René Ménard. Mitologia Greco-Romana II

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RENÉ MENARD

VOLUME II

Titulo do original francês LA MYTHOLOGIE DANS L'ART ANCIEN ET MODERNE EDITOR

PIETRO MACERA

DIREÇÃO EDITORIAL TRADUÇÃO REVISÃO FINAL

SALVATORE MACERA NETO

MONTAGEM E ARTE FINAL EQUIPE DE ARTE

EQUIPE DE REDAÇÃO

ALDO DELLA NINA

Nossos agradecimentos pelo constante incentivo que recebemos de: MARGHERITA STEFANELLI MACERA R. MARIO STEFANELLI CHRISTINA MACERA ANGELINO MACERA EMILIA GIOVANNA A. MACERA MARIANA MACERA

ANTONIETA MACERA

IN MEMORIAM

SALVATORE NICOLA STEFANELLI GIOVANNI GRILO JOSÉ LASTORINA

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou utilizada de qualquer forma ou por qualquer método, eletrônico ou mecânico, sem autorização prévia por escrito dos Editores.

1ª Edição 1985 2 ª Edição 1991

Impresso no Brasil Printed in Brazil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ménard, René, 1827-1887. Mitologia greco-romana / Rene Menard ; tradução Aldo Della Nina. — São Paulo : Opus, 1991. Obra em 3 v. 1. Mitologia grega 2. Mitologia romana I. Título.

91-1334

CDD-292

Índices para catálogo sistemático: 1. Mitologia greco-romana 292

LIVRO III

APOLO E DIANA

CAPÍTULO I

LATONA

E SEUS

FILHOS

Nascimento de Apolo e Diana. — Latona e a serpente Pitão. — Os camponeses carianos.

Nascimento de Apolo e Diana

Apolo e Diana são filhos de Júpiter e de Latona, personificação da Noite, divindade poderosa cuja união com Júpiter produziu o Universo. Segundo a tradição, Latona vê-se, em seguida, relegada ao segundo lugar e quase não aparece na mitologia a não ser como vítima de Juno. A Terra, por instigação de Juno, quis impedi-la de achar lugar onde pudesse dar à luz os filhos que trazia no seio. Entretanto, Netuno, vendo que a infeliz deusa não encontrava abrigo onde quer que fosse, comoveu-se e fez sair do mar a ilha de Delos. Sendo essa ilha, a princípio, flutuante, não pertencia à Terra, que assim não pôde nela exercer a sua funesta ação. "Delos, diz o hino homérico, rejubilou-se com o nascimento do deus que atira os seus dardos para longe.

Durante nove dias e nove noites, foi Latona dilacerada pelas cruéis dores do parto. Todas as deusas, as mais ilustres, reúnem-se-lhe em torno. Dionéia, Réa, Têmis que persegue os culpados, a gemedora Anfitrite, todas, exceto Juno dos braços de alabastro, que ficou no palácio do formidando Júpiter. Entretanto, somente Ilitia, deusa dos partos, é que ignorava a nova; achava-se sentada no topo do Olimpo, numa nuvem de ouro, retida pelos

Fig. 181 — Apolo, Diana e Latona (segundo Flaxman).

conselhos de Juno, que sofria um ciúme furioso, porque Latona dos cabelos formosos iria certamente dar à luz um filho poderoso e perfeito. "Então, a fim de levarem Ilitia, as demais deusas enviaram de Delos a ligeira Íris, prometendo-lhe um colar de fios de ouro, com nove cúbitos de comprimento. Recomendam-lhe sobretudo que a advirta, à revelia de Juno, de medo que esta a detenha com as suas palavras. Iris, rápida como os ventos, mal recebe a ordem, parte e cruza o espaço num instante.

"Chegada à mansão dos deuses no topo do Olimpo, Íris persuadiu Ilitia, e ambas voam como tímidas pombas. Quando a deusa que preside aos partos chegou a Delos, Latona experimentava as mais vivas dores. Prestes a dar à luz, abraçava uma palmeira e os joelhos apertavam a relva mole. Em breve nasce o deus; todas as deusas dão um grito religioso. Imediatamente, divino Febo, elas te lavam castamente, purificam-te em límpida água e te envolvem num véu branco, tecido delicado, que elas cingem com um cinto de ouro. Latona não aleitou Apolo de gládio resplendente. Têmis, com as suas imortais mãos, oferece-lhe o néctar e a divina ambrósia. Latona alegrou-se enormemente por ter gerado o valoroso filho que empunha um temível arco." Apolo e Diana nasceram, pois, em Delos, e é por isso que Apolo se chama, freqüentemente, o deus de Delos. Uma linda composição de Flaxman mostra Ilitia que acaba de assistir a Latona no penoso parto das duas jovens divindades.

Fig. 182 — Latona perseguida pela serpente Pitão (segundo uma pintura de vaso).

Latona e a serpente Pitão

Entretanto Juno, não conseguindo perdoar à rival ter sido amada por Júpiter, instigou contra ela um monstruoso dragão, filho da Terra, chamado Delfíneo ou Pitão, que fora incumbido da guarda dos oráculos da Terra, perto da fonte de Castalia. Obedecendo às sugestões de Juno, Pitão perseguia sem cessar a infeliz deusa, que escapava da sua presença apertando entre os braços os filhos. Num vaso antigo, vemo-lo sob a forma de uma longa serpente que ergue a cabeça, desenrolando o corpo, e persegue Latona. A deusa teme, enquanto os filhos, que não percebem o perigo, estendem os bracinhos para o monstro.

Os camponeses carianos

Quando Latona, perseguida pela implacável Juno, fugia com os dois filhos ao colo, chegou à Caria. Num dia de intenso calor, deteve-se aniquilada pela sede e pelo cansaço às margens de um tanque do qual não ousava aproximar-se. Mas alguns camponeses ocupados em arrancar caniços impediram-na de beber, expulsando-a brutalmente. A infeliz Latona rogou-lhes, em nome dos filhinhos, que lhe permitissem sorver umas gotas de água, mas eles a ameaçaram se se não afastasse quanto antes, e turvaram as águas com os pés e as mãos, a fim de que a lama revolvida aparecesse à tona. A cólera de que Latona se sentiu possuída fez com que se esquecesse da sede, e lembrando-se de que era deusa: "Pois bem, disse-lhes, erguendo as mãos ao céu, ficareis para sempre neste tanque." O efeito seguiu de perto a ameaça, e

aqueles desalmados se viram transformados em rãs. Desde então, não cessam de coaxar com voz rouca e de chafurdar na lama. Alguns lobos, mais humanos que os camponeses, conduziram-na às margens do Xanto, e Latona pôde fazer as suas abluções nesse rio, que foi consagrado a Apolo. Rubens, no museu de Munich e Albane no Louvre possuem quadros em que vemos Latona e os filhos na presença dos camponeses de Caria, que a repelem e se transformam em rãs. Na fonte de Latona, em Versalhes, Balthazar Marsy representou a deusa, com os dois meninos, implorando a vingança do céu contra os insultos dos camponeses. Cá e lá, rãs, lagartos, tartarugas, camponeses e camponesas cuja metamorfose se inicia, lançam contra Latona jatos de água que se cruzam em todos os sentidos.

Fig. 183 — Latona e seus filhos (em Versalhes)

CAPÍTULO II

FEBO-APOLO

O tipo de Apolo — Jacinto metamorfoseado em flor. — Ciparissa e o seu cervo.

O tipo de Apolo

Esplendente é o epíteto que se dá a Apolo, considerado deus solar. Apolo atira ao longe as suas setas, por-que o sol dardeja ao longe os seus raios. É o deus profeta, porque o sol ilumina na sua frente e vê, por conseguinte, o que vai suceder; é o condutor das Musas e o deus da inspiração, porque o sol preside às harmonias da natureza; é o deus da medicina, porque o sol cura os doentes com o seu benéfico calor. Apolo, o Sol, o mais belo dos poderes celestes, o vencedor das trevas e das forças maléficas, tem sido representado pela arte sob vários aspectos. Nos tempos primitivos, um pilar cônico, colocado nas grandes estradas, bastava para lembrar o poder tutelar do deus.

Quando nele se pendem as armas, é o deus vingador que premia e castiga; quando nele se pendura uma cítara,

Fig. 184 — Apolo (segundo um busto antigo).

torna-se o deus cujos harmoniosos acordes devolvem a calma à alma agitada. O Apolo de Amicleu, reproduzido em medalhas, pode dar uma idéia do que eram, na época arcaica, as

Fig. 185 — Apolo de Amicleu

primeiras imagens do deus, sensivelmente afastadas do tipo que a arte adotou mais tarde. Em bronzes de data menos antiga, mas ainda anteriores à grande época. Apolo está representado com formas mais vigorosas do que elegantes, e os anéis achatados da sua cabeleira o aproximam um pouco das figuras de Mercúrio. No tipo que tem dominado, Apolo usa cabelos longuíssimos, separados por uma risca no meio da cabeça e afastados de cada lado da testa. Às vezes, eles se prendem atrás, na nuca, mas, outras, flutuam. Vários bustos e moedas nos mostram tais diferentes aspectos. "A figura oval-alongada, diz Ottfried Mueller, que o cróbilo freqüentemente colocado sobre a testa mais ainda alonga, servindo, por assim dizer, de topo à figura inteira que parece aspirar à morada divina, revela uma doce plenitude, uma energia completa e uma força cheia de maturidade. Em todas as feições respira um senti-mento elevado, altivo e franco, sejam quais forem as modificações a que o artista submete a ideal figura. As formas dos membros são delgadas e moles ; os quadris altos

Fig 186 — Apolo (segundo moedas antigas).

as coxas longas; os músculos, sem serem salientes, e muito ao contrário bem fundidos na massa do corpo, são, no entanto, suficientemente ressaltados para porem em evidência a maleabilidade do corpo e o vigor dos seus movimentos." Apolo é sempre representado jovem e imberbe, por-que o sol não envelhece. Algumas das suas estátuas o mostram até com os caracteres cia adolescência, por

Fig. 187 — Apolo Sauróctone (segundo uma estátua antiga).

exemplo o Apollino de Florença. No Apolo Sauróctone, o jovem deus está acompanhado de um lagarto, que ele sem dúvida acaba de excitar com a flecha para o arrancar ao torpor e obrigá-lo a caminhar. Apolo, nesse caráter, é considerado o sol nascente, ou o sol da primavera, porque a presença do lagarto coincide com os seus primeiros raios (fig. 188). O grifo é um animal fantástico, que vemos freqüentemente perto da imagem do deus (fig. 189) ou atrelado ao seu carro. Tem a cabeça e as asas de águia, com

Fig. 188 — Combate dos grifos contra os arimaspes.

corpo, patas e cauda de leão. Os grifos têm por missão guardar os tesouros que as entranhas da terra ocultam, e é para obter o ouro de que são detentores, que os Arimaspes lutam constantemente contra eles. Os combates constituem o tema de grandíssimo número de representações, principalmente em terracotas ou em vasos. Os Arimaspes são guerreiros fabulosos, que usam vestes análogas às das amazonas. Uma pintura de vaso no-los mostra combatendo grifos, providos de cristas e penachos,

Fig. 189 — Apolo e o grifo.

Jacinto metamorfoseado em flor

Teve Apolo vários amigos, entre outros Jacinto, jovem lacedemônio dotado de maravilhosa beleza. "Um lia, diz Ovídio, por volta do meio-dia, após tirarem as vestes e fazerem escoar pelos membros o lúcido suco da oliva, o jovem e o deus desafiaram-se para um jogo de disco. Apolo começa; o seu disco parte, fende a nuvem e só cai sobre a terra muito tempo depois; o deus pretendia demonstrar toda a sua habilidade e força. Arrebatado pelo ardor do jogo, o jovem corre a recolher o disco; mas, repelido pela terra, o disco salta e bate-lhe em pleno rosto ; ) adolescente empalidece, e o próprio deus empalidece; Apolo acorre, aperta entre os braços o infeliz Jacinto e estanca-lhe o sangue da ferida; emprega todos os recursos da sua arte para conservar-lhe a vida. Mas é em vão! O ferimento era mortal. Assim como vemos o lírio, a papoula e a violeta, cuja haste se partiu, curvar-se para ) chão, agonizantes, a cabeça do jovem Jacinto, já coberta peja palidez da morte, cai-lhe sobre os ombros ... Enquanto Apolo se entrega à dor, o sangue espalhado pela relva desaparece; uma flor nova nasce, uma flor mais brilhante que a púrpura e de formato semelhante ao do lírio. Não basta ao deus prestar tão triste homenagem à memória do amigo; quer ainda que aquela flor prove

Fig. 190 — Jacinto (segundo uma estátua de Bosio, museu do Louvre).

para sempre o seu infortúnio; liga-lhe a expressão e os sinais da dor, traçando nela as letras Ai!" (Ovídio). O jacinto de Peloponeso tem matiz escuro; os antigos o consideravam emblema da morte. Uma estátua de Apolo foi erguida em Amicleu sobre o túmulo de Jacinto, e no pedestal, via-se num baixo-relevo o jovem levado ao céu. Uma linda pedra gravada mostra Jacinto durante a sua metamorfose em flor. Há no Louvre, no museu de escultura, uma estátua de Callamard que representa Jacinto levando a mão ao ferimento que acaba de receber na testa : o disco que o feriu está-lhe aos pés. Bosio, numa encantadora estátua, esculpiu Jacinto semideitado e vendo Apolo atirar, enquanto aguarda a sua vez (fig. 190).

Ciparissa e o seu cervo

Outro amigo de Apolo, Ciparissa, foi vítima de singular metamorfose. Havia um cervo, cujas pontas eram douradas, e as ninfas, às quais ele era consagrado, o tinham enfeitado com brincos e um lindo colar de pérolas. O cervo era bem manso, e entrava de boa vontade nas casas para que o acariciassem; mas ninguém o amava tanto quanto Ciparissa, o mais belo rapaz da ilha de Cos. Tinha o cuidado de levá-lo aos melhores pastos e de fazê-lo beber nas fontes mais puras, e ornava-lhe as pontas com grinaldas de flores. Um dia, enquanto o cervo repousava num bosque, Ciparissa, que o viu sem o reconhecer, o varou com uma seta, e sentiu tal pesar que preferiu matar-se. Apolo, vendo-o agonizar, transformou-o em cipreste.

CAPÍTULO III

O TRIPÉ DE APOLO

Delfos, centro do mundo. — Apolo, vencedor de Pitão. — A disputa do tripé. — O oráculo de Delfos. — Predições a Laio. — Édipo e Laio. — A esfinge. — As desventuras de Édipo. — Édipo e Antígona.

Delfos, centro do mundo

O sol vê antes dos homens porque produz a luz com os seus raios; é por isso que prevê o futuro e pode revelá-lo aos homens. Esse caráter profético é um dos atributos essenciais de Apolo; dá os seus oráculos no templo de Delfos, situado no centro do mundo. Ninguém duvida de tal fato, porque tendo Júpiter soltado duas pombas nas duas extremidades da terra, elas voltaram a encontrar-se justamente no ponto em que está o altar de Apolo. Assim, em vários vasos, vemos Apolo sentado no omphalos (o umbigo da terra), de onde dá os oráculos (fig. 191).

Apolo, vencedor de Pitão

Delfos chama-se também às vezes Pito, do nome da serpente Pitão, que ali foi morta por Apolo. Apolo, provido de temíveis setas, quis experimentá-las ferindo o perseguidor da sua mãe. Mal o monstro se sente atingido, é presa das mais vivas dores e, respirando com esforço, rola sobre a areia, assobia espantosa-mente, torce-se em todas as direções, atira-se ao meio da floresta e morre exalando o hálito empestado.

Fig. 191 — Apolo no omphalos.

Apolo contentíssimo com o triunfo, exclama : "Que o teu corpo seco apodreça nesta terra fértil; não serás mais o flagelo dos mortais que se nutrem dos frutos da terra fecunda, e eles virão imolar-me aqui magníficas hecatombes; nem Tifeu, nem a odiosa Quimera poderão arrancar-te à morte; a terra e o sol no seu curso celeste farão apodrecer aqui o teu cadáver." (Hino homérico).

Aquecido pelos raios do sol, o monstro começa a apodrecer. Foi assim que aquela região tomou o nome de Pito : os habitantes deram ao deus o nome de Pítio, porque em tais lugares o sol, com os seus raios devoradores, decompôs o terrível monstro. Segundo as narrações dos poetas, o fato deve ter-se verificado quando Apolo era ainda adolescente, mas o crescimento dos deuses não está submetido às mesmas leis que o dos homens, e quando os escultores representam a vitória de Apolo, mostram o deus com as feições de um jovem que já atingiu a plenitude da força. É o que se nos depara numa das maiores obras-primas da escultura antiga, o Apolo do Belvedere. Essa estátua, de mármore de Luni, foi descoberta no fim do século quinze, perto de Capo d'Anzo, outrora Antium, e, adquirida pelo papa Júlio II, então cardeal em vésperas de ser eleito para o pontificado, mandou ele a colocassem nos jardins do Belvedere (fig. 192). Todas as fórmulas da admiração foram esgotadas diante do Apolo do Belvedere, e a estátua, desde que se tornou conhecida, não deixou de provocar o entusiasmo dos artistas. Eis a descrição que dela faz Winckelmann, na sua História da arte: "A estatura do deus é superior à do homem e a sua atitude revela majestade. Uma eterna primavera, tal qual a que reina nos campos felizes do Elísio, reveste de simpática mocidade os encantos do seu corpo, e brilha com doçura na orgulhosa estrutura dos seus membros... Perseguiu Pitão, contra o qual tendeu pela primeira vez o temível arco; no seu rápido curso, atingiu-o e infligiu-lhe golpe mortal. Do alto do seu contentamento, o seu augusto olhar, penetrando no infinito, se estende para muito além da vitória. Nos lábios se lhe vê o desdém; mas uma inalterável tranqüilidade se lhe imprime na testa, e os olhos estão repletos de doçura, como se ele se achasse no meio das Musas. . ." O triunfo de Apolo está representado num baixo-relevo antigo, onde a Vitória personificada, Nicé, verte o licor sagrado ao deus que empunha a lira e está seguido de Diana que segura o facho, e de Latona. O Deus apresta-se a cantar a vitória, diante do seu altar que se vê no primeiro plano; no fundo, aparece o templo de Apolo (fig. 193).

Fig. 192 — Apolo do Belvedere (segundo uma estátua antiga. em Roma).

Apolo, após matar a serpente Pitão, envolveu o tripé com a pele do monstro que, antes dele, possuía o oráculo. Uma medalha de Crotona nos mostra o tripé entre Apolo e a serpente : o deus dispara a seta contra o inimigo. Foi por ocasião dessa vitória que Apolo instituiu os jogos pítios.

Fig. 193 — Apolo, Diana e Latona (segundo um baixo-relevo antigo).

A disputa do tripé

Uma vivíssima disputa, freqüentemente representada nos baixos-relevos da época arcaica, verificou-se entre Apolo e Hércules em torno do famoso tripé. Hércules consulta Pítia em circunstância na qual esta se recusara a responder. O herói, enfurecido, apoderou-se do tripé, que Apolo resolveu imediatamente reconquistar. Foi tão viva a luta entre os dois combatentes que Júpiter se viu obrigado a intervir mediante o raio (fig. 194).

O tripé de Apolo foi freqüentemente representado na arte antiga, e restam-nos monumentos em que vemos até que ponto se unia o bom gosto à riqueza na escultura ornamental dos antigos.

Fig. 194 — Apolo combatendo Hércules que rapta o tripé de Delfos (segundo um baixo-relevo antigo, museu do Louvre).

O oráculo de Delfos

O oráculo de Apolo, em Delfos, era o mais famoso da Grécia. Foi o acaso que levou ao descobrimento do lugar em que deveria erguer-se o santuário. Umas cabras errantes nos rochedos do Parnaso, aproximando-se de um buraco

do qual saíam exalações malignas, furam tornadas de convulsões. Acorrendo à notícia daquele prodígio, os habitantes da vizinhança quiseram respirar as mesmas exalações e experimentar os mesmos efeitos, uma espécie de loucura misto de contorsões e brados, e seguida do dom da profecia. Tendo-se alguns frenéticos atirado ao abismo de onde proviam os vapores proféticos, colocou-se sobre o buraco uma máquina chamada tripé, por ter três pés sobre os quais pousava, e escolheu-se uma mulher para a ele subir e poder, sem risco, receber a embriagadora exalação. Na origem, a resposta do deus, tal qual a davam os sacerdotes, era sempre formulada em versos; mas tendo tido um filósofo a idéia de perguntar porque o deus da poesia se exprimia em maus versos, a ironia foi repetida por todos, e o deus passou a falar somente em prosa, o que lhe aumentou o prestígio. A crença de que o futuro pudesse ser predito de maneira certa pelos oráculos, desenvolveu singularmente na antiguidade a idéia da fatalidade, que em nenhuma parte transparece tão nitidamente como na lenda de Édipo; os seus esforços não conseguem livrá-lo à sentença que lhe foi anunciada pelo oráculo, e tudo quanto ele faz para evitar o destino só lhe acelera os inclementes decretos.

Predições a Laio

Laio, filho de Lábdaco, rei de Tebas, subiu ao trono pela morte de seu tio Lico que se havia apoderado do poder, em detrimento do sobrinho. Não tendo filhos, foi consultar Apolo e rogou-lhe lhe concedesse filhos. Respondeu-lhe o deus: "Rei de Tebas, dos valorosos corcéis, teme tornar-te pai, apesar dos deuses! Se deres nasci-mento a um filho, este há de fazer-te morrer, e toda a família nadará no sangue." Nada obstante, teve Laio um

filho, e, lembrando-se do oráculo do deus, entregou-os aos pastores, a fim de que o expusessem num prado consagrado a Juno, no pico do Citerônio, após furar-lhe os calcanhares com um ferro pontudo; tinha o menino o nome de Édipo. Outros pastores, recolhendo-o, entregaram-no à ama que o confiou a uma nutriz, dando ao mesmo tempo a crer ao marido que o dera à luz. Uma bela estátua de Chaudet, que se encontra no Louvre, nos mostra o pastor Forbas, segurando nos braços o peque-nino Édipo, a quem dá de beber. Forbas era um pastor de Políbio de quem Édipo se julgava filho (fig. 195).

Édipo e Laio

Entretanto, quando Édipo chegou à idade adulta, uma conversação ouvida num festim lhe suscitou dúvidas sobre o seu nascimento, e desejando conhecer o autor dos seus das, foi a Delfos consultar o oráculo de Apolo. Mas o deus, sem lhe esclarecer as dúvidas. declara-lhe que o seu destino é matar o pai e desposar a mãe Horrorizado com tal oráculo resolveu Édipo não voltar para perto dos pais. que o haviam criado, e enveredando por uma estrada oposta, encaminhou-se para o lado de Tebas. Pelo caminho, encontrou um carro, cujo cocheiro lhe gritou com imperiosidade : "Estrangeiro, afasta-te, dá passagem ao rei." Ao mesmo tempo o carro passa brutalmente e lhe faz sangrar os pés. Trava-se luta, e Édipo Inata o homem que viajava no carro. Esse homem era Laio, que, ansioso por saber se o menino que mandara expor estava realmente morto e se não havia mais razão de temer a antiga profecia, fora a Delfos consultar o deus. Assim, Édipo, sem o saber, tornou-se assassino do próprio pai.

Fig. 195 — O pastor Forbas dando de beber a Édipo (grupo de Chaudet, museu do Louvre),

A esfinge

Uma terrível esfinge, nascida de Tifão e de Equidna, levou, pouco após a morte de Laio, a desolação às cercanias de Tebas. Ocupando a estrada, propunha enigmas aos viajantes, e matava os que não logravam adivinhar o sentido. Assim pereceu elevado número de infelizes, e tendo o rei Laio morrido recentemente, propuseram os tebanos a coroa e a mão da rainha a quem os livrasse daquele flagelo. Édipo apresentou-se : "Qual é, perguntou-lhe a esfinge, o animal que tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia, e três ao cair da noite? — É o homem, respondeu Édipo; na infância, anda de gatinhas; na velhice, apoiase a um bordão." Então e em conformidade com a decisão do oráculo, foi a esfinge atirar-se às ondas. A esfinge, ou antes a esfinge de Tebas, é talvez, mitologicamente, uma recordação da esfinge egípcia, mas a arte lhe dá forma assaz diferente. As moedas a mostram com a cabeça e peito de mulher, unidos ao corpo de leoa (fig. 196). Assim aparece em várias pedras gravadas.

Fig. 196 — A esfinge (segundo uma moeda antiga).

Numa delas, a esfinge está sentada no alto de um rochedo, diante de Édipo que se encontra de pé, respondendo à pergunta. Ossadas humanas revelam a sorte reservada aos que não souberam decifrar o enigma (fig. 197). Em outra pedra gravada, a esfinge atira-se contra Édipo, que apresenta o escudo no qual ela se fixa; o herói está

nu e empunha a espada (fig. 198). Na arte dos últimos séculos, um célebre quadro de lugres representa Édipo interrogando a esfinge, cujas últimas vítimas surgem à beira do precipício.

Fig. 197 — Édipo diante da esfinge (segundo uma pedra gravada antiga).

As desventuras de Édipo

Édipo tornou-se rei de Tebas, e, de acordo com o que fora predito, desposou a viúva elo rei Laio, sem saber que era sua própria mãe. Espantosas calamidades tombaram então sobre a cidade de Tebas; o povo rumou para o palácio de Édipo, certo de que o que soubera livrá-lo da esfinge conseguiria também aliviarlhe os males. Foi o grão-sacerdote que falou em nome de todos. "Édipo,

disse ele, soberano do meu país, vês que multidão se amontoa em torno dos altares diante cio teu palácio, crianças que mal se sustêm de pé, sacerdotes arcados ao peso da velhice, eu, pontífice de Júpiter, e o escol da mocidade; o resto do povo, com ramos de oliveira, se dissemina pelas praças públicas, diante dos dois templos de Palas, perto do profético altar de Apolo. Tebas, já demasiadamente batida pela tormenta, não mais pode erguer a cabeça do mar de sangue em que mergulhou; a morte atinge os germes dos frutos nas entranhas da terra; a morte fere os rebanhos e faz perecer o filho no seio da mãe; uma divindade inimiga, a peste devoradora, devasta a cidade

Fig. 198 — Édipo atacado pela esfinge (segundo uma pedra gravada antiga).

e despovoa a raça de Cadmo, o negro Plutão se locupleta com as nossas lágrimas e os nossos gemidos... Foste tu que, vindo à cidade de Cadmo, a livraste do tributo que ela pagava à esfinge cruel, e com o auxílio dos deuses te tornaste nosso libertador. Hoje, outra vez, Édipo, suplicamos-te um remédio aos nossos males, quer te ilumine um deus com os seus oráculos, quer um homem com os seus conselhos. Vem, tu que és o melhor dos mortais, reergue a cidade abatida: vela por nós, pois é a ti, hoje,

que esta cidade chama seu salvador, em virtude dos serviços passados." (Sófocles). Para conhecer a causa dos males que afligiam a cidade, Édipo enviou a Delfos um representante que consultasse o oráculo. "O flagelo, respondeu o deus, só cessará quando os tebanos tiverem expulsado do seu território o assassino de Laio." Imediatamente ordena Édipo que se façam por toda parte buscas para descobrir o paradeiro do assassino, e indignado com a idéia de que um só homem tem a culpa das desgraças de um povo inteiro, lança contra ele imprecações: "Seja quem for esse indivíduo, proíbo a todo habitante desta cidade em que reino que o receba, que lhe dirija a palavra, que o admita às preces e aos sacrifícios divinos, que lhe apresente a água lustral; que todos o repilam das suas casas como flagelo da pátria; assim mo ordenou o oráculo do deus que adoramos em Delfos. Assim procedendo, obedeço ao deus, e vingo o rei que já não existe Amaldiçoo o autor oculto do crime, quer o tenha cometido sozinho, quer tenha tido cúmplices; proscrito, deverá arrastar uma vida miserável. E se for admitido ao meu palácio, ao meu lar, e com o meu consentimento, submeto-me eu também às imprecações que lanço contra os culpados." (Sófocles). Entretanto, como não havia índice nenhum para descobrir o culpado, e como o flagelo assumisse proporções fantásticas, Édipo mandou procurar o adivinhador Tirésias. O adivinho recusa-se a princípio a responder, mas o rei o ameaça, e começa a supor a verdade. O infeliz Édipo, retirado no seu palácio, manda chamar o pastor que outrora o abandonara, e termina por conhecer a sua situação. O povo aguardava, apinhado à porta do palácio, nada sabendo do que ali se passava. Ouve-se então a nova de que uma terrível desgraça sucedeu, e que a rainha acaba de morrer. Um mensageiro não tarda em trazer a fatal notícia. "Jocasta morreu! exclama. Matouse com as suas próprias mãos. Sacudida por sombrio furor, desde que atravessou o limiar do palácio, correu ao quarto nupcial, arrancando os cabelos; uma vez ali, fechou violentamente as portas pelo lado de dentro, evocou a sombra de Laio, lembrando-lhe a recordação do filho esquecido, por cuja mão ele pereceria. Não vi como faleceu, porque Édipo correu dando altos

brados, o que nos impediu de ver a morte de Jocasta; mas os nossos olhares se voltam para ele, que ia de um lado a outro. Pede-nos uma espada, atira-se contra as portas, faz saltar os batentes dos gonzos, e entra no aposento. Ali vemos Jocasta, ainda pendente do laço fatal que lhe terminou os dias. Diante daquele espetáculo, o desgraçado ruge como leão, e desfaz o laço; mas quando o corpo da desventurada tocou o chão, deparou-se-nos medonha cena: arrancando os colchetes de ouro da veste que cobria Jocasta, Édipo fere os próprios olhos, porque, dizia, não tinham visto nem as suas desgraças, nem os seus crimes, e agora, nas trevas, já não veriam os que ele não devia ver, já não reconheceriam os que lhe houveram sido agradável reconhecer. Assim falando, bate e dilacera repetidamente as pálpebras; ao mesmo tempo, os olhos, ensangüentados, lhe banhavam o rosto, e não eram apenas gotas que deles caiam, era uma chuva de sangue. Aí estão os males comuns a ambos: felizes noutros tempos, desfrutavam de uma felicidade merecida, mas hoje os gemidos, o desespero, o opróbrio e a morte, nenhuma espécie de desgraça falta." (Sófocles). Os filhos de Édipo, Etéoclo e Polinice, em vez de acudirem ao infeliz pai, só tiveram a preocupação de apoderar-se do trono, e o ancião, cego e sem recursos, foi obrigado a buscar asilo em terra estrangeira, na companhia das filhas que não quiseram abandoná-lo. Um baixo-relevo antigo nos mostra Etéoclo e Polinice conduzindo o pai para fora dos muros da cidade em que ele nunca mais pode entrar (fig. 199).

Édipo e Antígona

Édipo deixou, pois, o país que a sua presença conspurcava e onde era apenas objeto de opróbrio. Sua filha Antígona tornouse-lhe o único apoio, e o seu nome ficou

como tipo do amor filial. Foi ela que, guiando os passos do pai cego implorava dos viajantes caridade por quem fôra um rei poderoso e honrado: "Estrangeiro piedoso, dizia ela, se não queres ouvir de meu velho pai a narração dos seus crimes involuntários, suplico-te que te compadeças do meu infortúnio, eu que te imploro por meu pai, eu que te suplico, cravando nos teus os meus olhos, e peço compaixão por este desgraçado. Imploro-te pelo que te é mais caro, teu filho, tua promessa, o Deus que adoras." (Sófocles).

Fig. 199 — Édipo expulso pelos filhos (segundo um baixo-relevo antigo).

O infeliz Édipo encontrava na admiração que lhe inspiravam as virtudes da filha uma espécie de alívio aos males. "Minha filha, dizia, desde que saiu da infância e desde que o seu corpo se fortaleceu, sempre errante e infeliz comigo, acompanhou a minha velhice, suportou a fome, caminhou descalça através das florestas e, desafiando chuvas e raios do sol, desprezou todos os prazeres de Tebas, para prover à existência do pai." (Sófocles). Enquanto Édipo, refugiado na Ática, buscava um asilo com Teseu, seus dois filhos lutavam em Tebas pela posse do trono, ao qual ambos aspiravam, Finalmente,

concordaram em reinar ambos, sucedendo-se um ao outro, ao cabo de um ano de governo. Mas Etéoclo, que foi rei em primeiro lugar, recusou-se em seguida a permitir a entrada do irmão, que se refugiou em Argos, onde tratou de armar um exército para marchar sobre Tebas. Ficou decidido, então, consultar o oráculo. Respondeu este que o rei não teria segurança no trono senão depois de voltar à pátria o velho Édipo. Os dois irmãos, então, mandaram procurar Édipo, que respondeu com imprecações contra eles: "Filhos que teriam podido socorrer o pai recusaram-se a dar-lhe assistência, e, na falta de uma palavra da parte deles, fui entregue ao exílio e à indigência. Minhas filhas, na medida que lhes permite a fraqueza do sexo, me nutrem, me abrigam e me dispensam todos os cuidados da piedade filial ; eles, pelo contrário, à salvação do pai preferiram o trono e o poder soberano. Assim, jamais obterão o meu auxílio, jamais terão o tranqüilo gozo do reino de Cadmo. Não, que os deuses jamais extingam as suas fatais discórdias! Que o que hoje possui o cetro fique privado dele, e que o exilado jamais torne a passar pelos muros de que foi expulso! Eles que viram o pai indignamente expulso da pátria, sem retê-lo nem defendê-lo!" (Sófocles). Édipo morreu na Ática após proferir a maldição contra os filhos. Diz Pausânias que o seu túmulo estava perto de Atenas no recinto consagrado aos Eumênidas.

CAPÍTULO IV

O LOURO DE APOLO

Apolo e o Amor. — A metamorfose de Dafne. — Desespero de Clítia.

Apolo e o Amor

O louro com o qual se coroam os poetas provém de uma metamorfose operada por Apolo. Orgulhoso da vitória que lograra contra a serpente Pitão, encontrou o deus o filho de Vênus, que empunhava o arco, e riu-se do uso que ele fazia da arma. Cupido, irritado, resolveu vingar-se: possui esse deus duas espécies de setas, das quais umas inspiram o desejo, outras a repulsão. Havia no bosque vizinho uma encantadora ninfa, Dafne, filha do rio Penou. Sabendo que Apolo devia passar pelo ponto em que ela se achava, Cupido disparou contra o deus a flecha do desejo, e contra Dafne a flecha da repulsão.

A metamorfose de Dafne

Mal Apolo percebeu a ninfa, sentiu o coração perturbado e quis aproximar-se dela, para contar-lhe a recente vitória, esperando, dessarte, agradar-lhe. Visto que ela fugia, acrescentou que era o deus da luz, honrado em toda a Grécia, filho do poderoso Júpiter, inventor da mezinha e benfeitor dos homens. Mas em vez de ouvi-lo, a ninfa, que sentia por ele irresistível aversão, pôs-se a correr

Fig. 200 — Apolo e Cupido (segundo uma pedra gravada antiga).

através dos bosques. Apolo, não compreendendo tal procedimento, seguiu-a dizendo: "Espera, formosa ninfa : o que te segue não é inimigo. A ovelha foge do lobo, a novilha foge do leão, a tímida pomba foge da águia; mas eles são inimigos, ao passo que o que me obriga a seguir-te é apenas o amor. Pára, tenho medo de que os espinhos te firam, e eu seja a causa dos teus ferimentos." (Ovídio).

Apolo parou, temendo que ela, na fuga, tombasse perigosamente. Mas notando que a ninfa redobrava a velocidade, em vez de diminuir os passos, julgou que ela o não tivesse ouvido, e que lhe seria dado convencê-la facilmente, se conseguisse aproximarse-lhe. Atirou-se, então, à perseguição, como os cães no rasto das lebres, e terminou por alcançá-la no momento em que a ninfa chegava à margem do rio Peneu, seu pai. Dafne suplica, então, ao rio que lhe arranque tão funesta beleza, e sente imediatamente os membros engordar e o corpo cobrir-se de fina casca; os cabelos se lhe mudam em folhas, os braços tornam-se ramos, os pés, outrora tão leves, prendem-se à terra, a cabeça transforma-se-lhe em copa. Estava metamorfoseada em loureiro: Apolo quer tocar a árvore, e sente sob a casca palpitar um coração. Tece uma coroa para com ela ornar a sua lira de ouro, e desde então os vencedores recebem ramos de loureiro em lugar dos ramos de carvalho de antes. Várias pinturas de Herculanum nos mostram a aventura de Dafne cuja metamorfose está muito bem fixada numa estátua de Villa Borghese. Na escultura dos últimos séculos, Coustou compôs um grupo de Apolo perseguindo Dafne, e que podemos ver no jardim das Tulherias (fig. 201). Le Bernin compôs também um famoso grupo que se encontra em Roma. Entre os quadros executados sobre o mesmo tema, os mais conhecidos são os de Poussin, Rúbens e Carle Maratte (fig. 202). Há, outrossim, no Louvre um quadrinho de Albane em que se nos depara a ninfa fugindo velozmente de Apolo, enquanto o Amor voa, sorridente, nas nuvens. O século dezoito só viu nessa lenda uma aventura galante, e como é proverbial a beleza de Apolo, concluiu-se que. se o deus não soube agradar à ninfa, foi exclusiva-mente por culpa sua: "Cruelle, arrêtez-vous de grâce! Je suis le régent du Parnasse, le fils naturel de Jupin; je suis poete, médecin, je suis chimiste, botaniste, je suis peintre, musicien, exécutant et syntphoniste;

je suis danseur, grammairien, astrologue, physicien; je suis..." Pour fléchir une belle, au lieu de lui parler de soi, il est plus adroit, selon moi, et plus doux de lui parler d'elle. (Demoustier) (1)

Fig. 201 — Estátuas de Guillaume Coustou (no jardim das Tulherias).

(1) Cruel, detém-te, por favor' Sou o regente do Parnaso, filho natural de Júpiter; Sou poeta, médico, Sou químico, botânico, Sou pintor, sou músico, executante e sinfonista. Sou dançarino, gramático, astrólogo, físico; sou..." Para seduzir mulher bela, em. lugar de falarmos de nós, é mais certo, a meu ver. e mais suave, falarmos dela. (Demoustier)

Os mitologistas modernos vêem no mito de Dafne uma personificação da aurora. Assim, quando dizemos: a aurora desaparece, mal o sol desponta, os gregos teriam dito na sua linguagem mitológica: Dafne foge quando Apolo pretende aproximar-se dela.

Desespero de Clítia

De resto, se Apolo foi desdenhado por Dafne, vingou-se bem contra a infeliz ninfa Clítia, que morria de

Fig. 202 — Apolo perseguindo Dafne (segundo um quadro de C. Maratti).

amor, enquanto ele se mantinha indiferente. O desprezo atirou-a a um terrível desespero e a companhia das ninfas tornou-se-lhe insuportável. Deitada noite e dia sobre o chão, cabelos esparsos, ela desfazia-se em lágrimas, e não queria outro alimento senão o orvalho do céu. Voltava sem cessar os olhos para o sol e acompanhava-o durante todo o seu curso. O corpo terminou por se lhe enraizar na terra, e o rosto tornou-se-lhe uma flor que continua a voltar-se para o lado do sol, de modo que, apesar da metamorfose. ela revela sempre o amor que sempre teve por Apolo.

CAPÍTULO V

A LIRA DE APOLO

A lira e a flauta. — O sileno Mársias. — As orelhas do rei Midas.

A lira e a flauta

O sol, pela regularidade com a qual difunde todos os dias a luz, era considerado pelos antigos o príncipe que preside às harmonias do universo. A astronomia era uma Musa, cujas leis não diferiam das que regem a música. Apolo foi, portanto, encarado desde logo como deus da harmonia, e a lira passou a ser-lhe o atributo. É então considerado príncipe da inspiração poética e torna-se condutor das Musas. A arte o apresenta coroado de louro e com uma longa túnica, e ele assume o nome de Apolo Musageta. Uma esplêndida estátua do Vaticano o representa sob tal aspecto. Essa estátua serviu de modelo às medalhas de Nero, que representam o

imperador disputando no teatro o prêmio de citara, Foi descoberta em Tivoli, em 1774, assim como sete estátuas de Musas (fig. 204). A lira aparece como atributo de Apolo, mesmo quando já não é condutor das Musas, e de certo modo faz parte do seu costume, como a aljava e as setas. Em grande número de monumentos, Apolo empunha a lira, embora esteja nu. Para os gregos. era a lira um instrumento nacional, por oposição à flauta que representava a música frigia.

