práticas integr.ensino bio

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Copyright do texto © 2008 Autores Copyright da edição © 2008 Escrituras Editora

Todos os direitos desta edição reservados Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda. Rua Maestro Callia, 123 Vila Mariana – São Paulo, SP – 04012-100 Tel: (11) 5904-4499 – Fax: (11) 5904-4495 [email protected] www.escrituras.com.br

Editor Raimundo Gadelha

Coordenação Editorial Mariana Cardoso

Revisão Ravi Macario Edson Cruz

Projeto Grá co e Capa Vaner Alaimo

Editoração Eletrônica Felipe Bonifácio

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Práticas integradas para o ensino de biologia / Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo, João José Caluzi, Ana Maria de Andrade Caldeira, organizadores. – São Paulo: Escrituras Editora, 2008. (Educação para a ciência; 9)

Vários autores. Bibliogra a. ISBN 978-85-7531-304-6

1. Biologia – Estudo e ensino 2. Prática de ensino I. Araujo, Elaine S. Nicolini Nabuco de. II. Caluzi, João José. III. Caldeira, Ana Maria de Andrade. IV. Série. 08-11620 CDD-570.7 Índices para catálogo sistemático: 1. Biologia: Estudo e ensino 570.7

Impresso no Brasil Printed in Brazil

Obra em conformidade com o Acordo Ortográ co da Língua Portuguesa

Sumário Prefácio 1. Epistemologia da Biologia: uma proposta didática para o ensino de Biologia Introdução Epistemologia da Biologia A Biologia como uma Ciência autônoma A Epistemologia da Biologia no contexto do ensino A constituição de um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia Resultados preliminares Considerações nais Referências bibliográ cas 2. A interdisciplinaridade na educação em Ciências: professores de Ensino Médio em formação e em exercício Introdução O Projeto Pró-Ciências Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade Di culdades para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares na escola Trabalhos nais produzidos pelos professores-alunos Pró-Ciências: erros e acertos Referências bibliográ cas 3. Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto >coletivo por professores Introdução A construção de um projeto na Escola Pública Ações desenvolvidas pelos participantes Resultados Considerações nais

Referências bibliográ cas 4. O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia: interdisciplinaridade e contextualização. Introdução O tema contextualizador A construção do trabalho interdisciplinar O conceito de energia em Biologia e suas relações interdisciplinares Discussão Avaliação do processo de construção do projeto interdisciplinar e contextualizado Organização do coletivo escolar O Processo de ensino O Processo de aprendizagem Considerações nais. Referências bibliográ cas 5. A cção cientí ca como estratégia pedagógica interdisciplinar: aproximando as Ciências e a Arte Introdução Algumas considerações sobre o enfoque interdisciplinar Ensino de Evolução Biológica “Evolution”: o lme analisado Possíveis conteúdos matemáticos a serem abordados em interdisciplinaridade com a Biologia, a partir do lme “Evolution” Considerações nais Referências bibliográ cas 6. Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos. Introdução As pesquisas biotecnológicas e suas implicações éticas Infertilidade e fertilização in vitro Bioética e fertilização in vitro A Lei de Biossegurança O livro didático de Ciências e Biologia

Transposição e mediação didática Considerações metodológicas Presença de explicação, ilustrações sobre fertilização in vitro Localização do assunto no livro didático Consistência das informações apresentadas Presença de uma abordagem ética e social Considerações nais Referências bibliográ cas 7. A construção do conceito de circulação sanguínea e o Ensino de Biologia Introdução A importância da História da Ciência no Ensino de Ciências A construção do conceito de circulação sanguínea: algumas teorias anteriores a Harvey Considerações nais Referências bibliográ cas 8. A formação de conceitos cientí cos em aulas de campo: as possibilidades de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski Introdução O conhecimento cientí co na perspectiva piagetiana O conhecimento cientí co na perspectiva de Vigotski O desenvolvimento do programa Formando conceitos em aulas de campo: conhecimento cientí co e mediação Considerações nais Referências bibloigrá cas 9. Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas naturais característicos da restinga de Ilha Comprida, SP Introdução Caracterização física e biológica de Ilha Comprida Caracterização e localização Formação geológica Cobertura vegetal

Escolha das tipologias vegetacionais de Mata Atlântica Semiótica peirceana Sequência didática e ferramentas de coleta de dados Aulas teóricas Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 1) Sequência didática das aulas teóricas Aulas práticas Sequência didática das aulas práticas Sequência didática da sistematização de conteúdos Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 2) Análise de conteúdos Atividade didática 1 Atividade didática 2 Análise semiótica Atividade didática 1 Atividade didática 2 Considerações nais Referências bibliográ cas

Prefácio Dois clássicos em Filoso a, Peirce e Piaget, pensaram o desenvolvimento da inteligência humana pela experiência e por um conjunto de abstrações que nos enriquecem cognitiva e culturalmente. Estas duas dimensões – experiência e graus diferenciados de abstração – criam e recriam o pensamento e sustentam nossas ações. Com essa concepção li este livro, Práticas Integradas para o Ensino de Biologia, organizado por Elaine Sandra Nicolini Nabuco de Araujo, João José Caluzi e Ana Maria de Andrade Caldeira. Vejo no livro um grande mérito: valoriza a experiência de alunos e professores propondo que o ensino da Biologia seja realizado por meio de práticas pedagógicas que recriem o sentido da interdisciplinaridade. Em outras palavras, as pesquisas apresentadas neste livro propõem que o professor ensine Ciências e Biologia pensando suas histórias, suas dimensões culturais e a função das políticas educacionais. Propõem que este reconheça a possibilidade de ensinar de outra forma, voltando-se, sobretudo, para o papel da experiência, entendida aqui como prática de recontextualização do conhecimento cientí co em conhecimento escolar. Para isso, o livro sugere que o ensino da Biologia deve escapar aos problemas mais comuns na vida do professor como, por exemplo, a divisão do currículo em conteúdos estanques, a não valorização de conhecimentos cotidianos dos alunos, a não articulação dos temas sociais aos temas cientí cos como o papel da energia no mundo atual, o efeito estufa no planeta, o papel da bioética entre outros temas tão importantes para a formação cientí ca de nossos alunos. Os textos deste livro sugerem uma boa caminhada ao professor de Ciências e de Biologia. Apontam uma sina docente: ser andarilho de fronteiras. Nesse sentido, o primeiro capítulo, “Epistemologia da Biologia: uma proposta para o Ensino de Biologia”, retoma uma discussão cara aos professores de Biologia, a dimensão da interação como suporte para o ensino e a

aprendizagem. Propõe que o conhecimento biológico seja visto por uma visão integradora em que sistemas biológicos sejam representados por sistemas complexos e pelo conceito de auto-organização. No segundo capítulo, “A Interdisciplinaridade na Educação em Ciências: os professores do Ensino Médio em formação e em exercício”, as autoras mostram que o conceito de interdisciplinaridade está em construção entre os docentes entrevistados. Isso di culta a prática tão desejada no ensino de Biologia. Para que essa concepção possa ser pensada entre os professores é necessário um trabalho coletivo dos docentes com novos conhecimentos escolares e, sobretudo, uma organização diferente do trabalho docente. Uma organização que privilegie espaços de debate, estudo e vida cultural dos docentes. O conceito de interdisciplinaridade também é debatido no capítulo terceiro, “Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto coletivo por professores”. Neste, as autoras indicam que as ações interdisciplinares na escola podem ser realizadas de diferentes maneiras, desde que os princípios básicos sejam estabelecidos no decorrer do trabalho de ensino. Interdisciplinaridade e contextualização são temas do quarto capítulo. Em “O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia: interdisciplinaridade e contextualização”, temos um ensaio do tratamento interdisciplinar dado ao tema energia tomando como exemplo a cadeia produtiva de cana-de-açúcar na região de Jaú, SP, onde a pesquisa foi desenvolvida em uma escola local. Biologia, Física e Matemática foram áreas delineadas para um trabalho com cunho social e cientí co. Para o ensino de Biologia, a Arte também foi pensada neste livro. No quinto capítulo, “A cção cientí ca como estratégia interdisciplinar: aproximando as Ciências e a Arte”, os autores lembram, com Bachelard, que, embora as Artes se cristalizem no plano sensível e as Ciências no plano formal, essas duas dimensões são passíveis de serem pensadas no ensino de Biologia como Estética e como cognição. É interessante anotar neste capítulo o tema Evolução sendo abordado matematicamente pela função exponencial, o que mostra a integração entre Estética, Matemática e Biologia.

No sexto capítulo, “Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos”, as autoras tocam em um ponto crucial: os livros didáticos na organização do trabalho docente. Como sabemos, o livro didático tem sido um dos recursos mais utilizados na ação docente; daí a necessidade de uma análise criteriosa. As autoras analisam o tema fertilização in vitro e o tratamento interdisciplinar dado às questões da Bioética. Dos cinco livros analisados pode-se dizer que ainda não temos uma abordagem social e ética satisfatória para o Ensino de Biologia. No capítulo sete, “A construção do conceito de circulação sanguínea e o Ensino de Biologia” , os autores apresentam um texto elaborado com fontes primárias, com o tema histórico acerca da circulação sanguínea para o Ensino de Biologia. Os autores, apoiados em textos históricos, demonstram a riqueza da História da Ciência para o ensino de conteúdos da Biologia. Traduzem um saber histórico para o presente enfatizando a integração da História com a Biologia. Em “A formação de conceitos cientí cos em aulas de campo: as possibilidades de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski”, capítulo oito, os autores perguntam: quanta experiência é necessária para que ocorra a formação de determinado conceito? Há um momento em que seja possível dizer que ocorreu a aprendizagem? São questões que permeiam o texto, buscando em Vigotski a formação de conceitos pelo processo de instrução, e em Piaget o processo de formação cientí ca do conceito conforme a idade dos aprendizes. Essa preocupação é desenvolvida juntamente com uma investigação sobre a utilização dos ecossistemas terrestres naturais brasileiros em uma escola municipal de Bauru, SP. Nesse texto, os autores indicam como podemos teorizar o desenvolvimento do conhecimento a partir de aulas em campo. No capítulo nove, “Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas naturais característicos da restinga de Ilha Comprida, SP”, os autores, pela análise semiótica peirceana, investigaram o ecossistema da ilha integrando estudantes de 1 a 16 anos na temática ecológica e cultural da região. Em contato com ecossistemas, os alunos passaram por um processo dinâmico de

aprendizagem e semiose, “pondo os conhecimentos em prática” e, ao mesmo tempo, elaborando signos ecológicos. Desse modo, o livro inicia seu percurso pela discussão do estatuto epistemológico da Biologia e naliza, após mostrar aos leitores diferentes possibilidades de Ensino de Ciências e de Biologia, com um exemplo de teoria semiótica em ação na aprendizagem das mesmas. Um bom livro para os professores que querem pensar a construção da inteligência e do método cientí co entre os estudantes, já que este apresenta um objetivo importante na esfera do ensino e da aprendizagem: mostrar que a experiência e o pensamento devem ser constantemente reformulados na educação em Ciências das gerações mais novas. Com o livro percebemos que ensinar Ciências é sinônimo de ensiná-la como método, como um movimento de pensar e fazer.

Marta Bellini

Epistemologia da Biologia:

uma proposta didática para o Ensino de Biologia1© Mariana A. Bologna Soares de Andrade 2 Fernanda da Rocha Brando 3 Fernanda Aparecida Meglhioratti 4 Lourdes Aparecida Della Justina 5 Ana Maria de Andrade Caldeira 6

Introdução

As diferentes áreas do conhecimento cientí co possuem características, metodologias e objetos próprios que lhes conferem autonomia. Compreender a Epistemologia de uma determinada Ciência signi ca, entre outros aspectos, entender os conceitos que lhe oferecem sustentação. A forma como determinadas áreas cientí cas são construídas deve ser socializada, e um importante espaço para fomentar o debate sobre a construção cientí ca é o ambiente escolar. Da mesma forma que a Epistemologia da Ciência contribui para os cientistas construírem um conhecimento mais consistente de sua área de pesquisa, os estudos dos aspectos epistemológicos podem contribuir para um Ensino de Ciências mais signi cativo e integrado. No Ensino, os conceitos cientí cos ganham novos signi cados adequados ao contexto em que processos de Ensino e aprendizagem se inserem. Segundo Sanmartí (2002), embora o conhecimento escolar tenha características próprias, é importante ressaltar que as discussões que se colocam principalmente no âmbito da Filoso a da Ciência têm sido consideradas fundamentais para o Ensino de Ciências. Assim, quando se pensa na Ciência faz-se necessário não perder de vista os processos de produção do conhecimento cientí co como atividade humana historicamente contextualizada, sendo este um dos instrumentos para o trabalho educativo. Wortmann (1996) recomendou que as investigações que contemplem o estabelecimento de relações entre a Didática, a Epistemologia e a História da Ciência sejam intensi cadas para promover a ampliação da compreensão do conteúdo conceitual das diferentes áreas do conhecimento. Nesse sentido, a Epistemologia da Ciência passa a ser um importante componente no Ensino de Ciências. A partir do reconhecimento dos estudos epistemológicos como uma importante ferramenta tanto na compreensão dos fundamentos de determinada área da Ciência quanto para seu Ensino, nosso grupo de

pesquisadores7, procura discutir quais seriam os fundamentos básicos do conhecimento biológico que se apresentam como necessários na formação de professores de Biologia. Isto possibilita, a nosso ver, que professores em formação compreendam a natureza do conhecimento biológico.

Epistemologia da Biologia O termo Epistemologia é utilizado com diferentes signi cados, dos quais, um dos adotados por nós é o sentido dado por Lebrun (2006) ao colocar a disciplina como parte da Filoso a da Ciência, sendo entendida como o campo de conhecimento que discute os diversos problemas da Ciência, buscando compreender seus signi cados. Carneiro (2003) destaca dois tipos de abordagens sobre o signi cado de Epistemologia. Uma primeira visão de Epistemologia aponta-a como sinônimo da Filoso a da Ciência e se aproxima do positivismo de Comte. Nesse caso, a Epistemologia seria o estudo do conhecimento cientí co, considerado o único verdadeiro. Uma segunda tradição, mais próxima de Kant, de ne o termo Epistemologia como teoria do conhecimento, isto é, algo que busca compreender como o sujeito conhece as coisas. Neste sentido a Epistemologia é o ramo da Filoso a que trata da relação entre sujeito e objeto. O problema de investigação é o de estabelecer a forma como esse conhecimento é construído pelo sujeito em sua relação com os objetos e qual o papel da percepção nesta relação, isto é, saber como o sujeito intervém na organização e na construção dos objetos que o rodeiam. No sentido contemporâneo a Epistemologia da Ciência se aproxima dessa segunda visão pela qual todo conhecimento é entendido como construção cognitiva que emerge da relação entre sujeito e objeto. A partir da compreensão de que a Ciência é um processo histórico e social surgem outros problemas com os quais a Epistemologia da Ciência se preocupa. Um dos problemas centrais é entender quais fundamentos, conceitos e metodologias sustentam cada uma das diferentes áreas do conhecimento cientí co. Algumas de nições de Epistemologia enfatizam este seu aspecto, por exemplo, no âmbito disciplinar. Japiassú e Marcondes (1996, p. 84) de niram Epistemologia como “a disciplina que toma por objeto […] as Ciências em via de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de estruturação progressiva”. Nesse sentido, pode-se a rmar que a Epistemologia é o estudo dos conceitos centrais de uma disciplina que fornece sustentação para a estruturação sistemática desta como uma área de conhecimento consolidado.

Ainda de acordo com a abordagem da Epistemologia como o estu-do dos fundamentos de uma Ciência, Lebrun (2006) evidenciou-a enquanto re exão sobre a natureza e sobre o objeto de uma Ciência. Acrescentou ainda que quando um estudioso “questiona a Ciência” que pratica, ele está fazendo Epistemologia. O estilo epistemológico, segundo Lebrun, trata-se da: […] atenção dada ao caráter autóctone [próprio] dos princípios que uma Ciência apresenta e ao caráter singular dessa montagem teórica que permite determinar os objetos de forma até então inédita – ou seja, […] àquilo que uma Ciência descobre, sua maneira própria de produzir enunciados ou regras que possibilitam sua edi cação (LEBRUN, 2006, p. 134-135).

Lebrun (2006) evidenciou que ao fazer Epistemologia o indivíduo está re etindo sobre um corpo teórico de enunciados relativamente estáveis, procurando compreender como isso se articula e funciona nesta região teórica, para que dela possa surgir a própria Ciência. Ao defender a Epistemologia enquanto disciplina bem fundamentada, Lebrun (2002) referenciou ao menos duas condições necessárias: cada Ciência deve ser considerada antes de tudo naquilo que ela tem de diferente e único, deve ser encarada como um objeto dotado de um funcionamento singular; nenhuma Ciência deve se apresentar como uma reunião de verdades, mas se oferecer como tema possível de um exame histórico ou lológico: a) histórico: as Ciências são aventuras contingentes e suas proposições podem ser tratadas enquanto acontecimentos […] b) lológico: é possível conferir-lhes o estatuto de um texto e considerar cada uma delas como um corpus de fórmulas (enunciados, protocolos, indicações de pesquisa…) no qual se deposita um trabalho coletivo, cujas articulações exprimem escolhas ou decisões (LEBRUN, 2006, p. 137-138).

Uma boa Epistemologia deveria, para o autor, destacar as descontinuidades, rompendo com o discurso da verdade muitas vezes encontrada nos trabalhos cientí cos. Nesse sentido o estudo epistemológico da Biologia pode contribuir para a compreensão da construção do conhecimento cientí co, pois de acordo com Canguilhem (2002), o desenvolvimento da Biologia tem um “estatuto de descontinuidade”, a história desta Ciência é uma

sequência de rupturas e de invenções. Faz-se, então, necessário, que os fenômenos biológicos sejam compreendidos por meio da lógica da construção do conhecimento biológico. Entendemos, desta forma, que ao discutirmos sobre a Epistemologia, alguns pressupostos dessa Ciência possam ser melhor compreendidos.

A Biologia como uma Ciência autônoma

Nas pesquisas em Ensino de Biologia podem ser observadas duas questões frequentes: a fragmentação do conhecimento biológico e a necessidade de discussão de conceitos fundamentais que estruturem a Biologia como campo cientí co coerente e uni cado. Ernst Mayr em seu livro Biologia, Ciência única (2005) fez considerações signi cativas sobre os princípios básicos que regem o conhecimento e a forma de interpretarmos os fenômenos biológicos. As considerações desse autor são apresentadas resumidamente a seguir. A constituição da Biologia como Ciência é recente. Talvez por isso, ainda hoje, muitos fenômenos próprios desse conhecimento sejam compreendidos a partir de Ciências que se consolidaram antes da Biologia, como a Física e a Química. Entretanto, dentro do desenvolvimento da Epistemologia da Biologia tem-se acentuado as discussões sobre princípios e características próprias do conhecimento biológico que lhe conferem autonomia. Mayr explicou que mesmo entre os anos de 1970 e 1980 vários lósofos, tais como Hull (1974), Ruse (1973) e Sober (1993)8, ainda escreviam Filoso a da Biologia baseados principalmente no quadro conceitual das Ciências Físicas. Para o especialista, esse monopólio exercido pelas Ciências Físicas foi abandonado por alguns autores por perceberem que os fundamentos estritamen-te sicalistas não eram adequados para a Filoso a da Biologia. Mayr, já em 1950, compreendia que para uma abordagem satisfatória da disciplina, seria necessário recorrer aos conceitos especí cos da própria Biologia. Mayr explicou que o entendimento da Biologia como uma Ciência individual do mundo vivo ocorreu, entre outros motivos, pelo reconhecimento da existência de princípios especí cos da mesma, tais como a complexidade dos sistemas vivos, a Biologia Evolucionista como Ciência Histórica, o papel do acaso, o pensamento holístico e a limitação ao mesocosmo9.

Para Mayr, os sistemas biológicos se diferenciam de sistemas inanimados pela sua alta complexidade, pois são dotados de qualidades como reprodução, metabolismo, replicação, regulação, adaptação, crescimento e organização hierárquica. Além disso, são sistemas ricos em propriedades emergentes, pois novas características ou propriedades podem surgir em cada novo nível de integração hierárquica. Outro conceito biológico especí co é o de evolução, no qual se inserem as ideias de variedade populacional e de seleção natural, conceito introduzido por Darwin e que gera discussões até nos dias atuais. Mayr destacou que para diferenciar os processos biológicos daqueles que ocorrem no mundo inanimado precisa-se compreendê-los pela causalidade dual, na qual os sistemas vivos apresentam um duplo controle, ou seja, estão sujeitos tanto às leis naturais quanto aos programas genéticos que possuem, sendo que estes foram construídos ao longo do processo evolutivo. Pela inviabilidade de experimentos que possam reproduzir os fenômenos biológicos e dar respostas às questões evolucionistas foi introduzido na Biologia o método de narrativas históricas, o qual consiste na construção de narrativas sobre a história evolutiva de determinado grupo de seres vivos. Um exemplo de narrativa histórica são as considerações em relação à extinção dos dinossauros: Uma primeira narrativa sugeria que eles haviam sido vítimas de uma epidemia particularmente virulenta, contra a qual não puderam adquirir imunidade. Uma boa quantidade de objeções sérias, no entanto, foi levantada contra esse cenário, que foi assim, substituído por uma nova proposta, de acordo com a qual a extinção teria sido causada por uma catástrofe climática. […] Quando, porém, o físico Walter Alvarez postulou que a extinção dos dinossauros tinha sido causada pelas consequências do impacto de um asteroide na Terra, todas as observações se encaixaram nesse novo cenário (MAYR, 2005, p. 480).

Depois de construídas, essas narrativas têm seus valores explicativos testados tanto pela lógica como pela presença de novas evidências. Um outro aspecto a ser considerado é que as leis presentes nas Ciências físicas perdem espaço nas Ciências Biológicas devido à complexidade e à aleatoriedade envolvendo os seres vivos. Para Mayr (2005, p. 50):

O produto de um processo evolutivo é em geral o resultado de uma interação de inúmeros fatores secundários. O acaso, no que diz respeito ao produto funcional e adaptativo, é o grande gerador de variação.

Dessa forma, Mayr (2005, p. 46) destacou que os conceitos biológicos não carregam o caráter de lei como nas Ciências Exatas: Uma das diferenças mais fundamentais entre biologia e as chamadas ciências exatas é que nelas as teorias são usualmente baseadas em conceitos, enquanto nas ciências físicas são baseadas em leis naturais.

Assim, o pensamento reducionista, tão presente no discurso sicalista, não dá conta de explicar os sistemas biológicos, pois os últimos apresentam interações entre todos os níveis de organização dos sistemas. Portanto, decompor em partes menores oferece apenas uma explicação parcial dos mesmos, “é precisamente essa interação das partes que fornece suas características mais pronunciadas à natureza, como um todo, ou ao ecossistema, ao grupo social, aos órgãos de um simples organismo” (MAYR, 2005, p. 51). A Biologia, para Mayr, encontra relevância nos fenômenos que ocorrem no mesocosmos. O autor ainda descreveu outros dois mundos, no que concerne à acessibilidade para os órgãos dos sentidos: o microcosmo, das partículas elementares e suas combinações e o macrocosmo, de dimensões cósmicas. Em resumo, Mayr considerou que fazer uma Filoso a da Biologia implica concebê-la como uma Ciência que apresenta elementos que a carac-terizam como uma forma única de olhar o mundo vivo, com características que a diferenciam de outras Ciências, como a Física, por exemplo.

A Epistemologia da Biologia no contexto do Ensino A partir da discussão dos princípios elencados no item anterior, tendo em vista que os acontecimentos biológicos ocorrem de forma integrada, que os seres vivos apresentam uma complexidade de forma e função, que a evolução dos seres é um processo capaz de ser interpretado por meio de narrativas históricas, perguntamos: por que a Biologia, muitas vezes no contexto de Ensino, é apresentada de forma fragmentada? Ao falarmos sobre Ensino de Biologia, com frequência nos remete-mos à ideia dos “blocos fechados” de disciplinas que a compõe, como a Botânica, a Zoologia, a Citologia, a Ecologia, a Genética, entre outras. Entretanto, considerando o suporte da Epistemologia da Biologia, essas divisões perdem seu sentido. Ao estudar o conhecimento biológico por meio de subáreas, podemos perder a complexidade dos fenômenos biológicos. Inferimos que a forma fragmentada pela qual a Biologia é apresentada, tanto no Ensino Médio como nos cursos de graduação, seja uma “cópia” das linhas de pesquisas que foram se consolidando ao longo do desenvolvimento das Ciências Biológicas. Na pesquisa, essa fragmentação em um determinado momento histórico permitiu a especi cidade e o aprofundamento de determinados conhecimentos, todavia, mesmo na pesquisa, há hoje uma busca por estudar os fenômenos complexos de forma interdisciplinar. No contexto escolar, essa interdisciplinaridade deve estar ainda em maior evidência, auxiliando a produção de um conhecimento integrado pelos alunos. O conhecimento escolar tem características próprias, assim, para se estudar as estratégias, conceitos e métodos de uma Ciência, deve-se pensar em como fazer uma transposição didática adequada. Como a rma Bellini (2007), os conhecimentos escolares e os conhecimentos cientí cos não são sinônimos, pois no contexto da escola, a lógica cientí ca está disposta de uma outra forma, atendendo a interesses sociais mais amplos. No entanto, mesmo considerando os diferentes contextos dos cientistas e da escola, a autora evidenciou que podemos aproximar as bases epistemológicas da Biologia às do ensino dessa Ciência.

Para Bellini (2007), na Ciência Física, por exemplo, os cientistas recorrem às atividades operatórias, tais como a experimental e a matemática e, quando nos referimos ao Ensino de Física, muitas pesquisas têm apontado, como recurso didático, a utilização de processos de experimentação e observação de fenômenos em sala de aula. Já na Ciência Matemática, os especialistas recorrem principalmente às atividades dedutivas. Estudos sobre aprendizagem de Matemática apontam que o processo de cognição de crianças e jovens está ligado à compreensão e à clareza dos enunciados, às relações numéricas, ao espaço ou a outro tema da Matemática. Esses estudos, segundo Bellini, que salientam as diferentes formas de Ensino para as diferentes Ciências não decorrem somente de debates em torno das questões sobre metodologias de Ensino, mas também de estudos sobre Epistemologia. Dessa forma, Bellini (2007, p. 32), recorrendo aos estudos sobre a Epistemologia da Biologia de Piaget, explicou que em relação às diferenças epistemológicas, o pensamento biológico tem uma forte tendência experimental, ou seja, “não pode prescindir dos seres naturais – homens, animais, plantas”. No entanto, devemos destacar que todo conhecimento é uma construção teórica em que não há o acesso direto ao mundo real. Ou seja, também no saber biológico cada observação e experimentação é guiada por aquele conhecimento que o sujeito já possui. No contexto cientí co, são as fundamentações teóricas que norteiam a análise de dados. O conhecimento biológico possui certas especi cidades relacionadas à complexidade de seu próprio objeto de pesquisa, a vida. Devido à complexidade dos fenômenos biológicos e à emergência de novas propriedades em níveis superiores de organização, na Biologia as predições são mais difíceis de serem realizadas do que na Física e na Química. Se pensarmos, por exemplo, na teoria sintética da evolução, considerada um eixo integrador dos conhecimentos biológicos, veremos que ela se apoia em um pensamento populacional, ou seja, possui uma forma de pensar probabilística. Portanto, as diversas Ciências diferem em seus aspectos epistemológicos. Não há um esquema epistemológico único, o que implica, no âmbito do Ensino, na

utilização de metodologias diferenciadas para cada Ciência, e não a adoção de um padrão metodológico (BELLINI, 2007). Por meio dos relatos dos alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas, percebemos que algumas questões inerentes à Epistemologia da Biologia não fazem parte, em geral, do repertório do Ensino e da pesquisa biológica, o que acaba acarretando em uma formação fortemente empirista e determinista da Ciência entre professores e pesquisadores, como já evidenciado por alguns autores, tais como; Harres, (1999); Meglhioratti, (2004); Brando e Caldeira, (2005); Scheid, et al., (2007). É necessário que se pratique no ambiente escolar e universitário uma abordagem que contextualize a Ciência e o conhecimento, em contraposição a uma postura, tomada por muitos professores e pesquisadores, de conceber o conhecimento biológico como um conjunto de conteúdos prontos e acabados organizados em disciplinas. O conhecimento biológico, assim como a educação cientí ca em geral, deve considerar o caráter dinâmico e vivo dos diversos processos e contextos ético, histórico, losó co e tecnológico no qual o conhecimento é produzido. Assim, os estudantes devem aprender além das Ciências atuais, algo acerca da natureza da Ciência e sua relação com a existência humana (SILVA FILHO, 2002). A Biologia possui características próprias e não deve ser reduzida ao corpo conceitual e teórico de outras Ciências. No entanto, isso não signi ca que ela não dependa dos estudos realizados em outros campos do conhecimento cientí co, tais como a física e a Química. A Biologia, ao mesmo tempo em que está intrinsecamente relacionada com as outras Ciências e é dependente dos estudos desenvolvidos nelas, apresenta características que lhe conferem autonomia. Portanto, sem deixar de considerar a interdependência existente entre as diversas Ciências, tais como as Ciências Físicas, Químicas, entre outras, não podemos seguir na Biologia o mesmo modelo de Ensino e de compreensão conceitual das outras Ciências, pois ela apresenta uma Epistemologia própria.

Um ponto a ser considerado como fundamental para uma mudança na compreensão do conhecimento biológico é a inserção de discussões epistemológicas na formação de professores de Biologia e Ciências. Percebemos nos cursos de formação de docentes, para os diferentes níveis de Ensino, como ainda estão ausentes as discussões epistemológicas da Biologia e como essa carência acarreta distorções conceituais que podem, posteriormente, re etir no Ensino da disciplina, como evidenciaremos no exemplo a seguir. Em recente discussão com um grupo de mestrandos e doutorandos de um programa de pós-graduação em Genética, uma das pesquisadoras deste trabalho pôde perceber como conceitos fundamentais do conhecimento biológico estão ausentes nos discursos de pós-graduandos, futuros professores universitários. Em uma aula, na qual os conceitos de Genética estavam sendo discutidos, o professor indagou como os pós-graduandos explicariam, a partir da teoria sintética da evolução, algumas questões atuais de Genética, tais como, o desenvolvimento do sistema de reconhecimento de receptores especí cos para enzimas. Para a surpresa do professor, e também da pesquisadora, todos os alunos pós-graduandos entendiam que a teoria sintética da evolução não seria a melhor forma de explicar a história dos fenômenos biológicos. A melhor teoria seria, para tais alunos, a do design inteligente10. Percebe-se, na discussão com os alunos, que a melhor explicação para a complexidade dos sistemas de receptores seria uma força que teria orientado o desenvolvimento de um esquema de reconhecimento “tão perfeito”. Nessa situação, o professor procurou evidenciar aos alunos que esse sistema não é “tão perfeito”, que possui falhas e é o resultado de um processo de interação biológica sem tendência à perfeição. O exemplo citado anteriormente evidencia nossa preocupação em relação à formação inicial de biólogos e professores de Biologia. Também nos faz pensar como a concepção empirista/determinista da Biologia, em geral sem uma re exão sobre aspectos epistemológicos do conhecimento biológico, pode levar a uma compreensão reducionista da Biologia. Como evidenciou Mathews (1994), a separação entre a educação cientí ca e a Filoso a resulta em uma educação distorcida.

Matthews (1995) argumentou que a inclusão de componentes de História e de Filoso a da Ciência no currículo pode contribuir para huma-nizar as Ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da sociedade, e também para um entendimento mais integral dos conteúdos abordados. Isto é, pode haver uma contribuição para a superação do abismo da falta de signi cação que se diz ter dominado as salas de aula nas áreas das Ciências, nas quais as fórmulas e equações são recitadas sem que muitos cheguem, a saber, o que signi cam. Dessa forma, a inserção de discussões de História e Filoso a da Ciência em cursos de formação de professores possibilita que, ao chegar à sala de aula, o professor desenvolva uma forma de pensar coerente com a construção histórica da ciência.

