpreenda! — “Nos” surpreenda? De novo? — Eu quase pude vê-lo erguendo a sobrancelha. — Almoço para dois, e capriche. — Desliguei, ouvindo-o rir. Geralt costumava ser o cozinheiro lá de casa quando eu era pequeno, e viajou pela Europa por uns anos para se aperfeiçoar. Ele já ganhou uma estrela Michelin, e voltou para a América no ano que eu abri o hotel, e aceitou trabalhar para mim. Ele tinha um apartamento aqui perto, por minha conta, era um grande amigo, quase um segundo pai. Me conhecia bem, e sabia que se eu estava com a mesma garota por dois dias seguintes, não era por acaso. — Espero que não demore. — Ela sorriu, vindo até a bancada e se sentando, enquanto eu me apoiava no lado oposto. — Não vai demorar muito, ele sempre agiliza meus pedidos. É errado passar na frente de quem está esperando? É, mas tenho que ter alguma vantagem nessa vida, além dos privilégios óbvios. — Ah, claro, coitadinho de você se não tivesse vantagens. — Ela riu, irônica. Eu sorri, dando de ombros. — Vamos deixar minhas vantagens de lado. Você disse que ama batatas, certo? Do que mais gosta? — Massas. Qualquer coisa com queijo. Qualquer coisa com chocolate. Sou um pouquinho chata para saladas, mas como também por necessidade. — Acho que ninguém gosta mesmo de saladas. — Ri. — Vegetais no vapor até que sim, mas salada crua? Todos comemos por pura necessidade de
saúde. — Exatamente! É igual a peixe, quem gosta de peixe?! — Eu gosto... — Você é estranho. — Ela deu uma risadinha baixa, me fazendo balançar a cabeça. — Então você não gosta de sushi? — Detesto. Não basta ser peixe, tem que ser cru?! Deus me proteja. Mas gosto de frutos do mar, camarão em especial. — Muito bem, então, teremos massa com camarão para o jantar. — Sorri, piscando um olho. — Isso supondo que você me suportaria até o jantar. — Ela deu de ombros, meio incrédula de que eu realmente estava gostando da companhia dela. Suspirei mentalmente, isso seria uma missão complicada. — Pare de duvidar das minhas habilidades, eu suporto Ethan há vinte e dois anos e ele não é nem um pouco tão boa companhia quanto você. — Pois sabe o que eu acho? Que ele é seu irmão favorito, mesmo sendo irritante. — Ela sorriu, erguendo uma sobrancelha. — Você não tem irmãos, né? — Ela negou com a cabeça. — Se tivesse, saberia que é impossível ter um favorito. É a lei da natureza que se ame e odeie os irmãos na mesma intensidade. — Até que faz sentido. Eu sou filha única, mas tenho alguns primos que são quase como irmãos. Mas no meu caso, eu tenho uma preferida, Breanna. — Ela deu de ombros e eu ri, balançando a cabeça. — E por que Breanna? — Ela é a única que não me deixa isolada quando saímos juntos ou tem evento de família. Já tem trinta anos, mas é uma boa amiga. Ela e a esposa, Pamela, são ótimas comigo. Os outros só falam das viagens que fizeram, dos lugares aonde foram, ou do próprio grupo de amigos. Esquecem que eu existo. — São quantos primos no total? — Três, sem contar a esposa de uma. Eddie; Breanna e Pamela; e Beatriz. E esses são só por parte de mãe. Por parte de pai, eu tenho mais uma
porção, mas eles são do Sul, moram na Louisiana. Eu nasci perto de lá, em Oklahoma, mas fui criada aqui, no Brooklyn. — Ah, uma sulista. Devo me preocupar que vá começar a cantar country a qualquer momento? — Ri, vendo-a revirar os olhos. — Estereótipos são feios, sabia? — Ela riu. — Porém não está errado, eu amo música country. Mas também amo Taylor Swift, Maroon 5, e até música em espanhol. Sou fluente. — Ela sorriu, se gabando um pouco. Ergui uma sobrancelha. — Fluente em espanhol, viciada em country... você é cheia de surpresas, Alice. — Sorri, ouvindo uma batida na porta. — E antes que me pergunte, são surpresas boas. Andei até a porta, abrindo para o empregado do hotel entrar. Ontem Geralt mandou James, hoje foi Lucian. Ele era só um garoto, uns dezesseis anos no máximo, trabalhando no hotel para ajudar a família. Eu fazia questão de conhecer todos os meus empregados, ao menos os com quem eu convivia todo dia. — Boa tarde, senhor Vanslow. — Boa tarde, Lucian. Pode deixar o almoço ali na bancada, perto da moça bonita. — Pisquei um olho para Alice. — Sim, senhor. Boa tarde — ele a cumprimentou, que sorriu enquanto respondia, e deixou os dois pratos na bancada, saindo em seguida. Peguei uma nota de vinte que, por acaso, estava no bolso e dei de gorjeta para ele. Fechei a porta e voltei para a cozinha, me sentando ao lado dela. A batata parecia saborosa. — Então eu sou a “moça bonita”? — Ela sorriu, erguendo uma sobrancelha. Assenti. — Uma moça muito bonita, que, por sorte, está no meu apartamento. — Sorri, pegando meu garfo. — Prove a batata. Garanto que deve estar saborosa. — Muito bem, vamos ver. — Ela pegou uma garfada, levando à boca e mastigando. Fingiu pensar por um segundo antes de sorrir, assentindo. — Maravilhosa! Esse seu chef, ele é cinco estrelas, né? Só pode ser... — Ele já ganhou uma estrela Michelin. — Sorri, vendo ela arregalar os
olhos e quase se engasgar. — Sério? Eu até hoje só tinha ouvido falar delas no Masterchef. — Sério — assenti, vendo-a balançar a cabeça, incrédula. — Um chef Michelin à minha disposição e eu peço batata recheada. Parabéns, Alice — ela murmurou para si mesma e eu ri. — Pode pedir algo mais sofisticado no jantar, mas não acho que tenha errado pedindo a batata. Ele é ótimo com recheios, e esse aqui ficou divino. — Então ser viciada em batata não foi ruim? — Foi algo certeiro. — Sorri, e continuamos a comer em silêncio. Os silêncios com ela eram estranhos, pois não tinham a necessidade de serem preenchidos. Eram silêncios que se encontravam, que se conectavam. Silêncios agradáveis. Acabamos de comer e eu me virei para ela, mais uma vez me surpreendendo em quão bonita ela era. Parecia que cada vez que eu a observava algum detalhe mudava e me chamava mais a atenção. Fosse o sorriso que às vezes era mais genuíno, fossem os olhos que pareciam mudar de verde para azul, ou a única covinha do lado esquerdo dela. Sempre havia algo para me surpreender, eu poderia olhar para ela por anos e ainda assim não conseguiria pegar todos os detalhes. — Então, o que quer fazer agora? — Sorri, contendo a vontade de apenas puxá-la para mim. — Você escolhe agora. Já passamos a manhã jogando Monopoly por minha causa, é justo que a tarde seja sua. — Muito bem... que tal me mostrar suas músicas em espanhol? Talvez eu até goste. — Vai amar. — Ela sorriu, se levantando e puxando o celular do bolso, olhando em volta até ver meu home theater. — Posso conectar no bluetooth? — Claro. — Sorri, vendo-a desbloquear a tela com a digital e me levantando, andando até ela. O som fez um barulhinho notificando que estava conectado e ela se virou para mim. — Pronto? — Pronto. Qual será a primeira música?
— Déjame ir, do Andrés Cepeda com Morat. São da Colômbia, e Morat é minha banda preferida em espanhol. — Ela sorriu, dando play na música. Tinha uma sonoridade bonita, por mais que eu só entendesse o básico do espanhol. Eu havia optado por aulas de francês quando estava no ensino médio, então só sabia o espanhol básico, mas já dava para entender um pouco. Déjame ir significa “deixa-me ir”. E no finalzinho, quédate aqui, significa “fica aqui”. — Gostei. Entendi por alto apenas, mas gostei. — Sorri, vendo-a se animar quando eu disse isso. — Essa é uma das mais lindas, mas minhas preferidas são cuando nadie ve e punto y aparte. Amo todo o álbum balas perdidas, mas essas duas são minhas favoritas. — Ela sorriu, procurando no celular e dando play em outra música. — Sonhei um verão que seria eterno, desde o momento em que vi teu olhar, me derreteste com esse olhar... — ela cantarolou a letra traduzida baixinho, enquanto os alto-falantes tocavam a versão original. Sorri, gostando daquilo. Ela tinha uma voz linda. — Se me perguntam por ti! Ooh, direi que é mentira... — Ela não se aguentou e rodopiou sozinha pela sala, me fazendo rir. Ela era maravilhosa! — O que acharia de dançar comigo? — perguntei, vendo-a arregalar os olhos e assentir, com um sorriso largo, um dos mais felizes que já a vi dar. Ela mudou a música para uma mais lenta e se aproximou de mim, mordendo o lábio inferior. Percebi que ela fazia isso quando estava nervosa. Puxei-a para perto e começamos a dançar lentamente pelo espaço vazio que tinha na minha sala, rodopiando pelo tapete felpudo. Reconheci algumas palavras da letra, era a tal punto y aparte que ela falou. Era bonita também, pelo pouco que eu podia entender. Quando essa acabou, começou uma mais lenta ainda, e se aproximou mais, deitando a cabeça no meu ombro enquanto dançávamos. Bem, estávamos mais balançando de um lado para o outro do que dançando, mas isso não parecia incomodá-la, e muito menos a mim. Sorri, não resistindo à tentação e beijando a testa dela. Deus, eu só queria passar todo o tempo com ela assim. A música que começou depois era bem animada, e ela deu um pulinho de surpresa. Eu ri, segurando-a pela mão e a fazendo girar para lá e pra cá.
Ela riu, se divertindo com aquilo. Dançamos mais duas músicas sem falar nada, apenas nos divertindo juntos, rodopiando um ao outro do jeito mais aleatório possível, rindo quando um de nós tropeçava. Quando a música acabou, estávamos ambos rindo, um pouco suados e ela lindamente corada. Sorri, pegando a mão dela e a puxando para se sentar comigo no sofá. Enquanto dançávamos, Rudy havia saído dali, provavelmente para almoçar — ele tinha um daqueles potinhos automáticos que dispensavam ração a cada algumas horas — e devia estar no quarto agora. — Você dança muito bem. — Ela riu, colocando os pés sobre a mesinha, empurrando para o lado algumas peças esquecidas de Monopoly. Era bom ver que ela estava se sentindo à vontade. Queria que ela se sentisse sempre bem ao meu lado. — Você também. — Sorri, colocando meus pés ao lado dos dela. Ela se virou para mim, com os olhos brilhando. — Vou me repetir pela milésima vez, isso aqui parece um sonho. — Ela deu uma risadinha, encostando a cabeça no meu ombro. — O grande Hector Vanslow dançando comigo feito um louco. Parece historinha de filme. — E qual seria o nome do nosso filme? — perguntei, erguendo uma sobrancelha. — A problemática e o milionário. Uma comédia romântica daquelas que a mocinha é um patinho feio e passa por uma transformação e do nada os óculos somem e ela fica bonita. Tipo O diário da princesa. — Tem dois problemas nisso. Você não usa óculos, e não é um patinho feio. — Na verdade, uso, mas como meu grau se estabilizou, passei a usar lentes. — Ela deu de ombros, ignorando a parte sobre o patinho feio. Sorri. — Viu só? Então você já passou pela sua transformação majestosa, por isso é tão linda. — Você devia parar de me elogiar — ela sussurrou, fechando os olhos. — É difícil acreditar. A vida inteira as únicas pessoas que me acharam bonita foram minha família e olhe lá, demorou dois anos para uma tia aceitar meu peso. — Seu peso? — repeti, passando um braço em volta dos ombros dela. Não é possível que ela se considerasse feia por isso. Eu podia apenas
imaginar todas as curvas que ela tinha, e não me incomodava nem um pouco com isso. Nunca gostei do físico de supermodelos. — Vai se fazer de cego agora? Eu peso cem quilos, mais ou menos. — E desde quando isso é um problema? — Pare com isso. Pare de tentar me fazer sentir melhor, eu simplesmente não consigo acreditar que realmente pense assim, que realmente me ache bonita. Me chame de agradável, divertida, estranha. Nessas coisas, eu acredito. — Ela suspirou e se afastou um pouco, se levantando. — Talvez já seja hora de ir. — Alice... — Me levantei também, ficando em frente a ela. — Nada de fugir, não de mim. Sei que só te conheço há um dia, mas já te quero tão bem... — Toquei o rosto dela e ela fechou os olhos, segurando minha mão. — Vou repetir até entrar nessa sua linda cabecinha o quanto você é bonita. Linda. Desejável, da forma que é. — Sussurrei as palavras, me inclinando na direção dela e roçado meus lábios aos seus. — Acha que eu estaria aqui, agora, se não pensasse realmente isso? Que eu lhe beijaria assim, se não lhe achasse a mulher mais bonita que já vi? E colei meus lábios aos dela. Ela demorou um segundo para perceber o que estava acontecendo, mas suas mãos eventualmente envolveram meu pescoço, os dedos se entrelaçando no meu cabelo. Ela correspondeu ao beijo com força, nossas línguas em um ritmo equilibrado e intenso, deslizando juntas em nossas bocas. Caralho, ela beijava bem demais. Mantive uma mão em seu rosto e com a outra puxei sua cintura, a aproximando mais de mim, colando nossos corpos também. Só eu sei tudo o que gostaria de fazer com ela nesse momento, mas não apressaria as coisas. Ela era o tipo de garota que iria querer esperar, e por ela eu podia esperar quanto tempo for que vai valer a pena. Quando nos separamos, apenas alguns centímetros, ela estava ofegante e o rosto cor-de-rosa. — Hector... — Se reclamar dos elogios, eu te beijo de novo, até parar. — Sorri, vendo-a dar uma risadinha. Isso! — Sabia que isso me incentiva a reclamar? — Pois bem, então só ganha mais beijos se aceitar elogios também. —
Ri, vendo-a revirar os olhos e sorrir. — Nesse caso, eu posso até considerar. Mas vamos começar com apenas “bonita”, por enquanto, ok? — Já é algo. — Beijei o rosto dela, me sentando de novo no sofá e puxando ela comigo. Ela caiu metade por cima do meu peito, rindo com um gritinho. — Me derrubar não era parte do acordo! — Não derrubei, eu puxei. — Detalhes. — Ela riu, apoiando a cabeça no meu peito e colocando os pés para cima do sofá. Passei um braço em volta dela, a mantendo por perto. — O que vamos fazer agora? — Que tal ver alguma série? Você escolhe qual. — Muito bem, que tal... já assistiu Grey’s Anatomy? — Já vi alguns episódios aleatórios, mas nunca sentei pra assistir toda mesmo. — Pois agora vai. — Ela sorriu, se soltando de mim e pegando o controle da tv de debaixo da mesinha, onde eu havia deixado antes. Eu sorri, vendo-a ligar a Tv e selecionar a Netflix. Quando deu play na série, voltou a deitar com a cabeça no meu peito, e começou a abertura. Passamos boa parte da tarde assim, abraçados, assistindo aos dramas de Grey’s Anatomy. E eu não poderia pensar em nada melhor do que tê-la nos meus braços.
Eu acabei cochilando um pouco nos braços dele. Me sentia segura ao seu lado, se ele fosse tentar algo de mal comigo já teria feito, pelo contrário, ele era um perfeito cavalheiro. Eu estava caidinha por ele! Havia lido uma vez, em algum lugar, que não se leva mais que um segundo para se apaixonar por alguém. E já havíamos passado muitos e muitos segundos juntos, e com a facilidade que eu tinha para me encantar, não me surpreendia em estar me sentindo assim. Por ser extremamente carente, eu me apegava com facilidade, e era óbvio que não seria diferente com ele. Eu tinha uma tendência de ir rápido demais e estragar tudo, então teria que me colocar um freio dessa vez, me dar limites. Suspirei mentalmente, abrindo os olhos. Ele estava com o braço à minha volta, fazendo carinho nos meus ombros enquanto os olhos estavam focados na tela. Sorri, me erguendo e me afastando um pouco, enquanto me espreguiçava. Ouvi-o dar uma risada e me virei. — Acordou, Bela adormecida? — O sorriso dele foi lindo, e eu sorri de volta. — Desculpe por ter cochilado. Os remédios me deixam com sono o dia todo, não posso deitar que durmo. — Me desculpei, com um sorrisinho fraco.
— Sem problemas. Você fica bonita quando dorme, mas eu aconselharia tomar mais cuidado ao dormir perto de estranhos. Eu sou inofensivo, mas alguns homens por aí não são. — Ele parecia preocupado. Assenti. — Eu sei disso. Só me deixei cochilar, pois sei que você não me faria mal. — Sorri, voltando a me deitar no colo dele. Eu me sentia segura ao seu lado. Ele era lindo, atencioso, tinha uma personalidade incrível, um cachorrinho fofo... sem falar que eu realmente já me sentia segura ao lado dele, algo completamente raro e incomum, já que eu normalmente tinha medo das pessoas. — Fico feliz que você confie em mim. — Ele sorriu, e senti uma mão nos meus cabelos. — Quer dormir mais um pouco? Eu posso continuar vendo a série enquanto isso. Por incrível que pareça, estou gostando da história. — Claro que está, é uma das melhores séries já criadas! — Sorri. — E não, não quero dormir mais. Quero estar acordada, para quando a realidade voltar ao normal, eu ter a lembrança de cada momento que passamos. — Quando a realidade voltar? — Pude sentir a sobrancelha dele se erguendo pelo tom de voz, mesmo sem ver. — Sabe, quando este fim de semana terminar e minha vida voltar ao normal, sem encontros e beijos com um cara incrível e sem o cachorrinho mais fofo do mundo. Quando eu voltar a ser apenas Alice, a garota escondida em um canto em todos os cômodos, eu quero ser capaz de me lembrar de como foi me sentir especial. — Alice... — Ele deu um ar de riso, e eu pude senti-lo balançando a cabeça. — Quem disse que isso acaba aqui? Você não é a Cinderela, que quando bater às doze badaladas precisa ir para sua vida antiga novamente. O que quer que tenhamos é uma conexão, e podemos ver aonde isso vai dar. Se você quiser, podemos continuar a nos encontrar, a ver séries juntos e eventualmente nos beijar de novo. Posso te levar para encontros, podemos ir jantar juntos ou passear pelo Central Park. Podemos fazer tudo o que você quiser, se quiser algo comigo. Você me dá uma chance, Alice? — Hector... claro que sim. — Sorri, me erguendo e tocando o rosto dele com uma mão. — Quem seria louca o bastante para dizer que não? Nem com todos os meus distúrbios, eu recusaria uma oferta dessas. — Ainda bem que disse sim. — Ele sorriu, se inclinando para perto de
mim. — Agora, quanto aos beijos eventuais... — Sim? — Quer que eles sejam raros, ou com frequência? — Sempre — sussurrei, e ele deu um sorrisinho de canto, segurando meu rosto com as mãos. — Era tudo que eu precisava saber. — E me beijou. Um beijo doce, cheio de carinho, enquanto sua língua deslizava junto a minha. Um beijo com gosto de batata misturado a algo doce dele mesmo, como aquela sobremesa Romeu e Julieta. Era delicioso! Ele beijava tão bem que quase me fazia desmaiar, e eu o beijava com todas as minhas forças, me segurando no pescoço dele enquanto era puxada para seu colo, as pernas abertas sobre ele, num amasso fortíssimo. Sim, eu podia sentir claramente o algo dele pressionando contra mim, mas quem disse que isso era um problema? Muito pelo contrário, eu estava adorando. Adorando saber que podia causar aquele efeito nele, que ainda era desejável, mesmo pesando cem quilos, que ainda era boa o suficiente para alguém. Eu era do tipo de pessoa que precisava ser amada para poder se amar, e ele estava me ajudando com isso, me dando carinho e fazendo eu me importar comigo mesma. Quando nos afastamos um pouco, eu estava ofegante, me segurando na camisa dele, e ele estava rindo baixinho, me segurando pela cintura. — Me avise se for desmaiar — ele sussurrou, e eu dei tapa no braço dele, vendo-o rir. — Não é justo causar um impacto assim em alguém e ainda rir — reclamei, fazendo um bico. Ele me deu um selinho e riu, tocando meu rosto com uma mão, fazendo carinho. — Você ainda tem coragem de falar em impacto? Está me matando, Alice — ele sussurrou, escondendo o rosto no meu pescoço e depositando um beijo ali. Senti um arrepio. — Se eu estou te matando, o que diabos é isso que você está fazendo comigo? — sussurrei, fechando os olhos e aconchegando meu rosto no pescoço dele, me sentindo segura em seus braços. — Dando o troco. — Senti o sorriso dele, e um arrepio novamente com
seu hálito na minha pele. — Você é malvado — reclamei, ouvindo-o rir e se afastar do meu pescoço, me olhando nos olhos. — E você é uma deusa — ele sussurrou, segurando meu rosto com as mãos. — Sei que você não acredita nisso, mas é uma deusa. Se soubesse uma fração do impacto que está causando em mim, em tão pouco tempo, você acharia que “deusa” é pouco para explicar a sensação. — Hector... — Eu sei, eu sei. Você acha que eu estou louco ou exagerando, mas, na verdade, só estou encantado por você. Encantado, arrebatado, tomado e todas as outras palavras bonitas que você conseguir pensar. Você é uma sereia, Alice. A minha sereia. — Ah, Hector... — sussurrei, sem palavras, sentindo meu coração gelado e abandonado se aquecer com as palavras dele. Não sabia mais o que dizer, então apenas o beijei novamente, tomando a boca dele na minha com toda a força que tinha, na mesma intensidade com a qual ele me beijou antes. Ele não demorou mais que um milissegundo para corresponder, apertando minha cintura e lentamente me movendo sobre ele, em um ritmo gostoso, que me dava a sensação de estar no controle. Que tolinha, eu nem saberia o que fazer no controle. Estaria perdida sem as mãos dele ali, me guiando, me levando de um ponto ao outro sobre ele. Benditas sejam as calças de moletom! Nessa hora eu me amaldiçoei por estar usando jeans, queria poder sentir mais. Há tanto tempo não sentia nada tão forte, desde o meu primeiro namorado, Victor. Há tanto tempo eu havia esquecido o que era ser desejada, e ele estava me lembrando desses sentimentos, me trazendo de volta a mim mesma, a quem eu gostava de ser. Era delicioso. Continuamos por um bom tempo, meu corpo começando a ter pequenos espasmozinhos de prazer. Se eu sentia tudo isso vestida, imagine sem nada! Dei uma risadinha do meu próprio pensamento, sentindo-o morder meu lábio inferior. Uma mão dele subiu pela minha cintura, parando na lateral do meu peito, pedindo permissão. Assenti, sem tirar minha boca da dele, sentindo a mão dele cobrir meu seio direito sobre a blusa, numa carícia leve e ao mesmo tempo intensa, me fazendo imaginar coisas. Me remexi no colo dele, rebolando devagarinho, sentindo arrepios enquanto ele continuava a me tocar.
— Alice... — A voz rouca dele me trouxe de volta para a realidade, me dando conta do que estávamos fazendo. Eu sabia aonde aquilo iria terminar se eu não parasse, mas estava tão bom... me mexi mais algumas vezes, um pouco mais rápido, chegando tão perto de onde queria que poderia gritar, mas... nada. Graças à porcaria dos meus remédios que mexiam com a minha libido, eu não consegui chegar lá, mas foi mais perto do que chegava sozinha nos últimos tempos. Suspirei, dando um último selinho nele e me afastando um pouco, sem sair de cima dele. — Acho... acho melhor pararmos — sussurrei, ofegante, vendo-o dar um sorrisinho de canto. Podia sentir o quanto ele estava duro embaixo de mim, e estava usando todas as minhas forças para não continuar a me mover. — Rápido demais? — ele sussurrou, me dando um beijinho de leve no canto da boca. — Um pouco — admiti, vendo-o sorrir pesarosamente e me tirar de cima dele, me colocando de volta ao seu lado. Me recostei no sofá, ofegante, fechando os olhos enquanto ouvia uma risadinha dele. — Me desculpe, mas como eu disse, você é uma deusa... e não é sempre que tenho uma deusa em cima de mim. — He treats me like a goddess… — cantarolei a música da Avril Lavigne, vendo-o erguer uma sobrancelha. — É uma música da Avril, Goddes, do álbum novo. Só consigo pensar nela quando você me chama de deusa. — Sorri, sentindo meu rosto ficar cor-de-rosa. — Gostei. Combina com você. — Ele sorriu, passando um braço a minha volta e me puxando para perto. — Só me responda uma coisa. — Lá vem... — Promete me avisar quando for a hora certa para irmos adiante? Não quero lhe pressionar. — Prometo. — Sorri, abrindo os olhos e me encostando no peito dele. — Posso te fazer uma pergunta um pouco invasiva? É uma curiosidade que eu sempre tive sobre os homens. — Devo ter medo? — Ele riu, beijando meus cabelos. — Pode perguntar o que quiser, minha deusa. — Fica dolorido, quando não vai até o fim? Tipo, o mito das “bolas azuis” é real? — Fechei os olhos, morta de vergonha. Eu não tinha muitos
amigos em geral, muito menos amigos homens. Minhas únicas amigas eram virtuais,da Califórnia, uma do Arizona e uma da Louisiana, e meu único amigo era gay e passivo, então não era a mesma coisa, de acordo com o que ele me disse. — Fica, um pouco. Depende do quanto eu for provocado, e normalmente demora a passar. — Ele riu, e eu pude senti-lo dando de ombros. — Agora mesmo, estou morrendo, mas aguentando firme. — Desculpa. — Dei um sorrisinho, ouvindo-o rir e sentindo seus lábios em meu cabelo. — Não se desculpe, deusa. Foi maravilhoso, mesmo não indo até o fim. Agora, se me der licença por alguns minutos, um banho frio ajudaria. — Ele riu e eu também, me afastando do peito dele e me sentando no sofá como a mocinha comportada que eu deveria ser. — Vá. Mas não demore. — Sorri, e ele me deu um selinho, se levantando. Enquanto ele ia até o quarto, e depois ao banheiro, eu me deitei no sofá, olhando para o teto. Eu estava ficando louca, só podia ser. Quase dei para um cara que recém-conheci! E sinceramente não teria me arrependido se tivesse ido até o fim, muito pelo contrário, sei que ia amar. Mas minha amiga uma vez disse que para um relacionamento dar certo é preciso limitar a quantidade de relação física no começo, criar uma certa negação, digamos assim, para que o casal se conheça sem que os hormônios sexuais atrapalhem. Seja como for, eu precisava me controlar mais daqui para frente. Por outro lado, eu já tinha vinte e um anos e era adulta. Adultos fazem sexo no primeiro ou segundo encontro sem problema algum. Só que é óbvio que eu não era uma adulta normal, com todos os problemas e traumas que eu carregava. Vivia com um pé mais pra lá do que pra cá, desde os treze anos, e não era ele que iria magicamente mudar isso, nem a melhor foda do mundo consertaria tudo de errado comigo. Suspirei, puxando as mangas do moletom até os cotovelos, morta de calor. Havia suado bastante na nossa pequena aventura no sofá, e estava derretendo agora. Olhei para os meus braços, os cortes já mais fechadinhos. Quatro dias sem me cortar, estava chegando perto de um recorde. Passei os dedos por cima das marcas, mais uma vez surpresa com o fato de ele não ter tido nojo de mim. Muito pelo contrário, ele me aceitou com
todos os defeitos, me chamava de deusa mesmo eu sendo completamente comum, não parecia se importar com meu peso... ele estava claramente — e eu pude sentir — excitado por mim! Eu não lembrava como era causar essa sensação em alguém desde os dezesseis anos. Sorri sozinha, ouvindo ao longe o barulho do chuveiro e peguei meu celular, ligando novamente o bluetooth com o home teather dele e colocando a playlist na qual eu estava viciada recentemente. A primeira música que tocou foi Always, do Bon Jovi. Estava cantarolando quando o vi de relance passando, só de toalha. Não deu tempo de espiar, até que eu me desse conta do que tinha visto, ele já tinha passado e devia estar no closet. Continuei olhando para o teto mesmo, sorrindo ao senti-lo se aproximar. — Melhor agora? — perguntei, rindo. Ele assentiu, piscando um olho. — Bem melhor. — Ótimo. — Sorri, me sentando direito e batendo no espaço ao meu lado para ele vir se sentar. Quando se sentou, eu deitei a cabeça em seu colo, sentindo o cheiro de sabonete e shampoo. Erva doce. Sorri, encantada em como até os cheiros mais simples da face da terra ficavam fabulosos quando combinados com ele. — I’ll be ther ‘till the stars don’t shine… — cantarolou, reconhecendo a música e sorrindo para mim. — Você tem bom gosto, Alice Rogers — ele disse meu nome completo, me fazendo corar de novo. Mas que porra, só ficava vermelha junto dele. — Eu sei. — Dei um sorrisinho, fechando os olhos e bocejando. — Ainda está com sono? — Estou sempre com sono. — Dei de ombros, abrindo os olhos e erguendo uma mão, brincando de leve com a barba úmida dele. — Os remédios são pesados, hein? — Ele deu um sorriso que era uma meia careta. — Sim, infelizmente. — Não vou dizer que entendo, porque não conheço quase nada de remédios, mas imagino que sejam fortes, para te deixar com tanto sono assim. — Ele ergueu uma mão, tocando meu rosto. — Se quiser, pode ir
dormir. Eu deixo. — Ele piscou um olho, com um sorrisinho. — Eu até quero, mas ficar com você é mais divertido. — Sorri, continuando a enrolar a barba dele nos meus dedos. — Gosto da sua barba — comentei aleatoriamente. — Percebi. — Ele sorriu, se inclinando e me dando um selinho. Lindo. — E gosto quando me beija. Gosto muito, muito mesmo. — Mordi meu lábio inferior, decidindo continuar a falar. — A gente lê sobre beijos assim nos livros, mas não acredita que eles existam até realmente sentir, sabe? — Beijos assim, como? — Mágicos. — Mágico, é? — Ele deu um sorrisinho, se inclinando e me beijando de novo, bem devagar, só com os lábios. — Abracadabra, minha deusa — ele sussurrou, me beijando de novo, dessa vez deslizando a língua pelos meus lábios. E então outra vez, de verdade, sem nem precisar pedir passagem para sua língua alcançar a minha, num beijo lento e ao mesmo tempo feroz. Merda, eu estava com tanta vontade quanto ele de seguir em frente, mas não iria tão rápido. Ele havia visto e aceitado algumas cicatrizes nos braços, provavelmente se assustaria de vez quando visse as marcas enormes nas coxas, as estrias e manchas na minha pele... balancei a cabeça, separando nosso beijo. — Você vai me enlouquecer, Alice. — É meu objetivo — provoquei, sentindo meu coração acelerar. Putamerda, ele era tão maravilhoso! Ainda não acreditava que tudo isso não era um sonho. — O que foi? Está me olhando de um jeito engraçado. — Pensando que em algum momento eu vou acordar e tudo isso vai ter sido um sonho. — Como diria Khal Drogo em Game of Thrones, no último episódio da segunda temporada, “se isso for um sonho, vou matar o homem que me acordar”. — Ele sorriu, se inclinando e me beijando rapidamente mais uma vez. — Também gosto dos seus beijos, deusa. — Vai ficar me chamando assim? — Ergui uma sobrancelha. — Vou, se não for um problema. — Ele sorriu, uma mão fazendo carinho no meu rosto e a outra em minha cintura.
— Problema nenhum, muito pelo contrário... eu sempre quis um apelido fofo — admiti, sentindo meu rosto esquentar. Infernoooo, eu ia ficar rosa o tempo todo com ele? Ou rosa, ou com taquicardia, ou rosa e com taquicardia... affe! — Pois acaba de ganhar um. — Ele sorriu de novo, aquele sorriso lindo e maravilhoso, me dando outro selinho. — Muito bem, se eu sou uma deusa, você é um deus grego, daqueles maravilhosos esculpidos em mármore. — Se eu fizer um comentário meio baixo, você promete não se incomodar? — Diga... — Aquelas estátuas têm o pau pequeno, e assim você vai ferir o meu ego. — Ele riu, e eu pude jurar que ele ficou um pouquinho de nada cor-derosa. Eu dei uma risada alta, uma verdadeira gargalhada. — Tudo bem, não um deus grego de estátua, então. — Ótimo. — Ele riu, enquanto eu balançava a cabeça. — E desculpe pelo termo baixo. — Eu falo coisa pior com as minhas amigas. — Dei de ombros, dando uma risada ao me lembrar de algo que Cammie, uma ex-colega de classe, havia dito uma vez. — Aliás, eu tenho uma cantada maravilhosa que vai te fazer rir. — Diga. — Bem... — Respirei fundo, tomando coragem. — Deixa eu te chamar de sorvete e chupar suas bolas. — Tentei segurar a risada, vendo-o arregalar os olhos provavelmente em dúvida se ria ou se me expulsava dali. Optou por rir, e eu acabei rindo também. — Seria errado eu dizer que deixo? — Ele riu, balançando a cabeça. — A cada segundo, eu gosto mais de você, Alice. — Bom saber. — Sorri, mordendo meu lábio inferior. — Tem outra também, uma cantada bem tosca, na verdade, que eu mesma inventei. — Pigarreei, me concentrando. — Me chama de Ana Bolena, que por você eu perco a cabeça. — Referência histórica, gostei. — Ele riu, balançando a cabeça. —
Infelizmente eu sou péssimo com cantadas, senão eu te mandaria alguma muito bem bolada. — As vantagens de ser rico e bonito: não precisar usar cantadas para conquistar alguém. — Ri, balançando a cabeça. — É tão estranho. Ao mesmo tempo que você é inalcançável, é alguém completamente normal. — E quem disse que eu sou inalcançável? — Fala sério, Hector, você é lindo, rico, razoavelmente famoso, poderoso... e ao mesmo tempo você é engraçado, tarado como qualquer homem, divertido, bom de se conversar, extremamente jovem para alguém de vinte e sete anos... Deveria ser injusto alguém ser o pacote completo — simplesmente falei, fechando os olhos enquanto esperava a resposta dele. — Primeiro de tudo, vamos fingir que eu não fui chamado de velho. — Ele riu, e eu abri um olho, dando um sorrisinho. — E sobre ser o pacote completo... você realmente não se enxerga, não é? Você é linda, divertida, inteligente até demais, gostosa pra caralho, me desculpe os termos, e ainda por cima tem um sorriso capaz de destruir mundos. Helena de Tróia, o rosto que lançou mil navios. É você, minha deusa. Eu sou só um homem bem educado e comum, com alguns privilégios financeiros. — E você tem alguma noção de como na sociedade de hoje os homens bem educados são raros? Não deveria ser, homens assim deveriam ser a maioria e não uma minoria tão absurda, mas é o mundo em que vivemos. Você é uma raridade! — E você está exagerando. — Ele deu de ombros, claramente incomodado por ser posto num pedestal. Balancei a cabeça. — Eu adoro você. — Sorri, erguendo uma mão e fazendo carinho no rosto dele. — E tudo bem, vamos mudar de assunto. Que tal... ok, eu sou péssima para puxar assuntos. — E se fizéssemos algo melhor que conversar? — Ele deu um sorrisinho, me puxando para cima para sentar novamente. — E se eu fizer isso... — Ele me deu um selinho, me puxando novamente para o colo dele. — E isso... — Desceu um beijo pelo pouco do meu pescoço que estava exposto. — E mais isso... — Beijou minha orelha, me causando arrepios. — Porra... — sussurrei, sem muito controle das palavras, mas, por sorte, ele parecia não se incomodar com palavrões.
— Eu quero você, Alice. Não precisamos fazer nada hoje, nem amanhã, nem em nenhum dia até você estar pronta, mas eu preciso que saiba o quanto eu te desejo. O quanto eu quero você, o quanto é desejável e maravilhosa... — Ele continuou a me dar beijos pelo pescoço, a voz grave arranhando meu interior e expondo partes de mim que eu nem sabia que existiam. — Eu também quero você — sussurrei, puxando o rosto dele e o beijando de novo, com força. Um beijo cheio de desejo e doçura, lento, saboroso. Enrosquei minhas mãos no cabelo dele, deslizando minha língua pela sua, sentindo coisas que não sentia desde os dezesseis anos. Continuamos a nos beijar por sabe-se lá quanto tempo, as mãos dele deslizando pelo meu corpo e segurando minha bunda, me puxando contra ele. Podia senti-lo duro embaixo de mim de novo... Gemi baixinho, sem me controlar, agarrando os cabelos dele. Quando nos separamos, estávamos os dois ofegantes, e eu me escondi no pescoço dele, ouvindo-o dar uma risadinha e passar uma mão nas minhas costas. — Você vai me deixar louco, sabia? — disse, beijando meu pescoço. — Era o objetivo. — Ri baixinho. Ficamos em silêncio por um tempo, só curtindo aquela proximidade um com o outro, curtindo o momento. Acabei cochilando de novo, dessa vez nos braços dele, em uma posição que teoricamente não seria confortável, mas que na prática era a mais confortável possível.
Quando eu acordei de novo, ele estava passando as mãos nas minhas costas, me fazendo carinho. Tão doce, tão amoroso, tão... aaaa! A vontade era de gritar, de tão perfeito que ele era. Um deus grego de fato. — Juro que vou parar de cochilar — sussurrei, beijando o rosto dele e me afastando um pouco, olhando em seus olhos. — Você fica linda dormindo. — Ele sorriu, ainda passando as mãos nas minhas costas. — E não vou mentir, eu adorei ser seu travesseiro. — Ele piscou um olho e eu ri, balançando a cabeça. — É cedo demais pra dizer que eu gosto mesmo de você? — perguntei, mordendo meu lábio inferior. — Eu não acredito em “cedo demais”. Cada um tem seu tempo, e eu também gosto mesmo de você. — Ele sorriu, adotando meu jeitinho de falar. — Você me fascina, Alice. É maravilhosa em todos os sentidos, me conquista mais a cada segundo, e por mais que não pareça acreditar nisso, é extremamente perfeita, em um nível que beira o absurdo. — Obrigada, eu acho. — Segurei o rosto dele nas mãos, fazendo carinho de leve. — Você é um sonho. Um deus grego, não como o das
estátuas — ri —, mas como eles deveriam ser na realidade. Lindo, charmoso, inteligente e inalcançável. Não importa o que faça, nada vai me convencer que todo este fim de semana não vai ser apenas um sonho quando eu acordar, segunda-feira. Posso estar me iludindo em todos os níveis possíveis, mas vou aproveitar cada segundo que tivermos juntos. E prometo não repetir mais isso. — Dei um sorrisinho e ele balançou a cabeça, puxando a minha boca para dele e me beijando rapidamente, com força. — E eu não vou repetir de novo o que farei se isso for um sonho e alguém nos acordar. Apenas pare de ter tão pouca fé em si mesma e confie em mim, você é maravilhosa, e eu adoro você. — Ele sorriu, tocando meu rosto. — Agora, falando de assuntos mais divertidos, o que vai querer para jantar? — Já é hora do jantar? — Quase. — Eu realmente dormi demais — resmunguei, vendo-o rir. — E eu vou querer... tem pizza? — Pra você tem. — Ele sorriu. — Só preciso avisar logo ao Geralt, porque ele mesmo faz desde a massa até o molho e o recheio das pizzas. — Meu sonho é ter um chef particular desses. — Ri, dando um selinho nele e me levantando, ficando de pé. — Vem morar comigo e vai ter — ele brincou, com uma piscada. Sorri, balançando a cabeça. — Você realmente não tem noção de “rápido demais”, hein? — Ri, me espreguiçando e me esticando toda. — O banheiro é no quarto, né? — Isso. — Já volto. — Sorri, caminhando pelas portas do quarto, fazendo um “awwn” quando vi Rudy dormindo numa almofadinha no chão. Coisa mais fofa de titia. Antes de sair do banheiro, eu parei em frente ao espelho. Eu estava um pouco corada, com um sorriso enorme no rosto, e totalmente apaixonadinha. Há quanto tempo eu não me sentia tão bem assim?! Estava impressionada. Ele era como uma forma humana de remédio para mim, e isso era maravilhoso.
Saí do banheiro e voltei para sala, encontrando-o no sofá, fazendo alguma coisa num notebook. Sorri. — Voltei. — Voltou. — Ele sorriu, dando uma batidinha no espaço ao lado dele. — Já liguei para Geralt, a pizza deve vir em mais ou menos uma hora e meia ou duas. — Tudo bem. — Me sentei ao lado dele. — O que está fazendo? — Checando meus e-mails. Por sorte, nada importante. — Ele fechou o notebook e colocou na mesinha, se virando para mim. — E então, o que quer fazer até a pizza chegar? — Não sei... que horas são? — Seis da noite. — Ele olhou no relógio que tinha no pulso, antes de responder. — Se eu não lembrar sozinha, você me avisa quando der dez horas? É o horário limite em que eu normalmente tomo meus remédios, se não mais cedo. Ontem mesmo eu estava cansada e tomei assim que voltei para o quarto e já fui dormir. — Traga-os para cá, amanhã. Assim não precisa se preocupar com a hora. — Ele sorriu, e eu ergui uma sobrancelha. — Não vai enjoar de mim, três dias seguidos? — Não enjoaria nem em três anos seguidos. — Ele me deu um sorriso, tocando meu rosto com carinho. — Mas se você já estiver cansada de mim... — Não, claro que não. Muito pelo contrário, estou ficando viciada em você. — Segurei a mão dele. — Estou sorrindo tanto, que até eu mesma me assusto. Me acostumei a só rir com séries ou com minhas amigas virtuais. — Virtuais? Não tem nenhuma amiga por aqui? — Tenho Cammie, minha ex-colega de classe, mas ela é meio distante. Mas minhas melhores amigas moram uma no Arizona, duas na Califórnia e uma na Louisiana. Meu sonho é um dia conhecê-las pessoalmente. Mary, eu conheço desde os treze anos, é minha amiga mais antiga; e Abigail desde os quinze. Elas são como minhas irmãs. Gabrielle e Pauline são as mais recentes, só um ano e meio de amizade, mas já as amo demais. — Todos esses anos de amizade, e nunca se viram pessoalmente?
— Nunca tive o dinheiro para viajar até lá. Sabe, nem todo mundo nasce num berço de ouro — provoquei, com uma risadinha. — A maior parte do nosso dinheiro vai para os meus medicamentos e tratamento, psiquiatras estão cada vez mais caros, remédios também... é difícil. — Sabe que se precisar de qualquer coisa, pode me pedir sem vergonha nenhuma, não sabe? — Obrigada por oferecer, mas isso é algo que eu preciso resolver sozinha. — Sorri, me inclinando e dando um selinho nele. — Você é um doce. — Eu tento. — Ele sorriu, piscando um olho. — Mas me fale mais de você. E os seus amigos, seus irmãos, como é sua vida? — Bem, eu não tenho muitos amigos, por pura falta de tempo mesmo. Tenho alguns colegas da faculdade, e sou mais próximo dos meus irmãos, em especial Roman. Ele pode parecer ser feito de pedra para quem olha de fora, mas é o maior coração de nós cinco. Ele é quem organizou todo o movimento de doações para as crianças. Ele é apaixonado por crianças, ajuda uma quantidade enorme de caridades voltadas às “mini pessoas”, como ele chama. Um dia ele vai ser um ótimo pai. — Ele parece incrível. — Sorri, cruzando as pernas sobre o sofá. — E os outros? — Depois de Roman, sou eu, seguido pelos gêmeos, que de semelhante só tem a data de nascimento mesmo. — Ele riu. — Brian e Phillip, um artista e um empresário. Brian administra algumas galerias de artes, com quadros de artistas famosos como ele próprio, Alyssa Rose, Yanna Melbourne etc., enquanto Phill é músico, dono da Vans Records. É interessante os gêmeos serem ambos artistas, cada um em seu ramo. E por último, vem Ethan, o “irresponsável”. Ele ainda não tem uma empresa, um ramo nem nada parecido, de acordo com ele, vinte e dois é novo demais para tomar uma decisão dessas e vive de investimentos. Ele mora no edifício Rhodes, com a melhor amiga, Nicole. — Melhor amiga? — Ergui uma sobrancelha, desconfiada. Ele riu, assentindo. — Os dois são basicamente grudados desde sempre, fomos para os
mesmos internatos e como eles têm a mesma idade, nasceram com uma diferença de dois dias, sempre estudaram juntos. Eu e os outros temos uma aposta rolando de quanto tempo vai até os dois se pegarem, de fato. Eu apostei que antes de ele fazer vinte e quatro, em novembro do ano que vem. — Boa sorte. — Ri, balançando a cabeça. — Seus irmãos parecem incríveis. — Um dia eu te levo para conhecê-los. Sinta-se convidada para nossa próxima noite de jogos de tabuleiro. Do jeito que você é competitiva, vai dar certinho com Roman e Ethan. — Ele riu, e eu ergui as sobrancelhas, me fazendo de sonsa. — Eu sou competitiva? — Não, imagina. Só gritou que ganhou e parecia obcecada pelas fichas do jogo. — Ele riu, sendo irônico, e eu dei de ombros. — Apenas gosto de vencer. — Sei. — Enfim, vou querer entrar na aposta também, posso? Nem conheço os dois, mas acho que até o dezembro deste ano eles se pegam. Aposto... vale aposta baixa? Quinze dólares. — Vale. — Ele sorriu, pegando o celular da mesinha e digitando algo rapidamente. — Aposta anotada. Parabéns, você agora é da família. — Ele riu, e eu senti meu rosto esquentar. Ele riu, se inclinando e me roubando um beijo rápido. — Sabe qual seria meu ramo como uma Vanslow? Eu abriria uma editora para autores independentes publicados on-line. Totalmente sem custos para o autor, dando a chance de ficarem mais conhecidos e espalhados por livrarias físicas. Já li tantos livros independentes que eram maravilhosos, acho mais que justo ficarem conhecidos. Ou então uma companhia de teatro. — Você seria uma ótima Vanslow. Com certeza mais útil que Ethan. — Ele riu, e fomos interrompidos por uma bolinha de pelos que veio balançando o rabinho até o sofá, latindo para ser posto para cima. — Oi, neném! — Sorri, pegando o cachorrinho no colo e abraçando ele. — Você deu um cochilo, foi? Dormiu bem? — O filhote lambeu meu nariz, então entendi isso como um sim.
— Nem olha para mim, não é? — ele resmungou com o cachorro, rindo e balançando a cabeça. — Ele amou você. — É bom que fiz dois amigos neste fim de semana, você e Rudy. — Pensei que eu fosse mais que um amigo... — ele provocou, rindo quando eu fiquei cor-de-rosa de novo. Fazia tanto tempo que eu não corava tanto quanto com ele, que eu não ria tanto com alguém... ele estava trazendo de volta alguém que eu nem lembrava mais como ser. — Amizade com benefícios? — Perfeito. — Ele piscou um olho. Tentou se inclinar para me beijar de novo, mas Rudy latiu e o impediu. — Ah, seu cachorrinho ciumento... eu a vi primeiro. — Ele puxou o cachorro do meu braço, erguendo-o no ar e encostando o nariz no focinho, como se fosse um bebê, do mesmo jeito que eu fiz ontem. — Podem travar um duelo por mim, rapazes, eu não me incomodo nem um pouco. — Ri, vendo-o erguer uma sobrancelha, se levantar e colocar o filhote no chão. — Em pose de batalha, Rudy! Quem for mais adorável e agradar mais a nossa dama, irá vencer. — O cachorrinho o ignorou completamente, se sentando no chão e começando a morder a própria pata. — Então já começamos, não é? Eu só fazia rir. Enquanto o cachorro não estava nem aí, Hector se esforçava para ser fofo, fazendo caretas ridículas, enquanto eu explodia em gargalhadas. Ele realmente ia aos extremos pra me fazer rir. — Quer ver eu ganhar essa batalha? Vou fazer algo que você não pode, pequeno trapaceiro. — E se inclinou sobre o sofá, segurando meu rosto com as mãos e me beijando com força, deslizando os lábios pelos meus, a língua me fazendo esquecer das risadas e lembrar apenas dele. — E então, minha lady? Quem vence? — Quem é o trapaceiro agora? — sussurrei, enquanto ele fazia uma dança da vitória muito ridícula, me fazendo rir ainda mais. — Eu adoro sua risada — ele comentou, desabando do meu lado no sofá, enquanto Rudy abanava o rabinho no chão, latindo para mim. — E adoro te fazer rir. — É mesmo? Nem tinha percebido. — Encarei-o, irônica, e ele riu. —
Cadê essa pizza que não chega? Eu vou morrer aqui! — dramatizei um pouco, vendo-o rir. Ele tinha uma risada grave, bonita de se ouvir. Percebi que também adorava a risada dele. — Logo, logo a pizza chega. — Ele sorriu, passando um braço à minha volta descontraidamente. — Que horas são? — Meu celular estava na mesinha e eu tive preguiça de sair dos braços dele para pegar e ver a hora. Ele ergueu o braço do relógio. — Seis e meia. Está cedo ainda, tenha paciência. — Ele sorriu, beijando minha testa. Ficamos em silêncio por um instante, até que ele falou de novo: — Alice... posso te fazer uma pergunta pessoal? — Claro. — Não precisa responder, se não quiser, mas o que te levou a entrar em depressão? Sei que normalmente essas coisas são desencadeadas por algum tipo de gatilho, não é? Qual foi o seu? — Ergui meu olhar para ele, que parecia genuinamente preocupado. Sorri de leve, sem muito ânimo para falar, mas se ele pretendia ficar por perto, merecia uma explicação. — Vou responder, porque acho melhor você já saber de tudo, desde o início. Minha mãe teima em dizer que eu não devo comentar isso com todo mundo, que o que passou já passou, mas meu último relacionamento deu errado justamente por eu ter esperado demais para contar, então vou seguir meus instintos e te contar. — Respirei fundo, e ele apenas assentiu. Me afastei um pouco e cruzei as pernas sobre o sofá, ficando de frente para ele. — Começou quando eu tinha doze anos. Antes disso, na verdade, mas foi com quase treze que eu fiz o primeiro corte. Eu sofria bullying de todos os tipos. Sofria por ser diferente, sofria por ser de outro lugar, por não seguir o padrão de beleza, por gostar de ler bastante, por nunca ter beijado ninguém... eu era excluída, uma piada da sociedade. Respirei fundo, me preparando para a pior parte. Eu, hoje em dia, já não chorava mais ao falar nisso, mas me doía do mesmo jeito. Ele estava concentrado, os olhos focados em mim. — Eu tinha pensado em me matar. Ali, aos doze anos e meio, sem conhecer nem metade da vida. E foi então que eu lembrei que já tinha visto em algum lugar sobre pessoas que se cortavam pra fazer a dor passar, e resolvi tentar. A sensação foi incrível desde a primeira vez. Me senti livre, como se descontando em mim mesma a dor fosse passando, como se... não
sei explicar, mas me castigar era uma saída para tirar o sofrimento do meu peito. E aos poucos isso foi sendo como o álcool ou outras drogas, deixando de ser um alívio e se tornando um vício. Quando se faz muito isso, você acaba se acostumando com a dor e ela acaba se tornando sua única companheira. Foi aos treze que tentei me matar, pela primeira vez, em setembro, quando as aulas voltaram e eu estava ainda mais sozinha. Mudei de ideia na última hora, e essa cicatriz aqui — ergui um pouco a manga do moletom, mostrando a cicatriz já meio desbotada no meu pulso esquerdo — é tudo o que restou de lembrança daquele dia. A medicação que eu tomava na época era muito forte, e eu bloqueei a memória daquele ano, então eu não lembro de muita coisa. Mas, resumindo, é isso. — Alice... tão jovem e já suportou tanto — ele sussurrou, erguendo uma mão e segurando a minha. — Como alguém pode correr de você por saber disso? Como alguém ousaria te excluir, sendo maravilhosa como é? Não, minha querida, eu não vou a lugar nenhum. Se me permitir, ficarei por perto até você enjoar de mim. — Ele sorriu, apertando de leve minha mão e fazendo carinho nos meus dedos. — Você é uma guerreira. — Ah, Hector... — Sorri, me inclinando e abraçando-o o mais forte que consegui. Era tão bom poder finalmente dividir isso com alguém cara a cara sem causar nojo na pessoa. Era bom não ser repulsiva, para variar um pouco. — Ah, respondendo a sua pergunta inicial, meu gatilho é a exclusão, o isolamento. Por isso cada dia que eu vou para o curso é um progresso enorme, só comecei a estudar este ano letivo, depois de muita terapia. E comecei a medicação nova há duas semanas, então, ainda estou esperando fazer efeito. — Eu vou te ajudar no que puder. Quero te ver bem, minha deusa. — Ele usou meu novo apelido, me fazendo sorrir e beijar o rosto dele, o abraçando mais forte. Senti meus olhos se encherem de lágrimas, e funguei baixinho, beijando o rosto dele de novo. — Obrigada — sussurrei, escondendo o rosto no pescoço dele. Senti suas mãos nas minhas costas, fazendo carinho, enquanto ele beijava meus cabelos. — Não me agradeça, deusa. Estou fazendo o que é certo, o que você merece que eu faça. Não vou desistir de você. Eu ia dizer mais algo, mas não consegui encontrar palavras. Apenas o
abracei mais forte, subindo no colo dele e ficando por ali mesmo, me sentindo segura. — Adoro você — sussurrei, sentindo o sorriso dele quando beijou meus cabelos e me apertou em seus braços. Ficamos assim por um tempo, apenas abraçados, até minhas lágrimas secarem e eu fechar os olhos, me aninhando no pescoço e no cheiro dele. Ele era delicioso, e nesse momento era só meu. Afastei-me um pouquinho e sorri, olhando para ele. Ele sorriu de volta, tocando meu rosto com carinho. — E então, o que quer fazer até a pizza chegar? Ainda temos pelo menos meia hora livre. — Meia hora, é? — Dei um sorrisinho de canto, vendo-o abrir um sorrisão. — No que está pensando, minha Afrodite? — Nisso — sussurrei, me inclinando e beijando a boca dele. — E nisso. — Desci meus lábios pelo rosto dele. — E nisso... — Beijei seu pescoço, sentindo-o se arrepiar nos meus braços e me segurar mais perto, as mãos se atrevendo a descer e segurar minha bunda. Arfei, surpresa. Ele deu um sorrisinho, piscando um olho. Quer brincar com fogo, Hector? Pois vamos ver quem se queima primeiro. Fiz como antes e comecei a rebolar de leve em cima dele, provocando, instigando, levando-o à loucura, e consequentemente indo junto. As mãos dele me apertavam de leve, ajudando meu movimento, e eu já podia sentir o quão duro ele estava embaixo de mim. Se eu ainda tivesse a mesma libido de antigamente e um pouco mais de confiança em mim mesma, já estaríamos jogados na cama dele. Houve uma época em que meu maior objetivo era perder minha virgindade, algo que claramente não aconteceu, porque ninguém me quis. Hoje eu fico grata de não ter sido com qualquer um. Na minha cabeça, começou a tocar aquelas músicas de putaria, daquelas com ritmo lento que se encaixa perfeitamente no momento. Ouvi-o gemer baixinho e sorri na boca dele, sentindo seus dentes no meu lábio inferior. Ele sorriu, me soltando da mordida. — Tirou o dia para me enlouquecer, hein?
— A culpa não é minha se você é delicioso. — Sorri, sentindo meu rosto ficar cor-de-rosa, enquanto eu me remexia sobre ele. Tinha horas em que eu ficava extremamente grata por vivermos no “século da putaria” como alguns chamavam, por ter essa liberdade de estar aqui no segundo encontro e não ser julgada por isso. Era bom não ter julgamentos, para variar um pouco. Ele balançou a cabeça, e eu ri, beijando-o de novo. Ainda estávamos nesse joguinho de provocar quando ouvimos a batida na porta. — Chegou nossa pizza — ele murmurou, me beijando mais uma vez e me tirando de cima dele, andando até lá. O mesmo rapaz do almoço trouxe a pizza, e eu dei um aceno para ele. Era uma pizza enorme, metade queijo e metade pepperoni. Sorri, animada. Eu amava pizza. Levantei-me, indo até a cozinha e passando pelo balcão, indo lavar minhas mãos na pia. Já me sentia confiante o bastante naquele apartamento para andar sozinha por ele, e Hector não pareceu se incomodar. — Pizza! — disse, animada, enquanto me sentava na bancada. Ele foi lavar as mãos e veio se sentar do meu lado, me entregando um prato. — Divirta-se. — Ele sorriu, me ajudando a cortar a pizza. Parecia aquelas pizzas de comercial de TV, que você ergue a fatia e vê o queijo escorrendo até chegar no prato. Coisa mais linda. — Eu já falei que amo pizza? Porque eu amo, muito! — exclamei, vendo minha linda fatia no prato. — É mesmo? Nem dava para perceber. Fiz uma careta para ele, pegando a pizza e mordendo. “Taquepariu”, era a melhor pizza que eu já provei, e olha que eu já comi em quase todas as pizzarias do Brooklyn. Ele sorriu ao ver minha expressão de puro prazer, dando uma mordida no pedaço dele. Minha metade era de queijo, a dele era a de pepperoni. Comemos em silêncio, aproveitando a maravilhosa pizza, e depois ele pegou duas latas de Pepsi na geladeira. Fiquei feliz por ele ter se lembrado de que eu ontem comentei que adorava Pepsi. — Já está ficando tarde, né? — Quase oito horas. Já precisa ir? — Não sei... eu não quero ir.
— Então não vá ainda. Fique mais uma hora, e juro que não vou mais te impedir de sair. — Ele sorriu, e eu sorri de volta. — Tudo bem, até às nove. Prometo que amanhã eu trago os remédios, aí não vou precisar ficar obcecada com as horas. — Problema resolvido, então. — Ele sorriu, se levantando e estendendo a mão para mim. — O que vamos fazer agora? Acho que já exaurimos todas as minhas ideias. — Tenho uma ideia — ele disse, me puxando até a varanda e passando os braços à minha volta, ficando atrás de mim, com o queixo no meu ombro. — Olhe em volta. Nova York inteira está embaixo de nós. — Ele apontou, beijando minha orelha e me causando um pequeno arrepio. A visão realmente era linda. Parecia um diamante reluzindo em milhares de pequenas luzes brilhantes, cada prédio aceso à sua maneira, lâmpadas amarelas e brancas se misturando. Era algo majestoso de se ver, ainda mais acompanhada por ele, os braços à minha volta e os beijos suaves no meu pescoço. — New York at night... — cantarolei um trechinho da música do Old Dominion. Era realmente uma visão maravilhosa. — Você tem uma música para tudo? — ele perguntou e eu assenti. — Para quase tudo. Passei muito tempo sozinha com as músicas, acabei tendo uma playlist mental completa. — Sorri, lembrando de mais uma e dando uma risadinha. — Tem uma que eu lembrei também, mas só vou falar dela amanhã. — Você é cruel, me deixando curioso. — Sou mesmo. — Dei um sorrisinho, fechando os olhos e sentindo o vento frio no meu rosto. Me virei nos braços dele, ficando de frente a ele e me erguendo na ponta dos pés. — Mas nem sou tão cruel assim, senão eu não te daria isso... e isso... — Dei beijinhos rápidos nele, gostando daquele carinho todo que ele me deixava demonstrar. Ele sorriu, me puxando contra si e me beijando de verdade, um beijo longo e quente, com toda a cidade de Nova York de testemunha, as luzes da cidade reluzindo por cima dos meus olhos fechados, como se estivéssemos cercados de estrelas.
Quando ele se afastou, eu estava com as pernas bambas, me segurando na camiseta dele para não cair. Ele sorriu, segurando meu rosto com uma mão. — Você é mais brilhante que todas as luzes juntas — ele sussurrou, me puxando contra si e me abraçando, a barba raspando na minha testa e fazendo cócegas de leve. Continuamos ali, observando as luzes, até que eu comecei a bocejar de novo. Ele suspirou, me puxando pela mão de volta para o apartamento. — Hora de ir. — Suspirei, sem querer me desgrudar dele. Eu podia ser meio grudenta às vezes, mas não tinha como mudar isso. Era parte de mim, mesmo que eu tivesse medo de ele me rejeitar por isso, como Archie, meu caso de uma semana e meia, fez. — Eu te levo até o quarto. — Ele segurou minha mão, caminhando comigo para fora do apartamento, pegando meu celular no caminho, indo do elevador até a minha porta. Não encontramos ninguém no caminho. — Até amanhã, minha deusa. Me procure assim que acordar, se quiser. Vou te esperar. — Olha que eu sou ansiosa, posso acabar acordando às cinco da manhã. — Me ligue e eu acordo. — Ele sorriu, acariciando meu rosto. — Boa noite, Afrodite. — Boa noite. — Sorri, recebendo um último beijo, antes de entrar no quarto. Suspirei sozinha, sorrindo de orelha a orelha. Andei até o banheiro, tirei minhas lentes de contato e as guardei, tomei um banho bem quente, coloquei meu pijama de ursinhos — eu era ridícula — e me joguei na cama, finalmente me permitindo pensar exclusivamente nele. Fazia muito, muito tempo que eu não me sentia assim. Desde Victor. Sim, depois dele, eu tive um crush ou outro, como Archie, mas nada de mais, nada que me fizesse sentir verdadeiras borboletas no estômago, corar feito uma mocinha boba e ter vontade de cantar Enchanted e Today was a fairytale da Taylor Swift. Eu realmente estava encantada, e hoje havia sido um conto de fadas. Ele me dava vontade de usar um vestido amanhã, só para sentir as mãos dele em contato com as minhas pernas. Claro que eu sabia que não faria isso. Nem tinha trazido vestidos. Ele já havia se acostumado com a visão dos meus braços, mas talvez fosse demais
as coxas, sem falar que os cortes das coxas estavam bem mais abertos que os dos braços. Eu só cortava o braço quando não tinha mais espaço na perna, então isso já dá para ter uma noção de quão horríveis as coisas estavam. Sim, já haviam se fechado um pouco, era o terceiro ou quarto dia — não tinha mais certeza sem cortes novos. Meu recorde era de um mês sem gatilhos, porque passei o mês no sítio com minha avó paterna e éramos só ela e eu, sem o resto do mundo. Suspirei, encarando o teto. Eu estava completamente apaixonadinha por ele, não havia como fugir disso. Eu tinha essa habilidade de me apaixonar rápido, e ainda havia aquilo que eu li sobre as pessoas não precisarem de mais que alguns segundos para se apaixonarem. Eu estava perdida! Tinha horas que eu só queria ser Edward Cullen ou Sookie Stackhouse para poder ler a mente dele e saber se ele sentia o mesmo. Tolice a minha. Ele claramente gostava de mim, mas não estaria apaixonado. Ele já era um homem formado, e homens adultos não se apaixonam em dois dias, pois adultos de verdade não tem a capacidade emocional de uma garotinha de quinze anos — como eu. Suspirei de novo, sem saber o que mais fazer. Puxei as cobertas sobre mim, me deitando mais confortavelmente, de barriga para baixo. Ah, merda! Esqueci os remédios. Bufei, me levantando e acendendo um abajur, indo pegar meu remédio da caixinha e tomando, voltando a me deitar em seguida. Ri sozinha no escuro, balançando a cabeça. Às vezes eu era muito esquecida. Acabei pegando no sono, enquanto ainda tagarelava mentalmente sobre Hector e eu, sobre como seríamos um casalzão maravilhoso e sobre como eu tinha medo de que ele me visse por completo. Sim, ele já havia visto uma boa parte e não tinha desistido ainda, mas vai saber, né?! Com a minha sorte, não era demais esperar sempre o pior. Só que, por algum motivo, Hector me fazia querer o melhor. E eu estava gostando disso.
Eu estava louco por ela. Louco, encantado, surtado, e todos os outros títulos que se pode dar para alguém que está se apaixonando. Sim, eu estava me apaixonando tão rapidamente que chegava a doer, por aquela garota tão complicada e com tantos problemas. Eu estava me apaixonando pelo jeito dela, pelos sorrisos que ela dizia serem raros, pela risada e pelos olhos dela. Eu não sabia que podia me apaixonar tão rápido assim, não até acontecer de fato. Essa noite eu a havia deixado no quarto e estava voltando para o meu, pensando no quanto ela havia me ganhado assim, tão rápido. Sorri sozinho no elevador, balançando a cabeça. Ela ia me deixar completamente louco se fizesse amanhã o que fez hoje. Eu sabia que precisávamos ir com calma, inclusive, havia lido uma vez sobre como a abstenção de sexo no começo de um relacionamento o deixa mais forte, mas como diabos eu devia me controlar com ela em cima de mim daquele jeito? Porra! Eu não conseguia acreditar que ela não se achava desejável, que não conseguia encarar o quão gostosa ela era. Sim, ela estava acima do peso que o padrão de beleza ditava. Não, isso não era um problema de forma alguma, muito pelo contrário. Ela tinha carne nos lugares certos, era gostosa de se
segurar, e tinha as curvas de um violão cheio. Ri sozinho quando pensei na música “All about that bass”, que se encaixava tanto nela. Só quando entrei no meu apartamento, que parei para realmente pensar sobre o que ela me contou, não podia reagir de verdade na frente dela e deixar que pensasse que eu estava assustado. Eu não iria fugir. Pensar em tudo o que ela passou me dava vontade de abraçá-la o mais forte possível e nunca mais soltar, até que todos os pedacinhos dela fossem colados de volta. E eu tinha a sensação de que ela ainda não havia me contado tudo, de que havia mais algo, só que como ela mesma disse, ela não se lembrava de tudo daquele ano. Me doía vê-la assim, e quando chorou nos meus braços eu pude sentir o coração dela partido. Não consigo nem imaginar a dor que devia sentir, o sofrimento que devia ser. Andei até Rudy, pegando-o no colo e indo me sentar na cama, colocando-o no meu travesseiro. — Precisamos fazer algo, Rudy. Qualquer coisa, mas precisamos ajudála, precisamos vê-la bem — conversei com meu amiguinho de quatro patas, fazendo carinho na cabeça dele. Eu me perguntava quem fugiu dela, para ter tanto medo assim que eu fosse sair correndo. Ela mencionou por alto algo sobre o último relacionamento ter dado errado por isso, e eu só tinha vontade de socar o canalha que a magoou assim. Ela merecia mais, merecia o mundo. Às vezes, eu era tão sensível quanto Brian, até mais, e esse era um desses momentos. Eu estava preocupado com ela, de um jeito que nunca me preocupei com ninguém, além dos meus irmãos. Eu queria vê-la bem, queria ver os braços dela sarados e sem cortes novos, queria vê-la sorrir diariamente e não em momentos raros. Queria que ela se visse como eu a via, como uma deusa, pois é isso que ela era. Uma divindade torturada pela vida, que merecia muito mais. Levantei-me, indo tomar um banho rápido para ir dormir, pensamentos dela rodando na minha cabeça. Estava realmente me apaixonando, tão rápido quanto um piscar de olhos. Esses dois dias pareciam como duas eternidades na minha memória, era difícil acreditar que havia se passado tão pouco tempo desde que ela surgiu na minha porta, sexta-feira à noite. Desliguei o chuveiro e me vesti com uma calça de moletom, indo me deitar. Puxei as cobertas sobre o corpo, vendo Rudy deitado no travesseiro ao
lado do meu. Sorri, fechando os olhos, ainda pensando nela, e adormeci.
Quando acordei, já eram nove horas da manhã. Rudy não estava mais na cama, e não havia nenhuma chamada perdida dela no meu celular. Levantei, caminhando com preguiça até o banheiro e tomando um banho gelado para ver se acordava de vez. Quase morri com a água fria, mas funcionou, fiquei bem desperto. Me vesti e fui até a cozinha, fazendo uma caneca enorme de café. Dei um sorriso para a caneca, que havia ganhado de June e dizia “melhor chefe do mundo”. Me joguei no sofá, ligando a TV e colocando a mesma série que assistimos ontem, Grey’s Anatomy. Até que não era ruim, os dramas médicos eram bem interessantes, sem falar dos dramas pessoais da Meredith com o McDreamy. Dava vontade de entrar na faculdade de Medicina e me formar cirurgião só para ver se tudo aquilo era real. Ri desse pensamento, enquanto tomava meu café. Vi de rabo de olho Rudy no cantinho da sala, roendo um ossinho de borracha, e decidi não o incomodar, por enquanto. Pensei no quanto ele já havia se apegado à Alice e sorri, balançando a cabeça. Cachorrinho danado, fugia dos marmanjos, mas não podia ver a moça bonita que já corria para ela. Bem, errado ele não estava. Continuei assistindo a série, sem ver a hora passar. Quando dei por mim, já eram quase onze horas e ela não havia aparecido. Comecei a me preocupar. E se eu tivesse ido rápido demais ontem, e ela não quisesse mais me ver? Já estava pensando em ir até o quarto dela, checar se ainda estava ali, quando ouvi a batida na porta. Sorri, passando uma mão no cabelo e me levantando, indo até lá abrir. — Bom dia. — Ela deu um sorrisinho, segurando uma caixinha numa mão e o celular na outra. — Desculpa a demora. Eu dormi demais, o que, se pensar bem, é algo bom, porque aí não vou ter sono o dia inteiro e... — Entre, Alice — a interrompi. Quando ela passou por mim, lhe roubei um beijo rápido. Ela sorriu, caminhando pelo apartamento. — O que é isso na sua mão?
— Meu porta-comprimidos. Você me disse para trazer hoje, pra não precisar ficar preocupada com a hora... — Ah sim, verdade. Pode deixá-los em algum lugar que não vá esquecer, mi casa es su casa. — Dei uma risadinha, vendo-a revirar os olhos e ir deixar os comprimidos na bancada da cozinha. — Eu já estava ficando preocupado com a demora. Achei que eu é quem tinha te assustado, depois de ontem. — Precisa de bem mais do que um pau duro para me assustar — ela falou, sem pensar, arregalando os olhos e ficando cor-de-rosa e cobrindo a boca com uma mão, enquanto eu dava uma risada, balançando a cabeça. — Bom saber, pois foi só te ver que ele acordou. — Sorri de canto, observando os tons de rosa que passavam pelo rosto dela com a provocação. — Você é péssimo, sabia? — Ela riu, se aproximando de mim e passando os braços em volta do meu pescoço. — Olha só quem fala. — Sorri, envolvendo a cintura dela e me inclinando, a beijando. Beijá-la era uma experiência deliciosa da qual eu nunca enjoaria, cada beijo tinha o mesmo impacto que o primeiro. Ela não era o tipo de mulher com quem você se acostuma a ter, ela era um presente que eu me sentia honrado em receber na minha boca. Mordisquei os lábios dela, chupei sua língua e apertei sua cintura, a beijando com força, demonstrando o quanto eu a queria. Ela precisava saber o quanto era desejada, acreditar em si mesma. Quando nos soltamos, ela estava ofegante e corada, e eu estava com um sorriso sacana no rosto. — Agora sim, bom dia. — Pisquei um olho, tocando o rosto dela. — Isso é que eu chamo de jeito de começar um dia. — Ela riu baixinho, ficando na ponta dos pés e me dando mais um selinho. Eu sorri, a observando. Ela hoje estava usando uma calça de tecido, e um casaco de moletom, com uma blusa de alguma série por baixo. Linda. Rudy reconheceu a voz dela e veio abanando o rabinho, latindo para ela. Alice sorriu, pegando-o no colo e enchendo ele de beijos, enquanto eu apenas sorria, observando os dois. Eu precisaria me cuidar para aquele ladrãozinho de quatro patas não me roubar a garota também, já bastava o travesseiro.
— Então, o que quer fazer hoje? — Não sei. Eu avisei ontem que todas as minhas ideias tinham acabado, não avisei? — Ela riu, indo se sentar no sofá, com Rudy nos braços. — Eu tenho algumas ideias, mas não sei se você gostaria delas. São um pouco... indecentes, para essa hora da manhã — provoquei, adorava vê-la corar por minha causa. Ela sorriu, o rosto vermelho, balançando a cabeça. — Cuidado, eu posso acabar aceitando uma dessas ideias — ela provocou de volta, e meu amiguinho lá embaixo já reagiu praticamente num pulo. Essa garota ia me enlouquecer, eu perto dela parecia um adolescente que nunca havia estado com uma mulher antes. — Não me provoque, deusa — avisei, indo me sentar ao seu lado e passando um braço em volta dela. Estávamos praticamente morando no meu sofá esses dias. — Se você pode me provocar, eu também posso. — Ela sorriu, colocando o cachorro do lado dela no sofá e tirando as sapatilhas, colocando os pés para cima do sofá e se deitando no meu peito. — Hoje eu não vou ficar dormindo, prometo. — Não me incomodo se dormir. Você fica linda dormindo. — Sorri, fazendo carinho no braço dela. — Pois eu me incomodo. Boas companhias não ficam dormindo o tempo todo. — Ela fez uma espécie de bico e eu ri, beijando os seus cabelos. Pelo amor, eu não conseguia me manter longe dela. — Vou ficar acordada o dia inteiro hoje, e amanhã dormir até o meio-dia. — Ela deu uma risadinha. — Mentira, não posso. Tenho aula amanhã, e preciso me preparar. Vão começar as audições para a peça do final do semestre, uma peça original chamada Espelhos. Para audição nós precisamos recitar uma cena de nossa preferência, do personagem que vamos tentar. — E quem você vai tentar? — A principal, Bianca. — Vai ter que me explicar sobre o que é a peça, sabe disso, né? — Imaginei. — Ela sorriu, se afastando um pouco e se sentando de frente para mim, as pernas cruzadas sobre o sofá. — Então, Espelhos é uma peça sobre um casal, Bianca e Jonathan, que passam por encontros e desencontros durante um período de seis anos. É parecida com os livros da
Leisa Rayven, Meu Romeu e Minha Julieta. Eu ajudei um pouco com o roteiro, já que eu leio bastante, me deram essa chance. Foi totalmente escrita pela nossa turma, e as audições vão ser abertas para todo o Lucille. Resumindo a história, é isso. — Quer ajuda para ensaiar? Eu sou um péssimo ator, mas adoraria fazer as cenas de beijo... — Engraçadinho. — Ela sorriu, se levantando. — Posso te mostrar minha cena? — Claro — concordei, e ela se levantou, indo até o espaço vazio atrás do sofá. Ela respirou fundo uma, duas vezes, e eu pude ver a mudança enquanto ela incorporava a personagem. Ela ergueu a cabeça, dando dois passos à frente, a expressão mudando de tranquila para... desesperada? — Jonathan, por favor, eu já te pedi mil vezes, não faça isso comigo, conosco. — Ela fungou, a voz à beira de chorar. Eu já estava impressionado. — Não destrua tudo o que passamos por causa de um único errinho. Eu ainda sou eu, nós ainda podemos ser nós. — Ela fez uma pausa, como que esperando uma fala dele. Alguns segundos depois, ela voltou: — Sou, sim! Sou a mesma pessoa por quem você se apaixonou, anos atrás, quando éramos apenas adolescentes. E sou a mesma que você abandonou para correr atrás do sonho de ser famoso, me deixando sem escolha a não ser abortar nosso bebê. — Ela fez mais uma pausa, os olhos marejados. Eu estava mais impressionado ainda. — Não, eu não poderia ter te contado. Não iria dar uma notícia assim ao telefone, e você disse que não era para te procurar. Fiz a única coisa que podia ser feita e decidi sozinha, e se você realmente me amou, vai entender. Ela respirou fundo mais uma vez, secando os olhos e me dando um sorriso. Eu estava boquiaberto. Me levantei, dando a volta no sofá e puxandoa para os meus braços. — Você, minha cara Alice, é incrível! — declarei, roubando um beijo. — Me conte mais sobre essa peça, agora fiquei curioso. Ela abortou um bebê? Ele a largou para ser famoso? — Não vou dar mais spoilers — ela disse, passando os braços à minha volta. — Me aguente até junho, e poderá assistir, com ingressos vip, na primeira fila — ela brincou, mas eu levei bem a sério o significado por trás das palavras. Era um desafio, ela não acreditava que o que tínhamos fosse
durar. — Quer apostar quanto, que eu aguento até lá, numa boa? — Os quinze dólares que eu tinha já apostei ontem no seu irmão e a melhor amiga dele. — Ela riu, os dedos brincando na parte detrás do meu cabelo. — Vamos apostar beijos então. Se eu vencer, você me beija, se você vencer, eu te beijo. — Dei um meio sorriso, vendo-a rir. — Feito — ela concordou, ficando na ponta dos pés e me dando um selinho. — Tem muitas cenas de beijo nessa peça? — Ergui uma sobrancelha. — Várias. E uma de sexo, que ainda estamos pensando em como fazer. Provavelmente ficará algo como Rocky Horror nos teatros, a cama levantada e os movimentos mimicando o ato. — Talvez esse seja um bom momento para avisar que eu sou ciumento. — Dei um meio sorriso e ela riu. — Que fofinho. — Ela sorriu, segurando meu rosto nas mãos. — Mas não precisa se preocupar. Nenhuma mulher em sã consciência te trocaria. Milionário, fofo, resgata cachorrinhos, beija bem, é lindo, tem uma personalidade incrível... preciso continuar ou já inflei seu ego o suficiente? — Ela riu, acariciando meu rosto, os dedos raspando na barba. — Eu não me oporia se quisesse continuar sabe... — Ri, me inclinando e a beijando outra vez. — O que diabos há em você, que eu não consigo me conter quando está por perto? — Can’t keep my hands to myself… — ela cantarolou, me fazendo rir e erguer uma sobrancelha. — Música para tudo — comentei, passando as mãos pelos meus braços. — As vantagens de passar muito tempo sozinha com meus fones de ouvido. — Ela sorriu, se segurando em mim e ficando na ponta dos pés de novo, me dando outro beijo. — E se servir de consolo, eu também não consigo me conter. — Bom saber. — Sorri, me inclinando e a beijando de verdade. Um beijo forte, gostoso, sua língua colada na minha, com gosto de café e de Alice. Ela era maravilhosa, e eu ainda ia correr doido. É claro que meu
pau foi ficando duro, enquanto eu descia as mãos pela cintura dela e a puxava para perto, colando-a em mim. Não me segurei e puxei-a comigo, a erguendo e a colocando sentada no encosto do sofá, me pressionando contra ela. Ela gemeu deliciosamente, dando uma reboladinha na minha direção. Fiquei me lembrando de que precisava ir com calma, que era cedo demais para ir para cama com ela, mas tudo o que eu queria naquele momento era arrancar as roupas dela e beijar cada centímetro do seu corpo. Só de imaginar que sabor ela teria entre as pernas, me fez gemer, mordendo seu lábio inferior. — Hector... — ela sussurrou meu nome, as mãos agarradas nos meus braços. Apertei mais a sua bunda, puxando-a contra mim, simulando o movimento de investidas. — Eu sei, eu sei — sussurrei, beijando o seu pescoço. — Não vamos ir mais longe do que já fomos. — Eu quero, mas... — Não se explique. — Beijei o seu rosto, parando os movimentos. — Eu entendo. — Entende? — Quanto mais demorarmos, melhor vai ser quando acontecer de fato. — Sorri, a soltando e tocando seu rosto. — Por você, eu esperaria séculos. — Mesmo ficando com as bolas azuis? — Ela deu uma risadinha, o rosto cor-de-rosa, e eu ri, assentindo. — Mesmo que fiquem roxas. Só, pelo amor de tudo que for sagrado, tente não me seduzir. — Ri, dando um selinho nela e me afastando, puxando a camisa sobre a frente da minha calça. Ela seguiu meu movimento com o olhar, dando uma risadinha de novo. — Banho frio de novo? — Não, eu aguento. — Fiz uma careta, vendo-a rir e pular do sofá, ficando de pé. — Desculpe por isso — ela sussurrou, segurando meu rosto e me dando um beijo rápido. — Prometo que vou ser menos sedutora daqui para frente. — Ótimo. — Sorri, dando a volta no sofá e me deixando cair sentado, com as pernas meio abertas. Inferno, doía mesmo.
Ela se sentou do meu lado, colocando as pernas de lado e deitando no meu ombro, segurando minha mão. — Posso te confessar uma coisa? — Não precisa nem perguntar. — Então... eu gosto de “te seduzir” — ela fez aspas no ar —, porque isso me faz sentir desejável, e consequentemente me faz sentir desejo. E com os remédios e tudo mais, eu normalmente fico praticamente sem libido nenhuma. — A voz dela foi diminuindo enquanto falava, e o rosto ficando cor-de-rosa. Toquei seu queixo, a fazendo erguer o olhar. — Primeiro de tudo, pare de se envergonhar. Como diria um grande pensador contemporâneo, o pai do Jim, em American Pie — ela riu —, isso é algo completamente natural. — Então além de todas as qualidades que eu citei antes, você também curte filmes de besteirol? — Está brincando? Eu adoro um bom filme ruim — contei, vendo-a balançar a cabeça. — E continuando, fico mais que feliz em ser “usado” para ativar sua libido. E sempre que duvidar se é desejável, basta olhar para as minhas calças e vai ter a resposta. — Ri, vendo-a corar de novo. — E eu adoro te ver vermelha. — Ah, então está fazendo de propósito? — Claro. — Ela fechou a cara, cruzando os braços. — Você é cruel. — Eu nunca disse que não era. — Beijei seus cabelos. — Agora, que tal pedirmos o almoço? Já deve ser quase meio-dia. — Ótima ideia — ela concordou, se afastando do meu ombro e me deixando levantar para ir até o telefone. — Hoje você escolhe. Já conhece meus gostos, me surpreenda. — Como quiser — assenti, indo até a minha cozinha e pegando o telefone, discando o número da cozinha lá debaixo. — Geralt? Sou eu. Sim, almoço para dois de novo. — Ouvi a risada do outro lado. — Faça sua melhor massa com molho de queijo e camarões, surpreenda a minha dama. — Três dias seguidos, hein? É algo sério? — Depois eu te conto. — Ri, desligando. Voltei a me sentar ao lado
dela, colocando os pés por cima da mesinha e puxando-a para deitar no meu peito. — Pedi a Geralt que nos surpreendesse. Quero só ver o que vai sair. — Já sei que vai ser algo ótimo — ela disse, se esticando para pegar o controle da tv na mesinha. — Hoje vamos assistir a La Casa de Papel. Vou te viciar numa porção absurda de séries e filmes que eu gosto. — Essa eu já ouvi falar, não é em espanhol? — Tem legenda. — Ela deu de ombros. — Sabe que se eu me perder, você é quem vai ter que me explicar, né? — Sei disso. — Ela sorriu, se aconchegando nos meus braços e dando play na série. Começou com a garota de cabelo curto dizendo que se chamava Tóquio. Até que a premissa não era ruim, se ignorarmos o fato de o espanhol soar mais como alemão nos meus ouvidos, de tão incompreensível que era. Eu sempre achei que sabia o básico, mas estava começando a desconfiar de que não sabia porra nenhuma. Passei a maior parte do tempo com os olhos flutuando da legenda para a série, desacostumado a ver programas legendados. Até que não era ruim. Estávamos na metade do segundo episódio, os atracadores já dentro da casa da moeda, quando o nosso almoço chegou. Deixei-a no sofá e fui abrir a porta. — Senhor Hector, boa tarde. — Janice sorriu, entrando no apartamento com o carrinho. — Pode deixar os pratos na bancada — pedi e ela obedeceu. Alice, me surpreendendo por ser mais sociável, deu tchauzinho para ela. Ela se levantou e veio até mim, se sentando no banquinho que já pertencia a ela, após esses dias. Olhei para os pratos. — Ravioli ao molho de queijo com camarões cozidos. — Delícia. — Ela sorriu, pegando o prato e os talheres, lambendo os lábios. Céus, até aquilo era extremamente sedutor vindo dela. Começamos a comer em silêncio, e eu me lembrei de ela ter comentado algo sobre não saber puxar assunto. Resolvi começar com perguntas óbvias que deviam ser feitas nos primeiros encontros. — Então, você mencionou em algum momento que gosta de ler. Qual
seu livro preferido? — A trilogia Starcrossed, da Leisa Rayven, e os livros de Corte de Espinhos e Rosas, da Sarah J. Maas. — Já ouvi falar, mas nunca li nenhum desses. Meu favorito é Harry Potter. Clichê, eu sei, mas que fique claro que não apoio mais a autora e os comentários ridículos dela — esclareci, mordendo mais um camarão. Geralt havia se superado. — Ótimo. E leia o segundo que eu falei, é maravilhoso. Feéricos, mundos além de muralhas, um grão-senhor extremamente perfeito e machos com asas... você daria um bom Grão-Senhor, agora que pensei nisso. Provavelmente da corte Crepuscular, você me lembra a calma do pôr do sol. — Isso é uma coisa boa? — Uma coisa ótima. — Ela sorriu em resposta, acabando de comer e afastando um pouco o prato. — Sabe, se eu tivesse coragem, te pediria para me levar até a cozinha para agradecer pessoalmente ao seu chefe. A comida dele é suprema. — Geralt vai gostar de saber disso. Ele se orgulha muito do que faz — disse, deixando meu prato de lado também e estendendo uma mão para ela quando me levantei. — Quer voltar para o nosso sofá? — Nosso? — Ela ergueu uma sobrancelha, parecendo surpresa, e segurou minha mão, caminhando comigo. Me sentei e puxei ela para o meu colo, percebendo como ela realmente se ajustava bem ali. — Sim. Meu e seu... e de Rudy, mas ele está no quarto agora. — Ri, divertido, vendo-a balançar a cabeça enquanto um sorriso ameaçava aparecer nos lábios. Envolvi sua cintura, fazendo carinho devagar nela. — Eu... se importa se eu tirar o casaco? Vim com ele hoje por isso, mais fácil de tirar do que uma camisa de moletom... — Não precisa me pedir permissão, principalmente para tirar a roupa. — Fiz graça, vendo-a dar uma risadinha e tirar o casaco. Com a blusinha que ela usava por baixo, uma estampa de FRIENDS na frente, eu podia ter uma noção melhor que só tateando seu corpo, e putamerda, a garota era gostosa. Mais ainda do que eu havia pensado. — O que foi? — ela perguntou, diante do meu olhar. Voltei a segurar sua cintura, puxando-a mais sobre mim.
— Você. Você é mais gostosa do que eu imaginei com os moletons... não me entenda mal, mas... caralho. — Dei uma risada baixa, ouvindo o risinho dela enquanto mordia o lábio inferior, e vi o olhar dela descer para os braços. Só então os olhei, vendo o esquerdo bem mais marcado que o direito, os cortes cor-de-rosa em cicatrizes que mal começavam a se formar. Segurei o pulso dela, com carinho, e beijei algumas das marcas. — Você... você não tem nojo delas? — De jeito nenhum. Eu jamais teria nojo de você, e elas são parte de você. Uma parte triste, que me faz querer te guardar em algum lugar a salvo do mundo lá fora, ainda assim... — Ergui meus olhos para os dela. — Você é incrivelmente forte, Alice. E eu adoro você por isso. Ela ficou em silêncio, apenas me olhando, como se tentasse decidir se era verdade ou não o que eu dizia. Acho que acabou aceitando, pois no instante seguinte ela avançou na minha boca, me beijando com força, puxando os fios do meu cabelo que estavam na parte de trás, me trazendo mais para si, e eu mal tive tempo de reagir antes de seus quadris começarem a se mover, igual a ontem, só que mais determinada, seus gemidos baixinhos me levando à beira da loucura enquanto ela tomava o controle da situação e de mim. O beijo se estendeu até estarmos sem fôlego, e então ela começou a descer beijinhos pelo meu pescoço, meu amigo lá embaixo totalmente desperto, duro e latejando por ela. Minhas mãos desceram até sua bunda, a puxando mais contra mim, ouvindo-a arfar baixinho enquanto a boca voltava para a minha. Alice era uma caixinha de surpresas, e me deixava louco tê-la me beijando assim, totalmente entregue. Alguma parte da minha mente estava ciente de que não passaria disso, mas a parte principal só queria aproveitar qualquer atenção que recebesse. — Alice... —murmurei entre um beijo e outro, sentindo-a ofegante em cima de mim. Ela se afastou um pouco, parando de se mover e me olhado nos olhos. — Exagerei? — Ela deu um sorrisinho envergonhado, me fazendo dar uma risada, que saiu rouca, e morder seu lábio inferior, o puxando de leve. — Depende... se seu plano era me seduzir até a loucura e me deixar morto de desejo, eu diria que fez o trabalho perfeito. — Dei um sorrisinho de canto, daqueles pervertidos que eu só dava em momentos assim, e beijei-a de
novo. — Até onde pretende ir hoje? — Não muito além disso... — Ela pareceu pensar em algo, abrindo a boca e desistindo de falar. — Muito bem, vou aproveitar o que tenho, então. Mas não reclame se eu tiver que sumir para um banho frio de novo — brinquei, querendo quebrar a tensão que se formou e vendo-a sorrir de volta para mim, se segurando de novo no meu cabelo. — Posso continuar te beijando? Eu gosto bastante. — Nunca precisará pedir isso. — Sorri, e os lábios dela num instante voltaram aos meus, e eu estava gostando da confiança que ela estava criando em mim. Correspondi ao beijo com força, com paixão, agarrando-a e a puxando quando começou a rebolar de novo. Queria enfiar minhas mãos dentro de sua blusa e a tocar em todos os lugares, mas aquela pequena parte de mim que continuava raciocinando sabia que ainda não era o momento, então só a toquei por cima da blusa. Minha mão subiu, igual ao outro dia e tocando seu seio por cima da blusa, sendo gratamente surpreendido ao sentir um mamilo rígido e perceber que não havia sutiã algum por baixo. Ah, se ela ao menos confiasse o bastante em si mesma para tirar a blusa, eu a levaria ao paraíso quantas vezes me pedisse. Só de pensar em ouvi-la gemer meu nome eu endureci ainda mais, minha mão a acariciando através do tecido, ouvindo os gemidinhos manhosos que saíam dela, me puxando mais para perto. Senti suas mãos descerem pela minha camisa e se enfiarem dentro dela, subindo por meu peito de novo, seus dedos macios me fazendo suspirar com a imaginação deles em outros lugares. A garota tinha um poder sobre mim que nem Elisa teve, um poder perigoso que me deixava inteiramente submisso aos caprichos dela. Ela deu um gemidinho mais alto, e se afastou um pouco, a mão segurando a base da minha camisa. — Eu... posso tirar? — Ela ficou vermelha como um tomate, e eu apenas dei um riso rouco, beijando seu pescoço. — Pode fazer o que quiser comigo — disse, me afastando para que ela puxasse minha camisa. A forma como ela me olhou me fez imaginar mil coisas indecentes, enquanto ela, devagar, começava a beijar meu pescoço de
novo, ainda rebolando devagarinho. — Eu... queria ter coragem de tirar minha blusa também. Queria ter coragem de ir até o fim... Deus sabe o quanto eu quero você — ela murmurou, entre um beijo e outro. — Na hora certa, minha deusa. Fico mais que satisfeito só com o que temos agora, em esperar você estar pronta para se entregar de fato. Não importa quantos banhos frios eu precise tomar até lá. — Deixei minha cabeça pender sobre o encosto do sofá. Os beijos dela continuaram alcançando a parte superior do meu peitoral, os lábios macios deixando uma pequena trilha por onde passavam. — Sabe, eu não me importaria de... te satisfazer. — Eu senti a voz dela tremer um pouco e a parei naquele exato instante, erguendo seu rosto para o meu com carinho. — Ei... não precisa. Não quero que faça nada que não esteja confortável, e não me incomodo de verdade em tomar trinta mil banhos frios, enquanto estivermos juntos. Não me incomodo, inferno, se tiver que me aliviar com as próprias mãos. Mas só quero que me toque até onde estiver cem por cento confortável... eu não vou te pressionar, nunca. — Me inclinei e beijei os lábios dela, devagar. — Entendeu? — Uhum — ela assentiu, envergonhada. — Eu só... pensei que pudesse querer. — Não existem palavras para expressar o quanto eu queria sua boca e seus dedos em mim, mas eu só vou aceitar quando você quiser também. Pelo seu olhar, sei que deve querer um pouco agora, mas sua voz me avisou que não estava pronta, e eu nunca te forçaria a nada. Você é preciosa, Alice. — E você é um sonho — ela murmurou, me abraçando apertado de novo, escondendo o rosto no meu pescoço e inspirando, dando um suspiro baixinho no final. — Gosto do seu cheiro. — E eu gosto do seu — murmurei, o nariz enfiado em seus cachos, sentindo o aroma de mel e lavanda, grato por ela ter reagido bem e entendido o que eu disse. Estava na cara que eu a desejava, e não a deixaria pensar o contrário, mas também não a usaria. Passamos parte da tarde ali, trocando carícias distraídas e beijos calorosos, dando a ela apenas o que estava pronta e nada mais. As mãos dela
às vezes se aventuravam mais para baixo pelo meu abdômen, mas sempre subiam de volta, e eu não me incomodava. Quando deu o meio da tarde, e já estávamos um pouco cansados e bem ofegantes, ela me deu um último beijo desejoso e deixou que eu fosse para o tão temido banho frio. Se eu tive que me aliviar na minha própria mão? Claro que sim, quem não teria depois de passar horas se esfregando com a mulher mais gostosa desse mundo?! Quando voltei para a sala, ela estava recostada no sofá, as pernas sobre a mesa, mexendo no celular. Passamos o resto da tarde assistindo a tv e conversando.
Era final da tarde quando cansamos de ver alguns episódios de Grey’s Anatomy, e ela realmente cumpriu a palavra de que não cochilaria. Ficou acordada o tempo todo, comentando os episódios comigo, e estávamos no primeiro da segunda temporada. Parece até que maratonamos feito loucos, mas a primeira é bem curtinha. Ela se levantou, estava deitada no meu colo até agora, e se esticou toda no sofá, parecendo um gato quando se espreguiça. Sorri, achando-a extremamente linda. Ela me olhou com uma sobrancelha erguida, e me inclinei para um selinho rápido. — Está com fome? Posso já pedir o nosso jantar, se quiser. — Adoraria. — Ela se virou para mim, voltando a deitar a cabeça no sofá. — Peça algo sofisticado hoje, digno do chef Michelin que temos disponível. Sei lá, coquetel de camarão, lagosta... o que pessoas ricas comem? — Olha, normalmente eu como vegetais cozidos e carne, com purê de batata. Sinto desapontar, nada de lagosta ou coquetel de camarão. E nem pergunte das comidas em porções minúsculas. — Ri, vendo-a fazer um bico,
como se estivesse um pouco emburrada. Dei outro selinho nela, que começou a sorrir. — Tudo bem, jantar normal então. — Posso pedir para o purê ser um aligot, já deixa mais chique. Que tal? — Ela assentiu e eu sorri, roubando um terceiro selinho antes de me levantar e ir avisar a Geralt do jantar, meu prato normal de todo dia. — Me deixe adivinhar, para dois de novo? — Eu podia vê-lo rindo, a cara cor-de-rosa pela proximidade com os fogões quentes. — Está ficando sério, já avisou a sua mãe para preparar o casamento? — Vamos deixar dona Carmen de fora disso, ok? — Ri, desligando quando ele avisou que em quarenta minutos mandaria o jantar. Voltei para junto de Alice, que me observava. — Você sempre sorri quando fala com o chef. — Conheço-o há anos. Quando eu era pequeno, ele era um cozinheiro iniciante, de uns vinte anos, que substituiu o cozinheiro antigo lá de casa. Cresci com a comida dele, é quase um segundo pai para mim, eu adorava acordar cedo e observar enquanto ele e Martha faziam o pão fresco para o café da manhã. Martha era uma senhora, já na época, hoje em dia mora numa casa de repouso com tudo do bom e do melhor, e a sobrinha dela é assistente de Phillip, na gravadora. — Resumindo, se mantiveram na família. — Ela sorriu de leve, e eu assenti. — Sim, basicamente. — Me conta mais da sua infância. Como é crescer tendo de tudo? Eu sei que eu falo muito desse lado seu, e não me entenda mal, mas a realidade diferente é fascinante. — Ela fez um jeitinho tímido, subindo no meu colo e começando a fazer carinho na minha barba. — Bem, minha infância... eu sou o segundo mais velho dos cinco, deve saber disso, né? No começo éramos só eu e Roman, e por isso eu sou eternamente mais próximo a ele. Somos mais parecidos também. Bem, nós e Phillip, os três obcecados por trabalho, mas Phill tem mais o lado playboy da coisa. Eu e Roman somos mais sérios, mas quando crianças éramos pestes. Ele corria por todo lado, enquanto eu ficava infernizando todo mundo com perguntas e mais perguntas.
— Qual era sua brincadeira favorita? — Eu gostava de me fingir de pirata. Eu e Roman éramos os piratas, e quando Brian e Phill cresceram, passaram a ser os oficiais da coroa que tinham que nos impedir de roubar as joias da rainha, ou seja, um dos colares de nossa mãe. Quando está zangada, ela ainda gosta de esfregar na nossa cara que perdeu um diamante por nossa culpa. — Dei de ombros, vendo-a balançar a cabeça diante da banalidade com a qual eu falava de diamantes. — E você, como era a pequena Alice? — Ela era... feliz. — Ela deu um sorriso triste, deitando o rosto no meu ombro. — Quando pequena, eu era bem alegre e adorava inventar histórias e interpretar papéis. Tive uma amiguinha que entrava nessas minhas maluquices. Eu inventava histórias onde éramos fadas elementais lutando contra um mal superior, quando a mãe dela enchia a piscininha do quintal virávamos irmãs sereias, que nadavam por dutos de ventilação subaquáticos, ou então brincávamos de casinha ou de Barbie. — Criativa. Já pensou em transformar uma dessas histórias num roteiro? — Passei minhas mãos por sua cintura, fazendo carinho, traçando pequenos círculos e formas com os dedos. — Quem iria querer ver uma peça ou filme sobre fadas, criado por uma desconhecida? Não, são histórias que eu guardo para mim. Memórias de uma amiga que depois se afastou. — Se importa de me dizer o que aconteceu? — Tivemos uma discussão, daquelas bem grandes, e a mãe dela a proibiu de me ver. Eu tinha doze anos, na época, foi um pouco antes de as coisas começarem a dar drasticamente errado na minha vida. Talvez tenha sido o pontapé inicial. — Ela suspirou, fechando os olhos e se aninhando mais no meu pescoço, como se buscasse segurança no meu abraço. Eu já tinha notado que Alice em alguns momentos era bastante carente, alguns chamariam de grudenta, mas eu não me incomodava com isso. Dado o histórico dela, só o fato de ela confiar em mim o bastante para se mostrar carente, já era uma vitória. — Uma pena. A mãe dela foi uma escrota, se me permite dizer. Vocês eventualmente resolveriam a briguinha que tiveram, e voltariam a ser amigas por conta própria. Ela não tinha necessidade de interferir... nunca procurou de novo essa amiga?
— Voltamos a nos falar uns três anos depois, mas já não era a mesma coisa, então apenas me afastei. Aconteceu algo de errado com a maioria das amigas que eu tenho pessoalmente, só as virtuais se mantiveram durante os anos, e tenho uma ou duas colegas na faculdade. Ainda não tive coragem de conversar com muita gente lá. — Entendi, pois saiba que agora tem mais que um amigo pessoalmente, e provavelmente vai ganhar outros quatro amigos, assim que conhecer meus irmãos. Principalmente Brian, diz ele que artistas sempre se entendem bem. — Sorri, erguendo o rosto dela para olhar para mim, fazendo carinho em seu queixo e a beijando devagar. — Já está planejando me apresentar para a família? — Ela mordeu meu lábio inferior, enquanto se afastava um pouco, um sorriso ameaçando aparecer. — Talvez esteja. Preparada para ser apresentada a dois irresponsáveis, um playboy e um viciado em trabalho que está sempre sério? Além, é claro, do velho aposentado e da esposa dos diamantes. — Jeito engraçado de definir os Vanslow. — Ela riu baixinho, me dando alguns selinhos. — E eu adoraria conhecer sua família... você realmente não acredita em “rápido demais”, não é? — Existe o tempo certo de cada um. O que é rápido para uns, para outros é uma eternidade. Acho que em tudo na vida, principalmente em relacionamentos, o que mais importa é a intensidade. E isso nós temos de sobra. — Deslizei meu polegar por sua bochecha, fazendo carinho suavemente. — Sempre pensei a mesma coisa. Já... já fui chamada de grudenta, de irritante, minhas amigas já disseram mil vezes que eu vou “com muita sede ao pote”... mas é o meu jeito. Eu me jogo de cabeça, mesmo me machucando consecutivamente. — Ela suspirou, e eu segurei seu rosto com as duas mãos, fazendo-a olhar nos meus olhos. — Pois, saiba que eu vou fazer de tudo para não te magoar. Vou cuidar do seu coração da mesma forma que espero que cuide do meu. Eu gosto mesmo de você, Alice. Ouso dizer que estou me apaixonando, tão rápido assim, sendo pego de surpresa por cada detalhe seu que me fascina mais. Seus bloqueios podem não te deixar acreditar mesmo em tudo isso, mas é a verdade. Deusa — murmurei, me sentindo meio bobo em ser tão meloso, mas
o sorriso dela foi minha recompensa. Ouvimos uma batida na porta e ela se levantou do meu colo, me deixando ir até a porta. Hoje quem veio foi uma das estagiárias do sorteio, Emma, se não me engano. Ela deu um sorriso tímido e desajeitado, entrando com o carrinho. — Boa noite, senhor Vanslow... onde eu deixo os pratos? — Em cima da bancada está bom, obrigado. — Indiquei o caminho, vendo-a olhar para Alice umas duas vezes, e então se despedir e sair do apartamento. — Ela estuda comigo. Espero que não tenha me reconhecido... Não preciso ficar conhecida como a “oferecida que estava no quarto do dono do hotel”. — Alice fez uma careta e suspirou, levantando do sofá e vindo se sentar comigo na bancada. — Acha que ela diria isso de você? — Acho que não por maldade, não conheço muito a garota, ela parece simpática, mas se isso cai nos ouvidos errados... não quero nem pensar. — Ela balançou a cabeça, abaixando o olhar para o prato. Os vegetais estavam ao lado de um pedaço de carne grelhada de primeira, acompanhados de purê com molho. Algo simples, que eu comia todo dia, e que ela pareceu adorar. — Seu chef se supera mais a cada dia. — Ele vai adorar saber que disse isso. — Sorri, começando a comer também, ficando em silêncio um tempinho. Eu gostava disso, dos silêncios confortáveis. Era algo raro de se encontrar, e era bom que eu tivesse encontrado justamente com ela. Acabamos de comer, e eu estendi a mão para voltarmos ao sofá. Ela sentou por cima de mim, onde estava começando a ser seu lugar oficialmente, e me deu beijinhos no rosto. — Eu não respondi antes, mas também gosto muito de você, Hector Vanslow. — Ela ficou cor-de-rosa ao dizer isso, me fazendo dar um riso alegre e enroscar meus dedos nos cachos de sua nuca, acariciando ali, sentindo-a se arrepiar um pouco enquanto fechava os olhos. — Não faz assim... — Por que não? — Eu fico toda estranha... Hector! — Ela tentou reclamar, mas acabou dando uma risadinha, encostando a testa na minha, o corpo relaxado contra o
meu. — Você me deixa estranhamente calma. Vou sentir sua falta depois deste fim de semana. — Não precisa sentir. Pode vir me visitar quando quiser, podemos sair juntos... Como você não gosta de multidões, eu posso te levar a parques, visitar sua casa... Acha que seus pais vão gostar de mim? — Minha mãe — ela corrigiu. — Ela e meu pai são separados, e ele mora no Sul com a família dele. Vem visitar às vezes, mas a verba não é das maiores, então não tem como vir sempre. Eu só fui lá quando era pequena... quando li Crepúsculo, eu me imaginava indo morar com ele e encontrando um vampiro bonitão na escola — ela admitiu, me fazendo dar uma gargalhada, balançando a cabeça. — Você é maluquinha, sabia? — Isso foi um elogio? — As melhores pessoas são loucas, Alice. — Disse o chapeleiro maluco. — Ela entendeu a referência, me fazendo sorrir largamente e assentir. Minha mãe costumava ler Alice no país das maravilhas para mim e meus irmãos quando éramos pequenos, e eu nunca esqueci esse trecho. — Você tem bom gosto. — Claro que tenho, eu gosto de você — brinquei, vendo ela fazer uma careta. — Terrível, então. — Ela deu uma piscadinha, voltando a deitar no meu ombro, enquanto eu acariciava suas costas. — Sabe o que eu queria poder fazer? — O quê? — Te levar junto comigo quando fosse embora, como um souvenir do hotel. Com certeza, um melhor do que chaveiros escritos “Eu amo NY”. — Nem precisei olhar para saber que ela estaria corada, e ri baixinho, a abraçando mais forte. — Pode levar. Eu daria um ótimo chaveirinho, não acha? Vou começar a mandar fazer alguns com a minha cara estampada — brinquei, beijando os cabelos dela. — Agora, falando sério, eu não me incomodaria nem um pouco em ser levado por você. Já está roubando meu coração, que mal faria roubar o resto também?
— Bobo. — Ela sorriu, beijando meu pescoço e erguendo o olhar para mim. — Vai, me fala mais de você. Já falamos sobre livros, brincadeiras de infância... qual seu maior medo? — Vai me julgar muito, se eu disser que meu maior medo é a solidão? Minha vida inteira eu sempre tive alguém à minha volta, meus pais, meus irmãos... Não consigo me imaginar solitário de fato. A possibilidade me assusta. — Não vou julgar, é quase o mesmo medo que o meu. Também tenho medo da solidão, mas no meu caso é justamente por passar tempo demais sozinha. Meu maior terror é que continue assim para sempre. — Ela fez um biquinho triste, que eu tomei o cuidado de beijar, tentando arrancar um sorriso. — Posso te prometer que vou estar do seu lado? Mesmo que por algum motivo essa coisa de relacionamento não dê certo, eu vou querer estar perto de você, mesmo que só como amigo. — Uma parte de mim está gritando que isso é uma ilusão, mas vou escolher acreditar desta vez. — Ela deu um sorriso triste, se inclinando e beijando o cantinho da minha boca. — Maior sonho? — Fazer a diferença. Seja na vida de uma pessoa só ou numa proporção maior, eu quero fazer a diferença de verdade, e não apenas ser só mais um rico que passou pelo mundo. — Dei de ombros. — E você? — Ser feliz. Parece simples, mas tive tão poucos momentos felizes de verdade, que meu maior objetivo na vida é ter o meu felizes para sempre. — Ela deu um sorrisinho como que se desculpando pelo sonho bobo, mas eu balancei a cabeça, a olhando. — É um bom sonho. Farei minha parte para torná-lo realidade. — Fofo. — Ela sorriu, aquele sorrisinho torto que ela dava quando estava encantada, a covinha aparecendo. — Sabe o que eu queria fazer agora? — O quê? — Te beijar de novo. Mil vezes, até ter certeza de que minha boca nunca vai parar de formigar, de que eu vou poder ir embora amanhã com a sensação de ter o meu souvenir comigo. — Ela foi ficando vermelha enquanto falava. — Mas não quero te torturar mais sem irmos além de amassos...
— Pode torturar o quanto quiser, minha deusa, o chuveiro tem água gelada de sobra. — Pisquei um olho, mudando a forma como segurava a cintura dela. — E pare de bater nessa tecla. Eu realmente não me importo de esperar, não sou escroto, nem ousaria te pressionar ou me incomodar por conta dos seus limites. Fico mais que contente com beijos e amassos, com seus gemidinhos baixos... — Ela ficou vermelha com isso. — É sério, qualquer pedacinho de atenção sua já é um paraíso. — Você... — Ela suspirou, se inclinando na minha direção, a boca roçando a minha. — Vou me aproveitar da permissão para te torturar. Vou me aproveitar muito... — E me beijou. Mais uma vez o beijo começou devagar, só o beijo, as mãos dela agarrando minha nuca, enquanto as minhas seguravam sua cintura. Eu não diria em voz alta, sabia que ela acharia que era mentira, mas eu tinha encontrado um pontinho específico entre as curvas dela em que minha mão se encaixava perfeitamente. Cada curva, cada pedaço dela era perfeito. E então o beijo foi se aprofundando, ela foi me beijando com mais força, chupando minha língua enquanto os quadris começavam a se mover sobre mim. Minha calça de moletom e a calça de tecido dela aumentavam bastante o contato, bem melhor do que de calça jeans. Apertei a sua cintura, minhas mãos começando a descer. A bunda dela também era maravilhosa de se segurar, e me dava o apoio certo para movê-la um pouco mais para cima, ouvindo-a arfar quando as reboladas dela a atingiram no lugar certo. Eu havia percebido que ela não tinha experiência e se guiava mais pelo instinto, e uma pequena ajudinha não fez mal a nenhum de nós. Ela começou a gemer baixinho, se esfregando contra mim em reboladas e movimentos para frente e para trás, a boca se afastando da minha num perfeito O quando achou o jeito certo de fazer aquilo. — Isso... — incentivei, me sentindo duro como uma pedra, e ela continuou, enquanto eu descia a boca pelo pescoço, pelo decote da blusa que eu desejei que fosse maior, minha mão repetindo o ato de mais cedo e subindo até encontrar seu mamilo através do tecido, ela dando um gemido mais alto com aquele toque. Seria pretensão demais querer que ela gozasse só com aqueles toques superficiais? Provavelmente sim, mas uma parte de mim queria e queria muito vê-la se desfazendo e chamando meu nome. Ela gemeu um “hmm” manhoso, quase ronronando, e eu ergui meu olhar para ela, vendo-a dar um sorriso de prazer enquanto girava os quadris.
Aquele se tornaria facilmente meu segundo sorriso favorito, só perdendo para a gargalhada. Ela puxou meu cabelo, encostando a testa na minha, arfando enquanto se movia mais rápido, e meu polegar continuava a rodear o tecido da camiseta contra ela, a outra mão apertando sua coxa, deixando qualquer controle nas mãos dela. Não consegui segurar um gemido, que saiu baixo e rouco. As roupas me impediam de sentir de fato, mas eu podia imaginar o quão quente e molhada estaria, e minha mente criava mil imagens de tudo o que eu faria no dia em que estivesse pronta. — Alice... tem noção de tudo que eu quero fazer com você um dia? Da forma como eu adoraria seu corpo? — murmurei, querendo que ela tivesse noção de ao menos uma fração do desejo que eu sentia. Ela merecia saber o quanto eu a queria, o quanto era gostosa para mim. — Eu... — Ela pareceu pensar um instante, parando de se mover por um momento. — Me diz? — Sua pequena pervertida... quer ouvir as coisas que eu faria com você? — Ela ficou tão vermelha quanto um tomate, mas assentiu uma vez, voltando a se mover mais devagar. Dei uma risada desejosa, Alice me surpreendia mais a cada momento. — Muito bem... eu começaria tirando essa sua blusa, e te chuparia bem aqui, onde está meu dedo. Bem devagar, descobrindo se você prefere que eu sugue, brinque com a língua ou morda de leve... — Fui subindo minha boca pelo pescoço dela, mordiscando sua orelha, minha voz baixa. — E enquanto isso, meus dedos desceriam até estarem entre suas pernas... você gostaria disso, não é? Você iria adorar quando eu te tocasse ali, completamente encharcada pra mim... Não consegui continuar, já que a boca dela avançou na minha, enquanto começava a se mover em cima de mim. Um ritmo bom e constante, equilibrado, fazendo barulhinhos de prazer que me arrepiavam inteiro. Quando perdeu o ar, ela se afastou, deixando a cabeça pender para trás. — Continua... — ela pediu, o rosto agora rosado por outro motivo, as mãos ainda no meu cabelo, puxando um pouco. — Pervertida... — provoquei, recebendo um puxão de cabelo como punição, me fazendo rir e mordiscar o pescoço dela. — Eu te tocaria devagar. Te torturaria um pouco com isso, faria você me pedir para ir mais rápido... e aí eu descobriria como você gosta mais. Acharia o jeitinho certo de te deixar ofegante, e brincaria com isso até você gozar a primeira vez na noite.
— Primeira? — ela conseguiu falar entre ofegos, os olhos fechados, totalmente perdida. Eu estava adorando vê-la assim, entregue. — Achou que seria só uma? Nem pensar. Você é tão viciante, que eu poderia ficar horas na tarefa de descobrir como te satisfazer, faria questão de descobrir cada pontinho que te fizesse tremer ou gritar, e iria fazer questão de te ver totalmente satisfeita e exausta. Ah, não faz ideia do quanto essa imagem me excita... você deitada na minha cama, o rosto vermelho e o cabelo despenteado, ofegante com esse seu sorrisinho envergonhado de prazer... esse aí, que você acabou de dar. — Hector... — E você gemeria meu nome, assim mesmo. Cacete, Alice, se você estiver entendendo uma fração do poder que tem sobre mim... sabe o que mais eu faria? — Eu notei rapidamente o quanto ela gostava dessa preliminar em forma de conversa. Se minha suposição estivesse correta, isso dava a ela tudo o que tinha receio ou vergonha de fazer de fato, então eu continuaria até ela dizer que era suficiente. Imaginação pervertida não me faltava. — Eu desceria minha boca. Eu beijaria cada curvinha sua, até chegar onde eu quero, e então eu iria mais uma vez descobrir seu ritmo. Chupando, lambendo, beijando... faria de tudo para te agradar e te ver gozar na minha boca. — Ela deu um meio gritinho, aumentando o ritmo que se movia. — Hector... eu quero... — Ela arfou, meu nome saindo como mel da sua boca. — Eu não sei se eu consigo... — Demorei uns dois segundos para processar o que ela estava dizendo, até que me lembrei de ela mencionar que os remédios diminuíam a libido... devia ser difícil para ela conseguir chegar lá. — Deixa eu te ajudar? Eu te toco por cima da roupa, igual eu tô fazendo aqui... — Circulei o mamilo mais uma vez, enquanto ela parava um pouco de se mover e me olhava nos olhos, o peito subindo e descendo com a respiração acelerada. — Só se quiser. A escolha é sempre sua. — Eu quero... — Mas? — O olhar dela ficou mais profundo, os quadris se mexendo devagarinho, sem conseguir ficar parada. — Você realmente me quer, não é? Sem nenhuma pegadinha de mau gosto... você realmente quer todas as coisas que falou?
