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Meu Nobre Pirata Sofia Ruston Ana M.Vianna
Sinopse Sofía é de berço nobre, mas recebeu uma educação pouco convencional. Tem passado toda sua vida em um pequeno povoado da Cornualha, muito unida a seu irmão gêmeo, mas em solidão, isolada da sociedade. Inesperadamente, um trágico acidente no mar muda sua vida para sempre. Será resgatada por um atraente capitão de coração vingativo. Poderá a jovem lhe demonstrar que o amor é mais importante do que a vingança? Poderá mudar um homem que se crê incapaz de amar?
“A minha querida mãe, obrigada por todo seu apoio incondicional. “
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Capítulo 1 Inglaterra, 1790.
― Isso é brigar sujo! ― Não se queixe tanto e defenda-se. Voltou a lhe atacar com seu florete e seu irmão o desviou como pôde. ― Nunca deveria ter permitido compartilhar minhas lições de esgrima com você. ― E com quem praticaria? O que acontece é que está com ciúmes. Sou melhor espadachim que você. ― Porque utiliza artimanhas para me desarmar. Os cavalheiros têm um código de honra e você se atreve a ignorá-lo. Como pôde me dar uma rasteira? ― Recorde, irmãozinho, eu não sou um cavalheiro. ― A culpa é minha. Não se pode confiar em uma mulher e muito menos em você, querida. Sofía Campbell voltou a atacar seu irmão Alfonso, e este deu um passo atrás. Encontravam-se em um prado, dentro das propriedades de seu pai, o conde do Hawsley, praticando
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esgrima como em todas as tardes. Eram gêmeos e, embora sempre estivessem discutindo, queriam-se com loucura e cuidavam-se mutuamente. Assim, tudo o que tinha aprendido, Alfonso o tinha ensinado a sua insistente irmã — tanto latim como montar a cavalo — e, embora ele às vezes se queixava de que Sofia se saísse melhor, não podia evitar sentir-se orgulhoso dela. Viviam na casa da família, na Cornualha, durante todo o ano, sem assistir aos eventos sociais. Quem unicamente tinha insistido em viajar a Londres para as temporadas tinha sido sua mãe Isabel, mas desde que ela havia falecido, quando eles tinham dez anos, ninguém havia tornado a sair dali, e o conde ficava ausente na maior parte do tempo. O matrimônio de seus pais tinha sido por conveniência e, para descontentamento do conde, Isabel não tinha sido a dócil dama espanhola de alta linhagem que lhe tinham prometido seus pais. Assim que casou-se não houve festa a que não assistisse e nenhum homem que se livrasse de seus encantos. Para desgosto de seu marido, insistiu em pôr nomes espanhóis em seus filhos. E para maior ofensa, seus descendentes resultaram ser tão indomáveis quanto sua progenitora. Ambos falavam espanhol com fluidez graças à teimosia de sua mãe em falar sempre naquele idioma. Alfonso se parecia fisicamente com a mãe, com o cabelo castanho e os olhos escuros, mas com um temperamento tranquilo, mais parecido com o de seu pai; justamente o contrário de sua irmã, que era impetuosa e fisicamente parecida com o ramo familiar inglês, com um cabelo loiro escuro e os olhos verde jade. Embora, ainda que de longe 6
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parecessem dois cavalheiros combatendo, de perto podia-se apreciar a feminilidade da jovem. Tinha seu comprido cabelo recolhido em uma trança e, para desgosto dela, as calças e a camisa faziam destacar mais as suas curvas. Com uma finta, Sofía conseguiu desarmar seu irmão; o florete saiu voando e Alfonso caiu para trás. ― Renda-se e admite que sou melhor que você ― disse, apoiando no pescoço dele a ponta do florete com o protetor. ― Isso nunca! Enrolou suas pernas com a dela, e com um empurrão Sofía se encontrou caída na erva ao lado de seu irmão. ― Oh! Alfonso, olhe quem fala de brigar sujo! Ambos riram, mas interromperam as risadas de repente para ouvir um ruído procedente do caminho. Endireitaram-se e observaram uma carruagem aproximando-se da mansão. ― Não tinha previsto vir só dentro de dois meses? ― Já sabe como é o pai; as datas em suas cartas são mais orientativas. Sempre adianta ou atrasa sua volta a seu gosto. ― Tal como aos dias de sua estadia, que sempre resultam ser de menos do que diz e nunca de mais. ― Pensei que já tinha superado essa etapa… ― Certo, já não sou uma menina ansiando a volta do pai para que me dê uns tapinhas na cabeça e me diga quão bonita sou. Agora, aos meus vinte anos, posso ver a realidade tal qual é. Não se importa conosco e jamais o fará. ― Somos seus filhos... Não pode nos ignorar, embora o tente. Acaso não tem que pagar nossas faturas? 7
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― Recorde que estuda em casa porque o pai pensou que seria esbanjar dinheiro se o enviasse a uma escola e depois à universidade como o resto de seus amigos? ― Algo que lhe estaremos eternamente agradecidos, não opina igual? ― Sim, não poderia ter suportado estar longe de você e ficar escondida neste mausoléu. Sofía apertou-lhe a mão carinhosamente, voltou a vista à casa e lhe sorriu com troça. ― Desafio-o para uma corrida. Antes que Alfonso pudesse reagir, Sofía corria para sua égua, que pastava placidamente junto à de seu irmão. Subiu de um salto e a esporeou. Ele a imitou, mas embora pelo caminho tenha conseguido ultrapassá-la, o primeiro a chegar aos estábulos foi ela. ― Não se cansa de perder sempre pra mim? ― Deixa de brincadeiras e vá se trocar antes que ele a veja. Não queremos pôr um lenço vermelho diante do touro, não? ― Nem se daria conta. ― Você crê? Recorda como ficava com a mãe. ― Oh, por Deus! Não compare! As coisas que ela fazia eram muito piores, nem eu as posso justificar. ― É melhor que sejamos precavidos. Se não está casada é porque conseguiu passar despercebida, mas se o irrita em algum momento… ― Oh, está bem! Como se não preferisse um vestido a esta ridícula indumentária. 8
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Seu irmão não entendeu o comentário como tampouco viu o olhar apreciativo do moço para o traseiro de sua irmã, mas esta foi incomodamente consciente dele. Assim que chegou a seus aposentos, encontrou-se com sua criada Elvira, que tinha vindo com sua mãe da Espanha, já com o vestido preparado. ― Supus que gostaria de algo singelo. ― Tudo que seja preciso para que meu pai não se lembre de que cresci. Como muito bem me lembrou meu irmão, é um milagre que ainda não tenha comentado nunca nada comigo sobre matrimônio. ― A verdade é que já está na hora de se casar. Mas tampouco quero vê-la casada com um homem que seu pai escolha. ― Eu não quero me casar nunca. ― Oh, não seja mentirosa! No fundo sei que é uma romântica. É só vê-la com os meninos do povo. Seria uma mãe maravilhosa. Mas você precisa casar-se por amor, está tão carente disso… ― Não necessito amor. ― Necessita sim. Além disso, não quer estar sozinha para sempre, não? ― Não estarei sozinha, tenho a meu irmão. ― Mas o senhorzinho não vai estar sempre a seu lado. Ademais, alguém pode sentir-se só mesmo estando rodeada de gente, não é verdade?
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Seu olhar ficou fixo no espelho, enquanto Elvira lhe abotoava o vestido nas costas. Não podia negar suas palavras. Fazia algum tempo notava um estranho vazio que não sabia como preencher. Além disso, sentia certa inveja por suas vizinhas e amigas, que estavam todas casadas, muitas já com filhos. Em especial de sua melhor amiga, a filha do vigário, pela maneira como a olhava seu recente marido… A ela nunca tinham olhado assim. Com luxúria sim, desgraçadamente muitas vezes, mas com essa admiração, essa devoção, esse… amor, não, nunca. ― E infelizmente aqui não abundam os cavalheiros. Os poucos que há já estão casados ou são muito velhos para você. Embora sendo realista, nenhum deles poderia aspirar a casar-se com a filha de um conde. ― Crê que minha posição os manteve afastados? ― perguntou com certo tom desalentado, que sua criada notou e, insistindo para que se sentasse na penteadeira para penteá-la, olhou-a com carinho. ― Não se preocupe, o homem para você aparecerá cedo ou tarde. Tomara que seja logo… Sofía conteve a respiração. Logo? Como podia ter pensado assim por um momento sequer? Tomara que não chegasse nunca. Tinha tudo o que podia desejar; tinha mais liberdade que qualquer mulher; poderia sobreviver sem ter um marido e filhos a seu lado. ― Pois eu espero que não apareça. Certamente não o estarei esperando. 10
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Elvira
balançou
a
cabeça.
Não
acreditava
nisso
e
desgraçadamente ela tampouco. Quando desceu as escadas, um lacaio lhe indicou que a estavam esperando no escritório de seu pai. Aquilo soou estranho, porque seu pai nunca os tinha chamado a essa sala em particular — era como seu santuário, não permitia que a invadissem seus molestos filhos. Assim que entrou, notou a tensão no ambiente. Seu irmão se mantinha afastado, olhando pela janela com os punhos apertados. Nem sequer se girou quando ela entrou. O conde, em troca, estava sentado atrás de sua mesa com uma taça na mão. Ela tentou dissimular seu assombro ao vê-lo. Jamais tinha visto seu pai daquele modo, com esse aspecto de cansaço, de pessimismo, de abatimento. ― Sente-se, Sofía ― pediu-lhe seu pai. ― O que aconteceu? ― perguntou apreensiva. O conde não respondeu imediatamente. Deu vários goles em sua taça com o olhar ausente. Ela olhou interrogativamente a seu irmão, que tinha deixado de olhar para fora. Sobressaltouse ao ver o olhar de fúria que ele dirigia a seu pai, mas que se suavizou ao olhar para ela e se converteu em um de tristeza. Ela estremeceu. Algo grave acontecia. ― Dentro de dois dias partiremos em um navio ― transmitiu-lhe seu pai, sem ânimo na voz. ― Para onde? Por quê? ― Sofía estava realmente surpreendida com aquela notícia. ― Não precisa saber nenhum detalhe ― grunhiu. 11
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― Engana-se! Não pode exigir assim sem mais nem menos que… ― Só é uma mulher e é minha filha. Posso lhe exigir o que queira! ― seu pai ficou vermelho depois de lhe gritar aquilo. Sofía se sobressaltou ante o grito furioso de seu pai e olhou para seu irmão imediatamente. Este negou com a cabeça e assinalou com a mesma para a porta. Ia protestar, mas o “logo” que leu em seus lábios, apaziguou-a. ―
Está
bem.
Avisarei
à
Elvira
e
arrumaremos
imediatamente a bagagem. Acabava de colocar dois vestidos no baú, quando apareceu seu irmão, o qual com um sinal indicou à Elvira que saísse do quarto e esta o fez imediatamente. ― O que acontece? Por que temos que sair com tanta urgência? ― Pai se colocou em um apuro. Fez más companhias e se inteirou de algo que não devia. Ele suspeita que o homem que mais será prejudicado, se esse segredo for revelado, acredita que o pai sabe a verdade e, segundo ele, fará todo o possível para impedi-lo de falar. ― Oh, Deus! Pai está em perigo? ― Ele e nós, eu temo. Por isso, veio nos buscar. Pelo menos uma vez se lembrou de nós, embora poderia havê-lo feito antes de juntar-se com esse homem. ― Mas, quem é ele? E o que é que o pai sabe? ― Não me contou mais, e de todos os modos é melhor que tampouco saibamos. 12
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― E por que não avisa as autoridades? ― Não quer arriscar-se. Parece que o homem tem contatos em todas as partes. ― E aonde vamos? ― À plantação do tio Alfredo, na Virginia. Quer que permaneçamos ali um tempo, até que as águas se acalmem. Então enviará uma carta a um conhecido que tem no Ministério de Assuntos Exteriores. ― E por que não a envia agora? ― O principal neste momento é nossa segurança, não crê?
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Capítulo 2 ― Isto é muito enfadonho. ― Quer que joguemos outra partida de xadrez? — perguntou Sofia. ― Não, por favor, na última você estava tão aborrecida, que inclusive ganhou de mim. ― Só são desculpas, não sabe perder. Sofía deu um tapa no ombro de seu irmão e apoiou os cotovelos no corrimão, contemplando o oceano. ― Levamos somente uma semana navegando e já está enfastiada. Pobre do homem que se case com você. ― Por que ultimamente estão todos tão repetitivos com isso de que me case? ― Porque já tem vinte anos; faz anos que deveria estar casada. ― Também os tem você e ninguém insiste em que se case. ― Já sabe que no caso dos homens é diferente. ― É injusto. ― Sei, mas não sou eu quem dita as regras.
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― Eu gostaria de discutí-las com quem… ― calou-se ao ver o movimento no convés. Muitos marinheiros se moviam apressados e Sofía notou que estavam preparando os canhões. Seu irmão também notou, porque a segurou pelo braço, preocupado, e procurou com o olhar o capitão. Este se aproximou deles e ela pôde notar seu nervosismo e… medo. ― Será melhor que leve a sua irmã ao camarote, senhor. ― O que acontece? Um grito do vigia respondeu à pergunta de Alfonso. ― O Abaddon se aproxima de nós! ― O que é o Abaddon? Mas seu irmão não lhe respondeu. Conduziu-a pelo convés do navio e desceu apressado aos camarotes, arrastando-a com ele. Elvira estava lavando a roupa quando chegaram. ― O que acontece, senhorzinho? ― Também gostaria saber — disse Sofia. ― Abaddon é o navio do capitão Darkness. ― O pirata Darkness? ― O mesmo pirata conhecido por destruir todos os navios que aborda? ― perguntou sua criada com voz estrangulada. Alfonso assentiu com olhar sombrio. ― Não saiam daqui. ― Mas, Alfonso… ― Não, Sofía, pelo menos uma vez obedece sem questionar. Assim que seu irmão se foi, Elvira se aproximou dela e tomou suas mãos. 15
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― Não se preocupe com o… Seenhooor… Nooss… Sofía
abraçou
a
sua
chorosa
criada,
que
tentava
tranquilizá-la, mas estava mais assustada que ela. ― Não se preocupe, Elvira. Ainda não nos atacaram e pode ser que não o façam. Justamente acabava de dizer estas palavras, quando ouviram um forte ruído, seguido de um golpe no navio, e ambas cambalearam. ― Ai,
Maria Santíssima!
Elvira se benzeu sem deixar de chorar. Sofía lhe passou o braço pelos ombros e insistiu com ela para sentar-se no chão diante da porta. ― Fique tranquila, Elvira. ― Ai, senhorita! O sinntoo muito. Deveriaa ser euu quemmn a acalmasse. ― Não dê importância a isso. E não fale nada até parar de chorar, porque quase não a entendo. Sofía tentou animá-la, mas viu que não fazia efeito. ― Tenho medo! Tal confissão de sua sempre protetora e prática criada a aterrorizou. “Eu também, eu também,” pensou, mas não o disse em voz alta para não preocupá-la mais. Passaram um tempo abraçadas e rezando em silêncio, escutando a crua batalha que tinha lugar na parte de cima. Ambas se sobressaltaram quando notaram que alguém tentava abrir a porta mas não podia, já que elas estavam sentadas na frente. 16
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― Sofía, sou eu. As duas se levantaram de um salto e Alfonso entrou com a roupa enegrecida, um braço queimado e segurando seu sabre com o braço são. Ambas exclamaram surpreendidas ao lhe ver e Elvira se aproximou de uma bacia com água para limpar a ferida. ― Pode deixar, não há tempo a perder. Acompanhem-me. Seguiram-no em silêncio. Quando chegaram ao convés, o grito de Elvira foi ensurdecedor. O chão estava coberto de cadáveres ensanguentados e o navio tinha sofrido graves danos ocasionados pelos canhões do inimigo. Os olhos de Sofía se detiveram em uma figura conhecida caída entre os corpos. ― Pai? Está…? ― disse com voz trêmula. Seu irmão a segurou pelos ombros e a girou para ele. ― Escute... Vocês têm que entrar no bote e remar, afastando-se o mais rápido que possam. Logo nos abordarão. ― Você também virá, verdade? Seu irmão a olhou angustiado e ela temeu o pior. Mas não esperava a reação de Elvira, que olhou o bote e depois ao navio pirata, aterradoramente perto. ― Eu não sei nadar! Não quero morrer afogada! Vamos morrer de qualquer forma! ― gritou a criada e, antes que pudessem reagir, saiu correndo para os camarotes. ― Elvira! Sofía ia sair atrás dela, mas seu irmão a impediu. ― Deixe-a! Encontra-se em estado de pânico, não poderia fazê-la voltar à razão. Não podemos perder tempo! 17
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Levou-a até o bote e a ajudou a subir. Um marinheiro desesperado tentou subir e se apoderar do bote para ele sozinho, mas Alfonso o empurrou e o golpeou, deixando-o inconsciente.
Outros
se
atiraram
diretamente
à
água.
Aproximou-se dela e tirou um caderno de sua jaqueta. ― Tome... Aqui está tudo escrito; tudo sobre o segredo que o pai se inteirou. Não confie em ninguém. Só no nome que está escrito na última página. É o homem que trabalha para o Ministério. ― Por que me dá isso? Por que me diz tudo isto? ― Enquanto você se afasta, tentarei distraí-los. ― Não! Não me deixe! Não pode ficar aqui! Você morrerá! Mas ao olhar fixamente para seu irmão viu a aceitação de seu destino e a resolução de não ir com ela. ― Não! Não pode! ― gritou desesperada com lágrimas nos olhos, agarrando-o pelas lapelas do seu casaco, puxando-o. Os gritos dos piratas os alcançaram, assim como o fogo de suas armas. Seu irmão emoldurou-lhe o rosto com as mãos e beijou-lhe a face. ― Amo-a, irmãzinha. Seja valente, como sempre foi. Soltou-se das mãos dela que o agarravam e, com um suave empurrão, Sofía caiu sentada no bote. Tentou levantar-se, mas neste momento o bote começou a balançar-se e ela foi incapaz de ficar em pé. ― Não! Alfonso! Alfonso! Não deixou de gritar e chorar, sentindo seu coração quebrar-se à medida que o bote se aproximava da água. 18
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Tremendo, agarrou os remos e tentou usá-los. Afastava-se do navio muito devagar e sobressaltou-se quando um marinheiro tentou subir, fazendo o bote oscilar perigosamente. Outro movimento mais e o derrubaria. O homem o soltou de repente, sem vida. Sofía olhou a seu redor e comprovou que os marinheiros que tinham saltado n’água estavam flutuando rodeados de sangue. Quando uma bala passou assobiando junto a ela, compreendeu que os piratas estavam disparando em sua direção. Deixou-se cair para que acreditassem que a tinham acertado. Ante um estrondo, olhou para o navio e viu horrorizada que a embarcação estava ardendo em chamas. Fechou os olhos e uma parte dela esperou ansiosa que alguma bala a alcançasse para deter sua angustiante dor.
― Capitão, olhe! Scott agarrou a luneta que lhe estendeu Sullivan, seu segundo em comando, e conteve uma maldição ao ver o navio calcinado pelas chamas, que deveriam já se haver apagado sob a chuva que caía há horas . ― Chegamos tarde outra vez. Devolveu-lhe a luneta e com passos decididos se afastou furioso para seu camarote. Não queria descontar sua ira em sua
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tripulação. Estava tão aborrecido que não ouviu Sullivan exclamar que via um bote não muito longe do navio atacado. Fechou a porta com um golpe, sobressaltando o gato que dormia calmamente sobre sua cadeira. Aproximou-se de sua mesa, onde tinha vários mapas com várias marcas. ― Algum dia encontrarei seu esconderijo e serei eu que não deixarei sobreviventes. Ao ouvir o alvoroço no convés, sentiu curiosidade, girou e saiu para ver o que acontecia. Não esperava encontrar a cena que tinha diante de si. Uma mulher ensopada até os ossos brandia com confiança um sabre, provavelmente tomado de algum de seus marinheiros. ― Aproximem-se mais de mim e lhes juro que não voltarão a ver outro amanhecer. Scott levantou as sobrancelhas surpreso. Ali estava ela, rodeada por uma dúzia de homens experientes e com o dobro de sua força e a moça não oferecia nem um indício de medo. Justamente o contrário, levantava o queixo orgulhoso. Timothy, um grumete, deu um passo para ela com as mãos levantadas. ― Não pretendemos lhe fazer mal, senhorita. ― Um passo mais, moço, e corto-lhe essa língua de pirata. Fez um círculo com decisão e os homens afastaram-se dela, assustados de que fizesse mal a si mesma. Scott, bufando, cansado daquele espetáculo, aproximou-se deles para pôr ordem. ― O que acontece aqui?
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Capitão, pela luneta vi algo em um bote à deriva, sem remos,
perto
do
navio
queimado.
Mandei
uns
homens
investigarem e voltaram com esta… esta… mulher! ― Sullivan, evidentemente, não sabia como nomeá-la. ― Parecia que estava desmaiada, capitão, mas, assim que a subimos a bordo, ficou como uma fera, desarmou o Vincent e nos ameaçou com o sabre ― completou Timothy. ― Bem, bem, senhorita, seria um favor enorme a todos nós se baixasse a arma sem causar mais alvoroço — advertiu o capitão.. Ela dirigiu a ponta do sabre, assim como seus olhos, em direção a ele. Scott se surpreendeu ante seu olhar de desmedida ira, bem como com a pontada de desejo que sentiu. Era uma mulher realmente formosa com aqueles resplandecentes olhos verdes e um corpo tentador, marcado perfeitamente pelo vestido empapado, que colava à sua pele. ― Não permitirei que me toquem, seus piratas sujos! Agora foi a sua vez de zangar-se e se aproximou dela, ameaçador. ― Controle sua língua, moça, não somos piratas. ― Não acredito em você! Por que razão iria viajar em um de navio de guerra sem bandeira e com uma tripulação sem uniforme? São como eles! Com um braço indicou o que provavelmente era o navio em que viajava, que já destruído, ía afundando pouco a pouco no oceano. ― Não se atreva a nos comparar com eles! 21
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Aproximou-se dela e esquivou-se a tempo de seu ataque. Semicerrou os olhos, estudando-a. Parecia que sabia o que fazia. ― Seja uma boa garota e solte o sabre. ― Terá que me obrigar a isso. ― Você pediu... Aproximou-se pela direita, mas ela era rápida e o viu vir. Durante uns minutos ele tentou aproximar-se, mas ela se defendia com maestria. Estava começando a cansar-se e, quando com um movimento ela arranhou-lhe a maçã do rosto e ele sentiu o sangue correr pela bochecha, sua paciência se esgotou totalmente. Pegou sua arma e a atacou com decisão. O ruído do aço era o único som que se ouvia no convés. Todos estavam absortos, contemplando
como
seu
capitão,
considerado
o
melhor
espadachim dos mares, tinha que esforçar-se a fundo para vencer uma mulher. Depois de uns quantos movimentos, conseguiu desarmá-la e, antes que a garota se equilibrasse, já sem sabre, dois marinheiros a apanharam. ― Levem-na ao meu camarote. Ali encontrará mantas para secar-se. Deve estar gelada e também faminta. Avisem ao cozinheiro. Scott
ignorou
seus
gritos
e
pontapés,
enquanto
a
arrastavam pelo convés e se aproximou de Sullivan que não deixava de sorrir. ― Que caráter! ― Sim, uma mulher que sabe usar uma arma — falou irritado Scott. 22
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Tirou um lenço de seu bolso e limpou a ferida de seu rosto. ― Por sua forma de falar parece que teve uma boa educação. Certamente deve ser aristocrata. Eu diria mesmo que recebeu uma estranha educação; nunca tinha visto uma mulher usar um sabre como ela. — Serei sincero, nem uma mulher nem um homem. É surpreendente e, além disso, uma beleza sem igual. Scott o olhou surpreso. Seu amigo apreciava muito as mulheres, mas jamais mostrava especial atenção por nenhuma. Se ele não se cuidasse, poderia cair facilmente em redes dela. Que diabos! Ele mesmo se encontrou mais que cativado por aquela fera em forma de mulher. ― Sabe-se algo da procedência do navio? ― Era uma fragata inglesa com apenas canhões e mercadoria. Devia ser utilizada para levar passageiros, mais que outra coisa — informou Sullivan. ― O que significa que esse bastardo tornou a cumprir uma missão. ― Sim, nós dois sabemos encomendada por quem. A pergunta é: de quem queria livrar-se desta vez? Deve ter feito algo para ganhar sua profunda inimizade, já que ele se viu obrigado a contratar ao Darkness. Precisamos saber quem era. ― Por sorte, desta vez, contamos com uma sobrevivente, da qual eu me encarregarei que coopere.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Capítulo 3 Sofía não deixava de dar voltas, intranquila. Não sabia se estivera pior naquele bote ou nesse navio tripulado. Se por acaso não eram piratas, o que eram? Corsários? De igual modo estes homens não eram cavalheiros e muito menos o seu capitão. Aquele homem era…um idiota, sim, era isso, embora fosse um espadachim incrível. E claro — não podia negar — muito atraente. Era realmente alto, moreno, com o cabelo negro roçando a gola da camisa e uns olhos azuis penetrantes. Sem contar com seu corpo musculoso. Inspirou fundo e olhou a seu redor procurando uma saída. Não quis aproximar-se do gato que descansava comodamente na cadeira. Não parecia muito amistoso, além disso, ela nunca se deu bem com os felinos. Já tinha tentado a escotilha e estava trancada. A porta estava descartada. A fechadura estava por dentro, mas não podia sair por aí, se não queria que a vissem. ― Sério, se não se secar e tirar essas roupas molhadas, acabará doente. Sua voz grave a sobressaltou. Virou-se e o encontrou apoiado no batente da porta. 24
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Não sabe bater e pedir permissão? ― Pedir permissão para entrar no camarote de meu próprio navio? Parece-me que não, princesa. ― Você é um cerdo1… Ele levantou ambas as sobrancelhas, entrou e fechou a porta. ― Não sei espanhol, mas isso, graças a algumas mulheres, sim sei o que significa. ― Possivelmente se fosse mais cavalheiro… ― E possivelmente se homens como eu voassem… ― Que insuportável! Ele não se incomodou. Dirigiu-se para um baú, abriu-o e tirou várias mantas e uma camisa. ― Pegue, troque-se. ― Não quero nada de você. ― Terá que aceitá-lo, embora não queira. Eu não gosto de viajar com doentes a bordo e até que cheguemos a um porto, é minha responsabilidade. ― Um pirata responsável?! ― Disse-lhe que não sou um pirata. ― Tampouco me disse quem são. ― Eu lhe direi se me obedecer e trocar a roupa. Ela agarrou as mantas e ignorou a camisa. ― Não penso em vestir isso e menos ainda diante de você. ― Vou sair para que se troque e quero ver sua roupa diante da porta ao voltar. Se não, entrarei e lhe tirarei isso eu 1
Cerdo – porco em espanhol.
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mesmo ― disse, enquanto deixava a camisa em cima da cama e ficava de pé de braços cruzados, observando-a secar-se. ― Bem, quem é você? ― Sou o capitão Smith. ― O capitão Smith? Sério? Que original! ― Não procurava um nome original. ― Se não é pirata… O que é? ― Digamos que sou um comerciante e faço pequenos trabalhos para o governo britânico. ― Ah, agora o chamam assim? Eu prefiro chamá-lo corsário. Ele encolheu os ombros e não deixou de observá-la com intensidade. ― Diga-me, aonde ía seu navio? Sofía se sentou na cama com as pernas trêmulas. ― À Virginia. ― Com quem viajava? ― Houve sobreviventes? — ela perguntou esperançosa. ― Não, lamento, é a única. Respirou profundamente, não iria chorar diante dele. ― Repito, com quem viajava? Só com sua criada, possivelmente? Pensou em Elvira. Muito certo que tenha morrido asfixiada pela fumaça, ou queimada, ou apanhada por aqueles… ― Saia! ― Não penso sair de meu camarote só porque você me ordenou isso, e menos ainda sem que antes me responda. 26
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Sofía cobriu o rosto com as mãos. Custava-lhe respirar ao pensar em seu irmão… ― Vá embora! Sofía não se deu conta de que ele se havia movido, nem de que se ajoelhara diante dela, até que lhe tirou as mãos do rosto. ― Chora tudo o que queira. Tampouco tivera consciência de que estava chorando, nem de que já não podia conter os soluços. Ele a abraçou e ela não teve forças para resistir e, então, chorou desconsoladamente sobre ele.