A constituição de um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia

A partir das discussões levantadas nos tópicos anteriores, um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia foi constituído no início de 2007 a m de promover um espaço de discussão e pesquisa entre sujeitos de diferentes níveis de Ensino (graduandos de um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, pós-graduandos e professores universitários) sobre os aspectos epistemológicos do conhecimento biológico. Esse grupo foi organizado de forma que os participantes fossem ao mesmo tempo sujeitos de pesquisa e pesquisadores. Assim, a partir das discussões geradas, os estudantes de graduação desen-volvem projetos de pesquisas e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) sob a orientação e análise de professores e pós-graduandos. As discussões e trabalhos desenvolvidos no grupo são orientados pelas seguintes questões: o que caracteriza a Biologia como área cientí ca especí ca? Quais são os conceitos centrais e uni cadores do conhecimento biológico? Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino desta? Entendemos que a escolha da Epistemologia da Biologia como tema de estudos do grupo contribui para a discussão dos conceitos fundamentais da disciplina, permitindo a integração de uma ampla gama de conceitos biológicos. Além disso, permite a inserção dos graduandos de um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas em um contexto de pesquisa cientí ca que não é comumente abordado nos cursos de Biologia e que não está relacionado com a visão tradicional de cientista/especialista. Com a nalidade de promover a integração dos conceitos biológicos nas atividades realizadas pelo grupo de pesquisa, construímos categorias de organização do conhecimento biológico a partir do referencial teórico da hierarquia escalar proposta por Salthe (1985, 2001). O autor explicou que, para a utilização desta abordagem, é necessário estipular um nível focal (no qual ocorre o fenômeno de interesse), bem como os níveis superior e inferior,

compondo, assim, um sistema triádico. Para Salthe (1985, 2001) o nível superior estabelece condições de contorno para os processos no nível focal, enquanto o nível inferior estabelece condições iniciadoras potenciais para os processos focais. Essa representação poder ser esquematizada da seguinte forma: [nível superior [nível focal [nível inferior]]]. A partir desse referencial teórico e pensando em uma forma de organizar os diferentes conceitos da Biologia, estabelecemos, segundo considerações presentes em Meglhioratti; Caldeira; Bortolozzi (2006), três níveis hierárquicos de organização do conhecimento biológico [ecológico (ambiente externo) [orgânico (organismo) [genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o organismo como ponto focal ancorando as relações entre ambiente externo e interno. Dessa forma, para entender a organização de um determinado ser vivo é necessário compreender tanto as relações que ocorrem no próprio nível do organismo (nível orgânico) quanto as propriedades de restrição do nível superior (ecológico) e as propriedades geradoras do nível inferior (genéticomolecular) (MEGLHIORATTI et al., 2006). Por meio da estrutura hierárquica proposta, os conceitos em Biologia são organizados de maneira que permitam a compreensão de que os fenômenos biológicos de diferentes níveis de complexidade são interdependentes. Essa estratégia de organização poderia contribuir para a organização do conhecimento biológico no contexto da educação básica, uma vez que, o Ensino de Biologia tem sido alvo de crítica por apresentar os conteúdos de forma fragmentada. A organização hierárquica é comum no conhecimento biológico, mas a interação entre os diferentes níveis de organização não tem sido ressal-tada. Portanto, ao se dividir os diversos níveis de organização dos seres vivos em sistemas, tais como células, órgãos, organismos, populações, comunidades, ecossistemas, a m de melhor estudá-los, a interdependência presente entre eles não é considerada, evidenciando uma visão estereotipada deste conhecimento, como um amontoado de conceitos dispersos, desconexos e sem aplicabilidade na vida real. Somado a isso, não podemos desconsiderar, no contexto de Ensino, a natureza do conhecimento biológico que apresenta o organismo

como seu principal objeto de estudo, assim como as suas diferentes formas de organização, das quais propriedades podem emergir fazendo-se necessário o entendimento da dinâmica complexa que os envolve. Como o objeto de estudo do conhecimento biológico é o organismo, entendemos que esse conceito deve ser o nível focal da organização da Biologia. Assim, como foi explicitado, adotamos nas discussões do grupo três níveis de organização biológica [ecológico (ambiente externo) [orgânico (organismo) [genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o conceito de organismo como ponto focal. Durante o ano de 2007, os debates do grupo, apesar de abarcar os três níveis de complexidade propostos, teve seu foco de discussão no conceito de organismo e de vida. No ano de 2008, esse grupo acrescentou novas discussões teóricas, como o debate em torno do conceito de gene e de ecossistemas. No nível focal de organização do conhecimento biológico encontra-se o conceito de organismo. Este conceito foi trabalhado, principalmente, por meio da inserção de discussões teóricas advindas da Filoso a da Biologia, tais como a ideia de auto-organização, de emergência e pela percepção dos seres vivos como sistemas autônomos inseridos dentro de uma rede evolutiva e ecológica de relações. No nível superior da estrutura hierárquica proposta para nortear as discussões do grupo está o enfoque ecológico. O nível ecológico foi abordado no grupo por meio das discussões que englobam a interação entre os níveis de populações, comunidades, ecossistemas e biosfera sem, contudo fazer distinções fragmentadas e estanques desses tipos de organizações. Percebemos que no Ensino de Ecologia os diferentes níveis de organização dos seres vivos, muitas vezes, são apresentados de forma fragmentada, como conjuntos de organismos que se formam isoladamente uns dos outros, não permitindo ao aluno o entendimento da rede complexa pela qual esses sistemas se organizam, de forma interligada e interdependente. As características que só emergem devido à forma com que esses indivíduos se orientam são descon-sideradas como, por exemplo, àqueles que se organizam em comunidades. Pensamos então que

temas como interações ecológicas e sucessão ecológica, voltados principalmente para ecologia de comunidades, fossem pertinentes nas discussões do grupo. Quanto ao nível inferior ao focal, ou seja, o nível genético-molecular, o grupo tem problematizado o conceito clássico de gene, promovendo uma discussão sobre o caráter sistêmico do material genético dos organismos como uma rede de interações moleculares. Nesse nível hierárquico as alterações são orientadas por uma concepção sistêmica de gene, ou seja, o material genético não é mais considerado o fator que determina o organismo, mas sim aquele que delimita e potencializa os indivíduos por meio de uma rede de interações possibilitando a emergência de novas características nos níveis superiores. Tais discussões estão embasadas nas pesquisas atuais em genética molecular, as quais apresentam o gene como uma estrutura com complexos sistemas de interação.

Resultados preliminares

Apresentamos, a seguir, alguns pontos signi cativos das discussões ocorridas no grupo, enfocando as diferentes concepções e compreensões dos participantes acerca da proposta estruturada e apresentada para o entendimento do conhecimento biológico. Para melhor caracterizar o desenvolvimento dos encontros do grupo ao longo dos dois anos de atividades, apresentaremos os dados divididos pelas três questões já apresentadas nesse texto e que orientaram as atividades: 1) O que caracteriza a Biologia como área cientí ca especí ca?; 2) Quais são os conceitos centrais e uni cadores do conhecimento biológico? e; 3) Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino de Biologia? Os dados apresentados abaixo foram organizados com base em gravações de reuniões e entrevistas aplicadas ao longo do desenvolvimento do grupo. Apresentamos alguns resultados preliminares. 1) O que caracteriza a Biologia como uma área cientí ca especí ca? No início das atividades anuais do grupo e ao longo de seu desenvolvimento os participantes entraram em contato com textos introdutórios da Epistemologia da Biologia e, posteriormente, com discussões especí cas de cada nível hierárquico. Utilizamos as referências que foram brevemente apresentadas no início desse texto. Ao longo das atividades a visão dos alunos sobre a Biologia sofreu modi cações. Percebemos que os alunos desenvolveram uma visão mais pautada nas concepções próprias dessa Ciência. Para ilustrar essas mudanças vamos apresentar as considerações dos integrantes do grupo sobre o papel das interações entre os diferentes níveis de organização nos fenômenos biológicos. Na Tabela 1 estão as considerações

coletadas no primeiro dia do grupo e no sétimo encontro. Destes dados foram estabelecidas três categorias: 1. Categoria A: interação modi cando o meio. Nessa categoria, a intera-ção é tida como uma ação do organismo sobre o meio, sem que os níveis internos do organismo e os níveis externos sejam considerados; 2. Categoria B: interação modi cando o organismo. Nessa categoria, as interações dos níveis internos do organismo agem de forma a modi cá-lo, sem que os níveis externos sejam considerados; 3. Categoria C: fenômenos biológicos como uma rede de interações entre os diferentes níveis, nos quais todas as partes constituintes têm a possibilidade de interferir e sofrer interferência de outros níveis.

Tabela 1 – Quantidade de considerações que remetem a cada categoria sem que seja identi cada a consideração de cada membro do grupo.

Percebemos que no início das atividades do grupo os participantes tendiam a apresentar explicações mais reducionistas para os fenômenos biológicos, como evidencia a Tabela 1. Na primeira coluna (Primeiro encontro) quando questionados sobre fenômenos biológicos a maioria das considerações tinham um dos níveis hierárquicos como base. As falas abaixo exempli cam, respectivamente, uma consideração sobre interação que o organismo modi ca o meio: A11: interação é quando o organismo interage com o meio.

Uma consideração sobre o meio interno modi cando o organismo: A11: ele está em um processo, ele se modi ca. A10: mas como que ele está se modi cando? A11: por processos bioquímicos, que faz com que ele mude. As discussões tornaram-se mais aprofundadas em reconhecer os fenômenos biológicos por meio das interações entre os diferentes níveis de organização, como podemos ver em uma consideração feita por um participante do grupo no sétimo encontro: Pesquisador 2: e como poderíamos pensar o desenvolvimento de um organismo? A08: acho que seria importante que se compreendesse a história dessa espécie, as interações que ocorreram para modi car a espécie […] com o ambiente, as mudanças genéticas […] e também as interações do próprio organismo. Assim, por meio de análise dos encontros, inferimos que a visão sistêmica dos fenômenos biológicos, ou seja, compreender que esses fenômenos ocorrem por meio de interações entre os níveis passou a fazer parte do discurso dos participantes. 2) Quais são os conceitos centrais e uni cadores do conhecimento biológico? Após as atividades iniciais do grupo, nas quais textos introdutórios sobre Epistemologia da Biologia foram discutidos, as atividades seguiram para um dos três níveis hierárquicos propostos como base de discussão no grupo. Após as discussões especí cas de cada um dos níveis, consideramos que o grupo chegou a uma compreensão de que os conceitos básicos que integram os fenômenos biológicos são: o caráter evolutivo e ecológico desses fenômenos. As categorias abaixo apresentam as considerações do grupo em relação à proposta de estruturar o estudo do conhecimento biológico pelos três níveis hierárquicos: ecossistêmico, organísmico e genético-molecular.

1. Categoria A: entendem que faltam níveis intermediários na representação da proposta; 2. Categoria B: entendem que a proposta restringe outras possibilidades de estruturação; 3. Categoria C: entendem a importância de estudar as relações entre os organismos por meio de conceitos estruturantes. Tabela 2 – Quantidades de considerações em cada categoria

Podemos perceber que os participantes do grupo consideram importante a estrutura proposta para a discussão do conhecimento biológico, entretanto, ainda percebemos que a estrutura não possibilita a todos os membros do grupo uma visão sistêmica dos processos biológicos. Ao propormos um modelo com os níveis de ambiente interno, organismo e ambiente externo estruturando as discussões, não incluímos os outros níveis como foi apontado por dois participantes. Percebemos que, mesmo ao longo das atividades, ainda existe uma tendência dos participantes a se manter em uma visão fragmentada, restringindo a percepção sistêmica do conhecimento biológico. A proposta tem como organização estrutural possibilitar o desenvolvimento de um pensamento sobre os fenômenos biológicos por meio de uma visão integrada dos diferentes níveis. Compreender fenômenos biológicos signi ca compreender a história evolutiva e ecológica de um ou mais sistemas (material genético, células, organismos, comunidades, ecossistemas etc.) bem como os processos pelos quais esses sistemas interagiram e interagem e que os caracteriza tal como são. 3) Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino de Biologia?

Ao apontarmos no início desse texto como um dos problemas do Ensino de Biologia a forma fragmentada como essa Ciência é ensinada na escola, não tínhamos e nem temos a pretensão de propor um novo modelo de Ensino, mas fazer apontamentos que possibilitem ao professor desenvolver nos alunos um pensamento pautado na lógica da Biologia. Sabemos que ao propor uma abordagem triádica para a organização do conhecimento biológico poderíamos também estar fragmen-tando tal conhecimento. Desta forma, como essa proposta pode trazer contribuições para a formação de professores e, consequentemente, para o Ensino de Biologia? Organizar o conhecimento biológico a partir de ideias centrais, como muitas vezes encontramos no ambiente da escola faz-se necessário, de certa forma, para o desenvolvimento das atividades escolares, uma vez que a Biologia aborda uma grande quantidade de conceitos, tais como os que se referem ao corpo humano, a outros animais e aos vegetais. Tendo como proposta simplesmente o sistema triádico, estaríamos apenas realizando outro tipo de fragmentação no Ensino. Entretanto, o que torna essa proposta diferenciada são as discussões sobre o conhecimento biológico, permitindo entender os fenômenos pelo seu caráter sistêmico, ou seja, integrativo com a história evolutiva e ecológica, no qual se incorpora o tempo e o espaço na análise dos fenômenos. Nos debates realizados pelo grupo, alguns participantes (que já exercem atividades de docência) apontam como essas discussões mudaram sua forma de pensar e também de organizar as aulas. Os pontos levantados foram organizados em três categorias: 1. Categoria A: entendem a relevância das discussões do grupo apresentando os conceitos de maneira a mostrar o papel das interações em determinada característica de um sistema; 2. Categoria B: entendem a in uência do grupo na orientação de elaboração de aulas com um pensamento próprio da Biologia; 3. Categoria C: entendem a importância das discussões epistemológicas terem sido aprofundadas por textos de pesquisa recentes em Biologia, o que

possibilitou compreender de maneira mais clara como essa Ciência se constitui. Tabela 3 – Considerações dos participantes do grupo sobre a in uência das atividades para a formação de professores.

Esses dados apontam que as atividade do grupo já re etem nas práticas escolares, pois essas considerações foram feitas por participantes que exercem atividades em escolas (como professores ou como pesquisadores) contemplado, desta forma, um dos objetivos do grupo que contribui para o Ensino de Biologia.

Considerações nais

Entendemos que a apresentação do conhecimento biológico pautado em um sistema triádico de hierarquia pode ser uma proposta didática para discutir os conceitos referentes à Biologia de maneira mais integrada. A noção de interação – fenômeno presente nos e entre os diferentes níveis de organização dos seres vivos abordados pela Biologia – evidencia-se como conceito central para a integração dos diferentes níveis de organização biológica abordados no Ensino. Se o conhecimento biológico apresenta uma ampla gama de conceitos que muitas vezes não é viável nem possível de ser abordada conjuntamente, principalmente quando nos referimos aos diferentes níveis de Ensino, é necessário que se articule uma metodologia na qual tais conceitos possam ser entendidos de maneira mais sistêmica. A partir das experiências compartilhadas no grupo de pesquisa, foi possível perceber que a ideia de interação perpassa por todos os conceitos biológicos e se evidencia como principal articuladora dos mesmos. O desenvolvimento de uma proposta triádica de Ensino e pesquisa no grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia por meio de discussão de temas como auto-organização, emergência e sistemas complexos permitiu aos participantes do grupo um olhar diferenciado para o conhecimento biológico e seus fundamentos. Inferimos que a tais participantes é oferecida uma oportunidade de confronto de opiniões sobre a natureza do conhecimento em Biologia, objetivando desenvolver um olhar investigativo e crítico sobre as disciplinas que o compõe, permitindo-lhes uma visão integrada do todo complexo no qual a disciplina está inserida. Para melhor exempli car como esses conceitos são signi cativos para a Epistemologia da Biologia e como englobam outras questões também importantes para a compreensão dessa Ciência apresentamos, de forma breve, considerações sobre cada um dos níveis hierárquicos.

O nível genético-molecular, – inferior ao organismo (focal) –, e que está presente em todos os sistemas vivos, deixa de ser considerado determinador das características do sistema. O material genético carrega grande parte das informações hereditárias das espécies, ou seja, a sua história evolutiva. Entretanto, entender como esse material genético possibilita o desenvolvimento das características dos organismos signi ca compreender que ele está dentro de uma rede de interações sistêmica, ou seja, que existem processos de interação com outros sistemas (organelas, células, ambiente externo etc.). Com as pesquisas atuais em Biologia, sabemos que o material genético sofre interferência direta do ambiente. Este, tem o papel voltado tanto para o desenvolvimento dos indivíduos (animais, vegetais, bactérias etc.) quanto para a emergência de novas características que serão transmitidas aos descendentes. No que concerne ao nível ecológico abordamos principalmente os níveis de organizações de seres vivos compreendidos desde o indivíduo até os ecossistemas e biosfera. Enfatizamos, tendo como base a Ciência Ecologia, o conceito de interação, que ocorre tanto entre indivíduos de mesma espécie, quanto entre indivíduos de espécies diferentes e destes com o ambiente. É válido ressaltar que ambiente de um organismo, assim como evidenciou Begon et al. (2007), consiste em um conjunto de in uências externas exercidas sobre ele, as quais são representadas por fatores e fenômenos que podem ser físicos e químicos (abióticos) ou mesmo outros organismos (bióticos). Isso posto, ao abordarmos o nível ecológico enfatizamos a relação entre os seres vivos e seus ambientes, em uma relação evolutiva, lembrando que por meio da seleção natural, os organismos se ajustam aos seus ambientes por serem “os mais aptos entre os disponíveis”, ou “os mais aptos até o momento”, pois eles não são “os melhores imagináveis” (BEGON et al., 2007, p. 29). Por meio da descrição hierárquica do conhecimento biológico, considerase o ser vivo como ponto central da discussão, assumindo sua unidade e autonomia por meio das relações engendradas pelos seguintes níveis: [ambiente externo (ecológico/evolutivo) [organismo [ambiente interno (genético/molecular)]]]. O organismo compreendido como nível focal da

discussão biológica ressalta a autonomia da Biologia em relação às outras áreas do conhecimento cientí co, enfatizando-a como uma Ciência do organismo. A relação entre níveis pode ser modi cada ao longo do tempo, portanto, a ideia de interação entre ambiente externo, organismo e ambiente interno pressupõe a ação modi cadora constante de um nível em relação ao outro. Assim, o organismo não é só modi cado pelo meio, mas também é por ele transformado. O organismo, nessa perspectiva, não pode mais ser visto como um ente passivo construído pelo encontro da determinação genética e a seleção natural. O organismo age e se determina em sua relação com o meio, tendo em sua organização as marcas dessa interação constante.

1 © Projeto

nanciado pelo CNPq.

2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP, bolsista CAPES; ([email protected]). 3 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP, bolsista BIOTA-FAPESP; ([email protected]). 4 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 5 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 6 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). . 7 Sobre a formação do grupo de Pesquisas em Epistemologia da Biologia, veri car atas do VI ENPEC – 2007. 8 HULL, D. L. Philosophy of biological science. Englewood Cliff s, Nova Jersey, Prentice-Hall, 1974. RUSE, M.  e philosophy of biology. Londres, Hutchinson, 1973. SOBER, E. Philosophy of biology. Boulder, Colorado, West View Press, 1993.

9 Entende-se como aqueles fenômenos que ocorrem em um “mundo” intermediário entre o microcosmo (que engloba os átomos, partículas elementares e suas combinações) e o macrocosmo (que engloba as galáxias e dimensões cósmicas). 10 Segundo a teoria do Design Inteligente, os fenômenos que ocorrem no mundo e, entre eles, os fenômenos biológicos, ocorreriam determinados por um Designer Supernatural (MANSON, 2003), argumento contrário ao do papel do acaso apresentado por Mayr (2005) e aceito por nós.

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A interdisciplinaridade na educação em Ciências:

professores de Ensino Médio em formação e em exercício aís Gimenez da Silva Augusto1 Ana Maria de Andrade Caldeira2

Introdução

A área de Ciências da Natureza, no Ensino Médio, é composta pelas disciplinas de Biologia, Física e Química. Na Rede Pública Estadual de Ensino, destinam-se, geralmente, duas aulas semanais para cada uma dessas disciplinas, tempo insu ciente para desenvolver um conteúdo extenso e complexo, tendo em vista habilidades e competências para as quais os alunos deveriam ser formados ao nal do Ensino Médio. A tradicional abordagem disciplinar baseia-se no “paradigma cartesiano ou analítico”. Esta parte do princípio que, quando se tem um grande problema a ser resolvido, deve-se dividi-lo em partes ou em problemas menores. A soma da resolução dos pequenos problemas (partes) resulta na solução do problema como um todo. De acordo com essa visão, o saber ensinado nas escolas também foi compartimentado em disciplinas (ARGUELLO, 1996). Buscando superar a fragmentação do conhecimento, na área de Ciências da Natureza, têm surgido diferentes propostas de trabalho que “dão contexto aos conteúdos e permitem uma abordagem das disciplinas cientí cas de modo inter-relacionado” (PCN, 1998, p. 27). Essas propostas são denominadas interdisciplinares. A Resolução CNE/98 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais propõe que o ensino das Ciências Naturais (Física, Química e Biologia) envolva o caráter interdisciplinar sem deixar de considerar as especi cidades presentes em cada uma das áreas de conhecimento cientí co. Essa Resolução aponta o caminho da interdisciplinaridade e o da contextualização para que os sistemas de ensino possam adequar os conteúdos cientí cos às necessidades dos alunos e as do meio social. A interdisciplinaridade, “palavra-chave” nas discussões atuais sobre Educação, pretende uma abordagem sistêmica do conteúdo, focalizando as interações entre as partes (Machado, 2000; Arguello, 1996). Essa abordagem possibilita a visão global do tema, evitando excessiva fragmentação dos

conhecimentos. Portanto, a interdisciplinaridade é “uma intercomunicação efetiva entre as disciplinas, por meio da xação de um objeto comum diante do qual os objetos particulares de cada uma delas constituem subobjetos” (MACHADO, 2000, p. 193). Segundo Klein (2001), pesquisadora norte-americana, os Estados Unidos é, ao ponto de ser denominado “o eldorado dos estudos interdisciplinares”, o país onde existe a maior quantidade de estudos a respeito de práticas interdisciplinares. Os defensores da educação interdisciplinar norte-americana argumentam que os alunos e alunas submetidos a essa instrução “estão mais motivados, mais capazes de lidar com questões e problemas complexos, e mais engajados em pensamentos de nível mais alto” (KLEIN, 2001, p. 118): Eles aprendem a ver conexões e a lidar com a contradição. Mostram mais criatividade e atenção, e até mesmo, quem sabe, melhor assimilação em virtude das múltiplas conexões, além de ganhar perspectiva em relação às disciplinas (KLEIN, 2001, p. 118).

Gardner (1999) a rmou que é necessário que o aluno tenha domínio de algumas disciplinas para estar apto a trabalhar interdisciplinarmente. Libâneo (2000) concordou com essa visão; a rmando que a disciplinaridade é um passo necessário à interdisciplinaridade. Logo, o Ensino Médio é o nível da Educação Básica propício à prática interdisciplinar, considerando que os (as) estudantes já têm um certo conhecimento das disciplinas provenientes do Ensino Fundamental. Segundo Fazenda (2002, p. 23), o movimento interdisciplinar na educação “é mais atual do que nunca”. A interdisciplinaridade vem se popularizando nas escolas brasileiras, apoiada, porém, em práticas intuitivas, sem o aporte teórico necessário. O número de projetos educacionais que se intitulam interdisciplinares vem aumentando no Brasil numa progressão geométrica, seja em instituições públicas ou privadas, em nível de escola ou de sistema de ensino. Surgem da intuição ou da moda, sem lei, sem regras, sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura provisoriamente difundida (FAZENDA, 2002, p. 34).

Fazenda (2002) ressaltou que os professores e professoras não foram preparados nas universidades para trabalhar interdisciplinarmente, pelo contrário, foram formados no paradigma cartesiano e sentem-se inseguros frente à nova tarefa de integrar as disciplinas. Para Morin, as reformas educacionais devem ser originadas dos próprios professores: “trata-se de um trabalho que deve partir do universo docente, o que comporta evidentemente a formação de formadores e autoeducação dos educadores” (MORIN, 2002, p. 35). Por essas razões, decidimos investigar como os professores de Ensino Médio, da área de Ciências da Natureza, concebem e estrutu-ram a prática pedagógica interdisciplinar, no curso de formação em serviço, denominado Pró-Ciências; e, também, quais os pressupostos para a construção de projetos interdisciplinares no Ensino Médio. O conceito de Efeito Estufa foi o tema escolhido por ser entendido como um possível eixo articulador entre os saberes das áreas de atuação dos docentes em questão. Em Biologia, este tema geralmente é abordado como um fator ambiental quando se ensina Ecologia, contudo sua compreensão requer o entendimento de conceitos de Física e Química como os gases-estufa e calor. O tratamento dos conteúdos dessas três disciplinas de forma integrada possibilita um ensino contextualizado e, portanto, mais signi cativo.

O Projeto Pró-Ciências

O Programa de Apoio ao Aperfeiçoamento de Professores de Ensino Médio em Matemática e Ciências, conhecido como Pró-Ciências, foi nanciado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pela Secretaria Nacional de Ensino e Tecnologia do Ministério da Educação (Semtec/MEC), e objetivava a aproximação entre as escolas da rede pública de ensino e as universidades, a m de ligar a pesquisa produzida nestas à prática no Ensino Médio. O projeto Pró-Ciências – desenvolvido na Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Bauru – teve como tema principal “Conceito de Energia: Física, Química e Biologia – uma visão interdisciplinar”. O referido projeto, que envolveu professores das disciplinas de Física, Química e Biologia do Ensino Médio das escolas públicas estaduais, teve início em agosto de 2002 e encerrou em dezembro do mesmo ano. Esse projeto objetivou promover a melhoria no ensino das Ciências Naturais e suas tecnologias em nível médio pela articulação do binômio ensino e pesquisa, tendo como referencial teórico a História e Filoso a da Ciência e utilizando a Informática como recurso didático na construção das atividades de caráter interdisciplinar. Foram selecionados 34 professores das Diretorias de Ensino de Lins e Marília que iam todos os sábados até o campus de Bauru e reuniam-se das 8h às 17h. Desses, seis desistiram ao longo do processo. Dessa forma, somente 28 professores concluíram todas as etapas. Na proposta inicial, os docentes seriam igualmente selecionados entre licenciados em Física, Química e Biologia. Na seleção dos participantes, as Diretorias Regionais não respeitaram essa proporcionalidade necessária para um melhor desenvolvimento de um projeto interdisciplinar, pois muitos professores não eram portadores de diplomas especí cos para as disciplinas que ministravam. A Tabela 1 apresenta a seguinte constituição.

Tabela 1 – Formação superior dos professores-alunos que participaram do projeto Pró-Ciências.

Os professores-alunos tiveram aulas de fundamentação teóricometodológica, além dos respectivos conteúdos de Física, Química e Biologia relacionados ao conceito de energia. Essas aulas foram ministradas por docentes dos Departamentos de Física e Educação da Faculdade de Ciências. Após terem cursado as disciplinas, os professores-alunos foram divididos em quatro grupos que deveriam, obrigatoriamente, ser formados por docentes das três disciplinas (Física, Química e Biologia) que o projeto contemplava. Dentro deste tema mais amplo (Conceito de Energia), os professores-alunos escolheram temas mais especí cos sobre os quais procuraram desenvolver atividades interdisciplinares para serem aplicadas na sala de aula e publicadas na página do Pró-Ciências na Internet: wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie. O tema “Efeito Estufa” foi proposto, por ser objeto da presente pesquisa, mas a escolha dos temas cava a critério dos grupos. Dentre os itens escolhidos, dois grupos optaram por Efeito Estufa, enquanto os outros dois escolheram como temas “A camada de Ozônio” e “Produção de energia elétrica e o impacto ambiental”. No decorrer do projeto Pró-Ciência, a Secretaria de Estado da Educação diminuiu o número total de horas previstas de 220 para 120 horas. Sendo assim, o Pró-Ciências, originalmente previsto para acabar no mês de janeiro, terminou em dezembro. Para suprir essa diminuição das horas, os professoresalunos realizaram parte das atividades em casa e as apresentaram nos últimos sábados destinados ao projeto. Ao nal, o curso totalizou 184 horas, divididas entre as desenvolvidas na Unesp e nas escolas em que os professores-alunos lecionavam. A carga horária cou distribuída da seguinte forma: 108 horas

referentes às disciplinas; 72 horas para o desenvolvimento de atividades didáticas; 4 horas para a apresentação de seminário do projeto nal desenvolvido pelos professores-alunos.

Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade

Na primeira aula do projeto Pró-Ciências, investigamos quais eram as concepções dos professores-alunos sobre o conceito de interdisciplinaridade, por meio de questionários dissertativos. A Tabela 2 resume as concepções desses professores3 a respeito do conceito de interdisciplinaridade. A necessidade de envolvimento entre as diferentes disciplinas ou áreas do conhecimento para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar é quase um consenso entre os professores-alunos entrevistados, já que 96,4% mencionou esse aspecto como um dos pilares mais claros e importantes para a formação do conceito de interdisciplinaridade. Embora atividades colaborativas, isto é, que envolvam dois ou mais docentes, sejam ideais, um trabalho interdisciplinar também pode ser implementado por um único educador disposto a integrar conteúdos de outras disciplinas com os de sua área. A maioria dos professores-alunos entrevistados (67,8%) também apontou a importância de se ter um tema amplo uni cador das disciplinas, ou de colocá-lo em uma posição supradisciplinar. De fato, o tema a ser estudado deve estar acima das disciplinas e, ao mesmo tempo, pertencer a cada área dos saberes que o compõe. A maneira como esse tema será abordado é de extrema importância nesse tipo de trabalho. Para Machado (2000), a escolha de um tema pelo qual “bor-boletearão” as diferentes disciplinas ou a tentativa de trabalho em grupo por docentes apegados aos seus pontos de vista e aos seus objetos de estudo são os tipos de projetos que os professores geralmente denominam interdisciplinares, mas que, na realidade, não o são. Essa concepção que o autor nos advertiu pode ser detectada como presente na maioria das respostas analisadas. O termo “projeto” é utilizado por 17,8% dos professores-alunos entrevistados, como disposto na categoria 3. Segundo Machado (2000, p. 2), “etimologicamente, a palavra projeto deriva do latim projectus […],

signi cando algo como um jato lançado para frente.” O autor ainda apontou três características fundamentais do conceito de projeto: “a referência ao futuro, a abertura para o novo e o caráter indelegável da ação projetada” (MACHADO, 2000, p. 5). Os projetos são inerentes às ações pedagógicas já que, segundo o autor (MACHADO, 2000, p. 20), “a palavra educação sempre teve seu signi cado associado à ação de conduzir a nalidades social-mente pre guradas, o que pressupõe a existência e a partilha de projetos coletivos.” Portanto, um projeto é de grande importância para o início de um trabalho interdisciplinar bem-sucedido. Tabela 2 – Concepções de professores de Ensino Médio participantes do projeto Pró-Ciências, que lecionam as disciplinas Física, Química e Biologia, sobre o conceito de interdisciplinaridade.

Percebe-se que as concepções, indicadas na categoria 2, asse-melham-se àquelas apontadas na categoria 4. Tratam-se de entendimentos de que é necessário um “nó” capaz de fazer a articulação das disciplinas em questão. Estariam esses professores em uma fase intermediária do entendimento do conceito de interdisciplinaridade? As respostas dos docentes, agrupados na categoria 6, diferem das outras porque procuram de nir o termo interdisciplinaridade sem se restringir ao campo educacional, ao se valerem de de nições generalistas como: “integração/interação entre diversas áreas do conhecimento”. As concepções apresentadas nas categorias 5 e 7, re etem a falta de conceituação teórica sobre o tema e demonstram carência de re exões mais

aprofundadas sobre o conceito de interdisciplinaridade. A seguir, faz-se a análise das respostas dos professores-alunos entrevistados, em relação à questão: Você normalmente ensina os conceitos relativos ao Efeito Estufa? De que forma? Todos os professores-alunos entrevistados responderam a rmativamente a essa questão. Na Tabela 3 estão agrupadas as formas utilizadas por eles para ensinar o tema. A Categoria 1 compreende as respostas da grande maioria dos professoresalunos entrevistados (85,7%) que a rmaram utilizar textos de revistas, jornais ou exemplos do cotidiano (“comparações com a estufa de plantas” ou “com o carro fechado sob o sol”) para abordar o tema Efeito Estufa em suas aulas. Devido à ameaça de ocorrer um aquecimento global em decorrência do aumento do fenômeno e das tentativas de algumas nações em rmarem acordos internacionais para contê-lo, esse tema aparece constantemente na mídia, e isso pode ser usado como motivador ou “ilustração” para que esse tópico seja abordado na sala de aula. Vale ressaltar que, frequentemente, jornais e revistas trazem artigos alarmantes ou catastró cos a respeito do tema e cabe ao professor auxiliar os alunos na leitura crítica desses textos. Tabela 3 – Métodos utilizados por professores de Ensino Médio, da área de Ciências da Natureza, participantes do projeto Pró-Ciências, para ensinar o tema Efeito Estufa.

Três dos professores-alunos, que a rmaram trabalhar com textos de revistas e jornais (Categoria 1), disseram que após a leitura dos mesmos, propõem aos alunos re exões e debates sobre o tema. Na categoria 2 estão agrupadas as respostas dos professores-alunos que a rmam utilizar recursos como ilustrações, desenhos, cartazes ou lmes para ensinar esse tópico. Imagens ou esquemas podem tornar mais fácil a compreensão do fenômeno. A Categoria 3 engloba as respostas dos docentes que ensinam o tema por meio de aulas teórico-expositivas. Um deles disse que utiliza recursos como transparências para retroprojetor ao ministrar suas aulas. Os docentes que tiveram suas respostas reunidas na Categoria 4, a rmaram que explicam o tema Efeito Estufa atrelado a outros conteúdos como a questão ambiental e a ação antrópica no ambiente (no caso dos professores de Física e Biologia), ligações químicas e termoquímica (no caso dos professores de Química). Já a Categoria 5, reúne os professores que utilizam o livro didático para ensinar o tema. Na Categoria 6, reúnem-se as outras respostas ou metodologias utilizadas que aparecem uma única vez, isto é, são praticadas por apenas um dos

professores entrevistados. São elas: “a partir das concepções prévias dos alunos”, “por meio de experimentos”, “mostrando os interesses socioeconômicos e políticos”, “incentivando observações para que o aluno compreenda o que pode causar as alterações da temperatura na vida do planeta”, “por meio de questionário”, “todo e qualquer recurso ajuda”. Sobre essas respostas pode-se fazer algumas considerações: em relação ao desvelamento das concepções prévias dos alunos, ressalta-se que isto é apenas o ponto de partida para o desenvolvimento do tópico de estudo, portanto o professor respondente não apresentou o método que costuma utilizar para desenvolver o tema. A a rmação de dois dos docentes (que utilizam experimentos ou observação das alterações causadas pelo fenômeno) parecem equivocadas, pois não há experimentos simples, realizáveis na escola, que possam reproduzir o Efeito Estufa e as alterações causadas pelo fenômeno. Se essas estiverem ocor-rendo, só serão observadas a longo prazo por cientistas que fazem medições e observações durante décadas. Nenhum dos docentes entrevistados apontou a utilização de projetos interdisciplinares ou a integração com outras disciplinas para abordar o tema. Na Tabela 4, foram categorizadas as respostas dos professores-alunos para a questão: Acha que é possível trabalhar um conceito como, por exemplo, o Efeito Estufa de forma interdisciplinar entre professores e professoras de Ensino Médio? Como? Todos os docentes entrevistados responderam a rmativamente a esta questão. A Tabela 4 apresenta a análise das concepções iniciais dos professoresalunos em relação às estratégias de ensino para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar entre a Física, a Química e a Biologia, utilizando o conteúdo Efeito Estufa como tema. Tabela 4 – Concepções de docentes de Ensino Médio, das disciplinas Biologia, Física e Química, sobre como trabalhar um conceito, como o Efeito Estufa, de forma interdisciplinar.