— Quero. — Levei a mão que estava em sua coxa até sua nuca, fazendo aquele carinho que ela gostava. — Eu não mentiria pra você, principalmente num momento como agora. E jamais me aproveitaria de você, se for o que está pensando. Quando eu digo que te quero, é porque cada célula no meu corpo está queimando de desejo por você, cada pelinho meu se arrepiando com seus gemidos. Você é a mulher mais gostosa que eu já tive em cima de mim, não duvide disso, nem por um segundo. — Minha voz foi soando mais rouca do que antes enquanto falava, surpreendendo até a mim mesmo com a veracidade das últimas palavras. Nenhuma garota que eu pudesse me lembrar se comparava a ela. — Nesse caso... sim. — Ela começou a se mover de novo, deixando gemidinhos escaparem. — Faz tanto tempo que eu não... sinto nada forte o bastante. — Você gosta quando eu falo, né? — Eu sabia a resposta, mas gostei de ela assentir. Desci minha mão até sua coxa de novo, começando a subir e descer devagar por ali, chegando cada vez mais perto. — Então eu continuo. Ainda não cheguei nem na metade das fantasias que eu tenho quando você fica em cima de mim, desse jeito... depois de te fazer gozar o máximo possível com a minha mão e a minha boca, eu partiria para a ação seguinte. Veja bem, nessa fantasia não seria nossa primeira vez, então eu não precisaria ir tão contido... — Isso... — ela murmurou, os olhos fechados e a boca entreaberta, enquanto minha mão subia mais entre suas coxas, os movimentos parando com ela bem encaixada em mim. Eu podia me sentir pulsar. — Eu te deixaria por cima. Do jeitinho que está agora, você ia poder me cavalgar como quisesse... sabe essas reboladinhas? Imagine-as comigo dentro de você. Enterrado até o fundo, totalmente sob o seu controle... gostaria disso? De me controlar? — provoquei, me sentindo um pervertido completo enquanto meus dedos subiam mais, pressionando entre suas pernas. A calça dela era de um tecido mole, como um moletom fino, então não foi muito difícil chegar onde queria. Ela gemeu. — S-sim... — Bom, pois eu seria todo seu. — Comecei a circular meus dois dedos do meio ali, testando a pressão, achando estranho ter uma calça no meio do caminho, mas aceitando os limites dela. — E aí cabe a você imaginar como
faria. Se me cavalgaria devagar ou com força, se ficaria só rebolando e me deixando louco, se iria me querer deitado ou erguido o suficiente para te beijar em todos os lugares que alcançasse... Ela começou a deixar gemidinhos mais frequentes escaparem, meus dedos encontrando a forma certa de fazer aquilo através da calça, sentindo um pouco do calor que emanava dela, mil imagens mais se formando em minha mente. Não precisei — nem consegui — falar mais, pois a boca dela grudou na minha, a língua me puxando, os gemidos dela abafados contra mim. Continuei o que estava fazendo, a outra mão ainda contra seu seio por cima da blusa. No instante seguinte as pernas dela começaram a tremer, tentando se apertar à minha volta, e ela jogou a cabeça para trás, deixando um gritinho com meu nome escapar, enquanto rebolava contra mim e meus dedos, aquela visão dela me deixando mais louco do que já estava. Se era assim com ela vestida e toques superficiais, eu morreria quando fossem só nossas peles se tocando. Se ela me tocasse agora, eu explodiria instantaneamente. Aos poucos, Alice foi parando de se mover, e enfiou o rosto na curva do meu pescoço, se escondendo. Dei uma risada curta e alegre, envolvendo-a num abraço quase normal de novo, meus braços em volta dela. — Tudo bem? — precisei perguntar, ouvindo-a dar uma risadinha abafada contra a minha pele, sem erguer o rosto. — Morta de vergonha, mas perfeitamente bem... uau. — A voz dela soou pesada, ofegante. Sorri mais largamente, virando o rosto para beijar os cabelos dela, ouvindo um suspiro. — Fazia tanto tempo... nem sabia que ainda podia... — Gostei de ser eu a te mostrar que pode. — Dei um sorrisinho, levando uma mão aos seus cabelos e fazendo carinho ali, sentindo-a se mexer agora para se aconchegar mais contra mim. — Sabia que eu nunca tinha sido tocada assim? Só por mim mesma... ninguém nunca quis antes — ela admitiu baixinho, ainda aninhada no meu pescoço. — Fico honrado de ser o primeiro, mas... e o seu ex? — Eu me lembrava de ela ter mencionado um relacionamento passado que não a aceitou como era. — Ele só se importava com ele mesmo. — Deu de ombros, erguendo o rosto, vermelha como sempre, para me olhar. As mãos dela vieram para o
meu rosto, fazendo carinho. Ela não precisou falar nada, eu via em seus olhos o que estava acontecendo. Ela estava me agradecendo silenciosamente por ser diferente. Me inclinei e dei um selinho nela. — Deusa — murmurei, vendo o cor-de-rosa em seu rosto aumentar e ela abaixar o olhar. Na hora que o fez, ela arregalou um pouco os olhos, inclinando a cabeça e voltando a me olhar. — Eu esqueci que você não... desculpe. Se quiser, eu posso... — Eu vi a intenção dela, e vi que dessa vez ela realmente queria, mas algo em mim me avisou que poderia ser demais para um dia, então segurei gentilmente seu pulso, a parando. — Eu quero, de verdade. — Eu sei. Mas se encostar em mim agora, eu não vou durar muito, e não quero me envergonhar assim. — Deixei um riso escapar, aquilo não deixava de ser verdade. — Da próxima vez, ok? — Dei um selinho nela, voltando a segurar sua cintura com carinho. — Tudo bem... por mais que esteja sendo bobo com isso de se envergonhar, tudo bem. — Ergui uma sobrancelha, numa pergunta silenciosa. — Não é por ser virgem que eu não sei nada... eu leio bastante — ela admitiu, dando um sorrisinho diferente dos que eu já tinha visto até agora. Um de alegria contida. Sem nem perceber eu já tinha um catálogo de risos de Alice. — Vai ter que me mostrar um desses livros algum dia. Preciso saber que expectativas vou ter que cumprir — brinquei, arrancando outra risadinha curta dela, e ela me deu mais alguns selinhos. O celular dela apitou, e ela se esticou para pegá-lo na mesinha, suspirando ao ver a tela. — O que foi? — Meu aviso dos remédios, já são quase nove horas. Nem vi que o tempo tinha passado... acho que o conto de fadas está acabando. — Não precisa acabar. — Ela ergueu uma sobrancelha, e eu mordi meu lábio inferior, reunindo coragem para mais um risco. — Dorme aqui hoje. Sem nenhuma mão boba, prometo, mas... fica mais esse tempo comigo. — Ela pareceu pensar um instante, mordendo o cantinho do lábio inferior, os olhos no teto. — Meus pijamas ficaram no quarto, e são meio ridículos para usar na sua frente... um deles tem ursinhos. — Ela deu um sorrisinho, me fazendo rir baixo.
— Se esse for o único problema, eu te empresto um moletom para dormir. E pode usar meu shampoo pessoal, bem melhor que os que deixamos nos banheiros de hóspedes — brinquei, me sentindo como um adolescente bobo e ansioso que esperava um sim da primeira namorada. Ela respirou fundo. — Ah, eu já estou na chuva mesmo, que mal faz em me molhar? — Ela sorriu, um daqueles sorrisos largos que eu cataloguei como mais raros, e puxou meu rosto com carinho para junto dela. — Eu fico. Mas é bom que você tenha soro fisiológico ou consiga me arrumar um para tirar as lentes, e um potinho para guardá-las durante a noite. — Dei um sorriso grande e vitorioso quando ela falou isso, assentindo. — Tem soro na caixinha de primeiros socorros, e eu devo ter algum potinho. — E precisa prometer me levar até o quarto amanhã de manhã, porque eu não posso colocar as lentes sem o colírio, e eu fico ceguinha sem elas ou os óculos. — Prometo. — Beijei-a rapidamente, e ela sorriu, levantando do meu colo e ficando de pé, as pernas bambeando um pouco, e eu observei enquanto ela dava uma risadinha de si mesma. Eu mal podia acreditar que essa garota, agora tão solta, era a mesma que chegou aqui, morta de vergonha, duas noites atrás. Eu estava amando o fato de ela se soltar comigo, de confiar em mim. E pelo que me disse e eu pesquisei por alto no celular, não seria sempre assim. Teriam dias muito difíceis, crises complicadas e incompreensíveis. Mas eu estaria com ela nesses momentos também, não tinha escolha, já que me apaixonava mais a cada instante. — Posso tomar banho primeiro? Eu sei que você precisa do banho frio, mas eu estou me sentindo meio... — Ela se calou, ficando vermelha e fazendo uma careta como se esperasse que eu entendesse, olhando para as próprias pernas e depois para mim. Ah. Me levantei, sentindo o incômodo entre as pernas. — Claro que pode. Vem, vamos escolher um moletom e pegar uma toalha... e talvez seja uma boa ideia te emprestar uma das minhas cuecas também. — Ela ficou vermelha como um tomate com isso, mas assentiu, me seguindo até o closet, ficando paradinha na porta, me olhando. — Pode entrar. As roupas não mordem.
— Há há. — Ela deu esse risinho irônico, me mostrando a língua, fazendo com que eu risse enquanto ela se aproximava. Peguei meu conjunto de moletom cinza-escuro, um dos mais largos que tinha, com um desenho aleatório de um peixe na frente. Eu ia dar a ela só a blusa, mas tive a impressão de que ela queria manter as pernas cobertas também, então entreguei o conjunto todo. E peguei uma das minhas boxers, uma vermelha grande demais que normalmente ficava folgada em mim, e entreguei a ela. — Obrigada — ela murmurou. — Vai adiantar se eu disser para parar de ter vergonha? — perguntei, vendo-a negar com a cabeça. — Desconfiei. — Me inclinei e dei um selinho nela, indo pegar uma toalha do armário e a entreguei. — Pronto. Pode ir. Vou procurar um potinho para as lentes, me deseje sorte. Ela sorriu, indo para o banheiro. Ouvi o barulhinho da tranca e o chuveiro ser ligado e me virei em busca de Rudy, que dormia na caminha dele. Preferi não acordar o coitado e fui até a cozinha. Eu parecia não ter um único pote nessa casa, mas acabei achando um potinho razoavelmente pequeno no armário da sala, que tinha alguns papéis com telefones dentro. Despejei os papéis e lavei o pote, que, por sorte, tinha uma tampinha de abrir e fechar. Deixei o potinho na mesinha de cabeceira do quarto e fui checar meus e-mails só para conferir se não tinha nenhuma emergência. Nada. No celular também não tinha nada, a única coisa razoavelmente interessante era um story no Instagram de Ethan, dele e Nicole numa festa ontem à noite. Eu tinha certeza de que ganharia a aposta. A tranca do banheiro se abriu, revelando uma Alice que parecia minúscula no meu moletom, com os cabelos úmidos e um sorriso tímido, segurando as roupas de antes dobradas sobre o braço. — Amei seu chuveiro. Não sabia que água podia ser tão forte. — Ela ficou parada ali, meio que sem saber o que fazer. Fui até ela. — Você fica mais linda ainda de cabelo molhado, sabia? — Sorri, me aproximando para um selinho. — Encontrei aquele potinho da mesa de cabeceira, serve? Qualquer coisa, posso ir rapidinho no seu quarto buscar o das lentes. — Esse serve... posso dizer uma coisa? — Claro.
— Usar cueca é estranho. — Ela deu uma risadinha, me fazendo rir alto. — Fica um monte de pano sobrando. — É que te falta ter com o que preencher esse pano. — Dei uma piscadinha, vendo-a revirar os olhos, o rosto vermelho a entregando. — Anda, vai tomar seu banho. Vou tomar os remédios e depois tiro as lentes. — Me expulsando assim, do meu próprio quarto? Desse jeito você me magoa — brinquei, rindo de leve, enquanto andava até o closet, achando melhor levar a roupa e me vestir logo em vez de sair de toalha. — Seu? Pensei que fosse de Rudy — ela devolveu a brincadeira, e eu pude ouvir o divertimento em sua voz. — É, tem razão. — Me inclinei e dei mais um selinho nela. — Tem água na geladeira, e até queijo e pão, se quiser um lanche. Já volto. Fechei a porta do banheiro, sem me preocupar em trancar, e tomei um banho congelante. Os pensamentos dela ficavam me assombrando, mas seria ridículo eu, aos vinte e sete anos, um homem formado, ter que me aliviar sozinho duas vezes no mesmo dia. Eu não era mais um adolescente hormonal, tinha mais autocontrole que isso. Me concentrei bastante e com ajuda da água estupidamente fria consegui me distrair das fantasias, acabando meu banho o mais rápido que pude e me vestindo. Normalmente, eu dormia só de cueca mesmo, às vezes sem nada, mas com ela ali, preferi usar também uma calça e uma camisa folgadas. A última coisa que eu iria querer era ela desconfortável. Saí do banheiro, encontrando-a no canto do quarto, olhando minha estante. Só tinha meus livros favoritos ali, e ela parecia bem entretida com eles. Sorri. — Bisbilhotando? — Ela levou um susto, se virando. — Dando uma olhada. Você tem bom gosto, mas acho que eu já disse isso. — Não me incomodo se repetir — brinquei, me aproximando dela. — Tomou os remédios? Aliás, se não for uma pergunta invasiva, quantos são? — Dois. Um para depressão e principalmente a borderline, e um para ansiedade. — Ela não pareceu notar que disse os diagnósticos, ou então havia
feito de propósito, um teste se eu me assustaria. Gravei os nomes para pesquisar depois e entender melhor. — Tomei, sim. — Ótimo. — Sorri, percebendo o quão natural era me preocupar com a saúde dela. — O soro está na caixinha branca no armário, atrás da porta do banheiro. — Já volto. — Ela foi até lá, deixando a porta aberta dessa vez, e em alguns minutos voltou, segurando o potinho, piscando várias vezes enquanto andava até a cabeceira da cama e deixava as lentes ali. — Está conseguindo me ver? — brinquei, vendo-a me mostrar a língua de novo, fazendo uma careta em que fingia estar brava. — Engraçadinho. — Ela bocejou, e eu fui até ela, beijando sua testa. — Vem, hora de dormir. Você prefere qual lado da cama? — Esquerdo. — Sorte sua, sempre preferi o meio puxado para direita. — Sorri, puxando-a para cama comigo. Ela se sentou, cruzando as pernas uma sobre a outra e me olhando. — Eu... nunca dormi com alguém na mesma cama. Nem namorados, nem amigas... acho que uma vez num evento de família dividi um colchão no chão com a minha vó, mas eu dormi antes de ela deitar e, quando acordei, ela já tinha saído, então... — É só deitar como preferir. Se quiser pode me abraçar, se preferir pode só ficar do meu lado... contextos diferentes, mas a mesma frase de antes: descubra como gosta mais. — Eu normalmente deito... assim. — Ela praticamente abraçou um dos meus travesseiros, deitando de bruços, com uma perna dobrada e uma esticada. E então ela riu baixinho e se virou, deitando de lado, me olhando. — Sou estranha, né? — Nem um pouco, eu durmo todo largado também. — Sorri, me deitando de frente para ela. Ela ficava linda assim, descontraída. — A gente pode... tentar dormir de conchinha? Sempre achei fofo nos filmes e nos livros. — Pode, sim. Se depois quiser mudar, é só me avisar, me acordar ou me derrubar da cama. O que for mais prático. — Ela deu um risinho, se
virando de costas e eu a puxei gentilmente pela cintura, a encaixando em mim e puxando o lençol sobre nós. — Confortável? — Uhum — ela assentiu, se mexendo um pouquinho e se aconchegando mais contra meu peito. — Boa noite, Hector. — Boa noite, deusa. Durma bem. — Beijei o cantinho do rosto dela, fazendo carinho em sua cintura. Ela não demorou muito a pegar no sono, e eu percebi naquele momento o quão fundo eu estava mergulhando naquela nova relação. E não me arrependia nem um pouco.
Eu acordei devagar, minha mente ainda processando o que era aquilo morno embaixo da minha cabeça. E então eu lembrei, era Hector. Abri os olhos, vendo que durante a noite tínhamos largado a conchinha e eu agora estava aninhada no peito dele, que ainda dormia. Fiquei bem quietinha, vendo-o dormir, tão tranquilo quanto um anjo, e aproveitei aquele momento para pensar. Eu cheguei a ter medo de como seria quando acordasse hoje, medo de que minha mente fosse surtar e achar que tudo foi um erro... mas eu me sentia bem. Dei um sorriso preguiçoso, daqueles involuntários e automáticos, enquanto me lembrava de ontem. O que mais grudou na minha memória não foi o toque dele ou os gemidos roucos, por mais que eu tivesse adorado essa parte. Foi o olhar, a forma como as pupilas dele dilataram quando ele me olhou e disse que me queria, o brilho de malícia que passou pelo olhar quando ele começou a narrar o que faria comigo... Senti um arrepio só de lembrar. Eu já tinha lido muito sobre aquele olhar, e já tinha o visto ser reproduzido por atores, mas nunca pensei que eu estaria do outro lado de um olhar daqueles. E então ele do nada entrou na minha vida, me arrebatando por completo, tirando meus pés do chão e me
deixando na nuvem mais alta, num pedestal como a deusa que ele dizia que eu era... hoje era um dos dias muito bons, em parte graças a ele, porque eu acordei com autoestima suficiente para acreditar em todas aquelas palavras. Até conhecer Hector, eu jurava que homens assim não existiam fora de páginas e telas, mas ele era real. Eu sabia que só o tempo diria se eu estava me iludindo ou não, eu não sou tão boba quanto pareço, mas... algo em mim, alguma parte da garota que eu um dia já fui, sentia que eu podia confiar nele. Que não tinha nenhum truque ou pegadinha por trás das palavras doces que ele me dizia, que era tudo verdade. Eu estava totalmente apaixonadinha, e pela primeira vez em alguns anos eu não sentia medo disso. E dessa vez eu sabia que não era invenção da minha mente pelo desespero. Nos últimos dois anos eu achei várias vezes que tinha me apaixonado, que gostava de verdade de alguém, e era sempre “fogo de palha”, queimava rápido e apagava. Eu não sentia nada de verdade, mas minha mente me convencia de que sim, num desespero por sentir algo, qualquer coisa que não fosse medo e vontade de chorar, qualquer coisa que não fosse solidão. Mas dessa vez... era diferente. Por mais que parecêssemos bem desesperados ontem, a sensação dentro de mim não era desesperada. Queimava, sim, mas até agora estava queimando devagar, como uma lareira daqueles filmes de Natal. Fui tirada do meu monólogo mental quando ele se mexeu embaixo da minha cabeça, e me ergui um pouco para vê-lo abrir os olhos, pequenininhos pelo sono, e sorrir ao direcioná-los para mim. Ele estava um pouco embaçado pela falta dos meus óculos ou lentes, mas ainda assim lindo. — Bom dia... — A voz dele logo de manhã, ainda rouca pelo sono... me derreti todinha. — Bom dia. — Dei um sorrisinho sem jeito. Como se age ao acordar ao lado de alguém com quem você se agarrou sem nem tirar a roupa? Nos livros e filmes o casal sempre transa antes da tão temida manhã seguinte. — Você fica fofo dormindo. O borrão mais lindo que já vi. — Pronto, agora eu devia parecer uma maluca falando. — Olha quem fala, a garota que ficava suspirando enquanto cochilava no meu colo. — Ele sorriu, e eu percebi que talvez ele gostasse das minhas maluquices completamente aleatórias. — Dormiu bem?
— Uhum... acho que fazia um bom tempo que não dormia tão bem. — Eu disse que era um bom travesseiro. — Ele sorriu, e eu me afastei um pouquinho para me sentar direito na cama, vendo-o se erguer e apoiar as costas contra a cabeceira. — Quem deve ter ficado chateado é Rudy, normalmente ele me rouba esse travesseiro onde você dormiu. — Ele me adora, vai entender as circunstâncias — brinquei também, meu olhar passeando pelo quarto e vendo o filhote no cantinho, mordendo um ossinho de brinquedo. — Pronto, o cachorro rouba o travesseiro e você rouba o cachorro. — Ele riu, se inclinando para beijar meu rosto. — Você fica linda de manhã. — Hector... sem elogios demais. — Minha autoestima estava boa hoje, mas também não podia abusar. — Apenas falei a verdade. — Ele sorriu, daquele jeito que me fazia sentir como se fosse sua pessoa favorita no mundo. Bobagem, eu sei, ele mal me conhece meeeesmo, mas essa ilusão eu ia me permitir. — Muito bem, senhor verdadeiro, eu preciso estar na Lucille até as duas da tarde, e preciso ir para casa antes do almoço. Infelizmente o conto de fadas chegou ao fim. — Ou ao começo. — Olhei para ele, confusa, e ele se explicou: — Já parou para pensar que talvez estivéssemos apenas no prólogo, e que agora sim vai começar nossa história? — Nossa história... — repeti, testando as palavras. — Tem certeza de que quer algo comigo? Nem todos os dias vão ser sorrisos e amassos no sofá. Eu não te julgaria se quisesse deixar nossa relação só nesse fim de semana mágico, sem nada para estragar, nenhuma crise ou problema. Seria a memória perfeita, que eu guardaria para sempre com todo carinho. — Você quer algo comigo, Alice? — Ele devolveu a pergunta, me vendo ficar quieta, a princípio. — Já sabe a minha resposta, mas e a sua? Se preferir ficar só com a memória do fim de semana, eu vou entender e respeitar. Mas me deixe ao menos pedir que nos dê uma chance. Eu sempre fui um tanto cético para acreditar em amor ou paixão à primeira vista, mas você está quebrando tudo o que eu pensei conhecer. Não estou dizendo que te amo, não ainda, mas não posso mentir: estou me apaixonando por você. Pouco a pouco, a cada gesto e cada sorriso eu estou ficando mais e mais
encantado. E acho que você sente algo parecido, acertei? — Eu... — Respirei fundo, pensando nas palavras certas, em como me explicar direitinho sem falar besteira. — Sim, de certa forma, sim. E sim, eu quero algo com você. Estou morta de medo, e sei que vai partir meu coração já danificado, se algo estragar a memória desse fim de semana, mas você e esse seu maldito olhar de cego vendo o mar me faz querer tentar. — Cego vendo o mar? — É um clichê de narração em romances. “Ele a olhou como um cego que via o mar pela primeira vez”. — Dei de ombros, aquela parte era a menos relevante da história. — O que eu quero dizer é que eu também estou gostando muito de você. Me apaixonando, como você disse, quando eu achei que nunca mais seria capaz de me apaixonar de novo, que estava quebrada demais para isso. Não me entenda mal, isso não significa que você pode me consertar, mas... pode se encaixar entre os pedacinhos, entende? — Entendo, eu acho. — Ele sorriu, erguendo a mão para fazer carinho no meu rosto, o polegar contornando minha bochecha daquela forma doce como caramelo. — E prometo fazer todo o possível para não piorar sua situação. Sei que vai ser complicado, e eu também tenho medo, de fazer algo errado e te machucar, mas... eu quero tentar. — Vamos tentar, então — assenti, surpresa em como os sorrisos estavam vindo mais naturalmente, e me inclinei, dando um selinho bem rápido nele. — E agora você precisa me arranjar uma escova de dentes para que eu possa te beijar de verdade. — Você se preocupa demais com detalhes. — Ele sorriu, balançando a cabeça. — Mas já que insiste, tenho uma de reserva ainda na embalagem no armário do banheiro, na parte que fica debaixo da pia. — Obrigada — disse e pulei da cama, pegando minha roupa dobrada em cima da mesinha e correndo para o banheiro, ouvindo a risada dele enquanto fechava a porta. Achei a escova, fiz uma mini versão da minha rotina que não incluía as lentes, já que estava sem o colírio, e peguei as roupas para me vestir, afinal não podia sair pelo hotel usando o moletom do dono. Só tinha um problema: não tinha a mínima condição de usar minha calcinha de ontem. Quando ele começou a falar todas aquelas coisas maravilhosas e deduzir que eu estava encharcada, ele não fazia ideia do quão
certo estava. Dei uma risadinha baixa, sozinha, me sentindo como uma pervertida ao pensar de novo em tudo aquilo. Eu não sabia que tinha tara em dirty talk, até ele começar a falar, mas como não teria, com aquela voz grossa e cheia de tesão murmurando na minha orelha? Olhei de novo para as roupas e suspirei. Ele que me perdoasse, mas eu teria que ficar com a cueca por mais um tempinho. Dei uma olhada nas minhas coxas, as cicatrizes que começavam a fechar, roxas pelo ar frio da manhã. Sempre ficavam mais feias no frio. Suspirei, passando a mão por cima delas com cuidado, pensando se ele ainda me acharia tão gostosa quanto falou se visse essas marcas também. Decidi afastar esse pensamento e me vesti logo de uma vez, escondendo a calcinha na mão, tentando transformá-la em uma bolinha imperceptível de tecido. Claro que quando eu saí isso foi a primeira coisa que ele viu, erguendo as sobrancelhas e olhando da minha mão para mim. — Talvez eu tenha que ficar de vez com a sua cueca. — Dei um sorriso automático e totalmente envergonhado, ouvindo a risada dele. — Pare de rir, a culpa foi sua por... você sabe. — Por te deixar encharcada e te fazer gozar ainda vestida? — Ele deu aquele sorrisinho de canto, e eu arregalei os olhos, sentindo o rosto esquentar. — Hector! — ralhei, vendo-o piscar um olho, passando por mim enquanto ia na direção do banheiro. Suspirei quando ele fechou a porta, e fui correndo enfiar a calcinha suja no bolso do meu casaco que tinha ficado na sala. Rudy me seguiu quando me viu andar mais rápido, e eu me sentei no sofá, pegando-o no colo. — Bom dia, pequeno. Que bom que você não faz ideia do que acontece, porque as coisas que rolaram aqui... foram intensas. — Dei uma risadinha, fazendo carinho no pescoço dele, vendo-o se deitar no meu colo. Alguns minutos depois, Hector apareceu na porta do quarto, vestido com uma camisa de botões e uma calça social, o cabelo penteado para trás. Ele ficava lindo todo arrumado, fazia me lembrar dele naquele dia da palestra. Desde a hora que eu o vi subir naquele palanque, pensei que era o cara mais bonito em quem já botei os olhos pessoalmente, mas nunca que naquele momento eu imaginaria que ia vir parar aqui. Bendita sorte eu tive, o primeiro sorteio que eu ganhei na vida, do voucher para o hotel, me trouxe até ele.
— Viu o que eu disse? Ele te roubou. — Ele fez um gesto com o queixo para Rudy, que estava quase cochilando. Ri baixinho e o coloquei no chão com cuidado, me levantando e indo até Hector, ficando na ponta dos pés e beijando-o devagarinho, com leveza. — Agora sim, bom dia. — Me afastei, vendo ele sorrir e entrelaçar os dedos aos meus. — Quer comer algo? Eu normalmente não como de manhã, mas podemos pedir algo se você quiser. — Eu também não, só quando estou com muita fome. — Ergui nossas mãos, olhando o relógio no pulso dele. Dez horas. Suspirei. — Hora de ir arrumar minhas coisas e ir para casa. — Quer uma carona? Eu posso pedir para Nick te levar... ou eu posso dirigir. Garanto que sou um bom motorista, mesmo que não seja um profissional — ele ofereceu, e eu percebi que assim como eu, estava procurando desculpas para passarmos mais tempo juntos. — Não enjoou ainda de ficar grudado em mim? — brinquei, continuando antes que ele respondesse. — Eu adoraria uma carona, já me ajuda a economizar no Uber. — Fico surpresa que você não tenha enjoado de mim, mas é porque ainda não conheceu meu lado chato obcecado por reuniões e qual lâmpada comprar para o hotel inteiro. — Ele riu, se inclinando para mais um beijo rápido. — Vamos. Ah, não esqueça os remédios e as lentes. — Como se eu fosse esquecer as duas coisas que me mantêm viva. — Sorri, indo até o quarto pegar as lentes, e pegando o porta-comprimidos que tinha deixado do lado delas. Quando voltei, ele estava com o meu casaco pendurado no braço, e meu celular na mão. — Pronto. — Vamos. — Ele estendeu o celular para mim, que eu enfiei no bolso, e entrelaçou os dedos nos meus, enquanto voltávamos para o meu quarto. Demos sorte de não ter ninguém no elevador nem no corredor do meu andar. Peguei o cartão chave da suíte, que eu tinha guardado na capinha do celular, e abri a porta. — Vou só guardar as coisas soltas na mala, ok? — Ele assentiu, e eu fui primeiro até a mesinha de cabeceira, pegando meus óculos. Eram de armação roxa, e eu me sentia ridícula com eles. Respirei fundo e me virei
para ele, que deu um sorriso misturado com riso. — O que foi? — Estou tentando achar a “patinha feia” que você mencionou outro dia. Os óculos só te deixam com cara de intelectual, nada de ruim. — Quack. Pronto, achou. — Ridiculamente imitei um pato, ouvindo-o gargalhar enquanto andava até o banheiro, tirando minhas lentes do potinho emprestado e guardando na caixinha delas. Estava indo para casa mesmo, podia ficar de óculos. Voltei para o quarto e comecei a guardar as coisas, não tinha feito muita bagunça, já que não tinha ficado tanto tempo no quarto, e rapidinho estava tudo enfiado dentro da minha bolsa. Olhei em volta, conferindo se não tinha esquecido nada. — Ok, podemos ir. — Fiz um bico, meio triste em ir embora. Aquele hotel sempre seria o lugar do meu fim de semana mágico. — Não faça essa cara, pode voltar quando quiser. — Ele pareceu ler minha mente, se aproximando e tirando a bolsa da minha mão, sendo o cavalheiro perfeito que era. — Eu sei. — Suspirei uma última vez, erguendo meu olhar para ele e sorrindo. — Vamos? — Vamos. — Ele sorriu, e em pouco tempo já estávamos no estacionamento. Óbvio que ele tinha um carro preto estiloso. Eu só sabia diferenciar carro normal para caminhonete, então não fazia ideia do modelo ou marca do dele, mas era bonito. Ele deixou minha bolsa no banco detrás, e veio abrir a porta do passageiro para mim. — Pare de ser tão perfeito — resmunguei, fazendo-o rir, enquanto entrava no carro. Ele foi para o lado do motorista, me perguntando o endereço. Eu não saberia explicar o caminho daqui para lá de jeito nenhum, já que não era um que eu fizesse normalmente, então ele me entregou o celular e eu coloquei no GPS. Mais prático. — Pronta para me apresentar sua mãe? — ele me perguntou, assim que saímos do estacionamento, entrando nas ruas movimentadas do Upper East Side. — Ela vai te encher de perguntas, e se vovó estiver lá vai ser pior — avisei. — Mas elas vão te adorar. Quem não adoraria?! — E ainda diz que eu que elogio demais... — Ele riu, seguindo as direções que o GPS dava. — Me fale mais sobre elas.
— Mamãe se chama Catarina, é uma mulher extremamente forte e maravilhosa. Me criou sozinha desde os quatro anos, que foi quando se separou do meu pai e viemos pra cá. Não entenda mal, ele nunca deixou faltar nada, mas como eu já expliquei, é difícil para ele ter como vir visitar. Enfim, ela é maravilhosa. Fisicamente não se parece muito comigo, o cabelo é liso e mais claro, e os olhos castanhos, mas eu já ouvi que tenho muito da força dela. Eu concordo, não acho que teria aguentado até aqui, se não tivesse. — Fico feliz que tenha aguentado. — Ele sorriu, segurando o volante com uma mão só e esticando a outra para fazer carinho na minha coxa de leve. — E sua vó? — Dona Mary Angela, a idosa menos idosa que eu já vi na vida. — Balancei a cabeça ao pensar nela. — Vovó nos visita sempre, mora só a três blocos de distância, e é uma pessoa incrível. Está no auge de seus quase setenta anos, e é uma das minhas pessoas favoritas no mundo. Ela é um dos motivos que eu tenho para continuar, quando quero desistir de tudo. Não gostaria de deixá ela triste. — E o que elas acharam sobre você ir ao hotel, sexta? — Eu só fui por causa delas. Foram as duas que me incentivaram a criar coragem e ir dizer oi pro bonitão que me chamou para um café. Normalmente não se vê mães, e principalmente avós, empurrando a garota para a porta de um desconhecido, mas elas já estão indo a extremos para tentar melhorar minhas crises de pânico. Teve um período que eu tinha medo até de ir até a varanda, que dirá descer as escadas até a calçada. Eu ter ido até o hotel foi uma vitória para elas, ficariam felizes, mesmo que eu nem tivesse falado com você. — Espero que elas gostem de mim. — Ele parecia genuinamente ansioso para conhece-las, e eu estava adorando isso. Não seria todo cara, na verdade, cara nenhum, que não só me entenderia até agora e iria comigo até em casa para conhecer minha família levemente caótica. — Vão gostar. Só tente não mencionar nada arriscado quando elas perguntarem suas intenções... Deus sabe como vou fazer para esconder sua cueca depois. — Senti meu rosto esquentar de novo, toda vez que tocava nesse assunto, e ele me olhou com o canto do olho. — Boa sorte. Me conte depois se deu certo. Aliás, isso me lembra que
você tem meu número, mas eu não tenho o seu. Esquecemos esse detalhe. — Resolvo num minuto. — Tirei o celular dele do apoio do carro, deixando o GPS em segundo plano e adicionei meu contato. — Pronto. — Perfeito. Agora tenho como te importunar, mesmo estando longe — brincou, me fazendo rir. Como se tivesse alguma chance de ele me incomodar. Em pouco tempo, já estávamos quase chegando, e eu desliguei o GPS. Conhecia aquela área. — Vire ali... agora aqui, à esquerda... pronto, chegamos, é aquele prédio marrom ali. — Apontei, e ele deu sorte de achar onde estacionar quase na frente. Os vizinhos com certeza olhariam, principalmente a senhora Jones, mas eu respirei fundo e desci do carro, vendo-o abrir a porta de trás e pegar minha bolsa. — Espera aí. — Puxei o zíper do bolso lateral, pegando minha chave. — Pronto. Abri o portão do prédio, simples demais para ter porteiro, e ele me seguiu até as escadas. O prédio tinha cinco andares, eu morava no terceiro, apartamento 32B. Ouvi ele dar uma risadinha das minhas caretas sedentárias enquanto subíamos a escada e contive o instinto de erguer o dedo do meio, parando na porta de casa. — Pronto? — Já nasci pronto. — Ele sorriu, e eu abri a porta. Minha mãe e minha vó estavam conversando na cozinha, enquanto mamãe fazia o almoço, consegui ouvir as vozes. — Alice, é você, querida? — Não, mãe, é o ladrão — brinquei, e entrei na cozinha a tempo de vêla revirar os olhos, enquanto limpava as mãos numa toalha e vir me abraçar. Vovó sorriu. — Eu trouxe uma surpresa. — Não me diga que gastou com alguma coisa da lojinha do hotel? — Esse souvenir é um pouco diferente... — Dei uma risadinha, vendo-a ter uma pequena surpresa ao me ver tão alegre, e Hector entrou na cozinha, deixando minha bolsa junto da porta. — Bom dia, senhoras — ele cumprimentou as duas, e o queixo de vovó caiu, enquanto minha mãe olhava repetidas vezes dele para mim.
— Bom dia... — minha mãe conseguiu responder, enquanto vovó ainda encarava. — Vó, feche a boca! — reclamei baixinho, vendo-a dar uma gargalhada alegre. Ah não, eu conheço quando ela faz isso. — Alice, você não nos avisou que o voucher do hotel incluía trazer um bonitão para casa... Hector Vanslow, não é? — Ela se levantou da cadeira onde estava, estendendo a mão para ele. — Por favor, apenas Hector. — Ele sorriu, apertando a mão dela. — Um prazer conhecê-la, dona Mary Angela. — Ele se virou para a minha mãe, o mesmo sorriso educado no rosto. — A senhora também, dona Catarina. — O prazer é todo meu... Alice o que está acontecendo? — Mamãe se virou para mim, as sobrancelhas bem erguidas. Claro que ela não se aguentaria para perguntar só depois que ele fosse embora. — Bem, mãe, eu disse que Hector tinha me convidado para um café, não disse? Então... — Dei de ombros, vendo o queixo dela cair dessa vez. Vovó encarava tudo com os olhos brilhantes. — Vocês passaram o fim de semana juntos, não foi? — vovó perguntou e Hector assentiu. Ela sorriu mais largamente. E só então minha mãe notou que eu estava sem casaco ou moletom, usando só a minha blusa de Friends. — Alice, seus braços! — reclamou baixinho. Não é que ela tivesse vergonha das minhas marcas, mas ela tinha medo do que as pessoas diriam de mim, do que me chamariam. — Está tudo bem. Ele sabe — respondi, notando que Hector não percebeu, ocupado ouvindo vovó perguntar sobre o fim de semana. — Alice teve a bondade de aceitar o café e me dar uma chance, passamos o fim de semana nos conhecendo melhor. Não fizemos nada de mais, assistimos a algumas séries que ela me recomendou e conversamos a maior parte do tempo. E ela e Rudy, meu cachorro, se deram muito bem. — Ele tinha aquele ar mágico que todos os ricos e educados tem, e convenceu vovó facilmente de que foi um fim de semana inocente. Torci para o meu rosto não ficar vermelho agora. E como se invocada pela palavra cachorro, Milady deu um latido e entrou correndo na cozinha. Me abaixei, fazendo carinho no pescoço dela. — Oi, pequena, onde você esteve? Senti saudade sua... sabia que
conheci um amiguinho para você? Ele é um pug, bem pequenininho, e se chama Rudy. Uhum, esse cheiro é dele... prometo te levar para conhecer um dia. — Sorri, beijando a cabeça dela e me erguendo de novo, deixando-a cheirar minhas sapatilhas. Quando olhei de canto para Hector, ele estava sorrindo diante da cena. — Então essa é a famosa Milady... — Ele sorriu, se inclinando e dando a mão para ela cheirar, recebendo algumas lambidas e um rabinho abanando em troca. Milady era ainda mais amigável que Rudy. — Bem, Hector, obrigada por trazer minha filha até em casa. — Se quiser ficar para o almoço... — vovó se intrometeu, me fazendo dar uma risadinha do olhar que minha mãe deu a ela. — Mãe, ele é um homem ocupado, certamente não tem tempo para almoçar no Brooklyn. — Na verdade, meu dia hoje está mais livre, se não for ser um incômodo, eu adoraria ficar. Inclusive, se quiserem envergonhar Alice me mostrando fotos antigas, eu não recusaria — ele brincou, aquele jeito charmoso conquistando minha vó sem esforço algum, e até minha mãe começava a se render. — Muito bem, já que não é problema... espero que goste de frango frito. — Gosto sim. — Ele sorriu, e eu entrelacei discretamente meus dedos aos dele, o puxando para mesa. É claro que vovó notou, nos seguindo com o olhar, enquanto minha mãe já tinha virado de costas para terminar o almoço. — Você é maluco, aceitando ficar — sussurrei, vendo-o sorrir em resposta. — As melhores pessoas são, Alice. — Pare de bancar o chapeleiro. — Não consegui segurar o sorriso. — Então, Hector — vovó se sentou na cadeira ao meu lado, de frente para ele —, eu soube que você e seus irmãos estão trabalhando com órfãos? Me conte mais do projeto... E ele explicou, enquanto vovó fazia perguntas e comentários e minha mãe finalizava o almoço. Assisti, quietinha, a ele interagir com elas e elogiar a comida da minha mãe, que ficaria toda alegrinha quando eu contasse que o
chef com quem ele a comparou tinha uma estrela Michelin. Ele teve que ir embora logo depois do almoço, havia chegado uma mensagem sobre uma reunião de algo com o Empire de Los Angeles, não me importei muito com os detalhes empresariais, sabia que esqueceria tudo num piscar de olhos. Tinha coisas mais importantes para lembrar. Consegui, enquanto mamãe e vovó lavavam a louça, roubar um beijo de despedida antes de ele sair. Suspirei ao fechar a porta, começando finalmente a acreditar que aquilo era real, e não um sonho.
Fazia uma semana desde que eu voltei do hotel, e a mágica ainda não tinha acabado. Hector me ligou naquela mesma noite, e ficamos conversando aleatoriamente sobre a reunião dele e a minha audição para a peça, que havia sido remarcada para o dia seguinte — tinham candidatas demais à Bianca. Era estranho, porque eu normalmente odiava falar ao telefone, mas com ele eu não me incomodava. Ele me explicou que gostava mais de ligações do que mensagens, e fez pleno sentido. Ele era mais velho, afinal, e tinha o detalhe de que eu adorava ouvir a voz dele. Os resultados do elenco feminino iam ser divulgados amanhã, e eu estava extremamente ansiosa, e morta de medo. Parte de mim queria ganhar o papel, enquanto outra parte estava apavorada com a ideia de ter que carregar a peça nas costas como a protagonista. O elenco masculino sairia hoje, e em menos de duas horas saberíamos quem faria o papel de Jonathan. Eu tinha assistido às audições, toda minha turma tinha, e estava apostando em Logan ou Eric para o papel. Eles eram opostos fisicamente, Logan tinha pele clara e Eric escura, olhos azuis e olhos castanhos, musculoso bombado e corpo padrão... o roteiro tinha sido feito de uma forma que o físico dos personagens não era relevante para a história, por isso teve abertura para todos tentarem o
personagem que quisessem. Eu agora tinha acabado de achar um lugar para sentar no metrô, e meu celular vibrou com uma notificação. Hector. H: Ansiosa? A: Muito! Ainda não aceito ter que esperar mais um dia para saber os resultados. H: Respire fundo. A espera vai valer a pena, minha futura Bianca. A: Você tem muita fé em mim. H: Claro que tenho! Você é incrível. A: O que discutimos sobre elogios? H: Que eu podia dizer eles sempre? Haha. H: Certo, parei. A: Bobo. Tenha um bom dia no trabalho. H: Boa aula. Pensamento positivo! Balancei a cabeça para a tela, clicando na foto de perfil dele. Ele estava sério, parecia esconder do mundo aquele sorriso maravilhoso que eu tanto adorava ver. Durante a última semana me peguei arrependida de não termos tirado uma foto juntos durante aqueles dias, queria ter uma recordação nossa. Sim, eu normalmente odiava tirar fotos e a minha de perfil era um desenho de uma personagem que eu gosto, mas valeria a pena quebrar essa regra com ele. Abri minha bolsa, uma espécie de mochila em tamanho médio, e peguei o livro que estava lendo. Era um romance de época, daqueles fofinhos e melosos, e eu às vezes ficava comparando Hector com o protagonista. Eles eram parecidos, mesmo que Hector fosse um pouco mais atirado, mas isso se devia à época. Li bem umas cinquenta páginas no caminho, guardando o livro quando estava perto da estação de Manhattan, descendo no mesmo ponto de sempre e andando os poucos quarteirões dali até o campus da Lucille, como fazia todos os dias, desde que começaram as aulas, em setembro. No começo, eu ficava nervosa, olhando em volta o tempo todo, apressava o passo por qualquer
coisinha. Agora já havia se tornado rotina, e isso era um progresso bem grande no meu tratamento. Passei pelos portões da Lucille, seguindo até o prédio de atuação. Estava me sentindo corajosa hoje, então até acenei para umas duas pessoas, e respondi o “oi” de um novato. Eram raros esses dias, mas eu gostava quando aconteciam. Hoje não teríamos a primeira aula, por causa do anúncio, então caminhei pelos corredores até a porta do nosso auditório de audições. Já estava meio cheio, e eu encontrei um lugar em uma das fileiras do meio, ficando com a mochila no colo para não ocupar um lugar a mais com ela. Não tinha amigas de fato para ficar perto, mas Anne, a garota que sentava do meu lado em uma das aulas, veio sentar do meu lado, me desejando boa tarde. Cumprimentei-a, usando um dos meus sorrisos ensaiados, aqueles que eu dava no dia a dia, não totalmente espontâneo, mas o bastante para ser educada. E então os três professores responsáveis pela peça entraram no palco do auditório, e todo mundo se calou quase que no mesmo instante. Eu não era a única ansiosa pelos resultados. — Boa tarde, alunos — Louis, um dos professores mais velhos, se pronunciou primeiro. Ele havia sido uma sensação do teatro quando era mais novo, feito até duas peças na Broadway. Era uma honra o ter como professor. — Imagino que estejam ansiosos pelos resultados, não é? Pois bem, não vamos torturar vocês por mais muito tempo. — A começar pelo papel de Carlos... — Erika, professora de drama um, começou a falar. É claro que eles deixariam Jonathan por último, começando o anúncio pelos personagens terciários e secundários. Foi uma narração enorme de nomes, e eu podia ouvir algumas comemorações da plateia. No final, só tinham sobrado dois papéis, Liam e Jonathan. Ela respirou fundo, fazendo suspense. — Foi uma decisão difícil, dois alunos, que já eram nossa expectativa, ficaram quase empatados na luta pelo papel, mas infelizmente só podemos ter um Jonathan, e ele será... Eric Swan! Logan, você ficou com o papel de Liam. O auditório explodiu em palmas, o próprio Logan estava contente pelo colega, assobiando um “uhuul”. Fiquei feliz com o resultado, Eric era simpático e extremamente talentoso, daria um Jonathan maravilhoso. E se eu
fosse escolhida como Bianca, o que eu duvidava, particularmente iria preferir trabalhar com ele ao Logan, Eric e eu tínhamos sido postos como dupla num trabalho no começo do semestre e ele foi simpático com a minha timidez. — Ok, ok, sabemos que estão felizes. — A terceira professora, Miryan, deu um sorriso enorme para nós. — Como sabem, os resultados dos papéis femininos, incluindo o de Bianca, serão divulgados amanhã. Mas algo que vocês não sabiam, é que divulgaremos as finalistas hoje, e faremos um teste de química com nosso Jonathan. Eric, se puder nos fazer a gentileza de vir até o palco. Arregalei os olhos, sentindo meu corpo inteiro gelar, ouvindo os sussurros pelo auditório. Ninguém esperava por aquilo. Fazia sentido, a maioria dos elencos sempre escolhe um dos protagonistas e faz testes de química para o resto, mas normalmente isso é avisado. Engoli em seco, sentindo o medo de já ser descartada logo hoje. — Os nomes que eu chamar, por favor, se dirijam até os bastidores. Luane Johnson, Caroline Fisher, Isabella Freeman e Alice Rogers. O resto de vocês, já para a aula. — Foi Erika quem chamou os nomes, e eu senti meu corpo pesar ao ouvir o meu no final. Engoli em seco, sentindo Anne cutucar meu braço. Me virei para ela. — Boa sorte. — Ela sorriu e eu assenti, sem encontrar minha voz para dizer obrigada. Segurei firme a minha mochila e me levantei, caminhando devagar até a escada lateral do palco, indo me reunir com as outras três nos bastidores. Luane e Caroline eram morenas como eu, a primeira com a pele mais dourada, e Isabella era uma ruiva daquelas que se vê em capas de revistas e letreiros de Hollywood. Eu era a única do grupo que estava acima do peso padrão. Respirei fundo, dando um sorriso nervoso para elas. Só Caroline respondeu, sorrindo de volta. E então a segunda audição começou. Cada uma de nós ganhou uma folha com um trecho de alguma cena, e nos deram alguns minutos de preparação. Foram nos chamando por ordem alfabética de sobrenome, então eu fui a última. Eu poderia ter ficado feliz por ter tempo a mais para me preparar, mas em vez disso, eu fiquei ansiosa e com medo de ter que superar as três que foram antes de mim. Por sorte, eu conhecia a cena que ganhei, era pouco depois da que eu mostrei a Hector, domingo passado. A cena da
reconciliação. Meu nome foi chamado, e eu vi de relance as outras três garotas na plateia. Respirei fundo, me aproximando de onde Eric estava. — Nervosa? — Bastante — admiti, vendo-o sorrir. — Deixe sua Bianca interior aparecer. Respire fundo... boa sorte. — Ele era bem amigável. — Podem começar — Erika avisou, e eu respirei fundo duas vezes, entrando na personagem. Eric começou, a primeira fala era do Jonathan. — Bia? Eu... me desculpa, tá? Eu não devia ter explodido, não devia ter te chamado de... não vou nem repetir, eu devia ter te entendido. — E você alguma vez já me entendeu, Jonathan?! — Li rapidamente as falas, transmitindo emoção na voz. Tinha tido um tempinho de memorizar um pouco, ao menos tinha essa vantagem. — Alguma vez você se importou com algo além de você mesmo? — Com você. Sempre me importei com você, desde que te conheci no ensino médio, e me importo mais ainda agora que eu sei de tudo. Eu reagi mal, eu te tratei mal, mas me desculpa, por favor. — Ele deu um passo à frente. — Você tem noção do quanto eu te amo? Do quanto eu nunca deixei de amar? — Se me amava tanto... — Fiz uma pausa, como imaginei que Bianca faria, tomando fôlego num soluço de choro artístico. — Se me amava tanto, por que foi embora? Eu podia ter ido com você atrás das gravadoras, podia ter te seguido na estrada quando fizesse os shows... por que não me procurou depois? Por que esperou que o destino viesse com essa chance aleatória de me ver de novo, por acaso? — A emoção na minha voz foi crescendo, e era como se as emoções de Bianca fluíssem por mim, eu não era mais Alice nesse momento. — Eu achei que você teria seguido em frente! Bianca, se eu tivesse alguma noção do que aconteceu, do bebê... — Ele se aproximou mais e sua mão estava no meu rosto. — Me perdoa pelo outro dia. Eu sei que você não teve escolha, sei que foi culpa minha. Me perdoa por tudo, pelos erros do passado e do presente... me dê uma última chance. — Jonathan...
— Só mais essa chance, e eu juro nunca mais desperdiçar seu tempo se der errado. Por favor... — E então seria a cena do beijo, mas Erika nos parou antes, a voz estridente nos tirando do personagem. — Muito bem, acho que já vimos o bastante. — Ela anotou algo na prancheta, enquanto eu e Eric nos afastávamos e eu voltava a ser a Alice medrosa e ansiosa de sempre. — Estão todos dispensados. — Ela não ergueu os olhos da prancheta. Suspirei, indo pegar minha mochila nos bastidores, e quando voltei as meninas já tinham saído, mas Eric estava me esperando. — Você foi muito bem. A melhor das quatro, se minha opinião valer de algo. Elas não tiravam os olhos do papel. — Tive tempo de vantagem. — Dei de ombros e começamos a andar para fora do auditório. — E essa cena é logo depois do meu monólogo da primeira audição, então eu já conhecia. — Sortuda. — Ele sorriu. — Eu fiz a audição com a cena dele narrando no começo, contando a versão do que aconteceu. Deu certo. Você ajudou a escrever, né? Sei que foi feito pela sua turma a maior parte. — Ele estava uns dois semestres à frente que eu. Assenti. — Ajudei, um pouco. Eu dei a ideia de fazer a base dos anos separados por causa de um livro que li. Eu queria ter dado a ideia de fazer a peça do livro em si, mas além de precisarmos de um roteiro original, eu tive vergonha de mandar um e-mail para a autora pedindo autorização. — Ainda assim, ficou ótima. Agora, eu não entendi ainda por que o título Espelhos. — Os dois são espelhos um do outro. Os erros dele agora, foram dela no passado; os medos dela agora, foram dele quando se afastaram. Os dois passam pelos mesmos sentimentos, em momentos diferentes. — Dei um sorriso pequeno. — Minha sala é ali. — Indiquei a porta 315, parando quando chegamos. — Boa sorte amanhã. Eu e Rob vamos torcer por você. — Rob... tentei me lembrar do que ouvia nos corredores, acho que era o ficante ou colega de quarto de Eric. Não tinha certeza. — Obrigada. — Sorri, entrando na sala em seguida. A professora ainda não havia chegado, e ninguém notou minha presença, enquanto eu ia quietinha até minha cadeira habitual. Aproveitei que tinha um tempinho e
digitei uma mensagem rápida para Hector. A: Sou finalista pro papel. Teve audição final de surpresa. Depois conto tudo. H: Me liga depois do jantar. Sorri, desligando a tela quando a professora entrou e começando a prestar atenção. Essa aula era teórica, história do teatro, mas eu gostava, era uma das únicas que assistia enquanto a maior parte da sala cochilava ou fazia outras coisas. O resto do dia passou rápido, meus pensamentos voando para o resultado amanhã. Eu nem pensei que teria qualquer chance, e agora era uma das quatro finalistas. Mesmo que não ficasse com o papel, já tinha sido uma conquista e tanto chegar tão perto. Voltei andando, distraída, pelas ruas até o metrô, e me deixei distrair a mente no livro que estava lendo até chegar em casa, acompanhando as aventuras da mocinha apaixonada pelo libertino cavalheiro. Como sempre, já estava começando a escurecer quando cheguei em casa, destrancando o portão e dando tchauzinho para a senhora Jones, que regava as plantas da varanda. Subi até o apartamento, quase morrendo com as escadas. Morei aqui a vida quase toda e ainda não me acostumava e ficar subindo escada. — Mãe, cheguei! — Estou no quarto! — minha mãe gritou de volta, e eu andei até lá, vendo-a na máquina de costura. Ela fazia roupas e remendos para ajudar, quando não estava trabalhando na lanchonete. — Como foi seu dia? — Começou muito bem. Sou uma finalista para o papel de Bianca, fizeram uma segunda audição com teste de química com o Jonathan escolhido. — Quem ganhou? — Eric. Fiquei feliz, mais fácil criar química com ele do que com Logan, que nunca nem conversei. — Me joguei na cama dela, chutando as sapatilhas para fora dos pés. — É um bom sinal. Você vai conseguir. — Ela sorriu, desligando a
máquina e se levantando. — Está com fome? — Uhum. O que tem para o jantar? — Carne com batatas. — Me levantei e fui seguindo-a até a cozinha, me sentando no balcão livre enquanto ela esquentava a comida. — Sua vó mandou perguntar como andam as coisas com Hector. — Fiquei de ligar para ele depois do jantar. — Sorri, e ela ergueu uma sobrancelha. — De novo? — Sim. Gosto de falar com ele. — Deve gostar mesmo, você odeia ligações! — Ela riu, desligando o fogo. — Pegue um prato. — Obedeci, indo até o fogão e me servindo. — Só tome cuidado, minha filha. Não quero que se machuque no final, já achei arriscado demais ter mostrado os cortes a ele. — Ele não me julgou, mãe. Ele me olhou com tristeza e carinho, mas nenhum traço de nojo. E me abraçou. E pensa pelo lado bom, agora tem mais alguém na luta pra que eu pare. — Por falar nisso, tirei o casaco, deixando no encosto da cadeira, voltando a comer. — Como estão os das pernas? — Melhores. Estou passando a pomada direitinho, e não fiz mais depois. — Era mentira. Semana passada eu fiz alguns arranhões, na véspera da primeira audição. Tinha ficado nervosa e ansiosa demais, precisava do meu “calmante”. Quando estava bem, como hoje, eu me sentia ridícula, e muitas vezes me julgava ao ponto de ficar mal e precisar cortar de novo para aliviar o sentimento. Mas ao menos os últimos não foram fundos. — Ótimo. Rumo ao novo recorde, não é? — Sim. — Dei um sorriso desanimado, acabando de comer e indo lavar logo meu prato. — Vou para o meu quarto. — Diga a ele que sua vó mandou um oi — mamãe disse, enquanto eu colocava o prato no escorredor e praticamente corria até o quarto no final do pequeno corredor. Peguei o celular, clicando no nome dele e deixando no viva voz, me deitando com o celular ao lado. Ele atendeu depois de três toques. — Boa noite, deusa.
— Boa noite. — Me virei de bruços, ficando de frente para o celular. — Como foi seu dia? — Parado. Nenhuma reunião, nenhuma emergência... o mais interessante que aconteceu no hotel o dia todo foi um garotinho que teimou que um outro hóspede era algum personagem de um filme infantil. Não prestei atenção em qual. — Eu quase podia vê-lo dando de ombros. — E o seu? Falou algo de uma audição surpresa. — De última hora, chamaram quatro finalistas à Bianca para um teste de química com o Jonathan, no caso, Eric. E amanhã vão dar o resultado. — Teste de química, hein? Se fosse comigo, o papel já era seu. — Eu conseguia sentir pela voz que ele estava dando um sorriso, me fazendo dar uma risada baixa. — Se fosse com você, nem precisaria de audição, seria só olhar para nós dois juntos. — Suspirei, com saudade de tê-lo pertinho. Semana passada foi corrida, e esse fim de semana ele teve que viajar para resolver algo no hotel, em Atlantic City, e precisou ficar lá até ontem. — Acha que conseguiu o papel? — Não sei. As outras três também eram muito boas, mas Eric disse que está torcendo por mim. — Devo ficar com ciúme? — ele brincou, me fazendo rir baixinho. — Acho que não. Não consigo me lembrar de jeito nenhum se ele é gay, ele mencionou um Rob, mas não me vem à memória se é o ficante ou o colega de quarto dele. De qualquer forma, não precisa se preocupar, eu só tenho olhos para você. Bem, e para Rudy. — Ladrãozinho de quatro patas. — Ele riu, e ouvir sua risada era como o paraíso para mim. Eu estava gostando do rumo que as coisas estavam tomando. — Não fale assim com o meu bebê, não é culpa dele ser tão adorável. — E eu não sou adorável? — Não. — Dei uma risadinha, fazendo uma pausa. — Você é gostosão. — Meu rosto queimou, mas nem metade do que queimaria se ele estivesse na minha frente. Ouvi a gargalhada dele, e podia imaginar que estava balançando a cabeça negativamente.
— Você é terrível. — Nunca disse que não era — devolvi. Eu estava bem confortável com ele, ainda mais ao telefone, e principalmente depois de tudo. Tinha se tornado fácil ser eu mesma com ele, da mesma forma que eu era com Abigail e Gabrielle. — Queria te ver. Vou soar como um bobo se disser que estou com saudade dos seus beijos? — Então somos dois bobos, porque eu também estou com saudade dos seus — admiti, gostando da forma leve e sincera com que ele tratava nossa relação. — Vem me ver — convidei, mordendo meu lábio inferior, me sentindo nervosa. — Vou mesmo. Quando menos esperar, eu apareço na sua porta. — Me avise antes, ou vovó me mata por não dizer a ela que você vinha. Ela ficou caidinha por você. — Ri, me lembrando de vovó falando nele o tempo todo, perguntando quando meu bonitão viria de novo. — Pelo visto, o bom gosto é de família, então. — Eu imaginei aquela piscadinha dele acompanhando essa frase. Fazia sentido. — Engraçadinho. — Segurei o celular, me levantando da cama e me espreguiçando. — Vou ter que desligar, já, já. Ainda preciso tomar banho e me preparar psicologicamente para amanhã. — Sabe que não importa o resultado, eu vou estar orgulhoso de você, não sabe? Minha atriz prodígio. — Eu gostava do carinho que tinha na voz dele quando dizia “minha” alguma coisa. — Sei disso. E obrigada pelo apoio. E por me aturar falando só nisso, há uma semana. — Eu gosto de te ouvir falar, principalmente quando você se empolga com algo. É como se eu pudesse ver você aqui, na minha frente, os olhos brilhantes e o sorriso que você nem percebe que está dando. Linda demais. — Ok, elogios demais, vou tomar meu banho. — Eu ficava esquisita com elogios, nunca fui acostumada com eles. — Assim que disserem o resultado, eu te mando uma mensagem. — Não vou largar o celular o dia inteiro. — Eu pude sentir o sorriso dele de novo. — Até amanhã, deusa.
— Até amanhã. Dê um beijo em Rudy por mim. — Sorri, desligando, suspirando e me deixando cair deitada de costas de novo, encarando o teto. Seria cedo demais se eu começasse a chamá-lo de “amor”? Eu queria ter um jeitinho fofo de chamar ele também, mas não conseguia pensar em nada além disso. Suspirei, levantando da cama e indo tomar logo meu banho, lavando o cabelo com meu shampoo e condicionador de mel. — Alice, já te falei para não lavar o cabelo antes de dormir... — minha mãe me repreendeu ao me ver de pijama e com a toalha enrolada na cabeça. — Vai acabar com cheiro de mofo. — Sério que você vai acreditar naquelas teorias loucas de tia Ellen? — Minha tia Ellen era casada com o irmão mais novo da minha mãe, só tinha uns trinta anos e era completamente insana. Vivia querendo que eu perdesse peso, mesmo que vovó brigasse com ela por me pressionar. — Essa ao menos faz sentido. — Minha mãe deu de ombros, vindo beijar minha testa. — Já vai dormir? Não são nem dez horas. — Quero ver se amanhã chega logo. Já vou tomar os remédios e deitar, torcer para não ter insônia de ansiedade. — Vai dar tudo certo, você vai ver. — Ela sorriu, me deixando passar para pegar a garrafinha de água, e voltei para o quarto, pegando meu portacomprimidos e despejando os de hoje na mão. Um era cor-de-rosa, o outro era branco. Eu vivia esquecendo os nomes, já que não ficava com as caixas. Peguei meu livro e desliguei a luz do quarto, acendendo meu abajur e começando a ler um pouco, enquanto o sono não vinha. Estava morta de ansiedade, mas o cansaço falou mais alto, e acabei dormindo ainda com o livro nas mãos.
Acordei cedo. Bem cedo, mal eram oito horas. Eu sabia que ia passar o dia bocejando, mas estava nervosa demais para conseguir dormir de novo, então pulei da cama, de pijama mesmo, indo até a cozinha trocar minha garrafinha de água de ontem por uma que estivesse gelada. Minha mãe já estava na máquina de costura, e eu dei um tchauzinho para ela, voltando para o quarto. Fiquei tentada a ligar para Hector e pedir para ele me distrair com
papo sobre negócios até a hora de almoçar e sair de casa, mas achei melhor só falar quando já soubesse a resposta se, afinal, seria ou não Bianca. Fiquei fazendo absolutamente nada até a hora do almoço, revirando minha pequena estante de livros – eu lia a maioria por e-book, que eram mais baratos, mas sempre que podia comprava algum em físico, como o que estava lendo ontem. Troquei de roupa e almocei numa velocidade impressionante, indo correndo para o metrô, gritando um “tchau, mãe” antes de sair. A sensação que eu tinha era de que hoje os trens estavam indo mais devagar e parando por tempo a mais em cada estação até Manhattan, mas sabia que era por causa da ansiedade. Devia ter tomado um dos calmantes naturais à base de maracujá que tinha em casa. Quando finalmente parou na minha estação, eu fui a primeira a sair do vagão, andando a passos apressados. Era Nova Iorque, ninguém acharia estranho se eu corresse, havia sempre algum louco atrasado na rua, mas me controlei para apenas andar rápido até lá. Fui uma das primeiras a entrar no auditório, e fiquei descascando meu esmalte até os professores chegarem. E então começaram os anúncios. — Emma Green, como Jenna... — Foram passados de nome em nome, e duas das finalistas já foram descartadas como secundárias. No final, só havia Bianca restando, o que significava que uma teria o papel e a outra ficaria nos bastidores. Estava entre mim e Isabella Freeman. — E o tão esperado anúncio, que eu sei que é o único motivo da maioria estar aqui... Bianca será interpretada por Alice Rogers. Algumas pessoas aplaudiram, Eric gritou um sonoro “uhuul” em comemoração, e eu estava de olhos arregalados e boquiaberta. O papel principal era meu?! — Parabéns, Alice. — Anne sorriu, e eu nem tinha percebido que ela tinha sentado ao meu lado de novo. — Obrigada... — Eu estava sem reação. Professor Louis chamou todos os selecionados para irem pegar os roteiros completos e revisados, e notificou que estávamos dispensados do resto das aulas dessa semana para memorizarmos as falas, e que a partir da próxima teríamos ensaios segundas, quartas e sextas, após a aula. Andei até lá devagar, segurando as mangas do casaco que usava, uma blusa xadrez de flanela, e peguei o roteiro onde as minhas falas estavam grifadas em marcador amarelo.
— Eu disse que você tinha sido a melhor. — Eric se aproximou de mim, com um garoto ao seu lado, de mãos dadas. Ah, então Rob era o ficante, mesmo... talvez até namorado. Fofos. — Eu ainda não estou acreditando... ah! — Lembrei-me da promessa que fiz a Hector e peguei o celular, digitando bem rápido as palavras “Eu ganhei o papel!” e enviando. — Pois acredite, Bianca. — Ele sorriu, pegando o roteiro com as falas grifadas em azul. — Boa sorte para decorar tudo isso em uma semana... — Para você também. Ao menos, temos a semana livre para fazer isso. — Sorri, sentindo a alegria começar a surgir dentro de mim. Eu tinha conseguido! — Isso. Te vejo segunda? — Uhum — assenti, pela primeira vez sorrindo de verdade dentro da faculdade, e não um sorriso automático. Dei um tchauzinho para ele e Rob, e comecei a descer as escadas laterais, meu roteiro enorme nas mãos, indo em direção à saída lateral do auditório. Estava quase saindo, quando ouvi a voz de Isabella. — Ela é uma vagabunda, isso sim! Ouvi Emma contando a alguém que a viu no quarto daquele rico que veio dar aquela palestra. E pensar que ela “ganhou” o tal sorteio do fim de semana... devia ser tudo combinado. E não duvido nada que ela tenha chupado Louis para ganhar o papel, vagabunda uma vez, vagabunda sempre e... — Ela percebeu que eu estava parada, ouvindo-a falar, e deu uma risada cruel, daquelas que eu conheci bem no ensino médio. — E então, vadiazinha, valeu a pena chupar saco de velho para tirar o papel de mim? — Eu não... — Ah, vai se foder com esse papinho de menininha quieta e inocente. Você é uma vagabunda, que não sabe nem atuar direito. Ou, por acaso, seu namoradinho rico que pagou para te colocar na peça? Ele, eu chuparia sem problema nenhum por um papel... Ela ainda estava falando e rindo quando eu dei às costas e saí andando, começando a correr assim que saí do auditório. Corri até chegar ao metrô, tentando com todas as forças não chorar, minha respiração ficando pesada e dolorida enquanto eu enfiava as unhas nas palmas das mãos, procurando
alguma dor, enquanto não chegava em casa para me aliviar nas lâminas. A pequena viagem passou como um borrão, os sinais de crise aparecendo, e subi as escadas quase me arrastando, caindo no choro na metade, e quando abri a porta de casa, eu desabei.
Eu não consegui segurar um sorriso grande e orgulhoso quando recebi a mensagem de que Alice tinha conseguido o papel. Eu hoje estava no Empire de Atlantic City de novo, tudo porque eu fui burro de cair no papinho de Ethan, de que seria uma boa ideia abrir um cassino no hotel. Devia ter escutado Roman dizer que era uma péssima ideia e que cassinos davam trabalho na mesma medida que davam lucro, e vez ou outra dava prejuízo, principalmente para nós que não éramos do ramo, mas o imbecil aqui se deixou levar pela conversa de Ethan que daria certo, e agora eram viagens direto pra supervisionar o começo e os problemas com apostadores revoltados. Aparentemente, o gerente não sabia se virar sozinho. E era uma viagem de duas horas de carro de Atlantic City até Nova York, viagens essas que eu e Nick já poderíamos fazer de olhos fechados. Fim de semana passado, eu até o dispensei e vim sozinho, aproveitando para correr um pouco atrás do volante. Queria ter trazido Alice comigo, mas sabia que ficaria ocupado demais e não teria muito tempo para ela, então preferi não. Era melhor esperar para que nossa primeira viagem juntos fosse mais tranquila. Eu estava no meio da reunião com o gerente quando a mensagem dela
chegou, a notificação com o som diferente do toque geral. Só ela e minha família tinham esse toque diferente, fazia isso pra saber quando podia ignorar e quando não podia. — Desculpe, prossiga. — Desliguei a tela, voltando a olhar para o gerente. O homem tinha uns quarenta anos, se chamava Marshall Stein, e entendia tão pouco de cassinos quanto eu. — Como eu ia dizendo, precisamos de mais seguranças. — Por mim, fecharíamos o cassino e faríamos, sei lá, uma ala de bingo para idosos de férias, uma ala de lazer, um salão para casamentos... qualquer coisa normal e que saibamos como lidar. — Bufei, querendo sair logo dali. Não aguentava mais um problema novo por dia com aquele cassino. — Mas veja, o cassino tem grande potencial. O problema é que precisamos urgentemente de alguém com experiência no ramo... um gerente só para a parte do cassino, enquanto eu cuidaria da parte da hotelaria. — E aonde vamos achar alguém com experiência em cassinos e paciência para lidar com essa bagunça que fizemos? Aqui não é Vegas, por mais que tente ser. Não vai ter um mestre de jogos em cada esquina esperando por ser contratado. — Eu queria ir embora. Já queria ir desde quando cheguei, antes do almoço, e agora que havia recebido a mensagem de Alice queria mais ainda voltar para Nova Iorque e surpreendê-la com uma visita de parabéns. Mas em vez disso, eu estava preso aqui, resolvendo um problema que era culpa de Ethan. Ok, a culpa era minha por levar algo que ele diz a sério. — Chegamos ao ponto que eu queria. Tenho um primo que trabalha em Vegas, gerente de hotel também, e ele conhece um agente de cassinos que não cobra um preço muito alto, e quer vir para a costa leste. — Qual o preço dele? — Bem... — Quer saber, não importa. Se for razoável, pode contratar para um período de experiência, qualquer coisa que me livre de ter que ficar vindo pra cá o tempo todo. — Eu raramente reclamava ou me irritava no trabalho, mas já estava impaciente com tudo isso. E ansioso para ver Alice. Stein ergueu uma sobrancelha, dando um sorriso. — Quem é a garota? Eu trabalho com ricos e hoteleiros há muito
tempo, senhor Vanslow, e a única coisa que deixa sua espécie ansiosa para largar uma reunião de negócios, é mulher. — Ele riu, daquele jeito que os mais velhos riem quando querem mostrar que conhecem a vida. Fiz uma careta, mas acabei rindo um pouco. — A mensagem que recebeu foi dela, não foi? Nem tentou esconder o sorriso. — Sim. Ela é atriz, e conseguiu o papel que queria numa apresentação. Não me leve a mal, mas eu preferiria passar o resto da minha tarde e a noite comemorando com ela do que discutindo esse projeto estúpido de cassino com você. — Entendo perfeitamente. Vou entrar em contato com o meu primo, e pedir para que o tal agente entre em contato comigo. Mando um e-mail para o senhor confirmando antes de fechar qualquer negócio, e evitamos que precise vir até aqui de novo. Melhor assim? — Bem melhor. — Sorri, afastando minha cadeira da mesa e me levantando, vendo-o fazer o mesmo. — E me perdoe o mau humor, é que eu realmente não aguento mais esse cassino. — Bastante compreensível. — Ele deu um tapinha no meu ombro, sorrindo. — Vá encontrar sua garota. — Você é casado, Stein? — perguntei, enquanto entrávamos no elevador. — Sou. Felizmente casado há quinze anos, e tenho dois filhos. Minha esposa está em casa me esperando, provavelmente tão ansiosa quanto a sua garota, e odiando esse cassino tanto quanto nós. — Ele riu, e eu balancei a cabeça. — Quinze anos... meus parabéns. — Obrigado. Um conselho não solicitado: ame a sua garota como se ela estivesse prestes a ir embora, e ela nunca irá. — Ele deu um daqueles sorrisos de quem entende do assunto e saiu do elevador, me deixando sozinho com seu conselho. Parando para pensar, fazia bastante sentido. As pessoas tendem a amar com mais força quando estão prestes a perder quem amam. Se amassem assim, desde o início, não correriam o risco. Fiquei com isso na cabeça enquanto descia no estacionamento e ia até o meu carro. Nick havia tido um problema familiar e eu o liberei do serviço hoje, então eu mesmo tinha dirigido até aqui. Entrei no carro e dei a partida,
entrando na rodovia e enfiando o pé no acelerador. Chegaria a Nova Iorque bem quando Alice normalmente saía da aula, daria tempo de estar esperandoa com flores para a parabenizar. Senti um aperto no peito, daqueles que minha mãe chamava de pressentimento, e estranhei. Eu raramente tinha um pressentimento de algo. Dei de ombros e continuei a dirigir, aproveitando que ao menos a rodovia estava limpa e indo no limite de velocidade permitido, ameaçando ultrapassar um pouco às vezes. Quando entrei na zona metropolitana, só tinha gastado uma hora e quarenta. Só dependia do trânsito agora para chegar à casa dela. Bem, do GPS também, havia decorado o endereço, mas não como chegar lá. Parei na primeira floricultura que encontrei no caminho e peguei um buquê de rosas vermelhas, do tipo de clichê romântico que eu imaginei que ela gostaria, e com mais alguns minutos estava estacionando na rua dela. Desci do carro, pegando o buquê e vendo a senhorinha do segundo andar me observar da varanda. Parei em frente ao portão, suspirando. Como surpreendê-la sem tocar a campainha? Ergui meu olhar. — A senhora poderia... — Está aberto, querido — a senhorinha gritou lá de cima, os olhos atentos, adivinhando a pergunta que eu faria. — Obrigado. — Sorri, abrindo o portão e subindo as escadas até o segundo andar. Parei em frente ao apartamento dela, respirando fundo e batendo à porta. Precisei bater de novo, ouvindo barulhos vindo lá de dentro, mas ninguém vinha me atender. Bati uma terceira vez, até que a mãe dela abriu a porta, uma expressão estranha no rosto. — O que... ah, Hector. Olhe, essa não é uma boa hora... — Ela olhou por cima do ombro, suspirando e se virando para mim. — Alice não está bem. Agora, se me der licença... — Não está bem? O que aconteceu? — Meu peito pesou na hora, mil possibilidades horríveis me passando pela cabeça. — Isso é coisa de família, por favor, vá embora e... — Ouvimos um grito vindo do fundo do corredor, e ela esqueceu minha presença ali, correndo naquela direção. Não pensei nem por meio segundo antes de correr atrás, jogando as flores no sofá quando passei por ele.
O final do corredor dava no quarto de Alice. E o que eu vi ali me cortou o coração, ela encolhida no chão, com um corte profundo no antebraço, logo abaixo do cotovelo, chorando de forma desesperada e segurando a lâmina contra o pulso, as mãos tremendo. A mãe dela arfou em choque, e eu tive que pensar rápido. Qualquer palavra errada aqui poderia ser fatal, e eu não suportaria vê-la... Não, não iria nem pensar nessa possibilidade. — Alice, filha... — a mãe dela começou, a voz de quem queria chorar. — Não! — ela gritou, a mão que segurava a lâmina tremendo mais. — Eu não... eu não sou... não é justo... — Ela parecia falar sozinha entre os soluços do choro, e eu engoli em seco. Eu sabia que ela teria crises, sabia que a situação poderia ficar pesada, mas não pensei que seria tão cedo, e que seria assim. Era muito mais assustador na prática. — Eu só... chega... — Ei... — comecei, e ela levou um susto com a minha voz, erguendo o olhar. E então o choro aumentou. — Ei, está tudo bem... olhe pra mim. Vai ficar tudo bem... — Eu mesmo não conseguia acreditar completamente nas minhas palavras, mas precisava mostrar confiança. Qualquer tropeço seria perigoso demais. Dei um passo pequeno para a frente. — Eu estou aqui com você. Você vai ficar bem, ainda não é o fim. — Chega... dói demais... — Ela mal conseguia encontrar ar para falar entre os soluços, o rosto vermelho de uma forma totalmente diferente da que eu achava linda e com que eu sonhava acordado. — Chega... — Alice... Deusa... vamos conversar. Solte isso, deixa a gente cuidar desse machucado... — Era difícil encontrar as palavras sem ter a mínima noção do que havia acontecido, e eu estava apavorado. A ideia de tão facilmente perdê-la se tornou meu novo maior medo. Me aproximei mais, ficando a uma distância segura e me agachando perto dela, estendendo a mão. — Vem cá. — Não... você não sabe... elas... que eu... tudo de novo... — Ela ficava mais vermelha quanto mais se esforçava para encontrar ar para falar. Mantive a mão estendida, meus olhos nos seus, tentando quebrar aquela barreira perigosa. A mãe dela se aproximou, parando atrás de mim. — Filha, você não está sozinha. Estamos aqui. — Ela encontrou a própria voz, que falhou um pouco. Alice afastou a lâmina do pulso, apenas um pouco, como se começasse a mudar de ideia. — Confia em mim. Deixa a gente te ajudar, isso vai passar. — Ela
ficou em silêncio, olhando do pulso e do corte aberto para a minha mão, várias vezes. E então o choro mudou, os olhos dela se arregalando, clareando como se finalmente me reconhecessem. — Hector... — Ela soluçou, os dedos se abrindo e soltando a lâmina, as mãos tremendo. Ouvi a mãe dela respirar e a puxei para os meus braços, a segurando contra o meu peito, respirando de verdade pela primeira vez desde que entrei ali, mas não estávamos fora de perigo ainda. A mãe dela passou por nós mais rápido do que eu pensei ser possível, pegando a lâmina do chão antes que Alice a procurasse de novo. Ela continuou chorando, e eu sentia o braço dela sangrando na minha roupa, mas essa era a menor das preocupações. — Shh, está tudo bem, você vai ficar bem. — Beijei os seus cabelos, tentando passar algum conforto, e a mãe dela se abaixou ao nosso lado, tocando suas costas com cuidado, como se fosse quebrar. — Filha... precisamos tratar desse corte... está sangrando muito — ela falou baixinho e Alice apertou mais a mão direita na minha camisa, o outro braço estendido ao lado do corpo. — Vem, deixa a gente te ajudar. — Por favor, deusa — pedi, e ela ergueu o olhar para mim, o choro agora silencioso, as lágrimas rolando pelo rosto numa visão que me partia a alma. — Eu... — ela assentiu, mas não me soltou, então eu envolvi a cintura dela e passei um braço embaixo de suas pernas, a erguendo no colo. A mãe dela me apontou o banheiro e eu a carreguei até lá, colocando ela sentada na borda da banheira. — Vamos limpar isso, ok? Sabe me dizer qual toalha eu posso usar? — Ela fez um gesto com o queixo para uma toalha vermelha pendurada atrás da porta, que eu percebi que já tinha algumas manchas escuras. Aquilo também me doeu no peito, mas me mantive forte por ela. Peguei a toalha e a molhei na pia, me aproximando de Alice. Eu não entendia quase nada de primeiros socorros, mas o que sabia teria que ser o bastante. — Vou estancar o sangramento, ok? Vai arder um pouco. Ela assentiu de novo, e eu segurei o braço dela por baixo, pressionando a toalha contra o corte, ouvindo-a fazer um barulho de dor que soava como um chiado. Queria poder a abraçar e aninhar, mas precisava fazer o sangramento parar antes. O sangue havia escorrido pelo braço, criando trilhas
que morbidamente pareciam raízes, começando a secar em algumas partes. Engoli em seco, continuando a pressão por algum tempo, sem saber quanto seria suficiente. — Pode... pode soltar. Já deve ter parado. — Ela fungou, finalmente falando algo mais coerente, e eu assenti, afastando um pouco a toalha. Ainda se formou uma bolinha de sangue no canto do corte, mas havia parado de escorrer. — Vou limpar agora, ok? — O que quer que tenha acontecido hoje, entre a hora que me mandou a mensagem e a hora que eu cheguei, havia machucado algo no fundo da alma dela, e eu queria me certificar de que ela estaria bem com tudo o que eu fizesse. — Armário — ela disse, e eu me virei, segurando sua mão, e abri o armário, vendo uma caixinha sem tampa com todo o tipo de pomada, antisséptico e material de curativo. Assenti, notando de relance que a mãe dela estava nos olhando da porta, e peguei a caixinha. Lembrei de quando Ethan precisou levar pontos por causa de um corte no ombro, quando tentou pular uma cerca do nosso sítio no interior, e lembrei de como minha mãe limpou tudo antes de o levar para o hospital. Primeiro, molhei algumas gazes com água, vendo-a fazer aquele barulhinho de chiado de novo, e me inclinei para beijar sua testa, voltando a passar a gaze com cuidado sobre o corte, limpando o sangue que ainda estava acumulado ali e em volta com bastante cuidado, me desculpando todas as vezes que precisava esfregar um pouco onde o sangue já havia secado. Não parei até o braço dela estar totalmente limpo, da cor de creme normal dela. — Isso vai arder um pouco... mas precisa, ok? — avisei, enquanto molhava outro pedaço de gaze com o antisséptico, um líquido laranja, e apliquei em cima do corte. Ela deu um grito misturado com chorinho, e eu estendi a outra mão para ela segurar, sentindo quando apertou meus dedos. — Desculpe... eu sei que dói — murmurei, terminando e pegando um pedaço limpo de gaze, prendendo com um esparadrapo em cima do corte. — Pronto. — Me desculpa. — A voz dela soou tão baixa, tão partida, e eu a puxei para os meus braços com carinho, beijando seu rosto. — Shh, depois conversamos, ok? Você precisa trocar essa roupa e ir deitar um pouco agora. — Não queria que ela chorasse mais, que sofresse mais. Explicações podiam esperar. A mãe dela apareceu com um conjunto de
moletom cinza e deixou em cima da tampa do vaso. — Vou te esperar do outro lado da porta, ok? Qualquer coisa que precisar, chame que eu ou sua mãe, te ajudaremos. Ela assentiu e eu beijei sua testa de novo, me afastando relutante e deixando a porta do banheiro encostada quando saí. Não ouvi a tranca. — Obrigada, por... pelo que fez. — A mãe dela suspirou, com lágrimas nos olhos. — Não sei o que teria acontecido se não tivesse aparecido aqui bem na hora. — Não me agradeça. Por um momento ali, eu pensei... — Balancei a cabeça, tentando afastar aquele pensamento. Ouvimos o barulho da pia sendo ligada, e alguns instantes depois Alice saiu do banheiro, usando o moletom, que tinha uma estampa de bicho preguiça na frente. — Como está se sentindo? — Um lixo. — Ela abaixou a cabeça, suspirando. — Eu sinto muito, eu... por favor, não me odeiem. — Te odiar? — Filha... claro que não te odiamos. — A mãe a abraçou. — Vem, você precisa descansar um pouco, pode ficar no meu quarto. — Ela andou com Alice até a porta em frente a do banheiro, e eu as segui. — Mas eu tenho que explicar e... — Depois. Não tem pressa, o que importa agora é você ficar bem. — A mãe dela e eu agora parecíamos em plena sintonia, e ela suspirou, se sentando na cama. — Descanse, ok? — Vai estar aqui quando eu acordar? — Vou estar aqui sempre — sussurrei, beijando a mão dela com carinho, me inclinando para beijar sua testa. Ela assentiu, se deitando e abraçando um travesseiro, e quando saímos do quarto, a mãe dela deixou a luz acesa, e a porta semiaberta. Segui com ela até a cozinha, para não incomodarmos Alice com o barulho, e só então ela se permitiu fraquejar, lágrimas começando a cair. — Eu pensei que ela... que eu a perderia dessa vez... obrigada mesmo, eu... — E então ela me abraçou, um daqueles abraços carinhosos de mãe, muito parecido com os da minha.
— Está tudo bem, ela vai ficar bem. — Eu queria tanto acreditar nisso de verdade. Queria ser capaz de magicamente tirar toda a dor que Alice sentia e transferir para mim. — Me desculpe por ter agido de forma desconfiada com você, semana passada. — Ela se afastou, andando até a mesa, fazendo um gesto para que eu me sentasse na outra cadeira. — Mas Alice já sofreu o bastante, eu não precisava de mais um trauma na vida. Mas da forma como você cuidou dela agora... você realmente gosta dela, não é? — Mais do que a senhora imagina. Alice entrou na minha vida como um furacão, ocupando espaços que eu nem sabia ter. Sei que só a conheço mesmo há pouco mais de uma semana, mas a conexão que nós temos não é algo que se encontra todo dia. Em vinte e sete anos, eu nunca havia encontrado algo assim. — Eu tive medo, quando você chegou hoje, de que reagisse mal ao ver a situação dela e tudo piorasse mais ainda. Não são muitos que teriam a calma que teve, eu mesma já estava me desesperando quando ouvi as batidas na porta — ela admitiu, suspirando. — Alice é meu tudo. Desde que eu me separei do pai dela, ela passou a ser o centro da minha existência, e a felicidade dela é o que mais me importa. Me destrói vê-la nesse estado. — No que depender de mim, a senhora não terá mais que lutar sozinha com a doença dela. Eu vou estar com vocês — garanti, sentindo a verdade daquelas palavras enquanto as dizia. — Sabe o que foi o gatilho hoje? — Não faço ideia. Ela chegou da faculdade mais cedo, chorando, e começou a entrar em crise, assim que pisou em casa, começando a tremer. Antes que eu tivesse tempo de impedir já estava com a lâmina na mão, encolhida no chão do quarto, dizendo “chega”, várias vezes. Talvez ela não tenha conseguido o papel de Bianca, e isso tenha sido mais forte do que esperávamos. — Mas ela conseguiu. Me mandou uma mensagem no começo da tarde, aqui. — Mostrei meu celular a ela, a mensagem alegre de Alice dizendo que tinha conseguido. — Isso não faz sentido... algo deve ter acontecido logo depois, mas o quê? — Teremos que esperar até ela se sentir confortável em falar. O que quer que tenha sido, foi forte... ela tem trauma de ser deixada de lado, ou de ser insultada diretamente. Talvez alguém não tenha gostado dela como
Bianca. — Talvez — concordei, passando as mãos no rosto, suspirando. Agora que o susto havia passado eu me sentia como se tivesse corrido uma maratona. — Bom, eu vou limpar o sangue do quarto dela. Fique à vontade... você agora é de casa. — Obrigado — agradeci, tirando meu paletó que havia sido manchado de sangue e o dobrando do avesso. Se Alice visse aquilo, se culparia, mas que se foda o sangue, não me importaria em ficar coberto do que fosse, se significasse salvá-la de novo. Peguei meu celular e cancelei todo e qualquer compromisso para o resto da semana. Não teria cabeça pra nada de qualquer forma, e daria um jeito de vir visitá-la todos os dias, conferir se estava bem. Em uma semana, eu sentia que tinha passado uma vida com ela, e em vê-la quase acabar com a própria... realmente se apaixonar não era questão de tempo e, sim, de intensidade. Após algum tempo, a mãe dela voltou para a cozinha, fez um café que tomamos em silêncio, e Milady veio quietinha cheirar os meus pés. Dona Catarina me explicou que ela estava escondida, que sempre fica embaixo da cama quando Alice tem crises, assustada. Não tinha muito o que ser dito numa situação como aquelas, e Catarina me pediu para ficar de olho nas coisas, enquanto ia até a casa da mãe, contar o que havia acontecido, antes que ela aparecesse ali de surpresa. Alguns minutos depois que ela saiu, Alice apareceu na entrada da cozinha. Os olhos estavam inchados pelo choro, e ela se aproximou devagarinho. Minha cadeira estava afastada da mesa, então ela em silêncio se sentou de lado na minha perna e abraçou meu pescoço com força, escondendo o rosto ali. A abracei de volta, fazendo carinho em seus cachos, querendo cobri-la de calma. — Sinto muito por você ter visto tudo aquilo. Queria que nunca precisasse me ver naquele estado, que não precisasse... cuidar de mim. Sinto muito. — A voz dela saiu baixinha, abafada pelo meu pescoço. — Shh, não precisa se desculpar. Eu disse que não ia fugir, não disse? — Beijei os seus cabelos, sentindo o cheirinho fraco de mel, e ela me apertou mais nos braços.
— Minha mãe saiu? — Foi falar com sua avó, já, já ela deve estar de volta — prometi, abraçando-a, a aninhando junto de mim. Doía tanto vê-la naquele estado frágil, tão diferente da garota viva e solta daquela última noite. — Sabe... você pode ir, se quiser. Não precisa ficar comigo por pena, por causa do que me viu fazer. Eu não te julgaria... — A voz abafada de novo, tremendo, como se quisesse chorar. — Alice, eu não estou com você por pena. Eu não seria baixo a ponto de ficar se não gostasse mesmo de você, minha deusa. Lembra do que eu disse, domingo, que estava me apaixonando? Aquilo continua sendo verdade. Eu estou com você porque é importante pra mim. — A fiz se afastar do meu pescoço e me olhar, encostando minha testa contra a dela. — Se meus sentimentos mudarem, eu prometo te avisar, mas tenha certeza de que se eu estou com você, se estou aqui te cuidando, é porque eu quero estar aqui. — Desculpa — ela disse de novo, levando as mãos ao meu rosto, fazendo carinho na minha barba. — Eu... posso te chamar de amor? Eu estava pensando nisso ontem, mas achei que podia ser estranho. Mas depois disso... parece bobeira ter me preocupado. — Claro que pode, me chame como quiser. Menos de deus grego de estátua. — Lembrei daquela conversa que tivemos, tentando tirar ao menos um sorrisinho pequeno dela. Quase consegui, vendo-a assentir de leve. — Isso me lembra que eu te trouxe flores, rosas vermelhas. Estão lá no sofá. — Beijei a testa dela, demorando alguns segundos, grato por tê-la viva ao meu lado. — Quer falar sobre o que aconteceu? Não precisa, se não quiser. — Eu... eu ganhei o papel — ela começou com a parte que eu já sabia, e eu assenti, esperando que continuasse. — E uma garota não ficou nada feliz com isso. Ela... ela sabia que eu estava no seu apartamento, ouviu Emma falando com alguém e... começou a me chamar de vagabunda. Dizer que eu devia ter te... me vendido pra ganhar o voucher do hotel, e que não duvidava que eu tivesse feito o mesmo com nosso professor e diretor de elenco pelo papel. E o jeito que ela falou comigo doeu, doeu muito. Me fez sentir aquela menininha maltratada do ensino médio de novo... — Ah, minha Alice... não dê ouvidos a isso. Sei que é difícil, principalmente no seu caso, mas ignore tudo o que ela disser daqui pra frente. Você mereceu o papel de Bianca, e vai se sair incrivelmente bem. E eu vou
estar lá, na primeira fila, te aplaudindo de pé. — Beijei o rosto dela, demonstrando todo o carinho que eu sentia. — Posso te pedir uma coisa? — Ela assentiu. — Promete que se algo assim se repetir, você me liga antes de tentar algo? Pode ser a qualquer hora, qualquer dia, em qualquer momento. Assim que sentir os sinais de crise você me liga, corre para o hotel, o que for. Só promete que vai fazer tudo o que puder pra evitar se machucar de novo. — Eu já prometi isso tantas vezes... não quero quebrar uma promessa, não com você. — Então não quebre. E se algo acontecer, eu vou estar do seu lado para juntar os caquinhos, ok? — Ok — ela concordou bem baixinho, e me abraçou de novo. Ouvimos a porta da frente abrir e ela ergueu a cabeça, os olhos marejando. — Mãe... — Ela se levantou, indo abraçar a mãe, pedindo desculpas várias vezes, enquanto a mãe apenas a reconfortava de que tudo ia ficar bem. Desviei o olhar do momento das duas, e alguns minutos depois senti uma mão no meu ombro. Me virei, já tendo reconhecido o toque de Alice, e me levantei, a abraçando. A mãe dela sumiu pelo corredor nesse momento. — Você precisa ir, né? — ela perguntou baixinho, o rosto contra o meu peito. — Sim, sinto muito. Prometo voltar amanhã pra checar como você está. — Beijei o topo da cabeça dela, apoiando meu queixo ali em seguida. — Ok. — Ela respirou fundo. — Não vou ter aula o resto da semana, fui liberada pra poder memorizar as falas. Se quiser ficar vindo todos os dias, pode até me ajudar a ensaiar. — Ela se afastou para me olhar, dando um sorriso desajeitado, como se tivesse esquecido como se fazia. Eu conseguia perceber a mudança dela da crise até agora, a forma como ela havia saído de si antes. — Sabia que esse era exatamente meu plano? Tenho uma semana leve também, a partir de amanhã — menti sobre isso, não querendo que ela se culpasse por me fazer cancelar minha agenda. — Vou te esperar. — Ela ficou na ponta dos pés, beijando o canto da minha boca com carinho. — Até amanhã, amor. — Boa noite, deusa — sussurrei, erguendo seu queixo e beijando-a devagarinho, dando um sorriso calmo ao me afastar. — Até amanhã.
E, muito relutante, saí do apartamento.
Todo o caminho até em casa, a imagem do braço dela aberto não saiu da minha mente. A imagem continuou me assombrando enquanto eu subia o elevador, enquanto eu entrava no quarto, e ainda mais enquanto eu lavava a mancha no meu paletó, até ficar quase invisível. Suspirei, desistindo, mas ao menos não estava mais perceptível que era sangue. Tirei o resto da roupa e me enfiei embaixo do chuveiro quente, abusando dos privilégios que tinha e demorando bastante, gastando litros e litros de água até aquela sensação de peso nas minhas costas ao menos diminuir. Sabia que não iria sumir nem tão cedo. Vesti o mesmo moletom que tinha emprestado para ela aquele dia, me sentindo estranho. Nunca tinha precisado me preocupar de fato com nada. A minha vida toda eu sempre tive tudo, nascido em berço de ouro. Não precisava me preocupar com comida, com as contas no final do mês, se quisesse qualquer coisa que fosse era só comprar... Vantagens de se ter um pai multimilionário. E em questão de relações... eu me preocupo com minha família, mas nunca tive motivo para preocupação mesmo, até Ethan que era um caso perdido, nunca fez nada que me fizesse ficar preocupado de fato com o bem-estar dele. Só quando a ameaça era eu mesmo querendo esganá-lo.
E então Alice entrou na minha vida, e tudo mudou tão rápido que eu mal era capaz de processar. Em uma semana e meia ela passou de garota dos olhos tristes para minha deusa. Quando era mais novo realmente tinha essa facilidade de me apaixonar, e sempre quis um compromisso sério — inclusive, esse foi meu problema com Elisa, ela não queria —, mas nunca havia sido tão forte, tão rápido. Pela primeira vez, em vinte e sete anos de vida, eu tinha algo que realmente poderia perder e que todo o dinheiro do mundo não seria suficiente para resolver. E esse pensamento me aterrorizava. Suspirei, pegando Rudy do chão e o colocando no travesseiro do meu lado, achando a cama vazia demais. Meus pensamentos voltaram à crise dela, a forma como ela saiu totalmente de si e pareceu até demorar a me reconhecer. Eu havia pesquisado um pouco, não entendia quase nada além do que li e do que me lembrava de um primo, mas aquilo parecia ser parte da tal borderline. A automutilação era; e de acordo com alguns sites de psicologia, a borderline nascia de uma depressão severa. Eu sabia que não conseguiria dormir nem tão cedo, então peguei meu telefone e disquei o número da única pessoa que eu sabia que não julgaria a bagunça na minha mente e no meu peito. Meu irmão, Brian. Ele era o mais sensível da família, e por mais que eu não fosse contar tudo de Alice — era a privacidade dela — eu explicaria por alto a situação. Sabia que ele me entenderia, ou ao menos se esforçaria para entender, então me recostei contra a cabeceira da cama e esperei ele atender. Demorou cinco toques, então imaginei que ele estivesse pintando. — É bom ser importante, quase destruí um quadro que vai valer milhares de dólares para caridade de Roman quando, do nada, o celular tocou. — Extremamente importante, então trate de largar os pincéis e deixar para terminar isso outra hora. — Sabe que se a tinta secar, não vai misturar direito, não sabe? — Ele bufou do outro lado, e eu ouvi o barulho dos pincéis sendo deixados em algum lugar. — O que foi? — Não sei nem por onde começar, sendo sincero. Mas você é o único da família tão babaca quanto eu pra essas coisas, então... — Primeiro de tudo, eu não sou babaca em nada. Só quando se trata de
mulher e homem bonito... isso é sobre mulher, né? — Eu podia imaginar a cara que ele fez. — Sim. — E lá vamos nós, sabia que um dia você se apaixonaria de novo, era só questão de tempo. — Brian realmente fazia jus ao título de romântico incorrigível da família. — Prontinho, irmão, estou muito bem sentado na minha poltrona e pronto pro impacto do que quer que for me contar. — Ok, começando do início... se lembra das palestras que eu fiz durante duas semanas, no final de janeiro, aquelas que Roman arrumou? Mais especificamente a primeira, na Lucille. — Lembro. Conheceu ela lá? — De certa forma, sim. Resumindo uma história longa, tinha uma garota na fileira da frente, com olhos verdes e tristes, que ganhou aquele voucher do sorteio da suíte master. Eu senti alguma coisa que não sei explicar quando a vi, e na hora de entregar o voucher, a chamei para um café. Três semanas depois, ela chegou à minha porta, dizendo que aceitava o café. — Fofo. E aí, quem é ela? — O nome dela é Alice Rogers, e ela é a garota mais linda e incrível que eu já vi na vida. Você lembra o tipo que eu normalmente me interesso, né? — Olhos bonitos, plus size, cabelo cacheado... — Ela se encaixa perfeitamente em cada um dos detalhes. E o sorriso... — Suspirei, lembrando da gargalhada dela, tão espontânea e rara. — Por mais raros que sejam os sorrisos dela, são a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida. — Own... peraí, raros? O que foi, não sabe mais fazer uma garota sorrir? — Palhaço. Não é nada disso, queria eu que fosse por incompetência minha... ela tem depressão. — Ah. — Pois é. Enfim, passamos o fim de semana que ela ficou no hotel juntos, nos dois primeiros dias ela veio me ver, e no domingo até dormiu aqui. Antes que pergunte, não, não fizemos nada de fato. Ela não enxerga a
beleza carrega e o poder que tem sobre mim... alguém a magoou muito no passado. — Suspirei de novo. — E você está caidinho por ela — ele deduziu, acertando como fazia toda vez que o assunto era romance. Brian tinha um sexto sentido para isso. — Mais do que caidinho. Estou completamente apaixonado, e só nos conhecemos há uma semana e meia. Nunca me senti assim antes. Quer dizer, você sabe da minha teoria sobre intensidade e não tempo e tudo mais, só que nunca foi tão rápido assim e com uma força desse tamanho. Lembra-se de Elisa? Não era uma fração do que é com Alice. — Porra, tá pesado mesmo, hein. — Sim. E hoje... hoje ela teve uma crise. Não vou entrar em detalhes, isso é particular dela, mas foi pesado, e eu me peguei preso no medo da possibilidade real de a perder. Nunca tive motivos para temer perder algo ou alguém, mas agora... isso está fora do meu controle, e eu não tenho ideia do que fazer. — Cara, aí é foda. — Brian às vezes falava como se tivesse vinte, e não vinte e cinco anos, mas ninguém se incomodava, afinal, Brian era Brian. — Não vou pedir detalhes, mas essa crise dela... você estava lá? — Sim. Por acaso, cheguei à casa dela bem na hora. Ela hoje tinha conseguido um papel importante na peça semestral da Lucille, e eu fui direto de Atlantic City pra casa dela, levei até flores. E quando eu a vi em crise, a forma como ela fica... doeu saber que ela estava sofrendo e que eu estava de mãos atadas, que não tinha como tirar aquela dor dela. — Você realmente gosta da garota, hein? — Sim. Você não tem a mínima noção do quanto. Parece loucura, em tão pouco tempo, mas é como se ela já estivesse presa em mim, entrelaçada como... sabe aquela lenda asiática, não me lembro de qual país exatamente, do fio vermelho no dedo mindinho? — Akai ito. — Essa mesma. É quase isso, sabe. Foi uma ligação instantânea. — Hector Daniel Vanslow acreditando em almas gêmeas... quem diria, hein? — Ele riu, me fazendo revirar os olhos. — Mas falando sério, você ainda não chegou ao ponto que queria. Por que ligou?
— Porque eu não sei o que fazer! Não sei como a ajudar, como tirá-la desse poço que é a doença. Ela já está em tratamento, com remédios e tudo, mas não parece ser o bastante, e eu... — Você queria ser capaz de salvá-la, não é? — Brian completou, e eu assenti, mesmo sem ele ver. Ele suspirou. — É estranho ter algo que não podemos comprar ou pagar alguém pra fazer. São nesses momentos que ser rico não serve de nada. — Estava pensando exatamente isso antes de ligar, no quão inútil podemos ser quando realmente importa. Eu daria de bom grado todo o meu pequeno império de hotéis em troca de uma pílula mágica que fizesse a dor dela sumir, mas não existe nada assim... você é o romântico da família, já se sentiu assim alguma vez? — Uma só, quando eu namorei com Alec, lembra? Eu era totalmente doido por ele, mas acho que não chegou a ser tão forte quanto o que você sente por essa Alice. Olha só, os nomes são parecidos. — Ele riu desse fato aleatório, me fazendo revirar os olhos de novo. Brian às vezes perdia o foco das coisas. — Enfim, você não vê as séries que eu recomendo, mas em How I Met Your Mother tem uma cena em que eles usam duas palavras complicadas em alemão pra definirduas formas de se apaixonar. — Continue. — Eu não lembro as palavras em si, não sei nem se existem de verdade ou se foram criadas para a série, mas a primeira significa “tesouro do destino ao longo da vida”, e a outra é “a coisa que é quase aquilo que você quer, mas não totalmente”. Esse era Alec pra mim, eu acho. E pelo que você falou, Alice é o seu tesouro do destino. Na série, o personagem diz que é algo instantâneo, que te enche e te esvazia ao mesmo tempo, algo que você sente no corpo inteiro... — Você realmente decorou, hein. — O que eu posso dizer, sou um caso perdido. — Ele riu. — Mas voltando ao seu caso com Alice, e parando de falar coisas pra te confundir ainda mais, você se sente pronto para encarar um relacionamento com ela e todas as crises que podem vir, grandes e pequenas? — Sim. — Não precisei nem parar e pensar, eu sabia que sim, que estava pronto para o que der e vier ao lado dela. Depois do que vi hoje, não havia mais dúvida.
— Então, pronto. Não vou dizer pra ir com calma ou não, vão no tempo de vocês, mas vá sempre com o bem-estar dela em mente. Lembra daquele projeto que eu fiz, no ano passado, naquela clínica psiquiátrica? — Cacete, tinha esquecido. Sabia que tinha mais algum motivo pra ter te ligado, além dos conselhos românticos baseados em série. — Engraçadinho. Enfim, eu ainda me lembro de algumas coisas que aprendi lá. Sim, minha função era só ensinar os pacientes a canalizarem o que sentiam em alguma forma de arte, mas eu passava os intervalos na sala dos funcionários e ouvia todo tipo de conversa. O que eu quero dizer é: descubra os medos dela e faça questão de ser o oposto. Se ela tiver medo de escuro, tenha sempre uma lanterna, e assim vai. Exemplo bobo, mas você entendeu. — Entendi, sim. Garantir que ela se sinta segura comigo. — Exatamente. Resolvi seu problema? — Não totalmente, ainda não tenho como arrancar a dor dela e jogar longe, mas ao menos estou mais calmo. Valeu, irmãozinho. — Sirvo pra isso. — Pude ver o sorriso dele, e do jeito que Brian era exagerado, eu não duvidava que ele faria uma reverência se estivesse aqui. — E sabe que vai ter que me apresentar a garota eventualmente, não sabe? — Sei disso. Estava pensando em levá-la para o evento beneficente no Pallace, sábado que vem, se ela aceitar. Apresenta-la oficialmente como minha namorada... se ela aceitar também. — Balancei a cabeça, suspirando. — Se aceitar, dê um vestido de presente, ou melhor, leve-a para comprar um vestido para o evento. Provavelmente ela vai gostar do mimo. — Boa ideia. Aquela sua ex ainda trabalha naquela grife de alta costura plus size... qual era o nome mesmo? — Dreamsize. E, sim, Daphne ainda trabalha lá, inclusive se passarem por lá digam que eu mandei um oi. — Brian era incrivelmente amigo de todos os ex-namorados e ex-namoradas que tinha. E a lista não era pequena. — Vou dizer. E vou te deixar voltar a pintar em paz, sua tinta já deve ter secado a essa altura. — Provavelmente. — Ele suspirou, e eu ri. — Me conte depois se deu tudo certo, e chore no meu ombro se der errado. — Apoio, não importa o fim?
— Apoio, não importa o fim — ele concordou, rindo. — Tchau. E boa sorte. — Tchau, irmãozinho. Boa noite. — Desliguei, rindo baixo, deixando o aparelho no carregador sem fio ao lado da cama e me deitando, ouvindo os roncos baixinhos de Rudy no meu travesseiro. Ao menos a conversa com ele me poupou de ter pesadelos.
Já era o terceiro dia depois da crise, e eu havia ido visitar Alice nos últimos dois dias, como prometido. Ela estava tomando mais um calmante, além dos remédios normais por causa da crise, a mãe dela me explicou que era um remédio extra que só usavam em casos extremos, então ela ficava mais sonolenta que o normal, mas eu não me incomodava em vê-la cochilar no meu colo, enquanto eu brincava com seus cachos. Catarina já estava acostumada a me ver na casa, e quando as férias dela da lanchonete acabaram, admitiu estar aliviada que eu estaria lá com Alice, enquanto ela não estava. Hoje eu acordei mais cedo, graças a um despertador que tinha esquecido de desativar. Durante o resto da semana, como eu havia tirado folga e estava eu mesmo dirigindo para a casa de Alice, consequentemente Nick e June estavam de folga também. Ela havia adorado, dava mais tempo para planejarem o casamento. Não tinha nada para fazer em casa, e eu só iria para o Brooklyn depois do almoço, e em pleno tédio me veio uma ideia. Aquele dia minha surpresa das flores não deu certo, mas ela ainda merecia algo por ter ganhado o papel de Bianca — no qual ela estava ficando ótima, ensaiando as falas comigo quando estava acordada. Desci até o térreo, indo dar uma olhada nas lojas perto do hotel em busca de algo que ela fosse gostar. Pensei em comprar chocolates, depois em mais flores, um colar com um pingente da letra A... considerei até uma caneca personalizada escrito “Melhor atriz do mundo”, e quando já estava quase comprando de tudo, eu vi a almofada. Estava na vitrine de uma lojinha de aleatoriedades, era uma lua
crescente com várias mini almofadas em formato de estrelas acompanhando, e eu achei perfeito, considerando o quanto ela dormia. Entrei na loja, descobrindo que tinham várias opções de cores, mas peguei a azul-escuro, minha cor favorita, diria para ela se lembrar de mim com a almofada. Pedi que embrulhassem para presente, e colocaram a almofada grande e as pequenas numa caixa, coberta com um papel cor-de-rosa e um lacinho vermelho. Eu estava tão de bom humor que deixei uma bela gorjeta para a moça da loja, que me agradeceu várias vezes enquanto eu saía. Nem voltei para o apartamento, almocei na cozinha enquanto conversava com Geralt sobre alguns pratos novos, ouvindo as risadas dele, que me provocava com ameaças de contar aos meus pais da minha nova namorada, se eu não contasse logo. Não adiantava, para ele eu sempre seria o garoto de seis anos que queria aprender a fazer pão. Deixei a cozinha logo depois de comer, indo pegar o carro. Já não precisava mais do GPS, e em alguns minutos estava na casa dela, tocando a campainha do 32B. O portão se abriu e eu subi as escadas, batendo na porta só uma vez e vendo-a ser aberta por uma Alice de olhos brilhantes. Ela estava mais animada. — Boa tarde. — Sorri, me inclinando para dar um selinho nela. — Trouxe um presente. — Ergui a caixa, vendo-a arregalar os olhos, surpresa. — É seu — incentivei, quando ela relutou em pegar a caixa a princípio, até que ergueu as mãos, os olhos brilhando. — Mãe! Hector chegou! — ela gritou para o interior do apartamento, indo até o sofá com a caixa nas mãos e se sentando com ela no colo. Me sentei ao lado dela, vendo Catarina aparecer pela entrada do corredor, já pronta para sair. — Boa tarde, querido... — Ela agora me tratava assim, como um filho. Tudo o que aconteceu nos aproximou bastante, eu havia me tornado parte da família. — O que é isso? — Encarou a caixa, se virando para mim, com o olhar curioso. — Um presente. Estou esperando Alice criar coragem de abrir — brinquei, e a minha garota deu um sorriso. Pequeno, mas era um sorriso. — Ok, vou deixar vocês dois discutirem se a caixa vai ser aberta e já vou indo, antes que me atrase e seja descontado do meu salário, de novo. Até mais, querida. Qualquer coisa, me liguem. — Pode deixar — concordei, sabendo que nós dois esperávamos que
não fosse preciso ligar. — Tchau, mãe. — Alice deu um tchauzinho para a mãe, voltando a olhar de mim para a caixa quando ela saiu. — Hector, por que eu ganhei um presente? — Porque não tivemos a chance de comemorar propriamente você conseguir o papel de Bianca. Vamos, abra. Acho que vai gosta — encorajei, vendo-a morder o lábio inferior e concordar, começando a puxar o papel, e então tirando a tampa da caixa, a boca se abrindo ao ver as almofadas. — Como você precisa dormir bastante, pensei que isso poderia ajudar a se lembrar de mim quando eu não estiver por perto, servir de travesseiro... O que achou? — Eu amei! — ela deu um gritinho, colocando a caixa do outro lado do sofá e se atirando nos meus braços, me apertando. Senti meu peito se aquecer, ela realmente estava em um dia bom. Ainda meio aérea por causa do terceiro remédio, mas num dia bom. — Obrigada. — Ela começou a encher meu rosto de beijos, me fazendo dar um riso alegre, enquanto fazia graça, virando o rosto para lá e para cá, na tentativa de capturar seus lábios, enquanto ela brincava de fugir dos meus. — Está animada hoje. Aconteceu algo? — Eu tinha que perguntar. Ela assentiu, dando um sorriso contido. — Meu pai ganhou um bônus no trabalho, e vai vir me visitar este ano. Ainda está vendo quando a passagem fica mais barata, o bônus não foi lá algo grandioso, mas... ele virá. — Ela deu um sorriso maior, animada de verdade. — E você vai poder conhecê-lo. Juro que ele, de bravo, só tem a cara. Já contei a ele sobre nós estarmos tendo algo, e ele está ansioso em te conhecer. Principalmente depois que... que mamãe contou o que você fez por mim, aquele dia. — O sorriso murchou um pouco, e ela se ajeitou melhor, ficando de lado no meu colo. — Alice, isso é ótimo! — Sorri, beijando sua bochecha. — Mal posso esperar para conhecer seu pai. Aliás, ainda não me disse o nome dele. — Bill. William na verdade, mas todos chamam de Bill. — Ela deu de ombros. — Ah, ele disse que vai te ameaçar um pouco, mas se você for “um cara bacana”, vai te convidar para ir pescar um dia. — Ela deu um pequeno sorriso, encostando a cabeça no meu ombro. — E por falar em conhecer a família... eu tenho um convite a te fazer.
— Eu deveria ficar com medo? — Depende. O que você acharia de ir a um evento beneficente comigo, no Pallace? Vai ser a grande colaboração de Roman para o projeto das crianças. Sexta que vem. — Eu me sentia um adolescente ansioso, convidando a garota bonita para o baile de formatura. — É um evento chique, né? — Assenti. — Não sei... eu nunca fui em algo assim. O maior evento que já fui foi o aniversário de cinquenta anos de casamento dessa minha avó paterna, quando eu tinha onze anos. Não sei nem se tenho roupa para ser apresentada aos Vanslow... imagino que moletom e calça jeans não sejam apropriados? — Não são, mas podemos resolver isso rapidinho. Se você aceitar, eu te dou o vestido que quiser. — Testei a ideia de Brian, em dúvida se daria certo ou se ela ficaria ofendida comigo me oferecendo para bancá-la. — Isso já é chantagem. — Ela fez um bico, suspirando baixinho. — Eu quero aceitar, mas... o que sua família iria pensar de mim? Uma garota desajeitada, que mal consegue se equilibrar num salto alto... e como você me apresentaria? “Essa aqui é Alice, uma garota do Brooklyn que não entende nada da alta sociedade”? — Na verdade, eu estava pensando em te apresentar apenas como minha namorada. Essa é a segunda pergunta de hoje, se você quer ser minha namorada mesmo, com título e tudo. — Sorri, vendo-a se afastar do meu ombro com os olhos arregalados na minha direção. — Achei que hoje em dia não existissem mais pedidos de namoro — ela murmurou, me fazendo rir e me inclinar para perto. — Talvez você não seja a única aqui a gostar de clichês românticos. O que me diz, namora comigo? — Claro que sim. — Ela sorriu de novo, enquanto os dedos iam parar na minha nuca, me trazendo para mais perto. — Hoje está sendo um dia cada vez melhor, sabia? — Fico feliz em fazer parte dele. — Sorri, e então ela me beijou. Um beijo calmo, o primeiro de verdade desde aquele fim de semana, cheio de doçura, me fazendo sorrir contra seus lábios, quando ela suspirou baixinho. — Tudo bem, eu vou ao evento. Mas quanto ao vestido... nada exagerado, ok? Não quero ficar parecendo outra pessoa. E precisa ser de
manga comprida, por motivos óbvios — ela listou as exigências, me fazendo sorrir por ter concordado. — Ok. Você é quem vai escolher, eu vou só te levar até a loja e ficar lá com cara de paisagem, enquanto você e a vendedora discutem três tons da mesma cor. — Sorri, vendo-a me olhar. — Sabe que eu não conheço nenhuma loja dessas chiques, né? Só conheço as lojas pequenas aqui do Brooklyn ou lojas de departamento, e duvido que numa delas tenha algo apropriado para o grande evento do seu irmão. — Para a nossa sorte, uma ex de Brian trabalha na Dreamsize, uma loja de alta costura plus size. Inclusive, me lembre de agradecer quando o conhecer, foi ideia dele o vestido novo. — Sorri, vendo-a franzir as sobrancelhas. — Já contou a eles sobre mim? — Por alto, sim. Todos os quatro já sabem que eu estou com uma garota, mas Brian tem mais detalhes. Ele é o romântico sonhador da família, aposto que vão se dar bem. — Entendi. Tudo bem, eu aceito tudo isso. Estou apavorada em conhecer sua família? Com certeza, mas se forem tão legais quanto você, vou ficar bem. — Eles vão te adorar, tanto quanto eu adoro. — Sorri, beijando o rosto dela. — Garanto que eles não mordem — brinquei, conseguindo arrancar uma risadinha dela. — Só você morde? — Só eu — assenti, me inclinando e mordendo o lábio inferior dela e puxando um pouco antes de soltar. Ela suspirou, dando um sorriso pequeno, antes de se afastar do meu colo e ficar de pé. — Hora de ensaiar. Quero ao menos tentar não cochilar hoje. Me ajuda a repassar as falas? — Sempre. — Sorri, e ela foi até o quarto, voltando com o roteiro. Ela estava focada nas cenas grandes primeiro, as que não podiam ser improvisadas nem alteradas, e eu fazia qualquer outro personagem que ela
precisasse, só para preencher as lacunas de tempo da fala. Passamos mais uma tarde nisso, e ela realmente aguentou sem cochilar a tarde toda. Eu estava começando a perceber que nos dias bons, ela tinha menos sono, como se o cansaço fosse proporcional ao desânimo. Às vezes, ela estava narrando um monólogo e eu me desligava das palavras em si, me concentrando em como sua voz mudava quando ela entrava na personagem, meus pensamentos me distraindo na forma como seus olhos estavam brilhantes. Fiquei até um pouco depois do jantar, quando ela começou a ficar cansada, e a deixei quase dormindo, quando saí do apartamento, abraçada com a almofada nova. Agora só me restava esperar que ela continuasse a ter dias bons assim, e fazer minha parte para isso.
