Segure-me Em Seus Braços - Joane Silva

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Copyright © 2020, Joane Silva Revisão: Margareth Antequera

Diagramação digital: Joane Silva Capa: E.S Designer

Silva, Joane Segure-me em seus braços 1ª Ed. Brasília - DF, 2020

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor. A violação de direitos autorais é crime previsto na lei nº. 9.610,

de 19 de fevereiro de 1998. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor, qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os direitos desta edição reservados pela autora.

O que acontece depois do “felizes para sempre”? Herdeiro de um império milionário, Antônio Orsini é um homem que vive de aparências. Frio e atormentado por fantasmas do passado, ele espera pelo dia em que sentirá que pertence a algum lugar, onde sua vida não será uma mentira completa. Tudo muda quando se envolve com Beatriz, uma garota 20 anos mais jovem, inocente demais para um homem marcado como ele. A paixão que os une é intensa. A dependência física e emocional que um desenvolve pelo outro pode ser mais perigosa do que eles imaginam. Eles são felizes por quase 1 ano, até que um terrível acidente muda o rumo das suas vidas. Uma gravidez inesperada. Um homem cujas memórias recentes são completamente apagadas. A descoberta de segredos que colocam em dúvida o amor que parecia indestrutível.

Até que ponto vale a pena lutar por um amor perdido?

Este livro possui linguagem crua e cenas de teor sexual. Não recomendado para menores de 18 anos.

Até onde posso vou deixando o melhor de mim... Se alguém não viu, foi porque não me percebeu com o coração. Clarice Lispector

PRÓLOGO Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23

Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31 Capítulo 32 Capítulo 33 Capítulo 34 Capítulo 35 Capítulo 36 Capítulo 37 Capítulo 38 Capítulo 39 Capítulo 40 Capítulo 41 Capítulo 42 Capítulo 43 Capítulo 44 Capítulo 45 Capítulo 46 Capítulo 47 Capítulo 48 Capítulo 49 Capítulo 50 Capítulo 51 Capítulo 52 Capítulo 53 Capítulo 54 Capítulo 55 Capítulo 56 Capítulo 57

Capítulo 58 Capítulo 59 Capítulo 60 Capítulo 61 Capítulo 62 Epílogo Leia também Redes sociais

Desde sempre, eu a via andando de um lado para o outro com os seus cabelos escuros ao vento, agindo como se o mundo fosse dela e nada importasse. No começo, eu só a olhava e achava engraçadinha, mas logo o interesse se intensificou. Paro de vê-la como uma menina, para enxergá-la como uma mulher de corpo perfeito. Quando a oportunidade apareceu, fugi do Rio para o lugar onde a realidade é bem diferente e era tudo do que eu estava precisando. Um pouco de paz, longe do agito da cidade e do trabalho, que basicamente consistia em limpar as merdas dos riquinhos inconsequentes. Não esperava gostar tanto de Santa Rita e foi uma surpresa perceber que tinham muitas coisas a se fazer em uma fazenda como a do meu amigo, Diego Estrada. Um homem cheio de problemas, mas que tem conseguido se reerguer desde que se apaixonou por uma garota que é o seu total oposto. A linda e alegre Ella, era tudo do que ele precisava e eu não poderia estar mais feliz pelo meu amigo. O homem merece um pouco de alegria e eu já não sabia como fazê-lo enxergar que não tinha a culpa que

acreditava ter, por todas as merdas que aconteceram na sua vida. Não vi como um problema o pedido para que ficasse de olho na sua mulher pelo tempo que precisaria ficar fora, cuidando-se para enfim se curar de tudo que o perturbava. Ficar em Santa Rita significava que poderia ver a garota se eu quisesse. Ela havia se tornado uma obsessão para mim e usá-la para saber coisas a respeito da Ella foi apenas uma desculpa que dei a mim mesmo para conseguir chegar perto. Nem por um segundo Beatriz foi enganada a respeito do que pensava ser as minhas intenções para me aproximar. Sabia que queria falar sobre a sua amiga e decidiu jogar comigo. E que jogo delicioso. Eu perguntava e a garota leal só dava respostas vagas e sem importância. Fingia que não sabia o que eu queria e eu fingia que só queria investigar. A cada encontro que não tinha nada de acidental na praça, Beatriz dava um jeito de ser mais provocante. Sem medo da rejeição, se insinuava e eu, sem nem um escrúpulo, não me importava de ser velho demais para ela, que tinha acabado de fazer 18 anos. Para mim bastou a informação de que não era menor de idade para seguir os meus instintos sexuais com alguém que, apesar da pouca idade, demonstrava ter bastante experiência com homens. Começamos com um beijo atrás da loja de carnes e continuamos assim: beijos muito quentes pelos cantos da vila. Bia não parecia se

preocupar em ser surpreendida e eu menos ainda. Quando já não dava mais para segurar, acabamos transando no quarto que eu ocupava na fazenda. Quando meti pela primeira vez, não pude acreditar que estava com uma virgem. Ela era tão safada, como poderia ainda ser virgem? Mas a verdade é que era e eu não pude me conter. Continuei a trepar com a moça e bem satisfeito de ser o primeiro. Já tinha transado com mulheres de todos os tipos e idades no clube do qual sou sócio, mas com uma virgem foi uma experiência inédita e muito gostosa. Por um tempo — bem pouco, para ser sincero — acreditei que o meu vício na sua boceta apertada era justificado pela novidade de estar com uma garota tão jovem e a quem eu poderia ensinar muitas coisas, mas estava muito enganado. Durante alguns meses ficamos juntos sem assumirmos nada. Rótulos não existiam, apenas um casal transando sempre que tinha a oportunidade. De uma forma como nunca imaginei que fosse acontecer, me vi desejando duas coisas: ficar em Santa Rita com mais frequência e ter mais certeza do que a novinha era para mim. Depois do casamento dos nossos amigos, em que fomos padrinhos, acabei por me dar conta de que era muito mais do que tesão, que estava muito mais apaixonado do que queria admitir. Como poderia não estar, se fiquei meses com ela, quando nunca tinha saído mais do que três vezes

com a mesma mulher? Era um solteirão convicto, mas a minha baixinha linda e jovem me fez sentir vontade de pendurar as chuteiras e foi o que fiz. Não sai da minha cabeça a sua reação quando a levei com os olhos vendados para a casinha que havia comprado. A minha Bia ficou feliz porque para ela significava que eu ficaria por mais tempo em Santa Rita e não precisaríamos mais ficar pulando de cama em cama para ficarmos juntos. Porém, feliz e emocionada mesmo ela ficou quando disse que a casa não era só para mim. Eu a pedi em namoro, chamei-a para morar comigo e ela não titubeou em aceitar. Na sua casa, ela não teve dificuldade em falar para os pais que estava indo morar com o namorado antes de se casar, eles aceitaram numa boa, tanto que eu cheguei a achar bizarro. Os seus velhos, que não são tão mais velhos do que eu, são good vibes demais, o que me faz ter a impressão de que estão sempre dopados. Não é à toa que a minha baixinha se tornou tão dona de si. — Sabia que você fica ainda mais gostoso quando está assim, com esse ar pensativo, tio? Eu estou no nosso quarto, desfazendo uma mala, depois de uma viagem de três dias para o Rio e acredito que a viagem ao passado seja por causa da saudade pelos poucos dias distantes da minha menina. A minha empresa de segurança privada e investigação particular continua sendo no

Rio de Janeiro, vez ou outra, preciso ir até lá e não posso, de maneira alguma, levar a minha mulher comigo. — Tio? Essa ereção enorme te faz pensar que sou o seu tio, sua atrevida? — Eu a pego entre os meus braços, esfrego-me nela como um desesperado e o sorriso divertido logo some do seu rosto. — Parece que alguém aqui estava morrendo de saudade — diz quando a jogo na cama e caio por cima. Faço com cuidado, porque ela é muito pequena e delicada para alguém do meu porte físico. As suas pernas macias me envolvem e sentir o calor da sua boceta contra o tecido torna ainda maior a satisfação de estar em casa. — Estava louco de saudade de você, amor. — E eu de você, meu gigante. Quando ela me beija, sinto como se tivesse voltado a Santa Rita só para isso. Eu era um boêmio. Tinha mulheres aos meus pés e por muitos anos vivi e busquei isso. Em algum momento a mesmice do trabalho e mulheres indo e vindo deixaram de ser suficientes, me vi precisando de novos ares, de ver gente nova. Aqui em Santa Rita eu conheci a minha Beatriz e então não precisei conhecer mais ninguém. Minha menina trouxe o que parecia faltar e hoje, como acontece dia após dia nos vários meses em que passamos juntos, estou apaixonado, amando e sendo amado.

— Te amo, Beatriz. — Te amo, Antônio. Embora o que sentimos um pelo outro esteja claro, pela primeira vez, com os nossos corpos lânguidos e suados sobre a cama, usamos essas duas palavras para nos declararmos. Sei que será a primeira vez de muitas, que, como os nossos amigos e qualquer casal normal, seguiremos o caminho natural de casamento e filhos. Eu sei que ela está bem com isso. O nosso romance é só mais um dos que devem ter nascido sob o céu de Santa Rita, um lugar que parece especialmente propício para o amor. Talvez a magia esteja nas flores.

RIO DE JANEIRO

— Aqui está a pasta do caso Monte Carlo. Acho que você vai gostar de saber disso. — Theo, um dos meus melhores homens, joga a pasta sobre a minha mesa, no complexo que tem tudo o que uma empresa de segurança e investigação particular precisa ter. Pego os papéis em mãos, apenas para me frustrar já na primeira olhada. Sair da polícia não foi uma decisão tão difícil, porque eu era inadequado demais para a corporação. Todos pensavam assim, mas nenhum dizia. Existia uma agressividade e uma insubordinação que não combinavam em nada com a ideia de segurança pública. Eu esperava por adrenalina, por chutar alguns traseiros e todo tipo de ação que uma farda não poderia me dar, mas, embora tenha a dose de violência que o meu corpo e mente pedem, ainda assim não me livrei de ter

que solucionar casos bobos como esse que tenho em mãos. — Ela estava traindo o marido? Quer dizer que toda a conspiração de espionagem e desvio de dinheiro, todas as pistas eram falsas? — pergunto, sem a menor paciência, porque, neste momento, o que eu mais queria era estar em casa, não no apartamento de luxo, mas em Santa Rita, mais precisamente, na Vila das Flores. — Eram. Essa mulher, apesar de não estar envolvida em nada mais sério, é perita em traição, pegou a gente de surpresa. Mas pode deixar que não conto para ninguém. — Theo brinca e eu não acho a menor graça, até porque, não foi para isso que enfrentei horas de viagens de Santa Rita até aqui. — Envie os resultados para o cliente e depois arquive esse caso. Ele já depositou o resto da quantia? — Hoje cedo. Creio que estava ansioso. Só não sei se ficará feliz porque não estava sendo roubado, ou triste por estar sendo traído. — O homem sempre gostou de fazer comentários sobre as pessoas que nos procuram, é claro que não deixaria esse passar batido. Ao todo, tenho comigo 20 homens, entre seguranças particulares e investigadores que, assim como eu, saíram da polícia. Pessoas de todos os tipos procuram a Orsini como via mais fácil e rápida para solução de problemas que nem sempre os meios legais, ou mais corretos possam

resolver. — Isso já não é problema nosso — digo, levanto-me para pegar os meus pertences e ir embora, mas Theo parece disposto a esticar o assunto. Porra! — Ultimamente você tem viajado mais do que o normal. Não diz para aonde vai e passa semanas e, até mais de um mês, sem dar as caras na Orsini. Está acontecendo alguma coisa que você não queira contar para nós? — ele questiona, porque embora não esteja no melhor dos humores, Theo é o meu braço direito, quem toma à frente da empresa quando tenho que me ausentar, o que tem acontecido muito nos últimos meses. — Assuntos pessoais — digo. Deixo de fora da minha nova vida todas as pessoas que me conhecem aqui no Rio e faço por um bem maior, que é preservar a minha mulher. Eu não quero que a vida que levo a atinja e tenho que tomar atitudes que ninguém compreenderia. Ela não precisa disso, pois está muito bem protegida em casa. Feliz e a minha espera. — Eu imagino que você deva ter arrumado uma amante fora do Rio de Janeiro, porque se fosse algo com algum cliente, essa informação constaria no sistema. — Têm vezes que detesto a sagacidade e esperteza do Theo, e essa é uma dessas ocasiões. — Não é da sua conta — falo entredentes enquanto guardo meu

celular no bolso da calça jeans, coloco a jaqueta e pego as minhas chaves. — Até porque, seria impossível você ter uma amante fixa, não é? — Theo é tão boca grande que ama tocar em assuntos que prefiro esquecer. — Isso é você quem está dizendo. Adeus! — Já está pensando em viajar novamente? — Mesmo que esteja tentando me livrar da sua curiosidade, não é tão fácil assim, já que ele também junta seus pertences, apaga as luzes da sala e vem em meu encalço. — Não tem uma semana que chegou. — Você às vezes passa do ponto nessa sua curiosidade, meu caro. Tenho que viajar daqui dois dias e conto com você para comandar isso aqui e controlar os caras — aviso, e entramos no elevador que nos levará direto para a garagem do subsolo. Eu não deveria estar voltando tão cedo, mas também não vou decepcionar a minha mulher. Ela me disse que fará uma festa para comemorar o aniversário da mãe e não posso deixar de comparecer. Da forma como o povo da vila é fofoqueiro, a minha ausência se tornaria assunto para um mês de conversa. — Sabe que pode contar comigo, Orsini. Vá para a sua garota que quando voltar, tudo estará no mesmo lugar. Além do mais, não é como se fosse se desligar por completo da empresa — comenta.

Embora tenha ido pela primeira vez a Santa Rita para acompanhar o meu amigo que tinha assuntos para tratar depois da morte do pai, nunca deixei de saber como andavam os casos da Orsini e nem de me envolver diretamente com eles, mesmo a distância. — Não existe nenhuma mulher, sabe disso. — Existe e, pelo visto, mais de uma... — Adeus! — Alcanço o meu carro, entro e bato a porta, impedindo que o homem faça mais um dos seus comentários que me lembram o quão filho da puta sou. Estar com Theo e sua falta de senso, de certa forma me faz enxergar como sou um homem ruim e que não mereço amar e ser amado por Beatriz. Mesmo tendo consciência de tudo isso, sigo a amando e deixando que me ame, prendendo uma garota de 18 anos ao meu lado, porque sou egoísta demais para agir de outra forma. A minha vida acabou se misturando com o meu trabalho de certa forma. Estou há dez anos solucionando casos de pessoas que levam vidas duplas e estou fazendo o mesmo. Existe o Antônio Orsini do Rio de Janeiro, o milionário e Bad Boy que não pôde sequer ficar em um emprego normal por não se sentir adequado e que não suporta nada que diga respeito ao papel que deveria

exercer na família. Existe o Tony de Santa Rita, esse vive em uma vila pequena, onde todos se conhecem e que, quando está por perto, ajuda o melhor amigo na lida com a sua fazenda. Sendo Tony, lá é apenas Tony, que vive no campo ao lado da namorada de 18 anos, sou feliz, mas não é quem sou de verdade, ou quem preciso ser. O homem do campo, que para todos é um simples segurança, que foi morar na cidade por causa da namorada, não existe. Ninguém sabe que ele existe. Não existe para a minha família ou para qualquer pessoa que me conheça aqui no Rio. Sinto-me mal todas as vezes que estou ao lado da minha namorada e lembro que tenho de partir. Embora eu não queira pensar assim e saiba que não é, ajo como se ela fosse o meu segredinho sujo. Beatriz não é um segredo sujo, é a mulher que amo, com que desejo formar uma família. Foi ela quem conseguiu unir quem preciso ser e quem sou de verdade. Estamos morando juntos há dois meses, está chegando a hora de conversarmos algumas coisas sobre a minha vida fora de Santa Rita, mas sinto que tenho de me preparar para uma luta, porque ela pode não me perdoar. No fundo, eu sei que não vai me perdoar.

Quando chego a casa, um apartamento bem espaçoso e com tudo o que é necessário para que um homem viva com conforto, a escuridão e o silêncio me recebem. Chego colocando a minha bolsa e chaves sobre o sofá de tom escuro, não me dou ao trabalho de acender as luzes e logo vou para o banheiro tomar um banho. Só quero que a água leve embora o cansaço do dia de trabalho e depois falar com Beatriz, ouvir a sua voz e imaginar que não está tão longe de mim. Foram poucos dias, mas já sinto tanta falta do seu cheiro, das nossas conversas e dos nossos corpos se fundindo, que parecem que foram meses sem nos vermos. Mesmo sendo tão mais jovem, tendo vivido tão pouco, tenho a sensação de que a minha namorada é a única que me entende de verdade, embora isso não seja possível, já que ela nem ao menos sabe quem é o homem com quem tem dormido ao seu lado quase todas as noites. Há momentos em que quase chego a sentir remorso, pelo menos o suficiente para pensar em abrir a boca e contar-lhe tudo sobre quem é Antônio Orsini, mas o sentimento não passa de um pálido vislumbre. Antes do remorso vem a minha paixão por ela, a certeza de que é melhor que não saiba de nada. Se para ficar com Bia eu tenha que viver uma mentira e mantêla no escuro, é assim que escolho viver.

Ao sair do banho, com uma toalha em volta da cintura e com outra secando os fios escuros do meu cabelo, ouço o meu celular tocando sem parar. Pensar que pode ser outras pessoas me faz não desejar atender, mas suspeitar que possa ser a minha namorada me faz praticamente me jogar em cima da cama. Olho para o visor, vejo a sua foto na tela e logo um sorriso bobo e espontâneo se abre. — Oi, estranho... — A sua voz me causa reações, parece sexy aos meus ouvidos e um simples cumprimento faz o meu corpo se arrepiar e o pau dar uma leve sacudida, querendo despertar. — Oi, estranha. Estou com saudade de você, sabia? — declaro ao sentar-me na ponta da cama. — Eu também estou e não me conformo de você ter um trabalho que te leve para tão longe — reclama. Imagino que esteja fazendo bico com a boca e que eu, se estivesse com ela, estaria mordendo seus lábios, observando os seus olhos azuis mudando de cor, depois de ter o desejo despertado. — Eu sinto muito, amor, mas você sabe que as coisas não são tão simples — Justifico-me. Se ela soubesse quão complicada a nossa história realmente é... Beatriz sabe que sou segurança particular e que tenho uma empresa aqui no Rio, e por isso não seria tão fácil assim me desfazer de tudo

para ir morar em Santa Rita. Mas ela não sabe que só digo meias verdades, que a minha empresa não é tão pequena quanto pensa, que sou um ex-policial e, sobretudo, herdeiro de uma das famílias mais ricas e influentes do estado do Rio de Janeiro. — Eu sei e não vou ficar pensando e nem falando disso, esse é o seu trabalho e fico feliz pelos dias em que está ao meu lado. Para a pouca idade, Beatriz é muito madura, compreensiva de um modo que outras não seriam, embora eu perceba que, às vezes, ela se esforça para não agir como uma garota que só tem 18 anos e que pode, sim, se comportar como uma. Ela não gosta de me chatear e quase chego a sentir que vive com medo de fazer algo errado e que eu acabe a deixando. Minha namorada não sabe de nada, mas é como se soubesse. Como se sentisse que o nosso amor está cheio de barreiras. Que o mínimo movimento errado pode jogar tudo pelos ares, varrer a nossa história de um modo que só existam cinzas do que foi uma paixão avassaladora. — Ei, gigante, que cara é essa que está fazendo? Foi algo que eu disse? — diz, e embora não esteja me vendo de fato, ela sabe. — Não! — nego ao perceber que deixei transparecer os meus pensamentos preocupantes. — Você não faz nada, eu só estou louco de saudade de você. — Que dia você vem?

— Em dois dias. Chegarei para o aniversário da minha sogra — aviso, lembrando-me de que preciso comprar a minha passagem. — Venha que a sua mulher está cheia de amor para dar — fala com ênfase no dar. Ficamos por vários minutos conversando, mas acabamos trocando a ligação por chamada de vídeo. Como todos os dias, em todas as ligações e através de vídeos quando estamos longe um do outro, fazemos sexo por telefone. Falamos sacanagens, mostramos e tocamos partes dos nossos corpos para o outro ver e, no fim, quando com custo desligamos, sou obrigado a tomar outro banho, dessa vez gelado. Um pouco mais tarde, o celular volta a tocar, mas não tenho a sorte de ser a Beatriz dizendo que está com tesão demais para dormir. Ainda são 10h da noite, estou me preparando para trabalhar um pouco, mas em Santa Rita, cidadezinha provinciana, a minha garota já está deitada com a sua camisola curtinha. Simples, mas que me fascina como se fosse uma peça caríssima, pelo simples fato de estar acariciando o seu corpo. — Caralho! — esbravejo quando o insistente toque do smartphone empata os meus pensamentos eróticos com a minha gostosinha. — Fala, papai? — Você não vem? A sua mãe já não sabe mais o que falar para essa gente.

— Perdão? Vem para aonde? — indago, com a testa franzida, sem ter a menor noção do que o meu pai está falando. — Hoje a editora está recebendo os vencedores do concurso Talentos do Amanhã, você, apesar de não dar a mínima para a editora, faz parte da família e a sua presença é importante aqui. — Eu acabei esquecendo... — É claro que esqueceu, meu filho — fala com ironia, apesar de não estar realmente bravo. Meu pai, apesar de tudo, tenta aceitar, pelo menos, um pouco as minhas escolhas. Diferente da minha mãe, que nunca tentou. Ambos são transparentes demais para conseguirem esconder a decepção no olhar em algumas ocasiões, mas consigo sobreviver com isso. Tento, pelo menos. — Já eu chego aí. — Meu filho, acho bom você saber que a Lara virá — diz e o meu corpo gela no mesmo instante.

A residência dos meus pais fica em um bairro nobre do Rio de Janeiro. Na verdade, a minha família é uma das famílias mais importantes do estado. O meu pai não é só um desembargador de justiça aposentado, ele é dono de ações de uma grande editora de livros e parte de tudo que se lê no país sai da Editora O&M, que é bastante renomada. O “O” vem de Orsini e o “M” de Marcelo de Matias, um grande amigo da família, infelizmente, e acionista majoritário na empresa que ele mesmo idealizou, abriu e depois chamou o amigo da época de faculdade para fazer parte da brincadeira. A união de negócios entre as duas famílias elevou os seus sobrenomes e status sociais. Passou a exigir um padrão de comportamento que atingiu a mim desde o nascimento. Eu, ainda muito jovem, fui obrigado a entender que não poderia e não deveria agir como uma criança qualquer e esse foi o pior dos meus tormentos durante toda uma vida. Mas muita coisa mudou nos anos que se passaram entre a criança rebelde e o homem de 38

anos, principalmente a garra de continuar lutando para ser quem desejo ser. Todavia, embora aja com desdém perante tudo o que os meus pais pregam, no fundo da minha alma ainda existe um pouco daquele garoto que só queria se adequar, que queria fazer tudo certo, mesmo que nunca parecesse ser o suficiente. Aquele que se sentia perdido dentro da própria casa, sobretudo, perdido dentro de si mesmo. Quando criança, fui um garoto levado. Não me comportava nos lugares em que deveria me comportar, vivia com as roupas sujas e sempre de castigo, mas lembro que era feliz. A minha pobre mãe acreditava que algumas horas sem videogame, ou sem andar de bicicleta fariam com que eu aprendesse alguma coisa, que me tornariam o filho que eles queriam e precisavam para mostrar para os amigos. Mas, eu não era e nunca fui essa criança. No início da adolescência me tornei ainda mais inquieto, perdido e até as roupas que compravam para mim pareciam ser de outra pessoa. Foram os anos mais difíceis, tanto para mim quanto para os meus pais. Existem assuntos que não podem ser mencionados, como uma sujeira que foi jogada para debaixo do tapete, mas ela ainda está aqui, no fundo de nossas mentes, relembrando a cada um de nós quem de fato eu sou. Os anos e a maturidade serviram para endurecer o meu coração, para fazer-me sentir que tenho controle sobre os meus pensamentos e cada

aspecto da minha vida. Antes da Bia, levei a vida com satisfação, não era feliz de verdade, mas o suficiente e muito mais do que tive antes. — Meu filho, pensei que não viesse mais. — As suas palavras me fazem arquear uma sobrancelha em sinal de desdém. Dona Marília sabe que eu não faltaria a esse evento nem se quisesse. Ela não deixaria. Eu estive tão absorto em meus próprios pensamentos que nem percebi o momento em que guardei o carro na garagem e subi até aqui. Fico surpreso por já ter tantas pessoas com taças de bebidas nas mãos, umas se confraternizando com as outras. Na parede há um banner com as fotos de duas garotas e um garoto, certamente os vencedores do ano. — Eu não poderia faltar, mamãe — falo com um sorriso congelado ao abaixar-me a altura do seu rosto e beijá-lo. Esse aqui é o meu mundo, pelo menos deveria ser. Livros para todos os lados como parte da decoração, pessoas que são apaixonadas pela leitura e que amam passar horas com uma xícara de chá, entre as páginas de uma boa história. Não é que eu odeie livros e seja contra quem gosta de ler, pelo contrário, a minha adolescência, em suas fases contraditórias, me despertou para essa paixão. No meu apartamento montei uma biblioteca e já perdi horas e horas dos meus dias lendo bons livros. O que me frustra é o lado econômico disso tudo, a falta de paixão, onde o amor pelo dinheiro e pelas aparências é muito maior do que pela fonte de tanta riqueza.

— Promete que irá se comportar hoje? — pede com um olhar suplicante e tem os seus motivos para isso. — Quando é que não me comporto? — Se eu começar a enumerar, passaremos a noite inteira aqui. — Então pega uma taça de champanhe com o garçom que acaba de passar e me deixa sozinho. Graças a Deus! Os eventos aqui na mansão dos meus pais acontecem com certa frequência e eu não costumava agir como pede a boa etiqueta, pelo menos no que consta no dicionário dos meus pais e seus amigos abastados. Houve uma época mais rebelde em que eu costumava beber e flertar com todas as moças, quando os meus pais queriam que eu demonstrasse orgulho pelos feitos deles e interesse por assuntos editoriais. Depois passei a manter distância de cada um dos convidados e também não estava bom para eles, afinal, que motivos eu teria para não me envolver como eles no evento? Para o meu pai parece não ter sido suficiente o fato de eu ter entrado para a polícia por sua causa. Ele queria que eu fosse a sua imagem e semelhança, talvez para assegurar que o único filho continuasse com o seu legado quando morresse, seja na polícia, seja como acionista de uma editora de livros. Sempre quis mais emoção e costumo culpar o animal feroz que

sempre esteve adormecido dentro de mim, não um gatinho manso como eu deveria ter aprendido a ser a partir do momento em que pude entender a qual família pertencia. Às vezes, menos do que gostaria, deixo esse lado acordar. Foi o que fiz quando saí da polícia. Foi o que fiz quando abri a minha própria empresa e comecei a me envolver com pessoas que, às vezes, podem ser perigosas. Mas o maior feito do Antônio que se permite tirar a máscara foi me entregar à paixão sem pensar nas consequências com uma garota que muitos podem ainda considerar uma criança. Ela tem 18 anos, mas me tem na palma da sua mão. Tem tornado tudo mais fácil, mas também mais difícil. Difícil porque não quero estar em locais ou eventos como esse, com pessoas que não me importo, em um canto bebericando champanhe. Fácil, pois, quando estou perto dela, nos seus olhos sinto que posso ser eu mesmo. O animal feroz adormece, não ouço mais os seus rosnados nos meus ouvidos e nem a inquietude da minha alma. Almejo a paz que me traz como anseio a minha próxima respiração. Sobre o solo de Santa Rita, quando no fim da tarde saímos de mãos dadas para um passeio no campo de rosas, cuja beleza está na simplicidade e no perfume das flores, sinto que cheguei ao meu lugar. Que não estou mais perdido, que em mim não existe mais um conflito. Os meus pés tocam a terra macia, o sol quente de fim de tarde beija os meus ombros

quando estou cavalgando pela fazenda do meu amigo e então, não sinto mais tanta falta da vida que escolhi para mim, como forma de fugir da vida que foi escolhida para mim, quando nasci na família Orsini. Não sinto a necessidade da adrenalina que tenho, quando estou envolvido em um caso mais complexo na minha empresa de segurança e investigação. Não sinto tanta falta de estar chutando alguns traseiros ou com uma arma nas mãos. Quando estou comendo a minha namorada, que me dá tudo o que preciso, o meu corpo e mente não sentem a necessidade de estar no clube de sexo, trepando com mais de uma mulher ao mesmo tempo, pois só uma não era capaz de me satisfazer. Às vezes, quando o sexo fica intenso, porque nós somos intensos, penso em falar para ela sobre o clube, mas acabo sempre mudando de ideia, pois ela ainda é muito jovem para entender. Começamos a nossa vida sexual agora e, portanto, não pretendo levá-la tão cedo ao clube. Pensar nele e em sexo faz o meu pau ameaçar se rebelar. Não acontece porque me lembro de onde estou, o que faz qualquer pau murchar. Aqui não é um lugar ruim de se estar. Porra, têm pessoas importantes aqui, luxo, livros e riquezas; comidas e bebidas sofisticadas. O problema é que não me sinto em casa. Pareço deslocado, embora tudo, até a roupa que visto, passe a impressão de que estou onde deveria estar. Todos veem o óbvio: Antônio Orsini, filho de um

desembargador aposentado e herdeiro da Editora O&M. Eu, por outro lado, não me sinto como um herdeiro, um expolicial, ou dono de uma empresa de segurança. Ainda não sou, mas quero ser o Tony da Bia, o que nos dias em que está na cidade de Santa Rita pega no pesado como um peão qualquer, o homem que tem uma casinha à beira de um lago, bem perto de um campo imenso de rosas. Vivendo com a namorada que é uma moleca e que vive sorrindo, espevitada que só ela. Fala pelos cotovelos, é ousada e odeia usar sapatos. Embora muita coisa me desagrade na cidade grande, existem algumas coisas que trago comigo e uma delas é a paranoia com doenças. Vivo reclamando isso com a ratinha, mas ela diz que gosta de sentir o pé no chão. Porra! Eu não paro de pensar nela. Só pode ser a saudade. Porque por mais que já tenha aceitado que a amo, mesmo que não soubesse o que era esse sentimento antes de ter entendido que não era só um caso o que tínhamos, essa necessidade de estar com ela, o aperto no peito e o descontentamento por estar aqui, quando poderia estar em casa — na nossa casa —, está fora do comum, intenso. Sempre é difícil deixá-la, e está se tornando mais difícil a cada dia que passa, mas hoje sinto que nada pode me fazer esquecer, que não posso simplesmente voltar para casa, ou até mesmo ir para a empresa, estudar alguns casos como forma de distrair a minha mente, pois nada parece distraí-

la. Eu sinto que passarei por dois dias muito difíceis até que volte para casa. — Boa noite, você está mais quieto que o normal hoje, Antônio Orsini. Ainda lembro de quando te via flertando com tudo que usa saias, só para esconder a sua insatisfação de estar aqui. Se você não fosse tão arrogante, poderia até sentir pena. — Apesar do discurso, ela me ama. Anne é umas das filhas do senhor Matias, o outro sócio da empresa. Apesar de ser alguns anos mais nova do que eu e, portanto, termos vivido fases diferentes da vida, Anne sempre foi muito gentil e acredito que posso considerá-la como uma amiga. O mesmo não posso dizer da irmã mais velha Lara, que vejo andar de um canto a outro, como uma rainha atendendo aos seus súditos. — Estou com a cabeça cheia, só isso... — ...e doido para fugir daqui. — E doido para fugir — confirmo a sua teoria e depois tomo um gole da bebida que poderia ser mais forte. — Para não estar tentando entrar na calcinha de alguém, só pode estar doente ou então apaixonado, mas descarto essa hipótese, já que você precisaria ter um coração para isso — diz, eu fico em silêncio, pois não é algo que queira falar justamente com ela, mas a garota me conhece e conclui. — Não posso acreditar que você... Antônio! — A menina está tão animada que chega a dar uns pulinhos. Eu estou desconfortável. Não

quero sequer correr o risco de descobrirem a identidade da Bia. Ainda não. — Não quero falar sobre isso. — Não querer falar significa que está? — Anne... — Por favor, Antônio. Eu juro que não conto para ninguém, será o nosso segredo. Confie em mim. — Eu conheci uma pessoa e estamos bem — falo e é só o que estou disposto a dizer. — Bonita? — Tão linda que nem parece que é real... — afirmo, um sorriso involuntário se abre no meu rosto ao lembrar da sua pele clarinha, os olhos muitos azuis e um corpo que me leva ao delírio. Ele faz as minhas mãos não quererem nada que não seja tocá-la. Quando estou perto da garota, não consigo parar de tocá-la. — Jovem? — Muito mais que você. — Tanto assim? — Aceno positivamente com a cabeça e ela é discreta o suficiente para não perguntar a idade exata. — Rica ou pobre? — Não quero responder isso. — Tudo bem, mas eu estou muito feliz por você. Sei que não

quer o mesmo que os nossos pais querem para você. O seu lugar não parece ser aqui — fala, porque essa garota, no auge dos seus 24 anos, é a única que se permite me enxergar de verdade. Não é como se eu conseguisse esconder tudo o que sinto. As pessoas a minha volta, salvo raríssimas exceções, que não se permitem me enxergar de verdade. — Estou feliz de ter me contado. — Eu estou feliz de ter contado para você — afirmo, porque realmente é reconfortante que alguém saiba. Se torna mais real. Com um beijo no meu rosto, a garota desaparece, certamente para ficar com o namorado, que não é mais o da última vez que a vi. Ela sempre muda, é namoradeira, assim como era a minha garota quando comecei a me aproximar dela. Não que eu tenha a visto se agarrando com algum moleque da sua idade pelos cantos da praça, mas ouvi os cochichos do povo. Na Vila das Flores não tem muito o que se fazer, então sobra tempo demais para um falar da vida do outro. Falam alto o suficiente e com isso sei da “fama” da minha espevitada. Ela mesma não esconde que saía por aí com um bando de garotas e garotos da escola. Ia de festa em festa na cidade vizinha. Odeio quando diz que beijava em bocas, porque o bichinho do ciúme pica a minha bunda, mas Bia logo me convence de que é uma

bobagem, já que, do jeito que realmente importa, foi só minha. Pode parecer meio homem das cavernas e não mudaria nada se fosse diferente, mas adoro saber que fui o único a tocá-la. Que nenhum outro tocou da forma como eu a toquei, que só eu comi a sua boceta e mamei nos seus peitos, que são bem avantajados para a sua estatura. — Fugindo de mim, querido? — Os meus pensamentos estavam tão distantes daqui que não notei quando Lara Matias se aproximou. Ela enrola os braços no meu pescoço, cheia de intimidade, e meu corpo fica tenso na hora. — Não é nada educado fugir da sua namorada dessa forma.

Por um breve momento, permito-me olhar a mulher que está a minha frente. Lara Matias, 35 anos é deslumbrante com os seus cabelos em um tom de loiro-escuro. Corpo magro e atraente para caras que curtem esse estilo. Não é o meu caso. Fomos criados juntos, ou os mais próximos que os nossos pais conseguiram. Quando criança, eu a achava enjoada demais para suportar as suas frescuras, quando entramos na adolescência, eu estava mais interessado em agir como um rebelde sem causa juntamente com os meus amigos. Até os 18 anos estudamos juntos no mesmo colégio. Lara era uma das garotas mais belas entre os adolescentes com os hormônios em polvorosa, todos a queriam, mas não eu. Porra! Para mim, a garota era só a boa e velha Lara, filha de um amigo do meu pai. Depois dos 18 nos afastamos, cada um seguiu o seu caminho, mas nossos pais começaram a desejar que os filhos ficassem juntos, e sei que

era mais para estreitar os laços dos negócios do que os de amizade, afinal, a editora já existia como é hoje, e para eles não tinha problema algum em unir o útil ao agradável. — Namorada? Você tem certeza? — indago sem muito humor, não me sentindo nem um pouco mexido com a sua aproximação. Não vou dizer que nunca aconteceu nada entre a gente, pois estaria mentindo se o fizesse. Só teve uma ocasião que me fez esquecer que nunca senti nada por ela e de que seria uma péssima ideia se tivéssemos algo além de amizade. — Tem certeza? — pergunta e tenta tocar os meus lábios com a boca. No mesmo instante viro o rosto e o beijo pega na bochecha. Mas nem ferrando que vou deixar outra me beijar! Seria como trair a minha pequena, ainda que ela esteja a quilômetros de distância, portanto, sem possibilidade de descobrir. Mas eu saberia e não quero mais uma mentira entre nós. — Antônio, para de brincadeira. Esse não é o momento de agir como um idiota. Você sabe muito bem o que aconteceu entre a gente na última vez que nos encontramos em um evento como este. Assim como hoje, há alguns meses, na mesma semana em que decidi ir para Santa Rita com Diego, meu melhor amigo, tive que sair da minha empresa para comparecer a um evento literário na casa dos Matias.

Estava insatisfeito no jardim e com uma bebida — um pouco mais forte do que a de hoje — na mão, quando Lara se aproximou. Ela se sentou ao meu lado em uma cadeira no jardim e no meio da conversa que engatamos, ela me pareceu agradável. Eu nunca tinha visto essa mulher como uma boa companhia. Hoje eu entendo, ou só uso como desculpa para tentar me redimir pelos meus erros, que tudo foi fruto da bebida, mesmo porque, mal lembro do que tanto conversamos para ter me feito ir ao seu quarto. Acabamos fazendo sexo e na manhã seguinte acordei com ressaca moral e física. Não gosto de pensar que a minha ida a Santa Rita tenha sido uma tentativa de fuga, porque a minha insatisfação com a monotonia da minha vida ia muito além do erro de ter dormido com a última mulher com quem deveria fazer isso, mas não posso negar que foi uma ajuda providencial. Melhor ainda foi a sua viagem a trabalho antes mesmo da minha partida. Desde então, nunca mais nos falamos. Aquela noite nunca chegou a ser mencionada, era quase como se nunca tivesse acontecido. Como a minha vida é cheia de quases, eu quase cheguei a pensar que tinha me safado dessa. Que o que aconteceu entre nós foi uma alucinação minha, ou que seria sortudo o suficiente para nunca ouvir da sua boca uma palavra sequer sobre o assunto.

— Ei, estou aqui. Não fique aí, olhando por cima dos meus ombros, pois isso não fará com que eu suma da sua frente. Eu não teria tanta sorte, penso comigo mesmo. — Perdão, os meus pensamentos estavam longe. — Assim como eu gostaria de estar. — Antônio Orsini, acho que nós dois precisamos conversar — fala. — Temos? — questiono, ela parece estar ficando aborrecida, o que mostra que veio disposta a ter essa conversa e que foi um erro eu achar que aquela única noite, que não significou nada, não fosse ter consequências. Sendo sincero, não é nada contra Lara. Ela só é como todas as outras que vieram antes da minha namorada. Sexo sem importância, um corpo disponível e só. A única diferença é que com as outras eu não precisava dar satisfações. Mas eu não posso falar isso para ela, posso? — Você sabe que sim. — É eu sei, porque, apesar de tudo, Lara é quase da família. — Tudo bem, mas aqui não é o lugar — afirmo, ainda nutrindo a esperança de conseguir me livrar desse papo. Daqui a dois dias estou indo para Santa Rita, espero que consiga passar mais tempo dessa vez, e tudo o que menos preciso é debater com Lara

algo que aconteceu meses atrás e que deveria ficar apenas no passado. — Vamos para o seu antigo quarto – pede, fico tenso novamente. A mulher simplesmente não me deixa relaxar. Porra! — Eu não acho apropriado... Apropriado. Eu nem uso essa palavra! É isso que acontece quando fico muito tempo na companhia de pessoas como os meus pais, seus amigos e Lara. — Deixa de ser bobo, Orsini, nós dois já passamos dos trinta. Além disso, não é como se os nossos pais fossem achar ruim. É claro que eles não achariam. Apesar de terem parado de tocar no assunto, os nossos pais ainda nutrem a esperança de que um dia iremos nos casar. Os meus pais deixam isso bem claro através de algumas indiretas e aposto que os dela também. Antes de conhecer o amor da minha vida, eu não me incomodava tanto, pois sabia que não estava nem perto de me aquietar com uma mulher só, e Lara nunca foi uma opção. Ficava em silêncio para as indiretas porque parecia a melhor coisa a se fazer, mas agora parece que a ideia não era tão boa assim. — Eu não quero ir para o meu quarto com você, Lara — falo com todas as letras, sem fazer rodeios.

Costumo ser o cara que fala tudo o que pensa, os meus pais até reclamam da falta de tato, mas a verdade é que até o meu silêncio quer dizer alguma coisa. — Você bem que gostou de ir para o meu quarto há alguns meses, não é mesmo? Até dormiu lá. — Relembra com a sobrancelha arqueada. Será que as minhas palavras e postura não estão sendo claras? Ou será que Lara está fingindo que não está lendo os sinais? Todos eles apontam em sua direção e dizem em alto e bom som: Não estou a fim. Não quero falar sobre o que aconteceu, porque não significou nada. Eu não quero nada com você, tenho namorada e a amo mais do que pensei ser possível amar outra pessoa. — Tudo bem, vamos até o meu quarto — digo por fim, pois embora tenha tentado ser claro, acho que ela precisa que eu diga com todas as palavras que não somos e nunca seremos namorados. — Você primeiro — digo quando escancaro a porta. Por alguma razão, os meus pais mantiveram tudo como era anos atrás, então fica claro que o quarto que nos recebe pertencia a um adolescente que amava livros e tudo relacionado aos super-heróis.