Fig 203 - Medalha com os atributos de Apolo.

O sileno Mársias

O sileno Mársias é o fiel seguidor de Cíbele e desempenha ao pé dela papel análogo ao que o outro sileno desempenha ao pé de Baco de quem foi benfeitor. Mársias. que os monumentos nos apresentam freqüentemente dando uma aula ao jovem Olimpo, seu discípulo (fig. 205), é uma personificação da música frigia, e sobretudo da flauta, por oposição à lira usada na Europa. Numa invasão levada a efeito pelos gálatas na Frigia. Mársias fez transbordar as águas dos rios, ao som da flauta, e salvou o país da conquista. Mársias, orgulhoso do seu talento na flauta, ousou desafiar Apolo, e ficou estabelecido que o vencido se

Fig. 204 — Apolo Musageta (estátua antiga, em Roma).

submeteria à mercê do vencedor. Apolo cantou enquanto tocava a lira, e as Musas, escolhidas como juízes, lhe concederam a vitória. O pobre Mársias foi pendurado a um pinheiro e impiedosamente esfolado. Os sátiros e as ninfas choraram tanto, que as suas lágrimas formaram um rio o qual lhe traz o nome. As flautas do infeliz frígio caíram na correnteza, e foram levadas. O movimento das ondas conduziu-as às praias de Sícion. Um pastor pegou-as, e consagrou-as num templo dedicado a Apolo. Quanto à pele do vencido, fez com ela um odre que foi colocado na cidade de Celene, pátria de Mársias, e pendurado a uma

Fig 205 — Mársias e Olimpo.

coluna. Quando alguém tocava flauta à moda frigia, a pele agitava-se em sinal de satisfação, enquanto ao som da lira, permanecia em completa imobilidade. O jovem frígio que, nas representações antigas do suplício de Mársias, aparece atrás de Apolo e, às vezes, lhe segura a seta, parece ser Olimpo, que, quase sempre, intercede pelo amo. Mársias em geral pende de uma árvore: assim é a famosa estátua do Louvre, onde o sileno tem os pés

pousados numa cabeça de bode (fig. 207). No Mársias da galeria Giustiniani, Apolo segura a pele do sileno, que, em outras ocasiões, está presa à lira do deus de Delfos. O suplício de Mársias figura igualmente num baixo-relevo do museu PioClementino e numa multidão de pedras gravadas. Às vezes é o próprio Apolo que esfola a sua vitima; mais freqüentemente, porém, assiste ao suplício infligido ao infeliz por escravos citas. Uma belíssima estátua antiga do museu de Florença, conhecida pelo nome de Amolador, representa um cita afiando a faca. Havia, com

Fig, 206 — Apolo e Mársias (segundo uma pedra gravada antiga).

efeito, em Atenas uma companhia de citas encarregados das execuções, e é o que explica essa tradição. A luta entre Mársias e Apolo figura nos monumentos antigos tanto quanto o suplício. Em vasos é-nos dado ver Apolo tocando diante da assembléia dos deuses, enquanto Mársias e o seu discípulo Olimpo o ouvem com atenção; noutros, é, pelo contrário, Mársias que toca diante de Apolo coroado de louros, e Baco assiste à cena.

Fig. 207 — Mársias (segundo urna estátua antiga. museu do Louvre).

Enfim, várias medalhas, notadamente as de Apameu, na Frigia, mostram Mársias tocando a flauta. Um quadro de Zêuxis, representando o suplício de Mársias, gozou na antiguidade de enorme fama. Após a conquista romana, foi roubado aos gregos e levado a Roma, para decorar o templo da Concórdia. Rúbens, le Guerchin, le Guide e outros mestres pintaram o suplício de Mársias. A rivalidade entre o Oriente e o Ocidente reaparece sob mil formas na Fábula, mais particularmente, todavia, sob a relação musical. A história de Mársias no-la mostra com o caráter selvagem que os povos primitivos sempre dão à luta. Não parece que os escritores da antiguidade tenham ficado vivamente impressionados pela crueldade do deus da música, mas vários emitiram dúvidas sobre a legitimidade da sua vitória. Eis como o historiador Diodoro de Sicília narra a aventura: "Apolo e Mársias, diz ele, apostaram em quem seria capaz de originar maior prazer e efeito, cada um no seu instrumento; tiveram por juízes os habitantes de Misa. O deus tocou uma ária na lira. Em seguida, Mársias pegou a dupla flauta, e os juízes, encantados com a doçura e a novidade dos sons que dela o artista soube tirar, lhe deram a preferencia. Apolo, após conseguir que se realizasse outra prova, uniu a voz ao som da lira e arrebatou os votos. Mársias, então, reclamou, dizendo que se tratava de julgar do instrumento e não da voz, e que, aliás, era injusto opor uma única arte a duas reunidas. Diante daquilo, respondeu o deus que só empregava os meios de que se valia o próprio Mársias, ou seja, a boca e os dedos; a razão foi tida por sensata, e na terceira prova Apolo foi novamente declarado vencedor. Indignado da ousadia de Mársias, o deus esfolou-o vivo." Os poetas cômicos apoderaram-se de Mársias, para dele fazer o tipo do ignorante presunçoso, e Mársias tornou-se personagem burlesca. O mito revestiu-se, sob o domínio romano, de importância totalmente diversa; foi então considerado uma alegoria da justiça equitativa, mas inexorável. É o que explica porque a lenda está tão freqüentemente representada nos monumentos artísticos. As estátuas de Mársias esfolado figuravam nas praças públicas que se faziam os julgamentos, e em todas as colônias romanas era visto perto do tribunal.

As orelhas do rei Midas

Análogo concurso, mas seguido de efeitos mais ridículos que desastrosos, ocorreu entre Apolo e o deus Pã. Este deus, orgulhosíssimo do seu talento musical, levou um dia a vaidade ao ponto de desafiar Apolo, cuja lira e cuja voz não tinham rivais. Todos os assistentes deram a vitória ao deus da luz, com exceção de Midas, rei da

Fig. 208 — Apolo e Mársias, numa medalha de Antonino, com atributos do deus.

Frigia, o único que ousou contradizer o julgamento. Apolo, não querendo que orelhas tão grosseiras conservassem por mais tempo o formato das dos outros homens, alongou-lhas, cobriulhas de pelos e tornou-lhas móveis; numa palavra, deu-lhe orelhas de burro. O resto do corpo manteve-se o mesmo.

Midas para ocultar a deformidade, cobria-a sob magnífica tiara. O cabeleireiro incumbido dos seus cabelos percebera tudo, mas não tivera ânimo para transmitir a descoberta a ninguém. Importunado por tal segredo, vai a um lugar afastado, faz um buraco no chão, aproxima-se o mais possível, e diz em voz baixa que o seu amo tinha orelhas de burro; em seguida, tapa o buraco, julgando ter assim encerrado para sempre o segredo, e retira-se. Mas uns caniços traíram-lhe o segredo, pois toda vez que havia vento, repetiam: O rei Midas tem orelhas de burro. Le Guide compôs um Julgamento de Midas, em que Apolo toca rabeca. Rubens pintou o mesmo tema num quadro do museu de Madri.

CAPÍTULO VI

AS MUSAS

Júpiter e Mnemósina. — Atributos das Musas. — As filhas de Piero. — As Musas vitoriosas contra as sereias.

Júpiter e Mnemósina

As Musas pertencem originariamente à família das ninfas: são as fontes inspiradoras que comunicam aos homens a faculdade poética e lhes ensinam as divinas cadências. O seu número tem variado bastante segundo os tempos e as localidades; mas primitivamente eram apenas três, Melete (A Meditação), Mneme (A Memória) e Aoide (O Canto). Habitualmente são nove irmãs que Hesíodo diz terem nascido de Júpiter e Mnemósina, a Memória. "Na Pieria, Mnemósina, que reinava sobre as

colinas de Eleutério, unida ao filho de Saturno, deu à luz essas virgens que proporcionam o esquecimento dos males e o fim das dores. Durante nove noites, o prudente Júpiter, deitando-se no leito sagrado, dormiu ao lado de Mnemósina, longe de todos os imortais. Um ano depois, tendo as estações e os meses percorrido o seu curso, bem como os dias, Mnemósina deu à luz nove filhas animadas do mesmo espírito, sensíveis ao encanto da música e trazendo no peito um coração isento de inquietações; deu-as à luz perto do pico elevado do nevoso OIimpo no qual elas formam coros brilhantes e possuem pacíficas moradas. Ao seu lado, postam-se as Graças e o Desejo nos festins, em que a sua boca, expandindo amável harmonia, canta as leis do universo e as respeitáveis funções dos deuses. Orgulhosas da belíssima voz e dos seus divinos concertos, subiram ao Olimpo; a terra negra ecoava-lhes os acordes, e sob os seus pés se erguia um ruído sedutor, enquanto elas rumavam para o autor dos seus dias, o rei do céu, o senhor do trovão e do raio ardente, o qual, poderoso vencedor de seu pai Saturno, distribuiu eqüitativamente entre todos os deuses as incumbências e honras. Eis o que cantavam as Musas moradoras do Olimpo, as nove filhas do grande Júpiter, Clio, Euterpe, Talia, Melpômene, Terpsícore, Erato, Polímnia, Urânia e Calíope, a mais poderosa de todas, pois serve de companheira aos veneráveis reis. Quando as filhas do grande Júpiter querem honrar um desses reis, filhos dos céus, mal o vêem nascer derramam-lhe sobre a língua um delicado orvalho, e as palavras lhe fluem da boca como verdadeiro mel. Eis o divino privilégio que as Musas concedem aos mortais." (Hesíodo). As Musas eram respeitadíssimas e o talento dos artistas tido como dom das nove irmãs. Nas suas estátuas, liam-se inscrições como a seguinte : "Ó deus, o músico Xenocles mandou erguer-vos esta estátua de mármore, monumento da gratidão. Todos dirão: 'Na glória que lhe proporcionou o seu talento, Xenocles não se esqueceu daquelas que o inspiraram'." (Teócrito).

Atributos das Musas

Para compreendermos as honras que os antigos prestavam às Musas, devemos lembrar-nos de que nas épocas primitivas a poesia é um dos agentes mais poderosos da civilização. A arte representa as Musas sob a forma de jovens cobertas de longas túnicas; usam, às vezes, plumas na cabeça, como recordação da vitória obtida contra as sereias, mulheres-pássaros. As Musas foram sendo, pouco a pouco, caracterizadas por atributos especiais, e a arte reservou a cada uma delas um papel particular. Clio, a musa da história, está caracterizada pelo rolo que segura. Calíope preside aos poemas destinados a celebrar heróis. A escultura a representou sentada num rochedo do Parnaso; parece meditar e prepara-se para escrever versos em tabuinhas que segura numa das mãos. A máscara trágica, a coroa báquica e o coturno de que está calçada Melpômene a dão a reconhecer por musa da tragédia. Usa, às vezes, os atributos de Hércules para exprimir o terror ; a sua coroa báquica lembra que a tragédia foi inventada para celebrar as festas de Baco. Há no Louvre uma estátua colossal de Melpômene que pertence à mais bela época da arte grega (fig. 209). Terpsícore, Musa da poesia lírica, da dança e dos coros, está habitualmente coroada de louros e toca lira para animar a dança (fig. 210). A máscara cômica, a coroa de hera, o cajado de pastor, de que se serviam os atores na antiguidade, o tímpano ou tambor em uso nas festas báquicas são os atributos comuns de Talia, musa da comédia. Erato é a Musa da poesia amorosa, e em geral empunha uma lira. Tinha Erato grande importância nas festas que se realizavam por ocasião das núpcias (fig. 211). A Musa que preside à música, Euterpe, empunha uma flauta. Temos no Louvre várias estátuas de Euterpe notáveis. A Musa da música está, por vezes, acompanhada do corvo, ave de Apolo.

Fig. 209 — A Musa Melpômene (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre).

Urânia, Musa da astronomia, segura um globo numa das mãos e na outra um rádio, varinha que servia para indicar os sinais vistos no céu. Polímnia, Musa da eloqüência e da pantomima, está sempre envolta num grande manto e em atitude de meditação. Muitas vezes tem uma coroa de rosas. Uma belíssima estátua do Louvre a mostra apoiada ao rochedo do Parnaso, com a cabeça sustida pelo braço direito. Está figurada na mesma posição num baixorelevo representando a apoteose de Homero. Nos monumentos antigos, Apolo aparece freqüente-mente como condutor das Musas. Chama-se, então, Musagete, e usa uma longa túnica. Esse tema agradava bastante aos artistas da Renascença, que o representaram com freqüência. O belo quadro de Mantegna, que o catálogo do Louvre designa sob o nome de Parnaso, representa Apolo fazendo dançar as Musas ao som da lira, na

Fig 210 — A Musa Terpsíore (segundo uma pedra gravada antiga).

presença de Marte, Vênus e Cupido colocados sobre uma elevação. No canto, Mercúrio empunhando um longo caduceu apóia-se sobre o cavalo Pégaso. Rafael, no célebre afresco do Vaticano, também coloca as Musas sob a presidência de Apolo, conforme à tradição, que as faz seguir o deus da lira. O próprio Apolo dança com as Musas, na famosa ronda das Musas, pintada por Jules Romain. O lugar das Musas era naturalmente assinalado nos sarcófagos, assim como as máscaras de teatro que ali

Fig. 211 — Erato e Cupido (segundo uma pedra gravada antiga).

vemos freqüentemente esculpidas. A vida era considerada um papel que cada um desempenhava ao passar pela terra, e quando era bem desempenhado, conduzia à ilha dos Venturosos. Todos esses velhos usos desapareceram pelo fim do império, e o papel civilizador que se atribuíra às Musas foi esquecido. Um dos últimos escritores pagãos, contemporâneo das invasões bárbaras, o historiador Zózimo, fala da destruição das imagens das Musas do Helicão, que haviam sido conservadas ainda na época de Constantino. "Então, diz ele, fezse guerra às coisas santas,

mas a destruição das Musas pelo fogo foi um presságio da ignorância em que o povo iria tombar." Baco, tão freqüentemente quanto Apolo, está representado conduzindo o coro das Musas, e até parece que acabou por ter mais importância em tal papel do que o deus de Delfos. A inspiração vem da ebriedade divina, e aliás Baco é o inventor do teatro. No coro das Musas, a declamação não podia deixar de ocupar o seu posto ao lado da invenção. O magnífico túmulo conhecido pelo nome de Sarcófago das musas, no Louvre, foi descoberto no começo do século XVIII, a uma légua de Roma, na estrada de Óstia. O baixo-relevo principal representa as nove Musas, caracterizadas pelos seus atributos distintivos. Calíope, empunhando o cetro está em companhia de Homero e Erato conversa com Sócrates: eis o tema dos dois baixos-relevos que ornam as faces laterais. Na lousa, vê-se um festim báquico, em alusão às alegrias da vida futura.

As filhas de Piero

As nove filhas de Piero, rei da Macedônia, eram tão vaidosas em virtude do seu talento de executantes de música, que resolveram desafiar as Musas. Cantaram o combate dos Gigantes, ridicularizando bastante os deuses, que tinham sido obrigados a transformar-se em animais para escapar ao espantoso Tifão. Ouvindo falar tão mal de Apolo, as Musas, suas companheiras, mal lograram refrear a indignação. Mas como todas as ninfas da região tivessem sido convocadas como juizes da contenda, foi preciso dar a réplica, e após preludiar no alaúde, cantou Calíope o misterioso rapto de Prosérpina. A Musa saiu vitoriosa da luta, mas não reconhecendo o veredicto das ninfas que elas haviam chamado como juízes, as filhas de Piero tentaram agredir as Musas sagradas do Helicão. O castigo não se fez esperar, pois foram metamorfoseadas

em pegas ; conservando sempre a mesma vaidade e o mesmo desejo de falar, fazem ecoar nos bosques os seus gritos importunos e a voz enrouquecida. Reconhece-mos em tal tradição a paixão que caracteriza as rivalidades de escola nas artes. Um lindo quadrinho do Louvre, outrora atribuído a Perino del Vaga, e atualmente a Rosso, representa as Musas e as filhas de Piero, ao pé de um cabeço sombreado onde as divindades as ouvem e julgam.

As Musas vitoriosas contra as sereias

As sereias participam simultaneamente da mulher e da ave; mas os monumentos primitivos lhes dão apenas a cabeça e os braços de mulher com corpo de ave (fig. 213), ao passo que em época posterior lhes foi atribuído corpo de mulher com patas e asas de ave (fig. 212). Os deuses concederam-lhes asas para que elas pudessem

Fig. 212 — Sereia.

procurar Prosérpina, quando esta deusa foi raptada por Plutão. As sereias, que eram consideradas Musas da morte, eram célebres pela doçura do canto. Passavam a vida em rochedos, onde faziam morrer os navegantes atraídos pelo

Fig. 213 — Sereia.

seu canto. Homero chama às sereias sedutoras de todos os homens que delas se acercam : "Aquele, diz ele, que impelido pela imprudência, escutar a voz das sereias, nunca mais verá a esposa, nem os filhos queridos os quais, no entanto, ficariam contentíssimos com o seu

Fig. 214 — As sereias depenadas pelas Musas (baixo-relevo antigo). Dafne. Apolo.

regresso; as sereias deitadas num prado cativá-lo-ão com as suas vozes harmoniosas. Em torno delas estão as ossadas e as carnes ressecadas das vítimas." (Odisséia). As sereias ousaram medir-se com as Musas, mas estas saíram vitoriosas do combate e depenaram as pobres sereias. A cena figura num baixo-relevo antigo. Como lembrança dessa vitória é que as Musas usam, às vezes, penas na cabeça. Parece que as sereias se atiraram, desesperadas, à água, e é talvez por isso que os artistas dos últimos séculos, confundindo-as com as tritônidas, lhes dão sempre a forma de mulheres-peixes.

CAPÍTULO VII

ORFEU

A lira de Orfeu. — Orfeu e Eurídice. — Orfeu dilacerado pelas bacantes.

A lira de Orfeu

As Musas são divindades virgens, que só apreciam a poesia e os versos. Vênus perguntou um dia a seu filho Cupido por que motivo jamais as ferira com as suas setas. "Respeito-as, minha mãe, respondeu Cupido, por serem respeitáveis, sempre imersas na meditação, e sempre ocupadas em cantos; mas acerco-me delas com freqüência, seduzido pelas suas melodias." (Luciano). A castidade das Musas era proverbial na antiguidade; mas na linguagem alegórica, dizia-se de um grandíssimo poeta ou músico que era filho das Musas. É a esse título que Orfeu era chamado filho de Calíope e Apolo. Orfeu exprime mitologicamente o arroubo que a música causava

nos povos primitivos. A sua voz melodiosa e a sua lira feiticeira operam por toda parte prodígios. Quando os argonautas partem em busca do velocino de ouro, o navio Argos, que devia conduzilos, mantinha-se imóvel na praia; ao som da lira de Orfeu, desliza sozinho para as águas. As árvores inclinam-se para ouvir o divino músico, os rochedos mudam de lugar para melhor escutá-lo, os rios suspendem o seu curso, as feras, subitamente amansadas, rastejam-lhe aos pés (fig. 215).

Fig. 215 — Orfeu.

Homero e Hesíodo não falam de Orfeu, e Aristóteles põe em dúvida a sua existência histórica; mas os platônicos atribuíram grande importância a essa personagem, que aos olhos deles se torna um sábio poeta e teólogo, iniciado nas doutrinas do antigo Egito, e fundador, para a Grécia, dos mistérios de Ceres. Embora tenha sido dilacerado pelas bacantes, passa também por ter propagado o culto de Baco.

Orfeu e Eurídice

Um encantador baixo-relevo antigo nos mostra Orfeu voltando-se para ver Eurídice que Mercúrio lhe conduz (fig. 216). Eurídice, a quem ele amava apaixonadamente, fora picada por uma serpente, e o poeta resolveu ir procurá-la entre as sombras. Aos sons da sua lira, os obstáculos desapareciam como que por encanto. As sombras esqueciam-se dos seus trabalhos e dos tormentos, para se unirem às suas lágrimas. Tântalo não pensava mais na sede, Sísifo já não rolava a pedra, as Danaides descuidavam o tonel, os abutres não dilaceravam o coração de Titio, e a roda de Ixião deixava de girar. As próprias Fúrias tornavam-se sensíveis e se enterneciam diante da dor de Orfeu. Plutão, subjugado pelos ais do infeliz esposo, consentiu em lhe devolver Eurídice, impondo, no entanto, a condição de que ele a não fitasse, antes de sair dos infernos, Mas rio momento em que Eurídice, seguindo o esposo, já ultrapassara todos os obstáculos, Orfeu, a quem só restava um passo para tornar a entrar no país da luz, esqueceu-se do juramento e voltou a cabeça para ver a mulher amada. Eurídice estende-lhe os braços, e Orfeu quer pegá-la, mas ela desaparece nas moradas subterrâneas dizendolhe um eterno adeus.

Orfeu dilacerado pelas bacantes

Após assim perder a sua Eurídice, Orfeu chorou sete dias inteiros nas margens do Aqueronte, sem querer nutrir-se; depois, retirou-se para a Trácia, evitando os homens e vivendo no meio dos animais, que os seus cantos

queixosos atraíam. As bacantes, no entanto, descobriram-lhe o refúgio e tentaram fazer com que ele contraísse novos laços matrimoniais; irritadas com o desdém dele, atacaram-no, gritando, e cobrindo-lhe a voz com o ruído dos seus tambores, atiraram-se furiosas sobre ele e o despedaçaram. A sua cabeça e a lira, lançadas ao rio que as levou ao mar, encantavam as margens com melodiosos sons.

Fig. 216 — Orfeu e Eurídice.

Fig. 217 — Orfeu no inferno (pedra gravada).

Fig. 218 — Orfeu perde Eurídice (segundo o quadro de Drolling).

Numerosas pedras gravadas antigas nos mostram Orfeu rodeado de animais a que encanta com os seus acordes (figs. 215 e 217). A lenda inspirou numerosos mestres dos últimos séculos, entre outros Rúbens, de quem temos no museu de Madri uma Eurídice reencontrando o esposo nos infernos, e um Orfeu no meio das feras. O mesmo tema foi tratado por Paul Potter, num quadro famosíssimo que faz parte do museu de Amsterdão, mas a inspiração mitológica do pintor holandês é bastante inferior, a nosso ver, às suas cenas campestres nas quais mostra simplesmente o que viu. A descida de Orfeu aos infernos constitui o tema do primeiro trabalho tentado por Canova. Um quadro de Drolling, conhecido pela gravura e que, outrora, fazia parte do museu de Luxemburgo, mostra Orfeu no momento em que perde Eurídice, levada de volta aos infernos por Mercúrio (fig. 218).

CAPÍTULO VIII

AS SETAS DE APOLO

Júpiter e Antíope. — Os filhos de Níobe

Júpiter e Antíope

Lico, neto de Cadmo e rei de Tebas, desposara Antíope, filha do rio Asopo, que lhe deu dois filhos, Anfião e Zeto. Antíope foi amada de Júpiter que a visitava sob a forma de sátiro, como nos mostra Correggio num soberbo quadro do Louvre (fig. 219). Repudiada pelo marido, Antíope foi colocada sob a vigilância de Dircéia, que se tornara esposa do rei. Esta maltratou cruelmente a rival e mandou que a encerrassem numa acanhada prisão. Mas os grilhões de que Antíope estava carregada se quebraram sozinhos, e ela procurou refúgio ao pé dos filhos que, a princípio, não reconheceram sua mãe. Dircéia, dedicadíssima ao culto de Baco, quis matar Antíope

Fig. 219 — Antíope (segundo um quadro de Correggio, museu do Louvre).

mandando que a amarrassem às presas de um touro, enquanto se celebravam as bacanais. Um pastor que criara Anfião e Zeto, fez com que estes a reconhecessem enfim, ministrando-lhes sinais certos de ser-lhes Antíope mãe, e eles, atirando-se contra as bacantes, libertaram a prisioneira, prenderam Dircéia às pontas do animal e mataram-na com o suplício por ela destinada à rival. O

suplício de Dircéia forma o tema de um grupo antigo célebre, no museu de Nápoles (fig. 220). Dircéia, após a morte, transformou-se em fonte, por obra de Baco, que feriu Antíope de loucura furiosa; a infeliz percorreu por algum tempo a Grécia em tais

Fig. 220 — Suplício de Dircéia (segundo um quadro antigo do museu de Nápoles).

condições, mas acabou sendo curada por Foco que a desposou. Lico foi expulso da cidade com toda a família, e Anfião tornou-se rei do país. Anfião foi o primeiro em erguer um altar a Mercúrio, e o deus para premiar-lhe o zelo deu-lhe de presente uma lira. Aos sons da lira de Anfião,

toda a natureza se comovia e as pedras se ergueram por si próprias para formar os muros d Tebas. O baluarte teve sete portas, tantas quantas eram as cordas da lira.

Os filhos de Níobe

Anfião desposou Níobe que, orgulhosa dos seus numerosos filhos, ousara rir-se da deusa Latona que só tinha dois. Pretendia receber as honras divinas, de modo que o culto de Latona era negligenciado. A deusa, ofendida, ordenou à profetisa Manto, filha do adivinho Tirésias, que reavivasse o zelo do povo. Impelida por uma inspiração divina, a profetisa põe-se a percorrer as ruas de Tebas, gritando: "Mulheres tebanas, coroaivos do louro, e oferecei incenso a Latona e a seus dois filhos; é a própria deusa quem vo-lo ordena pela minha boca." Todos obedecem; já todas as mulheres da cidade, trazendo coroas na cabeça, se apressavam em acender em honra a essas divindades o fogo sagrado, e em unir os seus votos à chama que se ergue sobre os seus altares. Entretanto, Níobe, esposa de Anfião e rainha de Tebas, vestida de uma túnica frigia toda esplendente de ouro. chega seguida do cortejo real. Detém-se e põe-se na frente da procissão: "Por que cegueira, diz ela, preferis supostos deuses aos que tendes diante dos vossos olhos, e como tendes a ousadia de oferecer sacrifícios a Latona, se ainda não queimastes incenso nos meus altares? Ignorais que sou esposa de Anfião, que ergueu os vossos muros ao som da sua lira, que sou filha de Tântalo, e que tenho por mãe uma das Plêiades? O grande Atlas, que sustenta o céu sobre os ombros, é meu avô, e o próprio Júpiter é simultaneamente meu avô e meu sogro. Os povos da Frigia me prestam honras que me são devidas, e vós preferis a mim essa Latona, errante e fugitiva, que o Céu, a Terra

e a Água repelem igualmente, e que se jacta de ter posto no mundo dois filhos, quando eu sou mãe de catorze!" Ordena, então, que se interrompa a cerimônia, e cada um lança a sua coroa de louro, para obedecer à rainha. Latona encarregou os filhos de vingar o ultraje. São Apolo e Diana que causam as mortes súbitas: quando se fala de alguém que foi atingido de morte fulminante, e cuja causa é desconhecida, diz-se: recebeu uma seta de Apolo. Um dia, quando Níobe estava rodeada dos seus catorze filhos cuja beleza ela admirava, ouve-se no ar uma espécie de silvo de seta e um dos filhos tomba morto sobre a areia. Seus sete filhos jazem aos seus pés, e a mesma sorte cabe, em breve, às sete filhas que tombam feridas por Diana. A morte dos catorze filhos de Níobe é instantânea; o pai, a mãe, as nutrizes e os pedagogos os vêem cair sem poderem prestar-lhes o menor auxílio. Estupefata, a infeliz Níobe imobiliza-se, e os seus próprios cabelos já não são mais agitados pelo vento; um palor mortal lhe cobre o rosto; os olhos estão fixos e sem movimento, a língua cola-se à boca ; ela se metamorfoseia em pedra. No entanto, ainda sabe chorar, pois as lágrimas que verte formam uma fonte que vemos jorrar de um pedaço de mármore. Anfião, seu esposo, matou-se, segundo alguns mitólogos; segundo outros, armou um exército para destruir o templo de Apolo em Delfos, e foi atingido pelo próprio deus, antes de lá chegar. A história dos filhos de Níobe, popularíssima na antiguidade, foi representada em famosas estátuas, dentre as quais algumas figuram entre as obras-primas cia arte. Le fatal courroux des dieux changea cette femme en pierre; le sculpteur a fait bien mieux, il a fait tout le contraire. (Voltaire)

(1)

______________________ (1) A fatal cólera dos deuses mudou esta mulher em pedra: o escultor fez muito mais, pois fez exatamente o contrário.

Plínio, falando do famoso grupo das Niobidas, não sabe se deve atribuí-lo a Scopas ou a Praxíteles (fig. 221). Seja quem for o autor do grupo, revela uma arte que se compraz em reproduzir temas adequados a remexer profundamente a alma, mas que, ao mesmo tempo, os trata com a temperança e a nobre reserva exigidas pelo gosto helênico nos mais belos tempos da arte. Se o artista não

Fig. 221 — Niobe e a menor de suas filhas (segundo um grupo antigo).

poupa nada para nos comover em favor de uma família, objeto da cólera dos deuses, a forma cheia de nobreza e de grandeza dos rostos não está absolutamente desfigurada pela dor física e pelo temor de um perigo iminente. A fisionomia da mãe, personagem principal da cena, exprime o desespero do amor materno e na maneira mais pura e elevada: a tradição poética nos ensina que a desventurada, emudecida pelo excesso de dor, foi trans-

formada em pedra, e o artista, conformando-se ao fato, evitou as desgraciosas contrações do rosto. As estátuas desse grupo foram descobertas em Roma, perto da porta de São Paulo, e acham-se atualmente em Florença. Mas há em outros museus estátuas isoladas famosíssimas, notadamente a de Munique. A morte dos Niobidas figura

Fig. 222 — O Pedagogo e um dos filhos de Niobe (segundo um grupo antigo).

freqüentemente em sarcófagos, e representa sempre a muda prece da mãe que perdeu os filhos de morte súbita. A trágica lenda era na antiguidade o tipo dos golpes imprevistos do destino.

CAPÍTULO IX

APOLO PASTOR

A ninfa Coronis. — O nascimento de Esculápio. — Apolo na corte de Admeto. — O pastor Aristeu.

A ninfa Coronis

Apolo está munido de uma aljava cujas flechas são inevitáveis : é ele que envia as pestes e as epidemias. Mas é ele também que cura as doenças, e em tais ocasiões todos os invocam. O título de deus salvador e reparador dos males convém perfeitamente ao sol personificado: contudo, o poder curativo de Apolo aparece sobretudo em seu filho Esculápio, tido da ninfa Coronis. Apolo apaixonara-se pela ninfa, mas tendo-lhe dito o corvo que ela amava outro, o deus, num acesso de ciúme, matou-a com uma das suas setas. Arrependeu-se imediatamente e metamorfoseou Coronis (palavra que significa gralha) na ave que traz esse nome; depois, para punir o corvo pela sua tagarelice, fê-lo negro, tirando-lhe a cor branca que o caracterizava. Foi depois dessa aventura que as duas aves passaram a ser consagradas a Apolo.

O nascimento de Esculápio

Quando Coronis morreu, estava para dar à luz um filho, que Apolo lhe tirou do seio e que foi Esculápio, cuja educação ficou atribuída ao centauro Quirão. A filha de Quirão, Ociroé, senhora do dom da profecia, exclamou ao vê-lo: "Cresce para o sol do mundo, menino! Os mortais dever-te-ão freqüentemente a existência. Ser-te-á dado até o dom de ressuscitar os mortos. Mas por o teres experimentado uma vez, a despeito da ordem estabelecida pelos deuses, o raio de teu avô impe-dirá que o tentes de novo." (Ovídio). A profetisa tinha razão, pois Esculápio seria fulminado por Júpiter por ter ressuscitado Hipólito; mas os que sabem ler o futuro nem sempre o devem revelar, e Ociroé pagou caro a indiscreção. Compreende imediata-mente que atraiu a cólera dos deuses, e vê-se transformada em égua. Quer chorar e o que se ouve são relinchos. Os dedos se lhe colam um ao outro, as unhas reunidas se transformam em cascos, a boca lhe cresce, o pescoço se alonga, a orla da túnica se lhe muda em cauda e os cabelos esparsos formam a crina, que lhe cai à direita do pescoço. Não tardou em espalhar-se a notícia de que o menino que acabava de nascer em Epidauro sabia curar todas as doenças e até ressuscitar os mortos. Esculápio realizou grande número de maravilhosas curas; mas a sua reputação se deve sobretudo às ressurreições. Quando ressuscitou Hipólito. filho de Teseu, que um monstro marinho matara, Plutão queixou-se a Júpiter, afirmando que lhe arrancavam direitos, retirando-lhe súditos, e o senhor dos deuses, achando justa a queixa, fulminou Esculápio,

Apolo na corte de Admeto

Apolo, furioso por ver que Júpiter lhe fulminara o filho Esculápio, pegou aljava e setas, e foi matar todos os ciclopes, obreiros incumbidos de fabricar o raio. Júpiter expulsou-o do céu, e Apolo, reduzido à condição de simples mortal, viu-se obrigado, para ganhar a vida, a guardar os rebanhos de Admeto, rei da Tessália. Em seguida, com Netuno, foi erguer os muros de Tróia para Laomedon, que lhe recusou a recompensa, quando a obra ficou pronta. Apolo vingou-se, enviando uma epidemia à região. Finalmente, após viver algum tempo na terra, em condição assaz humilde, Júpiter perdoou-lhe e permitiu-lhe subir de novo ao Olimpo. Albane, não podendo admitir que um deus como Apolo desempenhasse por muito tempo as funções de pastor, no-lo mostra no momento em que Mercúrio lhe anuncia a libertação e o fim do exílio. O deus, que com uma das mãos segura a lira e com a outra o cajado de pastor, percebe ao longe as Musas reunidas nas margens do Hipocrene, e Pégaso no topo do Helicão; no céu, as divindades do Olimpo, sobre nuvens, aprestam-se em lhe dar as boas-vindas.

O pastor Aristeu

O pastor Aristeu é uma divindade que preside os rebanhos, mas a sua missão especial é sobretudo a educação das abelhas. Era filho de Apolo e da ninfa Cirene. Apolo apaixonou-se por essa ninfa, e desejando saber quem era e a que família pertencia, perguntou-o ao

Fig 223 — Aristeu (segundo uma estátua antiga do Louvre).

centauro Quirão, o qual era adivinho. Este pareceu admirado com a pergunta. Tu me perguntas, respondeu, qual a origem da ninfa, tu que conheces o imperioso destino de todos os seres, tu que contas as folhas que surgem na terra, durante a primavera, e os grãos de areia que as vagas e os ventos fazem rolar nos rios e nos mares, tu cuja vista penetrante descobre tudo quanto existe, tudo quanto há de existir! Mas já que ordenas, vou responder-te: a sorte conduz-te a estes páramos para seres esposo de Cirene e levá-la além dos mares, aos deliciosos jardins de Júpiter. Lá, numa colina rodeada de formosos campos, se erguerá uma cidade poderosa, povoada por uma colônia de insulares da qual a farás rainha. "Em teu favor, a vasta e fecunda Líbia receberá com carinho essa ninfa destinada a dar leis a uma região igualmente famosa pela fertilidade e pelos animais ferozes que nutre. Lá, dará ela à luz um filho que Mercúrio roubará aos beijos da mãe para confiá-lo as cuidados da Terra e das Horas, de tronos esplendentes. Essas deusas acolherão o menino divino, pô-lo-ão ao colo, far-lhe-ão escorrer pelos lábios o néctar e a ambrósia e o tornarão imortal como Júpiter e Apolo. Será a alegria dos amigos, vigiará numerosos rebanhos, e o seu gosto aos trabalhos dos caçadores e dos pastores fará com que o chamem de Aristeu." (Píndaro). O pastor Aristeu foi, sobretudo, grande criador de abelhas, mas é como bom pastor que aparece, em geral, na arte. Inúmeros monumentos o representam trazendo uma ovelha aos ombros, e os artistas cristãos adotaram esse tipo que aparece freqüentemente nos seus trabalhos. Nas catacumbas de Roma, Jesus Cristo está representado sob a forma e com os atributos do pastor Aristeu.

CAPÍTULO X

ESCULÁPIO

Esculápio e Higéia. — A serpente de Esculápio. — O templo de Epidauro. — Os tratamentos de Esculápio. — Esculápio em Roma. — Hércules e Esculápio.

Esculápio e Higéia

Esculápio aparece na arte com as feições de homem maduro, expressão suave e risonha, de pé e a cabeleira amarrada por uma faixa ; segura na mão direita um bordão em torno do qual se enrola a serpente. Liga-se freqüentemente a um ,jovem, Telésforo (fig. 224). o génio da cura. ou a filha Higéia, deusa da saúde, de quem a arte fez uma jovem com a testa diademada e traz uma taça onde bebe uma serpente (fig. 229). Tivera de sua mulher Epíona (a calmante), vários filhos dentre os quais os mais famosos foram Podalira e Macaon. Hoje são encantadoras borboletas, mas na época da guerra de Tróia, foram prodigiosos médicos.

A serpente de Esculápio

A serpente é consagrada a Esculápio e considerada emblema da medicina. Há várias razões para isso: segundo Plínio, é porque ela se renova mudando de pele. O homem renova-se igualmente pela medicina, pois os remédios lhe dão como que um corpo novo. Segundo

Fig. 224 — Telésforo (segundo uma estátua antiga).

Higino, foi observando as serpentes, que o deus da medicina descobriu o segredo de ressuscitar os mortos. Estando um dia Esculápio perto de um enfermo, uma serpente enrolou-se-lhe em torno do bordão; Esculápio matou-a. Mas, imediatamente depois, outra, trazendo na boca uma erva, com ela ressuscitou a primeira. O deus pegou a

F g . 225 — Esculápio (segundo urna estátua antiga).

erva, mal percebeu a maravilhosa propriedade, e dela se valeu a partir de então. Parece, todavia, que a serpente de Esculápio difere da que se vê habitualmente. "Embora, em geral, as serpentes sejam consagradas a Esculápio, essa prerrogativa pertence, no entanto, a uma espécie particular cuja cor dá para o amarelo. Aquelas não fazem mal aos homens e o Epidauro é a única região em que se encontram." (Pausânias). Um baixo-relevo do Vaticano nos mostra Esculápio visitando um enfermo deitado no leito. No seu quadro da Oferta a Esculápio, Guérin nos apresenta um ancião

Fig. 226 — Esculápio, Higéia e Telésforo.

conduzido pelos filhos à presença da imagem do deus; a filha ajoelhada, contempla a serpente que se ergue acima do altar. O culto de Esculápio é velhíssimo na Grécia. Pausânias atribui-lhe a origem a Alexanor, neto de Esculápio, que teria vivido cerca de cinqüenta anos após a guerra de Tróia. "Alexanor, filho de Macaon e neto de Esculápio, veio à Sicionia, e construiu em Titano um templo em honra a Esculápio. Em volta, plantou-se um bosque de ciprestes, atualmente muito velho; as cercanias do templo são habitadas por várias pessoas, e notadamente pelos ministros do deus. Quanto à estátua que ali se vê, ninguém

saberia dizer de que matéria é feita, com exceção do próprio Alexanor. Está coberta por uma túnica de lã branca e por cima uma manta, de modo que só aparecem o rosto, os pés e as mãos. O mesmo se dá com a estátua de Higéia, perto, pois não a vemos facilmente, de tal maneira está oculta, quer pela quantidade de cabelos que mulheres devotadas lhes sacrificaram, quer pelos pedaços de pano de seda de que a ornaram. Quem quer que entre no templo para ali orar é obrigado, em seguida, a dirigir os seus rogos à deusa Higéia." (Pausânias) .

Fig. 227 — Esculápio visitando um doente. O templo de Epidauro

Epidauro era famosíssima na antiguidade pelo seu templo de Esculápio, rodeado por um bosque sagrado de ciprestes. Encontraram-se nele ruínas que se julgam ter pertencido ao santuário do deus. Imensa quantidade de enfermos iam de todas as partes da Grécia a Epidauro em busca de saúde e distração. O culto de Esculápio, que se espalhou por toda parte, fez com que se lhe erguessem grande número de templos, sempre situados nos lugares onde havia águas famosas, e os doentes ali se reuniam

como nos cassinos, nas nossas estações de águas, durante os lazeres que lhes deixava o tratamento.

