Quatro Vezes Amor - Stephanie Bond

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Quatro Vezes Amor Kids is a 4-letter word

Stephanie Bond Sabrina 1021 Série 4-letter words 1

Como se soletra a palavra “terror”? C-R-I-A-N-Ç-A-S! Lucy Montgomery não tinha nada contra crianças... só não queria tê-las. Assim, quando descobriu-se obrigada a levar três adoráveis monstrinhos ao mais importante compromisso de sua carreira, ela entrou em pânico. Então ela conheceu o pai das crianças, o encantador viúvo John Sterling, e soube que seus problemas estavam apenas começando. Porque John era o homem que Lucy havia procurado durante toda a vida. Mas, apesar de todos os encantos do pai, Lucy ainda temia os filhos dele. Série 4-letter words: 1. Quatro vezes amor (Kids is a 4-letter word) – Sabrina 1021 – Ebook 2. Um amor desastrado (Wife is a 4-letter word) – Sabrina 1022 – Ebook Obs: Da página 5 a 12, a protagonista é chamada de Anna, no restante do livro de Lucy. E no comentário da autora a personagem volta a ser chamada de Anna. Fiz a correção do nome da página 5 a 12. Digitalização e Revisão: m_nolasco73 Para entrar no grupo livros corações, mande um e-mail para: [email protected]

Querida leitora, Nada como crianças para enfeitar a vida... e aterrorizá-la. Este livro fala sobre o tema "crianças" e relacionamentos. Como um grande amor pode sobreviver em meio à balbúrdia dos filhos... dele! Tenho certeza de que você vai adorar!

Janice Florido Editora Executiva P.S. Não perca o próximo número da série Sabrina! Você vai ter uma grande surpresa!

Copyright © 1998 by Stephanie Hauck Publicado originalmente em 1989 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra, salvo os históricos, são fictícios. Qualquer outra semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: Kids is a 4-letter word Tradução: Débora da Silva Guimarães Isidoro Editor: Janice Florido Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 – 10º andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil Copyright para a língua portuguesa: 1998 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo.

CAPÍTULO I Lucy Montgomery pulou ao ouvir o toque do telefone, mas os olhos permaneceram fixos na assustadora carta enviada pelo banco. VENCIDO. Franzindo a testa, pulou ao ouvir o toque do telefone, mas os olhos permaneceram fixos na assustadora carta enviada pelo banco. VENCIDO. Franzindo a testa, atendeu ao chamado. — Montgomery Decoração de Interiores. Lucy falando. — Meu nome é John Sterling. Creio que minha secretária a procurou na semana passada para tratar de um projeto. Lucy pensou depressa. O importante compromisso marcado para aquela tarde com os Patterson afastara todos os outros planos de sua mente. Balançando a cabeça para tentar organizar as idéias, constatou que a observação bela voz cruzava seu cérebro como um relâmpago. Empurrando a carta do banco para um canto da escrivaninha, abriu uma gaveta arquivo e examinou a identificação das pastas em ordem alfabética. — Sim, sr. Sterling, minhas anotações estão bem aqui. — Munindo-se da pasta, leu: — Residência localizada no número sessenta e nove da Kings Court, dois mil metros quadrados. — Começava a lembrar-se da conversa. John Sterling era arquiteto e mudara-se recentemente de Atlanta para Savannah. — Sua secretária disse que o projeto é extensivo a toda a casa. — Exatamente. Mobília, papel de parede, tratamento para as janelas... tudo. Que voz! — Conheço a rua — Lucy confirmou. — Quando posso levar as amostras para sua apreciação... e de sua esposa? — Sou viúvo. — Oh, eu sinto muito... — Por que não passa por minha casa hoje para conhecer o espaço? Depois marcaremos um dia para discutirmos os detalhes do trabalho. Disponível, abastado, bem-sucedido e dono de uma voz muito sexy. É claro que já tinha Alan, e por isso não estava interessada. Mas se a aparência de John Sterling fosse razoável, sua amiga Pamela ficaria eufórica. — Estará lá? — Lucy perguntou intrigada. — Não, mas meus filhos estarão com a babá. A curiosidade transformou-se em pânico. Nunca havia sido apaixonada por crianças, mas o último projeto residencial que assumira a obrigara a manobrar em torno das atividades terroristas do triciclo de um garoto de cinco anos de idade, e depois da mansão Tyndale, pensar em meninos e meninas era o suficiente para plantar o medo em seu coração. — Filhos? — perguntou, tentando esconder a apreensão. — Sim — John Sterling confirmou, a voz subitamente calorosa. — Mas não se preocupe. Minhas crianças são verdadeiros anjos. Lucy abriu os braços num gesto instintivo segundos antes do balão de água atingi-la no peito. Um grito chocado escapou de sua garganta e ela deu dois passos para trás. O vestido de seda cor de salmão já estava colado à pele, e várias brochuras de amostras de tecidos e revestimentos espalhavam-se aos seus pés, absorvendo as poças de água. Sem ação, Lucy olhou para o rosto da menina loira que estava parada na porta, diante dela. Os olhos verdes e míopes da criança quase desapareciam atrás das lentes espessas dos óculos. A pequena versão de Einstein inclinou a cabeça para examiná-la e piscou. Gritos de guerra ecoavam atrás dela, e Lucy mal pôde acreditar no que via. Na sala, dois pequenos selvagens disfarçados em meninos de aproximadamente três e

sete anos corriam em torno de uma mulher amarrada a uma cadeira. Armados com cestos cheios de balões de água, alternavam-se no ataque à vítima. A água escorria pelas paredes da sala grande e vazia ensopava o piso de madeira. Pedaços de borracha colorido podiam ser vistos em toda a parte, inclusive nos galhos de uma árvore de Natal artificial esquecida num canto. — Ajude-me! — a mulher pediu ao vê-la, lutando para livrar-se das cordas. Lucy dirigiu-se à menina. — O que está acontecendo aqui? Tentando proteger o livro que levava colado ao peito, a pequena encolheu os ombros e afastou-se para deixá-la entrar. — Os garotos estão brincando com a sra. Michaels. — Ajude-me — a sra. Michaels pediu novamente, movendo-se na cadeira para esquivar-se de mais um balão que explodiu em contato com o chão. — Salve-me destes monstros! Os monstros pareciam nem notar a chegada de Lucy. Gritando e cantando, corriam em torno da cadeira como se tivessem o hábito de exibir os pequenos corpos pintados e seminus. Cautelosa, Lucy entrou na sala e abaixou-se para escapar de mais um míssil molhado. Abrindo a bolsa, apanhou um apito prateado, colocou-o na boca e soprou com vontade. Todos pararam e olharam em sua direção. — Uau! — exclamou o menino mais velho. —Posso ficar com isso? — Não — Lucy respondeu irritada, respirando fundo para controlar-se. — O que está havendo aqui? — Perguntou em seguida, as mãos na cintura traindo a impaciência. O menino de cabelos vermelhos franziu a testa e encolheu os ombros. — É só uma brincadeira. A sra. Michaels disse que podíamos amarrá-la. Lucy olhou para a mulher presa à cadeira de espaldar alto. O vestido simples de jersey estava colado ao corpo, e 0s cabelos grisalhos pendiam em mechas ensopadas que escapavam da fivela na altura da nuca. Ela parecia desesperada. — Não sabia que eles possuíam balões de água, e não tinha idéia de que Jamie... — Sou Peter! — o garoto gritou irritado. — Desculpe — a babá pediu apressada. Em seguida, baixou a voz e dirigiu-se a Lucy. — Jamie pensa que é Peter Pan. De qualquer maneira — prosseguiu em tom normal —, não imaginava que Peter soubesse dar nós tão resistentes. Jamie-Peter sorriu, o queixo erguido numa demonstração de orgulho. — Aprendi no grupo de escoteiros — explicou. Lucy olhou para a sra. Michaels. — É a babá do sr. Sterling? — Sim. E você, quem é? Ela olhou para o material que deixara cair perto da porta e passou a mão pelos cabelos curtos e molhados. — Sou a decoradora contratada pelo sr. Sterling. Essas crianças são os filhos dele? — Exatamente. Claire tem nove anos, Jamie... — Peter! — Peter tem seis, e o pequeno Billy vai completar três. Ao ouvir seu nome, o menino de cabelos dourados mostrou três dedos roliços e correu para trás de Jamie, de onde continuou observando o que acontecia à sua volta. Lucy olhou para o mais velho dos irmãos e, com ar sério, ordenou: — Desamarre a sra. Michaels. O garoto examinou-a da cabeça aos pés, questionando sua autoridade. — Você não é minha mãe — disparou, os olhos verdes cheios de ressentimento.

Sabia que o comentário traía a dor provocada pela perda da mãe, mas também tinha conhecimento de que a primeira impressão era crucial para o estabelecimento da autoridade, e não queria correr o risco de repetir a experiência vivida na residência dos Tyndale. Aproximando-se de Jamie, ergueu os ombros para aumentar a vantagem proporcionada pela diferença de estatura e cruzou os braços. — Mas sou maior que você — apontou. — Portanto, mexa-se, gritou. Para sua surpresa, ele obedeceu. O cesto com os balões de água foi deixado no chão e ele correu para trás da cadeira a fim de soltar os nós que imobilizara os pulsos da criada. Séria, Lucy admirou o trabalho do menino e a facilidade com que parecia desatá-lo. Segundos mais tarde a sra. Michaels estava livre. Demonstrando agilidade espantosa para uma mulher de sua idade, a babá levantou-se de um salto e mergulhou no armário próximo à porta, de onde saiu com um chapéu sobre a cabeça molhada. Enquanto vestia o casaco, ela retirava um chaveiro da bolsa e dirigia-se à saída. — São todos seus — disse, ao passar por Lucy. — Boa sorte. A sra. Michaels já havia desaparecido além da porta quando o significado de suas palavras a encheu de pânico. — O quê? Espere um minuto! — Lucy correu atrás da criada, parando no caminho para recolher as brochuras de amostras ensopadas. — Não pode estar falando sério. Não pode simplesmente ir embora! A sra. Michaels abriu a porta de um automóvel muito antigo e, sorrindo, encarou-a: — Não posso? Pois veja! Apavorada, Lucy tentou pensar numa forma de detê-la. — Você assumiu um compromisso! Tem o dever de cuidar dessas crianças! — Por que não me processa? — Sorrindo como se estivesse à beira de um ataque de nervos, a babá ligou o motor e partiu apressada. O pânico crescia no coração de Lucy à medida em que o veículo afastava-se pela rua deserta do bairro do subúrbio. Quando se virou, notou que três pares de olhos a estudavam com um misto de curiosidade e desconfiança. Os três irmãos estavam reunidos no gramado, banhados por um sol atípico para o mês de janeiro. O projeto de John Sterling era lucrativo e promissor, mas... seria lucrativo a ponto de compensar a carga extra? Lucy engoliu em seco e tentou ignorar as gotas de suor que brotavam em sua testa. A única coisa que sabia sobre crianças era que não sabia nada sobre crianças. Em seu dicionário, filhos havia sido sempre apenas uma palavra de seis letras. — A sra. Michaels não tinha talento para o trabalho de babá — Jamie declarou. — Como as outras duas. — Não conhecemos você — Claire apontou cautelosa, estendendo a mão para Billy e puxando-o para mais perto — E não devemos conversar com estranhos. Lucy pensou depressa. A última coisa que desejava era ter de lidar com um grupo de crianças histéricas. Aproximando-se dos pequenos com passos lentos, forçou um sorriso e tentou manter a calma. — Meu nome é Lucy Montgomery. Satisfeitos? Agora não sou mais uma estranha. — Lucy é um nome bobo e sem graça — Jamie provocou. — Tem razão. Também já desejei ser chamada de outra maneira. Mas o que posso fazer, se minha mãe escolheu Lucy? É interessante... Conheci uma garota chamada Jamie — ela devolveu. — Meu nome é Peter! Claire interferiu: — Precisamos ver seus documentos. Você pode ser uma seqüestradora. Lucy deixou escapar uma gargalhada sarcástica. A única pessoa menos

inclinada que ela a raptar três crianças era Alan, seu namorado. Mesmo assim, abriu a bolsa e mostrou a carteira de motorista à menina. — Aqui está. Claire franziu a testa, obviamente intrigada com uma presença estranha no quintal de casa. — O que vai fazer conosco? Ainda não sabia, e por isso preferiu não responder. — À que horas o pai de vocês costuma chegar em casa? — Por volta das sete — Claire informou. Lucy consultou o relógio. Duas e meia, e tinha uma reunião com os Patterson às quatro da tarde. — Bem, vamos ter de telefonar para ele e pedir que venha mais cedo. Os pequenos correram para dentro de casa e ela os seguiu. Suspirando, massageou as têmporas para tentar amenizar a dor que começava a incomodá-la, mas um toque em se joelho a interrompeu. Surpresa, olhou para baixo e viu os grandes olhos verdes de Billy. Sob toda aquela pintura colorida devia haver uma criança linda. A outra mão segurava o short de algodão, única peça de roupa sobre o corpo pequeno e rechonchudo. Lucy franziu a testa. — Sei que a temperatura está mais alta do que se podia prever, mas ainda é inverno. Onde estão suas roupas? — Fralda suja — ele respondeu com ar solene, levantando os braços para indicar que desejava ser pego. Era só o que faltava! Com cuidado, ergueu o garoto e sentiu o aroma desagradável da fralda. — Oh, meu Deus! — Gemeu apavorada, respirando pela boca. Equilibrando-se sobre os saltos finos, manteve a criança bem longe do corpo e dirigiu-se ao interior da casa. — Claire, Billy precisa de uma fralda limpa — gritou, abaixando-se para colocálo no chão. Mas o pequeno resistiu, mantendo-se agarrado ao pescoço dela como se algo o assustasse. — Não! — gritava apavorado. Sem saber o que fazer, Lucy o manteve entre os braços. — Ele é difícil — Claire anunciou enquanto ajeitava os óculos sobre o nariz. — Vá buscar a fralda — ela pediu, vasculhando o interior da bolsa com uma das mãos. Quando localizou o cartão de John Sterling, pediu a Jamie que a levasse até o telefone e, a caminho da cozinha, onde ficava o aparelho, aproveitou para examinar rapidamente o espaço da casa. As duas palavras que surgiram em sua mente foram grande e vazia. Os cômodos possuíam linhas interessantes, o que devia agradar ao gosto do arquiteto Sterling, mas nunca vira tal ausência de cores e estilo como os encontrados na construção luxuosa. O piso de madeira era glorioso, e as cantoneiras de gesso que marcavam o limite entre o teto e as paredes emprestavam uma certa sofisticação ao local, mas as poucas peças de mobília pareciam velhas e sem graça, e não havia um único objeto de decoração em todo o espaço que percorrera. — Ele quer que você crie uma atmosfera mais doméstica — a secretária de John Sterling havia explicado ao telefone. A tarefa seria grandiosa. — Susan? — Lucy perguntou ao ouvir a voz do outro lado da linha. — Aqui fala Lucy Montgomery, da Montgomery Decoração de Interiores. Preciso falar com o sr. Sterling. — Ao acomodar Billy sobre a curva do quadril, sentiu um fio da meia-calça correr desde o joelho até o tornozelo — O sr. Sterling não está. Quer deixar algum recado?

Lucy respirou fundo. — Estou na casa dele, e a babá acabou de demitir-se. Ele precisa vir para cá imediatamente. — Uma dor intensa na orelha esquerda quase a cegou. — Ai! — gritou, inclinando a cabeça ao perceber que Billy encontrara seu brinco. — Lamento, mas o sr. Sterling está abordo de um avião retornando de Fort Lauderdale. Ele deverá aterrissar em Savannah por volta das seis e quinze. — Não posso esperar! Tenho um compromisso importante dentro de uma hora e meia. O que devo fazer? — Não tenho a menor idéia —Susan respondeu sem cerimônias. Mordendo o interior da boca para não perder a paciência, Lucy tentou outra tática. — Tem uma lista das babás cujos serviços o sr. Sterling costuma contratar? — Virando-se, viu que Jamie havia subido na mesa ao lado do sofá e segurava a ponta da cortina, medindo a distância que o separava do chão. Ele não vai saltar. O garoto brandia uma espada de plástico contra o inimigo imaginário que o esperava lá embaixo. — Vou arrancar sua outra mão, Capitão Gancho! Ele vai saltar! — Jamie! — Lucy gritou, correndo na direção dele. Mas não foi rápida o bastante, e o fio do telefone restringiu seus movimentos. — Sou Peter! — Agarrado à cortina, o garoto pulou da mesa. — Cuidado! No instante seguinte Jamie desaparecia sob uma verdadeira avalanche de tecido. A estrutura delicada não suportou o peso extra e desprendeu-se do trilho, caindo sobre ele. — Você está bem? — Perguntou apavorada, enquanto Billy aplaudia o gesto corajoso do irmão mais velho. Um som ruidoso e assustador de tecido se rompendo precedeu o aparecimento da cabeça de Jamie. Ele sorria. — Foi fantástico! — Saia já daí e vá sentar-se naquela cadeira! — Lucy ordenou irritada. — E não saia de lá enquanto eu estiver falando ao telefone. — Correndo de volta ao aparelho enquanto acomodava Billy sobre o quadril, ela perguntou: — Susan? Ainda está aí? — Sim, estou. — A voz da secretária era impassível. — E então? Tem uma lista de babás? — Tinha. — Tinha? — Esgotamos a relação rapidamente depois que o sr. Sterling mudou-se para a cidade. Agora não há sequer uma creche em toda a Savannah que aceite os garotos. — Obrigado, Susan. — John desligou aborrecido e irritado. Em seguida tentou falar com o escritório de Lucy mas o número que possuía estava ocupado. — Corram! — Lucy gritou, arrastando as crianças através da porta do pequeno edifício comercial. Ao atravessar o saguão com Billy pendurado num braço e a pasta apoiada no outro, ouviu Hattie dizendo: — Tenho certeza de que Lucy chegará a qualquer minuto. Ela foi... bem... Sua adorada tia virou-se para a porta e a viu correndo na direção da área de recepção da firma de decoração. Profissional competente, Hattie logo recuperou-se do choque e usou a surpresa a favor da empresa que representava. — Ela foi buscar as crianças, é claro — disse, virando-se para a sobrinha. — Querida, já estava ficando preocupada... com vocês! — Desculpem-me pelo atraso — Lucy pediu, deixando a pasta no chão e

estendendo a mão para a mulher elegante e bem penteada ao lado de Hattie. — Sou Lucy Montgomery, e você deve ser Melissa Patterson. — Sim, e este é meu marido, Monroe — a visitante apresentou com uma leve inclinação da cabeça loura. — Oh, eles não são lindos? — A sra. Patterson tocou o rosto corado de Billy. O pequeno ofereceu um sorriso encantador e disse: — Eu Billy. — E quem mais temos aqui? — O sr. Patterson sorriu para os dois maiores. Lucy engoliu o nervosismo. Como explicaria essa situação? — Estes são Claire e Jam... Peter. Claire e Peter. O homem alto e magro inclinou-se para apertar a mão dos dois irmãos e, ao levantar-se, sorriu para Lucy. — Srta. Montgomery, sou forçado a admitir que já tem uma certa vantagem sobre seus concorrentes quanto à conta da nossa rede de escolas. — Bem — Hattie interferiu animada, os olhos prevenindo a sobrinha sobre o perigo de qualquer revelação precipitada. — Vou levar as crianças enquanto vocês falam sobre negócios. — Quem é você? — Jamie perguntou, franzindo a testa para um dos muitos chapéus que compunham a coleção de Hattie. Lucy riu e tentou consertar a gafe do garoto. — Hoje tia Hattie é... Mary Poppins, certo? — Certo — ela respondeu, segurando a mão de Jamie. — É isso mesmo. E preciso de ajuda para encontrar meu guarda-chuva. Quando o encontrarmos, voltaremos ao meu escritório para resgatarmos aqueles três pobres pirulitos abandonados. — Espero que um deles seja verde — Jamie comentou esperançoso, conquistado pela exuberância excêntrica de Hattie. Claire ainda olhou para Lucy com alguma hesitação, mas um sinal afirmativo a fez tomar a mão de Billy e acompanhar os outros dois. O sentimento de alívio que a invadiu quando Hattie afastou-se com as três crianças foi tão grande, que Lucy teve medo de desmaiar. Finalmente livre! Teria saído há duas horas, apenas? Parecia uma eternidade. Virando-se para os Patterson, ofereceu um sorriso cortês. — Vamos entrar? — Srta. Montgomery — Melissa comentou enquanto dirigiam-se à sala —, não me lembro de ter mencionado seus três filhos quando nos falamos pelo telefone. Estou muito feliz por termos decidido incluir sua firma de decoração na concorrência. — Oh, sim! — O sr. Patterson confirmou. — É muito importante que o profissional contratado para redecorar nossa rede de escolas esteja em perfeita sintonia com as crianças. Acredito que nosso sucesso no ramo é devido principalmente ao fato de termos criado cinco filhos. O pânico era como uma onda invadindo seu ser. Os Patterson possuíam vinte e uma escolas de educação infantil dentro e em torno da cidade. Os negócios não iam bem para ela há algum tempo, e assumira um risco calculado ao investir num novo e sofisticado sistema de computação. Na semana anterior seu contador havia anunciado que desejava receber os honorários referentes ao trimestre um mês antes do combinado, e a carta do banco sobre a parcela vencida do empréstimo ainda estava viva em sua memória. A firma de decoração era sua fonte de sobrevivência, e Hattie também dependia dela para viver. A adesão dos Patterson à lista de clientes proporcionaria o capital necessário para recuperar-se e expandir-se. O casal desejava reformular e modernizar todas as unidades da rede de escolas, e o projeto prometia ser tão lucrativo que eles estavam realizando entrevistas para selecionar as firmas que

participariam do processo de seleção. Sabia que podia fazer um projeto esplendoroso. Mas não podia conquistar a conta sob falsos pretextos... podia? — Bem, as crianças não são realmente minhas — Lucy começou, mudando de idéia ao notar a expressão decepcionada nos rostos dos possíveis clientes. — Quero dizer, não dei à luz nenhuma delas. — Oh, são adotadas — o sr. Patterson deduziu. — Não. O pai delas... — Ah, enteados. — Ele afirmou com a cabeça num gesto de compreensão. A sra. Patterson sorriu. — É muita generosidade sua assumir tão grande responsabilidade. O menor ainda nem fala direito! Lucy engoliu em seco, sentindo-se afundar num poço de areia movediça feito de moral, ética... e dívidas. — Achei mesmo estranho uma mulher de cabelos escuros ter filhos louros. Um deles é ruivo! — O sr. Patterson exclamou. — São parecidos com o pai? Como podia saber, se nunca havia visto o sujeito? — Hummm... sim — Lucy arriscou. — Ele é louro ou ruivo? — A mulher insistiu curiosa. — É... louro avermelhado. — Entraram na sala de reuniões e ela sentiu que começava a transpirar, sinal de que estava muito perto de perder a calma. Irritada, decidiu que o mais importante nesse momento era salvar o próprio negócio. Depois de acomodar o casal junto à elegante mesa de cerejeira escurecida, ela dirigiu-se ao computador instalado num canto da sala e, alarmada, percebeu que as mãos tremiam. Os eventos do dia e a mentira em que acabara de enredar-se estavam mexendo com seus nervos. Depois de respirar fundo, encarou o casal e manteve-se em pé para conquistar alguma segurança a partir da diferença de estatura. — Queria mostrar um programa de computador que faz da minha firma a mais moderna e ágil de toda a região. — Lucy sentou-se diante do equipamento e forçou as mãos trêmulas a obedecerem os comandos do cérebro. Uma tela de projeção numa das paredes exibia as imagens do monitor do computador. — O programa me permite construir estruturas de qualquer especificação e ocupá-las com móveis, papel de parede, janelas, pisos e todos os acessórios que puderem imaginar. Meus fornecedores já inseriram seus padrões e cores num conjunto de dados que é acessado pelo programa, e posso desenvolver um motivo com alguns poucos movimentos do mouse — Lucy demonstrou o que dizia montando um quarto infantil com padrões espaciais em menos de dois minutos. — Se quiserem examinar o desenho em outra cor, podemos verificar a diferença na tela, sem gastar um único centavo a mais com tintas. — Dois movimentos com o mouse e o azul do dormitório em questão transformou-se em amarelo. Os Patterson trocaram um olhar admirado e deixaram escapar exclamações impressionadas. Mais confiante, Lucy decidiu abordar o ponto forte do programa. — Podemos percorrer os aposentos virtuais como se estivéssemos realmente dentro de uma casa. Viramos a câmera, por assim dizer, e examinamos o aposento de qualquer ângulo ou direção. — Ela demonstrou os efeitos espantosos do programa que beirava a realidade virtual. — Assim que um esquema é selecionado, o programa faz a estimativa do matéria e das horas de trabalho necessários, dependendo da complexidade da decoração. Posso ter um projeto com custos e cálculos gerais atualizados minutos depois de fazer uma modificação. A apresentação foi envolvente, e meia hora mais tarde os Patterson se mostravam impressionados. Ao vê-los, Lucy deixou de lado o mal-estar provocado pela pequena mentira