— Eu olho para este quarto e me vem à cabeça lembranças de como você era quando adolescente. Lara diz como se fôssemos os melhores amigos do mundo na época, sendo que não tínhamos muita proximidade. A sua fala, todavia, me mostra que embora não saiba muito a meu respeito, sabe bem mais do que a minha mulher. Um fato que preciso remediar, porque quero que Beatriz me conheça tão bem quanto eu a conheço. Conheço e amo tudo o que sei da sua infância e adolescência. A minha menina é tão aberta que me deixou saber até os fatos mais vergonhosos da sua vida. — Fique à vontade. — indico a cama, Lara se senta e deixa a bolsa do lado. — É bom, não é? Fugir um pouco do agito no meio das festas. Feche a porta e você perceberá como o som será abafado — sugere. — Não, vamos deixá-la da forma que está. — Não confiando nem um pouco nas suas intenções, deixo a porta entreaberta e me aproximo dela. — O que você tem para falar comigo, Lara? — Decido ir direto ao ponto, porque depois disso vou me despedir dos meus velhos e ir embora. Ainda tenho de reservar a passagem de avião. — Fico ofendida com essa pergunta. O problema é seu! Tenho vontade de dizer. Não entendo por que

está encenando esse ar de boa moça, logo para mim que a conheço desde sempre. Se é para, de alguma forma, me impressionar, está fazendo tudo errado. Prefiro as que agem como uma leoa na luta pelo que querem, que não têm papas na língua e cujo sorriso nunca deixa o rosto... como a minha Bia. — Sinto muito. — É o que acabo dizendo. — Há alguns meses nós dois bebemos e acabamos transando. Você se lembra disso? — Raramente — assevero. Vejo o desgosto no seu rosto pela única palavra saída da minha boca, mas, pelo menos, não pode se queixar de que não estou sendo sincero. — Depois do que aconteceu nunca mais nos falamos. Você viajou e eu fiquei todos esses meses trabalhando fora, mas agora que estamos aqui, eu pensei... — Lara... — Por que não me fala o que pensa a respeito do que aconteceu entre a gente? Seja sincero, por favor. — Bom, é ela quem está pedindo..., embora duvide que eu não esteja louco para continuar de onde paramos. — Lara, nós nunca falamos sobre aquela noite porque não tinha o que ser dito, pelo menos, não da minha parte. E desculpa se isso me faz parecer insensível, mas pensava que você via a situação da mesma forma. Eu tinha bebido além da conta, estava com a mente fodida e o meu dia tinha sido

difícil. Aconteceu e não podemos voltar atrás, mas você tem de saber que para mim não passou de uma noite de sexo. Eu não passei todos esses meses pensando em você. Na verdade, eu sequer tive mais do que dois pensamentos sobre esse assunto. — Nossa, eu não esperava por isso — diz. O choque no seu rosto mostra que de fato foi pega de surpresa. Mas o que ela esperava? Caralho! Lara tem 35 anos. Achou mesmo que depois de uma única noite e de meses sem sequer nos vermos, iria encontrar um donzelo apaixonado à sua espera? Me poupe! Eu preciso de uma bebia, ou melhor, da boceta da minha namorada, agora! — Os nossos pais ainda têm esperanças de que um dia a gente se case, sabia? Eles vivem jogando umas indiretas. Pensei que, naturalmente, esse dia iria chegar. Que uma hora as nossas vidas ocupadas iriam dar uma trégua. Quanto mais ela fala, mas absurdos os seus pensamentos se parecem. Então nunca levou a sério todos os namorados que teve e nem se importa com a fama de mulherengo que sempre tive? — Eu não deveria estar te dizendo isso a essa altura, mas a vida não funciona dessa forma.

— Você tem 38 anos, está na hora de sossegar não acha? A menos, é claro, que já tenha alguém... Você tem alguém na sua vida Antônio? — Eu... — Começo, disposto a falar sobre a minha Bia, porque ela precisa entender que não aconteceu nada entre nós, mas sou interrompido pela porta sendo escancarada. — Sei que queriam ficar a sós, mas não é de bom tom subirem para o quarto no meio da festa, meus filhos. Mas era só o que me faltava! A mãe dela nos olha como se tivesse acabado de interromper uma fuga romântica. — Você tem razão, eu tenho mesmo que descer e falar com os meus pais — digo e passo pela porta, deixando mãe e filha no quarto. Bom, acabou! Só espero que ela esclareça tudo com os nossos pais e os faça entender que essa união não vai acontecer. Já no meio dos convidados, não demoro muito a encontrar os meus velhos que, felizmente, estão juntos. Despeço-me de ambos, que tentam protestar por eu estar indo embora tão rápido, mas insisto que tenho coisas para fazer ainda hoje e acabo me livrando do evento. No caminho, depois da leve tortura — leve só porque foi rápida —, os meus pensamentos não saem da minha garota. A ansiedade corre pelas minhas veias de uma forma mais intensa do que todas as outras vezes. De repente, a necessidade de estar com ela é quase maior que a de respirar. A

urgência que traz consigo a sensação de que será a última vez. Arrepiado, coloco o pé no acelerador, dissipando os pensamentos ruins.

— Finalmente... — digo a mim mesmo quando me sento na minha poltrona do avião. Já passa das 5h da tarde, embora eu tivesse planejado sair na parte da manhã. O voo acabou atrasando algumas horas, o que só serviu para aumentar a minha ansiedade. Só agora me permito respirar aliviado, sabendo que estou indo encontrar Beatriz, e não tem sentimento melhor do que o de estar indo de volta para casa. É dessa forma que vejo Santa Rita, a minha casa. Quando o avião decola, olho pela janela e fico surpreso por perceber como o tempo mudou. Estava um dia abafado, mas as nuvens encobriram o sol e parece que vai chover. Distraído, fico por alguns minutos olhando pela janela, mas logo começo a bocejar. Passei a noite virando de um lado para o outro na cama e agora a noite mal dormida cobra o seu preço. Eu devia mesmo estar com sono, pois só volto a despertar

quando sinto o meu ombro sendo levemente sacudido. — Senhor, nós já vamos pousar — diz a aeromoça. — Tudo bem. — Coloco os óculos de sol, estilo aviador, para cobrir os olhos inchados de quem acaba de acordar, ajeito a minha bagagem de mão e me preparo para descer. Quando coloco os pés para fora do avião, o clima que me recebe já é totalmente diferente do lugar de onde saí. Aqui é bem mais quente e não se difere em nada da cidade vizinha, Santa Rita. Como é o meu dia de sorte, de cara encontro o táxi que me levará pelos 40 minutos que me distanciam da minha casa. — Pode me deixar aqui, por favor? — peço, assim que o veículo passa próximo aos roseirais. A minha ideia era de ir direto para casa encontrar a mulher, mas sinto que não posso simplesmente ignorar essa vista. O cheiro de rosas e de terra. O meu corpo e a minha alma têm a necessidade dessa energia, do ar puro deste lugar, pois são esses momentos que me fazem dar valor às pequenas coisas, algo que não fazia antes de conhecer a cidade que é tão simples, mas esconde encantos que só algumas pessoas se permitem enxergar. — Valeu! — Saio do carro com a bolsa de alças na mão, e o óculos escuros escondendo os meus olhos do sol.

Não satisfeito de ver de longe, me aproximo dos corredores de rosas e deixo que as minhas mãos toquem as suas pétalas. Já é fim de tarde, os raios de sol deixam tudo aqui ainda mais belo. — Boa tarde, senhor Tony, que bom que voltou — Tobias, um dos peões que trabalha no campo de Diego Estrada, me cumprimenta. — Pois é, meu caro. Você sabe que eu sempre volto — digo ao homem que tem a pele castigada pelo sol. Assim como Tobias, o tempo que tenho passado aqui me permitiu conhecer a maioria dos trabalhadores, sejam os peões, sejam os que ficam aqui no campo. Respeito a história de cada um deles, a dedicação e amor que demonstram pelo que fazem. — Como está a senhorita Bia? Faz dois dias que não a vejo — comenta e eu estranho, já que ela adora correr por aqui pela fazenda, fazendo tudo e nada ao mesmo tempo. Beatriz costuma carregar um caderninho e um lápis. Não me deixa ver o que tanto escreve, mas só consigo imaginar que seja um diário pessoal. Nada seria mais a cara da minha namorada do que registrar os acontecimentos da sua vida em um diário. — Ela está bem, eu acho — falo. Por alguns segundos me preocupo, mas então lembro em qual dia do mês estamos. A minha menina esteve no seu período menstrual e as dores abdominais devem tê-la deixado

reclusa. — Agora eu tenho de ir. Bem-vindo de volta, senhor Tony. Os homens sentiram falta de ouvir as suas histórias da cidade grande — afirma. Há alguns meses, quando estava entediado no meu chalé na fazenda, vi os homens reunidos em volta de uma fogueira, me aproximei para averiguar do que se tratava a reunião e desde então se tornou um hábito passar um tempo com os homens. Eles gostam de uma moda de viola, mas passaram a gostar muito mais de ouvir as minhas histórias. Já contei das mais perigosas as mais divertidas, mas não tenho certeza se eles acreditam em tudo, ou pensam que são frutos da minha imaginação. Seja qual for a hipótese, eles parecem não se importarem com a resposta. — Qualquer dia desses me junto a vocês. Dê o recado. — Até logo, senhor Tony. — Até breve, Tobias. — Ele me deixa sozinho, fico mais alguns minutos com os pés na terra, até que o sol começa a se esconder e passo a caminhar para a minha casa, que fica a apenas alguns metros daqui. Quando já estou avistando a mangueira que fica na frente da pequena residência, ouço o som de um galope ficando cada vez mais próximo. Aperto os olhos para ver se consigo identificar de quem se trata, embora não precisasse. Quem mais, além de Diego Estrada, deixaria tanta poeira para trás?

A família de Diego foi uma das fundadoras de Santa Rita. O pai dele, que morreu há pouco tempo, era visto como um líder local, um homem bondoso e justo, apesar da riqueza. Ele se foi, deixou para o filho um legado que ele não queria. Não até conhecer a sua esposa, uma garota que ama tudo o que ele abominava. Diego e eu somos amigos de longa data. Nós nos conhecemos em um clube de sexo e desde então passamos a beber juntos, mas sem nunca falarmos abertamente das nossas vidas pessoais. Dele eu sabia apenas que era casado, mas um casamento fracassado. Por alguma razão, também deixou-me saber que era a mente por trás do famoso escritor Ângelo D’ Ávila. Eu, por outro lado, disse apenas que era dono da Orsini e ele chegou a me contratar para alguns serviços. O convite para vir a Santa Rita veio na noite em estávamos um pouco bêbados no clube. Ele, pela primeira vez, me contou sobre a sua história, sobre a morte do pai e do quanto estava péssimo por ter de voltar para a cidade em que nasceu. Em tom de brincadeira, me ofereci para acompanhá-lo, só para dar apoio moral, mas acabamos os dois levando a sério. A vinda foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, tanto para ele quanto para mim. Meu amigo, que tinha uma vida sombria demais para alguém

tão

jovem,

apaixonou-se

perdidamente

pela

garota

que

carinhosamente chama de passarinho e casou-se com ela. Criam juntos o filho dele e levam adiante os negócios do pai dele, que consistem em uma próspera fazenda e um campo de rosas que corta muitos hectares de terras. A vida também sorriu para mim. Aqui eu conheci e apaixonei por Beatriz Álvares, mas a história complicada do meu melhor amigo parece tranquila perto da minha. Diego é um famoso escritor de romances e nem sonha que sou herdeiro de uma das maiores editoras do país. Felizmente, não é a mesma que publica os seus livros. Não que eu tenha feito alguma coisa para esconder esse fato dele, já que o meu rosto e nome são conhecidos demais para que isso se torne possível. Por ironia do destino, encontrei um amigo que era fodido demais para passar algum tempo lendo fofocas na internet. Se fosse diferente, ele teria ligado meu nome ao da minha família. — Voltou rápido dessa vez — diz ao parar com o cavalo do meu lado. — Não me diga que estava com saudade, Leão — provoco com o apelido que a sua esposa lhe deu. — Muita saudade, tanto quanto tenho do coice de um jumento — devolve. — Mas que bom que veio, você faz falta na fazenda. — Amanhã mesmo eu estarei na lida.

— Você não precisa... — Eu gosto, Diego — corto. O homem sabe que eu não preciso do emprego, vira e mexe me oferece um cargo de chefia, mas nunca aceito. Assim como deixo que todos da cidade pensem que sou só um segurança que se tornou amigo do contratante. Estou bem sendo apenas mais um dos seus peões e não quero tirar o posto de alguém que merece muito mais que eu. — Tudo bem. Deixe-me ir, porque o passarinho deve estar me esperando com o nosso filho. Passei só para te cumprimentar. — Então vá lá, tenho mais o que fazer do que ficar batendo papo com você, barbudo — brinco. — Até imagino o que você tanto quer fazer... — Eu não sou tão pervertido quanto você, meu amigo — rebato, mesmo sabendo que sou, sim. Quanto a isso não tem como negar, considerando o lugar onde nos conhecemos. — Falou o cara que levava 3 mulheres para o quarto. — Pelo menos eu não batia nelas. Ella sabe disso? — Tento provocá-lo, mas o sorriso sacana no seu rosto mostra que ele fez muito mais do que só contar. — Que horror? A garota se parece com um anjo. Não consigo sequer imaginar...

— Não imagine! — enciumado, pede entredentes, puxa a rédea e me deixa comendo poeira no meio da estrada. Por alguns segundos fico pensando no que acaba de insinuar. Será que eu teria coragem de levar Bia àquele antro de putaria? Mas se até Ella, que se parece um anjo, já esteve lá... Por falar em anjo, preciso ver a minha diabinha, agora! Cheio de urgência, penso comigo mesmo. Ao me aproximar da entrada, olho para a mangueira onde ela costuma sentar-se com o seu caderninho. Onde nós dois ficamos algumas noites, bem agarradinhos observando o céu. Eu vejo as estrelas de uma forma que não é possível fazer no Rio de Janeiro entre tantos prédios. Na varanda tem uma cadeira de balanço velha. Ela foi motivo de discórdia, já que estava na casa quando a compramos, Bia queria jogá-la fora e eu disse que poderia transformá-la e deixá-la nova em folha. Dessa vez eu venci a discussão, bastou mostrá-la o quanto poderia ser útil quando a sentei de pernas abertas sobre o móvel e chupei a sua boceta até que gozasse. Encontro a porta da sala aberta. O cômodo simples, porém, confortável, me recebe em silêncio. É estranho, pois Beatriz não é nada silenciosa. Se bem que eu não avisei a hora exata que chegaria, então ela deve ter ido até a casa da mãe ajudar nos preparativos da sua festa de aniversário. Contente, levo a minha bolsa para o nosso quarto, coloco aos pés

da cama e começo a tirar a minha roupa, pois tudo o que preciso no momento é de um banho. Refrescar-me e esperar a minha pequena, pronto para trepar com ela até que a saudade do seu corpo, cheiro e som da sua voz vá embora. Saio do banheiro vestindo uma cueca boxer e secando o cabelo. Ser recebido pelo silêncio me deixa agitado, então pego o celular para avisar a Bia que já cheguei. Eu poderia ir até a casa dos meus sogros, que moram aqui perto, mas não faço porque teria de parar para conversar com eles e com quem mais estivesse na casa. Hoje a única pessoa que preciso ver é a filha deles. Preciso dela dentro dos meus braços, embaixo do meu corpo e só assim sentirei que estou realmente em casa. Estou de costas para a porta do quarto, começando a digitar o texto, quando sinto o meu corpo tencionar com o toque inesperado. Mãos macias circulam a minha cintura e tocam o meu abdômen. A cabeça se deita nas minhas costas e é só o que basta para me fazer relaxar, soltar a respiração e jogar o celular em cima da cama. Viro-me de frente para ela, miro os olhos pelos quais sou apaixonado, para o sorriso que faz o meu coração bater mais forte no peito... e pronto, está tudo em seu devido lugar. Essa é a minha garota, o meu amor. — Voltei, Beatriz — digo num sussurro em seu ouvido, mordendo a pontinha da sua orelha. Abraço o seu corpo e o sinto trêmulo. Fico contente, pois sei exatamente o que isso significa. — Estava louco de

saudade de você... — Deixe-me ver. — Leva a mão para a parte da frente da minha cueca e segura o meu pau, que começa a endurecer nas suas mãos.

— Sabia que para alguém que até pouco tempo era virgem, você é muito ousada? — digo, pois nunca deixo de admirar o seu jeito de mostrar de todas as formas o que quer e como quer. Agora, por exemplo, está louca para matar a saudade, e foi com a mão direto no meu pau, que já está duro como uma barra de ferro na sua mão. — Isso é bom ou ruim? — indaga e percebo nos seus olhos como a resposta é importante. Pelo visto, não era só paranoia minha a impressão de que está a todo o momento tentando me agradar. Falar e ter atitudes que eu possa aprovar. Mas eu não quero que seja assim, que acredite que precise se esforçar tanto. Até porque, foi a sua autenticidade que me encantou desde o primeiro momento. O fato de ser tão diferente de mim e das pessoas que me rodeiam conta muito ao seu favor. Prende-me no seu magnetismo. — Tudo que vem de você é bom, minha moleca — afirmo,

seguro o seu queixo com as pontas dos dedos para garantir que esteja prestando atenção em mim e continuo —, não existe nada que eu mudaria em você. Nada! Te amo por inteiro e nada pode mudar isso. — É bom te ouvir falando dessa forma, não por gostar de ficar recebendo elogios, mas porque parece... — Parece o que, Bia? — questiono, abraçando-a com mais firmeza. Se é que tem como ser mais firme sem estalar os seus ossos, mas a sensação é de que nunca está perto o bastante. De que nunca tenho o suficiente dela. Estou sempre querendo mais. Quem poderia imaginar que o amor seria dessa forma? Tão sufocante, intenso e desesperador? São sensações que em outras situações parecem ruins, mas quando estão ligadas a sentimentos tão bons, se tornam gostosas e viciantes. Eu sou viciado na intensidade de tudo o que sinto por Beatriz Álvares. — Parece mais real. — Nós somos reais. A nossa relação é real — digo com convicção, mas um pouco decepcionado de estarmos falando desse assunto e por parecer que ela ainda tenha dúvidas, mesmo depois de tudo. Mesmo depois de ter feito com ela coisas que nunca havia feito com outra mulher. Porra, eu me apaixonei! Praticamente mudei para a sua cidade. A convidei para

morarmos juntos. Será que isso não se parece real para ela? Uma

torrente

de

questionamentos

atravessa

os

meus

pensamentos e, no meio deles, prefiro não pensar na minha hipocrisia. — É que às vezes eu tenho medo. Fico aflita porque estou feliz demais, quase como um conto de fadas. Mas contos de fadas não existem. Quando você parte, tento parecer bem, mas fico com o coração apertado, sempre com medo que não volte mais, que encontre algo melhor que a garota pobre e que anda com os pés descalços. — Não diga bobagens, amor. Não existe em lugar nenhum alguém como você. Não importa para aonde o meu trabalho me leve. Você é única e eu só tenho olhos para você. Ainda que um dia nos perdêssemos, eu te reconheceria. — Desculpa por ser tão boba. Nem era para termos essa conversa agora. Não é justo com você, que acaba de chegar e está cansado da viagem. Se quiser que eu... — Meu amor, olhe para mim. — Seguro o seu rosto com as duas mãos quando tenta desviar o olhar. — Eu não preciso de nada que não seja você. Enquanto estive longe, só pensava no quanto te queria. Como gostaria de passear a minha boca pela sua pele macia e cheirosa... — Enquanto falo, começo a abaixar a alça da sua roupa e a beijar o seu ombro, cuja pele está um pouco avermelhada pelo sol que pegou. Por mais que eu recomende, Bia

só lembra do protetor quando eu estou em casa. — A sua pele está vermelhinha aqui... — Eu esqueci de passar o protetor solar. — Você sempre esquece. Assim como também esquece dos sapatos. Mas não tem problema, agora eu vou deixar a sua pele ainda mais vermelha, e por motivos que te farão uivar para lua. — Eu não esperaria menos de você, meu grandão. — Bia aperta a minha bunda com as duas mãos, ficando na ponta dos pés para não parecer tão mais baixa que eu. Eu adoro quando faz isso, pois o intuito sempre é se esfregar no meu pau. Ela simplesmente não pode esperar. É tão fogosa que, em algumas ocasiões, ela tenta pular as preliminares para ir direto para a parte em que meto na sua boceta, que fiz questão de viciar no meu pau. Salvo raras exceções, como hoje, por exemplo, cuja saudade é grande demais para que possa esperar, não faço do jeito que ela quer. Gosto de prepará-la para me levar e de provocar até que a tenha louca. — Não me tente. Estou muito a fim de rasgar sua roupa e meter em você de uma vez..., mas não quero te machucar... — A minha voz sai entrecortada porque ela está com os dentes no meu pescoço, o mordiscando e enviando respostas para todo o meu corpo tenso de tesão acumulado. — Faça isso. Por favor! Eu quero — Bia torna impossível para mim, mas, em algum lugar dentro de mim, ainda encontro forças para resistir

e fazer do jeito que ela merece. Hoje eu não quero só transar com uma garota linda e de corpo perfeito. Quero fazer amor e venerar a minha mulher, pois foi assim que pensei nela quando estávamos distantes. Depois nós teremos muito tempo para trepar e fazer o sexo sujo que a ensinei gostar. Sem dizer nada, a pego em meus braços e a coloco cuidadosamente sobre a nossa cama. Fico a admirando, mas só dura alguns segundos, porque estou faminto demais para ficar somente olhando para a delícia que é a minha garota e não a tocar. — Não acha que está usando muita roupa? Parece injusto comigo, que estou apenas de cueca. — provoco, mas ela olha direto para a minha boxer. — Vem aqui tirar — provoca e a vontade de jogar tudo para o alto e pegá-la com força se torna quase irresistível. — Não me dê ordem, ratinha. — Pensei que tivesse se esquecido desse apelido besta! — reclama. Ele surgiu na primeira vez em que a vi sentada na cadeira de varanda com um livro nas mãos, óculos redondos e quase maiores do que o seu rosto. De cara me lembrei de como as pessoas que liam muito eram chamados na minha época de colégio. Eram os ratos de biblioteca.

— Não esqueci, ratinha. — Beatriz faz bico, mas o desfaço quando me aproximo do seu rosto e beijo a boca rosada. Começo beijando pela sola do seu pé, que está limpo e macio, pois da mesma forma que gosta de andar com os pés no chão, também tem mania de lavá-los o tempo todo. Os beijos de boca aberta sobem pelas suas pernas, passo para a parte interna da sua coxa e já começo a sentir o calor da sua excitação, o que deixa a minha ereção dolorida e pronta para furar o colchão se eu continuar a pressionando nele. No processo, subo o seu vestido, até descobrir a barriga plana. Apressada, minha namorada o tira pela cabeça e joga de qualquer maneira no chão. Com o corpo parcialmente sobre o seu, a tenho só de calcinha e sutiã, o necessário para me deixar ainda mais maluco por ela. Subo lambidas e mordiscadas pela barriga, uma ideia inédita e louca atravessa os meus pensamentos, mas logo a dissipo, pois ainda não é o momento, embora eu saiba que um dia ele vai chegar e eu serei o homem mais feliz do mundo. Alcanço os seus seios, que são uma das partes que mais me excitam do seu corpo e os deixo livres do sutiã. Coloco-me no meio das suas pernas, ela as enrola no meu quadril para ter mais contato e eu, ao som da sua respiração ofegante, me esbaldo nas suas duas delícias. Brinco com eles, belisco e mordisco os

mamilos. Farto-me de chupar um de cada vez, como um bezerro esfomeado. Mais abaixo, início uma fogosa fricção entre os nossos sexos. Sinto a quentura da sua boceta através da calcinha, e perceber que está pronta me deixa mais louco de tesão. — Eu estava com tanta vontade de te comer. Me masturbava todos os dias para você — confesso, mordendo com força calculada o seu queixo, tudo para não tirar as nossas peças íntimas e meter de uma vez só no seu calor. — Todos os dias? — Está meio distante, um pouco desconcentrada, mas sei que é por causa da excitação. — Não só uma vez. Sempre pela manhã, quando procurava por você ao meu lado na cama. E todas as noites, quando nos falávamos, você tirava a roupa para mim e me deixava ver o quão sortudo sou por ter uma mulher linda, gostosa e que gosta tanto quanto eu de fazer sexo. Talvez até mais. — Então faça alguma coisa... — Eu vou fazer, amor. Amanhã você sentirá as consequências do meu desejo por você entre as pernas. As minhas mãos e boca descem mais uma vez. Tiro a sua calcinha e então tenho a minha disposição o alimento de que preciso para seguir vivendo. Sim, porque eu sinto que só preciso dessa mulher, que o seu

corpo é o meu alimento diário. Por vezes até me pergunto o que seria de mim se um dia a perdesse. O que restaria? A minha boca cai no seu sexo, mas agora não quero mais suavidade. Já nos torturei o suficiente, então lhe chupo com força e avidez. O som dos seus gemidos, a insinuação do seu quadril ao encontro da minha boca me faz ir além e enfiar dois dedos dentro da sua boceta. Depois de algumas poucas estocadas, sinto que está perto de gozar, mas não quero que faça na minha mão. Preciso que mele o meu pau, enquanto o seu corpo ondula em um orgasmo que roubará o seu fôlego e me mostrará que é minha, que só eu faço isso com ela. — Eu quero gozar, Antônio... — suplica. — Você vai... — Tiro os dedos da sua boceta, os levo até a minha boca e os chupo até limpar os fluidos do seu desejo. Faço tudo sem tirar os olhos dos seus, que ficam mais escuros quando está cheia de tesão como agora. Por um breve momento volto a beijar sua boca, deixando que sinta na minha língua o quanto é gostosa. Depois levanto-me para ficar livre da cueca e agora sem nenhuma barreira, volto para o meio de suas pernas. — Agora? — provoco com a testa colada à sua. — Se não me comer neste segundo vou morrer de frustração...

— Não dou tempo para que peça mais uma vez e entro com tudo nela. Meto até não sobrar nada, até sentir que não poderíamos estar mais ligados que agora. O seu corpo tem um leve sobressalto, chega a trincar os dentes, provavelmente pelo incômodo. Tento tirar, mas Beatriz mantém as pernas bem apertadas em volta da minha cintura. — Está tudo bem? — Mais do que bem... Eu estava sedenta por isso. Você me viciou e não via a hora de você chegar para te atacar e nunca mais deixar que saia desta cama... — Adivinha só? Eu não quero sair daqui. Vou passar dias e dias em cima de você, não só para compensar os que perdemos, mas por que não consigo não querer te comer o tempo inteiro. — Eu não tenho nenhuma objeção quanto a isso para fazer — declara ao afrouxar o agarre das pernas na minha cintura para que eu a penetre melhor. Bastam alguns segundos e o nosso sexo fica louco, embora eu tivesse a intenção de ser mais carinhoso, pelo menos na primeira vez. Tenho a desculpa de que ela me leva ao limite em um piscar de olhos, fazendo-me mudar os planos. — Porra, ratinha, você é muito, muito gostosa... Caralho!

Quanto mais eu meto, mas quero meter. Com força e vontade. Muito suado, escorregadio, mas feliz por esse momento, por poder amar a minha mulher, a pessoa que me faz um homem melhor, de quem não posso mais ficar longe. — Amor, eu não aguento mais... — Eu vou fazer você se sentir bem, ratinha... — falo em meio às estocadas, agora segurando as suas pernas bem abertas para ir o mais fundo que posso. Bia me agarra como um bote salva-vidas e eu gosto disso, não só quando estamos fodendo. Enquanto dou socadas curtas e fortes no seu sexo, solto as suas pernas, desço a boca até o seio e com uma mão manipulo o seu clitóris. Mais algumas arremetidas e nós dois gozamos. Derramo-me dentro dela como nunca tinha feito antes, passa pela minha cabeça que não usamos preservativo, mas deixo para pensar nisso depois, pois é gostosa demais a sensação de alcançar e levar a minha mulher ao pico do prazer sem nada entre nós. Enquanto todas as sensações me atravessam, parece que nunca vai acabar. Eu quero que nunca mais acabe. Mas acaba. As forças se esvaem e eu caio exausto em cima do seu corpo, que está suado como o meu. Faço um esforço para não colocar tanto peso em cima dela, mas é difícil quando a pequena me leva ao limite desta forma.

— Não vá, por favor — pede, se agarrando a mim quando tento rolar para o meu lado da nossa cama. — Não quero te machucar. — Só mais um pouquinho. Eu quero sentir você... — Sinto que não é apenas um pedido, então, ainda dentro dela, levanto a cabeça, miro o seu rosto e encontro os seus olhos cheios de água. — O que foi, amor? Eu te machuquei? — Não! Eu só... — Você? — Não sei o que seria da minha vida se um dia... — Não vai acontecer, Bia. Você está entendendo? Nunca! Eu não vou deixar que nada e ninguém nos afaste. Prometo. — Tudo bem, mas fique aqui, só mais um pouquinho. — Mesmo cansada, ela enrola novamente as pernas no meu quadril, dá uma leve rebolada e eu, de maneira impressionante, começo a ficar animado novamente. Movo-me lentamente, a beijando com o carinho que dispensamos da primeira e começamos tudo outra vez. Fazemos amor sem desviarmos os nossos olhares, porque palavras são dispensáveis quando tudo em nós fala da ligação única que temos, do amor que veio sem aviso, do fogo que nunca se acaba. É disso que sinto falta quando estou a quilômetros de distância.

É a necessidade de me sentir inteiro, de saber que pertenço a um lugar e a uma pessoa. De não sentir que parte do meu coração está faltando.

— Acho que está na hora de nos levantarmos. — Com a voz preguiçosa, Beatriz fala e começa beijando o meu pescoço. Estou deitado de bruços, nu da cabeça aos pés, cheio de expectativa pelos carinhos nada sutis que gosta de fazer em mim. Ela começa pelo pescoço, vai descendo a boca pelas minhas costas e quando penso que irá pedir por mais uma rodada de sexo, a terceira da noite, me frustra ao interromper os carinhos. Mas, como nunca me decepciona, minha namorada monta em cima de mim, com a boceta bem em cima da minha bunda. Eu logo fico animado, embora não entenda como, depois de termos transado duas vezes e do fato de eu estar cansado da viagem. — Estou ficando duro. — Você é insaciável, Tony. — De você eu não me canso. Mesmo se cansar, faço mais um esforço, porque nunca é demais estar dentro de você, aproveitar cada

oportunidade que tenho ao seu lado. — Eu bem que queria, mas temo que minha vagina não aguente uma terceira vez. Além disso, nós temos que tomar banho, hoje é o aniversário da mamãe e nós já estamos um pouco atrasados — avisa. Eu tinha me esquecido completamente de que era hoje, certamente porque tinha coisas mais importantes com que me preocupar. — Posso cuidar de você no banho — sugiro em tom de brincadeira, mas se ela levar a sério... — E como faria isso? — Ela ainda faz carinho no meu corpo, mas não deveria estar fazendo isso se não vamos transar agora. O seu toque dá ideias ao meu corpo, que discorda da minha cabeça. Ela, sim, sabe que Bia realmente precisa se recuperar. — Chupando a sua boceta. Eu já ouvi falar que é um santo remédio para casos de assadura e sensibilidade causada pelo uso sem moderação. — Eu aceito. — Sério? — Viro a cabeça para trás tão rápido que ouço o meu pescoço estalar. Mas a menina do exorcista faz parecer tão fácil... — Só se você me pegar. — A garota sai de cima de mim e corre para o banheiro. Eu, que não sou bobo, corro atrás. Vai que ela mude de ideia?

Tomamos um banho quente e não só no sentido literal da palavra. Bia e eu nos beijamos durante vários minutos. Deixamos que as nossas mãos toquem o corpo do outro e as bocas irem além. Faço o bom e velho sexo oral. Por um breve momento me culpo por não ter sido tão cuidadoso, mas o fato de ela estar gemendo e puxando a minha cabeça ao encontro do seu sexo avermelhado me faz esquecer de tudo, menos de comêla até que goze na minha língua. Quando termino com ela, já a ponto de me masturbar até desfazer a dolorosa ereção, vejo Beatriz ficar de joelhos, pegar o meu pau e o levar direto para a sua boca. Até penso em negar e dizer que não precisa retribuir, mas ela parece estar gostando demais do que está fazendo para poder parar antes de me fazer gozar. Para quem até dia desses nunca tinha visto um pau, a minha garota até que aprendeu rápido, mas tão rápido que com algumas chupadas me tem despejando a minha porra na sua garganta. Se antes eu tirava, dessa vez a ratinha não deixa e vê-la engolindo tudo me deixa com a visão embasada de tanto prazer. Sem dizer uma palavra, a coloco em pé, a abraço com força e torno a beijá-la como se a minha próxima respiração dependesse desse toque. Ainda nos beijamos por um tempo, até que nos acalmamos e, momentaneamente satisfeitos, voltamos para a tarefa de tomar banho. Lavo o

seu corpo e deixo que lave o meu. Beatriz permite que eu lave o seu cabelo, algo que sempre gosto de fazer. Beatriz e eu saímos do banho e nos arrumamos com sorrisos bestas nos nossos rostos. Não falamos muito, mas aproveitamos todos os esbarrões no espaço diminuto do nosso quarto para tocar no outro. É um beijo aqui e outro ali, uma apalpada na bunda e outra nos seus peitos, que parecem bem apetitosos cobertos com a bata florida. O jeans curto e desfiado nas pontas faz conjunto com a bota marrom e a deixa bem a cara da típica garota de Santa Rita. Sempre que volto de viagem, é assim que nos comportamos. Não conseguimos parar de nos tocar, fazemos sexo como se fosse a última vez, mas em seguida começamos tudo novamente. Hoje eu sinto que existe algo diferente. A urgência é maior, a intensidade também, mas ela não me deixa pensar muito no assunto. Quando fica pronta segura a minha mão e me puxa para a sala. A ratinha só é pequena, mas sabe ser mandona quando necessário. — Você é linda. — E você está um arraso, grandão. Eu só espero que não precise espantar algumas moças mais saidinhas. — Não seja tão ciumenta, ratinha. — Eu não sou — nega, eu arqueio a sobrancelha e ela emenda

—, quer dizer, não muito, só quando alguém se esquece que você é meu. — Assim como você é a minha ratinha. — A vejo revirar os olhos por causa do apelido. Mordo a sua boca, que está com um batom clarinho, estapeio de leve a sua bunda e dessa vez sou eu quem a puxo para fora da casa. Os seus pais moram bem perto de nós e, por isso, vamos caminhando até a residência deles. Como Santa Rita é uma cidade pequena, quase nunca é necessário um carro para se locomover. O que mais se vê por aqui são bicicletas e os carros são mais usados quando alguém quer ir à cidade vizinha. Nesse caso, geralmente se chama um carro de aplicativo ou mesmo um táxi. Justamente por não precisar eu não trouxe um dos meus carros, o que é ótimo para mim, pois não saberia explicar para a Beatriz como eu teria condições de possuir um carro tão caro. Quando chegamos à festa, eu não tenho a oportunidade de ficar muito tempo perto da minha pequena. Primeiro nós cumprimentamos a sua mãe, que não deixa de perguntar sobre filhos e casamento, mesmo que estejamos morando juntos há tão pouco tempo. Depois ela encontra algumas amigas barulhentas e elas me lembram da nossa diferença de idade. Sou tão mais velho que, se fosse outra a situação, eu não teria olhado em sua direção. Se não tivesse acontecido de uma forma tão natural e até despretensiosa no início, nós jamais teríamos ficado juntos. Essa é a verdade que não gosto de

admitir para mim mesmo. Do lugar de onde vim, garotas que têm a idade da minha namorada já demonstraram interesse por mim e eu sequer levava a sério os flertes. Para mim eram apenas crianças. Então veio Beatriz e mudou tudo. Eu ainda acho que é só uma garota, mas também a vejo como uma mulher. A sua idade não define a maturidade, tanto que foi bem natural a minha reação quando percebi que estava me sentindo atraído por ela e gostando das suas investidas. Ela era como as outras em alguns aspectos, mas em outros, completamente diferente. — Você não pode simplesmente tirar os olhos dela, não é? — Guilherme, o sobrinho do padre, se aproxima puxando assunto. O rapaz tem idade próxima a da minha namorada, é amigo dela e tenta ser meu também. Mas em mim existe uma resistência e não nego que seja por causa da Ella e do Diego. Eu sei que ele esteve interessado na garota, quase estragou as coisas entre eles, então eu acredito que é aceitável que não esteja tão entusiasmado para começar uma amizade. — Não posso. Ela é minha mulher e isso é bem natural, não acha? — Volto-me para ele e tomo um bom gole de cerveja. Como é bom participar de festas que oferecem bebidas de verdade. — Concordo, ainda mais sendo ela tão linda... — fala, um alerta

toca, uma série de ideias surgem na minha cabeça e nenhuma delas termina com esse cara e eu sendo amigos. Ele acaba de chamá-la de linda? Tudo bem, Beatriz é mesmo muito linda, mas daí a falar isso na minha cara? A sua cara de pau me leva a segunda questão: Será que se arrependeu de nunca ter olhado para Beatriz enquanto estava solteira? Mas isso não importa e sua fala leva para única resposta possível. — Linda e minha. Para o seu bem, espero que jamais se esqueça disso. — Irritado, viro-lhe as costas, sem me importar se a minha fala ficou parecendo com uma ameaça. Bom, talvez tenha sido mesmo. Para não ser mais incomodado enquanto minha namorada não vem para mim, vou para perto de uma árvore que fica a alguns metros da casa, encosto-me no tronco e fico tranquilo com a minha latinha de cerveja. Normalmente não sou uma pessoa antissocial, ainda mais com as pessoas daqui que, apesar de serem curiosas, são sempre muito gentis e sinceras. Penso em como estou me sentindo incomodado nos últimos dias. A última ida ao Rio foi a mais difícil de todas até aqui. Provavelmente tenha a ver com a conversa que tive com a Lara, por saber dos seus sentimentos e

que isso possa dar mais munição para os meus pais tentarem forçar algo que não existe, embora eu, em sã consciência, não aceite tamanha interferência. De repente entendo que a minha inquietação tem relação com o medo de perdê-la em algum momento. Eu poderia simplesmente contar quem sou, mas simplesmente não consigo fazer isso ainda. O meu mundo não é o mais bonito, as pessoas não são tão genuínas. Nele existe a malícia que a minha mulher não conhece e tudo o que não quero é expô-la dessa maneira, deixá-la vulnerável e à mercê de pessoas que não teriam o menor problema de dizer na sua cara sobre o quanto é inadequada para mim. Sobretudo, não preciso que saiba a respeito do meu lado mais feio. Um que ficou no passado, gosto de acreditar, mas existiu. Vivo um impasse, pois não quero mentir para a ratinha, mas também não quero impor a vida de Antônio Orsini e, ainda assim, correr o risco de perdê-la quando se der conta de que é demais para ela. Que as pessoas que me rodeiam não são como as que estão do seu lado. Que as pessoas não são boas e veem somente o que lhes convém do ser humano. Sei que estou sendo extremamente babaca e que farei isso pelos motivos mais errados possíveis, mas eu preciso de uma garantia. Preciso que esteja tão ligada a mim quanto possível, caso algo aconteça e a faça querer se afastar de mim. Para o bem da minha sanidade e paz de espírito, eu só preciso

fazer alguma coisa! — Ei, por que está escondido aqui? As pessoas te incomodam? — Minha ratinha finalmente vem para mim, então me dou conta de que estive prendendo a respiração em alguns momentos. Eu estava, pois só isso justifica o grande suspiro que me escapa quando encosta o corpo no meu e simplesmente me abraça. Quando o seu calor envolve o frio da minha alma e o seu cheiro impregna no meu nariz. — Não é nada disso. Só estava aqui com a minha cerveja, triste porque a minha ratinha tinha me deixado — brinco. Eu realmente não me importo que continue sendo a mesma que era antes de ter um namorado. Ela sai falando pelos cotovelos, conhece tudo e a todos, nada diferente de quando ainda não nos conhecíamos e eu a via pela praça da vila. — Pois a sua namorada voltou e não pretende mais sair do seu lado, desde que me recompense com beijos — propõe. — Nem precisa pedir duas vezes. Na verdade, eu acredito que não exista maneira melhor de se passar por uma festa do que beijando a minha namorada. Se não fosse a casa dos seus pais, te levaria para um lugar mais discreto... — E? — Faria muito mais do que beijar essa sua boca atrevida que

tanto amo. — Você me ama mesmo, não é? — indaga. — Tanto que eu temo que você não saiba o quanto. — Eu sinto, aqui. — Ela coloca a minha mão sobre o seu peito, bem do lado onde fica o coração e o sinto batendo bem rápido. — E te amo muito, tanto que às vezes tenho medo. — Não precisamos ter medo. Eu te prometo que em breve tudo vai se resolver. Não precisarei mais viajar a trabalho e se precisar te levarei comigo. Eu não quero ter que ficar longe de você... — Então não fique — diz. Eu sei que mesmo não dizendo com todas as letras, Beatriz me quer ao seu lado por tempo integral, sem ter de ficar contando quantos dias temos antes que eu precise viajar, deixando-a para trás. Por todos esses motivos, o plano que surge na minha cabeça começa a não se parecer tão egoísta. Alguns motivos até são, mas conta muitos mais o fato de querer tê-la para mim de todas as formas humanamente possíveis, que, além de tudo, a deixe assegurada caso algo dê errado para mim em algum momento. Quando troco de posição para que ela fique escorada na árvore, sendo pressionada pelo meu corpo e boca gananciosa, sinto que já tomei a minha decisão. Sendo precipitado ou, na pior das hipóteses, errado pela

situação em que estamos, estou convencido de que farei o que precisa ser feito.