Assim que saiu de seu camarote, dirigiu-se a Sullivan que estava ao leme. Já era noite e, excetuando os poucos marinheiros que estavam de guarda, o convés estava deserto. Ao deter-se a seu lado, seu amigo o olhou interrogativamente. ― Esteve muito tempo com ela. Outra mulher que caiu em seus braços, não? ― Apenas uma hora atrás queria me matar. Nem eu sou tão bom. ― Então só conversaram? ― Mais ou menos. ― Mais ou menos? Pelo menos terá contado algo, não? Qual era o destino do navio? Com quem viajava?
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― Falamos, mas bem pouco… Mas, acredito que viajava com sua família, à Virginia. Disse-me que estava sozinha. ― E nada mais? ― Não seja apressado. Haverá tempo. Scott apalpou a jaqueta em busca de um charuto, mas recordou que em seu navio ele mesmo tinha proibido categoricamente o fumo. Amaldiçoou e se surpreendeu quando seu amigo começou a rir. ― Deus santo! Não posso acreditar isso! Consolou-a! ― Fecha o bico! ― Com certeza se pôs a chorar e você, em vez de ignorá-la como faz cada vez que uma mulher derrama uma lágrima, consolou-a e talvez até a tenha abraçado castamente. ― Isso seria tão estranho? ― Em outro não; em você sim. Parece que depois de tudo, sim, você é humano! ― Não exagere, não sou um monstro. ― Não, mas desde que o conheço, parece que carece de sentimentos. ― Não queria confortá-la, mas o que mais podia fazer? Além disso, não deixava de chorar dizendo: Alfonso. ― Acredita que pode ser seu marido? ― Pode ― respondeu grunhindo. ― Está com ciúmes! ― Que estupidez! Por que iria sentir ciúmes? ― Porque, embora não conheça essa mulher, já a admira e inclusive baixou suas defesas diante dela. 28
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― Sabe? Eu ía substituí-lo, mas agora, irei deixá-lo ao leme durante toda a noite e, caso durma, vou pendurá-lo no mastro maior. ― Parece que o mal-humorado do Avenger volta a surgir. Scott o agarrou fortemente no braço. ― Não se esqueça de que Avenger está morto ― sussurrou furioso. Soltou-o e afastou-se de seu amigo com grandes passadas, sabendo de antemão, que iria ser uma noite muito longa.
Sofía despertou sobressaltada. Sentou-se na cama e olhou a seu redor. Esperava encontrar-se com Elvira preparando sua roupa. Mas, de repente, recordou o que tinha acontecido. Deixou-se cair sobre o travesseiro e fechou fortemente os olhos, tentando não chorar. Não se lembrava de ter dormido. Sua última lembrança era de haver tirado a roupa molhada como um robô e colocado a camisa masculina. Após ele deixá-la, depois que a consolou, trouxe-lhe um pouco de comida. Além de seu irmão e de sua criada, nunca a tinham tratado com tanta ternura. Não teria esperado isso de alguém como ele. Era rude e mal-educado mas, mesmo assim, não tinha duvidado em abraçála e balançá-la contra ele e, em nenhum momento, tentou aproveitar-se dela. Um golpe soou na porta e, quando esta se
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abriu, ela se cobriu com as mantas sobressaltada. Apareceu a cabeça de um jovem moreno tranzendo uma bandeja com o que devia ser seu café da manhã. O moço mantinha os olhos fechados. ― Está apresentável, senhorita? ― Dentro do possivel, sim. O menino abriu os olhos e ao vê-la na cama se ruborizou e desviou o olhar, entrando no camarote e deixando a bandeja na mesa do capitão. ― Assim que acabe, pode deixar a bandeja no corredor e eu a recolherei. ― Qual é seu nome? ― Timothy, senhorita ― disse, sem levantar a cabeça. ― Bem, Timothy, seria tão amável a ponto de me trazer uma muda de roupa? ― Temo que não tenhamos vestidos, ainda mais para uma dama como você. ― Conformo-me com umas calças e uma camisa. ― Não poderia usar isso; além disso, o capitão disse que minha nova tarefa é me encarregar de que não saia deste camarote. ― Esse miserável… O jovem se ergueu em toda sua altura, o que não era muito para um garoto de uns dez anos e a olhou muito sério. ― Não fale assim do capitão — ordenou. — Isso é para sua própria segurança. Um navio não é lugar para uma mulher. ― Tampouco o é para um menino. 30
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― Não sou um menino, senhorita, e este é o meu lar, desde que o capitão me comprou. ― Comprou-o? ― Perguntou ela escandalizada. ― Não é como pensa. Antes de conhecer o capitão, eu trabalhava no porto. Meu amo me açoitava quando eu não era suficientemente rápido. O capitão lhe arrebatou o chicote e ofereceu cinco libras por mim, as quais meu chefe aceitou encantado. ― E seus pais? ― Não tenho. Mas a tripulação me tratou como um deles desde que cheguei. É o mais parecido que já tive a uma família, embora não deva repetir estas palavras por aí, senhorita. Timothy voltou a baixar a cabeça, envergonhado, e Sofía sorriu ante o acanhamento do moço. ― É óbvio que isto fica entre nós, mas, por favor, traga-me alguma roupa. Embora não possa sair do camarote, não posso passar todo o dia com a camisa do capitão. ― Farei o que puder. Assim que a porta se fechou, levantou-se e se aproximou do café da manhã, guiada pela fome. Comeu com rapidez e pouco tempo depois entrou Timothy, após ter batido na porta. ― Aqui está, senhorita ― Deixou a roupa em cima da cama, incapaz de olhá-la. Ela se aproximou e lhe deu um rápido beijo na bochecha. ― Muito obrigado, Timothy. Com a cara vermelha como um tomate, ele saiu correndo, gaguejando um “de nada, senhorita”. 31
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Sofía se vestiu e procurou pelo quarto uma corda para amarrar à cintura, a fim de que não lhe caíssem as calças. Quando encontrou uma corda pequena, atou-a e procurou algo para colocar nos pés, mas desistiu em seguida ao dar-se conta de que não encontraria nada que não ficasse enorme, como o calçado do capitão. Aproximou-se da porta, esperançosa de que, com o nervosismo, Timothy tivesse esquecido de permanecer ali parado fazendo a guarda. Reprimiu uma exclamação de alegria ao descobrir o corredor vazio e saiu com cuidado para não encontrar-se com ninguém que lhe frustrasse a fuga. Era incapaz de estar muito tempo encerrada entre quatro paredes. Era um dos piores castigos que lhe tinham aplicado quando pequena e sempre havia encontrado a maneira de sair, se seu irmão não a ajudasse antes. Subiu com cuidado pelas escadas que levavam ao convés, esquivando-se da tripulação, que estava ocupada
com
suas
tarefas.
Aproximou-se
do
corrimão,
desfrutando da vista do mar e respirando profundamente o ar puro. ― O que faz aqui? Uma voz desconhecida a sobressaltou e ela se virou bruscamente, perdendo o equilíbrio, escorregando no úmido chão e caindo para trás; porém as mãos do homem a apanharam pelos ombros. ― Tranquila... Não queremos que depois de havê-la salvo das garras da morte você caia agora pela amurada. A expressão afável, o olhar e o sorriso sincero daquele homem a tranquilizaram. 32
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Assustou-me. ― Iria mais que se assustar, se em vez de mim tivesse sido o capitão que a encontrasse. ― Não me importo com o que diz esse... esse bruto. Eu não gosto de estar encerrada. Ele soltou uma gargalhada e a olhou surpreso. ― Não me recordo de ninguém falando assim dele sem temor de ser ouvido. ― Não tenho medo dele. ― Não, já o vejo. E me alegro. Ele precisa encontrar-se com gente que não trema em sua presença. Sou Sullivan, o segundo em comando de bordo. Ele estendeu-lhe a mão e segurou a dela com força. Tentou dissimular quão surpreendida estava ante aquela saudação. Já o tinha suspeitado por seu sotaque, mas agora não tinha mais dúvidas de que aquele homem era americano. ― Eu sou Sofía. ― Sofia apenas? ― O que importa meu sobrenome? Agora sou a única que… Mordeu os lábios e voltou a vista ao horizonte. Ele ficou ao seu lado e manteve o silêncio durante um momento, dando tempo a ela para acalmar-se. ― Viajava com toda sua família? ― Sim, com meu pai e com… meu irmão gêmeo, Alfonso. ― Sinto muito, suponho que sua mãe... ― Morreu quando eu era pequena.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Não quero pressioná-la, mas nós gostaríamos de perguntar se sabe por que aquele navio pirata os atacou. ― Não o entendo. O que quer dizer? ― Esse pirata não ataca navios assim sem motivos, e muito menos um navio que só transportava passageiros. Ou será que viajavam com algo de supremo valor? ― Não, não acredito. Os passageiros estavam só com suas bagagens e ficaria surpresa que alguém se arriscasse a viajar com algo de valor. ― Nisso também acreditamos. Portanto, foram em busca de alguém. Você teria uma ideia de quem poderia ser? Notou se havia alguém preocupado de que o seguissem? Fugindo de algo? ― Sim, meu pai... ― então recordou as palavras do Alfonso: “Não confie em ninguém.” Ela manteve o rosto à frente, evitando o olhar dele. ― Não, sinto muito, senhor Sullivan, mas não recordo a ninguém assim. Ele não disse nada de imediato e surpreendeu-a ao lhe apertar, consoladoramente, a mão. ― Sinto por sua família. Vou deixá-la um momento sozinha. Mas não demore muito em voltar para o camarote. Não sei quanto tempo serei capaz de distraí-lo. Deu-lhe uma piscadela e afastou-se pelo convés. Ela ficou ali de pé, olhando a imensidão do oceano, que agravava ainda mais seu sentimento de solidão.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Scott franziu o cenho ao ver que, enquanto Sullivan se afastava, ela ainda permanecia de pé no convés, onde tinha ordenado que não fosse. Por isso, quando seu amigo se aproximou, não pôde dissimular seu mau humor. ― Deixe esse assunto comigo. Eu me encarregarei de que volte ao camarote sem armar alvoroço ― disse Scott irritado. ― A pobre perdeu a sua família. Conceda-lhe uns minutos ao ar livre. Não vai ocorrer nenhuma desgraça. ― Pelo menos você descobriu algo? ― Apenas que viajava com seu pai e seu irmão, esse tal Alfonso, de quem você estava tão ciumento. Não disse nada mais. Scott franziu mais o cenho, encarando-o. ― Não lhe disse nada mais que nos possa ajudar, ou que seja a razão de por que Darkness atacou seu navio, em particular? ― Acredito que sabe, mas não quer dizer. ― Que estranho... Se quer ocultar algo, deve ser unicamente por.... ― Porque sabe de quem estavam atrás — completou Sullivan. ― Sim, e o mais seguro é que fosse seu pai ou seu irmão.
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― O mais provável é que fosse seu pai; seu irmão tinha a mesma idade dela. ― Sim, e ele não se associa com jovens. Tem razão, devia querer eliminar seu pai. Precisamos saber quem era. ― Não nos contará isso tão facilmente. Ambos observaram em silêncio como ela caminhava pelo convés indo para as escadas. Scott não pôde desviar seus olhos dela. Aquelas calças marcavam suas sedutoras pernas e seu arredondado traseiro. ― Pensa seduzi-la para obter a informação? ― Farei o necessário para que me conte tudo. ― Tome cuidado. ― Não tem que temer por ela ― Temo por ti, amigo. A sedução pode ser uma faca de dois gumes.
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Capítulo 4 Como não era capaz de continuar lendo o documento que lhe tinha entregue seu irmão sem chorar, tentou procurar uma forma de se distrair. Depois de dar muitas voltas pelo camarote para encontrar alguma coisa com a qual se entreter, em uma das gavetas da mesa achou um livro — “Utopia” — e se surpreendeu de que um rude capitão de corsários o tivesse em seu poder. Pensou que o mais provável é que não era dele. Também encontrou “A Ilíada” em latim, o que a fez suspeitar ainda mais de que aqueles livros eram de outra pessoa. Sentou-se na única cadeira do camarote, ficou confortável e começou a ler. Não levava mais de meia hora lendo quando a porta se abriu de repente. Como não tinham batido, soube imediatamente de quem se tratava. ― Vejo que sua disposição de bater antes de entrar não aumentou. ― Certamente, não. Confortável? ― perguntou uma vez que parava em frente dela com os braços cruzados sobre o peito e a olhava divertido.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Ela baixou de repente os pés, que tinha sobre a mesa. e sentou-se direito. ― Todo o conforto que posso ter, sendo uma prisioneira. ― Não se faça de mártir; evidentemente não sabe realmente o que é ser prisioneira. Sofía não disse nada. Na verdade não a estavam tratando mal, mas seguia sem entender por que ele se empenhava em têla escondida no camarote. ― Está muito acostumada a pegar as coisas sem permissão, verdade? ― Estavam no camarote, e não me disseram que não podia tocar nas coisas que havia nele, além disso, para pedir permissão necessito saber de quem são. ― Minhas. ― Suas? Não acredito. ― Nesse caso levarei isso. Fez ameaça de aproximar-se e agarrar o livro, mas ela o interrompeu. ― Não, por favor, é a única coisa que tenho aqui para não morrer de tédio. Seria tão amável e me emprestar seus livros, capitão Smith? ― É óbvio, senhorita… ― Sofía. ― Qual é seu sobrenome? ― Isso não tem importância. ― Claro que tem... Não posso levar uma desconhecida em meu navio. Se o que a preocupa é sua reputação, pode ficar 38
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
tranquila; digamos que minha tripulação é discreta e não divulgam por aí o que levo em meu navio. ― Se insiste, sou Sofía Adams. ― Sofia Adams? ― Sim, capitão Smith ― pôs maior ênfase no sobrenome dele de propósito. ― Pra onde se dirige o navio? ― Vamos à Jamaica, mas ali posso me encarregar de que tome outro navio que a leve à Virginia. ― Já não tenho motivos para ir lá. ― Não é a viagem que fazia com sua família? Não tem nenhum parente ali? ― Sim, o irmão de minha mãe. Mas devido à… tragédia, é melhor que volte para a Inglaterra. ― Não vejo por que não pode permanecer um tempo com sua família, na Virginia, para recuperar-se desse mau momento. ― Nunca me recuperarei do que aconteceu. Se você não quiser me ajudar, não se preocupe. Encontrarei uma maneira de voltar. ― Mulher teimosa… Está bem, vou levá-la. ― O que quer dizer? ― Assim que descarregue meu carregamento na Jamaica e meus homens passem seus dias de licença na ilha, tenho que voltar para a Inglaterra. De modo que pode vir conosco, se você colaborar. ― É isso o que quer, capitão?
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― Ninguém neste navio me oculta nada nem mente pra mim. Entendido, senhorita Adams? ― Ficou-me muito claro. ― Espero que me demonstre isso durante a viagem. Quando lhe perguntar, vou querer respostas sinceras. Amanhã nos veremos quando você sair para dar um passeio pelo convés. ― Posso sair, então? ― Durante uma hora todos os dias, em minha companhia. É a única concessão que farei. ― Obrigada, capitão. Ele soltou uma espécie de grunhido e saiu. Ao fechar a porta, Sofía correu em busca do caderno que lhe tinha dado seu irmão. Tinha que saber em que problemas esteve metido seu pai, antes de voltar a falar com o capitão. Ao acabar de ler todo o conteúdo, deixou-o sobre a mesa, espantada. Ao que parecia, seu pai se envolveu com Darrell Rumsfeld, um homem muito perverso e, malditamente, ele só soube disso muito tarde. Não é que seu pai tivesse sido um santo. Na verdade, se não tivesse se dado conta de que aquela amizade lhe traria muitos problemas, não se teria incomodado de permanecer em sua companhia. Mas, para azar de seu pai, ele havia se inteirado de que Darrell tinha recebido dinheiro dos americanos em troca de informação. A guerra já tinha acabado, mas, mesmo assim, isso não mudava o fato de que aquele homem era um traidor, além de um delinquente, que se dedicava ao comércio ilegal de pesca e também ao de escravos. Embora Sofía não o conhecesse, não pôde evitar de sentir 40
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repulsa por esse homem e lástima ao pensar quão diferente tudo poderia ter sido, se seu pai não tivesse se mostrado tão covarde, fugindo. Seu irmão tinha escrito ao final que seu pai tinha entrado em contato com Gavin Wilmarth, um funcionário do governo que estava há anos atrás do Rumsfeld, porém, como tinham assaltado a casa do conde na cidade, este, assustado, não foi à entrevista e organizou depressa sua fuga. Bem, agora ela é quem teria que se encarregar de que aquele horrendo homem pagasse por seus crimes. Depois das perguntas de Sullivan, compreendeu que o ataque tinha sido organizado para calar o seu pai. Se Darrell pôde contratar aquele bárbaro pirata, ela tinha que ter muito cuidado. Não sabia quantos aliados poderiam
estar
espalhados
por
aí.
Deveria ocultar
sua
identidade até ficar em contato com aquele representante do governo e levar-lhe a confissão de seu pai, que tinha em seu poder.
Possivelmente
era
prova
suficiente
para
que
investigassem o traidor e aceitassem como prova conclusiva que o incriminasse. Seu irmão tinha razão, não podia confiar em ninguém. Nem sequer no capitão Smith. Ele era o primeiro que lhe ocultava coisas, começando por seu próprio nome. Como podia confiar em alguém que não confiava nela?
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Scott se manteve silencioso enquanto caminhava com ela pelo navio. Tinha que ir pouco a pouco, se queria conseguir algo. Ela não podia dar-se conta que estava sendo submetida a um interrogatório. O melhor seria ganhar sua confiança para que Sofía acabasse contando-lhe tudo por iniciativa própria. ― Tinha viajado de navio alguma vez? Olhou-o receosa. ― Não, nunca. Passei toda minha vida na casa de campo de minha família. ― Além de passar a temporada em Londres, quis dizer? ― Nunca me apresentei em sociedade. Ele se deteve olhando-a curioso. ― Não aparenta ser de uma família sem recursos nem conexões. Não entendo como não teve sua apresentação na sociedade. Deveria tê-lo feito ja faz alguns anos. Que idade tem? Não pode ter menos de dezenove. Ela ruborizou, dirigiu-se à amurada e agarrou o corrimão com força. ― Não posso acreditar que saiba tanto dos costumes das damas em sociedade e não saiba que não lhes pode perguntar nunca por sua idade. ― Certo, mas você não é uma dama comum, e o digo como um elogio ― deteve-se ao seu lado e lhe sorriu com ironia. ― Tem razão... Não sou como as demais, devido à educação que recebi. Ao morrer minha mãe muito jovem, não tive uma figura materna a meu lado e como meu irmão era de minha idade, sempre estivemos muito unidos e estudava as 42
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mesmas coisas que ele. Recebi a melhor educação para um homem, algo do qual estarei sempre agradecida. ― Seu pai deve ter sido um homem muito permissivo. ― Estou segura de que não estava informado. Ele aparecia de vez em quando e jamais se preocupou conosco; quase não nos fazia perguntas. Não havia muita diferença de quando estava, e de quando se ausentava de casa. Suponho que em algum momento teria se dado conta que tinha que me apresentar em sociedade, mas agora… ― Já é muito tarde. ― Exato ― disse com voz triste. ― Ainda está em tempo... Não importa a idade que tenha, causará sensação.
Sua pálida pele voltou a cobrir-se daquele encantador rubor. Não podia recordar a última vez que tinha conhecido uma mulher que pudesse ruborizar-se assim; possivelmente nunca, já que as únicas mulheres que conhecia eram de vida fácil, com as quais se permitia aliviar-se, sem que estivesse comprometido nenhum estúpido sentimento romântico. Mas com aquela dama tinha que ser tremendamente paciente. Demônios! Deu-se conta que teria que seduzi-la com delicadeza. Nunca pensou que chegaria o dia em que teria que fazê-lo. Sua vida tinha mudado
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muito para pensar o que teria sido dele se… Basta! Jamais se permitia pensar muito no que tinha perdido. Isso ele reservava para o momento em que obteria sua vingança. ― Não entendo como pode estar tão seguro. Você não deve saber como é a sociedade britânica. ― Certo ― “se ela soubesse…”, pensou lugubremente. — Mas, conheço os homens! Não deixariam escapar um delicioso bocado como você, por muito nobres que fossem. ― Isso! Obrigada por me recordar que sou apenas um pedaço de carne, esperando que me devorem. Porque isso é o que me aconteceria, se me casasse com um desses insípidos cavalheiros. Desapareceria por completo a forma de vida a qual estou acostumada. ― Em troca teria dinheiro de sobra para vestidos bonitos e saberia como passar o tempo e, assim que desse um herdeiro a seu marido, ele passaria por alto as suas aventuras. Poderia ter o amante que quisesse. Os homens fariam fila por você, com sua beleza e fogosidade… Certamente ele não pôde evitar refrear seu olhar de luxúria, porque ela o olhou espantada. Mas só conseguia pensar em tê-la em sua cama. Com toda aquela paixão seria uma amante excelente, das que se entregavam por completo e ele morria de vontade por fazê-la sua. Nunca se havia sentido tão atraído por uma mulher antes e não sabia como agir. ― Eu não sou assim. No caso muito improvável de que me casasse, meu marido teria que me respeitar completamente, e
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igualmente eu o respeitaria; e isso inclui não o trair. Eu seria totalmente fiel a ele e esperaria o mesmo da parte dele. ― Nesse caso não se casará nunca, querida. Ela o olhou furiosa e com… medo. Evidentemente a tinha assustado. Por muito incerto que fosse encontrar uma relação assim, ele não tinha o direito de destruir sua ilusão. Ele melhor que ninguém, sabia o que era isso. ― Perdoe-me, não queria dizer isso. Além do mais, não sei nada sobre esses cavalheiros. Pode ser que encontre o homem que você busca. Sou muito rude, não sei calar minha boca e não sei como me comportar ante uma dama como você. Minhas mais sinceras desculpas. Ela não pôde dissimular seu assombro e o olhou admirada. ― Desculpas aceitas, capitão. ― Venha, vou acompanhá-la ao camarote. Não queremos que lhe aconteça nada. Faço-o para o seu bem. O convés de um navio não é lugar para uma dama. Aqui minha tripulação está trabalhando e você poderia distraí-los sem querer. Timothy irá daqui a pouco levar o seu almoço. Também irá buscá-la mais tarde para levá-la ao restaurante do navio, porque nos dará a honra de unir-se ao Sullivan e a mim para jantar, não é? Ela o olhou confusa, mas ao final lhe sorriu com acanhamento. Parecia que ele estava fazendo progressos. ― É óbvio, capitão.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Capítulo 5 Sofía entrou no camarote, sem chegar a compreender o que tinha se passado. Na maioria das vezes aquele capitão era rude e tinha pouca consideração com ela; exceto quando a tinha consolado e agora tentava tratá-la com cortesia? Preparou-se para um interrogatório sobre a abordagem dos piratas, mas nunca pensou que ele se interessaria por sua vida pessoal e a tivesse em tão alta consideração. Voltou a ruborizar-se sem poder evitá-lo. Devido a não ter participado de nenhuma temporada,
não
estava
acostumada
a
que
os
homens
paquerassem com ela e ele tinha estado muito lisonjeiro. Não sabia se acreditava no que lhe havia dito ou não. Não podia confiar nele tão facilmente, mas era certo que, se a ajudasse, iria querer saber algo mais. Ela faria todo o possível para lhe ocultar o que tinha descoberto no caderno. E se ele fosse um conhecido de Darrell Rumsfeld? Por outro lado, ele também trabalhava
para
o
governo
britânico
como
corsário
e
possivelmente conhecesse o homem de assuntos exteriores ao qual ela tinha que recorrer. Sentou-se com um suspiro desalentado, esfregando as têmporas. Aquilo era muito para ela! 46
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Em meio a tantas intrigas e com sua perda tão próxima… Não poderia fazer frente a tudo sozinha, mas por seu irmão tentaria ser valente. Um golpe na porta a sobressaltou e a afastou de suas reflexões. Não sabia quanto tempo se passou pensando em uma solução, até que apareceu Timothy com a comida. ― Boa tarde, senhorita. Sofía sorriu ao moço, que seguia incapaz de olhar-lhe de frente. ― Diga-me, Timothy, que trabalhos faz seu capitão para a Grã-Bretanha? ― Dedica-se a capturar piratas, senhorita. Não é nenhum segredo. O capitão Smith é o mais temido por esses rufiões. ― Suponho que é uma boa maneira de encher os bolsos. ― Não o faz só por dinheiro, ele… Ela tentou não impacientar-se, suplicando ao moço que continuasse, mas ao ver que não dizia nada mais e dispunha-se a abandonar o camarote após deixar a bandeja, deteve-o. ― Por que mais o faz, Timothy? ― Acredito que já falei demais, senhorita. Não cabe a mim dizer-lhe — saiu, fechando a porta atrás de si. Parecia que o mocinho era leal ao capitão e não conseguiria tirar mais nada dele. Mas descobrira algo realmente importante — se o capitão se dedicava a capturar piratas, isso queria dizer que não estava com Darkness, portanto poderia ajudá-la na sua vingança. Apenas necessitava conhecê-lo melhor, antes de solicitar sua cooperação. 47
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Comeu a insípida comida com avidez, pois estava faminta e conseguiu concentrar-se na leitura para passar o tempo. Por isso se surpreendeu quando Timothy voltou a chamar para levá-la ao refeitório. Tentou arrumar o cabelo diante do pequeno espelho, mas foi impossível devido à água salgada e porque não tinha com o que prendê-lo. Não restou outra opção a não ser deixá-lo solto, embora estivesse todo revolto. Ao entrar no refeitório, os dois homens se levantaram, deixando suas taças na mesa. Ela não pôde deixar de admirar quão elegantes estavam, mas sobretudo não pôde apartar seus olhos do capitão. Estava realmente elegante, embora não tanto como deveriam estar os cavalheiros. Seu lenço tinha um nó singelo e, embora seu casaco estivesse limpo, não devia ser muito novo e seu calçado era mais prático que elegante. Mas mesmo assim, ela se sentiu descomposta com a velha roupa de homem que usava. Teve o desejo de usar seu melhor vestido para impressioná-lo e isso a assustou. Não tinha por que querer agradá-lo com sua aparência; não tinha que pensar em conquistá-lo; não era o que queria dele. Sullivan se adiantou para afastar galantemente uma cadeira para ela. ― Sinto-me descomposta com vocês, cavalheiros. ― Não tem por que, senhorita Adams. Se nos arrumamos, é por respeito a você e para lhe demonstrar que não somos uns bárbaros. Queremos que se sinta à vontade ― respondeu Sullivan. 48
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O capitão se sentou na cabeceira e Sullivan em frente a ela. ― Mandei lavar seu vestido; sinto não ter outros pra lhe oferecer — falou Scott. Ela olhou-o agradecida. ― Quem tem que desculpar-se sou eu — respondeu Sofia. — Desde que cheguei vocês foram hospitaleiros e temo não ter sabido agradecer-lhes adequadamente. ―
Infelizmente
nos
conhecemos
em
uma
horrível
circunstância. Entendemos perfeitamente seu comportamento e esperamos que, a partir de agora, possamos seguir com o pé direito. Ambos se olharam em silêncio, ignorando ao Sullivan que os observava divertido. Durante o jantar, ambos tentaram animá-la com as anedotas de suas cruzadas, embora Sofía estivesse segura que se puseram de acordo para censurar várias partes das histórias, para não escandalizá-la. Logo se sentiu cômoda na companhia deles, inclusive na de Scott, e encontrou-se rindo, de vez em quando, com o bom humor de Sullivan, que fazia piada com seu capitão. Não lhe surpreendeu a camaradagem que havia entre eles. Tinham passado por muitas coisas juntos, e notava-se que eram grandes amigos. ― Diga-nos, senhorita Adams, de onde procede sua ascendência espanhola? ― perguntou-lhe Sullivan, enquanto comiam a sobremesa.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― É por parte materna. Minha mãe era espanhola e viveu na Espanha até que se casou com meu pai. O inglês dela não era muito bom e por isso com seus filhos só falava espanhol. ― Quem lhe ensinou esgrima? ― interessou-se o capitão. ― Meu irmão praticava comigo depois de suas aulas, embora logo lhe superei. ― Não o duvido; tem uma grande habilidade com a espada. Ela se ruborizou, para seu constrangimento, e não soube como responder. Era capaz de brincar depois de um comentário feito por Sullivan, mas com ele se encontrava incapaz. Não pôde reprimir bocejar e ambos o notaram. ― Será melhor que se retire e descanse. Levantaram-se e o capitão afastou sua cadeira, oferecendolhe depois seu braço para acompanhá-la. Ela ignorou o calafrio que sentiu ao tocá-lo e se dirigiu ao camarote, com ele muito perto dela. Detiveram-se ante a porta e ele levou a mão dela aos lábios. ― Obrigada pelo jantar e a agradável companhia, capitão. ― Você deve ter notado que não sou muito dado às formalidades. Prefiro que me chame por meu nome. ― De acordo, Scott. Sabia seu nome, porque Sullivan o tinha chamado assim várias vezes na mesa e ela se sentiu estranhamente adulada ao compreender que seria a outra única exceção em chamá-lo por seu nome naquele navio. ― Também nos faria muito felizes se jantasse conosco todas as noites. 50
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― Será um prazer, Scott. Ele sorriu abertamente e ela sentiu suas pernas tremerem ao contemplar o primeiro sorriso autêntico que via desde que o conheceu. Menos mal que não lhe tinha ofertado mais gestos como esses, porque aquele sorriso poderia derreter qualquer mulher com sangue quente nas veias. ― Durma bem, Sofía. Voltou a beijar sua mão e se afastou pelo corredor, deixando-a trêmula e ofegante. Teria que ter muito cuidado com ele, se não quisesse cair em suas redes.
