Teologia Sistematica - Strong Vol 2

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A

ugustus

H

o p k in s

P r e f á c i o de R u s s e l l S h e d d

AUGUSTUS HOPKINS STRONG

Nasceu em Nova York (Rochester), E.U.A., Em 1836. Homem de grande vigor intelectual, literato, filósofo e teólogo, Strong cresceu e se formou dentro da Igreja Batista. Tal perfil se faz presente em sua obra, não de forma limitante, mas criativa e atenta às mudanças que fervilhavam em sua época “fin-de-siécle”. Sua obra teológica, prezando a reflexão teológica qualificada e aprofundada mais que a quantidade, marcou toda uma geração de estudantes do início do século pas­ sado, inclusive no Brasil. Dentre suas obras, desponta a Systematic Theology, sua opus magnum.

T E O L Q G I A

SISTEMATICA A

u g u stu s

H

o p k in s

STRONG Prefácio

de R u ss e ll

Shedd

A D o u t r in a d e D e u s

Vol.

II

MAGNOS

C opyright © 2003 por Editora H agnos S u p e rv is ã o E d ito ria l

Luiz H enrique Alves da Silva Rogério de Lima Campos Silvestre M. de Lima Silvia Cappelletti T rad u ção

Augusto Victorino R e v isão

Cláudio J. A. Rodrigues D ig itaç ão de textos

Regina de M oura Nogueira C apa

Rogério A. de Oliveira L a y o u t e A rte F in a l

Comp System D ia g ra m a ç ã o

Pr. Regino da Silva Noqueira Cícero J. da Silva

C o o rd e n a d o r de P ro d u çã o M auro W. Terrengui Ia edição - m arço 2003 - 3000 exem plares Im p r e ssã o e ac ab am en to Im prensa da Fé

D ad o s In te rn a c io n a is de C a ta lo g a ç ã o n a P u b lic açã o (C IP ) (C â m a r a B r a s ile ir a do L iv r o , SP , B r a sil) Stron g, A u gu stus H opkins, 1836-1921 T eologia sistem ática/ A u gu stu s H opkins Strong ; prefácio de R u ssell Shedd ; [tradução A u gu sto V ictorino]. - S ão Paulo : H agnos, 2003. Título original: System atic theology O bra em 2 v. Conteúdo: A doutrina de D eus 1. B atistas - D outrinas 2. Teologia doutrinai I. Shedd, R u ssell. II. Título. ISB N

85-89320-12-X

03-0919

C D D -230

ín d ic e s p a r a ca tá lo g o siste m ático : 1. Teologia sistem ática : R eligião 230

Todos os direitos desta edição reservad os à E D IT O R A H A G N O S Rua Belarm ino C ardoso de A ndrade, 108 S ão Paulo - SP - 04809-270 T el/Fax: ( x x l l) 5666 1969 e-m ail: h agn os@ h agn o s.co m .b r-w w w .h agn o s.co m .b r

PREFÁCIO Foi uma grande surpresa saber que a Teologia Sistemática de Strong, aquela obra —inumental de pensamento teológico da minha juventude na Escola Graduada de Wheaton, bem como no Seminário da Fé, estava sendo traduzida e editada em portur_ês. Confesso que não tenho lido muito desta teologia, tão conhecida no mundo evan­ gélico durante mais de cem anos. Mas descobri que é uma vasta fonte de informação isolágica e bíblica. Não é necessário concordar com tudo que Strong escreveu para irr: veitar a impressionante coletânea de ensinamentos e textos que o incansável teóloajuntou. Augustus Strong foi eleito presidente e professor de Teologia Bíblica do Seminário Teológico de Rochester no estado de Nova Iorque em 1872. Ocupou estes dois cargos durante 40 anos, após pastorear a Primeira Igreja Batista de Cleveland, estado de Ohio, por sete anos. Não abandonou o espírito pastoral na “torre de marfim” [fc seminário. A Teologia Sistemática de Strong (primeira edição, 1886) encontra o seu centro em Cristo. Em suas palavras, “A pessoa de Cristo foi o fio da meada que segui; sua divindade e sua expiação eram os dois focos da grande elipse” (citado por W. R. Estep, Jr. na Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, ed. W. A. Elwell, Ed.Vida Nova, 1990, Vol. III, p. 420).O leitor não precisa ler os dois volumes para perceber a r.qjeza de apoio bíblico e teologia histórica. Entre os teólogos mais destacados dos Batistas do Sul dos Estados Unidos, E. Y. Mullins e W. T. Conner receberam forte influência de Strong Espero que o aparecimento desta Teologia Sistemática seja bem recebido no Brasil. Deve ser um referencial para os que procuram uma âncora para sua fé, mesmo que tenha sido escrita antes dos teólogos liberais tais como Paul Tillich e -.udolf Bultmann. A Deus toda a glória! P r . D r . R ussell S hedd

José dos Reis E-Books Digital

Esta obra não representa necessariamente a opinião da Editora Hagnos. Atos 17.11

PREFÁCIO DO AUTOR A presente obra é uma revisão e ampliação da minha Systematic Theology, primeiramente publicada em 1886. Da obra original foram impressas sete edi­ ções, cada uma das quais incorporando sucessivas correções e supostos apri­ moramentos. Durante os vinte anos que mediaram entre a primeira publica­ ção, reuni muito material novo, que agora ofereço ao leitor. Meu ponto de vista filosófico e crítico nesse período também sofreu alguma mudança. Con­ quanto ainda eu sustente as doutrinas antigas, interpreto-as diferentemente e exponho-as com maior clareza, porque a mim me parece ter chegado a uma verdade fundamental que lança novas luzes sobre todas elas. Esta verdade rentei estabelecer em meu livro intitulado Christ in Creation, e delas faço referências ao leitor para mais informações. Que Cristo é aquele único Revelador de Deus, na natureza, na humanida­ de, na história, na ciência, na Escritura, a meu juízo, a chave da teologia. Este ponto de vista implica uma concepção monística e idealista do mundo, junta­ mente com uma idéia evolutiva quanto à sua origem e progresso. Mas é o próprio antídoto do panteísmo que reconhece a evolução como único método do Cristo transcendente e pessoal, que é tudo em todos e que faz o universo teológico e moral a partir do centro da sua circunferência e desde o seu come­ ço até agora. Nem a evolução, nem a alta crítica tem algo de aterrador para aquele que as considera como parte do processo criador e educador da parte de Cristo. O mes­ mo Cristo em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conheci­ mento fornece todas as salvaguardas e limitações necessárias. Tão somente porque Cristo tem sido esquecido é que a natureza e a lei tem sido personifica­ da, e a história tem sido considerada como um desenvolvimento sem propósi­ to, que se tem feito referência ao judaísmo como tendo uma origem simples­ mente humana, que se tem pensado que Paulo tirou a igreja do seu próprio curso mesmo antes de iniciar o seu próprio curso, que a superstição e ilusão vieram a parecer o único fundamento do sacrifício dos mártires e o triunfo das missões modernas. De modo nenhum creio numa evolução irracional e ateísta como esta. Contrariamente, creio naquele em quem consistem todas as coisas,

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que está com o seu povo até o fim do mundo e prometeu conduzi-lo em toda a verdade. A filosofia e a ciência são boas servas de Cristo, mas pobres guias quando rejeitam o Filho de Deus. Quando chego ao meu septuagésimo ano de vida e, no meu aniversário escrevo estas palavras, sou grato por aquela experiência da união com Cristo que me capacitou a ver na ciência e na filosofia o ensino do meu Senhor. Porém esta mesma experiência pessoal fez-me mais conscien­ te do ensino de Cristo na Escritura, e fez-me reconhecer em Paulo e João uma verdade mais profunda do que a que foi descoberta por quaisquer escritores, uma verdade com relação ao pecado e a sua expiação e que satisfaz os mais profundos anseios da minha natureza e que por si mesma é evidente e divina. Preocupam-me algumas tendências teológicas dos nossos dias, porque creio que elas são falsas tanto na ciência como na religião. Como homens que se sentem pecadores perdidos e que uma vez receberam o perdão do seu Senhor e Salvador crucificado podem daí em diante rebaixar seus atributos, negar a sua divindade e expiação, arrancar da sua fronte a coroa do milagre e sobera­ nia, relegá-lo ao lugar de um mestre simplesmente moral que nos influencia apenas como o fez Sócrates com palavras proferidas através dos tempos, pas­ sa pela minha compreensão. Eis aqui o meu teste de ortodoxia: Dirigimos nossas orações a Jesus? Invocamos o nome de Cristo como Estêvão e toda a igreja primitiva? O nosso Senhor vivo é onipresente, onisciente, onipotente? Ele é divino só no sentido em que nós também o somos, ou é ele o Filho unigênito, Deus manifesto em carne, em quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade? Que pensais vós de Cristo? esta ainda é a pergunta crítica, e a ninguém que, diante da evidência que ele nos forneceu, se não pode responder corretamente, assiste o direito de chamar-se cristão. Sob a influência de Ritschl e seu relativismo kantiano, muitos dos nossos mestres e pregadores têm deslizado para negação prática da divindade de Cristo e da sua expiação. Parece que estamos à beira do precipício de uma repetida falha unitária, que esfacelará as igrejas e compelirá a cisões, de maneira pior que a de Channing e Ware há um século. Os cristãos americanos se recupera­ ram daquele desastre somente ao afirmar vigorosamente a autoridade de Cris­ to e a inspiração das Escrituras. Necessitamos de uma visão do Salvador como a que Paulo teve no caminho de Damasco e João na ilha de Patmos, para nos convencermos de que Jesus está acima do espaço e do tempo, que a sua exis­ tência antedata a criação, que ele conduziu a marcha da história dos hebreus, que ele nasceu de uma virgem, sofreu na cruz, levantou-se dentre os mortos, e agora vive para sempre, é Senhor do universo, o único Deus com quem nos relacionamos, nosso Salvador aqui e Juiz no futuro. Sem haver avivamento

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"esta fé nossas igrejas se tomarão secularizadas, a missão morrerá, e o casti­ çal será removido do seu lugar como ocorreu às sete igrejas da Ásia e como Em sido com as igrejas da Nova Inglaterra, que se apostataram. Imprimo esta edição revista e ampliada da minha “Systematic Theology”, na esperança de que a sua publicação possa fazer algo para refrear esta veloz maré que avança, e confirmar a fé nos eleitos de Deus. Não tenho dúvida de que os cristãos, em sua grande maioria, ainda mantêm a fé que, de uma vez por todas foi entregue aos santos e que eles, cedo ou tarde, hão de separar-se iaqueles que negam o Senhor que os comprou. Quando o inimigo entra como um dilúvio, o Espírito do Senhor levanta o estandarte contra ele. É preciso que eu faça a minha parte levantando tal estandarte. E preciso que eu conduza :utros a reconhecer, como eu, a despeito das opiniões arrogantes da moderna infidelidade, a minha firme crença, reforçada somente pela experiência e refle­ xão de meio século nas velhas doutrinas da santidade como atributo funda­ mental de Deus, de uma transgressão e pecado de toda a raça humana, na preparação divina da história hebréia da redenção do homem, na divindade, ~a preexistência, nascimento virginal, expiação vicária e ressurreição corpo­ ral do nosso Senhor Jesus Cristo, e na sua futura vinda para julgar os vivos e os mortos. Eu creio que estas são verdades da ciência assim como da revela­ ção; que ainda se verá que o sobrenatural é mais verdadeiramente natural; e que não o teólogo de mente aberta, mas o cientista de mente estreita será obrigado a esconder a sua cabeça na vinda de Cristo. O presente volume, ao tratar do Monismo Ético, da Inspiração, dos Atribu­ tos de Deus e da Trindade, contém um antídoto para a mais falsa doutrina que agora ameaça a segurança da igreja. Desejo agora chamar especialmente a atenção para o assunto Perfeição e os Atributos por ela envolvidos, porque eu creio que a recente fusão da Santidade com o Amor e a negação prática de que essa Retidão é fundamental na natureza de Deus são responsáveis pelos pon­ tos de vista utilitários da lei e os pontos de vista superficiais sobre o pecado que agora prevalecem em alguns sistemas de teologia. Não pode haver nenhu­ ma apropriada doutrina da retribuição, quando se recusa a sua preeminência. O amor deve ter uma norma ou padrão, e isto só pode ser encontrado na San­ tidade. A velha convicção do pecado e do senso de culpa que conduz o peca­ dor convicto à cruz são inseparáveis de uma firme crença no atributo de Deus logicamente auto-afirmante, anterior ao auto-comunicante e condicionado a ele. A teologia da nossa época carece de um novo ponto de vista sobre o Justo. Tal ponto de vista esclarecerá que deve haver uma reconciliação com Deus antes que o homem seja salvo, e que a consciência humana seja apaziguada só na condição de que se faça uma propiciação à Justiça divina. Neste volume eu

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proponho o que considero a verdadeira Doutrina de Deus, porque nela deve basear-se tudo o que se segue nos volumes sobre a Doutrina do Homem e a da Salvação. A presença universal de Cristo, luz que ilumina a todo homem tanto em terras pagãs como cristãs, para dirigir ou governar todos os movimentos da mente humana, dá-me a confiança de que os recentes ataques à fé cristã fra­ cassarão no seu propósito. Torna-se evidente, por fim, que não só atacam-se as obras primorosas, mas até mesmo a cidadela. Pede-se que se abandone toda a crença na revelação especial. Dizem que Jesus Cristo veio em carne exata­ mente como qualquer um de nós, e ele era antes de Abraão senão só no mesmo sentido que nós somos. A experiência cristã sabe como caraterizar tal doutrina tão logo se estabelece de um modo claro. E a nova teologia entrará em voga possibilitando que até mesmo crentes comuns reconheçam a heresia destruidora de almas mesmo sob a máscara de professa ortodoxia. Não faço apologia alguma do elemento homilético do meu livro. Para ser verdadeira ou útil, a teologia deve ser uma paixão. Pectus est quod teologum facit, e nenhum zombador que apregoa a “Teologia Peitoral” me impedirá de sustentar que os olhos do coração devem ser iluminados para perceber a ver­ dade de Deus e que, para conhecer a verdade, é necessário praticá-la. A teolo­ gia é uma ciência cujo cultivo pode ser bem sucedido somente em conexão com sua aplicação prática. Por isso, em cada discussão dos seus princípios devo assinalar suas relações com a experiência cristã, e a sua força para des­ pertar emoções cristãs e levar a decisões cristãs. Teologia abstrata, na verda­ de, não é científica. Só é científica a teologia que traz o estudioso aos pés de Cristo. Eu anseio pelo dia em que, em nome de Jesus, todo joelho se dobre. Creio que, se cada um servir a Cristo, o Pai o honrará, e ele honrará o Pai. Eu mes­ mo não me orgulharia de crer tão pouco, mas sim de crer muito. Fé é a medida com que Deus avalia o homem. Por que haveria de duvidar que Deus falou aos pais pelos profetas? Por que haveria de pensar que é incrível Deus ressuscitar os mortos? O que é impossível aos homens é possível a Deus. Quando o Filho do homem vier, porventura achará fé na terra? Queira Deus que encontre fé em nós, que professamos ser seus seguidores. Na convicção de que as trevas presentes são apenas temporárias e que serão banidas por um glorioso alvore­ cer, ofereço ao público esta nova edição da minha “Teologia” rogando a Deus para que qualquer que seja a boa semente que frutifique e qualquer que seja a planta que o Pai não plantou que seja arrancada. ROCHESTER THEOLOGICAL SEMINARY ROCHESTER, N. Y., 3 de agosto de 1906.

SUMARIO P arte V - ANTROPOLOGIA, OU DOUTRINA DO HOMEM C%rtnxo I - PRELIM INARES...................................................................................... 19 L O homem, uma criação de Deus e um filho de D eus........................................... 19 ' II Unidade da raça humana............................................................................................ 35 1. A partir da história..................................................................................................37 2. A partir da língua....................................................................................................38 3. A partir da psicologia............................................................................................ 40 A partir da fisiologia.............................................................................................. 40 HL Elementos essenciais da natureza humana............................................................... 44 1. Teoria Dicotomista................................................................................................ 44 2. Teoria Tricotomista................................................................................................ 46 IV. Origem da alm a............................................................................................................51 1. Teoria da Preexistência.......................................................................................... 51 2. Teoria Criacionista.................................................................................................55 3. Traducianista.......................................................................................................... 59 V. Natureza moral do homem......................................................................................... 64 1. Consciência............................................................................................................ 65 2. Vontade...................................................................................................................73 Capítulo II - O ESTADO ORIGINAL DO HOMEM..................................................87 I. Essência do estado original do homem..................................................................... 88 1. Semelhança natural com Deus, ou pessoalidade.................................................89 2. Semelhança moral com Deus, ou santidade........................................................ 91 II. Incidentes do estado original do homem............................................................100 1. Resultados da posse da imagem divina da parte do homem....................... 100 2. Concomitância da posse da imagem divina pelo homem ............................ 103 C apítulo III - PECADO, OU ESTADO DE APOSTASIA DO HOMEM......... 115 SEÇÃO I - A LEI DE DEUS I. Lei em geral........................................................................................................... 115 1. A lei é uma expressão da vontade.................................................................. 115 2. A lei é uma expressão geral da vontade........................................................ 117 3. A lei implica poder de impor.......................................................................... 117 4. A lei expressa e determina a natureza........................................................... 118 II. A lei de deus em particular................................................................................... 120

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III. Relação da lei com a graça de deus................................................................. 136 SEÇÃO II - NATUREZA DO PECADO I. Definição............................................................................................................. 139 1. Prova................................................................................................................ 143 2. Inferências.......................................................................................................150 II. O princípio essencial do pecado.........................................................................153 1. Pecado como Sensitividade............................................................................ 153 2. Pecado como adaptação................................................................................. 159 3. O pecado como Egoísmo................................................................................ 165 SEÇÃO III - UNIVERSALIDADE DO PECADO I. Todo ser humano que chegou à consciência moral cometeu atos, ou acalentou disposições contrárias à lei divina......................................................174 1. Prova da Escritura.......................................................................................... 174 2. Prova da história, da observação e do juízo comum da humanidade........176 3. Prova a partir da experiência cristã................................................................178 II. Todo membro da raça humana, sem exceção, possui uma natureza corrom­ pida, que é a fonte do verdadeiro pecado, e por si mesma é pecado................. 181 1. Prova da Escritura...........................................................................................181 2. Prova da Razão............................................................................................... 184 SEÇÃO IV - ORIGEM DO PECADO NO ATO PESSOAL DE ADÃO I. O relato escriturístico da tentação e queda em Gn. 3.1-7.................................. 188 1. Seu caráter geral não mítico ou alegórico, mas histórico............................. 188 2. O curso da tentação e a resultante queda.......................................................190 II. Dificuldades em conexão com a queda consideradas como o ato pessoal de Adão.................................................................................................................192 1. Como poderia cair um ser santo?...................................................................192 2. Como poderia Deus, com justiça, permitir a tentação satânica?..................196 3. Como poderia, com justiça, uma pena tão grande estar em conexão com uma ordem tão insignificante?........................................................................198 III. Conseqüências da queda no que respeita a Adão.............................................. 199 1. Morte - Esta morte era dupla. Ela era parcialmente...................................... 199 2. Exclusão positiva e formal da presença de Deus..........................................203 SEÇÃO V - ATRIBUIÇÃO DO PECADO DE ADÃO À SUA POSTERIDADE I. Teorias da atribuição...........................................................................................209 1. Teoria Pelagiana, ou da Inocência Natural do Homem.................................. 209 2. Teoria Arminiana, ou Teoria da Depravação voluntariamente apropriada.....215 3. Teoria da Nova Escola, ou Teoria da Viciosidade não Condenável............... 223 4. Teoria Federal, ou Teoria da Condenação por Pacto......................................231 5. Teoria da Atribuição Mediata ou da Condenação pela Depravação.............237 6. Teoria Agostiniana, do Encabeçamento natural de Adão...............................241 II. Objeções à doutrina agostiniana da atribuição...................................................254 SEÇÃO VI - CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO À POSTERIDADE I. Depravação..........................................................................................................265

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1. A depravação é total ou parcial?....................................................................266 2 Capacidade, ou incapacidade?....................................................................... 269 — Culpa...................................................................................................................275 . Natureza da culpa.............................................................................................275 2. Graus de culpa................................................................................................. 280 UL Pena.....................................................................................................................286 1. Idéia da Pena...................................................................................................286 2. A verdadeira pena do pecado.........................................................................292 . EÇÃO VII - A SALVAÇÃO DAS CRIANÇAS Parte VI - SOTERIOLOGIA, OU DOUTRINA DA SALVAÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DE CRISTO E DO ESPÍRITO SANTO Capitulo I - CRISTOLOGIA, OU A REDENÇÃO OPERADA POR CRISTO.. 307 SEÇÃO I - PREPARAÇÃO HISTÓRICA PARA A REDENÇÃO 1 Preparação Negativa...........................................................................................307 H- Preparação Positiva.............................................................................................309 5EÇÃO II - A PESSOA DE CRISTO L Levantamento histórico dos pontos de vista relativos à pessoa de cristo......313 II- As duas naturezas de cristo - sua realidade e integridade................................318 1. A Humanidade de Cristo ................................................................................ 318 2. A Divindade de Cristo....................................................................................330 m. A união das duas naturezas em uma só pessoa..................................................333 1. Prova desta União........................................................................................... 334 2. Falsas Interpretações Modernas desta União................................................ 337 3. A Natureza Real desta União..........................................................................344 SEÇÃO III - OS DOIS ESTADOS DE CRISTO I. Estado de humilhação........................................................................................ 358 1. Natureza desta humilhação.............................................................................358 2. Estágios da humilhação de Cristo ..................................................................362 n. O estado de exaltação..........................................................................................365 1. A natureza da exaltação..................................................................................365 2. Os estágios da exaltação de Cristo.................................................................366 SEÇÃO IV - OS OFÍCIOS DE CRISTO I. O ofício profético de cristo.................................................................................371 1. Natureza da obra profética de Cristo.............................................................371 2. Estágios da obra profética de Cristo............................................................. 372 II. O ofício sacerdotal de cristo.............................................................................. 375 1. A Obra Sacrificial de Cristo, ou Doutrina da Expiação................................376 2. A Obra Intercessora de Cristo....................................................................... 464 ni. Ofício real de cristo...........................................................................................466 Capítulo II - RECONCILIAÇÃO DO HOMEM COM DEUS, OU APLICA­ ÇÃO DA REDENÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DO ESPÍRITO SANTO.............469

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SEÇÃO I - APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO NA SUA PREPA­ RAÇÃO I. Eleição................................................................................................................. 472 1. Prova da Doutrina da Eleição.........................................................................472 2. Objeções à Doutrina da Eleição.................................................................... 482 II. Vocação............................................................................................................... 490 SEÇÃO II - A APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO PRECISAMEN­ TE NO COMEÇO I. União com Cristo................................................................................................496 1. Representações Escriturísticasdesta União................................................... 497 2. Natureza desta união ......................................................................................502 3. Conseqüências desta União relativa ao que crê............................................509 II. Regeneração........................................................................................................ 518 1. Representações Bíblicas.................................................................................520 2. Necessidade da Regeneração.........................................................................523 3. Causa eficiente da Regeneração.....................................................................527 4. Recursos empregados na Regeneração......................................................... 536 5. Natureza da Mudança Operada na Regeneração...........................................540 III. Conversão.............................................................................................................548 1. Arrependimento............................................................................................552 2. F é .....................................................................................................................559 IV. Justificação.......................................................................................................... 577 1. Definição de Justificação................................................................................577 2. Prova da Doutrina da Justificação..................................................................578 3. Elementos da Justificação..............................................................................585 4. Relação da justificação com a Lei e santidadede Deus ................................592 5. Relação da Justificação com a União com Cristo e com a Obra do Espírito.............................................................................................................595 6. Relação da Justificação com a Fé...................................................................599 7. Conselho aos Inquiridores exigido pelo Ponto de vista da Escritura sobre a Justificação.........................................................................................604 SEÇÃO III - CONTINUAÇÃO DA APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO I. Santificação..........................................................................................................605 1. Definição.........................................................................................................605 2. Explicações e Provas Bíblicas........................................................................608 3. Pontos de vista errôneos refutados por estas passagens da Escritura........615 II. Perseverança........................................................................................................ 624 1. Prova da Doutrina da Perseverança...............................................................625 2. Objeções à Doutrina da Perseverança............................................................627 P arte VII - ECLESIOLOGIA, OU A DOUTRINA DA IGREJA C apítulo I - CONSTITUIÇÃO DA IGREJA.......................................................635 I. Definição..............................................................................................................635

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H Organização da igreja......................................................................................... 645 1. O fato da organização..................................................................................... 645 2 Natureza desta Organização...........................................................................649 3. A Gênese da Organização............................................................................... 654 KL Governo da igreja............................................................................................... 658 1. Natureza desse governo em geral...................................................................658 2 Oficiais da igreja.............................................................................................. 674 3. Disciplina na Igreja......................................................................................... 689 YL Relação mútua entre as igrejas locais.................................................................692 1. A Natureza geral desta relação é de comunhão entre s i................................692 2 Comunhão envolve o dever de consulta especial sobre assuntos que afetam o interesse comum............................................................................. 693 3. Esta comunhão pode ser quebrada pelos manifestos desvios da fé ou da prática da Escritura da parte de qualquer igreja............................................694 C apItulo II - ORDENANÇAS DA IGREJA..........................................................696 L Batismo...............................................................................................................697 1. Batismo, uma Ordenança de Cristo..............................................................697 2 O Modo de Administrar o Batismo............................................................... 700 3. Simbolismo do Batismo..................................................................................710 4. A quem se destina o batismo?........................................................................717 IL Ceia do senhor.................................................................................................... 736 1. A ceia do Senhor, uma ordenança instituída por Cristo................................737 2 O modo de administrar a Ceia do Senhor...................................................... 738 3. O simbolismo da Ceia do Senhor...................................................................741 4. Pontos de vista errôneos sobre a Ceia do Senhor........................................745 5. Pré-requisitos para a participação da Ceia do Senhor.................................. 751 Parte VIII - ESCATOLOGIA, OU A DOUTRINA DAS ÚLTIMAS COISAS ESCATOLOGIA........................................................................................................769 I. Morte física........................................................................................................771 1. Sobre bases racionais .....................................................................................773 2. Em bases escriturísticas..................................................................................783 II. Estado intermediário......................................................................................... 793 1. A respeito dos justos.....................................................................................794 2. A respeito dos ímpios...................................................................................796 UL A segunda vinda de cristo.................................................................................801 1. A natureza desta vinda.................................................................................. 803 2. O tempo da vinda de Cristo.......................................................................... 805 3. Precedentes da vinda de Cristo....................................................................808 4. Relação da segunda vinda de Cristo com o milênio................................... 812 IV. A ressurreição......................................................................................................818

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V. Juízo final..........................................................................................................830 1. Natureza do juízo final.................................................................................831 2. Objetivo do juízo final..................................................................................833 3. O Juiz no juízo final.....................................................................................836 4. Quem está sujeito ao juízo final?................................................................ 838 5. Bases do juízo final......................................................................................838 VI. Estado final do justo e o do ímpio................................................................... 840 1. Do justo........................................................................................................840 2. Dos ímpios....................................................................................................846

Parte V ANTROPOLOGIA, OU DOUTRINA DO HOMEM

C a p ítu lo I PRELIMINARES

:. O HOMEM, UMA CRIAÇÃO DE DEUS E UM FILHO DE DEUS declara-se o fato da criação do homem em Gn. 1.27 - “Criou, pois, Deus o :: em à sua imagem; à imagem de Deus o criou”; 2.7 - “E formou o Senhor Zeus o homem do pó da tesrra e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o ■:" em tomou-se alma vivente”. a) As Escrituras, por um lado, negam a idéia de que o homem é um simples rrzduto das forças naturais irracionais. Elas ligam a sua existência a uma causa i-íerente da simples natureza, a saber, é um ato criativo de Deus. Compare Hb. 12.9 - “o Pai dos espíritos” ; Nm. 16.22 - “ Deus dos espíritos ne toda carne” ; 27.16 - “Senhor, Deus dos espíritos de toda carne”; Ap. 22.6 Senhor, Deus dos espíritos dos profetas” . ruce The Providential Order, 25 - “A fé em Deus pode perm anecer intacta, apesar de que nós admitimos que, em todas as características, físicas e psíquicas, o homem não é exceção a lei universal do crescim ento, não é um hiato na continuidade do processo evolutivo” . A expressão “sim ples natureza” não quer dizer separação de Deus. Ao tratarm os anteriorm ente da doutrina da criação de um modo geral mostra­ - o s que as leis da natureza são apenas os m étodos regulares de Deus, e que a concepção da natureza independente de Deus é irracional. Se a evolu­ ção da criação inferior não pode ser explicada sem levar em conta a atuação original de Deus, muito menos o surgim ento do homem, coroa de todas as coisas criadas. udson Divine Pedigree o fM a n : “O espírito se liga ao homem porque todas as coisas derivam de Deus, que é espírito” .

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b) Mas, por outro lado, as Escrituras não revelam o método da criação do homem. O registro da criação não nos informa se o sistema físico do homem é ou não derivado, por descendência natural, dos animais inferiores. Como a ieterminação “Produza a terra seres viventes” (Gn. 1.24) não exclui a idéia de criação mediata, através da geração natural, assim a formação do homem “do pó da terra” (Gn. 2.7) não determina se a criação do corpo do homem foi mediata ou imediata.

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Podemos crer que o homem mantinha com o mais elevado bruto que o antecedeu a mesma relação que o pão e o peixe com os cinco pães e dois peixes (Mt. 14.19), ou que o vinho mantinha com a água que foi transform ada em Caná (Jo. 2.7-10), ou que o óleo aum entado manteve o original no milagre do VT (2 Re. 4.1-7). O “pó” antes de receber o sopro do espírito, pode ter sido um pó animado. Podem ter sido em pregados os meios naturais, até onde possível. terrett Reason and A uthoríty in R eligion, - “Nossa heredita­ riedade procede de Deus, embora provindo de form as inferiores de vida, e o fim tam bém é Deus, apesar de que através da humanidade imperfeita” . A Evolução não torna supérflua a idéia do Criador, porque ela é apenas um método de Deus. É perfeitam ente consistente com a doutrina escriturística da criação que o homem apareça a seu tempo, governado por leis diferen­ tes das da criação do bruto, embora desenvolvendo-se a partir do bruto, do mesmo modo que o alicerce de uma casa de pedra é perfeitam ente consis­ tente com a estrutura de madeira edificada sobre ela. Tudo depende do plano. Uma evolução ateísta e sem desígnio não pode incluir o homem sem excluir o que o cristianism o considera essencial ao homem; ver riffith ones A scent Through Christ, 43-73. Mas a evolução teísta pode reconhecer o processo todo da criação do homem como obra da natureza assim como de Deus. churman A gosticism and Religion, 42 - “Você não é o que era na sua origem, mas aquilo em que você se tornou” . uxley disse a respeito dos bru­ tos: “Quer provindo deles, quer não, sem dúvida o homem não é um de/es” . fleiderer Philos. Religion, 1.289 - “A dignidade religiosa do homem apóiase totalm ente naquilo que ele é, não no modo ou maneira como ele se tornou o que é” . Porque ele veio do animal irracional, não se segue que é um animal irracional. Nem o fato de que a existência do homem pode rem ontar a um ancestral bruto fornece razão suficiente por que o bruto deva tornar-se um homem. Eis aqui uma teleologia que requer um ato criativo divino. J. M. Bronson: “O teísta deve aceitar a evolução se ele conservar o seu argum ento da existência de Deus a partir da unidade do desígnio na nature­ za. Se o homem não for um fim, ele é uma anomalia. O maior argum ento em favor de Deus é o fato de que toda a natureza anim ada é uma vasta e harm o­ niosa unidade. O homem se desenvolveu não a p a rtir do macaco, mas inde­ pendente do macaco. Ele nunca foi algo que não fosse um homem em poten­ cial. Como homem, ele não veio a ser até que se tornou um agente moral consciente” . Tal natureza moral consciente, que cham am os p e rsonalida­ de, requer um Autor divino, porque ela vai além de todas as forças encontra­ das na criatura animal. omanes M ental Evolution in Animais, diz-nos que: 1. Os moluscos aprendem pela experiência; 2. os insetos e as aranhas reco­ nhecem a sua descendência; 3. os peixes fazem associação mental dos obje­ tos por sua semelhança; 4. os répteis reconhecem as pessoas; 5. os himenópteros, como as abelhas e as form igas, com unicam idéias; 6. os pássaros reconhecem as representações e entendem palavras; 7. Os roedores; como os ratos e as raposas, entendem mecanismos; 8. Os micos e os elefantes aprendem a usar ferram entas; 9. Os m acacos antropóides e os cães têm moral indefinida. Porém não é a moral definida, mas a indefinida que estabelece diferença entre o homem e o bruto. rummond A sce n t o f Man, admite que o homem

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tenha passado por um período quando se assem elhava a um macaco em jg a r de qualquer animal conhecido, mas ao mesmo tem po declara que o ~ acaco antropóide podia desenvolver-se em homem. O bruto pode ser defi­ nido em term os de homem, mas o homem não pode ser definido em termos de bruto. É significativo que, na insanidade, os dotes mais elevados do homem desaparecem em uma ordem precisam ente reversa daquela em que, segun­ do a teoria desenvolvim entista tinham sido adquiridos. A mais elevada parte do homem vacila primeiro. A última acrescida é a prim eira que sofre. Entre­ tanto, o homem pode transm itir as suas próprias aquisições à sua posterida­ de, o que não ocorre com o bruto. eismann Heredity, - “A evolução da ~ ú sica independe de qualquer progresso na faculdade musical ou de qualq je r alteração na natureza física inerente ao homem, mas somente do poder de transm itir as conquistas intelectuais de cada geração às que se seguem. Esta, acim a de tudo, é a causa da superioridade do homem sobre o animal esta não é sim plesm ente a faculdade humana, apesar de que se pode admitir que a mais tardia é a mais elevada nos anim ais” . A este pronunciam ento de eismann acrescentaríam os que o progresso humano depende muitíssim o do poder de aquisição do homem assim como do poder de transm issão. A inter­ pretação deve ser igual à expressão; e, nesta interpretação do passado, o homem tem uma garantia do futuro que o bruto não possui.

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c) A psicologia, contudo, vem ao nosso auxílio com vistas à interpretação ia Escritura. As diferenças radicais entre a alma do homem e o princípio de -zteligência dos animais inferiores, especialmente a posse da autoconsciência io homem, as idéias gerais, o senso moral e o poder de autodeterminação mostram que aquilo que principalmente constitui o homem não poderia ter sido derivado pelo processo natural de desenvolvimento a partir das criaturas inferiores. Somos compelidos, então, a crer que o “soprar nas narinas do homem o fôlego da vida” (Gn. 2.7) da parte de Deus, apesar de ser uma criação mediata, pressupondo matéria existente na configuração das formas animais, contudo, foi uma criação imediata no sentido de que só um reforço divino do processo de vida tornou o animal em homem. Em outras palavras, o homem não veio a partir do bruto, mas através do bruto e o mesmo Deus imanente, que criara o bruto, criou também o homem. T

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ennyson In Memoríam, XLV bebê novo para a terra e para o céu, Quando a sua tenra palma é pressionada Contra o círculo do peito, Nunca pensou; ‘este sou eu’: Mas, à medida que ele cresce, tira muitas inferências e aprende a usar o ‘eu’ e o ‘m im ’ (ou ‘m e’), e conclui, ‘eu não sou o que eu vejo, mas outro além das coisas que eu to co ’. Deste modo procura separar a men­ te do lugar de onde a mem ória pode ter se originado, Como através da estru­ tura que o liga em seu isolam ento, ele se torna cada vez mais definido”. Fichte passou a cham ar o nascim ento de seu filho, aquele em que despertou para a autoconsciência e disse: “eu” . A m em ória não recua além da lingua­ gem. Antes de ser subjetivo, o conhecim ento do ego é objetivo. A criança, a

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princípio, fala de si mesma na terceira pessoa: “Henrique faz isto e aquilo”. Por isso, os homens, em sua maioria, não lembram o que deve ter acontecido antes dos três anos de idade, apesar de que S a m u e l M ile s H o p k in s , Memoir, 20, lembrava-se do que aconteceu quando tinha 23 meses. S ó uma pessoa consciente se lembra e lembra-se só quando sua vontade se exercita em atenção. Jean Paul Richter, citado em L a d d , P hilosophy o f Mind, 110 - “ Nunca esquecerei o fenôm eno até agora relatado, quando cheguei ao nascimento da minha autoconsciência do lugar e tem po distintos em minha memória. Certa manhã, ainda bem criança, estava junto à porta de casa observando uma pilha de madeira quando, num instante, como um relâmpago do céu, clara e brilhantem ente presente diante de mim, aparece a revelação ‘eu sou eu’; nes­ se momento eu me vi, como eu sou, pela prim eira vez e para sempre” . H ò f f d in g , Outlines o f Psychology, 3 - “O começo da vida consciente deve ser colocado provavelm ente antes do n a s c im e n to .... As sensações só fraca e obscuram ente distinguem -se do sentim ento geral de conforto e desconfor­ to vegetativo. As experiências ainda subjazem talvez antes do nascimento para form ar o alicerce do conhecim ento de um mundo exterior” . H i l l , Genetic Philosophy, 282, sugere que este estado prim itivo em que a criança fala de si na terceira pessoa e que é desprovida do aufo-conhecim ento, corresponde à condição irracional da raça, antes de ter chegado ao conhecim ento de si pró­ prio, de ter alcançado a linguagem, de se ter tornado homem. Contudo, na raça não há hereditariedade que predeterm ine o conhecim ento de si mesmo - trata-se de uma nova aquisição, que m arca uma passagem para uma ordem superior do ser. Estabelecendo conexão destas notas com o nosso presente assunto, afir­ mamos que nenhum irracional jam ais disse ou pensou no “eu” . Então, diante disto, podemos dar início a uma série de distinções simples entre o homem e o irracional, até onde o princípio imaterial se refere a cada um deles. Estes foram com pilados a partir de escritores doravante mencionados. 1. O bruto é consciente, mas o homem é consciente de si mesmo. O bruto não objetiva o eu. “Se alguma vez o porco pudesse dizer ‘eu sou um porco’, de uma vez por todas e, daí em diante, deixaria de ser um porco”. O bruto não se distingue a partir de suas sensações. O bruto tem percepção, mas só o homem tem a percepção, /'.e., percepção acom panhada por sua referência ao eu a que ela pertence. 2. O bruto só tem objetos de percepção; o homem tem também conceitos. O bruto conhece coisas brancas, mas não a brancura. Lembra coisas, mas não pensamentos. Só o homem tem poder de abstração, /'.e., o poder de derivar idéias abstratas de coisas particulares ou experiências. 3. Por isso o bruto não tem linguagem. “Linguagem é a expressão de noções gerais através de sím bolos” ( H a r r i s ) . As palavras são sím bolos de conceitos. Onde não há conceito não pode haver palavras. O papagaio profe­ re gritos; mas “nenhum papagaio jam ais pronunciou uma palavra” . Visto que a linguagem é um sinal, pressupõe a existência de um intelecto capaz de entender o sinal; em suma, a linguagem é o efeito da mente, não a causa desta. U erM iV A R T, British Quaterly, outubro, 1881.154-172. “A língua do m aca­ co é eloqüente em sua própria censura”. Jam es, Psychology, 2.356 - “A noção

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de um sinal propriam ente dito e o propósito geral de aplicá-lo a tudo é caráter distintivo do hom em ” . Por que os animais não falam? Porque eles não têm nada para dizer, /'.e., não têm nenhuma idéia geral que possam expressar. 4. O bruto não form a nenhum juízo, /'.e., que isto é como aquilo, acompa­ nhado da crença. Por isso não há nenhum sentido do ridículo, e nem risada. Jam es, Psychology, 2.360 - “O bruto não associa idéias por semelhança. ... O gênio no homem é a posse deste poder de associação em um grau extremo” . 5. O bruto não tem nenhum raciocínio - não tem nenhum senso de que isto se segue a partir daquilo, acom panhado de um sentimento cuja seqüên­ cia é necessária. A associação de idéias sem o juízo é o típico processo da mente bruta, mas não da mente do homem. Ver Mente, 5.402-409, 575-581. A vida de sonhos do homem é a m elhor analogia da vida mental do bruto. 6. O bruto não tem nenhuma idéia geral ou intuição de espaço, tempo, su b stâ n cia , causa, d ire ito . Por isso não há n e n h u m a g e n e ra liz a ç ã o e nenhuma experiência própria ou progresso. Não há capacidade alguma de progresso nos animais. O bruto não pode ser ensinado exceto em determ ina­ dos assuntos de associação inferiores nos quais não se exige um juízo inde­ pendente. Nenhum animal faz instrum entais, ou usa roupas, cozinha alim en­ tos, cria outros animais para alimentação. Nenhum cão caçador, por maior que seja a observação do seu senhor, jam ais aprendeu a pôr lenha na foguei­ ra para aquecer-se. Mesmo os mais rudes utensílios de pedra mostram uma quebra na continuidade e marcam a introdução do homem; ver J. P. C o o k , Credentials o f Science, 14. “Como o homem, o cão pode ver a página impres­ sa, porém nenhum cão jam ais aprendeu a ler um livro. O animal não pode criar em sua mente os pensamentos do escritor. O elemento físico no homem, ao contrário, é apenas um auxílio ao espiritual. A educação é uma capacidade treinada para discernir o sentido interior e as relações mais profundas das coisas. Assim o universo é apenas um sím bolo e expressão do espírito, uma roupagem na qual um Poder invisível vestiu a sua majestade e glória”; ver Sunday School Times, 7 de abril de 1900. No homem, a mente primeiro tor­ nou-se suprema. 7. O bruto tem determinação, mas não autodeterm inação. Não há liberda­ de alguma de escolha, nenhuma form ação consciente de propósito e nenhum movimento autodeterm inado para um fim previsto. O asno é determinado, mas não autodeterm inado; ele é vítim a da hereditariedade e do meio; ele só age quando alguém age em relação a ele. H a r r i s , Phiios. Basis o f Theism, 537-554 - “ Embora implicado na natureza através da organização corpórea, o homem é, em sua personalidade, sobrenatural; o bruto está inteiramente submerso na natureza. ... O homem é como um navio no mar - dentro dele, embora acim a dele - guiando o seu curso pela observação do céu, ou contra o vento e a correnteza. De modo nenhum o bruto tem tal poder; por sua natu­ reza ele é como um balão, inteiram ente imerso no ar e conduzido pelas cor­ rentes sem nenhum poder de direção”. C a ld e r w o o d , Philosophy o f Evolution, capítulo sobre o Certo e o Errado: “A grande distinção da vida humana é o autocontrole no campo da ação - controle sobre todos os im pulsos animais, de sorte que estes não determinam espontaneam ente e de si mesmos a ativi­ dade” [como ocorre no bruto]. Pelo que M i v a r t cham a processo de “antropomorfismo inverso” , vestim os o bruto com os atributos de liberdade; mas

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verdadeiram ente ele não os possui. Como não transferim os para Deus todas as nossas im perfeições, assim não devem os transferir nossas perfeições humanas ao bruto, “lendo nossos eus na vida das form as inferiores” . O bruto não tem nenhum poder de escolha entre motivos; sim plesm ente ele obedece um motivo. Portanto, a filosofia necessitária é correta e excelente para o bruto. Porém o poder de iniciativa do homem - em suma, a sua livre vontade - torna im possível explicar sua mais elevada natureza como um simples desenvolvi­ mento natural a partir de criaturas inferiores. Até mesm o H u x l e y diz que, levando em conta a mente, há entre o homem e as mais elevadas bestas um “enorme abism o”, uma “im ensurável divergência” e “praticam ente infinita”. 8, O bruto, de modo algum tem consciência e natureza religiosa. Nenhum cão jam ais devolveu ao açougueiro a carne que ele roubou. “O choupo treme sem medo e os cães escondem-se sem culpa”. O cão mencionado por D a r w in , cujo com portam ento em presença de um jornal movido pelo vento parece testificar “ um senso do sobrenatural” , está som ente apresentando a irritação devida ao pressentim ento de um futuro desconhecido; ver J a m e s , W ill to Believe, 79. O procedim ento dos vira-latas espancados não lançam luz sobre a natureza da consciência. Se a ética não é hedonismo, se a obrigação moral não é utilitarism o refinado, se o direito é algo distinto do bem que dele auferi­ mos, então deve haver uma falha na teoria de que a consciência do homem é sim plesm ente um desenvolvim ento dos instintos do bruto; e deve-se postular um reforço da vida do bruto a partir da fonte divina com vistas ao aparecim en­ to do homem. U p t o n , H ibbert Lectures, 165-167 - “Será que o espírito do homem deriva da alma do animal? Não, pois nenhum destes tem existência própria. Ambos são diferenciações próprias de Deus. Este é tão somente uma preparação de Deus para a form ação daquele”. C a l d e r w o o d , Evolution and M a rís Place in Nature, 337, fala da “ im possibilidade de remontar a origem da vida racional do homem à evolução a partir de uma vida inferior. ... A natureza não descobriu forças físicas suficientes para contar com o aparecimento de tal vida” . S h a l e r , Interpretation o f Nature, 186 - “O lugar do homem tem sido conquistado por uma m udança integral nas lim itações do seu desenvolvim en­ to psíquico. ... Varreu-se a velha lim itação da mente ao corpo. ... Nesta nova liberdade encontram os a única caraterística dom inante do homem que nos dá o direito de enquadrá-lo numa classe animal inteiram ente nova”. J o h n B u r r o u g h s , Ways o f Nature: “A vida animal tem seu paralelo com a vida humana em muitos pontos, mas em outro plano. Algo dirige os animais inferiores, mas isto não é pensamento; algo os reprime, mas isto não é juízo; eles são providentes sem prudência; eles são ativos sem diligência; eles são hábeis sem prática; eles são sábios sem conhecim ento; eles são racionais sem razão; eles são enganosos sem perfídia. ... Quando estão alegres, can­ tam ou brincam; quando estão angustiados lamentam ou choram; ... e ainda não suponho que eles experimentam a em oção de tristeza ou de alegria, de ira ou de amor, como acontece conosco, porque tais sentim entos neles não envolvem reflexão, memória e o que chamam os natureza elevada, como ocorre conosco” . O instinto deles é inteligência exteriorizada, nunca interiorizada, com o no homem. Eles com partilham com o homem as em oções da nature­ za do animal, mas não da sua natureza m oral ou estética; eles não conhe­ cem altruísm o nem código moral. O Sr. B urroughs sustenta que não temos

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nenhum a prova de que os anim ais, por sua natureza, podem refletir, form ar idéias abstratas, a sso cia r causa e efeito. Por exem plo, os anim ais que arm azenam alim ento para o inverno tão som ente seguem um instinto providente, mas não form am um pensam ento para o futuro, do mesmo modo que a árvore que form a os seus rebentos para a estação vindoura. Ele resume a sua posição da seguinte maneira: “A trib u ir m otivos hum anos e faculdades aos anim ais é fazer uma caricatura deles; mas pôr-nos em tal relaciona­ mento com eles que sintam os o seu reinado, que vejam os a sua vida inseri­ da na m esm a necessidade férrea com o é a nossa, que vejam os na sua mente a mais hum ilde m anifestação da m esm a força psicológica e inteli­ gência que culm ina com o homem e é consciente de si m esm a no homem essa suponho ser a verdadeira hum anização” . A dm itim os tudo isso, exceto atribuir à vida humana, tal necessidade férrea que rege a criação animal. O homem é o homem porque a sua livre vontade transcende às lim itações do bruto. Conquanto admitamos, então, que o homem é o último estágio no desen­ volvimento da vida e que ele tem um ancestral bruto, consideram o-lo também uma geração de Deus. O mesmo Deus, que foi o autor do bruto, no devido tempo criou o homem. Apesar de que o homem veio através do bruto, ele não veio a pa rtir deste, mas de Deus, o Pai dos espíritos e o autor de toda a vida. Terrífico oráculo de Édipo: “Nunca saibas tu a verdade do que tu és!” bem pode ser pronunciado aos que só crêem no bruto como originador do homem. Pascal diz que é perigoso deixar o homem ver claram ente que ele está no mesmo nível que os animais a não ser que ao mesmo tem po mostremos a grandeza dele. A doutrina de que o bruto é um homem imperfeito está em lógica conexão com a doutrina de que o homem é um bruto perfeito. Thomas Carlyle: “Se esta filosofia do bruto é verdadeira, o homem deve andar de quatro, e não deixar de reivindicar a dignidade de ser m oral”. F. G. W r ig h t , Ant. Origirt o f Hum an Race, preleção IX - “Um ou outro animal inferior pode apresentar todas faculdades utilizadas por uma criança de quinze meses. A diferença pode parecer bem pequena, mas o que há é muito importante. É como a diferença na direção dos antigos estágios de duas curvas separa­ das, que vão sempre se s e p a ra n d o .... A probabilidade é de que, tanto em seu desenvolvimento corporal como mental, o homem aparece como um joguete na natureza e passa de uma vez para um par, do plano do ser irracional para a posse das forças mais elevadas que jam ais o caraterizaram e domina tanto o seu desenvolvim ento como a sua história”. A Escritura parece ensinar-nos a doutrina de que a natureza do homem é criação de Deus. Gn. 2.7 - “ E form ou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou nas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” parece, diz H o v e y , (State o f the imin. Dead., 14), “distinguir o princípio vital componente da natureza humana a partir do seu elemento material, decla­ rando que aquela é mais diretam ente oriunda de Deus, e mais antiga com relação a ele, do que esta” . Assim em Zc. 12.1 - “O Senhor, que estende o céu, e que funda a terra e que form a o espírito do homem dentro deie” reconhece-se que a alma é, quanto à natureza, distinta do corpo e possui uma dignidade e um valor bem além dos de qualquer organismo material. Jó 32.8 - “ Há um espírito no homem, e a inspiração do Todo-poderoso os faz

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entendidos” ; Ec. 12.7 - “o pó volte à terra como era, e o espírito volte a Deus, que o deu”.

d) A psicologia comparativa, contudo, nada tem feito, até o presente, para proibir a extensão desta doutrina ao corpo do homem. Nem um só exemplo da transformação de uma espécie de animal em outra foi acrescentado quer por seleção natural ou artificial; muito menos demonstrou-se que o corpo do bruto se desenvolveu no do homem. Toda a evolução implica progresso e reforço da vida e é ininteligível a não ser quando o Deus imanente dá novos impulsos ao processo. Independentemente da atuação direta de Deus o ponto de vista de que o sistema físico do homem descende por geração natural de alguma forma ancestral símia só pode ser considerado como hipótese irracional. Porque a alma, então, é uma criação imediata de Deus e o escritor da Bíblia menciona a formação do homem em conexão direta com a criação do espírito, o corpo do homem é neste sentido também uma criação imediata. Para a teoria da seleção natural, ver D a r w i n , Origin o f Species, 398-424 e a Descent o f Man, 2.368-387; H u x le y , Critiques andAddresses, 241-269, M an’s Place in Nature, 71-138, Lay Sermons, 323 e o artigo: Biologia, na Enciclopé­ dia Britânica, 9a ed.; R o m a n e s , Scientific Evidences o f Organic Evolution Lay Science and Religion. A teoria sustenta que, na luta pela existência, as varie­ dades m elhor adaptadas às suas circunstâncias são bem sucedidas em man­ ter-se e reproduzir-se enquanto as demais perecem. Assim , o homem evoluiu através da m udança gradual e desenvolvim ento das form as de vida inferiores para as superiores. Adm itim os que D a r w i n revelou uma das importantes caraterísticas do método de Deus. Aceitam os a verdade parcial desta teoria. Acha­ mo-la apoiada pela estrutura vertebrada e organização nervosa que o homem tem em comum com os animais inferiores; pelos fatos do desenvolvimento em brionário; dos órgãos rudimentares; das doenças e remédios comuns; e da reversão àqueles tipos. Mas recusam o-nos a considerar a seleção natural como uma explicação com pleta da história da vida, e isto pelas seguintes razões: 1. De modo algum ela dá conta da origem da substância, nem da origem das variações. O darwinismo sim plesm ente diz que “as pedras redondas rola­ rão montanha abaixo mais longe que as chatas” ( G r a y , N atural Science and Religion). Ela explica a seleção das formas, e deixa de explicar a sua criação. “A seleção natural não origina coisa alguma. É um princípio destrutivo, não criativo. Se temos de idealizá-la como força positiva, tem os de pensar nela, não com o preservadora do mais adequado, mas com o destruidora, que se segue sempre no despertar da criação e devora as deficiências; o abutre da criação, que tira do caminho form as inaptas para viver e reproduzir-se” ( J o h n s o n , sobre a Theistic Evolution, Revista de Andôver, abril, 1884.363-381). A seleção natural é tão som ente um a repressão inteligente. A Origem das Espécies de D a r w i n é, na realidade, “não o Gênesis, mas o Êxodo das formas vivas” . S c h u r m a n : “A sobrevivência dos mais aptos nada faz para explicar a

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chegada d e le s ” ; v e r t a m b é m D e V r ie s , S pecies a n d Varieties, a d finem. O p r ó p r io D a r w in r e c o n h e c e q u e “ é p r o f u n d a a n o s s a ig n o r â n c ia r e la tiv a à s le is d e v a r ia ç ã o . ... A c a u s a d e c a d a le v e v a r ia ç ã o e d e c a d a m o n s tr u o s id a d e e s tá m u ito m a is n a n a tu r e z a o u c o n s titu iç ã o d o o r g a n is m o d o q u e n a n a tu r e z a

Lessons From Nature, 280-301). a t e o r ia d a r w in ia n a a f ir m a n d o q u e n ã o h a v e r ia

d a s c o n d iç õ e s a m b ie n ta is ” (c ita d o p o r M iv a r t , C o m is s o , W e is m a n n m o d ific o u

n e n h u m d e s e n v o lv im e n t o s e n ã o h o u v e s s e u m a t e n d ê n c ia e s p o n t â n e a e in a ­ ta p a r a a v a r ia ç ã o . V e m o s n e s ta t e n d ê n c ia in a t a n ã o s im p le s m e n t e a n a t u r e ­ D e u s o r ig in a d o r e s u p e r v is o r . E. M. C a il l a r d , Cont. Review, d e z . 1893.873-881 - “O e s p í r it o é , d e s d e o in íc io , a f o r ç a m o ld a d o r a d a s f o r m a s in fe r io r e s q u e , p o r fim , r e s u lta r a m n o h o m e m . Ao in v é s d a d e r iv a ­ ç ã o f í s ic a d a a lm a , p r o p o m o s a d e r iv a ç ã o e s p ir it u a l d o c o r p o ” . 2. Algum as das mais im portantes form as aparecem repentinamente no registro geológico sem elos conectivos que os unam ao passado. Os prim ei­ ros peixes são os ganóides de tam anho grande e tipo avançado. Não há gra­ dações interm ediárias entre o macaco e o homem. H u x l e y , M a n ’s Piace in Nature, 94, conta-nos que o menor gorila tem uma capacidade craniana de 24 polegadas cúbicas, enquanto o maior tem 34,5. Ao contrário disto, o homem menor tem uma capacidade craniana de 62; apesar de que os homens com menos de 65 são invariavelmente idiotas; o maior tem 114. Prof. Burt G. Wilder, da Universidade de Cornell: “O m aior cérebro sím io tem apenas a metade do tam anho do menor humano norm al”. W a l l a c e , Darwinism, 458 - “ Em média, o cérebro humano pesa 48 ou 49 onças; em média, o cérebro do macaco é de apenas 18 onças” . O cérebro de Daniel W ebster pesava 53 onças; mas o D r . B a s t ia n fala-nos de um imbecil cuja deficiência intelectual era congênita, entretanto, cujo cérebro pesava 55 onças. As cabeças grandes nem sempre indicam grande intelecto. O Prof. Virchow assinala que os gregos, uma das nações mais intelectuais, são tam bém as menores de todas as cabeças. Bain: “ Enquanto aumenta o tam anho do cérebro em proporção aritmética, a média intelectual o faz em proporção geom étrica”. A respeito dos crânios do enguis e do neanderthal, H u x l e y diz: “Os restos de fóssil de homem até agora descobertos não me parecem aproximar-nos daquela form a pitecóide inferior por cuja m odificação ele provavelm ente tor­ nou-se o que é . ... Em vão têm -se buscado os elos entre o homem e o maca­ co: não existe um só que se possa mostrar. Não se encontrou o assim cham a­ do Protanthropos que apresentaria este e lo .... Não se tem encontrado nenhum que se aproxim asse do macaco do que o homem dos nossos dias” . H u x le y argum enta que a diferença entre o homem e o gorila é menor do que entre o gorila e alguns macacos; se o gorila e os m acacos formam uma fam ília e têm origem comum, não podem o homem e o gorila ter tam bém um ancestral comum? Respondem os que o espaço entre o macaco inferior e o mais eleva­ do gorila é preenchido por inúmeras gradações intermediárias. O espaço entre o homem inferior e o superior é também preenchido com muitos tipos que se distinguem um do outro. Mas o espaço entre o mais elevado gorila e o homem inferior é ainda vacante; não há tipos interm ediários; não forram ainda encon­ trados elos conectivos entre o macaco e o homem. O Prof. Virchow, bem recentemente, tam bém expressou a sua crença de que não se descobriu nenhum rem anescente antecessor do homem. Diz ele: za , m a s a o b ra d e um

28

Augustus H opkins Strong

“A meu juízo, até agora nenhum crânio descoberto pode ser considerado como o do predecessor do homem. No curso dos últimos quinze anos tivem os a oportunidade de exam inar crânios de todas as variadas raças da humanida­ de - até mesmo das tribos mais selvagens; e entre elas não se observou nenhum grupo que diferisse do tipo humano em seus caracteres essenciais. ... D e todos os crânios encontrados nas habitações lacustres não há um qúe fique fora dos limites da nossa população presente” . O D r . E u g e n e D u b o is descobriu nos depósitos pós-pliocênicos da Ilha de Java os restos de um antropóide hominídeo a que ele chama de Pithecanthropus erectus. Sua capa­ cidade craniana aproxim a-se do mínimo fisiológico do homem e é o dobro do gorila. Na form a e na dimensão, o osso da coxa é o análogo absoluto do homem e evidencia ter apoiado o corpo ereto. Sem hesitar, o D r . D u b o is colo­ ca esse extinto macaco javanês como a form a interm ediária entre o homem e os verdadeiros macacos antropóides. H a e c h e l (The Nation, 15 de setembro de 1898) e K e a n e (Man Past and Present, 3), consideram o Pithecanthropus como um “elo perdido” . Mas a “ Natureza” considera-o como o remanescente de um idiota humano microcéfalo. Em acréscim o a tudo isso, é digno de nota que o homem não se degenera quando volta no tem po. “O crânio do enghis, contem porâneo do mamute e do urso da caverna, têm o mesmo tam anho que em média os de hoje e pode ter pertencido a um filósofo” . Na form a física, o sím io mais próximo do homem não é mais inteligente que o elefante ou a abelha. 3. Há alguns fatos que a sim ples hereditariedade não pode explicar, tais como a origem da abelha operária vindo da rainha e o zangão ambos os quais não produzem mel. Contudo, a abelha operária não transm ite o instinto de fabricar o mel à sua posteridade; pois ela é estéril e, conseqüentem ente, não possui filhos. S e o homem tivesse descendido do inconsciente bruto, poderíam os esperar que ele, quando degradado, revertesse ao seu tipo pri­ mitivo. Ao contrário, ele não reverte ao bruto, mas, ao invés disso, desapare­ ce. A teoria não pode dar nenhum a explicação sobre a beleza nas formas de vida inferiores, tais como os moluscos e os diátomos. D a r w in admite que essa beleza deve ser utilizada pelo seu possuidor para consistir com a sua origem através da seleção natural. Porém ainda não se dem onstrou tal emprego; pois as criaturas que possuem a beleza vivem freqüentem ente no escuro ou não têm olhos para vê-la. Assim, também, o cérebro grande do selvagem está além das suas necessidades e é inconsistente com o princípio da seleção natural que ensina que nenhum órgão pode atingir perm anentem ente o tam a­ nho não requerido pelas necessidades ou pelo meio ambiente. Ver W a l l a c e , N atural Selection, 338-360. G. F. W r ig h t , Man a n d th e Glacial Epoch, 242-301 - “ Dificilmente pode-se duvidar de que a organização corporal do homem é de certa form a um desenvolvim ento de algum membro extinto do reino animal aliado aos m acacos antropóides. ... Mas sem dúvida ele não descende de qualquer espécie existente de m acacos a n tro p ó id e s .... Quando em certa oca­ sião a mente tornou-se suprema, a adequação física deve ter sido rápida, se, na verdade, não há necessidade de supor que a preparação física para as mais elevadas faculdades mentais foi instantânea, ou por aquilo que na natu­ reza se cham a la ze r (em Inglês s p o ríf. Concordam os substancialm ente com esta afirm ação do Dr. W r ig h t e , portanto, diferim os de S h e d d quando diz que

T

e o l o g ia

S

is t e m á t ic a

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h á r a z ã o s u f ic ie n t e p a r a s u p o r q u e o s s ím io s s ã o h o m e n s d e g e n e r a d o s , d o

Timon o f Athens, 1 .1 .2 4 9 , p a r e c e q u e s u b e n t e n d e u o p o n t o d e v is t a d o D r . S h e d d : “A tendência do homem retratou-se no babuíno e no sím io” . O Bispo Wilberforce perguntou a H u x l e y se ele se relacionava com o macaco da parte do seu avô ou da sua avó. H u x l e y respondeu ele preferia que tal relacionamento tivesse como ancestral um homem que utiliza a posição dele como um minis­ tro religioso que ridiculariza uma verdade que ele não com preende. “Mãe, sou eu descendente de um macaco?” “Não sei, Guilherme, nunca encontrei qualquer ancestral do seu pai”. 4. A inda não se conhece nenhuma espécie que tenha sido produzida por seleção artificial ou natural. H u x le y , Lay Sermons, 323 - “Absolutam ente não está provado que um grupo de animais que têm todos caracteres apresenta­ dos pelas espécies da natureza tenha sido originado por seleção, quer artifi­ cial, quer natural” ; M an’s Place in Nature, 107 - “Nossa aceitação da hipótese de D a r w i n deve ser provisória enquanto faltar um elo na cadeia; e enquanto todos os animais e plantas certamente produzidos pela geração seletiva de uma linhagem comum fertilizarem -se reciprocam ente, e faltar o referido elo” . H u x l e y mais recentemente declarou que se encontrou a prova que faltava no descendente do moderno cavalo com um artelho, do Hipário com dois arteIhos, do Anchiterium com três e do Orohippus com quatro. Ainda que isto fosse demonstrado, sustentaríam os que a única analogia apropriada deve encontrar-se na seleção artificial através da qual o homem produz novas variedades e a seleção natural não pode p roduzir nenhum resultado útil e nem apresentar progresso algum a não ser que o método e a revelação partam de uma mente sábia e planejada. Em outras palavras, a seleção impli­ ca inteligência e vontade e, por isso, não pode ser exclusivamente natural. M i v a r t , Man and Apes, 192 - “Se é inconcebível e impossível ao corpo do homem desenvolver-se ou existir sem a sua alma informativa, concluímos que, como nenhum processo natural conta com os diferentes tipos de alma uma capaz de articular expressando concepções gerais - assim nenhum pro­ cesso meramente natural pode explicar a origem do corpo formado por ele com o que tal faculdade intelectual se relaciona tanto essencial como inti­ m am ente” . Desse modo, M i v a r t , que uma vez considerou que a evolução podia explicar o corpo do homem, agora sustenta que, ao invés disso, ela nem pode explicar o corpo do homem, nem a sua alma e chama a seleção natural de “hipótese pueril” (Lessons From N ature 300; Essays and Criticisms, 2.289-314). m e s m o m o d o q u e o s h o m e n s s ã o s í m io s a p e r f e iç o a d o s . S h a k e s p e a r e ,

e) Embora admitamos, então, que o homem tem um ancestral bruto, faze­ mos duas reivindicações à guisa de qualificação ou explicação: primeira, que as leis do desenvolvimento orgânico que têm sido seguidas na origem do homem são apenas métodos de Deus e provas da sua atuação criadora; segun­ da, que o homem, quando apareceu em cena, não mais era bruto, mas um ser autoconsciente e autodeterminante, feito à imagem de seu Criador e capaz de decisão moral livre entre o bem e o mal.

A ugustus H opkins Strong

30

Tanto a criação original do homem como a nova, na regeneração formamse a partir de dentro ao invés de a partir de fora. Em ambos os casos, Deus constrói um novo com base no velho. O homem não é um produto de forças cegas, mas, ao contrário, é uma em anação daquela mesma vida divina da qual o bruto é manifestação inferior. O fato de que Deus empregou matéria preexistente não impede sua autoria no resultado. No milagre, o vinho não era água porque a água tinha sido em pregada na sua feitura, nem o homem é um bruto porque este prestou algum as contribuições à criação daquele. Prof. John H. Strong: “Algum as pessoas que admitem a presença e o poder de Deus no longo processo, contudo, não parecem ver que, no resultado últi­ mo do homem completo, Deus se revelou com sucesso. A obra de Deus nun­ ca foi real e plenam ente feita; o homem é um com posto de bruto e de homem; e não se pode dizer que a com posição desses dois elementos possua as qualidades de qualquer um deles. Na realidade Deus não foi bem sucedido trazendo a personalidade moral ao nascim ento. A evolução é incompleta; o homem ainda anda de quatro; ele não peca porque foi gerado do bruto; não se concebe nenhuma queda, nenhuma regeneração. Ao contrário, afirmamos que, embora o homem tenha vindo através do bruto, ele não veio a p a rtir do bruto. Veio de Deus, cuja vida imanente ele revela, cuja imagem ele reflete em uma personalidade moral completa. Porque Deus foi bem sucedido, foi possível a queda. Podemos crer na duradoura criação da evolução, prepara­ da só para que esta se completasse. Com este ajuste perm anecem o pecado e a queda” . U m a e v o lu ç ã o a t e í s t a e a n t i t e l e o l ó g i c a é u m a r e v e r s ã o a o p o n t o d e v is t a s e lv a g e m d o s a n im a is c o m o ir m ã o s e à id é ia p a g ã d e u m h o m e m e s fin g e d e s e n v o lv e n d o - s e a p a r t i r d o b r u to . O p r ó p r io D a r w in n ã o n e g a a a u t o r ia d e D e u s . E le e n c e r r a o s e u p r im e ir o g r a n d e liv r o c o m a d e c la r a ç ã o d e q u e a v id a , c o m t o d a s a s s u a s p o t e n c ia lid a d e s , o r ig in a r ia m e n t e é c o n s e q ü ê n c ia d o s o p r o “ d o C r ia d o r n a s p r im e ir a s f o r m a s d o s e r o r g â n ic o ” . E m s u a s c a r t a s r e f e r e - s e c o m e v id e n t e s a t is f a ç ã o a o fa t o d e C h a r le s K i n g s le y n a d a a c h a r n a t e o r i a q u e s e ja in c o n s is t e n t e c o m a p r im i t i v a f é c r is t ã . N ã o é D a r w in , m a s d is c í p u lo s c o m o H a e c k e l , q u e d e s e n v o lv e r a m a t e o r ia t o r n a n d o s u p é r f lu a a h ip ó t e s e d o C r ia d o r . A d m it im o s o p r in c í p io d a e v o lu ç ã o , m a s c o n s id e r a m o lo a p e n a s o m é t o d o d a in t e lig ê n c ia d iv in a , e c o n s id e r a m o - lo p r e c e d id o d e u m a t o c r ia t iv o o r ig in a i, i n t r o d u z in d o a v i d a v e g e t a l e a a n im a l e , s u p le m e n ­ t a d a p o r o u t r o s a to s c r ia t iv o s , n a in t r o d u ç ã o d o h o m e m e n a e n c a r n a ç ã o d e C r is to . C h a d w ic k ,

O ld and N ew U nitarianism , 3 3 - “ O q u e p a r e c e d e r r o t a r

n o s s a f é n a n a t u r e z a h u m a n a [ s u a o r ig e m a p a r t ir d o b r u t o ] n a v e r d a d e te m s id o a s u a m a io r c o n f ir m a ç ã o . P o is n a d a c o n t r a r ia a d ig n id a d e e s s e n c ia l d o hom em

m a is c la r a m e n t e d o q u e o s e u t r i u n f o s o b r e a s lim it a ç õ e s d a s u a

h e r a n ç a a p a r t i r d o b r u to , e n q u a n t o o lo n g o c a m in h o q u e a q u e le t r i l h a é a p r o f e c ia d a s n ã o s o n h a d a s a lt it u d e s m o r a is q u e a g u a r d a m o s in c a n s á v e is p é s ” . T u d o is t o é v e r d a d e s e c o n s id e r a r m o s a n a t u r e z a h u m a n a , n ã o c o m o u m r e s u lt a d o s e m p la n e ja m e n t o d a e v o lu ç ã o a t e í s t a , m a s c o m o u m e flu x o e r e f le x o d a p e r s o n a lid a d e d iv in a . R . E . T h o m p s o n ,

S. S. Times, 2 9 d e d e z e m ­

b r o d e 1 9 0 6 - “ O m a io r fa t o n a h e r e d it a r ie d a d e é a n o s s a d e s c e n d ê n c ia d e D e u s e o m a io r f a t o a m b ie n t e é a p r e s e n ç a d e le n a v id a h u m a n a e m c a d a in s t a n t e ” .

31

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

A concepção ateísta é bem satirizada no verso: “Havia um macaco nos dias que eram primitivos; Passaram os séculos e o seu cabelo se tom ou mais encarapinhado; Mais séculos passaram e o seu polegar se duplicou e ele virou homem e P ositivista” . A partir das declarações de W a l l a c e , co-autor com D a r w i n , da teoria da seleção natural, torna-se claro que esta concepção não é uma conclusão necessária da ciência moderna. W a l l a c e crê que o cor­ po do homem se desenvolveu a partir do bruto, mas pensa ter havido três intervalos na continuidade: 1. o aparecimento da vida; 2. o aparecimento dos sentidos e da consciência; e 3. a vida humana. Estes parecem corresponder a 1. Vegetal; 2. Animal; 3. Vida humana. Pensa ainda que a seleção natural pode explicar o lugar do homem na natureza, mas não o seu referido lugar acima da natureza, como um ser espiritual. Ver W a l l a c e , Darwinism, 445-478 - “Aceito plenam ente a conclusão do S r . D a r w in quanto à identidade essen­ cial da estrutura física do homem como a dos m am íferos superiores e os descendentes a partir de alguma form a ancestral até o homem e os macacos antropó ides” . M as a conclusão de que as m ais elevadas faculdades do homem também derivaram dos animais inferiores “não me parece apoiada pela evidência adequada e opõe-se a muitos bem confirm ados fatos” (461). ... As faculdades matemáticas, artísticas e m usicais, não são causas, mas resultados do progresso; elas não auxiliam na luta pela existência e não podem ter sido desenvolvidas pela seleção natural. A introdução da vida (ve­ getal), do conhecim ento (animal), da mais elevada faculdade (humana), apon­ tam claram ente para o mundo do espírito, ao qual o mundo da matéria se subordina (474-476). ... As faculdades intelectuais e morais do homem não podem ter se desenvolvido a partir do animal, mas devem ter tido outra ori­ gem; e para tal origem podemos achar uma causa adequada só no mundo do espírito” . W a l l a c e , N atural Selection, 338 - “A c a p a c i d a d e m é d i a c r a n i a n a d o m a is s e lv a g e m

p r o v a v e l m e n t e n ã o é m e n o s q u e c i n c o s e x t o s d a d a s m a is e l e v a ­

d a s r a ç a s c iv iliz a d a s , e n q u a n t o m e n te c h e g a a

um

o c é re b ro

dos

m acacos

a n t r o p ó id e s d if ic il­

te r ç o d a d o h o m e m , e m m é d ia , e m a m b o s o s c a s o s ; o u a

p r o p o r ç ã o p o d e s e r r e p r e s e n ta d a a tr a v é s d a s s e g u in te s fig u r a s : o s m a c a c o s a n tr o p ó id e s ,

“A

10;

os

in fe r ê n c ia q u e

s e lv a g e n s ,

e u tir a r ia

26;

o

hom em

c iv iliz a d o ,

a p a r t ir d e s t a c la s s e

32” . Ibid. 360 -

d e fe n ô m e n o s é q u e

um a

in t e lig ê n c ia s u p e r io r te m g u ia d o o d e s e n v o lv im e n t o d o h o m e m e m u m a d ir e ­ ç ã o d e f in id a e c o m

um

p r o p ó s ito e s p e c ia l, d o

m esm o

m odo que o hom em

c o n d u z o d e s e n v o l v i m e n t o d e m u it a s f o r m a s a n i m a i s e v e g e t a i s . c o n t r o la d o r a d e u m a in t e lig ê n c ia

... A

ação

m a is e l e v a d a é u m a p a r t e n e c e s s á r i a d a s

le is d a n a t u r e z a , d o m e s m o m o d o q u e a a ç ã o d e to d o s o s o r g a n is m o s c ir c u n ­ d a n te s é u m

d o s a g e n te s n o d e s e n v o lv im e n t o

o r g â n ic o ; d e o u tr a fo r m a , a s

le is q u e g o v e r n a m

o u n i v e r s o m a t e r ia l s ã o i n s u f i c i e n t e s p a r a a p r o d u ç ã o d o

hom em ”. S

hompson:

o

de que

o

ir

W

m

. T

hom em

“ O m a is s e l v a g e m d o s s o n h o s d o m a t e r i a l i s m o é

p o d e r ia te r e v o lu íd o

a

p a r t ir d o s a n im a is in f e r io r e s ,

pura

s u p o s iç ã o q u e m e o fe n d e ta n to p e la t o lic e c o m o p e la a r r o g â n c ia ” . H a r t m a n n ,

A nthropoid Apes, 302-306, c o n q u a n t o n ã o d e s i s t e d a “possibilidade de des­ c o b r i r o v e r d a d e i r o e lo e n t r e o m u n d o do h o m e m e o d o s m a m í f e r o s ” , d e c l a r a q u e “esse s e r p u r a m e n t e h ip o t é t i c o , a n c e s t r a l c o m u m do homem e d o s m a c a ­ c o s , a in d a está p o r s e r e n c o n t r a d o ” , e q u e “o h o m e m n ã o p o d e t e r d e s c e n -

32

A ugustus Hupkins Strnng

dido de qualquer das espécies fósseis de que tem os notícia, nem ainda das espécies de macacos ora existentes” . f ) A verdade que o homem é produto de Deus implica a verdade correlata de uma paternidade comum. Deus é Pai de todos os homens no sentido de que ele os origina e sustenta como seres pessoais semelhantes em natureza a ele mesmo. Mesmo para com os pecadores Deus mantém esta relação de Pai. E o seu amor paterno, na verdade, que provê a expiação. Assim se vai ao encontro das exigências de santidade e o pródigo é restaurado aos privilégios de filia­ ção perdidos na transgressão. Esta paternidade natural, portanto, não exclui, mas prepara o caminho para a paternidade especial de Deus para com aqueles que foram regenerados pelo seu Espírito e que creram em seu Filho; na verda­ de, porque todas as criaturas de Deus vieram a ser em Cristo e através dele há uma filiação natural e física de todos os homens em virtude da sua relação com Cristo, o Filho eterno, que antedata e prepara o caminho para a filiação espiritual dos que se ligam a ele pela fé. A filiação natural do homem é subja­ cente à história da queda e qualifica a doutrina do pecado. Os textos que se referem à Paternidade natural e comum de Deus são: Ml. 2.10 - “ Não tem os nós todos um mesmo Pai [Abraão]? Não nos criou um mesmo Deus?” Lc. 3.38 - “Adão, filho de Deus” ; 15.11-32 - a parábola do filho pródigo na qual o pai é pai mesmo antes que o pródigo retorne; Jo. 3.16 - “ Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito”; Jo. 15.6 - “Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará e os colhem e os lançam no fogo e ardem ” ; - estas palavras implicam uma união natural de todos em Cristo; de outra forma, elas ensinariam que os que os que estão espiritualm ente unidos a ele podem perecer para sempre. At. 17.28 - “ Porque somos tam bém sua geração - palavras dirigidas por Pau­ lo ao auditório pagão; Cl. 1.16,17 - “porque neles foram criadas todas as coisas. ... e por ele subsistem todas as coisas” ; Hb. 12.9 - “o Pai dos espíri­ tos” . A Paternidade, neste mais amplo sentido, implica: 1. Origem; 2. Comuni­ cação da vida; 3. Sustento; 4. Semelhança nas faculdades e poderes; 5. Gover­ no; 6. Cuidado; 7. Amor. Em tudo isto Deus é Pai de todos homens e seu amor paterno é tanto preservador como reparador. A paternidade natural de Deus é mediada por Cristo, através de quem foram feitas todas as coisas, e em quem todas as coisas, até a humanidade, consistem . Somos naturalm ente filhos de Deus, porque somos criados em Cristo; somos espiritualm ente filhos de Deus, porque fomos criados de novo em Cristo Jesus. G. W. Northrop: Deus nunca se torna Pai de qualquer homem ou classe de homens; ele só se torna um Pai reconciliado e co m placente dos que se tornam eticam ente sem elhantes a ele. Os homens só são filhos no pleno sentido ideal a partir do instante em que se comportam como filhos de Deus”. C h a p m a n , Jesus Christ and the P resentA ge, 39 - “ Enquanto Deus é pai de todos os homens, nem todos os homens são filhos de Deus; em outras palavras, Deus sempre realiza com-

T

e o l o g ia

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pletamente a idéia de Pai de cada homem; mas os homens em sua maioria só realizam parcialm ente a idéia de filiação” . Textos que se referem à Paternidade da graça são: Jo. 1.12,13 - “a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, mas de Deus” ; Rm. 8.14 - “ Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus”; 15 - “ recebestes o espírito de adoção de filhos pelo qual clam am os: Abba, Pai”; 2 Co. 6.17. - “Saí do meio deles e apartai-vos, diz o Senhor, e não toqueis nada imundo e eu vos rece­ berei; e eu serei para vós Pai e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-poderoso” ; Ef. 1.5,6 - “e nos predestinou para filhos de adoção por Cristo Jesus para si m esm o”; 3.14,15 - “ Pai de nosso Senhor Jesus Cris­ to, do qual toda fam ília [rodapé ‘paternidade’] nos céus e na terra tom a o nome” (= toda raça entre anjos e homens - conforme Meyer, Romans, 158,159); Gl. 3.26 - “porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus”; 4.6 “ E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai” ; 1 Jo. 3.1,2 - “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai: Que fôssem os cham ados filhos de Deus. ... Amados, agora somos filhos de Deus”. A filiação da raça é apenas rudimentar. A verdadeira realização da filiação só é possível através de Cristo. Gl. 4.1-7 dá a entender uma filiação universal, mas a filiação em que o m enino “em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo” e ainda tem necessidade de receber “a adoção de filhos” . S im o n , Reconciliation, 81 - “Uma coisa é ser pai; a outra é executar todas funções paternas. Os pais humanos às vezes deixam de portar-se como tais por razões que são exclusivas deles; às vezes tornam-se embaraços na conduta ou caráter dos filhos. Nenhum pai pode normalmente executar suas funções paternas para com os filhos que não se portam como tais. Mesmo o filho rebelde é filho, mas não age como tal” . Porque todos os homens são naturalm ente filhos de Deus não se segue que todos os homens sejam salvos. Muitos que, por natureza, são filhos de Deus não são seus filhos espirituais; são apenas “servos” que não “ficam para sempre em casa” (Jo. 8.35). Deus é o Pai deles, mas eles ainda não “foram feitos” filhos dele (Mt. 5.45). A controvérsia entre os que sustentam e os que negam a Paternidade de Deus relativa a todos os homens é pura logomaquia. Deus é física e material­ mente o Pai de todos os homens; moral e espiritualm ente ele é o Pai somente dos que foram renovados pelo seu Espírito. Todos os homens são filhos de Deus em um sentido inferior, em virtude de sua união natural com Cristo; só são filhos de Deus no sentido elevado os que a Cristo se juntaram pela fé em uma união espiritual. Então podemos adm itir em boa parte o que dizem os que negam a Paternidade universal divina, dentre eles C. M. M e a d , Am. Jor. Theology, julho, 1 8 9 7 .5 7 7 - 6 0 0 , que sustenta que a filiação consiste em reinar espiritualm ente com Deus e cita, em apoio ao seu ponto de vista, Jo. 8 .4 1 - 4 4 - “Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis. ... Vós tendes por Pai o diabo” = a Paternidade de Deus não é universal; M t . 5 . 4 4 , 4 5 - “Amai a vossos inim i­ gos. ... para que sejais filhos do Pai que está nos céus” ; Jo. 1 .1 2 - “a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome” . G o r d o n , M inistry o f Spirit, 1 0 3 - “ O fato de q u e

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Deus criou todos os homens não os constitui seus filhos no sentido evangéli­ co da palavra. A filiação em que o N.T. tão constantem ente reside baseia-se unicamente na experiência do novo nascimento, enquanto a doutrina da filia­ ção universal repousa ou numa ousada negação, ou numa ousada presun­ ção - a negação da queda universal do homem por causa do pecado, ou a suposição da regeneração universal do homem através do Espírito Santo. Em qualquer um dos casos o ensino pertence a ‘um outro evangelho’ (Gl. 1.7), recom pensa de cuja pregação não é uma bem -aventurança, mas um ‘anátema’ (Gl. 1.8)”. Mas também podemos concordar com boa parte do que o bloco oposto argumenta, por exemplo, W e n d t , Teaching o f Jesus, 1.193 - “Deus não se torna o Pai, mas é o Pai Celeste, daqueles que se tornam seus filhos. ... Em vez do reinado de Deus, que é a idéia dominante entre os judeus, Jesus deu prim azia ao ensino da paternidade divina. O relacionam ento é ético. Não se trata de paternidade sim plesm ente de origem e, portanto, só os que andam corretam ente são os verdadeiros filhos de Deus. ... 209 - O simples reinado, ou exaltação acim a do mundo, conduz à servidão farisaica legalista e à exterioridade cerimonial e à especulação filosófica alexandrina. A paternidade apre­ endida e anunciada por Jesus é essencialm ente um relacionam ento de amor e santidade”. A. H. B r a d f o r d , Age o f Faith, 116-120 - “ Há algo de sagrado na humanidade. Mas os sistem as de Teologia com eçaram com a indignidade essencial e natural do homem. ... Se não há paternidade, então o egoísmo é lógico. Mas a paternidade traz consigo a identidade da natureza entre pai e filho. Por isso cada trabalhador possui a natureza de Deus e aquele que tem a natureza de Deus não pode ser tratado do mesmo modo que os produtos da indústria ou do campo. ... Todos os filhos de Deus são por natureza partici­ pantes da vida de Deus. Eles são cham ados ‘filhos da ira’ (Ef. 2.3), ou ‘da perdição’ (Jo. 17.12), só para indicar que o seu relacionamento próprio e deveres foram violados. ... O amor para com o homem depende de algo que é digno do amor e isto se encontra na divindade do homem quanto à essência”. A esta última afirm ação objetamos, como atribuindo ao homem no começo o que pode ter vindo a ele só através da graça. Na verdade, o homem foi cria­ do em Cristo (Cl. 1.16) e é filho de Deus em virtude de sua união com Cristo (Lc. 3.38; Jo. 15.6). Mas porque o homem pecou e renunciou a sua filiação esta pode ser restaurada e realizada no sentido moral e espiritual, só através da obra expiatória de Cristo e regeneradora do Espírito Santo (Ef. 2.10 “criados em Cristo para as boas obras” ; 2 Pe. 1.4 - “suas preciosas e grandís­ simas promessas; para que através destas vos torneis participantes da natu­ reza divina”). Muitos dos que negam a paternidade universal de Deus recusam levar sua doutrina ao extremo lógico. Para serem coerentes deveriam proibir que os não convertidos proferissem a Oração Dominical ou até mesmo orassem. Uma mãe que não cria na paternidade de Deus dizia: “Meus filhos não são convertidos e, se eu fosse ensinar-lhes a Oração Dominical, deveria fazê-lo da seguinte forma: ‘Nosso pai, que estás no inferno’; porque eles são só filhos do diabo". Encontram -se nos anais do C ongresso Batista, 1896.106-136 jo r­ nais com a pergunta: É Deus pai de todos os homens? Entre estes o ensaio de F. H. Rowley afirma a paternidade universal de Deus baseada no seguinte:

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1. O homem criado à imagem de Deus; 2. O tratam ento paterno de Deus para com o homem, especialm ente na vida de Cristo entre os homens; 3. A reivin­ dicação de Deus por seu am or filial e confiança; 4. Só a paternidade de Deus torna possível a encarnação, pois isto im plica unidade da natureza entre Deus e o homem. A isto acrescentam os: 5. A m orte expiatória de Cristo só poderia ser eficaz baseada num a natureza com um em C risto e na hum ani­ dade; e 6. A obra regeneradora do Espírito Santo só é inteligível como a restauração de um relacionam ento filial que é nativo ao homem, mas que o pecado adiou.

n. UNIDADE DA RAÇA HUMANA d) As Escrituras ensinam que a raça humana toda descende de um só casal. Gn. 1.27,28 - “ E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêm ea os criou. E Deus lhes abençoou e Deus lhes disse: Frutificai e m ultiplicai-vos e enchei a terra e sujeitai-a” ; 2.7 - “ E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou nos seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” ; 22 - “ E da costela que o Senhor Deus tomou do homem formou uma mulher; e trouxe-a a Adão” ; 3.20 - “E chamou Adão o nome de sua m ulher Eva, porquanto ela era mãe de todos os viventes” = mesmo Eva remonta a Adão; 9 .1 9 - “ Estes três foram os filhos de Noé: e destes se povoou toda a terra” . M a s o n , Faith o f the Gospel, 110 - “Logica­ mente parece mais fácil explicar a divergência daquilo que era a princípio do que a união do que era heterogêneo”. b ) Esta verdade se encontra no fundamento da doutrina de Paulo sobre a unidade orgânica da humanidade na primeira transgressão e da provisão da salvação para a raça em Cristo. Rm. 5.12 - “ Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim tam bém a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram ”; 19 - “ Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, mui­ tos serão feitos justos” ; 1 Co. 15.21,22 - “ Porque, assim como a morte veio por um homem, tam bém a ressurreição dos mortos veio por um homem. Por­ que assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” ; Hb. 2.16 - “ Porque, na verdade, ele não tom ou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão” . O Prof. D. G. Brinton, um dos mais emi­ nentes etnólogos e antropólogos, não muito antes da sua morte, disse que toda a pesquisa científica e ensino tendem para a convicção de que a huma­ nidade descende de um casal.

Esta descendência da humanidade de um só casal também constitui a base da fraternidade natural com cada membro da raça. c)

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At. 17.26 - “ E de um só fez toda a geração dos homens para habitar sobre toda a face da terra” - aqui a Versão Rev. e Corrigida omite a palavra “san­ gue” (“fez de um sangue” - Versão A utorizada). É possível que a palavra com preendida seja “pai” , mas não a palavra “corpo” ; cf. Hb. 2.11 - “ Porque assim o que santifica como os que são santificados, são todos de um (pai ou corpo); por cuja causa não se envergonha de lhes cham ar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da con­ gregação” . W in c h e l l , Preadamites, reviveu recentem ente a teoria de Peyrerius, surgi­ da em 1655, de que havia homens antes de Adão: “Adão descendia de uma raça negra e não as raças negras de Adão”. Adão é tão somente “o mais remoto ancestral de quem os judeus poderiam herdar a lin h a g e m .... A deriva­ ção adâmica de um grupo humano mais antigo é essencialm ente a criação de Adão” . W in c h e l l não nega a unidade da raça, nem o efeito retroativo da expiação sobre os que viveram antes de Adão; ele som ente nega que Adão foi o primeiro homem. 297 - Ele “considera o grupo adâmico derivado de um tipo humano mais antigo e mais humilde” , originariam ente mais baixo em escala do que os selvagens australianos. Embora a teoria forneça plausível explicação de certos fatos bíblicos, tais como o casamento de Caim (Gn. 4.17), o medo que Caim sentia de que os homens o matariam (Gn. 4.14), a distinção entre “os filhos de Deus” e “as “filhas dos hom ens” (Gn. 6.1,2), trata a narrativa mosaica mais como legen­ dária do que como histórica. Indica-se que Sem, Cão e Jafé podem ter vivi­ do centenas de anos separados um do outro. Com base neste ponto de vista, Eva não podia ser a “mãe de todos os vivos (Gn. 3.20), nem a trans­ gressão de Adão podia ser a causa e começo da condenação de toda a raça (Rm. 5.12,19). Quanto ao medo que Caim sentia de que as outras famílias poderiam vingar-se dele, convém lem brar que não sabem os entre Caim e Abel quantos filhos nasceram de Adão, nem se Caim ficou com medo só daqueles que estavam vivos naquela ocasião. Quanto ao casamento de Caim, devemos lem brar que, ainda que Caim tivesse casado com uma outra família, sua esposa, com base em qualquer hipótese da unidade da raça, deve ter descendido de outro Caim original, que casou com sua própria irmã. Ver K e il e D e l i t z s c h , Com. on Pentateuch, 1.116 - “O casam ento entre irmãos e irmãs era inevitável no caso dos filhos do prim eiro homem, visto que a raça hum ana descendia de um só casal e, por isso, pode-se justificar, em face da proibição m osaica de tais casam entos baseados no fato de que os filhos e filhas de Adão não representavam sim plesm ente a fam ília, mas a espécie e que isto se deu enquanto não surgiram diversas fam ílias com laços fraternos e o am or conjugal tornou-se distinto de qualquer outro e assumiu form as fixas e m utuam ente exclusivas, cuja violação é pecado” . P r o f . W . H. G r e e n : “Gn. 20.12 m ostra que Sara era m eio-irm ã de Abraão; ... as subseqüentes regulam entações ordenadas na lei m osaica ainda não tinham vigência” . G. H. D a r w i n , filho de C h a r l e s D a r w i n , mostrou que o casa­ mento entre prim os é inofensivo onde há diferença constitucional entre as partes. A paleontologia moderna aceita com o provável que, no começo da raça, havia m aior diferença entre irm ãos e irm ãs da m esm a fam ília do que u ltim a m e n te ..

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Considerações tiradas da história e da ciência corroboram as declarações da Escritura. Podem-se mencionar brevemente quatro argumentos: 1. A partir da

história

Até onde se pode delinear a história das nações e tribos em ambos os hemis­ férios, a evidência aponta para uma única origem e um só ancestral na Ásia Central. Reconhece-se que as nações européias vieram da Ásia em sucessivas ondas migratórias. Os etnólogos modernos geralm ente concordam em que as raças de índios da Am érica derivaram de fontes m ongólicas da Ásia Orien­ tal, ou através da Polinésia ou pelas Ilhas Aleutes. B u n s e n , Philos. o f Univer­ sal History, 2.112 - a origem asiática de todos os índios norte-am ericanos “é uma prova com pleta da unidade da fam ília entre eles” . M a s o n , Origins o f Invention, 361 - “Antes da época de Colombo, os polinésios faziam viagens de canoa do Taiti ao Havaí a uma distância de 2300 milhas (3701,5 km). K e a n e , Man Past and Present, 1-15, 349-440, trata dos aborígines americanos sob dois tipos primitivos: Os de cabeça longa vindos da Europa e os de cabeça redonda vindos da Ásia. A raça humana, defende ele, teve origem na Indomalásia e, daí, por m igração se espalhou por toda a terra. O mundo foi povoado a partir de um centro pelo homem pleistocênico. Cada um dos grupos prim á­ rios evoluiu em seu próprio habitat, mas todos surgiram de um precursor pleis­ tocênico há 100 000 anos. W. T. Lopp, m issionário entre os esquimós, em Porto Clarence, Alasca, na parte am ericana do Estreito de Bering, escreve aos 31 de agosto de 1892: “Nenhum degelo no inverno, e o gelo bloqueia o Estreito. Isto sempre trouxe dúvidas aos baleeiros. Os esquimós contaramlhes que às vezes atravessavam o Estreito sobre o gelo, mas nunca se acre­ ditou neles. No último bimestre março/abril nossos esquimós tinham necessi­ dade prem ente de tabaco. Dois grupos (de cinco homens) foram com cães que tracionam trenós para o Cabo Oriental, na costa siberiana, e negociavam um pouco de peles de castor, de lontra, de marta em troca de tabaco russo e voltavam felizes. Só durante um inverno ocasional é que eles faziam isso. Porém durante o verão eles faziam várias viagens em seus botes de pele de lobo - com quarenta pés (+ 13 m) de com prim ento. Tais observações podem lançar luz sobre a origem das raças pré-históricas da Am érica”. T y l o r , Primitive Cuiture, 1.48 - “As nações sem icivilizadas de Java e de Sumatra possuem uma civilização que, à prim eira vista, mostra-se ter sido tom ada de empréstimo a fontes hindus e m aom etanas”. P e r contra, contudo, ver P r o f . A. H. S a y c e : “A evidência agora tende a m ostrar que os distritos na vizinhança do Báltico eram aqueles onde as línguas arianas irradiaram e onde habitaram a raça ou raças que originariamente as falavam. Os invasores aria­ nos do noroeste da índia só podiam ter sido um produto distante do grupo primitivo rapidamente absorvido na população mais antiga à medida que avan­ çavam para o sul; e falar dos ‘nossos irm ãos índios’ é tão absurdo e fal­ so como reivindicar um relacionam ento com os negros dos Estados Unidos

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porque eles agora em pregam uma língua ariana” . S c r ib n e r , Where D id Life Begin? mais tarde adicionou argum entos que provam que a vida na terra teve sua origem no Pólo Norte e o P r o f . A s a G r a y favorece este ponto de vista. O D r . J. L. W o r t m a n , no Y aleA lum ni Weekly, 14 de janeiro de 1903.129 - “O aparecimento de todos os primatas da América do Norte foi muito abrupta no começo do segundo estágio do eocênico. E é uma coincidência marcante que quase as mesmas form as aparecem nos leitos da era exatam ente corres­ pondente na Europa. Nem este sincronism o term ina nos macacos. Ele se aplica a quase todos os outros tipos de mamíferos eocênicos do Hemisfério Norte e assim tam bém à flora contem porânea. Estes fa to s p o d e m ser e x p lic a ­ dos somente com base na hipótese de que havia um centro comum do qual estas plantas e animais foram distribuídos. C onsiderando mais tarde que as atuais massas eram essencialmente as mesm as no período eocênico como o são agora e que a região do Pólo Norte então gozava de um clima subtropical como as plantas fósseis o provam, somos forçados a concluir que este centro comum de dispersão fica aproxim adam ente dentro do Círculo Ártico. ... A ori­ gem da espécie humana não ocorre no Hemisfério O cidental”.

2.

A partir da língua

A filologia comparativa aponta para uma origem comum de todas as mais importantes línguas e não fornece nenhuma evidência de que as menos impor­ tantes também não sejam derivadas. Sobre o sânscrito como elo de conexão entre as línguas indo-germânicas, ver M a x M ü l l e r , Science o f Language, 1.146-165, 326-342, que defende que todas as línguas passam por três estágios : m onossilábico, aglutinante, inflexiva; e que nada necessita a admissão de diferentes com eços independentes tanto para os elementos m ateriais como para os form ais dos ramos da fala: turânico, sem ítico e ariano. As mudanças da linguagem freqüentem ente são rápidas. O Latim converteu-se nas línguas romances e o saxão e o normando se unificaram no Inglês em três séculos. O Chinês pode ter-se separado do seu primitivo local de moradia enquanto a sua língua se conservava monossilábica. J. G. R o m a n e s , Life and Letters, 195 - “As crianças são as construtoras de todas as línguas, distintas da língua". O exemplo da súbita aquisição da lin­ guagem é de Helen Keller, proferindo publicam ente uma longa peça só três semanas depois que pela prim eira vez começou a imitar os movimentos dos lábios. G. F. W r ig h t , Man and the G lacial Period, 242-301 - “Recentes investi­ gações mostram que as crianças, quando por qualquer causa isoladas em uma época bem inicial produzirão freqüentem ente uma linguagem de novo. Assim de modo algum pareceria improvável que várias línguas na Am érica e talvez as mais antigas do mundo possam ter surgido em um curto tem po onde as condições eram tais que uma fam ília de crianças pequenas poderia ter mantido a existência quando por qualquer causa elas fossem privadas dos cuidados paternos ou de qualquer tutor. ... Dois ou três mil anos de pré-história é talvez o exigível para produzir a diversificação das línguas que apare-

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cem no decorrer da história. ... O estágio pré-histórico da Europa terminou menos do que mil anos antes da Era Cristã” . Em um povo cuja fala não se tem fixado por ter sido incumbido de escrever, a fala de uma criança é uma grande fonte de corrupção lingüística e as m udanças são muito rápidas. H u m b o l d t recolheu o vocabulário de uma tribo da A m érica do Sul e, depois de quinze anos de ausência achou a sua linguagem tão mudada que parecia uma lín­ gua diferente. Z ô c k l e r , Jahrbuch fü r deutsche Theologie, 8.68 ss., nega o progresso a partir dos métodos inferiores da fala para os mais elevados e declara que as línguas inflexivas mais altamente desenvolvidas sejam as mais antigas e as mais disseminadas. As línguas inferiores são uma degenerescência de um mais elevado estágio de cultura. No desenvolvim ento das línguas indo-germânicas (tais como o francês e o inglês), tem os exemplos de mudança da mais plena e rica expressão para a m onossilábica e aglutinante. Pott também se opõe à teoria de M a x M ü l l e r , Die Verschiendenheit d e r m enschlichen Rassen, 202, 242. Pott chama a atenção para o fato de que as línguas australia­ nas mostram inequívoca sem elhança com as da Ásia Oriental e do Sul, ape­ sar de que as caraterísticas físicas são bem diferentes das asiáticas. Como o antigo egípcio, o berbere e o tuaregue são línguas sem íticas no que tange ao vocabulário, apesar de serem arianas quanto à gramática. Assim o tibetano e o burmês estão, por um lado, entre as línguas indo-européias e, por outro, as monossilábicas, como o chinês. Um filólogo francês afirm a ter interpretado o Yh King, o mais antigo e mais ininteligível escrito monumental do chinês, considerando-o uma deform ação do assírio antigo ou caracteres cuneiform es acádicos e sem elhante aos silabários, aos vocabulá­ rios e tábuas bilíngües contidas nas ruínas das bibliotecas da A ssíria e da Babilônia; ver T e r r ie n d e L a c o u p e r ie , The O ldest Book o f the Chinese and its Authors e seus The Language of China before the Chinese, 11, nota; ele defen­ de o-“elemento não indígena da civilização chinesa e sua derivação do foco cultural caldaico-babilônico através da S usiana”. A evidência mostrará que ó chinês (língua) veio para a China originado da Susiana no século XXIII A.C.. O G inicial se em prega na época com o som de Y. Muitas palavras que em chinês começam com Y encontram -se no acádico com G, como o chinês Ye, ‘noite’, corresponde ao acádico Ge, com o mesm o sentido. Parece que a ordem de desenvolvim ento é a seguinte: 1. a escrita pictórica; 2. a escrita silábica; 3. a escrita alfabética. Semelhantemente, há evidência de que os egípcios do tempo dos faraós eram im igrantes de outra terra, a saber, da Babilônia. Hommel deriva os hie­ róglifos egípcios das figuras de que se desenvolveram os caracteres cunei­ form es e mostra que os elementos da própria língua egípcia estão contidos nessa fala mesclada da Babilônia que se originou da fusão de sumerianos e semitas. O Osíris do Egito é o Asari dos sum erianos. O sepultamento em túm ulos de tijolos nas duas primeiras dinastias egípcias é uma sobrevivência da Babilônia, como o são os selos cilíndricos im pressos na argila. Sobre as relações entre as línguas ariana e sem ítica, ver W h i t n e y , Comp. Philology, Enciclopédia Britânica; Vida e D esenvolvim ento da Linguagem, 269 e Estudo da Linguagem, 307,308 - “A língua fornece algumas indicações de valor duvi­ doso, que, tom adas com algumas outras considerações etnológicas, também

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de questionável pertinência, fornecem base para suspeitar de um relaciona­ mento ú ltim o .... Talvez se possa contar com a esperança de que a mais com ­ pleta com preensão da história da fala sem ítica nos capacitará a determinar tal relação última, embora não se espere com confiança” . Consideram os os fatos como, na sua totalidade, favorecendo uma conclu­ são oposta à do Dicionário Bíblico de Hastings, Dilúvio: “A diversidade da raça humana bem como da língua torna improvável que a hum anidade derive de um só casal” . E. G. R o b in s o n : “O único argum ento fidedigno em favor da unidade da raça deriva da filologia comparativa. Se se estabelecer que uma das três fam ílias lingüísticas é mais antiga que as outras e a fonte destas o argum ento é irretorquível. A coloração da pele parece jazer nas influências climáticas. Cremos na unidade da raça porque isto apresenta as menores dificuldades. Caso contrário, não saberíamos como interpretar Paulo em Rm. 5”. M a x M ü lle r diz que a fonte da filologia moderna como da moderna liberdade e da legislação internacional é a mudança que o cristianism o operou, substi­ tuindo a estreita concepção nacional de patriotism o pelo reconhecimento de todas as nações e raças como membros de uma grande fam ília humana.

3.

A partir da psicologia

A existência de características mentais e morais comuns entre as famílias da humanidade evidenciadas em máximas comuns, tendências e capacidades na predominância de tradições semelhantes e na aplicabilidade universal de uma filosofia e religião explica-se mais facilmente com apoio na teoria de uma origem comum. Entre as tradições am plam ente prevalecentes pode ser mencionada a de m oldar o mundo e o homem, de um prim itivo jardim , de uma inocência e felicidade originais, de uma árvore do conhecim ento, de uma serpente, de uma tentação e queda, de uma divisão do tem po em semanas, de um dilúvio, de sacrifício. É possível, senão provável, que alguns mitos, comuns a muitas nações, podem ter sido transm itidos a partir de um tem po quando as famílias da raça ainda não estivessem separadas.

4. A partir da fisiologia A) É juízo comum dos fisiólogos que o homem é uma só espécie. As dife­ renças que existem entre as variadas famílias da humanidade devem ser consi­ deradas como variedades desta espécie. Como prova destas afirmações argu­ mentamos: a) As inumeráveis gradações intermediárias que estabelecem conexão entre as assim chamadas raças umas com as outras, b) A identidade essencial de todas as raças nas características cranianas, osteológicas e den­ tais. c) A fertilidade de uniões entre indivíduos dos mais diversos tipos e a continuada fertilidade do produto destas uniões.

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H u x l e y , C ritiques and Addresses, 163 - “ Pode-se afirm ar com segurança, mesmo que as diferenças entre os homens sejam específicas, que estas são de tal modo pequenas que a suposição de mais de uma estirpe prim itiva é inteiramente supérflua. Podemos adm itir que negros e australianos são espé­ cies distintas e ser os mais estritos m onogenistas e até mesmo crer que Adão e Eva sejam os primitivos pais da humanidade, /.e., na Hipótese de D a r w in ” ; Origins o f Species, 113 - “Sou um dos que crêem que atualmente não há nenhuma evidência para dizer que a hum anidade surgiu originariam ente de mais de que um só casal; devo dizer que não posso ver uma boa base, seja qual for, ou qualquer evidência sustentável para crer que há mais de uma espécie de ser hum ano” . O w e n , citado por B u r g e s s , Ant. and Unity o f Race, 185 - “O homem form a apenas uma espécie. As diferenças são apenas indi­ cações de variedade. Tais variações aparecem de umas para com as outras através de gradações fáceis” . Alexandre von H u m b o l d t : “ A s diferentes raças de homens são formas de uma única espécie; não são diferentes espécies de um gênero”. Q u a t r e f a g e s , ReviewD. deuxM ondes, dezembro de 1860.814- “Se alguém se coloca exclusivam ente no plano das ciências naturais, é impossível não concluir em favor da doutrina m onogenista” . Wagner, citado em Bíblia Sacra, 19.607 - “ Espécie = a coleção total de indivíduos capazes de produzir em conjunto uma progênie ininterruptam ente fértil” . P ic k e r in g , Races o f Man, 316 - “Não há base interm ediária entre a adm issão de onze espécies distintas na fam ília humana e sua redução a uma. Esta últim a opinião implica num ponto central de origem ” . É im possível decidir quantas raças há, se perm itim os haver mais do que uma. Enquanto P ic k e r in g diria onze, A g a s s iz diz oito, Morton vinte e duas e Burke sessenta e cinco. Toda a ciência moderna tende para a derivação de cada fam ília de um só germe. Outras caraterísticas comuns a todas as raças humanas, além das m encionadas no texto, são a duração da gravidez, a tem ­ peratura normal do corpo, a freqüência média da pulsação, a tendência às mesmas doenças. M e e h a n , botânico do Estado da Pensilvânia, defende que os vegetais híbridos não são mais estéreis que as plantas comuns (The Independent, 21 de agosto de 1884). E. B. T y l o r , art.: A nthropology Enc. Brít:. “Ao todo pode-se afirm ar que a d outrina da unidade da raça hum ana agora se assenta em um a base mais firm e do que em épocas anteriores” . D a r w in , A nim ais and Plants under Domestication, 1.39 - “Desde a sem elhança em vários setores dos cães meio domesticados até as espécies selvagens ainda vivas, pela a facilidade com que eles podem ser cruzados, desde os meio dom esticados considerados de muito valor pelos selvagens e a partir de outras circunstâncias anteriormente assinaladas nas quais há possibilidade de dom esticação, é altamente prová­ vel que os cães dom ésticos tenham descendido de duas espécies de lobos (por exemplo, os canis iupus e os canis iatrans), e a partir de duas ou três duvidosas espécies de lobos (a saber, as form as européias, as índias e as norte-am ericanas); desde pelo menos uma ou duas espécies caninas sul-americanas; desde várias raças ou espécies de chacais; e talvez a partir de uma ou mais espécies extintas”. O Dr. E. M. Moore tentou, sem suces­ so, reproduzir através de um cão “new foundland” e um cão mestiço lobo do

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Canadá. Ele só provou mais uma vez a repugnância das espécies diferentes uma da outra.

B) A unidade da espécie é evidência pressuposta da unidade da origem. A unidade da origem fornece a mais simples explicação da uniformidade específica se, na verdade, a própria concepção de espécie não implica a repe­ tição e a reprodução de uma idéia tipo primordial impressa na sua criação sobre o indivíduo com poder de transmitir tal idéia tipo aos seus sucessores. Dana, citado em B u r g e s s , Antig. and Unity o f Race, 18 5 , 18 6 - “Na escala ascendente dos animais, o número de espécies em qualquer gênero diminui à medida aum entam os e, por analogia, deve dim inuir na cabeça da série. Entre os mamíferos, os mais elevados gêneros têm poucas espécies e o mais elevado grupo, depois do homem, o orangotango, tem só oito, e estes consti­ tuem apenas dois gêneros. A analogia requer que o homem tenha proeminência e se constitua um só” . 194 - “Uma espécie corresponde à soma defi­ nida ou condição de força concentrada na arte ou lei da c ria ç ã o .... Em qualquer caso particular a espécie começou a existir quando se criou a primeira célula germe ou indivíduo. Quando os indivíduos se m ultiplicam de geração a gera­ ção, há apenas uma repetição da idéia tipo primordial. ... A unidade específi­ ca baseia-se na unidade numérica. A espécie nada mais é que uma am plia­ ção do indivíduo”.

este ponto de vista opõe-se a teoria, proposta por A g a s s i z , de centros diferentes de criação e de diferentes tipos de humanidade correspondentes à variante fauna e flora de cada um. Mas esta teoria faz a origem múltipla do homem uma exceção na criação. A ciência aponta mais para a origem única de cada espécie, quer vegetal quer animal. Se o homem for, como admite esta teoria, uma espécie única, pela mesma regra ele deve restringir-se em sua origem a um único continente. Esta teoria, contudo, aplica uma hipótese não aprovada relativa à não distribuição dos seres organizados em geral com o próprio ser de que a natureza e a história mostram conclusivamente que ele é uma exceção a cada regra geral, se é que existe. Porque o homem pode adaptar-se a todos os climas e condições a teoria dos centros separados da criação é, neste caso, gratuita e desnecessária. a)

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O ponto de vista de A g a s s iz foi a princípio publicado num ensaio sobre as Províncias do Mundo Anim al, e nos tipos da humanidade de Nott e de Gliddon, livro produzido no interesse da escravidão. A g a s s iz sustentava oito centros distintos de criação e oito tipos correspondentes de hum anidade - o ártico, o mongólico, o europeu, o americano, o negro, o hotentote, o malaio, o australiano. A g a s s iz considerava Adão ancestral só da raça branca, enquanto P e y r e r iu s e W in c h e l l sustentavam que o homem nas várias raças constitui apenas uma espécie.

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A tendência toda da recente ciência, contudo, tem sido contrária à doutri­ na de centros de criação separados, mesmo no caso da vida animal e vege­ tal. Na zona tem perada da Am érica do Norte há duzentas e sete espécies de quadrúpedes, dos quais só oito são encontrados na Europa e na Ásia e estes, animais polares. Se a Am érica do Norte for um exemplo de centro de criação separado de suas espécies peculiares, por que Deus criaria as mesmas espécies de seres hum anos em oito dife re n te s localidades? Isto faria o homem um a exceção na criação. Além disso, não há necessidade de criar o homem em muitas localidades separadas; pois, diferentem ente do urso poiar e do abeto norueguês, que não podem viver no equador, o homem pode adap­ tar-se aos mais variados climas e condições.

b) Objeta-se, contudo, que as diversidades de tamanho, cor e conformação física entre as variadas famílias da humanidade são inconsistentes com a teo­ ria de uma origem comum. Mas respondemos que tais diversidades são de caráter superficial e podem ser explicadas pelas correspondentes à condição e ao ambiente. As mudanças observadas e registradas nos tempos históricos mostram que as diferenças citadas podem ser o resultado de lentas diferenças acumuladas a partir de um mesmo tipo original e ancestral. Além disso, a dificuldade neste caso é grandemente aliviada quando nós lembramos (1) que o período durante o qual estas divergências surgiram não é limitada de nenhum modo por seis mil anos; e (2) visto que as espécies em geral exibem sua maior força de divergência em variedades imediatamente após sua primei­ ra introdução, todas as variedades das espécies humanas podem ter apresenta­ do a si mesmas na história mais recente do homem. Exemplos de m udança fisiológica como resultado de novas condições: A Irlanda dirigida há dois séculos pelos ingleses de Armagh e o sul de Down, tornaram -se prógnatos como os australianos. Os habitantes da Nova Ingla­ terra descenderam dos ingleses, apesar de que agora têm um tipo físico que lhes é caraterístico. Os índios da Am érica do Norte, ou pelo menos algumas tribos deles, têm alterado perm anentem ente a form a do crânio usando faixas na infância. Os siques da índia, desde o estabelecim ento da religião Baba Nanaque (1500 A.D.) e seu conseqüente avanço na civilização transform a­ ram sua cabeça para mais longa e características mais regulares de sorte que agora eles se distinguem mais dos seus vizinhos afegãos, tibetanos, hin­ dus. Os selvagens ostiacos transform aram -se na nobreza magiar da Hungria. Os turcos da Europa estão, na conform ação craniana, em grande avanço na direção dos turcos da Ásia de quem descendem. Os judeus provêm incontestavelm ente de um mesm o ancestral; apesar de que tem os entre eles os judeus poloneses de cabelos loiros, os judeus m orenos da Espanha e os judeus etíopes do Vale do Nilo. Os portugueses que se estabeleceram nas índias Orientais no século XVI têm a com pleição tão escura como os próprios hindus. Os africa n o s to rn a m -se de co m p le içã o m ais cla ra quando vêm das bancas aluviais ribeirinhas para as terras mais altas, ou da costa; e, ao

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contrário, as tribos da costa que tiraram os negros do interior e tom aram os limites do seu território, tornando-se eles mesmos tam bém negros. A lei da plasticidade originariam ente maior, m encionada no texto, foi pri­ meiro sugerida por Hall, o paleontólogo de Nova Iorque. D a w s o n aceita-o e o define em Story o f the Earth and Man, 360 - “ Está chegando uma nova lei: que as espécies, quando a princípio introduzidas, tem o poder inato de expansão que as capacita a rapidam ente estender-se aos limites do seü âmbito geográfico e até chegar ao limite da sua diversificação em raças. Uma vez este alcançado, tais raças correm em linhas paralelas até que uma a uma se esgotem e desapareçam. D e acordo com esta lei as mais aberrantes raças podiam desenvolver-se em poucos séculos, após o que cessaria a diferença e as diversas linhas de variação perm aneceriam ao menos até fixarem as condições que elas originaram ” . Joseph Cook: A variabilidade é uma quanti­ dade em diminuição; a tendência de mudança é m aior no começo, mas, como a média do movimento de uma pedra lançada para o alto, diminui com o pas­ sar do tempo. R u s k in , Seven Lamps, 125 - “A vida de uma nação, via de regra, é como o fluxo de um a correnteza de lava, a princípio brilhante e feroz, e depois lânguida e coberta, avançando, por fim, só caindo aos poucos de seus blocos fundidos” . R e n o u f , H ibbert Lectures, 54 - “Quanto mais recua­ mos rumo à antigüidade, mais aproxim a o tipo egípcio do Europeu” . Rawlinson diz que os negros não são representados nos m onum entos egípcios antes de 1500 a.C. A influência do clim a é muito grande, especialm ente no estado selvagem. Em maio de 1891, morreu em São Francisco o filho de um intérprete na Casa de Câmbio dos Mercadores. Ele tinha 21 anos de idade. Três anos antes de sua morte sua pele clara era a sua prim eira dem onstração da beleza masculina. Foi atacado pelo “mal de Addison” , escurecendo gradualmente a cor da superfície do seu corpo. Na ocasião da sua morte a sua pele era tão escura com o a de um negro legítimo. C ham ava-se G e o r g e L. S t u r t e v a n t .

III. ELEMENTOS ESSENCIAIS DA NATUREZA HUMANA 1 . Teoria Dicotomista

O homem possui uma dupla natureza: por um lado material, por outro lado imaterial. Ele é corpo e espírito, ou alma. A consciência testifica que há dois e só dois elementos no homem. A Escritura confirma este testemunho no qual a representação prevalecente da constituição humana é a dicotomia. Dicotomista, de 8íxa, ‘em dois’ e t c ^ v c d , ‘cortar’, = form ado de duas partes. O homem é tão consciente de que a sua parte im aterial é uma unidade como o seu corpo tam bém o é. Ele conhece duas, e só duas, partes do seu ser corpo e alma. Assim o homem é o verdadeiro Janus ( M a r t e n s e n ), o Sr. que vê em duas direções (Bunyan). Ficará claro que as Escrituras favorecem a dico­ tomia, considerando

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a) O registro da criação do homem (Gn. 2.7), no qual, como resultado do

sopro do Espírito divino, o corpo toma-se possuído e vitalizado por um só princípio: a alma vivente. Gn. 2.7 - “ E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou nos seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” - aqui não se diz que o homem era prim eiro alma vivente e depois Deus soprou neie um espírito; mas que Deus soprou o espírito e o homem tornou-se alma vivente = a vida de Deus apossou-se do barro e, como resultado, o homem teve uma alma. Cf. Jó 27.3 - “ Enquanto em mim houver alento e o sopro de Deus em meu nariz” ; 32.8 - “Há um espírito no homem e a inspiração do Todo-poderoso os faz entendidos”; 33.4 - “O espírito de Deus me fez e a inspiração do Todo-poderoso me deu vida”.

b) Passagens em que a alma humana, ou espírito, se distingue tanto do

Espírito divino de que procede como do corpo em que habita.

Nm. 16.22 - “Ó Deus, Deus dos espíritos de toda a carne”; Zc. 12.1 “S e n h o r... que form a o espírito do homem dentro dele” ; 1 Co. 2.11 - “o espí­ rito do homem que nele está ... o Espírito de Deus”; Hb. 12.9 - “ao Pai dos espíritos” . As passagens já m encionadas distinguem o espírito do homem do Espírito de Deus. As passagens seguintes distinguem a alma, ou espírito humano do corpo em que habita: Gn. 35.18 - “E aconteceu que, saindo-lhe a alma (porque m orreu)”; 1 Re. 17.21 - “Ó Senhor, meu Deus, rogo-te que torne a alma deste menino a entrar nele” ; Ec. 12.7 - “o pó volte à terra como era, e o espírito volte a Deus, que o deu”; Tg. 2.26 - “O corpo sem o espírito está morto” . O primeiro grupo de passagens refuta o panteísmo; o segundo refuta o materialismo.

c) O uso intercambiável dos termos ‘alma’ e ‘espírito’. Gn. 41.8 - “o seu espírito perturbou-se”; cf. SI. 42.6 - “dentro de mim a minha alma está abatida” . Jo. 12.27 - “Agora a m inha alma está perturbada”; cf. 13.21 “turbou-se o seu espírito” . Mt. 20.28 - “dar a sua vida (yuxiív) em resgate de muitos” ; cf. 27.50 - “entregou o seu espírito (jtveú^a)”. Hb. 12.23 “aos espíritos dos justos aperfeiçoados” ; cf. Ap. 6.9 - “vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por am or da palavra de Deus” . Nestas passa­ gens, parece que “espírito” e “alma” são em pregados em intercâm bio uma com a outra.

d) A menção de corpo e alma (ou espírito) constituindo juntos o homem como um todo. Mt. 10.28 - “perecer no inferno tanto a alm a como o corpo”; 1 Co. 5.3 “ausente no corpo, mas presente no espírito” ; 3 Jo. 2 - “desejo que te vá bem

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e que tenhas saúde assim como vai bem a tua alm a”. Estes textos implicam que o corpo e a alma (ou espírito) constituem o homem todo.

2 . Teoria

Tricotomista

Ao lado desta representação comum da natureza humana consistindo em duas partes, acham-se passagens que, à primeira vista, parecem favorecer a tricotomia. Deve-se reconhecer que nvetipa (espírito) e (alma), apesar de usados com freqüência de modo intercambiável e sempre designando a mesma substância indivisível são às vezes empregados como termos contras­ tantes. Neste emprego mais preciso, denota a parte imaterial do homem em seus poderes e atividades inferiores; como xirux1! o homem é um indivíduo consciente e em comum com o bruto tem uma vida animal, com apetite, ima­ ginação, memória, entendimento. ITveúpa, por outro lado, denota a parte ima­ terial do homem em sua mais elevada capacidade e faculdade; - como 7rveí)p,a o homem se relaciona com Deus e possui os poderes da razão, consciência e livre vontade que o diferencia do bruto e o constitui responsável e imortal. Nos textos que se seguem, espírito e alma distinguem -se um do outro: 1 Ts. 5.23 - “ E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenam ente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” ; Hb. 4.12 - “ Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” . Compare 1 Co. 2.14 - “Ora, o homem natural (gr. ‘psíquico’) não com preende as coisas do Espíri­ to de Deus” ; 15.44 - “Semeia-se o corpo animal (gr. psíquico), ressuscita­ rá corpo espiritual. Se há corpo animal (gr. psíquico), há também corpo espi­ ritual”; Ef. 4.23 - “e vos renoveis no espírito do vosso sentido” ; Jd. 19 - “sen­ suais [GR, psíquico], que não têm o Espírito” .

O elemento de verdade na tricotomia é simplesmente que o homem tem uma triplicidade de dons, em virtude dos quais a alma se relaciona com a matéria, consigo e com Deus. A teoria tricotomista, contudo, do modo em que é comumente definida, põe em perigo a unidade e imaterialidade da nossa mais elevada natureza sustentando que o homem consiste em três substâncias, ou três partes componentes - corpo, alma e espírito - e que alma e espírito são distintos um do outro do mesmo modo que a alma e o corpo. Os que defendem este ponto de vista divergem entre si quanto à natureza da v|/dxií e sua relação com os outros elem entos do nosso ser; alguns (como D e lit z s c h ) sustentam que a 6 um efluxo do 7tve0)a.a, distinto em substân­

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cia, mas não em essência, como o Verbo divino se distingue de Deus, mesmo sendo ainda Deus; outros (como Gõschel) considerando a y u x ú não como substância distinta, mas como resultado da união do TtvEújxa com o arô(xa. Outros ainda (como Cremer) sustentam que a \|/dxt| se sujeita à vida pessoal cujo princípio é o nveCua. Heard, Tripartite N ature o f Man, 103 - “Deus é o Criador ex traduce do elemento animal e intelectual de cada homem. ... Não é assim com o espírito. ... Este procede de Deus, não por criação, mas por emanação” .

Consideramos a teoria tricotomista insustentável, não só pelas razões já apresentadas como prova da teoria dicotomista, mas a partir das considera­ ções adicionais: a) Emprega-se nveíjpa, assim como \|/d%ti, para designar o bruto. Ec. 3.21 - “Quem adverte que o fôlego dos filhos dos homens sobe (roda­ pé ‘vai’) para cim a e que o fôlego dos animais desce (rodapé ‘vai’) para baixo da terra?” Ap. 16.3 - “ E o segundo derramou sua taça no mar; e ele se tornou sangue; e toda alma vivente m orreu” = o peixe.

b) Atribui-se \(/'ux'n a Jeová. Am. 6.8 - “Jurou o Senhor Jeová pela sua alma” (LXX e c t o t ó v ) ; Is. 42.1 “o meu Eleito, em quem se com praz a m inha alm a” ; Hb. 10.38 - “Mas o justo viverá pela fé; e, se ele recuar a minha alma não tem prazer nele”.

c) Os mortos desencarnados são chamados \|/u%aí. Ap. 6.9 “Vi debaixo do altar as alm as dos que foram mortos por amor da palavra de Deus”; cf. 20.4 “almas dos que foram degolados”.

d) Atribuem-se os mais elevados exercícios da religião à Mc. 12.30 - “Amarás, pois, ao Senhor, teu Deus ... de toda a tua alma”; Hb. 6.18,19 - “a esperança proposta; a qual tem os com o âncora da alma”; Tg. 1.21 - “a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar a vossa alma”.