Saí bem cedo de casa, um pouco antes de o dia amanhecer, e deixei a minha namorada em um sono pesado. Levantei-me sem fazer qualquer barulho, pois não queria que acordasse antes que eu voltasse para casa. Santa Rita carece de alguns comércios e só agora que precisei me dei conta de como uma boa joalheria faz falta. Não que a da cidade vizinha, Boa Ventura, seja tão boa como o leque de opções que se encontra em cidades maiores, mas, pelo menos, consegui encontrar o que estava procurando. Não foi muito difícil encontrar algo que se parecesse com a ratinha e que faria os seus olhos brilharem, principalmente porque não poderia comprar do jeito que realmente queria e que merece. Então tive de me contentar com uma joia bonita, mas que não parecesse tão cara e, portanto, fora das possibilidades de um homem que, até onde minha

namorada sabe, só é proprietário de uma pequena empresa de segurança no Rio de Janeiro. Não demorei mais do que uma hora para fazer o que havia planejado durante a noite, depois de mais uma vez ter nos satisfeito com bocas e mãos, já que havíamos exagerado no sexo. No caminho de volta, a missão foi pensar em uma forma de tornar o momento especial, de amenizar o meu nervosismo. Porra! Eu nunca fiz algo parecido e nem pretendia fazer! E se eu estragar tudo e ela dizer o que eu não gostaria de ouvir? Sempre existe a possibilidade de ser rejeitado. Bia tem todo o direito de dizer que não está preparada para um passo tão grande. Mas sou eu quem não estou tão preparado para uma recusa, embora esteja tentando com todo afinco pensar nesta possibilidade e amenizar os impactos se nada sair como planejo. Na minha cabeça, depois de elencar os motivos práticos e também os mais emocionais para que essa fosse uma ótima ideia, parecia que seria fácil. Não contava com o nervosismo e menos ainda com o medo de uma recusa. Caralho! Nunca pensei que seria o que pede e não o que sai correndo só com a menção de um compromisso mais sério e duradouro. Ainda é bem cedo e estou debaixo da mangueira carregada e os meus olhos não saem da varanda da nossa casa, mas especificamente da porta fechada.

Eu só quero que tenha saído como eu planejei quando, há pouco, voltei, escrevi um bilhete e o coloquei em cima do meu travesseiro, primeiro lugar para onde ela olhará quando abrir os olhos e perceber que não estou do seu lado. No papel escrevi pedindo para que venha até a parte de fora da nossa residência, porque tenho que mostrar-lhe algo importante. Só não calculei o quanto teria de esperar. Bia costuma acordar cedo e cheia de energia, menos quando está exausta, depois de uma intensa maratona sexual. Ontem eu passei muito dos limites e deveria ter imaginado que acordaria mais tarde. Quando já não sei mais para aonde caminhar, já que em volta da árvore está tudo pisado por causa das minhas voltas nervosas, mãos suadas e coração ofegante sempre que penso em tudo o que planejo dizer, finalmente vejo a porta sendo aberta. Beatriz sai com os braços estendidos para cima, se espreguiçando de uma maneira nada charmosa, penso divertido. Ela usa o pijama que é formado por uma blusinha de flanela e short curto. Os seus cabelos negros estão um pouco revoltos e contrasta com a pele alva. Ela não poderia estar mais linda. Acredito que é uma imagem que ficará guardada na minha memória por muito tempo, porque é impossível esquecer-me dessa visão, do que sinto neste momento em que contemplo a minha mulher saindo da nossa casa e agora olhando diretamente para mim,

com uma expressão que não esconde os seus sentimentos. Um olhar de amor que jamais recebi de outra pessoa. Como se enxergasse a minha alma, que é atormentada e esconde tantos segredos. A cada passo que dá em minha direção, mais rápidas as batidas do meu coração se tornam, maior fica a minha certeza de que, por mais que tenha inventado uma série de razões para justificar, quero pedi-la em casamento porque a amo, porque não existem razões para não fazer isso agora, sendo que, de uma forma ou de outra, a nossa história seguirá por este caminho. Casamentos e filhos. Com ela eu quero o pacote completo e sei que pedir para que seja oficialmente minha é só o primeiro passo para a concretização dos planos que tenho, e torço para que também os tenha. — Bom dia, amor. — Dormiu bem, ratinha? — indago, sentindo-me menos nervoso agora que a tenho na minha frente. — Só não foi melhor porque você não estava mais na cama quando acordei. Sabe que eu gosto quando me acorda. Acordar juntos é algo que Beatriz e eu apreciamos. Primeiro porque ficamos nos agarrando até ser inevitável sairmos da cama. Também por conversarmos sobre tudo, desde assuntos corriqueiros a papos sérios. Mesmo quando tenho de viajar bem cedo, a ratinha acorda para fazermos

amor pela última vez. — Hoje não deu. Eu tinha alguns assuntos para resolver. — E eu não poderia ir junto? — Não, porque era uma surpresa — explico. — Para mim? — Sim. Se é boa ou ruim, você quem irá dizer — digo, seguro as suas mãos pequenas e a trago para mais perto de mim. — Agora eu estou curiosa. — Beatriz eu... — Começo, mas nem sei como continuar. Seria mais fácil se eu tivesse escrito num papel e ter treinado por uns dias. — O que foi? Parece nervoso e eu nunca te vi dessa forma... — ela fala, está meio hesitante. Vejo medo nos seus olhos, porque é claro que estou dando os sinais errados. Até tenta soltar as nossas mãos, mas não permito. — Se quer... — Não quero! Eu amo você. — Ufa! Tudo bem, então... — Eu te amo muito e você já deve saber disso. Desde o início, nós fizemos tudo muito rápido, embora, às vezes, eu me questione se não estou atrapalhando a sua juventude, que viva todas as fases comuns para uma jovem... — Não está, Tony. Você nunca me tirou nada, pelo contrário, só

agrega e me faz completa em tudo — assevera, como se soubesse o quanto é importante para mim ouvir tais palavras. — Nós somos intensos, fomos do namoro a morar juntos em poucos meses e agora eu... — Porra! Diga de uma vez, homem, não pode ser tão difícil assim. Olhe só para a cara dela, vai aceitar. Talvez queira ouvir tanto quanto você quer falar. — Agora não parece ser o suficiente. Sei que já nos pertencemos, mas eu preciso de mais. Não basta ser e saber. Preciso que o mundo nos reconheça como marido e mulher. Se você disser que sim, não será mais a minha namorada e sim minha noiva. A minha futura mulher. Mais para frente, mãe dos meus filhos. Tudo bem que está muito cedo para falarmos disso, mas eu quero que saiba que... — Amor, calma, respira. — Coloca os dedos sobre os meus lábios, impedindo que continue a falar sem pausa. Bom, não está saindo como imaginei. Nos meus planos eu não agia como um garoto de 15 anos pedindo uma moça em namoro pela primeira vez, ao invés de um homem de 38 anos pedindo a mulher em casamento. Sei bem que ela não está muito longe dos 15 anos, mas age como uma mulher de 30. Quanta bobagem! Foco, homem! — Se eu não entendi errado, você, que é meu namorado lindo e

mais velho, está me pedindo em casamento? — Estou, sim, ratinha. Eu posso ter feito de uma forma um pouco atrapalhada, afinal, eu nunca tinha tentado isso antes, mas quero ser o seu marido. — Eu não sei... — Beatriz agora solta as nossas mãos. As suas, trêmulas, encobrem parte do rosto. Está claramente surpresa. Só não tenho certeza se gostou ou odiou o que ouviu. Enquanto espero, sinto que morro por dentro. — Não se sinta pressionada, eu entendo se não estiver preparada e vou esperar pelo seu tempo. Prometo, meu amor. — Não! Eu estou preparada, sim. Quero me casar com você. Ter muitos bebês e tudo mais o que um casal faz. — Bia praticamente não respira para falar, atropela tudo, mas diz exatamente o que desejei ouvir. Me faz tão feliz e nem sei se tem noção disso. — Você não disse a palavra, pequena. Tente, por favor, agir como uma noiva normal? — brinco, puxando-a pela cintura para junto do meu corpo. — Faça o pedido. — Beatriz Álvares, você aceita se casar comigo? — Faço a pergunta ao mesmo tempo em que tiro o anel do bolso e coloco bem diante dos seus grandes olhos azuis.

Eles têm o brilho que eu desejei ver nesse momento. A certeza de que escolhi certo o anel, embora quisesse dar um bem mais bonito e mais caro. Em breve farei isso. Não só com relação ao anel, mas darei tudo o que a minha garota merece, mesmo que não perceba que existe um mundo fora de Santa Rita. — Sim! Eu quero muito me casar com você! — Estende a mão, eu coloco o anel no seu dedo e em seguida o beijo com reverência. Depois a pego nos meus braços, a coloco contra o tronco de nossa árvore e beijo a sua boca, que é só mais um dos meus vícios entre muitos que tenho dela. — Esse momento foi tão romântico! Parece até que estou sonhando — fala aos trancos quando terminamos o longo beijo. — Você não está sonhando. — Não tem como você garantir isso. Parece o tipo de coisa que alguém diria em um sonho — brinca, apesar de ser meio inacreditável até para mim. — Você tem razão. Eu iria sugerir o clássico beliscão, mas jamais faria isso com a minha ratinha, então tenho uma sugestão melhor. Eu a solto, olho com atenção para o chão em volta da árvore, até que avisto uma pedra pequena, pontuda e perfeita para o que tenho em mente. A pego no chão, aproximo-me do tronco da árvore e a trago para o meu lado. Sob o seu olhar atento, risco as nossas iniciais e em volta faço o coração mais

mal feito que já existiu. Na parte de baixo, coloco a data e o ano. — Quer prova maior do que essa? A lembrança do dia em que te pedi em casamento ficará marcada não só na nossa memória, mas também aqui e perdurará por anos e anos. Uma parte da nossa história que o tempo não pode apagar. — Que coisa mais linda, Tony... — Não chore, por favor, futura esposa. Venha aqui. — A abraço, beijo em cima dos seus olhos e indago: — O que você quer fazer hoje? Quer passear por aí? Ficar em casa trepando o dia inteiro ou quer ir a casa dos seus pais contar a novidade? — Listo todas as possibilidades, enquanto beijo a sua clavícula e torço para que escolha a segunda opção dentre as três sugestões. Eu não consigo pensar em forma melhor de se comemorar um pedido de casamento do que transando com a noiva. — Você também pode ir até a fazenda contar para a sua amiga Ella. — Eu prefiro não contar para ninguém. Sabe, meu amor, esse momento é muito especial para mim e pode até ser egoísmo agir dessa forma, mas, por enquanto, quero curtir a nossa felicidade em segredo. Só nós dois, tudo bem? — O que você quiser, ratinha. Eu até gosto da ideia. No

momento certo nós avisamos para a sua família. — E para a sua — completa. — É claro — digo, tentando disfarçar o incômodo. Pouco falo da minha família para Bia. Para não entregar nada, sempre preferi revelar o mínimo possível. Bia sabe que moram no Rio, que sou filho único e que eles são loucos para conhecê-la. Mas a verdade é que não sabem da sua existência. — Se não vamos contar para a sua família e nem para os Estrada, sobram apenas duas opções. — Apenas duas — confirma ao abraçar-me pelo pescoço, já com o seu modo malicioso ativado. — Quer sair para passear? Talvez em um restaurante... — Também não — diz. — Passar o dia na cama, trepando igual coelhos? — Se você aguentar... — Com você eu tiro forças até de onde não tenho, ratinha. E chega de conversa que agora a minha noiva tem o seu primeiro compromisso do dia: sexo matinal. Depois seguiremos para o sexo antes do almoço e por aí vai... — Que cronograma mais excitante... — Minha noiva recomeça a falar pelos cotovelos, mas se interrompe quando a pego nos braços e a levo

para dentro de casa.

ALGUNS DIAS DEPOIS... Do centro da praça da vila, posso ver tudo o que acontece ao redor. É o ponto exato para quem quer cuidar da vida alheia, pois simplesmente não tem como não saber das vidas dos moradores desse lugar, mesmo que a pessoa, como eu, por exemplo, não seja exatamente fofoqueira. Mas não estou sentada aqui para fuxicar, embora fizesse muito isso com a minha amiga antes de ela se casar com o todo o poderoso Diego Estrada. Na verdade, estou doida para ir embora, mas tenho um noivo que não para de falar ao telefone. Nós decidimos dar uma volta para aproveitar a noite que está tão bonita, mas então o seu celular tocou e ele, como de costume, se afastou para atender. Para falar com alguém que não faço ideia de quem seja. Por mais que sinta certo desconforto com isso, não o questiono, pois sei que a única coisa que não poderia perdoar seria uma traição ou que mentisse para mim.

Eu sinto que não seja capaz de ter tais atitudes e exatamente por isso o fato de ele se afastar em alguns momentos para falar de trabalho não chega a ser um problema entre nós dois. Têm certas ocasiões que me pego pensando sobre o quão pouco sei da sua vida. Ele apareceu do nada na cidade, e isso poderia ser muito estranho se não tivesse vindo ao lado do Diego, um homem que, apesar de ser distante das pessoas daqui, é bom. Se não fosse, a minha amiga não teria se apaixonado e casado com ele. Diego também não seria amigo do Tony e nem deixaria que ficasse perto de mim se não confiasse nele. Não posso negar que são fatos que me tranquilizam e me fazem ter paciência para esperar pelo dia em que irá se abrir e me contar do seu passado, da sua família e da vida que levava no Rio de Janeiro antes de nos conhecermos. Eu não sou tão boba e tenho consciência de que poderia simplesmente procurar pelo seu nome na internet e, com uma simples pesquisa, talvez descobrisse algumas informações ao seu respeito. Mas eu não me atrevo, ter tal atitude seria como trair a confiança do grandão e não quero que tenha nenhum motivo para questionar a sinceridade dos meus sentimentos por ele. Além do mais, tenho certeza de que não há nada para descobrir. Antônio é completamente sincero e me ama muito, tanto que me pediu em casamento. Até dias atrás eu vivia com um namorado e agora tenho um anel que significa que vou me casar.

Que homem faria isso se não estivesse completamente apaixonado? E Tony não é um homem qualquer. Ele é experiente, muito mais velho do que eu e muito bonito. Com o seu corpo grande e todo cheio de músculos, Antônio tem os olhos escuros e intensos. É moreno, mas nada é mais charmoso dos que os poucos fios grisalhos que têm na barba por fazer e nos cabelos negros. Ele se incomoda um pouco, pois diz que parece mais velho do que é, mas eu garanto que é um charme a mais e que, olhando de perto, não parece que tem 38 anos. Tenho vinte a menos que ele, mas, de alguma forma, nos damos tão bem que as diferenças entre nós dois se tornam mínimas. É claro que elas existem e até admito que às vezes me comporto como uma adolescente inconsequente e ele como um tio turrão, mas nunca é nada que nos faça ter sérios problemas, ou questionar o que sentimos, ou o nosso relacionamento que começou e caminha de forma tão rápida e intensa. Desde a primeira vez em que o vi senti algo diferente. Eu nunca fui a menina boba que ficava na janela de casa, esperando que um príncipe em cima de um cavalo branco viesse me resgatar — essa é a minha melhor amiga, Ella —, mas no mesmo instante em que o vi, senti que todos os beijos e paixonites por garotos da minha idade não eram nada perto da atração que senti pelo belo homem.

Os meus olhos brilharam, minhas pernas tremeram, afinal, nunca tinha visto um homem como ele, tão grande, alto e bonito, mas, principalmente, tão alheio a tudo. Tony parecia dono de si, caminhava pela praça sozinho como se estivesse gostando de estar sozinho para curtir a sua própria companhia. A praça estava barulhenta naquela noite, mas ele não ouvia. Eu estava na praça naquela noite, com o coração disparado, tremendo por ele, mas não me via. Eu só precisei daquele momento para decidir que precisava fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Se teria de me aproximar para perguntar de onde tinha saído ou investigar com as mexeriqueiras, não me importava, só sabia que iria descobrir quem era e, dependendo das informações, tentaria conquistá-lo. Parece até ridículo que uma menina que ainda não tinha 18 anos acreditasse que teria alguma chance com um homem de verdade, mas o meu coração, ou talvez o fogo no rabo, não chegou nem perto de ouvir a voz da razão. Um sorriso involuntário se abre quando lembro que como fui infantil no início, tudo para chamar a sua atenção de alguma forma. Já estava mais tranquila quanto a sua identidade, afinal, para que cartão de visitas melhor do que saber que era segurança e amigo de Diego Estrada? Ficava muito frustrada quando tentava me aproximar e ele se limitava a dar bom dia, boa noite e boa tarde, mas eu fui persistente, insisti

até fazê-lo me ver. Fazer 18 anos era o que faltava para me deixar mais determinada e livre para ousar nas abordagens. Não entendi nada quando, em uma noite como esta, ele se aproximou puxando assunto, algo que nunca tinha feito. Fiquei muito entusiasmada, mas logo me dei conta de que fazia por interesse. Mas isso não foi o suficiente para me desanimar, pelo contrário, me aproveitei da situação para ir para o tudo ou nada. Para a minha alegria, foi tudo. Eu não tenho vergonha de admitir que me joguei em cima dele em cada oportunidade que surgiu e até teria parado na primeira, se ele não tivesse deixado transparecer o seu interesse. Estava claro que relutava, mas também estava atraído por mim. O primeiro beijo fui eu quem deu. O segundo foi iniciativa dele, atrás da paróquia, depois de uma discussão em que ouvi que nunca ficaríamos juntos pois, apesar de me querer, me achava nova demais para ele. Começamos a nos beijar por todos os cantos da praça, sempre nos esgueirando para que não fôssemos pegos, ou vistos por fofoqueiros. Sempre que viajava, ele voltava mais intenso, os beijos mais longos e os abraços mais ousados. A cada toque, o clima entre nós ficava mais tenso. Para ele, literalmente duro, considerando que eu o sentia contra a minha barriga. Um dia Antônio desistiu de resistir, me levou para a cabana que ocupava na fazenda Solar e, com todo o carinho e paciência, tirou a minha

virgindade. Foi uma noite inesquecível para nós dois, acredito, pois foi depois dela que tudo mudou. Tony se tornou mais carinhoso, aceitou que estava apaixonado por mim, tanto quanto eu estava por ele. Depois não paramos mais. Só não estávamos juntos quando ele viajava para o Rio a trabalho. Nós nos tornamos como dois coelhos, sempre em busca de algum lugar para transar e a busca só terminou no dia em que me fez uma surpresa e comprou uma casa bem perto dos roseirais e, consequentemente, da fazenda dos Estradas. Outros diriam que fomos precipitados em irmos morar juntos logo no começo da relação, que só tomamos tal decisão por causa do sexo, mas não foi assim. Vivermos sob o mesmo teto mostrou que o nosso amor ia além das palavras. Pudemos nos conhecer de verdade e tivemos conversas que evidenciaram o porquê de nos amarmos. A convivência nos fez enxergar que as nossas semelhanças são maiores do que as nossas diferenças, que queremos as mesmas coisas para o presente e para o futuro. Eu amo cada pedacinho dessa cidade. A praça sempre cheia, as pessoas que falam demais porque não têm muito o que se fazer em um povoado tão pequeno. Sobretudo, eu amo o campo de rosas, a fazenda que nem é minha, mas que tenho total liberdade de passear por ela. Para mim é importante sentir a terra debaixo dos meus pés, sentir o sol bater na minha pele e o ar puro do campo encher os meus pulmões.

Eu sei que deveria ser diferente, que existe um mundo fora daqui. Que eu poderia ir para uma capital fazer faculdade e ser mais bemsucedida do que os meus pais foram, mas não posso fazer algo assim. Eu não seria eu e sinto que não pode existir nada mais triste do que ser uma pessoa que se perde de si mesma. Eu não quero ser essa pessoa e sinto que a vida foi generosa comigo ao me presentear com o um amor que se sinta da mesma forma. Antônio pode não ser o homem mais falador do mundo, até porque, é difícil competir comigo, mas eu vejo nos seus olhos como gosta de estar em Santa Rita, como lhe faz bem galopar pela fazenda Solar, ou simplesmente passear pelos corredores do roseiral. Ele é um homem que foi criado na cidade grande, mas que é simples e aprecia pequenas coisas, como nos sentarmos debaixo da mangueira que fica na nossa propriedade, só para sentirmos o vento, enquanto namoramos. Eu sempre me considerei uma garota feliz. Tenho pais que me amam e respeitam as minhas escolhas. Tenho amigos e moro no lugar que amo e escolheria de qualquer forma, caso fossem me dadas opções. E o mais importante, tenho um homem que me completa de todas as formas. Com Tony eu sou tão feliz que chego a ter medo de que algo muito terrível aconteça, só para mostrar que finais felizes não existem e que a vida não é um

conto de fadas. — Não me diga que dormiu sentada — a sua voz sussurra no meu ouvido, mas não chego a me assustar, pois embora esteja com a cabeça erguida para o céu e os olhos estejam fechados, senti a sua presença ao meu lado. Antes que chegasse, o vento trouxe o seu perfume. — Só estava pensando no quanto sou feliz — digo, enquanto lentamente abro os olhos e eu viro em sua direção. Está sentado ao meu lado, sorrindo e olhando-me com amor. O meu coração acelera, exatamente como na primeira vez em que o vi. — Que bom que é feliz, pois significa que também sou. — Não tem medo de que um dia a vida decida que já tivemos o suficiente e nos cobre? — Eu tenho, não vou negar — afirma ao pegar a minha mão e me puxar para cima das suas pernas. Tony me quer mais perto, e não se importa de estarmos na praça, sendo observados por alguns. — Para combater o medo, só posso me esforçar para não permitir que nada se interponha entre nós dois. E eu faria qualquer coisa, acredite, ratinha — declara, e, por um momento, estranho. Ele fala como se realmente precisasse tomar atitudes para preservar o que temos. — Eu tenho métodos imediatos e mais eficazes — digo no seu ouvido, abraçando-o pelo pescoço. Como estou no seu colo, sua cabeça está

na altura dos meus seios e os meus mamilos estão duros e visíveis através da blusa. Tudo por causa do calor da sua respiração tão próximo. — Porque não me diz, amor. — Eu vou mostrar, grandão. No banco da praça, sem me importar com nada, o beijo. Mas não um beijo qualquer, é daqueles cinematográficos, com língua e tudo. O que me importa se tem gente vendo, ou se dirão que estávamos transando em público quando virarmos as costas? Porra! Essa é a minha vida. Esse homem é meu. Essa é a minha história e quero vivê-la à minha maneira, sem perder nada. Sem me perguntar se não estou passando dos limites. Talvez seja bom passar dos limites, o que não é bom é ser infeliz, não beijar quando se quer fazer isso. Sofrer sem motivos, ou fazer perguntas sem respostas. A minha vida tomou um rumo inesperado, mas da melhor maneira possível. Tenho tudo nas mãos para ser uma mulher realizada, então não posso e não quero perder tempo com medos e questionamentos. Tenho urgência de ser feliz, pois, de alguma forma, tenho a sensação de que preciso agir assim. — Quero que me leve para a nossa casa, amor. Preciso de você e não quero esperar...

Tudo indica que Rods está mesmo envolvido no caso de desvio de dinheiro da empresa dos sogros. No relatório diz que é um caso de extrema urgência e que precisa de rápida solução. Então chega de brincar de esconde-esconde e vem para o Rio, Orsini! É esse o conteúdo da mensagem que acaba de chegar no meu celular e que me despertou de um sono gostoso de fim de tarde ao lado da minha ratinha. Bastou que eu visse de quem se travava o texto para sentir o desânimo abater os meus ombros. Eu estive tão bem e feliz nos últimos dias que nem me lembrei de que tenho uma vida além desta aqui. Hoje trabalhei na parte da manhã no estábulo da fazenda Solar, voltei para almoçar com a minha mulher e não saí mais de casa. Passamos a tarde juntos, conversando e namorando de um jeito que me deixa leve, mas então a vida, que não dá trégua, trata de me puxar para à realidade. Mensagens como a do Theo servem para me mostrar que não mereço a

felicidade dos últimos dias e, nem a que tenho desde que conheci essa cidade e a linda garota que dorme ao meu lado. Mensagens como essa me mostram como estou sendo um babaca por mentir dessa forma para a minha noiva, que não merece nada disso. Agora eu tenho de ir embora, mas não sei se consigo fazer sem antes lhe revelar toda a verdade. Tenso, tiro as cobertas de cima de mim, visto a cueca e short moletom e deixo o quarto. Na sala, com a cabeça cheia de pensamentos confusos, caminho de um canto a outro. Indo e vindo, sem conseguir me sentar. — Oi Theo — cumprimento quando ele, depois de apenas no toque, atende. — Está na empresa? — Sim. Ainda não saí daqui, por quê? — Você tem certeza de que a minha presença é necessária aí? Eu posso fazer tudo daqui. — Onde você está? — indaga. — Isso não é da sua conta, cara. Só me diga que pode fazer isso sem mim. Você e os outros homens são bons. Tenho certeza de que podem segurar as pontas sozinhos — digo. Eu realmente acredito na competência deles, se fosse diferente, não estariam ao meu lado. No momento eu preciso mais do que tudo confiar, porque não quero ter de voltar. Não ainda, pelo

menos. Não têm nem duas semanas que cheguei. Eu acabei de pedir a minha namorada em casamento e não seria nada legal deixá-la agora, porra! Eu tenho certeza de que não falaria nada, mas ficaria chateada. Pior, eu viria nos seus olhos a decepção, pois os seus olhos nunca mentem e eu aprendi a lê-los. — Nós sempre seguramos as pontas aqui, meu caro, mas você sabe que em casos grandes como esse é necessário que você tome todas as frentes, não sabe? O nome e prestígio da empresa ficam em jogo, sermos bem-sucedidos é primordial e só você pode garantir isso. Ele está certo. Sempre agimos conforme essas regras. Para mim, o nome da empresa que eu criei do zero é muito importante. Gosto do prestígio e de ter sucesso em tudo que eu faço, mas nada disso é mais importante que a minha vida pessoal depois que encontrei a mulher da minha vida. — Eu sei, Theo! Estarei aí em dois dias — assevero. — Como assim, dois? Você deveria pegar um avião de volta imediatamente, Orsini! — Você não vai me dizer como devo agir. Eu já disse que estarei aí no Rio em dois dias e assim será. Segure as pontas para mim e não volte a me incomodar com esse assunto. Passar bem! — digo e desligo o telefone

sem esperar por mais dos seus palpites. — Merda! — Depois da conversa, que me garantiu mais dois dias, a minha adrenalina baixa e eu enfim me jogo no sofá. Não tenho como fugir mais, sinto que preciso agir, que dessa vez não será como as outras. Daqui a dois dias partirei e só Deus sabe quando poderei voltar. É um caso maior e eles sempre demoram semanas para serem solucionados, alguns chegam a meses. Não posso ficar meses sem voltar, deixando a minha noiva sozinha nesta casa a minha espera, enquanto, inocente, acredita em uma verdade que não existe. O meu corpo reage só de imaginar a conversa que teremos. Passa pela minha cabeça a possibilidade de ela não aceitar e simplesmente terminar tudo comigo. Aí, sim, eu nunca mais voltaria para Santa Rita. Não mais voltar para cá seria uma perda dupla, pois ficaria sem o meu amor e sem o lugar que me faz tão bem. É tudo uma grande merda, mas eu não tenho escolha. Pior que enfrentar de vez a situação, é ter de viver com a angústia de saber que minto para Bia. — Ei, fujão. Aconteceu alguma coisa? Acordei e não estava mais na cama. — A minha mulher se aproxima de mansinho, só de calcinha e sutiã, algo que me deixa um pouco mais alegre pela bela visão e ela nem se dá conta disso.

— Venha aqui. — Estendo a mão e a puxo para cima das minhas pernas. — Como está, dormiu bem? — Sim, eu precisava descansar, já que você não consegue sair de cima de mim — fala, mas tem um sorriso enorme no rosto. Hoje o dia foi maravilhoso, ou estava sendo até agora há pouco. Ficamos juntinhos, e claro que não faltou sexo. Nunca falta quando estamos sozinhos e perto de uma cama. — Isso é uma reclamação? — É claro que não, você sabe pode ficar o quanto quiser em cima de mim — assevera, sutilmente se remexendo. — Quem era ao telefone? — Como você... — Eu ouvi quando tocou e você saiu do quarto. — Fico alarmado com o que acaba de dizer. Será que ouviu tudo e está desconfiada de alguma coisa? Mas o que isso importa? Se tiver perguntas para fazer, irei responder com a verdade, já havia decidido isso. — Ligação do trabalho. — É claro. Mas está tudo bem? Tinha a carinha de preocupação quando entrei — comenta. — Tudo ótimo.

— Que bom que não era nada de mais. Não gosto de te ver tão sério. Não mesmo. — As suas palavras terminam com uma mordida sexy no meu lábio inferior. Instintivamente, as minhas mãos vão para as suas coxas, que estão uma em cada lado da minha cintura, o que é um erro, pois penso em sexo e não é a hora para isso. Acho que chegou o momento de termos a conversa das nossas vidas e preciso de toda a minha concentração. São tantas coisas que não sei ao certo por onde começar. — Beatriz, eu e você... Nós... — Nós? — Que cara é essa? — pergunto, mas não sai no tom correto, está mais para um rosnado, porque a garota fode com a minha mente. Agora, com o seu corpo mignon, grudou os seios no meu peito e está beijando e dando mordiscadas na ponta da minha orelha. Ela fez isso porque sabe que é uma zona sensível para mim, deixa o meu corpo todo arrepiado quando toca na minha orelha com a boca quente. Gosto tanto do toque que, se estivesse morto, voltaria à vida só para comê-la. — O que deu em você, garota? — seguro-a pelos braços e arranco a sua boca da minha orelha. A safada ri e continua me fitando com malícia. — Por acaso teve um sonho erótico? Sim, só isso explica sua atitude,

porque, se bem me lembro, transamos antes de você dormir. Nós dormimos porque precisávamos recuperar as nossas energias. — Não é nada disso. Eu só lembrei que você está há muitos dias em casa e sinto que a qualquer momento dirá que precisa viajar. Ficarei aqui sem você e morrendo de saudade. — Amor, não fale assim. Você não faz ideia do quanto é difícil para mim te deixar. — Eu sei, mas não quero falar disso agora. Quero que você me ame antes do jantar. Se ainda tiver fôlego, depois dele e pelos dias que ainda temos juntos antes da sua partida, porque eu vou morrer de saudade. — Mas eu preciso conversar com você... — aviso sem muita convicção, talvez porque os meus olhos estão prestes a cair nos seus peitos. Sobre o carinho na minha orelha, ele serviu para tirar a tensão de todo o meu corpo e mandar para um lugar específico: o meu pau, que está duro e em contato com o seu sexo quente. — É tão importante assim? — A pergunta é feita enquanto a garota leva as mãos para as costas e abre o fecho do seu sutiã. Puta que pariu! Eu tenho uma mulher linda em cima do meu colo, com os peitos perfeitos bem próximos da minha boca, só se eu fosse muito otário para não pegar o que está sendo oferecido de mão beijada para mim. A nossa conversa precisa acontecer, mas ainda temos tempo. Além do

mais, dependendo da sua reação, posso ficar uns dias sem autorização para tocá-la dessa forma. Ou seja, tenho que aproveitar. — Nada que não possa esperar, minha garota de peitos perfeitos. O que acha de irmos para fora, está calor, não acha? — sugiro, já com as duas mãos em cima dos seus melões. — Vou para onde você quiser. — Suas palavras fazem com que eu me levante e, com ela trepada em mim, a carrego para a varanda da casa. Sento-a na cadeira do pecado, me ajoelho entre as suas pernas e começo a viagem mais prazerosa que existe. A minha boca não se cansa nunca de chupar seus mamilos, fica neles por muito tempo, mas para quando necessita de ir além, quando a safada começa a insinuar os quadris em sua direção. Os beijos passam pela barriguinha, para na parte interna da coxa, até que, sem poder esperar mais, tiro a calcinha pequena e caio, literalmente, de boca na boceta pequena. Dessa vez, assim como será das próximas, dou tudo de mim, tento gravar na minha lembrança o cheiro da sua excitação, o sabor do seu desejo e até a forma como a sua respiração muda. Quero gravar tudo para que nunca, ainda que passássemos anos sem nos vermos, possa esquecer-me de nada a seu respeito. Quando já estamos no nosso limite, a deixo a ponto de gozar, levanto-me e fico livre da cueca. Seguro a sua mão para que se levante e Bia,

por entender o que pretendo, afasta-se o necessário da cadeira de macarrão com molas para que eu a ocupe. Sento-me na ponta e, olhando para o seu rosto perfeito, sobretudo quando está com tesão, seguro o meu pau em riste. Beatriz, com uma perna de cada lado, sobe em cima de mim e deixa a entrada úmida em contato com a cabeça do meu pênis. Ela ainda tem forças para provocar, pois ao invés de tomar tudo dentro de si, esfrega a sua abertura na ponta do meu pau. — Senta ratinha. Agora! — Falando assim, com jeitinho, não consigo negar. Bem lentamente, a boceta da minha noiva começa a engolir o meu cacete. Mas só é assim na primeira socada. Como estamos além da excitação, eu só preciso segurar com força a sua cintura e a pequena começa a quicar em mim. Ela não se cansa tão facilmente e eu menos ainda, já que faço de tudo para que não acabe tão rápido, embora esteja louco para gozar, e sempre que sinto que está perto, a forço a ir mais devagar. Quando não dá para segurar, a estimulo e deixo que faça do seu jeito: impetuosa e tomando para si todo o prazer de que necessita. Quando cai exausta com a cabeça no meu ombro e com a respiração ofegante, as nossas peles estão úmidas, mas essa é a melhor parte de fazermos amor do lado de fora da casa. O vente frio batendo nas nossas

peles aquecidas. Mesmo depois de vários minutos, eu ainda não tive coragem de sair de dentro dela, embora tenhamos feito uma bagunça por termos transado outra vez sem camisinha. Bia e eu não falamos sobre o assunto. Não falamos em filhos, mas também não estamos evitando, o que é uma tremenda irresponsabilidade, porque não é o momento e Bia ainda é muito jovem para ser mãe. — Amor, o que você queria falar comigo? — É... não era nada importante. Depois falamos, está bem? — Que bom. No momento não quero conversar, só ficar assim como você, bem agarradinhos. — Eu também, pequena. Não há outro lugar ou pessoa com quem eu queira estar mais do que com você, acredite nisso. — Eu sei. Mais uma vez deixo a oportunidade passar. Prestes a ter de me afastar e não sei por quanto tempo, ainda não falei nada, mas sei que ainda terei tempo. De amanhã não passa, vou revelar tudo para a ratinha. Acredito que vai ficar furiosa, mas, depois de um tempo, vai se acalmar e me perdoar. Então partirei aliviado e com a consciência tranquila por ter tirado esse peso enorme das minhas costas por não estar mais escondendo nada da minha mulher.

Você sabe que é o meu melhor amigo, não é, senhor diário? Que sabe de detalhes do meu relacionamento que não contei nem mesmo para a minha melhor amiga. Mas também, como contaria para aquela sabichona da Ella? A passarinho é dois anos mais velha do que eu e, por isso, meio que sempre me tratou como uma adolescente, enquanto ela era a adulta. Agora que estou namorando com o armário — assim que o chama e você sabe disso —, Ella se tocou que não sou uma criança e já podemos conversar de certos assuntos. Coisas sobre as quais não poderia falar com a minha mãe, por mais doida que ela seja. Mas também não posso falar TUDO, não é mesmo? Ela é muito saidinha, mas não tenho coragem de revelar detalhes da minha relação com o melhor amigo do seu marido, assim como não falo dos mistérios que envolvem a sua vida. Então eu só tenho você e fico feliz de poder desabafar com alguém, ou algo. Pelo menos você guardará os meus segredos e não falará.

Não pode dizer que eu sou uma boba por causa desse homem que ainda dorme. Diário, você não faz ideia de como o sexo de ontem foi bom. Aquela cadeira é sensacional e espero que ela nunca deixe de existir na varanda desta casa. Tony estava diferente. Mais intenso, mais carinhoso, não que algum dia não tenha sido. Só foi diferente e não posso explicar muito bem em quê. Esse homem lindo agora dorme ao meu lado, mas eu sei que o momento da sua partida já está chegando. Pensando bem, talvez seja esse o motivo da sua mudança ontem à noite. Ele tem que ir, mas não quis me falar naquele momento. Sabe, eu desabafo para você porque não tenho coragem de incomodá-lo. Parece meio egoísmo da minha parte ficar tão mal quando viaja, que tenha vontade de pedir para que, de alguma forma, mude isso, mas a sensação que me acompanha até o dia da sua volta é muito estranha. Quando não estamos juntos, mesmo que me ligue todos os dias, parece que não é real, que nossa felicidade é frágil demais para sobreviver a menor das turbulências. Eu sei! Claro que sei que ele tinha uma vida antes, que a empresa é de onde tira o seu sustento, mas não mando nos meus sentimentos e, por causa disso, não posso me impedir de sofrer com a sua ida. Será que ficará fora por muito tempo? Ou voltará em no

máximo uma semana? Eu gosto muito quando não passa mais do que uma semana. Quando chega morrendo de saudade. E aqui para nós, o nosso sexo sempre é bom, mas o sexo depois da sua volta é o melhor de todos. Mas hoje eu não quero pensar em partidas, e sim no que tenho agora. Pensar no dia de amanhã me machuca, pois sempre me lembra de que tem um relógio nas nossas cabeças, cujo ponteiros começam a girar no instante em que entra aqui com a sua mala de mão. Falando em notícias boas, eu não tive a oportunidade de te contar, mas o Tony me pediu em casamento. Sim! Nós vamos nos casar no dia... bom, não falamos sobre datas, mas se pediu é porque não pretende demorar, não acha? Eu estou muito empolgada e feliz, porque ser a esposa dele é tudo o que eu mais quero nesta vida, senhor diário. No futuro eu vejo filhos também, inclusive, já transamos algumas vezes sem camisinha. Nenhum de nós dois toca no assunto, mas isso é uma loucura, não é? Não por causa de doenças sexualmente transmissíveis, porque já falamos sobre o assunto e temos os nossos exames em dia, mas sempre existe o risco de gravidez e só tenho 18 anos. Diário, seria uma loucura ter um filho agora, mas não posso deixar de imaginar uma menina ou um menininho moreninho como o pai, com os olhos e cabelos escuros...

— Ei, solte isso! — digo quando uma mão grande tira a caneta da minha mão. Parecendo como um menino quando acorda assim, todo manhoso, meu homem se arrasta para o meu lado e deita a cabeça em uma almofada que está em cima da minha perna. Ela apoiava o diário, que já tratei de guardar na gaveta do criado-mudo ao lado da cama. Deus me livre deixálo ao alcance do meu grandão. Não acredito que ele seria capaz de invadir a minha privacidade dessa forma ao ler minhas coisas, mas já fico com o rosto queimando de vergonha só de pensar na possibilidade de Tony descobrir que escrevo tudo sobre a nossa história desde o início. — Você poderia estar fazendo qualquer coisa logo cedo, amor. Inclusive, uma das opções era me acordar com um boquete, mas escrever nesse caderno não era uma delas. — Diário... — falo sem firmeza, pois o homem que me deu alguns orgasmos ontem já está com a mãozona alisando a minha perna, ameaçando entrar no meio delas e se acomodar na parte mais quente do meu corpo. — O quê? — Não é um caderno, é um diário — explico. — Dá no mesmo, pequena. Um dia eu ainda descubro o que você tanto escreve.

— Você não se atreveria — digo, e talvez esteja abrindo um pouco as pernas para lhe dar livre acesso. Estamos assim e nem parece que gozamos mais de uma vez ontem à noite. Tony é insaciável, isso deu para notar desde o começo do nosso namoro. Eu só não sabia que me tornaria tão insaciável quanto ele. Às vezes exageramos e fico sem condições de transar por umas horas, mas ainda assim não paramos e damos utilidades para as nossas mãos e bocas. — O que você poderia fazer contra mim se eu lesse, me matar? — Greve de sexo — afirmo. — Então seria melhor que me matasse. Bem melhor do que ficar sem te comer — declara, sem o menor problemas com palavras cruas. Amo que goste de falar sacanagens de cunho sexual para mim. — Inclusive, eu quero fazer isso agora. — Eu estou aq... — Tony não me deixa concluir, apenas me puxa pelos pés até que eu esteja deitada novamente. A partir daí, ele rola para cima de mim e demora um pouquinho para voltarmos a conversar.

Agora que estamos de frente para o outro, satisfeitos e tomando

o nosso café na mesa da cozinha, sinto que chegou o momento de falar sobre a minha partida. Infelizmente, eu tenho que ir amanhã e não posso adiar. — Amor, eu tenho que dizer quê... — Quando você precisa ir? — Amanhã — confesso e, no mesmo instante, a sua expressão facial muda. Minha ratinha é transparente demais para conseguir disfarçar o desgosto, mas ao invés de espernear, ela diz: — Tudo bem. — Usa de uma calma e resignação que não precisa ter neste momento. Chega a me irritar como prefere se resignar a gritar e dizer que está mal com a minha partida. Que diga tudo bem, quando quer pedir para que eu não vá. Não que isso pudesse mudar algo, mas eu queria que dissesse alguma coisa, ao invés de sofrer em silêncio quando os seus olhos não conseguem mentir. — Quanto tempo dessa vez? — Eu ainda não sei. A empresa pegou um caso maior e isso pode significar que eu tenha que ficar mais que alguns dias. — Tudo bem, só prometa que irá me ligar quando chegar. Todos os dias — pede. Ela nunca tinha pedido, embora a gente faça dessa forma. Está tudo tão estranho dessa vez... — Não fique desse jeito, amor.