Scott demorou um tempo para voltar a sala de jantar, dando tempo para tranquilizar-se. Não queria que seu amigo o visse assim, para ser objeto de mais piadas. Parecia-lhe impossível que, com apenas uns minutos em companhia daquela mulher feiticeira, pudesse excitar-se tanto, e mais ainda quando ouviu seu nome pronunciado por aqueles carnudos e suaves lábios. Assim
que
entrou
pela
porta,
Sullivan
o
olhou
interrogativamente. ― Pensei que não voltaria e que passaria a noite em seu camarote.
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― De verdade acredita que eu seja capaz de seduzir à dama a tal ponto? Ignorando sua incredualidade, foi direto se servir de uma taça, enquanto se desfazia do lenço amarrado ao pescoço, atirando-o sobre a mesa. ― Odeio estas coisas. ― E o que vai fazer quando ocupar seu lugar na sociedade? Assim vestido já escandalizaria a alguma matrona. ― É a única vantagem que tive, escapar dessas estúpidas normas. ― Pois terá que se acostumar. Está cada vez está mais perto de desmascarar ao seu meio-irmão. ― Nem sequer deve chamá-lo assim em minha presença. ― Está bem...cada dia está mais perto de enviar Rumsfeld ao lugar que lhe corresponde — o inferno.
Para Sofía o tempo estava passando muito rápido. Pelas manhãs dava um passeio pelo convés com Scott. Comia no camarote, mas em companhia de Timothy, ao qual tinha convencido para que ficasse e a entretivesse com as histórias da tripulação e os sonhos dele de um dia ser igual o capitão Smith. Era evidente que o tinha como um herói. O que parecia a ela natural, caso as histórias que contava dele fossem em parte
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verdadeiras. Tinha salvado muitas tripulações das garras dos piratas e repartia sempre os despojos com seus ajudantes; além de muitas vezes doar sua parte aos mais necessitados. Tinha descoberto também que, na realidade, o navio estava se dirigindo à fazenda que Scott tinha na Jamaica, para dar descanso a toda a tripulação. Ali era onde residiam as famílias dos marinheiros, as quais trabalhavam nas plantações das terras arrendadas a eles pelo capitão, e que compartilhavam do comércio de açúcar e tabaco que Scott exportava à Inglaterra e aos Estados Unidos, onde pagavam um alto preço por esses produtos. Por tudo isso o capitão não devia necessitar de recursos. Sofía se perguntou mais de uma vez quem poderia ser ele na realidade. Qual seria sua verdadeira identidade? Teria recebido educação para ter aprendido latim? Além disso, quando queria, tinha uma dicção perfeita. Devia proceder de uma boa família, mas era estranho que não utilizasse seu verdadeiro sobrenome. Podia ser que sua família o tivesse repudiado por se ter dedicado ao comércio, como fariam muitas famílias aristocratas. Mas, se era verdade que procedia de uma família assim, por que não estava acostumado às formalidades e gostava tão pouco disso? Morria de vontade de desvendar todo o mistério. Por culpa dele não conseguia dormir. Embora, se fosse sincera consigo mesma, o que realmente não podia tirar da cabeça era seu sorriso, seus penetrantes e atormentados olhos, os lábios dele sobre a pele de sua mão… E, embora tentasse não sonhar com ele, preferia-o mil vezes aos pesadelos, onde via seu irmão morrer de várias maneiras distintas; às vezes, nas mãos 53
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dos piratas e de outras assassinado por aquele homem que havia trazido desgraça a sua família. ― Em que está pensando? Sofía desviou o olhar do oceano e o olhou surpreendida. ― Sinto muito, eu… Mordeu os lábios em dúvida... não sabia se se atreveria a perguntar-lhe. Scott levantou a mão e passou o dedo indicador pelo lábio inferior de Sofia. ― Diga-me, princesa, no que estava pensando? Sabe que pode me pedir qualquer coisa, verdade? Que eu lhe conceda isso já é outro caso. Ela sorriu e inspirou fundo. ― Perguntava-me se poderia me ajudar. ― Ajudá-la? ― Sim, sinto-me ociosa sem fazer nada e como não tenho dinheiro para lhe pagar a passagem, poderia pagar-lhe com meu trabalho. ― Tenho-a descuidado tanto que se aborrece? ― Oh! Não é isso! Agradeço-lhe muitíssimo o tempo que passa comigo. Sei que está ocupado, mas, ainda assim, cada vez que tem um momento passa-o comigo e inclusive há dias em que damos vários passeios pelo navio. Não sabe quanto lhe agradeço que seja tão atencioso comigo. Impulsivamente ela agarrou sua mão, e ele a apertou, evitando que o soltasse. Scott a levou a seus lábios e lhe beijou as juntas dos dedos. Sofía começou a ter dificuldades em
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respirar, porque se lembrou de que ele se despedia dela com aquele gesto todas as noites. ― Acredite-me, o primeiro a agradecer o tempo que passamos juntos sou eu, princesa. Continuou lhe beijando a mão sem deixar de olhá-la intensamente nem um momento. Ela agarrou o corrimão com a outra mão. ― Poderia me encontrar alguma tarefa, por favor? Soltou sua mão suspirando. ― Está bem ― olhou a seu redor, esfregando sua forte mandíbula. ― Sabe costurar? ― Contanto que não seja bordar flores, meu irmão dizia que pareciam grama. ― Poderia remendar as velas? ― É óbvio! ― Então venha. Agarrou-lhe pela mão e a levou até onde estava sentado um homem com a cabeça encurvada e com uma grande quantidade de tecido branco. ― Vincent, a partir de hoje, a senhorita o ajudará a remendar as velas. O homem olhou para cima e só então Sofía se deu conta que era o mesmo ao qual tinha tirado o sabre e que tinha golpeado quando subiu ao navio. Duvidava de que se dessem bem e, pela maneira com que a olhava zangado assim que Scott se foi, não lhe coube nenhuma dúvida.
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Capítulo 6 Desde aquele dia, tinha permissão para ficar no convés, desde que fosse em companhia de Vincent ou de Scott, e é claro que ela este último. Pouco a pouco ía se sentindo confiante em sua companhia, sem levar em conta os confusos sentimentos que lhe despertava. Justamente o contrário de quando estava com Vincent, que era um homem não muito alto, musculoso, de uns quarenta anos ou mais. Apenas dirigia uma palavra a Sofía e lhe grunhia quando estava fazendo algo errrado. Durante três dias tinham remendado velas, esfregado o piso, lavado roupa… Mas ao quarto dia, ela se fartou do silêncio. ― Sabe, não é que eu seja muito faladora, mas estar tanto tempo calada é superior às minhas forças. Se não quiser falar, você se importaria se eu falasse? Ele não disse nada, mas fez um pequeno gesto que a Sofía pareceu um assentimento e, com a distração, furou-se com a agulha. ― Ai! Sempre fui um pouco torpe com o trabalho de bordado. Minha preceptora não me deixou em paz até que consegui bordar uma flor, embora fosse espantosa e, se o 56
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consegui, foi graças a Elvira. Era minha criada e também foi minha babá. Jamais se separou de mim e sempre esteve disposta a me ajudar, como naquela ocasião. Para praticar remendava a roupa com ela, embora não fosse uma tarefa própria de uma dama. Bem, agora se demonstra que é muito útil ― olhou a vela e parou de costurar. ― Sinto falta dela, foi o mais parecido a uma mãe que já tive. Não posso acreditar que em um só instante a perdi junto com meu irmão. Surpreendeu-se por ter-lhe dito tudo isso. Mas não deu maior
importância
por
haver-se
desabafado
ante
um
desconhecido. Ao fim e ao cabo, o mais certo é que nem lhe tivesse prestado atenção, pensou. Além disso, estava há muito tempo com aquilo dentro de si. Suas mortes ainda eram muito recentes e suspeitava que demoraria muitíssimo tempo para poder superá-las. ― Eu tinha uma irmã. ― Sofía o olhou surpresa. ― Tinha mais ou menos sua idade quando morreu. ― O que lhe aconteceu? ― Teve uma espantosa febre e não se recuperou. Nossos pais morreram quando nós dois éramos muitos novos e eu cuidei dela depois disso. ― A dor passa? ― Com o tempo é outro tipo de dor. Agora, cada vez que me lembro dela, sinto-me mais animado, como se ela estivesse a meu lado, insistindo comigo a continuar.
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― Espero que me aconteça o mesmo, porque, cada vez que penso em Alfonso, sinto uma opressão no peito… ― Sei. Olharam-se e ela o viu de outra maneira. Embora, seguia estando sério, reconheceu em seus olhos castanhos um rastro de bondade. Aquele homem tinha passado pelo mesmo que ela; tinha perdido o seu ser mais querido. E não parecia estar submerso no sofrimento. Na verdade ele era antissocial, mas certamente
isso
se
devia
mais
a
sua
personalidade.
Possivelmente, com o tempo, ela poderia recordar os momentos felizes com o Alfonso sem sentir tanta dor.
― Viu como se dá bem com o Vincent? Até o tem feito sorrir ― disse-lhe Sullivan, enquanto se aproximava de Scott, que contemplava o estranho casal de longe. ― Sim, vi. É uma mulher especial. ― Especial de muitas maneiras, né? ― Foi somente um comentário. Não comece... ― Não comecei nada. Só posso estar de acordo com você. É uma mulher especial, capaz de fazer rir e conversar com o membro mais ermitão de sua tripulação. E certamente é capaz de fazer um oco no coração mais vingativo que alguém já tenha visto.
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― Não diga coisas estúpidas! Não vou perder o tempo com ela. Se lhe der esperanças posso lhe fazer mal, porque eu nunca serei capaz de amá-la como ela espera. ― Pois passam muito tempo juntos para não querer lhe dar esperanças. ― Com o objetivo de ganhar sua confiança, recorda? Necessito que me confesse o que está ocultando. ― Se fosse outra mulher já se teria deitado com ela e teria descoberto tudo num piscar de olhos. ― Certo! Como você mesmo disse, se fosse outra mulher... Acaso seu capitão não lhe mandou fazer nenhum trabalho, como verificar o curso, por exemplo? ― Meu capitão é suficientemente generoso para me dar uns minutos de descanso. ― Parece-me que não. Sorrindo, Sullivan se afastou de um Scott que não conseguia tirar os olhos de uma certa mulher.
Sofía estava vestindo as calças, já que utilizava o vestido unicamente para jantar, quando Timothy chamou fortemente à porta. ― Já vou... Só um segundo.
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Pegou a corda e a atou rapidamente, abrindo a porta com um sorriso no rosto que apagou imediatamente ao ver a cara de preocupação do moço. ― O que ocorre? ― O capitão mandou dizer que está vindo uma tempestade e não pode sair do camarote sob nenhuma circunstância. ― Mas possivelmente posso ajudar… ― Não, senhorita, o capitão foi muito claro com isso; e mais, ordenou-me que se você não obedecesse, deveria amarrála na cadeira. Não terei que fazê-lo, não é? Porque não quero amarrá-la, senhorita. ― Está bem, Timothy, serei uma boa menina e cumprirei as ordens do capitão. O menino assentiu agradecido e saiu correndo pelo corredor. Sofía suspirou e se sentou em frente à mesa. Ia ser um dia muito longo. Depois de passar várias horas lendo e perambulando pelo camarote, não podia aguentar mais, e ouvir a agitação na parte de cima não estava lhe ajudando em nada. Estava preocupada com a tripulação, especialmente com Scott. Menos mal que tinha bom estômago, pensou, porque da maneira que se movia o navio… ― Evidentemente você não tem nenhum problema ― disse, olhando o gato que dormia placidamente junto à cama. Desde que tinha chegado, o gato passava o dia fora caçando ratos na adega e voltava de noite ao camarote. Sofía tinha se acostumado a sua companhia, embora ignorassem um 60
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ao outro. Rainha, como a chamava Timothy, estranhamente tinha passado todo o dia trancada com ela, certamente devido à tormenta. Deitou-se na cama tentado dormir, para que o tempo passasse
mais
rápido.
Não
demorou
muito
e
ficou
profundamente adormecida, mas em pouco tempo teve um pesadelo. Revivia o naufrágio de seu irmão, mas desta vez quem ela via em meio de um navio em chamas era o capitão. ― Scott ― gritou, despertando de repente e se sentou na cama. Sofía calçou decidida as botas emprestadas. Não gostava de lhe desobedecer, mas se continuasse ali trancada por mais tempo ficaria louca. Precisava saber como estava a situação lá fora; tinha que vê-lo; comprovar que estava bem. Não seria capaz de suportar outra perda em sua vida. Saiu do camarote e se dirigiu ao convés. Assim que subiu, recebeu-a um vento gelado e água no rosto. A tripulação gritava para fazer-se ouvir, ante o estrondo da tormenta. ― Timothy, segura as cordas de salvamento! ― gritou uma voz. Sofía se fixou então no moço ensopado que corria pelo convés para se assegurar de que as cordas de segurança, que amarravam os membros da tripulação, estavam bem presas. Ela percebeu assustada que ele não amarrou nenhuma corda ao seu próprio quadril como os outros. Estava a ponto de lhe advertir, quando ondas fortes moveram bruscamente o navio e ela procurou onde se segurar para não ser levada para além da 61
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amurada. Tudo ocorreu em um instante... Quando ela olhou para o lugar onde estava Timothy, gritou angustiada ao perceber que o menino não tinha tido tanto sorte como ela. Saiu correndo atrás dele, mas um forte aperto impediu-a de mover-se. ― Que diabos você faz aqui? ― gritou Scott que a sacudia pelo braço. ― Não há tempo para reprimendas. Timothy caiu na água! ― Vincent! No momento seguinte, quando o marinheiro se aproximou, ele empurrou-a para os braços de Vincent, e ela contemplou angustiada como ele soltava a extremidade da corda que o mantinha amarrado ao navio, entregava-a a outros membros da tripulação e se atirava à água. ― Não! Tentou correr para ele como se pudesse fazer voltar o tempo e impedir-lhe de saltar. Mas os braços de Vincent, que a rodeavam, apertaram-na mais forte. ― Não se preocupe, o capitão sabe o que faz. Meu Deus, não leve ele também, por favor! Depois de uns minutos, olhando impotente para o mar, viu quando os homens começaram puxar a corda. ― Por favor, que os dois estejam bem! ― sussurrou. Sentiu um enorme alívio ao ver que os dois caíam no convés e Timothy era rapidamente atendido, enquanto Scott se levantou em seus próprios pés. ― Levem-no para dentro; que alguém o troque e o mantenha aquecido. 62
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Depois da ordem, dirigiu-se para ela com passo decidido. Sofía sentiu um autêntico pavor ante seu olhar furioso. Teve o impulso natural de sair correndo, diante daquele homem viril completamente zangado, mas outra parte dela queria se jogar em seus braços, agradecer-lhe por ter salvo Timothy e assegurar-se de que ele estava bem. Não obstante, não fez caso de nenhum desses impulsos e ficou quieta esperando sua sentença. Vincent a soltou, assim que o capitão chegou perto, e este, sem dar uma palavra, agarrou-lhe fortemente o braço e a arrastou para o camarote.
Assim que entraram, empurrou-a para dentro, sem lhe dirigir o olhar e fechou a porta com a força de um chute. Deus, estava realmente furioso! A última vez que ele tinha estado tão assustado fora quando ocorreu o acidente com seu pai. Assim que a viu no convés, correndo para a amurada, durante uma das piores tormentas que já tinha visto, seu coração encolheu no peito. ― Você, menina estúpida, malcriada, insensata! Não lhe ordenei que permanecesse aqui dentro? Que não saísse sob nenhuma circunstância? Deveria açoitá-la por insubordinação! Sou o capitão, e em meu navio minha palavra é lei! Não volte nunca mais a desobedecer uma ordem minha!
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― Sinto muitíssimo! Eu estava preocupada… Sei que dizer isto não serve de nada; não deveria ter ignorado sua ordem, assim. É claro que estou de acordo que mereço um castigo. Se quer me açoitar, faça-o. Faça o que quiser comigo. O que quisesse? Morria de vontade de fazê-la sua. Isso é o que queria fazer. Com aquele corpo tentador sob a roupa molhada, com esses olhos verdes olhando-o fixamente e esse orgulhoso queixo levantado, esperando com valentia um castigo. Por Deus que ela era toda uma tentação! ― O que realmente quero lhe fazer é isto. Claramente surpreendeu-a ao agarrá-la e prendê-la contra seu peito e então beijou-a, antes que pudesse reagir. Atacou seus lábios com rudeza; não se sentia com disposição para ser delicado naquele momento. Sabia que ela devia estar se sentindo saqueada e que aquele contato lhe causaria aversão, mas ao que parece a maior surpresa resultou ser a dele. Sofia o abraçou, segurando fortemente sua camisa nas costas, não se afastando e sim apertando-se mais a ele, tentando torpemente lhe devolver o beijo. Scott, sobressaltado, suavizou o movimento de seus lábios e começou a mover a língua sobre os lábios dela, insistindo em abri-los, coisa que ela permitiu, confiante. Imediatamente, ele inundou a língua em sua acolhedora boca, deleitando-se com seu sabor. Nunca chegou a pensar que beijar uma mulher pudesse ser assim. O que começou com um ato de tentar assustá-la converteu-se em seguida em algo que o estava assustando enormemente. Soltou-a de repente e se separou de seus braços. Ela o olhou piscando, saindo da nuvem de desejo. 64
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Ele teve que exercer toda a sua força de vontade para sair do camarote como um vendaval.
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Capítulo 7 Sofía se levantou da cama, ao abrir os olhos e ver a luz do sol. Passou toda a noite em claro, incapaz de dormir com a lembrança do beijo de Scott repetindo-se uma e outra vez em sua cabeça. Não podia compreender por que ele o tinha feito. Se procurava castigá-la, aquela não era uma boa maneira. A princípio
havia
se
sentido
surpreendida,
gratamente
surpreendida. Nunca a tinham beijado e ela não soube como reagir, mas ao que parece não tinha feito de todo mal, porque ele aprofundou o beijo. Não sabia por que ele o tinha feito e menos ainda por que se deteve tão bruscamente e fugiu dela como se lhe perseguisse o própio Satanás. Uma batida na porta a interrompeu, enquanto prendia o cabelo em uma trança, e quando deu permissão para entrar, um Timothy seco se manteve na porta vacilante. ― Senhorita queria lhe dizer… O moço se calou quando Sofía foi correndo para ele e o abraçou. ― Oh, que bom que está bem!
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Afastou-se um pouco para olhá-lo, mas sem soltá-lo, e viu que o pobre estava mais vermelho ainda do que o tinha visto anteriormente. ― Nunca ninguém me tinha abraçado, eu… ― Rodeie-me com seus braços. Ele obedeceu e depois de um momento a abraçou com força. Ela sorriu apertando-o contra si. Que triste que nunca tivesse recebido uma amostra de carinho tão simples como um abraço. Precisava lhe ensinar o que era o afeto, mas sem que se sentisse ofendido. ― Preciso abraçá-lo de vez em quando, posso? Sinto falta da minha família. ― Farei o que seja para ajudá-la, senhorita. Ontem me salvou a vida. Olhou-o surpresa. ― Ora... foi o capitão quem o resgatou. ― Mas não teriam me resgatado se ninguém tivesse me visto cair. Isto é o que me disse o capitão, enquanto me repreendia esta manhã por não ter me amarrado primeiro, como o farei a partir de agora, não o duvide. Aprendi a lição! ― Sim, bom, acredito que nós dois temos que aprender com nossos enganos. ― Falando disso, senhorita… A esperam no convés. Ela se ergueu aprumando os ombros. Parecia que Timothy não ia ser o único a receber uma reprimenda do capitão, já que a de ontem à noite ela sentiria saudades, se aquilo foi uma amostra de seu castigo. Seguiu Timothy e ali lhe esperava 67
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Vincent. Surpreendeu-se ao não ver também Scott, embora assim fosse melhor, decidiu, já que era muito recente para vê-lo depois daquele beijo. ― Pegue. Entregou-lhe um balde com água e sabão e uma pequena escova de mão. ― O capitão quer o convés reluzente ― disse com pesar, Timothy. ― E nos proibiu de ajudá-la ― grunhiu Vincent. ― Está tudo bem, eu mereço isso. Não me fará mal um pouco de trabalho duro. Pelo menos estarei ocupada. Sorriu tentando animá-los, o que pareceu surtir efeito, pois partiram deixando-a só com aquela árdua tarefa.
― Vai arrancar a pele dela! Não acredita que já teve o suficiente? Há dias ela está fazendo os trabalhos mais duros de limpeza. Além disso, nega-se a falar com ela e convidá-la para jantar conosco. ― Se fosse um membro da tripulação não estaria advogando por ela. ― Você mesmo disse, se fosse um membro da tripulação, coisa que não é. É uma dama, que viveu entre sedas toda sua vida, e que recentemente perdeu a seus seres queridos.
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― Não é a única com um passado trágico. ― Certo, toda sua tripulação tem um, começando por você. ―
Ela
precisa
aprender
que
todo
ato
tem
suas
consequências. Este mundo é muito cruel e agora está sozinha. ― Não tem por que estar… ― Se precisar de mim estarei em meu camarote, preciso revisar os mapas. Precisava escapar das tolices de seu amigo. Sullivan não podia fazê-lo duvidar de suas decisões, já bastavam os intermináveis pensamentos que o assaltavam. Estava recolhendo os mapas para poder estudá-los em algum lugar mais tranquilo, quando apareceu a mulher que ocupava seus mais febris sonhos. ― Boa tarde, capitão. Ele arrumou os ombros, ficando rígido imediatamente e olhando-a de forma indiferente — ao menos esperava que isso lhe parecesse. ― Boa tarde, senhorita Adams. Já acabou com sua tarefa? ― Quer dizer com o castigo de hoje? Sim, acabei. ― Bem, acredito que será suficiente. Espero que a partir de agora pense bem nisso, antes de desobedecer uma ordem. ― Sim, meu capitão ― acrescentou sarcástica, mas ele a ignorou tentado evitar outro enfrentamento. ― Scott. Ele girou, estava a ponto de sair, surpreso de que lhe chamasse outra vez por seu nome. ― Em relação àquele beijo… — ele começou. 69
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Bem, aquele era um bom maldito momento, como qualquer outro, para lhe deixar as coisas claras e era melhor fazê-lo mais cedo que tarde, ele pensou lúgubre. ― Foi somente um beijo. Não tenha ilusões. Sim, eu gostei. Sinto-me atraído por você. Mas nada mais. Não sou um homem que tenha boas intenções. Não me casarei com você nem lhe darei amor; não teremos jamais um futuro em comum. O que pode unicamente obter de mim é dormir com você uma ou duas vezes, nada mais. Parei ontem, porque me dei conta que não é dessa classe de mulher, disposta a deixar-se levar pelos instintos carnais, ou sim? Está disposta a me esquentar a cama? ― Não, capitão ― disse mortalmente séria. ― Nesse caso é melhor que esqueça esse estúpido beijo. Scott sentiu uma pontada nas vísceras ao ver seu olhar de dor, mas o ignorou e partiu sem olhar atrás.
― Odeio-o! Pensa que com um beijo já nos imaginava caminhando para o altar? Estúpido, infeliz, presunçoso! ― gritava Sofía, enquanto aliviava sua frustração, golpeando o travesseiro contra a cama. ― Estúpido, estúpido! ― Está há várias semanas aqui e esse é o insulto mais ofensivo que sabe?
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Ela deixou cair o travesseiro ao chão e se girou surpreendida. ― Lamento que me tenha visto neste estado, senhor Sullivan. Estou envergonhada. ― Não se envergonhe, e se em vez de mim fosse outra pessoa que entrasse por esta porta não duvidaria em que lhe teria atirado esse travesseiro diretamente à cabeça. ― Não sei como podem ser amigos, são tão distintos… Ele é tão insensível, é um bruto! ― Não seja tão dura com ele, sua vida não foi fácil. Por culpa de alguém, sua vida não foi como deveria ter sido. ― O que quer dizer? ― Não posso lhe dizer mais. Se houver alguém que pode lhe falar de seu passado é apenas o próprio Scott. ― Ele nunca me contará isso. Não pode suportar ter-me por perto e menos ainda me falar. ― Se soubesse… Olhe, Scott não é um homem de muitas palavras. Se o que ele lhe diz contradiz seus atos, confie nestes últimos. ― Por que o defende pra mim? Estou segura de que não gostaria se o ouvisse. ― Ele me mataria se soubesse, mas é meu amigo e não posso deixar que pense mal dele quando não o merece, embora ele se empenhe no contrário. ― Mas… Calou-se de repente ao ver Timothy chegar à porta.
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― Desculpe senhorita, não sabia que estava ocupada, volto em outro momento. ― Oh não, Timothy, eu já estava saindo. Por certo, o que faz aqui? ― A senhorita me está dando aulas. ― Aulas? Sullivan olhou pra Sofía divertido, arqueando uma sobrancelha. ― Sim, estou lhe ensinando a ler e a escrever. ― Com certeza é melhor professora que o capitão, ele o tentou uma vez, mas como sabe, carece de paciência. ― A culpa foi minha, eu… ― Não, céus! Já ouviu o senhor Sullivan, a culpa é do capitão. Comigo está aprendendo muito bem e sou obrigada a dizer que é um excelente aluno. Acariciou-lhe a bochecha e lhe sorriu com ternura. Sullivan não perdeu nenhum gesto. ― É muito afortunado moço. Até eu gostaria que a senhorita me tratasse como trata você. Timothy se ruborizou e foi incapaz de apartar o olhar do chão. ― Senhor Sullivan… ― Sofia tentou repreendê-lo, mas com aquela cara de inocente era-lhe difícil. ― Está bem, deixarei de incomodar. Já vou. Ela fechou a porta atrás dele e se dirigiu à mesa, pensando que o menino lhe seguia, mas quando chegou e viu que não se moveu, sentiu curiosidade. Sempre chegava ansioso por 72
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aprender e era o primeiro que insistia em começar o quanto antes. ― O que acontece, Timothy? ― Eu… Não quero me intrometer, mas… ― Pode me dizer sem medo o que queira. ― É que deve tomar cuidado com o senhor Sullivan, senhorita. A tripulação diz que se dá muito bem com as mulheres e pode ser que você… ― Não se preocupe com isso. Sullivan e eu, somos apenas amigos. ― Bem, porque além do mais traria problemas para você com o capitão. O olhou sem compreender. ― E por que os traria? ― A tripulação comenta que o capitão não tira os olhos de você. Agora foi a vez dela ruborizar-se. Se Scott não tirava os olhos de cima dela, era apenas para comprovar que não estivesse cometendo nenhuma estupidez. Tinha deixado muito claro que só queria sexo. O muito estúpido… Cada vez que pensava em suas palavras ela se enfurecia. ― Não deve fazer caso das intrigas, Timothy, e menos ainda repeti-las. ― Sinto-o, senhorita, não era minha intenção, eu somente… ― E entre mim e o capitão Smith não há nada e nunca haverá. 73
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Capítulo 8 ― Terra à vista! Sofía se levantou de um salto, de onde estava realizando tarefas com Vicente e se aproximou da proa. Olhando para o ponto impreciso que se via no horizonte, caso o vigia não o tivesse chamado de terra, ela jamais teria adivinhado. ― Amanhã atracaremos no porto e imediatamente nos dirigiremos à minha plantação, se não lhe incomoda ser minha hóspede.