é) Perder a xj/tíxfi é perder tudo. Mc. 8.36,37 - “ Pois que aproveitaria ao homem ganhar o mundo todo e perder a sua alma? Ou que daria o homem pelo resgate da sua alma?”

f) As passagens nas quais se confia para apoiar a tricotomia podem ser melhor explicadas com base no ponto de vista já indicado de que alma e espí­

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rito não são duas substâncias ou partes distintas, mas designam o princípio imaterial de diferentes pontos de vista. 1 Ts. 5.23 - “vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenam ente conserva­ dos” = não uma enumeração científica das partes constituintes da natureza humana, mas um apanhado da sua natureza nas principais relações; compa­ re Mc. 12.30 - “amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças” - onde ninguém pensaria ser uma prova para encontrar uma quádrupla divisão da natureza humana. Sobre 1 Ts. 5.23 ver Riggenbach (Lange’s Com.). Hb. 4.12 - “e penetra a divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas” = não a divisão entre a alma e o espírito, ou entre as juntas e m edulas; mas penetra mais ainda na alma e no espírito até nas juntas e medulas destes; i.e. até as profundezas da natureza espiritual. Jd. 19 “sensuais, que não têm Espírito” (\|A)XiKoí, 7tve,0)j.a |ií| ê%ovxeç) - embora 7tve%ia = o espírito humano, não sig­

nifica necessariam ente que não exista o espírito, mas que o espírito está entorpecido e é inoperante - como dizemos do homem fraco: ‘ele não tem cabeça’, ou de um homem sem princípios: ‘ele não tem consciência’. “A dis­ tinção entre y u / i í e n v e C ^ a é funcional não substancial'. M o u le , Outlines of C hristian Doctríne, 161 ,1 6 3 -2 - “Alm a = espírito organizado inseparavelm ente ligado ao corpo; espírito = o ser interior do homem considerado como dom de Deus. Não são elem entos separados” . M a r tin e a u , S eat o f Autoríty, 39 “A diferença entre o homem e as demais criaturas na terra não é que a vida instintiva do homem seja m enor do que a dos animais porque, na verdade, ela vai além daquelas; mas é que, no homem, ela age em presença de outras forças que a transform am e sob a vista delas e, ao dar-lhe visão e luz, retiralhe a cegueira. Deixa-se ao homem os seus próprios segredos”.

Concluímos que a parte imaterial do homem, vista como uma vida indivi­ dual e consciente, capaz de possuir e animar um organismo físico, chama-se \j/u%ri; vista como um agente racional e moral suscetível de influência e habita­ ção divina chama-se 7tveí)|j,cx. nveCpa, então, é a natureza do homem com os olhos voltados para Deus e capaz de receber e manifestar o nveupot ãyiov; \|/-u%ri é a natureza do homem com os olhos voltados para a terra e tocando o mundo dos sentidos, nveftpa é a parte mais elevada do homem relacionada com as realidades espirituais ou capaz de tais relações; a é a parte mais elevada do homem, relacionada com o corpo ou capaz de tal relação. Portanto, o homem não é tricotômico, mas dicotômico, e sua parte imaterial, conquanto possua dualidade de poderes, tem unidade de substância. A natureza do homem não é uma casa de três andares, mas de dois, com janelas no superior, apontando para duas direções - a terra e o céu. O andar inferior é a nossa parte física - o corpo. Mas “o andar superior” do homem tem dois aspectos; há um panoram a das coisas inferiores e uma clarabóia através

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da qual se vêem as estrelas. “A alma” , diz H o v e y , “ é o espírito modificado pela união com o corpo” . É o homem a mesma coisa que o bruto, em gênero, embora diferente em grau? Não. O homem é diferente em gênero, embora possua certos poderes iguais ao do bruto. O sapo não é uma sensitiva em tam anho aumentado, apesar de que os seus nervos respondem autom atica­ mente à irritação. O animal é de gênero diferente do vegetal apesar de ter os mesmos poderes que este. Os poderes de Deus incluem os do homem; mas a substância do homem não é a mesma de Deus nem aquele pode ser aumen­ tado e desenvolvido até chegar a ser Deus. As forças do homem incluem as do bruto, mas este não é a mesm a substância que aquele, nem poderia desenvolver-se até chegar a ser homem. P o r t e r , Human Intellect, 39 - “O espírito do homem, além dos seus mais elevados dotes, pode tam bém possuir os poderes inferiores que dão vida à m atéria morta em um corpo hum ano” . Não se segue que a alma do animal ou da planta seja capaz de exercer as funções ou desenvolvim entos mais eleva­ dos do homem, ou que a sujeição do espírito ao corpo do homem, na vida presente, desaprove a sua imoralidade. Continua P o r t e r : “O fato de que a alma com eça a existir como força vital, não requer que sempre exista como força ou em conexão com um corpo material. Deveria requerer outro corpo, que tenha o poder para criá-lo para si mesmo, como form ou aquele em que anteriormente o habitara; ou já pode tê-lo form ado e mantê-lo pronto para a ocupação e uso tão logo retire aquele que o mantinha em conexão com a terra”. H a r r is , Philos. Basis o f Theism, 547 - “Os brutos podem te r vida orgânica e sensibilidade, e ainda continuam subm ersos na natureza. Não é a vida nem a sensibilidade que elevam o homem acim a da natureza, mas a característica distintiva da p ersonalidade” . P a r k h u r s t , The Pattern in the Mount, 17-30 sobre Pv. 20.27 - “O espírito do homem é a lâm pada do Senhor” - não neces­ sariam ente ilum inado, mas capaz de sê-lo, pelo toque da cham a divina. Cf. Mt. 6.22,23 - “A candeia do corpo ... Se a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas S c h l e ie r m a c h e r , Chrístliche Glaube, 2.487 - “Só pensamos no espírito como alma, quando esta se encontra no corpo, de sorte que não podemos falar em imortalidade da alma, no sentido próprio, sem vida biológica” . A doutrina do corpo espiritual é, portanto, o com plem ento da doutrina da im ortalidade da alma. A. A. H o d g e , Pop. Lectures, 221 - “ Para nós, alma é apenas uma coisa, /'.e., um espírito encarnado, um espírito com um corpo. Por isso nunca falamos em alma dos anjos. São elas espíritos puros, sem corpos”. L i s l e , Evolution o f Spiritual Man, 72 - “O animal é o alicerce do espiritual; é o que a despensa significa para a casa; é a base do m antim ento”. L a d d , Philos. o fM in d , 371-378 - “A tricotom ia é absolutam ente indefensável baseada na ciência psicológica. A razão do homem ou o espírito que está no homem, não deve ser considera­ do como um tipo de teto de mansarda construída em um prédio de um b lo c o em que todos os habitantes são substancialm ente sem elhantes ... Ao contrá­ rio, em cada conjunto de características, desde aquelas chamadas inferiores até as pronunciadam ente superiores, a alma hum ana é diferente da alma de qualquer espécie de animais. ... A mais elevada tam bém contém a inferior. Todos devem estar ligados a um súdito”.

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Este ponto de vista de alma e espírito como aspectos diferentes do mesmo princípio espiritual fornece refutação a seis importantes erros: a ) Dos gnósticos, que sustentavam que o rcveíjpa é a parte da essência divina e, portanto, incapaz de pecar. b ) Dos apolinaristas, que ensinavam que a humanidade cristã abrangia ape­ nas oóòp.a e yDxri, enquanto a sua natureza divina fornecia o Ttveupa. c) Dos semipelagianos, que isentavam o T iv e ra humano do domínio do pecado original. d ) De P lá c e o , que sustentava que Deus criou só o nveúpa (ver nossa seção sobre Teorias da Imputação). é) De Juuus M ü l l e r , que sustentava que a V|/t>xr| nos vem de Adão, mas que o nosso 7rve%t.a se corrompeu num estado anterior ao ser. f ) Dos aniquilacionistas, que sustentam que se soprou no homem, em sua criação, um elemento divino que se perdeu por causa do pecado, e que se recupera só na regeneração; de modo que só com a restauração do seu TtveOpa em virtude da união com Cristo o homem se torna imortal e a morte é para o pecador uma completa extinção do ser. Quase podia entender-se que Tácito é um tricotom ista quando escreve: “Si ut sapientibus placuit, non extinguuntur cum corpore magnae anim ae” A tricotom ia concorda prontamente com o m aterialismo. Muitos tricotomistas sustentam que o homem pode existir sem um ^ v e í^ a , mas que o amixa e a \)/d x ií por si mesmos são som ente m atéria e incapazes de existência eterna. A tricotomia, contudo, quando fala do homem, parece ter um sabor de emana­ ção ou de panteísmo. Um poeta m oderno inglês descreve a alegre e cativante criança como “ Uma correnteza prateada rom pendo em gargalhada desde o lago divino, De onde fluem todas as coisas” . Outro poeta, R o b e r t B r o w n in g , em sua D eath in the Desert, 107, descreve o corpo, a alma e o espírito como “O que faz, o que conhece, o que é - três almas, um hom em ” . A Igreja do Oriente de um modo geral defendia a tricotom ia. Seu melhor representante é João Damasceno (ii. 12), que fala da alma como o princípio sensitivo de vida que eleva o espírito - o espírito é um efluxo de Deus. Por outro lado, a Igreja do Ocidente, via de regra, defende a dicotom ia e tem como representante máximo A n s e l m o : “Constat homo ex duabus naturis, ex natura, animae et natura carnis”. Na controvérsia, Lutero tem sido citado de am bos os lados: D e l i t z s c h , Bib. Psych, 460-462, com o tricotom ista e, fazendo o tabernácuio mosaico com suas três divisões uma imagem do homem tripartite. “A primeira divisão” , diz ele,.“cham a-se o santo dos santos, porque lá Deus habitava e ali não há luz alguma. A seguir vem o lugar santo, pois dentro dele fica o candelabro com os sete braços e lâmpadas. O terceiro cham a-se o átrio, ou corte; está sob o amplo céu e aberto à luz solar. Encontra-se a pintura de um regenerado. O seu espírito é o santo dos santos, a habitação de Deus, nas trevas da fé, sem luz, porque ele crê no que ele não vê, nem sente, nem compreende.

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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A psiquê

daquele homem é o lugar santo, cujas sete luzes representam as várias forças do entendim ento: a percepção, o conhecim ento das coisas materiais e as coisas visíveis. O seu corpo é o átrio que está aberto a todos, de modo que todos podem ver como ele age e vive” . Contudo, T o m a s iu s , Christi Person und Werk, 1.164-168, cita de Lutero a seguinte afirmação, claram ente dicotomista: “A prim eira parte, o espírito, é a mais elevada, a mais profunda, a mais nobre parte do homem. Através dela o homem se habilita a com preender as coisas eternas, em resumo, a casa em que habita a fé e a palavra de Deus. A outra, a alma, neste mesmo espírito, conforme a natureza, mas ainda em outro tipo de atividade, a saber, neste, que anima o corpo e opera através dele; e o seu método não é apegar-se às coisas incom preensíveis, mas apenas ao que a razão pode pesquisar, conhe­ cer, e m ensurar”. O próprio Tomásius diz: “ Defendo, com M e y e r , que a tricoto­ mia não é sustentada pela Escritura”. N e a n d e r , às vezes citado como tricoto­ mista, diz que o espírito é a alma em sua relação elevada e normal com Deus e com as coisas divinas; a \|ro%íj é a mesm a alm a em sua relação com as coisas sensíveis e talvez pecam inosas deste mundo. G o d e t , Bib. Studies of O.T., 3 2 - 0 espírito = o sopro de Deus, considerado independente do corpo; a alma = o mesmo sopro, até onde vivifica o corpo”. A doutrina que tem os defendido, contudo, em contraste com o ponto de vista pagão, honorífica o corpo do homem, procedente das mãos de Deus e, portanto, organicam ente puro (Gn. 1.31 - “ E viu Deus tudo quanto tinha feito e eis que era muito bom ”); pretendeu ser o lugar de habitação do Espírito divino (1 Co. 6.19 - “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que está em vós, proveniente de Deus?”); e contém o germe do corpo celestial (1 Co. 15.44 - “Sem eia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiri­ tual” ; Rm. 8.11 - “tam bém vivificará o vosso corpo mortal pelo Espírito que em vós habita” - aqui muitas antigas autoridades redigem “por causa do Espírito que habita em vós”- 5 i á t ò è v o i k o ú v c c d to ú n v e v j i a ) . B i r k s , D ificuldades da Fé, sugere que o homem, diferentem ente dos anjos, pode ter sido provido de um corpo carnal, 1) para objetivar o pecado e 2) capacitar Cristo a unir-se à raça a fim de salvá-la.

IV. ORIGEM DA ALMA Três teorias relativas a este assunto têm dividido as opiniões: 1.

Teoria da Preexistência

P l a t ã o , F ilo e O ríg e n e s sustentaram este ponto de vista; o primeiro para explicar que a alma possui idéias não derivadas dos sentidos; o segundo para dar conta de seu aprisionamento no corpo; o terceiro para justificar a dispari­ dade de condições nas quais os homens entram no mundo. Preocupam-nos, contudo, só as formas que os pontos de vista assumiram nos tempos moder­ nos. K a n t e J u liu s M ü l l e r , na Alemanha, e Edward Beecher, na América,

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defenderam-no apoiados em que a depravação inata da vontade humana só pode ser explicada supondo um ato pessoal de autodeterminação em um esta­ do prévio, ou atemporal do ser. A verdade baseada na teoria da preexistência é sim plesm ente a existên­ cia ideal da alma, antes do nascimento, na mente de Deus - isto é a presciência de Deus a respeito da alma. As idéias intuitivas que a alma possui, tais como espaço, tempo, causa, substância, direito, Deus, evoluem a partir dela; em outras palavras, o homem é constituído de tal modo que percebe estas verdades sobre as ocasiões e condições próprias. A aparente lem brança de que tem os visto em certa época do passado uma paisagem que sabemos estar agora pela primeira vez diante de nós é uma reunião ilusória de con­ ceitos fragm entários ou a confusão de uma parte com o todo; já vim os algo como uma parte da paisagem , e na nossa fantasia vim os esta paisagem em seu todo. Nossa recordação de um evento ou cena é um todo, mas esta idéia pode ter um número indefinido de idéias subordinadas contidas nela. A v i s t a d e a lg o q u e é s e m e l h a n t e to d o . C

o l e r id g e :

a um a dessas

p a rte s s u g e re

o passado

“ É a g r a n d e le i d a i m a g i n a ç ã o q u e a s e m e l h a n ç a e m p a r t e

te n d e a to r n a r a s e m e lh a n ç a d o to d o ” . A m e m ó r ia p o d e e x e r c e r u m

g o s t in h o

p a p e l im p o r ta n te

s u g e r e q u e e s ta ilu s ã o d a

n o d e s e n v o lv im e n t o

d a c re n ç a

n a m e te m p s ic o s e . W il l ia m J a m e s dá outras explicações em sua Psicologia: Os traços do cére­ bro estim ulados pelo evento próprio, e esses estim ulados em sua lembrança, são diferentes; B a l d w i n , Psychology, 263,264: Não podemos lem brar o que vimos em um sonho ou pode haver um reflorescim ento das experiências dos ancestrais ou da raça. Outros ainda sugerem que os dois hem isférios do cérebro agem assincronicam ente; a autoconsciência ou a percepção distin­ gue-se da percepção; o desacordo, a partir da fadiga, dos processos de sen­ sação e percepção causa a param nésia. S u l l y , lllusions, 280, fala de uma mem ória orgânica ou atávica: “ Pode não acontecer que, pela transm issão da lei da hereditariedade ... antigas experiências ocasionalm ente se reflitam em nossa vida mental, e desse modo façam surgir lem branças aparentemente pessoais?” L e t s o n , The Crowd, crê que a turba é atávica e que baseia a sua ação em impulsos herdados: “Os reflexos herdados são memórias atávicas” (citação de C o l e g r o v e , M em ory, 204). P l a t ã o sustenta que as idéias intuitivas são reminiscências de coisas apren­ didas em um estado prévio do ser; ele considera o corpo como o túm ulo da alma; e defende que a alma tem conhecim ento anterior à sua entrada no corpo como prova que a alm a tem conhecim ento depois de deixar o cor­ po, isto é que ela é imortal. Ver P l a t ã o , M ênon, 82-85, Fedo, 72-75, Fedro, 245-250, República, 5.460 e 10.614. A l e x a n d e r , Theoríes o f the Will, 3 6 ,3 7 “ Platão representa as almas preexistentes como se tivessem posto diante de si a escolha da virtude. A escolha é livre, mas é ela que determ ina o destino da alma. Deus não é o responsável pela escolha, mas o responsável é aquele que escolhe. Feita a escolha, as almas seguem o seu destino, que é irrever­ sível. Como a teologia cristã ensina que o homem é livre, mas perdeu a sua liberdade com a queda de Adão, do mesmo modo P l a t ã o afirm a que a alma

T

e o l o g ia

S

is t e m á t ic a

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preexistente é livre até que tenha escolhido a sua sorte na vida” . Ver as Intro­ duções às obras supram encionadas de P l a t ã o , nas traduções de Jovett. F il o sustenta que todas as almas são em anações de Deus e que, diferentemente dos anjos, as que se perm itiram ser atraídas pela matéria são, por causa da sua queda, condenadas ao aprisionamento no corpo, o qual as corrompe e do qual elas devem libertar-se. Ver F il o , De Gigantibus, ed. de Pfeiffer, 2.360-364. O r íg e n e s explica a disparidade das condições no nascimento pelas diferen­ ças na conduta destas mesmas alm as em um estado anterior. A justiça de Deus a princípio fez todas almas iguais; a condição aqui corresponde ao grau anterior de culpa; Mt. 20.3 - “outros que estavam ociosos na praça” = almas ainda não trazidas ao mundo. Os talm udistas consideravam todas as almas criadas de uma só vez no princípio e guardadas como o grão de cereal no celeiro de Deus até que chegasse o tem po de juntar-se a cada corpo indica­ do. Ver O r í g e n e s , De A nim a, 7; 7tepi à p x ® v , ii. 9.6; cf. i. 1.2,4,18; 4.36. O ponto de vista de O r íg e n e s foi condenado pelo Sínodo de Constantinopla, 538. Muitos dos fatos e referências anteriores são tom ados de B r u c h , Lehre der Prâexistenz, traduzido na Biblia Sacra, 20.681-733. B r ig g s , School, College and Character, 95 - “ Entre nós, alguns se lem­ bram de quando estávam os na terra pela prim eira vez” ; - isto nos lembra o menino que, sentado num canto antes de nascer, chorava de medo de ser uma menina. A ilustração mais interessante é aquela encontrada na Vida de Sir W alter Scott, de Lockhart, seu genro, 8.274 - “Ontem, na hora do jantar, eu estava estranham ente assom brado com aquilo que poderia cham ar de preexistência - a saber, uma idéia confusa absolutam ente inédita - que os mesmos tópicos tinham sido discutidos e as mesm as pessoas tinham produ­ zido as mesmas opiniões sobre os referidos tópicos. É verdade que pode ter havido alguma base para as lembranças, considerando que ao menos três do grupo eram velhos amigos e há muito viviam em com panhia uns dos outros ... Mas a sensação era tão forte que parecia o que se cham a uma miragem no deserto, ou uma cale n tu ra aos navegantes, quando são vistos lagos no deserto e paisagens silvestres no mar. Ontem isso era muito angustiante e trouxe à mem ória as fantasias do Bispo Berkeley sobre o mundo ideal. Havia um senso vil de ausência de realidade em tudo o que eu fiz e disse ... Bebi vários copos de vinho, mas estes só agravaram a desordem. Não achei a in vino veritas dos filósofos.

À teoria da preexistência apresentamos as seguintes objeções: Não é totalmente desapoiada pela Escritura, mas contradiz diretamente o relato mosaico da criação do homem à imagem de Deus e a descrição de Paulo sobre o mal e a morte na raça humana como resultado do pecado de Adão. a)

Gn. 1.27 - “ E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou” ; 31 - “ E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom ”; Rm. 5.12 - “ Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado a morte, assim tam bém, a morte passou a todos os homens, por isso

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que todos pecaram ” . A teoria da preexistência ainda deixa a dúvida se todos os homens são pecadores ou se Deus arrola só os pecadores sobre a terra.

Se a alma, em seu estado preexistente, era consciente e pessoal é inex­ plicável que não tivéssemos nenhuma lembrança de tal preexistência e de deci­ são tão importante naquela condição anterior do ser; se a alma era inconscien­ te e impessoal, a teoria deixa de mostrar como, envolvendo tão vastas conseqüências, o ato moral poderia ter sido praticado. b)

Cristo lembrou seu estado preexistente; e por que não faríam os o mes­ mo? Há toda a razão para crer que, no estado futuro, lembrarem os da nossa existência presente; por que não lem braríam os o estado passado de onde viemos? Pode-se objetar que os agostinianos sustentam existir o pecado da raça em Adão - do qual nenhum dos descendentes se lembra. Porém respon­ demos que nenhum agostiniano defende a existência pessoal de cada mem­ bro da raça em Adão e, portanto, nenhum agostiniano necessita de explicar a falta de lem brança do pecado de Adão. O defensor da preexistência, contudo, sustenta uma existência pessoal de cada alma em um estado anterior e, por­ tanto, precisa explicar a nossa falta de m em ória da alma preexistente.

c) O ponto de vista não derrama nenhuma luz quer sobre a origem do peca­ do, quer sobre a justiça de Deus no seu trato porque recua a primeira trans­ gressão a um estado de ser em que não havia nenhuma carne para tentar e, então, representa Deus como pondo a queda em condições sensitivas no mais elevado grau desfavorável à restauração deles. Esta teoria só aum enta a dificuldade de explicar a origem do pecado, recuando o seu início a um estado que conhecem os menos do que no pre­ sente. Dizer que a alma naquele estado anterior era só potencialm ente cons­ ciente e pessoal é negar a verdadeira prova e lançar a culpa do pecado no Criador. P f l e id e r e r , Philos o f Religion, 1.228 - “ Em tem pos modernos, os filósofos K a n t , S c h e l l in g e S c h o p e n h a u e r têm explicado o mal a partir de um ato inteligível de liberdade, que (segundo S c h e l l in g e S c h o p e n h a u e r ) ao mes­ mo tem po tam bém efetua a existência tem poral e a condição da alma de cada indivíduo. Mas o que devemos pensar de tais ações e feitos místicos através dos quais o sujeito vem primeiro a existir? Não é isto, que talvez sob tal disfar­ ce singular está escondido o simples pensam ento de que a origem do mal não está tanto em fa ze r a liberdade individual como no seu surgim ento; o que vale dizer, no processo de desenvolvim ento através do qual o homem natural se torna moral e o homem só potencialm ente racional se torna realmente racional?” d ) Conquanto esta teoria dá conta do pecado espiritual inato, como orgu­ lho e inimizade contra Deus, não dá nenhuma explicação do pecado sensitivo

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herdado, que sustenta ter vindo de Adão e cuja culpa deve logicamente ser negada. Conquanto algumas formas da teoria da preexistência estão expostas à última objeção indicada no texto, J u l iu s M ü l l e r reivindica que o seu ponto de vista escapa a isso. A teoria dele, diz, “contradiria a Escritura Sagrada se derivasse a pecam inosidade inata som ente deste ato extratemporal do indiví­ duo, sem reconhecer no referido estado pecaminoso o elemento de depravação hereditária da vida natural e sua conexão com o pecado de nossos pri­ meiros pais” . M ü l l e r , cuja tricotomia aqui determina seu subseqüente esquema total, sustenta que só o jcvefyia decaiu no estado preexistente. Com o corpo a \|n)X"n vem de Adão. O tentador só trouxe a perversidade latente da vontade do homem a uma transgressão aberta. A pecam inosidade hereditária não envol­ ve culpa, mas o princípio hereditário é o “meio através do qual a autoperversão transcendente da natureza espiritual do homem ao seu inteiro modo pes­ soal do ser”. Conquanto nasce culpado no seu ^ v e ^ ta , em razão de que este 7tveí3na pecou em um estado preexistente, ele tam bém nasceu culpado quan­ to à sua yuxf), porque esta form a uma unidade com o primeiro homem na sua transgressão. Mesmo baseado na mais favorável afirm ação do ponto de vista de M ü lle r deixamos de ver como pode consistir com a unidade orgânica da raça; pois naquilo que nos constitui seres humanos - o jtvevna - somos criaturas distin­ tas e separadas como os anjos. Também deixam os de ver como, baseados neste ponto de vista, pode-se dizer que Cristo tom ou a nossa natureza; ou, se ele a tomou, como pode ele não ter com etido pecado. K a h n is , Dogmatik, 3.250 - “ Esta doutrina é inconsistente com o indiscutível fato de que as almas das crianças são sem elhantes à dos pais; e ignora a conexão do indivíduo com a raça” .

2. Teoria Criacionista A r istó teles , J erônim o e P elágio sustentaram este ponto de vista e moder­ namente defenderam-no os católicos romanos e os teólogos reformados. Con­ sidera que Deus criou imediatamente a alma de cada ser humano e uniu-a ao corpo ou na concepção, ou no nascimento, ou num período entre ambos. Os defensores desta teoria apresentam em seu favor certos trechos da Escritu­ ra, referindo-se a Deus como o Criador do espírito humano, juntamente com o fato de que há marcante individualidade na criança, que não pode ser explica­ da como simples reprodução das qualidades existentes nos pais. O criacionismo, como norm alm ente é defendido, considera que apenas o corpo se propaga a p a rtir das gerações passadas. Os criacionistas que defendem a tricotom ia dizem, contudo, que a alm a animal, a y o xri, se propa­ ga com o corpo, enquanto a parte mais elevada do homem, o tcveviíoc, em cada caso é uma criação direta de Deus; o 7cveí>|j.a não é criado bem antes do

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corpo, como crêem os defensores da preexistência, mas no tem po em que o corpo assume sua individualidade distinta. A ris tó te le s (De Anima) é o primeiro a dar expressão a este ponto de vista. Jerônim o diz que Deus “faz almas diariam ente”. Os escolásticos seguiram A ris tó te le s e, através da influência da Igreja Reformada, o criacionism o tor­ nou-se a opinião prevalecente pelos dois últimos séculos. Entre seus melho­ res representantes estão T u rre tin , Institutes, 5.13 (vol. 1.425); H o d g e , Syst. Theol., 2.65-76; M ARTENSEN, Dogm atics, 141-148; L id d o n , Elem ents o f R eligion, 99-106. Alguns teólogos reformados definiram com muita exatidão o método da criação de Deus. Polano (5.31.1) diz que Deus sopra a alma nos meninos quarenta dias após a concepção, e nas meninas oitenta. Gôschel [Herzog, Enciclopédia, art.: Seele] defende que, enquanto a dicotom ia con­ duz ao traducianism o, os tricotom istas se aliam ao criacionism o que conside­ ra o T iv e r a uma criação direta de Deus, mas que a y u x n se propaga com o corpo. Esta corresponde ao nome da fam ília; aquela ao nome cristão. Inclui­ ríamos George Macdonald como um dos que crêem na doutrina da Preexis­ tência ou no Criacionism o, ao escrever no seu Catecism o dos Bebês: “De onde você veio, querido bebê? De um lugar qualquer para cá. De onde você obteve os seus olhos tão azuis? Do céu, quando o atravessei. De onde você recebeu essa lagrim azinha? A chei-a aguardando a m inha vinda até este lugar. De onde você auferiu este ouvido de pérola? Deus falou e ele saiu para ouvir. Como tudo veio a ser o que você é? Deus pensou em mim e dessa form a eu cresci” .

O criacionismo é insustentável pelas seguintes razões: a) As passagens aduzidas em seu apoio podem, com igual propriedade, ser consideradas como expressão da atuação mediata de Deus na origem das almas humanas; entretanto o teor geral da Escritura bem como as suas represen­ tações de Deus como o autor do corpo do homem favorecem esta interpretação. As passagens freqüentem ente apoiadas pelos criacionistas são: Ec. 12.7 - “o espírito volta a Deus que o deu” ; Is. 57.16 - “as alm as que eu fiz”; Zc. 12.1 - “o Senhor que form a o espírito do homem dentro dele” ; Hb. 12.9 “ Pai dos espíritos” . Mas com igual clareza afirm a-se que Deus form a o corpo do homem: S I. 139.13,14 - “Tu form aste o meu interior; entreteceste-m e no ventre de m inha mãe. Graças dou, visto que por modo assombrosam ente m aravilhoso me form aste; as tuas obras são m aravilhosas” ; Jr. 1.5 - “Antes que eu te form asse no ventre materno” . Contudo, não hesitam os em interpre­ tar estas passagens não como expressão imediata da criação, mas m edia­ ta; Deus opera através das leis naturais da geração e desenvolvim ento naqui­ lo que se refere à produção do corpo do homem. Nenhum a das passagens citadas no começo proíbe-nos de supor que ele opera através destas mes­ mas leis naturais na produção da alma. No criacionism o a verdade se encon­ tra na presença e operação de Deus em todos os processos naturais. Um Deus transcendente manifesta-se em toda a geração física. S h a k e s p e a r e : “ Há uma divindade que molda os nossos fins, que os lavra como nós querem os”.

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P f l e id e r e r , Grundríss, 1 1 2 - “O criacionismo, que dá ênfase à origem divina do homem, é inteiramente compatível com o traducianism o, que dá ênfase à mediação dos agentes naturais. Assim, para a raça como um todo, sua ori­ gem na atividade criadora de Deus é perfeitam ente consistente com a produ­ ção da evolução natural”.

b) O criacionismo considera o pai terreno gerando apenas o corpo de seu filho - certamente não como o pai da parte mais elevada dele. Isto faz o ani­ mal ter mais nobres poderes de propagação do que o homem; pois o animal se multiplica segundo a sua própria imagem. A nova fisiologia apropriadam ente encara a alma, não como algo exterior­ mente acrescido, mas como um princípio anim ador do corpo desde o começo e que tem uma influência determ inante no desenvolvim ento integral. A teoria criacionista não dá explicação adequada por que os filhos são semelhantes aos seus pais no que se refere ao intelecto e ao espírito do mesmo modo que ao elemento físico. M a s o n , Faith o fth e Gospel, 115 - “O am or dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais protesta contra a doutrina de que só se transmite o corpo” . A u b r e y M o o r e , Science a n d the Faith, 207, citada na Revista Con­ tem porânea, dez 1893.876 - “ A o invés da derivação física da alma, defende­ mos a derivação espiritual do corpo” . Devemos corrigir esta afirm ação dizen­ do que defendem os a derivação espiritual tanto da alma quanto do corpo e que a lei natural é tão somente a operação do espírito humano e do divino.

c) A individualidade do filho, mesmo nos casos mais extremos, como no súbito surgimento de famílias obscuras e circunstâncias de homens marcantes como Lutero, podem ser melhor explicadas supondo uma lei de variação impri­ mida na espécie em seu começo - lei cuja operação Deus prevê e supervisiona. Freqüentem ente exageram -se as diferenças dos filhos com relação aos pais; geralm ente os homens são produto dos seus ancestrais e do seu tempo mais do que costum am os pensar. Dickens faz nascer filhos angélicos de pais depravados e os faz nascer em favelas. Mas ele pertence a uma geração passada, quando os fatos da hereditariedade eram desconhecidos. A escola de G e o r g e E l io t está mais próxima da verdade; apesar de exagerar a doutri­ na, toda a idéia da vontade livre e toda a esperança de livrar-se do destino se desvanecem. S h a l e r , Interpretation ofN ature, 78,90 - “Motivos distintos, trans­ mitidos de geração a geração, às vezes perm anecem latentes durante gran­ des períodos para, subitamente, m anifestarem -se sob condições cuja nature­ za não se discerne ... O conflito de herança [a partir de diferentes ancestrais] pode levar à intuição da variedade” . Apesar do ponto de vista de G e o r g e E l io t , como explicar, às vezes, um lírio que se desenvolve em uma lagoa estagnada? Podemos lem brar que os elem entos paterno e materno são diferentes; a união dos dois bem pode pro­ duzir um terceiro em alguns sentidos diferentes; do mesmo modo que, quando

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dois elementos quím icos se unem o produto difere de ambos os constituintes. Convém lembrar tam bém que a natureza é um fator; a alimentação é outro; e este, com freqüência, é mais poderoso que o primeiro (ver G a l t o n , Inquires into Human Facuity, 77-81). O ambiente determ ina em grande parte o desen­ volvim ento e o seu grau. A palavra gênio é outro nome para Providência. Antes e além de tudo devem os reconhecer a m últipla sabedoria de Deus que, na própria organização da espécie, imprime sobre esta uma lei de variação, de sorte que, no tem po próprio e sob condições adequadas, a antiga se m odifica na direção do progresso e avanço para algo mais elevado. G e o r g e A . G o r d o n , C hrist o f today, 123-126 - “ É ridículo explicar A b r a ã o L in c o l n , e R o b e r t B u r n s , e S h a k e s p e a r e baseados nos áridos princípios de hereditarie­ dade e meio ... Toda a inteligência e caráter elevado são transcendentes e têm sua fonte e mente no coração de Deus. É na transcendência de Cristo a respeito das suas condições terrenas que notam os a unicidade com pleta de sua pessoa” .

d) Esta teoria, se permite que a alma seja originariamente possuída de ten­ dências depravadas, faz Deus o autor direto do mal moral; se sustenta que a alma foi criada pura, faz Deus indiretamente o autor do mal moral, ensinando que ele põe a alma pura em um corpo que inevitavelmente se corromperá. O argum ento decisivo contra o criacionism o é o que faz Deus o autor do mal moral. K a h n is , Dogmatik, 3.250 - “O criacionism o se apóia justamente num antiquado dualism o entre alma e corpo. É irreconciliável com a condição pecam inosa da alma humana. A verdade da doutrina é som ente esta, que a geração pode produzir uma vida hum ana imortal conform e o poder que a Palavra de Deus concede e em cooperação especial com o próprio Deus”. A dificuldade de supor que Deus cria uma alma pura só para inseri-la no corpo que infalivelm ente a corrom perá - “sicut vinum in vase acetoso” - levou mui­ tos dos maiores sábios teólogos reformados a m odificar a doutrina criacionista com binando-a com o traducianism o. R o t h e , Dogmatik, 1.249-251, defende o criacionism o em um sentido mais amplo - a união dos elementos paterno e materno sob a expressa e determi­ nante eficácia de Deus. Ebrard, 1.327-332 considera a alma como recriada embora por processo m ediato segundo a lei, que ele cham a de ‘geração m etafísica’. D o r n e r , S ystem o f Doctrine, 3.56, diz que o indivíduo não é somente uma manifestação da espécie; Deus aplica à origem de cada homem um pensamento criativo especial e ato da vontade; contudo ele o faz através da espécie, de modo que se trata da criação por lei; outro filho seria, não a continuação da espécie, mas o estabelecim ento de uma nova. Falando da alma humana de Cristo, D o r n e r diz (3.340-349) que ela não deve sua origem a Maria, nem à espécie, mas ao ato criador de Deus. A alma apropria para si mesma, do corpo de Maria, os elem entos de uma form a humana, purifican­ do-os no processo consistente com o começo de uma vida ainda sujeita ao desenvolvimento e fraqueza humanos. B o w n e , Metaphysics, 500 - “As leis da hereditariedade nunca devem ser vistas como explicação de um fato, mas somente como descrições dele. Não

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como se os ancestrais passassem algo à posteridade, mas tão somente por causa da consistência interior da ação divina” é que são filhos semelhantes a seus pais. Não podemos considerar qualquer destes pontos de vista interm e­ diários como autoconsistentes ou inteligíveis. Passamos a considerar a teoria traducianista que crem os mais plenam ente ir ao encontro dos requisitos da Escritura e da razão.

3 . Traducianista

Este ponto de vista foi proposto por T ertuliano e sustentado implicita­ mente por A g o stin h o . N os tempos modernos tem sido a opinião prevalecente da Igreja Luterana. Sustenta que a raça humana foi criada imediatamente em Adão e, com relação tanto ao corpo como à alma, propagou-se a partir dele por geração natural - e todas as almas desde Adão são apenas mediatamente criadas por Deus, o sustentador das leis de propagação que foram originariamente estabelecidas por ele. Tertuliano, De Anima: “Tradux peccati, tradux animae”. Gregório de Nissa: “ Embora seja um, form ado de alma e corpo, supõe-se que o princípio da sua constituição tam bém seja um; de sorte que não pode ser mais velho nem mais novo do que ele mesmo - aquilo que nele que está fisicam ente é o que vem primeiro; a outra parte vem depois” (citado de Crippen, Hist. o f Christ. Doct., 80). Agostinho, De Pec. Mer. et Rem., 3.7 - “ Em Adão todos pecaram quando na sua natureza estavam num hom em ” ; De Civitate Dei, 1 3 .1 4 - “Pois todos nós estávam os num homem, quando todos éramos aquele homem ... A forma em que cada um de nós deveria viver não era como ainda individual­ mente criada e distribuída para nós, mas já existia a natureza seminal de cuja propagação nós somos o resultado” . Na verdade, A g o s t in h o hesitou em suas afirm ações sobre a origem da alma; parecia tem er que um traducianism o explícito e pronunciado pudesse envolver conseqüências m aterialísticas; contudo, logicam ente apoiado na sua doutrina do pecado original, o traducianismo vem a ser o ponto de vista diretivo dos reformados luteranos. Em sua Conversa de Mesa, Lutero diz: “A reprodu­ ção da humanidade é uma grande maravilha e um grande mistério. Se Deus me tivesse consultado sobre o assunto eu lhe teria sugerido que continuasse a geração das espécies m oldando-as a partir da argila, do mesmo modo que Adão o foi; tam bém o teria aconselhado a deixar que o sol permanecesse suspenso sobre a terra como uma grande lâmpada, mantendo perpétua luz e calor” . O traducianism o defende que o homem, como espécie, foi criado em Adão. Em Adão a substância da humanidade ainda não estava distribuída. De Adão derivamos nosso ser imaterial assim como o material, por leis naturais de propagação - cada homem individualmente, depois de Adão, possui uma parte da substância que se originou nele. A reprodução sexual tem como propósito a conservação das variações dentro do limite. C ada casam ento tende a tra­ zer de volta o tipo individual da espécie. A descendência não representa um

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dos pais, mas ambos. E como cada um destes representa os avós, os filhos representam a raça toda. Sem esta conjugação, as peculiaridades individuais se reproduziriam em linhas divergentes como um tiro de uma arm a de fogo. A fissão necessita de ser suplem entada pela conjugação. O em prego da reprodução sexual deve preservar o indivíduo médio em face da tendência progressiva de variação. Na reprodução assexuada a descendência parte para as linhas de desvio e nunca m esclam as suas qualidades com as dos seus êmulos. A reprodução sexual faz do indivíduo o tipo de espécie e dá solida­ riedade à raça. J o h n M il t o n , em sua Christian Doctrine, é traducianista. Ele não crê na noção de uma alma separada do corpo e habitando nele. Ele crê em uma certa corporificação da alma. A mente e o pensamento estão arraigados num organism o corpóreo. A alma não recebeu o sopro depois que o corpo foi for­ mado. O sopro de Deus nas narinas do homem foi som ente o impulso vivificante ao que já tinha vida. Deus não cria alm as a cada dia. O homem é um corpo e alma, ou alma-corpo e transm ite a si mesmo com o tal. H a r r is , Moral Evolution, 171 - O homem, como indivíduo, tem grande número de ances­ trais assim como grande número de descendentes. Ele é o ponto central de uma ampulheta, ou uma reta entre dois mares que se estendem adiante e atrás. Como, então, escaparemos à conclusão de que a raça humana foi tão numerosa no começo? Devemos lem brar que outros filhos têm os mesmos avós que nós; que tem havido casam entos entre si; e que, além do mais, as gerações correm em linhas paralelas, que as linhas se expandem um pouco em alguns campos e períodos e se estreitam em outros. É como uma parede coberta de papel em padrão diamante. As linhas divergem e convergem, mas as figuras são paralelas.

Com relação a este ponto de vista assinalamos: Parece o melhor segundo a Escritura, que representa Deus criando a espécie em Adão (Gn. 1.27) e desenvolvendo-a e perpetuando-a através de agentes secundários (1.28 cf. 22). Só uma vez soprou-se nas narinas o fôlego da vida (2.7 cf. 22; 1 Co. 11.8. Gn. 4.1; 5.3; 46.26; cf. At. 17.21-26; Hb. 7.10) e depois da formação do homem Deus cessa sua obra da criação (Gn. 2.2).

a)

Gn. 1.27 - “ E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêm ea o criou” ; 28 - “E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra”; cf. 22 - da criação do bruto: “E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai, e m ultiplicai-vos, e enchei as águas dos mares; e as aves se m ultipliquem na terra”. Gn. 2.7 - “ E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida e o homem foi feito alma vivente” ; cf. 22 - “ E da costela que o Senhor Deus tomou do homem formou uma mulher; e trouxe-a a A dão”; 1 Co. 11.8 - “ Por­ que o varão não provém da mulher, mas a mulher, do varão” (è§ àvSpóç). Gn. 4.1 - “ Eva ... gerou Caim”; 5.3 - “Adão ... gerou um filho ... Sete” ; 46.26 “Todas as almas que vieram com José ao Egito, que descenderam dele”; At. 17.26 - “e de um só fez [‘pai’ ou ‘corpo’] toda a geração dos homens”;

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Hb. 7.10 - Levi “ainda estava nos lombos de seu pai quando Melquisedeque lhe saiu ao encontro” ; Gn. 2.2 “ E havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia de toda a sua obra que tinha feito” . S h e d d , Dogm. Theol., 2.19-29, acrescenta também Jo. 1.13; 3.6; Rm. 1.13; 5.12; 1 Co. 5.22; Ef. 2.3; Hb. 12.9; SI. 139.15,16. Só Adão teve o direito de ser criacionista. W e s t c o t t , Com. on Hebrews, 178 - “Os descendentes de Abraão estavam incluídos nele não só com o progenitor, no sentido físico, mas também porque ele foi o recebedor das prom essas em que a plenitude da raça em seus múltiplos desenvolvim entos se incluía. E Levi inclui seus descendentes em sua própria pessoa assim com o ele estava incluído em Abraão” ; “Levi, pagando os dízimos em Abraão, im plica que seus descenden­ tes estão incluídos no ancestral visto que os seus atos têm validade para eles. Fisicamente, ao menos os mortos governam os viventes. O indivíduo não é um ser com pletam ente autocentrado. Ele é membro de um conjunto. Portanto, o traducianism o é uma verdade. Mas, se isto fosse tudo, o homem seria um mero resultado do passado e não teria responsabilidade individual. Há um elemento não derivado do nascimento, embora possa seguir sobre ele. O reconhecimento da individualidade é a verdade do criacionismo. A fo r­ ça da visão segue sobre o órgão da visão, m odificado por esta, mas não criado por ela. Portanto, tem os a unidade social da raça, mais a responsabili­ dade pessoal do indivíduo, a influência comum dos pensamentos mais a fo r­ ça dos grandes homens, o fundam ento da esperança mais a condição do juízo”.

b)

A analogia da vida vegetal e animal o favorece; nela garante-se o cresci­ mento do número, não por multiplicidade de criação imediata, mas pela deri­ vação natural de novos indivíduos a partir de um pai. Uma derivação da alma humana a partir de seus pais não implica um ponto de vista materialista da alma e sua infinda divisão e subdivisão, mais do que semelhante derivação do bruto, prova que o princípio de inteligência nos animais inferiores é totalmen­ te material. O método de Deus não é o do milagre sem fim. Deus opera na natureza através de causas secundárias. Deus não cria um novo princípio vital no começo da existência de cada maçã em separado, e de cada cão em separa­ do. Cada um destes é resultado de uma força que por si se multiplica, implan­ tada de uma vez por todas no prim eiro elemento da sua raça. Dizer, com Moxon (B aptist Review, 1881.278), que Deus é o autor imediato de cada novo indivíduo é negar as causas secundárias e fu n d ir a natureza em Deus. Toda a tendência da ciência moderna acha-se em direção oposta. E não há boa razão para tornar a origem da alma humana individual uma exceção à regra. A g o s t in h o vacilou em seu traducianism o porque temeu a inferência d e q u e a alma é dividida e subdividida, isto é, que se com põe de partes e, portanto, d e natureza material. Mas não se segue que toda separação é material. Nós, na verdade, não sabemos com o a alm a se propaga. Mas sabemos que a vida animal se propaga e que ela não é matéria, nem form ada de partes. O fato de

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que a alma não é matéria, não é com posta de partes, não é razão suficiente por que não possa tam bém propagar-se. É bom lem brar que substância não im plica necessariam ente ou extensão ou figura. Substância é som ente aquilo que está debaixo, que é subjacente, que sustenta, ou, em outras palavras, aquilo que é a base dos fenômenos. A propagação da mente, portanto, não envolve qualquer divisão, ou rompi­ mento, como se a mente fosse uma massa de matéria. A cham a se propaga, mas não por divisão e subdivisão. O Professor L a d d é criacionista, juntamente com L o t z e , que ele cita, mas repudia a idéia de que a mente é suscetível a divisão; ver L a d d , Phiios. o f Mind, 206, 359-366 - “A mente não vem de lugar nenhum, pois ela nunca esteve, como mente, no espaço, e agora não está mais no espaço e não pode ser concebida como vindo e indo pelo espaço ... A mente é um crescim ento ... Os pais não transm item as suas mentes à sua descendência. A mente do filho não existe antes que ele aja. Suas atividades são a sua existência” . Assim podemos dizer que a cham a não tem existência antes que ela aja. Ainda ela pode dever a sua existência a uma chama ante­ rior. Há um provérbio indiano que diz: “ Não há loto sem caule” . H a l l C a in e , em sua novela The Manxman, conta-nos que o Juiz (Deemster) da Ilha do Homem tinha dois filhos. Eram diferentes um do outro quando dentro e fora de uma bola. Mas a bola era o próprio Juiz (Deemster). H a r t l e y C o l e r id g e herdou o imperioso desejo de seu pai por estim ulantes e com isso a sua capacidade de resistir à tentação deles.

c) A observada transmissão não simplesmente de características físicas, mas mentais e espirituais nas famílias e raças e especialmente as tendências morais uniformemente más e disposições que todos os homens possuem des­ de o seu nascimento são prova de que na alma assim como no corpo deriva­ mos o nosso ser de um ancestral humano. G alton, em seu Gênio Hereditário e Pesquisa sobre a Faculdade Humana fornece abundante prova da transm issão de caraterísticas mentais e espiri­ tuais de pai para filho. Ilustrações no caso de fam ílias são os americanos Adams, os ingleses George, o s franceses Bourbon, e os alemães Bach. No caso de raças, são os índios, os negros, os chineses, os judeus. Hawthorne repre­ senta a introspecção e a consciência da Nova Inglaterra Puritana. Emerson teve um ministro entre os seus ascendentes do lado paterno ou do materno no decorrer de cada uma das oito gerações anteriores. Todo ser humano é “ um pedacinho do seu antigo grupo fam iliar” . “O homem é um ônibus no qual os ancestrais estão assentados” (O. W. Holmes). A variação é uma das pro­ priedades das coisas vivas; a outra é a transm issão. “Numa mesa de disseca­ ção, nas mem branas do corpo de uma criança recém -nascida, podem ser vistos ‘os sinais de um beberrão’. As m anchinhas nas faces do seu neto for­ necem um espelho do velho libertino. A hereditariedade é a form a de Deus visitar o pecado até a terceira e quarta gerações” . Sobre a hereditariedade e depravação ver Phelps, Bibiia Sacra, abril 1884.254 - “Quando cada molé­ cula no cérebro paterno tem a form a de um ponto de interrogação, chega

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quase a ser miraculoso se acharm os o sinal de exclam ação da fé nas células cerebrais do filho” . Robert G. Ingersoll diz que a maioria dos grandes homens tem grandes mulheres e que a maioria das grandes mulheres tem grandes pais. A maioria dos grandes é como montanhas com o vale dos ancestrais de um lado e a depressão da posteridade do outro. House o f the Seven Gables de H a w t h o r n e ilustra o princípio da hereditariedade. Mas em seu Fauno de mármore e na Transformação, H a w t h o r n e , não com sabedoria, sugere que o pecado é uma necessidade para a virtude, um cenário ou condição para o bem. D r y d e n , Absalom adn Ahitophel, 1.156 - “Homens de grande inteligência estão certos de que a loucura quase aliada e a fina participação divide os seus territórios”. Lombroso, O Homem Gênio, sustenta que gênio é uma doença mental aliada à mania epileptiform e ou à dem ência de excêntrico. Se fosse assim, inferirse-ia que a civilização é o resultado da insanidade e que, tão logo os napoleões, os dantes, e os newtons se manifestassem, seriam confinados em asilos de gênios.

d) A doutrina traducianista abrange e reconhece o elemento de verdade que

dá plausibilidade ao ponto de vista criacionista. O traducianismo apropriada­ mente definido admite uma concorrência divina em todo o desenvolvimento da espécie humana e permite, sob a orientação de uma Providência superin­ tendente, progressos especiais em tipo no nascimento de homens marcados semelhantes aos que podemos supor terem ocorrido na introdução de novas variedades na criação animal. Page-Roberts, Serm ões na Universidade de Oxford: “ Nada mais injusto que o homem herde tendências más do que herde boas. Tornar impossíveis aquelas é tornar impossíveis estas. O bjetar a lei da hereditariedade é objetar a ordem divina de viver em sociedade e dizer que Deus deveria ter feito o homem, como os anjos, um grupo, não uma raça” . Só se pode explicar as caraterísticas morais comuns à raça com base no ponto de vista da Escritura: “o que é nascido da carne é carne” (Jo. 3.6). Porque a propagação é tanto da alma como do corpo, vemos que gerar filhos sob condições im próprias é cri­ me e que o feticída é homicida. H a e c k e l , Evolution o f Man, 2.3 - “O embrião humano passa por todo o curso de seu desenvolvim ento em quarenta sema­ nas. Todo homem é realmente mais velho do que o período que normalmente se admite. Quando, por exemplo, se diz que um filho tem nove anos e um quarto, na realidade ele tem dez anos” . Não será por esta razão que os hebreus chamam uma criança, no seu nascim ento, de criança de um ano? O Presidente E d w a r d s orava por seus filhos e pelos filhos dos seus filhos no fim do seu período e o Presidente W oolsey congratulava-se pelo fato de ser um dos herdeiros de tais orações. R. W. E m e r s o n : “Como pode o homem desligar-se de seus ancestrais?” O gênio deveria selecionar seus ancestrais com muito cuidado. Quando com eçam os a educação de um filho? Cem anos antes dele nascer. Uma senhora cujos filhos eram barulhentos e traquinas disse a um parente quacre que ela gostaria de poder ter para eles uma boa

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governanta quacre que lhes ensinasse os meios tranqüilos da Sociedade dos Amigos. “ Ela não faria isso” , foi a resposta; “eles deveriam ter sido embalados em um berço quacre, para aprender os modos quacres”. G a l t o n , N atural Inheritance, 104 - “O filho herda em parte de seus pais, em parte de seu ancestral. Em cada povoação em que há liberdade de casa­ mento, a genealogia de qualquer pessoa recua o máximo possível e se verá que o seu ancestral consiste em variados elementos indistintos do tipo tomado, ao acaso, da população em geral” . G a l t o n fala da tendência que as peculiari­ dades têm de reverter ao tipo geral e diz que o irmão de um ser humano se relaciona duas vezes mais com este como o seu pai e nove vezes mais com o seu primo. A estatura pequena de qualquer classe de homem em particular será a mesm a da raça: em outras palavras, será medíocre. Isto pesa muito contra a plena transm issão hereditária de qualquer dom raro ou valioso, assim com o poucos dos m uitos filhos a ssem elhar-se-ão aos seus pais” . Podemos acrescentar a estes pensam entos de G a l t o n que o próprio Cristo, a respeito do seu ancestral humano, não era tanto filho de Maria como filho do homem. B r o o k s , Foundations o f Zoôlogy, 144-167 - num caso investigado, “em sete gerações e meia a ancestralidade máxima de uma pessoa tem 382, ou de três pessoas 1.146. Os nomes de 452 delas ou aproxim adam ente metade, são relacionados, e estes 452 ancestrais nom eados não são 452 pessoas distintas, mas apenas 149, muitas delas em gerações remotas sen­ do ancestrais comuns de todas as três linhas. Se as linhas da descendência dos ancestrais não relacionados fosse interrelacionadas do mesmo modo, caso fossem de uma com unidade antiga e estável a ancestralidade destas três pessoas para sete e meia gerações seria 378 pessoas ao invés de 1.146. Todas os membros de uma espécie descendem de poucos ancestrais numa geração remota e estes poucos são ancestrais comuns de todos. W e is m a n , Heredity, 270, 272, 380, 384, nega a teoria de B r o o k s de que o elemento masculino representa o princípio de variação. Ele acha a causa da variação na união dos elem entos de ambos os pais. Cada filho une as ten­ dências hereditárias de ambos os pais e assim devem ser diferentes um do outro. A terceira geração é uma com binação de quatro diferentes tendências hereditárias. B r o o k s acha a causa da variação na reprodução sexual, mas baseia sua teoria na transm issão dos caracteres adquiridos. Esta transm is­ são é negada por W e is m a n , que diz que a célula germ e m asculina não exerce papel diferente da fem inina na form ação do embrião. Os filhos herdam exata­ mente tanto do pai como da mãe. Os gêmeos idênticos derivam da mesma célula-ovo. Duas células germes não contém exatam ente a mesma com bina­ ção de tendências hereditárias. M udanças no ambiente e no organismo afe­ tam a posteridade não diretam ente, mas através de outras mudanças produ­ zidas em sua matéria germinal. Por isso os esforços para alcançar o alimento em lugares altos não pode diretam ente produzir a girafa.

V. NATUREZA MORAL DO HOMEM São os poderes adequados à ação certa ou errada. Estes poderes são o inte­ lecto, o sentimento e a vontade juntamente com o poder peculiar de discri­

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minação e impulso, que chamamos consciência. Para a ação moral, o homem tem o intelecto e a razão, para discernir entre o certo e o errado; o sentimento para mover-se a cada um deles; vontade livre para fazer um ou outro. Intelecto, sentimento e vontade são as três faculdades do homem. Mas em conexão com estas faculdades há um tipo de atividade que a todos envolve e sem o que não pode haver nenhuma ação moral, a saber, a atividade da consciência. A cons­ ciência aplica a lei moral aos casos particulares em nossa experiência pessoal e proclama essa lei impondo-a a nós. Só um ser racional e que sente pode ser verdadeiramente moral; contudo não cabe aqui tratar do intelecto ou do senti­ mento em geral. Falamos aqui só da Consciência e da Vontade. 1. Consciência

A) A consciência como um conhecimento acompanhante. - Como já se sugeriu, a consciência não é uma faculdade separada, como o intelecto, o sen­ timento e a vontade, mas um modo em que estas faculdades agem. Como o escrúpulo, a consciência é um conhecimento acompanhante. A consciência é um conhecimento do eu (inclusive nossos atos e estados) em conexão com um padrão moral, ou lei. Acrescentando agora o elemento do sentimento podemos dizer que a consciência é o escrúpulo do homem em suas relações morais juntamente com um sentimento peculiar em vista deles. Assim envolve a ação combinada do intelecto com o sentimento em vista de certos tipos de objetos, por exemplo, o certo e o errado. Não existe faculdade ética separada como tam bém não há faculdade estética separada. A consciência é como o gosto; tem que ver com o ser moral e suas relações, como o gosto tem que ver com o ser estético e suas relações. Mas o juízo e o impulso éticos são, como o juízo e o impulso estéticos, o modo através do qual o intelecto, a sensibilidade e a vontade agem com referência a uma certa classe de objetos. A consciência trata do direito como o gosto trata do belo. Como a consciência (con e seio) é um saber com, um saber dos nos­ sos pensamentos, desejos e volições em conexão com um saber do nosso eu que tem estes pensamentos, desejos e volições; assim a consciência é um saber com, um saber dos nossos atos morais e estados em conexão com um saber de algum padrão moral ou lei que é concebida como nosso verdadeiro eu e, por isso, tendo autoridade sobre nós. L a d o , Philos. o f Mind, 183.185 “A condenação do eu envolve auto-anulação, dupla consciência. Sem ela é im possível o im perativo categórico de K a n t . O eu está debaixo da lei de um outro eu, julga-o, ameaça-o. Este é o significado do apóstolo, quando diz: “Já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim” (Rm. 7.17).

B) Consciência discriminativa e impulsiva. - Porém necessitamos de defi­ nir mais estreitamente tanto os elementos intelectuais como os emocionais na

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consciência. A respeito do elemento intelectual, podemos dizer que a cons­ ciência é um poder de julgamento; declara que os atos e estados que se confor­ mam são obrigatórios; os que não se conformam, são proibidos. Em outras palavras, a consciência julga: 1) Isto é certo (ou errado); 2) Tenho o dever (ou não). Em conexão com este último juízo, vem o elemento emocional da cons­ ciência; sentimos a reivindicação do dever; há um senso interior de que não se deve praticar o erro. Assim a consciência é 1) discriminativa e 2) impulsiva. Robinson,

173

Principies and Practice o f Morality, - “A única função distin­ tiva da consciência é a dos autojulgam entos com autoridade na consciente presença de uma Personalidade suprem a diante de quem nós, como pes­ soas, nos sentim os responsáveis. É este duplo elemento pessoal em cada juízo da consciência, a saber, o autojulgam ento consciente na presença do Deus que tudo julga, que levou escritores tais com o Bain, e a tentar uma explicação da origem e autoridade da consciência como produto do ensino paterno e do am biente social ... A consciência não segue os dita­ mes da prudência, nem é conselheira, nem executiva, mas somente judicial. A consciência é a razão moral, que se pronuncia sobre atos morais. A mente consciente fornece a lei; a consciência pronuncia o julgamento; ela diz: Farás, ou Não farás. Todo homem deve obedecer à sua consciência; se ela não for iluminada, é preciso tom ar cuidado. O calejam ento da consciência na vida é uma infração penal” . S unday Schooi Times, de abr. de - “Não basta fazer o m elhor que sabemos a não ser que saibam os exatamente o que é correto e o façam os. Deus nunca nos manda fazer somente o melhor, ou conforme o nosso conhecim ento. É nosso dever conhecer o que é certo, e então praticá-lo. Ignorantia legis neminem excusat. Temos a responsabilida­ de de conhecer antes de praticar” .

Spencer Stephen

5

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C) Consciência distinta de outros processos mentais. - A natureza e o ofí­ cio da consciência ainda serão percebidos mais claramente se a distinguirmos dos outros processos e operações com que freqüentemente se confundem. O termo consciência tem sido empregado por vários escritores para designar qualquer um dos seguintes: 1. Intuição moral —a percepção intuitiva entre o certo e o errado como categorias morais opostas. 2. Lei aceita - a aplicação da idéia intuitiva a classes gerais de ações certas ou erradas independentemente das nossas relações individuais com elas. Esta lei aceita é o produto complexo a ) da idéia intuitiva, b ) da inteligência lógica, c) das experiências da utilidade, d) das influências da sociedade, e) da revelação divina positiva. 3. Juízo aplicando esta lei aceita aos casos individuais e concretos em nossa própria experiência e pronunciando como certos ou errados nossos atos ou estados quer passados, presentes ou prospectivos. 4. Determinação - declaração com autoridade da obrigação de fazer o que é certo ou impedir o errado juntamen­ te com um impulso da sensibilidade afastada de um e na direção de outro.

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5. Remorso ou aprovação - sentimentos morais ou de aprovação ou de desa­ provação em vista dos atos ou estados passados considerados errados ou cer­ tos. 6. Temor ou esperança - disposição instintiva da desobediência a esperar o castigo e obediência a esperar galardão. Ladd,

70 “O

Philos. o f Conduct, sentim ento do dever é primário, essen­ cial e único; os julgam entos quanto ao que se deve fazer são os resultados do ambiente, da educação e da reflexão” . O sentim ento de justiça não é uma herança exclusiva do homem civilizado. Nenhum índio jam ais roubou de suas terras ou teve permissão de seu governo para furtar aquele que não é tão intensamente consciente do erro como em sem elhantes circunstâncias pode­ ríamos conceber que um filósofo o fosse. O dever do dever certamente é intuitivo; o porquê do dever (conform idade com Deus) possivelm ente também é intuitivo; o quê do dever é certamente o menos intuitivo. C u t l e r , Beginnings o f E thics, 163,164 - “A intuição nos diz o que som os obrigados; p o r que somos obrigados e o que somos obrigados, passamos a aprender em outro lugar” . Obrigação = aquilo que se impõe ao homem; dever = algo que cabe ao homem; débito = aquilo que se tem o direito de receber de nós. A noção intuitiva de débito (intelecto) é lançada pelo senso de obrigação (sentimento). B ix b y , Crisis in Morais, - “Todos homens têm o senso do direito; do direito à vida e, contem poraneam ente, talvez, mas certamente mais tarde, do direito à propriedade pessoal. E o meu direito im plica dever para com o meu próximo. Então o sentido de direito torna-se objetivo e impessoal. O dever do meu próximo para comigo implica dever da minha parte para com ele. Eu me ponho em lugar dele” . B o w n e , Principies o f Ethics, - Em pri­ meiro, lugar o sentim ento de obrigação, a idéia de certo e errado com seus correspondentes deveres, é universal ... Em segundo lugar, há um acordo bem generalizado nos princípios form ais de ação e, em grande parte, tam­ bém nas virtudes tais como, benevolência, justiça, gratidão ... Nunca foi um problema real deverm os algo ao nosso próximo. A dificuldade prática sempre tem lançado outra pergunta: Quem é o meu próximo? Em terceiro lugar, o conteúdo específico da moral ideal não é fixo, mas geralm ente discernem-se em que direção ele se encontra ... Na ética tem os sempre o mesmo fato que no intelecto - um padrão potencialm ente infalível, com m últiplos erros em sua apreensão e aplicação. L u c r é c io sustentava que a degradação e a paralisia da natureza moral são resultantes da religião. Por outro lado muitos defen­ dem que sem a religião a moral desaparece da terra”. R o b in s o n , Princ. and Prac. o f Morality, - “O tem or a uma vontade oni­ potente difere muito do remorso na presença da natureza do suprem o Ser cuja lei temos violado” . Estabelece-se o dever de acordo com o padrão da justiça absoluta, não como o sentim ento público determ inaria. O homem deve sempre estar pronto a fazer o que é correto independentem ente do que todos pensam. Como as decisões de um juiz são na época determ inantes a todos cidadãos, assim as decisões da consciência, com o determ inações relativas, devem sempre ser obedecidas. Presume-se que elas são corretas e são um guia presente de atuação. O atual estado de pecado do homem torna possível que as decisões relativam ente corretas podem ser absolutam ente erradas.

203,270

156,188

173

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Não basta tom ar o tem po cronológico de alguém; o relógio pode estar errado; há um dever anterior de acertar o relógio conform e os padrões astronômicos. Bispo Gore: “O primeiro dever do homem não é seguir a sua consciência, mas iluminá-la” . Lowell diz que os citas costum avam com er os seus avós por dever humanitário. P a i n e , Ethnic Trinities, 300 - “ Nada é tão obstinado ou tão fanático que uma consciência erroneam ente instruída, como Paulo mostra em seu caso segundo a sua própria confissão” (At. 26.9 - “Bem eu tinha im aginado contra o nome de Jesus, o Nazareno”).

D) Consciência, a moral judiciária da alma. - A partir do que já se disse anteriormente, é evidente que só o 3 e o 4 são apropriados ao termo consciên­ cia. Consciência é a moral judiciária da alma - a força dentro do juízo e da determinação. A consciência deve julgar segundo a lei que lhe é dada e, por­ tanto, porque o padrão moral aceito pela razão pode ser imperfeito, suas deci­ sões, conquanto relativamente justas, podem ser absolutamente injustas. - 1 e 2 pertencem à razão moral, mas não propriamente à consciência. Daí o dever de esclarecer e cultivar a razão moral de modo que a consciência possa ter um padrão apropriado de julgamento. 5 e 6 pertencem à esfera do sentimento moral e não propriamente à consciência. O ofício da consciência é “testificar” (Rm. 2.15). Em Rm. 2.15 - “os quais mostram a lei escrita no seu coração, testifican­ do juntam ente a sua consciência e os pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os” - temos, por um lado, a consciência claram ente distinta tanto da lei como da percepção desta e, por outro, dos sentim entos morais de apro­ vação, ou desaprovação. A consciência não fornece a lei, mas juntam en­ te com a lei dá testem unho da lei que é fornecida por outras fontes. Não se trata de “que o poder da mente pela qual é descoberta a cada indivíduo” ( C a l d e r w o o d , M oral Philos., 77), nem podemos cham ar à “Consciência, Lei” (como W h e w e l l o faz nos Elements o f Morality, 1.259-266). A consciência não é o livro de leis, na sala de julgam ento, mas é o juiz, cuja função não é fazer a lei, mas decidir os casos segundo a lei que lhe é entregue. A consciência não é legislativa e, portanto, não é retribuível; como não é livro de lei, assim não é o xerife. Na verdade, dizemos na linguagem popular, que a consciência açoita ou castiga, no mesmo sentido em que dizemos que o juiz pune, /'.e., através do xerife. Os sentim entos morais são o xerife; eles tomam as decisões da consciência, como o juiz; mas eles não são a cons­ ciência e nem o xerife é juiz. Só esta doutrina, de que a consciência não descobre a lei, pode explicar, por um lado, o fato de que o homem é obrigado a seguir a sua consciência e, por outro lado, o fato de que a sua consciência difere tão grandem ente quan­ to ao que é certo ou errado em casos particulares. A verdade é que a cons­ ciência é uniforme e infalível no sentido de que sempre decide corretamente segundo a lei que lhe é dada. A decisão do homem varia só porque a razão moral apresentou à consciência padrões diferentes de julgam ento.

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Pode-se educar a consciência no sentido de apenas adquirir maior facili­ dade e vivacidade em tom ar decisões. A educação não tem seu principal efei­ to na consciência, mas na razão moral, refletindo seus padrões errôneos e imperfeitos de julgam ento. Dê à consciência uma lei correta para o julgam en­ to, e suas decisões serão uniform es e absolutam ente assim como relativa­ mente justas. Não somos somente obrigados a “seguir a nossa consciência”, mas a ter uma justa consciência para seguir - e não segui-la como um irra­ cional que o homem dirige, mas como o soldado que segue o seu com andan­ te. Robert J. Burdette: “Seguir a consciência como um guia é como seguir o próprio nariz. É im portante ter o nariz na direção correta antes de estar certo de segui-lo. Alguém pode m anter a aprovação da sua própria consciência exatamente do mesmo modo que manter-se atrás do seu nariz e errar o tem ­ po todo” . A consciência é o conhecim ento conjunto de um ato particular ou estado, vindo sob a lei aceita pela razão quanto ao certo ou errado; e o julgam ento da consciência justifica este ato ou estado com base no padrão geral. A consci­ ência não pode incluir a lei - ela mesm a não pode se r a lei - porque a razão só sabe, mas nunca sabe com (conjuntamente). A razão diz seio (sei); só o julgam ento diz conscio (sei com). Este ponto de vista capacita-nos a harm onizar as teorias intuicionistas e empíricas sobre a moral. Cada uma tem seu elem ento de verdade. O sentido original de certo e errado é intuitivo - nenhum a educação pode jam ais conce­ der a idéia de diferença entre o certo e o errado a alguém que não a tinha. Mas quais classes de coisas são certas ou erradas, é o que aprendemos pelo exercício da nossa inteligência lógica, em conexão com as experiências de utilidade, influências da sociedade e da tradição, e da positiva revelação divi­ na. Por conseguinte, a nossa razão moral, através de uma combinação da intuição com a educação, da inform ação interna com a externa quanto aos princípios gerais sobre o certo e o errado, fornece o padrão segundo o qual a consciência pode julgar os casos particulares que lhe vêm. Esta razão moral pode tornar-se depravada através do pecado de modo que a luz se transform e em trevas (Mt. 6.22,23) e a consciência só tem um padrão perverso através do qual ela julga. A consciência “fraca” (1 Co. 8.12) é aquela cujo padrão de julgam ento é ainda im perfeito; a consciência “cauterizada” ou “em brasa” (Versão Am ericana) “como o ferro aquecido” (1 Tm. 4.2) é aquela cujo padrão se perverteu inteiram ente através da prática da desobe­ diência. A palavra e o Espírito de Deus são os principais agentes para a reti­ ficação dos nossos padrões de julgam ento e, portanto, de capacitação da consciência para a prática das decisões corretas. Em vista disto, Deus pode unir a alma a Cristo, para que ela se torne participante, por um lado, da sua satisfação da justiça e por isso é “purificada da má consciência” (Hb. 10.22) e, por outro lado, do seu poder santificador e é, por conseguinte, capacitada em certo sentido a obedecer ao mando de Deus e falar de uma “boa cons­ ciência” (1 Pe. 3.16 - de um só ato; 3.21 - do estado) em lugar de uma “cons­ ciência má” (Hb. 10.22) ou uma consciência “contam inada” (Tt. 1.15) pelo pecado. Aqui a “boa consciência” é a que obedeceu através da vontade e a “má consciência” a que desobedeceu; no primeiro caso, o resultado é a apro­ vação dos sentim entos morais e, no segundo caso, a desaprovação.

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E) Consciência em sua relação com Deus como legislador. - Porque a cons­ ciência, no seu sentido próprio, dá um juízo uniforme e infalível de que o correto é supremamente obrigatório, e que o errado deve ser rejeitado a todo o custo, pode chamar-se um eco da voz de Deus e uma indicação daquilo que seu próprio ser requer. Às vezes a consciência tem sido descrita como a voz de Deus na alma, ou como a presença e influência pessoais do próprio Deus. Mas não devemos identificar a consciência com Deus. D. W . Faunce: “C onsciência não é Deus é apenas uma parte do nosso eu. Construir uma religião em torno da nossa consciência, como se ela fosse um Deus, é um refinado egoísm o - uma ado­ ração do eu por outra parte do próprio eu” . Em A Excursão, W o r d s w o r t h fala da consciência como “A mais íntima presença de Deus na alma e a mais perfeita imagem no mundo” . “Os judeus dizem que o Espírito Santo falava durante o tabernáculo através de Urim e Tumim, sob o primeiro Templo atra­ vés dos Profetas e sob o segundo tem plo através do Bath Kol - uma indica­ ção divina inferior à voz oracular vinda do propiciatório como se supõe que a filha seja inferior à sua mãe. Usa-se tam bém no sentido de uma consciência aprovadora. Neste caso é o eco da voz de Deus naqueles que, obedecendo, ouvem” ( H ershorís Talmudic Miscellany, 2, nota). A expressão “eco da voz de Deus” é a correta descrição da consciência e é provável que W o r d s w o r t h a tivesse em mente quando fala do dever com o a “filha da voz de Deus” . R o b e r t B r o w n in g descreve a consciência como “o grande farol que Deus põe em todos ... O pior homem sobre a terra ... sabe em sua consciência mais a respeito do que é justo do que quando chega, por ocasião do nascimento, nas ações, o m elhor homem diante do qual nos curvávam os” . J a c k s o n , James Martineau, 154 - O senso da obrigação é “um raio penetrante do grande Orbe das alm as” . Visto que a atividade do Deus imanente se revela nas operações normais das nossas faculdades, a consciência poderia tam bém ser considerada como o verdadeiro eu do homem em oposição ao falso eu que tem os contra ela. T h e o d o r e P a r k e r define a consciência com o o nosso conhecim ento da cons­ ciência de Deus”. Em seu quarto ano, diz C h a d w i c k , seu biógrafo (pp. 12, 13, 185), o jovem Theodore viu uma tartarugazinha m alhada e levantou a sua mão para bater. Algum a coisa reprimiu a sua mão e uma voz dentro dele disse claro e alto: “ Está errado” . Ele perguntou à sua mãe o que se disse a ele que estava errado. Ela limpou uma lágrim a dos seus olhos com o avental e, tom ando-o em seus braços, disse: “ Houve um homem que chamou isto de consciência, mas eu prefiro cham á-la voz de Deus na alma do homem. Se você a ouve e lhe obedece, então ela falará cada vez mais claro e sempre o guiará pelo caminho reto; mas se você se fizer surdo e desobedecer, então pouco a pouco ela desvanecerá e o deixará às escuras e sem um guia. A sua vida depende de você ouvir esta pequena voz”. R. T. S m it h , O M arís Knowledge o f Man and o f God, 87,171 —“O homem tanto tem consciência como talentos. Não mais do que o talento, a consciência o torna bom. Ele só é bom quando segue a consciência e em prega o talento ... Experimenta-se a relação entre os term os consciência e conhecim ento de si m esm o”.

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A consciência do regenerado pode ter padrões tão corretos e suas deci­ sões podem ser seguidas através de tal ação uniform em ente correta, que a sua voz, apesar de não ser a própria voz de Deus, é o seu próprio eco. A consciência renovada levanta-se para si mesma, e pode expressar o teste­ munho do Espírito Santo (Rm. 9.1 - “ Em Cristo digo a verdade, não minto [dando-me testem unho a minha consciência no Espírito Santo]” ; cf. 8.16 “O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus”). Mas mesmo quando a consciência julga conform e os padrões imperfeitos, e a vontade lhe obedece im perfeitam ente, há um a espontaneidade em suas ordens. Ela declara que se deve fazer aquilo que for correto. O imperativo da consciência é um “imperativo categórico” ( K a n t ) . Independe da vontade do homem. Mesmo quando se lhe desobedece, ainda assim afirm a a sua autori­ dade. Cada um dos outros im pulsos e afeições da natureza do homem é chamado a curvar-se diante da consciência.

F) Consciência em sua relação com Deus como santo. - A consciência não é uma autoridade original. Ela aponta para algo mais elevado que ela mesma. A “autoridade da consciência” é simplesmente a autoridade da lei moral, ou melhor, a autoridade do Deus pessoal de cuja natureza a lei é apenas uma transcrição. Por isso a consciência, com sua determinação contínua e suprema de que o que é certo deve ser praticado, fornece a melhor testemunha ao homem sobre a existência de um Deus pessoal e da supremacia da santidade naquele a cuja imagem somos feitos. Ao conhecer-se em conexão com a lei moral, o homem, não só obtém o seu melhor conhecim ento de si mesmo, mas o seu m elhor conhecim ento do outro eu, que se opõe a ele, a saber, Deus. G o r d o n , Chríst o f Today, 236 “A consciência é a verdadeira escada de Jacó, posta no coração do indivíduo e tocando o céu; sobre ela os anjos da auto-reprovação ou da auto-aprovação sobem e descem ”. Naturalmente que isso é verdade se confinarm os nos­ sos pensamentos ao elemento determ inativo na revelação. Há um mais ele­ vado conhecim ento de Deus que só ocorre na graça. A escada de Jacó simboliza o Cristo que torna público não só o evangelho, mas a lei e, não só a lei, mas o evangelho. D e w e y , Psychology, 344 - “A consciência é intuitiva, não no sentido de que enuncia leis e princípios universais, pois ela não esta­ belece leis. C onsciência é um nome para a experiência da personalidade de que qualquer ato dado está em harm onia ou desacordo com uma personali­ dade verdadeiram ente realizada” . Porque a obediência aos ditames da cons­ ciência é sempre relativam ente justa, K a n t podia dizer que “uma consciência errônea é uma quim era” . Mas porque a lei aceita pela consciência pode estar absolutamente errada, a consciência, em suas decisões, pode afastar-se em muito da verdade. Sunday School Times: “Saulo, antes da conversão era um consciente praticante do erro. Seu espírito e caráter eram recomendáveis, conquanto a sua conduta fosse repreensível”. Preferim os dizer que o zelo de Saulo pela lei destinava-se a tornar a lei subserviente ao seu orgulho e honra.

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H o r a c e B u s h n e l l diz que o primeiro requisito de um grande ministro é uma grande consciência. Ele não quis significar uma consciência punitiva, mera­ mente inibidora, mas descobridora, despertadora, inspiradora, que, ao mes­ mo tem po, vê as grandes coisas a serem feitas e se dirige para elas bradando e cantando. Esta consciência pura e não influenciada é inseparável do senso de sua relação com Deus e sua santidade. H u x l e y , em sua preleção em Oxford em 1893, admite e até mesmo insiste em que a prática ética convém e deve estar em oposição à evolução; porque os métodos da evolução não explicam o homem ético e o seu progresso ético. A m oralidade não é um produto dos mesmos métodos pelos quais as ordens m enores têm progredido na perfei­ ção da organização, a saber, através da luta pela existência e sobrevivência do mais apto. O progresso humano é moral, dirige-se à liberdade, está sob a lei do amor, em gênero é diferente da evolução física. J a m e s R u s s e l l L o w e l l : “Em vão chamam os de embuste as velhas noções E pendemos nossa cons­ ciência para os nossos procedimentos: Os dez mandam entos não se m uda­ rão E o furto continuará a ser furto” . R. T. S m it h , M a n ’s Knowledge o f Man and o f God, 161 - “A consciência vive na natureza humana como um rei justo, cuja reivindicação o povo nunca pode esquecer mesmo que o destrone e maltrate e cuja presença no assento de julgam ento causa a paz da nação para consigo mesm a” . S e t h , Ethical Principies, 424 - “A teoria kantiana da autonom ia não conta a história toda da vida moral. Seu obstinado Dever, seu Im perativo categórico, provém não somente das profundezas da nossa própria natureza, mas do centro do pró­ prio universo. Nós somos os nossos próprios legisladores; mas reproduzimos a lei produzida por Deus; reconhecemos, mais do que constituímos, a lei do nosso próprio ser. Dentro de nossas almas, a lei moral é um eco da voz do Eterno, ‘somos sua geração’ (At. 17.28)” . S c h e n k e l , Christliche D ogm atik 1.135-155 - “A consciência é o órgão pelo qual o espírito humano acha Deus em si mesma e, desse modo, de si mesma torna-se nele conhecedora. Só através da consciência o homem se sente eterno, distinto de Deus, embora tão norm alm ente com prom etido em estar inteiramente determinado por Deus. Quando nos sujeitam os totalm ente a ele, a consciência nos dá paz. Quando rendemos ao mundo a aliança devida ape­ nas a Deus, a consciência produz em nós o remorso. Neste caso tornamonos cientes de que, conquanto Deus esteja em nós, nós não mais estamos nele. A religião é trocada pela ética, a relação da com unhão é trocada pela separação. Na consciência só o homem, de um modo absoluto, distingue-se do bruto. Ele não faz a consciência, mas a consciência o faz. A consciência sente cada separação de Deus com o um ferim ento do eu. A fé é a relação do autoconhecimentc- com o conhecim ento de Deus, a segurança da nossa per­ sonalidade na personalidade absoluta de Deus. Só a fé faz a consciência voltar-se para si mesma. Mas através do pecado este conhecim ento da fé pode tornar-se o da lei. A fé afirm a Deus em nós; a lei afirma Deus fora de nós” . S c h e n k e l difere de S c h l e ie r m a c h e r ao sustentar que a religião não é sentimento, mas consciência e que não é um senso de dependência do m un­ do, mas de Deus. A consciência reconhece um Deus distinto do universo, moral e, desse modo, torna im possível a religião amoral.

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H o p k in s , Outline, 283-285, M oral Science, 49, Law o f Love, 4 1 - “A cons­ ciência é o conhecim ento moral do homem em vista das suas próprias ações relacionadas com a lei moral. É o duplo conhecim ento do eu e da lei. A cons­ ciência não é o todo da natureza moral. Ela pressupõe a razão moral, que reconhece-a e afirm a sua obrigação universal de todos os seres morais. É função da consciência pôr o homem em relação pessoal com esta lei. Ela estabelece um tribunal dentro do homem através do qual julgam -se suas ações. Não é a consciência, mas a moral. Esta últim a é ciência, mas não consciência". P e a b o d y , M oral Philos., 41-60 - Consciência não é uma fonte, mas um meio de conhecim ento. É análoga ao conhecim ento. É uma faculdade judi­ cial. Julga segundo a lei que tem diante de si. Veredicto ( verum dictum = dito verdadeiro) sempre relativam ente justo, embora através do padrão absoluto de justo, pode-se estar errado. Como todas as faculdades da percepção, é instruído pelo uso (não só pelo crescim ento do saber, pode fazer o que é pior, com o conhecim ento que tem). Só para as decisões absolutamente corretas a consciência depende do conhecim ento. R econhecer a consciência como um legislador (tanto como um juiz), é deixar de reconhecer qualquer padrão obje­ tivo de justiça” . The Two Consciences, 46, 47 - “A consciência é a lei e a consciência é a testemunha. Esta é a verdadeira e própria consciência”. H. B. S m i t h , System o f Christ. Theology, 178-191 - “A unidade da cons­ ciência não está em ser uma faculdade ou em exercer uma função, mas em ter um objetivo, sua relação com uma idéia, a saber, o c e rto ... O term o ‘cons­ ciência’ não designa mais uma faculdade especial do que o termo ‘religião’ (ou do que ‘senso estético’) ... A existência da consciência prova uma lei moral acim a de nós; ela se dirige localmente a um Governador moral; implica uma distinção essencial entre o certo e o errado, uma moralidade im u tá v e l;... o homem pode estar consciente da iniqüidade ... consciência não é justiça; esta pode apenas m ostrar o tam anho da depravação, tendo consciência e mesmo assim desobedecendo”.

2. Vontade A) Definição - É o poder que a alma tem de escolher entre motivos e dirigir sua subseqüente atividade para o motivo assim escolhido; em outras palavras, o poder que a alma tem de escolher tanto um fim como os meios para atingi-lo. A escolha de um fim último chamamos preferência imanente; a escolha dos meios chamamos vontade executiva. Nesta definição partilhamos com J o n a t h a n E d w a r d s , Elem ents o f Morality, vol. 2. Ele considera a vontade como o poder de a alma agir conform e o motivo, /'.e., agir segundo a sua natureza, mas nega o poder de a alma esco­ lher entre motivos, /.e., iniciar um curso de ação contrária ao motivo que já foi dominante. Por isso ele é incapaz de explicar como, tendo sido santos, Sata­ nás ou Adão, poderiam te r caído. Se o homem não tem poder para m udar os motivos, rom per com o passado, com eçar um novo curso de ação, ele não

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tem mais liberdade que o bruto. O filho de E d w a r d s (Works, 1.483) mostra o que a doutrina do seu pai a respeito da vo ntade im plica, quando diz: “Os irracionais, portanto, segundo a medida da sua inteligência, são tão livres como o homem. A única coisa que falta para constituí-los agentes morais não é a liberdade; é a inteligência” . Contudo, J o n a t h a n E d w a r d s , determinista como era, em seu serm ão sobre A Premência do Reino de Deus ( Works 4.381), incentiva o emprego de meios, e apela para o pecador como se tivesse o poder de escolher entre os motivos do eu e os de Deus. Ele fazia inconsciente um forte apelo à vontade e a vontade hum ana atende a prolongados e pode­ rosos esforços. Para referências e afirm ações adicionais relativas à vontade e sua liber­ dade, ver capítulo sobre os Decretos pp. 361,362. Nas notas sobre os decre­ tos notificamos nossa rejeição à liberdade arm iniana de indiferença, ou a dou­ trina de que a vontade pode agir sem motivo. Mas rejeitam os a teoria do determinismo proposta por J o n a t h a n E d w a r d s (Freedom o f the Will, Works, vol. 2), que, como já assinalamos, identifica a sensibilidade com a vontade, considera os sentimentos como causa eficiente das volições e fala da cone­ xão necessária entre o motivo e a ação. H a z a r d , M an a Creative First Cause, 407 - “ Edwards dá o nome de motivo à causa controladora da volição no passado. Trata a inclinação como motivo, mas tam bém cham a-a sinônim o de escolha e vontade, que poderia fazer esta apenas um desejo da alma - e em vista disso, a causa do seu próprio ato” . J a m e s , Psychology, 1.139 - “O conhecim ento é, em primeiro lugar, uma atuação seletiva” . 2.393 - “O homem possui todos os instintos dos animais e muitos outros mais. A razão p e r se, não pode inibir nenhum impulso; a única coisa que pode neutralizar um impulso é um outro em direção diversa. A razão pode fazer uma inferência que estim ulará a im aginação a liberar o impulso em direção diversa” . 549 - “A ação ideal ou moral é aquela que se acha na direção da resistência m aior” . 562 - “O esforço da atenção é fenôm eno essencial à vontade” . 567 - “O limite do processo psicológico é a volição; o ponto para o qual a vontade se aplica diretam ente é sempre uma idéia”. 568 “Embora a atenção seja a primeira coisa na volição, expressa o consentimento à realidade do que se atende num fenômeno adicional e distinto. Não somente dizemos: Isto é uma realidade; mas dizem os tam bém : ‘Seja isto uma realida­ de’ 571 - “A duração e intensidade deste esforço são funções fixas do objeto, ou não o são? Respondemos. Não, e assim mantem os a liberdade da vontade” . 584 - “A alma não apresenta nada; não cria nada; está à mercê das forças m ateriais em todas p o ssib ilid a d e s e, re forçando um e checando outros, não figura como um epifenômeno, mas como algo de que a ação obtém suporte m oral”.

B) Vontade e outras faculdades, - a) Aceitamos a tríplice divisão das facul­ dades humanas em intelecto, sentimento e vontade, b) O intelecto é a alma cognoscente; o sentimento é a alma que sente (desejos e afeições); a vontade é a alma que quer (fim ou meio), c) Em cada ato da alma todas as faculdades agem. Conhecer envolve sentir e querer; sentir envolve conhecer e querer; querer envolve conhecer e sentir, d) Logicamente cada uma destas faculdades

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envolve a ação anterior àquela; a alma deve conhecer antes de sentir; deve conhecer e sentir antes de querer, è) Contudo, porque conhecer e sentir são atividades, nenhuma destas é possível sem querer. Sócrates a Teeto: “Seria uma coisa singular, se cada um de nós fosse, meu jovem, como um cavalo de pau dentro do qual se abrigassem muitos sentidos. M anifestam ente, pois, estes, unidos em uma natureza, chamarse-iam alma ou coisa que o valha. E é com esta form a central, através dos órgãos do sentido, que percebemos os objetos sensíveis”. L e w e y , Psychology, 21 - “O conhecim ento e o sentimento são aspectos parciais do eu e, por isso mais ou menos abstratos, enquanto a vontade é completa, com preendendo ambos aspectos ... Enquanto o elemento universal é o conhecim ento, o indi­ vidual é o sentimento e a vontade é a relação que os une em um conteúdo concreto” . 364 - “ Há conflito de desejos ou motivos. A deliberação é a compa­ ração dos desejos; a escolha é a decisão em favor de um deles. Esta, então, é a mais forte porque toda a força do eu se concentra nela” . 411 - “O homem se determ ina a si mesmo estabelecendo para si um bom ou um mau motivo. Não existe pensamento algum sem vontade, porque o pensamento implica em inibição”. R i b o t , Diseases o f the Will, 73, cita o caso de C o l e r id g e e sua falta de força inibidora das idéias dispersas ou inúteis; 114 - “A volição infiltra suas raízes nas maiores profundezas do indivíduo e além dele na espécie e em todas espécies”. Como Deus não é mera natureza, mas a força originadora, assim o homem é principalmente vontade. Todos atos da alma têm como elemento a vontade. Wundt: “Jedes Denken ist ein W ollen” (Cada pensamento é uma vontade). Não existe percepção e nem pensamento sem a atenção. A atenção é um ato da vontade. Os hegelianos e os adeptos do idealismo absoluto, como B r a d l e y , negam que a atenção seja uma função ativa do eu. Eles consideram -na como conseqüência necessária do mais interessante caráter das idéias preceden­ tes. Por isso nega-se toda força que altera o caráter do agente. Esta é uma exata reversão dos fatos do conhecim ento que não permite vontade alguma em Deus ou no homem. T. H. G r e e n diz que o eu faz os motivos identificaremse com uma solicitação de um desejo mais do que outro, mas que o eu não tem nenhum poder de escolha alternativa ao identificar-se com uma solici­ tação de um desejo mais do que de outro. J a m e s S e t h , Freedom o f Ethical Postulate: “A única esperança de achar um lugar para a verdadeira vontade livre encontra-se em outro ponto que não seja o de Hume, relato empírico ou psicológico da pessoa moral ou do eu. D esaprova-se totalm ente a uniform i­ dade absoluta. Defendemos a força de uma livre e incalculável iniciativa do eu e isto é necessário para manter os interesses da m oralidade”. Sem uma vontade que atente para o material pertinente e rejeite o im pertinente, não podemos te r nenhuma ciência; sem a vontade de selecionar e com binar os elementos da imaginação, não podemos te r nenhum a arte\ sem a vontade de escolher entre o mal e o bem não podemos ter moral. Elfric, 900 A.D.: O verbo ‘querer’ não tem imperativo, pois que a vontade sempre deve ser livre”.

C) Vontade e Estados Permanentes. - a ) Apesar de que cada ato da alma envolve a ação de todas as faculdades, em qualquer ação particular uma facul­

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dade pode ser mais proeminente que as outras. Assim falamos de atos do inte­ lecto, do sentimento e da vontade, b ) Tal ação predominante de qualquer uma das faculdades produz efeitos sobre as outras associadas com ela. A ação da vontade dá uma direção ao intelecto e ao sentimento bem como uma inclina­ ção permanente para a própria vontade, c ) Cada faculdade, portanto, tem seus estados permanentes assim como seus atos transitórios e a vontade pode origi­ nar estes estados. Por isso falamos de sentimentos voluntários e com igual propriedade podemos falar de opiniões voluntárias. Estes estados voluntários denominamos caráter. Eu faço a “maquilagem ” da minha mente. L a d d , P hilosphy of Conduct, 152 - “Aspiro às idéias influentes, sentim entos e desejos, ao invés de perm itir que estas idéias, sentim entos e desejos me influam, para não dizer me determ i­ nem” . Todos podem dizer como o Paracelso de R o b e r t B r o w n in g : “ Eu sujeitei a minha vida a um propósito para o qual eu a ordenei” . “Semeia um ato e colherás um hábito; sem eia um hábito e colherás um caráter; sem eia um caráter e colherás um destino”. Tito, em Romola de G e o r g e E lio t e Markheim na história do mesmo nome, de R . L. STEVENson, são exem plos de gradual e quase imperceptível fixação nos maus cam inhos que resultam de aparente­ mente leves decisões originais da vontade; ver art. sobre Tito Melema, de J ú l ia H. G u l l iv e r , em New World, dezem bro 1895.688 - “ O pecado jaz na escolha das idéias que freqüentarão a vida moral em lugar das ações que form arão o elemento exterior da vida ... O pivô da vida moral é o intento que a atenção envolve ... O pecado não consiste só no motivo, mas na feitura do motivo” . Através de cada decisão da vontade em que voltam os o nosso pen­ samento quer na direção quer em oposição a um objeto do desejo, estabele­ cemos traços nervosos de operação sobre os quais o pensamento pode, daí em diante, viajar mais ou menos com facilidade. “Nada opera uma incursão sem construir uma estrada”. Através de ligeiros esforços de atenção rumo à verdade, que sabidam ente nos influenciam , podem os “endireitar no ermo vereda a nosso Deus” (Is. 40.3), ou tornar a alma um mais duro chão pisado impenetrável à “palavra do Reino" (Mt. 13.19). A palavra “caráter” originariam ente significava a marca deixada pela ferra­ menta do entalhador sobre o metal ou sobre a pedra. Passou a significar o resultado coletivo da obra do entalhador. O em prego moral da palavra implica que cada pensamento e cada ato se está cinzelando na imperecível substân­ cia da alma. J . S. M il l : “ O caráter é uma vontade com pletam ente m oldada”. Podemos falar, portanto de uma “volição genérica” ( D e w e y ). Há uma perm a­ nente inclinação da vontade para o bem ou para o mal. A reputação é a som ­ bra do homem, às vezes mais longa, às vezes mais curta, do que ele mesmo. Por outro lado, o caráter é o verdadeiro eu do homem - “o que o homem é nas trevas” ( D w ig h t L. M o o d y ). Neste sentido, “o propósito é o autógrafo da men­ te ”. Duque de W ellington: “É o hábito uma segunda natureza? O hábito é dez vezes a natureza!” Quando Macbeth diz: “Se fosse feito quando se fez, então seria feito rapidam ente”; a dificuldade é que quando se faz só se está no começo. R o b e r t D a l e O w e n dá-nos um princípio fundam ental do socialismo

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na seguinte máxima: “O caráter do homem só se faz para ele, não através dele” . Daí ele mudaria a dieta do homem ou o seu ambiente, como um meio de form ar o caráter do homem. Mas Jesus ensina que o que contam ina não vem de fora, mas de dentro (Mt. 15.18). Porque o caráter é o resultado da vontade, é verdadeira a máxima de Heráclito: fjQoç àvSpmjtco Saí^cov = o cará­ ter do homem é o seu destino.

D) Vontade e Motivos. - a) Os já mencionados estados permanentes, uma vez determinados, também influem a vontade. Os pontos de vista e disposi­ ções internos e não simplesmente as apresentações externas constituem a for­ ça dos motivos, b ) Estes motivos freqüentemente conflitam e, apesar de que a alma nunca age sem motivo, não obstante, faz escolha entre motivos e dessa forma determina o fim para o qual a vontade dirige suas atividades, c) Moti­ vos não são causas que compelem a vontade, mas influências que a persua­ dem. A força destes motivos, contudo, é proporcional à força da vontade que entrou neles e os fez o que eles são. “O incentivo vem do eu da alma: o resto não tem valor”. O mesmo vento pode dirigir dois navios em direções opostas conform e a posição das velas. A mesma apresentação exterior pode resultar na recusa de G e o r g e W a s h in g t o n e na aceitação de Benedito A r n o l d o sobre o suborno visando à traição do seu país. Richard Lovelace de Cantuária: “As paredes de pedra não fazem uma prisão, nem as barras de ferro uma cela carcerária; as mentes inocentes e tranqüilas tom am isso como um erem itério” . J o n a t h a n E d w a r d s fez os motivos serem causa eficiente quando eles só eram causa finai. Não devemos inter­ pretar o m otivo com o se fosse uma locom otiva. É sem pre uma fa lh a do homem quando ele se torna um ébrio: A bebida nunca tom a o homem; o homem é que tom a a bebida. Os homens que negam o demérito estão pron­ tos para reivindicar o mérito. Eles apresentam os outros como responsáveis, senão eles mesmos. B o w n e : “ A pura arbitrariedade e a pura necessidade são igualmente incom patíveis com a razão. Deve haver uma lei da razão na m en­ te na qual a volição não pode interferir e deve tam bém haver o poder de nós mesmos determ inarm os concordem ente”. B o w n e , Principies o f Ethics, 135 “Se a necessidade é algo universal, então a crença na liberdade também é necessária. Todos admitem a liberdade de pensamento, de modo que só se nega a liberdade executiva” . B o w n e , Theory o f Thought and Knowledge, 239-244 - “Todo sistem a de filosofia deve invocar a liberdade de solucionar o problema do erro ou causar o naufrágio da própria razão ... Nossas faculda­ des são para a verdade, mas podem ser em pregadas descuidadam ente, ou voluntariam ente mal empregadas e daí nasce o erro ... Não necessitamos de leis do pensamento, mas do autocontrole segundo elas”. Na escolha entre os motivos, a vontade decide p o ru m deles, a saber, o da escolha. F a ir b a i r n , Philos. o f Christian Reiigion, 76 - “Conquanto os m o t i v o s podem ser necessários, eles não precisam necessariam ente sê-lo. A vontade seleciona os motivos; não são os motivos que a selecionam. A hereditariedade

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e o meio não cancelam a liberdade; elas só condicionam -na. O pensamento é transcendência relativa aos fenôm enos do espaço; a vontade é transcendên­ cia relativa aos fenôm enos do tem po; esta dupla transcendência envolve o completo caráter sobrenatural do hom em ” . N ew World, 1892.152 - “ Não é o caráter, mas o eu que tem o caráter, a que se deve a última decisão moral”. W il l ia m E r n e s t H e n l y , Poems, 119 - “ Não importa quão estreito é o portão, quão carregado de castigos o papel, eu sou o senhor do meu destino, eu sou o capitão da minha alma” . J u l iu s M ü l l e r , D octrine o f Siri, 2.54 - “Um ser é livre até onde o centro interior da sua vida, a partir da qual ele age, é condicionado pela autodeterm i­ nação. Não basta que o agente decisivo no ato seja o próprio homem, sua própria natureza, seu caráter distintivo. Para a consideração, devemos ter mais do que isto; devemos provar que isto, natureza distintiva e caráter, brota de sua própria volição e que esta é o produto da liberdade de desenvolvim en­ to moral. Mt. 12.33 - “fazei a árvore boa e o seu fruto bom ” - combina ambos. Os atos dependem da natureza; mas a natureza ainda depende das decisões primárias da vontade (“fazei a árvore boa”). Nega-se algum determinismo; mas este é em parte limitado [pelo rem anescente poder de escolha da vonta­ de] e, em parte remonta a um anterior autodeterm inante” . Ibid. 67 - “Se a liberdade for o elemento autodeterm inante da vontade a partir do que é deter­ minado, o determinismo está em falta, porque em grande parte da sua forma espiritual, embora admita uma autodeterm inação da vontade, ela tão som en­ te surge da determ inação já presente; e o indiferentism o também está em falta porque, conquanto sustente a indeterm inação como pressuposta em cada ato da vontade, não reconhece uma autodeterm inação da parte da vontade, que, em bora autodeterm inante, ainda gera determ inação do c a rá te r... Deve­ mos, portanto, defender a doutrina da liberdade condicional e limitada”.

E) Vontade e Escolha Contrária. - a) Apesar de que nenhum ato de vontade pura é possível, a alma pode exercitar as simples vontades em direção oposta ao seu anterior propósito diretivo e assim o homem tem o poder de escolher o contrário (Rm. 7.18 - “o querer está em mim), b) Mas até onde entrou a von­ tade e revelou-se em estados permanentes de intelecto e sensibilidade e em fixa inclinação da vontade para si mesma o homem não pode por um simples ato reverter seu estado moral e a este respeito não tem o poder de escolha contrária, c ) Neste caso ele só pode mudar o seu caráter indiretamente voltan­ do sua atenção para considerações adequadas ao despertar de disposições opos­ tas reunindo motivos para um curso oposto. N ã o e x is t e a lg o c o m o u m a t o p u r o d a v o n t a d e . P e t e r s , “ J e d e s W o lle n

is t e in

E tw a s w o lle n ” -

“to d a v o n ta d e

é

Willenswelt, 126 -

v o n t a d e d e a lg u m a

c o i s a ” ; e la t e m u m o b j e t i v o q u e a m e n t e c o n c e b e , q u e d e s p e r t a a s e n s i b i l i d a ­ d e e q u e a v o n t a d e lu t a p a r a r e a liz a r . C a u s a s e m a lt e r n a t iv a n ã o causa.

J. F.

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v e r d a d e ir a

“ C o n h e c e m o s a c a s u a lid a d e s ó q u a n d o c o n h e c e m o s a

v o n t a d e , /. e . , o n d e d e d u a s p o s s i b i l i d a d e s e la f a z u m a

r e a l. P o r t a n t o , u m a

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causa pode ter mais de um efeito certo. No mundo material externo não pode­ mos encontrar causa, mas só antecedente. C onstruir uma teoria da vontade a partir de um estudo do universo material é buscar o vivo entre os mortos. Vontade é o poder de fa ze r uma decisão, não ser feita por decisões, decidir entre motivos e não ser determ inado por motivos. Quem pode conduzir a prova entre os motivos? Só o eu” . Conquanto concordem os com o que fica dito acim a em sua afirm ação da certeza das seqüências da natureza, faze­ mos objeção quanto a atribuir-lhe mesmo à natureza de qualquer coisa como a da necessidade. Porque as leis da natureza são sim plesm ente os hábitos de Deus, a casualidade de Deus na natureza é a regularidade não da neces­ sidade, mas da liberdade. Também somos livres nos pontos estratégicos. Como grande parte das nossas ações é autom ática, há ocasiões quando sabemos que nós mesmos podemos ter o poder de iniciativa; quando pomos sob nos­ sos pés os motivos que nos têm dominado no passado; quando assinalamos nossos cursos de ação. Nestes tem pos críticos afirm am os nossa hum anida­ de; mas para eles não seriam os mais do que irracionais que perecem .” A não ser que ele possa erigir-se acima de si mesmo, a coisa que tem sentido é o hom em ” . A vontade, sem nenhum poder rem anescente de escolha contrária, pode ser a vontade do bruto, não a vontade livre. Por isso negamos a relevância do argum ento de H e r b e r t S p e n c e r em sua obra Data o f Ethics, e em sua Psychology, 2.503 - “As mudanças psíquicas, ou conform am -se com a lei, ou não se conformam. Se elas não se conform am com a lei, não pode haver vontade livre”. Spinoza tam bém, em sua Ética, sustenta que a pedra, quando cai, se fosse consciente, pensaria livrem ente e com tanta justiça como o ho­ mem; porque está fazendo aquilo a que a sua constituição conduz; mas não se pode dizer mais em favor dele. F is h e r , Nature and M ethod o f Revelation, xiii - “Tentar colher ‘dados de ética’ quando não há reconhecimento do homem como agente pessoal capaz de originar livrem ente a conduta e estado da vontade de que ele é m oralm ente responsável, é trabalho perdido”. F is h e r , cap. sobre a P ersonality o f God, Baseada na Crença Teísta e Cristã - “A auto­ determ inação como o próprio term o significa, atende com irresistível convic­ ção de que a direção da vontade é autocom unicada ... Que a vontade é livre, isto é, sem coação de causas exteriores, o que é fatalism o - e não simples espontaneidade confinada a um cam inho por uma força atuante vinda de den­ tro, o que é determinismo - é imediatamente evidente a qualquer mente não sofisticada. Podemos com eçar a ação através de uma eficiência que não é irresistivelm ente controlada pelos motivos, nem determ inada sem qualquer capacidade de ação alternativa, através de uma inclinação inerente à sua natureza ... Os motivos têm uma influência, que não deve ser confundida com a eficiência cau sa i’. T a l b o t , Will and Free Will, Baptist Review, julho, 1882 - “A vontade nem é um poder de autodeterm inação incondicionada - que não é liberdade, mas uma força sem objetivo, irracional, fatalista; nem espontaneidade pura - que exclui da vontade toda lei que não seja propriam ente sua; porém é mais uma força de ação originadora - que é lim itada pelas disposições inatas, por hábi­ tos e convicções adquiridos, por sentim entos e relações sociais” . E r n e s t N a v il l e , Revue Chrétienne, janeiro 1878.7 - “ Nossa liberdade não consiste

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em produzir uma ação da qual é a única fonte. Consiste na escolha entre dois im pulsos preexistentes. É a escolha e não a criação que é o nosso destino uma gota de água que pode escolher se irá para o Reno, ou para o Ródano. A gravidade a leva, e só ela escolhe a sua direção. Os im pulsos não vêm da vontade, mas da sensibilidade; porém a livre vontade escolhe entre estes im pulsos” . B o w n e , Metaphisics, 169 - “Liberdade não é o poder exterior de agir, ou independente dos motivos, mas som ente um poder de escolher um fim ou uma lei e concordem ente do governo do eu”. P o r t e r , M oral Science, 77-111 - Vontade não é “poder de escolher sem motivo” . “ Ela não exclui os motivos contrários” . A volição “supõe dois ou mais objetivos entre os quais se faz a eleição. “ É um ato de preferência e preferir im plica que se escolheu um motivo com a exclusão de outro(s) ... Para a concepção e ato requerem-se pelo menos dois m otivos”. L y a l l , Intellect, Em otions and M oral Nature, 581, 592 - “A vontade segue razões, induções - mas não é causada. Obedece ou age sob indução, mas age assim soberanam ente. Apresenta os fenômenos da atividade relativos ao próprio motivo a que ela obedece. Obedece-lhe, e não a outro. Determ ina com referência a ele que este é o motivo próprio a que ela obedecerá. Indubitavelmente apresenta-se este fenômeno: a vontade obe­ diente - porém eletiva, ativa em sua obediência. Se se perguntar como isto é possível - como a vontade pode sofrer a influência do motivo e ainda possuir uma atividade intelectual - respondemos que este é um daqueles últimos fenôm enos a serem admitidos, embora não possam ser explicados” .

F) Vontade e responsabilidade. - a) Através de atos repetidos a vontade se exerce em dada direção moral, os sentimentos podem tomar-se tão confirma­ dos no mal ou no bem a ponto de tornar previamente certa, apesar de não necessária, a futura ação boa ou má do homem. Assim, enquanto a vontade é livre, o homem pode ser um “escravo do pecado” (João 8.31-36) ou “servo da justiça” (Rm. 6.15-23 cf. Hb. 12.23 - “espíritos dos justos aperfeiçoados”). b) O homem é responsável por todos os efeitos da vontade assim como pela própria vontade; pelos sentimentos voluntários assim como pelos atos volun­ tários; pelos pontos de vista intelectuais em que entrou a vontade assim como pelos atos da vontade pelos quais estes pontos de vista se formaram no passa­ do ou são mantidos no presente (2 Pe. 3.5 - “voluntariamente ignoram”). L a d d , Philos. o f Knowledge, 415 - “O eu fica entre as duas ieis: a da Natu­ reza e a da Consciência; sob as perpétuas lim itações de ambas exercita a sua escolha. Assim torna-se cada vez mais escravizado por uma ou cada vez mais livre escolhendo habitualm ente seguir a outra. Nossa concepção sobre causalidade segundo as leis da natureza e a nossa concepção sobre a outra causalidade da liberdade derivam de uma mesm a experiência do eu. Surge uma aparente antinom ia só quando estabelecem os a hipótese de que cada uma está separada e independe da outra” . R. T. S m it h , M an’s Knowledge o f Man and o f God, 69 - “C onstruir uma vontade é significativo. Aqui a ação da vontade é limitada por condições: a som a da propriedade do testador, a quan-

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tidade dos seus parentes, a natureza dos objetivos da generosidade dentro do conhecim ento dele”. H a r r is , Philos. Basis o f Theism., 3 4 9 - 4 0 7 - “Ação sem motivos, ou contrá­ ria a todos motivos seria irracional. Ao invés de ser livre, seria sem elhante às convulsões de epilepsia. Motivos = sensibilidades. Motivo não é causa; não determina; é apenas uma influência. Contudo, a determ inação está sempre sob a influência dos motivos. A uniform idade da ação não deve ser explicada por qualquer lei de influência uniforme dos motivos, mas pelo caráter da von­ tade. Por sua escolha, a vontade form a em si mesm a um caráter; através da ação segundo esta escolha ela confirm a e desenvolve o caráter. A escolha modifica as sensibilidades e conseqüentem ente altera os motivos. A ação volitiva expressa o caráter, mas também form a-o e modifica-o. O homem pode mudar a sua escolha; contudo, perm anecem o intelecto, a sensibilidade, o motivo, o hábito. A má escolha, tendo form ado o intelecto e a sensibilidade de acordo consigo mesma, deve ser um poderoso em baraço à mudança funda­ mental através de uma escolha nova e contrária; e dá uma pequena base para esperar que se permita fazer sempre a mudança. Depois que a vontade assumiu o caráter através de escolhas, suas determ inações não são transi­ ções de com pleta indeterm inação ou indiferença, porém mais ou menos expressões do caráter já formado. A teoria de que a indiferença é essencial à liberdade im plica que a vontade nunca adquire caráter; tal ação voluntária é atomística; que cada ato se desintegra a partir de um outro; que, adquirido o caráter, torna-se incompatível com a liberdade. C aráter é uma escolha que, embora persista, modifica a sensibilidade e o intelecto e influi as subseqüen­ tes determ inações” . Minha liberdade, então, tem lim itações. A hereditariedade e o meio e sobretudo as disposições estabelecidas, produto de atos passados da vonta­ de, tornam praticam ente autom áticas muitas das ações. A teoria determinista é válida talvez para nove décimos da atividade humana. M a s o n , Faith o f the Gospel, 1 1 8 , 1 1 9 - “ Naturalm ente tendem os para o mal. A gir de acordo com a perfeição da natureza seria a verdadeira liberdade. E esta o homem perdeu. Ele reconhece que, na verdade, não é o seu eu. Só com dificuldade é que ele opera novamente o seu verdadeiro eu. Pela queda de Adão, a vontade, que antes era condicionada, mas livre, agora não só é condicionada, mas escravi­ zada. Nada a não ser a ação da graça pode libertá-la” . T e n n y s o n , In Memoriam, Introdução: “A nossa vontade é nossa, não sabem os como; a nossa vontade é nossa para fazê-la tua” . Estudando só a ação da vontade pecaminosa, podese concluir que há essa coisa que se cham a liberdade. A ética cristã, distinta da ética naturalista, revela mais claram ente a degradação da nossa natureza ao mesmo tem po que desvenda o rem édio em Cristo: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiram ente sereis livres” (Jo. 8 .3 6 ) . The Mind, out. 1 8 8 2 .5 6 7 - “ K a n t parece estar em averiguação da liberda­ de fantasm agórica que se supõe consistir na ausência da determinação atra­ vés de motivos. O erro dos determ inistas do qual esta idéia é um recuo envol­ ve uma igual abstração do homem a partir dos seus pensamentos e interpreta a relação entre os dois como um exemplo da causalidade mecânica que exis­ te entre duas coisas na natureza. O ponto a que se deve apegar na controvér­ sia é que o homem e os seus motivos são uma só coisa e que, conseqüente-

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mente ele é, em qualquer caso, autodeterm inado ... Só se pode defender o indeterm inismo se se encontrar um ego que não seja determinado; porém tal ego, embora possa ser logicamente distinto e verbalm ente expresso, não é um fator na psicologia” . M o r e l l , M ental Philosophy, 3 9 0 - “Os motivos deter­ minam a vontade e, até onde ela não é livre; mas o homem governa os moti­ vos perm itindo-lhes menor ou m aior poder de influir a sua vida até onde o homem é um agente livre”. Santayana: “Um homem livre, porque é iivre, pode tornar-se escravo; mas, uma vez escravo, porque é escravo, não pode tornar a si mesmo livre”. S i d g w i c k , M ethod o f Ethics, 5 1 ,6 5 - “Esta prova preponde­ rante [da necessidade] quase cu m ulativa parece, contudo, m ais do que balanceada por um sim ples argum ento do outro lado: a afirm ação imediata do conhecim ento no momento da volição deliberada. Para mim é impossível pensar a cada momento que a minha volição é com pletam ente determinada pelo meu caráter form ado e pelos motivos que agem baseados nele. A con­ vicção oposta é tão forte a ponto de ser inabalável pela evidência apresenta­ da contra ele. Não posso crer que seja ilusório” .

G) Inferências deste ponto de vista da vontade. - a) Podemos ser responsá­ veis pelos maus sentimentos voluntários com os quais nascemos e pela herda­ da preferência da vontade egoísta apenas sob a hipótese de que nós origina­ mos estes estados de sentimento e vontade ou tivemos parte na sua origem. A Escritura fornece esta explicação na sua doutrina do pecado original ou na doutrina de uma apostasia comum à raça em seu primeiro pai e nossa deriva­ ção de uma natureza corrompida pela geração natural vinda dele. b ) Enquanto permanece para o homem mesmo na condição atual uma força natural da von­ tade pela qual ele pode exercer vontade transitória exteriormente em confor­ midade com a lei divina assim pode em limitada extensão modificar seu cará­ ter e ainda continua a ser verdade que a inclinação pecaminosa dos seus sentimentos não está diretamente sob o seu controle; e esta inclinação consti­ tui um motivo para o mal tão constante, inveterado e poderoso que na verdade influi cada membro da raça no sentido de reafirmar sua má escolha e tomar necessária uma obra especial do Espírito de Deus sobre o seu coração para garantir-lhe a salvação. Daí a doutrina escriturística da Regeneração. Existe algo que se chama “autom atismo psíquico” ( L a d d , Philos. Mind, 1 6 9 ). Mãe: “Oscar, por que você não pode ser bom ?” “ Mamãe, isto me deixa tão cansado!” O teim oso de quatro anos é o tipo da hum anidade universal. Os homens nascem moralmente cansados apesar de que têm energia bas­ tante para outras coisas. O homem que peca pode perder toda a liberdade de sorte que a sua alma se torna massa fervente de um mal eructante. T. C. Chamberlain: “As condições podem fazer com que as escolhas corram rigida­ mente numa direção e apresentem tão fixa uniform idade como nos fenôm e­ nos físicos. Ponha-se diante de um milhão de am ericanos a escolha entre um quarto de dólar e dez centavos de dólar e poder-se-á, com segurança, predizer

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um a rígida uniform idade de resultados” . C ontudo, o Dr. Cham berlain não só admite, mas defende a liberdade de escolha. R o m a n e s , M ind and Motion, 155-160 - “Apesar de que as volições são grandem ente determinadas por outras causas externas, não se segue que são necessariam ente determ ina­ das e isto faz toda a diferença entre as teorias da vontade cerceada ou livre. O seu caráter intrínseco como causas primeiras protege-as de serem coagi­ das por estas causas e conseqüentem ente de tornar-se apenas seus meros efeitos. A condição da operação eficaz de um motivo - diferente de um m otor - é a aquiescência da prim eira causa sobre aquele em quem o motivo opera”. Fichte: “Se alguém, adotando o dogm a da necessidade, deve perm anecer virtuoso, devemos buscar a causa da sua bondade em outra parte que não seja o elem ento inócuo de sua doutrina. Com base na suposição da livre vontade somente o dever, a virtude e a m oralidade podem ter existência”. Lessing: “Kein Mensch muss müssen (Sem a humanidade não há dever)”. D e l i t z s c h : “ Der M ensch, wie er je tz t ist, ist w ahlfrei, aber nicht m achfrei (O homem, como atualmente é, é livre para escolher, mas não livre para agir)”. K a n t considera a liberdade como exceção à lei da causalidade. Porém esta liberdade não é fenom enal, mas numenal, pois personalidade é liber­ dade ou a alma toda a partir do mecanismo da natureza. K a n t tratava com zombaria o determ inism o de Leibnitz. Ele dizia que o determinismo é a liber­ dade de uma ressalivação, que se volta aos seus próprios movimentos, vale dizer, é sim plesm ente automático. Compare com o ponto de vista de B a l d w in , Psychoiogy, Feeiing and W ill , 373 - “A escolha livre é uma síntese, cujo resultado em cada caso se condiciona aos seus elementos, mas em nenhu­ ma circunstância eles são a causa. Suas prem issas condicionam uma infe­ rência lógica, mas esta não as causa. Tanto a inferência como a escolha expressam a natureza do princípio consciente e o método da sua vida ... Os motivos não se desenvolvem em volições, nem a volição existe separada dos motivos. Estes são expressões parciais e a volição é uma expressão total da mesma existência ... A liberdade é a expressão do eu condicionada pelas escolhas passadas e pelo am biente presente”. S h a k e s p e a r e , Hamlet, 3.4 “ Refreai-vos hoje à noite; isso tornará bem mais fácil a próxim a abstinência e ainda mais fácil a seguinte posto que o costum e pode quase mudar o impulso da natureza e é capaz de dom inar o diabo ou arrojá-lo com força prodigiosa”. 3.2 - “O propósito é apenas o escravo da memória; Do violento nascimento apenas um valido”. 4.7 - “O que fizerm os devemos fazer quando quisermos; porque este querer muda e se enfraquece e adia tanto quanto as línguas, e mãos, e acidentes”. Escoto Novântico (Profa. Laurie de Edimburgo), Ética, 287 - “O principal bem é a plenitude da vida alcançada através da lei com a ação da vontade assim como a razão da sensibilidade ... Im oralidade é a soltura do sentimento oposto à idéia e a lei contida nele; trata-se da individualidade em oposição à personalidade ... Na im oralidade a vontade se enfraquece, a personalidade é dominada e a volição do sujeito é como a do cão. O sujeito se apossa da personalidade e em prega-a com vistas aos desejos naturais” . M a u d s l e y , P sychoiogy o f Mind, 456, cita R i b o t , Diseases o f the Will, 133 - “A vontade não é a causa de coisa alguma. É como o veredicto de um júri, um efeito, sem ser uma causa. É a mais elevada força que a natureza desenvolveu - a última

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florada de todas as suas maravilhosas obras” . M audley ainda argum enta que a própria m ente tem fo rça para e vita r a insanidade. Isto im plica que há alguém que possui o instrum ento dotado de poder e responsabilidade de con­ servá-la em ordem. O homem pode fazer muito, porém Deus pode fazer mais.

H) Objeções especiais à teoria determinista da vontade. - O determinismo sustenta que as ações do homem são determinadas por motivos que agem sobre o seu caráter e que ele não tem poder para mudar tais motivos ou agir contrariamente a eles. Esta negação de que a vontade é livre tem sérias e per­ niciosas conseqüências na teologia. Por um lado enfraquece, ainda que não destrua a convicção do homem com relação à responsabilidade, o pecado, a culpa e a retribuição e assim obscurece a necessidade de expiação; por outro lado, enfraquece, ainda que não destrua a fé do homem na sua própria força assim como no poder da ação iniciadora de Deus e assim obscurece a possibi­ lidade de expiação. Exemplifica-se o determ inism o no Rubáiyat de O m a r K h a y y á m : “Com a pri­ meira argila da terra fizeram o último homem de massa, E da última ceifa eis lançada a semente: E a prim eira manhã da criação escreveu O que o último raiar da série lerá” . W il l ia m J a m e s , Will to Believe, 145-183, mostra que a determ inação envolve pessimismo ou subjetivism o - o bem e o mal são ape­ nas meios de am pliar o conhecim ento. O resultado do subjetivism o é na teo­ logia o antinomismo; na literatura, o romantismo; na vida prática, sensualida­ de, ou sensualismo, como em R o u s s e a u , Renan e Zola. H u t t o n , Cont. Thoughts and Thinkers, 1.254 - “O determ inista diz que não há qualidade moral nas ações que anteriormente não expressam tendência, /'.e., o homem é respon­ sável só por aquilo que ele não pode ajudar a fazer. Nenhum contrapelo fará aquele que crê que o seu mecanismo interior determ ina em seu favor quer ele o faça quer não” . R o y c e , W orld and Individual, 2.342 - “As vossas únicas vozes na sinfonia divina não são mais as dos agentes morais do que as peças de um m osaico”. O m onarca francês anunciou que todos os seus súditos seriam livres para escolher a sua própria religião, mas acrescentou que nin­ guém deveria escolher uma religião diferente da do rei. “Joãozinho, você per­ mitiu que sua irmãzinha escolhesse entre as duas m açãs?” “Sim, Mamãe; eu lhe disse que poderia pegar a menor ou não pegaria nenhuma e ela escolheu a menor” . Hobson escolheu sempre o último cavalo na raia. O responsável pelo bar, com um revólver em punho foi ao encontro das críticas sobre a qualidade das bebidas com a seguinte nota: “ Beba este uísque e gostará m uito!” B a l f o u r , Foundations o f Belief, 22 - “Deve estar im plicitamente presente no homem primitivo o senso de liberdade porque o seu fetichism o em grande parte consiste em atribuir aos objetos inanim ados a espontaneidade que se encontra nele” . A liberdade não contradiz a conservação da energia. P r o f . L o d g e , Nature, 26 de março de 1891 - “ Embora seja necessário gastar ener­ gia no aum ento da velocidade da m atéria, ela não é necessária para a

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mudança de direção ... Os trilhos que dirigem o trem não o impelem nem o retardam: eles não têm nenhum efeito essencial na sua energia, mas efeito diretivo” . J . J . M u r p h y , Nat. Selection and Spir. Freedom , 170-203 - “A vonta­ de não cria força, mas dirige-a. Uma força mínim a é capaz de guiar a ação de uma grande, como o leme de um moderno navio a vapor” . Jam es S e th , Philos. Ver., 3.285,286 - “Como a vida não é energia, mas determ inante das vere­ das da energia, assim a vontade é uma causa, no sentido de que ela controla e dirige os canais que a atividade tom ará”. Ver tam bém Jam es S e th , Ethical Principies, 345-388 e Freedom as Ethical Postulate, 9 - “A prova filosófica da liberdade deve ser a dem onstração da inadequação das categorias da ciên­ cia: sua refutação filosófica deve ser a dem onstração da adequação de tais categorias científicas” . Shadworth Hodgson: “Ou a liberdade é verdadeira e conseqüentem ente as categorias são insuficientes, ou as categorias são suficientes e, por isso, a liberdade é uma ilusão” . W agner é o com positor do determinismo; de modo algum há liberdade ou culpa; a ação é o resultado da influência e do ambiente; um misterioso destino dirige tudo. Nós rem ontamos o querer em Deus, não aos motivos e aos antecedentes, mas à sua personalidade infinita. Se o homem é feito à imagem de Deus, por que não podemos rem ontar também o querer ao homem, não aos motivos e antecedentes, mas à sua personalidade finita? Falamos do plano de Deus, mas podem os tam bém falar do plano do homem. Napoleão: “Não haverá Alpes!” O Holandês Guilherme III: “Eu posso cair, mas atacarei cada dique e morrerei no últim o!” Quando Deus enche de energia a vontade, ela se torna indômita. Fp. 4.13 - “ Posso todas as coisas naquele que me fortalece”. D r. R. G. R o b in s o n teoricam ente era determ inista e erroneam ente sustentava que a mais elevada liberdade concebível é a atuação a partir da sua própria nature­ za. Ele considerava a vontade som ente como a natureza em movimento. A vontade é autodeterm inante, não no sentido de que ela determina o eu, mas no sentido de que o eu a determina. Não se pode coagir a vontade, pois, se não for autodeterm inada não será mais vontade. O seu pensamento é que a observação, a história e a lógica conduzem à filosofia necessitária. Mas o conhecim ento, admite ele, testifica da liberdade. Devemos confiar no conhe­ cimento, embora não possamos conciliar os dois. A vontade é um mistério tão grande como a doutrina da Trindade. As volições simples, diz, são freqüente­ mente diretas em face do curso da vida do homem. Ele ainda sustenta que não temos nenhum conhecim ento do poder de uma escolha contrária. A cons­ ciência pode testificar só daquilo que brota da natureza moral, não da nature­ za moral em si. L o tz e , R eligionsphilosophie, seção 61 - “ Uma escolha, é cla­ ro, incompreensível e inexplicável, porque se fosse com preensível e explicável pelo intelecto humano, se, isto é, pudesse ser vista seguindo-se necessaria­ mente de condições pré-existentes, da natureza do caso não poderia ser uma escolha moralmente livre,...Contudo, nós não sabem os como a mente pode mover os músculos etc...” M a r tin e a u , Study, 2.227 - “Não há um Eu Causai, acim a do Eu Causado, ou mais do que isso o Estado Causado e o conteúdo do eu deixado como depósito a partir de um com portam ento anterior? O idealismo absoluto, como o de G r e e n , não reconhece a existência deste Eu Causai”; S tudy o f Fteiigion, 2.195-324 e especialmente 240 - “Onde dois ou mais conceitos formados

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entram em campo juntos, não podem com parar-se in te rs e ; eles precisam um superior e vão ao seu encontro; cabe à mente decidir. A decisão não será imotivada, pois terá suas razões. Não será inconform e com as caraterísticas da mente, pois expressará suas preferências. Mas ninguém produz uma cau­ sa livre que elege entre as condições e elas não a elegem ” . 241 - “Até agora admitimos que diferentes efeitos não podem advir da mesm a causa. Eu mes­ mo arrisco um paradoxo de que não há uma causa própria que se limite a um efeito”. 309 - “A liberdade, no sentido de opção, e a vontade, como poder de decidir por uma alternativa, não encontra lugar nas doutrinas das escolas alem ãs” . 311 - “Toda a ilusão da Necessidade surge de uma tentativa de lançar fora por contemplação no campo da Natureza, os novos princípios cria­ tivos centrados nos novos assuntos pessoais que lhe transcendem ”.