Era domingo e o medo de voltar para a aula estava começando a me apavorar. Tinham sido dias estranhos, passei os dois primeiros meio grogue, e só comecei a melhorar quando meu pai ligou, avisando que ia vir visitar. E no mesmo dia Hector veio com almofadas, convites e pedidos de namoro, me deixando completamente maluca. Ontem eu já não tinha tomado o terceiro remédio, e estava começando a me sentir eu mesma de novo. Meu braço ainda doía, e eu fiquei usando curativos, que trocava de manhã e à noite. Durante o surto, eu fui fundo demais, e ia demorar a cicatrizar. Era ridiculamente trágico perceber o quanto eu já havia me acostumado a fazer curativos e cuidar de cortes. Limpar, passar pomada para não infeccionar, ficar de olho se sentia febre... esse era um que mereceria ter levado pontos, mas eu já tinha o histórico médico de uma tentativa de suicídio, se eu fosse para o hospital por automutilação de novo, seria internada por alguns dias, e não tínhamos como bancar isso. Hector tinha ficado de vir me buscar, pra comprar o tal vestido para o evento, e eu resolvi me focar nisso, por enquanto, e deixar pra me preocupar depois. Me arrumei com minha melhor calça jeans e uma blusa roxa de botões. Me achei quase bonita no espelho, e me arrisquei a até mesmo passar
um batom vermelho clarinho. Saí do quarto e encontrei minha mãe na sala, assistindo a algum programa de competição culinária. — Que tal, bom o bastante para ir numa loja chique? — Perfeita. — Mamãe sorriu. — Hector já está vindo? — Ele me mandou uma mensagem agora há pouco, avisando que estava saindo de casa... e se eu não ficar bem em nenhum vestido? — Me sentei ao lado dela no sofá, abaixando a mão para fazer carinho na cabeça de Milady. — Por que não ficaria? — Mãe, eu sou gorda. Não uma gorda bonita como a Adele, antes de emagrecer, ou a Meghan Trainor naquele clipe. Meu corpo é todo errado, com dobras e a barriga pra frente. — Filha, pare com isso, você é lindíssima. Seu peso não tem nada de ruim, você é tão linda quanto essas duas que citou. E antes de reclamar que eu só digo isso por ser sua mãe, Hector deve pensar a mesma coisa. Além disso, a loja é especializada em roupas plus size, não é? — Sim. Uma tal de Dreamsize... espero que não sejam vestidos tão caros quanto eu imagino que vão ser... não gostaria que alguém imaginasse que eu estou com Hector por interesse no dinheiro dele, a verdade é que eu me apaixonaria por ele em qualquer circunstância. — Suspirei. — É estranho eu já estar apaixonada? — Não é, não. Você sempre foi intensa, e a vida inteira pulou de cabeça nas coisas. E ele parece se sentir do mesmo jeito, principalmente pela forma como te olha. — Ela sorriu, ajeitando meu cabelo atrás da orelha. — Espero que ele seja tudo o que você sempre sonhou. — Ele é. — Sorri, assentindo de leve. Ela abriu um sorriso largo, beijando minha testa. Ouvimos a campainha e eu fiz um barulhinho ansioso, me levantando do sofá. — Prometo voltar cedo. — Demore o quanto precisar. E não se esqueça que azul combina com seus olhos! — ela gritou, enquanto eu fechava a porta, me fazendo sorrir. Mamãe sempre tinha um jeito de fazer com que eu me sentisse melhor sobre tudo. Desci as escadas o mais rápido que podia sem ficar sem ar, o encontrando no portão, lindo como sempre, usando uma camisa social e um
blazer por cima. — Oi. — Sorri de leve, abrindo o portão e abraçando ele rapidamente. — Pronta para escolher um vestido? Eu trouxe até meu Kindle, pra ficar lendo enquanto te espero nos provadores — ele brincou, me dando um beijo rápido. — Nada de ficar lendo, vai ter que me ajudar a escolher. Tudo o que eu entendo de vestidos de gala é “acho bonito” e “não acho bonito”. Não sei nada sobre ser apropriado para o evento ou para a situação... — Para nossa sorte, as atendentes da loja devem entender, meu conhecimento em vestidos é tão reduzido quanto o seu. — Ele sorriu, entrelaçando os dedos aos meus, enquanto andávamos até onde ele tinha estacionado. A rua estava cheia hoje, e ele teve que deixar o carro no outro quarteirão. Eu achava fofo que ele insistia em abrir a porta pra mim, um perfeito cavalheiro. — Está calada hoje, aconteceu algo? — Nervosismo. Nunca comprei um vestido chique, nunca fui a um evento beneficente desse porte, e... amanhã voltam as aulas e começa o primeiro ensaio. Não sei se estou pronta. — O vestido vai ser fácil, e aposto que irá se divertir provando vários modelos. O evento também vai ser simples de lidar, minha família vai garantir em te fazer se sentir aceita. — Ele ligou o carro, manobrando perfeitamente para fora da vaga e começando a dirigir. — E quanto a voltarem as aulas... Está com medo de que falem algo, não é? — Sim — admiti, meu olhar nos prédios que passavam pela janela. — Se falarem, ignore. Sei que é difícil, mas você sabe a verdade, sabe que ganhou o papel de Bianca porque mereceu, porque é extremamente talentosa, e quando chegar a noite de estreia, no final do semestre, você vai calar a boca de todos que duvidaram. E se precisar fugir, basta me ligar, que eu mando Nick ir te buscar e te levar para o hotel. Rudy está com saudade. — Ele espertamente encerrou com um outro assunto, já me conhecia o suficiente para saber a hora de mudar o foco da conversa para me acalmar e distrair. — Diga a ele que eu também estou. — Virei meu olhar para ele, o observando enquanto dirigia. — Essa loja fica onde? — Perto da 5th Avenue. Não é uma loja muito antiga, acho que abriu há apenas dois ou três anos, mas é especializada em roupas plus size, desde
dia a dia até alta costura e gala, que é o que queremos hoje. Se gostar de lá, eu posso te trazer mais vezes e te encher de presentes. — Eu não teria nem onde colocar tantas roupas, meu armário é pequeno. — Balancei a cabeça. — E nada de gastar demais comigo, entendeu? Só em ter você na minha vida já é um presente e tanto. — Você é literalmente tudo o que eu sempre sonhei, e eu que sou o presente? — Ele me olhou, aproveitando que estávamos parados no trânsito. — Sempre sonhou com uma garota problemática e esquisita? — Eu tinha esse instinto de fazer piada com a minha situação, principalmente quando era elogiada, um reflexo de me diminuir. — Sempre sonhei com uma garota de olhos bonitos e curvas grandes, com uma personalidade forte e que me deixasse louco desde o começo. Essa é você. — Ele piscou um olho, voltando a dirigir, e eu só balancei a cabeça. Ele tinha um jeito especial de me fazer ficar cor-de-rosa e me sentir um pouco menos mal sobre mim mesma. Não demoramos muito até ele estacionar na frente da loja, que tinha uma fachada maravilhosa, num daqueles prédios antigos e reformados. O nome Dreamsize estava bem grande em letras manuscritas e brilhantes, “especialistas Plus Size” embaixo, acesas num tom claro de azul. Respirei fundo, descendo do carro com ele e entrelaçando nossos dedos, enquanto entrávamos na loja. — Boa tarde, em que podemos ajudá-los? — Uma das vendedoras abriu um sorriso simpático, se aproximando de nós. — Boa tarde. Estamos procurando Daphne, por favor. Ela ficou de nos atender. — Daphne deveria ser a tal ex do irmão dele. — Claro. Venham por aqui, vou chamá-la. — Se a vendedora, que eu consegui ler no crachá dourado que se chamava Irina, ficou brava por passar o atendimento para a colega, ela não demonstrou. A loja era bonita, com um espaço amplo e bem-iluminado, e tinham algumas vendedoras atendendo a mulheres que tinham corpos parecidos com os meus, algumas um pouco menores, outras um pouco maiores. Não era como uma loja comum das que eu costumava frequentar, cheias de araras e roupas penduradas fora de ordem. Tinha um estilo mais clean, com algumas roupas em manequins e alguns balcões com peças dobradas e vendedoras
ansiosas, além de escadas rolantes para o segundo andar. Uma ruiva se aproximou de nós, sorrindo largamente, e no crachá dela estava escrito Daphne. Ela era bonita. — Hector? Há quanto tempo! Como está a família? — Estão bem, Brian mandou um oi. — Que ótimo. E então, o que posso fazer por vocês hoje? — Ela olhou dele para mim, e eu dei um sorriso que esperava parecer simpático. Estava nervosa. — Essa aqui é Alice, minha namorada. — Senti borboletas no estômago ao ouvir ele me apresentar assim pela primeira vez. — Estamos procurando um vestido para ela. Não entendemos muito de vestidos, então precisaremos bastante da sua ajuda, mas precisa ser algo digno de um dos eventos de Roman. — Sei bem como é. É um prazer te conhecer, querida. Venham, os vestidos desse estilo ficam no primeiro andar. — Ela começou a andar até a escada rolante, e nós a seguimos. — Temos todos os tamanhos a partir do 44 e costureiras especializadas para os que não estiverem no catálogo... Você me parece estar entre 50 e 54, acertei? — Ela tinha o olho muito bem treinado, e era estranho ouvir alguém numa loja falar meu tamanho sem aquele tom de pena na voz. — Sim, depende bastante do modelo, mas é mais ou menos isso. — Certo, por aqui então. Já tem algum modelo ou cor em mente? — Chegamos ao primeiro andar, que se parecia mais com uma loja do que o térreo, e eu pude notar que era separado em setores. Alguns tinham araras com vestidos longos e estampados, que eu imaginei que fossem os casuais, outros com vestidos separados em cabides com plásticos entre eles, alguns balcões de acessórios, e ainda havia mais escadas rolantes. Me perguntei quantos andares a loja teria, se ocuparia todos os cinco do prédio. — Pensei em vermelho... ou azul — Lembrei-me do conselho de mamãe. — Hector falou sério quando disse que não entendíamos muito de vestidos, ele é homem, e eu não estou acostumada com eventos assim — admiti, vendo-a parar em frente a um dos setores, que tinham vestidos longos e curtos pendurados. — Só quero que seja de manga longa — pedi, essa seria minha única exigência.
— Certo. A coleção de primavera tem muitas mangas três quartos, mas tenho alguns de manga comprida por aqui. Vermelho e azul... certo. — Ela pareceu mais estar falando sozinha, e andou até os cabides, como se os folheasse, e tirou um vestido num tom vivo de vermelho, me mostrando. — Algo assim? — Era um modelo bonito, daqueles que tem uma minissaia solta por cima da normal, que ia até acima dos joelhos. Mas era colado, e eu não teria confiança suficiente para isso. — Talvez um que não seja tão justo... — Tem certeza? Suas curvas são lindas, e esse estilo as valorizaria bastante. — Era muito estranho ouvir uma vendedora dizer que eu tinha um corpo bonito, mas eu apenas neguei com a cabeça. — Ok, algo com uma saia mais solta, então. — Ela olhou mais, pegando um azul escuro, que iria colado só até a cintura e se soltava. Assenti, e ela abriu um sorriso, apoiando o vestido no braço e pegando mais alguns, em vários tons das duas cores que eu falei. Hector apertou minha mão de leve, mostrando que ainda estava ali. — Pronto, tem três aqui que eu acho que vão ficar ótimos, mas pode dar uma olhada, se gostar de mais algum. Ela se afastou dos cabides e eu soltei a mão de Hector, começando a olhar as opções que tinham ali, tentando esconder o quão surpresa fiquei com a qualidade dos tecidos. Aquele realmente não era o mundo com o qual eu estava acostumada. Peguei dois, um azul de um tecido grosso, que iria até os pés, e um de veludo vermelho meio escuro, que parecia ir até embaixo dos joelhos. — Ótimas escolhas. — Ela sorriu. — O provador é por aqui. Hector, você pode vir também, temos algumas poltronas em frente aos provadores feitas especialmente para namorados esperarem. — Ela me fez rir baixinho com isso, enquanto a seguíamos, ela carregando os primeiros três vestidos e eu os outros dois. Os provadores ficavam numa ala enorme, contei sete cabines, três abertas e duas fechadas por cortinas duplas, e alguns sofás na frente. Ela andou até o provador do meio, colocando os vestidos que carregava nos ganchos que tinham ali, e eu fiz o mesmo com os meus dois. — Vou te esperar aqui — Hector avisou, se sentando na poltrona em frente ao meu provador. — Vou deixar que comece. Se precisar de ajuda, é só chamar, estarei do outro lado da cortina. — Daphne sorriu, saindo do provador e fechando as
cortinas, me deixando sozinha ali. Era realmente uma loja plus size, o provador tinha facilmente espaço para me mover sem ficar espremida, como nas lojas de departamento que eu normalmente frequentava. E era realmente uma loja de gente rica, porque em vez daquela luz solitária e pálida de lojas comuns, o espelho era coberto de pequenas lâmpadas, e havia alguns botões do lado para escolher a intensidade e cor da luz. Uau. Tirei minha blusa e a calça, pegando o primeiro vestido que ela me mostrou, o azul-escuro. Ele não tinha zíper, era de elástico nas laterais, e se encaixou perfeitamente em mim, sem ficar colado demais, e a saia que se soltava na cintura impedia que minha barriga ficasse em evidência. Meu maior complexo com meu corpo era justamente a barriga, eu a achava desproporcional ao resto, grande demais. Abri a cortina do provador, vendo o olhar de Hector na minha direção, a boca se abrindo, e percebi que era a primeira vez que ele me via de vestido. — Linda — ele murmurou, me fazendo ficar vermelha. Daphne me puxou para a frente, me fez olhar no espelho maior e ainda mais iluminado que tinha na parede, me fazendo dar uma voltinha para a saia se movimentar. Eu me senti uma princesa. — Ficou ótimo em você. Vamos, prove os outros, quero que veja todos antes de fazer uma escolha. — Ela gentilmente me empurrou de volta ao provador, e eu ouvi a conversa dela com Hector através das cortinas fechadas, enquanto vestia o segundo, um vermelho vivo e decotado demais. — Ela é tímida, não é? — Bastante — ele concordou. — O que achou do vestido? Eu não sou a opinião mais imparcial, acho que tudo fica lindo nela, mas e você? — Ficou bom, mas ela não estava com aquele brilho de quem achou o vestido certo. Trabalho com roupas há tempo o bastante para saber que se a garota não brilhar de alegria, não é o vestido certo. Roupas de festa são iguais a vestidos de noiva, sempre tem um que se encaixa mais perfeitamente. Tirei o segundo vestido sem nem mostrar a eles, não gostei nem um pouco do decote cavado, deixava meus peitos quase de fora, e ficavam aparecendo as estrias neles de quando engordei de uma vez. Já eram esbranquiçadas e antigas, mas estavam lá. Coloquei o terceiro, num tom esverdeado de azul, agradecendo o zíper lateral que me poupou de pedir ajuda. Respirei fundo, gostando do meu
reflexo nele, e abri as cortinas de novo. O queixo de Hector caiu mais uma vez. — Não gostei do vermelho vivo, ficou decotado demais, mas este aqui até que não ficou ruim. — Sorri, sendo arrastada para o espelho maior mais uma vez, olhando os lados nos dois espelhos laterais. Esse se soltava logo abaixo dos seios, ficando aberto quase como um vestido de época. — Posso ser honesta? — Daphne perguntou, e eu assenti. — A cor combinou com seus olhos, mas o modelo não te favoreceu tanto. Acho que os modelos presos na cintura te valorizam mais. Não precisa ter vergonha deles, você tem o biotipo perfeito para esses modelos. — Ela sorriu, e eu assenti de novo. — Entendi. — Voltei para o provador e resolvi provar logo o de veludo vermelho. O tecido era macio e deslizou bem fácil por mim, e o modelo era simplesmente perfeito. Tinham duas costuras o prendendo, uma embaixo dos seios e uma na cintura, onde a saia se abria com algumas pregas, indo até logo abaixo do joelho. O decote era pequeno, mostrando só um pouco do encontro dos peitos, e tinha algumas pregas fininhas que iam do meio dele até os ombros. Todos os detalhes do vestido eram trabalho de costura, sem nenhuma adição de fora, só tecido e habilidade. A manga era comprida como eu queria, e o tecido era fresco o bastante para não me incomodar. Precisei chamar Daphne para fechar o zíper, que era nas costas, e saí do provador. O queixo de Hector caiu de novo, e ele balançou a cabeça, um sorriso grande surgindo. Ele moveu os lábios em silêncio, a palavra “deusa” murmurada, e eu dei um sorrisinho com o rosto vermelho. Andei sozinha até o espelho grande com os dois laterais, e dei uma voltinha, dando um risinho baixo. Eu tinha amado. — O que achou? De verdade, acha que está bom o suficiente para o evento? — Me virei para ele, segurando as laterais da saia e a balançando um pouco, vendo ele assentir. — Está perfeita. — Ele deu um sorriso enorme, feliz. — Minha própria Afrodite. E vai ganhar pontos com minha mãe pela escolha do tecido, ela ama vestidos de veludo. — Bom saber. — Sorri mais abertamente pela primeira vez, quase me sentindo a deusa que ele teimava que eu era. Me virei para Daphne. — É
esse. — Perfeito! — Ela sorriu em aprovação. — A cor combinou com você, e com a maquiagem certa e talvez um penteado meio preso, vai ficar maravilhosa. Ela me seguiu até o provador, soltando o zíper e saindo, me vesti rapidamente e entreguei o vestido a ela quando saí, Hector veio segurar minha mão de novo, enquanto descíamos até o térreo para os caixas. Recusei-me a olhar o preço do vestido, sabendo que devia ser uma fortuna e que eu me sentiria culpada por ele gastar tanto comigo, então me afastei e fiquei olhando os manequins, enquanto ele passava um cartão de débito com a expressão mais tranquila possível. Centenas de dólares realmente não deviam ser nada na família dele. Daphne me trouxe a sacola bonita com o vestido dobrado e embrulhado em papel de seda, me dando um sorriso. — Você é uma garota de sorte, os Vanslow são incríveis. Eu namorei com Brian, por quase seis meses, antes de percebermos que não tinha amor, e a família é simplesmente incrível. Não precisa ter medo, eles aceitam bem quem vem de fora. — Obrigada — agradeci, vendo Hector vindo na minha direção e estendendo a mão para mim. — Até mais, voltem sempre. E digam a Brian que eu mandei um oi! — Daphne nos acompanhou até a porta, acenando quando saímos, e eu sentia meu coração quentinho. — Feliz? — Hector sorriu pra mim, e eu assenti, alegre. — Ótimo. E se me permite dizer, você de vestido fica extremamente gostosa. — Hector! — ralhei, vendo-o rir, enquanto se inclinava e beijava minha têmpora. — Estou falando sério. Mal posso esperar pra te ver nele de novo, raramente tenho chance de ver suas curvas. Gosto delas. — O que combinamos sobre elogios? — Senti meu rosto esquentar, e ele apenas deu de ombros, o sorriso ainda no rosto. — Que eu posso dizê-los sempre que quiser? — Engraçadinho. — Ele abriu a porta do carro pra mim, me roubando
um selinho quando eu fui entrar. — Linda. — Ele fechou a porta, dando a volta no carro. — Acha que vai precisar de mais algo para o evento? Sapatos, acessórios, maquiagens e sei lá mais o que for. — Talvez sapatos, não tenho nenhum salto, nem grande nem pequeno, mas esses faço questão de comprar eu mesma. Tem uma loja não muito cara perto da Lucille, e o cartão da minha mãe rodou esta semana. — Alice... — Você já gastou sabe-se lá quanto hoje, deixe que eu contribua com algo. — Me estiquei para beijar a bochecha dele. — Tudo bem, tudo bem. Aliás, isso me lembra uma coisa, você aceitaria ir lá pra casa sábado, e só voltar domingo? Fica mais perto do evento, se você estiver lá em casa, e como eu provavelmente vou beber um pouco, não queria ter que te mandar sozinha para casa de madrugada. Isso é, se não se incomodar e não for ser um problema com sua mãe. — Eu adoraria. Estou morta de saudade de Rudy, e quero usar seu peito de travesseiro de novo. — Sorri, lembrando-me do abraço dele e da sensação quentinha de estar segura. Ele sorriu, soltando uma mão do volante e segurando a minha. — E quanto a minha mãe, ela não vai se incomodar. Ela e vovó acham que eu não sei, mas tem uma aposta rolando entre as duas de quanto tempo seria até eu começar a ir dormir com você. Vovó vai ganhar. — Ótimo. — Ele riu. — Gosto da sua família. Espero que goste da minha também. — Vou gostar. Estou apavorada de conhecer sua mãe, a maravilhosa Carmen Vanslow? Com certeza, mas prometo ser a minha versão mais educada possível. — Vou contar a ela que a chamou de maravilhosa. — Ele continuava sorrindo, os dentes brancos e perfeitos aparecendo. Tudo nele era como se tivesse sido esculpido à mão para ser um sonho real. — Antes de sairmos, eu te passo todas as informações necessárias da família. Meu pai, por exemplo, se quiser agradá-lo, basta dizer que gostou do bigode. Ele está deixando crescer, desde o ano passado, quando se aposentou, e adora quando alguém nota. Diz ele que está tentando ser um velho bonitão. — Vou me lembrar disso. — Balancei a cabeça, gostando do jeito que
ele falava da família. Ele pegou o caminho de volta para a minha casa, e eu percebi que tinha esquecido totalmente meu nervosismo. Respirei fundo, lembrando-me de novo do que ele disse antes sobre ignorar se alguém falasse merda. Eu precisaria me lembrar disso, me lembrar dele. Olhei-o dirigir, e percebi que nunca tinha me sentido tão calma assim com alguém que não fosse minha mãe, meu pai e minha avó. Eu tinha medo de quando essa fase de País das Maravilhas inicial de todo relacionamento passasse tudo fosse por água abaixo, mas teria que manter a fé de que daria tudo certo. De que dessa vez era para ser. Ele me deixou em casa, me dando um beijo de despedida, e eu subi as escadas, cantarolando baixinho, entrando em casa com um sorriso bobo que não passou despercebido pela minha mãe.
A semana foi uma das mais cansativas que eu tive, desde que entrei na Lucille. Correndo de uma aula para outra e para os ensaios, não tive nem tempo de me preocupar com Isabella falando alguma merda. Fiz questão de me manter longe dela nas duas aulas que tínhamos juntas, sem nem olhar na sua direção. Quando tinha medo, eu olhava pra minha mochila e respirava fundo, me concentrando em uma das pequenas almofadas de estrela que ganhei de Hector, que eu tinha transformado em chaveiro e estava junto da chave de casa, onde mamãe me esperava. Eu tinha motivos para me manter forte. Os três primeiros ensaios foram ótimos. Começamos com os monólogos de narração de Bianca e Jonathan, nossa voz ficaria gravada, enquanto fazíamos a cena de fundo. A gravação seria segunda, e durante essa semana só treinamos a voz para passar a emoção certa na hora de falar, e eu me senti como uma dubladora de filmes animados, lendo a cena sem ter que interpretar de fato com o corpo. Eric estava sendo muito simpático comigo, ontem ele até me trouxe um chocolate de presente. Então era assim que era fazer amizades? Eu estava gostando. Agora estava acabando de arrumar minha bolsa, Hector tinha avisado
que às três e meia Nick viria me buscar, já que ele estava acabando uma reunião com o novo cara do cassino de Atlantic City. Parecia que agora tudo ia se resolver nesse quesito, ao menos isso, já que ele odiava ter que ficar ido e vindo de Atlantic City o tempo todo. Meu braço já estava bem melhor, o corte havia fechado e começava a cicatrizar. Ainda estava bem sensível ao toque, e eu tinha que me controlar pra não puxar a casquinha, mas até que estava indo rápido. Meu corpo parecia já ter aprendido a cicatrizar cortes depressa, ou talvez isso só fosse loucura da minha cabeça. Coloquei meu pijama rosa de flanela na bolsa, era um dos mais arrumadinhos que eu tinha, sem estampas de bichinhos nem nada do tipo. Coloquei uma muda de roupa pra vestir amanhã, e algumas calcinhas extras, rindo baixinho sozinha ao pensar na cueca dele, que tinha ficado escondida no fundo da minha gaveta, e no motivo de precisar disso. Eu não sabia se algo ia acontecer essa noite, se o fogo ainda estaria lá quando, depois dessas três semanas sem termos muito tempo juntos, nós ficássemos sozinhos de novo. Nem sabia se estava pronta para ir adiante. Era estranho ser uma virgem de vinte e um anos no mundo atual, mas meu receio não era por isso e, sim, por ter que mostrar meu corpo inteiro a ele. Ele gostar de curvas sob as roupas era uma coisa, mas ele gostaria das marcas que essas curvas tinham? Das estrias roxas e brancas, da pele mole e das coxas com cicatrizes grossas e grotescas, além das celulites. E se ele imaginasse que minha pele era como a de uma daquelas modelos plus size que não tinham marcas, e não gostasse quando me visse de fato? Sim, eu tinha feito todo o esforço absurdo que era raspar minhas pernas — ao menos do joelho para baixo, os pelos das coxas eram bem fininhos e eu não ligava — e até entre elas, o que pelo meu reflexo no espelho depois não tinha dado muito certo, graças ao fato de ter a barriga me atrapalhando no processo, mas se na hora H eu teria coragem de ir adiante, eram outros quinhentos. Suspirei, colocando os sapatos pretos de salto quadrado na bolsa, não eram muito altos, mas já era melhor do que usar sapatilhas num evento desses. Guardei também minha pequena bolsinha de maquiagem. Eu não tinha muita coisa, quase não usava mais maquiagem, então junto com os sapatos, acabei precisando comprar uma paleta pequena de sombras — peguei uma em tons de marrom e dourado, vinham quatro tons dessas cores, além de um branco e um preto — dois pincéis, uma base e um delineador. Eu
não saberia fazer o delineado puxado sozinha, então tive que dar vinte e cinco dólares em um daqueles que tinha um carimbo na parte de trás. Ao menos rímel e batom vermelho eu já tinha. No total foram quase trezentos dólares no cartão da minha mãe, que dividimos em seis vezes pra poder pagar. Coloquei na bolsa meu shampoo e condicionador de mel, meu sabonete com cheirinho de lavanda, minha escova de dentes e estava tudo pronto. Levei a bolsa até a sala, pegando meu celular e o carregador, guardando o cabo no bolso lateral. Agora, sim, tudo estava realmente pronto. — Nervosa? — minha mãe perguntou, quando eu apareci e deixei a bolsa sobre o braço do sofá, ao lado da sacola do vestido. Vovó tinha vindo pra me desejar sorte, e me deu um sorriso. — Bastante. O medo de tropeçar nos saltos ou falar alguma besteira é enorme. Imagina se eu envergonho Hector, de alguma forma? Nunca vou me perdoar. — Pare de drama, querida, ele não se envergonharia nem se você subisse nas mesas e dançasse a Macarena. — Vovó riu, me fazendo revirar os olhos com uma ameaça de sorriso. — É sério. Além disso, você não assistia àquela série dos adolescentes ricos? — Sim, mas eles eram adolescentes. Hector e todos que vão estar lá são adultos da vida real. — Suspirei, balançando a cabeça. — Vai dar certo, de qualquer forma. Se tiver dúvidas, fique calada e observe, tente falar com pessoas que tenham assuntos que você entenda. Elogie as joias da mãe dele e das senhoras com quem falar. — Vovó começou a dar conselhos que provavelmente tinha visto em algum blog na internet, e eu dei uma risadinha. — Agora sim, mantenha esse sorriso no rosto e não vai ter problemas. — Vou tentar. — Respirei fundo, tentando acalmar meu ritmo cardíaco. — Divirta-se, aproveite a oportunidade. — Ela sorriu, vindo me abraçar. — Ah, eu trouxe algo para você. — Ela enfiou a mão na bolsinha que sempre carregava para todo lado, me fazendo arregalar os olhos e ficar vermelha como um tomate quando ela tirou um pacote de camisinhas ali de dentro. — Segurança em primeiro lugar. — Vó! — gritei, ignorando a gargalhada da minha mãe enquanto nos olhava.
— Sua vó está certa, querida. Nunca se sabe o que pode acontecer quando voltarem para o apartamento... — Esse era um dos momentos que eu detestava ter uma família liberal e mente aberta. — Parem com isso, vocês duas. Não vai acontecer nada. — Sei... — as duas falaram ao mesmo tempo, e eu revirei os olhos, levando um susto quando ouvimos a campainha. Olhei para o relógio da parede, três e meia em ponto. — Hora de ir. Me desejem sorte. — Boa sorte, querida. — Vovó me abraçou de novo. — Aproveite o gostosão. — Vó! — Acabei rindo, balançando a cabeça, enquanto abraçava minha mãe. — Se divirta, filha. — Mamãe sorriu. Peguei minha bolsa e a sacola do vestido e saí, sentindo uma pequena taquicardia enquanto descia as escadas, encontrando Nick parado no portão. — Boa tarde, senhorita Alice. — Boa tarde. — Dei um sorriso educado, andando até o carro. Estava tão acostumada com Hector dirigindo quando saíamos, que achei estranho sentar no banco de trás. — Quer que eu ligue o rádio em alguma estação específica? Pode colocar as músicas pelo seu celular também, se preferir, tem um pouco de trânsito no caminho até Manhattan. — Ele deu a partida no carro, e eu me sentia como se estivesse num Uber mais sofisticado. — Não precisa, eu trouxe meus fones. Pode ouvir o que mais gostar. — Certo — ele assentiu e ouvi o rádio parar numa estação de esportes, antes de ligar a música no meu fone. Eu tinha uma playlist bem esquisita de músicas que me ajudavam a ficar mais calma e encarar situações novas, a mesma que ouvi há três semanas, quando fui para o hotel pela primeira vez. Parecia ter sido uma eternidade atrás. What are you waiting for começou a tocar, e era uma das minhas favoritas nessas situações. “Todos precisam de um salto de fé, quando você vai dar o seu?”. Três semanas atrás, eu dei meu primeiro salto de fé em muito tempo, batendo na porta dele e aceitando o convite para o café. E agora aqui
estava eu, indo encontrá-lo para irmos juntos a um evento da família dele, pronta para ser apresentada como sua namorada. Nem em meus sonhos mais loucos, imaginei que isso poderia acontecer. Aquele fim de semana me fazia sorrir toda vez que me lembrava do que tinha acontecido, tão rápido e tão intenso. A forma como ele foi educado, desde o princípio, o jeito que me abraçou quando viu as marcas pela primeira vez, nós dois dançando pela sala ao som de Morat, os beijos dele, o jeito que respeitou cada limite meu e conseguiu, mesmo assim, me levar à loucura em seus braços... Aproveitei que o hotel ainda estava longe e continuei a recapitular nossa curta e intensa história até aqui. Eu ainda não aceitava que depois de tudo o que vivemos naquele fim de semana mágico, a vez seguinte em que nos encontramos pessoalmente foi durante a minha crise. Ele tinha, por acaso, ido me parabenizar pelo papel de Bianca, e me encontrou naquele estado deplorável, jogada no chão com o braço rasgado. Eu me envergonhava bastante daquilo, de ele ter tido que presenciar o meu pior tão cedo na nossa relação, mas ao menos aquilo serviu para me convencer de que ele não fugiria facilmente. Ele tinha me visto no meu pior momento, aquela tinha sido uma das piores crises dos últimos tempos, mas ele não se afugentou com aquela cena. Ele se aproximou, me trouxe de volta para a realidade e cuidou de mim, fez o que até então só minha mãe tinha feito, me remendou e me ajudou a descansar. E depois daquele dia, ele ficou tão mais atencioso, indo me visitar todos os dias da semana passada, e essa semana ele me ligou sempre que podia. Eu às vezes tinha medo de estar em coma e isso tudo ser um sonho, acordar um dia numa cama de hospital e descobrir que não existe nenhum Hector Vanslow e que não passou de imaginação minha. Parecia uma teoria louca da conspiração, daquelas que dizem que a história de Harry Potter foi um sonho do Harry ou que em Pokémon o Ash está em coma, desde o primeiro episódio e, por isso, não envelhece. Contive a vontade de suspirar e vi que já estávamos chegando, me distraí tanto, pensando, que nem vi o tempo passar, mas pelo relógio do meu celular tinham se passado quarenta e cinco minutos. Nick entrou na garagem do hotel, e eu desliguei minha música, tirando os fones e guardando na bolsa, enquanto ele estacionava.
Agradeci quando ele abriu a porta do carro para mim e andei até os elevadores, apertando o botão com o número 25. Esperei sem pressa, enquanto os andares iam passando dei boa tarde para duas pessoas que entraram e saíram durante a subida, e finalmente o elevador parou em frente à porta de Hector. Respirei fundo, ansiosa para vê-lo, e bati à porta, que se abriu um instante depois, revelando um Hector de terno e gravata, sorrindo para mim. — Oi. — Sorri, mordendo meu lábio inferior um pouco, sentindo a sensação familiar de aparecer na porta dele. — Oi. — Ele sorriu de volta, se aproximando e me dando um beijo rápido, se afastando da porta para que eu entrasse. — Pode deixar a bolsa lá no quarto, tem uma surpresa pra você em cima da cama. — Uma surpresa? — Você vai gostar — ele garantiu e eu dei de ombros, curiosa, indo até lá. Assim que passei da porta, eu vi a surpresa e dei uma risada alta, balançando a cabeça. Era Rudy, com uma plaquinha de papel escrito “Oi, mamãe, senti saudade”, pendurada no pescoço. Ele latiu pra mim, e eu deixei a bolsa e a sacola no chão, indo pegar o filhote no colo. — Oi, pequeno. Quer dizer que eu agora sou sua mamãe? — Ergui o focinho dele até a altura do meu rosto, dando um beijinho de esquimó igual quando o conheci. Ele começou a lamber meu nariz, arfando e abanando o rabinho. Ouvi o riso de Hector e o vi encostado na soleira da porta, os braços cruzados, me olhando como se eu fosse seu mundo inteiro. — Estava certo, eu adorei. — Sei que no fundo só está comigo por causa dele, achei melhor fazer esse agrado — ele brincou, me fazendo sorrir mais, enquanto ajeitava Rudy no meu colo e me aproximava. — Droga, meu segredo foi descoberto — devolvi a brincadeira, piscando um olho. Eu me sentia tão bem aqui quanto em casa, confortável. Ele sorriu, pegando o cachorro do meu colo e colocando-o no chão, as mãos indo parar na minha cintura, me puxando para perto. Sem dizer nada, ele se inclinou, me beijando de novo, dessa vez devagar, a língua brincando contra meu lábio inferior antes de alcançar a
minha, me fazendo suspirar baixinho contra ele, meus braços passando por seu pescoço, enquanto eu ficava na ponta dos pés, os dedos se enroscando em seu pescoço do jeitinho que eu adorava fazer. O beijei por todo o tempo que pude, parando um mísero instante para tomar ar e voltando a colar nossos lábios, dessa vez com mais força. Eu tinha sentido falta disso, falta dos toques dele, falta desses momentos sozinhos dos quais tivemos tão pouco até aqui. As mãos dele desceram, me puxando mais para perto. Quando ele se afastou, apenas um pouco, eu estava sem ar, dando um sorriso bobo. — Agora sim, oi. — Ele sorriu, uma mão vindo fazer carinho na minha bochecha, antes de se afastar. — Senti falta disso, de te beijar sem medo. Você é um vício, Alice. — Olha só quem fala. — Balancei a cabeça, vendo ele fazer uma carinha de inocente e dar de ombros. Entrelacei nossos dedos, deixando-o me puxar até o sofá, que já havia se tornado nosso lugar. — Ansiosa para hoje à noite? — Mal consegui dormir direito essa noite, acho que já bati meu recorde de taquicardias, e tem borboletas fazendo uma rave no meu estômago. É, eu diria que estou bem. — A última frase saiu com um tom irônico e ele riu, se jogando no sofá e me puxando pela mão quando fez isso, me fazendo cair por cima dele, sentada de lado no seu colo. — Pare de se preocupar, deusa. Vai ser uma noite ótima, você vai se dar bem com todos, e eu vou ser o namorado mais orgulhoso deste mundo. — Ele envolveu minha cintura com carinho e eu suspirei, deitando a cabeça em seu ombro. — Você é sempre tão positivo... não tem medo de que as coisas deem errado às vezes? — Tenho, mas sempre tento pesar positivo. Alguns resultados não são do meu controle, então é melhor focar na melhor possibilidade do que me desesperar antes da hora. — Ele deu de ombros, as mãos passeando devagar pelas minhas costas. — Você não pode ser real. — Ri baixinho, beijando o pescoço dele de leve, fechando meus olhos. — Sou, sim. Pode até me morder se quiser testar, eu deixo — ele
brincou. — Olha que eu mordo, mesmo — ameacei, a voz brincalhona. — Que horas preciso começar a me arrumar? — Depende do quanto pretende se arrumar. Eu fico pronto em meia hora, mas acho que você precisa de mais do que isso, acertei? — Eu vou ter que me maquiar sozinha, então com certeza mais de meia hora, a menos que queira chegar lá acompanhado de uma palhacinha de circo. — A palhacinha mais linda. — Ele beijou minha testa, sorrindo. — O evento é às sete horas, mas precisamos estar lá às seis e meia, já que tecnicamente sou um dos anfitriões também. — Ok. Já, já vou tomar banho então, essa parte vai ser rápida, já que não vou lavar o cabelo agora. Minha mãe fez uma hidratação nele ontem, no começo da noite, por isso os cachos estão mais baixos e comportados — expliquei, sentindo a mão dele subir das minhas costas para a nuca. — Se precisar de alguém para esfregar suas costas, pode me chamar — ele provocou, me deixando até em dúvida se era brincadeira ou não. Ele sabia como deixar o clima mais leve num piscar de olhos. — Vou fingir não saber que você quer esfregar outras coisas — devolvi a provocação, ouvindo o riso dele. — Espertinha. — Ele beijou minha cabeça de novo, fazendo carinho na minha nuca daquele jeitinho que me deixava toda mole nos braços dele. Suspirei. — Pare com isso... sabe que é meu ponto fraco. — Claro que sei, por que acha que estou fazendo isso? — Ele sorriu, me fazendo sorrir também. Eu adorava esse jeito dele de me provocar e brincar ao mesmo tempo, a forma como me deixava confortável para me soltar. — Malvado — sussurrei, deixando um beijinho em seu pescoço e fechando os olhos por um instante, só curtindo a companhia dele em silêncio por alguns minutos, aproveitando aquela proximidade calma. Afastei-me após alguns minutos, puxando o pulso dele para ver no relógio que horas eram. Quase cinco. Suspirei, dando um selinho nele e me afastando.
— Hora do banho? — Hora do banho — concordei, me levantando. — Tem uma toalha e roupão rosa no banheiro, comprei pra você. Pode usar enquanto se arruma, se quiser. — Obrigada. — Sorri, achando aquele gesto dele superfofo e atencioso. Soprei um beijo e fui para o quarto, pegando uma calcinha e meu kit de banho na bolsa e entrando no banheiro, prendendo meu cabelo no alto para não molhar por acidente. Liguei o chuveiro de alta pressão, tão encantada com a força da água quanto da outra vez, tentando não demorar demais no banho, mas acabei gastando uns vinte minutos, distraída em aproveitar a massagem que a água fazia nas minhas costas. O banheiro estava cheirando ao meu sabonete quando eu saí, o roupão amarrado bem apertado à minha volta. Era um roupão longo, de um tecido macio e fofinho, e eu me sentia como se estivesse abraçando uma nuvem. Ele estava sentado na cadeira do computador, já sem o paletó e com a gravata frouxa em volta do pescoço. Lindo. — O banheiro está livre — avisei, vendo ele se virar para mim, dando um sorriso de canto. — Você fica linda de roupão. — A voz dele soou casual, mas o elogio me deixou vermelha, mesmo assim. Ele se levantou, passando por mim, inspirando o ar perfumado que vinha do banheiro ao chegar à porta, e eu podia jurar que o vi dar um sorriso bobo enquanto entrava. Dei uma risada baixa, indo pegar minhas coisas. Coloquei logo o vestido, mas teria que esperar até ele sair do banheiro para fechar o zíper, não conseguia alcançar minhas costas de jeito nenhum. E então chegou o momento complicado, me maquiar. Andei até o espelho na parede do canto, colocando a maquiagem na mesinha do lado e primeiro colocando os grampos no cabelo, deixando uma parte dos cachos no alto, em seguida começando bem devagar a maquiagem, com todo o cuidado do mundo pra não sujar o vestido por acidente. Estava acabando de passar a base, bem de levinho pra não ficar marcada demais, quando ouvi a porta do banheiro se abrir e ele saiu de lá, com uma toalha na cintura e outra secando os cabelos. Vi pelo reflexo no espelho, e suspirei baixinho, o vendo andar na direção do closet. Aquele homem molhado era a
visão do paraíso, pelo amor de Deus. Respirei fundo, tentando voltar minha concentração para a maquiagem, pegando meu celular e procurando o tutorial de sombra que tinha achado no Pinterest, deixando-o na mesinha e olhando o tempo todo para conferir se estava fazendo certo, passando primeiro uma camada de dourado clarinho em cada olho. Ia começar a tentar esfumar o marrom em volta sem fazer uma bagunça, quando vi pelo reflexo Hector se aproximando, de calça social e uma camisa desabotoada, e um instante depois as mãos dele estavam na minha cintura, seus lábios no meu ouvido. — Nem está pronta ainda e eu já sei que vai ser a mulher mais bonita do evento — ele sussurrou, o hálito quente na minha pele, dando um sorrisinho e deixando um beijo no meu pescoço, se afastando em seguida. — Quer ajuda com o zíper? — Assenti, sentindo os dedos dele descerem pela pele exposta das minhas costas, alcançando o zíper e o puxando para cima. Deixei um suspiro baixinho escapar. Me virei pra ele, dando de cara com aquele sorrisinho convencido, e deixei meus olhos descerem por seu peito, os músculos levemente definidos, na medida certa, uma trilha aparada de pelos que sumia dentro da calça. Mordi meu lábio inferior. — Devia ser crime ser tão gostoso assim, você já tem privilégios demais — resmunguei, ouvindo a risada dele enquanto eu erguia meu olhar de volta. Eu tinha visto ele sem camisa naquele domingo, mas estava com a mente dividida entre a visão dele e as sensações novas de ter ele. — Me acha gostoso, é? — ele provocou, se inclinando e me beijando, demorando um pouco. — Bom saber. — Cale a boca... — falei baixinho, meu rosto ficando quente, e me virei de volta para o espelho, tentando lembrar como segurar o pincel de sombra. Observei pelo reflexo ele se afastar pelo quarto enquanto abotoava a camisa. Respirei fundo, me concentrando, e comecei a esfumar bem de leve o marrom sobre o dourado. Demorei e me atrapalhei um pouco, suspirando no final, me afastando um pouco para observar o resultado. Tinha dado certo. Não estava perfeito como eu queria, mas era o melhor que podia fazer. Hector tinha desaparecido dentro do closet de novo, e eu me peguei pensando que não me incomodaria nem um pouco de me arrumar ao lado dele pelo resto da vida. Balancei a cabeça para afastar esse pensamento. Nada de ir com tanta sede ao pote, repreendi a mim mesma.
Peguei o delineador, dando graças a Deus por ter gastado os vinte e cinco dólares no modelo com carimbo, ao menos o delineado ficou perfeito pra compensar as pequenas falhas na sombra. Tinha acabado de passar o rímel, com bastante cuidado, quando ele apareceu de novo já de paletó e uma gravata borboleta, prendendo as abotoaduras das mangas. Estava lindo de morrer. — Quase pronta? — ele me perguntou, parando do meu lado no espelho e pegando um pente da mesma mesinha onde estava minha maquiagem, daqueles de madeira com dentes dos dois lados, um deles mais separado e o outro mais junto, começando a pentear a barba. — Quase. Falta só o batom, os brincos e os sapatos. — Observei-o pentear o cabelo em seguida, os fios ficando perfeitamente para trás como se não ousassem desobedecer a ele. Me virei de volta para o espelho, pegando o batom matte num tom médio-claro de vermelho e começando a passar com cuidado, sabendo que estragaria toda a base se borrasse. Ele deixou o pente sobre a mesinha de volta e se afastou, indo até um gaveteiro que havia no canto. — Falta o colar também. — Terminei o batom antes de responder, concentrada. — Que colar? — Me virei pra ele, que estava de costas, mexendo em algo. — Esse aqui. — Ele se virou, com uma corrente nas mãos, um pingente de pedra vermelha pendurado nela. Arregalei os olhos. — Hector! — Surpresa. — Ele sorriu, se aproximando de mim. — Vire-se. — Fiquei tão sem reação que obedeci, automaticamente afastando os cabelos e o deixando prender o colar em volta do meu pescoço, sentindo o pingente gelado contra o meu colo, e levei uma mão até ele, o tocando com cuidado. Era um rubi de verdade, eu tinha certeza, num corte em formato de lágrima, com um diamante pequeno em cima, e tinha ficado exatamente na metade do caminho entre meu pescoço e o centro do decote. — Gostou? — É lindo. — Me virei de volta para Hector, balançando a cabeça. — Isso deve ter custado uma fortuna, eu disse que não precisava mais gastar comigo.
— Não foi caro, não se preocupe com isso. — Eu tinha minhas dúvidas sobre o que seria “caro” na percepção dele. Com certeza devia ter sido mais de mil dólares, então era caríssimo, na minha opinião. — Vamos, desfaça essa expressão zangada. É apenas um mimo. — Não estou zangada, é só que... não precisava. — Suspirei, abraçando seu pescoço, sem muita força para não amassar a roupa dele, que me abraçou de volta. — Mas eu amei, de verdade. Nunca vi nada tão lindo assim antes, não pessoalmente. — Ainda bem que gostou. Eu ia pegar o par de brincos que combina, mas deduzi que você me mataria se eu fizesse isso. — Deduziu certo. O colar é muito mais que suficiente, e é lindo... obrigada, de verdade. — Soltei ele, dando um sorriso pequeno, ainda em choque. — Mas me prometa que não vai mais comprar presentes caros sem motivo. — Prometo. — Ele riu, beijando minha testa e se afastando. — Mas eventualmente vai ter que se acostumar com isso, você é parte dos Vanslow agora, e minha família ama presentes sem motivo. — Piscou um olho, indo se sentar na cama para pôr os sapatos. Peguei meus brincos dourados de argola, que pareciam simples demais ao lado daquele colar. Sim, era um colar pequeno, todo o pingente não devia ter nem dois centímetros direito, mas eu me sentia como se fosse um letreiro em neon na minha pele. Peguei meus saltos, colocando os dois e depois me abaixando para encaixar a parte de trás no calcanhar. Hector estava sentado na cama, me olhando, quando terminei. — Agora sim, pronta. — Peguei a bolsinha preta de mão que eu tinha trazido, que na verdade, era de vovó, e coloquei meu celular e o batom dentro dela. — Você está linda. — Ele deu um sorriso maravilhoso, se levantando e alisando o paletó, estendendo a mão pra mim. — Vamos? Já são seis e dez, vamos chegar em cima da hora. — Espero que seu irmão não se zangue. — Entrelacei nossos dedos, e fomos em direção à porta. — Ethan deve chegar atrasado ou fazer algo errado logo no começo,
então qualquer irritação de Roman conosco não vai durar muito. — Ele riu, pegando o celular do bolso de dentro do paletó, ligando para avisar a Nick para nos esperar no carro que já estávamos descendo. Três minutos depois, ele estava abrindo a porta de trás para mim, sendo um fofo, e saímos. O Pallace ficava a dez minutos de distância, se não tivesse trânsito, mas quem já viu Nova Iorque sem trânsito num sábado à noite? Demorou quase vinte minutos até o carro entrar na garagem, parando numa vaga reservada. Claro que Hector tinha uma vaga no hotel do irmão, nem me surpreendi com isso. — Pronta? — Ele apertou minha mão, e eu respirei fundo, sentindo um pouco de taquicardia de novo. — Teoricamente. — Dei um sorriso esquisito e ele sorriu, levando minha mão aos lábios e deixando um beijo pequeno ali. — Respire fundo, e lembre-se de que eu estou com você. Vai ser uma ótima noite. — Ele sorriu de novo ao dizer isso, tentando me passar confiança, e eu assenti. Que seja o que Deus quiser.
Só a soltei pelo tempo necessário para sairmos do carro, voltando a segurar sua mão, assim que ela chegou ao meu lado. Nesse tipo de evento eu teoricamente deveria estar com o braço entrelaçado ao dela, bem a moda antiga, mas eu sabia que ela se sentia mais confortável de mãos dadas, e eu queria deixá-la o mais calma possível. Tinha certeza de que minha família iria adorar ela, e assim que ela se soltasse um pouco tudo daria certo. O estacionamento onde estávamos era subterrâneo, então pegamos o elevador até o primeiro andar, caminhando pelos corredores até o salão de grandes eventos. O Pallace era um dos maiores hotéis de Nova Iorque, estava na família desde quando meu pai começou a Vanslow Corp, e nenhum de nós se incomodou quando ele passou para o nome de Roman, que já administrava tudo por aqui há anos de qualquer forma. Alice olhava em volta com os olhos atentos, claramente maravilhada com aquilo tudo. Sorri, achando ela muito mais linda que qualquer decoração existente no mundo. Apertei a mão dela de leve quando chegamos nas portas duplas do salão. — Lembre-se de respirar, e ser você mesma — sussurrei, beijando a têmpora dela, que engoliu em seco e assentiu.
— Ok, respirar. — Ela apertou meus dedos e nós entramos. Roman estava conversando com a assistente, Camilla, provavelmente conferindo tudo, e só notou nossa presença quando nos aproximamos, erguendo a cabeça do tablet. — Eu reclamaria do atraso, mas ainda conseguiu ser o primeiro a chegar. — Ele balançou a cabeça, me fazendo dar rir, e entregou o tablet de volta à Camilla. Os olhos dele foram para Alice, um sorriso se abrindo. — Ah, então você é a namorada. Seja muito bem-vinda, Alice. Espero que goste do evento. — Obrigada. — A voz dela saiu baixa, mas ela deu um sorriso que parecia muito bem ensaiado. — A decoração está maravilhosa. — Tudo graças à Camilla. — Ele inclinou a cabeça na direção da assistente, que sorriu. — Não sei o que seria dos meus eventos sem a ajuda dela. — Seriam tão bons quanto já são, mas talvez menos bem decorados. — A mulher sorriu, em seguida levando uma mão à orelha, apertando o pequeno ponto eletrônico. — Com licença. — E se afastou, indo resolver alguma coisa. Roman observou por um instante aonde ela ia, e então se voltou para nós de novo, dando um sorriso. — Bem, eu tenho que ir recepcionar os convidados que logo devem começar a chegar, mas fiquem à vontade. Mais uma vez, seja bem-vinda. — Ele deu um pequeno aceno com a cabeça para Alice e foi até a porta, parando naquela pose comportada e bem treinada dele. Ele era assim, poucas palavras com pessoas novas, sempre focado no trabalho, sempre tinha algo para fazer. — Um foi, faltam três. — Sorri para Alice, que deu um risinho baixo. — Tudo bem? — Até agora, tudo certo. — Ela apertou meus dedos, com carinho. — Ótimo. Fique calma, os outros eu garanto que vão ser mais falantes. Roman é... bem, Roman. Calado, mas tem um bom coração. — Entendi. — Ela desviou o olhar, observando a decoração mais uma vez, e eu a puxei gentilmente para começarmos a andar pelo enorme salão. Tinha um palco montado em uma extremidade, onde alguma banda da gravadora de Phillip acabava de ajustar os instrumentos, e algumas mesas ao redor do espaço amplo no meio. — O que exatamente se faz em um evento
desses? Eu me esqueci de perguntar antes, estou totalmente perdida. — É uma festa, as pessoas conversam, bebem, mas não muito, e no final escrevem cheques de doações — expliquei, e antes que ela pudesse responder, eu ouvi a risada de Ethan se aproximar. — Lá vem o segundo — murmurei, vendo- ela dar um sorriso nervoso, e me virei, vendo meu irmão e Nicole se aproximarem de nós. Ele estava com um terno verde-escuro, o cabelo milagrosamente preso para trás, e a loira estava usando um vestido azul-escuro sem mangas e colado no corpo, com uma fenda que se abria na coxa. Ela tinha o tipo de beleza óbvia que a maioria gosta. — Que que há, velhinho? — ele me cumprimentou com uma imitação ridícula do Pernalonga, me fazendo rir. — Viu só, cheguei até cedo hoje, não sou tão irresponsável. — Pare de mentir, só chegou na hora porque eu te apressei. — Nicole fez uma careta para ele, se virando para mim e Alice com um sorriso. — E me agradeça também por ter o convencido a pentear o cabelo. — Cale a boca, Nic. — Ele a empurrou de leve com o ombro e se virou para Alice. — Então você é Alice. Bem-vinda à família. — Obrigada. — Somos um pouco caóticos às vezes, eu principalmente, mas com o tempo você se acostuma. — Ele riu, enquanto a melhor amiga revirava os olhos. — Uma dica de ouro para a convivência com os Vanslow — Nicole começou, fazendo suspense —, ignore metade do que Ethan disser e vai ficar bem. — Ela gargalhou, e Alice deixou escapar uma risadinha. — Sabe, ela não está errada — comentei, vendo Ethan fechar a cara. — Isso é um complô, por acaso? Parem de virar a garota contra mim. — Ele riu, os olhos em Alice. — Ignore esses dois, isso sim. Sou o melhor dos Vanslow. — Melhor dos Vanslow, estão falando de mim? — Brian se aproximou, usando um blazer azul-escuro e uma calça social preta, rindo. — Até parece. — Ethan riu, balançando a cabeça. — Estávamos contando para a nova adição da família o quão incrível eu sou. — Convencido. — Nicole fingiu uma tosse ao dizer isso, rindo.
— Vão acabar assustando a garota, isso sim. — Brian riu, estendendo a mão para Alice. — Sou Brian, é um prazer te conhecer. — Igualmente. — Ela apertou a mão dele com a mão livre, e ele sorriu. — Ouvi falar muito de você, mas é ainda mais bonita pessoalmente. Agora entendi porque meu irmão virou um bobo apaixonado. — Ele sorriu, e ela ficou vermelha, o rubor mais fraco que o normal graças a maquiagem que camuflava a pele dela. — Ele me disse que você é atriz, certo? — Ela assentiu. — Ótimo, precisávamos de mais algum artista na família, eu já estava correndo louco em ter que carregar todo o peso de talento da família sozinho. — Daqui pra frente, eu te ajudo. — Ela conseguiu sorrir, e seu aperto nervoso na minha mão estava começando a relaxar, podia notar que ela estava começando a ver que não precisava ter medo. — Atriz? — Nicole se intrometeu, dando um sorriso enorme. — Que incrível, já tem algum projeto em vista? — Eu... vou ser a principal na peça semestral da Lucille, em junho — ela falou baixinho, tímida, e Nicole deu um gritinho contido. — Parabéns! Vai ter que me contar tudo sobre como vai ser, eu adoro teatro. E boa sorte em me suportar, eu esperei séculos para termos mais uma garota no grupo, não aguento mais esses cinco. — Nicole era muito amigável e puxou Alice de junto de mim, que arregalou um pouco os olhos enquanto a loira grudava em seu braço. — Não sei se Hector te explicou, mas eu sou praticamente da família. Meu pai estudou com o deles em Yale, e eu e Ethan fomos para os mesmos colégios e internatos, acredita que fazemos aniversário na mesma semana, com só dois dias de distância? — Ela era falante também, e eu tive um pequeno receio de que pudesse sobrecarregar Alice, mas ela parecia bem até agora. — Enfim, é bom não ser mais a única garota. E eu adorei seu vestido! — Obrigada. — Alice parecia apenas um pouco perdida, e eu lembrei que ela não sabia agir com amigas pessoalmente. Sorri, pensando que com Nicole ela aprenderia. — O seu também é maravilhoso. A loira estava prestes a começar a tagarelar sobre qualquer coisa de novo quando Phillip se aproximou do grupo, usando um terno azul-escuro. — Já deixou Nicole roubar sua namorada, Hector? — ele brincou,
olhando para Alice. — Sou Phill, prazer em te conhecer. — Igualmente. — Roman me pediu para avisar a vocês que isso não é uma reunião de família e que precisamos conversar com todos que chegarem, então eu recomendaria dispersar o grupo, antes que ele mande Camilla vir puxar nossas orelhas. — Ele revirou os olhos, com um ar de riso. — Ele tem que parar de dar ordens e relaxar um pouco — Ethan resmungou, nos fazendo rir. Até Alice deu uma risadinha baixa, os olhos mostrando que estava um pouco atordoada com tudo aquilo. Ele seguiu meu olhar para ela e Nicole. — Nic, devolva a namorada de Hector, vocês vão ter a noite inteira pra ficarem amigas, deixe que ele ao menos a apresente às pessoas antes de monopolizar a coitada, não queremos que ela saia correndo. — Ninguém sairia correndo de mim. — Ela riu, soltando o braço de Alice, que voltou pra junto de mim. — Vocês fazem um casal bonito. — E com isso, sem nem se despedir, ela saiu puxando Ethan em direção ao bar. Um a um meus irmãos se afastaram, indo conversar com alguns conhecidos que começavam a chegar, me deixando sozinho com Alice. Ela me deu um sorriso, respirando fundo. — Até que não foi tão difícil. Seus irmãos são estranhos, mas legais. E eu agora reafirmo minha aposta, Nicole e Ethan vão ter algo antes de dezembro deste ano. — Ainda acho que demora até o próximo ano — rebati, passando meu braço em volta da cintura dela de forma casual. — Está mais calma agora? — Uhum — ela assentiu. — Bom, pois a noite só está começando. E ainda faltam meus pais, logo eles devem chegar. — Começamos a caminhar pelo salão, cumprimentando algumas personalidades da mídia e socialites que chegavam, e aos poucos ela foi relaxando mais ao meu lado. Estávamos perto do bar, eu com minha taça de champanhe e ela com uma de espumante sem álcool, quando eu vi meus pais entrarem no salão, de braços dados, e virem direto na minha direção, após cumprimentarem Roman. Eu havia avisado que traria minha namorada, e principalmente minha mãe havia ficado ansiosa com isso. Fazia um bom tempo desde que um dos filhos deu algum sinal de relacionamento sério, até agora.
Minha mãe estava com um vestido longo de veludo verde, de mangas que iam até os cotovelos, um que eu sabia ser um de seus favoritos, com uma gargantilha de esmeraldas e diamantes no pescoço, roubando a cena, como sempre. Aos cinquenta e sete anos, Carmen Merissa Vanslow ainda era uma das mulheres mais bonitas de todo o nosso círculo social, e eu não dizia isso só por ser filho dela. Ao seu lado, meu pai estava com um terno preto e a gravata no mesmo tom de verde do vestido dela. Eles combinavam cores desde que se casaram, era uma tradição. — Mãe, pai — cumprimentei, com um aceno de cabeça, vendo o sorriso largo e ainda assim perfeitamente apropriado de minha mãe. — Essa aqui é Alice, minha namorada. — Muito prazer, senhor e senhora Vanslow. — A voz dela tremeu quase imperceptivelmente, dando um sorriso pequeno e educado. — Por favor, querida, me chame de Carmen. E preciso dizer, seu vestido está divino, combinamos no tecido. — Segurei a vontade de dar um sorriso convencido para Alice, eu tinha dito que minha mãe ia falar do tecido, e estava certo. — Obrigada. Não consigo nem encontrar elogios para o seu, a senhora está belíssima — ela elogiou, e eu pude ver que não eram palavras vazias para agradar, que ela realmente pensava isso, o brilho deslumbrado nos olhos dizia tudo. — Seja bem-vinda à família — meu pai falou, dando um sorriso e se virando para mim. — Hector, sei que não é o momento, mas podemos dar uma palavrinha? É sobre o cassino. — A expressão dele se fechou. Segurei um suspiro, eu ainda iria matar Ethan por ter me convencido a entrar nessa furada, não aguentava mais ter problemas por causa disso. — Agora? — Meus olhos foram para Alice ao meu lado, numa pergunta silenciosa se ela ficaria bem sem mim. — Pode ir, querido, eu faço companhia à Alice. Tenho certeza de que seremos boas amigas. — Minha mãe sorriu, e Alice assentiu de leve. — Está tudo bem. Sua mãe pode me manter entretida com histórias do que você aprontava quando criança. — Ela fez essa brincadeirinha, e meu peito se encheu de alegria ao perceber que ela aos poucos estava se soltando. — Ok. Volto logo.
Beijei o rosto dela e me afastei com meu pai, minha mente praticamente se desligando enquanto ele falava sobre o quanto eu havia sido irresponsável ao abrir um cassino sem ter um gerente especialista pré-contratado, que coloquei uma fortuna em risco e que tinha sorte do novo agente de cassinos ser realmente bom no trabalho. — Eu entendo, não vai se repetir. — Ótimo. Agora, mudando o assunto para algo mais agradável, me fale sobre a garota. Você quase não liga mais ou visita eu e sua mãe, Rhode Island fica a apenas duas horas daqui, esqueceu? — Ele balançou a cabeça, aceitando um copo de whisky com gelo que um garçom ofereceu. — Acha que ela é a certa? — Acho — assenti, dando um sorriso. — Ela é tudo que eu sempre sonhei, externa e internamente, se encaixa em cada pequeno detalhe. Estava conversando com Brian sobre isso, semana passada, é como se ela tivesse sido feita à mão para mim. Ela é... a tempestade perfeita. — Meu olhar vagou para o outro lado do salão, onde ela estava agora sentada com minha mãe, falando algo daquele jeitinho que ela falava quando se animava demais com alguma coisa. — Ela é tão sensível, e quando se empolga com algo ela põe todo seu coração nisso. É como o whisky mais antigo e forte, complexa e incrível de se desvendar. — Você a ama. — Ele ergueu uma sobrancelha, dando aquele velho e conhecido sorriso de quem sabia das coisas. — Eu não disse isso. — Não precisou dizer. A forma como a descreveu é como eu descreveria sua mãe, trinta e tantos anos atrás, quando a conheci, e essa lista só ganhou mais e mais adjetivos com o passar dos anos. Se quiser um conselho, filho, agarre-se a esse amor, e a coloque num pedestal e se devote a ela. Foi assim que ganhei o coração de sua mãe. — Vou fazer isso — assenti, desviando meu olhar para minha mãe e Alice de novo, vendo que dessa vez elas estavam rindo. Minha garota, antes tão nervosa, estava rindo. — Vá, volte para junto dela. Vou procurar Ethan para uma palavrinha também. — Ele apertou meu ombro, a forma dele de demonstrar carinho com os filhos, e saiu andando. Atravessei o salão até a mesa delas, parando no caminho para pegar alguns doces para Alice. À medida que me aproximava,
deu para ouvir a conversa das duas. — Faça Hector te levar em Rhode Island qualquer dia, adoraríamos te receber, e eu poderia mostrar as fotos que comentei. — Minha mãe sorriu, e eu ergui uma sobrancelha ao parar ao lado da mesa. — Espero que não sejam fotos minhas — brinquei, colocando o pratinho de doces em frente à Alice. — Trouxe algumas sobremesas, imagino que vá gostar. Todas levam chocolate. — Obrigada. E sim, são fotos suas de quando era bebê. Mal posso esperar pra ver um mini Hector gorduchinho e fofo — ela fez graça, e eu ouvi a risada da minha mãe. — Sua mãe estava me contando que você nem sempre foi tão comportado como é hoje, senhor adolescente rebelde. — Já me arrependi de deixar vocês duas sozinhas. — Ri, puxando uma cadeira e me sentando ao lado dela. — Pois deveria ter demorado mais, nem tive tempo de começar a interrogá-la de fato, a espertinha me distraiu com conversas sobre peças de teatro e sua infância. — Minha mãe deu um sorriso afetuoso para Alice, e eu percebi o quanto elas tinham se dado bem. — Então que bom que cheguei a tempo de impedir o questionamento. — Sorri, vendo Alice morder um docinho redondo com casca de chocolate e recheio de morango. Ela pareceu gostar. — Teremos outras oportunidades. — Minha mãe sorriu, desviando o olhar e acenando levemente para alguém atrás de nós. Em um instante Nicole estava na nossa mesa. — Nicole, querida, não tinha te visto ainda. — Oi, Carmen. — Ela sorriu. — Vejo que já conheceu nossa nova garota, finalmente uma nova adição à família. — Finamente — minha mãe comentou, e eu estava gostando da forma como elas falavam de Alice. Sabiam que era algo recente, mas me conheciam o bastante para saber que era sério, e já a tratavam como uma adição permanente. — Sabia que ela é atriz? Tem até uma peça, como a protagonista, em junho. Inclusive, pode ir começando a me contar mais sobre como vai ser. Qual o tema, a história, nos dê todos os spoilers — Nicole insistiu, e Alice acabou de mastigar o doce e começou a falar. Apoiei meu braço no encosto da cadeira dela, ouvindo a voz dela se
tornar mais confiante enquanto ela sorria ao explicar detalhes, começando até a gesticular um pouco ao explicar como seriam feitas as partes técnicas da junção de narração e cena silenciosa nos flashbacks. Percebi em silêncio que ela estava cercada de gente, e não estava escondida. Estava confortável, animada, monopolizando todos os olhares de quem passava por ali, duas socialites e uma senhora dona de uma rede de lojas parando para ouvir o final da história. Ela estava roubando a cena, e eu não podia estar mais orgulhoso. Após mais algum tempo de conversa Nicole pediu que ela a acompanhasse até o banheiro, e para a minha surpresa as duas saíram rindo e conversando como boas amigas no caminho. Fiquei olhando enquanto ela se afastava, achando ela a coisa mais linda que eu já havia visto. — Ela é maravilhosa — minha mãe comentou, aproveitando que ficamos só nós. — Consigo entender facilmente o que viu nela. Não fique zangado, mas Brian me contou sobre a conversa que vocês tiveram, e eu fiquei preocupada com a possibilidade de que ela pudesse ser uma espécie de peso ou impedimento na sua vida, mas agora que a conheci... ela é incrível. — Brian não tinha o direito de falar, mas nem me surpreendo, ele te conta tudo. E sim, ela é. — Sorri. — Fico feliz que tenham se dado bem, ela estava apavorada com a ideia de conhecer a família, mas parece ter se soltado com a senhora. — Eu sei como conquistar garotas tímidas — ela brincou, sorrindo. — E gostaria de dizer que ela até agora já se mostrou bem melhor que Elisa. Ela era fútil demais, poderia dar certo com Phillip, mas não com você, não a longo prazo. Fico contente que tenha encontrado Alice, e saiba que vai se ver comigo se a magoar. — Jamais a magoaria. Só largo dela se ela não me quiser mais, estou mergulhando de cabeça nessa relação. — Você já a ama, não é? Sempre apressado. — O pai disse a mesma coisa. Eu nem tinha percebido que esse sentimento todo poderia ser amor. Sempre vemos o amor como algo cheio de impedimentos e complicado e até doloroso, mas com ela não é assim. É simples, um sentimento rápido que não se importa que só nos conheçamos há três semanas, Brian deve ter te contado que eu estou até acreditando em teorias de reencarnação e almas gêmeas, ao menos assim seria uma boa
explicação para tudo isso. — Suspirei, pegando um copo com dois dedos de whisky que passou em uma bandeja, dando um gole. — Você fica lindo apaixonado, meu filho. — Minha mãe sorriu. — Seja feliz ao lado dela, e eu estarei feliz por vocês. E me ligue quando tiver alguma novidade, não quero ter que sempre ouvir as coisas através de Brian. — Ela reclamou em um tom leve, me fazendo sorrir. Vi Alice e Nicole saírem do corredor dos banheiros, e virei o resto do meu copo e me levantando. — Bem, se me dá licença, vou chamar a minha garota para dançar comigo. — Vá lá, divirta-se. Andei até as duas, ouvindo elas darem risadinhas como se fossem amigas antigas, meu peito mais uma vez se aquecendo ao ver Alice se encaixar no meu mundo. — Nicole, me deixaria roubar Alice por uma música ou duas? — perguntei, com um sorriso, vendo a loira fingir uma careta. — Só deixo porque já a monopolizei demais e vocês merecem um tempinho juntos, mas tem que prometer levar ela pra me visitar qualquer dia desses. — Prometo. — Ela riu e soltou Alice, para quem estendi uma mão. — Dança comigo? — Eu não sei dançar... não de verdade. — Eu te ensino, é fácil. Pode até pisar nos meus pés que eu não vou me incomodar — brinquei, vendo ela dar um risinho e segurar minha mão, andando juntos até a frente do palco, onde alguns casais dançavam devagar no ritmo da música lenta e romântica que tocava. — Não sabia que se dançava em eventos assim. Pensei que só se conversasse e recebesse convidados — ela admitiu, levando uma mão ao meu ombro, enquanto eu segurava sua cintura. — Depende do evento. Se for um leilão, comum ou silencioso, não se dança, mas aqui é uma versão diminuída de um baile, praticamente. Um pouco de tudo, para agradar todos e arrancar doações generosas de todos — expliquei, começando a dançar com ela, devagar, nossos pés se movendo no ritmo da música.
— Entendi. Sabe, gostei bastante da sua mãe, e de Nicole. As duas são maravilhosas. Estou até me sentindo boba por ter tido medo antes, as pessoas com quem falei são simpáticas, e ninguém me olhou como uma impostora no lugar errado. — Eu disse que te aceitariam bem, não disse? — Dei um sorrisinho convencido, vendo seu sorriso em resposta. — Estou gostando de te ver sorrindo. Hoje é um dia dos muitos bons, não é? — Está sendo, graças a vocês, Vanslow. Não lembro de ter te contado, mas acho que já deve ter notado que eu não tenho costume com festas de nenhum tipo. Estava com medo de não saber como agir, mas vocês ricos realmente são pessoas normais! — Ela deu um risinho, me fazendo balançar a cabeça. — Ainda tinha dúvidas? Somos pessoas comuns com dinheiro demais, nada além disso. — Estou começando a acreditar nisso. — Ela sorriu, se aproximando e recostando suavemente a cabeça no meu ombro enquanto dançávamos. — Acho que eu mencionei antes de sairmos, mas preciso dizer de novo: você está tão linda esta noite. Perfeita, em todos os sentidos, e uma parte de mim mal pode esperar para voltarmos ao apartamento. — Está planejando me seduzir? — ela sussurrou, erguendo os olhos para mim. — Talvez eu esteja. — Pisquei um olho, dando um sorrisinho. — Gostaria ser seduzida por mim? — Adoraria. — A voz dela ficou ainda mais baixa, o rosto vermelho, aparecendo mais através da maquiagem que começava a desbotar pelas horas desde que havia sido feita. — Bom saber. — Afastei-a do meu corpo, a segurando por uma mão e a rodopiando, vendo ela dar uma risada espontânea e bonita enquanto eu a trazia para perto de novo. Alguns casais que estavam perto de nós se viraram para ver o que era, e uma senhora sorriu ao nos ver, provavelmente pensando algo como “esses jovens”. E naquele momento, com ela rindo nos meus braços, eu percebi que realmente a amava.
A festa foi até às onze, e nós tivemos que esperar todos os convidados irem embora antes de nós, afinal, éramos os anfitriões. Roman estava orgulhoso, havia sido um sucesso, e agora estávamos todos sentados de qualquer jeito numa mesa no canto, só a família, jogando conversa fora. Ethan estava um pouco bêbado, enquanto o resto de nós estávamos apenas alegres, sabíamos o significado da palavra “limite”. Alice estava sentada do meu lado, meu braço em volta dos ombros dela, e durante o passar da noite ela tinha ficado tão leve com a minha família quanto ficava ao meu lado, tinha se dado bem principalmente com Brian e Ethan além de minha mãe e Nicole, e agora estava gargalhando de alguma coisa que um deles disse. Eu não tinha prestado atenção. Fomos os últimos a ir embora, e Alice estava radiante. Era a primeira vez que eu a via tão plenamente alegre, sem nenhuma sombra de tristeza nos olhos. Já estava tão tarde que em pouquíssimo tempo já estávamos no elevador do Empire. Ela se segurou no meu ombro enquanto tirava os sapatos, reclamando dos pés a estarem matando. — Assim que chegarmos, eu te faço uma massagem, que tal?
— Me parece um ótimo plano. Estou exausta, mas nunca me diverti tanto na vida. E agora, no final, então, já posso dizer com toda a certeza que amo sua família. Se eu tivesse irmãos, gostaria que fossem como os seus. — Pode considerá-los assim, se quiser, são seus cunhados, afinal. — Não tinha pensado por esse lado. — Ela sorriu, encostando a cabeça no meu ombro enquanto o elevador não chegava na cobertura. — Obrigada, por me dar a melhor noite da minha vida. — A noite ainda não acabou, aposto que consigo melhorá-la ainda mais — provoquei, deixando os pensamentos indecentes que contive durante a noite toda finalmente ocuparem minha mente. Estava me controlando desde a hora que saí do banho mais cedo, vendo ela naquele vestido maravilhoso, as costas expostas no zíper aberto... naquele momento tive vontade até de ignorar o evento. Ela me deixava louco. — Lembro de ter dito algo sobre me seduzir... — Ela riu baixinho, e o elevador parou, as portas se abrindo. Puxei ela pela mão, entrando no apartamento. Ela deixou os sapatos junto da porta, enquanto eu acendia as luzes, procurando por Rudy, estranhando ela não vir latindo, mas acabei o encontrando deitado na almofada atrás do sofá, dormindo como um anjo. Preferi não incomodar o coitado. Alice desapareceu dentro do meu quarto, voltando do banheiro alguns minutos depois, com o cabelo solto. Sorri de canto, feliz por finalmente estar a sós com ela novamente. — Pare de me comer com os olhos. — Ela deu um risinho, os olhos piscando devagar. — Prefere que eu faça com as mãos? — Ela ficou vermelha quando eu disse isso, enquanto eu ria e me aproximava, tirando a gravata no meio do caminho e a jogando em algum canto. — Agora que estamos sozinhos, eu posso finalmente dizer, você fica extremamente gostosa nesse vestido, sabia? — Hector! — Ela ficou mais vermelha, mas sorriu. — Eu não preciso nem dizer o quanto você fica sexy com essa pose toda, de paletó e gravata e com esse maldito sorriso que acaba comigo. — Hoje cedo me chamou de gostoso, agora de sexy... — Dei um sorrisinho, me aproximando dela e segurando sua cintura, a puxando para perto, me sentindo bem em ter o corpo dela junto ao meu. — Vou ficar
convencido desse jeito. — Sendo sincera, você tem todo o direito de ficar. — Ela deu um risinho, envolvendo as mãos no meu pescoço, ficando na ponta dos pés. — Sabia que precisei me controlar a noite inteira para evitar te arrastar para o primeiro lugar escondido que achasse e te agarrar? Você já é meu ponto fraco normalmente, e com esse vestido e as risadas... cacete, Alice, você me enlouquece. — Me inclinei até tocar sua orelha com os lábios, mordiscando ali de leve. — Quer que eu te conte o que queria fazer com você naquela hora que te vi de roupão, e depois com o vestido aberto? As coisas sujas e pervertidas que me passaram pela mente ao ver essa sua boquinha linda com esse batom vermelho... Eu não tinha esquecido que ela tinha um fraco por palavras, e ela suspirou baixinho, me afastei um pouco bem a tempo de vê-la juntar as pernas, apertando uma coxa contra a outra. Porra, eu só queria enterrar minha cara ali até ela gritar. — Hector, eu não sei se eu... hmm... — A frase dela parou na metade, os olhos se fechando quando eu comecei a beijar seu pescoço, mas eu sabia o que ela ia dizer. — Vamos até onde você se sentir pronta, sem pressão — murmurei, beijando seu pescoço de novo, subindo numa trilha até sua boca e a tomando para mim, com toda a força e saudade que eu tinha sentido daqueles beijos mais fortes durante essas últimas três semanas, sugando a língua dela, sentindo quando as mãos dela agarraram meu cabelo, me puxando mais para si. Ela mesmo sem ar quase não deixou que eu me afastasse, segurando minha nuca, a respiração ofegante. O batom que restava na boca dela depois de tantas horas estava agora borrado, a deixando mais sedutora ainda. Puxei-a comigo até o quarto, me sentando na beirada da cama, a puxando para o meu colo, uma perna de cada lado, se encaixando perfeitamente em mim. Ela arfou baixinho ao sentir o quanto eu já estava duro, escondendo o rosto no meu pescoço. — Viu como você me deixa? Louco, hipnotizado... doendo, pulsando de desejo por você. Você lembra da outra vez, não lembra? — ela murmurou um “uhum” baixinho, os quadris começando a se mover bem devagar, minhas mãos em suas coxas por cima do vestido. — Desde aquele dia, eu venho
sendo assombrado pela lembrança de você gemendo em cima de mim, do seu sorrisinho de prazer... eu menti quando disse que era só por causa do horário que queria que você dormisse aqui hoje. Eu também queria isso aqui, queria ficar a sós com a minha deusa. — Ela deu uma risadinha, o corpo se arrepiando com meus toques e sussurros. — Se eu disser que também esperei por isso, vai acreditar? Que eu também queria sentir tudo isso de novo, me sentir desejável e sua de novo... — Ela ergueu o rosto para o meu, roubando beijos rápidos, ainda se movendo devagarinho. — Você me transforma numa, como foi que me chamou? Pervertida? — Ela mordeu meu lábio, o prendendo entre os dentes. — Desde aquele dia, qualquer livro que eu leio que tenha alguma cena quente, eu só consigo pensar em você, nas coisas que disse... e eu que pensei que por causa dos remédios nunca mais ia sentir desejo, mas é só você me olhar desse jeito que eu fico toda... — Molhada? — provoquei, com um risinho, subindo as mãos por suas coxas, amassando um pouco o vestido. Ela assentiu uma vez, o rosto queimando, e eu a beijei de novo, até ela estar ofegante mais uma vez. — Eu sei bem como é, mais de um dia eu acordei excitado por sonhar com você. Não me envergonho em admitir que tive que me virar sozinho. — Ri, mordiscando o pescoço dela, que começou a rebolar com mais confiança. — Dessa vez, eu estou aqui... — A voz dela soou diferente. Não tremeu nem falhou, muito pelo contrário, as palavras saíram com confiança, a voz mais baixa e lenta. Ela desceu as mãos do meu pescoço, segurando a frente do meu paletó e eu deixei que ela o empurrasse para trás, e então as mãos dela começaram a desabotoar minha camisa, bem devagar. — Sabe, eu também precisei me controlar mais cedo, quando te vi saindo do banho... você tem alguma ideia do quão gostoso fica daquele jeito, só de toalha, o cabelo pingando... é o sonho de qualquer mulher. — E sou só seu — afirmei, subindo minha mão por sua cintura enquanto ela continuava a descer pelos botões, um por um, e comecei a acariciar a lateral do seu seio, vendo ela parar por um instante e fechar os olhos, os quadris ainda se movendo. — E eu sua — ela sussurrou, me beijando de novo, esquecendo a minha camisa por um momento, e eu apenas correspondi aos comandos dela, a deixando no controle, querendo ver até onde ela iria, o que aquela cabecinha linda e pervertida estava planejando fazer comigo. Ela respirou
fundo, do jeitinho que fazia quando queria tomar coragem. — Me toca de novo? Eu ainda não... não sei se tenho coragem de ficar nua, mas... eu quero suas mãos em mim. — Ela deixou um gemido baixinho escapar ao se encaixar melhor em mim, a boca entreaberta. — Eu faço tudo o que me pedir, minha deusa, do jeitinho que me pedir. Te toco como quiser, onde quiser... você é quem manda. — Comecei o mesmo movimento que fiz em seu seio da outra vez, por cima do tecido macio do veludo, sentindo ela se arrepiar inteira no meu colo enquanto voltava a desabotoar minha camisa, a puxando de dentro da calça ao chegar no último botão. Afastei os braços apenas por tempo suficiente para a camisa sem tirada, e voltei a tocar e segurar ela, sentindo seus dedos curiosos sobre meu peito. Tinha mais calma dessa vez, mesmo em meio ao desejo desenfreado, e mais confiança. As mãos dela foram me explorando, passando por cada parte devagar, traçando círculos com as pontas dos dedos pela minha pele. Me inclinei, beijando o pescoço dela de novo, aproveitando a posição privilegiada daquele momento e começando a descer a boca pelo decote dela, ouvindo ela arfar mais alto quando lambi a pequena parte de seu seio que estava exposta, os quadris se movendo mais rápido e as unhas passando pela minha pele, subindo de volta até minha nuca. — Eu posso... — Ergui meu olhar, meus olhos nos dela. — Disse que não queria ficar nua ainda, mas... se sentir confortável para isso, eu gostaria de te beijar bem aqui. — Circulei meu dedo por cima de seu mamilo através do tecido, deixando claro do que estava falando, deixando a escolha para ela. — Eu... — ela começou, ofegando baixinho, e soltou uma mão do meu pescoço, segurando o decote do vestido e o puxando devagar. — Sim, pode fazer isso. E se quiser pode me tocar de novo... lá. Confio em você, contanto que meu vestido fique mais ou menos no lugar, pode fazer o que quiser, como quiser... me mostra aquelas coisas que você falou. Eu entendi exatamente o que estava acontecendo, ela ainda tinha vergonha do próprio corpo, não me deixaria que a visse totalmente nua ainda, não com os olhos, mas estava permitindo que meus dedos a descobrissem. Ela acabou de puxar o decote, liberando o seio com o qual eu estive brincando sob o tecido, me fazendo arfar com aquela visão. Ela era perfeita, do tamanho exato para me deixar louco, o mamilo num
tom claro de marrom, rígido e implorando pelo meu toque. — Vou fazer exatamente como falei naquela tarde — comecei a provocar, contendo minha vontade de avançar nela de uma vez, indo com calma, voltando ao seu pescoço, descendo em beijos lentos, sugando sua pele no caminho. — Beijar, lamber, morder... e vou te fazer gritar pra mim. E com esse aviso, minha boca alcançou seu mamilo, seu corpo inteiro reagindo quando meus lábios o envolveram, deixando um beijo, depois outro e mais um, agora adicionando a língua, o circulando devagar, deixando eu mesmo um gemido escapar quando ela aumentou a forma como se movia em mim, seguindo o mesmo ritmo que minha língua fazia ali. Rocei os dentes bem de leve, numa provocação de perigo, ouvindo-a dar um gemido manhoso, puxando meu cabelo. Minhas mãos começaram a explorá-la devagar, me permitindo conhecer seu corpo mesmo que sem ver, uma mão parando na lateral de sua coxa enquanto a outra foi subindo por dentro delas, parando ao chegar perto demais, meu olhar se erguendo para ela, em busca de uma confirmação. Ela assentiu, ofegante, parando de se mover e se entregando aos meus toques. E então meus dedos alcançaram sua calcinha, me fazendo gemer um “cacete” ao sentir o quão quente e molhada ela estava, mesmo através do tecido. Ela gemeu também, as pernas se apertando um pouco, os lábios procurando os meus num beijo necessitado, a respiração falhando quando comecei a mover os dedos devagar, a descobrindo agora que a tinha mais de perto, só com o tecido fino atrapalhando. O beijo parou abruptamente quando ela jogou a cabeça para trás num gemido mais alto. — Posso... — Prendi um dedo na lateral da calcinha dela, ameaçando a deslizar para o lado. — Sim. Pode o que quiser, mas não pare. — Ela nem me deixou terminar a pergunta, escondendo o rosto no meu pescoço, deixando alguns beijos ali, me deixando louco. Afastei o tecido, e meus dedos se encaixaram na umidade dela, encontrando aquele pontinho sensível e inchado, ouvindo ela dar um gritinho e puxar meu cabelo mais forte, as mãos descendo pelas minhas costas, as unhas me provocando. Comecei a acariciar ali devagar, completamente focado no prazer dela e em descobrir como ela gostava. Deslizando, em círculos, com mais ou menos pressão... soube que tinha encontrado o jeito
certo quando ela começou a rebolar de novo, gemendo no meu pescoço, o corpo dando pequenos sinais de espasmos. Minha mão livre voltou a subir, meu polegar rodeando seu mamilo no mesmo ritmo que meus dedos trabalhavam entre suas pernas. Não demorou muito e os gemidos foram ficando mais altos e ofegantes, as pernas dela me apertando. — Eu... Hector... — ela murmurou meu nome de uma forma arrastada, doce e densa, como mel escorrendo, os braços se agarrando à minha volta. — Goza pra mim, Alice... deixa vir. — Minha voz soou baixa e rouca, no limite entre pedir e suplicar, e no instante seguinte ela começou a tremer, as costas de arqueando, enquanto rebolava mais nos meus dedos, gemidos altos e baixos saindo, muitos deles sendo meu nome, as mãos apertando meus ombros com força, me deixando ofegante só de vê-la assim, meus dedos ficando ainda mais molhados, continuando em movimentos mais lentos até ela dar um gemidinho mais agudo e contrair o corpo, sensível demais pelo orgasmo recente. De uma forma totalmente pervertida, me afastei o suficiente para que ela visse quando levei os dedos molhado à boca, sentindo seu gosto, vendo seus olhos se arregalarem. Dei um sorrisinho cheio de malícia, me inclinando e roubando um beijo dela, que não durou muito, já que ela estava sem ar. — Você... uau. — Ela suspirou, abraçando meu pescoço e encostando a testa na minha, o peito subindo e descendo ofegante, dando uma risadinha satisfeita. — Eu avisei naquele dia que você ia gozar nos meus dedos, não avisei? — provoquei, rindo quando ela assentiu, o rosto corado tanto de vergonha quanto por causa de toda a ação. — Valeu a pena? — Muito... — Ela me beijou devagarinho, o olhar começando a descer pelo meu corpo, mordendo o lábio inferior enquanto me olhava. — O que foi? — Eu... — Ela ergueu o olhar de novo, os olhos verdes brilhantes, as pupilas dilatadas pelo desejo. — Eu posso te tocar também? Eu quero... não, eu exijo te retribuir pelo que fez. — O sorriso dela foi tímido, mas verdadeiro. — Sabe que não precisa, né? — me assegurei de que ela soubesse
disso, e ela assentiu, segurando meu rosto. — Sei disso, mas eu realmente quero, e você prometeu que da próxima vez eu podia... — Ela mordeu o lábio inferior de novo, se afastando um pouco para ter mais espaço, e começou a descer as mãos pelo meu peito, bem devagar. — Eu quero ver se é como nos livros, se você fica mais bonito ainda gemendo meu nome... eu li bastante, tenho uma noção do que fazer. Deixa? — Eu achei lindo que ela pediu permissão, assim como eu pedia a ela, e assenti, totalmente entregue. — Sabe que eu faço tudo o que me pede com esse sorrisinho, não sabe? — Enrosquei minha mão em sua nuca e a puxei para um beijo intenso, a deixando livre em seguida. — Sou seu. Me descubra como quiser, me toque onde quiser... estou à sua mercê. Ela sorriu, me beijando rápido e voltando a descer as mãos pelo meu peito, chegando no meu abdômen e raspando as unhas por acaso, repetindo de propósito quando percebeu que eu me arrepiei. Suas mãos pararam no meu cinto, soltando a fivela, devagar, e abrindo a calça em seguida, respirando antes de me tocar, com a mão em cima da minha cueca, primeiro só deslizando os dedos, e então envolvendo o volume, me fazendo gemer baixo. Ela sorriu, fazendo de novo, movendo a mão bem devagar, me testando da mesma forma que eu a testei, tentando descobrir a forma certa de fazer o que planejava. — Eu posso tirar? — Ela ficou vermelha ao me pedir isso, dando um sorrisinho contido. — Eu nunca vi um.... você sabe. Não na vida real. — Pode fazer o que quiser, desde que se sinta confortável com isso. E pode parar a hora que quiser também, eu não seria louco de me zangar com você. No máximo, choraria no banho frio — brinquei, quebrando o nervosismo dela com uma risada, a vendo relaxar um pouco com isso. — Ok. — Ela se afastou mais um pouco, o bastante para puxar minha calça junto com a cueca até o meio das minhas coxas, os olhos se arregalando e a boca se abrindo em surpresa ao ver a ereção erguida, inclinando um pouco a cabeça enquanto me observava, os olhos curiosos. Sem dizer nada, ela subiu uma mão pela minha coxa, até os dedos me alcançarem, contornando bem levemente minha extensão. Deixei um arfar baixo escapar. Ela então o envolveu pela base, me segurando e movendo a mão devagar até em cima, dando uma risadinha baixa, erguendo o olhar para mim.
— É macio. Nos livros, quando dizem ser duro, eu sempre imaginei que a textura seria como a de uma pedra ou sei lá, algo sólido, mas é macio por fora. — Ela deu um sorriso como quem estava impressionada, me fazendo dar um sorriso incrédulo enquanto balançava a cabeça, adorando o jeito dela, me divertindo com a expressão surpresa que ela fez ao testar o movimento mais uma vez, confirmando o que tinha percebido. Ela desceu os olhos de novo, mordendo o lábio inferior, concentrada, a mão começando a subir e descer, seu toque suave me fazendo gemer baixo. Ela parou com a mão perto da glande, parecendo pensar por um instante, e então passou o dedo por ali, deixando outro arfar de surpresa escapar. Segurei meu gemido, erguendo uma sobrancelha, esperando o que ela diria agora. — Você também fica molhado. — Ela riu baixinho, aparentemente havia algo divertido naquele fato. Ela repetiu o movimento, e então voltou a subir e descer a mão, num vai e vem lento e torturante. — É... gosta assim? — Gosto... se quiser uma dica, ele não vai quebrar se apertar mais. — Eu estava desesperado por algum toque mais forte, um alívio maior, e ela assentiu, a mão se fechando mais à minha volta. — Porra... Assenti, vendo-a dar um sorriso malicioso, o primeiro desse tipo que eu via nela, e apoiei minhas mãos na cama, deixando que ela brincasse comigo como bem entendesse, e aos poucos ela foi pegando mais confiança, sorrindo e repetindo o movimento todas as vezes que eu gemia mais alto ou que soltava algum palavrão, e em pouco tempo ela já tinha entendido exatamente como me deixar louco. Ela aprendia rápido. — Hector... posso te fazer uma pergunta? — Ela rodeou o polegar na minha glande de novo enquanto falava, então eu apenas arfei e assenti. — Você, aquele dia, disse que imaginava minha boca em você, né? Você pode... me dizer como eu faço? — Ela ergueu o olhar para encontrar minha expressão surpresa, dando um risinho baixo e se inclinando para me beijar. — Alice... — Está tudo bem, eu quero. — Ela me apertou, me arrancando outro gemido. — Viu? Eu quero ouvir mais desses, eu quero... quero me sentir poderosa, quero te dar tanto prazer quanto me deu. — O rosto dela assumiu aquele tom de vermelho que eu amava, a mão continuando a se mover devagar, enquanto ela se levantava do meu colo, me deixando boquiaberto ao vê-la realmente se ajoelhar entre as minhas pernas.
— Caralho, deusa, você sempre me surpreende. — Balancei a cabeça, contornando seu rosto com a ponta dos dedos, me sentindo pulsar com a visão dela ali, aquele olhar novo e confiante na minha direção. — Faça como quiser, divirta-se. Eu aviso quando for a hora — garanti, vendo ela assentir, parecendo parar para pensar um pouco. Provavelmente se lembrando de todas as cenas de oral que já tinha lido. E então ela se aproximou mais, uma mão na minha coxa e a outra me segurando pela base, o hálito morno tocando minha glande quando ela chegou bem perto e a beijou, puxando um pouco antes de soltar. Meus olhos fraquejaram, minha boca a recompensando com um gemido quando ela fez de novo. E então ela, mal percebendo o poder que aquela visão tinha sobre mim, esticou a língua e a passou pela glande, como se eu fosse um maldito pirulito. Minhas mãos se apertaram ao lado da cama, usando todo meu autocontrole para não explodir agora e dar mais tempo para que ela me explorasse. Ela percebeu isso, dando uma risadinha baixa e totalmente indecente, e eu vi que estava fodido. Aquela garota tão inocentemente pervertida me tinha nas mãos em todos os sentidos, literais ou não, e ela agora estava ciente disso. Vi a mudança diante dos meus olhos quando a confiança dela aumentou, o sorriso se tornando mais firme, assim como seu aperto em minha coxa, antes que ela abrisse a boca e deslizasse a língua por toda a minha extensão, me fazendo soltar um gemido arrastado, quase sem conseguir manter os olhos abertos. Ver ela confiar no próprio poder daquela forma me excitou mais ainda, e me distraí tanto ao pensar nisso que fui surpreendido ao sentir sua boca fechada em minha glande, a língua traçando círculos lentos enquanto os lábios me sugavam. Não consegui mais segurar apenas a cama, precisava tocar ela ou poderia morrer de frustração, então meus dedos se enroscaram no cabelo dela, apenas segurando, sem movê-la um milímetro. A escolha era dela. Ela se afastou um pouco, o olhar se erguendo para mim, passando a língua nos lábios numa provocação óbvia. — Coisa cruel e linda. — Balancei a cabeça, sorrindo. — Vai ficar me torturando? Eu fui tão bonzinho com você... — Tem razão. — Ela se inclinou novamente, me fazendo soltar um “porra!” alto quando, sem nenhum aviso prévio, ela me tomou na boca de
uma vez, começando a se mover devagar com ajuda da mão, me deixando com a respiração ofegante e pesada em questão de segundos. Aquela garota ia me matar desse jeito. Meu peito começou a pesar, a sensação na base do meu estômago se repuxando, e eu segurei seus cabelos com mais firmeza, os gemidos escapando de mim sem controle algum. — Alice... porra, isso... eu... — Tentei avisar, sem conseguir formar a frase inteira, e ela simplesmente não parou, não tive nem certeza se ela estava me ouvindo, os olhos fechados de concentração. A sensação aumentou, meu corpo se contraindo de antecipação. — Eu estou quase... Alice! — Tive que puxar o cabelo dela, a afastando bem na hora, pois no instante seguinte meu orgasmo irrompeu, me sujando e escorrendo pelos dedos dela. Não consegui segurar os olhos abertos, principalmente quando ela ainda moveu a mão um pouco, minha cabeça jogada para trás, tremendo em pequenos espasmos de prazer, chamando o nome dela repetidas vezes, até acabar, a respiração ofegante o peito pesado enquanto abria os olhos, dando um riso alto de satisfação, balançando a cabeça. — Uau — ela sussurrou, rindo baixinho e afastando a mão, observando o líquido esbranquiçado nos dedos. Observei incrédulo ela fazer quase o mesmo que eu fiz com ela, esticando a língua e tocando bem de leve os dedos, fazendo uma caretinha em seguida que me arrancou uma risada. — Vem cá. — Puxei-a para cima, precisando beijá-la urgentemente, sem me importar nem um pouco com onde sua boca estava até agora, e ela suspirou contra a minha boca. — Amo você — deixei escapar, vendo-a arregalar os olhos, e antes que ela falasse algo ou começasse a surtar com isso eu a puxei para outro beijo, mais lento e profundo que os beijos necessitados de antes, mostrando em ações o que tinha acabado de dizer. — E então, foi como nos livros? — Você realmente fica lindo quando está... você sabe. — Ela olhou na direção da bagunça entre minhas pernas e de volta para mim, o rosto num tom mais claro de cor-de-rosa que o normal. Ao menos a vergonha dela estava diminuindo. Ela suspirou, levando as mãos ao meu rosto num carinho. — Também amo você. Estava com medo, mas já que falou primeiro... — Ela sorriu, encostando a testa na minha. — Deusa. — Envolvi sua cintura, tomando o cuidado de a manter
afastada o bastante para não sujar o vestido. Ela percebeu, dando uma risadinha. — Quer tomar banho primeiro? Eu deixo. — Ela me deu um selinho, se levantando do meu colo. — Acho justo. — Ri, me levantando. — Da próxima, nós tomamos banho juntos, o que me diz? — Pisquei um olho, me virando na direção do banheiro. — Talvez. — Ela sorriu, e eu podia jurar que ouvi ela murmurar algo sobre “uma bundinha linda”, enquanto eu entrava no banheiro.
Eu me sentia estranha, mas de uma forma boa. Enquanto eu esperava Hector sair do banheiro, o que fizemos ficava rondando minha mente e me fazendo dar sorrisos bobos, estranhando aquela sensação nova no meu peito. Eu não sabia encontrar palavras para explicar aquilo, era um peso agradável, que me lembrava de paz e sossego misturados com ansiedade. Eu não me lembrava de já ter me sentido assim algum dia. E eu estava evitando ao máximo pensar nele dizendo que me amava. Eu estava tão presa no momento que falei também, descobrindo naquele momento que era amor o que eu sentia por ele. Bem, eu acho que é. Eu nunca conheci um amor que fosse simples, até nos livros mais românticos o amor sempre enfrenta obstáculos e dores. Eu me lembrei de uma cena em Scandal, da Olivia terminando com o Edison, dizendo que não quer o normal, fácil e simples, que queria um amor doloroso, difícil, devastador e extraordinário, daqueles que mudam a vida. Eu sempre concordei com aquilo, mas agora estava começando a desconfiar que talvez a resposta dele que era a certa, que amor não deveria doer. Suspirei, me lembrando de puxar o decote do vestido de volta para o lugar certo, afastando aqueles pensamentos e focando na outra parte. Depois
de hoje, tinha ficado mais fácil acreditar que ele me desejava. Eu ainda tinha medo de que ele em algum momento me rejeitasse e mudasse de ideia, mas o jeitinho que ele chamou meu nome foi incrível. Queria ter coragem de puxar ele de volta para a cama quando saísse do banheiro, de me entregar por completo. Minha mente e meu corpo estavam brigando internamente um com o outro. Enquanto meu corpo queria pertencer a ele em todos os sentidos, minhas inseguranças não deixavam, mil paranoias e medos de rejeição gritando que não. Respirei fundo, passando as mãos pelo cabelo, ouvindo a porta do banheiro se abrir, o vendo de toalha mais uma vez. Ele deu um sorriso ao me ver ali, sentadinha na cama dele como se fosse uma menina comportada e não a pervertida que esteve com a boca nele até alguns minutos atrás. Me levantei, andando até ele e ficando na ponta dos pés para um selinho. — Gosto de te ver de toalha — falei baixinho, sentindo o riso dele contra minha pele quando beijou minha testa. — Vou me lembrar disso. Quer ajuda com o zíper? — Assenti, me virando de costas e puxando o cabelo, sorrindo quando senti um beijo na minha nuca antes do zíper ser puxado. — Já volto. — Peguei o pijama e o shampoo na minha bolsa enquanto ele entrava no closet, entrando no banheiro e fechando a porta, sem me importar em trancar. Ele não invadiria minha privacidade. Liguei o chuveiro, deixando o vestido cair no chão e entrando embaixo d’água, fechando os olhos ao sentir os jatos quentes de alta pressão, deixando minha mente vagar enquanto tomava banho, tentando tirar os toques de Hector de foco e pensar no resto da noite, em como foi o evento. Eu me apavorei à toa, percebi isso no momento que a mãe dele começou a conversar comigo. Carmen era uma mulher incrivelmente simpática, com um sorriso perfeitamente esculpido, que se parecia muito com o de Hector, e tinha o mesmo olhar gentil, mesmo que de outra cor. Eu tive medo de que principalmente ela e o marido pudessem me olhar como se eu fosse uma impostora, que fossem achar que eu era uma interesseira quando vissem o colar, mas em vez disso ela foi simpática e me aceitou. Eu não deixei de notar a forma como todos se referiam a mim, como se eu estivesse ali para ficar. Eu esperava que estivessem certos. Os irmãos dele eram iguais e totalmente diferentes ao mesmo tempo,
todos extremamente bonitos, mas cada um com uma personalidade diferente. Roman e Phillip eram mais calados, mas ainda assim foram agradáveis, enquanto Brian e Ethan eram extrovertidos e falantes, fazendo questão de puxar assunto comigo. E tinha Nicole, completamente louca e divertida, amigável até demais, me tratando como se já me conhecesse há anos. Desliguei o chuveiro, o banheiro inteiro cheirando a mel e lavanda, e enrolei a toalha no cabelo, parando em frente ao espelho de corpo inteiro e inclinando um pouco a cabeça ao me observar. Eu nunca gostei do meu reflexo nua. Eu me achava feia, desproporcional e estranha, e era por isso que eu não deixei Hector me ver assim. Ele me achava tão gostosa, e eu tinha medo de quebrar a expectativa dele com algo, principalmente as cicatrizes grotescas nas coxas, totalmente irregulares, algumas altas demais. Eu não me cortei mais desde aquela crise, e o corte do braço já estava totalmente fechado por fora, mas tinham outras formas de me machucar que eu não conseguia parar. Coisas pequenas, como espremer cravos quase que inexistentes até ferir, apertar as unhas nas mãos quando ficava nervosa... Deixei o reflexo pra lá, me virando de costas para o espelho e vestindo meu pijama, fechando os botões. Não queria estragar uma noite maravilhosa com pensamentos ruins, os deixaria para amanhã. Respirei fundo, tirando a toalha do cabelo e saindo do banheiro, torcendo para não ter demorado demais perdida na minha mente, e vi ele deitado usando só uma calça de moletom, as mãos atrás da cabeça, que se ergueu ao me perceber ali. Ele sorriu. — Demorei muito? — Só o suficiente pra já me deixar com saudade — ele brincou, e eu balancei a cabeça, indo até a bolsa pegar meu remédio. — Pois fique com saudade mais um pouco, já volto. — Andei até a cozinha, pegando um copo de água e engolindo os remédios, voltando para o quarto rapidinho. — Voltei. — Sorri, me aproximando e subindo na cama, deitando junto dele. — Como você está? — A voz dele saiu casual, como se fosse uma pergunta simples enquanto me puxava para seu peito, mas eu sabia que tinha mais por trás, que ele estava garantindo que eu estivesse confortável com tudo o que aconteceu. — Com sono. — Eu sabia que essa não era a resposta que ele queria, e
apoiei meu queixo em seu peito, o olhando. — Estou bem... gostei de termos avançado, mesmo que só um pouco. E eu... — Senti meu rosto esquentar, abaixando o olhar. Fazer era uma coisa, agora falar era bem mais complicado e vergonhoso. — Eu adorei te fazer... você sabe. — Gozar? — Sim. — Fechei os olhos, ouvindo sua risada enquanto eu escondia o rosto em seu peito. — Você fica tão lindinho... gemendo daquele jeito. E eu me senti tão poderosa, é a uma sensação legal. — Agora você entende como eu me senti naquele domingo, e hoje de novo. A sensação de ver você perdendo o controle nos meus dedos, de ouvir você chamando meu nome, totalmente entregue... — Ergui meu olhar, e ele estava balançando a cabeça, um sorriso nos lábios. — Naquela hora, quando você se ajoelhou, finalmente percebeu o poder que tem sobre mim, não foi? — Mais ou menos. Foi como se o jeito que você me olhou me transformasse numa outra Alice, a Alice que poderia ter sido sedutora e confiante, se tantas coisas não tivessem dado errado. — Pois saiba que eu já te considero bem sedutora como é agora. Até de pijama você fica sexy, não duvido nada que eu vá precisar de um banho bem frio quando acordar. — Ele sempre sabia como deixar as coisas mais leves quando o assunto começava a me deixar mal, fosse dizendo as coisas certas ou me fazendo rir baixinho, ele sempre acertava meus momentos. — É só me seduzir de novo que eu te ajudo. — Escondi o rosto de novo, sentindo o peito dele se mover com a risada. — Eu que te seduzi? Você coloca um vestido incrível, fica ainda mais gostosa, sobe no meu colo e quase me mata rebolando, e ainda tem coragem de dizer que fui eu quem te seduziu? — A mão dele veio fazer carinho na minha nuca, daquele jeitinho que me deixava toda mole nos braços dele. — E isso porque não vou nem mencionar o que fez depois. — Ok, chega, se não quiser que eu exploda de vergonha é melhor parar. — Soltei uma risadinha envergonhada, bocejando em seguida. Não fazia ideia de que horas eram, mas já era bem mais tarde do que eu normalmente ficava acordada. — Tudo bem, eu paro, mas só porque você precisa dormir, foi uma longa noite. — A mão dele desceu para fazer carinho nas minhas costas, e eu
deitei a cabeça em seu peito, sentindo o calor suave da pele dele e ouvindo o coração bater. — Boa noite, minha deusa. — Boa noite amor — sussurrei, fechando os olhos e deixando meu corpo relaxar com os carinhos dele, sentindo seu beijo em minha cabeça logo antes de pegar no sono.
Acordei, dando um risinho baixo com a sensação dos dedos dele na minha nuca, meu braço em volta dele e uma perna jogada por cima das suas, numa posição estranhamente confortável e aconchegada. — Bom dia. — A voz dele me fez abrir os olhos, o sussurro suave e ainda sonolento, erguendo a cabeça para ver ele me olhando como se eu fosse mesmo uma deusa. — Oi. — Dei um sorriso preguiçoso, ainda acordando de fato, deixando um beijo suave no peito dele e me aninhando mais em seu abraço. — Bom dia. — Quer descansar mais? Dormimos bem tarde ontem. — Senti o beijo dele no meu cabelo e balancei a cabeça. — Até queria, mas estou morrendo de fome. — Suspirei, erguendo meu rosto de novo, o queixo apoiado sobre seu peito. — Você disse que não cozinhava, mas tem comida nos armários? Se tiver o básico eu faço café da manhã pra gente. Você disse que não comia de manhã cedo, mas tecnicamente não é tão cedo agora... eu acho. Que horas são? — Não sei. — Ele riu, se esticando para pegar o celular na mesinha de cabeceira. — Dez e vinte. E acho que tem pão, queijo e geleia. Fora isso só porcarias como Doritos, pipoca de micro-ondas ou biscoitos. — Não sei nem para que tem um fogão. — Ri, me esticando para dar um selinho nele e afastando, sentando na cama com as pernas cruzadas estilo indiozinho, de frente para ele. — Para esquentar sopa no inverno. — Ele deu de ombros, e eu ergui uma sobrancelha, uma cena de livro vindo imediatamente à mente ao associar ele e sopa. — O que foi?
— Bem... digamos que num dos meus livros favoritos tem um momento relacionado à sopa. — Dei um sorrisinho, mordendo meu lábio inferior e desviando o olhar antes de continuar falando. — Na cultura do livro existem laços de parceria, que são como almas gêmeas mais fortes, e uma forma de aceitar esse laço é oferecer comida ao cara. Quando a personagem principal aceita o parceiro, é com uma tigela de sopa. — Não mencionei a cena seguinte, com o casal se agarrando em cima da mesa, em meio a tintas, mas meu rosto vermelho deve ter entregado alguma coisa, pois ele deu uma risadinha baixa, se sentando contra a cabeceira da cama e esticando uma mão para segurar meu queixo, me fazendo o olhar. — Quando se ofereceu para fazer o café, estava me aceitando como seu parceiro? — Ele deu um sorrisinho daqueles que me deixava em dúvida se era uma provocação ou não. — Não tinha lembrado disso até você falar na sopa, mas já que mencionou... — Dei um sorriso pequeno, assentindo devagar. — Ótimo. — Ele me olhou, estendendo uma mão para a minha e começando a brincar distraidamente com meus dedos. — Somos parceiros então. — Quase. Vou fazer o café, aí se torna oficial. Já volto. — Saí da cama, com um sorriso animado enquanto ia até a cozinha dele. Ele não estava brincando sobre não ter quase nada, essas eram as vantagens de poder pedir comida de primeira sempre que quisesse. Peguei quatro fatias de pão e queijo cheddar, que era o único na geladeira, e encontrei uma frigideira no armário inferior que mal devia ter sido usada. Ri sozinha, preparando dois queijos quentes e encontrando um prato, onde os coloquei e fui em direção ao quarto, entregando o prato a ele e subindo na cama de novo. — Coma, parceiro. — Fiz uma carinha que torci para ser fofa, vendo ele sorrir e pegar um dos sanduíches, o analisando. — O que acontece, exatamente, no momento que eu morder esse sanduíche? — Ele deu aquele sorrisinho divertido, piscando um olho. — O laço de parceria se ajusta. Um fio mental vai nos conectar eternamente, saberemos os pensamentos um do outro, e tem algo sobre desejo descontrolado... coisas básicas assim. — Eu estava adorando que ele simplesmente incentivava o tipo de coisa que eu dizia, o tipo de interesse que
eu tinha. — Me parece ótimo. — Ele mordeu o sanduíche e eu peguei o meu, fazendo o mesmo. Comemos rápido e em silêncio, ambos mortos de fome, e ele me deu um sorriso enorme quando terminou de comer, tirando o prato do colo e deixando na mesinha. — Acho que já estou começando a sentir a mudança... consigo até saber o que está pensando agora. — É mesmo? E o que eu estou pensando? — Que quer me beijar. — Ele deu um risinho e eu revirei os olhos com um sorriso, subindo no colo dele devagar, percebendo que aquele estava se tornando meu lugar favorito não importa o que estivéssemos fazendo ou não. — Engraçadinho. — Acertei? — Talvez. — Me inclinei, o beijando devagarinho, só um elinho demorado. — Era isso que eu estava pensando? — Acho que não... você estava pensando em algo mais assim. — E me beijou de verdade, mas devagar, aproveitando cada segundo que podia explorando minha boca, a língua numa carícia suave contra a minha. Era o equilíbrio perfeito, beijos desesperados de noite e apaixonados de manhã, desejo e carinho encontrando o equilíbrio perfeito. Ele se afastou com pequenos selinhos, me fazendo suspirar. — Era algo assim? — Algo assim — concordei, mordendo o lábio inferior dele bem de leve, escondendo meu rosto em seu pescoço em seguida, fechando os olhos, meu corpo relaxado nos braços dele, sentindo seus beijos em meu cabelo e seu carinho nas minhas costas e nuca. — Eu amo que você nunca julga minhas maluquices, sabia? — Seus olhos brilham sempre que tem alguma “maluquice”, apoio por puro egoísmo de querer ver essas duas estrelas verdes que você tem. — Eu senti o sorriso na voz dele. — Amo mesmo você, sabe. Pode ter parecido que eu disse ontem pelo calor do momento, que foi de certa forma meu incentivo para falar, mas não deixa de ser verdade. — Hector... — Suspirei, abraçando-o mais forte, tentando com todas as minhas forças lutar contra a parte de mim que não queria acreditar naquele amor. — Tudo bem, não precisamos falar disso agora, eu só queria que você
soubesse que não falei por falar. — Ele beijou meu cabelo de novo, e eu senti seu nariz nos meus cachos enquanto ele inspirava. — Cheirinho de doce. — Ele deu uma risada baixa, mudando o assunto, me fazendo sorrir ao me afastar do seu pescoço. A mão dele veio instantaneamente acariciar meu rosto. — Linda. — Fofo — devolvi o elogio, segurando seu rosto em minhas mãos, meus dedos acariciando os pelos macios da barba. — No que está pensando? — Em como nem o paraíso seria melhor que estar aqui, agora. Pode rir, sou o tipo de cara que fica todo meloso na manhã seguinte. — Ele mesmo fez graça, rindo baixo. — Fofo — repeti, me aproximando para dar pequenos beijos nele, cheios de carinho. Eu não tinha coragem de dizer “eu te amo” de novo, não agora, mas daria um jeito de mostrar isso de outras formas. — O que quer fazer hoje? — Não sei... acho que esgotamos todas as opções normais naquele fim de semana. Podemos conversar, sobre qualquer coisa — ele sugeriu, me fazendo o olhar desconfiada. — Qualquer coisa? Seja mais específico. — Talvez, e eu disse talvez, poderíamos falar sobre a noite passada. Sabe, conversar mesmo. Demos um passo adiante, fisicamente falando, e eu quero garantir que você esteja bem com tudo isso. — Ele era tão... maduro. Falando dessas coisas tão naturalmente, sem corar e tremer dando risadinhas, como era o meu caso. — Eu estou. Vou admitir que tinha uma pequena chance de que eu surtasse hoje ao acordar, que todas as paranoias e medos viessem com força total e eu fugisse antes de você acordar, e talvez acontecesse exatamente isso se tivesse sido outra pessoa, mas eu confio tanto em você que foi simplesmente natural. Eu não sei me explicar, não sei o jeito certo de pôr tudo em palavras, mas o que quero dizer é que eu amei cada pedacinho do que aconteceu. — Suspirei, desejando saber me expressar melhor. — E você, quer dizer alguma coisa? Sei que estamos em situações tecnicamente diferentes, mas... — Não sei se preciso dizer algo, ou se meu corpo deixou tudo óbvio o bastante. Você foi tão perfeita, me deixou tão louco, que eu me senti um moleque descontrolado de dezessete anos que estava sendo tocado pela
primeira vez. E fico tão feliz que tenha confiado em mim, que tenha me permitido tudo o que aconteceu. Tive medo de que pudesse estar arrependida hoje de manhã, nunca me perdoaria por isso. — Ele balançou a cabeça um pouco, provavelmente sem querer pensar naquela opção. — Eu nunca me arrependeria, não com você. Morro de vergonha em admitir, mas só de pensar nas coisas que fez comigo eu já fico com calor de novo. — Não há motivo para se envergonhar, minha deusa. Eu me sinto da mesma forma, provavelmente passarei o resto da vida com a imagem dos seus olhos cravados em mim enquanto sua boca... — Ele suspirou, me fazendo dar uma risadinha, mesmo com o rosto ardendo. — Foi divertido, fazer aquilo. Sempre que eu lia algo assim num livro eu imaginava como era, as principais sempre se sentem poderosas quando o fazem, e foi como eu me senti. Ver você naquele estado por minha causa, a forma como seus olhos se fecharam, os espasmos na sua perna e o jeito surpreendente que eu podia realmente te sentir pulsando na minha mão... eu me senti a deusa que você diz que eu sou. — Era estranhamente bom conversar sobre aquilo, me ajudava a ter menos vergonha. — Fico feliz que tenha gostado. Acho que não preciso explicar que me senti da mesma forma quando te toquei. Ver você entregue, o corpo respondendo aos meus incentivos, aquilo teve um poder sobre mim que só de lembrar meu corpo já começa a reagir. — Ele deu um risinho baixo, roubando um selinho. — Posso perguntar uma coisa? — Ele assentiu. — Você disse algo ontem sobre ter tido que se virar sozinho, pensando em mim. Isso aconteceu mais vezes? — Sim. É um pouco vergonhoso admitir de fato, me faz parecer um adolescente hormonal, mas sim, aconteceu algumas vezes, logo depois de acordar e sonhar com você nos meus braços, ou então naquele domingo, num dos banhos frios. — Ele me olhou um instante, dando um sorrisinho. — E você, ficou fantasiando muito sobre mim? — Sonhos, também. Sonhos confusos, dos quais eu não conseguia me lembrar muito, mas lembrava de ter você envolvido, e acordava quente e ansiosa, mas nunca tenho privacidade suficiente em casa para resolver isso. Na verdade, eu nem lembro há quantos meses eu não... você sabe. — Admitir
isso me fez corar ainda mais. — Aqui você tem toda a privacidade que quiser, mas preciso admitir que eu adoraria assistir. — Ele me deixou boquiaberta com isso, um comentário tão pervertido e tentador desses. — Hector! — Você quem começou o assunto. — Ele riu, me fazendo balançar a cabeça. — E não minta, você também gostaria de me ver. Esse seu sorrisinho lindo e rosto vermelho não escondem mais a garota maravilhosamente pervertida que mora aí dentro. — O polegar dele deslizou pela minha bochecha, os dedos indo para a minha nuca. — Gosto disso, e gosto de ver quando se solta ao meu lado, seja dando gargalhadas, falando de personagens ou mostrando seus desejos. — Eu só faço isso porque você sabe como me deixar confortável. — Fiz uma pausa, observando-o por um instante, respirando fundo antes de perguntar o que eu estava pensando já há algum tempo. — Como você faz isso? Como sempre sabe a coisa certa a se dizer e fazer? É como se você soubesse exatamente do que eu preciso. — Bem, eu tento meu melhor. Quando era adolescente um primo meu passou por situações semelhantes ao que você passa. Motivos diferentes, consequências iguais. Eu na época tentei ajudar ele, mas não conseguimos fazer muito, ele encontrou o refúgio dele nas drogas e o perdemos alguns anos depois. Sempre me perguntei se podia ter feito mais, se alguma coisa podia ter mudado o final, inclusive foi por causa disso que de vez em quando Brian faz projetos de interação artística em clínicas psiquiátricas e de reabilitação, e Roman tem um projeto fixo com essas mesmas instituições. — Ele fez uma pausa, o carinho voltando ao meu rosto. — Sinto muito — murmurei, vendo os olhos dele tristes. — Quando te conheci você me atingiu como um furacão, e quando eu descobri esse lado seu, eu jurei a mim mesmo que te ajudaria, mesmo que você não quisesse nada comigo, mesmo que não estivéssemos aqui hoje, você me teria em sua vida. Antes que entenda errado, eu não estou com você por pena ou apenas por isso, estou aqui porque te amo, e é justamente por esse amor que eu me esforço, pesquiso sobre a sua doença e luto pra dizer as coisas certas nas horas certas. — O olhar dele foi ficando mais intenso enquanto falava, e eu não interrompi. — Você é preciosa para mim, Alice.
— Hector, eu... — Não encontrei palavras, então simplesmente o abracei bem forte, meu rosto naquela curva de seu pescoço que já me pertencia. — Está tudo bem, não precisa dizer nada agora. — As mãos dele faziam um carinho leve nas minhas costas, me mantendo segura em seus braços. — Obrigada, amor — sussurrei, deixando um beijo demorado no rosto dele e me afastando só o suficiente para o olhar, ainda me mantendo tão perto quanto podia. Respirei fundo, dando um sorriso pequeno. — Podia me agradecer com beijos, sabe. — Ele deu aquele sorriso suave que sempre aliviava o clima quando via que estava pesando demais, me fazendo sorrir mais largamente e me aproximar, cobrindo o rosto dele com beijos, demonstrando que me sentia da mesma forma que ele, que me importava também. — E então, o que vamos fazer agora? — O que acharia de um passeio? Nenhum lugar muito movimentado, mas podemos ir ao Central Park e andar de mãos dadas, comer pipoca de algum carrinho e então eu te levo para casa. — Estamos numa comédia romântica e ninguém me avisou? — Beijeio de novo, com carinho. — Me parece uma ótima ideia. — Sorri, abraçandoo forte mais uma vez e então me levantando. — Vou trocar de roupa. Peguei a roupa que tinha trazido na bolsa e sumi dentro do banheiro. Eu me sentia estranhamente em paz depois da nossa conversa, como se pequenas e assustadoras pecinhas finalmente se encaixassem e começassem a fazer sentido. E, pela primeira vez em muito tempo, consegui acreditar que meu futuro poderia ser bom.