Claro
que
também
poderemos
procurar
outro
alojamento, até que embarquemos para a Inglaterra. ― Não me incomoda, desde que você também não se incomode em ter a mim sob o mesmo teto, capitão. ― Não é nenhum problema, contanto que continue a acatar minhas ordens como tem feito até agora, porque pode não estar em meu navio, mas estará em minha casa, de modo que será o mesmo. Ela mordeu o lábio para não lhe responder algo desagradável e voltou para junto de Vincent. Não conseguia entender como ele podia ser capaz de trocar de personalidade tão rapidamente. Embora começasse a suspeitar que seu 74
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verdadeiro caráter era aquele e o homem amável por quem se sentiu atraída tinha sido um pequeno lapso no tempo que não voltaria a repetir-se.
― Se você continua se comportando assim não lhe confessará nada. Não prefere que eu tente? ― Sullivan tinha se aproximado sem que Scott se desse conta, muito ensimesmado como estava em seus pensamentos sobre Sofía. ― Não, você tem coisas das quais se ocupar assim que chegarmos à Jamaica. ― Certo. Vender o carregamento e prepará-lo para que possamos embarcar o quanto antes em Constanza. ― Darkness terá uma grata surpresa assim que tente nos abordar. ― Espero que tudo corra bem, principalmente pela segurança de Sofia. Está seguro de que faz bem em levá-la conosco? ― Até então eu terei descoberto sua implicação com esse indesejável e a ajuda dela pode nos servir para afundá-lo finalmente como merece. ― Pobre criatura, para você ela não é mais que um meio para obter sua vingança. ― O fim justifica os meios.
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― Sempre pensei que sua vingança o destruiria e agora mais que nunca acredito que seu final está próximo.
Sofía tinha posto seu enrugado vestido e suspirava desalentada perante o espelho, pensando que fizesse o que fizesse com seu cabelo não pareceria uma dama respeitável. Mas o que importava isso, já que iria viver sob o mesmo teto de um homem solteiro. Consolava-lhe saber que ninguém conhecia seu verdadeiro sobrenome. Com um pouco de sorte quando chegasse à Inglaterra não arrastaria nenhum rumor consigo. Timothy bateu na porta entreaberta e a chamou. ― Senhorita, é hora de desembarcar. Vincent e eu a acompanharemos à plantação, enquanto o capitão atende uns assuntos no porto. ― Consola-me saber que vocês dois estarão comigo. ― Foi ideia do capitão, senhorita. Nunca nos tínhamos hospedado em sua casa, mas ele nos convidou a ficar nas dependências dos empregados. Ela tentou não pensar muito naquele gesto. Claramente o fazia mais como uma comodidade para ele próprio, para que ela não lhe causasse problemas; não para que ela se sentisse segura com pessoas conhecidas, pelas quais vinha sentindo um grande carinho. Timothy era como o irmão pequeno que nunca teve e
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Vincent a tratava quase como se fosse sua filha, corrigindo-a com tato e elogiando-a com amáveis palavras quando fazia algo bem feito; sempre tratando-a com supremo respeito. Saiu do camarote depois de fazer uma trança, com Timothy seguindo-a de perto. Logo se encontrou dentro de uma cômoda carruagem, com seus dois protetores na boleia. O que seria dela na Jamaica? Scott tentaria indagar algo mais sobre a viagem com sua família? Deixaria de ser tão desagradável? Que tipo de plantação teria? Uma modesta ou…? Sofía deixou de fazer perguntas já que para algumas obteve resposta ao olhar pela janela e ver que se aproximavam de uma grande casa de estilo colonial georgiano, branca, com telhado de ardósia e grandes janelas e colunas. Não podia dizerse que o capitão não havia ganhado dinheiro com sua perseguição aos piratas e seu duvidoso comércio, concluiu pesarosa. Assim que desceu, um homem e mulher de cor se aproximaram dela, sorridentes. ― Bem-vinda, senhorita. Você deve ser a convidada do senhor. Espero que se sinta como em sua casa e, se tiver algum problema, não duvide em nos consultar. Eu sou Yoel, o mordomo, e esta é minha esposa Dorta, a governanta. Surpreendeu-se ao ser tão bem recebida e ainda mais em espanhol, embora com um forte acento. ― Falam espanhol? ― Perguntou-lhes admirada, embora isso fosse evidente. A mulher se aproximou dela e lhe sorriu confiante. 77
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― Nossos antigos amos eram de ascendência espanhola, mas o senhor Smith nos comprou, trouxe-nos para cá e nos deu a liberdade. Todos os seus trabalhadores são livres. Dorta sorriu com orgulho e Sofia se sentiu satisfeita ao comprovar que embora Scott não tivesse sido um cavalheiro com ela, pelo menos com outros se mostrava como um homem de honra e justo. A senhora Dorta apresentou-a a sua filha, uma jovem pequena, que trabalharia como sua criada. Ela guiou-a até seu quarto e Sofia ficou assombrada diante da elegância do feminino aposento. ― Suponho que este quarto tenha sido ocupado por numerosas mulheres antes de mim ― assim que disse isto, arrependeu-se imediatamente de suas palavras. ― Oh, não, senhorita! Você é a primeira hóspede do senhor. Esta casa é recém- construída. Você é a primeira a ocupar este quarto. Sofía se sentiu mais tranquila e tentou reprimir-se. O que importava a ela que levasse mulheres ou não a sua casa, repreendeu-se. ― Deseja algo senhorita? ― Se fosse tão amável de me preparar um banho, realmente o necessito. ― É óbvio. O closet dispõe de uma tina grande. Se esperar uns minutos, logo a encherei com água morna. Suponho que com este calor não desejará água quente, verdade? ― Não, por favor. 78
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Sorriu ante a desenvoltura da jovem e se dirigiu ao closet, onde encontrou uma grande banheira dourada. Morria de vontade de limpar-se e se despiu com rapidez, agarrando uma toalha que encontrou e envolveu seu corpo. Pouco tempo depois, chegou a criada com dois baldes e os esvaziou dentro da banheira. ― Os lacaios me ajudarão a trazer mais. Num instante os trago. Assim que a tina ficou cheia, a moça se despediu e Sofía se afundou na água, soltando um suspiro. ― Que delícia! Não soube quanto tempo ficou ali, mas teve tempo de sobra para lavar-se devagar com aquele sabão perfumado e a relaxar na água já fria. Por isso, quando a criada entrou para lhe avisar que o jantar logo seria servido na sala de jantar, surpreendeu-se. ― Preferiria comer aqui, não tenho nada limpo para vestir. ― Não se preocupe, o senhor acaba de chegar com um baú com roupas lindas para você. ― Sério?! ― Sim, já comecei a estendê-las sobre a cama. Ofereceu-lhe solícita a toalha para que se secasse, o que fez com que Sofia se sentisse constrangida. Não estava acostumada a que mulheres desconhecidas a vissem nua, pois sempre havia sido atendida por Elvira. Depois a jovem lhe deu uma bata de seda e ela a colocou, aliviada de poder cobrir-se.
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Assim que olhou para a cama com aqueles vestidos em cima, não pôde evitar exclamar. ― Oh, meu Deus! ― São preciosos, não são? Estou segura que estão de acordo com suas medidas, e se não estiverem, poderemos ajustá-los. São todos feitos de tecidos muito leves que com este calor, vai agradecer. Ela passou as mãos por eles, admirada. ― Não sabe quanto tempo faz que não me visto adequadamente. Não me tinha dado conta até agora do quanto sentia falta disso. ― Uma beleza como você não necessita destes vestidos para deslumbrar; com eles deixará o capitão sem fala. Sofía tentou não dizer nada ofensivo sobre Scott. Ao fim e ao cabo sua criada trabalhava para ele, por muito à vontade que se mostrasse com ela. ― Você que os viu, qual acha que deveria vestir agora? Eu seria incapaz de decidir. ― Oh, este poderia lhe servir. Prove-o e vejamos. ― Mas antes necessito minha roupa intima. Olhou a seu redor tentado achá-la, mas a criada a surpreendeu de novo. ― O senhor também lhe comprou novas, olhe. Aproximou-se do baú e lhe trouxe uma roupa intima extremamente fina, quase transparente. ― Mas… são indecentes!
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― São de excelente qualidade! Só as damas da alta sociedade daqui podem permitir-se vestir algo assim, senhorita, porque com este calor não poderia suportar usar as de algodão; essas se deixam para climas mais frios, como o seu. Sofía, embora reticente, aceitou usá-las e se surpreendeu de como eram confortáveis. Quando vestiu o vestido verde jade, compreendeu o que lhe havia dito a criada — acabava de vestirse e já sentia calor. ― Ficou muito bem, não necessita nenhum retoque. Olhou-se entusiasmada no espelho e ficou impactada. Podia ser que o vestido fosse adequado para aquele clima, mas quanto à decência… Vislumbrava-se seus quadris e pernas e só não lhe viam os mamilos graças ao forro da roupa interior, embora não pudesse deixar de reconhecer que aquela cor fazia destacar ainda mais seus olhos e o tecido a acariciava como um amante. Sofía se ruborizou ante seus escandalosos pensamentos, mas a criada não notou nada. Levou-a para a penteadeira e começou a pentear seus cabelos. ― Antes tenho que secá-lo. ― Oh, não o aconselho, senhorita. Será melhor que o deixe assim, úmido. Estou certa de que me agradecerá mais tarde. Ela assentiu e compreendeu que a criada dizia isso para o seu bem, já que também seria sem sentido acender a lareira com aquele calor. Falando de lareira, refletiu, em seu quarto não havia nenhuma. Que novidade era aquele lugar para ela. Depois de ter permanecido toda sua vida encerrada no campo, tinha passado umas semanas viajando em um navio com uma curiosa 81
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tripulação e agora estava visitando uma exótica ilha. A criada lhe fez um penteado deixando que o cabelo caísse por suas costas,
fazendo
com
que
as
pontas,
ainda
molhadas,
refrescassem-na. ― Meu calçado… ― Oh, há uns sapatos ideais para esse vestido! Afastou-se correndo e voltou com uns ricos sapatos. Depois dos vestidos, Sofia não se surpreendeu que coubessem perfeitamente. ― Venha, o capitão a está esperando para jantar. Entusiasmada a jovem saiu com passo rápido do quarto e não lhe restou outra atitude senão segui-la, embora seu ânimo fosse completamente diferente, já que logo voltaria a vê-lo.
Scott se movia impaciente pela pequena sala de jantar. Uma parte dele queria retirar-se e ordenar que levassem o jantar ao seu quarto, e a outra parte morria de vontade de vê-la. Possivelmente tinha passado dos limites comprando tantos vestidos, mas assim que entrou na loja, começou a imaginá-la vestida com todos eles, e não pôde resistir a comprá-los, diante do olhar surpreendido da mais famosa costureira e também a mais enriquecida — agora graças a ele — da ilha. Quando a porta se abriu, girou e preparou-se para parecer indiferente, porém
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jamais poderia ter imaginado aquela visão. Exercia um feitiço sobre ele como o canto das sereias, porque estranhamente se encontrou dando um passo na direção dela. Conteve-se, desviou o olhar, e sentou-se à mesa. ― Já era hora, tenho fome. Ela se sentou a seu lado com gestos bruscos. Não teria que ser excelente observador para ver que estava zangada, mas a ignorou. Era melhor que o detestasse desde o começo, assim não teria uma desilusão. ― Desejo lhe agradecer que me tenha provido de um guarda-roupa completo. ― Não poderia deixar que minha convidada se vestisse como uma mendiga, não é? O que diriam as pessoas? ― A você não importa o que as pessoas dizem, se não você estaria preocupado em me hospedar sem uma acompanhante. ― Pelo contrário, isso significa que não me preocupo com a sua reputação, mas sim com a minha. Sofía deixou os talheres ruidosamente sobre a mesa e levantou-se com ímpeto, atirando a cadeira ao chão. ― Não posso comer em sua presença, eu me engasgaria com a comida. ― Sente-se! ― ordenou em voz baixa, mas perigosamente serena. Sofia o olhou em seus olhos, soltando faíscas, mas ele sustentou o olhar. Ela pareceu recordar as palavras que tinham mantido no navio antes de desembarcar, porque assim que um criado fez menção de lhe puxar a cadeira, tornou a sentar-se. 83
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― Come. Não desperdice a comida que o cozinheiro preparou com tanto esmero em sua honra. Comeram absolutamente em silencio, embora ela apenas movesse a comida pelo prato. Scott não se importou, mas decidiu que mandaria que lhe levassem uma bandeja com bolachas quando se retirasse. Ao chegar a sobremesa, ela demonstrou que não era capaz de aguentar tanto tempo sem falar. ― Onde estão Vincent e Timothy? ― Parece que encontraram um lugar com os cavalariços. Têm boa mão com os cavalos. ― Isso é porque são pacientes e amáveis, ao contrário de outras pessoas. Ele não se deu por ofendido e comeu o pudim com voracidade. ― Amanhã irei vê-los, se me for permitido pisar em seus estábulos, senhor. ― Tem permissão de ir onde quiser, desde que se mantenha dentro dos limites de minhas terras e nunca, exceto que eu lhe dê permissão, deve entrar em meu escritório. ― Como você ordenar, meu senhor. Agora, se for tão amável de deixar que me retire, estou cansada. Fez um gesto com a mão em confirmação e levou a taça de vinho aos lábios, sem olhar para ela. Assim que as portas da sala de jantar se fecharam depois que a dama saiu, deixou cair a cabeça e suspirou de cansaço.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Capítulo 9 ― Este, senhorita, é o garanhão do capitão! Timothy se aproximou dela nervoso, enquanto Sofía selava o cavalo. ― Estou segura que não terei nenhum problema. Com os arreios, com seu dono seria outra coisa, acrescentou para si. ― Ele foi domado há pouco tempo. Não prefere aquela égua mais tranquila? Apontou para trás a outro compartimento, onde aparecia uma crina branca. ― É muito formosa, mas neste momento o que preciso é galopar. Por isso vesti estas calças. Ignorando ao assustadiço moço, subiu em um tamborete que havia ali e deu impulso para subir no imponente animal. Sofía saiu do pátio e, assim que se afastou um pouco, incentivou o cavalo a cavalgar velozmente. Precisava sentir aquela sensação, a velocidade, o vento na cara… Não prestou atenção para onde se dirigia nem à tormenta tropical que estava se formando. De modo que, quando começou o temporal, pegou-a 85
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de surpresa, bem como o nervosismo do cavalo. Além disso, o vento era especialmente forte, nunca tinha visto algo assim. ― Shhh, tranquilo, bonito, é apenas água. Mas, de repente, uma árvore caiu na frente deles. O garanhão se ergueu nas patas dianteiras e depois começou a galopar entre a vegetação, sem fazer caso dos pedidos da amazona para parar. Tão concentrada estava em tentar controlar o cavalo, que não viu o ramo que a golpeou e a arrancou da sela. Caiu de costas, batendo a cabeça e ficou inconsciente.
Os golpes na porta de seu escritório interromperam Scott, que se encontrava lendo uns documentos em sua mesa. ― Entre. Surpreendeu-se ao ver Timothy entrar. ― Capitão, pode ser que tenha acontecido algo à senhorita! ― exclamou o moço apavorado assim que entrou. Levantou-se imediatamente e se aproximou dele com grandes passadas, sem notar que punha o moço ainda mais nervoso com seu aspecto ameaçador. ― O que quer dizer com pode ter aontecido algo? ― exigiu. ― Saiu a cavalgar com o garanhão e…
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― Como deixou que o montasse e mais ainda uma tormenta dessas? Ainda não está totalmente domado e tem tendência a pular, principalmente quando há tempestades. ― Tentei-o, mas ela não me ouviu… E agora o cavalo voltou sozinho ao estábulo e… Scott passou correndo ao lado do menino, indo para o estábulo para selar ele mesmo um cavalo e não perder tempo; ordenou aos rapazes que fizessem o mesmo para ajudá-lo a procurá-la. Em um minuto estava galopando pelo imóvel, procurando-a com desespero. Quando a encontrou estirada no chão, conteve a respiração ao imaginar o pior. Desceu de um salto e se aproximou dela com medo, temendo a resposta a sua inquietante pergunta. Ajoelhou-se e lhe buscou o pulso no pescoço. ― Graças a Deus! Suspirou ao encontrar a pulsação, apalpou-a com cuidado para comprovar se tinha algum osso quebrado e, quando notou o golpe na cabeça, mordeu o lábio para não amaldiçoar. Pegou-a com cuidado para subir na garupa com ele e a protegeu da chuva com seu corpo durante o resto do caminho. Scott entrou com ela nos braços e não se deteve ante sua ansiosa governanta, que estava preocupada com a dama. ― Tragam-me um médico! Dane-se se estiver ocupado! Digam
que
lhe
darei
o
triplo
do
pagamento
se
vier
imediatamente. Com a máxima delicadeza, levou Sofía para o seu quarto e a deitou na cama. 87
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A criada entrou atrás dele e se adiantou a lhe tirar a roupa molhada. ― Parece que sofreu uma pancada na cabeça, deve ter ficado inconsciente quando a recebeu. ― Ponho-lhe a camisola, senhor? O médico poderá auscultá-la melhor. Afastou-se da cama e ficou de costas, mas sem sair do quarto. Estava muito nervoso e afastar-se dela somente pioraria isso. De novo voltou a sentir aquela angústia no peito, embora pior desta vez, já que não a podia consolar tendo-a em seus braços como daquela outra vez. Se não se cuidasse, aquela mulher acabaria por deixá-lo completamente louco. Mas disso se preocuparia depois. Primeiro teria que se assegurar de que Sofía estivesse bem.
Remexeu-se um pouco incômoda na cama. Tinha uma horrível dor de cabeça e o corpo terrivelmente cansado. Tentou abrir um pouco os olhos, piscando com a brilhante luz do sol, que entrava pelas janelas. Recordava ter aberto antes os olhos e ter se sentido igualmente mal, mas daquela vez ainda era noite e o rosto do capitão apareceu diante dela, antes de adormecer novamente. Mas assumiu que tinha sido um sonho. Levou as
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mãos à cabeça que estava enfaixada e não pôde reprimir um gemido de dor ao tocar na zona afetada. ― Oh, senhorita, não toque o curativo ou poderá piorar a ferida! Como se sente? Sofía tentou falar, mas tinha a garganta muito seca. A criada pareceu ler seu pensamento, porque se aproximou dela com um copo de água. ― Obrigada. ― Irei procurar o capitão para lhe dizer que despertou. ― Não é necessário… ― Mas o capitão não me perdoaria se não o avisasse; não depois de passar a seu lado os dois últimos dias em que esteve inconsciente. Logo após a primeira visita do médico, exigiu que ele viesse examiná-la uma vez ao dia, embora este lhe dissesse que não seria necessário, que sua ferida na cabeça não era tão grave e que somente precisava descansar. Ofereceu-lhe uma escandalosa soma de dinheiro e então o médico não pôde negarse. Porém a única coisa que fez essas duas vezes foi olhar a ferida e trocar a atadura, algo que poderíamos ter feito perfeitamente minha mãe ou eu. Mas bom, ninguém vence a teimosia do capitão. Depois de seu rápido bate-papo, saiu do quarto deixando a porta aberta e Sofía totalmente desconcertada. De modo que não tinha sido um sonho. O capitão tinha estado ali, cuidando dela. Totalmente incompreensível, tendo em conta a descortesia com que a tratava ultimamente. O conselho de Sullivan voltou a rondar por sua cabeça. Possivelmente deveria ouvi-lo. A partir 89
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
de agora teria que ignorar suas cruéis palavras e confiar mais nos atos dele. Fechou os olhos e por isso se sobressaltou quando ouviu sua voz. ― Bem, por fim está acordada. Ele a contemplava, apoiado no poste da cama; os braços cruzados sobre o peito e o cenho franzido. ― Boa tarde, capitão ― disse com bom humor, ignorando sua cara amarrada. ― Isso é tudo o que tem que dizer? Que tal um perdão, capitão, por ter sido tremendamente estúpida. A próxima vez pedirei permissão? ― Peço-lhe minhas mais sinceras desculpas, capitão. Não voltará a acontecer. A próxima vez lhe pedirei permissão. Ele a olhou sem compreender. ― Será que esse golpe na cabeça a afetou mais do que me disse o doutor? ― Tem razão, agi sem pensar. Supus que Timothy estava exagerando quando me disse que não deveria montá-lo… Não jogou a culpa nele, não é? ― Não, mas isso não impede que o moço se sinta culpado. Ele e Vincent não pararam de rondar por aqui preocupados com seu bem estar. ― Pode chamá-los? Quero vê-los e me desculpar. ― Assim que Dorta trouxer-lhe algo para comer. Ela assentiu e reprimiu a careta de dor que lhe produziu aquele movimento. ― Dói muito a cabeça? ― perguntou preocupado. 90
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Horrores! ― O médico disse que, assim que diminuisse o inchaço, a dor seria menos intensa. Ela estava tão cansada e tão incômoda naquela postura, deitada na cama e ele de pé, que não parou para pensar quando lhe pediu: ― Ajuda-me a sentar, por favor? Em um instante estava ao lado dela. Ajudou-a, passando seu braço por trás da sua cintura e colocando as almofadas as suas costas para que pudesse ficar sentada. Ao terminar a tarefa, não se retirou imediatamente, mas sim ficou olhando-a fixamente. Sofía pôde apreciar como seus olhos azuis se obscureciam. Olhou para os lábios dela, que, sem poder evitá-lo, passou a língua sobre eles. De repente, ele se ergueu e se afastou com as mãos a suas costas. ― Bem, espero que isso tudo realmente lhe tenha servido de lição. Confio em que, a partir de agora, pense mais nas consequências dos seus atos. Sem mais, saiu do quarto. Sofía de verdade queria acreditar que não devia fazer caso de suas palavras, mas Scott estava tornando isso muito difícil.
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Capítulo 10 Dois dias depois, levantou-se cedo para descer e tomar o café da manhã na sala de jantar. Já se sentia bem; negava-se a permanecer mais tempo em seus aposentos. Precisava sair e possivelmente dar um passeio pelos arredores. Assim que entrou na sala de jantar, Scott, que tomava o café da manhã, olhou-a estupefato, deixando cair o garfo, que levava a caminho da boca, com estrondo sobre o prato. ― Que diabos faz levantada? ― rugiu sem se levantar, fulminando-a com o olhar quando ela se dirigiu ao aparador para se servir. ― Bom dia pra você também, capitão. Bonita manhã, não é? ― O médico disse que necessitava repouso. ― E isso é o que tenho feito todos esses dias. Ontem ele me disse que o golpe na cabeça estava completamente curado, e a verdade é que hoje me levantei sem nenhuma dor. Não há motivo para que permaneça mais na cama como uma inválida. ― Oxalá ficasse ali, assim não a teria rondando ao meu redor ― disse de mau humor. 92
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Ela se deixou cair na cadeira em frente à dele, sem levantar o olhar de seu prato. ―
Se
tanto
o
incomoda
minha
companhia,
posso
permanecer afastada de sua vista até que voltemos para o navio. Ela o ouviu suspirar e levantou a cabeça para vê-lo passar a mão pelo cabelo, exasperado. ― Não é isso! Simplesmente não estou acostumado a ter companhia. ― E eu não gosto de estar sozinha. Jamais gostei. Antes tinha meu irmão e a Elvira, mas agora… Bebeu um gole de chá para aliviar o nó em sua garganta, ao recordar seus seres queridos. Sem poder evitá-lo voltou a olhar o capitão. Este a surpreendeu com um olhar cheio de tristeza. ― Faz tempo que perdi a minha família também. Sofía se surpreendeu de que por fim dissesse algo sobre seu passado e que lhe deixasse ver essa vulnerabilidade. ― Custaria muito a você me fazer companhia? Assim não estaríamos os dois sozinhos e tão tristes — ela perguntou. Ele pareceu refletir e apartou por um instante o olhar dela. Inspirou profundamente antes de acrescentar. ― Possivelmente poderia deixar esta manhã livre e lhe mostrar as terras, você gostaria? ― Eu adoraria. ― acrescentou com um sorriso. Ambos ficaram ensimesmados olhando-se e ela notou algo especial. Era como se estivessem conectados. Desde que o tinha visto pela primeira vez, tinha sentido uma forte atração por ele 93
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
e agora morria de vontade de conhecê-lo melhor. Queria saber por que se empenhava em ser tão antissocial com ela e, mais que outra coisa, queria aliviar aquela dor que vislumbrava muitas vezes em seus preciosos olhos. Possivelmente poderiam ser amigos. Embora nunca havia tido um amigo pelo que ansiasse tanto ser beijada. Ruborizou-se um pouco e desviou o olhar dos olhos dele, somente para cair na pele morena de seu pescoço e no pelo negro que saía de sua camisa. Vestia-se do mesmo modo que no navio, mas até então não se tinha fixado bem nos trajes dele. Sentiu côcegas nos dedos para tocá-lo. Agora compreendia por que os homens vestiam aqueles lenços nos pescoços. Era para afastar a tentação das mulheres, embora Sofía sabia que qualquer outro cavalheiro não a teria tentado tanto como Scott. Para distrair seus luxuriosos pensamentos, voltou a levantar a vista, apenas para dar-se conta de que ele observava seu cabelo com um débil sorriso. Ela levou as mãos à cabeça. ― Mesmo o mais leve coque me produz alguma dor. Tenho o couro cabeludo muito sensível ― disse envergonhada por estar com os cabelos soltos. ― Pensei que era castanho claro, mas não me tinha fixado no formoso tom loiro que toma seu cabelo sob os raios do sol. Ela piscou surpresa e voltou a olhá-lo, mas ele fez uma ameaça de tosse e voltou a concentrar-se em seu café da manhã. Sofía passou manteiga nas torradas. ― Surpreende-me que toda a comida que sirva seja inglesa. 94
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Meu cozinheiro é inglês. É o único criado de minha terra aqui a meu serviço. ― De modo que reconhece que é inglês. ―Não o neguei em nenhum momento. Pensei que meu sotaque me denunciava. ― Sim, embora ainda não consiga definir de que lugar exato. ― Não perca tempo tentando-o. Ele tentou sorrir para evitar dar importância ao assunto, mas ela sabia que não gostava de falar de si, sobretudo de seu passado, porém ela não se deixou intimidar. ― É que, como acredito que toda sua tripulação tem uma nacionalidade distinta… Parte dela é espanhola ou francesa e ouvi algum sotaque escocês e irlandês. Sullivan é americano, Vincent é francês e Timothy é … agora que me dou conta, nunca perguntei de onde ele é. Timothy é o único de quem não consigo adivinhar o lugar de origem pelo sotaque — concluiu pensativa. ― É português. Trabalhava em um navio de pesca na Ilha da Madeira. Seu nome era Timoteo, mas ele me perguntou como seria seu nome em inglês e agora se faz chamar assim. ― É óbvio que o admira muito. Contou-me como o resgatou de seu anterior empregador. ― Só agarrei a oportunidade quando a vi. É um moço trabalhador e obediente, mas que tinha um senhor violento que não sabia lhe dar valor. Há milhões de meninos por aí com uma situação muito pior que a dele e eu não posso fazer nada para ajudá-los. A vida não é justa para ninguém. 95
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― Fala com muita amargura… O que aconteceu com vocë para ser tão cínico e esperar o pior da humanidade? ― Sofía se deu conta muito tarde que havia exagerado. Se queria descobrir mais de seu passado, não ganharia nada ferindo-o e lhe perguntando as coisas assim grosseiramente. ― Você que viu sua família morrer nas mãos de uns piratas, pergunta-me isto? O que acredita que teria acontecido com você, se algum deles a houvesse encontrado no navio? Ela empalideceu visivelmente. ― A educação que lhe deram só serviu para mantê-la ignorante do mundo real. ― Não acredito que eu tenha tido uma educação tão diferente da sua, meu senhor. Quando se zanga, como agora, tem uma dicção perfeita e sei que sabe ler em latim. Creio que você procede de uma família nobre. Acaso lhes guarda rancor por ter tido que procurar uma vida como esta? ― Procurar? Crê que eu escolhi isso? Ela o olhou confusa. ― Bom, não vejo outra maneira para explicar que um homem como você acabasse capitaneando um navio. Pode ser que quisesse dedicar-se ao comércio, e sua família então o repudiou… ― Não é tão bonito como o pinta.... Que inocente é você, se essa é a única explicação que encontra. Eu nunca quis acabar assim; não deveria ter acabado assim; não era meu destino. ― Qual era então? ― Isso não lhe importa. ― disse cortante. 96
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Levantou-se e a olhou com frieza. ― Se já tiver terminado, eu gostaria de dar esse passeio o quanto antes. Tenho coisas com as quais me ocupar. Sofía deixou o guardanapo sobre as torradas, sem acabar, e seguiu o homem com as costas tensas e a mente cheia de mistérios por resolver.