— Queria que eu ficasse como? Que chorasse e implorasse para que não fosse? Isso adiantaria de alguma coisa? — ela explode e eu balanço a cabeça em negativa. Beatriz pensa que não posso virar as costas para o meu trabalho, mas a verdade é que não posso mesmo fingir que a minha vida não existe. A minha verdadeira vida, a que está me esperando, embora eu esqueça quando estou aqui. — Eu jamais te pediria isso — respirando fundo, ela completa. — Eu sei, meu amor. Te prometo que essa situação vai mudar. — Não faça nada por minha causa, por favor. — Vou fazer por nós, ratinha. Eu não quero mais ficar longe de você. Nesta viagem darei um jeito, e quando voltar será em definitivo, te prometo — digo, pego a sua mão em cima da mesa e beijo a palma. Ontem, depois que Beatriz dormiu, pensei muito no que fazer e, por fim, decidi que seria um erro falar a verdade antes de conversar sobre ela com a minha família. Percebi que antes de tudo, preciso falar com os meus pais, dizer-lhes que tenho uma vida em outro estado e uma noiva com quem pretendo me casar em breve. Se eles quiserem conhecê-la, tudo bem, se não quiserem, ficarei decepcionado, mas irei superar, desde que tenha a minha mulher comigo. Se eu contasse agora seria um erro, porque, de qualquer jeito,

teria de partir e a deixaria no mínimo chateada e sem nenhuma garantia de que não menti esse tempo todo porque queria brincar com os seus sentimentos. Não, agora que decidi, preciso fazer as coisas do jeito certo. Primeiro falar com os meus pais e depois contar-lhe de onde vim. — Venha aqui, ratinha. — Estendo a mão. Ela, embora relute por alguns segundos, termina sentada nas minhas pernas. — Desfaça essa carinha, porque não gosto de quando não sorri. — Eu estou bem. Juro. Confio em você e sei que fará o melhor por nós dois. Mas não posso fingir que já não estou com saudade. — Vai passar em um piscar de olhos, amor. Te ligarei todos os dias e não será somente uma vez. E quando voltar, nós poderemos falar do nosso casamento. — Sério? — surpresa, questiona. — Sério, acha que te pedi em casamento, por quê? Quero me casar logo com você. Poder dizer que é minha com mais propriedade. — Seu bobo. Do jeito que age todo mundo já sabe — afirma. — Mas tem gente que é meio lenta. — Eu sou mesmo muito possessivo com ela e, por essa razão, sempre dou um jeito de estar lhe tocando quando estamos na rua. Mas quem pode me culpar? Eu nem sou de ter inseguranças, muito pelo contrário, mas eu ainda sou um homem de 38 anos e ela uma

garota de 18. Não vejo problema em andar abraçado com ela ou segurando na sua mão pela praça. Os garotos da sua idade, até mesmo o sobrinho do padre, precisam entender que ela é minha. — Bobo! — O que você quer fazer hoje? É o nosso último dia juntos e quero que aproveitemos da melhor forma que pudermos. — Quero ficar sozinha com você, então acho que podemos ficar aqui mesmo, ou passear pelo campo mais tarde. — Gostei! Você e os seus ótimos planos, ratinha — elogio, beijo-a, mas dessa vez não nos aprofundamos. Se fizéssemos, rapidamente faríamos uma viagem só de ida para a nossa cama pelo resto do dia. Logo depois do café da manhã, minha noiva e eu saímos para a parte externa da nossa casa. Vamos direto para a árvore onde marquei as nossas iniciais e ficamos por um tempo ao ar livre, eu sentado com as costas apoiadas no tronco e ela entre as minhas pernas. Falamos sobre assuntos leves, nenhum sobre a minha iminente partida, e namoramos. Todos os toques leves, cujo carinho se sobrepõe a paixão de outrora. Ela faz questão de fazer um almoço especial e eu ajudo como posso, já que não tenho tanta intimidade com a cozinha. Comemos em um confortável silêncio e, depois no almoço, nos sentamos para descansar no nosso sofá. Ela pega um romance para ler, sinto um desconforto quando noto

pela capa que ele foi publicado pela editora da minha família, mas logo passa, pois lembro que as mentiras estão perto de acabarem. Aproveito para reservar a minha passagem de avião e nunca deixa de me surpreender como as mesmas ações podem trazer sentimentos tão distintos. Quando estou reservando passagens para vir, o meu sentimento é de alegria, a ansiedade para ver a minha pequena. Quando estou, como agora, reservando para partir, o que sinto é um aperto no peito, a vontade de jogar o computador na parede. O que me consola é saber que está tudo chegando ao fim. Tenho planos de morar aqui em Santa Rita com a minha mulher e com a família que um dia teremos. Ainda terei que ir ao Rio, mas Beatriz irá comigo das próximas vezes e nunca mais precisaremos ficar tantos dias separados.

De mãos dadas e em silêncio, o meu grandão e eu nos encaminhamos para o campo de rosa mal iluminado no início da noite. A única luz que se tem pelo roseiral e a precária dos poucos postes da estrada de chão e a luz da lua. Apesar da escuridão, não existe nada a temer, não em um lugar como Santa Rita, pelo contrário, existe algo de mágico nas rosas, na visão dos diversos vaga-lumes voando ao nosso redor. É tão lindo que parece o cenário de um filme romântico, mas é só o cartão postal da boa e velha Santa Rita. O lugar em que nem todos os moradores dão valor, escondido só para os olhos mais sensíveis, para quem se permite sentir toda essa magia. — É lindo, não? — comento com ele, pois sei que me entende. Antônio parece ser só um homem grande e forte, mas tem a alma sensível. Deve ser por isso que me apaixonei por ele. — Muito! — diz quando paramos em determinado ponto,

colocando-me à sua frente e me abraçando por trás. — Só não mais do que você, meu amor. — Você está muito romântico hoje, Tony. — Porque você merece todo o romantismo do mundo e eu vou dedicar a minha vida para te mimar e dar o que você merece. — Você já faz isso — garanto, mas sinto o seu corpo se enrijecer as minhas costas. Ele fica tenso, eu giro dentro dos seus braços e procuro seus olhos, ou o máximo que nosso ver deles na pouca iluminação. — O que foi? — Eu não te mereço, mesmo que acredite nisso e em breve você vai entender sobre o que estou falando — diz, um arrepio que não tem relação com o vento da noite atravessa o meu corpo. — Não diga, isso, Tony, porque não é verdade. Você não pode pensar que... — Quando eu voltar nós teremos uma conversa e eu espero que... — Não conclui, abaixa a cabeça, mas os seus braços em volta da minha cintura me seguram com mais firmeza. — Amor, você está me deixando preocupada. O que está acontecendo? — Não é nada — garante, mas não acredito. Eu senti que ele estava estranho desde o dia em que chegou. Foram diferenças sutis, mas elas

estavam lá. Até o seu toque tem estado diferente. — Só um assunto sobre o nosso futuro, mas não é nada que vá afetar a nossa relação. — Mas, Tony... — Tento argumentar, mas ele me para com um beijo leve nos lábios. — Amor, por favor, eu não quero falar sobre isso agora. Eu prometo que, quando eu voltar você vai entender. Hoje só quero ficar agarradinho com você. Te amar até não restarem mais forças nos nossos corpos para nos amarmos mais uma vez. — Tudo bem... eu vou esperar — digo a contragosto, sabendo de antemão que a ansiedade corroerá as minhas entranhas de agora até o dia de sua volta. — Venha aqui — Ele desfez o nosso abraço, segura a minha mão e nos aproxima da fileira de flores. Tira uma tesoura pequena do bolso, corta uma rosa branca, se desfaz da parte do caule e dos seus espinhos, e depois volta a guardar o objeto. Eu penso que ele irá me entregar a rosa branca ou então, colocála atrás da minha orelha. Já fez isso algumas vez porque eu fico linda, segundos suas palavras, mas os seus planos são outros. O grandão começa passando a rosa com suas pétalas macias pelo meu rosto, pelas minhas bochechas, depois na minha testa e, por fim, na minha boca. O carinho é feito com tanta delicadeza. A maciez do toque é

tanta que os meus olhos não podem ficar abertos. — Sente? Você é como essa rosa: macia e delicada. Cheirosa... Ele começa a descer pelo decote, em seguida pela lateral do meu braço esquerdo. A minha pele já está toda arrepiada, uma excitação gostosa começa a surgir. Não violenta como sempre é, mas uma mistura de ternura, como se o amor fosse palpável entre nós. — Quando eu te toco, essa é a sensação que sinto nas minhas mãos. É frágil como ela, mas também é forte. Eu não reconheço o homem que me tornei depois de você. Existem duas versões de mim. O Tony antes da Bia e o de depois de você. Eu não quero ser aquele homem perdido, que se sentia fora do lugar, pois o meu lugar é onde você estiver. Sempre será. — Eu não entendo... — digo baixinho, mais concentrada nos sentidos do que na sua voz, mas, de alguma forma, sinto que é importante ouvi-lo neste momento. — Olhe para mim, meu amor. — Lentamente, fito o seu rosto e, ao fixar no seu olhar, sinto nele todas as emoções que estão em mim também. A conexão que existe entre nós dois é muito forte. É algo que não sei explicar, mas sinto que o que compartilhamos vai além do amor, que nada é maior do que o que nos une e, por isso, nada pode nos abalar. — Nunca me deixe esquecer de quem sou quando estou com você. Me promete, minha ratinha. Se um dia eu me perder, me mostre como é

estar em casa. Mostre-me a beleza das pequenas coisas como esse momento. Como essa rosa acariciando a sua pele, do jeito que desejo te tocar enquanto eu respirar... — Não deixarei que se esqueça. Não enquanto nós dois respirarmos... — Enquanto houver vida — afirma. Eu não entendo a necessidade de ele falar essas coisas, e muito menos a minha de fazer tal de promessa. Mas sinto que, se preciso fosse, eu faria exatamente como estou falando. Eu sei quem é o meu grandão, acredito nele, em nós e jamais deixaria de lutar pelo nosso amor. A nossa conversa termina com a minha promessa. A sua mão com a rosa continua descendo pelo meu corpo, até alcançar a minha coxa esquerda, que a saia curta deixa à mostra. O momento de ternura começa a dar lugar a paixão, pois agora os meus sentidos estão no toque, na maciez da flor que sua mão manipula, mas também com a mente povoada de pensamentos de como seria se fossem as suas mãos, que não são tão macias ou leves. A aspereza e a firmeza com que me tocaria em um lugar como esse, que tem cheiro de pureza e delicadeza. Por minutos a doce tortura continua, os meus olhos voltam a fechar em prazer agonizante. O que se ouve são os sons de cigarras e de vaga-lumes batendo asas. O vento comedido faz um contraste com a chama

que existe dentro de mim. A paixão que queima e me faz querer mostrar para o meu homem com toques e gemidos. A paixão que me faz desejar estar com ele vez após vez, mesmo que tenhamos feito tanto sexo nos últimos dias. Não parece ser o suficiente, nunca será! — Quando eu voltar, você será minha tão logo consigamos ajeitar tudo. Eu não quero esperar — confessa, agora com a boca contra a minha, a apenas um centímetro de distância. — Nós não precisamos esperar — digo, porque desde o início do nosso envolvimento estou tão tomada pela paixão que não consigo ver nada à minha frente além dele. Eu mal tinha acabado de fazer 18 anos quando me apaixonei. Tinha acabado de terminar o colégio e nem deu tempo de pensar em mais nada. Não tenho planos que não seja algo que envolva este homem. Esse é um péssimo momento para me dar conta disso, mas estou certa de que tudo vai ficar bem. Primeiro vou me preocupar com ele, que é a minha felicidade, depois, quando nos casarmos e a inquietude e medo de perdê-lo passarem, farei mais planos para o futuro. Não agora, até porque, o resto não importa se eu não estiver feliz. No melhor lugar para passarmos a última noite que teremos juntos por tempo indeterminado, Tony interrompe os meus pensamentos com um beijo terno, mas não demora muito para que a ternura dê lugar a paixão

que dificilmente conseguimos refrear. — Eu quero você, Beatriz. — Seu pedido é o aviso de que o nosso passeio por um dos lugares que mais gostamos acabou. Quando chegamos a casa já estamos mais serenos, embora ainda excitados. O amor que fazemos é diferente do habitual. Mantemos os nossos olhos abertos, os rostos muito perto, os corpos tão unidos que nada passa entre eles. Somos calmos, mas não menos intensos do que das outras vezes em que fodemos com mais força, cujos pés da cama arranharam o chão. É diferente porque não queremos perder nada, porque sabemos que amanhã, depois, ou na próxima semana, não poderemos fazer de novo. Apesar da maratona sexual dos últimos dias, não cansamos tão fácil e mesmo quando estamos exaustos, continuamos mais um pouco. Quando finalmente dormimos, fazemos com os nossos corpos embolados no do outro, tão fortemente atracados que não se sabe onde um começa e o outro termina. Não falamos nada, muito menos sobre a sua partida amanhã cedo. Simplesmente adormecemos com se amanhã fosse um dia como outro qualquer e creio que seja melhor assim.

Acordei muito cedo, muito antes do que precisava. Já estou pronto para partir, mas não consigo parar de olhar para a minha ratinha. Minha pequena e linda mulher. Se eu fosse seguir as minhas vontades, me curvaria e a acordaria para nos amarmos mais uma vez, ou então para fazer mais promessas e falar do quanto é importante para mim. Mas eu ajo contra as minhas vontades. Faço por saber que despedidas tornariam a minha partida ainda mais difícil. Além do mais, não há mais nada a dizer, além do que falei ontem à noite e nos dias anteriores. — Eu te amo, Beatriz. Logo estarei de volta e inteiro para você — sussurro no seu ouvido, beijo o seu rosto e decidindo que já passei tempo demais a observando feito um homem obcecado, pego a minha bolsa de mão de cima da cadeira e saio do quarto. Dou uma olhada, titubeio, mas saio do quarto. Nunca é fácil ter de voltar para a minha vida de tentar ser um filho aceitável para uma família como a minha, ou para a empresa que antes pareceu preencher o vazio da minha existência, mas, dessa vez, o meu coração está especialmente apertado. Talvez isso se deva as decisões tomadas, as mudanças bruscas, porém necessárias, que farei na minha vida. Quando não tem mais como enrolar, deixo a nossa casa e, com alívio, vejo que o carro que chamei já está a minha espera. No caminho até o aeroporto da cidade vizinha faço nota mental para não me esquecer de

mandar uma mensagem para a minha garota antes de o avião decolar. Eu queria ouvir o som da sua voz, mas não quero ter que acordá-la agora para conversarmos. Além do mais, acredito que ela prefira dessa forma. Quando ouço o sinal de embarque, já mandei a mensagem de texto para Beatriz, então guardo o celular na bolsa e, relutante, entro no avião. Ainda pensando na Beatriz e sabendo que farei isso durante toda a viagem por causa dos planos que tenho para quando chegar ao Rio, sento-me na minha poltrona e fecho os olhos. Por um tempo, a viagem transcorre de forma tranquila. Todos os demais passageiros estão em silêncio, o que é muito bom e eu, como não poderia deixar de ser, estou ensaiando uma maneira de conversar com os meus pais, falar que estou prestes a me casar com uma jovem de 18 anos. A idade dela será apenas o primeiro choque. A sua condição de vida mais humilde será o segundo e por aí vai... Em algum momento, os meus pensamentos são cortados por uma inesperada turbulência. De repente, fico alarmado. Todos ficam, na verdade. Por mais que ouçamos que está tudo bem e que foi só um problema passageiro, a sensação é assustadora. Deve durar menos de um minuto, mas são segundos de puro terror, onde não consigo fazer movimento maior do que me segurar com força na poltrona. Eu fecho os olhos com força a espera de que o “problema”, como falou o copiloto, seja resolvido.

O problema é que eles perdem o controle. Em questão de segundos, a sensação é de que estou em queda livre. Basta apenas uma piscada de olhos para que eu me dê conta de que não é apenas uma sensação, estamos mesmo em queda livre, O meu peito comprime, mas não tenho tempo de sentir o terror e o medo da morte. A minha mente fica limpa, tudo some, menos a imagem dela, uma jovem de pele branquinha, cabelos escuros e olhos muito azuis. Ela tem dentes perfeitos e está sorrindo para mim. Um sorriso que traz calma para o meu coração. De repente estou bem, não existe nada que não seja a paz que a sua imagem flutuando me causa. Então, antes do forte impacto que torna tudo escombros e escuridão, eu tenho a sua imagem nos meus pensamentos.

Você estava não linda dormindo que parecia um anjo. Perdão se não tive coragem de te acordar para nos despedirmos. Eu te amo muito. Quando eu chegar ao Rio te ligo, está bem? Se cuide, minha ratinha. Ainda não entrei no avião, mas já estou morrendo de saudade! Do seu noivo, Antônio Leio. Já passa das 9h da manhã, mas ainda não tive coragem de levantar-me da cama. Além de estar um friozinho gostoso, os meus músculos ainda estão reclamando de toda a atividade dos últimos dias. Tony e eu estávamos insaciáveis e fomos ficamos mais a cada dia que se aproximava da sua partida. Existem partes do meu corpo que estão tão sensíveis, que até o simples ato de me mexer faz doer. Aposto que irei andar de modo estranho e não posso

simplesmente dizer para as pessoas que estou dolorida por ter transado demais com o meu grandão. O chamo assim e não poderia ter pensando em um apelido mais apropriado. Grande em todos sentidos e eu tenho uma altura que já me fez sentir desgosto, uma época em que quis ser mais alta. Com o coração apertado por Tony ter ido e ainda mais por ainda não saber por quantos dias ficarei sozinha, decido deixar a preguiça de lado e me levantar. De fato, as coisas estão feias aqui embaixo, mas as lembranças de como consegui ficar tão dolorida compensam tudo. Tranquila, preparo algo simples para tomar café da manhã, faço a minha refeição enquanto assisto a um filme no sofá e depois decido ocupar meu tempo até que meu noivo me ligue. Nós sempre mantemos contato, nos falamos por vídeo ou ligação pelo menos 3 vezes ao dia, mas a primeira depois que ele parte sempre me deixa mais ansiosa. Só depois dela que consigo relaxar, pois significa que chegou bem e em segurança ao Rio. Logo depois do café da manhã, visto um vestido leve, prendo os meus cabelos no alto da cabeça e não me preocupo de calçar um sapato antes de sair para a área externa. Pego o regador, o encho com água e começo, com paciência, molhar as minhas plantas. Aqui eu tenho de tudo, desde flores que vão de rosas a lírios, até a horta onde cultivo algumas folhas, legumes e verduras para os nossos alimentos. Para mim é uma terapia cuidar do meu jardim, pois quando estou

aqui todas as preocupações somem da minha mente. Quando termino, pego a mangueira e a arrasto até perto da grande árvore. Ela está carregada, mas as mangas ainda estão verdes. Eu poderia deixar que a chuva a molhasse, mas não chove tanto em Santa Rita, então eu mesma faço o serviço da mãe natureza. A minha tarefa não demora mais do que uma hora. Quando termino, sento-me para descansar na cadeira onde Tony e eu, às vezes, utilizamos para coisas mais interessantes do que sentar. Depois de alguns minutos penso em ir pegar o celular, mas me lembro que ainda não deu tempo de o meu Tony ter chegado e, portanto, não terá nenhuma mensagem nova ou ligação. Para matar o tempo, decido ir à casa dos meus pais. Eles são tão animados que não tem como não embarcar nas suas loucuras e me divertir.

— Quem é vivo sempre aparece. — Da porta, antes mesmo que eu acabe de chegar, a minha mãe me avista. Eu sorrio e prefiro acreditar que está brincando. Porque o que mais fazemos é esbarrarmos uma na outra pela cidade. Ainda que não venha todos os dias na sua casa, sempre nos vemos.

— Deixe disso, mamãe! Eu sei que a senhora deu graças a Deus quando o Tony me chamou para morar com ele — brinco ao entrar e encontrar a varanda da minha antiga casa abarrotada de caixas e sacolas. Ela está sentada em uma cadeira, felizmente tem uma vazia na sua frente e é nela que me acomodo. Sempre com o celular na mão para o caso de o meu homem entrar em contato. — Não é verdade, mamãe te ama e você sabe disso. — É claro que sei, Maria do Rosário, mas não pode negar que eu era terrível! — Você era mesmo. Até hoje não acredito que arranjou um namorado tão cedo. Sempre pensei que seria dessas moças que demoram a se casar ou que ficam para titia. — Como se isso fosse comum neste lugar — comento. — Pensei que você seria diferente, já que sempre dizia que não seria como as outras. — Eu cuspi e caiu na testa — admito. Eu realmente nunca entendi como as moças daqui podiam resumir as suas vidas a um relacionamento. Muitas delas saem de Santa Rita quando terminam o ensino médio, seja para estudar ou para trabalhar, mas as que ficam logo se casam. Sempre as julguei como precipitadas e jurava que seria diferente,

que namoraria por muitos anos antes de me prender a alguém, antes de perder, por vontade própria, a minha liberdade. No fim, fiz tudo igual. Quanto a ficar presa por causa de um relacionamento, agora que tenho um sinto que nunca fui tão livre. — O que a senhora está aprontando dessa vez? — questiono quando percebo que sua atenção está nas suas mercadorias. — Apareceram umas pessoas por aqui esses dias. Estavam passando essas mercadorias para revenda e eu e seu pai pegamos. A comissão parece boa. Olha só para a qualidade dessa saia, filha. Vou separar uma para você... — Mamãe, mas até semana passada a senhora e o papai não estavam vendendo perfumes? — Semana passada já passou, Bia. O negócio agora é outro — afirma, abaixa a peça que estava estendida para me olhar com atenção. — O que foi? Acha que foi um péssimo negócio? — Claro que não, mamãe. A senhora e o pai são bons com isso — digo por costume e para lhe tranquilizar, embora já esteja curvada na direção do chão, mexendo nas sacolas. Desde que me entendo por gente os meus pais foram assim, meio hippies. Eles são inquietos demais e talvez por isso nunca puderam sossegar. Já tiverem lojas na vila, foram desde armarinho a material de construção.

Depois, quando se cansaram de brincar de empresários, optaram por revender produtos de desconhecidos que batem à porta. Eu cresci ouvindo as pessoas falando dos meus pais, já que as fofocas não são faladas num tom baixo o bastante. Maria do Rosário e Hélio são e sempre foram vistos como dois mentes fracas. Chamados de irresponsáveis por pessoas mais maldosas. Houve também quem julgou a capacidades deles de me criarem. Eu ouvia que não seria uma menina boa porque não tinha pais para me educarem bem, mas nunca me deixei — ou fingi — abalar por essas coisas. Sei e sempre soube o tipo de pessoas que os meus pais são. Eles são bons e sempre me amaram. Por mais que não tenham foco, nunca deixaram que nada me faltasse. É claro que já tive que fazer o papel de mãe deles, ao invés de filha, sendo a pessoa sensata da casa, mas sempre fomos felizes assim e nunca me faltou amor. Eu tinha os meus ideais sobre o amor, mas sempre soube que saberia reconhecê-lo quando batesse à minha porta. Não tinha como ser diferente quando o vi de perto entre os meus pais. — Como está o meu genro? — Perdão? — Perguntei como está o seu namorado. — Viajou hoje cedo.

— É por isso que está com essa carinha de desânimo? — indaga. — Ele não viaja para se divertir sem você, filha. Tem que entender. — Eu sei, mãe. Mas é tão difícil — digo. — Ele nem sequer me pergunta se eu não quero ir junto. Nunca me deu essa opção — digo em voz alta o que não gosto fazer nem em pensamento. Vez ou outra, questões como essa me ocorrem, mas não permito irem em frente, pois sinto que, de alguma forma, estaria sendo injusta com ele. Se me levar nunca foi uma possibilidade, é porque Tony não pode me levar com ele. Sei que faria diferente se tivesse escolha, pois sofre tanto quanto eu com a distância. — Já falou com ele sobre isso? — indaga, porque para ela não deve haver nada mais simples do que chegar e falar. Realmente é assim, mas não vou admitir que, quando volta para mim, tudo o que quero é amá-lo. Conversas como essa nem passam pela minha cabeça. — Não. E nem acho que será preciso. O meu namorado disse que quando voltar será diferente. Que resolverá tudo e nós não precisaremos mais ficar tantos dias separados. — Então descansa, minha filha. Se ele falou, deve confiar e esperar. Você vai ver como os dias passarão depressa e quando perceber ele já estará de volta. — Eu adoro conversar com a senhora, sabia? — declaro, já não

pensando mais em bobagens. Ela, embora quem não a conheça enxergue só uma mulher bonita, mas de cabeça oca, é muito sábia e me dá bons conselhos. Do tipo que só uma pessoa que tem um bom relacionamento poderia dar. Por fim, acabo tão empolgada quanto a minha mãe e começo a ajudá-la com as mercadorias. Mostra-me todas as peças de roupas e nós duas as empilhamos por cores e tamanhos. Ficamos entretidas até a hora em que dona Maria me chama para ajudá-la com o almoço. Papai — que além de tudo trabalha na fazenda do Diego —, chega quando o almoço já está quase pronto e fica com a missão de cortar a salada. Enquanto cozinhamos e depois, quando almoçamos em família, percebo o quanto estou contente, como sentia falta de momentos assim com eles. Parece tudo como sempre foi: família reunida. Eu era feliz com os meus pais, mudei e continuo sendo feliz, só que ao lado do homem que amo. É a vida seguindo o seu rumo do jeito que deve ser. Já está no meio da tarde quando decido ir para casa. Vou caminhando, porque é tão perto que não tenho motivos para pegar a bicicleta do papai emprestada. Só quando chego a casa, com um sorriso no rosto pelas horas com os meus velhos, lembro-me que o meu noivo ainda não ligou. Acho estranho, pego o celular na bolsa e noto que também não mandou mensagem.

Já é meio da tarde, deu tempo para ele ter chegado. A menos, é claro, que tenha havido algum problema de atraso com o voo. — Deve ser isso, Bia. Com certeza é isso! — Com convicção e em voz alta, digo a mim mesma. Enquanto espero, decido tomar um banho, mas a tarefa não dura o suficiente para me manter ocupada por muito tempo, então pego o meu confidente mais fiel. Abro na página onde deixei a rosa que Tony me acariciou no roseiral e começo a escrever. Prefiro escrever a ficar me preocupando sem motivos. Senhor diário, hoje fui à casa dos meus pais, mas isso não é nenhuma novidade, porque sempre estou indo lá. Hoje me senti um pouco estranha, mas não tanto quanto deveria. Por um lado, não gosto de saber que fiquei noiva e estou escondendo não só deles, mas de todas as pessoas que me amam e torcem por nós. Pelo outro, manter segredo não me incomoda a ponto de querer dividir a nossa alegria, pelo menos, não ainda. Por mais alguns dias, eu quero que seja uma alegria só nossa. Você me entende, não é? Hoje não tenho muito a dizer, apenas que Tony se foi e ainda não ligou. Estou começando a ficar preocupada. Eu sei que não tenho motivos para isso, mas o meu coração está muito apertado. Sem vontade de fazer nada por causa da preocupação e sensação

estranha que comprime o meu peito, não demoro a cair em um sono intranquilo e povoado pelos piores pesadelos. Neles a minha vida não passa de uma página em branco. O amor que conheci com Tony, nunca chegou a acontecer.

O som irritante do celular vibrando me faz acordar. Não exatamente acordar, pois para que isso fosse possível, eu teria que no mínimo ter dormido nos últimos dois dias. Faz dois dias que meu noivo partiu para o Rio de Janeiro e que eu não tenho notícias suas. Dois dias de angústia em que tenho me arrastado pelos cantos dessa casa, das paredes que parecem estar se fechando a minha volta. Não durmo ou como, mas talvez isso seja bom, já que não tenho certeza se conseguiria manter alguma coisa dentro do meu estômago. Viver momentos de angústia, de medo e fazendo um esforço inútil para não pensar no pior, é algo que eu não desejaria para ninguém, nem para o pior dos meus inimigos, se eu tivesse um. No primeiro dia, depois que anoiteceu e eu dormi por puro cansaço, depois de ter chegado da casa dos meus pais e passado o resto do dia e madrugada adentro olhando para a tela do celular a cada trinta segundos,

acordei no dia seguinte querendo me convencer de que estava tudo bem, que não tinha passado 24 horas. Que algo relacionado a atrasos de voo tinha acontecido, mas logo ele entraria em contato comigo. No segundo dia pela manhã eu já estava entrando em desespero, caminhando de um lado para o outro, como uma lunática dentro da própria casa. Eu olhei para TV, mas não prestei atenção em nada do que passava. Eu coloquei a comida, mas não comi. Saí para a horta, mas não sabia exatamente o que estava fazendo. Foi tudo no automático. Na parte da tarde eu já estava sufocando e esse é o meu estado desde então. Como se estivesse em estado de choque, sozinha e sem saber como agir. Para ser sincera comigo mesma, é mais do que não saber como não agir. É o medo de agir e admitir que algo de muito ruim possa ter acontecido. É dar ouvidos ao frio que gela os meus ossos e o aperto no meu peito que quer falar coisas que não desejo ouvir. Quer tirar conclusões que acabariam comigo. Nesses dois dias, junto com a angústia de não saber nada sobre o homem que amo, senti como se uma venda tivesse sido tirada dos meus olhos. Não que essa seja uma comparação justa porque não foi tão delicado. Foi mais como um curativo sendo tirado de uma ferida sem o menor cuidado, machucando a pele e a deixando dolorida. Eu me permiti pensar na dinâmica do meu relacionamento, o que nunca tinha parado para fazer até então.

Acredito que tenha sido pela empolgação, pelo deslumbre do primeiro relacionamento e, sobretudo, o encantamento de estar apaixonada pela primeira vez, mas, eu, em nenhum momento fiz algo que não fosse viver e sentir. Sentir em cada poro do meu corpo, em cada respiração o amor que sempre foi muito maior que eu. Um sentimento tão grandioso que me sufocava, mas que me fazia bem. Não parei para fazer perguntas, para ter conversas que em situações como essa me ajudariam a não enlouquecer. Sim, é o que sinto que está acontecendo a cada tic-tac do relógio. Mas também sinto que, se pudesse começar tudo outra vez e recomeçar, não faria diferente, porque antes de me sentir como um barco à deriva, eu mergulhei nas mais límpidas águas de algo único, da sensação de pertencer a algo, alguém e até mesmo a um lugar. Somos — não consigo colocar esta palavra em outro tempo verbal — um só. Como um todo que não pode ser separado, não de forma tão definitiva, sem qualquer contato. Mas é o que tem acontecido nos últimos dias e eu realmente me sinto pela metade, vagando sem destino. O ruim de começar a fazer perguntas e se dar conta de como as respostas são importantes. Elas são importantes, mas também são assustadoras e machucam. De repente, não houve um momento especial para isso, eu me dei conta de que não sei nada sobre a vida do homem que diz me

amar, do homem que eu sei amar com todas as minhas forças. Sei que todo mundo tem segredos, alguns que uma pessoa pode não querer admitir nem para si mesmo, mas o nosso caso é diferente. Eu realmente não sei nada de relevante sobre a sua vida. Agora, com o tempo livre, porque só penso no Antônio, percebo que, não sei se de forma deliberada, meu homem nunca falou muito de si mesmo. Foi um choque perceber que não sei nem ao menos o seu sobrenome. O seu nome é Antônio, mas Antônio de quê? Disso não posso culpá-lo, pois o meu descaso com questões como essa era tamanho que não tenho certeza se Tony não falou, ou se chegou a mencionar e não prestei a devida atenção. Para mim, conversas sérias não pareciam ser tão importantes, não quando eu só queria tocar e beijar cada parte do seu corpo nos dias em que ele estava em casa. Eu não queria perder tempo e não me envergonho de pensar assim. Como poderia se a paixão que nos consome é tão forte quanto inexplicável? Eu já percebi tantas coisas nos últimos dias que isso me deixa tonta. Não saber o seu nome, onde nasceu e quase nada sobre a sua família me colocou nessa situação. Uma posição em que me vejo entre a angústia e a raiva de mim mesma. Da dúvida de não saber se essas conversas não existiram porque ele, assim como eu, estava entorpecido demais pela paixão para que pudesse falar comigo, ou se... A saliva escorre como veneno pela

minha garganta quando o pensamento, não pela primeira vez, me ocorre. Ou se ele fez deliberadamente. Não queria, por alguma razão, falar de si mesmo. Se queria esconder fatos importantes da sua vida. — Não, Beatriz, não vá por esse lado! — Em voz alta repreendo a mim mesma quando me levanto do sofá, deixo a xícara de café sobre a mesa de centro e caminho descalça para a janela. Os meus pés tocando no piso frio e muito limpo chamam a minha atenção para eles. Um sorriso se abre nos meus lábios quando lembro de como Tony reclama dessa minha mania. Ele diz que pode fazer mal e eu digo que já nasci com os pés na terra, que estou imune. Eu, como tenho feito por horas, durante todos os dias e noites, fico olhando para a estrada até aonde as minhas vistas conseguem alcançar. Você precisa fazer alguma coisa! Para de ser medrosa, criatura. É melhor descobrir de uma vez a ficar definhando aqui de tanta preocupação. Foram pensamentos que me ocorreram muitas vezes nesse meio tempo, mas eu sempre adiava porque dizia a mim mesma que meu amor entraria pela porta e diria que teve um problema e por isso tinha sumido. Ele me amaria por horas a fio, até que nós dois estivéssemos tão exaustos que não conseguiríamos fazer nada além de nos organizarmos com os corpos enrolados sobre a cama em uma perfeita conchinha.

Hoje eu acordei com uma sensação muito angustiante, pior do que a dos outros dias. Um aperto no peito que me deixa a ponto de me sentir sufocada. É essa dor que me faz tomar uma decisão, buscar algum tipo de ajuda ou informação depois de finalmente me convencer de que ele não vai chegar de repente. Depois de, ainda trêmula pelo soco no estômago de poucos minutos atrás, me dar conta de que não está tudo bem. Que deve ter acontecido alguma coisa e que não posso mais aguentar a angústia sozinha. Eu preciso falar com alguém, não só para dividir as minhas preocupações, mas também para buscar uma solução. E só tem duas pessoas capazes de me compreender e, talvez, me ajudar de alguma forma. É só quando estou em cima da minha velha bicicleta, pedalando com os cabelos ao vento, que me dou conta de como sentia falta de estar ao ar livre, de como jamais poderia viver em um lugar que fizesse com que eu me sentisse presa. — Ei, volte aqui, mocinha! — Ouço o grito da minha mãe, gostaria de continuar o meu caminho, mas o meu senso de dever como filha não me permite. Eu estou em falta com os meus pais e sei disso. — Bom dia, mamãe. — Eu estive muito ocupada na última semana com o volume de venda das roupas que peguei, mas não pense que não notei o seu sumiço. Está há dias sem aparecer em casa, filha. O que está havendo? Eu já estava me

preparando para ir até a sua casa — diz e para de varrer a calçada. — Perdão, mãe, mas eu estava um pouco... ocupada. — Fiquei meio em dúvida sobre o que falar, então preferi ser econômica em minhas palavras, o que não é do meu feitio. — Ocupada demais para fazer uma visita? — Eu não posso falar agora, dona Maria. Preciso resolver algumas coisas, mas prometo que mais tarde venho ver a senhora e o papai. — De longe jogo um beijo e prossigo para a fazenda dos Estrada. Deixei minha mãe sem grandes explicações porque não tinha muito o que ser dito. Eu decidi não me abrir com eles e nem com ninguém. Eu decidi suportar a angústia sozinha, até que ela se tornou insuportável.

— Você estava tão sumida, Bia. Entre querida. — Na porta, com o filho do seu lado segurando um avião de brinquedo na mão, a minha vizinha e melhor amiga me recebe. Ela, o seu sorriso largo e os inconfundíveis cabelos ruivos. — Vovó acabou de passar um café, sente esse cheiro? — indaga e me puxa pela mão para a cozinha. Ella Estrada parece tão vivaz e feliz que me sinto até mal pelo

meu estado de espírito. — Tudo bem, pequena Beatriz, você já está há 10 minutos olhando para o café dentro da xícara, não tomou uma gota sequer, mas também não abriu a boca. Vai me dizer o que está acontecendo? — indaga. Eu levanto o olhar, fito o seu rosto, mas, sem querer, minha atenção recai sobre o seu pescoço e algumas partes do seu braço. Sinto o meu rosto queimar, vejo que o dela também. Questiono-me o que exatamente ela e o marido fazem entre quatro paredes, mas logo o pensamento se vai. Tenho assuntos mais difíceis e mais importantes para tratar. — Perdão, eu estava com o pensamento longe daqui — justificome sem jeito, ajeitando a minha postura à mesa, embora estejamos a sós na cozinha, uma vez que sua avó sumiu pela porta assim que colocou a garrafa de café em cima do móvel. — Eu percebi, minha querida. Vai me falar o que está acontecendo? Você não parece bem... — Eu preciso conversar com o seu marido — revelo de uma vez. Vejo a surpresa no seu rosto, já que ele e eu não somos exatamente amigos. Quer dizer, o taciturno Diego não tem muitos amigos, então não tem nada de espetacular em não sermos. —

Tudo

bem.

Ele

está

no

escritório,

provavelmente

escrevendo..., mas o que quer com ele? — pergunta, eu desvio o olhar por um

milésimo de segundo, mas logo volto a encará-la. A sua expressão tem um misto de curiosidade e preocupação. A jovem mulher é tão amorosa que tenho uma vontade quase incontrolável de me aproximar e abraçá-la bem apertado. Buscar alento em uma pessoa tão próxima e que me entenderá em tudo. Sempre fomos assim, uma entendendo as loucuras da outra. — O Tony... — Começo, um nó se faz na minha garganta com a ideia de, pela primeira vez, externar tudo o que vem passando pela minha cabeça. — O que tem ele? Se aquele armário tiver aprontado alguma coisa com você, eu juro quê... — Não é nada disso, passarinho. — Então, o que é? Fale de uma vez, menina. Está me assustando. — Há dois dias, Antônio viajou para o Rio de Janeiro, desde então eu não tive notícias. Não me liga e o celular dele só dá desligado. Eu estou preocupada, minha amiga. Sinto aqui — toco no meu peito com o dedo indicador, no ponto onde fica o coração — que algo de muito sério aconteceu. Eu estou com medo — admitir em voz alta já faz com que eu respire melhor. Por conta disso, decido me abrir e faço uma escolha. Sem pressa, coloco a mão esquerda, que até então estava

escondida sobre o meu colo, em cima da mesa. No ato, tanto o seu quanto o meu olhar recaem sobre a minha aliança de noivado. A joia, assim como o meu coração, parece pesar uma tonelada no dedo.

Dentro do escritório, um pouco escuro demais para que a maior parte da população curiosa de Santa Rita considere normal, Diego me observa, assim como é observado por mim. Eu, embora esteja com a mente atordoada, não posso deixar de olhar para o marido da minha amiga e não me sentir curiosa. Ele é bonito ao seu modo rústico e barba estilo lenhador, mas também traz consigo uma áurea de perigo que me faria passar do outro lado da calçada, caso não o conhecesse. Mas eu o conheço e sei que é um homem bom. Um homem que já viu muitas coisas ruins, mas de bom coração. Se não fosse assim, não teria conquistado Ariella, a pessoa de coração mais puro desta cidade esquecida por Deus. Ele me olha de uma forma estranha. Não sei dizer o que está pensando depois de tudo o que falei. Por tudo, quero dizer que não disse quase nada de relevante, só o mesmo que disse à sua mulher: o meu noivo

desapareceu e eu estou ficando desesperada. — Mas como isso é possível? Você procurou saber? — Eu não sei muito sobre ele e por isso vim falar com você. É seu amigo, não é? — questiono e, sem convite, sento-me no sofá que fica na lateral da sala, bem próxima da sua mesa. Do seu lado, com uma das mãos escondida na cabeleira escura do marido, Ella permanece em silêncio. Depois do que lhe disse, embora tenha ficado surpresa quando viu a minha pouco discreta aliança, que decidi colocar hoje quando acordei, não fez comentários, apenas me trouxe para a sala do Diego. Não perguntou se ele estava podendo falar, apenas escancarou a porta e nos colocou para dentro. — Sim, mas... — Você também não sabe, não é? — concluo e só agora Diego Estrada deixa transparecer algum sentimento de fraqueza. Um lado que pensei ser inexistente. Apesar de tudo, o Diego que vejo hoje não é o mesmo que chegou a Santa Rita com planos de se livrar das responsabilidades que o pai havia lhe deixado para depois ir embora para sempre. Era só o ver para perceber que se tratava de um homem que não vivia de verdade, apenas sobreviva por baixo da aparência e distanciamento do mundo. Eu não deveria me surpreender de ele não se importar o

suficiente para saber detalhes da vida do seu amigo mais próximo, afinal, não parecia se importar muito nem com a própria existência. — Bom, não me olhe com essa cara, menina. E nem você, passarinho. Antônio é meu amigo e eu sei o que preciso saber a seu respeito. Não queriam que eu tivesse um dossiê com todas as informações, não é? — diz com seriedade, embora a preocupação esteja estampada na sua cara. — Então diga o que você sabe — peço, um pouco mais brusca do que deveria. — O nome dele é Antônio Orsini. Dono de uma empresa de segurança e investigação particular na cidade do Rio de Janeiro. — Você já esteve lá? — Ella indaga antes que eu mesma faça. — Sim, inclusive, já precisei dos serviços dele e dos seus homens. — Pela forma como olha para Ella, o assunto não havia sido tema de alguma conversa entre eles. — Para mim era apenas a vida de um homem comum, embora suspeite de que o seu trabalho seja tudo, menos monótono. Mas eu acredito que você saiba de tudo isso, não é? — questiona. Constrangida, desvio o olhar do casal, que está a todo tempo se tocando, e não preciso dizer mais nada para que entendam a situação. Assim como acontece com Diego, e tirando o fato de não me recordar se ele tinha mencionado o sobrenome Orsini em algum momento, o que eu sabia até o seu sumiço me parecia o suficiente.

Mas não era. Agora que estou nesta situação percebo tudo. Diego também percebe, pois o seu rosto, de maneira surpreendente, está expressivo como nunca esteve. — Vamos parar com isso. Vocês dois não têm motivos para estarem com essas caras de culpados. Sabiam o que deveria saber a respeito do armário e acredito que seja o suficiente para descobrirmos o restante, não é mesmo? — Diego e eu balançamos a cabeça como duas crianças. — Meu amor, o que você pode fazer para ajudar? — Ella faz a pergunta, mas faz de uma forma muito particular. Fala baixinho, a boca contra a dele. Um olhando dentro dos olhos do outro e isso me fez ver como eu sinto falta do toque íntimo do meu grandão. Da ligação que temos. — Bom, algo bem simples, não é? Temos o nosso famoso Google. Um nome e um sobrenome — fala com simplicidade. Na verdade, é mesmo muito simples e eu mesma teria feito se soubesse ou lembrasse do tal Orsini que acompanha o seu nome. Com os dedos frenéticos e treinados de escritor, Diego digita no seu computador moderno e caro. No momento em que a sua expressão muda, eu não só vejo como sinto uma pontada aguda de dor no coração. Ella, que está do seu lado, também não se mantém passível. Ela é expressiva demais para conseguir esconder sentimentos.