Fig. 228 — Oferta a Esculápio (segundo um quadro de Guérin).

Pausânias nos legou uma descrição do templo de Esculápio em Epidauro : "O bosque consagrado a Esculápio, diz ele, está por todos os lados rodeado de grandes obstáculos; e nesse recinto não é permitido que morram os doentes e dêem à luz as mulheres, tal qual na ilha de Delos. Tudo quanto se sacrifica ao deus deve ser consumido em tal recinto ; os epidaurianos, como os estrangeiros, estão sujeitos a essa lei, e sei que a mesma coisa

Fig. 229 — Higéia (estátua antiga).

se observa em Titano. A estátua du deus e de ouro e marfim, porém (luas vezes menor que a de Júpiter Olímpico em Atenas; a inscrição afirma que se trata de uma obra de Trasímedo, filho de Arignoto, e oriundo de Par-cos. O deus está representado num trono, segurando com uma das mãos, e apoiando a outra sobre a cabeça de uma serpente. Para além do templo, construíram algumas casas para conforto das pessoas que vão fazer as suas preces a Esculápio; mais perto há uma rotonda de mármore branco que atrai a curiosidade; vêem-se ali

Fig. 230 — Higéia ou a Saúde (segundo uma pedra gravada antiga).

pinturas de Pausias; num dos lados um Cupido que se desfez do arco e das setas e empunha uma lira; no outro, a Bebedeira que sorve de uma garrafa de vidro. Através da garrafa, vemos um rosto de mulher. Havia, outrora, no mesmo recinto grande número de colunas, mas só restam atualmente seis, sobre as quais se escrevem os nomes dos que o deus curou: tudo está vazado na língua dórica. Numa antiga coluna que não está na fileira das demais, está escrito que Hipólito consagrou um cavalo de bronze a Esculápio, e os habitantes de Arícia possuem

uma tradição a tal respeito, pois dizem que Hipólito, tendo morrido em virtude das imprecações do pai, foi ressuscitado por Esculápio. Nunca perdoou a Teseu a sua crueldade, e, sem dar atenção aos seus rogos, foi a Arícia, cidade da Itália, e ali reinou e construiu um templo a Diana." (Pausânias).

Os tratamentos de Esculápio

Os doentes que iam consultar o deus eram primeiramente submetidos a certas práticas higiênicas, como o jejum, as abluções, os banhos, etc. Após tais preliminares, eram autorizados a passar a noite no templo. O deus lhes aparecia a maioria das vezes em sonho e prescrevia-lhes regulamentos que os sacerdotes interpretavam em seguida. Aristófanes, na sua comédia Plutus, faz, com a sua habitual rudeza, uma interessante narração do que se realizava no templo segundo as crenças populares. O doente de quem fala é um tal Plutus, ferido de cegueira, e a personagem que faz a narração é o escravo Cárion: Cárion. — Mal chegamos ao templo de Esculápio com Plutus, levamo-lo em primeiro lugar ao mar e ali o banhamos. Em seguida, voltamos ao santuário do deus. Após consagrarmos sobre o altar os presentes e outras oferendas, e após entregarmos a flor de farinha à chama de Vulcano, deitamos Plutus com as cerimônias exigidas e cada um de nós se dispôs num leito de palha. A mulher. — Havia também outras pessoas implorando o deus? Cárion. — Havia em primeiro lugar Neóclides (orador acusado de ter roubado o dinheiro público), o qual, embora cego, rouba com mais habilidade que os que vêem bem, depois muitos outros, com toda espécie de doenças. Depois de apagar as lâmpadas, o ministro do deus pediu-nos que dormíssemos e, se ouvíssemos ruído,

que nos calássemos. Deitamo-nos, todos, tranqüilamente. Quanto a mim, não conseguia conciliar o sono; certo prato de papa, colocado à cabeceira de uma velha, excitava a minha cobiça, e eu desejava ardentemente rastejar até lá. Ergo a cabeça; vejo o sacerdote tirar os presentes e os figos secos da mesa sagrada. Em seguida, dá a volta aos altares, um depois do outro, e todos os presentes que encontrava guardava-os cuidadosamente numa sacola. Eu, convencido da grande santidade da ação, salto sobre o prato de papa. A mulher. — Miserável! Não temias o deus? Cárion. — Sim, sem dúvida; temia que com a sua coroa chegasse antes de mim ao prato; a atitude do sacerdote falavame claro; a velha, ouvindo um ruído, estendeu a mão para retirar o prato; assobio então como serpente, e mordo-a. Imediatamente ela retira a mão, e se envolve, calada, nas cobertas, soltando, de medo, um gás mais pavoroso que o de um gato. Como a papa, e torno a deitar-me de ventre cheio. A mulher. — E o deus não vinha? Cárion. — Não. Depois, todavia, fiz uma boa farsa: quando ele se aproximou, fiz ressoar uma descarga das mais estrondosas, pois tinha o ventre bem cheio. A mulher. — Sem dúvida, rompeu em imprecações contra ti? Cárion. — Limitou-se apenas a não dar atenção. A mulher. — Queres dizer que este deus é grosseiro? Cárion. — Não, mas gosta da imundície (1). A mulher. — Ah, miserável! Cárion. — Entretanto, afundei no leito, de medo. O deus deu a volta e visitou gravemente todos os enfermos. Em seguida, um escravo lhe trouxe um almofariz de pedra, um pilão e uma caixinha. A mulher. — Mas como pudeste ver tudo isso, uma vez que te havias ocultado? Cárion. — Vi tudo através do meu manto, que está repleto de buracos. O deus pôs-se primeiramente a preparar um cataplasma para os olhos de Neóclides : pegou três cabeças de alho de Tenos, que amassou no almofariz, com uma mistura de goma e de suco de lentisco; banhou

________________ (1) Alusão aos médicos que comprovam o estado do enfermo pela inspeção dos excrementos.

tudo com vinagre esfetiano, depois aplicou-o no interior das pálpebras, para tornar menos pungente a dor. Neóclides gritou com toda a força e quis fugir. Mas o deus lhe disse, rindo: fica aqui com o teu cataplasma; quero impedir que prodigues perjúrios na assembléia. A mulher. — Que deus sábio e patriota! Cárion. — Em seguida, aproximou-se de Pluto; em primeiro lugar, auscultou-lhe a testa, depois lhe enxugou os olhos com um pano bem limpo: Panacéia cobriu-lhe a cabeça e o rosto com um véu de púrpura; o deus assobiou, e imediatamente duas enormes serpentes saíram do fundo do templo. A mulher. — Grandes deuses! Cárion. — Elas, depois de se infiltrarem suavemente sob o véu de púrpura. lamberam, assim creio, as pálpebras do enfermo; e em menos tempo do que levarias tu para beber dez cótilos de vinho, Pluto recobrou a vista. Eu, contentíssimo, bati as mãos e despertei o amo. Imediatamente o deus desapareceu, e as serpentes se ocultaram no fundo cio templo Mas os que dormiam perto de Pluto. com que afobação não o apertaram entre os braços! Ficaram acordados a noite inteira, até o aparecimento do dia. Quanto a mim, não cessava de agradecer ao deus ter devolvido tão depressa a vista a Pluto, e aumentado a cegueira de Neóclides. A mulher. — Divino poder de Esculápio!... (Aristófanes).

Esculápio em Roma

Esculápio foi igualmente honradíssimo pelos romanos. Havia três anos que uma enfermidade contagiosa fazia em Roma grandes estragos, sem que nenhum remédio parecesse pôr cubro ao terrível flagelo. Os pontífices, encarregados de consultar os livros das Sibilas, verificaram

que o único meio de devolver a salubridade a Roma era mandar vir Esculápio de Epidauro. Para tanto, foram ali enviados embaixadores e o deus se mostrou favorável, visto que permitiu que a sua serpente surgisse aos envia-dos de Roma. e com eles embarcasse no navio. Os embaixadores, satisfeitíssimos, apressaram-se em desfraldar as velas, após se informarem da maneira pela qual a serpente devia ser homenageada. Mal o navio entrou em Roma. a serpente, lançando-se a nado, arribou à ilha onde, mais tarde se lhe ergueu o templo. A epidemia cessou imediatamente. (Valério Máximo).

Fig. 231 — Esculápio na ilha do Tibre (segundo um medalhão de Cômodo).

Hércules Esculápio

Esculápio recebeu após a morte honras divinas, e foi admitido à mesa dos deuses, mas a darmos crédito as autores cômicos, brigou com Hércules, por uma questão de precedência. Júpiter tentou acalmá-los. "Cessai, disse-lhe, de brigar como homens; é uma coisa inconveniente e indigna da mesa dos deuses.

Hércules. — Queres, pois, Júpiter que este envenenador se sente antes de mim? Esculápio. — Certamente, pois que valho muito mais! Hércules. — Como, cérebro queimado? Será por te haver Júpiter fulminado por teres feito o que não devias fazer, e por teres sido admitido por simples piedade a partilhar do nosso imortal destino? Esculápio. — Esqueces tu, Hércules, de que foste queimado no Eta, tu que me censuras por ter passado pelo fogo. Hércules. — Pretendes insinuar, com isso, que vive-mos da mesma maneira? Filho de Júpiter, realizei prodigiosos trabalhos, purificando o mundo, lutando contra os seus monstros, punindo os bandidos que ultrajavam a humanidade; tu não passas de um herborista, de um charlatão, bom no máximo para aplicar remédios aos doentes, e nunca fizeste nada que fosse varonil. Esculápio. — Tens razão. Mas fui eu quem curou as tuas queimaduras, quando há pouco vieste ter aqui, com o corpo assado num dos lados pela túnica do centauro, e no outro pelo fogo. E se nada mais me restasse por dizer, não fui escravo como tu, não cardei lã na Lídia. vestido por uma túnica de púrpura, recebendo golpes da sandália dourada de Onfale, e sobretudo, num acesso de fúria, não matei meus filhos nem minha mulher. Hércules. — Se não acabares com as tuas insolências, saberás daqui a pouco que a tua imortalidade não poderá impedir que eu te agarre e te atire para fora do céu, de cabeça para baixo. Júpiter. — Calai-vos ambos, não perturbeis a reunião. Do contrário, pôr-vos-ei fora da porta." (Luciano).

CAPÍTULO XI

O SOL

O Sol e a ilha de Rodes. — Os sinais do Zodíaco. — O carro do Sol. — Queda de Faetonte. — As irmãs de Faetonte. — O rei Cicno.

O Sol e a ilha de Rodes

Hélios, o Sol, era na primitiva antiguidade inteiramente diverso de Apolo, com o qual se identificou posteriormente. O Sol vê tudo e revela tudo o que vê: ele é que denuncia a Vulcano a infidelidade de sua mulher, a Ceres o rapto da filha; o crime de Atreu o faz recuar horrorizado. Mas tais fatos não poderiam ser relacionados a Apolo, a cujo lado vemos o Sol formando uma personagem distinta, num baixo-relevo que representa Marte e Vênus surpreendidos por Vulcano.

Uma antiga estátua nos mostra o Sol sob forma de jovem vestido, segurando numa das mãos uma bola, e na outra a cornucópia : os cavalos que lhe conduzem o carro estão figurados em busto ao seu lado (fig. 232). O famoso colosso de Rodes que, segundo uma tradição errônea, deixava os navios passar com todas as velas enfunadas entre as pernas, era uma imagem do Sol e a mesma efígie se vê nas medalhas de Rodes. Quando, após a queda dos Titãs, os deuses olímpicos dividiram entre si o mundo, o Sol, que lá não estava, foi esquecido: queixou-se, e a ilha de Rodes saiu dos mares expressamente para lhe ser consagrada. Um belo baixo-relevo, descoberto recente-mente na antiga Tróia, mostra o Sol de cabeça radiada, conduzindo o seu carro : numa pintura de Herculanum vemo-lo conversando com uma das Horas.

Os sinais do Zodíaco

O Zodíaco é o espaço do céu que o sol percorre durante o ano e que está dividido em doze partes, onde se encontram doze constelações que correspondem aos seguintes sinais (fig. 233) : — 1, o Carneiro (abril) está acompanhado da pomba de Vênus; — 2, o Touro (maio) tem ao seu lado o tripé de Apolo; — 3, os Gêmeos (junho) estão seguidos da tartaruga de Mercúrio; — 4, o Câncer (julho) está unido à águia de Júpiter; — 5, o Leão (agosto) está unido ao cesto de Ceres, rodeado pela serpente mística; — 6, a Virgem (setembro) segura dois fachos e está acompanhada do barrete de Vulcano; — 7, a Balança (outubro), segura por um menino, tem perto a loba de Marte; — 8, o Escorpião (novembro) tem o cão de Diana; — 9, o Sagitário (dezembro), tem a lâmpada de cabeça de asno de Vesta; — 10, o Capricórnio (janeiro), o pavão de Juno; — 11, o Aquário (fevereiro) os delfins

Fig. 232 — O Sol (segundo uma estátua antiga).

de Netuno; — 12, os Peixes (março) o mocho de Minerva. Cada uma das doze grandes divindades vive, mais longa-mente, na constelação que tem os seus atributos.

O carro do Sol

A marcha do Sol sobre a terra, na mitologia, não se conforma aos princípios da moderna astronomia. O Sol (Hélios) sai do rio Oceano no Oriente, ergue-se, no meio-dia, até o ponto mais alto do céu, e em seguida ruma para o Ocidente, até o ponto em que reina eterna obscuridade, e que se chama Portas do Sol. Ali chegado, encontra um barco de ouro feito por Vulcano, e durante a noite. descreve um semicírculo sobre o rio Oceano que envolve a terra, e assim volta todas as manhãs ao ponto de onde partiu na véspera. Visto que sempre segue o mesmo caminho, o disco da terra está sempre iluminado por um lado (o que olha para o equador), ao passo que o outro lado (o que olha para o pólo) jamais recebe luz. É por isso que um dos lados do rio Oceano assume o nome de Costa cio Dia e o outro Costa da Noite. Quando o Sol deixa as regiões do Oriente para iluminar a terra, as Horas lhe abrem as portas do céu e atrelam ao seu carro (obra de Vulcano) cavalos alados que vomitam chamas. Os Dias, os Meses, os Anos, os Séculos, formam com as Horas o cortejo habitual do Sol, cujo palácio está situado nas extremidades do Oriente. No seu famoso quadro do palácio Rospigliosi, cuja com-posição está calcada num baixo-relevo antigo da Villa Borghese, Guido mostra o Sol escoltado pelas Horas e pelos Dias que se seguram pelas mãos para indicar o sucessivo encadeamento, e precedido da Aurora que semeia profusamente flores diante do carro do deus. O gigantesco Atlas, condenado, por se haver rebelado contra Júpiter, a suportar o céu sobre os fortes ombros,

marca o ponto do universo em que o Dia e a Noite se seguem alternativamente sem jamais se encontrarem. A costa das Hespéridas, nos confins do mundo, constitui o seu império; possui ele numerosos rebanhos, e vive num

Fig. 233

O Zodíaco (museu do Louvre).

esplêndido jardim, o jardim das Hespéridas, onde uma faiscante folhagem de ouro sombreia maçãs também de ouro. A colocação da morada do deus Montanha está, aliás, bastante mal determinada na Fábula, e a posição

de Atlas varia segundo o lugar em que se situam os confins do mundo. Assim, vemo-lo indistintamente no Cáucaso, na Líbia e na Mauritânia. Quando os progressos da navegação estabeleceram um sistema geográfico mais sério, Atlas passou a ocupar o lugar onde ainda hoje o vemos. O Atlas Farnese no museu de Nápoles, mostra o gigante suportando o céu sobre os ombros (fig. 234) ;

Fig 234 — Atlas Farnese museu de Nápoles)

está representado da mesma maneira em várias pedras gravadas. Atlas é pai das Plêiades. constelações que aparecem no signo do Touro, São em número de sete, mas há uma.

Merope, que não gosta de mostrar-se, por envergonhar-se de aparecer aos homens. Somente ela, com efeito, foi que teve por esposo um simples mortal, ao passo que as irmãs se uniram a deuses. As Plêiades inspiraram a Flaxman uma das suas mais graciosas composições (fig. 235).

Queda de Faetonte

Tinha o Sol um filho chamado Brilhante (Faetonte), e o jovem tirava do nascimento uma vaidade extrema. Numa divergência que teve um dia com um filho de Júpiter, Epafo, este ousou suscitar dúvidas quanto à sua origem divina. Faetonte em pranto foi procurar o pai, e suplicou-lhe que lhe desse sinais certos que pudessem provar ao universo de quem ele descendia. O Sol,

Fig. 235 — As Plêiades (segundo Flaxman).

enternecido pelo pesar do filho, jurou pelo Estige que lhe concederia o que ele pedisse, e Faetonte imediatamente lhe rogou permissão para conduzir o carro e iluminar o mundo durante um dia apenas. O Sol, que não podia faltar ao juramento, fez ao filho as mais sérias admoestações, para lhe mostrar o perigo que havia em serem os fogosos cavalos guiados por mãos inexperientes. Mas jurara pelo Estige, e a obstinação de Faetonte o obrigou a manter a palavra Foi preciso, assim resignar-se: quando as estrelas desapareceram e o crescente da lua se apagou, o Sol ordenou às Horas que atrelassem os cavalos, e Faetonte, encantado por segurar as rédeas e mostrarse, dessarte, ao mundo inteiro, saltou sobre o carro do pai._ Os quatro cavalos do Sol, enchendo o ar de rinchos e de chamas, batem com a pata a barreira do mundo, cuja porta as Horas abrem. Entretanto, percebem imediatamente que o carro por eles puxado não traz o habitual condutor, e, abandonando a estrada que ele os obrigava a seguir, perdem-se com espantosa rapidez em caminhos desconhecidos. Faetonte, inquieto, começa a empalidecer; mas quando notou o signo do Escorpião, que parecia ameaçá-lo com a cauda recurvada e pontuda, o espanto foi tal que abandonou as rédeas. Os cavalos, sentindo-as flutuar no dorso, e vendo-se privados de guia, cedem ao impulso do terror, e umas vezes se erguem até as estrelas do firmamento, outras descem até a terra pela qual chegam a roçar. Já se seca a relva, as árvores ardem, e terra se faz árida, as cidades desabam, as florestas e as montanhas se incendeiam, inteiras regiões se inutilizam para sempre, mares secam, e imensos desertos de areia os substituem. Foi nesse dia que os habitantes da África ficaram com a pele tostada. O Nilo, horrorizado, retira-se para as extremidades do mundo, e oculta a sua nascente, que, desde então, não pôde ser descoberta. As ninfas vêem as fontes secas, os rios não têm mais água. Netuno, encolerizado, por três vezes fura as águas do mar com os braços nervosos; e três vezes, o calor o obriga a buscar um refúgio nas profundezas. (Ovídio). Júpiter, verificando que a destruição do mundo seria geral, quer fazer cair chuvas sobre a terra, mas já não encontra nem nuvens, nem vapores. Pega então o raio e fulmina Faetonte, que tomba do carro (fig. 236). O

infeliz Sol, vencido pela dor que lhe causa a morte do filho, recusa-se a iluminar a terra, à qual só as brasas serviram de luz durante algum tempo, e voltou a desempenhar as funções exclusivamente por ordem expressa de Júpiter.

Fig. 236



Queda de Faetonte (segundo uma pedra gravada, museu de Florença).

As irmãs de Faetonte

As irmãs de Faetonte tiveram tal desgosto com a morte do irmão que durante quatro meses não lhe abandonaram o túmulo. Como não deixassem de chorar naquele lugar, perceberam que os pés se lhes enraizavam na terra

e que o corpo se lhes cobria de casca. As lágrimas que corriam das novas árvores se endureceram ao sol e tornaram-se gotas de âmbar. Recebeu-as o Eridano e é ali que as vão buscar para o fabrico das jóias com que se enfeitam as damas romanas. (Ovídio). Vemos em vários monumentos as Helíadas, irmãs de Faetonte, chorando a morte do irmão e prestes a serem metamorfoseadas em choupos. Rubens compôs sobre a queda de Faetonte um quadro que se encontra em Viena na galeria Lichtenstein. Na sua decoração do prédio Lambert, Lesuer pintara Faetonte pedindo ao pai que o deixasse guiar o carro do Sol. Finalmente, uma linda estátua de Teodonte, no museu do Louvre, nos mostra Faetusa, uma das irmãs de Faetonte, no momento da sua metamorfose (fig. 237).

O rei Cicno

O rei Cicno, que era amigo de Faetonte, foi testemunha de tais prodígios. E ficou até de tal modo impressionado pela catástrofe que atingiu o filho do Sol que, por ódio ao fogo, vivia mergulhado na água fria. Como nunca deixasse a água, o corpo acabou por se lhe transformar: os cabelos tornaram-se plumas brancas, o pescoço se lhe alongou desmedidamente, os dedos se reuniram um ao outro por uma membrana avermelhada, um fino bico lhe substituiu a boca e grandes asas surgiram em cada lado do corpo. Os deuses o tinham metamorfoseado em cisne. Legou-nos a antiguidade alguns monumentos em torno dessa lenda. Às vezes, vemos Faetonte estendido enquanto o carro ainda inteiro está no meio dos ares, ou então o carro despedaçado apresenta apenas uma roda e os cava-los, terrorizados, fogem desordenadamente, Outras, o infeliz condutor está ainda sobre o carro, mas o

movimento dos cavalos que se empinam dá a prever a sua queda. Um baixo-relevo da Villa Borghese representa em várias cenas a história de Faetonte. Num canto, em lugar elevado, vemos Hélios, o Sol, trazendo a coroa radiada e segurando na mão um facho e uma cornucópia. Seu jovem filho, posto na sua frente, pede-lhe a licença fatal

Fig. 237 — Faetusa (segundo uma estátua do museu do Louvre).

e nos dois lados do monumento se nos deparam os dois ventos opostos, que sopram em sentido contrário. Os cavalos arrastam desordenadamente o carro desconjuntado: somente dois ainda se acham atrelados, e são um pouco mantidos por Castor e Pólux, os dois divinos cavaleiros,

reconhecíveis pelo barrete cônico. Na parte inferior, vemos no lado direito, a Terra semi-deitada e perto dela os gênios das três estações : na frente está o Mar segurando um remo, e a ele um gênio apresenta uma concha. Entre eles, Júpiter e Juno representam as divindades do ar. Segue-se o rio Eridano, de costas voltadas para o mar, o qual recebe Faetonte, na queda deste. Cicno chora a morte do amigo e conduz o cisne de cuja forma se revestirá; segue-o o filho e as três irmãs de Faetonte, que serão metamorfoseadas em choupos. "O âmbar, se derdes crédito à lenda, diz Luciano, provém das lágrimas vertidas pelos choupos do Eridano, que são as irmãs de Faetonte, transformadas em árvores, de tanto chorar o infeliz jovem, e destilando prantos que formam o âmbar. Convencido da realidade da narração dos poetas, esperava eu que. se uni dia me visse perto do Eridano, estenderia a borda da minha túnica sob um dos choupos e recolheria algumas lágrimas. Não há muito, obrigado a visitar o país por objetivo inteiramente diverso, comecei a subir o Eridano; mas não percebi nem choupos, nem âmbar, muito embora olhasse com toda a atenção. Os habitantes nem sequer conhecem o nome de Faetonte. Informo-me, pergunto quando chegaremos aos choupos que destilam âmbar. Os barqueiros desatam a rir e pedem-me que eu lhes explique com clareza o que pretendo dizer. Conto-lhes a história de Faetonte. "Quem foi o mentiroso, retrucam-me, quem foi o impostor que vos impingiu tudo isso? Nunca vimos nenhum cocheiro cair aqui da boléia, e não temos os choupos que nos atribuís. Crede-nos, se fosse verdade, como haveríamos de nos cansar em remar por dois óbolos e a fazer subir os barcos contra a correnteza do rio, se dependesse exclusivamente de nós enriquecer-nos com a colheita das lágrimas desses choupos?" (Luciano).

CAPÍTULO XII

DIANA, IRMÃ DE APOLO

Tipo e atributos de Diana. — Diana caçadora. — O castigo de Acteão. — As ninfas de Diana. — Diana e Calisto.

Tipo e atributos de Diana

A irmã de Apolo, Diana (Artêmis) corresponde à lua, como Apolo ao sol. A semelhança do crescente da lua com um arco de ouro fez com que se lhe dessem os atributos de uma caçadora. O arco e o facho são os seus característicos. O penteado habitual de Diana é uma cabeleira amarrada num só birote atrás da cabeça ou sobre a testa, segundo a moda dórica. Originariamente, está envolta em longas vestes, e é assim que se vê nas representações primitivas (fig. 238). Mais tarde, modifica-se-lhe a vestimenta: na grande época da arte está ela vestida com a curta camisola dórica. De pernas e braços nus, corre nos bosques acompanhada das suas ninfas. Freqüentemente, encontra-se no seu carro puxado

por cervos, ou então de pé e caminhando depressa, seguida do seu animal predileto. Várias moedas representam a deusa ou os seus atributos.

Fig. 238 — Diana (segundo uma estátua antiga do museu de Nápoles).

O hino antigo de Calímaco descreve exatamente os desejos e as atribuições da deusa: "Cantemos Diana... (ai dos poetas que dela se esquecem!) cantemos a deusa que se apraz em lançar dardos, em perseguir gamos, em formar danças e jogos no topo das montanhas. Lembremo-nos do dia em que Diana, ainda criança, se achava sentada nos joelhos de Júpiter, e lhe dirigia a sua prece. "Concede-me, ó meu pai, concede-me a graça de permanecer sempre virgem e usar mais nomes que o próprio Febo. Dá-me, como a Febo, um arco e flechas... Não, meu pai, não cabe a ti armar tua filha; os ciclopes apressar-seão em me preparar dardos, e aljava. Dá-me, porém, o atributo distintivo de trazer fachos e revestir uma túnica

de franjas que só descera até os joelhos, para que me não veja embaraçada durante a caçada. Destina ao meu séquito sessenta filhas do Oceano, que tenham todas a idade em que ainda se não usam cintos. Que outras vinte ninfas, destinadas a servir-me nas horas em que eu deixar de ferir os linces e os cervos, se incumbam dos meus coturnos e dos meus fiéis cães. Cede-me as montanhas. Só peço uma cidade que será de tua escolha; Diana

Fig. 239 — Diana (segundo uma moeda antiga).

descera raramente às cidades. Habitarei os montes, e só me aproximarei das cidades no momento em que as mulheres torturadas pelas atrozes dores do parto, me chamarem em seu auxílio. Sabes que no dia do meu nascimento, as Parcas me impuseram a obrigação de as socorrer, porque o seio que me gerou não conheceu a dor e se livrou sem sofrer do seu peso." (Calímaco).

Fig. 240 — O cervo, atributo de Diana inuma moeda antiga).

Esse hino nos dá a explicação dos principais aspectos sob os quais Diana está representada na arte. Dá-se-lhe o epíteto de caçadora, quando persegue a caça ; chama-se Diana arcádia, quando se banha com as ninfas nos frescos regatos da Arcádia, Diana Lúcifer, quando traz fachos (fig. 241), Diana Ilitia, quando preside ao nascimento das crianças.

Diana caçadora

Considerada deusa da caça, Diana está sempre armada das suas flechas e da aljava. Catulo apresenta-a como soberana das montanhas, dos bosques e dos rios; é sempre nos profundos vales, à sombra das florestas ou na margem dos regatos que a vemos aparecer em Virgílio, em Horácio e em geral em todos os poetas. Nos baixos-relevos, nas moedas e nas pedras gravadas, Diana está quase sempre representada em vestes de caçadora. Tem habitualmente a atitude de pessoa que corre, segurando com a mão esquerda um arco e levando a direita à aljava posta às costas, como que para tirar dela uma flecha. Os cabelos, amontoados num birote repousam sobre a

Fig. 241 — Diana Lúcifer.

testa, atrás da cabeça ou nu topo (fig. 242). A veste não desce até os joelhos; pelo contrário, deixa-lhe descoberta uma parte da coxa. Vemos que se trata de costume feito para em nada atrapalhar a rapidez da corrida. Muitas vezes está a deusa acompanhada de um cão ou de um cervo, mas o cervo, assim como o cão, parece também perseguir outros animais, e figura como companheiro de Diana, cuja agilidade ele simboliza.

Fig. 242 — Diana (segundo um busto antigo).

Entre as numerosas representações que a arte antiga nos deixou dela, a mais famosa é a Diana e a corça do Louvre (fig. 243). Está ornada de um diadema e os seus cabelos se acham amontoados no toutiço. A deusa, representada no momento de uma veloz corrida, está coberta por uma túnica curta delicadamente pregueada

Fig. 243 — Diana e a corça (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre).

que lhe deixa nus os braços e as pernas. A manta, atirada à guisa de echarpe para cima do ombro, prende-se como cinto sobre os quadris. Com a mão direita ela tira uma flecha da aljava, ao passo que a esquerda empunhava provavelmente um arco. A corça Cerinéia, cujas pontas eram de ouro, acompanha a deusa, de quem era o animal favorito. Existem várias cópias desse tipo, mas a estátua do Louvre é a mais bela. Os escultores dos últimos séculos representam freqüentemente Diana caçadora, e por vezes caíram no erro de mostrá-la inteiramente nua. A nudez de uma mulher que corre dificilmente se presta à plástica: não obstante, Houdon fez uma graciosa figura com a sua Diana caçadora, que não tem outras vestes senão o arco e as flechas (fig. 244). Na sua obra-prima do Louvre (fig. 245),

Fig. 244 — Diana (estátua de bronze, no Louvre).

Fig. 245 - Diana (segundo um grupo de Jean Goujon, museu do Louvre).

Fig. 246 — Diana de Gábies (estátua antiga, museu do Louvre).

Jean Goujon afasta-se menos da tradição mitológica, pois a deusa está representada na atitude de repouso, acariciando o cervo ao sair do banho. As tranças ornadas de jóias que o artista pôs no trabalho são um penteado do século dezesseis, mas nada prova que o rosto seja, como se tem pretendido, um retrato de Diana de Poitiers.

O castigo de Acteão

Na arte antiga, Diana nunca aparece nua, pelo simples motivo de que, quando se banha, nenhum ser humano a pode contemplar impunemente: a história de Acteão é a prova. "Num vale consagrado a Diana e sombreado de pinheiros e de ciprestes havia um antro sombrio; embora tivesse sido formado apenas pela natureza, todos o teriam tomado por obra de arte. Via-se nele uma abóbada de conchinhas e pedras pomes; à direita dessa arcada corria com doce murmúrio uma fonte de água límpida, entre duas margens cobertas de relva e grama. A deusa das florestas, quando se via fatigada, vinha banhar-se em tão encantador regato. Ao chegar, entregava às companheiras o arco, as flechas e a aljava, enquanto outras ninfas lhe desatavam os coturnos e lhe prendiam os longos cabelos. Um dia, o caçador Acteão, percorrendo o bosque, foi conduzido pela má sorte ao lugar em que a deusa se banhava. Mal chegou à fonte. as ninfas, percebendo que se expunham nuas ao olhar de um homem, gritam e alinham-se em torno de Diana com o fito de ocultá-la: mas a deusa, maior que as ninfas, ultrapassava-as por unia cabeça. Um subitâneo rubor lhe cobriu o rosto que ela ocultou imediatamente, e, não estando munida das suas flechas, guardadas sob um arbusto, lançou algumas gotas de água sobre a cabeça de Acteão ao mesmo tempo em que dizia: "Vai agora. se podes, gabar-te de teres visto Diana banhar-se." Nu

mesmo instante, a cabeça do infeliz caçador se cobre de pontas, o pescoço e as orelhas se lhe alongam, os braços se lhe tornam pernas compridas e finas, e todo o seu corpo se cobre de uma pele manchada. No coração, penetra-lhe, simultaneamente, desconhecida timidez, e fugindo, ele se admira da velocidade com que corre. Chegando à margem de um rio, vê a cabeça no cristal da água e nota que está metamorfoseado em cervo. Quer gritar e não encontra palavras humanas para exprimir-se. Enquanto assim geme, os seus próprios cães o percebem e tombam sobre ele. Acteão quer fugir, mas é atingido e dilacerado nos mesmos lugares em que tantas vezes caçara." (Ovídio). A arte nunca representa Acteão sob a forma de cervo, mas somente com os seus rudimentos de pontas que

Fig. 247 — Acteão, devorado pelos seus cães (segundo uma estátua antiga do museu Britânico. em Londres).

começam a crescer. É assim que ele aparece numa antiga estátua do British Museum (fig. 247) e em vários baixos-relevos, notadamente numa métopa de Selinonte. A mesma cena está representada em vários quadros famosos. Ticiano tinha oitenta anos quando pintou para Filipe II o célebre quadro Diane e Acteão. Segundo um hábito bastante freqüente na escola veneziana, enriqueceu a sua composição com arquiteturas, e a cena se passa numa fonte circular, sob um pórtico abobadado

Fig 248 — Acteão (segundo um baixo-relevo antigo).

sombreado por grandes árvores. Filippo Lauri, Poelenburg, Albane, também houveram por bem reproduzir o tema que convinha à natureza do seu talento: o museu do Louvre possui três telas de Albane, sobre a metamorfose de Acteão (fig. 250). No quadro que Lesueur pintara em aguada para a decoração do prédio Lambert, a metamorfose de Acteão não está ainda pronta, e o jovem caçador se detém ao perceber as banhantes (fig. 249). O artista preferiu escolher o instante em que o pudor de Diana se ofende, e não o instante em que a sua vingança se realiza. A decoração ornava a sala de banhos do prédio, e o tema se adequava perfeitamente. Depois. a sala tornou-se o quarto de Voltaire. e foi com este nome que passou a ser conhecida.

As ninfas de Diana

Diana está freqüentemente acompanhada por ninfas; preside-lhes aos jogos e doideja com as companheiras ao longo dos regatos que refrescam s vales da Arcádia.

Fig. 249 — Diana surpreendida por Acteão (segundo um quadro de Lesueur).

O banho de Diana e das suas ninfas constitui o tema de uma multidão de quadros dos últimos séculos. Poelenburg fez dele uma especialidade; Rubens também o fixou várias vezes. Num célebre quadro da galeria Borghese, em Roma, outro artista reuniu as ninfas de Diana em exercício de tiro com arco. Um pau está fincado no campo para servir de alvo, e a deusa, empunhando a sua arma, anima as companheiras nos exercícios. No primeiro plano, algumas ninfas se banham ou desatam os coturnos para mergulhar na água. A Diana de Gábies, uma das pérolas do museu dos Antigos, no Louvre, mostra a deusa ocupada em vestir-se,

sem dúvida após o banho. Prende as duas extremidades da manta com uma fivela sobre o ombro direito; a cabe-leira, ondulada, está rodeada por uma faixa. Alguns arqueólogos viram nessa bela estátua não a deusa, mas somente uma das ninfas do seu séquito, e com efeito, ela não traz os atributos comuns de Diana, mas se liga evidentemente ao séquito pelo seu costume e pelo aspecto (fig. 246).

Diana e Calisto

As ninfas de Diana são sempre castas, e a deusa é implacável nesse ponto. A ninfa Calisto que fazia parte do seu cortejo experimentou um dia os efeitos da severidade da ama. Um dia, enquanto Diana se banhava, percebeu que Calisto não era mais digna de servi-la e a expulsou ignominiosamente da sua presença. Os rigores de Diana para com a pobre Calisto sugeriram mil idéias graciosas aos artistas, e poucos temas foram tratados mais freqüentemente pelos pintores, desde a Renascença. Ticiano compôs um soberbo quadro representando Diana a expulsar Calisto cuja falta ela descobriu. Rubens também tratou várias vezes o mesmo assunto. Albane o concebeu de maneira que lhe é toda particular. Mostra-nos ele um bando de Amores adormecidos sobre coxins no meio de uma floresta. Mas as ninfas de Diana, descobrindo-os, vêm desarmá-los durante o sono. Uma delas se incumbe de cortar as asas de um pobre Cupidozinho, outra lhe parte o arco, mais outra foge com a aljava. Diana preside a tal pilhagem do alto do céu, onde repousa sobre nuvens, enquanto a triste Calisto, repelida pelas companheiras, desaparece solitária no fundo do quadro. Lesueur também fez uma graciosíssima composição sobre Diana e Calisto. A vingativa Juno. incapaz de perdoar a Calisto ter agradado a Júpiter, metamorfoseou-a em ursa. Calisto

tivera de Júpiter um filho chamado Arcas, que se tornara hábil caçador. Um dia, atirou-se ele à perseguição de uma ursa, que era precisamente sua mãe. Esta, vendo-se perseguida pelo filho, refugiou-se ao pé de um templo de Júpiter; mas antes de atingir o sagrado asilo, o jovem caçador viu-se no ponto adequado para lançar o dardo: o pai dos Deuses e dos homens, não podendo permitir semelhante ação na vizinhança do seu templo, transformou Calisto em constelação, e está aí a origem da Grande Ursa. Juno indignou-se com a honra prestada a uma criatura a quem odiava, mas, visto que nenhum deus pode desfazer o que outro faz, foi visitar Tétis, que é uma personificação do mar, e rogou-lhe que não desse acolhida a Calisto, como costuma fazer para as demais estrelas. É por isso que a Grande Ursa é sempre visível e jamais desce abaixo do horizonte.

Fig. 250 — Diana e Acteão (segundo um quadro de Albani).

CAPÍTULO XIII

DIANA DE ÉFESO

O tipo de Diana de Éfeso. — As amazonas.

O tipo de Diana de Éfeso

Diana de Éfeso, personificação assaz vaga da fecundidade da natureza, é uma divindade puramente asiática, e não tem nenhuma relação com a irmã de Apolo, nem na arte, nem na lenda. As amazonas haviam instituído o seu culto em Éfeso, onde ela dispunha de magnífico templo, considerado uma das sete maravilhas do mundo. A deusa, cujo emblema era a abelha, tinha ali uma antiga imagem veneradíssima, apresentando a forma de múmia. Os seus numerosos úberes indicam a fecundidade da terra, e as cabeças de bois de que está coberta simbolizam a agricultura.

As amazonas

As amazonas são mulheres guerreiras de grandíssima importância na mitologia e na arte. Segundo a tradição, as amazonas guerreiam durante um tempo determinado, conservando a virgindade. Quando o tempo do serviço militar está findo, casam-se para ter filhos; além disso, preenchem todas as magistraturas e funções públicas. Os

Fig. 251 — Diana de Éfeso (segundo uma estátua antiga).

homens passam a vida em casa, como alhures as donas de casa, e só se incumbem de trabalhos domésticos; são afastados do exército, da magistratura e de qualquer outra função pública que possa inspirar-lhes a idéia de libertar-se do jugo das mulheres. Quando nasce uma criança, as amazonas confiam-na aos cuidados dos homens que as nutrem com leite e outros alimentos

convenientes à idade delas. Se a criança é do sexo feminino, queimam-se-lhe as mamilas, com o fito de impedir que tais órgãos se desenvolvam com o tempo. As mamilas salientes seriam incômodas para o manejo do arco. Os escultores, todavia, não levam em conta esse uso, e nas suas estátuas, as amazonas têm sempre belíssimos seios.

Fig. 252 — Amazona combatente.

Atribuía-se a essas heroínas a fundação do templo de Éfeso, e ali se realizou famoso concurso para lhes honrar a lembrança. Fídias, Policleto, Fradmon, Clesilas figuravam entre os concorrentes, que receberam a difícil missão de designar, eles próprios, o vencedor. Cada um deles colocou, evidentemente, em primeiro lugar o seu

trabalho ; mas como o voto dos rivais fura unânime em dar a Policleto o segundo lugar, obteve ele o primeiro e Fídias o segundo. A bela estátua da Amazona do Vaticano passa por imitação da que foi julgada vitoriosa e que se via no templo de Éfeso. É, com Amazona ferida, do museu de Nápoles, a mais bela representação que conhecemos de tais heroínas. Em geral, os escultores apresentam as amazonas com os braços e as pernas nuas e uma curta camisa a deixar-lhes descoberto um dos seios. Às vezes, aparecem elas com uma fisionomia oriental, caracterizada pelas calças e pelo gorro frígio; assim é que figuram no célebre sarcófago do museu de Viena, onde combatem contra guerreiros nus e de capacete. A presença das amazonas nos sarcófagos parece ter sido homenagem ao valor do morto. O machado, o dardo, o arco, a lança, o escudo de dupla face, são as suas armas. Mas o costume de tais heroínas não é o mesmo nas estátuas e nos vasos, onde se lhes vêem freqüentemente vestes matizadas e calças colantes (fig. 253).