Scott tentou ignorá-la durante todo o passeio, dirigindolhe uma palavra ou duas para lhe explicar algumas coisas que encontravam pelo caminho — ela tinha uma curiosidade assombrosa. Enganava-se pensando que isso o incomodava, porque em realidade ele adorava. Também era difícil não contemplá-la como um bobo, quando ela se inclinava encantada ante cada nova flor para cheirá-la. Estava tão cheia de vida, era tão inocente, tão pura… Razões demais pelas quais não devia perder tempo fantasiando com ela. Isso somente lhes traria sofrimento, e Deus sabia que ambos já tinham passado por muitos. Ainda lhe surpreendia que a essas alturas de sua vida pudesse seguir ouvindo a própria consciência. Fazia anos que a tinha silenciado. Havia feito muitas coisas para sobreviver e outras para alimentar sua alma com ânsias de vingança. Suas mãos estavam cobertas de sangue. Seu único propósito na vida era acabar com seu meio-irmão. Não para recuperar o lugar que
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por direito era dele, mas sim porque tinha a alma tão ferida que queria vê-lo sofrer uma parte da dor pela qual tinha passado desde os treze anos. Não podia deixar que ela o distraísse de sua vingança, embora fosse uma distração deliciosa. Apesar de que já tinha decidido isso, voltou a passear com ela nas manhãs seguintes, repetindo a si mesmo várias vezes que era apenas para agradá-la e poder lhe surrupiar algo da razão da abordagem do Darkness. Coisa que não tinha tentado nenhuma única maldita vez, repreendeu-se. ― Amanhã cedo partiremos no Constanza. ― No Constanza? ― É um dos navios nos quais estou acostumado a transportar a mercadoria com a qual faço negócios. Não vou tentar ocultar-lhe que minha intenção é servir de isca para apanhar o Darkness. ― Tão grande é a recompensa por ele para que se arrisquem assim? Ela o olhou assombrada sem compreender. Detiveram-se em um jardim com bancos rodeados de flores. ― Não é pela recompensa que quero apanhá-lo. O que sempre me incitou a capturá-lo nunca foi unicamente a recompensa que poderia obter. ― Por que mais então? ― Você quer que eu seja sincero, enquanto você me oculta coisas? E não faça essa cara de inocente. Sei que sabe por que atacaram o navio em que viajava, com certeza.
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Sofía baixou os ombros derrotada e se sentou em um banco. ― Está bem. Depois que me disseram que esse pirata não está acostumado a atacar navios de passageiros e que podia haver alguém fugindo, percebi que pode ter sido por causa de meu pai. ― Por que poderiam ter ido atrás de seu pai? ― Pode ser que o homem do qual meu pai estava fugindo haja contratado a esses piratas para que o calassem. Pode ser possível? ― Não é a primeira vez que Darkness age por encomenda desse miserável. ― Conhece-os? ― Sim, por desgraça, a ambos. ― O que fizeram a você para lhes guardem tanto rancor? ― Ambos mataram pessoas de quem eu gostava e me tornaram o homem que sou agora. É melhor para você não saber mais nada; não saber por que guardo tanto ódio por eles e procuro vingança. Acredite-me, não descansarei até lhes dar o castigo merecido. Scott quase deu um salto quando sentiu a mão dela suave e delicada sobre sua mão grande e calejada pelo árduo trabalho. ― Não é bom que guarde tanto ódio em seu coração, Scott. Ele se virou para ela, perdendo-se nos lindos olhos verdes que projetavam a bondade do seu coração. Era tão delicada como também era forte e valente. Ela não merecia alguém com
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uma alma tão negra como a dele; nem sequer deveria estar em sua companhia. Levantou-se de um salto. ― Por que Rumsfeld teria tanto interesse em acabar com seu pai? ― Meu pai
descobriu certas coisas
que poderiam
prejudicá-lo seriamente. Scott prendeu o fôlego, cheio de esperança. Poderia ser? Poderia ter encontrado provas contra suas falcatruas? ― O que é que encontrou exatamente? ― Vou mostrar-lhe isso. Meu pai tinha tudo detalhado em um caderno. Ele a seguiu ansioso até seu quarto. Uma vez ali, ela se dirigiu à cama e levantou o colchão, tirando de lá um pequeno caderno.
Entregou-o
a
Scott
sem
nenhuma
mostra
de
desconfiança. Logo ele sentou-se na cama ao sentir suas pernas trêmulas. ―
Equivalerá
como
prova?
―
perguntou
Sofía
esperançada. ― É justo o que necessita Wilmarth para acusá-lo de traição. Há muito tempo está atrás dele. ― Você também conhece o Wilmarth? ― perguntou surpreendida, sentando-se a seu lado. ― Ambos estamos em contato e compartilhamos o mesmo objetivo, embora por razões distintas. ― Quais são as suas razões, Scott?
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Sua voz soava perigosamente perto. Sobressaltou-se quando ela lhe acariciou o rosto delicadamente. Ele deteve sua mão com brutalidade. ― Não necessito de nenhum consolo. Não quero que sinta pena de mim. Sofía se aproximou mais dele, até onde era possível, com os olhos faiscantes de fúria. ― Por que faz isto? Por que cada vez que tento me aproximar, afasta-me de você com essa rude linguagem? Eu quero conhecê-lo, compreendê-lo, quero ser sua amiga. ― Você e eu não podemos ser amigos, será que não entende? Ela negou com a cabeça e, em um rápido movimento, ele tombou-a na cama e ficou sobre ela. Antes que ela pudesse protestar, esmagou-lhe os lábios com os seus, sem nenhuma delicadeza, saqueando-lhe sem piedade. Levou suas mãos a seu traseiro e a apertou contra sua ereção. ― Não vê? Para mim você é apenas uma mulher que, além de poder me satisfazer, tem algo para concretizar meus planos. Depois de conseguir minha vingança, você não me será mais valiosa que uma prostituta de bordel. A som da bofetada de Sofía ressoou no quarto. Ele ignorou a ardência que sentiu na bochecha, que já começava a avermelhar, e sorriu. ― Não tente outra vez essa encenação de dama piedosa. Não esqueça que não sou um cavalheiro. Não hesitarei na
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próxima vez em levantar suas saias, queira ou não, embora saiba que estaria desejosa. Antes que ela tornasse a golpeá-lo, levantou-se e saiu batendo a porta.
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Capítulo 11 ― Senhorita, está se sentindo bem? Acabavam de deixar o baú no camarote do capitão. O Constanza era muito mais elegante e espaçoso que o navio da anterior
travessia.
Timothy
tinha
se
aproximado
dela
preocupado por seu mau humor. ― Estou zangada, isso é tudo, mas logo passará. Tentou um sorriso, mas foi pouco autêntico. ― Tornou a discutir com o capitão? ― Por que assume que foi com ele? ― Ele também está com um humor de cão. Sofía suspirou sentando-se na cama. ― Não sei por que se empenha em comportar-se tão mal comigo. Diz-me umas coisas horríveis, mas acredito que não é o que realmente sente. Isso tem sentido? O moço encolheu os ombros. Então ela sorriu de verdade ao dar-se conta de com quem estava desabafando seus problemas amorosos. Sofía se sobressaltou, amorosos? Por que tinha pensado naquela palavra? Ela não sentia nada pelo capitão e ele menos ainda por ela. ― Apenas seja paciente — falou Timothy.
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O conselho que ele lhe deu ao sair pela porta a tirou de suas reflexões. Possivelmente tinha razão. Ainda não o conhecia bem. E ela tampouco se esforçou para que ele a conhecesse melhor. Além disso, tinham desconfiado um do outro. Se fosse sincera com ele, podia ser que ele o fizesse também. Claro que se tentasse, ele poderia muito bem levantar suas saias. Embora estivesse quase segura de que foi uma ameaça vazia, que tinha dito aquilo somente para assustá-la. Era como se uma couraça cobrisse seus sentimentos e não deixasse que ninguém pudesse vê-los. Ela mesma não entendia por que estava tão empenhada em entender a sua amargura, mas sabia que tinha que tentá-lo uma vez mais.
No
porto,
Sullivan
e
Scott
observavam
como
as
mercadorias subiam ao navio. ― Tudo preparado? ― Sim, preparou bem este plano, Scott. Ao que parece, há semanas já circula o rumor de que o Constanza, um navio mercante sem canhões, zarpará da Jamaica com uma valiosa mercadoria. ― Toda uma tentação para qualquer pirata. ― Espero que atraia a um em particular.
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― A senhorita Sofia sabe deste estratagema, ou os tiros de canhão a pegarão despreparada? ― Está ciente e me confessou que seu pai tinha encontrado provas dos negócios do Rumsfeld. ― E você não lhe contou nada mais? ― Se se refere a meu passado, a resposta é não. ― Seria bom desabafar com alguém. Eu sou o único que sabe o que aconteceu e por que motivo você estava no navio do capitão João. Nós dois ficamos doentes naquela ilha. Também estive com você quando foi a Avenger. ― Meu unico desejo é ver Rumsfeld morrer. Depois disso não vejo nenhum futuro para mim. ― Sofia é uma boa moça, certamente da nobreza. Seria a esposa perfeita para um par como você… ― Meu futuro não está na Inglaterra; é muito civilizada para mim. E Sofia é boa demais para um assassino como eu. Sem mais, Scott subiu pela passarela e deixou Sullivan fiscalizando o embarque e meditando sobre a amargura de seu amigo.
No dia seguinte, caminhando pelo convés, o vento lhe dificultava andar com o vestido. Teria estado mais à vontade com as calças, mas agora que tinha roupas femininas para
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vestir, não renunciaria a elas. Viu Scott de pé na proa com o olhar no horizonte e se animou a aproximar-se. Afastou o cabelo do rosto, enquanto se aproximava dele. Tinha deixado o cabelo solto porque intuiu que ele gostava mais assim. Inspirou fundo uma vez quando parou do seu lado. ― O ar é tão puro como no campo. Para uma mulher como eu, que está acostumada a ficar ao ar livre, o convés de um navio é o lugar ideal. Ele a ignorou. Sofía se surpreendeu com as tolices que lhe saíam da boca. Não era uma pessoa de rodeios. Se queria um novo começo com ele, não ganharia nada tentando começar uma conversa banal. ― Acredito que não nos apresentamos formalmente. Sou Lady Sofía Campbell, da Cornualha ― sorriu abertamente, ao ver que Scott estava prestando atenção. ― Campbell? É escocesa? ― Meu avô era um integrante da Casa Hanover. Mudou-se para as terras da família de sua esposa Inglesa e meu pai herdou o condado de seu avô materno. Não tinha outro descendente masculino. ― Conheceu-os? ― A meus avós? Não, morreram antes que eu nascesse. Sempre tive uma família reduzida. Sei que tenho parentes na Escócia. Mantenho correspondência com uma prima em segundo grau, embora ela seja mais velha que eu. Ainda que nunca nos tenhamos conhecido pessoalmente, chegamos a ser boas amigas. E você? 106
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― Suponho que, igual a você, tenho uma família reduzida — nem pais, nem tios, nem avós… ― Onde nasceu? Ele a olhou um momento duvidoso, antes de responder. ― Nasci, acredite-me, em Yorkshire. ― Acredito que nunca tinha conhecido ninguém tão do norte. Seus pais também eram de lá? Depois de um tempo de silêncio, pensou que ele não iria responder. Já estava preparada para perguntar-lhe algo um pouco menos pessoal e desistir em saber mais detalhes sobre ele, quando ele afinal respondeu: ― Acredito que toda minha família proceda de Yorkshire. Meu pai era de lá e se casou com minha mãe que era vizinha dele. ― Espero que não fossem parentes ― comentou em brincadeira. ― Não, que eu saiba ― respondeu sorrindo. ― Foram felizes? Meus pais, sei que não o foram. Foi um matrimônio arranjado e acredito que nunca chegaram a se amar. ― Minha mãe morreu quando eu tinha cinco anos. Tenho apenas uma vaga lembrança dela, mas meu pai disse que tinha sido uma excelente esposa e mãe. Acredito que a amou, embora depois de três anos tenha voltado a contrair matrimônio. ― Você não se dava bem com sua madrasta? Ele ficou tenso e Sofía compreendeu que tinha chegado ao ponto do seu passado do qual não queria falar. Isso a intrigou 107
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mais e imediatamente desejou saber o que teria acontecido no segundo casamento de seu pai, porque parecia ser a causa que o levou a viver no mar. ― Tenho coisas com as quais me ocupar. Dentro de uns minutos, volte para o camarote. Não quero que atrapalhe o trabalho no convés. E sem mais se afastou dela, outra vez. Mas Sofía prometeu que não desistiria; continuaria tentando.
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Capítulo 12 Os dias foram passando tranquilos. Pelas manhãs Sofía saía para o convés com Scott e conversavam sobre arte, literatura… Mas nunca de temas pessoais, pelo menos por parte dele. Ela tinha contado toda sua infância e ele não parecia aborrecer-se, na verdade animava-a para que falasse de seu irmão. De modo que Sofía se encontrou falando de Alfonso com um sorriso. Descobriu que Scott era bom ouvinte e um grande intelectual. Tinha-a surpreendido com a grande memória que possuía. Só lia os livros uma vez e mesmo assim se lembrava perfeitamente do conteúdo de todos. Reconheceu que, sempre que pisava em terra, costumava a ir a alguma livraria para comprar livros novos e doar os que já tinha lido. Só tinham restado aqueles dois em seu camarote, porque os tinha esquecido lá. Contou que os livros lhe faziam companhia e isso era uma das coisas de que sentia saudades da sua antiga vida. Este foi o único detalhe que comentou sobre seu passado, durante suas conversas, e disse que aquilo ele não havia dito nem a Sullivan. Isso a fez sentir-se especial...
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Pelas tardes ajudava nas tarefas de Timothy ou de Vincent, com os quais seguia tendo bom relacionamento. De vez em quando, conversava com Sullivan que estava habituado a brincar com ela. Agora já não havia formalidades. Sofía iria custar a se acostumar a sua antiga vida quando voltasse à Inglaterra. À noite, jantavam os três na sala de jantar, e Scott a acompanhava ao camarote, mas sem beijar sua mão. Evitava tocá-la, tanto quanto possível. Em todos os momentos sentia-se confortável e a salvo naquele navio, sob o atento olhar de seu capitão. No décimo dia estava lendo no convés com Timothy quando ouviram a voz do vigia. ― Navio a bombordo. Procurou Scott com o olhar e o encontrou junto com Sullivan, olhando pela luneta. Imediatamente se aproximou deles. ― É o Abaddon? ― perguntou um pouco assustada, chegando mais perto dele de forma inconsciente. ― Não. Embora assim como eu, ele poderia estar tentando nos preparar uma armadilha. ― Jogaram a âncora e estão pedindo auxílio ― Sullivan voltou a passar a luneta a Scott. ― Esse navio me parece familiar… E navega sob a bandeira americana ― sorriu o capitão. ―
Posso
olhar?
―
perguntou
Sofía,
agarrando
imediatamente a luneta que lhe oferecia Scott. ― Não tem muitos canhões.
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― Aparentemente, igual a nós ― Sullivan começou a rir e logo o seguiu Scott. Sofía os olhava sem entender. ― Aproximemo-nos. Vamos ver o que trama esse vagabundo. ― É um conhecido, por acaso? ― perguntou a Sullivan, já que Scott se afastou para dar ordens. ― Foi com quem aprendemos a esconder os canhões para enganar o inimigo. Sempre gostou de fazer joguinhos. ― Mas se for americano? Vocês são corsários ingleses! ― Chamar-nos de corsários ingleses me ofende, querida ― Sullivan lhe sorriu sem um rastro de aborrecimento. ― Sim, durante a guerra apanhamos algo de um ou de outro navio americano em nome do império britânico, mas por um tácito acordo nos mantivemos afastados. ― Quem é ele? ― interessou-se curiosa. ― Já ouviu algo sobre o capitão Richard? Sofía abriu os olhos assombrada. ― É o mesmo do qual tenho lido nos periódicos, que está acostumado a roubar os navios da companhia de lorde Kildare? ― O mesmo. Por isso Scott e ele se dão tão bem. Ambos têm vinganças pessoais contra membros britânicos. ― E estou segura que em ambos os casos você sabe por quê, não é? ― Ela provocou-o. ― Sim e sei que você gostaria muito de sabê-lo, principalmente sobre o capitão. Sinto muito, mas não posso lhe dizer nada. Ele é o único que pode contar-lhe isso.
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Sofía arqueou os ombros, abatida. Sullivan se aproximou dela colocando uma mão em seu ombro. ― Não desista dele, certo? Ela assentiu com um pequeno sorriso. Sofía sabia que Scott não poderia afastá-la tão facilmente e as palavras de seu amigo a animaram. Permaneceu distante, observando como o navio iase aproximando do americano e, surpreendida, se deu conta de que aproximaram-se o suficiente para pôr uma passarela entre os dois. Em pouco tempo, apareceu um cavalheiro com casaca cor bordeaux, lenço muito extravagante para seu gosto, calças negras, meias brancas e uns brilhantes sapatos de salto azul. O mais surpreendente era seu grande chapéu em cima da cabeça coberta por uma peruca branca, larga e frisada. Sofía continuou espantada. Aquele cavalheiro parecia que se encontrava em um salão elegante, em vez de num convés de navio. Atravessou a passarela com agilidade e de um salto ficou em frente a eles. Com uma elegante reverência, muito exagerada, tirou o chapéu… e também a peruca, que estava presa a este. Sullivan estalou em gargalhadas. ― De qual companhia de teatro roubou esse traje, palhaço? ― Scott se aproximou e lhe estendeu a mão. O capitão Richard apertou sua mão e sob o outro braço sustentou o extravagante chapéu. ― A gente nunca sabe com quem pode encontrar-se ― seu olhar se deteve nela e a contemplou de cima abaixo,
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apreciativamente. ― Vá, vá, vejo que não sou o único que gosta de fazer surpresas! Quem é esta preciosidade? Aproximou-se dela, mas em um só movimento Scott passou o braço por sua cintura e a abraçou possessivamente. ― É minha passageira, por isso está sob meu amparo, entendido? ― disse com uma voz letalmente ameaçadora. O outro capitão levantou as mãos sem deixar de sorrir. ― Entendi, inglesinho. Não há necessidade de falar assim. ― Você ameaçou arrancar meus olhos quando olhei do mesmo modo para sua irmã ― disse Sullivan com a mão em seu ombro. ― Era minha irmã... é diferente. ― Pode ser que aqui as coisas sejam distintas, mas ela não é qualquer mulher para o capitão ― disse, em voz baixa, Sullivan
a
Richard.
Este
contemplou
a
ambos
com
as
sobrancelhas arqueadas e seus olhos deram especial atenção ao braço de Scott, que não tinha soltado a cintura dela. ― Agora o entendo melhor ― piscou um olho pra Sofía, e esta compreendeu imediatamente que, embora fosse um patife, embaixo se escondia um bom homem. ― Será melhor irmos à cabine. Ali teremos mais privacidade. Conhecendo-o como conheço, acredito que tem coisas para me contar. Não está aqui por acaso. Os quatro foram à cabine onde faziam as refeições. Uma vez ali sentados, olharam com expectativas para o convidado. ― E não vai me oferecer uma taça, ou algo? ― Diga de uma vez Richard! ― grunhiu Scott. 113
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― Está bem, irei direto ao assunto. Quando me chegaram rumores do Constanza, soube imediatamente o que você tramava. Não quero permanecer à margem, Scott. ― O que é que quer? ―impacientou-se Scott. ― Quero o Abaddon e todos seus tripulantes. É óbvio que sei que o Darkness é para você. ― Por que iríamos entregar-lhe isso? ― perguntou Sullivan. ― Porque vou ajudá-los. Um navio mercante sem canhões, socorrendo a outro em alto mar, pode ser uma posição muito vulnerável, não acham? ― Maldito filho de cadela intrometido! ― exclamou Scott zangado, surpreendendo Sofía. Richard negou com a cabeça e logo apontou pra ela. ― Controla sua língua, há uma dama presente. ― Por isso, porque há uma dama presente, tenho que ser o dobro de precavido! Está muito seguro de si mesmo! Mas não lhe ocorreu pensar que, em vez de agradecer sua boa fortuna ao nos ver, poderia suspeitar que é uma armadilha? Acaso acha que acaba de inventar o cavalo da Troia? ― Bom, agora que Avenger desapareceu do mapa, ocorreume que poderia necessitar de ajuda extra. Imediatamente, um tenso silêncio encheu a sala, e Sofía notou a tensão no ambiente. Perguntou-se do que se lembrava ao ouvir aquele nome, até que afinal lembrou-se. Tinha lido sobre ele nos periódicos. Era um cruel mercenário que atacava e matava por contrato. Tinha causado terror nos mares e qualquer 114
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país ou homem podia comprar seus serviços por um alto preço. Dizia-se que não tinha pátria nem compaixão. Não entendeu a princípio por que aquele nome pareceu provocar tanto desconforto no ambiente. Por que aquele capitão parecia lamentar a ausência dele? Também não podia explicar a nuvem negra que pareceu abater-se sobre Scott — outra vez essa grande dor aparecendo em seus olhos… De repente ela entendeu tudo... seu capitão era Avenger!
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Capítulo 13 Enquanto os homens discutiam entre eles três os planos para a batalha, Sofía se manteve absorta e parecia que não prestava atenção a suas palavras. Quando tiveram tudo resolvido, Sullivan foi com Richard ao convés para acompanhálo a seu navio. Scott se levantou para pegar uma taça e a voz de Sofía o fez engasgar-se com a bebida. ― Não tinha pensado em me revelar seu passado como Avenger, verdade? É óbvio que não; não me conta nada de seu passado. Ele girou disposto a negar tudo, tentando inventar algo, mas ela o deteve levantando a mão. ― Por favor, não me insulte tentando negá-lo. Scott deixou a taça no aparador e caminhou ao redor da cabine, inquieto, até parar diante dela. ― E daí? ― perguntou irritado. ― E daí, o quê? ― respondeu ela, confusa. ― Não tem nada a me dizer? ― Não sei o que quer que lhe diga ― ela encolheu os ombros
e
isso
apenas
conseguiu 116
impacientá-lo
mais.
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Rapidamente a agarrou pelos ombros para colocá-la de frente para ele. ― Está diante de um temível assassino, Sofia, não se dá conta? ― A única coisa da qual me dou conta é que estou diante de um homem bom, mas que está sofrendo uma tortura. A carícia da mão dela em sua face fez com que a soltasse de repente como se lhe tivesse queimado. ― Agora compreendo que esse pode ser um dos motivos pelos quais vejo tanto dor e arrependimento em seus olhos. Às vezes está tão abatido… Como se levasse o peso do mundo sobre seus ombros. ― Não sabe o que diz ― grunhiu, embaraçado. ― Claro que sei e seus homens também sabem. O Timothy não foi o único que salvou de uma vida miserável. Falei com alguns membros de sua tripulação e todos têm louvores sobre você. Respeitam-no e o admiram. ― Nem você nem eles sabem as coisas horríveis que tenho feito! ― gritou. ― Sei que uma guerra obriga aos homens a… Ele a interrompeu com uma amarga gargalhada. ― Não se iluda e não tente enobrecer meus atos. É verdade que muitos de meus assaltos foram durante a guerra, mas eu não fazia parte de nenhum bando. ― Não me importa! Isso não muda minha opinião sobre você. E embora não tenha por que fazê-lo e você certamente não
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o queira, eu o perdoo. Jamais poderia condená-lo por isso e acredito que já é hora de que você faça o mesmo. Não pôde aguentar mais, tinha que sair dali. Não podia continuar olhando-a, ouvindo-a, estar diante de seus puros olhos. Ela não sabia nada. Não sabia quantas vidas tinha tirado com suas próprias mãos, nem imaginava o ódio que tinha corrido por suas veias e que muitas vezes ainda o corroía. Ela não sabia a maldade que havia nele.
Quando a porta se fechou atrás do capitão, Sofía suspirou cansada. Custar-lhe-ía convencer Scott para que deixasse de torturar-se com o passado. Sua mente lhe dizia que o deixasse afastar-se dela; que, se ele tentava espantá-la, seria por algum bom motivo e ela deveria desistir; que só tentava aproximar-se dele, porque Scott estava tão sozinho quanto ela e ela necessitava de alguém depois da morte de Alfonso e Elvira. Mas seu coração insistia em discordar da sua mente. Tinha se conectado com Scott de uma forma que não sabia explicar. Sentia-se especial quando ele a olhava. Depois, ainda havia os fatos: pode ser que como Avenger tivesse feito coisas terríveis, mas ele não estava orgulhoso disso. Arrependia-se. Além disso, sempre tinha tido muita consideração com ela. Tinha-lhe consolado; preocupou-se por sua segurança na tormenta; tinha
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estado a seu lado quando sofreu a ferida na cabeça. Inclusive quando tentava se afastar dela, era sua forma de lhe dizer quão importante ela era para ele. Temia que ela sofresse por sua culpa e a melhor maneira que tinha ocorrido àquele tolo era afastá-la, tentar que o desprezasse, mas para desgraça dele não estava conseguindo. Acontecia justamente o contrário. Dirigiuse ao camarote e tirou a roupa, preparando-se para dormir. Seu olhar caiu na gata Rainha, que dormia placidamente aos pés da cama. ― Seu dono é muito teimoso, mas eu sou mais.
― Precisa que o substitua? ― perguntou Sullivan a Scott quando se aproximou dele, que estava ao leme. ― Não é necessário. Esta noite não poderei dormir e preciso me manter distraído. Sullivan não saiu de seu lado e, depois de um tempo, com o olhar perdido, voltou-se para ele. ― Não quero bancar o pássaro de mau agouro, mas não sei se pode confiar no Richard. Sempre foi muito ambicioso. ― Precisamente por isso não nos trairá. Ele é quem sairá ganhando ao ficar com o navio e a tripulação. ― Não me referia a isso. Crê que manterá silêncio sobre sua identidade como Avenger?
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― Quer aparentar que é um homem que não se preocupa com coisa alguma nem com ninguém, mas sei que é leal. Não me delatará, pode estar tranquilo. Só mencionou aquilo para me pôr nervoso e me obrigar a aceitar sua colaboração. ― Por um momento pensei que iria dizer algo mais. Menos mal que Sofía não se deu conta do que ele estava falando. ― Equivoca-se, ela sabe. É mais intuitiva do que eu pensava. ― Qual foi a reação dela? ― perguntou cauteloso. ― Imagino que o personagem do Avenger não lhe seria de todo desconhecido. ― Uma reação muito inesperada. A pequena tola não quer pensar mal de mim. ― Por muito que tente assustá-la, não a espantará tão facilmente. É forte e valente. Cada vez eu gosto mais dessa mulher ― disse alegremente. ― Seu coração é muito puro. É uma ingênua e pensa que está me fazendo um favor ao tentar me redimir ou algo assim. ― Você sabe que, dizendo isso, está tentado enganar a si mesmo. Ela vê em você o mesmo que eu vejo. O único que não o faz é você, que se empenha em ver o pior e é o seu pior inimigo. ― Já basta! ― gritou. Ao ver que marinheiros que estavam de guarda o olhavam surpreendidos, tentou tranquilizar-se. ― Deixe-me, preciso ficar sozinho! ― Não necessita ficar sozinho, mas se esforça para isso — com essa acusação, Sullivan se foi.
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Não importava o quanto seu amigo se empenhasse em lhe fazer mudar de opinião. Scott acreditava que tinha cometido crimes que não mereciam nem o perdão de Deus.