C apítulo II O ESTADO ORIGINAL DO HOMEM Para determinar o estado original do homem, dependemos inteiramente da Escritura. Esta representa a natureza do homem vindo da mão de Deus e, por­ tanto “muito bom” (Gn. 1.31). Contudo, ela traça um paralelo entre o primeiro estado do homem e o da sua restauração (Cl. 3.10; Ef. 4.24). Para interpretar estas passagens, contudo, devemos lembrar o duplo perigo de, por um lado, pô-lo em posição tão elevada que não se pudesse conceber nenhum progresso e, por outro lado, pô-lo em condição tão baixa que não pudesse cair. Evitare­ mos o mais facilmente possível estes perigos, distinguindo a essência do inci­ dente do estado original do homem. Gn. 1.31 - “ E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom ”; Cl. 3.10 - “e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecim ento segundo a imagem daqueie que o criou”; Ef. 4.24 - “e vos revistais do novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade” . P h illip p p i, Glaubenslehre, 2 .3 3 7 -3 9 9 - “O estado original deve (1) contras­ tar-se com o pecado; (2) ser um paralelo com o estado de restauração. Difi­ culdades para entendê-lo: (1) O que vive em regeneração é algo estranho à nossa natureza presente (“e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim”) Gl. 2.20); mas o estado original é apenas algo inato. (2) É um estado de infância. Não podemos entrar plenam ente na infância, embora a vejamos em torno de nós e nós através dela. O estado original é ainda mais difícil de ser reproduzido para a razão. (3) As circunstâncias exteriores ao homem e a sua organização têm sofrido grandes m udanças de sorte que o presente de modo nenhum representa o passado. Por isso devemos recorrer às Escrituras como o nosso guia bem próximo” . J o h n C a ir d , Fund. Ideas o f Christianity, 1.164-195, assinala que a perfeição ideal deve ser perseguida não no início, mas no estágio final da vida espiritual. Se o homem fosse inteiram ente finito, ele não conheceria a sua finitude. L o r d B a c o n : “A centelha da pureza do homem é o primeiro estágio” . Calvino: “ É uma monstruosa impiedade que um filho da terra não se satisfaça em ser feito à sem elhança de Deus, mas queira ser igual a ele” . Prof. Hastings: “O que é verdadeiram ente natural não é o real, mas o ideal. Feito à imagem de Deus - entre esse com eço e o fim acha-se Deus feito à imagem do hom em ”.

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1. ESSÊNCIA DO ESTADO ORIGINAL DO HOMEM Pode ser resumida na expressão “imagem de Deus”. Diz-se que o homem foi criado à imagem de Deus (Gn. 1 26,27). Em que consiste esta imagem de Deus? Respondemos que 1. Na semelhança natural a Deus, ou pessoalidade; 2. Na semelhança moral com Deus ou santidade. Gn. 1.26,27 - “ E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, confor­ me a nossa sem elhança ... E criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou”. É im portante distinguir claram ente entre os dois elementos com preendidos na imagem de Deus: o natural e o moral. Em virtude do pri­ meiro o homem possui certas faculdades (intelecto, sentimento, vontade); em virtude do segundo, ele tem inclinações corretas (tendência, propensão, dis­ posição). Em virtude do primeiro, ele investe em certas forças\ em virtude do segundo, im prime-se uma direção a tais forças. Criado à imagem natural de Deus, o homem tem uma natureza moral; criado à imagem moral de Deus, o homem tem um caráter santo. O primeiro lhe dá capacidade natural; o segun­ do, uma capacidade moral. Os Pais gregos davam ênfase ao primeiro ele­ mento, a personalidade; os Pais latinos davam ênfase ao segundo elemento, a santidade. Como o Logos, ou Razão divina, Jesus Cristo, habita na hum anidade e constitui o princípio do seu ser, a hum anidade com partilha com Cristo na ima­ gem de Deus, Essa imagem nunca se perdeu. Ela se restaura com pletam en­ te nos pecadores quando o Espírito de Cristo controla a vontade deles e eles ligam a sua vida à de Cristo. Aos que acusaram Jesus de blasfêmia, ele res­ pondeu citando o Salmo 82.6 - “Eu disse, vós sois deuses” - palavras profe­ ridas a respeito das imperfeitas regras terrenas. Assim, em João 10.34-36, Jesus, que constitui a essência da humanidade, justifica sua própria reivindi­ cação da divindade mostrando que mesmo os homens que representam Deus são também, em sentido menor, “participantes da natureza divina” (2 Pe. 1.4). Daí as muitas lendas, nas religiões pagãs, sobre a descendência divina do homem. 1 Co. 1 1 .3 - “Cristo é a cabeça de todo varão” . Em cada homem, até o mais degradado, há uma imagem de Deus a ser revelada, como Miguel Ângelo viu o anjo no rude bloco de mármore. Este valor natural não implica em dignidade; apenas na capacidade para a redenção. “As abissais profun­ dezas da p e rs o n a lid a d e ” , de que T e n n y s o n fala, soam , à m edida que o homem mergulha sucessivam ente no pensam ento a partir dos pecados indi­ viduais ao pecado do coração e ao da raça. Mas, “a maior profundidade está fora do alcance de todos, menos de ti, ó Deus” . Desta m aior profundidade, na qual o homem está arraigado e apoiado em Deus, surgem as aspirações de uma vida melhor. Isto não se deve ao próprio homem, mas a Cristo, o Deus imanente, que sempre opera no homem. Fanny J. Crosby: “ Resgata o que perece, Cuida do m oribundo ... No fundo do coração humano, esmagados pela irritação, jazem sepultados os sentim entos que a graça pode restaurar; Tocadas por um am oroso coração, abrandadas pela bondade, novamente vibrarão as cordas que se rom peram ”.

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1. Semelhança natural com Deus,

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ou pessoalidade

O homem foi criado um ser pessoal e é esta pessoalidade que o distingue ia irracional. Pessoalidade é o duplo poder de conhecer a si mesmo relacio­ nado com o mundo e com Deus e determinar o eu com vista aos fins morais. Em virtude desta pessoalidade o homem pôde, na criação escolher qual dos objetos de seu conhecimento - o eu, o mundo, ou Deus - deve ser a norma e o centro de seu desenvolvimento. Esta semelhança natural com Deus é inaliená­ vel e, constituindo uma capacidade para a redenção, valoriza a vida até mes­ mo dos não regenerados (Gn. 9.6; 1 Co. 11.7; Tg. 3.9). Para as definições de personalidade, ver notas sobre o A rgum ento Antro­ pológico, p. 82; sobre o Panteísmo, pp. 104,105; sobre a pessoa de Cristo, Parte VI. Aqui podemos nos contentar com a seguinte fórmula: Personalidade = autoconhecim ento + autodeterm inação. Aufo-conhecim ento e aufo-determinação, distintas do conhecim ento e da determ inação do bruto, envolvem todas as mais elevadas forças mentais e morais que nos constituem seres humanos. A consciência é tão som ente um modo da atividade deles. Note que o term o ‘im agem ’ não implica, no homem, uma representação perfeita. Só Cristo é a “imagem exata” de Deus (Hb. 1.3), a “imagem do Deus invisível” (Cl. 1.15 - ver L ig h t f o o t ). Cristo é, de uma form a absoluta e como arquétipo, a imagem de Deus; o homem só o é de um modo relativo e derivado. Mas note também que, porque Deus é Espírito, o homem, feito à imagem de Deus, não pode ser uma coisa material. Porque possui este primeiro elemento da imagem de Deus, a saber, pessoalidade, exclui-se o materialismo. Este primeiro elemento da imagem divina o homem nunca pode perder enquanto não deixar de ser homem. Mesmo a insanidade só pode obscurecer esta imagem natural; não pode destruí-la. São Bernardo disse com precisão que ela não podia ser queim ada nem no inferno. A dracm a perdida (Lc. 15.8) ainda conserva a imagem e a inscrição real, ainda que ela mesma o desco­ nhecesse e ainda que não se tivesse perdido. Por isso a natureza humana deve ser reverenciada, e quem destrói a vida hum ana deve ser morto: Gn. 9.6 - “porque Deus fez o homem à sua imagem” ; 1 Co. 1 1 .7 - “O varão não deve cobrir a sua cabeça, porque é a imagem e glória de Deus” ; Tg. 3.9 - até mesmo os homens que amaldiçoam os são “feitos à sem elhança de Deus”; SI. 8.5 “pouco menor do que Deus o fizeste” ; 1 Pe. 2.17 - “honrai a todos”. No ser de cada homem estão os continentes que nenhum Colombo jamais descobriu e as profundezas da possível alegria ou tristeza que nenhum prumozinho jam ais sondou. O céu inteiro, o inferno inteiro podem estar dentro do perímetro da sim ples alma dele. Se pudéssem os ver como será o menor cris­ tão real no grande dia, curvar-nos-íam os diante dele como João diante do anjo no Apocalipse, porque não seriam os capazes de distingui-lo de Deus (Ap. 22.8,9). S ir W illiam Hamilton: “Nada de grande existe na terra a não ser o homem; nada há de grande no homem a não ser a mente” . Só aceitam os este dito se

cf.

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entendermos que a palavra “mente” inclui os poderes morais do homem ju n ­ tam ente com a justa direção de tais forças. S h a k e s p e a r e , Hamlet, 2.2 - “Que obra-prim a é o homem! Como é nobre pela razão! Como a sua faculdade é infinita! Em forma e movimentos, como é expressivo e maravilhoso! Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus!” Pascal: “O homem é m aior que o universo; o universo pode esmagá-lo, mas não sabe que está esmagando um ser hum ano” . W h i t o n , Glória Patri, 94 “ Deus não é apenas o doador, mas o participante da minha vida. Os meus poderes naturais são a parte do poder de Deus que dentro de mim se aloja na certeza de guardar-me e usar-m e” . O homem pode ser um instrum ento de Deus sem ser um agente seu. “Todo homem tem seu lugar e valor como refle­ xo de Deus e de Cristo. Como uma letra em uma palavra, ou como uma pala­ vra em uma sentença, ele tem o seu sentido conform e o contexto; mas a sentença não tem sentido sem o homem; os raios do universo inteiro conver­ gem para ele”. Living Temple de J o h n H o w ç mostra a grandeza da natureza humana em sua prim eira construção e até mesm o em sua ruína. S ó uma nobre embarcação podia causar tão grande estrago. A r is t ó t e l e s , Probiem, sec. 30 - “Nem uma excelente alma está isenta de um misto de loucura”. S ê n e c a , De Tranquiilitate Animi, 15 - “Não existe grande gênio sem uma tinta de loucura”. K a n t : “Age assim quanto ao trato da humanidade, quer em tua própria pessoa, quer no de qualquer outra, em cada caso como um fim, nunca ape­ nas como um meio". Se existe um elem ento divino em cada homem, então não há direito algum de usar o ser humano sim plesm ente ao nosso bel-prazer ou proveito. Ao recebê-lo, recebem os Cristo e, recebendo Cristo, recebemos aquele que o enviou (Mt. 10.40). Cristo é a videira e os homens são os ramos, cortando-os só quando se recusam a produzir frutos e condenando-os à quei­ ma só porque eles destroem e, até podem destruir a imagem de Deus neles, a qual os faz dignos de serem preservados” (Jo. 15.1-6). Cícero: “Homo mortalis deus”. A posse da sem elhança natural com Deus, ou a personalidade, envolve ilimitadas possibilidades do bem ou do mal e constitui o fundamento natural do am or ao homem que nos é requerido pela lei. Na verdade ela cons­ titui a razão por que Cristo morreu. O homem era digno da redenção. A mulher cujo anel deslizou do dedo e caiu no lodaçal da sarjeta, desvestiu seu alvo braço e meteu a mão na massa até que encontrou o anel; mas ela não o teria feito se aquela jóia não contivesse um valioso diamante. A moeda perdida, a ovelha perdida, o filho perdido, mereciam o esforço de buscá-los e salvá-los (Lc. 15). Mas, por outro lado, é tolice quando o homem, feito à imagem de Deus, “se cega com o barro” . O homem a bordo do navio, que, brincando, atirava ao alto um anel de diam ante que representava sua total fortuna, para sua angústia, lançou-a ao mar. Há uma “m ercadoria de alm as” (Ap. 18.13) e não devemos fazer m alabarismo com elas. A morte de Cristo pelo homem, mostrando o valor da humanidade, recriou a ética. “ Platão defendia o infanticídio sob certas circunstâncias. A r is t ó t e l e s via a escravidão fundam entada na natureza das coisas. Atribui-se a razão à inferioridade da natureza do escravizado” . Porém a imagem divina no ser humano comete tais barbaridades não mais possíveis entre nós. Às vezes Cristo encarava os homens com ira, mas nunca com desdém. Ele ensinava a

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mulher, abençoava a criança, purificava o leproso, ressuscitava o morto. Sua própria morte revelou o infinito mérito da menor alma humana e nos ensinou a considerar todos como irmãos por cuja salvação bem podemos entregar nossas vidas. G e o r g e W ashington respondia à saudação do seu escravo. Abraão Lincoln tirava o chapéu para um negro que lhe dava a sua bênção quando ele entrava em Richmond; mas uma senhora que tinha crescido sob o antigo regime via a cena com indizível horror. Robert Burns, andando com um nobre em Edimburgo, encontrou um velho conterrâneo de Ayr e parou para conversar com ele. O nobre ficou esperando com crescente importunação e, depois, repreendeu Burns por conversar com um homem de péssimo paletó. Burns respondeu: “ Eu não estava conversando com o paletó; eu esta­ va conversando com o hom em ” . Jean Ingelow: “A rua e o mercado tornam-se lugar santo - rostos pálidos marcados pela preocupação, Escuros, frontes fatigadas - cada vez mais belos. Filhos do Rei são todos estes, embora as necessidades e o pecado Desfiguraram a sua beleza, internam ente gloriosa. Não podemos passar por elas senão com olhos reverentes”.

2. Semelhança moral com Deus, ou santidade

Em adição às forças de escrúpulo próprio e autodeterminação já mencio­ nadas, o homem foi criado com tal direção de sentimento e vontade que cons­ titui Deus o supremo fim do ser humano e constitui o homem um reflexo finito dos atributos morais de Deus. Porque a santidade é o atributo fundamental de Deus por necessidade este deve ser o principal atributo da sua imagem nos seres morais que ele criou. A Escritura também ensina claramente que a justi­ ça é essencial à sua imagem (Ec. 7.29; Ef. 4.24; Cl. 3.10). Além de possuir os poderes naturais, a imagem de Deus envolve a posse das tendências para a moral correta. Não basta dizer que o homem foi criado em estado de inocência. A Escritura afirm a que o homem tem o direito de ser sem elhante a Deus: Ec. 7.29 - “ Deus fez o homem reto” ; Ef. 4.24 - “o novo homem que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade” aqui M e y e r diz: ‘Va-tà 0eóv, 'segundo D eus’, i.e. a d exemplum Dei conforme os padrões de Deus (Gl. 4.28 - ícarà 'IaactK, 'com o Isaque’ = como era Isaque). Esta expressão faz a criação do novo homem um paralelo com a dos nossos prim eiros pais, que foram criados segundo a imagem de Deus; antes que o pecado viesse a existir através de Adão, eles não tinham pecado - ‘em verdadeira justiça e santidade’”. Como passagem paralela, M e y e r faz referência tam bém a Cl. 3.10, - “o novo (hom em ), que se renova para o conhecim ento segundo a imagem daquele que o criou”. Aqui a palavra “conhecim ento” refere-se ao conheci­ mento de Deus, o qual é a fonte de toda a virtude e que é inseparável da santidade do coração. “A santidade tem dois lados ou fases: 1) é percepção e conhecimento; 2) é inclinação e sentimento” ( S h e d d , Dogm. Theol., 2.97). Sobre Ef. 4.24 e Cl. 3.10, as passagens clássicas com relação ao estado original do

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homem, ver tam bém os C om entários de D e W e t t e , R ü c k e r t , E l l ic o t t e com ­ pare Gn. 5.3 - “ E Adão viveu cento e trinta anos e gerou um filho à sua sem e­ lhança, conforme a sua im agem ”, /'.e., à sua própria sem elhança pecaminosa que, evidentemente, se contrasta com a “sem elhança de Deus” (v. 1) na qual aquele tinha sido criado. 2 Co. 4.4 - “Cristo, que é a imagem de Deus” - onde a expressão “imagem de Deus” não é sim plesm ente natural, mas também moral. Porque Cristo é a imagem de Deus, prim ordialm ente em sua santida­ de, a criação do homem à imagem de Deus deve ter envolvido uma santidade como a de Cristo, a ponto de a santidade pertencer a alguém que ainda não foi tentado, isto é, no que respeita aos gostos e disposições que precedem à ação moral. “Se tu pudesses, em visão, contem plar o homem a quem Deus se referia, nunca mais poderias ser o homem que tu és - contente” . O homem recémcriado tinha tendências morais justas assim como podia ser livre da verdadei­ ra falta. De outra forma, a com unhão com Deus, descrita em Gênesis, não teria sido possível. G o e t h e : “A não ser que o olho se assemelhasse ao sol, como poderia vê-lo? “ Porque uma disposição acom panhava a inocência do homem, ele era capaz de obedecer, culpado quando pecou. A perda desta sem elhança moral com Deus foi a principal calam idade da Queda. O homem agora é “a glória e o escândalo do universo”. Ele desfigurou a imagem de Deus em sua natureza, embora tal imagem, em seu aspecto natural, seja impossível de se apagar (E. H. J o h n s o n ). A dig n id a d e da natureza hum ana co n siste , não tanto naquilo que o homem é, mas naquilo que Deus pretende que ele ainda venha a se tornar, quando a perdida imagem de Deus for restaurada pela união da alma do homem com Cristo. Por causa das suas possibilidades futuras, o mais hum il­ de entre os homens é sagrado. O grande pecado da segunda tábua do Decálogo é o de desprezar o nosso próximo. R essaltar o desprezo pelos outros pode ter suas raízes só na egolatria e na rebelião contra Deus. Abraão Linco­ ln dizia corretam ente que “Deus deve ter gostado das pessoas simples; se não ele não teria feito tantas” . A consideração para com a imagem de Deus no homem leva tam bém ao generoso e reverente tratam ento mesm o dos ani­ mais inferiores nos quais tantas características humanas estão prefiguradas. B r a d f o r d , H eredity and Christian Problems, 1 6 6 - “A filosofia corrente diz: O mais adequado sobreviverá; que morra o restante. A religião de Cristo diz: Tal máxima aplicada aos homens é justa, só consideradas as características destes, dentre os quais só os mais capazes sobreviveriam . Isto não se aplica, e nem o pode, aos próprios homens, visto que todos, sendo filhos de Deus, são sum am ente capazes. O próprio fato de que um ser humano é doente, fraco, pobre, desprezado e vagabundo, é o mais forte apelo possível em favor da sua salvação. Que os indivíduos encarem a humanidade do ponto de vista de Cristo, e não mais estarão achando cam inhos em que o meio ambiente possa clam ar por justiça”.

Esta justiça original na qual consiste principalmente a imagem de Deus deve ser vista:

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a ) Não na substância ou essência da natureza humana, pois, nesse caso, a natureza humana teria deixado de existir logo que o homem pecou. A cada dia os homens mudam os seus gostos, o seu amor, sem mudar a essência ou substância do seu ser. Ao se cham ar o pecado de “natureza”, portanto (como o faz S h e d d , em seu Essays on Sin a Nature and that Nature Guilt, uma Natureza, e esta Natureza uma Culpa”), indica tão somente o seu sentido de ser algo inato (natura, de nascor). Os gostos hereditários podem com propriedade ser chamados de “natureza” como a substância do ser de alguém. M o e h l e r , Católico Romano moderno, o maior crítico da doutrina pro­ testante, em seu Simbolism, 58,59, absurdam ente sustenta que Lutero ensi­ nava que, na Queda, o homem perdeu a sua natureza essencial e esta foi substituída por outra. Na verdade, Lutero é tão som ente retórico, quando diz: “ É da natureza do homem pecar; o pecado constitui a essência do homem; desde a Queda, a natureza do homem tom ou-se completam ente mudada; o pecado original é exatam ente aquilo que vem do pai e da mãe; a argila de que somos form ados é danosa; o feto no ventre materno é pecado; nascido do pai e da mãe, o homem com toda a sua essência e natureza não é apenas peca­ dor, mas é em si mesm o pecado” .

b) Nem como um dom vindo de fora, estranha à natureza humana e acres­ centada a ela depois da criação do homem, pois se diz que o homem possui a imagem divina em virtude da criação e não por concessão posterior. Como os homens, desde Adão, nascem com a natureza pecaminosa, isto é, com tendências afastadas de Deus, assim Adão foi criado com uma nature­ za santa, isto é, com tendências para Deus. M o e h l e r diz: “Deus não pode dar ações ao homem” . Respondemos: “Não, mas Deus pode dar ao homem dis­ posições; e faz isso no início da criação, assim como na nova criatura (rege­ neração)” .

c) Porém como uma direção original ou tendência do sentimento e vontade do homem, acompanhada pela força da escolha má e assim diferindo da santi­ dade aperfeiçoada dos santos como o sentimento instintivo e a inocência infantil diferem da santidade que se desenvolveu e se confirmou através da experiência da tentação. A justiça original do homem não era imutável ou indefectível; havia ainda a possibilidade de pecar. Apesar de que o primeiro homem era fundam ental­ mente bom, ele ainda tinha o poder de escolher o mal. Havia uma inclinação para os sentim entos e para a vontade de Deus, mas o homem ainda não estava confirm ado na sua santidade. O amor do homem para com Deus era o germe da afeição filial na criatura, não desenvolvida, em bora sincera - “caritas puerilis, non virilis”.

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d) Como uma disposição moral, contudo, que seria transmissível aos des­ cendentes de Adão se continuasse e que apesar de perdida por ele e seus des­ cendentes, se Adão pecasse ainda deixaria o homem possuído de uma seme­ lhança natural com Deus a qual o fez suscetível à graça redentora de Deus. H o o k e r (Works, ed. K e b l e , 2.683) distingue entre aptidão e capacidade. Esta o homem perdeu; aquela ele reteve; doutra form a a graça não podia operar em nós, mais do que nos brutos. Hase: “Só a suficiente semelhança com Deus perm aneceu para lem brar ao homem o que ele perdeu e capacitálo a sentir o inferno do abandono de Deus” . A sem elhança moral a Deus não pode ser restaurada, a não ser pelo próprio Deus. Isto Deus garante ao homem, fazendo “resplandecer a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Co. 4.4). Pusey fez SI. 72.6 - “Ele descerá como a chuva sobre a erva ceifada” - a imagem de um mundo desesperadam en­ te morto, mas como uma recôndita capacidade de receber a vida. D. Daggett: “O homem é um ‘filho da m anhã’ (Is. 14.12), caído, embora retido no meio do caminho entre o céu e o inferno, prem iado entre as forças da luz e das trevas” .

A luz da investigação anterior, podemos apropriadamente valorizar duas teorias sobre o estado original do homem que reivindicam ser mais escriturísticas e racionais: A) A imagem de Deus inclui só a personalidade. Esta teoria nega que qualquer determinação positiva para a virtude foi her­ dada originariamente na natureza do homem e considera o homem no princí­ pio possuído somente de forças espirituais perfeitamente interajustadas. Este é o ponto de vista de S c h leierm acher seguido por N itzsc h , J ulius M üller e

H o ffm a n n .

A teoria de J u l iu s M ü l l e r sobre a Queda em um estado preexistente impos­ s ib ilita -o de s u s te n ta r que A dão possu ía s e m e lh a n ça m oral com Deus. A origem deste ponto de vista sobre a imagem de Deus se torna suscetível de suspeita. P f l e id e r e r , Grundriss, 113 - “O estado original do homem é o da inocência infantil, ou naturalidade m oralm ente indiferente que, na verdade, tinha em si a possibilidade (Anlage) do desenvolvim ento ideal, mas de tal modo que sua realização só pode ser encontrada na luta contra o seu oposto natural. A imagem de Deus já estava presente no estado original, mas só como possibilidade (Anlage) da sem elhança real com Deus - o dote da razão que pertence à personalidade humana. A realidade de um espírito sem elhan­ te ao de Deus apareceu prim eiram ente no segundo Adão e tornou-se o prin­ cípio do reino de Deus” . R a y m o n d ( Theology, 2.43,132) é um am ericano que representa o ponto de vista de que a imagem de Deus consiste na sim ples personalidade: “A ima­ gem de Deus à qual o homem foi criado não consiste numa inclinação e determinação da vontade para com a santidade” . Sustenta-se isto baseado

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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em que tal sem elhança moral com Deus tornaria impossível que o homem caísse; a isto respondem os que a justiça de Adão não é imutável e a propen­ são da sua vontade para com Deus não inviabiliza a possibilidade de pecar. Os motivos não coagem a vontade. Adão tinha, pelo menos, um certo poder de escolha contrária. E. G. R o b in s o n , Christ. Theology, 119-122, também sus­ tenta que a imagem de Deus significa apenas a personalidade que distingue o homem do bruto. Cristo, diz ele, leva a natureza humana a um ponto mais elevado ao invés de sim plesm ente restaurar o que está perdido. "Muito bom” (Gn. 1.31) não im plica em perfeição moral; isto não pode ser o resultado dá criação, mas som ente de disciplina e vontade. O estado original do homem é só o de uma inocência não testada. O D r. R o b in s o n combate o ponto de vista de que o primeiro homem, na sua criação, possuía um caráter desenvolvido. Ele estabelece a distinção entre caráter e os germes do caráter. Adm ite que estes o homem possuía. E assim ele define a imagem de Deus como uma predisposição constitucional dirigida a um curso correto. Isto tudo é a perfei­ ção que reivindicamos para o primeiro homem. Sustentam os que esta predis­ posição para o bem pode, com propriedade, ser cham ada caráter, visto que é o germe do qual brota toda a ação santa.

Em acréscimo ao que já se disse em apoio ao ponto de vista oposto, pode­ mos apresentar contra esta teoria as seguintes objeções: a ) Contraria a analogia, fazendo o homem autor da sua própria santidade; nossa condição pecaminosa não é produto de nossa vontade individual, nem a condição subseqüente de santidade é o produto de qualquer coisa a não ser o poder regenerador de Deus. Sustentar que Adão foi criado indeciso, tornaria o homem, como diz P h il ip p i , no sentido mais restrito, o seu próprio criador. Mas tanto moral como quanto fisicam ente, o homem é criatura de Deus. Na regeneração não basta que Deus dê força para decidir em favor do bem; Deus deve tam bém dar um novo amor. Se este existe na nova criação, Deus tam bém poderia dar am or na primeira. Por isso é possível a santidade ser criada. “A santidade não deriva­ da só é possível em Deus; ela, em sua origem, é dada tanto aos anjos quanto aos homens” . É por esta razão que oramos: “Cria em mim um coração puro” (SI. 51.10); “Inclina o meu coração a teus testemunhos” (SI. 119.36). I / s a E d w a r d s , E ff Grace, sec. 43-51; K a f t a n , Dogmatik, 290 - “Se a perfeição de Adão não fosse moral, então o seu pecado não seria uma verdadeira corrupção m oral”. O anim us da teoria que estamos com batendo parece ser indesejável para adm itir que o homem, quer na prim eira criação, quer na nova, deve sua san­ tidade a Deus.

b) O conhecimento de Deus no qual o homem foi originariamente criado logicamente pressupõe uma direção do sentimento e vontade para Deus por­ que só o coração santo pode ter qualquer apropriado entendimento do Deus de santidade.

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(520) “ Ubi caritas ibi claritas” . Originariam ente o coração do homem esta­ va cheio do amor divino e ausente do conhecim ento de Deus. Só conhece­ mos Deus quando o amam os e tal am or não vem de nossa simples vontade. Ninguém ama porque recebe ordens para amar, porque ninguém pode dar por si mesmo amor. Em Adão o am or era um impulso inato, que ele podia confirm ar ou negar. Compare 1 Co. 8 . 3 - "Se alguém am a a Deus, esse é conhecido dele”; 1 Jo. 4 . 8 - “Quem não ama não conhece a Deus” .

c) A semelhança a Deus só na personalidade, como Satanás também possui basta para responder as demandas da Escritura, na qual a concepção ética da natureza divina obscurece a simplesmente natural. A imagem de Deus deve ser, não simplesmente capacidade de ser semelhante a Deus, mas ser a verda­ deira semelhança. D e u s n u n c a p o d i a c r i a r u m s e r i n t e l i g e n t e a in d a q u e e q u i l i b r a d o e n t r e o bem

e o m al -

“ a o fio d a n a v a lh a ”-

“ n u m a c e rc a ” . O p re g a d o r q u e to m o u o

te x to “ A d ã o , o n d e e s t á s ? ” t e v e s e u p r im e ir o t ó p ic o : “ A p r e o c u p a ç ã o d e c a d a h o m e m é e s t a r e m a lg u m l u g a r ” ; s e g u n d o : “ A l g u é m d e n t r e v ó s e s t á e m l u g a r o n d e n ã o d e v e r ia ” ; e t e r c e ir o : “ E s ta i o n d e v ó s d e v e is e s ta r , tã o lo g o s e ja p o s ­ s ív e l” . U m a s im p le s c a p a c id a d e p a r a o b e m A

g o s t in h o ,

p e c a m in o s a . O

hom em

o u p a r a o m a l j á é , n o d iz e r d e

q u e a s s u m e u m a a titu d e

n e u tra e n tre o

b e m e o m a l j á é u m t r a n s g r e s s o r d a le i, q u e r e q u e r s e m e l h a n ç a a D e u s n a te n d ê n c ia d a s u a n a tu r e z a . D

e l it z s c h ,

Bib. Psychol.,

4 5 - 8 4 - “ A p e r s o n a lid a d e

é a p e n a s a b a s e d a i m a g e m d iv i n a ; n ã o é a i m a g e m e m s i ” . B l e d s o e d iz q u e n ã o p o d e h a v e r n e n h u m a v ir tu d e o u v íc io c r ia d o s . W f a z o b j e ç ã o a i s t o e , c o n t r a r i a m e n t e , d iz : N ã o p o d e

hedon

(

On the Will,

haver nenhum

388)

m e r e c i­

m e n t o m o r a l c r ia d o , q u e r b o m , q u e r m a u . A n a t u r e z a d e A d ã o , q u a n d o c r ia d o , e r a p u r a e e x c e l e n t e , m a s n a d a h a v i a d e m e r i t ó r i o a t é q u e e le t i v e s s e liv r e e c o r r e t a m e n te e x e r c id o s u a v o n ta d e c o m

p le n o p o d e r d e p r a t ic a r o c o n t r á r io ” .

A c r e s c e n t a m o s : A té e n t ã o n a d a h a v ia d e m e r it ó r io . P a r a a s u b s t â n c ia d e s ta s o b j e ç õ e s , v e r P h i l ip p i ,

Glaubenslehre,

2 .3 4 3 . L e s s in g d iz ia q u e o c a r á t e r d o s

a le m ã e s n ã o d e v i a t e r n e n h u m c a r á t e r . G zação

c o s m o p o lit a

e s c re v e u

no

( P r o f. S e e ly ) . T

o ethe

ennyson

P a lá c i o d a A r t e : “ S e n t o - m e

p a r t ilh a v a d e s ta d e s c a r a te r i-

tin h a

G

o ethe

em

v is ta

quando

s e p a r a d o , n ã o s u s te n ta n d o fo r m a

a lg u m a d e c r e d o , m a s c o n t e m p l a n d o t o d a s ” . É p r o v á v e l q u e h a j a a in d a u m a a lu s ã o a G

oethe

n a s p a l a v r a s : “ U m g l o r i o s o d ia b o , d e c o r a ç ã o e c é r e b r o g r a n ­

d e s , Q u e a m o u s ó o b e lo , O u , s e o b e m , o b e m s o m e n t e p o r s u a b e le z a ” ; v e r

The G reat Poets and th e ir Theology, 3 3 1 ; Chrístmas Eve: “ N o p e i t o d e D e u s a v e r d a d e J a z p o n t o

A . H . S tro ng ,

R obert B a p o n to

r o w n in g ,

im p r e s s a

s o b r e o n o s s o : E m b o r a e le s e j a t ã o b r i l h a n t e e n ó s t ã o o b s c u r o s , S o m o s s u a im a g e m p a r a t e s t e m u n h a r m o s d e le ” .

B) A imagem de Deus consistindo somente na capacidade natural do homem para a religião. Este ponto de vista, a princípio elaborado pelos escolásticos, é a doutrina da Igreja Católica Romana. Estabelece distinção entre imagem e semelhança

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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de Deus. Aquela (c fe - Gn. 1.26) só pertence à natureza do homem na sua criação. Esta (mEPl) é o produto dos seus próprios atos de obediência. Para que esta obediência possa tomar-se mais fácil e a conseqüente semelhança a Deus mais segura, acrescenta-se um terceiro elemento - não pertencente à natureza do homem - a saber, um dom sobrenatural da graça especial que age como um freio sobre os impulsos sensitivos e os submete ao controle da razão. A justiça original, portanto, não é um dote natural, mas um produto conjunto da obediência do homem e da graça sobrenatural de Deus. O Catolicismo Romano sustenta que o papel branco da alma do homem recebeu duas impressões ao invés de uma. O Protestantismo não vê razão alguma por que ambas impressões não seriam apostas no princípio. K a f t a n , Am. Jour. Theology, 4.708, apresenta uma boa afirm ação a respeito do ponto de vista Católico Romano. Sustenta que o suprem o bem transcende a mente finita e seus poderes de compreensão. Mesmo no princípio achava-se além da natureza humana criada. O donum superadditum não pertencia interior e pessoalm ente ao homem. Agora que ele o perdeu, depende totalm ente da igreja no que se refere à verdade e à graça. Ele não recebe a verdade por ser esta ou aquela, mas porque a igreja lhe diz que esta é a verdade. A doutrina católica romana pode ser de uma form a rude e ilustrativa esta­ belecida da seguinte maneira: Como um ser criado, o homem é moralmente nu, ou desprovido de justiça positiva (pura naturalia, ou in puris naturalibus). Pela obediência ele obteve, como recompensa da parte de Deus, (donum supernaturale, ou superadditum) um vestuário ou roupagem de justiça para prote­ gê-lo, de modo que ele foi coberto de roupas (vestitus). Este vestuário, contu­ do, era um tipo de mágica da qual ele podia ser desvestido. O adversário o atacou e o desnudou. Depois do seu pecado ele foi despojado (spoliatus) Mas a sua condição diferiu da anterior a este ataque, como um despojado difere de um desnudo (spoliatus a nudo). Ele apenas estava no mesmo esta­ do em que fora criado, com a única exceção da fraqueza que ele pôde sentir como resultado da perda da sua veste costum eira. Ele pôde receber outra vestidura; de fato, ele pôde adquirir duas ou mais, por assim dizer, ou despre­ zar o que não precisava para si mesmo. A expressão in puris naturalibus des­ creve o estado original, assim como a spoliatus a nudo descreve a diferença resultante do pecado do homem.

Muitas das considerações já acrescentadas aplicam-se igualmente como argumento contra este ponto de vista. Podemos dizer, contudo, com referência a certas características peculiares à teoria: a ) De modo nenhum se pode traçar tal distinção entre as palavras e dmuth. O acréscimo do sinônimo apenas reforça a expressão e ambas signifi­ cam “a própria imagem”. b) O que quer que se denota em uma ou ambas palavras concedeu-se ao homem no fato da criação e através dela e a hipótese adicional de um dom

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sobrenatural originariamente não pertencente à natureza do homem, mas con­ ferido subseqüentemente, não tem nenhum fundamento aqui ou em outro lugar na Escritura. O que se diz é que o homem foi criado à imagem e seme­ lhança de Deus, e não recebeu qualquer uma delas posteriormente. c) A oposição criada entre o sentido e a razão que esta teoria supõe é incon­ sistente com a declaração da Escritura de que a obra das mãos de Deus “é muito boa” (Gn. 1.31) e transfere a acusação da tentação e pecado do homem para Deus. Sustentar uma inocência simplesmente negativa em que o desejo mau é apenas dormência é fazer Deus o autor do pecado fazendo-o o autor da constituição que toma o pecado inevitável. d) Esta teoria contradiz diretamente a Escritura fazendo o efeito do primei­ ro pecado ter sido o enfraquecimento, mas não a perversão da natureza huma­ na e a obra da regeneração não ser uma renovação dos sentimentos, mas sim­ plesmente um fortalecimento dos poderes naturais. A teoria considera o primeiro pecado somente como espoliação do dom da graça especial do homem e como pondo-o onde ele estava quando foi criado —ainda capaz de obedecer a Deus e cooperar com Deus na sua própria salvação, enquanto a Escritura representa o homem desde a queda “morto nos delitos e pecados” (Ef. 2.1), incapaz da verdadeira obediência (Rm. 8.7 - “não sujeito à lei de Deus nem, na verda­ de, o pode ser”) e necessitando de ser “criado em Cristo para as boas obras” (Ef. 2.10) Em poucos pontos na doutrina cristã vemos mais claramente do que aqui os grandes resultados do erro que pode finalm ente brotar do que à primeira vista é apenas uma leve divergência da verdade. A g o s t in h o corretamente ensinou que, em Adão, o posse non pecare se fez acom panhar do posse pecare e que, por esta razão, a disposição santa do homem teve necessidade do auxílio da graça divina para a preservação da sua integridade. Mas errone­ amente os escolásticos acrescentaram que esta disposição original para a retidão não foi o manancial ou a natureza do homem originariam ente criada, mas foi a dádiva da graça. Como este ensino, mais tarde, contudo, foi contro­ vertido, o Concilio de Trento (sess. 5, cap. 1) deixou a matéria mais indefinida somente declarando sobre o homem: “Sanctitatem et justitiam in qua constitutus fuerat am isisse” . O Catecismo Romano, contudo (1.2.19), explicava a expressão “constitutus fuerat” com as palavras: “Cum originalis justitiae admirabile donum a d d id if. E B e l a r m in o (De Gratia, 2) diz claramente: “ Imago, quae est ipsa natura mentis et voluntatis, a solo Deo fieri potuit; similitudo autem, quae in virtute et probitate consistit, a nobis quoque Deo adjuvante perficitur”. ... (5) “ Integritas illa ... non fuit naturalis ejus conditio sed supernaturalis evectio. ... Addidisse homini donum quodam insigne, justitiam videlicet originalem, qua veluti aureo quodarn fraeno pars inferior parti superiori subjecta contineretur”. M o e h l e r (Sim bolism , 21 -35) sustenta que a faculdade religiosa = “imagem de Deus”; o piedoso exercício desta faculdade = “sem elhança de Deus”. Ele

T e o l o g ia S is t e m á t i c a

parece favorecer o ponto de vista de que Adão recebeu “este dom sobrenatu­ ral de uma santa e bendita com unhão com Deus em um período mais tardio que a sua criação, /'.e., só quando ele estava preparado para recebê-la e, por seus próprios esforços, tornara-se digno dela” . Ele foi criado “justo” e aceitá­ vel a Deus mesmo sem a com unhão com ele ou sem seu auxílio. Tornou-se “santo” e usufruiu a com unhão com Deus só quando este recompensou a sua obediência e concedeu-lhe o supernaturale donum. Embora M o e h l e r favore­ ça este ponto de vista e defenda sua perm issão conform e os padrões, não diz que isto não se ensina de uma form a definida. As citações de B e l a r m in o e do Catecismo Romano feitas acima esclarecem que esta é a doutrina prevalecente na Igreja Católica Romana. Assim, para citar as palavras de S h e d d , “a teologia tridentina começa com o pelagianism o e term ina com o agostinianism o. Tendo criado o homem sem caráter, Deus subseqüentem ente o dota deste elemento que lhe faltava. ... A idéia papal da criação difere da agostiniana por envolver a imperfeição. Há uma doença e um langor que requerem um ato subseqüente e sobrenatural para rem ediá-lo” . A concepção agostiniana e protestante do estado original do homem é muito mais nobre que isto. O elemento ético não é um acréscimo admitido mais tarde, mas é a verdadeira natureza do homem - essencial à idéia que Deus tem dele. A condição normal e original do homem (pura naturalia) é a da graça e da habitação do Espírito - e, portanto da direção para Deus. Desta diferença original entre a doutrina católica romana e a protestante sobre o estado original do homem resultam pontos de vista divergentes quan­ to ao pecado e quanto à regeneração. O protestante sustenta que, do mesmo modo que o homem possui a sem elhança moral com Deus, ou santidade, assim o pecado roubou a integridade da sua natureza, privou-o das vanta­ gens e poderes essenciais criados com ele e os substituiu por uma corrupção positiva e tendência para o mal. O mau desejo não premeditado, que é a concupiscência, é o pecado original, do mesmo modo em que o am or a Deus, criado com o homem, constitui a justiça original. Desde a queda ninguém tem a justiça original e é por causa do pecado que não a tem. Visto que sem o am or a Deus nenhum ato, nenhuma emoção ou pensam ento do homem pode atender às dem andas da lei de Deus, a Escritura nega ao homem decaído todo o poder de conhecer, pensar, sentir, ou praticar o que certo. Por isso a sua natureza necessita de uma nova criação, de uma ressurreição dentre os mortos, que só Deus, por seu poderoso Espírito, pode operar; e o homem em nada pode contribuir com Deus em tal obra, a não ser que o próprio Deus lhe dê a força. Segundo o ponto de vista católico romano, contudo, porque a imagem de Deus a que o homem foi criado incluía só a faculdade religiosa do homem, o seu pecado só pode roubar-lhe o que se tornou subseqüente e adventiciam ente dele. O homem decaído difere do não decaído apenas como um spoliatus a nudo. Ele só perde um tipo de sortilégio mágico que o deixa ainda na posse de todos os seus poderes essenciais. O desejo mau não prem edita­ do, ou concupiscência, não é pecado; pois isso pertenceu à sua natureza mesmo antes que ele caísse. Por isso seu pecado o retornou ao estado natu­ ral de conflito e concupiscência, ordenados por Deus na oposição entre o

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sentido e a razão. A única qualificação é que, tendo feito uma decisão má, a sua vontade enfraquece. “O homem não necessita da ressurreição dentre os mortos, mas, ao invés disso, de uma muleta que o ajude em sua coxeadura, um tônico para reforçar sua fraqueza, um remédio para curar sua enferm ida­ de”. Ele ainda é capaz de voltar-se para Deus; e, na regeneração, o Espírito sim plesm ente desperta e reforça a capacidade natural dormente no homem natural. Mas mesmo assim, o homem pode ceder à influência do Espírito Santo; e a regeneração se efetua unindo o seu poder ao divino. No batismo a culpa do pecado original é perdoada e tudo o que se cham a pecado é retirado. Nenhum a pessoa batizada precisa subm eter-se ao processo de regenera­ ção. O homem não só tem força para cooperar com Deus no processo de sua salvação, mas pode também ir além das dem andas da lei e realizar as obras supererrogatórias. E todo o sistema sacram ental da Igreja Católica Romana, com sua salvação pelas obras, o seu fogo purificador e a invocação dos san­ tos, tem conexão lógica com esta teoria errônea do estado original do homem.

II. INCIDENTES DO ESTADO ORIGINAL DO HOMEM 1. Resultados da posse da imagem divina da parte do homem a) Reflexo desta imagem divina na forma física do homem. - Até mesmo no corpo do ser humano acham-se tipificados os mais elevados atributos que constituem principalmente sua semelhança com Deus. Uma grosseira perver­ são desta verdade, contudo, é o ponto de vista que sustenta, com base em Gn. 2.7 e 3.8, que a imagem de Deus consiste na semelhança física com o Criador. Na primeira destas passagens, não é a imagem divina, mas o corpo, que é formado do pó e neste corpo foi soprada a alma que possui a imagem divina. A segunda passagem deve ser interpretada por outras porções do Pentateuco, no qual Deus é representado como livre de todas as limitações da matéria (Gn. 11.5; 18.15), O espírito apresenta a imagem divina de form a imediata: o corpo, mediata. Os escolásticos chamavam a alma de imagem de Deus proprie\ o corpo era chamado significative. A alma é o reflexo direto de Deus; o corpo, o refle­ xo desse reflexo. O os sublim e manifesta a dignidade dos dotes interiores. Daí a palavra ‘ereto’ aplicada à condição moral; um dos primeiros impulsos do homem renovado é a pureza física. Compare O v í d i o , Metamorfose, livro 1, trad. de D r y d e n : Então, enquanto a m uda criatura inclina-se para baixo a Sua vista, e a sua mãe terrena apascenta, o homem olha para o alto e com seus olhos eretos C ontem pla os seus próprios céus hereditários (avGpamoç de àvá, avco, sufixo tra, e que se refere à postura erecta.) Milton fala da “humana face divina” . Sunday S chool Times, 28 de julho de 1900 - “O homem é o único ser ereto entre as criaturas vivas. Só ele olha para cim a com naturalidade e sem esforço. Ele renuncia seu direito de prim ogenitura quando apenas olha

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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para o que está no nível dos seus olhos e se ocupa tão som ente com o que está no plano da sua própria existência” . B r e t s c h n e id e r (D ogm atik 1.682) considera que a Escritura ensina que a imagem de Deus consiste na sem elhança corporal com o Criador, mas ape­ nas como o método im perfeito da representação pertencente a uma era anti­ ga. É o pensam ento de S t r a u s s , Glaubenslehre, 1.687. Eles m encionam Gn. 2.7 - “E o Senhor formou o homem do pó da terra"; 3.8 - “O Senhor que passeava no jardim ” . Mas veja Gn. 1 1 .5 - “ Então o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificaram ” ; Is. 66.1 - “O céu é o meu trono, e a terra, o escabelo dos meus pés”; 1 Re. 8.27 - “Os céus dos céus te não poderia conter”.

b) Sujeição dos impulsos sensitivos ao controle do espírito. - Devemos jqui manter um apoio médio entre dois extremos. Por um lado, o primeiro homem possuía um corpo e um espírito tão adequados um ao outro que não se ;entia nenhum conflito entre as suas diversas reivindicações. Por outro lado, esta perfeição física não era final e absoluta, mas relativa e provisória. Há ainia lugar para o progresso rumo a um mais elevado estágio do ser (Gn. 3.22). S ir H enry W atton, H appy Life\ “Aquele homem era livre das peias servis Da esperança de levantar-se ou medo de cair, Senhor de si mesmo senão das terras, E nada tendo, apesar de que tinha tudo” . Defendemos aqui o aequate temperamentum. Não havia doença, mas a alegria de saúde abun­ dante. O labor era apenas uma atividade feliz. A divina criação infinita e a fonte do ser eram tipificadas nos poderes de geração do homem. Mas não havia oposição concreta entre o sentido e a razão, nem uma natureza física imperfeita contra cujos impulsos a razão guerreava. Com esta moderada dou­ trina escriturística contrastam -se os exageros dos Pais e dos escolásticos! A gostinho diz que a razão adâm ica está para a nossa assim como o pássaro está para a tartaruga; a propagação no estado dos não decaídos teria sido sem concupiscência e o filho recém -nascido teria atingido a perfeição no nas­ cimento. O pensamento de Alberto Magno é de que o primeiro homem não teria sentido dor, ainda que fosse atingido com pesadas pedras. Escoto Erígena sustentava que os elementos m asculino e fem inino ainda não eram dis­ tintos. Outros diziam que o sexo foi o primeiro pecado. Jacob Boeme conside­ rava o intestino e tudo o que se relacionasse com ele como conseqüência da Queda; ele fantasiava a terra a princípio como transparente e não produzia trevas; o pecado, pensava ele, a tornara opaca e escura; a redenção a res­ tauraria ao seu primeiro estado e tornaria a noite coisa do passado. S outh, Sermons, 1.24,25 - “O homem veio ao mundo como um filó s o fo .... A ristóteles era apenas o refugo de um Adão” . L yman A b b o t t conta-nos que um ministro garantiu à sua congregação que Adão conhecia o telefone. Mas Deus educa os seus filhos como o quím ico educa os seus alunos, pondo-os no laboratório e fazendo-os trabalhar. A Escritura não representa Adão como enciclopédia ambulante, mas como inexperiente; ver Gn. 3.22 - “ Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal” ; 1 Co. 15.46 - “Mas não é primeiro o

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espiritual, senão o animal; depois o espiritual” . Sobre este texto, ver E xpositor’s G reek Testament.

c)

Domínio sobre a criação inferior. - Adão possuía um discernimento para a natureza análogo ao da infância suscetível e, portanto, era capaz de dar nome aos animais e dirigi-los (Gn. 2.19). Contudo, este discernimento nativo era capaz de desenvolver-se rumo a um conhecimento mais elevado da cultura e da ciência. De Gn. 1.26 (cf. Sl. 8.5-8) tem-se inferido erroneamente que a imagem de Deus no homem consiste no domínio sobre os animais e sobre o mundo natural. Mas neste verso “domine sobre” não define a imagem de Deus, mas indica o resultado da posse dessa imagem. Fazer a imagem de Deus con­ sistir neste domínio implicaria que só a onipotência divina se projetava no homem. Gn. 2.19 - “ Havendo, pois, o Senhor form ado da terra todo animal do campo e toda ave dos céus, trouxe a Adão para ver como este lhes cham a­ ria”; 20 - “ E Adão pôs o nome a todo o gado”; Gn. 1.26 - “ Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado”; cf. Sl. 8.5-8 - “ Pouco m enor o fizeste do que Deus e de glória e honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas as ovelhas e bois, assim como todos os animais do campo”. O fato de Adão nom ear os animais im plicava discernim ento na sua natureza. A coragem e a boa consciência têm um poder sobre a criação bruta e bem pode supor-se que o homem não decaído tenha dom inado as criaturas que não têm experiência da crueldade humana. Rarey dom esticou cavalos selva­ gens com seus olhos firm es e destem idos. Em Paris uma jovem foi hipnotiza­ da e posta numa cova de leões. Ela não teve medo das feras e as feras não lhe deram a mínima atenção. A filhinha de um oficial inglês na África do Sul saiu do acam pam ento e passou a noite entre leões. “Katrina” , disse seu pai quando a achou, “você não ficou com medo de estar sozinha aqui? “Não, papai”, respondeu ela, “os canzarrões brincavam comigo e um deles deitouse aqui e me conservou quentinha” . M a c L a r e n , S unday School Times, 23 de dezembro de 1893 - “O domínio sobre as criaturas resulta da sem elhança a Deus. Por isso não é simplesmente um direito de usá-las com vantagem mate­ rial própria, mas é uma autoridade de vice-rei, que se tem de em pregar em honra ao verdadeiro Rei” . Este princípio dá a garantia e o limite para a vivissecção e para a morte dos animais inferiores para a alim entação (Gn. 9.2,3). Os escritores socinianos geralm ente sustentam o ponto de vista de que a imagem de Deus consiste sim plesm ente neste domínio. Defendendo um pon­ to de vista inferior da natureza do pecado, eles naturalm ente não estão incli­ nados a crer que a queda operou qualquer mudança profunda na natureza humana. O arm iniano L i m b o r c h , Theol. Christ., ii, 24.2,3,11, também defende-o. Os encratitas sustentavam, com Pedro Mártir, que as mulheres não pos­ suem a imagem divina.

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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d) Comunhão com Deus. Nossos primeiros pais gozavam da presença e ensino divinos (Gn. 2.16). Parece que Deus se manifestou a eles de forma visível (Gn. 3.8). Este companheirismo era tanto em gênero como em grau iiequado à capacidade espiritual deles e de modo nenhum envolve a visão perfeita de Deus que é possível aos seres de confirmada e imutável santidade Mt. 5.8; 1 Jo. 3.2). Gn. 2.16 - “ E ordenou o Senhor Deus ao hom em ” ; 3.8 - “ E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia” ; Mt. 5.8 - “Bemaventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” ; 1 Jo. 3.2 “Quando ele se manifestar, serem os sem elhantes a ele; porque assim como é o verem os” ; Ap. 22.4 - “ E verão o seu rosto”.

2. Concomitância da posse da imagem divina pelo homem

a) As circunstâncias e a sociedade adequaram-se para produzir a felicidade e assistir um santo desenvolvimento da natureza humana (Éden e Eva). Acres­ centamos algumas teorias recentes relativas à criação de Eva e à natureza do Hden. Éden = prazer, deleite. S t e v e n s , Pauíine Theology, 329 - “Nas relações naturais entre os sexos há uma certa dependência recíproca porque não é verdade apenas que a m ulher foi feita a partir do homem, mas também que o homem é nascido de m ulher (1 Co. 11.11,12)” . A respeito dos mármores de Elgin Boswell perguntava: “Você não os acha indecentes?” O D r . J o h n s o n respondeu: “Não, senhor; a sua pergunta é que é” . O homem, que na idade adulta possui doze pares de costelas, no seu estado em brionário tem treze ou quatorze. D a w s o n , M odem Ideas o f Evolution, 148 - “ Porque não falta ao ele­ mento masculino uma costela? Porque só o esqueleto de Adão foi afetado pela sua retirada. ... Os intérm inos arcos vertebrais das poedeiras de pele fibrosa podem ter produzido um só pelo processo de enxerto ou gem ação”. H. H. Bawden sugere que o relato da criação de Eva pode ser um “resumo pictórico” de um verdadeiro processo evolutivo filo g e né tico pelo qual os sexos se separaram ou se isolaram a partir de um ancestral ou de ancestrais hermafroditas. A porção m esodérm ica do organism o em que o sistem a urogenital tem sua origem desenvolve-se mais tarde do que a porção ectodérmica e a endodérmica. A palavra costela pode designar esta porção mesodérmica. B ayard T a y l o r , John Godfrey Fortunes, 392, sugere que o gênio é hermafrodita, acrescentando um elem ento masculino à m ulher e um fem inino ao homem. O P r o f . L o e b , Am. Jour. Phisiology, vol. III, ns 3, tem achado que em certas soluções quím icas preparadas no laboratório, próximas à concentração da água do mar, os ovos não fertilizados do porco espinho amadurecerão sem a intervenção do esperm atozóide. Os embriões perfeitos e os indivíduos nor­ mais produzem-se sob tais condições. No pensam ento dele é provável que sem elhante partenogênese pode ser produzida em tipos mais elevados do

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ser. Em 1900 ele atingiu bem sucedidos resultados com os anelídeos, embo­ ra haja dúvida se ele produziu algo mais do que larvas normais. Estes resul­ tados foram criticados por um investigador europeu, que tam bém é sacerdote romano. O P r o f . L o e b escreveu uma réplica em que expressa surpresa de que um representante da igreja romana não tenha endossado suas conclu­ sões, visto que elas fornecem uma vindicação da im aculada conceição. H. H. Bawden examinou a obra do P r o f . L o e b na Psychology Review, janeiro, 1900. Ja n ó sik achou segm entação nos ovos não fe rtiliza d o s de mamíferos. O P r o f . L o e b considera possível que só os íons do sangue impe­ dem a origem partenogenética dos embriões nos m am íferos e acha que não é improvável que, por uma mudança transitória nestes íons será possível pro­ duzir a partenogênese com pleta nestes tip o s mais elevados. A seguir, o Dr. Bawden diz que “tanto os pais como os filhos dependem de uma fonte comum de energia. O universo é um grande organism o e não há matéria inorgânica ou não orgânica, mas somente diferenças de grau de organiza­ ção. O sexo é designado só secundariam ente para a perpetuação da espé­ cie; em primeiro lugar é a ligação ou meio de conexão ou interação das várias partes deste grande organism o a fim de m anter esse grau de heterogeneidade que é o pré-requisito de um alto grau de organização. Por meio do desen­ volvim ento de uma vida inteira tornei-me parte essencial de um grande siste­ ma orgânico. O que eu cham o m inha personalidade representa som ente o foco, o florescim ento do universo em um finito ponto concreto ou centro. Então, minha personalidade não pode continuar durante o tem po em que con­ tinua o sistema universal? E é concebível a im ortalidade se a alma é alguma coisa trancada dentro de si mesma, estanque e única? Os m últiplos focos não são mutuamente interdependentes, ao invés de mutuamente exclusivos? Portanto não podemos conceber uma im ortalidade que signifique existência de um indivíduo excluído do contexto social que é realmente a essência da sua própria natureza” . J. H. Richarson sugere no Standard, 10 de set. de 1901, que o primeiro capítulo de Gênesis descreve a criação só na parte espiritual do homem feita à imagem de Deus - enquanto o segundo capítulo descreve a criação do corpo do homem, a parte animal que pode ter-se originado por processo de evolução. S. W. H o w l a n d , Biblia Sacra, janeiro de 1903; 121-128, supõe que Adão e Eva eram dois gêmeos unidos por uma cartilagem ensiform e ou osso torácico como as siam esas Chang e Eng. Por causa de uma violência, ou acidente, a cartilagem se rompeu antes de se solidificar, transform ando-se em osso. Viveram separados até a puberdade. Então Adão viu Eva vindo a ele com um osso que se projetava do lado dela, correspondendo ao furo do lado dele e disse: “Esta é osso do meu osso; ela deve ter sido tom ada do meu lado quando eu dorm ia” . Esta tradição foi transm itida à sua posteridade. Os judeus têm uma tradição de que Adão foi criado com duplo sexo e que ambos posteriorm ente se separaram . Os hindus dizem que o homem foi o primeiro com dois sexos que se dividiram para povoar a terra. No Zodíaco de Dendera, Castor e Pólux aparecem como hom em e uma m ulher gêmeos; alguns dizem que se chamavam Adão e Eva. O nome copta para este signo é Pi Mahi, “os Unidos”. D a r w in no post scriptum a uma carta endereçada a L y e l l , em julho de 1850, conta ao seu amigo que ele tem “uma agradável genealo-

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gia para o gênero hum ano” e descreve o nosso mais remoto ancestral como um animal que respirava água, tinha uma bexiga para nadar, para isso, uma grande cauda, crânio imperfeito e, sem dúvida, era herm afrodita”. M a t h e w A r n o l d fala do “vigor do mundo prim itivo” . Novalis diz que “toda filosofia começa com a nostalgia”. Shelley, Cotovia: Fazemos um retrospecto e um prospecto, E desfalecem os ante o que não é; Nosso mais sincero gar­ galhar Carrega-se de certa dor; nossas doces m elodias são as Que falam do mais triste pensam ento” . - “ A áurea concepção de um Paraíso é a idéia mes­ tra do poeta” . Há um sentim ento universal de que agora não estamos em nosso estado natural; de que estam os bem longe da nossa casa; de que somos exilados da nossa verdadeira habitação. K e b l e , Groans o f Nature: Tais pensam entos, a derrocada do Paraíso, através de m uitas eras lúgubres, sublevaram tudo o que há de bom ou sábio Ainda vivo no poeta ou no sábio” . A poesia e a música ecoam o anseio pela posse de algo perdido. Jéssica no Mercador de Veneza de S h a k e s p e a r e : “ Eu nunca sou feliz quando ouço uma doce m úsica” . Toda a verdadeira poesia encara adiante ou posterior uma pro­ fecia do porvir ou duma visão pretérita, do mesmo modo que a escultura põe diante de nós o corpo original ou o da ressurreição. Wellhausen, sobre a lenda da era do ouro, diz: “ É o cântico ardente que vai além de todos os povos: tendo alcançado a civilização histórica, eles sen­ tem o quanto valem os bens pelos quais se sacrificaram ” . Ele considera a era do ouro apenas com o uma imagem ideal, como o reino m ilenário nos fins dos tempos. O homem difere do irracional no poder de form ar ideais. Sua direção rumo a Deus mostra a sua descendência deste. De igual modo, Hegel defen­ de a condição paradisíaca tão som ente como o desenvolvim ento humano de uma concepção ideal. Mas as tradições dos jardins de Brama e das Hespérides incorporam a rem iniscência de um fato histórico em que o homem era livre do mal exterior e possuía tudo o que pode m inistrar o regozijo ao inocen­ te? A “era de ouro” dos pagãos ligava-se à esperança da restauração. Portan­ to, o emprego da doutrina do estado original do homem deve convencer os homens do elevado ideal uma vez realizado, que pertence apropriadamente ao homem, agora perdido, e recuperável, não pelas próprias forças do homem, mas só através da provisão de Deus em Cristo.

b) Provisões para testar a virtude do homem. - Porque o homem ainda não estava em um estado de santidade confirmada, mas de uma simples inocência infantil, ele podia tomar-se perfeito só através da tentação. Daí a “árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn. 2.9). A única ordem suave testava o espírito de obediência. A tentação não necessitava uma queda. Se vencida, fortaleceria a virtude. Nesse caso, o posse non pecare tornar-se-ia em non

posse pecare.

T h o m a s iu s : “A doutrina de que o mal é um ponto de transição necessário para o bem é doutrina e filosofia satânicas”. A árvore é principalm ente a da provação. É certo que um pai faça a posse do título da fazenda depender do cum prim ento de algum dever filial, como fez T h a d d e u s S t e v e n s com seu filho,

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estabelecendo a abstinência alcoólica como condição para a posse da proprie­ dade. Não sabemos se, além disso, a árvore do conhecim ento era prejudicial ou venenosa.

c)

Oportunidade de assegurar a imortalidade física. - O corpo do primeiro homem era em si mesmo mortal (1 Co. 15.45). A ciência mostra que a vida física envolve queda e perda. Mas parece que se providenciou um meio para deter esta queda e preservar a juventude do corpo. Este meio é a “árvore da vida” (Gn. 2.9). Se Adão tivesse mantido sua integridade, o corpo podia desenvolver-se e transfigurar-se sem a intervenção da morte. Em outras pala­ vras, o posse non mori podia tomar-se non posse mori. A árvore era o sím bolo da com unhão com Deus e da dependência do homem para com ele. Mas isto só porque tinha uma eficácia física. Era sacra­ mental e memorial para a alma porque sustentava a vida do corpo. O pecador estava separado da árvore da vida, até que estivesse preparado pela justiça de Deus para ela. A redenção e a ressurreição não só restauram o que se perdeu, mas dão aquilo para cuja consecução o homem foi criado: 1 Co. 15.45 - “O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão, em espírito vivificante”; Ap. 2 2 .1 4 - “Bem -aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida” .

Combatem-se as conclusões a que temos chegado relativas aos incidentes do estado original do homem com apoio em duas bases distintas: Ia) Os fatos baseados nas condições do homem pré-histórico apontam para um desenvolvimento da selvageria para a civilização. Entre estes fatos pode mencionar-se a sucessão de implementos e armas desde a pedra até o bronze e o ferro; a poliandria e os sistemas de casamento comunal nas tribos inferiores; as reminiscências dos costumes bárbaros ainda prevalecentes entre os mais civilizados. Para a teoria de uma condição selvagem do homem, ver J o h n L u b b o c k , P rehistoric Times and Origin o f Civilization: “A condição prim itiva da humani­ dade era de total barbarism o” ; mas especialm ente L. H. M o r g a n , A ncient Society, que divide o progresso humano em três grandes períodos: o selva­ gem, o bárbaro e o civilizado. Cada um dos dois primeiros tem três estágios, que são os seguintes: I. Selvagem: 1. Estágio inferior marcado pela realiza­ ção da fala e subsistência através das raízes. 2. O estágio médio marcado pela alimentação da pesca e pelo fogo. 3. O estágio superior, marcado pelo emprego do arco e pela caça. II. Bárbaro: 1. Estágio inferior, marcado pela invenção e em prego da cerâm ica. 2. Estágio médio, marcado pelo emprego de animais domésticos, milho e edifícios de pedra. 3. O estágio superior, marcado pela invenção e em prego de instrum entos de ferro. III. A seguir apa­ rece o homem civilizado, com a introdução do alfabeto fonético e a escrita.

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J. S. S t u a r t - G l e n n ie , Contemp. Review, dezem bro de 1892.844, define a civi­ lização como “organização social obrigada, com registros escritos, e daí o desenvolvimento intelectual e o progresso social”.

Sobre este ponto de vista assinalamos: a) Baseia-se em uma indução insuficiente dos fatos. - A história mostra uma lei de degeneração suplementando e freqüentemente frustrando a tendên­ cia para o desenvolvimento. Nos tempos mais antigos de que temos qualquer registro achamos nações no mais alto estágio de civilização; mas no caso de cada nação cuja história antecede a era cristã - como por exemplo, os roma­ nos, os gregos, os egípcios - o subseqüente progresso tem sido decadente e não se conhece nenhuma nação que se tenha recuperado do barbarismo a não ser como resultado de influência vinda de fora. Lubbock parece adm itir que o canibalism o não é primitivo; contudo ele mostra uma tendência geral de tom ar o costum e brutal como exemplo do primeiro estado do homem. E isto, apesar de que muitos dos costumes têm sido o resultado da corrupção. A caça à noiva, por exemplo, possivelmente não pode ter sido primitiva, no estrito sentido do termo. T y l o r , Primitive Cuiture, 1.48, apresenta um ponto de vista muito mais moderado. Ele favorece a teo­ ria do desenvolvim ento, mas com a degeneração “como ação secundária afe­ tando ampla e profundamente o desenvolvim ento da civilização. Vejamos tam ­ bém o D u q u e d e A r g y l l , Unity o f Nature: “ A civilização e a selvageria são ambas resultado do desenvolvim ento evolutivo; porém aquela apresenta o desenvolvimento para cima enquanto esta para baixo; por esta razão, nem a civilização, nem a selvageria podem racionalm ente ser vistas como condição primitiva do homem” . S h e d d , Theoi. Dogm., 1.467 - “Como argum ento plausí­ vel poder-se-ia construir com base na deterioração e degradação de algumas das fam ílias humanas para provar que o homem pode ter evoluído em um macaco antropóide como o que se construiu para provar que ele evoluiu para cima a partir do hom em ” . As nações m odernas não correspondem em muito à percepção grega antiga e à expressão do belo. Os egípcios modernos, os matutos australianos, os australianos são inquestionavelm ente raças degeneradas. Ver L a n k e s t e r , Degeneration. O mesmo é verdade a respeito dos italianos e espanhóis assim como dos turcos. Os abissínios atualm ente são polígam os embora seus ancestrais fossem cristãos e m onógamos. A degeneração física das porções da população da Irlanda é bem conhecida. Ver M iv a r t , Lessons o f Nature, 146-160 que aplica à teoria sobre os selvagens os testes de língua, moral e religião e que cita H e r b e r t S p e n c e r dizendo: “ É provável que a maior parte, senão a totalidade deles [selvagens] tinha ancestrais nos estágios mais ele­ vados e entre eles perm anecem suas crenças, algum as das quais evoluíram durante os mais elevados. ... É bem possível, e creio altamente provável, que tenha sido tão freqüente o retrocesso como o progresso” . S p e n c e r , contudo, nega que a selvageria seja sempre causada pelo lapso da civilização.

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Biblia Sacra, 6.715; 29.282 - “Como ser moral, o homem não tende a levantar-se, mas a cair e em progressão geom étrica a não ser que uma força superior e exterior o eleve e sustente. C onquanto o homem, uma vez civiliza­ do, progrida, as idéias morais ainda não se apresentam desenvolvidas a par­ tir do seu interior” . S e a condição prim itiva do homem tivesse sido a selvageria, ele nunca poderia ter emergido dela. Ver W h a t e r l y , Origin o f Civilization, que sustenta que o hom em não necessitava apenas de um C riador d ivi­ no, mas de um divino Instruidor. S e e l ie , Introd. to a C entury o f Dishonor, 3 “Os primeiros missionários entre os índios do Canadá levaram consigo traba­ lhadores capacitados para ensinar os selvagens a lavrar os campos e provêlos de confortáveis casas, vestes e alimentos. Mas os índios preferiram seus wigwam s (moradias em form a de iglus), peles, carne crua e sujeira. S ó na m edida em que as influências cristãs ensinaram ao índio suas necessidades interiores e quando estas deviam ser supridas, ele foi levado a desejar traba­ lhar para a melhoria das suas condições exteriores e hábitos. A civilização não se reproduz por si mesma. Primeiro é preciso haver um esclarecim ento e depois disso é que se pode conservá-la viva através de uma força genuina­ mente cristã” . G r if f it h - J o n e s , A scent Throught Christ, 149-168, mostra que a evolução não envolve necessariam ente o desenvolvim ento relativo às raças em parti­ cular. Há uma degeneração em todas as ordens orgânicas. Com relação ao homem, pode estar evoluindo em algumas direções, enquanto em outras se tem degenerado. L i d g e t t , Espiritual Principies Atonement, 245, apresenta o “ Prof. Clifford apontando para a história do progresso humano e declarando que a hum anidade não é uma raça decaída, mas elevada. Não há nenhuma contradição real entre estes dois pontos de vista. Deus não deixou que o homem se afastasse por ter-se rebelado contra ele. Onde o pecado abundou, superabundou a graça” . A hum anidade criada em Cristo e sustentada pelo seu poder sempre recebeu reforços da sua vida física e mental, apesar da sua deterioração moral e espiritual. “Alguns cam arões, pelo ajustamento físi­ co, avançam para estruturas mais elevadas do que as lagostas e os caran­ guejos; enquanto outros, suspendendo o hábito de viver nas guelras dos pei­ xes, mergulham em um estado de íntima semelhança com os vermes”. D r u m m o n d , A scensão do Homem: “Quando a pipa de um menino desce no nosso jardim não dizemos que ela veio das nuvens. Assim as nações se elevam antes de caírem. Há uma gravitação nacional. A idade do dardo precedeu à da pedra, mas perdeu-se” . T e n n y s o n : “A evolução sem pre ascendente após um bem ideal, E a reversão sempre arrasta a Evolução para o lodo” . Freqüentemente torna-se degeneração, ou até diabração (O autor cria a palavra “devilution”, que não existe em Inglês e o tradutor faz o mesmo, criando uma correspon­ dente em Português). A. J. G o r d o n , M inistry o f the Spirit, 104 - “O Jordão é o símbolo adequado da nossa vida natural, surgindo em uma grande elevação e de puros mananciais, mas m ergulhando firm em ente até desaguar no Mar Morto, sem saída” . b) Mais tardias investigações têm tornado provável que a idade da pedra de algumas localidades foi contemporânea à do bronze e, em outras, à do ferro,

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enquanto certas tribos e nações, ao invés de fazerem progresso de um para o outro até onde podemos remontar, nunca estiveram sem o conhecimento e uso dos metais. Convém observar, contudo, que mesmo sem tal conhecimento e aso, não é necessariamente um bárbaro apesar de que pode ser infantil. Sobre a dúvida se as artes da civilização podem perder-se, ver A rthur Past in the Present, 219: A rude arte quase sempre é um rebaixa­ mento de uma que é mais elevada, ao invés de ser a primitiva; a mais rude arte de uma nação pode coexistir com a mais elevada; a vida na caverna pode acom panhar a mais alta civilização. As ilustrações da Escócia moderna, onde o sepultamento de um galo por epilepsia e o sacrifício de um touro, existiam até épocas recentes. Algum as artes inquestionavelm ente se perde­ ram, tais como a feitura do vidro e a obra sobre o ferro na Assíria (ver M ivart, supram encionado). Os mais antigos homens não parecem ter sido inferiores aos mais tardios, quer física quer intelectualm ente. Rawlinson: “Os explora­ dores que cavaram fundo nos montes da M esopotâm ia e rebuscaram as tum ­ bas do Egito chegaram a certos traços do homem selvagem naquelas regiões onde a tradição dissem inada form a o berço da raça hum ana” . Os cam pone­ ses tiroleses mostram que um povo rude pode ser moral e que um povo bem simples pode ser altamente inteligente. M a s o n , Origins o f invention, 110, 124, 128 - “ Não há nenhuma evidência de que tenha havido em algumas regiões uma idade da pedra. Na África, no Canadá e talvez no Michigan, a idade do metal era tão antiga como a da pedra” . O Rev. A. E. Hunt dá uma ilustração da capacidade matemático do selvagem em um relato da aritm ética nativa das Ilhas de Murray, Estreito de Torres. “ Netat” (um) e “ neis” (dois) são apenas numerais e números mais ele­ vados são descritos por com binações destes, como “neis-netat” indicando três, “neis-ineis”, quatro etc., ou através da referência aos dedos, cotovelos ou outras partes do corpo. Pode-se contar um total de trinta e um com um método mais tardio. Além de todos estes números havia “muitos” , como se fosse este o limite encontrado nas contas antes da introdução dos numerais em Inglês, agora em em prego geral nas ilhas. S h a l e r , Interpretation o f Nature, 171 - “Geralm ente supõe-se que a dire­ ção do movimento [na variação das espécies] é sempre ascendente. Ao con­ trário, em boa parte dos casos, talvez no conjunto em mais da metade, a mudança ocorre numa form a que, de acordo com os cânones segundo os quais determinam os a classificação, deve ser considerada como regressiva ou degradante. ... A espécie, os gêneros, as fam ílias e as ordens têm todos, como os indivíduos dos quais eles se compõem, um período de decadência em que o ganho auferido pelo trabalho e faina perde-se na antiga era do grupo” . S h a l e r prossegue, dizendo que, quanto à variação, os sucessos estão para as falhas na proporção de 1 para 100.000 e, se os sucessos distin­ tos levarem em conta o homem, então a proporção será de 1 para 100.000 000. Nenhum a espécie que se foi jam ais se restabelece. Se agora o homem desaparecesse, não há razão para crer que, por qualquer processo de mudan­ ça, evoluiria sem elhante criatura embora o reino animal continue a existir. O emprego destas sucessivas m udanças a fim de produzir o homem é inexM itc h e ll,

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plicável a não ser com base na hipótese de uma infinita Sabedoria designadora.

c) Os costumes bárbaros que este ponto de vista pretende sustentar podem ser explicados como marcas de uma civilização falida e não como reminiscências de uma selvageria primitiva e universal. Mesmo que elas indicassem aquele estado de barbarismo, tal estado podia ser precedido de uma condição de rela­ tiva cultura. M a r k H o p k in s , Princeton Rev., setem bro de 1882, 194 - “Não há nenhum tratamento cruel dos elementos fem ininos entre os animais. Se o homem veio de animais inferiores, então ele não pode ter sido originariam ente selvagem; pois você acha este o mais cruel tratam ento entre os selvagens” . T y l o r exem­ plifica com os “árabes de rua” . Ele com para os árabes de rua a uma casa arruinada, mas as tribos selvagens a um canteiro de construção. Ver D u q u e d e A r g y l l , P rim eval Man, 129,133; B u s h n e l l , Nature and the Supernatural, 223; M c L e n n a n , S tudies in A n cie n t History. G u l ic k , Bíblia Sacra, julho de 1892:517 - “O canibalism o e o infanticídio são desconhecidos entre os m aca­ cos antropóides. Estes devem resultar da degradação. Piratas e traficantes de escravos não são homens de baixa e abortiva inteligência, mas de educa­ ção que deliberadam ente lançam fora todo o constrangim ento e empregam as suas forças para a destruição da sociedade”. K e a n e , Man Past and Present, 4 0 , cita Sir H . H . Johnston, adm inistrador que tivera mais ampla experiência com os nativos da Á frica do que qualquer ser vivo, e dizia que “por vários séculos a tendência do negro tem sido de um verdadeiro retrógrado - retorna à condição de selvagem e até mesmo de bruto. Se ele tivesse sido cortado da im igração dos árabes e dos europeus, as raças puram ente negróides, abandonadas à sua sorte, desde o progresso rumo a um mais elevado tipo de humanidade, sem dúvida poderiam ter rever­ tido gradualmente para um tipo não mais hum ano”. R a t z e l , H istory o f Mankind. “Não atribuím os grande antigüidade à civilização polinésia. Na Nova Zelândia é matéria que remonta apenas alguns séculos. Nos territórios recém-ocupados, o desenvolvim ento da população começou em um mais alto nível e daí em diante decaiu. A decadência dos maoris resultou no rápido em pobreci­ mento da cultura e o caráter do povo tornou-se selvagem e cruel. O Capitão C ook encontrou objetos de arte adorados pelos descendentes dos que os produziram ”. Recentes pesquisas têm desacreditado inteiramente a teoria de L. H. M o r g a n sobre uma original prom iscuidade brutal da raça humana. R it c h ie , Darwin and Hegel, 6 , nota - “ A teoria de uma prom iscuidade original torna-se extrem a­ mente duvidosa por causa dos hábitos dos mais elevados animais”. W e s t m a r c k , H istory o f Human Marriage: “O casam ento e a fam ília estão em íntima cone­ xão mútua; em benefício do jovem é que o m asculino e o fem inino continuam a viver juntos. Por isso o casam ento está arraigado na fam ília, mais do que a fam ília no ca sa m e n to .... Não existe a mínima evidência genuína da noção de que a prom iscuidade form asse um estágio geral na história social da huma­

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nidade. A hipótese da prom iscuidade, ao invés de pertencer ao tipo de hipóte­ se cientificam ente perm issível, não tem nenhum fundam ento real e é essen­ cialmente anticientífico”. H o w a r d , H istory M atrim onial Inst.: “O casamento ou junção entre homem e mulher, embora seja com freqüência uma união transi­ tória e a regra muitas vezes violada, é a form a típica de união sexual desde os primórdios da raça hum ana” .

d)

A bem próxima tradição universal da idade do ouro, da virtude e da felicidade pode ser mais facilmente explicada com base no ponto de vista da Escritura que defende a criação da raça em santidade e subseqüente apostasia. Para referên cias aos escrito re s clá ssico s de um período áureo, ver Compendium der Dogmatik, 115; P f l e id e r e r , Philo. ofR eligion, 1.205 - “Em Hesíodo tem os a legenda de um período áureo sob o domínio de Cronos, quando o homem era livre dos cuidados e trabalhos árduos, na im pertur­ bável juventude e boa disposição, com superabundância de dotes que por si mesma a terra fornecia; na verdade a raça não era imortal, mas experim enta­ va a morte como um brando sono”. Podemos acrescentar que a capacidade para a verdade religiosa depende das condições morais. Por isso, bem primi­ tivam ente as raças eram dotadas de uma fé mais pura do que as mais tardias. O aumento da depravação tornou mais duro o exercício da fé às mais tardias gerações. A literatura da sabedoria pode ter sido bem antiga, assim como as idéias monoteísticas são mais claras à medida que retrocedemos. B ix b y , Crisis in Morais, 171 - “ Precisamente porque tais tribos [selvagens australianos e africanos] têm sido deficientes na qualidade moral média, elas deixaram de marchar de form a ascendente na estrada da civilização com relação ao resto da humanidade, e caíram no lodaçal da degradação selvagem ”. Sobre as civilizações petrificadas, ver H e n r y G e o r g e , P rogress and Poverty, 433-439 “A lei do progresso humano, o que é senão a lei m oral?” Sobre o desenvolvi­ mento retrocessivo na natureza, ver W e i s m a n n , Heredity, 2.1-30. Porém ver também Mary E. Case, “D egeneraram -se os rom anos?” no Jornal Internacio­ nal de Ética, jan. de 1893: no qual sustenta-se que os rom anos fizeram cons­ tantes avanços. Henry S um m er Maine cham a a Bíblia de o mais importante documento da história da sociologia, porque apresenta de modo autêntico o antigo desenvolvim ento da sociedade a partir da fam ília, através da tribo, até a nação, progresso aprendido só de relance, em intervalos e sobrevivência dos velhos usos na literatura de outras nações. L uthardt,

2a) Que a história religiosa da humanidade garante-nos por inferência uma lei de progresso necessário e universal segundo o qual o homem passa do fetichismo para o politeísmo e monoteísmo, este primeiro estágio teológico do qual o fetichismo, politeísmo e monoteísmo são partes sucedidas por está­ gio metafísico e por seu turno pelo positivo. C o m t e propõe esta teoria em sua P ositive Phiiosophy, versão inglesa, 25,26,515-636. “Cada ramo do nosso conhecim ento passa sucessivamente

112

Augustus Hopkins Strong

por três diferentes condições teóricas: Teológica, ou fictícia; Metafísica, ou abstrata; e Científica, ou positiva. ... A prim eira é o ponto de partida necessá­ rio ao entendim ento humano; e a terceira é o seu estágio fixo e definido. A segunda é sim plesm ente o estágio de transição. No estágio teológico, a mente humana, buscando a natureza essencial dos seres, a prim eira causa e a final, a origem e o propósito de todos os efeitos - em resumo, o conheci­ mento absoluto - supõe que a ação im ediata dos seres sobrenaturais produ­ zam todos os fenôm enos. No estágio m etafísico, que é apenas uma m odifica­ ção do prim eiro, a mente supõe, em vez dos seres sobrenaturais, forças abstratas, verdadeiras entidades, isto é, abstrações personificadas, ineren­ tes a todos seres e capazes de produzir todos fenôm enos. O que se chama explicação dos fenôm enos é, neste estágio, uma simples referência de cada uma à sua própria entidade. Afinal, o estágio positivo, abandonou a vã pes­ quisa após noções absolutas, a origem e destino do universo e as causas dos fenôm enos e aplica-se ao estudo das suas leis - isto é, suas invariáveis rela­ ções de sucessão e semelhança. ... O sistem a teológico chegou à sua mais elevada perfeição quando substituiu as variadas operações de numerosas divindades pela a ação providencial de um só Ser. No último estágio do siste­ ma metafísico, o homem substituiu a multidão de entidades supostas a prin­ cípio, pela grande entidade, a Natureza, como causa de todos fenômenos. Do mesmo modo, a última perfeição do sistem a positivo deveria representar todos fenôm enos como aspectos particulares som ente de um fato geral como, por exemplo, a G ravitação” .

Esta suposta lei do progresso, contudo, é contraditada pelos seguintes fatos: a) O monoteísmo dos hebreus não só precede os grandes sistemas politeístas da antigüidade, mas estas religiões pagãs até são mais puras desde os ele­ mentos politeístas à medida que recuamos no tempo; de modo que ps fatos apontam uma base monoteísta para todas elas. A gradual deterioração de todas as religiões, independentem ente da reve­ lação especial e da influência de Deus, é a prova de que a pura teoria da evolução é defeituosa. A suposição mais natural é a de que uma revelação primitiva, aos poucos, retrocedeu na m em ória humana. No Japão, o Shinto originariam ente era a adoração do Céu. O culto aos mortos, a deificação do Micado, etc., eram uma corrupção e conseqüente desenvolvimento. Os ances­ trais de Micado, ao invés de virem do céu, vieram da Coréia. O Shinto era originariam ente um tipo de m onoteísmo. Nenhum dos primeiros imperadores era deificado após a morte. A Apoteose dos Micados data da corrupção do Shinto, através da im portação do Budismo. Andrew L a n g , em sua Making of Reiigion, defende o monoteísmo primitivo. T. G. Pinches, do Museu Britânico, 1894, declara que, tanto nos mais antigos registros egípcios, como nos anti­ gos babilônicos, há evidência de um prim itivo monoteísmo. Nevins, DemonPossession, 170-173, cita W. A. P. Martin, presidente da Universidade de Pequim, o que se segue: “A China, a índia, o Egito e a Grécia, todos concor­ dam num tipo m onoteístico de sua antiga religião. Os Hinos órficos, muito

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

113

antes do advento das divindades populares, celebravam o Pantheos, Deus universal. As odes compiladas por Confúcio testificam o antigo culto do Shangte, Governante Supremo. Os Vedas falam do ‘verdadeiro Ser desconhecido, oni­ presente, onipotente, Criador, Preservador e Destruidor do Universo’. E no Egito, já nos tem pos de Plutarco, ainda havia vestígios de um culto monoteístico” . b ) “Não há nenhuma prova de que os grupos indo-germânicos praticaram o culto fetichista ou se escravizaram aos mais baixos tipos de religião mitológi­ ca ou ascenderam delas para algo mais elevado” (Fischer). Ver F is h e r , Essays on Sup. Origin o f Christianity, 545; B a r t l e t t , Sources o f Hist. o f Pentateuc, 36-115; H e r b e r t S p e n c e r outrora sustentava que o feti­ chismo era primordial. Porém, mais tarde, mudou de pensamento e dizia que os fatos provavam ser exatam ente o contrário, ao conhecer melhor as idéias dos selvagens; ver Principies o f Sociol., 1.343. O S r . S p e n c e r , finalmente, ligou o começo da religião ao culto aos ancestrais. Porém, na China, nenhum ancestral jam ais tornou-se um deus; ver Genetic Philosophy, 304-313. E, a não ser que o homem tivesse um senso inato da divindade, não poderia deificar os ancestrais, nem os espíritos. O Prof. Hilprecht, da Filadélfia, diz: “Como recentemente se fez a tentativa de ligar o m onoteísmo puro de Israel às fon­ tes babilônicas, sou forçado a declarar esta uma im possibilidade absoluta baseado nos meus catorze anos de pesquisa nas inscrições cuneiform es da Babilônia. A fé do povo escolhido de Israel é: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único S e nhor’. E esta fé nunca poderia proceder da montanha de deuses babilônicos, casa de putrefação, cheia de corrupção e ossos de homens m ortos”.

c) Algumas das mais antigas reminiscências do homem encontradas atra­ vés de armas e alimentos enterrados com os mortos mostram que já existia a idéia de seres espirituais e de um estado futuro e, portanto, uma religião de tipo mais elevado que o fetichismo. O próprio idólatra considera o ídolo como sím bolo e representação de um ser espiritual que existe independentem ente do objeto material, apesar de manifestar-se através dele. O Fetichismo, contudo, identifica a divindade com a coisa material e adora a madeira ou a pedra; não se concebe a existência do espírito separado do corpo. A crença nos seres espirituais e em um estado futuro é, portanto, a prova de uma religião mais elevada no gênero do que o fetichismo. V e rly tu ., A ntiquity o f Man, citada em D a w s o n , Story o f Earth and Man, 384; ver também 368,372,386 - “A capacidade de degradação do homem é medida de acordo com sua capacidade de desenvolvimento” ( D a w s o n ). L y e l l , em sua última edição, contudo, admite com o duvidosa a evidência da caver­ na de Aurignac.

Augustus H opkins Strong

114

d) A teoria em questão, fazendo do pensamento teológico um estágio de evolução simplesmente transitório, ignora o fato de que a religião tem sua raiz nas instituições e anseios da alma humana e que, portanto, nenhum progresso filosófico ou científico jamais o pode abolir. Conquanto os termos teológico, metafísico e positivo podem com propriedade assinalar a ordem em que as idéias do indivíduo e da raça são adquiridas, o positivismo erra ao sustentar que estas três fases do pensamento são mutuamente exclusivas e que no surgi­ mento do mais tardio o mais antigo, por necessidade, deve extinguir-se. J

S tuart M

ohn

il l

s u g e r e q u e “ p e r s o n i f i c a ç ã o ” s e r i a u m t e r m o m u it o m e ­

lh o r d o q u e “t e o ló g ic o ” p a r a d e s ig n a r o s e s fo r ç o s p a r a e x p lic a r o s fe n ô m e n o s f í s i c o s . S o b r e o s p r i n c í p i o s f u n d a m e n t a i s d o P o s i t i v i s m o , v e r N e w E n g la n d e r ,

1873.323-386;

D

ia m a n ,

Theistic Argument, 338

a q u i c o n fu n d e m -s e c o m

tr ê s s u c e s s iv o s

-

“ T r ê s e s ta d o s c o e x is te n te s

e s tá g io s

d o p e n s a m e n to

hum ano;

tr ê s a s p e c t o s d a s c o is a s c o m tr ê s p e r í o d o s d e te m p o . A t e o lo g ia , a m e ta fís ic a e a c iê n c ia d e v e m

s e m p r e c o e x i s t i r la d o a l a d o , p o i s t o d a a c i ê n c i a p o s i t i v a

a p ó ia - s e e m p r in c í p io s m e ta fís ic o s e a te o lo g ia ja z a tr á s d e a m b o s . T o d a s s ã o tã o p e r m a n e n t e s c o m o a p r ó p r ia r a z ã o h u m a n a ” . M “ C o m te fix a o c r is tia n is m o e v o lu íd o e d e s e n v o lv e - o M a s a r e li g iã o d a

a r t in e a u ,

Types, 1.487 -

m e d ie v a l c o m o o e x e m p lo tí p ic o d o m o n o te ís m o

a p a r t ir d o p o lit e í s m o

q u e e le d e r r i b o u e d is s i p o u .

E u r o p a m o d e r n a n o t o r ia m e n t e

não descende da m esm a

fo n te q u e a s u a c iv iliz a ç ã o e n ã o é c o n t in u a ç ã o d a c u lt u r a a n t ig a ” ; a o c o n t r á ­ r io d is s o , e la v e m

1.24,62

-

d e fo n te s

“ O s ju d e u s fo r a m

h e b r a ic a s ; s e m p re u m

E n s a io s ,

Esays, Philos. and Theol.,

p o v o d e s c o r t ê s ; o q u e tin h a m

e le s

p a r a e s ta r p o r c im a tã o c e d o , p e r t u r b a n d o s e m p r e a c a s a a té m e s m o a n te s d e C o m te s o a r o s in o p a r a a s o r a ç õ e s ? ”

C a p ít u l o III PECADO, OU ESTADO DE APOSTASIA DO HOMEM SEÇÃO I - A LEI DE DEUS Preliminarmente ao tratamento do estado de apostasia do homem, toma-se necessário considerar a natureza da lei de Deus, cuja transgressão é peca­ do. Podemos abordar melhor o assunto interrogando qual é a verdadeira con­ cepção de:

I. LEI EM GERAL 1. A lei é uma expressão da vontade A idéia essencial da lei é a de uma expressão geral da vontade reforçada pelo poder. Implica a) Um legislador, ou vontade com autoridade, b) Súditos, ou seres sobre os quais esta vontade impõe limites, c) Uma determinação geral, ou expressão dessa vontade, d) Um poder, forçando a determinação. Estes elementos acham-se até mesmo no que chamamos lei natural. A expres­ são ‘lei da natureza’ envolve uma auto-contradição quando usada para deno­ tar um modo de ação ou uma ordem de seqüência atrás da qual não se concebe nenhuma vontade inteligente e ordenadora. Os físicos derivam o termo ‘lei’ da jurisprudência ao invés de derivarem a jurisprudência da física. Usa-se pri­ meiro para referir-se às relações de agentes voluntários. A causa em nossas próprias vontades capacita-nos a ver algo além da simples antecedência e con­ seqüência no mundo que nos cerca. A ciência física, ao usar a palavra ‘lei’, implicitamente confessa que uma Vontade suprema estabeleceu regras gerais que controlam o processo do universo. Wayland, Moral Science, 1,

a

de modo não sábio define lei como “um modo de existência ou ordem de seqüência” , deixando, portanto, fora da sua defini­

116

Augustus H opkins Strong

ção toda referência a uma vontade ordenadora. Subseqüentem ente ele diz que a lei pressupõe um estabelecim ento, mas em sua definição nada há que o indique. De outro lado, insistimos que o próprio term o ‘lei’ inclui a idéia de força e causa. A palavra ‘lei’ (law) provém do Inglês ‘lay’ (deitar) (Alemão legen), = pôr abaixo, deitar; o Alem ão Gesetz, de setzen, = fixar, ou estabele­ cer; o Grego vó(j.oç, de véurn, = algo atribuído ou repartido; em Latim lex, de lego, = algo dito ou falado. Todas estas derivações mostram que a concepção original que o homem tinha sobre a lei é a de algo que procede da volição. L e w e s , Problem o f Lier and M ind diz que o termo ‘lei’ é tão sugestivo a quem a outorga e imprime que ela deve ser suprim ida e ser substituída pela palavra ‘método’. O mérito de A u s t in ao tratar do assunto é que ele “lim ita rigorosam ente o termo ‘lei’ às ordens de um superior” ; ver J o h n A u s t i n , Province o f Jurisprudence, 1.88-93, 220-223. Os defeitos de seu tratam ento notaremos mais adiante. J. S. M i l l : “ É costum e, onde quer que eles [cientistas] possam encontrar regularidade de qualquer tipo, cham ar de lei a proposição geral que expressa a natureza de tal regularidade; do mesmo modo como quando em m atemáti­ ca falamos de lei de term os sucessivos de uma série convergente. Mas a expressão ‘lei da natureza’ é em pregada geralm ente por cientistas num tipo de referência tácita ao sentido original da palavra ‘lei’, a saber, a expres­ são da vontade de um superior - neste caso o Rei do universo” . P a l e y , A/aí. Theology, cap. 1 - “ É uma deturpação da linguagem atribuir qualquer lei a causa eficiente operadora de qualquer coisa. A lei pressupõe um agente; este é apenas o modo como o agente procede; im plica um poder, pois é a ordem segundo a qual tal poder atua. Sem esse agente, sem esse poder, os quais se distinguem entre si, a lei não faz nada” . “Quis custodiet ipsos custodes (Quem protegerá a própria custódia)?” “As regras não se cumprem por si mesmas, do mesmo modo que um livro de estatutos não reprime um motim” ( M a r t i n e a u , Types, 1.367). C h a r l e s D a r w in recebeu a sugestão da seleção natural não a partir do estudo das plantas e animais inferiores, mas de M a l t u s sobre a População; ver sua Life and Letters, Vol. I, capítulo autobiográfico. W a r d , Naturalism and Agnosticism, 2.248-252 - “A concepção de lei natural repousa na analogia com a lei civil” . L a d d , Philosophy o f Knowledge, 333 - “As leis são apenas modos mais ou menos repetidos e uniform es do com portam ento das coisas”; Philosophy o f Mind, 122 - “Ser, estar em relação, ser por si mesmo ativo, agir sobre outro ser, obedecer lei, ser uma causa, ser um sujeito perm anente dos estados, ser o mesmo hoje como ontem, ser idêntico, ser um, todas estas concepções e similares, juntam ente com as provas que lhes dão valor de seres reais, afirm a-se serem realidades físicas, ou projetadas nelas apenas baseados no autoconhecim ento, confrontando e afirm ando a realidade da mente. Sem o discernim ento psicológico e o treinam ento filosófico, tais ter­ mos ou seus equivalentes não têm sentido na física. E porque os escritores que se dedicam à física via de regra não têm esse discernim ento e treina­ mento, apesar dos seus ingentes esforços para tratar da física como ciência em pírica sem metafísica, eles se debatem e tropeçam e desesperadamente se contradizem sempre que tocam em assuntos fundam entais”. Ver Presi­ dente M c G a r v e y , Crítica ao Reino da L e i de Jam es Lane Allen: “Não é da

T e o l o g ia S is t e m á t i c a

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natureza da lei reinar. Reinar é um ato que só se pode afirm ar literalmente a respeito de pessoas. Um ser humano pode reinar; Deus pode reinar; o Diabo pode reinar; mas uma lei não pode. Se uma lei pudesse, de modo algum haveria jogos em Nova Iorque e nenhum botequim aberto aos domingos. Não haveria nenhum juram ento falso nos tribunais de justiça, nem desonestidade nos políticos. Os homens é que reinam em tais assuntos - os juizes, o grande júri, o xerife e a polícia. Eles podem reinar nem mesm o segundo a lei. A lei não pode reinar sobre os que são indicados para executá-la” .

2. A lei é uma expressão geral da vontade A característica da lei é a generalidade. Ela se dirige a substâncias ou pes­ soas em classes. A legislação especial é contrária à verdadeira teoria da lei. Quando o sultão de Zanzibar ordena que o seu barbeiro seja decapitado porque este cortou o seu senhor, tal ordem não é propriam ente uma lei. Para que o fosse deveria rezar: “Todo barbeiro que corta sua majestade será, em razão disso, decapitado”. Einm al ist keinm al = “ Uma vez não é costum e” . Dr. S c h u r m a n sugere que a palavra m eai (Mahl) significa originariam ente vez (m al em einmal). A medida de tem po entre nós é astronômica; entre os nossos primitivos ancestrais era gastronômica, e o redobro m ealtime = o din-don do sino do jantar. O Xá da Pérsia pediu certa vez ao Príncipe de Gales que con­ duzisse um homem à morte para que ele pudesse ver o método inglês de execução. Quando o Príncipe lhe disse que isso estava além da sua autorida­ de, o Xá quis saber qual era o valor de ser um rei se não podia matar pessoas a seu bel-prazer. Pedro, o Grande, sugeriu uma saída para a dificuldade. Ele desejava ver alguém ser punido pelo processo de arrastam ento na quilha de uma em barcação. Quando inform ado de que não havia m arinheiro merece­ dor dessa pena, ele respondeu: “ Isso não tem importância; tom e um do meu séqüito” . Amos, Science o f Law, 33,34 - “A lei trata de regras eminentemente gerais”. Ela não conhece pessoas ou personalidade. Deve aplicar-se a mais de um caso. “A caraterística da lei é a generalidade, como a caraterística da moral é a aplicação individual” . A legislação especial é a ruína de um bom governo; não é da sua com petência a prom ulgação da lei à força; é do sabor do capricho do despotismo, que dá ordens a cada súdito à sua vontade. Por isso, as nossas mais avançadas constituições políticas reprimem a influência do lo b b y e do suborno, proibindo legislação especial em casos nos quais já existem leis gerais.

3. A lei implica poder de impor É essencial à existência da lei que haja poder de imposição. Caso contrário a lei se tornaria a expressão de simples vontade ou conselho. Porque as subs­ tâncias e forças físicas não têm de modo algum inteligência e nem poder para resistir, os quatro elementos já mencionados esgotam as implicações do termo

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‘lei’ aplicadas à natureza. No caso dos agentes racionais e livres, contudo, a lei implica em acréscimo: é) Dever ou obrigação de obedecer; e f) sanções, ou sofrimento e penalidade por causa da desobediência. “A lei que não tem penalidade não é lei, mas advertência e o governo em que a inflição não se segue à transgressão é o reino dos velhacos ou dem ô­ nios” . Sobre a questão se em qualquer dos castigos da lei civil se trata de sanções legais, exceto a pena de morte, ver N. W. T a y l o r , M oral Govt., 2.367387. As recom pensas são motivos, mas não sanções. Visto que se pode con­ ceber a opinião pública como penas infligidoras por violação da sua vontade, falam os figuradam ente das leis da sociedade, da conduta, da etiqueta, da honra. Só quando pode agir ou age através de sanções a comunidade das nações compele à obediência, podemos com propriedade afirm ar a existên­ cia da lei internacional. Mesmo entre as nações, contudo, pode haver san­ ções tanto morais como físicas. A decisão de um tribunal internacional tem a mesm a sanção que um tratado e, se aquele não tem poderes, este também os tem. As multas e o aprisionam ento não isentam o povo decente das viola­ ções parciais da lei de um modo tão eficaz como as penalidades sociais do ostracism o e da desgraça e o mesmo ocorrerá com as decisões do tribunal internacional. Tem-se dito que a diplom acia sem exército e sem marinha é a lei sem penalidade. Mas a exclusão da sociedade civilizada é uma penalida­ de. “ Na inquestionável obediência aos decretos elaborados, a que todos silenciosam ente nos subm etem os, sim plesm ente estam os exercendo a pres­ são às pessoas que nos cercam. Ninguém adota um estilo de roupa porque é razoável, pois os estilos não são freqüentem ente os mais razoáveis; porém mansam ente nos rendemos aos mais absurdos deles ao invés de resistirmos a tal força para não serm os cham ados de excêntricos. Por isso, o que cham a­ mos de opinião pública é a mais poderosa força atualm ente conhecida quer na sociedade, quer na política”.

4. A lei expressa e determina a natureza A vontade que prende seus súditos através de ordens e penalidades é a expressão da natureza do poder governante e revela as relações normais dos súditos com aquele poder. Finalmente, portanto, a lei g) é uma expressão da natureza do legislador; e h ) estabelece nos súditos a condição ou conduta que é o requisito para a harmonia com a referida natureza. Qualquer assim chama­ da lei que deixa de representar a natureza do poder governante logo se toma obsoleta. Toda a lei permanente é uma transcrição dos fatos do ser, uma des­ coberta do que é e deve ser para harmonizar governante e governado; em resumo, a lei positiva é justa e dura somente quando expressa e reproduz a lei da natureza. D im a n , Theistic Argument, 106,107: J o h n A u s t in , embora “ rigorosamente limitasse o term o lei às ordens de um superior” , contudo, “rejeitava a expli-

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

cação de Ulpiano sobre a lei da natureza e ridicularizava como pretensiosa a celebre descrição de H o o k e r ” . Entendemos que isto é um defeito radical da concepção de A u s t i n . Concebe-se a Vontade da qual procede a lei natural como um modelo deístico, em vez de imanente no universo. L ig h t w o o d , em sua N atural o f Positive Law, critica a definição de lei que A u s t in faz como ordem e substitui-a pela idéia de costume. Sir Henry Maine, Lei Antiga, mostra-nos que as primitivas com unidades aldeãs tinham costum es que só gra­ dualmente tom aram a form a de leis definidas. Porém retrucamos que o costu­ me não é a fonte última de qualquer coisa. É necessário que haja repetidos atos para constituir-se um costume. Os primeiros costum es se devem à von­ tade dom inadora do pai, na fam ília patriarcal. Assim se justifica a definição de A u s t i n . A moral coletiva (mores) vem do dever (debitum ) individual; a lei tem origem na vontade; M a r t i n e a u , Types, 2.18,19. Contudo, atrás desta vontade encontra-se algo que A u s t in não leva em conta, a saber, a natureza das coi­ sas constituída por Deus, revelando a Razão universal e fornecendo o padrão com que toda a lei positiva, se perm anente, deve conformar-se. M o n t e s q u ie u , S pirit o f Laws, livro 1, seção 14 - “As leis são as relações necessárias que surgem da natureza das c o is a s .... Há uma Razão primitiva e as leis são as relações subsistentes entre a Razão e os diferentes seres e as relações destes entre si. Estas regras são fixas e invariáveis. ... Os seres inteligentes em particular podem ter leis de sua própria lavra, mas eles têm algo em comum que nunca fizeram. ... Dizer que nada há de justo ou injusto a não ser o que as leis positivas ordenam ou proíbem eqüivale a dizer que antes de descrever um círculo todos os raios não são iguais. Por isso deve­ mos reconhecer as relações que antecedem à lei positiva através das quais elas se estabeleceram ” . K a n t , M etaphysic o f Ethics, 169-172 - “A ciência da lei é o conhecim ento sistem ático dos princípios da lei da natureza - de que surge a lei positiva - que é perenem ente a mesm a e leva consigo obrigações certas e imutáveis sobre todas as nações e épocas”. O mesmo é verdade sobre a lei de um déspota, que revela a natureza dele e mostra qual é o requisito quando se trata de constituí-lo em harmonia com a natureza. A lei que não representa a natureza das coisas ou as verdadeiras relações entre governante e governado tem só existência nominal e não pode ser permanente. Sobre a definição e natureza da lei ver L o r i n e r , Institutes of Law, 256, que cita de Burke: “Todas leis humanas, para falar com proprieda­ de, são apenas declaratórias. Elas podem alterar o modo e a aplicação, mas não têm poder algum sobre a substância da justiça original” ; L o r d B a c o n : “Regula enim legem (ut acus nautica polos) indicat, non statuit” . F a i r b a i r n , Contemp. Review, abr. de 1895.473 - “Os juristas romanos tra­ çam uma distinção entre ju s naturate e ju s civile e em pregam aquela para afetar esta. A ju s civile é estatutária, estabelece e fixa a lei, como é, o verda­ deiro am biente legal; a ju s naturate é o princípio de justiça e equidade ideal imanente no homem em bora com o progresso de sua cultura ética em desen­ volvim ento sempre mais articulado”. A crescentam os o fato de que ju s em Latim e R echt em Alem ão deixaram de significar sim plesm ente a justiça abs­ trata e passaram a denotar o sistem a legal em que tal justiça abstrata está incorporada e expressa. Temos aqui uma prova de que Cristo gradualmente está m oralizando o mundo e transportando a lei para a vida. E. G. R o b in s o n :

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120

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“ Nunca um governo na terra fez suas próprias leis. Até mesmo as constitui­ ções declaram as leis atuais e na realmente existentes. Onde a sociedade cai em anarquia, a lex talioni torna-se o princípio prevalecente” .

II. A LEI DE DEUS EM PARTICULAR A lei de Deus é uma expressão geral da vontade divina imposta pelo poder. Ela tem duas formas: Lei Elementar e Determinação Positiva. 1. Lei Elementar ou lei gravada nos elementos, substâncias e forças da criação racional e irracional. Esta é dúplice: A) A expressão da vontade divina na constituição do universo material; a isto chamamos lei física ou natural. A lei física não é necessária. Concebe-se uma outra ordem de coisas. A ordem física não é um fim em si mesma; ela existe por causa da ordem moral. A ordem física tem, portanto, somente uma constância relativa e Deus a suplementa às vezes com o milagre. B o w n e , Theory o f Thought and Knowledge, 210 - “As leis da natureza não representam nenhuma necessidade, mas são apenas form as ordenadas do processo de algum Ser que lhes faz retaguarda. ... As uniform idades cósm i­ cas são métodos da liberdade de Deus” . Filosofia do Teísmo, 73 - “Quaisquer das leis cósmicas, desde a gravitação, podem ser concebidas como tendo sido deficientes e d ife re n te s.... Não se pode encontrar nenhum traço de neces­ sidade no Cosm os ou em suas leis” . S e t h , H egelianism and Personality. “A Natureza não é necessária. Por que fixar uma ilha onde esta se encontra, e não a uma milha ao oriente ou ao ocidente? Por que estabelecer conexão entre o cheiro e a form a da rosa, ou o sabor e a cor da laranja? Por que o H20 form a a água? Ninguém sabe”. W il l ia m J a m e s : “As partes parecem disparadas de um revólver”. Com mais razão diríam os de uma arm a de fogo. M a r t in e a u , Seat o f Authority, 33 - “ Por que as vibrações numa circunstância produzem som e noutra luz; a razão de alguma necessidade não explica por que uma velocidade da vibração produz a cor verm elha e a outra a azul. Eis aqui a vontade seletiva” . B r o o k s , Foundations o f Zoòlogy, 126 - “Até onde a filosofia da evolução envolve a crença de que a natureza é determ inada ou devida a uma lei neces­ sária de progresso universal ou evolução, parece-m e ser com pletam ente insustentável pela evidência e totalm ente anticientífico” . Nada se pode dedu­ zir a partir da homogeneidade. Aperta-se o botão e a lei faz o resto? Sim, mas quem aperta o botão? A solução se cristaliza quando agitada? Sim, mas o que a agita? L a d d , Philos. o f Knowledge, 310 - “A direção e a velocidade das estrelas não incidem em nenhum princípio que a astronom ia possa descobrir. Uma das estrelas - ‘Groom bridge 1830’ - está voando pelo espaço numa média muitas vezes tão grande como poderia atingir se tivesse caído através do espaço infinito durante toda a eternidade por todo o universo físico. ... Os fluidos se contraem quando resfriados e se expandem quando aquecidos, embora haja a bem conhecida exceção da água no grau de congelam ento”.

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263 - As coisas não parecem ser sempre matemáticas. O sistem a das coisas pode ser uma Vida, alterando os seus modos de manifestação segundo as idéias imanentes, em lugar de uma coleção de entidades rígidas, cegamente sujeitas a um processo mecânico de leis im utáveis” . A g o s t i n h o : “Dei voluntas rerum natura est” (A natureza das coisas é a von­ tade de Deus). Joseph Cook: “As leis da natureza são os hábitos de Deus”. Mas C a m p b e ll, Atonem ent, Intr., xxvi, diz que há esta diferença entre as leis do universo moral e as do físico, a saber, que não ligam os a existência daquele a um ato da vontade como fazem os com este. “ Dizer que Deus deu existência à bondade, como às leis da natureza, eqüivaleria a dizer que deu existência a si m esm o”. P e p p e r , Outlines o f Sist. Theol., 91 - “A lei moral, diferente da lei natural, é padrão de ação a ser adotado ou rejeitado no exercício da liberdade racional, /.e., da atuação m oral”. M a r k H o p k in s , Princeton Review, setem bro de 1882.190 - “Na lei moral existe a força somente através da punição - nunca através do poder, pois isto confundiria a lei moral com a física, e nunca se pode produzir ou garantir obediência através da força. Na lei física, ao contrário, a coação vem som en­ te através do poder e a punição é coisa impossível. Quando o homem é livre, de modo nenhum está sujeito à lei, no sentido físico. Nossas vontades são livres da lei, por coação do poder, mas são livres sob a lei, quando compelida pela punição. Onde prevalece a lei no mesm o sentido em que no mundo material, não há nenhum tipo de liberdade. A lei não prevalece quando atingi­ mos a região da escolha. Sustentam os que a força na mente do homem origi­ na a livre escolha. Pressupõem-se dois objetivos da ação entre os quais a escolha deve ser feita: 1) A uniform idade ou conjunto de uniform idades im pli­ cando uma força pela qual se produz [a lei física ou a natural]; 2) Uma ordem dirigida a seres livres e inteligentes, que possa ser obedecida ou desobedeci­ da e que tem tido conexão com as recom pensas ou punições” [lei moral],

B) A expressão da vontade divina na constituição dos agentes racionais e livres; a isto chamamos de lei moral. Esta lei elementar da nossa natureza moral com a qual estamos agora somente preocupados tem todas as caracte­ rísticas mencionadas pertencentes à lei em geral. Ela implica: a ) um Legisla­ dor divino, ou vontade ordenadora. b) Súditos, ou seres morais aos quais a lei se destina, c) A ordem geral, ou expressão desta vontade na constituição moral dos súditos, d) Força, impondo a ordem, é) Dever ou obrigação de obedecer. f) Sanções, ou dores e penalidades por causa da desobediência. Todos estes são de um tipo mais elevado do que os encontrados na lei humana. Mas temos necessidade especialmente de dar ênfase ao fato de que esta lei g) é uma expressão da natureza de Deus e, portanto, da sua santidade, atributo fundamental dessa natureza; e que ela h) estabelece absoluta confor­ midade com tal santidade como condição normal do homem. Esta lei se desti­ na ao ser racional e moral do homem. O homem a cumpre só quando o seu ser moral bem como o racional são a imagem de Deus.

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Apesar de que a vontade da qual surge a lei moral é uma expressão da natureza de Deus, necessária em vista da existência de seres morais, ela não é nem um pouco uma vontade pessoal. Devemos ter cuidado para não atri­ buir à lei uma pessoalidade própria. Quando Plutarco diz: “A lei é um rei tanto dos seres mortais quanto dos imortais” e quando dizemos: “A lei cuidará de você”, “O criminoso está sob o perigo da lei”, estamos simplesmente substitu­ indo o nome do principal pelo do agente. Deus não está sujeito à lei; Deus é a fonte dela; podemos dizer: “Se o Senhor é Deus, adoremo-lo; mas se é a lei adoremo-là”. Visto que a lei moral simplesmente reflete Deus, ela não é coisa fabrica­ da. Os homens descobrem leis, mas não as fabricam, assim como o químico não fabrica as leis pelas quais se combinam os elementos. É o exemplo de solidificação do hidrogênio em Genebra. A utilidade não constitui a lei, apesar de que testamos a lei através da sua utilidade; ver M u r p h y , Scientific Bases of Faith, 53-71. A verdadeira natureza da lei moral se estabelece na descrição nobre, embora retórica de H o o k e r (Eccl. PoL, 1.194) - “Não pode haver nada menos reconhecido da lei que a sua sede no coração de Deus; a sua voz é a harmonia do mundo; todas as coisas no céu e na terra tributam-lhe homena­ gens desde as menores como o sentimento do seu cuidado e até as maiores como a não isenção do seu poder; tanto os anjos como os homens e as cria­ turas por maior que seja a sua condição, embora cada um de um tipo e hábito diferentes, contudo, todos num consenso uniforme admiram-na como a mãe da sua paz e regozijo”. C urtis , Primitive Semitic Reiigions, 66,101 - “O oriental crê que Deus faz a justiça por edito. Saladino demonstrou a Henrique de Champanha a lealda­ de dos seus Assassinos mandando dois deles lançarem-se de uma elevada torre para baixo com morte certa e violenta”. H. B. S mith , System, 192 - “Von­ tade implica personalidade e personalidade acrescenta à verdade e ao dever abstratos o elemento autoridade. Por isso a lei tem a mesma força que uma pessoa e bem acima de uma idéia”. A lei humana somente proíbe as ofensas que constituem uma lacuna na ordem pública ou no direito privado. A lei de Deus proíbe tudo que é ofensa contra a ordem divina, isto é, tudo o que con­ traria a Deus. A lei toda deve ser resumida nas palavras: “Sê semelhante a Deus". S alter , First Step in Phiiosophy, 101-126 - “A realização da natureza de cada ser é o fim pelo qual se deve empenhar. A auto-realização é um fim ideal, não de um ser, mas de todo ser, com a devida consideração ao valor de cada um na sua própria escala de merecimento. O irracional pode ser sacrifi­ cado em benefício do homem. Todos os homens são sagrados como capazes de progresso ilimitado. Temos o dever de realizar as coisas de que a nossa natureza é capaz até onde elas são mutuamente consistentes e encaminhamse para formar um todo”. Isto significa que o homem cumpre a lei somente quando realiza a idéia divina em seu caráter e vida; em outras palavras, quan­ do se torna uma imagem finita das perfeições infinitas de Deus. B ix b y , Crisis in Morais, 191, 201, 285, 286 - “ A moralidade está arraigada na natureza das coisas. Existe um universo. Todos somos parte de um orga­ nismo infinito. O homem está inseparavelmente ligado ao homem [e a Deus]. Todos os direitos e deveres surgem desta vida comum. Na solidariedade da vida social encontra-se a base da lei de K a n t : Portanto, a vontade que é a

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máxima da tua conduta pode aplicar-se a todos. O planeta não pode voar com segurança independente do sol e a mão não pode com segurança separar-se do coração. É da fundam ental unidade da vida que fluem os nossos deveres. ... O infinito organism o do mundo é o corpo e a m anifestação de Deus. Quan­ do reconhecemos a solidariedade do nosso ser vital com a vida e concretiza­ ção divinas, começam os a ver no cerne do m istério a inquestionável autorida­ de e suprem a sanção do dever. Nossas intuições morais são apenas as leis imutáveis do universo que em ergiram para o consciente no coração humano. ... Os princípios inerentes da Razão universal refletem-se no espelho da natu­ reza moral. A consciência iluminada é a expressão na alma humana da Cons­ ciência divina ... A m oralidade é a vitória da vida divina dentro de nós. ... A solidariedade da nossa vida para com a Vida universal proporciona um incondicional elemento sagrado e uma autoridade transcendental. ... O micro­ cosmo deve pôr-se em relação com o Macrocosmo. O homem deve asseme­ lhar o seu espírito à Essência do mundo e unir-se a ela”.

A lei de Deus, então, é simplesmente uma expressão da natureza dele na forma de requisito moral e expressão necessária de tal natureza em vista da existência de seres morais (Sl. 19.7; cf. 1). Todos os homens dão testemunho da existência desta lei. Até mesmo a consciência do pagão dá testemunho dela (Rm. 2.14,15). Os que têm a lei escrita reconhecem esta lei elementar como de grande âmbito e penetração (Rm. 7.14; 8.4). A perfeita concretização e cum­ primento da lei só se vê em Cristo (Rm. 10.4; Fp. 3.8,9). Sl. 19.7 - “A lei do Senhor é perfeita e refrigera a alm a”; cf. v. 1 - “Os céus declaram a glória de Deus” = duas revelações de Deus - uma na natureza, outra na lei moral. Rm. 2.14,15 - “ Porque, quando os gentios, que não têm lei fazem naturalm ente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mes­ mos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testifican­ do juntam ente a sua consciência e os seus pensam entos, quer acusando-os, quer defendendo-os” - aqui a “obra da lei” = não aos dez mandamentos, pois isso os gentios ignoravam, mas a obra correspondente a eles, i.e. a substân­ cia deles. Rm. 7 .1 4 - “porque bem sabemos que a lei é espiritual” - M e y e r diz que isto eqüivale a dizer: “sua essência divina é de natureza sem elhante ao Espírito Santo, que a deu, auto-revelação santa de Deus” . Rm. 8.4 - “ Para que a justiça da lei se cum prisse em nós que não andam os segundo a carne, mas segundo o Espírito” ; 10.4 - “ Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” ; Fp. 3.8,9 - “ Para que eu possa ganhar a Cristo e seja achado nele, não tenho a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé” ; Hb. 10.9 - “ Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade” . Em Cristo “a lei aparece traçada em caracteres vivos”. Tal como ele foi e é, sentim os que devemos ser. Por isso o caráter de Cristo nos convence do pecado, como em nenhuma manifestação de Deus. F l e m in g , Vocab. Philos., 286 - “As leis morais derivaram da natureza e da vontade de Deus e do caráter e condição do hom em ” . A natureza de Deus se

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reflete nas leis da nossa natureza. Porque a lei está inserida na natureza do homem, este é uma lei em si mesmo. Para conform ar-se com a sua própria natureza, em que a consciência tem suprem acia, deve conform ar-se com a natureza de Deus. A lei é apenas a revelação dos princípios constitutivos do ser, a declaração do que deve ser, até onde o homem é homem e Deus é Deus. Ela diz com efeito: “Seja sem elhante a Deus, ou você não pode ser verdadeiram ente um hom em ” . Assim a lei moral não é sim plesm ente um teste de obediência, mas é tam bém uma revelação da realidade eterna. O homem não pode perder-se para Deus, sem se perder para si mesmo. “A expressão ‘mãos do Deus vivo’ (Hb. 10.31) na qual nós caím os, são as leis da natureza” . No mundo espiritual que “as mesm as rodas revolvem, não há som ente ferro” ( D r u m m o n d , Nat. L a w in the Esp. World, 27), W u t t k e , C hristian Ethics, 2.82-92 - “A totalidade dos seres criados deve estar em harm onia com Deus e consi­ go mesma. A idéia desta harm onia ativa em Deus sob a form a de vontade, é a lei de Deus” . Um manuscrito da constituição dos Estados Unidos foi escrito de tal modo que, quando se mantinha a uma pequena distância, a sombra das letras e a sua posição mostrava o rosto de G e o r g e W ashinton. Assim a lei de Deus é apenas o rosto de Deus descoberto à vista humana. R. W. E m e r s o n , Woodnotes, 57 - “A lei consciente é o Rei dos reis” . Há dois séculos John Norton escreveu um livro intitulado O Evangelista Ortodoxo, “destinado à geração e ao estabelecim ento da fé que há em Cristo Jesus", na qual encontramos o seguinte: “ Deus não quer as coisas porque são justas, mas as coisas são justas porque Deus as quer. Que homem em sua razão apenas admitirá que a lei moral não tem nenhum a conexão com Deus? Que as ações do homem que não se conform am com esta lei seriam pecado, que a morte seria o castigo do pecado, estas são as constituições de Deus, proce­ dentes dele não por via da necessidade da natureza, mas de um modo livre, como efeito e produto do seu eterno bel-prazer”. Isto faz de Deus um déspota arbitrário. Não devemos dizer que Deus fabrica a lei, nem, por outro lado, que está sujeito à lei, mas que Deus é lei e a fonte da lei. B o w n e , Philos. o f Theism, 161 - “A lei de Deus é orgânica - embutida na constituição dos homens e das coisas. A Carta Magna, contudo, não fabrica o c a n a l.... Uma lei da natureza nunca é o antecedente, mas a conseqüência da realidade. Que direito tem esta conseqüência da realidade de ser personali­ zada e tornar-se a regra e fonte da realidade? A lei é tão som ente o modo fixo em que a realidade opera. Por isso a lei nada pode explicar. Só Deus, de quem emana a realidade, pode explicá-la” . Em outras palavras, a lei nunca é um agente, mas sempre um método - o método de Deus, ou melhor, o de Cristo o único R evelador de Deus. A vida de Cristo na carne é a mais clara manifestação daquele que é o princípio da lei no universo físico e moral. Cris­ to é a expressão da razão de Deus. Foi ele que deu a lei no Monte Sinai do mesmo modo que no Sermão do Monte.