envolvendo as crianças. Com ou seu elas, era a melhor pessoa para fazer o trabalho. Passara horas argumentando para convencer os Patterson a visitarem seu escritório e catalogando idéias para o projeto, e não perderia uma conta tão importante só porque não dispunha de instinto maternal. Tinha de concentrar-se nos clientes. Em pé, encarou o casal e sorriu. — Gostaria de visitar uma das unidades de sua rede de escolas e depois dispor de alguns dias para preparar uma apresentação computadorizada. Minha proposta será competitiva, e vocês poderão visualizar todo o trabalho antes de gastarem um único centavo. Os Patterson trocaram mais um olhar e Lucy viu Melissa assentir quase de maneira imperceptível. Uma excitação intensa a dominou e ela teve de conter o ímpeto de gritar de alegria. Mas o sr. Patterson franziu a testa. — Precisamos de sua apresentação pronta na segunda-feira à tarde. Acha que estará preparada até lá? Lucy pensou depressa. Era quinta-feira. Teria de passar todo o final de semana trabalhando, mas sabia que seria capaz de concluir a tarefa com tranqüilidade. — Sim, mas gostaria de marcar uma visita a uma das unidades para fazer algumas anotações. Pode ser amanhã? — Estaremos esperando. Gostamos do que vimos até aqui, srta. Montgomery. Você parece ter as qualificações profissionais e pessoais necessárias para a realização do projeto. Se sua apresentação for tão impressionante quanto o trabalho preliminar, acho que fecharemos negócio. Apesar da preocupação provocada pela menção às suas qualificações pessoais, Lucy forçou um sorriso profissional e estendeu a mão para despedir-se. A caminho da porta, consultou a agenda para marcar uma hora para a visita no dia seguinte. — Estaremos prontos para recebê-la às dez — Melissa confirmou sorrindo. — Leve as crianças. Gosto de ver como elas reagem em nossas escolas. Sentindo o sorriso congelar em seus lábios, Lucy respondeu: — Não sei o pai delas já tem planos para amanhã, mas verei o que posso fazer. — Meu nome é John Sterling. Preciso falar com Lucy Montgomery. — Ele acomodou o celular sobre o ombro esquerdo e franziu a testa ao notar que acabara de ultrapassar um farol fechado. Uma mulher que se identificara como Hattie respondeu num tom de voz muito alto. — Oh, sr. Sterling, seus filhos são lindos! O orgulho superou a contrariedade por ainda não ter conseguido falar com a mulher que tirara as crianças de casa sem sua autorização. Não era todos os dias que alguém elogiava seus filhos. — Obrigado — respondeu com sinceridade, olhando em volta numa tentativa desesperada de localizar-se. Morava em Savannah há um mês, e ainda não conhecia bem a cidade. No escuro, todos os sinais e marcas pareciam iguais. Mas era a terceira vez que passava pelo bar Pinky's, e tinha de admitir que estava andando em círculos. Esmurrando o volante num gesto frustrado, concentrou-se no telefone e perguntou: — Posso falar com a srta. Montgomery? — Ela acabou de sair, senhor. Alimentamos as crianças e ela as está levando de volta para casa. John fechou os olhos por um instante, depois agradeceu e desligou. Esperava chegar em casa a tempo de recebê-los e resolver o problema referente à babá, mas já eram sete e meia da noite, e à esta hora todas as agências de emprego estavam fechadas. O que faria com os três filhos no dia seguinte? De repente uma idéia animadora cruzou sua mente. Lucy Montgomery parecia ter jeito com crianças. Talvez conseguisse persuadi-

la a cuidar dos três no dia seguinte. Depois teria todo o final de semana para contratar uma nova babá. Uma hora mais tarde, John parou o carro ao lado de um automóvel desconhecido diante da porta da garagem e notou que todas as luzes da casa estavam acesas. Pelo menos chegara a tempo de ver os filhos acordados. Levando a pasta e o paletó que sempre despia para dirigir com mais conforto, aproximou-se da porta e parou. Do saguão amplo e deserto, ouviu a televisão ligada na sala íntima e reconheceu o riso enlatado de uma velha comédia de costumes. Afrouxando a gravata, olhou em volta e sentiu o sangue gelar em suas veias. Num pequeno tapete colorido no centro do piso de madeira, uma mulher esguia dormia de lado, os joelhos e os braços flexionados e as pernas relaxadas sob o vestido amarrotado, deitados junto a ela, os meninos permaneciam imóveis, com exceção do ocasional movimento de lábios que Billy executava para sugar o polegar que mantinha na boca. John suspirou. O hábito de chupar o dedo, o inseparável cobertor e a aversão ao penico transformavam seu filho caçula no sonho de qualquer psicoterapeuta. Jamie estava enrolado na toalha preta que mantinha amarrada ao pescoço e chamava de sombra. Talvez houvesse cometido um engano aceitando as fantasias do garoto porque, nos últimos meses, ele tornava-se mais e mais criativo. E Claire... John sorriu, desejando poder afagar as mechas douradas espalhadas sobre o tapete. A menina era a imagem de Annie, mas tão introvertida quanto a mãe havia sido expansiva. Solene e grave, raramente falava, e nunca demonstrava as emoções. Preocupava-se mais com Claire, pois sabia que, sendo a mais velha, guardava lembranças nítidas da mãe e sentia mais falta dela que os irmãos. Uma terapeuta infantil havia garantido que não devia preocupar-se. Amor, paciência e tempo sempre curavam todas as feridas, e as crianças eram mais resistentes ao sofrimento do que pareciam. Mas ali estavam eles, tão famintos por companhia feminina que aninhavam-se como animaizinhos abandonados junto de uma estranha. As lágrimas ameaçavam incomodá-lo novamente. — Olá — sussurrou uma voz feminina. Assustado, John piscou várias vezes e recuperou-se depressa. — Olá — respondeu, surpreendendo-se com os mais belos olhos castanhos que já vira. Lucy esperava que o homem abaixado a seu lado fosse John Sterling, e não um assaltante, porque não tinha forças nem para pedir socorro. — Será que pode me ajudar? — pediu, temendo levantar-se e acordar as crianças. — É claro! — John estendeu a mão e puxou-a devagar, usando o outro braço para ampará-la. Ao levantar a cabeça para agradecer pela gentileza, Lucy deparou-se com olhos muito verdes cercados por cílios dourados num rosto bronzeado e marcado por sardas. Cabelos avermelhados e espessos tornavam-se dourados na região das têmporas, como as sobrancelhas queimadas pelo sol. A mandíbula exibia a sombra escura da barba por fazer, sugerindo exuberância e virilidade. O sorriso que bailava em seus olhos provocava linhas suaves que prometiam se tornar mais marcantes com o passar do tempo. De repente teve a sensação de conhecê-lo, apesar de nunca tê-lo visto antes. Um conhecido muito antigo no corpo de um estranho. Sterling era um homem alto, de ombros largos e imponente. A gravata havia sido afrouxada e as mangas da camisa, enroladas até os cotovelos, revelavam mais pelos dourados espalhados pelo braço. — Sou... Lucy — gaguejou, recuperando-se e retrocedendo um passo para interromper as estranhas reações provocadas pela proximidade. — Lucy

Montgomery — Estendeu a mão, surpreendendo-se com a eletricidade desprendida pelo contato com os dedos firmes e bronzeados. — John Sterling — ele respondeu com um sorriso fascinante. — Acho que estou em débito com você, srta. Montgomery! — Apontou para os filhos que dormiam sobre o tapete. — Oh, eles não deram trabalho algum — mentiu. — Não? Suas roupas contam outra história. Constrangida, tocou a gola do vestido destruído e encontrou um pedaço de pão com pasta de amendoim. Rindo, limpou a mão na saia de seda e abriu os braços num gesto resignado. — Bem, talvez eles tenham sido menos que angelicais. John ficou vermelho. — Quando disse que meus filhos eram anjos, não imaginava que passaria metade do dia com eles. Sinto muito. E também sou grato pelo que fez. Por favor, mande a conta da lavanderia para o meu escritório. — Farei melhor que isso. Acrescentarei o valor à conta do projeto. — Perfeito. Quando pode começar a trabalhar? — Ainda não tive uma oportunidade de examinar a casa com cuidado. Se não for inconveniente, gostaria de voltar amanhã para tomar algumas medidas. — É claro. Infelizmente não consegui providenciar uma babá, o que significa que terei de levar as crianças comigo para o escritório pela manhã, mas estarei de volta para o almoço. Pode esperar até lá, ou pode ficar com uma cópia da chave. Lembrando a visita marcada a uma das escolas dos Patterson, Lucy tomou uma decisão: — Que tal se eu vier logo cedo e ficar com as crianças até você voltar? A incredulidade estampou-se no rosto de John. — Quero dizer, desde que não se importe se eu levá-los comigo numa tarefa rápida. — Oh, não! Eu não me importo. Mas não é necessário, e... — Oh, eu faço questão. — Realmente? — Realmente. — Engolindo a culpa ao ver o brilho satisfeito nos olhos de Sterling, Lucy cruzou os dedos às costas e acrescentou: — Será um prazer.

CAPÍTULO III — Onde está Lucy? — Jamie perguntou sonolento. — Ela teve de ir para casa — John respondeu em voz baixa, temendo acordar Claire e Billy, que já dormiam em suas camas. — Gostou dela? — Sim. Podemos ficar com ela, papai? John recebeu a pergunta como um soco no estômago. Afagando os cabelos do filho enquanto lutava contra o nó que se formava em sua garganta, respondeu: — Ela não é um bichinho de estimação, Jamie. — Mas é bonita. Não gosta dela? — Jamie... — E não tem filhos. Já perguntei. John piscou várias vezes. — É mesmo? — Hum-humm. Não podia criticar o gosto do menino. — Bem, há mais coisas envolvidas nesse tipo de situação que o simples fato de

ela estar disponível. Ser mãe é um trabalho duro, e nem todas as mulheres querem ter filhos. — Ela não gosta de nós? — Oh, sim, é claro que gosta! E Lucy vai arrumar nossa casa, o que significa que estará por perto por um bom tempo. — Quando a verei novamente? — Amanhã. Ela virá dar início ao trabalho e ficará com vocês até eu voltar para o almoço. — Então ela gosta de nós! — Jamie sorriu sonolento. — Eu disse que sim. Mas não volte a questioná-la sobre essa história de filhos, está bem? Não queremos assustá-la. Jamie riu e John beijou sua testa. — Agora durma, ou não estará acordado quando Lucy chegar. Num raro momento de obediência, Jamie virou-se para o outro lado e fechou os olhos. John acendeu o abajur, olhou para os filhos mais uma vez e saiu do quarto dominado por antigas e novas emoções. Dez horas da noite. Ainda era cedo demais para ir dormir, mas não se sentia com disposição para trabalhar. No quarto, despiu-se e guardou a camisa suja numa sacola da lavanderia. O terno voltou para o armário, e por alguns instantes ele brincou com a carteira de couro, hesitante. Finalmente abriu-a e pegou a foto de Annie. Era apenas um instantâneo feito quando ela estava grávida de Jamie. Radiante e saudável, os cabelos dourados jogados sobre um ombro e as mãos repousando sobre o ventre protuberante, era a imagem da felicidade. John insistira em tirar a foto, dizendo que nunca a vira tão linda. De repente percebia que comparava todas as mulheres que conhecia com sua saudosa Annie. Não era justo. Nem com as outras garotas, nem com ele, nem com as crianças. Devagar, aproximou-se do criado-mudo e abriu a gaveta. A bíblia que havia pertencido à família de Annie estava no fundo, sob uma pilha de revistas e outros objetos pessoais. Abrindo-a, guardou o retrato na página onde alguém escrevera os nomes de seus ancestrais, onde ele registrara a data da morte da esposa na tarde em que retornara do funeral. — Adeus, Annie — sussurrou ao fechar o volume e guardá-lo no fundo da gaveta. Cumprida a dolorosa tarefa, virou-se para a cama. Sozinho novamente. Estava começando a detestar o cheiro da loção da barba na fronha. O perfume de pêras parecia muito mais agradável. Estendendo-se sobre as cobertas, pegou o controle remoto e ligou a tevê. Gostaria de saber se Lucy Montgomery também dormia numa cama vazia... O som do despertador abriu caminho para uma onda de emoções confusas, sentimentos negativos que ela só pôde identificar quando se levantou da cama. Os Patterson. Em quatro horas teria de apresentar-se com os três anjinhos a tiracolo e sua melhor expressão maternal. Lucy sufocou a culpa dizendo a si mesma que precisava da conta, e nem cobraria pelo serviço de babá, John Sterling ainda teria de agradecer pelo favor. Enquanto arrumava a cama, fez um roteiro mental das atividades matinais. Passaria pelo escritório para abri-lo e deixar instruções para Hattie. Depois seguiria para a casa de John Sterling e começaria a desempenhar suas funções de decoradora e babá improvisada, e finalmente encontraria os Patterson para uma visita à escola. Pulando sobre o vestido de seda que deixara no chão na noite anterior, Lucy sorriu. Se havia aprendido alguma coisa com a experiência, era o que não devia usar

para ficar com as crianças. Teria algum traje no armário feito de plástico, papel ou metal? Contentando-se com um conjunto de calça e túnica de lã cinza, tomou uma ducha rápida e ajeitou os cabelos molhados com a ponta dos dedos. Depois maquiou-se e escolheu os sapatos, um par de mocassins de saltos médios que emprestariam um toque elegante ao traje sem prejudicar o conforto. Estava colocando os brincos quando se lembrou de Billy e trocou-os por outros, menores e mais seguros. Levando uma bolsa maior do que a utilizada no dia anterior, Lucy saiu minutos mais tarde para o ar gelado de inverno. O sol já brilhava, prometendo mais um dia atípico para a estação, mas as primeiras horas do dia ainda eram frias e úmidas. Enquanto preparava-se para sair da garagem, olhou para a casa vizinha e viu Hattie saindo num conjunto de moletom muito grosso, movendo-se para manter-se aquecida. — Acordou cedo! — Gritou para a tia através da janela do automóvel — O pássaro madrugador sempre encontra mais minhocas! — Hattie devolveu no mesmo tom antes de iniciar sua corrida matinal. Rindo, Lucy balançou a cabeça e partiu. Hattie era uma mulher e tanto! Aos sessenta e quatro anos de idade, tinha mais energia que muitas outras com metade da sua idade. Ela mesma, aos trinta e um anos, sentia dificuldade para acompanhar o ritmo sempre acelerado da tia. Sempre extravagante, Hattie parecia se tornar mais excêntrica a cada ano. Há alguns meses ela comentara ter tido sonhos persistentes envolvendo seu primeiro amor, um militar por quem se apaixonara, quando cursava a faculdade, e que perdera de vista quando ele partira para lutar no Conflito Coreano, como a própria Hattie referia-se à guerra. Eventualmente ela se casara com tio Francis, mas ele morrera subitamente muitos anos atrás. Lucy espantara-se ao tomar conhecimento de que a tia pretendia localizar o homem que perdera de vista havia quarenta anos, especialmente por acreditar que ela e Herbert Mann, um velho amigo, formassem um casal. Hattie insistia em dizer que os sonhos significavam que seu adorado soldado estava vivo, e queria encontrála. O que aconteceria se ela o encontrasse casado, ou se descobrisse que estava morto? Preocupava-se com a tia, mas não podia impedi-la de realizar seus planos. Balançando a cabeça, Lucy desejou que a mãe fosse tão aventureira e dinâmica quanto sua irmã mais velha. Mas o único objetivo de Helen Montgomery era ver a filha casada. Os jantares dominicais consistiam em rituais familiares durante os quais Helen sempre questionava a vida amorosa da filha e oferecia sugestões para convencer Alan Parish a pedi-la em casamento. — Lucy Josephine, três anos são mais que suficientes para um homem tomar sua decisão — ela repetia todas as semanas. Felizmente podia contar com o apoio do pai. Oficial da polícia municipal, Madden Montgomery a criara com pulso firme e coração brando. Como era filha única, Madden abrira mão das convenções e a educara tendo em vista a independência financeira e autonomia que todos os pais desejavam para seus meninos. Minutos mais tarde, no escritório, já havia ligado à cafeteira e o rádio em sua estação favorita de rock. Enquanto esperava o café, fez uma lista das brochuras de amostras de que precisaria para os apontamentos do dia e verificou a agenda em busca de algum recado da tia. Uma nota escrita em tinta amarela cintilante anunciava: Alan chegará na sexta-feira à tarde e irá buscá-la em casa às sete para o jantar. Lucy esperou que uma onda de prazer a invadisse. Depois de alguns segundos

decidiu que ficaria satisfeita com um simples sopro de prazer. Quando nenhum sentimento de euforia se fez presente, ela suspirou e deu o assunto por encerrado. Tudo bem, admitia não ver estrelas com Alan. Mas era um bom homem, bonito, e partilhavam de objetivos comuns. E a amava muito, disso tinha certeza. Alan estava em Atlanta há dez dias, e a convidara para acompanhá-lo na viagem de lazer e descanso, mas ela recusara. As preocupações com os negócios a impediam de deixar a cidade, e a culpa por esconder sua precária situação financeira do homem com namorava há três anos era enorme. Mas Alan não entenderia. Ficaria furioso se soubesse como afundara em dívidas. Ele nunca sentira o amargo sabor do fracasso. Sua empresa de consultoria em informática tornara-se rapidamente uma das maiores do estado, e era respeitado em sua comunidade. Sem dúvida tinha condições de arrancá-la da penúria e salvar o escritório de decoração da falência, mas Lucy já havia decidido que seria a única responsável pelo próprio sucesso... ou fracasso. Lucy censurou-se mentalmente e começou a escrever um bilhete para Hattie informando onde estaria e quais entregas ela deveria verificar. O telefone tocou. Lucy consultou o relógio de pulso e franziu a testa. Ninguém telefonava à esta hora, a não ser cobradores e companhias estrangeiras. — Alô? — Sabia que estaria aí? Era Pamela Kaminski. — Olá — respondeu para a velha amiga. — Aconteceu alguma coisa? — Por quê? Só posso telefonar quando tenho algo importante para dizer? Não tenho o direito de procurar minha melhor amiga para desejar um dia maravilhoso? — Vá direito ao ponto, Pam. — Está certo, está certo. Preciso de Alan emprestado. — Outra vez? Estou começando a desconfiar de vocês. — Lucy, você sabe que ele não é meu tipo. Prefiro homens de pulso mais firme. — Se está tentando me agradar, desista. — Só estou brincando. Sabe o que quero dizer. Alan é um perfeito cavalheiro, e eu prefiro homens mais... atrevidos. Infelizmente meu último atrevido não tem um smoking e preciso de um acompanhante para o jantar de caridade do conselho de arte amanhã à noite. Alan já retornou de viagem? — Sim. — Graças a Deus. Posso contar com ele? — Não sei, Pam. Ele é meu namorado, não meu prisioneiro. Talvez ele tenha outros planos. — Vou ligar para ele, mas queria consultá-la primeiro. — Nesse caso, telefone para ele e combine tudo. Não faço nenhuma objeção. — Fico lhe devendo mais um favor. — Você já me deve uma centena deles, e todos iguais. — Um dia desses deixarei você dormir com Nick, o Homem de Fogo. — Promessas, promessas... — Lucy riu. Depois de desligar, ela se dirigiu à sala onde guardava os catálogos e pensou na amiga. Às vezes invejava o estilo de vida de Pam, sua personalidade efervescente. Suspirando, consultou os livros antigos enfileirados na estante, procurando aqueles de que precisaria. Pamela era uma loura de pernas longas e caráter efervescente, uma mulher que não tinha vergonha de exibir sua sexualidade exuberante e soubera alcançar o sucesso como corretora de imóveis. Seu comportamento opunha-se frontalmente ao de Lucy, sempre tão reservada e discreta, e talvez por isso fossem tão amigas. Raramente concordavam sobre um assunto, mas aceitavam-se sem restrições, e já haviam decidido que esse era o fator mais importante. Além do mais, gostava de tê-

la por perto, porque se sentia uma pessoa mais excitante apenas por conhecer Pam. Levando os livros que escolhera, Lucy dirigiu-se ao carro. A entrevista com os Patterson não saía de sua cabeça. Teria perdido o juízo? Como podia pensar em fingir que as crianças de Sterling eram suas? John entrou na cozinha tentando abotoar o colarinho da camisa, mas alerta e cheio de vigor. Cheiros estranhos emanando do aposento haviam servido para convencê-lo de que era necessário, ou seria em breve. Billy estava sentado no cadeirão, os restos de alguma coisa grudenta e sem cor cobrindo a parte frontal da camiseta que John vestira nele minutos antes. — Papai gozado — ele riu. John fez uma careta e sentiu o ardor onde meia dúzia de pequenos pedaços de papel higiênico cobriam os ferimentos provocados pela lâmina de barbear. — Papai vai providenciar de um novo barbeador. Precisa ir ao banheiro? — perguntou esperançoso. — Não! — o menino gritou com as sobrancelhas unidas. — Monsto, monsto! John virou-se para Claire, que equilibrava-se sobre um banco de madeira perto do balcão da cozinha, as roupas protegidas por um velho avental de Annie. — Que cheiro é esse? — perguntou, verificando o forno em busca dos primeiros sinais de incêndio. Uma panela com mingau de aveia fervia sobre o fogão, e boa parte da mistura havia caído sobre os queimadores e a chapa de metal. A sra. Harris, que cuidava da limpeza da casa, precisaria de óculos de segurança para remover toda aquela sujeira. — Sente-se, papai — Claire comandou com um sorriso raro, indo desligar o fogão. — O café está pronto. John tomou o caminho mais longo até a mesa, tentando localizar a fonte do terrível odor. Ao passar pelo microondas, abriu-o e teve a sensação de que ia desmaiar. — Oh, meu Deus! O que é isto? — perguntou, espantado com a sujeira dentro do compartimento branco e sujo. — Ovos — A menina declarou solenemente enquanto levava um prato. — Jamie tentou fazê-los mexidos. — Com as cascas? — Acho que sim. — Onde está ele? Jamie! — Peter! — o garoto corrigiu da sala. — Ele está esperando por Lucy — Claire explicou, olhando para a mesa com ar ferido. — Não vai comer, papai? — É claro que sim — ele respondeu aflito, sentando-se diante do prato contendo uma bola sólida de aveia e leite e uma colher espetada no centro do estranho monumento impressionista. Duas fatias de torradas queimadas acompanhavam a refeição e, para acompanhá-la, bebida isotônica sem gelo. Era de virar o estômago! — Parece ótimo, querida! — disse, provando um pedaço da torrada preta e amarga. — Jamie, venha comer seu mingau! — Peter Pan precisa observar — foi a resposta imediata. — Já temos um excelente observador. Chama-se campainha. Trate de vir comer. — Tenho mesmo de ir? — Imediatamente! O tom de voz autoritário surtiu efeito, mas Jamie não se deu por vencido. — Detesto aveia! — ele exclamou ao sentar-se. — Você adora aveia. — Não quando ela fica dura como uma bola de beisebol. Quero panquecas

iguais às que vovó fazia para nós. As crianças sentiam falta da mãe de Annie, de quem foram vizinhos em Atlanta. Ela assumira a responsabilidade pela educação das crianças depois que a filha se fora, mas meses depois sua saúde começara a fraquejar. John suspeitava de que o trabalho excessivo havia sido o principal responsável pela súbita fragilidade. Agora viviam em Savannah, um local próximo o bastante da casa dos sogros para que eles pudessem visitar e apreciar a companhia dos netos quando quisessem, sem assumirem a carga de criá-los. — Sei que vovó é uma excelente cozinheira, mas... — O s0m da campainha o interrompeu. — Lucy chegou! — Jamie gritou, correndo até a porta. John sentia o coração bater mais depressa, e foi difícil engolir o pedaço de torrada seca que parecia crescer em sua boca. Ouvia o filho oferecendo cumprimentos excitados e uma voz doce e melodiosa respondendo. Limpando a boca, levantou-se e preparou-se para ir recebê-la, mas Jamie entrou na cozinha carregando uma sacola de papel pardo. — Vejam! — ele gritou eufórico. — Lucy trouxe panquecas! Ela estava parada na porta da cozinha, segurando uma segunda sacola. O estômago de John reagiu, mas não saberia dizer se o motivo era o aroma maravilhoso que espalhava-se pelo ambiente ou a visão de Lucy Montgomery numa elegante calça comprida. — Mas eu já fiz o café! — Claire protestou magoada, o queixo tremendo como se estivesse à beira das lágrimas. — Oh, querida, eu sinto muito! — Lucy desculpou-se, notando que havia cometido um terrível engano. — Devia ter telefonado primeiro. — Coisas estranhas aconteciam em seu corpo, provavelmente provocadas pela visão de John Sterling num ambiente tão doméstico. Mesmo calçando meias e exibindo o rosto coberto por minúsculos pedaços de papel higiênico, ele parecia deslocado na cozinha, um núcleo de calma cercado pelo caos. — Que cheiro horrível é esse? — Se juntarmos o café de Claire e as panquecas da srta. Montgomery, teremos um banquete! — John sugeriu com falso entusiasmo. — Certo, querida? Claire torceu o nariz, mas acabou assentindo e enfiou uma colherada de mingau de aveia na boca, disfarçando com esforço a dificuldade que tinha para engolir a mistura. — Trouxe leite achocolatado — Lucy avisou. Os olhos verdes da menina brilhavam por trás dos óculos, as lágrimas ameaçando transbordar a qualquer instante. — Não, obrigada — ela respondeu, levando o copo de bebida isotônica aos lábios para um pequeno gole. Sem querer, Lucy havia ido contra o esforço que a garota havia feito para cuidar da família, mas esse não era o melhor momento para analisar os sentimentos despertos pelo desprezo com que ela reagira. — Obrigada, srta. Montgomery — John interferiu com um sorriso cortês. — Faço questão de reembolsá-la — Apanhou a sacola que ela mantinha entre as mãos. — Não é necessário. — Era o mínimo que podia fazer para compensar sua falta de lealdade. Jamie rasgou a sacola e espalhou pequenos pacotes de condimentos sobre a mesa. Em segundos ele devorava uma pequena pilha de panquecas cobertas por mel e manteiga. Billy bebeu sua cota de leite achocolatado, contrariando as afirmações de que os copos utilizados pela famosa rede de lanchonetes jamais vazavam ou pingavam. Até mesmo Claire cedeu e provou um biscoito. John fez o sacrifício de engolir todo o mingau de aveia e as duas torradas queimadas antes de consolar-se com duas panquecas e um copo de leite achocolatado.