Passaram-se três dias tremendamente lentos para todos, até que o vigia alertou da aproximação do Abaddon e Richard posicionou seu navio para preparar-se para o combate. Superavam-lhes em número e contavam com o fator surpresa. Mas mesmo assim, todos os tripulantes se prepararam para a batalha. Quando ouviu o primeiro tiro de canhão, Scott pediu a Sofia que descesse para o camarote. Ela assentiu, porque desde o dia da tormenta tinha prometido a si mesma que obedeceria cada ordem dele, embora não estivesse de acordo. Mas não perdia nenhuma chance de fazer com que ele mudasse de opinião quanto a aproximar-se dela, por isso quando ele a seguiu para pegar suas armas no baú, ela não desperdiçou a oportunidade. ― Por favor, tenha piedade de mim! Não posso permanecer no camarote, sabendo que aí em cima você está em perigo. Não quero voltar a me sentir tão impotente! Por favor, não me faça passar por isso outra vez! Sabe que posso me defender! ― disselhe Sofía suplicante. Scott olhou-a fixamente, antes de tomar uma decisão.
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― Está bem, maldita seja! Mas não quero que saia; não até que não ouça mais o ruído dos canhões. Não é imune às balas... E com a condição de que não se afaste de Vincent. ― Obrigado por confiar em mim, Scott. ― Na verdade, princesa, vai me deixar completamente louco ― grunhiu, girando-se para ir-se. ― Scott! ― chamou antes que ele fosse. ― Por favor, tenha muito cuidado. Ele se deteve, olhou-a intensamente e, soltando uma maldição, tomou-a em seus braços. Ao contrário do que esperava Sofía, seus lábios foram ternos quando tocaram os dela; como se tentasse acalmá-la, consolá-la, e ela temeu que pudesse derreter-se a seus pés. ― Se vejo um só arranhão em sua preciosa pele, irá me pagar isso ― exigiu com voz rouca e olhar penetrante. ― Se o que for fazer depois é me beijar assim, vale a pena sofrer algumas feridas ― brincou. Ele a sacudiu ligeiramente antes de soltá-la, mas Sofía pôde ver um pequeno sorriso em seu rosto antes que saísse apressado, fechando a porta atrás de si. Quando ficou sozinha, tirou o vestido e procurou em seu baú a roupa de homem que tinha usado e tinha guardado em um impulso antes de sair da Jamaica.
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Quando o Abaddon estava suficientemente perto, o navio de Richard começou a disparar, revelando seus canhões e imediatamente o navio de Scott imitou-o. Logo o navio inimigo ficou inutilizado e ambos os capitães, juntamente com seus marinheiros, abordaram o navio. Depois de eliminarem alguns piratas, Scott procurou com o olhar aquele que era o objeto de seu ódio e o encontrou vindo diretamente em sua direção. Suas espadas se chocaram e Scott o atacou furiosamente. Era evidente que superava Darkness em maestria e rapidez e, em pouco tempo, desarmou-o e o manteve imobilizado sob o poder de seu aço. Os piratas, um a um, deixaram suas armas cair no chão, rendendo-se. Pouco podiam fazer, superados em número, vendo seu navio destroçado e seu capitão vencido. Por um momento, enquanto olhava para Darkness com seu sabre arranhando a pele do pescoço dele e aquele pequeno filete de sangue que escorria, algo dentro dele insistia em exercer mais pressão e acabar de uma vez com a vida daquele miserável. Talvez sua confissão contra Rumsfeld não valesse nada em um tribunal. E se por algum motivo escuso se livrasse da forca? Não, o melhor seria matá-lo agora. Sem saber por que, levantou a vista um segundo e viu Sofía o olhando. Não havia condenação em seu olhar; era como se estivesse esperando por sua reação.
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Deus! Não podia matá-lo diante dela! Embora assim ela pudesse por fim compreender do que ele era capaz e deixasse de ter esperanças nele. Mas não podia fazer isso, tinha que tentar, tinha que ser um homem melhor — por ela. Levantou a arma e com um gesto, seus homens levaram o prisioneiro. Ignorando tudo o que lhe rodeava, dirigiu-se ao camarote, sentando-se na cama e tentando relaxar e aliviar a alta dose de adrenalina que corria pelo seu sangue depois de uma batalha. Alguém entrou atrás dele e fechou a porta. Não precisava erguer a cabeça para saber que era ela. Sua suave mão acariciou seu cabelo e desta vez não fugiu de seu contato. Desta vez necessitava consolo, o consolo dela. ― Estive a ponto de matá-lo, mas não o fiz; não o fiz por você ― a voz de Scott era apenas um sussurro. ― Sei. Eu não queria que o fizesse, porque você não precisa carregar outra morte em suas costas. Embora ele mereça morrer, não deve ser sua a mão executora. Isso tem que terminar. Sentou-se em seu colo e o apertou contra ela, acariciandolhe as costas. Ele recostou a cabeça contra seu peito. Sentindose aliviado e com uma paz e segurança que não recordava haver sentido antes. Não soube quanto tempo permaneceu protegido entre seus braços, até que ela levantou sua cabeça e sem uma palavra o beijou. A princípio movia torpemente os lábios sobre os dele, mas seu instinto fez o resto, porque, embora ele tentasse não corresponder, de repente se encontrou devolvendolhe a mesma paixão com a qual ela o beijava. Deixou-se cair na 124
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cama com ela em cima. Sentia seu delicioso corpo feminino contra o seu, mas necessitava mais, queria sentir a pele dela contra a sua, queria entrar nela. Vendo como se desenvolviam as coisas, compreendeu que se não parassem agora, aquela ação seguiria seu ritmo natural. Com toda a força de vontade que tinha, deixou que suas mãos subissem por suas costas para agarrá-la pelos ombros e afastá-la um pouco dele. ― Não podemos continuar ― disse com voz estrangulada, quando ela moveu seus quadris contra aquele ponto de sua anatomia que reclamava tanto sua atenção. ― Por que não? Desejo-o, Scott. Que Deus o salvasse das mulheres sinceras como ela! Sem nenhum artifício estava conseguindo que o pouco autocontrole que lhe sobrava saísse voando pela amurada. Girou-se, deixando-a debaixo dele. Apoiou-se nos antebraços, olhando-a fixamente nos olhos. ― Não posso lhe prometer nada ― disse com cautela. ― Não quero promessas, apenas que me faça amor ― sua voz era dúbia mas seu olhar de desejo era inequívoca. ― Não sabe o que me está pedindo ― tentou adverti-la. ― Sim, bom… ― interrompeu-se, ruborizando-se. ― A verdade é que não. Não sei muito do ato em si. Mas Elvira me disse que, se eu esperasse por um homem especial, seria mágico. Eu não imagino fazendo-o com ninguém mais, Scott. Sei que somente poderei fazê-lo com você. Beijou-a sem poder responder-lhe, rendendo-se a seus encantos. Sabia que não a merecia, mas apenas uma vez queria 125
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ser feliz, esquecer o futuro e pensar unicamente no presente — naquela mulher que o havia enlouquecido e que enchia de esperanças seu maltratado coração.
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Capítulo 14 Desta vez Scott não a tinha afastado. Segundo sua educação, estava cometendo um tremendo erro, entregando-se a um homem do qual não sabia as origens e com o qual não estava casada. Mas ela sentia que estava fazendo o correto, era o que devia fazer. Pelo menos seu coração não cabia em si com tanta felicidade. Sabia que ele sentia algo por ela e não podia negar o fato de que estava se apaixonando por seu rude pirata. Com dedos desajeitados e apressados, desabotoou-lhe a camisa. As palmas de suas mãos se deleitaram com seus fortes músculos que se contraíam sob seu contato. Em seu peito notou o batimento acelerado do coração. Sofía sabia que o dela devia estar igualmente acelerado. Ele gemeu contra sua boca e, com mais desenvoltura que ela, abriu-lhe a camisa e ela pôde sentir suas grandes mãos contra seus seios, por cima da regata. Seus mamilos se elevaram, ansiando a carícia da mãos dele diretamente sobre sua pele. Seus quadris se moviam por vontade própria, roçando e empurrando. Ouviu o tecido rasgarse e seus seios viram seus desejos recompensados ao serem acolhidos em suas mãos. Pensava que eles não podiam receber 127
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mais doce e melhor atenção, até que ele baixou sua boca, e seus lábios a torturaram deliciosamente. ― Scott... ― disse com voz suplicante, sem saber exatamente o que estava pedindo. ― Já vou, princesa, calma, não há pressa. Ele tirou rapidamente sua camisa e ela se deixou despir. Quando voltou a beijá-la, suas peles entraram em contato e o roçar de seus pelos contra seus sensíveis mamilos produziu um arrepio por todo o corpo. Ele agarrou seus quadris e apertou seu ventre contra aquele seu duro volume. Moveu-a a seu gosto, mas ela necessitava mais. Algo ainda faltava. ― Scott… necessito, necessito… ― Sofía se deu conta que não conseguia dizer nada coerente. ― Eu também necessito ― sussurrou, enquanto tirava as calças dela. ― Preciso de você. Preciso amá-la. Preciso lhe dar prazer. Preciso me perder dentro de você. Aquelas palavras não faziam sentido para ela, mas não tentou compreendê-las, sobretudo, quando ele a tocou ali, em seu lugar íntimo e secreto. Aquela zona que ela desconhecia ser tão sensível e receptiva às carícias de seus dedos. Sentiu uma tensão acumular-se naquele ponto e se sobressaltou quando sentiu seus dedos entrarem no escorregadio canal. Mas mesmo assim não era suficiente, necessitava mais. ― Scott ― murmurou, quando seus dedos iniciaram um movimento de entra e sai. Ele se deteve e procurou seu nublado olhar.
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― Chame-me por meu nome, meu verdadeiro nome — Robert. Ela piscou e assentiu confusa, mas não deu importância àquela revelação, haveria tempo depois para pensar, agora não era o momento. Suas mãos se afastaram dela. Já ía protestar, mas se deu conta que a tinha abandonado para tirar as calças. Apenas deu uma ligeira olhada àquela desconhecida parte masculina,
quando
a
sentiu
contra
a
entrada
de
sua
feminilidade. ― Isto vai doer, princesa. Olhou-a com arrependimento e Sofía, por medo de que ele desistisse, sorriu animada, embora não soubesse a que ele se referia, até que se introduziu dentro dela e uma pontada de dor a atravessou. Uma pequena lágrima saiu pelo extremo de seu olho e ele a apanhou entre seus lábios. ― Sinto muito! ― disse contra sua face. ― Estou bem, não se preocupe. Disse-o automaticamente, mas se deu conta de que era verdade. A dor era suportável. Agora entendia que era porque ela tinha ficado ansiosa. Ele a enchia, sentia-se completa. Sorriu, beijou-o e lhe acariciou a bochecha meigamente. ― Robert, é perfeito; você é perfeito. Olhou-a surpreso e logo com carinho. ― Você sim que é perfeita ― disse admirado. Moveu os quadris e ela não pôde conter os gemidos. Abraçou-se a ele como se já não estivessem perto o bastante. ― Isso eu gosto ― disse Sofía com voz entrecortada. 129
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― Sim? E isto? Saiu
um
segundo
dela
para
logo
entrar
mais
profundamente. ― Oh, isso eu gosto mais! De modo que ele o repetiu, outra vez e mais outra, repetidamente,
até
que
seus
corpos
convulsionaram
em
uníssono. Com o corpo mole e a respiração acelerada, deixou-se acariciar com um sorriso nos lábios. ― Oh, foi maravilhoso! ― ela sussurrou, enquanto ele se deitava a seu lado e a recostava em seu peito. ― Mmm Sofía ajeitou a cabeça, pensando que ele tinha dormido, mas o encontrou com olhos risonhos e um sorriso brilhante. ― Eu adoro vê-lo assim ― disse Sofía, enquanto se apertava mais a ele acariciando seu peito. ― Assim, como ? ― murmurou contra seu cabelo. ― Feliz! Eu gosto de fazê-lo feliz. ― Não imagina o quanto eu estou feliz. ― Acredite-me eu posso sim imaginar, pois também estou ― riu e beijou o peito dele, desfrutando do momento. Permaneceram em um confortável silêncio, abraçados. Sofia sabia que não devia estragar o momento, mas não podia permanecer por mais tempo calada. ― Por que trocou seu nome de Robert para Scott? Sentiu como ficou tenso ao lado dela e como prendeu a respiração por uns instantes. Depois de terem feito amor, Sofía esperava que por fim ele desabafasse com ela sobre seu passado. 130
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Mas se ainda não queria falar, esperaria. Sabia ser paciente quando valia a pena. ― Batizaram-me como Robert Francis Lyttelton, filho do duque Glouland, em 1766. ― Meu Deus! Só tem vinte e quatro anos? Parece muito mais velho ― exclamou surpreendida. ― Ah, obrigado! ― riu-se. ― Suponho que a vida no mar faz envelhecer precocemente. ― Como acabou o filho de um duque capitaneando um navio? ― A segunda mulher com a qual se casou meu pai tinha um filho de seu matrimônio anterior, Darrell Rumsfeld. ― Está-me dizendo que esse homem e você…? ― Sim, somos meio-irmãos. Faz tempo me perguntou se me dava mal com minha madrasta e a resposta é não. Ela foi como uma mãe para mim, e eu sempre quis que Darrell fosse meu irmão mais velho, mas percebi muito tarde que eu ansiava algo impossível. Quando sua mãe me concedia muita atenção, vingava-se em mim. Lembro-me uma vez, quando tinha nove anos, disse-me que o acompanhasse ao bosque para ver uma cabana abandonada que era assombrada. Assim que chegamos, trancou-me ali e voltou para casa. Quando se passaram horas e ninguém me encontrava, começaram a me buscar pela propriedade. Demoraram um dia inteiro para me encontrar e não foi porque meu meio-irmão lhes disse onde eu estava. E isso não foi o pior que fez. Meu pai começou a suspeitar de sua personalidade, embora já fosse muito tarde para endireitá-lo. 131
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Quando tinha apenas dezoito anos violou uma moça, empregada da casa. Meu pai lhe açoitou com a vara. Ele nunca havia levantando a mão a nenhum animal ou a alguém em toda sua vida. Era um homem pacífico e sei que, no momento em que lhe deu o primeiro e único golpe, algo se rompeu dentro dele. Acreditava-se culpado de seu comportamento, de não ter sido mais firme quando precisou. Quis mandá-lo à prisão, para que passasse ali uma temporada e aprendesse a lição, mas minha madrasta lhe suplicou que não o fizesse, de modo que o baniu e lhe proibiu voltar. Fazia uns meses que estava fora — os quais foram os melhores meses de minha vida — quando meu ano escolar começou. Tinha que ir de carruagem e supunha-se que faria a viagem sozinho, mas meu pai me surpreendeu quando quis ir comigo. As últimas palavras Sofia mal as ouviu. A voz lhe tremia e igualmente todo seu corpo, e ela o acariciou tentando acalmá-lo. ― Meu pai… morreu no acidente. Eu tive apenas um arranhão. O chofer tinha se jogado antes que a carruagem batesse. Quando me viu de pé empalideceu. Foi quando me dei conta que aquilo não tinha sido um acidente, e tudo se confirmou quando tirou uma pistola e tentou me matar. Eu corri como se estivesse possuído e não parei de correr durante toda a noite. Quando amanheceu não sabia onde estava. Levei três dias para voltar para casa. Não tinha dinheiro e sempre tinha tido empregados que cuidavam de tudo. Não tinha nem ideia de como encontrar o caminho. Quando consegui voltar, os criados me olhavam espantados. Eu não sabia o que estava acontecendo, 132
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mas ainda seguia afetado pela morte de meu pai e não podia pensar com clareza. Quando apareceu Darrell, surpreendeu-me vê-lo ali. Pediu-me que o acompanhasse à biblioteca. Eu não imaginava o que podia estar por trás daquilo. Asim que entramos, golpeou-me. Caí, sentindo-me tonto e enjoado, e ele disparou em si mesmo, deixando a arma em minhas mãos. Quando apareceram os criados, disse-lhes que eu tinha disparado nele, e que eu estava tentando matá-lo como tinha feito com meu pai. Pediu que me levassem para o oficial. Quando dois lacaios se aproximaram, eu voltei a correr assustado, como um covarde! ― Não, Robert, era somente um garoto que acabava de perder eu pai e seu meio-irmão estava manipulando as pessoas para convertê-lo no culpado. É normal que escapasse. Não tentou falar com sua madrasta? ― Eu… pensei nisso, mas tinha medo de que ela acreditasse que eu realmente tinha sido capaz de fazê-lo. Entretanto, embora desejasse falar com ela, não teria tido oportunidade. No dia seguinte da minha fuga, uns comparsas de meu meio-irmão me encontraram e me deram uma tremenda surra. Deixaram-me com vários ossos quebrados. Meu último pensamento, antes de cair na inconsciência, era de que eu estava morrendo. ― Oh, meu Deus! ― Quando despertei, estava no porão de um navio. O capitão gostava de utilizar o chicote com os mais vagarosos, e eu, depois da vida que tinha tido até então, sabia bem pouco o 133
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
que era trabalhar. Ao chegar a um porto de Portugal, desembarquei com a intenção de não voltar. Foi onde conheci o João, o capitão de um navio, que me fez membro de sua tripulação. Ali encontrei Sullivan, que tinha conhecido o João sob as mesmas circunstâncias que eu, mas em um porto em Nova Iorque. Ensinou-nos o que era ser marinheiro e nos tratou como se fôssemos seus filhos. Sua companhia começou a aumentar os lucros e nos disse que o próximo navio que comprasse nos daria. Paramos em um porto de uma ilha na América do Sul e não sei o que foi que Sullivan e eu ingerimos que estivemos indispostos durante dias. João saiu sem nós e foi a última vez que o vimos. Sofía, sem deixar de acariciá-lo e, ao ver que não continuava, perguntou brandamente. ― O que aconteceu? ―
Foi
atacado
pelo
Darkness.
Em
nossa
busca,
descobrimos que ele trabalhava para o Darrell. Foi quando me converti em… ― Avenger. ― Eu… estava tão cheio de ódio… Naquele momento, matar pessoas era somente o que me aliviava e só ansiava a hora de poder enfrentá-los cara a cara. ― E agora? ― Ainda sigo cheio de ódio. A única coisa que me move é ser capaz de realizar minha vingança. Agora estou concentrado apenas nisso. Deixei a matança de lado quando fingi a morte do Avenger. 134
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― E depois? Robert se esticou debaixo dela. ― Não penso em nada mais, só em minha vingança. Depois suponho que seguirei com minha vida como comerciante. Não há lugar para mim na Inglaterra. Sofía se ergueu de repente. ― Isso não é verdade! Você… Uns golpes na porta a interromperam. ― Scott, é melhor vir, há alguém que você tem que ver — era Sullivan do outro lado da porta. Ele se levantou sem olhá-la e vestiu imediatamente a roupa. ― E Sofia, acredito que você também deveria vir. Ela se ruborizou imediatamente ao perceber que Sullivan sabia que estavam juntos. ― Acredita que ele… Que sabe que você e eu…? ― Não se preocupe, não dirá nada e fingirá que não sabe nada. Sempre foi mais cavalheiro que eu. Ninguém tem por que inteirar-se de nosso pequeno deslize. ― Deslize? ― gritou e, sem poder conter-se, atirou o travesseiro na cabeça dele. Ele estava de costas abotoando a camisa e nem sequer se alterou. ― Ouça-me bem, seu caipira estúpido! Não volte a comparar o bonito momento que compartilhamos com um deslize! Foi maravilhoso e não penso deixar que diga o contrário! Não me arrependo e você não deveria fazê-lo tampouco!
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― A única parte em que está equivocada é que eu não deveria me arrepender. Deveria, mas infelizmente não o faço. Mas farei tudo que for possivel para impedir que ocorra outra vez. Não voltará a acontecer, embora queira, mas não possa esquecer nem um segundo. Por isso esta será a lembrança mais malditamente maravilhosa que levarei ao caixão. Saiu dando uma estrondosa batida na porta que a fez ofegar. Mas em seguida ela sorriu. Idiota!… Se acreditava que ia deixar tão facilmente o homem que amava é que não a conhecia bem.
― O que está acontecendo? ― Robert se aproximou de Sullivan que estava no convés, junto ao médico, que atendia a um homem ferido. ― Richard o encontrou nas masmorras do Abaddon. Íamos levá-lo à enfermaria, mas o médico preferiu cuidar dele aqui. Tem várias costelas quebradas. Será melhor movê-lo o menos possível. Robert se agachou ao lado do ferido. ― Parece inofensivo. Por que Darkness o mantinha preso? ― Está inconsciente agora, mas um momento atrás não estava. Ficou consciente durante uns minutos, apenas o suficiente para que pudesse me dizer seu nome.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Robert virou-se, olhando seu amigo interrogativamente. Não entendia por que tanto rodeio e que coisa especial tinha aquele homem. ― É Alfonso. Abriu os olhos assombrado e voltou a olhá-lo. Além das costelas, tinha o nariz quebrado, a cara torcida, as bochechas em carne viva. Estava sem camisa, assim pôde ver as marcas das chicotadas. ― Estiveram-no torturando, para tirar informação ― apertou os punhos com raiva, levantou-se e olhou para Sullivan. ― Por que raios disse a Sofia que viesse? Quer que o veja assim? ― É melhor que dá-lo por morto. Ponha-se no lugar dela, não teria gostado de sabê-lo imediatamente? ― Maldito seja! Poderíamos ter esperado que ele se encontrasse melhor! ― Ainda temos tempo de voltar e entreter Sofia. ― Entreter-me? Os dois se voltaram para ela sem saber o que dizer. Aproximou-se e olhou para o corpo no chão que estava sendo atendido pelo médico. ― Quem é? Pôs uma mão no peito e olhou para Robert. Ele não pôde mentir. ― Seu irmão. Abriu os olhos, surpreendida, voltou a olhar o homem deitado e soltou um suspiro angustiado. Levando as mãos à boca, sentou no chão e o observou atentamente. 137
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Alfonso? ― passou seus trêmulos dedos pelas escassas zonas que estavam ilesas. ― Oh, Alfonso! Começou a chorar e os soluços sacudiram todo seu corpo. Robert se deixou cair a seu lado, abraçou-a e ela se apoiou nele. ― Ele ficará bem? ― É óbvio. É jovem! Com um pouco de repouso e cuidado, logo estará como novo ― o médico respondeu, erguendo-se e dando por terminado seu trabalho, aproximou-se de outro que necessitava de sua atenção. ― Agora mesmo irei colocá-lo em uma maca. Eu e Sullivan o levaremos ao meu camarote. Lá você poderá atendê-lo. Ela assentiu contra seu peito sem deixar de chorar. ― Está vivo! ― Sim, está e logo estará como novo. Com seus cuidados amorosos, quem não ficaria? Sofía levantou a cabeça com um sorriso deslumbrante no rosto. Era tão formosa… E sua felicidade era contagiante. Sentia-se tremendamente tentado a beijá-la, sem se importar onde se encontravam e quem os rodeava. ― Será melhor que vá pegar a maca ― disse Sullivan, interrompendo seus pensamentos. Sofía observou como levantavam seu irmão com cuidado e o levavam ao camarote. Ela os seguiu, sem ainda conseguir acreditar que seu irmão estava vivo. Não podia imaginar um presente melhor. Agora só restava fazer com que o capitão tivesse juízo para que a deixasse amá-lo; e talvez ele pudesse amá-la também. 138
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Capítulo 15 Sofía despertou de repente quando uma mão lhe roçou a bochecha. Piscou e se ergueu, fazendo uma careta. Levou uma das mão às suas costas doloridas. Dormiu na cadeira e acabou deitando a cabeça na cama onde seu irmão seguia inconsciente. ― Se lhe pedir que vá descansar em nosso camarote durante algumas horas, não me ouviria, certo? ― disse-lhe Robert, sentando-se em um lado da cama. ― Não quero estar longe dele, se por acaso acordar. ― Entendo, mas pelo menos come algo. Timothy trouxe uma bandeja há horas e ainda está intacta. ― Está bem. Levantou-se e caminhou para a mesa. Começou a comer e ele se levantou, dirigindo-se para a porta. ― Robert. Ele se deteve e a olhou, esperando. Tinha tantas coisas que lhe dizer… Começando por contar que o amava e que não desistiria dele. Tinham que conversar sobre o que tinha acontecido na noite anterior, mas um gemido a distraiu. Olhou
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
para a cama e notou um pequeno movimento. Seu irmão parecia estar despertando. Correu para ali e se sentou na cama. ― Alfonso. Ele mal moveu as pálpebras e os lábios, sem emitir nenhum som. ― Toma. Robert tinha se aproximado deles com um copo de água. Ela, levantando a cabeça de Alfonso, ajudou-o a beber. Ele abriu um pouco os olhos e a olhou. ― Sofía?! É realmente você ou estou sonhando? ― perguntou em espanhol. ― Não, meu querido irmão, sou real, e você está vivo! Não imagina o quanto estou feliz. ― Mas eu estava… ― Sei, mas o capitão Scott o resgatou ― falou de novo em inglês, agarrou a mão de Robert, e os dois irmãos o olharam. ― Ele também me resgatou. ― Obrigado, senhor, por cuidar de minha irmã. Ele, incomodado, soltou-se de seu aperto e saiu, fechando a porta atrás de si sem dizer uma palavra. ― Que antissocial é seu capitão! ― Meu capitão? ― Oh,
irmã,
bastou-me
ver como o olhava
para
compreender que está apaixonada por ele. Espero que ele a mereça.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― É um bom homem, mas está atormentado pelo passado. É tão teimoso! Se ele quisesse, poderia deixar o passado para trás e ser feliz comigo, mas não sei se poderei convencê-lo. ― Se alguém pode consegui-lo é você. Já lhe disse muitas vezes que da sua teimosia ninguém ganha. Sofía sorriu e beijou sua mão. Olhou suas feridas e se sentiu furiosa de repente. ― Sinto muito o que lhe fizeram. ― O importante é que nós dois estamos vivos. Eu gostaria de me vingar deles… ― Não tem que se preocupar com isso. Scott está há anos perseguindo-os e, agora que tem provas suficientes contra os dois, vai encarregar-se de que ambos paguem por seus crimes. ― E você estará ao seu lado? ― É óbvio! ― Eu adoraria convencê-la a mudar de opinião mas, conhecendo-a como conheço, sei que meus intentos serão em vão. Apenas me prometa que se afastará dele a tempo. Não quero que você sofra. ― Prometo-lhe isso. Se compreender que não posso fazê-lo mudar de opinião, eu o deixarei. ― E se for assim, embora nos tenha salvo a vida, o farei pagar. ― Agora é você quem deve me fazer uma promessa. Prometa-me que não se intrometerá e que, aconteça o que acontecer, não tentará machucá-lo. ― Mas… 141
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Alfonso! ― Prometo-lhe que não o matarei nem o ferirei gravemente ― vendo que sua irmã ia replicar, acrescentou: ― Não me peça que lhe prometa mais do isto, porque não o farei. ― Está bem. Depois desta conversa, não voltaram a ver nem pensar em Robert. Quando Alfonso já estava suficientemente recuperado para dar alguns passos pelo convés, Timothy veio para lhes anunciar que no dia seguinte estariam em Bristol e que de lá iriam de carruagem para Londres. ― Por fim! ― exclamou seu irmão. ― Assim que pisar em terra, não voltarei para um navio pelo resto da minha vida. Sofía sorriu e o ajudou a vestir-se. Esta noite jantariam na cabine de refeições com Sullivan e Robert. Pensar nele a punha nervosa. Ficara dias sem vê-lo e estava ansiosa por passar algum tempo com ele. Embora não soubesse muito bem como proceder. Seu irmão saiu para o corredor, dando privacidade a ela para que se aprontasse e ela fez todo o possível para tirar o melhor proveito. Vestiu um dos vestidos mais decotados, escovou o cabelo e o deixou solto. Antes de sair, olhou-se no espelho e beliscou as bochechas, dando-lhes mais cor, embora suspeitasse que assim que o visse estaria mais ruborizada que agora. Assim que saiu do camarote, seu irmão a observou assombrado. ― Tinha visto você bonita antes, mas agora… ― Sinto-me diferente. Já não sou a mesma mulher que partiu para a Virginia. 142
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― É que estar apaixonada faz com que emane de você um brilho especial. Sofía lhe deu um tapa no braço e logo ofereceu para que se apoiasse nela. Seu irmão utilizava uma bengala, mas mesmo assim, custava-lhe caminhar. O médico disse que os ossos estavam se curando bem, mas não estava seguro de que sua perna voltaria a ser a mesma de antes, já que não tinha recebido cuidados logo que foi quebrada. Pensar na dor pela qual ele tinha passado lhe retorcia as vísceras. Tinha vontade de correr ao calabouço e cravar uma adaga onde deveria estar o coração daquele desprezível animal. Agora compreendia como se sentiu Robert todos esses anos. Assim que entraram na cabine de jantar, os dois homens se voltaram e seu capitão ficou estático. Seu olhar intenso não se separou dela. Imediatamente ele soube que a desejava e percebeu sua impotência, por não poder tocá-la. Bem, ela se sentia do mesmo modo e encontrava certa satisfação ao vê-lo assim. Ele merecia por havê-la ignorado todos esses dias.