Cada uma das duas características da lei de Cristo mencionadas é impor­ tante em suas implicações. Trataremos delas em sua ordem. Em primeiro lugar, a lei de Deus como transcrição da natureza divina. - Se esta for a natureza da lei, então, excluem-se dela algumas falsas concepções.

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A lei de Deus não é a ) Arbitrária, ou produto de vontade arbitrária. Porque a vontade da qual a lei brota é uma revelação da natureza de Deus, não pode haver nenhuma teme­ ridade ou falta de sabedoria na lei em si. E. G. R o b in s o n , Christian Theoi, 193 - “ Nenhum a lei de Deus jam ais pare­ ce ter sido estabelecida arbitrariam ente ou sim plesm ente com vistas a certos fins a serem cum pridos; ela sempre representa alguma realidade da vida ine­ xoravelm ente necessária para que os governados a observem cuidadosa­ mente” . A teoria de que a lei tem origem na vontade arbitrária resulta em um tipo efeminado de piedade, exatam ente como a teoria de que a legislação tem como único fim a m aior felicidade resulta em todo o tipo de compromisso de justiça. J o n e s , R obert Browning, 43 - “Aquele que ilude o seu próximo crê na tortuosidade e, como diz Carlyie, tem como bem suprem o a charlatanice”.

b) Temporária ou ordenada simplesmente para ir ao encontro de uma exi­ gência. A lei é uma manifestação não de modos ou desejos temporários, mas da natureza essencial de Deus. A grande fala da A ntígone de S ó f o c l e s dá-nos esta concepção de le i: “As ordens dos deuses não são escritas, mas garantidas. Nenhuma delas é de hoje ou de ontem, mas viverão para sem pre” . Moisés pôde quebrar as duas tábuas de pedra nas quais estava gravada a lei e Jeoaquim pôde cortar o rolo e lançá-lo ao fogo (Ex. 32.19; Jr. 36.23), mas a lei perm aneceu eterna como antes na natureza de Deus e na constituição do homem. Prof. Walter Rauschenbusch: “As leis morais são tão estáveis como a lei da gravitação. Todo o frangote humano empenado, que vem de quebrar a casca neste mun­ do tenta zom bar dessas leis. Nesse processo alguns se tornam mais sábios e alguns não. Falamos sobre a quebra das leis de Deus. Mas depois que se quebraram essas leis muitos bilhões de vezes desde que Adão, pela primeira vez tentou brincar com elas, estão ainda intactas e nenhuma cicatriz ou fratu­ ra se viu nelas, nem mesmo uma arranhadura no esmalte. Mas quanto aos que quebram a lei - a história é outra. Se você quiser encontrar os seus fragm entos vá às ruínas do Egito, da Babilônia, de Jerusalém; estude as es­ tatísticas; leia os rostos; conserve abertos os olhos; visite a Ilha de Blackwell; ande pelos necrotérios e leia as invisíveis inscrições deixadas pelo Anjo do Juízo, por exemplo: ‘Aqui jazem os fragm entos de John Smith, que contradis­ se o Criador, fez dos Dez Mandam entos uma partida de futebol e partiu desta vida aos trinta e cinco. Sua mãe e esposa choraram por ele. Ninguém mais. Que ele repouse em paz!’”

Simplesmente negativa, ou simples lei de proibição, porque a conformi­ dade positiva com Deus é o mais íntimo requisito da lei. c)

A form a negativa dos mandam entos no Decálogo dá como certa a incli­ nação má no coração do homem e praticam ente opõe-se à sua gratificação.

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No caso de cada mandam ento leva-se em conta um domínio total da vida moral, embora o ato expressam ente proibido seja o ápice do mal num desses campos. Assim se faz inteligível o Decálogo; atravessa a vereda do homem exatam ente no lugar onde ele se sente mais propenso a vagar. Porém atrás da expressão negativa e específica em cada caso encontra-se a massa toda dos requisitos morais; o fino vértice da cunha tem atrás de si a demanda positiva da santidade, sem cuja obediência não se pode obedecer até a proi­ bição. Assim “a lei é espiritual” (Rm. 7.14) e requer sem elhança com o Deus espiritual no caráter e na vida; Jo. 4.24 - “Deus é espírito e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”. d ) Parcial, ou dirigida somente a uma parte do ser humano, porque a seme­ lhança com Deus requer pureza de substância na alma e no corpo do homem assim como a pureza em todos os pensamentos e atos que procedem dela. Como a lei procede da natureza de Deus, assim requer conformidade com tal natureza na do homem. O que quer que Deus tenha dado ao homem no princípio, ele requer com interesse; cf. Mt. 25.27 - “Devias, então, ter dado o meu dinheiro aos ban­ queiros e, quando eu viesse, receberia o que é meu com juros” . O que quer que seja insuficiente na perfeita pureza da alma, ou perfeita saúde física é uma inconform idade com Deus e contradiz a sua lei. Entende-se que só se exige a perfeição correspondente ao estágio de crescim ento e progresso da criatura, de sorte que se requer da criança só a perfeição de criança, do jovem só a perfeição de jovem, do homem a perfeição de homem.

e) Exteriormente disseminada, porque toda a determinação é apenas a imper­ feita expressão desta lei do ser, a qual é subjacente e não escrita. Boa parte do falso entendimento da lei de Deus resulta do fato de confun­ di-la com a determ inação publicada. Paulo am plia o ponto de vista declaran­ do que a lei independe de tal expressão; ver Rm. 2.14,15 - “Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalm ente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntam ente sua consciência e os seus pen­ sam entos, quer acusando-os, quer defendendo-os” ; ver E xpositor’s Greek Testament, in loco: ‘“ escrita no coração’, em contraste com a lei escrita nas tábuas de pedra, eqüivale a ‘não escrita’; o apóstolo se refere ao que os gre­ gos chamavam áypacpoç v ó j i o ç ” .

f) Interiormente consciente, ou limitada em seu escopo pela consciência

dela. Como as leis do nosso ser físico, a lei moral existe quer reconheçamos, quer não.

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A gula tem como punição da dispepsia, quer estejam os conscientes da nossa falta, quer não. Não podemos por ignorância ou decididam ente repelir as leis do nosso sistem a físico. A vontade própria não garante a independên­ cia assim como as estrelas, por com binação não podem abolir a gravitação. O homem não pode abrir mão do domínio de Deus, negando a sua existência, ou recusando subm eter-se a ele. Sl. 2 .1 - 4 - “ Por que se amotinam as nações ... contra o Senhor ... dizendo: Rompamos as suas ataduras ... Aquele que habita nos céus se rirá” . S a l t e r , First Step in Philosophy, 94 - “O fato de que alguém não está consciente da obrigação não afeta a sua realidade mais do que a ignorância do que está no centro da terra afeta a natureza do que real­ mente se descobre lá. Descobrimos a obrigação e não a criamos pensando nela, do mesmo modo que tam bém não criam os o mundo sensível pensando nele” . g ) Local ou confinado a um lugar, porque nenhuma criatura moral pode escapar de Deus, do seu próprio ser, ou da necessidade natural de que a seme­ lhança de Deus envolva miséria e ruína. “O leilão holandês” era a oferta pública da propriedade a um preço supe­ rior ao seu valor seguido da sua diminuição até que alguém o aceitasse como sua. Não existe essa exceção local à plena validade das exigências de Deus. A lei moral tem oscilação ainda mais necessária e universal do que a da gra­ vitação no universo físico. Está inserida na constituição do homem e de todo ser moral. Aquele que ofendesse o im perador rom ano achava que o império todo era uma prisão.

h) Mutável, ou capaz de modificação. Porque a lei representa a natureza

imutável de Deus, não é uma escala vacilante de requisitos que se adaptam à capacidade dos súditos. O próprio Deus não pode mudá-la sem deixar de ser Deus. A lei, então, tem um fundam ento ainda mais profundo do que o simples “assim diz o Senhor” . A palavra de Deus e a sua vontade são revelações do seu mais íntimo ser; cada transgressão da lei é uma punhalada no coração de Deus. S im o n , Reconciliation, 141,142 - “ Deus continua a dem andar lealda­ de até mesmo quando o homem se mostrou desleal. O pecado muda o homem e a mudança deste envolve também uma m udança em Deus. O homem ago­ ra considera Deus como um governante e exator e este considera o homem um delinqüente e rebelde”. A exigência de Deus não diminui porque o homem é incapaz de ir ao encontro dela. A própria incapacidade é a inconformidade com a lei e não é desculpa para o pecado; ver o serm ão do D r . B u s h n e l l sobre o “ Imenso Dever da Capacidade”. O homem que tinha a mão ressequi­ da não teria sido justificado se se recusasse a estendê-la ao mando de Jesus (Mt. 12.10-13).

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A obrigação de obedecer a esta lei e estar de conform idade com o perfeito caráter moral de Deus baseia-se na capacidade original do homem e nos dons que Deus lhe concedeu no princípio. Criado à imagem de Deus, é dever do homem tributar-lhe o que prim eiro ele lhe deu, aum entado e m elhorado pelo desenvolvimento e pela cultura (Lc. 19.23 - “ Porque não puseste, pois, o meu dinheiro no banco, para que eu, vindo, o exigisse com os juros”?). Esta obrigação não diminui com o pecado e com o abatim ento das forças do homem. Rebaixar o padrão seria interpretar falsam ente a pessoa de Deus. Adolphe Monod não se salvaria da vergonha e do remorso diminuindo as reivindicações da lei: “Salve em primeiro lugar a santa lei de Deus, diz ele, “depois você me salvará!” Mesmo a salvação não ocorre através da violação da lei. A lei moral é imutá­ vel por ser uma transcrição da natureza do Deus imutável. É a natureza se con­ form ará comigo, ou eu me conform arei com ela? Se eu tentar resistir mesmo às leis físicas, serei esmagado. Posso valer-m e da natureza obedecendo às suas leis. L o r d B a c o n : “Natura non nisi parendo vincitur” (Não se vence a natureza a não ser pela sujeição). O mesmo ocorre no reino moral. É impossível subornar Deus, ou escapar à sua lei. Deus não mudará um fio de cabelo a sua lei, e nem pode, mesmo para salvar um universo de pecadores. Om ar Kháyyám, Rubáiyat, pede ao seu deus que “oculte a lei dos meus desejos” . Marie Corelli diz com propriedade: “ É como se um m osquito procurasse edificar uma catedral e alterar as leis da arquitetura a fim de adequá-las à sua capacidade de mosquito”.

Em segundo lugar, a lei de Deus como um ideal da natureza humana. Uma lei assim idêntica às relações eternas e necessárias da criatura com o Criador e demandando da criatura nada menos que a santidade perfeita como condição para a harmonia com a santidade infinita de Deus adapta-se à natu­ reza finita do homem como lei necessária; e à natureza progressiva do homem como lei ideal necessária. Porque é finito o homem necessita de leis, exatam ente como o comboio ferroviário necessita de trilhos para guiá-lo - saltá-los não é encontrar liber­ dade, mas ruína. Presidente de Estrada de Ferro: “Nossas regras são escri­ tas com sangue” . G o e t h e : “Em vão os espíritos totalm ente livres aspirarão aos píncaros da perfeição; dentro dos limites o Mestre brilha E só a lei nos dá liberdade” . - Como ser livre, o homem tem necessidade de lei moral. Ele não é autômato, criatura em função da necessidade, governada só por influências físicas. Consciente de com andar o que é justo e a vontade de escolhê-lo ou rejeitá-lo, sua verdadeira dignidade e vocação consistem em realizar o que é correto. - O homem, como um ser progressista, necessita nada menos que um ideal e um padrão infinito de realização e um alvo que ele nunca pode ultrapassar, um fim que sempre atrai o estim ula a avançar. Isto ele encontra na santidade de Deus. A lei é uma cerca, não só para se possuir, mas para cuidar-se. Deus não só exige, mas protege. A lei é uma transcrição do am or bem como da santida­ de. Podemos inverter o bem conhecido dístico e dizer: “Dormi e sonhei que a vida é um Dever; acordei e acho a vida uma Beleza” . “Cui servire regnare est”

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(Deve-se servir a quem reina). B u t c h e r , Aspects o f Greek Genius, 56 - “No Crito, P la t ã o , as leis são feitas para apresentarem-se pessoalmente ao prisioneiro Sócrates, não só como guardiãs da liberdade, mas como amigos para a vida toda, os seus queridos, seus semelhantes, com quem a sua livre vontade entra em contato” . Não é prejudicial ao erudito ter diante de si o ideal de erudição perfeita; nem ao mestre ter a escola perfeita; nem ao legislador ter o ideal de lei perfeita. G o r d o n , C hrist Today, 134 - “O alvo moral deve ser o de um vôo; deve sempre aparecer o padrão segundo o qual devemos crescer; o tipo com o qual devemos nos conform ar deve ter em si a plenitude inexaurível” . J o h n C a ir d , Fund. Ideas o f Chrístianity, 2.119 - “Justam ente as melhores, as mais puras, as mais nobres almas humanas é que estão menos satisfeitas consigo mesmas e com as suas realizações espirituais; e a razão é que a natureza humana não é essencialm ente diferente da divina, mas é uma natu­ reza que, exatam ente por ter afinidade essencial com Deus não se satisfaz com nada menos que a perfeição divina”. J. M. W h it o n , Divine Satisfaction: “A lei requer o ser, o caráter, a sem elhança com Deus. É autom ática e autooperante. A penalidade é intransferível. Ela não pode adm itir outra satisfação que não seja o restabelecim ento da relação normal requerida. A punição pro­ clama que a lei não foi satisfeita. Não há nenhum cancelam ento da maldição a não ser através do desenvolvim ento da relação normal. A bênção e a m aldi­ ção são conseqüências do que nós somos, não do que éramos. A reparação está dentro do próprio espírito. A expiação é educativa, não governam ental”. Retrucamos que a expiação é tanto governam ental como educativa e que se deve fazer a reparação relativa à santidade de Deus antes que a consciência, espelho da santidade de Deus, reflita a m encionada reparação e haja paz.

Portanto, a lei de Deus caracteriza-se por:

Abrangência total - Ela está acima de nós em todos os tempos; diz respeito ao nosso passado, ao nosso presente e ao nosso futuro. Proíbe qual­ quer concepção de pecado; requer qualquer concepção de virtude; ela conder.a as omissões e as comissões. a)

Sl. 119.96 - “A toda perfeição vi limite ... o teu mandam ento é am plíssi­ mo” ; Rm. 3.23 - “todos pecaram e carecem da glória de Deus” ; Tg. 4.17 “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz comete pecado” . A gravitação sustenta, a menor partícula assim como o mundo. A lei de Deus detecta e denuncia o menor pecado de sorte que sem a expiação não pode ser perdo­ ado. Pode-se suspender ou ab-rogar a lei da gravitação, pois não tem base necessária no ser divino; mas não se pode suspender ou ab-rogar a lei moral divina, pois isso contraditaria a santidade de Deus. “A cerca do direito’’ não é “todo o direito” . “As gigantescas colunas hexagonais de basalto na Estafa Escocesa identificam -se na form a com os m icroscópicos cristais do mesmo mineral” . Do mesmo modo Deus é o nosso padrão, e a bondade é o elemento de sem elhança a ele.

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b) Espiritualidade - Demanda não somente palavras e atos justos, mas disposições e estados também justos. A obediência perfeita requer não só o intenso e incansável reino do amor para com Deus e o homem, mas a confor­ midade de toda a natureza interna e externa do homem com a santidade de Deus. Mt. 5.22,28 - a palavra de ira é homicídio; o olhar pecaminoso é adultério. Mc. 12.30,31 - “amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração de toda a tua alma, de todo o teu entendim ento e de toda a tua força. ... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” ; 2 Co. 10.5 - “levando cativo todo entendimento à obediência de Cristo” ; Ef. 5.1 - “Sede, pois, im itadores de Deus, como filhos am ados” ; 1 Pe. 1.16 - “Sede santos porque eu sou santo” . Como a mais brilhante luz elétrica, vista através de um vidro enfum açado contra o sol, apa­ rece como mancha preta, assim o mais brilhante caráter não regenerado é tenebroso, comparado com a santidade de Deus. M a t h e s o n , M om ents on the Mount, 235 assinala sobre Gl. 6.4 - “cada um prove a sua própria obra e terá glória em si mesmo e não noutro” - Tenho uma velazinha e comparo-a com o pavio de meu irmão e saio feliz. Por que não com pará-la com o sol? Aí é que acaba o meu orgulho e falta de caridade” . A distância para com o sol a partir do topo de um torrão levado por uma form iga e a do Monte Evereste é quase a mesma. A princesa africana louvada pela sua beleza não tinha meios de verificar as saudações tributadas a ela a não ser olhando na superfície vítrea da lagoa. Mas o com erciante veio e vendeu-lhe um espelho. Então ela ficou tão chocada com a sua própria feiúra que quebrou o espelho em pedaços. Assim olhamos para o espelho da lei de Deus, com param o-nos com Cris­ to, que se reflete nela e odiamos o espelho que nos revela a nós mesmos (Tg. 1.23,24).

c) Solidariedade - Apresenta em todas as suas partes a natureza do único Legislador, e expressa, na mínima determinação, o único requisito da harmo­ nia com ele. Mt. 5.48 - “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai, que está nos céus” ; Mc. 12.29,30 - “O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus” ; Tg. 2.10 - “ Porque qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos” ; 4.12 - “ Há um só legis­ lador e juiz” . Até mesmo as pequenas cascavéis são serpentes. Basta que um elo da corrente se quebre para que o balde caia no poço. O pecado, por menor que seja, nos separa de Deus. O pecado, por menor que seja, nos torna culpados de toda a lei porque nos mostra a falta do amor que os manda­ mentos requerem. Aqueles que nos remetem ao Sermão do Monte para a salvação mandam -nos para um tribunal que nos condena. O Sermão do Mon­ te é apenas uma reedição da lei entregue no Monte Sinai, mas, desta vez, mais espiritual e penetrante. Os trovões e relâm pagos procedem do Novo Testamento, do mesmo modo que o monte no Velho Testamento. O Sermão

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do Monte é apenas o discurso introdutório do curso teológico de Jesus, do mesmo modo que João 14-17 é o seu fecho. Nele se anuncia a lei, que prepa­ ra o caminho para o evangelho. Os que degradam a doutrina exaltando o preceito acharão que eles deixaram os homens sem o motivo ou a força para guardar o preceito.

Só para o primeiro homem, então, a lei foi proposta como um método de salvação. Com o primeiro pecado, toda a esperança de obter o favor divino através da obediência se perdeu. Para os pecadores a lei continua como um meio de descobrir e desenvolver o pecado em sua verdadeira natureza e de compelir a que se recorra à misericórdia providenciada em Jesus Cristo. 2 Cr. 34.19 - “sucedeu, pois, que, ouvindo o rei as palavras da Lei, rasgou as suas vestes”; Jó 42.5,6 - “Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos; Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza”. A revelação de Deus em Is. 6.3,5 - “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos” faz o profeta clam ar como o leproso: “Ai de mim que vou pere­ cendo! Porque sou um homem de lábios im puros” . Rm. 3.20 - “nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecim ento do pecado” ; 5.20 - “Veio, porém a lei para que a ofensa abun­ dasse” ; 7.7,8 - “Eu não conheci o pecado senão pela lei, porque eu não conheceria a concupiscência se a lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas o pecado, tom ando ocasião pelo mandam ento, despertou em mim toda a con­ cup iscência : po rquanto, sem a lei, e sta va m orto o p e ca d o ” ; Gl. 3 .24 “De maneira que a lei nos serviu de aio”, ou escravo-assistente, “para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé fôssem os justificados” = a lei treina a nossa obstinada infância e nos conduz a Cristo, o Mestre, como nos antigos tem pos o escravo acom panhava as crianças para a escola. S t e v e n s , Pauline Theology, 177,178 - “A lei aum enta o pecado aum entando o conhecim ento deste e a sua atividade. A lei não acrescenta à energia inerente do princípio pecaminoso que perm eia a natureza humana, mas faz este princípio revelarse mais energicam ente no ato pecam inoso” . A lei inspira temor, mas não con­ duz ao amor. Os rabinos diziam que, se Israel se arrependesse ainda que por um dia, o Messias apareceria. Nenhum ser humano jam ais traçou uma linha reta ou uma curva perfeita; contudo, seria um pobre arquiteto quem se contentasse com menos que isso. Visto que os homens nunca sobem até os seus ideais, aquele que tem por alvo viver apenas uma vida moral m édia inevitavelm ente cairá para baixo da média. Então a lei conduz a Cristo. Aquele que é o ideal é tam bém o meio para atingir esse ideal. Aquele que é o Verbo e a Lei é tam bém o Espírito de vida que nos tom a possível a obediência (Jo. 14.6 - “ Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” ; Rm. 8.2 - “Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da m orte”). M r s . B r o w n in g , A urora Leigh: “O próprio Cristo não teria sido Legislador, se, juntam ente com a Lei não tivesse dado a Vida”. Cristo p o r nós na Cruz e Cristo em nós através do seu Espírito é o único livramento da maldição da lei; Gl. 3 .1 3 - “Cristo nos resgatou

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da m aldição da lei, fazendo-se maldição por nós” . Devemos ver satisfeitas as reivindicações da lei escrita em nossos corações. Somos “ reconciliados com Deus pela morte de seu Filho” , mas tam bém somos “salvos pela sua vida” (Rm. 5.10). R o b e r t B r o w n in g , The fíin g and Book, representa Caponsacchi com pa­ rando-se na m elhor das hipóteses com o novo ideal de “perfeito como perfeito é o Pai celestial” , o que é sugerido pela pureza de Pompília e irrompendo com o clamor: “Ó grande, justo, bondoso Deusl Tem m isericórdia de mim” ! Na Casa do Intérprete do Peregrino, no sujo com partim ento, a Lei só agita o pó; o evangelho teve de espargir água no solo antes de limpá-lo. E. G. R o b in s o n : “ É necessário desenfum açar o homem antes de fazer com que ele tenha um motivo mais elevado “. Barnabé dizia que Cristo é a resposta para o enigma da lei. Rm. 10.4 - “Porque o fim da lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê” . O caminho da estrada de ferro oposto a Detroit sobre o Rio Santa Clara corre ao lado da doca e causa a im pressão de querer m ergulhar o trem no abismo. Mas quando o ferry-boat chega, os carris parecem estar sobre o seu convés e o barco é o fim da trajetória que leva os passageiros a Detroit. Assim a lei, que por si m esm a só traria destruição, encontra seu fim em Cris­ to, que garante a nossa passagem para a cidade celestial. A lei, portanto, com seu quadro de im aculada inocência, simplesm ente lembra ao homem as alturas de onde ele caiu. “ É o espelho que revela a desordem, mas não cria nem a rem ove” . Com sua dem anda de absoluta per­ feição até à medida dos dotes e possibilidades do homem original, conduz, no nosso próprio desespero, a Cristo como a única justiça e como o nosso Salvador (Rm. 8.3,4 - “ Porquanto, o que era im possível à lei, visto que estava enferm a pela carne, Deus, enviando seu Filho em sem elhança da carne do pecado, condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cum pris­ se em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito”; Fp. 3.8,9 - “para que eu possa ganhar a Cristo e seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé”). Portanto, a lei deve preparar o caminho para a graça e João Batista deve preceder a Cristo. Q uando se pediu a Sarah B ern h a rd t que acre sce n ta sse um décim o primeiro mandam ento, ela declinou baseada em que dez já eram demais. Era uma expressão de desprezo pagão pela lei. No paganismo, 0 pecado e a insensibilidade pelo mesmo pecado crescem juntos. No judaísm o e no cris­ tianismo, ao contrário, há um crescente senso de culpa e condenação pelo pecado. M c L a r e n , S. S. Times, 23 de setem bro de 1893.600 - “ Entre os judeus há um mais profundo senso de pecado que em qualquer outra nação antiga. A lei escrita no coração do homem evoca uma consciência inferior do pecado e, nas tábuas assírias e babilônicas, há orações que podem quase pôr-se ao lado do Salmo 51. Mas, em seu todo, o profundo senso de pecado é produto da lei revelada”.

2. Determinação positiva, ou a expressão da vontade de Deus nas ordenan­ ças publicadas. Esta é dúplice:

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A) Preceitos morais gerais. - Estes são sumários escritos da lei elementar (Mt. 5.48; 22.37-40), ou suas aplicações autorizadas às condições humanas especiais (Ex. 20.1-17; Mt. caps. 5-8). Mt. 5.48 - “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai, que está nos céus” ; 22.37-40 - “Amarás o Senhor teu Deus ... Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois m andam entos dependem a lei e os profetas”; Ex. 20.1-17 - os Dez Mandam entos; Mt. 5-8 - Serm ão do Monte. Cf. A g o s t i ­ n h o , sobre o Sl. 57.1. S o l l y , On the Will, 162, apresenta duas ilustrações sobre o fato de que os preceitos positivos são meras aplicações da lei elem entar ou da lei da nature­ za: “ ‘Não furtarás', é uma lei moral que pode ser estatuída assim: Não tomes para tua propriedade aquilo que é propriedade de um outro. O oposto desta proposição seria: Tu podes tom ar para tua propriedade o que é propriedade de um outro. Mas isto é uma contradição de termos; porque é a própria con­ cepção de propriedade, que o possuidor está numa relação peculiar com a sua matéria; e o que é a propriedade de cada pessoa, não é propriedade de ninguém. Por isso o elemento contraditório do m andam ento contém um ele­ mento negativo que o torna uma regra universal; e estabelece-se o m anda­ mento em si como um dos princípios da harm onia das vontades individuais. “ 'Não m entirás’, como regra de moral, pode expressar-se genericam ente: com os teus atos exteriores não farás os outros crerem que o teu pensam ento é diferente do que ele é. A contradição universal é: cada um pode p o r seus atos externos fazer os outros crerem que o seu pensam ento não é esse. Ora, essa máxima tam bém contém uma contradição, e é auto-destrutiva. Contém uma perm issão de fazer aquilo que se torna im possível pela própria permissão. A indiferença absoluta e universal à verdade, ou a total independência mútua do pensamento e do símbolo faz o sím bolo deixar de ser um sím bolo e o conteúdo do pensamento por esse processo, uma im possibilidade” . K a n t , M etaphysics o f Ethics, 48,90 - “Lei fundam ental da razão: Age de tal modo que as tuas máximas sobre a vontade se tornem leis num sistem a de legislação moral universal” . Isto é um im perativo categórico de K a n t . C ontu­ do, ele o expressa de outra forma: Age a partir de máximas próprias que sejam consideradas como leis universais da natureza” .

B) Ordens cerimoniais ou especiais. - São ilustrações da lei elementar, ou suas revelações aproximadas adequadas aos graus inferiores de capacidade e aos antigos estágios de treinamento espiritual (Ez. 20.25; Mt. 19.8; Mc. 10.5). Apesar de temporárias só Deus pode dizer quando deixam de comprometernos em sua forma exterior. Todas as determinações positivas, portanto, quer morais, quer cerimoniais, são republicações da lei elementar. Suas formas podem mudar, mas a substân­ cia é eterna. Alguns modos de expressão, como o sistema mosaico, podem ser abolidos, mas as exigências essenciais são imutáveis (Mt. 5.17,18; cf. Ef. 2.15). Da imperfeição da linguagem humana, nenhuma determinação é capaz de

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expressar em si todo o conteúdo e sentido da lei elementar. “O propósito da revelação não é revelar todos os nossos deveres”. A Escritura não é um código completo de regras para a ação prática, mas um enunciado de princípios, com preceitos ocasionais que servem de ilustração. Por isso devemos suplementar a determinação positiva pela lei do ser - a moral ideal encontrada na natureza de Deus. Ez. 20.25 - “ Pelo que também lhes dei estatutos que não eram bons e juízos pelos quais não haviam de viver” ; Mt. 19.8 - “Moisés, por causa da dureza do vosso coração, vos permitiu repudiar vossa mulher” ; Mc. 10.5 “ Pela dureza do vosso coração vos deixou ele escrito este m andam ento” ; Mt. 5.17,18 - “ Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque na verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cum ­ prido” ; cf. Ef. 2.15 - “na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos manda­ mentos, que consistia em ordenanças” ; Hb. 8.7 - “se aquele primeiro manda­ mento fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para o segundo” . F is h e r , Nature and M ethod o f Revelation, 90 - “ Depois do surgim ento do novo pacto, o tratam ento do velho seria como um fardo desnecessário como as roupas de inverno na brisa suave do verão, ou como a tentativa de um adulto vestir roupas infantis” . W e n d t , Teaching o f Jesus, 2 . 5 - 3 5 “Jesus repudia para si e para os discí­ pulos a sujeição absoluta à lei veterotestam entária do sábado (Mc. 2 . 2 7 sg); à lei veterotestam entária da contam inação exterior (Mc. 7 . 1 5 ) ; à lei do divórcio (Mc. 1 0 . 2 ss.). Ele ‘cum priria’ a lei e os profetas através de uma apresentação prática com pleta da vontade revelada de Deus. Revelaria o seu sentido inte­ rior, não através de uma obediência literal e escravizante a cada exigência por menor que seja da lei mosaica, mas revelando em si mesmo a perfeita vida e obra para a qual elas tendem. Aperfeiçoaria as concepções do Velho Testamento a respeito de Deus - não as conservando intactas em sua forma literal, mas em seu espírito essencial. Cum priria a lei e os profetas não por extensão quantitativa, mas por renovação qualitativa. Transform aria a expres­ são im perfeita do Velho Testamento em perfeição, não por adoração literal servil ou alegorizante, mas apegando-se à idéia divina”. A Escritura não é uma série de porm enorizadas injunções e proibições tais como os fariseus e os jesuítas estabeleciam . O Corão mostra sua imen­ surável inferioridade relativa à Bíblia, não se fixando no espírito, mas na letra, dando regras de conduta perm anentes, definidas, e específicas em vez de deixar lugar para o crescim ento do espírito livre para a educação da cons­ ciência. Isto não é verdade, quer na lei do Velho Testamento, quer na do Novo. Na novela The Farningdons, escrita por Miss F o w l e r , o senhor Herbert quer “que a Bíblia tenha sido escrita com base no princípio do tem ível livrinho chamado ‘Não’, que dá uma lista dos solecism os que devem ser evitados; ela entende que este é muito melhor do que o sistem a presente” . As palavras do Salvador a respeito de dar a quem pede e apresentar a outra face a quem bater em uma delas (Mt. 5.39-42) devem ser interpretadas através do princípio

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de amor que é a base da lei. Dar esm ola a cada mendigo e ceder ao saquea­ dor não significa agradar o próximo “no que é bom para a edificação” (Rm. 15.2). C onfundir a lei divina com a proibição da Escritura pode levar alguém a escrever como o que se acha na N. Amer. Rev., fevereiro, 1890.275 - “ Peca­ do é a transgressão da lei divina; mas não há lei divina contra o suicídio; por isso o suicídio não é pecado” . A lei escrita era im perfeita porque, na época, Deus não podia dar outra superior destinada a um povo não esclarecido. “Mas dizer que o escopo e desígnio são moralmente imperfeitos contradiz o curso da história como um todo. Podemos perguntar qual é o padrão moral em que se desenrola este curso de educação” . E encontrarem os a resposta na vida e preceitos de Cris­ to. Mesmo a lei do arrependim ento e fé não tom a o lugar da velha lei do ser, mas aplica-se às condições do pecado. Sob a lei levítica, a proibição de tocar no osso seco (Nm. 19.16), do mesmo modo que as purificações e sacrifícios, as separações e penas do código mosaico, expressavam a santidade de Deus e a sua repulsa a tudo o que tivesse sabor de pecado ou de morte. As leis a respeito da lepra eram tanto sim bólicas com o sanitárias. Tal prudência e ordenanças da igreja não são exigências arbitrárias, mas explicitam às cons­ ciências embotadas influenciadas pelo senso comum, m elhor do que as pro­ posições abstratas poderiam ter feito, as verdades fundam entais do esquema cristão. Daí não serem elas ab-rogadas “até que ele venha” (1 Co. 11.26). Os puritanos, contudo, reativando o código mosaico, cometeram o equí­ voco de confundir a lei eterna de Deus com a sua expressão parcial, tem porá­ ria e obsoleta. Assim não devemos descansar nos preceitos exteriores sobre o cabelo das mulheres, os vestidos e a fala, mas encontrar o princípio subja­ cente da m odéstia e da subordinação que tem validade universal e eterna. A injunção de Paulo para que as mulheres estejam quietas na igreja (1 Co. 14.35; 1 Tm. 11,12) deve ser interpretada pela lei m aior da igualdade e privi­ légio do evangelho (Cl. 3.11). A m odéstia e a subordinação exigia uma sepa­ ração do sexo fem inino que não é mais obrigatória. O C ristianism o em an­ cipou a m ulher e restaurou-lhe a dignidade que lhe pertencia no princípio. “Na velha dispensação Míriam e Débora e Hulda eram reconhecidas como líderes do povo de Deus e Ana era notável profetisa nas cortes do tem plo na época da vinda de Cristo. Isabel e M aria proferiram cânticos de louvor para todas as gerações. Uma profecia de Jl 2.28 dizia que, na nova dispensação, as filhas do povo de Deus profetizariam , sob a direção do Espírito. O evange­ lista Filipe ‘tinha quatro filhas donzelas, que profetizavam ’ (At. 21.9), e Paulo exortou às mulheres cristãs que cobrissem as suas cabeças quando oravam ou profetizavam em público (1 Co. 11.5), mas não tin h a palavras contra a obra de tais m ulheres. Ele trouxe Priscila consigo para Éfeso, onde ela ajudou a instruir Apoio no m elhor poder de pregação (At. 18.26). Ele deu bom acolhim ento e foi grato à obra das mulheres que trabalharam com ele no evangelho em Filipos (Fp. 4.3). Certam ente é uma inferência do espírito e dos ensinos de Paulo que nos regozijem os com o eficiente trabalho e sadias pala­ vras das mulheres cristãs hoje na Escola Dominical e campo m issionário”. A ordem “E aquele que ouve diga: Vem” (Ap. 22.17) destina-se também às mulheres.

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III. RELAÇÃO DA LEI COM A GRAÇA DE DEUS No governo humano, enquanto a lei é uma expressão da vontade do poder governante e assim, da natureza contida atrás da vontade, de modo nenhum é uma expressão exaustiva daquela vontade e natureza porque consiste apenas nas ordenanças gerais e deixa lugar para os atos particulares de ordem através do executivo assim como para “a instituição da eqüidade, faculdade de casti­ go discricionário e prerrogativa de perdão”. A mos, Science o f Law, 29-46, mostra como “a instituição da eqüidade, faculdade do castigo discricionário, e a prerrogativa do perdão” envolvem expressões da vontade acima e além do que um mero estatuto contém. Dicio­ nário Century, sobre Eqüidade: “A lei inglesa relacionava-se apenas com a propriedade de bens, casas e terras. O homem que não tinha nenhum deles podia se interessar por um salário, por uma patente, por um contrato, por uma lei de imprensa, por uma aposentadoria, mas um credor, não podia, na lei comum, apor em bargos sobre isso. Quando o credor apelava para a coroa por indenização indicava-se um chanceler ou curador dos assuntos reais que determ inava o que e como o devedor deveria pagar. Freqüentem ente reque­ ria-se que o devedor tornasse a sua propriedade indisponível nas mãos de um recebedor e pudesse reaver a sua posse só quando se satisfizesse a demanda. As cortes de chanceleres recebiam o nome de cortes de eqüidade e indenizavam os erros que a lei comum não podiam decidir. Em tempos mais tarde a lei e a eqüidade eram adm inistradas na maioria da vezes pelas mes­ mas cortes. A m esm a corte funcionava como tribunal de lei e por vezes como tribunal de eqüidade”. A máxima “Summa lex, sum m a injuria” é, por vezes, verdadeira.

Aplicando agora à lei divina esta ilustração tirada da lei humana, assinalamos: á) A lei de Deus é uma expressão geral da vontade de Deus, aplicável a todos os seres morais. Não exclui, portanto, a possibilidade de ordens espe­ ciais aos indivíduos e atos especiais de sabedoria e poder na criação e provi­ dência. A própria especialidade destas expressões da vontade impede-nos de classificá-los sob a categoria de lei. L o r d B a c o n , Confession o f Faith: “O céu ou a terra não produziram a alma do homem, mas Deus a soprou imediatamente; assim os cam inhos e procedi­ mentos de Deus para com os espíritos não estão incluídos na natureza, isto é, nas leis do céu e da terra, mas estão reservados à lei da sua vontade e da sua graça secretas” .

tí) Concordemente, a lei de Deus é uma expressão parcial, não exaustiva, da natureza de Deus. Na verdade, constitui uma manifestação desse atributo

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da santidade que é fundamental em Deus e que o homem deve possuir para estar em harmonia com Deus. Mas não expressa plenamente a natureza de Deus em seus aspectos de personalidade, soberania, auxílio, misericórdia. O principal erro de toda a teologia panteísta é a suposição de que a lei é uma expressão exaustiva de Deus: S t r a u s s , Glaubenslehre, 1.31 - “Se a natu­ reza, como auto-realização da essência divina, é igual à referida essência, é infinita e nada pode haver acim a ou além dela” . Isto é uma negação da trans­ cendência de Deus (ver notas sobre o Panteísmo). A lei é ilustrada pelo pro­ vérbio budista: “Como a roda da carreta segue as pisadas do boi, assim o castigo se segue ao pecado” . Denovan: “Separados de Cristo, ainda que nun­ ca tenham os quebrado a lei, só pela firm eza e perfeita obediência durante todo o futuro é que podemos perm anecer justificados” . Se temos cometido pecado, não podemos ser justificados [sem Cristo] apenas pelo sofrim ento e esgotam ento de toda a pena da lei”. c ) A simples lei, portanto, deixa a natureza de Deus nestes aspectos de personalidade, soberania, auxílio, misericórdia expressar-se através dos peca­ dores de outro modo, a saber, através da expiação, regeneração, perdão, obra santificadora do evangelho de Cristo. Como a criação não exclui os milagres, assim a lei não exclui a graça (Rm. 8.3 - “o que a lei não pôde fazer ... Deus” fez). M u r p h y , Scientific Bases, 303-327, esp. 315 - “À lei, que é impessoal, não importa se os que lhe estão sujeitos lhe obedecem ou não. Porém Deus dese­ ja não a punição do pecado, mas a sua destruição”. C a m p b e l l , Atonement, Intr., 28 - “ Há duas regiões da divina satisfação própria: o reino da lei e o reino de Deus”. C. H. M.: “A lei é a transcrição da mente de Deus quanto ao que o homem deve ser. Entretanto, Deus não é sim plesm ente lei, mas amor. Existe mais em seu coração do que poderia estar envolto nas ‘toneladas de palavras’ . A imagem perfeita de Deus não é a lei, mas som ente a pessoa de Cristo” (Jo. 1.17 - “ Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”). Por isso, existe muito mais no coração do homem para com Deus do que o perfeito cum prim ento das suas exigências. A mãe que se sacrifica pelo filho doente o faz, não por um dever, mas porque ama. Dizer que nós somos salvos pela graça, eqüivale a dizer que somos salvos tanto sem o mérito da nossa parte, como sem a necessidade da parte de Deus. A graça se faz conhecida na proclam ação, oferecim ento, determ ina­ ção; mas em tudo isso está o evangelho, ou as alegres novas.

d) Contudo, não se deve considerar que a graça ab-roga a lei, mas renovaa e compele-a (Rm. 3.31 - “estabelecemos a lei”). Removendo os obstáculos do perdão na mente divina e capacitando o homem a obedecer, a graça garante o perfeito cumprimento da lei (Rm. 8.4 - “para que ajusta exigência da lei se

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cumprisse em nós”). Mesmo a graça tem a sua lei (Rm. 8.2 - “a lei do Espírito da vida”); outra lei mais elevada da graça, a operação da individualizante misericórdia, subjuga a “lei do pecado e da morte”; esta transcende-a, como no caso do milagre, não se suspendendo, anulando ou violando, mas absor­ vendo no exercício da divina vontade pessoal. H o o k e r , Eccl. Polity, 1.155, 185,194 - “Tendo o homem incapacitado total­ mente a sua natureza nestes meios [naturais], recebeu outra revelada por Deus, vinda do céu, a lei que ensina como o que se deseja naturalmente deve-se a lcançar sobrenaturalm ente. Por fim, vem os que, porque estes excluem não aqueles como desnecessários, a lei da graça ensina e exclui também os deveres naturais, por serem difíceis de averiguar através da lei da natureza” . A verdade é o meio cam inho entre o ponto de vista pelagiano, de que não há nenhum obstáculo para o perdão dos pecados, e o ponto de vista racionalista moderno, de que de modo algum pode haver perdão de pecados visto que a lei expressa plenam ente a pessoa de Deus. G r e g , Creed o f Christendom, 2.217-228 - “ Deus é o único ser que não pode perdoar peca­ dos ... A punição não é a execução de uma sentença, mas a ocorrência de um efeito” . R o b e r t s o n , Lect. on Genesis, 100 - “As obras são irrevogáveis; as conseqüências prendem -se a elas de modo irrevogável” . B a d e n P o w e l l , Law and Gospel, nos Ensaios Teológicos de Noyes, 27. Tudo isto é verdade se considerarm os Deus tão som ente como a fonte da lei. Na natureza não há perdão, mas a graça está acim a e além da natureza. B r a d f o r d , Heredity, 283, cita de H u x l e y a terrível declaração: “A natureza sempre dá um cheque mate, sem pressa e sem remorso e nunca supervaloriza um equívoco, ou faz a mais leve concessão à ignorância”. B r a d f o r d , então assinala: “ Este é um tipo de calvinism o que deixa Deus do lado de fora. O cristianism o não nega ou m inim iza a lei da retribuição, mas revela uma Pessoa capaz de libertar a despeito da referida lei. Existe a graça, mas a graça traz a salvação aos que aceitam os seus term os - estritamente de acor­ do com as leis reveladas pela ciência”. Acrescentam os que Deus se revelou não apenas nas leis, mas na vida; ver Dt. 1.6,7 - “Tempo bastante haveis estado neste monte” - o monte da lei; “voltai-vos e parti” - i.e. vede como a lei de Deus deve ser aplicada à vida.

e) Assim, a revelação da graça, enquanto suspende e inclui em si a revela­ ção da lei, acrescenta algo diferente em gênero, a saber, a manifestação do amor pessoal do Legislador. Sem a graça, a lei tem somente um aspecto de exigência. Só em conexão com a graça ela se torna “a lei perfeita, a da liberda­ de” (Tg. 1.25). Por fim, a graça é a maior e mais completa manifestação da natureza divina, de que a lei constitui o estágio necessário, mas preparatório. A lei revela o am or e a m isericórdia de Deus, porém apenas no aspecto imperativo; requer da parte do homem a conform idade com o amor e com a misericórdia de Deus; como o am or e a m isericórdia de Deus condicionam-se

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à santidade, assim a lei requer que eles se condicionem à santidade do homem. Por isso a lei é principalm ente uma revelação da santidade; é na graça que encontram os a principal revelação do amor; embora o amor não salve ignorando a santidade, mas pela satisfação vicária das suas deman­ das. R o b e r t B r o w n in g , Saulo: “ Falo como vejo. Como homem relato a obra de Deus - Tudo é Amor, ainda que tudo seja Lei” . D o r n e r , Person o f Christ, 1.64,78 - “A lei era uma palavra (tóyoç), mas não uma Xóyoç -céXeioç, palavra plástica, como as palavras de Deus que produzi­ ram o mundo, pois ela (a palavra plástica) era tão som ente um imperativo e não havia nenhuma realidade ou vontade que correspondesse ao mando ( dem Sollen fehlte das Seyn, das Wollen). O Xóyoç cristão é Xóyoç à X t|9 e ía ç - vóp.oç t é X e io ç x fiç èA .e«0ripíaç - palavra operante e eficaz, como a da criação”. C h a u c e r , The Persones Tale: “ Para um tipo de africanos a lei de Deus é o seu am or”. S unday School Times, 14 de setem bro de 1901.595 - “ Enquanto o homem não deixar de ser um estranho ao reino e conhecer a liberdade dos filhos de Deus, pensará em Deus como o grande Exator, o grande Proibidor, que ceifa onde não sem eia ajunta onde não espalha”.

SEÇÃO II - NATUREZA DO PECADO I. DEFINIÇÃO Pecado é a falta de conformidade com a lei moral de Deus quer em ato, disposição ou estado. Como explicação assinalamos que a) Esta definição considera o pecado atribuído somente aos agentes racionais e voluntários, b) Admite, contudo, que o homem tem uma natureza racional submissa à consciência e uma natu­ reza voluntária independente da verdadeira vontade, c) Sustenta que a lei divi­ na requer semelhança moral com Deus nos sentimentos e tendências da natu­ reza bem como nas atividades exteriores, d) Por isso considera falta de conformidade com a santidade divina em disposição ou estado como uma violação da lei do mesmo modo que o ato de transgressão. Em nossa discussão sobre a vontade (pp. 504-13), notamos que há esta­ dos perm anentes da vontade bem com o do intelecto e da sensibilidade. É evidente, contudo, que tais estados perm anentes, diferentem ente dos atos deliberados do homem, são sempre im perfeitam ente conscientes e, em mui­ tos casos, nem o são. Contudo, é nestes mesm os estados que o homem é mais dissim ilar a Deus e, portanto, como a lei só reflete Deus (ver pp. 537544), está na m áior falta de conform idade com a lei divina. A principal diferença dos pontos de vista entre a Velha e a Nova Escolas a respeito do pecado é que esta constantem ente tende a limitá-lo a um simples ato, enquanto aquela encontra o pecado no estado da alma. Propomos o que pensamos ser um com prom isso válido e sério entre os dois. Não fazem os o

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pecado ter a mesma extensão do ato, mas da atividade. A Velha e a Nova Escolas não estão separadas desde que lem brem os que a “escolha” da Nova Escola é uma preferência eletiva, exercida tão logo a criança nasce ( P a r k ) e se reafirm a em todas escolhas subordinadas da vida; enquanto o “estado” da Velha Escola não é uma coisa morta, passiva, mecânica, mas um estado de m ovim ento ativo, ou de tendência a mover-se para o mal. Como a santidade de Deus não é pureza passiva, mas a vontade da pureza (pp. 268-275), assim o seu oposto não é a impureza passiva, mas a vontade de impureza. Nem sempre a alma pode estar consciente, mas sempre ativa. Porque, na sua criação, o homem “tornou-se alma vivente” (Gn. 2.7) e há que duvidar se o espírito humano cessa a sua atividade ao invés do Espírito divino a cuja imagem ele é feito. Há alguma razão para crer que, mesmo no mais profundo sono, o corpo repousa mais do que a mente. Quando consideram os a dimen­ são de nossa atividade autom ática e contínua, vem os a im possibilidade de lim itar o term o ‘pecado’ à esfera do ato m om entâneo, quer consciente, quer inconsciente. E. G. R o b in s o n : “O pecado não é um sim ples ato - algo estranho ao ser. É uma qualidade do ser. Não existe essa coisa de pecado separado do peca­ dor, ou de um ato separado do agente. Deus pune pecadores, não pecados. Pecado é um modo de ser; ele não existe como entidade em si mesma. Deus pune o pecado como um estado, não como um ato. O homem não é respon­ sável pelas conseqüências dos seus crimes, nem pelos atos em si, a não ser que eles sejam sintomas dos seus estados pessoais”. D o r n e r , Hist. ofDoctrine, Pessoa de Cristo, 5.162 - “O conhecim ento do pecado tem sido apropriada­ mente cham ado o p e o y da filosofia”.

O nosso tratamento sobre a santidade como pertencente à natureza de Deus (pp. 268-275); da vontade, não só como a faculdade das volições, mas tam­ bém como um estado permanente da alma ( pp. 504-513); e da lei, que requer a conformidade da natureza da santidade de Deus; prepararam-nos para a definição do pecado como um estado. O principal defeito psicológico da teo­ logia da Nova Escola, depois de fazer da santidade uma simples forma de amor, é ignorar os elementos inconscientes e subconscientes do caráter huma­ no. A fim de ajudar-nos a entender o pecado como um estado subjacente e permanente da alma, adicionamos referências a escritores notáveis no campo da psicologia e de suas relações com a teologia. Podemos prefaciar nossas citações assinalando que a mente é sempre maior que suas operações conscientes. O homem é mais do que os seus atos. Só a menor parte do eu se manifesta nos nossos pensamentos, senti­ mentos e vontade. Levando em conta o meu sono, acho, quando minha aten­ ção distraiu-se para outros pensamentos, que, em resumo, a contagem con­ tinuou a mesma. L a d d , Philos. o f Mind, 176, fala da “dram ática separação do ego”. Há conversas no sonho. O D r . J o h n s o n uma vez ficou irritado ao ser derrotado pelo seu opositor em um argum ento sobre o sonho. M. Maury em

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um sonho corrigiu o mau inglês do seu verdadeiro eu pelo bom inglês do seu outro eu irreal. S p u r g e o n pregou um serm ão em seu sono após baldado esforço de tentar planejá-lo quando acordado. Sua esposa deu-lhe o seu resumo depois que ele acordou. Hegel dizia que “A vida se divide em dois reinos - um, do gênio da noite e outro, da consciência do dia”. Du P r e l , Philosophy o f Mysticism, propõe a seguinte tese: “O eu não abran­ ge totalm ente a autoconsciência” , e defende que só há muita atividade psí­ quica dentro de nós que a nossa despertada concepção comum a respeito de nós mesmos não leva em conta. A í é quando o ‘sonho dram atiza’ - quando nos em penham os numa conversa do sonho em que a resposta do nosso interlocutor nos vem com um choque de surpresa - se se admite que a nossa mente forneceu tal resposta, fê-lo por um processo de atividade inconsciente. D w in e l l , Biblia Sacra, julho de 1890.369-389 - “A alma é tão somente uma posse imperfeita de seus órgãos e só é capaz de relatar uma pequena parte de suas atividades no consciente” . Os pensam entos nos vêm como uma cri­ ança abandonada à porta da nossa casa. Escorregam os em uma questão bibliotecária: a Memória. Depois de deixá-la por um pouco de tempo, vem a resposta no quadro mural. Delboeuf, Le Sommeil e les Rêves (O Sono e os Sonhos), 91 - “O sonhador é um despreocupado m om entâneo e involuntário da nossa imaginação como o poeta é o despreocupado momentâneo e volun­ tário, e o insano é o despreocupado e perm anente involuntário” . Se somos os órgãos não só do nosso pensamento passado, mas, como sugere H e r b e r t S p e n c e r , também os órgãos do pensam ento passado da raça, sua doutrina pode fornecer uma confirm ação adicional, embora sem intenção, do ponto de vista escriturístico do pecado. W il l ia m J a m e s , Will to Believe, 316, cita de F. W . H. M y e r s , Jornal de Pes­ quisa Psicológica, que assem elha o nosso conhecim ento comum à parte visí­ vel do espectro solar; o conhecim ento total é como aquele espectro prolonga­ do com a inclusão dos raios ultraverm elhos e dos ultravioletas = 1 para 12 e 96. “Cada um de nós” , diz ele, “é uma entidade psíquica perm anente bem mais extensa do que conhece - uma individualidade que nunca se pode expressar com pletam ente através de qualquer manifestação corpórea. O eu manifesta-se com pletam ente através do organismo; mas há sempre alguma parte do eu não manifesta e sempre, como parece, alguma força de expres­ são orgânica em expectativa ou reserva” . O próprio W illia m J a m e s no S cribner’s Monthly, março de 1890.367-373, esboça as investigações hipnóticas de J a n e t e de B in e t . Há um eu secundário e subconsciente. A histeria é a falta de poder sintetizador e a conseqüente desintegração do campo do conhecim en­ to nas partes mutuamente exclusivas. Segundo J a n e t , o conhecimento secun­ dário e o primário adicionados nunca podem exceder ao conhecim ento nor­ malmente total do indivíduo. Mas o P r o f . J a m e s diz: “ Há transes que obedecem outro tipo. Conheço uma mulher não histérica que, em seus transes, conhece fatos que transcendem a sua consciência normal, a respeito da vida de pes­ soas que ela nunca viu e de quem nunca ouvira antes”. Nossos sentim entos são mais profundos e mais fortes do que conhece­ mos. Aprendem os com o são profundas e fortes, quando a aflição resiste à sua corrente ou quando a morte a reprime. Conhecem os como são pode­ rosas as más paixões, só quando tentam os subjugá-las. Nossos sonhos

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desnudam o nosso eu. Sobre a moralidade dos sonhos, a London Spectator assinala: “Nossa consciência e poder de autocontrole agem como um tipo de cão de guarda sobre o nosso péssimo eu durante o dia, mas, quando o cão de guarda está ausente do seu dever, o velho homem ou o natural está livre para agir como lhe apraz; nossa ‘alm a’ deixou-nos à mercê da nossa natureza má e, em nossos sonhos, tornam o-nos aquilo que, a não ser pela graça de Deus, sempre seriam os” . Tanto na consciência com o na vontade há uma “self-direm ption” (anula­ ção de si mesmo). O im perativo categórico de K a n t é apenas o lançam ento da lei a um outro eu. Todo o sistem a kantiano de ética baseia-se nesta dou­ trina da dupla consciência. L a d d , P h ilo so p h y o f Mind, 169 seg., fala do “autom atism o p síquico”. Contudo, este autom atism o é possível só às m en­ tes autoconscientes e de m em ória cognitiva. É sem pre o “eu” que se põe em lugar de “aquele outro” . Não poderíam os conceber outra personalidade a não ser sob a figura do “eu” . Todas as nossas operações mentais são nossas e somos responsáveis por elas, porque o eu subconsciente e m es­ mo inconsciente é produto dos pensam entos e volições autoconscientes passados. O estado presente fixo das nossas vontades é o resultado da­ quelas decisões. A vontade é um a bateria carregada de ações passadas, cheia de poder latente pronta para m anifestar sua energia tão logo a força que a confina seja afastada. Sobre a ação mental inconsciente, ver C a r p e n t e r , M ental Philos., 139, 515-543 e a crítica de C a r p e n t e r , em Irlanda, B lotonthe Brain, 226-238; B r a m w e l l , Hypnotism, sua History, Practice and Theory, 358-398; P o r t e r , H um an Intellect, 333, 334; versus Sir W m . Ham ilton, que adota a máxima: “Non sentim us, nisi sentiam us nos sentire (Não sentim os, se não sentirm os que nos sentim os)” ( P hilosophy, E d . W ig h t , 171). Observam os que o pecado tam bém pode infectar o corpo, com o tam bém a alma, e pode pô-lo num estado de inconform idade com a lei de Deus (ver H. B. S m it h , Syst. Theol., 267).

Ao acrescentar a nossa prova escriturística e racional sobre a definição do pecado como um estado, desejamos tomar óbvia a objeção de que este ponto de vista deixa a alma inteiramente entregue às forças do mal. Conquanto sus­ tentemos que isto é verdade a respeito do homem separado de Deus, insisti­ mos também que, ao lado da inclinação da vontade humana há sempre uma força divina imanente que se contrapõe às forças do mal e, se não resiste, pelo menos dirige a alma do indivíduo - mesmo quando resiste, conduz a raça, em geral - à verdade e à salvação. Esta força divina imanente outra não é senão Cristo, o Verbo eterno, a luz que ilumina a todo o homem; ver Jo. 1.4,9. Jo. 1.4,9 - “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens ... Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo o hom em ” . Ver mais uma afirm ação em A. H. S t r o n g , C leveland Serm on, maio de 1904, a respeito do antigo e do novo pontos de vista quanto ao pecado: - “ Nossos pais criam na depravação total e com eles concordam os que o homem é por natureza desprovido de amor a

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Deus e que a tendência egoística da sua vontade enfraqueceu, desordenou e corrompeu cada faculdade. Eles defendiam a existência do pecado original. A tendência egoística da vontade do homem pode ligar-se à apostasia dos nossos primeiros pais; e, porque a raça se separou de Deus, todos os homens são, por natureza, filhos da ira. E tudo isto é verdade se se considerar como afirm ação dos fatos, independentem ente da sua relação com Cristo. Mas nos­ sos pais não viram, como nós, que a relação do homem com Cristo antedatou a queda e co nstituiu -se condição su bjacente e m o d ificadora da vida do homem. A hum anidade estava naturalm ente em Cristo, em quem todas as coisas foram criadas e em quem todas elas consistem . C ada pecado do homem não impede que Cristo opere nele a fim de neutralizar o mal e sugerir o bem. Há um a preparação tanto interna com o externa da redenção do homem. Neste sentido de um princípio divino na luta do homem contra a vonta­ de egoística e ímpia, houve uma redenção total, contra a depravação total do homem; e uma graça original, mais poderosa que o pecado original. “Temo-nos tornado conscientes de que só a depravação total não é uma expressão suficiente ou própria da verdade; e a frase vai além. Tem-se senti­ do que o velho ponto de vista do pecado não levou em conta as generosas e nobres aspirações, os esforços contrários ao egoísm o, os em penhos dos homens não regenerados em favor de Deus. Por esta razão tem havido menos pregação sobre o pecado e menos convicção quanto à culpa e à condenação. Os bons impulsos dos homens do grupo cristão freqüentem ente têm sido cre­ ditados à habitação do Espírito de Cristo. Não tenho dúvida de que a nossa fraqueza radical atualmente acha-se no nosso mais superficial ponto de vista sobre o pecado. Sem sentido algum da culpa e da condenação do pecado, não podemos sentir a necessidade da redenção. João Batista deve preceder Cristo; a lei deve preparar o caminho para o evangelho. “ Minha crença é que a nova apreensão da relação de Cristo com a raça capacitar-nos-á a declarar, como nunca antes, a condição de perdido em que se encontra o pecador; enquanto ao mesmo tem po m ostram os-lhe que Cristo está com ele e nele para salvá-lo. Esta presença de um poder em cada homem não vindo das suas obras de justiça é uma doutrina bem diferente da que freqüentem ente prega a ‘divindade do hom em ’. A divindade não é do homem, mas de Cristo. E o poder que opera para a justiça não é humano, mas de Cristo. É um poder cuja influência exortativa, convidativa, persuasiva só torna mais marcante e tem ível a vontade má que a dificulta e lhe resis­ te. O pior de tudo é a depravação, quando nela reconhecem os o constan­ te antagonismo de um Redentor sempre presente, totalm ente santo e todo am oroso”.

1. Prova

Como se admite que o ato exterior de transgressão é prontamente denomi­ nado pecado, tentamos aqui mostrar só que a falta de conformidade com a lei de Deus em disposição ou estado também, de igual modo, deve ser assim denominada.

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A) Da Escritura. a) As palavras comumente traduzidas como ‘pecado’, ou empregadas como seus sinônimos, tanto são aplicáveis a disposições e estados como a atos (nxun e àpapxía = erro ao alvo, falha, insuficiência [da vontade para Deus]). Ver Nm. 15.28 - “pecar por ignorância” ; Sl. 51.2 - “purifica-me do meu pecado” ; 5 - “em iniqüidade fui form ado e em pecado me concebeu minha mãe”; Rm. 7.17 - “o pecado que habita em m im ” ; compare Jz. 20.16, onde aparece o sentido literal da palavra: “atiravam com a funda uma pedra a um cabelo e não erravam ” (NUn). De igual modo, VUiO [LXX àaéfSeia] = separação de, rebelião contra [sc. Deus]; ver Lv. 16.16,21; cf. Delitsch sobre o Sl. 32.1 ■py [LXX àSiKía] = inclinação, perversão [sc. do que é direito], iniqüidade, ver Lv. 5.17; cf. Jo. 7.18. Ver também o hebraico P I, VW1, [= ruína, confusão], e o grego â n o o m a ía , èmõv^iía, e%9pa, Kaiáa, 7tovr|pía, cápi;. Nenhuma destas designações de pecado limita-o a um simples ato, - a maioria sugere mais naturalm ente disposição ou estado. ‘Ajxap-cía im plica que o homem no peca­ do não atinge o que ele busca; pecado é um estado de ilusão e engano (Juuus M ü lle r).

b) As descrições do Novo Testamento sobre o pecado apresentam os esta­ dos e disposições de um modo mais distinto que os atos exteriores da alma (1 Jo. 3.4 - f] ápapxía èaxív f) àvopía, onde àvopía = não “transgressão da lei”, mas tanto o contexto como a etimologia mostram “falta de conformidade com a lei” ou “ausência de lei”). Ver 1 Jo. 5.17 - “toda iniqüidade é pecado” ; Rm. 14.23 - “o que não é de fé é pecado”; Tg. 4.17 - “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete pecado” . Onde o pecado é o não praticar, não se pode dizer que consiste em ato. Deve ser, então, ao menos um estado.

c) Atribui-se o mal moral não só aos pensamentos e sentimentos, mas, tam­ bém ao coração de onde eles brotam (lemos sobre os “maus pensamentos” e sobre o “mau coração” - Mt. 15.19 e Hb. 3.12). Ver tam bém Mt. 5.22 - ira no coração é homicídio; 28 - o desejo impuro é adultério. Lc. 6.45 - “o homem mau, do mau tesouro do seu coração, tira o mal” . Hb. 3.12 - “coração mau e infiel” ; cf. Is. 1.5 - “toda a cabeça está enfer­ ma e todo o coração está fraco” ; Jr. 17.9 - “ Enganoso é o coração mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” - aqui o pecado que não se pode conhecer não é o da prática, mas o do coração. “Sob a superfície da correnteza rasa, e leve daquilo que dizem os sentir; sob a correnteza tão leve do que pensam os sentir flui com a tranqüila corrente, forte, desconheci­ da, e profunda o caudal central daquilo que verdadeiram ente sentimos

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d) O estado ou condição da alma que faz surgir os desejos e atos errôneos

chama-se expressamente pecado (Rm. 7.8 - “Mas o pecado ... despertou em mim ... toda a concupiscência”). Jo. 8.34 - “todo aquele que com ete pecado é servo do pecado” ; Rm. 7.11,13,14,17,20 - “o pecado ... me enganou ... operou a morte em mim ... sou carnal, vendido sob o pecado ... o pecado que habita em m im ”. Tais represen­ tações do pecado como um princípio ou estado da alma são incompatíveis com a sua definição como um sim ples ato. John Byron, 1691-1783: “ Pensa e tem cuidado do que tu és, Pois no desejo de pecar há pecado. Pensa e sê grato em um caso diferente, Pois há graça no desejo de ter graça”. A l e x a n d e r , Theoríes o f the W ill, 85 - “ Na pessoa de Paulo acha-se repre­ sentado o homem que já foi justificado pela fé e que está em paz com Deus. Em Rm. 6 discute-se a questão se o hom em é obrigado a guardar a lei moral. No cap. 7- a questão não é se o homem deve guardá-la, mas por que ele é incapaz de guardá-la. A luta, portanto, não está na alm a do impenitente, que está morto no pecado, mas na do regenerado, que foi perdoado e está em penhado em guardar a lei. ... No estado pecam inoso a vontade é determ inada para o mal; no estado gracioso a vontade é determ inada para a justiça; mas não inteiram ente, pois a carne não está totalm ente vencida e há uma luta entre o princípio de ação do bem e o do mal na alm a do que foi perdoado” .

e) Representa-se o pecado existindo na alma, antes que se tenha consciên­ cia dele, e só descoberto e despertado pela lei (Rm. 7.9,10 - “vindo o manda­ mento, reviveu o pecado, e eu morri” - se “reviveu” o pecado, ele deve ter tido uma existência e uma vida anterior, muito embora de que não se manifestasse em atos de transgressão consciente). Rm. 7.8 - “sem a lei, estava morto o pecado” - eis aqui pecado que não é, contudo, o ato. O fogo em uma caverna descobre répteis e os excita, mas eles já existiam anteriorm ente; a luz e o calor não os criam. Deixe um foco de luz, diz Jean Paul Richter, através da fresta da janela de um quarto escuro, e você revelará, voando no ar, mil partículas de cuja existência nem se suspei­ tava. Assim a lei de Deus revela os “erros ocultos” (Sl. 19.12) - enfermidades, imperfeições, tendências e desejos maus - que não se podem classificar como atos de transgressão.

f) As alusões ao pecado como uma força permanente ou princípio reinante

não só no indivíduo como na humanidade em geral, proíbem-nos de defini-lo como um ato momentâneo e compelem-nos a considerá-lo principalmente uma depravação da natureza cujos pecados individuais ou atos de transgressão são obra e fruto (Rm. 5.21 - “o pecado reinou na morte”; 6.12 - “Não reine, por­ tanto, o pecado em vosso corpo mortal”).

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Em Rm. 5.21 o reino do pecado é com parado ao da graça. Como a graça não é um ato, mas um princípio, assim tam bém o pecado não é um ato, mas um princípio. As em anações tóxicas de um poço indicam que há corrupção e morte no fundo, do mesmo modo que os pensam entos e atos de pecados sempre recorrentes evidenciam a existência de um princípio de pecado no coração; em outras palavras, que o pecado existe como disposição ou estado perm anente. Um ato mom entâneo não pode “ reinar” ou “habitar” ; mas uma disposição ou estado sim. M a u d s l e y , Sleep, Sua Psychology, faz a nociva con­ fissão: “Se formos responsabilizados pelos nossos sonhos, não haverá um só homem que não mereça ser enforcado” .

g)

Os sacrifícios mosaicos pelos pecados de ignorância e de omissão e, especialmente pela pecaminosidade em geral, são evidência de que o pecado não se limita simplesmente ao ato, mas inclui algo mais profundo e permanen­ te no coração e na vida (Lv. 1.3; 5.11; 12.8; cf Lc. 2.24 A propiciação pelos pecados de ignorância (Lv. 4.14,20,31), a expiação pelos pecados de omissão (Lv. 5.5,6) e o holocausto para expiar a pecam ino­ sidade geral (Lv. 1.3 cf. Lc. 2.22-24), tudo testem unha que o pecado não se limita ao ato. Jo. 1.29 - “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado”, não os pecados, “do mundo” .

B) Do juízo comum da humanidade.

a) Universalmente a humanidade atribui o vício assim como a virtude não

só aos atos conscientes e deliberados, mas também às disposições e estados. A crença em algo mais permanentemente que os atos de transgressão aparece nas expressões comuns como “mau gênio”, “orgulho ímpio”, “mau caráter”. Como as bem -aventuranças (Mt. 5.1-12) não são pronunciadas sobre os atos, mas sobre as disposições da alma, assim as m aldições da lei não são proferidas tanto contra os simples atos de transgressão com o contra os maus sentim entos de que eles brotam. Com pare as “obras da carne” (Gl. 5.19) com os “frutos do Espírito” (5.22). Em ambos predom inam as disposições e estados.

b ) Na verdade, os atos exteriores apenas são condenados quando conside­

rados como tendo origem nas más disposições e como sintomas delas. A lei civil procede baseada neste princípio ao sustentar que o crime não só consiste no ato eterno, mas também no motivo ou mau intento com que foi praticado. A m ens rea (mente ré = fem. de réu) é essencial à idéia de crime. A “pala­ vra ociosa” (Mt. 12.36) será trazida a juízo, não pela sua im portância em si,

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mas porque é a cana agitada pelo vento, que indica a direção de toda a cor­ rente do coração e da vida. O assassinato difere do homicídio, não em qual­ quer aspecto exterior, mas tão som ente por causa do motivo que o sugere - e sempre, em última análise, uma disposição má ou estado.

c) Quanto mais forte é a disposição má ou, em outras palavras, quanto mais se liga a ela, ou nela se resolve o estado ou condição da alma, mais se sente digna de culpa. Observa-se isto nos crimes passionais e nos de deliberação. E d w a r d s : “A culpa consiste em um coração errado, e na prática do erro provir do coração” . Existe culpa nos desejos maus, mesmo quando a vontade os combate. Porém maior é a culpa quando a vontade consente. O ato exte­ rior pode ser em cada caso o mesmo, mas a culpa é proporcional à extensão a que a disposição má se estabelece e se fortalece.

d) Esta sentença condenatória permanece a mesma muito embora a origem da disposição má ou estado não possam remontar a qualquer ato consciente do indivíduo. Nem o senso geral da humanidade, nem a lei civil na qual este senso geral se expressa, recua ao fato de uma vontade má existente. Quer esta vontade má seja o resultado de uma transgressão pessoal, quer seja uma ten­ dência hereditária derivada de gerações passadas, esta vontade má é o próprio homem, e nisto consiste a culpa. Os traços familiares não são desculpa para a arrogância ou sensualidade. Em Boston, o jovem assassino não se desculpou com base em uma con­ gênita disposição cruel. Anos mais tarde, arrependem o-nos dos pecados da mocidade, os quais só agora vemos com o pecados; os canibais convertidos, após tornarem-se cristãos, arrependem-se dos pecados do paganismo, com e­ tidos sem pensarem na sua iniqüidade. O pavão não pode livrar-se dos seus pés enquanto voa, nem nos absolvem os de um mau estado de vontade ligan­ do a sua origem à nossa rem ota ascendência genética. Somos responsáveis pelo que somos. Como pode ser isso, quando pessoal e conscientem en­ te não o originam os, é um problem a do pecado original, assunto que ainda vamos discutir

e) Quando qualquer disposição má tem tal força em si, ou em combinação

com outras, indicando uma corrupção na qual não sobra nenhuma força para o bem, considera-se este estado com a mais profunda desaprovação. O pecado abate a força do homem para a obediência, mas não poder significa não querer e por isso é condenável. O princípio oposto levaria concluir que, quanto mais o homem abate as suas forças através da transgressão, menos culpado ele seria, até que a depravação absoluta se transformasse em inocência absoluta.

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O menino que odeia seu pai não pode transform ar o seu ódio em amor por um sim ples ato de vontade; mas nem por isso ele é inocente. A profanação espontânea e incontrolável é a pior de todas. É um sinal de que toda a vonta­ de, como um rio subterrâneo de Kentucky, afasta-se de Deus, e que não resta na alma qualquer poder recuperador que possa alcançar as profundezas a ponto de reverter o seu curso.

C) Da experiência do cristão. A experiência cristã é o melhor teste para a verdade bíblica e, por isso, não é uma fonte independente do conhecimento. Contudo, pode corroborar as con­ clusões tiradas da palavra de Deus. Visto que o julgamento do cristão é forma­ do sob a influência do Espírito Santo podemos confiar nisto mais implicita­ mente do que o senso geral do mundo. Daí, afirmamos que, na proporção exata com a sua iluminação espiritual e com o seu próprio conhecimento, o cristão a) Considera os seus desvios da lei de Deus e suas inclinações e desejos maus como desenvolvimentos e revelações de uma depravação da natureza que jaz sob a sua consciência; e b ) Arrepende-se mais profundamente da sua natureza depravada que cons­ titui o seu mais íntimo caráter, e é inseparável dele mais do que ele sente ou do que faz. Como prova destas afirmações apelamos para as biografias e escritos daque­ les que, em todas as épocas, pelo consenso geral, tem sido considerados como os mais avançados na cultura e discernimento espirituais. “ Intelligentia prima est, ut te noris peccatorem. Compare a experiência de Davi, Sl. 51.6 - “Eis que amas a verdade no íntimo e no oculto me fazes conhecer a sabedoria” - com a experiência de Paulo em Rm. 7.24 - “Miserá­ vel homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” com a expe­ riência de Isaías (6.5), quando, na presença da glória de Deus, em prega as palavras do leproso (Lv. 13.45) e a si mesmo se cham a “impuro”, e com a experiência de Pedro (Lc. 5.8) quando na m anifestação do poder miraculoso de Cristo “prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador” . Do mesm o modo clam a o publicano: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador” (Lc. 18.13) e Paulo chama-se a si mesmo o “principal” dos pecadores (1 Tm. 1.15). É evidente que nenhum desses casos tinha em vista sim ples atos de transgressão; a humildade e auto-abominação visavam a um estado perm anente de depravação. V an O o s t e r z e e : “O que fazem os exteriorm ente é apenas a revelação da nossa natureza inte­ rior” . A rocha visível que surge da terra é pequena em extensão comparada com a que é subjacente é invisível. O iceberg tem 8/9 da sua massa abaixo da superfície do mar embora tenham sido vistos próxim os ao Cabo Horn de 700 a 800 pés (233 a 266 m) acima da água.

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Pode-se duvidar que qualquer arrependim ento seja genuíno se não o for para o pecado, não para os pecados; Com pare Jo. 16.8 - o Espírito Santo “convencerá o mundo do pecado” . Sobre a diferença entre convencer dos pecados e do pecado ver H a r e , M ission o f the Conforter. O D r . A. J. G o r d o n , pouco antes da morte, desejou que o deixassem a sós. Ouviram -no confes­ sando seus pecados em term os aparentem ente tão extravagantes que des­ pertaram o tem or de que estivesse delirando. M a r t e n s e n , Dogmatics, 389 Lutero, durante as suas prim eiras experiências “freqüentem ente escrevia a Staupitz: ‘Oh, meus pecados, meus pecados!’ em bora no confessionário não mencionasse nenhum em particular que devesse confessar; de modo que é claro que se trata da depravação geral da sua natureza que enchia a sua alma de profunda tristeza e dor”. A consciência de Lutero não aceitaria o con­ solo que ele desejava de estar sem pecado, e que na realidade não o tinha. Quando ele pensava de si mesmo como um pecador demasiadam ente gran­ de para ser salvo, Staupitz respondeu: “Teria você a sem elhança de um peca­ dor e a de um Salvador?” Após vinte anos de experiência religiosa, J o n a t h a n E d w a r d s escreveu (Works, 1.22,23 e 3.16-18): “ Desde que eu moro nesta cidade, freqüente­ mente tenho tido muitos pontos de vista afetando minha própria pecaminosidade e vileza e com muita freqüência a tal ponto de m anter-m e em um tipo de choro em voz alta, às vezes por considerável tem po, de modo que constante­ mente tenho sido obrigado a fechar-m e em mim mesmo. Tenho tido um senso de iniqüidade e maldade m uitíssim o m aior em meu coração como nunca des­ de a minha conversão. Freqüentem ente tem me parecido que, se Deus mar­ casse a iniqüidade contra mim, eu seria apresentado como o pior de toda a humanidade, de todos os que já existiram desde o começo do mundo até hoje; e que de longe eu teria o mais baixo lugar no inferno. Quando os outros que vieram conversar com igo sobre as suas almas expressaram o senso que eles tiveram de sua própria impiedade, dizendo que parecia que eram tão maus como o próprio diabo; eu pensava que a expressão deles parecia muito debilitada e vaga para representar a minha iniqüidade”. E d w a r d s continua: “Minha iniqüidade, em meu estado atual, há muito me tem parecido perfeitamente inefável e devoradora de todo o pensamento e imaginação - como um dilúvio infinito, ou como montanhas sobre a minha cabeça. Nem sei como expressar o que os meus pecados me parecem ser de melhor form a que o am ontoar infinito sobre infinito e m ultiplicar infinito por infinito. Por muitos anos, freqüentissim am ente, encontram-se em minha mente e em minha boca estas expressões: ‘Infinito sobre infinito - infinito sobre infi­ nito!’ Quando volto meus olhos para dentro do meu coração e visualizo minha iniqüidade, parece um abism o infinitam ente mais profundo que o inferno. Causa-me a im pressão de que não é pela livre graça exaltada e elevada à infinita altura de toda a plenitude e glória do grande Jeová e o braço do seu poder e graça estendido na majestade do seu poder e em toda a glória de sua soberania, parece que eu estaria afundado nos meus pecados abaixo da pro­ fundidade até mesmo do inferno, muito além da vista total, mas os olhos da graça soberana podem penetrar tal profundidade. Parece ainda que a minha convicção do pecado é m uitíssim o pequena e débil; basta espantar-me de que não tenho mais o senso do meu pecado. Sem dúvida sei que tenho bem

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pouco senso da minha pecaminosidade. Quando tive ocasião de chorar por meus pecados, pensei que eu soubesse naquela época que o meu arrependi­ mento nada valeu para o meu pecado. ... Com ove-m e pensar quão ignorante eu era, quando cristão novo, sobre iniqüidade insondável, e profunda, orgu­ lho, hipocrisia, e falsidade no meu coração”. J o n a t h a n E d w a r d s não era um ímpio, porém o mais santo da sua época. Não era um entusiasta, mas um homem de aguda mente filosófica. Não indul­ gente em afirmações exageradas ou impensadas, pois com o seu poder de introspecção e análise combinava a faculdade e o hábito da exata expressão insuperável entre os filhos dos homens. Se é válida a máxima “cuique in arte sua credendum est (àquele em cuja arte há crédito)”, as afirmações de E dw a r d s em matéria de experiência religiosa devem ser tom adas como interpretações dos fatos. H. B. S m it h (Sysf. Theol., 275) cita T o m á s io dizendo: “ É fato marcante na Escritura que as afirmações da profundidade e força do pecado vem princi­ palmente do regenerado” . Outro disse que “nunca se vê uma serpente em toda a sua extensão, a não ser depois de morta” Thomas à Kempis (ed. Gold and Lincoln, 142) - “Não penses que tu fizeste qualquer progresso rumo à perfeição até sentires que tu és menor do que o menor de todos os seres humanos” . Séria Vocação da Lei a uma Vida Devota e Santa: “Você pode com justiça condenar-se como o maior pecador que você conhece 1. Porque você sabe mais da tolice do seu próprio coração do que da de outras pessoas e pode acusar-se de vários pecados que só você conhece de si mesmo e não pode estar certo de que os outros têm a m esm a culpa. 2. A grandeza da sua culpa surge da grandeza da bondade de Deus para conosco. Você conhece mais estas gravidades dos seus pecados do que você as conhece dos das outras pessoas. Por isso os maiores santos em todas as épocas têm condenado a si mesmos como os maiores pecadores” . Podemos acrescentar: 3. Que, visto que cada homem é um ser peculiar, cada homem é culpado dos seus peca­ dos peculiares e em certas peculiaridades e em certas particularidades e as­ pectos pode constituir-se em exemplo da m agnitude e odiosidade do pecado, que nem a terra nem o inferno podem mostrar. De Cromwell, representante dos puritanos, G r e e n , S hort H istory o f the English People, 454) diz o seguinte: “O vivido senso da pureza divina ligado a certos homens, faz a vida dos homens comuns parecer pecado” . D r . A r n o ld o f R u g b y (Life and Corresp., Ap. D.): “ No profundo sentido do mal moral, tal­ vez mais do que qualquer outra coisa, encontra-se o divino conhecim ento salvador” .

2. Inferências

À luz da discussão anterior, podemos, com propriedade, valorizar os ele­ mentos de verdade e de erro na definição comum de pecado como ‘a trans­ gressão voluntária da lei conhecida’. a) Nem todo o pecado é voluntário por ser uma volição distinta e conscien­ te; porque a disposição e estado maus freqüentemente precedem e ocasionam a vontade má e a disposição e estado maus são em si mesmos pecado. Entre­

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tanto, todo pecado é voluntário porque surge, ou diretamente da vontade, ou indiretamente a partir dos sentimentos e desejos perversos que por si mesmos originaram a vontade. A palavra ‘voluntário’ é um termo mais amplo do que ‘volitivo’, e inclui todos os estados permanentes do intelecto e do sentimento que a vontade os fez o que são. Contudo, a vontade não deve ser considerada como a faculdade volitiva, mas principalmente como a determinação subja­ cente do ser para um supremo fim. Já vim os que a vontade inclui preferência (eéXtma, votuntas, Wille) bem como a volição (pSouXfi, arbitrium, Willkür). Não consideram os, com E d w a r d s e H o d g e as sensibilidades como estados da vontade. Contudo, em seu caráter e objetivos, são determ inadas pela vontade e, portanto, podem ser chamadas voluntárias. O estado perm anente da vontade (Nova Escola “preferência ele­ tiva”) deve distinguir-se do estado perm anente das sensibilidades (disposi­ ções ou desejos). Porém ambos são voluntários porque ambos são devidos a decisões passadas da vontade e, “quaisquer que sejam as suas fontes, somos responsáveis por elas ( S h e d d , Discourses and Essays, 243). Juuus M ü l l e r , 2.51 - “ Falamos de autoconhecim ento e razão como algum a coisa que o ego tem, mas identificam os a vontade com o ego. Ninguém diria, ‘minha vontade decidiu isto ou aquilo’. A vontade é o próprio homem, como diz A g o s t in h o : ‘Voluntas est in omnibus; imo omnes nihil aliudquam voluntas sunt’ Há vonta­ de em todos; mas todos não são outra coisa a não ser a vontade”. Para outras afirm ações sobre a relação da disposição com a vontade, ver A l e x a n d e r , M oral Science, 251 - “A respeito das disposições, dizemos que são voluntárias. Pertencem propriam ente à vontade, se tom arm os a palavra no sentido amplo. Quando se julga a moralidade dos atos, o princípio de que eles se originam sempre está incluído no nosso ponto de vista e entram numa grande parte da censura”; E d w a r d s sobre as Afeições, 3.1 -22; sobre a Vonta­ de, 3.4 - “As afeições são apenas alguns modos do exercício da vontade” . A . A . H o d g e , O utlines o f Theology, 234 - “Todo pecado é voluntário no sentido de que todo pecado tem sua raiz nas disposições pervertidas, desejos e afei­ ções que constituem o estado depravado da vontade”. Mas a A l e x a n d e r , E dw ards e H o d g e respondemos que o primeiro pecado não foi voluntário neste sentido, pois não havia um estado depravado da vontade de que ele pudesse brotar. Somos responsáveis pelas disposições, não baseados em que elas são parte da vontade, mas com base em que são efeitos dela, em outras palavras, que as decisões passadas da vontade fizeram delas o que são (Apost. páginas 20 e 21; A ptesist 137-146).

b ) A intenção deliberada de pecar é um agravamento da transgressão, mas não é essencial à constituição de qualquer dado ato ou sentimento de pecado. As más inclinações e impulsos que aparecem soltos e dirigem a alma antes de estar bem cônscia da sua natureza, são por si mesmas violações da lei divina e indicações de uma depravação interior que, no caso de cada descendente de Adão é a transgressão principal e original.

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Joseph Cook: “Só a superfície da água do mar é penetrada pela luz. Abaixo encontra-se a região da penumbra. Mais abaixo ainda fica a região das trevas absolutas. Temos maior grandeza do que sabem os” . W e is m a n n , Heredity, 2 . 8 - “Na profundidade de 1 7 0 metros, ou 5 5 2 pés, há aproxim adam ente tanta luz como a de uma estrela à noite quando não há lua. A luz penetra até uma distância máxima de 4 0 0 metros, ou 1 3 0 0 pés, mas existe vida animal a uma profundidade de 4 0 0 0 metros, ou 1 3 0 0 0 pés. A baixo de 1 3 0 0 pés todos ani­ mais são cegos” . Cf. Sl. 5 1 . 6 ; 1 9 . 1 2 - “no íntimo ... no oculto ... erros que me são ocultos” - ocultos não só aos outros, mas a nós mesmos. A luz do conhe­ cimento tange apenas a superfície das águas da alma humana.

c) O conhecimento da pecaminosidade de um ato ou sentimento é também uma agravante da transgressão, mas não é essencial para constituir-se pecado. A cegueira moral é o efeito da transgressão e, por ser inseparável dos senti­ mentos e desejos corruptos, é em si mesmo condenado pela lei divina. É nosso dever agir m elhor de acordo com o que conhecem os. Nosso dever de conhecer é tão real como o nosso dever de agir. O pecado é um opiato (m edicação contendo ópio). Algum as das doenças mais letais não se revelam no rosto do paciente e nem o paciente tem qualquer entendimento adequado de sua enfermidade. Há uma ignorância indolente. Há tam bém uma ignorância intencional. Exemplo disso é a ignorância do estudante sobre as leis do colégio. Não podemos nos desculpar, dizendo: “ Esqueci-m e” . O mandam ento de Deus é “Lem bra-te” - como em Ex. 2 0 . 8 ; cf. 2 Pe. 3 . 5 - “ Eles voluntariamente ignoraram isto” . “ Ignorantia legis neminem excusat (O desconhecim ento da lei a ninguém justifica)”. Rm. 2 . 1 2 - “Todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão” ; Lc. 1 2 . 4 8 - “O que não soube e fez coisas dignas de açoite com poucos açoites será castigado” . A finalidade da revelação e da pregação é fazer o homem “cair em si” (cf. Lc. 15.17) - para m ostrar-lhe o que ele fez e o que ele é. G o e t h e : “Nós nunca som os enganados: nós é que nos enganamos a nós m esm os”. R o y c e , W orld and Individual, 2 . 3 5 9 - “A única ação moral possível é a liberdade que relaciona a presente fixação da aten­ ção sobre as idéias do Dever que já está presente. Pecar é escolher cons­ cientem ente esquecer, através do estreitam ento da atenção, um Dever que já se reconhece”.

d) A capacidade de cumprir a lei não é essencial para fazer do seu não

cumprimento um pecado. A incapacidade de cumprir a lei é um resultado da transgressão e, porque não consiste numa deficiência original da faculdade, mas num estado determinado de sentimentos e vontade, é em si mesmo conde­ nável. Visto que a lei apresenta a santidade de Deus como o único padrão para a criatura, a capacidade de obedecer nunca pode ser a medida da obrigação ou o teste do pecado.

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Nenhuma força contrária, no sentido da capacidade de mudar todos os nossos estados perm anentes por simples vontade, serve de base para a obri­ gação e a responsabilidade; pois a responsabilidade de Satanás não depen­ de do seu poder de voltar-se para Deus e ser santo. Definições de pecado - Melanchton: Defectus vel inclinatio vel actio pugnans cum lege Dei (Falta ou inclinação, ou ação de lutar contra a lei de Deus). Calvino: lllegalitas, seu disform itas a lege (Ilegalidade ou desacordo com a lei). Hollaz: Aberratio a lege divina. Hollaz acrescenta: “A voluntariedade não entra na definição do pecado, considerado em um sentido genérico. O peca­ do pode ser chamado voluntário, quer em relação à sua causa, como ineren­ te à vontade, quer relativo ao ato, quando procede da vontade deliberada. Eis aqui a antítese aos católicos romanos e aos socinianos, estes definindoo como transgressão voluntária da lei” - ponto de vista, diz Hase (Huterus Redivivos, 11- ed., 162-164), “que deriva dos métodos necessários dos tribu­ nais civis e que é incompatível com a doutrina ortodoxa do pecado original”.

n . O PRINCÍPIO ESSENCIAL DO PECADO A definição de pecado como falta de conformidade com a lei divina não exclui, mas necessita um exame sobre o motivo caraterizado ou força impulsora que explica sua existência e constitui sua culpa. Só três pontos de vista requerem extenso exame. Os dois primeiros destes constituem as mais comuns desculpas para o pecado, apesar de que tais propostas não são feitas por seus autores: O pecado se deve 1) ao corpo humano, ou 2) à fraqueza finita. O terceiro, que consideramos como o ponto de vista escriturístico, con­ sidera o pecado como 3) a suprema escolha do eu, ou egoísmo. Na seção anterior sobre a definição, mostramos que pecado é um estado, estado da vontade. Agora perguntamos: Qual é a natureza deste estado? Espe­ ramos mostrar que é essencialmente um estado egoísta da vontade. 1. Pecado como Sensitividade

Este ponto de vista considera o pecado como o produto necessário da natu­ reza sensitiva do homem - resultado da conexão do homem com o organismo físico. Este é o ponto de vista de S c h leier m a c h er e de R o t h e . Escritores mais recentes, como J ohn F isk e , consideram o mal moral como herança humana do mcestral bruto. Para a afirmação do ponto de vista aqui exposto, ver S c h l e ie r m a c h e r , D er Christliche Glaube, 1.361-364 - “ Pecado é o im pedim ento da força determinadora do espírito, causada pela independência (Selbstãndigkeit) das fun­ ções sensitivas”. Na prim eira fase a criança vive de sentidos nos quais os apetites físicos tem im portância suprem a. Eles são as avenidas de toda a

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tentação, os dom inadores físicos sobre os espirituais e a alma nunca se separa do corpo. Por isso o pecado é uma doentia exaltação das bases da natureza humana, ou, usando as palavras de S c h l e i e r m a c h e r , “uma oposição positiva da carne para com o espírito” . P f l e id e r e r , Prot. Theol. se it Kant, 113, diz que aqui S c h l e ie r m a c h e r reproduz a incapacidade de espírito de Espinosa de controlar as afeições sensitivas”. P f l e id e r e r , Philos. o f Religion, 1.230 “No desenvolvim ento da naturalidade do homem, os impulsos inferiores já ganharam um poder de auto-afirm ação e resistência, antes que a razão che­ gue à sua posição e autoridade válidas. Quando esta propensão da vontade própria se baseia na natureza específica do homem, pode ser designada como inata, hereditária, ou pecam inosidade origina!’. O ponto de vista de R o t h e sobre o pecado fundam enta-se em sua Dogmatik, 1.300-302; note a conexão do ponto de vista de R o t h e sobre o pecado com a sua doutrina da criação contínua (p. 416 deste compêndio). Encyclopaedia Brittanica, 21.2 - “ R o t h e era um avançado evolucionista que conside­ rava o homem natural como a consum ação do desenvolvim ento da natureza física e o espírito, com o auxílio divino, a realização pessoal destes seres nos quais o processo criativo do desenvolvimento se realizou. Tal processo neces­ sariam ente assume uma form a anorm al e passa pela fase do pecado. Esta condição anormal necessita um vigoroso ato criativo, o da salvação, que, desde o início fazia parte do plano de desenvolvim ento divino. Não obstante a sua doutrina da evolução, R o t h e cria no nascim ento sobrenatural de C risto”. J o h n F is k e , D estiny o f Man, 103 - “O pecado original não é mais nem menos que a herança bruta que cada um traz consigo e o processo de evolu­ ção é um avanço para a verdadeira salvação” . Assim o homem é uma esfinge em quem o humano fugiu do animal. B o w n e , Atonement, 6 9 , declara que o pecado é “uma rem iniscência do animal ainda não desenvolvido, resultante do mecanismo do apetite e do im pulso e ação reflexos pelos quais as inibi­ ções próprias ainda não se desenvolveram . Só aos poucos desenvolve-se uma consciência de si mesmo como mau ... É uma histeria considerar a vida comum dos homens arraigada em uma escolha cônscia da injustiça” .

Em refutação a este ponto de vista, basta argumentarmos com as seguintes considerações: a) Ele envolve a suposição de um mal imanente à matéria, ao menos no que se refere à substância do corpo humano. Mas isto é uma forma de dualismo e pode enfrentar as objeções já apresentadas contra esse sistema, ou implica que Deus, sendo o autor do organismo físico do homem, é também o originador responsável do pecado humano. Isto tem sido chamado de “teoria da águia engaiolada” sobre a existência do homem; ela sustenta que o corpo é tão som ente uma prisão, ou, como se expressa P l a t ã o , “ o túm ulo da alm a” , de sorte que esta só pode ser pura quando se livra do corpo. Mas a matéria não é eterna. Deus a fez e a fez pura. O corpo foi feito para ser o servo do espírito. Não devem os acusar de pecado os sentidos, mas o espírito que os usa tão impiam ente. A tribuir pecado ao

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corpo é fazer Deus, autor deste, ser, por conseqüência o autor do pecado, o que é a m aior das blasfêmias. O homem não pode, “com justiça, acusar o seu Criador, ou a sua obra, ou o seu destino” ( M il t o n , Paradise Lost, 3.112). O pecado é uma contradição dentro do próprio espírito e não entre o espírito e a carne. As atividades sensoriais não são em si pecam inosas - isto é a essência do maniqueísmo. Robert Burns estava errado ao acusar de delin­ qüência “as paixões selvagens e fortes”. Também errado estava S a m u e l J o h n s o n quando dizia que “Todo homem é um velhaco logo que fica doente” . A alma normal tem o poder de elevar-se tanto acim a da paixão como da doença e fazê-las servir o seu desenvolvim ento moral. Sobre o desenvolvim ento do corpo, como órgão do pecado, ver Straffen, Preleções Hulseanas sobre o Pecado, 33-50. O erro essencial deste ponto de vista é a sua identificação do elemento moral com o físico. Se isto fosse verdade, então Jesus, que se encarnou, necessariam ente é um pecador.

b) Ao explicar o pecado como herança do bruto, esta teoria ignora o fato de que o homem, ainda que derivado de um ancestral bruto, não é mais um bruto, mas um ser humano, com capacidade para reconhecer e realizar os ideais morais e não tem necessidade nenhuma de violar a lei do seu ser. V erf\. H. S t r o n g , C h ris tin Creation, 163-180, sobre a queda e a redenção do homem à luz da Evolução: “Tem-se pensado que a Evolução é incom patí­ vel com qualquer doutrina sobre a queda. Muitos têm admitido que o curso imoral e a conduta do homem são sim plesm ente sobrevivência da sua heran­ ça bruta, rem anescente inevitável de suas antigas propensões animais, sujei­ ções da fraca vontade aos apetites carnais e paixões. Isto significa negar que o pecado é verdadeiram ente pecado, mas tam bém negar que o homem é verdadeiram ente homem . ... O pecado se relaciona com a liberdade, ou então não é pecado. Explicá-lo com o resultado natural da vontade fraca dominada pelos im pulsos inferiores é fazer não a vontade, mas a natureza animal, a causa da transgressão. E isto significa dizer que o homem, no prin­ cípio não era homem, mas bruto”. Ver tam bém D . W . S i m o n , Biblia Sacra, janeiro de 1897.1-20 - “A chave para o estranho e obscuro contraste entre o homem e o seu ancestral animal deve achar-se na Queda. As outras espécies vivem norm almente. Nenhum rem anescente dos répteis obsta a ave. A ave é uma ave de verdade. S ó o homem deixa de viver norm alm ente e é verdadei­ ramente homem após tem pos de pecado e m iséria” . M a r l o w e com muita pro­ priedade leva o seu Fausto a ser tentado pela sedução só após ter-se vendi­ do a Satanás em troca de poder. C onsiderar a vaidade, o engano, a m alícia e a vingança como legado de ancestrais brutos é negar a inocência original e a criação de Deus. B. W. Lockhart: “A mente animal não conhece Deus, não está sujeita à sua lei, nem, na verdade, pode estar, pelo exato motivo de que se trata de um animal, e em virtude disso incapaz de acertar ou e rra r.... Se o homem nada mais fosse que um animal, ele não poderia pecar. Em virtude de ser algo mais é que ele se torna capaz disso. Pecado é subm issão do conhecido mais elevado ao

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conhecido inferior. É a abdicação do ser da sua alma em favor do ser b ru to .... Daí a necessidade das forças espirituais vindas do mundo espiritual da reve­ lação divina, de curar e edificar e disciplinar a alma dentro de si mesma, dando-lhe a vitória sobre as paixões animais que constituem o corpo e sobre o reino do desejo cego que constitui o mundo. O propósito final do homem é o crescim ento da alma rumo à liberdade, à verdade, ao amor, à semelhança com Deus. A educação é a palavra que cobre o movimento e a provação é o incidente da educação” . Acrescentam os que a reparação do pecado passado e o poder renovador de cima devem seguir-se à provação a fim de tornar possível a educação. Alguns dos escritores recentes defendem uma queda real do homem e ainda consideram -na necessária ao seu desenvolvim ento moral. E m m a M a r ie C a i l l a r d , Contemp. Review, dezem bro de 1893.879 - “O homem passou de um estado de inocência - inconsciente de sua própria im perfeição - para um estado de consciência. A vontade tornou-se escrava ao invés de senhora. O resultado teria sido a com pleta parada de sua evolução apenas para a redenção que a restaurou e tornou possível a continuação da sua evolução. A encarnação foi o método da redenção. Mas mesmo independente da que­ da, a encarnação seria necessária para revelar ao homem a finalidade da evolução e garantir-lhe a cooperação através dela”. L is l e , Evolution o f Spiritual Man, 39 e Biblia Sacra, julho de 1892. 431-452 - “A Evolução através da catástrofe no mundo natural tem marcante analogia no mundo espiritual. ... Em primeiro lugar, o pecado não é tanto uma queda do mais elevado ao infe­ rior do mesmo modo que, deixar de elevar-se do inferior para o superior; não é tanto o com er da árvore proibida, com o deixar de participar da árvore da vida. Esta representava a com unhão e correspondência para com Deus e, se o homem inocente continuasse apegar-se a ela, não teria caído. O fato do homem recusar-se a escolher o mais elevado antecedeu e condicionou a sua queda ao inferior e, por isso, a essência do pecado é esta recusa qualquer que possa ter sido a causa da vontade de praticá-lo. O homem escolhe o inferior por sua própria vontade livre. Então esta força centrípeta se vai. Seu desenvolvim ento fluente e de modo intérm ino está separado de Deus. Ele voltou ao seu tipo original de animal seivagem ; e ainda como autoconsciente e agindo livremente, reteve um senso de responsabilidade que o enche de tem or e sofrim ento” .

c) Ele se apóia numa indução incompleta dos fatos, levando em conta somente os pecados em seu aspecto de autodegradação, e ignorando o pior, que a exaltação de si mesmo. A avareza, a inveja, o orgulho, a ambição, a malícia, a crueldade, a vingança, a justificação de si mesmo, a descrença, a inimizade para com Deus, nenhum desses são pecados físicos e, apoiados nes­ se princípio, impossíveis de explicação. Dois exemplos históricos podem ser suficientes para mostrar a insuficiên­ cia da teoria sensitiva do pecado. G o e t h e não era notadam ente sensitivo; apesar da vivissecção espiritual que praticou em Friederike Brion, sua pérfida

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falsa interpretação do relacionam ento dele com a esposa de Koestner em “Tristezas de W erther” e sua adulação de Napoleão, quando o patriota teria escarnecido dos progressos do invasor do seu país, mostram que G o e t h e era a própria encarnação do egoísm o e da falta de coração. O patriota Boerne dizia-lhe: “ Nenhuma só vez ele acrescentou uma pobre palavra infeliz na cau­ sa da sua terra - aquele que alcançou a elevada altura podia dizer o que ninguém senão ele mesmo ousaria pronunciar” . Tem-se dito que o primeiro mandamento de G o e t h e ao gênio era: “Am arás o teu próximo e a sua espo­ sa” . Os biógrafos dele contavam sessenta mulheres a quem ele amou e que corresponderam ao seu afeto, em bora haja dúvida de que ele se contentava com a doutrina de 16 para 1. Como Sainte-Beuve dizia dos relacionam entos de Chateaubriand: “Eles são como as estrelas do céu, - quanto mais distan­ tes parecem, mais você as descobre” . Cristiane Vulpius, após sete anos como sua preceptora, tornou-se, por fim, sua esposa. Mas como esposa era tão indiferente que se tornou intem perante e o único filho de G o e t h e herdou sua paixão e morreu de tanto beber. G o e t h e foi o grande pagão do cristianism o moderno, exaltando sua autoconfiança, sua atenção ao presente, a busca da satisfação e a subm issão do eu aos decretos do destino. H u t t o n chama G o e t h e de “um Narciso quanto ao amor a si mesmo” . Como a “Diná” de G e o r g e Eliot, na obra Adam Bede, as “C onfissões de uma Bela Alm a” de G o e t h e ” , em W ilhelm Meister, são o delinear de um caráter com o qual ele não tinha a mínima simpatia. P r i n c i p a l S h a ir p , Culture and Religion, 16 - “ G o e t h e , o sumo sacerdote da cultura, detesta Lutero, o pregador da justiça”. Napoleão não era um homem notadam ente sensual, mas a “sua autosuficiência ultrapassava à dos homens comuns assim como o Saara ultrapas­ sa uma nesga de areia” . Im oderadam ente ele divulgava seus amores por Josefina, com todos os porm enores de sua má conduta e, quando ela se revoltava por causa disso, ele só respondia: “Tenho o direito de encarar as suas queixas com um eterno eu” . Quando as suas guerras deixaram todos os homens da França com o corpo inutilizado, ele chamou os moços e disse: “um moço pode parar uma bala do mesm o modo que um hom em ” e, assim, a nação francesa perde duas polegadas da sua estatura. Antes da batalha de Leipzig, quando havia perspectiva de carnificina sem precedentes, ele excla­ mou: “O que é a vida de um m ilhão de hom ens, desde que se cum pra a vontade de um homem como eu?” Seu mais verdadeiro epitáfio foi: “Dos pequenos açougueiros de Ghent homenagem a Napoleão, o Grande” [açou­ gueiro], Heine representa Napoleão dizendo ao mundo: “Não terás outros deu­ ses diante de mim” . Memórias de Madame Rémusat 1.225 - “ Em uma festa oferecida pela cidade de Paris ao Imperador, esgotado o repertório de inscri­ ções, recorreu-se a um brilhante artifício. Sobre o trono que ele deveria ocupar, colocaram-se, com letras de ouro, as seguintes palavras das Escrituras Sagra­ das: ‘Eu sou o que sou’. E ninguém parecia escandalizar-se”, lago, no Otelo de Shakespeare é o grande vilão de toda a literatura; mas Coleridge, Works, 4.180, chama a atenção para o seu caráter desapaixonado. O pecado dele é, como o de Goethe e o de Napoleão, não o da carne, mas o do intelecto e da vontade.

d) Conduz a conclusões absurdas; como, por exemplo, que o ascetismo, ao diminuir o poder dos sentidos, deve diminuir o poder do pecado; que o

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homem se toma menos pecador quando os seus sentidos se enfraquecem com a idade; que os espíritos desencarnados são necessariamente santos; que o único redentor é a morte. O ascetism o só muda a corrente do pecado para outras direções. O orgu­ lho espiritual e a tirania tom am o lugar dos desejos carnais. O avaro agarra o seu ouro com mais firm eza à medida em que mais se aproxima da morte. Satanás não tem organism o físico, contudo é o príncipe do mal. Não é a nos­ sa morte que nos salva, mas a de Cristo. Quando Emile de R o u s s e a u se apro­ xima da morte, serenam ente declara: “ Estou livre dos embaraços do corpo e sem qualquer contradição” . Aos setenta e cinco, G o e t h e escreveu a Eckermann: “Tenho estado sempre avaliando uma das minhas preferidas fortunas e não posso queixar-m e da diretriz que a m inha vida tom ou. Na verdade os cuidados e fadigas não tem sido nada e posso dizer que nunca tive quatro semanas de genuíno prazer”. S h e d d , Syst. Theol., 2.743 - “Quando a D a v id H u m e , o u a D a v id S t r a u s s , o u a J o h n S t u a r t M i l l , nenhum dos quais era sen­ sual Jesus Cristo faz, com autoridade, a exigência de confessar os pecados e pedir remissão através do sangue expiatório, isto desperta intensa hostilida­ de m ental”.

é) Interpreta a Escritura de uma forma errônea. Em passagens como Rm. 7.18 èv èp.oí, to u t’ ècmv èv -rfj capicí jaoi), àya9óv a á p%, oúk

o ík e í

ou carne não significa o corpo humano, mas todo o seu ser quando destituído do Espírito de Deus. As Escrituras não reconhecem a sede do pecado no orga­ nismo físico, mas claramente na própria alma. Deus não tenta o homem, nem tem a natureza para tentá-lo (Tg. 1.13,14). No em prego do termo “carne”, a Escritura põe um estigm a sobre o pecado e sugere que a natureza humana sem Deus é tão corruptível e perecível como o corpo sem que a alma o habite. A “mente carnal”, (Rm. 8.7), concordemente significa, não a mente sensual, mas a que não está sob o controle do Espírito Santo, que é a verdadeira vida dela. 1 /e rM E Y E R , sobre 1 Co. 1.26 - aápÇ = “elemento puram ente humano, oposto ao princípio divino” ; Pope, Teologia, 2.65 - cáp^ = “o ser inteiro do homem, corpo, alm a e espírito, separados de Deus e sujeitos à criatura; J u l iu s M ü l l e r , Textos Prova, 19 - cráp| = “natureza humana viva em si m esm a e para si mesm a separada de Deus e oposta a ele” . A mais antiga e m elhor afirm ação deste ponto de vista do term o aápÇ é a de J u l iu s M ü l l e r , Doctrine o fS in , 1.295-333, especialm ente 321. Ver também D ic k s o n , P aul's Use o fth e Terms Flesh andS pirít, 270-271 - oápí, = “a nature­ za humana sem jiveí)p.a ... o homem apoiando-se em si, ou deixado ao léu da sua sorte, contra Deus ... o homem natural concebido não como tendo recebi­ do graça ou sob a sua total influência” . Tg. 1.14,15 - “havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado” = desejo inocente - porque ela entra antes do pecado - propensão constitucio­ nal inocente, ainda não depravada, é tão som ente ocasião do pecado. O amor

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à liberdade é parte da nossa natureza; o pecado surge só quando a vontade determina indultar este impulso sem levar em conta as limitações da lei divi­ na. Lutero, Prefácio à Epístola aos Romanos: “Tu não entendes ‘carne’ ape­ nas em conexão com a falta de castidade. São Paulo emprega ‘carne’ como o homem em seu todo, corpo e alma, razão e todas as suas faculdades porque tudo o que está nele anseia e luta contra a ‘carne’” . Melanchton: “Note que ‘carne’ significa a natureza total do homem, senso e razão, sem o Espírito Santo”. G o u l d , Bib. Theol. N.T., 7 6 - “A aápq de Paulo corresponde ao kóohoç de João. Paulo vê a econom ia divina; João, a natureza de Deus. Na doutrina da ressurreição do corpo (1 Co. 15.38-49) percebe-se que Paulo não susten­ ta que o pecado consiste no fato de se possuir um corpo. A ressurreição do corpo é parte integrante da im ortalidade” .

f) Ao in v é s de explicar o pecado, esta teoria virtualmente nega a sua exis­ tência; porque se o pecado surge da constituição original do nosso ser, a razão pode reconhecê-la como uma desgraça, mas a consciência pode atribuir-lhe a culpa. O pecado que em sua origem última é algo necessário não deixa de ser pecado. Sobre a toda a teoria da origem sensual do pecado, ver N e a n d e r , Planting and Training, 386,428; T u l l o c h , Doctrine o f Sin, 144 - Aquilo que é uma força inerente e necessária na criação não pode contrariar a sua mais elevada lei” . Esta teoria confunde pecado com mera consciência dele

2. Pecado como adaptação

Este ponto de vista explica o pecado com um resultado necessário da limi­ tação do ser finito do homem. Como um incidente do desenvolvimento imper­ feito fruto da ignorância e falta de poder, o pecado não é um mal absoluto, mas relativo - elemento da educação humana e um meio para o progresso. Este é o ponto de vista de Leibnitz e de Espinosa. Escritores modernos como S churman e R oyce têm sustentado que o mal moral é o cenário necessário e a condição para a boa moral. A teoria de Leibnitz pode ser encontrada em sua Theodicée, parte 1, seções 20 e 31; a de Espinosa em sua Ética, parte 4, proposição 20. Baseado neste ponto de vista o pecado é o erro da inexperiência e a ausência do pensamento que tom a o mal pelo bem, a ignorância que põe os seus dedos no fogo, o tropeço sem o qual não se aprende a andar. É um fruto azedo e amargo somente por ser imaturo. É um recurso da disciplina e do treinam ento para algo melhor; é santidade em germe, o bem atuante - “ Erhebung des Menschen zur freien Vernunft” . É uma queda para cima, não para baixo. J o h n F i s k e , como acréscim o à sua teoria do sentido sobre o pecado já mencionada, parece sustentar também esta teoria. Em sua obra Mistério do

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Mal, diz ele: “Sua impressão sobre a alma humana é o cenário indispensável contra o qual estabelecer-se-ão daqui em diante os gozos eternos do céu” ; em outras palavras, o pecado é necessário à santidade, como a escuridão é o contraste indispensável e cenário da luz; sem o preto nunca seriam os capa­ zes de conhecer o branco. S c h u r m a n , B e lie fin God, 251 ss. - “A possibilidade do pecado correlaciona-se com a livre iniciativa que Deus abriu em favor do h o m e m .... A essência do pecado é a entronização do e u . ... Contudo, sem tal auto-absorção, não pode haver nenhum senso de união com Deus. O conhe­ cimento só é possível através da oposição. Para conhecer A devemos conhecê-lo através do não A. A alienação de Deus é a condição necessária à com u­ nhão com Deus. E este é o sentido da Escritura quando diz que ‘onde o pecado abundou, superabundou a graça’. ... A m oderna cultura protesta contra a en­ tronização da bondade acim a da verdade. ... Substituím os o decálogo pelo mais amplo mandam ento de G o e t h e : ‘Viva resolutam ente a Integralidade, o Bem, o Belo’. A mais elevada religião não pode contentar-se com coisa algu­ ma resumida na síntese de G o e t h e . ... Deus é a vida universal em quem se incluem as atividades individuais como m ovimentos de um só organism o”. R o y c e , W orld and Individual, 2.364-384 - “O mal é um desacordo neces­ sário à perfeita harmonia. Em si mesmo é o mal, mas relacionado com o todo é válido para mostrar-nos sua finidade e imperfeição. É uma tristeza para com Deus assim como para conosco; na verdade, toda a nossa tristeza é a tristeza dele. O mal só serve ao bem quando derrotado, contraposto, dom inado. O próprio agente deve expiar toda má obra em algum lugar e em algum tem ­ po. ... Toda a vida finita é uma luta contra o mal. Contudo a partir do ponto de vista final a integridade é o bem. A ordem tem poral não contém em momento algum algo que possa satisfazer. Mas a ordem eterna é perfeita. Todos peca­ mos e tem os falta da glória de Deus. Ainda na nossa própria vida, vista em sua inteireza, de modo completo m anifesta-se a glória de Deus. As duras palavras são as mais profundas expressões da essência da verdadeira reli­ gião. São os mais inevitáveis resultados da filo s o fia .... Se não houvesse dilação no tempo, não haveria paz na eternidade. A oração para que se faça a vontade de Deus na terra como é no céu é idêntica ao que a filosofia conside­ ra como um fato sim ples”.

Objetamos a esta teoria: Ela se apóia em base panteísta, do mesmo modo que a teoria dos senti­ dos se apóia no dualismo. O elemento moral se confunde com o físico; pode confundir-se com o justo. Visto que o pecado é um incidente necessário da finitude, e que as criaturas nunca são infinitas, segue-se que o pecado deve ser perene, não só no universo, mas em cada alma em particular. a)

e E m e r s o n representam este ponto de vista na literatura. fala da “ociosidade da vontade de p ular para fora da som bra de alguém ”. Ele era discípulo de Espinosa, que cria em uma substância com atributos contraditórios de pensam ento e extensão. G o e t h e reuniu o pensa­ mento panteístico de Deus ao ponto de vista pessoal do homem. Ignorava o G o e t h e , C arlyle

G oethe

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fato do pecado. H u t t o n o cham a “o homem mais sábio que o mundo viu sem a humildade e fé e sem a sabedoria de uma criança” . Falando do F a u s t o d e G o e t h e , H u t t o n diz: “O grande dram a é radicalm ente falso na sua filosofia fundam ental. Sua primordial noção é que mesmo o espírito do mal puro é um ser grandem ente útil, porque instiga à atividade os que ele induz ao pecado e os impede de tirar a ferrugem na pura indolência. Há outros meios melhores de estim ular os sentimentos positivos do homem que induzi-los à tentação do pecado” . Carlyle era um presbiteriano escocês subtraído do cristianism o. Aos vinte e cinco anos rejeitou a m iraculosa e histórica religião e, a partir daí, não tinha Deus, mas a Lei natural. A sua adoração da verdade objetiva tornou-se uma adoração da sinceridade subjetiva e a sua adoração da vontade pessoal tornou-se a de uma força impessoal. Pregava a verdade, o serviço, o sacrifício, mas de uma form a imperativa e pessimista. Via na Inglaterra e em Gales “vinte e nove milhões -d o s mais tolos” . Não tinha amor, remédio, esperança. Na nossa guerra civil, assumiu o lado dos escravistas. Reivindicava que a sua filosofia tornava justo o que podia, mas na prática ele operava o poder de ser justo. C onfundindo todas distinções morais, como o fazia nos últimos escritos, ele achava normal usar o título que inventou para os outros: “Presi­ dente da Sociedade da União do Céu ao Inferno”. Froude o cham a de “Calvinista sem teologia” - crente na predestinação sem a graça. Emerson é tam bém o adorador de uma força bem sucedida. Seu panteísmo manifesta-se mais em seus poemas “C upido” e “Brama” , e em seus ensai­ os sobre o “Espírito” e sobre a “Super-Alm a” . Cupido: “O sólido, o sólido uni­ verso é perm eável ao amor; Com os olhos vendados nunca erra, ao redor, abaixo, ou acima. Sua luz branca ofuscante à visão Sobre os filhos de Deus e os de Satanás, E com a sua vontade mística harm oniza o mal e o bem” . Bra­ ma: “Se o rubro assassino pensa que ele mata, Ou se o morto pensa que ele está morto, eles não conhecem bem os sutis cam inhos que eu mantenho, e passo, e retorno. Longe ou esquecido de mim está próximo; A sombra e a luz do sol são a mesma coisa; Os desvanecidos deuses aparecem-me; E para mim são ao mesmo tem po vergonha e fama. Eles avaliam o mal que me exclui; Quando eles me fazem voar, sou eu as asas; Eu sou o que duvida e sou a dúvida, E o hino que o brâmine canta. Os deuses fortes são o pinho da minha habitação, E em vão o pinho é o sagrado número Sete” ; Mas tu, manso amante do bem, Acha-m e e leva-me de volta ao céu”. Emerson ensinava que a im perfeição do homem não é pecado e que a cura deste acha-se na educação. “ Ele perm ite que Deus evapore na Idealidade abstrata. Não é uma D ivindade no concreto, nem uma Pessoa sobre­ humana, mas a divindade imanente nas coisas, a estrutura essencialmente espiritual do universo, o objeto do culto transcendental” . Seu ponto de vista a respeito de Jesus encontra-se em seus Ensaios, 2.263 - “Jesus absorveria a raça; mas T o m P a i n e , o mais grosseiro blasfemo, ajuda a humanidade a resis­ tir esta exuberância de poder” . Em seu Discurso na Escola de Divindades, ele baniu da religião genuína a pessoa de Jesus. S egundo o seu pensamento 'não se pode ser um homem se não se subordinar a própria natureza à de Cristo” . Ele não vê que Jesus não só absorve, mas transform a e, se cresce­ mos, é apenas pelo impacto das mais nobres almas, do que de nós mesmos.

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O estilo do ensaio de Emerson é desprovido da exposição teológica clara e precisa e é neste elem ento vago que está o prejuízo. F is h e r , Nature and M ethod o f Revelation, xii - “O panteísm o de Emerson não está radicado num credo consistente, pois, ao fim, ele pende para a crença numa imortalidade pessoal e pronuncia a aceitação desta crença ‘o teste de sanidade m ental’” . Podemos cham ar esta teoria de “maçã verde” do pecado. O pecado é a m açã verde que apenas necessita de tem po e sol e crescim ento para a colheita, beleza e utilidade. Porém respondemos que o pecado não é uma maçã verde, com um verm e em seu bojo. O seu mal pode nunca ser curado através do crescimento. A queda pode nunca ser algo mais que uma derroca­ da. Sobre esta teoria, o pecado é um fator inseparável na natureza das coisas finitas. O mais alto arcanjo não pode dispensá-la. O homem em seu caráter moral é “a assíntota de Deus” . - sempre aprendendo, mas nunca capaz de chegar ao conhecim ento da verdade. O trono da iniqüidade está fixado para sempre no universo. Se esta teoria fosse verdadeira, Jesus, em virtude de sua participação na nossa humanidade finita, necessitaria ser pecador. O per­ feito desenvolvim ento dele, sem pecado, mostra que isto não é uma neces­ sidade no progresso finito. M a t t h e w s , C hristianism a n d Evolution, 137 “Ao filho pródigo não foi necessário entrar na terra distante e tornar-se um porqueiro para encontrar o amor paterno”. E. H . J o h n s o n , Syst. Theol., 141 “Ser bom não é privilégio exclusivo do Infinito” . D o r n e r , System, 1.119, fala da carreira moral que esta teoria descreve, como um “progressus in infinitum (avanço rumo ao infinito), onde a abordagem constante para a meta tem como reverso uma separação eterna desta. Em sua “Transform ação” , H a w t h o r n e sugere, embora de form a um tanto hesitante, que, sem o pecado, o mais elevado elem ento humano da criatura não poderia erguer-se e o pecado pode ser essencial ao primeiro despertar consciente da liberdade moral e da possi­ bilidade de progresso b) Porque esta teoria considera o mal moral como um pressuposto necessá­ rio e condição do bem moral, ela comete o grave erro de confundir o possível com o real. Não é a realidade do mal que é necessária para o bem, mas apenas a possibilidade do mal. Porque não podemos conhecer o branco a não ser em contraste com o preto, reivindica-se que, sem conhecer o verdadeiro mal, nunca poderíamos conhecer o bem. G e o r g e A . G o r d o n , N ew Epoch fo r Faith, 49,50, mostra com precisão que, nesse caso, a eliminação do mal im plicaria a eliminação do bem. Seria necessário que o pecado tivesse lugar no coração de Deus para que ele pudesse s s r santo e, desta forma, ele seria a divindade e o diabo em uma só pessoa. Jesus tam bém teria necessidade de ser mau e bom. Isto não só seria verdade, como se deu a entender acim a que Cristo, porque a sua hum anidade é finita, deve ser um pecador, mas tam bém que nós mesmos, que somos sempre finitos, devemos ser sempre pecadores. Adm itim os que a santidade, tanto em Deus como no homem, deve envolver a possibilidade abstrata do seu oposto. Mas defendem os que, como esta possibilidade em

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Deus é apenas abstrata e nunca realizada, tam bém no homem só seria abs­ trata e nunca realizada. O homem tem poder de rejeitar este mal possível. Por meio da decisão da sua vontade, o pecado é uma volta do sim ples mal possí­ vel a um verdadeiro mal. Esta teoria do pecado remonta aos tem pos de Hegel. Para ele não existe nenhum pecado real e nem pode haver. Existe a im perfeição e sempre deve existir, porque o relativo nunca se torna absoluto. A redenção só é um proces­ so evolutivo, indefinidam ente prolongado e o mal deve continuar sendo uma condição eterna. Todo o pensam ento finito é um elemento no pensamento infinito e toda a vontade finita um elem ento na vontade infinita. Como o bem não pode existir sem o mal como antítese, a justiça infinita deve ter como contrapartida uma iniqüidade infinita. A linha m estra de Hegel é que “O racio­ nal é real e o que é real é racional”. S e t h , H egelianism and Personality, assi­ nala que este princípio ignora “o enigma da terra sofredora” . O pensamento dos discípulos de Hegel é que nada na história fica incompleto, agora que o Espírito terreno tornou-se conhecido na filosofia de Hegel. A Dogm ática de Biedermann baseia-se na filosofia hegeliana. Na página 649 lemos: “O mal é a finidade do ser cósm ico que supera toda existência individual em virtude de pertencer à ordem cósm ica imanente. Por isso o mal é um elemento necessário pelo fato de a vontade divina ser a do mundo”. B r a d le y segue Hegel fazendo o pecado não ser uma realidade, mas um apa­ recimento relativo. Não existe vontade relativa nem antagonismo entre a von­ tade de Deus e a do homem. As trevas são um mal, um agente destruidor. Mas não se trata de uma força positiva como é o caso da luz. Elas não podem ser com batidas ou dom inadas como uma entidade. Traga a luz e as trevas desaparecem. Do mesmo modo o mal não é uma força positiva, como o bem. Traga o bem e o mal desaparece. A Ética Evolutiva de S p e n c e r apresenta-se como um sistema, pois ele diz: “ É impossível um homem perfeito numa raça im perfeita” .

c) E inconsistente com os fatos; por exemplo: Nem todos pecados são os negativos pecados de ignorância e de fraqueza; há atos de malignidade posi­ tiva, de transgressões conscientes, de escolhas do mal voluntárias e presun­ çosas. O conhecimento aumentado da natureza do pecado não fortalece a capacidade de vencê-lo; mas, ao contrário, os atos repetidos de transgressão consciente endurecem o coração na direção do mal. Os homens de maior capa­ cidade mental não são necessariamente os mais santos, e nem os maiores pecadores que têm menos força de vontade e entendimento são os maiores 7ec adores. Os maiores pecadores não são os fracos, mas os fortes. Não nos com pa­ decemos de Nero e de César Bórgia pela sua fraqueza; detestamo-los pelos seus crimes. Judas era um homem capaz e um adm inistrador prático; Sata­ nás é um ser de grandes dotes naturais. O pecado não é sim plesm ente uma fraqueza; é uma força. A filosofia panteísta adoraria Satanás acim a de todos; porque ele é o mais verdadeiro tipo de intelecto ímpio e poder egoístico.