O dia ontem tinha sido maravilhoso, eu pensava que não teria como confiar ainda mais em Hector, mas depois daquela conversa de manhã foi como se agora realmente tivéssemos um laço mais forte nos unindo. Eu ficava boba ao pensar nisso, me sentia extremamente contente... feliz. Era estranho ter ganho tantas memórias bonitas em tão pouco tempo, ter tido dias bons tão pouco tempo depois daquela última grande crise. Amanhã faria semanas sem cortes, e eu estava torcendo para que dessa vez durasse até um mês inteiro, que eu pudesse comemorar feliz da vida essa conquista. O sinal de que a aula havia acabado soou e eu saí da sala, sempre a primeira a sair para evitar encontrar Isabella de novo e ter problemas, e fui em direção ao teatro principal onde estávamos ensaiando, e onde faríamos a apresentação no final do semestre. Os ensaios dessa semana seriam da cena sincronizada com a narração, de novo. Essa era com certeza a parte mais complicada, pois não podia ter um movimento errado na boca e não podíamos emitir um único som fora de hora. Tinha alguns minutos livres até todo o pessoal de hoje chegar, então me sentei numa das poltronas da primeira fileira e coloquei meus fones, pegando meu livro da mochila. Tinha decidido ler agora um romance contemporâneo,
e só na metade descobri que era daqueles cheios de cenas que me fariam corar me lembrando de Hector. Estava concentrada numa dessas quando quase morri de susto ao sentir um tapinha no meu ombro, dando um pulo na cadeira e fechando o livro. Era Eric. — Está tentando me matar do coração?! — reclamei, vendo-o gargalhar e estender um chocolatinho pra mim. — Não é minha culpa se você estava concentrada demais no livro. Inclusive, deu pra ler um pedacinho por cima do seu ombro... — Calado! — Arregalei os olhos, pegando o chocolate. — Você não viu nada. — Claro que não — ele concordou, piscando um olho e se jogando na poltrona do meu lado. — Como estão as coisas com o milionário? — Eu tinha comentado algumas coisas com Eric, pela primeira vez estava mais confiante em fazer amizade, e teríamos que trabalhar juntos o semestre inteiro, eventualmente ele descobriria de Hector, e eu não queria a mesma reação que Isabella teve. — Já disse pra não chamar ele assim, o nome dele é Hector. — Tá, como estão as coisas com Hector? — Bem... promete que não vai me julgar? Eu realmente preciso conversar sobre isso com alguém, e minhas amigas não são imparciais o bastante. — Dei um sorriso daqueles de quem pede por favor. — Agora ficou interessante, o que foi? — Ele disse que me amava. Sábado, depois daquele evento que eu comentei que ia, lembra? — Ele assentiu, os olhos arregalados e brilhantes com a nova informação. — Tivemos um... momento, e ele disse que me ama. — Ok, vamos por partes, me lembre de pedir detalhes sobre esse momento depois, mas primeiro o foco é nas três palavrinhas mágicas. Como você respondeu? — Eu fiquei tão surpresa que admiti sentir o mesmo, mas ontem de manhã não consegui repetir, mesmo ele dizendo mais vezes. Aconteceu cedo demais pra ser verdade? — Olha, eu não posso julgar o que é cedo demais, porque fui morar com Rob depois de só dois meses e meio ficando, e agora já faz quase um
ano que namoramos. Algumas pessoas se apaixonam, mas rápido, outras mais devagar... — Ele deu de ombros, mordendo o próprio chocolate. — Você acha que foi muito rápido? — Na teoria de rapidez, sim. Mas na prática não parece que faz só três semanas desde que começamos a sair, a química foi instantânea, e ele é tãããão perfeito! — Era bom poder dizer isso em voz alta, conversar com alguém da minha idade que estivesse na minha frente, que não fosse minha mãe ou uma tela de celular. — Então pronto, problema resolvido. Contanto que os dois estejam confortáveis com o ritmo das coisas, não tem nada de errado. — Ele deu um sorriso compreensivo. — Você nunca se apaixonou assim, né? — Desse jeito, não. Com essa força, essa facilidade nas coisas darem certo... às vezes tenho a sensação de que um furacão vai explodir em nós, quando eu menos esperar, pra compensar toda a parte fácil e bonita. — Já pensou que talvez não tenha furacão, e que tudo pode continuar bem? Quero dizer, provavelmente com dois meses vocês vão discutir por quem fica com o cobertor durante a noite e por coisas bobas e aleatórias só de vocês, mas cada vez que fizerem as pazes vai ser melhor ainda. Se quiser um conselho, as vezes é bom brigar só pela reconciliação. — Ele piscou um olho, rindo. — Comigo e Rob foi assim. Fácil desde o começo, rápido. Temos problemas e dias chatos como todo casal, mas continuamos aqui, mesmo depois de tanto tempo. Eu ia responder, interessada em entender melhor como um relacionamento pode ser fácil e sem dor, tão diferente dos livros e tudo mais, mas os outros já tinham chegado e fomos chamados para o palco. A cena era extremamente complicada de se fazer. Na minha narração de hoje, Bianca contava sobre os primeiros meses quando se conheceram, como ambos tentaram negar a atração que sentiam, enquanto a de Eric é Jonathan narrando quando finalmente cederem ao que sentiam. Todos os flashbacks da peça seriam nesse estilo, só atuaríamos com falas nas cenas presentes deles após seis anos. Seria mega complicado. O ensaio hoje acabou bem mais tarde, já que eu errei a sincronia de duas falas narradas, e Eric errava constantemente um dos movimentos. Éramos atores de teatro, iniciantes ainda por cima, então atuar com narração era um baita desafio. Ao menos na próxima semana teríamos dois dias de
folga. Um feriado interno da Lucille, algum tipo de reunião ou sei lá. Juntei minhas coisas e saí, seguindo de volta para o metrô. Quando me sentei e peguei o celular, tinha uma mensagem me esperando. H: Me ligue quando chegar em casa, tenho uma surpresa. A: Devo ter medo? H: Talvez. ;) Dei um sorriso para a tela, balançando a cabeça um pouco. Só esperava que dessa vez a surpresa não fosse algo absurdo como o colar. Sim, eu tinha amado meu pequeno rubi, mas nem tinha coragem de usar ele. Tinha medo de ser roubado, de quebrar, então o deixei guardado na minha pequena caixinha de joias, junto com um colar que tinha sido da minha mãe quando mais nova e um par de brincos que vovó me deu. Eram as únicas joias de verdade que eu tinha. Precisei me esforçar para ficar acordada no caminho, e acabei colocando uma rádio country aleatória no volume máximo, prestando atenção nas letras que iam desde músicas de términos e recaídas até romances bonitos e homenagens à família dos cantores. Eu admirava bastante o mundo country principalmente por coisas assim, músicas feitas com o coração, que contavam histórias e atingiam o coração de quem ouvia. Quando finalmente cheguei na estação do Brooklyn quase corri pelas ruas, chegando em casa, finalmente. Minha mãe estava no sofá, erguendo uma sobrancelha para mim quando larguei minha mochila no chão e me joguei no sofá. — Demorou hoje. — Eu odeio ensaiar cenas gravadas. — Bufei, deitando a cabeça no encosto do sofá, ouvindo-a rir. — Tem jantar pronto? Por favor, diz que sim. — Comprei aquele hamburguer que você gosta, é só ligar o microondas. — Melhor mãe do mundo! — Sorri, mais animada por causa do hamburguer, e fui ligar o micro-ondas, abrindo a geladeira e pegando uma latinha de Pepsi para acompanhar. Depois do dia de hoje eu merecia.
Coloquei o hamburguer num pratinho e me sentei, comendo numa velocidade impressionante, estava morta de fome e exausta do dia. Quando acabei mandei uma mensagem rápida para Hector, avisando que ia só tomar banho e já ligava. Depois de bastante água quente e sabonete de lavanda, eu estava deitadinha de pijama, e peguei o celular, ligando e deixando do meu lado com o volume alto. Após dois toques ouvi ele atender. — Já vou avisando que não é nada pessoal se eu pegar no sono — falei, antes que ele pudesse dizer algo, ouvindo a risada do outro lado. — Dia cansativo? — Bastante. Estou odiando os ensaios com narração gravada, e não sou a única. Eric errou a deixa umas três vezes, só quem está indo bem são os secundários porque o foco não é neles e não precisam fazer lipsync. — Suspirei, claramente irritada. — E o seu, como foi? — A má notícia é que vou precisar ir visitar o Empire de Los Angeles, teve um probleminha com o gerente, um escândalo publicitário, e vou precisar ficar lá até contratar alguém novo. — Ele suspirou também, e eu sabia que ele odiava quando tinha que viajar por causa de algum problema. — A boa notícia é que eu devo voltar antes de sexta-feira, bem a tempo. — De quê? — É aqui que entra a surpresa que eu mencionei. Já percebeu que fins de semanas são meio que a nossa marca, certo? — Uhum. — Esperei ele continuar, curiosa. — E esta sexta faz um mês desde que você apareceu na minha porta, e eu pensei em comemorarmos esse primeiro mês indo pra casa do lago da minha família, em Montauk. O que me diz, aguenta um fim de semana prolongado comigo? — Eu podia ver o sorriso como se ele estivesse aqui na minha frente, já conhecia só pelo soar da voz dele. — Depende, vai ter comida na geladeira dessa vez, ou vou ter que fazer fotossíntese no quintal? — brinquei, rindo baixinho, minha voz saindo aguda e animada. — Eu vou adorar. Só tome cuidado pra não me deixar mal acostumada, dois fins de semana seguidos. — Talvez eu queira justamente te acostumar mal, só pra que sinta minha falta e venha me ver todo fim de semana. — O tom brincalhão com
um fundo de verdade, do jeitinho que eu gostava. — Pois saiba que está conseguindo. — Sorri, sentindo meu coração acelerar. — Quando você vai para Los Angeles? — Amanhã, de meio dia. E na volta chego aqui de cinco da manhã da sexta, com tempo exato pra dormir o dia todo e acordar a tempo de ir te buscar pra viajarmos. Se incomoda se eu for te buscar direto na Lucille depois do seu ensaio? Vou entender se não quiser que me vejam ainda. — Não tem problema... se alguém quiser pensar algo errado, que pensem. Não é justo comigo nem com você esconder que estamos juntos por medo de alguma Isabella falar merda sobre nós. Sabia que Eric está se tornando um bom amigo meu? Ele já sabe sobre você, inclusive estava me dando conselhos hoje. — E posso saber que conselhos são esses? — Eu podia imaginar perfeitamente a sobrancelha dele erguida nesse momento. — Não. — Dei uma risadinha. — Coisa boba, comentários sobre relacionamento. É bom falar pessoalmente sobre nós com alguém além de mamãe e vovó, afinal, por mais que eu ame minhas amigas, é difícil manter contato frequente estando em horários diferentes. — Se não estivesse no meio de ensaios, eu te levava comigo pra Los Angeles, pra conhecer aquelas duas que são de lá. Prometo resolver isso nas férias. — O jeito que ele falava me deixava nervosa e feliz ao mesmo tempo, ele tinha tanta certeza de que duraríamos, parecia não temer nada, e isso era uma das coisas que eu mais amava nele. Acabei bocejando quando fui responder, e ouvi o riso baixo dele. — Vá dormir. Amanhã conversamos mais, assim que chegar lá eu te aviso. — Ok. São quantas horas de voo? — Seis horas. Vou chegar lá de três da tarde, seis da noite aqui. — Ele suspirou. — Detesto trocar de horário sem me preparar antes, fico todo perdido. — Boa sorte, espero que tudo se resolva logo. — Bocejei de novo, suspirando baixinho. — Boa noite, amor. — Boa noite, minha deusa. Tenha bons sonhos, de preferência comigo. — Digo o mesmo. — Sorri. — Até amanhã. Se não der tempo de falar com você antes, boa viagem.
— Obrigado. Durma bem. Te amo. — Lá estavam elas de novo, as palavrinhas que soavam tão naturais na voz dele e que sairiam assustadas demais na minha. — Tchau. — E desliguei, deixando o celular de lado e pegando meus remédios e minha garrafinha na mesa de cabeceira. Em menos de quinze minutos estava dormindo.
A semana passou de uma forma estranha, o tempo que estava na faculdade e ensaiando passava rápido, mas as horas em casa demoravam séculos, já que eram quando eu tinha tempo para pensar e ficar ansiosa. Hector não tinha conseguido falar muito comigo, correndo com as entrevistas para o novo gerente, mas fazia questão de mandar mensagens de bom dia e boa noite. Ele tinha chegado hoje cedo, e quando eu acordei tinha uma mensagem dele dizendo que estaria me esperando na saída do ensaio mais tarde. Eu agora estava sentada na minha cama, com vovó fazendo duas tranças no meu cabelo. — Pronto, ainda mais linda. — Ela sorriu, prendendo um elástico na parte debaixo da segunda trança. — Obrigada, vó. — Está ansiosa para o fim de semana? Aposto que Hector deve ter preparado alguma surpresa, depois de passar a semana toda longe. — Só espero que dessa vez não seja algo tão absurdamente caro quanto o colar. Só de estar com ele eu já vou estar bem feliz, sendo sincera. — Suspirei, me virando para ela. — Acha que estamos exagerando, nos vendo com tanta frequência? Tenho medo de que ele acabe enjoando de mim. — Mas querida, não foi ele mesmo quem a convidou e deu a ideia de passarem esses quatro dias juntos? Eu duvido que ele possa enjoar de você. Você é uma garota maravilhosa e com muito a dizer, e ele te olha como se você fosse a própria luz do sol e o ar que ele respira. — Ela sorriu, fazendo um carinho na minha cabeça, com cuidado para não desmanchar as tranças. — Pare de se preocupar. Aproveite. — Vou tentar... foi tanto tempo com tudo dando tão errado que eu não
consigo simplesmente acreditar que dessa vez eu vou continuar feliz. Preciso me lembrar de comentar isso com Dr. Ronald na próxima consulta, talvez esteja na hora de começar mesmo uma terapia de conversa além dos remédios. — Fico feliz em ouvir isso, em ver você querendo melhorar. Agora ande, já está quase na hora de sair para a faculdade, e você precisa terminar a bolsa de viagem. — Vovó sorriu, beijando minha testa e se levantando, indo para a cozinha. Peguei a bolsa, dessa vez uma um pouco maior do que a que eu levei das outras vezes, mas ainda menor que uma mala de fato, e comecei a conferir o que já tinha ali. Roupas normais, um único vestido já que ele gostou aquele dia, shampoo e condicionador, desodorante e sabonete... coloquei as melhores lingeries que eu tinha, por garantia. Não eram muitas, e não eram enfeitadas, mas pelo menos dois sutiãs combinavam com a cor das calcinhas, já era algo. Suspirei, mais uma vez me perguntando como ele ficava naquele estado de desejo por minha causa, eu era tão... sem graça. Coloquei o resto das coisas na bolsa, enfiando um livro da faculdade ali pra não precisar levar ela e a mochila — só a bolsa já chamaria atenção o suficiente — e fechei o zíper. Milady veio abanando o rabinho pra junto de mim, tinha recém acordado, e eu sorri, pegando-a no colo. — Você vai sentir saudade da mamãe? Vai? — falei, com aquela voz bobinha, abraçando-a, beijando sua cabeça. — Amo você, pequeninha. — Coloquei ela de volta no chão e peguei a bolsa, saindo do quarto e indo encontrar mamãe e vovó na sala. Elas sorriram para mim. — Hora de ir? — minha mãe perguntou, e eu assenti. — Divirta-se. Se cuide. Usem proteção. — Ela falou essa parte de propósito pra me matar de vergonha, e ainda deu risada da minha cara. — Aproveite a viagem, querida. Pode me ligar qualquer hora se precisar de mim, e mande mensagem quando chegarem em Montauk. — Pode deixar. — Me aproximei, abraçando-a bem forte. — Obrigada por confiar em me deixar ir. — Hector é um bom rapaz, sei que vai cuidar bem de você. — Ela sorriu, se afastando. — Agora vá, antes que eu comece a ficar emotiva. — Até terça. — Sorri, sentindo meu peito disparar com a ansiedade de que realmente havia chegado o dia de ir.
Saí de casa, andando apressada até o metrô, totalmente distraída no caminho. Eu estava morrendo de nervosismo. Sim, já tínhamos passado vários momentos juntos e dormido na mesma cama duas vezes, mas eu sentia que agora ia ser diferente... era um fim de semana prolongado, comemorando nosso primeiro mês juntos. Tinham expectativas por trás disso, e por mais que eu soubesse que ele jamais me pressionaria, eu queria ser capaz de cumprir essas expectativas silenciosas. Se ao menos eu confiasse mais um pouco em mim, as coisas seriam mais fáceis. A tarde passou como um borrão, minha mente totalmente dispersa, as vezes tranquila e as vezes focada em todas as imperfeições que me faziam ter raiva de mim mesma. Mal percebi que já estava na hora do ensaio, hoje estávamos fazendo a última cena de narração, e já estávamos começando a pegar o jeito. Eric começou a encarar o áudio gravado como uma música, para acertar o momento certo de agir, e eu fiquei treinando lipsync com vídeos do Tiktok até me acostumar a dublar áudios. Técnicas estranhas, mas que estavam apresentando resultados. Quando o ensaio acabou eu fui pegar minha bolsa, com Eric do meu lado. — E aí, nervosa para o fim de semana com o bonitão? — Bastante. — Ri de nervoso, guardando meu script na bolsa, dentro do livro. — Então respire fundo, porque parece que ele chegou. — Eric inclinou o rosto na direção da porta, e quando eu me virei, lá estava Hector, usando uma camiseta normal de botões, o cabelo penteado para trás, e o sorriso lindo enquanto se aproximava de mim. — Oi. — Ele sorriu, se inclinando e me dando um selinho, e eu sentia como se meu coração fosse pular do peito. Era como se ele ficasse melhor a cada vez que eu o via. — Oi. — Sorri, tentando conter a vontade de pular nos braços dele para um abraço. Eric pigarreou, claramente querendo ser apresentado, e eu ri baixinho. — Hector, esse aqui é Eric. Eric, Hector. — Então é você quem vai ficar beijando minha garota todos esses meses? — Hector sorriu, brincalhão, passando um braço pela minha cintura. — Só não faça um trabalho melhor que o meu.
— É tudo estritamente profissional, pode acreditar. Rob me mataria se não fosse. — Eric riu. — Se cuidem na viagem, quero minha coestrela de volta na quarta. — Pode deixar. — Hector sorriu, se virando para mim. — Vamos? — Vamos. — Sorri, vendo elepegar minha bolsa e sair do auditório abraçado em mim. Senti os olhares em nós como se toda a Lucille estivesse olhando. — Tem uma cena em Crepúsculo, quando o Edward e a Bella assumem relacionamento e são vistos juntos. Me sinto exatamente naquela cena — falei baixinho, ouvindo a risada dele enquanto beijava minha têmpora, indo em direção ao estacionamento. — Seja qual for a fala dele, imagine que eu a repeti agora, então. — Ele apertou um pouco o braço a minha volta, num gesto que me acalmou, e eu ergui a cabeça. Não tinha motivos para esconder meu namoro, não estávamos fazendo nada de errado. Passamos por Isabella no estacionamento e eu ergui mais o queixo, demonstrando uma confiança que não sentia realmente, até que chegamos no carro. Ele jogou minha mala no banco traseiro e abriu a porta do passageiro pra mim, sorrindo daquela forma cavalheiresca que eu amava. Alguns minutos depois estávamos na estrada.
A viagem pra Califórnia tinha sido terrivelmente cansativa, não bastava ter que entrevistar gerentes, tive que resolver a visão de mídia do hotel. O gerente antigo foi envolvido num escândalo com desvio de dinheiro e assédio de duas funcionárias, uma dor de cabeça absurda, que me fez fazer uma pesquisa redobrada nos novos candidatos. Também fiz questão de dar um bônus às funcionárias e agradecer por terem denunciado antes que se tornasse mais grave. Acabei contratando uma gerente que precisei “roubar” de outro hotel, Sabina Graves. Me custou uma fortuna pagar a indenização para tirá-la do Walford, mas ao menos ela tinha uma ficha perfeita que não me traria problemas. E era mulher, além de muito competente, o que ajudou com a visão pública. Agora estava numa viagem muito melhor, a caminho de Montauk com Alice. Tínhamos acabado de pegar a estrada. — Como foi sua semana? — perguntei, sentindo a casualidade no ar, a forma como parecia natural, igual à quando meu pai chegava em casa do trabalho e perguntava como tinha sido o dia da minha mãe. — Estranha. Tinha horas que passava voando, e horas que demorava séculos pra passar cinco minutos. Nada de muito interessante, pra ser sincera.
Eu e Eric começamos a tomar jeito nos ensaios, então ao menos começamos a fazer progresso nas cenas gravadas. Acho que só isso. E você, como foi a viagem? — Cansativa. Não conseguia dormir direito com a troca repentina de fuso horário, mas ao menos está tudo resolvido. O avião teria sido o pior, seis horas na ida e seis na volta sem fazer nada... — E o que te manteve distraído? — Eu sabia que ela ia perguntar, estava esperando por isso. — Um livro, mais especificamente um que você comentou. — Olhei rapidamente, vendo-a erguer as sobrancelhas. Respondi antes que ela perguntasse qual livro foi. — Corte de Névoa e Fúria. — Ah, não... — ela murmurou, me fazendo rir. — Você devia ter me avisado sobre as tintas e a mesa depois da sopa... Eu com certeza teria prestado ainda mais atenção nesse negócio de parceria. — Vi com o canto do olho ela ficar vermelha, balançando a cabeça. — E é claro que não podemos esquecer a cena da estalagem, a cena da corte dos pesadelos... agora eu entendi de onde veio sua mente pervertida. — Hector! — ela gritou, me fazendo gargalhar. — É um bom livro. Claro, eu não li o primeiro, mas deu pra ter uma boa noção da história. — Dei um sorrisinho de canto ao lembrar de um detalhe, segurando a vontade de rir da reação dela. — Aliás, acha que eu teria uma envergadura de asa de que tamanho? — No livro mencionava algo sobre a envergadura dos que tinham asas ser proporcional ao que tinham entre as pernas, e eu não segurei a gargalhada ao ver ela dar um gritinho e ficar ainda mais vermelha. Esse era meu plano, gastar toda a vergonha logo no caminho, e deixar ela confortável o resto do fim de semana. — Hector! — ela reclamou de novo, mas riu dessa vez. — Tudo bem, vou parar de te provocar... por enquanto. — Ganhei um tapa no ombro como resposta, rindo. — Mas falando sério, eu gostei bastante do livro e provavelmente vou ler os outros quando tiver mais tempo sobrando. Você tem bom gosto. — Ainda estou braba por me deixar morta de vergonha, mas obrigada. — Tirei uma mão do volante, entrelaçando meus dedos aos dela. — Você já leu... Príncipe Cruel? — Fiz uma pausa pra lembrar o nome
certo do primeiro livro. — Não, por quê? — Ótimo, porque eu comprei a trilogia de presente pra você. Imaginei que pudesse gostar de mais livros com sobrenaturais de orelhas pontudas e reinos mágicos. A mulher da livraria que recomendou quando eu falei dos feéricos, disse que você ia adorar. — Sorri, olhando com o canto do olho e vendo ela incrédula. — É injusto, sabia? Você me enche de presentes, e eu não tenho como te dar nada em troca. — Ela fez um bico, soltando minha mão e cruzando os braços. Ficou adorável. — Pare de se preocupar com isso, eu gosto de te mimar e dar presentes, ver alguma coisa que me lembra você e comprar, como foi com a almofada. Eu amo você, Alice, e é natural te encher de mimos. Não espero nada em troca, ter você ao meu lado já é recompensa o bastante. E o cara do livro, Rhysand, encheu a Feyre de tiaras e vestidos, não foi? Pois bem, aceite ser minha Feyre. — Eu sabia que era golpe baixo usar isso de argumento, mas não gostava que ela se sentisse mal por aceitar meus presentes. Ela merecia o mundo, mas como não tinha como envolver o planeta num laço cor-de-rosa, o jeito era dar presentes pequenos, significativos e bobos. — Ok... só não exagere, está bem? Presentes bobos, que eu possa usar no dia a dia sem medo, esses eu aceito. Mas nada de colares preciosos ou qualquer coisa do tipo. Temos um acordo? — Ela se virou de lado no assento, e eu podia sentir seu olhar sobre mim. — Acordo feito. — Sorri, minha mão apertando carinhosamente sua coxa, mantendo meus olhos na curva a frente. — Quer colocar alguma música para ouvirmos na viagem? — Pode ser uma rádio de country? Descobri uma nova esses dias que só têm música boa e poucos comerciais. — Pode. Vai ter que me apresentar as músicas, não devo conhecer nenhuma, mas pode. — Vi-a se inclinar para o rádio, mudando as estações até achar a que queria. As primeiras palavras que ouvi da música, que já estava em andamento, era sobre o amor fazer o resto parecer insignificante. — So small, Carrie Underwood. Adoro essa… todas as músicas dela, na verdade, são lindas. Tem uma que ela fez para a mãe no dia do casamento,
Mama’s Song, que eu chorei a primeira vez que ouvi. Sou emotiva. — Ela deu uma risadinha curta. — Já vou avisando pra não ficar surpreso se a maioria das músicas contarem histórias de corações partidos, são as melhores. — Então você tem um fraco por músicas tristes? — Ergui uma sobrancelha. — Mais ou menos. As histórias tristes da música country são sempre profundas... essa que começou agora, Ain’t Always the cowboy. Mostra que nem sempre o cara que vai embora... Graças a músicas assim que eu confiei em você, sabia? Elas me mantiveram acreditando em amor e caras legais durante todos esses anos — ela admitiu, e eu sorri. — Me lembre de agradecer aos countrys por isso. — Sorri, vendo-a cantarolar a música, e então dar um gritinho quando a próxima começou. — Make me want to! Eu amo demais essa música, e combina totalmente com a gente, sabia? “Pode ser cedo demais para dizer que te amo, mas você me faz querer dizer” — Vi pelo retrovisor central que ela ficou só um pouco rosa. Ela não dizia que me amava com a mesma frequência que eu estava dizendo, só me disse mesmo naquela noite, mas eu não me incomodava. Ela diria mais abertamente quando estivesse pronta. — Então já temos a nossa música? — Se depender da minha lista infinita de country, teremos várias. — Ela sorriu, cantarolando a música e dançando um pouco no lugar. — Bom saber. Qual é essa? — perguntei quando o rádio mudou de novo. Ela fez uma carinha concentrada, balançando a cabeça. — Não conheço, mas a voz parece ser do Kane Brown. — Ela deu de ombros, e eu a deixei prestar atenção na música nova, vendo ela começar a balançar a cabeça de um lado para o outro no ritmo. Começou a próxima, e ela sorriu. — More girls like you — ela citou o nome da música, e eu ergui uma sobrancelha. — Você realmente entende de country, não é? — Anos de prática, consigo reconhecer grande partes das vozes antigas e as mais famosas das recentes. — A voz dela soou orgulhosa de si mesma, me fazendo sorrir. Ela suspirou com a música seguinte, dando um daqueles sorrisos lindos que eu tanto adorava. — Beautiful Crazy, do Luke Combs. Eu
venero as músicas e a voz dele, acompanho desde que conheci Hurricane, e são umas das mais bonitas que eu conheço. Ela começou a cantarolar a música baixinho, sorrindo e fechando os olhos. Prestei atenção na letra, e acabei sorrindo quando foi chegando no final. — Acho que temos mais uma música nossa, minha linda maluca. — Sorri, e uma música nova começou direto no final da de antes, num ritmo bem mais animado. Ela sorriu, começando a dançar no lugar. — Você tem que amar como se não existissem corações partidos... gostei. — Sorri ao ouvir o refrão pela primeira vez, enquanto ela cantarolava. — Essa é do Old Dominion, eles têm uma vibe tão boa nas músicas. — Ela sorriu, movendo a cabeça no ritmo da música. Um comercial começou depois dessa. — E então, o que está achando da tour pelo mundo do country até agora? — Por incrível que pareça, eu estou gostando. As letras são bonitas, e tem um ritmo gostoso de ouvir. Você nunca decepciona. — Sorri, dando uma olhada no relógio do painel. Já estávamos na estrada há meia hora. — Quer parar para lanchar algo no caminho? — Podemos? — Assenti. — Então eu quero, mas não precisa ser agora, só se você estiver com fome também. — Daqui uns vinte minutos, então. Tem uma lanchonete mais à frente que vende o melhor hamburguer com batatas de estrada que já comi na vida. — Sorri. — De vez em quando eu e meus irmãos pegamos o carro e passamos um fim de semana lá em Montauk, enchendo a cara e jogando cartas. Tradição de família, de certa forma. — A cada dia eu gosto mais da sua família, sabia? — Ela sorriu, fazendo uma pausa. — Acha que um dia eu serei parte dessa tradição? — Da casa no lago não, mas a do chalé de inverno provavelmente. Em dezembro a gente viaja para o chalé, no Norte, fingimos que não temos a idade que temos e fazemos guerras de neve. Nossos pais e Nicole sempre vão também, e Brian uma vez levou Alec quando estavam juntos. Ainda não aceito que eles tenham terminado, faziam um ótimo casal. — Me surpreende você, até agora não ter revelado uma aposta rolando de que eles vão voltar um dia — ela comentou, lembrando a aposta sobre
Ethan e Nicole, e eu ri. — A aposta sobre Ethan foi justamente Brian quem começou... Ethan provavelmente já considerou devolver na mesma moeda, mas Brian sofreu tanto com o término... hoje em dia ele e Alec ainda são amigos, de certa forma, mas na época ele ficou devastado. Fazem três anos desde que acabaram, e tinham passado quase três juntos. — Que triste... — Ela fez um biquinho, apertando meus dedos. — E seus outros irmãos, Phill e Roman, quais as histórias deles? — Nenhum relacionamento sério em anos, se é o que quer saber. Roman é obcecado com trabalho, tem amantes quando quer, mas, palavras dele, não se atreve a condenar uma garota a viver com alguém que nunca teria tempo para ela. E Phill é quase a mesma coisa, mas no caso dele é porque diz que não sente necessidade de se envolver sem ter certeza de que é a garota certa. — Dei de ombros, eu mesmo as vezes não os entendia. — E... e você? Você sabe que eu tive um ex meio chato, mas nunca me contou do seu passado amoroso... — Pelo tom de voz dela, eu não soube dizer se era um namoro arriscado ou não, mas resolvi responder tranquilamente. — Tive uma ex significante, Elisa. Filha de um amigo do meu pai, começamos a sair quando eu tinha vinte e dois anos, e terminamos dois anos atrás. Eu estava pronto para um relacionamento mais sério, queria me casar e construir uma família, mas ela não via nada disso no próprio futuro. Terminamos numa situação boa, ainda falo com ela de vez em quando em algum evento. — Preferi não mencionar o fato de que minha mãe a achava fútil demais para mim. — Três anos juntos... uau. — Vi ela desviar o olhar para a janela e ergui uma sobrancelha. — O que foi? — Nada, é só que... você já teve um relacionamento de verdade, sabe como agir a longo prazo, e eu... tenho medo de acabar estragando as coisas, já que minhas únicas referências verdadeiras são de casais fictícios. — Eu gostei de ela ter confiado em dividir essa insegurança comigo, e apertei mais seus dedos, fazendo carinho neles com o polegar. — Em sua defesa, casais fictícios muitas vezes são melhores que os
verdadeiros. E quanto a saber o que fazer, vamos aprender juntos. Todo relacionamento é novo, e eu nunca me senti da forma como se sinto com você, então de certa forma é tudo novo pra mim também. — Sorri, soltando a mão dela depois de mais um carinho e voltando para o volante, virando para estacionar na lanchonete. — Chegamos à nossa parada. — Ótimo, estou faminta. É bom que você tenha falado sério sobre o tal hamburguer! — Ela tentou fazer uma expressão ameaçadora, que me fez rir enquanto saíamos do carro. Ela apertou os braços, tremendo. — Quando esfriou tanto do nada? — O carro estava com o aquecedor ligado. Espere um instante. — Voltei para perto do carro, abrindo a porta de trás e pegando a jaqueta que eu tinha trazido e entregando a ela. — Pegue. — Você não vai ficar com frio? — Você me esquenta, se eu precisar. — Pisquei um olho, dando um sorrisinho que fez ela balançar a cabeça enquanto vestia a jaqueta. Dei a mão a ela e entramos na lanchonete. Pedimos dois hamburgueres e uma porção grande de fritas, e Alice foi ao banheiro enquanto eu esperava. A comida chegou logo depois dela voltar, não tinha muito movimento a essa hora. Ela me deu um sorriso após a primeira mordida, assentindo. — Ok, você falou a verdade, esse aqui é melhor do que muito fast food famoso que eu já comi. — Ela pegou uma batata, e eu sorri. — Eu nunca minto — brinquei, mordendo o meu. O dela era do simples, só carne, queijo cheddar e molho, enquanto o meu tinha salada e bacon. Era meu favorito toda vez que passava por aqui. — Percebeu que essa é a primeira vez que comemos fora? — Uhum. — Ela assentiu, acabando de mastigar. — E num restaurante vazio na beira da estrada... adorei. — Um brinde, ao nosso primeiro encontro. — Ergui minha lata de Pepsi, vendo ela dar uma risadinha e erguer a dela também. Assim que acabamos de comer eu paguei a conta e voltamos para o carro. Já eram seis e meia, e ainda faltava uma hora e meia de viagem. Abri a porta do carro para ela, que tomou seu lugar no banco ao meu lado, e voltamos para a estrada. Ela ligou a rádio country de novo,
cantarolando a música tristinha sobre corações partidos que estava tocando, de olhos fechados. Ela acabou cochilando um pouco, e eu mexi um pouco no aquecedor para que ela não derretesse no casaco. Não me importei em ficar com um pouco de frio. Continuei dirigindo, minha mente sempre vagando para o anjo do meu lado. Eu a amava com uma força que só me surpreendia cada vez mais, e tinha planejado algumas surpresas para esse fim de semana, que incluíam desde os livros que comprei até velas aromáticas para nosso quarto. Não importava o que faríamos ou não, eu criaria um ambiente de contos de fadas, daqueles que teoricamente toda garota sonha sobre. Só não teriam pétalas de rosa, tive a pequena impressão de que isso já seria exagero. Acelerei mais um pouco, aproveitado a rodovia meio deserta, e continuei pensando em tudo o que já tinha vivido e esperava viver ao lado dela. Começou a tocar uma música, que eu não fazia ideia do nome, mas me encantei pela letra, principalmente quando ele diz que depois de três semanas já achava amar a garota. Agora você é minha vida, agora você é meu mundo inteiro. Isso resumia bem como eu me sentia sobre Alice, a forma como ela se encaixou na minha vida, como se cada espacinho vazio estivesse esperando justamente por ela para se completar. Era mais do que uma peça faltando no meu quebra-cabeça, era como se ela fosse luz passando pelas frestas e iluminando partes de mim que eu nem sabia que existiam. Em tão pouco tempo aconteceu tanto, e eu já não conseguia me imaginar sem ela. Conseguia imaginar nós dois daqui há um ano, ela com os braços totalmente cicatrizados já há algum tempo, nós dois nessa mesma estrada vindo comemorar nosso primeiro aniversário oficial de namoro... era extremamente fácil ver um futuro ao lado dela. Suspirei, dando um sorriso, ouvindo ela roncar baixinho do meu lado, a cabeça deitada contra a janela, tão calma quanto um anjo. Desejei que ela pudesse estar sempre nesse estado de calma, que todas as dores dela se curassem. Sabia que não seria um milagre, e nesse futuro que eu já podia ver eu enxergava que ainda teriam muitas crises grandes e pequenas durante o processo de cura, mas que eu estaria ao lado dela em cada momento, sempre que ela precisasse de mim. Ela acordou após quase uma hora de devaneios meus, bocejando baixinho e estendendo uma mão para fazer carinho no meu ombro.
— Dormi demais? — Só um pouco. Estamos chegando, falta só mais meia hora. Se quiser pode voltar a dormir e eu te acordo quando estivermos mais perto. — Não precisa. — Ela se espreguiçou como podia. — Eu só estava cansada do ensaio de hoje, um cochilo foi suficiente... se eu soubesse dirigir eu me oferecia pra trocar de lugar com você e te deixar descansar um pouco também. — Eu já dormi o dia inteiro, depois que cheguei de viagem, ainda estou bem descansado. — Sorri, estendendo minha mão e fazendo um carinho na coxa dela. — Você não sabe dirigir? — Nunca tivemos condição de ter um carro, então nem me importei em aprender. — Ela deu de ombros. — Sempre me virei de ônibus e metrô mesmo, taxis e hoje em dia Ubers quando extremamente necessário. — Me lembre de um dia insistir para te ensinar a dirigir. Prometo que não vou tentar te dar um carro, mas seria importante ter uma carteira de motorista. — Seria perda de tempo, eu provavelmente daria uma de Bob Esponja e falharia em todas as provas práticas que fizesse. — Ela deu uma risadinha, balançando a cabeça enquanto eu ria. — Comparação terrível. — Quietinho, me deixe ser aleatória. — Ela sorriu, aumentando o volume da rádio quando começou uma música nova. — Whiskey Glasses! — Ela começou a cantar e dançar como se estivesse tomando shots de uísque sempre que o cantor falava, e eu estava me divertindo imensamente com ela daquele jeito. Me concentrei bastante no primeiro refrão, e consegui cantar algumas palavras com ela da segunda vez, adorando a performance maluca que ela estava fazendo. A garota era perfeita em todos os sentidos, pelo amor de Deus. E se eu achei que essa tinha sido demais, a próxima veio me surpreender mais ainda. Reconheci a voz de um dos cantores de antes, e ela ficou tão distraída em cantar que esqueceu de dizer o nome, mas reconheci que essa devia ser a Hurricane que ela mencionou. Ela cantou com tanta paixão, sem se importar se desafinava ou não, os olhos fechados, sentindo toda a emoção da letra. Era linda demais de se ver.
Quando a música a acabou estava sorrindo largamente, me olhando com os olhos brilhantes por algum motivo que eu preferi nem perguntar, e ela se inclinou no banco e beijou minha bochecha, bem de leve, com carinho. Mais alguns quilômetros à frente e estávamos entrando em Montauk, enquanto eu seguia até o lago. — Estamos chegando — avisei, e ela ficou atenta à janela, olhando em volta enquanto nos aproximávamos, até que virei na garagem da casa.
Estava escuro, ainda assim, ela arregalou os olhos com a visão da casa, que era razoavelmente grande. Bem menor que a mansão onde meus pais moravam atualmente e onde eu cresci, mas grande mesmo assim. Estacionei na entrada do lado de fora e saí do carro, dando a volta para abrir a porta dela. — Bem-vinda ao seu lar pelos próximos dias, minha deusa. — Sorri, estendendo uma mão, que ela segurou ainda boquiaberta. — Vem, vou te mostrar por dentro. — Peguei a chave do meu bolso e abri a porta, acendendo as luzes da sala de entrada, sorrindo ao ver os olhos dela brilhando enquanto olhava de um lado para o outro. — É lindo... — Ela soltou minha mão, começando a andar pela sala, observando as pequenas decorações que minha mãe tinha escolhido quando compramos a casa na minha adolescência, e eu sorri para ela. — Vou pegar as malas. Fiquei à vontade para explorar, os quartos ficam lá em cima. Saí da sala, indo pegar a bolsa dela, a colocando no ombro, enquanto com uma mão puxava minha mala. Era um pouco grande para apenas quatro dias, mas tinha trazido os livros dela e as velas aromáticas ali dentro, tinha
todo um fim de semana romântico preparado ali. Entrei de novo, fechando a porta atrás de mim e a trancando, pendurando a chave no gancho ali do lado, indo procurá-la. A encontrei na cozinha, dando uma risadinha para mim. — O que foi? — Tem mais comida na geladeira daqui do que no seu apartamento. — Ela sorriu, e eu dei de ombros. — Tem um casal que toma conta daqui quando estamos longe, pedi para que reabastecessem a geladeira e os armários com o suficiente para sobrevivermos até terça. Vem, vou te mostrar nosso quarto. — Ela ficou levemente vermelha quando eu disse que o quarto era nosso, e me seguiu pelas escadas. — São cinco quartos no total. Antigamente era um dos meus pais, e um para cada um de nós, Brian e Phill dividiam um deles. Hoje em dia é um para cada um. Aquele ali é o de Roman, Brian, Phill, Ethan, e aqui está o nosso. — Parei em frente à porta de madeira no final do lado direito do corredor, a abrindo. Era uma suíte, todos os quartos eram, e tinha uma cama enorme no meio. As paredes eram em tons variados de amarelo escuro e marrom queimado, uma versão mais escura dos tons do meu apartamento no Empire. Tinham duas mesinhas, uma de cada lado da cama, e um armário contra a parede. — O que achou? — É perfeito. — Ela sorriu, enquanto eu deixava a bolsa dela sobre a cômoda no canto e minha mala no chão ao lado. Ela se virou, vindo me abraçar pelo pescoço, com força, beijando meu rosto. — Tudo com você é perfeito, incrível isso. — Você que é perfeita, deusa. — Sorri, envolvendo a cintura dela com carinho, movendo meus polegares numa carícia suave. — Amo você — murmurei, e ela só assentiu, daquele jeitinho silencioso dela de dizer que também se importava, e eu me inclinei, tocando seus lábios com os meus. O beijo começou devagar, cheio de saudade pela semana inteira sem nos ver, e então foi aumentando à medida que a saudade dava espaço para algo mais profundo. Deixei minha língua brincar com a dela, sentindo-a ofegar baixinho enquanto enroscava os dedos no meu cabelo daquela forma tão característica dela, me puxando contra si, tão entregue quanto eu estava. A beijei até nenhum de nós ter mais ar, e não me afastei de fato, só comecei a descer beijos pelo pescoço dela, carinhosos e provocativos, tentando
encontrar o equilíbrio perfeito. — Senti sua falta — ela murmurou. — Falta de ter você assim, juntinho de mim, falta dos seus beijos... acho que fiquei viciada. — Ela deu uma risadinha, e eu nem precisei olhar para saber que seu rosto estava tomando aquele tom bonito de cor-de-rosa. — Também senti a sua. Foi mais difícil ficar sem te ver estando longe, sabendo que não tinha a opção de simplesmente pegar o carro e correr até o Brooklyn se a vontade de estar com você se tornasse insuportável. Esse foi também um dos motivos pelos quais peguei o livro, queria algo de você comigo — murmurei contra seu pescoço, deixando um último beijo ali e me afastando devagar, levando uma mão até seu rosto, contornando sua bochecha. — Nisso, eu tive vantagem, se sentisse sua falta tudo que eu fazia era abraçar a almofada de lua que ajudava. Prometo encontrar algo para você ter um pedacinho de mim aonde for. — Ela deu um risinho alegre, respirando fundo, os dedos mexendo no meu cabelo, na minha nuca. Os olhos dela se desviaram de mim para a cama, e então para mim de novo, e seu rosto mudou de cor. Beijei sua testa, dizendo em silêncio para que relaxasse, que estava tudo bem. — Deusa — murmurei, deixando beijos suaves por seu rosto, e ela me puxou para um beijo rápido antes de se afastar devagar. — Eu... vou ir tomar água. Já volto. — E praticamente fugiu pela porta. Eu entendia, ela precisaria de uns minutos sozinha, pensar melhore raciocinar o que estava acontecendo, afinal éramos só nos dois, numa casa vazia, por quatro dias. Tudo poderia acontecer ou não, só dependeria dela. Sempre seria escolha dela. Aproveitei que ela saiu e abri a mala, pegando as velas, encontrando o momento perfeito, e diminuí a luz do quarto, deixando o interruptor na metade, com uma luz mais fraca, e colocando as velas duas na cômoda e uma em cada mesinha. Liguei meu celular numa música baixa e lenta, deixei a caixa de camisinhas na gaveta da cabeceira, e voltei para as velas. Todas tinham aromas de coisas românticas, como flores e outras coisas que eu não lembrava mais, que a moça da loja tinha recomendado. Estava acabando de acender a última vela quando ouvi os passos parando na porta. — Hector?
— Surpresa. — Sorri, me virando para ela, vendo seu queixo caído e me aproximei. — Preparei todos os tipos de clichês românticos para nós. Um quarto de velas perfumadas, uma loção chique para massagear seus pés, cobertores para vermos filmes de romance juntos... tudo o que consegui pensar. — Segurei gentilmente sua cintura, a olhando nos olhos. — Gostou? — Você não existe, sabia? — Ela deu um sorriso, ficando na ponta dos pés e me puxando para um beijo, que não durou muito. Ela parou, respirando fundo. — Hector, precisamos conversar. — Claro. — Puxei ela comigo até estarmos sentados ao lado um do outro na ponta da cama, e eu tinha uma noção do que ela iria dizer. Não me incomodava, posso ter preparado todo o clichê da primeira vez romântica, mas não me incomodaria em esperar sabe-se lá mais quanto tempo até essa primeira vez acontecer de fato, contanto que isso significasse ela estar confortável quando fosse acontecer. — O que foi? — É que... as velas, a luz baixa, a música... eu sei que você tem expectativas, mas eu... — Ei, não se preocupe. Não faremos nada que você não queira, e sinto muito se exagerei com as velas e tudo mais. — Segurei a mão dela, entrelaçando nossos dedos, e ela suspirou. — Esse é o problema... eu quero, muito, você não faz ideia do quanto, mas eu tenho medo de... esquece, é bobeira. — Ela desviou o olhar. — Seus medos não são bobos, Alice. Pode confiar em mim, eu vou te entender. — Toquei seu queixo com carinho, fazendo ela olhar nos meus olhos. — Confia em mim? — Ela assentiu uma vez, respirando fundo antes de falar. — Medo de te decepcionar. Medo de que, quando você me vir nua de fato, seu desejo deixe de existir. Medo de não ser boa o suficiente, de não valer toda a expectativa e beleza que você pôs nesse momento. Eu... eu te amo, e é por esse mesmo medo que eu não repito isso na frequência com que você repete, mas eu te amo, sim. Eu durante a semana pensei várias vezes nessa noite, uma parte bem grande de mim extremamente ansiosa para estar nos seus braços de novo, para ter todas aquelas sensações outra vez... mas aí vem as paranoias que não me deixam dormir direito, que me fazem acreditar que vou ser rejeitada. — Ela suspirou, abaixando o olhar, e eu me aproximei mais, passando um braço a sua volta.
— Alice, minha deusa, não existe a mínima chance de que você me decepcione. Você é perfeita para mim em todos os sentidos, físicos ou não. Esse é um medo que não precisa ter, amor. — Beijei a têmpora dela, e senti quando ela deitou no meu ombro, fechando os olhos. — Eu... eu não sou bonita, Hector. Meu corpo é estranho e desproporcional, e por mais que eu ame e admire muitas mulheres com corpos parecidos, eu simplesmente não consigo gostar do meu. As marcas são estranhas, estrias de duas cores misturadas num lugar só, e as coxas... você não fugiu quando viu meus braços, mas a situação delas é mil vezes pior, são dezenas de cicatrizes a mais, uma por cima da outra... — Alice, meu amor, como pode pensar que isso seria um problema para mim? Eu te amo com cicatrizes e tudo, amo cada grama do seu corpo, cada curva, cada marca, quer eu as tenha visto ou não. Amo você, e só em te ter do meu lado, só em te ter confiando em mim, já é mais que suficiente para me fazer feliz. Se não quiser fazer nada essa noite, se quiser que eu apague as velas e que desçamos para ir assistir um filme no sofá, é isso que vamos fazer. — A fiz se afastar do meu ombro para olhar em meus olhos, a intensidade das minhas palavras aumentando. — Mas se seu único impedimento for esse medo irracional de me decepcionar... lembra de sábado, como se sentiu quando percebeu o poder que tinha, o efeito que causava em mim? Aquele poder ainda está aí, só precisa achá-lo. Você é uma deusa, a minha própria Afrodite, e eu sou todo seu. — Hector... — Me deixe terminar, ok? — pedi, antes que ela começasse a se colocar para baixo de novo. — Eu amo você. Amo tudo que vi e toquei até agora, e quando estiver pronta eu vou amar o resto também, porque você é perfeita aos meus olhos. Sinto muito que tenham te machucado tanto, que você mesma não consegue ver isso, mas se ao menos pudesse se ver com meus olhos, enxergaria que seu peso nunca seria um problema, enxergaria a perfeição em cada curvinha, cada marca. Se soubesse o efeito que tem em mim a memória daquela nossa última noite, se tivesse noção do quanto eu te desejo, você não teria medo de me decepcionar, pois entenderia o quão impossível é isso. — Mas eu nunca... e se eu não souber o que fazer? — Eu te ensino. Se quiser, se realmente desejar isso, eu posso te
ensinar como essas coisas funcionam. Eu nunca vou te julgar ou perder a paciência com você, ainda mais em um momento assim. — Acariciei seu rosto, me inclinando para um beijo suave no canto de sua boca. — Sou seu, para o que quiser, quando e como quiser. — Eu... eu quero ser sua. Eu soei totalmente clichê e boba dizendo isso — ela deu uma quase risadinha baixa —, mas é o que eu quero. Desde aquele primeiro domingo, eu quero isso, desde sábado passado mais ainda... queria ter tido coragem semana passada. Queria ter te puxado de volta pra cama quando saiu do banho e te deixado fazer comigo todas as coisas que eu sempre vi nos livros, todas as coisas que me deixam quente e envergonhada só de pensar. Queria ter ido até o fim, mas naquele dia nem consegui colocar em palavras o que acabei de te dizer. Eu me sinto boba em ter esses medos, mas fui tão treinada pela vida a me achar insuficiente, que isso nubla minha mente e às vezes não me deixa lembrar do quão bom você é ara mim. — Os dedos dela vieram parar na minha nuca de novo, me mantendo perto enquanto ela se aproximava mais, passando uma perna por cima do meu colo e encontrando aquela posição que já era tão nossa. — Alice... — Me prometa uma coisa, ok? Prometa que se eu fizer algo errado, se não for boa o bastante, você vai me dizer. Prometa que vai ser sincero sobre tudo que fizermos juntos, e que vai me dizer se mudar de ideia, se... não gostar do que vê. — Ela deixou beijinhos no meu rosto e na minha boca, se afastando e ficando de pé na minha frente, tirando as sapatilhas com os pés. — Prometa. — Deusa, claro que eu prometo, mas não precisa ter pressa, não precisamos ir até o fim hoje. Podemos parar exatamente onde paramos da outra vez e eu não vou me incomodar, eu garanto. — Eu tive medo de que meu gesto bonito com as velas tivesse feito ela se sentir pressionada, mas ela negou com a cabeça, tirando o casaco emprestado devagar. — Eu quero. Se você estiver falando sério sobre me querer com todos os defeitos e imperfeições, eu estou disposta a confiar em você. Se eu mudar de ideia eu digo, se quiser parar, mas... eu quero que me toque de novo. Quero... — O rosto dela queimou e ela desviou o olhar para os próprios pés, respirando fundo e voltando a olhar para mim. — Quero te ver daquele jeito por minha causa de novo, quero acreditar que sou poderosa de novo.
— Você é — afirmei, e ela sorriu, respirando fundo e se aproximando de novo, pondo as mãos nos meus ombros. — Então faça amor comigo, Hector. Me transforme naquela deusa de novo. — Ouvir essas palavras vindo dela teve um poder tão grande sobre mim, que se não estivesse sentado eu teria caído de joelhos aos pés dela. Assenti, e ela lentamente subiu no meu colo de novo, grudando a boca na minha, agora sem receios, num beijo necessitado e desesperado, que eu correspondi assim que me recuperei do choque. Envolvi a cintura dela como das outras vezes, enquanto minha língua provocava e sugava a dela, sentindo a mudança no ar à medida que o corpo dela se tensionava de antecipação enquanto sua alma relaxava contra mim, o equilíbrio explicito na forma como ela suspirou, e levou a mão até minha camisa, começando a soltar os botões, bem devagar, do mesmo jeito que na outra noite. Sem dizer nada, ela parou e levou minhas mãos até a barra de sua blusa, se afastando para que eu a tirasse. Ela se encolheu um pouco quando eu arranquei a blusa e a deixei cair no chão, e então eu entendi. O abdômen dela era coberto de estrias, brancas e roxas, que chegavam quase aos seios, ainda cobertor por um sutiã preto. Quase ri, a vontade de balançar a cabeça. Era esse o medo dela, que umas pequenas marcas assim me afugentassem? Ergui meu olhar para ela, um sorriso largo no rosto. — Linda — sussurrei, e em alguns minutos eu faria questão de beijar e lamber cada marquinha daquelas até ela entender que não eram um problema. Naquele momento eu odiei a sociedade que a fez pensar que algo tão bobo quanto isso me faria desistir dela. Ela respirou fundo, e então voltou a tirar minha camisa, botão por botão até chegar no último e a deixar cair por minhas costas. Deixei-a se divertir, os dedos me explorado de novo, ela suspirando baixinho. — Diz o que vai fazer comigo hoje — ela pediu, minha pervertida maravilhosa começando a se mostrar, e eu me inclinei para morder seu lábio inferior antes de começar. — Vou fazer o que eu quero desde que você se esfregou em mim, a primeira vez, fazer o que vem me matando de vontade há semanas, e vou enterrar meu rosto entre suas pernas. — Minhas mãos foram até suas costas, bem devagar, brincando com o fecho do sutiã. — Vou te lamber e chupar até
você gritar de novo e de novo, até você ficar sem forças nem para se mexer, até estar sensível demais para qualquer outro toque durante os minutos seguintes. Vou sentir seu gosto direto da fonte, e vou aproveitar cada segundo disso, ouvir cada gemido seu implorando por alívio. Você vai ser meu banquete, Alice. — Usei as mesmas palavras que o cara do livro usou, vendo ela assentir enquanto começava a se mover sobre mim. Soltei seu sutiã, e ela inclinou os braços para que eu o tirasse. Dei um sorriso cheio de malícia ao ver os seios expostos dessa vez, os mamilos já rígidos, implorando por atenção, por toques. Não a deixei esperando demais, avançando primeiro com meus polegares, sentindo-a apertar as pernas à minha volta. — Você queria isso, não é, minha pervertida? Queria que eu te tocasse bem assim de novo, nos dois de uma vez... eu também queria. — Mordi o pescoço dela e me afastei um pouco, olhando em seus olhos, vendo o brilho que começava a nascer por trás das pupilas dilatadas. — Dessa vez eu não vou falar sozinho. Sei bem o que você lê, então me diga exatamente o que quer que eu faça. Me peça, me ordene... sou seu. — Hector... — A voz dela saiu manhosa, enquanto ela rebolava devagarinho em cima de mim, as mãos agarrando meu cabelo. — Eu quero sua boca em mim. Quero que faça igual aquele dia, que me beije em todos os lugares que desejar, e quero... ah... quero seus dedos me tocando de novo. Quero que me faça... — Gozar? — completei, vendo-a assentir com o rosto vermelho. — Seu desejo é uma ordem, minha deusa. Minha boca desceu por seu pescoço, chegando primeiro até o seio esquerdo, deslizando a língua por ele e ouvindo ela arfar, enquanto eu começava a sugar o mamilo, bem devagar, o rodeando com a língua. Belisquei o outro de leve com os dedos, o prendendo entre meu polegar e o indicador, sentindo as pernas dela se apertando a minha volta. Eu já estava duro como pedra, meu corpo inteiro entregue a ela. Minha mão livre subiu por sua coxa, os dedos entrando em sua calça de tecido, encontrando-a molhada e pronta para mim. Deixei um grunhido de prazer escapar enquanto comecei a tocá-la, devagar, circulando com a mesma pressão que fiz sábado, dessa vez arriscando a descer mais um dedo, o pressionando contra sua entrada, ouvindo o arfar surpreso dela quando o
pressionei mais forte, entrando bem devagarinho, recebendo um gemido manhoso e necessitado como recompensa. Ela começou a mover os quadris, rebolando sobre meu dedo, e eu afastei minha boca dela por um instante. — E ainda diz que não sabe o que fazer... vai cavalgar meus dedos, deusa? Vai me fazer imaginar essas reboladinhas comigo dentro de você... que tortura — murmurei com uma risada baixa de satisfação, meu polegar ainda rodeando seu clitóris enquanto meu dedo começava um ritmo lento de entrar e sair, ouvindo os gemidinhos ofegantes dela, suas pernas começando a tremer um pouco. — Pode deixar vir... vai ser só o primeiro da noite. Eu avisei que não seria só uma vez... goza para mim, Alice. Isso... O corpo dela explodia ao meu comando, ela começando a cavalgar meu dedo mais rápido, rebolando, deixando ofegos escaparem num orgasmo silencioso, e me afastei de seu seio a tempo de vê-la dar aquele sorrisinho de prazer com a cabeça inclinada para trás, ainda se movendo mais devagarinho. Esse foi rápido, e me fez pensar se ela havia tentado se tocar sozinha durante essa semana longe. Não havia momento melhor que agora para perguntar. — Alice... você tentou gozar, pensando em mim, esta semana, não foi? Por isso já estava tão pronta, tão desesperada que ao mínimo toque meu já explodiu... gosto assim. — Eu... eu tentei. Cheguei perto, mas sempre parava antes... foi frustrante. — Ela me puxou para um beijo, com força, enquanto eu afastava meus dedos dela, ouvindo-a resmungar contra meus lábios. — Não, não pare... Eu quero mais. Você prometeu mais... — Eu gostava de como ela perdia o controle e a noção de vergonha quando estava necessitada assim, a forma como essa parte de sua mente parecia ser mais forte que a parte assustada. — E você terá mais — garanti, a erguendo do meu colo e me levantando, a virando e empurrando gentilmente para que sentasse na cama. — Não sabe o quanto eu quero fazer isso... — Minhas mãos foram até o cós de sua calça, a puxando devagar, revelando suas pernas pedaço por pedaço. As cicatrizes estavam lá, grandes e irregulares, mas não me assustaram. Ela nunca me assustaria dessa forma. Deixei a calça dela cair no chão e segurei suas coxas, finalmente pele contra pele, e a puxei contra a lateral da cama. — Minha vez de ajoelhar. Dei um riso de prazer ao fazer isso, sentindo os olhos atentos dela sobre
mim, e segurei as laterais de sua calcinha, a puxando para baixo ainda mais devagar que a calça. E então ela estava finalmente nua para mim, e ela a melhor visão que já tive na vida. Cada curva, cada pedacinho no lugar certo, cada marquinha a valorizando mais ainda. Apertei suas coxas, a puxando mais para a beirada, deixando seus joelhos sobre meus ombros. Ela arfou, e eu ergui o olhar para encontrá-la me observando. — Pequena pervertida... quer assistir, não é? — Ela assentiu, e eu não esperei nem mais um segundo, começando a beijar a parte interna de suas coxas. A pele dela era macia, suave, e eu fui deixando beijos e mordidas até chegar aonde realmente queria, e comecei com um beijo. Um beijo simples, na parte externa de sua intimidade, ouvindo o gemidinho surpreso dela. Então a beijei de novo e outra vez, e então meus lábios começaram a sugar aquele pontinho inchado e já sensível por antes, e senti quando o corpo dela despencou para trás na cama, o quadril dela se movendo, sem conseguir ficar quieta. Eu me sentia latejando de desejo ao finalmente estar ali, e comecei a circular a língua, enquanto minha mão subia pela coxa dela, até alcançar sua entrada de novo, meu dedo voltando para lá, meu membro pulsando ao ouvir o gemido dela em resposta. Aquela mulher iria me matar desse jeito. Comecei um ritmo calmo, meu dedo brincando de entrar e sair enquanto minha língua fazia círculos lentos, os ofegos dela ficando mais altos depois de algum tempo. Encontrei com meu dedo a parte interna daquele pontinho sensível dela e pressionei ali, recebendo um grito e mãos puxando meus cabelos como resposta. Dei uma risada profunda de desejo, e ela realizou minha fantasia, o corpo tremendo em espasmos enquanto gozava na minha boca, encharcando meu dedo. Não parei. Queria garantir a satisfação dela essa noite, e garantir que ela estaria molhada o suficiente para sentir o mínimo de dor possível quando finalmente fosse eu dentro dela. Continuei os mesmos toques, aumentando a cada orgasmo, até que no último ela gritou, um som arrastado, enquanto o corpo todo tremia em espasmos, e suas mãos puxaram meu cabelo para que me afastasse, encontrando olhos fechados de prazer e um sorriso enorme nos lábios. Deixei uma trilha de beijos de volta até chegar na boca dela, a beijando
com força, deixando que sentisse o próprio gosto. Ela gemeu baixinho na minha boca. — Isso foram orgasmos múltiplos?! — A voz dela saiu baixa e ofegante, e eu ri, negando com a cabeça. — Esses foram seguidos, se fossem múltiplos acho que eu morreria com seus gritos... tem noção do quão fica gostosa quando geme meu nome? Do quanto isso me deixa louco? — Ela deu uma risadinha quando eu disse isso, e me afastei o bastante para ver o corpo dela deitado na cama, nua, esperando por mim. — Me dê dois segundos. Peguei uma camisinha da caixa na gaveta, sumindo com minhas roupas e a colocando, e enquanto fazia isso Alice subiu mais o corpo na cama, apoiada nos cotovelos enquanto me observava, a cabeça inclinada. E então eu estava em cima dela, sem fazer nada ainda, mas a provocando, provocando a ambos quando me pressionava um pouco contra sua entrada e retrocedia. Ela agarrou meus cabelos. — Hector... por favor. Eu quero — ela assentiu, olhando nos meus olhos, todas as palavras não ditas completamente óbvias no brilho de seus olhos e nas pupilas dilatadas de prazer e desejo. — Me diga se doer — murmurei, beijando os seus lábios superficialmente e então me aproximando mais, me pressionando e voltando cada vez um pouco mais, até que finalmente a penetrei de fato, parando logo após o comecinho. — Tudo bem? Ela assentiu, os quadris se movendo devagarinho, e continuei a me mover devagar, até estar totalmente dentro dela, parando de novo. Ela fez uma caretinha e riu baixinho. — Arde, um pouquinho, mas não está insuportável... na verdade, está bem gostosinho. — Ela rebolou devagarinho, testando, dando um pequeno gritinho ao perceber que gostava daquilo, e eu dei uma risada alegre, a beijando repetidas vezes, começando a me mover num vai e vem lento, controlado, deixando o corpo dela se acostumar comigo, com a sensação nova. Apertou os braços à minha volta, as unhas nos meus ombros. — Isso é... uau... tão melhor que meus dedos... Ah, Hector... Os gemidos dela saíam em meio às frases, e eu não conseguia falar. A sensação dela tão apertada à minha volta me deixou louco, e precisava de todo o meu controle para não explodir cedo demais, mantendo o foco de
movimento em movimento, ouvindo ela dar um gemidinho mais alto quando aumentei um pouco o ritmo. — Alice... — Seu nome saiu como uma prece de meus lábios, e eu comecei a aumentar devagar o ritmo, pouco a pouco, e ela começou a rebolar mais rápido contra mim. — Hector, eu quero... ah... mais um. — A frase dela se perdeu num gemido, mas eu entendi. Ergui uma das mãos que me apoiavam na cama e a guiei até a junção de nossos corpos, encontrando-a e a tocando ali de novo, acelerando seu orgasmo, sabendo que o meu não demoraria muito para vir também. E então ela gritou, se apertando à minha volta em espasmos que me fizeram revirar os olhos, e eu perdi o controle, me movendo em mais algumas poucas estocadas perdidas enquanto meu orgasmo irrompia por todo meu corpo em ondas de prazer contínuas, o nome dela escapando sem controle dos meus lábios, e eu tive certeza de que aquele tinha sido o melhor da minha vida. Os nossos gemidos se misturaram quando eu a toquei com mais pressa, aproveitando o quão sensível ela estava, querendo sentir ela se apertar à minha volta mais uma vez enquanto eu encerrava, e consegui, ouvindo um grito vindo do fundo de sua garganta enquanto meu corpo era totalmente preso ao dela, os espasmos internos e externos dela me fazendo ver estrelas. — Amo você — murmurei, meu corpo se afastando do dela, caindo deitado ao seu lado, ouvindo nossas respirações ofegantes preencherem o quarto.
Eu não conseguia lembrar como respirar normalmente, tentava e tentava e ainda me faltava ar, e fechei meus olhos, sentindo um sorriso surgir sem controle no meu rosto. Senti o peso na cama mudar quando ele se levantou, mas rapidinho ele estava de volta. Mantive os olhos fechados, abrindo um sorriso maior ao sentir sua mão em minha cintura. — Eu sei que não está dormindo... — ele murmurou, os lábios vindo beijar meu rosto. — Olhe pra mim. Quero ver você, minha deusa. — Uhum.... — murmurei e abri os olhos, encontrando os dele brilhantes perto de mim, deitado de lado, me encarando como se eu fosse preciosa. — Linda. — Havia um tom de reverência na voz dele, de devoção. Senti a mão dele se mover da minha cintura para minha barriga, traçando as linhas das estrias. — Não consigo acreditar que pensou que eu me assustaria com elas... são lindas, assim como você. Cada pedacinho seu me fascina de um jeito surpreendente. — A mão dele desceu até minha coxa, e eu desviei o olhar quando ele tocou as cicatrizes. — E essas daqui... são marcas do quanto você já suportou e seguiu em frente nessa vida. Sinto muito que elas tenham sido necessárias, mas fico imensamente feliz que você tenha sobrevivido ao
que causou cada uma delas. — Eu fui boba em ter medo, não fui? — Foi, sim. Mas eu entendo seus medos, e vou provar com palavras e ações todas as vezes em que estiver enganada em temer. — Ele se inclinou, os lábios roçando meu rosto, e eu me virei para ele, o beijando devagarinho. — Eu te amo. Não sei dizer direito, a coragem falta em todos os momentos, mas lembre disso, ok? — Nunca vou esquecer. — A mão dele voltou a subir, parando no espacinho entre meus seios e traçando linhas ali. — Como está se sentindo? — Cansada. Com sede. Feliz. — Dei um risinho preguiçoso, fechando os olhos de novo ao sentir a mão dele parada ali, sobre meu coração. — Quer ir tomar um banho enquanto eu pego água pra você? Posso trazer até um lanchinho. — A pergunta me lembrou algo que ele tinha dito, me fazendo sorrir. — Tenho a impressão de que você me prometeu um banho juntos, da última vez... — Tem razão. — Abri os olhos de novo, pesados pelo cansaço, e encontrei o sorriso dele enquanto se levantava e estendia a mão para mim. Respirei fundo, sentindo minhas pernas moles como gelatina enquanto segurava a mão dele e me levantava. Ele deu um risinho, envolvendo minha cintura. — Bom saber que consigo te deixar quase sem andar. — Calado. — Mostrei a língua, ouvindo aquela gargalhada que eu tanto amava enquanto entrávamos no banheiro. Fiquei recostada contra a pia enquanto ele enchia a banheira. Era bem larga, mas ainda menor que a do apartamento dele. Ele me puxou pela mão, entrando na água comigo, se sentando contra a borda, deixando o espaço perfeito entre as pernas para que eu ficasse ali, as costas contra o peito dele. Eu me senti numa cena de livro fofo. Dei um sorrisinho, sentindo meu rosto queimar com o que diria a seguir. — Sabe, respondendo sua pergunta de quando estávamos no carro, você teria asas do tamanho perfeito. — Tamanho perfeito, é mesmo? — Senti o hálito dele quando riu na minha orelha, seus braços me envolvendo com carinho, as mãos traçando círculos na minha pele. — Bom saber. — Ele beijou meu pescoço, as mãos se afastando para pegar uma esponja e a cobrir com um sabonete cheirosinho de
erva doce, o cheiro dele, vindo deslizar ela pelos meus braços, me fazendo rir baixinho de felicidade. — Vai me deixar mal acostumada, sabia? — Esse é meu objetivo. — Ele sorriu, a esponja fazendo movimentos circulares por mim, enquanto eu relaxava nos braços dele, sentindo todos os medos e desconfianças bem distantes, concentrada só nos carinhos e no jeito que ele cuidava de mim, mais confortável ali do que em qualquer outro lugar no mundo. Ele começou espalhar água em mim, tirando a espuma, e eu fechei os olhos, me sentindo mais em paz até mesmo do que quando tomava o terceiro calmante. Ficamos por um tempo ali, em silêncio, com ele me cobrindo de amor e carinho, até que eu me virei, ficando de frente para ele e pegando a esponja. — Minha vez. — Eu sempre tinha lido cenas assim, visto em filmes, mas nunca tinha tido noção da verdadeira intimidade e beleza disso. Estar aqui, sentindo os carinhos dele enquanto cobria seu peito de espuma, era algo tão mais íntimo do que o que fizemos alguns minutos atrás. Era uma intimidade profunda, e não apenas física. Dei um sorrisinho bobo, lembrando da nossa brincadeira sobre o livro. — Meu parceiro. É uma pena que você não tenha asas de fato, eu adoraria descobrir como funciona a sensibilidade delas na prática... — Mente pervertida que eu tanto adoro... mal posso esperar para ver o que fará comigo com o passar do tempo. — Ele sorriu, levando uma mão ao meu rosto, os dedos me contornando devagarinho, me puxando gentilmente para um beijo curto. — Também quero ver. Se totalmente perdida já foi assim, imagina quando eu souber o que fazer? — Vou sofrer nas suas mãos. — Ele piscou um olho, enquanto eu fazia uma concha com as mãos e levava a água até seu peito, tirando a espuma, deslizando meus dedos por ali com carinho. Ele era lindo, o corpo na medida exata entre comum e quase musculoso, sem nenhum exagero, os músculos retos, mas não tão definidos. Passei meus braços em volta dele e me aproximei mais, o abraçando pelo pescoço, meu rosto em seu ombro. As mãos dele faziam uma caricia bem leve nas minhas costas, quase como se fossem penas. Ficamos abraçados ali, meu corpo aninhado no dele, meus olhos
pesando enquanto eu lutava contra o sono que vinha do conforto de ter ele ali somado ao calor morno da água. Ele percebeu, pois me afastou bem devagar, deixando um beijo no meu rosto. — Vem, você precisa dormir, foi um dia longo. Amanhã eu te cubro de mais mimos ainda, te dou mais beijos ainda, e tudo mais que você quiser. — Ele me beijou gentilmente, e saímos da banheira. Observei ele enrolar uma toalha na cintura depois de me entregar um roupão fofinho, igual ao que eu usei aquele dia no hotel. Me enrolei nele, deixando Hector me puxar pela mão até o quarto. Vi uma manchinha vermelha no lençol, e senti meu rosto queimar, me aproximando dele e escondendo meu rosto em seu peito. — O que foi? — O lençol... — falei baixinho, minha voz abafada pela pele dele. — Ah, isso. — Ele me abraçou de volta. — Não é nada, vou pegar um novo no armário e amanhã botamos esse pra lavar. — É tão vergonhoso... — Dei uma risadinha de vergonha, sentindo o carinho dele nos meus cabelos quando ele riu. — Não é não. — Ele beijou minha testa, se afastando com um carinho e puxando o lençol de cima da cama, o enrolando todo e deixando no canto do quarto. Vi ele se abaixar para pegar uma cueca na mala, tirando a toalha e deixando aquela bundinha linda aparecendo. Eu queria morder, e faria isso se não estivesse tão cansada. Quando ele se virou de volta, eu estava encarando com a cabeça inclinada. — E agora, o que foi? — Nada, só observando o gostoso que eu namoro. — Dei um risinho, indo até a bolsa na cômoda e pegando uma calcinha, morrendo de vergonha enquanto me vestia, ciente de que ele também estava encarando, e mal acabei de colocar um blusão de dormir quando senti ele me abraçando pelas costas. — Perfeita — ele sussurrou, me puxando para a cama, indo pegar outro cobertor enquanto eu me deitava. Dei uma risadinha quando ele estendeu o cobertor por cima de mim, me cobrindo como se fosse uma toalha de mesa. — Vou pegar água, e seus remédios. — Eu já tinha até esquecido deles. Comecei a soltar minhas tranças, e em alguns minutos ele voltou, com uma garrafinha de água e pegou os remédios na bolsa, trazendo para mim. Engoli os comprimidos e entreguei a garrafa de volta pra ele, que o deixou na mesinha de cabeceira e veio deitar do meu lado, me virando e ficando de conchinha, igual na nossa primeira noite. A luz do quarto se apagou,
deixando só a iluminação fraca das velas perfumadas. Deixei um suspiro alegre escapar, me aninhando para junto dele, seus braços a minha volta, me mantendo naquele casulo onde nada podia me machucar. Fechei os olhos, pegando no sono enquanto ouvia ele cantarolar o ritmo de uma das músicas que tocou no carro.
Quando acordei não sabia que horas eram, e eu estava sozinha na cama. Me espreguicei, me esticando toda pela cama, rolando para o lado oposto e puxando um travesseiro, o abraçando com vontade de dormir mais um pouco, mas meu corpo me traiu pedindo que eu fosse fazer xixi, e quando saí no banheiro já estava acordada demais para voltar a dormir. Suspirei, decidindo ir procurar Hector, voltando antes para escovar meus dentes. Eu não me incomodei em acordar sozinha, sabia que ele estaria em algum lugar da casa e saí do quarto, seguindo os barulhos que vinham da cozinha, o encontrando lá, usando só uma calça de moletom e mexendo no fogão. — Pensei que não soubesse cozinhar. — Sorri, vendo ele se surpreender com a minha voz e se virar com uma expressão brava de mentira. — Você não está aqui, você está dormindo para receber café na cama daqui a pouco. — Ele riu, piscando um olho. — Bom dia. E eu sei cozinhar o básico, como ovos mexidos, bacon e torradas. E sei esquentar comida em geral. — Ele se defendeu, e eu dei uma risadinha, me sentando em frente à bancada, observando-o concentrado na frigideira. — Ok, não desconfio mais das suas habilidades culinárias, senhor “não tenho comida na geladeira de casa”. — Ri, sentindo uma alegria nova e calma dentro de mim que eu não me lembrava de sentir desde que era uma garotinha. Ele desligou o fogo logo depois da torradeira soar que estava pronta, e colocou os ovos e bacon num prato, junto com duas torradas. — Seu café, que deveria ser servido na cama, milady. — Ele fez toda uma pose que sabia que arrancaria uma risada de mim, enquanto colocava o prato no balcão a minha frente, indo abrir a geladeira. — O que vai querer beber? Temos água, suco de laranja, posso fazer café, ou podemos ser loucos e tomarmos Pepsi no café da manhã.
— Suco de laranja serve. — Sorri, vendo ele tirar a caixa da geladeira e encher dois copos, me entregando um e se apoiando do outro lado da bancada, enquanto eu pegava o garfo e provava o prato “elaborado” dele. O bacon estava levemente torrado demais, mas era bom. — E então, estou aprovado? — Talvez... está faltando um beijo de bom dia nesse café da manhã. — Ah, isso eu consigo resolver facilmente. — Ele deu a volta no balcão de ilha, vindo se inclinar na minha direção e me dar um beijo suave, nem lento nem demorado. — Agora sim? — Agora sim. — Assenti, sorrindo e voltando a comer, enquanto ele se encostava no espaço do meu lado e tomava um gole do suco. — Quais os planos pra hoje? — Ficarmos vendo filmes ou séries o dia todo, agarrados no sofá, parece uma boa ideia? — Parece uma ótima ideia. — Então é isso que faremos. — Ele sorriu, aquele sorriso aberto e lindo que eu tanto amava e que me fazia tão bem. — O que vai querer assistir hoje? — Hmm... você já viu True Blood? — Só a primeira temporada, séculos atrás. Vampiros “saindo do caixão” como analogia ao termo “sair do armário” e uma mensagem sobre preconceito de fundo, é essa? — A primeira temporada é, o resto da série vai se perdendo, mas é bem legal. Quer assistir? — Sorri, contendo a animação. True Blood tinha virado uma bagunça com o passar dos anos, mas ainda era uma das séries que eu mais amava rever. Tinha um motivo estranho de que, quando eu tinha crises pesadas, a violência e sangue nos episódios me distraía da vontade de ser violenta comigo mesma, mas ainda assim era uma ótima série. — Pode ser. — Ele sorriu, indo deixar o copo vazio na pia, esperando que eu acabasse de comer e pegando meu prato. — Vá lá em cima e busque dois cobertores e todas as almofadas e travesseiros que quiser, vamos transformar o sofá no lugar mais confortável do mundo. — Me parece um ótimo plano. — Dei uma risadinha, correndo escadas acima, algo perigoso consideranda minha tendência de tropeçar, e peguei
duas mantas felpudas no armário, junto com todos os quatro travesseiros da cama. Desci as escadas bem devagar, com cuidado pra não derrubar e tropeçar em nada, e cheguei na sala, ouvindo a risada dele se aproximar para me ajudar. — Não sei como não caiu, podia ter feito duas viagens, ou me chamado. — Ele balançou a cabeça, pegando os travesseiros e os jogando nas almofadas do enorme sofá retrátil, que ele já havia puxado para ficar do tamanho de uma cama praticamente. Ele se sentou, batendo no espaço ao seu lado em um convite e eu sorri. Me aproximei com as mantas, jogando uma em cima dele enquanto me sentava ao seu lado, as pernas esticadas pra frente e as costas apoiadas num travesseiro contra o encosto do sofá. Ele pegou o controle, ligando a tv e procurando onde True Blood estivesse disponível para stream, dando play no primeiro episódio da segunda temporada. Me aninhei nele, deitando a cabeça em seu peito, os olhos na tela enquanto começava aquela abertura maravilhosa. Eu conhecia de cor as três primeiras temporadas, então não prestei muita atenção, minha mente começando a vagar enquanto eu pensava na noite passada. Eu tive medo. Tive muito medo, quando finalmente confessei todas as minhas inseguranças, de que ele finalmente fosse perceber que não aguentaria mais as minhas partes complicadas e defeitos. Tive medo de que ele, mesmo dizendo que era impossível, não me desejasse mais. Meu coração só se acalmou mesmo quando ele puxou minha blusa e os olhos mudaram, as pupilas grandes e o tom acinzentado de castanho mais profundo. Eu já tinha lido sobre olhares como aqueles, o famoso “os olhos dele escureceram”, mas não sabia que acontecia de verdade. Achava que era liberdade poética, forma de falar. E então ele começou a me tocar daquele jeito maravilhoso, forte ao mesmo tempo que tinha a delicadeza de quem lidava com a mais fina porcelana, e eu ficava com calor só de lembrar. Aproveitei que ele estava concentrado na tela e dei um sorriso com a memória de como explodi tão facilmente, de como meu corpo simplesmente reconheceu o dele e se entregou, de como não precisei de muito para me desfazer. Senti um arrepio ao lembrar de como ele se ajoelhou na minha frente, a boca traçando o mesmo caminho que os dedos tinham feito... eu tinha deduzido que seria bom, mas nunca pensei que poderia ser tanto.
Quando ele finalmente parou de me matar com a antecipação, eu já não tinha um traço de medo, era como se quando nossos corpos se tocassem daquela forma minha mente tivesse forças suficientes para trancar a parte ruim numa jaula. Na hora que ele finalmente entrou em mim a sensação foi esquisita, diferente de quando eram os dedos meus ou os dele, e incomodou no começo, mas foi ficando bom à medida que ele se mexia, e no final eu já tinha até esquecido do começo. Eu sabia que só tinha sido bom porque era com ele, porque ele me passou confiança. Foi difícil manter os olhos abertos, mas com muito esforço eu consegui assistir enquanto ele se perdia em mim, chamando meu nome de novo e de novo como se me venerando... eram em momentos assim que eu acreditava ser a deusa que ele me chamava. Me aninhei melhor contra ele, sentindo seu carinho distraído nas minhas costas enquanto assistia a série. Foquei meu olhar na tela, estava na cena que quase parece que vão matar o Lafayette, mas eu já sabia que ele sobrevivia até o final, e eu teria abandonado a série caso contrário. Continuei a me deixar levar por devaneios, pensando em como ele leu um dos meus livros favoritos simplesmente porque eu o mencionei, e depois me comprou livros parecidos. Ele fazia tudo de uma forma tão natural, não era como se estivesse se esforçando para me impressionar, ele simplesmente era aquele cara perfeito e maravilhoso por quem eu me apaixonei. Lembrei de mais livros com os quais seria fácil comparar ele ao mocinho principal, ou comparar pequenos momentos nossos com cenas deles. Agora mesmo, nós dois sozinhos em uma casa pouco depois da nossa primeira vez, deitadinhos no sofá assistindo tv... só consegui pensar nas cenas durante a Ilha de Esme em Amanhecer. Meu sorriso foi suave, fechando meus olhos enquanto mudava de posição, deitando a cabeça no colo dele, sentindo seu carinho em meus cabelos enquanto o episódio acabava e o seguinte iniciava. Ouvi as vozes da tela por um instante, me lembrando de cada pequeno chilique meu enquanto assistia pela primeira vez, por causa de com quem a Sookie ficaria. É engraçado como as opiniões mudam com o passar dos anos. Team Eric desde o começo, depois Team Bill porque parecia o certo, e hoje em dia era Team Alcide. Sim, ele morreu na última temporada, mas teria sido um final digno se tivessem ficado juntos, considerando tudo o que passaram. E sinceramente qualquer final seria melhor do que o oficial mesmo.
Meus pensamentos voltaram para os gestos que Hector já fez por mim, segurando um sorriso ao pensar nas velas que ficaram acesas a noite inteira. Ele tinha construído o ambiente mais clichê e bonito que se tem para uma primeira vez. Música, iluminação, velas cheirosinhas e todo o carinho do mundo. Ele me cobria de coisas fofas, de referências à romances famosos e clichês reconhecidos por todos, e eu amava isso. Amava que ele não parecia real. Sinceramente, eu mal podia esperar para ver sobre o que seria nossa primeira discussão. Estava apostando comigo mesma que seria algo relacionado ao dinheiro que ele teima em gastar comigo. Não é que eu me sentisse mal ou não gostasse dos presentes, eu entendia que pra ele o valor deles não era nada, mas eu ficava triste em não saber retribuir. Foi golpe baixo ele ter usado aquele pedido de ser a Feyre dele e aceitar os mimos assim como ela aceitou os colares e tiaras que ganhava do Rhys, isso me derreteu toda. Em algum momento no meio dos pensamentos eu cochilei, e quando dei por mim já estava no começo do quarto episódio, e Hector fazia um carinho leve no meu cabelo. Me mexi, virando pra deitar de barriga pra cima e olhar para ele, que sorriu pra mim. — Acordou, bela adormecida? — Ele sorriu, se curvando na minha direção e me beijando de leve na testa. — Você me deixou cansada ontem, ok? — Sorri, me sentando enquanto me espreguiçava, vendo-o rir do barulhinho que eu fiz ao me esticar. — Se quiser eu posso te cansar mais... — Ele deu aquele sorrisinho de segundas intenções, piscando um olho. — Você é terrível. — Sorri, subindo no colo dele e segurando seu rosto nas mãos, enroscando meus dedos em sua barba. — Mas eu te amo mesmo assim. — Eu sei. — Ele sorriu, as mãos repousando sobre a minha coxa, só os polegares se movendo devagar. — O que acha de almoçarmos primeiro, e depois você pode ser minha sobremesa? — Me parece um ótimo plano. — Não consegui evitar que meu rosto ficasse vermelho ao imaginar ele me devorando de novo, e ele mordeu meu lábio inferior. — Mas com uma condição... se eu vou ser a sua sobremesa,
você vai ser a minha. — É um acordo. — E então a boca dele avançou na minha, me beijando devagar, com resquícios do desejo de ontem começando a queimar novamente, me fazendo suspirar, provocando ao me mover devagarinho. — Pensei que fôssemos almoçar primeiro... — Eu gosto de antecipar a sobremesa — sussurrei, beijando o pescoço dele, estava começando a aprender como provocar ele do jeito que ele fazia comigo, como deixar ele tão louco quanto me deixava. — Pervertida... — A boca dele procurou a minha, e eu deixei que me beijasse enquanto descia meus dedos por seu peito, procurando aquela parte dura e macia que me fez ver estrelas menos de vinte e quatro horas atrás, agindo por impulso e o puxando para fora da calça. Ele grunhiu contra a minha boca, quase um rosnado, que me arrepiou da cabeça aos pés. — Vou me vingar por ter me destruído tanto noite passada... aproveite meu momento de coragem — avisei, aproveitando eu mesma aquele momento de confiança, o poder que sentia ao ter ele nas minhas mãos. Tinha sido assim uma semana atrás, quando o descobri pela primeira vez, e agora eu já tinha uma noção melhor de como agir. O soltei, deixando ele ali, e começando a rebolar devagarinho por cima dele, sentindo só o tecido da minha calcinha nos separando, me fazendo dar gemidinhos baixos ao lembrar onde aquilo terminaria. Ele agarrou minha blusa, a arrancando de mim e deixando de lado no sofá, a série esquecida na tv enquanto eu puxava o cabelo dele, o trazendo para mim. Era bom não ter mais tanta vergonha, saber que ele me desejava mesmo com tantos defeitos e problemas. As pupilas dele dilataram, o olhar ficando mais profundo a medida que eu me movia, e a boca dele foi descendo pelo meu pescoço, chegando onde eu o queria, fazendo com que eu me pressionasse mais sobre ele, girando os quadris, sentindo a glande dele pressionada contra aquele meu pontinho sensível. Puxei mais os cabelos, gostando de quando ficavam bagunçados nas minhas mãos, fazendo ele se afastar um pouco, segurando a frustração por isso. — Depois. Hoje sou eu que vou me divertir com você... é o mínimo. — Dei um sorrisinho, sentindo meus seios pesarem com a atenção interrompida, e fui me afastando devagar, dando espaço para minha mão descer entre nós, o
segurando de novo. Eu ainda me surpreendia por ser tão macio ao toque, uma textura suave que acompanhava os movimentos da minha mão. — Faça o que quiser. — Ele sorriu, me soltando e apoiando os braços no sofá, me deixando totalmente livre para brincar com o corpo dele. Levei meu polegar até a parte de cima, traçando pequenos círculos, erguendo meu olhar para ver ele mordendo o lábio inferior. Continuei, levando a outra mão até ele também, descendo por seu peito e pela trilha de pelos recém aparados que começavam a crescer de novo, até chegar onde queria. Eu falei sério sobre ser do tamanho perfeito, não tinha com o que comparar, mas se encaixava perfeitamente em mim, e isso bastava. Minha mão foi descendo, e eu mordi meu lábio inferior ao testar algo que tinha lido e segurar bem gentilmente embaixo dele, arfando e rindo baixinho ao sentir que a sensação era, de fato, a de segurar duas bolas. — Me tortura e ainda dá risada... — A voz dele saiu arrastada, e eu ergui uma sobrancelha, fazendo de novo. — Gostou disso? — Ele assentiu e eu repeti, sendo recompensada com um gemido. Eu gostei de descobrir do que ele gostava. Meus dedos o envolveram de novo, o tocando enquanto eu saía de seu colo e mais uma vez me ajoelhava entre suas pernas, dessa vez mais confiante do que fazer e como. Mas antes eu testaria algo. Levei os lábios até onde minha mão estava antes, deixando um beijo levemente sugado ali, sentindo-o tremer em resposta, um som afirmativo saindo do fundo de sua garganta. A pele ali parecia mais fina e sensível, então tomei cuidado, me divertindo ao dar beijos curtos, erguendo meu olhar para ele, encontrando olhos famintos me observando. Dei meu melhor sorriso pervertido, um que só ele conheceria, e passei a língua por ali, deslizando por toda a sua extensão até chegar em cima. Eu esperava estar sendo tão sedutora quanto parecia na minha mente, fiz questão de ler dois livros narrados pelo cara essa semana só pra ter uma noção de como a mente deles deve funcionar. Ele apertou uma mão na lateral do sofá, então devia estar dando certo. Fiz como na semana passada e beijei o topo, sugando um pouquinho antes de afastar minha boca, repetindo essa mesma ação algumas vezes. E então eu fui até o limite, o colocando na boca até onde conseguia e tocando o resto com a mão, pressionando minha língua contra ele,
começando a fazer movimentos no mesmo ritmo que ele fez em mim ontem, sentindo o calor entre minhas pernas aumentar cada vez que ele gemia meu nome ou soltava algum palavrão, e senti vontade de me tocar, só um pouquinho, só pra manter minha cabeça no lugar enquanto meu foco era dar prazer a ele, mas não o fiz, concentrada demais em não errar nos movimentos que fazia. Senti o espasmo dele, a coxa que eu segurava como apoio tremendo um pouco, e então me empenhei mais. Eu já conhecia os sinais de quando ele estava perto, o jeitinho que o corpo dele tensionava logo antes de explodir. Igual da outra vez eu estava tão concentrada que não ouvi o aviso dele, tive que ser afastada pelos ombros, mas não parei minha mão, ouvindo aquele gemido rouco vindo do fundo da garganta dele enquanto seu líquido sujava seu abdômen e escorria pelos meus dedos, me fazendo dar um sorriso orgulhoso do efeito que tinha causado, de ter feito ele perder o controle de novo. Usei a barrinha da minha blusa para limpar meus dedos, a colocaria para lavar assim que acabássemos, e limpei também a barriga dele, vendo-o erguer uma sobrancelha pra mim. Dei de ombros, como se aquilo explicasse tudo, e subi em seu colo de novo. — Você, minha deusa, só me surpreende. — Ele deu uma risada baixa e arrastada, a voz ainda rouca como os gemidos, e eu o puxei para me beijar, enroscando minha língua na sua por quanto tempo aguentei. — Sua vez. — Sorri, dando um gritinho quando ele me jogou ao seu lado no sofá, fazendo como eu fiz e se ajoelhando, me fazendo tremer em antecipação ao sentir ele puxar minha calcinha e separar minhas coxas. Gritei quando sua boca me encontrou, a língua brincando na minha entrada, e então vieram dois dedos para me deixar louca, ele fazia um movimento como quem chama alguém, puxando os dedos contra algum ponto sensível que eu não sabia ter, e eu senti como se minha alma saísse do corpo quando explodi, uma vez e outra e mais outra, meu corpo sem parar de tremer, espasmos fortes me fazendo arquear as costas, e ele não parava, me chupando cada vez com mais força, e eu tive que puxar seus cabelos, implorando silenciosamente para que me deixasse respirar por um momento. — Esses foram múltiplos. — Ele riu contra a minha pele, o hálito quente me causando arrepios enquanto ele se levantava, se inclinando para me beijar devagar. Era surpreendentemente bom sentir meu gosto na língua
dele. — Respire, volto em um minuto. — Eu realmente mal tive tempo de respirar enquanto ele desaparecia nas escadas, e logo ele já estava de volta, com dois pacotes de camisinha na mão. Ergui uma sobrancelha, e ele riu. — Melhor já termos um reserva. — Observei com atenção enquanto ele descia a mão pelo próprio corpo, colocando a camisinha e se aproximando de mim. — Só... vá devagar. Ainda estou um pouquinho dolorida de ontem. — Meu rosto ficou vermelho ao falar sobre isso, algo totalmente aleatório já que pra fazer eu não sentia vergonha, e ele se sentou do meu lado, me puxando para seu colo. — Vou fazer melhor, e te ensinar a ficar por cima. Hoje o controle é inteiramente seu, minha deusa. — Ele segurou meus quadris com leveza, os apertando de levinho, e eu comecei a fazer igual em todas as vezes e me mover sobre ele, dando gemidinhos baixos ao sentir a cabeça pressionada contra mim. — Como eu...? — perguntei, sem ter a mínima ideia de como encontrar a posição certa. Ele se recostou mais contra o sofá, levando uma mão até entre nossos corpos, e eu me ergui enquanto ele segurava a ereção, a posicionando contra minha entrada. Ah. — Quando estiver pronta. — Ele deu um sorrisinho, subindo as mãos para segurar meus seios, e a sensação foi tão boa que eu despenquei sobre ele de uma vez, dando um grito ao ser preenchida, tomada, possuída e qualquer outro termo que exista para essa sensação maravilhosa. Ele soltou um “porra” arrastado, balançando a cabeça. — Não ia ser devagar? — Você me distraiu. — Minha voz soou mais como um gemido do que como uma frase mesmo, e eu comecei a me mover devagarinho, me segurando nos ombros dele enquanto aprendia o que fazer. Comecei com o que já fazia, sem subir ou descer, apenas circulando devagarinho, sentindo meus olhos revirarem um pouco sem controle. Apoiei-me nele e ergui meus quadris, afastando um pouco nossos corpos e então voltando, minha boca se abrindo e meus olhos se arregalando ao entender que era assim que se fazia. Repeti de novo, e então mais uma vez, até que peguei o jeito e criei um ritmo que misturava isso e me mover para frente e para trás com ele dentro de mim. Lembrei a palavra certa para o que estava fazendo, estava cavalgando nele. Não demoramos muito. Aquela necessidade desenfreada era totalmente
nova pra mim, e ele parecia sentir a mesma coisa, porque com três segundos que eu explodi fui capaz de ouvir os gemidos dele ecoando os meus, sempre chamando meu nome, sempre se agarrando em mim como se eu fosse seu tudo. Em momentos como esse eu acreditava que realmente era. Meu corpo desabou por cima dele, cansada, meu rosto em seu pescoço enquanto tentava recuperar o ar, e senti suas mãos nas minhas costas, segurando meus quadris e me erguendo um pouco, separando a junção de nossos corpos. Resmunguei baixinho, ouvindo ele rir e sentindo seu beijo em meu rosto enquanto me deixava ao seu lado, se levantando e sumindo na portinha do banheiro para se livrar da camisinha, voltando pra junto de mim instantes depois, me puxando pra deitar com ele no sofá, e uma intimidade nova nasceu: nós dois nus, deitados no sofá, olhando um para o outro e explodindo num riso curto de pura alegria.
Passamos o resto da tarde de ontem no sofá. Eventualmente a fome ficou forte e eu tive que subir pra pegar outra blusa enquanto ele esquentava uma lasanha de micro-ondas para o almoço, que comemos enquanto conversávamos sobre tudo e nada, com assuntos aleatórios que eu já não conseguia mais lembrar, mas as risadas e sorrisos ficaram gravados na minha memória. E à noite nos amamos de novo, eu estava ficando viciada no corpo dele. Eu dormi estranha nessa noite, tive sonhos que não conseguia me lembrar, e acordei mais tarde que ele de novo, só que hoje ele estava na cama, deitado ao meu lado, com os braços atrás da cabeça. Em algum momento durante a noite eu tinha me soltado do abraço dele e estava no travesseiro ao seu lado, de bruços, uma perna por cima das dele e coberta só até a cintura. Levei minha mão ao seu peito, o tirando dos próprios pensamentos com meu carinho. — Bom dia. — Sorri, subindo meus dedos para fazerem carinho em sua barba, sentindo os fios macios dos quais ele cuidava tão bem. — No que estava pensando? — Em nós. Em como tudo aconteceu tão rápido e de forma certeira...
— Ele se virou para mim, com um sorriso calmo. — Se me dissessem naquele dia da palestra que eu hoje estaria deitado aqui com você, completamente apaixonado, eu chamaria quem falou de louco. Mesmo quando eu te vi e me encantei, não cheguei a imaginar que daria tão certo assim. — Parece até eu falando. — Dei uma risadinha, fazendo um carinho leve no rosto dele. — Eu também não imaginei que seria assim. Há alguns anos atrás eu me proibi de sonhar com futuros bonitos, porque sempre me iludia e ficava triste, então quando te conheci, e três semanas depois quando apareci na sua porta, eu me esforcei ao máximo pra não criar expectativas, pra já começar sabendo que eventualmente acabaria. — E agora, ainda pensa assim? — Os olhos dele estavam profundos, como se aquela pergunta tivesse mais significado do que eu conseguia perceber. — Não exatamente. Eu ainda tenho medo de pensar à longo prazo, mas há duas semanas que eu consigo ver o fim de semana chegando e fico ansiosa por querer te ver. Ontem eu estava pensando, distraída enquanto víamos True Blood, e percebi que estou curiosa para ver nossa primeira briga. Parece estranho, mas imaginar que podemos brigar um dia significa também imaginar que duraremos até essa fase de lua de mel acabar. — Dei de ombros, continuando o carinho distraído na barba dele. — Por que está me perguntando isso? — Para te entender melhor, e entender melhor aonde estamos indo. Eu não consigo mais me ver num futuro sozinho, e a garota sem rosto com quem eu costumava imaginar que me casaria algum dia agora tem cabelos cacheados, uma única covinha e seu sorriso. Não estou dizendo para fugirmos hoje para Vegas e nos casarmos como loucos — ele riu —, mas estou dizendo que no que depender de mim, esse relacionamento vai longe. — Hector... — Eu vou entender, sabe, se um dia mudar de ideia sobre nós, se perceber que eu não era exatamente o que queria da vida, e vou respeitar sempre as suas decisões. Mas quero que esteja ciente de que em apenas um mês eu já me tornei inteiramente seu. — Ele distraidamente levou uma mão por cima da minha cabeça e começou a acariciar meu ombro. — Não precisa dizer nada sobre isso, eu só precisava dizer em voz alta mesmo.
— Eu vivo há tanto tempo sem saber se estarei viva no mês seguinte que minha mente não consegue mais enxergar nada a longo prazo, mas se pudesse sonhar com um futuro, seria ao seu lado. — Me aproximei mais dele, deitando minha cabeça em seu peito e o abraçando. — Você me faz feliz nos dias bons, e é um motivo extra para lutar nos dias ruins. — Queria ter como tirar os dias ruins de você. Eu, de bom grado, suportaria as dores no seu lugar, se isso significasse aliviar seu coração. — Ele sorriu, e eu senti meus olhos lacrimejarem. Aquela manhã tinha começado bem profunda. — O que te fez pensar nisso tudo, justo hoje? — Bem... não sei se você sabia, mas às vezes você fala dormindo. Bem baixinho, e eu só prestei atenção porque tinha levantado para ir ao banheiro, e essa noite você disse “eu não quero ficar sozinha de novo”. E a voz com que você disse isso me fez repensar se estava demonstrando o suficiente o quanto falo sério sobre nós, sobre te amar. — Ele deu um sorriso que parecia triste. — Eu sei que às vezes não acredita. — Eu... — Não se desculpe, eu sei que não é porque não quer acreditar, que tem medos de que gritam e falam mais alto que seu coração, que tem uma parte de você que ainda acha que vai ser deixada sozinha. E eu vou fazer questão de te assegurar todos os dias de que você nunca mais vai estar sozinha, não se depender de mim. — Ele me abraçou, e eu solucei baixinho, surpresa ao sentir uma lágrima cair. — Eu amo você, minha deusa, minha Alice. E sou inteiramente seu, de corpo e alma. Eu esperei vinte e sete anos até te encontrar, e não teve um único dia nesse mês que eu não tenha desejado ter sido antes, ter sido capaz de estar do seu lado quando tudo deu errado. Posso ser totalmente sincero sobre uma coisa, sem que me entenda mal? — Sempre. — Funguei, erguendo meu olhar para ele. — Aquela terça, quase um mês atrás, no dia da sua crise... eu nunca tive tanto medo na minha vida quanto tive ao te ver com aquela lâmina na mão. Precisei de todo o meu controle para não me desesperar e poder estar ali por você, mas foi como se meu coração parasse de bater ao pensar em te perder daquele jeito. Estávamos nos conhecendo há pouco mais de uma semana, e foi como se eu estivesse perdendo um pedaço de mim. Por isso não me surpreendi ao perceber que te amava com três semanas. — Ele me
abraçou mais forte, e eu percebi que eu estava chorando baixinho. — Me desculpe, por ter te assustado. — Não foi sua culpa, essa doença não é culpa sua, é de quem te fez mal através dos anos. Nunca fui um cara violento, mas se pudesse eu socaria a cara de cada um que já te fez chorar, de todos os culpados por suas crises. Eu nunca me senti tão inútil quanto naquele momento quando vi o desespero nos seus olhos e percebi que não tinha nada que eu pudesse fazer. Me perdoe por essa conversa pesada logo de manhã, mas eu não conseguiria tirar isso da cabeça até dizer, até ter certeza de que você saiba que nunca vai estar sozinha de novo. — Ele beijou minha testa, um braço me abraçando e a outra mão acariciando minha nuca. — Eu amo você. — E foi como se um pedacinho machucado dentro de mim fosse arrancado, deixando um espaço vazio no lugar, uma fresta por onde o amor dele pudesse passar de fato. — Eu não sabia o quanto precisava ouvir tudo isso, até você falar. Parte de mim entendeu quando você disse me amar semana passada, mas essa parte ficou sendo dominada pelos medos de que isso acabasse tão rápido quanto nasceu, de que você enjoasse de mim. Não é que eu desconfie de você, mas eu desconfio de mim, da minha capacidade de ser amada. Eu ouvi tantas e tantas vezes que ninguém nunca ia me querer, que eu não era suficiente, que a cada corte que eu fazia era como se escrevesse essas palavras dentro de mim. — Respirei fundo, fechando meus olhos. — Eu vou procurar começar uma terapia complementar de conversa, além dos remédios. Estava pensando nisso sexta antes de sair de casa, e agora parece mais necessário ainda. Eu... eu quero ser capaz de aceitar seu amor, sem medo. — Amar como se não houvesse corações partidos — ele murmurou a letra da música que ouvimos no carro e eu ri baixinho em meio às lágrimas, abraçando-o mais forte, apoiando meu queixo no peito dele e o olhando. Os olhos dele estavam brilhando com lágrimas que se recusavam a descer, e ele tocou meu rosto com carinho, secando minhas lágrimas. — Eu vou estar do seu lado, para o que der e vier. Pode sempre contar comigo, correr para os meus braços e deixar que eu te conforte. — Amo você. Tenho medo do que esse sentimento pode me trazer, acho que você merece saber disso, mas eu realmente te amo. Você é a melhor coisa que me aconteceu em anos, finalmente uma mudança positiva na minha vida. Não sei se foi coincidência, mas eu me tornei mais confiante depois de te conhecer, foi depois de nós que consegui o papel de Bianca, que fiquei
amiga de Eric. Foi graças ao seu apoio que eu tive coragem e fui naquele evento e conheci sua família maravilhosa. Te conheci logo depois de começar os remédios novos, e você tem sido uma parte importante do meu tratamento. — E vou continuar do seu lado, por todo o tempo que me quiser. — Ele se inclinou para beijar minha testa, e eu senti aquilo entre nós mudar de novo, se tornar mais profundo do que eu pensaria ser possível. — Você é tudo o que eu sempre sonhei e mais, Alice. De acordo com uma teoria que Brian viu em alguma série, você é o presente do destino pra mim. Espero que não fique zangada, mas liguei para ele naquela noite quando cheguei em casa. Não contei detalhes, mas precisava desabafar com alguém sobre como me sentia. — Tudo bem, eu gostei dele, e se você confia nele, eu confio também... — fiz uma pausa. — Me promete uma coisa? — Tudo o que me pedir. — Se... se por algum motivo não der certo entre a gente, se algo nos separar como casal, promete que ainda vai ser meu amigo? Eu odiaria perder meu namorado, mas odiaria mais ainda perder meu melhor amigo. — Ele deu um sorriso triste, assentindo, e eu vi uma única lágrima escapar. — Prometo. Espero que nunca precise cumprir essa promessa, mas eu prometo. Se algo nos separar, você ainda me terá ao seu lado por todo o tempo que me quiser. Eu vou ser sempre o que você mais precisar que eu seja. — Abracei-o mais forte, sentindo as lágrimas flutuando dos meus olhos, chorando pela emoção do momento e não pela tristeza. — Também espero que esse dia nunca chegue. — Ergui minha mão até a bochecha dele, secando aquela lágrima solitária e me esticando toda para ficar mais perto dele, sentindo-o me aninhar nos braços. — E... eu gostei de termos tido essa conversa. É uma forma estranha de começar um dia, mas acho que nós dois precisávamos dizer o que foi dito... É como a Feyre diz no livro. Eu estou quebrada e me curando, mas todos os pedacinhos do meu coração são seus. — Minha parceira... — Ele sorriu, se inclinando e beijando minha testa demoradamente. — Vamos, acho melhor levantarmos. Tenho uma surpresa divertida planejada para hoje. — Mais surpresas? — Bem, não fizemos muito além de ficarmos na cama e no sofá ontem,
e tem um píer no quintal... O que acha de um passeio de barco pelo lago? Está frio demais para nadar, mas a vista é bonita. — Me parece perfeito. — Sorri, abraçando-o mais apertado antes de o soltar, me afastando devagar e me sentando na beirada da cama, levantando. — Vou tomar um banho antes... a porta vai estar destrancada. — Ele deu um sorriso largo, e eu sabia que tinha entendido que o duplo sentido na minha voz não era sexual dessa vez e, sim, apenas a sugestão de mais um momento juntos, mais um toque daquela intimidade leve e divertida que estávamos construindo a cada dia que se passava. Tinha acabado de entrar embaixo do chuveiro quando senti os braços na minha cintura.
Tomar banho com ela era uma rotina suave, uma troca de cuidados quase sem segundas intenções, e de alguma forma aquele momento tinha se tornado ainda mais íntimo depois da conversa que tivemos. Eu tinha a sensação de que teria parecido louco se fosse qualquer outra garota ali comigo, mas Alice me entendia da mesma forma que eu a entendia, parecia até que realmente tínhamos um laço conectando nossas mentes. Dei um sorriso tranquilo ao abraçar a cintura dela assim que entrei no chuveiro, beijando seu rosto. Ela se virou de frente pra mim, e sem dizer nada me abraçou, o rosto no meu pescoço começando uma linha de beijos suaves até minha boca, e quando nossos lábios se tocaram aquele foi o melhor beijo que já trocamos. Não era um beijo recente de quem está se conhecendo e nem um beijo descontrolado pelo desejo. Era um beijo de entrega, uma forma de selar o contrato que pairava entre nós depois daquela conversa. AMe afastei com pequenos selinhos e peguei o shampoo dela da prateleira, sentindo o cheiro de mel a nossa volta enquanto cobria seus cabelos com espuma, vendo o sorriso bobo e alegre dela, os olhos fechados, enquanto eu massageava sua cabeça. Eu me sentia tão bem cuidado dela, era como se isso fosse minha verdadeira vocação, meu motivo celestial para
existir. Eu tinha noção do quão louco isso soava, mesmo em minha mente, mas era assim que me sentia. Puxei-a de volta para o chuveiro, vendo a espuma escorrer, e então peguei o condicionador com o mesmo perfume, notando que ela ainda estava de olhos fechados quando a virei de costas. Nunca tinha visto-a tão calma, tão suave, e isso me fez bem, pelo visto, a conversa foi no momento certo. Envolvi os cachos dela com o condicionador. Ela se virou para mim, sem dizer nada, e fez o mesmo comigo. Não precisávamos mais de palavras em momentos assim, não quando os sorrisos dela já diziam tudo. Seus dedos eram suaves no meu cabelo, e ela ontem prestou atenção em como eu lavava a barba, pois fez do mesmo jeito que eu fazia. Segurei sua mão e ali, embaixo daquele chuveiro, fiz ela girar e a puxei para mim, começando a dançar no ritmo lento de uma música inexistente. O som da risadinha baixa e alegre dela preencheu o ambiente, tanto quanto meu coração, e eu comecei a deixar beijos em seu rosto, deixando caminhos de carinho e devoção por ela, até que ela se aproximou mais e encostou o rosto em meu peito, e eu notei ela mudar nossa dança para o ritmo do meu coração. Não prestei atenção em quanto tempo ficamos ali, mas achei melhor a puxar para fora da água quando nossos dedos já estavam enrugados. — Linda. Simplesmente linda. — Sorri ao vê-la enrolada na toalha, os olhos preguiçosos e apertados para me ver sem os óculos ou lentes, os cabelos úmidos... ela era a minha definição de paraíso. Ela deu um sorrisinho que era em parte uma careta fofa e passou por mim em direção ao quarto. Enrolei uma toalha na cintura e a segui, indo pegar uma roupa na mala. — Que horas já são? — ela me perguntou enquanto eu abotoava a calça. Peguei meu relógio de cima da mesa e dei uma olhada. — Quase meio-dia. Nem vimos o tempo passar, melhor almoçarmos antes de irmos passear, desmaiar em um barco me parece uma péssima ideia. — Ela deu uma risadinha, assentindo. Quando me virei para ela, congelei no lugar. Ela estava usando um vestido, branco em cima e azul estampado embaixo. Um sorriso se abriu no meu rosto, a vendo dar de ombros ao ver minha reação. — Você gostou do meu vestido aquele dia... aí eu trouxe este. — O sorriso foi aumentando enquanto eu me aproximava e puxava a cintura dela
prra mim, a beijando com carinho, rapidamente. — Linda. — Vamos, eu faço o almoço hoje, tenho a impressão de que vamos sair daqui doentes de tanto comer porcaria, e se tem uma coisa que eu me orgulho na minha saúde é de mesmo com meu peso conseguir manter as taxas num limite bom. — Vai me oferecer comida de novo, parceira? Espero que seja sopa — provoquei, vendo-a rir enquanto saíamos do quarto, indo até a cozinha. — Engraçadinho. Vou fazer carne com legumes. Simples, clássico, difícil de errar. Sente-se e observe, talvez aprenda a fazer algo além de bacon queimado. — Ela piscou um olho, rindo, e eu obedeci, me sentando num dos bancos altos em frente à bancada central da cozinha, observando-a abrir a geladeira e os armários, começando a separar o que iria precisar. — Em minha defesa, você gostou do bacon queimado. — Eu fiquei com pena, é diferente. — Ela continuava a rir baixinho, e eu observei o quanto ela parecia estar em casa, colocando um pedaço de carne na tábua de corte, a cortando em cubinhos enquanto continuava a falar comigo. — Sabe, eu cozinho às vezes em casa, posso te ensinar algum dia. Já é uma desculpa para nos vermos de novo sábado que vem. — Gosto que também fique procurando motivos para passarmos tempo juntos. E me parece uma ótima ideia, contanto que não acabemos incendiando o apartamento. — Te ensino a fazer alguma sobremesa sem fogo da primeira vez, e eu que coloco no forno no final. — Perfeito. — Aliás, não lembro se te perguntei alguma vez, mas qual seu prato favorito? — Ela colocou óleo e cebola numa panela de pressão, daquelas que assustam leigos como eu, e começou a mexer um pouco, aquele cheiro de comida caseira tomando a cozinha. — Filé com purê de batatas e brócolis, e a segunda favorita é justamente o que está fazendo. — Sorri, e ela me olhou por cima do ombro. — O milionário que gosta de comida simples... — É bem estereotipado da sua parte pensar que eu só comeria caviar e
pratos minúsculos, sabia? Um dia vai acabar me ofendendo. — Se isso acontecer, eu já sei como me desculpar. — Ela deu um sorrisinho, se virando de volta e colocando a carne na panela. — É só te encher de beijos e carinhos. — Muito espertinha você. — Ri, observando ela colocar um pouco de água na panela, a fechando e girando aquela válvula. — Não tem medo de que exploda? Sempre que vejo uma dessas, seja pessoalmente ou na tv, eu acho que vai explodir. — Você é tão bobinho às vezes. — Ela riu, ajustando o timer que tinha em cima da panela e indo cortar as batatas e cenouras em cubos mais ou menos do mesmo tamanho dos que ela fez na carne. — Panelas de pressão não são assustadoras como parecem, só precisa usar com cuidado. — Prefiro não me arriscar. — Balancei a cabeça, vendo-a deixar os legumes de lado e vir para o outro lado da bancada, ficando de frente para mim. — Medroso. — Ela sorriu, apoiando os braços no balcão, me olhando. — O que posso dizer, se ter medo de se explodir é ser medroso... — Bobinho. — Ela sorriu, levando uma mão até minha barba e fazendo carinho daquele jeito que eu adorava tanto. — Amo você. Não tenho mais medo de dizer, quero que saiba sempre que eu sinto o mesmo. — Eu sei. Mesmo quando não dizia em voz alta, seus gestos e sorrisos me mostravam como se sentia. — Cobri a mão dela com a minha, a levando aos meus lábios. — Adoro quando você me olha assim, como se eu fosse o seu sol. Sempre achei que não teria ninguém além da minha família e de amigas distantes... e agora eu tenho você também. Se minha eu, aos dez anos, soubesse disso ela pularia feito uma maluca comemorando que eu encontrei um príncipe encantado. — Ela deu uma risadinha, acariciando meu lábio inferior com o polegar. — Príncipe encantado? Garota, eu sou um grão senhor, mais respeito. — Eu já tinha notado o quanto ela adorava quando eu referenciava o livro, e eu precisaria ler outros para continuar fazendo a mesma coisa. O sorriso dela cresceu, e eu percebi agora que a cada dia os sorrisos dela se tornavam mais fortes, incrivelmente poderosos comparados aos sorrisos tímidos dos
primeiros dias. — Melhor ainda. — Ela me puxou um pouco e se inclinou toda sobre a mesa para me dar um selinho, se afastando com um sorriso. — Você realmente prestou atenção no livro, né? — Sim. E se não quiser me recomendar outros, eu vou subornar sua mãe para revirar sua estante e me dizer quais estão lá. — Não precisa ser tão extremo, eu digo. — Ela balançou a cabeça. — Tem a trilogia Starcrossed, da Leisa Rayven, que eu amo completamente. Tem uma porção de cenas indecentes nela, então você vai adorar me encher a paciência sobre elas. — Uma risadinha surgiu em seus lábios. — A mesma coisa com a série Off Campus da Elle Kennedy. E tem uma porção de romances de época que eu acho incríveis, posso te passar uma lista depois. E aí entram os livros que não são de romance, como Instrumentos Mortais e Percy Jackson... teoricamente são para um público bem mais jovem, mas ainda gosto até hoje. — Vai ter que me passar uma lista com todos esses que falou, vou ler sempre que tiver algum tempo sobrando. Quero entender melhor essa sua mente brilhantemente perfeita. E não me julgue, mas vou começar pelos dois primeiros que você mencionou. — Eu já sabia. — Ela deu uma risadinha, se virando quando a panela apitou o timer e indo tirar a pressão, coisa que ainda me deixava meio receoso. Nada que faz aquele barulho é totalmente seguro. — Espero que goste da história desses também. — Vou gostar. Seus gostos não me decepcionaram até agora. — Observei ela colocar a batata e a cenoura na panela, se virando de volta para mim e ficando apoiada de costas ali. — Pronto, agora é só esperar mais uns quinze ou vinte minutos e podemos comer. — E depois vamos para o passeio de barco. — Sorri, vendo-a assentir. — Nunca andei de barco, sabia? — Vai gostar desse. Temos um barco de verdade, mas ele está no píer grande, o do quintal tem uma espécie de canoa... já assistiu Diário de Uma Paixão? — Ela assentiu. — É como a do filme, bem simples, mas combina com a gente. E antes que pergunte, não, não tem chance nenhuma de você
cair do barco. — Quando aprendeu a ler mentes? — Ela riu, e eu dei de ombros. — Temos nosso laço mental, não temos? — Pelo visto sim. — Ela balançou a cabeça. — É uma pena ainda estar frio demais, eu adoraria nadar no lago. Está na minha lista de clichês favoritos. — Podemos voltar algum dia no verão, quando estiver de férias, e aproveitar o sol. — Eu conseguia facilmente vê-la ainda ao meu lado quatro meses adiante, até bem mais. E ela parecia estar finalmente começando a pensar da mesma forma, por mais difícil que fosse para ela ver um futuro para si. — Me parece uma boa ideia. — Ela se virou para a panela, mexendo de novo. — Que outros clichês você gostaria de viver? — Beijo na chuva. Provavelmente acabaria gripada, mas valeria a pena. E quando a gente brigar um dia, quero que me faça uma surpresa com flores meu chocolate favorito... uma pena que eu não tenho uma casa comum, ou poderia até jogar pedras na janela. — Ela riu. — Devo parecer uma boba falando, mas é isso o que acontece quando se passa tempo demais sem relacionamentos, vendo o mundo através de livros e filmes que são um pouco fora da realidade comum. — Sorte sua que eu não seja comum, então. — Você é digno da mistura de um mocinho de Gossip Girl, com o cavalheirismo de Edward Cullen e a malícia de Rhysand... por isso eu ainda acho que isso tudo pode ser um sonho... vamos, me diga algum defeito seu que te torne real. — O quê? — É sério! — Ela deu um risinho. — Eu exijo que me conte algo que te deixe mais humano, não é possível que seu único defeito seja queimar bacon. — Bem... eu acho que posso ser um pouco arrogante, às vezes, sem nem perceber. E sou insistente demais com algumas coisas, pode ver como foi no começo, que insisti até que aceitou receber meus elogios sem reclamar. Estou acostumado a ter de tudo, isso pode prejudicar uma personalidade.
— Bem, pra um “riquinho mimado”, você está muito bem. Eu assisti a Gossip Girl, poderia ser mil vezes pior, você poderia ser um escroto de moral duvidosa. Sim, ele evolui com o passar das temporadas, mas assim, por mais que eu goste do Chuck com a Blair, ele não é o homem dos sonhos. — Vou ter que me lembrar de assistir as séries que você gosta também. — Observei ela se virar de volta para a panela, mexendo e inspirando a fumaça. — Quase pronto? — Mais dois minutos. Está com fome? — Alguém me deixou exausto ontem... estou faminto. — Pisquei um olho, rindo da expressão que ela fez. — Eu que te deixei exausto? Não lembro de você ter problemas pra andar depois. — Eu gargalhei com isso, vendo o rosto dela vermelho enquanto ela se virava de costas e me ignorava completamente enquanto desligava o fogo e procurava uma travessa para servir a comida e a levava até a mesa. — Coma e fique quieto. — Ficou bravinha? — Ri, me levantando e indo pegar dois pratos e uma garrafa de refrigerante, enquanto ela pegava copos e talheres. Tínhamos uma sincronia em momentos assim que fazia parecer que já dividíamos a vida há anos. — Chato — ela reclamou, mas sorriu ao se sentar na cadeira em frente à minha, se servindo e fazendo o mesmo com meu prato. — Me diga se ficou bom. — Peguei meu garfo e provei um pedaço. A carne estava macia, no ponto exato de cozimento, e o tempero... — Está decidido, vou demitir Geralt e você vai cozinhar no hotel. — Sorri, balançando a cabeça. — Devia ter me avisado antes que cozinhava tão bem. — Eu sou só mediana. — Ela deu de ombros, ficando levemente corde-rosa com os elogios e provando um pedaço do próprio prato. — Tá, desta vez eu me superei, mas normalmente sou só mediana mesmo. — Sei. — Sorri, continuando a comer. — Então, além das velas, livros e até um barquinho, tem outras surpresas planejadas? Melhor me avisar logo. — Ela deu um risinho. — Não, só essas dessa vez.
— Ótimo. Vou ter que pensar em algo pra te pegar de surpresa um dia, mal posso esperar pra devolver na mesma moeda o que faz comigo. — Se quiser aparecer na minha cama de lingerie vermelha, eu não me incomodaria sabe — deixei a sugestão, vendo ela me encarar. — Por que vermelha? — Combina com você, e me lembra da noite do evento. — Vi ela dar um sorrisinho e abaixar o olhar, acabando de comer em silêncio. — Vou pensar no caso — ela disse, por fim, se levantando e pegando os dois pratos e os levando pra pia. — Tem problema se eu só lavar a louça mais tarde? Quero ver logo barco. — Quanto voltarmos, eu lavo e você seca, que tal? — sugeri, e ela sorriu, assentindo. Me levantei e estendi uma mão pra ela. — Vamos. Andamos até o quintal, onde o barco em estilo de canoa estava em cima do píer. O empurrei para a água, colocando os dois remos ali, e subi nele, estendendo uma mão para ela. Ela me olhou meio desconfiada. — Tem certeza de que não vai desequilibrar com o meu peso? — Tenho, pode confiar. Prometo que não vai se afogar enquanto eu estiver por perto. — Mantive a mão estendida, e ela aceitou, dando um gritinho contido quando o barco balançou. Ri um pouco, segurando sua mão e servindo de apoio até que ela se sentou, me sentando a sua frente. — Viu só? Está segura. — É, também disseram isso pra uma pobre coitada do Titanic — ela resmungou, fazendo graça, enquanto eu balançava a cabeça. — Sorte sua que não tem nenhum iceberg nesse lago. — Sorri, pegando os remos e nos afastando do píer, a vendo olhar em volta à medida que nos aproximávamos do meio do lago. — É lindo aqui... parece um sonho, e se disser que eu sou seu sonho eu vou gritar, porque vai ser a coisa mais linda do mundo e ainda por cima uma referência à Enrolados quando a Rapunzel e o Flynn estão no barquinho com as lanternas. — Lanternas! Sabia que devia ter pensado em algo mais. — Ela riu quando eu disse isso, e parei de remar quando ela levou uma mão ao meu rosto, acariciando minha barba.