A Categoria 1, que compreende uma concepção comum à grande maioria dos docentes entrevistados (90%), explicita o conceito que os professores têm a respeito do trabalho interdisciplinar, por exemplo, como uma mesa de negociações na ONU formada por vários países, em que cada um defende seus pontos de vista, como a rma Morin (2002). Na verdade, este tipo de trabalho em que há um tema comum a várias disciplinas, mas, que cada uma delas desenvolve a faceta do tema que está vinculada ao seu programa de ensino, utilizando linguagens, métodos e teoria próprios da disciplina, é denominado multidisciplinar, e não interdisciplinar, pois as barreiras disciplinares se tornam ainda mais nítidas, ao invés de serem enfra-quecidas. O multidisciplinar consiste em várias disciplinas desenvolvendo um mesmo tema, mas sem uma integração efetiva entre elas (MORIN, 2002). Vejamos a resposta de um dos professores-alunos entrevistados: Cada um direcionando para a sua área. A Química trabalha causas, efeitos e consequências (do Efeito Estufa); a Biologia, a interferência no meio; a Física, a atmosfera; a Geogra a, as áreas de ocorrência; História, fatos ocorridos no

mundo; Português, análise de textos, redação; Matemática, dados estatísticos, análise de grá cos e Artes, cartazes informativos.

Geralmente, os professores entrevistados destacam o papel de sua disciplina como o “elo interdisciplinar” entre todas as outras. Por exemplo, o professor-aluno, citado acima, leciona Química e atribui a esta o ensino das causas, efeitos e consequências do Efeito Estufa. As outras disciplinas teriam, então, um papel complementar. Como a rma Machado (2000, p. 17): O confrontamento de professores que não consentem em abandonar seus objetos e pontos de vista, […] pode ser a caracterização mais frequente, ainda que simpli cada, das tentativas de implementação de ações interdisciplinares, e isso parece claramente insu ciente.

A Categoria 2 abarca os docentes que indicaram metodologias para subsidiar o trabalho interdisciplinar, como: estimulando o aluno a pesquisar e a encontrar respostas, por meio de comparações históricas, utilizando, para tanto, textos transversais ou textos comuns. Como essas metodologias foram super cialmente descritas, torna-se difícil analisar se elas, de fato, possibilitariam o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares, ou se podem ou não potencializar uma ação genuinamente interdisciplinar, dependendo da concepção implícita de cada professor. As respostas dos professores, que estão incluídas nas Categorias 4 e 6, não satisfazem à questão formulada e, referem-se à importância do tema ou às di culdades em desenvolver tal trabalho, mas não explicitam como fariam a relação entre as matérias. Essa concepção pode ser re exo da falta de compreensão textual ou contextual, mesmo entre docentes, do termo interdisciplinaridade. Como já discutimos anteriormente, a ideia de projeto ou planejamento pedagógico, como descrito na Categoria 3, é de grande relevância para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar, assim como para outras ações pedagógicas empreendidas na escola. O diferencial dos projetos interdisciplinares é o envolvimento de educadores de diferentes disciplinas que vislumbrem a possibilidade de um trabalho em conjunto. Para Fazenda (2002,

p. 74), “[…] existe a necessidade de um projeto inicial que seja su cientemente detalhado, coerente e claro para que as pessoas nele envolvidas sintam o desejo de fazer parte dele”. Um dos pilares que sustentam o aparente consenso em torno da importância da implantação da interdisciplinaridade no ensino é a crença de que esta aproximaria os conteúdos escolares do cotidiano do aluno. Apesar de apenas 3,6% dos docentes entrevistados indicarem essa característica do trabalho interdisciplinar (Categoria 5), na maioria das vezes, os temas cotidianos têm caráter indisciplinar, isto é, não se esgotam em uma única disciplina. Assim, percebe-se que mesmo tendo concepções “em construção” sobre a interdisciplinaridade, alguns dos professores entrevistados ainda não sabem como inseri-las na prática, pois não conseguiram descrever metodologias claras para o desenvolvimento de um trabalho de caráter verdadeiramente interdisciplinar. Contudo, como a rmou Lück (1994, p. 79), mais signi cativo que veri car se uma tentativa de trabalho é ou não interdisciplinar ou classi cá-la em inter, poli ou multidisciplinar, “é importante, outrossim, identi car esforços, valorizá-los, e identi car as transformações alcançadas e orientar o alcance de novos níveis de visão interdisciplinar”. Na Tabela 5, a seguir, estão agrupadas as respostas dos docentes à seguinte questão: Na disciplina que você leciona, quais os conteúdos que compreende estarem relacionados com o tema Efeito Estufa? Tabela 5 – Conteúdos relacionados ao Efeito Estufa na disciplina que lecionam, apontados por professoras de Educação Básica, participantes do PróCiências.

Os docentes entrevistados citaram temas gerais sem especi car qual seria a relação pretendida entre eles e o tópico Efeito Estufa. Percebe-se que os professores-alunos optaram por abordar conceitos que tenham certeza de que estariam relacionados ao Efeito Estufa, evitando, assim, fazer indicações equivocadas. Em seus projetos interdisciplinares, produzidos ao nal do Pró-Ciências para ns de aplicação em sala de aula (wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie), os professores-alunos utilizaram apenas uma pequena parte desses conteúdos apontados, mas poderiam ter utilizado o tema para tratarem de todos os tópicos relacionados, desenvolvendo uma abordagem mais ampla do assunto.

Di culdades para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares na escola

Após terem discutido a prática interdisciplinar nas aulas do Pró-Ciências, os participantes do projeto foram questionados a respeito das di culdades para a realização de um trabalho dessa natureza. Pediu-se que eles respondessem quais seriam essas di culdades não só em relação aos docentes, mas também aos estudantes e aos conteúdos cientí cos. A Tabela 6 permite veri car as semelhanças apontadas em relação às três categorias anteriormente citadas. Tabela 6 – Di culdades para a realização de um trabalho interdisciplinar apontadas por professores de Ensino Médio da área de Ciências da Natureza, em relação aos conteúdos cientí cos, aos professores e aos alunos.

A maioria dos docentes entrevistados (59,1%) aponta as di culdades em pesquisar o tema como uma barreira para a prática interdisciplinar. A falta de tempo ou de acesso a fontes de pesquisa, como Internet ou livros relacionados ao assunto, os impedem de realizar esse tipo de trabalho. É compreensível que as condições de trabalho não sejam as mais adequadas, já que muitos professores têm uma carga de trabalho excessiva (Categoria 29, apontada por 36,4% dos entrevistados e entrevistadas) e são mal remunerados, por isso, provavelmente, não investem em livros ou outros recursos que os capacitariam. Daí a importância de projetos como o Pró-Ciências, que pretendeu preencher esta lacuna na formação de professores subsidiando-os com textos e pesquisas produzidas nas Universidades sobre temas atuais. As respostas agrupadas na linha 2 (Categorias 2, 15 e 37) asseme-lham-se às da Categoria 1: os professores entrevistados apontam a falta de material de apoio, espaço físico adequado e de recursos para a implantação de projetos interdisciplinares, além das salas de aulas superlotadas. O número elevado de alunos na sala de aula apresenta-se como uma di culdade real para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares, mas entende-se que esse não seja um obstáculo intransponível. Os docentes podem dividir os estudantes em grupos de forma a facilitar o trabalho.

A falta de recursos materiais ou espaço físico adequado, como sala de informática, biblioteca ou laboratório, apontada por 59% dos professoresalunos entrevistados (Categoria 15), é, sem dúvida, um elemento obstante para o trabalho docente com atividades interdisciplinares. Contudo, entende-se que na ausência de tais recursos, o professor pode planejar atividades que requeiram materiais mais simples ou que lhe estejam disponíveis. A Categoria 23 traz um problema comum a 81,8% dos docentes entrevistados: di culdades de relacionamento com a direção e/ou coordenação escolar. Os professores sentem-se intimidados pela administração que, muitas vezes, os proíbem ou di culta o uso de materiais, como videocassetes e laboratório de informática. Além disso, atividades que possam causar certa “indisciplina” por parte dos alunos não são bem aceitas pelos administrado-res escolares, de acordo com os docentes entrevistados. Segundo Severino (2001, p. 38), não há uma articulação nas escolas entre “as ações docentes, as atividades técnicas e as intervenções administrativas”, merecendo destaque “a hipertro a do administrativo sobre o pedagógico, com o estranho desenvolvimento de uma postura autoritária e autocrática no exercício do poder.” Ele a rma, ainda: “Nossa experiência cotidiana das relações no interior da escola comprova, mais uma vez, que à divisão técnica do trabalho se sobrepõe uma divisão social, fundada na distribuição desigual do poder”. Assim, desvia-se do objetivo escolar central que deveria ser o da aprendizagem ou o do âmbito pedagógico para um aparente sentido de ordem na escola, em que não há indisciplina, nem a possibilidade de que os materiais se deteriorem, a não ser pelo desuso e pela ação do tempo. A esses fatores soma-se a gura ausente do coordenador pedagógico (Categoria 23), que deveria ser o elo entre os docentes, coorde-nando as ações conjuntas, intermediando e subsidiando o trabalho dos professores. Vejamos a a rmação de um professor-aluno: “Não existe na escola um pro ssional capaz de coordenar e cobrar da equipe que o trabalho seja realizado.” E de outro: “O coordenador pedagógico di cilmente apoia o professor porque é desviado para

a função administrativa.” De acordo com Fazenda (2002), nem sempre o professor consegue fazer sozinho a leitura das limitações e possibilidades de sua prática. O coordenador pedagógico deveria, portanto, ajudá-lo nesse sentido. […] é fundamental o papel de um interlocutor que vá ajudando a pessoa a se perceber, que vá ampliando as possibilidades de leitura de sua prática docente e da prática docente de outros colegas. O papel de um supervisor ou de um coordenador pedagógico é fundamental nesse caso (FAZENDA, 2002, p. 72).

Talvez, a gura ausente do coordenador pedagógico seja um dos motivos para essa falta de interação entre os docentes nas escolas. Quando o coordenador pedagógico atua na sua função, isto é, na função pedagógica, algumas vezes, falta-lhe preparo para propor ações interdisciplinares (Categoria 27). Ele acaba impondo temas, aos quais todas as disciplinas devem se ajustar, o que, muitas vezes, não é possível e descaracteriza a disciplina e o trabalho interdisciplinar, tornando-o sem propósitos. A respeito disso, vale ressaltar que Trabalhar com esta nova loso a integradora signi ca transformar as salas de aula em lugares onde as questões surgem sem forçá-las, sem ter de recorrer a tarefas absurdas só porque esta ou aquela disciplina entra em ação […] um plano de trabalho integrador não pode ser forçado; não é aconselhável buscar em cada subtópico todos os blocos e áreas de conteúdo, tentando não deixar nada de fora (SANTOMÉ, 1998, p. 227 e 233).

Os professores-alunos entrevistados apontaram ainda o planejamento não estruturado e individualizado como um obstáculo ao trabalho interdisciplinar (Categoria 25). Segundo Lenoir (2001, p. 58), essa é uma das etapas necessárias à interdisciplinaridade e localiza-se no plano da interdisciplinaridade didática “que se caracteriza por suas dimensões conceituais e antecipativas, e trata da plani cação, da organização e da avaliação da intervenção educativa”. Outra di culdade apontada pelos professores é a falta de integração entre docentes e áreas de ensino (Categoria 3). A Categoria compreende uma di culdade comum a 81,8% dos professores-alunos entrevistados e refere-se, especi camente, ao relacionamento do corpo docente. A maioria dos entrevistados aponta a di culdade de trabalhar em grupo e a falta de

comprometimento dos colegas com o trabalho, que se re ete no grande número de faltas, como um obstáculo para a realização de atividades interdisciplinares. Isto se soma ao comodismo dos colegas ou o desânimo com a atual situação pro ssional. Fazenda (2002, p. 86), a rmou que “a interdisciplinaridade decorre mais do encontro entre indivíduos do que entre disciplinas”. Daí, a necessidade de um bom relacionamento entre docentes em uma escola e de um trabalho de equipe. Segundo Santomé (1998, p. 29), discorrendo sobre o trabalho interdisciplinar, “um corpo docente que pesquise e trabalhe em equipe é algo consubstancial a esse modelo de currículo”. A di culdade em trabalhos de grupo não é exclusiva dos docentes. Na Categoria 38, os professores apontam que a mesma di culdade é sentida pelos alunos, mas que não impede o desenvolvimento de práticas interdisciplinares. Entende-se, porém, que é uma habilidade desejável e que pode ser aprendida tanto pelos docentes, como pelos discentes. Santomé discorrendo sobre a necessidade de que os alunos tenham um papel ativo no desenvolvimento do projeto, a rmou: Essa é uma boa maneira de possibilitar que o grupo de estudantes dessa sala de aula assuma a responsabilidade pelo planejamento, organização e acompanhamento do plano de trabalho que se comprometa com a localização de fontes de informação para resolver os problemas que surgem, programar experiências, excursões, etc. Deste modo vão aprendendo também algo tão difícil como planejamento e trabalho em equipe (SANTOMÉ, 1998, p. 236).

Nessa mesma categoria (38), os docentes entrevistados a rmam que os alunos preferem o ensino tradicional e não recebem bem novas metodologias. Sobre isso, Santomé (1998, p. 206) argumentou que a escolha dos temas interdisciplinares deve ter a participação dos estudantes e partir de seus interesses “gerando novos interesses”. O desa o do professor é fazer o aluno sentir-se parte do projeto e comprometer-se com ele, a m de que seu aprendizado seja facilitado. Esse poderia, também, ser um caminho para o docente solucionar problemas como o comportamento inadequado dos educandos, a indisciplina, a agressividade e o desinteresse apontados nas Categorias 22 e 44. A maioria dos professores-alunos entrevistados (78,3%)

apontam o desinteresse dos estudantes como um obstáculo para as práticas interdisciplinares. Ainda de acordo com Santomé (1998, p. 229): Não existem interesses inatos, estes são consequência das situações experenciais nas quais as pessoas estão submersas. […] Isto signi ca que os interesses também podem ser gerados intencionalmente […] As unidades didáticas integradas devem ser interessantes para o grupo de alunos ao qual se destinam. Portanto, será preciso selecionar cuidadosamente os tópicos que sirvam como organizadores do trabalho na sala de aula e apresentá-los de maneira atraente. O papel do professor estimulador e acrescentador de novos interesses e necessidades nos estudantes é fundamental.

As Categorias 6 e 19 também se relacionam às anteriores e se referem à fala de 13,6% dos docentes, que indicam a necessidade de aproximar os conteúdos da realidade e dos interesses dos estudantes. Os autores que tratam da questão da interdisciplinaridade na escola, geralmente, apontam este aspecto como um dos benefícios a favorecer um tratamento interdisciplinar aos conteúdos. Os problemas complexos do cotidiano devem ser estudados como se apresentam na realidade, isto é, não devem ser compartimentados em disciplinas que tendem a tratar apenas aspectos desses temas relativos aos conteúdos de seu domínio. A Categoria 36 compreende as respostas de 43,5% dos docentes entrevistados que alegam terem os estudantes di culdades em pesquisar por faltar-lhes acesso a fontes de pesquisa ou porque trabalham (geralmente, os alunos do período noturno) e por isso não têm tempo para procurar por referenciais de pesquisa. O trabalho interdisciplinar não depende necessariamente de pesquisas extraclasse e, portanto, entende-se que esse não seja um grande impedimento para a realização de atividades dessa natureza. Se o projeto concebido pelos docentes depender de pesquisas bibliográ cas, estas podem ser feitas no horário das aulas, em uma visita à biblioteca municipal, caso a escola não disponha de biblioteca. O próprio professor pode levar material à sala de aula para que os alunos pesquisem ou ainda há a possibilidade de realizar pesquisas na Internet utilizando, quando disponível, a sala de informática da própria escola.

As Categorias 7 e 42 tratam da defasagem nos conteúdos. Os professoresalunos entrevistados a rmam que os estudantes desconhecem conteúdos que são pré-requisitos à aprendizagem de outros. Provavelmente, esse não seria um obstáculo para o trabalho interdisciplinar. Como a rmou Machado (2000), não existe uma necessidade real de linearidade em relação aos currículos escolares; na maioria das vezes, é possível aprender um conteúdo sem conhecer o seu “antecessor”. Ainda na Categoria 42, semelhante à Categoria 20, os docentes (43,3%) a rmam que as salas são muito heterogêneas e que o nível de aprendizagem entre os estudantes de uma mesma sala é desigual. O depoimento de uma das professoras-alunas é bem ilustrativo: “Os alunos têm todas as di culdades possíveis de aprendizado, há até alunos semianalfabetos”. A falta de amparo familiar, citada na Categoria 43, como um empe-cilho para a aprendizagem que ocorre na escola, poderia ser minimizada se o professor optasse por realizar a maior parte das atividades em sala de aula, recorrendo o mínimo possível a tarefas extraclasse. Entende-se que, se fora da escola os alunos não têm fontes de pesquisa bibliográ ca ou apoio familiar, convém que essas atividades não sejam incluídas no projeto e que se dê maior ênfase às práticas educacionais desenvolvidas na própria escola. Portanto, é importante que o professor conheça a realidade de seus alunos para planejar da melhor forma as atividades a serem desenvolvidas no projeto interdisciplinar. A Categoria 45 aborda a constatação docente de que os estudantes não conseguem relacionar os conteúdos das diferentes disciplinas ou os conteúdos aprendidos na escola à vivência cotidiana. Para Santomé (1998), sozinhos os alunos não são mesmo capazes de fazer essas correlações. É necessário que o professor faça a contextualização dos conteúdos e torne evidentes as relações entre as disciplinas. As práticas interdisciplinares possibilitam esse tratamento dos conteúdos. A experiência tem demonstrado que os alunos não transferem espontaneamente para o resto das matérias aquilo que aprendem em uma disciplina, nem o utilizam para enfrentar situações reais nas quais esse conhecimento torna-se mais preciso (SANTOMÉ, 1998, p.71).

Da mesma forma, o professor-aluno indicado, na Categoria 39, a rma que as concepções prévias dos alunos são um obstáculo ao aprendizado; desse modo mostra desconhecer as pesquisas sobre o tema que a rmam que essas concepções são comuns à maioria dos estudantes, devendo ser o professor o mediador que procurará promover a mudança conceitual (Bastos, 1998). Sobre o assunto, Santomé (1998, p. 187) a rmou que “algo consubstancial ao currículo integrado é que devem ser respeitados os conhecimentos prévios, as necessidades, os interesses e os ritmos de aprendizagem de cada estudante”. Nas Categorias 5, 18 e 40, os professores-alunos a rmam que a quantidade de aulas de Física, Química e Biologia é insu ciente para a realização de tais projetos. Vejamos a a rmação de uma das entrevistadas: “[…] sem falar que os conteúdos estão programados e não conseguimos trabalhar adequadamente com tão poucas aulas semanais. O que é que eu faço com somente uma aula de Biologia na primeira série do Ensino Médio?”. O trabalho interdisciplinar apresenta-se como uma possível solução para esse fato. As disciplinas poderiam trabalhar em conjunto com temas amplos de maneira que se aproveitasse melhor o tempo. Dois dos professores entrevistados falaram das di culdades em relação à distribuição de aulas no currículo que acaba por prejudicar algumas disciplinas (Categoria 18). Vejamos o argumento de um dos professores entrevistados quanto à necessidade de: “horários bem programados para as aulas visando a um melhor aproveitamento do conteúdo pelo aluno […], pois acho complicado para um adolescente ter aula de Química, Física, Biologia ou Matemática juntos na sexta-feira à noite.” Relatam que isso ocorre em função de a direção escolar privilegiar alguns professores em relação ao horário, nos cursos noturnos. Os docentes apontaram, ainda, a falta de avaliação do trabalho do professor para a valorização do bom trabalho como um fator que di culta a implantação de projetos interdisciplinares na escola (Categoria 26). A rmaram que não têm respaldo do sistema de ensino, sentem-se desvalorizados e desmotivados a buscar novas metodologias de ensino frente às condições de

trabalho que estão longe das ideais. Os que procuram melhorias, muitas vezes, não veem seu esforço reconhecido e são tingidos com as mesmas cores classi catórias com que foram rotuladas as escolas em que lecionam. Na Categoria 28, o professor entrevistado mostra-se consciente de que o principal compromisso da escola é em relação à aprendizagem, porém a rma que nem todos os colegas de trabalho compreendem isso. Para ele, faltam objetivos claros que norteiem as ações da equipe escolar. Na Categoria 14, grande parte dos professores-alunos entrevistados (77,3%) indica a falta de tempo para se reunir com os colegas, realizar leituras e planejar atividades interdisciplinares como um obstáculo à prática interdisciplinar nas escolas. No Estado de São Paulo, os docentes dispõem de Horas de Trabalhos Pedagógicos Coletivos (HTPC), que deveriam ser utilizadas para esse m. Contudo, as Categorias 4 e 17 apontam um possível motivo para muitos professores reclamarem da falta de tempo para a realização dessas atividades: as HTPC são, muitas vezes, mal utilizadas ou utilizadas para outro propósito. Vejamos a resposta de uma professora-aluna entrevistada: “HTPC não é um espaço para se trabalhar a interdisciplinaridade e sim para ouvir os ditos, ordens, resoluções e deliberações oriundas de instâncias superiores”. Na Categoria 4, os docentes entrevistados referem-se à carência de reuniões pedagógicas ou Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) para professores de Química, Física e Biologia. Geralmente, docentes com número reduzido de aulas no Ensino Médio não têm direito de participar das HTPC, o que, de fato, di culta a realização de um trabalho interdisciplinar, que depende da construção coletiva para ser planejado e executado com sucesso. Reivindicam reuniões entre docentes da mesma área para o planejamento de atividades em conjunto, pois os HTPC são destinados aos professores em geral. Outra queixa dos docentes relaciona-se à falta de pessoal de apoio nas escolas públicas, para digitar avaliações, fazer fotocópias, entre outras atividades. Isso faz com que o professor tenha que assumir essas funções,

tirando-lhe o tempo que poderia ser utilizado para a discussão e a elaboração do projeto interdisciplinar. A Categoria 11 reúne as respostas de 54,5% dos docentes entrevistados que a rmam desconhecer o conteúdo de outras disciplinas. Esta, realmente, é uma limitação para o trabalho interdisciplinar que precisa ser superada: a falta de uma cultura geral da maioria dos docentes, que geralmente desconhecem o conteúdo de outras disciplinas, já que as universidades oferecem uma formação muito especí ca. Diversos estudos têm mostrado que, muitas vezes, os professores possuem as mesmas concepções alternativas de seus alunos, isto é, não apresentam conceitos cientí cos sólidos (Trumper, Raviolo e Shnersch, 1999). Sobre o fazer interdisciplinar, Fazenda (2002, p. 78) a rmou: Aquele que se aventura a empreender esse caminho precisa, antes de mais nada, assumir um sério compromisso com a erudição; e com a erudição em múltiplas direções. Buscar o conhecimento, uma das atitudes básicas a serem desenvolvidas em quem pretende empreender um projeto interdisciplinar, só pode ser entendido no seu exercício efetivo.

Portanto, o primeiro passo para a construção de um trabalho de caráter interdisciplinar é o cultivo de um saber que transite pelas diversas disciplinas, isto é, de uma cultura geral ampla pelos docentes que pretendam desenvolver este trabalho. A Categoria 12 relaciona-se a 27,3% dos professores que apontam a di culdade de relacionar os conteúdos das diferentes disciplinas, provavelmente porque não consentem em abandonar seus programas e currículos disciplinares que são seguidos rigidamente. Realmente, integrar temas muito especí cos pode parecer bastante difícil, mas a prática interdisciplinar deve ser aplicada a assuntos amplos. A falta de compreensão efetiva do conceito de interdisciplinaridade pode ser a causa dessas concepções, que são um obstáculo para a sua implantação nas escolas.

Dos professores entrevistados, 13, 6% a rmaram que os conteúdos não são selecionados por eles, e que a “Secretaria da Educação impõe a proposta pedagógica e o professor apenas aplica sem discutir e questionar”. Esta a rmação de alguns dos docentes é discutível, pois sabe-se que há parâmetros a serem seguidos, mas o planejamento do conteúdo a ser ensinado é feito pelos professores na própria escola e os Parâmetros Curriculares Nacionais incentivam projetos interdisciplinares. A Categoria 8 relaciona-se à di culdade encontrada pelos professores em se manterem atualizados em função dos diversos motivos já citados, como falta de tempo e de recursos nanceiros para pesquisar, para a leitura de livros e revistas da área, acesso à Internet, en m, atualização por meio de fontes diversas. A Categoria 9, citada por um dos entrevistados, mostra que alguns dos docentes ouvidos consideram a má qualidade dos livros didáticos como um obstáculo à realização de práticas interdisciplinares. Isso é discutível, pois, os livros didáticos geralmente são escolhidos pelos próprios professores na rede pública estadual de ensino e existem livros de boa qualidade. Além disso, eles não devem ser a única fonte de consulta na preparação de aulas ou elaboração de projetos. A rotatividade de professores nas escolas (Categoria 24) também se apresenta como uma barreira à prática interdisciplinar e poderia ser solucionada com a efetivação de um maior número de pro ssionais, que trabalham sob contratação temporária, por meio de concurso público. O sistema de Progressão Continuada (Categoria 30) adotado nas escolas públicas estaduais (no Estado de São Paulo) é alvo constante das críticas dos professores-alunos entrevistados. Analisá-lo não é objetivo do presente estudo, contudo, os entrevistados não explicam, nos questionários respondidos, como esse sistema poderia in uenciar negativamente o desenvolvimento de práticas interdisciplinares.

Na Categoria 31, os entrevistados queixam-se que faltam cursos especí cos de capacitação e que quando ocorrem são inadequados. Além disso, os professores não podem frequentar cursos sem que se responsabilizem por suas faltas. O projeto Pró-Ciência é um exemplo contrário a essas a rmações. Além disso, entende-se que cursos de formação continuada podem ajudar e deveriam ocorrer com mais frequência e em melhores condições. Por exemplo, o projeto Pró-Ciências poderia ter sido realizado na cidade em que se localiza a Diretoria de Ensino a qual esses professores pertencem, evitando que os mesmos se deslo-cassem e acordassem tão cedo aos sábados após uma semana de trabalho. O cansaço foi uma reclamação recorrente durante o curso. Contudo, vale ressaltar que também cabe ao professor buscar o conhecimento, elaborar seus próprios projetos e re etir sobre sua prática. Ele não deve esperar que lhe forneçam atividades prontas, projetos formulados por outros que sejam aplicáveis a sua realidade. Mesmo porque os projetos devem estar em conformidade com o contexto ao qual pertencem os docentes, às suas práticas e ao grupo de estudantes especí co com o qual ele trabalhará. Um projeto pronto e acabado di cilmente poderá ser transferido com sucesso a outra situação, outra realidade. Machado (2000, p. 7) enfatizou que essa é uma das características fundamentais do projeto: “[…] um projeto é a antecipação de uma ação, envolvendo o novo em algum sentido, mas uma ação a ser realizada pelo sujeito que projeta, individual ou coletivamente. Em outras palavras: não se pode ter projetos pelo outro”. A Categoria 35 também trata dos projetos, porém com outro enfoque. O professor entrevistado indigna-se com o “excesso de projetos vindos de cima para baixo, com data e prazo para execução, sem levar em consideração a realidade local.” A causa deste fato, pode ser a falta de iniciativa do professor em propor seus próprios projetos ou de se organizar enquanto categoria pro ssional e se opor a estas imposições. Nas Categorias 32 e 33, os docentes entrevistados a rmam que não estão preparados para trabalhar interdisciplinarmente e que têm medo de sair do tradicional. O projeto Pró-Ciências foi uma tentativa de preencher essa lacuna

na formação desses educadores. Contudo, como a rmou Santomé (1998, p. 66): A interdisciplinaridade é um objetivo nunca completamente alcançado e por isso deve ser permanentemente buscado. Não é apenas uma proposta teórica, mas sobretudo uma prática. Sua perfectibilidade é realizada na prática; na medida em que são feitas experiências reais de trabalho em equipe, exercitam-se suas possibilidades, problemas e limitações.

Ainda na Categoria 33, os professores-alunos entrevistados indicam, como di culdades para a implantação de práticas interdisciplinares, a preocupação em cumprir os conteúdos pré-estabelecidos. Isto revela a concepção de que as práticas interdisciplinares devem abordar tópicos alheios aos previamente impostos e que esses não podem ser contemplados no projeto interdisciplinar que venham a desenvolver. Ao contrário, as práticas interdisciplinares devem ser planejadas de acordo com os conteúdos que se pretenda ensinar nas diferentes disciplinas; não é, portanto, necessário que os conteúdos considerados fundamentais sejam abandonados.

Trabalhos nais produzidos pelos professores-alunos

Ao nal do curso, os professores-alunos apresentaram os trabalhos que desenvolveram em grupos. Eles deveriam desenvolver um texto interdisciplinar sobre um tema de escolha e atividades para serem aplicadas em suas salas de aula. Entre os temas escolhidos, analisamos os trabalhos dos dois grupos que escolheram o tema Efeito Estufa e de outro grupo que escolheu o tema Camada de ozônio, contudo tratou também do Efeito Estufa em seu texto. Os textos na íntegra estão no site: wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie. A produção dos trabalhos nais foi prejudicada pela diminuição do tempo destinado ao curso pela Secretaria da Educação. Os trabalhos foram feitos às pressas e na maior parte do tempo fora da universidade, isto é, nas escolas ou nas casas dos professores. Por isso, os docentes responsáveis pelo PróCiências não puderam auxiliar constantemente os educadores na composição de seus projetos interdisciplinares. Por tudo isso, os trabalhos nais apresentam diversos problemas como: utilização de fontes de pesquisa pouco con áveis, cópias de trechos de páginas da internet, erros conceituais, trechos contraditórios, frases alarmistas típicas de revistas sensacionalistas e atividades propostas mais mnemônicas que re exivas, além de explicitarem uma visão positivista de Ciência. Os textos produzidos abarcam, de fato, várias matérias, contudo as metodologias e algumas atividades sugeridas denotam a não compreensão do conceito de interdisciplinaridade. Os professores-alunos, mesmo ao nal do curso, sugeriram atividades multidisciplinares, isto é, trabalhando as diferentes disciplinas mas sem uma integração efetiva entre elas.

Pró-Ciências: erros e acertos

Os dados analisados permitiram que chegássemos a algumas conclusões. A investigação das concepções prévias dos professores-alunos entrevistados revelou que: 1. Inicialmente, a maioria dos docentes compreendia alguns aspectos da interdisciplinaridade, mas ainda não tinha construído um conceito sólido sobre o tema; 2. A rmações como a necessidade de um projeto para a realização de atividades interdisciplinares, do envolvimento de várias disciplinas e de se ter um tema amplo a ser estudado são aspectos positivos encontrados nas concepções emergentes desses professores; 3. Havia, ainda, muitas lacunas e carências conceituais que precisavam ser supridas para a realização de projetos que fossem, de fato, interdisciplinares e que pudessem obter bons resultados; 4. Todos os docentes entrevistados a rmaram que já ministravam o tema Efeito Estufa em suas aulas, contudo não utilizavam de práticas interdisciplinares ou da integração com outras disciplinas. Foram unânimes na a rmativa de que é possível construir um trabalho interdisciplinar utilizando o tema Efeito Estufa, por exemplo; 5. Os métodos citados por eles para a implantação dessas práticas revelaram que, ainda, confundiam interdisciplinaridade com multidisciplinaridade e continuavam muito apegados à disciplina que lecionam, a qual consideravam aglutinadora ou centralizadora na implantação de temas interdisciplinares; não consentiam em abandonar-se rumo a um objetivo maior.

Após terem discutido a interdisciplinaridade no curso de formação continuada em questão, foram indagados sobre as di culdades para a realização de um trabalho interdisciplinar. As respostas obtidas nos levaram a concluir que: 1. Existem muitos obstáculos relativos aos conteúdos cientí cos que realmente di cultam a implantação da interdisciplinaridade nas escolas. Entre eles, os mais

citados pelos docentes entrevistados no presente estudo referem-se à falta: a) de tempo e acesso a fontes de pesquisa; b) de conhecimento em relação aos conteúdos de outras disciplinas, em consequência de uma formação muito especí ca nas universidades; c) de recursos ou de material de apoio que trate do tema e, d) a crença de que nem todos os conteúdos podem ser trabalhados interdisciplinarmente porque não estão relacionados; 2. Os docentes também apresentam di culdades em trabalhar coletivamente devido: a) à falta de tempo para se reunir com os colegas e preparar as aulas, já que as Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo, que deveriam ser utilizadas para este m, não são adequadamente aproveitadas; b) às di culdades no relacionamento com a direção e a coordenação da escola; c) à falta de “espírito de equipe” dos docentes; d) ao pouco comprometimento dos colegas com o trabalho que se re ete no excesso de faltas; e) à rotatividade de professores nas escolas; f ) à ausência de coordenação entre suas ações, já que o coordenador pedagógico é desviado para a função administrativa; entre outras, citadas com menor frequência. Salienta-se, ainda, que os docentes apresentam muitas desculpas para justi car a falta de atualização e de conhecimento, tanto cientí co, como metodológico. Esperam da Universidade a formulação de práticas metodológicas “prontas”, que possam ser simplesmente aplicadas nas salas de aula; 3. Além disso, os docentes argumentam que os alunos são desinteressados, indisciplinados, não têm acesso a fontes de pesquisa, não têm amparo familiar, desconhecem conteúdos que são pré-requisitos, não recebem bem novos métodos de ensino e estão inseridos em sala de aulas superlotadas. Contudo, os professores não se colocam como os responsáveis pelo papel de mediadores do processo ensino e aprendizagem.

Como já foi discutido, realmente existem muitas barreiras para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares, nas atuais condições em que se encontra o ensino público estadual. No entanto, entende-se que essas não são barreiras intransponíveis, muitas dessas di culdades podem ser solucionadas pelos próprios docentes. Estes não devem se acomodar diante das condições adversas e passar a acreditar que nada pode ser feito. É necessário que lutem por melhores condições de ensino e, se realmente pretendem implantar novos métodos de ensino – que possam trazer melhores resultados, como estudantes mais motivados, mais interessados e com melhores níveis de aprendizagem –, a interdisciplinaridade apresenta-se como uma opção.