Fig. 253 — As amazonas (segundo um vaso pintado, do museu de Nápoles).

A Batalha das amazonas, de Rubens, em Munique, é um dos mais famosos quadros do grande mestre flamengo.

As amazonas estão ligadas a todas as tradições nacionais da Grécia e vemo-las alternadamente em luta com Hércules ou Teseu. É na guerra de Tróia que elas surgem pela última vez. Inimigas fidalgais dos gregos, são sempre vencidas, e o vencedor, vendo-as tombar, admira-se com o extraordinário valor delas. Entre as lendas heróicas dos gregos, nenhuma lhes inspirava maior vaidade que

Fig. 254 — Os gregos e as amazonas (segundo um vaso pintado).

a luta contra as amazonas. Atenas e Megara mostravam com orgulho o túmulo das suas rainhas, perto dos heróis que as haviam vencido, e os seus gloriosos combates eram por toda parte representados nos frisos ou nas métopas dos templos. As estátuas apresentam as amazonas com-batendo umas vezes a pé, outras a cavalo. Hércules foi o primeiro que combateu com as amazonas e as venceu. Assim, depois da sua apoteose, vemo-lo

figurar ao lado dos deuses protetores da Grécia nos com-bates que se desenrolaram posteriormente. Num vaso pintado, representando um combate entre gregos e ama-zonas, deparase-nos, na parte superior, Hércules deificado, na companhia de Minerva, Apolo e Diana (fig. 254). Diana era a protetora das amazonas, e M. Guigniaut faz observar, a propósito desse vaso, que a aliança entre deuses e cultos parece representar a que formaram final-mente, após demoradíssima luta, os colonos jônicos e os indígenas asiáticos, primeiros adoradores de Diana de Éfeso.

CAPÍTULO XIV

A LUA

A marcha da Lua. — O sono de Endimião. — O deus Luno.

A marcha da Lua

A Lua (Selene) é irmã do Sol (Hélios), e percorr os ares num carro seguindo o mesmo caminho que o irmão. Como ele, sai do rio Oceano, do lado do Oriente, e ali torna a mergulhar pelo lado oposto mal surge a Aurora. Em antigos monumentos vemos a Lua deitar-se, e o rio Oceano, apoiado na sua uma, se apresta a recebê-la. Selene tem sido freqüentemente identificada com Diana, assim como Hélios com Apolo, mas é a ela que se relaciona a lenda de Endimião.

O sono de Endimião

O sono foi personificado na mitologia pela personagem de Endimião, que, naturalmente, foi amado pela lua. A lenda de Endimião, diversíssima, apresenta-o umas vezes como rei cujo irresistível poder se estende sobre todas as criaturas vivas, outras como jovem pastor adormecido nas grutas do monte Latmo. Filho querido de Júpiter, obtivera do senhor dos deuses a graça de dormir eternamente sem despertar e sem envelhecer. O jovem pastor do monte Latmo era tão belo que a lua por ele se apaixonou, e não mais conseguia deixar de contemplá-lo. Com os seus furtivos raios roubava-lhe um beijo, sem lhe perturbar o repouso. A cena está freqüentemente representada nos baixos-relevos e nas pinturas antigas. Às vezes, vemos Endimião adormecido nos

Fig. 255 — Diana precedendo a Aurora (segundo um vaso pintado).

braços de Morfeu, e Selene, conduzida pelo Amor, desce do seu carro para o contemplar. Os sarcófagos apresentam com freqüência esse tema, e o artista não deixa de ali introduzir o menino alado que segura o facho de cabeça para baixo, como símbolo simultâneo do sono ou da morte.

Na arte dos últimos séculos, a lenda de Endimião foi interpretada poeticamente por Girondet: enquanto o jovem caçador dorme sob espessa folhagem, o Amor afasta, sor-ridente, um ramo para deixar passar o raio indiscreto da lua que vem tombar sobre o vulto de Endimião.

O deus Luno

A lua aparece, em alguns monumentos antigos, sob a forma de adolescente (Luno) do sexo masculino. Está caracterizado pelo crescente e, às vezes por um facho ou uma montanha que ele segura com a mão (fig. 256). Não há lenda mitológica que se relacione a essa divindade que é de origem frigia.

Fig. 256 — O deus Luno (segundo unja pedra gravada antiga).

CAPÍTULO XV

A AURORA

As portas do Oriente. — Titão e a Aurora. — Céfalo e Prócris. — O gigante Orião.

As portas do Oriente

A Aurora é irmã de Hélios e de Selene. Ela é que todas as manhãs abre as portas do Oriente; percorre o mundo num carro puxado por dois ou quatro cavalos e obriga a Noite a depor o véu. A Aurora é alada, e a sua atrelagem é rosada como lembrança dos matizes com os quais tinge o horizonte. Empunha um facho, numa linda pedra gravada (fig. 257) ; numa pintura de vaso vêmo-la no seu carro, e precedida de Diana Lúcifer (fig. 255). Dizem os poetas que ela semeia flores sob os seus passos, e Thorwaldsen a representou assim com um Amor segurando um facho sobre a cabeça (fig. 258). A famosa pintura de Cherchin, na Villa Ludovisi, gravada sob o

título de Carro da Noite, representa a Aurora deixando escapar flores por entre os dedos.

Fig. 257 — A Aurora conduzindo os cavalos do Sol (segando uma pedra gravada antiga).

Fig. 258 — A Aurora (por Thorwaldsen).

Titão P a Aurora

Titão é habitualmente considerado esposo da Aurora ; não pertencia à estirpe dos deuses, mas a Aurora obteve para ele a imortalidade. Porém, tendo-se esquecido de pedir ao mesmo tempo a mocidade, Titão de tal maneira envelheceu, a sua decrepitude foi tão horrível e o tornou tão infeliz que a Aurora, apiedando-se, o metamorfoseou em cigarra. Desde esse dia, a Aurora não cessa de chorar e as suas lágrimas constituem o orvalho matutino. Memnon, que foi morto por Aquiles na guerra de Tróia, era filho de Titão e da Aurora.

Céfalo e Prócris

Segundo outras tradições, o Orvalho, personificado em Prócris, era pelo contrário rival da Aurora, pois ambas amavam Céfalo, que os mitólogos modernos consideram o sol nascente personificado. Céfalo, que amava Prócris tanto quanto era por ela amado, desposou-a. Céfalo era tão belo que a Aurora não se cansava de o admirar. Num quadro de Guerin, vemos a Aurora, deixando escapar por entre os dedos as rosas que ela faz nascere soerguendo o véu da Noite para contemplar Céfalo adormecido. Uma pintura de vaso de estilo arcaico nos mostra a Aurora correndo empós de Céfalo que foge a toda velocidade (fig. 259), pois, amando Prócris, não desejava abandoná-la, nem sequer por uma deusa. A Aurora, verificando que nada podia decidir Céfalo a unirse-lhe, imaginou um estratagema para o separar

de Prócris. Afirmou-lhe, assim, que o Amor que tinha à mulher não era correspondido e, a fim de lhe permitir uma prova, deulhe a faculdade de mudar de fisionomia. Céfalo, atormentado pelo ciúme, fingiu abandonar a esposa e voltou ao cabo de algum tempo com um rosto e um porte diferentes. Encontrou Prócris debulhada em

Fig. 259 — A Aurora e Céfalo (segundo uma pintura de vaso).

lágrimas e recusando-se a ver quem quer que fosse; mas quando soube que chegara um forasteiro que se dizia amigo do marido, acolheu-o na esperança de ouvir ao menos falar daquele a quem amava e que a deixara sem motivo. Céfalo, curioso por impelir a aventura até o fim, tanto fez que conseguiu convencer Prócris a aceitar novo himeneu; mas nem bem havia ela proferido o sim que Céfalo se revestiu do seu verdadeiro aspecto. Prócris, confusa, fugiu para os bosques e tomou a resolução de nunca mais rever o esposo e de consagrar-se ao culto de Diana. A Aurora rejubilou-se com o resultado do ardil, esperando substituir Prócris no coração de Céfalo. Mas Diana não entendeu assim: entregou a Prócris uma aljava e flechas maravilhosas que sempre atingiam o alvo e, tornando-a inteiramente irreconhecível mediante a transformação a que lhe submeteu a fisionomia, mandou que tentasse com Céfalo a mesma experiência que Céfalo tentara com ela. Prócris obedeceu e, aproximando-se de Céfalo, que não podia reconhecê-la, mostrou-lhe as suas maravilhosas setas, que pretendia levar como dote ao

marido. Enfim, houve-se tão bem que levou Céfalo a lhe propor um himeneu e, mal ele consentiu, ela readquiriu o aspecto primitivo. Verificou-se a reconciliação; mas Prócris, com ciúmes da Aurora cuja paixão lhe era conhecida, tomou o partido de acompanhar o marido para onde ele se dirigisse, inclusive à caça. Um dia, estando ela no meio de urzes, Céfalo ouviu um ruído que lhe pareceu o de uma corça, e, atirando o dardo, matou a infeliz Prócris. Desesperado, lançou-se ao mar, perto do promontório de Leucádia. Os mitólogos apresentam Céfalo como uma das nume-rosas personificações do sol nascente na mitologia grega; é simultaneamente amado pela Aurora e pelo Orvalho (Prócris), mas não pode unir-se à Aurora, por mais que esta faça, ao passo que busca avidamente o frescor do Orvalho, e o mata com os seus tórridos raios. Rúbens pintou a morte de Prócris. O pintor alemão Elzeimer, que vivia pelo fim do século XVII, apresentou um estilo tudesco na sua composição de Céfalo e Prócris. No meio de uma paisagem, na qual todas as folhas estão minuciosamente estudadas, vemos Céfalo ocupado em

Fig. 260 — Prócris e o seu cão (segundo uma pedra gravada antiga).

colher ervas medicinais para curar Prócris a quem acaba de ferir. O holandês Poelenburg compreendeu melhor o tema : a sua Prócris é verdadeiramente bela, e o gracioso movimento que faz ao morrer parece uma censura dirigida ao amante que a confundiu com uma corça.

O gigante Orião

A lenda não parou aí no tocante à Aurora, a quem atribui ainda outras aventuras. Parece que ela agradara ao deus Marte, e Vênus, por ciúme, lhe provocou inúmeros dissabores. Assim, inspirou-lhe uma paixão pelo gigante Orião. Esse gigante viera ao mundo em circunstâncias inteiramente excepcionais. Seu pai era viúvo e sem filhos; prometera à mulher agonizante que não tornaria a casar-se. Júpiter, Netuno e Mercúrio chegaram um dia à sua cabana para pedir-lhe hospitalidade, e o bom homem lhes sacrificou um boi que era tudo quanto lhe pertencia. Comovidos, os deuses prometeramlhe satisfazer-lhe o desejo que apresentasse, e o desejo do ancião foi ter um filho sem o concurso de mulher. nenhuma. Os deuses, que nunca se embaraçam, lhe ordenaram que enterrasse a pele do boi sacrificado, e não tocá-la durante nove meses. Na devida época, o peque-nino recém-nascido foi encontrado na terra, em lugar da pele de boi, e recebeu de seu pai o nome de Orião, Já crescido, ou melhor gigantesco, uma vez que a cabeça lhe atingia as nuvens, Orião apaixonou-se por Merope, filha de Enopião, e pediu-a em casamento. Irritado pela recusa, raptou-a. Enopião suplicou a Baco que não deixasse sem vingança o ultraje; o deus enviou a Orião um profundo sono, durante o qual Enopião lhe vazou os olhos. Entretanto, tendo um oráculo predito a Orião que ele recobraria a vista com os primeiros raios do sol nascente, voltou-se ele para o lado do Oriente, e foi sem

dúvida em tal ocasião que a Aurora, ao nota-lo, concebeu por ele paixão tão viva que não hesitou em raptá-lo. A união não durou muito, pois Apolo, percebendo que Diana tinha certo pendor por Orião e temendo que ela cedesse, fingiu um dia duvidar da habilidade da irmã no manejo do arco e, mostrando-lhe sobre o mar um ponto negro que mal se distinguia no horizonte, perguntou-lhe se seria capaz de acertálo. Diana disparou a seta que atingiu Orião na cabeça, pois era ele que estava nadando sem prever o perigo iminente. Foi assim que Aurora, sempre infeliz no Amor, mais uma vez enviuvou. De resto, Orião, após a morte, foi transformado numa brilhante constelação que se representa sob a forma de homem armado de gládio.

CAPÍTULO XVI

OS CREPÚSCULOS

O cisne de Leda. — Castor e Pólux. — Hilária e Febe. — A imortalidade partilhada. — A estrela da tarde e a estrela da manhã.

O cisne de Leda

Os crepúsculos personificados, Castor e Pólux, vieram ao mundo num ovo. Uma pintura de Herculanum representa-lhes a mãe Leda, mostrando o ovo que contém os meninos, ao esposo Tíndaro, rei de Esparta. Leda agradara a Júpiter. O rei dos deuses, desejando aproximar-se dela, metamorfoseou-se em cisne e rogou a Vênus que se transformasse em águia e que fingisse perseguilo sem quartel. O cisne assim perseguido acercou-se das margens do Eurotas e, no momento em que a águia ia atingi-lo, refugiou-se ao pé de Leda, como que a pedir-lhe proteção. Leda afugentou a águia, e o cisne

começou a bater as asas e ficou perto da protetora, para lhe ciar provas do seu júbilo e do seu reconhecimento. Um grande número de monumentos antigos, e sobretudo algumas pedras gravadas, representam Leda ao lado do cisne. Os pintores dos últimos séculos viram no tema um pretexto para opor a carnação branca de uma mulher à plumagem ainda mais branca do cisne. Correggio pintou Leda rodeada de suas companheiras e brincando com o cisne. Paolo Veronese e Tintoretto também representaram a cena; mas os venezianos não se importavam muito com grande exatidão nas suas representações mitológicas. Em vez de colocarem a aventura nas margens do Eurotas, Tintoretto a coloca num aposento, e Leda, achando sem dúvida que tão grande ave deve ser incomoda num recinto daqueles, parece ordenar à criada que a instale num galinheiro onde já se encontram outras aves. Um cãozinho salta atrás do cisne importuno.

Castor e Pólux

Castor e Pólux eram gêmeos. Mas Castor, filho de Tíndaro e de Leda, era mortal, enquanto Pólux, filho de Júpiter, tinha o privilégio da divina imortalidade. Chamam-se indistintamente Dióscuros, ou seja, filhos de Júpiter, ou então Tindárides, ou seja, filhos de Tíndaro. Os dois heróis se distinguiram na grande expedição dos argonautas. Pólux matou o terrível Amico, filho de Netuno e rei dos bebrícios, que possuía uma extraordinária força e obrigava os forasteiros a lutar contra ele, para matá-los depois de os vencer. A famosa luta, e várias vitórias obtidas nos jogos que Hércules fez celebrar em Elida, fizeram com que Pólux passasse a ser considerado patrono dos atletas e do pugilato. Uma belíssima estátua do Louvre representa Pólux preparandose para a luta.

Castor distingiu-se na corrida e na arte de domar cavalos. Dois grupos antigos famosíssimos em Roma, representando os Dióscuros, passavam antigamente por ser um de Fídias, outro de Praxíteles: mas essas atribuições

Fig. 261 — Castor e Pólux (pedra gravada).

parecem hoje arbitrárias. Cada um dos dois heróis está ao lado do seu cavalo. A equitação e a navegação sempre estiveram ligadas na mitologia, e o cavalo era consagrado a Netuno. Vemos os Dióscuros, conhecidos como excelentes cavaleiros, exercendo o seu poder sobre o mar. Talvez isso se relacione

Fig. 262 — Castor e Pólux.

também com a sua expedição dos argonautas e a destruição dos piratas que a tradição lhes atribuía. Durante a tormenta que assaltou os argonautas, vimos dois fogos

pairar em torno da cabeça de Castor e Pólux, e um momento depois a tempestade cessou. Os fogos de Castor e Pólux apareceram, depois, freqüentemente no mar nas horas de tormenta.

Hilária e Febe

Idas e Linceu, heróis messênios, eram noivos de Hilária e Febe, filhas de Leucipo. Mas s dois heróis espartanos, Castor e Pólux, apaixonaram-se pelas duas jovens e tentaram raptá-las. Seguiu-se um combate terrível, porque os heróis messênios não estavam dispostos a permitir que lhes raptassem as noivas. É fácil ver nessa tradição uma lembrança das antigas rivalidades entre Esparta e Messena. O rapto de Hilária e Febe está representado num vaso pintado. Uma delas era sacerdotisa de Diana, a outra de Minerva. Uma imagem hierática de Diana figura no alto e no centro da composição. De um lado da deusa vemos um carro lançado a galope, no qual Pólux rapta Hilária. Do outro, Crisipo, o áuriga de Castor, montado num carro parado, aguarda Castor que traz nos braços uma jovem. Castor está na parte inferior da composição ao lado de um altar perto do qual se acha sentada Vênus. Júpiter e três deuses assistem à cena. O rapto das filhas de Leucipo pelos irmãos de Helena ministrou a Rubens o tema de um admirável quadro, que se encontra em Munique. As duas jovens oferecem aos gêmeos vigorosa resistência, e, caídas que estão ao chão as suas vestes, vê-se o frêmito dos seus lindos corpos, que os heróis arrebatam com braços vigorosos, para os colocar sobre os cavalos, perto dos quais paira o Amor (fig. 263).

A imortalidade partilhada

No combate que se feriu entre Idas e Linceu de um lado e os Dióscuros de outro, em torno das filhas de Leucipo, Castor, atingido por golpe mortal, foi o primeiro

Fig. 263 — Rapto de Hilária e Febe por Castor e Pólux (quadro de Rubens. museu de Munique).

que sucumbiu. "Mas Pólux, diz Píndaro, acorre imediatamente e põe em fuga os heróis messênios que, no entanto, se detêm perto do túmulo de seu pai. Ali, pegando uma estátua de Plutão, feita de mármore polido, atiram-na

contra o peito de Pólux. Em vez de recuar o herói nem sequer estremece com o choque; e agarrando sem perda de tempo um dardo cai sobre Linceu e enfia-lho no quadril. No mesmo instante, Júpiter lança sobre Idas o seu raio vingador, e num turbilhão de chamas e de fumaça, consome os restos mortais dos dois irmãos, tal é a temeridade de medir forças com um ente mais poderoso! Entretanto, o generoso Pólux acorre ao pé de Castor, encontra-o respirando com dificuldade e prestes a exalar o derradeiro suspiro. Banha-o de lágrimas, e no excesso de dor, brada: "Filho de Saturno, ó meu pai ! Qual será o fim da minha desgraça? Faze-me morrer com meu irmão; que encanto pode haver na vida quem perdeu o que lhe é mais caro?" "Assim Pólux dava vazão aos seus amargos queixumes. Subitamente, Júpiter se lhe apresenta: "Tu és meu filho, diz-lhe, mas teu irmão nasceu de um mortal. Dou-te a escolher dois partidos: consente em partilhar da morada dos deuses com Minerva e Marte, livre da morte ou dos aborrecimentos da velhice, ou então, por Amor a teu irmão, consente em ligar-te ao seu mortal destino, passando alternadamente, como ele, a metade da vida na noite do túmulo e a outra metade no palácio resplendente do Olimpo." Assim fala Júpiter, e Pólux não hesita. Imediatamente, Castor torna a abrir os olhos à luz, e a sua voz começa a fazer-se ouvir." (Píndaro). Castor e Pólux, que vivem e morrem alternadamente, formam no céu a constelação dos gêmeos.

A estrela da tarde e a estrela da manhã

Consideram-se também como a personificação da estrela da tarde e da estrela da manhã. Os Dióscuros tinham templos em várias cidades. Polignoto representara-lhes o casamento com as filhas de Leucipo; Micon

fixou-lhe o embarque na expedição dos argonautas. Plínio elogia o quadro de Apeles que os representava e que se via em Roma. Em várias medalhas figuram como deuses jovens ornados de um capacete cônico sobre o qual brilha uma estrela (fig. 265). Quando aparecem aos homens, é

Fig. 264 — Castor e Pólux (segundo um grupo antigo. em Madri).

Fig. 265 — Castor e Pólux

quase sempre a cavalo, e é por tal motivo que o cavalo constituiu quase sempre o seu atributo. Um grupo antigo, famoso, representa Castor e Pólux de pé, um dos dois irmãos segura dois fachos, um dos quais está de cabeça para baixo (fig. 264). É um soberbo trabalho de escultura, mas de significado simbólico assaz obscuro.

LIVRO IV

VULCANO E MINERVA

CAPÍTULO I

VULCANO

Nascimento de Vulcano. — Tipo e atributos de Vulcano. — Vingança de Vulcano. — Os fios de Vulcano. — As forjas de Vulcano. — Os ciclopes.

Nascimento de Vulcano

Vulcano (Hephaistos), filho de Júpiter e de Juno, nasceu fraco e corcunda. Juno, envergonhada de ter dado à luz uma criança tão feia, atirou-o ao mar, onde ele foi recolhido por Tétis e Eurinoma (fig. 266). Passou nove anos a fazer jóias para as Nereidas. No entanto, subiu ao Olimpo, mas tendo assistido a uma disputa entre Júpiter e Juno, desejou tomar o partido de sua mãe. O rei dos deuses pegou-o por um dos pés e precipitouo do Olimpo. Vulcano rolou durante todo o dia no vácuo e caiu, ao entardecer, na ilha de Lemnos, com apenas um sopro de vida.

Fig. 266 — Tétis e Eurinoma recolhem Vulcano precipitado por sua mãe do alto do Olimpo (segundo Flaxman).

Fig. 267 — Vulcano (segundo uma estátua antiga),

Vulcano é o fogo personificado: se é pequeno e mirrado ao nascer, é porque o fogo começa sempre por uma faísca. Se é precipitado do céu à terra, é por alusão ao raio. Finalmente, é corcunda e tem pernas tortas, porque a chama nunca apresenta linhas retas. Como a indústria nasceu do descobrimento do fogo, Vulcano é o deus da indústria, e apresenta sob essa relação grandes afinidades com Prometeu. Conservou-se na Antologia um epigrama votivo de um ferreiro a Vulcano: "Retirai da fornalha este martelo, estas tesouras, esta pinça, oferenda que Polícrates dedicou a Vulcano. Foi com redobrados golpes do seu martelo sobre a bigorna, que arranjou para os filhos uma fortuna que deles afastará a triste miséria."

Tipo e atributos de Vulcano

Os poetas representam Vulcano com as feições de um hábil ferreiro, mas ao mesmo tempo burlesco no aspecto, assaz ridículo aos olhos dos Olímpicos, corcunda e de conformação viciosa. Nos tempos primitivos, era representado sob a forma de anão, mas nos belos tempos da arte passou a ser homem vigoroso e barbudo, com um capacete cônico tendo como atributos as ferramentas de ferreiro. "Os que vão a Atenas, diz Valério Máximo, ali admiram a estátua de Vulcano feita por Alcamene. Entre as demais perfeições que imediatamente nos dispõem em favor do artista, notamos em primeiro lugar a arte com a qual ele dá a entrever a atitude torta do deus sob as próprias vestes que servem para lhe ocultar a imperfeição: não parece ser defeito que ele haja pretendido censurar em Vulcano, mas apenas um sinal distintivo, próprio a dá-lo a reconhecer como deus do fogo."

Vulcano fabricara a primeira mulher, Pandora, como Prometeu fizera o primeiro homem. É o divino obreiro do Olimpo, e os deuses lhe deviam quase tudo o de que se utilizavam. A égide e o cetro de Júpiter, o trono do Sono, a coroa de Ariadne, o colar da Harmonia, os touros de bronze que guardavam o velocino de ouro, as armas de Aquiles, eram trabalhos de Vulcano. Era ele, ademais, autor do carro do Sol, e fizera para Apolo uma admirável flecha que, após atingir o alvo, voltava por si à mão que a havia lançado.

Fig. 268 - Cabeça de Vulcano (fragmento antigo)

Vingança de Vulcano

Para vingar-se dos pais que tão duramente o tinham tratado, Vulcano imaginou o fabrico de uma cadeira de ouro, da qual, quem nela se sentasse, só se levantaria com a sua permissão. Juno, que não conhecia o segredo, sentou-se e Vulcano não quis livrá-la. Uma curiosa pintura

de vaso (fig. 269) nos apresenta Juno sentada e Marte atacando Vulcano para libertar sua mãe. Vulcano não tinha forças para lutar contra o deus da guerra, e foi obrigado a ceder, mas a sua irritação foi tal que não mais quis voltar ao Olimpo. Os deuses afligiram-se com

Fig. 269 — Combate de Vulcano e Marte (pintura de vaso).

aquela resolução que os privava de todas as belas obras que lhes fazia Vulcano. Baco resolveu levá-lo de novo ao céu e embriagou-o. As pinturas de vaso nos mostram Vulcano segurando o martelo e montado num burro. Baco, no seu costume oriental, precede o burro e parece conduzir o deus ferreiro, que ele conseguiu reconciliar com os demais imortais (fig. 270).

Os fios de Vulcano

Na Odisséia, Vulcano é marido de Vênus. Outras tradições fazem, pelo contrário, de Vênus, mulher de Marte. Como os deuses tinham nas diversas localidades lendas diferentes e por vezes contraditórias, a poesia, vendo Vênus unida a Marte, ou unida a Vulcano, pretendeu conciliar as várias tradições por meio de um adultério, e daí saiu a história dos fios de Vulcano. Hesíodo dá por esposa a Vulcano Aglé, a mais jovem das Graças. Mas a história dos fios de Vulcano prevaleceu e faz que as outras sejam esquecidas. O que é notável nessa história é que Vulcano parece unicamente preocupado com os presentes que trouxe como dote à mulher e que ele pretende reaver.

Fig. 270 — Vulcano e Baco (pintura de vaso)

O Sol que vê tudo advertiu Vulcano das ligações existentes entre sua mulher e o deus da guerra. Vulcano, então, coloca sobre um cepo unia enorme bigorna e forma grilhões indestrutíveis. Essas cadeias eram finas como teias de aranha, e ninguém conseguia percebê-las, tal a

habilidade com que haviam sido feitas. Mal Vulcano viu os dois culpados enredados nos fios, pôs-se a chamar todos os deuses. "Poderoso Júpiter, e vós, imortais afortunados, acorrei para testemunhardes uma interessante cena que ninguém poderia, no entanto, tolerar! Visto que eu sou disforme, a filha de Júpiter me ultraja sem cessar; agora, une-se ao pernicioso deus da guerra, por ser ele belo e esbelto, ao passo que eu sou feio e corcunda! Meus pais são os únicos culpados desta desgraça; jamais deveriam ter-me posto no mundo!. . . Os laços que forjei para eles hão de retê-los até o dia em que o pai de Vênus me devolver todos os presentes que lhe dei para conquistar-lhe a impudente filha. Vênus é bela, sem dúvida, mas não consegue dominar as suas paixões." (Homero). Embora tal narração seja apresentada sob forma cômica, convém notar que é a confusão dos amantes que leva os deuses a rir, e não a desventura do esposo, como facilmente se supõe hoje. Um baixo-relevo da Villa Albani nos mostra a cena dos fios de Vulcano (fig. 271). O deus ferreiro, que tem atrás o Sol reconhecível pela cabeça radiada, soergue um véu, e .mostra aos deuses os dois culpados. Marte está assaz confuso e Vênus volta-se para não ser vista por Júpiter. Cupido está ao lado de Marte.

Fig. 271 — A rede de Vulcano (segundo um baixo-relevo antigo).

As forjas de Vulcano

Vulcano, trabalhando na sua forja, figura assaz freqüentemente nas pedras gravadas. Vênus e Cupido estão situados perto dele, e essa maneira de compreender a oficina de Vulcano é a única que convém a jóias (fig. 272).

Fig. 272 — Vênus e Vulcano (segundo uma pedra gravada antiga).

Mas os verdadeiros companheiros de Vulcano aparecem noutros monumentos. São os ciclopes, fabulosos obreiros que só têm um olho no meio da testa e habitam as

profundezas aos vulcões. Os baixos-relevos nos apresentam às vezes Vulcano na sua oficina, ocupado em fabricar a primeira mulher, Pandora, que todos os deuses cumulam de dons. Juno, a deusa dos casamentos, e Vênus, acompanhada da Persuasão ou de uma das Graças, estão habitualmente colocadas ao lado do divino artista. Vemo-lo também forjar as cadeias de Prometeu, ou então receber a visita dos deuses.

Fig. 273 — Vênus e Vulcano (segundo um quadro de Jules Romain, museu do Louvre).

Na arte dos últimos séculos, Velásquez pintou a oficina de Vulcano no momento em que o Sol lhe revela a união de Vênus e Marte. Vulcano abandona os seus trabalhos e os três ciclopes, Arges, Brontes e Steropes, escutam com assinalada curiosidade a aventura narrada pelo Sol, sem darem mostras de pesar pelo infortúnio do mestre. Há no Louvre um pequeno quadro de Jules Romain, no qual Vulcano, sentado perto- de Vênus, parece alegrar-se em lhe mostrar as armas que acaba de fabricar.

Os ciclopes

Os ciclopes, obreiros de Vulcano, são habitualmente caracterizados pela enormidade do vulto e pelo único olho, posto no meio da testa. Entretanto, Albane afastou-se muito desse tipo. Incumbido de pintar os quatro elementos para o cardeal de Sabóia, escolheu Vulcano e a sua forja para representar o fogo. Mas o seu quadro nada possui de terrível. Eis um fragmento da carta que ele escreveu ao cardeal para lhe anunciar o envio do quadro pedido. "Pintei, como Vossa Alteza verá, não somente o fogo celeste e propriamente elementar, representado pelo pode-roso Júpiter, senão também o fogo material e o do Amor, de que Vulcano e a deusa de Chipre são os emblemas: não quis colocar nas forjas de Vulcano nem Brontes, nem os demais ciclopes; preferi fixar três jovens Amores, visto que as carnes de meninos dessa idade constituem interessante oposição às amorenadas de Vulcano. Tive, também, de me conformar nessa escolha ao desejo de Vossa Alteza sereníssima, pois o embaixador me dissera que conviria representasse eu grande número de Amores ferindo com as suas setas irresistíveis o mármore mais duro, o aço, o diamante e o próprio coração dos deuses."

Noutro quadro Albane coloca Vulcano ao lado de Vênus. A sua oficina já não é uma forja, mas um prado coberto de flores. Os seus obreiros não são mais s robustos ciclopes, e o ruído dos seus martelos é temperado pelo das cascatas. Enquanto na entrada de uma gruta recoberta de musgo, um deles aciona o fole, outros apresentam a Vênus as armas que acabam de fabricar para ela e para o filho : essas armas são naturalmente setas. A deusa, deitada descuidadamente à sombra dos bosquetes, sorri para tudo quanto a rodeia e seu esposo, o rude Vulcano, que repousa ao seu lado, busca tornar-se amável para não prejudicar o quadro. Timanto pintara um quadrinho mencionado por Plínio como obra famosa e representando um ciclope adormecido, cujo polegar os sátiros medem com os seus tirsos. A gigantesca estatura dos ciclopes e o barulho que fazem no fundo dos vulcões que lhes servem de oficina constituíam tema de espanto para os antigos. Tais ferreiros enormes tornaram-se na imaginação popular obreiros tipos, e foram-lhes atribuídas, como se fez para o diabo na Idade Média, as construções cuja origem era desconhecida. Os ciclopes sempre foram considerados como personagens formidáveis. Quando Diana quis ter uma aljava e setas dignas da sua habilidade, foi visitar Vulcano que ela encontrou na forja rodeado pelos ciclopes seus obreiros "As ninfas empalideceram à vista de tais gigantes semelhantes a montanhas e cujo olho único, sob espessa sobrancelha, brilhava ameaçadoramente. Uns faziam gemer imensos foles; outros, levantando os pesados martelos. batiam furiosamente o bronze que tiravam da fornalha. A bigorna estremece, o Etna e a Sicília tremem, a Itália ecoa o estrondo e a própria Córsega se sacode. Àquele terrível espetáculo, àquele medonho fragor, as filhas do Oceano ficam estarrecidas... e trata-se, aliás, de um estarrecimento perdoável; as próprias filhas dos deuses, na sua infância, só encaram tais gigantes com temor, e quando se recusam a obedecer, suas mães fingem chamar Arges ou Steropes: Mercúrio acorre com as feições de um desses ciclopes, de rosto coberto de cinza e fumaça; imediatamente, a criança, aterrorizada, cobre os olhos com as mãos e se atira tremendo ao seio materno." (Calímaco).

CAPÍTULO II

PROMETEU

Prometeu forma o homem. — As duas partes de Prometeu. — O fogo arrebatado aos homens. — A caixa de Pandora. — Suplício e libertação de Prometeu.

Prometeu forma o homem

Japeto representa o antepassado da humanidade. Talvez seja preciso reconhecer, nessa personagem a que o Gênesis dá por filho a Noé, Jafé, cujo nome personifica uma das grandes raças primitivas. Era considerado pelos gregos o tipo do que há de mais antigo e associa-se habitualmente a Saturno. Desposara Ásia, filha do Oceano, e teve vários filhos, entre outros Prometeu, Epimeteu e Atlas. O Titã Japeto não desempenha papel na mitologia; a sua importância vem da antiguidade que se lhe atribuía e que lhe dava o mesmo tempo que os mais antigos deuses.

Embora seja o Titã Japeto tido como antepassado da humanidade, parece que é a seu filho Prometeu que deve-mos a forma particular que nos distingue dos animais. "Prometeu, diz Ovídio, após destemperar um pouco de terra com água, formou o homem à semelhança dos deuses; e enquanto os outros animais têm a cabeça voltada para o chão, somente o homem a ergue para o céu, e olha para o céu." A fabricação do homem por Prometeu está representada em monumentos assaz numerosos, mas que pertencem na sua maioria a uma baixa época. Uma pedra gravada antiga nos mostra o autor do gênero humano sob a forma de um escultor que estabelece a ossatura da sua figura; é uma representação extremamente curiosa, em virtude do esqueleto cuja imagem quase nunca aparece na arte dos antigos (fig. 274). Outra pedra gravada representa o divino artista ocupado em reunir os membros que esculpiu separadamente.

Fig. 274 — Prometeu modelando uni homem (segundo uma pedra antiga).

Em todas as representações antigas, Prometeu aparece como artesão que faz o homem materialmente, mas não como o deus que o anima. Esse papel cabe a Minerva

(a Sabedoria divina): vários monumentos nos apresentam nitidamente a parte que cabe a cada um na criação da espécie humana. Num belo baixo-relevo, vemos Prometeu sentado num rochedo à sombra de uma árvore (fig. 275). Na sua frente, numa mesa de escultor, está um homenzinho, ou antes um menino, de pé, aparentemente à espera de que o artista termine a obra. Outros três meninos, esses inteiramente terminados, avançam para Minerva que vai colocar-lhes sobre a cabeça a borboleta, símbolo da alma na antiguidade. Vê-se que não se trata de um único homem, origem dos demais, mas sim de vários feitos na mesma época, quando houve necessidade de povoar a terra.

Fig. 275 — Prometeu formando o homem (baixo-relevo antigo).

As duas partes de Prometeu

Prometeu orgulhava-se do seu trabalho; e tendo surgido divergências entre os deuses e os homens primitivos, tomou ele o partido destes. As divergências, das quais Hesíodo não nos diz a causa, eram acertadas em Mecona (Sicíona) : Prometeu, desejando saber se Júpiter era verdadeiramente digno das honras divinas, excogitou um ardil para provar a sua clarividência. "Expôs aos olhos de todos, diz Hesíodo, um enorme boi. De um lado, encerrou na pele as carnes e os melhores pedaços, envolvendo-os com o ventre da vítima; do outro, dispôs com pérfida habilidade os ossos brancos que recobriu de gordura lustrosa. O pai dos deuses e dos homens disse-lhe, então: "Filho de Japeto, ó mais ilustre de todos os reis, amigo, com que desigualdade dividiste as partes!" Prometeu, sorrindo interiormente do ardil, rogou-lhe que escolhesse, e Júpiter, apoderando-se da parte mais pesada, só ali encontrou ossos.'

O fogo arrebatado aos homens

Júpiter, furioso por ter sido enganado, quis vingar-se dos homens, dos quais Prometeu é protetor, e roubou-lhes o fogo, sem o qual todo e qualquer trabalho é impossível. Mas Prometeu não se deu por vencido, e conseguiu roubar uma faísca do fogo do céu, que se apressou em levar aos homens. Dessa vez, Júpiter, vendo-se decididamente iludido pelo Titã, não conteve o ressentimento e resolveu punir simultaneamente os homens e o protetor. A grosseria dessa lenda é uma prova da sua grande antiguidade;

no entanto, não deu origem a nenhuma representação plástica no período arcaico. Mas uma lâmpada da época romana nos faz ver Prometeu, nu e de cabelos esparsos, fugindo com o fogo que acaba de roubar do carro do Sol (fig. 276). Nas narrações dos poetas, o fogo estava contido numa folha e invisível a todos os olhos; pelo contrário, o oleiro mostra a chama a sair de um vasinho que o Titã segura com a mão.

Fig. 276 — Prometeu trazendo o fogo aos homens (segundo uma lâmpada antiga).

Júpiter diz a Prometeu: "Filho de Japeto, rejubilas-te por haveres roubado o fogo divino e iludido a minha sabedoria; mas esse ato será fatal a ti e aos homens que hão de vir. Para vingar-me, enviar-lhes-ei um funesto presente que os enfeitiçará e fará com que amem o seu próprio flagelo." (Hesíodo).

A caixa de Pandora

Prometeu tinha um irmão chamado Epimeteu. Desconfiando de uma perfídia, recomendou-lhe que nada aceitasse de Júpiter, pois o rei dos deuses tencionava fazer-lhe um presente que seria fatal aos homens. Júpiter, por sua vez, pretendendo realizar o seu plano, enviou aos homens um flagelo revestido exteriormente do mais sedutor aspecto e que lhes causou mil inquietações, embora estimadíssimo; eis a origem las mulheres, segundo Hesíodo: "De acordo com a vontade do filho de Saturno, Vulcano, o ilustre deus, formou com um pouco de terra imagem semelhante à de uma casta virgem. Minerva, dos olhos azuis, apressou-se em ornamentá-la e vesti-la de uma túnica branca. Pôs-lhe sobre a cabeça um véu engenhosamente trabalhado e admirável ; em seguida, ornou-lhe a testa de graciosas grinaldas feitas de flores recém-desabrochadas e de uma coroa de ouro, que Vulcano, o deus ilustre, fabricara com as suas próprias mãos para agradar ao poderoso Júpiter. Sobre essa coroa, ó prodígio, Vulcano cinzelara os numerosos animais que o continente e o mar nutrem no seu seio; por toda parte brilhava maravilhosa graça, e as diversas figuras pareciam vivas. Quando terminou de fazer, em vez de um trabalho útil, tão funesta obra-prima, levou à assembléia dos deuses e dos homens a virgem orgulhosa dos enfeites que lhe dera a deusa dos olhos azuis, filha de um poderoso pai. Igual admiração transportou os deuses e os homens, mal perceberam a fatal maravilha tão terrível aos homens, pois dessa virgem saiu a raça de mulheres de seio fecundo, dessas mulheres perigosas, flagelo cruel vivo entre os homens e presas, não à triste pobreza, mas ao luxo ofuscante." (Hesíodo). Pandora, que foi mãe do gênero humano, foi, por conseguinte, obra dos deuses olímpicos, ao passo que o homem fora constituído pelo Titã Prometeu. Uma pintura arcaica, no fundo duma taça de Nola, nos mostra a

primeira mulher entre Vulcano e Minerva, ocupados em orná-la no momento em que acaba de ser formada (fig. 277). É bastante menor que as duas divindades, e traz uma veste semeada de estrelas. Minerva tem o peito protegido pela égide eriçada de serpentes, mas não usa o capacete e a lança que constituem s seus habituais atributos. Vulcano é imberbe e por vestes só tem uma clâmide; empunha o martelo que lhe serve de emblema. É interessante aproximar essa pintura da composição que Flaxman executou sobre o mesmo tema (fig. 278). O escultor inglês substituiu Vulcano por Mercúrio, que apoia o caduceu à cabeça da primeira mulher, para lhe inspirar, segundo a expressão de Hesíodo, "a arte da mentira e das palavras enganosas,"

Fig. 277 — Pandora entre Minerva e Vulcano.