Lucy observava a cena doméstica à distância, apoiada no balcão que separava a cozinha da sala íntima. Sorrindo, mastigava um bolinho recheado com creme e lembrava as manhãs em que havia tomado café com o pai. Aquelas foram as ocasiões mais felizes de sua infância. Vestindo o uniforme azul marinho da polícia, ele sempre exalava um perfume suave que combinava com a aparência impecável. Enquanto lia em voz alta as tiras cômicas do jornal matinal, deixava que a filha usasse seu quepe e a segurava sobre os joelhos. — Lucy — John interrompeu o momento de recordação. — Por que não come alguma coisa? Ouvi-lo pronunciar seu nome foi como ser atingida por uma bomba. Sentia-se deslocada na casa de Sterling. Não fazia parte do cenário de domesticidade e afeto. — Obrigada, mas preciso ir buscar meus catálogos de amostras no carro e começar a trabalhar imediatamente. — Eu ajudo! — Jamie ofereceu, levantando-se tão depressa que mandou a cadeira longe. Havia mel escorrendo por seu queixo. — Coma — John comandou com firmeza. — Eu ajudo a srta. Montgomery. Lucy tentou impedi-lo de segui-la, mas foi inútil. Fazendo o possível para caminhar dois ou três passos à frente dele, censurou-se por estar agindo como uma adolescente. Qual era o problema com ela, afinal? John era só mais um cliente. Um cliente que deixava suas pernas tão fracas que teve de apoiar-se no carro em busca de suporte. — Belo dia — John comentou. Ela respondeu com um movimento afirmativo de cabeça e escolheu alguns catálogos no porta-malas. — Lucy? — O que é? Ele parecia perturbado, e estendeu as mãos para receber os volumes de capas duras enquanto falava. — Sei que vai pensar que tudo isto é um pouco prematuro, mas... ah, que diabos! Quer jantar comigo esta noite? Uma onda inesperada de prazer tingiu seu rosto de vermelho. Fitou os olhos cheios de expectativas e surpreendeu-se com o interesse que encontrou neles. Abriu a boca para aceitar o convite, mas então lembrou-se de Alan e deixou escapar um suspiro frustrado. — Lamento, John, mas já tenho outros planos. — Entendo. E se eu repetisse o convite numa outra oportunidade? Também teria planos? — Sinto muito — respondeu —, mas estou envolvida com outra pessoa. Ele a encarou em silêncio por alguns segundos. Depois segurou sua mão e apontou para o dedo anelar, onde não havia sequer uma marca de anel ou aliança. — Ou está mentindo, ou o sujeito é um idiota — disse, virando-se e voltando para dentro de casa. As palavras provocaram uma reação tão intensa que Lucy permaneceu onde estava, lutando para reconquistar a compostura. Sabia que devia estar indignada e furiosa com o comentário indelicado, mas o único sentimento que conseguia identificar era... luxúria? Agarrando os catálogos que restavam, dirigiu-se ao interior da residência, onde Sterling desligava o telefone. — Já conheceu todos os cômodos? — ele perguntou, vencendo o desconforto do momento anterior. — Ainda não — Lucy respondeu, aliviada por poder mudar de assunto. — O que acha de uma turnê rápida antes de eu sair? Levando um bloco de anotações e um lápis, ela o seguiu tentando não prestar

muita atenção ao porte atlético e aos movimentos harmoniosos do corpo másculo. John começou pela lavanderia, entre a garagem e a cozinha, e depois explicou que gostaria de usar melhor o bar que separava a sala íntima da cozinha. Também expressou descontentamento com as peças antigas e sem graça que ocupavam a sala de jantar. — Ainda tem alguma mobília guardada? — Lucy quis saber. — Não. Minha casa em Atlanta era menor que esta, e dei quase todos os móveis aos meus sogros antes de vir para Savannah. Algumas peças eram heranças da família de Annie, e queria que elas fossem preservadas até meus filhos terem idade suficiente para herdá-las. Annie. Um nome adorável para uma mulher muito amada. Devia ter sido loura, a julgar pela coloração de Claire e Billy, e tivera tudo: um marido amoroso, três filhos lindos, um lar perfeito. John encarou-a e ela viu a dor estampada em seus olhos. Como se pudesse ler as dúvidas que passavam por sua mente, ele explicou: — Minha esposa morreu há dois anos, num acidente de automóvel. — Sinto muito. Nos segundos de silêncio que se seguiram ela teve certeza de que haviam dado um passo gigantesco em direção a... alguma coisa. A sensação a deixava tonta e confusa, como se fossem muitas as possibilidades. Seguiram examinando os cômodos e Lucy aprovou o escritório, o único completamente mobiliado. As peças eram sólidas, de linhas retas e práticas. — Se quiser acrescentar uma ou duas cadeiras, talvez uma mesa de canto... — ele sugeriu, apontando para o conjunto de escrivaninha, cadeira e armário. Portas de correr separavam os ambientes, e continuaram caminhando até chegarem à sala de estar, também vazia. Enquanto subiam a escada para o segundo andar, John comentou: — Quero que use suas próprias idéias. Não tenho tempo, nem paciência para coordenar um projeto de decoração, e sei que sua competência é mais do que suficiente para corresponder às minhas expectativas. Afinal, só quero uma casa funcional e confortável, onde meus filhos sintam-se bem. O primeiro quarto à esquerda da escada era o de hóspedes, grande e vazio. O banheiro era o mesmo da suíte dos garotos, que estava ainda mais confusa e desarrumada que no dia anterior. John encolheu os ombros e desculpou-se. — Quero móveis novos aqui. Como pode ver, quanto mais sólidos, melhor. O quarto de Claire era o oposto do dos irmãos, mas Lucy decidiu fazer grandes mudanças assim que viu a cama e a penteadeira de madeira escura. Tudo estava em seu lugar, perfeitamente limpo e arrumado. — Móveis novos aqui, também — ele decretou. — Algo bem bonito para minha garotinha. Quando retornaram pelo corredor para alcançar o outro lado da escada, o coração de Lucy começou a bater mais depressa. — Agora o meu quarto — John avisou. O espaço era excelente. Duas janelas amplas deixavam entrar o ar e a claridade, e o teto ornamentado continha duas clarabóias. O carpete claro era espesso e macio. Era absurdo, mas a primeira coisa que Lucy quis saber foi se a cama de metal ainda era a mesma de quando era casado com Annie. O edredom fora puxado sobre os lençóis de maneira apressada, e os travesseiros ainda estavam amassados e tortos. — Sua cama parece ser nova — disse, fingindo fazer anotações no bloco que carregava. — Oh, e é — ele confirmou. — Mas preciso de novos lençóis, cortinas, enfim, enxoval completo. — As outras peças eram uma cadeira de espaldar alto e reto onde havia uma tolha de banho e um guarda-roupas muito grande com puxadores de metal combinando com a cama. — Uma poltrona estofada seria ótimo. E um colchão

novo, também. — Um... colchão? — Sim — ele sorriu, encarando-a com um sorriso enigmático. — Tenho acordado todos os dias com dores nas costas. Acho que este é muito duro. — Então gostaria de um colchão mais... macio? — Oh, sim, algo mais macio em minha cama seria um progresso e tanto. — Papai! A voz de Claire os assustou. Nenhum dos dois notara que a menina havia entrado no quarto. — O que é, querida? Ela franziu a testa, os olhos atentos vagando de um adulto para o outro como se buscasse explicações. — Vai se atrasar para o trabalho. John consultou o relógio e fez um movimento afirmativo com a cabeça. — Tem razão. Já estou terminando de mostrar a casa a Lucy. Pode ir buscar o bip na gaveta da escrivaninha do escritório e guardá-lo na minha pasta, por favor? Claire assentiu, mas lançou mais um olhar intrigado na direção de Lucy antes de sair. — De qualquer maneira — John prosseguiu —, acho que cometi um engano quando comprei esta cama. — Por quê? — ela estranhou. — Bem, ela é muito masculina. Não acha que uma mulher...? Bem, eu... — Um rubor intenso cobriu seu rosto. John Sterling tinha a intenção de se casar novamente, e queria que o quarto fosse transformado num local aconchegante que qualquer mulher aprovaria. — A cama é muito bonita — disse. — Tenho certeza de que qualquer mulher a... adoraria. — E foi a vez dela ficar vermelha. — Vou ter de acreditar no que diz. — Papai! — A voz de Claire ecoou na escada. — Estou indo — John respondeu. Apressado, levou-a para conhecer o banheiro, o closet e a saleta conectados à suíte, espaços amplos e vazios que ela teria de mobiliar, e depois desceram a escada juntos. Lucy sentia-se perturbada, tanto pela proximidade quanto pela estranha conversa que haviam tido pouco antes no quarto. Esse homem despertava sentimentos que ela preferia não analisar. As crianças estavam alinhadas perto da porta, prontas para o beijo de despedida, e ela teve de lutar contra o impulso ridículo de entrar na fila. Claire retirou os pedaços de papel higiênico do rosto do pai antes de abraçá-lo. — Tem certeza de que não se importa de ficar com as crianças, Lucy? — ele perguntou antes de sair. — Posso levá-las comigo ao escritório. Já aconteceu antes e... — Não — ela o interrompeu com um sorriso brilhante. — Tenho mesmo de começar a trabalhar por aqui, e depois irei visitar um cliente numa escola infantil, onde as crianças ficarão bem por alguns minutos. — Se tem certeza... — Sim, eu tenho. — Estarei de volta por volta do meio-dia e meia. Até logo. Lucy foi levar um catálogo para a mesa da cozinha, tentando livrar-se dos estranhos sentimentos provocados pela cena doméstica. Ao sentar-se, viu a gravata de seda esquecida no encosto de uma cadeira e voltou à sala. — John! Ele se virou com ar surpreso. — Esqueceu isto aqui. — Oh, obrigado! Estava enfrentando tantos problemas com o botão do

colarinho, que acabei me esquecendo da gravata. Deixando a pasta no chão, ele caminhou ao encontro de Lucy e estendeu a mão para a gravata, pendurando-a sobre um ombro. Atenta, ela o viu lutar com o botão do colarinho, esticando o pescoço como um ganso a fim de ganhar uma ou duas polegadas extras de espaço para a manobra. Lucy sorriu e cruzou os braços, divertindo-se ao pensar como um homem feito podia ser obrigado a fazer um punhado de contorções engraçadas. — Ah, é impossível! — ele se irritou. — Meus dedos são grandes demais para botões tão pequenos. — Deixe-me ajudá-lo. — Deu um passo à frente com as mãos estendidas, parando embaraçada ao se dar conta do que fazia. — Quero dizer, se precisa de ajuda, eu... John hesitou até notar que ela começava a baixar os braços, e então respondeu: — Sim, seria ótimo. Devagar, Lucy cruzou a distância que os separava e esperou que ele levantasse a cabeça. Enquanto lutava com o botão pequenino, tentava canalizar as emoções e organizar os pensamentos de forma a recuperar um mínimo de controle, perturbada com a intimidade do gesto simples. Era como se fosse a esposa dele, ajudando-o a vestir-se nos últimos segundos antes do beijo de despedida. Depois ambos sairiam correndo para deixar as crianças na escola e seguir para o trabalho. — Pronto — disse, satisfeita por ter concluído a tarefa sem perder os sentidos. — Obrigado. — A voz era vibrante, baixa e rouca, mas nenhum músculo do rosto se moveu quando ele a fitou nos olhos, os lábios entreabertos. Lucy permaneceu onde estava, as mãos paralisadas sobre a camisa muito branca. De repente, um som distante conseguiu vencer a névoa que dominava seu cérebro. John também devia tê-lo escutado, porque virou a cabeça no mesmo instante em que ela. Com uma das mãos sobre a boca, Jamie tentava sufocar o riso. Claire também os observava, mas sua expressão era mais enigmática e séria. Billy os estudava porque sempre imitava os irmãos mais velhos. Inocente, Jamie perguntou: — Você vai beijá-la, papai?

CAPÍTULO IV John despediu-se dos filhos e, sem tentar esconder o constrangimento, saiu apressado. Apesar da situação embaraçosa criada por Jamie, sentia-se feliz como um menino. Lucy tinha um namorado, mas ainda não era casada. E tinha certeza de que havia visto desejo nos olhos dela momentos antes. E se era capaz de fazê-lo reagir tão intensamente enquanto o ajudava a vestir-se, o que não faria quando o despisse? Ela parecia interessada. E interessante. A vida era boa. John ligou o rádio e cantarolou despreocupado, sonhando com a srta. Montgomery. Só um idiota deixaria escapar essa oportunidade. Uma mulher linda, sexy, e tão perfeita com as crianças que já podia imaginá-la administrando a casa, cuidando dos garotos e encantando a todos com seu jeito doce. — Que diabos significa "ir para o banco"? — Lucy perguntou a Claire, sentindo que a cabeça explodiria se Billy não parasse de gritar. Deitado no chão, ele esperneava furioso e chutava os blocos de madeira que Jamie espalhara com um simples movimento de braço. — Ir para o banco é o que papai sempre diz quando manda Jamie ir sentar-se

sozinho em algum lugar para pensar num erro que cometeu. Devia mandá-lo para o banco por ter destruído o castelo de Billy. — Foi um acidente — Jamie defendeu-se apressado. — Muito bem — Lucy respirou fundo. — Já que foi apenas um acidente, você vai sentar-se com seu irmão e ajudá-lo a refazer o castelo. Enquanto Jamie pensava na sugestão, ela tentava decidir o que faria se o garoto se recusasse a obedecê-la. Tivera a oportunidade de ver pré-escolares gritando com os pais, transformando-os em seres desesperados e envergonhados implorando por um mínimo de obediência e cooperação. — E então? — insistiu, tentando mostrar-se firme. — Está bem — Jamie respondeu resignado. — Sabia que podia contar com você — Lucy sorriu. Ao ver o irmão mais velho sentar-se para manusear os blocos, Billy acalmou-se e imitou-o. Dois minutos mais tarde os dois brincavam juntos e felizes. — Papai o teria mandado para o banco — Claire insistiu. Lucy encarou-a com ar sério. Essa não seria tão fácil de conquistar. — Vamos, vou ajudá-la a limpar a cozinha — disse, deixando claro que o domínio do ambiente ainda pertencia à garota. — A sra. Harris estará aqui dentro de alguns minutos. Ela sempre limpa a cozinha. — Então vamos arrumar a mesa, pelo menos. Preciso de espaço para abrir os catálogos de amostras, e pretendia pedir sua ajuda para escolher as cores dos quartos. Claire pensou um pouco. — Quanto? — Quanto o quê? — Quanto vai me pagar? — Seu pai costuma pagar por tudo que faz? — Claro! Como qualquer pai culpado, Lucy ponderou. — Tenho uma coleção de livros de pintura que guardo desde que era da sua idade. São cinqüenta e quatro, mas um fascículo adicional sobre culinária para crianças. Se me ajudar, a coleção será sua. — Está falando sério? Lucy sorriu. Os livros estavam entre os objetos mais queridos que possuía, mas ela e Alan não pretendiam ter filhos, e provavelmente não conheceria outra menina tão interessada por livros quanto Claire. — É claro que sim. Feito o acordo, a garota correu até a cozinha e começou a recolher guardanapos usados e pratos sujos. Assim que a louça foi posta na lavadora e as sacolas foram jogadas no lixo, Lucy abriu alguns catálogos sobre a superfície de madeira. — Primeiro vamos escolher as cores que usaremos em cada quarto. Que tal começarmos pelo seu? Podemos usar branco e cor-de-rosa. Claire respondeu com um entusiasmado movimento de cabeça, os olhos brilhando. Era emocionante ver uma criança tão pequena privada do amor materno, tentando encontrar consolo e compensação nos livros e numa atitude solene demais para alguém de sua idade. De boa qualidade, as roupas que ela usava eram simples e sem graça. Hoje, por exemplo, Claire vestia uma calça cáqui e uma camisa branca que já estava pequena demais. Os pés desapareciam dentro dos horríveis mocassins pretos. Era evidente que John não tivera a sensibilidade de perceber que a coloração clara da filha exigia tons mais vibrantes. A pobrezinha desaparecia no meio daquela espécie de tenda de acampamento!

— Você mesma escolhe suas roupas, Claire? — Não. Normalmente uso o uniforme de nossa velha escola em Atlanta. — Estudavam numa escola particular? — Sim. O que explicava a boa qualidade das roupas, apesar do corte e das cores. — O semestre começará em breve, não? — Dentro de uma semana. Agora iremos para uma escola pública, o que significa que não terei mais de usar uniforme. — Já saiu para comprar roupas novas? — Não. Tia Cleo virá de Atlanta no próximo sábado para levar-me. Ela disse que o dia será só para nós, mulheres. Então a família Sterling tinha a situação sob controle. Havia sido tolice preocupar-se. Juntas, examinaram os catálogos de cores. Claire escolheu vários tons de azul para a suíte dos irmãos, e depois foi a vez do quarto de hóspedes. — Vovó Watts gosta de rosa-escuro — ela comentou. — É uma boa escolha — Lucy espantou-se. — O rosa-queimado ficará muito bem entre o azul do quarto dos meninos e o cor-de-rosa com branco do seu quarto. — Curiosa, decidiu aproveitar para saber um pouco mais sobre a vida de John Sterling. — Como são seus avós? — Oh, eles eram pais da minha mãe e moram em Atlanta. Vovó Watts cuidou de nós depois da morte de mamãe, mas depois ela ficou doente e nós nos mudamos para cá. Acho que demos trabalho demais. Lucy sentiu vontade de abraçá-la, mas, em vez disso, conteve-se e respondeu: — Tenho certeza de que não é verdade. As pessoas ficam doentes por razões variadas, só isso. Aposto que gosta muito deles. — Oh, sim! E eles iam comprar um cachorro para nós. — Poderá ir visitá-los sempre, querida — Lucy falou, arrependida por ter tocado num assunto tão doloroso para a criança. — E graças a sua ajuda, a casa estará linda quando eles vierem vê-la. Muito bem, agora vamos escolher as cores para o quarto de seu pai. — Púrpura — Claire decidiu confiante. — Humm — Lucy ponderou. — Sabe que está é a cor da realeza? Podemos misturar creme e preto para quebrar um pouco o impacto. Tenho certeza de que seu pai vai adorar o efeito. Ei, você é muito boa com as cores! — Gosto de pintar — a pequena confessou encabulada. — É mesmo? O que costuma fazer? Quadros? — Oh, não! Mamãe pintava lindos quadros, mas papai escondeu todos eles. Lucy sentiu mais uma vez a dor daquela criança. Jamie devia ter recordações difusas da mãe, enquanto Billy jamais saberia o que havia perdido, mas Claire não só lembrava-se dela com perfeição, como ainda não conseguira superar dor da perda. — Prometa que um dia vai pintar um lindo quadro para o meu escritório. — Prometo! — a menina respondeu radiante. Continuaram examinando os catálogos e pouco depois haviam escolhido azul e branco para a sala de estar, marrom e dourado para o escritório e coral e cinza para a sala íntima. Restava apenas a cozinha, e Lucy apontou para uma página de tons claros. — Como o balcão permite que os dois ambientes sejam vistos ao mesmo tempo, um verde claro seria perfeito para contrapor-se ao coral da sala íntima. — Verde? — Claire torceu o nariz. — Vermelho! — Vermelho com coral? — A cozinha tem de ser vermelha, com morangos desenhados nas paredes. — Era o que mamãe queria.

Sabendo que era hora de recuar, Lucy consultou o relógio. — Vamos ter de deixar esta decisão para mais tarde. Está quase na hora de sairmos, e ainda nem arrumamos os garotos. Uma hora mais tarde, depois de escovar cabelos, lavar mãos e rostos e trocar uma fralda, Lucy preparou-se para partir. — Billy, se já é grande o bastante para ir buscar uma fralda limpa e pedir para ser trocado, então também tem idade suficiente para ir ao banheiro — ela comentou, terminando de vestir o garoto. — Não! Monsto! — Onde está Jamie? Temos de sair imediatamente, ou... Então a buzina de um carro soou na garagem. Seu carro! O pânico a tomou de assalto. — Oh, meu Deus! Ele não pode estar no carro! Desesperada, correu até a porta e, abrindo-a com um movimento brusco, desceu a escada aos saltos. Jamie não só estava sentado diante do volante, como havia ligado o motor e o rádio. As janelas estavam abertas e ele usava os óculos escuros que costumava deixar no porta-luvas. Mas, por um milagre divino, o automóvel não se movera de onde o deixara ao chegar. Que bela mãe seria! Nenhuma criança duraria mais que um mês aos seus cuidados! — Posso dirigir, Lucy? — ele perguntou, girando o volante de um lado para o outro. Pensando bem, uma semana... porque a mataria com as próprias mãos. — Agora ele realmente precisa ir para o banco — Claire apontou. Lucy estava tão assustada e zangada, que temia falar e perder o controle. As mãos tremiam e o coração batia acelerado. Finalmente conseguiu dar os passos necessários para alcançar o carro e, rápida, abriu a porta e arrancou a chave da ignição. — Ei! — Jamie reclamou. — Cale a boca! — ela ordenou em voz baixa. — Tem idéia do perigo a que acabou de expor-se? — Não tive medo! — Saia do carro... agora! Jamie obedeceu sem protestar. A capa preta envolvia seu corpo pequeno, e os olhos verdes traíam o temor que o invadia. Lucy respirou fundo e ajoelhou-se diante do menino, pousando as mãos sobre seus ombros. — Se o carro tivesse descido a ladeira até a rua, você poderia estar morto, Jamie. Sabe o que isso significa? — Sim — ele abaixou a cabeça. — Minha mãe morreu num acidente de automóvel. — É isso mesmo. Tem idéia de como seu pai ficou triste quando isso aconteceu? — Ele chorou muito. — Posso imaginar. Mas se algo de ruim acontecesse a você, ou a um de seus irmãos, seu pai nunca mais pararia de chorar. Entendeu? Jamie assentiu com lágrimas nos olhos. — Não conte nada ao papai, Lucy. Por favor! — Só se prometer que nunca mais entrará sozinho num carro. E se desobedecer, juro que o mandarei para a cadeira por um ano! — É para o banco — ele corrigiu. — Que seja. — Lucy suspirou, abraçando-o e sentindo o corpo delicado tremer entre seus braços. — Estamos atrasados! — Descobriu ao consultar o relógio. Apressada, foi buscar casacos para todos, a bolsa e a pasta de trabalho.

Na escola, foram recebidos por uma morena de cerca de quarenta anos. A princípio ela sorriu para o grupo, mas o sorriso desapareceu de seus lábios assim que ela olhou para as crianças. Jamie acenou e riu: — Olá, Capitão Gancho. Nervosa, Lucy teve a impressão de que desenvolveria uma úlcera se não assinasse logo o tal contrato. — Jamie, conhece esta senhora? — Oh, sim, ele me conhece! — a mulher devolveu aborrecida. — Fez de tudo para tentar cortar minha mão durante a semana em que esteve aqui. — Então, como se de repente se lembrasse de desempenhar seu papel na organização, virou-se para Lucy e sorriu. — Sou Carolyn Hook, diretora da KidScape. Como expliquei ao sr. Sterling e sua última babá, as crianças são agitadas demais para freqüentarem nossa escola. Tenho certeza de que pode entender, sra... — Lucy Montgomery — ela respondeu enquanto estendia a mão, a testa franzida por uma ruga. Que maneiras horríveis para uma diretora de escola infantil! Também não apreciava a companhia dos pequenos, mas pelo menos não fizera deles sua escolha profissional. — Não sou babá dos filhos do sr. Sterling. Minha empresa de decoração foi convidada a participar da concorrência para a escolha da firma que vai redecorar todas as unidades da KidScape. Os Patterson me autorizaram a conhecer uma das escolas, e me pediram para trazer as crianças como uma espécie de grupo de conselheiros. — Oh, me desculpe! — a mulher pediu constrangida. — Não sabia que o sr. Sterling havia se ca... Quero dizer... Lucy manteve-se em silêncio. Contentando-se com um sorriso tolerante, segurou a mão de Billy e ofereceu: — Também estou me habituando às crianças, sra. Hook. — Entendo. Venha comigo, srta. Montgomery. Vou levá-los à sala das histórias, onde a sra. Patterson a espera. Melissa Patterson estava sentada num banco, lendo em voz alta para um grupo de pré-escolares sentados no chão. Ela concluiu a história com um floreio exagerado e todos aplaudiram antes de partirem para outra atividade. — Estou feliz por ver que trouxe as crianças — ela disse, antes de abaixar-se e sorrir para Jamie. — Vai gostar daqui. — Não vou — o menino respondeu com simplicidade. — Não? Mas... você acabou de chegar! — Eu e meus irmãos já freqüentamos esta escola por algum tempo logo depois de nos mudarmos para a cidade. — Realmente? E por que nos deixaram? Jamie apontou para Carolyn Hook. — Pergunte ao Capitão Gancho. — Sra. Patterson... estas são as crianças da família Sterling. Lembra-se do vazamento no banheiro dos meninos? Da apólice cancelada pela companhia de seguros? — Ohhhhh, quer dizer... — Melissa apontou para Jamie, e Carolyn respondeu com um movimento afirmativo de cabeça. Que maravilha!, Lucy pensou. Estou bancando a madrasta para impressionar essas pessoas e escolho justamente o garoto que quase destruiu a escola. — Jamie, por que fez isso? — ela perguntou. — Porque este lugar é muito aborrecido. Tudo que fazem é contar histórias. Antes que Lucy pudesse desculpar-se, a sra. Patterson segurou a mão do garoto e pediu: — Por que não me conta que tipo de coisas gostaria de fazer na escola?