— Bobinho, já está tudo perfeito assim. — O sorriso dela foi um dos mais bonitos, se inclinando para me dar um selinho carinhoso. — Amo você. — Sorri, segurando a mão dela sobre meu rosto e a entrelaçando nos meus dedos. — Viu que não precisava ter medo do barco? — Bem, me desculpe se eu sou covarde. — Ela deu uma risadinha, fazendo carinho nos meus dedos. — Sabia que na realidade essas coisas são bem mais divertidas que nos livros e filmes? — É mesmo? — Uhum. No mundo real não tem uma chuva pra atrapalhar, ou uma crise no relacionamento pra deixar tudo mais dramático. Somos simplesmente dois emocionados que se jogaram de cabeça um no outro, e agora não conseguem parar de dizer “eu te amo”. Daríamos um filme bem chato, sem conflitos nem dramas. — Ela riu, e eu acompanhei. — Pois eu acho que deveriam ter mais filmes com casais sem problemas. Já chega dessa noção de que amor precisa doer, minha única dor ao seu lado é do meu peito à beira de explodir. — Fofo. — Ela apertou minha mão, acariciando meus dedos com o polegar, me olhando nos olhos com aquelas duas estrelas verdes brilhando. — Eu também achava que tinha que doer. Inclusive, eu fiquei pensando nisso na semana passada, numa frase de uma série que eu gosto, Scandal. Quando a Olivia vai terminar com o Edison, ela diz algo sobre não querer simples e fácil e, sim, um amor devastador e doloroso que mudasse a vida dela. E eu sempre achei que tinha que ser assim, até você aparecer. — É uma noção terrível que normalmente passam, porque uma história simples não seria interessante. Ninguém vê que histórias simples também podem ser bonitas e divertidas de se acompanhar? — Eu estou começando a perceber isso. Ao seu lado é mais fácil de acreditar que existem amores verdadeiros e bonitos que são fáceis de lidar e não machucam. Acho que também passei tanto tempo sendo machucada em tudo que tentava, fossem amizades ou fosse com Victor, eu acreditei por muito tempo que o certo na minha vida era me tratarem mal. Por isso eu me assustei tanto com você se apaixonando por mim. Nunca acreditei que eu fosse fácil de gostar... — Mas é. — Estendi minha mão para a outra dela, segurando as duas
com carinho. — Foi muito fácil me apaixonar por você. Foi praticamente amor à primeira vista, e eu nunca pensei que fosse capaz de sentir isso, não sabia que um sentimento assim nasceria tão rápido, mas você veio como naquela música que cantou no carro e me atingiu como um furacão. — Posso dizer o mesmo. Você chegou com uma marreta gigante e botou abaixo todas as minhas defesas de uma vez, sem aviso prévio. Eu... num livro que eu li, a garota menciona uma tradição que se não me engano é chinesa, onde quando um vaso se quebra ele é colado de volta com fios de ouro que mostram onde foram as rachaduras, uma forma de encontrar beleza no que se partiu. É mais ou menos isso que você está fazendo. Não estou dizendo que você é a minha cura, não colocaria esse peso em você, mas é mais fácil colar meus pedaços com alguém os segurando no lugar. — Ela deu um sorrisinho tímido, dando levemente de ombros. — Fico feliz em ajudar, em estar ao seu lado. — Sorri, apertando as mãos dela e as soltando, levando uma mão para seu rosto. — Você é preciosa, e se já é incrível agora, eu mal posso esperar para ver quando todos os pedaços estiverem colados novamente. Tenho até medo do impacto que pode ter em mim — brinquei. — Não sei quanto a impacto, mas posso dizer que nem eu sei mais como seria estar inteira. Já estou quebrada há tantos anos, a última vez que não tive crises ou inseguranças assim eu tinha dez, onze anos. Era uma criança ainda... às vezes eu me pergunto que tipo de adulta eu teria me tornado se as coisas não tivessem dado errado. — Como você imagina que seria? — Corajosa. Muito corajosa, do tipo que vai atrás do que quer... provavelmente eu mesma teria te pedido para sair comigo depois daquela palestra, e teríamos transado já naquele segundo encontro. Era o que eu queria fazer, e teria feito se confiasse mim mesma. Talvez eu não me apaixonasse tão rápido, mas com certeza seria bem mais divertida, e você não precisaria presenciar as crises e problemas que me acompanham. Acho que gostaria mais de mim se eu fosse essa outra Alice. — Eu acho que seria indiferente. Mesmo com ações diferentes, você ainda seria você, e é por ser você que eu te amo. Se eu teria gostado de você mesma me chamar pra sair, e de me enterrar entre suas pernas logo no começo? Bastante, mas não mudaria a história que tivemos até aqui. Você
valeu a espera, e eu teria esperado mais quanto tempo fosse necessário. E sobre as crises, eu odeio que você tenha precisado passar por aquilo, mas fico grato de ter visto logo no começo, de já saber no que estava entrando. Aquilo me ajudou a entender melhor o que você passa, e ver o quanto eu queria e quero te ajudar. — Ela recostou mais o rosto contra minha mão ao ouvir isso. — Eu tive muito medo naquela tarde, de que você fugisse de mim, ou pior, que só continuasse comigo por pena ou medo de que eu fizesse alguma besteira se fosse embora. Eu não acho que suportaria se estivesse comigo por um desses motivos. — Que bom que não estou, então. Estou com você por te amar, por te achar a criatura mais preciosa que já caminhou nessa terra, por te ver como uma deusa num pedestal alto, que por algum motivo se apaixonou por um mero mortal como eu. A sua força me admira muito, Alice. Tudo o que você sobreviveu, tudo o que você aguentou, cada marca na sua pele... eu amo que tenha aguentado até me conhecer, e me orgulho em ser um dos motivos para que continue lutando. — Você é minha lua cheia nas noites escuras. Eu antes só tinha mamãe, vovó e meu pai, agora tenho você também. Você é algo só meu, alguém de fora que se importou em entrar. — Ela sorriu, cobrindo minha mão com a sua e a levando até seus lábios, beijando a palma. — Eu amo você. — Assim como eu amo você. — Sorri em resposta, me inclinando para a frente, meus dedos se enroscando em sua nuca enquanto eu a beijava devagar, querendo demonstrar o quanto realmente a amava mais uma vez. Foi um beijo lento, com um sabor doce de entrega mútua, os lábios dela brincando com os meus num ritmo de carinho, suspirando baixinho e agarrando meu cabelo. Quando se afastou ela sorriu, cobrindo meu rosto de beijos suaves, só então se afastando mesmo e voltando para o lugar no barco. — Hoje está sendo cheio de emoções, hein. — Domingos são nossos dias especiais. — Estou gostando disso. — Ela deu um risinho, se virando para olhar em volta. — O que vamos fazer agora? — Podemos passear mais pelo lago, se quiser. E eu trouxe meu celular, se quiser colocar alguma música. — Tirei o celular do bolso e entreguei a ela.
— A senha é meu aniversário, nove de novembro. — Ah, finalmente descobri seu aniversário. O meu é quinze de julho. — Ela pareceu pensar por um instante e deu uma risadinha. — Nossos signos são compatíveis, eu acho. — Não faço ideia, quem talvez entenda disso seja Nicole, mas eu não lembro direito meu próprio signo. Escorpião, né? — Sim. — Ela riu, balançando a cabeça e olhando para a tela do celular, parando por um instante. — Vem cá. — Ergueu o celular, a câmera frontal nos refletindo, e eu me aproximei dela, sorrindo abertamente quando ela tirou a foto, e então uma outra, enquanto eu beijava seu rosto. — Ainda não tínhamos nenhuma foto juntos. — Coloque de plano de fundo. E não esqueça a música. — Ela deu um sorriso surpreso e assentiu, e em segundos mais country começou a tocar. — Achei a rádio aqui também. — Qual é essa música? — Não tenho certeza, mas a voz é do Scotty McCreery, se não me engano. — Ela ficou em silêncio, prestando atenção na letra. — Pelo refrão, deve se chamar In between. — Faz sentido. — Peguei os remos e comecei a passear pelo lago de novo. — E essa de agora? Vou te interrogar sobre todas. — Essa é Catch. — Ela riu, balançando a cabeça pra mim e começando a cantarolar a música, balançando a cabeça. — Mais uma música pra nós. Encaixa um pouco, eu só fui fazer uma palestra, conseguir umas doações, e aí você apareceu e eu fiquei totalmente sem ar. — Você ficou sem ar? Eu tinha acabado de ver o cara mais gostoso do mundo na minha frente, fiquei tão desestruturada que até fiz perguntas! — Ela riu, ouvindo a música que começou. — Mud on the tires! Essa é um clássico. — Bom saber que eu também te desestruturei de primeira. — Pisquei um olho, sorrindo. — Foi sorte minha ter tirado seu nome naquele sorteio, sabia? Quando penso o que poderia não ter acontecido se eu pegasse o outro papel que veio colado com seu nome... talvez eu tivesse te procurado e te
chamado para sair assim mesmo. — Não teria conseguido, se não tivesse sido chamada eu sairia correndo do auditório e você não me encontraria a tempo... parece que tudo acontece por um motivo, né? — Destino. — Sorri, ouvindo a música mudar e ela dar um sorriso lindo. — Love you like I used to. Lançou há pouco tempo, e é maravilhosa. — Ela começou a cantarolar, feliz da vida, e ao ouvir aquela letra eu pude enxergar nosso futuro. Nós dois juntos há anos, eu dizendo que a amo mais a cada dia, ela talvez grávida ou com um bebê no colo, dependendo de quantos anos tivessem se passado... eu conseguia ver uma vida inteira ao lado dela, a vida com a qual eu sempre sonhei. — O que foi? Está me olhando engraçado. — Só pensando no quanto você é linda. — Escondi meus devaneios, por enquanto. Ela ficou um pouco cor-de-rosa, desviando o olhar com um sorrisinho pequeno, daqueles que ela dava quando estava envergonhada pelos elogios. Continuamos ouvindo as músicas dela e passeando pelo lago, até que começou a escurecer e eu remei de volta para o píer. Ela desligou a música, me entregando o celular quando chegamos junto do píer de novo, e eu me levantei, estendendo uma mão para servir de apoio para ela. Quase deu certo, mas na hora que pisou no píer as botinhas que ela tinha decidido usar prenderam na madeira e ela caiu de joelhos. Arregalei os olhos, indo ajudar ela, quando ouvi a gargalhada. Ela jogou a cabeça pra trás, rindo alto, dobrando as pernas para ficarem cruzadas e continuando a rir. Ergui uma sobrancelha, sendo contagiado e rindo também. Ela sem dizer nada estendeu as mãos para mim, e me puxou para sentar em frente a ela. — Uma tarde romântica e perfeita, aí eu vou e tropeço! — Ela continuava rindo, na maior crise de riso que eu já tinha visto ela ter, enquanto eu balançava a cabeça, com um sorriso no rosto. — Eu amo você. — Eu tive que dizer, e ela assentiu enquanto ria, o rosto ficando cor-de-rosa pelo esforço, uma mão no peito enquanto tentava recuperar o ar. Ela balançou a cabeça, os olhos pequenos e quase fechados enquanto ela tentava parar de rir, suspirando e dizendo “ai” algumas vezes. Continuei a encarando. — O que teve de tão engraçado na sua queda?
— Foi boba. Algo totalmente a minha cara, e foi divertido. O final mais aleatório possível para um dia perfeito. — Ela respirou fundo, abrindo o maior sorriso que já a vi dar. — Eu nunca fui tão feliz. — É bom que esteja feliz, eu também estou. — Sorri, erguendo minhas mãos para segurar gentilmente logo abaixo de seu rosto, em seu pescoço, fazendo um carinho com os polegares. — Eu amo sua risada, sabia? — E eu amo seus carinhos. — Ela sorriu, fechando os olhos, uma mão na minha coxa, quando me inclinei para beijar sua testa. Senti seu sorriso sem nem precisar ver, e me afastei um pouco, segurando logo atrás de suas orelhas, segurando meu mundo em minhas mãos. — Minha vida — sussurrei, me inclinando e a beijando devagar, com carinho, deixando meus lábios deslizarem e brincarem por todo o seu rosto. Ela deu um risinho, enroscando os dedos na minha barba. — Meu amor. Meu Hector. — E ao ouvir ela dizer isso, me olhando com aqueles olhos verdes e brilhantes, eu percebi que também nunca tinha me sentido tão feliz antes.
Ficamos no píer até escurecer mais e começar a ficar frio, quando a puxei para se levantar comigo e voltarmos para a casa. Caminhamos, devagar, com ela enroscada no meu braço, a cabeça contra meu ombro, sorrindo com uma felicidade maravilhosa que me aquecia o coração. Eu a amava tanto. — O que acha de um banho quente? Posso te encher de mimos — ofereci, e ela assentiu. — Com a condição de que eu possa te mimar também, eu aceito. — Ela sorriu, entrando comigo na casa, indo para as escadas. — Acordo feito. — Sorri, a seguindo de mãos dadas, chegando no nosso quarto. Era fácil ver aquele espaço como nosso, e não mais só meu. Minha própria vida não era mais só minha Liguei a torneira morna da banheira, jogando uma loção de espuma que encontrei por perto, que tinha um cheiro floral que eu não sabia identificar de que era. Comecei a desabotoar minha camisa, enquanto ela puxava o vestido pela cabeça. Eu nunca me cansaria de vê-la tirar a roupa na minha frente, ela não fazia ideia do quão sedutora era até em algo simples e sem pretensões.
Ok, era um banho onde provavelmente aconteceria algo, mas mesmo assim... Depois de tudo hoje de manhã, e do barco, eu me sentia mais próximo dela que nunca. Ela era meu paraíso. Tirei o resto da minha roupa, entrando na banheira e estendendo uma mão para ela, que ainda ficava adoravelmente vermelha quando eu encarava seu corpo. — Linda — murmurei, me sentando na banheira e vendo elase apoiar na outra extremidade, de frente pra mim. — Linda e gostosa, a própria visão do pecado — comentei, rindo baixo, totalmente hipnotizado pela visão dela ali, coberta de espuma na minha frente, dando um sorrisinho tímido. — Olha quem fala... você é um deus grego, definitivamente maior que os das estátuas. — Ela deu uma risada baixa, desviando o olhar, enquanto eu ria de verdade. — Não sei por que ainda fico com vergonha. Já fizemos tantas coisas, mas é só você me olhar assim, que eu fico vermelha. — Eu gosto. Você fica linda com o rosto vermelho assim, só pra mim. Você é perfeita, Alice. Em todos os sentidos que puderem existir para a palavra, você é perfeita. — Eu amo que você sempre sabe o que dizer. — Sei disso. — Sorri, pegando uma esponja e puxando uma perna dela, deslizando a espuma por ali, vendo ela dar risinhos baixos. — O que foi? — Cócegas. — É mesmo? — Dei um sorrisinho quase perverso, adorando a informação nova, e segurei suas mãos, a trazendo para o meu colo. — Onde mais você sente cócegas? Talvez... aqui? — Segurei seus quadris, começando um ritmo leve de cócegas e ouvindo ela explodir numa gargalhada alta, se debatendo nos meus braços enquanto ria, se segurando nos meus ombros. Ri também, aproveitando a leveza daquele momento enquanto continuava por mais um pouco. — Hector.... chega... por favor... — Ela continuava rindo, e eu fui parando, a envolvendo em um abraço que ela retribuiu sem fôlego, agarrada ao meu pescoço, ainda rindo baixinho. — Você é cruel. — E você me ama, mesmo assim. — Amo — ela confirmou, beijando meu pescoço de leve e deitando o rosto ali, enquanto eu deslizava as mãos por suas costas, espalhando a espuma perfumada por ali.
Alice se afastou um pouco para deslizar as mãos pelo meu peito, traçando linhas e círculos com as pontas dos dedos, me olhando com um sorriso tão leve que pela primeira vez parecia que ela estava livre de dores e preocupações naquele momento. Minha alma vibrou com aquilo. As mãos dela foram descendo, e um sorrisinho surgiu. — Seria errado estragar nosso momento fofinho com a minha vontade de te tocar de novo e de novo? Acho que estou ficando viciada em você — ela admitiu, parando com os dedos na base do meu abdômen. É claro que meu corpo já tinha começado a reagir. — Não estragaria nada. Sabe o quanto eu adoro quando faz o que quer comigo... — Sorri, segurando seu rosto e a trazendo para me beijar. Não tinha pressa dessa vez, tínhamos gastado a necessidade desenfreada ontem de todas as formas, e hoje podíamos ir com calma, e foi assim que a beijei. Minha boca deslizando devagar com a sua, nossas línguas brincando juntas, mantendo ela perto de mim, uma mão segurando sua cintura. Ela suspirou contra minha boca e desceu as mãos, me fazendo arfar quando me segurou, explorando com a mesma lentidão daquela primeira vez que me tocou na semana passada, interrompendo o beijo e mantendo a testa encostada na minha. Deixei que ela me tocasse como quisesse, que brincasse com meu autocontrole, e então ela me soltou e subiu mais no meu colo. — Alice... não podemos, não aqui... — avisei, sabendo que as camisinhas estavam no quarto. Ela entendeu, assentindo, mas continuou a rebolar devagarinho, se pressionando contra mim, pele contra pele me deixando louco. — Só um pouquinho assim... depois a gente vai pra cama, mas eu queria sentir como era, sabe, só a sua pele. — Tinha pensamentos pervertidos com minha pele contra a sua, deusa? — Talvez... — Ela fechou os olhos, se encaixando de forma que minha glande ficasse contra seu clitóris. Gemi quando ela começou a rebolar ali, quase parada, só criando uma pequena fricção. — É gostoso assim. Eu... e se eu começasse a tomar a pílula, poderíamos fazer assim, sem nada? — Se você quiser, claro. Mas vai ter que tomar direitinho, assim como toma os outros remédios. Não quero que fique presa a mim por algum acidente. — Eu queria ter uma família com ela, mas queria se ela quisesse também, e não por causa de falta de cuidado. Ela assentiu, sorrindo.
— Vamos tomar cuidado. — Ela voltou a se mover, dando um gemidinho baixo e manhoso, girando os quadris, os olhos se fechando enquanto segurava meus ombros. Subi minhas mãos por seu corpo, segurando um dos seios que eu tanto adorava e o acariciando devagar, rodeando com a ponta do polegar e então o prendendo entre os dedos, ouvindo os barulhinhos que ela fazia enquanto continuava a se mover, começando a ir com o corpo para frente e para trás, descobrindo que nesse movimento ela me acariciava inteiro com o próprio corpo. Apertei sua cintura um pouco, deixando meus olhos se fecharam, enquanto minha cabeça pendia para trás, arfando. — Alice... — Seu nome a cada noite saía com mais reverência da minha boca, como se a cada dia ela conseguisse se tornar ainda mais divina. Senti seu sorriso quando ela mordeu meu lábio inferior, me dando beijinhos curtos e carinhosos, parando de se mover e começando a só rebolar de novo, deixando gemidos baixos e arrastados escaparem. — Quer ir pra cama? — Uhum. — Ela assentiu, continuando a se mover por mais um tempinho antes de parar e se levantar, comigo indo logo e seguida. Observei elase secar, vendo-a sair com aquela bunda maravilhosa virada pra mim, enquanto andava até o quarto, e fui atrás dela, a puxando contra mim, ouvindo ela dar um gritinho alegre enquanto eu a empurrava até a cama, vendo ela se deitar, a visão dela ali, inteiramente nua pra mim, me deixando louco mais uma vez. Puxei uma das camisinhas da mesinha de cabeceira, grato por ter comprado uma caixa que vinham várias, e um instante depois eu estava em cima dela, a provocando com movimentos curtos, ameaçando entrar sem realmente o fazer. Ela agarrou meus cabelos, me olhando nos olhos. — Eu amo você — ela sussurrou, me envolvendo com as pernas, trazendo meu corpo mais para perto, até que não me sobrou opção além de a penetrar bem lentamente, a preenchendo sem pressa, aproveitando cada centímetro que era envolvido por ela, que se remexeu toda num gemido com um sorriso. — Deusa — sussurrei, começando movimentos lentos, aproveitando aquele momento como se fosse uma segunda primeira vez, agora sem pressa ou necessidade nos enlouquecendo, apenas nossos corpos se encontrando. Continuei os movimentos, devagar, a cada estocada sentindo mais dela,
sentindo e prestando atenção em cada espasmo que seu corpo dava, em cada vez que seu interior me sugava para dentro e me fazia ver estrelas. Nenhum de nós dois parecia estar sequer perto, então fui pego de surpresa quando, com mais um movimento, o corpo dela começou a tremer enquanto girava os quadris, os espasmos de prazer me apertando, e eu fui logo em seguida. Meu rosto foi parar na curva de seu pescoço, respirando fundo enquanto me recuperava do orgasmo inesperado, as mãos dela acariciando meus cabelos, seu peito ofegante embaixo de mim. — Eu amo você. — Beijei seu rosto e saí de cima dela, indo me desfazer da camisinha no lixo do banheiro. Quando voltei, ela estava olhando para o teto com um sorriso bobo no rosto. — Feliz? — Muito. — Ela sorriu, estendendo uma mão, e quando eu aceitei ao voltar para a cama ela me puxou, me fazendo deitar a cabeça em seu peito dessa vez, sentindo seus carinhos enquanto ouvia seu coração acelerado. — Você me faz feliz, meu amor. — É uma honra — respondi, deixando um beijo ali no espaço entre seus seios e me afastando para deitarmos de conchinha, segurando-a como meu bem mais precioso, o que, de fato, ela era.
A melhor parte de ter um fim de semana prolongado era ainda ser segunda e eu ainda não precisar ir pra casa. Em vez disso, eram dez da manhã e eu estava deitada no colo de Hector, assistindo ao começo da terceira temporada de True Blood. Ele, afinal, tinha gostado bastante da série. Eu ficava me distraindo toda vez que começava, já conhecia muito bem aquelas partes, ao menos até metade dessa temporada, então apenas deitei no colo dele de barriga pra cima e fiquei mexendo em sua barba, fazendo carinho nos fios que já estavam ficando meio irregulares pelo tempo sem aparar. Lindo. Ontem à noite quando voltamos do píer, e depois daquela conversa logo cedo, alguma coisa estava bem diferente e mais forte entre nós. E quando fizemos amor não tinha mais pressa, só uma necessidade de nos entregar. Eu me sentia até meio tosca pensando as palavras “fazer amor”, mas não tinha outra definição pra ontem. Foi ainda mais suave que a primeira vez, com uma sensação de pertencimento e de um contrato que era selado. Eu estava distraída com isso, e ele concentrado no meio do segundo episódio, quando ouvimos a porta se abrir. Arregalei os olhos, me sentando num pulo, até que ouvimos a voz vindo do pequeno vestíbulo na entrada. — É bom que vocês estejam vestidos, ou eu vou armar um escândalo!
— E no momento seguinte, o irmão dele, Brian, apareceu na entrada da sala, rindo. — O que diabos está fazendo aqui? — Hector encarou o irmão, e eu segurei uma risadinha. — Não posso mais visitar minha casa no lago? — Quando eu estou aqui, num fim de semana romântico, com a minha namorada? Não. — Hector fechou a cara, enquanto Brian caiu na risada. — Oi, Alice. — Ele acenou pra mim, e eu fiz o mesmo, provavelmente com a expressão mais confusa possível no rosto. — Sério, por que está aqui? — Hector insistiu, e eu queria gargalhar da carinha brava dele, mas me segurei. Ele ficava tão fofo. — Alec voltou para a cidade, e eu não estou pronto pra ver ele pessoalmente de novo, então fugi. Minhas opções eram importunar vocês ou a mãe e o pai, vocês pareceram uma companhia melhor. — Ele deu de ombros, enfiando as mãos no bolso, e a expressão brava de Hector se desfez. — Só tente não estragar meu fim de semana. — Tecnicamente, já é segunda. — Quando ele disse isso, Hector jogou uma das almofadas nele, me fazendo rir baixinho. — Isso é agressão! Está vendo só com quem você foi namorar, Alice? Ele é totalmente violento e cruel com o pobre irmãozinho que só precisava de uma fuga. — Brian fez drama, se jogando na poltrona ao lado do sofá. — O que estão assistindo? — True Blood. Convenci seu irmão a continuar vendo, e ele adorou. — Sorri, pegando o controle e lembrando de pausar a série por enquanto. — Vampiros, violência e sexo pra todo lado. Tem alguém que não goste dessa série? — Brian riu. — Prometo não atrapalhar vocês, só tentem não se agarrar na minha frente. — Acabou de me dar uma ideia de como te fazer ir embora, sabe disso, não é? — Hector deu uma olhada pra mim, me fazendo rir baixinho enquanto meu rosto esquentava um pouco. — Você não constrangeria Alice assim, então vai ter que me aguentar. — Ele deu de ombros. — Só não vou reclamar muito, porque sinto pena da sua situação, mas ainda preferiria que tivesse ido importunar nossos pais.
— E aturar mamãe fazendo perguntas sobre como eu me sinto e o que acho que vai acontecer daqui pra frente? Nem pensar! Com vocês, eu posso me distrair te irritando e deixando Alice envergonhada. — Ele riu, franzindo o cenho em seguida, e eu segui seu olhar para os meus braços, as cicatrizes rosadas evidentes por causa da blusinha de manga curta que eu estava usando. — Ah. — Fale uma besteira e eu vou te expulsar daqui — Hector ameaçou, passando um braço a minha volta de forma protetora. Brian ergueu uma sobrancelha. — Não precisa de violência, irmão. Eu sei quando ficar quieto. — Ele se virou para mim, com um sorriso. — Eu entendo e não julgo. Você é família agora, se um dia precisar de algo e meu irmão não estiver disponível, pode me ligar. — Obrigada. — Dei um sorrisinho, mais uma vez achando estranho o fato de não ser olhada com nojo, e sim com compreensão. Então era assim que deveria ter sido, todo esse tempo? — Enfim, como está sendo o fim de semana de vocês? — Ótimo, até dez minutos atrás — Hector resmungou, mas acabou rindo no final. — Andamos no velho barco ontem, demos uma volta no lago quase todo. — Fofos, o lago é bem romântico. — Ele olhou de mim para Hector duas vezes. — Quantas surpresas ele planejou? — Me deu livros, velas perfumadas e o passeio de barco — respondi, vendo-o erguer uma sobrancelha. — Velas? — Ele se virou para o irmão. — Nem pra me agradecer por te mostrar os clichês bonitos em filmes, hein? — Se eu agradecer, você nos deixa em paz? — Não. — Ele riu, e Hector fez uma cara fechada enquanto o encarava, balançando a cabeça. — Eu vou jogar outra almofada. — Viu só, Alice? Eu sou um ótimo irmão e ainda recebo ameaças de agressão! Controle seu namorado, não quero sair daqui com um olho roxo. — Eu gostava da forma como ele falava comigo, como se me conhecesse há
tempos e eu realmente já fosse família dele. — Que tal um acordo? — comecei, segurando a vontade de rir. — Você equilibra nos importunar com nos deixar em paz, e eu não deixo Hector te agredir. — Você é esperta. — Ele estendeu uma mão para a minha. — Acordo feito. Vou tentar, e note que eu disse tentar, não atrapalhar vocês. Contanto que prometam não gritar demais nem bater a cabeceira da cama na parede, meu quarto é o do lado. — Brian! — Hector ralhou, enquanto eu arregalei os olhos e desviei o olhar com o rosto vermelho. — Só comentei... — Brian riu, enquanto Hector revirava os olhos. — Vai ter que arrumar outro lugar pra ficar, se continuar “só comentando” — Deixe ele, parece que é de família gostar de me envergonhar. — Balancei a cabeça, rindo e dando um beijinho no rosto de Hector. — Não precisa se preocupar, mas se quiser pode continuar bravinho, fica fofo. — Ouvi a risada de Brian quando disse isso, mas ele foi sábio em ficar calado. — Quando se arrepender não diga que eu não avisei. — Ele sorriu, me dando um selinho e pegando o controle da tv e se virando para o irmão. — Vai querer assistir também? Estamos no começo da terceira temporada. — Essa é a das panteras e lobisomens, né? — Olha o spoiler! — reclamei, vendo ele rir. — Se Hector desistir de assistir por sua causa, quem vai te expulsar daqui sou eu — ameacei, me sentindo um pouco estranha em agir como se já tivesse uma amizade com ele, mas afinal era assim que ele me tratava. — Vocês se merecem viu, eu venho para cá para sofrer e vocês ficam ameaçando me mandar de volta. — Ele fez um biquinho dramático e riu. — Ok, sem spoilers. Prometo não contar que ainda vão ter bruxas e maldições e que o... — O interrompi, fazendo igual a Hector, arremessando uma almofada. Meu namorado gargalhou. — Agora, sim, agrediu um Vanslow, é oficialmente parte da família. — Da próxima eu jogo meu sapato — avisei, ouvindo os dois gargalharem.
— Já entendi, querem me distrair com dor física. Não precisam ir tão longe, eu estou bem. — Ele fazia piadas com o próprio sofrimento, como eu. Ergui uma sobrancelha, querendo perguntar, mas sem saber como. Olhei para Hector e ele apertou um pouco meu ombro, entendendo o que eu faria. — Brian... qual sua história com Alec? Desculpe perguntar, mas pra você precisar fugir pra cá e ter que nos aturar, me parece ser algo bem forte. — Bem... quer a versão completa ou resumida? — A completa. — E essa é minha deixa pra cair fora. — Hector me deu um beijo no rosto e se levantou. — Já conheço essa história bem demais. Vou ir comprar nosso almoço enquanto vocês conversam, ok? — Se encontrar algo com batatas, eu quero. — Sorri, e ele saiu pra pegar a carteira. Me virei de volta para Brian. — E então? — Basicamente, eu conheci Alec quando tinha dezesseis anos, e ele virou meu melhor amigo. Começamos a namorar quando eu tinha dezenove, e isso durou por três anos, terminando há também três anos, me deixando acabado, e não do jeito legal. — E por que vocês terminaram? — Vi Hector passar pela porta e dei um tchauzinho, vendo-o sair. — Ele recebeu uma oferta de emprego. Alec sempre sonhou em ser confeiteiro, e foi aprovado numa seleção para uma confeitaria grande da Califórnia, a Baked Dreams. Sempre foi o sonho dele, e eu não poderia pedir para ele ficar por minha causa, e nos conhecíamos bem o bastante pra saber que um namoro a distância nunca iria durar. — Ah, que triste. — Fiz um biquinho, achando injusto eles terem tido que se separar. — É. Aguentamos até onde deu, mas inevitavelmente chegou o dia de ele ir embora. Eu que deixei ele no aeroporto, e chorei todo o caminho de volta pra casa. Continuamos amigos, terminamos em termos bons, mas eu nunca o esqueci. Cheguei a saber que ele namorou com um cara lá na Califórnia, não sei se ainda estão juntos, então é óbvio que ele seguiu muito mais em frente do que eu. Tive vários casos depois dele, caras gostosos e garotas maravilhosas, mas nunca me apaixonei de novo. — Ele deu de ombros. — Sei que foi infantilidade minha fugir de Nova Iorque assim que
soube que ele voltou, mas sei lá... é estranho me imaginar cara a cara com ele depois de tanto tempo. — Queria ter algum conselho pra te ajudar, mas até um mês atrás minha vida era ridícula, e por conta própria ainda não estou nos melhores termos. Seu irmão tem me ajudado bastante, sabe. Se falar com ele sobre isso eu acho que ele pode te dizer algo útil. — Tudo bem, eu não preciso necessariamente de um conselho, só precisava de uma desculpa pra não ver ele logo no primeiro dia de volta. Não tive tempo pra me preparar, ele avisou ontem de noite que hoje estaria de volta em Nova Iorque. A primeira coisa que pensei em dizer foi que estava viajando. Peguei o carro assim que acordei e vim pra cá. — Ele me olhou, dando um sorriso. — Mas vamos fugir do assunto triste, me fale mais de você e Hector, só sei a versão dele dos fatos. — Seu irmão é um deus vivo, me trata como uma rainha, e eu ainda não acredito que ele esteja comigo... parece bom demais pra ser verdade — admiti. — É realmente normal ele me encher de presentes e mimos, ler os livros que eu gosto só pra usar alguns trechos como provocação, e preparar surpresas fofas? — É, sim. Eu sou o mais emotivo, mas Hector é o mais dedicado dos cinco. Alguns dizem que é Roman, e ele realmente é dedicado, mas só com a família. Hector se dedica a todos que ama, todos com quem se importa, todos por quem é responsável... trate de se acostumar com os mimos e surpresas, porque eles não vão parar. Quando estava com Elisa, ele também fazia isso, e ele mesmo me disse que o que sentia por ela não chega aos pés do que sente por você. — Ele disse isso? — Disse, quando me ligou, umas semanas atrás. Foi num dia que você estava mal, agora acho que entendo melhor o que aconteceu. Como eu disse antes, não vou te julgar. Tivemos um primo que sofreu de depressão, e eu já trabalhei com pintura em clínicas, então tenho uma noção do que se passa com você. Inclusive — ele sorriu —, você deu uma sorte grande entrando pra nossa família, somos o grupo de ricos mais compreensivo que vai encontrar. — Vocês são uma quebra do clichê que se imagina sobre alguém com seu status, sabia? Era de se pensar que vocês fossem ser arrogantes e complicados, do tipo irritante que adolescentes se apaixonam quando
escutam sobre, e que eu iria querer manter distância. Mas não, vocês são simpáticos, me trataram bem naquele evento, principalmente você e Ethan, ficou óbvio que foram com a minha cara. — Sorri, gostando dessa conversa. — Phill e Roman gostaram também, mas eles são mais fechados na deles. Dê mais dois meses e vai ter que aturar nós cinco de uma vez. Boa sorte. — Ele riu. — Por falar em nos aturar, Hector contou que você também está participando da aposta sobre Ethan e Nicole. — Dezembro, desse ano. Eu nem conhecia os dois ainda, mas a forma como Hector falou deles, a aposta foi óbvia. Depois de ver os dois, eu baixaria pra setembro. — Esperta. Minha aposta está em junho do ano que vem especificamente. — O que acontece se ninguém ganhar a aposta, e eles nunca ficarem? — A aposta mais longe é a de Roman, julho, daqui a dois anos. Se passar disso, contamos a Ethan sobre as apostas e deixamos ele rir da nossa cara pelo resto da vida. — Ele deu de ombros, me fazendo rir. — Então qual é o plano, embebedar os dois até enxergarem o quanto se querem? Porque não é possível que seja loucura da minha cabeça eu ter visto a química entre eles. — Se for assim, a família toda está louca. — Ele riu. — Acho que eles não percebem por estarem no centro disso tudo. Tipo, eles se conhecem desde que nasceram, a química deles é tão natural que devem achar que é normal. — E que garantia nós temos de que já não rolou algo e eles simplesmente não contaram? — Você é inteligente demais para o seu próprio bem, eu nunca tinha pensado nisso. — Ele fechou a cara, pensativo. — Mas acho que saberíamos, de alguma forma. O universo não nos deixaria sem saber quem ganhou a aposta. Nossa mãe e Phillip já estão fora, tinham apostado os dois em janeiro desse ano. — Até sua mãe entrou na aposta? — Tá brincando? Ela foi uma das primeiras! E nosso pai também, a dele é até maio do ano que vem. Antes que pergunte, a aposta começou em dezembro do ano passado, quando os vimos rolando na neve, no chalé de
inverno. Eu simplesmente me virei para Phill “quer apostar quanto que esses dois se pegam até junho de, no máximo, dois anos?” e acabou tomando proporções enormes. — Ele riu, claramente orgulhoso dos monstros que tinha criado. — Quem diria que uma família como a de vocês seria tão normal e esquisita quanto qualquer outra. — Ri. — Somos piores, porque apostamos e brigamos com coisas absurdas, como da vez que os cinco de nós, bêbados aqui nessa casa, apostamos um relógio de não me lembro quantos mil. No final alguém tropeçou e pisou no relógio, e eu tenho quase certeza de que foi Roman, mas ninguém lembra com clareza. Mas em compensação também somos bem unidos, meus melhores amigos são meus irmãos, principalmente Phill, sabe aquela teoria toda sobre conexão de gêmeos? É verdadeira. Por isso que não gosto de conversar demais com ele, é impossível esconder as coisas ou mentir sobre algo. — Eu queria ter irmãos. O máximo que tenho são alguns primos com quem não falo muito, e outros que nunca vejo. Só se salva mesmo Breanna. — Dei de ombros. — Você agora tem quatro irmãos, dois loucos, um playboy e um protetor. — Ele sorriu, e eu o olhei, surpresa. — É sério que realmente já me considera família? — Claro que sim. O jeito que você e Hector se olham, é como se fossem o mundo inteiro um do outro, iguaizinhos a casais de filme quando os atores namoram na vida real também. Eu te aceitaria na família só por causa disso, mas ainda por cima você é divertida e legal. Quando eu disse “bemvinda à família”, eu falei sério. — Obrigada. É muito importante pra mim, ser aceita... tive problemas com isso no passado. — Entendo. Mas agora você é uma Vanslow de consideração, não duvido nada que um dia vá realmente usar nosso sobrenome... isso me deu ideia pra uma nova aposta de quanto tempo. — Ele riu, me fazendo revirar os olhos com um sorriso. — Até minha mãe te adorou, e ela é bem rígida sobre as pessoas que os filhos namoram, se for ver o que ela dizia das namoradas de Phill na adolescência...
— Acho que dei sorte. — Já eu acho que você é uma expert em roubar corações Vanslow. — Ele sorriu, e ouvimos a porta se abrir, onde Hector apareceu carregando dois pacotes de delivery. — Se souberem o quanto é difícil achar um lugar que venda grelhados com massas e outro que venda batatas recheadas por aqui... — ele comentou, indo até a cozinha, colocando os sacos de papel sobre o balcão da cozinha. — Melhor virem comer antes que esfrie tudo. — Estamos indo. — Me levantei, sendo seguida por Brian no caminho até a cozinha. Hector sorriu ao me ver, se aproximando para um selinho. — Ele não te importunou demais não, né? — Na verdade, somos melhores amigos agora. — Sorri, e ele fingiu uma expressão de desespero. — Era só o que me faltava... se acabar se juntando com Ethan também eu estarei em sérios problemas. Por que não fica amiga de Roman? Ele é calmo, e não me enche a paciência! — Ele riu, fazendo graça e dando um tapinha no ombro do irmão quando Brian passou para abrir um dos sacos, pegando um dos potes de refeição que tinha ali dentro. — Isso, continue fazendo graça e ela vai achar que está falando sério sobre não me suportar. — Ele riu, abrindo o pote onde eu vi uma massa acompanhada de algo grelhado e indo pegar talheres na gaveta. — Ela sabe que eu te amo irmão, mesmo quando você me enche a paciência. — Hector pegou o próprio almoço, e eu abri a outra sacola, encontrando duas enormes batatas recheadas. — Gostou? Peguei uma com bacon e uma só de queijo. — Eu adorei. — Sorri, pegando a caixinha das batatas com cuidado pra não acabar derrubando, e fui para mesa. Brian já tinha pegado talheres para nós três, e Hector pegou uma garrafa de Pepsi. Não estávamos sendo nada saudáveis, mas quem liga? Eram só alguns dias. — Sabe, — Brian começou — eu estava aqui dizendo à Alice que vou começar uma nova aposta na família: quanto tempo até ela ter o sobrenome Vanslow. — Brian, eu juro por Deus, se você assustar minha namorada...
— Ela riu, ok? Ela me entende, então, por favor, não a perca, porque eu estou gostando de ter uma irmãzinha. — Brian sorriu, piscando um olho de forma caricata, e eu percebi que não conseguia parar de dar risadas perto daqueles dois. — E eu estou falando sério, se vocês terminarem é você quem vai embora e Alice fica. — Que tal nem brincarmos com isso? — me intrometi, vendo os dois concordarem. — E, amor, fique tranquilo, ele não me assustou. Eu ficaria até honrada em virar aposta entre os Vanslow. — Vai se arrepender de dizer isso — Hector me avisou, com um sorriso, e começamos a comer. — Irmão, você não comprou nenhuma sobremesa? — Não acha que está sendo exigente demais? — Hector encarou o irmão, que deu de ombros. — Você sabe que eu gosto de doces confeitados. — Pensei que nem fosse querer ouvir falar em doces, considerando o motivo de ter vindo pra cá — Hector comentou, enchendo seu copo e o meu de Pepsi. — Faz sentido, mas eu nunca rejeito uma boa sobremesa. — Sabe, se aqui tiver todos os ingredientes, eu posso fazer biscoitos, ou ao menos um bolinho de chocolate — me ofereci, fazia séculos que eu não cozinhava nenhuma sobremesa em casa por pura falta de tempo, e eu amava doces. — Hector, a cada minuto eu gosto mais dela. Vou deixar minha aposta em até junho do ano que vem. — Brian me fez rir, enquanto eu balançava a cabeça. Eu estava me sentindo bem na companhia dele. — Vou te ignorar e simplesmente concordar com a primeira parte, ela só se torna mais incrível quanto mais a conhece. — Ele se virou pra mim. — Adoraríamos se fizesse alguma sobremesa, ainda mais se deixar esses dois inúteis te ajudarem. — Fale por você, eu sei o básico de confeitaria graças a Alec... pode deixar que eu te ajudo, cunhadinha. — Eu estava achando bonito o jeito que ele ainda falava de Alec com carinho, me dava vontade de abraçar ele e dizer que tudo ia se resolver de tão fofo que era.
— Ótimo. — Me virei para Hector. — Amor, desta vez eu te deixo só observar, mas ainda vou te ensinar a cozinhar, guarde minhas palavras. — Já avisei que não será culpa minha quando a cozinha pegar fogo. — Ele riu, enquanto acabávamos de comer. — Já que vão fazer a sobremesa, podem deixar que eu lavo a louça. — Acho uma ótima ideia. — Sorri. — Brian, você sabe de cabeça o que vai em biscoitos? — Sei. — Ótimo. Me ajude a procurar, por mais que eu ache que não vá ter extrato de baunilha e açúcar mascavo, então por garantia pegue o que encontrar para um bolo também. — Sim, senhora, chefinha. — Ele riu, indo mexer nos armários enquanto eu abria a geladeira e tirava os ovos e a manteiga. — É, realmente não tem açúcar mascavo, mas tem a baunilha. — Pegue, podemos usar no bolo. Ajudei ele a separar o resto dos ingredientes, enquanto Hector acabava com a louça, que era basicamente só os talheres e os copos, já que os pratos e vasilhas eram descartáveis. Era bom que ele soubesse que teria que lavar a louça do bolo depois também. Começamos o bolo, misturando os ingredientes na vasilha da batedeira, enquanto Hector se acabava de rir das palhaçadas que fazíamos. Teve um momento em que Brian simplesmente pegou uma colher e sujou meu nariz de massa de bolo, e eu me vinguei jogando farinha nele. Então essa era a sensação de ter um irmão com quem implicar... eu estava amando. — Pensei que o bolo seria de chocolate, mas pelo visto vocês também são ingredientes. — Hector continuava rindo, enquanto eu mostrava a língua pra ele de forma infantil e boba. O sorriso que ele me deu foi de tirar o fôlego, tão imensamente feliz. — Culpe seu irmão, ele que começou! Presta atenção, vai derramar! — ralhei, vendo Brian virar a massa na forma rápido demais. — E ainda diz que sabe o que fazer. — Eu disse saber o básico, não que era um chef cinco estrelas. — Até eu sei que não se vira a massa de uma vez — Hector provocou.
— Calado, ninguém te chamou no assunto. — Brian apontou um dedo pra ele, enquanto eu tremia com as risadas ao colocar o bolo no forno. — Vocês cuidam do bolo, né? Porque alguém me deixou cheio de farinha e eu vou ter que tomar banho. — Esse alguém não faria nada se não tivesse provocado — devolvi, fazendo uma careta forçada, segurando o riso. — Pode ir, nós cuidamos do bolo. — Se ficar pronto e vocês comerem sem mim, essa casa inteira vai ficar coberta em massa de chocolate. Estão avisados. — Ele riu e saiu, indo buscar a mala e passando de novo pela porta em direção às escadas. Hector automaticamente se aproximou de mim, limpando meu nariz com o polegar e sorrindo, se inclinando para me dar um beijo na testa. — E então, o que está achando de conviver com meu irmão? — Estou adorando, sempre quis ter um irmão, e o seu é incrível. Tão louco e aleatório quanto eu sou. — Fico feliz que estejam se dando bem. — Ele sorriu, me abraçando com carinho, e eu deitei o rosto em seu peito. — Gosto de te ver com a minha família. Você pertence ao nosso meio, ao nosso mundo. E acho que até eu vou entrar na aposta de que você será oficialmente uma de nós. — Ele deu uma risadinha, beijando meu rosto. — Hector Vanslow, mal fizemos um mês de namoro e já está querendo casar comigo um dia? — Talvez... — Ele enroscou os dedos na minha nuca, se aproximando mais dos meus lábios. — Um homem pode sonhar, não pode? — Claro que pode. — Sorri, abraçando-o pelo pescoço e o beijando devagarinho, com aquele calorzinho de lareira e lar. — Eu te amo. E amo que minha família também te ame, amo o quanto você se encaixa na minha vida. — Também amo tudo isso. — Sorri, fazendo carinho na barba dele, distraída com seus olhos, até ouvirmos alguém pigarreando da porta. — Eu de coração partido e vocês dois aí, esfregando seu amor na minha cara. — Brian fez uma careta, depois riu. — Brincadeira. Vocês são extremamente lindos juntos.
— Eu sou um cara de sorte, não sou? — Hector sorriu, mantendo um braço a minha volta casualmente. — Com certeza. — Brian sorriu. — Esse cheiro é do bolo? — É, sim, mas nada de ir olhar ainda. Temos que esperar ao menos vinte e cinco minutos pra abrir o forno — avisei, antes que ele fizesse alguma besteira, e ele só deu de ombros. — Tudo bem, chefinha, não vou nem chegar perto do forno. — Ótimo. — Sorri, vendo ele se apoiar contra a porta, olhando bem para mim e Hector. — Mantenho a aposta, junho do ano que vem, no máximo. E eu vou ser o padrinho. — Aí já está convencido demais. — Hector riu, beijando minha têmpora e me soltando. — Ou eu ou Roman, Phill e Ethan que lidem com isso. — Brian parecia ter plena certeza de que seria o escolhido quando o dia chegasse, e eu ri, balançando a cabeça. — Se nada mais der certo, eu os coloco em vestidos cor-de-rosa pra serem minhas madrinhas. — Os dois se olharam e deram uma gargalhada alta quando eu disse isso, provavelmente imaginando os irmãos de vestido. — Alice — Brian fez uma pausa enquanto ria mais —, eu já te amo só por plantar essa imagem na minha cabeça. Phill de vestido cor-de-rosa! Agora eu estou imaginando ele de saltos e batom vermelho também... — E Ethan com um dos colares de nossa mãe e um penteado arrumadinho cheio de presilhas! — Hector tentava respirar entre as risadas, enquanto eu só encarava a loucura dos dois. Estava adorando ser parte dessa família. — Vocês são terríveis. — Balancei a cabeça, rindo. — É porque você não os conhece tão bem quanto nós, mas se conhecesse estaria rindo igual louca também. — Brian respirou fundo, a risada diminuindo um pouco. Balancei a cabeça, ainda rindo, e fui pegar uma luva de forno pra olhar o bolo. Já estava quase pronto, devia levar só mais uns dez minutos ou menos. Me apoiei no balcão junto do fogão e fiquei observando eles dois, que
agora estavam discutindo se Ethan usaria ou não uma tiara de princesa, convencidos de que se fosse ideia de Nicole ele usaria até silicone falso. Eu fiquei rindo também, um pouco confusa. Eles realmente gastaram sete minutos debatendo qual tom de rosa cada irmão aceitaria usar, e eu estava adorando aquela loucura. O bolo ficou pronto, e eu o tirei do forno, sentindo o cheirinho de chocolate com baunilha. Coloquei sobre o balcão, indo pegar um prato grande e sentindo os dois me observarem enquanto eu virava o bolo, que saiu direitinho da forma. Sorri, orgulhosa. — Fizemos um bom trabalho. — Sorri para Brian, vendo as caras que ele e Hector fizeram para o bolo. — Sim, já podem comer. Dei uma risadinha ao ver eles se aproximarem e avançarem no bolo, cada um pegando uma fatia enorme, enquanto eu ria e pegava um pedaço normal. Comemos o bolo ainda extremamente quente, o que podia dar errado depois, mas ao menos tinham banheiros de sobre na casa. Voltamos para a sala, nos jogando nos sofás, e eu já me sentia tão confortável com Brian quanto com o próprio Hector. Ligamos a tv de novo e continuamos assistindo True Blood, Brian sob a ameaça constante de que eu o bateria se ele desse algum spoiler. Passamos a tarde nisso, e pela primeira vez eu descobri como era ter companhias familiares além de mamãe e vovó.
Já era nosso último dia aqui, teríamos que ir embora hoje à noite, por causa do meu ensaio, e eu estava bem triste com isso. Não queria que esse paraíso acabasse. Hector ainda estava dormindo quando acordei, então me esgueirei pra fora da cama devagar e fui me arrumar, vestindo um short de tecido e uma blusa folgada. Estava indo para o andar debaixo quando ouvi um barulho vindo do quarto de Brian. A porta estava entreaberta, ainda assim eu bati antes de abrir. — Brian? — Empurrei a porta devagarinho, a tempo de ver ele secando o rosto, me dando um sorriso triste. — Ei... o que foi? — Nada, está tudo bem. — Era óbvio que não estava, e eu me aproximei, sentando ao lado dele na beirada da cama. — Pode me contar, se quiser. Senão, eu posso fazer alguma palhaçada e te fazer rir — ofereci, e ele ergueu os olhos para mim. — Alec. Ele acabou de postar uma foto já em Nova Iorque, na confeitaria nova... e acompanhado do noivo. Perceba que eu disse noivo, porque eles estavam usando anéis combinando, e isso só pode significar uma coisa.
— Ah, Brian... — Tirei o celular da mão dele e deixei de lado, segurando sua mão. — Você realmente ainda gosta muito dele, não é? — Eu achava que não. Que só tinha sentimento residual, mas que não me afetaria tanto quando ele seguisse com a vida... era mais fácil quando ele estava longe. Mas agora ele está perto demais, e eu perdi minha chance. — Ele fez uma pausa, respirando fundo. — Eu devia ter ido para Los Angeles com ele. — E se... eu sei que é errado, e que ele está noivo, mas e se vocês conversassem sobre isso? — Já pensei nisso, mas não me parece uma boa ideia. Eu não seria cruel a ponto de confundir os sentimentos dele assim, se ele ainda quisesse algo comigo, ele ainda estaria tão preso quanto eu. — Ela deu de ombros, com uma expressão triste. — Acho que agora não me resta mais nenhuma opção além de superar. Só vai ser difícil quando precisar encontrar com ele. — Como eu disse ontem, eu não tenho conselhos bons, mas tenho abraços e distrações. Pode me procurar sempre que precisar de um desses. — Sorri suavemente, vendo ele dar um sorrisinho. — Você é uma ótima irmã, sabia? Vai dar uma ótima Vanslow algum dia, de preferência em junho do ano que vem, quero vencer alguma aposta. — Ele deu uma risada baixa. — Fico feliz em ser sua irmã. Eu adorei sua família, principalmente a forma como fazem com que eu me sinta bem-vinda e aceita... nunca pensei que me encaixaria tão bem em algum lugar fora da minha bolha. — Já pensou que talvez nós tenhamos uma bolha parecida? — Faz sentido. — Sorri, olhando pra ele. — Posso te dar um abraço? — Claro, irmãzinha. — Ele sorriu, e eu o abracei bem forte. — Vai ficar tudo bem. Mesmo que não seja Alec, você vai encontrar alguém que te faça feliz. E eu vou ser a madrinha do casamento, ok? — Sorri, me afastando do abraço e vendo ele assentir. — Você vai ser o padrinho, eu agora faço questão é de ver Phill de vestido. — Ele riu, voltando à piada de ontem dele com Hector. — Ok, Phill de vestido então. — Balancei a cabeça, gostando de ver ele mais alegrinho.
— Obrigado, por me animar. Eu sei que é loucura minha ter chorado por causa daquela foto, e vou tentar me controlar mais daqui pra frente. — Pode me ligar quando não conseguir, e eu te animo de novo. Tenho uma amiga que desenha, posso pedir pra ela fazer um rascunho dos seus irmãos de vestidos de princesa. Seria nosso segredinho. — Ri. — Você é maravilhosa, sabia? — Ele sorriu. — Se realmente conseguir esse desenho, me mande imediatamente. Já sei até como usar. — Fazer um pôster pra cada um? — Exatamente! — Ele riu, e ouvimos alguém pigarrear na porta. — Era só o que faltava, vocês se dando bem. Não, nem me digam o plano diabólico que devem estar tramando. Não quero saber. — Hector riu, nos olhando. — Ótimo, porque não iríamos contar nem se quisesse. — Brian piscou um olho, fazendo mistério. — Sei disso. Só tenho sorte de Ethan não estar aqui também, senão seria meu fim. — Se vocês não fossem embora já esta noite, eu ligava pra ele agorinha. E ele ainda traria Nicole junto. — Brian, você nem ouse — Hector avisou, e eu fiquei rindo dos dois. — Se juntar vocês todos, eu vou ser obrigado a chamar Roman e Phillip pra me ajudarem, não vou enlouquecer sozinho com planos diabólicos e farinha voando pelo ar. — Ei, foi só um pouco de farinha! — me defendi, ainda rindo. — Dessa vez — Brian completou, rindo também, enquanto Hector balançava a cabeça. — Mudando para um assunto mais saudável, o que vocês pretendem fazer hoje? Eu tinha planos maravilhosos, mas que não incluem meu irmãozinho, então teremos que repensar. — Me arrume tampões de ouvido e eu fico quietinho aqui. — Brian riu, e eu desviei o olhar, segurando uma risadinha baixa. — Ainda tem aquelas cartas que deixamos aqui da última vez? Podíamos começar a treinar Alice para a noite de jogos da família. — Já vou avisando que ela é competitiva. — Hector deu um sorrisinho.
— No dia que jogamos Monopoly, ela ficou literalmente dançando quando me venceu. — Eu gosto de vencer, só isso. — Dei de ombros. — Competitiva. — Ele repetiu. — Vou procurar as cartas, encontro vocês lá embaixo. — E saiu. Brian e eu levantamos, descendo as escadas, e eu fiquei olhando enquanto ele empurrava o sofá para trás e jogava as almofadas no chão, criando três extremidades, uma para cada um de nós. Hector voltou em alguns minutos, com uma caixinha nas mãos. — Tudo o que achei foi esse uno, não sei onde enfiaram o baralho normal. — Já serve. — Brian sorriu, sentando em uma das almofadas. Me aproximei e fiz o mesmo, Hector foi o último. — Sabe jogar? — Sei, mais ou menos. Faz séculos que não jogo, mas ainda lembro o básico. — Ótimo. — Sem apostar hoje, Brian. Antes que tenha alguma ideia. — Hector começou a embaralhar as cartas, e eu ri, enquanto ele começava a entregar as cartas. — Eu ia pegar leve hoje, deixar minha nova irmãzinha se acostumar com tudo antes de assustar ela. — Ele deu de ombros, rindo e pegando as cartas. Segurei as minhas, olhando o que tinha recebido. Algumas cartas normais, um bloqueio e um +4. Interessante. — Nada de assustar, deixe que Ethan faça isso. Não quero nem ver os dois brigando por uma propriedade no Monopoly. — Eu sou pacífica, ok? — Fiz uma careta, mostrando a língua para ele, que riu e se esticou pra me dar um beijo no rosto. — Claro que é. Vamos, quem começa? — Primeiro as damas. — Brian apontou o queixo na minha direção, e eu sorri, virando uma das cartas na pilha para iniciar o jogo. Era um seis azul, eu não tinha nem seis e nem azul, e não gastaria meu +4 logo agora, então pesquei uma carta. Um seis vermelho! Joguei e a vez passou para Hector, que estava à minha esquerda, que jogou um quatro vermelho. O jogo foi continuando, pegando mais e menos cartas, chegando a um ponto em que eu só tinha dois cincos – um azul e um
amarelo – e o +4. Estava na vez de Brian, e ele deu um sorrisinho perverso, jogando um +4 pra mim. — Verde. Sinto muito, irmãzinha. — Ei, não se desculpe comigo... — Dei um sorriso tão perverso quanto, e joguei o meu +4 também, vendo Hector arregalar os olhos. — Azul. — Eu. Odeio. Vocês. — Hector fechou a cara, me fazendo rir baixinho. — Até você. Eu te amo, mas te odeio. — E ainda diz que a competitiva sou eu... — Balancei a cabeça, erguendo uma mão e fazendo um carinho na barba dele. — Vamos, pesque suas oito cartas. Ele fez uma careta, mas pegou as cartas, me fazendo rir baixo, e Brian jogou uma carta azul. Sorri, vitoriosa, jogando meu cinco azul, gritando “uno” e jogando o amarelo. Os dois me encararam, enquanto eu fazia uma dancinha da vitória. — Há! Eu ganhei! — Continuei a dancinha boba, comemorando, vendo os dois jogarem as cartas no meio do círculo e rirem. — Sua coisinha diabólica, guardando aquela carta até o final... — Hector riu, e me puxou pra junto dele pela cintura, beijando minha têmpora, enquanto eu ainda ria. — Você escolheu bem, irmão. Ela é brilhante! — Brian riu, se levantando do chão. — Vou ser bonzinho, e mesmo que não tenha me deixado apostar, vou dar um prêmio aos dois: vou sair de casa por duas horas e ir passear no lago. Divirtam-se. — Ele piscou na nossa direção e saiu andando, me fazendo rir enquanto ele se afastava pela porta dos fundos na cozinha. — Viu só? Minha competitividade valeu a pena. — Ri, dando beijinhos no rosto de Hector enquanto ele me puxava para seu colo, sentada de lado entre as pernas dele. — Tem razão... espero que sempre vença deles, vai me render vários relógios. — Ele deu um sorriso de quem tinha mil planos, deixando beijos junto da minha orelha. — O que vai querer fazer nas nossas duas horas de liberdade? Não podemos exagerar, se bem conheço Brian ele pode voltar a qualquer momento, mas podemos ficar agarradinhos no sofá. — Me parece uma ótima ideia. — Sorri, sentindo os beijos continuarem
e virando o rosto para encontrar seus lábios, o beijando devagar, com amor e com carinho. — Dá tempo de mais dois episódios de True Blood, com isso já chegamos na metade da terceira temporada. E eu prometo que vou continuar assistindo depois, eu realmente gostei. — Parece que meu bom gosto é contagiante. — Sorri, deixando um selinho nele e me levantando, esticando as mãos para ele. — Vem. Ele segurou minhas mãos, e enquanto eu juntava as cartas no chão ele empurrou o sofá de volta para o lugar e trouxe duas fatias do bolo de ontem, me entregando uma. Sorri, e nos sentamos em frente à TV, comigo aninhada no colo dele, mexendo em sua barba enquanto ele dava play na série. Eu estava tão apaixonada por ele que poderia explodir a qualquer instante, ele era todos os sonhos misturados em um só. Eu estava com medo de ir embora à noite. Com medo de acabar essa fase maravilhosa de paraíso onde estávamos, esse momento perfeito, isolados do mundo cruel que tinha lá fora. Nunca fiquei tão feliz em passar quatro dias seguidos sem sair de casa, porque tinha ele do meu lado. Tinha os carinhos dele, os beijos, o som de seu coração enquanto pegava no sono. Me aninhei mais no colo dele, tirando os óculos e deixando de lado, fechando os olhos e me deixando cochilar ali nos braços dele pela última vez nesses dias incríveis. Acordei com um cafuné nos meus cabelos, abrindo os olhos para encontrar o sorriso dele, tão lindo que me tirou o fôlego. — Amo te ver acordando. — Ele sorriu, se inclinando e me dando um selinho. — Quer ir almoçar? Brian se ofereceu para improvisar algo e te dar folga da cozinha hoje. — Pode ser. — Sorri, me erguendo do colo dele e me levantando do sofá. — Dormi demais? — Só um pouco, mas você acordou cedo hoje, então tudo bem. — Ele sorriu, ficando de pé e me beijando no rosto, entrelaçando os dedos nos meus enquanto íamos até a cozinha, onde Brian estava cozinhando o que parecia ser uma panela enorme de macarrão. — Ah, a madame acordou. Espero que goste de macarrão com molho mal feito, porque é o que temos pra hoje. — Ele sorriu pra mim, voltando a
mexer a panela ao lado do macarrão. — Posso saber por que o molho é mal feito? — Porque não é natural. É molho de caixinha com temperos extras. — Eu deveria ter medo? — Talvez. — Ele riu. — Brincadeira, fica gostoso, mas com gostinho genérico. — Genérico é bom. — Se você diz... — Ele deu de ombros, ainda sorrindo, e desligou o fogo, pegando um escorredor no armário. — Peguem bastante queijo ralado, o gosto fica melhor. Obedeci, indo pegar o queijo na geladeira. Eles eram tão chiques que não tinha pacotinho de queijo ralado, eu tive que realmente pegar um pedaço de parmesão e um ralador. Às vezes o mundo deles ainda me surpreendia com coisas bobas. Enquanto Brian misturava o molho na panela de macarrão, eu ajudei Hector a pegar os talheres e pratos, pondo a mesa. Depois peguei um potinho e ralei uma boa quantidade de queijo, que eu esperava ser suficiente. — Ok, espero que gostem. — Ele colocou a panela no centro da mesa, junto com um pegador de macarrão, e nos servimos, jogando queijo por cima da massa. Provei a primeira garfada, e não estava ruim. Sim, o gostinho era de molho de pacote, mas eu estava acostumada, fazia de vez em quando em casa. — Não ficou ruim — comentei, e Brian deu um sorriso orgulhoso. — Sou um cozinheiro de primeira, sei disso. — Ele brincou, enquanto Hector ria. Comemos em silêncio, já eram quase duas da tarde e estávamos os três mortos de fome, e eu até repeti um segundo prato. Eu gostei que nenhum dos dois me julgou por comer demais, aqui realmente era o paraíso na terra. Brian se ofereceu pra lavar a louça, e eu e Hector nem tentamos reclamar, rindo e voltando para a sala, dando play na série de novo. Assistimos mais um episódio, Brian veio ver também, e eu tive que jogar duas almofadas nele para evitar spoilers, mas no final deu tudo certo. Mas à
medida que o final da tarde se aproximava, eu me entristecia mais. Não queria voltar para minha vida antiga, sem irmãos divertidos me fazendo rir e beijos de Hector. Era quase final da tarde quando suspirei. — Vou arrumar minhas coisas. Já volto. — Deixei um beijo no rosto de Hector e me levantei do sofá, subindo as escadas e pegando minhas roupas. Cada roupa que eu usei ali tinha uma memória, inclusive o blusão que precisamos lavar depois daquela tarde... Eu estava no paraíso ali, com todas as lembranças e momentos divertidos e bons. Fui guardando tudo devagar, inclusive, a trilogia de livros que ele me comprou. Peguei um vidrinho vazio de uma das velas, uma com um cheiro doce que ainda residia no vidro, e guardei de recordação daquela noite mágica. Eu sempre achei que primeiras vezes eram terríveis na vida real e só funcionavam em livros, mas pelo visto minha amiga estava certa quando me disse que tudo dependia de com quem fosse. Era cedo demais pra pensar nele como amor da minha vida? Podia ser loucura completa da minha cabeça, só estávamos juntos há um mês, mas eu me sentia tão bem junto dele, e já tinha acontecido tanto, que era como se fosse uma eternidade ao lado dele. E eu queria mais tempo ainda. Finalizei minha bolsa, guardando tudo, e me arrisquei a arrumar as coisas dele também. Estava acabando quando levei um susto ao ver ele parado na porta, me observando. Dei um gritinho e levei uma mão ao peito, vendo ele rir. — Quer me matar do coração? — Desculpe. — Ele se aproximou, segurando minha cintura. — Estava arrumando minha mala? — Uhum. Não é problema, é? Eu queria ajudar. — Problema nenhum, me fez imaginar nós dois no futuro, você arrumando as malas para todas as viagens que ainda vamos fazer juntos. — Ele me deu um beijo rápido, com um sorriso doce e amoroso no rosto. — Eu amo que mesmo quando eu não consigo enxergar um futuro para mim mesma, você enxerga um para nós. — Sorri, envolvendo o pescoço dele e deitando meu rosto em seu peito. — Temos que ir logo, né? — Sim, infelizmente. — Você também não queria ir?
— Eu entendo que precisamos voltar para nossas vidas, mas vou sentir falta da paz que temos aqui, de ver sua risada todos os dias, de acordar com seu sorriso preguiçoso... estamos no paraíso aqui. — Eu estava pensando a mesma coisa. — O abracei mais forte, com medo de que fosse se desfazer se eu o soltasse. — Vou sentir falta daqui. — Podemos voltar um dia, quando quiser. E podemos fazer outras viagens, ou só nos trancar no meu apartamento... estou sempre a seu dispor. — Amo você. E vou dizer isso sempre que me lembrar, porque você precisa saber o quão especial está sendo na minha vida. — Minha deusa, linda e perfeita Alice — ele sussurrou, acariciando minha cintura devagar, me mantendo perto dele. — Amo você. Sorri, me soltando só um pouco do abraço e o beijando devagar, com carinho, prendendo nossos lábios num ritmo suave que demonstrava as promessas silenciosas que havíamos feito ali. Aproveitei cada instante daquele beijo, antes de me afastar e suspirar baixinho. — Hora de ir? — Hora de ir — ele confirmou, beijando minha testa. — Vou pegar as malas, vá se despedir do seu novo irmão. Sorri, assentindo, e desci as escadas, encontrando Brian agora no sofá grande. Me sentei junto dele, dando um sorriso triste. — Já, já eu vou ter que ir. — Eu sei. Eu vou amanhã cedo, encarar minha vida como o homem corajoso que eu deveria ser. — Encarar sua vida, ou Alec? — São a mesma coisa. — Ele suspirou, dando de ombros. — Você e meu irmão são sortudos, sabia? Se encontraram nesse mundo louco, e não tiveram medo de se jogar de cabeça. — Somos dois loucos, eu principalmente, mas nos encaixamos bem. — Sorri, gostando de ver que ele realmente me aprovava com o irmão, como parte da família. — Vou sentir sua falta, irmãzinha. Não se assuste, se amanhã de tarde eu te ligar apavorado, porque passei na frente da confeitaria.
— Pode ligar, mas se for de tarde, eu prefiro mensagens, vou estar no meio da aula. — Ri baixinho, vendo-o balançar a cabeça. — Certo, vou ligar no meio da madrugada, então — ele brincou. — Obrigado, por ouvir meu surto aleatório hoje de manhã. — É o mínimo que eu posso fazer, irmãozão. — Sorri, arriscando e vendo ele dar um sorriso grande antes de me abraçar, beijando minha testa ao se afastar. — Até a próxima, irmãzinha. — Pronta? — Hector apareceu na porta, já sem as malas, e eu respirei fundo, assentindo. — Pronta. — Tchau, irmão. — Hector estendeu uma mão para Brian, que a apertou, sendo puxado para um abraço. — Fique tranquilo, e se precisar pode me ligar para reclamar ou sofrer. — Valeu. — Brian deu dois tapinhas nas costas de Hector e se afastou, com um sorriso. — Agora andem, ou vão chegar muito tarde no Brooklyn. — Tchau. — Acenei mais uma vez, entrelaçando minha outra mão à de Hector, e saímos da casa, entrando no carro e rumando de volta para nossas vidas normais.
Saímos da casa no lago, e eu senti a mudança dela quase instantaneamente. A alegria que ela manteve desde que saímos de Nova Iorque começava a diminuir, com a cabeça encostada no vidro da janela, olhando a estrada passar. — Quer colocar sua rádio de novo? Eu realmente gostei das suas músicas. — Pode ser. — Ela sorriu, ligando a rádio, e eu reconheci o ritmo do refrão que entrou. — Essa tocou quando estávamos vindo, não foi? Beautiful Crazy, algo assim. — Isso mesmo. — Se encaixa com você. Totalmente maluquinha, mas eu amo e acho linda cada loucura sua. — Sorri, falando enquanto o cantor finalizava a música, e consegui arrancar um sorrisinho dela. — Está tudo bem? — Sim, eu só... falei sério sobre estar triste em voltar. — Uma nova música começou e ela aumentou o volume um pouco, era daquelas de reencontro e recaída que ela tanto gostava. Devia recomendar essas para
Brian. — O mundo lá fora é tão estranho e maldoso, enquanto no lago éramos só nós, felizes no nosso mundinho particular. Em Nova Iorque tantas coisas podem dar errado, tem tantas Isabellas para falarem besteira pra mim, tantos gatilhos... — Ei, não se preocupe com isso agora, vamos um passo de cada vez. — Soltei uma mão no volante para segurar a sua. — O que acha de conversarmos sobre outra coisa, tirar sua mente disso? — Me parece uma boa ideia. — Ela sorriu, ainda um pouco desanimada, e então a música trocou depois de um comercial. — Ah, essa é legal. Champagne Night, Lady A. — Ela começou a dançar de leve, só se balançando de um lado para o outro no banco. — Por que gosta tanto de country? Acho que não perguntei o motivo por trás disso. — Meu pai. Ele adora country antigo, Alan Jackson, Willie Nelson, todos esses. Ele simplesmente me criou cercada dessas músicas, com toda essa vibe de que música precisa ter uma história ou um significado, que não é só pelo ritmo. E eu acabei me apaixonando pela vertente mais recente do country, e até as músicas de outros estilos que eu escuto tem tudo isso de história e significado por trás. — Entendi. É uma boa explicação, eu estava esperando algo como “ah, porque eu gosto”. — Ri. — Adoro que tudo com você sempre tem algum significado por trás, algo mais complexo e bem pensado. Você é uma caixinha de surpresas. — Eu sou só cheia de detalhes bobos. — E eu amo esses detalhes bobos. Vamos, assim que esse comercial passar você vai me apresentar mais alguma música, e vai me contar uma história baseada nela. — E se eu não tiver nenhuma história pra próxima? — Esperamos a seguinte. — Bem na hora a música começou, e ela deu um sorriso bobo. — God whispered your name, do Keith Urban. Adoro ele, tem uma vibe muito suave, e essa música até que se encaixa com a gente. “De repente eu quero viver, mais do que um dia já quis” ... eu não acredito muito em Deus, mas se ele existir, finalmente está me compensando por tudo de ruim.
“Chame de destino ou fé, chame de loucura de qualquer jeito” ... Observei com a visão periférica enquanto ela cantarolava, e uma música nova começou direto. Ela fez uma carinha fofa, dando um sorriso. — Mais uma música com fundo religioso, Jesus take the wheel, da Carrie Underwood. Eu algumas vezes já ouvi essa música quando mais nova, e pedi que ele tomasse o volante da minha vida. Não adiantou muito, por isso fui parando de acreditar. — Ela deu de ombros. — Você acredita em alguma coisa? — Fracamente, sim. Minha família nunca foi muito religiosa, então só entendo o básico mesmo. Acredito que exista algo maior, mas não sei se me identifico com alguma religião específica. — Entendi. Somos parecidos nisso também, então. — Ela apertou minha mão, nossos dedos entrelaçados. — Parece que fomos feitos um para o outro. — Espero que sim. — Eu não podia tirar o olhar da estrada, mas senti o sorriso no tom de voz dela. — E então, ansiosa para voltar aos ensaios? — Mais ou menos. Mal posso esperar pra contar a Eric sobre o nosso fim de semana, e vamos começar a ensaiar as cenas do final agora. Essa parte é boa, mas vamos começar com a produção e cenários, e Isabella está nessa parte. — Se ela falar algo, faça tudo o que puder e ignore. Ela é só uma pedrinha no seu sapato, insignificante. Você é mais forte que isso. — Eu sabia o quão clichê eu deveria estar soando, mas era o melhor que tinha para dizer. Não conseguia aceitar que a minha garota se sentisse mal por conta de uma qualquer que não a conhece nem interfere em sua vida. — Vou tentar. Mas não se assuste se eu te mandar mensagens no meio do ensaio pedindo socorro. — Ela fez graça, rindo baixinho. — Pode pedir socorro sempre que quiser... vou até considerar comprar uma armadura e um cavalo branco. — Exagerado, como vai andar de cavalo em Nova Iorque? — Um carro branco então? — Melhor. — Consegui arrancar uma risada dela, e dei um sorriso
vitorioso, olhando a estrada. — Quer parar pra comer? Estamos quase chegando naquele restaurante de quando estávamos vindo. — Eu adoraria. Esquecemos de jantar, e estamos bem longe de casa ainda. E o hamburguer de lá realmente é divino. — Então vamos. — Sorri, me virando rapidamente para ela, só pra ver seu sorriso, e então me voltei para a estrada de novo. — Posso fazer uma pergunta aleatória? — Todas que quiser. — Qual seu filme preferido? — Não tenho certeza. Eu gosto bastante de Vingadores e Superman, mas preferido mesmo eu acho que seria, e não me julgue por isso, Morro dos Ventos Uivantes, na versão dos anos 90. — Dei de ombros. — Gosto, mas prefiro a mini série de dois episódios, de 2009. Antes que devolva a pergunta, meus preferidos em filmes variam muito, desde Shrek 2 até Orgulho e Preconceito ou Harry Potter e a Câmara Secreta. — Ela sorriu. — Música preferida? — Nenhuma em específico. Escuto normalmente algumas bandas de rock ou pop, e agora country, mas nunca tive uma única música favorita. E você? — Cruel Summer, da Taylor Swift, e Hurricane, do Luke Combs. Ao menos até saírem mais músicas que eu vá gostar mais. É igual com filmes, meus gostos mudam muito. Só em livros que é fixo em acotar e starcrossed. — Ela fez uma pausa, provavelmente pensando em mais uma pergunta aleatória. — Cor preferida eu já sei, livro também... não consigo pensar em mais nenhuma pergunta boba. Já nos conhecemos tanto que essas ficaram pra trás. — Isso às vezes te incomoda, não termos ido num ritmo convencional? — Não. Eu vez ou outra acho meio estranho, se compararmos com outros casais, mas é o nosso jeitinho de ser. Nos jogamos de cabeça no fundo do mar, como diria Lady Gaga, “estamos longe do raso agora”. E eu acho que não estaríamos juntos se não fosse essa intensidade... não somos do tipo que vai com calma, nunca foi questão de tempo com a gente.
— Sempre foi de intensidade — completei, feliz por ela pensar da mesma forma que eu. — Exatamente. — Ela sorriu também, o polegar acariciando minha mão. — Amo que nossas loucuras sejam parecidas. — Nos encaixamos. — Sorri, virando o volante na entrada da lanchonete, soltando a mão dela para poder estacionar. — Chegamos. Uma sugestão: coma o hamburguer com bacon hoje, não vai se arrepender. — Posso provar — ela concordou, e descemos do carro, entrando de mãos dadas no restaurante. A mesma garçonete da ida nos atendeu, com um sorriso, perguntando se íamos querer o mesmo pedido. Alice levou minha sugestão em consideração e pediu para adicionarem Bacon no hamburguer dela, e logo estávamos comendo. — Ok, o bacon é maravilhoso. — Eu disse que era. — Sorri, pegando uma batatinha e mordendo. — Esse lugar é incrível, um dos meus motivos favoritos pra ir até Montauk. — É tão legal ver o quão normal você pode ser. Gostando de comida de beira de estrada, brigando com o irmão por um jogo de cartas... sempre me surpreendo com isso. Às vezes você parece tão distante da realidade, tão perfeito... é bom ver que é como eu. — Ela sorriu, pegando umas três batatinhas juntas. — Eu avisei que era só um cara normal, com condições financeiras exageradas. Mas eu sou só eu, Hector, o cara que daria a vida pelo cachorrinho, pela família e por você. — Sorri, vendo ela ficar só um pouco cor-de-rosa. — Fofo. — Ela sorriu, continuando a comer em silêncio por um tempinho. — Ah, nem te contei, eu fiquei com uma daquelas velas, a vermelha com cheirinho doce que ainda tinha um restinho de cera endurecida. De recordação. — Canela doce, é a essência daquela. E que bom que gostou, digamos que eu daqui pra frente vou associar cheiro de canela doce com seu rosto vermelho e os cabelos bagunçados. — Hector! — Ela ficou vermelha. — E eu vou associar a você me cobrindo de beijos. — Criamos ótimas memórias, não foi? — Com certeza. — Ela sorriu, terminando o hamburguer e pegando
mais batatas, tomando um gole do refrigerante. — Mal posso esperar pelas próximas. — Eu também. — Sorri, e em pouco tempo acabamos de comer. Paguei a conta e saímos de volta para o carro, comigo abrindo a porta para ela, adorava o sorriso que ela dava sempre que eu fazia isso. Liguei o carro e voltamos para a estrada. Ela ligou a rádio de novo, começando a cantarolar uma das músicas que tínhamos ouvido na ida também, toda felizinha. Mas à medida que nos aproximávamos de Nova Iorque o ânimo dela foi diminuindo. — Qual música é essa? — Perguntei, numa tentativa de animar ela, que respirou fundo antes de se concentrar. — Momma’s House. — Ela sorriu, começando a dançar no ritmo. — Já percebeu que eu adoro essas músicas de trauma e coração partido né? Todas essas contam histórias tão profundas. — Percebi, as de recaída também. E não julgo, as histórias realmente tem mais emoção nesse estilo de música. Ela sorriu, aumentando o volume quando começou a seguinte, dando um gritinho. — Whiskey Glasses, de novo! — Ela sorriu, e eu reconheci a dancinha que imitava tomar doses. Quando chegou a parte do final ela parecia nem respirar, cantando direto os “light’em up, knock ‘em back, fill’em up”. Sorri, gostando do ânimo dela. Fomos nos aproximando mais da entrada de NY, e ela foi ficando mais quieta, e então começou a respirar de forma pesada. — Alice? O que foi? — Me preocupei, estendendo uma mão para ela, que a apertou instantaneamente. — Crise... pânico... — A respiração dela estava ofegante de um jeito ruim, como se não conseguisse colocar ar suficiente nos pulmões, começando a hiperventilar. Estávamos quase entrando em NY, e eu parei no acostamento, me virando para segurar seu rosto, fazendo com que ela olhasse nos meus olhos. — Ei, está tudo bem, vai ficar tudo bem. Se concentre em mim, na minha voz... respire, minha deusa. Comigo, inspire... expire... — Fui respirando bem devagar, tentando acalmar o ritmo dela. Demorou um tempo,
mas ela conseguiu se controlar, respirando fundo algumas vezes. — Eu não quero... voltar... vida antiga. — Ela conseguiu dizer, e eu continuei o carinho em seu rosto, me inclinando sobre o espaço entre o meu banco e o dela para beijar sua testa. — Shh, vai ficar tudo bem, não será sua vida antiga. É uma vida nova e boa, só no lugar antigo — assegurei, e ela assentiu, mas eu vi que suas mãos estavam tremendo. — Vou te levar para casa, e conversamos mais, ok? Eu vou estar do seu lado. Ela assentiu e eu beijei sua testa de novo, voltando a dirigir, mas mantendo minha mão na dela.
Quando estacionei no Brooklyn, ela estava pálida ao meu lado, engolindo em seco várias vezes. Não queria que nosso fim de semana perfeito acabasse assim. Segurei firme na mão dela, erguendo a outra para virar seu rosto para mim. — Olhe pra mim, respire fundo, ok? Vai ficar tudo bem, eu estou com você. Vou pegar sua bolsa e vamos subir. Sua mãe está esperando. Ela só assentiu, e eu saí do carro, pegando a bolsa no porta-malas e abrindo a porta dela, que agarrou minha mão, e entramos no prédio. Quando chegamos ao apartamento, Catarina nos recebeu com um sorriso enorme, nos abraçando os dois juntos, até que percebeu a expressão de Alice. — Aconteceu algo? — Não queria voltar — Alice respondeu, antes que eu pudesse, agarrando uma mão da mãe com a mesma força que segurava a minha, e eu percebi que ela fazia isso numa tentativa de não tremer. — Ela começou a ficar assim quando estávamos na entrada da cidade — expliquei, e a mãe dela assentiu, puxando a filha e consequentemente a mim para dentro. Fechei a porta e deixei a bolsa no chão, entrando com elas
até o sofá, onde Alice nos soltou e abraçou os joelhos. — O que foi, querida? Por que não queria voltar? — a mãe dela perguntou, passando uma mão nos cabelos dela, enquanto eu mantive meu braço em volta de seus ombros. — Foi... foi tudo tão perfeito... eu não quero que tudo fique ruim de novo. Eu quero continuar feliz. — A forma como ela disse aquilo me partiu o coração, e eu a mãe dela trocamos um olhar, uma decisão silenciosa de quem falaria primeiro. Eu. — Você vai continuar feliz, minha deusa. Podemos estar longe do isolamento e da bolha que tínhamos no lago, mas você vai continuar feliz. Eu e sua mãe vamos garantir isso. — Exatamente, querida. Estamos aqui com você, não precisa se desesperar, vai continuar tudo tão maravilhoso quanto foram esses dias. — E se não continuar? E se... se algo der errado? Eu quero aquela bolha de novo, nunca fui tão feliz antes... — Se algo der errado, nós vamos estar aqui ao seu lado, cuidando de você, te enchendo de amor e carinho enquanto você se ergue de novo. — Beijei sua têmpora, apertando um pouco seus ombros. — Me desculpe, não pensei que pudesse se sentir assim quando voltasse. Eu amo você, e vai tudo ficar bem, eu prometo. — Não... não é culpa sua. Você me deu os melhores quatro dias da minha vida, e eu não poderia estar mais feliz com isso. Eu só... tenho medo de tudo voltar ao normal de antes, do choque ser muito grande. — Ah, minha filha, não pense nisso agora. Vão ter diferenças, sim, mas não vão ser necessariamente ruins. Vai ficar tudo bem, você vai continuar mais feliz a cada dia, mesmo estando aqui. — Tem certeza? — Tenho. — Catarina beijou os cabelos da filha, sorrindo para ela. — Tenha confiança, minha filha. — Vou tentar. — Alice respirou fundo, a pequena crise dando sinais de que iria passar, e soltou as pernas, se sentando normalmente. — Me desculpem, sei que deve parecer bobeira minha. — Nada seu é besteira para mim, Alice. — Beijei seu rosto de novo. —
Eu entendo, ou tento meu melhor para entender, o que você passa. Nós estamos do seu lado. — Obrigada — ela murmurou, buscando ar e respirando fundo uma vez e de novo. Ela olhou pra mim, os olhos se iluminando um pouco, e então se virou para a mãe. — Mãe, Hector pode dormir aqui hoje? — Se não for um problema pra ele, claro. — Eu gostava de como Catarina era aberta à minha presença, como ela não se incomodava comigo ao lado da filha, desde aquela crise quando eu as ajudei e não corri. — Problema nenhum, muito pelo contrário. Qualquer tempo a mais com Alice me é bem-vindo. — Sorri, vendo a minha garota esboçar um sorrisinho pequeno. — Amo você. Vocês dois, por sempre aturarem meus momentos. — E nós amamos você, querida. — A mãe dela sorriu, beijando a cabeça da filha e se levantando. — Vocês comeram na estrada? Posso fazer um lanche se quiserem. — Nós comemos numa lanchonete pequena, que é maravilhosa — Alice contou, e eu me senti mais calmo ao ver que ela já estava se recuperando da pequena crise. Agora eu já havia visto os dois lados da moeda, uma crise grande e uma pequena. E as duas me partiram igualmente o coração. — Já que vou passar a noite aqui, vou lá embaixo pegar uma muda de roupa na minha mala, ok? — Ok, amor. — Alice me abraçou bem forte antes de soltar, me dando um beijo no rosto, e então eu levantei, saindo da casa e descendo ligeiro as escadas. Esperava não ter problemas pelo lugar onde estava estacionado, mas havia outros carros pela rua, então julguei estar tudo bem. Abri o porta-malas e a minha mala que estava lá dentro, pegando uma calça, uma camisa de dormir e uma cueca. Voltei até o terceiro andar, abrindo a porta, e ouvindo por alto o que Alice estava dizendo para a mãe na cozinha. —... E foi tão mágico! Tinha velas aromáticas e tudo, eu até trouxe uma de recordação. Ele é tudo para mim, mãe. — Fico lisonjeado. — Apareci na porta, assustando-a, que deu um gritinho e depois riu, claramente mais calma agora do que meros minutos atrás. Se eu não estiver enganado, isso é coisa da border, essa mudança
repentina similar à bipolaridade, mas não igual. Eu só sabia o que tinha visto em sites no Google, mas dava pra deduzir isso. — Você precisa parar de me assustar, sabia? — Ela veio até o meu lado, envolvendo minha cintura com um braço e deitando a cabeça no meu ombro. A mãe dela sorriu ao nos ver assim. — Mas eu gosto de te assustar. — Ela me mostrou a língua quando eu disse isso, me fazendo rir, enquanto a mãe dela acabava de lavar a louça do jantar. — Está melhor? — Sim, um pouco. Ainda assustada em voltar à minha vida normal, mas ao menos eu tenho vocês e vovó comigo. E na faculdade tem Eric, ele sempre me trata bem. — Ela sorriu, encostando a cabeça no meu ombro de novo, respirando fundo. — Sabe, vocês dois realmente fazem um casal muito bonito. — A mãe dela sorriu, fechando a torneira da pia e secando as mãos numa toalhinha. — A beleza é toda de Alice, eu só pego carona no quanto ela brilha. — Engraçadinho. — Alice me deu um beliscão na cintura, arrancando risadas de mim e da mãe, e naquele momento tudo estava perfeito. — Vocês se incomodam se eu já for tomar banho para dormir? Ficar nervosa sempre me deixa cansada. — Sem problemas, querida. Eu faço companhia à Hector por enquanto, também quero saber a versão dele desse fim de semana. — Só não encha ele de interrogatórios, ok? — Eu não sou sua vó, fique tranquila. — Ela riu, e Alice se soltou de mim, me dando um beijo no rosto e saindo da cozinha. Catarina fez um gesto para que eu me sentasse, e eu a acompanhei até a mesa. — E então, as coisas realmente deram certo por lá? — Mais do que certo, nesse mês que estamos juntos eu nunca tinha visto Alice sorrir tanto de uma vez, brilhar tanto, plenamente alegre... me deu esperanças de que os dias bons possam se tornar maioria. — Sorri, me lembrando do sorriso dela no píer aquela noite. — E não sei se ela mencionou, mas meu irmão resolveu fazer uma visita inesperada. Brian, o mais velho dos gêmeos. Eles se deram extremamente bem, ele a chama de irmãzinha ou cunhadinha, já a aceitou como parte da família. — Fico contente em saber disso, em saber que minha Alice está
achando um novo lugar no mundo. Mas além disso, o que fizeram? Ela só tinha acabado de começar a me contar quando você chegou. — Eu preparei algumas surpresas para ela. Velas, livros de presente, coisas assim. E passamos um tempo assistindo séries, parece que sofás são nosso habitat natural. — Ri de leve, omitindo tudo o que realmente tinha acontecido naquele sofá. — Também ouvimos muito das rádios de música country dela, acabei gostando da maioria. — Sério? — Assenti. — Você realmente deve amá-la, pra aturar até as músicas. — Ela sorriu. — Amo. Sua filha entrou na minha vida de uma vez, arrombando todas as portas e barreiras que podiam existir, e se tornou de suprema importância para mim. É como uma das músicas dela, e eu disse isso a ela, Alice me atingiu como um furacão, e eu não consigo mais me imaginar sem ela ao meu lado. Sabia que amores podiam nascer rápido, mas nunca tinha visto acontecer com essa intensidade. — Gosto muito da forma como fala dela. Seus olhos brilham, e a sinceridade em sua voz é de partir o coração. Não há dúvidas do quão importante ela é para você. — Fico grato que aprove meu relacionamento com ela, que não se incomode mais com a minha presença. Eu juro pelo que for que jamais partirei o coração dela, pode ter certeza disso. — Eu tenho. É mais fácil ela partir seu coração do que o contrário, mas não acho que vá acontecer. Vocês têm potencial para irem longe, e eu espero que isso realmente aconteça. — Ela deu um daqueles sorrisos de mãe, fazendo um carinho na minha mão que estava sobre a mesa. — Bem-vindo à família. — Obrigado. — Sorri em resposta, me sentindo bem em ser tão aceito pela família dela quanto ela foi pela minha. — Mas então, me conte mais sobre seus irmãos. Só conheço a versão da mídia, quero saber onde minha filha está se metendo. — Bem, primeiro tem Roman... — Comecei a explicar sobre eles, vendo-a rir quando cheguei em Ethan, as loucuras que ele faz às vezes e a aposta familiar sobre ele e Nicole. — E Alice entrou nessa aposta?
— Não só entrou, como tem fortes chances de ganhar. — Ri. — Só não me intrometo também porque não os conheço, mas pelo que me disse também acho que vão acabar juntos. — Se os conhecesse, teria certeza. — Alice apareceu na porta, uma toalha sobre os ombros, usando um pijama de ursinhos que me fez erguer uma sobrancelha. — Não me julgue, levei os pijamas normais na viagem, só sobraram os fofinhos em casa. — Ficou ótima. — Segurei uma risada. — Sei. Eu vou só comer alguns biscoitos e vou dormir, ok? — Sem problemas. Vou ir trocar de roupa então, aí pode me usar como um ursinho de pelúcia. Não que precise, já tem muitos com você. — Eu vi os olhos dela brilharem com a vontade de arremessar o pacote de biscoitos em mim, e provavelmente o teria feito se a mãe não estivesse olhando. Me levantei ainda rindo, pegando a muda de roupas que tinha trazido e indo me vestir no banheiro, tomando um banho rápido antes. Usei um dos shampoos de mel dela, sentindo o cheiro de Alice se espalhar pelo banheiro. Lavanda e mel era uma mistura maravilhosa, e combinava com ela. Acabei de me vestir e dobrei a roupa de antes, precisaria dela amanhã, e saí do banheiro, indo até o quarto de Alice e deixando minhas roupas sobre a escrivaninha. Ela estava sentada na cama, comendo um biscoito, e sorriu pra mim. — Tão fofinho de pijama completo. — Disse a ursinha — provoquei, e dessa vez ela arremessou um travesseiro em mim, me fazendo rir. — Está mesmo se tornando uma Vanslow, arremessando as coisas assim. — Aprendi com o melhor. — Ela não conseguiu segurar o riso, e foi mais para o canto da cama, batendo no espaço ao lado de me chamando. — Desligue a luz. Fui até lá, deitando ao seu lado, e ela automaticamente se aninhou no meu peito, jogando uma perna por cima das minhas, daquele jeitinho que ela tanto gostava de ficar ao meu lado. — Está melhor, de verdade? — perguntei, minha mão acariciando sua nuca.
— Uhum. Foi só um surto momentâneo, passou logo. — Ela apoiou o queixo no meu peito, me vendo pela frestinha da luz que entrava pela cortina, de um dos postes da rua. — Amo você. Sabe que pode me procurar a hora que precisar, não sabe? — Sei, sim. Obrigada, por estar sempre ao meu lado, no bom e no ruim. — Ela voltou a deitar no meu peito, respirando no mesmo ritmo que eu. — Prometo tentar melhorar mais daqui pra frente. — Vou estar ao seu lado em qualquer situação — garanti, beijando sua testa. — Agora durma. Você precisa descansar, foi um dia longo. — Vai estar aqui de manhã? — Vou estar aqui sempre que me quiser. — Continuei o carinho na nuca dela, e naquele momento eu vi a luz no fim do túnel com mais clareza. Naquele momento, eu acreditei que tudo realmente iria melhorar.
Havia se passado duas semanas desde a casa do lago. Duas longas e estranhas semanas. No dia seguinte quando voltei, Hector me deixou no curso antes de voltar para o hotel, e todos me viram chegando com ele. Ouvi por alto Isabella fazer alguns comentários maldosos, mas consegui manter minha calma e seguir com meus ensaios e projetos. Eric veio me bombardear com perguntas sobre o fim de semana, parecia tão animado que era como se ele mesmo tivesse vivido todos aqueles momentos mágicos. Os ensaios da quarta foram rápidos, estávamos todos com a cabeça distraída depois dos dias de descanso, então acabamos apenas repassando falas e cenas que já estavam prontas. Consegui fugir antes que Isabella se aproximasse demais de mim, segurando um pequeno quase ataque de pânico e me concentrando em tudo o que era bom na minha vida para não surtar. Na quinta, tivemos mais ensaios, para compensar o perdido na segunda de folga. Na sexta eu não consegui escapar a tempo, e tive que ouvir enquanto Isabella falava com uma amiga, alto o bastante para que eu ouvisse, sobre o quanto eu era uma “vadia oferecida, cachorra de homem rico”. O surto foi controlado, mas foi um surto. Não contei nem à minha mãe nem a
Hector, mas me arranhei aquele dia. Só um pouco, nas coxas, nada muito fundo, mas ainda assim um alívio, uma forma de descontar. Essa era a maior característica minha com meus distúrbios, alguém me tratava mal, e em vez de gritar com a pessoa e revidar, eu descontava no meu próprio corpo. Limpei tudo em silêncio, antes que minha mãe chegasse do trabalho, e agi como se nada tivesse acontecido. Não queria que se preocupassem, era coisa boba, uma crise pequenininha de nada. O primeiro fim de semana foi bom, ainda que meio vazio. Hector precisou viajar para Atlantic City, o cassino finalmente estava dando certo e ele só acreditou vendo, além de ter que resolver o contrato permanente do cara que fez dar certo. Mas ao menos ele me ligou por horas, e ficamos rindo e conversando sobre os planos para o fim de semana seguinte. A semana foi tranquila, tirando alguns momentos de tensão em que eu me senti mal sem motivo, como se uma recaída grande estivesse se aproximando. Às vezes acontecia, eu ficava mal do nada, por qualquer besteirinha, até mesmo alguma coisa triste num livro ou série, e estava tudo bem com isso. Eventualmente eu melhoraria, sempre melhorava, não precisava preocupar ninguém com isso. O fim de semana seguinte foi ótimo, Hector veio me buscar e fomos passear pelo Central Park, comemos algodão doce e pipoca no sábado, e no domingo ele dormiu lá em casa. Minha mãe estava trabalhando dois turnos, uma das garçonetes da lanchonete tinha tido um bebê e ela ficou cobrindo os turnos para ganhar extra. Hector se ofereceu umas duas vezes para nos ajudar e ela não ter que trabalhar tanto, mas minha mãe era orgulhosa e gostava de ganhar o próprio dinheiro. Então pra que eu não ficasse sozinha na madrugada de sábado, Hector dormiu lá, mas não fizemos nada demais. Eu ainda estava vendo para começar a tomar o anticoncepcional. A segunda foi tranquila, terça também, e exatas duas semanas depois, eu estava indo para o intervalo da aula com Eric ao meu lado, conversando sobre a ideia de termos um encontro duplo algum dia, ele e Rob, Hector e eu. Eu adorei a ideia. — Mas nada de lugar caro, Rob e eu não somos milionários. Opa, bilionários né, o pai dele não recebeu o título oficial há alguns dias? — Não sei, eu realmente não me importo com essa parte. — Dei de ombros, sentando com ele no pequeno café que tínhamos do campus.
— Fala sério, você deve se importar ao menos um pouco. Não ser interesseira, mas aproveitar os presentes. — Eu fujo dos presentes. Ele me deu um colar de rubi que eu nem me atrevo a pesquisar o preço, deve ter sido uma verdadeira fortuna... ao menos pra mim. É estranho, sendo sincera, a noção de quanto dinheiro ele tem. — Balancei a cabeça, vendo-o rir enquanto a garçonete se aproximava. — O que posso trazer para vocês hoje? — Dois cappuccinos e uma cesta de mini muffins — Eric pediu, se virando de volta para mim assim que ela saiu. — Um colar de rubi?! Você se esqueceu de me contar essa parte... — Foi na festa do irmão dele. Meu vestido era vermelho, e ele deu o colar pra combinar. É um rubi bem pequeno, ao menos isso, mas ainda assim deve ter sido absurdamente caro. Me sinto estranha aceitando esse tipo de presente. Graças a Deus a família dele é maravilhosa, e não me veem como uma interesseira qualquer, tive muito medo disso. — Os Vanslow realmente são maravilhosos, como é mostrado na mídia? Eu às vezes desconfiei, afinal, quais as chances de uma família milionária que faz doações para caridade com frequência não ter nenhum podre por trás? — Ele riu, agradecendo a garçonete quando entregou os cafés e a cesta de muffins, e eu peguei um, dando uma mordida. — Até agora o maior “podre” que eu descobri foi que eles são um bando de crianções que jogam almofadas uns nos outros. — Ri. — Mas só conheci meeesmo Hector e Brian, e um pouco de Ethan. — Ethan é o da melhor amiga, né? — Esse mesmo. Inclusive, torça por mim, eu apostei só quinze dólares, mas só deus sabe a fortuna que deve vir se eu ganhar e ele realmente ficar com Nicole até dezembro. Inclusive, vou apostar cinco extra que acontece especificamente em setembro, não me pergunte por que, mas tenho um pressentimento. — Você é maluca. — As melhores pessoas são. — Sorri, dando mais uma mordida no meu muffin, que tinha gotas de chocolate em cima. — Mas e você e Rob, como vão as coisas? — Não poderiam estar melhores... eu achei um anel escondido embaixo
da pia. Acho que qualquer dia ele vai propor. — Arregalei os olhos, engasgando com meu muffin e dando um sorriso enorme quando consegui. — Eric, isso é incrível! — Minha voz saiu quase gritando de animação, totalmente feliz por ele. — Você vai dizer que sim, né? — Claro que vou! — Ele sorriu, tomando um gole do café. — Algumas pessoas podem achar que um ano é pouco pra ter certeza que eu quero passar minha vida com ele, mas sei lá, nós nos encaixamos tanto. — Eu não acho muito cedo. Veja eu e Hector, se ele me pedisse em casamento, no final do mês eu provavelmente aceitaria, e só estaríamos juntos há dois meses. Eu acredito que seja sempre questão de intensidade, e não de tempo. Não precisa se preocupar com o que os outros pensam, o importante é como vocês se sentem. — Olhe só para mim, dando conselhos como se entendesse alguma coisa da vida. — Tem razão. Não importa o que os outros acham, já fugimos de tantos julgamentos, esse a mais ou a menos não vai fazer diferença na nossa felicidade. — Viu só! Vai dar tudo certo. — Sorri, terminando meu muffin e dando um longo gole no café, olhando para o relógio no meu celular e suspirando. — Quase hora da aula. — Qual o problema? — Eu não te contei, eu acho. Uma menina que está em algumas das minhas turmas, Isabella, fica me insultando e dando um jeito que eu escute toda vez. Insinuando que eu sou uma vadia e outras coisas piores, por causa do papel de Bianca que eu ganhei e ela não. — Que escrota! — Pois é. — Você não deixa isso te afetar, né? Tipo, ignore e pronto. Finge que ela nem existe. — Eu tento, mas é complicado... parece que ela fez a missão da vida dela tornar a minha um inferno. — Digo de novo, finja que ela nem existe. Não deixa ela ver que te abala, e eventualmente ela vai desistir e deixar pra lá, te deixar em paz. — Você acha?
— Tenho certeza. — Ele sorriu, pegando o último muffin e dividindo em dois, me entregando metade. — Vamos, melhor não se atrasar pra aula. — Vamos. — Sorri, mordendo meu bolinho enquanto andava. Deixei-o na porta da sala dele, e fui seguindo para a minha, parando antes no banheiro. Saí da cabine e fui lavar minhas mãos, aproveitando que não tinha mais ninguém e levantando as mangas da blusa um pouco. Péssima ideia, pois no instante seguinte, Isabella e as duas amigas, que eu não sabia o nome, entraram no banheiro, parando ao me ver. Puxei as mangas pra baixo, mas já era tarde demais. — Ahá! Então, além de vagabunda, é uma vagabunda masoquista? — Ela riu, com aquele tom de voz cruel de garotinha mimada que nunca tinha saído de fato do ensino médio. Ignorei, como Hector me disse tantas vezes e agora Eric, e caminhei até a porta. Ela bloqueou minha passagem. — Já vai? Não quer nem ter uma conversinha antes? — A voz dela tinha um tom arrastado e incômodo, e ela falava meio que fazendo um biquinho. Me fez lembrar de toda mean girl que eu já tinha lido ou assistido, e era ridículo alguém assim existir na vida real. — Me deixa passar, Isabella. — Minha voz fraquejou só um pouquinho, quase nada, mas ela percebeu. Engoli em seco ao ver o sorriso perverso que ela deu. — Ah, está achando que manda em alguma coisa, vadiazinha? Não manda nem em si mesma, se vendendo pra homem rico, e acha que vai mandar em mim? Hmm, acho que não. Por que não mostra de novo esses braços gordos e nojentos? Não? Tudo bem, você não me deixa escolha. — E então ela fez a última coisa que eu esperaria que alguém maduro fosse fazer, puxou a manga do meu casaco com força, e justo hoje eu estava usando um mais antigo, rasgou absurdamente fácil. Ofeguei, puxando o braço e o cruzando contra o peito. Ela deu uma gargalhada. — Own, a vagabunda está com vergonha? — Pare — pedi, mas era melhor que não o tivesse feito. Ela deu um passo à frente, começando a me encurralar no banheiro, me afastando da porta. —Eu paro quando quiser, vadiazinha. — Ela puxou meu pulso, e eu fiquei sem reação, arregalando os olhos e me encolhendo quando ela passou as unhas de uma vez pelo meu braço. — Ué, não gosta de dor? Aproveite,
essa foi de graça. Diferente de você, eu não me vendo. — Chega, ok? Pode ficar com o papel de Bianca, se isso te fizer me deixar em paz. Só me deixa em paz. — Eu estava à beira de chorar, e ela percebeu isso, aquele sorriso nojento aumentando mais ainda. — Ah, eu não quero mais o papel, não vou ficar com seus restos. Sem falar que vai ser muito divertido gritar o quanto você é uma vadia quando estiver no palco, vou garantir que todos saibam que você não presta, e que é uma masoquista nojenta ainda por cima. — Respirei fundo, tentando ignorála, a empurrando um pouco pra passar. Erro, terrível erro. — Deixei encostar em mim, vagabunda? Vai se arrepender disso. — E então veio a ardência no meu rosto, percebendo tarde demais o plano dela de me dar um tapa. Comecei a chorar. — Me deixa ir, por favor. — Me rebaixei ao ponto de implorar, abraçando meu corpo com os braços, sentindo meu rosto arder pelo tapa e meu braço arder pelos arranhões dela. Ao menos a dor me mantinha sã o suficiente. — Pra quê? Vai correr pra o seu namoradinho rico e pedir socorro? Aposto que ele nem gosta mesmo de você, só gosta de ter um bichinho de estimação pra chupar ele sempre que quiser. — Pare... — Eu paro quando quiser! Cale a boca, se não quiser levar outro tapa, sua... Minha sorte foi alguém entrar no banheiro quando ela ergueu a mão. Aproveitei que ela ficou surpresa e a empurrei, correndo pra fora do banheiro, do prédio e do campus, mantendo meus braços bem cruzados, sem querer que ninguém mais visse meu estado, e corri para o metrô, entrando assim que o trem se abriu. Fiz a única coisa que consegui pensar, digitei para Hector “Eu te amo, com meu corpo e alma, pra sempre”. No caminho para o Brooklyn, eu não consegui segurar as lágrimas, mas isso era Nova Iorque e uma garota chorando no metrô era comum, então não assustei ninguém. Chorei, desesperada, sentindo meu peito apertado de medo e de dor, a forma como ela me tratou rodando na minha mente, fazendo com que eu me sentisse o pior lixo na face da terra. E a forma como ela olhou para os meus braços, como julgou minhas cicatrizes... me acostumei tanto com Hector me tratando bem que esqueci o quanto as pessoas poderiam ser cruéis.
Apertei as unhas nas palmas das mãos, correndo para casa assim que o trem parou, minha respiração pesada, hiperventilando, uma crise borderline misturada com um ataque de pânico. Graças a Deus minha mãe não estava em casa, não precisaria me ver assim. Peguei a lâmina escondida no meu armário, e entrei no banheiro.
Eu estava cuidando das coisas de casa, um monte de papéis espalhados pela mesa de centro, com June do meu lado, organizando fichas de todos os Empire da costa leste, e organizando o novo que estava para abrir na Flórida. Recebi a mensagem de Alice enquanto rabiscava minha ideia para o saguão, e franzi o cenho. Era estranho, ela me mandar uma mensagem do nada dizendo que me amava. Respondi com um “eu te amo mais ainda, minha deusa” e enviei, voltando a me concentrar no hotel. — Mensagem de Alice? — June perguntou, vendo que eu me distraí. — Sim. — Vocês são fofos juntos. Sabe que ainda vai ter que me apresentar ela, não sabe? — Eu levo ela como minha acompanhante no seu casamento com Nick, que tal? — Perfeito. — Ela sorriu, voltando a olhar para os papéis. — Então, sobre o saguão, eu realmente acho que seria melhor fazermos algo mais... conceitual, entre o clássico e o moderno. Algumas colunas aqui, mas com quadros abstratos ali... — Ela começou a mostrar no rascunho do arquiteto,
contornando onde cada coisa ficaria. — Me parece um bom plano. Meu maior problema estão sendo os quartos, queria fazer um hotel com quartos mais “temáticos”, mas a menos que nos tornemos parte da Disney, isso não faz sentido na Flórida. Agora, se conseguíssemos abrir um Empire em Vegas... — Não é você que odeia cassinos? — Droga, não daria pra ser sem cassino, né? Vamos ter que considerar isso depois, quando Atlantic City der mais certo. — Faz sentido. — Ela pegou os rascunhos dos quartos, começando a rabiscar algumas coisas. — Podemos colocar cores nos quartos, cada andar de uma cor, que tal? — Boa ideia. — Sorri, pegando as canetas coloridas que tínhamos, daquelas de ponta pincel que Brian tanto adorava e eu não entendia o que tinham de especial, e comecei a marcar a no desenho do prédio uma cor por andar. Coloquei azul-escuro e rosa em andares próximos, uma referência boba à minha cor preferida e a de Alice. Alice... eu havia estranhado a mensagem dela, totalmente do nada, sem contexto, e o fato de não ter mais resposta. Fiquei me perguntando se ela estava bem, se por acaso alguma coisa havia acontecido e a afetado, uma sensação estranha se apertando no meu peito. — Senhor Vanslow? Hector? O que foi? Está olhando essa caneta rosa há uns três minutos. — Nada, só... uma sensação estranha. Minha mãe chamaria de pressentimento, mas não faz sentido ter pressentimentos do nada, sem um motivo plausível para isso. — Quer fazer uma pausa? — Talvez, ou talvez seja melhor encerrarmos por hoje. Não estou mais com cabeça pra isso, tem alguma coisa estranha. — Dei de ombros, achando estranho aquele aperto no meu peito que só aumentava. — Diga a Nick que ele está de folga hoje, vou pegar o carro. — Me levantei, vendo-a me encarar com a cabeça inclinada, as sobrancelhas erguidas. — Vai ver Alice, não é?
— Sim. Estou sentindo que ela precisa de mim. — Vá lá, eu aviso a Nick. — Ela começou a juntar os papéis, e eu peguei minha chave do carro, saindo do apartamento e indo até o estacionamento. O aperto no meu peito parecia aumentar, tanto que achei por um momento que poderia ser um infarto precoce, alguma coisa física de errado. Alice só sairia do ensaio em meia hora, e levaria mais quarenta minutos para chegar em casa, então eu a esperaria. Provavelmente poderia passar numa padaria no caminho e pegar um cupcake daqueles de chocolate que ela me disse gostar. A mãe dela e ela tinham me dado uma chave do prédio, pra que não precisasse do interfone toda vez que chegasse lá, então seria perfeito para surpreender a minha garota. Entrei no carro, e a sensação no meu peito ficou mais pesada. Não era uma dor, era literalmente um peso, como se algo estivesse muito errado. Balancei a cabeça, afastando esses pensamentos e saí da garagem, pegando o caminho para o Brooklyn. O trânsito estava curto, um verdadeiro milagre nova iorquino, e deu tempo de parar numa padaria sem problemas. Peguei dois cupcakes, um com recheio de chocolate e outro de morango, e voltei ao caminho, chegando na rua dela em cerca de trinta e cinco minutos. Abri a grade, dessa vez a vizinha do segundo andar não estava na varanda, e subi as escadas. Foi então que tudo começou a ficar estranho. A porta da frente estava aberta por uma fresta. Elas nunca deixavam a porta aberta, no máximo destrancada quando estavam em casa. Empurrei a porta, entrando na sala, vendo a mochila de Alice jogada junto da porta. — Alice, já está em casa? — chamei, sem resposta. Talvez ela estivesse dormindo, tivesse sido liberada mais cedo da aula. A cachorrinha dela, Milady, veio chorando na minha direção. Segui pelo corredor até o quarto dela, mas parei na porta do banheiro, onde meu mundo inteiro desabou. Levei um segundo para reagir, para conseguir processar o que estava vendo. Alice, deitada na banheira vazia, o braço estirado pra fora e pingando sangue, um corte grotesco e fundo no pulso. Não, não, NÃO! Foi o segundo mais longo da minha vida, o que eu levei para reagir e correr até ela, repetindo “não” várias vezes, balançando ela, dando tapinhas em seu rosto, mas ela não acordava. O sangue continuava a pingar.
— Alice, meu amor, não faz isso comigo, por favor, não me deixe — pedi, me virando pelo banheiro, pegando meu celular e ligando para o socorro. — Boa tarde, qual sua emergência? — Minha namorada, ela... ela tentou se matar, está desmaiada e... por favor, venham rápido — implorei, desesperado, dando o endereço enquanto me sentia começar a chorar. Desliguei o telefone e corri pelo banheiro, pegando uma toalha e a rasgando, amarrando os pulsos dela com força, vendo o tecido se encharcar de sangue mais rápido do que eu esperava. Tirei ela da banheira, a colocando no chão e a abraçando, sentindo meu mundo inteiro se despedaçar. — Não me deixe, não faça isso comigo minha deusa. Por favor, se ainda estiver me ouvindo, aguente firme. Lute. Implorei, sentindo-a ficar mais fria e pálida, meu desespero aumentando. Não era justo, não era. Abracei ela mais forte, segurando seus pulsos por cima da toalha, tentando manter o sangramento o mais controlado que pudesse, até o socorro chegar. Eu não saberia dizer quanto tempo se passou, pra mim pareceram horas, dias, séculos até que finalmente os paramédicos invadiram a porta, e eu a entreguei para que a colocassem na maca, e os segui até a ambulância. Não me questionaram quando entrei também, nem tentaram me proibir de ir junto com eles. Mais uma vez pareceu se passar uma eternidade até chegarmos ao hospital mais próximo, que eu a princípio nem prestei atenção em qual era, vendo eles correrem com a minha garota e me proibirem de passar da entrada da emergência. Depois de me perguntar o nome dela para o prontuário, disseram que eu não poderia entrar na sala de trauma com ela, que eu teria que esperar aqui fora. Andei até um dos bancos na sala de espera e me deixei desabar, meu corpo tremendo enquanto chorava. Peguei meu telefone, precisava avisar a mãe dela antes que Catarina fosse para casa e encontrasse a poça de sangue no banheiro. Meus dedos estavam tremendo enquanto discava, minha voz falhando quando ela atendeu. — Hector, tudo bem querido? — A voz dela soou animada, e eu odiei ter que dar aquela notícia. — Catarina, Alice... ela tentou... — Tentei respirar, o choro me travando, o desespero me travando. — Ela... ela está no... — Olhei em volta,
vendo o nome do hospital numa parede. — Presbyterian. — Não consegui dizer as palavras “ela tentou se matar”, não de novo. Não conseguia aceitar aquilo. — Ah não... — Eu ouvi quando ela começou a chorar. — Eu estou indo para aí... — E desligou, provavelmente indo correr para cá. Encarei meu celular por um minuto, e tomei a única atitude que me restava, mandei uma mensagem para meus irmãos: “Alice está no hospital. Presbyterian, no Brooklyn”. Eu não seria capaz de suportar tudo isso sozinho. Apoiei os cotovelos no joelho, o rosto nas mãos, e chorei. Chorei todo o meu desespero, todo o meu medo. Flashes de Alice alegre me passavam pela mente, dela rindo naquele fim de semana, dela deitada no meu colo enquanto assistíamos séries, dela no barco dizendo que nunca esteve tão feliz... o que teria acontecido? O que teria destruído ela a ponto de a levar tão longe, tão ao extremo? Eu queria acabar com a existência de quem a tivesse magoado desse jeito, de quem fosse culpado pela minha garota... — Hector? — A voz de Catarina me fez erguer a cabeça, e ela se sentou ao meu lado, me abraçando. Ela também estava chorando. — O que aconteceu? — Não sei, eu... eu ia fazer uma surpresa, esperá-la chegar da aula... — Tive que fazer uma pausa, tentando segurar o choro na garganta. — Quando cheguei a porta estava aberta, e ela estava no banheiro... coberta em sangue. — Ah, minha filha... — Ela me abraçou mais forte, chorando comigo. Éramos as pessoas no mundo que mais amavam Alice, e o medo de a perder era real demais à nossa volta. Ouvi um pequeno tumulto na entrada, e quando ergui a cabeça eram meus irmãos. Os quatro ali, vindo na minha direção. — O que...? — Eu os chamei. Alice também é uma Vanslow. — expliquei, e ela assentiu. Em instantes, Brian estava na minha frente, me abraçando assim que me levantei. — Ela vai ficar bem, cara. Ela vai ficar bem — ele garantiu, e a voz dele soou embargada também. Ethan me deu um tapinha no ombro quando Brian se afastou, em silêncio, Roman e Phillip fazendo a mesma coisa. O mais velho me abraçou também, um abraço rápido no estilo dele, mas ainda assim me mostrando apoio. Brian já tinha se virado para Catarina, se abaixando para ficar mais perto dela. — Alice é forte, ela vai aguentar firme.
— Brian, não é? — Ele assentiu. — Minha filha adorou você. Ela me disse que você era o irmão que ela queria... — E então ela começou a chorar de novo, e Brian a abraçou. O tempo foi se passando, meus irmãos sentados de um lado meu, Catarina do outro, e nem sombra do médico. Phill tinha acabado de pegar um café para nós, depois do que pareceram séculos esperando, quando um médico jovem apareceu na porta das salas de trauma. — Família de Alice Rogers? — Nos levantamos de uma vez, e Catarina agarrou minha mão, com medo da notícia que viria. Ele se aproximou de nós, uma expressão fechada no rosto. — Por favor, diga que ela está viva — a mãe dela implorou, e eu senti que ela já estava se preparando para o pior. — Está, sim. — Finalmente consegui respirar quando ele disse isso, como se meu coração só agora tivesse lembrado como bater. — Mas por pouco. Qualquer minuto a mais seria crucial... — Ele se virou para mim, vendo as pequenas manchas de sangue na minha roupa. — Você agiu rápido. — Podemos vê-la? — Ainda não. Ela está sedada, e ainda será levada para um quarto. Preciso que alguém preencha a ficha completa com os dados médicos dela, tivemos que fazer uma transfusão para repor o sangue perdido, usamos O negativo como doador universal, mas seria melhor se soubéssemos o tipo específico dela. — Ela é O positivo. — Foi tudo o que a mãe dela conseguiu falar, e o médico, cujo crachá dizia Dr. O’Riley, entregou uma prancheta a ela. — Eu aviso assim que puderem vê-la. Agora, se me permitem perguntar, ela está com algum acompanhamento psiquiátrico? Eu posso recomendar um daqui do hospital, se quiserem. — Ela tem um médico, eu... posso ligar para ele. — Catarina estava entrando em estado de choque, e quando o médico assentiu e se afastou, eu a puxei para se sentar de novo. — Alice está bem. Ela vai ficar bem, ela sobreviveu — acalmei tanto a ela quanto a mim mesmo com isso, sentindo que aos poucos eu voltava a respirar. Ela olhou para a ficha médica, segurando a caneta que vinha presa na prancheta.