Os professores-alunos entrevistados em nossa pesquisa carecem de formação continuada ampla, que contemple várias vertentes sobre práticas pedagógicas e outros temas que possam engendrar novos caminhos para o desenvolvimento de posturas interdisciplinares. Alguns docentes apresentam di culdades conceituais mesmo na disciplina que lecionam como observamos em relação aos conceitos de Efeito Estufa e Buraco na Camada de Ozônio. Alguns confundiam os dois conceitos. Eles desconheciam, ainda, a importância das concepções prévias ou alternativas dos estudantes na prática pedagógica, que já são pesquisa-das há tempo e amplamente disseminadas. Também tinham um conhecimento limitado a respeito de História e Filoso a das Ciências. A carga horária destinada ao projeto Pró-Ciências em questão, não foi su ciente para suprir todas as necessidades aqui apontadas de formação docente; contudo, detectamos avanços em relação à História e à Filoso a da Ciência e a outros pontos fulcrais: re exão a respeito da prática pedagógica, percepção da importância das concepções prévias dos alunos e a utilização dos recursos computacionais. A questão da interdisciplinaridade, um dos objetivos principais desse curso de formação em serviço, não teve uma abordagem adequada. Apenas um texto sobre o assunto foi lido e discutido pelos professores-alunos. Este tratava da interdisciplinaridade no âmbito da pesquisa e não do ensino. Em uma outra aula tratou-se super cialmente do cartesianismo e da teoria da complexidade de Morin. Mas não o su ciente para ajudar os professores a formarem conceitos sobre o tema ou a construírem uma metodologia interdisciplinar para trabalhar em sala de aula. Os próprios docentes responsáveis pelo Pró-Ciências não tinham uma metodologia de trabalho interdisciplinar em suas aulas. Desenvolveram o tema Energia a partir de um enfoque multidisciplinar, isto é, a partir dos enfoques da Química, da Física e da Biologia, com os conteúdos ministrados por professoras das respectivas disciplinas, mas sem uma integração efetiva entre eles ou um planejamento conjunto.

O projeto Pró-Ciências foi prejudicado, em parte, pela diminuição do tempo inicialmente planejado por ordem da Secretaria da Educação. Os professores responsáveis pelo projeto foram obrigados a refazer o planejamento do curso no seu transcorrer e pouco tempo restou para que os professoresalunos pudessem trabalhar no desenvolvimento de seus projetos nais. Isto di cultou o acompanhamento e auxílio dos docentes na confecção desses trabalhos pelos professores-alunos. Mais uma vez, o administrativo se sobrepôs ao pedagógico. Outro fator que prejudicou o aproveitamento satisfatório do tempo foi a falta de planejamento coletivo e de reuniões, desde o início do projeto, por parte dos docentes responsáveis pelo Pró-Ciências. No início, as aulas de Prática Pedagógica e História da Ciência foram repetitivas. Os diferentes docentes abordaram um mesmo tema porque não sabiam que os colegas já o haviam tratado. As reuniões conjuntas que ocorreram, mais ao nal, com o objetivo de reorganizar o tempo restante, apesar de não contarem com a presença de todos os docentes, supriram essa falha. Porém, a essa altura, faltavam poucos dias para o término do curso. As competências individuais dos professores responsáveis pelo PróCiências e a qualidade da maioria das aulas ministradas por eles evitaram que o curso fracassasse totalmente, contudo, faltou integração e planejamento coletivo. Essas são também di culdades apontadas pelos professores-alunos, para a realização de atividades interdisciplinares em suas escolas: ausência de espaços e tempo para os docentes realizarem planejamento coletivo e falta de integração ou “espírito de equipe” entre eles. Ao nal, as falhas organizacionais dessa experiência de formação continuada, a análise das respostas dos professores aos questionários formulados e os diferentes autores consultados evidenciaram que para um projeto interdisciplinar ocorrer, no âmbito da ação docente ou didáticopedagógico, segundo a classi cação de Lenoir (2001), e obter bons resultados, é necessário que:

1. Todos os envolvidos no projeto tenham o mesmo conceito de interdisciplinaridade, construído por meio de leituras, re e-xões e discussões conjuntas sobre o tema; 2. O grupo tenha um objetivo maior que os especí cos de sua disciplina, que servirá como norteador do trabalho a ser desenvolvido; 3. Os envolvidos no projeto (professores, coordenadores e alunos) elejam um tema central amplo a ser abordado, que seja de interesse e desperte a motivação de todos; 4. Seja feito um levantamento de todos os conteúdos, das diferentes disciplinas envolvidas que se relacionam com o tema, assim como dos recursos materiais disponíveis e dos diferentes materiais didáticos que poderão ser utilizados; 5. Se construa um texto coletivo ou se utilize de discussões siste-matizadas, a m de que todos os conteúdos envolvidos sejam do conhecimento da equipe docente, assim como as metodologias a serem utilizadas, de forma que não reste nenhuma dúvida; 6. Se elabore um planejamento conjunto de como os conteúdos serão ministrados, em que sequência, quais os recursos didáticos serão utilizados e como será feita a avaliação do projeto; 7. E por m, quando o projeto já estiver em execução, que sejam feitas reuniões periódicas frequentes com todos os envolvidos para avaliar o que foi feito até o momento e o que precisará ser modi cado daqui por diante.

1 Docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Unesp – Jabotical, SP. Doutoranda da Faculdade de Educação, Unicamp – Campinas, SP, (Apoio Fapesp); ([email protected]). 2 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 3 As respostas de cada professor podem estar agrupadas em mais de uma categoria em todas as tabelas apresentadas. A porcentagem de cada categoria refere-se ao total de professoras e professores, por isso a soma dos percentuais das tabelas ultrapassa 100 %.

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Interdisciplinaridade no Ensino Médio:

a construção de um projeto coletivo por professores

 

Maria de Lourdes dos Santos1 Ana Maria de Andrade Caldeira2

Introdução

A palavra interdisciplinaridade tem sido usada frequentemente em diversos contextos e com diferentes signi cados. Atualmente, ouvimos falar em projetos, planejamentos e equipes interdisciplinares no esporte, na medicina, nos projetos urbanísticos, na pesquisa e também na área da educação. O que seria a interdisciplinaridade na área da educação e no ensino? Quais seriam suas principais características? Quando e por que acontece? A partir das publicações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) em 1998 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1999, que trazem uma proposta de reforma no ensino baseada em mudanças na articulação dos conhecimentos e seus desdobramentos, os conceitos de interdisciplinaridade e de contextualização passaram a ser discutidos por educadores de várias instituições de ensino. Embora esses termos estejam cada vez mais presentes em documentos da área educacional e no vocabulário dos educadores, a construção e a implantação de uma proposta de trabalho interdisciplinar na escola ainda enfrentam inúmeros obstáculos. Diariamente, as pessoas estão em contato com uma grande quantidade de informações que se referem a fatos e a fenômenos cujo entendimento depende de conhecimentos cientí cos. Termos como DNA, clonagem, Efeito Estufa, poluição, transgênicos, entre tantos outros, são veiculados pelos meios de comunicação. Cada dia ca mais difícil o enquadramento de fenômenos que ocorrem fora da escola no âmbito de uma única disciplina. O ensino de Biologia, Física, Química e Matemática (Ciências da Natureza) tem se constituído em um enorme desa o para professores em diferentes níveis de ensino. Ao mesmo tempo em que se deseja um ensino mais integrado, observase que na prática ele ainda ocorre de forma fragmentada e descontextualizada. Este texto é um recorte de uma pesquisa que norteou a dissertação de mestrado de uma das autoras do presente artigo, desenvolvida em uma escola pública da rede estadual do estado de São Paulo. Atuando como supervisora de ensino, desde 2004, observei que, constantemente, professores e escolas

almejam realizar trabalhos interdisciplinares (aulas, projetos etc). Essas observações ocorreram nos cursos de formação continuada que participei, nas conversas com professores e diretores, pela análise dos planos de gestão de várias escolas (9) – nos quais constatei um elevado número de projetos com intenções interdisciplinares – e pelo acompanhamento que realizei na divulgação dos resultados de tais projetos no site da Diretoria Regional de Ensino. Esses projetos, geralmente reuniam duas ou mais disciplinas e, na maioria das vezes, eram realizados por tentativa e erro, pois não haviam leituras envolvendo discussões teóricas sobre a interdisciplinaridade e, também, não havia uma metodologia pronta sobre a interdisciplinaridade que pudesse ser oferecida para escolas e professores. Geralmente eram nalizados com a realização de uma caminhada, uma exposição. Raramente terminavam com um material escrito e sistematizado em um texto, uma reportagem, um grá co, que pudesse ser utilizado para desencadear novas ações. Klein (1998) ressaltou que o ensino interdisciplinar não pode ser realizado com práticas intuitivas e que cinco grandes temas formam o alicer-ce de uma teoria interdisciplinar de ensino: pedagogia apropriada, ensino em equipe, processo integrador, mudança institucional e relação entre a disciplinaridade e a interdisciplinaridade. Para Pombo (2004, p. 107, 109), não há uma pedagogia da interdisciplinaridade que possa ser apresentada aos professores. A interdisciplinaridade ainda aparece como uma palavra vaga e imprecisa, cujo sentido não foi descoberto ou inventado. Não há uma receita pronta, fabricada fora da escola para ser utilizada, na qual o professor poderia se adaptar. A interdisciplinaridade implica mudanças em relações de trabalho, caracterizadas pela atuação isolada de pro ssionais, tradicionalmente observada na escola. Ela deve ser constituída com base em uma prática coletiva, na qual cada pro ssional, comprometido com a tarefa pedagógica (ato de ensinar) comum a todos, desenvolva um trabalho conjunto, fundamentado na realidade concreta da escola.

Para a elaboração de um projeto pedagógico que possa ser construído de forma interdisciplinar e, ao mesmo tempo contextualizado, faz-se necessário que a comunidade escolar eleja os objetos de ensino que, presentes no ambiente da escola, possam subsidiar questões pertinentes e abrangentes da realidade local. Um projeto é um exemplo interessante para mostrar que a interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, ela mantém a individualidade de cada uma. É importante que as Unidades Escolares discutam coletivamente as possibilidades de realizar projetos interdisciplinares, na proposta curricular do Ensino Médio, por exemplo, a interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir de uma “abordagem relacional, em que se propõe que, por meio da prática escolar, sejam estabelecidas interconexões e passagem entre conhecimentos através das relações de complementaridade, convergência ou divergência” (PCNEM, 1999, p. 36). O estudo da cultura da cana-de-açúcar e seus subprodutos (açúcar, cachaça e álcool), no mercado nacional e internacional, seus aspectos históricos, econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais a ela relacionados foi escolhido pelos participantes por ser tratar de um tema amplo e interessante para um projeto interdisciplinar, pois as análises poderiam lidar com a complexidade dos problemas muito próximos da realidade dos envolvidos. É necessário que essa discussão envolva diferentes olhares, além de agregar conteúdos de diferentes disciplinas do Ensino Médio. Esse tema poderia ser desdobrado em outros subtemas como: aquecimento global, mercado de créditos de carbono, mudanças climáticas, ocupação do solo e produção de alimentos, o uso da biotecnologia e tantos outros, os quais também poderiam ser tratados de forma interdisciplinar e contextualizados.

A construção de um projeto na Escola Pública A Escola Pública, onde o referido projeto foi desenvolvido, está localizada no centro da cidade de Jaú, na região centro-oeste do estado de São Paulo e funciona nos períodos da manhã, tarde e noite. É um belo prédio, tombado pelo patrimônio histórico, construído entre 1914 e 1920 para alunos bastante diferentes dos atuais, aqueles que eram lhos de pessoas consideradas importantes na época “os senhores do café”. Atualmente, a escola abriga alunos trabalhadores e lhos de trabalhadores que, nalmente, conseguiram frequentar a escola. A unidade escolar, por se situar na zona central da cidade de expres-siva atividade comercial, não tem clientela própria e especí ca. Recebe alunos da zona rural e da periferia da cidade. A maior parte desses alunos, tanto do período diurno como do noturno, são trabalhadores domésticos, do comércio, das bancas de calçados e da cultura da cana-de-açúcar. Nos anos de 2003, 2004 e 2005 a escola contou com aproximadamente 1.200 alunos, sendo que 60% frequentaram o Ensino Fundamental e 40% o Ensino Médio. Nesses 3 anos, os índices de evasão dos alunos do Ensino Médio caram entre 23% e 25% sendo que o maior número de alunos que deixou de frequentar as aulas era da 1ª série do Ensino Médio do período noturno. Diante desta situação (elevado índice de evasão, alunos que trabalham e moram na periferia), a equipe escolar (professores, coordenadores e a diretora) tem mostrado uma preocupação com a qualidade do ensino/aprendizagem de seus alunos. Diante dos resultados insatisfatórios obtidos pela escola no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) de 2003 e 2004, a minha equipe decidiu investigar quais ações poderiam ser desencadeadas na unidade escolar para melhorar a aprendizagem dos estudantes e, consequentemente, os índices. A equipe escolar procurou, então, a professora da Universidade Pública (que havia atuado nessa escola, anteriormente) e manifestou o desejo de realizar um trabalho que promovesse a melhoria da aprendizagem de seus alunos. “Um projeto surge de uma situação, de uma necessidade sentida pela própria turma

e consta de um conjunto de ações planejadas e empreendidas pelo grupo em torno de um objetivo comum” (PLANO GESTOR, 2007-2010, p. 92). Nesse contexto – após discussões realizadas em várias reuniões entre a representante da Universidade Pública [Universidade Estadual Paulista (UnespBauru)] e a equipe escolar –, foi estabelecido uma parceria para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa, cujo título era “Avaliação dos impactos da cultura da cana-de-açúcar: seus subprodutos na região de Jaú”. A opção pela cana-de-açúcar ocorreu por ser considerado um tema abrangente, com conteúdos que poderiam ser tratados em todos os componentes curriculares do Ensino Médio. Por outro lado, alunos e familiares estão envolvidos, direta ou indiretamente com esta atividade agroindustrial, que contribui para gerar recursos nanceiros à cidade, por meio da arrecadação de impostos e do desenvolvimento dos setores do comércio e serviços. Também foi considerada a relevância atual dos biocombustíveis no cenário nacional e internacional. Posteriormente, esse projeto foi apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi inserido no Programa de Melhoria do Ensino Público. Este programa apoia pesquisas que tenham como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade do Ensino Público no Estado de São Paulo. Essas pesquisas devem ser desenvolvidas em parceria entre Instituições de Pesquisas e escolas da rede pública visando desenvolver experiências pedagógicas inovadoras que possam trazer benefícios imediatos à escola. O projeto “Avaliação dos impactos da cultura da cana-de-açúcar: seus subprodutos na região de Jaú” foi realizado em parceria entre a Escola Pública, a Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O grupo era composto por 12 participantes da unidade escolar, sendo que nove professores atuavam no Ensino Médio nas disciplinas de História, Geogra a, Matemática, Português, Física e Biologia; a diretora e as duas coordenadoras; cinco docentes da Universidade Pública, sendo que apenas uma professora atuava diretamente como coordenadora-geral do projeto e, também, um aluno do curso de

doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência dessa mesma instituição. Da Diretoria Regional de Ensino (DRE-Jaú), participou uma supervisora de ensino, que é a pesquisadora do presente trabalho e que, neste caso, não era a supervisora desta unidade escolar. Aqui será apresentado o relato de uma pesquisa inserida no projeto anteriormente mencionado. Essa pesquisa teve como objetivo investigar como os participantes se articularam para discutir e elaborar uma metodologia de trabalho interdisciplinar para o Ensino Médio, cujo tema contextualizador era “a cultura da cana-de-açúcar e seus impactos sociais, ambientais e culturais”. Acompanhamos as 17 reuniões realizadas pelos participantes entre outubro de 2006 e novembro de 2007. Durante esse período, realizamos anotações, gravações e procuramos acompanhar atentamente todas as atividades desenvolvidas nas reuniões, tais como leituras, discussões, organização de materiais, agrupamentos de dados, elaboração de mapas e grá cos. Em alguns momentos participamos das discussões e também demos sugestões de como organizar materiais e conduzir algumas ações. Procuramos registrar tudo que estava acontecendo, mas ten-tamos priorizar as situações que, no nosso entendimento, seriam mais úteis e interessantes para responder à questão de pesquisa. Optamos pela metodologia qualitativa de pesquisa, pois segundo Bogdan e Biklen (1994), esse tipo de trabalho se caracteriza pelo contato direto do pesquisador com o ambiente (escola) e a situação investigada. Os dados obtidos devem enfatizar mais o processo que o produto. Sendo a investigação descritiva, a análise dos dados ocorre de forma indutiva preo-cupando-se em retratar mais e melhor a perspectiva dos participantes.

Ações desenvolvidas pelos participantes

Nas primeiras reuniões, os participantes discutiram as di culdades que a Escola Pública vem enfrentando, com destaque para as seguintes: ausência de motivação por parte de alunos e professores; elevado índice de faltas de ambos; evasão escolar, principalmente do período noturno; baixo rendimento da aprendizagem, apontado pelas avaliações externas como as veri cadas pelo Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Posteriormente, realizaram leituras e discussões de textos sobre a interdisciplinaridade, de autores como Ivani Fazenda3 e Jurjo Santomé4. A partir das leituras e discussões, os participantes organizaram seminários sobre o tema e zeram uma comparação entre o trabalho que realizam na escola e as ideias apresentadas pelos autores. Ressaltaram que o trabalho efetivado acontece de forma isolada com conteúdos abordados de forma fragmentada e descontextualizada. Fizeram um levantamento do material didático sobre o assunto e prepararam um banco de dados com revistas, livros, jornais, artigos cientí cos, dados coletados com alunos, sites etc. Todo material foi agrupado em arquivos para ser consultado pelos participantes e para dar subsídio à abordagem do tema em sala de aula. Os professores elaboraram um questionário contendo, entre outras, as seguintes questões: Você acha que a cultura da cana-de-açúcar causa impactos na região de Jaú? Se sim, quais são e como ocorrem? Elas foram respondidas pelos alunos do Ensino Médio da referida escola. As respostas dos alunos às questões anteriormente mencionadas foram aresentadas durante uma de nossas reuniões com os professores na escola em que o projeto foi desenvolvido. Neste mesmo dia, propusemos a eles que formassem grupos de acordo com suas áreas de conhecimento (por exemplo, Ciências Naturais, Ciências Humanas) e que elaborassem projetos interdisciplinares que pudessem ser desenvolvidos em sala de aula. O grupo de Ciências Naturais, composto por professores de Biologia, Física e Química,

sugeriu que fossem abordados conteúdos comuns a essas disciplinas, tais como: temperatura, calor, fotossíntese e respiração. Em seguida, solicitamos a realização de um mapa conceitual geral, isto é, que envolvesse todas as disciplinas. O conceito central a ser desenvolvido na elaboração do mapa foi o de energia. Na construção deste, os professores estabeleceram os conteúdos que seriam ministrados em cada disciplina e planejaram atividades que seriam desenvolvidas nas primeiras séries do Ensino Médio.

Resultados

Os resultados aqui apresentados são decorrentes da coleta de informações realizada durante as reuniões com os participantes do projeto. O processo de análise dos dados qualitativos é extremamente complexo, envolvendo procedimentos e decisões, que não se limitam a um conjunto de regras a serem seguidas. A formação de categorias também envolve métodos variados. Neste caso, procuramos utilizar como referência as questões que estavam diretamente relacionadas à interdisciplinaridade e ao tema contextualizador. No entanto, outras surgiram a partir dos conteúdos e dos registros realizados, especi cando ou expan-dindo as categorias iniciais. Após exaustivas leituras dos registros, os dados coletados durante as reuniões foram agrupados em três categorias. Sendo assim, optamos por elementos que na nossa percepção foram considerados relevantes no desenvolvimento do processo de construção de uma metodologia de trabalho interdisciplinar para o Ensino Médio e que desta forma poderiam responder à nossa questão de pesquisa. Passo à descrição e à análise das categorias gerais e suas subcategorias. A – Na primeira categoria geral estão agrupadas as ações, organizações e problemas relacionados à infraestrutura que se re etem em obstáculos para a construção de um trabalho interdisciplinar na escola. Tabela 1 – Categoria 1 - Obstáculos apontados pelos professores para a realização de um trabalho interdisciplinar no Ensino Médio.

As di culdades para a realização de trabalho interdisciplinar podem ser classi cadas em dois focos: a formação realizada de maneira fragmentada, linear e descontextualizada dos pro ssionais da educação e as condições de trabalho a que estão submetidos. As condições de trabalho podem ter vários desdobramentos, dentre eles questões relacionadas à jornada de trabalho, como o número excessivo de aulas em várias escolas, o que acarretaria falta de tempo e de oportunidade para reuniões com os colegas a m de pesquisa, estudo e preparação de aulas, assim como a falta de pessoal de apoio para auxiliar no trabalho – bibliotecários, técnicos para o laboratório de Ciências Naturais e para a sala de Informática. Também ressaltaram a necessidade de haver alguém quali cado para coordenar e cobrar as ações desenvolvidas, porque nem sempre é possível à

própria pessoa perceber as diferentes leituras da sua prática. “Nesse sentido é fundamental o papel de um interlocutor que vá ajudando a pessoa a se perceber, que vá ampliando as possibilidades de leitura da sua prática docente e da prática docente de seus colegas” (FAZENDA, 2007, p. 72). Mencionaram que a estrutura e a organização da Rede Estadual de Ensino não facilitam a discussão e a elaboração de práticas interdisciplinares na escola. Destacaram que é necessária a manutenção de equipamentos como computadores e impressoras, além de funcionários quali cados para trabalhar na biblioteca e no laboratório de Ciências Naturais, pois essas ações poderiam facilitar as condições de ensino. Admitiram, também, que são meros executores de ações pensadas e idealizadas por outros pro ssionais, como disse um dos professores: “fazemos coisas sem pensar […] somos meros executores de ações pensadas por outras pessoas que não conhecem a realidade da escola”, referindo-se ao número elevado de projetos que a SEE enviou para as escolas em 2006, sem considerar a realidade nem a necessidade de cada uma delas. Os professores referiam-se às relações de poder verticalizadas dos órgãos superiores; diretrizes e regulamentos impostos por instâncias superiores e repassadas para funcionários e professores sem discussão ou re exão. Como nada era pensado, planejado, re etido ou discutido coletivamente, esses pro ssionais não se sentiam responsáveis pelo processo de ensino/aprendizagem, pelo fracasso e muito menos pela mudança. Desta forma, tudo dependeria do outro (do colega, do diretor, do supervisor, da família, da Secretaria da Educação). Isso se torna mais evidente quando a responsabilidade pelo fracasso escolar é atribuída ao aluno e a sua família, pois, na escala de poder do sistema educacional, estes são os que detêm o menor poder de barganha. Alguns professores ressaltaram que a sua formação inicial e o modo como as escolas organizam o, trabalho, também são obstáculos para a realização de trabalhos interdisciplinares. A maioria dos professores teve uma formação organizada em disciplinas fragmentadas e lineares. Muitos deles nunca tiveram a oportunidade de discutir questões relacionadas à interdisciplinaridade, como disse um dos professores: “ co inseguro, porque ninguém sabe exatamente o

que é a interdisciplinaridade”, evidenciando, assim, a di culdade de pensar interdisciplinarmente, quando toda formação e aprendizagem ocorreram inseridas em um currículo organizado por compartimentos e descontextualizado, no qual as atividades de sala de aula não tinham relação com a realidade. B – Nesta categoria selecionamos aspectos que consideramos potenciais para a realização de um trabalho interdisciplinar. Tabela 2 – Categoria 2 - A interdisciplinaridade como possibilidade alternativa para motivar e otimizar a aprendizagem dos alunos

É possível constatar que os professores almejam a interdisciplinaridade (itens 2 e 8) porque acreditam que a aprendizagem do aluno seria otimizada e poderia dar uma base forte para o desenvolvimento do trabalho em equipe, e desta forma o trabalho do professor poderia ser facilitado. Por outro lado, essa equipe escolar demonstrou que não estava satisfeita com os resultados alcançados pelos alunos do Ensino Médio: os observados em sala de aula e aqueles cujos índices das avaliações externas evidenciaram. Os programas curriculares tendem a ser cada vez maiores, mais disciplinas são inseridas, como ocorreu recentemente no Ensino Médio da Escola Pública

da Rede Estadual, no qual foram acrescentadas as disciplinas de Filoso a e Sociologia. Desta forma, foi destinado um número menor de aulas às outras disciplinas como Química e Física. A organização escolar colabora de forma acentuada para a fragmentação do saber, mas por outro lado tenta procurar uma solução e a interdisciplinaridade é uma delas. Sobre essa questão, destacou Pombo: Em contraposição à sobrecarga do currículo escolar dos alunos (alargamento dos programas, aumento do número de disciplinas etc.), a aspiração interdisciplinar emergente entre os professores corresponde ao desejo de uma prática de ensino que aponte no sentido da articulação e do cruzamento dos saberes disciplinares, que suscite a con uência de perspectivas para o estudo de problemas concretos, que restitua ao objeto de experiência comum a sua dignidade enquanto objeto de estudo, que possibilite alguma economia de esforços e até mesmo uma melhor gestão de recursos, por exemplo, no que diz respeito ao controle de repetições fastidiosas, à análise de dados, à utilização de instrumentos ou à recolha de informação proveniente de diversas disciplinas (POMBO, 2004, p. 118).

Desta forma, a interdisciplinaridade poderia proporcionar uma economia de tempo e trabalho, resolvendo, assim, algumas questões das quais tanto se queixam os professores: listas extensas de conteúdos, reduzido número de aulas destinado a algumas disciplinas etc. A prática interdisciplinar também poderia colaborar para a otimização da aprendizagem, como acredita a maioria dos docentes. Além disso, ela poderia colocar os educadores para que discutissem possibilidades de melhoria do processo de ensino e, consequentemente, do aproveitamento dos alunos. Para Severino (1998, p. 39), “a superação da fragmentação da prática da escola só se tornará possível se ela se tornar o lugar de um projeto educacional entendido como o conjunto articulado de propostas e planos de ação com nalidades baseadas em valores previamente explicitados e assumidos”, ou seja, de propostas e planos fundados em uma intencionalidade, mas, como temos observado, a intenção não é algo claro e consistente. No meio da burocracia institucionalizada e das dezenas de ordens desencontradas emitidas pelos órgãos superiores, ca difícil saber qual é exatamente o escopo reservado para a escola.

Um dos professores disse que os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCMEM) fornecem uma diretriz, mas como torná-la adequada à realidade de cada estado, de cada município? Para ele, as as alterações curriculares são de competência da Secretaria Estadual de Educação. Consideramos que, na perpção desse professor, os docentes não têm autonomia para, por exemplo, popor projetos interdisciplinares diferentes daqueles que são sugeridos pela Secretaria. Observamos que esse pensamente é comum a outros professores, que o expressaram da seguinte forma: “recebemos ordens, fazemos tudo sem pensar”. Essas falas são, a nosso ver, re exos da falta de diálogo entre as dierentes instâncias do sistema educacional que, aos poucos, vem mitigando a autonomia do professor e aumentando a sua des-crença com relação às orientações para o desenvolvimento de projetos. Os trabalhos realizados pelos subgrupos evoluíram de maneira diferente: o grupo de Língua Portuguesa foi o que mais se destacou, pois, desde o início, já havia delineado uma ideia da construção de um jornal ou de um vídeo, que seria o produto nal do projeto. Apresentou também formas de trabalhar todos os tipos de texto e se dispôs a se “encaixar” nas atividades dos outros grupos, mostrando-se exível em relação aos assuntos e estratégias para o trabalho interdisciplinar. O grupo dos professores de Matemática apresentou bastante di culdade, porque não conseguia “enxergar” as possibilidades de trabalhar os conteúdos da disciplina dentro do projeto e do tema. Entretanto, a partir da reunião nº 7, as ideias caram mais claras e, nalmente, o grupo decidiu o que e como fazer, pois a chave estava em trabalhar dados levantados pelos outros grupos. Durante o período de discussão, os alunos foram indagados sobre várias questões que os professores consideraram relevantes para a realização do seu trabalho, por exemplo: se as famílias estavam envolvidas direta ou indiretamente no trabalho da cultura da cana-de-açúcar; quais eram as concepções de energia que os alunos já tinham. O levantamento desses dados foi de extrema importância para subsidiar os professores na organização de alguns aspectos do trabalho.

Como já foi discutido anteriormente, há obstáculos para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares. A forma de organização da Rede Estadual pode ser um aspecto que di culte a implantação e a implementação de projetos interdisciplinares, pois a mesma organiza o tempo e os espaços pedagógicos com uma visão disciplinar: matrizes curriculares, horários de professores e alunos, contratações de docentes, organização dos horários diários e semanais. Nas atuais condições, a interdisciplinaridade até pode acontecer, mas vai depender muito do esforço e da boa vontade da equipe escolar. É desejável que a formação continuada não aconteça paralela ao cotidiano da escola, mas, se possível, ser realizada no cotidiano, na realidade concreta. Esse projeto, como foi realizado, representa uma das formas de capacitação no cotidiano da escola, porque partiu das necessidades percebidas pela equipe escolar. Geralmente, os professores cam mais atentos em relação às alterações de suas práticas, quando se possibilita a análise e a re exão dos aspectos do trabalho realizado. Não basta repensar teoricamente a prática docente, é necessário transformá-la em ações. Essas ações, quando re etidas no coletivo, podem tornar-se novas ações. Os professores, quando estão insatisfeitos com o trabalho realizado e admitem essa insatisfação (parece que é o caso desse grupo de professores), “reúnem potencialidades para promover algum tipo de mudança na sua prática, mesmo sabendo das condições adversas que permeiam o trabalho na Escola Pública” (Santos, 1997, p. 33). Neste sentido, seria interessante que a SEE proporcionasse ações descentralizadas e diferenciadas de capacitação em serviço e que atendesse aos anseios e às necessidades desses professores. Para Santomé (1998), atualmente, a interdisciplinaridade e as práticas educacionais integradas estão baseadas na internacionalização da vida social e econômica, política, cultural, religiosa e militar. “Entender o signi cado das propostas curriculares integradas obriga-nos também a levar em conta as dimensões globais da sociedade e do mundo em que vivemos, estar atento à revolução informativa e social na qual estamos imersos” (SANTOMÉ, 1998, p. 83).

C – Nesta categoria foram incluídos os elementos que permitiram re etir sobre o tema contextualizador, escolhido pelos professores. Tabela 3 – Categoria 3 – O tema contextualizador: preocupações e expectativas em relação a sua inserção no processo ensino/aprendizagem.

Os professores indicaram a necessidade de aproximar os conteúdos da realidade e do interesse dos alunos. Os autores que tratam da interdisciplinaridade na área educacional dizem que esse aspecto favorece o trabalho interdisciplinar e contextualizado na escola. Questões do cotidiano podem ser estudadas como se apresentam na realidade. Por exemplo, esse projeto sobre a cultura da cana e seus impactos será tratado por diferentes disciplinas, mas com um “olhar” integrado, porque os acontecimentos são entrelaçados, ocorrem juntos. A realidade não é separada em Química, Física, Literatura, Política e Economia. O fenômeno, ou o fato, é único. Essa separação ocorre no campo do estudo dos fenômenos, ou dos fatos. Sobre a contextualização, podemos observar:

É importante, também, que o professor perceba que a contextualização deve ser realizada não somente para tornar o assunto mais atraente ou mais fácil de ser assimilado. Mais do que isso é permitir que o aluno consiga compreender a importância daquele conhecimento para a sua vida, e seja capaz de analisar a sua realidade, imediata ou distante, o que pode se tornar uma fonte inesgotável de aprendizado. Além de valorizar a realidade desse aluno, a contextualização permite que o aluno venha a desenvolver uma nova perspectiva: a de observar sua realidade, compreendê-la e, o que é muito importante, enxergar a possibilidade de mudança (BRASIL, 2006, p. 35).

A contextualização poderia proporcionar uma situação facilitadora da aprendizagem, por meio da qual o aluno vai aprendendo a estabelecer relações entre conceitos, fatos e fenômenos estudados em diferentes disciplinas. Desta forma, o trabalho docente pode ganhar novo signi cado, facilitando formas de ensinar e aprender. Assim, o aluno não aprenderia o conteúdo isoladamente, mas poderia fazer relações e sínteses, aprender a partir do vivido e realizar pontes entre outros conhecimentos adquiridos. O tema escolhido pelo grupo é polêmico e, ao mesmo tempo,apaixonante, pela riqueza de conteúdos e ideias, que poderão ser tratados durante o desenvolvimento do projeto. Para discuti-lo é necessário olhar para além do canavial, descobrir que, atrás dessas plantas se esconde um universo cheio de contrastes: riqueza e pobreza, alta tecnologia e exploração de mão de obra barata; privilegiados e desfavorecidos; latifundiários e sem terras; tecnologia nacional e interesses internacionais, entre tantos outros. Isso cou evidente em algumas dúvidas citadas pelos professores como P9: “Será que ser o maior produtor mundial de álcool é bom ou ruim?” A resposta é complexa, pois está sujeito à inúmeros fatores e vai depender do enfoque, do olhar, isto é, de como o tema será tratado pela equipe de professores dentro dessa perspectiva interdisciplinar. Por outro lado, a equipe docente deve estar convencida e satisfeita com o trabalho que vai realizar, pois poderá enfrentar problemas de aprendizagem e/ou de comportamento em suas aulas, uma vez que, os alunos e alunas são bastante sensíveis em perceber até que ponto os seus professores estão convencidos das tarefas propostas.

A equipe escolar escolheu o tema por várias razões, entre elas, o fato da região ter se tornado um pólo sucroalcooleiro e um imenso canavial. Analisando as falas, é possível perceber que alguns professores demonstraram certa di culdade em trabalhar com alguns aspectos do tema escolhido, como disse um deles: “Tenho até medo de ler matérias produzidas pelo Movimento dos Sem Terra (MST) e por alguns sindicatos”. É bastante preocupante para o desenvolvimento de um projeto para alunos do Ensino Médio, quando um professor declara que tem medo de ler certo tipo de texto. A escola é o local onde é necessário trabalhar com a pluralidade de ideias, com pessoas que têm pensamentos diferentes, en m, um local para o debate, para as discussões com objetivo de fortalecer cada vez mais a cidadania e a democracia. Diante dessa situação, ca complicado imaginar um aluno ou aluna “sem terra” ou membro de um sindicato, como por exemplo o dos cortadores de cana, participando das discussões durante a aula dessa professora. O processo educacional precisa apoiar-se nos interesses dos alunos e alunas, gerando, assim, novos empenhos. Sobre os interesses dos alunos Santomé, ressaltou: É preciso levar em conta que nem sempre os estudantes proporão projetos de interesse educativamente valiosos. Um bom projeto curricular tem de ser prazeroso e educacional ao mesmo tempo; tem de propiciar uma certa continuidade nos aprendizados, tornando-os compatíveis com os requisitos de relevância mencionados (Santomé, 1998, p. 206).