Sem querer, o pequeno Jamie acabara por ajudar. Uma hora mais tarde, Melissa Patterson acompanhou Lucy até o carro. Assim que as crianças foram acomodadas, ela indicou: — Apreciaria muito se pudesse incorporar algumas das idéias de seu enteado ao projeto de decoração. Uma sala de computação, um palco, um lugar para acomodar pequenos animais e plantas... Ele é muito criativo. E aquela representação de Peter Pan é adorável. — Todos eles são especiais. — Não sabia que havia se casado com John Sterling — a mulher comentou, pegando-a de surpresa. — Preferiu continuar usando seu nome de solteira? Lucy assentiu e, à beira do pânico, perguntou: — Conhece John? — Conversamos pelo telefone duas ou três vezes por ocasião do incidente no banheiro da escola, e ele foi sempre muito atencioso. Para ser franca, eu teria permitido que Jamie permanecesse na escola, mas a pobre Carolyn afirmou que não suportaria, e decidi não correr o risco de perdê-la. De qualquer forma, voltarei a conversar com Carolyn, e estou certa de que encontraremos uma solução conveniente e satisfatória para todos. — Seria ótimo. O sr. Ster... Quero dizer, John e eu... gostaríamos muito de deixar as crianças num local que aprovamos, pelo menos pelos próximos dias, até o semestre letivo começar. Então restará apenas Billy. — Considere o acordo selado — Melissa ofereceu com tom profissional antes de mudar de assunto. — Seu marido acabou de se mudar para cá e assumiu o cargo de chefe dos arquitetos da Irmãos Wilson, não é? O nome da empresa fazia parte do cartão que ele entregara no primeiro encontro. — Exatamente. — Foi um namoro rápido, pelo que posso deduzir. — Digamos que sim — Lucy riu. — Ele deve ser um homem muito convincente — Melissa Patterson concluiu com ar desconfiado. — Peguei o almoço a caminho de casa — John avisou ao entrar com a grande cesta de vime. — O dia está tão agradável, que pensei em irmos comer no parque Forsythe. Jamie e Claire aplaudiram e Billy os imitou. — Lucy pode ir conosco, papai? — Jamie perguntou. — Se ela quiser nos acompanhar, será um prazer. — Não posso — respondeu. — Preciso voltar ao escritório e organizar minhas notas, ou não terei o contrato pronto antes do final da semana. — Teremos tempo de sobra para falar sobre a decoração da casa no parque, durante o piquenique. Um homem muito convincente. — Por favor, Lucy! — Jamie pediu. — Temos frango frito — John mostrou a cesta e levantou parte da tampa de forma a liberar um aroma delicioso. Que mal poderia haver? Seria quase um almoço de negócios. Alan compreenderia... Além do mais, não haveria nenhum tipo de intimidade enquanto estivessem cercados pelas crianças. — Está bem — ela concordou com um sorriso —, mas irei no meu carro, caso decidam estender o passeio por toda a tarde. Jamie e Billy bateram palmas. Claire encarou-a, os olhos verdes desprovidos de hostilidade ou simpatia. O único sentimento que eles exibiam era curiosidade. Por

um momento, Lucy pensou em quanto a menina teria ouvido naquela manhã, na escola dos Patterson. — Quer vir comigo para me fazer companhia? — convidou-a. Ela respondeu com um rápido encolher de ombros e todos entraram nos carros. — Você foi boa aluna? — Claire perguntou depois dos primeiros quilômetros do trajeto, quando começou a relaxar. Surpresa com a questão inesperada, Lucy decidiu agir com cautela. — Creio que sim. — Teve de usar óculos? — Na verdade, usei óculos durante muitos anos. Só pude me livrar deles quando já estava concluindo o ginásio. Então eu os troquei por lentes de contacto. — Teve algum namorado antes de terminar o ginásio? Aparentemente, Lucy já enfrentara o preconceito contra as garotas menos que perfeitas, um tipo de frustração que ela conhecia muito bem. Mas aos nove anos de idade... Não era cedo demais para se interessar por garotos? — Bem — começou, percebendo a insegurança que transparecia em cada gesto da garota —, David Knickerbocker vivia me seguindo e implorando para carregar meus livros. Acho que posso dizer que ele era meu namorado. Claire riu. — Como ele era? — Mais baixo que eu, e com orelhas enormes como pratos. As duas riram juntas e Claire deu vazão à curiosidade com um pouco mais de desembaraço. — O que aconteceu com ele? — Quando estávamos no primeiro ano, acertei um soco no olho dele durante o recreio e só voltamos a nos falar no final do ginásio. As orelhas dele já não pareciam tão grandes, porque o resto do corpo havia crescido, e ele arrancava suspiros de todas as garotas da escola. — O que ele disse quando voltaram a conversar? Lucy baixou a voz como se fosse revelar um importante segredo. — Ele disse que eu era mais bonita quando usava óculos, mas me convidou para ir ao baile do dia dos namorados. — Uau! — Claire exclamou esperançosa. — Ele ainda é seu namorado? — Oh, não! Agora namoro outro homem. Alan. E pensar que iria jantar com ele mais tarde, depois de passar a tarde num parque com John Sterling e seus filhos! — Vai se casar com ele e ter muitos filhos? — Ele ainda não me pediu em casamento. — E se ele pedir? — Claire insistiu. — Então... terei de tomar uma decisão. Veja, chegamos! Outros casais e famílias já haviam estendido cobertores e toalhas pelo gramado do parque, ansiosos para aproveitarem o dia ensolarado e quente, atípico para um mês de inverno. Lucy retirou um disco plástico do porta-malas do carro, junto com uma jaqueta e um boné. Como já esperava, Jamie quis saber por que carregava um brinquedo dentro do automóvel. — Costumo trazer meu cachorro para exercitar-se no parque. Victor adora brincar. — Você tem um cachorro? — o garoto perguntou com os olhos arregalados. — Um cachorro de verdade? — Claire insistiu. — Au-au? — Billy interferiu. — Oh, não! John gemeu. — Agora eles vão passar os próximos seis meses implorando por um cachorro. — Como ele é?

— É macho ou fêmea? — Au-au? Rindo, Lucy descreveu o velho collie. — Bem, Victor já tem alguns anos de idade. Muitos, para ser bem honesta. Ele vive comigo desde que eu era uma garotinha, mas ainda tem muita energia e vitalidade. — Podemos vê-lo? — Ele sabe fazer algum truque? — Au-au? — Na próxima vez que viermos ao parque, eu trarei Victor — ela prometeu. — Enquanto isso, por que não vão brincar um pouco com o disco? Isto é, se o pai de vocês permitir... — Podem ir, mas só enquanto arrumamos a comida para o piquenique. E não se afastem demais. Lucy entregou o brinquedo colorido a Claire e os viu correr até uma faixa de grama menos habitada, onde se entregaram ao jogo. — Não dou cinco minutos antes de um deles voltar chorando — John comentou enquanto estendia uma toalha xadrez sobre o gramado. — Talvez seis — ela argumentou sorrindo. — Ei, vejo que foi buscar o almoço na melhor lanchonete da cidade! — exclamou, reconhecendo o logotipo nas embalagens que ele começava a retirar da cesta de vime. — Parece que consegui encontrar tudo de melhor que a cidade tem a oferecer, e em pouco tempo. A resposta chamou sua atenção e ela o encarou, surpreendendo-se com o brilho intenso que viu nos olhos dele. Uma espécie de zumbido começou em seus ouvidos, espalhando-se pela cabeça e percorrendo todo o corpo em forma de arrepios. De repente era como se estivesse flutuando. Mas... por que a surpresa? John Sterling já havia demonstrado seu interesse antes, quando a convidara para jantar. Sabia que não devia flertar com ele, mas... já havia concordado com o piquenique. Que conclusões ele poderia tirar a partir disso? John respirou fundo e voltou às embalagens de comida. — As crianças se comportaram bem? — O quê? Oh, sim! — ela respondeu, tentando não lembrar o incidente envolvendo Jamie e o carro. — Claire está disposta a conseguir uma cozinha vermelha com morangos pintados nas paredes. — Ah... Annie sempre falou sobre pintar morangos nas paredes da cozinha. — Ela me contou. Posso fazer algumas modificações, se é isto que quer. — Oh, não! Acho que não seria uma boa idéia. Vou conversar com Claire. Sei que ela sofreu muito, primeiro com a perda da mãe, e depois com a mudança para cá, mas é hora de levantar a cabeça e voltar a viver. — Deve ser difícil. — Ela precisa de uma companhia feminina. De alguém com quem possa partilhar suas dúvidas, seus anseios e temores. Pensando bem — ele sorriu —, acho que todos nós sentimos falta de uma mulher em casa. — Tenho certeza de que logo encontrará alguém com quem queira se casar — Lucy devolveu constrangida, sentindo o coração bater acelerado. — É o que espero. Quero oferecer uma nova vida aos meus filhos. Lucy engoliu em seco. Como haviam penetrado em terreno tão íntimo e perigoso, se tudo que fizera havia sido mencionar a decoração da cozinha? — Claire me ajudou muito — disse, atentando voltar aos negócios. — Passamos a manhã toda escolhendo as cores para os cômodos da casa. E você? Teve uma manhã difícil no escritório? — Por que diabos insistia em comportar-se como uma esposa devotada?

— Terrível — ele respondeu sem encará-la. Era evidente que também estava incomodado com a atmosfera doméstica que os cercava. Falaram sobre as cores que a menina havia escolhido e sobre algumas peças que Lucy imaginara colocar na sala de estar. — Prefiro deixar tudo por sua conta — John determinou. — Um projeto como este pode ser muito caro. — Sei que vai fazer um bom trabalho sem desperdiçar meu dinheiro. Se for do seu agrado, tenho certeza de que também gostarei de tudo. Ela desviou os olhos dele, temendo perder-se naqueles abismos verdes. — Pretendo concluir a primeira etapa do projeto no próximo final de semana. Se puder passar pelo escritório para examiná-la na próxima quarta-feira... — Conte comigo. — Ah, já ia me esquecendo! Conseguiu uma babá para a semana que vem? — Não — ele respondeu, o rosto imediatamente contorcido numa máscara de preocupação. — Esta manhã conversei com a diretora e a proprietária KidScape, na Morrow Road. Esta era a tarefa a que me referi, lembra-se? — perguntou, engolindo a culpa enquanto limpava fiapos imaginários da manga da blusa. — A diretor decidiu aceitálos de volta até o início das aulas, e depois Billy poderá permanecer em caráter permanente. — Está falando sério? — Às vezes você é a imagem do seu filho — ela riu. — Não tem idéia do favor que me prestou, Lucy. Estava quase enlouquecendo de preocupação por causa das crianças. Não sabia onde poderia deixá-las, e não conseguia encontrar nenhuma babá disposta a cuidar deles. Os meninos podem ser... — Difíceis — ela concluiu, imitando Claire. Os dois riram, e no instante seguinte descobriram-se novamente enclausurados num mundo particular, silencioso e cheio de perigos ocultos. O vento soprou mais forte, jogando uma mecha dourada sobre os olhos de Lucy. John não conseguia desviar os olhos de seus olhos, e o olhar intenso era como um ímã a atraí-la. Como uma força da natureza a chamá-la para um abismo de onde não poderia voltar. Sentia a respiração quente no rosto, e podia pressentir as mãos cada vez mais próximas de sua cintura, preparando-se para o contato. Então o disco de plástico colorido encontrou a testa de John. Jamie riu e perguntou: — Você vai beijá-la, papai?

CAPÍTULO V — Que tal um beijo de boas-vindas? — Alan perguntou, aproximando os lábios dos dela. Por um momento Lucy não correspondeu. Não podia deixar de pensar na paixão evocada pelas duas tentativas frustradas de John. Em seguida, recuperou-se e beijou-o, tentando acender o desejo. Alan surpreendeu-se com a intensidade da resposta. — Acho que fiquei fora mais tempo do que imaginava. — Dez longos dias! — Eu a convidei para ir comigo a Atlanta. — Eu sei, mas estive trabalhando. Ontem consegui um excelente contrato residencial, e os Patterson aceitaram minha participação na concorrência para a redecoração da rede de escolas.

— Vejo que teve um dia cheio. Alan não imaginava nem a metade dele! — Digamos que sim — ela sorriu. — Se esteve trabalhando tanto, como conseguiu bronzear-se? — Oh, eu... Fui encontrar um cliente num local aberto para revisarmos algumas idéias. — Por acaso esse cliente é dono de um restaurante? — Restaurante? — Lucy estranhou. — Você está cheirando a frango frito. — Oh... Fizemos um lanche rápido enquanto discutíamos o projeto. — Refere-se ao contrato residencial? — Exatamente. — Trata-se de alguém conhecido? — Não. O homem é arquiteto e acabou de mudar-se de Atlanta. — Qual é o nome dele? — John Sterling. Tem filhos — ela contou com uma careta horrorizada. — Um punhado deles. — Oh, não! Uma repetição do fiasco Tyndale! — Espero que eles não sejam tão terríveis. Mas a casa é movimentada. A reunião demorou mais do que eu esperava e... Bem, por isso me atrasei um pouco — explicou, justificando a túnica e a calça comprida amarrotadas depois de um dia inteiro de uso. — Espere alguns minutos enquanto me arrumo, sim? Alan consultou o relógio. — Não demore, ou perderemos a reserva. Lucy respondeu com um sorriso forçado e correu para o quarto, onde trancouse como se fugisse de um grande perigo. Normalmente não teria se importado por encontrar Alan esperando em sua casa, mas por alguma razão sentira-se furiosa ao ver o Mercedes estacionado em sua garagem. O assobio que Alan emitiu ao vê-la entrar na sala foi gratificante. — Valeu a pena esperar. Senão confiasse em você, jamais a deixaria sozinha para viajar. — Bobagem — ela respondeu com um sorriso forçado. Pouco depois, já no carro e a caminho do restaurante, Lucy perguntou: — Pamela telefonou para você? — Sim — ele confirmou com um sorriso divertido. — Às vezes sinto-me como um fraque de aluguel. Não tem planos para amanhã à noite? — Não. Na verdade, preciso preparar o projeto dos Patterson para a próxima segunda-feira, e pensei em aproveitar a noite livre para trabalhar. — Nesse caso... Pam disse que Daniel Gates estará lá, e estou tentando marcar um encontro com ele há meses para conversarmos sobre a atualização da rede de computadores da empresa. — Então, aproveite a oportunidade. — Por um momento, Lucy estudou o perfil perfeito do namorado. Não havia dúvidas de que ele era um homem bonito. Grandes olhos azuis, cabelos louros mantidos sempre bem cortados e bem penteados, uma situação econômica invejável e uma inteligência acima da média faziam dele o sonho de quase todas as mulheres. Pamela também era uma mulher muito atraente, e sabia que os dois chamavam a atenção de todos quando apareciam juntos em público. Sua mãe havia ficado incrédula ao saber que Alan costumava acompanhar Pamela em certas ocasiões especiais. — Você ficou maluca? — ela perguntara. — A mulher é uma a devoradora de homens! Lucy rira, como ria nesse momento. Não existiam duas pessoas menos compatíveis em todo o planeta do que Alan, o obsessivo-compulsivo, e Pamela, a

ninfomaníaca desregrada. Alan já havia deixado claro que procurava uma mulher especial, alguém dedicada à carreira, ambiciosa, bem-sucedida e acima de qualquer suspeita, alguém que partilhasse de sua disposição de manter um casamento sem filhos. Sempre sentira-se uma felizarda por corresponder ao perfil, pois nunca apreciara a idéia de tentar equilibrar profissão e filhos. John Sterling e três pequenos furacões invadiram sua mente a galope. Significavam problemas. Problemas que não desejava e dos quais não precisava. Banindo-os de seus pensamentos, tocou a mão de Alan sobre o volante. Ele a levou aos lábios para um beijo rápido e sorriu. Sim, não havia dúvidas. Alan era o solteiro mais cobiçado de uma das mais respeitadas e abastadas famílias da velha cidade litorânea. Milhares de mulheres teriam trocado de lugar com ela num piscar de olhos. Era uma mulher de sorte. — Mas mamãe queria uma cozinha vermelha com morangos! — Claire choramingou. John suspirou e sentou-se na beirada da cama estreita para abraçá-la. — Eu sei que sim, querida, mas mamãe não está mais aqui, e não creio que seja uma boa idéia pintar a cozinha como ela sonhava. — Por que isso o deixaria triste? — Provavelmente. — Os móveis e os quadros também o entristeciam? — Sim, querida, os objetos de sua mãe eram lembranças dolorosas para mim — ele confessou, surpreso com a perspicácia da filha de nove anos. — Quer esquecê-la? O relacionamento com Annie havia sido cheio de altos e baixos, mas ela fora uma mãe impecável e a amara de verdade. — Jamais poderia esquecê-la. — Também quero lembrar dela para sempre, mas às vezes o rosto dela se apaga em minha memória e fico muito assustada. — Quando isso acontecer, olhe-se no espelho e verá o rosto de sua mãe, meu bem. Claire sorriu. — Mamãe era bonita, papai? — Linda. — Acha que sou bonita? — Você será miss Universo dentro de alguns anos! — Não exagere, papai! — Querida, não gostaria de ter outra mãe algum dia? A tensão que enrijeceu os músculos da menina foi imediata. — Quem? — ela perguntou com tom de acusação. — Ninguém especial... ainda. Mas preciso saber o que você pensa sobre ter outra mulher em casa, caso surja alguém. — Lucy já tem um namorado. Ela me disse que vai se casar. O ar deixou seus pulmões como se houvesse recebido um soco no peito. — Não estava pensando em Lucy — John mentiu. — Então, por que quase a beijou? — Eu não a beijei. — Mas teria beijado, se Jamie não houvesse aparecido com o disco. — Talvez. Mas ainda não sabia que ela tinha um namorado, e agora sei. Não gosta dela, Claire? Sei que Lucy gosta muito de você. — Acho que ela é... simpática. Lucy prometeu me dar sua coleção de livros de desenho por eu tê-la ajudado com a decoração.

— Que bom! Que tal descer e ir assistir televisão com os meninos? — ele sugeriu aliviado. — Isto é, se eles ainda não se mataram... Rindo, os dois desceram a escada de mãos dadas. — Papai! — Jamie gritou ao vê-los. — Billy bebeu dois copos de coca-cola! John gemeu ao pensar no efeito que a combinação de açúcar e cafeína teriam sobre o filho caçula, sempre tão agitado. Logo ele estaria escalando as paredes! — Você sabe que ele não deve beber refrigerante à esta hora da noite, Jamie! — Sim, eu sei — ele respondeu com tom grave, como se realmente temesse pela punição que o irmão estava prestes a receber. Billy olhava para o pai do chão, onde permanecia sentado. O queixo escuro como a bebida adocicada confirmava a acusação do mais velho. — Mais... — ele pediu, mostrando o copo vazio. John respirou fundo para manter acalma. — Jamie, como ele conseguiu virar aquela garrafa de dois litros e encher o copo sem derrubar uma única gota de refrigerante? — Oh, ele é muito pequeno, e por isso tive de ajudá-lo. — Entendo. Bem, trate de arrumar toda esta bagunça enquanto seu irmão e eu visitamos o banheiro. — Monsto! — o pequeno gritou apavorado. Mas dessa vez John não cedeu. Comovido com as lágrimas assustadas do filho, tomou-o nos braços e saiu da sala falando com ele em voz baixa, tentando acalmá-lo enquanto dirigia-se ao lavabo ao lado da sala. Assim que fechou a porta, pôs o menino no chão e abaixou-se para dar continuidade à conversa. — Billy, não quer ser um menino crescido? Ele afirmou com a cabeça, aparentemente mais calmo. — Então precisa aprender a fazer xixi como os meninos maiores. — Papai faz xixi? — Hum-humm. — Jamie faz xixi? — Também. — Billy faz xixi? John apontou para a fralda. — Sim, mas só os bebês fazem xixi nas fraldas. Vai ter de aprender a usar o banheiro, ou nunca será um menino crescido. Vamos tentar? Segurando a mão dele, John conduziu o garoto ao penico colorido que ficava sempre perto do vaso sanitário. Haviam dado dois ou três passos quando Billy parou e virou-se, escondendo o rosto nas pernas do pai. — Monsto! Monsto! — Não, Billy! E só um penico. Venha ver o papai. — Enquanto abria a calça, sorriu ao ver-se engajado na velha lição de pai para filho. — Está vendo? Papai é um menino crescido, e por isso faz xixi no banheiro. — Monsto... — Billy insistiu, tentando abrir a porta para fugir. Irritado, John decidiu apelar para a autoridade. — Sei que precisa fazer xixi depois de todo aquele refrigerante. Venha até aqui e imite seu pai! — Billy nenê. Determinado, John tomou o menino nos braços para levá-lo perto do penico, mas os gritos histéricos e o pavor estampado no rosto do filho o fizeram desistir. — Claire, por que seu irmão tem tanto medo de ir ao banheiro? Ela desviou os olhos da tevê e encolheu os ombros. — Ele é difícil. A previsão sobre a combinação de açúcar e cafeína provou ser fatal. Depois de uma hora de perseguição, censuras e ameaças, John deixou-se cair numa cadeira e

ficou observando enquanto aviões de papel cruzavam a sala. — Precisamos de móveis — disse a si mesmo. — Também precisamos... — Papai, o que é aquilo? Curioso, olhou para a televisão e viu uma linda morena recitando as vantagens de um novo tampão. A jovem mergulhava o aparato numa vasilha com água colorida, e o tampão inchava até alcançar dimensões espantosas. De acordo com seus cálculos, Claire ainda teria dois ou três anos antes de se tornar uma mulher. Não havia sido isso que Annie dissera certa vez? Oh, Deus, precisava de ajuda! — Isso é... é... uma coisa que as mulheres usam... no banheiro... quando têm idade suficiente para... ter um bebê — gaguejou sem jeito. — Oh... O comercial chegou ao fim e Claire concentrou-se novamente na comédia de costumes que tanto apreciava. John fechou os olhos e elogiou-se mentalmente pela maneira como havia conduzido a crise. Mas no dia seguinte telefonaria para Cleo, sua irmã, e pediria a ela para ter conversa com a menina no próximo sábado, durante a sessão de compras. Buscando algo mais agradável em que concentrar-se, surpreendeu-se com a imagem do rosto de Lucy Montgomery. John franziu a testa. A mulher de seus sonhos devia estar jantando em algum lugar romântico com o homem que escolhera para ser pai de seus filhos. — Longe das crianças — Alan exigiu ao ser recebido pelo maître. — Fumantes são toleráveis, mas prefiro me manter bem afastado dos pequenos. — Por aqui, senhor — indicou o homem uniformizado e discreto. Lucy conteve uma pontada de irritação ao ouvir as palavras de Alan. Também havia tido a experiência de ver uma deliciosa refeição arruinada pela presença de crianças turbulentas, mas preferia que ele não anunciasse seu desdém com tanta freqüência, e em locais públicos. Alan olhou em volta assim que se sentaram, como se temesse ser surpreendido por uma classe do jardim da infância. — Não quer olhar em baixo da mesa? — ela perguntou em tom sarcástico. — Não quero que nada estrague nossa noite, meu amor. — Fale-me sobre sua viagem — Lucy sugeriu enquanto examinava o cardápio. O rosto de John insistia em sobrepor-se às palavras, e não havia um único prato tão apetitoso quanto frango frito. O garçom apareceu para anotar o pedido e deixou-os sozinhos. De repente ela percebia que jamais sentira-se tão incomodada perto do namorado... e esperava que ele não notasse. — Algum problema, querida? — Não... Acho que estou apenas preocupada com o projeto Patterson. — Creches, não? — Escolas de educação infantil — ela corrigiu. — Vinte e uma unidades. — Não acredito que exista tanta demanda para este tipo de serviço. Por que as pessoas têm filhos, se não querem cuidar deles? — Algumas pessoas precisam trabalhar, e por isso são obrigadas a deixarem seus filhos em escolas especializadas. — O garçom acabara de servir o vinho e ela o provou, surpreendendo-se com o gosto amargo. — Se pai e mãe têm de trabalhar para garantir o sustento da casa, então não deviam ter filhos — Alan insistiu arrogante. — E quanto aos pais que não são casados? — Francamente! Pai e mãe trabalhando, crianças na escola, jantar feito às

pressas, roupas mal passadas... Não é de se espantar que as estatísticas apontem para um considerável aumento no número de divórcios. Lucy sentia-se prestes a explodir. — E se um dos pais morreu e o sobrevivente tem de lutar pela sobrevivência dos filhos? — Isto está começando a soar pessoal: Por acaso seu novo cliente é... viúvo? — Sim, ele é viúvo — respondeu, tentando demonstrar uma indiferença que estava longe de sentir. — Entendo. Está com pena do sujeito. É compreensível. Felizmente nunca teremos de nos preocupar com problemas desse tipo. — Alan, o fato de não desejarmos ter filhos não significa que deve acusar as pessoas que pensam de outra forma. — Tem razão. Se outras pessoas gostam de enfrentar dificuldades e desconforto, o problema não é meu. Desde que não tragam seus pequenos monstros para importunar os clientes de bons restaurantes. Nesse momento algo atravessou a parede formada por uma espessa samambaia perto da mesa e chocou-se contra a testa de Alan. Incrédulo, ele viu um pedaço de pão com manteiga cair sobre a mesa e parar ao lado do candelabro de prata. Uma mulher loura e muito embaraçada surgiu pela mesma abertura aberta pelo míssil. — Sinto muito, senhor — ela desculpou-se. Preston ficou agitado e arremessou seu pedaço de pão. — Sorrindo, ela limpou a testa de Alan com um guardanapo de papel e desapareceu levando o pão com manteiga. — Relaxe, Alan! É só uma criança! Um movimento do outro lado do salão chamou sua atenção e ela levantou a cabeça e parou de rir, horrorizada. Melissa e Monroe Patterson caminhavam na direção de sua mesa e sorriam.