— Nós... não temos plano de saúde. — Não se preocupe com isso, pode deixar que eu arco com qualquer despesa que ela tiver aqui. Só quero garantir que Alice fique bem, o resto é o resto — garanti, e ela apenas assentiu uma vez, começando a preencher os dados da filha. Deixei-a fazer isso em paz e fui avisar aos meus irmãos que Alice estava bem. Eles respiraram fundo, estavam tão assustados quanto eu com tudo isso. — Hector, eu não fazia ideia de que ela estava passando por tudo isso... por que não me contou? — Roman me puxou de lado, segurando meu ombro, naquela forma estranha dele de mostrar afeto. — Brian sabia, achei que ele tivesse contado a vocês... e era a privacidade dela, não poderia sair espalhando assim. — Ah, irmão, não consigo imaginar como deve ser passar por isso. A cara que você estava quando chegamos, nunca te vi tão apavorado em toda a sua vida. — Ela é tudo pra mim, Roman. — Me apoiei na parede, me deixando deslizar até estar sentado no chão, cobrindo o rosto com as mãos de novo. — Eu nunca pensei que pudesse amar alguém assim, mas ela... ela é minha vida inteira, tudo que eu faço desde que a conheci é pensando nela ou por causa dela. E a mera ideia de a perder já me assustava, e hoje que isso quase aconteceu... eu não sei se suportaria. — Senti quando ele se sentou ao meu lado, passando um braço em volta dos meus ombros. — Ela ficou bem, ela vai ficar bem. Vamos garantir que ela fique bem, que seja bem cuidada. Vamos transferi-la para o melhor hospital psiquiátrico se for necessário, mas ela vai ficar bem. Se acalme, respire. — Ele deu dois tapinhas no meu ombro, e senti alguém se sentar do outro lado. Ergui os olhos para ver Phillip. — Eu não consigo nem imaginar o que você está sentindo agora, irmão, mas estamos aqui com você. Todos nós, e eu acho que deveria ligar para nossa mãe também. Ela vai saber ser mais útil do que quatro marmanjos perdidos, mesmo que eu e Brian tenhamos alguma noção de sentimento. — Ele tentou me fazer rir, e quase funcionou. — Respire fundo, ela vai ficar bem. O pior já passou, ela já foi medicada, e assim que acordar você vai poder falar com ela. — Só queria saber o que causou isso, ela estava indo também nas
últimas semanas... — Às vezes nem foi nada específico, pode ter sido um acúmulo de coisas. Seja o que for, ela vai contar, se ela se sentir confortável pra isso. Talvez ela apenas queira esquecer e seguir em frente com tudo, não pensar mais em tudo o que deu errado. — Eu só quero vê-la bem. — Suspirei, abaixando a cabeça. — Só quero a minha garota viva, curada desse mal que a persegue há tanto tempo. Vai ser um longo processo, principalmente agora, mas eu não vou mais a deixar sozinha. Se ela me aceitar por perto, eu vou fazer de tudo para garantir que ela fique bem, para que ela se cure. — Ela vai se curar. Tenho fé que vai. — Phill me abraçou de lado, se levantando. — Ligue para nossa mãe. Ela vai ser mais útil do que nós, e vai te acalmar. Respire. — Ele repetiu, e Roman se levantou também, os dois me deixando ali. Peguei o celular, considerando a ideia deles. Eu era um homem formado, com vinte e sete anos na cara, mas o que eu mais queria nesse momento era ouvir minha mãe dizer que tudo ficaria bem. Então apertei o telefone ao lado do contato dela. — Hector, querido? Brian me mandou uma mensagem, eu sinto tanto meu filho. Como Alice está? — Viva, por pouco. O médico disse que um minuto a mais poderia ter sido fatal, e eu fico me perguntando... e se tivesse trânsito da minha casa até a dela? E se na padaria que eu parei tivesse uma fila? E se... se quando eu chegasse já fosse tarde demais?! Eu nunca me perdoaria por não chegar a tempo, por não a salvar. — Ah, meu filho, não pense nessas coisas. Você chegou a tempo, você a ajudou no momento exato — ela me garantiu, e eu conseguia até ver a expressão que ela teria no rosto. — Eu tive um pressentimento, daqueles que a senhora às vezes costumava ter. Eu senti que tinha algo de errado, que precisava vê-la... e quando eu a encontrei lá, a dor que eu senti foi como se cada corte dela fosse no meu peito. Eu não saberia mais viver sem ela, mãe. Ela cresceu demais na minha vida, de uma forma que nem eu mesmo esperava. — Eu sei, meu filho, eu sei. Eu vi isso aquele dia no evento do seu irmão, e vejo agora no seu tom de voz. E eu também me preocupo com ela, imagino que tenha planos de um dia a tornar uma Vanslow de fato? Eu apoio
isso. Sempre quis uma filha, e ela é maravilhosa. Fique do lado dela, meu filho. A ajude como puder, faça tudo o que puder, e se mantenha firme. Ela vai ficar bem, vou torcer por isso e pedir para sua avó rezar por ela. — Eu só queria que houvesse um jeito de tomar a dor dela pra mim. Eu sofreria de bom grado em troca dos sorrisos dela, em troca de ver ela bem. — Eu sei disso, meu filho. Você tem um coração bom, sei que se pudesse faria isso sem nem pensar duas vezes, e essa é uma das qualidades que mais me orgulho em você. Eu criei um bom menino, que se tornou um bom homem. — A voz dela era cheia de afeto. — Lembre-se de manter a calma, Alice vai precisar de um porto seguro ao lado dela. — Farei isso. Vou me manter o mais calmo que puder, para me manter ao lado dela. Serei a pedra no meio do furacão, mesmo que precise me esconder para desabar depois... eu vou ser forte por ela. — Respirei fundo, vendo de longe que o médico veio falar com Catarina de novo. — Mãe, eu vou ter que desligar. O médico veio falar com a mãe dela, deve ter novas notícias. — Vá lá. Cuide dela e fique bem. Vocês todos, fiquem bem. Amo você, meu filho. — Também amo a senhora. — E desliguei, me levantando do chão e indo até Catarina, que estava entregando a prancheta ao médico. — Muito bem, vou adicionar as informações no prontuário dela. Já sabe quando o médico dela pode vir? — Ele disse que tentaria passar por aqui durante à noite. — Certo. Ela está no quarto 303, da ala psiquiátrica. Ainda está sedada, tivemos receio de que ela pudesse ter outra crise se acordasses imediatamente, mas vocês já podem ir lá. Normalmente só permitiríamos um acompanhante, — ele se virou para mim. — Mas, como foi você que a encontrou e a trouxe até aqui, abriremos essa exceção. — Obrigado — agradeci, e eu e Catarina o seguimos pelos corredores, até o elevador. Fiz um sinal para os meus irmãos de que já podiam ir, e que os chamaria novamente se precisasse. Brian veio se despedir de nós antes de subirmos, dizendo que poderíamos contar com ele para qualquer coisa que precisássemos. Subimos o elevador, parando em frente à entrada da ala psiquiátrica, e
ganhamos crachás de visitantes autorizados daquele setor. Seguimos pelas portas, até chegar à 303, e Catarina entrou primeiro. A segui, meu coração se partindo ao ver Alice ali, deitada, com os braços enfaixados e presos na lateral da cama por uma espécie de algema acolchoada. Eu já tinha visto aquele tipo de coisa em filmes, faziam isso para garantir que o paciente não ferisse ninguém ou a si mesmo, mas ver minha garota naquele estado me partiu o coração. Eu só queria poder abraçá-la e a cobrir de carinho e amor, garantir que ela ficaria bem. Mas me contentei em me sentar em uma das poltronas ao lado da cama, Catarina ficando na do outro lado. E então esperamos.
Uma hora passou e ela ainda não tinha acordado. Às vezes se movia um pouco na cama, ou fazia algum barulhinho, mas ainda estava dopada com as medicações. Vez ou outra eu me levantava da poltrona, fazia um carinho no cabelo dela e beijava sua testa, e a mãe dela não soltava sua mão. Era nosso jeito de mostrar que estávamos aqui. — Acha que ela demora a acordar? — Catarina perguntou, e eu suspirei. — Não sei. Queria que ela acordasse logo, mas ao mesmo tempo tenho medo de como ela vai reagir ao acordar. — Sei bem o que quer dizer. — Ela suspirou também, soltando a mão da filha e se levantando, passando uma mão no rosto dela. — Se incomoda de ficar sozinho por um instante? Estou sem comer desde cedo, e sinto que posso desmaiar a qualquer momento. — Vá comer algo, eu fico aqui com ela. Você precisa reunir forças, vai ser uma longa recuperação. — Volto logo. — Ela passou pela porta, me deixando a sós com a minha garota. Puxei minha poltrona mais para perto, segurando a mão dela, e
comecei a falar aleatoriamente. — Vou te contar como foi o meu dia, ok? Não sei se está me ouvindo, mas imagino que isso possa ajudar a te distrair, nem que seja só um pouco, até você estar pronta para acordar. — Beijei os dedos dela, com carinho. — Eu estava planejando o hotel na Flórida, e June deu a ideia de os quartos serem cada andar de uma cor, já que eu queria algo ao menos razoavelmente temático. Coloquei o azul-escuro e o rosa juntos, nossas cores favoritas. Sabe, eu sei que pode ter parecido bobo, mas é um jeitinho de nos representar. Eu realmente amo você, Alice. Então por favor, por tudo nesse mundo, acorde e lute — pedi, fungando numa tentativa de segurar o choro. Passaram-se mais dois minutos, e ela me surpreendeu ao abrir os olhos. — O que... onde... ah! — Ela arfou, percebendo o que tinha acontecido, e tentou se virar na cama, fazendo aquele barulhinho de chiado dolorido ao tentar mover os braços e perceber que estavam presos. — Shh, calma, meu amor, eu estou aqui, está tudo bem. — Me levantei em um pulo, levando uma mão aos cabelos dela, num carinho suave até ela parar de tentar se virar e me perceber ali. Os olhos dela se encheram de lágrimas. — Hector... — Ela começou a chorar e aquilo me partiu o coração. Me curvei sobre a cama, a abraçando como podia, cobrindo seu rosto de beijos, mostrando a ela que eu estava aqui com ela, que estava tudo bem. — Eu... me desculpa, eu não... eu juro que não planejei isso, eu só... quando eu vi o quão fundo tinha ido, eu ia pedir ajuda, eu juro que mudei de ideia, mas eu fui ficando tão fraca... — Shh, não precisa se explicar, meu amor, eu entendo, está tudo bem, vai ficar tudo bem. Eu te trouxe para o hospital, já cuidaram de você, está tudo certo agora. — Beijei sua testa, acariciando seus cabelos com cuidado e carinho, sem me afastar muito, me mantendo perto dela. — Você...? Ah, Hector... — Ela continuou chorando, e o monitor cardíaco disparou um pouco, chamando a atenção de uma das enfermeiras. — Está tudo bem aqui? — Ela acabou de acordar, está meio abalada — expliquei, enquanto Alice chorava baixinho. Lancei um olhar de súplica à enfermeira. — Posso soltar as mãos dela?
— Não é recomendado, mas já que está aqui com ela, eu vou permitir. — Ela se aproximou, soltando um lado e depois o outro, e os braços de Alice voaram a minha volta, me apertando junto de si, chorando no meu pescoço. — Me desculpa, me desculpa mesmo, eu não queria te machucar, não queria nada disso... — Eu sentia as lágrimas mornas no meu pescoço, e me mantive abraçado com ela, me sentando com cuidado na beirada da cama e acariciando sua nuca com carinho, daquele jeito que eu sabia que a acalmava. — Respire, meu amor, conseguimos evitar o pior, não precisa se desculpar. Você não tem culpa, essa doença que te persegue não é culpa sua. — Beijei sua testa com carinho, mantendo-a junto de mim. — Eu e sua mãe amamos você, já, já ela deve voltar para cá, ela só foi pegar um lanche. Nós estamos do seu lado, vamos cuidar de você. — Hector, eu não quero morrer. Por favor, não me deixe morrer, não quero que isso aconteça de novo, nunca, eu não quero mais aceitar essa doença. — Ela me apertou mais forte, dando um chorinho pelo movimento dos braços, e começou a beijar meu rosto, de novo e de novo. — Eu vou te ajudar, você vai se curar. Vai ser um processo longo e que pode doer, mas você vai se curar meu amor, eu vou garantir que você se cure. Nós vamos garantir isso juntos, ok? — Beijei os cabelos dela, a aninhando contra meu peito. — Quer... quer falar sobre o que aconteceu? — Já vinha acontecendo há alguns dias. Eu vinha me sentindo estranha, triste muitas vezes sem motivo, e hoje mais cedo... Isabella falou algumas coisas maldosas, me tratou de uma forma horrível, e eu sei que pode parecer bobo, mas foi a gota d’água e desencadeou tudo isso. — Ela fechou os olhos, encostando a cabeça no meu peito. — Não é bobo. Eu entendo que coisas pequenas quando acumuladas se tornam imensas, e eu nunca consideraria uma crise sua como boba... devia ter me contado que não estava bem, minha deusa. Não estou te cobrando, mas eu poderia ter te ajudado... tive tanto medo de te perder. — Apertei-a um pouco, querendo ter certeza de que ela era real, de que estava ali, viva, respirando nos meus braços. — Eu amo você. E eu sinto muito, muito mesmo. Prometo que vou me tratar direito, que vou melhorar... — Eu vou estar ao seu lado, pra sempre — prometi, me afastando apenas um pouco para secar as lágrimas dela com os polegares, fazendo
carinho em seu rosto. — Alice! — A mãe dela surgiu na porta, e eu me afastei para que as duas se abraçassem. — Ah, minha filha, eu tive tanto, tanto medo de te perder, eu te amo tanto minha menininha. — Catarina continuou sussurrando coisas assim, as duas chorando, abraçadas. — Me desculpa, mãe, eu mudei de ideia, eu juro, mas já era tarde demais — Alice repetiu as mesmas palavras que me disse, abraçando a mãe com força. — Eu sei, minha filha, eu sei que você não queria aquilo, não queria nada disso. Eu sinto muito por não estar em casa, por não ter estado lá ao seu lado, mas eu estou aqui agora. Já liguei para o Dr. Ronald, ele disse que passaria por aqui. Vai ficar tudo bem, minha menina. — Mãe... — Alice caiu no choro de novo, apertando a mãe com carinho, e eu senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Era um alívio imenso ter a minha garota ali, viva, ainda que destruída, mas eu faria questão de ajudar em tudo o que eu pudesse para reconstruí-la. O telefone de Catarina tocou. — É Ronald, eu vou atender. Já volto, está bem? — Ela beijou o topo da cabeça de Alice, se afastando com o telefone na mão. Voltei para junto de Alice, segurando suas mãos. — Quer alguma coisa? Água, algum lanche bobo da máquina no final do corredor... pode pedir que eu trago. — Só... me abraça — ela pediu, e não havia hipótese no mundo em que eu não diria que sim. Me aproximei, envolvendo-a com carinho, beijando sua têmpora demoradamente. — Eu amo você, minha garota. Amo muito você, com todo meu coração, e vou estar sempre do seu lado. — Beijei-a de novo, demonstrando de todas as formas possíveis o quanto a amava e o quanto havia me preocupado com ela. Sua mãe voltou, aparecendo na porta, e estava pálida de novo. — Hector, posso falar com você por um momento? — Claro. — Era um alerta vermelho nos olhos dela, eu tinha certeza. Beijei o rosto de Alice mais uma vez, antes de me levantar. — Amor, eu já volto, ok?
Ela assentiu e eu saí, parando do lado de fora do quarto, onde Catarina suspirou. — Ele não vem. Dr. Ronald, aquele maldito desgraçado, disse que não vem e que não pode mais tratar Alice. Disse que que se ela chegou a esse ponto, foi porque não estava seguindo o tratamento dele, e que não havia mais nada que possa fazer. E simplesmente desligou na minha cara depois de dizer isso. — O quê?! — Como eu vou dizer isso a ela? Como Alice vai reagir ao ser abandonada por um médico, que deveria ajudá-la? — Ela balançou a cabeça negativamente, e eu percebi que ela começava a se desesperar. — Eu te ajudo a falar com ela. Não vamos mentir, mas podemos conseguir um médico novo. Eu me ofereço para pagar o tratamento inteiro, e não vou aceitar não como resposta. Ela é o amor da minha vida, e eu daria toda minha fortuna em troca de um único sorriso dela. — Os olhos de Catarina se encheram de lágrimas, e ela me abraçou com força. — Obrigada, querido. Não sabe o quanto significa, pra mim, ver o quanto ama minha filha. — Ela me soltou, respirando fundo e secando as lágrimas. — Venha, vamos falar com ela. — Entramos de volta no quarto, e Alice nos olhava meio assustada, com os olhos curiosos. — O que aconteceu? — Bem, filha, o Dr. Ronald, ele... ele não vai mais poder te tratar. — Hein? — Eu sinto muito, ele disse que se você chegou aonde chegou é porque o tratamento não estava mais sendo efetivo, e que não fazia sentido continuarmos com ele. — Ela foi se aproximando, segurando uma das mãos da filha, e eu me aproximei também, me sentando ao lado de Alice. — Mas... eu não posso ficar sem tratamento, principalmente agora. Mãe, eu não quero morrer. — Alice começou a dar sinais de que choraria de novo, e eu envolvi seus ombros com um braço, a mantendo perto de mim. — Você não vai morrer, meu amor — assegurei, e a mãe dela assentiu. — E não vai ficar sem tratamento. Eu vou agora mesmo em busca de algum médico novo, um que seja bom de verdade e não um babaca como esse Ronald.
— Hector, você já faz tanto por mim... — E exijo fazer isso também. Você estando bem significa que meu coração está bem, pois ele é todo seu. Deixe que eu faça isso por você, por mim, por todos nós aqui nesse quarto — pedi, meus olhos suplicando que ela dissesse sim. Ela suspirou, assentindo devagar. — Tudo bem, eu aceito. Eu só quero ficar bem, por favor. — Você vai ficar — garanti, beijando a testa dela e me afastando. — Já volto, ok? Ela e a mãe assentiram, e eu saí do quarto, pegando meu telefone e ligando primeiramente para Brian. Ele trabalhou em clínicas com projetos voluntários de pintura, talvez conhecesse algum médico bom de uma delas. — Hector, alguma novidade? Alice acordou? — Acordou, mas temos uma nova emergência. O psiquiatra que a acompanhava, Ronald sei lá do que, simplesmente abandonou o caso ao saber da tentativa de suicídio. Preciso encontrar um novo, e rápido, e como você trabalhou naquelas clínicas... — Não diga mais nada, sei o médico perfeito. Dr. Paul Travis, um cara de meia idade que trabalha maravilhosamente bem, quando fazia os projetos eu o via com os pacientes da clínica. Posso te passar o telefone de lá, e você vê se ele está de plantão hoje. — Você é maravilhoso, sabia? Me envie o número. Qual clínica é? — Be a Light, em Manhattan. Paul é o médico principal de lá, diretor da ala de distúrbios psicológicos e mentais. — Perfeito para o caso. — Suspirei, mais aliviado. — Ok, vou esperar o número. Obrigado, irmão. — De nada. Diga à Alice que eu desejei melhoras, e que eu a adoro. — Vou dizer. — Sorri e desliguei. Menos de um minuto depois chegou à mensagem com número, que eu apertei na mesma hora, impaciente enquanto chamava, até que uma voz anasalada atendeu. — Clínica Be a light, boa noite, em que posso ajudar? — Boa noite, por favor, o Dr. Paul Travis está de plantão esta noite? — Fui direto ao assunto,
— Vou checar, só um instante. — Ela fez uma pausa, e eu ouvi o barulho de um teclado. — Está sim. Sobre o que se trata, é algum paciente? — Uma nova paciente. Minha namorada, ela quase... quase se suicidou essa tarde, e meu irmão recomendou o Dr. Travis, ele já trabalhou em projetos de arte aí, Brian Vanslow. — Torci para que Brian tivesse alguma significância por lá, e pareceu funcionar. — Ah, claro. Vou encaminhar a ligação para o consultório dele, só um instante. — A linha ficou suspensa após ela dizer isso, e depois de um minuto o médico atendeu. — Dr. Paul Travis, boa noite, com quem falo? — Boa noite. Com Hector. Hector Vanslow. — Ah, Vanslow. Já trabalhei com seu irmão aqui na clínica, em que posso lhe ajudar? — Ele tinha uma voz agradável, calma. — É sobre a minha namorada, ela quase cometeu suicídio essa tarde, e o psiquiatra que a tratava disse que não poderia mais trabalhar no caso. Eu estava na esperança de que o senhor pudesse assumir o caso, pago o preço que for, só peço que a ajude — expliquei por alto o caso, rezando por um sim. — Entendo. Claro, posso dar uma olhada no caso. Ela está em que hospital? — Presbyterian, no Brooklyn. Quarto 303 da ala psiquiátrica. — Estarei aí em meia hora, no máximo. Vou chamar o meu substituto em plantão para cobrir meu turno aqui e já vou. Como ela se chama? — Alice Rogers. — Certo. Até breve, senhor Vanslow. — Até. — E desliguei, respirando fundo e indo de volta até o quarto. Alice estava abraçada com a mãe, os olhos inchados pelo choro. — Consegui um médico. Paul Travis, da clínica Be a Light. Brian quem recomendou, e ele disse que estará aqui em meia hora. — Brian sabe sobre hoje? — Alice arregalou os olhos, e eu fiz uma careta, envergonhado. — Bem, todos os meus irmãos sabem. Eu me desesperei e os chamei, ficaram aqui comigo e sua mãe até nos liberarem para vir te ver. Sinto muito,
mas eles também te veem como família, e ficaram preocupados. Brian mandou dizer que te adora, e que quer te ver melhor em breve — me expliquei, torcendo para que ela não ficasse brava comigo. Ela apenas assentiu, devagar. — Está bem. — Ela estendeu uma mão para mim, e eu me aproximei da cama, me sentando do lado livre, entrelaçando nossos dedos. — Eu quero melhorar. O medo que eu senti hoje quando comecei a ficar fraca, o arrependimento... nunca mais quero passar por isso de novo. — Você vai melhorar. Não é uma dúvida, um “e se”, é um fato. Você vai ficar bem, minha deusa, e daqui alguns anos você vai olhar para trás e ver que tudo ficou no passado. Eu prometo. — Fiz um carinho nos dedos dela, que assentiu, voltando a deitar no ombro da mãe. — Você vai ficar bem, minha filha. Nós vamos garantir isso. — Catarina beijou os cabelos da filha. — Quer uma água, alguma outra coisa? Posso ir buscar. — Água me parece bom. — Volto logo. — Ela se levantou, e Alice simplesmente se transferiu do ombro da mãe para o meu. Minha garota estava tão apática, tão triste e quebrada, que me partia o coração não ser capaz de fazer nada para ajudar. — Eu amo você, viu? Amo com todo meu coração, você é meu tudo, Alice. — A envolvi, fazendo carinho em suas costas. — Eu também te amo. Você não fugiu, nem hoje nem nunca... obrigada, por estar do meu lado. Ajuda muito saber que nem no meu pior momento eu estou sozinha. — Você nunca vai estar sozinha, minha deusa. Vou sempre estar ao seu lado, presencialmente ou não, sempre vou estar com você. Seu bem estar é minha maior prioridade. — Eu te amo. — Ela fungou baixinho, me abraçando e se encolhendo no meu peito, fechando os olhos daquele jeitinho que eu sabia que ela estava ouvindo meu coração bater. A mãe dela voltou com a água, e ela se afastou dos meus braços, pegando a garrafinha e tomando um gole, depois outro. — Quer assistir a alguma coisa, até o médico chegar? Aposto que eles têm algum canal com filmes bobos aqui — ofereci, pegando o controle da tv ao lado da cama.
— Se encontrar algum desenho... — Ela dobrou as pernas sobre a cama, abraçando os joelhos, apoiando o queixo neles após puxar o cobertor fino para os cobrir. Assenti, ligando a tv e procurando, até que encontrei um canal infantil, que estava passando um filme da Barbie. Ela não sorriu, mas seus olhos clarearam um pouco quando viu, e ficamos assistindo um pouco, até que o homem gordinho de meia idade apareceu na porta, dando uma batidinha. — Com licença, acho que estou no quarto certo. Sou Paul Travis, o psiquiatra. Vocês são Hector e Alice? — Me levantei, estendendo uma mão para ele num cumprimento, assentindo. — Nós mesmos. E aquela é Catarina, mãe de Alice. — Boa noite. — Ele assentiu para ela, apertando minha mão e se aproximando devagar da cama, parando a alguns passos. — Alice, não é? Pode me chamar de Paul, ou Dr. Travis, ou como preferir. Estou aqui para te ajudar, ok? — Boa noite. — Ela assentiu, o olhando. — Muito bem. Vou pedir que sua mãe e seu namorado saiam para conversarmos, certo? Ou prefere que eles acompanhem? — Ele tinha uma voz calma e paciente. — Se não for problema, eu prefiro que fiquem. — Certo, sem problemas, faremos do jeito que te deixar mais confortável. Posso me sentar aqui? — Ele indicou uma das poltronas, a que eu estava mais cedo, e Alice assentiu. — Muito bem, Alice. Como tudo isso começou? Pode contar como preferir, a partir do que achar que é necessário que eu saiba. E então ela contou. Contou que era só uma menina quando tudo começou a dar errado, contou tudo o que já tinha me contado e alguns detalhes que eu ainda não sabia, detalhes do tipo de bullying que faziam com ela. Coisas como empurrarem a porta do banheiro que ela estava e saírem correndo, ou a perseguirem e atacarem fisicamente. Isso explicava porque ela ficou tão abalada com o comportamento da tal Isabella, o trauma dela era mais pesado do que eu sabia. Fiquei em silêncio, apertando seu ombro em encorajamento enquanto ela falava. Seus olhos se encheram de lágrimas quando ela contou que
recentemente tudo estava perfeito, e que ela não queria que tivesse acontecido o que aconteceu hoje. Ele apenas a ouviu, assentindo algumas vezes e fazendo perguntas para esclarecer uma dúvida ou outra que tinham surgido, até que ela acabou de falar. — Bem, Alice, você realmente tem traços muito fortes de borderline, depressão crônica e ansiedade, que é a que está no grau mais leve dos três. Eu vou fazer uma sugestão, e é inteiramente sua escolha aceitar ou não, ok? — Ela assentiu, quietinha. — Você já considerou ser voluntariamente internada por algumas semanas? Duas, de início, e aumentaríamos, caso fosse necessário. Estou sugerindo isso, pois parece que você precisa se desintoxicar do que te fez mal, e aprender a reagir aos gatilhos sem descontar em si mesma. — Me internar? — ela repetiu, o tom de voz surpreso. Eu também tinha me surpreendido, mas à medida que ele falava, ia fazendo sentido. Ela talvez realmente precisasse se afastar um pouco de tudo que a machucou. — Sim. Na Be a Light temos ótimos programas, mas vou continuar seu tratamento da mesma forma, caso prefira uma outra clínica. — Eu não... nós não temos como... — Ela olhou para a mãe, procurando uma confirmação, e eu me intrometi. — Eu cuido dos custos. Faço isso por você, por nós. Quero que fique bem, minha deusa, preço nenhum seria caro demais se a recompensa for seu sorriso de volta. — Ela se virou para mim, espantada, mas assentiu uma vez, se voltando novamente para o Dr. Travis. — Quando? E o que faria com as minhas aulas, meus ensaios? — Poderíamos começar amanhã mesmo, se assim quiser. Posso providenciar um atestado oficial para a liberar das aulas e dos ensaios durante essas semanas. Não entendo muito de teatro, mas tenho certeza de que sua saúde vale a perda de alguns ensaios, não acha? — Ele deu um sorriso gentil, e ela suspirou, assentindo. — Tudo bem... eu posso receber visitas? — Isso fica estabelecido no seu plano de internamento, mas eu recomendaria a apenas uma ou duas visitas por semana. Imagino que esteja se referindo à sua mãe e Hector, certo? — Ela assentiu. — Uma visita de cada por semana. Você precisa se desapegar do mundo de fora durante esses dias e
focar no seu interior. Podemos discutir melhor os detalhes da internação amanhã, ou no dia que decidir começar o tratamento. — Amanhã, se eu já tiver recebido alta daqui. Eu quero melhorar o mais rápido possível, quero ser normal. — Começaremos com a questão de que não existe normal, mas tratamos disso amanhã então. Como você está aqui hoje, não vou passar nenhuma medicação específica, mas a partir de amanhã você receberá seus remédios todo dia no horário marcado, está bem? — Sim, está bem... o que eu posso levar para a clínica? — Itens de higiene, um pijama que ache confortável, roupas sem cadarços ou fios. Como você está sendo voluntariamente internada, e está cooperando, eu vou permitir que leve também um único livro pessoal, que passará por uma inspeção rápida na sua entrada, para garantir que não tenha nenhum objeto escondido, ou nenhum tema perturbador. É recomendado que leve um caderno, de brochura e não arame, para usar como diário. Itens como joias, eletrônicos, maquiagem e afins não são permitidos. Como você mencionou que usa lentes, recomendo que leve seus óculos, já que as soluções e colírios não são permitidos. Se tiver um cobertor, almofada ou pelúcia que julgar importante, você pode levar, mas esse tipo de item também é oferecido pela clínica. — Ele acabou a explicação, e Alice assentiu, provavelmente pensando e considerando pelo tempo que ficou calada. — Ok. Amanhã eu vou para lá, e começo meu tratamento. Estou falando sério sobre querer melhorar, não aguento mais o sofrimento que essa doença causa na minha vida e na dos que eu amo. — Ela suspirou, se inclinando e deitando a cabeça no ombro da mãe novamente, ainda olhando para o médico. — É bom que queira, o tratamento tende a funcionar melhor quando o paciente está disposto a cooperar. — Ele sorriu, se levantando da poltrona e estendendo uma mão para Alice. — Vou deixar que descanse, e pode pesquisar no site da clínica ou me ligar caso tenha qualquer dúvida até amanhã. — Ela apertou a mão dele, que deu um sorriso caloroso e amigável. — Uma boa noite, para todos vocês. — Boa noite. Obrigado por vir tão rápido. — Não precisa agradecer, eu só estou fazendo meu melhor para diminuir o sofrimento de quem precisa. — Ele sorriu mais uma vez, e saiu do
quarto. Alice se soltou da mãe e veio para o meu ombro um pouco, uma expressão cansada no rosto. — Quer dormir um pouco? Foi um dia longo — perguntei, fazendo carinho em seu ombro. Ela assentiu de leve. — Promete que vai estar aqui quando eu acordar? — Prometo. Vou ter que ir em casa trocar de roupa, mas não vai nem perceber que eu saí. — Beijei o rosto dela, descendo da pequena cama de hospital para que ela se deitasse, e ela abraçou o travesseiro, se enroscando em si mesma sobre a cama. — Durma bem, minha deusa. — Descanse, filha. Só me diga logo o que quer que eu busque para você em casa, que eu já trago para irmos direto para a clínica amanhã, que tal? — Alice assentiu, parecendo pensar por um instante. — Meu pijama de preguiça e o de ursos, e meus conjuntos de ficar em casa. Não precisa ser só manga comprida... acho que se tem um lugar que eu não precisarei me esconder, é esse. E minha almofada de lua. O livro... eu queria reler Corte de Névoa e Fúria, mas tem alguns momentos bem pesados, então pode pegar um dos mais jovens, lembra que eu comentei de Percy Jackson? Pode ser um da coleção. — Ela olhou pra mim quando falou do livro, e eu assenti. — Ok. Vamos providenciar tudo enquanto você dorme, e logo voltamos — a mãe dela garantiu, beijando a testa da filha. — Espera, eu tenho que tirar as lentes... — Ela se levantou da cama, perdendo um pouco o equilíbrio, e a mãe a amparou, levando-a até o banheiro. Esperei pacientemente, até que elas voltaram, e Alice se deitou de novo, se aninhando na cama. — Boa noite. Ficamos ali até ela pegar no sono, o que não demorou muito, e ao sairmos pedimos que uma enfermeira ficasse de olho nela enquanto estivéssemos fora. — Não sei se tenho coragem de encarar a casa... a situação que deve estar o apartamento — Catarina admitiu. — Eu vou com você. Dividimos um Uber até lá, deixei meu carro na frente do prédio, e posso te ajudar a separar as coisas dela, e a limpar a bagunça. Não é justo que nenhum de nós fique sozinho, depois do susto que
passamos — ofereci, e ela aceitou. Chamei o Uber da porta do hospital, e descobri que a viagem interminável da casa dela até ali na verdade só durou cinco minutos. Catarina respirou fundo algumas vezes, antes de abrirmos a porta do prédio e entrarmos no apartamento. A acompanhei, segurando seu braço quando ela quase desabou ao ver o estado do banheiro. Eu não tinha percebido na hora, mais ocupado em ajudar Alice, e agora mesmo tinha até esquecido das manchas de sangue na minha camisa e na minha calça, mas aquele banheiro ensanguentado me trouxe de volta à realidade. Engoli em seco ao ouvir de novo o chorinho de Milady, que devia ter se escondido no quarto enquanto estávamos fora. — Onde tem um pano e um desinfetante? Vou te ajudar com isso. — No armário da cozinha. — Ela sufocou o choro, a voz trêmula, e caminhou comigo até a cozinha, pegando dois panos, duas escovas e um tubo de desinfetante, que ela jogou metade do conteúdo no chão do banheiro, e começamos a esfregá-lo, espremendo o pano no ralo da banheira e começando de novo, repetidas vezes, até a água sair quase transparente, e o banheiro não ter mais aquele cheiro metálico de sangue. Quando acabamos, fomos até o quarto de Alice, e enquanto Catarina separava algumas roupas, eu olhei a pequena estante de livros. Peguei o primeiro de Percy Jackson, como ela pediu. Olhei a escrivaninha dela, e achei um caderninho pequeno estilo moleskine, com só três páginas gastas com anotações do curso. Tomei a liberdade de arrancar aquelas três páginas, escrever “eu te amo” na primeira folha e entregar o caderno para a mãe dela colocar na bolsa, junto com a almofada de lua. — Tudo pronto? — perguntei, e ela assentiu. — Sim... você me esperaria tomar um banho rápido, e me daria uma carona de volta para o hospital? É tarde, e eu não gosto de andar sozinha por essas ruas à noite. — Sem problemas, eu espero sim — ela agradeceu, desaparecendo para o banheiro, e eu me sentei na cama de Alice, segurando uma das estrelinhas que vieram com a lua. Eu só queria vê-la bem de novo, vê-la sorrir como no dia que eu a pedi em namoro, como naquele dia que disse me amar pela primeira vez. Só quero vê-la respirar fundo e gargalhar, como quando tropeçou no píer.
Aquela noite no lago agora parecia ter ficado há milênios, num mundo diferente onde não existiam dores nem tentativas acidentais de suicídio. Era absurdo como tudo podia ir tão mal de uma hora para a outra. A mãe dela apareceu de volta da porta, dizendo que estava pronta, e descemos até meu carro. A deixei a porta do hospital e acelerei de volta para o Upper East Side, parando na primeira vaga que encontrei no Empire, sem nem me preocupar em ir até a minha vaga de fato. Subi de elevador, impaciente com a demora. Quando entrei no apartamento Rudy veio correndo com o rabinho abanando, e eu o peguei no colo. — Oi, amiguinho. Hoje foi um dia difícil, quase perdemos sua mamãe. Foi um desespero que nunca querio viver de novo, eu tive tanto, tanto medo de a perder... não sei viver sem ela, Rudy. — Beijei o focinho dele e o coloquei de volta no chão, indo para o banho, tirando as roupas sujas de sangue a as jogando num canto do banheiro. Me deixei chorar mais um pouco, o desespero do dia todo me consumindo, e saí do banheiro, vestindo uma calça qualquer e uma camisa de botões. Parei apenas para comer um sanduíche improvisado, sentindo meu peito se apertar ao lembrar dos queijos quentes que ela havia feito naquela manhã enquanto brincávamos sobre um laço de parceria. Saí do apartamento, deixando uma quantidade generosa de água e ração para Rudy, e voltei para o hospital. Quando cheguei lá, Alice ainda estava dormindo, com a mãe cochilando na poltrona do lado. Me sentei na outra poltrona, e quase nem cochilei, velando o sono da minha garota como se ela pudesse desaparecer a qualquer momento.
Eu acordei me sentindo estranha, mas qual seria a outra opção ao acordar depois de quase morrer? Eu ainda sentia um peso absurdo no peito, um medo sobrenatural do que podia ter acontecido. Eu nunca me esqueceria da visão que tive, dois cortes grandes em cada pulso, abertos e se enchendo de sangue antes de começar a pingar, escorrendo pelo meu braço e pela lateral da banheira. E no momento em que eu tentei me levantar, no momento que eu entrei em pânico e ia procurar ajuda, a força simplesmente me faltou. Se Hector não tivesse chegado, se ele não tivesse sentido que eu precisava dele... eu nem estaria mais aqui. E teria partido os corações, dele; da minha mãe; da minha vó e do meu pai. Olhei em volta no quartinho de hospital, Hector estava cochilando na poltrona do meu lado esquerdo, minha mãe na do direito. Suspirei, baixinho, e comecei a pensar em como seria ir voluntariamente para uma clínica psiquiátrica. Eu estava com medo, sem saber como funcionaria por lá, sem saber o que aconteceria enquanto estivesse lá. Seria estranho me distanciar do mundo inteiro, simplesmente deixar tudo para trás e focar em mim. Estava preocupada com os ensaios que perderia, e talvez até me tirassem do papel de Bianca, mas eu não me importaria com isso agora.
Precisaria me concentrar em ficar bem, no meu tratamento. Era estranho, saber que eu seria praticamente presa em algumas horinhas, mas aquela parte racional e antiga dentro de mim sabia que isso era necessário. E o médico tinha sido tão simpático, com sorrisos e acenos amigáveis, abrindo uma exceção para que eu levasse um livro de casa, me deixando confortável ao permitir que mamãe e Hector ficassem no quarto enquanto eu contava meu histórico. Ele de cara já era diferente de Ronald, que apenas me encarava e digitava coisas no laptop dele. Eu ainda não conseguia acreditar que ele tinha abandonado meu caso logo após o que aconteceu ontem... Afastei os pensamentos tristes, sem querer me focar na parte ruim, com medo de ficar mal de novo. Não podia me deixar cair naquele poço, teria que ser bem firme daqui pra frente, pra evitar que o que aconteceu ontem se repetisse. Olhei para Hector, cochilando com o pescoço dobrado naquela poltrona que deveria ser bem desconfortável, e me lembrei do desespero que vi nos olhos dele ontem. Eu sabia que ele estava tentando ser forte na minha frente, e ficava grata por isso, pois a força dele me ajudava a ficar forte também, mas eu não deixei de notar os olhos inchados e avermelhados. Ele tinha chorado, e muito. E minha mãe então, o coração dela tinha se despedaçado. Minha quase morte tinha machucado demais as duas pessoas que eu mais amo nesse mundo, e que mais me amam de volta. E era por eles que eu começaria esse novo tratamento, era por eles que eu começaria a cuidar de mim mesma. Nunca mais queria ver aquela expressão de desespero nos rostos deles. Sentei na cama, respirando fundo, analisando os curativos nos meus braços. Eu estava sem lentes, então não consegui ver bem, mas os curativos estavam bem apertados, e cutuquei o esquerdo de leve. Doeu. Respirei fundo, me levantando da cama, um pouco desestabilizada por estar deitada há tempo demais, e andei até o banheiro. Quando saí, Hector estava acordando. Ele piscou algumas vezes, abrindo os olhos, enquanto eu subia de volta na cama. — Oi — murmurei, ainda envergonhada de tudo o que tinha feito. Ele estendeu uma mão pra mim, que eu segurei, e beijou meus dedos. — Oi. — Ele forçou um sorriso, que me pareceu triste, e veio se sentar do meu lado, igual ontem. — Como está se sentindo? — Culpada. Estranha. Eu... eu sinto muito, de verdade. Não queria ter machucado vocês também. — Encostei minha cabeça no ombro dele, naquele
cantinho da curva de seu pescoço que era só meu. — Está perdoada, meu amor. Eu sei que não fez por mal, que teve uma crise. E as coisas que levaram a isso...Eu sinto tanto, minha deusa. Você não merecia passar por tudo isso. — Ele envolveu minha cintura com carinho, falando baixo para não acordarmos minha mãe. — Preparada para ir para a clínica hoje? Trouxemos tudo na sua bolsa. Almofada de lua, roupas confortáveis, um caderninho que encontrei na sua escrivaninha, seus óculos. Sua mãe colocou até aquele seu shampoo com cheirinho de sobremesa. E eu coloquei o primeiro livro de Percy Jackson. — Obrigada. Significa o mundo pra mim, ter o apoio de vocês dois nesse momento horrível da minha vida. Mas eu prometo que desta vez vou melhorar de verdade, que vou lutar contra isso. Eu só quero ficar bem de novo, sabe. Voltar a ser a garota que eu poderia ter sido se não tivesse passado por tantas coisas ruins. — Você vai conseguir. Eu vou estar ao seu lado, agora e sempre, minha deusa. Eu amo você. — Ele beijou meu cabelo, e eu me aninhei mais nos braços dele, respirando fundo e sentindo seu calor à minha volta, me envolvendo e protegendo, me mantendo em segurança. Minha mãe acordou e deu um sorriso aliviado ao me ver ali, nos braços de Hector. — Bom dia, querida. Como está se sentindo? — Estranha, e um pouco culpada por tudo o que aconteceu. Mas vou ficar bem, o tratamento novo começa hoje. — Ela deu um sorriso desanimado e veio fazer um carinho nos meus cabelos. — E estou com fome. — Vou pedir para a enfermeira se já podem servir seu café da manhã. Volto logo. — Ela saiu do quarto, e eu continuei aninhada nos braços de Hector, sentindo meu lar naquele abraço, meu porto seguro neste mundo horrível e doloroso. Eu só queria que as últimas vinte e quatro horas não tivessem existido, que eu abrisse os olhos e fosse ontem de manhã ainda. Que eu pudesse evitar tudo isso que aconteceu. Minha mãe voltou alguns minutos depois, seguida por uma enfermeira que trazia uma bandeja, que deixou na mesinha de apoio ao meu lado e saiu. Me sentei direito, pegando a bandeja e a trazendo para o meu colo, sentindo meus pulsos doerem ao carregar o peso. Eu realmente tinha exagerado na profundidade.
Na bandeja tinham duas torradas, uma rosquinha, um potinho com geleia e um com cream cheese, e um suco de laranja numa garrafinha. Era melhor do que eu esperava de um hospital, mas suspeitei que devia ter alguma influência de Hector ou da minha mãe nisso. — Se essa rosquinha tiver recheio de chocolate, eu vou querer ficar é neste hospital — arrisquei uma tentativa de brincadeira, dando um sorriso meio sem jeito. Como se sorria? Eu não parecia mais lembrar depois de ontem. — Vou torcer pra ser de morango. — Hector deixou uma mão casualmente em volta da minha cintura, e minha mãe balançou a cabeça, mas eu senti que eles respiraram mais profundamente depois da minha tentativa falha de ser normal. Eu realmente precisava de um tratamento novo. Comecei a comer devagar, mordendo a rosquinha. Olhei para Hector quando o recheio de morango apareceu, e ele deu um ar de riso. Acabei meu café, abrindo a garrafinha de suco e tomando um gole. — E então... prontos para me deixar na clínica? — perguntei, achando aquilo estranho. Eu nunca tinha ficado longe de todas as pessoas que eu considero meu porto seguro por tanto tempo quanto ficaria agora. Duas semanas. — Não totalmente, mas sei que você precisa disso. — Hector me puxou para seu ombro de novo, logo depois de eu deixar a bandeja na mesinha. — Vou sentir sua falta. — Nós dois vamos. — Minha mãe se aproximou, segurando uma de minhas mãos. — Sempre detestei te deixar ir. — Eu sei. Você chorou mais do que eu quando eu fui passar aquele mês com a vó na Louisiana, uns anos atrás... já ligou pro papai? — Você é meu bebê. E, sim, já falei com ele. Esperei até estar tudo resolvido para dar a notícia, o acordei no meio da madrugada. Ele surtou um pouco, mas ficou aliviado que você já esteja fora de perigo. — Eu percebi que ela não disse que eu estava bem. Eu realmente não estava. — Ele disse que vai tentar antecipar a passagem, mas que já tinha marcado pra vir à sua grande apresentação em junho. — Diga a ele que não precisa. Eu prefiro que ele me veja em junho, quando eu já estiver melhor e mais estabilizada. Não quero que ele me veja
assim, você sabe que papai é emotivo, não vai dar certo ele vir agora. — Eu podia estar no mais fundo dos poços, mas ainda precisava pensar racionalmente. — Bill realmente é emocionado. — Mamãe sorriu pela primeira vez desde ontem, um sorriso pequeno, mas estava lá. — Vou ligar para ele então. Volto logo. — Ela apertou meus dedos um pouco e saiu do quarto, pegando o celular. Hector continuava fazendo carinho na minha cintura, e subiu a mão para os meus cabelos. — Amo você — ele sussurrou, me fazendo querer me aninhar mais nele. — Também te amo. Promete que vai gastar suas visitas nos dois domingos? São nosso dia. — Garota esperta, eu ia te surpreender com isso. — Ele beijou meu cabelo, passando um segundo braço a minha volta e me abraçando como se eu fosse uma pelúcia. — Fico tão aliviado em te ter aqui nos meus braços. Não quero que se sinta culpada, você não teve culpa do que aconteceu, mas eu tive tanto medo de te perder... foi como se um pedaço enorme de mim estivesse se quebrando. — Ele se afastou um pouco para me olhar nos olhos, e eu vi que os dele estavam marejados. — Você é minha vida, Alice. E eu não consigo viver sem minha vida. — Eu não consigo viver sem minha vida, não consigo viver sem minha alma — recitei, vendo o olhar dele. — Ventos Uivantes. Não somos nada tóxicos, e só eu sou surtada, mas essa frase se encaixou bem agora. — Eu queria dar um sorriso pequeninho, mas não consegui. — Eu reconheci. É meu filme preferido, lembra? — Ele se inclinou, beijando minha testa. — Minha linda, amada e preciosa Alice. A deusa que me atingiu com força total, que arrancou meu coração de disse “agora é meu”. — A voz dele soou um pouquinho mais leve, como se finalmente começasse a acreditar que eu não estava mais desaparecendo de sua vida. — Foi uma troca justa, seu coração pelo meu. — Me aninhei no ombro dele de novo, respirando fundo. — Que horas são? — Nove horas. — Eu deveria já ir me arrumar para ir pra clínica, né? — Provavelmente. — Ele beijou meus cabelos de novo, se afastando e
me soltando, parecendo relutante em fazer isso. — Suas roupas estão na bolsa. — Já volto. — Me levantei da cama, agora sem cambalear, e peguei a bolsa, entrando no banheiro. Vesti uma blusa rosa, sem me importar mais com as mangas, não fazia sentido pra onde eu estava indo, e uma calça jeans. Percebi que minha mãe não tinha colocado as de moletom que eu usava para sair, e lembrei que elas tinham cordões. Ah. Saí do banheiro, colocando a bolsa no chão do meu lado. Minha mãe já estava de volta no quarto. — Pronta para ir, querida? — ela me perguntou, e eu assenti, respirando fundo. — Pronta. Assustada, nervosa, mas pronta. Preciso disso, desse tempo, tanto quanto preciso respirar... eu quero ficar bem, por mim e por vocês. — Peguei a bolsa de novo, e Hector veio tirar ela das minhas mãos, beijando minha testa. — Eu já recebi alta? — Como está indo daqui para outra clínica, sim. O Dr. Travis assinou ontem um termo para te liberar numa alta antecipada, e eu acabei de confirmar tudo — minha mãe explicou, e eu só assenti. Entrelacei meus dedos aos dela, querendo aproveitar aquele tempinho que ainda tinha com a minha mãe do meu lado, e descemos pelo elevador até o estacionamento, seguindo para o carro de Hector. Respirei fundo, entrando no banco do passageiro, e minha mãe foi atrás, carregando minha bolsa no colo. — Eu... posso ligar a rádio? Me despedir das minhas músicas — pedi, e Hector assentiu. — Claro que pode. Liguei o rádio na mesma estação das outras vezes, ouvindo o som de Rumour do Lee Brice começar. Quase sorri, fechando meus olhos e sentindo a música. Nunca tinha reparado muito na letra, mas ela agora me lembrou de Ethan e Nicole. Eu adicionaria isso à minha nova lista de motivos para não morrer: saber quem ganha a aposta sobre eles. Tocaram mais duas músicas e meia, além de um comercial, e então o carro parou. Abri os olhos, vendo a estrutura similar a um hospital à minha frente. Era um prédio de tijolinhos, com janelas enormes de vidro, e totalmente
cercado por grades altas, como uma prisão. Eu sabia que não era para me prender, era para manter o mundo do lado de fora, mas ainda assim tive uma sensação estranha. Hector desceu do carro, vindo abrir a porta pra mim e pra minha mãe, pegando minha bolsa. Andamos até a porta, onde uma moça simpática sorriu para nós. — Bom dia, bem-vindos à Be a light, me chamo Denise, em que posso ajudá-los hoje? — Ela não encarou as marcas óbvias e as ataduras nos meus braços, em vez disso manteve o olhar em meu rosto. — Eu vim me internar. Alice Rogers, falei com Dr. Travis ontem — me apresentei, sentindo aquele peso de nervosismo no fundo do estômago. Era como borboletas, mas pior. — Ah, claro querida, fomos avisados para lhe aguardar. Seja bemvinda. Deixe que eu pego sua bolsa, o doutor avisou os itens proibidos? — Assenti. — Muito bem. — Ela olhou para Hector e para minha mãe. — Vou deixar que se despeçam, me avise quando estiver pronta. — Ok. Obrigada. — Ela se afastou, levando minha bolsa consigo, e eu me virei para Hector e mamãe, meus olhos marejando. — Então é isso. — Vou sentir sua falta, minha filha. — Mamãe me abraçou, me esmagando um pouco, e eu me aninhei nos braços dela, procurando aquele calor de mãe que só ela tinha. — Se cuide, ok? Peça para me ligarem qualquer coisa, e se concentre em ficar bem. Vamos torcer por você, e viremos visitar nos dias permitidos — ela prometeu, me apertando mais uma vez, e beijando minha testa ao se afastar. — Eu amo você, minha menina. Com todo meu coração. — Também te amo, mãe. — Senti duas lágrimas caírem, e respirei fundo, me virando para Hector. Ele tinha uma expressão triste no rosto, quase de dor, quando me puxou para os seus braços. — Amo você, minha deusa. Vou sentir saudade todos os dias, minha vida, meu amor. Fique bem, ok? Lute. Lute por mim, por sua mãe, e principalmente por si mesma. — Ele me envolvia com cuidado, fazendo carinho na minha nuca daquele jeitinho só dele, e eu o abracei mais forte, chorando baixinho. — Promete que não vai me esquecer?
— Não esqueceria nem em um milhão de anos. — Ele beijou meus cabelos, se afastando um pouco e segurando meu rosto em uma mão. — Você é preciosa, mais do que qualquer joia ou valor nesse mundo. Nunca se esqueça disso. — Ele se inclinou, me dando um selinho demorado, e então relutantemente me soltou. — Amo você. — E eu amo você. — Olhei dele para a minha mãe. — Vocês dois. Dei uma boa olhada nos dois, decorando cada detalhe das duas pessoas que eu mais amava nesse mundo, e me virei, indo até a moça da entrada, Denise. Ela me lançou um olhar compreensivo. — Pense assim, não é um adeus. É só um até breve. — Ela deu um sorriso simpático, ensaiado demais. — Venha, por aqui. Vamos começar seus exames, pularemos a conversa psiquiátrica inicial, como já falou com o Dr. Travis na noite passada, e iremos direto para o exame físico. A Dra. Montgomery vai cuidar de você. — Comecei a segui-la, me virando para trás uma única vez, vendo uma outra pessoa do hospital conversando com Hector e minha mãe, provavelmente sobre a parte financeira da minha estadia. Segui Denise até uma salinha de consultório, onde uma médica ruiva de olhos gentis estava esperando. — Bom dia. Sou a Dra. Montgomery. — Ela estendeu uma mão para mim, que a cumprimentei por reflexo, tentando não pensar demais. — Bom dia, doutora. — Denise sorriu para ela. — Essa é nossa nova paciente, Alice Rogers. Vou fazer a checagem da bolsa dela, e a trouxe para o exame físico enquanto isso. O teste psiquiátrico já foi feito pelo Dr. Travis, ontem à noite. — Certo — a médica assentiu, e Denise saiu pela portinha, me deixando ali, segurando minhas mãos na frente do corpo, nervosa e sem saber o que fazer. — Sente-se, querida. Vou fazer algumas perguntas sobre sua saúde geral, e faremos um exame de sangue, ok? Um check-up de rotina, de certa forma. — Ok. — Me sentei na poltrona em frente à mesa dela, olhando em volta. Eu nunca gostei muito de ir em consultas. — Seu nome completo é Alice Rogers? — Alice Caroline Rogers, mas raramente ou nunca uso meu nome do meio.
— Certo. — Ela digitou isso, erguendo os olhos para mim de novo. — Idade? — Vinte e um anos. Meu aniversário é dia quinze de julho. — Antecipei a pergunta seguinte, e ela assentiu, preenchendo isso também. Eu me sentia numa espécie de entrevista esquisita. — Estado civil? — Namorando. — Certo... eu preciso perguntar, neste caso, há alguma chance de que esteja grávida? — Talvez uma chance minúscula, nunca se sabe, mas eu e meu namorado usamos proteção todas as vezes. Minha menstruação deve descer semana que vem. — Só me faltava estar grávida. Respirei fundo, tentando não me desesperar à toa. — Na verdade, eu gostaria de começar a tomar anticoncepcional, se puder. — Certo, posso conferir isso no exame de sangue, e veremos sobre a pílula, mas fique tranquila, é apenas uma pergunta de rotina. — Ela me deu um sorriso simpático, e continuou o questionário. Perguntas do tipo se eu tinha alguma condição física pré-existente, se eu já passei por alguma cirurgia, se eu tomava algum remédio além dos psiquiátricos... E depois que terminou as perguntas, ela me examinou, dados como altura, peso – eu tinha passado de 130 quilos – minha pressão e batimentos cardíacos. Por fim, ela pediu meu braço, e eu dei permissão para que tirasse os curativos. Eu mesma estava curiosa para ver embaixo deles. As quatro cicatrizes, duas de cada lado, foram sendo reveladas. A maior, no braço esquerdo, tinha um formato irregular, não era totalmente reta, e eu contei dezoito pontos na mais longa, dez na menor. A mesma coisa no braço direito, a grandona com quinze pontos, a menor com oito. Estavam vermelhas, feias. Suspirei, triste. — Não fique assim, querida. Estamos aqui para lhe ajudar a evitar que isso se repita, você vai ser muito bem tratada na nossa clínica. Vou tirar seu sangue enquanto deixo esses cortes respirarem um pouco, e refaço os curativos, ok? — Assenti, e ela me deu uma palmadinha amigável no ombro, indo pegar uma seringa com um tubinho no armário e voltando. Fiquei parada, enquanto ela tirava o sangue, não era a maior fã de agulhas que não
fossem usadas por mim mesma. Ela separou os dois tubinhos de sangue, colocou um daqueles band-aids redondos no meu braço, e refez com cuidado os curativos nos pulsos, sem enfaixar, usando só gaze e esparadrapo. Eu ainda estava chocada que tinha feito nos dois pulsos, mal conseguia me lembrar claramente de tudo. — Pronto? — perguntei, esperançosa. Ela sorriu. — Pronto. E Denise já deve ter acabado com sua bolsa também, então que tal eu a chamar para te mostrar o lugar? Vi aqui no seu prontuário que vão ser duas semanas, a princípio. Melhor se familiarizar com os corredores. — Ela deu outro sorriso, me levando até a porta do consultório. — Seja bemvinda, querida. Estamos todos aqui para colaborar com sua recuperação. — Obrigada. Ela abriu a porta e Denise estava nos esperando no banco do outro lado do corredor. Se levantou imediatamente, sorrindo calorosamente para mim. — E então, tudo certinho? — ela perguntou e a doutora assentiu. — Muito bem, vamos lá, Alice. Suas coisas já foram levadas para o seu quarto, vou te mostrar o lugar. — Ok. Eu estava falando pouco, ainda tentando me acostumar com o lugar, com todo o ambiente. Segui ela pelo caminho que ela tomou, observando o lugar. Os corredores eram meio sem graça, com pinturas de casas de campo ou cachorrinhos, uma ou outra de um vaso de flor. Tinha uma ampla sala de TV, onde estava passando algum desenho animado, três salas de artesanato, além de algumas muitas de terapia grupal e individual. Nos corredores tinham algumas estantes com livros pré-aprovados, que eu teria que dar uma olhada quando acabasse o meu. Vi algumas pessoas por onde passei e ninguém encarou meus curativos por mais que um segundo. Não era nada extraordinário ou fora do comum aqui. Passamos pelo enorme refeitório, e depois pela geladeira e o armarinho de lanches curtos. Por fim chegamos no terceiro andar, os quartos. Eram vários cubículos de uma ou duas camas, eu tinha ficado em um individual. As paredes eram num tom de azul-esverdeado, e minhas coisas haviam sido organizadas por alto ali. Meu livro e meu caderno estavam na escrivaninha, minhas roupas num armarinho sem porta, e eu vi pela porta aberta do
banheiro que meus produtos de higiene estavam ali. — Hoje durante o resto da manhã você pode ficar por aqui, e alguém virá lhe chamar na hora do almoço. Ao lado daquele calendário ali tem os horários que você seguirá enquanto estiver aqui, de terapias e atividades ocupacionais. Esperamos que se adapte bem, e que tenha uma ótima recuperação. Seja bem-vinda, mais uma vez. — Obrigada. — Forcei um sorriso que não devia parecer simpático, e comecei a andar pelo quarto assim que ela saiu, observando como era. A janela dava vista para o jardim por onde eu entrei, e era permanentemente trancada. O carro de Hector já não estava mais estacionado ali. Engoli em seco, indo olhar os outros detalhes. As maçanetas eram todas arredondadas de forma que nada pudesse ser pendurado nelas, o único gancho de pendurar roupas era de plástico e preso por um imã. Todo o tipo de prevenção ao enforcamento. O banheiro tinha uma porta que não fechava, só ficava encostada, e o chuveiro e torneiras da pia eram no mesmo esquema das maçanetas, impossíveis de pendurar até mesmo um elástico de cabelo. Era estranho, mas reconfortante, saber que tinham esse cuidado com os pacientes. Dei uma olhada no meu horário, vendo como seria minha vida durante duas semanas. Não parecia ruim. 8:30 – 9am: Café da manhã 9:15 – 9:45am: Grupo de objetivos 9:45 – 10:15am: Organização de quarto e rotina 10:15 – 11am: Grupo de recuperação 11 – 11:30am: Pausa para ar fresco 11:30 – 12:15pm: Terapia individual 12:30 – 1pm: Almoço 1:15 – 2pm: Mecanismos de resposta 2:30 – 3:15pm: Terapia artística 4:15 – 5pm: Tempo livre de TV ou jogos terapêuticos 5 – 6pm: Jantar
6:30 – 7pm: Caminhada no jardim 7:15 – 8pm: Tempo de recreação 8 – 9pm: Finalização do dia e toque de recolher. Respirei fundo, até que não era ruim, e eu teria algum tempo livre para cochilar, escrever no meu caderninho ou ler um pouco. Olhei o caderninho na escrivaninha, abrindo a capa e sentindo meus olhos marejarem ao ver o “eu te amo” escrito ali e circulado por um coração torto. Fui até a cama que seria minha durante minha estadia aqui, me sentando. O colchão era duro, totalmente diferente da minha cama já surrada ou do colchão super macio de Hector. Por falar nele, peguei a almofada de lua, a abraçando. E naquele momento eu fiz minha promessa. Eu iria melhorar, por todos que eu amava e por mim mesma.
O resto da manhã passou rápido, e o almoço também. Pelo que eu tinha percebido, aqui não era um lugar para fazer amigos, então me sentei quietinha numa mesa meio afastada. Tinha uma atmosfera parecida com o colégio, mas ao mesmo tempo totalmente diferente. As pessoas não me olhavam com julgamentos, simplesmente era cada um focado no próprio prato, umas pouquíssimas pessoas conversando um pouco enquanto comiam. Meu almoço hoje tinha algumas opções para escolher, optei por carne com batatas, e eu dei um sorriso bobo para o prato, minha memória voltando para o dia maravilhoso na casa do lago. Queria que aquele dia voltasse. Depois do almoço, eu fui pedindo ajuda para alguns funcionários até achar a sala de terapia onde eu teria Mecanismos de resposta. Tinham algumas pessoas sentadas num círculo, e eu escolhi uma cadeira. Parecia uma reunião do AA, mas de certa forma éramos viciados nos nossos próprios modos de lidar com a dor. Eu conhecia de perto como era a depressão. Alguns bebiam para esquecer, outros fumavam, um ou outro se envolvia com drogas, e eu cortava. Eram formas nocivas de lidar com a dor, vícios perigosos. Tinha uma moça numa cadeira que usava um crachá, e ela me deu um
sorriso receptivo. Tentei corresponder, mas meu quase sorriso saiu estranho. Em poucos minutos a salinha encheu, com pessoas se sentando à minha direita e esquerda, e então a moça do crachá abriu a boca. — Boa tarde, queridos e queridas. Temos duas novas adições no nosso grupo hoje, então vou me apresentar. Me chamo Meredith, sou psicóloga, e trabalharei com vocês sobre como reagir a gatilhos. Primeiro, vou pedir que nossas duas novatas se apresentem, por favor. Coisa simples, seu nome, se esse é seu primeiro tratamento, e caso se sintam confortáveis, podem compartilhar o motivo de estarem aqui. Esse é um lugar seguro. — Ela olhou para mim e para uma garota que estava três lugares a minha esquerda. A garota falou primeiro. — Boa tarde. Eu me chamo Lyanne, e essa não é minha primeira vez em uma clínica. Estou aqui porque quase tive uma overdose há alguns dias, numa recaída. — Bem vinda, Lyanne. Esperamos ajudar você a se recuperar e evitar que isso se repita. — E então ela se virou para mim. Engoli em seco, respirando fundo. — Boa tarde. Meu nome é Alice, esta é minha primeira vez em uma clínica psiquiátrica, e estou aqui por causa disso. — Balancei de leve os pulsos, os curativos me poupando de explicar que quase me suicidei por acidente, num impulso descontrolado que eu mal me lembrava de ter tido. — Bem-vinda, Alice. Sei que pode parecer assustador, mas estamos todos aqui com o objetivo de lhe ajudar a não passar mais por isso. — Ela deu um sorriso caloroso de boas-vindas, para mim e para Lyanne, e então começou a falar sobre a terapia de resposta. O tema se encaixou perfeitamente com a minha situação, traumas do passado e como reagir quando eles forem trazidos de volta à tona. Foi toda uma longa conversa sobre mecanismos para respirar fundo e manter a calma antes que o gatilho tomasse conta de nós. Fizemos exercícios de respiração, de contar até quinze de trás para frente, coisas desse tipo. Eu nunca tinha estado numa terapia de grupo antes, e achei interessante a forma como isso foi trabalhado. Depois dessa sessão, fui para a sala de arte, que eu achei quase sem precisar de ajuda, e dei um sorriso quase completo quando entrei no lugar. Eu sempre gostei de coisas artísticas, não é à toa que queria me tornar atriz, mas
o que quase ninguém sabia é que eu também gostava de desenho e pintura, por mais que fosse péssima em ambos. Um moço com um crachá escrito Blake veio falar comigo. — Boa tarde, você deve ser Alice, certo? — Assenti. — Me chamo Blake, sou o coordenador desse projeto de artes. Acreditamos que a criação de um projeto e a conclusão dele podem ser de grande ajuda na saúde mental. Você já trabalhou com alguma forma de pintura terapêutica antes? — Não... — Sem problemas, posso te explicar tudo o que precisar. Temos algumas opções aqui, como livros de colorir, telas de pintura através da colagem de pequenas pedrinhas, e telas de pintura por números. Na sala ao lado, temos também projetos com argila, mas alguns casos não são aprovados, por causa dos objetos. — Casos como a garota que quase morreu há menos de vinte e quatro horas, acertei? — Dei um sorriso amargo, e ele assentiu, com uma expressão compreensiva. — Muito bem, me fale mais dessas telas de pedrinhas e de números. — As de pedrinhas são obras de arte trabalhosas, onde você usa uma caneta para coletar as pedrinhas, que são como pequenos diamantes, e cola uma por uma nos locais indicados para formar uma imagem. A pintura por números é similar, mas usa tinta acrílica comum, e é só ir pintando com as cores indicadas nos espacinhos. Temos vários modelos das duas opções. — Ele começou a andar para um canto da sala e eu o segui, pensando. A pintura com pedrinhas parecia bem interessante, mas eu sempre gostei de tinta. E tinta me fazia lembrar da Feyre de acotar, e isso me fazia sentir mais quentinha por dentro. — Vou querer a pintura com tinta. — Boa escolha. De tinta, no momento, temos essas opções aqui. — Ele pegou o que à primeira vista parecia um baralho ou coleção de cartas, mas eram miniaturas de pinturas genéricas. Fazendas, árvores, casinhas de campo e flores. Encontrei uma no meio delas de um céu estrelado com uma lua cheia e uma cidade embaixo, e dei até um sorrisinho pequeno. — Esse aqui. Me lembrade um livro. — Perfeito. — Ele sorriu, olhando as caixinhas que tinham no armário
e pegando uma, caminhando comigo até uma das mesas. Ele abriu a caixa, que continha uma porção de potinhos de tinta, três pincéis de diferentes tamanhos, e uma tela enorme, totalmente separada em setores com números neles. Fiquei encarando por um tempinho. — Pra começar, é só escolher uma cor e ir pintando na parte demarcada. Divirta-se, estarei ali naquela mesa se precisar de mim. Lembre-se de se concentrar, a arte pode relaxar bastante a mente. Assenti, sem saber o que responder, e ele se afastou. Minha tela estava estendida, e eu olhei os potinhos e os números da tela, me perguntando por qual começar. Acabei decidindo ir pelos cinzas da lua, era enorme, então tinha menos chances de começar fazendo besteira. A atividade realmente era relaxante, o tempo foi passando e eu distraída, até que senti uma batidinha no ombro, e ergui meu olhar para Blake. — Já é hora de ir? — perguntei, e ele assentiu. — Sim, sinto muito. Mas amanhã você pode continuar, vou colocar sua tela para secar até lá. — Ok. — Suspirei, fechando meu potinho de tinta cinza escuro e me levantando, indo até o meu quarto olhar o horário. Eu agora tinha uma hora livre antes do horário de tv ou jogos, e decidi pegar meu caderninho. Tive que pedir à enfermeira do corredor por uma caneta ou lápis, e ganhei uma caneta daquelas de ponta fina, bem do jeito que eu gostava, e um lápis mal apontado. Nada de coisas afiadas na ala psiquiátrica. Peguei o caderninho, me sentando na escrivaninha, e decidi fazer uma lista de razões pra viver. Eu já tinha pensado nisso mais cedo, e fui começando a lista. Comecei com coisinhas óbvias, e fui ficando mais criativa. 1 – Mamãe me ama 2 – Hector me ama 3 – Papai e vovó me amam 4 – Tenho amigas que sentiriam minha falta 5 – Quero saber quem ganha a aposta de “NicolEthan” 6 – Brian precisa de uma irmã pra lidar com Alec 7 – Os Vanslow também se preocupam comigo
8 – Apresentar “Espelhos” no final do semestre Oito motivos eram suficientes? Eu acho que sim. Se me lembrasse de mais algum, eu colocaria depois, mas já eram bons motivos, variados. Respirei fundo, virando a página e começando a rabiscar uma espécie de diário, anotando sobre o meu dia até agora, sobre tudo o que eu fiz aqui na clínica desde que cheguei. Não tinha muito mais o que fazer, e eu não sabia desenhar sozinha sem alguma base, então o jeito era escrever mesmo. Estava pensando no que mais adicionar quando uma enfermeira deu uma batidinha na porta. — Boa tarde, querida. Desculpe incomodar, mas está na sua hora de televisão. — Ah, ok. Já estou indo. — Sorri, me levantando da escrivaninha e fechando o caderno. Tive que entregar a caneta e o lápis para ela, e segui até a sala de tv. Dei um sorriso rápido quando vi o que iríamos assistir, aquele live action do Scooby Doo. Pelo visto, só teríamos conteúdos leves assim, considerando que mais cedo eu vi que assistiam a desenhos. Não me incomodei com isso, sempre gostei de desenhos e filmes infantis. São bobos e alegres, até os mais loucos e absurdos. Sentei no tapete enorme que tinha no chão, já que os sofás já estavam ocupados, e assisti ao filme. Era bom, me fazia rir em alguns momentos, mesmo já tendo assistido mil vezes enquanto crescia. E as risadas, mesmo que provocadas por algo e não totalmente vindas do fundo do meu peito, ajudavam bastante a esquecer a dor. Teve um breve momentinho que eu até esqueci onde estava. Foi rápido, mas me senti bem, e as risadas das pessoas à minha volta refletiam a mesma coisa. Não acabamos o filme todo, e continuaríamos amanhã, pois já era hora do jantar. Me servi de espaguete, pegando meu garfo — nada de facas, principalmente para pacientes com meu diagnostico e situação — e me sentei. A garota da minha turma de terapia, Lyanne, se aproximou. — Posso sentar aqui? — Claro. Ela se sentou e comemos em silêncio. Como eu já havia percebido, aqui não era um lugar para fazer amigos, mas havia uma certa camaradagem no ar,
uma forma de entendimento já que todos estávamos passando por situações semelhantes. Acabei cedo o jantar, e peguei um potinho pequeno de gelatina de morango como sobremesa. Ainda tinha algum tempo livre até a hora da caminhada noturna, então peguei meu livro. “Olhe, eu não queria ser um semideus”, Percy começou, e eu fui sentindo aquele calorzinho de recordação da primeira vez que li, quando o mundo ainda era suave e eu não tinha medo de tudo, nem colocava a mim mesma em risco. Tinha uma sensação boa de nostalgia, e faziam séculos que eu não relia Percy Jackson. Mais uma vez e enfermeira precisou me chamar quando deu a hora, e fui para a caminhada no jardim. Tinham várias luminárias na trilha pela qual passamos, e era um grupo muito maior que as outras atividades. Acho que essa era com todos os pacientes juntos no mesmo horário. Caminhamos por meia hora, passeando por todo o exterior do prédio principal. Quando voltamos para dentro, era horário livre. Era um tempo livre em que, a enfermeira me explicou, podíamos fazer o que quiséssemos. Ficar em nossos quartos, ler, assistir mais um pouco de Tv. Algumas pessoas recebiam as visitas nesse horário livre, o horário de visitação era das seis e quinze da noite até as oito. Um horário estranho, mas fazia sentido, já que a maioria dos visitantes trabalhava durante o dia. Escolhi a tv hoje, indo assistir a um pouco de desenho. Estava passando hora de aventura, e eu gostei disso, era um desenho que eu adorava e tinha umas mensagens bem profundos às vezes. Fiquei assistindo até o primeiro sinal de recolher soar. Achei estranho, parecido com um alarme escolar, mas entendi a necessidade dele. Vi algumas pessoas se levantarem, e perguntei a um dos enfermeiros o que eu faria agora. Ele me explicou que essa hora agora era dos remédios, e o tempo até dormir era para revisar os objetivos do dia, tomar um banho. Era estranho ter realmente uma fila para receber os remédios, mas eu a segui, até chegar ao balcão. A moça sorriu pra mim. — Primeiro dia, não é? — Assenti. — Aqui está. Você tomará esses dois enquanto estiver aqui, e a Dra. Montgomery pediu que avisasse quando sua menstruação descer para começar o anticoncepcional. — Ok. — Peguei o copinho, com um comprimido amarelo pequeno e um branco meio grandinho, e o copinho de água que ela me entregou junto.
Engoli os comprimidos, achando estranho, mas entendendo a necessidade, quando ela me pediu para abrir a boca e erguer a língua para confirmar que eu tinha engolido de fato. Fui liberada para voltar para o quarto. Eu não tinha objetivos do dia, tinha perdido o horário em que são definidos, então apenas segui para o quarto, fechando a porta do banheiro que não fechava totalmente, e ligando o chuveiro estranho. Não saía muita água, mas deu pra lavar meu cabelo, sentindo o cheirinho familiar de lavanda e mel se espalhando pelo banheiro. Aquilo me dava uma sensação de lar. Vesti um dos pijamas que mandaram pra mim, e me deitei. A porta do quarto não fechava, só ficava encostada como a do banheiro, mas vieram me explicar que ela tinha que ficar aberta durante à noite. Ok. Estranho, mas eu entendia. Abracei minha almofada de lua, pela primeira vez batendo a falta de casa. A falta da minha cama, sim, mas mais especificamente da cama de Hector. Depois do que aconteceu ontem, eu não conseguia mais pensar no apartamento de mamãe como minha casa, mas sim como o lugar onde eu quase morri. Não sabia como seria voltar pra lá depois do tratamento, mas acho que teria que me acostumar com a ideia. Por hoje, eu me permiti sentir falta de dormir aninhada no peito de Hector.
Era domingo. Eu tinha chegado na quinta e já era domingo. Hector tinha ficado de visitar hoje, e mamãe viria amanhã. Eu teria passado o dia inteiro ansiosa com isso, mas a rotina me mantinha ocupada. Café da manhã, objetivos — os meus de hoje eram sorrir de verdade e abraçar Hector — grupo de recuperação — que funcionava bem melhor do que eu pensei que seria, era uma espécie de conversa coletiva sobre nossos traumas e todos podíamos dar sugestões baseadas em experiências. Na terapia individual, eu conversava com um psicólogo, Henry Calvman, que estava me ajudando bastante. Eu, nos últimos anos, não tinha feito nenhuma consulta com psicólogo, só psiquiatras mesmo, mas era reconfortante ter alguém me escutando e não me dando as soluções, mas me mostrando o caminho para encontrar elas por conta própria.
O resto do dia foi tranquilo, e logo era de noite, e a ansiedade começou a bater enquanto fazia a caminhada. E então eu vi os portões se abrindo, e aquela silhueta que eu tanto conhecia apareceu, olhando em volta. Estávamos bem longe, e eu não enxergava quase nada mesmo com os óculos, mas na hora que nosso olhar se cruzou meu coração acelerou. — Enfermeira Dawson? — Sim, querida? — Aquele ali é meu namorado. Eu posso correr e abraçarele? — pedi, enquanto os portões se fechavam e ele começava a caminhar na nossa direção. Ela deu uma risada. — Pode sim, querida. — Obrigada. — E corri. Corri até ele, que apressou o passo na minha direção também, e eu me joguei nos braços dele, quase o derrubando no chão, sendo envolvida naquele calor maravilhoso que eu tanto amava. Ele cheirou meus cabelos, me abraçando apertado, e eu não queria soltar nunca. Eu tinha sentido saudade, todos esses dias sem ter absolutamente nenhum contato com ele. — Oi — ele murmurou, beijando meus cabelos, se afastando um pouco e beijando meu rosto. — Oi. — Abracei ele de novo, beijando seu pescoço e escondendo meu rosto ali. — Senti saudade. — Eu também, minha deusa. Eu também. — Ele beijou meus cabelos de novo e se afastou um pouco, entrelaçando os dedos nos meus. — Vamos entrar? Quero saber como estão sendo seus dias. — Vamos. — Apertei a mão dele, andando pelo caminho até o interior do prédio. Ouvi uma risadinha de duas das meninas, mas não era uma risadinha maldosa como as que eu estava acostumada. Eram risadinhas alegres, do tipo que são de admiração. Caminhei com ele até a sala de visitas, que tinham várias mesas onde havia algumas pessoas, e eu parei perto de uma delas, olhando em volta e chamando a enfermeira. Hector ergueu uma sobrancelha, mas eu já tinha me acostumado com aqueles detalhes. — Com licença, ele pode se sentar do meu lado, ou tem que ser do
outro lado da mesa? — Pode ser ao seu lado, querida. Só pedimos que não exagerem no contato físico, para não constranger os outros pacientes, mas aqui não é uma prisão. Podem aproveitar a companhia um do outro. — Obrigada. — Dei um sorriso pequeninho, me sentando e puxando Hector para ficar do meu lado. Automaticamente deitei minha cabeça em seu ombro, meu porto seguro, e senti seu braço a minha volta. — Desculpe por isso, ainda estou me acostumando com as regras. — Tudo bem, eu entendo. — Ele beijou minha testa. — Como estão sendo seus dias aqui? Tudo certinho? — Uhum. Tenho um horário bem certinho pra seguir durante o dia, e vários tipos de atividades terapêuticas. Conte a Brian que eu estou aprendendo a pintar, inclusive. É pintura por números, então tecnicamente eu só estou preenchendo os espaços vazios, mas estou quase acabando uma pintura de uma lua enorme com uma cidade embaixo. Me lembrou de Velaris. — Ele vai adorar saber. Fico feliz que não tenha esquecido de nós — ele brincou, me fazendo dar um riso bem de leve. — Jamais esqueceria vocês. Na verdade, vocês todos estão na minha lista de razões pra viver. Sim, eu fiz uma lista. Sabe qual o motivo número cinco? — Qual? — Descobrir quem ganha a aposta sobre Nicole e Ethan. Inclusive, juntei os nomes deles, Nicolethan. — Ele riu ao ouvir isso, apertando de leve meu ombro. — E você é o motivo número dois. O primeiro é mamãe. — Fico honrado. — Ele beijou meus cabelos, e eu conseguia sentir que seu corpo ficava mais leve ao meu lado. — Fiquei preocupado, tive medo de que talvez não se adaptasse bem. — Foi estranho, mas é fácil de seguir os horários. Meus momentos preferidos são a terapia de recuperação, a individual, a artística e o horário de lazer. Nos dois primeiros dias assisti Tv, estávamos vendo Scooby Doo, e nos dois últimos eu escolhi jogos terapêuticos. Sabia que aqui tem uma salinha com notebooks? Tem algumas opções de jogos saudáveis, como The Sims ou uma variedade de jogos de fazenda. Eu escolhi um desses, Stardew Valley.
— E como é? — Ele estava realmente interessado em como estavam sendo meus dias, e eu amava isso. Amava o quanto ele se importava. — É naquele estilo de quadradinhos, acho que é oito ou dezesseis bit o nome, e dá pra criar o próprio personagem. O único objetivo do jogo é cuidar da fazenda, do jeito que quiser, seguindo as habilidades que quiser. Eu gostei bastante da pesca e do plantio, enquanto eu jogo nem vejo o tempo passar direito. — Ergui meus olhos para ele. — E você, o que fez esses dias? — Trabalhei. Continuamos cuidando do hotel na Flórida, que já está na fase final do planejamento. Tive que ir em Atlantic City ontem, tivemos um pequeno problema de polícia no cassino, alguém tentando fraudar as máquinas, mas tudo se resolveu rápido. — Ele fez uma pausa, se concentrando. — Ah, Brian pediu pra te contar que ele e Alec conversaram. Alec está noivo mesmo, mas ele conseguiu manter a calma e aceitar serem amigos. — Que pena, eu tinha esperança de que eles fossem ficar juntos. Brian ainda é muito apaixonado por Alec, qualquer um pode ver. — Bem, quem sabe, se esse noivado não der certo, eles talvez tentem de novo. Também torço pelos dois, principalmente por ser a felicidade do meu irmão em jogo. — Exatamente. — Deitei no ombro dele de novo, fechando meus olhos. — Como ficaram as coisas na Lucille? Você ou mamãe resolveram minha ausência? — Explicamos que você estava de licença médica, e a parte administrativa e os professores sabem exatamente que tipo de licença, mas não contaram aos alunos. Cabe a você decidir, quando sair daqui, se vai contar ou não onde estava. — Eu vou. A primeira coisa que aprendi aqui foi a não ter vergonha da minha doença. Uma pessoa com câncer não esconde o que sofre, e muitos consideram a depressão como um câncer da alma — expliquei, me lembrando da minha primeira sessão de terapia de recuperação. — Sei que posso ser julgada, principalmente pelas Isabellas da vida, mas tenho esperança de que quando sair daqui vou estar pronta para lidar com isso. — Quatro dias e já amadureceu assim, me orgulho de você. — Ele beijou minha testa de novo, dando um sorriso tranquilo.
— Cumprindo meu objetivo aqui. Sabia que fazemos objetivos diários? O meu de hoje cedo foi sorrir mais e te abraçar. Metade está completo. — Vou te ajudar a completar a segunda metade. Acho que não seria apropriado te fazer cócegas, né? — Nem pensar. — Balancei a cabeça, e ele deu um sorriso. — Muito bem, então acho que vou ter que apelar para piadas toscas e um tanto absurdas. Já ouviu a do anão, da colmeia e do burro? — Já, pesquisei a primeira vez que foi mencionada em Game of Thrones. E sei uma de uma velha avó e o marido de arrumando pra dormir, que eu vi em Outlander. — Essa eu que não conheço. E por falar em séries, continuei assistindo a True Blood. Já estou no final da quinta temporada, com toda aquela bagunça de Lillith. — Ele começou a fazer carinho no meu cabelo, e eu senti meu corpo inteiro relaxar. — E não vou nem comentar sobre a quarta temporada, aquela Marnie insuportável enchendo a paciência a temporada inteira. E o sofrimento do Lafayette acabou comigo. — Acho incrível que nossas opiniões são idênticas. — Dei um sorriso pequeno, respirando fundo, sentindo o perfume dele. — Eu andei lendo seus livros também. Comecei por aquela trilogia, Starcrossed. Cada dia tenho mais noção de onde você aprendeu tudo — ele baixou o tom de voz —, minha pervertida. — Hector! — Senti meu rosto esquentar, mas ele conseguiu o que queria, pois eu dei uma risadinha. — O que achou da história? — Eu gostei. É bem profunda, mas é linda de se ler. Já estou no começo do terceiro, Coração Perverso. — Liam e Elissa, são um dos meus preferidos. Meu sonho é conseguir comprar a edição autografada pela Leisa. E não, não é um pedido pra que você faça isso... vou comprar com o dinheiro da aposta, quando eu obviamente vencer. — Consegui dar um sorrisinho convencido, bem pequeno, mas estava lá. — E se não ganhar? — Eu vou ganhar. — Convencida. — Ele apertou o braço a minha volta, num carinho, me
fazendo suspirar baixinho. — Eu tenho fé na vitória, é diferente. — Brinquei, fechando os olhos. — É tão estranho, já estar me sentindo uma pessoa diferente depois de tão pouco tempo que eu... — Movi os pulsos, sem querer falar. — Aliás, eu vou tirar os pontos em alguns dias. Já estão bem fechadinhos, coça de vez em quando. — Você já está assim porque você está lutando, minha deusa. — Ele sorriu, beijando meus cabelos com carinho. — Eu consigo ver nos seus olhos o quanto você realmente quer isso, o quanto está lutando para melhorar. Fico orgulhoso de ver isso, de ver seu esforço. — Você tem tanta fé em mim, mesmo depois de tudo... tem uma música country sobre isso. Eu sou difícil de amar, eu não facilito, eu sou uma bola de destruição e você ainda assim me dá várias chances de melhorar e de reagir, eu não sei se conseguiria se estivesse no seu lugar. — Abracei ele, inspirando seu cheiro calmo de erva doce, a suavidade que eu tanto gostava nele. — Você merece cada pedacinho de amor que eu te dou, e todos mais que ainda vou dar. Me orgulho mesmo de você. — Ele continuou abraçado comigo, beijando meu rosto. — Mas então, me conte mais sobre a tal terapia artística. Você se animou quando mencionou isso. — Ah, é superlegal. Tem uma tela de pintura numerada, em que eu vou pintando os espacinhos com a tinta certa, e a pintura vai se formando. Já estou quase acabando a primeira, devo terminar até amanhã. A próxima provavelmente vou escolher uma de praia, ou se ainda estiver disponível, a de um píer num lago. Em homenagem ao melhor fim de semana da minha vida. — Dei um sorriso pequeno, sem nem perceber direito, mas aquela memória sempre fazia com que eu me sentisse bem. — Você pode levar as pinturas embora quando sair? Eu adoraria ver. — Não sei, mas qualquer coisa podemos descobrir onde comprar esses kits de pintura numerada. Esses, eu deixo você me dar de presente, mas só um por mês. — Finalmente está cedendo, hein? — Ele sorriu, fazendo carinho no meu rosto. — Um mimo ou outro não vai me fazer mal — respondi, encostando
meu rosto na curva de seu pescoço. Não queria que ele tivesse que ir embora daqui a pouco. — Sinto falta de dormir ao seu lado. Eu tenho dormido bem aqui, melhor do que em casa, mas sinto falta de você sendo meu travesseiro, fazendo carinho no meu cabelo ou na minha cintura até pegar no sono. — Também sinto falta de você ao meu lado, resmungando coisas aleatórias durante a noite, e me enchendo de beijos de manhã. Logo você estará de alta para continuar o tratamento lá fora, e eu serei o melhor travesseiro do mundo sempre que me quiser. — Pra sempre, então. — Sorri, beijando o rosto dele com carinho. Era mais fácil sorrir com ele aqui, ele me dava motivos para sorrir mais. Eu sabia que não podia apoiar meu tratamento nele, e esse era um dos maiores motivos pra o Dr. Travis só ter permitido duas visitas enquanto eu estiver aqui. Eu precisava me distanciar do que, ou melhor, de quem eu usava de muleta, e me apoiar em mim mesma. Eu estava começando a entender. — Por mim, está ótimo. — Ele entrelaçou os dedos no meu cabelo, fazendo aquele carinho na minha nuca que eu tanto amava. — Rudy está com saudade também. Posso jurar que ele vai acabar aprendendo a latir a palavra “mamãe” toda vez que eu falo em você. — Você fala de mim com Rudy? Coitadinho, tendo que te ouvir tagarelando por horas e horas. — Horas e horas? Por acaso, tem alguém me espionando? — Ele riu, aquele tom suave e brincalhão na voz. O primeiro alarme do toque de recolher soou, e eu suspirei. — Hora de ir embora — murmurei, fazendo um bico, enquanto me afastava um pouco. — Vou sentir saudade. — Também vou. Mas logo uma semana passa e eu venho te ver de novo, e depois mais alguns dias e você estará em casa. — Tomara. — Desejei com todas as minhas forças que eu realmente conseguisse progredir rápido o bastante para ser liberada com duas semanas. Esperava que sim. Me levantei da mesa, estendendo uma mão para ele se levantar também. — Vamos, eu posso te levar até a porta. — Ele entrelaçou os dedos nos meus, andando comigo até a entrada, que era meu limite. Não dissemos nada nesse caminho curto, só curtimos aquele restinho de companhia um do outro.
— Boa noite, meu amor. Vou sentir sua falta, mas sei que está bem cuidada. — Ele me abraçou pela cintura, e eu o abracei pelo pescoço, na ponta dos pés. — Boa noite. Eu amo você, nunca se esqueça disso. — Só se você prometer que também nunca vai esquecer o quanto eu te amo. — Ele levou uma mão ao meu rosto, fazendo um carinho e se inclinando para um beijo rápido. — Até mais. — Até — sussurrei, vendo-o se virar, e percebi que não dissemos tchau. Não era mais uma despedida, eu faria questão de não ter mais despedidas. Era minha promessa: eu melhoraria.
Sábado de novo. Mais alguns dias e eu receberia alta, mais uns dias e eu voltaria para a minha vida como uma pessoa nova. Eu conseguia sentir a diferença em mim, e o psicólogo dizia que eu estava mostrando sinais de melhora. Fui elogiada uma vez por estar cooperando bastante com o tratamento, e na quarta quando vi o Dr. Travis ele disse que eu estava progredindo bem. Segunda, eu acabei o quadro da pintura com números, e comecei outro, não achei mais o píer nem a praia, então escolhi o de um castelo. Perguntei a Blake e não, não podíamos levar embora os quadros, mas quando eu fosse liberada, ele poderia me indicar um bom fornecedor, já que viu o quanto eu realmente tinha gostado dos projetos. Durante a semana me revezei entre sala de tv e sala de jogos no horário das quatro e quinze, dependendo do filme que estivessem exibindo. Assisti Como Treinar o Seu Dragão, e ninguém me julgou quando chorei no final, não fui a única. Nos outros dias, fiquei jogando aquele Stardew Valley, minha fazendinha progrediu bem, já estava na metade da primavera. Teria que aceitar mais esse mimo de Hector e pedir o jogo, que eu espero que seja baratinho. Isso aliás era algo que eu tinha trabalhado na terapia individual:
tudo bem aceitar presentes. Eu não tinha motivos para me sentir culpada, não estava extorquindo Hector, estava deixando que ele mostrasse seu carinho através de presentes, algo que eu também faria se tivesse a condição que ele tem. Havíamos trabalhado muitos desses detalhes sobre mim nas terapias individuais, e num plano mais geral nas terapias em grupo. Eu havia aprendido que gatilhos sempre vão existir, mas que vou ter que aprender a lidar com eles através dos mecanismos de reação para manter a calma e não ter crises. Sempre que pensava em crise eu olhava para os pulsos, os pontos tinham sido retirados na quinta. Eu ganhei uma pomadinha pra passar todas as noites, pra ajudar na diminuição da cicatriz, que tinha ficado torta e esquisita. Uma coisa que tinha sido trabalhada também foi a percepção das cicatrizes. Antes, eu as via como marcas da minha derrota, como provas vivas do quanto eu fui fraca. Agora eu aprendi que vou ter que viver com elas pelo resto da vida, que nem cirurgias e processos de remoção as tiram por completo, que nem tatuagens fazem elas desaparecerem, então eu teria que aceitá-las como parte de mim. Tivemos um dia completo focado em autoestima, na terça, que foi quando abordaram isso. Eu agora via minhas cicatrizes como marcas de guerra. Cada uma representava uma vez que eu pensei em me matar e não o fiz, que “apenas” me machuquei. Era errado reagir dessa forma, eu agora sabia disso, e nunca mais repetiria, mas isso não mudava o passado. Na terça, minha menstruação desceu, então eu avisei a Dra. Montgomery e comecei com anticoncepcionais — com a graça de todos os deuses existentes, eu não estava nem remotamente grávida, o exame de sangue confirmou antes mesmo de descer. Eu tinha pedido para adicionar o anticoncepcional no tratamento justamente para ter mais uma coisa para adicionar na minha “lista de coisas que eu quero viver para fazer”. Tinha sido divertido fazer essa. 1 – Ver o sol nascer de novo 2 – Ver o sol se pôr de novo 3 – Comer algodão doce no Central Park 4 – Visitar a casa do lago novamente
5 – Apresentar Bianca no final do semestre 6 – Dormir ao lado de Hector de novo 7 – Transar com ele sem camisinha Eram coisas bobinhas, e eu quase tinha morrido, ficando vermelha sozinha no meu quarto, ao escrever a última, mas tinha me feito rir baixinho, então foi ótimo. E, de qualquer forma, ninguém mais iria ler. Voltando à questão da autoestima, eu agora gostava um pouco mais de mim. Não era um milagre, eu não tinha passado a me amar do dia para noite, mas agora eu não me odiava mais. Eu havia encontrado vários detalhes que eu gostava em mim. Fiz uma lista disso também, percebi que estava fazendo muitas listas aqui. 1 – Eu gosto do meu cabelo 2 – Eu gosto dos meus olhos 3 – Eu gosto da minha risada 4 – Eu gosto dos meus peitos, mesmo eles sendo grandes demais 5 – Eu gosto dos meus pés Eram cinco coisas bobas, mas já eram cinco coisas novas comparado ao “ah, eu talvez curta meus olhos” de antigamente. Eu também já não tinha mais vergonha dos óculos. Pra ser sincera, eu estava até orgulhosa de mim mesma, tinha feito bastante progresso. Agora estava na minha hora livre antes do horário de jogos ou tv, e estava rabiscando desenhos como corações e florzinhas em volta das minhas listas. Eu gostava de adicionar um desenho a cada vez que me animava com algo, e agora eu estava animada com a visita de Hector amanhã, e a de mamãe segunda. A visita dela dessa semana foi animada, ela tinha notícias de tia Danny. Tia Danny era minha tia insana, irmã mais velha de mamãe. Bem, tecnicamente ela era irmã de consideração, vovó tinha ajudado a criar ela quando os pais dela morreram, mas era irmã mesmo assim. Ela era mãe das
minhas primas, Beatriz e Breanna, e no momento estava viajando. Quando mamãe contou à tia Danny o que aconteceu comigo, ela cancelou o voo para o Canadá — elas tinham mais dinheiro que a gente — e comprou a primeira passagem de volta pra cá. Ela era minha tia favorita, me tratava com um carinho enorme, mesmo quando brigava era porque se importava e queria meu bem. E diferentemente de Tia Ellen, ela não me julgava nem me condenava pelo meu peso. Tia Danny era incrível, e eu morria de saudade quando ela viajava, o que era frequente. Quando não era por trabalho era por lazer. Mamãe tinha dito que ela tinha trazido lembrancinhas de Vegas e de Vermont, coisinhas cafonas que ela não me contaria o que era, mas que eu iria adorar. Eu sorri mais facilmente ao pensar nisso, e hoje, quase uma semana depois, sorri de novo. Estava dando tudo tremendamente certo até agora. Dei uma olhada no relógio e saí do quarto, indo até a sala de jogos. Passei na de tv antes pra ver o que estavam assistindo, era Shrek. Bem... ah, a fazenda poderia esperar até amanhã. Me sentei no cantinho do tapete que era meu por essas duas semanas. Shrek era um filme que eu adorava, e sempre me acabava de rir com o Burro. Assistimos, como sempre, até a metade do filme, e o restante seria amanhã, e eu não consegui conter algumas gargalhadas. Pessoas que tinham chegado agora olhavam assustadas quando alguém gargalhava, assim como eu logo quando cheguei, enquanto os antigos sorríamos um para os outros. Sentíamos orgulho não só do nosso progresso, mas do progresso dos colegas também. Era bom saber que estávamos progredindo. Aquela garota, Lyanne, tinha sido liberada ontem. A estadia dela, eu ouvi uma conversa por alto, nunca era grande. Era controle de crise imediato, e depois a liberavam. Eu esperava que ela nunca precisasse voltar de novo. Fui para o jantar, e sábado era o dia de guloseimas, então tínhamos pizza, batatas fritas e hamburgueres. Peguei uma fatia de pizza, um hamburguer pequeno e uma porção generosa de batatas. Era bom poder abusar um dia por semana. Cheguei na minha mesa, agora dois novatos que entraram quinta sentavam comigo, e comemos em silêncio como sempre. Eu percebi que quem conversava era quem tinha colegas de quarto, pessoas que
explicitamente precisavam de conversa para cooperar. Não era o meu caso, eu sempre me dei bem com o silêncio. Acabei de comer, peguei um sorvete com balas de gelatina de sobremesa, daquelas em formato de dentaduras de vampiro, e depois fui para a caminhada. Estava chegando no jardim quando uma enfermeira me alcançou, dizendo que o Dr. Travis queria me ver. Fiquei confusa, só deveria ver ele de novo na terça, mas segui até o escritório. Fui surpreendida ao ver Hector e mamãe lá dentro. — Hein? — Foi o que consegui dizer com a surpresa, arrancando uma risada de Hector, que piscou um olho. — Também senti saudade — ele brincou, e eu percebi que não era uma alucinação. Sorri largamente, me jogando nos braços dele, e depois da minha mãe, abraçando os dois bem forte. O Dr. Travis pigarreou e eu assenti, me sentando na poltrona livre, os olhando confusa. — O que está acontecendo? — Bem, senhorita Rogers, Alice — Dr. Travis começou — eu chamei seus dois contatos aqui, sua mãe e seu namorado, para conversarmos sobre sua alta. — Mas... não é só quarta ou quinta? — Originalmente, esse era o plano. Chamei vocês três aqui, pois estou pensando em antecipar, para amanhã ou segunda. — Meu queixo caiu quando ele disse isso, e ele deu um sorriso que só podia ser de orgulho. — Você progrediu muito bem, Alice. Você vem cooperando com o tratamento, tomando a medicação de forma correta, seguindo as orientações dos terapeutas... claro que o tratamento não terminaria com sua alta, e eu irei recomendar um terapeuta fora do centro para dar continuidade, mas você poderia retornar à uma rotina mais comum, na sua própria casa. — Na minha casa... — Engoli em seco. O lugar onde eu quase morri. — E se eu não quiser voltar ainda? — Eu entenderia. Me permite perguntar por que não gostaria de voltar agora? Seriam só alguns dias de antecipação. — Porque... — Olhei para Hector de um lado, mamãe do outro, e estendi as mãos para os dois, que as seguraram imediatamente. Voltei a olhar para o doutor. — Foi a casa onde eu quase morri. Não sei se me sinto pronta
para ver todos os dias a mesma banheira onde tudo aconteceu, o mesmo quarto onde tantas vezes eu me machuquei e chorei... eu gostaria de um novo começo, e é meio difícil isso em casa. — Ah, entendo. Supondo que tivesse outro lugar para ir, você se sentiria mais confortável? — Sim, imagino que sim, mas onde? Não posso pedir para mamãe que se mude e comece a pagar aluguel, seria irracional e cruel da minha parte. Acho que talvez eu só precise de mais alguns dias aqui, para me acostumar com a ideia de que lugares não são ruins, e que posso superar o medo que tenho de uma banheira ou de um cantinho num quarto. — Só por dizer isso já me confirma que está pronta para ir. — Dr. Travis sorriu, e desviou o olhar para Hector, fazendo um movimento afirmativo com a cabeça. Hector se virou para mim. — Bem, sobre ter outro lugar para morar... eu e sua mãe estávamos conversando, e imaginamos que você pudesse se sentir assim. Ela me contou que muitas vezes, após um surto, você ficava na casa da sua vó, ou dormindo no quarto dela e não no seu... concluímos que não seria fora do comum isso acontecer de novo. E estávamos conversando sobre isso com o Dr. Travis, se você quiser pode ficar comigo por um tempo, até se acostumar com a ideia de voltar pra casa. — Hector, eu não poderia pedir que faça algo assim por mim. Estamos juntos há pouco tempo, não vai ser uma mudança grande demais na sua vida? — A mudança aconteceu no dia que você ergueu a mão naquela palestra, de lá pra cá só vem sendo efeito colateral. Eu amo você, minha deusa, e não me incomodaria nem um pouco em dividir minha vida com você. Eu sabia que eventualmente faria esse pedido. Não pensei que fosse ser tão cedo, mas eu estou pronto, e não precisa ser permanente se não quiser, você pode ficar só pelo tempo que julgar necessário. Sabe que eu só faço o que te fizer bem. — Engoli a vontade de virar uma bolinha de emoções e me virei pra minha mãe. — Mãe, isso está tudo bem com você? — Vou sentir falta da minha menininha em casa, mas se isso te ajudar a se sentir melhor, sim. Vai ter que me aturar ligando todas as noites pra saber do seu dia, e aparecendo do nada pra visitar, mas sim, eu apoio essa decisão. Sabia no momento que vi vocês juntos pela primeira vez que esse dia ia
chegar, era só questão de tempo, e você sabe que eu sempre te apoiei em tudo o que te faz feliz. — Mamãe apertou minha mão, sorrindo com lágrimas nos olhos. — Vá, minha menina. Seja feliz. — Eu amo vocês — sussurrei, assentindo e me virando de volta para o Dr. Travis, que nos observava. — Tudo bem, eu aceito começar o processo de alta. — Que maravilha ouvir isso! — Ele sorriu, pegando uma pequena pilha de papéis. — Vou precisar que você e você — ele olhou para Hector — assinem isso. No seu caso, é um compromisso em sempre tentar melhorar e nos procurara qualquer sinal de piora, e no dele é o termo financeiro pela sua estadia. — Ok. — Peguei a caneta que ele me entregou, assinando Alice C. Rogers nas linhas marcadas. Dei uma lida por alto, e não era um contrato formal, e sim uma promessa de que eu ficaria bem. Gostei disso. Hector assinou os papéis dele, e entregamos de volta ao Dr. Travis. — Muito bem, agora as suas medicações. Aqui está a receita para as duas que eu receitei, e a da pílula que a Dra. Montgomery passou. Além disso, vou lhe dar duas outras receitas: uma para a pomada para as cicatrizes, e outra para um remédio de emergência. É um comprimido sublingual, que você só deve usar, caso sinta uma crise grande se aproximando. — Certo — assenti, vendo-o colocar as receitas num envelope e entregar não a mim, mas a Hector. Fazia sentido, já que eu moraria com ele. — Pode arrumar suas coisas, e amanhã a qualquer horário do dia vocês podem vir buscá-la. Alice fez um progresso imenso, e estou seguro de que com a continuação da terapia ela em breve estará ainda melhor. Essa é uma condição que não tem propriamente uma cura, mas que pode ser posta para dormir, e ficar de forma passiva, guardada e controlada. Estejam cientes disso, os dias ruins e desanimados ainda irão existir, o importante é como se lida com eles. — Ele deu um sorriso, e eu assenti mais uma vez. — Bem, podem ir. Aproveitem o resto do horário de visitação, e amanhã, sua nova vida começa. Meus parabéns, Alice. Você sobreviveu ao pior. — Obrigada. — Sorri, sentindo uma onda de emoção, e nós saímos do escritório, indo até a sala de visitas. Engoli o choro e sorri mais amplamente ainda, sentindo uma ansiedade que não era ruim. Era normal. Conversamos sobre os detalhes, Hector passaria no apartamento do
Brooklyn e pegaria as minhas coisas e roupas, e prometeu tentar esvaziar a bagunça da metade livre do closet, me fazendo rir. Era bom rir, e agora eu conseguia fazer isso mais facilmente. Eles foram embora quando o horário acabou, e eu voltei para o meu quarto. Comecei a organizar minhas coisas na bolsa de volta, vendo meu caderninho de diário e listas, e sorri para ele. Tinha conseguido, sobrevivi ao pior momento da minha vida e amanhã estaria voltando ao mundo real. Seria complicado, mas eu tinha pessoas que me amavam e minha terapia para me ajudar. Eu não estava sozinha. Considerei roubar minha pintura de lua, que durante minha estadia aqui Blake permitiu que eu deixasse na parede do quarto, mas sabia que seria uma péssima ideia, então apenas a tirei da parede e enrolei de volta. Percebi que sentiria falta daqui, da rotina organizada, da forma como fui tratada e como tudo deu certo. Sabia que para algumas pessoas não era assim, mas realmente tinha sido posta na melhor clínica existente. Me sentei na cama, vendo o quarto que eu tanto me acostumei, o colchão duro que me fazia sentir falta de travesseiros, e bateu um frio na barriga ao pensar que daqui pra frente Hector seria meu travesseiro. Era de fato um novo começo. E sim, era rápido demais, tudo conosco era assim, mas ser rápido não é algo ruim. Cada um, cada casal, funciona de uma forma diferente. E está tudo bem nisso. Vesti meu pijama e me deitei, sabendo que amanhã começava minha vida.
Claro que eu estava nervoso com Alice se mudando pra cá, mas não pelos motivos que se esperaria que eu estivesse. Eu tinha certeza sobre ela na minha vida, ultimamente minha única certeza era de que queria ela ao meu lado. Meu nervosismo se devia ao fato de que eu não sabia como ela se adaptaria. Minha casa era um tanto impessoal, genérica de certa forma — só não tanto quanto a de Roman. Pedi à June que de última hora me conseguisse pinturas mais coloridas, e que descobrisse onde arranjar aquelas telas de pintura numerada que Alice gostou. Pelo visto, todas as lojas levavam um mínimo de sete dias para entregar, então peguei logo uma porção de telas que imaginei que ela acharia interessantes. Alice parecia mais solícita aos meus presentes agora, provavelmente alguma coisa que falaram na clínica a fez perceber que não era ruim aceitar presentes e mimos. Fui um pouco além do limite, talvez, e comprei um notebook novo para ela. Ela tinha um em casa, mas era um modelo antigo, então tomei a liberdade de comprar um mais recente, além de um mouse adjacente e aquele joguinho de fazenda que ela comentou. Eu decorava os detalhes que ela mencionava, e tinha gravado o nome do jogo. Esperava que ela aceitasse bem.
Também pedi para June me arrumar colchas de cama mais bonitas, corde-rosa e com flores ou com estrelas, como imaginei que Alice fosse adorar. Ontem à noite tinha passado pela casa dela — ou seria só da mãe dela agora? — e peguei duas malas com as roupas dela. Peguei também uma caixa com os livros da faculdade e os pessoais, e uma com alguns poucos bichos de pelúcia que ela guardava, além de uma Barbie. A mãe dela me ajudou a trazer as coisas, e deixei as malas do lado do closet. Seria um desafio desocupar o depósito na metade livre e levar as coisas para o depósito de fato que tinha nos fundos do apartamento. June tinha trabalhado excepcionalmente bem, correndo com tudo em pleno sábado à noite e domingo de manhã, conseguindo tudo que eu pedi e me prometendo que o restante estaria aqui até eu voltar com Alice. Uma providência que eu tomaria assim que saísse da clínica, se Alice concordasse, seria ir ao mercado. Ela estava certa quando dizia que eu não tinha comida nos armários, e eu sabia que ela gostaria de cozinhar e não viver só dos pratos de Geralt, por melhor que fossem. Também aproveitei e já comprei hoje os remédios dela na farmácia aqui perto. Notei que um era um anticoncepcional. Eu iria buscar ela sozinho, e mais tarde a mãe dela viria junto com a avó e uma tal tia Danny jantar conosco. Uma pequena comemoração em família, para qual eu perguntaria a ela se podia chamar meus irmãos todos. Tinha tomado a liberdade de já convidar Brian, mas precisaria da permissão dela para os outros que ela ainda não tinha tanta proximidade. Cheguei à clínica logo cedo, e fui recebido por um enfermeiro que tinha uma etiqueta de Blake, que sorriu quando eu disse que estava aqui para buscar Alice. — Venha, por aqui. E vou te dar uma dica, se a própria Alice não tiver dito ainda, compre telas numeradas para ela. A garota tem talento para arte. — Ela disse, e já encomendei algumas ontem. — Sorri, concluindo que ele seria o responsável pela arte. — Ligeiro. Mande fazer uma tela personalizada de uma foto de vocês dois, ela vai adorar a surpresa. — Ele sorriu. — Ela é uma das pacientes que eu tive que mais cooperou com o tratamento, ela realmente está disposta a melhorar. — Eu sei. Fico aliviado que ela esteja lutando, e consegui ver o progresso nos olhos dela. Não estão mais nublados, estão brilhantes. — E
como se dizendo isso, eu a invocasse, Alice se levantou de um banco onde estava esperando, correndo pra me abraçar. — Hector! — ela gritou no meio do caminho, quase tropeçando com o peso da bolsa que carregava, e se jogou nos meus braços, e eu a abracei apertado, sabendo que não teria que me despedir em uma hora dessa vez. Ela se soltou de mim, sorrindo abertamente, e viu quem estava do meu lado. — Blake! Contou a ele que eu quase roubei a pintura de lua? — Deixei que você mesma contasse. — Ele riu. — Boa sorte lá fora, menina. Seja feliz. — Vou ser. Posso te dar um abraço? — Ele riu e assentiu, e ela o abraçou bem forte. — Diga a todos que eu agradeço bastante pela forma como cuidaram de mim. Eu não estaria tão bem se não fosse por vocês. — Ela se afastou dele e veio segurar minha mão, com o sorriso firme no rosto. — Vou dizer. Tenham uma boa vida, vocês dois. — Ele se despediu e seguiu para dentro, e eu me virei para Alice, pegando a bolsa e começando a caminhar com ela para a entrada. — Pronta? — Prontíssima. — Ela sorriu, apertando meus dedos com carinho, encostando a cabeça no meu ombro. — Senti sua falta. Foi estranho ficar sem falar com você todos os dias... mas entendi a necessidade. Eu precisava me desapegar um pouco, começar a apoiar minha melhora só em mim mesma e não depender de você e de mamãe. — Amadureceu tanto... — Dei um sorriso orgulhoso, caminhando com ela até o carro, deixando a bolsa no banco de trás e abrindo o da frente para ela. — Faço questão de te contar antes que descubra, o carro já está programado na rádio country. Era minha forma de matar a saudade, ouvir suas músicas. — Sorri, indo tomar meu lugar como motorista enquanto ouvia a risada dela preenchendo o carro. — Fico feliz de ter te transformado num cowboy. Vou arrumar um chapéu pra você assim que puder — ela brincou, me fazendo sorrir ao ver o quão mais animada ela estava. O progresso dela era palpável. — Pode comprar as botas também. Dou até um jeito de colocar um cavalo no apartamento. — Sorri, piscando um olho e saindo do estacionamento. — Aliás, me deixe te perguntar uma coisa. Se incomodaria
de passarmos no mercado antes de irmos para casa? Eu posso pedir para June fazer as compras em vez de nós, mas fiquei em dúvida se você iria querer ir. Sabe, estava certa quando disse que eu precisava de comida nos armários. — Podemos ir, sim, sem problemas. Parece fazer séculos desde a última vez que pisei em um mercado, vai ser bom escolher o que comer. E finalmente vamos pôr aquele seu fogão caro em uso, hein? — Sim, mas não hoje. Já encomendei o jantar com Geralt, sua mãe, avó, tia Danny — ela fez um barulhinho feliz — e Brian vão nos encontrar para o jantar. Inclusive, queria saber se me permite convidar meus outros irmãos também. Não quero te sobrecarregar com muita gente. — Virei na direção do mercado mais próximo, de acordo com o GPS do celular. — Hector, eles estavam lá quando tudo aconteceu, eles são bemvindos. São família, inclusive, estão na minha lista de motivos para viver. “Os Vanslow também se preocupam comigo”. Eles me aceitaram de braços abertos e não me julgaram, então eu os aceito também. — Ela realmente tinha amadurecido, mudado enquanto estava na clínica, e eu não podia estar mais orgulhoso. — Fico tão feliz de te ver pensar assim. De aceitar ser parte do meu mundo. — Soltei uma mão do volante, segurando a dela. — Eu te amo. E seu mundo é parte de você, então eu o amo também. — Ela sorriu, enquanto eu estacionava na esquina do mercado, era pertinho da clínica. — Muito bem, senhorita que me ama, me ensine a abastecer uma casa. — Com prazer. — Ela sorriu, e descemos do carro, atravessando a rua e entrando no mercado. Não era um Walmart gigantesco, era um mercado de bairro razoavelmente grande, imaginei que ela gostaria mais desse. Quando entramos ela fechou os olhos, respirando fundo e dando um sorriso. — Senti falta de uma rotina normal. — Imaginei. Vamos, eu pego o carrinho. — Me adiantei para a fila de carrinhos, pegando um e começando a empurrar, seguindo os corredores por onde ela ia. — O que primeiro? — Vejamos... em casa você só tem queijo e pão, né? — Talvez um único ovo também, e geleia. — Uma vergonha, você é uma vergonha. — Ela riu, me guiando pelos
corredores. — Começaremos com o básico então. Mais pão, leite, ovos no plural... — Ela ia seguindo as setas dos corredores enquanto falava, e eu a observava em silêncio enquanto adicionava coisas no carrinho. — Farinha, açúcar, sal... Deus, como é estranho ter que abastecer uma cozinha inteira, e não só algumas coisas. — Tecnicamente falando eu tenho uma cozinha abastecida, vinte e cinco andares abaixo do apartamento. — Fiz graça, e ela me encarou, séria. — Ok, você venceu, eu sou uma vergonha quando se trata de cozinha. — Ri, e ela balançou a cabeça enquanto dava um sorrisinho, voltando a adicionar coisas no carrinho. Passamos pelo corredor de cereais e ela pegou duas caixas de um de chocolate que vinha com marshmallows, dando de ombros quando eu ergui uma sobrancelha. — Algumas besteirinhas são essenciais, ok? Ela colocou tudo o que se precisa para manter uma casa por um mês, de acordo com a própria, além de coisas mais aleatórias. Numa hora estava pegando frutas e verduras variadas, e depois estava enchendo o carrinho com pacotes de cheetos e chocolates, me fazendo sorrir enquanto via o jeitinho dela. Ela as vezes parecia estar dançando, girando nos calcanhares para pegar uma coisa ou outra... eu podia ver que minha garota tinha mudado um pouco, que estava com o espírito mais alegre. Eu estava orgulhoso dela. Carnes, ingredientes para doces como canela e baunilha, sucos e refrigerantes de lata. Ela pegou até uma lasanha congelada, e quando chegamos no caixa o carrinho estava cheio até em cima, e precisei comprar algumas daquelas sacolas reutilizáveis. Que deus me protegesse de ter que carregar mil sacolinhas pequenas de plástico, o peso seria o mesmo, mas sacolas grandes seriam mais fáceis. Fomos acompanhados até o carro por um funcionário simpático do mercado, que nos ajudou a colocar as compras no porta-malas, e eu dei uma gorjeta de vinte dólares para ele, foi a primeira nota que achei. — Pronta para ir pra casa? — Pronta. — Alice sorriu, enquanto eu ligava o carro. Ela aumentou o volume do rádio, dando um gritinho animado. — Estão tocando Dixieland Delight, na rádio! Isso não deve acontecer há séculos — A música tinha uma sonoridade antiga, devia ser um country clássico.