Um dos desa os dos professores e professoras é fazer com que os alunos sintam-se parte integrante do projeto e comprometam-se com ele, pois assim o aprendizado seria facilitado. Talvez esse fosse um dos caminhos para resolver os problemas de indisciplina e desinteresse, dos quais tanto os professores quanto as professoras se queixam. Isso não quer dizer que a escola e o professor façam apenas aquilo que os alunos desejam, pois o compromisso principal é com a aprendizagem e o conhecimento. Desta forma, deve haver um ponto de equilíbrio entre todas as partes.

Para fazer a mediação entre o aluno e o objeto de conhecimento, é necessário que o professor acompanhe o processo de ensino e de aprendizagem do aluno e procure entender o seu caminho, o seu universo cognitivo, afetivo e cultural. É fundamental que o professor tenha clareza da sua intenção pedagógica, para saber intervir no processo de aprendizagem e garantir que os conceitos sejam compreendidos e sistematizados pelos alunos. É desejável o esforço de todos os segmentos da escola: professores, direção, coordenação, supervisão e funcionários para que a mesma se constitua em espaço de aprendizagem, contri-buindo para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e cultural de seus alunos. O desenvolvimento desse projeto é um desa o para todos os pro ssionais da escola, mas poderá viabilizar ao aluno um modo de aprender baseado na integração dos conteúdos de várias áreas do conhecimento e a busca do aprendizado por conta própria, ganhando certa autonomia e tendo condições de entender as várias faces de um contexto. O projeto também pode colaborar para a descoberta de estratégias, a m de que os alunos construam subprojetos para discutir uma problemática do seu cotidiano ou de um assunto de seu interesse. Desta forma, o aluno passaria a interessar-se pelo projeto e seu aprendizado seria facilitado. É o que disse P8: “quando se está interessado, se aprende depressa” e também é uma forma de aproximar os conteúdos escolares da realidade dos alunos. Na construção de uma proposta de trabalho interdisciplinar, existe a possibilidade de romper fronteiras e estabelecer elos entre as diferentes áreas do conhecimento, em uma situação contextualizada de aprendizagem. Os professores zeram inúmeros questionamentos sobre a interdisciplinaridade, o que pode representar uma forma de buscar novos caminhos como disse P12: “temos que fazer um teste piloto, pois os resultados podem nos dar pistas de prosseguimento, dar outras respostas ou trazer muitas perguntas”. Isso mostra que essa situação gera certo desconforto para o professor, porque é diferente do trabalho que ele faz no dia a dia, que pode não ter resultados tão e cientes na aprendizagem, mas ele já sabe como fazer.

Outro questionamento dos professores refere-se às imensas listas de conteúdos de todas as disciplinas curriculares, como disse P1: “não se pode perder o conteúdo da aprendizagem”. A interdisciplinaridade não tem a intenção de eliminar os conteúdos das disciplinas, ao contrário, ela não pode existir sem estes, ainda mais, alimenta-se deles. Os currículos escolares, como nós os conhecemos atualmente, são lineares e formados por muitas disciplinas. Frequentemente, tem-se a impressão de que o ensino de determinados conceitos está atrelado a abordagens de coneitos anteriores. Contrária a essa in exibilidade e linearidade curriculares, o estabelecimento de rede proporciona uma mobilidade a organização dos conteúdos e seria um elemtno facilitador para a construção de um trabalho interdisciplinar. A postura de um grupo de professores diante dessa tarefa, a da construção de uma proposta de trabalho interdisciplinar, é bastante complexa, pois o trabalho gera angústia, inquietação, falta de paciência, mas também colaboração e alegria em descobrir algo novo. Diante de um objetivo comum é necessário conviver com as diferenças e com a pluralidade das ideias. Abrir mão de algumas angústias e negociar algumas exigências, pois cada um tem uma trajetória de vida pessoal e pro ssional e traz consigo desejos e expectativas diferentes. Nesse caso, talvez tenham que desconstruir o papel de professor transmissor que realiza um trabalho solitário e individualizado e tentar construir outro papel, mais re exivo, mais colaborador, daquele que troca ideias no coletivo. E, provavelmente, terá que abrir mão de uma situação que poderia ser considerada confortável, mas que se reconhece, não estava surtindo os resultados almejados. Um dos acertos deste trabalho foi agrupar, em um mesmo projeto, pro ssionais de vários segmentos: professores, coordenador, diretor, supervisor e representante da Universidade, neste caso, a professora era também a coordenadora do projeto. O papel exercido pela coordenadora foi de fundamental importância para o desenvolvimento das atividades do projeto. Ela encarregou-se de colocar dúvidas e provocações sobre algumas situações e de dar orientações, em momentos que parecia não haver saída para uma

determinada situação. Por outro lado, também fazia cobranças do grupo, quando parecia que algo se desviava do caminho traçado, preli-minarmente. A pesquisadora colaborou como consultora da legislação e da burocracia escolar. Os participantes desse projeto tentam construir um caminho, de acordo com a realidade e suas possibilidades. Organizaram uma equipe, estabeleceram diálogos para que todos soubessem o que cada um estava realizando na escola. Durante as reuniões, as discussões sobre a interdisciplinaridade situaram-se na dominância dos problemas da escola e sobre o tema contextualizador. Elaboraram mapas conceituais, por área de conhecimento e com o tema geral, estabeleceram os conteúdos que serão tratados no 1º ano do Ensino Médio, organizam atividades coletivas e continuam trabalhando com o objetivo de construir uma proposta de trabalho interdisciplinar. O resultado dessa pesquisa demonstra que para a implantação de projetos interdisciplinares também é necessário realizar estudos teóricos sobre o assunto, pois a teoria pode proporcionar um embasamento sobre as concepções de interdisciplinaridade. “Há na literatura indicação do que não é interdisciplinaridade, como um alerta para evitar que se usem velhas práticas com nova denominação” (LUCK, 2007, p. 54). Desta forma, é necessário que a equipe escolar realize leituras e discussões sobre o tema, antes de iniciar qualquer trabalho que tenha a intenção de ser interdisciplinar, não basta “jogar um tema” para a escola e/ou para os professores e solicitar que realizem trabalhos interdisciplinares.

Considerações nais Pelas observações das reuniões e análise dos dados coletados foi possível concluir que ao iniciar as discussões, os professores já tinham realizado leituras sobre alguns aspectos da interdisciplinaridade, principalmente nos documentos o ciais e entendiam que professores de várias disciplinas poderiam trabalhar com um mesmo tema. Com o transcorrer das reuniões e com as discussões realizadas, os professores ressaltaram que para realizar um trabalho interdisciplinar: a) o trabalho teria de ser realizado em equipe e que esta deveria se reunir constantemente; b) que os integrantes do grupo deveriam ter o mesmo objetivo e para o sucesso do projeto interdisciplinar, algumas necessidades deveriam ser supridas e apontaram, então, alguns obstáculos para a realização de um trabalho dessa natureza. À medida que o tempo foi passando e as reuniões acontecendo, ocorreu uma re exão sobre a prática realizada, comparada com a prática considerada idealizada. As queixas e reclamações diminuíram, os professores começaram a trabalhar objetivando a elaboração de um projeto interdisciplinar com um tema contextualizador. Após as leituras, observações e análise dos dados, a interdisciplinaridade poderia ser considerada como um movimento das disciplinas ao redor do tema contextualizador. Os professores organizariam um levantamento dos conteúdos das diferentes disciplinas que se relacionassem com o tema e dos recursos materiais existentes na escola e na comunidade. Para desencadear as primeiras ações, os professores poderiam construir um texto coletivo sobre o assunto ou utilizar um texto de jornal ou revista para trabalhar em sala de aula. Os alunos fariam a leitura e discutiriam o texto coletivamente e, posteriormente, escreveriam indivi-dualmente um texto sobre o tema em questão. Os textos dos alunos seriam recolhidos e lidos por todos os professores envolvidos, que fariam um levantamento dos conteúdos e ideias pertinentes a cada disciplina.

Posteriormente, os professores organizariam discussões sobre as propostas e os conteúdos, fazendo diferentes combinações, integrações e conexões, convergentes ao tema contextualizador, dependendo do professor e do grupo de alunos. Também planejariam a transposição didática coletivamente. Após a aplicação das atividades na sala de aula, a equipe se reuniria para avaliações frequentes, para planejar outras ações e tomar um novo rumo, caso fosse necessário. Nesse contexto, o trabalho seria realizado individual e coletivamente. O desenvolvimento das ações interdisciplinares em sala de aula poderia ser realizado em diferentes etapas e de diferentes maneiras, pois tudo depende das características do professor, do tema escolhido e do grupo de alunos. Entretanto, alguns pressupostos básicos devem ser respeitados como: de nição dos objetivos e do problema, desenvolvimento (estudos, entrevistas, tabulação de dados) e avaliação para redirecionamen-to das ações, se houver necessidade. O trabalho realizado pelos professores até o presente momento nesta unidade escolar se caracteriza ainda como multidisciplinar, entretanto, os professores admitem que algumas transformações já ocorreram. Mencionaram que aprenderam alguns conceitos relacionados a outros componentes curriculares e que, com as atividades desenvolvidas, alguns alunos já conseguem estabelecer relações entre o que está sendo tratado em um componente curricular com outros componentes. Finalmente, realizar uma pesquisa sobre a interdisciplinaridade é uma tarefa complexa, porque é necessário “olhar” não só para os dados levantados, mas para além deles, pois nada acontece isoladamente, tudo está entrelaçado. Não é possível separar questões como: políticas públicas; história da humanidade, do conhecimento e da educação; corporativismo; interesses atrelados ao conhecimento cientí co e tecnológico; dependências nanceiras, culturais e econômicas. Diante do exposto, alguns elementos são necessários para a implantação de um bom projeto interdisciplinar, ou seja, que possa ser viável, que seja compreendido por todos os atores, que todos sejam corresponsáveis e envolvidos nas ações. É necessário, também, um suporte

institucional e nanceiro, com recursos de nidos, acompanhamento e constante avaliação para veri car se os objetivos estão sendo atingidos.

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 2 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 3 FAZENDA. C. A. I. Didática e Interdisciplinaridade: uma complementaridade incontornável. In: Didática e Interdisciplinaridade. 2. ed.,Campinas: Papirus, p. 45-75, 1998. 4 SANTOMÉ, Jurjo. Globalização e Interdisciplinaridade. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia: interdisciplinaridade e contextualização

Ana Maria de Andrade Caldeira1 Eliane Cerdas Labarce2 Marcelo Luis Aroeira Rosella3 João José Caluzi4

Introdução

A pesquisa aqui apresentada começou a ser delineada quando os professores de uma escola pública realizaram um diagnóstico inicial sobre o interesse de aprendizagem dos alunos. Perceberam que eles ansiavam por aulas contextualizadas, abordando temas do seu dia a dia, bem como o uso de laboratórios didáticos para o ensino de conceitos cientí cos. A discussão dessas necessidades apontadas pelos alunos e de outras sinalizadas pelo conjunto de professores da escola motivou-os a pesquisar metodologias para o ensino de conceitos cientí cos e matemáticos a partir de problemas complexos, presentes na realidade vivenciada pelos alunos e professores. Esses professores entenderam que precisavam elaborar uma proposta de trabalho interdisciplinar na escola que fosse contextualizada por um tema de interesse dos alunos e que este permitisse ser amplamente explorado didaticamente por todas as disciplinas do Ensino Médio. Assim, chamaram pesquisadores da Unesp que começaram a participar das discussões dos professores e os conceitos de interdisciplinaridade e contextualização passaram a ser debatidos. Sabemos que esses conceitos estão cada vez mais presentes em documentos da área educacional e no vocabulário dos educadores, entretanto, a construção e a implantação de uma proposta de trabalho interdisciplinar na escola ainda enfrentam inúmeros obstáculos. Os projetos temáticos desenvolvidos nas escolas de educação básica, frequentemente, têm por objetivo a articulação entre os conteúdos das diversas disciplnas curriculares. Ao buscar essa integração, os professores revelam uma preocupação em ampliar as possibilidades de relação entre os saberes que, via de regra, os alunos apresentam di culdades em estabelecer a partir de disciplinas isoladas. No entanto, apesar dos múltiplos projetos de ensino integrado de Ciências Naturais que estão sendo desenvolvidos, não temos como a rmou Pombo (2004) uma “pedagogia da interdisciplinaridade”. Muito se escreve sobre a importância do ensino interdisciplinar e sua potencialidade para a

signi cação de conceitos cientí cos pelos alunos, porém, as pesquisas descritas não fornecem elementos que nos permitam sistematizar uma pedagogia para o ensino interdisciplinar. Ou seja, a prática didática é utilizada, mas perde muitas vezes sua e cácia pela falta de sistematizações e re exões mais profundas. O entusiasmo dos alunos e dos professores acaba sendo entendido como o sucesso do processo de ensino e aprendizagem. Mas sabemos que a super cialidade pode dominar as relações estabelecidas e os conteúdos cientí cos não são compreendidos a ponto de que outras signi cações possam ser constituídas. Na ótica da didática, essa questão nos leva a pensar sobre a pesquisa na formação de professores como um conjunto de saberes necessários em que comporte estudo de elementos constituintes relativos ao tema proposto, bem como selecionar subsídios teóricos essenciais direcionados à prática dos professores em sala de aula. Com o objetivo geral de desenvolver um programa de investigação voltado ao Ensino Médio, contemplando os problemas ambientais em relação aos impactos da cultura de cana-de-açúcar e seus subprodutos na região de Jaú, o projeto envolve também o desenvolvimento dos conhecimentos especí cos das disciplinas com procedimentos também especí cos de cada área e, por outro lado, contempla a articulação interdisciplinar desses conhecimentos propiciada pelo tema comum. Responder às necessidades da vida contemporânea, desenvolvendo conhecimentos de maneira ampla que permitam uma melhoria na cultura geral e uma visão coerente dos aspectos que envolvem a cultura da cana-de-açúcar e de seus derivados, sobretudo (especi camente para a área de Ciências da Natureza) a importância da produção do álcool combustível – fonte de energia renovável e, na sua utilização nal nos tanques dos automóveis, menos poluente em relação à gasolina –, é contribuir para uma formação lógica, argumentativa e, essencialmente, para uma formação geral bem fundamentada, um aprendizado com caráter prático e crítico em que os saberes matemático, cientí co e tecnológico sejam condição de cidadania e não uma prerrogativa de especialistas.

O Ensino de Ciências Naturais cumpre, portanto, o papel de, ao ensinar conceitos cientí cos, estabelecer relações mais amplas com as questões socioambientais. As bases do pensar lógico devem ser estruturadas não de maneira asséptica e fria, mas eivada de sentimentos e apoiada em discursos de argumentação construídos pelos próprios alunos no ressigni car de suas experiências. Pensamos em um processo de aquisição de novas signi cações no interior do contexto de relações. A metáfora da rede ajuda-nos a entender como seria a aquisição do conhecimento. Cada “nó” dessa rede seria representado por “sínteses de signi cação” que, no contexto vivencial e na interação entre locutores e receptores, são estabelecidas. Esses “nós” seriam possibilidades contínuas de geração de novos interpretantes. Apresentam a potencialidade de gerar outros interpretantes mais complexos, generalizáveis, que se apresentem como possibilidade de compreender o objeto em estudo. Conceitos cientí cos são, pois, de nidos como enunciados lógicos e argumentativos, construídos por mediação de linguagens e constantemente atualizados por uma comunidade (de especialistas, professores etc.) na e pela experiência (CALDEIRA, 2005). Se desenvolvermos bem os conhecimentos mais amplos e abstratos, permitiremos não somente uma melhor visão dos impactos da cultura da canade-açúcar, mas propiciaremos uma melhor visão de mundo, haja vista que os impactos ambientais são temas de interesse mundial e a universalida-de dos conteúdos permitirá as mais diversas aplicações. Garantir aos professores atuar de maneira mais e ciente diante de circunstâncias imprevisíveis do dia a dia no ambiente de aprendizagem torna-se um meio precioso na formação docente, para proporcionar a vivência regular de experiências interativas, levando os professores a analisarem suas próprias investigações. Assim, a pesquisa que propomos envolveu o compromisso sóciopolítico de formar professores comprometidos com os valores democráticos que fomentem a participação coletiva da comunidade escolar, por meio da discussão e re exão dos problemas a serem levantados, visando ao desenvolvimento de valores e atitudes voltados aos eixos: ético, estético,

comunicacional, socioeconômico, político-cultural, cientí co-tecnológico e ambiental, sem os quais não se garantem a plena formação de cidadãos. As discussões do grupo de professores evoluíram para a seleção de temas contextualizadores e o planejamento do trabalho interdisciplinar. Esses dois eixos constituíram o objeto da nossa investigação, isto é, avaliar os impactos da cultura de cana-de-açúcar e seus subprodutos na região de Jaú, com a nalidade de subsidiar o ensino e a aprendizagem de forma inter e multidisciplinar. Passamos, pois, a descrever o processo de elaboração desses eixos pelos professores da escola pública de Ensino Médio.

O tema contextualizador

A seleção do tema contextualizador foi feita em função do interior do estado de São Paulo estar coberto de plantações de cana-de-açúcar para a produção de álcool e açúcar. Muitos alunos são oriundos de famílias de trabalhadores agrícolas e todos convivem com os efeitos da queima da palha da cana na poluição ambiental e na saúde dos moradores. Trata-se, pois, de uma questão de vivência dos alunos. O tema “os impactos da cultura da cana-deaçúcar” foi considerado relevante pela equipe escolar e pelos pesquisadores da universidade, porque esta região possui um grande número de destilarias e usinas de açúcar e álcool. Por outro lado essa atividade agroindustrial também gera recursos nanceiros para a cidade por meio da arrecadação de impostos, desenvolvimento do comércio e prestação de serviços. Introduzida no Brasil no século XVI, o cultivo da cana-de-açúcar ocorreu, inicialmente, principalmente no nordeste brasileiro (Pernambuco e recôncavo baiano) e na região sudeste (São Paulo), onde foi instalado o primeiro engenho produtor de açúcar, em 1533. Pero de Magalhães Gandavo, em seu livro Tratado da Terra do Brasil, escrito possivelmente em 1560, con-tabilizava naquela época 62 engenhos de açúcar, assim distribuídos: 1. Região Nordeste: • Itamaracá: um engenho e dois em construção; • Pernambuco: vinte e três engenhos, dos quais três ou quatro em construção; • Bahia: dezoito engenhos; • Ilhéus: oito engenhos; • Porto Seguro: cinco engenhos. 2. Região Sudeste:

• Espírito Santo: um engenho; • São Vicente: quatro engenhos.

A lavoura canavieira naquele período inicial da colonização brasileira estava concentrada no nordeste. “Em meados do século XVII, o Brasil tornouse o maior produtor de açúcar de cana do mundo, na época destinado ao abastecimento da Europa, em um ciclo que durou 150 anos (RODRIGUES e ORTIZ, 2006, p. 5)”. Para saber mais sobre a introdução da cana-de-açúcar no Brasil, ver Mendes Jr; Roncari et al., 1991. No século XIX, os engenhos de açúcar entram em decadência – descrita nas obras Menino de Engenho, 1932; Doidinho, 1933; Banguê, 1934; Moleque Ricardo, 1935; Usina, 1936; Fogo Morto, 1936, do escritor brasileiro José Lins do Rego (1901-1957), nascido na cidade de Pilar, interior da Paraíba. Naquele século a cultura da cana-de-açúcar foi substituída pela do café como principal produto de exportação brasileira. A principal área de produção cafeeira instalou-se no sudeste brasileiro, principalmente no interior do estado de São Paulo. Um novo ciclo surge na década de 1970 com a crise do petróleo. Em 1975, o governo brasileiro lança o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool). Esse programa tinha como nalidade produzir um biocombustível que fosse alternativo à gasolina. Com o programa, várias áreas foram bene ciadas com aporte de verbas: a indústria automobilística (desenvolvimento de um motor para o etanol combustível), as usinas produtoras de álcool (aumento da produtividade). O programa teve seu auge entre 1986 e 1989 quando 90% dos automóveis fabricados no Brasil eram movidos a álcool. Na década de 1990, devido a problemas de gerenciamento, o Pró-Álcool entrou em crise, sendo retomado novamente no início de 2000. A partir do Pró-Álcool a região produtora desloca-se para a região sudeste e o estado de São Paulo torna-se o maior produtor do Brasil de cana, álcool e açúcar. Atualmente, o estado abarca 88 por cento do volume de cana-de-açúcar, 89 por

cento de álcool e 90 por cento de açúcar produzido no Brasil. Para mais detalhes ver Rodrigues e Ortiz (2006). No estado de São Paulo a indústria sucroalcooleira está concentrada nas mesorregiões de Araraquara, Bauru, Campinas, Piracicaba e Ribeirão Preto. A cidade de Jaú, local da escola em questão, localiza-se na mesorregião de Bauru, centro geográ co do estado. Cerca de 90 por cento da área do município destina-se a plantação de cana-de-açúcar empregando sete por cento da população economicamente ativa nesta indústria. Os mapas a seguir localizarão o município de Jaú no estado de São Paulo; ver Figura 1. A escola está localizada em Jaú (22° 17’ 44” S e 48° 33’ 88” W) interior do estado de São Paulo, Brasil. Figura 1 – O mapa (A) indica a localização das mesorregiões do estado de São Paulo,o (B) a mesorregião de Bauru, o (C) a microrregião de Jaú e o (D) o município de Jaú.

(Fonte: Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatatística - IBGE)

A construção do trabalho interdisciplinar

A m de atingir os objetivos propostos no inicio do trabalho e com o intuito de formarmos os professores, para posteriormente, construírem metodologias didáticas, iniciamos reuniões com a equipe docente e diretiva da escola. As primeiras envolviam todo o grupo em um estudo teórico sobre a interdisciplinaridade, e estudos didáticos sobre como passar do plano dos estudos e da discussão para o plano da ação e, efetivamente, chegar à sala de aula e desenvolver o projeto com os alunos. Cada disciplina com seus objetos de estudo, com suas peculiaridades de caráter essencialmente disciplinar e tratamentos didáticos especí cos, mas articulada pelo projeto, ou seja, pelo tema comum, consciente do caráter inter e multidisciplinar em uma visão sistêmica como uma teia em que tudo se inter-relaciona. A ideia inicial do grupo de professores foi a de construir um mapa conceitual a partir do conceito de energia e, por meio dele, estruturar as relações que as disciplinas deveriam procurar estabelecer. A Figura 2 indica os possíveis temas a serem trabalhados. Tendo o Sol como fonte primária de energia, podemos relacioná-la com outras fontes secundárias, e.g., hidrelétrica, termelétrica, eólica. Também podemos discutir a utilização direta da energia solar. A elaboração da Figura 2 teve início com uma discussão sobre quais conteúdos concernentes ao tema deveríamos abordar. Dessa forma, vários conteúdos surgiram, em um primeiro momento sem a devida ordem em que deveriam ser abordados. Para ilustrar, basta dizer que os primeiros conteúdos especí cos que nos vieram em mente foram os conceitos de energia e suas relações sobre o processo fotossintético, bem como sobre a Termodinâmica e a e ciência energética, haja vista a importância que as fontes renováveis e seu uso e ciente tem neste momento no panorama mundial, em que os efeitos do aquecimento global se fazem sentir. O álcool combustível gura como um elemento para atenuar a emissão de gases estufa, pois a sua utilização emite menos dióxido de carbono CO2 do que a gasolina e no processo de sua obtenção, temos o plantio da cana que demanda para seu

crescimento a síntese do carbono atmosférico, no processo da fotossíntese, para transformar em biomassa. Figura 2 – Esquema algumas conexões entre os temas que podem ser trabalhados durante o projeto. O esquema foi desenvolvido por professores do projeto.

O etanol de cana-de-açúcar é muito mais vantajoso porque a quantidade de biomassa e biocombustível produzida por unidade de área é superior à de qualquer outro vegetal, assim como seu balanço energético (LEITE, 2007, p. 53). Estudos já haviam constatado que orestas em crescimento absorvem, mais dióxido de carbono do que orestas “estáveis”, no entanto, essa diferença entre absorção e emissão tende a diminuir, talvez perigosamente (estamos pesquisando estudos que quanti quem a emissão e absorção), quando, na colheita, se queima o canavial para a execução dos rudimentares métodos de colheita, mas que geram empregos, pois demandam mão-de-obra. Essa queimada causa muitos problemas para o ambiente global, potencializando o

efeito estufa devido à emissão de dióxido de carbono e para a saúde local, pois a colheita coincide com o outono, um período com baixa umidade relativa do ar. Procuramos uma compreensão do conceito de energia tendo como núcleo a conceituação de energia potencial, cinética e relações entre trabalho e energia – do ponto de vista da Física. Sabemos que o conceito de energia é essencial também em outras disciplinas como, por exemplo, na Biologia no processo da fotossíntese, em que a luz cede energia para a cloro la e a energia retida vai permitir a síntese de glicose a partir da molécula de CO2, molécula bioenergética por excelência. Podemos evidenciar o princípio da conservação da energia no processo da fermentação alcoólica, e ainda difundir a noção de alimentos em Bioquímica que são constituídos de moléculas cuja energia armazenada, presente nas ligações químicas, pode ser liberada para ser utilizada pelo organismo. Ao estudarmos a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, percebemos que algumas usinas são autossu cientes na geração de energia consumida no complexo industrial, pois dispõem de unidades termelétricas com caldeiras alimentadas pelo bagaço da cana, em um exemplo de utilização racional do resíduo da cana. Tivemos notícias que entre algumas usinas, em algumas situações, existe um comércio do bagaço para suprir suas necessidades energéticas. Estadua-se a possibilidade utilizar o bagaço de outra forma além da queima, pois no futuro as usinas poderão converter a bra da cana em etanol, por meio de hidrólise, aumentando a produção do combustível e aproveitando o bagaço e a palha (LEITE, 2007). Sabemos que as decisões e políticas energéticas de um país são resultantes de variáveis que compõem o cenário político, econômico e social, portanto, os alunos precisam compreender essas relações a partir do tema contextualizador. Assim, a área de História e Geogra a se propôs a pesquisar com os alunos os impactos da cultura de cana-de-açúcar no município tomando como base os dados de migração de mão-de-obra de outras regiões do país, os impactos nos sistemas de saúde e educação locais, os direitos dos trabalhadores rurais, o

aumento de habitações na periferia da cidade, e as implicações éticas envolvidas nesse processo. Avaliar os impactos econômicos dessa produção de energia na região do município cou a cargo da área de Matemática que vem levantando as áreas agrícolas ocupadas, o tamanho das propriedades rurais, avaliando se há concentração de renda e veri cando o monopólio das poucas usinas que compram a produção na região e consequentemente acabam por in uir no preço da tonelada da cana colhida. Avaliam também as vantagens e desvantagens de continuar com as queimadas e a colheita manual ou substituir por colheitadei-ras mecânicas. Por m, a área de Língua Portuguesa selecionou textos sobre a questão da cana-de-açúcar e, a partir de diferentes linguagens, procurou trabalhar questões estéticas, bem como os valores nelas envolvidos. Assim, o tema central energia, esquematizado a partir de um mapa conceitual, foi se constituindo em um importante elemento articulador do trabalho docente, permitindo que, dessa forma, a ação didática se centrasse em oferecer múltiplas possibilidades e habilidades para que novas signi cações fossem estabelecidas.

O conceito de energia em Biologia e suas relações interdisciplinares Por estar constantemente em pauta, o termo energia é conhecido de todos, principalmente por se fazer cada vez mais presente no cotidiano. Energia é um conceito fundamental da disciplina Biologia, uma vez que a origem e a manutenção da vida dependem das transformações energéticas armazenadas em moléculas químicas e, em última instância, eletromagnéticas, do Sol. A utilização da energia do Sol pelos seres vivos por sua vez, depende da capacidade de seres produtores em transformar a energia dos raios solares em energia química dos carboidratos, principalmente a glicose. Dessa capacidade especial dos vegetais, surgem todas as relações e inter-relações ecológicas que fazem parte de um ecossistema complexo como o Planeta Terra. No projeto, o objetivo da disciplina de Biologia foi, portanto, trabalhar utilizando-se de atividades práticas e contextualizadas para a construção dos conceitos implicados na utilização da energia pelos seres vivos e na sua importância para a manutenção da vida. As primeiras atividades didáticas realizadas dentro do projeto nos mostraram que os alunos, em sua maioria, não relacionavam a palavra energia com os processos biológicos. Um levantamento de concepções prévias possibilitou a construção de uma tabela com as principais palavras que foram estabelecidas pelos estudantes para os termos energia e glicose. Ver Tabela 1. Tabela 1 – Palavras que os alunos relacionam ao termo energia e glicose.

A partir dessa tabela, foi possível a construção dos grá cos seguintes, em que reunimos essas palavras em algumas categorias. Assim, uma análise dos resultados nos permite inferir que: 1. Os alunos fazem referência às situações que estão mais presentes no seu cotidiano, quando remetem aos termos energia e glicose; 2. Referência às fontes alternativas de energia; 3. Não estabelecem uma relação direta entre a glicose e a energia; 4. Relacionam glicose apenas a alimentos que contém2 açúcar (saca-rose) ou que são doces. Em atividades subsequentes, os alunos ainda revelaram: 1. Visão antropocêntrica dos processos biológicos; 2. Concepção de fotossíntese e respiração como dois processos contrários e sem relação; 3. Fotossíntese como um processo que só ocorre durante o dia. Figura 3 – Grá co indicando a ocorrência de palavras relacionadas ao termo energia na Tabela 1

Figura 4 – Grá co indicando a ocorrência de palavras relacionadas ao termo glicose na Tabela 1.

Problematizar com o objetivo de que os alunos investigassem e percebessem a respiração e a fotossíntese como processos paralelos – e não contrários – e a relação existente entre os organismos produtores e os consumidores e, dessa forma, compreendessem o metabolismo dos vegetais e sua importância para a biosfera da Terra. Foi proposta a seguinte questão: imagine que um animal seja colocado dentro de um vidro todo fechado. O que ocorrerá com ele? Provavelmente morrerá, porque consumirá oxigênio e produzirá gás carbônico. Quando acabar o oxigênio, ele morrerá sufocado. O que aconteceria se o mesmo fosse feito com um vegetal? A questão foi colocada para que os alunos pudessem levantar suas hipóteses e estabelecer relações com o conteúdo estudado sem o qual o resultado do fenômeno não seria compreendido. Essa fase foi considerada como um ponto muito importante da metodologia na medida em que os alunos tiveram que mobilizar vários conhecimentos, fazer previsões, observações e interpretá-las. A montagem da garrafa com o vegetal enclausurado possibilitou o levantamento das seguintes hipóteses como mostra a Figura 5.

Figura 5 – Hipóteses levantadas pelos alunos com relação ao comportamento do vegetal enclausurado.

Abaixo, a descrição da evolução das observações realizadas pelos alunos durante as duas semanas em que a montagem foi deixada no laboratório. Após uma semana: P: Então, por que será que a planta não morreu? A: Ah! Professora, não é a mesma, é? P: Mas é claro, né… Acham que eu ia trocar a planta… A: A planta não morreu porque está entrando ar por algum lugar. P: Será? A: Tá sim, senão ela já teria morrido, pelo menos murchado. P: Então, e não aconteceu nada, por que será? Após duas semanas… P: Olha a nossa plantinha… Está do mesmo jeito que a gente deixou… Vocês viram? A : Ih! Professora tem algo errado aí. P: Bom, quem acha que está entrando ar no frasco? (A maioria dos alunos levanta as mãos). E o restante, acha que a planta não morreu por quê? A: Acho que é porque ela faz fotossíntese.

P: Sim, mas o que tem isso a ver? Você pode me explicar? A: A planta produz o oxigênio. P: Mas não vai chegar uma hora que o gás carbônico do ar vai ser totalmente consumido pela planta? A: Ah! É verdade. Desculpa professora, eu não sei. P: Vamos vedar então o frasco com durepox, assim não vai ter como entrar ar. A: E pela terra, não entra ar? P: Como assim? A: Pelos furinhos no fundo do vaso. P: Ok. Vamos fechar os furinhos também…. Durante as duas semanas de observação, foram propostas atividades de pesquisa, exposição dialogada e atividades práticas, sendo que ao nal da segunda semana de observação, a maioria dos alunos conse-guiu chegar à compreensão da totalidade do processo de síntese e degradação da molécula de glicose com consequente transformação de energia e, assim, à compreensão da fotossíntese e da respiração como processos paralelos e complementares. P: Bom, pessoal, alguém consegue me responder por que a nossa planta não morreu? A: Eu acho que eu entendi, mas não to conseguindo formular uma resposta. P: Bem, vamos lá: do que a nossa planta poderia ter morrido? A: De fome… P: Isso, mas isso não aconteceu. Por quê? A: Ela realizou a fotossíntese. P: Isso, ela produziu seu próprio alimento, por isso eu z questão de deixá-la na bancada que pega mais luz do sol. E o que mais? A: De sede. P: Isso também não aconteceu; por que pessoal? A: Ela tá liberando água. Olha o frasco ta todo molhado. P: Ah! Essa água vem de onde mesmo? P: Quando a planta realiza a fotossíntese ela elimina gás carbônico e… A: Água.

gás?