— O quê... — Eu acho que uma simples busca no Google é superficial demais para o que estamos procurando, menina. — Ele fecha o computador com tanta força que chego a ter um leve sobressalto. — Nós precisamos de um profissional. Eu vou contratar um investigador... — O que você viu nessa droga de computador, Diego Estrada? — Trêmula, com as pernas fracas de uma forma que não sei como consigo me levantar e me aproximar da sua mesa, exijo respostas. — Ella, meu passarinho, leve a sua amiga para tomar um ar no campo de rosas. Eu preciso fazer algumas ligações. — Eu não vou sair! — esbravejo, começando a perder a razão. A minha amiga vem me abraçar e seu marido fica mudo, olhando-me com a mesma serenidade de sempre e sem falar uma palavra. Como sei que existe algo que não quer que eu veja, com o máximo de calma que possuo neste momento, me desvencilho da Ella e viro-lhes as costas. As minhas mãos estão tremendo, mal consigo segurar o smartphone sem deixálo cair, mas ainda posso desbloquear a tela e escrever o seu nome no campo de busca do navegador. O que vejo é a nítida imagem do terror e destruição. Um avião, embora a minha visão esteja turva pelas lágrimas, consigo identificar a aeronave ou o que sobrou dela. Muito pior do que a parte de trás, a da frente

parece ter sido amassada como uma lata de sardinha. — Não... Meu Deus! — exclamo sem saber se gritei ou sussurrei, porque a minha voz parece estranha para os meus próprios ouvidos. Sinto quando minha amiga vem para o meu lado e coloca a mão no meu ombro em sinal de conforto. O meu dedo, embora eu não entenda como minha mão consegue sustentar o peso do aparelho, começa a arrastar as informações na tela e então, em letras garrafais, leio o seu nome na lista de passageiros. Lágrimas grossas rolam pelo meu rosto a cada notícia que vai surgindo. Dentre os passageiros estava Antônio Orsini, filho do desembargador aposentado André Orsini. Antônio é um ex-policial, atual proprietário da empresa de segurança Orsini e está desaparecido até o presente momento. As buscas continuam, mas as chances de que alguém seja encontrado com vida são pequenas. — Ai, meu Deus! — Com o corpo convulsionando pelo choro, deixo o aparelho cair aos meus pés, assim como eu também desmorono sobre os meus joelhos no piso do escritório. Ella faz o mesmo, apenas para me consolar, embora não exista nada capaz disso, não neste momento. — O meu Tony... Ella, íamos nos casar. Ele queria se casar

comigo. — Como se ela ainda não tivesse visto, levanto a minha mão, para lhe mostrar o bonito anel de noivado. — Eu sei, pequena Bia, o armário te amava... — Ele me ama! — digo e, com um supetão, afasto-a de mim. Levanto-me e caminho para perto da janela. Preciso respirar. Uma respiração atrás da outra. Uma respiração atrás da outra... — A notícia que você leu está desatualizada, Bia. — A voz embargada do Diego faz com que eu me volte para ele. Duas coisas chamam a minha atenção. O conteúdo de sua fala e as emoções no seu rosto. Em um único dia o vi demonstrar ter sentimentos como nunca tinha feito antes, o que mostra que realmente é amigo do meu amor e se importa com as pessoas que ama. Mas a informação, essa, sim, causa um abalo nas minhas estruturas. — Não está? O que isso quer dizer? — As mais recentes dão conta de que dois homens foram encontrados com vida... — Um deles é o Antônio? — indago ao me aproximar, o coração se enchendo de esperança. — Eu não sei, preciso ver isso mais a fundo. Fazer algumas ligações...

— Então faça! — digo dois tons acima e ele se aborrece. — Não me diga o que fazer, menina! Pensa que é só você quem se importa com ele aqui? Está muito enganada — diz ferozmente e eu teria ficado assustada com a sua expressão carrancuda e mudança de humor, se não tivesse outras coisas com o que me preocupar. — Eu preciso saber... — Você vai saber, pequena Beatriz, mas no momento certo — ele afirma. — Passarinho, você pode, por favor, levar a sua amiga para dar uma volta? Tente acalmá-la, porque eu preciso averiguar todas as informações e ela aqui não irá ajudar em nada. — Ora! Seu... — esbravejo, a ponto de avançar nele. — Ella, leve-a daqui! — exige entredentes. — Está bem — diz. Penso que ela terá de usar a força se quiser me tirar desta sala. Antes de tentar, Ariella corre até o seu marido e o beija com carinho. Certamente tentando o consolar. Quando se separam, a expressão dele está completamente mudada. Ele está sereno, calmo e um sorriso se insinuando na boca. Eu ainda consigo ficar surpresa, porque toda a cena é estranha. A minha amiga, com um único beijo, acalmou a fera que estava a ponto de rosnar. — E você, minha amiga — começa quando aterrissa do meu lado e segura o meu rosto com as mãos para ter a minha atenção —, vamos

deixar o meu marido sozinho por um instante. Eu confio nele e sei que em poucos minutos vai descobrir o que de fato aconteceu com o seu armário. Venha comigo? — Estende a mão e eu, embora tenha vontade de ficar no cangote do Estrada, obrigo as minhas pernas a me seguirem para fora do escritório. Passamos pela sala, encontramos o pequeno Alex de apenas 3 anos brincando, mas não sozinho, já que sua bisavó está de olho nele da cozinha. Ella o pega nos braços e o leva com a gente. Segurando-me com a mão livre, me puxa para o pátio da sede da fazenda e eu apenas acompanho, sem me importar em absoluto para o local de destino. Os meus pensamentos estão no escritório, onde Diego tem notícias do amigo, sejam elas boas ou ruins. Em silêncio, seguimos alguns metros ao sul até chegarmos ao campo de rosas. — Como você... — Como eu sabia que deveria te trazer até aqui? Simples, eu te conheço desde que éramos crianças. Lembra que nós duas vivíamos aqui? Esse roseiral era o nosso lugar preferido dentre tantas outras opções. Corríamos por esse campo, fingíamos que éramos donas de todas essas rosas e até fizemos planos de abrirmos uma linda floricultura quando crescêssemos. Seríamos as donas e nunca precisaríamos ficar longe das nossas rosas.

O seu sorriso é sonhador e eu fico surpresa que lembre disso tudo. Conforme fomos crescendo, deixamos esses planos de lado. Tocávamos cada vez menos no assunto até que ele deixou de ser o nosso maior sonho. O sonho se foi, mas o nosso amor por esse lugar continuou. Foi ele que nos uniu na época em que a vida parecia fácil. — Hoje você é dona de tudo, então, de certa forma, os seus sonhos foram realizados — assevero, observando Alex descer dos seus braços e correr pela terra vasta. — Não exatamente... — diz. Por um momento tenho a impressão de que quer me dizer alguma coisa, mas deixo de lado, porque não quero falar e nem pensar nisso agora. — O Tony não é daqui, mas amava... ama — corrijo-me de imediato — essa terra como se nunca tivesse conhecido outra, como se nunca tivesse conhecido outra vida. Ele era feliz aqui. — As lágrimas que estava conseguindo controlar voltam a cair quando me dou conta de que ele não está aqui e que talvez nunca mais esteja. Ella me abraça apertado e ficamos assim até que elas voltam a secar. Não falamos mais nada, apenas caminhamos entre os corredores perfumados de rosas e observamos Alex em sua alegre inocência, brincando com a terra. Observá-lo faz com que, por breves instantes, o medo se afaste. Então imagino que Tony e eu teremos a oportunidade de um dia ter um bebê

tão lindo quanto o Alex. Alguém para amarmos, que será a prova viva do nosso amor. — É engraçado como ele se parece com você. Está cada dia mais parecido — digo. É inusitado porque Alex não tem laços de sangue com Ella, mas talvez os laços de amor falem mais alto do que o sangue e isso os tornam parecidos em muitas coisas. O pequeno parece com o pai em alguns aspectos, mas tudo no jeito dele lembra a minha amiga, a sua mãe de coração. — Todo mundo fala isso, sabia? Eu fico para morrer de orgulho de ver como ele é saudável e feliz. Lembra a nós duas. — Ao olhar para ele agachado com a mão da terra, sou capaz de ver duas menininhas fazendo a mesma coisa anos atrás, e acredito que Ella esteja vendo o mesmo. — Lembra muito... — Meninas? — Tomo um susto quando ouço a voz gutural de Diego as nossas costas. Não percebemos a sua aproximação, seja por estarmos muito absortas na conversa e no bebê, seja por ele ser estranhamente silencioso. De qualquer forma, o momento de nostalgia passa e só fica o som do meu coração, que ouço bater disparado e prestes a sair pela boca. — Temos que ir para o Rio de Janeiro.

Temos que ir para o Rio de Janeiro Foram essas as diretas, simples e primeiras palavras do Diego quando voltou, depois de ter ficado vários minutos trancado no escritório em busca de informações mais detalhadas sobre o meu amor. Apesar da companhia da minha amiga e sua conversa leve, que tentava me distrair e, de certa forma, conseguiu, foram minutos que estive com o coração na mão, sem saber o que iria ouvir quando Diego estivesse na minha frente. Não sei se foi por querer me poupar, mas Diego foi sucinto em suas palavras. Não que aja de outra forma no seu dia a dia, mas, neste caso, esperava-se que tivesse mais consideração do que um simples: Ele está vivo. É claro que foi a melhor frase que ouvi nos meus 18 anos de existência, mas ela não foi o suficiente. Eu precisava de mais, ainda preciso, mas o olhar do Diego mostrava que não estava disposto a revelar muito. Eu, tão cansada psicologicamente, me contentei em saber que foi

encontrado com vida e que está em um hospital no Rio. Aceitei as suas palavras econômicas porque achei o seu aviso de que iremos até ele mais importante. Não disse uma palavra sequer, apenas virei as costas e corri. Esqueci-me da bicicleta e vim correndo para casa. Cheguei ofegante, entre sorrisos e lágrimas. O coração em um misto de alegria, medo e esperança. Estou confusa, mas sei que independentemente do que o meu coração sinta, estou indo para perto do meu amor e isso é tudo o que me importa. Estar perto dele é a única coisa que trará paz para a minha alma no momento. — Filha, estou entrando. — Mamãe dá duas batidas na porta, mas tanto as batidas quanto os avisos são meros protocolos, ela já entrou. — Aqui no quarto — falo alto o suficiente e apresso-me para secar o meu rosto úmido por causa das lágrimas. — Filha, você passou correndo feito uma louca agora há pouco. O que está acontecendo? Vai viajar? Em cima da cama de casal tem uma mala e uma pilha de roupas que estão sendo separadas e, apressadamente, dobradas. Sem cabeça para muitos cuidados, jogo-as de qualquer forma dentro da mala, pois não quero me demorar mais do que o necessário. Diego Estrada não me disse o dia e nem a hora, mas pela sua expressão e o nível de amizade entre ele e o Tony, suponho que também esteja fazendo as suas malas.

— Olhe para mim, Beatriz Álvares! Sou sua mãe e estou falando com você! Minha cabeça, que até então estava baixa, levanta-se. Ela fica surpresa com os meus olhos que, provavelmente, estão inchados e, sem falar mais nada, apenas se aproxima e me abraça apertado. Eu não sabia, mas o seu abraço era o que eu mais precisava neste momento. Ter alguém com quem chorar, desabafar sem precisar falar, porque ela me entende e me conhece melhor do que qualquer pessoa no mundo. — Venha aqui, deixe essa mala de lado por um momento. — Com a mão dentro da minha, mamãe me puxa e me senta na ponta da cama. Ela se ajoelha na minha frente e espera que eu comece a falar. — O avião em que o Tony estava caiu há uns dias. Morreram dezenas de pessoas, mas, por um milagre, ele foi resgatado com vida. Isso é tudo o que sei, mas o Diego vai me levar até ele. Eu preciso ficar o meu noivo, mamãe. — Você está noiva e não disse nada para os seus pais? — Os seus olhos arregalados caem na minha mão com o anel. — Mas isso não importa agora. Eu sinto muito minha filha — diz e me abraça novamente. — Você tem mesmo que ir até ele. O Tony te ama tanto, ele deve estar precisando de você. — Sim, está. Sinto que está.

— Venha. Sua mãe vai te ajudar a arrumar a mala. Eu entendo um pouco de moda e sei que tipo de roupa irá precisar. Então, em silêncio, começamos a separar roupas e tudo o que precisarei. Sinto que tem muitas perguntas para fazer, principalmente os motivos para não ter falado que fiquei noiva, mas ela respeita o meu momento e não faz as perguntas que estão pairando no ar. Respeito a sua discrição, pois não é o momento para essa conversa.

— Vou ficar rezando, meu amor. Tenho fé de que tudo ficará bem com o meu genro e com você também — diz enquanto se despede na porta, depois de ter me ajudado com tudo para a viagem. — Não esqueça de me manter informada. Te amo. — Eu também te amo. — Recebo o seu beijo no rosto e observo da porta enquanto se afasta, deixando-me sozinha. Eu não consigo ficar parada e passo os próximos minutos pisando o chão, ansiosa e andando de um canto a outro na sala. Minhas unhas foram mordidas e todos os dedos estralados. Sinto-me sufocada, saio para a varanda e me sento na cadeira. O seu balançar me traz várias lembranças de

momentos em que Tony e eu passamos em cima dela, seja comigo amontoada em seu colo com um livro na mão, seja compactuando com as suas peripécias de fazermos sexo em um lugar em que claramente não cabia nós dois. Devo ter cochilado por alguns minutos, pois só volto à consciência por causa do susto pelo som de uma buzina. Empertigada, levanto-me, passo as mãos pelos cabelos, confiro se está tudo bem com a minha roupa e então vou até aonde deixei a minha mala de rodinhas. Enquanto caminho na direção do carro, vejo a minha amiga no banco do carona. Respiro aliviada por saber que a terei do meu lado neste momento. Preciso dela, Ella sabe disso e veio sem que eu tenha precisado pedir A viagem é tensa e tenho fortes motivos para estar prendendo a minha respiração quando, depois de horas no ar, o avião começa a pousar. Eu nunca tinha visto um avião de perto e só isso já seria motivo suficiente para ter me deixado apreensiva ao entrar nessa coisa enorme, mas, para complicar a situação, foi um desses monstros de asas que causou o acidente do meu Tony, que o colocou em cima de uma cama. Enquanto a aeronave patina na pista, aos poucos desacelerando, sinto as minhas mãos agarradas a cadeira como se a minha vida dependesse disso. Os meus olhos estão fechados e, para mim mesma, juro que nunca mais entro em um avião. A menos que seja uma emergência.

— Está tudo bem aí, pequena? — Ella, que está na poltrona do outro lado do corredor, fala com toda a tranquilidade de quem esteve em um desses muitas vezes. Chamar-me de pequena é um lembrete de que, às vezes, ainda me vê como uma adolescente e não alguém que só tem dois anos a menos que ela. — Está tudo ótimo — digo com o máximo de segurança que consigo. Tem que estar tudo bem. Eu tenho um propósito e não será o medo de um avião que irá me abater.

Depois de uma viagem que durou por volta de vinte minutos no carro que Diego pediu, chegamos ao seu apartamento, um lugar muito espaçoso e bonito. Não é surpresa que ele tenha a cara de um verdadeiro lar, afinal de contas, o homem carrega Ella por onde quer que vá. Aqui, em um lugar que tem os luxos com as quais não estava acostumada até conhecê-lo, dá para ver os seus toques. Consigo sentir que é dona não só do homem, mas de tudo que lhe pertence pelo cheiro do perfume de suas rosas que paira no ar.

— É lindo, Ella — digo ao deixar a minha mala no meio da sala e me encaminhar direto para a varanda, de onde tenho a visão de toda a cidade. Ainda não escureceu, mas a visão do sol se escondendo por trás dos prédios é quase mágica. — Eu gosto daqui, Bia, mas não se compara ao nosso lugarzinho. Ao ar da nossa querida e pacata Santa Rita. — Não tem nada como o nosso lar — afirmo, mas então deixo o meu deslumbramento de lado e me volto para o casal, que já está agarrado no meio da sala. — Por que não trouxeram o Alex? – pergunto por pura curiosidade. — Achamos melhor deixá-lo com os avós. Faz pouco tempo que estivemos aqui com ele e mais uma viagem seria cansativa, além disso... — Diego não conclui, mas olha com malícia para a esposa. — Eu já entendi. — A menos que a pessoa seja cega, não tem como não ver como esses dois estão sempre procurando um lugar ou uma oportunidade para se agarrarem. — Obrigada, aos dois, por terem vindo até aqui comigo. Não sei se conseguiria fazer isso sozinha. — Amigos são para os momentos bons e ruins, Bia. E eu sei que você faria o mesmo por mim — Ella diz. — O que vamos fazer agora, Diego? Você sabe em que hospital ele está? Será que agora já pode me falar algo que não seja só a notícia de que

ele está vivo? — Nós precisamos conversar, mas sugiro que suba e tome um banho. Tenho certeza de que está cansada e precisando se refrescar. — Sugere, embora pareça uma ordem. — Depois que descer e se alimentar, a gente conversa. Tudo bem? — Eu sinto vontade de gritar com ele, de contrariar as suas sugestões e perguntar como pode estar, aparentemente, tão calmo, mas olho para a minha amiga e ela apenas balança a cabeça. Eu entendo o que me pede e aceito com resignação. — Tudo bem, um banho rápido e vocês me levam até o Tony. Depois que Ella me fala onde fica o quarto de hóspedes, carrego as minhas pernas fracas escada acima. O meu estômago também protesta para me mostrar que até nisso o ogro tinha razão. Eu estou com fome e só não desmaiei ainda porque Ella, prevendo que eu tinha me esquecido de comer, trouxe de casa um sanduíche e um suco, que eu comi no caminho para o aeroporto. A minha pressa para ir até o Tony é tanta que o banho não dura mais do que dez minutos. Eu preciso muito estar com ele, saber da sua real situação e sinto que nada pode me deter. Também não perco tempo com escolhas de roupa, apenas abro a mala e pego as primeiras peças que vejo na minha frente. Não faço maquiagem e levo menos de um minuto para passar o pente no cabelo, que de tão liso dificilmente embaraça.

— Cadê o seu marido? — pergunto antes mesmo de alcançar o último degrau da escada. — Estou aqui — ele mesmo responde quando sai da cozinha com um copo com água na mão. — Então, nós já estamos prontos para ir? Você sabe como ele está e para qual hospital foi levado? — Eu sei, pequena Bia. Os meus investigadores, que por ironia são os homens do Tony, me deram todas as informações de que precisamos. — Que cara é essa? Ele ainda está vivo? — indago, depois que percebo uma leve mudança na sua expressão sempre tão neutra. — Está, sim, embora não muito bem. Mas existem fatos que você precisa saber e eu não sei os motivos que levaram o meu amigo a esconder tais informações de você e de mim... — É sobre o acidente? — Não, mas... — Neste momento olha para a esposa, que está muda, mas não esconde a tensão. — Então você pode me contar outra hora. Por favor, vamos de

uma vez. Eu preciso ver o meu noivo! — Vamos, Diego. Ela tem esse direito — fala apreensiva e sem nenhuma convicção. Eu estranho a sua atitude, mas decido deixar a conversa para depois. Eu quero apenas ver homem da minha vida. De alguma forma estar ao seu lado e deixar que saiba que vai ficar tudo bem, que vai se recuperar e nós seremos felizes quando o pesadelo chegar ao fim.

O hospital onde o Tony está é um edifício tão alto que, olhando para cima, até onde os meus olhos alcançam o seu fim, chego a ter uma vertigem. Já dentro dele a sensação é outra. Tudo muito branco, enormes corredores e pessoas indo e vindo, como um mundo à parte desse que conheço. E embora pareça contraditório, o ambiente traz uma sensação de paz, o frio do ar condicionado, que atravessa os meus ossos enquanto caminho pelo piso brilhante do corredor, é reconfortante, mas não o suficiente para acalmar o descompasso das batidas do meu coração. Caminhando ao meu lado, o meu casal de amigos não diz uma palavra sequer. Juntos compartilhamos de uma tensão onde as palavras seriam desnecessárias. Viemos por um motivo e só poderemos ser nós mesmos quando ele for alcançado. Diego se apresenta na recepção, não consegue tão facilmente as informações de que precisa, mas, por algum motivo, eu não sei ao certo, pois

estou um pouco distante, ele consegue descobrir em qual corredor o quarto do Tony está. Enquanto caminhamos, a minha curiosidade me vence e acabo descobrindo que ele, ao ver um de seus livros nos pertences da recepcionista, revelou-se como o autor da obra e barganhou um autógrafo em troca de informações. Eu me pergunto como ela acreditou tão facilmente. Bom, talvez tenha sido os seus belos olhos azuis. Andando com discrição, vou contando mentalmente as salas até chegar a de número 108, a primeira das duas que antecedem a dele, que é a última do corredor. Na frente da sala existem alguns bancos acolchoados e que parecem bem confortáveis. Por toda a situação, eu já estava com o espírito preparado para enfrentar uma batalha. Para ter que me apresentar para a família do meu noivo, já que não teve tempo para isso, mas ao final do corredor vejo apenas uma pessoa. É uma moça. Ela está com a cabeça baixa, sendo apoiada pelas mãos que cobrem o seu rosto. Solitária, o seu corpo demonstra cansaço e eu me pergunto quem será ela. — Bia, por que você parou? — Ella pergunta, já alguns passos a frente com o marido, e só então caio em mim e percebo que tinha deixado de caminhar. — Desculpa, estava perdida em pensamentos... — digo ao

segurar a sua mão que estava estendida para mim e diminuímos a distância entre nós e a sala onde está o meu noivo. — Boa noite — É Diego quem começa. A moça, muito bonita e não tão mais velha que eu, levanta a cabeça. Olha para os nossos rostos como se tentasse descobrir se nos conhece e percebo quando chega a conclusão de que nunca nos viu antes. — Boa noite. Quem são vocês? — A moça fica de pé a nossa frente, olha por mais tempo para o Diego, mas um leve pigarro da mulher dele a faz cair em si e se recompor. A parte boa do ogro ser bonito é que podemos usar isso ao nosso favor e, no momento, estamos precisando que as coisas aconteçam de um modo mais fácil. — Prazer, Diego Estrada. Minha esposa, Ariella Estrada e sua amiga, Beatriz Álvares. — Prazer, Anne. — Segura a mão estendida do Diego, não parece querer soltá-la e ele faz por ela ao se afastar e agarrar com firmeza a cintura fina da minha amiga. — Há algum motivo para estarem aqui? — Eu suponho que esse aqui seja o quarto do Antônio Orsini. — Diego aponta para o número 110 escrito na porta do quarto de UTI. — Sim, mas ainda não me falaram o que desejam — insiste, mas não sinto que exista algo além de curiosidade na sua fala. De algum modo,

essa Anne me passa boa impressão e acredito que ela possa nos ajudar, caso seja necessário. — Eu sou... — começo, mas Diego me interrompe. — Nós somos amigos dele. Moramos numa cidade do interior chamada Santa Rita e viemos assim que soubemos do acidente. — Santa Rita? Nunca ouvi falar. — Eu não te culpo por isso. — Espirituosa, Ella comenta. — Não estou certa se ela aparece no mapa. — A moça dá uma risadinha, mas logo fica seria novamente. — Antônio é meu amigo há muitos anos, e nunca citou vocês ou essa tal de Santa Rita. — A sua afirmação me deixa bastante surpresa e não é necessário olhar para os outros dois para saber que também estão. Ele não falou nada a respeito do Diego, o seu melhor amigo? São tantas perguntas. Eu não sei se quero ou não descobrir se falou de mim ou o porquê de o Diego ter me impedido de dar tal informação. O que ele sabe e não me disse? — A senhorita está querendo dizer que temos motivos para mentir sobre isso? — Diego diz friamente. — Não... É só que... talvez vocês estejam o confundindo com outra pessoa. — Depois que a Anne termina o seu discurso, vejo Diego pegar um pedaço de papel do seu bolso e colocar na frente do rosto da moça.

— É esse homem que está neste quarto? Está vendo essa foto? Somos nós dois no dia do meu casamento com essa moça aqui — diz, volta a guardar a foto e a ocupar a mão com quem ele chama de passarinho. — É ele mesmo. E me desculpem pela desconfiança. É que, em se tratando da família Orsini, nada me surpreende. Mas o que tem essa família? Indago a mim mesma, começando a me ressentir com todas as coisas não ditas entre mim e ele. Será que a paixão deixa as pessoas tão cegas assim? Porque agora que a situação me força, enxergo o quanto tudo na nossa relação estava errado. Começo a desconfiar dele quando não pode se defender. — Qual o real estado dele? — pergunto, e a forma como faço chama a sua atenção para mim. Anne estava tão absorta entre Diego e Ella que não deve ter percebido a minha presença até esse momento. — Mas que moça linda. Você é amiga do Antônio também? — questiona e não deixo de notar a forma como me olha e nem o toque de malícia na palavra “amiga”. — Como ele está? — insisto sem me dar ao trabalho de respondê-la. — Eu li algumas coisas, mas não sei até que ponto as informações são verdadeiras — explico-me, mas a verdade é que não sei de quase nada, só que ele está mal. Diego não foi claro e eu, no desespero de ajeitar tudo para estar aqui e com medo de saber estando tão longe e não

poder fazer nada, preferi me manter no escuro até que chegasse esse momento. — Ele está em coma — diz, sinto o sangue fugir do meu corpo e a sala girando em alta velocidade. — Bia! — Ella me ampara antes que eu desabe no chão como uma manga madura. — Venha, sente-se aqui. — Ela me conduz para o banco, tento respirar e parar de suar frio, enquanto me obrigo a voltar ao controle do meu corpo e mente. — Eu estou bem, acho que foi uma queda de pressão. — Com calma levanto a cabeça, pego o copo com água que Diego havia ido buscar e me obrigo a beber. Levanto o olhar e tenho a moça me observando com curiosidade. Provavelmente estranhando a minha reação desproporcional para alguém que é só uma amiga. — Pode continuar. — Bom, foi um acidente de avião, afinal de contas. É um milagre que ele esteja vivo, mas tem uma perna e um braço quebrado. Também teve as costelas e um traumatismo craniano que o levou à sala de cirurgia ontem pela manhã. Foi fortemente sedado por causa das dores e os médicos o levaram ao coma induzido. O nosso amigo respira por aparelhos e agora só nos resta esperar e torcer para que possa se recuperar, e que seja sem sequelas. Quando termina eu já estou chorando copiosamente, a moça

segura a minha mão de um lado e Ella do outro, ambas tentando, de alguma forma, me confortar. — Você não é de fato só a amiga dele, é? — Levanta a minha cabeça e espera pela resposta. — Não. — É a única palavra que sai da minha boca e ela não parece precisar de mais respostas. — Meu Deus, mas você é só uma menina... Quando ele falou que tinha... — As suas palavras se perdem quando olha para a minha mão. — Eu tenho 18 anos, em breve 19. — Como se fosse importante, começo a me justificar, embora o estado de saúde dele esteja martelando na minha cabeça. — Mas eu entendo, você realmente é muito linda. Olha essa pele sem uma marca, esses cabelos negros e olhos claros. — A moça me deixa completamente sem jeito, mas Ella me salva. — Assim você a deixa sem jeito, Anne. E olha que a Bia é a pessoa menos tímida que conheço. — Perdão, é porque eu nunca vi o meu amigo com ninguém tão a sério. De repente, ele chegou para mim e disse que tinha uma pessoa — explica-se. — Você precisa ter fé, Beatriz. O seu namorado tem uma cabeça dura e eu tenho certeza de que vai sair dessa mais rápido do que imagina. — Eu não sei o que faria se o perdesse.

— Você não vai — afirma, me puxa para perto de si e me abraça. Sinto-me confortada entre os seus braços, talvez por ela ser uma pessoa que o viu e deve saber melhor do que nós três sobre as suas chances. — Você está aqui sozinha? — Só agora me ocorre fazer tal pergunta. — Aqui na UTI existe um número limitado para acompanhantes. Só a família ou alguém autorizado por ela pode estar nesse corredor ou entrar no quarto — explica, mas prefere não questionar sobre o que fizemos para chegar até aqui. — Eu e os pais dele estamos nos revezando nos horários. Estou aqui agora, mas a mãe do Antônio vem mais tarde. — Entendo. E será que posso entrar? Só preciso vê-lo de perto. — Eu não sei... — Começa, mas algo no meu rosto, talvez a falta de cor, a faz mudar de ideia. — Tudo bem, mas só por alguns minutos. Por norma do hospital e até por segurança, somente eu tenho autorização para vêlo. Também não ajuda o fato de as enfermeiras daqui parecerem cães de guarda. — Obrigada por tudo, Anne. Eu só quero colocar os meus olhos em cima dele. Só assim poderei respirar sem que pareça difícil demais. Com tudo resolvido, olho para a minha melhor amiga e ela parece estar tão feliz quanto eu. Olho para o seu marido e ele apenas arqueia uma sobrancelha, o que, no caso dele, significa que está contente por mim e

de saber que o amigo tem chances de ficar bem. Conhecendo o meu grandão como conheço, tenho certeza de que vai se recuperar. Enquanto o médico está na sala com ele, Anne me explica todos os procedimentos que preciso seguir antes de me aproximar da sua cama. Primeiro higienizar as mãos, colocar máscara e alguns outros detalhes que só lembrarei no momento certo. Quando o médico sai e ficamos só os 4 no corredor, ela dá o sinal para que eu entre no seu lugar. Cuidadosamente, faço tudo como Anne me explicou, mas reluto um pouco em me aproximar e vê-lo de outro modo que não seja como o homem forte, quase inatingível, que conheci e amei desde o primeiro encontro. Do seu lado, com os olhos marejados, um nó na garganta e o corpo gelado, me dou conta de que não precisava temer, pois apesar das contusões por todas as partes do seu corpo e do aparelho que o permite respirar, ainda é o meu grandão. O homem que amo mais do que a própria vida. Tento controlar, mas as lágrimas escorrem sem parar pelo meu rosto. É um choro de tristeza por vê-lo nesta situação, mas também um choro de alívio por estar vivo, de esperança por acreditar que vai ficar tudo bem. — Sou eu, meu amor — aproximo-me para sussurrar no seu ouvido —, a sua ratinha. Estou aqui e preciso que você fique bem, que volte para mim e me olhe com paixão. Que me ame do jeito que sempre fez. Que

reclame por eu andar com os pés descalços. Que me aqueça nas noites frias com o seu corpo quente. Só volte para mim, e se não for por qualquer outro motivo, que seja porque a vida de todos que o ama fica mais colorida com a sua presença nela. Com cuidado, abaixo na altura da sua mão boa e deixo um beijo nela. Reluto em sair da sua cabeceira, mas faço tendo a certeza de que Tony irá se recuperar e tudo voltará a ser como antes.

No decorrer das quatro semanas que se seguiram, desde a minha primeira visita ao hospital, criou-se uma rotina. Uma solitária e enfadonha rotina. Nos primeiros dias eu tinha a companhia do meu casal de amigos. Durante o dia Ella me levava para passear pela cidade e foram esses passeios que me fizeram perder o medo da cidade grande. Hoje eu já saio sozinha e consigo apreciar as belezas desse lugar sem ter a sensação de que os prédios irão se fechar a minha volta. Diego, por outro lado, ficava mais tempo preso no seu escritório, certamente ocupado escrevendo um de seus livros. Faz pouco tempo que descobri que ele escreve romances e até hoje não me recuperei do rubor que tomou as minhas bochechas quando Ella, depois de eu ter terminado o romance que ela mesma havia me presenteado, revelou que o autor era o seu marido. Embora sempre informado do quadro do amigo e sabendo que

não poderiam entrar para vê-lo, meus amigos não voltaram ao hospital e, todas as noites, quando voltava para o apartamento, eu encontrava o apartamento vazio. Só os via na manhã seguinte. Ella com um rosto ruborizado e algumas marcas avermelhadas nada discretas no pescoço e Diego com uma expressão neutra ao me fitar e maliciosa ao olhar para a própria esposa. Não posso negar que não tenha me sentido sufocada com a felicidade deles. Eu senti inveja da cumplicidade. Senti saudade de ter o que eles tinham e por isso não achei tão ruim quando, depois de uma semana da nossa chegada, me perguntaram se ficaria bem se voltassem para Santa Rita. Eles se foram e levaram com eles a minha impressão de que havia algo estranho acontecendo. Parecia que Ella tinha alguma coisa para falar. Quando perguntada, dizia que não era nada, que eu estava paranoica e, no fim, acabei acreditando nesta explicação, considerando que Ella é minha amiga e não mentiria ou esconderia algo importante de mim. Nos primeiros dias achei uma bênção poder ficar sozinha com as minhas preocupações, sem sentir que a minha energia ruim poderia afetá-los na própria casa. Mas agora, depois de quase um mês, estou mais solitária do que nunca. Não existe mais lugar em que eu possa ir durante os dias, pois já conheci tudo o que poderia conhecer. E mesmo se existisse um leque de possibilidade, toda a ideia de distração estaria comprometida pelos meus

pensamentos. Pelas preocupações que não me deixam nem durante o sono. É só na parte na noite, nos poucos minutos em que posso estar com o meu noivo, que consigo me sentir como eu mesma. Onde o meu coração e a minha mente estão no mesmo lugar. Anne e eu nos tornamos muito próximas depois do dia em que ela me conheceu. Graças a ela, que faz parte de um organizado cronograma de acompanhantes para o Tony na UTI, eu posso vê-lo quase todas as noites. Ela passa para me pegar no apartamento e me leva para o hospital. Nós sempre estamos sozinhas e eu ainda não tive a oportunidade de conhecer a família dele que, segundo Anne, é bem amiga da sua. Apesar da amizade, Anne não se abre muito e não dá abertura para que eu entre em assuntos que não seja amenidades. Ela não me pergunta sobre o meu relacionamento com o seu amigo, mas também não me fala nada sobre o deles. Em muitos momentos fico tentada a fazer perguntas. A moça, como se me conhecesse e soubesse exatamente quando penso em fazê-las, dá um jeito de mudar de assunto, de me distrair completamente do que seria uma conversa necessária, mas não para se ter com ela. Perguntas que o própria Tony poderia me responder se estivesse podendo fazer isso. Quanto ao Tony, ele está visivelmente se recuperando. Dia após dia vejo as marcas das concussões sumindo da sua pele. Ouço alguns murmúrios e até movimentos quase imperceptíveis quando seguro a sua mão.

Os momentos em que estamos juntos são os melhores dos meus dias. Gosto de conversar com ele, de contar-lhes coisas que tem perdido. Falo de nós dois e das notícias que leio e vejo nos jornais a cerca do que tem acontecido no mundo. São poucos minutos por dia, mas os aproveito como se fosse uma eternidade, como se o relógio estivesse parado e eu pudesse ficar ao seu lado pelo tempo que quisesse. — Eu fiquei sabendo que você está pronto para abrir esses belos olhos escuros. A Anne me falou que o medicamento está há dias sendo reduzido, que você já está bem o suficiente para suportar a recuperação consciente ​— sussurro. — Hum... — Prostrada na sua cama, ouço o murmúrio. Fico um pouco surpresa, porque embora já tenha emitido alguns sons, eles nunca foram tão altos e já fazia uns dias que não o ouvia. — Será que você está voltando para mim, meu amor? Eu e a Anne estamos aqui, loucas para te ter por completo com a gente. Os seus pais, apesar de eu não os ter conhecido ainda, sempre vêm ficar um tempo com você. Tenho certeza de que ficarão mais do que felizes com o seu despertar. Muitas pessoas te amam e precisam de você — sussurro e nem sei a razão disso. Emociono-me quando sinto a minha mão sendo apertada entre os

seus dedos enormes. É um gesto bem sútil, mas que enche os meus ossos frios de calor. Acostumada a intimidade que tínhamos, ao fato de ter o seu corpo sempre cobrindo o meu, a perda desse calor faz os meus ossos gelarem como se eu estivesse no polo norte. — Eu amo você, Antônio Orsini. Por que não fala comigo? Já faz tanto tempo... A cada palavra dita, os meus lábios tocam uma parte diferente do seu rosto. Por fim, terminam nos seus lábios, beijando delicadamente a sua boca larga. Perto o suficiente para que a minha visão fique embasada, vejo quando as suas pálpebras tremulam e começam a se mexer. Ele aperta os olhos fechados, murmura de modo mais audível. Alarmada e com medo de ter feito algo errado, ajeito a minha postura e me afasto. — Meu amor, o que você... — Desisto de falar quando, lentamente, os seus olhos começam a se abrir. Faz uma careta e pisca várias vezes, como se o esforço fosse demais para que possa suportar. — Só um minuto — digo baixinho, corro para o interruptor e desligo toda a luz do quarto, que só não fica na completa escuridão por causa da luz da lua e da cidade que reflete na janela. — Melhor? — indago e volto a me aproximar, mesmo sabendo que deveria chamar o médico imediatamente. Não! Eu tenho que chamar o médico, agora!

Quando tento me virar, a sua mão segura a minha com firmeza, ou com o máximo de firmeza que consegue, e o gesto faz com que volte para o seu lado. — Eu estou aqui, amor. Não vou sair do seu lado, prometo. — Os olhos que de que tanto senti falta me fitam, mas parece que não está de fato me enxergando. O olhar está perdido e a voz, por falta de uso, é diferente quando diz uma única palavra: — Água. — Eu vou chamar o médico. — Beijo a sua testa e corro porta afora. — Um médico, por favor, um médico! — Bia, o que houve? O Tony, ele... — Ele acordou, Anne. Olhou para mim e até pude ouvir o som da sua voz — digo emocionada e entre lágrimas enquanto começa a movimentação de médicos e enfermeiros na direção do quarto. Anne e eu choramos abraçadas, felizes e aliviadas, pois era o que vínhamos desejando há muitas semanas. — Que notícia maravilhosa, Bia! Vem, vamos sair um pouco para deixar que os médicos o examinem. — Não, eu... — Você está pálida, garota! Há quanto tempo não come? Perdeu peso, sabia? — Antes que eu tenha tempo de fazer mais um protesto, ela já

está me puxando pelo corredor, para longe do meu amor. — Eu quero ficar com ele — informo. — Eu sei, pequena Beatriz, mas você tem que deixar os médicos fazerem o trabalho deles. Nós duas por perto só atrapalharíamos. — Tudo bem — digo e deixo que me leve, seja lá para aonde for. Acabamos sentadas em uma mesa na área de alimentação do hospital. Anne colocou um suco e um sanduíche na minha frente, mas tudo o que consigo é olhá-lo como se fosse um bicho de sete cabeças. No momento o meu estômago não aceita nada, estou ansiosa demais para pensar em comida. — Você precisa se alimentar, Beatriz! — assevera como certo ar de autoridade. — Antônio vai ficar puto quando ver que está tão magrinha. E não será com você! — Não? — Claro que não. Como alguém pode brigar com você? Ele vai colocar a culpa em qualquer pessoa, menos em você, que não quer se alimentar. — Por que acha isso? — Fico tão curiosa que até sinto vontade de tomar o suco. Além do mais, as coisas sem sentido que Anne fala tem o poder de me distrair.

— Antônio não estaria com você e muito menos te pedido em casamento se não te amasse muito. Se bem o conheço, ele não é de fazer nada pela metade. Aposto que é possessivo e superprotetor, estou certa? — Ele é, sim — digo sem jeito, pois fez a exata descrição do amigo. — Vai ficar tudo bem, pequena. Eu ainda não sei como o relacionamento de vocês aconteceu... — Abro a boca, mas ela me interrompe. — Prefiro que ele me conte. Mas eu quero que saiba que pode contar comigo. Eu sou amiga dele e agora sua também. Vai dar tudo certo. — Por algum motivo, estou como uma manteiga derretida nos últimos dias, então as suas palavras me emocionam, e quando segura a minha mão sobre a mesa, meus olhos alagam. — Obrigada, Anne. Eu não sei como teria sido sem você aqui. Ficamos em um confortável silêncio por alguns minutos. Quando ela termina o seu lanche, e desiste de mim depois de ter conseguido que eu desse apenas duas mordidas no pão, me chama para voltarmos para perto do Tony. Quando nos aproximamos, o corredor está como sempre: vazio e silencioso. — Que é estranho, já era para todos terem chegado — Anne divaga, olha para o relógio do pulso e conclui. — Devem estar a caminho. — Como ele está. Doutor? — pergunta.