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Jo. 12.6 - Judas, “tinha a bolsa e tirava o que se lançava nela” . Ele foi posto por Jesus para fazer a obra para a qual era o mais adequado e o mais adequado a interessar-se e a economizar. Alguns homens podem ser postos no m inistério porque essa é a única obra que evitará a destruição deles. Os pastores devem encontrar nas suas ovelhas a tarefa adequada à aptidão de cada uma delas. Judas foi tentado, ou traído, de acordo com a sua propen­ são natural. Conquanto o seu motivo ao fazer objeção à generosidade de Maria fosse realmente a avareza, o seu pretexto era a caridade, ou a conside­ ração em favor dos pobres. Cada um dos apóstolos tinha o seu dom peculiar e foi por isso escolhido. O pecado de Judas não foi o da fraqueza, ou da ignorância, ou da falta de firmeza. Foi o da malograda ambição, da malícia, da aversão à altruísta pureza auto-sacrificial. E. H. J o h n s o n : “O pecado não é a lim itação do homem, mas a expressão ativa da natureza perversa” . M. F. H. R o u n d , Secretaria da Associação Nacio­ nal de Presídios, examinando o registro de mil criminosos, achou que um quarto deles tinha base de vida física e força excepcionalm ente excelentes, enquanto os outros três quartos se enquadravam numa média só um pouco abaixo da hum anidade em geral. A teoria de que o pecado é apenas a santi­ dade faz-nos lembrar o ponto de vista de que a recusa mais objetável pode converter-se, através do mais engenhoso processo, em manteiga ou marga­ rina. Não é verdade que “tout com prendre est tout pardoner (com preender tudo é perdoar tudo” . Tal doutrina oblitera todas distinções morais. Gilbert, Baladas Infantis, “Meu S onho”: “ Eu sonho como se estivesse vindo Habitar em um lugar ao revés, Onde o vício é virtude e a virtude vício; Onde o honesto é desonesto e o desonesto é honesto; Onde o certo é o errado e o errado é o certo; Onde o branco é preto e o preto é branco

d) Como a teoria do sentido a respeito do pecado, tanto contradiz a cons­

ciência como a Escritura, negando a responsabilidade humana e transferindo a culpa do pecado da criatura para o Criador. Isto significa explicar o pecado, novamente, negando-lhe a existência. Édipo diz que tinha sido vítim a das suas más obras, não que as tinha praticado. Agaménon, na llíada, diz que a culpa não é dele, mas de Júpiter e do destino. Assim o pecado culpa tudo e todos menos o eu. Gn. 3.12 “A mulher que me deste por com panheira me deu da árvore, e com i”. Mas vindicar-se a si mesmo é a acusar Deus. Im perfeito no começo, o homem não pode rem ediar o seu pecado. Exatamente em virtude da sua criação ele cor­ tou as amarras que o ligavam a Deus. Não pode ser pecado aquilo que é uma conseqüência necessária da natureza humana, que não é um ato nosso, mas do nosso destino. Para tudo isto há uma resposta na Consciência. A cons­ ciência testifica que o pecado não é “das G ew ordene” , mas “das Gem achte” e que é por sua própria ação que o homem cai na transgressão. As Escrituras relacionam o pecado do homem não com as lim itações do seu ser, mas com a livre vontade do próprio homem.

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3. O pecado como Egoísmo Sustentamos que o princípio essencial do pecado é o egoísmo. Egoísmo é não apenas o amor próprio exagerado que constitui a antítese da benevolên­ cia, mas a escolha do eu como o supremo fim que constitui a antítese do supre­ mo amor a Deus. Pode-se mostrar que o egoísmo é a essência do pecado da seguinte maneira: A) O amor a Deus é a essência de toda virtude. O oposto, a escolha do eu como supremo fim, portanto, deve ser a essência do pecado. Devemos lembrar, contudo, que o amor a Deus, no qual consiste a virtude, é o amor ao que é mais característico e fundamental em Deus, a saber, a sua santidade. Não deve ser confundido com a suprema consideração pelos inte­ resses de Deus ou pelo que é bom aos seres em geral. O amor a Deus como santo, não a simples beneficência, é o princípio e fonte da santidade do homem. Porque o amor a Deus requerido pela lei é deste tipo, não só implica que o amor, no sentido de beneficência, é a essência da santidade em Deus; implica mais que santidade, ou amor próprio e pureza auto-afirmativa, é fun­ damental na natureza divina. Bossuet, descrevendo o paganismo, diz: “Cada coisa é Deus; nada mais que o próprio Deus. O pecado vai além disso, e diz: “ Eu mesmo sou todas coisas” ; não som ente como Luís XVI: “O estado sou eu” , mas: “Eu sou o mundo, o universo, Deus” . Um francês, crítico da filosofia de Fichte dizia que era uma fuga para o infinito que começou com o ego e nunca foi além disso. K id d , Social Evolution, 7 5 - “No trágico conto de Calderon, a desconhecida figura, que através da vida inteira em toda a parte é um conflito com o indiví­ duo que persegue, levanta a m áscara para finalm ente revelar aos opositores as caraterísticas dele mesm o” . C a i r d , Evolution o f Religion, 1 . 7 8 - “Todo eu, uma vez desperto, é naturalm ente um déspota e, como o turco, não tem irmão próximo ao trono”. Como diz Hobbes, cada um tem “ um infinito desejo de lucro ou de glória” e não pode satisfazer-se com nada a não ser o universo inteiro para si. E goísm o = “ hom o hom ini lupus (o hom em é o lobo do homem)”. J a m e s M a r t i n e a u : “ Pedimos a Comte que levantasse o véu do santo dos santos e nos mostrasse o objeto todo perfeito da adoração; ele apresenta um espelho e mostra as nossas im agens” . A religião de Comte é “uma ideali­ zação sintética da nossa existência” - não uma adoração a Deus, mas à humanidade; e “o festival da hum anidade” entre os Positivistas = “ Eu me celebro a mim m esm o” de Walt W itman. A mais com pleta discussão do princí­ pio essencial do pecado é o de J u l iu s M ü l l e r , Doct. Sin, 1 . 1 4 7 - 1 8 2 . Ele define o pecado como “um desprezo ao am or de Deus e a busca do eu” . N. W. T a y l o r sustenta que o amor próprio é a causa primordial de toda a ação moral; que o egoísmo é uma coisa diferente e consiste não em fazer da

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nossa própria felicidade o último fim, o que devemos fazer se somos seres morais, mas no am or do mundo e na preferência do mundo a Deus como o nosso quinhão ou o nosso principal bem. Ao contrário, defendem os que fazer da nossa felicidade a aspiração última é em si mesmo um pecado e a sua essência. Como Deus faz da sua santidade o centro, do mesmo modo deve­ mos viver por ela, am ando-a só em Deus e por amor a ele. Este amor ao Deus santo é a essência da virtude. Em oposição a isso, o pecado é o amor supre­ mo do eu. Assim escreve Richard Lovelace: “Eu não poderia amar-te tanto, querida, se eu não amasse mais a honra” ; do mesmo modo os amigos cris­ tãos podem dizer: “Nossos atos de am or resistem no mais elevado amor”. O pecador apresenta um objetivo inferior do instinto, o desejo de supremacia, desconsideração a Deus e à sua lei e a única razão porque ele o faz é gratifi­ car a si mesmo. O amor a Deus é a essência de toda a virtude. Devemos amar a Deus de todo o coração. Mas que Deus? Sem dúvida não o falso Deus, o Deus indife­ rente às distinções morais e que trata o ímpio do mesmo modo que o justo. O amor que a lei requer é o amor ao verdadeiro Deus, o Deus da santidade. Tal amor tem como alvo a reprodução da santidade de Deus em nós mesmos e nos outros. Devemos amar a nós mesmos só por am or a Deus e por amor à realização do ideal divino em nós. Devemos am ar os outros só por amor a Deus e por amor à realização do ideal divino neles. Em nosso progresso moral, em primeiro lugar nós nos amamos, por amor a nós mesmos; em segundo lugar, a Deus por causa de nós mesmos; em terceiro lugar, a Deus por causa dele mesmo; em quarto lugar, a nós mesmos por causa de Deus. No primeiro caso tem os o nosso estado por natureza; o segundo requer a graça antecipadora; o terceiro, a graça regeneradora; o quarto, a graça santificadora. Só o último é o am or racional. B a l f o u r , Foundations o f Faith, 27 - “O amor racional é uma virtude totalm ente incompatível com aquilo que comum ente se chama egoísmo. A sociedade sofre, não por ter muito disso, mas por ter excessiva­ mente pouco”. Altruísm o não é a totalidade do dever. A auto-realização é igual­ mente importante. Mas cuidar só do eu, como ensina G o e t h e , é om itir a ver­ dadeira auto-realização, que garante o am or a Deus. O am or deseja só o m elhor para o seu objeto, e o m elhor é Deus. A regra áurea determ ina que demos, não o que os outros desejam, mas o de que eles necessitam. Rm. 15.2 - “Cada um de nós agrade o seu próximo no que é bom para a edificação”. M r s . H u m p h r e y W a r d , D avid Grieve, 403 - “Como ousa o homem arrancar da mão do Senhor, para o seu uso selvagem e atrevido, uma alma e um corpo pelos quais ele morreu? Como ousa, ele, o fiador do Senhor, roubar a sua alegria, retirar para a selva, como o predador faz com a presa, ao invés de pedi-la das mãos do Senhor e sob a sua bênção? Como ousa ele, membro do corpo do Senhor, na am bição de um esquecer o todo - a eternida­ de em sua sede pelo presente?” A r is t ó t e l e s diz que os ímpios não têm o direito de am ar a si mesmos, mas os bons podem. Assim, do ponto de vista cristão, podemos dizer: Nenhum impenitente pode com propriedade respeitar a si mesmo. O respeito próprio só pertence ao homem que vive em Deus e por isso tem restaurada a imagem deste. O verdadeiro amor próprio não é o am or à felicidade do eu, mas o merecimento do eu aos olhos de Deus e este am or próprio é a condição para

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todo o genuíno e digno am or aos outros. Mas o verdadeiro amor próprio por sua vez é condicionado ao amor ao Deus santo e busca prim ordialm ente, não a felicidade, mas a santidade dos outros. A s q u i t h , Christian Conception o f Holiness, 98,145,154,207 - “ A benevolência ou am or não é a mesma coisa que altruísmo. O altruísm o é instintivo e não tem a sua origem na razão moral. Tem utilidade e até mesmo pode fornecer material para reflexão da parte da razão moral. Porém, desde que não seja deliberada, não condescende com o fim a que se destina, mas tão som ente com a gratificação do instinto do momento, não é moral. ... Santidade é dedicação a Deus, o Bem, não como um G overnador exterior, mas como um controlador interior e transform ador do caráter. ... Deus é um ser cujo pensam ento todo é amor, e nenhum dos seus pensamentos se volta para si mesmo, exceto quando o seu eu não é ele mesmo, isto é, quando há uma distinção nas pessoas da Divindade. A criação é o grande pensamento antiegoísta - a aproxim ação do ser das criaturas que conhecem a felicidade que Deus conhece. ... Para o homem espiritual santi­ dade e am or são a mesm a coisa. Salvação é libertação do egoísm o”. K a f t a n , Dogmatik, 319,320, considera a essência do pecado consistente não com o egoísmo, mas com o dar as costas para Deus e para o am or que faria o homem crescer no conhecim ento e sem elhança com Deus. Mas isto parece ser nada mais do que escolher o eu em detrim ento de Deus como o nosso objetivo e fim.

B) Pode-se mostrar que todas diferentes formas de pecado têm sua raiz no egoísmo, enquanto o egoísmo, considerando a escolha do eu como o supremo fim, não pode ser resolvido em quaisquer elementos mais simples. a) O egoísmo se revela na elevação ao supremo domínio de quaisquer ape­ tites, desejos, ou sentimentos do homem natural. A sensualidade é o egoísmo na forma do apetite desordenado. O desejo egoísta toma, respectivamente, as formas de avareza, ambição, vaidade, orgulho, conforme se estabelece sobre a prosperidade, poder, valorização, independência. O sentimento egoísta é a fal­ sidade ou malícia à medida em que espera fazer dos outros seus servos volun­ tários ou os considera desta forma; é descrença ou inimizade contra Deus, à medida em que simplesmente despreza a verdade e amor de Deus ou concebe a santidade de Deus como resistindo positivamente e punindo-o. A g o s t in h o e T o m á s d e A q u in o sustentam que a essência do pecado é o orgulho; Lutero e Calvino consideram que a sua essência é a incredulidade. K r e ib ig (Versõhnunlehre) considera-o como “am or terreno” ; outros ainda con­ sideram -no como inimizade contra Deus. Ao expor o ponto de vista de que a sensualidade é a essência do pecado, J u l iu s M ü l l e r diz; “Onde quer que encontramos a sensualidade encontram os o egoísmo, mas não achamos que, onde há egoísmo, há sensualidade. O egoísm o pode incorporar a carnalidade ou o desejo desordenado para a criatura, mas este não pode produ­ zir pecados espirituais que não tenham em si nenhum elemento de sensua­ lidade” .

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A cobiça ou a avareza, não torna sensual a própria gratificação, mas as coisas que podem contribuir para isso, o objetivo a ser perseguido e, nesta última busca, freqüentem ente perde de vista o seu alvo original. A ambição é o am or egoístico pelo poder; a vaidade é o am or egoístico pela estima. O orgulho é apenas a autocom placência, a auto-suficiência e o auto-isolamento de um espírito egoísta que não deseja nada mais do que a irrestrita independência. A malícia, perversão do ressentim ento natural (juntamente com o ódio e a vingança), é a reação do egoísm o contra os que estão, ou imagina-se estar, a caminho dele. A incredulidade e a inimizade contra Deus são efeitos do pecado, e não a sua essência; o egoísm o nos conduz primeiro à dúvida e, daí, ao detestar o Legislador e Juiz. Tácito: “Humani generis proprium est odisse quem laeseris” (É próprio do gênero humano odiar aquele que fere). No pecado, a auto-afirm ação e auto-rendição não são elementos coordenados, como sustenta D o r n e r , mas aquela é condição desta. Como o amor a Deus é o amor à sua santidade, assim o amor ao homem é o amor à santidade nele e o desejo de com ungar com ela. Em outras pala­ vras, o verdadeiro amor pelo homem é o anseio por assemelhá-lo a Deus. Contra esse desejo normal que deve encher o coração e inspirar a vida, há uma hierarquia de desejos inferiores que podem ser utilizados e santificados pelo mais elevado amor, mas que podem afirm ar a sua independência e oca­ sionar o pecado. Gratificação física, dinheiro, estima, poder, conhecimento, fam ília, virtude são objetos próprios a serem considerados desde que pro­ curados, visando às coisas de Deus e dentro das lim itações da vontade dele. O pecado consiste em virar as costas para Deus e buscar qualquer dos obje­ tivos acim a por causa de si mesmos; ou, o que dá na mesma, para nós. O apetite gratificado sem levar em consideração a lei de Deus é cobiça; o am or ao dinheiro se torna avareza; o desejo de auto-estim a torna-se vaidade; o anseio pelo poder torna-se ambição; o amor ao conhecim ento torna-se sede egoística pela satisfação intelectual; a afeição paterna degenera em indul­ gência ou nepotismo; a busca da virtude torna-se autojustificação e autosuficiência. K a f t a n , Dogmatik, 3 2 3 - “Jesus admite que mesmo os gentios e pecadores amam os que os amam. Mas o am or pela fam ília torna-se orgulho pela fam ília; o patriotism o pode ter um sentido correto ou errôneo; a felicidade na vocação de alguém leva a estabelecer distinção de classes”. Dante, na Divina Comédia, divide o inferno em três grandes seções: a daqueles que são punidos, respectivam ente pela incontinência, pela bestialidade, e pela malícia. Incontinência = pecado do coração, das emoções, das afeições. Mas abaixo encontra-se a bestialidade = pecado da cabeça, dos pensamentos, da mente, tais como a infidelidade e a heresia. O mais baixo de todos é a malícia = pecado da vontade, da rebelião deliberada, da fraude e da traição. Assim aprendemos que o coração tem em si a inteligência e que o pecado da descrença gradualmente se aprofunda na intensidade da malícia. Ver A. H. S t r o n g , Great Poets and Their Theology, 133 - “ Dante nos ensina que o pecado é a autopreservação da vontade. Se há algum pensamento fundam ental neste sistema, é o da liberdade. O homem não é um ser abando­ nado irresistivelm ente arrastado correnteza abaixo; ele é um ser dotado de poder para resistir e, por isso, culpado por aquilo que ele faz. O pecado não é um infortúnio, uma doença ou uma necessidade natural; é uma volunta-

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riedade, e um crime, e uma autodestruição. A Divina Comédia, mais do que todos os outros, é o poema da consciência; e não o poderia ser, se não reco­ nhecesse o homem como um agente livre, causa responsável por seus pró­ prios atos maus e por seu mau estado. Na tragédia grega, diz o P rof. W m . A r n o l d S t e v e n s , o único pecado que os deuses detestam e que não tem perdão é a í>(3piç - a obstinada auto-afirmação da mente ou da vontade, ausência da reverência e da hum ildade - ilus­ trada em Ájax. G eorge MacDonald: “O homem pode ser possuído de si mes­ mo, como de um diabo” . S hakespeare pinta esta insolência da enfatuação em Shylock, Macbeth e Ricardo III. Troilus e Créscida, 4.4 - “Poder-se-á fazer alguma coisa que nós não querem os; E às vezes somos diabólicos para nós mesmos, Quando querem os tentar a fragilidade das nossas forças. Conjeturando sobre a mutável potência delas” . Contudo, Robert G. Ingersoll diz que S h a k e s p e a r e sustenta que o crime é um equívoco da ignorância! N. P. Willis, Parrhasius: “Quão sem elhante a um diabo cavalgando o coração Governa a ambição irrefreável!”

b) Mesmo nas mais nobres formas da vida do não regenerado, o princípio do egoísmo deve ser considerado manifestando-se na preferência dos baixos fins em relação aos propostos por Deus. Outros são amados com sentimento idólatra porque tais são considerados como parte do eu. É evidente que o elemento egoísta se acha presente aqui ao considerar que tal sentimento não busca o mais alto interesse do seu objeto, que freqüentemente cessa quan­ do não obtém retomo e sacrifica à sua própria as reivindicações de Deus e de sua lei. Até mesmo na idolatria da mãe pelo seu filho, na devoção do explorador no campo da ciência, no risco da vida do marinheiro para salvar a vida de um outro, na gratificação perseguida talvez de um instinto ou desejo inferior e em qualquer substituição do mais elevado pelo inferior objetivo está a inconform i­ dade com a lei e, conseqüentem ente, com o pecado. H . B. S m ith , System of Theology, 277 - “Algum a afeição inferior é suprem a” . E o motivo subjacente que conduz a esta substituição é a autogratificação. Não existe essa coisa que chamam de pecado diferenciado, pois “qualquer que ama é nascido de Deus” (1 Jo. 4.7). T h o m a s H u g h e s , O Lado H um ano de Cristo: Muito do heroís­ mo da batalha é tão som ente “resolução da parte dos atores de ter o seu caminho, desprezo pela tranqüilidade, coragem animal que com partilham os com o buldogue e com a doninha, intensa afirm ação da vontade e da força, declaração do homem de mão musculosa que ele tem em si e o capacita a desafiar a dor e o perigo e a morte M o s l e y sobre B ianco W hite, Essays, 2.143: Pode-se buscar a ve rd a ­ de visando à absorção da verdade em si não para absorver-se na verdade. Assim Bianco W hite apesar da dor da separação dos velhos pontos de vista e dos amigos, vivia para o prazer egoístico da nova descoberta, até que toda a sua fé prim itiva se desvaneceu e até m esm o a im ortalidade parecia um

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sonho. Pensava falsam ente que a dor que sofria ao deixar as velhas crenças era evidência do auto-sacrifício de que Deus deve agradar-se, conquanto seja inevitável a dor que atenta da vitória do egoísmo. R o b e r t o B r o w n in g , Paracelsu, 81 - “Ainda devo entesourar, acumular, classificar todas as verdades Com ulterior propósito: Eu devo conhecer! Transportar-m e-ia Deus para o seu tro ­ no, creria que eu só haveria de ouvir as suas palavras até que mais tarde as minhas findassem ”. F. H . R o b e r t s o n , sobre Gênesis, 57 - “Aquele que sacrifi­ ca o seu senso de justiça, sua consciência, em benefício de um outro, sacri­ fica Deus dentro de si; não está se sacrificando. Aquele que prefere o mais querido amigo, ou seu dileto filho, à cham ada do dever logo m ostrará que a si mesmo se prefere ao mais caro amigo e não se sacrificaria pelo seu filho”. Ib. 91 - “Nos que amam pouco, o amor [pelos seres finitos] é uma afeição pri­ mordial; em segundo lugar, naqueles que amam muito. ... A única afeição verdadeira é a que se subordina a uma mais elevada” . O verdadeiro amor ocorre em favor da alma, seus mais elevados e eternos interesses; o amor que procura fazer isto é santo; o am or que aponta para Deus e para a sua idéia na sua criação. Apesar de não podermos, com A g o s t in h o , cham ar as virtudes dos pagãos de “esplêndidos vícios” - pois elas são boas e úteis; exceto em possíveis exemplos em cujo coração opera Espírito de Deus, elas ainda são ilustrações de uma moralidade divorciada do amor de Deus, não existem no elemento essencial exigido pela lei, portanto, infectadas pelo pecado. Porque a lei julga tudo a partir do coração de onde brota, nenhuma ação do impenitente pode ser outra coisa senão pecado. O ébano é branco nos anéis exteriores da fibra da madeira; no cerne é branco como a tinta. Não há nenhuma falta de egoís­ mo no coração do impenitente, independentem ente da iluminação e da ener­ gia divina. O sacrifício próprio em fa vo r do eu é, acim a de tudo, pecado. Os arrombadores e os assaltantes de bancos com freqüência são abstinentes em seus hábitos pessoais e negam-se a usar bebida alcoólica e fumo enquanto estão na prática ativa de seu negócio. H e r r o n , The Langer Christ, 47 - “Sem dúvida é imoral buscar verdade fora do sim ples am or ao seu conhecim ento, do mesmo modo que buscar dinheiro fora do amor pelo seu ganho. A verdade procurada por causa da verdade é um vício intelectual; é cobiça espiritual. É idolatria, ao adorar abstrações e generalidades em lugar do Deus vivo”.

c) Convém lembrar, contudo, que ao lado da vontade egoísta e da luta contra ela está o poder de Cristo, o Deus imanente, concedendo aspirações e impulsos estranhos ao homem não regenerado e preparando o caminho para a rendição da alma à verdade e retidão. Rm. 8.7 - “a inclinação da carne é inim izade contra Deus” ; At. 17.27,28 “que não está longe de nós; porque nele vivem os nos movemos e existimos” ; Rm. 2.4 - “a benignidade de Deus te leva ao arrependim ento”; Jo. 1.9 - “a luz que alum ia todo o hom em ”. Muitos traços generosos e atos do sacrifício pró­ prio do impenitente devem ser atribuídos à precedente graça de Deus e à

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influência ilum inadora do Espírito de Cristo. Certa mãe, durante a fom e na Rússia, deu aos seus filhos tudo do pouco m antim ento que recebeu, e mor­ reu para que eles pudessem viver. Na sua decisão de sacrificar-se em bene­ fício dos seus filhos ela pode ter encontrado a prova e ter-se rendido a Deus. O impulso de sacrificar-se pode dever-se ao Espírito Santo e o seu procedi­ mento pode ter sido essencialm ente um ato de fé salvadora. Em Mc. 10.21,22 - “ E Jesus, olhando para ele, o amou ... retirou-se triste” - parece que o nosso Senhor amou o moço, não por seus dons, por seus esforços e por suas possibilidades, mas pela m anifesta operação do Espírito divino nele, con­ quanto em seu caráter natural ele estivesse sem Deus e sem amor, e tivesse ignorância própria, justiça própria e a busca do eu. De igual modo, Paulo, antes da conversão, amava e desejava a justiça, porém talvez essa justiça fosse o produto e realização da sua própria vontade sobre outra que lhe era detestável. E ainda esse mesm o impulso para a ju sti­ ça pode ser devido ao Espírito divino dentro dele. Pedro fez objeção a que Cristo lhe lavasse os pés (Jo. 13.8), não porque isto humilhasse o Mestre diante do discípulo, mas porque humilhava o discípulo aos seus próprios olhos. P f l e id e r e r , Philos. o f Religion, 1.218 - “ Pecado é a violação da ordem moral desejada por Deus realizada pela vontade própria do indivíduo” . Tophel sobre o Espírito Santo, 17 - “Você o feriria profundam ente [de um modo geral o pecador] se lhe dissesse que o coração dele, cheio de pecado, é objeto de horror à santidade de Deus” . O impulso para o arrependim ento, assim como o impulso para a justiça, é produto, não da natureza própria do homem, mas de Cristo naquele que o move a buscar a salvação. Elizabeth Barrett escreveu a Robert Bowning depois de aceitar a sua pro­ posta de casamento: “ Doravante sou sua para tudo o que não representar dano para você”. G e o r g e H a r r is , M oral E volution, 138 - “O amor busca o verdadeiro bem da pessoa amada. Não m inistrarei de modo indigno para obter prazer tem porário. Não aprovarei ou tolerarei o que está errado. Não encorajarei o que é grosseiro, paixões baixas da pessoa amada. Isto é conde­ nável por ser impureza, falsidade, egoísmo. Na verdade o pai não ama o filho se tolera a indulgência própria e não corrige ou pune as suas faltas” . H u t t o n : “Você bem poderia dizer que convém à arte a êxtase mórbida dos canibais nas suas horrorosas festas, assim como pintar a cobiça sem o amor. Se você vai delinear o homem como um todo, deve fazê-lo com a sua natureza huma­ na e, conseqüentem ente, nunca om itir a qualquer quadro a consciência como sua coroa”. T e n n y s o n , In M em oriam , fa la da “ Fantástica beleza que se oculta Em algum poeta selvagem quando trabalha Sem consciência ou sem um propósi­ to” . Tal obra pode dever-se à mera natureza humana. Mas a elevada obra do verdadeiro gênio criativo e os atos ainda que mais elevados dos homens ainda impenitentes, mas conscientes e que a si mesmos se sacrificam, deve ter sua explicação na obra do Cristo imanente, na vida e luz dos homens. J a m e s M a r t in e a u , Study, 1.20 - “A consciência pode agir humanam ente antes de desco­ brir que é divina”. Ver J . D. S t o o p s , Jour. Philos., Psych. and Sei. Meth., 2.512 - “Se há uma vida divina bem acim a das correntes das vidas individuais, o jorro desta vida na experiência do indivíduo é precisam ente o ponto de conta­ to entre a p essoa e D e u s” . C a i r d , Fund. Id e a s o f C h istia n ity, 2 . 1 2 2 -

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“É este elemento divino no homem, este relacionam ento com Deus, que dá ao pecado seu aspecto mais tenebroso e sinistro. Pois essa vida representa a m udança de uma luz mais brilhante que o sol com parado com as trevas, o desperdício ou troca de uma ilim itada riqueza, pela suicida humilhação das coisas que perecem, de uma natureza destinada por sua própria constituição e estrutura à participação do próprio ser e bênção de Deus

C)Este ponto de vista é o que mais concorda com a Escritura.

a) A lei requer o amor a Deus como uma exigência toda abrangente.

b) A santidade de Cristo consiste nisto, que ele buscou não a sua própria von­

tade ou glória, mas fez Deus o seu supremo fim. c) O cristão é alguém que deixou de viver para si. d) A promessa do tentador é de independência egoística. é) O pródigo se separa de seu pai e busca seu próprio interesse e prazer. f) O “homem do pecado” ilustra a natureza do pecado, “opondo-se e exaltando-se contra tudo o que se chama Deus”. Mt. 22.37-39 - o mandam ento de am ar a Deus e ao homem; Rm. 13.8-10 - “de sorte que o cum prim ento da lei é o am or”; Gl. 5.14 - “ Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Am arás o teu próximo como a ti mesm o”; Tg. 2.8 - “a lei real”, b) João 5.30 - “o meu juízo é justo porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou” ; 7.18 - “Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória, mas aquele que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça” ; Rm. 15.3 - “Porque Cristo não agradou a si mesm o”, c) Rm. 14.7 - “ Porque nenhum de nós vive para si e nenhum morre para si”; 2 Co. 5.15 - “ Ele morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou”; Gl. 2.20 - “Já estou crucificado com Cristo; e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim”. Contrastar com 2 Tm. 3.2 - “amantes de si mes­ mos” . d) Gn. 3 . 5 - “sereis como Deus, sabendo o bem e o mal”, e) Lc. 15.12,13 - “ Dá-me a parte da fazenda ... ajuntando tudo, partiu para uma terra longín­ qua” . f) 2 Ts. 2.3,4 - “homem do pecado, filho da perdição, que se opõe e se levanta contra tudo o que se cham a Deus ou se adora; de sorte que se assen­ tará como Deus, no tem plo de Deus, querendo parecer Deus” . Contrastar “homem do pecado” que “se levanta" (2 Ts. 2.3,4) o Filho de Deus, que “esvaziou-se a si mesm o” (Fp. 2.7). R it c h i e , Darwin and Hegel, 24 - “ Estamos cônscios do pecado porque sabem os que o nosso verdadeiro eu é Deus, de quem estam os separados. Nenhum a ética é possível a não ser que reconheçam os um ideal para todo o esforço humano na presença do Eu eterno que qualquer relato da conduta pressupõe” . J o h n C a i r d , Fund. Ideas of Christianity, 2.53-73 - “Aqui, como em toda a vida orgânica, o membro ou órgão individual não têm nenhuma vida independente ou exclusiva e a tenta­ tiva de alcançá-la é por si mesm a fatal” . Milton descreve o homem como “afe­ tando Deus e, dessa forma, perdendo tudo” . A respeito do pecador, podemos dizer com S h a k e s p e a r e , Coríolanus, 5.4 - “ Ele não quer nada de um deus, a não ser a eternidade e um céu no qual quer entronizar-se ... Não há mais

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nenhuma misericórdia do que leite num tigre macho” . Então, nenhum de nós pode tão apressadamente abonar “a declaração de dependência”. Tanto a Velha Escola de Teólogos como a Nova concorda em que o pecado é egoísmo.

O pecado, portanto, não é somente algo negativo ou ausência de amor a Deus. É uma escolha fundamental e positiva ou preferência do eu em detri­ mento de Deus como objeto do sentimento e fim supremo do ser. Ao invés de fazer Deus o centro de sua vida, rendendo-se incondicionalmente a ele e pôrse em inteira subordinação à vontade de Deus, o pecador se faz o centro de sua vida, põe-se diretamente contra Deus e constitui seu próprio interesse o supre­ mo motivo e a sua vontade a regra suprema. Podemos seguir o D r . E. G. R o binson dizendo que, enquanto o pecado como estado é dissemelhança em relação a Deus, como princípio é oposição a Deus e como ato é transgressão à lei de Deus, a essência dele é sempre e em toda a parte egoísmo. Não é, portanto, algo externo, ou o resultado de coação vinda de fora; é uma depravação dos sentimentos e uma perversão da vontade, que constitui o mais íntimo caráter do homem. V e r H A R R is , Biblia Sacra, 18.148 - “O pecado é essencialm ente egoísmo ou euísmo, que põe o eu no lugar de Deus. Ele apresenta quatro principais caraterísticas ou manifestações: 1) auto-suficiência, em lugar da fé; 2) a von­ tade própria, em lugar da subm issão; 3) a busca de si mesmo, em vez da benevolência; 4) a justiça própria em lugar da hum ildade e reverência”. Implí­ cita ou explicitam ente todo pecado é “inim izade contra D eus” (Rm. 8.7). Todas verdadeiras confissões são como as de Davi (SI. 51.4) - “Contra ti, contra ti som ente pequei e fiz o que a teus olhos é mal". De todos pecadores pode-se dizer: “Não pelejareis contra pequeno nem contra grande, mas só contra o rei de Israel” (1 Re. 22.31 Nem todo pecador está consciente desta inimizade. O pecado é um prin­ cípio no curso do desenvolvim ento. Contudo, não é “consum ado” (Tg. 1.15 — “o pecado, sendo consumado, gera a m orte”). Mesm o agora, como diz M a r t i n e a u : “Se se pudesse saber que Deus está morto, as notícias causariam tão somente uma pequena emoção nas ruas de Londres ou de Paris” . Mas tal indiferença facilm ente cresce em presença da am eaça e da pena, tornandose violenta ira contra Deus e desafio positivo da sua lei. Se apenas se perm i­ tisse que o pecado que ora se esconde no coração do pecador se desenvol­ vesse segundo a sua própria natureza, arrojaria o Onipotente do seu trono e estabeleceria o seu próprio reino sobre as ruínas do universo moral.

SEÇÃO III - UNIVERSALIDADE DO PECADO Já vimos que o pecado é um estado da vontade, egoísta. Continuamos ago­ ra mostrando que tal estado egoísta da vontade é universal. Dividimos nossa

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prova em duas partes. Na primeira, consideramos o pecado em seu aspecto de violação da lei; na segunda, em seu aspecto de tendência da natureza para o mal, ante a consciência ou subjacente a ela.

I. TODO SER H UM ANO QUE CH EG O U À CO NSCIÊNCIA M ORAL COMETEU ATOS, OU ACALENTOU DISPOSIÇÕES CONTRÁRIAS À LEI DIVINA 1. Prova da Escritura

A universalidade da transgressão é: a) Estabelecida em declarações diretas da Escritura. 1 Re. 8.46 - “não há homem que não peque” ; SI. 143.2 - “não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não se achará justo nenhum vivente” ; Pv. 20.9 - “Quem poderá dizer; Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?” ; Ec. 7.20 - “Na verdade, não há homem justo sobre a terra, que faça o bem e nunca peque”; Lc. 11.13- “se vós, sendo maus” ; Rm. 3.10,12 - “ Não há nenhum justo, nenhum s e q u e r... Não há quem faça o bem; não há nenhum só” ; 19,20 - “que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. ... por isso, nenhum a carne será justificada dian­ te dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecim ento do pecado” ; 23 - “ Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”; Gl. 3.22 “mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado”; Tg. 3.2 - “Porque todos tropeçam os em muitas coisas” ; 1 Jo. 1.8 - “Se disserm os que não temos pecado, enganam o-nos a nós mesmos e não há verdade em nós” . Compare Mt. 6.12 - “perdoa as nossas dívidas” - é uma oração para todos os homens; 14 - “se perdoarm os aos homens as suas ofensas” - condição do nosso perdão.

b) Implícita nas declarações da necessidade universal de expiação, de rege­ neração e de arrependimento. Necessidade universal da expiação: Mc. 16.16 - “Quem crer e for batiza­ do será salvo” (Embora Mc. 16.9-20 provavelm ente não tenha sido escrito por Marcos, é, contudo, de autoridade canônica); Jo. 3.16 - “De tal maneira Deus amou o mundo que deu seu Filho unigênito para que todo o que nele crê não pereça” ; 6.50 - “ Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra” ; 12.47 - “eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mun­ do” ; At. 4.12 - “ E em nenhum outro há salvação porque debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser sal­ vos” . Necessidade universal de regeneração: Jo. 3.3,5 - “aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus. ... aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de D eus”. Necessidade universal

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de arrependimento: At. 17.30 - “anuncia a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam ” . Contudo a Sra. Mary Baker G. Eddy, “ Unidade de Deus” , fala da “ilusão que chama o pecado real e o homem um pecador que neces­ sita de um salvador” .

c) Apresentada na condenação que incide em todos os que não aceitam a Cristo. Jo. 3.18 - “quem não crê já está condenado porque não creu no nome do unigênito Filho de Deus”; 36 - “aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele perm anece” ; Compare 1 Jo. 5.19 - “o mundo todo jaz no m aligno” ; K a f t a n , Dogmatik, 318 - “A lei requer o amor de Deus. Este im plica amor ao nosso próximo, não apenas abstendo de toda injúria a ele, mas praticando a justiça em todas nossas relações, perdoando ao invés de vingar, auxiliando os inimigos do mesmo modo que aos amigos de todo modo salutar, praticando a autodisciplina, evitando toda a falta de moderação sensual, e sujeitando todas atividades sensuais visando a fins espirituais no reino de Deus e tudo isso, não atendendo a uma conduta meramente exterior, mas de coração, satisfazendo à vontade e desejo próprios. Esta é a vontade de Deus a nosso respeito, a qual Jesus revelou e de que, na sua vida ele é o exemplo. Ao invés disto, o homem, universalm ente, busca prom over a sua própria vida, o seu prazer e a sua honra” .

d) Consistente com as passagens que à primeira vista parecem atribuir a

alguns homens uma bondade que os toma aceitáveis a Deus, nas quais um exame mais apurado mostrará que em cada caso a suposta bondade é simples­ mente imperfeita e fantasiada de mera aspiração e impulso devidos às obras preliminares do Espírito de Deus ou resultantes da confiança de um pecador consciente no método de salvação da parte de Deus. Em Mt. 9.12 - “Não necessitam de médicos os sãos, mas sim, os doentes” - Jesus significa os que se julgam sãos; cf. 13 - “eu não vim cham ar os justos, mas os pecadores” = “se, na verdade, alguém fosse justo, não neces­ sitaria de salvação; quem pensa desse modo, não se preocupa em buscá-la” (Bíblia Am ericana Parafraseada). Em Lc. 10.30-37 - Parábola do Bom Samaritano - Jesus não dá a entender que o sam aritano não fosse um pecador, mas que havia pecadores salvos fora dos limites de Israel. Em At. 10.35 “que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação o tem e e faz o que é justo” - Pedro não declara que Cornélio não era pecador, mas que Deus o aceitou através de Cristo; Cornélio já estava justificado, mas necessitava de saber 1) que ele era um salvo, e 2) como foi salvo; Pedro foi enviado para contar-lhe o fato e o método da salvação em Cristo. Em Rm. 2.14 - “porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalm ente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, são para si mesm os lei” - só se diz que, em certos aspectos, a obediência destes gentios mostra que eles têm uma lei que, sem

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letras está escrita no seu coração; não se diz que obedeciam perfeitam ente a lei e, por isso, não tinham pecado - pois Paulo diz logo depois (Rm. 3.9) “pois dantes dem onstram os que, tanto judeus com o gregos, todos estão debaixo do pecado”. Deste modo, as palavras “perfeito” e “justo” aplicam -se aos bons. Quando considerarm os a doutrina da Santificação, verem os que a palavra “perfeito”, aplicada às condições espirituais atingidas, significa tão somente uma perfei­ ção relativa, equivalente à piedade sincera ou m aturidade do juízo cristão, dito de outra forma, à perfeição de um pecador que há muito confia em Cristo e em Cristo venceu seus principais defeitos de caráter. Ver 1 Co. 2.6 - “fala­ mos sabedoria entre os perfeitos” (Am. Rev.: “entre os plenam ente cresci­ dos”); Fp. 3.15 - “ Pelo que, quantos somos perfeitos, sintam os isto mesmo” /'.e., expressar a meta - que os apóstolos diziam não ter sido ainda alcançada (vv. 12-14). “ Est deus in nobis; agitante calescim os illo” . Deus é a “chama que acende o nosso barro” . S . S . Times, 21 de setem bro de 1901.609 - “A humanidade é melhor ou pior do que a pintam. Tem havido um tipo de pessim ism o ao indicar a pecam inosidade humana que cega até o abundante amor, e a paciência, e a coragem, e a fidelidade ao dever entre os hom ens” . A. H. S t r o n g , Christ in Creation, 287-290 - “Há uma vida natural de Cristo e pulsa uma vida, e palpi­ ta nos homens em toda a parte. Todos os homens são criados em Cristo, antes de terem sido recriados nele. Toda a raça vive, move-se e existe nele porque ele é a alma da sua alma e a vida da sua vida” . Então, não atribuímos os nobres impulsos dos impenitentes à desauxiliada natureza humana, mas a Cristo. Eles são esboços do seu Espírito, que move o homem ao arrependi­ mento. Mas são influências da sua graça que, se sofrer resistência, deixam a alma em trevas maiores que na sua origem.

2. Prova da história, da observação e do juízo comum da humanidade

á) A história testemunha a universalidade do pecado nos seus relatos sobre

a predominância do sacerdócio e do sacrifício.

Ver referências em L u t h a r d t , Fund. Truths, 161-172, 335-339 - “Plutarco fala dos olhos manchados pela lágrima, rostos pálidos e lamentosos que ele vê junto aos altares públicos, rolando na lama e confessando os seus peca­ dos. Entre o povo comum o bronco sentim ento de culpa era tão real que foi abalado ou tornou-se vítim a de zom baria” . b) Todo homem sabe que tem falta de perfeição moral e, na proporção de sua experiência no mundo, reconhece que todos têm essa falta. Provérbio chinês: “Há apenas dois homens bons: um está morto; o outro ainda não nasceu” . Provérbio de Idaho: “O único índio bom é o morto” . Porém o provérbio tam bém se aplica ao branco. O m issionário, Dr. Jacob Chamberlain, dizia: “Nenhuma só vez ouvi na índia um homem negar que era pecador.

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Mas uma vez um brâm ane interrom peu-m e e disse: ‘Nego as vossas prem is­ sas. Eu não sou pecador. Não tenho necessidade de agir de melhor form a’. Por um momento senti-m e em dificuldade. Foi quando eu lhe disse: ‘Mas qual a opinião dos seus vizinhos a esse respeito?’ Im ediatamente alguém gritou: ‘Ele me trapaceou em uma transação com cavalos’ e um outro: ‘Ele enganou uma viúva a respeito da herança dela’ . O brâmane saiu da casa e nunca mais o vi” . Quando criança, Joseph Sheridan Le Fanu, sobrinho neto de Richard Brinsley Sheridan, escreveu umas poucas linhas no “Ensaio sobre a Vida do Homem” , que discorre o seguinte: “A vida do homem divide-se naturalmente em três partes distintas: a primeira, em que inventa e planeja toda sorte de vilania e velhacaria, - é o período da juventude e inocência. No segundo, ele põe em prática toda a vilania e velhacaria que ele maquinou, - é a flor do gênero humano e a prim avera da vida. O terceiro e último período é aquele em que está form ando a sua alma e preparando-se para o outro mundo, - o período do desvario”.

c) O juízo comum da humanidade declara que há um elemento de egoísmo em cada coração humano e que todo homem propende a alguma forma de pecado. Este juízo comum se expressa nas máximas: “Ninguém é perfeito”; “Todo homem tem seu ponto fraco” ou “seu preço”; e todos grandes nomes da literatura têm atestado esta verdade. S ê n e c a , De Ira, 3.26 - “Todos nós somos ímpios. O que um censura no outro achará em seu próprio seio. Vivem os no meio de ímpios e nós também o somos”; Epístolas Morais, 22 - “Ninguém tem poder de si mesmo para emergir [da sua impiedade]; alguns sentem necessidade de estender a mão; alguns, de afastá-la” . O v í d i o , Metamorphosis, 7.19 - “Vejo as coisas melhores e as aprovo, contudo, sigo as piores. ... Empenhamo-nos mesmo naquilo que é proibido e desejam os as coisas que nos são negadas”. Cícero: “A natureza nos deu fracas centelhas de conhecim ento; apagam o-las com a nossa imora­ lidade” . S h a k e s p e a r e , Otelo, 3.3 - Qual é o palácio em que não se introduzem, vez por outra, coisas vis? Quem tem coração tão puro onde suspeitas odiosas não tenham suas audiências e tom em assento em sessão Com meditações mais eqüitativas?” Henrique VI, II. 3.3 - “ Evita o juiz, pois todos somos peca­ dores” . Hamlet, 2.2, compara a influência de Deus com o sol que “produz larvas em um cão morto, Beijando a carniça” , - isto é, Deus não é responsá­ vel pela corrupção no coração do homem e pelo mal que dele advém, assim como o sol não é responsável pelas larvas que, com o seu calor, se produzem num cão morto; 3.1 - “Todos nós som os verdadeiros velhacos” . Timão de Atenas, 1.2 - “Quem há, entre os vivos, que não seja corrom pido ou não corrom pa?” G o e t h e : “Não vejo falta alguma com etida que eu tam bém não a tivesse com etido” . D r . J o h n s o n : “Todo ser humano sabe de si mesmo coisas que ele não tem coragem de contar ao seu amigo mais íntim o”. Thackeray mostravase mestre em ficção ao apresentar-nos personagens nada perfeitos; todos

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agem por motivos mistos. Conta-se que Carlyle, herói adorador como tendia a ser, desgostava-se de cada um de seus heróis antes de term inar a sua biografia. Emerson diz que, para entender qualquer crime, bastava-lhe olhar para o seu próprio coração. Robert Burns: “Deus bem sabe que eu não sou aquilo quer deveria ser E nem o que eu poderia ser” . H u x l e y : “Os melhores homens das melhores épocas são sim plesm ente aqueles que cometem os m enores disparates e os m enores pecados” . E ele faz referência à “iniqüida­ de infinita” que assistia ao curso da história. M a t t h e w A r n o l d : “Que mortal, quando viu, Finda a viagem da vida, Seu amigo celestial, Poderia ter a cora­ gem de dizer-lhe destem idam ente: - Conservei im poluta a lei da minha natu­ reza: A carta escrita interiormente, para guiar-me, tu me deste, guardei-a até o fim ?” W alter Besant, Filhos de Gibeon: “Os hom ens hábeis não desejam um sistem a em que não seja capaz de fazer o bem aos outros em primeiro lugar” . 'Prontos para louvar e orar no domingo, se na segunda-feira podem ir ao mercado tira r a pele aos seus com panheiros e vendê-la” . Confúcio ainda declara que “o homem nasceu bom” . Ele confunde a consciência com a von­ tade - o senso de justiça com o a m o r à justiça. Merecidam ente o Deão Swift buscou por muitos anos um método de extrair raios solares das abóboras. A própria natureza humana é muito pouco capaz de produzir os frutos de Deus. Todo homem adm itirá 1) que não é perfeito no caráter moral; 2) que o am or a Deus não tem sido o motivo constante de suas ações, /.e., que ele tem sido até certo ponto egoísta; 3) que ele com eteu ao m enos um a conhe­ cida violação da consciência. S h e d d , S erm ons to the N atural Man, 86,87 “Os teoristas que rejeitam a religião revelada e voltam aos primeiros princí­ pios da ética e da moralidade que só a religião necessita enviam-no a um tribunal que o condena” ; pois é óbvio que “nenhum a criatura humana em qual­ quer país ou grau de civilização jam ais tem glorificado a Deus na m edida do seu conhecim ento relativo ao mesmo Deus”.

3. Prova a partir da experiência cristã a) Na proporção com o seu progresso espiritual, o cristão reconhece dentro de si disposições más que, se não fosse a graça divina, poderiam germinar e produzir as mais variadas formas de transgressão externa. Ver a experiência de G o o d w i n , em B a i r d , Elohim Revealed, 409; G o o d w in , membro da Assem bléia de Doutores em D ivindades de W estm inster, falando de sua conversão diz: “ Fez-se uma farta descoberta da minha lascívia e concupiscência e fiquei estarrecido ao ver com que voracidade eu buscara a gratificação de cada pecado” . A experiência de Tõllner, na Dogmática de M a r t e n s e n : Tõllner, embora inclinado para o pelagianism o, diz: “Olho para o meu próprio coração e vejo com penitente tristeza que, à vista de Deus, devo acusar-me de todas ofensas que enum erei” , - e enum erara somente as trans­ gressões deliberadas; - “aquele que não perm ite ser sem elhantem ente cul­ pado, que não veja o fundo do seu coração” . John Newton vê o assassino

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levado à execução e diz: “Lá estaria indo John Newton se não fosse pela graça de Deus” . Conde de Maistre: “Não sei o que pode ser o coração de um vilão - só conheço o de um virtuoso e que é m edonho” . Tholuck, no qüinquagésimo aniversário de m agistério em Halle, disse aos seus alunos: “Ao rever as múltiplas bênçãos de Deus, a coisa que mais me parece grata é a convic­ ção do meu pecado” . Roger Ascham: “Através da experiência descobrim os um caminho curto, através de uma longa peregrinação” . Por vezes faz-se referência a Lc. 15.2532 como indicativo de que há alguns dos filhos de Deus que nunca se des­ viam da casa do Pai. Mas naquela fam ília existem dois pródigos. O mais velho era um servo em espírito assim como o mais novo. J. J. M u r p h y , Nat. Selection and Spir. Freedow, 41,42 - “No desejo do filho mais velho de que pudesse às vezes festejar com os seus amigos independentem ente do seu pai, estava contido o germe do desejo de escapar da sadia submissão do lar que, em seu pleno desenvolvim ento, prim eiro trouxera o seu irmão a uma vida turbulenta e, depois, à servidão a um estranho e ao apascentam ento de porcos. Esta raiz do pecado, encontra-se em nós todos, mas nele de uma form a tão plena que produz a morte. A inda ele diz: ‘Eis que te sirvo (So-oXeúco - como escravo) há tantos anos, sem nunca transgredir o teu m andam ento’. São os m andam entos do pai tão penosos? É verdadeiro e sincero o serviço sem o am or do coração? O mais velho estava sendo calculista para com o seu pai e antipático para com o seu irm ão” . Sir S.R. Seelye, Ecce Homo: “Não há virtude segura a não ser que seja entusiástica” . W o r d s w o r t h : “O céu rejei­ ta o am or das belas mentes mais ou menos calculistas”.

Porque os mais iluminados pelo Espírito Santo reconhecem-se como culpados de inúmeras violações da lei divina, a ausência de qualquer cons­ ciência de pecado da parte do não regenerado deve ser considerada como pro­ va de que ele pende para a transgressão contínua. b)

É notável que, enquanto os que são ilum inados pelo Espírito Santo e ver­ dadeiramente estão vencendo os seus pecados vêem mais e mais o mal dos seus corações e vidas, os escravos do pecado vêem cada vez menos esse mal e freqüentem ente negam que são pecadores. R o u s s e a u , Confesions, con­ fessa o pecado no espírito que por si mesm o necessita de confissão. Ele passa um verniz sobre os seus vícios e m agnifica as suas virtudes. “Nin­ guém”, diz ele, “pode chegar ao trono de Deus e dizer: ‘Eu sou melhor que R o u s s e a u ’ ... Soe a trom beta do juízo quando ela quiser: Apresentar-m e-ei ante o Soberano Juiz com este livro na m inha mão e direi alto e bom som: ‘Aqui está o que eu fiz e o que eu pensei e o que fu i”’. “Ah” , disse ele antes de expirar, quão feliz é morrer quando não há razão para remorso ou para autoreprovação!” E então, dirigindo-se ao Onipotente, diz ele: “ Eterno Ser, a alma que vou devolver-te neste momento é pura do mesm o modo em que proce­ deu de ti; torna-a participante da tua felicidade!” Ainda em sua infância era um ladrãozinho. Em seus escritos, ele defendia o adultério e o suicídio. Viveu por mais de vinte anos na prática da licenciosidade. A m aior parte de seus filhos,

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senão todos, ilegítimos, ele os mandava para o hospital dos enjeitados tão logo nasciam, deixando-os assim à dependência da caridade de estranhos, embora inflamasse as mães da França com eloqüentes apelos para que elas acalentassem seus próprios bebês. Era mesquinho, vacilante, traidor, hipó­ crita, e blasfemo. Em suas Confissões ele ensaia estim ulantes cenas da sua vida com o espírito de grande aventureiro. E d w in F o r r e s t , quando acusado de converter-se num avivamento religio­ so, escreveu uma indigna negação na im prensa pública dizendo que ele não tinha nenhuma razão para sentir remorso; os seus pecados eram mais de omissão do que de comissão; ele sempre tinha agido de acordo com o princí­ pio do am or aos amigos e detestava os inimigos; e confiando na justiça do mesmo modo que na misericórdia de Deus, esperava, quando deixasse a esfera terrena, ‘enrolar os cortinados da sua carruagem em torno de si e dei­ tar-se para os mais prazenteiros sonhos’. Contudo, ninguém da sua época era mais arrogante, auto-suficiente, licencioso, vingativo. John Y. McCane, quando sentenciou Sing Sing à prisão de seis anos por violar as leis do códi­ go eleitoral com os maiores subornos e aum ento do número de cédulas, declarou que nunca havia feito qualquer coisa errada na vida. E ainda era Diretor da Escola Dominical. Uma senhora que viveu até a idade de 92 anos, protestou que, se tivesse que viver sua vida inteira outra vez não alteraria uma só coisa. Lord Nelson, após ter recebido ferida mortal em Trafalgar, dis­ se; “Nunca fui um grande pecador” . Contudo, naquela mesma hora ele estava vivendo em aberto adultério. T e n n y s o n , Sea D ream s: “Com toda a consciên­ cia e um olho estrábico, Tão falso, ele pessoalm ente se dava por verdadeiro”. Estabeleça um contraste com a declaração do apóstolo Paulo: 1 Tm. 1.15 “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores dos quais eu sou o principal”. Com propriedade se tem dito que “o m aior dos pecados é não estar cônscio de nada”. Podem-se sugerir as seguintes razões para a inconsciência dos homens sobre os seus pecados: 1. Nunca conhecem os a força de qualquer paixão ou princípio dentro de nós até que com ecem os a resisti-la. 2. As repressões pro­ videnciais de Deus sobre o pecado daí em diante têm im pedido seu pleno desenvolvim ento. 3. Os juízos de Deus contra o pecado ainda não foram manifestos. 4. O próprio pecado tem uma influência sobre a mente que cega. 5. Som ente aquele que foi salvo da pena do pecado quer olhar para o abismo de onde foi resgatado. - Que um homem é inconsciente de qualquer pecado apenas prova que ele é um grande tra n sg re sso r em pedernido. Além do mais esta é a mais desesperançada característica da sua situação visto que não há salvação para alguém que nunca entende o seu pecado . À luz desta verdade, vem os a mais im pressionante graça de Deus, não na entrega de Cristo para m orrer pelos pecadores, mas no dom do Espírito Santo para convencer os homens dos seus pecados e levá-los a aceitar o Salvador. SI. 90.8 - “ Diante de ti puseste ... os nossos pecados ocultos à luz do teu rosto” = a pecam inosidade interior do homem está oculta a ele mesmo, até que entre em contraste com a santidade de Deus. Luz = uma lum inária ou sol, que brilha até as profundezas do coração e revela a iniqüidade oculta no doloroso consolo.

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II. TODO M EM BRO DA RAÇA HUM ANA, SEM EXCEÇÃO, POSSUI UMA NATUREZA CORROMPIDA, QUE É A FONTE DO VERDADEIRO PECADO, E POR SI M ESM A É PECADO 1. Prova da Escritura

A) Os atos pecaminosos e disposições dos homens são mencionados e explicados por uma natureza corrompida. ‘Natureza’ é aquilo que é inato no homem, que ele tem desde o seu nasci­ mento. Lc. 6.43-45 evidencia que há um estado corrupto inato, de que fluem as disposições e atos pecam inosos - “não há árvore boa que dê mau fruto ... o homem mau, do mau tesouro do seu coração tira o mal” ; Mt. 12.34 - “Raça de víboras, como podeis dizer boas coisas, sendo maus?” SI. 58.3 - “A lie­ nam-se os ímpios desde a sua madre; andam errados desde que nasceram, proferindo m entiras” .

Esta natureza corrompida d) pertence ao homem desde o primeiro momen­ to do seu ser; b) é subjacente à consciência do homem; c) não pode mudar pela força do próprio homem; d) constitui-o um pecador diante de Deus; é) é a herança comum da raça. a) SI. 51.5 - “Eis que em iniqüidade fui form ado e em pecado concebeume minha m ãe” - aqui Davi está confessando, não o pecado de sua mãe, mas o seu próprio pecado; e ele declara que tal pecado remonta ao momento de sua concepção. Tholuck, citado por H. B. S m it h , System, 281 - “ Davi con­ fessa que o pecado inicia com a vida do ser humano; que ele é culpado diante de Deus, não só pelas suas obras, mas pelo seu próprio ser” . S h e d d , Dogm. Theol., 2.94 - “ Davi menciona o fato de que ele nasceu pecaminoso, com a agravante do seu adultério e não como desculpa para este” , b) S I. 19.12 “Quem pode entender os próprios erros? Expurga-m e dos que me são ocul­ tos”; 51.6,7 - “ Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto me fazes conhe­ cer a sabedoria. Purifica-me com hissope, e ficarei mais puro; lava-me e fica­ rei mais alvo do que a neve” , c) Jr. 13.23 - “ Pode o etíope mudar a sua pele ou o leopardo as suas manchas? Nesse caso vós podereis tam bém fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal”; Rm. 7.24 - “Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” d) S I. 51.6 - “ Eis que amas a verda­ de no íntimo” ; Jr. 17.9,10 - “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o cora­ ção” = só Deus pode conhecer plenam ente a depravação nativa e incurável do coração humano; ver a Bíblia por Parágrafo Anotada, in loco. e) Jó 14.4 “Quem do imundo tirará o puro? Ninguém !” ; Jo. 3.6 - “O que é nascido da carne é carne”, /'.e., a natureza humana separada de Deus. P o p e , Theology, 2.53 - “Cristo, que conhece o que está no homem, diz: ‘Se vós, sendo m aus’

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(Mt. 7.11) e, ‘O que é nascido da carne é carne’ (Jo. 3.6), isto é, - juntando os dois - ‘os homens são maus, porque nasceram m aus’” . O conto O Véu Negro do Ministro de Nathaniel H a w t h o r n e retrata o isola­ mento da mais profunda vida do homem e o tem or que inspira qualquer afir­ mação visível de tal isolamento. C. P. Cranch: “Somos espíritos cobertos de véus; O homem nunca foi visto pelo homem; Toda a nossa profunda com u­ nhão não consegue rem over o sombrio anteparo” . No coração de cada um de nós encontra-se aquela tem ível “gota negra” , que o Corão diz ser o anjo apre­ sentado a Maomé. O pecado é como a nódoa da escrófula no sangue, que aparece nos tum ores, na destruição, no câncer, em m últiplas formas, mas que em toda a parte é o mesmo mal orgânico. É veraz a palavra de Byron sobre “A inerradicável nódoa do pecado, a ilim itada Upas (= antiar), a árvore que tudo arrasa” . E. G. R o b in s o n , Christian Theology, 161,162 - “ Não tem fundam ento a objeção de que a consciência não traz acusação de culpa contra a depravação inata; embora vista como verdadeira, pode ser natural em seu estado passivo quando sob a ação da natureza. Tal faculdade, ao contrário, em pres­ ta apoio à doutrina que ela supõe destruir. Quando a consciência sustenta a investigação inteligente sobre simples atos, logo descobre que estes são meros acessórios do crime, enquanto o elemento principal oculta-se além do alcan­ ce do conhecim ento. Acom panhando esta investigação, no seu devido tempo explode a exclam ação de Davi: SI. 51.5 - ‘Eis que em iniqüidade fui formado e em pecado me concebeu minha m ãe’. A consciência liga a culpa à sua sede no pecado hereditário” .

B) Declara-se que todo homem, por natureza é filho da ira (Ef. 2.3). Aqui ‘natureza’ significa algo inato e original distinto daquilo que se adquire poste­ riormente. O texto implica que; a ) O pecado é uma natureza no sentido de depravação congênita da vontade, b) Esta natureza é culpada e condenável; porque a ira de Deus repousa só sobre os que a merecem, c) Todo homem participa desta natureza e desta conseqüente culpa e condenação. Ef. 2.3 - “e éramos, por natureza, filhos da ira, como os outros tam bém ” . “Natureza aqui não é a substância criada por Deus, mas a sua corrup­ ção criada pelo homem”. ‘Natureza’ [de nascor (nascer)] pode denotar algo inato e o termo, com propriedade, pode designar tendências ou estados maus inatos, assim como as faculdades ou a substância. “ Por natureza” portanto = “por nascim ento”; compare Gl. 2.15 - “judeus por natureza” . E. G. R o b in s o n : “ Natureza = não o-uaía, ou essência, mas tão som ente a qualificação da essência, como algo nascido em nós. Há tanta diferença nos bebês, desde o começo da sua existência, como há nos adultos. Se se define o pecado como ‘transgressão voluntária da lei conhecida’, naturalm ente tal definição não con­ sidera o pecado original”. Mas se o pecado é um estado egoístico da vontade, esse estado é claram ente inato. A r is t ó t e l e s fala de alguns homens nascidos para serem selvagens ((púcrei páppapoi), e outros, por natureza, destinados a serem escravos (cp-ócei SoúXoi). Aqui evidentem ente acham-se a aptidão e S hedd:

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disposição congênitas. De igual modo podem os interpretar as palavras de Paulo, que declara exatam ente que, ao nascerem, os homens têm a aptidão e disposição que se constituem em objeto do desagrado de Deus. O ponto de vista oposto pode ser encontrado em S t e v e n s , Pauline Theology, 152-157. O Reitor F a ir b a ir n tam bém diz que a pecam inosidade herdada “não é transgressão e não inclui culpa” . R it c h l , Just. A n d Reconc., 344 - “O predicativo ‘filhos da ira’ refere-se à verdadeira transgressão antiga daqueles que agora, como cristãos, têm o direto de aplicar a si o propósito divino da graça, que é a antítese da ira” . M e y e r interpreta o verso: “ Tornamo-nos filhos da ira seguindo uma tendência natural” . Ele reivindica que a doutrina apostólica ensina que o homem sofre a ira divina por causa do seu verdadeiro pecado, quando submete a sua vontade ao princípio inato do pecado. Do mesmo modo N. W. T a y l o r , citado em H. B. S m it h : “Somos por natureza, tais como nos tornamos por nossos atos, filhos da ira” . “M as”, diz Smith, “se o apóstolo qui­ sesse dizer isto, poderia ter se expressado assim; há uma palavra grega pró­ pria para ‘tornar-se’; tal palavra só pode ser traduzida por ‘éram os’” . Assim em 1 Co. 7.14 - “Doutra sorte, os vossos filhos seriam im undos” - implica que, independentem ente da operação da graça, todos os homens estão con­ tam inados em virtude do seu nascimento de um tronco corrupto. A roupa morreu na lã e em seguida novamente na costura. O homem é um “vilão duplam ente m orto”. Ele é corrupto por natureza e posteriorm ente pela prática.

C) Visita-se a morte, penalidade do pecado, sobre os que nunca exerceram escolha pessoal e consciente (Rm. 5. 12-14). Este texto implica que a) O peca­ do existe no caso das crianças antes da consciência moral e, portanto, na natu­ reza, independente da atividade pessoal, b) Porque as crianças morrem, esta visitação da penalidade do pecado sobre elas assinala o mal dessa natureza que contêm em si, apesar de não desenvolvidos os germes da verdadeira trans­ gressão. c) Portanto, é certo que a natureza pecaminosa, culpada e condenável abrange toda a humanidade. Rm. 5 .1 2 -1 4 - “ Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram. Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é im putado não havendo lei. No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre os que não pecaram à sem elhança da transgres­ são de Adão” - Isto é, sobre aqueles que, à sem elhança das crianças, nunca pecaram pessoal e conscientemente. N. W. T a y lo r sustenta que as crianças, antes da atuação moral, não estão sujeitas ao governo moral de Deus, do mesmo modo que os animais. Nisto ele discorda de E d w a r d s , B e l l a m y , H o p k in s , D w ig h t , S m a l l e y , G r if f in . Ver T y l e r , Letters on N. E. Theol., 8.132-142 - “ Dizer que os animais morrem e, por isso a morte não pode ser prova do pecado nas crianças, é em pregar uma base incrédula. O incrédulo tem o mesmo direito de dizer: Porque os animais

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morrem mesmo não sendo pecadores, o mesmo pode acontecer com os adul­ tos. Se a morte pode reinar em tão alarm ante extensão sobre a raça humana e ainda não ser prova do pecado, então adota-se o princípio de que a morte pode reinar em qualquer extensão sobre o universo, em bora nunca pode tor­ nar-se uma prova do pecado em qualquer caso” . Reservamos nossa prova com pleta de que a morte física é a pena do pecado para a seção Pena, como uma das conseqüências do pecado.

2. Prova da Razão

Três fatos demandam explicação: a ) A existência universal das disposi­ ções pecaminosas em cada mente e dos atos em cada vida. b) As tendências preponderantes para o mal, que necessitam a constante educação para os bons impulsos enquanto os maus se desenvolvem por si mesmos, c) A inclinação da vontade para a tentação e a verdadeira violação da lei divina, no caso de cada ser humano tão logo ele atinge a consciência moral. Vê-se o egoísm o fundam ental do homem na infância, quando a natureza humana age espontaneam ente. É difícil desenvolver cortesia na criança. Não pode haver nenhuma cortesia sem considerar o homem como homem e a voluntariedade de cada um, seu lugar, o seu direito como filho de Deus igual a nós. Mas as crianças querem agradar a si mesmas sem ter consideração pelos outros. A mãe pergunta ao filho: “ Por que você não faz o que é certo em vez de fazer o que é errado?” e o filho responde: “ Porque isso me cansa”, ou “ Porque faço o que está errado sem tentar” . Nada corre por si a não ser morro abaixo. “Nenhum outro animal faz coisas que o ferem ou destroem e as faz por am or a si. Mas o homem as faz e nasce para fazê-las desde o nascim en­ to. As tenras pereirazinhas são todas pereiras, não são macieiras, e os espinheiros são todos espinheiros, não parreiras e todos os descendentes do homem nascem com o mal na sua natureza”. Na novela da S r a . H u m p h r e y W a r d , R obert Elsmere, representa a insossa escola dos filantropos. “ Dê uma oportunidade ao hom em ” , dizem eles, “dê um bom exemplo e um am biente favorável e ele voltará a ser bom. A presença exterior do mal é que leva o homem ao mau cam inho” . Mas a acusação divina encontra-se em Rm. 8.7 - “a inclinação da carne é inimizade contra Deus” . G. P. F is h e r : “Sobre as idéias da religião natural, P l a t ã o , P lu t a r c o e C íc er o concordam no fato de que elas fazem parte da razão do homem, mas não obedecem à vontade dele, o que evidencia de modo mais convincente que a hum anidade está em cism a consigo m esm a e, por isso, vive depravada, decaída e incapaz de libertar-se a si mesma. A razão por que muitos m oralis­ tas falham e se amarguram e se irritam cada vez mais é que não levam em conta o seu estado de pecam inosidade” .

A razão busca um princípio subjacente que reduzirá estes múltiplos fenô­ menos à unidade. Como somos compelidos a fazer referência aos comuns

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fenômenos físicos e intelectuais, também somos compelidos a referir estes fenômenos morais a uma natureza moral comum e achar nela a causa de sua oposição universal, espontânea e autocontroladora a Deus e sua lei. A única solução possível do problema é que a natureza comum da humanidade é cor­ rupta ou, em outras palavras, que a vontade humana, antes da sua vontade individual, dá as costas para Deus e estabelece a sua autogratificação. Esta direção inconsciente e fundamental da vontade, fonte do verdadeiro pecado, deve também ser pecado; e deste pecado todos são participantes. Os maiores pensadores do mundo têm certificado a correção desta con­ clusão. Ver a doutrina de A r is t ó t e l e s sobre a “derrocada” descrita na Introdu­ ção de Chase à Ética de Aristóteles xxxv e 32 - “ A respeito da virtude moral, o homem está numa ribanceira. Seus apetites e paixões gravitam para baixo; a razão o atrai para cima. Ocorre o conflito. Um passo acim a e a razão ganha o que a paixão perde; mas, se cam inha para baixo, ocorre o inverso. A tendên­ cia, naquele caso destina-se à inteira sujeição da paixão; neste último caso, destina-se à inteira supressão da razão. A inclinação term inará em direção ao alto num nível superior em que os passos do homem serão seguros ou para baixo em irreversível mergulho no precipício. O autocontrole contínuo conduz ao autodom ínio absoluto; o insucesso contínuo conduz à total ausência de autocontrole. Mas tudo o que podem os ver é o declínio. Ninguém vive sempre na íipejna do clímax, nem podemos dizer que alguém caiu no abismo de modo irrecuperável. Como é que os homens constantem ente agem contra as suas próprias convicções a respeito do que é correto e suas determ inações anteri­ ores de seguir o que é certo é um mistério que A r is t ó t e l e s discute, mas deixa sem explicação. “Compare a passagem na Ética, 1.11 - ‘Neles [nos homens] está claro, além da Razão, algum outro princípio inato (jcecpuKÓç) que luta e torce contra a Razão. ... Há na alma tam bém algo além da Razão que se opõe e vai contra ela’. - Compare esta passagem com Paulo, em Rm. 7.23 - ‘Mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendim ento e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus m em bros’. Mas, como A r is t ó t e l e s não explica a causa, do mesmo modo não sugere nenhuma cura. Só a revelação pode dar conta da doença, ou assinalar o remédio” . W u t t k e , Christian Ethics, 1.102 - “A ristóteles faz a significativa e quase surpreendente observação, que o caráter que se tornou mau através da culpa bem pouco se pode expelir por simples vontade, do mesmo modo que a pes­ soa que adoeceu por sua própria culpa pode sarar som ente por sua vontade; desde que se tornou mau ou doente, não com porta mais à discrição deixar de ser assim; uma vez lançada, não se pode recapturá-la da sua fuga; e assim é com o caráter que se tornou m au”. Ele não revela “como se pode reformar o caráter; embora não admita que o mal tenha outro efeito além do individual, não conhece nada da solidariedade do referido mal na sua autopropagação, em raças moralmente degeneradas” (Ética de Nicéia, 3.6,7; 5.12; 7.2,3; 10.10). A boa natureza, diz ele, “evidentem ente não está na nossa força, mas, em certo sentido, na causalidade divina conferida ao verdadeiram ente feliz”.

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P la t ã o fala daquele “animal selvagem cego, policéfalo, de tudo que é mau e que existe dentro de ti”. Repudia a idéia de que os homens são naturalm en­ te bons e diz que, se isto fosse verdade, para torná-los santos bastaria ape­ nas isolá-los desde os primeiros anos, para que não houvesse possibilidade de sofrerem a corrupção causada pelos outros. República, 4 ( Tradução de Jowett, 11.276) - “Há uma parte da alma que se levanta contra a alma inteira”. Mênon, 89 - “A causa da corrupção procede de nossos pais de modo que nunca abandonamos o seu mau procedimento, ou livram o-nos do estigma dos seus maus hábitos” . H o r á c io , Epístolas, 1.10 - “ Naturam expellas furca, tamem usque recurret (Com a forca tu expeles a natureza, entretanto a qual­ quer momento ela volta rapidam ente)” . Provérbio latino: “ Nemo repente fuit turpissim us” (Ninguém num piscar de olhos se torna ignóbil)” . Pascal: Nasce­ mos injustos; porque cada um tende para si mesmo, e a inclinação para si é o princípio de toda a desordem ” . Em seus P rincípios M etafísicos da Moral Humana, K a n t fala que “há um princípio mau lado a lado com o bom, ou o mal radical da natureza humana” , e a “disputa entre os princípios do bem e do mal pelo controle do hom em ” . “ Panteísta como era, Hegel declarava que o peca­ do original é a natureza de todo ser humano, - todo ser humano começa com ela” (H . B. S m it h ). S h a k e s p e a r e , Timon ofA thens, 4.3 - “Tudo é obliquo: Não há nada plano na nossa maldita natureza, A não ser vilania direta” . Tudo está Bem, 4.3 “Quão fracos somos em nós mesmos! Somos sim plesm ente traidores de nós m esm os” . Medida por Medida, 1.2 - “Como os ratos que comem vorazm ente o próprio veneno, nossas inclinações correm atrás de um mal de que estão sedentas e, quando bebem, m orrem os” (Ed. da Abril Cultural 1978, vol. 2, p. 122). Hamlet, 3.1 - “A virtude não pode inocular nossa antiga origem gené­ tica, mas iremos saboreá-la” . Labor Perdido do Amor, 1.1 - “Todo homem nasce com seu afeto, Não por uma força controlada, mas pela graça espe­ cial” . Conto do Inverno, 1.2 - “Se não tivéssem os respondido ao alto Céu, não teríam os culpa; a imposição torna clara nossa H erança” - isto é, se estivés­ semos prevenidos de nossa conexão hereditária com Adão não nos teríamos tornado culpados. Sobre a teologia de S h a k e s p e a r e , ver A. H. S t r o n g , Great Poets, 195-211 - “Se alguém pensa que é irracional crer na depravação, na culpa e na necessidade da redenção sobrenatural do homem, deve também estar preparado para dizer que S h a k e s p e a r e não com preendia a natureza hum ana” . T. S. C o le r id g e , Omniana, no final: É um artigo fundam ental do cristianis­ mo que eu sou uma criatura ... que em minha vontade existe má base que precede qualquer ato assinalável ou m om ento da m inha consciência; Nasci uma criança irada. Este tem ível m istério eu sim ulo não entender. Nem mes­ mo posso conceber tal possibilidade; mas sei que ela é real ... e o que é real é possível”. Um cético que não transm itiu aos filhos nenhuma educação reli­ giosa com vistas a deixar cada um, na m aturidade, escolher uma crença por si mesmo, reprovava C o le r id g e , por deixar que em seu jardim crescessem ervas daninhas; C o le r id g e retrucou que ele não pensava estar certo prejudi­ car o solo em favor de rosas e morangos. Van Osterzee: A chuva e o sol fazem crescer mais rapidamente as ervas daninhas, mas não as tiraria do solo se as sem entes não estivessem ali. T e n n y s o n , Tw o Voices: “ Ele acha

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uma baixeza no seu sangue não poder fazer o que deveria Em tão estranha batalha contra o que é bom ” . R obert B rowning, G old Hair. uma Lenda de Pórnico: “A fé que lançou categoricam ente o seu dardo Na cabeça de alguém que jazia tom bado - ensinou o Pecado Original, corrupção do coração do ser humano” . Taine, O Antigo Regime: “Cada um de nós abriga em repouso ou algemado, mas sempre vivo, no recesso no nosso coração, o selvagem, o bandoleiro, o m aluco” . A lexander M aclaren: “Uma grande massa de ervas daninhas numa lagoa de águas estagnadas arrasta-se para você quando você draga um filam ento” . Retire um pecado e ele trará consigo toda a em aranha­ da natureza do referido pecado. T h o m p s o n , C hief Justice, de Pensilvânia: “Se os pregadores tivessem sido juristas antes de entrarem para o ministério, conheceriam e diriam muito mais a respeito do estado de depravação do coração humano do que o fazem. A velha doutrina da depravação total é a única coisa que pode explicar a falsidade, a desonestidade, a licenciosidade e os assassinatos tão freqüen­ tes no mundo. A educação, o refinam ento e até mesmo o elevado talento não podem sobrepor a inclinação para o mal existente no coração e que se apos­ sou até das fibras da nossa natureza” .

SEÇÃO IV - ORIGEM DO PECADO NO ATO PESSOAL DE ADÃO A razão não lança luz sobre a origem desta natureza pecaminosa comum à raça e que ocasiona todas as verdadeiras transgressões. As Escrituras, contu­ do, referem-se à origem desta natureza como um ato livre dos nossos primei­ ros pais através do qual eles viraram as costas para Deus, corromperam-se e trouxeram para si as penalidades da lei. C h a n d l e r , S pirit o f Man, 76 - “ É inútil tentar separar a vida moral da cristandade do fato histórico no qual ela está arraigada. Por cordialidade pode­ mos assentir com esta afirm ação de que o valor todo dos eventos históricos encontra-se na sua significação histórica ideal. Em muitos casos, porém, par­ te do significado daquela idéia acha-se no fato de que ela tem sido apresen­ tada na história. O valor e interesse da conquista da Grécia sobre a Pérsia está na significativa idéia da liberdade e da inteligência que triunfa sobre o poder despótico; porém, sem dúvida, uma parte, aliás muito importante, da idéia, encontra-se no fato de que se obteve tal triunfo num passado histórico, e no estímulo do presente com apoio no referido fato. Do mesmo modo, o valo r da ressurreição de C risto enco n tra -se na sua im ensa significação moral, princípio basilar da vida; mas uma parte essencial da mesma significa­ ção é o fato de que alguém em quem a humanidade se resume e se expressa realmente opera o princípio e por isso, através dele confere-se o poder de realizá-lo a todo aquele que o recebe” . Como para nós é importante saber que a redenção não é apenas ideal, mas real, assim tam bém nos é importante saber que o pecado não é um

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acessório indispensável da natureza humana, mas teve um início histórico. Entretanto, nenhuma teoria a prio ri deve antecipar o nosso exame dos fatos. Em vista disso, vamos prefaciar nossa consideração do relato escriturístico, estabelecendo que o nosso ponto de vista sobre a inspiração perm ite-nos considerar inspirado o relato, mesmo quando m itológico ou alegórico. Como Deus pode em pregar todos m étodos de com posição literária, assim também pode em pregar todos métodos consistentes com a verdade para instruir a humanidade. G e o r g e A d a m S m it h observa que os mitos e lendas do folclore primitivo são mais tarde os equivalentes intelectuais das filosofias e teorias do universo e que “em tem po algum a revelação se recusou a valer-se de tais concepções humanas para o investim ento e transm issão das mais elevadas verdades espirituais” . S ylvester Burnham: “ Para o mestre de religião e moral a ficção e o mito ainda não perderam o seu valor. O que um conhecim ento da sua própria natureza tem -se mostrado bom para o uso do homem, sem dúvi­ da Deus também pode tê-lo achado. Não seria necessário afetar o valor da Bíblia se o escritor, ao em pregar o mito ou a ficção para o seu propósito, supusesse que estava empregando a história. Só quando o valor da verdade do ensino depende da historicidade do fato citado torna-se im possível o emprego da ficção visando ao ensino” . Ver vol. 1 , p. 2 1 4 desta obra, que as citações de D e n n e y , Studies in Theology, 2 1 8 e G o r e em Lux Mundi, 3 5 6 . Eurípides: “Ó Deus de todas as coisas! infunde luz nas almas dos homens e, através dela, sejam eles capazes de saber qual é a raiz de que brotam todos os males, e quais os meios para evitá-los!”

I. O RELATO ESCRITURÍSTICO DA TENTAÇÃO E QUEDA EM GN. 3.1-7 1. Seu caráter geral não mítico ou alegórico, mas histórico

Adotamos este ponto de vista pelas seguintes razões: - a) Não há nenhuma indicação no relato em si que não seja histórica, b) Como parte de um livro histórico, é de se supor que este também o seja. c) As Escrituras se referem mais tarde a ele como história verdadeira até mesmo nos pormenores, d) Carac­ terísticas particulares da narrativa, tais como o lugar dos nossos pais no jar­ dim e a fala do tentador na forma de uma serpente, são incidentes adequados à condição de infantilidade inocente e não tentada, e) Este ponto de vista de que a narrativa é histórica não impede de admitir que a árvore da vida e a do conhecimento fossem símbolos de verdades espirituais, conquanto ao mesmo tempo fossem realidades exteriores. Ver Jo. 8.44 - “Vós tendes por pai o diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o princípio e não se firmou na verdade. Quando profere mentira, fala do que lhe é próprio porque é mentiroso e pai da mentira” ; 2 Co. 1 1 . 3 - “A serpente enganou Eva com a sua astúcia” ; Ap. 2 0 . 2

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- “o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás” . H. B. S m it h , System, 261 - “Se a tentação e a vitória de Cristo sobre Satanás foram eventos histó­ ricos, não há nenhuma base para supor que a prim eira tentação não o foi tam bém” . Cremos na unidade e suficiência da Escritura. Contudo, considera­ mos o testem unho de Cristo e dos apóstolos conclusivo a respeito da historicidade do relato em Gênesis. Adm itim os uma superintendência na escolha do material pelo seu autor e o cum prim ento da prom essa de Cristo aos após­ tolos de que eles seriam guiados na verdade. A doutrina do pecado apresen­ tada por Paulo baseia-se tão m anifestamente no caráter histórico da narrativa de Gênesis, que a negação de uma conduz naturalm ente à do outro. J o h n M ilto n escreve em sua Areopagita: “É da casca de uma m açã saboreada que o conhecim ento do bem e do mal, com o dois gêmeos ligados, saltou para o mundo. E talvez seja isso que tenha causado a queda de Adão, a saber, o conhecim ento do bem e do mal” . Ele deve ter aprendido a conhecer o mal como Deus o conhece - como algo possível, odioso e sem pre rejeitado. Na verdade ele aprendeu a conhecer o mal como Satanás - tornando-o real e assunto de amarga experiência. O infantil e inocente homem encontrou o seu lugar adequado e a sua obra num jardim . Sem dúvida em prega-se a língua das aparências. Satanás pôde assumir a form a de um bruto e aparecer para falar através dele. Em todas as línguas, as histórias dos brutos falantes mostram que tal tentação é côngrua com a condição do homem primitivo. Os mitos asiáticos concordam em repre­ sentar a serpente como em blem a do espírito do mal. A árvore do conheci­ mento do bem e do mal é o sím bolo do domínio justo de Deus e indica que tudo pertence a ele. Não é necessário supor que isto era conhecido antes da queda. Através dela o homem veio a conhecer o bem, com a sua perda; conhecer o mal com a amarga experiência; C.H.M.: “ C onhecer o bem, sem o poder de praticá-lo; conhecer o mal, sem o poder de evitá-lo” . Comentário Bíblico, 1.40 - A árvore da vida, é o sím bolo do fato de que “se deve buscar a vida, não a partir de dentro, de si mesmo, com as próprias forças ou faculda­ des; mas a partir de fora, daquele que tem a vida em si mesm o”. Como a água do batismo e o pão da Ceia do Senhor, apesar de não serem coisas comuns, são símbolos das maiores verdades, assim a árvore do conhe­ cimento e a da vida são sacram entais. M c I l v a in e , Wisdom o f H oly Scripture, 99-141 - “As duas árvores representam o bem e o mal. A proibição é a decla­ ração de que o homem por si mesmo não pode fazer distinção entre o bem e o mal e deve confiar na direção divina. Satanás estimulou o homem a discer­ nir entre o bem e o mal através da sabedoria de si mesmo e, desta forma tornar-se independente de Deus. O pecado é a tentativa da criatura exercer o atributo divino do discernim ento e escolha entre o bem e o mal por sua pró­ pria sabedoria. Em vista disso é o conceito próprio, a autoconfiança, a autoafirmação, a preferência da sua própria sabedoria e vontade à sabedoria e vontade de Deus”. G r if f it h - J o n e s , A sce n t Through Christ, 142, sobre a árvore do conheci­ mento do bem e do mal - “Quando, pela prim eira vez, o homem se viu frente a frente com a tentação consciente de fazer aquilo que estava errado, apoia­ va, por um lado, o fruto daquela árvore e o seu destino como ser moral, pen­ dendo e trem endo na balança. Quando, pela prim eira vez sucumbiu à tenta-

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ção, desmaiou ante o rem orso que lhe visitou o coração, naquele mesmo instante ele foi banido do Éden da inocência em que a sua natureza tinha estado, e fugiu da presença do Senhor” . Com o prim eiro pecado, ele partiu para o outro e descambou no curso do seu desenvolvim ento.

2. O curso da tentação e a resultante queda

Os estágios da tentação parecem ter sido os seguintes:

a) Apelo da parte de Satanás aos inocentes apetites juntamente com uma

sugestão que implicava a arbitrariedade de Deus limitando os meios de grati­ ficação do primeiro casal (Gn. 3.1). O primeiro pecado consistia em Eva iso­ lar-se e optar pela busca do seu próprio prazer sem considerar a vontade de Deus. Este egoísmo inicial consistiu no fato de que ela deu ouvidos ao tenta­ dor em vez de repreendê-lo ou fugir dele e exagerar a ordem divina em sua resposta (Gn. 3.3). Gn. 3.1 - “ É assim que Deus disse: Não comerás de toda árvore do ja r­ dim?” Satanás dá ênfase à limitação, mas silencia a respeito da generosa p e rm is s ã o -“De toda árvore do jardim [menos uma] comerás livremente” (2.16). C.H.M. in loco: Adm itir a pergunta ‘Deus disse?’ já é infidelidade positiva. Acres­ centar à palavra de Deus é tão mau como retirar dela. À expressão 'Deus disse’ segue-se imediatamente ‘Certam ente não m orrereis’. Por em dúvida se Deus falou resulta em aberta contradição sobre o que Deus disse. Eva deixou a palavra de Deus ser contraditada só porque tinha abjurado a autoridade da referida palavra com prejuízo da sua consciência e do seu coração” . A ordem era unicamente: “dela não com erás” (Gn. 2.17). Ao apresentar a diferença de autoridade que havia renunciado, Eva exagera a ordem dizendo: “ Não comereis dele, nem nele tocareis” (Gn. 3.3). Eis aqui um auto-isolam ento, em lugar do amor. M a t h e s o n , Messages o f the O ld Religions, 318 - “Antes que a alma humana desobedecesse, sempre aprendeu a desconfiar. ... Antes de violar a lei existente, devia ter pensado que o Legislador tem ciúm e das suas criatu­ ras” . D r . C. H. P a r k h u r s t : “A prim eira pergunta na história humana foi feita pelo diabo e o ponto de interrogação ainda tem em si o rasto da serpente” . b ) A negação da veracidade de Deus da parte do tentador acusando-o de ciúme e fraude do Onipotente, conservando suas criaturas em posição de ignorância e dependência (Gn. 3.4,5). Da parte da mulher seguiu-se uma posi­ tiva descrença e consciente e presunçoso acalento do desejo do fruto proibido como recurso para sua independência e conhecimento. Assim a descrença, o orgulho, a cobiça surgiram de um espírito de auto-isolamento e busca de si mesmo e fixou-se nos meios de sua gratificação (Gn. 3.6). Gn. 3.4,5 - “Então a serpente disse à mulher: Certam ente não morrereis. Porque Deus sabe que, no dia em que dele com erdes, se abrirão os vossos

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olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal” ; 3.6 - E, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendim ento, tom ou do seu fruto, e comeu, e deu tam ­ bém a seu marido, e ele comeu com ela” - “aceitando assim a palavra de um Mestre em Mentiras em vez de receber a daquele que não mente” (John H enry N ewman). H ooker, Eccl. Polity, livro I - “Viver segundo a vontade de um ho­ mem tornou-se a causa da miséria de todos os hom ens” . G odet, 1 Jo. 1.4 “Nas palavras ‘vida’ e ‘luz’ é natural ver uma alusão à árvore da vida e à do conhecim ento. Após ter comido daquela, o homem teria sido chamado a alimentar-se da segunda. João nos introduz à essência real destes fatos primor­ diais e misteriosos e dá-nos, neste verso, a filosofia do Paraíso” . A obediência é o meio para conhecer e o pecado do Paraíso foi a busca da luz sem a vida; cf. Jo. 7.17 - “Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus, ou se falo de mim m esm o” .

c) O tentador não mais necessitava de estimular o prosseguimento. Tendo envenenado a fonte, a correnteza naturalmente seria má. Porque o coração e os seus desejos tinham-se tornado corrompidos a disposição interior manifes­ tou-se em atos (Gn. 3.6 - ‘comeu-o; e deu-o ao seu marido’ = que tinha estado com ela e compartilhado da sua escolha e anseio). Assim o homem caiu inte­ riormente antes do ato exterior de comer o fruto proibido, - caiu em uma fundamental determinação pela qual ele fez a suprema escolha do eu em lugar de Deus. O pecado de natureza interior deu surgimento aos pecados dos dese­ jos e os pecados dos desejos conduziram ao ato de transgressão (Tg. 1.15). Tg. 1.15 - “Depois, havendo concebido, dá à luz o pecado” . B a ir d , Elohim Revealed, 388 - “A lei de Deus já havia sido violada; o homem caiu antes que o fruto tivesse sido arrancado, ou a rebelião tivesse sido assinalada. A lei requeria não só a obediência exterior, mas a fidelidade do coração e este se achava afastado antes que qualquer sinal indicasse a mudança”. Partilharia ele da com panhia de Deus, ou da esposa? Quando o índio perguntou ao missionário onde estavam seus ancestrais e este lhe disse que estavam no inferno, ele respondeu que queria ir te r com eles. Preferia o inferno com a sua tribo a ir ter com Deus no céu. De igual modo Safira teve oportunidade de rom per com o seu marido, mas preferiu-o a Deus; At. 5.7-11. P h il ip p i , Glaubenslehre: “ Desse modo o homem tornou-se, sem elhante a Deus, um estabelecedor de leis para si mesmo. A sua queda consistiu na sua auto-elevação a um nível de divinização de si mesmo. A humildade própria de Deus para com a humanidade foi a restauração e a elevação. ... Gn. 3.22 ‘O homem tornou-se como um de nós’ na sua condição de atividade centrada em si mesmo; livrando-se, desta forma, da real sem elhança com Deus, a qual consiste em ter o mesmo alvo que o próprio Deus. De te fabula narratur (a narrativa se refere a ti); esta é a condição não apenas de um ser, mas de toda a raça” . Uma vez cometido, o pecado se propaga; sua semente está nele mesmo; os séculos de miséria e crime que se seguiram só têm mostrado que

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as infindas possibilidades do mal estão com preendidas naquele único peca­ do. Keeble: “Apenas uma gota do pecado vim os entrar nesta manhã e eis que, ao anoitecer, o mundo se afogou!” F a r r a r , F a li o f M an: “O culposo dese­ jo da m ulher inflam ou-se na irremediável corrupção do m undo”.

II. DIFICULDADES EM CONEXÃO COM A QUEDA CONSI­ DERADAS COMO O ATO PESSOAL DE ADÃO 1. Como poderia cair um ser santo? Temos de reconhecer aqui a nossa impossibilidade de entender como a primeira emoção não santa podia ter achado lugar em uma mente estabelecida em condição privilegiada por Deus, nem como a tentação podia ter vencido uma alma em que não havia nenhuma propensão não santa a que pudesse apelar. O simples poder de escolha não explica o fato da escolha não santa. O fato do desejo natural de uma gratificação sensitiva e intelectual não expli­ ca como este desejo veio a ser desordenado. Nem lança luz sobre a matéria para resolver a queda em um engano dos nossos primeiros pais da parte de Satanás. A inclinação deles para tal engano pressupõe a falta de confiança em Deus e alienação em relação a ele. Porque a queda da parte de Satanás deve ter sido não causada pela tentação externa é mais difícil explicar a queda de Adão. Podemos distinguir seis explicações incorretas sobre a origem do pecado: 1. Emmons: O pecado se deve ao efeito de Deus. - Deus operou o pecado no coração do homem. É o “sistem a do exercício”, essencialm ente panteísta. 2. Edwards: O pecado se deve à providência de Deus. - Deus indiretamente causou o pecado ao apresentar os motivos. Tal explicação tem todos os defei­ tos do determinismo. 3. A g o s t in h o : O pecado resulta do afastamento divino da alma do homem. Porém o pecado inevitável não é pecado e a acusação apóiase em Deus, que retirou a graça necessária à obediência. 4. Pfleiderer: A queda resulta da pecam inosidade já existente no homem. Neste caso, a falta não se deve ao homem, mas a Deus, que fez o homem pecaminoso. 5. H a d l e y : O pecado se deve à insanidade moral do homem. Porém tal falha ética criada com o homem tornaria o pecado impossível. A insanidade é efeito do pecado, e não a causa. 6. Newman: O pecado se deve à fraqueza do homem. Não é algo negativo, mas positivo, incidente da finitude. Mas a cons­ ciência e a Escritura testificam que ele tanto é positivo quanto negativo; tanto oposição a Deus como inconform idade para com Deus. E m m o n s é realm ente um panteísta: Diz ele: “Visto que Deus opera em todos os homens tanto o querer com o o efetuar a seu bel-prazer, é tão fácil explicar a primeira ofensa de Adão como a de qualquer outro pecado. ... Não há nenhuma dificuldade sobre a queda de Adão do seu estado original de perfeição e pureza para um estado de pecado e culpa que, de qualquer m aneira é peculiar. ... É consistente com a retidão moral de Deus produzir

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tanto exercícios pecam inosos como santos nas m entes humanas. Ele exerce uma influência positiva a fim de fazer os agentes morais atuarem, em cada caso da sua conduta, como lhes apraz. ... Há tão som ente uma resposta satisfatória para a pergunta: De onde veio o m al? Ei-la: Veio da grande pri­ meira causa de todas as coisas”. J o n a t h a n E d w a r d s negava o poder de opor-se até mesmo ao primeiro pecado de Adão. Deus não foi a causa im ediata daquele pecado, mas foi atuante na região dos motivos, embora não se percebesse tal ação. Freedom o f the Will, 161 - “ Era natural que a transação ocorresse para não parecer que Deus foi a sua fonte. Contudo, Deus pode, na verdade, em sua providên­ cia, dispor e perm itir as coisas através das quais o evento, certa e infalivel­ mente, pode estar ligado a ta i disposição e perm issão” ; Encyclopaedia Britannica, 7.69 0 - “ Para E d w a r d s , A dão tin h a dois p rin cíp io s: o natural e o sobrenatural. Quando Adão pecou, o princípio sobrenatural, ou divino, afas­ tou-se dele e, assim, a sua natureza tornou-se corrupta, sem que Deus infun­ disse qualquer coisa má nela. Sua posteridade veio a estar totalm ente sob o governo dos princípios naturais e inferiores. Mas isto resolve a dificuldade de tornar Deus o autor do pecado só através da negação deste, além do que destrói a distinção essencial de E d w a r d s entre a capacidade natural e a moral” . E d w a r d s , sobre a on Trinity, ed. de F i s h e r , 44 - “O sol não causa trevas ou frio quando estes infalivelm ente se seguem ao afastamento dos seus raios. O resultado do dispositivo de Deus não é um exercício positivo da sua parte”. S h e d d , Dogm. Theol., 2.50 - “Deus não retirou de Adão a sustentadora graça comum do Espírito ainda mesmo depois da transgressão” . Para nós, o ato de Adão foi irracional, mas não impossível; para um determinista com o E d w a r d s , que sustentava que os hom ens apenas agiam conform e o seu caráter, o ato de Adão deve ter sido não só irracional, mas impossível. Em lugar nenhum E d w a r d s m ostra como, segundo os seus princípios, seria possível a queda de um santo. P l e id e r e r , Grundríss, 123 - “O relato da queda é a prim eira aparição de uma pecam inosidade já existente e um exem plo típico do meio em que cada indivíduo se torna pecador. O pecado original é apenas a universalidade e origem do pecado. Não existe essa coisa de indeterm inism o. A vontade pode surgir da falta de liberdade, e esta dos im pulsos naturais, para a verdadeira liberdade espiritual, distinguindo-se apenas da lei que põe diante de si a real finalidade do ser. A oposição da natureza para com a iei revela uma força da natureza original que antecede a toda a autodeterm inação. O pecado é a má inclinação do egoísm o por si mesmo voluntário, ausente da lei” . P f l e id e r e r parece tornar esta pecam inosidade criada sim ultaneam ente e sem a culpa porque procede de Deus. H il l , Genetic Philosophy, 288 - “A ampla discrepân­ cia entre o preceito e a prática produz o surgim ento da concepção teológica de pecado, que, nas religiões inferiores é tão freqüente como a violação de alguma prescrição trivial de um princípio de ética. A presença do pecado, em contraste com o estado de inocência, ocasionou a idéia de uma queda ou lapso de uma condição de ausência de pecado. Isto não é incompatível com a derivação do homem a partir de um animal, que, antes de ter autoconsciência, pode ser considerado em estado de inocência. O senso e realidade do pecado são im possíveis aos animais. ... A existência do pecado, tanto na

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disposição inerente, como na form a pervertida da ação, pode ser explicada como sobrevivência da tendência animal na vida h u m a n a .... Pecado é distúr­ bio da vida em seu plano mais elevado com a introdução do inferior”. P r o f . J a m e s H a d l e y : “Todo homem é, em m aior ou menor escala, um insa­ no” . Porém não devemos considerar o pecado como resultado da insanidade. Esta é que resulta do pecado. Contudo, ela uma enferm idade física - o peca­ do é uma perversão da vontade. J o h n H e n r y N e w m a n , Idea o f University, 60 “O mal não tem nenhuma substância própria. É apenas um defeito, o exces­ so, a perversão ou corrupção daquilo que tem substância”. A g o s t in h o parece às vezes favorecer este ponto de vista. Ele sustenta que o mal não tem nenhuma origem porque ele é não é positivo; é negativo. É tão somente um defeito, uma falha. Ilustra com o estado danoso de uma harpa desafinada. A. A. H o d g e , P opular Lectures, 190, diz-nos que a vontade de Adão assem e­ lhava-se a um violino afinado que, à mínim a desatenção e negligência desa­ finou-se. Mas aqui devemos dizer com E. G. R o b in s o n , Christian Theology, 124 - “O pecado explicado é o pecado defendido” . Nada disso explica, antes lança sobre Deus a sua culpa, de ser direta ou indiretam ente o seu causador.

Mas o pecado é um fato. Deus não pode ser o seu autor, quer por ter criado a natureza do homem de modo que o pecado fosse um incidente necessário do seu desenvolvimento, quer por afastar uma graça sobrenatural necessária para conservar o homem santo. A razão, portanto, não tem nenhum recurso além de aceitar a doutrina da Escritura de que o pecado originado na vontade livre do homem de revoltar-se contra Deus - ato de uma vontade que, apesar de incli­ nada para Deus, ainda não estava confirmada na virtude e estava sujeita a uma escolha contrária. Aposse original de tal força ao contrário parece ser a condi­ ção necessária da provação e desenvolvimento moral. Contudo, o exercício de tal força nunca pode ser explicado com base na razão, visto que o pecado é essencialmente a não razão. É um ato de arbitrariedade iníqua, cujo único motivo é o desejo de separar-se de Deus e considerar o eu supremo. O pecado é um “mistério da injustiça (2 Ts. 2.7), tanto no começo como no fim. N e a n d e r , Planting and Training, 3 8 8 - “Q ualquer que explica o pecado anula-o” . O poder que o homem tem de escolher o mal no princípio não prova que ele, tendo caído, tem por si mesmo igual poder de escolher perm anente­ mente o bem. Porque o homem tem poder para lançar-se do alto de um pre­ cipício para baixo não se segue que tenha igual poder para transportar-se em sentido oposto. O homem caiu por voluntária resistência à operação de Deus. Cristo é em todos o que ele foi em Adão e todos os bons im pulsos devem-se a ele. Visto que o Espírito Santo é a interiorização de Cristo, todos os homens estão sujeitos à sua atuação. Cristo não se afasta dos homens a não ser que estes se afastem dele e, como conseqüência, da atuação deles. J o h n M il t o n faz o Onipotente proferir a resposta do pecado de Adão: “De quem é a falta? De quem, senão dele mesmo? Ingrato, teve de mim tudo o que podia ter;

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Eu o fiz justo e reto, suficiente para ficar em pé, embora livre para cair. Criei todas as Forças Etéreas, Todos Espíritos, tanto os que o sustentaram em pé, como os que o derrubaram; Livremente eles sustiveram os que ficaram em pé; e derrotaram os que caíram ” . A palavra “cussedness” (perversidade ou maldição) encaixa-se bem neste caso. O Standard D ictionary define-a como “ 1. Praga, m iserabilidade, perversidade; 2. coragem resoluta, persistência: ‘Ouviu-se a voz de Jim Bludsoe, e todos confiaram na ‘cussedness’ dele E sabiam que cum priria a sua palavra’” ( J o h n H a e , Jim Bludsoe, estrofe 6). Não é a primeira, mas a última das definições a que m elhor descreve o primeiro pecado. O mais completo e satisfatório modo de tratar a queda do homem em conexão com a doutrina da evolução encontra-se em G r if f it h - J o n e s , A scent Through Christ, 73, 240. H o d g e , Essays a n d Reviews, 30 - “ Há uma grande diferença entre o começo da santidade e o começo do pecado e há mais necessidade daquele do que deste. Um ato de obediência, se praticado por mero impulso de amor próprio, não é virtualm ente um ato de obediência. Não é praticado com qual­ quer intenção de obedecer, pois o que é santo e não o pode, segundo a teoria, precede o ato. Mas o ato de desobediência, feito a partir do desejo da felicidade, é rebelião. Os casos são seguram ente diferentes. Se, para agra­ dar a mim mesmo, faço o que Deus manda, isto não é santidade; mas se, para agradar a mim mesmo, faço o que ele proíbe, isto é pecado. Além disso, nenhuma criatura é imutável. Embora criado santo, o gosto pelos prazeres santos pode ser vencido por uma tentação suficientem ente insidiosa e pode­ rosa e por um motivo egoístico ou sentim ento estim ulado na minha mente. Nem o caráter pecaminoso é imutável. Pelo poder do Espírito Santo, a verda­ de pode ser claram ente apresentada e aplicada com eficácia na produção da mudança cham ada regeneração; isto é, cham ar à existência o gosto pela santidade de modo que a escolha se faz pela escolha em si e não como um recurso para a felicidade” . H. B. S m i t h , System, 262 - “Ao entrarm os na experiência de Adão, o esta­ do do caso em foco é o seguinte: Antes de ser dada a ordem, o estado era de amor sem se pensar no oposto: só havia o conhecim ento do bem, embocar inconsciente: sabia-se que com er o fruto contrariava a ordem divina. A tenta­ ção suscitou o orgulho; o pecado consistia na sua realização. Não havia mudança. Não se tratava de uma escolha como um ato executivo, nem no seu resultado: o comer; mas na suprem a escolha do am or ao mundo e ao eu, em lugar da devoção suprem a a Deus. Foi a preferência imanente ao mundo; não o am or ao mundo seguindo a escolha, mas o am or ao mundo que é a própria escolha”. 263 - Não podemos explicar a queda de Adão psicologicamente. Quando dizemos isto, querem os significar: Isto só se explica por si mesmo. Devemos aceitar o fato como o último e apoiarm o-nos nisto. É claro que não queremos dizer que isto não concorda com as leis da atuação moral - que isto é uma violação de tais leis; mas tão som ente que não vem os o modo, que não pode­ mos construí-lo por nós mesmos de uma form a racional. Difere de todos os outros sim ilares da preferência últim a que conhecemos', a saber, a preferên­ cia imanente do pecador pelo mundo, no qual, sabem os que tem uma base antecedente tendendo para o pecado, e a regeneração do cristão, ou a prefe-

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rência imanente de Deus, onde há uma influência externa, a ação operadora do Espírito Santo” . 264 -"D evem os deixar a questão toda com a imanente prefe­ rência tendo como último fato o caso que não deve ser construído filosofica­ mente sobre a alma de Adão: devemos considerar aquela preferência uma escolha e um sentim ento, não o se n tim e n to com o resultado de uma es colha, não um a escolha que é conseqüência de um sentim ento, mas ambos ju n to s” . Contudo, num aspecto particular, devem os discordar de H. B. S m ith : Visto que o poder do m ovim ento voluntário interior é o da vontade, devemos consi­ d erar a m udança do bem para o mal com o um a escolha e só secunda­ riamente um estado de afeição causado por ela. S ó postulando um ato livre e consciente de transgressão da parte de Adão como um ato que tem para com o sentim ento mau não a relação de efeito, mas de causa, atingim os, no começo do desenvolvim ento humano, a base adequada à responsabilidade e culpa de Adão e da raça.

2. Como poderia Deus, com justiça, permitir a tentação satânica? Nesta permissão vemos não a justiça, mas a beneficência. a ) Porque Satanás caiu sem tentação exterior é provável que a provação do homem tenha sido substancialmente a mesma coisa, ainda que não tivesse havido um Satanás para tentá-lo. Os anjos não têm natureza anim al que o b scu re ça a visão; eles não podem sofrer a influência dos sentidos; mas foram tentados e caíram. Como Satanás e Adão pecaram sob a m elhor das circunstâncias possíveis, pode­ mos concluir que a raça humana teria com etido pecado com a mesma certe­ za. A única pergunta na época da criação deles, portanto, é como se m odifi­ cam as condições de modo a preparar o cam inho para o arrependim ento e o perdão. Eis as condições: 1. um corpo m aterial - o que significa restrição, limitação, necessidade de autocontrole; 2. infância - o que significa desen­ volvimento, deliberação sem nenhuma m em ória do primeiro pecado; 3. rela­ ção paterna - reprimindo a vontade da criança e ensinando a submissão à autoridade. b ) Neste caso, contudo, a queda do homem talvez tenha sido exterior o q u e ora constitui sua simples circunstância mitigadora. O pecado originado por s i mesmo teria feito o próprio homem um Satanás. Mt. 1 3 . 2 8 - “Um inimigo é quem fez isso” . “ Deus permitiu que Satanás dividisse a culpa com o homem, de modo que este pudesse ser salvo do desespero” . Ver T r e n c h , Studies in the Gospels, 1 6 - 2 9 . M a s o n , Faith o f the Gospel, 1 0 3 - “Por que não se fez a árvore exteriorm ente repulsiva? Porque só o abuso daquilo que é positivam ente bom e desejável poderia atrair Adão ou constituir-se verdadeira tentação” .

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c) Como, em conflito com a tentação, é vantajoso objetivar o mal sob a imagem da carne corruptível, assim é vantajoso enfrentá-lo como incorporado em um espírito pessoal e sedutor. O corpo humano, corruptível e perecível como é, fornece-lhe a ilustração e lem brança da condição da alma a que o pecado o reduziu. A carne, com os seus fardos e dores é, portanto, sob Deus, um auxílio para o nítido entendi­ mento e vitória sobre o pecado. Por isso foi vantajoso para o homem ter a tentação limitada som ente a uma voz exterior. Podemos falar da influência do tentador, como B ir k s , D ifficulties o fB e lie f, 101, fala da árvore do conhecim en­ to do bem e do mal: “A tentação não depende da árvore. De qualquer modo ela ocorreria. A árvore foi um tipo no qual Deus resumiu as possibilidades do mal, de modo a destacá-las da vastidão ilusória e estabelecer conexão entre elas e a advertência definida e palpável, a fim de m ostrar ao homem que apenas uma das m últiplas atividades do espírito foi proibida; que Deus tem direito a tudo e pode proibir tudo”. A originalidade do pecado consiste no seu mais fascinante elemento. Fornece uma ilim itada ordem à imaginação. Bem fez Lutero em lançar o tinteiro contra o diabo. Eis a vantagem de localizá-lo. A c o n c e n t r a ç ã o d o s p o d e r e s h u m a n o s s o b r e u m a o f e r t a d e f i n i d a d o m a l a ju d a - n o s a e n t e n d ê - lo e a u m e n ta a n o s s a d is p o s iç ã o p a r a r e s is t ir - lh e .

d) Tal tentação não tem em si nenhuma tendência para desgarrar a alma. S-e a alma for santa, a tentação só pode confirmá-la na virtude. Só a vontade :ná, por si mesma determinada contra Deus, pode tornar a tentação em ocasião rira a ruína. Como o calor do sol não tem nenhum a tendência para secar a planta arraigada no fundo e úmido solo, antes causa o aprofundam ento m aior das raízes e fixa-as ainda mais, também a tentação não tem em si a tendência de perverter a alma. Apenas a sem ente que “caiu sobre os pedregais, onde não havia terra” (Mt. 13.5,6) “vindo o sol, queim ou-se”; e o nosso Senhor atribui esta falha, não ao sol, mas à falta de raiz e terra; “porque não tinha raízes” , “porque não tinha terra funda”. A m esm a tentação que ocasiona a ruína do falso discípulo estim ula o crescim ento vigoroso da virtude do verdadeiro cris­ tão. Estabeleça-se um contraste entre a tentação de Adão e a de Cristo. Adão tinha tudo o que pleiteava de Deus; o jardim e seus deleites, enquanto Cristo tinha tudo contra si; o deserto e as privações. Mas Adão confiou em Satanás e Cristo em Deus; o resultado é que aquele caiu e este venceu. C. H. S p u r g e o n : “O mar todo fora do navio não causa dano enquanto a água não penetra nele e enche-lhe o porão. Portanto, é claro que o maior perigo é o interno. Todos os demônios do inferno e todos os tentadores da terra não nos podem ferir se não houver corrupção dentro da nossa natureza. A faísca voará sem dano se não houver estopim. O nosso coração é o nosso m aior inim igo; eis o ladrãozinho nascido em casa. Senhor, salva-m e do homem mau; salva-m e de mim mesm o”.

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Lyman A b bott: “A zom baria do bonzínho se justifica; para ele trata-se de inocência, não de virtude; o menino nunca faz algo errado porque nunca faz o que é inútil no m u n d o .... O pecado não ajuda o desenvolvim ento; é um emba­ raço. O auxílio está na redenção; esta é um recurso indispensável” . E. G. R o b in s o n , Christ. Theology, 1 2 3 - “No mau sentido, a tentação e a queda da inocência não são mais necessárias à perfeição do prim eiro homem que o casam ento do caráter o é para a sua plenitude” . J o h n M i l t o n , Areopagitica: “Muitos há que se queixam da providência divina quanto ao sofrim ento por causa da transgressão de Adão. Ó línguas tolas! Quando Deus deu o raciocí­ nio a Adão, deu-lhe a liberdade de escolher, pois razão é tão som ente esco­ lha; se ele tivesse sido apenas um Adão artificial, tal o seria em seus movi­ mentos (m arionete)”. R o b e r t B r o w n in g , The R ing and Book, 2 0 4 (Pope, 1 1 8 3 ) - “Tentação aguda? Graças a Deus pela segunda vez! Por que vem a tenta­ ção apenas para o homem encontrar E dom ar e fazer curvar sob os seus pés, e ser posto no pedestal do triu n fo ? O ra r ‘Não nos induzas à tentação, Senhor’? Sim, mas tu, cujos servos são intrépidos, conduze tais tentações pela cabeça e pelos cabelos, Dragões relutantes, até ao que ousa lutar, e ter louvor” .

3. Como poderia, com justiça, uma pena tão grande estar em conexão

com uma ordem tão insignificante?

A esta pergunta podemos responder: á) Tão leve ordem apresentava o melhor teste do espírito de obediência. Cícero: “ Parva res est, at magna culpa (o motivo é ínfimo, mas a culpa é grande)” . A persistente desobediência do filho em um só respeito à ordem da mãe mostra que em todos os outros seus atos de aparente obediência nada há que dem onstre o amor pela mãe, mas por si mesmo; em outras palavras, mostra que ele não possui o espírito de obediência em um só ato. S.S. Times: “Trivialidades só o são para os triviais. Desperte para a significação do insig­ nificante! porque você está num mundo que pertence não só ao Deus do infinito, mas tam bém ao do infinitesim al” .

b) A ordem exterior não foi arbitrária nem insignificante em sua substân­ cia. Foi uma concreta apresentação à vontade humana da reivindicação de Deus ao eminente domínio ou senhorio absoluto. J o h n H a l l , Lectures on the Religious Use o f Property, 1 0 - “Às vezes, acontece que os latifundiários querem legar o seu uso a outros, sem alienar a terra, impor renda nominal - um rendim ento integral, cuja passagem reco­ nhece o recebedor, ou o ocupante como locatário. Isto se entende em todas as terras. Em muitas negociações inglesas, três m edidas de cevada, um capado gordo, ou um xelim é a avaliação que reconhece perm anentem en­ te os direitos do senhorio. Deus ensinou aos homens, por meio da árvore

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proibida, que ele é o senhor e o homem o ocupante. Selecionou a matéria da propriedade a fim de servir de teste da obediência do homem, sinal exterior e sensível da retidão do coração para com Deus; quando o homem estendeu a sua mão e comeu, negou o senhorio divino e afirmou o seu próprio senhorio. Nada restava senão lançá-lo fora”.

c) A sanção ligada à ordem mostra que o homem não ignora seu significado e importância. Gn. 2.17 - “no dia em que dela comeres, certam ente morrerás” . Cf. Gn. 3.3 - “árvore que está no meio do ja rd im ” ; ve r tam bém D o d g e , Christian Theology, 206, 207 - “A árvore ocupava o centro; o mandamento era centro. A escolha estava entre a árvore da vida e a árvore da morte; entre o eu e Deus, tom ando uma e rejeitando a outra”.

d) O ato da desobediência, portanto, foi a revelação de uma vontade total­ mente corrompida e alienada de Deus - entregue à ingratidão, à descrença, à ambição e à rebelião. O motivo da desobediência não foi o apetite, mas a ambição de ser como Deus. O ato exterior de com er o fruto proibido foi apenas o vértice da cunha, atrás do qual se encontra a m assa toda - a d eterm inação fundam ental de isolar-se e buscar o prazer pessoal sem considerar Deus e a sua lei. O homem, sem a convicção do pecado, agarra-se a uma paixão ou simples plano, apenas sem iconsciente do fato de que a oposição a Deus em uma coisa é oposição total.

m. CONSEQÜÊNCIAS DA QUEDA NO QUE RESPEITA A ADÃO

1. Morte - Esta morte era dupla. Ela era parcialmente A) Física, ou separação da alma em relação ao corpo. - As sementes da morte, naturalmente implantadas na constituição do homem, começaram a desenvolver-se no momento em que o acesso à árvore da vida lhe foi negado. A partir daquele momento o homem tornou-se uma criatura mortal. Num verdadeiro sentido, a morte começou de uma vez. A ela pertencem as dores que o homem e a mulher sofreriam. O fato de que a existência terre­ na do homem não term inou de uma vez deveu-se à deliberação da redenção de Deus. “A lei do espírito de vida “(Rm. 8.2) com eçou a operar desde aquele instante e a graça começou a contrapor-se aos efeitos da Queda. Cristo “abo­ liu a m orte” (2 Tm. 1.10), afastando o seu terror e tornando-a o portal do céu. Ele a destruirá totalm ente quando, na ressurreição dos mortos, os corpos dos

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santos se tornarem imortais. W iiliam A. Hammond, seguindo um cientista fran­ cês, declara que não há nenhum a razão em um sistem a físico normal, para o homem viver para sempre. Se nos lem brarm os de que a vida não é com bustível, mas fogo, torna-se evidente que a morte não é uma necessidade física. W e is m a n n , Heredity, 8, 24, 72, 159 - “O organism o não deve ser considerado com o um amontoado de matéria combustível, que se reduz totalm ente a cinzas em certo tempo, cuja distância é determ inada pelo seu tam anho e pela proporção em que ela queima; mas deve ser com parada ao fogo, que o vigoroso com bustível pode aum entar continuam ente e que queim a rápida ou vagarosam ente, pode con­ tinuar queim ando na medida da n e c e s s id a d e .... A morte não é uma necessi­ dade primordial, mas tem sido aceita em segundo plano, como uma adapta­ ção. ... Os organism os unicelulares, desenvolvendo-se através da fissão, em certo sentido possuem im ortalidade. Nenhum a am eba jam ais perdeu a sua ascendência biológica com a morte. ... C ada indivíduo vivo é muito mais velho que a humanidade e é quase tão velho quanto a própria v id a .... A morte não é um atributo essencial à matéria viva”. Se considerarm os prim ordialm ente o homem como um espírito, a possibi­ lidade da ausência da morte é total. Deus vive desde a eternidade e o futu­ ro organism o físico do justo não terá em si nenhum a sem ente da morte. O homem pode te r sido criado sem ser mortal. Tornou-se mortal devido ao pecado previsto. Considerem os o corpo sim plesm ente como a energia cons­ tante de Deus e verem os que não há nenhuma necessidade inerente da mor­ te. D e n n e y , Studies in Theology, 98 - “Há quem diga que o homem deve mor­ rer porque ele é um ser natural e o que pertence à natureza pertence a ele. Porém afirm am os o contrário; que ele foi criado um ser sobrenatural, com preponderância sobre a natureza, de tal modo relacionado com Deus a ponto de ser imortal. A morte é uma introm issão que, ao fim, será abolida”. C h a n d l e r , Spirít o f Man, 45-47 - “O primeiro estágio da queda foi a desinte­ gração do espírito relativa ao corpo e à mente; o segundo foi a escravização da mente ao corpo”. Alguns escritores recentes, contudo, têm negado que a morte seja uma conseqüência da queda não no sentido de que o medo da morte no homem resulta do seu pecado. N e w m a n S m it h , Place o f D eath in Evoiution, 19-22, na verdade, afirm a o valor e propriedade da morte como elemento normal do universo. Ele opõe às doutrinas de W e is m a n n as conclusões de Maupas, bió­ logo francês, que seguiu os infusórios através de seiscentas gerações, mas, por fim, o germe unicelular se enfraquece e morre. A reprodução assexuada deve ser complem entada pela conjugação mais elevada, o encontro e a ten­ dência do conteúdo das duas células. Isto é apenas ocasional, mas necessá­ rio à perm anência da espécie. O isolam ento é a morte final. N e w m a n S m ith acrescenta que a morte e o sexo aparecem juntos. Quando o sexo entra para enriquecer e diversificar a vida, tudo o que não apresenta vantagem morre. A sobrevivência do mais capaz se faz acom panhar da morte daquele que não se desenvolve. A morte é algo secundário - conseqüência da vida. Uma for­ ma viva adquire força dando a sua vida em favor de outrem. Morre para que a sua descendência possa sobreviver em mais elevada forma. A morte faz com que a vida continue e se desenvolva. Ela não dá um basta à vida. Torna-se

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uma vantagem para a vida como um todo a fim de que aigum as form as prim i­ tivas sejam deixadas à beira do caminho e pereçam. Devemos o nosso nasci­ mento humano à morte na natureza. A terra que está diante de nós morre para que vivamos. Somos os filhos vivos de um mundo que morre por nós. A morte é o meio de vida, da crescente especialização da função. Algum as células nascem para darem a sua vida como sacrifício em favor do organismo a que pertencem. Conquanto considerem os o ponto de vista de N e w m a n S m it h uma explica­ ção engenhosa e de va lo r sobre os resultados incidentais da morte, não vemos nele uma explicação da origem da morte. Deus conduziu a morte para o bem e não podemos concordar muito com a exposição de Smith. Mas pare­ ce-nos totalm ente im possível e sem provas que esse bem poderia ser obtido só através da morte. A biologia nos m ostra a im possibilidade de outros méto­ dos de reprodução e que a morte é um incidente e não um requisito primordial ao desenvolvimento. C onsideram os a teoria do Dr. Smith tão incompatível com as representações escriturísticas sobre a morte como conseqüência do pecado, sinal de desagrado de Deus, meio de disciplina da queda, destinada a com pletar a abolição quando o próprio pecado se exterminar. Contudo, reservamos a prova com pleta de que a morte física é parte da pena do peca­ do ao discutirm os as Conseqüências do Pecado de Adão à Posteridade.

Mas a morte foi também, e principalmente, B) Espiritual, ou separação da alma em relação a Deus. - Isto inclui: a) Negativamente, a perda da semelhança moral com Deus, ou a subjacente tendência de toda a sua natureza em relação a Deus o que constitui a sua retidão original, b) Positivamente, a depravação de todas as forças que, em sua ação unida com relação à verdade, chamamos natureza moral e religiosa do homem; ou, em outras palavras, o declínio do seu intelecto, a corrupção dos seus sentimentos e a escravização da sua vontade. Procurando ser um deus, o homem tornou-se escravo; procurando inde­ pendência, deixou de ser dono de si mesmo. O utrora o seu intelecto era puro; ele tinha suprem a consciência de Deus e via tudo sob a luz de Deus. Agora tem suprem a consciência de si e vê tudo afetado pelo eu. Esta autoconsciência - quão diferente é da vida objetiva dos prim eiros apóstolos, de Cristo e de cada alma amorosa! Outrora os sentim entos eram puros; o seu am or supre­ mo concentrava-se em Deus e o mais subordinava à vontade dele. Agora ele ama suprem am ente o eu e é dirigido pelos sentim entos desordenados para com as criaturas que ministram a gratificação egoística. O homem nada faz para agradar a Deus porque não tem o am or necessário a toda a verdadeira obediência. G. F. W il k in , Control in Evolution, m ostra que a vontade pode iniciar uma involução que reverte o curso normal do desenvolvim ento do homem. Primei­ ro vem o ato e depois o hábito de render-se ao anim alism o; depois a subver­ são da fé na verdade e no bem; depois a vitória do mal; depois a transição da

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má disposição e tendências à posteridade. Tal subversão da vontade racionai através da má escolha ocorre bem cedo; na verdade, com o primeiro homem. Toda a história humana tem sido um conflito entre estas duas evoluções anta­ gônicas, ascendentes e descendentes. Acim a dos fenôm enos morais, predo­ minam os biológicos. Nenhum ser humano escapa à transgressão da lei da natureza evolutiva. Há um amortecim ento moral e um resultante torpor. A von­ tade racional deve ser restaurada antes que o homem ande retamente outra vez. O homem deve estar com prom etido com uma verdadeira vida; a partir daí, com a restauração dos outros com vistas à mesm a vida; a seguir, deve haver cooperação com a sociedade; esta obra deve estender-se aos limites da espécie humana. Mas isto só é praticável e racional quando se mostra que o desdobrável plano do universo destinou a justiça a um futuro incom paravel­ mente mais desejável que o dos ímpios; em outras palavras, a imortalidade é necessária à evolução. “Se a imortalidade é necessária à evolução, então ela se torna científica. Jesus tem autoridade e poder onipresente bem antes da evolução. Ele impõe aos seus seguidores a mesm a missão evolutiva normal que o enviou ao mun­ do. Organiza-os em igrejas. Ensina uma evolução moral da sociedade atra­ vés dos esforços voluntários dos seus seguidores unidos. Eles são a ‘boa semente ... os filhos do reino’ (Mt. 13.38). O teísm o faz uma tentativa definida de opor-se ao mal da involução, tentativa esta que se justifica pelos resulta­ dos. O C ristianism o é científico 1) ao satisfazer as condições do conhecim en­ to: a persistente e abrangente harm onia dos fenôm enos e a interpretação de todos os fatos; 2) tem como alvo a regeneração do mundo; 3) em seus m éto­ dos, adaptando-se ao homem como um ser ético capaz de ilimitado progres­ so; 4) em sua concepção de sociedade norm al como os pecadores que se unem para auxiliarem -se m utuam ente na dependência de Deus e conquistar para si o reconhecido laço ético essencialíssim o. Esta doutrina harmoniza ciência e religião, revelando nova espécie de controle que marca o mais eleva­ do e stá g io da evo lu ção ; m o stra que a re lig iã o do N ovo T estam ento é essencialmente científica e as suas verdades resistem à verificação prática; o cristianismo não é uma qualquer igreja em particular, mas consiste nos ensinos bíblicos; é o verdadeiro sistema de ética e deve ser ensinado em instituições públicas; que, finalmente, a evolução cósmica depende da sabedoria e vonta­ de do homem, do Deus imanente que opera na humanidade finita e redimida”.