A: Ah! Por isso que ela não morreu de sede. P: Mas vocês não acabaram de ver que além da água a planta libera outro

A: O oxigênio. P: Ah, então ela poderia ter morrido sufocada porque ela retiraria todo o gás carbônico do ambiente e liberaria em seu lugar o oxigênio? Como ela ia fazer pra fazer a fotossíntese sem o gás carbônico? A: Ela respira também! P: Por quê? A: Pra quebrar a glicose… A: Pra utilizar a energia da glicose… P: Isso mesmo. Se a planta respira… [Silêncio] P: O que ela faz com o ar? A: Ela pega o oxigênio e transforma em gás carbônico… P: Quando nós respiramos, que ar inspiramos? A: O oxigênio. P: Quando expiramos? A: O gás carbônico. P: Daí? A: A planta como a maioria dos seres vivos quebra a molécula de glicose por meio da respiração celular, então, ao mesmo tempo em que ela utiliza o gás carbônico, elimina o oxigênio durante a fotossíntese. A: Ela faz a troca inversa durante a produção da glicose, ou da… A: Fotossíntese. A: Então, ela renova o próprio ar? P: Exatamente. Viram como vocês iriam entender? … Todos entenderam? A: Sim… A: É legal! O objetivo da Biologia como disciplina do projeto foi mediar a construção dos conhecimentos relativos ao tema energia de maneira global e holística, o que foi possível pelas relações interdisciplinares que se estabeleceram entre as diferentes disciplinas.

Neste sentido, as sequências didáticas desenvolvidas na disciplina de Biologia facilitaram o desenvolvimento do conceito de energia na Física. Assim, o entendimento dos processos de fotossíntese e de respiração que envolvem, respectivamente, a síntese e degradação da molécula de glicose com consequentes transformações de energia (eletromagnética para química, e de química para cinética, potencial ou elétrica) favoreceu a abordagem de conteúdos ministrados na Física, como a constância de energia em meio à mudança. O princípio de conservação também pôde ser trabalhado a partir dos conhecimentos sobre o processo de fermentação alcoólica dos microrganismos, na medida em que esse tem como resultado uma molécula que não foi totalmente degradada (o álcool) e, portanto, ainda contém energia que poderá ser utilizada e transformada nos automóveis para produzir movimento. A Tabela 2 apresenta algumas contribuições da Biologia na compreensão de conceitos físicos sobre energia e vice-versa. Tabela 2 – Contribuições da Biologia na compreensão de conceitos físicos sobre energia e vice-versa.

A estratégia interdisciplinar, aliada a atividades práticas problematizadoras, baseadas na tríade perceber/relacionar/conhecer (CALDEIRA, 2005) foi essencial para a construção de conceitos, mas também para o desenvolvimento de habilidade epistêmicas, importantes para a aprendizagem de qualquer conteúdo cientí co com o qual os alunos se deparem dentro ou fora da escola. Em um mundo no qual a quantidade de conhecimentos necessários cresce de maneira exacerbada a cada dia, tão importante quanto o desenvolvimento de conceitos é o desenvolvimento de habilidades, como observar, investigar, relacionar, organizar ideias, fazer previsões, entre outras, que permitam aos

alunos estabelecerem relações mais complexas, típicas da atividade cientí ca, extremamente necessárias para a construção de conhecimentos e para as relações entre esses conhecimentos e sua vivência como indivíduos. Dessa forma, com um problema proposto em aula, cujo objetivo foi apresentar um quadro comparativo entre as capacidades de produção energética do álcool a partir da cana e a partir do milho, os estudantes foram instigados a escolher qual produção seria mais lucrativa e e ciente. Eles partiram do enunciado em questão e articularam informações de outras disciplinas, como as formas de produção das duas culturas e, também, o tipo de mão de obra utilizada, o gasto energético do trabalhador, o tipo de solo utilizado etc; o que nos fez acreditar que a estratégia utilizada pelos professores, ou seja, a interdisciplinaridade, contribuiu para que os alunos desenvolvessem uma forma de pensamento mais global do que a que estavam acostumados, tornando-se assim, mais críticos e responsáveis em relação ao assunto. Embora as disciplinas cientí cas estejam mais nitidamente relacionadas ao tema, as disciplinas da área de Ciências Humanas estabeleceram relações que, a nosso ver, são essenciais para que o indivíduo venha a formar uma correta visão do mundo e dos fenômenos biológicos. A Tabela 3 destaca as principais contribuições ou relações interdisciplinares que foram estabelecidas entre as demais disciplinas e a Biologia. Tabela 3 – Relações interdisciplinares estabelecidas entre a Biologia e as demais disciplinas.

Discussão

Um projeto interdisciplinar como esse, fundamentado na realidade e na necessidade dos indivíduos envolvidos, representa um grande potencial para o desenvolvimento cientí co dos envolvidos, uma vez que permite a motivação dos alunos. É muito comum escutarmos críticas aos adolescentes desinteressados na aprendizagem escolar, desmotivados com relação ao conhecimento sistematizado. Sabemos que a motivação é um fator fundamental no processo de construção de conhecimentos, pois o aluno só será um agente ativo nesse processo ao sentir-se motivado para tal. Nesse sentido, a escolha das atividades pelos professores do projeto, principalmente no que se refere ao ensino de Biologia, objeto do presente estudo, foram relevantes para o estabelecimento da relação professor-aluno, na qual o educador exerceu papel de mediador da construção do conhecimento cientí co escolar, e os alunos, por meio de diferentes estratégias, desenvolveram compreensões signi cativas sobre o tema proposto, para o qual mobilizaram diferentes habilidades do pensamento. O laboratório didático teve um relevante papel na motivação dos alunos, ao permitir a saída da rotina da sala de aula, assim como na possibilidade do desenvolvimento de atividades práticas contextualizadas que se mostraram positivas para a montagem de estratégias investigativas, nas quais os alunos desenvolveram diferentes habilidades, dentre elas, a observação, o levantamento de hipóteses, a análise de dados, as generalizações e a organização de ideias. O interesse dos alunos, antes e após a realização do projeto, foi observado nas atividades avaliativas, mas também pela frequência nas aulas e nas relações que se estabeleceram entre os alunos e o professor; no levantamento de questões por parte do corpo discente, na expressão de suas dúvidas, na entrega de atividades propostas, na atenção às aulas, no cuidado com os materiais do laboratório – local onde os alunos mostraram preferência para a realização das aulas

Outro importante fator a ser apresentado é a constante ligação que os alunos faziam com os conteúdos apresentados pelas outras disciplinas, sinalizando que a interdisciplinaridade, dentro dos objetivos do projeto, estava sendo e caz, pois as analogias entre as partes e o todo foram estabelecidas pelos alunos, que conseguiram enxergar uma inter-relação entre os conhecimentos das diferentes áreas. Por m, destacamos a importância de se tratar assuntos relacionados aos processos naturais de maneira holística, com os processos em todos os níveis da vida sendo explicados de maneira conjunta. Observações como a que citamos abaixo nos revelou a necessidade dessa estratégia: A: Nossa, professora, a gente sempre aprendeu isso e eu nunca tinha imaginado que uma coisa fazia parte da outra, que tinha relação… P: Como assim? A: A respiração, por exemplo, eu imaginava que era uma coisa e a respiração celular, outra… Assim eu percebi como a gente é perfeito… o sistema circulatório, respiratório, e o digestivo é tudo uma coisa só. Se faltar um o outro não funciona. A: As trocas de gases e a produção e consumo de alimento também, né dona, se faltar um ser vivo, o outro é prejudicado. Avaliação do processo de construção do projeto interdisciplinar e contextualizado

Discordamos de autores que, como Olga Pombo5, apontam para a inexistência de uma pedagogia da interdisciplinaridade e podemos a rmar que a partir das atividades desenvolvidas com esse grupo de professores conseguimos elencar o que nomeamos de “Passos para uma Pedagogia da Interdisciplinaridade”. Assim podemos propor um trabalho interdisciplinar e contextualizado que tenha como articulador do processo pedagógico os seguintes elementos. Organização do coletivo escolar

1. Formação de um grupo de professores interessados em trabalhar conjuntamente; 2. Eleição de um tema contextualizador presente ou próximo à realidade escolar e que apresente potencialidades de ser explorado conforme os eixos ético, estético, comunicacional, socioeconômico, político-cultural, cientí cotecnológico e ambiental; 3. Construção de mapas conceituais que se constituam em diagramas de suporte ao trabalho docente; 4. Elaboração de estratégias em que os alunos possam participar de todas as sequências didáticas, problematizando a partir dos elementos da realidade, estabelecendo relações a partir das pesquisas e leituras realizadas, produzindo relatórios parciais em cada fase estudada e por m, comparando esses relatórios e escrevendo textos a partir dos eixos selecionados. O processo de ensino Consideramos que na vertente do ensino destacam-se os seguintes constituintes fundamentais: 1. O trabalho interdisciplinar; 2. O contexto da experiência; 3. O papel do professor; 4. A mediação de diferentes linguagens. O trabalho interdisciplinar, que se iniciou multidisciplinarmente, foi se caracterizando no decorrer da experiência, na medida em que os limites das disciplinas foram rompidos em favor da construção de relações e explicações em que os signos cientí cos, linguísticos, matemáticos, sociais e conceituais sendo apropriados de forma integradora pelos professores. Caracterizou-se uma relação de interdependência conceitual que foi se revelando necessária para a interpretação da realidade referente aos fenômenos estudados. O contexto da experiência pode ser avaliado como elemento de ligação entre a realidade e as possibilidades de interpretação da mesma. O papel do professor manifesta-se procedimento tradicionalmente apontado pela didática como sendo o de

mediar, mas deve possibilitar, também, o acesso às experiências complexas, potencializando aproximações por meio da articulação entre o desenvolvimento de novas experiências e permitindo que diversas habilidades e linguagens sejam incorporadas. Para conseguir esse patamar deve incorporar uma didática que privilegie não somente experiências (no sentido tradicional), mas também proporcionar atividades práticas para a utilização de linguagens decorrentes de uma atitude mental inter e multidisciplinar. Isso proporcionará aos alunos maior condição de estabelecerem novos signi cados aos conceitos cientí cos. A metodologia proposta, nesse trabalho, pressupõe uma ação pro ssional e intelectual calcada em sólidos conhecimentos cientí cos e metodológicos que têm como matriz um ensino pautado pela mediação do professor. Este deve, contudo, deixar possibilidades aos alunos para que estabeleçam suas próprias hipóteses sobre os fenômenos estudados no processo de construção de signi cados oriundos da participação ativa entre professores e alunos. Do ponto de vista didático, queremos ressaltar que não entendemos que deva haver um momento especial da aula para deixar que os alunos formulem suas hipóteses e, mesmo que, inicialmente, elas não surjam, os estudos devem prosseguir no decorrer das experiências formuladas pelo professor. A própria ação de investigar/coletar dados subsidiará o surgimento de hipóteses que podem ser menos elaboradas de início, mas que no decorrer das experiências poderão se tornar mais fecundas. A elaboração pelo professor, em conjunto com a classe,de uma hipótese inicial de investigação pode ajudar os estudantes a entender os objetivos da experiência e suas variáveis e, à medida que essa vai se caracterizando (somada às outras atividades didáticas) o aluno passará a entendê-la mais claramente. Esse entendimento o ajudará a formular suas próprias dúvidas e alevantar novas hipóteses para resolvê-las. A mediação de diferentes linguagens tem um papel fundamental no trabalho interdisciplinar, pois poderemos avaliar linguagens, habilidades do pensar e conteúdos desenvolvidos nos processos de aprendizagem. Além das análises didáticas, interessa-nos, particularmente, os resultados dessa aprendizagem, pois entendemos a necessária articulação entre ensino e aprendizagem. O processo de aprendizagem

O tema central energia, esquematizado a partir de um mapa conceitual, vem constituindo-se em um importante elemento articulador do trabalho docente, permitindo que, dessa forma, a ação didática se foque em oferecer múltiplas possibilidades e habilidades para que novas signi cações sejam estabelecidas. Essa rede de signi cações pode ser tecida no que Caldeira (2005) denominou Domínios Epistêmicos para a construção do conhecimento em Ciências naturais. Domínios que podem ser classi cados em três níveis interconectados e sem nenhuma hierarquia preestabelecida: 1. Das linguagens e seus valores; 2. Das habilidades cognitivas; 3. Dos conceitos cientí cos. No domínio das linguagens e seus valores foram selecionadas sequências didáticas que – a partir de textos de autores de Literatura brasileira sobre a produção da cana-de-açúcar, área em que há a presença de uma extensa produção escrita, bem como de textos das áreas de Geogra a e História, nas quais foram desenvolvidos aspectos políticos, econômicos e sociais – pudessem subsidiar a compreensão de como essa cultura se instalou, se desenvolveu e se encontra em plena expansão no país, propiciando a formação de um conjunto de conceitos e de valores por parte do aluno. No domínio das habilidades cognitivas , buscamos pensar em atividades didáticas que permitissem aos alunos: a) observar, descrever, identi car, comparar, coletar dados, experimentar, somar ideias, elaborar tabelas, grá cos, esquemas, sistematizar (por meio de textos, maquetes, relatórios), interpretar dados; b) relacionar: adquirindo essa habilidade, os alunos podem mais facilmente estabelecer analogias, confrontos, associação entre fenômenos, ainda que, a princípio, de forma não muito elaborada. Essa habilidade pode ser ampliada se o aluno for instigado a compreender e avaliar problemas presentes no seu cotidiano, compreender relações entre causa e efeito em situações não complexas, procurar novas evidências, relacioná-las a novos exemplos, identi car situações contrárias, encontrar novas possibilidades para resolução

dos confrontos que forem surgindo no processo. O estabelecimento de relações acontece por meio do desenvolvimento de habilidades e da interpretação de novos signos, permitindo que o universo fenomênico do aluno seja acrescido de diversos elementos que irão enriquecer sua linguagem e suas interpretações da realidade. Nesse processo o aluno aprende a raciocinar “sobre” e “por meio de” fenômenos naturais ao formalizar conceitos e, concomitante-mente, incorporar inúmeras habilidades. Em relação ao domínio dos conceitos cientí cos , os alunos, a partir dos conceitos descritos no mapa conceitual, relacionaram as noções de energia nas disciplinas de Física, Biologia e Química. Também puderam entender que a matriz energética de um país é uma decisão política que afeta toda a população. Além disso, reconheceram que a cultura da cana-de-açúcar está presente na cultura brasileira, e.g., na literatura, nos hábitos. Ao constituirmos ideias ao nal de cada conjunto de atividades, procuramos elaborar situações para que os alunos adquirissem a competência de “organizar” e selecionar as informações pertinentes que foram trabalhadas no decorrer do processo de ensino e aprendizagem, a m de que os conceitos principais apreendidos se tornassem objetos de conclusões, ainda que parciais. Esses elementos citados anteriormente precisam ser mais estudados, principalmente no que se referem aos processos de aprendizagem. É necessário, ainda, avaliar quais seriam as relações fundamentais para que o aluno, a partir de um tema gerador, aprenda a problematizar e sustentar essa busca por respostas com conteúdos especí cos das disciplinas e volte a interpretar a questão original, ou outras, de forma mais elaborada.

Considerações nais Se carmos atentos às manchetes de jornais, telejornais etc., notaremos que a Ciência está presente em discussões sobre as emissões de CO2, aumento do efeito estufa, mudança climática. Devemos ter o cuidado de não transformar o Ensino de Ciências em “ativismo”, sem signi cado para o aluno. É nele que o professor, ao organizar as atividades e enfocando os conceitos em estudo, proporcionará aos alunos a aproximação desejada e possível – ainda que não totalizante – das explicações cientí cas aceitas hoje para os fenômenos naturais. A partir dessa formulação para o desenvolvimento de habilidades, os conceitos cientí cos serão compreendidos de forma ágil e não dogmática. É nesse nível de realização, para alcançar o interpretante formal, que os alunos não só sistematizam os conceitos aprendidos, mas ainda comunicam ideias e trocam opiniões; desse modo, surgem novas hipóteses e/ou corroboram as que tinham sido estabelecidas. Nessa fase, o professor pode utilizar instrumentos como a confecção de relatórios, resumos, representações. Assim, podemos propor um trabalho interdisciplinar e contextualizado que tenha como articulador do processo pedagógico os seguintes elementos: a) formação de um grupo de professores interessados em trabalhar conjuntamente; b) eleição de um tema contextualizador presente ou próximo à realidade escolar e que apresente potencialidades de ser explorado conforme os eixos ético, estético, comunicacional, socioeconômico, político-cultural, cientí co-tecnológico e ambiental; c) construção de mapas conceituais que se constituam em diagramas de suporte ao trabalho docente; d) elaboração de estratégias em que os alunos possam participar de todas as sequências didáticas, problematizando a partir dos elementos da realidade, estabelecendo relações de acordo com as pesquisas e leituras realizadas, produzindo relatórios parciais em cada fase estudada e, por m, comparando esses relatórios e escrevendo textos a partir dos eixos selecionados. Entendemos que a experiência desenvolvida com os professores permitiu a geração de interpretantes que subsidiam a compreensão de fenômenos que dão suporte ao contexto escolhido bem como permitiu que um trabalho que se iniciou multidisciplinar se tornasse paulatinamente interdisciplinar na dependência das relações estabelecidas entre as áreas.

No decorrer desses dois anos, pudemos avaliar as di culdades e as possibilidades de realizar um trabalho de pesquisa em conjunto com professores da rede de ensino pública. Vencida a fase de resistência inicial dos docentes, em procurar explicar os problemas de ensino e de aprendizagem por meio do senso comum de suas vivências, foi possível convidá-los a leituras de textos sobre interdisciplinaridade, à elaboração de resenhas e à participação nas discussões com propostas didáticas mais elaboradas. Os diagramas propostos pelo grupo de professores nos permitiram avaliar que a fase inicial do projeto propiciou ao professor a reunião de elementos sobre o fenômeno em estudo, a partir de suas próprias percepções, o que potencializou o surgimento de uma observação mais acurada e o estabelecimento de relações de ensino entre as diferentes disciplinas, exercício que seria mais difícil sem a elaboração dos mapas conceituais.

1 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 2 Licenciada em Biologia. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 3 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 4 Professor Assistente Doutor do Departamento de Física da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP e do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, também da Unesp; ([email protected]). 5 POMBO, O. Interdisciplinaridade: Ambições e Limites. Lisboa: Relógio d’Àgua, p. 203, 2004.

Referências bibliográ cas

CALDEIRA, A. M. D. A. Semiótica e a Relação Pensamento e Linguagem no Ensino de Ciências Naturais. (Livre Docência). Departamento de Educação, Universidade Estadual Paulista, Bauru, p. 105, 2005. LEITE, R. C. D. C. Etanol, o melhor dos biocombustíveis. Scienti c American Brasil, Edição especial, n.12, p. 52-7, 2007. MENDES JR, A.; RONCARI, L.; MARANHÃO, R. Brasil História texto e consulta: colônia. São Paulo: Hucitec, 1991. PIVETA, M. Pouco gás na oresta amazônica. Revista pesquisa FAPESP, v. 72, fevereiro, p. 36-43, 2002. POMBO, O. Interdisciplinaridade: Ambições e limites. Lisboa: Relógio D’Água, 2004. RODRIGUES, D.; ORTIZ, L. Em direção à sustentabilidade da produção de etanol de cana de açúcar no Brasil. Vitae Civilis e Amigos da Terra. São Paulo, p. 37, outubro 2006. Disponível em: Acesso em 2 maio 2008.

A cção cientí ca como estratégia pedagógica interdisciplinar: aproximando as Ciências e a Arte Eliane Cerdas Labarce1 Richael Silva Caetano2 Jehud Bortollozi3

Introdução

O presente trabalho procura discutir as possibilidades da utilização de um lme comercial de cção cientí ca para o desenvolvimento de aulas de Genética, especialmente do conteúdo Evolução Biológica, em interdisciplinaridade com a Matemática. Em outras palavras, é uma proposta de exploração de alguns vínculos entre a Ciência e a Arte, especialmente o cinema, utilizado aqui como material didático e estratégia de motivação para a aprendizagem de conteúdos cientí cos, tornando-os mais atrativos e interessantes. As di culdades encontradas pelos professores em relação a uma prá-tica diferenciada em sala de aula aparecem em muitas pesquisas na área da Educação para a Ciência. Claxton (1994) apontou a fragmentação do ensino como um dos principais obstáculos à aprendizagem de Ciências, não apenas por fragmentar conteúdos que seriam mais bem compreendidos se fossem abordados sob uma visão mais integrada dos conhecimentos, ou interdisciplinar, mas também e não menos importante, por dividir o próprio currículo, como o da Biologia, em tópicos que acabam por reduzir os processos estudados a partes de um nível ou sistema biológico sem relacioná-los, de maneira que ele não é visto ou compreendido em sua totalidade. A educação atual ensina a separar, compartimentalizar, isolar, e não a unir os conhecimentos, de maneira que o conjunto deles constitui um quebracabeça ininteligível para o aluno que não é capaz de montá-lo sozinho. Com isso, os problemas globais desaparecem em benefício dos particulares, o que resulta, como a rmou Morin (2002), em uma atro a da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar. Isso pode gerar a alienação e a irresponsabilidade nos aprendizes, que não tomam parte na reconstrução conceitual dos fenômenos estudados e, portanto, não se sentem capazes de ressigni cá-los (LUCK, 1994). A interdisciplinaridade pode possibilitar um ensino qualitativamente melhor do que o realizado, pois compreende troca, cooperação, uma verdadeira

integração entre as disciplinas de modo que as fronteiras entre elas tornem-se invisíveis destacando o global ou complexo. Nesta visão interdisciplinar, o tema a ser estudado está acima dos domínios disciplinares, o que permite o desenvolvimento e a compreensão de múltiplos conhecimentos que se entrelaçam. Assim, muitas das di culdades encontradas pelos professores são, em parte, os re exos da dicotomia entre a Ciência e a Arte, que é ainda um paradigma vigente em todos os campos do conhecimento humano. No campo educacional, essa dicotomia contribui para estigmatizar o ensino dividindo-o em várias áreas, cujos conteúdos apresentam-se individualizados e sem qualquer conexão entre si, além de empobrecê-lo, desprezando recursos que poderiam ter um alto valor para a aprendizagem. O físico e escritor inglês C. P. Snow (1905-1980) a rmava que a separação entre as duas culturas, Ciência e Arte, di cultava a busca pela solução de graves problemas que afetavam a humanidade, uma vez que a Ciência fornece a motivação racional, que nutre a intuição estética, artística e a arte oferece instrumentos intuitivos para se apropriar dos conceitos que a Ciência propõe (PUJOL, 2002). Existe, hoje, um movimento internacional para reaproximar o campo das chamadas Ciências Humanas e Sociais – no qual se insere a Arte – do campo das chamadas Ciências Naturais – físicas, biológicas, matemáticas – e a tecnologia nelas embasada. Cursos como Biologia Celular, Biologia Parasitária, Genética e Biologia Molecular têm acumulado protótipos diversos de estratégias de ensino que articulam Ciência e Arte sobre temas especí cos, propondo a educação por meio de instrumentos como jogos de computador, enquetes, peças de teatro, modelos, dramatizações, maquetes, colagens, protocolos de estudos dirigidos e aulas alternativas utilizando imagens cientí cas e artísticas como as de lmes, comerciais, entre outros (LA ROQUE et al. 2007). Algumas dessas estratégias já ganharam formato de publicações, por meio de fascículos e sítios da internet (ARAÚJO JORGE et al., 2004; MATTOS et al., 2004).

O uso de material audiovisual aparece como uma dessas estratégias e tem sido amplamente difundido nos diversos níveis de ensino, do fundamental ao universitário. A importância deste tema é grande, uma vez que a sociedade moderna tem no uso da imagem e do som uma de suas principais características. No ambiente escolar, o uso desses recursos como instrumentos de apoio ao ensino data dos primórdios do desenvolvimento desses meios. Seja com as primeiras tentativas de utilização do rádio como ferramenta de disseminação educacional e cultural, seja pelas tentativas de introdução dessas mídias nas escolas, quer pela TV, quer pelo uso de instrumentos multimídia (utilização de CD-ROM, acesso à Internet), embutidos dentro do projeto do MEC para aquisição e implantação de computadores nas escolas (ROSA, 2000). Segundo Oliveira (2006), desde o início da difusão do “cinema como diversão”, lmes foram utilizados também como material didático, particularmente no Ensino de Ciências. Alguns países europeus testemunharam, no início da década de 1910, um grande orescimento de documentários e lmes escolares, enfocando, sobretudo, a Zoologia e a Botânica. Antes do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, centenas de documentários didáticos já haviam sido produzidos na França. Sequências de imagens sobre a reprodução animal, sobre ciclos de vida das plantas, explosões vulcânicas ou sobre eclipses solares ajudavam a tornar currículos mais interessantes e explicações mais compreensíveis. O professor, enquanto o lme corre, chama atenção dos alunos para os detalhes que julga mais importantes. E todos compreendem o fenômeno descrito porque podem “ver” com seus próprios olhos a natureza em plena ação. O lme exerce desse modo o papel de denominador comum daquelas inteligências juvenis. Nivela-as pelo mesmo interesse no espetáculo e pelo poder que a imagem tem de tornar instantaneamente compreensíveis noções que as palavras nem sempre transmitem com delidade (LAPONTE apud ESTEVES, 2006, p. 121).

Entre os diversos materiais disponíveis, existem aqueles construídos com base em rigorosa seleção e abordagem dos conceitos e princípios centrais do conhecimento: animações, documentários e vídeos, que são produzidos para serem utilizados em aula e assim, garantir a aprendizagem de conceitos

(embora isso nem sempre aconteça). No entanto, o acesso a esses materiais nem sempre é fácil. Apesar de alguns deles estarem disponíveis gratuitamen-te na internet, muitas vezes integram livros relativamente caros, ou são comercializados a preços incompatíveis com as condições de professores de escolas públicas. Como consequência, os relatos do uso desse material tem se concentrado no ensino universitário, como apontam Maestrelli e Ferrari (2006). Por outro lado, Ainda que contenham imagens impressionantes e exemplos esclarecedores, lmes didáticos não mobilizam a emoção da mesma forma que as narrativas romanceadas. A exatidão sem dramaticidade é algo monótono. É com personagens e suas histórias que nos identi camos e nos projetamos. É nas tramas dessas narrativas que somos pegos. Fantasias e cções falam de realidades que não aparecem noutros registros. Elas apresentam de uma forma não argumentativa, mas gurativa, as possibilidades da ciência e seus desdobramentos, permitindo uma visualização e uma vivência através da transposição que a linguagem cinematográ ca possibilita e que se faz tão marcante (OLIVEIRA, 2006).

Para esse autor, é nas cções cientí cas que primeiramente pensamos quando se fala de Ciência no cinema. Ficções cientí cas são produções em que a Ciência parece ser a personagem central. Aqui a dimensão ccional é evidente, pois, ainda que verossímeis, essas narrativas quase nunca são factíveis, ou seja, são fantasiosas (irreais) ou irrealizáveis nas atuais condições do conhecimento. Sejam elas otimistas ( De volta para o futuro) ou sombrias e ameaçadoras ( Fahrenheit 451), elas representam uma espécie de experimento mental sobre os possíveis usos e implicações da Ciência e da tecnologia. Mas a cção cientí ca não é, obviamente, o único gênero de lme a projetar imagens sobre a Ciência, os cientistas ou as sociedades nele centrada. Filmes de aventuras, dramas, comédias e desenhos têm também sua parcela de contribuição na formação de estereótipos, modelos e expectativas que acabam por se constituir como referências comuns pelas quais a Ciência e a técnica são percebidas por grande parte da sociedade, formando assim o senso comum que percebe e discute, até decide, os rumos e os limites da Ciência e da Tecnologia. O fantástico que vem à tela deve ser ao menos admissível da perspectiva cientí ca, como se todo o “misterioso” tivesse uma explicação racional. É claro

que nem sempre é possível acompanhar essas explicações, pois elas se apoiam em teorias complicadas e extraordinárias, irreais, mas que parecem plausíveis. Um dos recursos para tornar as especulações aceitáveis é o uso de terminologias so sticadas, e é nesse ponto que entra o papel do professor como mediador da aprendizagem desses conceitos que na maioria das vezes aparecem distorcidos nessas obras. O uso de lmes comerciais também representa uma estratégia para discussão da prática da Ciência, pois a concepção de como ela funciona na prática é outro aspecto que vai sendo difundido por meio de lmes. Uma vez que a Ciência que se aprende na escola não privilegia (como deveria) essa dimensão, os lmes se tornam um dos principais veículos de formação destas noções: o papel dos sujeitos envolvidos na construção do conhecimento cientí co, os valores morais e as pressões sociais, econômicas e políticas exercidas sobre a produção cientí ca (BOWMAN, 2005; FLORES, 2002; SELF et al.,1993; GOLDMAN, 1987). Para Oliveira (2006), lmes expressam o olhar não só das pessoas envolvidas em sua montagem, mas, indiretamente, revelam o imaginário de seus espectadores, pois antes mesmo de vir a contribuir na formação e reforço de hábitos culturais, a produção de um determinado lme leva em conta a visão de seu público-alvo, seu universo de referências, conhecimentos e expectativas. Nesse sentido, revelam mais do que outras produções artísticas, como um livro ou pintura, o olhar de uma época ou de uma sociedade. Eis aqui outro ponto em que o pedagógico pode se apoiar. Filmes comerciais têm sido utilizados na área de Ensino de Ciências Biológicas, tanto para tratar de assuntos relacionados à saúde quanto à educação. Existem relatos do uso de lmes comerciais no ensino superior não só para auxiliar o ensino de temas ligados à Microbiologia, Farmacologia, Psicologia e Psiquiatria (BHAGAR, 2005; LEPICARD e FRIDMAN, 2003; GARCIA SANCHEZ et al., 2002; FRITZ e POE, 1979; ALEXANDER et al., 1994; PAPPAS et al., 2003; FARRE et al., 2004; SIERLES, 2005; CRELLIN e BRIONES, 1995; BAUMANN et al., 2003; KOREN, 1993), como também para abordar o trato com os pacientes, principalmente nos

cursos de Enfermagem (HYDE e FIFE, 2005; ELDER e SCWARZER, 2002; MASTERS, 2005; WALL e ROSSEN, 2004; MATUSEVICH e MATUSEVICH, 2005; WEERTS, 2005; HYLER e SCHANZER, 1997 . MAESTRELLI e FERRARI, 2006). Diante do exposto, independentemente de conceitos teóricos que se deseja abordar, um lme, assim como muitos outros tipos de criação artística, pode ser usado para tornar a Ciência e, consequentemente, as aulas de Ciências, mais atrativas e interessantes. Como lembra Bachelard (1968), embora as Artes se cristalizem no plano sensível, e as Ciências no plano do pensamento formal, é preciso não perder de vista que ambas advêm de um pensador criativo que desconstrói a natureza para construir e estudar, respectivamente, fenômenos formalizados na instância cognitiva ou expressos no mundo da experiência estética.

Algumas considerações sobre o enfoque interdisciplinar

Conforme se apresenta nos documentos o ciais para o Ensino Médio (BRASIL, 2002), a interdisciplinaridade e a contextualização devem ser entendidas como recursos complementares com os quais se pode criar ou aumentar as possibilidades de interação entre as disciplinas, tornando a aprendizagem mais satisfatória. Em uma perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista. Resumindo, a função da interdisciplinaridade é instrumental; trata-se de recorrer a um saber diretamente útil, utilizável para responder às questões e aos problemas sociais contemporâneos. O termo interdisciplinaridade ou, comumente apregoado nos meios educacionais, ensino interdisciplinar, pode ser melhor compreendido a partir de um olhar minucioso sobre tal temática, buscando a compreensão de suas raízes epistemológicas, sociológicas ou losó cas, en m, de quais áreas do conhecimento o fundamenta. Conforme Gadotti (1999): A interdisciplinaridade, como questão gnosiológica4, surgiu no nal do século passado, pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação causada por uma epistemologia de cunho positivista5. As Ciências haviam-se dividido em muitos ramos e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo menos, um diálogo entre elas, embora não resgatasse ainda a unidade e a totalidade (GADOTTI, 1999, p. 1, grifo do autor).

Para esse autor, a fragmentação das Ciências fora necessária ao avanço cientí co, possibilitando a este o aprofundamento das Ciências em especi cidades do saber. Porém, as Ciências Humanas encontravam di culdades para galgar suas pesquisas a partir de um enfoque positivista; segundo Gadotti: “A tradição positivista de só aceitar o observável, os fatos, as coisas, trouxe problemas para as ciências humanas, cujo objeto não é tão

observável quanto o objeto das ciências naturais, modelo sobre o qual se funda o paradigma do positivismo” (GADOTTI, 1999, p. 1, grifo do autor). No campo educacional, a interdisciplinaridade constitui-se alvo de pesquisas há algumas décadas, e não recentemente, como muitos pensam. Desde 1912, com a fundação do Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra, evidenciam-se a preocupação em estabelecer relações entre as Ciências clássicas e as Ciências aplicadas à educação, ou seja, um desejo em/para (inter)relacionálas. Segundo Gadotti (1999), a interdisciplinaridade vem sendo utilizada em projetos educativos, baseando-se em alguns princípios: 1) Na noção de tempo: o aluno não tem tempo certo para aprender. Não existe data marcada para aprender. Ele aprende a toda hora e não apenas na sala de aula (Emília Ferreiro); 2) Na crença de que é o indivíduo que aprende. Então, é preciso ensinar a aprender, a estudar, etc; ao indivíduo e não a um coletivo amorfo. Portanto, uma relação direta e pessoal com a aquisição do saber; 3) Embora apreendido individualmente, o conhecimento é uma totalidade. O todo é formado pelas partes, mas não é apenas a soma das partes. É maior que as partes; 4) A criança, o jovem e o adulto aprendem quando tem um projeto de vida, e o conteúdo do ensino é signi cativo (Piaget) para eles no interior desse projeto. Aprendemos quando nos envolvemos com emoção e razão no processo de reprodução e criação do conhecimento. A biogra a do aluno é, portanto, a base do método de construção/reconstrução do conhecimento; 5) A interdisciplinaridade é uma forma de pensar. Piaget (1972:144) sustentava que a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar a transdisciplinaridade, etapa que não caria na interação e reciprocidade entre as ciências, mas alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras entre as disciplinas (GADOTTI, 1999, p. 3, grifo do autor). A partir do exposto, cam evidentes as considerações do autor sobre a necessidade de um trabalho interdisciplinar que permita ao aluno compreender o ato educativo como um processo em/de interação parte/todo, nas quais as buscas pelas suas signi cações (dos alunos) se façam mediante constantes relações que ultrapassem as barreiras disciplinares.