"Após terminar tão atraente e perniciosa maravilha, Júpiter ordenou a Mercúrio, o veloz mensageiro dos deuses, que a conduzisse para Epimeteu. Este esqueceu-se

de que Prometeu lhe recomendara nada receber de Júpiter e de lhe devolver todos os presentes. para evitar um flagelo terrível aos mortais, e aceitou o fatal presente, para, dali a pouco, reconhecer a imprudência cometida." (Hesíodo).

Fig. 278 — Pandora dotada por Mercúrio e Minerva (segundo Flaxman)

Foi de Pandora que saiu "essa raça fraca e delicada das mulheres, que os mortais conservam para desgraça deles. Nunca amigas da pobreza nem sequer da poupança. só amam o luxo e os gastos." (Hesíodo). Dando o fogo aos homens, Prometeu ensinara-lhes o trabalho que só pode existir com o fogo: Júpiter fê-los

artistas, dando-lhes a mulher, que, além das primeiras necessidades da vida, lhes impõe mil encantadoras necessidades que somente um trabalho incessante pode satisfazer. Pandora recebera de Júpiter uma caixa cujo conteúdo ela ignorava; impelida pela natural curiosidade do seu sexo, quis abri-la, e todos os males se espalharam pela terra. Fechou imediatamente a tampa, mas no fundo da caixa só ficou a Esperança (fig. 279).

Fig. 279 — Pandora abre o vaso fatal (segundo Flaxman).

Suplício e libertação de Prometeu

Júpiter revelou-se cruel para com Prometeu e, a fim de puni-lo por ter dado o fogo aos homens, agrilhoou-o ao Cáucaso. Uma águia lhe dilacerava constantemente o fígado e a sua carne renascia imediatamente para que o suplício se renovasse todos os dias. A luta de Júpiter contra Prometeu foi interpretada de maneiras assaz

diferentes, mas segundo os trágicos seria possível ver nela uma vaga recordação de uma mudança de crenças. Na antiguidade, Prometeu ficou como tipo da justiça esmagada pela força, da consciência humana protestando contra um poder inexorável. O suplício de Prometeu teria, no entanto, fim Hércules, o matador dos monstros e grande reparador de erros, livrou o Titã matando a águia que o roía. Prometeu, que conhecia o futuro, predissera que quem desposasse a Nereida Tétis, teria um filho mais poderoso que o pai, e o rei dos deuses, sabendo de tal profecia, renunciou ao projeto de unir-se a Tétis. Como recordação desse serviço, Júpiter não obstaculou a libertação de Prometeu; mas já que afirmara que o suplício duraria milhares de anos e que um deus não deve mentir, excogitou-se um subterfúgio. De um dos elos da cadeia que agrilhoava o Titã se fez um anel, no qual se introduziu um pedacinho do rochedo; desse modo, Prometeu continuava sempre preso ao Cáucaso. Um interessante sarcófago do museu Capitolino fixa em várias cenas toda a lenda de Prometeu. O tema, tratado de maneira completíssima, nos oferece a imagem do Destino do homem, da sua origem e do seu fim, enquadrado por assim dizer nos diferentes atos da lenda do seu criador. No centro, Prometeu, sentado, segura nos joelhos um homem que ele acaba de modelar com limo da terra e sobre cuja cabeça Minerva coloca a borboleta, emblema da alma. Acima de Prometeu, surgem as Parcas, Cloto com a roca na qual fia os dias dos homens, e sua irmã Láquesis indicando num globo o Destino que lhes é reservado. Atrás dele, a Terra, segurando uma cornucópia sustentada pelos gênios do estio e do inverno, volta a cabeça olhando para um cesto contendo o limo de que se vale Prometeu para formar o homem. O Sol conduzindo o seu carro e Oceano segurando um remo e montado num hipocampo aparecem acima da Terra. Aos seus pés estão o Amor e Psique que se abraçam para mostrar a união íntima entre o corpo e a alma. Em seguida, vemos o grupo de Vulcano e dos seus ciclopes, forjando os grilhões que prenderão Prometeu ao Cáucaso.

O baixo-relevo termina com um casal de pé e nu sob uma palmeira, que relembra de maneira impressionante Adão e Eva da Bíblia, mas no qual reconhecemos geralmente Deucalião e Pirra os quais, únicos sobreviventes das águas do dilúvio, têm por missão perpetuar o gênero humano criado por Prometeu. O outro lado do baixo-relevo mostra-nos os emblemas da morte, os quais no monumento estão colocados imediatamente atrás de Minerva. Um homem está estendido por terra e privado de movimento: o gênio da morte segura o facho de cabeça para baixo sobre o peito do cadáver, cuja alma, sob a forma de borboleta, foge subindo ao longo do facho, enquanto a sombra do defunto, representada por uma grande figura envolvida num manto, se ergue acima dos seus pés. Do lado da cabeça do morto, a terceira Parca, Átropos, sentada, segura sobre os joelhos o livro do Destino. Sobre essa cena fúnebre aparece a lua num carro conduzido por dois corcéis. No episódio seguinte, Mercúrio, segurando numa das mãos o caduceu, leva para os infernos a alma do defunto sob a forma de uma Psique de asas de borboleta, e aos seus pés a Terra, segurando sempre a cornucópia, dispõe-se a lhe receber os despejos mortais. Chegamos, assim à terceira cena: Prometeu, agrilhoado a um rochedo, tem o fígado devorado por uma águia contra a qual Hércules dispara uma seta. A maça e a pele de leão do herói estão atrás dele, aos pés do Cáucaso, personificado pelas feições de um velho de cabelos eriçados, segurando numa das mãos um dos pinheiros que o cobrem, e com a outra uma serpente representando o gênio local do lugar em que se desenrola o drama. Há algumas variantes na história de Prometeu : alguns lhe atribuem a fabricação da mulher, bem como a do homem, o que tiraria toda razão de ser da linda Fábula de Pandora. Entretanto, existem sobre essa versão monumentos que não podemos desprezar. Um baixo-relevo antigo nos mostra Prometeu segurando um desbastador e modelando a primeira mulher; um homenzinho ainda não animado está deitado aos pés do escultor a quem Mercúrio conduz uma alma, caracterizada pelas asas de borboleta, e que irá habitar o corpo terminado por Prometeu. Atrás de Mercúrio, vemos as três Parcas que fiarão

o destino da nova criatura. O touro, o burro e a lebre, colocados perto do escultor, relembram uma tradição segundo a qual Prometeu, ao formar a espécie humana, misturou ao limo de que se servia as qualidades dos diversos animais (fig. 280).

Fig. 280 — Lenda de Prometeu com o nascimento e o Destino do homem (segundo um sarcófago antigo do museu Capitolino).

CAPÍTULO III

DÉDALO

As invenções de Dédalo. — Minos e Pasife. — As asas de Ícaro. — O retrato de Hércules. — Os telquines e os dúctilos.

As invenções de Dédalo

Reuniu-se, sob o nome mitológico de Dédalo, o grupo das antigas corporações de artistas e artesãos que fabricavam as imagens dos deuses. A tradição acumulou, assim, sobre uma única personagem os trabalhos e as aventuras dos primeiros obreiros, e as velhas estátuas de madeira às quais se atribuía um caráter milagroso eram sempre consideradas obras de Dédalo. Como Vulcano e Prometeu, é Dédalo um civilizador que ensina aos homens a indústria; possui uma relação menos direta com o fogo, mas, em compensação, é arquiteto e mecânico.

Dédalo, cuja genealogia fabulosa é extremamente confusa, é pelos atenienses reivindicado como filho do rei Erecteu. A machadinha, o nível, a broca são instrumentos de sua invenção. É também o primeiro autor das velas dos navios e soube dirigilos com o vento. Dédalo tinha um sobrinho, filho de sua irmã Pérdix, ao qual ensinou os seus segredos, e que, por sua vez, inventou a serra e a roda do oleiro. Dédalo matou-o por ciúme e foi obrigado a deixar Atenas, para ir a Creta onde o acolheu Minos, filho de Júpiter e de Europa e esposo de Pasife, filha do Sol.

Minos e Pasife

Desejando ser bem recebido pelos súditos, que eram todos marinhos, declarara-lhes Minos que Netuno lhe concederia tudo quanto ele desejasse, e para dar-lhes a prova, pediu ao deus dos mares que lhe enviasse um touro, o qual seria em seguida sacrificado. No mesmo instante, um magnífico touro branco saiu do mar; mas Minos achou-o tão belo que, em vez de o sacrificar, mandou que o guardassem no seu rebanho e imolou outro. Netuno, não podendo aceitar tamanho ultraje, incumbiu Vênus de vingá-lo. A cruel deusa não descobriu coisa melhor do que afligir Pasife com uma doida e irresistível paixão pelo formoso animal. Deram-se diversas explicações de tão singular Fábula. Já fora sob o aspecto de touro que Júpiter se apresentara à Europa, mãe do rei Minos, e a lenda de Pasife parece reproduzir a mesma história sob forma diferente. Creta mantinha constantes relações com a Fenícia, onde os deuses apresentam freqüentemente a forma de touro, e com o Egito, onde o boi Ápis é uma encarnação do Sol. Segundo Creuzer, Pasife seria simplesmente uma Lua apaixonada pelo Sol, que em Creta aparece nas regiões vizinhas sob a forma de touro.

As asas de Ícaro

A cólera de Netuno contra Minos produziu os seus frutos, fazendo com que de Pasife nascesse um monstro de cabeça de touro, chamado Minotauro, que se nutria de carne humana. Dédalo construíra para o rei Minos um enorme recinto cujo interior possuía mil giros, de sorte que era quase impossível dali sair, uma vez que se entrasse. É o lugar que passou a ser chamado Labirinto, e foi nele que se encerrou o Minotauro, mais tarde morto por Teseu, como veremos a seguir. Minos, descontente com Dédalo, a quem acusava de conivente na questão, mandou que o atirassem à prisão com seu filho Ícaro. A prisão achava-se num recife à beira do mar, em situação que tornava qualquer idéia de evasão materialmente impossível. O engenhoso Dédalo, a quem nunca faltavam expedientes, concebeu um projeto jamais imaginado antes. Pegando algumas penas, formou com elas um todo tão admirável que parecia perfeitamente semelhante às asas das aves. As peninhas que deviam constituir o fundo estavam presas com linha, as maiores com cera. Deu-lhes, depois, a curvatura que se nota nas asas naturais. Ícaro, seu filho, não sabendo que preparava a própria desgraça, reunia, risonho, as penas que o vento dispersava, ou amolecia a cera com a qual seriam presas; às vezes contemplava, gracejando, o trabalho do pai. Quando este ficou pronto, Dédalo experimentou-o, e tomando impulso, manteve-se suspenso no meio do ar; daí, voltando-se para o filho, disse-lhe: "Cuida, meu filho, de voar sempre no meio dos ares; se desceres muito, a umidade da água tornará muito mais pesadas as tuas asas; se te ergueres demais, o calor do sol as queimará; mantém-te, por conseguinte, no justo meio entre os dois extremos." Após essa exortação, tremendo e com lágrimas nos olhos, prendeu-lhe as asas e explicou-lhe em poucas palavras de que maneira devia servir-se delas. Finalmente, abraça-o pela última vez, e com ele galga a torre de onde ambos se atiram ao vôo. Landon representou tal cena (fig. 282).

"Ferido de espanto à vista de tão inaudito prodígio e querendo observá-lo mais à vontade, o pescador, que os toma por dois deuses, apoia-se na vara, o pastor no cajado e o lavrador no arado. Dédalo e Ícaro já tinham abandonado a ilha de Samos, consagrada a Juno, as de Delos e Paros, quando o jovem Ícaro, entusiasmando-se, começou a atirar-se para a frente, e abandonou o guia, para subir mais. O ardor do sol fundiu-lhe a cera que prendia as penas das asas, e foi inútil para ele remexer os braços para suster-se e chamar o pai em auxílio; pálido e trêmulo, caiu ao mar. Dédalo, que perdera de vista o filho,

Fig. 281 — Dédalo preparando as asas de Ícaro (segundo uma pedra gravada),

chamou-o em vão: "Ícaro, meu caro Ícaro, onde estás? Que te aconteceu?" Falava ainda, quando notou o filho caído à beira do mar, enquanto as penas flutuavam sobre as ondas". (Ovídio).

Numa pintura de Herculanum, Dédalo voa quando percebe o filho morto (fig. 283). O escultor Slodtz fez uma estátua de Ícaro, que lhe granjeou entrada na Academia.

Fig. 282 — Dédalo e Ícaro (segundo um quadro de Landon).

Após prestar as derradeiras homenagens ao filho, Dédalo dirigiu-se para Cumes, onde fundou um templo de Apolo. Consagrou a esse deus as suas asas, e pintou toda a história nos muros do templo por ele erguido. Executou, ainda na Sicília, várias obras notáveis, entre outras um rochedo elevadíssimo que ele preparou de tal maneira que

pudesse construir uma cidade inexpugnável, pois ali só se acedia por uma estreita senda tortuosa para cuja defesa bastavam três ou quatro homens.

O retrato de Hércules

Como escultor, Dédalo passa por ser o primeiro que afastou as pernas e abriu os olhos das suas personagens. Estava intimamente ligado a Hércules, e para ser-lhe agradável, lhe modelou a imagem, e colucou-a sobre o caminho que Hércules seguia habitualmente, quando ia combater os monstros. Exprimira tão bem a força do herói, e a estátua parecia de tal modo viva, que Hércules, julgando estar lidando com um inimigo digno dele, pegou enorme bloco de pedra, e atirou-o contra a estátua que ficou pulverizada. Toda a lenda de Dédalo mostra o espanto causado aos primeiros homens pelas maravilhas da indústria nascente. À mesma idéia podemos ligar as histórias dos telquines e dos dáctilos.

Os telquines e os dáctilos

Os telquines, misteriosos gênios que se prendem às origens da indústria humana, passam em certas tradições por serem os primeiros instituidores do culto e inventores das artes. São sobretudo habilíssimos metalurgistas e sabem dar aos metais todas as formas que desejam.

Foram eles os primeiros em fazer as estátuas dos imortais, e em fabricar a foice de Saturno e o tridente de Netuno. Os telquines são, ao mesmo tempo, feiticeiros versadíssimos na magia, revestem-se das formas que que-rem, e têm a faculdade de lançar mau olhado aos inimigos. Julgamo-los oriundos da ilha de Rodes.

Fig. 283 — Morte de Ícaro (segundo uma pintura de Herculanum).

Os mesmos talentos cabem aos dáctilos, gênios frígios, que ensinaram aos homens a fundição dos metais e o trabalho do ferro e do bronze. São também temidíssimos como mágicos e as lendas que a eles dizem respeito, como

as que o dizem aos telquines, apresentam a maior confusão. Prendem-se seguramente às antigas corporações de obreiros que se formaram, quando os homens começaram a servir-se dos metais, e cujos processos de trabalho assumiam aos olhos das populações um caráter pronunciadíssimo de magia.

CAPÍTULO IV

MINERVA

Nascimento de Minerva. — Nascimento de Erecteu. — Pandrosa. — Disputa de Minerva e Netuno. — Tipo e atributos de Minerva. — Minerva e Encélades. — Minerva, e Tirésias. — Minerva e Mársias. — Minerva higéia. — Minerva obreira ou ergane. — Minerva e Aracne. — A festa das Panatenéias.

Nascimento de Minerva

Métis, a reflexão personificada, fora a primeira esposa de Júpiter. Foi ela que deu ao velho Saturno uma beberagem para obrigá-lo a devolver os jovens deuses que ele havia engolido. Estando grávida, predisse a Júpiter que teria em primeiro lugar uma filha e, em seguida, um filho que se tornaria senhor do céu. O rei dos deuses, espantado com tal profecia, engoliu Métis,

Algum tempo depois, foi acometido de violentíssima dor de cabeça e rogou a Vulcano que lhe fendesse a cabeça com o machado. Mal recebeu o golpe de machado de Vulcano, saiu-lhe do cérebro, armada de todas as suas peças, a filha Minerva, nova encarnação da sabedoria divina. Essa lenda, de caráter assaz bárbaro e, por conseguinte, velhíssima, está representada de maneira ingênua num baixo-relevo onde, extraordinariamente, Vulcano é um rapaz imberbe (fig. 285). Num espelho etrusco vemos Ilitia, a deusa dos partos assistindo ao rei dos deuses e tirando-lhe da cabeça Minerva, que sai armada do capacete e da lança. No outro lado está Vênus que também parece acorrer em auxílio a Júpiter e atrás da qual vemos, empoleirada numa árvore, a pomba que lhe é consagrada. Tais divindades trazem os seus nomes gravados no espelho em língua etrusca (fig. 284).

Fig. 284 — Nascimento de Minerva (segundo um espelho etrusco.

O mesmo tema decorava um dos frontões do Partenão, mas é provável que o nascimento estivesse ali concebido de maneira inteiramente diversa. Infelizmente, nada

resta da parte central do frontão em que tal cena estava representada. Júpiter é a abóbada do céu donde jorra o raio luminoso e súbito; como é também o senhor dos deuses, a sua sabedoria não vacila absolutamente em lhe brotar do cérebro divino. Minerva devia, pois, nascer inteiramente armada e provida de todos os seus atributos. É assim que no-la apresentam as estátuas, muitas vezes com a lança e o escudo, mas sempre com o capacete e a égide.

Fig. 285 — Vulcano e Júpiter.

Luciano narrou o nascimento de Minerva sob forma de diálogo: "Vulcano. — Que devo fazer, Júpiter? Venho, por ordem tua, armado de um machado afiadíssimo e que, se houvesse necessidade, seria capaz de partir, de um só golpe, a mais dura das pedras. Júpiter. — Ótimo, Vulcano! Parte-me, pois, a cabeça. Vulcano. — Queres submeter-me a uma prova, ou estás louco? Dá-me uma ordem séria, dize o que queres que eu faça! Júpiter, — Já to disse, parte-me a cabeça; bate com toda a força e sem demora; não posso viver com as dores que me dilaceram o cérebro.

Vulcano. — Acautela-te, Júpiter. Quem sabe se não vamos cometer uma asneira? O meu machado é afiadíssimo, fará com que te corra o sangue e não te libertará à guisa de Lucina. Júpiter. — Bate, vamos, Vulcano! Nada temas. Sei o que quero. Vulcano. — Bato, mas contra a vontade. Que me resta, se assim me ordenas?... Que estou vendo? Uma jovem armada da cabeça aos pés! Safa, que dor de cabeça não devia ser a tua, Júpiter! Não é de assombrar que te hajas mostrado irascível, se trazias viva, sob a membrana do teu cérebro, uma jovem desta estatura, e, ainda por cima, armada. Não sabíamos que tinhas na cabeça um verdadeiro campo. Olha, ela salta ! Ei-la que dança a pírrica, agita o escudo, brande a lança, e está dominada pelo entusiasmo. O que é mais estranho é que, de súbito, se tornou belíssima e pronta para casar. É verdade que tem olhos cinzentos, mas o capacete compensa esse defeito. Júpiter, como pagamento pelo serviço que te prestei, cede-ma por esposa. Júpiter. — Tu me pedes o impossível, Vulcano; ela quer permanecer virgem para sempre. Quanto a mim, não me oponho ao que desejas. Vulcano. — É o que quero. O resto fica por minha conta. Vou levá-la." (Luciano).

Nascimento de Erecteu

Vulcano pôs-se imediatamente a procurar Minerva. e, certo de que ela estivesse na Acrópole, rumou para Atenas. Mal a percebeu, colocou-se-lhe na frente e quis dar os passos necessários. Mas a deusa o recebeu de maneira tal que lhe tirou qualquer desejo de recomeçar. O pobre ferreiro ficou despeitadíssimo; para mostrar que saberia dispensá-la, resolveu contrair núpcias no mesmo

instante. e dirigiu-se à Terra, boníssima criatura, que o aceitou apesar das mãos negras. Dessa união nasceu Erecteu, que mais tarde se tornou rei de Atenas. O que deu origem a tão singular lenda foi o fato de os atenienses, já colocados sob a proteção de Minerva, quererem, por um laço qualquer, prender-se ao deus do fogo, que preside à indústria dos metais. A Terra, mal gerou Erecteu, deixou o recém-nascido no chão, sem mais com ele preocupar-se, como se fosse uma simples cobra ou um verme. Minerva, percebendo-o, compadeceu-se e, pegando-o, pô-lo num cesto e levou-o para o seu santuário. Mas, apesar de todo o seu bom coração, não conseguia livrar-se das preocupações guerreiras, e, estando a galgar a Acrópole levando o cesto, notou que a sua cidade não estava bastante fortificada do lado do Ocidente. Entrou na casa de Cécrops, que tinha três filhas, Pandrosa, Aglaura e Herse, e, confiando-lhes o cesto, muito bem fechado, proibiu-lhes que o abrissem para verificar o conteúdo, e imediatamente partiu em busca de uma montanha que julgava necessária para a fortificação da cidade. Quando partiu, Aglaura e Herse, impelidas pela curiosidade, pretenderam abrir o cesto, não obstante as censuras de Pandrosa. Mas uma gralha, que tudo vira, foi contar o fato a Minerva, que já segurava a montanha entre os braços e que fortemente surpresa, a deixou cair. Eis aí a origem do monte Licabeto.

Pandrosa

A deusa concebeu tal afeto por Pandrosa, que não somente lhe confiou a educação do pequenino protegido, como também exigiu que Pandrosa, após a morte, recebesse as honras divinas. Quando Erecteu se tornou rei de Atenas, apressou-se em satisfazer tal desejo, mas,

associando no seu reconhecimento a filha de Cécrops e a deusa que o recolhera, elevou um templo em duas partes, uma das quais foi dedicada a Minerva e outra a Pandrosa. A construção foi queimada pelos persas, como todos os monumentos de Atenas, e o que hoje existe foi erguido após as guerras médicas.

Disputa de Minerva e Netuno

Atenas tira o seu nome de Atena (nome grego de Minerva) mas a honra de dar o nome à cidade que Cécrops acabava de fundar deu origem a uma famosa disputa entre Netuno e a deusa. Constituía ela o tema de um dos dois frontões do Partenão, esculpidos por Fídias e cujos fragmentos mutilados fazem hoje parte do Britsh Museum em Londres. Figura igualmente em moedas antigas (fig. 286).

Fig. 286 — Minerva e Netuno (segundo uma medalha antiga).

Era preciso pôr a nova cidade sob a proteção de uma divindade. Decidiu-se que se tomaria por protetor da cidade o deus que produzisse a coisa mais útil. Netuno, batendo a terra com o tridente, criou o cavalo e fez jorrar uma fonte de água do mar, querendo com isso dizer que o seu povo seria navegador e guerreiro. Mas Minerva

domou o cavalo para o transformar em animal doméstico, e, batendo a terra com a ponta da lança, fez surgir uma oliveira carregada de frutos, pretendendo com aquilo mostrar que o seu povo seria grande pela agricultura e pela indústria. Cécrops, embaraçado, consultou o povo, para saber a que deus preferia entregar-se. Contudo, não se tendo naqueles tempos tão remotos imaginado que as mulheres não pudessem tão bem quanto os homens exercer direitos políticos, todos votaram. Ora, sucedeu votarem todos os homens por Netuno e todas as mulheres por Minerva; mas como entre s colonos que acompanhavam Cécrops, houvesse uma mulher mais, Minerva raptou-a. Netuno protestou contra essa maneira de julgar a divergência, e apelou para o tribunal dos doze grandes deuses. Estes chamaram Cécrops como testemunha, e tendo sido a votação considerada regular, passou a cidade a ser consagrada a Minerva. Os atenienses, no entanto, temendo a cólera de Netuno que já ameaçara engoli-los, ergueram na Acrópole um altar ao Olvido, monumento da reconciliação de Netuno e Minerva; em seguida, Netuno participou das honras da deusa. Eis como os atenienses se tornaram um povo navegador e ao mesmo tempo agrícola e manufatureiro. Minerva era para os atenienses a deusa por excelência e a Acrópole a montanha santa. A Acrópole figura numa moeda de Atenas, assaz grosseira, aliás (fig. 287).

Fig. 287 — Acrópole (segundo uma moeda antiga).

Não se vêem nela representações de edifícios, mas somente dominar a grande Minerva de bronze, que s navegantes saudavam de longe, como protetora da cidade.

A confiança inspirada por Minerva só desapareceu com a influência cristã, e um dos derradeiros historiadores pagãos, Zózimo, narra de que maneira se apresentou a deusa pela última vez. "Alarico, diz ele, impaciente por se apoderar de Atenas, não quis entreter-se com outro assédio. Apressou-se, pois, em ir a Atenas na esperança de tomá-la, quer por ser dificílimo defender a grande extensão das suas muralhas, quer por estar ele já de posse do Pireu e por haver pouquíssimas provisões na cidade. Eis a esperança nutrida por Alarico. Mas a cidade tão antiga seria conservada pela providência dos deuses no meio de tão terrível perigo. A maneira pela qual ela foi protegida é demasiadamente milagrosa e demasiadamente capaz de inspirar sentimentos de piedade, para que a silenciemos. Quando Alarico se aproximou das muralhas à testa do seu exército, viu Minerva, tal qual surge nas imagens, dar a volta à cidade, e Aquiles tal qual o descreve Homero apareceu no alto das muralhas. Alarico, estarrecido com o espetáculo, tratou de fazer a paz e abandonou a luta." (Zózimo).

Tipo e atributos de Minerva

"A partir do dia, diz Ottfried Muller, em que Fídias terminou de desenhar o caráter ideal de Minerva-atena, uma fisionomia cheia de calma, uma força que tem consciência de si própria, um espírito claro e lúcido, passaram a ser para sempre os principais traços do caráter de Palas. A sua virgindade a coloca acima de todas as fraquezas humanas; ela é demasiadamente viril para se entregar a um homem. A testa muito pura, o nariz longo e fino, a linha um pouco dura da boca e das faces, o queixo largo e quase quadrado, os olhos pouco abertos e quase constantemente voltados para a terra, a cabeleira atirada, sem arte, para cada lado da testa e ondulada

sobre a nuca, traços nos quais transparece a rudeza primitiva, correspondem perfeitamente a tão maravilhosa criação ideal."

Fig. 288 — Minerva arcaica (numa antiga moeda de Atenas).

Minerva se identifica completamente com a cidade que ela protege, e se por vezes usa cavalos no capacete é para mostrar a sua reconciliação com Netuno a quem era consagrado o cavalo, e que, como deus dos mares, não podia deixar de ter grande importância em Atenas. É o que vemos num medalhão antigo no qual a cidade de Roma personificada se liga à de Atenas (fig. 289). (Palas-atena). As duas ilustres cidades se caracterizam pelos seus atributos: a loba com os dois filhos é o atributo comum de Roma, como a coruja é o habitual atributo de Atenas. A deusa ateniense traz a égide com a cabeça de Górgona, e quatro cavalos lhe ornam o capacete. Os cavalos aparecem igualmente num soberbo entalhe antigo. A pena do capacete é suportada por uma esfinge e dois corcéis alados ou pégasos: a parte da frente está ornada de quatro cavalos e o cobre-orelha de um grifo. Os enfeites da deusa são luxuosos; além da égide de escamas bordadas de serpentes, traz ela um colar de bolotas, e brincos em forma de cachos de uvas (fig. 290). Às vezes, como na medalha de Thurium, não é nem o cavalo, nem o grito que ornam o capacete de Minerva, mas uma Cila ou um monstro fantástico com cauda de serpente (fig. 291). A deusa usa sempre um capacete, até quando desempenha papel pacífico. O capacete tem, às vezes, asas para indicar o caráter aéreo de Palas (fig. 295). Vemo-lo,

quanto ao resto, sob formas extremamente variadas, em moedas gregas ou romanas. A coruja, a ave que vê bem durante a noite, é naturalmente consagrada a Minerva, deusa que personifica simultaneamente o raio e a inteligência. Nas mais antigas moedas de Atenas se nos depara a coruja, símbolo de uma vigilância constantemente alerta (fig. 288).

Fig. 289 — Atenas e Roma.

Como deusa guerreira, Minerva combate com a lança. No entanto, uma medalha da Macedônia, imitação de antiga figura arcaica, no-la apresenta com o raio de

Júpiter (fig. 297). A Vitória está freqüentemente na mão da deusa. É assim que ela aparece numa bela moeda de Lisímaco (fig. 296).

Fig. 290 — Palas (segundo uma pedra gravada antiga).

Fig. 291 — Moeda de Thurium.

A arte dos tempos primitivos preferia a imagem de Palas às das outras divindades; os antigos paládios representavam ordinariamente a deusa com o escudo erguido, e brandindo a lança. Entretanto, essa forma varia muito, até nos próprios tempos primitivos, e Minerva se reveste de diferentes aspectos, segundo as localidades.

Uma pintura de vaso nos mostra Hércules e Jasão oferecendo um sacrifício a Minerva asiática; a deusa usa a coroa radiada e está envolta numa túnica fechada e ricamente bordada. Posto sobre uma coluna, o ídolo ergue as mãos em atitude que exclui a idéia de qualquer atributo. Perto dela, está uma vitória alada, seguida de um éfebo, que dá a impressão de estar abrindo uma caixa contendo os utensílios sagrados (fig. 298).

Fig. 292 — Medalha romana (denário da gens Pompéia).

Fig. 293 — Moeda de Macedônia (cunhada sob Alexandre. o Grande).

Fig. 294 — Moeda grega (de Mantinéia ),

Uma medalha da Nova Ílion representa uma Palas troiana cujo tipo, imitação de antiga figura arcaica, deve remontar a, remota antiguidade. Está de pé e traz na mão

direita a lança apoiada ao ombro, enquanto a esquerda empunha um facho. A ave sagrada está de pé diante da deusa, cujo costume, e particularmente o capacete, se afastam completamente do tipo habitual de Minerva.

Fig. 295 — Moeda romana (denário da gens Pompéia).

Fig. 296 — Minerva trazendo a Vitória (numa moeda de Lisímaco).

Fig. 297 — Minerva segurando o raio (numa moeda macedônia(

A égide é uma pele de cabra de que nos servimos como escudo, mas significa igualmente a tempestade, e é em tal sentido que Homero a entende, quando fala do

fogo e da luz que partem do escudo divino. Minerva, sendo na ordem física o raio personificado, devia ter por atributo a égide, e nos monumentos arcaicos podemos ver de que maneira era empregada primitivamente. Na grande época da arte, Minerva trá-la sobre o peito; a Górgona figura sempre na égide.

Fig. 298 — Antigo ídolo de Minerva asiática (numa pintura de vaso).

A cabeça da Górgona é um dos atributos essenciais da deusa e aparece quer sobre a égide, quer sobre o seu escudo. Exprime o terror com o qual Palas fere os inimigos. A Minerva arcaica de Herculanum está numa atitude hierática : vestida do peplo de dobras tesas e engomadas, que recobre a concha, marcha resolutamente para o combate (fig, 300). A maneira pela qual a deusa traz aqui a égide é característica: segura-a sobre o ombro para ter o braço esquerdo inteiramente coberto. A égide é grandíssima, ao passo que nos monumentos menos antigos, perde algo da sua importância. A égide usada por Júpiter passava por ser a pele da cabra Amaltéia, que lhe foi nutriz. Mas há tradições diferentes em torno da égide de Minerva. A deusa matara

o monstro Agis, filho da Terra, que vomitava chamas com uma fumaça negra e espessa. O monstro desolou, a princípio, a Frigia, em seguida o monte Cáucaso, cujas florestas queimou até a Índia. Depois foi incendiar o monte Líbano e devastou sucessivamente o Egito e a Líbia. Minerva, após o derrubar, o traspassou com a lança e

Fig 299 — Atributos de Minerva com medalhas antigas.

da sua pele fez uma couraça, sobre a qual colocou posteriormente a cabeça da Górgona, e que usava como troféu. Quando a égide está colocada em volta do braço, como no-la apresenta a Minerva de Herculanum, é sempre um sinal de combate.

A Minerva de Egina segura a lança e o escudo no alto, mas a égide, em vez de ser usada sobre o braço, serve de couraça para garantir o peito e até as costas, sobre as quais recai. Essa estátua, que hoje se encontra na Gliptoteca de Munique, ocupava o centro do frontão ocidental do templo de Egina (fig. 301).

Fig. 300 — Minerva de Herculanum (museu de Nápoles).

A famosa Minerva de Fídias, no Partenão, era de marfim e ouro. A deusa estava de pé, coberta da égide, e a sua túnica descia até os calcanhares. Empunhava uma lança com uma das mãos e com a outra uma vitória. O capacete estava encimado por uma esfinge, emblema da inteligência celeste; nas partes laterais havia dois grifos, cuja significação era a mesma que a da esfinge, e, acima da viseira, oito cavalos a galope, imagem da rapidez com

a qual age o pensamento divino. A cabeça de Medusa figuravalhe no peito. Os braços e a cabeça da deusa eram de marfim, com exceção dos olhos formados por duas pedras preciosas; as vestes eram de ouro e podiam ser retiradas com facilidade, pois era mister, quando a república se via em apertos, poder recorrer ao tesouro público, do qual a deusa era depositária. Na face exterior do escudo, posto aos pés da deusa, estava representado o combate dos atenienses contra as amazonas, na face inferior o dos gigantes contra os deuses : o nascimento de Pandora estava esculpido no pedestal. Um trecho da Antologia grega compara a Minerva de Fídias, em Atenas, à Vênus feita por Praxíteles em Cnido: "Vendo a divina imagem de Vênus, filha dos mares, tu dirás: subscrevo o juízo do frígio Páris. Se vires em seguida a Minerva de Atenas, exclamarás: quem não lhe adjudicou o primeiro era um boieiro!"

Fig. 301 — Minerva de Egina (museu de Munique).

A Minerva do escultor Simart, que fígurou no salão de 1855, fora ordenada pelo duque de Luynes, o qual desejava ter uma imitação da obra-prima perdida de Fídias, reproduzindo exatamente a descrição a nós deixada por Pausânias (fig. 302).

Fig. 302 — Minerva de Fídias (reconstituída por Simart).

Essa estátua é certamente a mais curiosa tentativa de reconstituição jamais tentada na arte dos últimos séculos. Eis a descrição feita por Théophile Gautier, no relatório da Exposição de 1855: "M. Simart, valendo-se de todos os recursos que a arte dos últimos séculos punha à sua disposição, restaurou felizmente a silhueta geral da estátua de Fídias: consultou os textos e as medalhas. A sua Minerva não tem, ao que sabe bem, a estatura da Minerva do Partenão; teve ele que limitar-se à execução em quarto, o que dá ainda uma proporção de oito pés, e basta para transmitir uma idéia cio original. A descrição que acabamos de fazer ia estátua de Fídias nos dispensa

de falar pormenorizadamente de M. Simart, que se conformou com a mais escrupulosa exatidão aos dados, por infelicidade pouco precisos, deixados pelos antigos. A cabeça da sua estátua, de perfil firme e severo, possui a expressão de serenidade fria e de virgindade desdenhosa que convém à mais casta das divindades do Olimpo; uma pedra de azulite, encastada na sua pupila, relembra o epíteto de glauco pis, que Homero nunca deixa de aplicar a Palas-atena, e dá ao seu olhar uma luz estranha: dir-se-ia um olho vivo que cintila através de uma máscara. Apreciamos bastante essa inquietadora esquisitice. Brincos de ouro e pedras azuis acompanham as faces pálidas da deusa; os braços, talhados num só pedaço de enormes presas de marfim fóssil, são de rara beleza; a transparência ebúrnea, atravessada de veios azulados e de alvores rasados, dá uma perfeita ilusão de carne. Dir-se-ia ver a vida correr sob a formosa substância tão polida, de grão tão fino que imita a derme delicada de uma jovem criatura. Os pés são puros na forma, como pés que nunca pisaram outra coisa senão o azul do céu ou a neve brilhante do Olimpo. A túnica de ouro pálido, semelhante ao eletro tão, celebrado na antiguidade, cai em dobras simples e graves e forma o mais feliz contraste com os brancos matizes do marfim. Os baixos-relevos do escudo e das sandálias possuem o caráter helênico, e a serpente Erecteu estende de modo pitoresco as suas escamas de ouro verde. .. A Vitória que Minerva segura na mão, e que faz palpitar as suas vibrantes asas de ouro, é a mais deliciosa estatueta criselefantina que possamos imaginar, e M. Simart tem com Fídias a semelhança de haver principalmente logrado bom êxito nessa figura. O artista, prosseguindo a restauração, recompôs no pedestal da estátua o nascimento de Pandora, dotada por todos os deuses como princesa de contos de fada, do qual se afirma que Fídias ornara o soco do seu colosso. Esse encantador baixo-relevo parece destacado de um friso do templo da Vitória áptera; completa a estátua, cuja riqueza necessitava tão elegante base." A Palas de Velletri, do Louvre, é uma estátua de tamanho colossal (fig. 303). É provável que segurasse uma Vitória de bronze na mão esquerda, enquanto a mão direita se apoiava sobre uma lança. Traz o capacete

coríntio, e a sua égide, formada de escamas e de peque-ninas serpentes, está fechada por uma cabeça de Medusa que tem a boca entreaberta e deixa ver os dentes. Foi descoberta em 1797 numa vila romana, nas cercanias de Velletri.

Fig. 303 — Palas de Velletri (segundo unia estátua antiga, museu do Louvre).

A bela Minerva de bronze do museu de Turim, concebida em estilo arcaico, passa por reprodução de uma obra célebre na antiguidade (fig. 304). É uma das mais belas figuras da deusa chegada até nós. Não obstante o seu caráter belicoso, Palas não se emparelha absolutamente a Marte, que exprime o tumulto e a fúria do combate, enquanto Minerva caracteriza sobre-tudo a inteligência guerreira e o que hoje chamaríamos de tática.

Minerva e Encélades

Minerva participou da guerra dos deuses contra os gigantes e contribuiu poderosamente para a vitória de Júpiter. Entre os inimigos por ela vencidos, o mais im-

Fig. 304 — Minerva (segundo uma estátua antiga do museu de Turim).

portante é Encélades. A força desse gigante era tal que, sozinho, poderia ter lutado contra todos os deuses juntos. Num momento em que Minerva se achava distante dos

companheiros de armas, Encélades, percebendo que ela estava sozinha. dá um salto e posta-se-lhe na frente. A deusa o vê sem empalidecer. reúne todas as forças e pegando com ambas as mãos a Sicília, atira-a sobre o gigante que fica esmagado sob a enorme massa. A-queda de Encélades termina a guerra dos gigantes: às vezes tenta ele remexer-se, e é o que produz os tremores de terra da região. A sua cabeça está situada sob o monte Etna, por onde vomita chamas, o que leva um poeta francês a dizei.: Encelade, malgré son air rébarbatif, dessous le mont Etna fut enterré tout vif; là chaque fois qu'il étern:ue, un volcan embrase les airs, et quand par hasard il remue, il met la Sicile à l'envers (1). O tanque de Encélades em Versalhes mostra o gigante do qual somente vemos a cabeça e os gigantescos braços no meio dos fragmentos de rochedos. Mas a luta de Minerva contra esse gigante, tal qual a descreveu a mitologia tem sido raramente representada, por não ser do domínio da plástica. Uma medalha de Górdio, cunhada na Selêucia, representa bem a vitória da deusa, mas em vez de atirar a Sicília à cabeça do inimigo, ela o traspassa com a lança (fig. 305).

Minerva e Tirésias

Virgem essencialmente casta, Minerva aparece sempre vestida, e se os artistas dos últimos séculos a representam _____________________________ (1) Encélades. apesar do seu aspecto rebarbativo, foi enterrado vivo sob o monte Etna e ali cada vez que espirra, um vulcão incendia os ares, e quando por acaso se remexe, põe a Sicília em desordem.

por vezes despida, notadamente no julgamento de Páris, é pela ignorância em que se encontram quase sempre dos caracteres distintivos da deusa. Um único homem, o tebano Tirésias, observou um dia Minerva no banho, e foi imediatamente ferido de cegueira, ou, segundo outros, metamorfoseado em mulher. Uma bela estátua de Gatteaux representa a deusa no momento em que nota que está sendo observada por um homem (fig. 306).