— Surpreendentemente bem. O coma induzido mostrou-se eficaz. Ele ainda terá um longo caminho até ficar 100%, mas já estar consciente é um enorme avanço. Tendo companhia de moças tão belas como vocês, não tem como não se curar depressa. — O senhor, que deve ter por volta dos 60 anos, diz. Nem sei se é apropriado fazer galanteios no trabalho, mas não me importo. Ele é um profissional competente com os pacientes e gentil com os familiares aflitos. — A família dele já está a caminho. — Podemos vê-lo? — questiono. — Uma de cada vez. O jovem ainda está muito confuso e precisa descansar. — Assim que o senhor some pelo corredor, Anne e eu nos olhamos, mas é ela quem decide. — Você primeiro. Cuidadosamente, fecho a porta atrás de mim. Quase com medo de que o som dos meus passos faça muito barulho, caminho devagar até a sua cama. Tony está com os olhos fechados e com uma expressão tensa no rosto. Sem poder me segurar, levanto a mão e traço com carinho o seu rosto. Aos poucos, a sua expressão suaviza e Tony começa a relaxar. Eu também, depois de tanto tempo, começo a relaxar. Era como se estivesse prendendo a respiração há semanas e só agora a soltando. Os seus olhos também começam a se abrir. Primeiro ele fica fitando o teto por alguns instantes. Depois, virando para o lado, mira o meu rosto, cuja aparência não

deve ser das melhores. Nós não desviamos os nossos olhares. Ele não diz nada, mas parece que não tem nada para dizer. Eu não falo, mas tenho tanto a falar que as palavras atropelam a minha boca antes que eu a abra. — Eu... — Começo. — Você... ​— Ele também fala. — Te amo tanto. Senti medo de te perder... — confesso, pois de tudo o que tinha em mente para dizer quando ele enfim acordasse, falar sobre os meus sentimentos parecia mais importante. — Perdão, mas... Antes que tenha tempo de terminar, seja lá o que ele estava tentando dizer, curvo-me até a cama e aproximo os nossos lábios. Os nossos olhares estão tão próximos quanto as nossas bocas que se respiram. Aos poucos os seus e os meus olhos se fecham, as nossas bocas eliminam o espaço que existia entre elas. É um beijo leve e cuidadoso. Ele tem gosto de saudade e de reencontro. O reencontro de dois amantes, depois de longos dias separados. Não nos separamos até que isso se faça necessário. Carinhosamente, distribuo selinhos nos seus lábios, sendo observada por seus olhos escuros. — Que bela recepção — sussurra, os seus olhos estão confusos enquanto me olha. — Quem é você...

Parece que fui atropelado por um caminhão. Não, muito pior, sinto que fui atropelado e, não satisfeito, o caminhão voltou e passou por cima de mim novamente. Se parar para fazer um inventário sobre os danos, devo começar por braços e pernas. Tais membros, que sempre estiveram ali, parecem ter vida própria, como se fossem membros à parte do meu corpo. Estão pesados e latejam, principalmente a perna direita e o braço esquerdo. Tento, mas não creio que seja possível mexer um músculo sequer do meu corpo. A minha cabeça, essa é a que mais dói. Sinto como se tivesse sido espremida como uma laranja na mão de alguém, talvez a sensação tenha relação com a faixa que sinto enrolada na têmpora. Isso deve ser obra de um dos meus homens incompetentes. Eu não sou um bebê chorão e já tive missões que me causaram alguns danos, mas nada que se comparasse com isso. Nada que me fizesse pensar que morri e estou no inferno. No fim das contas, eu só espero que tenha dado tudo certo

e que tenhamos conseguido concluir o trabalho, embora o latejar na cabeça não me permita lembrar de qual se tratava. Eu mal consigo abrir os olhos, mas sinto a sua presença, que vem como o sol para aquecer a minha pele. Anda devagar, mas sinto o cheiro do seu perfume no quarto. Sem que eu estivesse esperando, sinto dedos macios fazendo carinho no meu rosto. É tão gostoso que, se não fosse a dor, seria capaz de gemer de satisfação. Quando abro os olhos, não foi fácil, o seu rosto está muito próximo. Deus! Como ela é linda! Eu achei que estivesse no inferno, ou, no mínimo, no purgatório, mas agora que vejo um anjo de olhos azuis, concluo que estou no céu. E como é bom estar no céu. Não posso piscar, pois tenho medo de que ela desapareça se fizer isso. Fico bebendo da visão do seu rosto, dos lábios rosados e cabelos negros que enfeitam o seu rosto. É claro que é um anjo, não é possível que exista uma pessoa de carne e osso tão perfeita como essa, que proporcione tanta paz pelo simples fato de estar olhando para o seu rosto. Por estar sentindo o calor do seu corpo pequeno tão próximo ao meu. Eu balbucio algo, tenho a impressão de que também vejo a sua boca se mexer, mas não faço ideia do que esteja dizendo. Estou mais interessado em olhar e, se puder, nunca mais enxergar algo que não seja esse

rosto. Nunca mais sentir outro toque que não seu. Nunca fui particularmente religioso, apesar de ter sido criado no catolicismo, mas estou certo de que anjos não beijam ou não deveriam. No entanto, esse aqui está com a boca em cima da minha. Quando os meus olhos voltam a se fechar, mudo de ideia sobre estar no céu, lá não deve acontecer isso. Não estou no céu, mas sinto como se estivesse nele. O seu beijo macio, de quem sabe exatamente o que está fazendo, é curativo. Ele me faz esquecer todas as dores. Não sobra mais nada além do calor que o seu corpo transmite para o meu. Não existe nada além do seu cheiro que aguça os meus sentidos. De repente, a minha existência ganha um sentido: perseguir esse anjo, mesmo que seja preciso ir até o inf... Não, eu não iria ao inferno, afinal, o que um anjo, além do Lúcifer, faria no inferno? Eu só tenho que beijá-la. E beijar um pouco mais... Agora que as dores foram embora, posso fazer isso. Como tudo que é bom uma hora acaba, ela se afasta, mas me consola saber que só se afastou porque precisávamos de tempo para respirar. Sentindo falta do seu toque quente e gentil, me contento com o que tenho e volto a olhar para os seus olhos, depois para o nariz bem feito e pequenino. A boca que está levemente avermelhada pelo nosso beijo e pela

barba que, provavelmente, está por fazer. Quando chega o momento que olhar não é o suficiente, decido que tenho que tê-la. Saber o seu nome, porque até mesmo um anjo deve ter um nome ou um lugar para aonde eu possa ir, se quiser encontrá-la, caso suma das minhas vistas. Não quero que suma. Ela não pode me deixar, nunca! — Que bela recepção... — Tenho sucesso na primeira tentativa de falar, mas minha voz parece estranha aos meus ouvidos, como se eu tivesse ficado muito tempo sem usá-la. — Quem é você? Estou atordoado, mas tenho certeza de que nunca a vi antes. Eu saberia se fosse diferente. Se ela fosse real... Se eu soubesse o seu nome, também seria a minha mulher. Teria uma aliança no dedo e a chamaria de minha esposa. Mas tudo não passa de conjecturas, de delírios que não sei se tem algo de real ou pura fantasia. — Beatriz. A sua ratinha, lembra? — Não. Eu não lembro... — afirmo, procurando no rosto de anjo alguma coisa que se pareça familiar. — Perdoe-me... eu não... — O seu rosto, antes tão sereno e radiante, perdeu a cor. Ela está mais branca do que o normal de agora há pouco. Completamente sem vida e sinto que poderia me chutar, se já não sentisse dor por todo o meu corpo.

Sim, as dores voltaram com força total. — Diga-me quem é você e o que faz aqui, menina — peço ao agarrar a sua mão, impedindo-a de se afastar da minha cama. — Eu não sou ninguém... — Com cuidado, a jovem leva a sua mão livre até a minha e solta os meus dedos do seu pulso. — Não vá, por favor... — imploro, mas o anjo já está flutuando pelo quarto, rumo à porta. O esforço de erguer o corpo para observá-la faz com que a minha cabeça lateje com muita força. A dor pelo esforço é tanta que acabo perdendo os sentidos. Antes que a escuridão me puxe para os seus braços, sinto que acabo de perder algo muito importante. Alguém que faz parte de mim e que não posso viver sem, pois, seria como passar a vida pela metade.

— Meu Deus! O que foi, Bia. — Assim que saio da sala, com o coração partido e chorando copiosamente, encontro amparo dos braços da minha amiga, Anne. Choro até não poder mais, até perceber que preciso falar, pois ela deve estar morrendo de preocupação. — O Tony, ele... — O que tem o seu noivo, garota?

— Ele não lembra de mim. Em um momento estávamos nos beijando e... no outro, me olhou e perguntou quem eu era. — Você precisa ficar calma e parar de tremer desse jeito, pequena Beatriz. Foi só um mal-entendido. O Antônio acaba de despertar de um coma de semanas, ele ainda está atordoado e não sabe o que está falando. — Ela me consola, mostrando-se uma boa amiga. — Eu vi nos olhos dele que não me reconhecia. — Entre um soluço e outro, consigo afirmar. — Isso foi um engano, Bia. Você vai ver que quando falar com ele novamente tudo será como antes. Vocês continuarão os planos para o casamento e eu, em breve, serei a madrinha dos pestinhas de vocês. Agora me dê outro abraço, porque é disso que você está precisando... Antes que eu tenha a oportunidade de receber o seu caloroso conforto, ouço o som de passos e vozes. De uma forma que nunca tinha acontecido antes no corredor que é sempre tão silencioso. Fora o médico, que conversa com um homem, que deve ter por volta dos 60 anos, no grupo estão mais quatro pessoas. Duas senhoras elegantes, um outro senhor e uma mulher que aparenta ter mais de 30 anos. De cara noto a semelhança entre a loira e Anne. Fora a óbvia diferença de idade, elas são bem parecidas. — Uma delas eu sei que é sua irmã, mas e o resto? — indago

enquanto, apressadamente, começo a secar o meu rosto, que deve estar uma bagunça. — Meus pais e o casal Orsini, pais do seu noivo. — A informação, jogada no meu colo sem nenhuma preparação, me tira do estado de choque para o de surpresa. Uma péssima surpresa, pois tudo o que não precisava neste momento era dar de cara com os pais do homem que, aparentemente, não lembra da minha existência. — Anne, minha querida. — A senhora elegante abraça a loira baixinha e beija o seu rosto com carinho. — Que notícia maravilhosa, não é mesmo? Sorte a sua que estava aqui no momento que aconteceu. — Sim. Eu estou muito feliz, senhora Orsini — afirma. Como já a conheço bem, depois das últimas semanas nos vendo todos os dias, noto a mudança de atitude. Se antes Anne estava feliz e relaxada, agora que as famílias estão reunidas ficou tensa. Dura como uma tora de madeira. — E você, mocinha, nós já fomos apresentadas? — A mulher, que pelas características físicas é a mãe do Tony, fala comigo, mas estou sendo observada por mais cinco cabeças. Olhares estranhos, como se eu fosse um ser de outro planeta. Para mim eles também são. Está na cara, nas roupas, na postura e nos sapatos que essas pessoas não são exatamente como eu pensava quando tentava imaginar como seria a família do grandão.

— Meu nome é Beatriz Álvares. — Estendo a mão, a senhora demora tanto para pegar que começo a pensar que além de rica, é sem educação. — Sou... eu... — Ela é a namorada do Antônio. Tem vindo aqui todas as noites junto comigo para vê-lo. — Mas que sandice é essa, menina? Eu sei que você é um pouco... peculiar, vamos assim dizer, mas inventar algo assim vai além de todos os limites — A outra senhora, que apesar dos cabelos platinados já deve ter passado dos 50 anos, esbraveja para a Anne. — O Antônio é meu e você sabe disso, maninha — A versão mais velha da minha amiga fala com uma convicção que equivale a um soco no meu estômago. Como se estivesse prevendo que estou a ponto de desmaiar, Anne me abraça pela cintura. — A única coisa que sei, é que você é louca. Uma tola iludida, que age como se tivesse 20 anos e não como uma mulher de quase 40! — Chega! Não é o momento para picuinhas! — A minha suposta sogra corta a discussão. — Vamos, querido, temos que ver o nosso filho. — Puxa o senhor Orsini, que esteve o tempo todo me observando, mas sem demonstrar o que de fato sentia, pelo braço. Antes de se aproximar da porta ela se vira para mim e diz: — E você, mocinha, seja quem for, não saia daqui sem antes

falar comigo. Precisamos esclarecer algumas coisas. O casal some dentro da sala. Eu fico com Anne ao meu lado, sem se afastar um centímetro. Os seus pais não têm nada que não seja curiosidade no olhar. A irmã, tão bonita quanto ela, me olha com aberta hostilidade. Ela falou que o meu grandão é dela e eu já estou morrendo de ciúme só de imaginar que existe a possibilidade de eles já terem sido um casal. Não suportando a tensão, me afasto da Anne e, olhando para dentro dos olhos, faço a pergunta cuja resposta determinará muitas coisas na minha vida. — Anne, o que está acontecendo aqui? Por que eu tenho a sensação de que estou no meio de um terrível pesadelo?

Outra vez, em menos de quinze minutos da última, estamos em uma das mesas da área de alimentação do hospital. Dessa vez Anne não tenta me empurrar nenhuma comida ou bebida. Eu a mataria se fizesse isso. O meu estado de espírito também mudou, e para pior. O que acontece aqui é muito pior do que meu noivo não se lembrar de mim. A sua família não sabe quem eu sou. E se eu não estiver entendendo tudo errado, acabo de constatar que não conhecia em absoluto o homem com quem me deitava sempre que tinha uma oportunidade. — Eles não sabem que eu existo, não é? O Tony não contou para a família que tinha uma namorada? — Começo a difícil conversa. Anne tem culpa no olhar, mas não questiono. Agora só preciso de respostas para perguntas que nunca havia feito em meses de relacionamento. — Talvez não tenha dado tempo, pequena... — Não deu tempo? Faça-me o favor, Anne! Nós estamos juntos

há meses. Você sabe o que significa? Foram meses e mais meses em que poderia ter feito isso e, no entanto... — De repente paro de falar, observo a sua expressão e tudo fica muito evidente. Talvez sempre tenha estado, mas eu estava cega demais de preocupação para perceber. — Você sabia, não é? Sempre soube que o Antônio me mantinha escondida da família dele. Por isso que só podia vir no seu horário, para não correr o risco de esbarrar com nenhuma daquelas pessoas. — Eu..., bem, eu desconfiava, sim. Depois que você se apresentou como noiva do Tony, eu tentei, em todos os encontros que tive com os Orsinis, descobrir se sabiam algo a respeito de uma namorada do filho deles, mas não demonstraram sequer desconfiar que existia alguém na vida do Antônio. Pelo contrário, continuam como sempre: acreditando que um dia... — O filho deles ficará como alguém como a sua irmã? — Completo para ela. — Como você sabe? — Fora a cena que ela fez? Me parece o tipo de coisa que pais desejariam para os seus filhos ricos e mimados — afirmo. Na minha boca tem um gosto amargo. A amargura que me faz sentir como se estivesse bebendo veneno, um que se espalhará pelas minhas veias, até deixar-me completamente contaminada por ele.

— Eles têm ou já tiveram alguma coisa? — indago, sentindo o gosto do ciúme de uma forma que nunca havia experimentado antes. — Eu não sei ao certo. O Antônio é um cara muito fechando, sabe? Sempre tão distante de tudo e de todos. Estava melhor da última vez que o vi e agora entendo os motivos... — ela divaga, mas corta o discurso quando se depara com o meu olhar cético. Como poderia acreditar em mais alguma coisa? — Eu não sei, mas a Lara age... — Como se tivesse — concluo, antes que ela o faça. — Ela não é louca, eu suponho. Se pensa que tem alguma coisa com o Orsini, é porque tem razões para isso. — Não, Bia. O Tony não é assim! Ele... eles... — Levava uma vida dupla? Escondeu de todos que tinha uma namorada no interior? Uma idiota que acreditava em tudo o que ele dizia, inclusive, que um dia pretendia se casar com ela? — Já estou num ponto em que não posso mais voltar atrás. Todas as informações de um grande quebracabeça começam a se encaixar na minha cabeça. — Orsini... Eles não são uma família comum de classe média. — afirmo, porque está claro que, por motivos que não me atrevo a pensar, não ainda, Tony também mentiu sobre isso. Não. Nisso não posso ser injusta porque tenho minha parcela de culpa por ter sido tão cega. Por nunca ter feito perguntas, por ter sempre

aceitado a sua reserva de não falar muito de suas origens. Fazia por acreditar que era o seu jeito, que não havia muito a contar. No fim das contas, eu não estava distraída demais com os seus beijos para guardar a informação, ele realmente não mencionou o seu sobrenome durante todos os meses de relacionamento. — Orsini é uma família tradicional aqui no Rio. O pai do Antônio é desembargador aposentado. A mãe dele uma socialite que influencia em tudo a outras mulheres que estão na mesma posição que ela. Mas não é só isso, os nossos pais são sócios de uma grande editora de livro chamada O&M. — Eu conheço — digo. Como poderia não conhecer se já vi esse nome em vários livros que li? — Então você sabe que é uma família milionária, cujos olhos de toda a sociedade estão voltados para ela. Tudo que fazem vira notícia. Talvez por isso o Tony tenha... — E quanto ao Antônio Orsini? Você que é amiga dele, me diga o que sabe? — pergunto, querendo saber tudo de uma vez, para depois seguir em frente. — Antônio Orsini, 38 anos, filho único e... rebelde. Eu sou muitos anos mais nova que ele, mas não tão mais velha que você. Enfim, sou mais jovem, mas sou observadora. Quando me tornei adulta o suficiente para

entender algumas coisas, logo percebi que ele não era o que se esperava do herdeiro de um império. Mas eu não acho que deva te contar. Cabe ao Tony fazer isso — afirma, mas não me importo, não mais do que a simples curiosidade. Já sei o suficiente para tirar algumas conclusões a respeito de tudo o que vivi desde o dia em que coloquei os meus olhos famintos em cima do milionário, Antônio Orsini. Uma mentira, não passei de uma mentira na sua vida. A diversão nos dias de fuga. O brinquedo que não merecia ao menos ser mencionado para a sua família. — Por que você fez isso comigo, Anne? — Não estando machucada o suficiente para entorpecer os meus sentimentos, pergunto com os olhos marejados. — Por que, se desconfiava de tudo, me deixou fazendo papel de idiota por tanto tempo? Pensei que fosse minha amiga. — Eu sou sua amiga! — diz com convicção, tenta segurar a minha mão, mas a afasto antes que consiga. — Mas é mais dele. — Não é isso! Me escuta, Beatriz! Eu só estava tentando ajudar. Queria evitar o encontro entre todos vocês, ele não poderia acontecer até que o Tony estivesse consciente para me explicar que merda tinha feito. Eu tinha esperança de que ele fosse acordar e arrumar essa bagunça. Sempre faz isso. — Por que você não duvidou, nem por um segundo, quando eu

disse que era a noiva dele? — Me ocorre perguntar. — Porque ele me falou de você. Será que não percebe? Sou uma das pessoas mais próximas dele e Antônio se abriu para mim sobre você. Isso tem de significar alguma coisa. — Ele só não teve essa consideração comigo, não é? Porque eu nunca soube da sua existência. Talvez você também não seja tão importante assim para ele, já pensou? — digo para tentar machucá-la, assim como eu estou sangrando. — Não aja dessa forma, pequena. Você não é assim. Só está machucada, mas tenho certeza de que agora ele poderá se explicar e tudo ficará bem entre vocês e entre a gente também. Não duvide da minha amizade por você. — É difícil de acreditar e entender os seus motivos — confesso. Não sei como será daqui a uma hora, dia ou meses, mas agora eu a olho e não vejo nada além de uma estranha. — Eu ainda vou provar... — Então aqui estão vocês, mocinhas. — Somos interrompidas com a chegada silenciosa e repentina da senhora de cabelos tingidos com tinta preta. Enquanto se senta — sem convite — à mesa, faço uma rápida avaliação. Tudo dela remete à riqueza e poder, desde a vestimenta, as joias

ostensivas e a postura de quem sabe qual é o seu lugar no mundo. — Senhora Orsini, como está o Antônio? — Bem, felizmente. O meu filho é forte como um touro. — A sua fala tem o tom inconfundível de orgulho, assim como os seus gestos de mexer nos anéis, ao invés de olhar para qualquer uma de nós, mostra que preferia estar em qualquer outro lugar, desde que fosse longe das nossas vistas. — Logo estará novinho em folha. — Que bom. Torço para que esse momento chegue logo. — Anne, sempre tão altiva, fala com um respeito que beira ao temor. — Você não tem juízo, menina? Como pôde trair a confiança dos seus tios dessa forma? — Se dirige a ela com rispidez. Os punhos serrados sobre a mesa, mostrando que toda a aparente calma era só isso, aparência. — Eu não fiz isso, senhora. Se pensa... — Traiu, sim! Durante todas essas semanas trouxe uma desconhecida para perto do meu filho, que estava impossibilitado de recusar esse tipo de atenção. — Agora o seu olhar se volta para mim com desprezo, como se eu fosse um inseto que ela possa simplesmente pisar e depois seguir em frente. — Eu não era uma estranha! — digo com firmeza, sem desviar o olhar do seu. Não sei que tipo de pessoa a mulher gosta de intimidar com

toda a sua superioridade, mas não fará isso comigo. Sei que tenho pelo menos o direito defender-me, sejam quais forem as acusações que pretenda fazer. — Ela não é uma estranha, é a noiva do seu filho! — Cale a boca, menina! — Ordena, embora não aumente o tom de voz. — Eu não sei que tipo de sandice duas garotas como vocês seriam capazes de criar nessas cabecinhas tolas, mas vamos esclarecer de uma vez por todas essa situação. Anne e eu não já temos coragem de abrir as nossas bocas. Ficamos esperando para sabermos o que irá “esclarecer”. — Você disse que é noiva do meu filho? — Eu sou, ou era, noiva do seu filho — falo. — Mocinha, o meu filho não tem uma noiva. Nunca teve sequer uma namorada sendo colocada diante dos meus olhos e do pai dele. Quer mesmo que acreditemos que você, que não passa de uma adolescente, tinha um relacionamento com o Antônio? — Nós tínhamos — garanto. As minhas mãos estão escondidas. Por alguma razão, não quero os seus olhos odiosos em cima do meu anel. Que diminua o que ele representa para mim, assim como tenta diminuir qualquer possibilidade de o filho ter se relacionado comigo.

— Ele me disse, senhora — Anne se mete entre nós duas. — Disse o quê? — Que tinha uma namorada... — E você, como essa outra garota, levou muito a sério, não foi? — A mulher está irredutível, fria como um bloco de gelo. Sem demonstrar qualquer sentimento. Mas, talvez, seja essa a sua forma de amar e proteger o filho. — Ele deu um anel de noivado para a Bia. A senhora sabe o que isso significa? Mostre para ela a sua mão, Bia. Vamos, mostre, agora! Quando as minhas mãos pousam na mesa, cuja esquerda ostenta o anel prateado, o olhar da senhora é tão fulminante que poderia derreter a joia no meu dedo. — Significa que dão muita importância para bobagens. Só de olhar eu posso ver que se trata de um anel barato, do tipo que o meu filho jamais daria para a mulher com quem pretendesse se casar. Diga-me, menina, você acha mesmo que Antônio Orsini daria um anel assim para alguém importante o suficiente? — Não. — Agora que sei quem de fato ele é, foi fácil dar a resposta para tal pergunta. — Mas vamos acabar logo com essa inconveniência. Eu não sei o que aconteceu entre o meu filho e você. Nem mesmo sei se aconteceu e de

onde você saiu. A única certeza que tenho é que faria qualquer coisa pelo meu filho. Eu estava com ele até agora, sabiam? — Anne e eu apenas balançamos a cabeça em concordância. — Foi o melhor dia da minha vida. Pude ver o meu menino com os olhos abertos. Lúcido, depois de tantas semanas. — Pela primeira vejo vez ela mostrar que tem sentimentos. — Ele me olhou e me chamou de mamãe. Falou com o pai e com todos que vieram depois de nós. — Fico feliz por isso — falo, embora felicidade seja a última coisa que sinto no momento. — Percebemos rapidamente que o acidente levou embora algumas memórias dele. Antônio não se lembra de alguns acontecimentos mais recentes e ainda não sabemos ao certo a extensão da amnésia. Eu tentei falar sobre uma possível namorada e sabe o que ele fez? — Não faço ideia — digo com o gosto amargo na boca. — Ele sorriu, como se essa fosse a coisa mais absurda que já tenha ouvido. Meu filho lembra de todas as pessoas que são importantes para ele, menos de você. — Olha-me com frieza. — Sabe que o isso significa? — Eu sei — digo. Os meus olhos ardem, mas faço de tudo para engolir junto com a dor, as lágrimas. Esforço-me além das minhas forças para não desabar na frente dessa senhora que sente prazer em dizer palavras para me machucar.

— Senhora Orsini, por favor, não faça isso... — Como se já soubesse o que vem pela frente, Anne tenta pará-la. — Não sei o que pretendia vindo até aqui todos esses dias e nem o que meu filho, que é um inconsequente, disse para você, mas entenda que essa história acaba aqui! Antônio está bem, na medida do possível, mas ainda tem um longo caminho pela frente e eu preciso que se afaste e não o procure mais. Para ele não será nenhum problema, considerando que não se lembra de você. — Você não tem o direito de fazer uma coisa dessas, sua velha... — Anne, por favor, se acalme. — Cansada, querendo me encolher em um canto e deixar que todos os meus cacos se espalhem, interrompo a sua tentativa de me ajudar. — Não se preocupe, senhora, eu não penso em procurar o seu filho — assevero. — Você é apenas uma criança e tenho certeza de que poderá recomeçar, longe da ilusão de uma relação que jamais daria certo — diz com fingida bondade. — Quero que tenha por onde começar, e para que veja que não desejo o seu mal, vou te ajudar. — Os meus olhos acompanham as suas mãos quando abrem o zíper da bolsa, pega um bloco de papel retangular e uma caneta. Escreve brevemente sobre uma das folhas, depois a destaca do

resto e a coloca sobre na mesa, na minha frente. Com a mão trêmula, pego o papel. É um cheque. Nele tem tantos zeros que fico até surpresa. Olho para ele, depois para ela e tomo a única atitude que poderia ter. Sob os seus olhos arregalados, rasgo o papel em pedacinhos. — Nunca mais tente me comprar. Não sei com que tipo de pessoa está acostumada a lidar, mas eu não sou uma delas. Suma você e toda a sua família de merda da minha vida — ordeno entredentes. — Garota insolente! — Ela se levanta, guarda a caneta, as folhas de cheques e vai embora, plena como se tivesse acabado de tomar um café com amigas. — Beatriz, você não pode... — Acabou, Anne — digo quando as lágrimas guardadas finalmente escorrem pelo meu rosto. Quando a dor de estar tirando a aliança do meu dedo se torna quase insuportável. — Eu quero que fique com isso. Pode dar o fim que quiser, eu não me importo mais — Coloco o anel na sua mão e a fecho. — Por favor, Bia, não pode deixar que eles te vençam. Você e o Antônio se amam e precisam ficar juntos. — Ele nunca me amou e não sabe quem eu sou — digo, furiosamente secando as minhas lágrimas. Ela também está chorando, mas não posso fazer nada por mim, quem dirá por outra pessoa. — Eu preciso lhe

fazer um pedido. — Diga, minha amiga, eu faço qualquer coisa. — Antônio não lembra de mim e eu gostaria que continuasse assim. Você, se realmente é minha amiga, tem que me prometer que nunca falará sobre mim para ele. — Eu não posso fazer isso! — Apenas prometa, Anne. Se for não por ele, faça por mim. Não existem mais motivos para prolongar essa história. Isso só traria mais sofrimento. — Eu prometo — diz aos soluços, o que me faz voltar a chorar como uma fraca, porque sei que a possibilidade de voltarmos a nos ver é mínima e ela se tornou alguém muito especial para mim. — Adeus, querida. Cuide-se — Levanto a mão, acaricio o seu rosto, mas não fico para ouvir a sua resposta. Apenas me levanto e pego a minha bolsa, na intenção de deixar essa cidade para sempre. Isso ainda não acabou... Tenho a impressão de ter ouvido algo parecido antes de estar longe o suficiente, até mesmo para sentir o cheiro do seu perfume.

— Pequena, você voltou! — Uma Ella, com as mãos sujas de terra por causa das atividades no jardim da sua casa, vem me abraçar. — Que cara é essa? Você está muito abatida, menina — constata. Limpa a mão da melhor forma que pode no avental de jardinagem, amarrado à sua cintura e depois me puxa pela mão para o banco de concreto, bem parecido com o da praça da vila, que fica ao lado da roseira. — Não me diga que o armário... — Não! O Tony está bem — afirmo, ela me analisa por uns instantes, provavelmente sem entender a razão do meu abatimento e sorriso triste, depois de uma notícia tão boa. — Vocês sabiam, não é! Você e o seu ogro sabiam que o T... que o Antônio Orsini mentia para mim e não me falaram nada. Por que você fez isso comigo, Ella? Era a minha melhor amiga. Eu pensei que podia confiar em você.

— Eu sou a sua melhor amiga, Beatriz Álvares. Não diga isso no passado porque sabe que esse é um fato que nunca mudará. É a minha irmãzinha mais nova e eu jamais te magoaria de propósito. Nisso você tem de acreditar. — Está segurando as minhas mãos com firmeza, os seus olhos imploram por compreensão, mas não a tem, não de mim que estou oca e não tenho mais nenhum sentimento bom para oferecer a qualquer pessoa. — Eu não posso... não sei mais o que pensar, o que sou e nem o que fazer de agora em diante. Eu deixei de pensar em minha individualidade para ser a amiga, a filha e, principalmente, a mulher de Antônio Orsini. Agora eu descobri que era tudo uma mentira. Um amor tão frágil, construído em cima de um castelo de areia. — Bia, você precisa se acalmar. Vamos para dentro, precisa beber um copo com água... — Não me diga o que fazer! E pare de me tratar como se eu fosse criança. Foi por me enxergar dessa forma que você me deixou fazer papel de idiota. — Nós não tínhamos certeza, Beatriz. Quando o Diego descobriu quem na verdade ele era, ficou sem saber o que fazer. Antônio não falava nada sobre sua vida, mas não significava que com você fizesse o mesmo. Por não ter certeza, nós esperamos o momento certo. Quando tudo ficou claro, depois de uma conversa com Anne, ela nos fez prometer que não

iríamos interferir. Que iria ficar tudo bem depois que o armário acordasse. — Ele não se lembra de mim — digo com amargura e os olhos secos. Não existem mais lágrimas para serem derramadas. — Eu sinto muito, minha amiga... — Não sinta! Vou ficar bem — afirmo ao afastar-me da sua tentativa de abraço. — O que vai fazer agora? — Ela faz uma boa pergunta, afinal, deixei que ele se tornasse a minha vida, então deve imaginar o que significa viver pela metade. — Recomeçar. Seguir em frente da melhor forma possível. — Levanto-me para ir embora, Ella começa a me seguir pelo pátio, mas a impeço. — Por favor, me deixe. Preciso dê um tempo. — Tudo bem, vá para casa descansar que mais tarde eu passo lá para te ver — afirma. — Acho que você não entendeu, Ariella. Eu preciso de um tempo. Não quero que vá me ver mais tarde, amanhã e, talvez, nem na semana que vem. Quando eu estiver preparada para falar com você e seu marido novamente, os procuro. — Não faça isso, pequena. Deixe-me ficar perto de você agora. Amigos são para essas coisas. — Minha melhor amiga está mordendo o lábio

inferior, fazendo de tudo para não romper em lágrimas. A minha vontade é de abraçá-la e dizer que vai ficar tudo bem, mas era ela quem deveria me dizer essas coisas. Por outro lado, como poderia afirmar algo do tipo sem estar mentindo? No fim, não é só questão de não querer que fique ao meu lado, de puni-la por não ter falado sobre as suas desconfianças. Eu simplesmente não conseguiria tê-la comigo agora, tentando falar sobre o assunto quando preciso, sozinha, descobrir a melhor forma de superar a decepção. — Adeus, Ella. Deixo-a sozinha no pátio da sede da fazenda. Dirijo-me para a porteira, onde deixei a minha mala, depois de ter vindo direto do aeroporto conversar com ela. É início da noite, a estrada está deserta, mas o fato não causa alarde, afinal, estamos na pacata Santa Rita, onde todos se conhecem, onde reina a segurança e a paz. — Por que uma moça tão bonita está andando sozinha e carregando uma mala enorme? — Bom, a paz acabou neste exato momento. Eu só queria caminhar sozinha para a minha casa! Não é pedir muito, é? — Boa noite, Guilherme. Tudo bem? — cumprimento o rapaz porque não posso simplesmente ignorá-lo. A boa educação que meus pais me deram não permite.

— Estou ótimo. E você? — Bem também. O sobrinho do padre deve ter seus 30 anos ou algo bem próximo a isso. É um homem gentil, bonito e galanteador. Logo que chegou à cidade, para fazer um serviço de restauração na paróquia do tio, ficou de olho na Ella. É claro que não teve nenhuma chance. Não quando tinha Diego Estrada como concorrente. Eu e ele sempre fomos próximos. Não digo que somos amigos, mas sempre me tratou com gentileza, quase como se me visse como uma irmãzinha mais nova. — Você não parece bem, Bia. — É só impressão sua. Acabei de chegar de viagem e estou cansada, é isso. — É claro. Mas por que o seu namorado não está com você? Me perdoe se estou sendo curioso demais, mas vocês sempre estão juntos. — Eu não tenho mais namorado — digo de uma vez. Cedo ou tarde todos ficarão sabendo. — Eu sinto muito — fala e não olho em sua direção para dizer se realmente sente. Também não me importo. Só preciso terminar de chegar a casa, fechar os meus olhos e dormir por uma semana inteira. Felizmente, acredito que tenha percebido que não estou com

ânimo para conversar amenidades, ou qualquer outro assunto, Guilherme não abre mais a boca até deixar-me na porta de casa e entregar a minha mala, que ele veio arrastando pela estrada. — Obrigada por ter vindo até aqui — agradeço enquanto destranco a porta. — Não foi nada. O prazer foi todo meu. Espero que fique bem — fala, se aproxima perigosamente e beija o lado esquerdo do meu rosto. — Boa noite, baixinha. — Boa noite. — Fico na varanda de casa até que desapareça. É somente quando vira a rua que respiro aliviada e entro com os meus pertences em casa. — Lar, doce lar. Deixando a mala no canto do sofá, já sabendo de antemão que não será desfeita hoje e nem amanhã, saio ligando as luzes de todos os cômodos. Eu sempre odiei lugares escuros, mas agora que trouxe luz para o meu lar, pela primeira vez desejei que não tivesse feito. É a casa de um casal, um lugar feito de lembranças minhas e dele. Tudo aqui, em cada pequeno detalhe, tem a marca de nós dois. Não só minha ou só dele. De nós dois como um casal. Duas pessoas unidas como uma só em nome do amor. — Chega disso, Beatriz, você precisa parar de pensar! — falo

em alto e bom som, esperando que, só por uns instantes, consiga não pensar. Jogar para o fundo da mente tudo o que aconteceu no último mês e descansar. Eu estou muito cansada da viagem, de uma forma que não aconteceu na ida, e o caminho entre tomar um banho e cair na cama parece longo demais. Enquanto me preparo para dormir, os meus pensamentos voam para lugares que eu desejaria não visitar mais hoje. Quando, totalmente desnorteada, saí do hospital e fui para o apartamento dos meus amigos, só pensava em arrumar as minhas coisas e voltar imediatamente para Santa Rita. Eu achava que no meu chão doeria menos, que me sentiria menos perdida. Mas era noite e eu não tinha como vir embora daquele jeito. Entre o momento de comprar passagens e arrumar as minhas malas, cega pelas lágrimas que não deixavam de atrapalhar a minha visão, a noite que seguiu foi longa e insone. Quando me vi na frente do avião, quis correr em outra direção, mas lembrei que tinha feito a promessa que só voltaria a voar no monstro em caso de extrema urgência. E eu tinha urgência em deixar aquela cidade. No fim das contas, eu estava com a mente tão longe que não tive tempo de sentir medo. Também estive com os pensamentos distantes quando peguei um carro de aluguel para fazer o caminho entre o aeroporto e Santa Rita. Desci na fazenda para falar com Ella, embora quisesse chegar a casa logo. Tive que ir, pois sabia que ela viria atrás de mim no momento em que

soubesse da minha volta. Precisava que soubesse que estava magoada e precisava ficar sozinha por um tempo. Não foi fácil, mas necessário. Com uma toalha enorme em volta do corpo, mal tenho ânimo para me secar antes de desenrolar a outra do meu cabelo e me jogar completamente nua sobre a cama. Se eu esperava sossego para cair nos braços de Orfeu, recebo o cheiro do perfume do traidor impregnado nos lençóis. Dividida entre me levantar para trocar os lençóis e me entregar ao sono, a minha exaustão me tira a chance de escolha. Quando estou flutuando entre estar acordada e inconsciente, me agarro ao cheiro dos nossos perfumes misturados. Com ele me preenchendo, a tristeza não pode me alcançar. Sonho que está tudo bem, sou feliz com o homem da minha vida e esperamos um bebê.

RIO DE JANEIRO Agora que já sei que sofri um acidente, sinto que deveria estar feliz por vê-los felizes, mas a única coisa que desejo é que me deixem em paz com a minha dor de cabeça. Estou fazendo caretas, será que ninguém

percebe? Posso apostar que enquanto dormia tinha mais paz. — Eu não entendo por que está com essa cara, Antônio. Não vê que deveria estar feliz? Você quase morreu, ficou semanas muito mal, mas agora voltou para nós. — Lara se senta na ponta da minha cama, menor do que a outra, agora que deixei a UTI. Ela é a primeira pessoa que vem falar comigo. Todos estão empenhados em comemorar, embora o maior interessado não tenha entrado na festa. — Eu só estou com dor de cabeça — digo, mas não é só isso. De alguma forma, me sinto estranho, mais deslocado do que antes. Não sei se é pelo período de ausência involuntária que, de certa forma, causa estranheza ou se tem algo a mais. — Eles não estão falando muito alto? — Não. Eles não estão. — A mulher bonita fala bem baixinho e acaricia a minha mão imóvel sobre a cama. Eu não entendo a atitude. Se minha mente confusa não estiver me pregando uma peça, nós nunca fomos muito íntimos. Exceto por uma única vez, que eu preferia esquecer, mas nem o acidente foi capaz disso. Um erro que para ela pode ter significa mais do que realmente foi. — Ei, você, venha para mais perto. — Sutilmente tiro a mão da Lara de cima da minha e me dirijo a Anne. A única pessoa nesta sala que não tem um sorriso no rosto. Ela nem mesmo está comemorando. — O que houve com a moça simpática que estava aqui antes de eu bater a cabeça dura? —

brinco, vendo-a se aproximar. Agora ela ri, mas é um sorriso tão triste que me deixa desconfortável. O que de tão ruim poderia ter acontecido para tirar a alegria dela? Logo a Anne que está sempre de bem com a vida. Ela era a pessoa que fazia com que eu me sentisse menos como um estranho dentro do meu próprio ninho. De repente eu acordo do que foi um terrível acidente e nem isso tenho mais. — Eu me alegro de te ver assim, se recuperando tão bem. — Sem qualquer sutileza, Anne tira a irmã do meu lado e toma o seu lugar, ficando próxima de mim. O seu toque é diferente do da irmã. Ele, de alguma forma, é familiar, transmite um pouco de calor para a minha pele fria e ainda dolorida. — Não parece — rebato, mas deixo que me toque. Posso ter me esquecido de algumas coisas. De períodos da minha vida que vão de semanas a meses. Fases importantes, outras nem tanto, mas não esqueci que essa moça, tão mais jovem que eu, era o mais próximo de amiga que eu tinha. Não ter esquecido dela, da minha família e dos amigos mais próximos faz com que eu me sinta um pouco menos apavorado quanto a amnésia. Sendo otimista, escolhi acreditar que poderia ter sido pior. Eu ainda me sinto como eu mesmo, tirando o óbvio estranhamento pela situação. Mas, por outro lado, e isso nada tem a ver com a

amnésia, parece que tem alguma coisa acontecendo. Algo está faltando em todo esse cenário. Essa pequena parte que me faz acreditar que nada será como antes. — Anne. — Ela, que estava com os pensamentos fora desse quarto, volta o olhar surpreso para mim quando ouve a minha voz. — Tem alguma coisa que você queira me contar?

UMA SEMANA DEPOIS... — Eu sei que tudo o que aconteceu foi um baque muito grande para você, mas não acha que já está na hora de tentar se levantar dessa cama? Você não faz nada além de dormir e chorar. — Mamãe já chega abrindo as cortinas e sacudindo o meu corpo. — Eu estou bem — digo com a voz abafada pelo o travesseiro. É óbvio que estou tentando mentir para a pessoa que me conhece tão bem quanto a si mesma, ela sabe, e por isso não desiste de mim. Poxa, só se passou uma semana desde a grande decepção. Eu ainda estou na fase do choro e de ter pena de mim mesma, mas estou louca pela fase em que restará apenas o desprezo pelo homem que me prometeu o mundo e me deu apenas mentiras. O homem que se divertiu enquanto pôde e conseguiu se livrar de mim sem precisar da parte chata de me dar um fora. É até irônico pensar que uma amnésia fez o trabalho sujo por ele.