CAPÍTULO VI — Alan! Acho que vou desmaiar! Por favor, providencie uma jarra com água gelada. — Mas... você nunca desmaiou! — Então, esta será a primeira vez. Por favor, vá atrás do garçom e peça água gelada! — Está bem — ele encolheu os ombros. — Voltarei num minuto. Alan havia acabado de se afastar da mesa quando Melissa Patterson parou ao lado dela. — Srta. Montgomery, que surpresa agradável! Lucy levantou-se e forçou um sorriso. — Olá, sr. e sra. Patterson — respondeu, usando o corpo papa impedir que vissem as costas de Alan. — Vejo que seu marido John acabou de se levantar. Que pena! — Melissa exclamou. — Oh, não! Aquele é só um amigo... de John. Na verdade, John está em casa com as crianças — inventou, usando o guardanapo para enxugar o suor da testa. — Compreendo. Espero que tenha aproveitado a visita à escola esta manhã. Seus enteados são adoráveis. — Obrigada — respondeu, olhando por cima do ombro a tempo de ver Alan retornando. — Bem, não quero retê-los. — Olá — o sr. Patterson cumprimentou. — Olá — Alan respondeu educado, estendendo a mão livre e esperando que

Lucy fizesse as apresentações. — Oh, Alan, estes são Melissa e Monroe Patterson. E este é Alan Parish. — É um prazer conhecê-lo — Melissa sorriu. — Soube que é amigo de John Sterling. — Bem... Lucy o conhece melhor do que eu. Os Patterson riram e Lucy imitou-os, cutucando o namorado para que ele também sorrisse, apesar da evidente confusão. — Bem, agora temos de ir — o sr. Patterson avisou depois de alguns instantes. — Estaremos esperando por você na segunda-feira, srta Montgomery. Até logo. Lucy sentou-se e deixou escapar um suspiro aliviado. — Parece que já se recuperou — Alan constatou, deixando a jarra com água sobre a mesa. — Ainda não — ela respondeu, preferindo o copo de vinho. — Perdi alguma coisa? — O quê? Não... não! — Qual é a ligação entre os Patterson e seu outro cliente? — Bem... os filhos dele freqüentam uma das unidades da rede de escolas, exatamente a que visitei esta manhã. — Oh — Alan devolveu sem interesse. O garçom trouxe a comida, mas a ansiedade alcançara um patamar tão elevado que Lucy nem conseguiu prová-la. — Ainda está sentindo tonturas, meu bem? — Um pouco — ela respondeu atordoada. — Quer ir embora? — Não. Perdi o apetite, mas você não precisa abrir mão de um jantar maravilhoso. Enquanto come, por que não fala um pouco mais sobre a viagem? Divertiu-se? — ela perguntou, tentando mudar de assunto. — Assisti a alguns espetáculos muito bons. — Encontrou o relógio que estava procurando? — Não, mas comprei um lindo presente para você. Oh, não! Costumavam brincar sobre as alianças que um dia comprariam, mas Alan não podia ter feito isso. Não hoje! — Um... presente? — Queria fazer uma surpresa, mas não consigo guardar segredo. Deixei o pacote no carro. Mal posso esperar para ver sua cara quando abri-lo! — O que é? — Lucy perguntou nervosa, levando o copo de vinho aos lábios para mais um gole. — Digamos que é algo de que precisa há muito tempo, um objeto que já devíamos ter providenciado, mas cuja compra estamos sempre adiando. Comprei uma igual para mim. Lucy respirou fundo e engasgou com o vinho. Tomada de assalto por um violento ataque de tosse, inclinou-se na cadeira e tentou livrar-se dos tapas nas costas e da ajuda inoportuna de Alan e de um garçom aflito. Quando finalmente recuperou-se, perguntou novamente: — Que presente é esse, afinal? — Vai ter de esperar até chegarmos na sua casa. Já falei demais. Lucy suou frio durante a sobremesa e tremeu enquanto tomavam café. Quando entraram na garagem de sua casa, ela sentia náuseas provocadas pelo nervosismo. — Vá entrando — Alan sugeriu. — Quero pegar os pacotes no porta-malas. Os primeiros passos além da porta da sala foram uma verdadeira tortura. O que diria a ele quando recebesse a aliança? O rosto da mãe invadiu sua mente. — Diga sim, Lucy. O que mais? Em seguida surgiu o de Hattie.

— Ele é capaz de incendiá-la cada vez que a toca? E o de John Sterling. — Ou está mentindo, ou o homem é um idiota. Sentia o coração prestes a saltar pela boca quando ouviu Alan entrar na sala. — Fique de costas — ele pediu. — Pronto, já pode olhar. Lucy girou lentamente, a garganta apertada e o peito oprimido. Alan sorria orgulhoso e exibia duas pastas de couro de crocodilo. O alívio que ela sentiu foi tão grande, que teve medo de cair. — Gostou? — ele perguntou excitado, oferecendo a versão mais delicada e feminina. — O couro é indestrutível, os fechos são feitos com uma liga metálica muito sólida e a alça é garantida por muitos anos. — É muito bonita — ela respondeu, tocando o material macio e resistente. — Agora posso aposentar minha velha pasta e você pode livrar-se daquela velha bolsa preta que carrega há anos. A velha bolsa preta havia sido presente de Hattie por ocasião de sua formatura, e era a mesma que a tia havia usado ao longo de toda uma vida de trabalho. O valor sentimental da peça era inestimável. Mesmo assim, forçou um sorriso. — A pasta é linda, Alan. Muito obrigada — Abraçou-o para dar-lhe um beijo rápido. — É uma pena que esteja indisposta. Podíamos passar a noite juntos. Lucy retrocedeu, surpresa e aborrecida por ele ter escolhido justamente esse dia para se mostrar amoroso. Quando fora a única vez que o vira nu? No Halloween? — Talvez outro dia — disse. — É claro. Telefono para você no domingo para contar sobre o banquete com Pam, está bem? Lucy assentiu e levou-o até a porta, acenando até vê-lo desaparecer além do portão. Por que o nome de John Sterling havia bailado em seus lábios durante toda a noite? Por que o rosto dele ocupara seus pensamentos, quando devia ter visto apenas Alan? E por que havia ficado tão apavorada quando pensara que Alan a pediria em casamento? Esperando encontrar Hattie em casa, atravessou o jardim na direção da construção idêntica à sua e bateu na porta. — Lucy, querida! Entre! — Estou interrompendo alguma coisa? — ela perguntou, notando que a tia amarrava a faixa do robe de seda em torno da cintura. — Se quer saber se tenho companhia, a resposta é não. Infelizmente... — Hattie, você não tem vergonha! Não sei como Herbert consegue acompanhar seu ritmo frenético. — Ele não consegue. Por isso espero ansiosa pela volta do meu soldado. Alan já foi embora? Pensei que passariam a noite juntos depois de dez dias separados. — Eu... estava indisposta — explicou, seguindo a tia até a cozinha confortável e sentando-se à mesa enquanto ela servia chá de ervas em duas xícaras de cerâmica. — Parece agitada — Hattie opinou. — Seu rosto está vermelho. — Tomei sol demais. — É mesmo? Onde? — Hattie... — Por acaso algum cliente do escritório está exibindo a mesma coloração saudável no rosto? — Talvez. — Seria ele o mesmo homem cujas crianças os Patterson acreditam serem suas, também? — Talvez.

— Entendo. Fale-me sobre esse tal John Sterling. — Bem, ele é viúvo e... — Lucy, não quero ouvir os dados do curriculum do homem. Só quero entender por que ficou tão agitada depois de vê-lo. — Ele me convidou para jantar. — E daí? — Disse a ele que já estava envolvida com outro homem. — Onde entra o bronzeado? — Quando levei as crianças para casa depois da visita à KidScape. Ele havia preparado um piquenique e me convidou para acompanhá-los, porque assim poderíamos discutir os detalhes do projeto. — Ah... — O que quer dizer com Ah? — Nada. Continue, Lucy. — Não tenho mais nada a dizer. — Está interessada nele? — Não! — Por que não? Ele é feio? — Oh, não! Ele é bastante atraente. — Ah. — E agora, o que quer dizer com Ah? — Por que não sai com o homem? — Porque ele tem três filhos, e eu tenho um namorado. — O fato de ter três filhos prova que ele é capaz de cumprir suas obrigações de homem. — Hattie! — O que nos remete a segunda justificativa, a de ter um... namorado. — Sei que nunca gostou muito de Alan, mas... — Só quero o que é melhor para você, querida, e Alan Parish é tão parecido com o pai que não pode ser muito bom na cama. — Hattie! Está dizendo que você e Aldred Parish... Ela riu. — Digamos que contraí uma espécie de insanidade temporária. Três semanas, até conhecer seu tio Francis, quando ainda chorava por meu adorado soldado, Torry. Ah, Torry... — Hattie suspirou. — Aquele sim, foi um amante inesquecível. Ele costumava comprar certos equipamentos de um francês que... — Hattie — Lucy interrompeu, tentando evitar detalhes constrangedores sobre a relação da tia com o militar. — Nunca me queixei da virilidade de Alan. — Nem precisa! Ele sempre vai embora antes das dez da noite! — É preciso mais que uma poderosa química sexual para fazer um relacionamento dar certo — disse. — Talvez, mas não se pode ter um bom relacionamento sem sexo. Os segredos que trocamos com um homem na escuridão da noite são as recordações que fazem os amantes se sentirem próximos mesmo quando estão afastados. Por isso Torry ainda permanece comigo depois de tantos anos. Oh, mal posso esperar para vê-lo outra vez! — Hattie! Recebeu alguma notícia dele? — Lucy surpreendeu-se. — Não, mas o detetive que contratei telefonou esta tarde e disse ter pistas promissoras. Apesar de não acreditar na possibilidade de um reencontro, nem na honestidade do tal detetive, Lucy procurou mostrar-se entusiasmada. — Tenho certeza de que logo poderá vê-lo, querida. — Sim, eu sei que vamos nos reunir em breve. A vida é muito curta, Lucy. Não

se acomode. Procure pelo homem que aqueça seu coração e incendeie seu corpo. O rosto de John Sterling voltou a invadir sua mente, dessa vez com clareza assustadora. Lucy levantou-se para livrar-se dos sentimentos provocados pelas palavras da tia. — Está ficando tarde. É melhor voltar para casa — disse. — Obrigada pelo chá e pela conversa. — Não me agradeça. Só quero o que é melhor para você. — O que acha? — Pamela Kaminski perguntou, girando em torno de si mesma. Lucy olhou para a mãe e viu o espanto causado pela silhueta perfeita de Pam no vestido curto e transparente. — É lindo, Pam. O dourado combina muito bem com a cor dos seus cabelos. — É verdade — a loura concordou. — Vai sentir frio — Helen ofereceu com uma careta de desdém. — Mamãe... — Como alguém pode sentir-se vestida usando... um cinto? Sim, porque isso não é um vestido! — Experimente o preto — Lucy sugeriu. Quando Pamela desapareceu dentro do provador, Helen suspirou aborrecida. — Lucy, não acredito que esteja ajudando aquela mulher a escolher um vestido para usar num encontro com o seu namorado! Não devia ter convidado a mãe para acompanhá-las ao shopping. — Não é um encontro, mãe. É só uma obrigação social, e não me importo. — Está praticamente pedindo para que ele seja infiel! — Confio em Alan. E em Pam, também. — Mais do que confiava em si mesma. Fechando os olhos, conteve um bocejo. John Sterling invadira seus sonhos durante toda a noite, e acordara cansada e dolorida. Distrair-se fazendo compras com a amiga havia parecido uma distração interessante algumas horas atrás, mas agora era como uma sentença de morte. Minutos mais tarde, depois de escolher o vestido dourado e pagar por ele, Pamela acompanhou as outras duas mulheres até a lanchonete no final do corredor do shopping. — O que acham de um sorvete? — Lucy sugeriu. — Perfeito! — Tem certeza? — Helen perguntou com um sorriso sardônico.— O vestido que acabou de comprar é bastante justo. — Mamãe! — Por que tem sempre de... — Helen foi interrompida por um empurrão violento. Lucy prendeu o fôlego ao reconhecer o garoto com uma toalha preta amarrada ao pescoço. — Jamie! — John gritou irritado. — Volte já aqui. Lucy estendeu o braço e agarrou a ponta da toalha um segundo antes do menino escapulir. — Sou Peter! — ele gritou, antes de virar-se e identificar quem o detivera. — Ei, olá, Lucy! John aproximou-se correndo, equilibrando o pequeno Billy sobre o quadril e puxando Claire pela mão. — Lucy — constatou com a voz cheia de surpresa. Mais calmo, pôs Billy no chão e respirou fundo, cansado depois da correria. — É bom vê-la por aqui. — Lucy? — Helen aproximou-se com a testa franzida. Os olhos de Pamela devoravam a mão esquerda de John, e ela se sentiu surpresa com a intensidade do ciúme que a invadiu. Rápida, fez as apresentações e

viu a amiga estender a mão de unhas bem cuidadas e piscar os olhos maquiados. John retribuiu o cumprimento com uma cortesia distante e concentrou-se novamente em Lucy. — Veio fazer compras? — Pam precisa de um vestido especial para esta noite. — Para uma ocasião profissional, digamos — ela interferiu. — Lucy é tão generosa que me emprestou seu namorado para que eu não tenha de comparecer sozinha ao banquete. Atualmente não estou saindo com ninguém. — Ei, Lucy — Jamie chamou-a —, quando vai levar seu cachorro à nossa casa? Billy levantou os braços para ela. — Falda molhada — disse. Lucy fez uma careta e abaixou-se para pegá-lo. — Lucy — Claire adiantou-se —, papai disse que vai decorar nossa casa esta semana, enquanto estaremos na escola infantil. Posso ficar com você? Quero ajudar com o projeto. — Eu também! — Jamie gritou. — Quero ficar com Lucy! — Eu também! — Billy bateu palmas. — Já chega! — John interferiu com tom severo. — Lucy não vai conseguir trabalhar com vocês por perto. — Não se preocupe, Claire — ela ofereceu sorrindo. — Vamos pensar numa forma de colaborar com a decoração. — E virou-se para John. — Veio fazer compras? — Não. O vídeo-cassete quebrou, e vim até aqui para distraí-los enquanto a sra. Harris limpa a casa. Tem alguma idéia? — Há uma loja de animais na ala oeste. — Maravilha! Venha, Billy. Vamos ver os bichinhos. Billy bateu palmas e jogou-se nos braços do pai. Os dois maiores despediram-se e correram na frente. Lucy o viu caminhar carregando Billy e a sacola de fraldas, e teve de lutar contra o ímpeto de segui-lo. Pamela também o observava. — Delicioso! — disse com um sorriso carregado de malícia. — Não sabia que gostava tanto de crianças, Pamela — Helen comentou com ar crítico. — Eu não disse que queria me casar com o sujeito. Apenas... — parou, como se só então percebesse com quem conversava. — Apenas admirá-lo — completou com um sorriso inocente. Sentimentos de posse e proteção contraíam o estômago de Lucy, mas ela permaneceu em silêncio. Sempre soubera que seria só uma questão de tempo até Pamela descobrir o encantador John Sterling. Os dois formariam um par perfeito! E a idéia a aborrecia imensamente. No início da tarde Lucy foi para o escritório a fim de trabalhar no projeto Patterson. Ao ligar o computador, lembrou-se da afirmação de Jamie sobre como a escola era aborrecida e sorriu, decidindo começar pela sala de computação e pelo espaço para as plantas e animais. Duas horas mais tarde, concluídos os dois cômodos, ela levantou os braços e espreguiçou-se. Tinha certeza de que os Patterson ficariam satisfeitos. Mal podia esperar pela segunda-feira, quando apresentaria sua proposta. Depois, enquanto todos os concorrentes estivessem aguardando o resultado, ela dedicaria-se à decoração da casa dos Sterling. Apesar de ganhar muito mais com projetos comerciais, gostava mais de decorar residências, porque nelas podia dar asas à criatividade. E a casa de John... Seria ótimo poder torná-la mais bonita e confortável para as crianças. A culpa por ter mentido para os Patterson voltou a perturbá-la. Proporcionar um ambiente

agradável e aconchegante para os filhos de Sterling era o mínimo que podia fazer. A campainha da porta a interrompeu. Quem poderia estar procurando um escritório de decoração às nove horas da noite de uma sexta-feira? Talvez fosse um de seus novos fornecedores... Dirigiu-se à porta da frente e surpreendeu-se ao ver um vulto muito alto e forte do outro lado do vidro fosco. — Quem é? — perguntou temerosa. — Sou eu, Lucy. John Sterling. Com o coração disparado, pensou imediatamente no pior. Sua mentira havia sido descoberta, e agora ele pretendia acusá-la de coisas horríveis, talvez até cancelar o contrato! O que poderia dizer para defender-se? Tremendo, inseriu a chave na fechadura. John conseguira convencer-se de que entregar o catálogo que ela esquecera em sua casa era uma causa justa para ir procurá-la. Mas agora, enquanto esperava que ela o recebesse, a idéia parecia ridícula e absurda. — John! O que está fazendo aqui? — Bem, eu... queria ver com meus próprios olhos uma mulher que consegue trabalhar enquanto o namorado sai com sua amiga. Alguns segundos se passaram antes que ela reagisse. — Só isso? — Não. Trouxe um catálogo que você esqueceu em minha casa. — Ah... — Notando que ele examinava sua velha calça jeans com um misto de espanto e curiosidade, explicou-se. — Desculpe, não estava esperando ninguém. Além do mais, gosto de sentir-me confortável enquanto trabalho. — Você está ótima! — Obrigada. Veio sozinho? — Sim. As crianças estão matando as saudades dos avós. Eles chegaram de Atlanta hoje à tarde, e estão hospedados em minha casa. A sra. Harris encontrou seu catálogo embaixo da cama de Billy, e como eu sabia que pretendia trabalhar até tarde... — De repente não conseguia mais falar. Lucy havia cruzado os braços sobre a camiseta muito fina, tentando esconder o fato de não estar usando sutiã. A brisa gelada havia provocado uma reação imediata que ela não fora capaz de disfarçar. — Não quer entrar? Estava mesmo pensando em fazer café. — Café seria ótimo — ele respondeu depressa, obrigando-se a desviar os olhos daquelas formas arredondadas, perfeitas e tentadoras. — A temperatura caiu de repente... — É verdade. Sabia que a onda de calor não ia durar muito tempo. John suava frio, perturbado com a beleza dela. O corpo comportava-se como se tivesse vontade própria, e tinha medo de não ter controle sobre as próprias atitudes. — Está quente aqui — disse, sentindo a temperatura subir a cada movimento que ela fazia. — Deve ser porque as janelas ficaram fechadas. O escritório é mais fresco. O ambiente iluminado continha uma escrivaninha, um computador, um pequeno sofá e uma superfície de trabalho coberta de amostras de tecido e papel. — Acho que estou interrompendo algo importante — John ofereceu constrangido. Enquanto ligava a cafeteira, ela respondeu: — Acabei de concluir um segmento de um projeto para uma grande concorrência da qual estou participando, e ia começar a trabalhar com as idéias básicas para sua casa. Tentando obter mais informações sobre a vida pessoal de Lucy Montgomery, ele comentou: — Espero que meu projeto não a prive da companhia de seu namorado. Odiaria

saber que fiquei no caminho de um grande e verdadeiro amor. — Não. — Não estou no caminho, ou não se trata de um grande e verdadeiro amor? — Como já disse antes, não costumo misturar negócios e vida pessoal. Encorajado pelo brilho de desejo que imaginava ter visto nos olhos dela e pelo tremor que notara em suas mãos ao apanhar o catálogo, ele encolheu os ombros: — Meus filhos jamais me perdoariam se eu não me esforçasse. Eles são malucos por você. Algo indecifrável passou pelo rosto de Lucy, mas ela permaneceu em silêncio. Tentando dissipar o momento de tensão, John indicou: — Ainda não agradeci pela idéia da loja de animais. As crianças se divertiram muito. O único problema é que agora eles vão me torturar suplicando por um cachorro. Mais calma, ela apontou para o sofá e convidou-o a sentar-se. — Por que eles não podem ter um cãozinho, afinal? — Caso não tenha notado, minha casa não é exatamente um modelo de organização. Um animal seria um passo além do caos. — Talvez um cachorro sirva para ensinar a eles a noção de responsabilidade. É claro que não sei muito sobre crianças, mas... — Você é perfeita com os pequenos. Não pensa em ter filhos? — Está falando como minha mãe. Ela repete a mesma pergunta dezenas de vezes sempre que nos encontramos. — Desligou a cafeteira. — Quer creme ou açúcar? — Não, obrigado. Lucy aproximou-se com duas xícaras fumegantes. Depois de entregar uma delas e deixar a segunda sobre uma mesa ao lado do sofá, caminhou até a escrivaninha e voltou com uma pasta nas mãos. — Já que está aqui, que tal esclarecer algumas dúvidas sobre sua casa? John faria qualquer coisa para tê-la por perto. Podia sentir seu perfume, essência de pêras, e teve a impressão de que ia desmaiar quando viu o movimento dos seios livres sob a camiseta. As mãos ardiam de vontade de tocar seu rosto. Mordendo a língua com força, sacudiu-se mentalmente. Estava agindo como um adolescente encharcado de hormônios! — ...por isso prefiro deixar a decisão em suas mãos — ela concluiu sorrindo. Não tinha a menor idéia do que ela havia dito, mas os desenhos diversificados espalhados sobre a mesa ofereciam uma pista. — Você é a especialista — respondeu. — Confio em sua capacidade profissional. — Mas é o seu quarto! — Vou adorar qualquer coisa que você faça no meu quarto. Percebendo a insinuação por trás das palavras, ela o encarou e suas pupilas se dilataram. John aproximou-se devagar, determinado a capturar a boca carnuda e rosada. Lucy não se moveu, mas entreabriu os lábios como se estivesse se preparando para recebê-lo. Cauteloso, inclinou a cabeça e aproximou-se um pouco mais, deixando que o hálito quente a tocasse antes do encontro físico. E então, quando os lábios roçaram os dela, Lucy deixou escapar um gemido rouco e derreteuse em seus braços, deixando cair a xícara com o café quente... Tremendo de desejo, John apertou-a com força e aprofundou o beijo. Uma explosão dolorosa ocorreu em seu corpo, concentrando-se abaixo do ventre, uma sensação tão horrível que foi obrigado a soltá-la e levantar-se de um salto. A xícara vazia rolou para o chão e parou perto de seus pés. Pensando apenas em livrar as partes íntimas daquela umidade quente, John abriu o zíper da calça e segurou o tecido longe da pele. Uma mancha escura cobria parte dos tênis esportivos.

— Oh, meu Deus! — Lucy exclamou apavorada. Sentindo-se um idiota John afastou-se dela para desgrudar o algodão macio da cueca do corpo e abanar a região atingida pelo café quente. Não queria nem olhar para baixo. A dor diminuíra, transformando-se num latejar constante e incômodo. — John! — ela chamou assustada. — Você está bem? — Acho que sim. Felizmente já tenho uma família formada. — Há algo que eu possa fazer para ajudar? Virando-se, viu que ela mordia o lábio com expressão constrangida, certamente abalada com a intimidade da situação. — Sim, pode me ajudar cavando um buraco onde eu possa me esconder. Ela sorriu. John riu. Pouco depois os dois gargalhavam. Passados alguns minutos, ele enxugou os olhos e disse: — Seria difícil explicar esta cena para alguém que entrasse de repente, não? Ela respondeu com um movimento afirmativo de cabeça, os olhos brilhando e os lábios distendidos num sorriso. Mortificado, John fechou o zíper da calça e só então encarou-a de frente. — Não era bem isso que eu tinha em mente quando vim até aqui. O que aconteceu... — Não pode acontecer novamente — Lucy cortou com ar subitamente sério. — Alan e eu temos um compromisso, e beijar meus clientes não faz parte do nosso acordo. — Entendo. Resignado, John caminhou até a porta. Antes de sair, fitou-a e disse: — Da próxima vez, tente negociar essa cláusula relativa a beijar os clientes. — Disciplina — Helen Montgomery repetiu pela décima vez. — As crianças de hoje não têm disciplina. Coma mais um pedaço de carne assada, Lucy — comandou, servindo a filha sem esperar por uma resposta. — Aqueles garotos de ontem, por exemplo... Como é mesmo o nome do homem? Sterling? Ele tem filhos completamente indisciplinados! — Mãe, o coitado perdeu a esposa... — É triste, eu sei, mas ele não vai ajudar os filhos com aquela atitude permissiva. — Sua mãe é implacável... com os filhos dos outros — o pai de Lucy falou sorrindo. — Cale-se, Madden — Helen comandou autoritária. — Eu os conheci — Hattie comentou depois de provar as batatas coradas. — E tive a impressão de que são adoráveis. — Posso imaginar — Helen devolveu, como se a opinião da irmã não tivesse a menor importância. — Sei o que estou dizendo. Aquelas crianças vão crescer sem nenhum respeito às autoridades, sem noção de certo e errado, sem... — Mamãe! John Sterling é um homem correto, e saberá ensinar aos filhos a diferença entre o certo e o errado. — Ele mima demais os filhos. — Não pode entender por quê? — Lucy, espero que quando você e Alan tiverem filhos, saiba ensinar a eles o valor da disciplina. — Helen — Madden Montgomery interferiu novamente —, fartos de ouvir Lucy e Alan repetirem que não querem ter filhos. — Bobagem! Lucy mudará de idéia assim que seu relógio biológico soar. — Não acham que estão se adiantando um pouco? — Hattie perguntou. — Lucy ainda nem sua uma aliança!

— Se ela convidasse o namorado para o nosso jantar dominical de todas as semanas, aposto que ele estaria ansioso para fazer parte da família. — Oh, sim! Ele a arrastaria pelos cabelos até o altar! — Madden exclamou num tom divertido. — No entanto — Helen continuou sem dar importância ao sarcasmo do marido —, hoje ele não teria vindo, porque deve estar se recuperando da noite que passou com Pamela Kaminski. — Mamãe, por favor! Já disse que foi apenas um jantar de negócios... — Lucy, Alan nunca a pedirá em casamento se deixá-lo livre como um pássaro. — É verdade, minha filha — o pai intercedeu. — Mostre a ele uma bola de ferro presa a uma corrente, e veja como ele cai de joelhos aos seus pés. — Já chega, Madden. E você, Lucy, trate de comer. Está magra demais. — Helen, o que a faz pensar que sua filha aceitará o pedido de Alan? — Hattie quis saber. — É claro que ela vai aceitar! Não vai, querida? Todos os olhos estavam fixos no rosto de Lucy. — Vamos esperar pelo pedido, está bem? — ela concluiu nervosa, baixando os olhos e fingindo comer com apetite. Mais tarde, quando chegaram em casa depois do jantar dominical na casa dos Montgomery, Lucy e Hattie permaneceram no carro e em silêncio por alguns segundos, cercadas pela escuridão da garagem. Foi Hattie quem tomou a iniciativa de falar: — Acho que vai ter de tomar uma decisão em breve, querida. — De que decisão está falando? — Daquela que envolve os homens em sua vida. Não se pode destruir uma ponte nas duas extremidades, sabe? — Hattie... — Lucy começou, parando com um suspiro cansado. — Boa noite — disse simplesmente antes de sair do automóvel. Sozinha na sala, deitou-se no sofá com o controle remoto da tevê e decidiu que, por algumas horas, esqueceria John Sterling, Alan Parish e os problemas que enfrentaria se alguém descobrisse suas mentiras. Mas era impossível negar: a maior de todas as mentiras seria continuar negando a atração existente entre ela e John. Ainda estava pensando no beijo interrompido pelo acidente com o café quente quando o telefone tocou. Devia ser Alan para contar sobre o banquete. — Alô — atendeu com falsa alegria. — Olá — Pam cumprimentou-a com tom excitado. — Adivinhe o que acabei de fazer? — Não tenho a menor idéia. Na verdade, tenho medo de perguntar. — Telefonei para John Sterling e o convidei para sair comigo. — Você o quê? Quero dizer... — Respirando fundo, tentou controlar a ira que ameaçava dominá-la. — Ele aceitou o convite? — Sim, com uma condição. Lucy tentou ignorar a onda de decepção que a invadiu. — Qual? — Ele faz questão de um encontro duplo. Nós dois, você e Alan. Não será o máximo?