Robert não pôde tirar os olhos dela, durante todo o jantar. Estava linda! Ela era linda todo o tempo, corrigiu-se. E agora que sabia a beleza que se escondia embaixo de suas roupas, e o prazer que era estar em seus braços… Não lhe importava
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quantas vezes seu irmão o olhasse com mau humor; não podia evitar olhá-la, faminto. ― Sofia, poderia retirar-se, enquanto nós mantemos uma conversa, tomando uma taça? ― Não! Ele sabia que ela iria se negar a sair, mas tinha que tentálo. Quanto menos tempo passasse em sua presença, mais conseguiria manter a prudência. E embora quisesse mantê-la afastada, sabia que ela faria todo o possível para estar a par de seus planos. ― Se forem falar de como vai proceder para destruir o Rumsfeld, devo estar presente já que vou participar. Exatamente o que ele temia. ― Se pensa que vou permitir,está louca. ― E se você acha que pode me impedir de fazer algo, não está lúcido tampouco. Ao ver como esquentava o ambiente, Sullivan tentou interferir. ― Não pode negar-lhe Scott. Rumsfeld fez quase tanto mal à família dela quanto à sua. Ponha-se em seu lugar... você não ficaria de braços cruzados. Robert se viu derrotado, e Sofía pareceu tranquilizar-se ao ver que, pelo menos aquela batalha, ela tinha ganho. ― A verdade é que tenho um plano, o qual tem poucas possibilidades de falhar e nos garantirá que paguem por seus crimes.
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Sofía não podia dormir, por isso se levantou, vestiu um vestido e saiu para o convés para refrescar sua cabeça com o ar fresco. Estava há apenas um minuto na proa quando notou a presença dele. ― Você tampouco podia dormir? — ela perguntou. ― Como poderia? Cada segundo que passa me arrependo mais da decisão que tomamos faz algumas horas. Estou a ponto de a desviar rota para a Cornualha e deixá-la ali. ― Mas não o fará. Sofía pôs uma mão sobre a dele, que estava apoiada no corrimão a seu lado. Assim que o tocou, notou como ficou tenso. ― Não o farei porque, como você muito bem explicou, é a melhor maneira de assegurar-nos de que Rumsfeld acabe na forca. Quero uma humilhação pública. Claramente estava deixando bem definido que o mais importante para ele era a vingança. Mas ela sabia que já havia um oco em seu coração e, se houvesse uma pequena possibilidade de que ela pudesse salvar sua alma, não se renderia. ― Eu não tenho medo — ela disse. ― Pois deveria.
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― Não temo, porque sei que não deixará que me façam mal. ― Isso é impossível, porque eu sou o primeiro que posso fazer isso. Robert deu um passo para um lado, cruzando os braços no peito, como se pudesse colocar um muro entre eles. Mas ela o romperia a marteladas, se fosse necessário. ― Qual é a terra que estamos vendo? ― Gales. ― Eu adoraria ir lá. Nunca tive nenhum desejo de viajar; passei toda minha vida na Cornualha, mas agora que experimentei, não quero que acabe. Ela o olhou, não muito segura de que a estivesse escutando, embora não se surpreendeu ao perceber que a olhava atentamente. Ele sempre prestava atenção a cada uma de suas palavras. ― Sabe aonde eu adoraria ir? A Yorkshire... eu adoraria conhecer o lugar onde você cresceu. ― Acredite é um povo normal e tranquilo. Certamente não difere muito do seu. ― Sua madrasta vive lá? Prendeu a respiração, esperando que se virasse e desse por terminada a conversa. Embora também temia que dissesse que ela havia falecido e isso pudesse voltar a entristecê-lo e mudar de assunto.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Sim, ela se mudou para uma casa reservada às viúvas da família, não muito longe da mansão, mas está reclusa, afastada do mundo exterior. ― Para ela não deve ter sido fácil perder o marido e um filho de uma só vez. Ainda mais sabendo como era malvado seu outro filho… ― Ela acredita que eu matei meu pai. ― Não diga tolices! Estou segura que sua madrasta jamais duvidou de sua inocência. Se o conhecia como eu conheço, jamais acreditaria algo assim sobre você. ― Pode ser que não matasse meu pai com minhas próprias mãos, mas morreu por minha culpa. E não esqueça que sou um assassino, Sofia. Já é hora de que assuma este fato. Para seu próprio bem, pare de acreditar que há algo bom em mim, porque não há. Se continuar a pensar assim, pode ser que se dê conta da verdade quando for muito tarde. Saiu, deixando-a com o olhar perdido. Tentava não desanimar, mas a cada dia que passava, era mais difícil e sabia que, embora ela fosse forte, se ele continuasse se opondo dessa maneira, ela teria que desistir.
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Capítulo 16 Ao chegarem em Bristol se separaram. Alguns homens foram
com
Sullivan,
levando
Darkness
a
Londres
para
encontrar-se com o Wilmarth. Alfonso e Sofía foram na carruagem, com Robert como cocheiro. Ninguém devia saber que ele estava na Inglaterra, especialmente seu meio-irmão. E a melhor maneira de se aproximar dele sem levantar suspeitas era fazer-se passar por criado. Ninguém pensaria que o homem de barba, com roupas velhas e andar hesitante, era o implacável capitão Scott. Duas horas depois de sairem do porto, pararam em uma respeitável estalagem. Robert baixou os degraus e lhe ofereceu a mão para descer. Ela não pôde evitar sorrir ante seu traje. Soube, sem nenhuma dúvida que, se esta fosse a primeira vez que o tivesse visto, ainda que com essas vestimentas, não lhe teria passado despercebido e não teria desviado o olhar de tão atraente que era. Os dois ajudaram Alfonso a descer e se dirigiram à estalagem. O hospedeiro estava encantado de ter um ilustre conde entre seus clientes e mais ainda pela escandalosa soma de dinheiro que pagaram pela suite e pelo estranho pedido de um quarto para seu cocheiro ao lado dos deles. No dia 148
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
seguinte iriam a Londres e voltariam à tarde. Sofía se sentiu ansiosa durante todo o jantar e notou a tensão também em Robert. Nenhum dos três falou enquanto comiam na sala de jantar privada, até que Alfonso se retirou pra dormir e insistiu em ir sozinho, já que seu quarto estava a duas portas mais à frente. Mas assim que se foi, o silêncio voltou a cair na sala. ― Importa-se que eu fume? ― Não. Robert pegou um charuto e se aproximou da lareira para acendê-lo. Ficou ali de pé, observando as chamas e fumando em silêncio. Sofía não pôde fazer outra coisa além de contemplá-lo. ― Não sabia que fumava. ― De vez em quando, quando estou em terra firme. Desagrada-lhe? ― Certamente o aroma não é agradável. Robert atirou o cigarro ao fogo e ela se levantou, aproximando-se dele. ― Não tinha que jogá-lo fora por minha causa. ― De qualquer modo já não funciona. ― O que quer dizer? ― Fumar me tranquilizava, mas desde que a conheci… Encolheu os ombros e continuou pensativo, olhando as chamas de costas para ela. Sofía se aproximou e o abraçou, passando suas ansiosas mãos em torno seu estômago. ― Você também me põe nervosa ― pôs uma mão em seu peito e a deixou ali. ― E meu coração também pulsa muito rápido. 149
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Ele girou entre seus braços, olhando-a divertido. ― Isso se chama excitação. ― Bem, pois eu também estou excitada. Ficou nas pontas dos pés para beijá-lo, mas ele se afastou dela. Acabou sua taça de vinho de um só gole. ― Não podemos. ― Eu o desejo, Robert, e sei que você também me deseja. ― É óbvio, mas isso não é desculpa para que o façamos cada vez que desejarmos. Você não é da classe de mulher que… Ela sentou-se na mesa e o envolveu com suas pernas. ― Não poderia me amar, apenas por um momento? Atirando-se em seu pescoço ela o beijou, e ele desta vez não se afastou. Beijaram-se com ânsia e ela passou as mãos por sua roupa, tentado rasgá-las, mas não tinha força suficiente. Sua mão desceu até entre as pernas dele e, ao ouvir o grunhido de satisfação de Robert, acariciou aquele volume por cima da calça. Sem saber como, ele tinha baixado o vestido e a regata até a cintura e se deliciava com seus seios como se fosse seu alimento favorito e estivesse há dias sem comer. Sentiu um calor ardente percorrê-la dos pés à cabeça. Aquela parte íntima dela estava ansiosa, ansiosa por ele. Inconscientemente, rodeou-o com seus dedos e apertou seu membro, impacientando Robert, que imediatamente levantou suas saias. ― Preciso de você agora. Desabotoou as próprias calças e ela, ao notar a carícia em sua entrada, agarrou seu rosto beijando-o com ardor e mostrando com a língua o que queria que ele lhe fizesse. De uma 150
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
investida, estava totalmente dentro dela. Ambos com as bocas ainda unidas, gemeram de prazer. Seus movimentos eram rudes e rápidos. Queriam chegar o quanto antes ao clímax, apesar de desejarem que fosse eterno. A mesa balançou com cada investida e Robert a incitou a levantar mais as pernas para enterrar-se
mais
profundamente.
Alcançaram
juntos
a
satisfação e se deixaram cair sobre a mesa, ofegantes. Com uma maldição, ele levantou-se e vestiu as calças sem deixar de amaldiçoar. ― Droga! Tomei-a sobre a mesa como se fosse uma empregada vulgar. Nem sequer fui delicado, tendo em conta que é a sua segunda vez. ― Eu o queria assim. ― Você não tem nem ideia! ― Sei que o amo e não vejo nada de mal em que façamos amor. Sofía se sentou na mesa, arrumou o vestido e o olhou fixamente, esperando sua resposta. De repente ele parecia assustado, encurralado. ― Não voltará a acontecer. Tem que entender que eu não sou bom para você. ― Sim, é! ― Não! E não voltará a acontecer. ― Isso foi o que disse na primeira vez. ― Juro que não voltarei a encostar um dedo em você! ― abriu os olhos assombrado. Ao que parecia acabava de dar-se conta de algo. ― Merda! Até poderia estar grávida! 151
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Sofía surpreendida levou impulsivamente a mão ao ventre. Um filho… De repente uma imensa felicidade se estendeu por todo seu corpo, mas se esfumaçou em seguida, ao ver o olhar de espanto de Robert. ― Juro de verdade! Isto não voltará a acontecer. Saiu batendo a porta e ela, por sua vez, não pôde lutar contra o desespero que se apoderava dela.
Robert ia conduzindo a carruagem pelas ruas de Londres, tentando apagar a imagem que não saía de sua cabeça — Sofía com os olhos cheios de dor. Tinha-lhe feito mal de propósito. Ela havia confessado que o amava e ele a amava também, muito, mas entendia que ela seria mais feliz sem ele. Ele somente lhe causaria mais dano. Era melhor que a fizesse infeliz agora, que o esquecesse, do que passar anos de sofrimento ao lado de um assassino como ele. Quando chegaram à casa londrina do conde Hawsley, os empregados saíram dispostos a recebê-los. Sullivan tinha chegado antes que eles e se encarregou de espalhar a notícia de que os filhos do conde tinham sobrevivido ao naufrágio. Deixou que um lacaio ajudasse Sofía a descer da carruagem, já que não estava disposto a romper seu juramento e juntos, ele e o lacaio, ajudaram ao novo conde a descer.
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Alfonso, sem olhá-lo, fez um gesto vago para ele, dirigindose ao mordomo. ― Contratei este cocheiro para nos conduzir durante a viagem e lhe prometi encontrar um bom trabalho, uma vez que estivéssemos em Londres. Até então, que fique nas cavalariças e ajude no serviço que for necessário.. O serviçal o olhou com desconfiança. Devido aos anos que passou como capitão, tinha um ar autoritário; em nada parecia dócil e servil. Já estava acostumado a aquela reação. Depois que se tornou Avenger, normalmente as pessoas, mesmo antes de saber sua identidade, davam um passo atrás em sua presença. De todos os modos, foi aos estábulos com sua bolsa e foi bem recebido por todos. Às escondidas, escreveu uma nota para Sullivan e se afastou pela parte de trás da casa, até encontrar algum moço das ruas que, por umas moedas, se fizesse passar por mensageiro. Com os irmãos Campbell se fazendo de isca, não se manteria afastado deles sob nenhuma circunstância.
Sofía, deitada em sua cama, sujeitou o travesseiro com força contra ela e conteve um suspiro desanimado. Não tinha nenhuma dúvida de que o plano deles, para fazer aqueles asquerosos homens pagarem por seus crimes, daria resultado, mas o plano dela, de fazer entrar a razão na cabeça do homem
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pelo qual estava apaixonada, era outro caso. Até que ele compreendesse que deviam ficar juntos — não importava o quanto arduamente ela tentasse —, ele não cederia. O melhor que podia fazer agora era escrever umas cartas a seus conhecidos para que soubessem de primeira mão que estava bem e esperar pacientemente o seguinte movimento — quando casualmente se encontrasse com o Rumsfeld. À manhã seguinte quando desceu à sala de jantar e viu seu irmão tomando o café da manhã, pareceu-lhe como se nada tivesse mudado; como se voltassem a viver na casa da familia e passasem o dia a dia sempre igual. Agora sabia que sua vida tinha sido monótona e não sabia o que esteve perdendo até agora. Sorriu quando viu seu irmão comendo o bacon com voracidade, havia coisas que nunca mudavam. ― Bom dia, irmãozinho. ― Bom dia! Tem que provar os pães-doces com geléia de morango, estão deliciosos. Sofía se serviu de dois desses pães-doces e se sentou, enquanto um criado servia chá quente em sua xícara. ― Isso é tudo, obrigada. O criado se retirou e Sofía olhou interrogativa pra seu irmão. ― Quando despertei, vi uma nota em minha mesinha. Não quero saber como seu capitão fez para rondar pela casa sem ser ouvido ou visto. Suponho que terei que me acostumar a que ronde por aqui entre as sombras. Deu-lhe a nota e Sofía a leu rapidamente. 154
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Às quatro horas devo ir ao Hyde Park — ela comentou. — É quando gosta de dar seu passeio. ― Começo a me arrepender de não ter sido contra este plano. Você nunca foi uma boa atriz. ― Terei que sê-lo... tenho muito a perder e muito a ganhar. Não posso me arriscar a que algo dê errado. ― Tome cuidado! ― Terei cuidado e estou segura que não irei sozinha. Efetivamente, quando foi ao estábulo, esperava-lhe uma tranquila égua, pronta para ela e com Robert segurando as rédeas. Olhou-a com uma sobrancelha arqueada. A barba tinha crescido e usava uma boina, com a qual resultava quase impossível ver seus olhos. ― Não duvido de sua capacidade como amazona, mas lembre-se que só vai dar um passeio e queremos dar a impressão que é uma dama frágil e delicada. ― Está insinuando que não o sou? Saiba que para a maioria das mulheres isso seria um insulto? ― Mas não para você. ― Certo. Ela sorriu e ele devolveu o sorriso contra sua vontade. Mas de repente ficou sério e ela se aproximou mais dele. ― Estará bem? — ela perguntou. ― Não será fácil estar tão perto dele, depois de tantos anos o odiando. Meu primeiro impulso será me atirar em sua jugular. ― Não tem por que ser você a me acompanhar, podemos…
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Não, irei com você ou não irá. Minha única condição para continuar com este plano suicida é que eu não me separe de você em nenhum momento. ― Sim, e nós dois sabemos que o quanto é teimoso, por isso não insistirei mais. Subiu na cela sem ajuda, já que supôs que ele não se ofereceria, posto que não queria tocá-la. Robert a seguiu imediatamente em um cavalo robusto, mas tranquilo, dos que se utilizavam para a carruagem. Acompanhava-a uns passos atrás para que à vista de todo o mundo, aparentasse ser um lacaio, mas ela notava como permanecia alerta para reagir rapidamente diante de qualquer perigo. No parque, dirigiu-se ao local que Robert havia especificado na nota e encontrou dois homens conversando, montados a cavalo. Quando olhou para o cavalheiro montado em um garanhão negro, um calafrio lhe correu pelas costas. Soube que era ele, mas, em todo caso, olhou para Robert, e ele assentiu com a cabeça, tenso. Moveu-se um pouco e assim que o viu sozinho, aproximou-se. ― Senhor Rumsfeld? ― sorriu inocentemente ante a desconfiança deste. ― Sim? ― Sei que não nos conhecemos e isto não é correto, mas meu pai me falou de você, portanto não parece que seja um estranho para mim. ― Seu pai? ― O conde Hawsley... bom, o falecido; o atual é meu irmão. 156
Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
Em seguida ela obsesrvou sua reação. Semicerrou os olhos, penetrando-a com o olhar e aqueles pontos negros, como se fosse possível, pareciam desprender mais maldade. ― E diz que ele falou de mim? ― Sim, o descreveu como um bom amigo. De repente ele relaxou e fez uma careta, que ela supôs que era o mais parecido a um sorriso que aquele homem podia fazer. ― Sabe, não tive muito tempo de conversar com ele nos seus últimos dias e, já que vocês dois eram amigos, perguntavame se podia me falar mais dele. A verdade é que necessito de informação. ― Que tipo de informação? ― Antes que os piratas nos abordassem, meu pai nos disse que tinha deixado aqui em Londres um diário muito importante, com informação extremamente interessante. Suponho que se encontra aqui na mansão. Não tenho disposição para procurar por toda a casa, a fim de encontrar essas infelizes anotações, que certamente não valerão para nada, mas tenho a esperança de que possa revelar algum detalhe de alguma herança ou algo assim. Então, pensei que seria muito mais rápido perguntar a um amigo dele. Tem alguma ideia de onde poderia guardá-lo? Onde você o guardaria? Sofía soube que as engrenagens da retorcida mente dele funcionavam
a
toda
velocidade.
Certamente
estava
extremamente feliz ao ver que a estúpida mulher tinha confiado nele para procurar o único documento que poderia incriminá-lo.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Por que não me acompanha hoje à ópera? Assim poderíamos falar mais detalhadamente sobre seu pai e juntos poderíamos encontrar o esconderijo. ― Uma ideia fantástica! Você é meu salvador! Esperavame uma noite extremamente aborrecida e solitária, já que meu irmão vai passar a noite fora com uns amigos e, além disso, é a noite livre dos empregados. Agora sim ele parecia contente. Ela acabava de deixar bem claro que esta seria a noite perfeita para que um de seus capangas entrasse e inspecionasse a casa em busca do diário. Mas não o encontraria porque, a essas alturas, o diário já se encontrava em poder do Wilmarth. Amanhã estaria muito zangado diante de sua infrutífera busca. Assim, quando iniciassem
o
seguinte
movimento,
Rumsfeld
estaria
suficientemente desesperado para cometer a imprudência que eles esperavam.
Robert esgueirou-se no quarto dela, assim que Sofía entrou. ― Desfrutou do espetáculo? Ela deu um grito e se apressou para acender uma vela. Uma luz suave que logo iluminou o quarto o suficiente para que pudessem ver um ao outro.
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Meu Nobre Pirata – Sophia Ruston
― Que susto! Não tem que entrar em meu quarto como um ladrão qualquer. Não há criados na casa. Poderia ter sido civilizado e, como todo mundo, ter chamado na porta e esperar que o deixasse entrar. Ele permaneceu de pé com os braços cruzados e zangado. ― E você desfrutou? — ela perguntou. — Pude sentir seu olhar o tempo todo. Coisa que aliás agradeci, já que sua presença acalmou um pouco meus nervos. Nunca acreditei que pudesse fingir tão bem. A estas alturas deve acreditar que sou uma dama superficial, mimada e cabeça oca. Sem um pingo de discernimento, ao ponto de confiar nele e não me ocorrer ler o diário, mesmo o tivesse em minhas mãos. ― Pediu que você o entregasse? ― Foi suficientemente ardiloso para que parecesse que era ideia minha, para tirar o peso de meus delicados e débeis ombros. Disse-lhe que assim que o achasse o entregaria, porque confiava nele para que me dissesse se o conteúdo é suficientemente valioso ou não. Perguntou-me também pelo Alfonso. Você tinha que ter visto o quanto ficou satisfeito, quando lhe disse que ele tinha recebido um forte golpe na cabeça durante o naufrágio e que não se lembrava de nada que tenha acontecido nos últimos três anos. ― E seu irmão fez uma excelente atuação esta noite no clube. Chegou pouco antes que você. Conversei com ele. Acredito que possivelmente exagerou um pouco, já que me deu a entender que todos pensaram que tinha enlouquecido.
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― Estou certa de que ele acha tudo isto extremamente divertido. ― Bom, não me agradou que estivesse com Rumsfeld tantas horas, embora deva admitir que soube entretê-lo muito bem. Parecia totalmente cativado por você. ― Acho que não. Com certeza era nisso que ele queria me fazer acreditar. Tentei paquerar com ele, mas não é desse tipo. É muito frio! Nunca tinha conhecido alguém tão desprovido de sentimentos. ― Assim é ele. É o pior ser humano que conheci em toda minha vida. Ver Rumsfeld tão perto dela tinha requerido cada grama de autocontrole de seu corpo, para não estrangulá-lo com suas próprias mãos. Não gostava que estivessem próximos. Temia por ela e estava apavorado, pensando que em qualquer momento algo poderia sair errado e seu meio-irmão descobrir a armadilha, pondo Sofía em perigo. Ela olhou atentamente a seu redor. ― Nada parece desarrumado. Esteve alguém aqui? ― Meus homens me informaram que, depois de uma hora que você houvesse saído com ele, dois homens entraram às escondidas e estiveram um bom tempo inspecionando a casa. Foram muito cuidadosos em não deixar rastro. Ambos permaneceram em silêncio. Sabia que ela o estava olhando. Sentia seu ardente olhar, mas ele era incapaz de deixar que seus olhos se deleitassem com ela. A cada dia lhe parecia mais formosa e era a cada segundo mais atraente. 160
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― Robert, pensou no que fará, quando a verdade for revelada? Estou certa que sua madrasta estará disposta a voltar a vê-lo, e há muita gente que depende do ducado… ― Assim que Darrell tenha morrido, irei embora em um de meus navios e não voltarei a pisar na Inglaterra nunca mais. Não há absolutamente nada que me retenha aqui. Sem mais, saiu do quarto. Ele não podia ver a dor em seus olhos. Não era o suficientemente forte e temia que em qualquer momento acabaria cedendo. Havia falado sério — assim que pudesse, iria pra Jamaica, pôr um oceano entre eles. Era o melhor que podia fazer. Ela era uma tentação muito grande e cada dia era mais difícil fazer o que considerava correto. Tinha que afastar-se dela para que ela pudesse ser feliz.
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Capítulo 17 ― Como foi ontem à noite? ― Ficaria orgulhoso de meus dotes teatrais. ― O que estou é preocupado. Seu irmão de um bocado comeu o que restava do café da manhã. Sofía, porém, era incapaz de comer. Por um lado queria acabar com toda aquela encenação o quanto antes, para que aquele miserável pagasse por seus crimes, mas sabia que, assim que tudo estivesse resolvido, Robert iria embora para não voltar. Ainda não podia acreditar que fosse tão insensível. Se não sentia nada por ela, pelo menos devia pensar em sua madrasta. Sofia estava segura que seu falecido pai tinha incutido nele as responsabilidades que conduzem seu título. Não podia partir e dar as costas a tudo aquilo. ― Estou desejando que tudo isto acabe logo. Olhe para você... é evidente que está há dias sem conseguir dormir! — observou seu irmão. ― Qualquer pessoa em minha situação sofreria de insônia. ― Não é somente isso. Sei que o capitão é o causador, em grande parte, por seu sofrimento. 162
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Sofía misturou, nervosa, seu chá, tentando controlar-se para não chorar diante de seu irmão. Não queria preocupá-lo mais. Alfonso pegou sua mão e lhe deu um suave aperto para que o olhasse. ― Oxalá pudesse fazer algo para tirar essa tristeza de seus olhos. ― Você está se recuperando muito bem, o que me faz muito feliz ― sorriu amplamente, ao pensar quão afortunada era por seu irmão ter sobrevivido. ― Logo voltarei a ganhar de você numa corrida de cavalos. Não pense que, porque agora tem essa lesão na perna, vou lhe dar alguma vantagem. Você em meu lugar tampouco o faria. Seu irmão soltou uma gargalhada e a olhou risonho. ― Esta é a minha irmã que queria ver! Foram interrompidos quando um criado entrou, trazendo uma bandeja com um bilhete. ― Acaba de chegar isto para senhorita. Sofía rompeu o selo, suspeitando desde o começo de quem podia ser. ― É dele. Espera que tenha desfrutado da noite de ontem e, indiretamente, pergunta-me se há novidades na busca pelo caderno. Não pensei que poderia começar a impacientar-se tão rápido. Voltou a ler e logo o passou a seu irmão, que depois da leitura franziu o cenho.
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― Isto significa que temos que entrar em contato com Wilmarth. Com um pouco de sorte poderemos ter tudo organizado para esta tarde. ― Hoje? Tão cedo? ― Quanto antes melhor, não acha? Quero acabar com isto o quanto antes. Merece ser castigado e eu não gosto que passe tanto tempo com ele. ― Tem razão, é óbvio ― Sofía se levantou de repente, angustiada. ― Por que não vai falar com Scott e organizam tudo? Vou me retirar a meu quarto para descansar. Como você mesmo disse, não tenho dormido bem e, se formos agir hoje, preciso estar descansada. Avisem-me quando eu tiver que enviar a resposta ao Rumsfeld. Saiu correndo da sala de jantar incapaz de reter as lágrimas por mais tempo. Temia que seu final com Robert estivesse
muito
perto
e,
de
repente,
teve
um
mau
pressentimento. Estava com receio de que algo pudesse dar errado. Tudo estava saindo surpreendentemente bem demais para dar certo.
Robert se impacientou do outro lado da porta. Darrell acabava de entrar no salão onde Sofía o esperava. Tinham pensado em tudo para que seu meio-irmão não o visse aparecer
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por detrás dele, e Wilmarth e seus homens já deviam estar-se preparando no corredor para intervir no momento oportuno. Ainda assim, não podia tirar aquela grande angústia do peito — e se algo saísse mal? Seu meio-irmão era um louco. Tinham tramado todo o plano, tentando antecipar-se a seus movimentos, mas e se fizesse algo imprevisível? Por Deus que não poderia viver com a culpa caso Sofía saísse ferida! Tentou tranquilizarse e prestar atenção às suas palavras. ― Aqui está! Sua sugestão de perguntar ao mordomo deu certo. Meu pai deixou este pacote com ele. Tinha ordens de enviá-lo a alguém, assim que meu pai solicitasse. ― A quem? ― perguntou ansioso Darrell, enquanto rasgava o papel que envolvia o diário. ― Não sei, não prestei atenção! Assim que me deu o pacote, apressei-me em lhe enviar a nota. Confio em que você saberá o que fazer. ― É óbvio. Houve silêncio durante uns minutos, enquanto Robert supôs que ele estaria lendo o conteúdo. ― E aí? Há algo importante? Algum dinheiro que eu possa acessar?