— De quando é isso? — Dos anos 80. — Ela deu um risinho, fazendo uma dancinha que quase tirou meu foco da estrada. Eu teria que me lembrar de dançar mais com ela, e não só quando estivéssemos no carro. Estávamos chegando ao hotel quando começou a tocar Whiskey Glasses, que eu já tinha decorado uma parte. Essa música era bem popular na rádio. Estacionei na minha vaga, pegando as duas sacolas mais pesadas, e Alice pegou as outras duas. Ela fez uma careta, mas carregou até o elevador, as soltando no chão dele. — Tinha esquecido como era carregar peso — ela resmungou, balançando a cabeça. — Podíamos ter chamado algum assistente do hotel pra nos ajudar. Vou mandar comprarem um carrinho de compras pra deixar aqui, pra quando for necessário. — É um ótimo plano. — Ela sorriu, pegando as sacolas do chão quando chegamos no vigésimo quinto e saímos do elevador. Eu raramente trancava a porta de casa, tinha segurança de sobra, então apenas abri o trinco, e Alice só teve tempo de colocar as sacolas na entrada antes de Rudy pular nos pés dela, latindo e abanando o rabinho. — Bebê! Senti tanta saudade sua meu fofucho, a mamãe voltou, uhum, voltei sim. — Ela se ajoelhou no chão, abraçando o cachorro e enchendo ele de beijos, abraçando-o como se fosse um bebê. — Ele também sentiu saudade. — Sorri, vendo aquela cena, achando incrível a forma como até meu cachorro se alegrava mais na presença dela. Ele encheu as mãos dela de lambidas, me fazendo rir, contagiado pela alegria dos dois. — Lindinho da mamãe. — Ela o abraçou, se levantando com ele no braço, carregando-o pelo apartamento, dando um suspiro contente. — Senti falta daqui. O sofá onde tudo começou... quem diria, hein? Dois meses em que caberiam facilmente dois anos. — Ela se virou pra mim, colocando Rudy no chão e se aproximando, enroscando os dedos no meu pescoço e me puxando para perto. — Obrigada, por me amar, por não desistir, e por funcionar no mesmo ritmo estranho que eu. — Digo o mesmo. — Sorri, envolvendo a cintura dela com carinho, a
puxando pra perto, roçando meus lábios nos dela. — Amo você, e isso não vai mudar nunca. — Bom saber. — Ela deu um meio sorriso e cobriu a distância entre nós, me beijando de verdade pela primeira vez em semanas. O gosto dela era ainda melhor do que eu me lembrava, gosto do paraíso, um sabor doce e suave, gosto de Alice. Foi como se meu coração se acendesse depois de alguns dias dormente, como se finalmente eu estivesse de volta ao lugar onde pertenço: nos braços dela. Nos afastamos, devagar, com selinhos de quem não queria ter que precisar respirar, e eu enrosquei meus dedos em sua nuca, a mantendo juntinho de mim, meus olhos fechados. — Senti falta disso — admiti, dando mais um selinho nela. — Mas acima de tudo senti falta de ter você por perto, da sua companhia, da sua voz conversando comigo sobre tudo e nada, cantarolando músicas country no meu carro e me fazendo sentir o cara mais sortudo do mundo. — Abri meus olhos para encontrar os dela marejados, um sorriso lindo e completo no rosto. — Também senti falta disso tudo. Falta de nós. — Ela enroscou os dedos na minha barba, daquele jeito que ela adorava fazer, e me puxou para seus lábios de novo, num beijo rápido. — Vem. Vamos guardar as compras, antes que as coisas azedem. E me soltou, indo empurrar as sacolas até a cozinha e começar a colocar as coisas na geladeira primeiro. Escapei por um instante, mandando mensagens para os meus irmãos virem hoje à noite. Deixei Ethan trazer Nicole, era óbvio que ela já estava a par de tudo, ele não sabia manter segredos dela. Eu estava começando a achar que talvez alguém já tivesse ganhado a aposta, mas que eles não contaram pra ninguém. Deixei o telefone na mesinha e fui ajudar Alice com as coisas, mas na maior parte do tempo só atrapalhei e fiz ela rir. Eu não sabia arrumar armários, e ela constantemente tinha que me mandar colocar algo em outro lugar. Acabei desistindo, para a alegria de nós dois, e fui até lá embaixo pegar a bolsa dela, que tínhamos esquecido por causa das compras. Quando voltei para cima, dava pra ouvir a música do corredor, e ao entrar de volta eu a encontrei dançando com Rudy no colo, esse country eu conhecia. Any man of mine, um clássico. Fiquei parado na soleira da porta, quietinho, vendo-a rodopiar pela
minha – agora nossa – sala, fazendo uma dancinha maluca. Aproveitei quando ela colocou Rudy no chão e me aproximei rápido, puxando-a pela mão e a rodopiando, ouvindo a gargalhada dela se espalhar pelo ar. Continuamos dançando até o final da música, e a seguinte também. Hoje parecia ser o dia do country clássico. Eu rodopiava com ela, que ria e me girava também, me mostrando uma dancinha com os pés. — A lot about living and a little ‘bout love — Ela cantarolou, sorrindo toda contente, e eu sentia meu coração quente ao vê-la tão alegre, tão sorridente... tão feliz. — Te amo. — Precisei dizer, e ela assentiu, me fazendo continuar a dança até a música terminar e despencarmos no sofá, cansados, rindo e nos divertindo. — Quem diria, Hector Vanslow consegue dançar country! — Ela sorriu, me abraçando e encostando a cabeça no meu ombro, jogada por cima de mim daquele jeito que eu adorava. — Culpa sua, minha cara influenciadora. — Beijei o rosto dela. — De nada. — Ela piscou um olho, me enchendo de beijos. — Seus irmãos e minha família vão vir de que horas? — Devem chegar lá pelas seis. Agora são... três e meia. — Ótimo, vai dar tempo de achar minhas roupas e tomar banho. Aliás, onde estão minhas coisas? — Duas malas e algumas caixas no chão do closet. Ainda vamos ter que ajeitar a bagunça direito, mas já tem uma parte liberada pra você lá. June me ajudou a cuidar disso hoje de manhã. — Certo. Vou lá dar uma olhada, vem comigo? — Ela se levantou, entendendo uma mão. — Sempre. — Segui ela até o closet. Vendo a metade do lado direito que tinha sido liberada, e as malas no chão, junto com as caixas. Ela soltou minha mão e se abaixou, abrindo uma das malas, e depois a outra, arregalando os olhos e balançando a cabeça. — Nunca percebi que tinha tantas roupas, sempre achei que fossem poucas. — Sempre parece mais dentro de uma mala. Vamos, roupas eu sei
organizar, agora posso te ajudar de verdade — ofereci e ela sorriu, enquanto começávamos a tirar as roupas da mala. Ela fez questão de esconder os conjuntos de lingerie na primeira gaveta que viu, o rosto vermelho como se eu não tivesse visto tudo aquilo antes, e nela vestida ainda por cima, mas segurei a provocação. Dessa vez. — Sabe, eu acho que vou começar a usar mais vestidos e saias — ela comentou, pegando os três que tinha, incluindo aquele do lago, e colocando nos cabides. — Você adora quando eu uso um, e eu sempre os achei lindos, mas não tinha a confiança de usar. Agora eu acho que tenho. — Ela sorriu, colocando um vestido amarelo no cabide, o olhando. — Talvez eu use esse hoje. — Vai ficar linda, como sempre. — Me aproximei dela, beijando seu rosto e pegando algumas camisetas. Ela fez uma careta quando olhou para os casacos, e os enfiou na gaveta debaixo, numa forma silenciosa de dizer que não iria mais usar tantos. Eu estava me apaixonando por ela cada vez mais ao ver o poder que duas semanas de dedicação tiveram sobre a doença, ao ver a força dela. Acabamos de arrumar as coisas, e já eram quatro e meia. Olhei para ela, com um sorrisinho, e ela ergueu uma sobrancelha. — O que foi? — Nada, mas você mencionou antes que queria tomar um banho... ia me oferecer pra ir junto. — Hector! — Ela ficou vermelha como uma pimenta, o rosto sorridente. — O quê? Não tem nada aí que eu não já tenha visto, tocado e lambido. E prometo que é só um banho, nada demais. — Sei, “nada demais”, humpf. — Ela balançou a cabeça, fingindo uma carinha de brava, mas pegou minha mão, me puxando para o banheiro. — Sem mãos bobas por enquanto, ok? E nada de ficar olhando demais... barbeadores eram proibidos na clínica. — Não vejo onde isso é um problema, mas ok. — Sorri, empurrando a porta do banheiro com o pé para fechar atrás de nós, e a puxei pra perto, acariciando seu rosto. — Amo você. — E eu amo você. — Ela me beijou bem rápido e se afastou, virando
de costas e puxando a blusa. Eu não precisava ver pra saber que ela estava cor-de-rosa, e desabotoei a minha, jogando no cesto ao nosso lado. — É estranho, sabe, ficar nua na sua frente de novo. Parece que nunca vou deixar de ficar com vergonha. — É errado que eu goste de você ficando vermelha? — Tirei minha calça, empurrando a cueca junto, enquanto a observava tirar a dela junto com a calcinha. Tínhamos até essa mesma forma de se despir. Ela se virou pra mim, e estava linda. — Pare de me comer com os olhos — ela resmungou, com um sorrisinho tímido. — Ok, má escolha de palavras, considerando que a última vez que eu disse isso você fez com as mãos. — Senti sua falta — disse simplesmente, vendo-a dar um ar de riso e me aproximei, beijando seu rosto e a puxando para debaixo do chuveiro. Ela deixou um barulhinho de contentamento que era quase um gemido escapar. — Água quente de verdade, e um chuveiro com pressão... pensei que nunca mais veria isso. — Ela fechou os olhos por um momento, e eu fiquei observando-a ali, o sorriso pairando nos lábios enquanto sentia a água no rosto. Então ela afastou os cabelos dos olhos e os abriu, me olhando. — Vem. — Ela me puxou pra debaixo d’água também, passando as mãos no meu cabelo, sorrindo. — Mandei comprar seu shampoo de mel, e o sabonete de lavanda. Estão ali — comentei, apontando para a prateleira, onde o shampoo e condicionador dela estavam junto dos meus. Ela assentiu, pegando primeiro o meu e despejando na mão, ficando na ponta dos pés e me fazendo abaixar, deixando ela lavar meu cabelo. — Senti falta do seu cabelo. Se tem uma coisa que eu amo é mexer nele e na sua barba. — Ela sorriu, descendo as mãos para a minha barba, massageando os fios em forma de carinho, me puxando para deixar o chuveiro afastar a espuma, os olhos suaves na minha direção. Fiz o mesmo com ela, enchendo seu cabelo de espuma com cheiro de mel, juntando um pouco nas mãos e fazendo graça ao soprar como se fossem bolhas. Funcionou, ela deu risada. Acabamos o banho ainda rindo, o banheiro numa mistura de lavanda, erva doce e mel. O roupão que eu comprei pra ela estava pendurado ao lado da minha toalha, e ela se enrolou nele, dando um sorriso alegre, e saímos para
o closet. Peguei meu desodorante, entregando a ela um que tinha comprado. Não sabia qual marca ela usava, esse detalhe eu tinha deixado passar, mas comprei um com o mesmo cheiro de lavanda do sabonete. Ela pareceu gostar. Vesti o que sempre vestia, calça e camisa de botões, e ela colocou o vestido amarelo que tinha dito antes. Ela achou o colar do evento, que tinha deixado aqui, e o colocou. Sorri, achando ela o próprio sol, e a puxei para perto, dando um selinho nela. — Linda. — Olha quem fala. — Ela sorriu, beijando meu rosto, me abraçando pelo pescoço antes de me soltar e ir em direção ao quarto, parando em frente à minha pequena estante. — Vamos ter que arrumar espaço aqui para os meus livrinhos. Aliás, leu mais algum essa semana? — Terminei Coração Perverso, e encontrei um na livraria que você não tinha lido ainda, ou que ao menos não me recomendou. Aquele ali da capa rosa, Vermelho, Branco e Sangue Azul. — Já ouvi falar bastante, é o do filho da presidente com o príncipe, né? — Assenti, e ela sorriu. — Vou ler. Estava esperando pra comprar, por isso não tinha lido ainda, mas você passou na minha frente. — O que posso fazer, eu leio mentes. — Dei de ombros, puxando-a pela mão e roubando um beijo rápido antes de sair do quarto. — Vem, precisamos ajeitar a mesa.. Caso não tenha notado, eu comprei uma mesa, finalmente. — Eu notei. Já era hora. — Ela sorriu, saindo do quarto atrás de mim e vindo me ajudar a colocar pratos na mesa. Era quinze pras cinco quando ouvimos a batida na porta. Alice fez as honras, indo receber seus primeiros convidados na casa nova.
Eu mal precisei olhar, o gritinho de Alice já me disse quem era: a família dela. Sorri, me aproximando da porta, vendo-a abraçar a mãe com força, em seguida a vó e a tal tia Danny. A tia era loira com alguns fios grisalhos, sorridente, e esmagou Alice em um abraço apertado. — Ah minha menina! — ela murmurou, enquanto a mãe e a vó riam e vinham falar comigo. — Olá, bonitão. — Dona Mary Angela sorriu para mim, me abraçando forte e se afastando. — Obrigada, por cuidar tão bem da nossa Alice. — Sempre. — Sorri, e Catarina veio me abraçar também, e eu gostei de ver todas assim, sorridentes. Quando ela me soltou, Alice se aproximou com a tia. — Hector, essa é minha tia Danny. Irmã de criação de mamãe, você só não a conheceu ainda porque ela vive viajando. — Estendi uma mão para a tia, que me puxou num abraço espontâneo. — Sem formalidades comigo, garoto. — Ela se arriscou até mesmo a bagunçar meus cabelos, como se eu fosse mesmo um garoto, me fazendo rir. — Bem-vindo à família.
— Obrigado. Venham, entrem. O jantar só deve chegar por volta das seis e meia, seis e quarenta, mas graças à Alice eu tenho uma geladeira abastecida agora, e isso inclui bebidas de vários tipos. O que gostariam de tomar? — Eu era bom em ser o anfitrião, tinha aprendido isso com Roman. — Uma cerveja, se tiver. — Tia Danny foi a primeira a falar, e eu assenti, indo até a geladeira. — Refrigerante está bom para nós. — Catarina gesticulou para ela e Mary Angela, dando uma encarada na irmã, e eu segurei a vontade de rir. Com o canto dos olhos vi Alice fazer o mesmo. Peguei uma cerveja das poucas que tinha e duas cocas, entregando a elas. Peguei em seguida uma Pepsi para Alice e fui encher uma dose de whisky pra mim. Tinha arrumado uma garrafa nova já que meus irmãos viriam. — Se eu soubesse do whisky caro, teria pedido ele — tia Danny comentou, me fazendo rir. — Danielle! Se controle — Catarina ralhou, e parecia que ela quem era a mais velha. Alice veio para o meu lado, se recostando no meu braço e dando risadinhas. — Relaxe um pouco, Cat. Sua filha está morando com um milionário, o mínimo que eu posso fazer é me aproveitar do luxo. — Por que eu fui te trazer? — Catarina balançou a cabeça, enquanto eu, Alice e Mary Angela ríamos, observando a discussão das irmãs. Pelo jeito de Alice, parecia que era algo frequente. Ouvimos outra batida na porta e eu fui até lá dessa vez, deixando meu copo sobre a bancada. Eram Ethan e Nicole, ele com uma roupa comum, uma camisa amarela e jeans, e ela com um vestidinho curto azul. Ergui as sobrancelhas. — Ethan chegando na hora pra algo? Que bicho te mordeu? — Culpe Nicole, ela não aguentava esperar mais pra ver... — Alice! — Nicole deu um gritinho, correndo pra abraçar ela, a pegando totalmente de surpresa e a fazendo quase derrubar a lata de Pepsi. — Aimeudeus, eu fiquei tão preocupada, que bom que você está aqui! — Ela quase esmagou Alice, e eu ergui uma sobrancelha para Ethan, esperando uma explicação. — Ela se convenceu de que as duas são destinadas a serem melhores
amigas. Vai por mim, só deixa rolar. Nicole sempre consegue o que quer mesmo. — Ele deu de ombros, entrando no apartamento e indo falar com Alice. — E aí, baixinha. Você nos deu um baita susto, hein? — Ele passou um braço em volta dela, num meio abraço. — Bem-vinda de volta. — Obrigada. — Ela sorriu, e Nicole a puxou para conversar, sendo totalmente indiscreta e perguntando como era a clínica, o que ela fazia lá, se tinha algum enfermeiro gato que ela podia apresentar... apenas Nicole sendo Nicole. E Ethan sem tirar os olhos dela, me deixando bem desconfiado de que Alice poderia, de fato, ganhar a aposta. A porta foi aberta, sem batida nem nada, e Brian apareceu, usando uma camisa azul escuro, e ele tinha olheiras. Encarei ele, que deu de ombros. — Nem pergunte. Estive trabalhando numa série nova de quadros, não consegui parar pra dormir direito. Vida de artista. — Ele passou por mim, e eu sabia o motivo de ele estar trabalhando tanto, mas hoje não era o momento pra isso. Ele foi até Alice, que estava conversando com Ethan, e sorrateiramente cobriu os olhos dela. — Adivinha quem é. — Não sei... um dos meus muitos cunhados? Difícil reconhecer... — Ela fez graça, se virando pra abraçá-lo. — Oi. — Oi, cunhadinha. — Ele sorriu, beijando a testa dela. — Soube que aprendeu a pintar, não me diga que vai tentar roubar meu posto? — Jamais, eu só sei pintar se tiverem numerozinhos me mostrando onde colocar cada tinta. — Ela deu de ombros, rindo. — Ei, já é um começo. — Ele sorriu, olhando em volta e se aproximando da família dela. — Dona Catarina, bom te ver em uma situação mais agradável. E é um prazer conhecer vocês duas. — Ele se virou para a avó e a tia. — Sou Brian. — Muito prazer, Brian. Alice falou bastante em você, sou a avó dela, Mary Angela. — Dona Mary Angela sorriu, e a tia Danny o encarou de cima a baixo. — Ah, se eu fosse alguns anos mais jovem... muito prazer, querido. Sou Danielle, mas pode me chamar de Danny. — Ela deu um sorriso enorme, me fazendo segurar uma risada, enquanto eu via Catarina passada de vergonha, e
Alice segurando o riso também. Ela ainda estava conversando com Nicole, Ethan pairando por perto delas. Ouvi mais uma batida na porta, e era em horas assim que eu reclamava de ter tantos irmãos. Custava virem juntos de uma vez? Como se tivessem lido minha mente, Phill e Roman estavam na porta. Os dois de terno, um azul e um preto, com a seriedade que sempre tinham. — Acreditam que Ethan chegou antes de vocês? — Ri, vendo Roman dar uma olhada lá dentro e balançar a cabeça. — Milagres acontecem, afinal. — Ele me entregou uma garrafa de whisky caro, mais caro do que os que eu tomava. — Presente de boa sorte para a vida nova. Tenho algo para Alice também... ah, ali está ela. — Roman entrou, e eu encarei Phill, que deu de ombros. — Nem pergunte. Ele está estranhamente empolgado em finalmente ter uma irmã, e ele viu o quanto ela importa pra você. — Ok... — Segui até onde ele estava entregando uma caixinha da mesma loja onde comprei o colar de Alice. — É só um presente bobo, pra combinar com seu colar. Bem vinda à família, Alice. Que você se mantenha nela. — Ele sorriu, e ela pegou a caixinha, arregalando os olhos ao ver um bracelete de rubis e diamantes, no mesmo estilo do colar. Eu vi com o canto do olho tia Danny se abanar e levar um tapa no braço da irmã. — É lindo... obrigada, Roman. É bom ser aceita como uma de vocês. — Ela sorriu, os olhos marejando um pouco, e tirou o bracelete da caixa, me entregando ela e o colocando no braço. Eu tinha a impressão de que ela me perguntaria depois qual a noção de “presente bobo” que temos, mas ao menos ela aceitou numa boa. — É bom ver meu irmão feliz — ele disse simplesmente, indo até a bandeja na cozinha se servir de uma dose de whisky. Phill aproveitou a deixa pra ir cumprimentar ela e a família dela. — Não tenho nenhum presente, mas também quero te dar as boasvindas à família. Nunca vimos Hector tão alegre quanto ao seu lado, é bom pra variar daquela cara séria dele. — Ele riu, beijando o rosto dela e indo encher a paciência do gêmeo. Alice sorriu, vindo pra junto de mim. — Então, seus irmãos pelo visto gostam mais de mim que de você —
ela brincou, me dando um empurrãozinho com o ombro, encostando a cabeça no meu. — O que eu posso dizer, é difícil não gostar de você. — Sorri, beijando o cabelo dela, passando um braço a sua volta. — Tenho algum charme especial para milionários com gosto por presentes absurdos, pelo visto. — Ela deu uma risadinha, balançando a cabeça. — Qual a noção de vocês de “presente bobo”? — Sabia que você perguntaria isso. E, para nós, bobo é abaixo de quinze mil — murmurei, vendo-a arregalar bem os olhos. — Não se assuste, isso não é quase nada para nós. Um dia não será pra você também. — Deixei no ar que queria um futuro grande com ela, que entendeu, porque ficou vermelha e me deu um beijinho na bochecha. Antes que ela pudesse dizer algo, Nicole se aproximou de novo, sorrindo e puxando-a consigo. — Vem, quero ver suas roupas. E cadê o cachorro? Ele é tão fofinho, Ethan não me deixa ter um cachorro, diz que eu não cuidaria. Mas, poxa, eu sou quase responsável, não é o bastante? — Ela riu, arrastando Alice até o quarto, e eu ouvi um latido de Rudy quando foi acordado. Me aproximei da família dela, sorrindo. — Então, o que acharam dos caóticos Vanslow? — Bem mais normais do que eu esperava — dona Mary Angela admitiu. — Bem mais bonitos do que eu imaginava. Aquele seu irmão mais velho tem o que, trinta anos? Sabe se ele gosta de mulheres mais velhas? — Tia Danny riu, desviando do olhar de Catarina. Eu gargalhei. Ela tinha uma alma bem jovem pra alguém de quase sessenta anos. — Danielle, se controle, ele tem a idade da sua filha mais velha! — E daí? Eu estou velha, não morta — ela respondeu, me arrancando outra risada. — E aí, qual a graça? — Ethan apareceu, com uma garrafa de cerveja roubada da minha geladeira. — Nem pergunte — respondi, antes que tia Danny soltasse uma gracinha pra ele também, e Nicole apareceu correndo com meu cachorro no colo, erguendo o focinho dele para Ethan.
— Olha, olha que fofo, olha que lindinho, ele é perfeito, por que eu não posso ter um desses? — Ela quase enfiou Rudy no rosto de Ethan, e Alice veio atrás dela, dando de ombros como quem dizia “não foi culpa minha”. — Porque você não sabe cuidar nem de si mesma direito, muito menos, eu, nunca daríamos certo com um filhote. — Mas eles são tão fofinhos... — Ela fez um bico, balançando o cachorro, que lambeu o nariz de Ethan. — São, mas não dariam certo com a gente, ao menos não por agora. Me peça de novo ano que vem, ok? Se até lá um de nós criar juízo, eu aceito. — Tá... — ela resmungou, abraçando Rudy, ainda com um bico. O olhar de Ethan me fez pensar se ele não queria desfazer aquele bico, mas ele só balançou a cabeça e sorriu. — Pare de drama, sabe que uma vez por mês eu consigo resistir ao que você teima querer, e essa é a deste mês. — Ele deu de ombros, tomando um gole da cerveja, e Nicole colocou Rudy no chão. — Odeio você, Ethan Morgan Vanslow. — Ela mostrou a língua, e ele riu. — Uhum, sei. — Vem, Alice, vamos nos afastar desse insuportável. Você deu sorte, pegou um dos Vanslow legais. De cinco, eu tinha que crescer junto com o mais insuportável. Eu só queria um cachorrinho, não é pedir demais... — Ela saiu resmungando enquanto Alice continha o riso, e eu balancei a cabeça, ouvindo a batida na porta. O jantar. — Bem, pessoal, parece que a comida chegou. — Sorri, e todo mundo começou a ir para a mesa, enquanto eu ia abrir a porta. Geralt tinha vindo pessoalmente trazer o jantar, dando um sorriso enorme quando viu toda a família ali. — Geralt! — Brian gritou, quando ele se aproximou. — Oi, garoto. Como andam as coisas, ainda pintando as paredes? — Geralt fez graça, colocando os pratos enormes no meio da mesa. — Às vezes. — Ele deu de ombros, rindo. — Bem, aproveitem o jantar. Caprichei em especial para vocês e... ah, essa deve ser a famosa Alice. É um prazer finalmente lhe conhecer. — Ele
sorriu para Alice, puxando o carrinho onde trouxe os pratos de volta para fora. Alice acenou de leve. Sentei ao lado dela, na cabeceira da mesa, vendo que só faltavam meus pais ali. Eu teria convidado eles, mas seria muito em cima da hora. Começamos a nos servir, Geralt tinha preparado um verdadeiro banquete. Um assado de carne e uma porção de acompanhamentos. Batatas em rodelinhas finas, aspargos com queijo, couve-flor assada, purê de batatas, vários vegetais e legumes, batatas assadas... ele caprichou nos três tipos de batata, eu tinha dito que era uma das coisas preferidas de Alice. Ele também tinha trazido os dois espumantes que eu pedi, normal e sem álcool, para um brinde. — Três tipos de batatas... seria deselegante pegar os três? — tia Danny perguntou a Phill, sentado do lado dela, e eu o vi sorrir e dizer que, na verdade, ele mesmo pegaria um pouco de cada. Num jantar formal não seria recomendado, mas aqui estávamos em família. Nicole estava sentada ao lado de Alice, conversando animada com ela, agora sobre séries. Tentei prestar atenção na conversa, enquanto Alice explicava algo. — ... e aí a série engata numa trama política absurda, que envolve desde coisas simples como eleições até organizações secretas da CIA e sequestros. Você tem que assistir, sério. O nome é Scandal, não esquece. — Não vou esquecer. A garota se envolve com o presidente, pelo amor de Deus, isso é louco o bastante pra me fazer querer assistir! — Nicole sorriu, fazendo uma pausa para levar um pedaço de carne à boca e mastigar. Ethan aproveitou pra se meter no assunto. — Ah não, Alice, você não recomendou uma série pra Nicole. — Qual o problema? — Ela vai viciar, me obrigar a assistir junto, ou pior, me chamar de três da madrugada porque aconteceu algo absurdo. Essa garota não tem limites, ela já invadiu meu quarto uma vez, enquanto tinha uma ficante de uma noite dormindo do meu lado, pra me falar que alguém numa série tinha morrido. Sinceramente só me lembro de ter arremessado um travesseiro pra expulsar ela. — Ele riu, e Alice quase engasgou com a risada, balançando a cabeça. — Nicole, não invada o quarto dele às três da manhã quando o coitado
estiver acompanhado. Ele não faz isso com você, faz? — Já fez, uma vez. Veio me perguntar às duas da manhã, com meu ex dormindo do meu lado, se eu que tinha acabado com o leite. Só moramos ele e eu, meu ex nunca comia lá, se não fui eu, foi quem, um fantasma?! Ethan consegue ser bem burrinho às vezes. — Com isso eu tenho que concordar! — Roman se intrometeu, claramente tão concentrado na conversa caótica quanto eu, dando um sorriso. — Ah não, Roman, nem vem — Ethan resmungou, pegando um pedaço de cenoura e mordendo. Continuei a comer em silêncio, mais concentrado na conversa bagunçada deles do que na de Phill com a família de Alice. Pelo que ouvi, ele estava explicando a elas sobre a gravadora. — Enfim — Nicole começou —, eu vou ver a série, e Ethan que aprenda a lidar com meus surtos de madrugada. Se não gostasse ele trancaria a porta, mas ele nunca faz isso. Nunca! Podia ao menos, sei lá, comprar um “não perturbe” pra quando tivesse companhia. O traseiro dele não é nada agradável de se ver. — Dessa vez Alice engasgou mesmo, enquanto tomava um gole de refrigerante, tossindo ao engolir de uma vez pra não cuspir tudo, e eu comecei a gargalhar também. O resto da mesa se virou pra nós, e Ethan estava com a cabeça enfiada nas mãos. — Eu odeio vocês — ele resmungou, e a gente continuava rindo. — Podemos saber o que aconteceu? — tia Danny perguntou, nos encarando como se fôssemos doidos. — Nicole falando o que não devia, só isso — Ethan resmungou de novo, e eu e Alice trocamos um olhar, caindo na gargalhada de novo. — Só falei verdades, queridinho, você que não sabe lidar com elas. — Nicole deu de ombros, como se falar da bunda do melhor amigo na mesa de jantar fosse algo comum. No mundo dela deveria ser, Nicole seguia as próprias regras. — Continue a comer, vai. Quem sabe não se entala com um pedaço de cenoura e para de me irritar. — Você não saberia viver sem mim, Ethan. Apenas aceite os fatos e siga em frente. — Ela sorriu, bagunçando o cabelo já bagunçado dele e voltando a comer como se nada tivesse acontecido. Alice tinha lágrimas nos olhos de tanto rir, e eu achei aquele o momento perfeito para abrir os
espumantes. — Bem, mudando para um assunto menos... estranho, eu proponho um brinde. — Abri a primeira garrafa, servindo minha taça e passando para o resto da mesa, fazendo o mesmo com a segunda e servindo a de Alice, que me deu um sorriso agradecido. — Um brinde aos novos começos, à vida que continua, e à essa mulher maravilhosa aqui do meu lado. — Sorri, erguendo minha taça, e ela ficou adoravelmente corada, erguendo a taça dela também, junto com todos os outros. — Aos novos começos! — À Alice! — Ao traseiro do Ethan! — Nicole tinha que soltar essa, fazendo todo mundo rir de novo antes de beber. Essa era minha família agora. Três senhoras incrivelmente jovens para a idade que tinham, quatro irmãos totalmente diferentes, a melhor amiga insana de um deles, e a garota que eu vou amar pelo resto da minha vida. E eu não conseguia pensar numa família melhor. Quando o jantar acabou, ainda ficamos conversando até dar a hora dos meus irmãos irem embora. Nicole saiu provocando Ethan, fazendo graça e deixando ele a beira de querer esganar ela, enquanto Phill iria de carona com Roman. Todos fizeram questão de dizer de novo o quanto Alice era bemvinda na família, e Brian foi o último dos quatro a sair, fazendo ela prometer que visitaria o estúdio dele algum dia. Ela prometeu. Ficamos só nos dois e a família dela, e Catarina suspirou quando viu a hora. Já passava das nove e pouco, e Alice tinha bocejado duas vezes. — Bem, acho melhor irmos, você precisa descansar minha filha, foi um dia longo. — Ela abraçou Alice, como quem não queria soltar. — Vou sentir sua falta em casa, mas acho que é hora de deixar minha passarinha bater as asas. — Ela fez um carinho no rosto da filha, dando um sorriso um pouco triste. — Pode vir me visitar ou ligar quando quiser, mãe. Prometo. — Alice a abraçou de novo, esmagando a mãe nos braços. — Amo você. — Também te amo, minha menininha. — Catarina devagar foi soltando a filha, suspirando. — Vamos? — Ela olhou para a mãe e para a irmã, que assentiram e foram se despedir de Alice, enquanto ela vinha até mim. —
Cuide bem da minha menina, ok? — Vou cuidar com toda minha vida. Ela é o que eu tenho de mais importante. — Garanti, e Catarina me abraçou, beijando meu rosto. — Sejam felizes. — Ela sorriu, dando uma batidinha no meu rosto e se afastando, indo abraçar a filha mais uma vez. Tia Danny e vovó Mary — ela insistiu que eu a chamasse assim de agora em diante — se despediram de mim também, e as três saíram. Ficamos só eu e Alice, que veio me abraçar. — Gostou de hoje? — perguntei, abraçando-a forte, beijando seu cabelo. — Eu amei! Foi perfeito, desde o mercado, o banho, e até esse jantar maluco com comentários sobre a bunda do seu irmão. — Ela riu, aquela gargalhada residual ainda presente ali. Sorri, beijando o rosto dela. — Você se encaixou bem na minha família caótica e estranha. Nicole já ama você mais do que tudo, o que significa que Ethan não tem escolhe a não ser te amar também. Brian já tínhamos, Phill por tabela, e Roman com o bracelete... parabéns, você arrebatou os cinco Vanslow e a agregada. — Ri, dando um selinho nela. — Ainda não acredito que seu irmão me deu esse bracelete... deve ter sido uma fortuna! — Pra ele não foi. Roman é o mais rico de nós cinco, não deve ter nem sentido. Vá se acostumando com essa vida, um dia será você comprando presentes absurdos sem nem perceber. — Acho que nunca vou me acostumar. — Ela suspirou, me abraçando de lado com um braço a minha volta e olhando o monte de pratos na mesa. — O que fazemos com isso tudo? Estou morta de sono, normalmente a essa hora já tinha tomado os remédios e estava dormindo. — Posso pedir pra alguém vir buscar, e eles cuidam lá embaixo com o resto das louças, e amanhã mandam de volta os pratos vazios. — Ah, as vantagens de se morar em um hotel... — Ela riu, assentindo e ficando na ponta dos pés para me dar um selinho. — Vou ir me arrumar pra dormir enquanto você faz isso, ok? — Ok, minha deusa.
Ela se afastou e eu peguei o telefone na parede, ligando lá para baixo e pedindo que mandassem alguém para recolher a louça. Não demorou nada e um garoto novo, se não me engano seu nome era Colin, veio buscar tudo com um carrinho. Dei uma bela gorjeta de cinquenta dólares, o garoto merecia por carregar a louça de dez pessoas. Assim que ele saiu eu fui para o quarto, encontrando Alice em frente ao espelho, se olhando no pijama. Era um que eu nunca tinha visto, short e uma regata que deixava sua barriga a mostra, com um desenho de um gatinho na frente. Até assim, toda desmontada e pronta pra dormir, ela era a coisa mais sexy e linda que eu já tinha visto. Me aproximei dela, envolvendo sua cintura por trás. — Você é linda, sabia? — Estou começando a acreditar. — Ela deu um sorrisinho de quem estava orgulhosa, e eu percebi que isso era um sinal do tratamento. — Você comprou os remédios, né? — Estão todos no armário do banheiro... incluindo o anticoncepcional. — Dei um sorrisinho, vendo-a ficar vermelha e fugir dos meus braços, indo pegar os comprimidos. — Era pra ser uma surpresa! Eu estava planejando um belo dia te seduzir, e dizer que não precisaria mais usar camisinha dessa vez. Você estragou a surpresa. — Ela apareceu de volta na porta, me mostrando a língua numa careta adorável e indo pegar água na cozinha. — Bem, não tinha como eu não saber! — me defendi, começando a desabotoar a camisa, vendo ela voltar com uma garrafinha de água na boca, tomando mais um gole enquanto andava. — Mas, sabe, ainda pode me seduzir... eu iria adorar. — Sei que sim. — Ela sorriu, deixando a garrafinha na cabeceira e vindo soltar o resto dos meus botões. — Sabe, eu posso me acostumar com essa rotina. Parece bobeira da minha cabeça, mas tem algo sobre só te ajudar a soltar os botões, sem segundas intenções, que transforma esse momento em algo mais de casal, sabe? — Até que eu entendo. Eu também poderia facilmente me acostumar com isso, você sendo parte do meu dia a dia, nós dois nos enchendo de mimos... vão ter dias complicados, dias em que você nem vai querer olhar na minha cara, mas eu vou lembrar que te amo e te lembrar que me ama mesmo
nesses momentos. Vão ter altos e baixos, mas vão valer a pena. — Por que isso parece um pedido de casamento? — Ela fez graça, me fazendo rir. — Ainda não. — Beijei a ponta do nariz dela, me afastando em direção ao closet, tirando a camisa agora desabotoada e a calça, pegando uma de pijama, e a vestindo, voltando ao quarto e encontrando Alice na cama, sentada com as pernas cruzadas, me esperando. — Linda. — Vem logo, eu quero dormir. — Ela deu um risinho, e eu pulei na cama, vendo-a balançar a cabeça e vir se aninhar no meu peito, fazendo aquele barulhinho de contentamento de novo. — Senti falta disso, do seu coração batendo embaixo de mim. — Ele é seu, sabe disso, não sabe? — Assim como o meu é seu. — Ela beijou meu peito, erguendo uma mão para acariciar minha barba, e eu puxei uma manta fininha sobre nós, e ela jogou uma perna por cima das minhas, me abraçando mais forte. — Amo você. Boa noite, amor. — Boa noite. Amo você também. — Enrosquei meus dedos no cabelo dela, sobre a nuca, fazendo carinho ali até a respiração dela se suavizar e ela pegar no sono. Confirmei naquele momento o que eu já sabia, eu a amaria pelo resto dos meus dias, talvez até além, e não conseguia mais ver um futuro que não envolvesse essa garota nos meus braços. E isso era perfeito.
Eu acordei cedo. Tinha me acostumado com a rotina da clínica, onde estava acordando todo dia às sete horas, então hoje não foi diferente. Hector ainda estava dormindo do meu lado, eu sabia que ele acordava entre oito e nove da manhã quando não tinha reuniões. Eu me sentia bem. Estava aqui, do lado de fora, e estava bem. Fiquei olhando-o dormir enquanto pensava, percebendo o quanto eu tinha dado sorte em ter encontrado ele que, no sentido mais literal possível, tinha salvado minha vida. Se ele não tivesse me encontrado, não serviria de nada o fato de que eu me arrependi no último momento. Ele apareceu na hora certa de me trazer de volta, e eu seria eternamente grata por isso. Ele me deu a chance de encontrar minha própria força, foi de certa forma o degrau que eu precisava de apoio. Na clínica usávamos muitas metáforas, e eu já era assim antes, então acabei me acostumando. Ele tinha me ajudado a enxergar a possibilidade de mudança em mim mesma. Não era como se eu estivesse me curando por culpa dele e tudo fosse desabar se eu o perdesse, era que ele estava caminhando ao meu lado nessa jornada, me segurando se eu tropeçasse. A vida inteira eu só tive mamãe pra me segurar, e era bom poder tirar esse peso das costas dela, deixar que ela
vivesse por si mesma, e não em função da minha doença. E eu cuidaria para não pesar em Hector, me apoiar em mim mesma acima de tudo. Me esgueirei devagarinho pra fora da cama, com cuidado pra não acordar ele, indo até o banheiro. Quando saí andei mais uma vez de fininho até o lado de fora do quarto, indo até a cozinha e encarando a cafeteira dele. Era um pouco complicada, daquelas cheias de botões com opção até de espuma de leite, mas eu sabia como mexer. Na adolescência tinha trabalhado em um café nas férias. Apertei os botões certos, preparando uma caneca de café até a metade e saindo para a varanda. O ar fresco de primavera me fez sorrir, e eu tomei um gole do café. Percebi que eu não tinha mais medo de olhar pra baixo – não dava mais aquela vontade estranha de pular. Observei a cidade, parte acordada, parte ainda dormindo. Deixei a caneca vazia na mesinha de vidro pequena que tinha ali, e me apoiei na borda coberta de vidro azul, olhando lá pra baixo. O mundo era lindo quando não se tinha medo dele. Senti braços em volta da minha cintura e um sorriso se esticou pelo meu rosto, minha cabeça se inclinando para trás, de encontro ao peito dele. Ele me abraçou mais forte, beijando o espaço livre do meu pescoço. — Bom dia — ele murmurou, a voz abafada na minha pele. — Bom dia, amor — respondi, cobrindo as mãos dele com as minhas, ainda olhando para frente. — Nunca tinha percebido o quanto o mundo pode ser bonito, quando não se está morrendo de medo dele. — Comentei o que tinha acabado de pensar, e senti o sorriso dele em mais um beijo. — Não tão lindo quanto você, mas sei o que quer dizer. Fico feliz que não esteja mais com medo. — Ele me virou pra ele, me dando um sorriso largo. Ele estava lindo, iluminado pelo sol da manhã, o cabelo bagunçado. Era minha definição de perfeição. — Amo você. — Fiquei na ponta dos pés, dando um selinho nele, que sorriu e me puxou para um beijo maior. Ele estava com gosto de pasta de dente e eu de café, a combinação perfeita para um beijo de manhã cedo. — Tão bom te ver assim, sorridente, alegre — ele comentou, enroscando os dedos nos meus e me levando para dentro do apartamento de volta, se sentando no sofá e me puxando para o seu colo, aquele lugar que pertencia a mim desde a segunda vez que vim parar nesse apartamento. — E pensar que tudo começou nesse mesmo sofá. — Ele leu meus pensamentos,
me fazendo sorrir mais largamente. — Quem diria que só faz dois meses, hein? — Os dois primeiros de muitos, minha deusa. — Ele falava com uma certeza tão grande sobre nós, que eu, aos poucos, estava começando a confiar também. Nós iriamos durar, por quanto tempo o destino quisesse. Se dependesse de mim, seria pra sempre. — Aonde acha que vamos estar daqui a um ano? Era um exercício que fazíamos na clínica às vezes, imaginar um futuro. — Não sei. Juntos, com certeza. Talvez viajando, quero te levar pra conhecer o mundo comigo... ou talvez eu esteja te pedindo em casamento, com algum gesto exagerado e romântico como nos livros que você gosta. — Gosto desse futuro. Também imagino que estaremos juntos, talvez a gente adote um irmãozinho pra Rudy... e pode me pedir em casamento quando quiser, já sabe a resposta. — Senti meu rosto esquentar e ele riu, me roubando um selinho, depois outro, mais um, e então um beijo de verdade. Suspirei nos lábios dele, enroscando meus dedos em seu cabelo como sempre, enroscada nele, o beijando com tudo o que eu tinha. Eu amava ter ele na minha vida, amava ter o amor dele me rodeando, e amava muito esses beijos doces e cheios de duplo sentido escondido. Ele deixou uma mordida no meu lábio inferior ao se afastar, um meio sorriso no rosto. — Senti falta de você no meu colo. Pode me chamar de pervertido, mas o que eu posso dizer? Gosto de ter a garota gostosa que eu namoro em cima de mim. — Ele deu de ombros, e eu dei uma gargalhada, me movendo devagarinho e parando, numa provocação silenciosa. — Faz o que, quase um mês? — Ele assentiu. — Coitadinho do meu Hector, tendo que se resolver na mão. — Fiz um biquinho dramático, vendoo gargalhar, as mãos descendo até minha bunda e me puxando. — Não brinque com o perigo, deusa — ele falou o meu apelido de forma arrastada, rouca, arrepiando meu corpo inteiro. Ah, eu tinha sentido falta disso. — Lembre-se que eu sei exatamente como te provocar, como te deixar louquinha... eu posso ser malvado se quiser, sabia? Posso te deixar implorando até finalmente te dar o que deseja. — Pode nada, você é fofo demais para isso — provoquei, querendo descobrir esse lado necessitado dele. Eu disse que tinha planejado toda uma
sedução, mas aqui estava eu com um pijama de gatinho, começando a rebolar em cima dele devagarinho, meus olhos falhando quando ele começou a beijar meu pescoço. — Está me desafiando? Tem muito que você não viu ainda... tivemos tão pouco tempo na casa do lago... ainda tenho muito o que mostrar. — Ele mordeu meu pescoço, bem de leve, só o suficiente pra arrancar um gemidinho que eu não consegui conter. Eu não tinha percebido até agora o quanto sentia falta do corpo dele no meu. — Hector... me diz do que é capaz. — Eu queria aquela voz rouca dele no meu ouvido, dizendo a quantidade absurda de indecências que faria comigo, me fazendo tremer de antecipação. Eu queria todas aquelas sensações de volta, porque agora eu sentia que merecia elas. Merecia a atenção dele, merecia os toques e tudo mais. — Ah, minha pervertida, desta vez eu não vou falar... desta vez eu vou fazer. — Ele se afastou pra puxar meu pijama de uma vez, jogando a blusa do nosso lado, mordendo o lábio inferior enquanto me olhava. Senti a mudança dele embaixo de mim, o corpo pedindo por aquilo, por mim. Ele levou as mãos aos meus seios, contornando-os de leve, com as pontas dos dedos. — Senti falta deles... Um polegar atingiu meu mamilo e eu gemi, começando a me esfregar em cima dele, meu corpo perdendo a noção de controle. Era fácil me entregar quando estava nos braços dele, ainda mais agora que não tinham mais medos. Ele me tocou devagar, rodeando o polegar, me fazendo ter espasmos pequenos, girando os quadris. E então veio a boca, descendo pelo meu pescoço, deixando lambidas pela minha pele, substituindo os dedos e me fazendo revirar os olhos. Ele agiu com mais determinação agora do que no lago, a saudade falando junto, me sugando com força, me fazendo arfar e arfar, meu corpo todo pedindo por mais daquilo. — Isso, amor... geme pra mim. Mostra o quanto quer isso, e talvez eu decida ser bonzinho... — A voz dele foi como fogo nas minhas veias, me fazendo agarrar os cabelos dele e começar a rebolar mais, querendo provocar ele como ele me provocava. Ele era tão gostoso, tão meu. A boca dele deslizou de um seio para o outro, dando a mesma atenção a esse, minhas pernas se apertando à sua volta. Eu queria que ele me tocasse logo, que saciasse esse meu desejo, mas ele estava determinado a me
provocar. Quase levei uma mão até entre as pernas eu mesma, mas me lembrei vagamente de ele ter mencionado algo sobre querer ver isso uma vez... deixaria essa ideia para o surpreender depois. Hoje me deixaria ser torturada de prazer. Ele apertou minha cintura, me afastando um pouco, e eu resmunguei. — Fique de pé, e tire o resto de suas roupas pra mim. — Ah. Ele sabia dar ordens, e eu me surpreendi com o quanto gostei disso. Assenti, me afastando e me levantando, tirando primeiro o short colorido do pijama, e depois a calcinha que eu estava usando. Senti meu rosto queimar um pouco. — Eu avisei que na clínica não tinham giletes, e ontem eu não tive a oportunidade de... você sabe. — Já disse que isso não é problema. — Ele se recostou um pouco no sofá, me observando, sendo extremamente pornográfico ao agarrar o volume na calça com uma mão, por um momento. — Tão mais gostosa pessoalmente do que nos meus sonhos... vai me matar assim, Alice. — Ele se levantou, avançando em mim, me agarrando e me beijando de uma vez, me fazendo arfar com a intensidade daquilo. Ele me beijou até não poder mais, me virando e levemente empurrando para que eu sentasse no sofá de novo, e eu obedeci, vendo ele se ajoelhar. Suas pupilas dilataram, aquele sorriso pervertido que eu adorava surgindo em seus lábios enquanto ele afastava minhas pernas, a antecipação me matando. — Hector... — pedi, e ele deu uma risada rouca e baixa, os dedos percorrendo o interior da minha coxa. — Já? Mas eu ainda nem comecei a brincar... — Ele continuou a subir os dedos, fazendo com que eu me movesse impaciente, até que ele finalmente chegou onde eu queria, deslizando um dedo por ali, me explorando. Ele deu um riso rouco, como se estivesse contente com o que achou, e os dedos começaram a brincar com aquele meu pontinho sensível. Me recostei no sofá, inclinando mais meu corpo em direção a ele, deixando que fizesse o que bem entendesse comigo naquele momento. Ele fez um barulhinho de aprovação, e eu olhei bem a tempo de ver a cena mais pervertida possível: ele, ajoelhado na minha frente, levando dois dedos à boca e os chupando antes de os levar até mim, dentro de mim, me fazendo dar um gritinho. Tinha esquecido aquela sensação, como podia ter esquecido?!
Movi os quadris quando ele apenas manteve os dedos parados ali, e a outra mão dele segurou minha cintura, me mantendo no lugar. Era uma ordem silenciosa, um aviso de que ele é quem decidiria a hora de fazer algo. E ele fez, ah como fez. Os dedos se movendo, devagar, num movimento que parecia puxar, e de alguma forma ele descobriu que existia um lugar sensível dentro de mim também, um lugar que eu mesma mal sabia da existência, e ele pressionou ali. Eu gritei, sem conseguir continuar parada, rebolando nos dedos dele. Ele continuou aquele toque, me fazendo arfar e gemer e querer puxar os cabelos quando ele parou, bem na hora que eu ia explodir. — Hector! — gritei, reclamando, e ele riu. Riu! — Eu disse que podia ser malvado... — Ele lambeu os lábios, como se estivesse diante da melhor das sobremesas, e avançou em mim com a boca, os dedos voltando a se mover, me deixando sensível pelo orgasmo arruinado. Não demorei mais que uns instantes pra estar ofegante e gemendo de novo, a língua dele brincando de circular e sugar, fazendo movimentos que eu não conseguia compreender, e meu corpo inteiro só queria alívio. De novo, ele parou bem na hora que eu estava chegando lá. Choraminguei, me remexendo, tentando conseguir algo dos dedos dele ainda dentro de mim, mas não foi o bastante. — Vai me pedir com jeitinho? Se pedir com jeitinho eu talvez te deixe gozar agora... ou talvez eu ainda espere mais um pouco, te faça choramingar de novo e implorar por alívio. Eu avisei que não conhecia tudo de mim ainda. — O sorriso dele foi perversamente delicioso, me fazendo dar um gritinho quando sem aviso prévio ele começou a me chupar de novo. Eu sentia meu corpo prestes a explodir, tão perto, tão perto... e ele parou. Pela terceira vez! Eu estava com lágrimas nos olhos, meu corpo trêmulo pelo prazer negado, e eu comecei a rebolar nos dedos dele, bem devagarinho, só pra não ficar sem contato. — Hector, por favor... por favor, amor, deixa... me deixa... — pedi, implorei como ele disse, e senti o hálito dele contra mim, quando ele riu e moveu os dedos naquele ritmo que eu gostava, a língua brincando comigo. Dessa vez ele não parou. Eu senti as ondas crescerem e crescerem, todo meu corpo se concentrando ali, e explodi, gritando e rebolando contra a boca e os dedos dele. Tive a impressão de ouvir ele gemer um “porra”, mas estava perdida
demais nos espasmos, meu corpo inteiro sentindo as ondas e ondas de alívio enquanto ele continuava, e ele não parou mais. Senti a mão dele soltar minha cintura, enquanto ele continuava a me levar ao céu e ao inferno com a boca e os dedos, meu corpo agora livre para tremer como quisesse, e eu já estava fraca quando consegui puxar os cabelos dele para que parasse. Os lábios dele brilharam com a umidade presente ali, aquele sorriso pervertido sendo a visão mais perfeita que eu já tive. Não deixei de notar a mão dele apertada na frente da calça, se dando um pouco de alívio. Tão necessitado quanto eu. — Vem cá — chamei, ainda ofegante, puxando os cabelos dele pra vir me beijar, sentindo meu gosto misturado com o sabor da boca dele, e puxei ele pro sofá, fazendo-o sentar do meu lado e ficando por cima dele. — Minha vez. — Hoje não. Vai me matar se usar essa boquinha maravilhosa em mim hoje. Vou ser bonzinho e deixar que me tome assim que se recuperar o bastante, me faça seu como bem entender. Sou seu. — A voz dele saiu rouca, tão rouca que me arranhou por dentro, causando arrepios em partes de mim que eu mal estava ciente de ter. Me levantei e puxei a calça dele pra baixo, trazendo a cueca junto, com pressa. E então subi nele de novo, deixando um gemidinho manhoso sair quando nossos corpos se encontraram, o meu ainda tão sensível pelo orgasmo recente. — Meu — murmurei, rebolando devagarinho em cima dele, percorrendo sua extensão com meu corpo, provocando a nós dois. Não aguentei mais. Desci minha mão até entre nossos corpos, o segurando e me erguendo um pouco, o posicionando contra mim. Fui deixando meu corpo descer sobre ele, um gemido arrastado na minha garganta com a sensação. Era diferente só pele com pele, era mais gostoso. Desci até ele estar inteiro dentro de mim, e a expressão no rosto dele enquanto me olhava foi mais quente que qualquer outra coisa. Era devoção pura, entrega total. Enrosquei meus braços em volta dele e comecei a me mover, pra frente e pra trás, rebolando devagarinho às vezes e então voltando a me mover rápido. Não sei quantos minutos se passaram, mas foram poucos. Eu á estava à beira de explodir de novo, soltando gemidos que eram uma mistura entre arfar e gritar, meus braços apoiados no sofá atrás dele, procurando apoio para
continuar. Parei um instante pra poder me concentrar em beijá-lo, com força, com desejo, com um gemido na metade do beijo, e então voltei a me mover, mais rápido, mais necessitada ainda. Eu não precisei falar nada, ele apenas deu um meio sorriso e subiu as mãos pela minha cintura, agarrando meus seios, me fazendo tremer sobre ele. — Goza pra mim, Alice — ele me pediu, e meu corpo inteiro obedeceu, os espasmos de prazer me varrendo. Meu rosto foi parar no pescoço dele, procurando apoio enquanto continuava a me mover até não conseguir mais, sentindo os braços dele me envolvendo com o encontro perfeito entre desejo e carinho. Eu estava ofegante, sem força nas pernas, e as mãos dele desceram até meu traseiro, fazendo com que eu me movesse em mais algumas estocadas e então parando com um gemido rouco no meu ouvido, alcançando o próprio prazer. Eu amava como ele sempre esperava por mim. — Cacete... — gemi baixinho, sentindo meu corpo ainda sensível, qualquer pequeno movimento me arrancando arrepios, e deixei uma trilha de beijos pelo pescoço dele até os lábios. — Eu amo você. Ele deu uma risada alegre, me puxando contra si e me beijando de novo, nossos peitos ofegantes um contra o outro, o beijo sem poder durar muito pela falta de ar. — Você acaba comigo. Amo você — ele murmurou, me erguendo um pouco pra sair de dentro de mim, e eu senti aquilo escorrer um pouquinho. Era uma sensação nova. — Eu?! Eu que acabo com você?! Não fui eu que te fez implorar por uma gota de alívio. — Eu te dei mais que uma gota. — Ele deu um sorrisinho, e foi minha ver de rir alegre, puxando os cabelos dele para mim e dando vários selinhos nele. — Vem, acho que deveríamos tomar um banho. — Vou fingir que não tem a intenção de um round 2 no banho — fingi resmungar, rindo enquanto ele me fazia ficar de pé, minhas pernas fraquejando um pouco, e ele se levantou também, me puxando pela mão até o banheiro. Bem, finalmente iríamos estrear aquela banheira gigantesca do apartamento. O dia tinha começado perfeito, e eu não me incomodaria nem um
pouquinho se os próximos daqui para frente fossem todos nesse estilo.
Primeiro dia de volta à faculdade, e eu estava nervosa. Era quarta, assim como no dia que tudo foi pelos ares, mas em apenas duas exatas semanas eu tinha me tornado uma pessoa nova e mais forte. Ainda tinha muito da Alice assustada em mim, anos de traumas não desapareciam do nada em apenas algumas semanas, mas eu agora tinha uma noção melhor de como lidar com tudo isso. E de como não deixar gatilhos me derrubarem. Hector ainda estava dormindo, mas eu continuava acordando cedo, então deixei ele no quarto e fui preparar o café. Fiz torradas e peguei uma das geleias da geladeira, a de morango, e coloquei na mesa. Era uma mesa enorme de dez lugares que não fazia sentido quando estávamos só nós dois, mas ele me explicou que tinha sido de propósito para noites como aquela que eu cheguei, que a família toda veio. Era uma sensação nova e boa, ter uma família grande. Estava comendo minha segunda torrada, quando ele apareceu na porta, ainda sonolento, e sorriu pra mim. — Você precisa parar de acordar antes de mim. — Ele riu, vindo pra perto de mim e me dando um selinho, antes de se sentar do meu lado. — Bom dia.
— Bom dia. — Empurrei o prato de torradas na direção dele, sorrindo. — E não é culpa minha se você não criou uma rotina estranha de acordar cedo. — Dei de ombros, dando mais uma mordida na minha torrada. — Pois trate de acordar tarde, quero te surpreender com lanches e cafés na cama. E melhor do que isso, quero te acordar com beijos. — Está começando a me convencer... — Posso acordar com mais que beijos também. Muito mais, tudo depende do seu humor... — Ok, me convenceu. A partir de amanhã eu volto pra cama quando acordar cedo. — Ri, tomando mais um gole do meu café, enquanto ele dava um sorrisinho. — Sabia que isso te convenceria — ele provocou, me fazendo revirar os olhos e segurar um sorriso. — Ansiosa pra hoje? Voltar às aulas e aos ensaios. — Bastante. Mas agora eu sei como reagir se falarem alguma merda para mim, e acima de tudo tenho pessoas que me apoiam. Vai dar tudo certo, sem falar que Eric deve estar morrendo de saudade. E não sei como não me tiraram da peça, duas semanas podem ser cruciais. — Eles entenderam o motivo. Na verdade, acho que não te contei isso, mas eu fiz uma crítica formal na sua faculdade pela forma como a garota agiu com você. — Fazem isso na faculdade? Achei que só acontecessem coisas assim no ensino médio. — Fazem quando é alguém disposto a dar uma doação generosa para o centro de atuação. — Ele deu aquele sorrisinho metido. — Vez ou outra posso usar minha riqueza para o bem. — Você é terrível. — Balancei a cabeça, levando uma mão ao rosto dele e fazendo um carinho na barba, sorrindo. — Amo você. — Assim como eu amo você. — Ele beijou minha mão antes que eu a afastasse. — A terapia começa amanhã, né? — Sim. Terças e quintas, começando amanhã, e seguindo pelo tempo que for necessário. Vou sentir falta do psicólogo da clínica, mas o Dr. Travis disse que esse novo é muito bom, e é perto da faculdade.
— Eu pesquisei sobre ele, Oliver Strode, dizem na internet que é maravilhoso, tem vários relatos dele, de gente que ele ajudou — ele comentou, mordendo uma torrada. — Ah, nem te contei segunda e ontem, mas comprei um presente. Mais de um, na verdade, mas um deles ainda falta chegar. — Hector, o que você fez? — Ergui uma sobrancelha, e ele riu, continuando a comer. — Já te mostro. É o tipo de presente que se precisa ver, não tem graça se eu contar. — Eu te odeio, sabia? — Odeia nada. — Ele riu, piscando um olho e pegando um pouco de geleia e passando na torrada. — Enfim, acho que vai gostar do presente. Se bem te conheço, vai reclamar um pouco por ser “absurdo”, e depois vai ver o detalhe incluso e vai adorar. — Você está fazendo mistério demais, sabia? — É de propósito. — Ele riu, e eu considerei seriamente arremessar meu último pedaço de torrada na cabeça dele, só de implicância. — Acabe de comer e me mostre logo então, estou morrendo de curiosidade. Prometo até que não vou reclamar tanto se me mostrar logo. — Eu chamo isso de progresso. — Ele realmente comeu rápido o resto da torrada e se levantou, ainda tomando o café. — Vem. — Ele me estendeu a mão livre e eu fui, seguindo-o até o quarto, esperando enquanto ele mexia na prateleira de cima do lado dele no closet. Claro que ele tinha escondido o presente ali, eu era uns bons dez ou quinze centímetros mais baixa, não enxergava nada da prateleira. Ele pegou uma caixa larga e grande com uma fita vermelha e me entregou. — Abra. Com cuidado! — Ok... — Com cuidado? Então era algo frágil. Andei até o quarto, me sentando na cama desarrumada e tirando o laço, rasgando o pacote de forma nada graciosa, ofegando ao ver a caixa do notebook. Era um notebook! — Hector pelo amor de Deus, você não fez isso. — Fiz. — Ele sorriu, dando de ombros e se sentando do meu lado. Deixou a caneca vazia de café na mesinha de cabeceira e ficou me olhando. — Abra. Tem algo nele que você vai gostar. — Eu juro, se for mais alguma coisa cara... — ameacei, segurando o
sorriso. Ele sabia que eu tinha gostado. — Você vai gostar do mesmo jeito. Mas não é, prometo. — Ele sorriu, me ajudando a tirar a tampa da caixa, e eu peguei o notebook, o colocando no colo. Era prateado e largo, e quando eu abri a tela se acendeu, pedindo a senha. Olhei pra ele, erguendo uma sobrancelha. — Coloquei o seu aniversário. Pode mudar depois, se quiser. — Ele sorriu, e eu digitei 1507, me surpreendendo com um sorriso quando a tela apareceu. Era uma foto nossa, rindo e dançando no evento do irmão dele. — Onde conseguiu essa foto? — Nicole. Ela disse que queria registrar nosso começo pra garantir que tivesse algo do qual se gabar quando nos casássemos. — Ele riu, e eu ficava olhando dele pra foto e da foto pra ele, sorrindo toda boba. — Estava esperando o momento certo pra te mostrar. — Eu adorei. — Sorri, já esquecida de brigar com ele pelo preço do presente. — Tem mais. Abra aquela pasta ali, chamada “Surpresa”. — Obedeci, dando um gritinho quando reconheci o ícone do jogo. Era Stardew Valley! — Como você....? Você realmente prestou atenção quando eu falei no jogo? — Claro que sim. E nas pinturas com números também, elas são o segundo presente, mas só chegam semana que vem. — Ele me deu aquele olhar de melhor namorado do mundo, e eu coloquei o notebook do meu lado, me jogando no abraço dele. — Eu te amo. Queria ter como te dar algo em troca. — Você me dá tudo só por respirar, Alice. — Ele beijou meus cabelos, segurando minha cintura. — Você é minha vida, agora e sempre. Demorei vinte e sete anos pra te encontrar, e não podia ter valido mais a pena. — Eu não precisei olhar pra saber que ele estava sorrindo enquanto me abraçava, e apertei mais ele nos braços, enchendo seu rosto e seu pescoço de beijos. — Te amo. Te amo muito, te amo com todo meu coração. E serei eternamente grata por você ser tão perfeito, tão certo pra mim. — Linda. — Ele se afastou um pouco pra poder tocar os lábios nos meus, me beijando devagar, com um carinho que queimava por dentro, aquela mesma devoção e entrega de quando me olhava.
Me separei dele com um sorriso no rosto, animada. — Vem, vou te mostrar como é o jogo. Você vai gostar, é bem simplinho de entender, e se quiser você pode colocar no seu notebook também e a gente joga no modo cooperativo. Você daria um cowboy fazendeiro gostosão, sabia? — Suspirei com a imagem dele usando um chapéu de cowboy, me chamando de senhorita e andando a cavalo... ficaria lindo. — Ok, me mostre. Ah, aqui está o mouse. — Ele me entregou um mouse sem fio que tirou da caixa, e nos sentamos na cabeceira da cama, o notebook no meu colo enquanto eu mostrava pra ele como se fazia. — Eu não sou nenhuma expert, na clínica não nos deixavam acessar a internet pra pesquisar dicas de como fazer as coisas, então eu tive que me virar sozinha. Pelo que sei tem até livro-guia do jogo. — Fui comentando, enquanto criava a personagem e abria a fazenda. Coloquei pra deixar a introdução, pra ele ver a historinha. Eu não tinha prestado tanta atenção na primeira vez, então queria ver de novo também. A fazenda era do falecido avô da personagem, e ela larga o emprego na Joja Cola — um nome bem estratégico — pra ir viver lá na Vila Pelicanos. Prestei bastante atenção, mostrando a Hector como plantava, como cuidar das plantas. Quando começou o segundo dia eu o ensinei a pescar, o que ele achou extremamente difícil, e mostrei como falar com o pessoal da vila. Ele estava realmente interessado, e gastamos a manhã praticamente toda nisso, até precisamos colocar o notebook pra carregar. Quando me dei conta já era hora do almoço. Salvei o jogo e fechei o notebook, me levantando da cama com Hector me seguindo. Ainda estava de pijama, e corri pra cozinha, pensando em algo rápido. — Me lembre de nunca jogar de manhã em dias de aula — comentei, enquanto enchia uma panela de água, sal e óleo para fazer macarrão, e colocava outra panela com manteiga e cebola pra começar o molho. — Ei, calma, tem tempo ainda. Agora você mora só a quinze minutos de carro de lá, lembra? — É, mas de metrô são mais de vinte. — E quem disse que você vai ir de metrô? — Ele ergueu uma sobrancelha, e eu me virei pra ele enquanto mexia a cebola na manteiga,
esperando dourar. — Não está falando sério. — Claro que estou, se quiser. Eu posso te levar, ou Nick nos dias que eu estiver ocupado. Só precisa ir de metrô, se quiser, ou nos dias que eu estiver usando o carro... se dirigisse, eu compraria um carro pra você. — Ainda bem que não dirijo. — Balancei a cabeça, rindo e pegando o extrato de tomate, jogando uma boa porção por cima da cebola. — Não tem medo de me deixar mal acostumada, me levando todo dia? — Você merece. Sem falar que eu não faço nada da vida além de resolver um problema ou outro que pode surgir, vai ser bom ter uma função: motorista particular do amor da minha vida. — Fofo — comentei, mexendo o molho e indo pegar o macarrão, colocando uma quantidade razoável para duas pessoas, sem partir ao meio. Gostava do macarrão inteiro. Mexi a panela até o macarrão inteiro entrar nela e deixei o garfo de lado, indo abaixar o fogo do molho pra deixar no mínimo, e me virei pra ele, encostada no balcão. — Acha que vão me aceitar bem? Tipo, eu sumi, e prejudiquei os ensaios. Só tenho certeza de Eric me recebendo bem. — Vão aceitar sim. Devem ter ensaiado as outras partes sem você, e se precisarem tenho certeza de que podem aumentar o número por semana pra cobrir os ensaios perdidos. Vai dar tudo certo, você vai ver. — Ele sorriu, vindo pra junto de mim e segurando minha cintura, me dando um selinho. — Tomara. Quero muito que essa peça dê certo, será super importante pra o meu currículo como atriz. Sabia que meu sonho é conseguir um papel na Broadway? — Você nunca tinha comentado. — Eu não tinha um sonho fixo antes. Sabe como é, não conseguia ver mais longe que alguns dias, mas agora... estou começando a enxergar um futuro. É estranho, acreditar que vou estar viva em anos, mas é um tipo bom de estranheza. — Fico tão feliz de ouvir isso, que você não faz ideia... onde eu estou nesse futuro aí? — ele provocou, com um risinho, me fazendo sorrir em resposta. — Nos bastidores, me aplaudindo e apoiando em tudo, como sempre
faz. Me acompanhando nos ensaios, e tendo pequenas crises de ciúme dos meus pares românticos. — Ele pareceu gostar da resposta, pois no momento seguinte estava me enchendo de beijos pelo rosto, a barba fazendo cócegas na minha pele daquele jeito que eu amava. — Hector! Eu preciso mexer o macarrão, me solta, ah! — Ele começou a me fazer cócegas de fato, me puxando contra si e me abraçando. Eu não conseguia parar de sorrir. — Eu te amo tanto, minha deusa, tanto! — Ele parecia querer gritar, e eu achei aquilo a coisa mais linda do mundo. — Assim como eu te amo, agora me deixa desligar o molho antes que queime! — Ri, puxando-o pela barba pra um beijo, e em seguida fugindo dos braços dele, indo desligar o fogo do molho e mexer o macarrão pra não grudar. Estava quase pronto. — Me trocou por um molho, que tristeza. — Ele fez graça, rindo e indo pegar dois pratos no armário, colocando eles e os talheres na bancada. Nossa bancada, onde comemos juntos pela primeira vez. Ah, os dois meses mais longos da minha vida. — Bem, você é gostoso, mas o molho também é. — Dei de ombros, com uma risadinha, testando o ponto do macarrão e desligando o fogo, indo pegar o escorredor e colocando ele na pia, virando o macarrão ali. Deixei a água escorrer bem e coloquei de volta na panela, jogando o molho ali e misturando. Levei a panela até a bancada, indo pegar queijo ralado e um pegador de macarrão. — Bom apetite. Coma logo, já, já tenho que ir pra faculdade. — Eu sei. Temos tempo, venha cá e coma com calma — ele me chamou, e eu sorri, me sentando ao lado dele e nos servindo de macarrão. Um prato pra ele, um pra mim, e ainda sobrou um pouco. Joguei um exagero de queijo no meu prato, vendo-o rir quando eu fiz isso, e começamos a comer. Como quase sempre, comemos em silêncio, e quando acabamos eu deixei a louça com ele e corri pra me arrumar. Era meu primeiro dia de volta, afinal. Primeiro dia da nova vida, da nova Alice. Vesti uma calça jeans, daquelas de cintura alta, e uma blusa de manga curta. Já era primavera, final de abril, e o tempo começava a esquentar bastante. E eu não precisava mais esconder meus braços, não teria vergonha da minha história e do que passei. A blusa ainda era daquelas compridas, que cobriam a barriga inteira,
mas era um progresso ela ser um pouco justa na cintura. Calcei minhas sapatilhas que tinham um mini saltinho, e passei até um batom rosa claro e rímel. Eu raramente me arrumava, mas um dia como esse merecia uma atenção especial. Saí do closet e Hector estava entrando no quarto. Parou pra me encarar, murmurou “deusa”, deu um tapa na minha bunda quando passou. Eu ri, balançando a cabeça e indo organizar minha mochila com minhas coisas. Os dois livros que eu tinha do curso, que não era muito teórico e mais prático, e meu caderno. Eu ainda tinha o chaveiro de estrela no zíper, e sorri para ele. Meu símbolo de força nos dias difíceis. Hector saiu do closet, abotoando uma camisa, e eu o esperei terminar, segurando a bolsa num ombro. — Está linda. Linda, forte, perfeita. — Ele sorriu, pegando meu celular no carregador e me entregando. Quase esqueci, fiquei acostumada a não ter um. — Vamos? — Vamos. — Sorri, e ele pegou a chave do carro. Descemos direto até o estacionamento, o elevador não parou nenhuma vez, e fomos pra o carro. Em doze minutos eu estava chegando à Lucille, já que o trânsito estava bem leve. Respirei fundo, a ansiedade batendo um pouco. — Calma. Vai dar tudo certo, não tem por que ficar nervosa, e se algo acontecer eu venho te buscar no mesmo momento — ele me garantiu, esticando a mão pra segurar a minha enquanto parava no estacionamento. — Eu te amo. — Ok, ficar calma, vai dar certo. — Apertei a mão dele, me inclinando sobre o banco para que ele me desse um beijo rápido. — Amo você. Até mais tarde. — Dei mais um selinho nele e saí do carro, vendo algumas pessoas me olharem e desviarem em seguida. Mantive a calma, entrando na faculdade, olhando pra trás e vendo o carro sair do estacionamento. Ok, vai dar tudo certo, eu sei controlar os gatilhos se vier algum. Estava chegando perto do corredor das salas, quando Eric me viu e veio correndo me abraçar, quase me esmagando. Eu ri, abraçando-o de volta. — Peloamordedeus, eu senti sua falta! — ele começou, falando ligeiro. — Como você está? Deu tudo certo? Digamos que eu subornei uma
secretária pra me dizer o que tinha acontecido com você. Não é o mais certo a se fazer, mas eu queria minha coestrela de volta, e precisava saber quando isso aconteceria. Queria minha amiga de volta também. — Eric! Você é terrível! — Ri, balançando a cabeça. — E, sim, eu estou bem. Deu tudo mais do que certo lá, virei outra pessoa. — Bem, espero que essa outra pessoa ainda tenha talento, porque temos duas semanas de ensaio pra pôr em dia. — Ele sorriu, enroscando o braço no meu e caminhando comigo até minha sala. Em nenhum momento ele encarou as marcas. — Diga que ao menos continuou ensaiando. — Eu não podia levar meu script, mas ainda lembro minhas falas. E o trouxe pra ler durante o intervalo essa tarde, então vai dar tudo certo — afirmei, caminhando com ele. — Como as coisas ficaram por aqui? — O mesmo de sempre. Ensaiamos cenas com coadjuvantes, e eu tive uma Bianca de mentirinha pra repetir as falas comigo, mas não tinha a emoção que tem quando é você. Realmente foi a Bianca perfeita. Ah, e aquela Isabella foi suspensa por três dias, e perdeu a posição de assistente na peça. — Ele virou o rosto pra mim, erguendo uma sobrancelha. — Imagino que não tenha sido coincidência, você sumir e ela ser expulsa da peça, dois dias depois. — Não foi. Eu sumi por culpa dela, algumas coisas que ela disse e fez tiveram... consequências. — Agi de forma estranha pra mim mesma ao não me envergonhar e erguer de leve o pulso, as cicatrizes recém fechadas ali. Ele assentiu, com uma expressão triste. — Ao menos, ela pagou pelo que fez. E se fizer de novo, eu agora estou pronta pra encarar. — É assim que se fala! — Ele sorriu. — Agora ande, vá pra aula, que logo mais temos ensaios e vamos decidir o que fazer pra compensar os perdidos. Provavelmente vamos ter que ensaiar todo dia, mas tudo bem, né? — Sim. Terça e quinta eu tenho terapia, mas é no horário depois dos ensaios, então tá tranquilo. — Paramos na frente da minha sala, e eu o abracei. — É bom estar de volta. — É bom te ter de volta. — Ele sorriu, me soltando, e eu entrei na sala. Até agora tudo bem, e continuaria assim. Quando entrei na sala, Isabella estava sentada num canto, e eu ergui meu queixo, sentando na cadeira que costumava ser minha. Algumas pessoas me cumprimentaram,
dizendo que era bom me ver, e eu sorri de volta para elas. Mal notei que estava sorrindo de verdade, e não no automático.
O tempo pareceu voar nas últimas duas semanas. Alice estava tendo ensaio todos os dias, e duas vezes por semana indo pra terapia. A melhora dela continuava, parecia que aquela luz dela que eu tinha visto algumas vezes agora brilhava constantemente, sem nunca parar. Sempre que eu achava que não podia amar mais ela, ela vinha e me surpreendia de novo. Eu tinha passado essas semanas observando o quanto ela melhorou, e era visível demais. Ela quando chegava e me contava da faculdade estava animada, contando que conheceu amigos novos na peça, que não era mais só Eric, que estava ensaiando como louca. Eu só tinha a visto feliz assim na casa do lago, e era bom ver essa felicidade se espalhar por toda a vida dela. Já era sábado, e ela iria sair com Eric e mais alguns colegas de elenco durante à tarde. Minha Alice, saindo pra passear com amigos. Me enchia o coração de orgulho vê-la assim. Ela tinha acabado de sair, iriam literalmente brincar de atuar em pleno Central Park, fazendo cenas improvisadas. Eu tinha achado a ideia louca, mas atores eram todos um pouco loucos mesmo. Eu não tinha muito o que fazer hoje, então só fiquei assistindo a nova série que ela tinha me recomendado. Tínhamos acabado True Blood logo depois de ela sair da clínica, e agora eu estava vendo Scandal. Ela tinha
comentado algumas coisas sobre a série, e eu acabei decidindo ver. Era uma trama política absurda, envolvendo uma amante do presidente que era uma espécie de “resolvedora de problemas” pra gente que estava na mídia. Era insano, mas viciante. Mais tarde, meus irmãos viriam pra cá, noite de jogos, a primeira de Alice como parte da família. Nicole viria também, obviamente. Ela e Alice tinham realmente se tornado boas amigas, Alice em alguns dias ficava horas com ela no telefone dando risadinhas, e sábado passado foram passar o dia juntas no apartamento de Nicole e Ethan. Eu estava começando a ficar tentado a falar como Alice, chamar os dois de NicolEthan, porque encaixava demais. E isso irritaria profundamente eles, então era um bônus. O apartamento tinha outra vida agora que ela morava aqui. Paredes genéricas e bem arrumadas agora tinham alguns quadros e posters que eram dela, a mesinha da sala tinha manchas de tinta das pinturas numeradas dela, meu notebook e meu computador agora tinham o bendito jogo da fazenda que ela me convenceu a jogar com ela. Eu tinha até encomendado o livro guia do jogo pra nos ajudar e não termos que ficar olhando o site o tempo todo, deve chegar essa semana. Tudo tinha mudado com ela por aqui, e eu estava amando cada detalhe. Meus dias eram mais vivos, sendo acordado com beijos ou com o cheiro de café, que inclusive eu havia me acostumado a comer de manhã, coisa que antigamente não fazia com frequência. Alice era uma força da natureza na minha vida, e eu a amava demais por isso. Eu sabia que ainda era cedo, mas às vezes quando passava por uma loja ou por um anúncio de anéis na internet eu ficava pensando no dia que a pediria para ser minha pra sempre, pois eu já era dela. É um detalhe curioso, mas quando estava com Elisa eu sempre via um final. Eu conseguia saber que chegaria um dia em que nossas visões diferentes de futuro nos separariam, o que de fato aconteceu. Já com Alice, eu não consigo ver um fim nem tentando. Consigo ver possíveis brigas e discussões por coisas grandes e bobas que podem acontecer, mas não consigo ver um dia em que não estaremos juntos. Ela me fez acreditar em almas gêmeas. Suspirei sozinho, pausando a série já que não estava prestando atenção mesmo, e fui pegar alguns dos jogos no closet. Tínhamos conseguido arrumar direito todas as coisas de Alice nele, e os jogos tinham ficado nas prateleiras
de cima, metade do lado dela e metade do meu. Peguei os que sempre jogávamos, como Monopoly, clue, e um que Alice viu na internet e me convenceu a comprar, Zombicide. Esse era diferente dos outros, uma espécie de RPG cooperativo com uma porção de peças de zumbi e de sobreviventes. Pegamos uma edição chamada Rue Morgue, que tinha até doze participantes, por causa do tamanho do nosso grupo. As normais eram só seis e alguém teria que ficar de fora. Provavelmente Roman, ele adoraria se safar. Levei os jogos pra sala, abrindo a caixa do Zombicide e pegando o manual. Alice tinha dito que leu na internet que era super complicado mas interessante, então imaginei que seria uma boa ideia ler logo. Me arrependi na hora que vi a quantidade de páginas. Que tipo de jogo precisava de um manual tão grande?! Alice me mete em cada uma... Fiquei lendo o manual, grifando algumas partes com uma caneta pra achar mais fácil na hora do jogo, e no final estava torcendo pra os meus irmãos não quererem jogar esse. Extremamente complicado, com regras absurdas. Inclusive eu tiraria a regra onde se atirar numa zona com um sobrevivente e zumbis, o sobrevivente morre antes do zumbi. Isso era ridículo, qualquer pessoa num apocalipse conseguiria mirar mesmo que porcamente pra não acertar o amigo. Balancei a cabeça, jogando o livro de regras no sofá e indo na geladeira ver se tínhamos porcarias suficientes pra comermos hoje. Parecíamos adolescentes quando nos reuníamos assim, então basicamente comeríamos salgadinhos, chocolates e balas de gelatina, além de enchermos a cara em whisky e cerveja. Alice seria a única sóbria, mas eu faria questão dela se divertir também. E eu teria que esconder o whisky caro que ganhei de Roman, antes que Ethan, Nicole e Brian se juntassem pra beber todo de uma vez. Voltei para o sofá, continuando a ver a série, até a porta se abrir no final da tarde com Alice de volta. Ela estava com o rosto cor-de-rosa pelo dia no sol, e deu um gritinho, largando a bolsa junto da porta e vindo pular no meu colo. — Imagino que o dia tenha sido bom? — Você nem imagina! Ganhamos até gorjetas, juntei dez dólares da minha parte. As pessoas paravam pra assistir, como se estivéssemos
apresentando de fato! Foi incrível! — Ela sorriu, me beijando de uma vez, segurando meus lábios nos seus e então soltando. — Você devia ter ido. — Lidar com um bando de atores loucos? Você sabe que meu mundo é outro. — Ri, vendo-a revirar os olhos. — Você vive com uma atriz louca, se acostume. — Ela me beijou de novo, sorrindo entre um beijo e outro. — Vou tomar banho, estou com cheiro de grama. E não, você não pode vir junto, ou vamos ainda estar lá quando seus irmãos chegarem, e não quero ouvir gracinhas de NicolEthan. — Eu nem disse nada! — Mas pensou. — Ela riu, me beijando de novo e se levantando do meu colo, correndo rapidinho pra o quarto. Ouvi por alto ela brincar com Rudy, que era um belo preguiçoso e só dormia o dia todo e ficava latindo durante a noite querendo brincar até dormir de novo. Esperei-a sair do banho, que surgiu com o cabelo molhado sorrindo pra mim, usando um short de tecido e uma blusa folgada por cima, totalmente confortável e linda. Ela se aproximou de novo, sentando de lado no meu colo, passando os braços em volta do meu pescoço. — Cheirosa — comentei, sentindo aquele cheirinho doce dela de mel e lavanda. — Pronta para encarar uma noite de jogos com os Vanslow? — Prontíssima. Vi que pegou o Zombicide. — Ela sorriu, animada, e eu revirei os olhos. — Sim, peguei essa pocaria complicada. Sabia que tem quase setenta páginas no manual? E que é extremamente complicado e cheio de regras, algumas inclusive que eu nem entendi e outra que eu preferi decidir que iremos ignorar. — Nem é tão ruim, eu li o manual na internet e achei apenas complexo, mas com um pouco de atenção fica fácil de entender. — Ela deu de ombros, enroscando os dedos na minha barba. — Deixe de fazer esse bico e se anime, eu ajudo vocês a jogarem. Ok, eu mesma nunca joguei, mas posso ensinar vocês mesmo assim só com o manual, sabe por quê? Porque eu sou um gênio! — Humildade mandou lembranças — brinquei, rindo e puxando-a mais pra perto, roçando nossos lábios. — Pra cada vez que eu fizer algo errado nesse seu joguinho, você vai ter que me encher de beijos.
— Não vale, assim você vai errar de propósito. Faço assim, te encho de beijos toda vez que fizer uma jogada bem pensada. — Trato feito. — Sorri e beijei-a, nossos lábios deslizando juntos naquele ritmo só nosso que eu tanto amava, funcionando em sintonia. Me afastei um pouco, em busca de ar, mas ela logo me puxou de volta, me beijando com aquele carinho e aquela doçura que só ela tinha. Eu realmente não saberia mais viver sem ela, era um fato. Ficamos ali no sofá, conversando sobre o dia dela, enquanto escurecia lá fora, e logo ouvimos a primeira batida na porta. Alice se levantou, indo pegar os lanches na cozinha, enquanto eu ia abrir a porta. Brian, carregando uma caixa enorme de... garrafas? — Que porra...? — Pensei em incluir Alice na bebedeira, então comprei um kit e um manual de drinks sem álcool. É basicamente suco, mas é cheio de xaropes doces e canudos coloridos, então tem a alma de um drink perfeito. — Ele deu de ombros, e eu o deixei entrar, surpreso que ele tenha pensado nisso. Com certeza era uma ideia melhor do que deixá-la tomando apenas refrigerante a noite toda. — Irmãzinha! — Brian! Que diabos é isso aí? — Ela sorriu, indo remexer a caixa quando ele a colocou sobre a bancada. — Seus drinks sem álcool, milady. Coquetéis de todo tipo de fruta que eu consegui achar, misturas coloridas que eu provavelmente vou fazer errado e rodelas de limão com mini guarda-chuvas e canudos bonitinhos. — Ele sorriu, e ela deu um gritinho, dando a volta na mesa e indo abraçar ele. — Não acredito que pensou nisso! Você é o melhor irmão do mundo, sabia? — Por favor, conte aos outros. — Ele riu, soltando-a e indo pegar uma porção de balas de gelatina que ela tinha colocado numa tigela. A porta não bateu dessa vez, Ethan e Nicole simplesmente entraram, com Nicole correndo pra abraçar Alice, quase fazendo-a derrubar uma das garrafas que estava tirando da caixa. — Alice! Sua primeira noite de jogos como uma Vanslow. Já aviso que é uma loucura, e que eles são competitivos babacas, mas se eu sozinha conseguia dar um jeito de vencer, imagina nós duas juntas! — Ela riu,
balançando Alice no abraço e soltando ela em seguida. Alice rapidamente colocou a garrafa na bancada, antes de outro ataque. — O que é isso tudo? — Brian teve a ideia de trazer drinks sem álcool pra mim. — Tá vendo, Ethan! Seu irmão é mais inteligente que você, por que não pensamos nisso? — Nicole se virou pra ele, que deu de ombros, indo se apoiar na bancada junto delas. — Eu nem sabia que existiam drinks de verdade sem álcool. Achava que era só ponche de frutas, suco e refrigerante. Mas eu estou vendo — ele começou a remexer a caixa — rodelas de limão, canudos que giram, e garrafas com dosadores e xaropes coloridos. Acho que até eu vou provar um desses, mas vou enfiar vodka junto, obviamente. — Você é patético. — A loira riu, pegando uma das garrafas, abrindo, cheirando e dando um sorriso. — Morango! — É, Brian, parece que você vai virar bartender por hoje. — Alice riu, e meu irmão deu de ombros. A porta bateu de novo, e eram Roman e Phillip. Eles moravam menos de cinco minutos um do outro, então fazia sentido virem juntos. — Agora sim, família completa. — Sorri, deixando eles passarem. — Ethan chegou antes de nós, de novo? — Roman deu uma olhada em volta, rindo quando viu o mais novo. — Me deixe adivinhar, culpa de Nicole de novo? — Pelo visto. — Dei de ombros, ouvindo Phillip rir enquanto Roman balançava a cabeça. — Pelo visto, a aposta está perto de ser encerrada. — Finalmente. — Ri, entrando com eles, Roman indo abraçar Alice rapidamente. Ele era mais fechado que nós, mas ele claramente tinha adorado a nova adição na família. — E aí, cunhada, gostando de viver com nosso irmão? — Phill abraçou-a também. — Espero que ele não seja mais insuportável como era na adolescência. — Ele é ótimo, mesmo deixando a toalha molhada em cima da cama de vez em quando. — Ela fez graça, e eu ri, me aproximando e beijando o rosto dela, indo pegar as garrafas de whisky e uma de vodka no canto da cozinha.
Meus irmãos se alegraram quando viram o álcool, Nicole vindo pegar uma das garrafas e enchendo um copo até a metade de vodka, em seguida pegando o suco de morango e completando. A garota bebia, e não era pouco. — E então, o que vamos jogar hoje? — ela perguntou, antes de dar um gole na bebida. — Por mim, seria algo comum, mas Alice sugeriu Zombicide. É aquele ali da caixa quadrada e gigante, com um manual de sessenta páginas. — Apontei para o jogo, e ela deu uma engasgada. — Sessenta páginas?! Alice, querida, você é louca. Nós te amamos, mas é louca. — Ela riu, e Alice deu de ombros, com um sorrisinho. — É um jogo ótimo, ok? Cooperativo, luta contra zumbis, estratégia pura. Mapas divertidos, cartas de armas, regras especiais, já que Hector estava reclamando de uma delas que eu também achei boba... vamos, por favoooor. — Ela fez um charminho, e a garota tinha jeito em domar Vanslow. — Sabe que se eu morrer, eu vou ficar revoltado, né? — Brian riu, indo olhar a caixa. — Prometo que não vai morrer, basta ser inteligente e ter um pouco de sorte. — Ela riu. — Inteligente? — Roman se intrometeu, indo olhar o manual que ainda estava em cima do sofá. — Nesse caso, deixem que eu cuido de tudo, se formos depender de Brian os zumbis nos massacram em dez minutos. — Ele riu, e eu vi Brian considerar arremessar um limão nele. No fim ele realmente arremessou, acertando o ombro de Roman. — A agressão começou cedo hoje — Phill comentou, rindo e pegando um copo bem cheio de whisky, vindo se sentar no chão ao lado do sofá. Alice pegou a caixa do jogo e colocou na frente deles. Nicole só encarou, balançando a cabeça. — Eu tô fora. Não sei nada de estratégia, e não tô a fim de ser comida por zumbis. Eu cuido dos drinks! Brian, problema seu, eu sou a bartender agora. — Nem pensar. Alice me fez comprar a versão mais complicada porque podia jogar mais que seis pessoas, ninguém vai pular fora — avisei, e ela fez uma careta, cruzando os braços. — Se for boazinha, eu te deixo começar com
uma arma mais forte. — Isso não vale! — Alice reclamou, rindo. — Vocês vão massacrar as regras do jogo, né? — Eu não chamaria de massacrar e, sim, adicionar um toque Vanslow. — Ethan riu, pegando um pote de doces e trazendo com ele enquanto se sentava ao lado de Phill. Alice pegou a caixa do jogo, deixando a tampa de lado e se sentando no chão, colocando a caixa ali no meio e começando a tirar as peças diversas. Vi os olhos de Roman se arregalarem quando ele viu realmente a quantidade de zumbis que tinha ali, e ele começou a folhear o manual. — Missões de duas, três horas de duração? Alice, irmã, você acha que conseguimos ficar sóbrios o bastante por três horas? — Acho que vou ter que salvar a pele de vocês, isso sim. — Ela deu de ombros, com um sorriso alegre enquanto separava as peças de zumbis, e pegava as nove cartolinas de mapa modular. — Vou te deixar escolher a missão, pode dar uma olhada aí. — Por que ele? — Brian reclamou, me fazendo rir. — Porque ele me deu uma pulseira absurda de linda — “e cara” ficou subentendido — e eu precisava o recompensar de alguma forma. Vamos, Roman, escolha logo. — Eu adorava o quanto ela se aproximou dos meus irmãos. Me sentei junto dela, começando a ajudar a esvaziar a caixa e separar as fichas e cartas. — Ok, pode ser... essa aqui. — Ele entregou a página virada a ela, que sorriu. Dei uma olhada por cima do ombro, era uma missão grande, daquelas de três horas, chamada Nosocomephobia, medo de hospitais. Obviamente, a missão se passava num hospital. — Corajoso, já vamos cair de cara na confusão. Gostei. — Alice sorriu, pegando os nove tabuleiros e montando na ordem que tinha na folha. — Vão olhando seus personagens enquanto isso. Cada um tem uma habilidade especial inicial, escolham qualquer um menos a de chapéu, ela é minha. — Eu entreguei os cards de personagens para os outros. Separei o da Jane — a do chapéu de Alice — e o Dan, com quem eu jogaria. Tive que responder o que eram as habilidades de alguns cujo nome não deixava óbvio, e os outros acabaram escolhendo James, Cathy, Louise,
Travis e Parker. Eram todos com habilidades úteis, como empurrar zumbis para outra zona, puxar sobreviventes da zona em que estavam em risco, e até uma médica! Claro que Phill tinha escolhido essa. Alice ajeitou as peças do tabuleiro, colocando os sobreviventes no lugar, as barracas, as armas especiais e os objetivos. — Então, o jogo é simples... — Alice começou a explicar as regras que não eram nada simples, mas todo mundo assentiu e concordou, e então começamos a jogar. Nessa missão tínhamos que pegar todos os objetivos, e depois tinham dois modos de vencer: se trancar no hospital e matar todos os zumbis, ou escapar. Claro que meus irmãos decidiram que mataríamos os zumbis, e eu já conseguia ver o fiasco. Brian ficou de pé, olhando de cima e dando ordens sobre o personagem dele enquanto fazia um drink cor-de-rosa pra Alice. Ele fez um com laranja e vermelho e vodka para si mesmo. Roman e Phill continuavam no whisky, Nicole com a vodka e morangos, e Ethan na cerveja, de vez em quando dando um gole no copo dela. Esses dois tinham que terminar juntos, nem que fosse só uma vez. Nada faria mais sentido do que esses dois juntos. Continuamos o jogo, e eu quase surtei quando uma carta nos fez colocar um balofo — um dos zumbis gigantes, menor apenas que o Abominação — bem na zona que eu estava. — Ah não, nananinanão, eu não vou enfrentar esse bicho sozinho! E não tem como fugir... Alice, você vai vir aqui e vai empurrá-los pra outra zona. — Como?! Eu estou do outro lado do mapa... Roman! Você está com o James e tem uma espingarda, se você andar uma zona você consegue atirar ao menos no balofo, já que tiramos a regra do friendly fire e você não vai ferir Hector. — Depende... — Roman estava a algumas zonas de distância da vizinha a minha, e encarou o tabuleiro, coçando o queixo. Ele já tinha tomado uma boa quantia de whisky, e estava solto como só ficava quando estávamos entre nós. — O que eu ganho por te salvar? — Tá brincando, né? Eu sou seu irmão! — E daí? — Ele riu, observando o bonequinho cor de vinho dele. —
Vamos, quero ofertas. Estamos num apocalipse, mas negócios são negócios! — Eu te odeio — reclamei, e todos riram. Brian já estava enchendo o copo de Nicole com mais vodka, e o de Alice com mais morango e cereja. O dele nunca ficava vazio, e a garrafa já estava no fim. — Muito bem, eu ofereço... aquele meu relógio de ouro que você elogiou quando comprei. Mas dessa vez ninguém pode pisar no relógio! — Só aconteceu uma vez, ok? — Phillip riu, erguendo o copo acima da cabeça. — Brian, seja o amor de pessoa que você é e encha pra mim. — Isso, abuse da boa vontade do seu gêmeo. — Brian riu, enchendo o copo dele. Vi um sorrisinho surgir, mas ele viu minha cara e mudou de ideia. Se eu bem conhecia meu irmão, ele ia virar meu whisky na cabeça de Phill. — Tudo bem, o relógio é suficiente. Se considere salvo. — Roman riu, e moveu o personagem dele, jogando os dados. No final ele conseguiu matar quase todos os zumbis, deixando só um pra mim, que eu demorei duas jogadas de dados pra matar. Saí dali no terceiro movimento, a última coisa que eu precisaria seria mais zumbis nascendo daquele maldito bueiro. O jogo continuou, mas a partir do momento que trancamos o hospital com a gente dentro, tudo foi pelos ares. Nasceram zumbis demais, eram quatro cartas na zona de nascimento, e não estávamos dando conta. Phill já tinha tido que curar Brian e Nicole três vezes, ela já estaria morta se não fosse por ele. Brian agora estava com um ferimento, e longe demais pra ser alcançado, e com um zumbi corredor na zona ao lado dele. Ele já era. Na fase dos zumbis seguinte, Brian realmente foi o primeiro a morrer, tendo que ouvir a risada e piadinhas de Ethan, em quem ele arremessou o personagem. Se ainda tivéssemos quinze anos pra baixo, ele já teria virado o tabuleiro. Olhamos a situação dos zumbis, estávamos cercados e completamente ferrados. Nos entreolhamos, todos um pouco alterados, e Alice — a única sóbria — foi a primeira a gargalhar. — Ok, Roman, a culpa é toda sua que escolheu essa missão! — Minha?! A culpa é deles que quiseram se trancar num hospital cheio de zumbis. — Ele apontou para Brian e Ethan, que deram de ombros. — Desculpe se eu sou corajoso e não quis tomar o caminho mais fácil. — Você está morto, Brian! Literalmente, você foi devorado por um
zumbi. Tem certeza de que está em posição de dizer algo? — Roman o encarou, virando mais um gole longo de whisky, finalizando o copo pela... qual vez era mesmo? Eu não fazia ideia, eu mesmo já tinha virado meu copo vezes demais para contar. — Chega- vocês dois... perdemos, fazer o quê?! — Nicole riu, deitada com a cabeça no ombro de Ethan, que tinha um braço em volta dos ombros dela. — Ah, pelo amor de Deus — resmunguei, me calando quando vi que ia dizer para eles se beijarem logo e encerrar nossa aposta. Todos se viraram pra mim, e eu tive que improvisar. — Parem de reclamar, mortos não falam. — Amor, então por que você está falando? — Alice brincou, e eu fechei a cara, ouvindo a gargalhada dela enquanto se aproximava e me dava beijinhos no rosto. — Não, nada disso, vocês não vão ficar nos humilhando com a felicidade romântica que tem — Brian resmungou, nos encarando. — Tenham pena do pobre coitado de coração partido, dos dois encalhados e do que está obviamente apaixonado pela garota ao lado! — Ele apontou para si mesmo, depois Roman e Phill, e depois Ethan, que gritou eu “ei!” enquanto Nicole gargalhava. — Ethan, apaixonado? — Ela engasgou enquanto ria, todo mundo encarando. — Vocês não conhecem o irmão que tem? Ethan não se apaixona. Nunca. — Ela continuou rindo, e Ethan deu de ombros, erguendo a garrafa em um cumprimento silencioso e virando um gole até o final. Talvez tenha sido loucura minha, pelo efeito do álcool, mas foi tristeza o que eu vi no olho dele? Passou rápido demais para ter certeza. — Sou um homem de todas e de nenhuma, apenas isso. — Ele riu, pegando o drink da mão de Nicole e virando a vodka com morango dela também. Foi a vez dela de dizer “ei!” — Brian, encha esse copo de novo antes que ela me mate. — É o final da vodka — Brian avisou, enchendo o copo até quase o fim, completando com suco de morango. Ele tropeçou enquanto voltava pra cozinha, quase caindo enquanto tomava o resto da vodka direto da garrafa. Ficamos por ali, guardando devagar as peças do jogo e rindo, conversando como loucos bêbados. Eu ainda era o mais sóbrio depois de Alice. Ok, não sóbrio, minha cabeça estava girando e tudo um pouco
embaçado, mas eu e Roman ainda tínhamos controle de nós mesmos. Ethan, Nicole e Brian não paravam de rir, Brian jogado no meu sofá, e Phill estava num meio termo. Acabamos de arrumar a caixa do jogo, que acabou sendo bem divertido mesmo com o fracasso, e no final Alice tinha um sorriso gigante quando nos despedimos deles, Ethan e Nicole aos tropeços apoiados um no outro, Brian encarando o celular, provavelmente pensando em fazer alguma besteira e ligar pra quem não devia – eu esperava que ele não fizesse isso — e Roman e Phill fazendo pose de sóbrios, mas as pupilas dilatadas deixavam claro que não estavam normais. Ficamos só Alice e eu, e eu me virei pra ela com um sorriso, a puxando nos meus braços, ouvindo ela dar um gritinho misturado com uma risada, beijando seu rosto de novo e de novo, sentindo-a me abraçar. — Você é linda, sabia? — Você diz frequentemente, então sim, sabia. — Ela riu, me beijando devagar, fazendo uma caretinha adorável quando se afastou. — Você está com gosto de whisky. — Sinto muito. — Eu amo você. — Ela riu, me puxando pela mão até o nosso quarto e então até o banheiro, começando a tirar minha roupa. Dei um sorrisinho, e recebi um tapa no braço. — Nada de gracinhas. Você vai tomar um banho e vamos dormir, já está bem tarde e você está bebinho. — Ela me empurrou para o chuveiro, me fazendo reclamar. — Vem comigo. Prometo que sou tão bom bêbado quanto sóbrio. — Sei disso, lembra que estava um pouco alterado naquela noite do evento? E ah como foi bom... — Ela deu um sorrisinho, ficando na ponta dos pés e me beijando. — Mas hoje não. Hoje você vai dormir bonitinho e vestido. — Você é cruel. — Sim. — Ela sorriu, me empurrando para o chuveiro de novo, e dessa vez eu fui. Ela ficou sentada na lateral da banheira, conversando comigo, enquanto eu tomava um banho morno, e depois me entregou uma calça de moletom, daquelas que eu sempre usava pra dormir. Me joguei na cama, e ela riu, indo vestir um pijama — que na verdade
era uma regata minha, que ficava meio colada nela, mas ela adorava — e se jogou na cama comigo, pegando os remédios na cabeceira ao lado e a garrafinha de água, engolindo os comprimidos. — Vem cá. — Puxei-a pra perto, e me deitei com a cabeça no peito dela, ouvindo seu coração. — Vou dormir assim hoje, ouvindo o som mais bonito do mundo. — Meu coração? — Sim. A prova de que você está viva e aqui comigo, nos meus braços, me amando mais e mais a cada dia, tanto quanto eu amo você. — Você é um bêbado fofo. — Ela enroscou os dedos no meu cabelo, fazendo carinho. Eu ia dizer que a amava de novo, mas peguei no sono antes disso.
Mais uma semana passou voando, e Alice agora ensaiava todos os dias. Era a penúltima semana de ensaios agora, a noite de estreia seria no primeiro fim de semana de junho. Ela teria um ensaio extra, em pleno sábado, e eu iria junto. Tinham permitido acompanhantes nesse ensaio extra, onde eles já estariam com figurinos. Eu estava louco pra ver o progresso de Alice como Bianca, ela as vezes ensaiava comigo repetindo as falar, e a mudança nela quando incorporava a personagem era incrível. Ela agora estava se arrumando, e eu brincando com Rudy no sofá, coçando a barriga dele. Nosso filhote era a coisa mais fofa do mundo, e já estava bem grandinho e gordo. Adorável. Deixei ele no sofá e fui até o quarto, sorrindo ao ver Alice com um short jeans e uma blusa sem manga de botões. Eu adorava ver a confiança que ela estava desenvolvendo. Quando a conheci ela só usava moletons e roupas folgadas, tinha vergonha do próprio corpo, e olhe pra ela agora! Todo e qualquer sinal de progresso me aquecia o coração, me fazia ter fé de que realmente teríamos um futuro longo juntos. Ela se virou pra mim e sorriu, vindo me abraçar. — E aí, estou bonita? Não que isso importe, assim que chegar vou ter
que trocar para o figurino, mas, né. — Ela deu de ombros, sorrindo e beijando meu rosto antes de se afastar. — Está linda, minha deusa. — Beijei a testa dela. — Pronta? Aposto que estão te esperando. — Devem estar. Vamos, mal posso esperar pra ver Eric de figurino, é um estilo tão diferente do dele. Jonathan é um bad boy, daqueles de jaquetas de couro e calças rasgadas. Eu vou ter que segurar uma crise de riso quando ver. — Então vamos logo, também quero ver isso. — Sorri, segurando a mão dela e pegando as chaves do carro. Desde que comecei a sair com ela, eu estava dirigindo mais, gostava de estarmos no mesmo carro. June me perguntou um dia se eu dispensaria Nick do trabalho de vez, mas eu nunca faria isso. Enquanto ele quisesse, ainda teria um emprego comigo. Sem falar que eu precisava de alguém pra me dirigir quando fosse beber, e pra levar Alice pra faculdade quando eu não pudesse. Descemos até o estacionamento, e em pouco tempo, cerca de quatro das músicas dela na rádio, chegamos à Lucille. Estacionei e andamos até o auditório principal, uma verdadeira estrutura de teatro, e ela correu pra junto do elenco, me dando um selinho de despedida. Andei até uma cadeira na segunda fileira e me sentei, vendo-a conversar com os outros no palco. Alguém se sentou do meu lado. — Hector, não é? Sou Rob, namorado de Eric — ele se apresentou, e eu sorri, assentindo. — Qual a sensação de saber que sua namorada beija o meu quase todos os dias desde março? — ele brincou. — Fico mais confortável sabendo que ele não está solteiro. — Ri de volta, balançando a cabeça. — Acho que não sou do tipo ciumento. Meus irmãos são, e provavelmente surtariam com uma namorada atriz que precisa beijar outros caras, mas eu sou o mais tranquilo. — Sorte a sua. Eu só fico tranquilo porque é uma garota, mas no dia em que ele for contracenar par romântico com um cara eu sei que vou precisar de toda minha confiança pra não ter uma crise — ele admitiu, suspirando e olhando o palco, por onde eles tinham desaparecido nos bastidores. — Ela também te faz ensaiar as falas? — Desde o começo. Já sei quase todas as falas do Jonathan decoradas, de tanto ler pra ela.
— Eu sou a mesma coisa com as da Bianca. Eric me fez repetir mil vezes até ele memorizar todas as cenas, e quantas vezes eu escutei o monólogo principal então? — Eu sei o dela inteiro. Vou assistir à peça como quem assiste o filme favorito de infância, repetindo as falas. — Ri. — Eu também. Olhe lá, eles estão vindo. Logo quando ele disse isso, as luzes se acenderam mais fortes no palco, e entrou Alice na frente, a narração da voz dela, enquanto ela e Eric encenavam o início de Bianca e Jonathan, vistos da perspectiva dela. Era uma história bonita, eu já tinha decorado toda. O casal se conheceu ainda adolescente, namoraram por um tempo, mas ele a deixou pra seguir o sonho de ser famoso. Alguns dias depois de ele partir, ela descobriu que estava grávida, e a única escolha que sobrou foi abortar, ela não tinha condições financeiras e muito menos psicológicas de criar aquele filho sozinha. Anos depois, quando se reencontram de fato, algumas coisas são jogadas na cara um do outro, e eles começam a se entender. No final eles ficam juntos, ele a pede em casamento e ela diz que sim. Eu sabia que quando meus irmãos assistissem, a história ia pegar pesado em Brian, e Phill iria querer escalá-la como atriz em algum clipe da gravadora. Mal podia esperar pra ver como isso se desenrolaria, mas já sabia que ia dar certo. Bem, menos a parte de Brian. Desde que ele soube que Alec estava noivo, ele ficou um tempo estranho. A verdade é que, por mais que ele tivesse dito aquele dia que Alec foi o que ele “quase queria”, todos sabíamos que Alec era o amor da vida dele. Eu sabia que era errado, mas torcia que ele acabasse o noivado e voltasse para Brian. Sempre vou me preocupar acima de tudo com a felicidade do meu irmão. Afastei essas preocupações da minha cabeça e me foquei no palco. Alice com as roupas da jovem Bianca, era fascinante vê-la usando uma saia jeans e uma blusa curta que quase mostrava a barriga. Ela entrava tanto na personagem que esquecia qualquer insegurança que pudesse ainda existir, e eu me orgulhava demais dela por isso. Ela era o amor da minha vida. O ensaio continuou sem pausas, apenas como seria no dia com os tempos da troca de figurino, e a peça tinha ficado incrível. Eu e Rob nos acabamos de rir na cena de sexo que tinha logo no final, a cama suspensa como ela tinha dito que ia ser, no melhor estilo de Rocky Horror Picture
Show em teatros, e eu a vi querendo rir também quando nos ouviu. Bem, não era culpa nossa se sabíamos que aquela cena fora dos palcos nunca seria nem remotamente real. Ensaiaram algumas cenas mais uma vez, onde tinham algo a aperfeiçoar, e então foram liberados. Alice demorou um pouco para se trocar, então Eric apareceu primeiro, vindo beijar o rosto de Rob e se sentar do lado dele, dando um sorriso pra mim. — E aí, Hector. Eu vi vocês dois se acabando de rir aqui, me façam o favor de não repetir isso na estreia, ok? — Não é culpa nossa! — Rob se defendeu, e eu apenas ri, dando de ombros. Alice apareceu na lateral do palco, descendo as escadinhas e vindo pra junto da gente, parando na lateral da fileira. — Eles já começaram a se defender pela crise de riso? — ela perguntou, me encarando, e eu fiz cara de inocente. — Desculpe? — Bem que seus irmãos me avisaram que eu às vezes ia querer te esganar. — Ela fez uma careta e riu. — O que acharam do ensaio, tirando aquela cena? — Ficou ótimo. — Sorri. — Vocês conseguiram passar bem as emoções. Ainda acho que deviam tirar a cena da cama? Acho, mas vou me segurar pra não cair na risada no dia. — Você é péssimo, Hector Vanslow. Péssimo. — Ela balançou a cabeça, um sorriso tranquilo nos lábios. — Mas falando sério, vocês arrasaram. — Rob sorriu, e eu assenti. — Mal posso esperar pra ver a produção completa no dia. — A trilha sonora está perfeita, só não mostraram hoje justamente pra não dar spoiler pra quem veio ver o ensaio. — Eric parecia orgulhoso do trabalho que estavam fazendo. — Verdade. Aquela música na cena da primeira despedida deles me parte o coração... aliás, vou dar um pequeno spoiler: eu convenci a produção a colocar uma música country. Só uma, mas encaixou perfeitamente no momento. — Alice fez aquela carinha orgulhosa de quando conseguia o que queria, me fazendo sorrir em resposta.
— Quero só ver. — Bem, nós temos que ir, estamos procurando um apartamento novo e marcamos com uma consultora de imóveis daqui a pouco, mas espero te ver de novo, Hector. — Eric sorriu para mim. — Vá com Alice da próxima vez que a gente for se aventurar no Central Park. — Vou pensar no caso de vocês — prometi, vendo eles se levantarem, abraçarem Alice e irem embora. Me levantei também, indo até ela. — Você estava incrível. — Eu me senti incrível. É como se Bianca realmente existisse, e eu saísse do meu corpo pra dar lugar a ela. Eu adorei esse papel, tão cheio de sentimentos, tão profundo. — Ela sorriu, entrelaçando os dedos aos meus. — Vamos pra casa? — Se quiser. Estava pensando em te levar pra jantar, comemorar as conquistas recentes. — Mas eu nem estou arrumada pra um jantar, e você só vai em lugares chiques. — Ela olhou para si mesma, fazendo uma expressão fechada e balançou a cabeça. — Aceito ir a um café, estou boa o bastante para um café. — E um café será. — Sorri, caminhando com ela até o estacionamento. O lugar estava bem deserto, a maioria do pessoal do ensaio já tinha ido embora, e logo fomos também. Em alguns minutos estávamos numa cafeteria que eu conhecia, perto do prédio de Roman. Costumava tomar café lá quando ainda era meu pai na administração do hotel. Estacionei na lateral e saímos do carro, indo até lá de mãos dadas. Ela balançou a cabeça, sorrindo. — Até seus cafés são chiques, eu devia saber — ela murmurou, beijando meu rosto, e fomos nos sentar numa mesa no canto, ao lado da janela. A garçonete veio perguntar o que queríamos, bem rápido. — Um café com chocolate pra mim. — Um expresso, e uma cesta de cookies — pedi, vendo Alice sorrir quando mencionei os cookies. A moça assentiu e se foi com nossos pedidos. Ergui minha mão sobre a mesa, e Alice esticou a dela pra entrelaçar nossos dedos. Ela inclinou a cabeça um pouco, com aquela expressão de quem está pensando demais, e sorriu. — Sabia que eu já perdi a conta de quanto tempo faz da gente? Vai
fazer três meses né? Parecem séculos juntos. Os primeiros de muitos. — Sim, três meses esta semana. Começamos no final de fevereiro, e olhe pra nós agora. — Sorri, olhando naqueles olhos tão perfeitos e cheios de emoção. — Eu já tinha lido histórias na internet, matérias de Buzzfeed que contavam sobre casais que se conheceram num dia e dois meses depois estavam se casando, um primo da família conheceu a segunda esposa e fugiram juntos pra se casar um fim de semana depois, mas nunca achei que eu fosse ser arrebatado assim. Não até te conhecer. — Eu achei que nunca seria arrebatada, nem rápido nem devagar. Você sabe, passei anos me sentindo um lixo que não merecia amor ou atenção, se lembra como foram os primeiros momentos, eu morria de vergonha de tudo. E olha pra mim agora! Você me ajudou bastante, foi um bom apoio até que eu conseguisse ficar de pé sozinha. Te amo muito por isso. — Não mais do que eu amo você. — Quer mesmo começar essa discussão? — Ela ergueu uma sobrancelha, rindo. — Sabe que vai perder, né? — Nossa primeira briga, hein? — brinquei, recebendo nossos cafés e os cookies. Alice avançou logo em um. — É estranho não termos brigado até hoje? — Eu acho saudável. As pessoas têm uma cultura estranha de que “quem não briga não se importa”, mas não é assim. Sim, alguns casais precisam de brigas e discussões pra se acertarem, mas alguns funcionam na base da calmaria. Em vez de brigarmos no começo, vamos discutir no futuro, quando não soubermos quem vai acordar de madrugada com o bebê chorando, ou quando um de nós for o bonzinho e o outro deixar nossos filhos de castigo. Vamos brigar quando estivermos velhos, por causa do canal da tv, e vamos ter brigas catastróficas pelas flores do nosso casamento e... o que foi? Por que está me olhando assim? — Porque você acabou de admitir que vê um futuro comigo. — Eu sentia a emoção dentro de mim, o peso e a beleza daqueles comentários que ela fez tão inocentemente. — Você, a mesma garota que me disse que não conseguia imaginar um futuro para si mesma... eu te amo. — Levei uma mão ao rosto dela, fazendo um carinho suave com as pontas dos dedos, e ela deu um sorriso grande e bonito. — Você já tinha comentado um pouco naquele dia sobre o sonho de atuar na Broadway, mas ali era seu futuro profissional...
fico feliz em saber que consegue imaginar um futuro pessoal também, o mesmo que eu imagino. — Consigo. Eu e você, juntos, nossos futuros bebês daqui uns bons anos, você me enchendo de abraços e beijos quando ficarmos velhos e lembrarmos do que vivemos... é o sonho perfeito. E pela primeira vez eu acredito que ele pode se realizar. — Ela deu um gole no café, sorrindo em seguida. — Você é tão emocionado e se joga de cabeça como eu. Se tem alguém com quem eu daria certo pra sempre, é você. — Minha linda, linda e perfeita deusa. Abençoado seja o dia que Roman me mandou fazer aquela palestra na Lucille, e bendito seja o papel do sorteio que tinha seu nome. Coisa do destino mesmo. — Louvadas sejam mamãe e vovó que me convenceram a ir falar com você. Parece que tudo à nossa volta deu um empurrãozinho pra que acabássemos juntos. — Ela sorriu, pegando mais um cookie, dando uma mordida. — Não sei se eu já te contei isso, mas sabia que eu nem ia naquela palestra? Achei que seria chata, mais um riquinho privilegiado falando que todos tinham chance como se fosse verdade. Só fui porque valeria presença na aula, e aí você apareceu e falou desse seu jeito lindo que reconhece o que tem e se ofereceu pra ajudar uma completa desconhecida... — Ela suspirou, pegando um outro cookie e trazendo até a minha boca, me esperando morder. — Você me amou e aceitou com todos os defeitos, viu qualidades onde eu mesma não via. — Você só precisava de óculos melhores pra se ver como eu te vejo. Fico feliz de ter ajudado, meu maior objetivo sempre foi te ver sorrir. Te fazer ver o quanto era preciosa. — Tem uma música, Wanted do Hunter Hayes, que eu sempre ouvi e ficava tristinha porque ninguém nunca me amaria do jeito que ele fala na música, ninguém me faria sentir o quanto eu era desejada e amada. Queria poder voltar no tempo e dizer pra Alice de dezessete anos que ela só precisava de um pouco de paciência, e o cara mais perfeito do mundo ia se apaixonar por ela. Ela nunca acreditaria, mas eu gostaria que ela soubesse. — Ela sorriu, os olhos perdidos em lembranças. — Acha que teria se apaixonado por mim do mesmo jeito, se tivéssemos nos conhecido naquela época? — Eu teria vinte e três, bem na época que estava com Elisa. Talvez se
tivéssemos nos conhecido naquele tempo, eu não teria percebido de cara o quanto precisava de você. Talvez ficasse cego por mais dois anos, até meu namoro com ela acabar, e só então percebesse que não parava de pensar em você. Ou talvez eu terminasse com ela imediatamente ao te conhecer, e teríamos esse tempo a mais juntos. E você, acha que se apaixonaria por mim, há quatro anos? — Acho que sim, mas eu nunca teria a coragem de te dizer algo. Eu era ainda mais assustada e fechada na época, a maioria dos traumas muito recentes, então eu me fecharia. Foi na época que eu bebia escondida também, eu não era a melhor das pessoas. É uma pena não termos tido esse tempo extra, mas faz sentido ter acontecido esse ano. Tudo acontece quando é pra ser, do jeito que é pra ser. Li essa frase num livro uma vez, e faz todo o sentido com a gente. — Por que conversas bobas sempre viram algo profundo conosco? — brinquei, vendo-a rir baixinho. — Somos intensos. Lembra daquela manhã na casa do lago? Não sabemos ir devagar ou com leveza. Temos sentimentos demais, que são fortes demais. — Amo você. — E eu você. — Ela sorriu, me olhando com olhos brilhantes. E naquele momento eu tive certeza de que ela era meu motivo de existir.
A estreia da peça estava cada dia mais perto. Era depois de amanhã, e hoje papai chegaria. Eu estava muito ansiosa, sentada aqui no banco do aeroporto, esperando o voo dele pousar. Mal podia esperar pra que ele conhecesse Hector. Ele não pôde vir comigo, tinha uma reunião sobre a inauguração do Empire na Flórida, mas nos esperaria em casa. Nick tinha vindo dirigindo, e eu sabia que papai ia achar um luxo o fato de que eu agora tinha um motorista. A gente não conversava muito, eu e ele éramos estranhos em ligações, mas todo dia ele me manda um bom dia e um boa noite, e quando estamos juntos eu consigo passar horas contando da minha vida pra ele. Eu sabia que papai teria sido meu melhor amigo tanto quanto mamãe se eu tivesse tido a chance de crescer ao lado dele. Encarei a tela dos voos que chegavam, sorrindo ao ver que o de Oklahoma pra cá estava no horário certo. Ótimo, mais dez minutos e ele chegaria. Fazia quase dois anos desde a última vez que eu tinha visto ele pessoalmente, quando eu visitei da última vez, no aniversário de oitenta anos da minha avó paterna, quando fomos pra Louisiana. Eu mal podia esperar, e os minutos pareceram se arrastar até aquela telinha avisar que o avião estava
na pista de pouso. Corri pra o portão de desembarque indicado, esperando ansiosa, quase pulando no lugar, me esticando enquanto as portas se abriam e as pessoas começavam a aparecer. E então eu o vi, lá no fundo, vindo nessa direção. William “Bill” Rogers, com os mesmos olhos verdes que eu tinha, os mesmos cachos, agora grisalhos, alto como uma porta, e mais gordo que da última vez. Quando ele se aproximou eu vi o bigode quase todo branco, o ar sulista que ele carregava, só faltava o chapéu de cowboy. Ele me lembrava uma mistura entre Alan Jackson e Charlie Swan. E então ele me viu, e eu dei um gritinho animado, correndo até ele assim que passou da porta. — Pai! — gritei, o abraçando bem forte, dando graças a Deus por ele ser enorme, senão eu teria derrubado ele no chão. — Minha menininha. — Ele me abraçou de volta, beijando meu cabelo com carinho. — Senti sua falta, pequena. — Eu também senti, velhinho. — Sorri, me afastando pra olhar ele melhor. Ele era exatamente como eu me lembrava, principalmente os olhos, tão emotivos quanto os meus. — Tive medo de nunca mais te ver. — Os olhos dele se encheram de lágrimas, e eu sabia do que ele estava falando. — Eu sei. Eu sinto muito. — Abracei ele de novo, bem forte. — Você ainda está aqui, é isso que importa. — Ele me apertou mais uma vez antes de soltar, sorrindo. — Vem, vamos sair daqui antes que reclamem de estarmos obstruindo a passagem. — Boa ideia. Nick, o motorista, está nos esperando no carro. — Minha filha tem um motorista... — Ele balançou a cabeça, puxando a mala enquanto andávamos, sorrindo. — E então, como é a vida com um milionário? — Estranhamente normal. Tipo, ok, ele me deu um colar que deve ter sido uma fortuna, e o irmão dele me deu as boas-vindas pra família com um bracelete combinando que deve ter sido outra fortuna, e quando nos reunimos eu vejo eles apostando coisas como relógios de ouro ou mil dólares na aposta de que um irmão dele e a melhor amiga vão acabar juntos até tal prazo. Eu entrei com quinze dólares nessa, se eu vencer vai ser um lucro e tanto. — Ri. — Mas de resto é bem normal.
— Sua definição de normal nunca foi muito confiável, então vou ter que perguntar de outra forma, como está sendo morar com seu namorado em tão pouco tempo? — Mesma resposta, estranhamente normal. É natural estar do lado dele, como se tivesse sido sempre assim. Semana passada estávamos falando disso, de como somos intensos e andamos rápido demais. Acho que puxei isso de você, mamãe vive dizendo o quanto o senhor é emocionado. — Ri, vendo-o balançar a cabeça. — Até parece que Cat pode falar de mim, ela era louca na nossa juventude! — Ele riu. Eu gostava de ver o quanto ele e mamãe ainda eram amigos depois de todo esse tempo, isso com certeza tinha me poupado o que seriam alguns traumas extras. — E então, qual desses carros é do meu genro? — Aquele ali, o sedan preto com o cara de terno na frente. — Nos aproximamos do carro, e Nick deu um sorriso. — Bem-vindo, senhor Rogers. — Ele abriu a porta pra nós, e meu pai parecia ainda não estar acreditando que eu tinha um motorista. Segurei a risada. Nick abriu o porta-malas, pegando a do meu pai e colocando lá, em seguida assumindo o volante. Ele deu um sorriso pelo retrovisor. — Me deixem adivinhar, estação de country? — A de country antigo, em homenagem a esse quase idoso aqui. — Ri, meu pai me encarando. Ele ia reclamar, mas na hora que a rádio ligou estava tocando On the road again, do Willie Nelson, uma das que ele me fazia ouvir quando eu era pequena, uma das que me levou pra o country. Ele sorriu, começando a cantar. Ele tinha uma voz boa, até tinha tentado uma carreira no country quando mais novo, mas não deu certo. E então começou Take me home, country roads, e eu cantei junto. Totalmente desafinada, de forma que tive até pena de Nick por ter que aturar nossa loucura de família. Foi uma jornada e tanto de música velha até chegarmos no Empire, e eu pedi que a mala fosse deixada no quarto que meu pai ficaria hospedado. Hector tinha insistido em deixar ele num quarto de luxo aqui, e papai aceitou sem nem reclamar. — E aí, pronto pra conhecer seu genro? — O motorista, eu já assustei, falta ele — papai brincou, me fazendo rir e revirar os olhos.