CAPÍTULO VII Imóvel, Lucy ouviu um som inédito na casa de John Sterling: o do silêncio. Tranqüila, deixou a nova pasta de couro de crocodilo sobre o balcão, satisfeita por saber que dentro dela havia um disquete com todo o projeto de renovação da KidScape. Retirou o laptop de outra maleta e criou uma pequena área de trabalho sobre a mesa da cozinha. Enquanto esperava que o programa fosse carregado, pensou na situação que vivia e teve de fechar os olhos para controlar o nervosismo. Além de estar à beira da falência, o que seria inevitável se não conseguisse a conta dos Patterson, também encontrava-se muito perto de apaixonar-se por John Sterling. Era terrível! Alan acreditava que um dia se casaria com ele, os Patterson pensavam que era esposa de John, e John a considerava maternal. Suspirando, muniu-se da fita métrica e começou a tirar as medidas da cozinha. Depois inseriu os números no programa e a estrutura do cômodo surgiu na tela, plano a plano. Lucy repetiu o processo nos outros cômodos, salvando-os em arquivos separados que serviriam para alimentar o sofisticado programa que instalara no computador do escritório. Quase duas horas se passaram antes que, nervosa, finalmente se dirigisse à suíte de John, único espaço que ainda não havia medido. Um olhar para a cama foi suficiente para acender o desejo. Podia vê-lo deitado sobre as cobertas, o corpo másculo sugerindo um prazer intenso como jamais sentira. Podia imaginar as crianças correndo e se atirando nos braços do pai para ver televisão. O desejo desintegrou-se. John queria alguém que desempenhasse o papel de mãe de seus filhos, e não tinha o direito de criar fantasias eróticas com um homem que mal conhecia. Além do mais, já tinha um namorado. Estava terminando o trabalho na suíte principal quando o telefone tocou. A princípio pensou em ignorá-lo, mas decidiu atendê-lo, caso John ou Hattie a estivessem procurando. — Residência dos Sterling. — Sra. Sterling? — perguntou uma voz feminina preocupada. — Lucy Montgomery — ela respondeu, sem saber como reagir. — Oh, graças a Deus! Aqui fala Carolyn Hook, da KidScape. Estamos com um pequeno problema. — As crianças estão bem? — Lucy perguntou assustada. — Sim, mas Jamie começou um pequeno incêndio. — O quê? — Ninguém se machucou. Na verdade não houve fogo, apenas muita fumaça, mas a fuligem se espalhou e temos de fechar mais cedo para limpar a escola. — O sr. Sterling já foi avisado? — Telefonei para o número do celular, mas fui atendida pela caixa postal. Disse que tentaria encontrar a esposa dele em casa. — O quê? — Fiz algo errado? — Carolyn soava confusa. — Não — Lucy respirou fundo para acalmar-se. — Você agiu corretamente. Irei buscar as crianças agora mesmo. A caminho da escola, Lucy usou o celular para falar com o escritório de John. — Wilson Brothers, bom dia. — Susan, sou eu. Lucy Montgomery. — Oh, olá. O sr. Sterling não está. — Quando ele voltará? — Não sei ao certo. — Preciso encontrá-lo imediatamente.

— Trata-se de alguma emergência? — Não verificou a caixa postal do celular? — Não, ele mesmo faz questão de verificá-la. Assim impedimos do telefone estar ocupado enquanto falo com o serviço e... — Tudo bem, já entendi — ela cortou impaciente. — Por favor, localize o sr. Sterling e diga a ele que estou indo buscar as crianças na escola, mas tenho um compromisso importante esta tarde, e por isso ele precisa voltar para casa o mais depressa possível. Obrigada, Susan. Em seguida Lucy telefonou para o escritório dos Patterson. Melissa a atendeu com entusiasmo na voz. — Lucy, querida! Como vai? — Bem, sra. Patterson. Já conversou com Carolyn Hook? — Sim, ela me ligou logo depois do incidente. Meu marido e eu pedimos desculpas por nossos funcionários terem deixado seu enteado sozinho, mesmo que só por alguns instantes. Nessa idade, os meninos exigem vigilância constante. Afinal, acidentes acontecem, e não devemos facilitar — ela riu. Só havia uma explicação para a atitude cordata de Melissa Patterson: ela temia um processo judicial. — John e eu somos pessoas razoáveis — disse. — Estou indo buscar as crianças. Pode me dizer o que aconteceu de fato? — De acordo com Carolyn, Jamie estava ensinando os colegas a acender uma fogueira de acampamento usando apenas fricção. — Meu Deus... Sra. Patterson, acho que vamos ter de adiar nossa reunião desta tarde. Não consegui localizar John, e não posso deixar os meninos sozinhos. — Eu entendo. Acha que podemos nos encontrar no final da tarde? Monroe deixará o país amanhã e passará várias semanas fora, e queremos encerrar o processo de concorrência o mais depressa possível. A sua proposta é a única que ainda não vimos. Lucy pensou no efeito que os eventos do dia exerceriam sobre os Patterson. Seriam eles mais favoráveis a escolher sua empresa por medo de um processo? Sentia-se culpada, mas a carta enviada pelo banco era como um pesadelo a perseguila. — Sim, no final da tarde será perfeito. Posso telefonar para estabelecermos um horário mais preciso? — Sim, é claro. Espero que as crianças não tenham ficado muito perturbadas com o que aconteceu hoje. Lucy desligou e pisou fundo no acelerador. Não queria nem pensar no que podia ter acontecido se o fogo não houvesse sido contido a tempo. Carolyn Hook a recebeu na porta da escola, despenteada e completamente aturdida. Os irmãos Sterling, únicos alunos que ainda não haviam sido retirados do edifício, estavam encolhidos num canto da sala de brinquedos, encharcados e muito assustados. — Mamãe chegou — Carolyn anunciou aliviada. Lucy quase reagiu ao comentário, mas lágrimas brotaram em seus olhos quando ela viu que as roupas de Jamie estavam cobertas de fuligem. — Lucy! — ele gritou, levantando-se de um salto para ir ao encontro dela. — Sabia que viria! Depois de um abraço apertado, segurou-o com mãos trêmulas e disse: — Jamie Sterling, de onde tirou a idéia de brincar com fogo? — Sou Peter — o menino a corrigiu com voz chorosa. — Não. Você não é Peter Pan. E Jamie Sterling e fez uma coisa muito perigosa. Podia estar ferido, e podia ter machucado outras pessoas, também. — Não conte nada ao papai — ele suplicou, mergulhando em seus braços e

escondendo o rosto sujo e molhado em seu ombro. — Por favor, não conte nada ao papai! Claire e Billy também choravam, e ela os chamou para se juntarem ao abraço. — Lucy-mamãe — Billy repetia apavorado. Podia dizer adeus ao elegante conjunto de calça e túnica de crepe cor de creme. E também entendia por que nunca havia desejado ter filhos: a responsabilidade e o compromisso eram muito maiores do que estava disposta a assumir. E se essas crianças fossem dela? O que teria feito, se algo de mal houvesse acontecido a eles? Incapaz de suportar a angústia que crescia em seu peito, levantou-se e ofereceu um sorriso triste para Jamie. — Lamento, querido, mas seu pai vai ter de saber. Contaremos juntos, está bem? — Está bem — ele concordou choramingando. — Muito bem, vamos para casa. — As palavras haviam saído do nada, e provocaram um tremor tão intenso que ela quase caiu ao levantar o pequeno Billy nos braços. — Lucy-mamãe. — Não, meu bem. Apenas Lucy. — Apenas Lucy — ele repetiu. — Falda susa. Jamie segurou a outra mão de Lucy, Claire segurou a mão dele, e os quatro saíram em silêncio. John estava vistoriando uma obra quando recebeu o recado de Susan. Desesperado, abandonou o trabalho e entrou no carro, de onde telefonou para a KidScape. Carolyn Hook atendeu. — Sim, sr. Sterling, as crianças estão bem. Sua esposa acabou de sair daqui. — Minha esposa? — Sim, consegui encontrar Lucy em casa e ela veio buscar seus filhos. John pensou em corrigir a mulher, mas desistiu. Se soubesse que entregara as crianças a uma pessoa alheia à família, Carolyn entraria em pânico. Em vez disso, agradeceu e desligou apressado, concentrando-se no trânsito que, felizmente, era tranqüilo. Apesar da preocupação, pensou na mulher que mais uma vez o ajudara a superar uma crise e sorriu. Lucy Montgomery também o desejava. Não tinha a menor dúvida a respeito disso. Se pudesse tirar o tal namorado de cena, suas chances de conquistá-la seriam muito maiores. Por isso aceitara o convite de Pamela Kaminski e impusera a estranha condição. Mal podia esperar para conhecer o futuro marido de Lucy na sexta-feira à noite. Quando chegou em casa, Lucy já havia providenciado roupas limpas as crianças e organizava uma pequena sessão de ordem e limpeza, como ela chamava o ato de recolher brinquedos e outros objetos espalhados pela sala Ao notarem sua presença, os três pequenos correram ao seu encontro. Depois de abraçá-los, John dirigiu-se a Jamie com ar sério. — Que história é esta de quase ter provocado um incêndio, mocinho? — Eu estava demonstrando uma técnica que aprendi no grupo de escoteiros, e deu certo. Mas Lucy explicou que eu podia ter me ferido e machucado outras pessoas. Sinto muito, papai. — Nunca mais faça isso, ouviu bem? E nunca brinque com fósforos ou outros objetos perigosos. — Sim, senhor. Papai... Lucy foi nos buscar na escola como uma mãe de verdade!

Felizmente ela estava do outro lado da sala e não ouviu o comentário oferecido em voz baixa. Constrangido, John encarou-a e disse: — Olá. Obrigado por ter ido buscar as crianças. — Não foi nada. — Meninos, tratem de terminar a arrumação enquanto Lucy e eu conversamos — ele ordenou com firmeza. — Vai beijá-la, papai? — Jamie perguntou sorrindo. — Se eu decidir beijá-la, prometo chamá-lo, está bem? Os três afastaram-se e ele ofereceu mais um sorriso para Lucy. — Além de agradecer, quero pedir desculpas. Sei que tem coisas mais importantes para fazer além de ficar cuidando dos problemas da família Sterling. — Bem, tive de adiar uma reunião com os Patterson, mas como eles conheciam os motivos que ocasionaram o contratempo, concordaram em me receber no final da tarde. — Acha que vai conseguir vencer a concorrência? — Não sei. A competição é acirrada. — Espero que o fato de estar ligada aos meus filhos não a prejudique. — Duvido. — É mesmo? Talvez não saiba, mas... Carolyn Hook acredita que somos casados. Lucy arregalou os olhos. — Você a corrigiu? — Não. Sei que devia ter revelado a verdade, mas tive medo de assustá-la. Afinal, ela havia acabado de entregar meus filhos a uma estranha! — Ah, sim... é claro. — Conseguiu fazer alguma coisa enquanto esteve sozinha aqui em casa? — Sim, o projeto está bastante adiantado. Estarei pronta para a nossa reunião na quarta-feira. — Nervosa, ela apanhou a bolsa, a pasta e o laptop. — Deixe-me ajudá-la — John sugeriu, pousando a mão sobre a dela. — Está bem — Lucy respondeu num sussurro, olhando para as mãos unidas durante alguns segundos antes de interromper o contato. John acompanhou-a até o carro. — Já sabe que temos um compromisso na sexta-feira à noite? — Sim — ela sorriu. — Minha amiga Pam está muito impressionada com você. — Ela parece ser bastante agradável. — Pam é muito divertida. — Estou ansioso para conhecer... Adam, não é? — Alan. Tenho certeza de que vão se dar bem — ela mentiu, tentando esconder o rosto vermelho. — Deveríamos. Afinal, temos muito em comum. Lucy não respondeu. Apressada, entrou no automóvel e ligou o motor antes de abrir a janela. — Até logo. — Boa sorte com os Patterson. Até quarta-feira. Ela se despediu com um aceno e partiu. John ficou onde estava, olhando para o carro até que ele desaparecesse. Lucy chegou no escritório pouco antes do horário marcado com os Patterson. — Olá — Hattie sorriu ao vê-la. — Mais uma emergência com os Sterling? — Não comece... — O que foi desta vez? — Jamie quase incendiou a KidScape. — Oh, meu Deus! Alguém se machucou?

— Não, mas acho que a decisão dos Patterson pode ser influenciada pelo incidente. — Tem medo de que eles recusem sua proposta por causa dos prejuízos? — Não. Temo que a aceitem por medo de um processo. — Oh! — Como consigo me meter em tantas confusões, Hattie? — Lucy suspirou. — Ninguém precisa ser perfeito. — Mas eu menti, e agora estou encrencada! — Se enganar os Patterson a incomoda tanto, explique a eles que tudo não passou de um mal-entendido. E correr o risco de perder a firma e destruir seus sonhos? De jeito nenhum! A campainha soou antes que pudesse dar uma resposta à tia, e a sra. Patterson entrou exibindo roupas e cabelos impecáveis, como sempre. O sr. Patterson sorria, como sempre. — Espero que o sr. Sterling não tenha ficado muito aborrecido com os eventos de hoje — Melissa disse depois de cumprimentá-la. — Oh, não! Ele ficou... aliviado por ter encontrado os filhos inteiros. Podemos começar? Evitando o olhar de Hattie, Lucy levou o casal a sua sala e ligou o computador onde instalara o poderoso e sofisticado programa de decoração de interiores. Enquanto preparava a máquina para os dados que desenvolvera e ajeitava a tela de projeção, Hattie serviu café aromatizado e água gelada. Lucy apanhou a pasta onde guardara o disquete contendo o projeto para a KidScape e franziu a testa ao sentir a resistência dos fechos. — É nova — explicou ao casal, acionando novamente o mecanismo sem obter nenhuma resposta. Os números que formavam a combinação estavam desalinhados e, aliviada, ela os colocou na posição adequada para a abertura da pasta. Jamie havia brincado com a pasta, o que explicava a dificuldade em abri-la. Formada a combinação exata, acionou novamente os fechos metálicos e... nada! — Voltarei num minuto — disse aos Patterson, saindo da sala com a pasta na mão. — O que aconteceu? — Hattie perguntou ao vê-la na área de recepção. — Minha apresentação está nesta maldita pasta. O disquete, o resumo impresso, os gráficos, os contratos... tudo! E não consigo abri-la! — Não fez uma cópia de segurança dos arquivos no disco rígido do computador? — Não. Ridículo, não acha? — E estúpido, também. — E agora, o que farei? — Vamos ter de arrombar sua linda pasta nova — Hattie decidiu. — Como? Alan garantiu que ela é indestrutível. — Vamos reunir algumas ferramentas e testar essa suposta qualidade. Depois de quinze minutos e diversas tentativas com chaves de fenda, lixas de unha e martelos, a pasta permanecia fechada. — Vai ficar muito triste se destruirmos a pasta? — Hattie perguntou. — Claro que não! — Parece que a fechadura está cedendo. Tem uma chave de rodas no portamalas? Atordoada, ela desceu para ir apanhar o equipamento sem sequer questionar as intenções da tia. Hattie desferiu um violento golpe de chave de rodas no fecho de metal e depois encaixou a chave de fenda na pequena abertura. As dobradiças rangeram e cederam com um estalo assustador, dando acesso ao interior da pasta. — Ah, aí está! — Hattie exclamou entusiasmada.

Lucy agarrou o disquete e os papéis de que precisava para a apresentação e correu ao encontro do casal. — Aqui vamos nós — disse, diminuindo a iluminação antes que os Patterson notassem a sujeira em sua roupa Uma hora mais tarde, depois da assinatura do contrato, os Patterson fizeram um cheque referente à primeira parcela do trabalho e prepararam-se para partir. — Por favor, diga ao seu marido que lamentamos profundamente o incidente de hoje — Monroe ofereceu antes de sair. — E diga a ele que será um prazer trabalhar com você. Sozinha, Lucy deixou-se cair na cadeira atrás da escrivaninha com o cheque nas mãos, o coração inundado pela culpa. O adiantamento era mais que suficiente para cobrir o valor do empréstimo em atraso. Suspirando, fechou os olhos. Fatos são fatos... Vencera a disputada concorrência valendo-se de uma série de mentiras. Havia conseguido salvar seu negócio, mas, para isso, jogara a própria integridade pelo ralo. Como seria capaz de encarar John na quarta-feira?

CAPÍTULO VIII — Conseguiu a conta dos Patterson? — John perguntou. Lucy estava parada na porta do escritório. — S... Sim — gaguejou. Graças a você e seus filhos. — Que bom. Assim teremos algo para comemorar na sexta à noite. Combatendo a aflição provocada pela lembrança do jantar a quatro, convidou-o a entrar e preparou o equipamento para apresentar o projeto residencial. Ele estava tão perto que podia ouvir o farfalhar do tecido provocado pelos movimentos do corpo, sentir o aroma de sua loção de barba e partilhar do calor de sua pele. Perturbada, tropeçou numa fibra do carpete e ele a segurou, mantendo a mão sobre seu braço até estarem no interior da sala de reuniões. John puxou uma cadeira para sentar-se ao lado dela, perto do computador, e apesar de Lucy indicar que poderia ver melhor dos fundos da sala, afastado da tela de projeção, ele se recusou a mudar de lugar. A cada aposento que aparecia na tela, pintado, mobiliado e decorado, John emitia uma exclamação de espanto e admiração. Tensa, ela viu a suíte principal ser projetada na tela e respirou fundo, esperando pela reação dele. Havia colocado a cama sobre uma plataforma elevada de forma que ela dominasse o ambiente. Um edredom preto e verde aparecia dobrado de maneira a exibir os lençóis no mesmo padrão e os travesseiros macios. Uma estante construída em madeira na parede oposta à cama sustentava um videocassete, uma televisão, um aparelho de som e inúmeros discos e fitas. Com o auxílio da informática, ela pressionou algumas teclas e um jazz suave e sensual brotou do computador, dando a ilusão de que o som era proveniente dos auto-falantes instalados no quarto virtual. Poltronas estofadas ocupavam os espaços anteriormente vazios, junto com mesas baixas e abajures altos. — Sabia que gostaria — ele sorriu satisfeito. Lucy continuou exibindo o projeto, passando pela saleta ligada à suíte, que ela convertera numa pequena biblioteca, pelo closet, onde via-se um guarda-roupa aberto contendo peças masculinas e femininas, e o banheiro. — Gostei do armário — ele riu. — Oh, eu... Bem, você parecia preocupado com o fato do quarto ser muito masculino, e então tomei a liberdade de inserir alguns toques mais femininos. — Ficou ótimo. Acha que uma mulher gostaria de habitar esse ambiente?

Lucy fitou o rosto de traços perfeitos e teve certeza de que até Pamela Kaminski abriria mão da aversão ao casamento e do pavor de crianças por uma chance de conviver com esse homem. — Acho que não tem com que se preocupar. — E virou-se depressa. — Bem, você acabou de ver o projeto completo. — Quando pode começar a trabalhar? — Não quer saber quanto as obras vão custar? — Sim, é claro. Lucy examinou os papéis espalhados sobre a mesa e, escolhendo um deles, entregou-o a John. — Tem certeza de que fez todos os cálculos? — Sim, o orçamento está correto. Se o preço é muito maior do que tinha em mente... — Não! — ele cortou. — Trabalho com obras há tempo suficiente para saber quanto um projeto como este pode custar e os valores que está apresentando são baixos demais. Duvido que esteja ganhando alguma coisa com seu trabalho. Nervosa, fingiu arrumar a papelada sobre a mesa. Já sentia-se culpada pela fortuna que estava ganhando com os Patterson. Não seria capaz de lucrar com esse projeto, também. — Eu... estou lhe dando um desconto de cliente preferencial. — É lisonjeiro, mas não aceitaria esse tipo de redução a menos que fosse minha esposa. Por um segundo os dois trocaram um olhar silencioso. O sorriso de John era doce e tentador. — É claro que, se o valor do orçamento vier acompanhado de um pedido de casamento, serei obrigado a aceitá-lo — ele disse. — O preço ou o pedido? — ela sussurrou. John apoderou-se do controle remoto e diminuiu as luzes, aproximando-se devagar. — Tem certeza de que sua tia não vai voltar agora? — perguntou. — Sim — ela respondeu. Uma penumbra íntima os cercava. — Não há ninguém jogando discos plásticos nas imediações? — Não. — Nem bebidas quentes que podem cair a qualquer momento? — Também não. — Quer dizer que somos só nós? — Só nós. Não podia vê-lo, mas sentiu a respiração quente em seu rosto um instante antes dos lábios se encontrarem. John segurou-a pela cintura e a fez sentar-se sobre seus joelhos, deslizando as mãos por suas costas numa seqüência de carícias sensuais. Incapaz de conter-se, Lucy inclinou o corpo em sua direção e abraçou-o, correspondendo ao beijo com ardor. As mãos passearam pela parte frontal de sua blusa e ela prendeu o fôlego ao sentir os dedos pousarem sobre seus seios. A respiração dele era ofegante, e cada gemido era como um sopro incandescente sobre sua pele sensível. Quando se deu conta, Lucy havia mudado de posição e estava de frente para ele, sentada sobre as pernas musculosas que a sustentavam. Tomada pela paixão, abriu a própria blusa e convidou-o a explorar seu corpo com as mãos e os lábios, ansiando pelo prazer com que havia sonhado desde que o conhecera. Em segundos John encontrou o fecho do sutiã e conseguiu tocá-la como desejava, acariciando-a enquanto beijava seus lábios como se quisesse devorá-la. Lucy jamais havia experimentado sensações tão intensas e envolventes. Sentia-

se viva, em brasa, desejável e atraente. John inclinou-se para beijar um de seus seios e seu gemido rouco coincidiu com as batidas na porta. Lucy ergueu as costas e arregalou os olhos. O pânico a invadiu e a realidade impôs-se. A enormidade da indiscrição que acabara de cometer a fez levantar-se de um salto enquanto lutava com os botões da blusa. — Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! — repetia, acendendo as luzes para se vestir mais depressa. John piscou para adaptar-se à luminosidade intensa e suspirou frustrado. — Por acaso estamos sendo vítimas de alguma conspiração? — Lucy! — A voz de Alan soou baixa e polida do outro lado da porta. — Oh, Deus... Se é uma conspiração, meu namorado faz parte dela! — Que maravilha... — ele resmungou. Depois de ajeitar as roupas e limpar o batom que deixara nos lábios de John com movimentos bruscos e apressados, ela foi abrir a porta. — Espere! — ele pediu num sussurro. — O que foi? John apontou para o próprio corpo, onde o desejo ainda se fazia presente em forma de um inconveniente e revelador volume sob a calça de corte moderno. — Dê um jeito nisso! — Lucy exigiu nervosa. — O que quer que eu faça? Não posso dizer abracadabra e fazê-la ir embora. — Lucy? — Alan insistiu do outro lado da porta. — Só um minuto, por favor — ela pediu cautelosa. — Estamos terminando uma apresentação. — Virou-se para John. — Faça alguma coisa! — Preciso parar de pensar em você para me livrar disto, e não posso parar de pensar enquanto posso vê-la na minha frente. — Levantou-se, tornando o volume ainda mais evidente. — Na verdade, não consigo parar de pensar em você de jeito nenhum. — John, fique onde está! Tremendo, ela saiu da sala e fechou a porta. Alan estava parado no corredor, as mãos nos bolsos da calça de grife, os olhos fixos numa escultura sobre a mesa de canto ao lado do sofá. Culpa e tristeza se misturaram no coração de Lucy quando ele se virou e sorriu. Alan, sempre confiável e previsível. — Olá — ele cumprimentou enquanto aproximava-se. — Olá — respondeu, oferecendo o rosto para um beijo. — Perfume novo? — Oh, eu... Bem, meu cliente está usando tanta colônia que impregnou todo o escritório. Tenho a impressão de que vou sufocar com tanto perfume. — Desculpe ter interrompido seu trabalho. Hattie não estava na recepção, e não imaginei que pudesse estar com clientes. São os Patterson? — Não, é... — E parou, ouvindo a porta da sala se abrir às suas costas. Virandose, viu que John aproximava-se e, felizmente, parecia ter conseguido parar de pensar nela. — Olá — ele cumprimentou, estendendo a mão para Alan. — Sou John Sterling. — Alan Parish. Os dois estudaram-se por alguns instantes, e Alan foi o primeiro a vencer o momento de desconforto. — Soube que está interessado em Pam, a amiga de Lucy. — Savannah está repleta de mulheres interessantes. — Lucy disse que tem três filhos? — Exatamente. Uma de nove, um de seis e um de três anos. Alan emitiu um assobio admirado. — Deve ser trabalhoso. — Mas muito gratificante.

Lucy decidiu que era hora de interferir. — Alan, veio me procurar por alguma razão especial? — Vim convidá-la para almoçar comigo. — Seria ótimo, mas John e eu ainda temos de assinar alguns papéis antes de concluirmos a reunião. Alan olhou para John e sorriu: — Eu espero. — Hattie deve voltar dentro de alguns minutos, e então poderemos sair. Pode esperar no meu escritório, se quiser. Os homens encararam-se por alguns instantes, e depois Alan inclinou a cabeça num cumprimento formal. — Sterling... — Até logo, Parish. Lucy virou-se e caminhou de volta à sala de reuniões, incomodada com o sutiã aberto sob a blusa. Que diabos estava fazendo, comportando-se como uma mulher leviana e desleal? — Parece ser um bom rapaz — John observou ao fechar a porta da sala. — Alan não merece o que fiz com ele. — Lucy, você não tem o dever de dedicar a ele devoção eterna, a não ser que o ame. — E quem disse que não amo meu namorado? — A menos que esteja enganado, você disse... com a boca, as mãos e o corpo. — O fato de me sentir fisicamente atraída por você não significa que não ame Alan. — Não precisa fazer tantos rodeios. Está apaixonada pelo sujeito, ou não? A lealdade por Alan cresceu como um balão em seu peito. — Sim, eu o amo. — Perguntei se está apaixonada por ele. — Não acha que este assunto só interessa a mim e ao meu namorado? John aproximou-se até quase roçar os lábios nos dela, e então retrocedeu. — Não se sou eu quem está entre vocês. Em silêncio, Lucy o viu assinar o contrato e redigir um bilhete no final da última página. — Até sexta-feira — ele despediu-se antes de sair da sala. Em silêncio, respirando com dificuldade, desesperada para recuperar um mínimo de normalidade, ela ficou onde estava até ter certeza de que John Sterling deixara o edifício. Então recolheu os papéis espalhados sobre a mesa, guardou a chave que ele havia deixado e leu o bilhete no final do contrato. Com a infeliz ausência de um pedido de casamento, o valor deverá ser exatamente o dobro do estabelecido neste documento. Assinado, John Sterling. Na quinta-feira Lucy tentava concentrar-se no trabalho, mas algo a deixava inquieta e irritada, como se estivesse prestes a contrair uma gripe. Vinte e quatro horas depois de ter sentido os lábios e as mãos de Sterling em seu corpo, ainda guardava na memória as impressões deixadas por aqueles momentos de paixão. — Lucy? — Hattie chamou da porta da sala com ar preocupado. — Está sentindo alguma coisa, meu bem? — Não. Por quê? — Por nada. Não tinha marcado um encontro com a costureira esta manhã na casa de Sterling? — Oh, meu Deus! Ela já deve ter chegado há meia hora — exclamou assustada, levantando-se enquanto consultava o relógio. — Se ela telefonar, diga que estou a caminho.