A interdisciplinaridade também está envolvida quando os sujeitos que conhecem, ensinam e aprendem sentem necessidade de procedimentos que, em uma única visão disciplinar, podem parecer heterodoxos, mas que faz sentido quando são chamados a dar conta de temas complexos. Embora as considerações apresentadas sobre o conceito interdisciplinaridade não sejam su cientes para um esboço mais abrangente desta temática, para o referente estudo estas (considerações) são su cientes, tendo em vista a proposta do artigo, que consiste em investigar a possibilidade de um trabalho interdisciplinar entre a Matemática e a Biologia por meio de um recurso artístico ( cção cientí ca). A meta principal deve ser propiciar ao aluno modos de conceber as Ciências como um “corpo de conhecimentos articulados”, e não como um ‘amontoado/somatório’ de diversas Ciências. Buscar a totalidade do conhecimento, não no sentido de ‘todo o conhecimento já produzido’ – aspecto impossível a ser conseguido por qualquer ser humano, tendo em vista a enor-midade de conhecimentos já produzidos, em produção e que surgirão, devido ao processo dinâmico da comunidade cientí ca – mas uma totalidade que permita ao sujeito/aluno compreender as contribuições das várias Ciências, por exemplo, na construção dos saberes escolares.

Ensino de Evolução Biológica eodosius Dobzhansky (1973) na célebre frase “Nada em Biologia faz sentido se não for à luz da Evolução”, a rmou que na Biologia, é a realidade da Evolução Biológica que confere coesão e vincula, direta ou indiretamente, cada um a todos os outros estudos biológicos. A Biologia é uma Ciência cujo objeto de estudo é a vida em todas as suas manifestações. Ela forma uma rede complexa de saberes que envolve a grande diversidade de formas vivas, assim como os níveis nos quais a vida pode ser entendida. A teoria evolutiva é uma forma de articular essa gama de informações, que torna os conceitos biológicos difíceis de serem assimilados e compreendidos, pois oferece coesão e continuidade a toda diversidade biológica. Santos (1999) resumiu os resultados de várias pesquisas que objeti-vam compreender as di culdades dos alunos durante o processo de ensinoaprendizagem dos conceitos ligados à Evolução Biológica. Ela anali-sou os discursos dos estudantes durante o momento de aprendizagem da teoria evolutiva, buscando revelar suas concepções, modelos explicativos e as modi cações ocorridas durante esse processo. Santos (1999) destacou a importância de se ter um ensino de Biologia baseado na teoria sintética da Evolução desde as primeiras séries dos Ensinos Fundamental e Médio. Embora o conhecimento biológico esteja fundamentado na Teoria Sintética da Evolução, o Ensino de Biologia realizado na educação básica ainda não está pautado nesta condição. De forma geral, o que existe é um ensino compartimentalizado, no qual, os aspectos evolutivos que deveriam ser as diretrizes para a construção do conhecimento biológico têm sido vistos como “capítulos à parte”, muitas vezes, presentes apenas nos últimos capítulos do livro didático (MEGLIORATTI, 2004). Nos PCNEM (1999) o ensino de Biologia está amparado pela teoria evolutiva. No entanto, o ensino ainda segue, muitas vezes, o pensamento essencialista de Platão e Aristóteles. A ideia essencialista que trata as espécies como tipos ideais, quando transferida para a situação de ensino e aprendizagem

da sala de aula proporciona um ensino marcado pela memorização das características de cada ser vivo. A teoria evolutiva estabeleceu uma mudança de paradigma dentro do conhecimento do mundo atual. Até o surgimento desta, o pensamento predominante era o Fixismo, no qual as espécies eram tidas como xas e criadas da forma como eram encontradas. Como toda mudança de paradigma, essa teoria trouxe muitas controvérsias e foi assimilada lentamente. Apesar da teoria da evolução, em termos gerais, hoje ser um paradigma bem estabelecido dentro do mundo acadêmico e estar referendada em muitas evidências, apresenta uma resistência para ser implementada sistematicamente no Ensino de Biologia. Segundo Futuyma (1992), Evolução Biológica é o mais importante conceito da Biologia Moderna – um conceito essencial para a compreensão de aspectos-chave dos seres vivos e: […] como todos os conceitos importantes, a Evolução Biológica gera controvérsia; como muitos conceitos importantes, ela tem sido usada como uma base ou fundamento intelectual para pontos de vista losó cos, éticos ou sociais. Em seu sentido mais amplo, a Evolução Biológica é meramente mudança e, deste modo, é uma ideia de ampla penetração - galáxias, linguagens e sistemas políticos evoluem. Evolução Biológica é a mudança nas propriedades das populações dos organismos que transcendem o período de vida de um único indivíduo. A ontogenia de um indivíduo não é considerada evolução; organismos individuais não evoluem. Para as populações, somente as mudanças que são herdáveis de uma geração para outra, via material genético, são consideradas mudanças evolutivas. A Evolução Biológica pode ser pequena ou substancial, ela abrange tudo, desde as pequenas mudanças até alterações sucessivas que levaram os primeiros protoorganismos a se transformarem em caramujos, abelhas, girafas […] (FUTUYMA, 1992 p. 7).

Além disso, esse autor argumenta que a Biologia Evolutiva é uma disciplina intelectual e tecnologicamente dinâmica, que inclui algumas das mais empolgantes descobertas atuais das Ciências Biológicas, que contribuem de forma direta com questões de relevância social.

A unidade, a diversidade e as características adaptativas dos organismos são consequências da história evolutiva e só podem ser ple-namente compreendidas nessa perspectiva. A Biologia Evolutiva esclarece fenômenos estudados nos campos da Biologia Molecular, da Biologia do Desenvolvimento, da Fisiologia, do Comportamento, da Paleontologia, da Ecologia e da Biogeogra a, complementando os estudos dessas disciplinas, com explanações baseadas na história e na adaptação. Em todo o campo das Ciências Biológicas, a perspectiva evolutiva fornece uma estrutura útil, muitas vezes indispensável, para organizar e interpretar observações e fazer previsões. A Ciência da Biologia Evolutiva é o estudo da história da vida e dos processos que levaram à sua unidade e diversidade (CARNEIRO, 2004). Investigações surgem continuamente nos campos voltados para os estudos evolutivos e enriquecem os conhecimentos ligados à Evolução Biológica. A partir desses conhecimentos, é possível apresentar uma explicação geral da história da vida. Oliveira (1995) defendeu que com o auxílio da perspectiva evolutiva, é possível analisar e interpretar os múltiplos cenários que têm composto a história da vida na Terra, perpassando todos os tipos de fenômenos envolvidos na origem e na extinção das diferentes formas de vida, desde seu início há alguns bilhões de anos até os dias atuais. A autora coloca ainda que, se o estudo das diferentes disciplinas que integram os currículos dos cursos de Ciências Biológicas, fosse feito sob a perspectiva da Biologia Evolutiva, o ensino de uma Biologia classi catória e estática no tempo seria substituído pelo ensino de uma Biologia histórica, que reúne e interpreta a dinâmica do passado para explicar o presente e vice-versa, pois traria a dimensão do tempo geológico para explicar a vida na Terra. Ela naliza seu artigo salientando a necessidade de aprofundar estudos sobre a Evolução humana, vincu-lando-os aos conhecimentos de Genética, Zoologia e Botânica. Estudos já realizados no campo do ensino e aprendizagem dos conceitos de Evolução Biológica, apontam problemas como a sua desarticulação com os demais temas das Ciências Biológicas, forte in uência de concepções religiosas

e a presença de equívocos conceituais, que comprometem, tanto para professores como alunos, o entendimento dos processos evolutivos biológicos. Pesquisas nesse sentido têm mostrado que os estudantes do Ensino Médio possuem concepções alternativas ligadas ao senso comum que persistem mesmo após anos de instrução (BIZZO, 1999). Para esses estudantes, compreender a diversidade da vida como resultado de um processo aleatório parece ser o grande obstáculo epistemológico para o entendimento da Evolução Biológica, pois eles entendem o ser humano como “algo tão perfeito” e acreditam que “na vida sempre estamos nos aperfeiçoando e melhorando” e “tem que ter alguém que criou isto tudo” (SANTOS e BIZZO, 2000). Gayon (2001) ressaltou que a disciplina de Evolução Biológica continua sendo uma disciplina fundamentalmente teórica, um objeto que suscita uma curio-sidade intelectual tão popular quanto universal. Apesar disso, a abordagem da Evolução Biológica em atividades de ensino permanece rara e tudo se passa como se o aspecto mais teórico das Ciências Biológicas devesse ser mantido e considerado como objeto de descon ança em meio às matérias inicialmente ensinadas. Apesar de diversos autores, como os citados, reconhecerem a posição central da Biologia Evolutiva entre as Ciências da vida, ela ainda não representa, nos currículos educacionais e na concessão de verbas para pesquisa, uma prioridade à altura de sua importância intelectual e de seu potencial para contribuir com as necessidades da sociedade (CARNEIRO, 2004). Somando-se às questões anteriormente apontadas, a falta de clareza sobre conhecimentos cientí cos a respeito do tema Evolução Biológica, por parte de docentes e discentes, torna o ensino e a aprendizagem desse tema, merecedores de estudos adicionais conforme aponta uma série de trabalhos como o de Cicillini (1997). O lme aqui analisado representa uma proposta metodológica para o ensino da teoria evolutiva em interdisciplinaridade com a Matemática e busca

contribuir para a propagação de estratégias de ensino que contemplem tanto o conhecimento cientí co como o histórico para seu entendimento.

“Evolution”: o lme analisado

Escrito originalmente como drama por Don Jakoby, o roteiro foi conduzido em sentido cômico por Reitman e os roteiristas subsequentes David Diamond e David Weissman. O lme, lançado no ano de 2002, tem sua dose inevitável de humor, mas o tom prevalecente é de absurdo discreto: um meteoro em chamas cai sobre o deserto do Arizona, praticamente em cima do jovem candidato a bombeiro Wayne (Seann William Scott), que quase morre incinerado no momento em que treinava técnicas de primeiros-socorros com uma boneca in ável em tamanho real. Os primeiros a se darem conta de que algo não está normal são o Dr. Ira Kane (David Duchovny), ex-cientista do governo e atual professor de Biologia, e Harry Block (Orlando Jones), seu colega e professor de Geologia. Ira leva amostras do meteoro para seu laboratório, onde observa que organismos unicelulares vindos do espaço sideral estão se dividindo e se transformando em criaturas multicelulares complexas, como platelmintos. Pasmo, o cientista percebe que acaba de testemunhar, em um único dia, um processo evolutivo que levaria 2 bilhões de anos. Mas o fato de poder prever o assustador resultado lógi-co desse processo não signi ca que Ira possa fazer muito para impedi-lo. Quando o exército norte-americano assume o controle do local da queda do meteoro, Ira e Harry são declarados personae non gratae pela general em comando e o cial de controle de doenças Allison (Julianne Moore), que revela os maus antecedentes militares de Ira – criador de uma vacina fracassada contra a doença antraz. Em pouco tempo, os habitantes locais penetram no local do acidente, que teve o acesso bloqueado e já se transformou em uma verdadeira oresta amazônica entre paredes, com uma multidão de bichos estranhos. Os animais são variados, detalhados e amedrontadores, e o que eles fazem é su cientemente inesperado para gerar gritos e respiração suspensa. Alguns

conteúdos apresentados pelo lme e que podem ser trabalhados em sala de aula, a partir dele são: 1. Evolução Biológica; 2. Uni e Pluricelularidade; 3. Origem da vida; 4. Reações químicas; 5. Catalisadores de reação; 6. Divisão celular; 7. Metabolismo celular; 8. Adaptação biológica; 9. Herança de características (DNA, pares de bases); 10. Mutações; 11. Uso de armas químicas; 12. Exponenciação ou potenciação; 13. Tratamento de informações; 14. Trabalho cientí co (in uências político-econômicas e sociais), entre outros.

É importante destacar, aqui, que o lme selecionado apresenta esses conteúdos, muitas vezes, de forma incorreta, e por isso, a seleção desse lme foi feita pela apresentação do tema e a presença de grande quantidade de conceitos relativos ao ensino de Genética apresentados. Assim, o enfoque dado ao seu uso como estratégia didática está no seu potencial de motivação dos alunos, sendo que o professor deve atentar para os erros conceituais, de maneira a promover a correta compreensão do conteúdo Evolução Biológica.

Possíveis conteúdos matemáticos a serem abordados em interdisciplinaridade com a Biologia, a partir do lme “Evolution”

Com a exibição do lme “Evolução” e a utilização da lógica da interdisciplinaridade é possível abordar vários conceitos matemáticos em relação/cooperação às noções biológicas. O primeiro conteúdo matemático subjacente à explicação biológica [neste caso a divisão celular] refere-se à função exponencial. A exponenciação ou potenciação é uma operação aritmética que indica a multiplicação de uma dada base (a) por ela mesma tantas vezes quanto indicar o expoente (n), sendo este um número natural maior que 1. Observando a equação:

A partir da de nição acima e sabendo que a divisão celular evidencia a sequência númérica {2, 4, 8, 16, 32, …, 256, …, 512, …, 2048, …}, pode-se representar tal crescimento a partir da função exponencial6 abaixo:

A Figura 1 a seguir mostra, em termos visual-geométricos, a “curva exponencial” expressa pela função acima: Figura 1 – Função exponencial f(n)=2n .

É importante salientar que a curva mostrada acima contempla valores para n positivos. Os valores negativos de n não interessam neste contexto (o da divisão celular), pois, no processo de divisão celular há um crescente aumento das “células divididas” mediante a cada divisão. A partir desta exempli cação é possível perceber as inúmeras possibilidades interdisciplinares relativas ao estudo da Evolução e da Matemática. Outro aspecto observado refere-se à comparação entre o tempo real e o tempo ctício (mostrado no Filme) necessário para o desenvolvimento/evolução de algumas espécies e vegetações. Torna-se interessante que os próprios alunos realizem alguns cálculos matemáticos para determinar o tempo real necessáio à Evolução das espécies/vegetações observadas no lme. Separados em grupos, o professor fornece aos alunos os seguintes dados: Tabela 1 – Dados relativos à Evolução dos seres vivos.

Com o intuito de auxiliar os estudantes, lhes são entregues a Figura 2 abaixo: Figura 2 – Origem do planeta Terra e 1ª célula viva.

Para solucionar o problema, ou seja, para encontrar o tempo de Evolução desde a 1ª célula viva, o estudante terá de realizar a operação de subtração. Por exemplo, se o cogumelo só atingiu “sua Evolução” há 500 milhões de anos atrás, para saber o tempo de evolução desde a 1ª célula viva da qual descendeu, é necessário realizar: 3,8 Bilhões - 500 Milhões = 3,3 Bilhões. Se for preciso, o professor deverá retomar o assunto referente às casas decimais, devido ao “grande7” valor encontrado. É necessário que os estudantes compreendam que 3,3 bilhões representam o número 3.300.000.000 (três bilhões e trezentos milhões). Como já se abordou o conceito de exponencial, o professor solicita aos alunos que representem os Tempos Reais de Evolução encontrados também em potências de 10, ou seja, exponenciações na qual a base seja 10. Para auxílio, os alunos devem ser solicitados a construir uma tabela com potências de 10, tal como a mostrada abaixo:

Tabela 2 – Potência de 10.

Após as etapas anteriores, os alunos possuirão condições para construir a Tabela 3. Tabela 3 –Tempo de Evolução (Real x Fictício).

Fazendo uso deste material, o professor tem condições para explorar o tópico: Tratamento da Informação8. Pedirá aos alunos a construção de dois grá cos individuais, em um primeiro momento. Em cada um deles será representado, por meio de grá co por pontos interligados por segmentos de reta, o Tempo Real de Evolução e o Tempo Fictício de Evolução. Observe abaixo, o esboço dos mesmos: Grá co 1 – Tempo Real de Evolução.

Grá co 2 – Tempo Fictício de Evolução.

Após a construção de cada grá co, é solicitada aos alunos a construção de um terceiro no qual se comparam os valores (Real x Fictício): Grá co 3 – Evolução Real e Fictícia.

A partir desta última construção, os estudantes mediados pelo professor podem estabelecer algumas relações perceptíveis, tais como: a não possibilidade em expressar os segmentos de reta (Tempo em Bilhões de Anos) e (Tempo em Dias) por equações do 1º grau9, devido a não linearidade dos pontos. Contudo, por meio das exempli cações acima, nota-se a possibilidade para o trabalho interdisciplinar entre Biologia e Matemática. Outros assuntos matemáticos podem ser abordados por meio de novos olhares, interpretações dos elementos encontrados no lme “Evolution”.

Considerações nais A Arte pode se combinar com a Ciência como parte de uma estratégia pedagógica explícita para a educação cientí ca da humanidade. Algumas atividades dentro do Ensino de Ciências podem ser fortemente melhoradas com o uso dos recursos artísticos (no caso deste artigo, a cção cientí ca), em primeiro lugar, porque esses recursos geram maior motivação para a aprendizagem. Um lme tem um forte apelo emocional e, por isso, motiva a aprendizagem dos conteúdos apresentados pelo professor. Além disso, a quebra de ritmo provocada pela apresentação de um audiovisual altera a rotina da sala de aula. Na cção cientí ca, mesmo quando ela se vale de imagens míticas, estas são exploradas de forma tal que as razões cientí cas podem ser apresentadas. No entanto, esses recursos devem ser usados de forma criteriosa para que sejam e cientes e úteis. Como toda ferramenta utilizada no ensino, Oliveira (2006), ressaltou que o uso de um lme comercial deve ter uma função de nida no plano de ensino elaborado pelo professor para um dado conteúdo. A habilidade e capacitação técnica do professor aparecem na hora das escolhas desse material e de sua estratégia para inserção dele nas aulas. Em primeiro lugar, ele não é um substituto para a falta de tempo para preparar uma aula, o professor deve sempre olhar e analisar o lme antes dos alunos e fazer uma apresentação prévia do conteúdo a ser ministrado. Quanto à apresentação de lmes, é preciso que o professor faça um resumo do que vai ser visto, apontando os pontos importantes. Este trabalho é fundamental para dirigir a atenção dos alunos. Programar atividades de discussão e análise do que foi apresentado no lme, enfatizando os aspectos conceituais e sociais do mesmo, após a apresentação é fundamental para que os alunos vejam os conteúdos apresentados de maneira mais complexa, e concebam a Ciência como uma atividade dependente das transformações políticas e sociais da humanidade. O professor deve ainda ter em mente, quando utiliza recursos audiovisuais, qual é a matriz cultural a partir da qual foi construída a obra que

vai ser exibida, qual é a sua própria matriz cultural e o modo como estas duas matrizes se relacionam, já que os meios de comunicação continuam a tratar da Ciência, preponderantemente, como o produto de descobertas geniais, de mentes inspiradas, considerando os produtos tecnológicos como simples aplicação das descobertas teóricas. O fato de a Evolução Biológica ser apresentada aos alunos de Ensino Médio de modo fragmentado, impregnada por ideologias e com distorções das informações cientí cas atualmente aceitas, gera a necessidade do assunto ser efetivamente trabalhado nas escolas de forma clara e precisa, integrando-o com diversos outros conhecimentos. Mas, é preciso deixar claro que a utilização de uma cção cientí ca para a abordagem de um conceito como esse requer o domínio desse mesmo conceito, uma vez que esse gênero traz ideias fantasiosas e teorias irreais. A falta de clareza por parte do docente sobre o assunto que ministra pode ser fato gerador de insegurança tanto para quem ensina quanto para quem aprende, além de favorecer ainda mais a formação de concepções equivocadas.

1 Licenciada em Biologia. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 2 Licenciado em Matemática. Mestre em Educação para a Ciência na área de Ensino de Ciências e Matemática, pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência Unesp – Bauru, SP. É professor efetivo da Educação Básica I da rede estadual paulista; ([email protected]). 3 Professor titular da Faculdade de Ciências da Unesp e orientador no programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência – Unesp. Desenvolve pesquisas na área de Genética, com ênfase em Genética de Populações; ([email protected]). 4 Gnosiologia – (também chamada Gnoseologia) é o ramo da Filoso a que se preocupa com a validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto. Este (o objeto), por sua vez, é questionado pela ontologia que é o ramo da Filoso a que se preocupa com o ser. Fazem-se necessárias algumas observações para se evitar confusões. A Gnoseologia não pode ser confundida com Epistemologia, termo empregado para referir-se ao estudo do conhecimento relativo ao campo de pesquisa, em cada ramo das Ciências. A metafísica também não pode ser

confundida com ontologia, ambas se preocupam com o ser, porém a metafísica põe em questão a própria essência e existência do ser. Em outras palavras, grosso modo, a ontologia insere-se na teoria geral do conhecimento, ou Ontognoseologia, que preocupa-se com a validade do pensamento e das condições do objeto e sua relação com o sujeito cognoscente, enquanto que a metafísica procura a verdadeira essência e condições de existência do ser. 5 O Positivismo é uma corrente sociológica cujo precursor foi o francês Auguste Comte (1789-1857). Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo e das crises social e moral do m da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial. Propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia ou a metafísica. O método geral do Positivismo de Augusto Comte consiste na observação dos fenômenos, subordinando a imaginação à observação (ou seja: mantém-se a imaginação), mas há outras características igualmente importantes. 6 A função exponencial é toda função f de R em R, na qual R é o conjunto dos números reais, que associa a cada n real o número an, sendo a um número real, maior que zero e diferente de 1. Assim, não é o mesmo que uma equação exponencial. 7 Talvez seja necessária a utilização de calculadoras cientí cas para a realização dos cálculos matemáticos e conversão em base 10 dos resultados encontrados. Por exemplo, quando encontrado o tempo real de evolução dos cogumelos (3.300.000.000) a representação através de base 10 ocorre a partir da decomposição do número considerado em agrupamentos múltiplos de 10, encontrando assim a representação 3,3 × 109. Observe que, ao multiplicarmos 3,3 por 109 = 1.000.000.000, retornamos ao número 3.3000.000.000. 8 O Tratamento da Informação refere-se a um dos Blocos de Conteúdos de nido pelos PCN (Parâmetro Curricular Nacional) no qual objetiva-se a leitura, interpretação e organização/construção de dados em tabelas, grá cos. Constitui-se como um excelente conteúdo procedimental aos educandos para compreensão de dados estatísticos veiculados pelos meios de comunicação. 9 Equação do 1º Grau: é toda equação sob a forma: ax + b = 0, no qual a ≠ 0 e b ao conjunto dos números Reais.

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Sendo assim, “o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete)” (SANTAELLA, 2002, p. 7). Os estudos desenvolvidos por Peirce (1972) levaram-no à conclusão que todos os fenômenos ou qualquer experiência que se apresentam à percepção e à mente, isto é, tudo que aparece à consciência, ocorre em uma gradação de três propriedades, denominadas por ele, em um primeiro momento, de: Qualidade; Relação/Reação; Representação/Mediação. Essa terminologia foi substituída mais tarde por Primeiridade, Secundidade e Terceiridade (SANTAELLA, 1983). Na análise semiótica é impossível encontrar um signo que contenha apenas uma das faces do signo, potencialidade (primeiridade), ou existência (secundidade), ou conceito (terceiridade). Todos os três encontram-se presentes em qualquer signo de qualquer natureza, porém pela análise semiótica podemos identi car qual deles, ou quais, aparecem de maneira mais intensa no interior do signo analisado. Dessa forma a análise semiótica representa uma importante ferramenta para a pesquisa em ensino de Ciências, com a qual podemos analisar e avaliar em que nível de signi cação o estudante (intérprete) encontra-se. Segundo Santaella (2002) o signo pode ser analisado quanto: a sua face de referência, ou seja, a relação com aquilo que representa; a sua face de signi cação, isto é, como o signo signi ca seu referente; a face de interpretação, ou seja, como o signo se relaciona com aquilo que o interpreta. A face de interpretação é o efeito produzido pelo signo em uma mente que o interpreta, e pode ser subdividida em: 1. Interpretante imediato, quanto às potencialidades de interpretação presentes no interior do signo. 2. Interpretante dinâmico, quanto ao efeito produzido pelo signo na mente que o interpreta.

3. Interpretante nal, resultado interpretativo ao qual toda a mente que o interpreta está destinada a chegar ou, pelo menos, resultado interpretativo que se espera alcançar pelo signo, na mente que o interpreta. O interpretante dinâmico se refere ao efeito efetivamente produzido em um intérprete pelo signo, isto é, o efeito singular que o signo produz em cada intérprete particular. De acordo com as categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade, este interpretante subdivide-se em três, sendo eles: emocional, energético e lógico (SANTAELLA, 2002). O interpretante emocional diz respeito ao primeiro efeito que um signo está apto a provocar em um intérprete, sendo esse efeito uma simples qualidade de sentimento. O segundo efeito causado pelo signo é o energético que corresponde a uma ação física ou mental, ou seja, o interpretante exige um dispêndio de energia de alguma espécie. O interpretante lógico ocorre quando o signo é interpretado por uma regra interpretativa internalizada pelo receptor (SANTAELLA, 2002). Segundo Santaella (2002), o interpretante dinâmico pode ser assim classi cado, conforme o efeito que produz na mente interpretante: 1. O efeito emocional, conforme a qualidade de emoção ou sentimento que é (ou pode ser) causado pelo signo na mente interpretante. Peirce nos ensinou: O primeiro efeito signi cado de um signo é o sentimento por ele provocado. Na maior parte das vezes existe um sentimento que interpretamos como prova de que compreendemos o efeito especí co de um signo, embora a base da verdade nesse caso seja frequentemente muito leve. Este “Interpretante Emocional”, como denomino, pode importar em algo mais que o sentimento de recognição; e, em alguns casos, é o único efeito signi cado que o signo produz […] (PEIRCE, 1983, p. 131). 2. O efeito energético, quando o signo provoca uma reação ativa no receptor, ou seja, uma ação física e/ou intelectual. O interpretante energético diz respeito a um ato no qual há algum dispêndio de energia. Peirce nos ensinou: Se um signo produz ainda algum efeito desejado, fálo-á com auxílio da mediação de um interpretante emocional, e tal efeito envolverá sempre um esforço. Denomino-o “Interpretante energético”. O

esforço pode ser muscular […], mas é usualmente em exercer do mundo interior, um esforço mental (PEIRCE, 1983, p. 131). 3. O efeito lógico, quando o signo é interpretado por intermédio de um hábito de ação internalizado pela mente que o interpreta. O interpretante lógico foge à natureza do signo, constituindo-se em um novo hábito de ação, mas que pode ser expresso por várias linguagens. É o pensamento ou entendimento geral produzido pelo signo. Sobre interpretante lógico e hábito, Peirce discorreu: Devemos dizer que este efeito [efeito do interpretante lógico] pode ser um pensamento, o que quer dizer, um signo mental? Sem dúvida pode sê-lo; só que se este signo for de natureza intelectual – como deveria ser – tem de possuir um interpretante lógico; de forma que possa ser o derradeiro interpretante lógico do conceito. Pode provar-se que o único efeito mental que pode ser assim produzido e que não é um signo mas é de aplicação geral é uma mudança-de-hábito; entendendo por mudança-de-hábito uma modi cação nas tendências de uma pessoa para ação, que resulta de exercícios prévios da vontade ou dos atos, ou de um complexo de ambas as coisas (PEIRCE, 1983, p. 131).

Outros termos precisam ser elucidados antes das considerações nais deste capítulo. No que se refere à relação do signo com seu objeto, segundo Peirce (1995), o objeto encontra-se em dois níveis, tanto na forma como se apresenta na representação, sendo, portanto, uma ideia, como em sua existência própria, des-considerando qualquer aspecto particular. Ao primeiro, Peirce chamou de objeto imediato, e ao segundo, objeto dinâmico. O objeto imediato é, nesse sentido, a forma como o objeto, por intermédio do signo, aparece a uma mente. E o objeto dinâmico, por sua vez, é o objeto em sua mais plena natureza, sendo aquilo que está fora do signo e a que o signo se refere ou se aplica. O objeto dinâmico é o que o signo substitui e o objeto imediato diz respeito ao modo como o objeto dinâmico está representado no signo, na mente do intérprete (SANTAELLA, 1983). Tomemos um exemplo descrito por Brando (2005, p. 40), “Tomando uma casa como exemplo, mas agora o desenho de uma casa, o objeto dinâmico

seria a própria casa e o objeto imediato, se tratando de um desenho, é a aparência deste desenho, o modo como ele pode representar por semelhança a aparência do objeto”. A experiência colateral se refere à experiência íntima com o objeto dinâmico do signo. Ou seja, é referente à apresentação de fenômenos. Nessa pesquisa os objetos dos signos consultados e produzidos foram os ecossistemas naturais de Ilha Comprida. Por meio da aplicação de uma atividade didática prévia buscamos registrar os interpretantes iniciais dos alunos, em relação às características ecológicas dos ecossistemas naturais de Ilha Comprida. Durante o desenvolvimento das aulas teóricas, procuramos desenvolver o objeto imediato – ecossistemas de Ilha Comprida e suas características ecológicas. Para tanto, utilizamos diversos recursos didáticos como, signostexto e signos-imagem presentes nos textos em anexo, no livro didático, nos lmes, fotos e mapas utilizados. Como já foi apresentado ad hoc, objeto imediato é de nido por aquilo que o signo representa à mente interpretante, ou seja, quais elementos do objeto dinâmico estão presentes no signo; enquanto que objeto dinâmico refere-se ao que o signo busca representar, ou seja, a própria realidade. Durante as aulas práticas nos ecossistemas naturais, oferecemos o contato direto com o objeto dinâmico por meio da experiência colateral, ou seja, a apresentação dos fenômenos naturais, o contato com os ecossistemas em si. Em outras palavras, através de aulas de campo. Esse tipo de atividade didática possibilita ao aluno a elaboração de seus próprios interpretantes é consequentemente, de seu próprio processo de geração de signos, a respeito destes ecossistemas e sobre o processo de ensino e aprendizado utilizando aulas práticas. Para registrar os interpretantes, referentes aos ecossistemas de Ilha Comprida, gerados após todo o processo de ensino e aprendizagem (aulas teóricas e práticas) aplicamos uma segunda atividade didática semelhante à primeira.

Acreditamos que apenas utilizando a experiência colateral, ou seja, a apresentação do objeto dinâmico, possibilita a efetiva construção de interpretantes dinâmicos, e que apenas a utilização de signos de objetos imediatos, ou seja, a representação (textual ou imagética) não dá conta de possibilitar o processo de semiose completo e fecundo.

Sequência didática e ferramentas de coleta de dados

A sequência didática e também a coleta de dados para esta pesquisa foram realizados com 10 alunos, com faixa etária entre 14 e 16 anos, matriculados à época do desenvolvimento da pesquisa em uma turma de 1ª Série do Ensino Médio de uma Escola Estadual em Ilha Comprida, no estado de São Paulo. Todas as atividades foram desenvolvidas durante o ano letivo de 2007.

Aulas teóricas Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 1)

No intuito de realizar um levantamento de interpretantes iniciais, sobre os ecossistemas regionais, trazidos do ensino fundamental e da vivência de cada aluno, foi realizada uma atividade didática (que para ns de análise de dados foi chamada atividade 1). Tal atividade consistia da seguinte questão: Quais ecossistemas terrestres você conhece em Ilha Comprida? Descreva-os. Essa pergunta foi respondida pelos alunos em março de 2007. Um dia após a uma aula teórica introdutória. No formato de uma breve discussão horizon-tal entre professor e alunos, sobre os protocolos da aula prática nos ambientes naturais terrestres de Ilha Comprida e sobre o campo de estudo da Ecologia. Sequência didática das aulas teóricas

Ao longo do ano letivo, até o início do mês de novembro foram desenvolvidas em aulas teóricas, utilizando basicamente o livro didático9 adotado pela escola, as seguintes áreas do conhecimento ecológico:

1. Níveis de organização dos seres vivos; 2. Habitat e nicho ecológico; 3. Fatores abióticos (luz, temperatura e água) e fatores bióticos; 4. Teias alimentares nos ecossistemas; 5. Fluxo de energia e matéria nos ecossistemas; 6. Ciclos biogeoquímicos (carbono, oxigênio, água e nitrogênio), aquecimento global e Protocolo de Kyoto; 7. Dinâmica de populações; 8. Relações entre os seres vivos; 9. Sucessão ecológica; 10. Biomas terrestres e biomas aquáticos mundiais; 11. Formações togeográ cas do Brasil; 12. Poluição e suas consequências; 13. Biodiversidade.

Durante as aulas teóricas era feita inicialmente uma exposição dos conceitos ecológicos do tópico abordado, buscando fenômenos regionais para exempli car a exposição. Ao aluno era dada a liberdade para realizar perguntas ou manifestar experiências. Realmente muitas perguntas foram feitas e experiências pessoais descritas pelos alunos. Durante esta fase não houve coleta de dados para a elaboração desta dissertação, apesar de constituir uma fonte rica e um campo fértil de pesquisa em ensino e aprendizagem de Ecologia. Em seguida era solicitado aos alunos que realizassem a leitura do trecho do livro didático em que o assunto era abordado para então poderem responder às perguntas de interpretação do texto na seção “Compreendendo o texto” (questões de interpretação) presente em todos os capítulos do livro didático. Para a realização desta atividade os alunos eram reunidos em grupos de pesquisa, compostos por cerca de cinco pessoas. Essa atividade era contabilizada no processo de avaliação diagnóstica bimestral. Após a veri cação dos alunos que realizaram a atividade, as questões eram corrigidas na lousa, com a participação ativa dos alunos. Nesse momento eram contabilizadas as notas de participação para os alunos que foram ativos na correção das questões.

Como o Programa Nacional do Livro Didático (2007), que forneceu os livros aos estudantes, permite que estes levem o material para a casa, era solicitada como atividade de avaliação e aprendizado fora do horário escolar (lição de casa) a resolução de atividades (geralmente era solicitada a resolução de duas questões) presentes na seção “Aplique seus conhecimentos” (questões de re exão) encontrada em todos os capítulos do livro didático adotado pela escola. Essa atividade também era corrigida na lousa com participação ativa dos alunos. Ao nal das aulas era solicitado aos alunos que realizassem a leitura prévia dos capítulos para as aulas seguintes. Esse ciclo foi realizado com todos os tópicos ad hoc. Nos tópicos mais extensos o ciclo foi repetido uma ou mais vezes. Nesse caso era lido o trecho do texto referente à exposição da aula e realizadas as atividades respectivas aos assuntos tratados nos “subtópicos”. Como forma de avaliação diagnóstica, era realizada uma prova aplicada no m de cada bimestre com cerca de oito questões/problemas. Após correção era atribuída uma nota, que seria contabilizada na nota nal do bimestre juntamente com as notas das atividades. É exigida pelo Sistema de Educação Estadual Paulista a atribuição de notas bimestrais aos alunos em todas as disciplinas curriculares. Essas notas podem variar em um intervalo de 0,0 (nos casos de abandono do curso) e 1,0 a 10,0 (no caso de possuir ao menos uma presença bimestral) admitindo apenas números inteiros. Em 2007, 5,0 era a nota mínima para a aprovação bimestral, e até este ano não estão previstas para o Ensino Médio atividades de recuperação paralela ou nal. Esta metodologia foi aplicada durante os três primeiros bimestres. 1. 19 de fevereiro a 30 de abril de 2007. 2. 01 de maio a 13 de julho de 2007. 3. 30 de julho a 30 de outubro de 2007.