Por fim, o homem não mais fez Deus o fim da sua vida; ao invés disso, escolheu a si mesmo. Conquanto ele tenha retido o poder de autodetermina­ ção nas coisas subordinadas, perdeu aquela liberdade que consistia no poder de escolher Deus como alvo final e tomou-se agrilhoado por uma inclinação fundamental de sua vontade para o mal. As intuições da razão anormalmente se obscureceram porque tais instituições, até onde se ligam à moral e à verda­ de religiosa, condicionam ao estado justo dos sentimentos; e - como resultado necessário do obscurecimento da razão - a consciência, que, como o judiciá­ rio normal da alma, decide com base na lei dada pela razão, tomou-se perversa em suas deliberações. Contudo, a incapacidade de julgar, de agir corretamente,

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visto que era uma incapacidade moral brotada da vontade, era em si mesma odiosa e condenável. Ver P h il ip p i , Glaubenslehre, 3.61-73; S h e d d , Serm ons to the N atural Man, 202-230, esp. 205 - “Somos responsáveis por qualquer coisa que brota da vontade. A incapacidade do homem am ar a Deus suprem am ente resulta da sua intensa vontade própria e do seu am or próprio e por isso a impotência é uma parte e um elem ento do seu pecado e não uma desculpa” . E ainda vem a pergunta: “Adão, onde estás?” (Gn. 3.9) diz B a l d w in “ 1) não se refere à localização física, mas à sua condição moral; 2) não de ameaça de justiça, mas de am oroso convite para a volta e para o arrependim ento; 3) não apenas a Adão como indivíduo, mas à hum anidade toda, que ele representa”. D a l e , Ephesians, 40 - “Cristo é o eterno Filho de Deus; e o primeiro e principal propósito da graça divina é que a hum anidade toda deve com parti­ lhar da sua vida e filiação; através de Cristo todos os homens erguem -se a um mais elevado nível do que o herdado na criação; devem ser participantes da natureza divina” (2 Pe. 1.4) e co m partilhar da ju stiça e gozo divinos. Ou melhor, a raça, na verdade, foi criada em Cristo; para que pudesse em Cristo herdar a vida e a glória de Deus. O propósito divino foi contrariado e obstruído e parcialm ente derrotado pelo pecado humano. Porém cumpriu-se em todos os que estão ‘em C risto’ (Ef. 1.3)”.

2. Exclusão positiva e formal da presença de Deus Isto incluía: a) A cessação daquele relacionamento familiar do homem com Deus e a colocação de barreiras entre o homem e o seu Criador (querubim e sacrifício). Embora Deus tenha punido Adão e Eva, ele não os am aldiçoou como fez com a serpente. A expulsão deles para que não com essem da árvore da vida tanto é matéria de benevolência como de justiça a fim de im pedir a im ortalida­ de do pecado.

b) Banimento do jardim, onde Deus tinha especialmente manifestado a sua

presença. - O Éden era uma clareira reservada, como tinha sido o corpo de Adão, para mostrar o que seria o mundo sem pecado. Esta exclusão positiva da presença de Deus, com a tristeza e a dor que envolvia, pode ter pretendido ilustrar ao homem a natureza da morte eterna de que ele agora necessitava buscar livramento. Nos portais do Éden parece ter havido uma m anifestação da presença de Deus através do querubim, o que faz daquele lugar um santuário. Caim e Abel trouxeram oferta “ao Senhor” (Gn. 4.3,4) e se diz que, quando Caim fugiu, “saiu da presença do Deus” (Gn. 4.16).

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SEÇÃO Y - ATRIBUIÇÃO DO PECADO DE ADÃO À SUA POSTERIDADE Já vimos que todos seres humanos são pecadores; que todos são por natu­ reza depravados, culpados e condenáveis; e que a transgressão dos nossos primeiros pais, com relação à raça humana, foi o primeiro pecado. Temos ainda a considerar a conexão entre o pecado de Adão e a depravação, culpa e condenação da raça. a) As Escrituras ensinam que a transgressão dos nossos primeiros pais cons­ tituiu pecadora a sua posteridade (Rm. 5.19 - “pela desobediência de um homem muitos foram constituídos pecadores”), de modo que o pecado de Adão é imputado, considerado, ou aplicado a cada membro da raça de que ele é o germe e cabeça (Rm. 5.16 - “o juízo veio de uma só ofensa para condena­ ção”). É por causa do pecado de Adão que nascemos depravados e sujeitos às penas (Rm. 5.12 - “por um homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte”; Ef. 2.3 - “por natureza filhos da ira”). Duas questões demandam resposta, - primeira, como podemos ser responsáveis por uma natureza depra­ vada que pessoal e conscientemente não originamos; e, em segundo lugar, como Deus pode, com justiça, acusar-nos do pecado do primeiro pai da raça. Tais perguntas são substancialmente as mesmas e as Escrituras dão a verda­ deira resposta ao problema quando declaram que “em Adão todos morrem” (1 Co. 15.22) e “a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram” quando “por um homem o pecado entrou no mundo” (Rm. 5.12). Em outras palavras, o pecado de Adão é a causa e base da depravação, culpa e condenação de toda a sua posteridade, simplesmente porque Adão e sua posteridade são um e, em virtude de sua unidade orgânica, o pecado de Adão é o pecado da raça. Amiel diz que “a concepção de pecado e da sua cura fornece a melhor medida da profundidade de qualquer doutrina religiosa” . Já vim os que peca­ do é um estado; é um estado da vontade; um estado egoístico da vontade; um estado egoístico da vontade inata e universal; um estado egoístico da vonta­ de inata e universal em razão do livre ato do homem. Ligando esta discussão às doutrinas teológicas anteriores, passam os aos seguintes procedimentos: 1. A santidade de Deus é a pureza da natureza. 2. A lei de Deus dem anda a pureza da natureza. 3. O pecado é a natureza impura. 4. Todo homem tem esta natureza impura. 5. Adão originou esta natureza impura. Nesta seção querem os acrescentar: 6. Adão e nós som os um; e na seção seguinte com ­ plementarem os a doutrina com 7. A culpa e a pena de Adão são nossas.

b) Conforme consideramos este duplo problema do ponto de vista da con­ dição anormal do homem, ou do seu tratamento divino, podemos chamá-lo

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problema do pecado original, ou problema da imputação. Nenhum destes ter­ mos é objetável quando o seu sentido é definido. Imputação do pecado é, não a arbitrária acusação a alguém daquilo por que ele não é naturalmente respon­ sável, mas que a culpa de alguém é dele mesmo, quer em virtude dos seus atos individuais, quer em virtude da conexão com a raça. Pecado original significa a participação no pecado comum da raça do qual Deus nos acusa em virtude da nossa descendência de Adão, o primeiro pai e cabeça. Não devemos perm itir que o nosso emprego do termo ‘atribuição tenha um sentido arbitrário ou preconceituoso pelo fato de algumas escolas de teo­ logia, principalm ente a Federal, terem dado a tal term o um sentido arbitrário, exterior e mecânico - sustentando que Deus atribui pecado aos homens, não porque são pecadores, mas baseado numa ficção pela qual Adão, sem o consentim ento deles, tornou-se seu representante. Ao contrário, verem os que 1) no caso do pecado de Adão atribuído a nós, 2) no caso dos nossos peca­ dos atribuídos a Cristo e 3) no caso da justiça de Cristo atribuída ao crente há sempre uma base realista para a atribuição, a saber, uma união real 1) entre Adão e os seus descendentes, 2) entre Cristo e a raça e 3) entre os crentes e Cristo, que dá, em cada caso, com unhão vital e capacita-nos a dizer que Deus não atribui a nenhum homem o que não lhe cabe O D r . E. G. R o b in s o n costum ava dizer que “a justiça atribuída e o pecado atribuído são de tal modo absurdos como qualquer noção que se apossou da natureza humana". Contudo, ele tinha em mente apenas a culpa construtiva e o mérito que os teólogos de P r in c e t o n defendiam. Ele não quer dizer que nega aos homens a atribuição do que lhes é próprio. Reconhece o fato de que todos os homens são pecadores tanto por herança como por ato voluntá­ rio e isto se encontra tanto no Velho Testamento como no Novo; p. ex., Ne. 1.6 - “faço confissão pelos pecados de Israel, que pecam os contra ti. Também eu e a casa de meu pai pecam os” ; Jr. 3.25 - “Jazem os na nossa vergonha e estamos cobertos da nossa confusão, porque pecam os contra o Senhor nos­ so Deus, nós e nossos pais”; 14.20 - “Conhecem os a nossa im piedade e a maldade dos nossos pais; porque pecamos contra ti” . A palavra “imputado” encontra-se no Novo Testamento; p. ex., 2 Tm. 4.16 - “ Ninguém me assistiu na minha defesa; antes, todos me desam pararam . Que isto não lhes seja imputado” ou “im putado a eles” - (xf) conoíç ^oyíaeeírç; Rm. 5.13 - “mas o pecado não é imputado (Rev. e Atualizada: “não é levado em conta”) não havendo lei”, ovk iXXoy&xai. N ã o s ó o s s a n t o s d o p e r í o d o d a s E s c r itu r a s , m a s ta m b é m o s d o s n o s s o s d ia s t ê m a t r i b u í d o a s i o s p e c a d o s d o s o u t r o s , d o s e u p o v o , d a s u a é p o c a , d o m u n d o to d o . J o n ath an E d w a r d s , p o r c e rto

que

n in g u é m

é tã o

Resolutions,

in d ig n o

c ita d o p o r A

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h o m e n s e a jo c o m o s e o s p e c a d o s d e l e s f o s s e m se

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28 -

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c o n h e c im e n to d a s s u a s q u e d a s s ó p r o m o v e e m m im u m s e n s o d e v e r g o n h a ” . F r e d e r ic k D

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sendo m eus”. M

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a u r ic e :

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“ D e s e jo c o n f e s s a r o s p e c a d o s

A tonem ent an d Personality, 87 -

da época com o

“ A e x p r e s s ã o s o lid a ­

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riedade humana a cada dia mais se aprofunda e ganha m aior significação. Seja o que fo r fazem os para nós mesmos. Não só como indivíduo posso ser medido e julgado” . R o y c e , W orld and Individual, 2.404 - “O problem a do mal, na verdade, dem anda a presença da livre vontade no mundo; enquanto, por um lado, é igualmente verdade que nenhum mundo moral, qualquer que seja, pode tornar-se consistente com a tese realista segundo a qual os agentes da vontade livre, na fortuna ou na desventura, independem dos atos dos agentes morais. Segue-se que, no nosso mundo moral, o justo pode sofrer sem mere­ cer pessoalm ente, sem dúvida porque a sua vida não é independente, mas está ligada à de todos - o próprio Deus com partilha o seu sofrim ento” . As citações acim a ilustram a crença na responsabilidade humana, que vai além dos limites dos pecados pessoais. Não podem os definir que responsa­ bilidade é esta e quais os seus limites. A. H. B r a d f o r d , Heredity, 198 e The Age o f Faith, 235, propõe o problema, porém não o resolve - Estêvão ora: ‘Senhor, não lhes imputes este pecado’ (At. 7.60). De quem? Todos temos uma participação nos pecados dos outros. Estamos presentes e, como Paulo, consentimos neles. ‘Meus pecados afiaram os cravos e fincaram cada espi­ nho’ que feriu a cabeça de J e s u s .... Ainda na Inglaterra e no País de Gales as mais severas form as deste ensino [sobre o pecado] quase desapareceram; não por causa do estudo mais completo da Escritura, mas porque o terrível congestionam ento da população com suas m isérias convence a maioria dos pensadores cristãos de que as antigas interpretações eram muito pequenas para os fatos próximos e terríveis da vida humana, tais como as mulheres com bebês nos braços nas casas de bebidas de Londres, dando às crianças um gole dos seus próprios copos e um taberneiro pondo o filho de quatro ou cinco anos para cuidar da bebida e lutar para imitar os mais velhos” .

c) Há dois princípios fundamentais citados pela Escritura que parecem cla­ ramente substanciar e que outras Escrituras corroboram. O primeiro é que as relações do homem com a lei moral vão além da esfera da transgressão cons­ ciente e real e abrangem as tendências e qualidades morais do seu ser que ele tem em comum com cada um dos outros membros da raça. O segundo é que o governo moral de Deus não só leva em conta as pessoas e os atos pessoais, mas também reconhece as responsabilidades da raça e lhe inflige penalidades; ou, em outras palavras, julga a humanidade, não simplesmente como uma coleção de indivíduos separados, mas também como um todo orgânico, que pode coletivamente revoltar-se contra Deus e incorrer na maldição da lei violada. Sobre a responsabilidade racial ver H. B. S m it h , System ofTheology, 288-302 - “ninguém que insiste em que todo o governo moral de Deus tem respeito só pelo indivíduo, que não perm ite que o governo moral de Deus, que tem um mais amplo e maior relacionam ento de modo que Deus possa proporcionar sofrim ento e felicidade (em sua total sabedoria e inescrutável providência) em outras bases além do mérito e do dem érito pessoais pode aprender a

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doutrina do pecado original, ou a da redenção. O dilema é: os fatos ligados à depravação e à redenção através de Cristo pertencem ou não ao governo de Deus. Se pertencem, então este governo tem que ver com outras considera­ ções além do mérito e dem érito pessoais (visto que a nossa incapacidade em conseqüência do pecado e a graça oferecida em Cristo não são, em nenhum sentido, o resultado da nossa escolha pessoal apesar de que escolhemos nas nossas relações com ambos). Se não pertencem ao governo moral de Deus, onde os enquadrarem os? No físico? Certam ente que não. Na sobera­ nia divina? Mas essa não evita qualquer dificuldade; pois perm anece ainda a pergunta: A soberania assim exercida é justa, ou injusta? Devemos assumir uma ou outra. A totalidade (do pecado e da graça) ou é um mistério da sobe­ rania - da simples onipotência - ou um procedim ento do governo moral. Sur­ ge a pergunta relativa à graça e ao pecado: Como pode a teoria de que todo governo moral se refere apenas ao mérito ou dem érito dos atos pessoais aplicar-se à nossa justificação? Se todo pecado é o ato de pecar, com o afas­ tamento da morte eterna, por igual raciocínio toda santidade deve consistir em uma escolha santa com o mérito pessoal da vida eterna. De um modo geral dizemos, então, que todas definições que significam um pecado, são aqui irrelevantes” . O Dr. Smith cita Edwards, 2.309 - “O nosso pecado origi­ nal, depravação inata do coração, não inclui apenas a depravação da nature­ za, mas a im putação do primeiro pecado de Adão, ou, em outras palavras, a tendência, ou exposição, no juízo divino, de participar da punição de tal pecado” . O lema de grande parte dos teólogos - popularm ente chamados Nova Escola - é que “todo pecado consiste no ato de pecar”, isto é, todo pecado é um ato. Porém, já vimos que as disposições e estados em que o homem difere de Deus e de sua pureza tam bém são pecados conforme o sentido da lei. Cumpre agora acrescentar que cada homem é tam bém responsável por aquele pecado do nosso primeiro pai em que a raça humana apostatou de Deus. Em outras palavras, reconhecem os a culpa pecado racial assim como o pecado pessoal. Querem os inicialm ente dizer, contudo, que o nosso ponto de vista e, assim cremos, o escriturístico, requer que destaquem os algumas qualificações da doutrina que, em certa extensão, am enizam a sua dureza e fornecem a explicação adequada. Passamos a m encioná-las a seguir.

d ) Ao reconhecer o pecado da raça, precisamos ter em mente: 1) que o pecado real, em que o agente pessoal reafirma a subjacente determinação da sua vontade, é mais culpado que o pecado original sozinho; 2) que nenhum ser humano é condenado somente por causa do pecado original; mas que todos os que, como as crianças, não cometem transgressões pessoais, são salvos atra­ vés da aplicação da expiação de Cristo; 3) que a nossa responsabilidade pelas más disposições inatas, ou depravação comum à raça, só pode ser sustentada com base em que a depravação foi causada por um ato original e consciente da vontade livre, quando a raça se rebelou contra Deus em Adão; 4) que a doutri­ na do pecado original é só a interpretação ética de fatos biológicos - de here­

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ditariedade e de males congênitos universais, que demandam base e explica­ ção éticas; e 5) que a idéia de pecado original tem correlação com a idéia da graça original ou a constante presença e operação de Cristo, o Deus imanente, em cada membro da raça, apesar do seu pecado, que se contrapõe ao mal e prepara o caminho, até onde o homem permite, para a salvação individual e coletiva. Em oposição à máxima “todo pecado consiste em ato pecam inoso”, apo­ mos a seguinte afirmação: O pecado pessoal consiste no ato pecaminoso, mas, no primeiro ato pecaminoso de Adão, a raça tam bém pecou, de sorte que “todos morrem em Adão” (1 Co. 15.22). D e n n e y , Studies in Theology, 8 6 “O pecado não é apenas pessoal, mas tam bém social; não apenas social, mas orgânico; o caráter e tudo que ele abrange podem-se atribuir não só a indivíduos, mas à sociedade e, eventualm ente, à própria raça humana; em suma, não há apenas pecados isolados e indivíduos pecadores, mas o que tem sido cham ado o reino do pecado sobre a terra” . Leslie Stephen: A frase, o homem não dependente de uma raça, não tem sentido, do mesmo modo que, uma maçã que não nasce na árvore” . “Contudo, Aaron Burr e Abraão Lincoln mostram como o homem pode ultrapassar qualquer vantagem da hereditarie­ dade e do meio enquanto outro pode triunfar sobre os piores eventos. O homem não deve extrair o seu caráter de causas exteriores, mas form á-lo através da voluntária subm issão a influências, quer inferiores, quer superiores”. Wm Adams Brown: “A idéia da culpa hereditária só pode ser aceita se acom panhada da idéia do bem hereditário. As conseqüências do pecado têm sido freqüentem ente consideradas como sociais; as conseqüências do bem como individuais. A hereditariedade transm ite tanto o bem como o mal”. S ra. Lydia A very C oonley W ard: “ Por que te curvas, ó minha alma, esm agada pelo pecado ancestral? Tu tens uma herança nobre Que te impulsiona a ganhar a vitória. O passado maculado pode produzir flores, Como a florescente vara de Arão: Nenhum legado de pecado cancela a herança vinda de Deus”.

e)

Há o pecado racial, portanto, assim como o pecado pessoal; e o pecado racial foi cometido pelo primeiro pai da raça, compreendendo toda a raça em si. A partir de então, toda a humanidade nasce no mesmo estado em que ele caiu - de depravação, culpa e condenação. Na vindicação da justiça de Deus ao atribuir a nós o pecado do nosso pai, têm surgido muitas teorias, parte das quais deve ser considerada como apenas tentativas de evasão do problema negando os fatos que as Escrituras põem diante de nós. Entre as tentativas de explicar as afirmações da Escritura, passamos a analisar seis teorias que mais parecem merecer atenção. As três primeiras que discutimos podem ser consideradas como evasivas do problem a do pecado original; de uma form a ou de outra, todas negam que Deus atribui a todos os homens o pecado de Adão de tal modo que todos são

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culpados por ele. São elas: a pelagiana, a arm iniana e a da Nova Escola. As três últimas de que iremos nos ocupar, a saber, a Federal, a da Atribuição Imediata e a do Encabeçamento Natural de Adão são as da Velha Escola e têm por característica comum afirm ar a culpa da depravação inata. Contudo, todas as três sustentam que, de qualquer form a somos responsáveis pelo pecado de Adão, em bora difiram quanto ao modo preciso pelo qual nos rela­ cionamos com ele. É preciso adm itir que nenhuma, mesmo destas teorias, satisfaz integralmente. Contudo, esperam os dem onstrar que a última - a agostiniana, do encabeçam ento adâmico, sustentando que Adão e seus descen­ dentes são natural e organicam ente um - explica o maior número de fatos, está aberta a objeção e está mais de acordo com a Escritura.

I. TEORIAS DA ATRIBUIÇÃO 1. Teoria Pelagiana, ou da Inocência Natural do Homem Pelágio, monge britânico, propôs as suas doutrinas em 409, em Roma. Em 418 foi condenado pelo Concilio de Cartago. Contudo, o pelagianismo, opos­ to ao agostinianismo, designa um completo esquema de doutrina relativo ao pecado, da qual Pelágio foi o mais legítimo representante embora cada uma das suas caraterísticas não possa ser atribuída à autoria dele. Os socinianos e os unitários são os mais modernos defensores deste esquema geral. Segundo esta teoria, toda alma humana é criada imediatamente por Deus, e inocente, livre das tendências depravadas, e perfeitamente capaz de obedecer a Deus, como Adão o foi na sua criação. O único efeito do pecado adâmico sobre a sua posteridade é o mau exemplo; de modo algum corrompeu a natu­ reza humana; a única corrupção da natureza humana é o hábito de pecar que cada indivíduo contrai através da persistente transgressão da lei conhecida. Por isso, o pecado de Adão somente feriu a sua pessoa; foi atribuído ape­ nas a Adão; de modo algum o foi aos seus descendentes; Deus atribui a cada descendente de Adão apenas os atos de pecado que ele pessoal e consciente­ mente cometeu. Os homens tanto podem ser salvos pela lei como pelo evange­ lho; e, na verdade, alguns obedeceram a Deus de um modo perfeito e assim foram salvos. Por isso, a morte física é apenas uma lei original da natureza; Adão teria morrido, tivesse ou não pecado; em Rm. 5.12, “a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”, significa: “todos incorreram na morte eterna porque pecaram seguindo o exemplo de Adão”. W ig g e r s , Augustinism and Pelagianism , 5 9 , indica os sete pontos da dou­ trina pelagiana, como seguem: 1) Adão foi criado mortal, de sorte que teria m orrido mesmo que não tivesse com etido pecado; 2) o pecado adâmico feriu não a raça humana, mas somente Adão; 3) as crianças recém -nascidas estão

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na mesma condição de Adão antes da queda; 4) toda a raça humana não morre por causa do pecado de Adão, nem ressurge por causa da ressurrei­ ção de Cristo; 5) as crianças, ainda que não batizadas, alcançam a vida eter­ na; 6) a lei é um meio de salvação tão bom como o evangelho; 7) mesmo antes de Cristo houve homens que não com eteram pecado. Nos com entários de Pelágio sobre Rm. 5.12, publicados nas obras de Jerônimo, vol. XI, aprendemos que os homens sem pecado eram, por exem­ plo, Abel, Enoque, José, Jó e, entre os pagãos, Sócrates, Aristides, Numa. As virtudes dos pagãos dão-lhes o direito ao galardão. Na verdade, os seus m éritos não são a ausência dos maus pensam entos e inclinações, mas, no ponto de vista de Pelágio de que todo pecado consiste no ato, estes maus pensamentos e inclinações não são pecado. “Non pleni nascimur” : Nasce­ mos, não com pletos, mas vazios de caráter. A santidade, é pensamento de Pelágio, não pode ser criada sim ultaneam ente. Os descendentes de Adão não são mais fracos, ao contrário, mais fortes do que ele; visto que cumpriam muitos mandam entos enquanto ele não cum priu nem um. Em cada homem há uma consciência natural; ele tem um ideal de vida; form a soluções corre­ tas; reconhece as exigências da lei; acusa-se quando peca - tudo isto Pelá­ gio considera indicações de uma certa santidade no homem e a falsa inter­ pretação destes fatos dá surgim ento ao seu sistema; ele devia ter visto no homem evidências de uma influência divina aposta à sua inclinação para o mal conduzindo-o ao arrependim ento. Na teoria pelagiana a graça é tão som ente a da criação - originalm ente o fato de Deus dotar o homem de altos poderes de razão e vontade. Enquanto o agostinianism o considera a nature­ za humana morta e o sem i-pelagianism o doente, o pelagianism o declara-a boa. D o r n e r , Glaubenslehre, 2.43 (Doutrina Sistemática, 2.338) - “Nem o cor­ po, que envolve o homem, nem a operação interior de Deus tem qualquer influência determ inante sobre a vontade. Deus se chega ao homem só atra­ vés de recursos exteriores, tais como a doutrina, o exem plo e a prom essa de Cristo. Isto isenta Deus de toda culpa do mal, mas tam bém tom a dele a auto­ ria do bem. É o deísm o aplicado à natureza do homem. Deus não poderia entrar no ser humano sem a vontade dele e não quereria, se ele não pudesse. Tudo é questão de livre vontade” . /£>., 1.623 (Sistem a de Doutrina 2.188,189” - “O pelagianism o conta, ao mesmo tem po, com a grande honra de que o homem é diretam ente movido por Deus e com a grande desonra de que não é capaz de agir sem Deus. Neste arrazoado inconsistente mostra o seu dese­ jo de se afastar de Deus o tanto quanto possível. A verdadeira concepção de Deus requer uma satisfação viva dos anseios e poder de receber os impulsos e a força de Deus. O pelagianismo, buscando um desenvolvim ento para o homem só sem elhante ao da natureza, m ostra que a elevada estim a do homem é apenas ilusória; na verdade, degrada-o ao ignorar sua verdadeira dignidade e destino”.

Sobre a teoria pelagiana do pecado, podemos dizer: A) Nunca foi reconhecida como escriturística, nem qualquer ramo da igre­ ja cristã formulou-a nas confissões. Sustentada só por indivíduos, esporadica-

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mente, ela foi considerada pela igreja em geral como uma heresia. Isto consti­ tui ao menos uma presunção contra a sua verdade. Como a escravidão é a “som a de toda a vilania” , assim a doutrina pela­ giana pode ser cham ada a som a de toda a falsa doutrina. O pelagianismo é a sobrevivência do paganism o em seu m ajestoso egoísm o e autocom placência. “Cícero, em sua Natura Deorum, diz que o homem agradece aos deuses as extraordinárias vantagens, mas ninguém jam ais lhes agradece as virtudes - porque ele é honesto, ou puro, ou misericordioso. Pelágio foi o primeiro que se levantou em oposição ao ouvir um bispo nos ofícios públicos da igreja citar a oração de A g o s t in h o : ‘Da quod ju-bes, et jube quod vis’ - 'Dá o que mandas e manda o que tu queres’. A partir daí ele foi levado a form ular o evangelho segundo Cícero tal é a perfeição com que a doutrina pelagiana reproduz o ensino pagão” . Por outro lado, o impulso cristão deve relacionar todas as dádivas e graças com uma fonte divina em Cristo e no Espírito Santo. Ef. 2.10 - “Porque somos feitura sua criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássem os nelas”; Jo. 15.16 - “ Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós”; 1.13 - “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus” . H. Auber: “ E cada virtude que possuím os, E cada vitória que alcançam os, E cada pensam ento de santidade São só dele” . A g o s t in h o disse que o homem é mais livre quando é só controlado por Deus” - [Deo] solo dominante, liberrimus (De Mor. Eccl XXI). G o r e , Lux Mundi, 320 - “ Em Cristo a humanidade é perfeita porque nele a referida humanidade não retém parte nenhuma da falsa independência que, em todas as suas múltiplas formas, é o segredo do pecado” . O pelagianismo, ao contrário, é a declaração de independência do homem. H a r n a c k , Híst. Dogma, 5.200 “ A essência do pelagianismo, chave de todo o modo de pensamento, encon­ tra-se na proposição de Juliano: ‘Homo libero arbitrio em ancipatus a Deo’ - o homem, criado livre em seu ser inteiro é independente de Deus. Ele não tem nada a ver com Deus, mas consigo mesmo. Deus entra na vida do homem só no fim, - no juízo, - doutrina do orfanato da humanidade.

B) Contradiz a Escritura ao negar: a) que a disposição e estado maus, do mesmo modo que os maus atos, são pecados; b) que disposição e estado maus são inatos em toda a humanidade; c) que os homens universalmente são culpa­ dos pela transgressão aberta tão logo cheguem à consciência moral; ã) que ninguém é capaz de cumprir a lei sem o auxílio divino; e) que todos homens, sem exceção, dependem da expiação, da regeneração, da santificação, da gra­ ça de Deus para a salvação;/) que o presente estado de corrupção, condenação e morte do homem é o efeito direto da transgressão de Adão. A Confissão de W estm inster, cap. vi, par. 4, declara que “somos totalm en­ te desqualificados, incapazes e opostos a todo o bem e totalm ente inclinados para o mal”. Para Pelágio, ao contrário, o pecado é um mero incidente. Ele só

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tem conhecim ento de pecados, não de pecado. Sustenta a teoria atômica, ou atom ista do pecado, que o considera consistente com as volições isoladas. O pelagianismo, sustentando, como faz, que a virtude e o vício consistem apenas em sim ples decisões não leva em conta o caráter. Não existe esta coisa de estado de pecado, ou sua força de si mesmã propagadora. As Escri­ turas dão maior ênfase a estes do que aos sim ples atos de transgressão. Jo. 3.6 - “O que é nascido da carne é carne” = o que vem de ascendência pecadora e culpada, desde o começo é, por si mesmo, pecaminoso e culpa­ do” ( D o r n e r ). A tendência para a degradação dá testem unho em fam ílias e nações. Amiel diz que o grande defeito do cristianism o liberal é a sua concepção liberal de pecado. A tendência é muito antiga: T e r t u l ia n o falava da alma como naturalm ente cristã - “anima naturaliter C hristiana” . A tendência chegou aos tem pos modernos: C r a n e , The R eligion o f Tomorrow, 246 - “Só quando a criança cresce e com eça a absorver o meio ambiente é que perde a amabilidade sem arte” . Um pregador unitário de Roxeaste declarou publicamente sentir muita dúvida para crer na pureza natural do homem, assim como para crer na pureza natural de Deus . D r . L y m a n A b b o t t fala da sombra que a teolo­ gia m aniqueísta de A g o s t i n h o , que Calvino tom ou por em préstim o, lança sobre todos os filhos, declarando-os nascidos herdeiros da ira, como raça de víbora” . O Dr. Abbott esquece-se de que A g o s t in h o foi o maior opositor do maniqueísmo e que a sua doutrina da herança da culpa pode ser suplem en­ tada pela doutrina das influências herdadas tendentes à salvação. O prof. G. A . Coe diz-nos que “todas crianças estão dentro da fam ília de Deus” ; que “já são membros do seu reino”; que “a mudança do adolescente” não é “um passo para a vida cristã, mas dentro dela” . Aprendem os que a salvação vem através da educação. Porém a educação é tão somente um meio para apresentar a verdade. O pelagianism o ignora ou nega em toda criança a presença de um egoísmo congênito que dificulta a aceitação da verdade e que, sem a obra do Espírito divino, contrapõe-se à influência da verdade. A transgressão ensinou a A g o s t in h o a culpa e a desesperança, enquanto Pelágio continuou a ignorar o mal do seu próprio coração. Pelágio podia ter dito com W o r d s w o r t h , Prelude, 534 - “Como outros jovens eu tinha abordado o escudo Da natureza hum ana sob o aspecto áureo; E teria lutado até à morte para testar a qualidade do metal que eu via” . S c h a f f , sobre a controvérsia pelagiana, In B iblia Sacra, 5 . 2 0 5 - 2 4 3 A controvérsia “resolve-se na questão se a redenção e a santificação consis­ tem na obra do homem ou na de Deus. O pelagianism o, em todo o seu modo de pensar, parte do homem e procura operar gradualm ente para cima, atra­ vés de uma boa vontade im aginária até a santidade e com unhão com Deus. O agostinianism o persegue o caminho contrário, derivando da graça incondi­ cional e operadora uma nova vida e a força total para a operação do bem. Aquela conduz da liberdade a uma piedade legalista e de justiça própria; esta surge da escravidão do pecado para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Para aquela, a revelação é apenas um acessório exterior, ou força de um exemplo elevado; para esta é o recôndito da vida, a própria medula e o san­ gue do novo homem. Aquela envolve um ponto de vista ebionita de Cristo, como homem nobre, não como sumo sacerdote ou rei; esta vê nele alguém

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que habita a plenitude real de Deus. A quela faz da conversão um processo de purificação moral gradual apoiada na natureza original; com esta, há uma m udança total em que as coisas velhas passam e tudo se faz novo. ... O racionalismo é apõe-nas a form a em que o pelagianism o teoricam ente se completa. A elevada opinião que o pelagiano sustenta a respeito da vontade natural, com igual direito, o racionalism o transfere para a razão natural. Um faz sem a graça o que o outro o faz sem a revelação. A divindade pelagiana é racionalista. A m oralidade racionalista é pelagiana” . A l l e n , Religious Progres, 98-100 - “O equívoco da controvérsia religiosa, em sua m aior parte brota do desejo e da determ inação de atribuir às posições contrárias de alguém o que este não sustenta, ou tirar inferências a partir dos seus princípios, insistindo em que ele é responsável pelos referidos embora declare que não os ensina. Dizemos que ele deve aceitá-los; que logicam en­ te deve agir assim; que são deduções necessárias a partir do seu sistema; que a tendência do seu ensino está nesta direção; e conseqüentem ente denunciá-lo e condená-lo por aquilo que ele nega. É deste modo que A g o s t in h o preenche as lacunas de seu sistema, que ele ensinava ser necessário para tornar consistente e com pleto o ensino de Pelágio; da sua parte, Pelágio tira­ va inferências da teologia agostiniana sobre o que A g o s t in h o teria preferido m anter um discreto silêncio. Nem A g o s t i n h o , nem Calvino, estavam ansiosos por tornar proem inente a doutrina da reprovação do ímpio para a condena­ ção, mas preferiam ficar no princípio mais atraente e mais racional da eleição para a salvação como matéria de escolha e aprovação divinas; substituindo a desagradável palavra reprovação pela mais branda e eufem ística palavra pre­ terição. Os seus opositores é que tenderam a forçá-los a sair da sua discri­ ção, im pulsionando-os àquilo parece uma consistente seqüência da atitude deles e, com isso, sustentá-lo diante do mundo até à execração. A mesma nota se aplicaria a quase toda a polêm ica teológica que am argou a experiên­ cia da igreja”.

C) Apóia-se em falsos princípios filosóficos; por exemplo: a ) que a vonta­ de humana consiste unicamente na faculdade das volições; enquanto é tam­ bém e, principalmente, a faculdade da autodeterminação com vistas a um fim último; b ) que o poder de escolha contrária é essencial à existência da vonta­ de; enquanto a vontade fundamentalmente determinada para a gratificação de si mesma tem o seu poder só relativo às coisas subordinadas e não pode, por simples volição reverter o seu estado moral; c) que a capacidade é a medida da obrigação; princípio que atenuaria a responsabilidade do pecador na exata proporção com o progresso do seu pecado; d ) que a lei consiste apenas no decreto positivo; enquanto é a demanda da harmonia perfeita com Deus ope­ rada na natureza moral do homem; e) que cada alma humana é imediatamente criada por Deus e não tem nenhuma outra relação com a lei moral além daque­ las que são individuais; enquanto todas as almas humanas estão organicamen­ te em conexão umas com as outras e, juntas, têm um relacionamento corpora­ tivo em virtude da sua derivação de uma origem racial comum.

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a) N e a n d e r , Church History, 2.564-625, sustenta que um dos princípios fundam entais do pelagianismo é “a capacidade de escolha de igual modo e a qualquer momento entre o bem e o mal” . Não há nenhum reconhecimento da lei pelo qual os atos produzem estados; a força que os repetidos atos do mal possuem para dar um caráter definido e a tendência para a própria vontade. “A volição é um duradouro ‘tique-taque’, e a oscilação do pêndulo, mas sem m over para frente os ponteiros do relógio” . Não há nenhum a continuidade na vida moral - nenhum caráter no homem, anjo, diabo, Deus”. d ) Ver o artigo sobre o Poder da Escolha Contrária, em Ensaios de P r in c e t o n , 1.212-233: O pelagianism o sustenta que não é possível nenhuma confirm a­ ção na santidade. T h o r n w e l l , Teologia: “O pecador é tão livre como o santo; o diabo é tão livre como o anjo” . H a r r is , Philos. Basis o f Theism, 399 - A teoria de que a indiferença é essencial à liberdade im plica que a vontade nunca adquire caráter; que a ação voluntária é atom ista; cada ato está desintegrado do outro; que o caráter, se adquirido, seria incom patível com a liberdade” . “Através da sim ples volição a alma agora em plenum pode tornar-se vacuum, ou a que era vacuum pode tornar-se plenum". c) SI. 79. 8 - “ Não evoques contra nós as iniqüidades dos nossos pais”; 106.6 - “ Pecamos como os nossos pais” . O bserve a analogia dos indivíduos que sofrem os efeitos dos erros dos pais ou da transgressão nacional. J u l iu s M ü l l e r , Doctrine o f Sin, 2.316,317 - “ Nem o ponto de vista atomista, nem o orgânico sobre a natureza humana é a verdade com pleta” . Um deve ser complem entado pelo outro. Sobre a afirm ação da responsabilidade racial, ver D o r n e r , Glaubenslehre, 2.30-39, 51-6 4 ,1 6 1 ,1 6 2 (Sistem a de Doutrina, 2.324, 334; 3.50-54) - “ Entre as provas escriturísticas sobre a conexão moral do indivíduo com a raça, acham-se a visitação dos pecados dos pais nos filhos; a obrigação que o povo tem de punir o pecado do indivíduo, em cuja culpa a terra toda não pode incorrer; a oferta de sacrifício pelo homicídio, cujo perpe­ trador é desconhecido. O crime de Adão pesa sobre o povo todo. A raça judai­ ca é a melhor para os ascendentes e as outras nações são piores para eles. O povo hebreu tornou-se pessoa legal. “C ostum a-se d ize r que ninguém é punido pelos pecados dos pais, a menos que sejam sem elhantes a eles. Porém, ser diferente dos pais requer um novo coração. Os que sustentam não levar em conta os pecados dos pais são os que têm reconhecido a sua responsabilidade por eles e têm -se arre­ pendido à sem elhança dos ancestrais. Só o espírito que a si mesmo se isola diz: “Sou eu guardador do meu irm ão?” (Gn. 4.9) e pensa em m ontar uma equação consiste n te entre o in fo rtú n io individual e o pecado individual. As calam idades do justo conduzem a um a concepção ética da religião do indivíduo para com a comunidade. Tais sofrim entos mostram que o homem pode am ar desinteressadam ente a Deus, que o bom tem amigos não egoís­ tas. Eles são substitutivos, quando não estranhos ao sofredor, mas perten­ centes a ele; a culpa dos outros atribuídas a ele em virtude da sua relação nacional ou racial com eles. Moisés em Ex. 34.9, Davi em SI. 51.6, Isaías e Is. 59.1-16, reconhecem a conexão entre o pecado pessoal e o racial. “Cristo restaura o laço entre o homem e os seus com panheiros, muda o coração dos pais para com os filhos. Ele é o criador de uma nova consciência racial. Nele, que é o cabeça, vem o-nos ligados e respondemos pelos outros.

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Moralmente é im possível ao am or isolar-se. Ele restaura a consciência de unidade e o reconhecimento da culpa comum. Ocupa cada ser humano o seu devido lugar no Novo Testamento? Isto só ocorreria se cada um se tornasse isoladamente um pecador por livre e consciente decisão pessoal, quer no presente, quer no passado da existência. Entretanto, isto não é bíblico. Algo aparece antes da transgressão pessoal. ‘O que é nascido da carne é carne’ (Jo. 3.6). A personalidade é mais forte ao reconhecer o pecado racial. Senti­ mos um regozijo nas vitórias do bem; assim tam bém sentim o-nos tristes nos lapsos vergonhosos. Estes não são os piores m om entos, mas os melhores, há algo de gratifidante neles. O pecado original deve desagradar a Deus; porque perverte a razão, destrói a sem elhança a Deus, exclui da comunhão com ele, torna necessária a redenção, conduz ao verdadeiro pecado, influi nas futuras gerações. Mas queixar-se por Deus perm itir a sua propagação é queixar-se de não ter destruído a raça, - isto é, queixar-se da sua própria existência” .

2. Teoria Arminiana, ou Teoria da Depravação voluntariamente apro­

priada

Armínio (1560-1609), professor da Universidade de Leyden, sul da Holan­ da, conquanto originariamente aceitasse a doutrina da unidade adâmica da raça, proposta tanto por Lutero como por Calvino, deu-lhe uma interpretação bem diferente - que se dirigia para o semipelagianismo e para a antropologia da igreja grega. O grupo metodista representa este ponto de vista. Segundo esta teoria, todos os homens, como uma seqüência divinamente indicada da transgressão de Adão, acham-se naturalmente destituídos da reti­ dão original e estão expostos à miséria e à morte. Por causa da fraqueza propa­ gada de Adão a toda a sua descendência, a humanidade é totalmente incapaz, sem o auxílio divino, de obedecer perfeitamente a Deus ou alcançar a vida eterna. Contudo, esta incapacidade é física e intelectual, mas não voluntária. Por isso, em se tratando de justiça, Deus confere a cada indivíduo, desde o raiar da sua consciência, uma influência especial do Espírito Santo, suficiente para neutralizar o efeito da depravação herdada e tomar possível a obediên­ cia, provendo a vontade humana de cooperação, que ainda pode praticá-la. A tendência e estado maus podem ser chamados de pecado; mas eles mes­ mos não envolvem culpa ou castigo; menos que isso, a humanidade não é considerada culpada do pecado de Adão. Deus atribui a cada homem as suas tendências inatas para o mal só quando consciente e voluntariamente se apro­ pria e ratifica-as apesar da força contrária que, na justiça para com o homem, Deus comunicou de um modo especial. Em Rm. 5.12, “a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”, significa que a morte física e espiritual incidiu sobre todos os homens não como castigo de um pecado comum em

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Adão, mas porque, pelo decreto divino, todos sofrem as conseqüências daque­ le pecado e porque todos pessoalmente consentem na sua pecaminosidade através dos atos de transgressão. A descrição dada acim a é própria do arm inianism o. As expressões do pró­ prio Arm ínio são de tal modo seguras que Moisés Stuart (Repositório Bíblico) considerou possível construir um argum ento para provar que Armínio não era arminiano. É claro, porém, que Arm ínio entende por pecado herdado só o mal recebido por herança e isto não é form a de justificar a condenação divina. Ele nega qualquer existência inerente em Adão que nos fizesse, com justiça, responsáveis pelo pecado de Adão a não ser no sentido de que somos obri­ gados a sofrer algum as das suas conseqüências. S h e d d mostrou isto na His­ tória da Doutrina, 2.178-196. O sistem a de Arm ínio é mais completamente exposto em L im b o r c h e Episcópio. Ife r L im b o r c h , Theol. Christ., 3.4.6 (p. 189). O pecado com o qual nascemos “não é inerente à alma, pois esta [a alma] é criada im ediatam ente por Deus e, portanto, se infectada pelo pecado, este seria de Deus” . Muitos assim cham ados arm inianos, tais como W hitby e John Taylor, eram pelagianos. João Wesley, contudo, modificou e aprim orou grandem ente a doutrina arminiana. H o d g e , Syst. Theol., 2.329,330 - “O wesleyanism o 1) admite a total depravação moral; 2) nega que os homens em tal estado têm qualquer poder para cooperar com a graça de Deus; 3) afirm a que a culpa de todos através de Adão foi removida pela justificação de todos através de Cristo; 4) a capacidade de cooperar é do Espírito Santo através da influência univer­ sal da redenção da parte de Cristo. A ordem dos decretos é 1) perm itir a queda do homem; 2) enviar o Filho para ser a satisfação com pleta pelos pecados do mundo inteiro; 3) baseado nisto, rem ir todo o pecado original e conceder tal graça que capacite todos a alcançar a vida eterna; 4) os que aprimoram essa graça e perseveram até o fim estão ordenados a serem sal­ vos” . Podemos acrescentar que W esley fez um a concessão sobre a nossa natureza depravada de que a capacidade de cooperar com Deus é matéria de graça, enquanto Arm ínio considerava-a com o m atéria de justiça. O homem, sem ela, não é responsável por seus atos. O w esleyanism o é sistem atizado por W a t s o n , que, em Institutes, 2.53-55, 59, 77, apesar de negar a atribuição do pecado de Adão em qualquer sentido próprio, declara que “ L im b o r c h e outros m aterialm ente se afastaram das opini­ ões de Arm ínio ao negar que a ambição interior e as tendências pecaminosas concordam com a vontade e aum entam com ela. Mas universalm ente os homens escolhem ratificar tais tendências; por isso elas se corrom peram no coração. Se há depravação universal da vontade antes da verdadeira esco­ lha, segue-se, então, inevitavelm ente que, em bora as crianças não cometam pecado por atos, contudo, tem -no em sua n a tu re z a .... Quanto às crianças, na verdade, não nasceram justificadas e regeneradas; de modo que não é corre­ to dizer que Cristo retirou o pecado original delas pelas razões já apresenta­ das; mas todas elas nasceram sob ‘o livre dom ’, sob os efeitos da ‘justiça’ de alguém, que se estende a todos os homens; e este livre dom lhes é concedi­ do para justificação da vida, o ajuizam ento do condenado para que viva. ...

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Nos adultos a justificação depende do arrependim ento e da fé; nas crianças não sabemos como. O Espírito Santo pode ser dado às crianças. A influência divina e eficaz pode exercer-se sobre elas, na cura da morte espiritual e na tendência corrom pida da sua natureza”. Convém observar que o w esleyanism o de W atson aproxim a-se muito mais da Escritura do que o que já descrevem os e, com propriedade, do que o próprio arm inianism o. P o p e , em sua Theology, segue W esley e W atson e, (2.70-86) dá uma valiosa sinopse das diferenças entre Arm ínio e Wesley. W h e d o n e R a y m o n d , na Am érica, representam m elhor o arm inianismo. Eles sustentam que Deus tinha a obrigação de restaurar a capacidade humana, embora inconsistentem ente falam da sua capacidade como graciosa. Duas passagens da Teologia de R a y m o n d mostram a inconsistência da vocação que a “graça” para cuja concessão Deus liga à justiça, com vistas à responsabili­ dade do homem: 2.84-86 - “A raça veio a existir sob a graça. Garantem-se esta e a justificação unicam ente através de Cristo; porque, sem ele, seguirse-iam o castigo e a destruição im ediatam ente após o primeiro pecado. Deste modo, todos os dons do Espírito necessários ao exercício da livre escolha moral são garantidos através de Cristo. O Espírito de Deus não é um mero espectador, mas um poder vivificante. Assim, o homem é, não por sua nature­ za decaída, mas pela graça, um ser moral capaz de conhecer, amar, obede­ cer, agradar a Deus. Ele será sempre assim, se não frustrar a graça de Deus. Enquanto o Espírito não o leva ao vôo final, ele está na condição de deprava­ ção total". Compare a esta a seguinte passagem da mesm a obra na qual esta “gra­ ça” é cham ada dívida: 2.317 - “As relações da posteridade de Adão com Deus são substancialm ente os seres recriados. Cada pessoa individualm en­ te tem obrigações para com Deus e vice-versa, com o se Deus a tivesse cria­ do tal como ele é. A capacidade deve ser igual à obrigação. Deus não foi obrigado a prover um Redentor para os prim eiros transgressores, mas, ten­ do-lhes provido uma redenção e, tendo-lhes perm itido, através dela, que se propagasse uma raça degenerada, deve-se a elas uma com pensação. As graciosas influências do Espírito são o débito ao homem - em com pensa­ ção pela incapacidade humana causada pela depravação herdada”.

Com relação à teoria arminiana assinalamos: A) Admitimos que há um dom universal do Espírito Santo, se Espírito Santo significa a luz natural da razão e da consciência e os múltiplos impulsos para o bem que lutam contra o mal da natureza humana. Mas consideramos como totalmente antibíblicas as seguintes suposições: a ) que este dom do Espírito Santo por si mesmo remove a depravação ou a condenação derivada da queda de Adão; b) que sem este dom o homem não seria responsável pela sua imperfeição moral; e c) que, o começo da vida moral, o homem conscien­ temente se apropria das suas tendência inatas para o mal. Como prova da graça universal João W esley aduziu o texto de Jo. 1 . 9 - “a luz que ilumina a todo hom em ” - referindo-se à luz natural da razão e da

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consciência que o Logos preencarnado concedeu a todos homens, embora em diferentes graus antes da encarnação. Esta luz pode ser chamada de Espírito Santo, porque é “o Espírito de Cristo” (1 Pe. 1.11). O ponto de vista arm iniano tem um grande elem ento de verdade ao reconhecer a influência de Cristo, o Deus imanente, que m itiga os efeitos da queda e se empenha em preparar o homem para a salvação. Mas o arm inianism o não reconhece ple­ namente o mal a ser rem ovido e, por isso, exagera o efeito de tal obra divina. A graça universal não remove a depravação ou a condenação do homem; como é evidente de uma interpretação própria de Rm. 5.12-19 e Ef. 2.3; só equipara essas influências e im pulsos da depravação e condenação que con­ trapõem o mal e estimulam o pecador ao arrependim ento: Jo. 1.5 - “a luz resplandece nas trevas e as trevas não a com preenderam ” . João W esley se refere a Rm. 5 .1 8 - “por um ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” - mas aqui a expressão “todos os homens” é contí­ gua a “muitos” que serão “feitos justos” no verso 19 e a “todos” que “serão vivificados” em 1 Co. 15.22; ou seja, a palavra “todos” refere-se a todos os que crêem; tam bém a passagem ensina não o dom universal do Espírito San­ to, mas a salvação universal. O arm inianism o defende a teoria da herança do pecado no sentido de enfermidade ou tendência má, mas não a herança da culpa. João Wesley, contudo, sustentando também que a capacidade não é matéria de justiça, mas de graça, parece implicar que há uma culpa com um assim como um pecado comum antes do conhecim ento. Os arm inianos am ericanos são mais lógicos, porém menos escriturísticos. S h e l d o n , Syst. Christian D octrine, 321, diz-nos que “talvez a culpa possa não ser matéria de herança e, conseqüen­ temente, pode-se afirm ar o pecado original da posteridade de Adão só no sentido de corrupção hereditária que, a princípio, torna-se ocasião da culpa quando envolto pela vontade do indivíduo” . O pouco significado que o crim i­ noso dá ao “pecado” pode-se inferir das palavras do Bispo Simpson de que Cristo herdou o pecado” . É claro que ele o entendia apenas como enferm ida­ de física ou intelectual, sem um toque de culpa. “O filho herda a natureza dos pais”, costum a-se dizer, “não como um castigo, mas por uma lei natural”. Entretanto, respondemos que a lei natural é em si uma expressão da lei moral de Deus e a herança do mal só pode justificar-se baseada na inconform idade comum com Deus tanto da parte do pai como na do filho, ou uma participação de cada membro na culpa comum da raça. À luz do processo de tratamento anterior, podem os avaliar o elemento bom e o mau em P f l e id e r e r , Philos. Religion, 1.232 - “ É um exagero conside­ rar pecado original como culpa pessoalm ente imputável; e vai-se muito longe quando se sustenta que é o estado natural do homem em seu todo e ainda o bem verdadeiram ente presente que ‘a graça o riginal’ releva. ... Podemos dizer com S c h l e ie r m a c h e r que o pecado original é a ação comum e a culpa comum da raça humana. Mas o indivíduo sem pre participa da culpa coletiva na medida em que tom a parte na sua ação pessoal no ato coletivo que se dirige ao apoio do mal” . D a b n e y , Theology, 315, 316 - “O arm inianismo é orto­ doxo quanto às conseqüências legais do pecado de Adão à sua posteridade; mas o que dá com uma mão tira com a outra, ao atribuir à graça a restauração desta capacidade natural perdida com a queda. Se os efeitos da queda de

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Adão para com a sua posteridade são tais que teriam sido im postos se não reparados por um plano que deveria seguir-se, o ato de Deus prover um Redentor não o seria unicamente de graça. Ele teria a obrigação de praticar algo como, - salvação não pela graça, mas por dever” . A. J. G o r d o n , M inistry o fth e S pirit, 187 ss., nega o dom universal do Espírito, citando Jo. 14.7 - “se eu for, enviar-vo-lo-ei”; i.e. os discípulos de Cristo deveriam receber o Espírito Santo e distribuí-lo e a sua igreja seria mediadora entre o Espírito e o mundo. Por isso, Mc. 16.15 - “ Ide por todo o mundo e pregai” , implica que o Espírito irá somente com eles. O convencim ento do Espírito não vai além da evangelização da igreja. Porém respondem os que Gn. 6.3 im plica num empecilho mais amplo do Espírito Santo.

B) Contradiz a Escritura ao sustentar: d) que o mal moral herdado não envolve culpa; b) que o dom do Espírito e a regeneração das crianças são matéria de justiça; c) que o efeito da graça é somente restaurar a capacidade natural do homem, ao invés de dispô-lo para o emprego correto dessa capaci­ dade; ã) que a eleição é a escolha que Deus faz de certos homens para serem salvos com base na previsão da sua fé, ao invés de ser uma escolha de Deus para que alguns se tornem crentes; e) que a morte física não é o castigo do pecado, mas é assunto de um decreto arbitrário a) Ver D o r n e r , Glaubenslehre, 258 (Sistem a de Doutrina, 2.352-359) “Com Armínio, o pecado original é apenas um mal original, não uma culpa. Ele explica o problema do pecado original negando o fato, e tornando a pecam inosidade algo moralm ente indiferente. Nenhum pecado sem consentim en­ to; nenhum consentim ento do desenvolvim ento humano; por isso, nenhuma culpa no desejo mau. É a mesm a coisa que a doutrina romanista sobre a concupiscência e sem elhante ao que leva a acusar Deus de constituir má a nossa natureza. ... O pecado original é apenas a indução ao mal dirigida à livre vontade. Toda a desordem interna e vício é moralm ente indiferente e torna-se pecado tão som ente pela apropriação através da livre vontade. Mas os pensam entos involuntários, desamorosos, orgulhosos são reconhecidos na Escritura como pecado; contudo, brotam do coração sem o nosso consen­ timento consciente. Os pecados, deliberados ou não, transm item -se de um para o outro de modo que é im possível traçar uma linha entre ambos. A dou­ trina de que não há pecado sem o consentim ento im plica em força para con­ ter o consentimento. Mas isto contradiz a necessidade universal da redenção e a nossa observação de que ninguém jam ais conteve totalm ente o consenti­ mento originário do pecado”. b) H. B. S m it h , Revista de W hedon sobre a vontade na Faith a n d Philosophy, 2.353-359 - “ Uma criança, no ponto de vista antigo, só necessita de crescer para que seja culpada dos seus pecados praticados; ao passo que, neste ponto de vista ela também necessita de crescim ento e de graça “. Ver Biblia Sacra, 20.327,328. Segundo W h e d o n , Com on Rm. 5.12, “a condição de um infante sem Cristo é a de um pecador, alguém certo de pecar, embora, na verdade, nunca condenado antes da apostasia pessoal. Esta seria a sua

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condição, pois em Cristo o infante é regenerado e justificado e dotado do Espírito Santo. Por isso todos os que praticam pecados são apóstatas do estado de graça” . Entretanto, perguntamos: 1. Por que, então, os infantes morrem antes de terem cometido o pecado? Sem dúvida, não por conta do pecado de Adão, pois eles estão livres de todos os males desse tipo, por meio de Cristo. Deve ser porque ainda são de certa form a pecadores. 2. Como podemos explicar o pecado de todos infantes tão logo começam a agir moral­ mente se, antes de pecarem, estão em estado de graça e santificação? Deve ser porque eram de certa form a pecadores. Ou seja, a regeneração universal e a justificação dos infantes contrariam a Escritura e a observação. c) Note que esta “graciosa” capacidade não envolve a graça salvadora daquele que a recebe porque é dada igualm ente a todos os homens. E não é mais do que uma restauração da capacidade natural do homem perdida com o pecado adâmico. Não basta explicar por que o homem que tem a capacida­ de graciosa escolhe Deus enquanto outro que tem a m esm a capacidade escolhe o eu. 1 Co. 4.7 - “quem te fez igualm ente?” Não foi Deus, mas tu mesmo. Em oposição à doutrina arm iniana, que defende a graça universal, resistível, a capacidade restauradora natural, os calvinistas e os agostinianos defendem em particular a graça irresistível dando a capacidade moral, ou seja, concedendo a disposição para usar corretam ente a capacidade natural. A palavra “graça” é muito em pregada pelos arm inianos. A Doutrina Metodista e a Disciplina, Artigos sobre a Religião, viii - “A condição do homem após a queda de Adão é tal que ele não pode por si mesmo voltar-se e preparar-se por suas forças e obras, agradáveis e aceitáveis a Deus sem a sua graça, im pedindo de ter boa vontade e operando em nós quando temos a m enciona­ da boa vontade” . É im portante entender que, no emprego arminiano, graça é sim plesm ente a restauração da capacidade natural do homem de agir por si mesmo; na verdade ela nunca o salva, mas tão som ente capacita a salvar, se ele o quer. A graça arm iniana é igualmente a concessão do dom espiritual, como a pelagiana é igualmente a graça concedida na criação. Não considera a redenção como uma com pensação da depravação inata e, conseqüente­ mente, irresponsável. d) No sistema arminiano, a ordem da salvação é: 1) fé - através de um homem não renovado, mas convicto; 2) justificação; 3) regeneração, ou um coração santo. Deus não decreta, oríg in a rié , mas recom pensá-la. Por isso os w esleyanos consideram a fé uma obra e a eleição como uma ordem de Deus para os homens que, conform e a providência dele, desejam segundo a fé. A ordem agostiniana, ao contrário, é: 1) regeneração; 2) fé; 3) justificação. A d o l f o S a f ir , Memoir, 255 - “Minha objeção aos arm inianos ou semi-arm inianos não é que eles abrem dem ais a entrada; mas é que eles não dão a você algo definido, seguro e real, depois que você foi introduzido. ... Não creia no evangelho do diabo, que é uma oportunidade de salvação: a oportunidade de salvação é a oportunidade de perdição” . A graça não é uma recom pensa pela prática das obras, mas o poder de praticá-las. Francisco Rous de Truro, no Parlamento de 1629, falava como um homem mais ou menos franco com horror diante do aum ento do “erro do arm inianism o, que faz da graça de Deus um lacaio da vo n ta d e do hom em ” ; O c o n v e rtid o a rm in ia n o diz: “ Dou o meu coração ao Senhor” ; o convertido agostiniano diz: “O Espírito Santo me

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convenceu do pecado e renovou o meu coração” . O arm inianism o tende para a auto-suficiência; o agostinianism o prom ove a dependência de Deus.

C) Apóia-se em falsos princípios filosóficos, como por exemplo: a ) que a vontade é somente a faculdade das volições. b) Que o poder da escolha contrá­ ria, no sentido de uma força através de um simples ato de reverter o estado moral, é essencial à vontade, c) Que a certeza anterior de qualquer dado ato moral é incompatível com a sua liberdade, d) Que a capacidade é a medida da obrigação, é) Que a lei só condena a transgressão volitiva. f) Que o homem não tem nenhuma conexão moral com a raça. b) R a y m o n d diz: “O homem é responsável pelo caráter, mas somente até onde é imposto por si mesmo. Nós somos responsáveis pelo caráter sem levar em consideração a sua origem. A liberdade de um ato é tão essencial à responsabilidade como esta àquela. Se a força para o contrário é impossível, então não existe liberdade em Deus ou no homem. O pecado é uma necessi­ dade e Deus é o seu autor” . Mas aqui está uma negação de que existe essa coisa que se chama caráter; que a vontade pode dar-se a uma inclinação que uma simples volição não pode mudar; que o ímpio pode tornar-se escravo do pecado; que Satanás, apesar de atualm ente não ter forças para voltar-se para Deus, é responsável pelo seu pecado. O poder que Adão tinha de escolher o contrário não mais existe totalm ente; lim ita-se a uma força contrária nas escolhas tem porárias e subordinadas; deixa de ser igual à obra da mudança a determ inação fundam ental do ser para o egoísm o como um fim último. Con­ tudo, o homem é responsável pela própria incapacidade porque esta se origi­ na da vontade. J u l iu s M ü l l e r , Doctrine o f Siri, 2.28 - “A liberdade formal conduz à liberda­ de real. O ponto de partida é a liberdade que, entretanto, não envolve uma necessidade interior, porém a possibilidade de algo mais; o alvo é a liberda­ de, que se identifica com a necessidade. Aquela é o meio para esta. Quando se escolhe plena e verdadeiram ente a vontade, pode-se dizer que ainda exis­ te, num sentido metafísico o poder de agir de outra forma; mas moralmente, isto é, com relação ao controle do bem e do mal, ela se acha totalm ente abolida. A liberdade form al é a da escolha, no sentido da volição com o conhecim ento expresso de outras possibilidades” . A verdadeira liberdade é a de se escolher som ente o bem, sem nenhum a possibilidade remanescente de que a vontade má exerça atração contrária. Porém, como a vontade pode atingir uma “necessidade moral” do bem, assim tam bém pode, através do pecado atingir a “necessidade m oral” do mal. c) P a r k : “A grande objeção filosófica ao arm inianism o é a sua negação da certeza da ação humana - a idéia de que o homem pode agir de qualquer modo sem a certeza de que ele agirá - o poder de uma escolha contrária no sentido da indiferença moral que pode escolher sem motivo, ou opor-se ao mais forte motivo. O ponto de vista da Nova Escola é m elhor do que este porque defende a certeza da escolha errada, conquanto a alma ainda tem o poder de fazer o que é certo. ... Os arm inianos crêem que é objetivamente

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incerto se o homem vai agir desta ou daquela forma, correta ou erroneam en­ te. Nada há, antes da escolha, para decidi-la. É o alvo integral de E d w a r d s refutar a idéia de que o homem sem dúvida não pecará. O antigo calvinismo crê que, antes da queda, Adão se achava neste estado de incerteza objetiva, mas que, depois da queda, não havia mais dúvida de que ele iria pecar e esta provação, por isso, estava encerrada. E d w a r d s afirm a que a tal incerteza objetiva, ou poder no sentido contrário, sempre existiu e que o homem agora tem toda a liberdade que sempre teve ou pôde ter. A verdade na ‘força em sentido contrário’ é tão som ente a força que a vontade tem de agir contraria­ mente do modo em que quer agir. O presidente E d w a r d s crê nisto, embora norm almente se entende que ele raciocina ao contrário. A falsa ‘força para o contrário’ é a incerteza de como alguém agirá, ou uma vontade de agir de form a diferente daquela como ele age. Esta é a força arm iniana no sentido contrário e é a isto que E d w a r d s se opõe” . e) W h e d o n , On the Will, 338-360, 388-395 - “Antes da volição livre o homem pode estar em inconform idade com a lei, em bora não sujeito à retribuição. A lei tem dois ofícios: judiciário e crítico, retributivo e final. O mal hereditário não pode ser visitado com a retribuição do mesm o modo que a pureza de Adão não foi meritória. A santidade passiva, pré-volitiva é a justiça moral, mas não mérito moral. A im pureza passiva pré-volitiva necessita do concurso da vontade ativa para torná-la condenável” .

D) Toma incerta a universalidade do pecado ou a responsabilidade do homem pelo referido pecado. Se o homem tem pleno poder para recusar-se a admitir a depravação inata, então a universalidade do pecado e a necessidade universal de um Salvador são apenas hipotéticas. Contudo, se o pecado é universal, deve ter havido uma ausência do livre consentimento; e a certeza objetiva de o homem pecar, segundo a teoria, destrói a sua responsabilidade. R a y m o n d , Syst. Theol., 2.86-89, sustenta ser teoricam ente possível que uma criança seja ensinada e educada na adm oestação e aconselham ento do S enhor e que ela nunca por conhecim ento e vontade transgredirá a lei de Deus; neste caso, sem dúvida, crescerá na regeneração e, por fim, na sal­ vação. Mas é a graça que o preserva do pecado - [a graça com um ?]. Nós sabem os, quer por experiência, quer pela E scritura, que ninguém está livre das transgressões conhecidas e desejadas” . J. J. M u r p h y , Nat. S election and Spir. Freedom, 26-33 - “ É possível cam inhar do berço à cova, não sem pecar, mas sem qualquer período de alienação de Deus, e com a vida espi­ ritual desenvolvendo-se sim ultaneam ente com a terrena, com o aconteceu com Cristo, desde o com eço” . Mas, visto que a graça tão som ente restaura a capacidade sem dar a disposição de em pregá-la corretam ente, o arm inia­ nismo, logicam ente não provê a salvação de qualquer criança. O calvinism o pode providenciar a salvação de todos os que morrem na infância, pois conhe­ ce o poder divino de renovar a vontade, mas o arm inianism o desconhece tal poder e, assim, está mais distante da solução do problem a da salvação da criança.

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Teoria da Nova Escola, ou Teoria da Viciosidade não Condenável

Esta é chamada de teoria da Nova Escola por causa da sua volta da velha antropologia de que E dw ards (1703-1758) e B ella m y (1719-1790) foram expoentes. A teoria da Nova Escola é um esquema geral construído através de sucessivos labores de H o pk in s , E m m o n s , D w ig h t , T aylor e F in n e y . Defendem-na atualmente os Presbiterianos da Nova Escola e a maior parte do grupo congregacional. Segundo esta teoria, todos homens nascem com uma constituição física e moral que os predispõe para o pecado e todos homens, na verdade, pecam tão logo chegam a uma consciência moral. Esta viciosidade da natureza pode ser chamada pecaminosa, porque uniformemente conduz ao pecado; mas em si mesma ela não o é, visto que nada deve ser apropriadamente chamado de pecado a não ser o ato voluntário de transgressão de uma lei conhecida. Deus atribui ao homem só os atos de transgressão pessoal; ele não os atri­ bui ao pecado de Adão; nem a viciosidade original, nem a morte física são condenações penais; são somente conseqüências com que Deus, em sua sobe­ rania, ordenou marcar o seu desagrado à transgressão de Adão e esses males sujeitam cada alma que Deus cria imediatamente. Em Rm. 5.12, “a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”, significa: “a morte espiri­ tual passou a todos os homens, porque todos os homens real e pessoalmente pecaram”. E d w a r d s sustenta que Deus atribui o pecado de Adão à sua posteridade, identificando-a arbitrariam ente com aquele. A identidade, na teoria da criação contínua (ver pp. 415-418), é apenas o que Deus designa. Porque isto não fornece base suficiente para a atribuição, E d w a r d s liga a doutrina de P l a c e u s a uma outra e mostra a justiça da condenação pelo fato de que o homem é depravado. Acrescenta, contudo, a consideração de que o homem ratifica a sua depravação através dos seus próprios atos. Assim E d w a r d s tenta com bi­ nar três pontos de vista. Mas todos eles são viciados pela sua doutrina d a criação contínua que, logicamente faz Deus a única causa no universo e não deixa nenhuma liberdade, culpa ou responsabilidade para o homem. Susten­ ta que a preservação é uma série contínua de novas volições divinas. A iden­ tid ade pessoal co n siste no c o n h e cim e n to , ou m elhor, na m em ória sem necessidade algum a de identidade da substância. Afirm a que Deus pode d a r a uma criação absolutam ente nova o conhecim ento de alguém já a n iq u ila d o e conseqüentem ente ambos são idênticos. Afirm a-o não só como p o s s ib ilid a ­ de, mas como fato real A filosofia idealista de E d w a r d s capacita-nos a entender a sua concepção do relacionam ento da raça com Adão. Ele crê em “uma união real entre a raiz e os ramos do mundo da humanidade estabelecida pelo autor do sistema todo do universo ... o pleno consentim ento dos corações da posteridade até a

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primeira apostasia ... e, por isso, o pecado da apostasia não é deles somente porque Deus lhos atribuiu, mas é verdadeira e apropriadam ente deles e, com base nisso, é que Deus lhos atribuiu” . Hagenbach, Hist. Doct., 2.435-448, esp. 436, cita de E dwards: “A culpa que um homem leva sobre a sua alma no começo da sua existência é tão som ente uma, a saber: a culpa da apostasia original, a do pecado pelo qual a espécie, no começo, rebelou-se contra Deus” . Interprete isso com outras palavras de Edwards: “A criança e o fruto do carva­ lho, que vêm à existência no curso da natureza são, na verdade, criados por Deus” - i.e. criados continuam ente (citação de Dodge, Chrístian Theology, 188). A llen, Jonathan Edwards, 310 - “Isto exige apenas um passo do princí­ pio de que cada indivíduo tem uma identidade de conhecim ento com Adão, até chegar à conclusão de que todo indivíduo é Adão e repete a experiência dele. Pode-se dizer que cada homem, com o Adão, vem ao mundo assistido pela natureza divina e, como ele, peca e cai. Neste sentido, o pecado de cada homem torna-se o pecado original” . Adão torna-se, não o cabeça da humani­ dade, mas o seu tipo genérico. Daí surge a doutrina da Escola Nova a respei­ to do pecado e culpa exclusivam ente individuais. S h e d d , Hist. Doctríne, 2.25, apresenta E d w a r d s como traducianista. Mas F is h e r , Discussions, 240, mostra que ele não o era. Como já vim os (Prolegômenos, pp. 48,49), pensava muito pouco na natureza. Ele tendia para o berkelianismo aplicado à mente. Portanto, o principal bem encontra-se na felicida­ de - uma form a de sensibilidade. A virtude é uma escolha voluntária deste bem. Portanto, basta a união de atos e exercícios com Adão. Esta vontade de Deus pode identificar o ser com ele. B a i r d , Elohim Revelado, 250 sg, diz com precisão que a “idéia de E d w a r d s de que se deve buscar o caráter de um ato em algum outro lugar que em sua causa envolve a suposição falaz de que os atos subsistem e tem atuação moral independentem ente do seu autor” . Esta divergência da verdade conduz ao sistem a de exercício de H o p k in s e E m m o n s , que, não só negam o caráter moral antes das escolhas individuais {i.e. negam o pecado da natureza), mas atribuem todos atos humanos e exercícios à efi­ cácia direta de Deus. H o p k in s declara que o ato de Adão, ao com er o fruto, não é o da posteridade; por isso a posteridade não peca ao mesmo tempo que Adão. A pecam inosidade daquele ato não pode transferir-se de uma pes­ soa para a outra mais do que um ato em si. Por isso, embora os homens se tenham tornado pecadores através de Adão, segundo a constituição divina, contudo eles não têm pecados a não ser pessoais e prestam contas por eles. 1 /e r W o o D S , H istory o fA n d o v e r Theological Seminary, 33. Assim a doutrina da criação contínua conduz ao sistem a de exercício e o sistem a de exercício conduz à teologia dos atos. N. W. T a y l o r , de New Haven, concorda com H opkins e Emmons em que não há nenhuma atribuição do pecado de Adão ou da depravação inata. Ele não cham a tal depravação de moral, mas física. Repudia, entretanto, a doutrina da eficácia divina na produção dos atos e exercícios humanos e faz todo pecado ser pessoal. Defende o poder de escolha contrária. Adão a teve e, ao con trá rio da cre n ça dos a g o stin ia n o s, nunca a p erdeu. O hom em “ não somente pode se quer, mas pode mesm o que não queira”. Ele pode, mas, sem o Espírito, não quer. Diz ele: “O homem pode, o que quer que o Espírito faça ou não” ; mas tam bém: “O homem não pode, a não ser que o Espírito

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Santo auxilie”; “Se eu fosse tão eloqüente como o Espírito Santo, converteria os pecadores tão rapidamente quanto ele” . Contudo ele não sustenta a liber­ dade arm iniana de indiferença ou contingência. Crê na certeza da ação errô­ nea, embora no poder de agir ao contrário. Ver M oral Govt., 2.132 - “O erro de Pelágio não está em afirm ar que o homem pode obedecer a Deus sem a graça, em dizer que, na verdade, obedece a Deus sem a graça” . Há uma parte da natureza dos pecadores para a qual os motivos do evangelho podem apelar - parte da sua natureza que nem é santa, nem impura, a saber, o amor próprio, ou o desejo inocente da felicidade. A m aior felicidade é a base da obrigação. Sob a influência dos m otivos que apelam para a felicidade, o pecador pode suspender sua escolha do mundo o bem principal e entregar o seu coração a Deus. Pode agir desta maneira, quer o Espírito Santo o faça, quer não; mas a incapacidade moral só pode ser vencida pelo Espírito Santo, que move a alma, sem coagi-la, mas através da verdade. Esta form a da doutrina da Nova Escola sugere as seguintes perguntas: 1. pode o pecador suspender o seu egoísm o antes de ser dominado pela graça divina? 2. Pode a escolha que ele faz de Deus ser santa tão som ente a partir do amor próprio? 3. Visto que Deus exige am or em cada escolha, não deve esta ser positivam ente impura? 4. Se não é uma escolha santa, como pode ser o começo da santidade? 5. Se o pecador pode tornar-se regenera­ do, preferindo Deus na base de um interesse próprio, onde está a necessida­ de do Espírito Santo renovar o coração? 6. Esta dita capacidade que o peca­ dor tem de voltar-se para Deus contradiz o conhecim ento e a Escritura? Nem, por um lado H o p k in s e E m m o n s , nem Taylor, por outro, representam mais com ­ pletamente o curso geral da Teologia da Nova Inglaterra. S m a l l e y , D w ig h t , W o o d s , todos defendem os mais conservadores pontos de vista do que Taylor, e do que F in n e y , cujo sistem a tem m uito a ver com o de Taylor. Todos três negam a força contrária de escolha que o D r. Taylor firm em ente sustenta embora todos concordem com ele em negar a atribuição do pecado de Adão ou a sua depravação hereditária. Estas não são pecam inosas a não ser no sentido de ocasionar o verdadeiro pecado. Entendeu-se que o D r . P a r k , de Andover, ensina que o estado desordena­ do das sensibilidades e faculdades com que nascem os é a ocasião imediata do pecado, enquanto a transgressão de Adão é a sua ocasião remota. A von­ tade, apesar de influenciada pela tendência má, em si não é livre e, por isso, não é pecado. A a firm ação da do u trin a da N ova Escola, dada nos te x ­ tos, pretende representar a doutrina comum da Nova Inglaterra ensinada por S m a l l e y , D w ig h t , W o o d s e P a r k ; apesar de que a tendência histórica, mesmo entre os teólogos, tem sido a de dar ênfase cada vez m enor às tendências depravadas antes do pecado ativo e de sustentar que o caráter moral só começa com a escolha individual, na sua maioria, contudo, sustentam que tal escolha individual com eça no nascimento. Tanto R it s c h l como P f l e id e r e r inclinam -se para a interpretação da Nova Escola a respeito do pecado. R it s c h l , Unterricht, 25 - “A morte universal é conseqüência do pecado do prim eiro homem e a morte de sua posteridade prova que ela tam bém pecou” . Deste modo, a morte é universal, não por causa da geração natural de Adão, mas por causa dos pecados da sua poste­ ridade. P f l e id e r e r , Grundriss, 122 - “ Pecado é uma direção da vontade que

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contraria a idéia moral. Como os anteriores atos pessoais da vontade, ela não é uma culpa pessoal, mas uma im perfeição e um mal. Quando persiste não obstante o despertado conhecim ento moral e através da indulgência tornarse um hábito, a culpa cabe à anorm alidade”.

À teoria da Nova Escola objetamos: A) Ela contradiz a Escritura ao sustentar ou implicar: a ) Que o pecado consiste apenas em atos e em disposições causadas em cada circunstância pelos atos dos homens individualmente e que o estado que predispõe para os atos pecaminosos não é em si pecado, b ) Que a viciosidade que predispõe ao pecado é uma parte da natureza de cada homem porque procede da mão cria­ dora de Deus. c) Que, na raça humana, a morte física não é conseqüência penal da transgressão de Adão. d) Que as crianças, antes da consciência moral, não necessitam do sacrifício de Cristo para a sua salvação. Visto que elas são inocentes, nenhum castigo repousa sobre elas, e nada precisa ser removido, é) Que não somos condenados com base na verdadeira essência de Adão, nem justificados na verdadeira essência de Cristo. Se é impossível que uma criança seja im pura antes de transgredir volun­ tariam ente, então, por igual raciocínio, Adão não podia te r sido santo antes de obedecer à lei, nem uma m udança no coração pode anteceder a ação cristã. Os princípios da Nova Escola devem com pelir-nos a afirm ar que a ação cor­ reta antecede à mudança do coração e que em Adão a obediência deve ter antecedido à santidade. E m m o n s sustenta que, se as crianças morrem antes de tornar-se agentes morais, é mais racional concluir que elas são aniquila­ das. São meros animais. A doutrina comum da Nova Escola deve considerálas salvas, ou por causa da sua inocência, ou porque a expiação de Cristo é valiosa para rem over as conseqüências do pecado, assim como a sua pena. Mas dizer que os infantes são puros contradiz Rm. 5.12 - “todos peca­ ram” ; 1 Co. 7.14 - “vossos filhos seriam im undos” ; Ef. 2.3 - “por natureza filhos da ira” . Em nenhum lugar a Escritura afirm a ou im plica que a expiação de Cristo remove as conseqüências naturais do pecado. Ver, p e r contra, H. B. S m i t h , System, 271, onde, contudo, só se afirm a que Cristo salva de todas conseqüências ju s ta s do pecado. Mas todas conseqüências ju sta s são penas e devem ser cham adas assim. As exigências da doutrina da Nova Escola compelem a pôr o começo do pecado no infante precisam ente no primeiro m omento da sua existência separada; para não contradizer as Escrituras, que falam do pecado como universal e da expiação como necessária a todos. O D r , P a r k sustenta que as crianças pecam tão logo nascem. Ele foi obrigado a sustentar isso ou, doutra forma, dizer que há alguns m em bros da raça humana que não são pecadores. Mas ao fazer esta colocação do pecado, no início da experiência humana, retira-se todo o sentido da definição da Nova Escola a respeito do pecado como “transgressão voluntária da lei conhecida”. Apoiado nessa teoria, é difícil dizer que tipo de escolha do pecado o infante faz, ou que tipo de lei conhecida ele transgride

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A prim eira necessidade da teoria do pecado é a de satisfazer as afirm a­ ções da Escritura. A segunda é que deve assim ilar o ato do homem que justi­ fique a aplicação da aflição, do sofrim ento e da morte à raça humana toda. Nosso senso moral recusa-se a aceitar a conclusão de que tudo isto é maté­ ria da soberania arbitrária. Não podem os e n c o n tra r o ato na tra n sg re s­ são consciente de cada homem, nem no pecado com etido no nascimento. Tal transgressão voluntária da lei conhecida encontram os em Adão; e reivin­ dicamos que a definição da Nova Escola sobre o pecado é muito mais consis­ tente com esta última explicação da origem do pecado do que a teoria de uma multidão de transgressões individuais O teste final de cada teoria, contudo, é a sua conform idade com a Escritu­ ra. Reivindicamos que uma falsa filosofia impede os que advogam a doutrina da Nova Escola de entenderem as declarações de Paulo. A filosofia deles é uma sobrevivência m odificada do pelagianism o atom ista. Ignoram tanto a natureza de Deus como a do homem e vêem a solução do caráter nos atos transitórios. Levam pouco ou nada em conta o estado inconsciente ou sub­ consciente da vontade, e a possibilidade de outra vida mais elevada, interpenetrando e transform ando a nossa, raram ente apresenta-se ao intelecto deles. Estes não têm nenhuma idéia apropriada da união do crente com Cris­ to e, por isso, não a têm da união da raça com Adão. Precisam aprender que, como toda a vida espiritual da raça está em Cristo, o segundo Adão, assim toda a vida natural dela está em Adão; como daquela derivamos a justiça, desta derivam os a corrupção. Porque a vida de Cristo está neles, Paulo pode dizer que todos os crentes se levantam na ressurreição de Cristo; porque a vida de Adão está neles, Paulo pode dizer que em Adão todos morrem. É preferível dizer com P f l e id e r e r que Paulo ensina esta doutrina, mas que, para nós, Paulo não é autoridade nenhuma se, ao aceitarm os o seu ensino, evadim os à força do seu argum ento. Concordam os com S t e v e n s , Pauline Theol., 135,136, que todos homens “pecaram no mesmo sentido em que os crentes foram crucificados para o mundo e morreram para o pecado quando Cristo morreu na cruz”. Mas protestamos que fazer a morte de Cristo mera ocasião da morte do crente e o pecado de Adão a m era ocasião dos pecados dos homens é ignorar as verdades centrais do ensino de Paulo — a união vital do crente com Cristo e a união vital da raça com Adão.

B) Apóia-se em falsos princípios filosóficos, tais como: a) Que a alma é imediatamente criada por Deus. b ) Que a lei de Deus consiste totalmente em ordem exterior, c) Que a capacidade natural atual de obedecer à lei é a medida da obrigação, d) Que o relacionamento do homem com a lei moral é exclusi­ vamente individual, é) Que a vontade é tão somente a faculdade de escolha individual e pessoal./) Que, no nascimento, não apresenta nenhum estado ou caráter moral. Ver

B a ir d ,

n a tu re z a .

O

Elohim Revealed,

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ú n ic o d e v e r é o a m o r .

A

- “A

p e r s o n a lid a d e é in s e p a r á v e l d a

m e n o s q u e a lg u m d a d o d e v e r s e ja a p r e ­

s e n t a d o a tr a v é s d a a t iv id a d e d e u m p r in c í p io d e a m o r q u e b r o t a n a n a t u r e z a ,

Augustus Hopkins Strong

na verdade, ele não se realiza. A lei dirige a natureza. A causa eficiente da ação moral é a própria matéria da lei moral. Só na perversidade da teologia não e s c ritu rís tic a é que ach a m o s o a b su rd o da se p a ra çã o do c a rá te r moral da substância da alma, atando-o aos atos desvanecedores da vida. A idéia de que a responsabilidade e o pecado são predicativos de meras ações é apenas consistente com uma total negação de que a natureza do homem, como tal, deve algo a Deus, ou tem um ofício a realizar na manifesta­ ção da sua glória. Ignora o fato de que as ações são fenôm enos vazios que, em si, não têm nenhum valor possível. É o coração, a alma, a mente, a for­ ça com que tem os de amar. Cristo se conform a com a lei, sendo ‘o santo’ (Lc. 1.35). Princípios filosóficos errôneos form am a base das interpretações da Nova Escola sobre a Escritura. Ignora-se a solidariedade da raça e sustenta-se que a ação moral seja individual. Em nossa discussão sobre a teoria agostiniana do pecado, esperam os mostrar que a doutrina subjacente de Paulo é uma filosofia completamente diferente. Tal filosofia, somada a uma experiência cristã mais profunda, corrigiu a seguinte afirm ação do ponto de vista de Paulo sobre o pecado em O r e l l o C o n e , Am. Jour. Theol., abril, 1898, 241-267. Sobre a expressão de Rm. 5.12 - “porque todos pecaram ” assinala: “Se, sob a nova ordem, os homens não se tornam justos sim plesm ente por causa da justiça de Cristo e, sem a escolha deles, nem sob a velha ordem, é pensamento de Paulo que eles estão sujeitos à morte sem os seus atos de pecado. Concebese que cada cabeça representante som ente como ocasionador dos resulta­ dos, a sua obra, por um lado, na trágica ordem da morte, por outro lado a bendita ordem da vida - ocasião indispensável para tudo o que segue em qualquer das ordens. ... Pode-se questionar se P f l e id e r e r não estatui o caso muito fortem ente quando diz que o pecado da posteridade de Adão é consi­ derado uma conseqüência necessária do pecado de Adão. Não se segue deste em prego do aoristo íúm ptov que a ação de todos pecarem está contida na de Adão, embora este sentido deve ser considerado gram aticalm ente pos­ sível. Contudo, este não é o único sentido gram aticalm ente defensável. Em Rm. 3.23 certam ente %mpTov não denota o ato pretérito definido preen­ chendo apenas um ponto de tem po” . Respondemos, porém, que o contexto determ ina que em Rm. 5.12, íínapxov denota tal pretérito definido; ver nossa interpretação da passagem toda sob a teoria agostiniana, pags, 625-627.

C) Impugna a justiça de Deus.

a) Considerando-o o criador direto de uma natureza viciosa que conduz

cada ser humano infalivelmente à real transgressão. Sustentar que, em conse­ qüência do ato de Adão, Deus faz com que todos homens se tomem pecadores, e isto, não em virtude das leis inerentes da propagação, mas da criação direta em cada caso de uma natureza viciosa, e fazer Deus indiretamente o autor do pecado. b ) Representando-o como o condenador ao sofrimento e morte de milhões de seres humanos que, nesta vida presente, não chegam à consciência moral e que, por isso, segundo a teoria, perfeitamente inocentes. Isto é fazê-lo visitar o

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pecado de Adão na sua posteridade enquanto, ao mesmo tempo, nega que a conexão moral entre Adão e a sua posteridade só poderiam justificar tal visitação. c) Sustentando que a prova que Deus indica para o homem é individual para cada alma, quando vem primeiro chega à consciência moral e é menos qualificado para fazer uma decisão correta. Isto concorda muito mais com as nossas idéias da justiça divina que a decisão seja tomada por toda a raça, em alguém cuja natureza era pura e que entendia perfeitamente a lei de Deus, do que o céu e o inferno estejam determinados para cada um de nós através de uma decisão tomada na nossa inexperiente infância sob a influência de uma natureza viciada. Nesta teoria Deus determina, em sua soberania, que, em vista de um homem ter cometido pecado, todos os homens portam a existência deprava­ da, sob uma constituição que garante a certeza do pecado deles. Mas defen­ demos que é injusto alguém sofrer o mal sem merecê-lo. Dizer que Deus marca o seu senso de culpa do pecado de Adão é contrariar o papel principal da teoria, a saber, que os homens são apenas responsáveis por seus pró­ prios pecados. Preferim os ju stificar Deus, sustentando que há uma razão para tal aplicação, isto é, a conexão do infante com Adão. Se a simples tendência para o pecado é inocente, então Cristo podia tê-la tom ado, quando tomou a nossa natureza. Mas, se o tivesse feito, não se explicaria o fato da expiação, pois, com base nesta teoria ela não seria necessária. Dizer que a criação herda uma natureza pecam inosa, não como pena, mas pela lei natural, é ignorar o fato de que tal lei natural sim plesm ente é a ação regular de Deus, a expressão da sua natureza moral e, por conseqüência, é a própria pena. “O homem mata uma cobra” , diz R a y m o n d , “porque ela é uma cobra e não porque ela é culpada de ser cobra”, - o que nos parece uma nova prova de que os que defendem a depravação inocente dos infantes, não com o seres morais, mas somente como animais. “Devemos distinguir excelência autom á­ tica m aldade” , diz R a y m o n d , “do mérito moral quer seja bom quer m au” . Isto nos parece uma punição sem culpa. P r i n c e t o n , Essays, 1.138, cita C o l e r id g e : “ É um ultraje ao senso comum afirm ar que não é nenhum mal o homem ser posto a prova sob tais circunstâncias que nem um dentre dez mil milhões jam ais escapa ao pecado e à condenação eterna. Inflige-se o mal sobre nós com o conseqüência do pecado de Adão antes das nossas transgressões pessoais. O im portante não é o que esse mal significa, quer seja morte tem poral, corrupção da natureza, certeza do pecado, quer tenha a m orte um sentido mais extenso; se a base da vinda do mal sobre nós é o pecado de Adão, o princípio é o m esm o” . B a i r d , Elohim Revealed, 488 - A im pressão que se tem é: “se uma criatura é punida, isto im plica que alguém pecou, mas não se sugere necessariam ente que o sofredor seja o pecador! Bem ao contrário é o argum ento do apóstolo em Rm. 5.12-19, que se baseia na doutrina oposta e tam bém contraria a prática de Deus, que pune apenas os que m erecem ” .

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D) Sua limitação da responsabilidade nas escolhas más do indivíduo e nas disposições causadas por elas é inconsistente com os seguintes fatos: a) A primeira escolha moral de cada indivíduo é de tal modo involuntária a ponto de não ser lembrada. A ação de uma criança, como sustentam os princi­ pais defensores da teoria da Nova Escola, não responde à definição de pecado como transgressão voluntária de uma lei conhecida. A responsabilidade de tal escolha não difere da do mau estado inato da vontade que se manifesta em tal escolha. b) A uniformidade da ação pecaminosa entre os homens não pode ser explicada pela existência de uma simples faculdade de escolha. O fato de que os homens deveriam escolher uniformemente pode ser explicado deste modo; mas que os homens deveriam escolher o mal requer que postulemos uma ten­ dência ou estado mau da própria vontade antes da escolha destes atos separa­ dos. Esta tendência má ou determinação inata para o mal, visto que é a causa real dos verdadeiros pecados, deve por si mesma ser pecado e, como tal culpável e condenável. c) A força de vontade para evitar a viciosidade inata do próprio desenvolvi­ mento nesta teoria é uma condição necessária para a responsabilidade pelos verdadeiros pecados. Mas a uniformidade absoluta da real transgressão evi­ dencia que a vontade não tem poder para isso. Se a responsabilidade diminui quando aumentam as dificuldades para a livre decisão, o fato de que elas são insuperáveis mostra que não pode haver responsabilidade alguma. Por isso, negar a culpa do pecado inato é virtualmente negar a culpa do verdadeiro pecado que se origina dela O objetivo de todas as teorias é encontrar uma decisão da vontade que justificará o fato de Deus condenar o homem. Em que idade localizamos tal decisão? Aos quinze anos, aos dez, aos cinco? Então, todos os que morrem antes dessa idade não são pecadores, não podem, com justiça, ser punidos com a morte e nem necessitam de um Salvador. E no nascimento? Mas nes­ se instante a decisão não é tão consciente contra Deus como, segundo esta teoria, torná-la-ia determ inante do nosso destino futuro. Reivindicamos que a teoria de A g o s t in h o - do pecado da raça em Adão - é a única que mostra uma transgressão consciente adequada a ser a causa e base da culpa e condena­ ção do homem. Wm. Adams Brown: “Quem pode dizer até onde os seus atos são causa­ dos pela sua própria vontade e até onde, pela natureza que ele herdou? Os homens se sentem culpados pelos atos que, em grande parte, se devem à natureza herdada, que esta é culpada, merece o castigo e está certa de recebê-lo” . H. B. S m it h , System, 350, nota - “Tem-se dito, com sarcasm o, contra a velha teologia que os homens desejam muito especular sobre o pecado de Adão de modo a ter a sua atenção desviada do sentido da culpa pessoal.

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Mas a história toda dá testem unho de que aqueles que creram mais ple­ namente na nossa corrupção ativa e estritam ente moral - como A g o s t in h o , C a l v in o è E d w a r d s - sempre tiveram o mais profundo senso do demérito pes­ soal. Conhecem os perfeitamente o mal do pecado som ente quando conhece­ mos as raízes e os frutos” . “Causa causae est causa causati” . A depravação inata é a causa do pri­ meiro pecado atual. A causa da depravação inata é o pecado de Adão. Se não há culpa no pecado original, então o pecado atual, que brota dele, não pode ser objeto de culpa. Há subseqüentes pecados de presunção em que o ele­ mento pessoal supera o racial e a hereditariedade. Mas não se pode dizer isto dos primeiros atos que tornam o homem pecador. Estas são o resultado tão natural e uniform e da determ inação inata da vontade, que não podem ser culpadas, a menos que a determ inação inata tam bém o seja. Em resumo, nem todo pecado é pessoal. Deve haver um pecado da natureza - pecado racial - o início do pecado atual não pode ser explicado ou considerado como objeto da condenação da parte de Deus. J u l iu s M ü l l e r , Doctrine ofS in, 2.320328, 341 - “Se a depravação profundam ente arraigada que nos põe em con­ tato com o mundo não é o nosso pecado, torna-se uma desculpa para os pecados atuais” . Ensaios de P r in c e t o n , 1.138,139 - Alternativa: 1. Pode o homem por sua própria força evitar o desenvolvim ento da depravação heredi­ tária? Então nós não sabemos que todos os hom ens são pecadores, ou que a salvação de Cristo é necessária a todos. 2. É o pecado atual uma conse­ qüência necessária da depravação hereditária? Então ela é, segundo esta teoria, não mais um ato livre, e não é culpada, visto que a culpa é um predicativo só da transgressão voluntária da lei conhecida.

4. Teoria Federal, ou Teoria da Condenação por Pacto A Teoria Federal ou dos Pactos, originou-se com C occeius (1603-1669), professor em Leyden, porém foi mais completamente elaborada por T urrettin (1623-1687). Tomou-se uma doutrina dos reformados distinta da igreja lute­ rana e nos Estados Unidos tem seus principais defensores na escola de teólo­ gos de P rin c eto n , de que o D r . C h arles H o dg e foi seu representante. Segundo este ponto de vista, Adão foi constituído, por indicação soberana de Deus, o representante de toda a raça humana. Tendo Adão como seu repre­ sentante, Deus entrou no pacto, concordando em dar-lhes a vida eterna sob a condição de render-lhe obediência, mas fazendo o castigo da desobediência ser a corrupção e a morte de toda a sua posteridade. Segundo os termos deste pacto, visto que Adão pecou, Deus considera todos os seus descendentes como pecadores p os condena por causa da transgressão de Adão. Na execução desta sentença de condenação, Deus cria imediatamente cada alma da posteridade de Adão com uma natureza corrompida e depravada, que infalivelmente conduz ao pecado, e ela mesma é pecado. Por isso, é a teoria da atribuição imediata do pecado de Adão à posteridade; a corrupção da sua

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natureza não é a causa dessa atribuição, mas o seu efeito. Em Rm. 5.12, “a morte passou a todos os homens porque todos pecaram”, significa: “a morte física, espiritual e eterna veio para todos porque todos foram considerados e tratados como pecadores”. F i s h e r , Discussions, 355-409, estabelece com paração entre as teorias agostiniana e federal sobre o pecado original. Seu desenvolvim ento da teo­ ria federal é, substancialm ente, o seguinte: A teoria federal é a dos pactos (foedus, pacto, aliança). 1. O pacto é uma constituição soberana imposta por Deus. 2. A união federal é a base legal da atribuição, apesar de que o reino adâmico é a razão pela qual o nosso primeiro pai, e não outro, ter sido esco­ lhido como nosso representante. 3. A nossa culpa pelo pecado de Adão é sim plesm ente uma responsabilidade legal. 4. O pecado atribuído é punido pela depravação inata e esta com a morte eterna. A g o s t in h o não consegue reconciliar a depravação inerente com a justiça de Deus; por isso ele defende a idéia de que pecamos em Adão. A n s e l m o diz: “ Porque a natureza humana toda estava neles (Adão e Eva), e fora deles nada havia da referida natureza, o todo se enfraqueceu e se corrom peu”. Todo pecado depende da vontade; mas esta é uma parte da nos­ sa herança. Os descendentes de Adão não se acham nele como indivíduos; todavia, o que ele fez como pessoa não o fez sine natura, e esta natureza é tanto nossa como dele. Este é o ponto de vista de Pedro Lombardo. Os peca­ dos dos nossos ancestrais imediatos, porque são qualidades puram ente pes­ soais, não são propagados. Após o prim eiro pecado de Adão, as reais quali­ dades do nosso primeiro pai ou dos pósteros não corrom peram a natureza no que tange às qualidades dela, mas só no que tange às da pessoa. Calvino sustentava duas proposições: 1. Não somos condenados pelo pecado de Adão independente da nossa depravação inerente que deriva dele. O pecado por que somos condenados é o nosso próprio pecado. 2. Este não é nosso em razão de que a nossa natureza é viciada em Adão e recebemo-la na condição em que ela foi posta na prim eira transgressão. Melanchton tam ­ bém defende uma atribuição do primeiro pecado condicionado à primeira de­ pravação inata. O impulso ao federalism o se deu pela dificuldade de explicar, na teoria agostiniana pura, a não atribuição dos pecados adâmicos subse­ qüentes e os da sua posteridade. C o c c e iu s (holandês, Coch; inglês, Cook), autor da teoria pactuai, supôs ter resolvido a dificuldade, fazendo o pecado de Adão ser-nos atribuído na base de um pacto entre Deus e Adão, segundo o qual Adão representaria a posteridade. Contudo, para C o c c e iu s , no emprego deste termo, a única dife­ rença entre o pacto e a ordem encontra-se na prom essa ligada à sua guarda. Sobre o equívoco, nos modernos defensores da atribuição, F is h e r assinala ignorar o fato capital de uma verdadeira e real participação no pecado de Adão. O grande grupo de teólogos calvinistas do século XVII é form ado de agostinianos e federalistas. Assim são O w e n e a Confissão de W estminster. T u r r e t t in , contudo, quase fundiu a relação natural com Adão à federal. E d w a r d s recuou à velha doutrina de Aquino e A g o s t i n h o . Tentou form ular a participação real no primeiro pecado. Esta participação é o primeiro surgi­

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mento da inclinação pecaminosa através de uma identidade divinamente cons­ tituída. Mas H o p k in s e E m m o n s consideram a inclinação pecaminosa, não uma participação real, mas tão somente um consentim ento com o pecado de Adão. Daí a teologia da Nova Escola, na qual abandonou-se a atribuição do pecado. Contrariamente, os calvinistas da Escola de P r in c e t o n plantaram -se na teoria federal e, tom ando T u r r e t t in como seu livro de texto, encetaram uma guerra sobre os pontos de vista da Nova Inglaterra, não dispensando totalm ente o próprio E d w a r d s . Após esta revisão da origem da teoria, creditada principal­ mente a F is h e r , pode-se ver facilm ente quão pouca verdade há na suposição dos teólogos de P r in c e t o n de que a teoria federal é “a imemorável doutrina da igrejua de Deus” . Afirm ações da teoria encontram -se em C occeius, Summa D octrinae de Foedere, caps 1, 5. T urrettin, Institutes, loc. 9, quaes. 9; Princeton Essays, 98-185, esp. 120 - “Na atribuição há, prim eiro, uma atribuição de alguma coisa àquela matéria; segundo, uma determ inação de tratá-la concordemente” . A base desta atribuição é a união tanto entre pais e filhos como a união da representação, que é a idéia mestra na qual se insiste a q u i’. 123 - “Como em Cristo somos constituídos justos para a atribuição da justiça, assim também em Adão somos feitos pecadores pela atribuição do seu pecado. ... A culpa é o risco ou exposição ao castigo; no emprego teológico, não implica torpeza moral, ou crim inalidade”. 162 - Cita-se T urrettin: “ Por isso, o fundam ento da atribuição não é sim plesm ente a conexão natural existente entre nós e Adão - pois, se fosse o caso, todos os pecados dele seriam atribuídos a nós, mas, principalmente, os m orais e os federais com base no fato de que Deus entrou no pacto com Adão como o cabeça. Por isso, nesse pecado, Adão não agiu como um a pessoa particular, mas pública e com o procurador” . A unidade resulta do contrato: freqüentem ente não se m enciona a união natural. Marck: Todos pecaram em Adão, “ eos representante’’. Os atos de Adão e os de Cristo são nosso “ju re representationié’. G. W. Northrup ordena a teoria federal do seguinte modo: “ 1) a atribuição da culpa de Adão; 2) a condenação baseada nessa culpa; 3) a corrupção da natureza em conseqüência do tratam ento como condenado. Assim, a imputação judicial do pecado de Adão é a causa e a base da corrupção inata. ... Todos os atos, com exceção única do pecado de Adão, são atos divinos: a indicação de Adão, a criação dos seus descendentes, a atribuição da sua culpa, a condenação da posteridade, e a conseqüente corrupção desta. Aqui tem os a culpa sem o pecado, a exposição à ira divina sem o merecimento do mal. Deus considera os homens como o são, punindo-os na base do pecado com etido antes que eles existissem , e visitando-os com a condenação e reprovação gratuita. Eis aqui a representação arbitrária, a atribuição fictícia, a culpa construtiva, a expiação limitada” . Revista Presbiteriana, jan, 1882, 30 defende que Kloppenburg (1642) precedeu C o c c e iu s (1648) ao sustentar a teoria das alianças, como o fizeram os Cânones de Dort.

Objeções: A) Não pertence às Escrituras; não existe nenhuma menção de tal pacto com Adão no relato da provação adâmica. A suposta alusão à apostasia adâmica

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em Os. 6.7, onde se emprega a palavra “pacto”, é também precária e mui obviamente metafórica para fornecer a base de um esquema de atribuição (ver H en d er so n , Com. On Minor Prophets in loco). Hb. 8.8 “novo pacto” - sugere um contraste não com um pacto adâmico, mas mosaico (cf v. 9). Em Os. 6.7 - “ Eles traspassaram o concerto, com o Adão” - a versão cor­ rigida de H e n d e r s o n , Profetas Menores: “Mas eles, como homens que quebra­ ram o concerto, provaram -se falsos para com igo” . LXX: awtoí Sé e ia iv áç av0pco7toç Ttapapaívcov SkxGtiktiv. De Wette: “A ber sie übertreter den Bund nach Menschenart; daselbst sind sie m ir treuLO s” . Aqui a palavra Adão, traduzida por “homem” , significa um homem, ou, genericam ente, “hom em ” . Israel deu tão pouca consideração aos pactos para com Deus como fazem os homens sem princípio em seus contratos com uns” . “Como um hom em ” = como fazem os homens. Compare SI. 82.7 - “Traspassaram o meu concerto” - alusão ao pacto abraâm ico, ou mosaico. Hb. 8.8,9 - “ Eis que virão dias, diz o Senhor, em que, com a casa de Israel e com a casa de Judá, estabelecerei um novo concerto, não segundo o concerto que fiz com os seus pais no dia em que os tomei pela mão para os tirar do Egito” .

B) Contradita a Escritura, fazendo o primeiro resultado do pecado de Adão dever-se a Deus considerar e tratar a raça como formada de pecadores. Ao contrário, a Escritura declara que a ofensa de Adão nos constituiu pecado­ res (Rm. 5.19). Nós não somos pecadores somente porque Deus nos considera e trata como tais, mas Deus nos considera pecadores porque nós o somos. O que se diz é que a morte “passou a todos os homens”, não porque todos eram considerados e tratados como pecadores, mas “porque todos pecaram” (Rm. 5.12 Para a exegese com pleta de Rm. 5.12-19 ver nota na discussão sobre a teoria que apresenta Adão com o o C abeça N atural (625/7). O D r . P a u l o P a r k causa grande ofensa ao dizer que os assim cham ados “pactos” da lei e da graça, m encionados na C onfissão de W estm inster, feitos por Deus com Abraão e Cristo, respectivam ente, na verdade, foram feitos na H olan­ da” . A palavra foedus, em tal conexão pode, com propriedade, significar nada mais que “ordenança” ; ver V i r g íl io , Georgics, 1.60-63 - “eterna foedera” . E. G. R o b in s o n , Chrístian Theol., 185 - “O ‘pacto’ de Deus com os homens é sim plesm ente o seu método de tratá-los segundo o conhecim ento e oportu­ nidade deles” .

C) Impugna a justiça de Deus, implicando: a) Que Deus sustenta que os homens são responsáveis pela violação de um pacto de cujo estabelecimento eles não participaram. O pacto assumido é somente um decreto soberano; a justiça assumida, uma vontade arbitrária.

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Não só nós nunca autorizam os Adão a fazer tal concerto, com não há nenhuma evidência de que ele jam ais o tenha feito. Nem tam bém é certo que Adão sabia que ele teria posteridade. No caso da atribuição dos nossos peca­ dos a Cristo, este concertou voluntariam ente levá-los e juntou-se à nossa natureza para que pudesse levá-los. No caso da atribuição da justiça de Cris­ to, primeiro nos tornam os um com ele e, baseados nessa nossa união, somos justificados. Mas na teoria federal, somos condenados com base num pacto que nem instituímos, nem dele participamos, nem com ele assentimos. b) Que, baseado neste pacto, considera os homens como pecadores ainda que não o sejam. Mas Deus julga segundo a verdade. A sua condenação não se processa baseada na ficção legal. Ele não pode considerar responsável pela transgressão de Adão apenas os que, em certo sentido real, relacionaram-se e tiveram parte naquela transgressão. Ver B a i r d , E lohim R evealed, 544 - “ Eis aqui um pecado, que não é nenhum crime, mas uma simples condição de serm os considerados e trata­ dos como pecadores; e uma culpa devida à pecam inosidade que não implica demérito moral ou torpeza, isto é, pecado que, de modo nenhum é culpa. Por que Deus não pode, com tanta justiça atribuir o pecado de Adão aos anjos decaídos e puni-los por isso? D o r n e r , System Doct., 2.351; 3.53,54 - “ Hollaz sustenta que Deus trata os homens segundo o que ele prevê que farão, se eles estão em lugar de Adão” (scientia m edia e imputatio metaphysicá). B ir k s , Difficulties o f Beliel, 141 - A atribuição im ediata é tão importante com a im pu­ tatio metaphysica, isto é, o ato de Deus condenar-nos por aquilo que ele sabe que nós teríam os feito em lugar de Adão. Nessa teoria não há necessidade alguma de provação. Deus pode condenar metade da raça de uma vez ao inferno sem haver provação com base no fato de que, afinal de contas, todos pecarão e, de qualquer modo, irão para lá”. A justificação pode ser gratuita, mas a condenação não. “Como a teoria do pacto social de governo, a teoria do pacto do pecado é m era ficção legal. Explica só em parte. A teoria dos teólogos da Nova Inglaterra, que atribui som ente à soberania a atitude de Deus tornar-nos pecadores em conseqüência do pecado de Adão é mais razoável que a teoria federal” ( F is h e r ). O Professor Mose Stuart carateriza esta teoria como a de “culpa fictícia, mas de condenação veraz” . A econom ia divina não admite nenhuma substi­ tuição fictícia, nem evasivas forenses. Nenhum sofism a legal pode m odificar a justiça eterna. O federalism o reverte a ordem própria e coloca o efeito antes da causa como no caso da teoria com pacta social de governo. R i t c h i e , Darwin and Hegel, 27 - “ É ilógico dizer que a sociedade se originou de um contrato; porque este pressupõe aquela”. Unus homo, nullus homo = sem sociedade não há pessoas. T. H. G r e e n , Prolegom ena to Ethics, 351 - “Nenhum indiví­ duo pode fazer por si uma consciência. Ele sem pre necessita de uma socie­ dade para fazê-la para si. ... 200 - Só através da sociedade a personalidade se realiza” . R o y c e , S pirit o f Modern Philosophy, 209, n o ta -A in te rre la ç ã o dos indivíduos é condição para a centralidade de si mesmo. “Somos membros

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uns dos outros” Rm. 12.15). S c h u r m a n , Agnosticism , 1 7 6 - “0 indivíduo nunca pode desenvolver uma personalidade a não ser treinando através de uma sociedade e sob uma lei” . Imagine uma teoria em que uma fam ília se origi­ nasse em uma convenção! Não podemos ver o estado por suas origens rudes do mesmo modo que não podemos definir o carvalho pelo seu fruto.

c) Que, depois de considerar pecadores os que não o são, Deus os faz tais, criando cada alma humana com a natureza corrupta para que correspondam ao seu decreto. Isto não só deve admitir um ponto de vista falso a respeito da origem da alma, mas também faz Deus diretamente o autor do pecado. A atri­ buição do pecado não pode preceder e explicar a atribuição. Por um ato de Deus tornam o-nos depravados com o conseqüência penal do ato de Adão imputado a nós som ente com o p ecatum alienum. D a b n e y , Theology, 342, diz que a teoria considera a alma originariam ente pura até a atribuição. H o d g e , Syste. Theol., 2.203, 210 (sobre Rm. 5.13); T h o r n w e l l , Theology, 1.346-349; C h a l m e r s , Intitutes, 1.485, 487. A teoria federal faz o nosso pecado ser uma punição do pecado alheio, como no esquema agostiniano, que considera a nossa depravação a punição do pecado adàmico. ... sustenta que o pecado não traz castigo eterno, mas somos tão responsáveis por ele como Adão”. Só resta dizer que o D r . H o d g e sempre se recusou per­ sistentem ente a adm itir um elemento a mais que pudesse ter feito o seu pon­ to de vista menos arbitrário e mecânico, a saber, a teoria traducianista da alma. Ele é criacionista e, até o fim sustenta que Deus criou imediatamente a alma e criou-a depravada. A aceitação do traducianism o com peliu-o a trocar o seu federalism o pelo agostinianismo. O criacionism o é o elemento rem anes­ cente do atom ism o pelagiano em outra form a da teoria escriturística. Contu­ do, o D r. H o d g e considera esta parte essencial ao ensino bíblico. Sua indelé­ vel confiança é como a de Fichte, que C arolina S chelling representa nas seguintes palavras: “Zweifle an der Sonne Klarheit, Zw eifle an der Sonne Licht, Leser, nur an m einer W arheit Und Deiner Dummheit, nicht”. Como um corretivo ao espírito atom ista do pelagianism o podemos citar um ponto de vista que nos parece m uito mais defensável embora talvez cami­ nhe em sentido oposto. O Dr. H. H. Bawden escreve: “O eu é o produto de um ambiente social. O eu ascético não chega a ser um eu. A pessoalidade e a consciência são essencialm ente sociais. Somos m em bros uns dos outros. O ponto de vista biológico da pessoalidade considera-o como uma função, atividade, processo inseparável da matriz social de que surgiu. A consciência é tão som ente o nome do funcionam ento do organismo. Não significa que a alma seja uma secreção do cérebro como a bílis é uma secreção do fígado; não significa que a mente seja uma função do corpo em qualquer sentido m aterialista. Mas a mente e a consciência são apenas o desenvolvim ento de um organismo, enquanto, por outro lado, o organism o é o que desenvolve. O psíquico não é uma form a secundária, sutil e paralela à energia casual­ mente interativa junto ao psíquico; muito menos uma série concom itante como sustentam os paralelistas. A consciência não é um a ordem de existência ou

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coisa, mas uma função. É a organização da realidade, o universo que vem a um foco, florido, por assim dizer, em um centro finito. A sociedade é um orgavásvcxo wo raosmo sor^M o o corço Vwimafto. k sepaxação das vvródados não é maior que a separação dos fatores unidos do corpo; no microscópio as moléculas estão separadas. A sociedade é uma grande esfera contendo mui­ tas esferas menores. “Cada eu não é im penetrável a outros eus. Os eus não são com partim en­ tos estanques. Cada um pode perm anecer com pleto em si mesmo, ainda que todos os outros sejam destruídos. Há canais abertos entre todos com par­ tim entos. A sociedade é uma vasta rede de personalidades entrelaçadas. Somos membros uns dos outros. O que afeta o meu vizinho afeta-me e o que me afeta, por fim, afeta o meu vizinho. O indivíduo não é uma unidade atôm i­ ca impenetrável. ... O eu é tão som ente o todo social que vem ao consciente em um ponto particular. Cada eu está arraigado no organism o social do qual é apenas uma expressão local e individual. O eu é uma simples cifra fora das suas relações sociais. Diz o velho adágio grego: ‘Aquele que vive bem sozi­ nho ou é uma besta ou um deus’” . Conquanto consideram os esta exposição do Dr. Bawden esclarecedora da origem da consciência e assim auxiliadora da nossa contenção contra a teoria federal, não a consideram os como prova de que, uma vez desenvolvida, a consciência não pode tornar-se relativa­ mente independente e imortal. Atrás da sociedade, assim como atrás do indi­ víduo, estão a vontade e a consciência de Deus, em quem está a exclusiva garantia da persistência.

5.

Teoria da Atribuição Mediata ou da Condenação pela Depravação

Esta teoria foi sustentada pela primeira vez por P la c e u s , professor de Teo­ logia em Saummur, na França. Originariamente ele negava que o pecado de Adão fosse, em qualquer sentido, atribuído à sua posteridade, mas, depois que a sua doutrina foi condenada pelo Sínodo da Igreja Reformada da França em Clarenton, em 1644, ele publicou o ponto de vista que ora leva o seu nome. Segundo este ponto de vista, todos os homens nascem física e moralmente depravados; esta depravação nativa é a fonte de todo o verdadeiro pecado e ela em si mesma é pecado; no sentido estrito, é esta depravação nativa, e só esta, que Deus atribui aos homens. No que tange à natureza física do homem, esta pecaminosidade inata descendeu, pelas leis naturais, da propagação de Adão a toda a sua posteridade. A alma é imediatamente criada por Deus, mas torna-se imediatamente corrupta tão logo se une ao corpo. A pecaminosidade inata é a conseqüência da transgressão de Adão, embora não seja a sua pena. Por isso, há um sentido em que se pode dizer que o pecado de Adão é atribuído aos seus descendentes; ele é atribuído não imediatamente, como se eles estivessem em Adão, ou estivessem representados naquele que podia ser acusado diretamente por eles de corrupção não por interferência; mas o peca­

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do é atribuído mediatamente e através da corrupção interventora que adveio do pecado de Adão. Como na teoria federal a atribuição é a causa da depra­ vação, do mesmo modo nesta teoria a depravação é a causa da atribuição. Em Rm. 5.12, “a morte passou a todos os homens porque todos pecaram”, significa: “a morte física, espiritual e eterna passou a todos os homens porque todos pecaram em vista de possuírem uma natureza depravada”. Ver P l a c e u s , De Im putatione Prim i P ecatiAdam i, in Opera, 1.709 - “A alma sensível é produzida a partir do genitor; a alma intelectual ou racional é criada diretam ente. Ao entrar na natureza física corrom pida, não se corrompe passi­ vamente, mas torna-se ativamente corrupta, acom odando-se à outra parte da natureza humana no caráter” . 710 - “Do vício das disposições do corpo ela contrai um vício correspondente não tanto pela ação do corpo sobre a alma como pelo apetite essencial da alma pelo que se une ao corpo de form a aco­ modada às posições do corpo como o líquido depositado numa v a s ilh a -s ic u t vinum in vase acetoso. Por isso Deus não é o autor da queda de Adão nem da propagação do pecado”. H e r z o g , E ncydopaedie, art.: P l a c e u s - “No título das suas obras lemos ‘ P l a c e u s ’ ; até ele mesmo escreveu ‘ P l a c e u s ’ que é em Latim a form a mais corrente [do francês ‘de La Place’]. No prim eiro pecado de Adão, P l a c e u s distingue o verdadeiro ato de pecar do pecado habitual (disposição corrom pi­ da). Aquela é transitória; esta prende-se à sua pessoa e se propaga a todos. Na verdade é pecado e é atribuído a todos visto que torna todos condenáveis. P l a c e u s crê na atribuição desta disposição corrom pida, mas não na atribui­ ção do primeiro ato de Adão, a não ser mediatam ente, através da atribuição da depravação herdada”. F is h e r , D iscussions, 389 - “A sim ples corrupção nativa é o pecado original todo. P l a c e u s justifica o em prego do term o atribui­ ção em Rm. 2.26 - ‘Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei, a incircuncisão não será reputada [im putada] com o circuncisão?’ A nossa pró­ pria provisão é condição necessária da atribuição da justiça de C risto”. São defensores da atribuição mediata, na Grã Bretanha, G. Payne, em seu livro Pecado Original; J o h n C a i r d , Fund. Ideas o f Christianity, 1.196-232; e J a m e s S . C a n d l is h , Biblical Doctrine ofS in, 111-122; nos Estados Unidos, H. B. S m it h , System o f Christian Doctrine, 169, 284, 285, 314-323; e E. G R o b in s o n , C hristian Theol.. O editor da obra do Dr. Smith diz: “No todo, ele favorece a teoria da atribuição mediata. Uma nota reza o seguinte: ‘Nem a atribuição mediata, nem a im ediata é totalm ente satisfatória’. Entenda-se por atribuição m ediata a afirm ação plena dos fatos no caso com a aceitação do autor; entenda-se uma teoria que professa dar explicação final dos fatos e esta não é totalm ente satisfatória”’. O próprio Dr. Smith diz, 316 - “O pecado original é uma doutrina que diz respeito às condições morais da natureza humana a partir de Adão - genéricas: e não é uma doutrina que diz respeito às tendên­ cias e méritos pessoais. Para estes precisam os mais outras circunstâncias. Não é o pecado estritam ente que é mau, mas o pecador. Eis a distinção últi­ ma. Há uma bem fundam entada diferença a ser feita entre o merecimento pessoal, o caráter e tendências estritam ente pessoais (de cada indivíduo sob

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

239

a lei divina aplicada especificam ente, por exemplo, a adjudicação) e uma con­ dição moral genérica - base antecedente desse caráter pessoal. “Contudo, não se trata da distinção entre o que é e o que não é uma qualidade moral, mas entre o estado moral de cada membro da raça, suas tendências e méritos como indivíduo. Este pecado originai só nos vestiria o caráter do mal, não da pecaminosidade, não fosse o fato de sentirm os a cul­ pa em vista da corrupção quando ele se nos torna conhecido em nossos pró­ prios atos. Então está envolvido nele não apenas o sentim ento do mal e da miséria, mas também o de culpa; contudo, é necessária a redenção a fim de removê-lo, e esta m ostra tam bém que ele é um estado moral. Temos aqui o ponto de união entre as duas posições extremas: em Adão pecamos e todo pecado consiste no ato. A culpa do pecado adâm ico é - esta exposição, esta tendência devida a tal corrupção, o fato de term os a mesm a natureza na mes­ ma tendência moral. A culpa do pecado adâmico não deve estar separada da existência da disposição má. E esta é a culpa que nos é imputada. Ver art. sobre H. B. S m i t h , Presb. Review, 1881: “ Ele não concordava com o ponto de vista de P l a c e u s , que faz a natureza corrom pida por descendência a única base da atribuição”.

Objeções: A) Esta teoria não dá nenhuma explicação para a responsabilidade do homem relativa à sua depravação inata. Não é possível nenhuma explicação que não considera a depravação humana como tendo tido a sua origem em um ato pessoal livre quer da natureza humana individual, quer coletiva em seu primeiro pai e cabeça. Mas a teoria nega expressamente tal participação de todos os homens no pecado de Adão A teoria sustenta que nós somos responsáveis pelo efeito, mas não pela causa - “post Adamus, non propter A dam um ” . Mas J u l iu s M ü l l e r , D octrine of Sin, 2.209, 331 - “Se a tendência pecam inosa não estiver em nós através das nossas ações, mas som ente através da dos outros, eles é que são responsá­ veis por isso, e não nós, - a culpa não é nossa, mas do nosso infortúnio. Mesmo quanto aos pecados atuais, que brotam desta tendência pecaminosa inerente, estas não são estritamente nossas, mas dos nossos primeiros pais através de nós. Por que atribuí-los a nós como pecados atuais e pelos quais somos condenados? Por isso, se negamos a existência da culpa, destruímos a realidade do pecado e vice-versa” . T h o r n w e l l , Theology, 1.348,349 - Esta teoria “não explica o senso de culpa em conexão com a depravação da natureza como o sentimento do mau merecimento pode surgir em relação a um estado da mente do qual somos portadores passivos. A criança não censura a si mes­ ma pelas aflições que as loucuras do pai lhe causaram. Mas sentimos ser nos­ sa própria a culpa da corrupção interior; o crime e a vergonha são nossos”.

B) Visto que a origem desta natureza corrupta não pode ser computada ao homem, a sua herança deve ser considerada à luz de uma aplicação arbitrária

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da parte de Deus - conclusão que reflete na justiça de Deus. O homem não só é condenado por uma pecaminosidade da qual Deus é o autor, mas o é sem uma prova real, quer individual quer coletiva D r . H o v e y , Outlines o f Theology, faz objeção à teoria da atribuição imediata, porque: “ 1. Lança uma luz muito fraca sobre a justiça de Deus na atribuição do pecado de Adão aos adultos que agem como ele agiu. 2. Não lança nenhu­ ma luz sobre a justiça do Deus que traz à existência uma raça inclinada ao pecado através de Adão. A tendência herdada ainda não encontra explicação e a sua atribuição ainda é um enigma, ou um erro para o entendim ento natu­ ral” . É injusto sustentar que nós somos culpados pelo efeito se não somos primeiro culpados pela causa.