Fig. 305 — Medalha de Górdio, cunhada em Selêucia, mostrando Minerva vitoriosa contra um gigante.

Pradier fizera um grupo de Minerva repelindo as setas de Cupido: a idéia era justa mitologicamente. Vênus ofendeu-se um dia pelo fato de seu filho nada poder contra a deusa ateniense: "Vênus. — Por que, pois, Amor, tu que venceste os demais deuses, Júpiter, Netuno, Apolo, Réa, e eu própria, tua mãe, por que poupas apenas Minerva? Contra ela o teu archote não tem fogo, a tua aljava não tem setas, tu não tens arco... Não sabes mais disparar uma seta? Amor. — Tenho medo dela, minha mãe. Ela é terrível, os seus olhos são terríveis, o seu aspecto imponente e viril. Todas as vezes em que avanço contra ela para

lançar-lhe uma seta, ela me espanta agitando a sua pena; tremo e as setas me fogem das mãos. Vênus. — Marte, por acaso, não é mais terrível? E, no entanto, tu o desarmaste e venceste. Amor. — Sim, mas ele próprio é que se oferece aos meus golpes: chama-os. Minerva, pelo contrário, sempre me fita com desconfiança; um dia, quando por acaso voava para ela, segurando o archote: "Se te aproximares

Fig. 306 — Minerva vista por Tirésias.

de mim, disse-me, juro por meu pai que te varo com esta lança, pego-te pelo pé e atiro-te ao Tártaro, onde te dilacerarei com as minhas próprias mãos para matar-te." São essas as suas ameaças sem fim, e ao mesmo tempo

lança sobre mim olhares furiosos ; traz, ademais, sobre o peito uma cabeça horrorosa, cuja cabeleira é feita de víboras e que sempre me causa o maior terror. Creio estar vendo um fantasma e fujo mal a percebo." (Luciano) .

Minerva e Mársias

Segundo uma velhíssima lenda, Minerva, tendo encontrado um osso de cervo, dele se serviu para inventar a flauta. Mas notando que tal instrumento a obrigava a umas caretas que a afeavam, e que, quando pretendia tocar, as demais deusas se riam, atirou para longe a desastrada flauta, e proferiu a maldição mais terrível contra o que a recolhesse. O frígio Mársias, que muito provavelmente pouco se importava com a divindade de Atena, não atribuiu a menor importância a tais imprecações, recolheu o instrumento e conseguiu tocá-lo com grande perfeição. Havia na Acrópole de Atenas um grupo representando Minerva a golpear Mársias, por ter ousado recolher a flauta por ela atirada para longe e que ela desejava fosse esquecida para todo o sempre. Num baixo-relevo, que está em Roma, vemos Minerva tocando a flauta dupla, e Mársias, sob a forma de um sátiro, a espreita para se apoderar do instrumento, no momento oportuno. Mais habitualmente, a deusa observa com atenção o que acaba de inventar. A mesma razão que a obrigou a renunciar ao uso de tal instrumento, impedia que os escultores a representassem com uma figura deformada e careteira. Uma medalha ática de bronze representa, no verso, Minerva atirando fora a dupla flauta em presença do sátiro Mársias que manifesta o seu assombro mediante gestos (fig. 307).

Minerva higéia

Vimos a serpente aparecer entre os atributos de Minerva. Essa serpente é habitualmente o emblema de Erecteu, que foi criado pela deusa. Mas Minerva era, por vezes, invocada como protetora da saúde. Tinha então o nome de Minerva higéia, e a serpente que ao seu lado surge come uma taça que a deusa segura com a mão, como se a serpente estivesse perto da companheira de Esculápio. Minerva higéia está representada num baixo-relevo que decora um candelabro antigo do museu Pio-Clementino de Roma (fia. 308).

Fig. 307 — Minerva e Mársias (segundo uma moeda antiga).

Fig. 308 — Minerva higéia (segundo um baixo-relevo antigo). Museu Pio-Clementino.

Minerva obreira ou ergane

Minerva não é apenas guerreira. Dela é que nos vem a indústria, e por isso tem sido denominada Minerva obreira. Laboriosa tanto quanto guerreira, enriquece as cidades que a honram ao mesmo tempo em que as protege. Ama a agricultura, e ensinou aos homens o uso da oliveira: é por tal motivo que essa árvore lhe é consagrada e que vemos figurar uma lâmpada entre os seus atributos. A arquitetura, a escultura, a mecânica cabem no domínio da deusa, que preside em geral a todos os trabalhos do espírito e da imaginação. Está representada, com tal aspecto, mas conservando o seu costume de guerra, num interessante baixo-relevo, onde a vemos dirigir, com os seus conselhos, um jovem escultor que cinzela um capitel, e outros obreiros que lidam com uma máquina; Júpiter e Diana estão atrás dela e seguidos de uma sacerdotisa fazendo uma libação, e de uma grande serpente de cabeça de bode que representa o gênio do teatro, como indica a inscrição mutilada que se lê acima. A de baixo diz: "Lucéio Pecularis, empreiteiro do proscênio, mandou colocar este baixo-relevo votivo segundo um sonho tido." As principais atribuições de Minerva ergane estão resumidas num passo de Artemidoro: "Minerva é favorável aos artesãos, em virtude do seu apelido de obreira; aos que desejam contrair núpcias, pois pressagia que a esposa será casta e apegada ao lar; aos filósofos, pois é a sabedoria nata do cérebro de Júpiter. É ainda favorável aos lavradores, porque tem uma idéia comum com a terra; e aos que vão à guerra, porque tem uma idéia comum com Marte." Foi Minerva obreira que inventou as velas dos barcos e a ela se deve a construção do famoso navio Argos (v. fig. 138). Mas é sobretudo pelos tecidos e trabalhos das mulheres que Minerva assume importância toda especial, e tem por atributo a roca. É também especialmente invocada pelas obreiras que preparam os tecidos, como se pode ver neste trecho da Antologia :

"Ó Minerva, as filhas de Xuto e de Melita, Sátira, Heracléia, Eufro, todas três de Samos, te consagram uma a sua longa roca, com o fuso que obedecia aos seus dedos para se incumbir dos fios mais soltos; outra a sua lançadeira harmoniosa que fabrica as telas de tecido cerrado ; a terceira o seu cesto com os lindos novelos de lã, instrumentos de trabalho que, até a velhice, lhes sustentaram a laboriosa vida. Eis, augusta deusa, as ofertas das tuas piedosas obreiras."

Minerva e Aracne

Os tecidos constituíam um dos ramos mais importantes da indústria dos atenienses; mas as fábricas da Ásia, célebres em todas as épocas, sobrepujavam em delicadeza as cidades gregas, cujos tecidos menos delicados eram provavelmente mais sólidos. Foi o que deu origem à lenda que nos pinta a rivalidade entre Minerva e Aracne. Aracne não era ilustre pelo nascimento, mas o seu talento e a sua industriosidade a haviam tornado famosa. Seu pai era tintureiro de lã na cidade de Colonon, e ela adquirira tal reputação em todas as cidades da Lídia pela beleza dos seus trabalhos, que as ninfas do Tmolo e do Pactolo abandonavam as águas límpidas e os deliciosos bosquetes para lhe admirar os trabalhos de agulha. Sabia fiar e fazer a lã, e embelezava os seus tecidos com desenhos encantadores realçados por todas as cores do arco-íris. Envaidecia-se, porém, de tal modo com o seu talento, que por toda parte apregoava não ter receio de desafiar a própria Minerva. A deusa, ferida por tal intento, assumiu o aspecto de uma anciã, cobriu de cabelos brancos a cabeça, e, indo procurar Aracne, censurou-a em termos amigáveis pela inconveniência da pretensão de uma simples mortal de se

comparar a uma deusa, e sobretudo à deusa da qual procede toda a indústria humana. Aracne ofendeu-se, acolheu muito mal a anciã, que assim lhe falava, e, fitando-a de sobrolho carregado, avançou para ela disposta a golpeá-la, dizendo que, se Minerva se apresentasse, saberia muito bem confundi-la, mas que a deusa não ousaria, certamente, empreender uma luta que lhe seria desvantajosa. Minerva, diante daquelas palavras, reassume o seu verdadeiro aspecto e declara que aceita o desafio. Ei-las a prepararem os trabalhos, a disporem os tecidos e a iniciarem o mister. Já corre a lançadeira com incrível rapidez, e o desejo que ambas experimentam de vencer lhes redobra a atividade. Para tornarem o trabalho mais perfeito, cada uma delas desenha velhas histórias. Minerva representou no seu a disputa mantida com Netuno em torno do nome que deveria ser usado pela cidade de Atenas. Aracne houve por bem fixar histórias que não podiam deixar de ser desagradáveis às divindades do Olimpo grego. Viam-se as metamorfoses dos deuses, e as suas intrigas amorosas figuradas de tal modo que nenhum prestígio lhes advinha. Mas o trabalho de Aracne foi executado com tal delicadeza e tão incrível perfeição que Minerva não logrou descobrir sequer o menor defeito. Esquecida, então, de que era deusa, para só se lembrar do despeito provado por se ver igualada em finura por uma simples mortal, Minerva rasgou o tecido da rival, que imediatamente se enforcou de desespero. Minerva, tomada de piedade, sustentou-a no ar, para impedir que se estrangulasse, e disse-lhe: "Viverás, Aracne, mas ficarás para sempre pendurada desta maneira; será o castigo teu e de toda a tua posteridade." Ao mesmo tempo, Aracne sentiu que a cabeça e o corpo lhe diminuíam de volume; mingudas patas lhes substituíram os braços e as pernas, e o resto do corpo se transformou num enorme ventre. A partir de então, as aranhas sempre continuaram a fiar, e a indústria humana até hoje não conseguiu igualar a finura dos seus tecidos. (Ovídio). É fácil notar que esta lenda, na qual Minerva não revela absolutamente um bom caráter, tem a sua origem nas cidades gregas da Ásia. Aracne, que é lídia, mostra, aos olhos dos gregos, uma singular audácia ao se comparar com a ateniense Minerva, mas os tecidos do Oriente eram

inimitáveis, e procurados ansiosamente em todos os mercados da Grécia ; não é no terreno do trabalho que Aracne é vencida, é apenas mediante um resultado do poder divino, de que se acha dotada a adversária, igual, senão superior a ela em talento.

A festa das Panatenéias

A grande festa das Panatenéias celebrava-se em Atenas, em honra de Minerva (Atena), deusa tutelar da cidade, a quem ela devera o nome. A festa compreendia diferentes exercícios, entre outros corridas a pé e a cavalo, combates gímnicos, e concursos de música e poesia. As lutas gímnicas se desenrolavam nas margens do Ilisso. A festa terminava por uma grande procissão figurada no friso da cela do Partenão. O objetivo religioso da festa era cobrir a deusa de um véu novo em substituição ao que fora gasto pelo tempo. Mas o objetivo político era muito outro; tratava-se de mostrar que Minerva era ateniense pelo coração, e que ninguém podia invocar-lhe a proteção, se não fosse amigo de Atenas. No monumento, vemos a sacerdotisa recebendo duas jovens virgens que lhe entregam objetos misteriosos. As jovens são crianças, pois segundo os ritos não podiam ter menos de sete anos nem mais de onze. "Durante a noite que precede a festa, diz Pausânias, põem elas sobre a cabeça o que a sacerdotisa lhes ordena que carreguem. Ignoram o que se lhes dá: aquela que lhes dá os objetos misteriosos também nada sabe Há na cidade, perto da Vênus dos jardins, um recanto em que se acha um caminho subterrâneo cavado pela própria natureza. As jovens descem por aí, depõem o fardo, e em troca recebem outro, cuidadosamente coberto. O precioso fardo contém a velha vestimenta. e o que elas trazem de volta encerra a nova.

Como a cena se desenrola de noite, uma delas empunha um archote." Enquanto a sacerdotiza recebe a nova vestimenta da deusa, o grão-sacerdote, assistido por um jovem rapaz, se ocupa em dobrar o antigo peplo. O público não assiste à misteriosa cena do santuário, mas os deuses, espectadores invisíveis, estão sentados e dispostos em grupos simétricos. Entre eles, deparase-nos Pandrosa, recoberta do véu simbólico que caracteriza o sacerdócio; mostra ela ao jovem Erecteu, ajoelhado, a cabeça cia procissão que avança em direção ao santuário. Vem antes um grupo de anciãos de andar grave, todos envoltos nos seus mantos e quase todos a se apoiarem nos seus bordões. São os guardas das leis e dos ritos sagra-dos, pois alguns parecem dar instruções às jovens virgens atenienses que os seguem. Trazem estas com gravidade o candelabro, o cesto, os vasos, as páteras e os demais objetos destinados ao culto. Depois das atenienses, surgem as filhas dos forasteiros fixados em Atenas. Não têm o direito de carregar objetos tão santos, mas seguram nas mãos os assentos dobradiços que servirão aos canéforos. Vêm, depois, os arautos e os ordenadores da festa, que precedem os bois destinados ao sacrifício, seguidos dos meninos que conduzem um carneiro. Desfilam alguns homens que seguram bacias e odres cheios de azeite. Finalmente os músicos que tocam flauta ou lira, e um grupo de anciãos, todos empunhando um ramo de oliveira. Começa, então, o desfile dos carros puxados por quatro cavalos e o longo cortejo dos cavaleiros. Sabia-se que Minerva ensinara aos homens a arte de domar os cavalos e de os atrelar ao carro, e a festa era sempre acompanhada de jogos eqüestres. Todos conheciam, pelos moldes, a famosa cavalgata do Partenão. Um cortejo de jovens, cuja clâmide flutua ao vento, doma os cavalos tessalienses que se empinam e lhes resistem. Os prêmios concedidos aos vencedores nos jogos realizados em honra de Minerva consistiam ordinariamente em ânforas cheias de azeite. Era um modo de lembrar que a deusa plantara a oliveira que constituía a grande riqueza da Ática. O museu do Louvre possui vários desses vasos, chamados panatenaicos. Têm eles interessantes

decorações, nas quais vemos Minerva de pé, brandindo a lança e segurando o escudo. A figura está concebida no estilo tradicional das antigas figuras de estilo arcaico. Está situada entre duas colunas que suportam, cada uma, um galo (fig. 309). O galo era, com efeito, consagrado a Minerva obreira ; Creuzer nos explica a razão: "O nome de ergane, diz ele, exprimiu a princípio o próprio trabalho, a tarefa diária, e parece ter-se aplicado primitivamente, como epíteto de Minerva, à proteção especial que a deusa dispensava às

Fig. 309 — Vaso panatenaico (museu do Louvre).

ocupações das mulheres. Sob tal ponto de vista, era-lhe consagrado o galo: quando o canto dessa ave anuncia o retorno da Aurora, relembra-nos ao mesmo tempo o culto de Minerva ergane e de Mercúrio agoreu, ou seja, os trabalhos da indústria e do comércio."

CAPÍTULO V

A GÓRGONA

Danai e a chuva de ouro. — Infância de Perseu. — Perseu e as Górgonas. — Pégaso e Crísaor. — O coral. — Atlas petrificado. — Perseu e Andrômeda. — As núpcias de Perseu.

Danai e a chuva de ouro

Abas, filho de Linceu e Hipermnestra, a única Danaida que não matou o marido, teve dois filhos, Acrísio e Proeto, que por longo tempo disputaram o trono de Argos. Acrísio terminou por vencer e, expulsando o irmão da cidade, tornou-se senhor único do poder. Tinha ele uma filha chamada Dánai. Havendo um oráculo predito que ele seria, um dia, destronado pelo neto, Acrísio mandou encerrar a filha numa torre de bronze, para que ela não contraísse núpcias. Danai, condenada pelo pai a

passar os dias naquela prisão, da qual jamais deveria sair, foi vista por Júpiter, que, metamorfoseando-se em chuva de ouro, conseguiu iludir a vigilância e penetrar ria torre. O tema inspirou vários quadros famosos. Ticiano, numa pintura do museu de Nápoles, mostra o próprio Júpiter, ainda envolto nas nuvens e difundindo ouro a mancheias. Correggio colocou perto de Dánai um Amor que a ajuda a recolher o tesouro e Annibal Carraci adotou a mesma maneira de apresentação.

Infância de Perseu

Da união de Júpiter com Dánai nasceu o herói Perseu. Quando Acrísio soube que era avô, encolerizou-se espantosamente e mandou encerrar Dánai e o filhinho num baú que foi atirado ao mar. Mas um pescador, descobrindo o baú, lançado pelas ondas às costas da ilha de Serifo, uma das Ciciadas, abriu-o imediatamente, e, vendo nele pessoas vivas, levou-as ao rei do país que se chamava Polidecto. Este deu-lhes hospitalidade, mas ao ' cabo de algum tempo se apaixonou por Dánai, e visto que Perseu, já crescido, lhe poderia prejudicar os planos, resolveu desfazer-se dele. A oportunidade tardou, mas notando que o jovem herói ardia do desejo de se assinalar, pediu-lhe o rei a cabeça de Medusa, certíssimo de que os mais valorosos jamais lograriam levar a efeito tão perigosa façanha Perseu compreendeu os perigos que o ameaçavam, mas, decidido a enfrentá-los, pediu emprestado a sua irmã Minerva o escudo, a Plutão o capacete forjado por Vulcano, e a Mercúrio as asas talares. Quando se viu equipado começou a procurar Medusa.

Perseu e as Górgonas

Eram as Górgonas três filhas de Fórcis, chamadas Euríala, Medusa e Esteno. Somente Medusa era mortal, mas possuía admirável beleza. Netuno, apaixonando-se por ela, marcou-lhe encontro num templo de Minerva; a deusa, indignada com tal profanação, mudou o rosto de Medusa, cujos cabelos se tornaram serpentes (fig. 310). As Górgonas eram assaz temidas. "São, diz Ésquilo, virgens aladas, monstros detestados pelos mortais, e que ninguém encara sem morrer." Era, por conseguinte,

Fig. 310 — Cabeça de Medusa (segundo uma moeda antiga).

dificílimo chegar à Medusa, e quando se conseguia, corria-se o grave risco de ficar petrificado, pois a sua cabeça tinha a propriedade de transformar em pedra todos os que a contemplavam. Era preciso, antes, penetrar num lugar fortificado com elevadas muralhas, cuja guarda estava confiada às duas filhas de Fórcis, que se mantinham à porta. Só tinham um olho para ambas, do qual se valiam alternadamente. Enquanto uma delas emprestava o olho à outra, Perseu apoderou-se dele com habilidade, e tornou-se senhor da passagem. Penetrou, então, por caminhos tortuosos e sombrios até o palácio das Górgonas, que ele viu repleto de homens e animais petrificados. Chegado ao pé de Medusa, só fitou a própria imagem refletida pelo escudo, e preservando-se, dessarte, de qualquer feitiço, cortou-lhe a cabeça.

Os monumentos nos mostram as precauções tomadas pelo herói para não olhar uma inimiga cuja simples visão bastaria para o petrificar. Numa pedra gravada antiga (fig. 311) Medusa, cujo corpo está protegido por uma

Fig. 311 — Perseu mata Medusa voltando a cabeça para não ficar petrificado (segundo uma pedra gravada).

égide, acaba de ser abatida por Perseu que, ao golpeá-la, volta a cabeça para ver apenas a sua própria cabeça refletida no escudo. Numa moeda de Galatia, a cena está fixada mais ou menos da mesma maneira, mas Medusa tem o peito nu, e é a própria Minerva que apresenta o escudo a Perseu, para que possa, sem perigo, ver onde aplica os golpes (fig. 312).

Fig. 312 — Perseu é auxiliado por Minerva. na sua luta contra Medusa (segundo uma moeda dos gálatas).

Pégaso e Crisaor

Medusa não tivera filhos, mas agradara a Netuno, que, para dela acercar-se, assumira o aspecto de cavalo. Quando Perseu lhe cortou a cabeça, o sangue que jorrou abundantemente produziu imediatamente um cavalo alado de nome Pégaso, e outra personagem misteriosa de nome Crisaor, que não possui lenda pessoal, mas que, tornando-se esposo de Caliroé, foi pai de Gerião, gigante de três cabeças, e da terrível Equidna, monstro metade mulher e metade serpente. Foi da união de Equidna com Tifão que nasceram a Quimera, o dragão de Cólquida, Cérbero, a hidra de Lerna, etc. O aparecimento de Pégaso e Crisaor está figurado num vaso de estilo arcaico: lançam-se ambos do pescoço de Medusa decapitada. Esta tem asas nas costas e nos pés. Uma de suas irmãs, igualmente alada, com duas grandes serpentes nas mãos, e outras nos cabelos, atira-se em perseguição a Perseu, mas sem empregar na perseguição uma grande rapidez, como se vê noutras figuras. Perseu tem aspecto assaz tranqüilo, sentindo-se protegido por Minerva que está atrás e estende o manto para impedir que as serpentes da Górgona atinjam o herói. Esta Minerva, contrariamente ao hábito, não tem nem capacete, nem lança. Quanto a Perseu, segura ele numa das mãos a harpe com a qual cortou a cabeça de Medusa, e na outra um bastão em forquilha terminado por cabeças de ser-pentes, o que constitui a forma mais antiga de caduceu. Além disso, traz suspenso ao ombro uma espécie de saco de cesto no qual colocou a cabeça de Medusa que aparece. Essa composição, de um desenho extremamente grosseiro, pertence ao mais antigo estilo, e está numa ânfora de Nola. A decapitação de Medusa está representada de maneira estranha e ingênua noutro vaso de estilo arcaico. Perseu, que acaba de cortar a cabeça de Medusa, foge velozmente, para evitar as duas irmãs da vítima que o

perseguem, mostrando a língua (figs. 313 e 314). Minerva e Mercúrio assistem à cena que se poderia acreditar haver sido tirada de um passo de Hesíodo: "O filho de Dánai alongava-se na corrida, semelhante a homem que precipita a fuga, tremendo de terror; nas suas pegadas se atiram os monstros inconquistáveis e funestos de no-mear, as Górgonas, impacientes poro alcançarem." Perseu é o antepassado de Hércules : é por isso que na descrição do escudo de Hércules, Hesíodo lhe atribui grande importância.

Fig. 313 — Perseu perseguido pelas Górgonas (segundo uma pintura de vaso).

Poucas lendas foram tão populares na antiguidade como a que diz respeito a Perseu; uma série numerosíssima de monumentos reproduz a sua vitória contra Medusa e alguns remontam à alta antiguidade. Uma métopa de Selinonte, que é uma das mais antigas esculturas chegadas até nós, mostra o herói cortando a cabeça de Medusa perto da qual vemos surgir Pégaso. O estilo desta escultura é absolutamente bárbaro.

Um espelho etrusco nos apresenta Perseu com o capacete de Plutão, vestido da clâmide e segurando a harpe, espécie de . faca recurva com a qual acaba de matar Medusa. Minerva, ao seu lado, toca com a ponta da lança a cabeça de Medusa atirada ao chão; essa cabeça tem o crânio despojado dos cabelos de serpente que habitual-mente a ornam.

Fig. 314 — As Górgonas perseguindo Perseu (segundo uma pintura de vaso).

O famoso escultor Myron fizera um Perseu vencedor de Medusa que se achava na Acrópole de Atenas. A arte da grande época raramente representou o próprio com-bate: os artistas preferem mostrar o herói após o seu triunfo. Nas pedras gravadas, o herói segura com uma das mãos a harpe, e com a outra ergue a cabeça de Medusa (fig. 315). Como formas, não tem Perseu tipo que lhe seja próprio, mas participa da natureza de Mercúrio, com o qual apresenta também grandes relações como costume, nos monumentos arcaicos. Quando está representado nu, surge como efebo, delgado, fino, nervoso, tal qual convém a um herói cuja agilidade é um dos principais atributos.

Durante a Renascença, Benevenuto Cellini fez um Perseu vitoríoso, pisando com es pés o corpo de Medusa, cuja cabeça em sangue apresenta (fig. 316). O grupo pode ser visto em Florença e pede ser considerado obra-prima do artista, que dele fala longamente nas suas Memórias. No começo do século XIX, quando os franceses despojaram os museus da Itália, Canova foi incumbido

Fig. 315 — Perseu (segundo uma pedra gravada antiga).

de fazer um Perseu, e foi tal a admiração que excitou, que a Itália julgou haver adquirido uma obra-prima eqüivalente às perdidas. Mas a posteridade não ratifícou esse juízo; o Perseu de Canova, cheio de delicadeza e langor, não corresponde ao caráter do herói e, sol) tal ponto de vista, é assaz inferior ao de Cellini.

Fig. 316 — Perseu (grupo de Benevenuto Cellini, em Florença).

O coral

Os poemas órficos nus explicam como se formou o coral com o sangue de Medusa derramado sobre a relva. "Perseu, de rápído vôo, não deve ser considerado um monstro, pois foi ele que, nas extremidades escarpadas da Atlântida, matou esta virgem feroz, senhora de infernal aspecto. Destino horrível para todos! Os que ela fitasse com os seus olhos injectados de sangue, os que contemplassem o espantoso monstro morriam imediatamente e se transformavam em pedra por uma vontade fatal ! A robusta Minerva, por mais corajosa que fosse, não quis encará-la. Perseu de gládio de ouro não conseguiu olhá-la nem sequer após exterminá-la. Aliás, foi mediante uma astúcia que lhe cortou a cabeça: aproximando-se-lhe por trás, cortou-lhe a garganta com uma arma recurva. Embora estivesse morta, continuava perigoso o seu aspecto, e muitos seriam os que desceriam à morada de Plutão por causa da sua morte. O herói molhado de sangue, aproximando-se da praia, para lavar-se, depôs sobre a relva verdejante a cabeça da Górgona, ainda quente e palpitante. Após refrescar-se, saiu daquela estrada ardilosa e das suas perigosas lutas. As raízes das ervas que se achavam sob a cabeça estavam umedecidas pelo sangue. Imediatamente as filhas do mar, acorrendo, apressaram-se em comprimi-las, e fizeram-no tão bem que se diria estar a erva transformada em pedra sólida, e fora o que real-mente sucedera : perdeu a cor verde, é verdade, mas não perdeu a forma; conservou somente uma cor vermelha que vinha do sangue. O herói intrépido ficou estupefato quando viu subitamente aquele grande milagre. A prudente Minerva, filha de Júpiter, surgiu então, admirou-o também, e para tornar imortal a glória do irmão, quis que o coral tivesse a faculdade de guardar para sempre a sua nova natureza."

Atlas petrificado

Perseu, depois da vitória, elevou-se nos ares, com o auxilio das asas talares de Mercúrio; segurando firme-mente o seu despojo, atravessou vários países, e as gotas de sangue que caíam da cabeça de Medusa, formaram na África essa quantidade assombrosa de serpentes e insetos que infestam a região. Perseu, depois de percorrer o mundo, desde as regiões em que o sol se ergue até as em que se deita, parou no reino de Atlas, que se estendia sobre as últimas regiões do mundo. Mas Atlas, lembrando-se de que um oráculo predissera que os frutos dos seus jardins seriam um dia levados por um filho de Júpiter, acolheu-o muito mal e pretendeu expulsá-lo da sua presença. Perseu, indignado, mas não podendo pensar em lutar contra um gigante do tamanho de Atlas, cuja força não havia quem igualasse, apresentou-lhe a cabeça de Medusa, cujos olhos tinham a propriedade de transformar em pedra todos os que a vissem. O enorme Atlas, mal viu o que lhe era apresentado, transformou-se em montanha: a sua barba e s seus cabelos passaram a ser as árvores que a cobrem, os ombros formaram as alturas, e os ossos tornaram-se os rochedos que ali se nos deparam." (Ovídio).

Perseu e Aadrômeda

Tendo petrificado Atlas, Perseu rumou para a Etiópia, e notou, presa a um rochedo, uma jovem que ele teria tomado por estátua, se ao mesmo tempo não lhe tivesse visto flutuar ao vento os cabelos, e os olhos derramar

lágrimas. Era a infeliz Andrômeda, filha do rei do país: sua mãe Cassiopéia tivera a ousadia de disputar o prêmio de beleza a Juno, e a vingativa deusa mandara ao país um monstro que o devastava. O oráculo de Ammon declarou que, para apaziguar a deusa, Andrômeda devia ser exposta aos furores do monstro, e a infeliz jovem foi ligada ao rochedo fatal pelas próprias Nereidas. Mal Perseu se aproximou dela, as ondas se agitaram ruidosamente, e o mar vomitou um espantoso monstro cujo corpo cobria enorme espaço. Andrômeda dá um grito, e seus pais, desolados, já a supõem perdida; mas Perseu, batendo o pé no chão, se eleva aos ares, e a sua sombra, refletindo-se na água, irrita o monstro, que contra ela desencadeia toda a sua cólera. Perseu, então, cai do meio dos ares sobre as costas do dragão, e enfia-lhe no ombro direito a temida espada. Jorra daí um sangue negro, e a fera, sentindo-se ferida, dá tremendos saltos na superfície do mar, agitando-se como javali perseguido por matilha de cães. Os rios de sangue que correm molham as asas do herói, que compreende não poder suster-se por mais tempo no ar. Apoiando-se, por conseguinte, com a mão esquerda num rochedo, fura o monstro de lado a lado. Nos monumentos antigos, Andrômeda, presa ao rochedo, está quase sempre vestida de uma longa túnica que lhe desce até os pés, e ela fita habitualmente os olhos no libertador. É assim que a vemos num baixo-relevo do museu Capitolino, em que Perseu, provido de asas na cabeça e nos pés, oculta a cabeça de Medusa sob as vestes para não petrificar Andrômeda a quem ajuda a descer do rochedo ao qual estava presa. O monstro marinho que ia devorá-la jaz aos pés do herói (fig. 317). Os artistas dos últimos séculos compreenderam de maneira inteiramente diversa o tema. Sempre representam Andrômeda em completo estado de nudez. Paolo Veronese e Rubens fazem descer o herói do céu, e ele se precipita do alto para baixo a fim de combater o monstro, mais ou menos como o arcanjo Miguel quando abate o demônio. No grupo de Puget, que está no Louvre, Perseu está atarefado em livrar Andrômeda dos grilhões. Esta, inteiramente nua, apoia um dos braços já livre sobre o herói (fig. 318).

Para indicar as conseqüências da libertação, o es-cultor imaginou colocar aos pés de Andrômeda um Cupido encadeado como ela, e que não pode deixar de sorrir ao libertador. O grupo fora ordenado para o parque de Versalhes, e quando foi apresentado a Luís XIV, o rei se entusiasmou. No entanto, fizeram-se algumas observações ao artista, quanto ao vulto de Andrômeda, algo pequenina para Perseu. A estátua não vale, enfim, o Milo de Crotona, do mesmo artista, ao qual, não obstante, o rei a julgou superioríssima.

As núpcias de Perseu

A sala do festim estava preparada para celebrar a união de Perseu com Andrômeda, e os convivas do herói ouviam a narração dos seus feitos, quando subitamente alguns homens armados se precipitaram para o meio do banquete, onde imediatamente introduziram a desordem. À testa dos invasores estava Fineu, que, outrora noivo de Andrômeda, não suportava a idéia de vê-la casar-se com outro. Avançando em direção a Perseu, e empunhando a lança, disse-lhe: "Vês aqui um rival que deseja vingar a afronta que lhe atiraste ao rosto, roubando-lhe a noiva. Nem as tuas asas, nem esse pretenso Júpiter que dizes ter-se mudado em chuva de ouro para te dar a luz do dia, não conseguirão salvar-te do castigo que mereces." Assim falando, atira a lança contra o herói que se defende, abaixando-se. Os amigos de Perseu querem ajudá-lo, mas são poucos, e o príncipe grego vê-se imediatamente cercado por todos os lados. Andrômeda grita que não quer outro marido senão o homem a quem deve a vida, as mulheres que a rodeiam dão horríveis gritos, mas nada detém Fineu e o seu bando. Perseu, cercado por todos, busca defender-se dos dardos que lhe são atirados, mas vendo que o

seu valor seria inútil contra tanta gente, diz: "Visto que a isso me obrigais — e apresenta a cabeça de Medusa — chamarei em meu auxílio o inimigo que venci. Vós, que lutais por mim, desviai o olhar." Duzentos guerreiros, que se atiravam contra Perseu imobilizam-se imediata-mente, e um profundo silêncio se sucede ao tumulto. Vários dos amigos do herói, esquecidos do que lhes fora recomendado, olham para o lado dele e ficam petrificados

Fig. 317 — Perseu e Andrômeda (segundo um baixo-relevo antigo).

como os inimigos; o palácio só contém em breve estátuas de pedra em violentas atitudes de homens que combatem sem quartel. Depois de tais feitos Perseu resolveu voltar au seu país, e, passando para Serifo, matou o rei Polidecto, que lhe ultrajara a mãe Dánai. O retorno de Perseu a Serifo está representado num vaso antigo; o herói segura com uma das mãos a harpe e voltase para não ver a cabeça

Fig. 3 1 8 — Perseu e Aixiri meda (grupo de P. Pugot, museu do Louvre).

de Medusa que apresenta a Polidecto; este se acha, indubitavelmente, prestes a tornar-se pedra. Minerva está de pé diante de Perseu, e atrás dela vemos Dánai que assiste à cena, e provavelmente aguarda a libertação (fig. 319). Quando Acrísio soube da chegada de Perseu a Argos, lembrou-se do oráculo e refugiou-se numa cidade vizinha. Perseu resolvera nâo lhe fazer mal, mas, realizando-se naquela cidade umas festas, para lá rumou a fim de participar das lutas que se feririam. Lançando o disco, atingiu involuntariamente Acrísio, que morreu no mesmo instante. Assim, aconteceu o que o oráculo previra.

Fig. 319 — Perseu mestra a Polidecto a cabeça de Medusa (segundo uma pintura de vaso).

CAPÍTULO VI

O CAVALO PÉGASO

Pégaso cuidado pelas ninfas. — A fonte Hipocrene. — Belerofonte e a Quimera.

Pégaso cuidado pelas ninfas

Quando o herói Perseu matou a Górgona Medusa, o sangue que jorrou formou Pégaso, cavalo alado, filho de Netuno. Pégaso foi ao Olimpo onde Júpiter lhe confiou a missão de conduzir o carro da Aurora. Os monumentos antigos nos mostram as ninfas ocupadas em cuidar do cavalo alado, cuja limpeza lhes cabe (fig. 320). Pégaso, além disso, estava em relações com as Musas, e foi ele que fez surgir as fontes de Hipocrene, que lhes eram consagradas. É uma idéia relativamente moderna mostrar Pégaso como cavalo alado no qual empreendem a sua viagem os poetas. Pégaso, é, antes. o cavalo dos heróis, e é mediante o seu auxílio que Belerofonte pôde combater a odiosa Quimera. Minerva, que ajudara Perseu na sua luta contra Górgona, auxiliou também Belerofonte, quando este herói quis domar Pégaso,

Fig. 320 — Pégaso cuidado pelas ninfas (segundo uma pintura de Pompéia).

Fig. 321 — O cavalo Pégaso (segundo uma moeda antiga).

A fonte Hipocrene

Píndaro nos diz como foi o cavalo Pégaso domado pelo herói cor-inflo Belerofonte: "Belerofonte ardia do desejo de domar Pégaso que devia a luz a uma das Górgonas de cabelos eriçados de serpentes; mas s seus esforços foram inúteis até o momento em que a casta Palas lhe deu um freio enriquecido de rédeas de ouro. Despertando, sobressaltado, (Te um profundo sono, vê-a aparecer aos seus olhos e ouve-a proferir as seguintes palavras: "Tu dormes, rei descendente de Éolo! Pega este filtro, que é o único capaz de tornar dóceis os cavalos; depois de oferecê-lo a Netuno, teu avô, imola um soberbo touro a esse deus que é hábil em domar corcéis." A deusa de negra égide nada mais lhe diz no meio do silêncio da noite. Belerofonte levanta-se imediatamente, e, pegando o freio maravilhoso, leva-o ao filho de Cerauno, o adivinho daquelas regiões. Conta-lhe a visão que teve, como, obediente aos seus oráculos, adormeceu durante a noite no altar da deusa, e como a deusa lhe deu pessoalmente o freio de ouro com o qual irá domar Pégaso. O adivinho ordena-lhe que sacrifique sem demora após o sonho, que erga um altar a Minerva eqüestre, e que imole um touro a Netuno. Assim é que o poder dos deuses torna fácil o que os mortais jurariam ser impossível e desesperariam até de executar. Estremecendo de júbilo, o intrépido Belerofonte pega o cavalo alado, e tal qual beberagem calmante, o freio com o qual lhe aperta a boca modera-lhe o impetuoso fogo: então, atirando-se-lhe ao lombo, Belerofonte, devidamente armado, não tarda em transportar-se com ele pelos ares." Uma antiga moeda nos mostra Belerofonte pegando o cavalo alado e domando-o (fig. 322). Quando o herói fugiu no lombo de Pégaso, este, com uma patada fez jorrar a fonte Hipocrene, consagrada às Musas. Entre-tanto, segundo outra versão, essa fonte já existia, e foi

enquanto Pégaso ali matava a sede que Belerofonte conseguiu domá-lo. Assim é que está representada a cena num baixo-relevo antigo, proveniente do palácio Spada de Roma (fig. 323).

Belerofonte e a Quimera

Belerofonte não podia vencer a Quimera sem o auxílio de Pégaso, e estava condenado a combate-la. Esse herói matara um dos mais ilustres cidadãos de Corinto, sua pátria ; para pagar o crime, foi obrigado a exilar-se. e recebeu hospitalidade com Proeto, em Argos. A mulher de Proeto, cujo amor ele recusara, caluniou-o, por vingança. com o marido e exigiu que fosse morto. Proeto,

Fig. 322 — Pégaso domado por Belerofonte (segundo uma moeda antiga).

não querendo ferir pessoalmente o hóspede, enviou-o ao cunhado, Iobates, rei da Lícia, com uma ordem que mandava o matassem. Iobates, a princípio, fez muito boa acolhida a Belerofonte, mas, ao abrir a mensagem, viu-se embaraçado, e ordenou que o herói fosse combater a Quimera certo de

que o combate lhe seria fatal. Uma pintura de vaso nos mostra Belerofonte despedindo-se de Iobates, rei da Lícia, e partindo em companhia de Pégaso para ir lutar contra a Quimera (fig. 324).

Fig. 323 — Pegasus bebendo (segundo um baixo-relevo antigo).

Fig. 324 — Belerofonte despede-se do seu anfitrião.

A Quimera era um terrível monstro, filha de Tifão e Equidna Tinha cabeça de leão, cauda de dragão e corpo de cabra, e, segundo outros, as cabeças desses três

animais. Vomitava chamas pela garganta e devastava o país, sem que ninguém ousasse atacá-la. Com efeito, para vencê-la, era preciso possuir Pégaso. Montado no cavalo alado, Belerofonte lutou contra a Quimera e matou-a do alto, com os seus dardos. Em seguida, partiu para a guerra contra as amazonas, e cobriu-se de glória. Mas, refletindo que tudo lhe era permitido por haver sabido domar Pégaso, pretendeu subir aos céus para verificar o que faziam os olímpicos. Júpiter, não podendo absolutamente tolerar semelhante audácia, mandou um moscardo picar o cavalo Pégaso, e este, com o sobressalto, fez com que o herói tombasse para morrer (fig. 325).

Fig. 325 — Combate contra a Quimera.

As aventuras de Belerofonte foram freqüentemente representadas na antiguidade, e figuravam num tapete do templo de Delfos. Vemo-las também em vasos: o herói, montado em Pégaso, usa o barrete de viajante em combate a Quimera, cujas duas cabeças já estão crivadas de setas.

O rei do país, perto dele, empunhando um longo cetro, admiralhe a coragem, e Minerva, visível apenas para o herói, lhe dirige o feito. Vemo-lo igualmente precipitado ao chão, enquanto Pégaso foge voando (fig. 326). As medalhas de Corinto mostram Belerofonte matando a

Fig. 326 — Queda de Belerofonte (segundo uma pedra gravada antiga).