Aulas práticas

Sequência didática das aulas práticas

Devido a diversos imprevistos para o desenvolvimento das atividades práticas, as aulas de campo só foram realizadas nos dias 6 e 13 de novembro de 2007. Nessa atividade, trabalhamos os ecossistemas regionais, nas escalas ecológicas conforme Begon et al. (2006), ou seja, espacial, referente à localização dos ecossistemas estudados; e biológica, referente aos níveis hierárquicos de organização dos seres vivos. Não foi possível trabalhar a escala temporal, pois não realizamos um acompanhamento das variações fenológicas10 dos seres vivos. Para a programação e preparação das aulas práticas de campo em ambientes naturais, seguimos as orientações de Pereira que propõe, para a efetivação do uso de aulas práticas dessa natureza, que: […] deverão ser previstas pelo professor as seguintes ações: escolher o biótopo mais adequado para que o estudante construa seu conhecimento; planejar para que a prática não seja o m da atividade pedagógica, mas o meio pelo qual o aluno aprenda os conteúdos propostos; evitar que a prática se esgote em si própria, mas que tenha um uxo contínuo de ir e vir entre ela e a teoria; e fazer com que a bibliogra a básica ou os conteúdos a serem estudados acompanhem o aluno nas atividades de campo (PEREIRA, 1993, apud PINHEIRO, 2007, p. 51).

Para a realização da prática de aulas de campo foi indispensável a presença da inspetora de alunos, que auxiliou desde a distribuição dos lanches à coleta dos resíduos produzidos e em outras atividades de infraestrutura da aula prática. Foi indispensável, também, a presença de outros professores da escola, um biólogo da ONG Biologus, e um técnico em meio ambiente da Prefeitura Municipal, que auxiliaram no desenvolvimento conceitual com perguntas e observações durante as visitas a campo. Estes pro ssionais são:

1. Um biólogo da ONG Biologus que atua como professor even-tual na Rede Estadual de Educação, que realizou diversas observações e comentários referentes à fauna, ora e características ecológicas da região durante a trilha que conduz ao Morretinho. Suas exposições versaram sobre: • o papagaio da cara roxa (Amazona brasiliensis), espécie endêmica11 do litoral sul de São Paulo e norte do Paraná ameaçada de extinção devido à destruição de seu habitat natural (restinga); • o palmito jussara (Euterpes edulis), espécie de palmeira encontrada em Ilha Comprida (principalmente na trilha que conduz ao Morretinho), também ameaçado de extinção devido a sua superexploração; • foi interessante também, o momento em que solicitou a todos que mantivessem um minuto de silêncio para poder ouvir os sons da natureza (vento, aves, insetos etc.).

2. Uma professora de História, que realizou durante a trilha que conduz ao Sambaqui Cascudo comentários sobre: • os conceitos de sambaqui, sua provável origem, funções e a importância de seu estudo para o conhecimento cientí co (biológico, histórico e antropológico).

3. Um técnico em meio ambiente do departamento de turismo da Prefeitura Municipal de Ilha Comprida que: • complementou os comentários da professora de História sobre os sambaquis contando lendas e histórias; • lmou grande parte das aulas de práticas de campo em ambientes naturais de Ilha Comprida e produziu, após edição, o documentário sobre o projeto “Meio Ambiente e o Processo Educacional: Os Ecossistemas e a Cultura de Ilha Comprida”. Que acabou servindo como mais uma fonte de dados para essa pesquisa.

4. Uma professora de Português que: • realizou questionamentos e observações interessantes, como por exemplo, reconhecer a umidade do ar na oresta por meio da respiração; • e realizou as anotações e as gravações digitais de campo. Ao chegarmos ao local, primeiramente localizávamos o ambiente de estudo em relação à distância aproximada da praia e do estuário. Feito isso, iniciávamos as trilhas. Ao encontrar algum fenômeno ecológico interessante, buscávamos problematizar suas características durante a observação. Com perguntas, observações e gestos, procuramos estimular o aluno a buscar em seu arcabouço intelectual signos ou representações, gerando con ito com o objeto apresentado, fomentando-o a produzir hipóteses explicativas, ou mesmo novos problemas e perguntas que seriam mais um objeto de investigação. As hipóteses elaboradas foram novamente postas à prova ao entrar em con ito com os signos-conceito aceitos pela comunidade cientí ca, presentes nos signos-textos e signos-imagens. Ou seja, para ser con rmada, modi cada ou refutada durante a consulta a textos e a outras representações. Quando imprescindíveis, os conceitos cientí cos eram expostos durante as problematizações em campo. Os ecossistemas terrestres visitados foram: praias, dunas, brejos de restinga/caxetais, oresta de restinga e manguezal. As visitas ocorreram: 1. No dia 6 de novembro de 2007, entre 7 e 15h. • na trilha que leva ao Morretinho12, entre a oresta alta de restinga; • no Sambaqui13 Cascudo14, entre a oresta alta de restinga.

2. No dia 13 de novembro de 2007, entre 7 e 15h. • nas dunas e na oresta baixa de restinga de Pedrinhas; • nos caxetais da estrada de acesso que conduz da praia ao vilarejo de Pedrinhas; • no mangue próximo ao trapiche de Pedrinhas.

Essa sequência didática, aulas práticas e depois sistematização de conteúdos durante as atividades teóricas em sala, foi defendida por Pinheiro (2007). Acreditamos que dessa forma o aluno vai para campo com o olhar livre, e não com a percepção treinada pelas rédeas das representações prontas e acabadas. Nesse processo são formados novos signos em uma semiose contínua de perceber/relacionar/conceituar (CALDEIRA, 2005) ad in nitum, presente no processo de ensino e aprendizagem de ecologia em aulas de campo em ecossistemas naturais. Experiência e ação de um lado, troca de argumentos de outro, geram uma comunicação ideal entre os processos de aprendizagem dirigidos por problemas que se tornam re exivos e acontecem de maneira natural (CALDEIRA, 2005). Sequência didática da sistematização de conteúdos

Os signos produzidos nas aulas de campo foram coletados utilizando gravações em áudio digital e anotações, realizadas pela professora de língua portuguesa. Estes dados não serão discutidos neste artigo. Procuramos analisar os signos presentes nas atividades didáticas realizadas antes e depois do desenvolvimento das mesmas. Após as aulas de campo, foram realizadas durante o 4° bimestre, de 20 de novembro a 5 de dezembro de 2007, atividades para formalização dos conteúdos desenvolvidos. Nessa mesma época, foi solicitado pelos professores das outras disciplinas curriculares a confecção de trabalhos das mais variadas formas (cartazes, maquetes, exposição de fotos com legenda, apresentações digitais etc.), a respeito da Ecologia e da cultura de Ilha Comprida, que seriam apresentados no dia 5 de dezembro de 2007 durante o “Dia da Restinga”, evento didático realizado na escola. Estes trabalhos foram fontes de avaliação e atribuição de notas aos alunos pelas outras disciplinas curriculares.

A sistematização dos conceitos foi realizada nos dias 20 e 27 de novembro de 2007, durante as aulas de Biologia, totalizando 8 horas de trabalho de sistematização de conteúdos. Durante estas atividades foram produzidas legendas para as fotos tiradas nos diversos ecossistemas visitados e, para tal produção, os alunos tiveram de realizar pesquisas nos textos didáticos e mapas temáticos fornecidos. Nas atividades dos dias 20 e 27 de novembro foram utilizados pelos alunos os seguintes materiais didáticos: 1. Textos com conceitos ecológicos sobre os ecossistemas costeiros da Mata Atlântica como, por exemplo, a resolução Conama nº 007, de 23 de julho de 1996, os textos presentes no livro didático de Biologia além de textos retirados da internet pelos próprios alunos; 2. Mapas temáticos, de uso do solo e densidade urbana de Ilha Comprida; 3. Mapas confeccionados a partir de fotos de sensoriamento remoto do Vale do Ribeira e Ilha Comprida. A análise deste material permitiu a interpretação das características físicas (relevo e hidrologia), das tipologias vegetacionais da Mata Atlântica, de áreas conservadas, urbanas e antropizadas.

No dia 4 de dezembro de 2007, foram confeccionadas representações grá cas e artísticas dos ecossistemas de Ilha Comprida. Nesse mesmo dia foram elaborados cinco paineis, para a divulgação do projeto e para integrar o acervo de materiais didáticos da escola. Este material foi produzido em sala de aula, em conjunto com os alunos, com base nas informações (re)construídas durante as aulas anteriores, principalmente em relação às atividades de elaboração de legendas das fotos das aulas de campo e consulta dos mapas. Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 2) No dia 11 de dezembro de 2007, foi realizada uma atividade didática para avaliação de aprendizado e coleta de dados sobre os signos ecológicos gerados no desenvolvimento do referido projeto que envolveu essa pesquisa. Na Figura 1 é apresentada a atividade proposta:

Figura 1 – “Quais desses ecossistemas terrestres você conhece em Ilha Comprida? Descreva-os”.

Depois de uma breve análise das atividades 1 e 2, é possível notar que ambas são idênticas, exceto pela presença de fotos enumeradas no segundo. O propósito da omissão das fotos na primeira atividade pode ser explicada por acreditarmos que o aluno seria in uenciado por estas representações fotográ cas, sendo impelido a realizar alguma descrição da foto mesmo não tendo nenhum conceito (espontâneo) formado sobre os ecossistemas representados. Acreditamos que, por se tratar de um levantamento de interpretantes iniciais, a omissão das fotos proporcionaria maior liberdade de expressão nas respostas produzidas pelos alunos. Notamos durante a análise de dados que alguns alunos citaram ecossistemas aquáticos e antrópicos. Outro

motivo foi que algumas das fotos presentes no segundo questionário foram produzidas durante as visitas a campo. E também por, neste segundo momento, os alunos já estarem familiarizados com o trabalho com fotogra as, uma vez que esta foi uma das principais habilidades trabalhadas durante a fase de sistematização dos conceitos e dados coletados em campo. Procuramos evidenciar os ecossistemas terrestres naturais nas fotos, para dessa forma obter uma descrição dos quatro ecossistemas objetos de estudo. É importante ressaltar que, antes do desenvolvimento das atividades didáticas, foi explicado aos alunos que as mesmas representavam instrumentos de coleta de dados para a pesquisa desse artigo. Não eram provas ou outro tipo de avaliação curricular. Frisamos que estavam livres para realizar críticas e sugestões em suas respostas e que estas eram muito bem-vindas, para a constante evolução da prática didática.

Análise de conteúdos

Para melhor análise dos dados obtidos nas atividades didáticas 1 e 2, optamos por desenvolver, primeiramente, as categorias de análise. Esta metodologia de análise foi descrita por Caldeira (2005). Analisamos atentamente as respostas dos alunos separando os códigos que nos pareceram relevantes. Essas categorias de análise foram dispostas em quadros, para que pudéssemos identi car os alunos que as emitiram. A m de facilitar a análise de dados, os alunos receberam números arbitrários de 1 a 10, assim como suas respectivas respostas às atividades didáticas. Atividade didática 1

Os interpretantes iniciais dos alunos a respeito de quais ecossistemas terrestres naturais são encontrados em Ilha Comprida, e suas respectivas características ecológicas, foram avaliados e categorizados por meio da análise da resposta à questão: “Quais ecossistemas terrestres você conhece em Ilha Comprida? Descreva-os”. Os resultados encontram-se na Tabela 1. Tabela 1 – Categorias geradas pelos alunos em resposta à questão: “Cite os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha Comprida? Descreva-os”.

1. Na categoria Praias/Dunas: a maioria dos alunos citou em suas respostas a praia como um ecossistema terrestre; as praias arenosas representam ecossistemas de transição entre os ecossistemas marinhos e terrestres. Por exemplo, (Aluno 10) “Conheço aqueles que todo mundo conhece, a praia…”. Esse volume tão grande de respostas relacionadas à praia pode ser explicado pelo fato de ser um dos ambientes mais frequentados pelos alunos, para recreação, prática de esportes e inclusive locomoção15. As praias de Ilha Comprida são sua maior atração turística. Outro fator que pode ter contribuído para o grande volume de respostas sobre esse ambiente são as ações de educação ambiental16 desenvolvidas na comunidade. Dentre esses alunos, poucos referiram-se também às dunas, que apesar de desempenhar um importante papel ecológico17, foram lembradas por apenas 20% dos alunos. Uma possível explicação para esse fato é a ausência18 dessa formação na área de maior concentração urbana, já que as dunas foram retiradas e seu substrato utilizado em obras de infraestrutura. 2. Na categoria Floresta: muitos alunos incluíram em suas respostas a sionomia orestal, porém, nenhum deles se referiu especi camente à oresta de restinga, que é a oresta característica de Ilha Comprida. Isso pode indicar que, apesar da presença da oresta em suas atividades diárias, não os levou a construir signos ecológicos sobre esse ecossistema. A palavra restinga traz em si muitos conceitos implícitos, como a formação geológica das planícies litorâneas e a natureza do solo dessas regiões. O que pode indicar que os alunos identi cam a oresta de restinga como uma oresta lato-sensu, ignorando suas propriedades características. Um aluno se referiu à mata, possivelmente relacionando a oresta encontrada em seu município com a Mata Atlântica – bioma onde estão inseridas todas as sionomias presentes em Ilha Comprida. 3. Na categoria Mangue: grande parte dos alunos incluiu em suas respostas o ecossistema mangue. Tal fato pode ser explicado pela grande quantidade de ações de educação ambiental19 desenvolvidas na região e relacionadas a esse ecossistema. Além disso, o mangue é um ecossistema que recebe certo destaque na mídia ambientalista. Como podemos

observar, para esse aluno a existência do mangue é óbvia: (Aluno 10): “Conheço aqueles que todo mundo conhece […] e o mangue”. Outro fator que pode ter contribuído para o grande número de respostas é a pesca desenvolvida no estuário, seja esporti-va ou comercial, muitos dos alunos participam de alguma forma dessa atividade. Uma resposta que chamou nossa atenção foi a seguinte: (Aluno 6) “Até gostaria de conhecer melhor o mangue, mas a verdade é que nunca fui lá. Só ouvi falar na aula, mas quando uns amigos foram eu não podia ir.”. Isso indica que muitos dos alunos desconhecem os ecossistemas e as belezas naturais de seu próprio município. Em observações durante as aulas teóricas notamos que os alunos se referiam pejorativamente aos colegas que moravam nos núcleos mais afastados. Como por exemplo: “Vai, você mora no mangue”; “Professor deixa ele, ele mora no mangue”. Estas falas representam atitudes preconceituosas, tanto social como cienti ca-mente. Uma vez que muitos dos alunos, alvos do preconceito, moravam em balneários (Viarégio por exemplo) localizados em áreas originalmente ocupadas pela oresta de restinga. 4. Na categoria Outros ecossistemas: os alunos referiram-se a outros ecossistemas que não os terrestres naturais, dentre eles: (Aluno 1) “O rio […]”; e (Aluno 7) “[…] Os rios, o mar, […]”. Estes ecossistemas não são terrestres. Isso pode demonstrar que a questão foi mal inter-pretada, ou os alunos ainda não desenvolveram os conceitos de ambientes terrestres e aquáticos (epinociclo20 e talassociclo21/limno-ciclo22). Alguns ecossistemas como a praia e os brejos representam zonas de transição entre esses ambientes. Porém é impossível considerar que os alunos se referiam aos brejos quando indicaram o rio. Um dos alunos referiu-se em sua resposta à cidade. (Aluno 4) “A cidade […]” É correto pensar que os ambientes arti ciais também constituem ecossistemas. Porém, são construídos com a força criativa do homem e não podem ser considerados ambientes naturais. Tal aluno ainda não desenvolveu os conceitos de antropização da paisa-gem e metabolismo urbano. 5. Na categoria Descrição de características ecológicas: os alunos produziram algum tipo de caracterização dos ecossistemas identi cados. Todas as respostas não passaram de um nível descritivo do ecossistema.

Alguns levaram em consideração apenas os fatores bióticos, por exemplo: (Aluno 3) “As orestas, que tem bastante árvores. As dunas, que estão perto da praia e têm umas plantas rasteiras, e umas com espinhos”. Nessa descrição podemos notar que nenhum fator abiótico foi ressaltado. O que pode indicar que este aluno não alcançou a compreensão dos componentes abióticos de um ecossistema. Outros alunos zeram referência aos componentes abióticos dos ecossistemas citados, como por exemplo: (Aluno 8) “Conheço vários, pois gosto de explorar os lugares, tipo a praia, onde tem o mar, a areia, os pinheiros e vários tipos de animais além dos peixes, as estrelas do mar, camarão etc. O mangue, que é tipo um lodaçal, pois tem muita lama e tem animais também, como os caranguejos. E tem a mata que ca no meio da ilha, que é bem legal.”. Nesse caso foram ressaltados diversos componentes, bióticos e abióticos, dos ecossistemas. Analisando a seguinte resposta: (Aluno 9) “[…] O mangue, tem lama, e é fedido, quando você pisa atola o pé, tem caranguejos, e várias aves, como o guará vermelho”. Podemos inferir que este aluno tem alguns (pre)conceitos formados sobre o ecossistema manguezal, por exemplo: “[…] é fedido”. É interessante notar a presença do “guará vermelho” na resposta desse aluno, esta ave migratória só é encontrada nos manguezais bem conservados, e é muito comum na região.

Grá co 1 – Frequência das categorias presentes nas respostas dos alunos a questão: “Cite os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha Comprida. Descreva-os”.

Podemos concluir que os alunos não conhecem todos os ambientes de Ilha Comprida, pois estes aparecem de forma descritiva nas respostas dos alunos, que procuraram ressaltar poucas ou nenhuma característica ecológica ou fatores ambientais que interagem com os seres vivos. Apresentaram conceitos super ciais e, na maioria, apenas perceptivos. Não houve uma conceituação clara que de nisse os quatro ecossistemas e tipologias principais da restinga (dunas, brejos/caxetais, oresta e manguezal). Os brejos e caxetais, apesar de representarem ecossistemas importantes na cadeia alimentar da restinga, de possuírem vegetações com in uência direta sobre a qualidade dos recursos hídricos e, também, representar uma fonte de recursos naturais23 para a população regional, não foram mencionados pelos alunos em nenhuma resposta. Após a entrega dos questionários e breve avaliação dos mesmos, questionamos os alunos oralmente: “Qual ecossistema se desenvolve nas áreas ocupadas predominantemente por taboas, nas proximidades de rios e lagoas?” Muitos se referiram a este ecossistema como Manguezal. Este preconceito24 ecológico pode demonstrar que, com ecossistemas pouco abordados na mídia e na educação ambiental regional, seu conhecimento é mais restrito. Atividade didática 2

Os interpretantes, gerados após toda a intervenção didática, dos alunos a respeito de quais ecossistemas terrestres naturais são encontrados em Ilha Comprida, e suas respectivas características ecológicas, foram avaliados e categorizados pela análise das respostas à atividade didática “Quais desses ecossistemas terrestres você conhece em Ilha Comprida? Descreva-os” (Fotos). Os resultados encontram-se na Tabela 2. Tabela 2 – Categorias geradas pelos alunos em resposta à questão: “Cite os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha Comprida Descreva-os”

1. Nas categorias, Praias/Dunas, Floresta, Mangue e Brejos/Caxetais: Todos os alunos associaram corretamente as fotos apresentadas na segunda questão do questionário (Q2) aos respectivos ecossistemas. Notamos que foi unânime o reconhecimento dos ecossistemas naturais terrestres de Ilha Comprida. Não reconhecemos, nas respostas dos alunos, elementos que caracterizassem outros ecossistemas, como o urbano e o aquático. Este fato pode indicar o sucesso do processo de ensino e aprendizagem. 2. Na categoria Descrição ecológica: Todos os alunos descreveram algumas características ecológicas dos diferentes ecossistemas. Suas descrições transitaram pelas características sionômicas da vegetação, forma de vida dos vegetais, características edá cas, microclima, idade do substrato, correntes de vento, adaptações dos vegetais e presença de fauna. Todos os alunos evidenciaram em suas respostas as formas de vida vegetal predominantes nos ecossistemas estudados. Além disso, podemos notar nas respostas de todos os estudantes referência às características edá cas dos ecossistemas. Como por exemplo: o gradiente de salinidade no solo e a presença ou ausência de nutrientes provenientes da serrapilheira. Alguns

alunos relacionaram estes gradientes à idade do substrato, relacionando tais características edá cas à formação geológica de Ilha Comprida. Outros destacaram a relação entre as formas de vida vegetal e a manutenção do microclima úmido, ressaltando que em regiões mais sombreadas o clima torna-se mais úmido. Alguns ressaltaram a presença de correntes de vento no ecossistema das dunas, evidenciando sua in uência no crescimento dos vegetais, na retenção de serrapilheira, sua ação modeladora das dunas que leva ao soterramento e morte de vegetais e consequente formação de húmus no solo. Destacaram, ainda, a maresia como input de salinidade. Alguns alunos deram destaque para a presença de adaptações anatômicas no corpo dos vegetais que possibilitam a colonização de diferentes ambientes; a grande maioria destacou a presença de adaptações nos vegetais do mangue. Poucos alunos caracterizaram a fauna dos diferentes ecossistemas.

Grá co 2 –Frequência das categorias presentes nas respostas dos alunos à questão “Cite os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha Comprida. Descreva-os”

Podemos notar, nas respostas à segunda questão, que houve uma signi cativa evolução conceitual no que se refere aos ecossistemas naturais de Ilha Comprida, todos os alunos reconheceram as fotos da segunda questão e as

identi caram corretamente. Muitos usaram termos cientí cos para descrever as características de cada um dos ecossistemas, o que pode indicar que as aulas de campo podem ter contribuído para a aplicação dos conceitos básicos de Ecologia do currículo do Ensino Médio, desenvolvidos na primeira parte da sequência didática (teórica em sala). A maioria dos alunos relacionou sua descrição com as formas de vida vegetais predominantes nos ecossistemas, que foi um dos grandes objetivos do processo de ensino e aprendizagem, além disso, muitos relacionaram as características edá cas com a formação geológica de Ilha Comprida, e consequentemente, com a idade do solo.

Análise semiótica

Para análise da construção de signos ecológicos pelos alunos iremos utilizar as categorias de interpretante dinâmico propostas por Peirce. Como exposto, o interpretante é o efeito do signo na mente que o interpreta. O interpretante dinâmico é subdividido em três novos interpretantes dependendo de sua natureza de primeiridade (potencialidade, emoção, qualidade), secundidade (existência, con ito, reação) e terceiridade (generalização, lei, conceito), esses interpretantes, como descreve Santaella (2002), são respectivamente: 1. Interpretante emocional, diz respeito ao primeiro efeito que um signo está apto a provocar em um intérprete, sendo esse efeito uma simples qualidade de sentimento. 2. Interpretante energético, que corresponde a uma ação física ou mental, ou seja, o interpretante exige um dispêndio de energia de alguma espécie. 3. Interpretante lógico, quando o signo é interpretado por uma regra interpretativa internalizada pelo receptor.

Atividade didática 1

Tabela 3 – Análise semiótica dos interpretantes iniciais presentes nas respostas dos alunos na atividade didática 1.

Tabela 4 – Síntese de signi cação das respostas dos alunos na atividade didática 1.

Atividade didática 2

Tabela 5 – Análise semiótica dos interpretantes iniciais presentes nas respostas dos alunos na atividade didática 2.

Tabela 6 – Síntese de signi cação das respostas dos alunos na atividade didática 2.

Considerações nais Este ambiente com características naturais tão bem preservadas pode ser um ótimo recurso no ensino de Ecologia, de outras áreas da Biologia, além de outras disciplinas curriculares. Apropriando-se da realidade próxima ao aluno, favorecemos a experiência colateral25, uma vez que o ambiente conservado faz parte do cotidiano, ou está próximo, do aluno. O conhecimento cientí co pode possibilitar uma participação ativa e com senso crítico em uma sociedade como a atual, na qual o fato cientí co está na base de grande parte das opções pessoais que a prática social exige. O aprendizado de conceitos de Ecologia no Ensino Médio é extremamente importante para o efetivo exercício da cidadania. Concluímos que é necessária uma formação que capacite os atores à participação na tomada de decisões e elaboração de leis e políticas públicas sustentáveis que conservem os processos ecológicos responsáveis pela produtividade da área. Para, então, exercer seu direito – coletivo e inalienável –, as presentes e futuras gerações, a um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado como assegurado na Constituição de 1988. Participando de fato da administração ecológica de sua região. A nal, segundo Ricklefs (2003), os processos ecológicos contêm a chave para a política ambiental. Propomos, entre outras metodologias didáticas, as aulas de campo por proporcionar a experiência colateral que tem como característica a riqueza de possibilidades no processo de geração de signos no ensino e aprendizagem de Ecologia. Ao proporcionarmos o contato direto com o objeto de estudo da Ecologia, favorecemos um processo de aprendizagem que envolve os passos de observação de fenômenos, elaboração de problemas cientí cos, elaboração de hipóteses explicativas. Diferentemente do que ocorre quando lidamos com representações acabadas. Dessa forma, ao aprender por meio da experiência colateral, orientado pelo professor, o aluno tem a oportunidade de considerar a totalidade dos

diversos elementos envolvidos em certo fenômeno durante a elaboração de suas hipóteses frente às questões levantadas por ele ou por seu professor. É importante ressaltar que as hipóteses construídas nesse processo devem ser confrontadas com aquelas aceitas pela comunidade cientí ca26, e quando necessário, e possível, devem ser realizados os experimentos pertinentes para sua con rmação. Podemos perceber nesta análise que os alunos inicialmente possuíam em suas respostas aspectos predominantemente emocionais. E, quando notados os aspectos energéticos, referiam-se principalmente à existência dos elementos paisagísticos, estabelecendo pouca ou nenhuma relação ecológica entre eles. Podemos dizer que os interpretantes energéticos dos alunos situavam-se em um aspecto puramente descritivo dos elementos naturais que compõe os ecossistemas de Ilha Comprida. E em suas respostas apa-reciam poucos elementos de relação de causa e consequência entre os seres vivos e o meio. Como pudemos observar no segundo capítulo desta dissertação, um dos principais objetivos da Ecologia é compreender estas inter-relações. É interessante, portanto, que os alunos desenvolvam essa capacidade. Durante o processo de ensino e aprendizagem, os alunos tiveram contato com diversos signos que buscavam representar os ecossistemas naturais, sua dinâmica e suas características estruturais. Durante as aulas práticas os alunos tiveram contato direto com o objeto dinâmico de seus estudos, os ecossistemas em si, nesse caso os ecossistemas terrestres presentes na ilha de restinga do município de Ilha Comprida. Nesse processo, os alunos tiveram oportunidade de constantemente (re)elaborar seus interpretantes a respeito destes ecossistemas, em um processo de semiose contínuo, em que cada nova mudança conceitual possibilitava um novo olhar para um novo signo. Dessa forma o processo de semiose seguiu e segue ad in nitum. Notamos que, durante as aulas práticas, os alunos produziram grande número de questões e situações problema. Empiricamente, maior que o número de questões produzidas durante as aulas teóricas. Este tipo de análise

comparativa, entre número de questões emitidas em sala e no campo, pode ser uma área fecunda de pesquisa em Ensino de Ciências. Nas aulas práticas os alunos, como os próprios a rmaram, tiveram possibilidade de comparar seus interpretantes adquiridos anteriormente com o objeto dinâmico dos signos ecológicos, e como nas palavras dos próprios alunos: “Pôr o conhecimento em prática”, (re) elaborando constantemente seus signos ecológicos. Podemos observar na análise que se seguiu que houve notável evolução semiótica conceitual em relação aos ecossistemas terrestres da restinga. Os alunos passaram de impressões iniciais carregadas em primeiridade e secundidade, (analisadas na forma de interpretantes emocionais e energéticos), para de nições mais bem elaboradas nas quais podemos perceber conceitos (respostas carregadas em terceiridade, manifestada na forma de interpretantes lógicos presentes em diversas respostas dos alunos). Os alunos passaram de conceituações predominantemente emocionais (primeiridade) e descritivas (secundidade), para conceituações em que estabeleciam relações de causa e efeito entre os diversos elementos dos ecossistemas, elaborando leis gerais (terceiridade) aplicáveis a todos eles.

1 Mestre em Educação para a Ciência na área de Ensino de Ciências e Matemática, pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência da Unesp. É professor efetivo de Biologia da rede estadual paulista e do Centro Paula Souza, colégio técnico Eng. Agr. Narciso de Medeiros dos cursos de gestão ambiental e meio ambiente; ([email protected]). 2 Pesquisadora do Centro de Divulgação e Memória da Ciência e Tecnologia – CDMCT da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Foi Bolsista PRODOC/CAPES. Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 3 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]). 4 Segundo Begon et al. (2006) biodiversidade é a riqueza de espécies em uma área geográ ca, em uma escala menor a diversidade genética de uma espécie e em uma escala maior a diversidade de

comunidades de uma região. 5 Além de ser considerada, pela Internacional Conservation, ao lado do Cerrado um Hotspot. O conceito Hotspot foi criado em 1988 pelo ecólogo inglês Norman Myers para resolver um dos maiores dilemas dos conservacionistas: quais as áreas mais importantes para preservar a biodiversidade na Terra? Hotspot é toda área prioritária para conservação, isto é, de alta biodiversidade e ameaçada no mais alto grau. É considerada Hotspot uma área com pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas e que tenha perdido mais de 3/4 de sua vegetação original (http://www.conservation.org.br/como/index.php? id=8). 6 Zona de contato entre duas formações com características distintas. Áreas de transição entre dois tipos de vegetação. A transição pode ser gradual, abrupta (ruptura), em mosaico ou apresentar estrutura própria. Zona de contato ou transição entre duas formações vegetais com característica distintas (BRASIL, 1994). 7 Referente à natureza do solo. 8 Vegetação característica de dunas, composta pelo estrato herbáceo e arbustivo (BRASIL, 1996). 9 LINHARES, S.; GEWANDSZNAJDER, F. Biologia hoje. São Paulo: Ática, p. 522, 2005. 10 Ramo de Ciência que se ocupa das relações entre clima e fenômenos biológicos periódicos (como as migrações e a reprodução de aves ou a oração e fruti cação de plantas). Relação entre clima e fenômenos biológicos periódicos. (http://www.workpedia.com.br/fenologia.html). 11 Grupo taxonômico ou espécie, restrito a uma região, não sendo encontradas nas demais regiões brasileiras ou mundiais. 12 Localizado no Boqueirão Sul, única formação paleozoica (rochas graníticas) em Ilha Comprida. (GANDOLFO et al., 2001). 13 Depósito de conchas calcárias e ossadas deixadas por povos caçadores coletores que habitavam o litoral antes dos Guaranis. 14 Localizado no Boqueirão Sul em Ilha Comprida, próximo à estrada de acesso à Balsa de Cananeia. 15 Após o balneário Viarégio o acesso às outras localidades é feito principalmente pela praia. 16 Por exemplo, o Dia Mundial de Limpeza das Praias e Rios 15/9 e diversos mutirões de limpeza das praias realizados frequentemente pela ONG Biologus e pela Escolinha de Surf da Ilha Comprida.

17 Proteger os ecossistemas interiores das marés de grande amplitude e da ação destruidora dos ventos oceânicos. 18 As areias dessas dunas foram utilizadas em obras de infraestrutura urbana. Relatos de moradores antigos indicam que toda a linha costeira era ocupada por essa formação. 19 A exemplo da Semana do Manguezal e o Manguezal Ativo (segunda semana de novembro), instituídos como Lei Orgânica Municipal em Ilha Comprida, Iguape e Cananeia. E os mutirões de limpeza no mangue promovidos pela ONG Biologus em Parceria com o Projeto Navega São Paulo Pólo Ilha Comprida. 20 Conjunto de ecossistemas terrestres. 21 Conjunto de ecossistemas marinhos. 22 Conjunto de ecossistemas dulcícolas. 23 Dos alagados são extraídos os seguintes recursos, caxeta ou ipê do brejo (Tabebuia cassinoides), utilizados para confecção de rabecas, remos e artesanato; taboa (Typha domingensis), utilizada para confecção de artesanato e o fofão (Syrrhopodon elongatus) espécie de musgo utilizado para ornamentação de arranjos orais. Vale destacar que tais manejos são realizados de forma sustentável de acordo com programas de desenvolvimento propostos pela Prefeitura em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) de acordo com dados do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável do Vale do Ribeira (Idesc, 2006). 24 Conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério. (http://www.priberam.pt/dlpo 08/09/2007). 25 A experiência colateral se refere à experiência íntima com o objeto de estudo. Ou seja, é referente à apresentação de fenômenos. 26 Comunidade cientí ca é o nome que se dá ao conjunto de cientistas, desde que organizados. A organização dos cientistas se dá, por exemplo, na formação de sociedades cientí cas. No Brasil há, por exemplo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC; http://www.sbpcnet.org.br), a Sociedade Brasileira de Química (SBQ; http://www.sbq.org.br), a Sociedade Brasileira de Física (SBF; http://www.sbf.org.br), entre muitas outras. As sociedades cientí cas são responsáveis, entre outras coisas, pela realização de congressos, onde há a apresentação de trabalhos, a realização de cursos e o contato para a rmação de parcerias e convênios. Estas sociedades frequentemente também editam revistas e jornais, em que são publicados resultados de pesquisas cientí cas. Através destes jornais (que também têm versões eletrônicas na internet), e de congressos internacionais, é possível que pesquisadores de todo o mundo saibam o que está sendo feito por outros cientistas e possam colaborar, comentar ou criticar.

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