C) Contradiz as passagens da Escritura que relacionam a origem da conde­ nação humana, bem como a sua depravação com o pecado dos nossos primei­ ros pais e que representam a morte universal não como matéria da soberania divina, mas como aplicação judicial da pena sobre todos os homens por causa do pecado da raça em Adão (Rm. 5.16,18). Faz ainda violência à Escritura nesta interpretação fora do natural da expressão “todos pecaram”, em Rm. 5.12 - que implicam a unidade da raça em Adão e a relação causai do pecado de Adão com a nossa culpa. Algum as passagens que o D r . H. B. S m i t h , System, 317, cita de E d w a r d s , como que em favor da teoria da atribuição mediata, parecem -nos favorecer o ponto de vista com pletam ente diferente. Ver E d w a r d s , 2.482, ss. - “A primeira existência de uma disposição corrupta no coração deles não deve ser consi­ derada como pecado pertencente a eles distinta da sua participação da árvo­ re toda em virtude da união dos ramos com a raiz. ... Humildemente sustento a opinião de que, se eu tenho suposto que os filhos de Adão vieram ao mundo com uma dupla culpa, a do pecado de Adão e a outra surgida do fato de terem o coração corrom pido, elas não devem ser consideradas um problem a” . E ainda mais: “A derivação da disposição má (ou coexistência) é conseqüên­ cia da união” , mas “não da atribuição do seu pecado; ou melhor, anteceden­ do-a, o pecado estava no próprio Adão. A prim eira depravação do coração e a atribuição desse pecado são as duas conseqüências da união estabelecida; mas mesmo em tal ordem, a disposição do mal aparece primeiro e, a seguir, atribuição da culpa, como ocorreu no caso do próprio A dão”. E d w a r d s cita Stapfer: “Os Reform ados doutores em divindades não defen­ dem a atribuição mediata e imediata separadamente, mas sempre juntas”. E ainda mais adiante, 2.493 - “ E , por isso, o pecado da apostasia não é deles tão somente porque Deus lhos atribui; mas, na verdade e com propriedade; é deles e com base nisso, Deus lhos atribui”. Parece-nos que o Dr. Smith equi­ voca o sentido destas passagens de E d w a r d s e que, ao fazer a identificação com Adão em prim eiro lugar e a atribuição em segundo, elas parecem favore­ cer a teoria do encabeçam ento natural de Adão mais do que a teoria da atri­

T e o l o g ia S is je m á t ic a

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buição mediata. E d w a r d s considera a seguinte ordem: 1) apostasia; 2) depra­ vação; 3) culpa; mas, em todas três, Adão e nós somos, por constituição divi­ na, um. Para serm os culpados da depravação, portanto, primeiro é necessá­ rio serm os culpados da apostasia. Pelas razões acima consideram os a teoria da atribuição mediata uma casa a meio caminho, onde não há nenhum abrigo perm anente. A mente lógica não pode achar nenhuma satisfação nela, mas, ou leva a outra doutrina, a agostiniana, que, a seguir passamos a considerar, ou voltam os à doutrina da Nova Escola, com sua concepção atom ística do homem e sua soberania arbi­ trária de Deus.

6. Teoria Agostiniana, do Encabeçamento natural de Adão O primeiro a elaborar esta teoria foi A g ostin h o (354-430), grande opositor de Pelágio; embora a sua caraterística central apareça nos escritos de T ertuliano (que morreu por volta de 220), Hilário (350), e Ambrósio (374). Este ponto de vista sobre o pecado freqüentemente é designado como agostiniano. Foi defen­ dido pelos reformadores, exceto por Zwínglio. Nos Estados Unidos os seus principais defensores são D r . S hedd e D r . B a ir d . Sustenta que Deus atribui o pecado de Adão imediatamente a toda a poste­ ridade em virtude da unidade orgânica da humanidade através da qual toda a raça existiu no tempo da transgressão de Adão, não individual, mas conforme a semente daquele que é o cabeça. A vida toda da humanidade já estava em Adão; a raça apenas existia nela. A sua essência ainda não estava individuali­ zada; suas forças ainda não estavam distribuídas; as que não existiam em homens separados foram então unificadas e localizadas em Adão; a vontade de Adão ainda era a da espécie. No ato livre de Adão a vontade da raça revol­ tou-se contra Deus e a natureza da raça corrompeu-se. A que agora possuímos é a mesma que se corrompeu em Adão - “não somente a mesma em gênero, mas a mesma que, continuamente flui dele para nós. Por isso o pecado de Adão nos é atribuído imediatamente não como algo que nos é estranho, mas, porque é nosso - nós e os outros homens que existi­ ram como uma pessoa moral ou como um todo moral nele e, como resultado dessa transgressão, possuindo uma natureza destituída de amor a Deus e pro­ pensa ao mal. Em Rm. 5.12- “a morte passou a todos os homens porque todos pecaram” significa: “a morte física, espiritual e eterna passaram a todos os homens porque todos pecaram em Adão, o seu cabeça natural”. Agostinho, De Pec. Mer. et Rem., 3.7 — “ In Adamo omnes tunc peccaverunt, quando in eius natura adhuc omnes ille unos fuerunt”; De Civ. Dei, 13.14 — “Omnes enim fuimus in illo uno, quando omnes fuim us ille unus... Nondum erat nobis singillatim creata et distributa form a in qua singuli viverem us, sed

A ugustus H opkins Strong

242

ia m A

n a t u r a e r a t s e m in a lis e r e q u a p r o p a g a r e m u r . ” S o b r e o p o n to d e v is ta d e

g o s t in h o ,

339) -

ver D

orner,

Glaubenslehre, 2.43-45

( S i s t e m a D o u t r i n á r io ,

E m o p o s i ç ã o a P e lá g i o q u e f a z o p e c a d o c o n s i s t i r e m

2.338,

s im p le s a to s ,

“ A g o s t i n h o d a v a ê n f a s e a o e s t a d o p e c a m i n o s o . T r a t a - s e d e u m a p r iv a ç ã o d a ju s t iç a o r ig in a l + o a m o r d e s o r d e n a d o . T

e r t u l ia n o ,

d e fe n d e ra m

o q u a l, s e m

o tr a d u c ia n is m o , s e g u n d o

C

i p r ia n o ,

H

il á r io ,

a p a r t ic ip a ç ã o

A

m b r ó s io

d e le s , a

p e c a m i n o s i d a d e d e t o d o s b a s e i a - s e n o a t o l iv r e d e A d ã o . E le s a t r a e m s o b r e s i a s c o n s e q ü ê n c ia s d o p e c a d o , c o m o u m m a l q u e é , a o m e s m o te m p o , c a s ­ tig o

p e la

fa lta

h e rd a d a .

M as

Ir in e u , A t a n á s io ,

G r e g ó r io

de

N is s a

d iz e m

q u e A d ã o n ã o e r a s o m e n t e u m s i m p l e s i n d i v í d u o , m a s u m h o m e m u n i v e r s a l. N ó s e s t a m o s c o m p r e e n d i d o s n e le , d e m o d o q u e n e l e p e c a m o s . N o p r im e i r o a p o s t e r id a d e A

g o s t in h o

e r a p a s s iv a ; n o s e g u n d o

e la e r a

a tiv a ,

no pecado

de Adão.

r e p r e s e n ta a m b o s o s p o n t o s d e v is ta , d e s e ja n d o u n ir a p e c a m in o ­

s i d a d e u n i v e r s a l e n v o l v i d a n o t r a d u c i a n i s m o à v o n t a d e e c u lp a e n v o l v i d a s n a c o o p e r a ç ã o c o m o p e c a d o d e A d ã o . P o r is s o , A d ã o

é

u m a d u p la c o n c e p ç ã o ,

e = in d iv íd u o + r a ç a ” . M o z l e y , Predestination, 4 0 2 - “ Em Agostinho, algum as passagens relacio­ nam toda a iniqüidade com o pecado original; algumas explicam diferentes graus do mal através de diferentes graus de pecado original (Op. imp. cont. Julianum, 4.128 - ‘M alitia naturalis ... in allis minor, in allis m ajor est’ [A malda­ de natural em alguns é menor, em outros, maior]), em alguns, o indivíduo parece acrescentar ao pecado original (De Correp. et Gratia, c. 13 - ‘Per liberum arbitrium alia insuper addiderunt, alli majus, alli minus, sed omnes mali’. De Grat. et Lib. Arbit., 2.1 - ‘Acrescentaram -se ao pecado do seu nasci­ mento os pecados de com issão’; 2.4 - ‘Nem nega a liberdade da nossa von­ tade, quer opte por uma vida má, quer por uma boa, nem atribui a isto tanto poder que avalie qualquer coisa sem a graça de Deus ou possa mudar do mal para o bem ’)” . Estas passagens parecem m ostrar que, ao lado do pecado racial e seu desenvolvim ento, A g o s t in h o reconhece o dom ínio da decisão pessoal livre, através da qual, até certo ponto, modifique o seu caráter e se torne em maior ou menor escala depravado. A teoria de A g o s t in h o não resulta sim plesm ente do seu tem peram ento ou dos seus pecados. Muitos têm com etido pecados como ele, mas o intelecto deles só foi entorpecido e levado a toda sorte de descrença. O Espírito Santo é que se apossou do tem peram ento e assim dominou o pecado, tornando-o um vidro através do qual A g o s t in h o vê as profundezas da sua natureza. A sua doutrina não pertence à exclusiva transcendência divina, que deixa o homem um desesperançado verme em inim izade com a justiça infinita. Ele também é um apaixonado crente na imanência de Deus. Assim escreve ele: “ Não pos so ser, ó Deus, não posso ser, afinal de contas, se tu não estiveres em mim; mais do que isso, se eu não estivesse em ti, a quem pertencem todas as coisas, em quem estão todas as coisas ... ‘O Deus, tu nos fizeste para ti, e o nosso coração não encontra repouso enquanto não descansarm os em ti ... A vontade de Deus é a própria natureza das coisas - Dei voluntas rerum natura est”. A l l e n , C on tin uity o f C hristian Thought, Introdução, mui erroneam ente declara que “a teologia agostiniana se apóia na transcendência divina como o seu princípio controlador e a cada ponto aparece como uma dem onstração

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

ca mais antiga interpretação da fé cristã” . Por outro lado, L. L. P a in e , Trinitarianism, 69, 368-397, m ostra que, enquanto Atanásio defende uma trans­ cendência dualista, A g o s t in h o defende uma im anência teísta: “Portanto, a •'lanência estóica, neoplatônica com A g o s t i n h o , suplanta a transcendên­ cia platônico-aristotélica e de Atanásio” . A l e x a n d e r , Theoríes o f the Will, 90 *As teorias dos antigos pais são indeterm inistas e o pronunciado agostinia■ismo de A g o s t in h o resulta na proem inência da doutrina do pecado original. . Os primitivos pais pensam que a origem do pecado nos anjos e em Adão se ceve à vontade livre. O pensamento de A g o s t in h o sobre a origem do pecado ia posteridade de Adão se deve à vontade má herdada. H a r n a c k , Wesen des Christenthums, 161 - “Até hoje, no catolicism o, a piedade interior e viva e a sua expressão, é, na essência, totalm ente agostiniana” . C a l v in o é essencialm ente agostiniano e realista; ver Institutes, livro 2, caps 1-3; H a g e n b a c h , Hist. Doctrine, 1.505,506, com citações e referências. Zwínglio não é agostiniano. Ele sustenta a viciosidade nativa, embora ela ocasio­ ne o pecado, não é o pecado em si. Ela não é crime, mas uma condição e uma doença”. Zwínglio ensinava que a criança recém -nascida - a vivificação de Cristo a todos que morreram em Adão - está livre de qualquer nódoa do pecado com Adão antes da queda. Contudo, os reformadores, exceto Zwín­ glio, eram agostinianos e explicavam a culpa hereditária da hum anidade não pelo fato de que todos homens estão representados em Adão, mas partici­ pam no pecado dele. Esta é ainda a doutrina da Igreja Luterana. A teoria do encabeçam ento natural de Adão considera a hum anidade um desenvolvimento do germe. C onquanto as folhas de uma árvore aparecem como unidades desconexas, quando as vemos cair, uma observação em bai­ xo discernirá a conexão com os rebentos, com os ramos, com o tronco e, finalmente, rem ontará a sua vida à raiz e à sem ente de onde originariamente provém. A raça humana é una porque surgiu de um cabeça. Seus membros não devem ser considerados atom isticam ente com o indivíduos segregados; a mais profunda verdade é a da unidade orgânica. Contudo, não somos filo­ soficamente realistas; não crem os na existência separada dos universais. Não defendem os a universalia ante re, que é o extremo realismo; nem a universaiia p o st rem, que é o nominalismo; mas a universalia in re, que é o realismo moderado. O extrem o realism o não pode ver as árvores pela madeira; o nominalismo não pode ver a madeira pela árvore; o moderado vê a madeira nas árvores. Sustentam os “a universalia in re, mas insistimos que os univer­ sais devem ser reconhecidos com o realidades de modo tão verdadeiro como o são” (H. B. S mith, System, 319, nota). Três sem entes de carvalho têm uma vida comum do mesm o modo que três bobinas não a têm. O realismo m ode­ rado é verdadeiro sobre as coisas orgânicas; o nom inalism o só é verdadeiro a respeito dos nomes próprios. Deus não criou qualquer árvore nova desde que criou a primeira; nem criou qualquer ser humano desde o filho do prim ei­ ro homem. Eu sou apenas um galho e uma conseqüência da árvore da hum a­ nidade Então, o nosso realismo só afirm a a verdadeira conexão histórica de cada membro da raça com seu prim eiro pai e cabeça e tal derivação de cada um a partir dele faz de nós participantes do seu caráter. Adão era uma raça; e com a sua queda a raça tam bém caiu. S hedd: “Todos nós existimos em Adão na

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nossa substância elem entar invisível. O Seyn de todos está nele, embora não o Daseyn, o noum enon existia, em bora não o fenom enorí’. As novas concepções do reino da lei e do princípio da hereditariedade que prevalecem na ciência moderna operam para vantagem da teologia cris­ tã. A doutrina do encabeçam ento natural de Adão é tão som ente a transm is­ são hereditária do caráter desde o prim eiro pai da raça até os seus descen­ dentes. Por isso em pregam os a palavra “im putação” (atribuição) em sentido próprio - o de com putar a nós ou atribuir a nós o que na realidade é propria­ m ente nosso. Ver J u l iu s M ü l l e r , D o ctrin e o f Sin, 2 .259-357 esp. 328 “O problem a é o seguinte: Devemos adm itir que a depravação herdada de Adão por geração natural envolve culpa pessoal; em bora essa depravação, tanto quanto natural, não tem as condições próprias de que a culpa depende. A única explicação satisfatória para esta dificuldade é a doutrina cristã do pecado original. Se só aqui se pode sustentar a possibilidade, pode-se har­ monizar os princípios aparentem ente contraditórios, a saber, a depravação da natureza humana universal e firm em ente assentada, como fonte do peca­ do atual e a responsabilidade e culpa individuais”. Estas palavras, embora escritas por alguém que defende um a teoria diferente, são, entretanto, um poderoso argum ento em favor da teoria do encabeçam ento natural de Adão. T h o r n w e l l , Theology, 1 .3 4 3 - “ Devemos contradizer cada trecho da Escri­ tura e cada uma das suas doutrinas que tornam a impureza odiosa a Deus e digna de castigo aos seus olhos, ou devem os sustentar que pecamos em Adão quando de sua prim eira tra n sg re ssã o ” . S e c r e t a n , em sua W ork on Liberty, defende uma vida coletiva da raça em Adão. N a v il l e , Problem o f Evil, retruca: “Nós existimos em Adão, não individualm ente, mas por sua semente. Cada um de nós, como indivíduo, responde som ente pelos atos pessoais, ou mais exatamente, pelo elemento pessoal dos atos dele. Porém, como ele é um ser humano, cada um de nós responde junta e separadam ente (solidairement) pela queda da raça hum ana” . Bersier, Unidade da Raça, em sua Queda e Futuro: “Se recebem os a ordem de am ar o próximo como a nós mesmos, é porque nós somos esse próxim o”.

Consideramos esta teoria do Encabeçamento Natural de Adão como a mais satisfatória das teorias mencionadas e que fornece o mais importante auxílio para o entendimento do grande problema do pecado original. Em seu favor podemos apresentar as seguintes considerações: A) Ele estabelece a mais natural interpretação sobre Rm. 5.12-21. No ver­ so 12 desta passagem - “a morte passou a todos os homens porque todos pecaram” - a grande maioria dos comentadores considera a palavra “peca­ ram” uma descrição de uma transgressão da raça em Adão. A morte de que se fala, como mostra o contexto todo, principalmente, embora não exclusiva­ mente, física. Passou a todos - até mesmo aos que não cometeram nenhuma transgressão consciente e pessoal que justificaria sua aplicação (v. 14). A fra­ seologia legal da passagem mostra que esta aplicação não é matéria de decreto soberano mas de pena judicial (vs. 13,14,15,16,18 - “lei”, “transgressão”,

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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"rrensa”, “juízo. ... um ato de justiça para a condenação”, “ato de justiça”, líúficação”). Como a explicação desta universal sujeição à pena, vem a r ::ência ao pecado de Adão. Por esse único ato (“assim também”, v. 12) - a “rfensa de um” (vv. 15,17), “uma ofensa” (v. 18) - a morte veio a todos os :: raens porque todos [não ‘cometeram pecado’, mas pecaram (návzEC, fjpapTov - i:dsto de ação passada instantânea) - isto é, todos pecaram “naquela ofen­ sa- de “um” homem. Compare 1 Co. 15.22 - “como todos morrem em Adão” - :nde significa o contraste com a ressurreição física; 2 Co. 5.14 - “um mor­ reu por todos, logo todos morreram”. B e y s c h la g ,

N.T. Theology ,

2 .5 8 -6 0 -

a p ó s to lo , d e v e m o s s e g u ir a e x p o s iç ã o ta m b é m

fa v o r e c e m ) : ‘P o r q u e to d o s -

“ P a r a e n t e n d e r o p o n to d e v is ta d o de

B e n g e l (q u e

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P fle id e r e r

p e c a ra m ’ ; to d o s ,

i s t o é , o s q u e e s t a v a m i n c l u í d o s e m A d ã o , s e g u n d o o p o n t o d e v i s t a d o V e lh o T e s ta m e n to , q u e v ê to d a a r a ç a n o s e u fu n d a d o r , p r a t ic a r o a to d e le ” . R it s c h l: ' S e m d ú v i d a , P a u lo t r a t o u o d e s t i n o u n i v e r s a l d a m o r t e c o m o d e v i d o a o p e c a ­ d o d e A d ã o . C o n tu d o , is to n ã o s e p r e s t a a u m a r e g r a t e o ló g ic a p o r q u e o a p ó s ­ t o l o f o r m o u e s t a i d é i a ” ; o u s e ja , o e n s i n o d e P a u lo n ã o o t o r n a l ig a d o P h ilip p i,

Com. On Rm,

168 -

à

fé .

i n t e r p r e t a R m . 5 . 1 2 “ u m p e c o u p o r t o d o s , lo g o

to d o s p e c a r a m ” c o m 2 C o . 5 .1 5 - “ u m m o r r e u p o r t o d o s , p e lo q u e to d o s m o r ­ re ra m ” . E vans, m o rre ra m

Presb. Review,

m u it o s ” , v. 1 7 -

1883, 234 -

R m . 5 .1 5 -

“ p e la o fe n s a d e u m

“ p e l a o f e n s a d e u m e p o r m e io d e u m s ó r e in o u a

m o r t e ” , v. 1 9 - “ p e l a d e s o b e d i ê n c i a d e u m h o m e m ” - t o d a s e s t a s e x p r e s s õ e s e a s r e la tiv a s

à

s a l v a ç ã o c o r r e s p o n d e n t e s a e la s , i n d i c a m q u e a r a ç a d e c a í d a

e a r a ç a r e d im id a s ã o c o n s id e r a d a s u m a m u lt id ã o , u m a to ta lid a d e . A s s im T tá v x e ç e m

1 C o . 5 .1 4

in d ic a

um a

concepção

c o rre s p o n d e n te

à



u n id a d e

o r g â n ic a d a ra ç a .

O P r o f . G e o r g e B. S t e v e n s , Pauline Theology, 32-40, 129-139 nega que Paulo ensina que todos homens pecam em Adão: “ Eles pecam no mesmo sentido em que os crentes foram crucificados para o mundo e morreram para o pecado quando Cristo morreu na cruz. Concebe-se que a renovação do crente se operou através dos atos e experiências de Cristo, nas quais ela se baseia. Como as conseqüências dos seus sofrim entos vicários remontam à sua causa, assim são as conseqüências que fluem do com eço de Adão as quais remontam à fonte original do mal e se identificam com este; mas não se deve tratar esta afirm ação como uma fórm ula lógica mais rígida do que aque­ la que é sua contrapartida. ... Há uma identificação m ística da causa com o efeito, - tanto no caso de Adão como no de C risto”. Quando tratam os da teoria da Nova Escola sobre o pecado, assinalamos que a incapacidade de entender a união vital do crente com Cristo im possibi­ lita ao teólogo da Nova Escola de entender a união orgânica da raça com Adão. A expressão de Paulo “em C risto” significa mais do que Cristo ser o tipo e iniciador da salvação e o pecar em Adão significa mais para Paulo do que seguir o exemplo ou a atuação do espírito do nosso prim eiro pai. Em 2 Co. 5.14 o argum ento é: porque Cristo morreu, todos morreram para o pecado e morreram em Cristo. A ressurreição vida é a mesm a coisa que a vida que

Augustus Hopkins Strong

246

morreu e ressuscitou na morte e ressurreição de Cristo. Assim, o pecado de Adão é nosso porque a mesm a vida que transgrediu e tornou-se corrompida nele desceu até nós e é nossa posse. Em Rm. excluem-se expressa­ mente os pecados individuais e conscientes a que a teoria da Nova Escola atribui sentença condenatória e nos vv. 15-19 declara-se que o juízo é “uma ofensa” . O P r o f . Wm. A r n o l d S t e v e n s , de Rochester, diz com muita proprieda­ de: “ Paulo ensina que o pecado de Adão é nosso, não potencialm ente, mas por obras”. A respeito de diz ele: “ Pode-se conceber: ) aoristo histó­ rico, empregado no sentido momentâneo; 2) o aoristo com preensivo ou cole­ tivo, como em no mesmo verso; o aoristo em pregado no sentido de pretérito perfeito como em Rm. - návzeç Em o contexto determ ina com grande probabilidade que o aoristo é empregado no primeiro destes sentidos” . Podemos acrescentar que os intér­ pretes não estão procurando quem entende assim em ver tam ­ bém o rodapé da Versão Revisada. Mas porque a passagem de Rm. é tão importante, reservamos nesta seção um tratam ento mais pormenorizado.

5.14

%ap-rav

SifjXGev

5.12

3.23

1

3)

yàp íúmptov m i taTepoájvxai.

íúiap-cov

3.23; 5.12-19

B) Ela permite qualquer que seja a verdade que pode haver na teoria fede­ ral e na da atribuição mediata combinada com ela, conquanto nenhuma destas teorias possam ser justificadas como racionais a não ser como corolários ou acessórios da verdade do encabeçamento natural de Adão. Só com base nesta suposição do encabeçamento natural poderia Deus, com justiça, constituir Adão como nosso representante, ou manter-nos responsáveis pela natureza depra­ vada que recebemos dele. Contudo, ela justifica os processos de Deus postu­ lando uma real e honesta provação da nossa natureza comum preliminarmente à atribuição do pecado - verdade que as teorias já mencionadas, em comum com a da Nova Escola, negam; enquanto se apóia em princípios filosóficos corretos a respeito da vontade, da capacidade, da lei, e aceita as representa­ ções escriturísticas da natureza do pecado, o caráter penal da morte, a origem da alma e a unidade da raça na transgressão. 1.196-232,

J o h n C a i r d , Fund. Ideas o f Christianity, favorece o ponto de vista de que o pecado consiste tão som ente numa tendência hereditária da nossa natureza para o mal e que somos culpados desde o nascimento por­ que desde então tem os o pecado. Mas reconhece no agostinianism o a veraz unidade orgânica da raça e a im plicação de cada mem bro na história. Diz-nos que devemos considerar o homem sim plesm ente como um indivíduo abstrato e isolado. A teoria atom ista considera que a sociedade não tem outra existên­ cia a não ser a dos indivíduos que a compõem . Porém aproxima-se da verda­ de ao dizer que a sociedade é que cria o indivíduo e não o indivíduo que a cria. O homem não passa a existir como tábula rasa na qual os agentes exter­ nos podem escrever qualquer coisa que a vontade registre. O indivíduo está embebido de influências devidas ao passado da sua espécie. A teoria indivi­ dualista corre em direção oposta aos mais óbvios fatos da observação e

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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experiência. Como filosofia da vida, o agostinianism o tem uma profundidade e significação que a teoria individualista não defende” . A l v a h H o v e y , M anual o f Christian Theology, 175 (2- ed.) - “Todo filho de Adão conta com um grau de simpatia que tem por todo sistem a do mal no mundo e com o principal ato de desobediência entre os homens. Se tal sim ­ patia é completa, se se expressa por atos e pensam entos, se a força total do seu ser se form a contra o céu e a favor do inferno, é difícil lim itar a responsa­ bilidade” . S c h l e ie r m a c h e r sustenta que a culpa do pecado original atribuída, não ao indivíduo como tal, mas como membro da raça, assim a consciência da união racial traz consigo a consciência da culpa racial. Defende ainda que todos homens são igualm ente pecadores e só diferem na form a de receber a graça ou na atitude para com ela; o pecado é o m alum m etaphysicum de Epinosa.

C) Conquanto a sua pressuposição fundamental - determinação da vonta­ de de cada membro da raça antes da sua consciência individual - seja uma hipótese difícil em si mesma, fornece a chave para muito mais dificuldades do que ela sugere. Uma vez admitido que a raça era uma no seu primeiro ances­ tral e nele caiu, e lançou-se luz sobre um problema de outra forma insolúvel relativo à nossa responsabilidade pela natureza pecaminosa que pessoal e cons­ cientemente não originamos. Visto que, com as outras teorias supramencionadas, não podemos negar quaisquer termos deste problema - depravação inata ou responsabilidade por ela - aceitamos esta solução como a mais plausível. S t e r r e t , Reason and A uthority in Religion, 20 - “A oscilação completa do pêndulo do pensamento de hoje afasta-se do ponto de vista individual e diri­ ge-se para o social. As teorias da sociedade estão suplantando as do indiví­ duo. O pensamento reinante tanto no estudo científico como no histórico é a solidariedade do homem. Chega até ao extrem o de um determ inism o que aniquila o indivíduo” . C h a p m a n , Jesus C hrist an d the Phesent Age, 43 - “ Nun­ ca foi menos possível negar a verdade de que a teologia dá expressão à sua doutrina do pecado original do que na era atual. É só uma form a do fato da hereditariedade universalm ente reconhecida. Há um mal coletivo, pois que a responsabilidade repousa sobre toda a raça humana. Todo homem participa deste mal comum; organiza-se isto em sua natureza; estabelece-se em seu ambiente”. E. G . R o b in s o n : “A tendência da teologia m oderna [nesta última geração] é a individualização, que faz de cada homem um ‘onipotentezinho;. Mas a raça humana é una em espécie e, em certo sentido, numericamente uma. A raça potencialm ente jaz em Adão. Toda força desenvolvida na raça está nele. Não existe um aprim oram ento da raça, a não ser do ponto de par­ tida de uma humanidade decaída e culpada” . G o e t h e diz que, conquanto a hum anidade sempre avança, o indivíduo perm anece o mesmo. O verdadeiro teste de uma teoria é que não seja explicada, mas que seja capaz disso. Na química, a teoria atômica, a teoria do éter na física, a teoria da gravitação, a teoria da evolução, são hipóteses em si não demonstráveis,

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Augustus H opkins Strong

aceitas provisoriam ente só porque, se adm itidas, unificam grandes conjuntos de fatos. C o l e r id g e diz que o pecado original é o m istério que esclarece todas as coisas. Contudo, neste mistério nada há de contraditório ou arbitrário. G l a d d e n , What is Left?, 131 - “ A hereditariedade é obra de Deus em nós e o ambiente é Deus operando em torno de nós” . Q uer adotem os a teoria de A g o s t i n h o , quer não, os fatos da obliqüidade moral e o sofrim ento hum a­ no universal estão diante de nós. Som os com pelidos a reconhecer estes fatos com a nossa fé na justiça e bondade de Deus. A g o s t in h o dá-nos um princípio unificador que, m elhor do que qualquer outro, explica estes fatos e os justifica.

D) Esta teoria encontra seu apoio nas conclusões da moderna ciência; sobre a lei moral, que requer o estado de direito assim como atos de justiça; sobre a vontade humana, incluindo as tendências e determinações subcons­ cientes e inconscientes; sobre a hereditariedade e a transmissão do mau cará­ ter; sobre a unidade e solidariedade da raça humana. Por isso, a teoria agosti­ niana pode ser chamada de interpretação ética ou teológica de certos fatos biológicos incontestáveis e reconhecidos. R i b o t , Heredity, 1 - “ H ereditariedade é a lei biológica pela qual todos seres dotados de vida tendem a repetir-se em seus descendentes; ela é para as espécies o que a identidade pessoal é para o indivíduo. Através dela per­ manece uma base imutável em meio a incessantes variedades. Pelo m es­ mo processo a natureza copia e imita a si m esm a” . G r if f it h - J o n e s , A scent Thorough Chríst, 202-218 - “À condição moral do homem prende-se o desen­ volvimento; a reversão ao tipo selvagem ; um arrem edo hipócrita e protetor de si mesmo quanto à virtude; o parasitismo; a anom alia física e moral; a profun­ da perversão da faculdade” . S i m o n , Reconciliation, 154 ss. - “Antes dos indi­ víduos, que são sucessivas diferenciações, afetaram -se o organism o e os produtos. ... Como um organismo, a hum anidade sofreu o prejuízo conse­ qüente do pecado. Recebeu-o logo no começo. No início da germ inação da sem ente entrou a doença e a hum anidade foi açoitada com a morte conse­ qüente do pecado B o w n e , Theory o f Thought and Knowledge, 134 - “A noção geral não tem nenhuma existência real ou possível. Toda existência real é necessariamente singular e individual. O único meio de dar à noção qualquer significação metafísica é o encam inham ento a uma lei inerente à realidade e esta tenta­ tiva fracassará se, ao fim, não conceberm os tal lei como regra segundo a qual uma inteligência básica prossiga posicionando o indivíduo” . S h e l d o n , M ethodist Review, março, 1901, 214-227, atribui esta explicação à doutrina do pecado original. Os seres humanos têm uma natureza comum, diz ele, só no sentido de que eles são personalidades sem elhantes. Se literalm ente mor­ rêssemos em Adão, literalm ente m orreríam os em Cristo. Cristo não é um ser que abrange o todo do mesmo modo que Adão tam bém não o é. Considera­ mos este argum ento como uma perfeita prova em oposição à conclusão que se pretende. Existe um Cristo que abrange o todo. O erro fundam ental da

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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m aior parte dos que se opõem ao agostinianism o é que eles concebem erro­ neamente a união com Cristo. Neste sentido, “uma inteligência básica situa indivíduos” . O mesmo ocorre na relação dos homens para com Adão. Tam­ bém aqui há “uma lei inerente à realidade” - obra regular da vontade divina segundo a qual os sem elhantes produzem sem elhantes e um germe pecam i­ noso se reproduz.

E) Contudo, é bom lembrarmos que, conquanto esta teoria do método da nossa união com Adão seja meramente uma valiosa hipótese, o problema que ela procura explicar, em ambos os seus termos, nos é apresentado tanto pela consciência como pela Escritura. Em conexão com este problema anuncia-se na Escritura um fato central, a ponto de sentirmo-nos compelidos a crer no testemunho divino, embora cada tentativa de explicação se prove insatisfató­ ria. Tal fato central que constitui a substância da doutrina da Escritura sobre o pecado original é este: que o pecado de Adão é a causa imediata e a base da depravação inata, da culpa e da condenação de toda a raça humana. Três coisas devem ser recebidas no testem unho da Escritura: 1) deprava­ ção inata; 2) conseqüente culpa e condenação; 3) o pecado de Adão é a causa e base de ambos. Destes três pontos da Escritura não somente parece natural, mas inevitável tirar a inferência de que “todos pecaram ” em Adão. A teoria agostiniana estabelece um elo de ligação entre dois segm entos de fatos que, caso contrário, dificilm ente se reconciliariam . Mas, colocando nes­ te elo de ligação, esclarece-se perfeitam ente uma subjacente, mas implícita suposição do arrazoado de Paulo e busca-se provar isto, m ostrando que, em nenhuma outra suposição, pode, afinal de contas, entender-se o raciocínio de Paulo. Visto que a passagem de Rm. 5.12-19 é tão importante, examinála-em os, a seguir, com mais porm enores. Tratarem os principalm ente de reproduzir em substância o Com entário de S h e d d , embora o tenham os com bi­ nado com notas de M e y e r , S c h a f f , M o u l e e outros. EXPOSIÇÃO DE ROMANOS 5.12-19 - P aralelos entre a salvação em Cristo e a ruína que veio através de Adão, em cada caso, sem a intervenção de nenhum ato pessoal da nossa parte, nem na obtenção da nossa salvação por mérito nosso, no caso da vida recebida de Cristo, nem do nosso pecado individual, no caso da morte recebida através de Adão . A proposição do para­ lelo começa com o V. 12: “pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim tam bém a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram ”, assim, (podem os com pletar a sentença interrompida) por um homem a justiça entrou no mundo e a vida pela justiça e assim, a vida passou a todos os homens porque todos tornaram -se participantes de tal justiça. Isto significa tanto a vida física com o a espiritual. A física é apresen­ tada 1) com origem no v. 14; 2) na alusão a Qn. 3.19; 3) da suposição uni­ versal judaica e cristã de que a m orte física resulta do pecado de Adão. Ver Sb. 2.23,24 - “Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez ima-

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gem da sua própria natureza; é por inveja do diabo que a morte entrou no mundo: prová-la-ão quantos são de seu partido” ; Eclesiástico [Sabedoria de Jesus, Filho de Sirac (Ben Sirac)] 25.24 - “ Foi pela m ulher que começou o pecado, por sua culpa todos m orrem os” ; 2 Ed. 3.7,21; 7.11,46, 118; 9.19 (estes não constam na LXX); as citações dos apócrifos acima foram extraídas da B.J. (Bíblia de Jerusalém ); 1 Co. 15.21 - “ Porque, assim como a morte veio por um homem, tam bém a ressurreição dos m ortos veio por um homem” . De Rm. 5.18,21, onde Çcofi se opõe a eótvaxoç e de 2 Tm. 1.10, onde ocorre o mesmo contraste, fica evidente que a morte é espiritual. O ofixcoç no v. 12 apresenta o modo em que historicam ente a morte veio a todos; a saber, a morte é o efeito cuja causa é o pecado. Pelo ato de Adão a morte física e a espiritual passaram a todos os homens, porque todos pecaram, ècp’ ro = pois, com base no fato de que, em razão de que, todos pecaram. kccvxeç = todos, sem exceção, inclusive as crianças, como ensina o v. 14. "H iia p to v menciona a razão particular por que todos morreram, a saber, porque todos pecaram. É o aoristo de uma ação m om entânea passada pecaram quando, através de um, o pecado entrou no mundo. É como se se dissesse: “porque, quando Adão pecou, todos pecaram nele e com ele” . Encontra-se a prova disso no contexto explicativo que se segue (15-19), no qual, por mais de cinco vezes sucessivam ente reitera-se que um, apenas um pecado causou a morte que incidiu sobre todos. Compare 1 Co. 15.22 - “ Por­ que, assim como todos morrem em Adão, assim todos serão vivificados em Cristo” . O sentido de “todos são pecadores”, “todos tornaram -se pecam ino­ sos” , é adm issível, pois não é ou O sentido de “a morte passou a todos os homens porque todos, consciente ou pessoalmente, pecaram”, contrapõe-se 1) ao v. 14, em que se afirma que cer­ tas p e sso a s que fa z e m p a rte dos s u je ito de e que sofrem a morte, que é o castigo do pecado, não o cometeram à semelhança do prim eiro A dão, isto é, na tra n sg re ssã o in d ivid u a l e co n scie nte ; e 2) os vv. 15-19 em que repetidamente se afirma que, não milhões de transgressões, mas só um pecado causou a morte de todos. Este parece o sentido sugeri­ do por Além disso, não tem o sentido de “foram considerados e tratados como pecadores”; porque 1) não há nenhum outro exemplo na Escritura onde este verbo, na voz ativa, tem sentido passivo; e 2) a voz passiva não faz íjuapxov denotar ação humana, mas divina. Isto não justificaria a aplicação da morte, em que Paulo está pensando. O v. 13 começa dem onstrando a proposição, no v. 12, de que a morte vem a todos, porque todos cometeram o pecado do mesmo homem. O argumento é o seguinte: O pecado existiu antes da lei; pois havia morte, que é o castigo do pecado. Mas não se cometeu este pecado contra a lei mosaica porque essa lei ainda não existia. A morte no mundo, antes da lei, prova que deve ter havido algum a outra lei contra a qual se com eteu o pecado. V. 14. Nem podia ter sido uma violação pessoal e consciente de uma lei não escrita, em cuja base se aplicou a morte; porque a morte passou sobre multidões, do mesmo modo que os infantes e os idiotas, que não cometeram pecado em suas próprias pessoas, como foi o caso de Adão, violando algum mandam ento conhecido. Aqui não se mencionam os infantes, porque a inten­ ção é incluir outros que, embora em idade madura, não atingiram a consciência

ánapxáveiv

á|i,apxcoXòv yívsaSai

7távxeç,

è(p’ m róvxeç ájxapxávouaiv.

TÍnapxov,

-rínapxov

eívai.

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

moral. Mas, porque a morte em todo lugar e em todo tem po é o castigo do cecado, a de todos deve te r sido o castigo do pecado comum na raça, quan­ do em Adão. A lei que eles violaram foi o estatuto edênico de Gn. 2.17. A relação entre o pecado deles e o de Adão não é a de semelhança, mas de identidade. Se o pecado pelo qual veio a morte sobre eles tivesse sido como o de Adão, teria havido tantos pecados causadores de morte, que a justificam, quantos indivíduos. A morte não teria vindo ao mundo “através de um só homem” (v. 12), mas de milhões de seres humanos e o juízo teria vindo sobre todos para condenação através dos milhões de ofensas e não através de um (v. 18). O objetivo da digressão parentética nos versos 13 e 14 é impedir o leitor de supor, a partir da afirmação de que “todos pecaram”, que as transgressões individuais de todos homens significam e tornam claro que só se referem ao primeiro pecado do primeiro homem. Os que morreram antes de Moisés devem ter violado algum a lei. A lei m osaica e a lei da consciência não têm sido incluídas no caso. Por isso, tais pessoas talvez tenham cometido o pecado contra o mandamento edênico, o estatuto da prova; o pecado de tais pessoas não foi semelhante (ó^oícoç) ao de Adão, mas idêntico a ele; em quan­ tidade, exatamente o mesmo pecado “daquele homem” . Eles não praticaram pessoal e conscientem ente o pecado da mesm a form a que Adão o praticou; contudo, em Adão e na natureza com um entre ele e os seus descendentes, eles praticaram ( versus Discussões Teológicas em Voga, 5.277,278). Não peca­ ram à sem elhança de Adão, mas em Adão e caíram com Adão na primeira desobediência (Catecism o M aior de W estm inter). Os versos 15-17 mostram como a obra da graça difere da obra do pecado e a ultrapassa. Em contraposição à exata justiça de Deus, punindo todos pelo primeiro pecado que todos com eteram em Adão, coloca-se a justificação gra­ tuita de todos os que estão em Cristo. O pecado de Adão é o seu ato e o da posteridade também; por isso, a atribuição à posteridade é justa e merecida. A obediência de Cristo é obra exclusiva dele; por esse motivo, a atribuição dela aos eleitos é graciosa, imérita. Aqui xo-bç noXXovq não tem extensão igual a oí noXXoí da prim e ira oração porq u e ou tra s passagens ensinam que “os muitos” que morrem em Adão não se ligam aos que estão em Cristo; ver 1 Co. 15.22; Mt. 25.46; ver tam bém a nota sobre o verso 18 abaixo. To-bç noXXoòç aqui se refere às mesmas pessoas a respeito das quais se diz, no verso 17, que “ recebem a abundância da graça e o dom da justiça” . O verso 16 acentua uma diferença entre a condenação e a justificação. A condenação resulta de uma ofensa; a justificação liberta o homem de m uitas ofensas. O verso 17 reforça e explica o 16. Se a união em Adão, com seu pecado, por justiça, traz a destruição, a união com Cristo, na sua retidão, é ainda mais justa ao trazer a salvação. O verso 18 resume o paralelo entre Adão e Cristo iniciado no verso 12, mas interrom pido pelos parênteses com preendidos entre os versos 13-17. “Pois assim como por uma ofensa ... sobre todos os homens para a condena­ ção; assim tam bém, por um ato de justiça ... sobre todos os homens para justificação da [necessária à] vida” = xo-bç 7toXX,oúç do verso 15. Em cada caso há uma totalidade; mas daquela expressão “todos os homens” é que deriva a vida física de Adão; desta expressão “todos os hom ens” deriva sua vida espi­ ritual de Cristo (Compare 1 Co. 15.22 - “ Porque, assim como todos morrem

róvxeç %uxptov

251

A ugustus H opkins Strong

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em Adão, assim todos serão vivificados em C risto” - nesta última oração Pau­ lo fala, como mostra o contexto, não da ressurreição de todos os homens, quer santos quer pecadores, mas som ente da ressurreição bendita dos jus­ tos; a saber, da dos que são um com Cristo). Verso 19. “ Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos”. Os muitos constituem -se pecadores porque, conform e o verso 12, pecaram em Adão e com ele, em sua queda. O verbo pressupõe o fato da união natural entre aqueles com quem se relaciona. D eclaram -se todos peca­ dores com base em “uma ofensa” , porque, quando se cometeu uma ofensa, todos eram um - isto é, eram uma natureza comum no primeiro casal. A tri­ buiu-se o pecado porque este foi com etido. Todos são castigados com a mor­ te porque, literalm ente, pecaram em Adão; não porque se considera terem m etafisicam ente cometido o pecado, e não o com eteram de fato. Oí toXXoí é empregado em contraste entre um ancestral, e designa-se a expiação de Cristo como í )7icckoti, a fim de contrastá-la com o mxpaKori de Adão. tem a mesm a significação que na prim eira parte do ver­ so. significa tão som ente “serão justificados”, e em pregada em lugar de a fim de tornar mais perfeita a antíte­ se de Kaxeaxa0f|aav. Esta expressão “serão feitos justos” pressu­ põe o fato de uma união entre e 710 0 isto entre Cristo e os crentes, do mesmo modo que “foram feitos pecadores” pressupõe 0 fato de uma união entre e i.e., entre os homens e Adão. O futuro KaxaaxaôfiCTovxai refere-se à sucessão de crentes; a justificação de todos já está idealmente completa, mas, na verdade, aguarda os tem pos da crença de cada um. “Os m uitos” que “serão feitos justos” não correspondem à humani­ dade toda, mas apenas a “os muitos” a quem, no verso 15, a graça foi abun­ dante e que são descritos, no verso 17, como “os que recebem a abundância da graça e do dom da justiça”. “Mas esta união difere em muitas particularidades importantes da que há entre Adão e a posteridade. Não é natural e substancial, mas moral e espiri­ tual; não é genérica e universal, mas individual e eletiva; não é causada pela ação criadora de Deus, mas por seu ato regenerador. Sem exceção, todos são um em Adão; são um em Cristo som ente pela fé. A atribuição do pecado de Adão não é um ato arbitrário no sentido de que, se Deus quis assim, ele podia com putar isto na conta de quaisquer seres do universo, apenas por uma vontade. O pecado de Adão não podia ser atribuído aos anjos decaídos, por exemplo, bem como 0 castigo neles, porque eles nunca foram um com Adão por unidade substancial e natural. O fato de que eles com eteram trans­ gressão por atos de sua própria vontade não justifica a atribuição do pecado adâmico a eles, assim como 0 fato de que a posteridade de Adão cometeu transgressão por atos praticados por eles mesm os não é razão suficiente para atribuir-lhes o pecado de Adão. A não ser a união real entre a natureza e 0 ser, nada pode justificar a atribuição do pecado de Adão; e sem elhantem en­ te, a obediência de Cristo não pode ser atribuída a um incrédulo, mais do que a um anjo perdido, porque nenhum deles é moral e espiritualm ente um com Cristo” ( S h e d d ).

KaxacxaGriaovxcu àíkcuoi KaxaaxaGriaovxai ôiKauoeítcovxou, á|j.apxcoXoi ó eiç oí ó stç

oí tioXXoí,

é

XX Í,

é,

TABELADAS VÁRIAS TEORIAS DAIM PUTAÇÃO CONDENAÇÃO NÃO HERDADA Pelagiana I. Origem da alma Criação imediata II. Estado do Inocente e capaz homem no de obedecer a Deus nascimento III. Efeitos do Somente sobre si pecado de Adão

IV. Como todos pecaram?

Os que seguem ao exemplo de Adão

V. O que é corrupção

Só do mau hábito em cada caso

VI. O que é imputado

Os pecados de todos os homens

VII. () que ií a Espiritual e eterna morte conlrafda? VIII. Qminlos slio ( )s que seguem ao salvos? exemplo (le Cristo

Arminiano Criação imediata Depravado, mas ainda capaz de cooperar com o Espírito Corromper sua poste­ ridade fisicamente e intelectualmente. Nenhuma culpa im­ putada ao pecado de Adão Conscientemente ra­ tificando os atos de Adão, a despeito do auxílio do Espírito Guarda tendências maléficas, a despei­ to do Espírito Somente os pecados de todos os homens e ratificação desta natureza Física e espiritual por decretos Cooperando com o Espírito dado a Iodos

CONDENAÇÃO HERDADA Nova Escola Criação imediata Depravado e vicioso, contudo não este

Federa Criação imediata Depravado, incapaz e condenável

Placcana Criação imediata Depravado, incapaz e condenável

Transmitir à toda a raça humana o vício

Assegurar a conde­ nação de seus com­ panheiros no pácto, e sua criação como depravada

Ligação natural da Culpa do pecado de depravação a todos Adão, corrupção e os seus descendentes morte

Transgresão voluntá­ Sendo enumerado ria com conhecimen­ pecador no pecado to da Lei de Adão

Possuindo uma natu­ Tendo parte no pe­ reza depravada cado de Adão, como o cabeça da raça

Incondenável mas com tendências más Atos de transgressão individuais dos homens

Condenável com disposição para o mau Só a natureza depra­ vada e os pecados próprios do homem

Condenável com disposição para o mau 0 pecado de Adão, nossa depravação, e nossos pecados

Física, espiritual e eterna Tornando-se possui­ dores do uma nova natureza em Cristo

Física, espiritual e eterna Pela obra de Cristo com quem somos um

Espiritual e eterna apenas Aceitando a Cristo sob influências da verdade apresenta­ da pelo Espírito

Condenável com disposição para o mau O pecado de Adão, a corrupção humana e os pecados do homem Física, espiritual e eterna Sendo contado justo através do ato de Cristo

Agostiniana Criação mediata Depravado, incapaz e condenável

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II. OBJEÇÕES À DOUTRINA AGOSTINIANA DA ATRIBUIÇÃO A doutrina da atribuição, à qual chegamos é atacada pelos seus opositores, que apresentam as objeções a seguir. Ao discuti-las, devemos lembrar que uma verdade revelada na Escritura pode apresentar reivindicações à nossa crença, a despeito das dificuldades que nos são insolúveis. Contudo, espera-se que um exame mostre as objeções em questão que se apoiam ou em falsos princípios filosóficos, ou em falsos conceitos da doutrina combatida.

A) Que não pode haver pecado sem que haja disposições e atos maus antes de haver consciência. Negamos tal afirmação. A maior parte das disposições e atos maus são imperfeitamente conscientes e não se pode discerni-los. A objeção se apóia na suposição de que a lei se limita a estatutos publicados ou a padrões anterior­ mente reconhecidos pelos seus cumpridores. Um ponto de vista mais profun­ do da lei idêntica aos princípios constituintes do ser dispondo a natureza à conformidade com a natureza de Deus, demandando volições justas ape­ nas porque estas são manifestações de um estado de direito, tendo reivindica­ ções sobre os homens em sua capacidade corporativa, tira toda a força desta objeção. Se o nosso alvo é achar um ato consciente da transgressão na qual se baseia a acusação de culpa e condenação do homem, podemos achar isto mais facilm ente no pecado de Adão do que no começo da história pessoal de cada homem; porque nenhum ser humano pode lem brar-se do primeiro peca­ do. A principal questão é: Todo pecado é pessoal? Reivindicamos que tanto a Escritura como a razão respondem esta pergunta pela negativa. Existe uma coisa que se chama pecado racial e responsabilidade racial.

B) Que o homem não pode ser responsável por uma natureza pecaminosa que ele pessoalmente não originou. Replicamos que a objeção ignora o testemunho da consciência e da Escri­ tura. Estas afirmam que somos responsáveis por aquilo que somos. A natureza pecaminosa não é alguma coisa exterior a nós, mas é o íntimo do nosso ser. Se a justiça original do homem e o novo sentimento implantado na regenera­ ção têm caráter moral, então a tendência inata para o mal tem caráter moral; como aqueles são recomendáveis, do mesmo modo também esta o é. Se se disser que o pecado não é o ato da natureza, mas de uma pessoa, respondemos que, em Adão, toda a natureza humana subsistiu uma vez na form a de pessoalidade sim ples e o ato da pessoa pode ser ao mesmo tempo

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o ato da natureza. O que não pode ser em qualquer ponto subseqüente no tempo, pode ser ou é, naquele tempo. A natureza humana pode cair em Adão, embora tal queda não possa repetir-se no caso de qualquer um dos seus descendentes. H o v e y , Outlines, 129 - Diremos que a vontade é a causa do pecado nos seres santos enquanto o desejo errôneo é a causa do peca­ do nos seres ímpios? É o que A g o s t in h o sustenta” . P e p p e r , Outlines, 112 “Nenhum de nós cai por si mesmo. Somos assim na provação em Adão, de modo que a sua queda é a nossa” .

C) O pecado de Adão não nos pode ser atribuído visto que não podemos sos arrepender dele. A objeção só é plausível quando deixamos de distinguir o pecado de Adão como uma interior apostasia da natureza de Deus e o referido pecado como o ato exterior de transgressão que se seguiu e manifestou essa apostasia. Na verdade, não podemos nos arrepender do pecado de Adão como nosso ato pessoal ou como ato pessoal de Adão, mas considerá-lo como apostasia da nossa natureza comum - apostasia essa que se manifesta nas nossas transgres­ sões pessoais como ocorreu com ele, podemos arrepender-nos dela e, na ver­ dade, arrependemo-nos. Na verdade esta natureza é corrupta em si mesma e avessa a Deus, pela qual o cristão se arrepende. O Deus que conhecem os não fez a nossa natureza como a encontramos. Estamos cônscios da nossa depravação e apostasia de Deus. Sabemos que Deus não pode ser o responsável por isso; que a responsabilidade é da nos­ sa natureza. Mas ela não pode ser, a menos que a corrupção seja a de si mesmo. Por esta natureza corrom pida por si mesm a devemos arrependernos e, na verdade, arrependem o-nos. A n s e l m o , De Conceptu Virginali, 23 “Adão pecou num ponto de vista como uma pessoa; em outro como homem (i.e., como natureza humana que, naquele tem po, existia só nele). Mas, visto que Adão e a humanidade são inseparáveis, o pecado de uma pessoa neces­ sariamente afeta a natureza. É esta que Adão transm itiu à posteridade e transmitiu-a como o pecado o fez, levando o fardo da dívida que não pôde ser paga, roubada da justiça de que Deus originariam ente o investiu; e em cada um dos seus descendentes esta natureza prejudicada faz pecadoras as p e s­ soas. Contudo, não no mesmo grau em que Adão se encontrava, pois este pecou tanto na natureza hum ana com o em pessoa, enquanto a criança recém -nascida peca só por possuir a natureza” , - mais resum idamente, em Adão, uma pessoa fez a natureza pecaminosa; na sua posteridade a nature­ za torna as pessoas pecadoras.

D) Que, se somos responsáveis pelo primeiro pecado de Adão, também devemos sê-lo não só pelo de Adão, mas pelos dos nossos ancestrais imediatos. Respondemos que a apostasia da natureza humana pode ocorrer apenas uma vez. Ela ocorreu em Adão antes que ele comesse o fruto proibido e a

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revelasse ao comê-lo. Os subseqüentes pecados de Adão e dos nossos ances­ trais imediatos não mais são atos que determinam ou mudam a natureza; eles só mostram o que a natureza é. Eis aqui a verdade e a limitação da Escritura que declara que “o filho não levará a maldade do pai” (Ez. 18.20; c f Lc. 13.2,3; Jo. 9.2,3). O homem não responde pelas tendências especificamente más que lhe foram comunicadas pelos seus ascendentes imediatos originadas de tais tendências, mas pela apostasia original que constituiu a única e final revolta da raça para com Deus e pela depravação e desobediência pessoais que, no seu próprio caso advieram dela. A g o s t in h o , Encheiridion, 46,47, tende para uma atribuição dos pecados dos ancestrais imediatos, mas sugere que, em se tratando da graça, isto pode limitar-se “à terceira e quarta geração” (Ex. 20.5). O pensamento de T o m á s d e A q u in o é que Deus diz isto porque os pais vivem até a terceira e quarta gera­ ção da sua descendência e influem neles, pelo exemplo, a voluntariamente tornarem-se como eles. B u r g e s s e , Original Sin, 397, acrescenta a idéia pactuai à da geração natural a fim de evitar a atribuição dos pecados dos ances­ trais imediatos do mesmo modo que os de Adão. S h e d d tam bém. Mas B a i r d , Elohim Revealed, 508, dá uma explicação m elhor quando estabelece uma distinção entre o primeiro pecado da natureza, que se apostatou e as subse­ qüentes ações pessoais que manifestam som ente a natureza, mas não a mudam. Imagine que Adão perm anecesse inocente, mas alguém da sua pos­ teridade caísse. Então os seus descendentes teriam sido culpados pela mudança da sua natureza, mas não pelos pecados que ocorreram nas pes­ soas que viveram no período entre ele e a posteridade. Acrescentam os que o homem pode dirigir o curso de uma corrente de lava que flui vulcão abaixo em um canal particular e pode cavar um novo canal montanha abaixo. Mas a correnteza é constante em sua quantidade e quali­ dade e sofre a mesma influência de gravitação em todos estágios de seu progresso. Sou responsável pela tendência declinante que a minha natureza proporciona ao início; mas não o sou pelas tendências herdadas e as especi­ ficam ente más como algo separado da natureza, - pois elas não se separam desta - são form as e manifestações dela. Elas term inam após um certo tem ­ po; não com o pecado da natureza. A declaração de Ez. 18.20, “o filho não levará a iniqüidade do pai” como a negação que Cristo fez de que a cegueira se devia aos pecados individuais ou aos dos pais (Jo. 9.2,3) simplesmente mostra que Deus não atribui a nós os pecados dos nossos ancestrais ime­ diatos; o que não é inconsistente com a doutrina de que o mal físico e moral do mundo resulta do pecado de Adão, cujo peso a raça suporta. As tendências peculiares à avareza ou à sensualidade herdadas de um ancestral imediato são sim plesm ente rugas na depravação nativa que nada acrescentam à sua soma ou culpa. S h e d d , Dogm. T h e o i, 2.88,94 - “Herdar um tem peram ento é herdar um traço secundário”. H. B. S m it h , System, 296 “Ez. 18 não nega que os descendentes estejam envolvidos em resultados maus dos pecados ancestrais sob o governo moral de Deus, mas sim ples­ mente m ostra que há oportunidade para o deslinde no arrependim ento e

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obediência". M o s l e y , Predestination, 179 - “A gostinho diz que as declarações de Ezequiel de que o filho não levará a iniqüidade do pai não são lei universal do procedim ento divino, mas som ente uma profecia especial alusiva à mise­ ricórdia divina sob a dispensação do evangelho e o pacto da graça, sob o qual o efeito do pecado original e o castigo da hum anidade por causa do prim eiro pai foi rem ovido” . P rovérbio alem ão: “A m açã não cai longe da árvore” .

E) Que, se o pecado e condenação de Adão podem ser nossos por propaga­ ção, a justiça e a fé também deveriam sê-lo pelo mesmo processo. Respondemos que nenhuma qualidade simplesmente pessoal, quer de pecado quer de justiça, comunicam-se por propagação. A geração comum não transmite a culpa pessoal, mas apenas aquela que pertence à espécie toda. Do mesmo modo a fé e a justiça pessoais não se propagam. O pecado original é a conseqüência da natureza do homem, enquanto a graça dos pais é uma excelência pessoal e intransmissível” (BuRGESse). T h o r n w e l l , S elected Writings, 1.543, diz que a doutrina agostiniana im pli­ ca que Adão, penitente e crente, deve ter gerado filhos penitentes e crentes, vendo que a natureza como se encontra nos pais flui sempre de pai para filho. Porém, ver F is h e r , Discussões, 370, onde T o m á s d e A q u in o sustenta que a mesm a qualidade ou culpa pessoal se propaga (Tomás de Aquino, 2.629). A n s e l m o , (De Conceptu Virginali et Originali Pecato, 98), não decidirá a ques­ tão. “A natureza original da árvore se propaga - não na natureza do enxerto” - quando se planta a sem ente vinda do enxerto. B u r g e s s e : “ O s pais estuda­ dos não transm item geneticam ente o ensino aos filhos, mas estes nascem na mesma ignorância que os outros”. A g o s t in h o : “ Um judeu circuncidado não gera filhos circuncidados, mas incircuncisos; e a sem ente que foi semeada sem casca ainda produz cereal com casca”. A recente modificação do darwinism o por W e is m a n n confirm a a doutrina do texto. O ponto de vista de Lamarck é que o desenvolvim ento de cada raça ocorre através do esforço dos indivíduos; a girafa tem o pescoço longo por­ que sucessivas girafas buscavam alim ento em árvores altas. D a r w in sustenta que o desenvolvim ento ocorreu não por causa do esforço, mas por causa do ambiente, que mata o inadequado e perm ite a sobrevivência do adequado; a girafa tem o pescoço longo porque, entre os filhos das girafas, só os de pescoço longo viveram para propagar-se. W e is m a n n , porém , conta-nos ago­ ra que, mesmo naquela época, não haveria desenvolvim ento, a menos que houvesse uma tendência inata espontânea nas girafas de tom ar-se de pes­ coço longo; nada de valioso depois que a girafa nascia; todos dependem dos genes dos pais. D a r w in defende a transm issão dos caracteres adquiri­ dos, de m odo que os indivíduos são afluentes da correnteza da hum anida­ de; W e is m a n n , ao contrário, sustenta que os caracteres adquiridos não se transm item e que os indivíduos são apenas efluentes da hum anidade; a correnteza dá suas características aos indivíduos, mas os indivíduos não as dão à correnteza.

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W e is m a n n , Heredity, 2.14, 266-270, 482 - “Os caracteres só adquiridos pela operação de circunstâncias externas, agindo durante a vida do indiví­ duo, não podem ser transm itidos. ... A perda de um dedo não é herdada; o aumento de um órgão através do exercício é uma opção puram ente pessoal e não transmitido; nenhuma criança com pais que sabem ler jam ais lêem sem serem ensinadas; os filhos nem mesmo aprendem a falar se não forem ensi­ nados” . Os cavalos com a cauda cortada, as chinesas com os pés apertados, não transm item suas peculiaridades. A ruptura do hímen não se transmite. W e is m a n n cortou a cauda de 66 cam undongos em 5 sucessivas gerações, mas, dos 901 descendentes, nenhum nasceu sem cauda, C. J. R o m a n e s , Life and Letters, 300 - “Três casos adicionais de gatos que perderam as caudas tendo após gatin h o s p ito co s” . Em seu w e ism a n ism o , R o m a n e s escreve: “A verdadeira atitude científica da mente relacionada ao problem a da heredi­ tariedade é dizer com G a l t o n : ‘Devemos quase reservar a nossa crença em que as células estruturais, afinal de contas, podem reagir em elem entos sexuais e podemos estar confiantes em que, na maioria dos casos, elas agem assim em pequeno grau; ou seja, tais modificações adquiridas são aridamente, se é que o são, herdadas, no sentido correto da palavra”'. Isto parece classificar R o m a n e s e G a l t o n do lado de W e is m a n n na controvérsia. Contudo, Burbank diz que “os caracteres adquiridos são transm itidos ou nada conheço da vida planejada”. A. H . B r a d f o r d , Heredity, 19,20, ilustra os pontos de vista opostos: “A vida humana não é uma correnteza clara que flui das montanhas e recebe em seu variado curso algo em torno de milhões de regatos e riachos na superfície do solo de sorte que não é mais puro que na origem. A este ponto de vista D a r w in e S p e n c e r , W e is m a n n e H a e c k e l opõem o ponto de vista de que a vida humana é mais uma corrente que, vinda das montanhas, flui sob a terra, para o mar e ressurge aqui e ali nas fontes. Algum as são salinas, outras sulfúricas e algu­ mas manchadas de ferro; as diferenças se devem totalm ente ao solo rom­ pendo à superfície. A correnteza-m ãe e o sal, o enxofre e o ferro abaixo fluem para o mar, substancialm ente inalterado. Se D a r w in está certo, então devemos mudar os indivíduos para m udar a sua posteridade. Se o correto é W e is m a n n , então devemos m udar o am biente para que nasçam indivíduos melhores. Porque aquele que é nascido do Espírito é espírito; mas o que é nascido do espírito manchado pelas corrupções da carne ainda está man­ chado” . A melhor conclusão garantida pela ciência parece ser a de W a l l a c e , Forum, agosto, 1890, isto é, que sempre há uma tendência de transm itir os caracte­ res adquiridos, mas apenas os que afetam o sangue e o sistema nervoso, como a bebida e a sífilis vencem o hábito do organism o e tornam -se perm a­ nentes. Aplicando agora este princípio à conexão entre Adão e a raça, consi­ deramos radical o pecado de Adão, com parado só ao ato de fé que imerge a alma em Cristo. É um afastamento total da luz e am or de Deus e a fixação dos demais nas trevas e morte. Cada ato subseqüente encam inha-se na mesma direção, mas o ato que se manifesta, não altera a natureza. O primeiro ato do pecado priva a natureza de todo apoio e crescim ento moral a não ser que o Deus imanente contraponha as tendências inerentes do mal. A posteridade de Adão herda sua natureza corrompida, mas não quaisquer caraterísticas

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subseqüentes adquiridas, quer as do prim eiro pai, quer as dos ancestrais imediatos. B a s c o m , Comp. Psychology, cap VIII - “As m odificações, embora grandes, como a discordância artificial, que não se opera na estrutura fisiológica, não se transm item . Quanto mais conscientes e voluntárias forem as nossas aqui­ sições, menos se transm item por hereditariedade” . Schaler, Interpretation of Nature, 88 - “A hereditariedade e a ação individual podem com binar as suas forças e assim intensificar um ou mais motivos herdados que afetam a forma, e o efeito pode ser transm itido aos descendentes. Deste modo o conflito das heranças pode levar à instituição da variedade. A acum ulação dos impulsos pode levar a uma súbita revolução e a espécie pode mudar, não através do ambiente, mas por com petição entre a multidão de heranças” . Supõe-se que a visitação dos pais nos filhos seja uma doutrina ultrajante até quando ensi­ nada na Escritura. Agora ela é aplaudida vigorosam ente, desde que tom e o nome de hereditariedade. Dale, Ephesians, 1 8 9 - “Quando jovens, lutávamos contra certos pecados e os matávamos; eles não nos perturbam mais; mas seus fantasm as parecem surgir dos sepulcros nos distantes anos e revestirse na carne e sangue dos nossos filhos” .

F) Que, se as conseqüências morais são propriamente uma pena, o pecado, considerado como natureza pecaminosa, deve ser a punição do pecado, consi­ derado como o ato dos nossos primeiros pais. Porém replicamos que a impropriedade de punir o pecado desaparece quando consideramos que o pecado punido é o nosso, juntamente com aquele pelos quais nós somos punidos. A objeção é válida contra a teoria federal, ou contra a da atribuição Mediata, mas não contra a do encabeçamento natural de Adão. Negar que Deus, através da operação de causas secundárias, pode punir o ato de transgressão com o hábito e tendência que dele resultam é ignorar os fatos da vida diária assim como as afirmações da Escritura em que o pecado é repre­ sentado como sempre se reproduzindo e, com cada crescente reprodução, sua culpa e castigo (Rm. 6.19; Tg. 1.15). Rm. 6.19 - “assim com o apresentastes os vossos mem bros para servirem à imundícia e à m aldade para a maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação” ; Ef. 4.22 - “que se cor­ rompem pelas concupiscências do engano”; Tg. 1.15 - “Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consum a­ do, gera a morte” ; 2 Tm. 3.13 - “homens maus e enganadores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados” . VerMEYER sobre Rm. 1.24 - “ Pelo que tam bém Deus os entregou às concupiscências do seu coração é à imun­ dícia” . Todos efeitos voltam às causas. Schiller: “ Esta é a própria maldição dos maus atos, Que do novo mal torna-se a sem ente” . W h it o n , Is E tem al P unishm ent Endless, 52 - “O castigo do pecado consiste essencialm ente na expansão mais ampla e mais forte da doença da alma. Rm. 5.22 - ‘Quanto ao ímpio, as suas iniqüidades o prenderão’. O hábito de pecar prende o ímpio

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‘com as cordas do pecado’. O pecado é por si mesmo perpetuador. O pecador gravita em torno de um mal cada vez maior, num a queda cada vez mais pro­ funda” . O menor dos nossos pecados tem em si o poder de expansão infinita; deixado ao léu da sua sorte alagaria o mundo com a miséria e destruição. S a b e d o r ia 1 1 . 1 6 - “ p a r a q u e c o m p r e e n d e s s e m q u e n o p e c a d o e s tá o c a s ­ tig o ” . S

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id e a l e a tr a ç ã o d e u m

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5.3 - “Os

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G) Que a doutrina exclui toda a provação de indivíduos separados desde Adão, fazendo da sua vida moral uma simples manifestação de tendência recebidas dele. Respondemos que a objeção leva em conta apenas a nossa conexão com a raça e ignora o complementar e importante fato da vontade pessoal de cada ser humano. Que a vontade pessoal faz mais do que simplesmente expressar a natureza; ela pode, até certo ponto, reprimir a natureza, ou pode, por outro lado, acrescentar o caráter pecaminoso e a influência de si mesma. A saber, há um resquício de liberdade, que abre espaço para a provação pessoal além do pecado da raça em Adão. K r e ib ig , Versohnungslehre, objeta ao ponto de vista de A g o s t in h o que, se o pecado pessoai procede do original, a única coisa de que os homens são culpados é o pecado de Adão; todo pecado subseqüente é um desenvolvi­ mento espontâneo; a vontade individual só pode manifestar seu caráter inato. Mas retrucamos que esta é uma representação de A g o s t in h o . Ele não perde de vista as lembranças da liberdade do homem (ver na página 620 a afirm a­ ção do ponto de vista de A g o s t in h o e, na seção seguinte, sobre a Capacidade 640-644). Ele diz que a árvore corrom pida pode produzir os maus frutos da moralidade, embora não o fruto da graça divina. Não é verdade que a vonta­ de, de um modo absoluto, é como o caráter. Embora este seja o mais seguro indicador do que podem ser as decisões da vontade, ele não é infalível. O primeiro pecado de Adão e os pecados do homem após a regeneração, provam isto. E m bora estas d e cisõ es sejam e xce p cion a is, irre g u la re s e espontâneas, não deixam de ser atos da vontade e mostram que o agente não se prende aos motivos, nem ao caráter. Eis aqui a nossa resposta à questão se não é pecado propagar a raça e produzir filhos. Cada filho tem uma vontade pessoal que pode ter a sua pró­ pria provação e oportunidade de libertação. D e n n e y , Studies in Theology, 87-99 - “ Pode-se dizer que aquilo que herdam os fixa nossas provações, mas

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não o nosso destino. Pertencemos a Deus do mesm o modo que ao passado” . "Todas as almas são m inhas”(Ez. 18.4). “todo aquele que é da verdade ouve a minha voz” (Jo. 18.37) Thom as Fuiler: “ 1. Roboão gerou a Abias, isto é, um mau pai gerou um mau filho; 2. Abias gerou Asa, isto é, um mau pai gerou um bom filho; 3. Asa gerou a Josafá, isto é, um bom pai gerou um bom filho; 4. Josafá gerou a Jorão, isto é, um bom pai gerou um mau filho. Com isso vejo que os pais piedosos não podem ser copiados; eis uma péssim a notícia para mim. Vejo, porém, que a verdadeira im piedade nem sempre é hereditária; eis uma boa notícia para o meu filho” . B u t c h e r , A spects o f G reek Genius, 121 Entre os gregos “o ponto de vista popular é que se herda a culpa; isto é, que os filhos são punidos pelos pecados dos pais. O ponto de vista de Ésquilo bem como o de S ó f o c l e s é que a tendência para a culpa é sempre herdada, o que não anula a liberdade do homem. Por isso, se os filhos são castigados, isto ocorre por causa dos seus próprios pecados. Mas S ó f o c l e s encara a verdade de que o filho inocente pode sofrer pelos pecados dos pais” . J u l iu s M ü l l e r , Doctrine o f Sin, 2.316 - “A teoria orgânica do pecado sim ­ plesmente conduz ao naturalismo, que põe em risco não só a doutrina do juízo final, mas, de um modo geral, a da im ortalidade pessoal” . Por isso, devemos com eçar a pregação com o conhecido e reconhecido pecado do homem. Devemos dar a mesm a ênfase escriturística na conexão entre nós e Adão, a fim de explicar o problema das tendências pecam inosas universais e inveteradas, visando a reforçar a nossa necessidade de salvação da ruína comum e ilustrar a nossa conexão com Cristo. A Escritura não faz, e não necessitamos fazer nossa a responsabilidade pelo pecado de Adão, o grande tem a da nossa prédica.

H) Que a unidade orgânica da raça na transgressão é coisa tão distante da experiência comum que a sua pregação neutraliza todos apelos da cons­ ciência. Qualquer que seja a verdade existente nesta objeção, deve-se à natureza por si mesma isolante do pecado. Os homens sentem a unidade da família, da profissão, da nação a que pertencem, e, na mesma proporção o sopro da sua simpatia e da experiência da graça divina, fazê-los entrar no sentimento de Cristo sobre a unidade da raça (cf. Is. 6.5; Lm 3.39-45; Ed. 9.6; Ne. 1.6). O fato de que a auto-restrição e busca de si mesmo são reconhecidas como responsáveis só pelos seus atos pessoais não deve impedir a nossa pressão sobre a atenção dos homens mais do que a busca de padrões das Escrituras. Só assim pode o cristão encontrar uma solução para o tenebroso problema da corrupção inata ainda que condenável; só assim o irregenerado será levado ao pleno conhecimento da profundidade da sua ruína e da sua dependência abso­ luta de Deus para a salvação. Identificação do indivíduo com a nação ou com a raça: Is. 6.5 - “Ai de mim, que vou perecendo; porque sou um homem de lábios impuros e habito

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no meio de um povo de im puros lábios” ; Lm 3.42 - “Nós prevaricam os e fom os rebeldes”; Ed. 9.6 - “ Estou confuso e envergonhado para levantar a ti a minha face, meu Deus, porque as minhas iniqüidades se multiplicam sobre a minha cabeça” ; Ne. 1.6 - “faço confissão pelos pecados dos filhos de Israel ... tam bém eu e a casa de meu pai pecam os” . Do mesmo modo Deus castiga Israel pelo pecado do orgulho de Davi; assim tam bém os pecados de Rubem, Acã, Geazi são visitados nos seus filhos e descendentes. H. B. S m it h , System, 296, 297 - “Sob o governo moral de Deus o homem pode, com justiça, sofrer por causa dos pecados de outro. Uma relação orgâ­ nica dos homens é considerada no grande juízo de Deus na h is tó ria .... Existe o mal que vem sobre os indivíduos, não como castigos pelos seus próprios pecados, mas como sofrim ento que vem sobre o governo moral. ... Jr. 32.18 reforça a declaração do segundo mandam ento, de que Deus visita a iniqüida­ de dos pais nos filhos. Pode-se dizer que tudo isto são sim ples ‘conseqüên­ cias’ das relações fam iliares, ou tribais, ou nacionais, ou raciais - ‘o mal se tom a cósmico em razão do estreitam ento das relações que originariamente se adaptaram para fazer o bem cósmico; mas, então, o plano de Deus deve encontrar-se nas conseqüências - plano este adm inistrado por um ser moral, sobre seres morais, conforme as considerações e fins morais; e, se isto for levado plenam ente em conta, a disputa quanto as ‘conseqüências’ e ‘castigo’ torna-se sim plesm ente verbal. Há uma consciência comum bem acim a da particular. Ela controla os indi­ víduos quando aparecem as grandes crises como no caso da queda de Fort Sum ter convocando o povo para a defesa da União e Proclamação da Eman­ cipação ao repicar dos sinos pela morte da escravidão. C o l e r id g e dizia que o pecado original é um mistério que esclarece as coisas. B r a d f o r d , Heredity, 3 4 , cita E l a m , P hysician’s Problems, 5 - “ Um vício adquirido e habitual não deixará seu traço sobre um ou mais descendentes, quer em sua form a origi­ nal, quer estritamente aliada. O hábito do pai se tom a o impulso total, mas irresistível do filho; a tendência orgânica é estim ulada ao máximo e a força da vontade e da consciência proporcionalm ente se enfraquece. ... Assim visi­ tam -se os pecados dos pais nos filhos”. Pascal: “ É surpreendente que o m istério mais distante do nosso conheci­ mento - quero dizer, a transm issão do pecado original - seja aquele sem o qual não temos o verdadeiro conhecim ento de nós mesmos. Neste abismo é que gira e vacila a chave da nossa condição a ponto de o homem tornar-se mais incom preensível sem mais m istério do que o próprio m istério seja incom preensível ao homem” . Contudo, a perplexidade de Pascal se deve em grande parte à defesa da posição agostiniana de que o pecado herdado é danoso e produz a morte eterna, apesar de que não sustenta a posição coor­ denada agostiniana de uma existência prim ária e um ato da espécie em Adão. O atom ism o é egoísta. Os mais puros e mais nobres sentem mais fortem ente que a humanidade não se assem elha a um am ontoado de grãos de areia ou a uma fileira de tijolos postos numa extrem idade, mas é uma unidade orgâni­ ca. É isto que o cristão sente pela fam ília e pela igreja. É isso que Cristo, no Getsêmani, sentiu pela raça. Se se disser que a tendência do ponto de vista agostiniano é dim inuir o senso de culpa dos pecados pessoais, respondemos que somente aqueles que reconhecem os pecados arraigados em um pecado

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podem reconhecer, com propriedade, o mal deles mesmos. Para tais pes­ soas eles são apenas sintom as de tão profunda e universal apostasia de Deus que nada, a não ser a graça infinita, pode livrar-nos dela.

I) Que uma constituição através da qual o pecado de um indivíduo envolve na culpa e condenação a natureza de todos os homens que dele descendem contraria a justiça de Deus. Reconhecemos que nenhuma teoria humana pode esclarecer plenamente o mistério da atribuição. Mas preferimos deixar a justiça mais do que a sobera­ nia na decisão de Deus. As considerações a seguir, embora parcialmente hipo­ téticas, podem lançar luz sobre a matéria: a) A provação da nossa natureza comum em Adão, como era sem pecado e com pleno conhecimento da lei de Deus, é mais consistente com a justiça divina do que uma provação separada de cada indivíduo, com inexperiência, depravação inata, mau exemplo, tudo favorecendo uma decisão contra Deus. b) Uma constituição que possibilitou uma queda pode ter sido indispensável a qualquer provisão de uma salvação, c) A nossa oportunidade de salvação pela graça é melhor do que teria sido a ausência de pecado dos Adãos sem lei. d ) A constituição que permitiu a unida­ de com o primeiro Adão na transgressão não pode ser injusta, visto que um mesmo princípio da unidade com Cristo, o segundo Adão, nos assegura a sal­ vação. e) Há também uma união física e natural com Cristo que antedata a queda e que é incidente à criação do homem. A imanência de Cristo na huma­ nidade garante um contínuo esforço divino para remediar o desastre causado pela livre vontade do homem e restaurar a união moral com Deus que a raça perdeu com a queda. Deste modo, a nossa a ruína e nossa redenção igualmente se operaram sem os nossos atos pessoais. Como toda a vida natural da humanidade estava em Adão, do mesmo modo toda a vida espiritual da humanidade estava em Cristo. Como a nossa velha natureza estava corrompida em Adão e se propagou a nós através da geração física, assim a nossa nova natureza foi restaurada em Cristo e comunicou-se a nós através da obra regeneradora do Espírito Santo. Se, então somos justificados por estarmos em Cristo, de igual modo podemos ser condenados por estarmos em Adão. S t e a r n s , N. Eng., janeiro, 1882.95 - “O silêncio da Escritura sobre a cone­ xão exata entre o primeiro e grande pecado e os pecados dos milhões de indivíduos que têm vivido desde aquela época, nem a ciência, nem a filosofia têm sido capazes de dar uma explicação satisfatória. Separe a dupla nature­ za do homem em sociedade ou individualm ente. A lei científica da heredita­ riedade produziu uma nova ocorrência da doutrina que os antigos teólogos procuravam expressar sob o nome de pecado original, - term o que tinha um

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s e n t i d o c o m o o u t i li z a d o i n i c i a l m e n t e p o r A

g o s t in h o ,

m a s im p r o p r ia m e n t e a p li­

c a d o , s e a c e ita r m o s q u a lq u e r o u t r a te o r ia q u e n ã o s e ja e s t a ” . O D r . H o v e y reivindica que o ponto de vista agostiniano desm orona quan­ do aplicado à conexão entre a justificação dos crentes e a justiça de Cristo; porque os crentes não estavam em Cristo, na substância das suas almas, ao operar a redenção deles. Entretanto, respondemos que a vida de Cristo, que nos torna cristãos, é a mesma que fez a expiação na cruz e ressuscitou da sepultura para a nossa justificação. O paralelo entre Adão e Cristo tem analo­ gia com a natureza, não com a identidade. H á uma conexão da vida física com Adão; uma espiritual com Cristo. S t a h l , Philosophie des Rechts, citada no Com entário de Olshausen sobre Rm. 5.12-21 - “Adão é a matéria original da humanidade; Cristo é a sua idéia original em Deus; ambos pessoalm ente vivos. O homem é um neles. Por isso, o pecado de Adão tornou-se o pecado de todos. Cada folha de uma árvore pode estar verde ou seca; mas cada uma sofre pela doença da raiz e só se recupera através da sua cura. Quanto m enor é o homem muito mais isolada lhe aparecerá cada coisa; pois, na superfície, tudo está separado. Ele verá na humanidade, na nação, e não só, mas na fam ília, meros indivíduos onde o ato de um não tem conexão com o do outro. Quanto mais profundo o homem, mais estas relações interiores da unidade procedentes do próprio centro ope­ ram -se violentam ente sobre ele. Sim, o amor ao nosso próximo nada é a não ser um profundo sentimento de unidade; porque nós só amamos aquele por quem sentim os e reconhecem os ser um conosco. O que o amor cristão ao nosso próximo é para o coração a unidade da raça é para o entendimento. Se não é possível o pecado através de um e a redenção através de um, então a ordem de amar o nosso próximo é tam bém incom preensível. A ética cristã e a fé cristã são, por isso, na verdade, indissoluvelm ente unidas. O cristianismo efetua na história um avanço sem elhante ao do reino animal, revelando a unidade essencial do homem cujo conhecim ento no mundo antigo se desva­ necera quando as nações se separaram". Se os pecados dos pais não foram visitados nos filhos, nem as virtudes o poderiam ser; a possibilidade de uns envolve a das outras. Se a culpa do nosso primeiro pai não pode ser transm itida a todos que dele derivaram a sua vida, a justificação da parte de Cristo não poderia ser transm itida a todos que dele tam bém derivaram sua vida. Contudo, não vemos qualquer trecho bíbli­ co garantir a teoria de que todos homens são justificados do pecado original em virtude da sua conexão com Cristo. Aquele que é a vida de todos os homens concede as m últiplas bênçãos tem porais com base na sua expiação. Mas a ju stifica çã o do pecado co n d icio n a -se à co n scie nte rendição da vontade humana e confiança na misericórdia divina. O Cristo imanente está sempre estimulando o indivíduo e a coletividade a tal decisão. Mas a aceitação ou rejeição da graça oferecida cabe à livre vontade do homem. Este princípio capacita-nos a avaliar com propriedade o ponto de vista do Dr. Henry E. Robins a seguir. H. E. R o b in s , H arm ony o f Ethics With Theol., 51 - “Todos os nascidos de Adão acham-se em tal relação com Cristo que a salvação é direito inato sob prom essa - direito esse que só se perde por ato inteligente pessoal e moral, como foi o caso de Esaú”. O Dr. Robins defende a justificação incompleta de

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todos - que se realiza e se com pleta só quando a alma se inclui no ofereci­ mento de Cristo ao pecador. Preferimos dizer que, a humanidade, em Cristo, é idealmente justificada porque o próprio Cristo se justifica, mas o homem individualm ente só é justificado quando conscientem ente se apropria da gra­ ça oferecida ou se entrega ao Espírito renovador. A l l e n , Jonathan Edwards, 312 - “ A graça de Deus é tão orgânica em sua relação com o homem como o mal com a natureza. A graça tam bém reina onde quer que reine a justiça” . W il l ia m A s h m o r e , N ew Trial o f the Sinner, Revista Cristã, 26.245-264 - “Há um evangelho na natureza com ensurado com a lei da natureza; Rm. 3.22 - ‘para todos e sobre todos os que crêem ’; o primeiro ‘todos’ é ilimitado; o segundo limita-se aos que crêem ” . R. W. D a l e , Ephesians, 180 - “As nossas fortunas identificam -se com as de C risto; no pensam ento e propósito divinos som os inseparáveis dele. Se tivéssem os sido verazes e leais à idéia divina, a energia da justiça de Cristo ter-nos-ia elevado às sucessivas alturas da bondade e alegria até que ascendêssem os desta vida terrena às maiores forças e mais elevados servi­ ços e mais ricos prazeres de outros mundos mais divinais; e ainda por um período áureo de desenvolvim ento intelectual, ético e espiritual após outro devemos continuar a subir rumo à perfeição infinita e transcendente de Cris­ to. Entretanto, pecamos; e como a união entre Cristo e nós não poderia ser rom pida sem a derrota final e irrevogável do propósito divino, Cristo seria trazido dos serenos céus abaixo, à confusa e perturbadora vida da nossa raça, à dor, à tentação, à cruz, à sepultura e, deste modo, o m inistério da sua expiação por nossos pecados estaria consum ado” .

SEÇÃO VI - CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO À POSTERIDADE Como resultado da transgressão de Adão, toda a posteridade nasceu no mesmo estado em que ele estava quando caiu. Porém, como a lei é uma exi­ gência integral de harmonia com Deus, todas conseqüências morais provindas da transgressão devem ser consideradas como sanções da lei ou expressões do desagrado divino através das coisas que ele estabeleceu. Algumas dessas con­ seqüências, contudo, são reconhecidas antes que outras e são de menor esco­ po; é bom considerar como sanções da lei três aspectos: depravação, culpa e pena.

I. DEPRAVAÇÃO É a falta de retidão original, por um lado, ou santo sentimento para com Deus e, por outro lado, a corrupção moral, ou inclinação para o mal. Tem-se demonstrado fartamente, em nossa consideração sobre o pecado, tanto a partir das Escrituras como da razão que tal depravação existe.

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A salvação é dupla: libertação do mal - a pena e o poder do pecado; e o cum prim ento do bem - sem elhança com Deus e realização da verdadeira idéia da humanidade. Tudo isso ela inclui tanto em favor da raça como do indivíduo: remoção das barreiras que separam os homens uns dos outros; e o aperfeiçoam ento da sociedade na com unhão com Deus; ou seja, o reino de Deus na terra. Essa era a natureza do homem quando, a princípio, veio das mãos de Deus, para temer, am ar e confiar em Deus acim a de todas as coisas. Perdeu-se esta inclinação para Deus; o pecado alterou e corrompeu a mais íntima natureza do homem. Em lugar da inclinação para Deus há uma tem e­ rosa inclinação para o mal. A depravação tanto é negativa - ausência do amor e da sem elhança moral com Deus - como positiva - a presença das múltiplas tendências para o mal. Duas perguntas cham am a nossa atenção:

1. A depravação é total ou parcial? As Escrituras representam a natureza humana como totalmente depravada. A expressão “depravação total”, contudo, é passível de falsa interpretação, e não deve ser usada sem qualquer explicação. A depravação total da humanida­ de universal: A) Negativamente, - não significa que cada pecador é: à) destituído de consciência; pois a existência de fortes impulsos para o certo, e o remorso pelo erro mostram que a consciência está freqüentemente aguçada; b) despro­ vido de todas qualidades agradáveis ao homem e úteis quando julgadas segun­ do os padrões humanos; pois a existência de tais qualidades é reconhecida por Cristo; c) inclinação para toda sorte de pecado; pois certas formas de pecado excluem outras; d) o seu mais intenso egoísmo e oposição a Deus; porque ele se toma pior a cada dia. a) Jo. 8.9 - “Quando ouviram isso, saíram um a um a com eçar pelos mais velhos até os últimos (em bora Jo. 7.53-8.11 não seja escrito por João é uma narrativa perfeitamente verdadeira que vem da era apostólica). Os músculos das pernas de uma rã morta contraem -se quando uma corrente elétrica passa por eles. Assim a alma morta sentirá o toque da mão divina. A consciência natural, com binada com o princípio do am or próprio, pode ajudar a escolher o bem, embora não tenha o am or a Deus como escolha. Bengel: “ Perdemos a sem elhança a Deus ; mas, apesar de tudo, perm anece uma indelével nobre­ za que devemos venerar tanto em nós com o nos outros. Continuam os a ser humanos de conform idade com aquela sem elhança, através da bênção divi­ na com que a vontade do homem está com prom etida. Esquecem-se disso os que falam mal da natureza humana. A bsalão absteve-se da graça do seu pai; mas o povo, com tudo isso, reconheceu nele o filho do rei”. b) Mc. 10.21 - “ E Jesus, olhando para ele, o am ou” . Estas mesmas qua­ lidades, contudo, podem m ostrar que os que as possuem estão pecando

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contra a grande luz e são mais culpados; cf. Ml. 1.6 - “O filho honrará o pai e o servo a seu senhor; e, se eu sou Pai, onde está a minha honra? e, se eu sou senhor, onde está o meu tem or?” J o h n C a ir d , Fund. Ideas o f Chrístianity, 2.75 - “Aquele que afirm a a depravação total da natureza humana, da cegueira e incapacidade absolutas pressupõe em si e nos outros a presença de um crité­ rio ou princípio de bem, em virtude do qual discerne em si o que é totalmente mau; contudo, a própria proposição de que a natureza humana é totalmente má seria ininteligível senão falsa. ... A consciência do pecado é um sinal negativo de que a possibilidade se tornará real” . Um tem plo em ruínas pode ter belos fragm entos de colunas flauteadas, mas não é uma habitação apro­ priada ao deus para cujo louvor foi construído. c) Mt. 23.23 - “dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e despre­ zais o mais im portante da lei, o juízo, a m isericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas e não om itir aquelas”; Rm. 2.14,15 - “quando os Gentios, que não têm lei, fazem naturalm ente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita nos cora­ ções, testificando juntam ente a sua consciência” . O pecado da avareza pode excluir o da luxúria; o pecado do orgulho pode excluir o da sensualidade. S h a k e s p e a r e , Otelo, 2.3 - “Aprouve ao diabo que a bebedeira abrisse espaço à ira diabólica” . F r a n k l in C a r t e r , Life o f M a rk Hopkins, 321-323 - O D r . H o p k in s não pensava que os filhos de Deus eram descritos simultaneamente como vermes, porcos, ou víboras. Contudo, digo que o homem pode imergir numa degradação inferior à do bruto: “Nenhum bruto é mais capaz de se rebelar contra Deus do que de servi-lo; é mais capaz de afundar abaixo do nível da sua própria natureza do que surgir ao nível do homem. Nenhum bruto pode ser um tolo ou um demônio. ... Do mesmo modo em que o pecado e a corrupção entram no reino espiritual, encontram os uma das analogias ocorrentes nas formas inferiores do ser, as quais mostram a unidade de todo o sistema. Toda desintegração e corrupção da matéria acham -se sob domínio de uma lei inferior sobre a mais elevada. O corpo começa a voltar aos seus elementos naturais e as forças físicas começam a ganhar ascendência sobre a força mais elevada da vida. Do mesm o modo, todo pecado e corrupção do homem vem da subm issão a uma lei inferior ou princípio de ação oposto às dem andas de um ser mais elevado” . d] Gn. 15.16 - “a medida da injustiça dos am orreus ainda não está cheia’ ; 2 T m . 3 .1 3 - “mas os homens maus e enganadores irão de mal a pior” . Depra­ vação não significa sim plesm ente privação do bem. Depravação (de + pravus, torto, perverso) é mais do que privação. O homem, deixado ao seu des­ tino, tende a decair e o seu pecado aumenta dia a dia. Porém há uma influência divina que desperta a consciência e acende a aspiração às coisas melhores. O Cristo imanente é “a luz que alum ia a todo hom em ” (Jo. 1.9). Prof. V,'~ Adams Brown: “Até onde o Espírito de Deus opera entre os homens e eles recebem ‘a luz que alumia a todo hom em ’ devem os qualificar nossa afirm a­ ção da depravação total. A depravação não é tanto um estado como uma tendência. Com a crescente com plexidade da vida, o pecado se to m a mais complexo. O pecado de Adão não é o pior. ‘Haverá menos rigor para os de Sodoma no Dia do Juízo do que para ti’ (Mt. 11.24)” .

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Contudo, os homens não estão na condição dos dem ônios. Só aqui e ali eles atingiram “um desinteressado am or pelo m al” . Tais homens são poucos e não nasceram assim. Há graus de depravação. E. G. R o b in s o n : “Ainda há uma boa faixa deixada com o diabo” . Satanás mesmo se tom ará pior do que é agora. A expressão “depravação total” só se refere às relações com Deus e significa incapacidade de fazer qualquer que seja, à vista de Deus, um ato de bondade. Nenhum ato que não provenha de um verdadeiro coração e consti­ tua uma expressão deste é totalm ente bom. Contudo, não tem os o direito de dizer que todos atos do irregenerado desagradam a Deus. Os atos corretos de m otivos corretos são bons, quer praticados por um cristão, quer por alguém que não tem o coração regenerado. Tais atos, contudo, são sempre assistidos por Deus e, graças a eles, são devidos a Deus e não àquele que os praticou.

B) Positivamente: - cada pecador é: a) totalmente destituído daquele amor a Deus que constitui a exigência fundamental e toda abrangente da lei; b) carregado de sentimento inferior ou um desejo que ultrapasse a considera­ ção por Deus e sua lei; c) supremamente determinado em sua preferência do eu em relação a Deus, quer na vida interior, quer na exterior; ã) possuído de uma aversão para com Deus a qual, apesar de às vezes latente, torna-se inimi­ zade ativa, tão logo a vontade de Deus entra em conflito com a do próprio pecador; é) desordenada e corrompida em cada faculdade, através desta subs­ tituição do egoísmo pela afeição suprema para com Deus; f) não credor de nenhum pensamento, emoção ou ato que a santidade divina pode aprovar; g) sujeito a uma lei de progresso constante na depravação e não tem nenhuma energia recuperadora que o capacite a ser bem sucedido em resistir. a) Jo. 5.42 - ” mas bem vos conheço, que não tendes em vós o amor de Deus” , b) 2 Tm. 3.4 - “mais amigos dos deleites do que amigos de Deus”; cf. Ml. 3.4 - “O filho honrará o pai e o servo a seu senhor; e, se eu sou Pai, onde está a minha honra? E, se eu sou Senhor, onde está o meu tem or?” c) 2 Tm. 3.2 - “am antes de si m esm os” , d) Rm. 8.7 - “a inclinação da carne é inimizade contra Deus” , e) Ef. 4.18 - “entenebrecidos no entendim ento ... pela dureza do seu coração” ; Tt. 1.15 - “o seu entendim ento e consciência estão contam inados”; 2 Co. 7.1 - “im undícia da carne e do espírito”; Hb. 3.12 - “um coração mau e infiel”, f) Rm. 3.9 - “estão debaixo do pecado” ; 7.18 “em mim, isto é, em minha carne não habita bem algum ”.gf) Rm. 7 .1 8 - “o querer está em mim; mas não consigo realizar o bem” ; 23 - “vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendim ento e me prende debaixo da lei do pecado que está em m eus m em bros”. C ada pecador preferiria uma lei mais branda e uma adm inistração dife­ rente. Mas qualquer que não am a a lei de Deus, na verdade, não ama a Deus. O pecador procura garantir seus próprios interesses mais do que os de Deus. Mesmo os assim cham ados atos religiosos ele pratica, preferindo o seu próprio bem à glória de Deus. Ele desobedece e sem pre desobe­

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deceu à fundam ental lei do amor. É com o um com boio ferroviário na desci­ da, cujos freios Deus deve aplicar, ou ocorrerá a destruição certa. Há pai­ xões latentes em cada coração, as quais, se deixadas soltas, acarretarão a maldição sobre o mundo. M uitos hom ens que escaparam do incêndio do Teatro Iraquois em Chicago, provaram -se brutos ou dem ônios pisoteando os fugazes que clam avam por m isericórdia. D e n n e y , Studies in Theol., 83 “A depravação que o pecado produziu na natureza hum ana estende-se a toda ela. Não há nenhum a parte da natureza hum ana que não seja afetada por ela. A natureza do homem é uma peça inteira e aquilo que a afeta, afinal de contas, afeta o todo. Quando a desobediência à vontade de Deus viola a consciência, o entendim ento moral é obscurecido e a vontade enfraqueci­ da. Não som os construídos em com partim entos estanques, dos quais, um pode ser arruinado enquanto os outros perm anecem intactos” . Contudo, contra a depravação total devem os opor a redenção total; contra o pecado original, a graça original. Cristo está em cada coração humano m itigando os efeitos do pecado, estim ulando o arrependim ento, e “pode tam bém salvar perfeitam ente os que por ele se chegam a D eus” (Hb. 7.25). Até mesmo o pagão, não regenerado, pode “despojar-se ... do velho hom em ” (Ef. 4.22,24), sendo liberto “do corpo desta m orte ... por Jesus Cristo, nosso S enhor” (Rm. 7.24,25). H. B. S m it h , System, 277 - “ D epravação total nunca significa que os homens são tão maus quanto possam ser; nem que, em condições naturais, eles não tenham qualidades cordiais; nem que não tenham virtudes num sen­ tido limitado (Justitia civilis). Mas que 1) a depravação, ou condição peca­ minosa do homem, infecta-o todo: intelecto, sentim ento, coração e vonta­ de; 2) em cada pessoa não renovada ressalta algum sentimento inferior; e 3) cada um é destituído do am or a Deus. Sobre estas posições: quanto 1) à força da depravação sobre o homem todo, já demos a prova da Escritura; quanto 2) ao fato de que em cada homem não renovado ressalta algum sen­ timento inferior e pode-se apelar para a experiência; os homens sabem que o principal sentim ento se fixa em algum bem inferior - intelecto, coração e von­ tade caminham juntos; ou que predom ina algum a form a de egoísmo - empre­ ga-se este em sentido genérico - o eu busca sua felicidade em algum objeto inferior, atribuindo-lhe um suprem o sentimento; quanto ao 3) toda pessoa não renovada é desprovida do suprem o am or a Deus, é o ponto da m aior força e deve ser estimulado com o mais poderoso efeito ressaltando a profundidade e a ‘totalidade’ do pecado do homem: os não renovados não têm o supremo amor de Deus, que é a substância do primeiro mandamento.

2. Capacidade, ou incapacidade?

Em oposição à plena capacidade ensinada pelos pelagianos, à graciosa capacidade dos arminianos e à capacidade natural dos teólogos da Nova Escola, as Escrituras declaram a total incapacidade de o pecador voltar-se para D eus ou fazer o que é verdadeiramente bom aos olhos de Deus (ver abaixo aprova da Escritura). Também uma concepção própria da lei leva-nos à conclusão de

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que nenhum homem cujas forças estão diminuídas, ou pelo pecado original, ou pela ação pecaminosa pode elevar-se àquele padrão perfeito. O pecador pode a) evitar o pecado contra o Espírito Santo; b) optar pelo pecado menor em vez do maior; c) recusar-se à submissão a certas tentações; ã) praticar certos atos externos, embora por motivos imperfeitos; é) buscar a Deus por interesses próprios. Mas, por outro lado, o pecador não pode d) por sua simples vontade con­ formar o seu caráter e vida com a lei de Deus; b) mudar a sua preferência fundamental para com o eu e para com o pecado pelo supremo amor a Deus; nem c) praticar qualquer ato, embora insignificante, que encontre a plena apro­ vação ou resposta às exigências da lei. Até onde há estágios do intelecto, sentim ento e vontade que o homem não pode por qualquer força da vontade, ou da escolha contrária que há nele, sujeitar-se a Deus, não se pode dizer que ele possui o mínimo de capacidade suficiente por si para a vontade de Deus; e, se se buscar uma base para a responsabilidade e culpa do homem, encontrar-se-á, mas na sua capacidade original, em Adão, vinda das mãos do seu Criador. A atual capacidade do homem é natural, o que significa inata; não adqui­ rida pela nossa ação pessoal, mas congênita. Contudo, não é natural, como resultante das limitações originais da natureza humana, ou da subseqüente perda de qualquer faculdade essencial a essa natureza. A natureza humana, no princípio, na criação, era dotada da capacidade de guardar perfeitamente a lei de Deus. Mesmo depois do pecado, o homem não perdeu suas faculda­ des essenciais do intelecto, sentim ento ou vontade. Tais faculdades se enfra­ queceram, em bora sejam atualm ente incapazes de agir na medida normal de suas forças. Porém, mais especificam ente, o homem tornou cada faculdade uma inclinação ausente de Deus, a qual o torna moralm ente incapaz de tribu­ tar obediência espiritual. A incapacidade para o bem, que agora carateriza a natureza humana, resulta do pecado e ela mesm a é pecado. Por isso, entendem os tratar-se de uma incapacidade natural e moral; moral porque tem sua fonte na própria corrupção da natureza moral do homem e na fundam ental aversão à vontade de Deus; - natural, inata, causadora da para­ lisia parcial de todas as forças naturais do intelecto, do sentim ento, da cons­ ciência e da vontade. O homem é responsável pela incapacidade nestes dois aspectos. O pecador não pode fazer uma coisa importante, a saber: atender à von­ tade divina. SI. 119.59 - “Considerei os meus cam inhos e voltei os meus pés para os teus testem unhos”. W. Northrup: “O pecador pode buscar a Deus: a) por amor próprio, considerando os seus próprios interesses; b) por senti­ mento de dever, senso de obrigação, do despertar da consciência; c) por gratidão pelas bênçãos já recebidas; d) pela aspiração ao infinito e satisfató­ rio” . D e n n e y , Studies o f Theology, 85 - “Um espirituoso m oralista francês dis­ se que Deus não precisa ter inveja dos seus inimigos mesmo naquilo que eles chamam de virtude; nem os m inistros de D e u s .... Mas há uma coisa que

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o homem não pode fazer sozinho: harm onizar o seu estado com a sua nature­ za. Quando se tiver descoberto que o homem, sem Cristo, tem sido capaz de reconciliar-se com Deus e dom inar o mundo e o pecado, então a doutrina da incapacidade, ou da escravidão devida ao pecado pode ser negada; então, mas só então” . A Igreja Escocesa Livre, no ato declaratório de 1892, diz “que, sustentando e ensinando, conforme a Confissão de Fé, a corrupção da natu­ reza toda decaída, esta igreja ainda sustenta que perm anecem sinais da sua grandeza criada à sem elhança de Deus; que possui um conhecim ento de Deus e do dever; que é responsável pela concordância com a moral e com o evangelho; e que, embora incapaz, sem o auxílio do Espírito Santo, de vol­ tar-se para Deus, é capaz de sentim entos e ações que, por si mesmos, são virtuosos e dignos de louvor” .

Quanto ao uso da expressão “capacidade natural” para designar mera pos­ se de todas faculdades constituintes da natureza humana do pecador, objeta­ mos com base nos seguintes pontos: A) Falta quantitativa. - A expressão “capacidade natural” é falsa porque parece implicar que a existência de meros poderes do intelecto, do sentimento e da vontade é qualificação quantitativa suficiente para a obediência à lei de Deus enquanto tais forças têm sido diminuídas pelo pecado e são naturalmen­ te incapazes ao invés de naturalmente capazes de tributar a Deus o talento a princípio outorgado. Mesmo que a direção moral das faculdades do homem fossem normais, o efeito do pecado hereditário e do pessoal tomariam natu­ ralmente impossível aquela grande semelhança para com Deus que a lei da perfeição absoluta demanda. Portanto, o homem não tem a capacidade perfei­ tamente natural de obedecer a Deus. Ele a teve em certa ocasião, mas perdeua com o primeiro pecado. Quando Jean Paul Richter diz de si mesmo: “Tenho feito de mim mesmo tudo que se pode fazer de pouca valia”, evidencia uma com placência de si mesmo que se deve à sua própria ignorância e falta de discernim ento moral. Quando o homem realiza a extensão das dem andas da lei, vê que, sem o auxílio divino, é im possível a obediência. John B. Gough representa os confir­ mados esforços do ébrio na reforma de um homem que escala o Monte Etna em incandescente lava ou como o rem ador nas Cataratas do Niágara.

B) Falta qualitativa. - Visto que a lei de Deus requer do homem não tanto simples volições retas como a conformidade para com Deus no seu total esta­ do interior dos sentimentos e vontade, o poder da escolha contrária nas sim­ ples volições não constitui uma capacidade natural de obedecer a Deus, a menos que o homem possa, por aquelas simples volições, mudar o subjacente estado dos sentimentos e da vontade. Mas o homem não possui tal poder. Visto que Deus julga todos atos morais em conexão com o estado geral do

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coração e da vida, a capacidade natural para o bem envolve não só o pleno complemento das faculdades, mas também uma tendência dos sentimentos e da vontade para com Deus. Sem esta tendência não há, de modo algum, a possibilidade da prática de ação moral correta e, onde não há tal possibilida­ de, não pode haver tal capacidade quer natural, quer moral. W i l k in s o n , Epic o f Paul, 21 - “O ódio assem elha-se ao amor, Em que, só por ser o que é, desenvolve-se, Usurpando, por fim, totalm ente o homem, e vertiginosam ente desenvolve-se com o um pólipo. J o h n C a i r d , Fund. Ideas, 1.53 - “O ideal é a revelação de uma força em mim mais poderosa que a minha. O mandam ento suprem o ‘faze’ e o pronunciam ento diferente apenas na form a da mesma voz do espírito que diz ‘podes’; e as minhas mais eleva­ das realizações alcançam -se, não por auto-afirm ação, mas por auto-renúncia e auto-rendição à infinita vida da verdade e da justiça que há em mim e reina em mim” . A consciente incapacidade de alguém, juntam ente com o recebi­ mento do “poder que Deus dá” (1 Pe. 4.11) é o segredo da coragem de Paulo; 2 Co. 12.10 - “quando estou fraco, então sou forte”; Fp. 2.12,13 - “operai a vossa salvação com tem or e tremor; porque Deus é quem opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” .

C) Não se conhece tal capacidade. - Em adição ao argumento psicológico já mencionado, podemos apresentar outro a partir da experiência e da obser­ vação. Estes testificam que o homem reconhece a inexistência de tal capaci­ dade. Visto que ninguém, pelo exercício das forças naturais, jamais se voltou para Deus ou praticou ato verdadeiramente bom aos olhos de Deus, a existên­ cia de uma capacidade natural de fazer o bem é pura suposição. Não há nenhu­ ma garantia científica para inferir a existência de uma capacidade que nunca se manifestou em um só exemplo desde o início da história. “Salom ão não podia conservar na m em ória os Provérbios; por isso os escreveu” . O livro de Provérbios necessita da explicação com plem entar do Novo Testam ento sobre a ausência do auxílio e do oferecim ento deste; Jo. 15.15 - “sem mim nada podeis fazer” ; 6.37 - “o que vem a mim de manei­ ra nenhuma lançarei fora” . A incapacidade do paralítico andar é bem diferente da sua indisposição de aceitar um remédio. Ele não pode escalar o penhas­ co, mas, se se descer uma corda, pode ser içado desde que consinta que o amarrem. D a r l in g , Presb. Fleview, julho, 1901. 505 - “Se recebem os ordens, podemos estender o braço ressequido; mas Deus não requer isto a alguém que não o tenha. Podemos ‘ouvir a voz do Filho de Deus’ e ‘viver’ (Jo. 5.25), mas não podemos tirar da sepultura faculdades que não possuím os antes da m orte” .

D) O mal prático da crença. - O mal prático, assistindo à pregação da capacidade natural, fornece um forte argumento contra ela. As Escrituras, em

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suas declarações sobre a incapacidade e desesperança do pecador, apontam para a dependência exclusiva de Deus para a salvação. A doutrina da capaci­ dade natural, assegurando-lhe que ele é capaz de arrepender-se imediatamente e voltar-se para Deus, estimula o adiamento, colocando a salvação sempre ao seu alcance. Se uma simples vontade garante-a, ele poderá ser salvo tão facil­ mente amanhã como pode hoje. A doutrina da incapacidade pressiona o homem à imediata aceitação das ofertas de Deus, para que não perca o dia da graça. Os que se preocupam mais com o eu são aqueles em quem o eu se torna inteiramente subm isso e escravizado às influências exteriores. Mt. 16.25 “aquele que quiser salvar a sua vida perdê-la-á” . O egoísta é uma palha na superfície de um riacho corrente. Cada vez mais torna-se vítim a das circuns­ tâncias até que, por fim, não tem mais liberdade que o bruto. SI. 49.20 “O homem que está em honra e não tem entendim ento é semelhante aos animais, que perecem ” .

Repitamos, contudo, que a negação de toda incapacidade humana, quer natural, quer moral, de voltar-se para Deus ou de fazer o que é verdadeiramen­ te bom aos olhos de Deus, não implica em negar o poder humano de ordenar a sua vida externa em muitos particulares de conformidade com as regras morais, ou mesmo alcançar o louvor dos homens pela sua virtude. O homem tem ainda uma grande liberdade de, em certa extensão limitada, agir, sobre a sua própria natureza, e modificá-la por vontade isolada exteriormente confor­ mada com a lei de Deus. Ele pode escolher formas mais ou menos elevadas de ações egoísticas e perseguir estes cursos escolhidos com variados graus de energia. A liberdade de escolha, dentro destes limites, de modo algum é incompatível com a servidão completa da vontade às coisas espirituais. Jo. 1.13 - “não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”; 6.44 - “ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o trouxer” ; 3.5 - “aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” ; 8.34 - “todo aquele que comete pecado é servo do pecado” ; 15.4,5 - “a vara, de si mesma, não pode dar fruto ... sem mim nada podeis fazer”; Rm. 7.18 - “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem ”; 24 - “miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” 8.7,8 - “a inclinação da carne é inim izade contra Deus; pois não é sujeita à lei de Deus” ; 1 Co. 2.14 - “o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura e ele não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualm ente”; 2 Co. 3.5 - “não que sejamos capazes por nós de pensar alguma coisa como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus”; Ef. 2.1 - “mortos em ofensas e pecados” ;

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8-10 - “pela graça sois salvos por meio da fé e isto não vem de vós; é dom de Deus; não vem das obras para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo para as boas obras” ; Hb. 11.6 - “sem fé é impossível agradar-lhe” . O imperativo categórico do dever de K a n t , expresso nos termos: “Devo, por isso posso”, é rem iniscência do conhecim ento da liberdade do homem original - da qual ele é dotado, e que agora se acha destruída pelo pecado. Ou pode ser a coragem da alma em que Deus opera novamente por seu Espírito. Ao “ Ich soll, also ich kann” (Devo, por isso posso) de K a n t , J u l i u s M ü l l e r substituiria: “ Ich sollte freilich kõnnen, aber ich kann nicht” - “ Na ver­ dade, devo ser capaz, mas não o sou” . Verdadeiram ente o homem se arre­ pende quando aprende que o seu pecado o fez incapaz de arrepender-se sem a graça de Deus. Emerson, em seu poem a intitulado “Voluntariedade” diz: “Tão perto está a magnitude do nosso pó, tão perto está Deus do homem, quando o dever lhe m urmura grandiosam ente aos ouvidos Tu deves, A juven­ tude responde, Eu posso". Mas sem a graça especial, toda a capacidade que o homem possui é inteiramente insuficiente para cum prir as dem andas da lei de Deus. A lei paterna e a civil im plicam certo tipo de poder. A teologia purita­ na denom inava o homem de “livre entre os m ortos” (SI. 88.5, V.A.). Há uma enorme liberdade dentro da escravidão; a vontade é “ uma gota de água presa dentro de um cristal sólido” (O liver W endell Holmes). O homem que a si mes­ mo se mata é tão morto como se o tivesse sido por outrem (S hedd, Dogmatic Theology, 2.106). Confissão de W estminster, 9.3 - “ Por causa da sua queda em um estado de pecado, o homem perdeu totalm ente a sua capacidade de querer qualquer bem espiritual que acompanha a salvação; assim tam bém, como natural, aves­ so ao bem e morto no pecado, ele é incapaz, por sua própria força, de converter-se ou preparar-se para isso”. H o p k in s , Works, 1.233-235 - “ Enquanto dura a oposição do coração do pecador e a sua vontade, ele não pode chegar-se a Cristo. É impossível, e o continuará sendo, até que uma mudança e renova­ ção do coração através da graça divina removem a falta de vontade e oposi­ ção e ele passe a desejá-la no dia do poder de Deus” . H o p k in s fala da total incapacidade de obedecer a lei de Deus, isto é, im possibilidade total”. H o d g e , System o f Theology, 2.257-277 - “A incapacidade não consiste na perda de qualquer faculdade da alma, nem na perda da livre atuação, porque o pecador determ ina os seus próprios atos, nem na sim ples distinção do que é bom. Isto surge da falta de discernim ento e, conseqüentem ente, da falta dos sentimentos próprios. A incapacidade pertence só às coisas do Espírito. O que o homem não pode fazer é arrepender-se, crer e regenerar-se a si mesmo. Ele não pode praticar qualquer ato que mereça a aprovação de Deus. O pecado anula tudo o que o homem faz e este não pode livrar-se dele. A distinção entre a capacidade natural e moral não tem sentido. Podemos dizer que o inculto entende e aprecia a llíada porque tem todas faculdades que tem um erudito? Podemos dizer que o homem pode amar a Deus se quiser? Isto é falso se vontade significa erudição. É um truísm o se significar apenas afeição. As Escrituras nunca tratam o homem desta form a e dizem que ele tem poder para fazer o que Deus requer. É perigoso ensinar isto por­ que enquanto o homem não sentir sua im possibilidade de fazer o que quer

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que seja, Deus nunca salva. A incapacidade envolve a doutrina do pecado original; envolve a necessidade da influência do Espírito na regeneração. A incapacidade é inconsistente com a obrigação quando ela surge do pecado e é removida pela rem oção deste S h e d d , Dogm. Theol., 2.213-257, S erm ons in S outh Church, 33-39 “A origem desta desesperança não está na criação, mas no pecado. Deus pode confiar-nos os dez talentos, ou os cinco que originariam ente nos con­ fiou, juntam ente com um diligente e fiel desenvolvim ento deles. Porque o ser­ vo perdeu os talentos, está livre da obrigação de devolvê-los com interesse? O pecado contém em si o elemento de servidão. No próprio ato de transgredir a lei de Deus, há uma ação reflexa da vontade hum ana sobre si mesm a e, em vista disso, menos capaz de guardar a lei do que anteriormente. O pecado é um ato suicida da vontade humana. C om eter o erro destrói a força de praticar o que é correto. A depravação total traz consigo a fraqueza total. A faculdade do querer arruinou-se interiorm ente; talvez torne incapaz para a santidade por sua própria ação; pode entregar-se ao apetite e ao egoísm o com tal inten­ sidade e avidez que se torna incapaz de converter-se e dom inar a sua inclina­ ção para o erro” . Ver S t e v e n s o n , D r . J e k il l e D r . H y d e , - A ndover Review, junho, 1886.664. Podemos nos associar à vida de um outro - quer mau, quer bom; podemos quase transform ar-nos em Satã ou em Cristo, como diz Paulo em Gl. 2.20 - “vivo, não mais eu, mas Cristo vive em m im ” ; ou ser um valido do “espírito que opera nos filhos da desobediência” (Ef. 2.2). Mas se nos entregamos à influência de Satã, a recuperação da nossa verdadeira perso­ nalidade torna-se mais difícil e, por fim, impossível.

II. CULPA 1.

Natureza da culpa

Culpa é o merecimento de punição, ou obrigação de tributar satisfação à justiça de Deus pela deliberada violação da lei. Há uma reação da santidade contra o pecado que a Escritura denomina “a ira de Deus” (Rm. 1.18). Pecado é, em nós, ato ou estado; a justiça punitiva de Deus é sobre todo pecador como algo a ser temido; a culpa é uma relação do pecador com tal justiça, a saber, o merecimento de punição do pecador. A culpa se relaciona com o pecado com o o ponto incandescente com a fogueira. Schiller, Die Braut von M essina (A noiva de M essina): Das Leben ist de r G üter hõchstes nicht; D er Uebel grõ sste s aber ist die S chuld” “A vida não é a mais elevada posse; mas o m aior dos males é a culpa” . D e l i t z s c h : “ Die Scham rõthe ist die A bendrõthe der unter gegangenen Sonne der ursprünglichen G erechtigkeit” — “O rubor da vergonha é o rubor do cair da ta rde depois que o sol da re tid ã o o rig in a l d e sce u ” . E. G. R o b i n s o n : “A s angústias da consciência não surgem do m edo do castigo; elas é que são o castigo”.

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As seguintes notas servem tanto para prova como para explicação: A) A culpa incorre só através da transgressão, ou por parte da natureza do homem, ou da pessoa. Só somos culpados do pecado que temos originado ou de cuja origem temos participado. Culpa não é, portanto, mera propensão ao castigo, sem participar na transgressão do castigo que se inflige; em outras palavras, no governo divino não há algo como a culpa construtiva. Somos culpados só por aquilo que fizemos, ou em nossos primeiros pais e pelo que somos em conseqüência de tais feitos. Ez. 18.20 - “o filho não levará a maldade do pai” =, como diz Calvino (Com. in loco)\ “O filho não levará a iniqüidade do pai, porque ele receberá a sua devida recom pensa e levará o seu próprio fardo. ... Todos são culpados de suas próprias faltas. ... Cada um perece por sua própria iniqüidade” . A saber, toda a raça caiu em Adão e todos são punidos por seus próprios pecados, não pelos dos ancestrais imediatos, nem pelo pecado de Adão como pessoa estranha a nós. Jo. 9.3 - “Nem ele pecou, nem seus pais” (para que ele nascesse cego) = Não atribua a qualquer pecado especial mais tardio o que é conseqüência do pecado da raça - este “trouxe ao mundo a morte e o nosso sofrim ento” . S h e d d , Dogm. Theol., 2.195-213.

B) A culpa é o resultado objetivo do pecado e não deve ser confundida com a poluição subjetiva, ou depravação. Todo pecado, quer natural, quer pessoal, é ofensa contra Deus (Sl. 51.4-6), ato ou estado de oposição à vontade dele, tem seu efeito na ira pessoal de Deus (Sl. 7.11; João 3.18,36) e deve ser expiado, ou pela punição ou pela expiação (Hb. 9.22). Diferentemente da pureza divi­ na, o pecado não só envolve poluição, mas também, em antagonismo com a santa vontade de Deus, envolve culpa. Esta culpa, ou obrigação de satisfazer a ultrajada santidade de Deus, se explica no N.T. com os termos “devedor’ e “dívida” (Mt. 6.12; Lc. 13.4; Mt. 5.21; Rm. 3.19; 6.23; Ef. 2.3). Visto que a culpa, resultado objetivo do pecado, é inteiramente distinta da depravação, resultado subjetivo, a natureza humana pode, como em Cristo, ter culpa sem depravação (2 Co. 5.21), ou pode, como no crente, ter a depravação sem a culpa (1 João 1.7,8). Sl. 51.4-6 - “Contra ti, contra ti som ente pequei, e fiz o que a teus olhos é mal para que sejas justificado quando falares e puro quando julgares” ; 7.11 “Deus é um juiz justo, um Deus que se ira todos os dias” ; Jo. 3.18 - "quem não crê já está condenado” ; 36 - “aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele perm anece” ; Hb. 9.22 - “sem derram am en­ to de sangue não há rem issão” ; Mt. 6.12 - “dívidas” ; Lc. 13.4 - “devedores”; Mt. 5.21 - “será réu de juízo'; Rm. 3.19 - “todo o mundo seja condenável diante de Deus”; 6.23 - “o salário do pecado é a m orte” = a morte é o m ereci­ mento do pecado; Ef. 2.3 - “por natureza filhos da ira” ; 2 Co. 5.21 - “Àquele

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que não conheceu pecado o fez pecado por nós”; 1 Jo. 1.7,8 - “O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado. Se disserm os que não temos pecado, enganam o-nos a nós m esm os e não há verdade em nós” . O pecado traz em seu rasto não só a depravação, mas a culpa, não só a macula, mas reatus. A Escritura apresenta a poluição do pecado através dos sím iles de “uma gaiola de pássaros im puros” e das “feridas, escoriações e chagas putrefatas” ; através da lepra e da im pureza levítica, sob a velha dispensação; através da morte e corrupção da sepultura sob os velhos e os novos. Mas a Escritura apresenta a culpa do pecado, com igual vivacidade, no tem or de Caim e no remorso de Judas. A reação de Deus relativa ao peca­ do e a sua demanda pela satisfação refletem -se na vergonha e no remorso de cada consciência despertada. Há um sentim ento instintivo no coração do pecador de que o pecado será punido e deve sê-lo. Mas o Espírito Santo torna a necessidade de reparação tão profundam ente sentida que a alma não se tranqüiliza enquanto a sua dívida não fo r paga. O membro que ofende a igreja e que é verdadeiram ente penitente am a a lei e a igreja que o exclui e não pensa que é fiel se, na verdade não é. Assim Jesus, quando carregado com a culpa da raça, foi pressionado para a cruz, dizendo: “ Importa que eu seja batizado com um certo batismo e como me angustio até que venha a cum prir-se!” (Mc. 10.32; Lc. 12.50). Todo pecado envolve culpa e a alm a pecadora por si demanda castigo, de sorte que todos, finalm ente, irão para o lugar onde desejam estar. Todos os grandes mestres da literatura têm reconhecido isto. Esta inesgotável sede por reparação constitui a própria essência da tragédia. Os trágicos gregos estão plenos disso e S h a k e s p e a r e é o seu mais im pressionante mestre: Medi­ da por Medida, 5.1 - “Lamento causar-vos tanta pena. Meu coração está tão cheio de remorsos que bem mais desejo a morte do que o perdão. Eu a mereço e a imploro” . Outros escritores mais tarde seguiram S h a k e s p e a r e . Tais cenas não se limitam às páginas do romance. Num recente julgam en­ to em Siracusa, o conde, assassino da esposa, agradeceu ao júri porque convenceu-o; declarou justo o veredicto; pediu que ninguém interviesse para obstar a decisão da justiça; declarou que a m aior bênção que lhe podia ser conferida é deixá-lo sofrer a punição do crime. Em Platsburgo, no fim de outro julgam ento em que o acusado era um vivo convicto que golpeou com um machado um convicto colega, o júri, após uma ausência de duas horas, veio pedir ao juiz que explicasse a diferença entre homicídio de prim eiro e segun­ do grau. De súbito o prisioneiro levantou-se e disse: “ Este não é um homicídio de segundo grau. Foi deliberado e prem editado. Eu sei que errei, que devo confessar a verdade, e que devo ser enforcado” . Isto não deixou ao júri outra senão decisão votar o veredicto e o juiz sentenciou a forca conforme ele con­ fessou que merecia. Em 1891, Lars Ostendahl, o mais fam oso pregador da Noruega, surpreendeu os seus ouvintes ao confessar de público que tinha sido culpado de im oralidade e que não poderia mais continuar no pastorado. Pediu ao povo, pelo am or de Cristo, que lhe perdoasse e não abandonasse aquele pobre em seu asilo. Ele não só era pregador, mas também o chefe de uma grande obra filantrópica. Tal é o movimento e tal é a dem anda da consciência iluminada. A falta de convicção de que o crime deve ser punido é um dos sinais mais certos da

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decadência moral quer no indivíduo, quer na nação (Sl. 97.10 - “Vós, que amais ao Senhor, aborrecei o mal”; 149.6 - “Estejam na vossa garganta os altos louvores de Deus e espada de dois fios nas suas m ãos” - para executar o juízo de Deus sobre a iniqüidade). Tal relação do pecado para com Deus m ostra-nos como Cristo “foi feito pecado por nós” (2 Co. 5.21). Porque Cristo é Deus imanente, ele é, também, em essência, a humanidade, o homem universal, a vida da raça. Todos os nervos e sensibilidades da humanidade encontram -se nele. Ele é o cérebro central para o qual e pelo qual devem passar todas idéias. Ele é o centro cardíaco para o qual e pelo qual devem com unicar-se todas as dores. Você não pode telefonar ao seu amigo sem antes entrar em contato com a central telefônica (O autor escreveu esta nota quando os telefones dependiam da telefonista [nota do tradutor]). Você não pode ofender o seu próximo sem primeiro ofender a Cristo. Cada um de nós pode dizer-lhe: “Contra ti, contra ti somente pequei” (Sl. 51.4). Por causa da sua hum anidade central e autoinclusiva Cristo pode sentir todas angústias da vergonha e o sofrim ento que, com justiça, pertencem aos pecadores, os quais, entretanto, não podem sen­ tir, porque o seu pecado embruteceu-os e os mortificou. Se, na verdade, o Messias é um ser humano, deve ser um Messias que sofre. Em razão da sua própria hum anidade ele deve ter em sua própria pessoa toda a culpa da hum anidade e ser o “Cordeiro de Deus que” tom a e assim “tira o pecado do mundo” (Jo. 1.29). A culpa e a depravação não se distinguem apenas no pensamento; elas também são discerníveis nos fatos. O assassino convicto pode arrepender-se e tornar-se puro, embora possa ainda estar sob a obrigação de sofrer a puni­ ção do seu crime. O crente está livre da culpa (Rm. 8.1), mas não está livre da sua depravação (Rm. 7.23). Por outro lado, Cristo estava sob a obrigação de sofrer (Lc. 24.26; At. 3.18; 26.23), conquanto está sem pecado (Hb. 7.26). No livro intitulado Pensamentos Religiosos M odernos, 3-29, R. J. C a m p b e l l apresenta um ensaio sobre A Expiação, com o qual, independentem ente do ponto de vista quanto à origem do mal moral em Deus, em substância concor­ damos. Ele sustenta que “para livrar o hom em do seu senso de culpa, é necessária a expiação objetiva” ; diríam os nós: para livrar o homem da culpa em si - obrigação de sofrer. “Se Cristo é o Filho eterno de Deus, esse lado da natureza divina que continuou na criação, se ele contém a hum anidade e está presente em cada item e ato da experiência humana, então está associado à existência do mal primordial. ... Ele, e só ele pode separar o vínculo entre o hom em e sua respo n sa b ilid a d e pelo pecado pessoal. C risto não p e co u no homem, mas tomou a responsabilidade da experiência do mal em que a hum anidade nasceu, e aquilo que constitui pecado. Por isso, o Filho eterno em quem a hum anidade está contida sofre desde que a criação começou. Esta m isteriosa paixão de Deus deve continuar até que se consum a a reden­ ção e a humanidade seja restaurada para Deus. Assim , sente-se cada conse­ qüência do mal humano na experiência de Cristo. Ele não só assume a culpa, mas leva o castigo de cada alma hum ana” . Contudo, reivindicamos que a necessidade deste sofrim ento acha-se, não nas necessidades do homem, mas na santidade de Deus.