Um congestionamento e um acidente de trânsito a atrasaram ainda mais, e quando conseguiu finalmente parar na garagem da casa de John, a mulher que faria as cortinas já havia partido. Ela ligou para o celular para marcar um novo encontro dentro de duas horas e, conformada, Lucy ficou sentada atrás do volante, olhando para a construção imponente. Já que estava ali, podia aproveitar para medir as janelas do segundo andar e adiantar o trabalho. Ao abrir a porta com a cópia da chave, pensou que a televisão ou o aparelho de som houvessem sido esquecidos ligados, mas em seguida identificou a voz de John além da porta aberta do escritório. Assustada, pensou em fugir enquanto podia, mas então ele surgiu na soleira com o telefone móvel entre o ombro e a orelha, as mãos cheias de papéis. John usava apenas a calça do pijama... e mais nada. Ele sorriu ao vê-la e fez um gesto indicando que estava prestes a desligar. Resignada, voltou à sala íntima enquanto tentava controlar o fluxo de adrenalina que a inundava. O melhor a fazer era ocupar-se com o trabalho. Estava lidando com as ferramentas de medir quando John apareceu a seu lado. — Que bela surpresa! — Oh, eu... devia ter vindo encontrar a costureira que fará as cortinas, mas acabei me atrasando, e então pensei em aproveitar para adiantar as medidas das janelas. Se soubesse que estava em casa, teria batido antes de entrar. — Bobagem! Se quisesse privacidade, não teria deixado uma cópia da chave com você. Pode vir quando julgar necessário... ou conveniente. Mas saiba que corre o risco de encontrar-me... à vontade. — Afinal, por que está em casa? — perguntou, fingindo ignorar o comentário. — Estou tentando resolver uma pequena emergência. Recebi um telefonema às cinco da manhã e estou trabalhando desde então. — Quem levou as crianças para a escola? — A sra. Harris chegou para limpar a casa quando eu estava começando a me vestir e se ofereceu para levá-los. — Ah! E... conseguiu resolver o problema? — Sim — ele sorriu satisfeito. — Que bom. O silêncio prolongou-se por alguns instantes, e em seguida os dois falaram ao mesmo tempo. — Quanto ao que aconteceu ontem... — ela começou. — Precisamos conversar — John indicou. — Você primeiro, por favor. Ele se adiantou e segurou as mãos dela. — Tem de admitir que há algo acontecendo entre nós. — Não sei do que está falando. — Não? No instante seguinte os lábios tocaram os dela e Lucy soube que estava perdida. Fizeram amor no tapete da sala como dois adolescentes, dominados pelos hormônios e pela necessidade de satisfazer uma ânsia tão profunda que podia enlouquecê-los. Depois de um clímax violento e intenso, ficaram deitados lado a lado até que a realidade se infiltrasse no sonho. Lucy tentou se mover, pensando na enormidade do que haviam acabado de fazer. — John... Temos de nos levantar. Franzindo a testa numa expressão confusa provocada pelo tom tenso, ele a encarou: — Qual é o problema? — Qual é o problema? Acabamos de fazer sexo! — Pode me chamar de antiquado, mas prefiro dizer que fizemos amor. — Amor? Não, John. O que fizemos foi algo bem diferente que não devia ter

acontecido, e jamais se repetirá. — E quanto a Parish? — Espero que seja um cavalheiro e mantenha essa... indiscrição entre nós. Não há necessidade de ferir Alan. E espero que isso não prejudique nosso acordo de trabalho. Ele ficou em silêncio, estudando-a com expressão intensa. Perturbada, Lucy recolheu as roupas espalhadas pelo chão e as apertou contra o corpo, tentando conter a mistura de medo e vergonha que a invadia. Incapaz de suportar o silêncio, disse: — John, preciso ter certeza de que não vai dizer nada a Alan. Ele se levantou e vestiu a calça do pijama. — O que está dizendo? — disparou com sarcasmo. — Não aconteceu nada aqui. Absolutamente nada. — E dirigiu-se à escada. — Com licença. Preciso tomar banho e vestir-me para ir ao escritório. Lucy o viu desaparecer além dos degraus e foi tomada de assalto por uma terrível sensação de perda. — John, está ainda mais lindo do que me lembrava! — Pam comentou sorrindo. — Pois eu não havia me esquecido de como é encantadora — ele devolveu com desenvoltura, apesar da mente e o coração estarem completamente tomados pela imagem de Lucy Montgomery. Sentia-se confortável flertando com Pamela Kaminski porque não tinha nada a perder. Odiava a perspectiva de passar a noite testemunhando o romance entre Lucy e Alan, mas havia decidido que a única forma de tirá-la da cabeça seria enfrentar a realidade. O trajeto até o restaurante foi agradável, ocupado pelos comentários divertidos e picantes de Pamela sobre alguns moradores ilustres da pequena cidade. Quando entraram no estabelecimento, Alan e Lucy já esperavam no bar, conversando e sorrindo um para o outro. Ao vê-lo, o sorriso tremeu em seus lábios mas ela logo recuperou-se, levantando a mão para um aceno rápido. John respirou fundo e guiou Pam na direção do casal. As mulheres abraçaram-se e os homens trocaram um aperto de mão frio e reservado. A expressão de Lucy era indecifrável, mas ela parecia confortável nos braços do rapaz. Alan era um homem de excelente aparência, com cabelos e dentes perfeitos como os de um modelo fotográfico. Fizera algumas investigações a respeito da vida do sujeito, e agora sabia que, além de jovem e bonito, ele também era rico, bem-sucedido, solteiro e sem filhos. O que podia esperar de uma disputa tão desigual? Não tinha a menor chance com Lucy Montgomery. Mas, ao encará-la, notou que ela também o observava e aproveitou que Pam e Alan observavam alguém do outro lado do salão para aproximar-se. — Tem trabalhado muito? — perguntou. — Sim — ela respondeu, baixando os olhos para o copo que mantinha entre as mãos. — Estou muito envolvida com o projeto dos Patterson. As crianças estão bem? — Sim. Minha irmã Cleo virá de Atlanta amanhã para levar Claire às compras. — Ela disse alguma coisa a respeito do assunto. — Preciso comprar algumas coisas para os meninos, também. — Crianças representam gastos constantes — ela sorriu. Parecia completamente à vontade. Teria o hábito de envolver-se em romances clandestinos e breves? Não acreditava nessa possibilidade, mas era evidente que não ficara tão abalada quanto ele com o episódio. Um garçom aproximou-se para levá-los à mesa e John tratou de ocupar uma posição estratégica à frente de Alan, com Lucy à esquerda e Pamela à direita. — E então, Sterling? — Alan perguntou assim que pediram o aperitivo. — Quem

ficou com as crianças? — Uma babá. — Aposto que seus filhos são adoráveis — Pamela comentou sorrindo. — Não sei se sou a pessoa mais indicada para falar sobre eles. Os pais são sempre suspeitos. — Lucy e eu não pretendemos ter filhos — Alan indicou. — É mesmo? Não sabiam que eram noivos. — Não somos, mas um dia nos casaremos — ele explicou, segurando a mão dela com ar possessivo. — Bem, algumas pessoas não nasceram para a responsabilidade de criar filhos. — Não se trata de capacidade, mas de preferência. Há uma grande diferença. — De qualquer maneira, a paternidade não é para qualquer um — John insistiu sorrindo. — Eu não a trocaria por nada no mundo. Uma amante pode passar por sua vida, mas os filhos são para sempre. — Sim, para sempre — Alan riu, buscando o apoio de Lucy e Pamela. — É exatamente isto que estou tentando dizer. — Entendo. Algumas pessoas são incapazes de assumir compromissos. Alan empalideceu, mas a chegada dos aperitivos o impediu de responder. Todos fizeram os pedidos, menos Lucy, que olhava para o cardápio como se não o compreendesse. — Não sei... — ela hesitava. Alan e John falaram ao mesmo tempo. — Tente a massa gelada. — Experimente o frango grelhado. Alan encarou John por cima da mesa com expressão hostil. — É evidente que não conhece Lucy. Ela não costuma comer carne. — Não, eu não a conheço, mas sei que ela gosta de frango. O ar de acusação com que Alan fitou-a indicou que ele já havia escutado alguma versão sobre o piquenique no parque. — Vou querer o macarrão ao molho de frango — ela pediu. Alan estranhou, mas virou-se para Pamela e apontou para o extremo oposto do salão. — Pamela, aquele não é Charles Browden? Virando-se discretamente para olhar na direção apontada, ela fez um movimento afirmativo com a cabeça. — Sim, e ele está com Evelyn, sua esposa. Encontrei uma casa maravilhosa para a filha mais velha dos Browden há alguns meses. Presente do papai, é claro. — Que tal apresentar-me a ele? — Por que não? No instante seguinte os dois afastavam-se e John e Lucy ficavam sozinhos. — Bem — ele sorriu, erguendo o copo para um brinde. — Ao frango! — Está disposto a meter-me em confusão, não é? — Se não contou tudo sobre o nosso piquenique, duvido que tenha mencionado... — John! — Srta. Montgomery! Que prazer! — uma voz feminina exclamou. — Sr. e sra. Patterson — ela cumprimentou com um sorriso apagado. John virou-se para o casal elegante e sorridente. — Savannah é um lugar pequeno, mas parece que nos encontramos em todos os lugares! Pálida, Lucy continuou sorrindo com dificuldade. — Este deve ser John! Ele é tão parecido com Jamie! John levantou-se e apertou a mão de Melissa.

— John Sterling. — Como vai? Sou Melissa Patterson. Deve ter orgulho de sua esposa, sr. Sterling. — Minha... esposa? — Meu marido e eu estamos impressionados com o talento e a competência profissional de Lucy. E quanto a ter assumido três crianças... — Dissemos a ela que o fato de ter experiência com crianças a colocava em posição vantajosa na concorrência — Monroe comentou. John sorriu, tentando esconder a fúria que borbulhava em seu coração. Então ela fingira ser a madrasta de seus filhos para vencer a concorrência! — Espero que Lucy tenha dito como lamentamos o incidente com seu filho em uma de nossas unidades — Melissa ofereceu. — Oh, sim! Minha esposa sempre me conta tudo. — Bem, foi um prazer conhecê-lo, sr. Sterling. Vocês formam um casal encantador! — Obrigado — John respondeu por entre os dentes. Assim que os Patterson se afastaram, ele se virou para Lucy com ar furioso. Ela permanecia de cabeça baixa, o guardanapo sobre a boca como se temesse passar mal. — O mínimo que pode fazer é olhar para mim! — ele disparou, retomando seu lugar à mesa. — Esteve usando meus filhos para conquistar a confiança dos Patterson! Lucy abaixou o guardanapo e abriu a boca, mas nenhum som brotou de sua garganta. — Pode me entregar o prêmio de idiota do ano! — ele riu com amargura. — Cheguei a me convencer de que gostava de nós, embora não conseguisse entender por que. — John, eu sinto muito por tudo e... saberei entender se quiser cancelar nosso contrato. Negócios... Era só nisso que ela pensava! Não havia uma única célula maternal em todo seu corpo. — Bem, pelo menos agora compreendo porque mereci um desconto tão generoso. — John... Alan e Pamela estavam voltando à mesa. Ele se mostrava tão satisfeito com a conversa com Charles Browden, que nem notou a mudança no humor de Lucy. Mas John notou o olhar desconfiado de Pamela antes de ela perguntar: — Está se sentindo bem, querida? Lucy tossiu no guardanapo e respondeu: — Meu estômago está um pouco enjoado, só isso. — Você também não parece muito bem, John. — Infelizmente, Lucy e eu engolimos um bocado bem amargo enquanto estavam ausentes. De repente Lucy levantou-se de um salto e correu para o banheiro.

CAPÍTULO IX Lucy estava deitada na cama olhando para o ventilador no teto, esperando que a monotonia do movimento a fizesse adormecer. A culpa e a vergonha haviam se tornado pior com o passar da noite. John fora cordial com Pamela, a quem dedicara toda sua atenção, e ela tivera de contentar-se

em ouvir a estratégia que Alan criava para obter a conta de Charles Browden. Por volta das cinco da madrugada ela conseguiu dormir, e foi o som do telefone que a acordou no final da manhã. Sentando-se de um salto, consultou o relógio digital enquanto estendia a mão para o aparelho. Dez e meia. — Alô? — Lucy? — Claire parecia ofegante. — Sim, sou eu. Algum problema? A menina começou a chorar. — Tia Cleo não virá para me levar às compras, e preciso de roupas novas para ir à escola na segunda-feira. Pode me ajudar? Papai não sabe comprar coisas de mulher. — Claire, seu pai sabe que ligou para mim? — Não. Não queria magoá-lo. — Está sendo uma filha generosa, mas é melhor chamá-lo ao telefone. — Está bem, espere um minuto. Preparando-se para ouvir a voz profunda de Sterling do outro lado da linha, Lucy respirou fundo. — Alô — ele disse com tom seco. — John, sou eu, Lucy. — Lamento que minha filha a tenha incomodado. Pode voltar... ao que estava fazendo. — John, escute! Claire disse que sua irmã não virá de Atlanta... — Ela teve um problema no trabalho. — Claire estava ansiosa para ir comprar as roupas novas para a escola. — Cuidarei disso da melhor forma possível. — Ouça... — ela começou hesitante. — Estou satisfeita por ela ter ligado. Precisava mesmo conversar com você. — Se for sobre a casa, pode continuar usando sua chave... — Não é sobre a casa. E sobre a situação com os Patterson. Por favor, acredite em mim. Não fabriquei uma mentira elaborada para convencê-los de que sou sua esposa e madrasta das crianças. Eles simplesmente deduziram e... Bem, naquele momento pensei ter um bom motivo para deixar de corrigi-los. Precisava da conta. Mas agora... Agora percebo que fui insensata, egoísta e desonesta. Sinto muito se o embaracei, John. — É neste ponto que devo dizer que eu a perdôo? — Não. Não estou pedindo para perdoar-me. Só queria que soubesse o que sinto a respeito do que aconteceu. E quanto ao telefonema de Claire, será um prazer levá-la às compras... se você não se importar. John respirou fundo. — Lucy, acho que não percebeu como meus filhos estão apegados a você. Não quero que eles sofram mais do que já sofrerão. — Entendo. Mas Claire precisa de roupas novas. Sabe como são as meninas na idade dela... — Não, eu não sei, mas estou tentando entender. — Mas eu sei, porque já fui como Claire. Deixe-me ajudá-la. — Não sei... — É o mínimo que posso fazer nas atuais circunstâncias. Vou tomar uma ducha e encontrarei vocês na porta do shopping em... meia hora? Ele suspirou. — Quarenta e cinco. Billy e eu estamos enfrentando o penico novamente esta manhã. Quando desligou o telefone, Lucy sentia-se um pouco mais animada. Talvez pudesse reparar parte do dano que causara.

Quando saiu do banho, o telefone estava tocando novamente. — Alô? — Olá, querida! — a voz de Alan soou melodiosa. — Bom dia — Lucy respondeu enquanto tentava engolir a culpa. — Felizmente a encontrei antes de sair. Sente-se melhor? — Sim, muito. — Ótimo. Que tal jantarmos no Tybee esta noite? — Sim, é claro. — Irei buscá-la às seis. — Estarei esperando — ela respondeu antes de desligar, ansiosa para terminar de vestir-se. Os Sterling chegaram dez minutos depois da hora marcada, e a entrada ruidosa do grupo a fez sorrir. Jamie parecia nu sem a inseparável toalha preta amarrada ao pescoço. — Decidiu manter os pés no chão hoje? — Lucy perguntou. — Papai não me deixou usá-la. — Oh, ele deve ter bons motivos para isto! — Ao ver John aproximar-se, ela o encarou e sorriu. — Olá. — Como vai? — Lucy-mamãe! — Billy exclamou com um sorriso encantador. Ela evitou os olhos de John ao corrigi-lo. — Apenas Lucy, querido. — Apenas Lucy — ele repetiu. — Bom dia, Lucy — Claire a cumprimentou com ar tímido. — Como vai, meu bem? Pronta para gastar algum dinheiro? — Oh, sim! Papai me deu o cartão de crédito. — Ei, isso é maravilhoso! — E olhou para John. — Há algo que devemos procurar em especial? — Não. Confio no seu bom senso — ele respondeu com relutância evidente. — São onze e meia. Acha que podem nos encontrar na praça de alimentação às duas da tarde para o almoço? — Certamente. Lucy e Claire seguiram numa direção, enquanto John e os meninos caminharam para o lado oposto. Escolher as roupas para a garota foi uma prova de paciência. Tímida, Claire recusava-se a escolher ou opinar, e Lucy teve de fazer todo o trabalho sozinha. Depois de uma hora e meia na seção juvenil de uma grande loja de departamentos, finalmente conseguiram encher cinco sacolas. — Adorei tudo que compramos! — Claire comentou entusiasmada. — E você, mamãe? Percebendo o deslize, a menina abaixou a cabeça e lutou contra as lágrimas que brotaram em seus olhos. — Ei, não precisa ficar tão perturbada. — Eu esqueci... — Tudo bem, querida. Não é fácil superar a perda de alguém tão querido. Sua mãe costumava levá-la para fazer compras? — Sim, às vezes. — É uma pena que ela não possa ver como você ficou bonita e inteligente. Tenho certeza de que ficaria orgulhosa da filha. — Papai sempre diz que sou parecida com ela. — Então sua mãe deve ter sido muito bonita. — Papai quer encontrar uma nova mãe para nós. O coração de Lucy deu um salto.

— Ele disse isso? Claire fez um movimento afirmativo com a cabeça. — E acho que ele quer que você seja nossa nova mãe. — Deve ter havido alguma confusão, Claire. Seu pai encontrará uma mulher com queira se casar algum dia, mas não serei eu. — Não a culpo por não querer ser nossa mãe. Somos muito turbulentos. Engolindo o nó que se formava em sua garganta, Lucy levou Claire para um banco onde as duas sentaram-se. — Escute, é difícil explicar. Não é que não queira ser sua mãe, mas acho que não faria um bom trabalho sendo mãe de alguém. Consegue entender? — Acho que sim. — E vocês não são turbulentos. Tenho certeza de que existem milhares de mulheres que ficariam muito felizes com o papel de mãe de um trio tão adorável. — Espero que sim. — Claire suspirou. — Não sou uma grande cozinheira. Lucy riu e consultou o relógio. — E melhor corrermos, ou não terminaremos as compras antes das duas. Lucy limitou-se a olhar para a jóia com a boca aberta e os olhos arregalados. — Lucy Montgomery — ele sussurrou, colocando o anel em seu dedo. — Quer se casar comigo? Ainda estava admirando o brilho da pedra quando o rosto de John surgiu em sua mente. A voz de Claire parecia ecoar na noite estrelada. Papai quer encontrar uma nova mãe para nós. Não queria um pacote fechado. Queria um homem para amar, não alguém desesperado por ajuda. E mesmo que John pudesse amá-la, não estava preparada para assumir uma família. Lucy encarou Alan e viu o amor estampado em seus olhos. Sem esforço, pronunciou as palavras que ensaiara centenas de vezes diante do espelho. — Sim, Alan Parish, eu quero me casar com você. Mais tarde, depois de um beijo apaixonado e um longo passeio pela praia enluarada, Alan comentou: — Acho que devia telefonar para o seu amigo John e agradecer a ele por este momento de felicidade. — John? O que ele tem a ver com isso? — Não sou cego. Sei quando um homem está interessado em você. Além do mais, ontem ele disse algo sobre assumir compromissos que me fez pensar. Hoje, a primeira coisa que fiz quando acordei foi telefonar para um joalheiro. Lucy ofereceu um sorriso pálido. — Tem alguma preferência quanto à data do nosso casamento? — Não, desde que seja em breve. O mais depressa possível — ela respondeu. — Oh, não imagina como estou feliz! — Helen exclamou com os olhos cheios de lágrimas, os braços em torno dos ombros da filha. — Deixe-me ver o anel! — e inspecionou o diamante com um sorriso satisfeito. — Parece ter um quilate e meio. O que acha, Madden? — Acho que o preço da pedra não é da nossa conta, Helen. — Que tal uma cerimônia na primavera, querida? Amanhã mesmo tentarei reservar o quarteto de cordas que tocou no casamento de Margaret Fitch. Lembra-se das pequenas tortas de siri que eles serviram? — Mamãe, odeio desapontá-la, mas Alan e eu decidimos nos casar em breve numa pequena capela. — Em breve? Quando? — Dentro de três semanas.

— O quê? — Helen gritou, levando as mãos ao peito como se fosse sufocar. — É impossível organizar um casamento em três semanas, Lucy! — Alan e eu examinamos nossas agendas de trabalho e decidimos que esse será o melhor período para nós. — Onde passarão a lua-de-mel? — Na praia de Fort Myers. — Ridículo! — Helen exclamou com uma careta de desprezo. — Alan tem dinheiro suficiente para arcar com as despesas de uma viagem ao Havaí, ou uma turnê pela Europa. — Que importância tem a viagem de lua-de-mel? — Hattie interferiu. — Um casal só precisa de uma cama e um controle remoto. Helen lançou um olhar aborrecido na direção da irmã enquanto Lucy, embaraçada, tentava conter o riso. Sem se importar com a reação que provocara, Hattie prosseguiu: — No caso de Alan, acho que o controle remoto será suficiente. — Comporte-se! — Lucy sussurrou com tom divertido. O jantar de domingo foi ainda mais aborrecido do que de costume. Helen passou a noite toda fazendo sugestões grandiosas, enquanto Lucy recusava cada uma delas com impaciência crescente. À certa altura, a mãe desapontada disparou: — Pelo menos serei convidada? — É claro que sim, mamãe! Escute, tenho uma idéia. Por que não nos encontramos amanhã cedo? Iremos escolher os convites e depois almoçaremos juntas. Sem outra alternativa, a sra. Montgomery aceitou o prêmio de consolação. Mais tarde, o pai de Lucy acompanhou-a até lá fora enquanto esperavam por Hattie. — Vai dar um grande passo, querida. Sente-se pronta para isso? Ela assentiu em silêncio. A experiência com a família de John Sterling servira para fazê-la compreender que sua vida pessoal atingira um impasse. Era hora de seguir em frente. — Papai, sempre quis ter filhos? — Acho que sim. — Alguma vez se arrependeu por isso? — Nunca! — Madden abraçou-a. Durante o trajeto de volta para casa Hattie se mostrou silenciosa, os olhos fixos nas mãos unidas sobre as pernas. Depois dos primeiros quilômetros Lucy não suportou o silêncio tenso e perguntou: — O que foi? Os olhos de Hattie abriram-se numa expressão inocente. — Desembuche! — Lucy insistiu. — Não disse mais do que três ou quatro palavras desde que comuniquei minha decisão. — Oh, estava só imaginando o que seu John Sterling pensa sobre o casamento. — Ele não é meu John Sterling, e a opinião dele não importa. — Ainda não contou a John, não é? — Alan fez o pedido ontem à noite. Além do mais, depois da maneira suja como usei os filhos dele, tenho certeza de que a resposta seria... "boa sorte". — Contou a John que só enganou os Patterson porque estava à beira da falência? — Como sabe disso? — Sei quanto dinheiro é necessário para manter aquele escritório, e você não estava ganhando o suficiente para cuidar dos negócios e pagar o empréstimo no banco.

— Acha que agi mal? — Bem, algumas de suas decisões são questionáveis, mas o programa de computador foi um excelente investimento. Sem ele, duvido que tivesse conquistado a conta dos Patterson. — Não, Hattie. Só consegui participar da concorrência e vencê-la graças aos Sterling. — O que nos remete às decisões questionáveis. — Tem razão. Se pudesse voltar no tempo, jamais teria permitido que os Patterson me considerassem uma super mãe. — Lucy — Hattie suspirou impaciente —, estou falando sobre seu casamento com Alan. — Oh, não! Já discutimos esse assunto e... — E eu não estaria insistindo se acreditasse que pode ser feliz com Parish. — Não pareço feliz? — Não. O fato é que está mais apegada àquelas crianças do que quer admitir. O medo cresceu como um cogumelo gigante em seu peito. — Deve estar imaginando coisas, Hattie. Nunca... nunca quis ter filhos. — Porque nunca encontrou um homem com desejasse tê-los. — John não me ama — Lucy insistiu desesperada, tentando desprezar as emoções confusas que a tomavam de assalto. — Ele está atraído por mim, mas procura uma mulher que possa ser mãe de seus filhos em tempo integral. Ao menos sei que Alan me ama, e com ele posso ser autêntica. — Se tem certeza... Respirando fundo, Lucy tentou injetar mais firmeza na voz: — Tenho certeza. — Bem, esperava que Torry chegasse a tempo de testemunhar seu casamento, mas nem com todo o otimismo sou capaz de imaginá-lo aqui em três semanas. — Quer dizer que recebeu notícias dele? — Sim. — Está falando sério? — Ele falou comigo num sonho ontem à noite, e disse que logo estaremos juntos. — Oh! Que bom... Hattie uniu as mãos num gesto esperançoso. — Lucy, esse é o tipo de amor que desejo para você. Um amor eterno e inquestionável. — Já tomei minha decisão. — Sim, já fez sua cama... mas ainda tem tempo para decidir com quem vai se deitar nela.