— Você tomou café, pelo menos? — Estava pensando em fazer isso agora. — É claro que estava — diz com ironia. — Você está muito magra, minha filha. Está me deixando preocupada. — Me perdoe por ser uma péssima filha. — Não há o que perdoar, Beatriz. Mas você tem que encontrar forças dentro de si para levantar a poeira. Aquele homem não merece nada de você, nem as lágrimas que não deixa de derramar. — A senhora está certa... — falo, mas não movo um músculo sequer para me levantar, tomar um banho e buscar alguma coisa para comer. São tarefas simples, mas que parecem difíceis demais de executar. — Se estou certa, por que não se levanta e toma um banho? Depois você pode sair para tomar um pouco de sol. Está quase transparente de tanto ficar trancada dentro de casa. No fim, mamãe vence pela insistência. Levanto-me, tomo um banho demorado e revigorante, para depois tentar comer de verdade, embora a maioria dos alimentos que tento engolir esteja embrulhando o meu estômago e fazendo com que eu os coloque para fora poucos minutos depois. Quando chego à sala, a encontro do jeito que eu havia deixado. A única diferença que percebo é a ausência de fotos minhas com o meu exnoivo. Mamãe, em uma das suas arrumações, deve ter decidido que seria o

melhor a se fazer. Eu, apesar de sentir uma pontada de dor, digo a mim mesma que é melhor assim. Preciso esquecê-lo e tenho que começar de algum lugar. — Isso está cheirando que é uma maravilha — elogio ao entrar na cozinha e encontrá-la mexendo nas panelas. — Fiz um almoço especial para você. — Mas eu nem tomei café — retruco. — Eu sei, por isso esse almoço valerá pelas duas refeições. Eu quero ver você comendo tudinho, mocinha! — fala com firmeza, do jeito que fazia quando eu era uma criança. — Mamãe fez aquele feijão que você ama, além de mandioca frita. Só a palavra mandioca frita já fez o meu estômago embrulhar em um terrível enjoo, mas não digo nada. Dona Maria está se esforçando tanto que não quero magoá-la desdenhando da sua comida dessa forma. Como uma menina comportada, pego o prato com comida que ela colocou e, sendo observada de perto, começo a me alimentar. — Eu estive pensando... Será que não é melhor você voltar para casa? — Felizmente, ela toca no assunto quando já engoli grande parte da comida, senão teria deixado ela intacta. — Aqui é a minha casa, mamãe. — Não, filha, essa é a casa que ele te deu. Colocou esse imóvel

no seu nome, mas não foi por amor. Queria apenas ter uma prostituta de luxo. Perdoe-me por estar falando dessa forma, mas ele agiu assim ao esconder você da família dele, ao mentir sobre quem era. — Eu sei, mamãe. Não precisa dizer, já penso em tudo todos os dias. Em todas as horas quando estou acordada, é por isso passo parte do tempo dormindo. Quando durmo não doe tanto, não a ponto do insuportável. — Isso vai passar, meu bebê. Você é jovem e ele foi apenas o seu primeiro namorado... — Não era apenas um namorado! Mas eu não vou falar sobre isso com a senhora. — Tudo bem, só prometa que irá pensar em deixar essa casa? Se quer seguir em frente, não será morando aqui que conseguirá fazer isso. — Eu não preciso pensar, vou voltar para casa — dizer em voz alta é como tentar fechar uma porta sem estar preparada para isso. É doloroso, mas tenho que fazer. — Aqui não tem nada para mim. Com licença. — Deixo a cozinha para que não me veja chorando. No quarto, começo a, furiosamente, tirar as minhas roupas do guarda-roupa, deixando as dele intactas ao lado. Não pretendo levar nada que não seja o que trouxe da casa dos meus pais no dia em que mudei.

— Eu já disse que estou satisfeito, Elvira. Pode falar para a minha mãe que não sou um incapaz? Se quiser qualquer coisa, pedirei. — Mas, senhor Antônio... — Dê o fora daqui mulher! Eu só preciso ficar sozinho por um momento. — A minha ordem, dada alguns tons acima do habitual, faz com que a mulher, que trabalha aqui na mansão há tantos anos, saia correndo. Inspiro e expiro profundamente, tendo um raro momento de paz dentro do meu antigo quarto. Depois que despertei do coma, ainda fiquei no hospital por uma semana inteira, agora faz duas que voltei para casa dos meus pais, mas posso jurar que estava melhor no ambiente todo branco, sendo observado por médicos e enfermeiros. Eles pelo menos tinham os seus horários para me incomodarem e depois me deixavam em paz. Aqui em casa é diferente. Em quinze dias, não teve um em que não tenha recebido visitas, que não tenha sido levado a responder perguntas e me submeter a olhares curiosos. Fui reduzido a um milagre e toda a mídia passou a ter um bizarro interesse na minha vida. Eu que nunca dei material para eles falarem de mim, fiz isso de maneira involuntária.

Tudo como sempre foi, só que pior! Para o meu azar, não saí do hospital completamente recuperado. Então estou fazendo algumas sessões de fisioterapia para o braço e a perna que foram quebrados no acidente. O dano não foi tão grande, mas o suficiente para que precise fazer um esforço para fazê-los obedecer aos meus comandos. Isso tirou o meu trabalho, a única coisa capaz de fazer com que me sinta vivo. Onde a adrenalina corre pelas minhas veias e coloco para fora tudo o que deixo guardado sob a pele do herdeiro da família Orsini. Sinto-me frustrado e mal-humorado. Estou certo de que será diferente quando puder voltar à ativa. Já me sinto muito melhor quando os meus agentes vêm me visitar e contam das suas peripécias das últimas semanas. Eles foram dos casos mais bobos, como descobrir esposas e maridos infiéis, a perigosos, como chegar ao nome do chefe de uma grande organização criminosa. Um caso no qual queria ter atuado. E teria, se não fosse o acidente quando estava voltando de um lugar que não faço ideia de onde era e ninguém ao meu redor parece animado para contar. Na minha memória existem várias lacunas. Às vezes fico frustrado, mas na maior parte do tempo prefiro acreditar que não perdi nada importante. Alguém já teria me contado se fosse o caso. Estão todos aqui, a exceção de Diego Estrada. Ele é um dos meus amigos mais próximos, mas não mandou mais do que duas mensagens

de texto, depois do que me aconteceu. Sei que ele é um bastardo, mas poderia pelo menos ter mais consideração pelo colega de farras. O cara é fechado como uma ostra, mas quando estamos no clube, com um copo de bebida nas mãos, ele acaba falando um pouco mais, me fazendo pensar que somos amigos. A pior parte dessa experiência é controlar o fluxo dos meus pensamentos durante as noites, quase sempre insones. Fico horas e horas acordado, relembrando o sonho que tive quando estava começando a despertar. Eu abri os olhos e lá estava ela, a moça com o olhar mais lindo que eu já tinha visto. Apesar de já terem se passado tantos dias, me lembro com clareza de cada pequeno detalhe dela. Pele clarinha, mãos macias enquanto fazia carinho no meu rosto. Cabelos muito escuros, olhos azuis. Nariz pequeno e arrebitado. E a boca, tão linda quanto gostosa de beijar. Bom... se é que se pode beijar a um anjo e sentir esse toque em cada fibra do meu corpo. Sentir de maneira tão intensa que não pude esquecer, ainda tão vívido na lembrança que me faz perder o sono. Quando consigo dormir, sonho com ela. Não são meras memórias sendo revividas. É pior e faz com que eu acorde envergonhado. Como posso ter esse tipo de sonho com um anjo? Alguém que nem é real, mas os desejos vergonhosos e ocultos são.

Quando ela vem para os meus braços, não se contenta mais com o beijo leve da primeira vez. Não, nós dois desejamos muito mais e fazemos o necessário pelo momento da satisfação absoluta. Na minha mente doente ela é ousada e não tem qualquer vergonha do seu corpo, me mostra tudo o que preciso ver. Vejo de perto, sempre deitado na cama do hospital, o seu corpo pequeno e bem feito. Ouço cada batida do meu coração enquanto ela, com os pés descalços no piso limpo, vem em minha direção. Não ouço o som da sua voz, mas sei o que sente só de olhar para o seu rosto. Tremo de desejo quando monta em cima do meu colo, quando começa a, lentamente, passear a boca e a mão pelo meu corpo. Fico duro ao ponto da dor, louco para meter, mas nunca consigo fazer isso. Nos sonhos, quando estou prestes a enfiar meu mastro na sua boceta, que me lembro de estar sempre melada de tesão, ela desaparece. Simplesmente se levanta e vai embora. Deixa-me sozinho e frustrado, exatamente como fico depois dos sonhos, só que pior. Teve ocasiões em que acordei apenas duro como uma rocha. Já em outras, gozado como um adolescente que não sabe se controlar. Mas não são esses os sonhos mais difíceis com uma mulher que não existe. A que pensei ser um anjo inventado pelo meu subconsciente, mas que é tão safada que está mais para uma diaba. Nas noites mais difíceis, ela não vem para me seduzir, muito

pelo contrário. Quando chega ao lado da cama, o seu rosto está banhado pelas lágrimas. A expressão no seu rosto é tão triste que o meu coração se quebra em mil pedaços. Eu estendo a mão e, diferente das vezes em que vem para me foder, não consigo tocá-la. Sempre que tento fica mais longe, e assim some até a próxima visita noturna, seja para me foder, seja para mostrar que está inegavelmente triste. — Acho que vou precisar contar sobre isso para o psicólogo, ou essa obsessão vai me enlouquecer — digo baixinho para mim mesmo. Por algum motivo, a minha mente, possivelmente mais prejudicada do que aparenta, criou a mulher que de tão perfeita me faz arder de desejo por ela e de uma forma que nunca aconteceu com uma que era real. Por essas e outras razões é que eu preciso voltar ao trabalho. Ocupar a minha mente de uma forma que não tenha tempo para nada. Não para sentir falta de algo que não sei exatamente o que é, mesmo sabendo que esse vazio já existia antes do acidente. Sem tempo para sonhar, pensar e desejar a porra de uma mulher que não é real. Eu tenho que me livrar dela, de um jeito ou de outro. É isso, ou enlouquecer de vez.

— E tinha outro jeito de essa história terminar, Florinda? Eu me pegava pensando sobre isso sempre que os via se agarrando da maneira mais desavergonhada possível pela praça. Agiam como se não existissem outras pessoas, inclusive crianças, em volta. — Bom, mas não é da nossa conta, não é mesmo? — Dona Mafalda, na porta da paróquia, com um rosário e bíblia na mão, avisa, embora esteja fazendo isso depois de ter ela mesma abordado e assunto e dado a sua opinião sobre o que não lhe diz respeito, como acaba de observar. Eu me pergunto se não está falando isso só porque acaba se me ver, bem atrás das duas, ouvindo tudo. Como não pode cutucar a companheira e dizer-lhe que o objeto de fofoca está presente, tenta, de alguma forma, se safar do rótulo pertinente de maior fofoqueira da vila e de toda a cidade. — É claro que não é da nossa conta, mas não tem como não

notar certas coisas — Florinda prossegue e eu quase acho engraçado o prazer que elas têm de falar da vida alheia. — Foi tudo muito de repente. Em um dia ela era apenas uma adolescente, no outro estava saindo da casa dos pais desnaturados para ir morar com um homem que ninguém nunca tinha visto e que tinha idade para ser o pai dela. Estava na cara que daria nisso. — Florinda... — Deixe-me falar, mulher! — A faladeira pede, um pouco irrita com a companheira por ter o seu discurso interrompido. — Estava na cara que ele só queria se divertir com uma moça ingênua do interior. Ainda bem que ela não ficou grávida, porque aí, sim, estaria em maus lençóis. Como, em nome de Deus, aquela menina sustentaria uma criança se os pais são malucos e levam uma vida tão instável? — instintivamente, ainda que não exista nada, as minhas duas mãos vão para a minha barriga. Eu estaria em maus lençóis... — Bom dia, senhora Florinda e senhora Mafalda — cumprimento-as, pois acredito que já ouvi o suficiente. A que mais falou, quando se volta e percebe que eu estava dois degraus atrás delas, não demonstra mais do que um leve constrangimento por ter sido pega. Talvez não seja a primeira vez que acontece e já esteja acostumada demais para que possa se sentir constrangida. — Bom dia, menina Beatriz. Indo para a missa?

— Sim. Se me derem licença — falo, elas liberam a entrada da paróquia e eu sigo para dentro. Como aconteceu em todas as outras ocasiões nas últimas semanas, opto por não dar muita importância para o fato de ter me tornado o centro das atenções na vila das flores. Não digo que não incomoda, pois é impossível não me sentir pelo menos um pouco mal quando vozes de pessoas que não têm nada a ver com a minha vida lembram da tolice que fiz ao me apaixonar e viver essa paixão. O meu erro, segundo alguns julgamentos, que não são ditos tão baixo quanto os julgadores pensam, foi ter me jogado rápido demais nos braços de um estranho. Foi ter me envolvido com um homem tão mais velho e experimente, que só queria se divertir. Pelo visto, todos viam isso, mesmo eu. Estava estampada na cara dele todas as suas intenções, mas eles ainda me dão o crédito de ter agido como uma menina ingênua e acreditado nas suas promessas. Ouvir fofocas ao meu respeito faz com que eu reviva tudo, com que eu não esqueça, mesmo que esteja tentando fazer isso desde o dia em que voltei, há três semanas. — Que bom te ver aqui, pequena Bia. Eu... — Sou interpelada por Ella antes de chegar a metade da paróquia. — Você, por acaso, está me seguindo? — indago, tendo a

expressão bem séria. Um leve rubor cobre as suas bochechas, e sei a resposta antes que fale. Ella não pode simplesmente respeitar o meu pedido para que fique longe até que eu queira falar com ela. Pelo menos, não por completo. A minha amiga não me procurou, mas, de algum modo e com frequência suficiente para me impedir de pensar em coincidência, estamos sempre nos encontrando. — Eu não faria isso. Você pediu um tempo e eu estou respeitando — afirma, mas não olha nos meus olhos. Ela sempre está em todos os lugares. Se vou ao mercadinho, lá está ela, passando pelo mesmo corredor. Se vou à casa de carnes para a mamãe, dou de cara com a minha melhor amiga na fila. Nós nos cumprimentamos como duas pessoas educadas devem fazer, mas ela fica me olhando, certamente esperando que eu diga alguma coisa. Sei que se preocupa e só quer saber se estou bem. — Não, Ariella Estrada. Você não está! — esbravejo, um pouco alto demais e isso faz com que os rostos de alguns fiéis se voltem para mim com expressões irritadas. — Tudo bem, eu não estou. Mas sinto falta da minha melhor amiga! — Ella, sem qualquer aviso, me abraça. Fico tão sem reação que nem chego a retribuir.

— Vamos nos sentar e assistir a missa. Quando terminar a gente conversar — falo. — Então me prometa que não irá fugir como fez em todas as outras vezes que dei um jeito de... — Se interrompe quando percebe que estava falando demais. — Que deu um jeito de nos esbarrarmos em cada esquina? Você não é nada sútil, Ella. — Culpada! — admite. — Não se preocupe, eu prometo que não irei fugir. Satisfeita? — Acho que sim. — Assim que termina, ela corre para o seu lugar ao lado do marido e do filho. Diego olha para trás, os seus olhos encontram os meus, mas ele apenas dá de ombro e olha para frente novamente. Por um breve momento, me pergunto o que ele sabe sobre o canalha, já que eram melhores amigos, mas o instante passa quando me lembro de que não quero e não preciso saber de nada a respeito dele. Antônio é um assunto encerrado na minha vida, mesmo que o meu coração ainda sangre, que não saiba ainda se sinto ódio ou saudade do que foi e do que poderia ter sido.

— Não estava pensando em fugir, estava? — Ella me agarra pelo braço quando termino de descer o último degrau da escada da paróquia para a calçada. Não posso negar que pensei em adiar um pouco essa conversa, mas Ella, teimosa como uma mula quando quer alguma coisa, me viu no meio de dezenas de fiéis enquanto tentava passar despercebida. Eu teria conseguido, uma vez que sou menor do que 90% da população de Santa Rita, mas nem minha baixa estatura é páreo para os olhos e teimosia da ruiva. — Eu não ousaria — digo. — Meu amor, vá indo com o nosso filho. Preciso ter uma conversa com a cabeça de vento da minha melhor amiga — pede, beija o rostinho da criança mais linda da cidade e depois beija os lábios do marido. Eu imagino que ela tinha em mente um beijo leve, mas o ogro a pega pela cintura com firmeza e devora a sua boca em um beijo curto, porém intenso. Pelo visto eu não era a única que gostava de demonstrações públicas de afeto. — Vocês são sempre assim, tão... — Está ficando pior com o tempo. Mas não quero falar de mim.

Vamos. A garota, com a sua mania de me puxar de um lado para o outro desde que éramos crianças, me leva para o banco da praça. Nós nos sentamos de frente para a outra e ficamos em silêncio, sem saber por onde começarmos. — Pode falar — digo. Sei que tem muitas perguntas para fazer, e embora ainda não a tenha perdoado por esconder coisas que me diziam respeito, também tenho consciência de que não é justo deixar a minha melhor amiga de fora da minha vida. Preocupada e sem saber como tenho vivido depois do que aconteceu. — Eu não espero que tenha esquecido o que fiz... — Não vamos falar disso, Ella. Já passou — afirmo, pois nada do que possamos falar irá mudar o que aconteceu. — Como você está, minha amiga? Fiquei sabendo que voltou para a casa dos seus pais. — Sim, voltei há duas semanas e acredito que tenha sido melhor assim. Tudo o que eu queria era esquecer e não seria bom ficar em um lugar cheio de lembranças... — E como conseguiu? — Perdão? — Quero saber se conseguiu esquecer. Não era o que pretendia?

— ela fala de uma maneira tão direta que equivale a um tapa na cara. Por isso não queria falar com ela. Sabia que precisaria desnudar a minha alma. Mostrar o que escondo para mim mesma, uma máscara tão bem colocada que ninguém, nem mesmo a minha mãe, notou as cicatrizes que ainda sangram. — Diga-me, pequena. Você está mesmo superando o Antônio e todo o amor que sentia, ou está apenas sobrevivendo como a sombra da garota alegre que um dia foi? — diz, tocando a ferida. — Não esqueça que te conheço muito bem. — Às vezes o odeio tanto que sinto como se pudesse ir até o Rio de Janeiro para matá-lo com as minhas próprias mãos, para não deixar que saia impune através de uma amnésia que o livrou do incômodo de olhar da minha cara e dizer como pôde ter sido tão canalha. Nessa altura da tarefa de me expor por completo, já estou chorando, o que não me permito fazer desde o dia em que deixei a casa onde construí o meu sonho de vida feliz. O dia em que o meu coração acabou de ser despedaçado. Desde então tenho os olhos secos, caminhando por aí como uma pessoa incompleta. Penso em parar e me preservar, como venho fazendo há dias, mas prossigo por acreditar que desabafar ajudará de alguma forma a sarar a dor. — Mas têm os dias em que sinto saudade, mas tanta saudade que

o meu coração chegar a doer. Nesses dias sinto raiva de mim mesma, mas não posso evitar. Lembro dos momentos bons, porque apesar da maneira como tudo terminou, eu fui plenamente feliz. De uma forma que toda pessoa deveria experimentar um dia. A mamãe não sabe, mas nos dias de maior fragilidade eu fico por horas a fio na janela, olhando para a rua, porque uma parte de mim tem a tola esperança de que, em qualquer momento, ele virará aquela esquina e dirá que tudo não passou de um mal-entendido — falo, paro um momento para respirar fundo e prossigo: — Quando o momento de fraqueza passa, sinto raiva de mim mesma e o ódio por ele volta. Vivo nesse círculo vicioso, uma tormenta dentro da minha mente e coração, guardada sob a máscara de alguém que está, supostamente, seguindo em frente. — Eu sinto muito, minha amiga. Nem posso imaginar o que é estar no seu lugar. Só sei que amo o Diego tanto quanto você amava o armário e não teria a sua força se um dia o perdesse. — Gentilmente, minha amiga enxuga as lágrimas que não me envergonho de derramar. Não na sua frente. — Só se passaram três semanas, não é? É muito recente e eu sei que por mais que nunca consiga esquecer de verdade, vou conseguir superar. De alguma forma encontrarei o meu caminho e seguirei sozinha. — Sozinha, não. Você ainda é muito jovem para se tornar tão

cética, Bia. Quando passar... — O amor não é para mim, passarinho. E eu não acredito mais nessa bobagem toda — digo, já não mais chorando, colocando novamente a minha máscara e sempre acreditando que um dia deixará de ser uma máscara. — Não vou discutir com você sobre isso. Sei que um dia, quando deixar de doer, irá rever esses pensamentos. Você é a garota feita de amor, para amar, e eu acreditarei nisso até que me prove que falou a sério quando disse o contrário — afirma. — Você é uma romântica incurável. — Eu sou, sim. Mas vamos continuar falando de você. — Ela não vai mesmo me deixar quieta! — Não tem graça falar só de mim — pondero. — Eu estive pensando bastante enquanto você me dava um gelo, e cheguei à conclusão de que está na hora de nós duas colocarmos em prática aquele projeto nosso. — Projeto? — indago, por um momento não fazendo ideia do que ela está falando. — A nossa própria floricultura! — diz, muito empolgada. — Ella, você é dona do roseiral. Esse projeto não faz mais o menor sentido. — Não é a mesma coisa, pequena. Eu ajudo como posso no

campo, mas lá tem tanta gente qualificada e com experiência que não me sinto verdadeiramente útil. Além do mais, sinto necessidade de colocar em prática tudo o que estudei. — Isso é uma loucura, querida. Como eu poderia ser sócia em uma loja? Não tenho um centavo para investir. — Nós vamos dar um jeito. Só me diga que irá fazer isso comigo. Por favor, pequena. — Está implorando, mas ainda desconfio de suas intenções. — Não está fazendo isso só para me ajudar, está? — Não só por isso. Eu quero mesmo que tenhamos a nossa própria floricultura, ainda mais agora que a única que tinha aqui na praça está fechada. E se for te ajudar de alguma forma, melhor ainda. — Tudo bem. É uma loucura, mas nós vamos fazer isso — decido. Eu estava mesmo precisando encontrar o meu caminho. Ter uma loja de venda de flores, que era o meu desejo de infância, me parece uma ótima maneira de começar. — Você é a melhor, pequena Bia. Estou muito feliz que tenha me perdoado. — Ainda não sei se te perdoei... — Perdoou, sim! — Feliz, Ariella me abraça. E se soubesse que

estava precisando tanto, teria deixado que se aproximasse antes. Um passo. Dei apenas o primeiro passo, mas estou otimista que muitos ainda virão e que nem perceberei quando o passado ficar onde deve estar, quando a história de um amor que deu errado se tornar uma pálida lembrança na minha mente.

Uma semana depois... — E essa aqui? — Guilherme, completamente suado, com a camisa grudada no corpo — não sei por que estou reparando nisso — tem uma prateleira nas mãos. — Pode colocar ali no canto, mas se quiser começar a instalar, eu não vou achar ruim — brinco. — Então farei isso, linda. — Obrigada — agradeço e paro um segundo o que estou fazendo para observá-lo entrar na loja. Passou-se apenas uma semana do dia em que aceitei a proposta da minha amiga. Não tínhamos nada que não fosse um plano, mas todo o trabalho não foi páreo para a nossa empolgação. Encontrar o lugar foi fácil, já que a antiga proprietária havia fechado a floricultura. Levamos um dia inteiro para pensar em como imaginávamos a loja e, no fim, decidimos que não

queríamos algo comum. De alguma forma, queríamos chamar atenção para a nova loja na praça. Ao invés dos usuais tons pastéis, escolhemos os tons de roxo e preto para as paredes. Uns dirão que é mórbido, mas nós duas conseguimos visualizar como ficaria lindo o contraste com o colorido das flores. Não foi difícil pensar em Bella’s Rosas como nome da loja e hoje, depois de muito trabalho, estou supervisionando o carregamento de flores que acaba de chegar. Ter mercadorias foi a parte mais fácil de todo o processo, uma vez que Ella tem muita influência sobre o dono do roseiral e não se sentiu constrangida de me contar os detalhes de como convenceu o marido a investir na gente. Embora Diego tenha protestado por causa do, justificável, ciúme do Guilherme, ele acabou aceitando que o cara superou a queda que teve por ela e não fez caso com a ajuda que o sobrinho do padre tem dado. Quando se ofereceu, deixamos claro que não poderíamos pagar ainda, mas ele garantiu que só queria nos ajudar, uma vez que o seu trabalho o permite ter algum tempo livre. Ella gosta de brincar com isso. Diz que ele está interessado em mim e eu sempre digo para não brincar com o assunto, porque não estou preparada. Torço para que esteja completamente equivocada em suas brincadeiras.

Todo o trabalho me faz bem, pelo menos mentalmente. Os últimos dias têm me ajudado a não pensar no que não devo, nem mesmo quando me deito para dormir porque estou cansada demais para fazer outra coisa que não seja fechar os olhos. Como nem tudo são flores, não posso dizer o mesmo da saúde física, pois estou ficando muito exaurida, mais do que gostaria. — Não acha melhor se sentar um pouco, amiga? Você está pálida demais. Sente-se lá dentro, pode deixar que eu assumo daqui — Ella diz quando chega com o filho. Toma a prancheta em que fazia o controle da mercadoria das minhas mãos, deixa Alex livre para brincar dentro da loja e não me resta outra saída que não seja parar um pouco para respirar. — Já instalei a prateleira maior, lindinha. Não quer que eu... Ei, você não está bem! — Ele faz carinho na minha bochecha, olho para o seu rosto e posso jurar que estou vendo três homens na minha frente. Mas Guilherme tem razão, eu não estou bem e isso não é de hoje. Estou há dias, mesmo antes de começar a trabalhar para a abertura da loja, me sentindo diferente. Da pessoa que vivia pulando de um lado para o outro, para que se cansa com facilidade. Da que come de tudo, para a que sente enjoo do cheiro da maioria dos alimentos. Logo eu que nem sequer sei o que é sofrer um desmaio. — Bia, eu acho que você vai...

Tudo bem, aí está o meu primeiro desmaio para a conta, penso quando a escuridão me toma por completo.

— Porra, eu não aguento mais toda essa merda! — Como um bebê birrento, reclamo. — Se está doendo é porque estamos fazendo progresso, Orsini. Se você fizer tudo como deve, em poucos meses irá andar sem mancar de uma perna por causa da dor. Fazendo o seu trabalho muito bem, por sinal, o meu fisioterapeuta faz o mesmo discurso pela décima vez. Estamos na academia da casa dos meus pais, que foi adequadamente adaptada para suprir as minhas necessidades, e só consigo pensar que nunca me senti tão mal-humorado. — Já faz um mês que acordei naquele maldito hospital e desde então não faço outra coisa que não seja ficar na cama ou fazendo fisioterapia, cujos exercícios são tão dolorosos que me fazem pensar que seria melhor continuar mancando de uma perna. — Não vou levar em consideração as bobagens que está falando, porque sei que está sob a influência desse humor terrível. A boa notícia é que

já terminamos por hoje. — Já não era sem tempo, mais um pouco e eu chutaria esse seu traseiro gordo para fora daqui — brinco.

Quando volto para o meu quarto, depois de um banho revigorante no banheiro da academia, encontro mamãe sentada na minha cama a minha espera. Pelo visto, não terei o momento de paz de que necessito. — O que faz aqui? — Isso lá é jeito de falar com a sua mãe? Você está irretratável, Antônio. Parece que acordou pior do que antes — reclama. — Não teria que passar por esse incômodo se tivesse simplesmente me deixado morrer — falo, mas em seguida me arrependo. — Perdoe-me mamãe, mas estou tão frustrado por ficar preso nesta casa, sem poder sair para trabalhar ou para qualquer outro lugar. Já faz um mês... — Eu te entendo, meu filho, mas você tem que agradecer por ter saído vivo e com todas as chances de ficar tão bem fisicamente quanto estava antes, dezenas de outras pessoas não tiveram a mesma sorte — diz, embora

não precisasse me lembrar. Todos os dias eu penso no que aconteceu e lamento por todas as vidas perdidas naquele dia. Penso em como as famílias daquelas pessoas devem estar sofrendo. Pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, que tinham uma vida pela frente, mas tiveram os seus sonhos destruídos por uma fatalidade. Por alguma razão, eu, que não tinha tanto a perder, fui poupado. Deve ser por isso que me sinto tão inquieto, doido para sair daqui e ir em busca do que realmente me faça feliz, embora não saiba por onde começar a procurar. O meu trabalho, para o qual desejo tanto voltar, não me faz feliz como imagino ser o verdadeiro sentido de felicidade, mas pelo menos faz com que me sinta bem, livre para algo que cause sensações genuínas, seja adrenalina, seja dor. — Eu não suporto quando você se perde dentro da própria cabeça e me deixa falando sozinha, Antônio Orsini! — esbraveja. — Você foi assim a vida toda, mas piorou muito depois do acidente. O seu corpo está aqui, mas os seus pensamentos não. O que você tem, meu filho? Estamos começando a ficar preocupados. — Eu não sei, mamãe. Se soubesse te diria — digo, mais cansado do que estava antes de entrar aqui. Ter essas conversas com ela nunca foi fácil, mas agora está mais difícil ainda.

— Nem as sessões com a psicóloga estão dando jeito, não é? — Ela, assim como todos os outros, escolheu acreditar que a minha introspecção é causada pelo trauma do acidente e em parte estão certos. Mas não dá para fingir que antes não era assim, em menor escala, mas sempre fui assim. Houve uma época que os tratamentos com profissionais como psicólogos e terapeutas eram quase como uma necessidade básica e, com certeza, embora tenha medo de dizer com todas as letras, mamãe tem medo de que eu esteja voltando a ser aquela pessoa. Faz anos que eu me seguro em uma ideia frágil de controle, sendo guiado quase a ponto o sufocamento pelos meus pais, mas o acidente está trazendo o medo de volta. Mostrando a cada um de nós que não dá para fingir para sempre, que apesar de todos os esforços, eu ainda sou o filho inadequado, uma pessoa que sempre foi doente. — Eu tenho certeza de que me sentirei melhor quando voltar a... — Sair por aí correndo de um lado para o outro? Se colocando em perigo desnecessário? — completa irritada, porque todas as conversas que tivemos nos últimos anos sobre o assunto não foram suficientes. — Por que você não se desfaz dessa empresa e assume o lugar que é seu por direito na editora, filho? — Eu não vou ter essa conversa com a senhora de novo. Se era esse o assunto, eu peço que me deixe sozinho.

— Não era só isso. Hoje nós vamos fazer uma recepção para comemorar a bênção de te ter de volta conosco. Será aqui em casa e só para os amigos mais íntimos. — E vocês planejaram sem me consultar? — falo entredentes, fazendo um esforço sobre-humano para não gritar com a minha própria mãe. — Você aceitaria se tivéssemos te consultado? — Não se trata disso! Eu tenho 38 anos e o fato de eu estar passando um tempo nesta casa não dá a vocês o direito de fazer esse tipo de coisa sem me consultar! — Já não tem mais como voltar atrás. O jantar começa às 19h. — Puta que pariu! — grito, assim que a minha mãe deixa o quarto. — Eu preciso sair desta casa ou vou enlouquecer. A atitude dos meus pais foi a gota d’água para eu tomar uma decisão. Mesmo ciente que o conforto que tenho aqui é bom para que me recupere mais rápido, sinto que é hora de voltar para o meu apartamento. Será mais difícil sozinho, mas a minha paz de espírito não se compra com um pouco de conforto. Eles vão protestar, mas não pretendo voltar atrás. Tomei a minha decisão e o jantar de hoje será o último que participarei sem que a minha vontade tenha sida levada em conta.

— O quê? Onde eu estou... — Tento me levantar, mas sou delicadamente empurrada para o colchão por mãos leves. Ella! — Se acalme e tome esse copo com água. — A garota coloca o copo na minha frente e eu a olho com uma sobrancelha erguida, afinal, não posso tomar água deitada. Com calma me ergo, pego o copo e o entorno para dentro. — Onde estou? — indago ao entregar o copo vazio para a minha amiga. Observo pela primeira vez o ambiente e os pares de olhos me olhando com curiosidade. No recinto temos o padre, o sobrinho do padre, Ella e eu. Um médico, temos um médico também. — Estamos na sala da casa do padre. Você se sentiu mal e desmaiou na loja. Te trouxemos para cá porque era o lugar mais perto de onde tinha um lugar confortável para você descansar. — E por que trouxeram o médico? Foi só uma leve tontura,

gente. Hoje está muito quente... — Se foi só uma leve tontura, não terá problemas em ser examinada, não é mesmo, senhorita Beatriz? — Mas não precisa... — Se os senhores pudessem, por gentileza, nos dar licença... Talvez a moça esteja um tanto quanto acanhada — sugere o doutor. — E por que eu estaria acanhada? — questiono. — Vamos ficar lá fora, depois nos falamos, Bia — Guilherme diz, abaixa-se para beijar a minha testa e sai com o tio. — Por que expulsou o padre de sua própria casa? — Ella pergunta. — Eu estou com alguma coisa grave? — Calma, menina. É algo que estou acostumado a fazer. Geralmente as senhoras que examino não gostam que façam isso na frente de seus maridos ou qualquer pessoa do sexo oposto. A senhorita não tem nada mais sério, não aparentemente. — Que bom. — Respiro aliviada, pois, por um momento, ele me assustou. — Mas tenho que fazer algumas perguntas para a senhorita. — O senhor Estênio, único médico da Vila das Flores, se senta no espaço vazio do sofá com sua prancheta e uma caneta na mão. — É um procedimento

costumeiro, só para ter certeza que esse desmaio foi mesmo ocasionado pela fadiga. — Tudo bem — digo, olho para a Ella e ela parece um pouco preocupada. É como se soubesse de algo que não sei. — Foi seu primeiro desmaio? — Sim. — Tem se sentido bem nas últimas semanas? — Tenho... quer dizer, há dias que sofro de enjoos. Eles me causam vômitos. Em alguns dias sinto fadiga. — A garota que nos observa reage. Fecha a cara, como se estivesse prestes a me dar uma bronca, provavelmente porque não parei um segundo sequer na última semana, apesar de estar reclamando de fadiga. — Interessante... — Interessante? — Ella e eu falamos juntas. — Senhorita, me responda: quando foi a sua última menstruação? Quando ele faz a pergunta, primeiro acredito que não tenha ouvido muito bem. Um segundo depois, sinto o sangue deixar o meu corpo em uma corrida frenética. As minhas mãos ficando geladas e a tontura voltando com força total. — Bia... — Em um segundo Ella está ao meu lado, abraçando-

me pela cintura. — Senhorita, pela sua reação, eu suponho... — Mais de dois meses — digo, sem acreditar que nem percebi que estava atrasada. Como não notei que passei dois meses inteiros sem menstruar. — O seu período costuma ser regular? — Sim — falo, embora desejasse dizer outra coisa. — Vou pedir que faça um exame de sangue — fala. As perguntas acabaram, o seu rosto está sereno, como se não tivesse nenhuma dúvida do diagnóstico. — Ela vai fazer, doutor. Obrigada por ter vindo — Ella agradece e se levanta para levá-lo até a porta. Quando volta, ficamos nos olhando por um tempo em silêncio, ambas chegando as mesmas conclusões do médico. O exame é só um protocolo. — Eu... — Você? — Minha amiga me incentiva a falar em voz alta. — Estou grávida? — De maneira automática, as minhas duas mãos vão para a minha barriga, que não dá nenhum sinal de que tem algo de diferente acontecendo com o meu corpo. — Provavelmente sim, pequena. — Ela me abraça por um

instante, eu retribuo sem saber o que pensar, mas logo o redemoinho de pensamentos me faz rejeitar a sua companhia. Qualquer companhia. — Eu preciso ir — aviso, enquanto coloco os meus sapatos. — Só preciso ficar sozinha por um tempo. Vou ficar bem. — Beijo o seu rosto, não espero que diga mais alguma coisa e saio apressada. Na calçada esbarro em Guilherme, que fala algo que não entendo, porque estou focada em correr para aonde deixei a minha velha bicicleta. Com o vento gelando no meu rosto, pedalo sem sentido. Sem saber para aonde estou indo, passo pela praça até chegar à estrada de terra. Na minha mente uma única frase se repete sem parar. Eu estou grávida Eu estou grávida Quando dou por mim, já estou na frente da casa que Antônio me deu. Começo a subir os degraus da varanda até alcançar e me sentar na cadeira que costumávamos namorar. Sozinha, deixo que a minha mente aceite a novidade. Aos 18 anos vou ter um filho. Uma criança de um homem que me deixou da maneira mais cruel possível quando simplesmente me apagou da sua memória. De uma forma que não tinha nem como confrontá-lo sem parecer uma louca. Às vezes eu penso como seria se a situação fosse outra. Se Tony tivesse só perdido a memória, mas não mentido para mim. Eu o amava tanto

que tentaria fazê-lo se lembrar de nós. O ensinaria a me amar como já tinha feito uma vez. Mas as coisas são como são, ele deve estar seguindo a sua vida sem quaisquer aborrecimentos. Vivendo como o herdeiro de um império. Eu fiquei com uma parte sua que me impedirá de esquecê-lo por completo. Esse bebê acaba de tirar de mim a ilusão de que um dia Antônio não seria mais do que uma vaga lembrança. — Isso não podia ter acontecido! Não podia! — falo bem algo, com raiva do Tony, do mundo, de mim mesma e do feto que não tem culpa de nada. — Eu te odeio, Antônio Orsini! Maldito o dia em que você entrou na minha vida! — falo entre lágrimas, dando-me conta de que finalmente passei da fase da saudade e inconformismo, para a raiva. A mágoa que sempre me fará companhia. Agora mais do que nunca. Quando me acalmo do rompante de fúria, vou para a casa dos meus... Não! Lá é minha casa também, não esta aqui. Vou para casa contar para eles o que está acontecendo. Encontro-os assistindo televisão no sofá. Mais meu pai do que a dona Maria, essa está mais concentrada em organizar as novas mercadorias de roupas que chegaram. Ela, por incrível que possa parecer, ainda não desistiu desse negócio. E pela sua crescente empolgação sou levada a acreditar que não desistirá tão cedo. Papai está no mesmo lugar de sempre: trabalhando no campo de

rosas. Faz o seu serviço com maior dedicação e nunca o ouvi reclamar. Talvez tenha sido dele que eu herdei o amor pelo campo e pela natureza de modo geral. — Eu preciso falar com vocês — digo alto o suficiente para que a minha voz sobreponha ao som da TV. Papai desliga o aparelho e ambos me olham com curiosidade. Talvez eu tenha falado séria demais. — Eu estou bem. — Está? Então por que esses olhos inchados de quem chorou? — Dona Maria do Rosário, sempre atenta, indaga. — Eu tive um mal-estar na loja. À princípio pensei que fosse o calor... — Assim como pensou que fosse em todas as vezes que deixou a comida intocada? Ou quando vomitou tudo o que comeu? — Estava prestando atenção nisso? — pergunto surpresa, pois achei que estava conseguindo esconder bem. Eu só não sei como não pensei nem por um segundo que poderia ser uma gravidez. Como não lembrei que a minha menstruação não tinha descido. Ou talvez já soubesse no fundo, mas o medo era tanto que o meu subconsciente encobriu todas as evidências. Preferi arrumar desculpas para cada sintoma. Só não ousei pensar em um filho a caminho. — Você é minha filha. É meu dever saber tudo ao seu respeito,

mesmo que tenha falhado em alguns momentos. — A senhora foi uma boa mãe. As pessoas que falam o contrário estão completamente erradas. — E você é um presente nas nossas vidas — papai diz, embora eu acredite que ele não faça ideia do que está acontecendo. Não deve ter relacionado os meus vômitos e enjoos a nada específico. — Continuará pensando assim, mesmo depois de eu dizer que estou esperando o bebê de um homem que não está mais na minha vida? Que serei mãe solteira em uma cidade cujo passatempo preferido é fazer fofocas? Meu pai recebe as minhas palavras com surpresa, mamãe, por outro lado, permanece serena. Eu não entendo por que não me alertou se já desconfiava. — Eu não quis me antecipar a você. Não estava bem depois de tudo o que aconteceu, então preferi deixar que percebesse no seu tempo. Para que pudesse lidar com a situação da melhor maneira possível. — Antes de ser questionada por mim, ela diz. — Saiba que eu e sua mãe ficaremos do seu lado e te apoiaremos, seja qual for a decisão que vier a tomar. É a sua vida e ninguém melhor que você saberá como conduzi-la. Só pense direitinho para que não haja arrependimentos. — Obrigada, papai. Com vocês dois ao meu lado fica mais fácil.

— Segurando as suas mãos, digo emocionada. — Agora eu vou descansar, porque ainda tenho que pedir para a Ella me acompanhar até o laboratório. Sozinha no meu quarto, permaneço por um tempo deitada de barriga para cima. A mente vazia, apenas fitando o teto com as mãos no abdômen. Em algum momento mamãe traz um lanche e eu me obrigo a comer pelo menos um pouquinho. Seja qual for a minha decisão futura, já não me sinto capaz de recusar alimento. Não estou mais sozinha. Leve-me ao laboratório? Envio a mensagem de texto. Amanhã cedo estarei aí, esteja pronta. Com um sorriso no rosto leio a mensagem da minha melhor amiga. Depois do banho quente, que me fez ficar olhando para o meu corpo com fascínio, tive uma noite mal dormida. Os meus pensamentos confusos não me deixaram descansar um segundo sequer. Foi um misto de medo do futuro, com ansiedade para o exame e só agora que estou pronta para sair me permito relaxar. Está quase acabando... Só preciso da confirmação. Com um dos funcionários na fazenda ao volante, Ella e eu fazemos o percurso até a cidade de Boa Ventura no mais completo silêncio. Eu ansiosa demais para conversar, ela respeitando a minha ansiedade. No

laboratório é tudo muito simples. Sangue tirado, expectativa para o resultado, decepção por saber que terei que esperar o resultado por algumas horas. Voltamos para Santa Rita com o endereço de um site onde poderei consultar. Digo para minha amiga que ela pode ir para casa, que ligarei assim que souber. Ela, muito sagaz, entende que eu quero estar sozinha quando acontecer, me deixa na porta de casa e segue para a fazenda. A minha mãe não entra no meu caminho, fica fazendo as tarefas de casa e me deixa sozinha no meu quarto. Fico andando de um lado para o outro, contando os minutos que faltam até poder ligar o computador. Quando chega o momento, sinto que os meus dedos não são rápidos o suficiente para digitar o nome do site, que a internet não é boa o bastante para carregar a página sem que se passe um minuto inteiro. Quando abre, leio o meu nome no topo da página, os meus olhos correm pela parte que não interessa e vão direto para o final, onde está escrito em negrito e caixa alta. POSITIVO Por mais que eu já soubesse, não fico livre do choque de ter a confirmação que dá 100% de certeza da minha condição. Com se fosse um bicho prestes a me atacar, desligo o computar da tomada e me afasto da cadeira. Continuo a caminhar. Sinto que de repente ficou mais quente,

então vou até as janelas de madeiras e as escancaro. Permito que o ar entre e volto a caminhar como uma fera enjaulada. — Eu não posso fazer isso... Repito dez vezes até me convencer. — Eu só tenho 18 anos e não tenho condições psicológicas e nem financeiras para criar esse bebê. Pensasse nisso antes de transar sem camisinha. A voz da razão debocha do meu desespero. Em um momento de felicidade plena e certezas quanto o futuro, eu não me importei se poderia ou não ficar grávida. Não, era mais que isso, eu queria ter um bebê do homem que amava. Ele parecia querer isso também quando não se dava ao trabalho de colocar um preservativo. — Mas ele não está aqui e eu não sei se terei forças de procurálo para dar a notícias. Não! Como poderia fazer isso? O homem não sabe quem eu sou e poderia me mandar para a cadeia. Os meus passos ficam mais rápidos, o som dos meus pés batendo no piso chamam atenção. — Filha, está tudo bem aí? — Estou, sim, mãe — digo e ouço os seus passos se afastando da porta do meu quarto. Agora com cautela, quase com medo, vou para frente do espelho

de corpo inteiro. Tiro a minha blusa e sutiã, então olho para mim. Fito e toco a minha barriga que ainda está plana. Depois toco os meus seios, que parecem ter seus mamilos um pouco mais escuros. Estou com nove semanas e as mudanças começam a ficar visíveis. Embora tenha repetido tantas vezes que não posso, agora que estou na frente do espelho consigo ver tudo com mais clareza. Os meus seios ficando maiores, a minha barriga ficando inchada com o passar dos meses. Eu segurando o meu bebê nos braços... O que vejo me fez entender que jamais seria capaz de rejeitar o meu filho, pois apesar da situação atual, ele foi feito em um momento de amor. Ele é fruto de um amor tão grande que podia ser maior que eu mesma. Não sei como será daqui em diante, quais as dificuldades e decisões que terei de tomar, mas vou ter o meu filho e ele ou ela, saberá que é amada e desejada. — Meu filho... — digo baixinho.