— Ele não se assusta facilmente, então boa sorte. — Entramos no elevador, e eu apertei o 25. Papai fez uma careta, ele não gostava de lugares muito altos. Encontramos dois hóspedes no caminho, que já me conheciam e me deram boa tarde. E então chegamos. Abri a porta do apartamento, e Hector levantou do sofá assim que nos viu, vindo se apresentar. Meu pai o encarou de cima abaixo, fazendo cara de bravo como se estivesse julgando. Mal sabia ele que eu já tinha contado a Hector que no fundo ele era tão fofo quanto um ursinho carinhoso. — Boa tarde, senhor Rogers. É um prazer te conhecer. — Hector estendeu a mão, que meu pai apertou com força demais. Revirei os olhos, sorrindo. — Pai, pare com essa cara, vai acabar com rugas — brinquei, e ele riu. — Está arruinando meu plano de intimidar seu namorado. — Ele fez uma careta pra mim e se virou para Hector. — Pode me chamar só de Bill, filho. A partir do momento em que salvou minha menina, você já passou qualquer teste de aprovação. — Obrigado. — Hector sorriu, e eu também. — Ok, sem conversa emotiva hoje, vou pegar uma bebida pra vocês e os dois vão se tornar melhores amigos, porque são os homens mais importantes na minha vida. — Sim, senhora. — Os dois falaram ao mesmo tempo, se olhando em seguida e rindo, enquanto eu ia até a cozinha, pegando uma dose de whisky para Hector e uma cerveja para o meu pai. Tinha comprado aquelas bud light que ele tanto gosta e que vivem sendo mencionadas em músicas country. Voltei pra sala, entregando o copo e a garrafa a eles. — Pai, sabia que eu ensinei Hector a ouvir country? — comentei, sorrindo enquanto me sentava ao lado de Hector no sofá. — Country de verdade, ou aqueles novos e estranhos? — Os dois. Até dançamos ao som de Chattahooche quando me mudei pra cá! E o country novo não é estranho. — Alguns são. — Papai balançou a cabeça, rindo e se virando para Hector. — Me conte mais de você, filho. Como é trabalhar com hotéis? — Difícil e fácil ao mesmo tempo. Tem momentos em que eu
literalmente não preciso fazer nada, os gerentes resolvem os problemas e eu só fico aqui vendo o tempo passar, mas tem outros que são um verdadeiro inferno, como o caso do hotel cassino em Atlantic City. Foi uma ideia do meu irmão, Ethan, e eu fui burro em considerar. Foram semanas e semanas tendo problemas porque nem eu nem o gerente de lá sabíamos administrar cassinos, até que consegui um especialista de Vegas. Alice acompanhou boa parte dessa jornada, teve que me ouvir reclamando dia após dia. — Foi um verdadeiro caos. — Comentei, balançando a cabeça. — Consigo imaginar. Cassinos são complicados, no bar onde eu trabalhei inventaram de colocar uma máquina de caça niqueis uma vez, deu uma confusão danada. — O senhor já trabalhou num bar? — Eu era bartender quando Catarina me conheceu, ela tinha recémfeito vinte e um e foi ao Wolf’s comemorar, eu fiz o primeiro drink que ela bebeu legalmente. — Papai deu um daqueles sorrisos de quando falava da minha mãe, um sorriso que refletia um passado distante. — Só larguei o bar cinco anos depois, quando Alice nasceu. — Vai ter que me ensinar alguns truques de bartender, tenho um irmão que se mete a fazer drinks, Brian, e não seria nada mal o superar. — Hector riu e papai também. — Como são seus irmãos? Eu também sou de uma família de cinco, mas nunca fui muito próximo dos meus. Crescemos brigando, e acabamos indo cada um pra um lado. — Papai deu de ombros. Meus tios eram... sei lá, distantes. Dos dois lados, eu só tinha tia Danny de realmente próxima. Tio George era sei lá, se afastou da família desde que casou com tia Ellen. — Eles são loucos, sendo sincero. Somos grudados desde pequenos, a maior distância de idade são oito anos entre Roman e Ethan, Brian e Phill são gêmeos que de idêntico só tem a data de nascimento. Roman é o mais sério e responsável, mas é só virar algum whisky caro que ele começa a apostar relógios. Por trás da fachada séria ele tem o maior coração dos cinco. O segundo sou eu, depois vem os gêmeos. Brian é mais velho por alguns minutos, e é um artista de alma romântica perdido no mundo, inclusive ele adotou Alice como irmã, e disse que se eu a magoar quem será expulso da família sou eu. — Já gostei desse. — Papai riu.
— Ele é incrível. Aí vem Phill, que trabalha com a Vans Records, e tenta bancar o sério. No fundo nem ele sabe exatamente como quer ser, é a mistura perfeita entre todos nós. E é um galinha conquistador. — Hector riu. — E por último, Ethan, o “caso perdido” da família. — Ele fez aspas no ar. — Vinte e dois anos, ainda não sabe o que fazer da vida além de viajar e ir em festas. Ele mora com a melhor amiga, Nicole, e temos uma aposta correndo na família de quanto tempo vai até eles se envolverem. — Alice comentou algo de uma aposta sobre um irmão. Eu deveria bancar o adulto e dizer que isso é errado, mas sinceramente? Vou é torcer pra que ela ganhe. — Papai riu, balançando a cabeça. — A família de vocês parece ótima. Fico feliz que minha filha esteja se tornando parte. — Ela já é da família. A partir do momento em que ela atacou meu irmão com uma almofada ela se tornou uma Vanslow. — Hector riu. — Agressão entre irmãos, o maior símbolo dos Vanslow — brinquei. — Devo perguntar o motivo da agressão? — Brian ameaçou dar spoilers de uma série que eu convenci Hector a ver. Tive que calar a boca dele de alguma forma, e o jeito foi arremessar uma almofada. — Dei de ombros, fazendo uma carinha de inocente. — Perfeitamente aceitável. — Papai riu. — Gosto de te ver assim, pequena. Sorrindo, dando risada... depois de tantos anos numa área cinza, é bom ver que seu sol voltou a brilhar. — Tive uma ajudinha pra empurrar as nuvens pra longe. — Sorri, entrelaçando meus dedos aos de Hector. — Bom, não sei se a esse ponto isso vai valer de algo, mas vocês têm minha aprovação. É fácil ver o quanto ele te faz feliz, e essa cara de bobo quando ele te olha prova que ele vai continuar. — Ele olhou bem paa mim e pra Hector, dando um sorriso que me avisou que lá vinha algo. — Quando for pedi-la em casamento, saiba que tem minha permissão e minha benção. — Pai! — O quê? Só estou poupando-o de ter que fazer uma ligação futuramente. — Papai deu de ombros, mas Hector ficou calado, apenas rindo. — Bom, que tal parar de tentar assustar meu namorado, e pedirmos o jantar? Eu poderia cozinhar, mas você precisa provar a comida de Geralt, o chef aqui do hotel. Sim, temos um chef à nossa disposição, e ele tem até uma
estrela Michelin. — Me ganhou na primeira vez que falou chef. — Papai riu. — Ele, por acaso, sabe mexer com carne? Já sinto falta dos meus churrascos. — Sabe, sim — Hector garantiu, e eu me levantei, indo até o telefone na parede. Geralt a esse ponto já me conhecia como “a nova Vanslow”. — Geralt? Boa noite, sim, vamos querer o jantar hoje. Pra três, meu pai veio nos visitar. Faça sua melhor versão de assado de carne em estilo sulista. — Pode deixar, nova Vanslow. Logo mando o jantar. Alguma sobremesa? — Nos surpreenda. — Sorri, desligando logo depois dele confirmar e voltando para o sofá. Meu pai tinha começado a contar histórias da minha infância pra Hector, que estava se acabando de rir com a vez que a pequena Alice de dois anos escalou o berço e caiu de cara no chão, quebrando um dente de leite. Meu pai adorava essa história. A maioria das que ele tinha eram de mim até os quatro anos, e depois algumas isoladas das vezes que ele vinha ou que eu ia visitar. O jantar chegou algum tempo depois, e Geralt tinha feito questão de mandar um vinho caro junto. Ele sabia que eu não bebia, então também veio uma garrafa daquele espumante sem álcool que eu gostava. Já era bem tarde quando meu pai foi embora, Hector tinha conseguido para ele o quarto 2352, o mesmo que eu fiquei da primeira vez que vim ao hotel. Fechei a porta quando meu pai entrou no elevador, e sorri, me virando para Hector. — E então, o que achou? — Adorei seu pai. Agora sei de quem você puxou muitas coisas, não só na aparência. — Ele sorriu, me olhando. — Está feliz? — Muito. Agora todas as minhas pessoas favoritas estão aqui, e depois de amanhã é a estreia de Espelhos. Mal posso esperar. — Sorri, dando um pulinho animada. — Ótimo. Vem, hora da minha atriz preferida ir descansar, amanhã tem ensaio o dia todo. — Eu sei. Vai ser um longo dia, mas tudo pra garantir que vai dar certo
na apresentação. Todo mundo vai, né? — Pela milésima vez, sim. Eu, meus irmãos, meus pais, seus pais, sua vó e sua tia Danny. E depois vamos vir pra cá comemorar em grande estilo a primeira de muitas estreias na sua carreira. — Eu te amo. — Sorri, indo me sentar de lado no colo dele, o abraçando. — Eu sei. Também te amo. Agora ande, vá tomar banho, depois os remédios, e depois dormir. — São só oito e meia! — Até você sair da banheira, já vai ser nove horas, e isso porque eu não vou junto. — Ele riu, beijando meu rosto. — Ok, já vou. Preferia que você viesse junto, mas sei que não posso me cansar demais hoje e amanhã. — Suspirei, balançando a cabeça. — Mas depois da festa da estreia, eu vou te jogar naquela cama e fazer tudo o que quiser com você. Esteja avisado. — Mal posso esperar. — Ele foi cruel, dando uma mordidinha na minha orelha antes de me soltar. Levantei rindo, andando até o banheiro e ligando a banheira, jogando a essência de lavanda lá dentro. Hector me mimava com coisas bobas como essências de lavanda que faziam espuma lilás, e eu amava esses pequenos detalhes. Respirei fundo, suspirando ao me afundar na espuma, deixando a água quente me relaxar. Amanhã e depois seriam dois grandes dias, mas eu me sentia preparada. Pela primeira vez em séculos, estava vindo algo grande, mas o medo não estava me consumindo.
Dia de estreia. Eu acordei mega cedo, mesmo sabendo que a peça só seria de noite, mas não consegui pegar no sono de volta. Em vez disso, fiquei caminhando pela sala, com Rudy no colo, repetindo todas as minhas falas durante a hora e meia até Hector aparecer na porta, me encarando com uma sobrancelha erguida, provavelmente achando que fiquei louca de vez. Dei de ombros, colocando o cachorro no chão e indo dar um selinho nele. — Bom dia. — Não vou nem perguntar se está nervosa. — Ele riu, segurando minha cintura e me mantendo no lugar. — Vai dar tudo certo. — Certeza? E se o som falhar? E se alguém adoecer? E se eu adoecer? — Bem, você não está com febre — ele colocou a mão na minha testa — nem pálida, nem tossindo ou espirrando, então eu diria que está tudo bem. Vai dar certo, minha deusa. — É minha grande estreia. Isso vai interferir pra sempre na minha carreira, tem noção disso? É meu momento, não pode ter nenhum errinho. — E não vai ter. — Ele me abraçou, beijando meu rosto, meu cabelo, fazendo carinho na minha nuca. — Você vai ser brilhante. Vai ser incrível em
todos os sentidos, e vamos ter todos os motivos do mundo pra comemorar depois... lembra em Meu Romeu, como a Cassie se apoia no Ethan e eles ficam abraçados antes de começar a peça? — Assenti. — Pode fazer isso comigo. Posso me esgueirar para os bastidores e ficar lá, abraçado com você até a hora de começar. — Acho que meu diretor te esgana se fizer isso. — Ri baixinho, beijando o rosto dele e o abraçando bem forte. — Eu posso me fantasiar de figurante, ele não vai nem notar. — Nada disso. Você vai usar um desses seus ternos bonitos e ficar na plateia com nossas famílias. E vai me dar flores depois, rosas vermelhas. — Sorri, beijando o rosto dele de novo e de novo. — Te amo. — Também te amo. Que horas você precisa estar lá mesmo? — A apresentação é às sete horas, a entrada do público é liberada às seis e meia, e eu preciso estar lá de no máximo quinze para as seis. — Suspirei, a taquicardia voltando. — Promete que vai me aplaudir, não importa o que aconteça? — Não precisa nem pedir. — Ele sorriu, beijando meu rosto, deslizando a boca até a minha, e enquanto o beijo durou eu esqueci todas as preocupações, totalmente entregue a ele, como sempre ficava. — Melhor agora? — Uhum. — Beijei-o de novo, rapidinho, e me afastei um pouco. — Vou fazer o café. Quer torradas ou waffles? — Waffles, com aquele seu caramelo... queria te cobrir de caramelo, mas podemos deixar isso pra mais tarde. — Ele deu um sorrisinho, me fazendo rir e bater no braço dele, indo pra cozinha. — Você é cheio de fetiches que eu não conhecia. Dar ordens, me cobrir de caramelo... o que acha de chocolate derretido e um chalé no inverno? Não me olhe assim, eu também sei ser pervertida quando quero. — Ri da cara que ele fez, fazendo um charminho enquanto ia pegar a mistura de waffles no armário, e a maquininha similar a uma sanduicheira embaixo do balcão. Comecei a preparar a massa, vendo com o canto do olho quando ele se sentou na bancada, me observando em silêncio e no fim balançando a cabeça. — Sabe que eu vou te cobrar essa ideia do chocolate um dia, não sabe? Assim que o tempo começar a esfriar de novo eu te arrasto para o chalé mais
próximo. — Me virei pra ver ele dar um sorrisinho, e pisquei um olho, colocando a massa na máquina e indo pegar o açúcar enquanto os waffles ficavam prontos. — Aliás, acho que nunca te perguntei as suas fantasias. Sou sempre eu, falando e falando e te provocando... — Por que nossas conversas matinais sempre acabam em emoção ou sexo? Não podemos ser normais uma única vez? — Ri, jogando uma boa quantidade de açúcar na panela pra começar o caramelo. — Qual seria a graça de sermos normais? — Faz sentido. — Ri, fugindo do assunto. Ah, eu tinha muitas fantasias desde que começamos a sair juntos, mas eu me distrairia demais se falasse elas agora. Sem falar que pretendia mostrá-las uma a uma quando fosse tendo a oportunidade. Queria surpreendê-lo do jeito que ele fazia comigo. — Não vai responder à pergunta, né? — Um dia eu te mostro a resposta... se for bonzinho — brinquei, mexendo o caramelo, esperando dar o ponto. — Vou viver o resto dos meus dias na expectativa. — Ele deu um sorrisinho de canto, e eu uma risadinha, fingindo um sorriso inocente e desligando o fogo, indo abrir a máquina de waffles e colocar uma segunda porção da massa, tirando a primeira e pondo num prato. Tinha torrado um pouco, mas tudo bem. — Não exagere. — É sério. Agora serei constantemente assombrado por saber que a qualquer momento você pode estar planejando uma surpresa pervertida pra mim. Nunca mais vou ter sossego! — Ele exagerou na voz dramática, segurando o riso. Balancei a cabeça, tirando os waffles da máquina e colocando junto no prato, virando o caramelo por cima e indo até a bancada, colocando o prato na frente dele. — Pare de drama e coma. — Ri, pegando um pedaço do waffle com um garfo e levando até a boca dele. — Essa conversa não acaba aqui — ele avisou, rindo e mordendo o waffle, começando a comer. O resto do dia passou voando de uma forma estranha, ficamos conversando sobre a peça, repassando minhas falas mais complicadas, e depois jogamos Stardew Valley pra me distrair por alguns minutos.
De quase cinco horas eu fui tomar banho, e cinco e vinte estávamos saindo de casa. Hector ia me levar até a Lucille, e depois voltaria na hora da apresentação com o resto do pessoal. Eu estava ansiosa. — Respire, não deixe a ansiedade vencer. Vai dar tudo certo, você vai ser incrível, e todos vão querer te contratar pra mil peças novas depois dessa. Em quatro anos você vai estar na Broadway, e essa jornada começa hoje. — Ele estendeu a mão pra mim, estacionados em frente ao teatro, e eu assenti, entrelaçando nossos dedos. — Se Cassie Taylor conseguiu ser Julieta, eu consigo ser Bianca. Sim, ela só existe no livro, mas é de onde eu tiro boa parte da minha confiança. — Ri, respirando fundo, me acalmando do nervosismo. — Ok, está na hora. Te vejo na plateia. — Vou ser o cara gritando e assobiando na primeira fileira. — Ele sorriu, se inclinando para me dar um selinho, e eu assenti, respirando mais uma vez e saindo do carro e entrando pela porta lateral do teatro, que dava acesso aos camarins. Já estava tudo uma correria. Assistentes de palco terminando de finalizar a iluminação definitiva, figurinistas correndo com cabides, e Eric com os olhos arregalados na porta do meu camarim, parecendo dar graças a deus quando me viu. — Alice! Por favor, me diga que eu não sou o único que está em pânico aqui! — Ele veio pra junto de mim, e eu vi as mãos dele tremendo. — Acho que todos estão em pânico, mas a gente principalmente. — Segurei as mãos dele, o olhando nos olhos. — Respire fundo. Não sei como, mas vamos fazer isso dar certo, porque tem que dar certo. É nosso grande começo. Nosso primeiro papel principal, nosso primeiro passo, meu em direção à Broadway, seu em direção a Hollywood. Vai dar tudo certo, e nosso futuro começa hoje. Hector passou o dia me acalmando com essas palavras, acho que valem pra você também. — Você é incrível, sabia? — Ele me puxou num abraço, quase me esmagando. — É estranho que eu te considere como uma irmã, sendo que a gente vai ter que se beijar uma porção de vezes em cena daqui a uma hora e pouco? — Ele riu. — Olha, considerando que não são beijos de verdade, acho que é tranquilo. — Ri também, e nós dois respiramos fundo, suspirando. — Já
conferiu os figurinos? — Já. Tudo certinho, e os cenários também. Só estão acabando de programar a iluminação com as lâmpadas mais fortes, e configurando o volume das caixas de som. O dia chegou. — O dia chegou — repeti, segurando a vontade de gritar. — Acha que alguém vai vomitar? Li que toda estreia tem algum ator que vomita antes. — Estou surpreso de não ter sido eu. — Ele riu. — Mas acho que vai ser Logan, por incrível que pareça. Ele estava quase morrendo ali no canto na hora que chegou. — Ainda bem que ele não ficou com o papel de Jonathan — comentei, balançando a cabeça. — Foi bem mais fácil contracenar com você até agora. E ainda bem que não me tiraram por causa daquelas duas semanas, teria sido uma pena. — Nenhuma outra aluna daqui faria uma Bianca melhor. Você transmite a emoção dela até no olhar, e mesmo que só eu esteja vendo de perto, sua voz transmite até a última fileira. Você já viu Glee? — Assenti. — Então, você é a nossa Rachel Berry, só que sem a parte de ser insuportável. — Obrigada, eu acho. — Ri, balançando a cabeça. Eu ia comentar que se eu era a Rachel, ele seria o meu Kurt, mas um assistente de palco veio nos chamar pra começarmos a nos arrumar. Já eram seis e quinze. Respirei fundo, assentindo e seguindo até o meu camarim, e deixando que me maquiassem e me transformassem em Bianca, me concentrando na personagem e aos poucos deixando de ser eu mesma. Precisava dessa concentração. Durante as próximas duas horas de palco eu não seria Alice Caroline Rogers, filha de Catarina e William, namorada de Hector. Eu seria Bianca Cassidy, filha de Juliette, eternamente apaixonada por Jonathan. Estava pronta, com o figurino da primeira cena, e andei até a coxia, encontrando Eric ali, também pronto. Nesse momento éramos Bianca e Jonathan no ensino médio, logo quando se conheceram pela primeira vez, quando descobriram um no outro tudo o que mais queriam e temiam. — Pronto? — perguntei, e ele assentiu. — Pronto. E você? — Pronta. — Dei uma espiadinha pela cortina na lateral, e vi as minhas pessoas, logo na primeira fileira. Minha mãe, meu pai, vovó, tia Danny e
Breanna, uma das minhas primas. Ao lado estavam os cinco Vanslow, chamativos em seus ternos e camisas de luxo, Nicole ao lado de Ethan, e mais no canto Frederick e Carmen, meus sogros. Junto deles estava Rob, ao lado de um senhor e uma senhora que só podiam ser os pais de Eric. Um assistente de palco passou por ali e brigou comigo por estar espiando, então me afastei da cortina, dando um risinho de desculpas. O relógio anunciou sete horas, e meus três professores passaram pelas cortinas, apresentando a introdução. Tinha chegado a hora. Eles desceram do palco, as cortinas se abriram, e a música introdutória começou. Olhei para Eric, e assentimos ao mesmo tempo. Na minha deixa eu entrei, Bianca caminhando pelos corredores do colégio, indo deixar os livros no armário, quando um aluno novo chega no armário do lado. A narrativa da minha voz contava essa história, o ponto de vista dela de como tudo começou. E então era trocado para voz dele, dizendo que no momento que a viu, ficou encantado. Ela era a garota sobre quem todas as músicas falavam quando mencionavam a perfeição. A narração ia sendo trocada, enquanto encenávamos uma conversa silenciosa do primeiro “oi” que eles disseram. E então saíamos de cena, eu colocava um casaco e ele uma jaqueta do time e voltávamos, enquanto a narração dizia que o tempo foi se passando e Bianca e Jonathan se apaixonaram cada vez mais. O primeiro beijo, no canto do palco, embaixo das arquibancadas do colégio. Na narração um ano foi passando, E então saíamos de novo, ele voltava antes, andando impaciente de um lado para o outro, e eu aparecia depois. O cenário agora era o do centro do enorme palco, uma sala com um sofá. Era aqui que a narração parava e começava o diálogo. — Jonathan, o que foi? — Eu... eu preciso ir embora, Bianca. Eu não posso perder a porra da minha vida nessa cidadezinha ridícula, eu tenho uma carreira pela frente. — Mas e quanto a mim, a nós? — Sinto muito. Eu tenho que levar meus sonhos em primeiro lugar, meu futuro. — Pensei que eu fosse seu futuro! — A música é minha vida, você sempre soube disso! Desde que eu era
menino, desde que eu te conheci ano passado você sempre soube que essa hora chegaria. — Sim, mas eu... pensei que me levaria junto. — Te levar junto? Não fale idiotices, esse é meu sonho, minha vida. Não sua. — A risada cruel dele parecia ressoar nos ouvidos de Bianca, nos meus, já que eu era ela. — Então nosso ano inteiro juntos, tudo o que vivemos, não serve de nada pra você? — Vai ser uma boa memória pra me manter aquecido nas noites frias da estrada, mas é só isso. Acabou, Bianca. — Simples assim? Acabou?! Jonathan, eu não estou te entendendo, até ontem estávamos bem, e agora você me diz que acabou? — A hora chegou. Sinto muito por te magoar, mas em pouco tempo você nem vai lembrar mais de mim. Vai seguir com a sua vida, e eu com a minha. — E então ele dava um passo à frente, como se fosse abraçá-la, mas desiste e se vira, indo embora, deixando Bianca, eu, e toda a plateia com aquele sentimento de confusão que uma despedida abrupta e sem sentido causava. Fim do primeiro ato, a cortina se fechou. Era só o tempo de trocarmos de roupa e o cenário estava sendo trocado quando Bianca volta a narrar. Era minha voz, mas era a história dela. Ela contou que os meses seguintes ao término foram os piores. Ela não mencionou o aborto, não ainda, esse seria o plot twist, a grande revelação da história, mas ela mencionou um evento traumático, um momento que a assustou mais do que tudo e revelou que ela era muito mais forte do que um dia havia imaginado ser. Os anos vão se passando enquanto ela contava que foi embora daquela cidadezinha cheia de memórias ruins, e metade da cortina se abriu, na parte onde eu estava, mostrando uma Bianca já adulta, trabalhando numa empresa qualquer na costa leste, vivendo uma vida normal. A cortina voltou a se fechar nessa metade e se abriu na outra, mostrando Jonathan em um show, o público gritando seu nome, cantando uma música sobre uma garota que perdeu há tanto tempo. A cortina ficou fazendo isso, focando em um lado e no outro, Bianca com uma colega de trabalho, recebendo ordens de irem fechar um negócio
em Los Angeles, e então focando na tour de Jonathan pela costa oeste, onde tocaria num festival na praia. As duas extremidades da cortina se fecharam por pouco tempo, apenas o suficiente para a produção empurrar o bar para o centro do palco e meu blazer ser retirado, um vestido jogado por cima da saia colada do conjunto. Quando as cortinas reabriram, Bianca estava no bar do hotel, tomando um martini, quando Jonathan se sentou duas cadeiras depois, pedindo um old fashioned. Ele se virou para o lado, eu me virei, surpresa. — Jonathan? — A voz soa fraca, sem ar. Hurricane tocava baixinho ao fundo, o trecho que dizia que ele estava bem até vê-la, que a lua se escondeu, as estrelas pararam de brilhar e ela o atingiu como um furacão. Os dois conversaram, beberam, saíram bêbados aos tropeços, ela puxando ele pelo cinto da calça, revivendo o passado. Fim do segundo ato. Quando as cortinas se abriram de novo, os dois estão acabando de se vestir com as roupas da noite anterior, ao lado de uma cama desfeita, uma conversa estranha sobre ter sido um erro e estar tudo bem. A partir desse momento começava minha parte favorita da história. Bianca e Jonathan entre idas e vindas, se encontrando por acaso em festivais que ela jurava não saber que ele ia se apresentar, ou em um evento da empresa onde ele jurava não saber que ela trabalhava. A tensão entre os dois era sensível no ar nesses momentos, até explodir na grande briga, quando o aborto é revelado. O ofegar da plateia confirmou que o elemento surpresa funcionou. Começaram as brigas, eles se afastando, e então já estávamos no último ato, quando eles se reconciliam. Teve a cena quase explícita da cama erguida, e eu e Eric quase saímos dos personagens com a vontade de rir, mas a luz do palco se apagou, e a narração entrou de novo enquanto as cortinas se fechavam. Eram os dois, contando como se fosse em uma conversa, que após aquele dia nunca mais se separaram. Havia uma frase que adicionamos depois no roteiro, quando os dois diziam juntos que espelharam os erros um do outro, até finalmente conseguirem enxergar o próprio reflexo, a imagem de um futuro. Adicionamos isso pra que o título da peça fizesse sentido. Dessa vez as cortinas não se abriram de novo, e a peça foi encerrada com a voz de Bianca, a minha voz, dizendo a frase de efeito. “Às vezes é preciso dar errado para poder dar certo”. Tosco, talvez, mas foi um bom encerramento.
A plateia começou a aplaudir, e Eric e eu finalmente respiramos, saindo das personagens e nos abraçando, rindo. Todos foram chamados para o centro do palco, e fizemos a reverência final, agradecendo ao público. Foi uma ótima noite de estreia. Voltamos para os camarins, conversando e rindo, e era bom ser eu mesma de novo. A sensação depois de uma peça enorme dessas era cansativa e estranha, tinha passado duas horas sem pausa sendo outra pessoa, vivendo outra história. Me vesti de volta como eu mesma, um vestido amarelo e florido que Hector me deu há alguns dias, e calcei minhas sapatilhas, saindo do camarim. Eric estava me esperando do lado de fora, rindo e segurando um buque de rosas vermelhas e um de rosas brancas. — Parece que nossos namorados pensam igual. — Ele me entregou o vermelho, que tinha um cartão com um H na caligrafia de Hector. Sorri, balançando a cabeça. — Fomos incríveis. Perfeitos. — Sorri, respirando, aliviada. — Fomos mesmo. No final deu tudo certo, pra nossa sorte. E ao menos a próxima apresentação é só sexta. Vamos morrer sendo o fim de semana que vem três dias seguidos? Talvez, mas temos uma semana pra descansar da grande estreia. É estranho, né? Nos ensaios tínhamos pausas, até no ensaio final ontem, a gente saía do personagem entre as cenas. Hoje não, foi direto. — É como se eu saísse do meu corpo, e no final do nada voltasse a ser eu mesma, e não mais Bianca. — Ri, feliz que ele também sentia aquela mesma confusão. — Um dia talvez a gente se acostume. — Ele riu, e começamos a andar pra fora dos bastidores e do teatro, que já tinha esvaziado bastante. Do lado de fora, nossas famílias e amigos estavam esperando, e fomos bombardeados com elogios. É, tudo tinha dado extremamente certo. E dessa vez eu não tinha mais a sensação de que algo precisava dar errado pra equilibrar.
Alice tinha sido incrível. Vê-la naquele palco, assumindo totalmente a personagem e se entregando ao que tanto amava fazer, eu não conseguia me imaginar mais orgulhoso que aquilo. Sempre que eu achava que a amava o suficiente, que não tinha mais como ficar maior, ela vinha e me surpreendia com algo, dessa vez seu talento. Eu tinha visto-a atuar em casa, tinha visto o ensaio semana passada, mas nada se compara ao momento real da apresentação. Era como se ela tivesse deixado de existir e Bianca fosse real. Agora estávamos no elevador, ela; meus irmãos; Nicole e eu; a família dela subiria no próximo, junto com meus pais. Ela estava sorrindo sem parar, um braço em volta da minha cintura, me fazendo sentir o homem mais sortudo do mundo por tê-la. — Sério, foi incrível! — Nicole repetiu pela milésima vez. — Eu ainda não consigo acreditar que deu tudo certo, ninguém vomitou, ninguém errou a fala, o timing com a narração se encaixou direito. Quer dizer, nós entramos com uns dois segundos de atraso numa das vezes, e eu não vou dizer qual, mas conseguimos encaixar certinho depois. — Você arrasou, irmãzinha. — Brian sorriu. Paramos na cobertura e eu
sorri ao abrir a porta do apartamento, observando a reação dela. Eu tinha pedido para June que mandasse arrumarem um verdadeiro salão de festas na minha sala enquanto estivéssemos fora. Nesse momento o sofá estava empurrado num canto, a mesa recente no outro, e tinham colocado umas luzes daquelas que piscavam, além de uma porção absurda de garrafas de sucos, xaropes e bebidas em cima da bancada. Alice merecia uma after party de estreia, e logo Eric e Rob deviam estar chegando, eu os convidei também. Teria convidado mais do elenco, se os conhecesse. Alice encarou o apartamento por um instante, se virando pra mim em seguida. — Hector, o que aconteceu com a nossa casa? — Surpresa. Sua festa de estreia, minha deusa. Somos só nós, e chamei Eric e Rob também, mas já é algo. — É tudo! — Ela empurrou as flores nas mãos de Phill, que era quem estava mais perto, e jogou os braços a minha volta, enchendo meu rosto de beijos. — Eu te amo. Amo muito, amo pra sempre, e essas surpresas... eu amo o quanto consegue me deixar feliz. — Tudo pela minha deusa. — Sorri, e ela se afastou, entrando na sala. — Cadê Rudy? — Nick e June vão ficar com ele esta noite. Não seria uma boa ideia um cachorrinho perdido no meio de Vanslow bêbados. Já basta o que aconteceu com o relógio daquela vez. — Mas de novo isso?! — Roman riu, e eu dei de ombros. A porta do elevador abriu, era a família dela, a tia Danny ficando tão de queixo caído quanto a própria Alice quando viu a situação da sala, que mais parecia uma boate. — Hoje é meu dia. — Mãe, se controle — a prima de Alice, Breanna, censurou o comportamento solto da mãe. Eu só ri. Meus pais vieram logo atrás, sorrindo. Minha mãe foi até Alice. — Querida, você foi tão maravilhosa... meus parabéns. — Ela abraçou Alice, com um carinho que me aqueceu a alma. — E eu não tive a oportunidade de dizer antes, mas bem-vinda oficialmente à família. Você agora é uma Vanslow, em todos os sentidos que importam. Os homens dessa
família são um pouco loucos, mas conseguimos domar eles, não é mesmo? — Ela e Alice riram, e Catarina e Bill passaram pela porta também, os olhos dele se iluminando ao ver a variedade de garrafas na bancada. — Pronto pra voltar aos velhos tempos de bartender? — Sempre estive. — Meu sogro sorriu, piscando um olho e indo na direção da bancada, começando a fazer charme arremessando as garrafas pra cima, fazendo um drink e entregando à ex-mulher. Nicole, é claro, logo foi atrás pedir a vodka com morango dela. Liguei o home theater, onde eu tinha já deixado separadas as músicas favoritas dela, principalmente as de country, novas e antigas. Ela deu um gritinho animado quando a música começou, por uma aleatória da playlist, e veio pra junto de mim. — Vai dançar comigo, né? — Sempre que me pedir. — Sorri, deixando-a me puxar e a rodopiando pela sala iluminada. Nossa dança não durou muito tempo, um country dos anos noventa começou a tocar e ela na hora me largou, virando para o pai, e os dois começaram a cantar bem alto, se acabando de rir. — And I’m about to bid my heart goodbye! — eles acompanharam, rindo, Bill deixando as garrafas de lado por um momento e vindo girar ela, segurando uma mão dela no alto e a fazendo rodopiar no lugar. Eu ri, me divertindo com aquele momento. A dinâmica dela com o pai era fascinante, se veem tão raramente, e ainda assim era como se nunca tivessem sido separados. Eu ficava imensamente feliz pela família dela a amar tanto. Pelo que eu tinha visto e vivido ao lado dela, eu tinha grandes dúvidas se ela ainda estaria aqui hoje se não fosse pelo apoio deles. Eric e Rob chegaram um pouco depois, com sorrisos radiantes, e Eric correu até Alice, a mão esquerda erguida, um anel reluzindo nas luzes coloridas. Ela deu um grito, não um gritinho como sempre, mas um verdadeiro grito de animação, abraçando o amigo. — Eric, isso é incrível! Fique avisado que eu vou ser uma das madrinhas, e não vou aceitar não como resposta. — Ela riu, erguendo a mão dele e analisando o anel. — É tão bonitinho, vocês são dois fofos. — Ela o abraçou de novo, e eu balancei a cabeça, sorrindo. Vi Brian dar um sorriso triste do outro lado da sala e encher um copo
de whisky, virando quase todo de uma vez. Me aproximei dele. — Tudo bem? — perguntei e ele deu de ombros. — Quer conversar? — E estragar a festa de Alice com minha melancolia? Não, valeu. Já, já eu volto ao normal, é só que ver um casal de dois caras ficando noivos me lembrou que podia ter sido eu com Alec, e não qualquer que seja o nome do cara de quem ele está noivo. — Você vem pensando bastante nele ultimamente, né? — Desde que ele inventou de voltar pra cá, sim. Eu jurava que tinha superado, que ele era só um “e se” do meu passado de quem eu hoje era amigo, mas pelo visto foi só saber que ele estava por perto que tudo voltou como uma avalanche. — Vou dizer algo clichê e ridículo, mas o tempo é o melhor amigo do coração partido. Você vai ficar bem, eventualmente. — Tentei consolá-lo. Eu nunca tinha tido meu coração partido dessa forma, mas conseguia imaginar como ficaria se Alice me deixasse. — Você é ridículo, senhor vida perfeita. — Não tinha ressentimento na voz dele, só uma risada. — Sabe que vai ter que arrumar um anel pra ela também, não sabe? — Desconfiei. — Ri, me virando para o balcão e pegando uma dose de whisky pra mim. A noite foi passando de forma meio caótica. Começamos bebendo normalmente, e Alice mesmo sóbria parecia, tão inebriada quanto os outros, perdida na própria alegria. Não sei quantos drinks depois, não fiz as contas, Phill estava girando pela sala com tia Danny, fazendo com que eu e Alice gargalhássemos, enquanto Catarina ficava passada de vergonha pela irmã. Meu pai e minha mãe pareciam perdidos com as músicas country, mas encontraram um jeito de dançarem juntos. Eu esperava ter um futuro com Alice como o deles dois. Eu estava cambaleando, quando a puxei de volta para os meus braços, numa música lenta, falando de coisas que funcionavam melhores juntas. Alice não tinha parado de sorrir em um minuto sequer da festa, sempre rindo e fazendo graça, dançando com todos nós em algum momento, e eu percebi que ela era uma ótima anfitriã, mesmo numa festa que ela nem sabia que existiria. Eu já conseguia vê-la organizando eventos aqui no hotel, era fácil
imaginá-la como Alice Vanslow. Era madrugada quando todos foram embora, o pai dela se acabando de rir enquanto acompanhava Catarina e as outras no elevador, meus pais descendo apenas um andar, ficariam hospedados aqui no hotel e voltariam pra casa amanhã. Depois Brian, rindo e esquecido da tristeza de antes. Phill e Roman talvez conseguissem se passar por sóbrios, se não fossem os olhos que mais pareciam os de um peixe, e Ethan saiu quase carregado por Nicole. Ela bebeu bem mais que ele, mas tinha uma resistência melhor. Ficamos só eu e Alice com as luzes coloridas, e eu sorri pra ela, a puxando pra perto e dançando só nós dois, em silêncio, ignorando o ritmo agitado da música e girando devagarinho, grudados. — Acha que ela estaria orgulhosa? — perguntei, entre uma música e outra. — Quem? — A Alice mais nova, que você comentou no outro dia. Se ela te visse agora, estaria orgulhosa? — Bastante — ela assentiu, parando de dançar e ficando na ponta dos pés, me beijando devagar. — Se eu, ao menos, imaginasse, tantos anos atrás, que encontraria você, que teria uma estreia de sucesso, que tinha uma luz no fim do túnel me esperando... teria sido mais fácil de suportar tudo, sabendo o que me esperava. — Eu amo você. Cada vez que você fala assim, quanto mais dimensão eu tenho do que você passou, mais eu amo. Você é tão perfeita pra mim, que minha única prova de que você realmente existe é o fato de que minha mente nunca seria capaz de criar alguém tão complexa. Você é tudo na minha vida, minha luz e estrelas, minha... não tem outra palavra além de deusa. — Você é um bêbado fofo. Mas já é fofo normalmente, então nem me surpreendo. — Ela me beijou de novo, segurando meu rosto pela barba. — Vem, hora de dormir. — Pensei que tinha me prometido algo sobre me jogar na cama e fazer tudo o que quisesse de mim... — Tinha mesmo, mas não vou me aproveitar do meu namorado bêbado. — Ela me puxou pela mão até o quarto, começando a desabotoar minha camisa. — Quanto eu te encher de beijos e te mostrar as coisas que eu
imagino, eu quero você bem consciente, pra nunca mais esquecer. — Ela deu um sorrisinho de canto, empurrando minha camisa para o chão e soltando o cinto da calça, me deixando só de cueca e em seguida desaparecendo no closet por um instante, voltando com um pijama daqueles que eu adorava ver nela. — Certeza que não quer se aproveitar de mim? Eu deixo. — Quem sabe da próxima vez. — Ela dessa vez sumiu na direção da cozinha, voltando com a garrafinha de água e tomando os remédios. — Vem, vamos dormir. Eu deveria te obrigar a tomar banho e eu mesma tomar um também, mas eu estou exausta e você lindamente embriagado, então resolvemos isso amanhã. — Ela puxou minha mão, subindo na cama devagarinho, me dando a ideia perfeita de me jogar no colchão, vendo-a rir. — Amo você. — E eu amo você. — Ela se deitou com a perna por cima das minhas, a cabeça no meu peito, fechando os olhos. — Boa noite. — Durma bem — murmurei, meus olhos pesando. O dia tinha sido tão movimentado que mal consegui pensar antes de adormecer.
As apresentações seguintes foram ainda melhores. Eu assisti às três, sexta, sábado, e o encerramento no domingo. No final da última, eu realmente estava repetindo as falas em silêncio junto com eles. A crítica tinha louvado a apresentação, principalmente a emoção que Alice e Eric deram aos personagens. De acordo com os blogs de teatro, a carreira deles era promissora. Eu mal podia esperar para ver os caminhos que a minha garota ia seguir, as portas que se abririam agora. Ela ainda tinha mais dois anos de curso, e depois estaria livre para o mundo. Essa semana ela estava tendo provas, as últimas do semestre. Metade da aprovação dela foi da peça, em todas as matérias práticas, mas as teóricas como história do teatro ela precisaria da prova escrita. Eu, essa semana, também estava trabalhando feito louco, a inauguração do hotel na Flórida seria em duas semanas, e eu precisava garantir que estivesse tudo certo. Roman tinha convocado mais uma reunião, com nós cinco, começaríamos o projeto do meio do ano. Eu agora estava no elevador do Pallace, chegando à cobertura de dois andares onde ele morava. Dessa vez fui o segundo a chegar, só tinham
Roman e Phill na sala de reuniões. Brian chegou dois minutos depois, e pra variar, nada de Ethan. — Querem apostar que se convidássemos Nicole pra reunião, ele chegaria na hora? — Brian riu. — Vou começar a pagá-la pra o obrigar a sair de casa na hora certa. Um dia, Ethan ainda vai levar um baque e ter que tomar rumo, e eu quero assistir de camarote. — Roman balançou a cabeça, e como se invocado por esse comentário, Ethan entrou na sala de reuniões. — Antes que reclamem, dessa vez eu me atrasei por um bom motivo. — E qual motivo seria esse? — Nicole queria me contar do cara que conheceu, e perdemos a hora conversando. — Ele deu de ombros, e todos reviramos os olhos. — Isso não é um bom motivo — comentei, e ele deu de ombros de novo, vindo se sentar do meu lado. — Enfim, já que todos chegaram, finalmente, vamos resolver logo o projeto deste semestre. Camilla separou algumas sugestões. Ela teria vindo hoje pra mostrar as ideias, mas a filhinha dela está com febre, então vão ter que se virar comigo. — Roman pegou algumas pastas, como sempre, empurrando uma pra cada um de nós. — Tem cinco propostas pra cada um, com projetos de ajuda em financiamentos coletivos, coisas que cada um de vocês se identificaria. — Vou dizer o que disse em janeiro: não era mais fácil só mandar por e-mail e não nos fazer vir até aqui? — Ethan abriu a pasta dele, dando uma olhada por alto. — Quer que eu te acerte com uma pasta na cabeça de novo? — Roman ameaçou, e ele revirou os olhos, voltando a olhar para as opções que tinha, ficando calado. Olhei as minhas, erguendo uma sobrancelha. — Financiamento para abertura de uma editora independente, projeto de teatro para crianças carentes... isso é pra mim ou pra Alice? — Digamos que ela agora é oficialmente uma Vanslow, alguns sites aleatórios que nos consideram uma versão masculina e menos escandalosa dos Kardashian já postaram fotos de vocês juntos na peça dela. E sinceramente, as causas que ela gosta são bem mais úteis do que você dando palestras. — Roman riu.
— Vou fingir que não me ofendi, e escolher o projeto de teatro pra mim. Alice disse que se fosse uma Vanslow, o ramo dela seriam editoras, então vou deixar que ela cuide dessa parte futuramente. — Viu só? Eu nunca erro. — Camilla nunca erra — corrigi, e ele riu, assentindo. Ethan escolheu um projeto de doação de recursos para hospitais de campanha em lugares precários, Brian ia mais uma vez trabalhar com cursos de pintura em clínicas de reabilitação e orfanatos, Phill abriria uma vertente da Vans Records especializada em ensinar música de graça. Roman já tinha escolhido o projeto dele, uma doação generosa para um abrigo que recebia mães solteiras e outras mulheres vítimas de agressão doméstica. Ele disse que havia tirado a ideia de Camilla, que era filha de mãe solteira, e comentou uma vez que o abrigo onde ficaram após largar o pai dela era ridiculamente precário e mal cuidado. Era óbvio a admiração que Roman tinha pela assistente, e eu não duvidava que em breve ela subisse de posto dentro da Vanslow Corp. Os outros saíram logo, e ficamos só eu e Roman. Eu estava com preguiça de ir pra casa, Alice não estaria lá me esperando ainda, e o apartamento ficava vazio demais sem ela, então resolvi ficar por aqui. — E então, como é a vida de quase casado? — Estávamos agora na sala dele, Roman em uma poltrona e eu na outra. — Estranhamente mais fácil do que eu esperava. Não sei explicar, mas é como se ela estivesse na minha vida desde sempre, e não só há alguns meses. — Você é sortudo. Vocês dois são, por terem se encontrado. — Ele balançou a cabeça, sorrindo. — Sempre achei que o primeiro a se resolver seria Brian, romântico do jeito que é. Mas até que faz sentido ter sido você, sempre se jogou de cabeça em tudo. — Também jurava que seria Brian o primeiro. Agora o último eu tenho certeza de que vai ser Ethan, se é que um dia ele vai se aquietar com alguém. Não que seja um problema se ele decidir ser um solteirão, mas algum rumo na vida ele vai ter que tomar eventualmente. — É como eu disse antes, alguma coisa vai fazê-lo tomar jeito, e eu vou assistir de camarote quando ele cair em si.
— Eu ainda aposto que vai ser Nicole. Mesmo que no final ninguém ganhe a aposta, que eles continuem só amigos, é claro como o sol que ela traz o melhor dele à tona, e eu não duvido que um dia vai ser ela a convencê-lo que precisa fazer algo da vida além de viver de herança e investimentos. — Está tentando começar uma nova aposta sobre a vida do nosso irmãozinho? — Roman ergueu uma sobrancelha, e eu ri. — Qualquer oportunidade pra arrancar dinheiro dos seus bolos, e recuperar meus relógios. — Vá sonhando. — Ele riu. — Mas voltando à sua nova vida, posso esperar sobrinhos em breve? — Se em breve for daqui uns quatro ou cinco anos, talvez. — Balancei a cabeça, rindo. — Eu e Alice não estamos nem de longe prontos pra isso. Ela está em processo de cura ainda, se adaptando ao tratamento, e uma gravidez poderia complicar tudo. Sem falar na depressão pós-parto que ela poderia ter... Eu quero uma família com ela, mas acima de qualquer outra vontade eu quero vê-la bem. Sabia que ela antigamente não imaginava um futuro para si? E umas semanas atrás ela comentou, casualmente como se não fosse nada demais, sobre o nosso futuro juntos. — Dê a ela esse futuro. Sabe que não estamos brincando quando dizemos que se algo der errado, ela fica e você vai, né? — Ele sorriu. — Sei disso. Mas eu juro pelo que for, eu só me separo dela no dia em que ela não me quiser mais, porque no que depender de mim, vamos estar velhos e juntos, nos lembrando do passado e gratos pela jornada que tivemos. — Hector Daniel Vanslow, quando você se tornou tão adulto e romântico? Parece que ainda ontem você era um molequinho querendo ser meu melhor amigo e subir em árvores. — No dia em que você se apaixonar vai entender o quanto isso muda a gente, o quanto faz crescer. — Dei de ombros. — E assim como você falou sobre Ethan, eu vou assistir de camarote você pagar a língua. Como é que você dizia aos vinte anos mesmo? “Eu nunca vou perder meu tempo me apaixonando, é bonito, mas eu vou ser um homem de negócios”. Vou guardar essa frase pra dizer no seu casamento. — Você é terrível. — E ainda assim sou seu irmão preferido. — Ri.
— Errado, Phill é o favorito. — Ele riu, piscando um olho. Não tínhamos favoritos, mas adorávamos fazer graça com isso. Ficamos jogando conversa fora até o final da tarde, Alice me mandou uma mensagem avisando que tinha acabado a prova e ia sair com Eric pra comemorar, mas logo voltava pra casa. Eu tinha deixado ela com o carro, e consequentemente com Nick, e tinha vindo andando. Era meia hora de caminhada do Empire pra cá, e já estava escurecendo quando eu decidi voltar. Saí caminhando pelas ruas, distraído em pensamentos, as mãos nos bolsos enquanto olhava vitrines. Passei por algumas lojas, considerando comprar um presente pra Alice, algo pra comemorar o final das aulas dela, o sucesso da peça e o futuro que tínhamos pela frente. A voz de Roman ficava me voltando à mente, com ele me dizendo para dar a ela o futuro que ela queria. Eu queria dar esse futuro. Queria garantir que ela conseguisse realizar todos os sonhos que tinha. O de ir para a Broadway, o de ser Julieta, o de brigarmos pra ver quem cuidaria do bebê de madrugada... eu queria que ela tivesse tudo o que sempre quis, tudo o que sempre sonhou e desejou. Queria dar a ela anos e anos de felicidade, queria que ela tivesse a melhor vida que pudesse ter. Eu já conseguia visualizar ela num vestido branco, dizendo “eu aceito”. Conseguia vê-la grávida do nosso primeiro bebê, e conseguia vê-la de cabelos grisalhos. Conseguia ver os altos e baixos que viriam no caminho, mas tinha a certeza de que esse caminho seria o melhor a ser seguido, pois seria o nosso. Estava já na metade do caminho, quando algo me chamou atenção. Uma vitrine brilhante, e eu fiquei ali, por alguns minutos, encarando através do vidro, pensando naquilo. Fazia sentido. Fazia total sentido, na verdade, tudo se encaixava agora. Dei um sorriso e entrei na joalheria.
Minha semana de provas foi bem mais fácil do que eu esperava, diferente do semestre passado, mas no passado eu tive provas práticas e teóricas, nesse a minha nota prática ficou em cargo da apresentação de Espelhos. Havia acabado de sair da sala, oficialmente livre até o próximo ano letivo começar. Eu tinha um plano pra hoje à noite, uma surpresa preparada pra Hector, mas ainda faltavam alguns detalhes, então inventei que sairia com Eric pra comemorar e chegaria um pouco tarde em casa. Originalmente eu e Eric realmente íamos sair, mas Rob estava gripado, e de acordo com Eric ele gripado ficava igual a um bebê manhoso, então vamos ter que remarcar. Fui até o carro, onde Nick estava me esperando, e pedi para ele me levar até a Dreamsize. Hector mal imaginava o que o esperaria mais tarde. Quando cheguei lá fui atendida pela mesma garota da outra vez, a ex de Brian, Daphne. Ela deu um sorrisinho de quem sabia exatamente o meu motivo de estar ali, quando perguntei sobre o departamento de lingerie. Tinha uma parte toda separada que parecia saída de um catálogo da Victoria Secrets, mas na versão plus size. Tinham de vários tipos, e eu me foquei nas vermelhas. Sabia que Hector gostava de me ver em vermelho, e ia
combinar direitinho com o colar de rubi que ele me deu. Acabei escolhendo uma que era perfeita. Eu nunca tinha comprado lingeries combinando, muito menos uma lingerie sedutora, nunca achei que tinha corpo pra isso. Mas agora eu entendia que meu corpo era tão perfeito quanto qualquer outro, padrão de beleza ou não. A lingerie que eu escolhi era num tom forte de vermelho, toda rendada, com um monte de transparência nos lugares certos pra mostrar muito, mas não tudo. Era de três peças, o sutiã, a calcinha e aquela parte extra que eu não fazia ideia do nome, que ficava por cima da calcinha, na cintura, e tinha fitas com presilhas para encaixar naquelas meias que iam até o meio da coxa. Comprei um par dessas, na cor preta, o contraste certo pra ser usado com vermelho. Desci até o térreo, indo até o caixa. Eu até hoje não tinha estreado o cartão de crédito que Hector me deu, alguns dias depois de ir morar com ele, não queria abusar de um dinheiro que não era meu, mas esse mimo valia a pena. Era um presente tanto pra mim quanto pra ele, afinal de contas. Voltei para o carro, carregando a pequena sacola como se fosse um bem precioso e não apenas uma roupa íntima. Dessa vez pedi pra Nick me levar até alguma loja de velas aromáticas, e eu adorava que ele não fazia perguntas, apenas obedecia. Comprei algumas com cheiro de canela, iguais às que Hector levou na nossa primeira vez. Nick me levou de volta para o apartamento, e então eu botei meu plano em ação. Hector ainda não tinha chegado da casa do irmão, e isso era vantagem pra mim. Quando entrei, fui direto para o banheiro, jogando minhas roupas no cesto e ligando o chuveiro. Fiz questão de me depilar de novo, só por garantia. Hector não reclamava quando eu tinha preguiça, mas eu queria que hoje fosse especial. Peguei um dos hidratantes com cheirinho doce que eu raramente usava, caprichando mesmo, em seguida vestindo a bendita lingerie, colocando o colar de rubi e voltando pro quarto, respirando fundo ao me olhar no espelho. Eu me sentia sexy. Normalmente eu me sentia desejada quando estava com Hector, mas hoje eu me sentia sexy por conta própria. Merecedora dos olhares que ele me dava, dos toques e das reações que eu via. Eu tinha prometido a ele que eventualmente mostraria minhas fantasias, mas algumas eu tive que pensar para encontrar. Ele me satisfazia sem esforço, era difícil pensar em algo novo, mas me lembrei dele comentar em algum momento algo sobre querer ver como eu me tocava. E com isso eu
comecei a imaginar o contrário, me lembrando do calor que senti aquele dia quando ele, sendo o pervertido perfeito que era, ficou segurando o volume na calça, enquanto me olhava ficar nua, e depois quando eu o vi se tocando enquanto me chupava. Pensando nisso, percebi que gostava de ver que ele ficava tão louco quanto eu, e era isso que eu pediria hoje. Eu o provocaria, deitada na nossa cama com essa lingerie, mostrando a ele tudo que quisesse, mas sem deixar que me tocasse a princípio, deixando ele com nenhuma saída a não ser a própria mão. Ah, seria maravilhoso. Enquanto acendia as velas e sentia o perfume se espalhar pelo quarto, eu pensei se ele obedeceria ao que eu pedisse, se eu saberia ser autoritária. Eu esperava que sim. Respirei fundo, olhando meu celular na mesinha, pensando se colocava música ou não. Me veio à mente Skin, da Rihanna, e Ride, na versão do Chase Rice. Or Nah também, na versão do SoMo, mas essa já era pornográfica demais. Acabei colocando Ride, num volume baixinho, e me sentei na cama, aleatoriamente mexendo no Instagram e no Twitter enquanto esperava ouvir a porta da frente. Demorou uns dez minutos, até que ouvi a voz dele. Meu coração disparou. — Alice? — ele chamou da porta, e eu coloquei o celular com a música de volta na mesinha, me deitando de lado, numa pose sexy que normalmente se via em revistas de lingerie e filmes. — No quarto, amor. — Sorri, mordendo meu lábio inferior com a ansiedade, e então ele chegou na porta, afrouxando a gravata distraidamente, congelando no lugar quando me viu. — Surpresa. — Ele balançou a cabeça, bem devagar, como se não acreditasse no que estava vendo. Meu sorriso virou uma risadinha baixa, minha mão deslizando pelo lado do meu corpo, pelas curvas que eu um dia odiei e agora aceitava, as curvas que ele amava. — Gostou? — O que está planejando fazer comigo, minha deusa? — Foi o que ele disse, dando um passo à frente, e eu ergui uma mão para que ele parasse. — Você perguntou das minhas fantasias... bem, te seduzir é uma delas. Te deixar louco, me vingar por aquele dia de manhã e fazer com que você peça com jeitinho dessa vez... quer que eu fale, como você fez tantas vezes por mim? — Ele assentiu, os olhos fixos em mim. — Vou contar a primeira vez que imaginei nós dois juntos. Foi depois daquele fim de semana, o
primeiro de todos, depois que você me fez gozar sem nem me tocar direito. Durante aquela semana, quando estava na banheira, eu nem percebia que minhas mãos começavam a descer e descer, imaginando que os dedos eram seus. Veja bem, naquela época além dos remédios prejudicando minha libido, eu mesma não me achava desejável, então era um pouco difícil ir até o fim, mas... — Alice... — A voz rouca me causou arrepios. — Eu começava, devagar. Eu ia descendo meus dedos por aqui — me sentei direito na cama, as pernas pra fora, só um pouquinho de nada separadas, e comecei a descer uma mão entre meus seios — e ia descendo. E então eu começava, meus dedos se movendo bem devagar, no ritmo que eu tinha me movido sobre você. Eu sempre acabava perdendo o controle eventualmente, na hora que eu me lembrava dos seus beijos no meu pescoço, ia rápido demais e não chegava onde queria, apenas perto. — Parei minha mão sobre minha coxa, meu olhar descendo por ele. — Hm... você está vestido demais. Se eu te pedir pra tirar a camisa, vai me obedecer? Ele não disse nada, só continuou me encarando enquanto tirava a gravata, o blazer sendo jogado no chão, fazendo um barulho que imaginei ser o celular dele batendo na madeira, e então começou a desabotoar a camisa. — Continue falando — ele pediu, como eu tinha pedido em outras vezes. — Bem, depois disso veio aquela noite maravilhosa do evento, nós dois sentados nesta cama, suas mãos me mostrando do que eram capazes. Pensei naquilo todos os dias seguintes, mas além de você me tocando, quando eu queria sentir algo eu me lembrava de como eu te toquei. Eu me lembrava do som rouco do seu gemido, e da forma como seu sorriso tremia quando chegou lá. Mas o que quase me fazia explodir era me lembrar de você dizendo que me amava. — Minhas pernas foram lentamente se separando, meus dedos deslizando pela parte interna da coxa. — Você já imaginou isso, né? Eu, me satisfazendo sozinha na sua frente, gemendo seu nome... Hector... — Suspirei lentamente o nome dele, minhas pernas agora abertas, dando uma visão privilegiada a ele quando pressionei meus dedos sobre a calcinha. Ele deu um passo à frente de novo, as mãos se fechando ao lado do corpo, o desejo palpável no ar. — Você está me matando...
— Mal comecei, amor. Pare, você vai assistir primeiro. Vai ter só a visão do meu corpo por enquanto, não o toque. Ah! — Fechei os olhos por um instante, girando meus dedos devagarinho sobre o tecido, um sorriso brincando nos meus lábios. — É melhor com você aqui, me olhando. E é melhor agora que eu gosto de mim, que desejo meu próprio corpo. Acha que eu consigo sozinha dessa vez? — Ele assentiu, segurando a própria coxa. Isso, estava quase fazendo o que eu queria, mas eu não iria pedir. Ele iria fazer por conta própria, perderia o controle, e só então eu revelaria essa parte da fantasia. — Vai ficar me torturando, não é? — Uhum — assenti, rindo baixinho, deixando um gemido baixinho escapar entre os lábios. Mantive as pernas como estavam, puxando a calcinha de lado, sem tirar os olhos dele, enquanto passava um dedo pela minha umidade, o deslizando para dentro com um arfar. Ouvi o “porra” sair dos lábios dele, e então sua mão estava exatamente onde eu queria, por cima da calça, se segurando, o volume marcado ali. — Ah, finalmente. Era isso que eu queria, sabe? Você não é o único a ter fantasias envolvendo toques solitários. — Pervertida... — Ele entendeu o que eu queria, movendo a mão pela extensão marcada, os olhos variando dos meus até entre minhas pernas. — Aprendi com você. — Comecei a mover meu dedo, bem devagar, entrando e saindo, e então adicionei um segundo. Ele que arfou dessa vez. — Pode tirar a calça. Eu quero ver. — Não tinha certeza se pedi ou se ordenei, mas de um jeito ou outro ele fez o que eu disse, soltando o cinto e descendo as calças, levando a cueca cinza junto, a ereção livre por apenas um instante, até ser envolvida pela mão dele, cujos os olhos agora estavam totalmente concentrados nos movimentos dos meus dedos. Ele começou a seguir o mesmo ritmo em si próprio. — Até aonde vai esse joguinho? — A voz dele ficava linda assim, rouca e arrastada, e eu observei a mão dele parar de se mover, agora o polegar rodeando a ponta, fazendo meu corpo todo se arrepiar. — Até eu dizer que acabou — provoquei, minha voz baixa, tão arrastada quanto a dele, meus dedos retrocedendo por um instante para circularem aquele pontinho inchado e necessitado logo acima. — Era assim que imaginava? Eu aqui, segurando gemidos, te mostrando meus segredos
mais íntimos, a forma como me viro quando não tenho você pra me satisfazer... está igual nos seus sonhos? — Está melhor. — Ele voltou a mover a mão no momento que meus dedos desceram de novo, começando um ritmo controlado dessa vez. Me inclinei um pouco para trás, minha mão livre servindo de apoio na cama enquanto eu deixava a visão dele ainda melhor. E a minha também, visto que ele aumentou o próprio ritmo. — Conta para mim. Conta todas as coisas deliciosas que devem estar se passando na sua mente agora, tudo o que vai fazer comigo, assim que eu permitir. — Você vai pagar por isso, Alice. Primeiro com essa boca maliciosa, e então me cavalgando. Você vai gritar, e vai gozar até não ter forças pra se levantar sozinha. Vou fazer questão disso, de que fique tão sensível que qualquer toque meu te faça explodir de novo. — Só isso? — provoquei, meus dedos se tornando mais firmes, me sentando de novo, enquanto a outra mão entrava pelo sutiã, gemendo manhosa ao sentir um arrepio. Eu não tinha raciocinado de que isso seria uma tortura pra mim também. — Quer mais? Quer ouvir o quanto eu estou pulsando aqui, o quanto me dói fisicamente te ver aí, pronta pra mim, e ter só minha mão de alívio? Ou prefere ouvir que eu quero mandar meu prazer para o inferno, me ajoelhar na sua frente e sugar cada gota de prazer que tiver pra me dar? Talvez queira saber o que eu penso quando faz isso aí que fez agora, essa língua deliciosa passando pelo seu lábio, quando podia estar fazendo algo muito mais interessante. — Quero que continue, que não pare até explodir nos próprios dedos, como me contou que já fez pensando em mim — admiti o que queria, e ele assentiu uma vez, separando um pouco os pés para conseguir mais equilíbrio, e aumentou o ritmo. Fiz o mesmo, sentindo que estava perto. Encontrei em mim aquele mesmo movimento que ele fazia, os dedos puxando algo que estava ali, me fazendo gemer mais alto ao encontrar onde era, entender finalmente como fazer isso. Comecei a me mover, os primeiros espasmos vindo, e puxei meus dedos de dentro de mim, subindo-os só um pouquinho, girando e pressionando meu clitóris, lutando para manter os olhos abertos, fixos nos
movimentos que ele fazia. O ritmo dele foi aumentando de novo, e eu o ouvi gemer, a mão livre apertando a coxa. — Eu... — ele começou, e foi a minha vez de usar as palavras preferidas dele. — Goza pra mim — pedi, dando um gritinho porque meu corpo também obedeceu àquela ordem, meus espasmos começando quase que ao mesmo tempo em que o líquido esbranquiçado escorreu pela mão dele, seus gemidos me servindo de combustível. Não consegui olhar até o fim, caindo deitada na cama, continuando a me tocar agora mais devagar, da mesma forma como ele me guiava quando eu explodia, minhas costas arqueadas. — Hector! — chamei, e meu tom de voz foi tudo o que ele precisou, e mais rápido do que eu achei ser possível ele estava em cima de mim, a boca na minha, me beijando com tanta força que eu pensei que fossemos morrer sem ar. Deixei meu corpo desabar, agarrando a nuca dele, o beijando com todo o desejo acumulado desde a hora em que ele passou por aquela porta, com toda a entrega que eu dava a ele. A boca dele foi descendo pelo meu pescoço, puxando meu sutiã pro lado com os dentes, não me dando tempo nem de respirar antes levar os dedos até onde os meus estiveram, me fazendo realmente gritar. Ele bem que avisou que eu ia pagar por ter torturado ele, e esse era o melhor castigo que já recebi. A língua dele brincando com meu mamilo, os dedos entrando e saindo enquanto o polegar traçava círculos, e eu não demorei até estar me contorcendo na cama de novo. Ele continuou pelo que pareceu uma eternidade, arrancando orgasmos novos, fracos e fortes, usando a boca quando se cansou dos dedos. — Amor, eu preciso de você... por favor — pedi, quase choramingando, achando que não aguentaria mais um instante sem ele dentro de mim. Ele deixou um último beijo entre minhas pernas e subiu na cama, se deitando e dando um tapinha na coxa, me chamando para cima dele. Quase não consegui me erguer, as pernas realmente fracas, mas consegui o suficiente para descer de uma vez por ele, gritando de novo num gemido arrastado. Eu não tinha forças pra subir e descer, não mais, então fiquei rebolando ali, em círculos, e então pra frente e pra trás, ele deitado embaixo de mim,
minhas mãos em seu peito. Deixei um gemido que também era um choramingo escapar, e ele começou a se impulsionar na minha direção, completando os movimentos que eu não tinha mais forças para realizar. A mão dele subiu pelo meu corpo, se enroscando no meu cabelo, acariciando a lateral do meu pescoço, seus olhos escuros e as pupilas dilatadas, me olhando com tanta devoção, tanto amor, que eu explodi pela última vez. Ele impulsionou os quadris mais algumas vezes enquanto eu caía por cima de seu peito, sentindo as vibrações de seu corpo enquanto era a vez dele, o gemido rouco abafado pelo meu pescoço. Eu não tinha forças para mais nada, então ele me tirou de cima dele, me deitando ao seu lado, e ficamos ali, ofegantes, encarando o teto em busca de ar. Uma mão dele estava sobre a minha coxa, como se quisesse ter certeza de que eu estava de fato ali, e eu tinha uma mão sobre o peito, tentando me lembrar de como se respira após ser quase morta de prazer. — Eu te amo — murmurei, quando consegui ar o bastante para isso, me virando de lado, chegando mais perto e deitando no ombro dele. Ficamos em silêncio mais um tempinho, a mão dele nas minhas costas, traçando o contorno do fecho da lingerie que não nos incomodamos em tirar, apenas afastar. Ele riu baixo, beijando minha testa. — Gostou da surpresa? — Ainda tem coragem de perguntar? — Ele riu, beijando minha testa de novo. — Eu adorei... e eu tenho uma surpresa também. — Tem? — Ele assentiu, me beijando por um instante e então me afastando, saindo da cama. Me sentei, observando-o ir até o blazer no chão, mexendo nos bolsos. Ele então se levantou de novo, vindo na minha direção, parando ao lado da cama, com uma caixinha pequena nas mãos. E então ele se abaixou em um joelho.
Eu pisquei uma, duas, três vezes, bem rápido, vendo-o tomar coragem e abrir a caixinha, revelando um anel de noivado. Eu arfei, cobrindo minha boca com as mãos. O anel era lindo, prateado com uma pedra em tom claro de rosa, cercada por pequenos diamantes e dois um pouco maiorzinhos do lado. Mais lindo que ele era o olhar nervoso de Hector. — Hector, eu... — Shh, me deixe falar primeiro. Eu não tenho nada ensaiado, então vai ser com o coração, peço logo desculpas se eu me atrapalhar com as palavras, mas... eu amo você, Alice. — Ele sorriu, e eu percebi a respiração dele levemente irregular. Eu nunca tinha visto Hector nervoso com algo, não desse jeito. — Eu estava voltando da casa de Roman quando vi esse anel na vitrine. Bem, na verdade eu vi uma porção de diamantes brilhantes que me chamaram a atenção, e no meio deles tinha este aqui. Rosa, sua cor preferida. Pequeno, assim você não brigaria comigo por te dar uma pedra gigante. Eu soube naquele momento que esse anel seria seu. Ele deu um riso baixo, segurando a caixinha e me olhando, respirando fundo antes de voltar a falar.
— Eu não tenho nada planejado, porque não ia ser hoje. Eu ia planejar direito, esconder o anel enquanto organizava uma surpresa digna de um dos romances que você tanto ama. De jeito nenhum pensei que eu estaria aqui, pelado, e você com essa lingerie maravilhosa toda bagunçada. — Ele riu, e eu também, meus olhos já se enchendo de lágrimas. — Mas assim como da primeira vez que eu disse te amar, o momento certo chegou antes que eu pudesse decidir por conta própria. Deixei escapar um “eu te amo”, depois de você me tocar pela primeira vez, e agora estou indo em direção a um “quer casar comigo”, num momento bem parecido. As palavras me fizeram arfar de novo, e eu assenti, quietinha. Ele não tinha perguntado ainda, mas eu já sabia minha resposta. — Poderia parecer estranho, esses momentos sempre estarem ligados a sexo, mas você sabe que não é pelo sexo em si, e sim pela forma como nos ligamos nesses momentos. Quando estamos juntos, não é como se fossem só nossos corpos, é como... como naquela cena em que as almas do Rhys e da Feyre se entrelaçam pelo laço de parceria. Nossas almas estão entrelaçadas do mesmo jeito, de uma forma que mesmo quando nossos corpos se separam eu não sei mais dizer onde você começa e eu termino. Eu vi a mão dele tremer um pouco, enquanto ele respirava fundo, olhando nos meus olhos. — Tudo em mim ama tudo em você. Todas as pequenas coisas que te fazem perfeita. Amo como sua mão se encaixa perfeitamente na minha. Eu sei que tem muito em você que passou anos sem gostar, detalhes que me fascinam desde o primeiro dia. Cada curva sua, cada pintinha perdida no seu corpo, cada marca, natural ou não, que traça sua jornada. Você é perfeita pra mim, e eu nunca brinquei quando disse que é uma deusa. Eu por esses meses quis tanto que pudesse se ver pelos meus olhos, que se amasse tanto quanto eu te amo, e hoje eu vi essa mudança. Não precisei que me contasse, a confiança nos seus olhos me disse tudo. Eu me orgulho tanto de você. Eu, a esse ponto, já estava soluçando, chorando baixinho, emocionada, minha mente tentando processar tudo o que estava acontecendo. — Não tem como mencionar nossa até agora curta e intensa história sem mencionar a perda, o medo e a dor. Não tenho como falar do quanto eu te amo sem somar isso ao quanto eu temi ter que viver num mundo em que você não existisse mais. Duas vezes você me assustou, duas vezes eu vi você
sangrar, e desde a primeira eu soube que não conseguiria seguir em frente se você não estivesse respirando. — Ele começou a se emocionar, lágrimas surgindo nos olhos. — E então aquela noite no hospital, o terror puro e absoluto que eu senti... acho que não sabe disso, mas desde aquele dia eu de vez em quando fico te olhando dormir, só pra ter certeza de que está do meu lado, de que não é um sonho. — Amor... — Você é meu bem mais valioso, Alice. Seus olhos valem mais que todos os diamantes existentes, brilham mais que todas as estrelas juntas. Sua risada me faz vibrar por dentro.... ah! Acho que também nunca mencionei mesmo isso, mas no começo eu catalogava seus sorrisos. Você me contou que eram raros, e eu fiquei obcecado por cada risinho, cada pequena amostra de alegria ou contentamento. Enfim, voltando ao foco principal aqui, eu vou dizer isso agora e mais mil vezes durante os anos, mas eu já não te amo como te amei na primeira vez que disse. Fica mais forte a cada dia, a cada beijo, a cada gesto seu. Ele respirou fundo, secando o rosto com uma mão, me olhando nos olhos de uma forma que era como se o universo inteiro estivesse ali nos dele. Eu queria falar, queria dizer minha versão de tudo isso, mas estava tão apaixonada por aquela declaração que as palavras me faltavam. — Essa parte agora eu já vim pensando no caminho até aqui, então vai soar menos bagunçada que esse discurso. Você me fez ouvir músicas com histórias lindas de amor, me fez ler livros tão fortes quanto, e isso me faz querer viver uma dessas histórias ao seu lado. Não temos ápices e plot twists, somos só mais um caso de amor entre tantos que existem por aí, mas somos meu favorito. Lembrei de pedacinhos de músicas que você gosta que se encaixem aqui. Lembrei daquela que dançamos na festa da estreia, “se for pra ser sincero, seu primeiro e meu último nome soariam melhor juntos”. Você já é Alice Vanslow em vários sentidos, e meus irmãos te consideram como se estivesse estado aqui desde sempre, você se encaixou na minha vida como a peça perfeita no meu quebra-cabeça. Ele estava com a respiração trêmula, a voz falhando quando voltou a falar. — Não precisa me responder agora, pode pensar por quanto tempo quiser, e não precisa acontecer logo. Pode até nunca acontecer, sermos
namorados pra sempre, mas eu quero que você saiba que isso é uma promessa de futuro. O futuro que você finalmente aprendeu a ver para si mesma, para nós, a promessa dele está aqui, nesse anel e no meu coração. Você é tudo o que eu sempre quis e ainda mais. Sabe, eu sempre ouvi que nada dura pra sempre, mas você me fez reconsiderar essa ideia. Você me fez repensar muitas coisas, eu... Ele me olhou, dando um riso baixo, estendendo uma mão pra segurar a minha, e eu entrelacei nossos dedos na hora, minha visão dele embaçada pelas lágrimas de alegria. — Você já ouviu a lenda do fio vermelho? Eu conversei sobre isso com Brian, quando ainda estávamos no começo, depois da sua primeira crise. Quando eu falei com ele sobre aquilo, de você ser meu presente do destino, eu também me lembrei dessa lenda do fio vermelho. Akai ito é asiática, mas não consigo me lembrar de qual país exatamente. Ela diz que almas gêmeas nascem com um fio vermelho amarrado no dedo mindinho, as ligando. Esse fio se estica e se enrosca, mas nunca se quebra, nem mesmo após a morte. Eu achava que isso era só uma história bonita, até te conhecer e perceber que fazia sentido de verdade. — Hector... — Eu vou pedir logo, porque você já deve estar agoniada pra falar também diante desse meu monólogo. — Ele riu, apertando minha mão. — Alice Caroline Rogers, você é tudo pra mim. Você é toda e qualquer metáfora bonitinha, desde “o gelo no meu whisky” até “o ar que eu respiro”. Você é minha vida, Alice. Então, depois de dizer tudo isso, lá vai. Meu amor, minha deusa, você aceitaria se casar comigo? Eu sabia que ele diria isso, ele literalmente me avisou logo no começo, mas ouvir a pergunta em si foi diferente. Meu corpo inteiro congelou, e eu precisei me concentrar pra conseguir assentir devagarinho. E ali, ao som baixo de Ride, com velas de canela queimando à nossa volta, totalmente desarrumados e sem roupa, eu disse sim.
Eu não percebi que estava segurando a respiração até sentir o ar voltar aos meus pulmões quando ela disse que sim. Minhas mãos estavam tremendo e as dela também, quando tirei o anel da caixa e ela estendeu a mão esquerda. Deslizei o anel por seu dedo, levando sua mão até minha boca e beijando a pedra cor-de-rosa. Ergui meu olhar e ela estava rindo em meio as lágrimas, os dedos vindo se enroscar na minha barba e me puxar pra perto, e então seus lábios estavam me cobrindo de beijos e mais beijos. — Eu te amo. Te amo, te amo e te amo, e agora você vai me ouvir tagarelar também. — Ela riu, me puxando de volta pra cama, e eu me sentei ao lado dela, sua mão em meu rosto, os lábios tremendo com o choro lindo de emoção. — Pode falar. Eu já monopolizei seus ouvidos por tempo suficiente. — Primeiro de tudo, você me paga por superar minha surpresa tão rápido. Juro, vai ter volta, Hector Daniel Vanslow — ela ameaçou, com um sorriso, fungando baixinho. — Por onde eu começo? Vou de trás pra frente. A lenda do fio vermelho, eu já conhecia, inclusive, sempre achei linda. E sempre achei que eu era uma das almas que nascia sem fio nenhum, destinada a ficar sozinha pela eternidade. Sempre foi meu maior medo, sabe, ficar
sozinha. — Eu sei. Mas você tem a mim, pra sempre. — E eu te amo imensamente por isso. Você comentou sobre nosso primeiro eu te amo, e agora isso, terem sido logo depois do sexo, e eu entendi bem o que falou sobre a intensidade do momento, o entrelaçamento de almas. Nossos corpos são tão dependentes um do outro quanto minha alma é da sua. Também não sei onde um começa e o outro termina, estamos ligados demais para sermos separados. E quanto a um futuro... eu quero qualquer futuro que possamos ter juntos. Ela fez uma pausa, me beijando devagarinho, nosso primeiro beijo oficial como noivos. Noivos! — E sobre ter quase me perdido, eu vou eternamente sentir muito por ter te assustado, por ter assustado todo mundo. Sabe, eu não disse isso pra ninguém, mas quando eu mudei de ideia e tentei levantar, um pouco antes de perder a consciência, foi seu rosto que eu vi. Eu podia ouvir a risada da minha mãe, sentir o abraço de vovó, mas tudo que eu via eram seus olhos cheios de amor. — Ela me abraçou de novo, escondendo o rosto no meu pescoço, as lágrimas caindo na minha pele. — E são seus olhos que eu vejo quando tenho medo. São eles que me dão confiança, que me dão um propósito maior pra continuar lutando. Ela fungou, se afastando e secando as lágrimas, respirando fundo. — Eu quero me casar com você. Quero essa promessa de futuro, e quero começar logo. Eu passei tempo demais fugindo da vida, com medo de tentar ser feliz e ter minha alegria destruída em instantes. Sei que não vai ser sempre perfeito, mas sei que eu tenho você pra me ajudar a juntar os caquinhos que se partirem e encaixar de volta no lugar. E é por isso que sim, eu aceito me tornar Alice Vanslow, mas com uma condição. — Qual? — De que seja logo. Só não sugiro fugir pra Vegas hoje mesmo, porque nossas famílias nos esfolariam vivos, e eu quero usar um vestido bonito e ter toda a cerimônia que eu passei anos achando que não era pra mim. Quero meu dia de princesa e tudo mais, quero você num terno me esperando no altar, e quero todo sonho bobo que a menininha romântica em mim sempre sonhou. — Ela sorriu, segurando meu rosto nas mãos, encostando a testa na minha.
— Três meses, que tal? — Perfeito. — Ela fechou os olhos, encostando mais a testa na minha, subindo no meu colo dessa vez sem provocações, se aninhando no meu abraço. — Eu te amo tanto, meu futuro. Eu amo você agora, amo a imagem que eu tenho de você velhinho do meu lado, amo nossos possíveis filhos e netos, amo cada briga e cada reconciliação que vamos ter durante os anos. Eu amo a vida que você está me dando, amo nossa intensidade louca, a forma como tudo aconteceu rápido. Quatro meses até aqui, sete quando nos casarmos. Só tenho essa coragem de me jogar porque é com você, porque sei que nunca vai partir meu coração. — Nunca. Seu coração é a coisa mais preciosa que já existiu neste mundo... você toda é. Amo você, Alice Vanslow. — Ela deu uma risadinha ao ouvir isso, me abraçando, o rosto na curva do meu pescoço. — Vou demorar um pouco pra me acostumar com o nome novo, mas soa bonito. Alice Caroline Rogers Vanslow... gigante. — Ela riu de novo, o som da alegria dela em preenchendo. Ela se afastou, ficando de pé e estendendo as mãos para mim. — Vem, nós dois precisamos de um banho. E de roupas. Ainda não acredito que fui pedida em casamento com uma lingerie bagunçada, e você totalmente nu! — Se quiser, eu peço de novo quando estivermos vestidos — ofereci, vendo-a rir enquanto me puxava pela mão até o banheiro, ligando a água morna pra encher a banheira e esperando enquanto soltava a lingerie elaborada. — Me parece uma boa ideia. — Ela jogou o sabonete perfumado de lavanda na banheira, formando espuma, e entramos, aproveitando a banheira gigante pra ficarmos um de frente para o outro. Ela passou os braços pela água, pegando um pouco da espuma e soprando na minha direção. — O que está fazendo? — Sendo boba e feliz. — Ela deu de ombros, me olhando. — Se não fôssemos dois impulsivos malucos, como você teria feito o pedido? — Boa pergunta. Eu estava pensando em fazer algum gesto fascinante, usar alguma música bonita de fundo e decorar trechos de outras para dizer. Teria te chamado pra jantar antes, só pra te ver em um vestido vermelho... ao menos acertei a cor que estaria usando. — Ri, vendo-a balançar a cabeça com uma risadinha, esticando a mão pra segurar a minha sobre o mármore da
banheira. — Percebeu que eu estou usando o colar? — Sim. Combinou perfeitamente... e você nessa banheira, usando só esse colar, cercada de espuma... tão linda. Amo você. — Sorri, fazendo carinho nos dedos dela, contornando o anel. — Pra quem vai contar primeiro? — Mamãe. Ela vai enlouquecer quando souber! — Ela riu. — E você? — Vou jogar uma mensagem no grupo dos Vanslow. “Pedi Alice em casamento”, e aí esperamos pra ver qual vai ligar gritando comigo primeiro. — Balancei a cabeça. — Aposto que vai ser Brian ou Ethan. São sempre os que leem mensagens mais rápido. — Se for Brian, diz que eu vou manter a promessa do lago e colocar Ethan e Phillip de minhas madrinhas, com vestido rosa e tudo — ela brincou, e eu comecei a gargalhar de novo com aquela imagem dos dois na minha cabeça. — Pronto, assim todos os Vanslow participam do casamento. — Segurei as mãos dela, a puxando pra perto, e ela veio deitar com as costas contra meu peito, a água oscilando à nossa volta enquanto ela se mexia. — Sabe que agora vai ter que se acostumar a ser rica, não sabe? — E você sabe que agora que eu talvez comece a ter noção de preços, eu vou te esganar quando me der coisas caras, né? — ela brincou, segurando minhas mãos em volta de sua cintura. — Quando tiver noção do quanto realmente temos, vai ver que meus presentes não são caros. E agora tudo que é meu vai ser seu também. — Beijei o rosto dela. — Inclusive, se quiser abrir uma companhia de teatro, ou aquela editora que comentou uma vez, vai ter todo meu apoio. — Que tal esperarmos eu me formar primeiro, e aí vemos meu ramo como Vanslow? Talvez eu estoure na Broadway e fique rica por conta própria. Quem sabe eu não vou até pra Hollywood?! — ela falou em tom de brincadeira, mas eu senti o brilho na voz dela. — Se esse for o caso, eu exijo que na nossa mansão nas colinas tenha uma pista de boliche. Eu nem gosto de jogar, mas acho fascinantes os famosos que fazem isso. — Beijei o pescoço dela, sorrindo ao ouvir sua risadinha.
— Se sobrar espaço depois da biblioteca, claro. — A voz dela soava animada, tão alegre que meu coração derretia. A felicidade dela vai ser sempre um presente tão bonito, nunca vou me cansar. — Ah, e eu tenho uma exigência para o nosso casamento, que vai durar a longo prazo. — Usei a minha voz de duplo sentido, ela virando o rosto para mim com uma sobrancelha erguida. — É mesmo? Qual? — Essa sua surpresinha pra mim, de lingerie na minha cama... quero uma dessas por mês. Pode gastar uma fortuna em lingeries chiques, pode investir até em certo tipo de acessórios, mas quero que me seduza sempre. Quero manter essa nossa chama descontrolada acesa. — Dei um sorrisinho, vendo que ela não ficava mais vermelha e nervosa quando eu mencionava algo assim. — Em troca, eu prometo que seu prazer vai ser sempre em primeiro lugar. — Essa é a parte secreta dos nossos votos, né? Não podemos dizer isso em frente aos amigos e família, então dizemos agora. Muito bem, Hector Vanslow, eu prometo sempre te surpreender em lingeries especiais, prometo descobrir de que acessórios está falando e testar tudo o que se há para testar ao seu lado. — Ela deu um sorrisinho, piscando um olho, e eu soube que se não estivesse tão exausta por antes, ela teria me provocado agora mesmo. — Amo você, minha garota intensa, apaixonada e entregue. Vou amar sempre, cada dia mais. Seja daqui a vinte segundos ou vinte anos. — Ei, isso me lembra uma música! Lover, da Taylor Swift. Inclusive esse trecho combina com quando nos conhecemos, “eu te conheço há vinte segundos ou há vinte anos?” — Há vinte vidas, eu diria. Se existirem de fato reencarnações e vidas passadas, eu te conheci e te amei em cada uma delas, e te amarei em todas as que virão. — Amo você. Hoje, amanhã, e pra sempre. — Ela se esticou pra me dar um beijo rápido, voltando a se deitar no meu peito. — Quer avisar minha mãe e seus irmãos amanhã, ou ainda hoje? — Assim que sairmos do banho, se quiser. Ou, se achar melhor, cancelamos as ligações e fazemos um jantar aqui no sábado, e à medida que forem chegando, você vai os surpreendendo com o anel. Eu vou adorar ver a
reação deles. — Gostei desse plano. Imagine mamãe gritando, Brian dizendo “eu sabia!” e Roman se perguntando por que você não contou a ele hoje cedo que faria isso. — Ele vai ficar todo orgulhoso quando eu disser que a conversa que tivemos me ajudou a tomar a decisão de comprar o anel. — Sorri. — Ele disse hoje, quando eu comentei que você imaginava um futuro comigo, “dê a ela esse futuro”. Foram essas palavras que ecoaram quando eu vi o anel na vitrine. — É lindo, inclusive. — Ela ergueu a mão esquerda em frente ao rosto, vendo a pedra rosa. — Que pedra é essa? — Morganita. Eu ia comprar esse só por ser cor-de-rosa, sua cor, mas aí a vendedora me contou as propriedades que acreditam estar ligadas a essa pedra. Usada em técnicas de cura com cristais, é dito que ela acalma a mente e traz tranquilidade, além de ajudar com desequilíbrios mentais e emocionais. Também acreditam que ela traz e cuida do amor... a pedra perfeita para nós. — Quem diria que uma pedrinha rosa podia significar tanto. — Ela riu baixinho, movendo a mão e vendo o anel brilhar nas luzes do banheiro. Ela suspirou. — Eu amo o quanto você me conhece, desde o tamanho da pedra até o significado dela... você é perfeito. — Fui feito pra te amar, Alice. Demorei vinte e sete anos pra te encontrar, mas já era seu desde o dia que nasci. — Para, vai me fazer chorar de novo! — ela reclamou, sorrindo e se afastando ao ficar de pé pra sair da banheira, estendendo a mão pra mim. — Vem, nossos dedos já estão enrugados pela água. Segurei a mão dela e me levantei, pegando o roupão e entregando a ela, em seguida enrolando minha toalha na cintura. — O que acha de pedirmos um jantar especial para Geralt hoje? Não é justo que a noiva cozinha esta noite. — Noiva... — Ela fez um barulhinho alegre, sorrindo de orelha a orelha. — Acho uma ótima ideia. E peça aquele espumante sem álcool também, nós merecemos um brinde. — Fomos andando até o closet, onde ela pegou aquele vestido branco e azul que usou no lago, se virando pra mim. — Acho que é a roupa perfeita pra celebrar, né?
— Acho que está certa, futura esposa. Esperei-a se vestir enquanto colocava uma calça e uma camisa, e então puxei-a pra perto, as mãos em sua cintura. Naquele momento eu vi nossa vida inteira em seus olhos, tudo o que vivemos e viveríamos daqui até a eternidade... e soube que tinha feito a coisa certa, meses atrás, quando ofereci meu número para a garota dos olhos tristes.
Três meses depois, final de setembro. Alice O dia tinha chegado. O casamento seria hoje, daqui a algumas horas. Nos casaríamos no final da tarde, e a festa viraria a noite, principalmente no que dependia dos Vanslow. Eu ainda ria quando lembrava da reação deles com a notícia de que estávamos noivos e íamos nos casar em três meses. Roman ficou orgulhoso, Phill disse que não se surpreendia, Brian e Ethan gritaram e comemoraram, e Nicole teve um absoluto surto porque seria madrinha. Eu só teria três, Nicole, minha prima Breanna, e tecnicamente Eric. Ele ficaria no lado da noiva do altar, usando um terno vermelho escuro que eu ajudei a escolher. Ele tinha se tornado um dos meus melhores amigos, era mais do que justo. Hector teria os quatro irmãos do lado dele, e as alianças estariam no bolso de Roman, à espera de serem pedidas pelo ministro. Não teríamos daminha de honra ou pajem, considerando que a pessoa mais nova das duas famílias era meu primo Eddie, de dez anos, e eu tinha zero proximidade com
ele, então achamos melhor tirar essa parte. Seria um casamento de certa forma pequeno, eu não tinha muita gente pra convidar além da família, alguns ex colegas de ensino médio que tinham me tratado bem em algum momento, e só. Boa parte dos convidados era preenchida por Vanslows que eu nem conhecia ainda. O avô dele, alguns muitos primos e tios, alguns da parte de mãe, os Sterling. Meus parentes do sul tinham vindo, uma grande parte graças a Hector que se ofereceu pra pagar todas as passagens, então até minha avó Jenna tinha chegado antes de ontem. Estavam todos hospedados aqui no Empire, e a cerimônia seria lá embaixo, na capela, e depois a festa no salão principal. Tínhamos escolhido aqui mesmo, pois foi onde tudo começou naquele fim de semana, e com a vantagem de ele ser o dono — em breve eu também seria, não conseguia acreditar nessa parte — conseguimos a data que queríamos. Os últimos três meses foram completamente caóticos, com organizações de todo o tipo. Realmente discutimos por causa das flores, como eu havia previsto uma vez, e acabamos concordando com um meio termo. Não seriam os crisântemos que eu queria e nem as camélias que ele tinha achado bonitas, no final concordamos em decorar com as flores do meu buquê: rosas e peônias. No meu buquê também teriam ramos de lavanda, e os das madrinhas seriam só a lavanda. O “madrinho” teria um ramo de lavanda no paletó. Teve também toda a busca pelo vestido. Lojas plus size especializadas em noivas foram difíceis de achar, principalmente porque a maioria só tinha vestidos que me deixavam parecendo um barril envolvido em renda branca. Era ridículo a falta de consideração que tinham, não é por ser gorda que eu só poderia me vestir com algo folgado e genérico. Eu queria um vestido de princesa, que demorei séculos até achar, mas consegui um exatamente como eu queria. Estava encarando-o agora mesmo, pendurado em um cabide no quarto que eu estava hospedada desde ondem, a suíte da noiva. Em dez minutos, as pessoas começariam a chegar. A cabeleireira e a maquiadora, minhas madrinhas e madrinho e fotógrafos para a filmagem e registros... em breve eu não teria um segundo de paz, então aproveitei pra encarar o vestido enquanto podia. Ele era branco, obviamente, e seguia perfeitamente as minhas curvas até a cintura onde começava a se soltar. As curvas que eu um dia odiei, que
eu um dia quis arrancar de mim, hoje me faziam sentir perfeita. A parte de cima do vestido era coberta por rendas e bordados, o meio parecido com um coração se observasse bem. Tinha uma saia transparente, de tecido bem fino, que ficava por cima da saia de verdade, e ela tinha rendas mais espaçadas que iam até um terço da saia, e reapareciam na parte que arrastava no chão. Não tinha mangas de fato, só duas mini manguinhas laterais de renda que ficavam caídas de lado, de enfeite, então eu pedi que apertassem bem pra não cair ou escorregar, pois eu pretendia aproveitar bem a minha festa. E então veio a batida na porta e meu tempo para observar o vestido no cabide acabou, indo abrir para a equipe de maquiagem e cabelo. Já tínhamos feito testes antes, e sabiam exatamente como eu iria querer. Respirei fundo e me sentei na cadeira de salão que tinham trazido pra cá, em frente ao espelho, e deixei que começassem. A maquiagem demorou mais que o cabelo, fazendo detalhes específicos, colocando uma micro camada de glitter nos meus olhos, e o batom em tom rubi de vermelho. Eu sabia que noivas normalmente optavam por batons nude ou em tons bem claros de rosa, mas eu gostava de vermelho. Combinava comigo, e Hector sempre gostou de me ver de vermelho, e a maquiadora fez um trabalho tão bom que não ficou nada estranho ou destoando. O cabelo foi rápido, a moça usou um babyliss pra definir melhor meus cachos rebeldes, e uma parte foi presa pra cima, deixando o resto solto atrás. Na parte presa tinham duas pequenas tranças, uma de cada lado, misturadas a uma fita branca, que caía onde elas se encontravam, se misturando ao cabelo. Encaixaram a tiara de flores feitas de pérolas e diamantes entre as tranças. Eu não usaria véu, já tinha informação demais no meu cabelo. Estavam acabando de aplicar mais spray pra segurar meu cabelo quando bateram na porta de novo, e Nicole enfiou a cabeça ali dentro. — Posso entrar? — Sua cabeça já entrou. — Ri, assentindo. Ela já estava pronta, com um vestido azul escuro lindo de morrer, colado no corpo e com a saia solta, uma fenda até o joelho. Eu tinha deixado a cor livre, já que não seria algo tão elaborado. Então era Nicole de azul, Eric com o terno vermelho escuro, e Breanna com um vestido coral de saia solta e com um tecido transparente do decote até o pescoço. Pra mim estava ótimo.
— Engraçadinha. Está linda. — Ela entrou. — Nervosa? — Morrendo. — Sorri, balançando a cabeça. — E se eu tropeçar? — Se essa é sua maior preocupação, eu diria que está até bem segura. — Ainda bem. — Ri baixinho, respirando fundo e ficando de pé. — Pronta para me ajudar a entrar no vestido? — Finalmente! Mal posso esperar pra te ver de noiva. — Nicole sorriu, assentindo e vindo pra junto de mim. A maquiadora e a cabeleireira saíram, deixando nós duas. — Sua mãe e os outros já, já chegam para as fotos, melhor nos apressarmos. — Cuidado pra não rasgar um dos botões, ou eu juro que te mato. — Noiva ameaçadora, gostei. — Ela sorriu, e eu respirei fundo, deixando meu roupão chique de cetim cair no chão. Eu por baixo estava usando uma lingerie que também era tomara que caia, e que se prendia em duas cintas nas minhas coxas. Nicole deu um sorrisinho perverso. — Você pretende matar Hector do coração, né? — Com certeza. — Ri, e ela tirou o vestido do cabide, vindo me ajudar. Precisei me segurar no ombro dela pra conseguir entrar no vestido, uma perna de cada vez, e então ela me ajudou a puxar pra cima, começando a fechar os botões um por um, realmente tomando cuidado. — Sabe me dizer como ele está? — Falei com Ethan agora há pouco, ele disse que Hector está “tão calmo que dá medo”. — Ela deu de ombros, rindo. — Se eu bem conheço seu noivo, ele deve estar tranquilamente tomando um gole de whisky caro com os irmãos. E apostando o relógio com Roman. — Sempre o relógio. — Balancei a cabeça, rindo. — E você, como está? Sei que deve ter sido ruim terminar com Arthur semana passada, mesmo que você teime em não conversar pra não me distrair. — Eu estou bem, de verdade. Ele me traiu, ele que saiu perdendo. — Ela deu de ombros, fechando o último botão e me empurrando pra frente do espelho. — Anda, vá ver a obra prima que está. Respirei fundo e me virei, meu queixo caindo. Eu estava digna de um conto de fadas, de uma das modelos que eu via nos catálogos da Dreamsize... eu estava linda. Respirei fundo, tentando segurar a emoção e dando graças a deus pela maquiagem a prova d’água.
— Ei, sem chorar ainda, espere a hora dos votos. — Vou tentar. — Funguei, sorrindo entre a emoção. A porta bateu de novo, e agora minha mãe, Breanna e Eric entraram, todos parando e fazendo carinha de choro ao me ver de noiva. — Filha... você está linda. — Minha mãe cobriu a boca com as mãos, vindo me abraçar com cuidado pra não borrar nem amassar nada. — Eu? Olhe pra senhora! — Sorri. Ela estava usando um vestido verde escuro, similar aos que Carmen normalmente usava, e eu sabia que tinha influência da minha sogra na escolha. Não tivemos tempo de conversar, os fotógrafos vieram logo em seguida pra fazer minha parte do álbum, que incluía mamãe colocando meu colar, – uma pedra solitária de morganita, pra combinar com meu anel de noivado – nós todos brindando com uma taça de champanhe, a minha sempre sem álcool, eu rindo com as meninas, entregando os buquês de lavanda a elas e prendendo o raminho no paletó de Eric... eu tinha certeza de que aquelas fotos tinham ficado lindas. E então já eram quatro e meia, e estava na hora de ver Hector. Tínhamos escolhido fazer igual no clipe de Speechless do Dan & Shay, aquela tradição de ver a noiva um pouco antes do casamento, sem os convidados, com as câmeras registrando a primeira vez que ele me visse de branco. Peguei meu buquê, as flores rosadas com folhas e ramos de lavanda no meio, e respirei fundo. A revelação do vestido seria no pequeno salão ao lado da capela, que também estava todo decorado e enfeitado com flores e velas. Me deixaram na porta, e os fotógrafos e equipe de filmagem entraram primeiro... e então eu. Hector estava de costas, o cabelo perfeitamente penteado pra trás, os ombros balançando um pouco, me dizendo com isso que ele sorriu ao ouvir meus passos. Então me aproximei, mais e mais, parando a um passo de distância dele, respirando fundo e tocando seu ombro. Hector Eu poderia ter morrido ali, vendo-a de noiva na minha frente, e morreria feliz. Alice tinha superado um nível de beleza que eu nem sabia
existir, de alguma forma conseguindo ficar ainda mais bonita, mais similar a uma deusa e menos a uma garota normal. Eu fiquei sem fala, sorrindo boquiaberto, os flashes das câmeras a nossa volta enquanto ela dava sorrisos e risadinhas da minha reação. Engoli em seco, vendo a garota da minha vida ali, pronta pra selar um compromisso comigo para o resto de nossas vidas, e tive que secar as lágrimas antes que caíssem. Estendi a mão e ela aceitou, levei seus dedos até minha boca, beijando sua aliança de noivado, onde em breve a de casamento faria companhia. — Eu amo você. — Foram as únicas palavras que eu encontrei, e ela sorriu, os olhos transmitindo toda a emoção do mundo, assentindo. — E eu amo você. Ela apertou minha mão, e os fotógrafos começaram a dar pequenas ordens para as fotos do nosso álbum, as fotos que um dia estariam sobre a lareira da nossa casa, ao lado de todas as outras que teríamos ao passar dos anos. Ela não parava de sorrir, e eu também não, sussurrando mil vezes o quanto ela estava linda e o quanto a amava. E então chegou a hora da cerimônia e ela foi tirada dos meus braços pela última vez, enquanto eu ia até a capela, onde todos já esperavam. Andei até meu posto, em frente ao altar, e então a música começou. Era um instrumental simples, clássico. Meus irmãos já estavam do meu lado, e as madrinhas dela entraram de braços dados com Eric, uma de cada lado, carregando os buquês de lavanda. E então a música mudou, o instrumental de a Thousand years começando no piano e então o violoncelo entrando também, enquanto Alice aparecia na porta, de braço dado com o pai. Eu sorri, num riso alegre e emocionado, meus olhos mais uma vez se enchendo de lágrimas enquanto eu a via vir na minha direção. Foi como se o lugar estivesse vazio, se o mundo estivesse vazio, e tudo o que existisse fosse Alice Caroline Rogers, em breve Vanslow, minha quase esposa. À medida que a música foi aumentando e ficando mais forte ela se aproximou mais, e então estava na minha frente. Bill me entregou a mão dela, os olhos emocionados. — Cuide bem dela. — Sempre — murmurei, a música ficando mais calma e mais baixinha
enquanto acabava, e então ela estava na minha frente, de mãos dadas comigo, enquanto o ministro começava a falar. Eu sinceramente não prestei atenção em nada do que ele disse, a princípio, não precisava ouvir um discurso sobre amor. A garota na minha frente já tinha me ensinado tudo e mais um pouco. Chegou à parte dos votos, os meus primeiro. Respirei fundo, tirando o papel meio amassado de dentro do meu paletó. Tinha feito questão de escrever, memorizar e ainda ler algumas partes, pra garantir que não soasse confuso e perdido na emoção. — Alice, você é o amor da minha vida. Em tão pouco tempo você se tornou tudo no meu mundo, o sol que eu gravito em volta, com duas semanas eu já te amava, e esse amor só cresceu com o tempo. O sentimento que temos é pacífico, é calmo e equilibrado. Você as vezes pode ser um furacão, mas eu sempre vou estar aqui pra te trazer de volta ao lugar. Você é meu céu, lua, sol e estrelas, você é a batida do meu coração, é cada sorriso que eu dou, todos os dias e todos os momentos, sempre pensando em você. A partir de hoje, eu nunca mais pertencerei a mim mesmo, e não podia estar mais contente com esse fato. Sou seu desde que existo, e minha vida até aqui foi no aguardo de que você me tomasse para si. Eu amo você. Não me estendi como no pedido, não precisava. Já tínhamos dito tudo o que tínhamos a dizer entre nós mesmos, aqui era uma mera afirmação diante aos outros. O ministro assentiu, se virando para ela, que estava fungando baixinho, soltando uma mão minha para segurar as lágrimas antes que caíssem. — Hector Daniel Vanslow, meu lindo e amado quase marido. Eu te amo tanto, mais do que um dia pensei que poderia amar alguém. E o mais incrível é ver você me amar da mesma forma! Você me aceitou como eu sou, já esteve comigo no melhor e no pior, na saúde e na doença, em todos os momentos que eu precisei. Se você me pertence, então estamos numa troca justa, pois meu coração é eternamente seu para cuidar. Tem mil coisas que eu gostaria de dizer, mas no fundo nós sabemos que eu apenas estaria ampliando três palavrinhas. Amor parece ser pouco perto do que eu sinto, mas na falta de uma palavra melhor, eu amo você. Pra sempre. Murmurei um “pra sempre” silencioso, e o ministro seguiu com a cerimônia. Nos aceitamos para o melhor e o pior, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, para amar e respeitar eternamente, enquanto trocávamos as alianças douradas.
— Pelo poder investido em mim por Deus e pelo estado de Nova Iorque, eu os declaro marido e mulher. — E com essas palavrinhas do ministro, ela agora era Alice Vanslow, minha esposa, minha companheira pelo resto da vida. E ali, na frente de todos os nossos amigos e familiares, selamos esse contrato com um beijo. E esse foi só o começo da nossa história.
Sinopse Ethan Vanslow é o irmão mais novo e, por acaso, o mais irresponsável também. Vivendo a vida de forma intensa e inconsequente, se dizendo novo demais para tomar responsabilidades grandes como as que os irmãos têm. E não teria companhia melhor para essa vida do que a melhor amiga, Nicole. Criados juntos desde que nasceram, com apenas dois dias de diferença, os dois sempre foram inseparáveis, dividem um apartamento, e tem até apostas correndo pela família sobre quando vão se tornar algo mais. “Nunca” é a resposta padrão, mas o álcool e um término recente são o empurrãozinho perfeito para que os dois considerem os riscos. Afinal, que mal uma única noite pode causar? As coisas continuariam as mesmas na manhã seguinte. O problema viria na manhã do mês seguinte, quando os enjoos começaram e os dois se viram perdidos com a última situação que esperariam viver juntos.
AVISO: Este capítulo é um rascunho, podem sofrer mudanças até o lançamento final.
Capítulo 1 Ethan Fazia uma hora e meia que eu tinha uma nova irmã, e eu não podia estar mais orgulhoso de Hector pelo casamento. Não é o tipo de vida que eu planejava pra mim, mas combinava perfeitamente com ele e Alice, o casal perfeito que nunca brigou ou teve problemas, o conto de fadas em que o cavalheiro salvou a princesa de um monstro terrível — a própria mente dela. E se eu estava feliz, Nicole estava radiante pela nova amiga ser agora eternamente uma parte da família. O casamento estava sendo um estouro e, depois do jantar, começaram as músicas. A primeira dança foi bonita, uma música country das que Alice amava e ninguém mais conhecia, e então a pista foi liberada. — Nicole, eu não danço. — Comigo você dança, sim. Vem, só uma. — Ela fez aquela carinha manhosa que arrancava tudo de mim desde que tínhamos três anos e eu bufei, assentindo e me levantando, deixando-a me puxar pela mão. — Viu?! Você sabe ser bonzinho quando quer! — Não me faça mudar de ideia. — “Não me faça mudar de ideia” — ela imitou minha voz ridiculamente, fazendo uma careta e rindo, segurando minha mão, e eu levei a outra até sua cintura, contornando o cetim azul do vestido, até estar na parte das costas, que era totalmente aberta. Ela amava roupas abertas e reveladoras. Dançamos meio desajeitados, eu realmente era um péssimo dançarino quando sóbrio e ela suspirou, desistindo da música lenta. — Sabe do que você precisa? — De quê? — Álcool. Você sempre fica mais solto quando bebe, e o tempo que vamos gastar no bar é o tempo exato de acabarem as danças bonitinhas e começar a festa de verdade. E aí, meu amigo, você já vai estar louco o bastante pra dançar comigo. — E não é que você às vezes consegue ter boas ideias? — Ri, andando
atrás dela até o bar. Como sempre, ela estava estonteante. Eu já era tão acostumado com Nicole, que esquecia o quanto ela era bonita, mas eventos assim sempre me faziam lembrar. Loira, praticamente tão alta quanto eu – quando estava sem saltos – olhos azuis e um corpo digno de uma revista... Eu ainda não entendia por que ela desistiu de ser modelo. Teria facilmente dado certo. O vestido de hoje era azul, cor favorita dela, de um cetim escuro que reluzia na iluminação amarelada dos lustres, e com o salto gigante, ela ficava alguns poucos centímetros maior do que eu. Me sentei ao lado dela no bar, comparando meu reflexo no espelho com o dela. Meu cabelo estava com a frente presa ra cima em um coque, a parte de trás solta. Um pouco rebelde pra um casamento, mas era meu jeito. O terno era preto, com uma gravata azul-escura que Nicole escolheu, dizendo que se estaríamos colados a festa inteira, ao menos deveríamos combinar. Não reclamei, ela quase sempre fazia coisas assim, já nasci acostumado. Sem falar que fazia só uma semana que ela terminou com Arthur, e ele seria o par dela no casamento. Três meses juntos e o cara simplesmente a traiu... Não foi à toa o soco que eu dei no dia que ele veio tentar se desculpar. E eu socaria de novo, no minuto que ela me pedisse, ninguém magoa minha loira e sai ileso. Meu primeiro copo de Bourbon apareceu à minha frente, e ela tinha um drink com morangos, que estava quase transparente, me fazendo pensar quanto de vodka teria ali. Ela ergueu o copo enfeitado na minha direção, encontrando o meu Bourbon no meio do caminho, e começamos a beber. Ela estava girando o canudo no copo, que já era quase só gelo, quando deu um sorrisinho — O que acha de ficarmos embriagados? Eu bem que preciso encher a cara. — Me parece uma ótima ideia. Mas com uma condição: sem más decisões. — E eu, por acaso, já fiz alguma má decisão na minha vida? — Ela riu, piscando um olho. — Ok, não responda. — Ela se virou para o bartender. — Um daqueles triple berry martini, por favor. E um Kentucky mule pra ele. — Ela me olhou de novo. — Se vai beber comigo, vai beber drinks e coquetéis, nada de whisky puro e sem graça.
— Por que eu acho que vou me arrepender da mistura que vai ser isso? — Besteira, você no máximo vai acordar com a pior ressaca da sua vida, amanhã de manhã, nada que um hamburguer gorduroso não cure. — Nossos drinks chegaram, os três bartenders trabalhando bem rápido, e Nicole ergueu uma sobrancelha ao ver os dois coraçõezinhos de morango no drink dela. Tirou um e me entregou. — Pra você, o único homem imprestável que eu quero na minha vida. — Ela riu e eu peguei o morango. — Vou fingir que foi um elogio. — Mordi o morango, tomando um gole do meu drink. Pelo amor de Deus, a mistura de whisky com algo cítrico e alguma especiaria era estranha, mas até que não era tão ruim. Ela pediu um sex on the beach para ela e um Manhattan pra mim. Ela estava mantendo os dela com vodka e os meus com whisky, ao menos por enquanto. E então começou a tocar uma música animada, que provavelmente ela quemtinha convencido Alice a pôr na playlist, porque ela deu um grito animado, virou o resto do drink de forma nada graciosa e me puxou pra pista de dança, começando a dançar de qualquer jeito, me ameaçando com o olhar, até que eu fiz o mesmo. Comecei a dançar sem prestar muita atenção no que estava fazendo, segurando a mão dela e fazendo-a girar algumas vezes no lugar. Hector e Alice passaram por nós, o vestido branco chamando atenção, e ela sussurrou algo no ouvido dele, que gargalhou. Casal bonito. E então começou a bagunça de country seguido de pop, Alan Jackson misturado com Maroon 5, mas Nicole e eu estávamos dançando não importava o que fosse. Teve uma hora que a música parou, e eu não entendi por que, ainda segurando a mão dela, minha visão só um pouquinho turva. Ah, o bolo. Nicole me puxou lá pra frente, querendo ver de perto, aplaudindo feito louca, totalmente feliz pela amiga. Alice e Hector fizeram aquele ritual de darem o bolo um na boca no outro, ele beijando o canto da boca dela onde ficou um resto de glacê. Eles se olharam, com tanto amor nos olhos, que eu tive que desviar minha atenção, vendo Nicole quase chorando ao meu lado. — Ei, nada de ficar emotiva. — Hoje eu posso, ok? — Ela fungou, e enquanto os convidados começaram a se dispersar para pegarem fatias do bolo, ela me empurrou de volta para o bar. — Quatro shots de tequila.
— Louca. Ela deu de ombros, empurrando dois shots na minha direção, erguendo o primeiro e virando de uma vez, fazendo isso com o segundo. Nicole era extremamente forte pra bebida, toda vez ela bebia o mesmo que eu, até mais, e saía mais sóbria. Parecia que tinha nascido com álcool na veia. Virei meus shots, piscando feito louco, enquanto a tequila me queimava por dentro. Eu dava graças a Deus por ela não curtir muito moonshine, ou nenhum de nós teria fígado depois da adolescência. Tecnicamente só podíamos beber legalmente há um ano e pouco? Sim, mas quem disse que isso um dia fez diferença? Ilegalmente bêbados, desde os dezessete. Ela deu outro grito animado quando começou a tocar Animals, me puxou pela mão, carregando a margarita que recém tinha pedido, na outra, e começou a dançar, se remexendo de um lado para o outro. Eu adorava vê-la solta assim, a Nic selvagem. — Just like animals... — ela cantarolou, gritando o uivo que tinha na música, me fazendo gargalhar, enquanto ela me empurrava o copo vazio, ficando com as mãos livres, as erguendo acima da cabeça quando começou uma música nova. Dei um jeito de entregar o copo a um garçom corajoso que passou pela pista de dança, e então a música mudou de novo e ela e Alice gritaram ao mesmo tempo, se entreolhando e indo na direção uma da outra. Hector e eu ficamos parados, encarando enquanto as duas dançavam e cantavam juntas, sendo melhores amigas perfeitas. — No rules in breakable heaven, but it’s a cruel summer with you! — Elas apontaram uma para outra, rindo, gritando a parte seguinte. — He looks up grinning like a devil! Elas realmente estavam empolgadas, e eu sempre me surpreendia em como Alice conseguia se soltar sem beber nem um gole de álcool. Ela voltou para os braços do marido, e Nicole pra junto de mim, rindo toda alegre e me puxando pela gravata, me forçando a dançar junto. Nem reclamei, já estava no nível de embriaguez que me permitia dançar como um louco. Começou uma música lenta e ela me puxou pra junto, passando os braços em volta do meu pescoço, e começamos a balançar devagarinho de um lado para o outro. Os olhos dela estavam acesos, as pupilas dilatadas, e eu me peguei pensando em como Arthur foi burro em deixar essa garota escapar,
mas que ela encontraria alguém melhor, que a merecesse de verdade. A música acabou, mas eu ainda estava a segurando, perdido em pensamentos. A festa foi passando e quando vimos, já era hora do buquê. Tive que empurrá-la pra lá, ela não queria ir, mas no final acabou rindo, gritando quando o buquê foi certeiro nas mãos dela. Eu gargalhei, aplaudindo. Nós dividimos nosso tempo entre dançar feito loucos, encher a cara com drinks multicoloridos e comer os doces caros e cheios de chocolate da mesa principal. Nem percebemos que o lugar começou a esvaziar, alguns familiares mais velhos já voltando para os quartos, e então Alice desapareceu, voltando depois com um vestido curto, ainda branco. Era hora de irem pra lua de mel. Ela foi se despedir da família, passariam duas semanas em uma ilha na América do Sul, e eu me juntei aos meus irmãos, chegando a tempo de ouvir uma piada sem graça qualquer de Brian. — E aí, como é ser um homem casado há algumas horas? — Incrivelmente bom. — Hector riu. — Agora eu sei que ela será sempre minha, e eu dela. É uma ótima certeza pra ter. — Isso, fique fazendo inveja para os pobres coitados aqui — Brian fingiu resmungar, rindo. Não deu tempo de conversar muito, Alice veio abraçar cada um de nós, nos chamando de irmãos dela. Sorrimos, todos orgulhosos da nossa nova Vanslow. Assim que eles saíram, a festa já estava quase no fim, e ficamos só a família pra trás. Bem, quase a família, já que Phill desapareceu com uma das colegas de faculdade ou primas de Alice, sei lá, a conquista dele da noite. Nicole e eu ainda pedimos uma última dose de tequila, e saímos tontos até o térreo, pedindo ao nosso motorista pra nos levar pra casa. Jake era um cara legal, eu o chamava em eventos que ia beber e não queria ter que chamar um Uber depois, mas normalmente Nicole e eu dirigíamos; eu, minha moto; e ela, o carro. Ela foi deitada no meu ombro até chegarmos em casa, aturando o elevador por dezoito andares até nosso apartamento. Tínhamos um apartamento gigante, que era a junção de dois normais. Éramos duas pessoas, afinal, e éramos bem espaçosos.
Entramos cambaleando, rindo por nada, e com um olhar ela assentiu, indo até a geladeira e pegando duas cervejas, trazendo uma para mim, enquanto nos sentávamos no chão em frente ao sofá, minha gravata já frouxa, o vestido dela amassado. Tomei um gole grande, e ela também. — Sabe, eu te amo pra caralho. — A voz dela saiu meio arrastada, passando uma mão por cima dos meus ombros. — Sabe que se meus irmãos sonham que você diz isso, eles vão levar para o lado errado, né? — Ri, apoiando um braço no chão atrás dela, o outro sobre o joelho dobrado, segurando a cerveja. — Uhum. — Ela riu, finalizando a cerveja e deixando de lado. — Eles devem criar tantos rumores sobre a gente... Aposto que hoje demos um monte de ideias novas pra família toda. — Com certeza. — Bebi o resto da minha, encarando-a ali, com as pupilas dilatadas, os olhos azuis incandescentes, e ela deu um risinho, mordendo o lábio inferior. — E se a gente desse motivo pra eles falarem? — Como? — Ergui uma sobrancelha, e ela se inclinou pra perto, encostando a testa na minha. — E se... a gente cometesse o erro mais inevitável das nossas vidas? Eu, você, o chão da sala... — Você está bêbada, Nicole. — Ri, tentando ignorar o formigamento que senti com essa sugestão. — Você também, e sabe que eu sempre fico mais sóbria. — Ela riu, levando a mão livre ao meu rosto, arranhando minha barba curta com as unhas. — Vai dizer que em vinte e dois, quase vinte e três anos, você nunca pensou na possibilidade? — Nunquinha. — Era uma mentira, e ela sabia. — Mesmo? Nem no nosso aniversário de vinte e um, quando você estava caindo de bêbado, e só não me beijou porque ouvimos um barulho na porta? — Você estava pior do que eu, como se lembra disso? — Minha memória sempre foi melhor que a sua, sabe disso. — Ela deu um sorrisinho, passando a língua nos lábios. — E você também lembra...
— Tá, eu considerei naquela noite. Mas seria um erro, sabemos disso. — Um erro inevitável, como eu disse. Anos e anos juntos, aquela vez que eu te peguei no flagra batendo uma quando éramos adolescentes, aquela vez que você me pegou no flagra, ano passado... vai dizer que não temos nem um pouquinho de tensão sexual? — Ela se inclinou, os lábios roçando na minha orelha. Porra, ela sabia que era meu ponto fraco, a maldita sabia tudo sobre mim. — Mais que um pouco... o que só torna isso uma péssima ideia. Você acabou de terminar um namoro, está sensível... — Uma porra que eu estou. Ele quem saiu perdendo, esse corpinho aqui está livre de novo, e você está recebendo a oferta de tê-lo por uma noite. Só hoje, nós dois bêbados, e amanhã culpamos na bebida e fingimos que nunca aconteceu. Um errinho divertido... — Nic, o quão bêbada você está, exatamente? — Ergui uma sobrancelha e ela se afastou da minha orelha, me encarando com um sorrisinho perverso. — Você não estaria se aproveitando de mim, Ethan. Pode ficar tranquilo quanto a isso, eu posso estar bêbada, mas tenho plena consciência de que não seria uma má ideia. Mas se não quer, eu não vou forçar. Daqui uns cinco anos, eu sugiro de novo. — Ela riu, começando a se afastar. Mil pensamentos passaram pela minha mente, uma infinidade de possibilidades. — Que se foda o erro. — E avancei sobre ela, agarrando sua nuca e a beijando.