―
perguntou
ela,
parecendo
totalmente
despreocupada. Sem poder evitá-lo, Robert sorriu parabenizando em silêncio sua bela Sofía. Estava fazendo um trabalho excelente, nem ele podia notar que estivesse nervosa. ― Tem certeza que ninguém o leu? E nem você nem seu irmão têm ideia do que isto contém? 165
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― Não! Meu pai o lacrou. Tinha o selo familiar. Não acredito que o mordomo se atrevesse a abri-lo e depois fechá-lo. E nós não sabemos de nada, por isso recorri a você. Meu irmão não está em seu juízo perfeito.... estou pensando seriamente em colocá-lo em uma instituição. Recomenda-me alguma? ― Temo que aqui somente contenha descrições de suas aventuras amorosas; nada que eu possa dizer em sua presença. Eu me encarregarei de fazer desaparecer este repugnante documento, a fim de que não manche sua reputação. ― Oh, sério?! Que decepção! Darrell havia mentido bem, já que em suas mãos se encontrava o autêntico diário. ― Não sabe quanto agradeço sua intervenção! Por que não fica e toma um chá? Esse era seu sinal. Sem fazer ruído, Robert abriu a porta. Seus passos foram silenciados pelo tapete e, enquanto o escutava recusar a oferta de Sofía, alegando assuntos urgentes para atender, levantou a pistola apontando para suas costas. ― Quanto tempo sem vê-lo, Darrell. Ele ficou tenso e voltou-se rapidamente, olhando surpreso a arma que agora apontava pra seu negro coração. Pôde ver a surpresa em seus escuros olhos. ― Você?! Acreditava que estava morto! ― Suponho que seus capangas viram a oportunidade de receber mais dinheiro, vendendo-me a um capitão no porto, desesperado por tripulação. Como pode ver, sobrevivi e tenho
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vivido todos estes anos só para este momento — para fazê-lo pagar pela morte de meu pai. ― Queria matar apenas você, tirá-lo de nosso meio. Você era o verdadeiro herdeiro, e eu detestava como minha mãe o amava e o protegia. Inclusive, quando todas as provas apontavam para você como culpado da morte do duque, não acreditou. ― Sua mãe se afastou para não ter que vê-lo, estou certo? ― Esteve nos espionando? — Darell perguntou, irritado. ― Apenas me mantinha informado e foi fácil descobrir que você negociava com o pirata Darkness. Utilizava-o como mensageiro para vender informações aos americanos. ― Como sabe? ― Eu tenho algo que lhe confessar também: durante alguns anos fui conhecido como Avanger. ― Agora entendo porque aquele sujo pirata estava convencido de que Avanger estava atrás dele! ― Queria provas de seus atos infames e agora que o capturei, o único que falta é este diário. ― Se lhe der isso, vai me deixar partir? Deixarei a Inglaterra e não voltará a me ver. Por fim toda a sociedade saberá que você é inocente. ― Não é suficiente. Olhou um momento para Sofía, para assegurar-se que ela vinha se aproximando dele, pouco a pouco, e afastando-se de seu meio-irmão. Mas daqui a pouco passaria ao lado de Darell —
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muito perto, disse uma voz angustiada em sua cabeça, que o destroçou. Tentou distraí-lo para dar tempo a ela. ― Deveria ter sido mais cuidadoso. Permitiu que o conde se inteirasse de seus segredos. ― Estava convencendo-o para que investisse em minha empresa; precisava de dinheiro. Certo dia, o estúpido de meu mordomo não o anunciou e ele me ouviu conversar com um de meus sócios. Direi quem ele é, se me deixar escapar. ― Não. ― É uma lástima. Rápido, agarrou Sofía quando ela passava a seu lado e, sem ninguém saber de onde a tinha sacado, pôs uma navalha contra seu pescoço. ― Agora me deixará ir, ou a degolarei diante de você. Robert olhou os assustados olhos de Sofía e sentiu como se de repente todo seu sangue se esvaísse. Era sua culpa! Não pôde protegê-la, como tampouco tinha protegido seu pai. A porta se abriu de repente. Darrell se distraiu o suficiente para que Sofía pudesse mordê-lo com força. Ele soltou um grito de dor e, sem dar-se conta, soltou-a. Robert sem vacilar, apontou e disparou. O corpo de Rumsfeld caiu no chão, sem vida. Olhou para ele caído mas, em vez da satisfação que pensava que sentiria quando por fim o visse morto, somente sentiu um vazio. Sem poder evitá-lo, seu olhar se dirigiu paraa Sofía. Estava paralisada com o rosto e o vestido manchados de sangue. Ele tinha feito isso. Ela poderia ter sido ferida, poderia ter morrido e ele teria sido o único culpado. Tinha-a colocado acima da sua 168
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vingança, e para quê? Ela nunca o perdoaria. Ele não merecia o seu perdão. De súbito se sentiu asfixiado, precisava sair dali, precisava respirar.
Sofía o viu partir. Queria ir atrás dele, mas por alguma razão suas pernas não lhe obedeciam. Sullivan se aproximou dela. ― Você está bem? Ela assentiu com a cabeça, incapaz de emitir uma palavra. ― Não se preocupe por ele, o que precisa agora é ficar sozinho. Voltou a assentir e procurou com o olhar o senhor Wilmarth. Foi fácil identificá-lo; era o que dava ordens e não trajava uniforme militar. ― Encarregarei-me pessoalmente de que amanhã mesmo saia nos periódicos. Todo mundo saberá que tipo de homem era Darrell Rumsfeld e que morreu quando resistiu à prisão, e por fim todo mundo saberá da inocência do duque do Glouland. E no máximo
em
uma
semana,
Darkness
será
enforcado
publicamente por seus crimes. Seu irmão se aproximou dela mancando. ― Acabo de pedir a uma criada que lhe prepare um banho.
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Ofereceu-lhe a mão e ela a aceitou. Encontrava-se incapaz de pensar, de sentir, por isso o melhor que podia fazer agora, era deixar-se levar. Depois de algumas horas, quando já se encontrava melhor, procurou seu irmão e Sullivan no andar de baixo. Perguntou por Robert e lhe indicaram onde se encontrava. Alfonso lhe pediu que o deixasse só e que começasse a compreender que devia deixá-lo partir para que ela não sofresse mais, mas não quis escutá-lo. Sofía entrou no escuro escritório, sem fazer ruído. Nem as velas, nem a lareira tinham sido acesas. A única luz que entrava na sala eram os raios da lua cheia que penetravam pela janela, deixando ver uma atormentada sombra sentada na poltrona. ― Sullivan me disse que está há horas aqui trancado. ― Perdão, minha presença deve incomodá-la. Não se preocupe, partirei agora mesmo. Levantou-se, dirigindo-se para a porta. ― Não, não quero que vá. Estamos preocupados com você. ― Não deveriam, principalmente você. Por minha culpa esteve em perigo. ― Sabia o que enfrentaria quando idealizamos o plano. Você não é o culpado. ― Sim, sou. Deveria ter sido contra, trancá-la em seu quarto, se fosse necessário. Mas permiti, porque para mim o mais importante era a vingança. ― É compreensível que desejasse se vingar…
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― Não! Não tente me justificar! Se eu fosse um homem melhor, um homem que a merecesse, jamais teria passado por isso! ― É o melhor dos homens para mim, se não fosse, não o amaria tanto como faço. ― Basta! Hoje mesmo viu como matei um homem, Sofia! O que teria acontecido se ele a tivesse puxado, fazendo-a de escudo, ao invés de soltá-la? Estaria ferida ou pior, eu a teria matado! ― Mas não aconteceu! Não se torture, pensando no que poderia ter acontecido! ― Não a mereço, estará melhor sem mim. ― Não! Ela correu tentando buscá-lo na escuridão, mas era muito tarde, ele já tinha ido.
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Capítulo 18 Sullivan o encontrou na quinta taberna que entrou em três dias. Tinha-o procurado por todo o porto, acreditando que teria zarpado em um de seus navios, mas o único que tinham em Londres tinha saído no dia anterior e o capitão havia dito que ele tinha subido no navio, mas logo tinha desembarcado apressado, perdendo-se entre a multidão. Tinha procurado em outros navios, mas ele sabia que seu amigo não tinha abandonado a Inglaterra como teria gostado. De modo que começou a procurar nas tabernas, imaginando que ele poderia querer afogar suas mágoas em álcool e autopiedade. E efetivamente, ali estava, em uma esquina, sentado com um copo de cerveja na máo e o olhar perdido. ― Supus que a esta altura estaria a caminho da Jamaica. ― Queria ter ido, mas não pude. ― É claro que não pôde! A ama muito para abandoná-la! ― Se a amasse de verdade, teria partido sem olhar para trás. ― Isso se fosse egoísta.
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― Equivoca-se. Se pensasse nela, não estaria meio louco, para começar. ― Apaixonaram-se, e aqui está você se embebedando e fazendo-a
se
sentir
miserável
com
o
seu
abandono,
demonstrando que não a quer, já que não luta por ela permanecendo a seu lado e fazendo-a feliz. ― Eu não poderia fazê-la feliz. ― Por que não? Acaso imagina outro homem amando-a mais do que você ama? Ou acredita que ela é tão volúvel que, diante da primeira dificuldade, irá se apaixonar por outro? Robert acabou o conteúdo do copo de um só gole, e Sullivan respirou aliviado ao ver que começava a colocar um pouco de sentido nessa cabeça quadrada que tinha. ― Você a fez imensamente infeliz com sua partida. Sofia acredita que não a quer, porque se a quisesse não teria desistido tão facilmente. Sim, matou pessoas, mas eles mereciam e, além do mais, metade das vezes foi em defesa própria. Se ela o perdoou, por que você também não se perdoa? O que diria seu pai neste momento se pudesse vê-lo? “Vá procurar a moça, não seja tolo! Seja feliz e converta-se no duque que o eduquei pra ser!”. A voz de seu pai soou tão clara em sua cabeça que Robert se levantou de repente da cadeira e cambaleou pela rapidez do movimento. ― Devagar, amigo. Levarei você pra casa, para que durma e possa se arrumar um pouco. Quando estiver melhor, poderá suplicar-lhe que o perdoe.
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Sim, já era hora de aceitar suas responsabilidades e ganhar a mulher que amava.
Sofia compreendeu por fim, depois de passar vários dias trancada em seu quarto chorando, que nada poderia fazer para mudar a opinião de Robert. Ele a tinha deixado para sempre. Precisava afastar-se de tudo e de todos. Seu irmão não pôde entender isso. Suplicou-lhe que o acompanhasse a Cornualha, mas depois do que tinha vivido, não podia voltar ali como se nada tivesse acontecido. Uma força inexplicável a tinha empurrado a ir a Yorkshire. Sabia que não seria mais que uma tortura, mas tinha que ver o único lugar onde o homem que amava tinha sido feliz. Quis empreender a viagem sozinha, mas Vincent e Timothy se empenharam em acompanhá-la. A viagem tinha sido longa e dura, não tinha deixado de chover em nenhum momento. Depois de três dias na carruagem e de perguntar várias vezes pelas terras do duque, encontraram-nas nos arredores de Leeds. Era um lugar bonito e encantador. Sofía pôde imaginar perfeitamente um pequeno Robert correndo por esses campos sem nenhuma preocupação no mundo. Dirigiramse à imponente mansão de estilo Isabelino, no alto da colina. Depois de esperar um bom tempo na entrada, a porta se abriu, deixando ver um ancião.
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― Desculpe-me por fazê-la esperar senhorita, mas os únicos que estão ainda na residência somos minha esposa e eu. A senhorita se perdeu? Posso ajudá-la em algo? Perguntou a ele pela duquesa viúva, e o mordomo, embora surpreso, indicou-lhe onde poderia encontrá-la. Chegaram a uma pequena, mas acolhedora casa cheia de roseiras na entrada. Sofía desceu da carruagem com a ajuda de Timothy, bateu na porta e rezou para que sua intuição não se equivocasse. Sem saber por que, estava certa de que a viúva a receberia com os braços abertos, o que devia ser um disparate, já que eram desconhecidas. Abriu-lhe a porta uma miúda mulher, com roupas simples, mas de boa qualidade. Tinha o cabelo loiro, com uns poucos fios grisalhos, uns tristes olhos castanhos, porém bondosos e o sorriso que lhe dirigiu pareceu sincero. Supôs que se tratava da governanta. ― No que posso ajudá-la? ― Desejo ver a duquesa viúva do Glouland; sou lady Campbell. ― Sofia Campbell? ― Conhece-me? ― Não, mas tenho lido sobre você nos periódicos. Você foi quem ajudou meu filho. ― Seu filho? ― Sim, querida, e pelo que vejo, veio para me ver. Entre, temos muitas coisas das quais falar. Eu gostaria de começar por saber como conheceu meu querido filho, Robert. Sofía olhou para trás. 175
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― Seus acompanhantes podem hospedar-se na mansão. Aqui não tenho lugar para eles e nem sequer tenho um estábulo. A senhora Morrison, a governanta, e seu marido lhes atenderão com prazer. Estão há muitos anos sozinhos naquele mausoléu — ela falou com eles e embora reticentes em deixar sofia sozinha, aceitaram e se afastaram na carruagem de volta à mansão. A dama a conduziu a uma sala rosa. Ela desapareceu durante um momento para voltar com uma bandeja que continha um bule e deliciosas bolachas. As bolachas se pareciam exatamente com as que Elvira fazia. Oxalá ela estivesse ali; ela saberia o que fazer, poderia aconselhá-la, pensou desolada Sofía, sentindo falta dela. De repente começou a chorar e lady Glouland se sentou a seu lado, oferecendo-lhe um lenço de seda. ― O que a aflige, querida? Sofía se viu contando-lhe quase todo o acontecido — os detalhes de sua intimidade compartilhada com Robert foram omitidos —, ao final, os soluços a venceram e a mulher a envolveu em um abraço consolador. ― Os homens podem ser muito tolos, minha menina. Não se preocupe, aqui é bem vinda, pode ficar o tempo que quiser. Sofía por um segundo se sentiu mais tranquila. Mas, infelizmente, só por um momento.
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― Como que não está aqui? ― gritou Robert a Alfonso. Depois de passar quase uma semana pondo seus assuntos como duque em ordem, e preparando-se para pedir uma segunda oportunidade a Sofía, tinha chegado à mansão londrina do conde com um buquê de flores só para encontrar um mordomo zangado dizendo que os irmãos não se encontravam ali. Ato seguido fechou a porta na sua cara. Parecia que todo mundo o odiava e ele merecia. Vincent e Timothy tinham renunciado a continuar trabalhando para ele e supôs que estavam com ela. Sullivan tinha voltado para a Jamaica para encarregar-se da companhia. Então Robert partiu sozinho para a Cornualha — o único lugar que imaginou que poderiam estar. Mas depois de entrar quase à força na mansão e gritar como um louco por ela, seu irmão tinha aparecido por uma porta e simplesmente disse: ― Não está aqui. ― Onde está? ― Não sei! Não quis me dizer isso e, se soubesse, não lhe diria. Aproximou-se dele preparado para suplicar. ― Por favor, tem que… Não viu vir o murro que acertou sua mandíbula e o empurrou para trás. O conde, ofegante, levou as mãos às costelas. ― Maldito seja, se não valeu a pena! ― Entendo-o, mereço-o, e sendo seu irmão, não entendo como não tentou me dar uma surra antes. 177
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― Prometi-lhe que não me intrometeria, embora faça tempo que tenho vontade. Fez muito mal a ela. ― Sei. E acredite-me era a última coisa que desejava fazer, por isso me afastei. Estupidamente pensei que estaria melhor sem mim. ― Eu acredito, mas ela não, e sua opinião é a que importa. ― Não tem nem ideia de onde pode ter ido? ― Não quis me dizer nada. Terá que pensar em um lugar que quisesse ir. “Eu adoraria conhecer o lugar onde cresceu”, a frase de Sofía se repetiu em sua cabeça e sorriu esperançoso. Quando ia embora, ouviu Alfonso lhe gritando: ― É melhor que quando voltar a vê-los, Sofía já seja uma duquesa! ― Nada me faria mais feliz se aceitasse casar-se comigo!
Sofía se esticou sobre a cama e piscou diante da ofuscante luz do sol. Devia ser tarde. Ultimamente dormia muito, encontrava-se todo o tempo cansada. O estômago roncou, então se vestiu e dirigiu-se à cozinha. Anne, como tinha pedido que lhe chamasse a duquesa viúva, não dispunha de empregados. Tinha aprendido a cozinhar e a encarregar-se da casa com a ajuda das mulheres do povo. Uma vez por semana vinha uma moça limpar,
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mas isso era tudo. Disse que assim se mantinha entretida. Sofía podia entender, pois depois de passar vários dias ali, viu como o tempo passava devagar. Mas ali se sentia segura. Anne a tratava como se fosse sua filha e ela se encontrou gostando dela como se fosse sua mãe. Encontrou a dama trabalhando nos fogões, mexendo em uma panela. ― Vem provar o guisado que estou preparando. Requer muitas horas, mas o resultado vale a pena. Ela se aproximou sorridente, mas de repente, o aroma penetrante do guisado, fez com que lhe revolvesse o estômago. Saiu correndo pela porta da cozinha e vomitou no jardim traseiro. Anne a seguiu com um trapo e um copo de água. ― Obrigada. Limpou a boca e bebeu a água em pequenos goles. ― Querida, você está bem? ― Sim, não sei o que aconteceu, fui cheirá-lo e… ― calouse arrependida. ― Não quero ofendê-la, Anne. Tenho certeza de que está delicioso e sabe que não duvido de suas habilidades culinárias. ― E eu não me ofendo, mas meu guisado não tem nenhum aroma desagradável… A viúva se calou, olhando-a atentamente. Aproximou-se dela e pondo a mão no seu ombro, falou-lhe docemente: ― Peço perdão se esta pergunta a incomodar, mas… Robert e você… Vocês… Compartilharam o leito? Sofía ruborizou e olhando para outro lado, assentiu.
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― Não tem do que se envergonhar comigo, querida. O duque e eu começamos a ter relações antes de nos casarmos. Não sou eu quem irá julgá-la e sei que você o ama. Quando teve sua última menstruação? Ela franziu o cenho e a olhou curiosa. ― Faz umas sete semanas mais ou menos, por quê? Anne a envolveu em um forte abraço. ― Querida, é possível que esteja grávida. ― De verdade? Depois de muitos dias de amargura, sentiu-se feliz e já não se importava se Robert não ficasse contente com a ideia de ser pai. Ela poderia amar o seu filho pelos dois. ― É preciso que entre em contato com ele o quanto antes. ― Não! Ela se afastou assustada e zangada. ― Ele não quer ter um filho comigo, disse-me isso! ― Disse-lhe exatamente isso? ― Não, mas quando pensou nisso parecia horrorizado. ― Estaria horrorizado por seus próprios atos. Querida, você era uma jovem inocente, sem experiência, quem tinha que ter tomado cuidado era ele. Ela também tinha sido responsável. De fato, tinha-o incitado as duas vezes, pensou Sofía, mas não se atreveu a dizer isso em voz alta. ― De qualquer modo, estou segura que não ficará entusiasmado com a ideia.
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― Mas tem que deixar que ele decida se quer tomar parte na vida da criança ou não. Apostaria meu colar de pérolas de que ele não lhe virará as costas. Porém, mesmo no caso improvável de que não queira assumir a paternidade, pode contar comigo. ― Obrigada. Sofía piscou para conter as lágrimas e agradeceu à providência que lhe tinha mandado um anjo da guarda como Anne. Passou todo o dia emocionada ante a ideia de poder estar grávida, sem pensar nenhuma só vez no futuro pai. Mas quando dormiu não parou de ter pesadelos. Em alguns Robert dava as costas ao lhe dizer que estava grávida, em outros estava a seu lado com a criança recém-nascida. Na manhã seguinte quando se levantou cansada, depois da péssima noite que passou, estava a ponto de lavar o rosto na bacia em seu quarto, quando ouviu uma batida na porta, seguida de um grito de Anne. Saiu correndo, pensando que algo grave podia ter acontecido, quando se deteve de repente ao ver quem estava na porta. Robert abraçava efusivamente sua madrasta e esta chorava de alegria em seus braços. Sofía deu alguns passos para trás para que não a vissem. Não entendia o que ele fazia ali. Pensou que não estivesse na Inglaterra. Sua intenção era de ir e não voltar. Sabia que Anne não o teria avisado de seu paradeiro; não a trairia daquela maneira. Por isso, ela deduziu que tinha decidido por fim visitar sua madrasta e acabou adiando sua viagem. Vestiu-se e andou impacientemente pelo 181
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quarto. Sabia que teria que falar com ele, mas a cada momento se acovardava mais. Já lhe tinha causado muito mal e não queria que a fizesse sofrer mais. Mas ele se afastou dela, pensando que o fazia para seu bem. Sofía se repreendeu imediatamente por tentar justificá-lo. Prometeu a si mesma que não voltaria a desculpar seu comportamento. Era o homem mais teimoso que tinha conhecido em sua vida; inclusive mais que ela, coisa que lhe parecia ridiculamente impossível. Se ele queria afastar-se dela, dane-se ele. Quando alguém bateu na sua porta, ela ficou tensa. ― Sou eu, querida. ― Anne abriu a porta com um sorriso de orelha a orelha. ― Há alguém que quer falar com você. ― A senhora não lhe contou…? ― Não, querida, não lhe disse nada de seu estado. ― Mas disse a ele que eu estava aqui. ― Não lhe disse nada. Ele já sabia. Veio buscá-la.
Robert repassou mentalmente várias vezes seu discurso. Primeiro começaria lhe dizendo o quanto estava arrependido e lhe suplicaria seu perdão. Logo… todo pensamento coerente se esvaiu de sua cabeça, assim que ela entrou na sala. ― Não acredito que seja possível, mas parece que está mais formosa do que da última vez que a vi.
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― Refere-se a quando me abandonou? Quando recusou meu amor? Suas estúpidas adulações não servirão de nada. Por que veio? Pensei que o que queria era estar o mais longe possível de mim. ― Se…eu… verá… ― Fale de uma vez, maldito seja! Robert se sobressaltou quase tanto quanto Sofía ante sua imprecação. ― Sinto muito! Sentou-se nervosa em uma poltrona. Ele foi para perto dela e se ajoelhou a seus pés. ― Sou eu quem lamenta! Não há palavras para lhe expressar como estou arrependido. Enganei-me! Pensei que não a merecia por culpa dos pecados que cometi no passado. Não compreendi que a melhor expiação possível era amá-la e fazê-la feliz. Jamais poderei me perdoar pela dor que lhe causei. Tentei afastar você de mim e lhe disse coisas muito desagradáveis. Em mais de uma ocasião, você me declarou seu amor e em vez de lhe dizer o muito que a quero, o quão loucamente apaixonado estou, afastei-me de você. Continuo pensando que não sou digno de seu amor. É a mulher mais maravilhosa, inteligente e linda que conheci em minha vida e cheguei à conclusão de que, embora não a mereça, passarei cada dia de minha vida, até meu último fôlego, tentando merecer você. Estou disposto a corrigir meus erros. Podemos ir a Londres apresentá-la à sociedade, com a ajuda de minha mãe, e vou cortejá-la como ditam as normas. Esperarei o tempo que for preciso, meses, anos… 183
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― Ama-me? Arrepende-se? Esperará? ― Amo você com todo meu coração e me arrependo com toda minha alma e esperarei quanto tempo for necessário até que aceite ser minha esposa. Não desistirei de ter você. Você tentou fazer isso comigo e eu não farei o contrário, tendo em conta que eu sou tão teimoso… ― Não deixei de amar você, Robert. ― Oh, meu amor, obrigado ― agarrou as mãos dela entre as suas e as beijou. ― Você me perdoa? Sofía mordeu os lábios e o olhou com lágrimas nos olhos. ― Fez-me muito infeliz. ― Sinto muito ― disse com um nó na garganta. ― Juro que se me der uma chanche, não voltará a acontecer. ― Não lembra o quão pouco valiosas são suas promessas? ― Nós dois sabemos que aquele estúpido juramento não se poderia cumprir. Verdadeiramente não posso afastar minhas mãos de você. Quando subi naquele navio, disposto a deixar minhas raízes para trás, entrei em pânico e em seguida tive que voltar para terra. A ideia de não voltar a vê-la jamais doía como uma punhalada no coração. ― Estou disposta a perdoá-lo. Ele a olhou por fim com esperança. ― Isso quer dizer que aceita se casar comigo? ― É obvio que me casarei com você! Robert não pôde conter-se e a beijou, devagar e com amor. Deixando Sofía sem fôlego quando sua boca se separou da sua.
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― Se começarmos com os preparativos agora, em três meses poderemos nos casar. ― Três meses? ― Entre os proclamas, o preparativo de seu enxoval, os convites… ― Não pode ser um casamento simples? ― Vai ser a duquesa do Glouland... pensei que queria uma cerimônia que correspondesse ao título. ― Não importa como será o casamento contanto que nos casemos. Mas não podemos esperar três meses, pois poderia ficar muito evidente. ― Evidente? O quê? ― Tenho que confessar algo e não sei se você vai gostar. Sabe, é muito possível que eu… que esteja grávida. ― Grávida? ― Não tenho certeza. Sua mãe acredita que possa estar, e eu não tenho muito experiência sobre isto… ― calou-se ao ver que ele caiu para trás, sentando-se no chão. ― Robert?! ― Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! ― Sabia que não gostaria da notícia… ― Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Levantou-se de repente, levando Sofía consigo e começou a dar voltas com ela no ar, radiante. ― Oh, meu Deus! Vou ser pai! Sofía riu em seus braços quando a beijou no pescoço. ― Estava convencida de que você não gostaria da notícia. 185
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― Não gostar? Está louca? Sou o homem mais feliz do mundo! No mesmo dia aceitou se casar comigo e me anuncia que vou ser pai. ― Lembre-se de que não é algo certo. Ainda não consultei um médico. Mas no caso de ser confirmado, acredito que o melhor seria organizar as bodas para digamos, daqui a duas semanas? ― O que você quiser, meu amor.
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Epílogo Um ano depois.
Sofía subiu correndo as escadas para amamentar seu pequeno de quatro meses. Havia se entretido muito com a correspondência. Preparar uma festa surpresa de aniversário para seu marido estava requerendo muito do seu tempo. Quando entrou no quarto do pequeno Francis, não se surpreendeu ao encontrá-lo nos braços de Robert. Desde que tinha nascido, era difícil mantê-lo afastado por muito tempo do quarto do bebê. ―Sua mãe e a babá insistem em que se o pegar tanto em seus braços se acostumará e depois será mais difícil ensinar-lhe a caminhar — Sofia falou ternamente. ― Ainda falta muito para isso, não é verdade, pequeno? Francis riu quando seu pai o levantou no ar acima de sua cabeça. ― Vou alimentá-lo e depois dormirá uma sesta. Robert passou o filho aos braços de Sofía, e ela sentou-se na cadeira de balanço, desatou os cordões do vestido de renda,
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ideais para descobrir facilmente os seios. O pequeno logo começou a sugar ruidosamente. ― Recebemos uma carta de Richard, com boas notícias. A esposa dele está grávida — contou Robert. ― Sério, tão rápido? Não acabam de casar? ― E você se surpreende? Robert olhou Francis e sorriu. ― Decepcionamos toda a sociedade com nossas bodas apressadas — observou Sofia. ― Mas, o casamento de Richard suplantou o nosso com acréscimo, já que foi muito mais escandaloso. ― Tem razão, esse homem não sabe fazer nada pela metade. Virão pra o Natal? ― Agora que reside perto, parece-me que o veremos frequentemente. Seu marido, ao ver que seu filho tinha dormido, aproximou-se e o levou para o berço. ― Estive pensando, dentro de alguns meses poderíamos fazer uma pequena viagem. Pelo menos, poderíamos ir ao País de Gales, já que não tivemos a possibilidade há uma ano, quando me encarreguei das atribuições do ducado, depois de tantos anos sem supervisão. Aproveitamos a oportunidade para fazer uma viagem de lua de mel. Levaríamos o Francis, é óbvio. Acredito que será divertido. ― Temo que isso não será possível, pelo menos nos proxímos meses. ― Por quê? 188
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― Acredito que é possível que eu esteja grávida outra vez. ― Oh, meu Deus! ― Não tenho certeza, mas por que se surpreende tanto Excelência? Se não pode manter suas mãos afastadas de mim... ― No entanto, só recentemente recomeçamos. Embora tenha sentido... Creio que Francis foi concebido em nossa primeira vez. É certo, minha duquesa, que não posso afastar minhas mãos de você, mas eu não sou o único. Sofía sorriu e, passando as mãos por seu musculoso peito, subiu para o seu pescoço e o puxou para baixo para poder beijálo. ― O quê? ― exclamou o duque alarmado. Imediatamente olhou o pequeno para comprovar que não o tinha despertado. Sofía pôs uma mão na boca para conter as gargalhadas. ― É brincadeira! Não estou grávida, embora logo isso se tornará realidade, já que não pode manter suas mãos longe de mim. ― Por mim não há nenhum inconveniente. Estou encantado em trabalhar nisso. Sou um duque consciente, que quer mais herdeiros. Sua mulher riu, abraçando-se a ele. ― E é verdade, minha duquesa, eu não posso manter minhas mãos longe de você, mas eu não sou o único — ele sussurrou em seu ouvido. ― Meu pirata. Robert se deteve justamente antes que seus lábios se roçassem. 189
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― Pirata? ― Não sei por que você resistiu tanto em aceitar isso. No final das contas, assaltou meu coração e me possuiu de corpo e alma. Você é meu pirata. Meu nobre pirata.
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