QUATRO MESES DEPOIS... — Aqui está o seu buquê. Espero que a moça aceite o seu pedido de namoro. Feliz com o resultado do meu próprio trabalho, coloco o ramalhete de rosas, enfeitado com um laço de fitas, em cima do balcão. O rapaz, que não parece ser muito mais velho que eu, tem um olhar de apaixonado. Lembra a mim mesma em outra época. — Creio que ela vai gostar. E aqui está o dinheiro... pode ficar com o troco — fala depois de uma rápida olhada para a minha barriga de seis meses de gestação. — Obrigada pela preferência e pela gorjeta. — Já vivi tanto a mesma situação que nem me abalo mais. Pelo contrário, tiro proveito da benevolência dos nobres cidadãos de Santa Rita. Como estava muito magra quando descobri que estava grávida,

demorou três meses para que a minha barriga se fizesse notar. Foi só no último mês que a mágica aconteceu, mas cresceu de uma forma que fez eu me tornar quase como um animal exótico em exibição. Se voltei há cinco meses sendo vista como a garota foi enganada por um aproveitador, o que dizer de ter me tornado a mãe solteira? Eu não sei se o que sentem realmente é pena ou esperança de que eu abra a boca para falar do pai do meu filho, mas no último mês o faturamento da Bella’s Rosas dobrou. Tudo porque os clientes me veem atrás do balcão, olham para a minha barriga nada discreta e decidem que vou precisar de mais dinheiro do que um buquê de rosas merece. No início era muito difícil, mas Ella me fez enxergar que não tinha o que fazer. Que talvez, o que eu duvido muito, as pessoas só estejam querendo me ajudar, embora eu não precise de ajuda e menos ainda de esmolas. A nossa loja está indo muito bem para quem tem um pouco mais de três meses de funcionamento. Ella não tem muita paciência para o atendimento, então fica com o trabalho de fornecer e trazer as flores até aqui e me deixa com a parte menos pesada de atender e trabalhar na confecção de buquês e de cestas que vão de cafés da manhã a datas comemorativas, como dias das mães, namorados e aniversários. De vez em quando contamos com a ajuda do Guilherme. Ele não

recebe nada por isso, mas é só porque não aceita. Diz que faz por gostar muito de estar na minha companhia e na do bebê. Quando soube da gravidez, ele não fez perguntas, continuou me tratando com naturalidade e hoje tem liberdade até para ajudar nas escolhas dos nomes. Também gosta de tocar minha barriga para sentir a bebê chutando. O rapaz se tornou um amigo muito querido, está sempre do meu lado quando preciso, mas isso me deixa levemente incomodada. Em alguns momentos tenho a impressão de que a sua amizade não é tão despretensiosa assim. Que pode querer algo que não estou preparada para dar a ninguém. A minha amizade com Guilherme, com os Estrada, a minha família e a loja, têm mantido a minha vida ocupada e dentro da normalidade para uma garota de 19 anos. Os últimos meses têm me mantido tão ocupada que chego quase a sentir que serei feliz novamente. Feliz só com o que tenho, sem me lamentar pelo que não posso ter. Mas uma parte pequena de mim, num recanto bem escondido, onde há uma fresta de uma porta que deveria ter sido fechada por completo, não me deixa sentir que sou feliz de verdade. Ainda existe uma ferida cicatrizando, mas tenho fé que o dia que deixará de doer está mais perto. Quando enfim acontecer, irei me abrir para o mundo, para o amor e tudo de bom que a vida quiser me oferecer. Sou apenas humana, ainda fico triste quando lembro do amor que perdi, ainda sinto raiva e, nos

momentos de maior fraqueza, deixo que os meus olhos vaguem até o fim da estrada de chão. No fundo, nutrindo a esperança de que verei o pai da minha filha voltando, lembrando-se de mim e com uma boa explicação para o que fez. Desde o dia em que deixei o Rio, não tive mais notícias. Nunca tive coragem de pegar o meu celular e digitar o nome Orsini para saber algo a respeito dele. Não respondi a nenhuma das mensagens da minha amiga Anne. Ela que insistiu nos primeiros dois meses, mas desistiu quando percebeu que não teria nenhuma resposta da minha parte. Apesar de termos convivido por poucas semanas, nos tornamos amigas a ponto de eu sentir muita saudade dela. De ter me sentido mal todas as vezes em que não atendi a uma ligação ou ignorei uma mensagem sua sem ler. Mas gosto de pensar que foi melhor assim, pois manter contato com alguém tão próximo do pai da minha filha seria como estar próxima dele também. Precisaria resistir à tentação de me martirizar com perguntas a seu respeito e, esperanças vãs de que sua memória voltasse e ele me explicasse o porquê de ter brincado comigo como fez. — Foi melhor assim, minha filha — falo baixinho com a minha barriga, observando o movimento da praça no fim de tarde. Como todos os finais de tardes, depois de um dia movimentado, outros nem tanto, trago o meu banquinho para perto da porta, levo o meu

olhar para tão longe quanto vão os meus pensamentos, enquanto falo com a minha bebê dentro da barriga. A descoberta do sexo foi sem grandes alardes e aconteceu como com qualquer outra pessoa. Eu estava indo para uma consulta de rotina, a médica disse que se eu desejasse já poderia saber o sexo. Eu, ansiosa demais, aceitei fazer o exame. Com quatro meses de gestação já sabia que seria uma princesa e, aos seis, já tenho o berço, banheira de banho e mais roupinhas do que ela será capaz de usar. Comprei muitas coisas, mas a maioria é presente da Ella, a tia ansiosa que não pode se segurar um dia sem comprar alguma coisa na loja de itens infantis. Até o Guilherme, que se diz tio, tem mimado a bebê que ainda nem nasceu. Felizmente, a minha gravidez é tranquila. Os enjoos não duraram mais do que algumas semanas, a minha disposição aumentou e sou tão mimada por todos que preciso me segurar para não ficar mal-acostumada. Tenho as melhores pessoas a minha volta. Tenho tudo para ter uma boa vida. — Eu adoro quando chego e você tem esse sorrisinho encantador no rosto — Guilherme sussurra, depois de ter aprendido a me abordar em momentos como esse sem me matar de susto. — Estava cochilando? — Apenas descansando os olhos. — Conta outra, barrigudinha! Já está na hora de fechar a loja —

avisa. Todos os dias, voltando de algum trabalho, ou vindo de casa mesmo, Guilherme dá um jeito de passar por aqui e me ajuda fechar a Bella’s Rosas. Depois ele me leva até a porta de casa e, às vezes, fica para o jantar. Os meus pais o adoram.

— Está entregue, mocinha. Trate de descansar bem, que essa sua barriga está ficando cada dia mais assustadora de grande. — Não exagere, Guilherme. Ela não é tão grande, pelo contrário, é até pequena para o estágio em que minha gravidez está. — Se você diz... — Obrigada por me acompanhar, meu amigo. — Sabe que faço isso com maior prazer. Você se tornou uma pessoa muito especial na minha vida, pequena Bia. — Eu sei — falo e deito levemente o rosto para receber o seu carinho. Ele é tão legal comigo que não tem como não ficar mexida. Além do mais, há quanto tempo não sou tocada com tanto carinho?

Bia... Bia... Para de ser louca! — Eu tenho que entrar! — digo quando sinto que ele irá aproximar o rosto do meu. — Estou morrendo de fome. — Vai lá, bom descanso, pequena — despede-se e, como de costume, toca na minha barriga. — Para você também, grãozinho de gente. Quando ele se afasta, penso que fiz o certo em repelir o que seria a sua tentativa menos sútil de ser mais que um amigo. Não posso confundir as coisas e nem dar a ele falsas esperanças, só porque estou carente de afeto. Não seria justo, porque estaria usando uma pessoa que só me faz bem. Não é nele que penso quando sinto desejo por um toque masculino mais íntimo. — Pai, mãe, cheguei! A nossa rotina não mudou muito por causa da gravidez. A única coisa que aumentou foi a bagunça. Papai com o seu campo de rosas, mamãe com as suas vendas de roupas e eu com a minha loja, temos nos organizado muito bem. Estamos os três prontos para a chegada de mais um membro na pequena família Álvares.

Depois do jantar em família vou para o meu quarto, pequeno

demais para tantas coisas minhas e da bebê. Com a chegada do berço, mal tenho espaço para me locomover, mas estou feliz com o quarto assim: lotado com pertences da minha criança, que me faz acordar todas as manhãs acreditando que tenho motivos para ser grata. Doida para deitar e colocar os pés para cima, tomo um banho rápido e visto apenas uma camisa, que deixa a minha barriga livre. Deito-me de barriga para cima, mexo um pouco nas minhas redes sociais, converso com a Ella, mas logo me canso e jogo o celular de lado. Olhando para o teto, a minha mente começa a ir para terrenos perigosos, como tem acontecido com frequência nos últimos meses. O primeiro sinal é sentir que o quarto está muito abafado, me levanto e escancaro a janela. Mas ela nunca é o suficiente para espantar o calor. Provavelmente porque o fogo vem de dentro. Sempre achei que fosse uma pessoa muito sexual, facilmente estimulada por alguém que saiba o que está fazendo, mas os hormônios da gravidez agravaram muito a situação. Na calada da noite, quando paro de fazer um monte de coisas ao mesmo tempo, a minha libido sobe às alturas, um tesão que nunca é satisfeito, porque não tenho quem faça isso por mim. Só pobres dedos, que não resolvem nem 10% do problema. Eu tento me controlar, mas é impossível resistir quando, assim como faço agora, a minha mão desliza para dentro da blusa, toca os meus

mamilos, já sensíveis por conta da gestação, até eles se tornarem duros. Então os dedos deslizam delicadamente pela minha barriga e se demoram nela até chegar ao lugar ideal. Quando chega ao meu sexo, já estou completamente molhada, úmida de um desejo que há tempos não é satisfeito. Quando enfio os meus dedos bem fundos e me toco até conseguir gozar, é nele quem estou pensando. No homem de 1,90 de altura, mais de 100 quilos e todos os músculos nos lugares certos. Imagino que é o seu pau avantajado quem está metendo em mim até o limite entre dor e prazer. Seu corpo pesado em cima do meu, gostoso e suado. Recordo-me de como era bom quando me fodia com brutalidade e urrava como um animal no meu ouvido. Quando gozo, eu nunca tenho certeza se faço por causa dos meus dedos ou pelas lembranças tão vívidas de momentos de prazer que um dia tive. Durmo exausta de pura satisfação sexual, só para no dia seguinte acordar me sentindo culpada, mas no gozo das minhas faculdades mentais para lembrar onde é o meu lugar e onde é o lugar — ou a falta dele — do pai da minha bebê. O homem que nunca mais verei.

— Chega! — Theo grita, tirando as suas luvas de boxe e descendo do ringue que fica no subsolo da Orsini. — Está agindo de novo como um animal. Isso aqui é um treino, não uma tentativa de assassinato. — Para de agir como uma mocinha, Theo. O que foi? Não pode mais ver sangue? — indago, passando a mão pela minha testa, limpando o suor e o filete de sangue no supercílio. — Não vê que está fora de controle? — É, pelo visto eu irritei mesmo o cara que tem sido o meu melhor homem em todos esses anos. Meu braço direito, quem segura as pontas quando não posso fazer isso pessoalmente. — Desculpa, eu vou tomar uma chuveirada. — Orsini... — Ele ia tentar mais uma das suas conversas, quem tem o único intuito de me fazer falar, mas saio antes que prossiga. Embaixo da ducha, esfrego a minha pele com tanta força que

chega a arder. O cara tem razão, eu estou fora de controle, muito mais do que antes e tudo piorou depois do maldito acidente. Quando despertei me sentindo como se fosse outra pessoa. Como se tivesse um membro faltando no corpo. Foram quatro meses de trabalho duro com o fisioterapeuta. Dia após dia, eu me apegava a esperança de que a volta a ativa colocaria a minha vida nos eixos. Então eu voltei. Já faz um mês, mas fiquei pior do que antes. Estou mais violento, descuidado, sem me importar de ser cauteloso nem mesmo nas missões mais arriscadas. Há alguns dias eu estava fazendo um trabalho de espionagem, quando pegamos o cara suspeito de ser o cabeça de um grupo criminoso que invadia redes de computadores para roubar informações de empresas multimilionárias. Eu não me contentei em somente levar o homem até o nosso contratante. Tive que surrá-lo quase até a morte, só não me tornando um assassino por causa do Theo e dos homens que chegaram e me tiraram de cima do cara. Acredito que tudo seja agravado pelo meu sentimento de frustração, porque eu estava tão certo que a minha cabeça voltaria ao lugar quando pudesse ser eu mesmo. E antes do acidente, me sentia eu mesmo quando estava na minha empresa, quando não era só o rico herdeiro que

decepciona os pais todos os dias, por nunca ter sido quem eles queriam. O que mudou? Por que a minha vida não pode voltar a ser como antes? Não posso dizer que era feliz, mas pelo menos me sentia contente, o que é muito mais do que outras pessoas têm. A relação com meus pais é quase inexistente. A minha mãe desaprovou a minha partida de casa, dois dias depois da festa que fez para mim sem a minha autorização, mas eu não me importei nem um pouco com os seus protestos. Nos últimos meses não compareci a um evento sequer, dado na nossa casa. Não tenho saído muito e os meus problemas consistem basicamente em chutar algumas bundas no trabalho, ou nos treinos. Em casa, gosto de ler um livro enquanto tomo um bom vinho. Já me perguntei se toda essa loucura na minha mente não é por falta de mulher. Até tentei pegar alguém quando fui ao clube, mas fui apenas para me frustrar. Saí sem transar porque não encontrei nenhuma mulher que fizesse o meu pau subir. Consegui ficar inteiro fisicamente, mas a minha mente não poderia estar mais fodida. As vezes eu me pergunto se não perdi algo muito importante em meio às lembranças apagadas, mas nada me vem à mente. Não tem trabalho, ou consultas com psicóloga que me faça melhorar e estou quase me convencendo de que a minha vida será sempre assim: um mar de

frustrações e insatisfação com a pessoa que me tornei. Com a pessoa que sempre fui. — Sabe o que é isso? Falta de mulher. Você era uma pessoa melhor quando fazia aquelas suas viagens misteriosas e passava semanas e até mais de um mês sem dar as caras na cidade. — Theo, que já dispensou os outros caras que treinavam aqui embaixo, fala no momento em que saio do chuveiro. — Do que você está falando? Que viagens são essas, bebeu? — Esquece isso, cara. Bobagem! Eu tinha esquecido que você não lembra de algumas coisas — justifica-se. — O que o médico disse? — Que em algum momento todas as memórias esquecidas podem voltar. Se não voltar, não serei prejudicado, porque, aparentemente, eu não perdi algo importante. — Embora sinta como se tivesse, penso comigo mesmo. — Melhor assim — conclui. Começa a pegar os seus pertences para deixar o prédio, mas eu entro no seu caminho. Ele citou viagens em que eu passava muito tempo fora antes do acidente. Viagens das quais não me lembro e que não posso sequer imaginar os destinos. Viagens que Theo, ou qualquer outra pessoa da minha família não achou importante mencionar. Segundo minha família, todas as lacunas na minha mente foram preenchidas com trabalho.

— Você não vai sair daqui sem antes conversarmos, meu caro. Que porra de viagens foram essas? E por que elas nunca foram mencionadas? — Ei, se acalma. Vem, vamos nos sentar ali e tomar uma cerveja. Você está muito nervoso para um sábado à noite. Eu o acompanho, sento-me na cadeira da mesa que fica no espaço utilizado para reuniões, lugar onde eu e os caras discutimos os casos e estratégias de ação para cada um deles. De algum modo, a revelação involuntária dele acendeu um alarme na minha cabeça, ela me fez ter esperança de ter repostas para perguntas que não existem. — Aqui está. — O homem abre a lata de cerveja e a coloca na minha frente. Tomo um grande gole e sinto o meu sangue gelar pela primeira vez depois de horas. — Agora me diga o que sabe — exijo. — Antônio, eu não sei de muita coisa. Falei sobre as viagens sem quaisquer intenções e acreditava que sabia a respeito delas. — Eu não me recordo de viajem alguma. Prossiga, por favor. Para aonde eu ia, com quem e com que frequência? — Eu não tenho resposta para todas essas perguntas, até porque, você sempre foi um bastardo arrogante e nunca o cara mais falador de um recinto. Não faço ideia do lugar, ou lugares para aonde você viajava. Mas fazia isso com muita frequência. Fazia tanto que eu tinha a impressão de que

você tinha uma vida paralela. — Vida paralela — repito suas palavras e elas, de forma alguma, parecem absurdas. — Theo, por favor, me fale tudo o que se lembra de antes do acidente. Como eu agia? O que você pensava, ou me dizia sobre as tais viagens? Eu estou pirando, cara! Preciso de respostas para o que vem acontecendo comigo. — Tudo bem, mas toma a sua cerveja e tente se acalmar. Antes de tentar te ajudar, preciso colocar os meus pensamentos em ordem — diz e eu sei que fará o melhor que puder, afinal de contas, somos investigadores. — Leve o tempo que precisar. Temos a noite inteira. — Nem brinca com isso. Prefiro me perder nas curvas de uma bela dama a ficar por mais tempo que o necessário na companhia de um troglodita feito você, Orsini. — Foco na missão, Theo, por favor — rogo, animado como nunca. Se já estive, não me lembro. De repente tenho a impressão de que depois dessa conversa terei algo que me coloque novamente no controle da minha mente. — Tudo bem, devemos começar pela primeira grande viagem. Talvez você se lembre, mas talvez não... — Porra, Theo! Pare de divagações.

— Um dia, alguns meses antes do acidente, você chegou aqui dizendo que iria tirar algumas semanas de férias. — Férias, eu? Não creio que seja possível. — Eu também não acreditei quando ouvi, não do homem que vivia para esta empresa, embora você estivesse um pouco entediado, querendo fugir por uns dias da realidade. — Tem certeza de que eu falava essas coisas? — indago, cético, apesar de estar sentindo assim agora. Talvez da mesma forma que me sentia na primeira viagem. — Dizia, sim. A oportunidade surgiu com o convite de Diego Estrada. Esse nome é familiar para você? Diego Estrada... O cara que cheguei a considerar como o meu amigo mais próximo. Lembro-me que passávamos um tempo bebendo juntos no clube de sexo do qual somos associados. A amizade começou de forma despretensiosa e foi evoluindo aos poucos até que um dia estávamos abrindo sobre as nossas vidas como duas comadres, eu acho... não me lembro muito bem das conversas, só algumas névoas cinzentas. Ele perdeu alguém importante, mas quem? — É claro que é. Nós somos, ou éramos, amigos. — De vez em quando Diego vem à minha memória e em todas as ocasiões lembro do

bastardo com ressentimento. Sei que é um homem muito fechado, mas não há nada que justifique as frias mensagens que me mandou depois do acidente e, menos ainda, o fato de ter sumido por completo há uns meses. Puxei na memória um endereço onde poderia encontrá-lo, fui até o seu apartamento, mas me informaram na portaria que ele se mudou para outro estado e que não aparece com frequência. Por um tempo fiquei me perguntando o que fiz para afastá-lo, mas estava com a cabeça cheia de outras preocupações para me preocupar com um bastardo filho da puta. — Não sei se você se recorda disso... Pela cara já vi que não, mas o pai dele morreu. Diego Estrada teve que voltar para a cidade natal e você o acompanhou. Ficou por um tempo, mas nunca citou alguém que tenha conhecido na cidade. — E depois? — E depois nada. Você ia e vinha, mas nunca falou para mim, ou qualquer um dos caras qual era o destino. — O que você achava disso. Tenho certeza de que tinha uma opinião a respeito. Você sempre tem — falo. Por alguma razão, penso no acidente e no fato de ter presumido que voltava de uma viagem de trabalho, mas... e se não fosse? — Eu acreditava que você tinha uma mulher escondida em algum canto do país — ele fala bem na hora em que estava tomando um gole

da cerveja e acabo tossindo freneticamente por causa de um engasgo. O homem pensa em se levantar para me ajudar, mas o impeço ao estender o braço, fazendo sinal para que fique onde está. — Uma mulher. Eu? — falo depois de alguns minutos. — Não faça essa cara, Orsini. Era só uma brincadeira. Além disso, tinha os seus pais controladores que não escondiam de ninguém o desejo de ver o bebê deles com a Matias mais velha. — Como se isso fosse me impedir, caso eu quisesse mesmo ter uma mulher. Você sabe que eu nunca quis nada com a Lara. — Eu sei, meu caro. Mas aposto que não iria trazer uma mulher de quem gostasse para esse mundo de feras do qual você pertence. Não sem antes ter certeza de que ela aguentaria. — Não estou entendendo aonde quer chegar, Theo. — Bom, se fosse uma mulher e ela não fizesse parte da alta sociedade, não seria tão estranho você querer escondê-la, pelo menos no começo — diz e as engrenagens da minha cabeça começam a trabalhar. Não faz o menor sentido nada do que diz e ao mesmo tempo, se essa mulher existisse, a hipótese que ele levanta parece exatamente o tipo de coisa que eu faria. Eu não suporto a vida badalada dos meus pais, as responsabilidades e nem a cobrança que vêm atreladas ao meu nome. Jamais

colocaria esse peso nos ombros de uma pessoa que eu gostasse. Disso não tenho dúvida. — Antônio, pelo amor de Deus, não fique com essas coisas que falei na sua cabeça. Foram apenas conjecturas e você sabe o quanto a minha mente é fértil. Se houvesse pelo menos uma chance você saberia. A sua mente teria enviado pistas. — Está tudo bem — falo, terminando a minha latinha de cerveja e pegando a sua que está praticamente intocada. — A única informação concreta diz respeito às viagens que eu fazia. Os destinos são desconhecidos, mas a primeira foi para a cidade natal de Diego Estrada. Sabe onde fica esse lugar? — Não, mas... — Não tem problema, eu posso descobrir — aviso, arremessando a latinha para a lixeira enquanto me levanto. — Foi um prazer conversar com você, Theo. Agora eu tenho que ir. — Orsini, o que pensa em fazer? — Nada, só uma coisa que tenho de averiguar. Sei que pode não dar em nada e que posso me frustrar, mas Theo acabou de me dar algo a que me apegar e vou a fundo nessa história. Sem nenhuma razão concreta, algo me leva a crer que tudo, as lacunas na minha memória e o vazio existencial que beira a depressão, estão ligadas a essas

viagens. Eu sou Antônio Orsini, um dos maiores investigadores deste país. Se tiver algo encoberto por trás de toda essa história, vou descobrir!

Santa Rita, cidadezinha do interior, cujo clima quente predomina durante quase o ano todo. Conta com um pouco mais de dez mil habitantes e tem o exuberante campo de rosas e girassóis como cartão postal. A família Estrada é uma das fundadoras da cidade, proprietária do roseiral e da Fazenda Solar, a maior criadora de gados e cavalos da região. Com o falecimento de Luiz Estrada, toda a sua fortuna ficou nas mãos do único filho, Diego Estrada. Não faz muito tempo, ele se casou com Ariella Cerqueira, uma moça que nasceu e se criou na pacata cidade. Leio em voz alta tudo o que descobri sobre o lugar para aonde eu fugi durante várias semanas meses atrás. Depois das informações básicas, passo para a parte das fotos. A primeira é de uma praça de onde pode se ver alguns bancos no centro e em volta os comércios da Vila das Flores. A vila mais conhecida de Santa Rita, justamente por ser a mais próxima do roseiral e da Fazenda Solar.

Vou passando as fotos uma por uma, e cada vez me sentindo mais estranho. É uma sensação que não sei explicar, pelo menos, não até chegar a do belíssimo campo. São terras a perder de vista. Corredores sem fim de rosas, que vão de um vermelho vivo ao branco que lembra pureza. A minha alma atormentada sente alívio, fica perto de encontrar paz, um sentimento que ainda posso reconhecer. — Santa Rita — digo a mim mesmo enquanto acaricio foto. Como se através do papel pudesse sentir o perfume e a maciez das pétalas. As horas se passam e eu permaneço no mesmo lugar. Não paro de olhar para as fotos impressas em minhas mãos, seja para tentar ver se consigo lembrar de algo, ou pelo simples fato de não conseguir parar de olhar. Acabo deitado e ainda sem conseguir parar de olhar para o campo. Adormeço e dessa vez o meu sono é diferente. O meu anjo do pecado está de volta. A minha menina de olhos claros e cabelos escuros, depois de tanto tempo voltou para mim. Eu já estava quase me esquecendo do seu rosto, mesmo que fizesse de tudo para não deixar isso acontecer. Mesmo que dormisse sempre na esperança de que me visitasse durante os sonhos. Num primeiro momento, ela apenas me olha de longe e sorri para mim. Depois estende os braços, chamando-me para o meu abraço e eu vou. Quando o cenário muda, nós já não estamos mais no quarto do hospital,

lugar em que estava sempre que a via. Estamos no meio do campo de rosas, deitados sobre a terra e transando com dois animais no cio. Eu cubro o seu corpo pequeno com o meu, soco no seu interior e sinto que posso morrer de tanto prazer. Quando o orgasmo vem, sinto o meu corpo todo relaxar e então eu durmo com o rosto entre os seus cabelos, um sono como há tempos não tinha. Tudo porque estou no paraíso e com a garota perfeita.

— Porra, deixe-me em paz... — reclamo para o toque de notificações do meu celular. São raras as noites em que consigo dormir tão bem quanto a de ontem, então eu só queria ficar um pouco mais na cama. Mas não tenho o que fazer. Quando acordo não consigo mais voltar a dormir, ainda mais depois de tudo que aconteceu no dia de ontem voltar à minha mente. Levanto-me e, levemente desesperado, começo a procurar a foto do campo de rosas. Reviro os cobertores e a pego entre eles, toda amassada. Sentado na ponta da cama, começo novamente a olhar todas as fotos. A da praça, da fachada da sede da Fazenda Solar, da paróquia; de uma floricultura e, por fim, o cartão postal da cidade. Nada vem à minha mente sobre o tempo que passei no lugar, apenas a mesma sensação boa de ontem. Talvez eu esteja mesmo ficando louco e não tem nada de mais em ir a uma cidade esquecida no mapa, mas tenho a necessidade de me

apegar em algo. Enquanto faço a minha higiene básica matinal e depois, tomando um café preto e forte, a minha mente trabalha a todo vapor. Faço algumas rotas, mas todas elas terminam na ideia de pegar a minha mala e viajar para a tal Santa Rita hoje mesmo. — Isso é loucura, Orsini — digo a mim mesmo para ver se ouvindo em voz alta consigo me convencer o suficiente de que é uma ideia idiota. O que eu faria quando chegasse? Indago, mas minha cabeça não perde tempo em dar uma resposta. Bom, tem o Diego Estrada, que um dia foi meu amigo. Por algum motivo desapareceu, mas nunca é tarde para se fazer uma visita e tentar acertar os ponteiros. Só tenho que ir até esse lugar e entender por que me sinto em paz quando olho para as fotos. — É isso! Eu vou a Santa Rita! — falo sem nenhuma hesitação. Decisão tomada, começo a procurar passagem de avião para a data mais próxima possível. Assim que vejo a imagem da aeronave, sinto o meu coração errar a batida, o que é perfeitamente comum, segundo o que a terapeuta falou, considerando que uma dessas quase tirou a minha vida. Passagens compradas, fico por um tempo organizando as minhas contas, uma vez que não sei quando volto, mas o meu olhar vez ou outra recai

sobre o celular, que está sempre por perto. Fico indeciso se ligo ou não avisando para Diego que pretendo fazer uma visita, mas acabo sempre desistindo, considerando que não fomos a definição de proximidade nos últimos meses. No fim, decido que pegá-lo de surpresa será melhor, assim me dirá qual é o seu maldito problema comigo. Os meus pais também serão pegos de surpresa com a minha viagem. Não existe a possibilidade de eu dar espaço para que se metam nas minhas escolhas, que tentem fazer interferências que sempre vão ao encontro do que desejo. Por volta das 13h, quando estou preparando o meu almoço, ouço o som do interfone. Quando atendo fico surpreso em ouvir que tem uma senhorita Matias querendo subir. Eu autorizo, embora não tenha certeza de qual delas se trata. O mais provável é que seja Lara. A festa de comemoração pela minha recuperação foi um desastre muito pior por ter sido obrigado a aturar Lara me tratando como um incapaz. O tempo todo perguntava sobre a minha recuperação. Insistia tanto para saber os detalhes, que me fez perceber que não iria querer nada comigo se não ficasse totalmente recuperado. Ela foi tratada com educação, mas não me senti nenhum pouco mais compelido a querer me envolver com ela, do que estava antes do acidente. A minha volta para me recuperar aqui no apartamento e,

consequentemente, afastamento dos meus pais, também afastaram Lara e sua convicção de que um dia seriamos um casal. Não a vejo há meses e estava certo de que estava fora do país, assim como a irmã. Essa visita me faz questionar todas as minhas certezas. Enquanto caminho em direção da porta, me preparo para explicar, mais uma vez, que ela não tem que compartilhar das ideias loucas dos nossos pais. Que não iria querer ter qualquer tipo de relacionamento com um homem como eu. Se antes eu não era bom, agora, sou menos ainda. — Você? — digo, surpreso. Por essa eu não esperava. — Que cara é essa, não está feliz em me ver? — A garota me empurra para o lado e já vai entrando sem ser convidada. — Eu não sei nem se te conheço. Como é mesmo o seu nome, moça? — pergunto em uma falha tentativa de brincar, porque, na verdade, estou muito irritado. — Pensei que estaria com saudades da sua melhor e única amiga. — A loira baixinha vai para o sofá, se joga com a bolsa e tudo, sobre ele e começa a tirar os sapatos. — Pega um copo com água, por favor? — Levante e pegue você mesma! — Nossa, Antônio, você já foi mais educado. Mas pode deixar que eu sei muito bem onde fica a geladeira. Como se fosse dona da casa, ela vai mesmo pegar a sua própria

água. Sei que não deveria ter sido tão grosseiro, mas ela me tirou do sério de um jeito que não pude me conter. — Agora, sim, estou pronta! — Volta a se jogar no sofá. Pelo que parece ser a primeira vez desde que chegou, ela olha para mim. — Eu... — Como ousa aparecer aqui, se sentindo dona da casa, depois de ter sumido da minha vida, Anne? — questiono, não escondendo a minha raiva. — Você era a única pessoa com quem podia conversar e ser eu mesmo. Eu confiava em você e me deixou no pior momento. — Eu não sumi. — Não, só viajou poucos dias depois de eu ter acordado completamente perdido na porra daquele hospital. Quando respondia as minhas mensagens era tão distante que parecia outra pessoa. — Eu não podia ficar! Não depois do... — Depois do quê? — Nada. Eu só queria te dar um tempo para que se recuperasse. Você tinha um longo caminho pela frente até ficar bem o suficiente para ser o mesmo de antes. Só não queria atrapalhar. — E por que, em nome de Deus, a sua presença me atrapalharia, porra? Anne, você é louca! — Eu sei, mas amo você e estava morrendo de saudade. Vai me perdoar? — pergunta, fazendo cara de cachorro que caiu da mudança. Para

me manipular, se senta do meu lado. — Eu não sei... — Por favor, Tony, eu não fiz por mal. Só não podia ficar. Juro que não vou mais sumir, que ficarei no seu pé como um carrapato do jeito que sempre fiz. — Eu senti a sua falta — admito. Ela se joga nos meus braços para o abraço apertado e cheio de saudades que nós dois estávamos precisando. Além do Diego, o acidente também me fez perder a amizade da Anne. Ela que sempre foi a pessoa com quem podia conversar, quem me ouvia sem fazer julgamentos. Quando acordei ela não estava no quarto com as famílias. Perguntei por ela e mamãe disse que tinha saído para resolver uns problemas pessoais, mas que tinha ficado comigo todas as noites enquanto estive desacordado. Depois de dois dias recebi a sua visita, mas estava tão distante e abatida que desisti de fazê-la minha cobaia para contar sobre tudo o que havia acontecido enquanto eu estava ausente. Perguntei os motivos para o seu abatimento e ela disse que era só cansaço, embora estivesse muito feliz com a minha rápida recuperação. Antes de ir embora, a loira me comunicou que tinha aceitado um trabalho para ser design de joias em uma joalheira famosa no México. Um

trabalho temporário e que não a prenderia por mais que dois meses. Falou que manteria contato e manteve, embora fosse pouco, mas a pessoa que mandava mensagens não parecia a mesma amiga com quem tinha tanta intimidade. Foi só depois de um tempo, quando me convenci que estava tudo fora do lugar, percebi o porquê da sensação de que tinha perdido uma parte muito importante de mim. Perdi os meus melhores amigos. Diego e Anne tornaram-se dois estranhos da noite para o dia e, nem sei o que fiz de tão errado para merecer tratamentos tão frios. Agora eu quero e tenho a chance de tentar consertar as coisas e quem sabe descobrir se ainda tem alguma peça faltando nesse quebra-cabeça. Desde ontem, com as revelações do Theo, sinto que estou no caminho certo. Com Anne aqui, parecendo a mesma pentelha de sempre, é como me sentir um pouco mais como eu mesmo. — Eu pensei que uma garota durona como você não chorasse — brinco quando nos afastamos e noto seu nariz vermelho por causa do choro. — Só por você, meu caro Orsini. Só por você. — Mas me diga, qual o namorado da vez? — Mudo drasticamente de assunto, tentando limar o clima pesado entre a gente, restabelecer a intimidade de conversarmos sobre tudo. — Bom, terminei com o mexicano um dia antes de voltar para

casa. Isso tem o que, dois dias? — Você não muda, não é? — falo aos risos, sentindo-me uma tonelada mais leve. — Vem para a cozinha, antes que eu queime o almoço. Por falar nisso, já almoçou? — Se isso é um convite, considere aceito. — A garota se senta na banqueta e não faz nada além de me observar com a mão na massa. — E quanto aos meus muitos namorados, sinto que ainda não encontrei o cara certo. Ou melhor, até encontrei, mas você não me dá uma chance. — Sinto a minha mão paralisar segurando o cabo da colher dentro da panela. Prendo a respiração por um segundo, mas só até perceber que Anne está brincando. — Tinha que ver a sua cara, Tony. — Ela está quase chorando de rir, mas eu não acho tão engraçado assim. O meu sangue gela só de pensar que poderia perder o que temos por causa de uma confusão se sentimentos. — Tony? Ninguém me chama assim — afirmo e Anne para de sorrir no mesmo instante. Eu acho estranho a reação, mas não paro para pensar a respeito. — Mas eu gostei. Tony parece menos formal, não acha? — Acho, sim. — E só para avisar, você não faz o meu tipo. — Está tentando me ofender, Orsini? — Não, mas você é muito jovem. Tem o que, 25 anos? Eu não

curto crianças, querida — digo para provocar, embora a parte de não gostar de jovenzinhas seja verdade. — Não gosta? Se fosse você, eu não teria tanta certeza — diz. Parece ter se irritado e não faz nenhum sentido. Ela estava brincando sobre gostar de mim de outro jeito, não estava? — Você está bem? — Estou. Só não gosto quando fala com tanta convicção sobre algumas coisas. Nada é certo nesta vida. — Só que eu não curto ninfetas. Você já me viu sair com uma mulher que tivesse menos de 30 anos. — Tony, você precisa saber... — Eu preciso saber? — O alarme do micro-ondas apita e acabo desviando a minha atenção da conversa. Quando volto com o almoço pronto para ser colocado em nossos pratos, ela já mudou de assunto. — Agora me conte as novidades. Como anda a sua vida? É feliz? — Anne me encara de uma forma que me faz acreditar que a resposta é muito importante para ela. Sentindo como se não estive passado meses afastado dela, falo sobre tudo o que vivi desde o dia em que acordei. Falo do tratamento para o meu braço e perna e, do quanto foi difícil chegar até o fim. Falo do afastamento dos meus pais e do quanto me sinto estranho e perdido, muito

mais do que antes. Falo de como acredito que o seu afastamento e do Diego tenha contribuído para o estado de perturbação mental que me encontro. Sinto uma visível mudança na sua expressão quando cito o nome do Diego. Quando digo que estou com a passagem reservada para Santa Rita, o seu rosto perde a cor. — Aqui, beba essa água. — Coloco o copo com água e açúcar nas suas mãos. — Você se sentiu mal e eu acho que deveríamos ir a um hospital... — Não! Eu estou bem. Foi só uma queda de pressão. — Tem certeza? — Tenho. Você estava dizendo que vai viajar? — Sim. Visitar o bastardo do Diego Estrada em Santa Rita. Ele se afastou de mim e acredito que preciso de respostas. — Tudo bem, acho que já estava na hora mesmo. Mas eu vou com você. — Perdão? — Estou dizendo que irei com você para Santa Rita. — Não, você não vai. O que tem para fazer lá? — Por favor, Tony. Me leva com você? Posso te fazer companhia. — Ela está praticamente implorando, não consigo entender esse súbito desejo, mas também sei que Anne irá de qualquer forma, quer eu

queira ou não. — Tudo bem, pode vir comigo. Mas corra para ajeitar as suas malas. Viajaremos em dois dias. — Santa Rita, se prepare! Estamos chegando! — Anne grita animada. — E seja o que o destino quiser!

Hoje ainda é terça-feira, mas estou com o humor de quem trabalhou por cinco dias seguidos. Eu não sou preguiçosa na maior parte dos dias, mas existem alguns que a bebê está particularmente agitada, o que me deixa indisposta. — Aqui está, um ramalhete de girassóis. Espero que a sua namorada te perdoe — digo ao cliente, mas espero mesmo que a moça não o perdoe. Mandar mensagens para outra garota em tom de flerte e ainda se deixar ser pego é mais do que uma simples pisada de bola, como ele tenta fazer parecer. — Fique na torcida e com o troco também. — Coloca o dinheiro em cima do balcão e sai. No começo da semana o movimento é sempre mais fraco e hoje é um dos dias que agradeço por isso, pois posso me sentar e descansar as pernas, que parecem pesar uma tonelada.

— Minha filha, hoje você resolveu não deixar a mamãe trabalhar. Que festa é essa que está fazendo aí dentro, me diga? — falo com ela, que chuta e muda de posição, algo comum de acontecer quando ouve o som da minha voz. Sem nada para fazer além de observar o movimento da praça, pego o meu celular do bolso do vestido drapejado, especial para gestantes, e começo a mexer nas redes sociais. Vejo o Instagram da Ella e o que mais tem são imagens do filho e do roseiral. Passo para o do Diego e, de uma forma que nunca tinha acontecido, abaixo do perfil dele aparece o da empresa do Antônio Orsini como sugestão de conta para seguir. — Não pode ser... — O meu coração fica para sair pela boca, o dedo tremendo e pairando sobre a foto, indeciso se clica ou não na imagem. Fico me perguntando se quero passar pela tortura de vê-lo depois de tanto tempo, mesmo que seja por foto. No fim, sou vencida pela curiosidade e por outros sentimentos que não quero analisar. Clico no seu perfil e começo a olhar suas postagens. Aparentemente, ele não é de postar com frequência e o último post é de três semanas atrás. Na primeira foto ele está suado e sem camisa. Tem luvas de boxe nas mãos e com outro cara que não conheço faz pose de luta com os braços erguidos. O homem está todo suado, os cabelos molhados e escorridos

sobre a testa, mas o que chama mesmo a minha atenção é o seu abdômen, os músculos todos nos lugares certos, um tanquinho que lambi tantas vezes... — Hoje o dia está especialmente quente — reclamo num sussurro, colocando o celular virado com a tela para baixo em cima da minha perna. Então junto as minhas pernas, esfregando uma na outra. Estou me sentindo pegajosa e afogueada. Eu deveria parar, mas agora que comecei não consigo. Pego novamente o celular e vou rolando o feed. Têm fotos dele em uma sala fazendo exercícios, que suponho ser de fisioterapia. Muitas imagens da empresa de segurança, que pelas imagens não parece ser modesta, como eu imaginava, antes de saber das suas mentiras. E finalmente vejo uma foto dele entre os seus. Os seus pais, os pais da Anne e ao lado de um Antônio muito sério, a tal Lara. A mesma que disse na minha cara que o homem era dela. Uma única foto, era só o que precisava para me recompor e lembrar que acabou. Que tanto ele quanto eu estamos nos lugares aos quais pertencemos e assim permaneceremos. Vou fechar a loja mais cedo hoje, tudo bem? Envio uma mensagem para a minha amiga e sócia, que esteve aqui mais cedo. Faça como quiser, a floricultura é sua, pequena Beatriz
Segure-me Em Seus Braços - Joane Silva

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