Quimera, e algumas pedras gravadas apresentam igual-mente o herói colocando um freio no cavalo Pégaso ou percorrendo os ares numa montaria alada. Rubens pintou o combate de Belerofonte contra a Quimera, para uma decoração do arco de triunfo erigido para a chegada do arquiduque Fernando a Antuérpia.

LIVRO V

MARTE E VÊNUS

CAPÍTULO I

MARTE

Tipo e atributos de Marte. — Marte na guerra dos Gigantes. — Vênus e Marte. — Marte ferido por Diomedes. — Filomela e Progne. — Os sacerdotes sálios.

Tipo e atributos de Marte

Marte (Ares), deus sangüinário e detestado pelos imortais, nunca teve grande importância entre as populações helênicas. Em numerosas localidades, parece até haver sido inteiramente desconhecido, e se o seu culto conservou na Lacônia importância maior que alhures, deve-se à rudeza dos habitantes de tal país. Foi somente entre os romanos que Marte adquiriu importância verdadeira e permanente; o tipo de Palas conformava-se muito mais ao gênio grego. Com efeito, Palas é a inteligência guerreira, ao passo que Marte nada mais é do que a personificação da carnificina. Ávido de matar, pouco lhe

importa saber de que lado está a justiça e cuida apenas de tornar mais furiosa a luta. O deus da guerra e da violência aparece-nos sempre em atitude de repouso, e as estátuas antigas jamais o representam lutando. Tem, por vezes, numa das mãos a Vitória, como Júpiter ou Minerva. Vemo-lo com tal aspecto numa famosa estátua da Villa Albani. Uma linda pedra gravada mostra Marte segurando com uma das mãos a Vitória e com a outra a oliveira, símbolo da paz proporcionada pela vitória (fig. 327).

Fig. 327 — Marte (segundo uma pedra gravada antiga).

A maioria das vezes usa um capacete e empunha uma lança ou gládio Aparece, assim, em várias medalhas (fig. 328), mas as estátuas que o representam isolada-mente não são demasiadamente comuns entre os gregos. Entretanto, a bela estátua do Louvre, conhecida pelo nome de Aquiles Borghese passa hoje por ser um Marte. Explica-se o elo que usa num dos pés pelo hábito de certos povos, e notadamente os lacedemônios, de agrilhoarem o deus da guerra. Parece ter sido o escultor Alcameno de Atenas quem fixou o tipo de Marte, tal qual surge habitualmente nos

monumentos artísticos. Os atributos habituais do deus são o lobo, o escudo e a lança com alguns troféus. Uma medalha cunhada na época de Septímio Severo nos mostra Marte com uma lança, um escudo e uma escada para o ataque. Sob tal aspecto, Marte recebe o epíteto de Teichosipletes (que sacode as muralhas) (fig. 329). Em geral, porém, não tem real importância na arte a não ser pela sua ligação com Vênus.

Fig. 328 — Atributos de Marte.

Num célebre quadro da galeria de Florença, Rubens representou Marte, que Vênus e Cupido se esforçam inutilmente por reter, e que, de gládio empunhado, segue a Discórdia precedida do Temor e do Espanto. As Artes chorosas, a Música, a Arquitetura e a Pintura, são pisadas pelo feroz deus: o comércio está destruído e os campos prestes a ser incendiados. Noutro quadro do mesmo pintor, vemos, ao contrário, Marte repelido por Minerva, enquanto a Terra oferece o seio fecundo do qual o leite jorra ao lado de um grupo de crianças que acorrem a ver uma cornucópia que lhes oferece Pã, o deus da agricultura.

Marte na guerra dos Gigantes

Claudiano descreveu o papel de Marte na guerra dos Gigantes. "O deus impele os seus furiosos corcéis contra a horda formidável e, imprimindo ao gládio um movi-mento irresistível, o monstruoso Peloro é atingido no ponto em que, por um estranho acoplamento, duas ser-pentes se lhe unem ao corpo que elas sustentam. Marte vendo-o tombar, faz passar as rodas do carro sobre o inimigo vencido, e o sangue que jorra desse corpo enorme avermelha as montanhas vizinhas.

Fig. 329 — Marte fazendo estremecer as paredes (medalha antiga).

"Entretanto, Peloro tinha um irmão, o gigante Mi-mas, que, ocupado em lutar noutra região, viu Peloro cair. Mimas pensa exclusivamente na vingança e, curvando-se para o mar, quer dele arrancar a ilha de Lemnos para atirá-la contra o deus. Marte evita o choque e com um golpe de lança fura a cabeça de Mimas, cujo cérebro se esparrama à direita e à esquerda (fig. 330). Marte foi menos feliz com outros Gigantes. Fôra aprisionado por Oto e Efialtes que o haviam mantido agrilhoado durante treze meses. O escultor Flaxman nos mostra o deus da guerra em posição humilhante (fig. 331). Oto e Efialtes tinham tentado escalar o céu colocando o monte Ossa sobre o Olimpo e o Pélion sobre o

Ossa. Diana, para evitar-lhes a perseguição, viu-se obrigada a transformar-se em corça, e estando a fugir precipitadamente, os dois irmãos Gigantes, que vinham um em cada direção, atiraram contra ela, ao mesmo tempo, os seus dardos, e dessa maneira mataram um ao outro. (Apolodoro) .

Fig 330 — Marte matando Mimas (segundo uma pedra gravada antiga).

Vênus e Marte

A aliança entre a guerra e o amor, entre a força e a beleza, é uma idéia inteiramente conforme ao espírito grego. Apesar de brutalíssimo, não pôde Marte resistir a Vênus que o subjuga e domina com um sinal: da união de Marte e Vênus nasceu Harmonia. Vários monumentos antigos, notadamente o famoso grupo do museu de

Florença e o do museu Capitolino, reproduzem essa ligação que também se vê em pedras gravadas (fig 332). Os romanos gostavam de fazer-se representar com suas mulheres, e usando os atributos de Marte e Vênus; era uma alusão à coragem do homem e à beleza da mulher. Aliás, os romanos consideravam Marte e Vênus autores

Fig. 331 — Marte agrilhoado é vigiado por Oto e Efialtes (segundo Flaxman).

da sua raça, e durante a época imperial, dava-se freqüentemente aos deuses a feição dos imperadores. Assim é que temos no Louvre um grupo, cuja personagem masculina parece ser Adriano ou Marco Aurélio, e que representa Marte ao lado de Vênus. Mas a imperatriz está vestida. Vários arqueólogos pensam que a Vênus de Milo estava ao lado da estátua de Marte. A arte dos últimos

séculos ligou igualmente as duas divindades e, num encantador quadro do Louvre, le Poussin nos mostra o deus da guerra, esquecido dos seus atributos e do seu papel, sorrindo para a deusa, enquanto os cupidos brincam tranqüilamente com as armas, no meio de risonha paisagem.

Fig. 332 — Marte e Vênus (segundo um grupo antigo).

Marte ferido por Diomedes

Marte, na guerra de Tróia acirrado inimigo dos gregos, foi ferido por Diomedes e deu um grito semelhante ao clamor de dez mil combatentes numa furiosa batalha. Subiu ao Olimpo para dar vazão às suas queixas contra o herói grego e sobretudo contra Minerva que dirigira o

golpe. "Tens por tua filha, diz a Júpiter, uma indigna fraqueza, porque tu sozinho foste quem gerou tão funesta divindade. Ei-la agora que excita contra os deuses o insensato furor de Diomedes. Ousado! Em primeiro lugar feriu Vênus na mão, depois atirou-se a mim, e se os meus pés velozes não me houvessem subtraído à sua cólera, lá teria ficado eu estendido sem força aos golpes do ferro." Júpiter acolhe mal as queixas de Marte: "Divindade inconstante, exclama, cessa de importunar-me com os teus lamentos! De todos os habitantes do Olimpo, tu és o que eu mais odeio, pois só amas a discórdia, a guerra. a carnificina. Tens, sem dúvida, o intratável caráter de tua mãe Juno, que as minhas ordens soberanas mal conseguem domar. Os males que suportas hoje são o fruto dos seus conselhos. Mas não quero que sofras por mais tempo, visto que sou teu pai." O rei dos deuses manda, então, que se cure o filho e um bálsamo salutar lhe acalma as dores, porque os deuses não podem morrer Um interessante quadro da mocidade de Davi, que obteve o segundo prêmio em 1771, mostra Diomedes no momento em que acaba de lançar contra Marte o dardo

Fig. 333 — Vênus, marte e Cupido (segundo uma pedra gravada, antiga).

dirigido por Minerva. Marte, ferido, está caído. O quadrinho é valioso, porque nos dá a conhecer Davi numa época em que o jovem artista não pensava absolutamente na reforma que. posteriormente, introduziu na pintura, e em que todo o seu talento estava impregnado do estilo dominante então na escola francesa.

Filomela e Progne

O caráter feroz das lendas concernentes a Marte mais ainda se exagera, quando elas se aplicam a seus filhos. Tivera ele de uma ninfa um filho chamado Tereu, rei da Trácia, que desposou Progne, filha do rei de Atenas Pandião. Tinha este outra filha chamada Filomela. Progne exprimiu ao marido o desejo de rever a irmã da qual se achava separada havia cinco anos. Tereu foi, então, a Atenas procurar Filomela, mas no caminho abusou dela, e, após lhe arrancar a língua para obrigá-la ao silêncio, encerrou-a numa torre. Disse, em seguida, a Progne que sua irmã morrera ; mas Filomela, do fundo da masmorra, descobriu um modo de mandar à irmã, num pedaço de tela, a narração das suas aventuras. Progne, com o auxílio das festas de Baco, conseguiu libertar Filomela, e ocultou-a num canto do palácio. Juntas, meditam clamorosa vingança. Tereu tinha um filho muito moço, chamado Ítis ; chamam-no, matam-no, e cozem-lhe os membros que, de noite, Progne oferece ao marido. Tereu pergunta porque o filho não está à mesa, mas só quando termina o repasto é que Filomela, saindo subitamente do esconderijo, lhe anuncia que comeu a carne do próprio filho e, ao mesmo tempo, para que ele não duvide do que lhe afirma, lhe atira ao rosto a cabeça do infeliz rapaz. Tereu, não se contendo, quer levantar-se para estrangular as duas irmãs, mas os deuses, desejosos de pôr cobro a tão horrível família, metamorfoseiam Progne em andorinha, Filomela em rouxinol, Ítis em

pintassilgo e Tereu em pomba. A bárbara história ministrou a Rubens tema para um quadro que está na Espanha ; vemos Progne e Filomena mostrando a Tereu a cabeça do filho, cuja carne ele acaba de comer.

Os sacerdotes sálios

O culto de Marte tinha grande importância em Roma. Era exercido pelos sacerdotes sálios, instituídos por Numa para guardarem os ancilos. Os ancilos tinham sido feitos em Roma sobre o modelo de um escudo caído do céu, durante uma peste que dizimava a cidade, e eram considerados o palácio romano. Durante certas festas os sacerdotes sálios percorriam a cidade levando a passeio os ancilos cuja forma nos foi conservada num denário de prata cunhado sob Augusto. O barrete que está no meio é o ápex do flâmine.

Fig. 334 — Os sacerdotes sálicos trazendo os escudos sagrados.

Fig. 335 — Os escudos sagrados e o ápex do flâmine.

CAPÍTULO II

AS SEQUAZES DE MARTE

Belona. — A Discórdia. — Etéoclo e Polinice. — Anfiaraus. — Arquémoro. — Combate dos dois irmãos. — Funerais de Etéoclo e de Polinice.

Belona

A companheira habitual de Marte é Belona (Enio), personificação da chacina. Tinha ela por missão especial conduzir o carro do deus da guerra e excitar-lhe os cavalos com a ponta de uma lança. As figuras antigas de Belona são extremamente raras. Plínio narra que Apeles pintara um quadro representando Belona, de mãos atadas atrás das costas e presa ao carro triunfante de Alexandre: o quadro fora levado para Roma como troféu.

A Discórdia

Nos poetas, Belona é escoltada pelo Espanto, pela Fuga e pela Discórdia, divindades às quais a arte não destinou tipo particular. Contudo, tem a Discórdia grande importância na mitologia, pois foi ela que causou a ruína de Tróia, atirando a maçã de ouro entre as deusas. Homero faz da Discórdia o retrato seguinte: "Deusa que, fraca no nascimento, cresce e em breve oculta a cabeça no céu, enquanto os pés lhe permanecem na Terra; é ela que, atravessando a multidão dos guerreiros, derrama em todos os corações o ódio fatal, precursor da carnificina. Faz retumbar a voz, dá gritos alucinantes, terríveis, e lança no coração de todos os guerreiros impressionante coragem. Apraz-se em ouvir os gemidos do soldado que morre e, quando todos os deuses se retiram do combate, é a única que permanece no campo de batalha para dar, como pasto aos olhos, o espetáculo dos mortos e dos moribundos."

Etéoclo e Polinice

A Discórdia preside às disputas que dividem os povos e as famílias. A Fábula de Etéoclo e Polinice nos mostra a sua ação. Os dois filhos de Édipo haviam expulsado o pai, que s cobriu de maldições e lhes predisse que se matariam um ao outro. Os dois irmãos, temendo que a maldição paterna fosse ratificada pelos deuses, se continuassem a viver juntos, decidiram, de comum acordo, que Polinice seria o primeiro em se exilar voluntariamente da pátria, que deixaria o cetro a Etéoclo, e voltaria depois,

para que cada um pudesse reinar, alternadamente, um ano. Mas Etéoclo, uma vez no trono, recusou-se a descer e proibiu ao irmão o regresso à pátria. Polinice, então, tratou de procurar aliados para a defesa dos seus direitos.

Anfiarans

Adrasto, rei de Argos, acolheu Polinice, e prometeu-lhe repo-lo no trono de Tebas. Buscou, por conseguinte, aliados para empreender a luta, mas um poderoso chefe, Anfiaraus, tratou de dissuadir ambos, por ser adivinho e por lhe haver a ciência mostrado que a guerra seria fatal aos que a começassem, e que todos morreriam, com exceção apenas de Adrasto. Anfiaraus tinha uma mulher chamada Erifila, e por um velho juramento que fizera a Adrasto, comprometera-se, no caso de divergências entre eles, a submeter-se inteiramente à decisão de Erifila. Quando Polinice soube disso, empregou um ardil para forçar Anfiaraus a combater. Tinha em suas mãos o famoso colar que Vênus dera, noutros tempos, à Harmonia, no dia das suas núpcias com Cadmo. Deu-o de presente a Erifila, que, assim, se deixou corromper, e Anfiaraus, apesar da certeza que tinha do mau êxito do negócio, foi obrigado a combater com Adrasto e Polinice. Um poderoso exército se reuniu em breve para marchar contra Tebas. Comandavam-no sete chefes : Adrasto, Polinice, Capaneu, Partenopeu, Anfiaraus, Hipomedonte e Tideu. Juraram todos que se auxiliariam mutuamente e partiram com os soldados que iriam combater sob as suas ordens (fig. 336).

Arquémoro

Durante o caminho, faltou-lhes água, e o exército começou a sofrer devoradora sede. Encontraram, então, uma criatura que tinha um filhinho, e perguntaram-lhe se não havia no pais uma fonte. Chamava-se o menino Ofeltes e era filho do rei de Neméia. A mulher era Hipsipila, outrora rainha de Lemnos, mas que, tendo sido vendida posteriormente como escrava, estava ao serviço do rei de Neméia, que lhe confiara a tutela do filho. Hipsipila pousou a criança sobre umas folhas de aipo e

Fig. 336 — Juramento dos sete chefes (segundo Flaxman).

conduziu os sete chefes a uma fonte das proximidades. Durante a curta ausência, porém, uma serpente envolveu nas espiras a criança abandonada e sufocou-a. Ao regres-sarem, os chefes apressaram-se em matar a serpente e tomaram aos seus cuidados Hipsipila, para livrá-la da ira do rei de Neméia. Deram à criança o nome de Arquémoro,

realizaram-lhe um magnífico funeral e instituíram em sua honra os jogos de Neméia, nos quais os vencedores se cobriam de luto e se coroavam de aipo. Vemos numa pintura antiga Adrasto golpeando a serpente (fig. 337).

Combate dos dois irmãos

Anfiaraus viu naquilo péssimo presságio. Mas era preciso partir, e assim chegaram todos a Tebas. Uma terrível batalha se feriu sob os muros da cidade, que Etéoclo não pretendia entregar. Como o sangue escorresse por toda parte, Etéoclo subiu a uma torre, mandou que se fizesse silêncio, e disse aos exércitos : "Generais da Grécia, chefes dos argivos que a guerra atrai para estes páramos, e vós, povo de Cadmo, não arrisqueis mais a vida nem por Polinice, nem por mim. Quero eu, sozinho, enfrentar o perigo, e desejo lutar contra meu irmão, de homem para homem. Se o matar, governarei sozinho; se for vencido, entregar-lhe-ei a cidade. Vós, portanto, abandonai o combate, voltai para Argos, não venhais mais aqui perder a vida; o povo tebano não deseja outras mortes." (Eurípides). Feriu-se, então, entre os dois irmãos um combate singular no qual foram mortos ambos. Os deuses haviam ouvido as derradeiras imprecações de Édipo. Esse com-bate figura num grandíssimo número de baixos-relevos antigos (fig. 338). O exército sitiante foi vencido, e todos os chefes pereceram com exceção de Adrasto, que deveu a vida à rapidez do seu cavalo. Assim, realizou-se a profecia de Anfiaraus.

Funerais de Etéoclo e de Polinice

O senado de Tebas, que tomara partido pelos sitia-dos, decidiu que Etéoclo seria sepultado com honra, mas que, seu irmão Polinice seria, em virtude da traição, deixado sem sepultura, para que o devorassem os cães e os

Fig. 337 — Arquémoro esmagado por uma serpente (segundo uma pintura antiga)

abutres. Antígone quis enterrar o irmão, apesar das ordens dadas, e, decidida a desobedecer, disse aos chefes do povo: "Pois bem! Eis o que respondo eu aos chefes

dos de Cadmos. Se não há quem queira, comigo, enterrá-lo, hei de conseguir sozinha, e assumirei toda a responsabilidade. Não vejo vergonha nenhuma em sepultar meu irmão, nem que para isso devesse, rebelada, ir de encontro aos desejos da cidade. É coisa grave termos caído das mesmas entranhas, termos tido a mesma mãe, uma infeliz, o mesmo pai, outro infeliz. Sim, delibera-(lamente, hei de continuar irmã deste morto. Ah, não se fartarão da sua carne os lobos de ventre faminto. Hei de sozinha, apesar de mulher, incumbir-me de remover a terra e preparar uma cova. Trarei o pó nas dobras desta tela, e eu própria recobrirei com ele o cadáver. Ninguém objetará! Terei essa coragem, e, o que é mais, terei ao meu lado todos os recursos de uma alma que quer conseguir (fig. 339)." (Ésquilo).

Fig. 338 — Polinice e Etéoclo (segundo um baixo-relevo antigo. museu do Louvre).

Pausânias, na narração das suas viagens, diz que viu o túmulo dos filhos de Édipo. "Não assisti aos sacrifícios que ali se realizam, mas pessoas dignas de fé me

asseguraram que nas ocasiões em que se assam as vítimas imoladas aos dois irmãos irreconciliáveis, a chama e a fumaça se dividem visivelmente por eles."

Fig. 339 — Funerais de Etéoclo e Polinice (segundo Flaxman).

Creonte, rei de Tebas, sabendo que, não obstante a proibição, Antígone sepultara o irmão, pergunta-lhe se conhecia o decreto. A jovem não nega : "Não pensei, responde, que as leis dos mortais tivessem bastante força para superar as leis não escritas, obra imutável dos deuses. Para mim, o traspasse não tem nada de doloroso; mas se tivesse deixado sem sepultura o filho de minha mãe, teria sido infeliz; quanto à morte que me aguarda, em nada me assusta." Creonte, conformando-se à lei, ordenou a morte de Antígone e as suas ordens foram executadas; ao mesmo tempo, porém, soube da morte de seu filho único Hemon, que amava Antígone, e que se ferira mortalmente. Sua mulher morreu também ao saber da morte do filho, e Creonte ficou sozinho com toda a amargura. Assim terminou a família de Laio.

CAPÍTULO III

VÊNUS

Nascimento de Vênus. — Tipo e atributos de Vênus. — Vênus celeste e Vênus vulgar. — Pigmalião e a sua estátua. — Vênus de Cnido. — Vênus genitrix. — Vênus vitoriosa.

Nascimento de Vênus

Da espuma do mar, fecundada pelo sangue de Urano (o Céu) nasceu uma jovem levada em primeiro lugar para a ilha de Cítera e em seguida a Chipre. Deusa encantadora, não tardou em percorrer a costa, e as flores nasciam sob os seus pés delicados. Chama-se Afrodite (Vênus), ou Citeréia, do nome da ilha a que aportou, ou ainda Cipris, do nome da ilha em que é honrada. Pelo menos, é essa a tradição mais difundida, pois algumas lendas diferentes vieram confundir-se em Vênus que, às vezes, surge como filha de Júpiter e de Dionéia. É

também a que devemos adotar, pois os artistas que representaram o nascimento de Vênus mostram sempre a deusa no momento em que sai das vagas. Nas pinturas antigas, Vênus é freqüentemente representada deitada sobre uma simples concha; nas moedas, vemo-la num carro puxado pelos Tritões e pelas Tritônidas. Finalmente, numerosos baixos-relevos no-la apresentam seguida de hipocampos ou centauros marinhos. No século dezoito, os pintores franceses, e notadamente Boucher, viram no nascimento de Vênus um tema infinitamente gracioso e útil à decoração (fig. 340). Uma multidão de

Fig. 340 — Nascimento de Vênus (segundo um quadro d? Boucher).

pequenos cupidos paira noa ares ou escolta a deusa. Aliás, os pintores franceses seguiram, nesse ponto, as tradições bebidas na Itália. Conformando-se à narração dos poetas, Albane colocou a deusa num carro puxado por cavalos marinhos. Assim é que ela vai ter a Cítera, onde a aguarda Peitho (a Persuasão), que, na margem, estende os braços à jovem viajante. Cupido está sentado perto do mar; as Nereidas e os Amores montados em delfins formam o cortejo da deusa. Alegres Amores festejam a chegada de Vênus, e outros esvoaçam no ar semeando flores na passagem (fig. 341).

Fig: 341 — Vênus arribando a Cítera (segundo um quadro de Albane) Num quadro dotado de grande frescor e brilho, que

faz parte do museu de Viena, Rúbens pintou a festa de Vênus em Cítera. Ninfas, sátiros e faunos dançam em torno da sua estátua, enquanto os Amores entrelaçam guirlandas de flores e enchem os ares de alegres cadências. Ao fundo, mostrou o pintor o templo da deusa.

O atavio de Vênus é um tema que a arte e a poesia fixaram bem. Enquanto as Horas estavam incumbidas da educação da deusa, as Graças presidiam as cuidados do seu atavio. Uma multidão de quadros reproduziu tão encantadora cena, e os pintores não deixaram de acrescentar todos os pormenores que lhes sugeriu a imaginação. Quando Boucher faleceu, tinha sobre o cavalete um quadro representando o atavio de Vênus. Prudhon pintou Vênus estendida num leito antigo e servida pelos Amores que lhe perfumam os cabelos, lhe estendem um espelho, queimam perfumes em torno da deusa, trazem-lhe jóias e lhe entrelaçam guirlandas de flores. Rubens também faz intervir Cupido que segura um espelho no qual a mãe se fita; infelizmente, é uma velha que lhe arranja s cabelos. A velhice lenta e enrugada jamais deve aproximar-se de Vênus. Albane. que está longe de ser artista de primeira ordem, é, no entanto, o que mais lembra, pela natureza das suas composições, as graciosas ficções da antiguidade sobre Vênus. O Atavio de Vênus, quadro que infelizmente escureceu, é talvez, a sua obra-prima como concepção mitológica. Num terraço, à beira-mar, Vênus contempla-se num espelho que o Cupido lhe apresenta, enquanto as Graças lhe perfumam a linda cabeleira. e lhe arranjam os atavios. Diante dela está uma fonte onde um Amor faz que matem a sede duas pombas. Um palácio aéreo, como convém a Vênus, aparece no fundo de um tanque, ao passo que, nas nuvens, Amores alados atrelam cisnes brancos ao carro de ouro que vai conduzir a passeio a deusa, e enchem os ares dos seus melodiosos concertos.

Tipo e atributos de Vênus

"O culto sírio de Astarte, diz Ottfried Mueller, parece, encontrando na Grécia alguns inícios indígenas, ter dado nascimento ao culto célebre e difundido por toda parte

de Vênus afrodite. A idéia fundamental da grande deusa Natureza, sobre a qual ele repousava, nunca se perdeu inteiramente; o elemento úmido que formava no Oriente o império reservado a essa divindade continuou a ser submetido ao poder de Vênus afrodite nas costas e nos portos em que era venerada; sobretudo o mar, o mar tranqüilo e calmo, refletindo o céu no espelho úmido das suas ondas, parecia, aos olhos dos gregos, uma expressão da sua divinal natureza. Quando a arte, no ciclo de Afrodite, deixou para trás as pedras grosseiras e os ídolos informes do culto primitivo, a idéia de uma deusa cujo poder se estende por toda parte e à qual ninguém pode resistir, animou as suas criações; gostava-se de a representar sentada num trono, segurando nas mãos os sinais simbólicos de uma natureza repleta de mocidade e esplendor, de uma luxuriante abundância; a deusa estava inteiramente envolta nas dobras das suas vestes (a túnica mal lhe deixava à mostra uma parte do seio esquerdo) que se distinguiam pela elegância, pois precisamente nas imagens de Vênus, a graça rebuscada das vestes e dos movimentos parecia pertencer ao caráter da deusa. Nas obras saídas da escola de Fídias, ou produzidas sob a influência dessa escola, a arte representa em Afrodite o princípio feminino e a união dos sexos em toda a sua santidade e grandeza. Vê-se ali, antes, uma união durável formada com o fito do bem geral, e não uma aproximação efêmera que deve terminar com os prazeres sensuais que ele proporciona. A nova arte ática foi a primeira que tratou do tema de Afrodite com um entusiasmo puramente sensual, e que divinizou, nas representações figuradas da deusa, já não mais apenas um poder ao qual o mundo inteiro obedecia, mas antes a individualidade da beleza feminina." Vênus dá leis ao céu, à terra, às ondas e a todas as criaturas vivas. "Foi ela que deu o germe das plantas e das árvores, foi ela que reuniu nos laços da sociedade os primeiros homens, espíritos ferozes e bárbaros, foi ela que ensinou a cada ser a unir-se a uma companheira. Foi ela que nos proporcionou as inúmeras espécies de aves e a multiplicação dos rebanhos. O carneiro furioso luta, às chifradas, com o carneiro. Mas teme ferir a ovelha. O touro cujos longos mugidos faziam ecoar os

vales e os bosques abandona a ferocidade, quando vê a novilha. O mesmo poder sustenta tudo quanto vive sob os amplos mares e povoa as águas de peixes sem conta. Vênus foi a primeira em despojar os homens do aspecto feroz que lhes era peculiar. Dela foi que nos vieram o atavio e o cuidado do próprio corpo." (Ovídio).

Fig. 342 — Vênus marinha (segundo uma estátua antiga)

Vênus celeste e Vênus vulgar

Pausânias, na sua descrição de Tebas, assinala várias estátuas de Vênus, da mais alta antiguidade, pois haviam sido feitas com o lenho dos navios de Cadmo e consagra-das pela própria Harmonia. "A primeira, diz ele, é Vênus celeste, a segunda Vênus vulgar, e a terceira é chamada preservadora. Foi a própria Harmonia que lhes impôs tais nomes para distinguir essas três espécies de Amores: um celeste, ou seja casto, outro vulgar, ou seja, preso ao corpo, o terceiro desordenado, que leva os homens às uniões incestuosas e detestáveis. Era à Vênus preser-

Fig. 343 — Medalha de Afrodite, com os atributos de Vênus.

vadora que se dirigiam as preces para a preservação dos desejos culposos." (Pausânias). Temos interessante exemplo desse último aspecto de Vênus, numa decisão do senado romano, o qual, segundo os livros sibilinos consultados pelos decênviros, ordenara a dedicação de uma estátua a Vênus vesticordia (convertedora), como meio de reconduzir as moças devassas ao pudor do sexo. (Valério Máximo). A tartaruga, emblema da castidade das mulheres, era consagrada a Vênus celeste, e o bode, símbolo contrário, consagrado à Vênus vulgar. As imagens da deusa, que se encontravam em todas as casas, eram, além de tudo, acompanhadas de inscrições que indicavam o seu caráter. Eis aqui uma que chegou até nós: "Esta Vênus não é a Vênus popular, é a Vênus urânia. A casta Crisógona colocou-a na casa de Amphicles, a quem deu vários filhos, comoventes penhores da sua ternura e fidelidade. Todos os anos, o primeiro cuidado desses felizes esposos é de vos invocar, poderosa deusa, e em premio da sua piedade, todos os anos lhes aumentais a ventura. Prosperam sempre os mortais que honram os deuses." (Teócrito). Vênus celeste está caracterizada pela veste estrelada. Vemola figurada numa pintura de Pompéia onde está representada de pé com um diadema na cabeça e um cetro na mão (fig. 344). O famoso escultor Scopas fizera para a cidade de Élis uma Vênus vulgar que pusera sentada sobre um bode; figura análoga se encontra em outra pedra gravada antiga (fig. 345). No século XIX, o pintor Gleyre compôs um belíssimo quadro sobre o mesmo tema. Essa Vênus era sobretudo honrada em Corinto, cidade marítima que sempre se celebrizou pelas cortesãs. Ali é que vivia a famosa Laís, em torno da qual se lê o seguinte epigrama na Antologia : "Eu, altiva Laís. de quem a Grécia era joguete, eu que tinha à porta um enxame de jovens amantes, consagro a Vênus este espelho, pois não desejo ver-me tal qual sou, e já não posso ver-me tal qual era." Encontra-se na mesma coletânea outro trecho ainda mais interessante: "Minarete, que há pouco estendia os

fios da trama e sem cessar fazia ressoar a lançadeira de Minerva, acaba de consagrar a Vênus o seu cesto de trabalho, as suas lãs e os seus fusos, todos instrumentos seus de labor, queimando-os no altar: "Desaparecei, exclamou, instrumentos que deixais morrer de fome as pobres mulheres e murchais a beleza das jovens!" Depois, pegou

Fig 344 — Vênus celeste (segundo uma pintura antiga do museu de Nápoles).

coroas, um alaúde e pôs se a levar vida alegre nas festas e nos banquetes. "Ó Vênus, diz ela à deusa, hei de trazer-te o dízimo dos meus benefícios: proporciona-me trabalho no teu interesse e no meu." (Antologia).

Pigmalião e a estátua

A ilha de Chipre era particularmente renomada pelas cortesãs. O escultor Pigmalião que ali vivia sentiu-se de tal modo impressionado com a desfaçatez das mulheres do pais, que resolveu viver no celibato. Mas como a sua imaginação sonhasse constantemente com uma formosura de caráter diferente, esculpiu uma estátua de marfim,

Fig. 345 — Vênus vulgar (segundo uma pedra gravada antiga).

representando uma mulher que à castidade de expressão unia a pureza das formas. A imagem lhe agradou tanto, que por ela se apaixonou ; infelizmente faltava a vida àquela pudica beleza, e quando Pigmalião contemplava as mulheres vivas via nelas a beleza mas nunca o pudor. Ao chegar o dia da festa de Vênus, dia que com tamanha

magnificência se celebra na ilha de Chipre, Pigmalião dirigiu-se ao templo da deusa, que encontrou perfumado com incenso, e rodeado de novilhas brancas cuias pontas haviam sido douradas e que seriam imoladas. "Grande deusa, exclamou, abraçando o altar, faze com que me torne marido de mulher perfeita como a estátua que esculpi!

Fig. 346 —Pigmalião animando a sua estátua (segundo um quadro de Girondet).

Parece que não estava em poder da deusa descobrir em Chipre mulher provída da casta beleza sonhada pelo artista, pois Vênus, para lhe ser agradável, preferiu recorrer ao milagre. Com efeito, quando o escultor voltou, foi abraçar a estátua, e viu-lhe as faces corar: o marfim amoleceu-se e a estátua animou-se. Pigmalião, encantado.

agradeceu à deusa, que desejou pessoalmente assistir ao seu himeneu. A história de Pigmalião constitui o tema do último quadro pintado por Girondet, e que figurou no salão de 1819. Não se imagina a quantidade de brochuras aparecidas desde então para louvar ou criticar o pintor. O mais interessante foi que os médicos houveram por bem mesclar-se à discussão, e examinar, com ridícula seriedade, a questão de saber se o artista tivera razão em animar, primeiramente, a cabeça da estátua, cujas pernas continuam ainda de marfim, e se teria sido mais conveniente fazer começar a vida pelo peito, que encerra o coração e os pulmões. A estátua animada por Pigmalião deu-lhe um filho que foi o fundador de Pafos, cidade de Chipre, célebre pelo culto ali prestado a Vênus.

Vênus de Cnido

Na origem, não se tinha o hábito de representar Vênus, no instante em que sai da espuma do mar, ou seja, inteiramente nua. Assim, foi a obra de Praxíteles considerada novidade, e a própria deusa testemunha, pela boca de um antigo autor, o espanto por se ver assim desprovida de vestes. "Mostrei-me a Páris, Anquises e Adônis é verdade; mas onde foi que Praxíteles me viu?" (Antologia). Narra Plínio que Praxíteles, a quem os habitantes de Cos haviam encomendado uma Vênus, lhes deu a escolher entre duas estátuas, uma das quais estava vestida, ao passo que a outra estava nua. Preferiram eles a primeira, e Praxíteles vendeu a segunda aos habitantes de Cuido que se congratularam com a compra, pois ela granjeou reputação e fortuna ao país. A Vênus de Cuido parece ter sido o tipo da maioria das estátuas da deusa,

quando se representava no momento do nascimento. O Júpiter de Fídias e a Vênus de Cnido por Praxíteles eram considerados, nos diferentes gêneros, dois produtos dos mais perfeitos da escultura. Dizia Plínio: "De todas as partes da terra, navega-se em direção a Cnido, para

Fig 347 — Medalhas de Caldo.

contemplar a estátua de Vênus." O rei Nicomedes ofereceu aos cnidianos, em troca da estátua, a totalidade das dívidas deles, que eram importantes. Recusaram a oferta, e com razão, acrescenta Plínio, pois a obra-prima

constitui o esplendor da cidade. Uma multidão de escritores da antiguidade nos legou sinais da admiração que lhes inspirava a obra-prima para a qual se fizera a seguinte inscrição: "Ao verem a Vênus de Cnido, Minerva e Juno disseram uma à outra : Não acusemos mais Páris." Num dos seus diálogos, Luciano põe as seguintes palavras na boca de um dos interlocutores: "Após examinar por longo tempo e com prazer as plantas e os arbustos que margeiam as aléias do templo de Cnido, entramos; no meio, eleva-se a estátua da deusa, admirável obra, executada em mármore de Paros; paira-lhe nos lábios um doce sorriso ; nenhuma veste lhe vela os encantos; ela só oculta com uma das mãos, mediante um movimento natural, o que o pudor não permite se mostre nem tampouco se nomeie. A arte fez desaparecer a dureza da matéria; em todas as partes desse belo corpo, o mármore possui a suavidade e a sensibilidade da carne." Se tão amplamente nos estendemos sobre a Vênus de Cnido é porque essa obra-prima que tanto assombrou a antiguidade, e que não mais existe, serviu de modelo à maior parte das Vênus nuas das quais tantas reproduções se nos deparam nos museus. Mas o documento mais importante que conhecemos é a figura representada nas moedas dos cnidianos, a qual lembrava certissimamente, embora com leves variações, a estátua original. Um medalhão de Caracala cunhado em Cnido e uma moeda da mesma cidade, onde a deusa está unida a Esculápio, nos apresentam uma mulher nua, voltando levemente a cabeça para um dos lados, e segurando com uma das mãos uma leve veste erguida acima de um vaso. Esses dois monumentos foram reunidos num florão de Gabriel de Saint-Aubin (fig. 347). O artista suspendeu o medalhão acima de uma mesa coberta de flores, de pedras, de orna-mentos preciosos, de vasos de formato diferente e de diversos instrumentos do mais requintado luxo. Quis, mediante tais objetos de atavio, aludir à famosa cortesã Frinéia que, segundo se afirmava, servira de modelo a Praxíteles. Compreende-se, todavia, que a gravura em medalha tem exigências diversas das da escultura, e que seria difícil admitir que uma moeda pudesse ser a reprodução literal uma estatua. Assim, o braço que sustenta a

veste acima do vaso, produz pelo seu afastamento do corpo um vácuo aceitabilíssimo em baixo-relevo, mas que seria lastimável numa estátua. Ademais, na maioria das estátuas que passam por imitações da Vênus de Cnido, vemos o movimento dos membros superiores diferir sensivelmente do que é oferecido pelas moedas: quase sempre um dos dois braços está dobrado sobre o peito de maneira que a mão se vê na frente do seio. Na Vênus do Capitólio, por exemplo, tal movimento é acentuadíssimo e o vaso de perfumes recoberto de um pano, que se acha perto da deusa, está completamente separado do braço, mas um pouco mais aproximado da estátua para a consolidar.

Fig. 348 - Medalha de Tito com os atributos de Vênus e Cupido,

Entre as numerosíssimas estátuas que podem prender-se à mesma série, a mais famosa é a Vênus de Médicis, situada na tribuna da Galeria de Florença. Eis a descrição que dela fazia o catálogo do Louvre, onde figurou

durante quinze anos: "A deusa dos Amores acaba de sair da espuma do mar, onde nasceu ; a beleza virginal aparece, na margem encantada de Cítera, sem outro véu que a atitude de pudor. Se a cabeleira lhe não flutua sobre os divinos ombros, é por que as Horas, com as suas mãos celestiais, acabam de lha arranjar (Hino homérico). Um

Fig. 349 — Vênus do Capitólio.

delfim e uma concha estão aos seus pés: são os símbolos do mar, elemento natal de Vênus. Os dois Amores que o encimam não são os filhos da deusa. Um deles é o Amor primitivo (Eros) que desemaranhou o Caos; o outro é o Desejo (Himeros) que aparecera no mundo ao mesmo

tempo que o primeiro ser sensível. Ambos a viram nascer e jamais se lhe afastaram dos passos (teogonia de Hesíodo). A Vênus de Médicis tem as orelhas furadas, como já se observou em outras estátuas da mesma deusa; sem dúvida pendiam delas esplêndidos brincos. O braço esquerdo conserva no alto o sinal evidente do bracelete chamado spinther, representado em escultura em várias das suas imagens. Uma inscrição colocada sobre o plinto nos diz que o autor da Vênus de Médicis é Cleômenes, ateniense, filho de Apolodoro." Vênus nem sempre está de pé quando sai das águas, e uma numerosa série de estátuas (fig. 350),

Fig. 350 - Vênus agachada (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre).

ordinariamente designadas com o nome de Vênus agachadas, apresenta-nos a deusa apoiando um dos joelhos ao chão para tornar a erguer-se. O nome de Vênus no banho também lhes é atribuído. Quando a deusa aperta a cabeleira úmida, chamamlhe de Vênus anadiomene. Apeles fizera uma Vênus anadiomene da qual os antigos elogiavam bastante a beleza. Os habitantes de Cos exigiram outra Vênus semelhante, do mesmo artista, mas ele morreu deixando a obra incompleta.

Fíg. 351 — Trono de Marte.

A Vênus de Apeles foi celebrada várias vezes na Antologia: "Esta Vênus, que sai do seio materno das águas, é obra do pincel de Apeles. Vê como, pegando com

Fig. 352 — Trono de Vênus.

a mão a cabeleira molhada, espreme a água! Agora as próprias Juno e Minerva dirão: "Não queremos mais disputar-te o prêmio da beleza," (Antologia).

Uma estátua de bronze representando Vênus a sair do mar e espremendo a água de que se acham embebidos os cabelos, passa, em virtude da analogia do tema, por ser imitação da Vênus pintada por Apeles (fig. 353). Grande número de monumentos representa Vênus anadiomene vogando sobre as águas com a sua escolta de Tritões, de Nereidas ou de centauros marinhos. Numa medalha de Agripina, cunhada em Corinto (fig. 354),

Fig. 353 — Vênus (segundo uma estátua antiga de bronze).