CAPÍTULO X As tardes de sexta-feira costumavam ser calmas no escritório. Havia acabado de deixar a bolsa sobre a mesa e ligar o computador quando o telefone tocou. — Montgomery Decoração de Interiores. — Srta. Montgomery? Meu nome é Mary Avondale, e sou enfermeira da escola Brookwood. Estou com uma aluna chamada Claire Sterling, e ela insiste em lhe falar. Diz que é urgente. — Ponha-a na linha. — Lucy? — Claire parecia assustada.

— O que aconteceu, querida? — Pode vir me buscar? Estou muito doente. — O que você tem? — Não posso falar por telefone, mas... é muito grave. Preciso de você. — Já telefonou para o seu pai? — Não! Ele não pode saber. Prometa que virá, por favor. — Está bem, irei o mais depressa possível. Peça para a srta. Avondale voltar ao telefone, sim? A enfermeira a atendeu em seguida. — Sim, srta. Montgomery? — Sabe o que está acontecendo com Claire? — Não. Ela afirma que só falará quando a senhorita chegar. Assustada, Lucy anotou o endereço da escola e saiu. Minutos depois encontrava a menina sentada num banco da enfermaria, o rosto congestionado e os olhos vermelhos e lacrimejantes. — Lucy! — ela exclamou ao vê-la. — Sabia que viria... — Correu para abraçá-la. — O que aconteceu, meu bem? — Estou grávida! Lucy quase engoliu a própria língua. Respirando fundo, conteve-se e impediu que o pânico se estampasse em seu rosto. — Claire, algum menino a tocou em partes mais... íntimas? Ela franziu a testa, completamente confusa. — É claro que não! — Por que acha que está grávida? — Meu corpo dói. Stacy Whetter me contou que foi assim que a irmã dela descobriu que estava grávida. Oh, Lucy, não quero ter um bebê! — Acalme-se, querida. Você não está grávida. — Não? Sorrindo, Lucy balançou a cabeça. — Não. No entanto, desconfio de que está começando a desenvolver... seios. Por isso sente dores. Por acaso tem sutiãs? — Não. — Então, teremos de providenciar alguns. Falta uma hora para o final da sua aula. Vou ver se posso tirá-la da escola mais cedo. Como era esperado, a diretora não autorizou a saída de Claire com uma pessoa alheia à família, e por isso Lucy telefonou para o escritório de John. — Desculpe, incomodá-lo, mas Claire me ligou e pediu que eu visse até a escola. — O que aconteceu? — ele perguntou assustado. — Bem, nada urgente — Baixou a voz para que ninguém a ouvisse. — Sua garotinha está desenvolvendo seios, e ficou tão assustada que pensou estar grávida. — O quê? — Você ouviu. — Acho que não, porque tive a impressão de que usou as palavras garotinha, seios e grávida na mesma frase. — Já falou com Claire sobre as flores e as abelhas? — Ela só tem nove anos de idade! — E será capaz de conceber uma criança dentro de mais três. — Aaagggh! Não diga isso! — Lamento ser portadora de notícias tão assustadoras! — ela riu. — Já que estou aqui, pensei em levá-la para comprar algumas peças íntimas necessárias. Isto é, a menos que prefira cuidar de tudo sozinho. — Não! Quero dizer, acho que ela vai preferir uma companhia feminina. — Era o que eu imaginava. Pode falar com a diretora e autorizar a saída de

Claire uma hora mais cedo? Prometo que a deixarei em casa daqui a duas horas. — Sim, é claro. Oh, e Lucy... — O que é? — Obrigado. Confuso, John abriu a gaveta da escrivaninha e examinou a foto dos cinco na praça de alimentação do shopping. Ele e Lucy trocavam um olhar intenso, e os três filhos olhavam para eles. Era uma linda imagem. Rangendo os dentes, obrigou-se a lembrar que ela usara as crianças para conquistar um contrato importante. Nunca estivera ligada a ele e a sua família, apenas fingira. Ou não? Podia ser um grande trapalhão, mas deitara-se com um bom número de mulheres, e sabia quando uma delas correspondia ao seu desejo. Suspirando, levantou-se e caminhou pela sala, sem disposição para estudar a papelada referente ao novo hotel ao lado do aeroporto. Lucy Montgomery iria à sua casa dentro de algumas horas, e a perspectiva o deixava inquieto. Mal podia esperar para vê-la. — Você é patético, Sterling — resmungou. Susan entrou na sala brandindo um jornal. — Estou querendo mostrar algo a você desde hoje cedo, mas só lembrei quando Lucy Montgomery telefonou. Aqui está. Bela foto, não? John sentiu o ar escapar dos pulmões. Sob o rosto sorridente de Lucy, um texto breve informava: Montgomery e Parish anunciam matrimônio. Claire seguia silenciosa no banco do passageiro, carregando a sacola com meia dúzia de sutiãs juvenis. De repente, ela se inclinou com ar admirado. — Ei, isso é um anel de noivado? — Exatamente — Lucy respondeu, tentando disfarçar a tensão provocada pela pergunta. — Não gosta do meu pai? — É claro que gosto dele. — Então, por que não se casa com ele? — Porque vou me casar com Alan. — Se alguma coisa acontecesse e você não se casasse com Alan, aceitaria ser esposa do meu pai? — Não vai acontecer nada — insistiu, sofrendo pela desilusão que causaria aos pequenos. — Irá nos visitar de vez em quando? — É claro que sim, querida. À essa altura já havia decidido deixar Claire na porta de casa e partir, mas Jamie as esperava no portão. — Lucy! Meu quarto foi pintado de azul. Ficou lindo! Quer ver? Não poderia recusar sem ferir os sentimentos do garoto, e não suportaria acrescentar novos ingredientes ao seu caldeirão de culpa. — Sim, vamos ver — disse, seguindo os dois irmãos até a porta da casa. — Lucy! — Billy exclamou ao vê-la. O menino estava sentado no chão da sala, brincando com blocos de montar. — Olá, Billy — ela acenou. Onde estaria John? — Veja, sua foto está no jornal — Jamie apontou, trazendo o periódico que alguém deixara sobre o balcão da cozinha. Intrigada, olhou para a página dobrada e emitiu um suspiro aborrecido. De uma forma ou de outra, sua mãe sempre encontrava uma maneira de fazer as coisas como julgava certo.

— O que diz aqui? — Jamie quis saber. — Diz que Lucy vai se casar — John respondeu ao entrar. — Olá, querida — sorriu, abaixando-se para abraçar a filha. — É verdade. Veja o anel de noivado que ela está usando, papai! Não é lindo? — Claire ofereceu. Sentindo o coração bater mais depressa, Lucy o viu aproximar-se e segurar sua mão para examinar a jóia. — Sim, é bonito. Parece que o homem não é tão idiota, afinal. — Ele disse que você o ajudou a decidir-se com aquela conversa sobre assumir compromissos. — Entendo. Pelo menos fiz alguma coisa de útil, não é? Só estranho não ter sido o primeiro a saber. Afinal, na qualidade de marido... — Preciso ir embora — ela cortou perturbada. — Mas... você disse que ia ver meu quarto! — Jamie exclamou. — Amanhã, querido. Amanhã verei seu quarto pintado de azul. Até logo. Lucy havia acabado de passar pela porta quando ouviu o menino gritando: — Sou Peter! Papai, por que Lucy estava chorando? No carro, tentando afastar a melancolia que ameaçava dominá-la, ela verificou os recados deixados na caixa postal do celular e um deles a deprimiu ainda mais. — Srta. Montgomery, aqui fala Melissa Patterson. Estava lendo o jornal esta manhã e me deparei com algo muito interessante. Acho que devemos ter uma conversa. A secretária a conduziu até a sala da sra. Patterson. Forçando um sorriso, Lucy sentou-se à frente da escrivaninha e tentou manter a calma para enfrentar a difícil conversa. Dentro da bolsa ela levava um cheque equivalente à metade do adiantamento pago pelo casal. Se eles insistissem em receber a quantia integral imediatamente, teria de engolir o orgulho e pedir ajuda a Alan. — Sra. Patterson, suponho que queira ouvir uma explicação sobre anota publicada no jornal de hoje. — Creio que só existem duas explicações possíveis, srta. Montgomery. Ou é bígama, ou é mentirosa. — A segunda. — Bem, pelo menos não cometeu nenhum crime. Posso saber por que decidiu nos enganar? — Na verdade, não decidi enganá-los. No dia em que os conheci, a senhora e seu marido concluíram que as crianças eram minhas. Depois que mencionou que o fato de tê-los assumido aumentaria minhas chances na concorrência, achei melhor não desmentir sua hipótese. — Ou seja, você nos enganou. — Não tive a intenção de... — O sr. Sterling participou da farsa? Com que objetivo? Para nos convencer a aceitar as crianças de volta na escola? — Oh, não! John não sabia de nada. — Os filhos dele pareciam muito apegados a você. — Estou decorando a casa dos Sterling. Receio que eles tenham buscado em mim uma substituta para a mãe que perderam. — Mas naquela noite em que nos encontramos no restaurante, o sr. Sterling agiu como se fosse seu marido. — Não estávamos sozinhos. Meu namorado e minha melhor amiga haviam ido cumprimentar um conhecido. John não sabia de nada... mas não me desmascarou ao compreender que eu mentia. — Entendo.

Levantando-se, Lucy decidiu que não precisava mais expor-se à humilhação e ao embaraço. — Lamento muito tudo que houve, sra. Patterson. Se quiser cancelar nosso contrato, saberei compreender sua posição. — Como disse anteriormente, creio que precisamos de alguém que saiba decifrar o mundo infantil. Determinada, ela abriu a bolsa para apanhar o cheque. — E encontramos essa pessoa em você... Lucy. — Em... mim? — Talvez não perceba, mas é natural com as crianças. Além do mais, seu projeto é tudo que buscávamos numa nova decoração. — Quer dizer que não fui escolhida por causa do incidente com Jamie? Não me contrataram para anular o risco de um processo? Melissa riu. — Temos um seguro valioso para cobrir situações como aquela. O incidente com Jamie não teve nenhuma influência sobre nossa decisão. De qualquer maneira, é uma pena saber que aquelas crianças não são suas. Não sei por quê, mas vê-los juntos era como estar diante da perfeição. Na segunda-feira, quando chegou na casa dos Sterling para receber a mobília nova. Lucy assustou-se com os gritos de Billy. — Monsto! Monsto! — John? — ela chamou, aproximando-se da porta do banheiro. — Não entendo! — ele explodiu irritado, desistindo de convencer o filho a usar o penico. — O que pode haver de tão assustador num banheiro? — Não sei, mas é evidente que ele detesta a idéia de usá-lo. Voltaram à sala juntos e, enquanto caminhavam, Lucy informou: — Os móveis serão entregues hoje. Quando voltar para casa, à noite, encontrará um lugar completamente diferente. Antes de sair, Lucy foi buscar uma fralda limpa no banheiro, já que Billy mais uma vez havia preferido o meio mais rápido e fácil, e assim que aproximou-se da porta o garoto começou a gritar: — Monsto! Monsto pega Billy! Monsto! Suspirando, deixou-o no corredor e entrou no aposento onde as fraldas eram guardadas. Quando se virou para sair, Billy havia parado na porta e sussurrava: — Monsto... monsto... Lucy seguiu a direção de seus olhos e aproximou-se do penico colorido. — Amigo — disse. — Amigo — o pequeno repetiu assustado. — Venha sentar-se no amigo penico, Billy. — Não! Monsto pega Billy! — Desisto! — ela impacientou-se, parando a caminho da porta para endireitar o porta-escovas de dente em forma de dragão. — Monsto! Monsto! Franzindo a testa, ela olhou para o objeto de plástico preto em sua mão. — É disto que tem medo? — perguntou. Teria se aproximado, mas Billy virou-se e correu apavorado, gritando como se algo o ameaçasse. — Que diabos está acontecendo? — John perguntou do corredor. — Onde está Billy? Lucy sorriu e mostrou o dragão de plástico. — Este é o temido monstro do penico. — Está brincando!

— Não. Vocês têm um idêntico no banheiro do quarto deles, não? — Sim, foi Jamie quem os escolheu. Quer dizer que...? — Exatamente. — Oh, não! Jamie costumava usar essa coisa quando vive suas aventuras na pele de Peter Pan, e numa dessas ocasiões ele deve ter assustado o irmão. Estou lhe devendo esta, Lucy. Os dois riram juntos. Depois de alguns segundos as gargalhadas cessaram e eles trocaram um olhar sério. — Bem, parece que conseguimos ficar empatados — ela suspirou. — É verdade — John respondeu enquanto estendia a mão. O contato foi elétrico, pelo menos para Lucy. E breve. Muito breve... — Bem, vou me livrar do monstro e deixá-los sozinhos. Você, Billy e o penico. Trêmula, saiu do banheiro disposta a passar o resto da manhã bem longe de John Sterling. Nem sempre longe dos olhos significa longe do coração, John decidiu ao sentar-se no chão do banheiro, observando o filho que, paciente, via as figuras coloridas de um livro enquanto esperava que a magia do penico funcionasse. Suspirando, desejou ser capaz de parar de pensar nela. Desejou poder deixar... de amá-la. — Lucy? — Billy perguntou enquanto apontava para a porta. — Sim, ela ainda está aqui — John respondeu com tom triste. — Mas é melhor não se acostumar com isso.

CAPÍTULO XI Na quinta-feira à tarde, Lucy estava saindo de casa com a coleção de livros de pintura que prometera a Claire quando um cavalheiro a interpelou: — Bom dia. — Olá — ela respondeu. — Posso ajudá-lo? — Espero que sim. Sou Torry Rogers e estou procurando por Hattie Stevens. — Você é Torry? — ela devolveu espantada. — Exatamente. Conhece Hattie? — Sou a sobrinha dela, Lucy Montgomery. — Ora, que espantosa coincidência! Pode me dizer onde a encontro? — Farei melhor que isso. Eu o levarei até a casa dela. Lucy o acompanhou até o escritório e despediu-se de Torry na porta. Depois de tantos anos, o casal merecia uma reunião privada. Quando chegou à casa dos Sterling para acompanhar John na inspeção final, estava nervosa e ansiosa. Respirando fundo, apanhou a caixa de livros no porta-malas e aproximou-se da porta, que se abriu antes que ela pudesse bater. — Lucy! — Jamie exclamou eufórico. — Meu quarto ficou lindo! — Onde está sua capa? — Agora sou Jamie outra vez. Claire aproximou-se e sussurrou: — Meus seios não estão mais doendo. E sabe de uma coisa? Jeremy Winder carregou meus livros para a aula de matemática! Não conte nada ao papai, por favor. — Será nosso segredo — Lucy prometeu. — Lucy! — Billy gritou, levantando as pernas da calça. — Billy não é mais bebê . — Ei, está sem fralda? Parabéns! Agora você é um menino crescido!

— Precisa de ajuda? — John perguntou da porta. — Oh, eu... Bem, se puder carregar a caixa... Deixei mais duas no carro. — Virou-se para ir buscá-las. John mandou os filhos para dentro, já que a temperatura caíra muito nos últimos dias, e a seguiu. — Sábado será o grande dia — comentou ao apoderar-se da maior caixa. Lucy limitou-se a sorrir sem encará-lo. — Meu convite deve ter sido extraviado pelo correio. — Não pensei que estivesse interessado no meu casamento. — Por que não? Talvez queira ir para estragar a festa. O que há nas caixas, afinal? — Livros! — Claire gritou da porta ao vê-los retornando. — Obrigada, Lucy. Prometo que cuidarei bem deles. — Eu sei que sim. — Desculpem, mas temos uma inspeção a fazer — John lembrou. Inspecionaram todos os cômodos da casa e deixaram a suíte principal por último. Quando John abriu a porta, Lucy sentiu o coração disparar e preparou-se para o mais temido golpe. Ele havia cuidado de todos os detalhes para apresentá-lo exatamente como o vira pela primeira vez na tela do computador. A lareira estava acesa, o edredom fora afastado sobre a cama e uma melodia suave pairava no ar. — Está satisfeito? — ela perguntou, tentando disfarçar a aflição provocada pela visão da suíte. — Sim, tanto quanto é possível, nessas circunstâncias. — O que quer dizer? — Bem, você criou um ninho para amantes, e tenho de ocupá-lo sozinho. Quando pedi para decorar a casa de acordo com seu gosto, pensei estar usando uma estratégia perfeita. — Não gostou? — Gostei muito, mas minha estratégia fracassou, porque agora você está em cada cômodo. Lucy encarou-o em silêncio, temendo pronunciar as palavras de amor que o cérebro formava. Não podia sacrificar tudo por um relacionamento incerto. E se depois de alguns meses o desejo diminuísse. Seria obrigada a viver com um marido que não a amava e três crianças indomáveis. — Preciso ir — disse de repente, percorrendo a casa para recolher alguns objetos que deixara espalhados pelos cantos. Quando chegou à porta, os quatro esperavam silenciosos e sérios. Claire deu um passo à frente e entregou a ela um pacote. — É nosso presente de Natal. Para que não nos esqueça. Com mãos trêmulas, Lucy abriu o embrulho e viu um quadro pintado por Claire. A imagem retratava a frente da casa. Ao lado dela, um homem e três crianças olhavam para a construção. Acena tornou-se nebulosa quando os olhos dela se encheram de lágrimas. — Assinamos nossos nomes. Billy usou as impressões digitais — John explicou. — Papai escolheu a moldura — Claire contou. — É lindo — Lucy ofereceu com voz embargada, abaixando-se para abraçar os três. — Muito obrigada. Sentirei falta de vocês. Quando se levantou, John estava parado diante dela. — Boa sorte, Lucy. — Adeus, John. — Saiu segurando o quadro junto ao peito. — Lucy! — Pamela avisou. — Estão todos esperando! De cabeça erguida, saiu da sala das noivas da pequena catedral para encontrar

o pai do lado de fora. — Você está linda, querida. Preparada para o grande momento? — Madden Montgomery perguntou. — Sim, estou... Eu vou conseguir! Mas assim que as portas da catedral se abriram, Lucy começou a soluçar e quase caiu. Madden praticamente a arrastava pelo corredor central da igreja lotada até entregá-la a Alan, que a recebeu com a testa franzida. — Você está bem? — ele perguntou preocupado. — Sim, estou... — Lucy soluçou, limpando o nariz no lenço de seda que levava escondido sob o buquê. A música cessou e o padre começou: — Queridos amigos... — Espere! — ela pediu aflita. — Preciso falar com minha tia. Hattie, onde está você? — Aqui, querida. Sob os olhares espantados de todos os presentes, Lucy e Hattie afastaram-se para um canto próximo da sacristia, ao lado do altar. — E então, o que você e Torry decidiram? — Vamos nos casar, é claro. Como disse, a gente sabe imediatamente quando encontrou a pessoa certa. — Entendo. O que vai dizer a Herbert? — A verdade. Direi que amo Torry e espero que ele encontre alguém capaz de amá-lo com a mesma intensidade. Dedos gelados tocaram o braço de Lucy. — Está tentando me matar de vergonha? — Mamãe! Só queria ter certeza de que estou me casando com o homem certo, porque... — O quê? — Helen sussurrou. — Olhe para o seu noivo! Ele é lindo, inteligente, bem-sucedido... — Mas é capaz de fazê-la arder? — Hattie interferiu. — De que diabos está falando? — Estou falando sobre o quarto, Helen. Sobre o que um homem e uma mulher fazem quando estão juntos na cama. — Pare imediatamente, Hattie! Não vou permitir que confesse suas perversões diante de minha filha! — Com licença... A voz profunda e hesitante chamou a atenção das três. Era Alan, e ele parecia nervoso. — Lucy, as pessoas estão ficando inquietas. O que está havendo? — Nada. Eu... estou pronta — decidiu corajosa. Todos retomaram seus lugares. O padre deu início à cerimônia e as lágrimas voltaram abundantes, dessa vez acompanhadas por soluços. John não a amava. Encontraria alguém para ocupar o lugar de mãe de seus filhos, alguém que soubesse cozinhar, costurar e contar histórias. Quando o ministro perguntou se alguém no recinto conhecia razões para impedir o casamento, o único som que se ouviu foi o dos soluços. De repente uma campainha estridente ecoou pelas paredes de pedra, causando um enorme tumulto entre os presentes. — Alarme de incêndio! — alguém gritou. Em menos de dois minutos todos os convidados haviam saído às pressas. Lucy e Alan foram os últimos a sair e, lembrando o que John dissera sobre estragar a festa, ela olhou em volta com um misto de temor e ansiedade. — Lucy!

Conhecia aquela voz. Jamie! Virando-se, viu as três crianças reunidas sob uma árvore, acenando com alegria. Se alguma coisa acontecesse e você não se casasse com Alan, aceitaria ser esposa do meu pai? Ao ver o rosto de Jamie, Lucy soube quem havia acionado o alarme de incêndio. Segurando o vestido para impedir que ele se sujasse em contato com a grama, aproximou-se das crianças e perguntou: — O que estão fazendo aqui? Claire encarou-a com ar decidido. — Queremos que seja nossa mãe. — Alarme falso! — o padre gritou, chamando todos de volta à igreja. — Venham comigo — Lucy convidou-os. Tentando manter a calma, levou-os à sala das noivas, onde se sentou entre os pequenos. — Como chegaram aqui? — Viemos de táxi — Jamie revelou orgulhoso. — Mostramos ao motorista o anúncio do casamento publicado nos jornais de ontem e pedimos que ele nos trouxesse até aqui — Claire explicou. — Deixamos um bilhete para o papai. Oh, Lucy! Não pode ser nossa mãe? — Claire, acho que você vai entender tudo isto melhor que os meninos. Para fazer um casamento dar certo, as duas pessoas têm de se amar de verdade. Seu pai não pode se casar comigo só porque vocês querem. — Entendo. Está dizendo que papai não a ama. — Exatamente. — E Alan ama você? — Sim, ele me ama. — E você o ama? — Bem... existem diferentes formas de amor, e eu amo Alan de alguma maneira. Um som atrás dela a fez virar-se. Alan e John estavam parados na porta, o primeiro com ar desapontado, e o segundo... A expressão de John era indecifrável. — Crianças... — Lucy respirou fundo. — Preciso conversar com Alan por alguns instantes. Podem esperar lá fora, por favor? John os esperou onde estava e os levou para o corredor, fechando a porta em seguida. Assim que Alan aproximou-se, Lucy tirou o anel de noivado e devolveu-o. — Desculpe, Alan. Gosto muito de você, e sempre guardarei o respeito e a admiração que soube conquistar, mas não posso me casar com você. Tente encontrar alguém que o ame de verdade. — É Sterling, não é? — ele perguntou, os olhos cheios de lágrimas. — Não queria que isso acontecesse, mas estou apaixonada por ele. — E o que ele sente por você? — Não sei. — Bem... — Alan, espero que possamos... — Ser amigos — ele sorriu com tristeza. — Se John a fizer sofrer, terá de se entender comigo. — Obrigada — ela sorriu, beijando-o no rosto. Alan saiu sem dizer mais nada, e pouco depois John entrou. — Devo deduzir que o casamento não vai se realizar? — Não, John. Alan e eu rompemos. Ele adiantou-se alguns passos e ajoelhou-se diante dela. — E se eu jurar amor eterno, aceitaria ser minha esposa? — Está falando sério? Você... me ama de verdade? — Se a amo? Não tenho pensado em mais nada desde o dia em que a conheci!

— Nesse caso, acho que tenho boas notícias, John Sterling. Também o amo. Nada me faria mais feliz do que ser sua esposa. O som de risos abafados chamou a atenção do casal para a porta. — Vai beijá-la, papai? — Jamie perguntou. — Pode apostar que sim, filho. — John capturou os lábios de Lucy para um beijo doce e apaixonado. — É uma pena desperdiçar o vestido, a comida e os convidados — ela comentou com um sorriso malicioso. — Não estou vestido para uma cerimônia de casamento, mas... se você não se importa... Lucy não ficou para ouvir mais. Empurrando as crianças com delicadeza, foi encontrar os pais e a tia na sacristia da igreja. — Lucy, vou ter um ataque cardíaco se não me disser o que está acontecendo — Helen ameaçou. — Lembra-se de John Sterling, mamãe? E dos filhos dele, Claire, Jamie e Billy? E John, este é meu pai. John e eu vamos nos casar. Helen agarrou-se ao braço do marido como se temesse cair. — O que foi que disse? — Hattie será que pode pedir ao coro para recomeçar? E avise o padre sobre a mudança no nome do noivo. Sorrindo, Hattie virou-se e, antes de afastar-se, bateu no ombro de Helen. — Parabéns, minha irmã. Você é avó! Helen empalideceu, mas Madden fez um sinal para que os noivos saíssem e se preparassem. Lucy encontrou Pamela no corredor, roendo as unhas postiças. — Pam, não vou mais casar-me com Alan. — Eu percebi. — Mas estou preocupada. Importa-se de ir atrás dele e acompanhá-lo nestas primeiras horas? — É claro que não. A cerimônia foi rápida, e a festa agradou aos convidados que permaneceram depois de toda a confusão envolvendo a troca dos noivos. À certa altura, depois de várias taças de champanhe, muita dança e comida, John decidiu que era hora de partir. — Crianças, vamos embora. Chegou o momento de voltarmos para casa. — Casa... — Lucy murmurou sonhadora. — É tão bom ouvir isso... Pararam no caminho para apanhar Victor, e minutos depois entravam na residência que Lucy havia decorado, e que agora seria seu lar. Cerca de uma hora se passou até que todos terminasse de tomar banho antes de vestir o pijama e ir para a cama, mas finalmente os noivos conseguiram um pouco de privacidade. Mais tarde, deitados lado a lado e satisfeitos, os dois deliciavam-se com a intimidade que seguiu-se ao ato de amor quando John sussurrou: — Se me contar um segredo, também contarei um. — Está bem — Lucy concordou sonolenta. — Você primeiro. — Vejamos... Quando eu tinha quatorze anos, escrevi para Shaun Cassidy e o pedi em casamento. Agora é sua vez. — Fui eu quem acionou o alarme de incêndio da igreja.

Prenda o fôlego... mas não por muito tempo! A história continua no próximo número da série Sabrina, quando o abandonado Alan decide partir para a planejada lua-de-mel, apesar de não ter uma esposa. E adivinhem quem aparece? Descubra na hilária seqüência desta série!
Quatro Vezes Amor - Stephanie Bond

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