Fig. 354 — Vênus e os Tritões (segundo uma medalha antíga).

aparece a deusa num carro puxado por um Tritão que traz uma concha e uma Nereida a tocar um clarim. Uma moeda dos brutianos mostra-a sentada num hipocampo ou cavalomarinho: estende os braços para o Amor, que se acha sobre a cauda do animal e dispara uma seta (fig. 355). Mas entre as representações de tal gênero, a mais famosa é um baixo-relevo antigo, cuja cópia se nos depara em várias coleções. Vênus está sustentada sobre as águas por centauros marinhos: os Tritões fazem soar as conchas,

Fig. 355 — Vênus num cavalo marinho (segundo uma medalha antiga).

os Amores e as Nereidas rodeiam alegremente a deusa. Uma das Nereidas segura, ao lado dela, um espelho, outra abraça um Amor. Numerosos quadros dos últimos séculos representam Vênus anadiomene, e entre eles o mais famoso é o de Ticiano.

Vênus genitrix

Considerada como geradora do gênero humano, Vênus está sempre vestida. Nas. estátuas, as dobras da sua veste indicam freqüentemente que está molhada, e às vezes traz um dos seios descobertos, por ser a nutriz,

universal. As medalhas a mostram vestida e com os dois seios cobertos, mas ela está freqüentemente acompanhada de um menino: a deusa, nesse caso, recebe o nome de Vênus genitrix. Temos no Louvre uma bela estátua de Vênus genitrix com um seio descoberto (fig. 356) ; de resto, o mesmo tipo se encontra quase idêntico em vários museus.

Vênus vitoriosa

Dá-se este nome a Vênus quando ela usa as armas de Marte. Com efeito, vemos, em várias pedras gravadas, uma figura de Vênus segurando na mão um capacete (fig. 357). Às vezes está ainda acompanhada de um escudo ou de troféus de armas. Outras, segura numa das mãos o capacete, e na outra uma palma (fig. 358). Essas figuras nos mostram sempre Vênus triunfante contra Marte, como conseqüência da mesma idéia que deu nascimento à lenda de Hércules fiando aos pés de Onfales. É sempre a beleza a dominar a força. A associação de Marte e Vênus está igualmente fixada em duas pinturas de Herculanum, onde se nos deparam Amores preparando o trono das duas divindades. Um capacete está representado no trono de Marte e uma pomba no de Vênus. A pomba é, com efeito, o atributo especial de Vênus, como o capacete é o atributo de Marte. (figs. 351 e 352). Colocam-se, outrossim, entre as Vênus vitoriosas unia série de estátuas que só têm vestes para cobrir os membros inferiores, e que têm por caráter determinante a colocação de um dos pés sobre uma pequena elevação. Tal postura implica a idéia da dominação sobre Marte, quando é um capacete que suporta o pé, e sobre o mundo, quando ele se apóia simplesmente num rochedo. Neste caráter, não tem a deusa a graça que se lhe dá como

Fig. 356 — Vênus genitrix (segundo uma estátua antiga museu do Louvre).

Vênus nascente; pelo contrário, assume as atitudes de heroína. As formas do corpo estão repletas de vigor e força e as feições possuem uma expressão de brutalidade

Fíg. 357 — Vênus vitoriosa (segundo uma pedra gravada antiga).

Fig. 358 — Vênus vítoriosa (pedra gravada antiga).

Fig. 359 — Vénus de Milo (no museu do Louvre),

desdenhosa muito distante do sorriso. A Vênus de Milo é considerada o tipo mais completo dessa classe de está-tuas (fig. 359). A beleza grave e sem afetação de tal figura nada tem do agradável coquetismo que a maioria dos artistas dos últimos séculos considera apanágio essencial da mulher. Foi no mês de fevereiro de 1820 que um pobre camponês grego a descobriu, remexendo as terras do seu jardim. A estátua, feita de mármore de Paros, está constituída por dois blocos cuja reunião se oculta mediante as dobras da túnica.

CAPÍTULO IV

ADÔNIS

Nascimento de Adônis. — A caçada de Adônis. — A morte de Adônis. — As festas de Adônis.

Nascimento de Adônis

Toda vez que Vênus pousa os pés na terra, o solo se cobre imediatamente de flores. Não é de estranhar que a lenda a tenha associado a Adônis que personifica a vegetação na primavera. Com efeito, o nascimento e a ressurreição de Adonis se verificam com a primeira vegetação. Abre-se uma árvore e nasce Adonis. Era ele senhor de estonteante formosura, tanto que nunca se viu quem o igualasse. Vênus estava no momento ocupada em acariciar o filho Cupido; mas uma flecha do pequeno deus a feriu acidentalmente, enquanto ela o abraçava, e imediatamente a deusa sentiu-se dominada da mais viva paixão por Adonis. Era este uni grande caçador, e Vênus,

habitualmente tão efeminada, pôs-se a acompanhá-lo nas suas excursões O feroz Marte, que amava Vênus, criou então violento ciúme, e a deusa foi prevenida por Diana de que Adônis corria grandes perigos. Tratou, na medida do que lhe era possível. de o reter, mas, apesar das suas recomendações, Adônis conseguiu safar-se e entregar-se ao prazer favorito.

Fig. 360 — Adônis (segundo uma pedra gravada antiga).

A caçada de Adônis

A partida de Adônis constitui o tema de várias pinturas antigas. A mais famosa é a que foi encontrada nos banhos de Tito em Roma. O jovem caçador, precedido do seu cavalo e dos seus cães, empunha o dardo e repele uma derradeira tentativa feita por uma das sequazes de

Vênus para o dissuadir. A deusa, sentada, contempla-o com tristeza, e as mulheres que a rodeiam deploram o perigo ao qual se expõe o formoso rapaz (fig. 361). A lenda de Adônis, de origem síria, raramente inspirou os escultores da grande época. Entre as estátuas que o representam, várias são indiscutivelmente obras apreciáveis, mas nenhuma pode ser considerada obra-prima. Na escultura e nas pedras gravadas (fig. 360), Adônis aparece como adolescente de formas elegantes, mas desprovidas de um caráter especial que possa constituir um tipo.

Fíg. 361 — Adônis partindo para a caça (segundo uma pintura antiga).

A arte dos últimos séculos tem representado com freqüência Adônis ; num grupo de Canova, Vênus enlaça-o com os braços e parece pedir-lhe um favor que ele recusa com ternura. A cena deu origem também a vários quadros famosíssimos na arte dos últimos séculos. Ticiano representou Adônis, com as feições de Filipe II, para quem se destinava a pintura, e que era muito jovem na época (fig. 362). Vênus parece testemunhar a Adônis o temor que experimenta, e suplicar-lhe que não exponha tão querida cabeça. Rubens também pintou as indecisões de Adônis: mas aqui é Cupido que busca reter o jovem ao pé de Vênus, enquanto outros Amores acompanham os cães e parecem chamar o caçador. Se Rubens e Ticiano mostraram o caçador Adônis, desdenhoso das carícias de Vênus, Albane, tratando do

mesmo tema, empregou um pouco mais de galantaria. É durante o sono da deusa que o caçador a abandona, e pouco falta para que ele ceda às solicitações do Amor, que procura retê-lo pelas vestes. O cão, no entanto, não parece absolutamente participar da hesitação, e os verdadeiros caçadores compreenderão que Adônis houvera sido crudelíssimo não cedendo a tão prementes solicitações.

Fig. 362 — Partida de Adônis (segundo um quadro de Ticiano,

museu de Londres). Prudhon fez com Vênus e Adônis uma composição na qual escreveu pessoalmente as seguintes linhas: "No meio de uma floresta sombria, Vênus, sentada num cabeço, retém Adônis ao seu lado pelo feitiço das carícias; o jovem caçador embriagado parece esquecer-se de que deseja partir. À margem da água, na frente, um Amor segura os cães; mais longe, o Amor segura uma borboleta, símbolo da alma: e ao longe vários outros Amores correm à caçada."

A morte de Adônis

Vênus, não vendo Adônis voltar, vai procurá-lo. O caminho estava eriçado de espinhos que rasgavam a infeliz deusa; e as suas gotas de sangue produziram as rosas. Adônis já estava morto quando ela chegou, e ela o metamorfoseou em anêmona. lima pintura antiga representa Adônis ferido na coxa por um javali, expirando nos braços de Vênus. Tem perto o cão que o fita com tristeza, e deixa esgueirar-se, da mão que desfalece, a lança. Vênus só tem um dos seios descoberto (fig. 363). O mesmo tema foi tratado por Poussin com a sua habitual superioridade (fig. 364). O pintor mostra a deusa ajoelhada perto de Adonis já morto derramando sobre os seus ferimentos o néctar que o vai transformar em flor. Os Amores, chorando, contemplam a cena, e, um pouco mais longe, se nos depara o rio adormecido perto do carro da deusa. O rio que desce do monte Líbano tinha a propriedade de mudar as suas águas em sangue em determinada época do ano. Vertia-se, então, no mar de que avermelhava considerável parte, o que indicava aos habitantes de Biblos o momento de usar luto, pois essa época correspondia à em que Adonis fora morto pelo javali, fato que se teria verificado nas cercanias de Biblos, segundo a tradição do país. Quando Adônis chegou aos infernos, todas as sombras ficaram maravilhadas com a sua beleza, e Prosérpina por ele se apaixonou. Vênus, debulhada em lágrimas, implorara a Júpiter que lhe devolvesse a criatura amada, mas Prosérpina não o deixou partir. O pai dos deuses e dos homens, embaraçadíssimo no julgamento da divergência urgida entre suas duas filhas, e desejando satisfazê-las ambas, decidiu que Adônis passaria a metade da vida nos infernos com Prosérpina, e a outra metade na terra com Vênus. Esse mito, que relembra, com colorido mais oriental, o de Prosérpina dividindo a vida entre a terra e os infernos, pode explicar-se simbolicamente da mesma maneira. A idéia do inverno sombrio e estéril, ao qual

se sucede a bela estação, está aqui traduzida por Adônis passando seis meses do ano com Prosérpina. e seis meses com Vênus.

Fig. 363 — Adônis expirando nos braços de Vênus (segundo uma pintura antiga).

Fig. 364 — Morte de Adônis (segundo um quadro de Poussin).

As festas de Adônis

O culto sírio de Adonis espalhou-se rapidamente nas cidades marítimas em que os marinheiros fenícios se achavam em grande número. Em Atenas e em Alexandria, havia festas célebres, que se realizavam na primavera e que duravam uma semana. Chorava-se a morte do deus, depois todos se rejubilavam em honra à sua ressurreição. Os atenienses viam naquilo uma cerimonia que lembrava bastante o culto de Elêusis, e, no Egito, identificava-se de boa vontade Adonis a Osíris, do qual se celebrava igualmente o fim trágico e o maravilhoso renascimento. Os Ptolomeus deram grandíssima importância a tais festas na cidade marítima de Alexandria, para onde elas atraíam imenso concurso de estrangeiros. Mas, embora houvesse peregrinos que ali chegavam por verdadeira devoção, havia também bom número de forasteiros e até de habitantes do país, que naquilo enxergavam sobretudo uma ocasião de espetáculo. A famosa peça de Teócrito, intitulada As Siracusanas, dá excelente idéia da impressão produzida por tais festas nos simples curiosos, seduzidos pela beleza das cerimônias e pelo esplendor da música. As festas da ressurreição de Adônis eram entremeadas de cantos de alegria, que sucediam aos lamentos da véspera : realizavam-se sempre nos primeiros dias da primavera. Chorava-se, em primeiro lugar, a vegetação desaparecida; depois, celebrava-se o seu regresso à terra. Vários hinos que se cantavam nas festas de Adônis chegaram até os nossos dias. Eis o de Bíon, o mais famoso: "Choro Adônis ; os Amores respondem ao meu pranto. Uma cruel ferida dilacerou Adônis, mas Vênus traz outra, muito mais profunda, no âmago do coração. Em torno do jovem caçador, os seus fiéis cães uivaram, e as ninfas das montanhas estão desfeitas em lágrimas. Vênus, transtornada, erra pelas florestas, triste, descabelada, pés nus; os espinhos a ferem e se tingem do sangue divino; ela enche os ares de queixumes, atira-se através dos longos vales, exige aos brados o formoso assírio que foi seu esposo! Entretanto, um sangue negro jorra do ferimento

de Adônis, e lhe mancha o peito de marfim. Ai! Infeliz Vênus ! exclamam os Amores, chorando. Perdeu o formoso marido, e com ele os encantos divinos. Era bela, Vênus, quando Adônis vivia; com Adônis desapareceram os atrativos da deusa. Ai, ai! Todas as montanhas e florestas repetem: "Ai. Adônis!" Os rios sentem a dor de Vênus; as fontes, nas montanhas, choram Adonis, e os rios, na sua tristeza, se tingem de sangue. Citeréia faz ecoar a sua dor pelos montes e vales : "Ai, ai! Já não existe o belo Adonis!" O eco responde: "Já não existe o belo Adônis!" Quem recusaria lágrimas à infeliz Citeréia? Ai, ai, não repouses mais sobre uma camada de folhas; levanta-te, infortunada deusa! Veste o luto, bate o seio e dize à natureza: "Já não existe o belo Adônis!" (Bíon).

CAPÍTULO V

AS GRAÇAS

Tipo e atributos das Graças

Nos monumentos da arte primitiva, as Graças estavam sempre vestidas, e nós as vemos sob tal aspecto num dos baixosrelevos do altar dos doze deuses no Louvre. O grupo apresenta um caráter que não foi adotado pela arte dos tempos posteriores (fig. 365). Estão todas de frente e tocam as mãos sem enlaçar os braços. Vemos também as Graças vestidas, numa medalha da época romana (fig. 371). "Apesar de todas as minhas buscas, diz Pausânias, não pude descobrir quem foi o primeiro escultor ou o primeiro pintor que teve a idéia de representar as Graças inteiramente nuas. Em todos os monumentos da antiguidade as Graças estão vestidas. Não sei por que os pintores e escultores que vieram posteriormente mudaram esse modo, pois hoje, e há muito, tanto uns como outros representam as Graças inteiramente nuas." (Pausânias). Sabemos que as Graças esculpidas por Sócrates estavam vestidas, assim como as que Apeles pintara. É provável, portanto, que foi somente depois, em seguida

ao domínio macedônio, que se introduziu o uso de as despojar de vestes. O famoso grupo antigo das três Graças, que se encontrava na catedral de Siena, foi transportado para o museu desta cidade. Foi nesse grupo que se inspirou Rafael, no primeiro quadro pagão que pintou. De resto existem diversas variantes de tal grupo, e o museu do Louvre possui uma belíssima cópia (fig. 366). Tornamos a ver ainda as três Graças em Pompéia. Rubens e muitos pintores dos últimos séculos houveram por bem reproduzir as Graças na sua postura tradicional. Canova, Thorwaldsen e Pradier também as esculpiram, sendo o grupo de Thorwaldsen o mais famoso.

Fig 365 — As três Graças (baixo-relevo antigo tirado do altar dos doze deuses, museu do Louvre).

Entre as obras dos últimos séculos, a obra-prima de Germain Pilou, no Louvre, é a única em que as Graças estão vestidas. e é por isso que elas foram confundidas com as três virtudes teologais, mas no pensamento do artista exprimiam realmente as Graças. O agrupamento costas com costas não se vê na antiguidade (fig. 367).

Fig. 366 — As três Graças (grupo antigo, museu do Louvre).

Embora as Graças sejam interpretadas geralmente no sentido de benefícios, personificam tudo quanto constitui o encanto da vida; o seu domínio é tudo quanto é belo e atraente. É por esse título que estão incumbidas do atavio de Vênus. Vemo-las freqüentemente ligadas a essa deusa, ou colocadas ao lado do Amor. A própria filosofia julgava precisar das Graças para não ser árida

Fig 367 — As três Graças. por Germain Pilon (museu do Louvre.

e repulsiva. Platão aconselhava a Xenócrates sacrificar às Graças. Essas divindades desempenham, assim, múltiplas funções. Tomadas num sentido puramente físico, o século dezoito desnaturou a concepção primitiva dos gregos.

Com efeito, o nome de graça significa ao mesmo tempo beneficio e elegância, e os antigos sempre o compreenderam nos dois sentidos. Os artistas dos últimos séculos negligenciaram o primeiro para ater-se exclusivamente ao segundo, ao qual convém regressemos, se quisermos compreender o sentido de certos monumentos antigos. Assim, num baixo-relevo antigo do Vaticano, vemos um enfermo agradecer a Esculápio graças que por este lhe foram concedidas (fig. 368). As Graças estão na postura habitual ao lado do deus da medicina.

Fig. 368 — As Graças e Esculápio (segundo um baixo-relevo antigo)

Por análogo motivo, as Graças se prendem. às vezes, a Apolo, que, antes de seu filho Esculápio, presidia as curas. Uma pedra gravada nos mostra as três irmãs, postas na mão direita de uma personagem de estilo arcaico, que julgamos imitação de uma velha estátua de Apolo em Delos (fig. 369) Tendo os atenienses socorrido os habitantes do Quersoneso, estes, para eternizarem a recordação de tal

benefício, elevaram um altar com a seguinte inscrição: Altar consagrado às Graças, por serem elas que presidiam ao reconhecimento. Os espartanos, antes do combate, costumavam oferecer sacrifícios às Graças, e se o culto delas era tão difundido na Grécia é porque era tomado no sentido de graça concedida.

Fig. 369 — Apolo trazendo as Graças (ssgundo uma pedra gravada antiga)

Tinham as Graças freqüentemente templos em comum com outras divindades. Eram invocadas no começo do repasto para presidirem à doce alegria e à harmonia das festas. Segundo Píndaro, nunca faltavam nos coros e nos festins dos imortais, donde a presença delas expulsa os cuidados e os pesares. Finalmente, têm por missão proporcionar aos deuses e aos homens tudo quanto torna a vida feliz. Num vidro antigo, pintado, vemos as três Graças nuas, de braços entrelaçados. Usam braceletes, e há flores no chão que elas pisam. São evidentemente as Graças, mas a inscrição lhes dá nomes especiais e significativos: Gelasia (doce sorriso), Lecori (beleza brilhante) e Coma-sia (alegre conviva). É claro que houve a intenção de representar o que constitui o encanto de um banquete, a alegria, a beleza, a amabilidade. (fig. 370)

O número das Graças varia na mitologia. Certas regiões admitiam apenas duas, mas os monumentos da arte apresentam quase sempre três. Segundo a tradição mais difundida, são filhas de Júpiter e Eurinoma, e os seus nomes variam; mas geralmente se chamam Pasitéia, Caris e Aglaé. As Graças se entrelaçam para indicar os serviços mútuos e o auxílio fraternal que os homens devem uns aos outros. São jovens porque a lembrança de um benefício não pode envelhecer. O símbolo dessas três irmãs inseparáveis exprimia a idéia de serviço prestado, e o papel delas era presidir ao reconhecimento.

Fig. 370 — As três Graças (segundo um vaso pintado antigo).

Fig. 371 — As três Graças (segundo uma medalha antiga),

ÍNDICE

GRAVURAS Fig. 181 — Apolo, Diana e Latona (segundo Flaxman) Fig. 182 — Latona perseguida pela serpente Pitão (segundo uma pintura de vaso) Fig. 183 — Latona e seus filhos (em Versalhes) Fig. 184 — Apolo (segundo um busto antigo) Fig. 185 — Apolo de Amicleu Fig. 186 — Apolo (segundo moedas antigas) Fig. 187 — Apolo Sauróctone (segundo uma estátua antiga) Fig. 188 — Combate dos grifos contra os arimaspes Fig. 189 — Apolo e o grifo Fig. 190 — Jacinto (segundo uma estátua de Bosio, museu do Louvre) Fig. 191 — Apolo no omphalos Fig. 192 — Apolo do Belvedere (segundo uma estátua antiga, em Roma) Fig. 193 — Apolo, Diana e Latona (segundo um baixorelevo antigo) Fig. 194 — Apolo combatendo Hércules que rapta o tripé de Delfos (segundo um baixo-relevo antigo, museu do Louvre) Fig. 195 — O pastor Forbas dando de beber a Édipo (grupo de Chaudet, museu do Louvre) Fig. 196 — A esfinge (segundo uma moeda antiga) Fig. 197 — Édipo diante da esfinge (segundo uma pedra gravada antiga)

12 13 15 17 17 18 19 20 21 22 25 27 28 29 32 33 34

Fig. 198 — Édipo atacado pela esfinge (segundo uma pedra gravada antiga) 35 Fig. 199 — Édipo expulso pelos filhos (segundo um baixorelevo antigo)

38

Fig. 200 — Apolo e Cupido (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 201 — Estátuas de Guillaume Coustou (no jardim das Tulherias) Fig. 202 — Apolo perseguindo Dafne (segundo um quadro de C. Maratti) Fig. 203 — Medalha com os atributos de Apolo Fig. 204 — Apolo Musageta (estátua antiga, em Roma) Fig. 205 — Mársias e Olimpo Fig. 206 — Apolo e Mársias (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 207 — Mársias (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre) Fig. 208 — Apolo e Mársias, numa medalha de Antonino, com atributos do deus Fig. 209 — A Musa Melpômene (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre) Fig. 210 — A Musa Terpsícore (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 211 — Erato e Cupido (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 212 — Sereia Fig. 213 — Sereia Fig. 214 — As sereias depenadas pelas Musas (baixo-relevo antigo). Dafne. Apolo Fig. 215 — Orfeu Fig. 216 — Orfeu e Eurídice Fig. 217 — Orfeu no inferno (pedra gravada) Fig. 218 — Orfeu perde Eurídice (segundo o quadro de Drolling) Fig. 219 — Antíope (segundo um quadro de Correggio, museu do Louvre) Fig. 220 — Suplício de Dircéia (segundo um quadro antigo do museu de Nápoles) Fig. 221 — Niobe e a menor de suas filhas (segundo um grupo antigo) Fig. 222 — O Pedagogo e um dos filhos de Níobe (segundo um grupo antigo)

41 43 44 47 48 49 50 51 53 58 59 60 62 63 63 66 68 69 69 72 73 76 77

Fig. 223 — Aristeu (segundo uma estátua antiga do Louvre) Fig. 224 — Telésforo (segundo uma estátua antiga) Fig. 225 — Esculápio (segundo uma estátua antiga) Fig. 226 — Esculápio, Higéia e Telésforo Fig. 227 — Esculápio visitando um doente Fig. 228 — Oferta a Esculápio (segundo um quadro de Guérin) Fig. 229 — Higéia (estátua antiga) Fig. 230 — Higéia ou a Saúde (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 231 — Esculápio na ilha do Tibre (segundo um medalhão de Cómodo) Fig. 232 — O Sol (segundo uma estátua antiga) Fig. 233 — O Zodíaco (museu do Louvre) Fig. 234 — Atlas Farnese (museu de Nápoles) Fig. 235 — As Plêiades (segundo Flaxman) Fig. 236 — Queda de Faetonte (segundo uma pedra gravada, museu de Florença) Fig. 237 — Faetusa (segundo uma estátua do museu do Louvre) Fig. 238 — Diana (segundo uma estátua antiga do museu de Nápoles) Fig. 239 — Diana (segundo uma moeda antiga) Fig. 240 — O cervo, atributo de Diana (numa moeda antiga) Fig. 241 — Diana Lúcifer Fig. 242 — Diana — (segundo um busto antigo) Fig. 243 — Diana e a corça (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre) Fig. 244 — Diana (estátua de bronze, no Louvre) Fig. 245 — Diana (segundo um grupo de Jean Goujon, museu do Louvre) Fig. 246 — Diana de Gábies (estátua antiga, museu do Louvre) Fig. 247 — Acteão, devorado pelos seus cães (segundo uma estátua antiga do museu Britânico, em Londres) Fig. 248 — Acteão (segundo um baixo-relevo antigo)

81 84 85 86 87 88 89 90 94 98 100 101 102 104 106 109 110 110 111 112 113 114 115 116 118 119

Fig. 249 — Diana surpreendida por Acteão (segundo um quadro de Lesueur) Fig. 250 — Diana e Acteão (segundo um quadro de Albani) Fig. 251 — Diana de Éfeso (segundo uma estátua antiga) Fig. 252 — Amazona combatente Fig. 253 — As amazonas (segundo um vaso pintado, do museu de Nápoles) Fig. 254 — Os gregos e as amazonas (segundo um vaso pintado) Fig. 255 — Diana precedendo a Aurora (segundo um vaso pintado) Fig. 256 — O deus Luno (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 257 — A Aurora conduzindo os cavalos do Sol (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 258 — A Aurora (por Thorwaldsen) Fig. 259 — A Aurora e Céfalo (segundo uma pintura de vaso) Fig. 260 — Prócris e seu cão (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 261 — Castor e Pólux (pedra gravada) Fig. 262 — Castor e Pólux Fig. 263 — Rapto de Hilária e Febe por Castor e Pólux (quadro de Rubens, museu de Munique) Fig. 264 — Castor e Pólux (segundo um grupo antigo, em Madri) Fig. 265 — Castor e Pólux Fig. 266 — Tétis e Eurinoma recolhem Vulcano precipitado por sua mãe do alto do Olimpo (segundo Flaxman) Fig. 267 — Vulcano (segundo uma estátua antiga) Fig. 268 — Cabeça de Vulcano (fragmento antigo) Fig. 269 — Combate de Vulcano e Marte (pintura de vaso) Fig. 270 — Vulcano e Baco (pintura de vaso) Fig. 271 — A rede de Vulcano (segundo um baixo-relevo antigo) Fig. 272 — Vênus e Vulcano (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 273 — Vênus e Vulcano (segundo um quadro de Jules Romain, museu do Louvre)

120 122 124 125 126 127 130 131 133 133 135 136 141 141 143 145 145

150 150 152 153 154 155 156 157

Fig. 274 — Prometeu modelando um homem (segundo uma pedra antiga) 161 Fig. 275 — Prometeu formando o homem (baixo-relevo antigo) 162 Fig. 276 — Prometeu trazendo o fogo aos homens (segundo uma lâmpada antiga) 164 Fig. 277 — Pandora entre Minerva e Vulcano Fig. 278 — Pandora dotada por Mercúrio e Minerva (segundo Flaxman) Fig. 279 — Pandora abre o vaso fatal (segundo Flaxman) Fig. 280 — Lenda de Prometeu com o nascimento e o Destino do homem (segundo um sarcófago antigo do museu Capitolino) Fig. 281 — Dédalo preparando as asas de Ícaro (segundo uma pedra gravada) Fig. 282 — Dédalo e Ícaro (segundo um quadro de Landon) Fig. 283 — Morte de Ícaro (segundo uma pintura de Herculanum) Fig. 284 — Nascimento de Minerva (segundo um espelho etrusco) Fig. 285 — Vulcano e Júpiter Fig. 286 — Minerva e Netuno (segundo uma medalha antiga) Fig. 287 — Acrópole (segundo uma moeda antiga) Fig. 288 — Minerva arcaica (numa antiga moeda de Arenas) Fig. 289 — Atenas e Roma Fig. 290 — Palas (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 291 — Moedas de Thurium Fig. 292 — Medalha romana (denário da gens Pompéia) Fig. 293 — Moeda de Macedônia (cunhada sob Alexandre, o Grande) Fig. 294 — Moeda grega (de Mantinéia) Fig. 295 — Moeda romana (denário da gens Pompéia) Fig. 296 — Minerva trazendo a Vitória (numa moeda de Lisímaco) Fig. 297 — Minerva segurando o raio (numa moeda macedônia) Fig. 298 — Antigo ídolo de Minerva asiática (numa pintura de vaso)

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Fig. Fig. Fig. Fig. Fig.

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Fig. 304 Fig. 305 Fig. 306 Fig. 307 Fig. 308 Fig. 309 Fig. 310 Fig. 311

Fig. 312

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Atributos de Minerva com medalhas antigas Minerva de Herculanum (museu de Nápoles) Minerva de Egina (museu de Munique) Minerva de Fídias (reconstituída por Simart) Palas de Velletri (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre) — Minerva (segundo uma estátua antiga do museu de Turim) — Medalha de Górdio, cunhada em Selêucia, mostrando Minerva vitoriosa contra um gigante — Minerva vista por Tirésias — Minerva e Mársias (segundo uma moeda antiga) — Minerva higéia (segundo um baixo-relevo antigo). Museu Pio-Clementino — Vaso panatenaico (museu do Louvre) — Cabeça de Medusa (segundo uma moeda antiga) — Perseu mata Medusa voltando a cabeça para não ficar petrificado (segundo uma pedra gravada) — Perseu é auxiliado por Minerva na sua luta contra Medusa (segundo uma moeda dos gálatas)

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Fig. 313 — Perseu perseguido pelas górgonas (segundo uma pintura de vaso) Fig. 314 — As górgonas perseguindo Perseu (segundo uma pintura de vaso) Fig. 315 — Perseu (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 316 — Perseu (grupo de Benevenuto Cellini, em Florença) Fig. 317 — Perseu e Andrômeda (segundo um baixo-relevo antigo) Fig. 318 — Perseu e Andrômeda (grupo de P. Pugot, museu do Louvre) Fig. 319 — Perseu mostra a Polidecto a cabeça de Medusa (segundo uma pintura de vaso)

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Fig. 320 — Pégaso cuidado pelas ninfas (segundo uma pintura de Pompéia) Fig. 321 — O cavalo Pégaso (segundo uma moeda antiga)

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217 218 219 220 225 226

Fig. 322 — Pégaso domado por Belerofonte (segundo uma moeda antiga) Fig. 323 — Pégaso bebendo (segundo um baixo-relevo antigo) Fig. 324 — Belerofonte despede-se do seu anfitrião Fig. 325 — Combate contra a Quimera Fig. 326 — Queda de Belerofonte (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 327 — Marte (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 328 — Atributos de Marte Fig. 329 — Marte fazendo estremecer as paredes (medalha antiga) Fig. 330 — Marte matando Mimas (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 331 — Marte agrilhoado é vigiado por Oto e Efialtes (segundo Flaxman) Fig. 332 — Marte e Vênus (segundo um grupo antigo) Fig. 333 — Vênus, Marte e Cupido (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 334 — Os sacerdotes sálicos trazendo os escudos sagrados Fig. 335 — Os escudos sagrados e o ápex do flâmine Fig. 336 — Juramento dos sete chefes (segundo Flaxman) Fig. 337 — Arquémoro esmagado por uma serpente (segundo uma pintura antiga) Fig. 338 — Polinice e Etéoclo (segundo um baixo-relevo antigo, museu do Louvre) Fig. 339 — Funerais de Etéoclo e Polinice (segundo Flaxman) Fig. 340 — Nascimento de Vênus (segundo um quadro de Boucher) Fig. 341 — Vênus arribando a Crera (segundo um quadro de Albani) Fig. 342 — Vênus marinha (segundo uma estátua antiga) Fig. 343 — Medalha de Afrodite, com os atributos de Vênus Fig. 344 — Vênus celeste (segundo uma pintura antiga do museu de Nápoles) Fig. 345 — Vênus vulgar (segundo uma pedra gravada antiga)

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Fig. 346 — Pigmalião animando a sua estátua (segundo um quadro de Girondet) Fig. 347 — Medalhas de Cnido Fig. 348 — Medalha de Tito com os atributos de Vênus e Cupido Fig. 349 — Vênus do Capitólio Fig. 350 — Vênus agachada (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre) Fig. 351 — Trono de Marte Fig. 352 — Trono de Vênus Fig. 353 — Vênus (segundo uma estátua antiga de bronze) Fig. 354 — Vênus e os Tritões (segundo uma medalha antiga) Fig. 355 — Vênus num cavalo marinho (segundo uma medalha antiga) Fig. 356 — Vênus genitrix (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre) Fig. 356 — Vênus vitoriosa (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 358 — Vênus vitoriosa (pedra gravada antiga) Fig. 359 — Vênus de Milo (no museu do Louvre) Fig. 360 — Adônis (segundo uma pedra gravada antiga) Fig. 361 — Adônis partindo para a caça (segundo uma pintura antiga) Fig. 362 — Partida de Adônis (segundo um quadro de Ticiano, museu de Londres) Fig. 363 — Adônis expirando nos braços de Vênus (segundo uma pintura antiga) Fig. 364 — Morte de Adônis (segundo um quadro de Poussin) Fig. 365 — As três Graças (baixo-relevo antigo tirado do altar dos doze deuses, museu do Louvre) Fig. 366 — As três Graças (grupo antigo, museu do Louvre) Fig. 367 — As três Graças, por Germain Pilon (museu do Louvre) Fig. 368 — As Graças e Esculápio (segundo um baixorelevo antigo) Fig. 369 — Apolo trazendo as Graças (segundo uma pedra gravada antiga)

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Fig. 370 — As três Graças (segundo um vaso pintado antigo) Fig. 371 — As três Graças (segundo uma medalha antiga)

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LIVRO III - APOLO E DIANA CAPÍTULO I — Latona e seus Filhos Nascimento de Apolo e Diana ................................................. 11 Latona e a serpente Pitão ....................................................... 14 Os camponeses carianos ........................................................ 14 CAPÍTULO II — Febo-Apolo O tipo de Apolo ...................................................................... 16 Jacinto metamorfoseado em flor ............................................. 22 Ciparissa e o seu cervo ........................................................... 23 CAPÍTULO III — O Tripé de Apolo Delfos, centro do mundo ........................................................ 24 Apolo, vencedor de Pitão ........................................................ 25 A disputa do tripé .................................................................. 28 O oráculo de Delfos ................................................................ 29 Predições a Laio ..................................................................... 30 Édipo e Laio ........................................................................... 31 A esfinge ................................................................................. 33 As desventuras de Édipo ........................................................ 34 Édipo e Antígona .................................................................... 37 CAPÍTULO IV — O Louro de Apolo Apolo e o Amor ....................................................................... 40 A metamorfose de Dafne ........................................................ 41 Desespero de Clítia ................................................................ 44 CAPÍTULO V — A Lira de Apolo A lira e a flauta ...................................................................... 46 O sileno Mársias .................................................................... 47 As orelhas do rei Midas .......................................................... 53 CAPÍTULO VI — As Musas Júpiter e Mnemósina ............................................................. 55 Atributos das Musas .............................................................. 56 As filhas de Piero ................................................................... 61 As Musas vitoriosas contra as sereias .................................... 62

CAPÍTULO VII — Orfeu A lira de Orfeu ....................................................................... 65 Orfeu e Eurídice ..................................................................... 67 Orfeu dilacerado pelas bacantes ............................................. 67 CAPÍTULO VIII — As Setas de Apolo Júpiter e Antíope ................................................................... 71 Os filhos de Níobe .................................................................. 74 CAPÍTULO IX — Apolo Pastor A ninfa Coronis ...................................................................... 78 O nascimento de Esculápio .................................................... 79 Apolo na corte de Admeto ....................................................... 80 O pastor Aristeu ..................................................................... 80 CAPÍTULO X — Esculápio Esculápio e Higéia ..................................................................83 A serpente de Esculápio .........................................................84 O templo de Epidauro ............................................................87 Os tratamentos de Esculápio .................................................91 Esculápio em Roma ...............................................................93 Hércules e Esculápio ..............................................................94 CAPÍTULO XI — O Sol O Sol e a ilha de Rodes ...........................................................96 Os sinais do Zodíaco ..............................................................97 O carro do Sol ........................................................................99 Queda de Faetonte ............................................................... 102 As irmãs de Faetonte ........................................................... 104 O rei Cicno ........................................................................... 105 CAPÍTULO XII — Diana, Irmã de Apolo Tipo e atributos de Diana ..................................................... 108 Diana caçadora .................................................................... 111 O castigo de Acteão .............................................................. 117 As ninfas de Diana ............................................................... 120 Diana e Calisto .................................................................... 121

CAPÍTULO XIII — Diana de Éfeso O tipo de Diana de Éfeso ...................................................... 123 As amazonas ........................................................................ 124 CAPÍTULO XIV — A Lua A marcha da Lua ................................................................. 129 O sono de Endimião ............................................................. 130 O deus Luno ........................................................................ 131 CAPÍTULO XV — A Aurora As portas do Oriente ............................................................ 132 Titão e a Aurora ................................................................... 134 Céfalo e Prócris .................................................................... 134 O gigante Orião .................................................................... 137 CAPÍTULO XVI — Os Crepúsculos O cisne de Leda .................................................................... 139 Castor e Pólux ...................................................................... 140 Hilária e Febe ....................................................................... 142 A imortalidade partilhada ..................................................... 143 A estrela da tarde e a estrela da manhã ................................ 144

LIVRO IV - VULCANO E MINERVA CAPÍTULO I — Vulcano Nascimento de Vulcano ........................................................ 149 Tipo e atributos de Vulcano .................................................. 151 Vingança de Vulcano ........................................................... 152 Os fios de Vulcano ............................................................... 154 As forjas de Vulcano ............................................................ 156 Os ciclopes ........................................................................... 158 CAPÍTULO II — Prometeu Prometeu forma o homem .................................................... 160 As duas partes de Prometeu ................................................. 163 O fogo arrebatado aos homens ............................................. 163 A caixa de Pandora .............................................................. 165 Suplício e libertação de Prometeu .......................................... 168

CAPÍTULO III — Dédalo As invenções de Dédalo ........................................................ 172 Minos e Pasife ....................................................................... 173 As asas de Ícaro ................................................................... 174 O retrato de Hércules ........................................................... 177 Os telquines e os dáctilos ..................................................... 177 CAPÍTULO IV — Minerva Nascimento de Minerva ........................................................ 180 Nascimento de Erecteu ........................................................ 183 Pandrosa ............................................................................. 184 Disputa de Minerva e Netuno ............................................... 185 Tipo e atributos de Minerva .................................................. 187 Minerva e Encélades ............................................................ 200 Minerva e Tirésias ................................................................ 201 Minerva e Mársias ................................................................ 204 Minerva higéia ..................................................................... 205 Minerva obreira ou ergane .................................................... 206 Minerva e Aracne ................................................................. 207 A festa das Panatenéias ....................................................... 209 CAPÍTULO V — A Górgona Dánai e a chuva de ouro ...................................................... 212 Infância de Perseu ............................................................... 213 Perseu e as Górgonas ........................................................... 214 Pégaso e Crisaor .................................................................. 216 O coral ................................................................................. 221 Atlas petrificado ................................................................... 222 Perseu e Andrômeda ............................................................ 222 As núpcias de Perseu ........................................................... 223

CAPÍTULO VI — O Cavalo Pégaso Pégaso cuidado pelas ninfas ................................................ 228 A fonte Hipocrene ................................................................ 230 Belerofonte e a Quimera ...................................................... 231

LIVRO V - MARTE E VÊNUS CAPÍTULO I — Marte Tipo e atributos de Marte .................................................... 237 Marte na guerra dos Gigantes ............................................. 240 Vênus e Marte ..................................................................... 241 Marte ferido por Diomedes .................................................. 243 Filomela e Progne ................................................................ 245 Os sacerdotes sálios ............................................................ 246 CAPÍTULO II — As Sequazes de Marte Belona ................................................................................ 247 A Discórdia ......................................................................... 248 Etéoclo e Polinice ................................................................ 248 Anfiaraus .............................................................................249 Arquémoro .......................................................................... 250 Combate dos dois irmãos .................................................... 251 Funerais de Etéoclo e de Polinice ........................................ 252 CAPÍTULO III — Vênus Nascimento de Vênus .......................................................... 255 Tipo e atributos de Vênus ................................................... 258 Vênus celeste e Vênus vulgar .............................................. 259 Pigmalião e a sua estátua .................................................... 264 Vênus de Cnido ................................................................... 266 Vênus genitrix ..................................................................... 274 Vênus vitoriosa ................................................................... 275

CAPÍTULO IV — Adônis Nascimento de Adônis .......................................................... 280 A caçada de Adônis .............................................................. 281 A morte de Adônis ................................................................ 284 As festas de Adônis .............................................................. 286 CAPÍTULO V — As Graças Tipo e atributos das Graças ................................................. 288

Impressão e Acabamento Círculo do Livro S.A. Rua do Curtume, 738 —Lapa Caixa Postal 7413 Fones: 864-8366 - 864-3282 São Paulo - Brasil Filmes fornecidos pelo editor
René Ménard. Mitologia Greco-Romana II

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