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C) Contudo, a culpa como resultado objetivo, não deve confundir-se com a consciência subjetiva da culpa (Lv. 5.17). Na condenação da consciência, a condenação de Deus se manifesta parcialmente e de modo profético (1 João 3.20). Porém a culpa é primeiramente uma relação com Deus e, em segundo lugar, uma relação com a consciência. O progresso no pecado é marcado pela diminuição da sensibilidade do “insight” moral e do sentimento. Como “o maior dos pecados é não estar consciente de nada”, assim a culpa pode ser grande na proporção da ausência da sua consciência (Sl. 19.12; 51.6; Ef. 4.18,19 - à7irt^yr|KÓT£Ç). Não há nenhuma evidência, contudo, de que a voz da cons­ ciência pode ser completa ou finalmente silenciada. O tempo para o arrepen­ dimento pode passar, mas o tempo para o remorso não. O progresso na santi­ dade, por outro lado, é marcado por crescente apreensão da profundeza e extensão da nossa pecaminosidade, conquanto esteja combinada, em uma experiência cristã normal, com a certeza de que a culpa dos nossos pecados foi tirada por Cristo (João 1.29). Lv. 5.17 - “ E, se alguma pessoa pecar, e fizer contra algum de todos os m andam entos do Senhor o que se não deve fazer, ainda que o não soubesse, contudo, ela será culpada e levará a sua iniqüidade”; 1 Jo. 3.20 - “se o nosso coração nos condena, m aior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas”; Sl. 19.12 - “Quem pode entender os seus próprios erros? Expur­ ga-me tu dos que me são ocultos” ; 51.6 - “ Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto fazes conhecer a sabedoria” ; Ef. 4.18,19 - “entenebrecidos no entendimento ... havendo perdido todo o sentim ento” ; Jo. 1.29 - “ Eis o Cor­ deiro de Deus, que tira o pecado do m undo”. P latão, Republic, 1.330 - Quando a morte se aproxima, despertam-se os cuidados e apreensões, especialm ente o tem or do inferno e seus castigos” . C ícero, De Divinitate, 1.30 - “Daí vem o remorso pelas más ações” . Pérsio, Sátira 3 - “Seu vício o entorpece; sua fibra se torna gorda; ele não tem cons­ ciência de falta aiguma; não sabe que perda ele sofre; está de tal form a mer­ gulhado que não há nem mesmo um a bolha na superfície” . S hakespeare, Hamlet, 3.1 - “Assim a consciência faz-nos a nós todos covardes”; 4.5 - “ Para a minha alma doentia, como é a verdadeira natureza do pecado, cada brin­ quedo parece o prólogo de algum grande mal; A culpa é tão cheia de ciúme sem arte, que se derram a no medo do derram am ento; Ricardo III, 5.3 “Ó consciência covarde, como tu me afliges! ... Minha consciência tem mil diversificadas línguas e cada uma traz consigo um diversificado conto, E cada conto me condena por uma vilania” ; Tempestade, 3.3 - “Todos os três estão desesperados; a grande culpa deles, Como veneno dado para fazer efeito muito tem po depois, Faz agora m order os espíritos”; Antônio e Cleópatra, 3.9 - “Quando nós, em nosso vício (ó miséria), nos tornam os mais duros, os sábios deuses vendem os nossos olhos; Em nossa im undícia destilam nos­ sos claros julgam entos; fazem -nos A dorar os nossos erros; riem-se de nós, enquanto nos envaidecem os da nossa confusão”.

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D r. S hedd disse uma vez a uma classe de jovens graduandos em teologia: “Queria que sobre o coração nu, palpitante de cada um de vocês pudesse haver um rubro carvão incandescente da ira do Deus Onipotente” ! Sim, acres­ centamos, desde que tal rubro carvão incandescente pudesse ser apagado por uma rubra gota do expiatório sangue de Cristo. O D r. H. E. Robins: “ Para o pecador convicto um inferno sim p le sm e n te e xte rio r seria um a cham a refrescante, com parada com a agonia do seu rem orso” . J ohn M ilton repre­ senta Satanás dizendo: “Q ualquer lugar para onde vôo é inferno; eu mesmo sou um inferno” . J ames M artineau, Ja ckso n 's Life, 190 - “ Faz parte da essên­ cia do culpado o declínio que aplica o seu próprio anestésico” . Mas esta mor­ tificação da consciência não pode durar para sempre. A consciência é um espelho da santidade de Deus. Podemos cobrir o espelho com o véu das diversões e enganos deste mundo. Removido o véu e refletida a consciência novamente como a solar pureza das dem andas de Deus, somos visitados pela auto-relutância e pelo queixum e de nós m esm os. J ohn C aird , Fund. Ideas, 2.25 - “Embora possa lançar fora todos vestígios da sua origem divina, nossa natureza retém ao menos uma terrível prerrogativa, fazer-se presa de si mesm a”. Lyttelton, LuxM undi, 277 - “A fa lá c ia comum de que um pecador auto-indulgente não é inim igo de outrem, mas de si mesmo, na verdade, envolveria mais uma inferência de que tal pecador não se sentiria culpado” . Se alguém não gosta da doutrina da culpa, lem bre-se de que sem a ira de modo nenhum há perdão, sem culpa não há perdão.

2. Graus de culpa

As Escrituras reconhecem diferentes graus de culpa atribuídos a diferentes tipos de pecados. A variedade de sacrifícios sob a lei mosaica e a variedade de adjudicações no juízo explicam-se com base nesse princípio. Lc. 12.47,48 - “será castigado com muitos açoites ... com poucos açoites será castigado” ; Rm. 2.6 - “o qual recom pensará a cada um segundo as suas obras”. Ver tam bém Jo. 19.11 - “aquele que me entregou a ti maior pecado tem ”; Hb. 2.2,3 - “se toda transgressão recebe a justa retribuição, como esca­ paremos nós, se não atentarm os para tão grande salvação?” 10.28,29 - “Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem m isericórdia pela palavra de duas ou três testem unhas. De quanto m aior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus?”

A casuística, contudo, tem traçado muitas distinções que não têm funda­ mento escriturístico. Tal é a distinção entre pecado venal e pecado mortal na Igreja Católica Romana: mortais, os pecados não perdoados. Também a dis­ tinção entre os pecados de omissão e os de comissão não procede visto que toda omissão é ato de comissão. Mt. 25.45 - “quando não o fizeste a um destes pequeninos” ; Tg. 4.17 “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz comete pecado” . J ohn R uskin:

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“A condenação dada no Trono do Juízo - descrita mais solenem ente - referese a tudo o que não é feito e não ao que é feito. Há pessoas que têm medo de praticar o que é errado; mas se, energicam ente estão fazendo o contrário, eles o fazem todo dia, não importa em que grau” . A Igreja Católica Romana age na suposição de que ela pode determ inar a malignidade de cada ofensa e atribuir, no confessionário, a penitência adequada. T h o r n w e l l , Theology, 1.424-441, diz que “todos pecados são veniais, exceto um - porque há um pecado contra o Espírito Santo”, embora “nenhum seja em si mesmo venial porque, por menor que seja, procede de um estado e de uma natureza de apostasia” . Veremos, contudo, que o obstáculo para o perdão, no caso do pecado contra o Espírito Santo, é mais subjetivo que objetivo. J. S p e n c e r Kennard: “ O Catolicism o Romano na Itália apresenta o espetá­ culo dos representantes autoritários e os próprios mestres de moral e religião que vivem em toda form a de engano, corrupção e tirania; e, por outro lado, discrim inam os pecados veniais dos pecados mortais, classificando como veniais a mentira, a fraude, a fornicação, a infidelidade conjugal e até mesmo o homicídio; tudo isso pode ser expiado e perdoado ou mesmo perm itido mediante um simples pagamento financeiro; ao mesmo tem po classifica como mortais o desrespeito e a desobediência à igreja” .

As Escrituras indicam as seguintes distinções envolvendo diferentes graus de culpa: A) Pecado de natureza e transgressão pessoal. O pecado de natureza envolve culpa, embora seja maior a culpa quando este pecado da natureza se reafirma na transgressão pessoal; pois, conquanto esta inclua em si aquela, também acrescenta àquela um novo elemento, a saber, o exercício consciente da vontade individual e pessoal em virtude do qual se faz uma nova decisão contra Deus, induz-se um mau hábito especial e a condição total da alma se toma mais depravada. Apesar de termos dado ênfase à culpa do pecado congênito, porque esta verdade é mais contestada, convém lembrar que o homem chega a uma convicção de sua depravação nativa só através de uma convicção de suas transgressões pessoais. Por esta razão, a maior parte da nossa pregação sobre o pecado deve consistir em apli­ cações da lei de Deus aos atos e disposições da vida do homem. Mt. 18-9.14 - “dos tais é o reino dos céus” - com relação à inocência das crianças; 23.32 - “encheis a medida dos vossos pais” = transgressão pessoal acrescida da depravação herdada. Quando pregam os, devemos primeiro tra­ tar das transgressões individuais, e depois, do pecado do coração e do racial. O homem não é um desenvolvim ento espontâneo total de tendências ina­ tas, que são a manifestação do pecado original. Os motivos não determinam, mas persuadem a vontade. Todo homem é culpado das transgressões pes­ soais conscientes que, com o auxílio do Espírito Santo, podem ser levados ao juízo condenatório da consciência. B ir k s , Difficulties o f Belief, 1 6 9 - 1 7 4 “O pecado original não afasta o significado da transgressão pessoal. Adão foi

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perdoado; mas alguns dos seus descendentes não o são. Na Escritura, a segunda morte refere-se à nossa própria culpa pessoal” . Isto não significa que o pecado original não envolve tão grande pecado como o de Adão ao transgredir pela prim eira vez, pois o pecado original é o da prim eira transgressão; significa apenas que a transgressão pessoal é pecado original acrescido da ratificação consciente do ato de Adão pelo indi­ víduo. “Somos culpados por aquilo que somos, tanto quanto por aquilo que fazemos. Nosso pecado não é apenas a som a de todos os nossos pecados. Há uma pecam inosidade que é o denom inador com um de todos os nossos pecados” . É costum e falar brandam ente do pecado original, como se apenas os pecados pessoais devessem ser levados em conta. Mas só à luz do peca­ do original é que se pode explicar os pessoais. Pv. 14.9 - “Os loucos zombam do pecado” . Simon, Fteconciliation, 122 - “A pecaminosidade do homem varia de indivíduo para indivíduo; a pecaminosidade da humanidade é uma constan­ te” . R o b e r t B r o w n in g , Ferishtah's Fancies. “O Homem avoluma o seu tipo nas massas. Deus as simplifica unidade a unidade. Tu e Deus existis - assim penso eu! certamente: Penso nas massas - humanidade - Disparatadas, dispersas, deixam-te sozinho! Perguntam à tua alma solitária que leis são claras para ti; Tu e nenhum outro estás em pé ou cais ao lado delas! Eis o que te resta”.

B) Pecados de ignorância e pecados de conhecimento. Aqui a culpa é medida pela posse do grau de luz ou, em outras palavras, pelas oportunidades de conhecimento que o homem tenha tido e pelas forças de que ele tenha sido dotado. A genialidade e o privilégio aumentam a respon­ sabilidade. Os pagãos são culpados, mas aqueles para quem os oráculos de Deus foram confiados são mais culpados que eles. Mt. 10.15 - “haverá menos rigor para o país de Sodom a e Gom orra do que para aquela cidade”; Lc. 12.47.48 - “e o servo que soube a vontade de seu s e n h o r... será castigado com muitos açoites; mas aquele que não soube ... com poucos açoites será castigado”; 23.34 - Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem = o conhecim ento com pleto os põe além do alcance do perdão. Jo. 19.11 - “aquele que me entregou a ti m aior pecado tem ”; At. 17.30 - “Mas Deus, não tendo em conta os tem pos da ignorância” ; Rm. 1.32 “conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam ), não som ente as fazem , mas tam bém consentem aos que as fazem ” ; 2.12 - “Mas todos os que sem lei pecaram sem lei também perece­ rão; e todos o que sob a lei pecaram pela a le i serão julgados” ; 1 Tm. 1.13,15,16 - “ mas alcancei misericórdia porque o fiz ignorantem ente, na incredulidade”. Is. 42.19 - “Quem é cego ... como o servo do Senhor”? Jesus advertiu os fariseus sobre o pecado contra o Espírito Santo. A culpa da crucificação repousou sobre os judeus mais do que sobre os gentios. O Israel apóstata era mais culpado que os pagãos. Os maiores pecadores do presente podem estar entre os cristãos, não entre os gentios. Satanás era um arcanjo; Judas era um apóstolo; Alexandre Bórgia era um papa. J a c k s o n , Jam es Martineau, 365 - “Corruptio optimi péssim a est (há mais corrupção entre os melhores do

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que entre os piores), como se vê no ébrio W ebster, no traidor Bacon, no licencioso G o e t h e ” . Sir Roger de Coverley observa que ninguém a não ser os homens de escol merecem a forca. K a f t a n , D ogm atik, 317 - “Com freqüência, o m aior pecado envolve a menor culpa; o m enor pecado, a maior culpa” . R o b e r t B r o w n in g , The Ring and Book (Papa, 1975) - “Há um novo tribunal mais elevado que o de Deus, - o dos homens cultos! O fino senso de honra no peito humano Transcende aqui o velho e rude oráculo!” O Doutor H. E. Robins sustenta que “é im possível o paliativo da culpa à luz sob o sistem a da pura lei e só é possível porque a provação do pecador é a da graça” .

C) Pecados de fraqueza e pecados de presunção. Aqui a culpa é medida pela energia da vontade má. O pecado pode ser reconhecido como pecado, contudo, pode ser cometido na precipitação ou fraqueza. Apesar de que a precipitação e a fraqueza sejam uma atenuante da ofensa que brota disso, elas se constituem pecado, revelando um coração des­ crente e desordenado. Porém de muito maior culpa são as escolhas presunço­ sas do mal em que se manifesta não a fraqueza, mas a força de vontade. Sl. 19.12,13 - “Expurga-m e tu dos que me são ocultos. Também da sober­ ba guarda o teu servo”; Is. 5.11 - “Ai dos que puxam pela iniqüidade com cordas de vaidade e pelo pecado, como se fosse com cordas de carro” = não afastes com o pecado a insensibilidade, mas com avidez, persistentem ente e de boa vontade afasta-a. Gl. 5.1 - “surpreendido nalgum a ofensa”; 1 Tm. 5.24 - “Os pecados de alguns homens são manifestos, precedendo o juízo; e em alguns manifestam -se depois” = os pecados de alguns são de tal modo claros que eles agem como oficiais de justiça daqueles que os cometem; enquanto outros requerem uma prova. Lutero representa um da prim eira classe dizen­ do de si mesmo: “ Esto peccator et pecca fortiter” (Sê pecador e peca mais intensamente). Mq. 7.3 - “As sua mãos fazem diligente o mal” . Do mesmo modo devemos fazer o bem. “A minha arte é a minha vida”, diz Grisi, a prim a-dona da ópera, “ Eu me poupo todo dia para aquele em que estou no palco” . H. Bonar: “O pecado trabalha; deixe-m e tam bém trabalhar. Ativo como o pecado, o meu trabalho realizo, até que eu repouse o descanso da eternidade” . A lei criminal alemã faz distinção entre homicídio intencional não deliberado e o homicídio intencional deliberado. Há três graus de pecado: 1. De ignorância, como a perseguição da parte de Paulo; 2. De fraqueza, como a negação de Pedro; 3. De presunção, com o o hom icídio de Urias. O pecado de presunção é im perdoável sob a lei judaica; não é imperdoável sob Cristo.

D) Pecado da obstinação incompleta e o da final. Aqui a culpa é medida, não pela suficiência ou insuficiência objetiva da graça divina, mas pelo grau de falta de receptividade a que o pecado conduziu a alma. Como o único pecado para a morte descrito na Escritura é o pecado contra o Espírito Santo, aqui consideramos a natureza desse pecado.

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Mt. 12.31 - “Todo pecado e blasfêm ia se perdoará aos homens, mas a blasfêm ia contra o Espírito não será perdoada aos hom ens”; 32 - “ E qualquer que disser algum a palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem neste século nem no futuro” ; Mc. 3.29 - “Qualquer, porém, que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão, mas será réu do eterno juízo”; 1 Jo. 5.16,17 - “Se alguém vir a seu irmão com eter pecado que não é para m orte, orará, e D eus d ará vida àqu e le s que não pecarem para m orte. Há pecado para morte e por esse não digo que ore. Toda iniqüidade é pecado e há pecado que não é para a m orte”; Hb. 10.26,27 - “se pecamos volunta­ riamente, depois de term os recebido o conhecim ento da verdade, já não res­ ta mais sacrifício pelos pecados, mas uma expectação horrível de juízo e ardor de fogo, que há de devorar os adversários”. R it s c h l sustenta que todo pecado insuficiente para a rejeição definitiva de Cristo ocorre mais por ignorância do que por pecado e de modo nenhum é objeto de sentença condenatória. Isto faz o pecado contra o Espírito Santo ser o único real. A consciência e a Escritura contradizem igualm ente este ponto de vista. Há um endurecim ento muito incipiente do coração que prece­ de a obstinação final. VferDENNEY, Studies in Theology, 80. A com postura do crim inoso nem sem pre é sinal de inocência. S. S. Tim es, 12 de abril de 1.902.200 - A sensibilidade da consciência e do sentim ento e o correspon­ dente sem blante, e o com portam ento devem ser retidos pela pureza de vida e a liberdade da transgressão. Por outro lado a com postura do sem blante e a serenidade sob a suspeita e acusação devem ser resultantes da continuação da prática do erro, com o conseqüente endurecim ento de toda a natureza moral” . W e is m a n n , Heredity, 2 . 8 - “Tão logo qualquer órgão cai em desuso, dege­ nera e, finalmente, se perde ... Nos parasitos os órgãos do sentido se dege­ neram” . O telégrafo sem fio de M arconi requer um “ receptor” sintonizado. O “transm issor” envia inúmeros raios para o espaço. Só o receptor com a capacidade de vibrações correspondentes pode entendê-los. Deste modo o pecador pode destruir sua receptividade, que o universo inteiro profere da verdade de Deus, embora seja incapaz de ouvir uma só palavra dela, O Pano­ rama: “Se o homem retirasse os seus olhos, não poderia ver - nada poderia fa zê -lo ver. A ssim se o hom em , p o r o b s tin a d a in iq ü id a d e d e stru ísse o seu poder de crer no perdão de Deus, estaria num estado de desesperança. Embora Deus ainda seja gracioso, o homem não pode reconhecer a sua gra­ ça e nem receber para si o perdão de Deus” .

O pecado contra o Espírito Santo não deve ser considerado como um sim­ ples ato isolado, mas também como o sintoma exterior de um coração tão radical e finalmente estabelecido contra Deus que nenhuma força que Deus possa consistentemente usar o poupará. Tal pecado, portanto, só pode ser o clímax de um longo curso de endurecimento de si mesmo e depravação de si mesmo. Aquele que o cometeu ou deve ser profundamente indiferente à sua condição, ou ativa e amargamente hostil a Deus; de modo que a ansiedade ou

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o medo da condição de alguém é evidência de que ele não o cometeu. O peca­ do contra o Espírito Santo não pode ser perdoado simplesmente porque a alma que o cometeu não é receptiva às influências divinas, ainda quando tais influên­ cias se exercem com a maior força adequada a empregar sua administração espiritual. A prática do pecado contra o Espírito S anto é m arcada pela perda da visão espiritual; o peixe cego da C averna de Mamote substituiu a luz pela escuridão e, com o tem po, perdeu os seus olhos. Ele é marcado por uma perda de sensibilidade religiosa; a sensitiva perde a sua sensibilidade na pro­ porção em que se toca nela. É m arcado pela perda da força de vontade de praticar o bem; “a lava endurece depois de sair da cratera e nesse estado não pode voltar à fonte” ( V a n O o s t e r z e e ). O mesmo escritor tam bém assinala (Dog­ mática, 2.428): “Herodes Antipas, após a sua antiga dúvida e escravização chegou à m ortificação tal a ponto de zom bar do Salvador, à menção de cujo nome nunca antes trem ia”. J u l iu s M ü l l e r , D octrine ofS in, 2.425 - “Não que se recuse a graça divina a qualquer que, em verdadeiro arrependim ento peça o perdão dos seus pecados; mas aquele que os com ete nunca preenche as condições subjetivas em cujas bases é possível o pecado porque o agrava­ mento deste, por fim, destrói toda a susceptibilidade de arrependim ento. O cam inho para Deus não está fechado para os que não o fecham para si mesm os” . D r u m m o n d , N atural Law in the S piritual W orld, 97-120, ilustra o pro­ cesso decadente do pecador através da lei da degeneração no mundo vege­ tal e no animal: pombos, rosas, m orangos, todos tendem a reverter ao tipo primitivo e selvagem . “Como escaparem os nós se não atentarm os para tão grande salvação”? (Hb. 2.3). S h a k e s p e a r e , Macbeth, 3.5 - 'Todos vós sabeis que a segurança é o prin­ cipal inimigo dos mortais”. M o u l t o n , Shakespeare com o A rtista Dramático, 90-124 - “ Ricardo III é o protótipo do vilão. A vilania tornou-se um fim em si mesma. Ricardo é um artista em vilania. Na prática do crime ele não tem emoções naturais. Considera a vilania com o entusiasm o intelectual de um artista. O ideal do seu sucesso é a vilania. Há uma fascinação de irresistibili­ dade nele. Em seu crime é im perturbável. Não há esforço, mas humor, no crime; uma despreocupação sugere recursos ilimitados; um a incalculável ins­ piração. S h a k e s p e a r e livra a representação da acusação de monstruosidade tom ando toda esta história vilã em desenvolvim ento nem ésico” . Ver A. H. S t r o n g , G reat Poets, 188-193. Guido de R o b e r t B r o w n in g , R ing and B o o k é um exemplo de pura aversão ao bem. Guido tem aversão pela bondade de Pompília e declara que, se a apanhar no mundo vindouro, a assassinará ali como a mataria aqui. A lexandre VI, pai de César e Lucrécia Bórgia, papa da crueldade e lascí­ via, ostentou até o dia da morte a aparência de infalível zelo e genialidade e até mesmo de sensibilidade e modéstia. Nenhum tem or ou reprovação da consciência parecia lançar melancolia sobre a sua vida, como acontecia com Tibério e Luís XI. Ele cria viver sob a proteção especial da Virgem, embora a tivesse pintado nas características da sua amante Júlia Farnese. Nunca teve

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o escrúpulo da falsa testemunha, do adultério, ou do homicídio. 1 /e rG R E G O R O viu s, Lucrezia B orgia, 294, 295. Jerem y Taylor descreve o progresso do pecado no pecador da seguinte forma: Primeiro ele o assusta, depois o tom a um prazer, depois uma alegria, depois freqüente, depois habitual, depois confirm ado; daí o homem se torna impenitente, obstinado, resolve nunca arrepender-se e perde-se” . Há um estado de total insensibilidade a em oções de amor ou tem or e, através do seu pecado, pode chegar a um estado com o esse. A prática da blasfêm ia é tão som ente a expressão de um coração endurecido e odioso. Blasfêmia é apenas a expressão de um coração endurecido e irado. B. H. Payne: “A cham a do cálcio queim ará o fio de aço de modo que não seja mais afetado pelo magneto. ... Como as cinzas incandescentes e a fum aça espiral que o vulcão lança da sua garganta roncadora é o acúmulo dos meses e anos, assim o pecado contra o Espírito Santo não é uma expressão impensa­ da em um momento de paixão ou raiva, mas a entrega de uma abertura a um estado do coração e da mente abundante no acúm ulo de sem anas e meses de oposição ao evangelho” . D r . J. P. T h o m p s o n : Pecado im perdoável é o conhecim ento desejoso, persistente, desprezível, repulsa maldosa à verdade e à graça divina mani­ festa na alma através da força convincente e ilum inadora do Espírito Santo. D o r n e r diz que “por isso este pecado não pertence aos tem pos do Velho Testamento ou à simples revelação da lei. Im plica a plena revelação da graça em Cristo e a sua consciente rejeição da parte da alm a à qual o Espírito a manifestou (At. 17.30 - “não tendo em conta os tem pos da ignorância”; Rm. 3.25 - “remissão dos pecados dantes com etidos”). Mas, será que não constava no Velho Testamento que Deus disse: “ Não contenderá o meu Espí­ rito para sempre com o hom em ” (Gn. 6.3), e “ Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o” (Os 4.17)? O pecado contra o Espírito Santo é pecado contra a gra­ ça, mas não parece limitar-se aos tem pos do Novo Testamento. É verdade ainda que o pecado im perdoável é com etido contra o Espírito Santo ao invés de contra Cristo: Mt. 12.32 - “se qualquer falar palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro” . Jesus adver­ te os judeus contra isso; ele não diz que os judeus já o cometeram. Eles pareciam tê-lo com etido quando, depois do Pentecostes, acrescentaram à rejeição de Cristo a rejeição do testem unho do Espírito Santo sobre a res­ surreição de Cristo.

III. PENA 1. Idéia da Pena

Pena é a dor ou perda que direta ou indiretamente o Legislador inflige, na vindicação da sua justiça ultrajada pela violação da lei. T u r r e t t in , 1.213 - “A justiça necessariam ente dem anda que todo pecado seja punido, mas do mesmo modo não dem anda que seja punido na mesma

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pessoa que o praticou ou exatam ente no mesmo tem po e grau” . Até onde esta afirm ação do grande teólogo federalista pretende explicar nossa culpa em Adão e a nossa justificação em Cristo não podemos concordar com as suas palavras; mas devemos acrescentar que a razão, em cada caso, pela qual nós sofremos a pena do pecado de Adão e Cristo sofre a pena dos nos­ sos pecados não se encontra em qualquer relação pactuai, mas no fato de que o pecador é um com Adão e Cristo é um com o crente, - ou seja, não unidade pactuai, mas vital. A palavra ‘pena’ com o a palavra ‘dor’, deriva de poena, jtoivfi, e implica noção correlata de merecimento. Sob o governo divi­ no não pode haver nenhuma culpa construtiva, de modo que nenhuma pena pode ser infligida por ficção legal. Os sofrim entos de Cristo não foram uma pena infligida arbitrariam ente nem ocorreu para expiar a culpa pessoal, mas devida à natureza humana à qual ele se uniu e da qual ele fazia parte. Prof. Wm. Adam s Brown: ‘‘Perda, não sofrim ento; é a pena suprem a para o cristão. A verdadeira pena é a separação de Deus. Se tal separação envolve sofri­ mento, é sinal da m isericórdia de Deus, pois onde há vida há esperança. O sofrim ento sempre deve ser interpretado como um apelo especial de Deus para o homem.

A definição implica que: A) As conseqüências naturais da transgressão, apesar de constituírem par­ te da pena do pecado, não a esgotam. Em toda pena há um elemento pessoal, a ira santa do Legislador, que expressa as conseqüências naturais embora par­ cialmente. Não negamos, ao contrário, afirm am os que as conseqüências naturais da transgressão consistem numa parte da pena do pecado. Condena-se o peca­ do da lascívia com a deterioração e corrupção do corpo; o da mente, com a deterioração e corrupção da alma. Pv. 5.22 - “Quanto ao ímpio, as suas iniqüidades o prenderão e com cordas do pecado, será detido” - como o caça­ dor é apanhado no laço que preparou para o animal selvagem. O pecado é auto-revelador e auto-atorm entador. Mas isto é apenas a meia verdade. Os que limitam todo o castigo à reação das leis naturais correm o risco de esquecer que Deus não é só im anente no universo, mas também transcen­ dente e que “cair nas mãos do Deus vivo” (Hb. 10.31) é cair nas mãos não só da lei, mas também do Legislador. A lei natural não é só a expressão normal da mente e da vontade de Deus. Detestamos uma pessoa indecente física e oralmente. Não há castigo do pecado mais terrível que ser objeto da aversão de Deus. Jr. 44.4 - “Ora, não façais esta coisa abom inável que aborreço!” Acrescente-se a esta lei da continuidade que causa a reprodução do pecado, e a lei da consciência que faz do pecado o seu revelador, ju iz e atorm entador e ter-se-á evidência suficiente da ira de Deus contra o mesmo pecado inde­ pendente de quaisquer castigos exteriores. Vê-se o sentim ento divino para com o pecado ao Jesus açoitar os vendilhões do tem plo, denunciar os fari­ seus, chorar sobre Jerusalém, agonizar no Getsêmani. Imagine o sentimento de um pai para com o traidor da sua filha e entender-se-á palidamente o sen­ tim ento de Deus para com o pecado.

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Os fatos voltam ao seu autor e o caráter determ ina o destino; esta lei revela a justiça de Deus. A pena vindicará o caráter divino na longa corrida embora nem sempre no tempo. Todas religiões reconhecem isto. Diz o sacer­ dote budista no Japão: “O m alfeitor tece o pano em torno de si mesmo como o bicho da seda form a o seu casulo” . Sócrates faz a volta de Circe de homem a porco uma simples parábola de uma influência por si mesma brutalizadora do pecado. No Inferno de Dante os castigos são todos dos próprios pecados; por isso os homens estão no inferno antes de morrerem. Hegel: “A pena é a outra metade do crim e” . S a g e b e e r , The Biblie in Court, 59 - "Corrupção é destruição e o pecador é um suicida; a pena corresponde à transgressão e é o resultado dela; o pecado é a morte em execução; a morte é o pecado no castigo final” . J. B. T h o m a s , B aptist Congress, 1901.110 - “Que importa se, como caçador furtivo espero a noite e deliberadam ente atiro nele ou se armo o revolver de modo que alguém atire nele quando comete a depredação”? T e n n y s o n , Sonhos Marinhos: “Seu lucro é perda; porque aquele que engana o amigo, Engana-se mais a si mesmo, e sempre leva em torno de si um silen­ cioso tribunal de justiça em seu seio, Sendo ele próprio o juiz e o júri e ele mesmo o prisioneiro no tribunal e sempre condenado: E isso leva a sua vida à derrocada; depois vem o que se sucede” .

B) O objetivo da pena não é a reforma do ofensor, a garantia da segurança social ou governamental. Tais fins podem incidentemente ser assegurados pela sua aplicação, mas o grande fim da pena é a vindicação do caráter do Legisla­ dor. A pena é essencialmente uma reação necessária da santidade divina con­ tra o pecado. Contudo, visto que pontos de vista errôneos sobre o objetivo da pena têm tão importante significação sobre nossos futuros estudos da doutri­ na, mencionamos de modo mais completo as duas teorias errôneas que têm maior curso. a) A pena não é essencialmente reformatória. Isto quer dizer que a reforma do ofensor não é o desígnio primário, como a pena não pretende reformar. A pena em si procede não do amor do Legislador, mas da sua justiça. Quais­ quer que sejam as influências reformadoras que podem em qualquer exemplo estar em conexão com ela não são partes da pena, mas mitigações dela e acres­ centam-se não à justiça, mas à graça. Se a reforma se segue à aplicação da pena, não é o efeito desta, mas o de certos atos benevolentes que têm sido providos para tomar em bem o que naturalmente seria para o ofensor uma fonte de dano. A partir das Escrituras, onde a freqüente referência à punição como justiça de Deus, mas nunca ao amor de Deus; do intrínseco merecimento do pecado, a que a pena é correlata; do fato de que a punição deve ser vindicativa para que seja disciplinar, justa e, conseqüentemente, reformatória; do fato de que, com apoio nesta teoria, a punição não seria justa quando o pecador já estives­ se reformado, ou não o pudesse ser, de modo que, quanto maior fosse o pecado, menor seria a punição, nota-se que o objetivo da pena não é a reforma.

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A punição é essencialm ente diferente do castigo. Este procede do amor (Jr. 10.24 - “Castiga-me, ó Senhor, mas com medida; não na tua ira” ; Hb. 12.6 - o Senhor corrige o que ama”). A punição procede não do amor, mas da justiça - ver Ez. 28.22 - “quando nela executar juízos, e nela me santificar”; 36.21,22 - em juízo, “Não é por vosso respeito que eu faço isto, mas pelo meu santo nome” ; Hb. 12.29 - “ Porque o nosso Deus é um fogo consum idor”; Ap. 15.1,4 - “a ira de Deus ... só tu és santo ... os teus juízos são m anifestos”; 16.5 - “Justo és tu ... porque julgaste estas coisas”; 19.2 -"V erdadeiros e justos são os seus juízos; pois julgou a grande prostituta” . Portanto, não é verdade a palavra da Utopia de Sir Thomas More: “O fim de todo o castigo é a destruição do vício e a salvação dos hom ens”. Lutero: “Deus tem duas varas: uma, a da misericórdia e bondade; outra, a da ira e da fúria” . A prim eira é castigo; a segunda é a pena. Se for correta a teoria de que a finalidade da pena é a reforma, então, punir o crim e sem exigir reforma faz do estado um transgressor; as suas puni­ ções devem ser proporcionais, não ao tam anho do crime, mas ao estado do pecador; a pena de morte deve ser abolida apoiada no fato de que ela exclui toda esperança de reforma. Mas a mesm a teoria aboliria qualquer juízo final, ou castigo eterno; pois, quando a alma se torna tão ímpia que não há mais esperança de reforma, não há mais justiça algum a em puni-la. Quanto maior o pecado, menor seria o castigo; e, afinal de contas, Satanás, o m aior peca­ dor, não deveria ser castigado. D enúncias modernas da pena capital baseiam -se freqüentem ente em con­ cepções errôneas sobre o objetivo da pena. Se os opositores entendessem qual pena se deve garantir, desapareceria a oposição à doutrina da futura punição. H a r r is , G od the Creator, 2.447,451 - “O castigo não é prim ordial­ mente reformatório; ele educa a consciência e vindica a autoridade da lei” . R. W. D a l e : “Não é necessário provar que a forca é benéfica para o enforca­ do. A teoria de que a sociedade não tem direito de mandar para a cadeia alguém, para alimentá-lo a pão e água, a cortar o cânhamo ou trabalhar num moinho a pedal, a não ser para reformá-lo, é inteiram ente errada. Ele deve merecer a punição, ou, caso contrário, a lei não tem direito de puni-lo”. Uma Casa de Refúgio ou um a Escola Industrial Rural é prim ordialm ente uma insti­ tuição penal, pois priva da liberdade e coage ao trabalho contra a vontade do penitenciário. Esta perda e privação não se justifica a não ser baseada no merecimento do seu ato errôneo. Q uaisquer que sejam as influências gracio­ sas e filantrópicas que possam advir deste aprisionam ento e coação, não podem explicar o elemento penal da instituição. Se se pudesse, apelar-se-ia para um decreto de habeas corpus da parte de qualquer tribunal competente, obteria o ganho da causa. O tratam ento que Deus deu ao homem neste mundo também com bina os elementos pena e castigo. Em primeiro lugar, o sofrim ento é merecido e isto justifica a sua aplicação. Mas no começo se faz acom panhar de toda a sorte de influências am enizadoras que tendem a afastar o homem de Deus. Como se resiste a estas influências graciosas, o elemento punitivo tom a-se prepon­ derante e a pena reflete a santidade de Deus em lugar do seu amor. M o b e r l y , A tonem ent and Personality, 1-25 - “O objetivo im ediato da punição não é a dor. Ela deve ser um meio com vistas a um fim moral, a saber, o arrependi-

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mento. Mas onde o depravado se torna um tigre humano, a punição deve chegar ao clímax. Há uma punição que não é restauradora. Conforme o espí­ rito como se recebe a punição, ela pode ser interior ou exterior. Toda punição começa como disciplina. Tende para o arrependim ento. Seu triunfo seria inte­ rior. Toma-se punitivo só quando o pecador se recusa a arrepender-se. A puni­ ção é apenas a conseqüência do pecado. O penitente ideal condena-se a si mesmo, identifica-se com a justiça aceitando a pena. Na medida em que a pena falha em seu propósito de produzir o arrependim ento, adquire cada vez mais o caráter punitivo, cujo clím ax não é o Calvário, mas o Inferno” . A l e x a n d e r , M oral O rd e ra n d Progress, 327-333 (citado em R it c h ie , Darwin, and Heget, 67) - “A punição caracteriza-se por três elementos: É punitiva, quando ela cai na lei geral de que a resistência ao tipo dom inante recua na criatura culpada e resistente; é preventiva quando, sendo uma determinação estatutária, tem como alvo a manutenção da lei independente do caráter do indivíduo. Mas esta característica é secundária, e aquela está compreendida numa terceira idéia, a da reforma, que é o modo superior em que aparece a punição quando se trata de um tipo mental ideal e é afetado por pessoas conscientes”. H y s l o p , Freedom, R esponsibility and P unishm ent in Mind, abril 1894.167-189 - “No Reform atório de Elmira, de 2295 pessoas com liberdade condicional entre os anos de 1876 e 1889, 1907 pessoas, ou 83% represen­ tam provavelm ente uma reforma completa. Os determ inistas dizem que esta classe de pessoas não pode agir de outra forma. Algum a coisa está errada nesta teoria. Concluím os que 1. A responsabilidade causai justifica a punição preventiva; 2. A responsabilidade moral potencial justifica a punição corretiva; 3. A verdadeira responsabilidade moral justifica a punição retributiva”. É pre­ ciso assinalar aqui o em prego incorreto da palavra “punição”, que só pertence à ultima classe. Nos dois primeiros casos deve-se empregar a palavra “castigo”.

b) A pena não é essencialmente dissuasiva e preventiva. - Isto significa que seu primeiro desígnio não é proteger a sociedade dissuadindo o homem de cometer tais ofensas. Admitimos que este fim é freqüentemente assegurado em conexão com a punição, tanto na família como no governo civil e sob o governo de Deus. Mas defendemos que este é um resultado meramente incidental, que a sabedoria e a bondade de Deus têm posto em conexão com a aplicação da pena; não pode ser a razão e base para a pena em si. Algumas das objeções à teoria anterior aplicam-se também a esta. Mas em adição ao que já se disse, argumentamos: O desígnio da pena não pode ser principalmente garantir a segurança social e governamental, porque nunca é justo punir o indivíduo para o bem da socieda­ de. Nenhuma punição, contudo, fará ou poderá fazer bem se não for justa e reta em si mesma. A punição faz o bem só quando a pessoa punida a merece; e tal merecimento de punição e não os bons efeitos que se seguem deve ser a base e a razão por que ela é aplicada. A teoria contrária implicaria que o crimi­ noso poderia continuar livre, mas por causa do efeito da sua punição sobre os

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outros, e porque aquele homem poderia cometer crime se só estivesse queren­ do cumprir a pena. K a n t , Praktische Vernunft, 151 (ed. Rosenkranz) - “A noção do mereci­ mento do mal e a punição implicam necessariam ente a idéia da transgressão voluntária; e a idéia da punição exclui a felicidade em todas as formas. Embo­ ra aquele que aplica a punição, na verdade, ao punir o criminoso, também pode ter o propósito benevolente, contudo a punição deve justificar-se, antes de nada, como pura e simples com pensação e retribuição. ... Em cada puni­ ção como tal, o elemento prim ordial é a justiça e esta constitui-se a essência. Verdade é que, um propósito benevolente pode som ar-se à punição; mas o criminoso não pode reivindicar isto como seu direito e não pode contar com isso”. Estes pronunciam entos de K a n t aplicam -se à teoria dissuasora bem como à teoria reform adora da pena. O elemento de mérito ou retribuição é a base dos outros na punição. Certo juiz inglês, ao sentenciar um crim inoso, disse que ele o puniu não por roubar ovelha, mas porque a ovelha não podia ser roubada. Mas a maior injustiça é punir um homem sim plesm ente para servir de exemplo. A socieda­ de não pode ser beneficiada por esse tipo de injustiça. A teoria pode não dar nenhuma razão por que alguém deva ser punido mais do que um outro nem por que uma segunda ofensa deva ser punida mais do que a primeira. Nesta teoria, contudo, se houvesse apenas uma criatura no universo e nenhuma além dela que fosse afetada pelo seu sofrim ento, não poderia com justiça, ser punida por maior que fosse o seu pecado. O único princípio que pode explicar a punição é o do merecimento. Evita-se o crime mais pela convicção de que ele merece punição; o maior agente dissuasivo é a consciência” . Por isso, no governo de Deus “não há nenhuma indicação de que a futura punição opera o bem para os perdidos ou para o universo. A integridade do redim ido não deve ser mantida sujeitando os perdidos a uma punição que não merecem. O erro merece punição e Deus precisa puni-lo, quer advenha disso o bem quer não. O pecado intrinsecamente é merecedor do mal. A impureza deve ser banida da parte de Deus. Deus deve vindicar a si mesmo, ou deixar de ser santo. B o w n e , Principies o f Ethics, 186, 274 - Os que sustentam que a punição é essencialm ente dissuasiva e preventiva “ignoram a m etafísica da responsa­ bilidade e tratam o problema ‘positiva e objetivam ente’ com base na fisiologia, na sociologia, etc., e nos interesses da segurança pública. A questão da cul­ pa ou inocência é tão irrelevante como a que se refere à culpa ou inocência das vespas e dos vespões. Um antigo defensor deste ponto de vista m anifes­ tou a o p in iã o de que “c o n v in h a que um hom em m o rre sse pelo p o vo ’ (Jo. 18.14) e por isso Jesus foi levado à morte. ... Uma multidão na Europa oriental podia ser persuadida de que um judeu tinha trucidado uma criança cristã em sacrifício. As autoridades podiam estar perfeitam ente certas da ino­ cência do homem e, ainda proceder a punição dele por causa do clam or da multidão e do perigo de um motim ”. Os homens do primeiro escalão no gover­ no francês pensaram que se ria m elhor que D reyfus so fre sse por causa da França do que tornar público um escândalo afetando a honra do exército

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francês. Em perfeita consistência com este princípio, McKin, H eredity and Human Progres, 192, advoga a aplicação de uma morte indolor aos idiotas, imbecis, epiléticos, ébrios contum azes, crim inosos insanos, assassinos, des­ truidores de casas noturnas e todos os perigosos e incorrigíveis. Ele mudaria o lugar da matança das nossas ruas e casas para instituições penais; a saber, abandonaria a punição, mas protegeria a sociedade. Deixar de reconhecer a santidade como o atributo fundam ental de Deus e a afirm ação de que a santidade, como condição do exercício do amor, viciam a discussão da pena em A. H. B r a d f o r d , A ge o f Faith, 243-250 - “Qual é a finalidade do sofrim ento penal? Manifestar a santidade de Deus? Expressar a santidade da lei moral? E sim plesm ente um a conseqüência natural? M anifes­ ta a paternidade de Deus? Deus não inflige a pena som ente para satisfazer a si mesmo, ou manifestar a sua santidade, com o um pai terreno inflige sofri­ mento em seu filho para mostrar a sua ira contra o que pratica o mal ou m ani­ festar a sua própria bondade. A idéia de punição é essencialm ente bárbara e estranha a tudo o que se conhece da divindade. A pena que não é reforma­ tória ou protetora é barbarismo. Em casa, a punição é sempre disciplinar. Seu objetivo é o bem estar do filho e da fam ília. A punição que expressa ira ou inimizade sem nenhum propósito de rem ediar é rem iniscência do barbaris­ mo. Traz consigo o conteúdo da vingança. É a expressão da raiva, da paixão ou, na m elhor das hipóteses, da justiça fria. O sofrim ento penal é, sem dúvi­ da, a santidade divina expressando a aversão ao pecado. Mas, se pára em tal expressão, não é santidade, mas egoísmo. Por outro lado, se se em pregar ou perm itir a expressão da santidade para que o pecador possa detestar o seu pecado, então deixa de ser punição e passa a ser castigo. Em qualquer outra hipótese, o sofrim ento penal não tem nenhum a justificativa a não ser a vonta­ de arbitrária do O nipotente e tal hipótese é uma contestação tanto da sua justiça como do seu am or” . Este ponto de vista nos parece ignorar a reação necessária da santidade divina contra o pecado; tornar a santidade apenas uma form a de amor; um meio visando a um fim e tal fim utilitário; e desta form a negar à santidade qualquer existência independente ou mesmo real na natureza divina. A ira de Deus é calm a e judicial, desprovida de toda paixão ou capricho, mas é a expressão da justiça eterna e imutável. É vindicativa, mas não vinga­ tiva. Sem ela não haveria governo e Deus não seria Deus. F. W. R o b e r t s o n : Não existe em toda a punição o elemento de vingança e não é tam bém peca­ minoso o sentimento, mas parte essencial à natureza humana? Se assim for não deve haver a ira de Deus”. L o r d B a c o n : “A vingança é um tipo selvagem de justiça” . Stephen: A lei criminal provê a satisfação legítim a das paixões da vingança” .

2. A verdadeira pena do pecado

A única palavra na Escritura que designa a pena total do pecado é “morte”. A morte, contudo, é dúplice: A) Morte física, - ou separação da alma em relação ao corpo, incluindo todos aqueles males temporais e sofrimentos que resultam da perturbação da

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harmonia original entre o corpo e a alma e que são a obra da morte em nós. a morte física é parte da pena do pecado, aparece: d) Da Escritura. Esta é a mais óbvia importância da ameaça em Gn. 2.17 "certamente morrerás”; cf. 3.19 “ao pó voltarás”. Alusões a tal ameaça no V.T. :onfirmam esta interpretação; Nm. 16.29 - “visitados como se visitam todos os hom ens”, onde ^pD = visitação judicial, ou punição; 27.3 (LXX 5i’ ájj.ocpTÍav aúxoú). A oração de Moisés em Sl. 90.7-9,11, e a oração de Ezequias em Is. 38.17,18, reconhecem plenamente a natureza penal da morte. ON. T. ensina a mesma doutrina, por exemplo em João 8.44; Rm. 5.14,16,17, onde deve notar-se a fraseologia judicial {cf. 1.32); ver também 6.23. Em 1 Pe. 4.6 :ala-se da morte física como o juízo de Deus contra o pecado. Em 1 Co. 15.21,22 a ressurreição física de todos crentes, em Cristo, se contrasta com a morte corporal de todos homens, em Adão. Rm. 4.14,15; 6.9,10; 8.3,10,11; Gl. 3.13 mostram que Cristo submeteu-se à morte física como pena do pecado e pela sua ressurreição do túmulo deu prova de que a pena do pecado se esgotou e que nele a humanidade estava justificada. “Como a ressurreição do corpo é parte da redenção, assim também a morte do corpo é parte da pena”. Sl. 90.7,9 - “somos consum idos pela tua ira ... todos os dias vão passan­ do na tua indignação” ; Is. 38.17,18 - “tão am orosam ente abraçaste a minha alma que não caiu na cova da corrupção porque lançaste para trás das tuas co sta s to d o s os m eus p e ca d o s p o rq u e não p ode lo u v a r-te a s e p u ltu ­ ra”; Jo. 8.44 - “ele [Satanás] foi hom icida desde o princípio”; 11.33 - Jesus “moveu-se muito em espírito” = moveu-se com indignação pelo que o pecado tinha operado; Rm. 5.12,14,16,17 - “pelo pecado, a morte ... a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram ... a morte reinou ... até sobre aqueles que não pecaram à sem elhança da transgressão de Adão ... o juízo veio sobre uma só ofensa para condenação ... pela ofensa de um só a morte reinou por esse” ; cf. a fraseologia legal em 1.32 - “os quais conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam )” . Rm. 6.23 - “o salário do pecado é a m orte” = a morte é a dívida justa do pecado. 1 Pe. 4.6 - “para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens, na carne” = para que pudessem sofrer a morte física, a qual é a pena do pecado para os homens em geral. 1 Co. 15.21,22 - “assim como todos m orrem em A dão, assim ta m b é m to d o s se rã o v iv ific a d o s em C ris to ” ; Rm. 4.24,25 - “dos mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor, o qual por nossos pecados foi entregue e ressuscitou para nossa justificação” ; 6.9,10 “ Havendo Cristo ressuscitado dos mortos, não morre mais; a morte não terá mais domínio sobre ele. Pois, quanto a te r morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para D eus”; 8.3,10,11 - “Deus, enviando seu Filho em sem elhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne ... o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado” (= um cadáver, por causa do pecado) ... “aquele que ressuscitou a Jesus também vivificará o vosso corpo mortal”; Gl. 3.13 - “Cristo nos resgatou da

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m aldição da lei, fazendo-se m aldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” . Sobre a relação entre a morte e o pecado, ver G r if f it h - J o n e s , Ascent Through Christ, 169-185 - “Não são antagônicos, mas com plem entares um do outro um espiritual, o outro biológico. O fato natural é adequado ao em prego m oral”. S a v a g e , Lile A lte r Death, 33 - “A princípio os homens não criam na morte natural. Se um homem morresse, é porque alguém o tinha matado. Não se esperava ou necessitava nenhum a razão ética. Contudo, finalmente buscavam algum a explicação moral e apontavam a morte como castigo pelo pecado humano". Se este é o curso da evolução humana, devem os concluir que, mais tarde, a crença representa a verdade mais do que antigamente. A Escritura com verdade afirma a doutrina de que a morte em si, e não os seus sim ples acessórios, é a conseqüência e pena do pecado. Por esta razão não podemos aceitar a teoria muito atraente e plausível que passamos a m en­ cionar: N e w m a n S m y t h , The Place o f Death in Evolution, sustenta que, como o arco-íris na nuvem aponta para um emprego moral, assim a morte, que antes tinha sido tão somente a lei natural da criação, por ocasião do pecado do homem foi indicada como um em prego moral. É com este caráter moral da morte adquirido que Gênesis se relaciona. A morte torna-se uma maldição por ser um tem or e um torm ento. Os anim ais não têm esse medo. Mas no homem a morte abala a consciência. A redenção retira o tem or e a morte recua ao seu aspecto natural ou até mesmo torna-se o portal de entrada para a vida. Para nenhum animal a morte é uma m aldição a não ser para o homem. O elemento retribuidor na morte é o efeito do pecado. Quando o homem se tornar perfeito, a morte não terá mais sentido e, como último inimigo, será destruída. A morte aqui é o método pelo qual a Natureza garante uma vida sempre vigorosa, jovem, próspera e a mais exuberante e alegre possível. É a maneira como Deus garante o m aior número e variedade possíveis de seres imortais. Há muitas salas de aula pela eternidade no universo divino e uma ilim itada sucessão de estudiosos passando por elas. Há muitos redis, mas um só rebanho. A ceifadeira Morte continua tendo o seu lugar. Quatro ou cinco gerações são as que podemos am ar e delas obtem os estímulo moral. Os muitos Matusaléns nos levariam a novas gerações. Bagehot diz que a civilização primeiro precisa form ar um bolo de costum e e, a seguir destruí-lo. A morte, diz M a r t i n e a u , Study, 1.372-374, é a provisão para levar-nos longe antes de ficarm os muito tem po em casa a perder nossa receptividade. A mor­ te é a libertadora de almas. A morte de sucessivas gerações concede varie­ dade ao céu. Ela aperfeiçoa o amor, revela-se a si mesma, une de modo tal como a vida não o conseguiria. Como para Cristo, assim também para nós, ela é o expediente que nos perm ite irmos embora.

Da razão. O predomínio do sofrimento e morte entre as criaturas racionais não pode reconciliar-se com a justiça divina a não ser apoiada na suposição de que é uma aplicação da pena judicial por causa de uma pecaminosidade da natureza pertencente até mesmo àqueles que não atingiram a consciência moral. b)

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A objeção de que a morte existia na criação animal antes da queda do homem pode ser respondida dizendo que, apenas pelo fato do pecado do homem, ela não teria existido. Podemos crer que Deus dispôs mesmo a his­ tória geológica para corresponder ao fato previsto da apostasia humana (cf. Rm. 8.20-23 - onde se diz que a criação se sujeitou à vaidade por causa do recado do homem). Sobre Rm. 8.20-23 - “a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vonta­ de” - ver Com. de Meyer, e Baptist Quaterly, 1.143; também Gn. 3.17-19 “maldita é a terra por causa de ti". Como a estrutura vertebral do primeiro peixe era uma “conseqüência antecipadora” do homem, assim o sofrim ento e morte do peixe perseguido e devorado por outros peixes eram a “conseqüên­ cia antecipadora” da guerra prevista entre o homem e Deus.

A trasladação de Enoque e de Elias e dos santos que permanecerem na segunda vinda de Cristo parece pretender ensinar-nos que a morte não é uma lei necessária do ser organizado e mostrar o que teria acontecido a Adão se tivesse obedecido. Ele foi criado corpo “natural”, “terreno”, mas podia ter atingido um mais elevado ser, o corpo “espiritual”, o “celeste”, sem a inter­ venção da morte. O pecado, contudo, tomou a condição normal das coisas em rara exceção (cf. 1 Co. 15.42-50). Visto que Cristo suportou a morte como a pena do pecado, a morte, para o cristão, toma-se o portal através do qual ele entra em plena comunhão com o Senhor. Exceto Enoque e Elias, que foram trasladados, e os muitos que estiverem vivos na segunda vinda de Cristo, todos cristãos passarão pela morte física. Enoque e Elias possivelm ente são tipos dos santos sobreviventes. Sobre 1 Co. 15.51 - “nem todos dorm irem os, mas todos serem os transform ados” . O livro apócrifo Assunção de Moisés, v. 9 diz-nos que Josué, sendo levado em visão para uma clareira no momento da morte de Moisés, contem plou um duplo Moisés: um lançado na sepultura, pertencendo à terra, o outro m istu­ rando-se com os anjos. A crença na imortalidade de Moisés não faz parte de qualquer ressurreição de cadáver terreno. Quando Paulo foi arrebatado ao terceiro céu, pode ter-se dado um translado tem porário do espírito desen­ carnado. Livre por um breve espaço da casa de prisão a que estava confi­ nado, pode ter passado pelo véu e ter visto e ouvido o que a língua mortal não pode descrever. Também, provavelm ente, Lázaro não contou o que viu: “ Ele não contou; ou algo selou Os lábios daquele evangelista”; T e n n y s o n , in Memoríam, xxxi. N ic o l l , Life o f Christ: “Cada um de nós tem de encarar o último inimigo, a morte. Desde que o mundo começou, todos que nele entraram, mais cedo ou mais tarde têm tido esta luta e a batalha sem pre term ina do mesmo modo. Na verdade dois escaparam, enfrentando e vencendo seu inimigo; escapa­ ram sendo retirados da batalha” . Mas esta morte física, para o cristão, tem

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sido transformada por Cristo em bênção. Um prisioneiro perdoado pode ainda ser guardado na prisão com o melhor benefício possível para um corpo exausto; deste modo o fato exterior da morte física pode continuar, apesar de ter ces­ sado a pena. Macaulay: As cadeias de um prisioneiro idoso são necessárias para sustentá-lo; a escuridão que enfraqueceu a sua vista é necessária para pervertê-la” . Portanto, a morte espiritual não foi totalm ente rem ovida do cris­ tão; uma parte dela, a saber, a depravação, ainda permanece; embora tenha cessado a punição, ela é apenas um castigo. Quando o dedo desata a ligadu­ ra que o prende, o corpo que antes só castigara com eça a curar a perturba­ ção. A inda existe a dor, mas esta não é mais punitiva; agora é um remédio. No meio do açoite, quando o menino se arrepende, a sua punição se transfor­ ma em castigo. Jo. 14.3 - “ E, se eu for e vos preparar lugar, voltarei outra vez e vos leva­ rei para mim m esm o, para que, onde eu estiver, este ja is vós ta m b é m ” ; 1 Co. 15.54-57 - “Tragada foi a morte na vitória ... Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a lei” - i.e. a condenação da lei, sua aplicação penal; 2 Co. 5.1-9 - “porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício ... mas temos confiança e desejam os, antes, deixar este corpo, para habitar com o Senhor” ; Fp. 1.21,23 -"m o rre r é ganho ... tendo o desejo de partir e estar com Cristo; porque isto é ainda muito m elhor” . Em Cristo e no seu sofrim ento da pena do pecado, o cristão rompeu o círculo da conexão racial natural e é salvo do mal até mesm o que seja uma punição. O cristão pode ser castigado, mas nunca é punido: Rm. 8.1 - “ Portanto, agora nenhu­ ma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” . Na casa de Jairo Jesus disse: “ Por que vos alvoroçais e chorais”? e tendo repreendido os que choravam e pranteavam, “os pôs todos para fora” (Mc. 5.39,40). Os velórios e réquiens e missas e vigílias das igrejas de Roma e da Rússia são reminiscências do paganism o totalm ente estranhas ao cristianism o. P a l m e r , Theological D efinition, 57 - “A morte tem ida e com batida é terrí­ vel; mas um augúrio à morte é a morte da morte e o cam inho para a vida”. A idéia de que a punição ainda perm anece para o cristão é “a noiva da doutri­ na papal do fogo do purgatório”. Palavras de B r o w n i n g , Ring and Book, 2.60 “Na sua face há luz, mas em sua som bra tam bém há cura” , aplicam -se aos paternais castigos de Deus, mas não às suas retribuições penais. Em At. 7.60 - “adorm eceu” - Arnot assinala: “Quando a morte se torna a propriedade do crente, recebe um novo nome: cham a-se sono” . Houve um outro que disse: “Cristo não enviou, mas ele mesmo veio salvar; Ele não em prestou o preço do resgate, mas deu; Cristo, o pastor, m orreu pela ovelha; Nós só dorm im oé’.

B) Morte espiritual, ou separação da alma em relação a Deus, incluindo toda a dor da consciência, perda da paz, e tristeza do espírito, que resultam da perturbação da relação normal entre a alma e Deus. a) Apesar de que a morte física é parte da pena do pecado, de modo nenhum é a principal. O termo ‘morte’ é freqüentemente usado na Escritura no sentido moral e espiritual, denotando a ausência daquilo que constitui a verda­

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deira vida da alma, a saber, a presença e favor de Deus. “Segue-me, e deixa os mortos [espiritualmente] sepultar os seus [fisicamente] mortos” (Mt. 8.22). Mt. 8.22 - “Segue-m e e deixa aos mortos [espiritualm ente] sepultar [fisica­ mente] os seus m ortos”; Lc. 15.32 - “este teu irmão estava morto e reviveu” ; Jo. 5.24 - “quem ouve a minha palavra e crê naqueie que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida”; 8.51 - “se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte; Rm. 8.13 “se viverdes segundo a carne, morrereis; mas se, pelo espírito, m ortificardes as obras do corpo, vivereis” ; Ef. 2.1 - “estando vós mortos em ofensas e pecados” ; 5.14 - “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos” ; 1 Tm. 5.6 - “mas a que vive em deleites, vivendo, está morta” ; Tg. 5.20 “aquele que fizer converter do erro do seu cam inho um pecador salvará da morte uma alma” ; 1 Jo. 3.14 - “quem não ama a seu irmão perm anece na m orte” ; Ap. 3.1 - “tens nome de que vives e estás m orto”.

b) Não se pode duvidar de que a pena denunciada no jardim e imposta sobre a raça é, em primeiro lugar e principalmente, a morte da alma, que con­ siste na sua separação de Deus. Só neste sentido, a morte foi plenamente visi­ tada em Adão no dia em que comeu o fruto proibido (Gn. 2.17). Só neste sentido o cristão escapa da morte {João 11.26}. Por esta razão, no paralelo entre Adão e Cristo (Rm. 5.12-21), o apóstolo passa do pensamento da sim­ ples morte física na primeira parte da passagem para a morte tanto física como espiritual no seu encerramento (v. 21 - “assim como o pecado reinou na mor­ te, assim a graça reinou através da justiça para a vida eterna por Jesus Cristo, Nosso Senhor” - onde “vida eterna” é mais que existência física sem fim e “morte” é mais que a morte do corpo). Gn. 2 . 1 7 - “no dia em que dela comeres, certam ente morrerás”; Jo. 11.26 - “e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá” ; Rm. 5.14,18,21 “justificação de vida ... vida eterna”; contrastar com “a morte reinou ... o peca­ do reinou na m orte” .

c) A morte eterna pode ser considerada a culminância e complementação da morte espiritual e consiste essencialmente na correspondência da condi­ ção exterior ao estado interior da alma ímpia (At. 1.25). Parece que alguma peculiar energia repulsiva da santidade divina se inaugura (Mt. 25.41:2 Ts. 1.9) e envolve retribuição positiva visitada por um Deus pessoal tanto sobre o cor­ po como sobre a alma do malfeitor (Mt. 10.28; Hb. 10.31; Ap. 14.11). At. 1.25 - “Judas se desviou, para ir para o seu próprio lu g a r: ML 25.41 “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e os seus anjos” ; 2 Ts. 1.9 - “os quais, por castigo, padecerão a etem a perdição ante a face do Senhor e a glória do seu poder” : Mt. 10.28 - “temei,

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antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo” ; Hb. 10.31 - “Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo” ; Ap. 14.11 - “E a fum aça do seu torm ento sobe para todo sem pre”. K u r t z , Religionslehre, 6 7 - "Porque Deus é santo deve manter a ordem do mundo e, onde esta é destruída, restaurá-la. Contudo, isto não pode aconte­ cer de outra form a senão esta: a ofensa pela qual o pecador destruiu a ordem do mundo recai sobre ele mesmo; e esta é a pena. O pecado é a negação da lei. A pena é a negação desta negação, isto é , o restabelecim ento da lei. O pecado é a confiança do pecador contra a lei. A pena, ao contrário, é a confiança na lei elástica porque é viva e vai de encontro ao pecador” . P l a t ã o , Górgias, 472 E; 509 B; 511 A; 515 B - “A im punidade é uma maldi­ ção mais terrível que qualquer punição e nada pode acontecer de tão bom ao crim inoso do que a sua retribuição, cuja om issão faria uma dupla desordem no universo. O próprio ofensor pode gastar suas artes em artifícios de escape e pensar que é feliz se não os encontrar. Mas todo o seu enredamento é apenas uma parte da ilusão do seu pecado; e, quando ele cai em si e vê qual é, na realidade, a sua transgressão, ele se torna prisioneiro da justiça eterna e sabe que é bom para ele ser afligido e, pela prim eira vez, emparelhar-se com a verdade”.

SEÇÃO VII - A SALVAÇÃO DAS CRIANÇAS Os pontos de vista que têm sido apresentados a respeito da depravação inata e a reação da santidade divina contra ela sugerem a pergunta se as c r ia n ­ ças que morrem antes de alcançar a consciência moral são salvas e, se são, de que modo. A esta pergunta respondemos: a ) As crianças estão em estado de pecado, necessitam de regeneração e só podem salvar-se através de Jesus Cristo. Jó 14.4 - “(Quem do imundo tirará o puro? Ninguém ”); Sl. 51.5 - “ Eis que em iniqüidade fui formado; e em pecado me concebeu minha mãe”; Jo. 3.6 “O que é nascido da carne é carne”; Rm. 5.14 - “ No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão”; Ef. 2.3 - “ Por natureza filhos da ira” ; 1 Co. 7.14 “ Doutra sorte, vossos filhos seriam im undos” - indica claram ente o estado impuro das crianças, por natureza; e Mt. 1 9 .1 4 - “Deixai os pequeninos e não os estorveis de vir a m im ” - não só é consistente com esta doutrina, mas confirm a-a fortem ente; porque o sentido é: “não os estorveis de vir a mim” de quem eles necessitam como salvador. “A vinda a C risto” é sempre a vinda de um pecador àquele que é o sacrifício pelo pecado; cf. Mt. 1 1 .2 8 - “Vinde a mim todos os que estais cansados”.

b) Contudo, comparadas com os que transgrediram pessoalmente, são con­ sideradas possuídas de relativa inocência e de submissão e confiança, que podem servir para ilustrar as graças do caráter cristão.

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Dt. 1.39 - “E vossos meninos ... e vossos filhos que nem bem nem mal sabem ”; Jn. 4.11 - “cento e vinte mil homens que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda” ; Rm. 9.11 - “porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal” ; M t . 18.3,4 - “se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo nenhum entrareis no Reino dos céus. Portanto, aquele que se tornar humilde como esta criança, esse é maior no Reino dos céus” . Ife rJu u u s M ü l l e r , Doctrine o f Sin, 2.265. W e n d t , Teaching o f Jesus, 2.50 - “R eceptividade despretensiosa, ... não o recebi­ mento do reino de Deus numa idade infantil, mas num caráter infantil ... é a condição de entrada; ... não inocência, mas a receptividade em si, da parte dos que não se consideram muito bons ou muito maus para a oferta apresen­ tada, mas o recebimento com desejo de coração. As crianças têm esta des­ pretensiosa receptividade do reino de Deus a qual, via de regra, é a sua caraterística, visto que ainda não possuem outras coisas das quais se orgulhariam”.

c) Por esta razão, elas são objeto de especial compaixão e cuidado divinos e pela graça de Cristo é certa a sua salvação. Mt. 18.5,6,10,14 - “Q ualquer que receber em meu nome uma criança tal com o esta a mim em recebe. Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, m elhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha e se subm ergisse na profundeza do m a r.... Vede, não desprezeis algum destes pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus sempre vêem a face de meu Pai, que está nos céus. ... Tam­ bém não é da vontade do Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca”; 19.14 - “Deixai os pequeninos e não os estorveis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus” - não o reino da natureza, mas o reino da sua graça, o reino dos pecadores salvos. A palavra “tais” não significa crian­ ças, mas crentes sem elhantes às crianças. M e y e r , sobre Mt. 19.14, relaciona a passagem só com os infantes espirituais: “Não as criancinhas”, diz ele, “mas homens com disposição infantil” . Geikie: “Venham as crianças a mim e não as proíbam, porque o reino do céu é conferido apenas a tais como os que têm um espírito de criança e a natureza dela” . As palavras do Salvador não indi­ cam que as criancinhas são 1) sem pecado, ou 2) dignas do batismo; mas, que a sua receptividade para o ensino, 2) intensa avidez, e 3) a confiança sincera, ilustram os traços necessários à adm issão no reino divino. Por isso, substancialm ente concordam os com o Dr. A. C. Kendrick em seu artigo na Sunday School Times: “A linguagem não se aplica aos infantes e às crianças como tais. Deve ser tom ada figuradam ente, e referir-se às qua ida­ des na infância, à sua dependência, à sua confiança, à sua tem a afeição, à sua am orosa obediência, que são típicas das graças cristãs essenciais. ... Se se perguntar da lógica das palavras do nosso Salvador - como ele poderia atribuir, como uma razão para perm itir que as criancinhas literalmeme devem ser trazidas a ele que as criancinhas espiritualm ente têm uma reivindicação do reino do céu - respondo: As pessoas que como uma classe estão capaci­ tadas para o reino espiritual de Deus não podem ser objeto de indiferença dele, ou igualmente ser consideradas com intenso interesse. ... A classe que

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em sua própria natureza reproduz as mais brilhantes caraterísticas da exce­ lência cristã devem ser objeto do cuidado e preocupação especiais de Deus”. A estas notas do Dr. Kendrick acrescentam os que as palavras de Jesus parecem -nos indicar mais do que uma preocupação e cuidado especial. Con­ quanto elas parecem pretender proibir toda idéia de que as crianças são sal­ vas pela sua santidade natural, ou sem a aplicação das bênçãos da expiação a elas, para nós parecem incluir os infantes no número daqueles que têm o direito a estas bênçãos; a saber, a preocupação e o cuidado de Cristo che­ gam a escolher os infantes para a vida eterna e capacitá-los ao reino do céu. Cf. Mt. 18.14 - “não é da vontade do vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca” = os que Cristo recebeu aqui não rejeitará no além. É claro que isto se refere aos infantes, como infantes. As palavras de Cristo garantem a salvação àqueles que morrem antes da consciência moral. A transgressão pessoal, contudo, envolve a necessidade de um arrependi­ mento pessoal e fé para a salvação antes da morte. d) As descrições da misericordiosa provisão de Deus que se estendem à ruína da queda também nos levam a crer que os que morrem na infância rece­ bem a salvação através de Cristo com a mesma certeza de que herdam o peca­ do de Adão. João 3.16 - “Porque Deus amou o m undo” - inclui os infantes. Rm. 5 .1 4 “a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à sem elhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir” = Há uma aplicação da vida de Cristo às crianças, como há uma apli­ cação da morte de Adão a elas. 19-21 - “ Porque, como pela desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim, pela desobediência de um, muitos serão feitos justos. Veio, porém, a lei para que a ofensa abun­ dasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; para que, assim como o pecado reinou na morte, tam bém a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor” . = como sem o seu ato pessoal os infantes herdaram a corrupção da parte de Adão, assim, sem o seu ato pessoal foi-lhes provida a salvação em Cristo. H o v e y , Bib. Eschatology, 170,171 - Embora os escritores sagrados nada falem sobre condição futura dos que morrem na infância, dificilm ente pode­ mos errar ao derivarmos do silêncio uma conclusão favorável. Que nenhum profeta ou apóstolo, que nenhum pai ou mãe devotos, devem ter expressado qualquer solicitude quanto aos que morrem antes de serem capazes de dis­ cernir entre o bem e o mal é surpreendente, a menos que tal solicitude fosse im pedida pelo Espírito de Deus. Não há exemplo de oração pelas as crianças tiradas na infância. Em lugar nenhum o Salvador ensina que elas estão em perigo de estarem perdidas. Por isso nós crem os de coração e de modo con­ fiante que elas são redimidas pelo sangue de Cristo e santificadas pelo seu Espírito de modo que, quando entram para o mundo invisível, elas se acham entre os santos” . Davi deixou de jejuar e chorar quando sua filha morreu e disse: “ Porém agora é morta, por que jejuaria eu? Eu irei para ela, porém ela não retornará para mim” (2 Sm. 12.23).

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è) A condição da salvação dos adultos é a fé pessoal. As crianças são inca­ pazes de preencherem esse requisito. Visto que Cristo morreu por todos, temos razão para crer que é feita a provisão para a sua aceitação de Cristo de outro modo. 2 Co. 5.15 - “ele morreu por todos” ; Mc. 16.16 - “Aquele que crer e for batizado será salvo; mas o que não crer será condenado” (os versos 9-20 são de autoridade canônica, apesar de não escritos por Marcos). O Dr. G. W. Northrop sustenta que, como, para o cristão, a morte deixou de ser uma pena, Cristo, tendo expiado e rem ovido a culpa do pecado original a todos os homens, incluiu os infantes. Mas retrucamos que não há nenhuma evidência de que qualquer culpa haja sido retirada exceto para os que participam da união vital com Cristo. E. G. R o b in s o n , C hristian Theol., 166 - “A maldição recai sobre cada um com o nascimento, mas cada um dos que chegam à idade da responsabilidade pode abrandá-la ou intensificá-la, na medida em que a sua natureza, que traz a maldição, dirige ou sofre a direção da sua razão ou da sua consciência. Assim todos alcançam igualmente as bênçãos da salvação, mas podem perdê-las ou assegurá-las, conform e a atitude de cada um para com Cristo, que é o único que pode garanti-las. Para as crianças, como a m aldição vem sem a sua eleição, de igual modo vem a sua rem oção”.

f) No juízo final, a conduta pessoal se toma o teste do caráter. Porém as crianças são incapazes de transgressão pessoal. Temos razão, portanto, para crer que elas estarão entre os salvos, visto que esta regra da decisão não se aplica a elas. Mt. 25.45,46 - “quando a um destes pequeninos não o fizestes, não o fizestes a mim. E estes irão para o torm ento eterno”; Rm. 2.5,6 - “no dia da ira e da m anifestação do juízo de Deus, o qual recom pensará a cada um segun­ do as suas obras” . N o r m a n Fox, The U nfolding o f B aptist Doctrine, 24 - “Não são apenas os C a tó lic o s R om anos que crêem na p e rd iç ã o dos in fa n ­ tes. Os luteranos, na Confissão de Augsburgo, condenam os batistas, que afirmam que as crianças são salvas sem o batismo - ‘dam nant Anabaptistas q u i... affirm ant qui pueros sine baptismo salvos fie ri’ (condenam os Anabatistas, que afirmam que as crianças sem o batismo estão salvas). Ao declarar que os ‘infantes eleitos que morrem na infância’ são salvos, a Confissão de W estm inster im plica que os não eleitos que morrem na infância estão perdi­ dos. Sem dúvida, alguns do que elaboraram aquele credo ensinavam isso”. Contudo, João Calvino não cria na perdição dos infantes, de cuja crença ele tem sido acusado. Na edição de suas obras em Am sterdã, 8.522, lemos: “ Não duvido de que as crianças que o Senhor reúne desde quando com e­ çaram a viver são regeneradas por uma operação oculta do Espírito Santo” . Em suas Instituições, livro 4, cap. 16, p. 335, ele fala da isenção da graça da salvação “como uma idéia não livre da execrável blasfêm ia” . A Revista

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P resbiteriana e Referências, out. 1890: 634-651, cita Calvino como segue: “ Em todo lugar eu ensino que ninguém pode, com justiça, ser condenado e perecer senão por pecado atual; dizer que inúmeros mortais, levados da vida quando ainda crianças, são precipitados dos braços de suas mães para a morte eterna é uma blasfêmia universalm ente detestável” . Assim também J o h n O w e n , Works, 8.522 - “ Há dois meios de Deus salvar os infantes. Primeiro, interessando-os no pacto, se os seus pais im ediatos ou remotos foram cren­ tes; ... Segundo, pela graça da eleição, mais livre e não presa a quaisquer condições” .

g) Visto que não há nenhuma evidência de que as crianças que morrem na infância são regeneradas antes da morte, com ou sem o uso de meios externos, parece mais provável que a obra da regeneração pode ser executada pelo Espí­ rito em conexão com o primeiro encontro com Cristo no outro mundo. Como o remanescente da depravação natural do cristão foi erradicado, não pela mor­ te, mas na morte, pela vista de Cristo e da união com ele, assim o primeiro momento de consciência da criança pode coincidir com o ver Cristo, o Salva­ dor, que cumpre a santificação inteira de sua natureza. 2 Co. 3.18 - “Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo, como um espelho, a glória do Senhor, somos transform ados de glória em glória na m es­ ma imagem, como pelo Espírito do Senhor”; 1 Jo. 3.2 - “sabemos que, quan­ do ele se manifestar, serem os sem elhantes a ele; porque assim como é o verem os” . Se perguntássem os por que não mais se diz isto sobre a Escritura, responderíamos: Isto concorda com a analogia do método geral de Deus de ocultar o que não é de valor prático im ediato. Há algum tempo, contudo, o conhecim ento do fato de que todas crianças que morrem na infância são sal­ vas podia causar a im pressão de que o infanticídio é uma virtude. Embora concordem os com os escritores citados a seguir, quanto à salva­ ção dos infantes que morrem antes da idade da consciência e transgressão voluntária, discordam os da tendência aparentem ente arm iniana da explica­ ção que eles sugerem . H. E. R o b in s , H a rm o n y o f E thics With Theology. “A declaração judicial da absolvição baseada na morte de Cristo, que veio para todos os homens, em cujo benefício eles são introduzidos pela morte natural, é uma justificação incipiente e se aperfeiçoará através do novo nasci­ mento no Espírito Santo a menos que a ação moral pessoal dos que estão perdidos ofereça resistência à obra divina” . F. O. Dickey: Porque os infantes são membros da raça e justificados da pena do pecado herdado pela obra m eritória de Cristo, pela mesm a razão a raça é justificada da mesm a pena e na mesm a extensão que aqueles e os m em bros da raça que morrem na infância serão salvos” . Temos a im pressão de que o elemento de verdade nos pronunciam entos acima parece-nos consistir no fato de que a união de Cristo com a raça garante a reconciliação objetiva dela em Deus. Mas a reconcilia­ ção objetiva e pessoal depende da união moral com Cristo e pode realizar-se no infante só por meio da apropriação da morte de Cristo.

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Enquanto, na natureza das coisas e pelas expressas declarações da Escritu­ ra, estamos impedidos de estender esta doutrina da regeneração na morte a qualquer que comete pecados pessoais, contudo, temos a garantia da conclu­ são de que, certa e grande como é a culpa do pecado original, nenhuma alma humana é condenada somente por este pecado da natureza, mas de que, por outro lado, todos aqueles que não transgrediram consciente e voluntariamente são participantes da salvação de Cristo. P o r o u tr o la d o , o s q u e d e fe n d e m

u m a s e g u n d a p r o v a ç ã o , lo g ic a m e n te ,

d e v e m s u s t e n t a r q u e , n o o u tr o m u n d o , o s in f a n t e s v iv e m e m e s ta d o d e p e c a ­ d o e q u e , a o m o r r e r e m , e le s s ó p a s s a m p o r u m p e r ío d o d e p r o v a ç ã o e m q u e p o d e m o u n ã o a c e it a r a C r is to ; d o u t r in a m u it o m e n o s c o n s o la d o r a q u e a p r o ­ p o s ta a c im a .

Ver P r e n t is s , Presb. Review, ju lh o d e 1.883:548-580 - L y m a n

B e e c h e r e C h a r l e s H o d g e a p r in c í p io to r n a r a m c o r r e n t e e m s e u p a ís a d o u t r i­ n a d a s a lv a ç ã o d e t o d o s o s q u e m o r r e m n a in fâ n c ia .

A a c e it a r - s e e s ta d o u t r i­

n a , s e g u ir - s e - á : 1) q u e e s t e s p a r t ic ip a n t e s d o p e c a d o o r ig in a l d e v e m s e r t o t a l­ m e n te s a lv o s a tr a v é s d a g r a ç a e p o d e r d iv in o s ; 2 ) q u e n a c r ia n ç a n ã o n a s c id a e x is te a p r o m e s s a e p o t e n c ia lm e n t e t o d a e s p ir it u a lid a d e h u m a n a ;

3) q u e a

s a lv a ç ã o é t o t a lm e n t e p o s s í v e l i n d e p e n d e n t e m e n t e d a ig r e ja v is í v e l e d o s re c u rs o s d a g ra ç a ;

4) q u e p a r a m e t a d e d e to d a a r a ç a e s ta v id a n ã o é , d e 5) q u e o s p a g ã o s q u e n u n c a o u v ir a m

m o d o a lg u m , u m p e r í o d o d e p r o v a ç ã o ;

f a la r d o e v a n g e lh o p o d e m s e r s a lv o s ; 6 ) q u e a p r o v id ê n c ia d e D e u s in c lu i e m s e u e s c o p o ta n t o in fa n te s c o m o p a g ã o s ” .

“As crianças exercem sobre nós uma influência redentora e retificadora e os seus atos e palavras casuais e a sim ples confiança chamam o nosso mun­ do empedernido e os corações obstinados de volta aos pés de Deus. Silas Marner, o velho urdidor do Raveloe, tão pateticam ente e de modo vivido des­ crita no romance de G e o r g e E l io t , era duro, desolado, ímpio velho mísero, mas depois que o pequeno Epie fugiu para a sua miserável cabana naquela m em orável noite de inverno, voltou novam ente a crer. ‘Agora e u ’, disse finalmente, ‘posso confiar em Deus até o fim da minha vid a ’. Um incidente no hospital do Sul ilustra o poder que as crianças têm de levar os homens ao arrependimento. Uma m enininha estava para subm eter-se a uma operação perigosa. Quando subiu na mesa de cirurgia, o doutor que foi anestesiá-la disse: ‘Antes de eu fazer você ficar boa vou fazer você dorm ir’. ‘Então’, disse ela docemente, ‘se o senhor me vai fazer dormir, eu quero orar antes’. Des­ cendo sobre os joelhos, e cruzando as mãos, repetiu a amável oração que aprendeu aos pés da mãe: ‘A gora que vou deitar-m e para ninar, oro ao Senhor para minha alma guardar’. Por um momento, os olhos daquele grupo marejaram em lágrimas, pelas cordas dedilhadas, enquanto o cirurgião disse: ‘Em trinta anos, esta foi-te é a prim eira vez que eu oro’” . A criança que já tem idade bastante para pecar contra Deus tem idade bastante para confiar em Cristo como Salvador dos pecadores.

Parte VI SOTERIOLOGIA, OU DOUTRINA DA SALVAÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DE CRISTO E DO ESPÍRITO SANTO

C apítulo I CRISTOLOGIA, OU A REDENÇÃO OPERADA POR CRISTO

SEÇÃO I - PREPARAÇÃO HISTÓRICA PARA A REDENÇÃO Visto que Deus, desde a eternidade determinara a redenção da humanida­ de, a história da raça, desde o tempo da queda até a vinda de Cristo, foi providencialmente arranjada no sentido de preparar o caminho da referida reden­ ção. Tal preparação foi dupla:

I. PREPARAÇÃO NEGATIVA - na história do mundo pagão. Isto mostrou 1) a verdadeira natureza do pecado e a profundidade da igno­ rância espiritual e a natureza da depravação a que a raça, deixada ao léu do seu destino, deve cair; e 2) a falta de poder da raça humana para preservar ou readquirir um adequado conhecimento de Deus ou livrar-se do pecado valendo-se da filosofia ou da arte. Por que não podia Eva ter sido a mãe da sem ente escolhida como a prin­ cípio se supôs que fosse? (Gn. 4.1 - “e ela concebeu e teve Caim [i.e. ‘obti­ do’, ‘adquirido’], e disse: alcancei do Senhor um varão”). Por que não se fixou a cruz junto aos portais do Éden? A Escritura sugere que havia necessidade de uma preparação (Gl. 4.4 - “mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho”). Dos dois agentes de que se valeu, chamam os de paga­ nismo a preparação negativa. Mas ela não foi inteiram ente negativa; foi tam­ bém em parte positiva. J u s t in o M á r t ir fala de um Aóyo ç cjT te p jia xiK Ó ç entre os pagãos. Clemente de Alexandria chama P la t ã o um Mcovaíiç àTxiKÍÇcov, um Moisés de fala grega. Observe a atitude sacerdotal de P it á g o r a s , S ó c r a t e s , P l a t ã o , P ín d a r o , S ó f o c l e s . A Bíblia reconhece J ó , Balaão, Melquisedeque c o m o exemplos de sacerdócio, ou de com unicação divina, fora dos limites do p o v o escolhido. Ou Deus com partilhava nas religiões pagãs, ou não eram reli­ giões. Confúcio, Buda, Zoroastro eram, quando nada, reformadores, que Deus, na sua providência, levantou. Gl. 4.3 classifica o judaísm o como “rudimen­ tos do mundo” , e Rm. 5.20 diz-nos que “a lei entrou” como uma força em

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cooperação com outros fatores humanos, com a revelação primitiva, com o pecado, etc.” . A preparação positiva do paganism o recebe m aior atenção quando concebe-m os Cristo como o Deus imanente, revelando-se na consciência e na história. Este é o verdadeiro sentido de J u s t in o M á r t ir , Apology, 1.46; 2.10,13 - “Toda a raça hum ana participou do Logos e os que viveram segundo a razão (Xóyo-u), eram cristãos, em bora fossem contados como ateus. Entre eles estão os gregos Sócrates e Heráclito e os que se assemelhavam a eles. ... Cristo era conhecido em parte até mesm o por Sócrates. ... Os ensinos de Platão não eram tão diferentes dos de Cristo, embora não fossem sem elhan­ tes em todos aspectos. Porque todos escritores da antigüidade eram capazes de ter uma visão obscura das realidades por meio da sem ente que neles habitava sobre o Verbo (Xóyov) im plantado” . J u s t in o M á r t i r reivindicava a ins­ piração de Sócrates. T e r t u l i a n o falava de Sócrates como “paene noster” “quase um dos nossos” . Paulo fala dos cretenses com o tendo “seu próprio profeta” (Tt. 1 .1 2 - provavelm ente Epim ênides (596 a.C.), a quem Platão cha­ ma de -ôeíoç àvrip - “homem de Deus” que Cícero copia ao lado de Bacis e Sibilo, o eritreu. Clemente de Alexandria, Stromata, 1.19; 6 . 5 - “O mesmo Deus que forneceu os dois concertos foi o que deu a filosofia aos gregos, pela qual o Onipotente é glorificado entre os gregos” . Agostinho: “ Platão deu-me a conhecer o verdadeiro Deus; Jesus Cristo m ostrou-se o caminho para ele” . B r u c e , Apologetics, 207 - “ Deus deu aos gentios pelo menos a luz estelar do conhecim ento religioso. Os judeus foram eleitos por causa do gentios. Havia uma certa luz mesmo para os pagãos, embora o paganism o como um todo era um fracasso. Porém até o seu próprio fracasso era uma preparação para o recebimento da verdadeira religião”. H a t c h , H ibbert Lectures, 133,238 - “O neoplatonism o, esplêndida visão do incom parável e irrecuperável mun­ do nefelibático em que o sol da filosofia grega se pôs. ... No seu lado ético, o cristianism o tem grandes elementos em com um com o estoicismo reformado; do seu lado teológico movia-se em harm onia com os novos m ovimentos do platonism o” . E. G. R o b in s o n : “A idéia de que todas as religiões, a não ser a cristã, são obra direta do diabo, é judaica, e agora se acha abandonada. Ao contrário, Deus se revelou à raça até onde esta tem sido capaz de conhe­ cê-lo. ... Qualquer religião é m elhor do que nenhuma, pois todas religiões implicam m oderação”. Jo. 1.9 - “Ali estava a luz verdadeira que alum ia a todo homem que vem ao mundo” - t e m sua equivalência no Velho Testamento no S l. 94.10 - “Aque­ le que argúi as nações não castigará? E o que dá ao homem conhecim ento não saberá?” Cristo é o grande educador da raça. O Verbo preencarnado exerceu influência sobre a consciência dos gentios. S ó ele dá veracidade ao “anima naturaliter C ristiana est” (a alma é cristã por natureza). S a b b a t ie r , Philos. Religion, 138-140 - “Religião é a união entre Deus e a alma. Porque a experiência primeiro se realizou perfeitam ente em Cristo. Eis aqui o fato ideal e o histórico unidos de um modo harm ônico. O racionalism o e a ortodoxia de O r íg e n e s e de T e r t u l ia n o tem, cada um, a sua verdade. A consciência religio­ sa de Cristo é a fonte da qual flui o cristianism o. Ele é o começo da vida do homem. Tem o espírito da filiação - Deus no homem e o homem em Deus. ‘Quid interius Deo?’ Ele nos apresenta a insistência da moral ideal, e ainda a

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pregação da misericórdia ao pecador. O evangelho é a sem ente do carvalho e o cristianism o é o carvalho que brota dele. Na sem ente do carvalho, assim como na árvore, estão os elem entos hebraicos tem porários. O paganismo é a materialização da religião; o judaísm o é a sua legalização. ‘Em m im ’, diz C h a r le s S e c r e t a n , vive alguém maior do que eu”’. Mas o elemento positivo no paganism o é fraco. Os seus altares e sacrifí­ cios, sua filosofia e arte, despertaram anseios que ele não pode satisfazer. Seus sistem as religiosos tornaram -se fonte de corrupção mais profunda. Não há esperança e nem progresso. A inerte calm a da Esfinge sim boliza a m ono­ tonia da civilização egípcia” . As nações clássicas tornaram -se mais desespe­ radas quando se tornaram mais cultas. Para as melhores mentes a verdade parecia im possível de ser alcançada e toda esperança do bem-estar parecia um sonho. Os judeus eram o único povo de boas perspectivas; e toda a nossa moderna confiança no destino e desenvolvim ento vem deles. Eles, por sua vez, extraem toda sua esperança da profecia. Não foi o seu "gênio pela reli­ gião” que os fez o que são, mas a revelação especial de Deus. Embora Deus estivesse na história dos pagãos, ainda assim, tão excepcio­ nais eram as vantagens dos judeus, que quase não podemos concordar com a doutrina do New Englander, set. 1883. 576 - “A Bíblia não reconhece outras revelações. Fala da ‘m áscara do rosto com que todos os povos andam cober­ tos e o véu com que todas as nações se escondem ’ (Is. 25.7); At. 14.16,17 ‘o qual, nos tem pos passados, deixou andar todos os povos em seus próprios caminhos; contudo, não se deixou a si mesmo sem testem unho’; não uma revelação interna nos corações dos sábios, mas uma revelação externa na natureza, ‘beneficiando lá do céu, dando-vos chuvas e tem pos frutíferos, enchendo de m antim ento e alegria o vosso coração’ . As convicções dos reformadores pagãos relativas à inspiração divina eram obscuras e intangí­ veis, com paradas com o conhecim ento dos profetas e dos apóstolos através dos quais Deus falava ao seu povo”.

II. PREPARAÇÃO POSITIVA - na história de Israel. Um simples povo foi separado dos outros desde os tempos de Abraão e educado em três grandes verdades: 1) a majestade de Deus em sua unidade, onipotência e santidade; 2) a pecaminosidade do homem e sua desesperança moral; 3) a certeza de uma salvação vindoura. Tal educação a partir da época de Moisés foi conduzida pelo uso de três principais agentes: A) A Lei. A legislação mosaica, a) através das suas teofanias e milagres; cultivava a fé num Deus pessoal e onipotente e Juiz; b) através das suas deter­ minações e ameaças despertava o senso do pecado; c) através do seu sistema sacerdotal e sacrificial inspirava a esperança de algum processo de salvação e acesso a Deus. A educação dos judeus, antes de tudo, se opera através da lei. Na história universal, como na individual, a lei deve preceder o evangelho; João Batista

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deve vir antes de Cristo; o conhecim ento do pecado deve preparar uma aus­ piciosa entrada para o conhecim ento de um Salvador. Enquanto o pagão estava estudando as obras de Deus, o povo escolhido estava estudando o próprio Deus. Os homens ensinam por palavras e por obras; do mesmo modo Deus. E as palavras revelam coração a coração, o que as obras nunca podem fazer. “ Fazia-se os judeus conhecer, em benefício da humanidade, a culpa e a vergonha do pecado. Contudo, precisam ente quando a doença estava no clímax, os médicos estavam sob o desprezo” . W r ig h t n o u r : “Como a ensinar todas as eras subseqüentes que nenhuma purificação exterior for­ neceria um remédio, o grande dilúvio que lavou todo o mundo antediluviano, com exceção de um única fam ília relativam ente pura, não purificou o mundo do pecado”. Com este crescimento gradual no sentido do pecado há tam bém uma fé ampliada e aprofundada. K u y p e r , W ork o f the H oly Spirit, 67 - “Abel, Abraão, Moisés = o indivíduo, a fam ília, a nação. Pela fé Abel obteve testemunha; pela fé Abraão recebeu o filho da prom essa; pela fé Moisés conduziu Israel atra­ vés do Mar Verm elho” . K u r t z , Religionslehre, fala da relação entre a lei e o evangelho como “ Ein fliessender Gegensatz” - “uma antítese fluente” - como a que há entre a flor e o fruto. A. B. D a v id s o n , Expositor, 6.163 - “O curso da revelação é como um rio que não pode ser dividido em seções”. E. G. R o b in s o n : As duas idéias fundam entais do judaísm o são: 1. a teológica - a unidade com Deus; 2. filosófica - a distinção entre Deus e o mundo material. O judaísmo vai à semente. Jesus, com o malho de ferreiro da verdade, destruiu as formas mortas e os judeus pensavam que ele estivesse destruindo a Lei”.

B) Profecia. - Esta era de duas espécies: a) verbal, - começando com o proto-evangelho no jardim e estendendo-se pelos quatrocentos anos que pre­ cedem a vinda de Cristo; b) típica, - em pessoas como Adão, Melquisedeque, José, Moisés, Josué, Davi, Salomão, Jonas; e na prática de atos tais como o sacrifício de Isaque o levantamento da serpente no deserto feito por Moisés. A relação da lei com o evangelho é como a de um esboço de um quadro com pleto ou do plano de Davi para a execução do tem plo de Salomão. Quan­ do todas outras nações estavam afundadas no pessim ism o e desespero, a luz da esperança irrompeu com brilho entre os hebreus. A nação ampliou seus limites. A fé era a sua própria vida. Os santos do Velho Testamento viram todas as perturbações da presente “sub specie eternitatis”, e creram que “a luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração” (Sl. 97.11). A esperança de Jó era a do povo escolhido: “ Eu sei que o meu Redentor vive, e que, por fim, se levantará sobre a terra” (Jó 19.25). H u t t o n , Essays, 2.237 “O supernaturalism o hebreu transm udou para sempre o naturalismo puro da poesia grega. E agora nenhum poeta moderno que não sinta e reproduza em seus escritos a diferença entre o natural e o sobrenatural pode tornar-se real­ mente grande” . Cristo é a realidade para a qual apontam os tipos e cerim ônias indicados pelo judaísm o; e estes desapareceram com o advento do cristianism o assim

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como as pétalas de uma flo r caem com o aparecim ento dos frutos. Muitas prom essas feitas aos santos do Velho Testamento, que lhes pareciam bên­ çãos tem porais, cum priram -se de m elhor form a por serem mais espirituais do que eles esperavam. Deste modo Deus cultivou neles uma ilimitada confian­ ça - na essência a mesm a que a fé da nova dispensação porque era a confi­ ança absoluta de um pecador conscientem ente desesperançado no método salvador de Deus e que era im plicitam ente, em bora não explicitamente, uma fé em Cristo. O proto-evangelho (Gn. 3.15) diz: “esta (a sem ente prom etida) te ferirá a cabeça” . A palavra “esta” vem traduzida em alguns manuscritos em latim pela palavras Por isso os doutores em divindades na Igreja Católica Roma­ na atribuem a vitória ã virgem. Note que Satanás foi amaldiçoado, mas Adão e Eva não o foram; porque estes eram candidatos à restauração. A promessa do Messias reduziu-se na medida em que a raça se tornou mais velha desde Abraão até Judá, Davi, Belém e a virgem. A profecia falava do “cetro” e das “setenta sem anas” . Ageu e M alaquias predisseram que o Senhor viria subita­ mente ao segundo tem plo. Cristo deveria ser verdadeiram ente homem e ver­ dadeiram ente Deus; profeta sacerdote e rei; hum ilhado e exaltado. Quando a profecia se tornasse completa, passaria o breve intervalo e, a seguir, ele, de quem Moisés na lei, e os profetas escreveram, verdadeiram ente viria. Contudo, esta preparação toda para a vinda de Cristo, por causa da per­ versidade do homem, transform ou-se nos mais form idáveis obstáculos ao progresso do evangelho. O Império Romano levou Cristo à morte. A filosofia rejeitou Cristo como loucura. O ritualism o judaico, o mais sombrio, usurpou o lugar da adoração e da fé, substância da religião. O último método divino da preparação no caso de Israel foi o do

“ipsa".

C) Juízo. - Os repetidos castigos divinos por causa da idolatria culmina­ ram com a ruína do reino e cativeiro dos judeus. O exílio teve dois principais efeitos: a) religioso, - dando ao monoteísmo firme raiz no coração do povo e levando ao estabelecimento do sistema de sinagogas pelo qual o monoteísmo daí em diante se preservou e se propagou; b) civil, - convertendo os judeus de um povo agrícola em comerciantes, espalhando-os entre todas nações e, final­ mente, imbuindo-os do espírito da lei e organização romanas. Assim o povo se tomou pronto para receber o evangelho e propagá-lo pelo mundo inteiro na época em que se tomara consciente de suas necessidades e, através de seus maiores filósofos e poetas, expressava seus anseios pela liber­ tação. Com a união da Europa, da Ásia e da Á frica há uma pequena terra pela qual passaram caravanas desde o Oriente até o Ocidente. A Palestina tomouse “o olho do mundo” . Os hebreus, através de todo o mundo romano eram a grande Palestina da dispersão”. A dispersão dos judeus por todas as terras tinha preparado um ponto de partida m onoteísta para o evangelho em cada cidade pagã. As sinagogas judaicas prepararam lugar para as assembléias

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onde ouviriam o evangelho. O Grego, língua literária universal, tinha provi­ denciado um meio através do qual aquele evangelho seria pregado. “César unificou o Latim no Ocidente, como Alexandre o fez com o fez com o Grego no Oriente”; e a paz universal juntam ente com as estradas romanas e as leis romanas tornaram possível àquele evangelho, quando tivesse obtido apoio, expandir-se até aos confins da terra. A prim eira aurora do empreendimento missionário surge entre os judeus prosélitos antes da era cristã. O cristianis­ mo lançou a base deste espírito proselitista e santificou-o até conquistar o mundo à fé cristã. B e y s c h l a g , N.T. Theotogy, 2.9,10 - “ Em sua expedição geral através do Helesponto, Paulo reverteu o curso que A lexandre em preendeu e levou o evangelho à Europa aos centros da cultura grega” . Vemos nestas prepara­ ções muitas linhas convergentes a um resultado, de form a inexplicável, a não ser que as tom em os como provas da sabedoria de Deus preparando o cami­ nho para o reino de seu filho; e tudo isto a despeito do fato de que “o endure­ cim ento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado” (Rm. 11.25). J a m e s R o b e r t s o n , E arly Religion o f Israel, 15 - “ Israel agora instrui o mundo no louvor a Mamon, após ter outrora ensinado o conhe­ cimento de Deus” .

SEÇÃO II - A PESSOA DE CRISTO A redenção do pecado da humanidade devia ser efetuada através de um Mediador que une em si tanto a natureza humana como a divina para que possa reconciliar Deus com o homem e o homem com Deus. Para facilitar o entendi­ mento da doutrina escriturística sob consideração, convém, de início, apresen­ tar um breve exame histórico dos pontos de vista relativos à pessoa de Cristo. Como já vimos, na história da doutrina, as crenças defendidas para a solução no início são apenas gradualm ente precipitadas e cristalizadas em fórm ulas definidas. A primeira pergunta que os cristãos naturalm ente faziam a si mesmos era: “que pensais vós do C risto?” (Mt. 22.42); daí a sua relação com o Pai; a seguir, na devida sucessão, a natureza do pecado, da expiação, da justificação, da regeneração. Estabelecendo conexão destas perguntas com os nomes dos grandes líderes que procuravam respectivam ente respon­ der-lhes, temos: 1. a Pessoa de Cristo tratada por Gregório Nazianzeno (328); 2. a Trindade por Atanásio (325-373); 3. o pecado por A g o s t in h o (353-430); 4. Expiação por A n s e l m o 1033-1109); 5. Justificação pela fé por Lutero (14851560); 6. Regeneração por João W esley (1703-1791); - seis dias de teologia, deixando só o sétimo, para a doutrina do Espírito Santo, que pode ser obra dos nossos dias. Jo. 10.36 - “aquele a quem o Pai santificou e enviou ao m undo” - indica um certo processo m isterioso através do qual o Filho foi preparado para a sua missão. Atanásio: “Se o Verbo de Deus está no mundo, em corpo, como estranho é afirm ar que ele tam bém entrou na hum anidadeI” Este é o fim natural da evolução do inferior para o superior.

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L LEVANTAMENTO H ISTÓ RICO DOS PONTOS DE VISTA RELATIVOS À PESSOA DE CRISTO 1. Os Ebionitas = ‘pobre’; 107 A.D. ?) negavam a natureza divina ie Cristo, e sustentavam que ele era apenas homem, quer concebido natural, quer sobrenaturalmente. Contudo, tal homem tinha uma relação peculiar com Deus, na qual, desde a época do batismo, uma plenitude desmedida do Espíri­ to Divino repousava sobre ele. O ebionismo era simplesmente um judaísmo sob o disfarce da igreja cristã e a negação da divindade de Cristo ocasionada pela aparente incompatibilidade com o monoteísmo. Fürst (Léxico Hebraico) deriva o nome ebionita da palavra que significa ‘pobre’; ver Is. 25.4 - “porque foste fortaleza do pobre”; Mt. 5.3 - “ Bem-aven­ turados os pobres de espírito” . Significa “almas opressas, piedosas”. Epifânio as faz rem ontar aos cristãos que se refugiaram , 66 A.D., em Pela pouco antes da destruição de Jerusalém. Eles duraram até o quarto século. D o r n e r não atribui nenhuma época para a form ulação da seita, nem atribui historicam en­ te a liderança a qualquer pessoa. Não se tratava de um cristianism o judaico, mas uma divisão dele. Havia dois grupos de ebionitas: a) Os nazarenos, que defendiam o nascim ento sobrenatural de Cristo, não iam além de adm itir a hipóstase do Filho. M enciona-se que eles tinham o Evangelho segundo Mateus em Hebraico. b) Os de Cerinto, que punham o batism o de Cristo em lugar do seu nasci­ mento sobrenatural, e faziam a filiação ética a causa da física. Segundo eles parece uma fábula que o Filho de Deus tivesse nascido de uma virgem. Não há nenhuma união pessoal entre o elemento divino e o humano em Cristo. Cristo, distinto de Jesus, não era som ente uma força impessoal que desceu sobre Jesus, mas uma hipóstase preexistente acim a das forças terrenas cria­ das. Os Ebionitas de Cerinto que, no todo, representam m elhor o espírito do ebionismo, aproxim avam -se do farisaísm o judaico e eram hostis aos escritos de Paulo. A Epístola aos Hebreus, de fato, pretende atacar uma tendência ebionita de valorizar excessivam ente a lei e subestim ar Cristo. Contudo, Em um ponto de vista completo, contudo, convém m encionar que: O Ebionismo Gnóstico dos pseudo-clem entinos, que, com o fim de des­ truir a divindade de Cristo e salvar o assim cham ado monoteísmo puro, da religião primitiva, abandonou até a m elhor parte do Velho Testamento. Em todas as suas for-mas, o Ebionismo concebe Deus e o homem exteriores um ao outro. Deus não podia originar-se do homem. Cristo não passava de um profeta ou mestre, que, em recom pensa da sua virtude, desde o tem po do batismo, era dotado do Espírito. Após a sua morte, foi elevado a condição de rei. Mas isto não justifica a adoração que a igreja lhe tributa. Um simples mediador nos separaria de Deus, ao invés de unir-nos a ele.

c)

2. Docetistas (SoKéco - ‘parecer’, ‘aparentar’; 70-170 A.D.) como a maio­ ria dos gnósticos no século II e os maniqueístas no século m , negavam a reali­

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dade do corpo de Cristo. Este ponto de vista era a seqüência lógica da suposi­ ção de que o mal é inerente à matéria. Se a matéria é má e Cristo era puro, então o corpo humano de Cristo deve ter sido meramente fantástico. O docetismo era simplesmente uma filosofia pagã introduzida na igreja. O gnóstico Basílides defendia um Cristo realm ente humano, a quem o voúç divino se uniu através do batismo; mas os seguidores de Basílides se tornaram docetistas. Para eles o corpo de Cristo era só aparente. Na verdade não tinha vida nem morte. Valentino tornou o Eon, Cristo, um corpo puram en­ te pneumático e digno dele, passar pelo corpo da Virgem, como a água atra­ vés do caniço, sem tom ar para si nada da natureza humana através da qual ele passou; ou como o raio de luz através do vidro colorido que só dá à luz uma parte da sua sombra. A vida de Cristo é som ente uma teofania. Os patripassianos e os sabelianos, que eram som ente seitas do docetismo, negavam toda a humanidade real de Cristo. M a s o n , Faith o fth e Gospel, 141 - “ Ele tece os espinhos da morte e da vergonha ‘como uma vereda triunfal’, cuja aspe­ reza nunca sentiu. O seu desenvolvim ento é apenas exterior e aparente. Não se lhe pode atribuir ignorância alguma em meio à onisciência de Deus”. Shelley: “A sua form a mortal É com o o vapor nebuloso Que o planeta do Oriente anima com a luz” . O forte argum ento contra o docetism o encontra-se em Hb. 2 . 1 4 - “Visto que os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas” . O fato de que o docetismo apareceu bem cedo m ostra a impressão que Cristo causou de ser um sobre-hum ano. Entre muitos dos gnósticos, a filoso­ fia que fornece a base do seu docetism o é a apoteose do mundo. Deus não precisa tornar-se homem para ser essencialm ente divino. Este ponto de vista e o erro oposto do já m encionado judaísm o mostram a sua insuficiência nas tentativas de com binar um com o outro, como na filosofia alexandrina.

3. Os Arianos (Ário, condenado em Nice, 325) negavam a integridade da natureza divina em Cristo. Eles consideravam o Logos que se uniu à humani­ dade em Cristo, não como possuído de divindade absoluta, mas como o pri­ meiro e mais elevado dos seres criados. Este ponto de vista originou-se numa falsa interpretação dos relatos escriturísticos do estado de humilhação de Cristo e no equívoco da subordinação temporária com a desigualdade original e per­ manente. D o r n e r cham a o arianism o uma reação contra o sabelianismo. Sabélio reduziu a encarnação de Cristo a um fenôm eno tem porário. Ário pensava acentuar a hipóstase do Filho e atribuir-lhe fixidez e substância. Mas, na sua mente, a realidade da filiação parecia requerer subordinação ao Pai. O r íg e n e s pensava na subordinação do Filho ao Pai em conexão com a doutrina da geração eterna. Ário sustentava a subordinação e também a geração, mas esta, ele declarava que não podia ser eterna, mas limitada ao tempo.

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4. Os Apolinciristcis (Apolinário, condenado em Constantinopla, 381) nega­ vam a integridade da natureza humana de Cristo. Segundo este ponto de vista, Cristo, de modo nenhum, tinha voíiç ou 7tv£\j)j.a humanos além daquele con­ cedido pela natureza divina. Cristo tinha só o arâpa e xiropí humanos; o lugar do vouç e do 7tve\)|j.a humanos foi preenchido pelo Logos divino. O apolinarismo é uma tentativa de construir a doutrina da pessoa de Cristo nas formas da tricotomia platônica. Para que a divindade não parecesse um elemento estranho, quando acres­ cido a esta hum anidade reduzida, Apolinário dizia que havia uma tendência eterna para o elemento humano no próprio Logos; que em Deus estava a verdadeira humanidade; que o Logos é o homem eterno, arquétipo. Mas não existe esta coisa de tornar-se homem - só há uma manifestação da carne da qual o Logos já era. Deste modo tem os um Cristo de cabeça grande, mas com corpo de anão. J u s t in o M á r t ir precedeu A polinário neste ponto de vista. Ao opor-se a isto, os Pais da igreja diziam que, o que “o Filho de Deus não tomou para si, não o santificou” - xò à 7 tp ó a ? a i7 tx o v k c u à d e p á rc e -o x o v . D o r n e r , Jahrbuch f. d. Theol., 1.397-408 - Na teoria ariana, a im possibilidade de uni­ ficar duas almas finitas conduziu finalm ente à negação [apolinarista] da alma humana de Cristo. O pensamento de Apolinário é que o Verbo eterno uniu em si, não uma natureza com pleta, mas uma natureza anim al irracional hum ana. S i m o n , R econciliation, 329 - é quase apolinarista quando sustenta que o Logos encarnado era humano, mas não um homem. Ele constitui o homem, autolimitado, de modo a poder salvar aquele a quem deu a vida. G o r e , Incarnation, 93 - “Apolinário sugere que o arquétipo da hum anidade existe em Deus, que fez o homem à sua imagem, de modo que a natureza deste, em certo sentido, preexistia em Deus. O Filho de Deus é eternam ente humano e pode preen­ cher o lugar da mente humana em Cristo sem deixar de ser, em certo sentido, divino. ... A isto a igreja se opunha; o homem não é Deus e nem Deus um homem. O primeiro princípio do teísmo é de que a humanidade, no fundo, não é a mesma coisa que Deus. Este é um princípio intim am ente ligado à respon­ sabilidade do homem e à sua realidade. Estavam em jogo os interesses do teísm o”.

5. Os Nestorianos (Nestório, exonerado do patriarcado de Constantinopla, 431) negavam a união real entre as naturezas divina e humana em Cristo, tomando-a mais uma unidade moral do que orgânica. Recusavam-se, portan­ to, a atribuir à unidade resultante os atributos de cada natureza e considera­ vam Cristo como um homem numa relação bem próxima com Deus. Assim eles sustentavam virtualmente duas naturezas e duas pessoas ao invés de duas naturezas em uma pessoa. Nestório não gostava da expressão: “Maria, mãe de Deus” . A declaração de C alcedônia declarava sua verdade, com o significativo acréscimo: “quanto

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à sua hum anidade” . Nestório fazia Cristo um tem plo de Deus. Ele cria na a-ovácpeia, mas não na êvcocnç, - junção e moradia, mas não união absoluta. Ele se excedeu na analogia da união do crente com Cristo e separou tanto quanto pôde o elem ento divino do humano. Neste ponto de vista as duas naturezas eram, àXXoq kccí ixXXoq, em lugar de aXXo k ccí aXXo que o constitui eTç - uma pessoalidade. A união que ele aceitava é moral, e considera Cristo sim plesm ente Deus e homem, em vez de Deus-homem. João Damasceno comparou a paixão de Cristo ao sentim ento de uma árvore sobre a qual brilha o sol. O machado derruba a árvore, mas não dani­ fica os raios solares. Assim os golpes desferidos contra a hum anidade de Cristo não ferem a sua deidade; conquanto a carne sofra, a deidade perm a­ nece impassível. Contudo, esta não deixa nenhuma eficácia divina nos sofri­ mentos humanos e nenhuma união pessoal do elemento humano com o divi­ no. O erro de Nestório surge de um nom inalism o filosófico que se recusa a conceber a natureza sem a pessoalidade. Ele tão som ente cria mais numa união local ou moral, como é a união matrimonial, em que os dois se tornam um; ou como o estado, que às vezes é cham ado de uma pessoa moral, por­ que sua unidade se compõe de pessoas. “ Não há necessidade alguma de um nascimento virginal, - para assegu­ rar um pai sem pecado do mesmo modo que uma mãe tam bém pura. O nestorianism o sustenta que não há encarnação real - só uma aliança entre Deus e o homem. Deus e o homem unem-se do mesmo modo que a formação das siamesas, Chang e Eng. Mas a encarnação não é apenas um grau mais ele­ vado da união mística” . G o r e , Incarnation, 9 4 - Nestório adotou e popularizou a doutrina do fam oso com entador Teodoro de Mopsuéstia. Mas o Cristo de Nestório era tão som ente um homem deificado, não um Deus encarnado; ele era debaixo, não de cima. Se ele fosse exaltado até unir-se à essência divina, sua exaltação seria apenas a de um indivíduo”.

6. Os Eutiquianos (Eutiques, condenado em Calcedônia, 451) negavam a distinção e coexistência das duas naturezas e defendiam uma mistura de ambas o que constituía um tertium quid, uma terceira natureza. Visto que nes­ te caso o divino deve sobrepor o humano, segue-se que o humano foi realmen­ te absorvido ou transmudado no divino, apesar de que o divino não ficou sen­ do em todos respeitos o mesmo, após a união, que se deu anteriormente. Os eutiquianos foram chamados de monofisitas porque virtualmente reduzi­ am as duas naturezas a uma. Eles eram uma escola alexandrina que incluía monges de Constantinopla e do Egito. Empregavam as palavras cúyx-oaiç, p.eTapo^fi - mescla, transfor­ mação - para descrever a união das duas naturezas de Cristo. A humanidade ligada à divindade era uma gota de mel m esclada ao oceano. Houve uma m udança em qualquer dos elementos, mas do mesmo modo que uma pedra atrai a terra, ou um meteorito, o sol ou, quando um barquinho em purra um navio, todo o movimento era virtualm ente na parte do objeto menor. Deste modo a humanidade foi absorvida pela divindade, para desaparecer. Ilustrou-se

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a união com o elétron, um metal form ado de prata e de ouro. Uma ilustração mais moderna seria a da união quím ica de um ácido e um alcalino, para for­ mar um sal diferente dos seus constituintes. Com efeito, esta teoria nega o elem ento humano e, com isso, a possibili­ dade da expiação, da parte da natureza humana, assim como da união real do homem com Deus. Tal união mágica das duas naturezas, como Eutiques descreve, é inconsistente com qualquer hom em digno da parte do Logos; a hum anidade está bem próxima tanto do elem ento ilusório como na teoria do docetismo. M a s o n , Faith o f the Gospel, 1 4 0 - “ Isto não só faz Deus, mas também a humanidade algo um tanto estranho - algum a natureza inom iná­ vel, em posição interm édia - a fabulosa natureza de um sem ideus semihumano” , como o Centauro. O autor de “A Teologia Alem ã” diz que “a natureza de Cristo era totalm ente despojada se si mesm a e não era nada mais que uma casa e habitação de Deus” . Os místicos teriam personalidade humana de tal modo com pleta com o órgão da personalidade divina que podem os ser para Deus o que a mão é para o hom em ” e que “eu” e “meu” podem deixar de ter qualquer sentido. Ambos pontos de vista têm um sabor de eutiquianism o. Por outro lado, o unitário diz que Cristo é “sim plesm ente um hom em ” . Mas não pode haver essa coisa de simples homem sem algo acim a e além dele, autocentrado e autom ovim entado. O trinitário às vezes se declara crer que Cristo é Deus e homem, im plicando dessa form a duas substâncias. O melhor é dizer que o Deus-homem manifesta todos os poderes divinos e qualidades de que todos os homens e toda a natureza são corpos parciais.

A futura pesquisa parece mostrar que a história esgotou as possibilidades de heresia e que as negações futuras da doutrina da pessoa de Cristo devem ser, na essência, formas dos pontos de vista já mencionados. Todas controvér­ sias com relação à pessoa de Cristo devem, necessariamente, girar em tomo de três pontos: 1) a realidade das duas naturezas; 2) a integridade das duas naturezas; 3) a união das duas naturezas em uma só pessoa. O ebionismo e o docetismo negam a realidade das naturezas; o arianismo e o apolinarismo negam a sua integridade; o nestorianismo e o eutiquianismo negam a proprie­ dade de sua união. Em oposição a todos esses erros, a doutrina ortodoxa tem a sua base e sustenta-a até hoje. Podemos aplicar a esta matéria o que o D r . A . P. P e a b o d y disse numa conexão diferente: “O cânon da infidelidade estava encerrado quase tão logo foi o das Escrituras” - os modernos descrentes têm, na maioria, repetido as objeções dos seus antigos predecessores. B r o o k s , Foundations o f Zoólogy, 126 - “Como uma granada que deixou de explodir é recolhida em algum cam­ po de batalha, por alguém sem experiência e que a faz explodir no seio de sua própria fam ília, com resultados desastrosos, assim uma destas crenças abandonadas pode danificar a cabeça de algum a fam ília intelectual para con­ fusão daqueles que o seguem como líder”.

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7. A Doutrina Ortodoxa (promulgada em Calcedônia, 451) sustenta que na pessoa de Cristo há duas naturezas, uma humana e uma divina, cada uma em sua plenitude e integridade e que estas duas naturezas estão orgânica e indissoluvelmente unidas sem, contudo, resultarem daí uma terceira natureza. Em resumo, para usar o dito antigo, a doutrina ortodoxa proíbe-nos tanto de dividir a pessoa como confundir as naturezas. Contudo, temos que demostrar que esta doutrina é escriturística e racional. Podemos com mais facilidade por em ordem nossas provas reduzindo os três pontos mencionados a dois, a saber: 1) realidade e integridade das duas natu­ rezas; 2) união das duas naturezas em uma só pessoa. A fórm ula de Calcedônia é negativa, com exceção da sua declaração de um êvcoaiç 'òrcoa-ccmKri. Ela p ro ce d e das n a tu re za s e co n s id e ra que o resultado da união é a pessoa. C onsidera-se cada uma das duas naturezas em m ovim ento recíproco. O sím b o lo nada diz de um a àvim oaxacna da natureza humana, nem diz que o Logos fornece o ego na personalidade. Con­ tudo, João Damasceno adiantou-se a estas conclusões e Pedro Lombardo usou a sua obra, traduzida para o Latim, e estabeleceu os pontos de vista da igreja do Ocidente na Idade Média. D o r n e r considera que isto causou o surgi­ mento da mariolatria, da invocação dos santos e da transubstanciação na Teologia da Igreja Católica Romana. Ver P h ilip p i, Glaubenslehre, 4.189 ss.; D o r n e r , Penson C hrist, 1.93-119 e Glaubenslehre, 2.320,328 ( Syst. Doctrine, 3.216-223), em cuja últim a passagem pode-se encontrar valiosa matéria rela­ tiva aos mutantes em pregos das palavras 7tpócco7tov, ímócnacnç, oiiaía, etc. G o r e , Incarnation, 96,101 - “ Estas decisões tão somente expressam, numa nova forma, sem qualquer acréscim o substancial, o ensino apostólico apre­ sentado no Novo Testamento. Expressam -no numa nova forma, tendo em vista a proteção dos propósitos do mesm o modo que a prom ulgação legal protege um princípio moral. São desenvolvim entos apenas no sentido de que representam o ensino apostólico elaborado em fórm ulas com o auxílio de uma term inologia alim entada pela dialética grega. ... O que a igreja tomou emprestado ao pensamento grego é a sua term inologia, não a substância do seu credo. Mesmo com relação à sua term inologia devemos fazer uma im por­ tante ressalva; porque o cristianism o deu ênfase à pessoalidade de Deus e do homem com que o helenismo pouco se preocupou” .

II. AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO - SUA REALIDADE E INTEGRIDADE 1. A Humanidade de Cristo

A) Sua Realidade. - Esta pode ser demonstrada da seguinte maneira: a) Ele expressamente chama-se a si mesmo e é chamado, “homem”.

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Jo. 8.40 - “procurais matar-me a mim, homem que vos tem dito a ver­ dade” ; At. 2.22 - “Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós”; Rm. 5.15 - “de um só homem, Jesus C risto” ; 1 Co. 15.21 - “como a morte veio por um homem, tam bém a ressurreição dos mortos veio por um homem”; 1 Tm. 2.5 - “um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem”. Compare as genealogias em Mt. 1.1-17 e Lc. 3.23-38; aquela prova que Jesus é de linhagem real e esta que pertence à linhagem natural de sucessão de Davi; aquela remonta sua linhagem a Abraão e esta a Adão. Cristo é, por­ tanto, filh o de Davi e tro n co de Israel. C om pare a expressão “ Filho do homem”, p. ex. em Mt. 20.28, a que, em bora se acrescentem outros sentidos, sem dúvida indica a verdadeira hum anidade de Jesus. Compare, finalmente, o termo “carne” (= natureza humana), aplicada a ele em João 1.14 - “e o Verbo se fez carne” , e em 1 Jo. 4.2 - “todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” . “Jesus é o verdadeiro Filho do homem como proclam ou ser. Isto implica que ele é o representante de toda a humanidade. C onsidere por um momento o que está implicado no fato de você ser homem. Quantos pais (pai e mãe) você teve? Você responde: Dois. Q uantos avós? Quatro. Quantos bisavós? Oito. Quantos trisavôs? Dezesseis. O número de ancestrais aumenta à medi­ da em que se recua e, se você tom ar som ente vinte gerações, vai contar mais de um milhão de progenitores. O nome Smith ou Jones, que você tem repre­ senta só uma linha de todos esses milhões; você pode ter qualquer outro nome; a sua existência é mais uma expressão da raça do que de qualquer fam ília ou linhagem particular. O que é verdade com relação a você, também o é com relação ao Senhor Jesus, do lado humano. Todas as linhagens da nossa humanidade comum convergem para ele. Ele é o Filho do homem, muito mais do que o filho de M aria” ; ver serm ão de A. H. S t r o n g no C ongres­ so Batista em Londres.

b) Ele possuía os elementos essenciais da natureza humana de que se cons­

tituem atualmente - um corpo material e uma alma racional.

Mt. 26.38 - “A minha alma está cheia de tristeza” ; Jo. 11.33 - “moveu-se muito em espírito”; Mt. 26.26 - “isto é o meu corpo”; Lc. 24.39 - “espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” ; Hb. 2.14 - “Visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas"; 1 Jo. 1.1 - “O que tem os ouvido, o que tem os visto com os nossos próprios olhos, o que contem plam os, e as nossas mãos apalparam, com res­ peito ao Verbo da vida”; 4.2 - “todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” . Contudo, Cristo não era todos homens em um e não ilustrou o desenvolvi­ mento de todas as forças humanas. O riso, a pintura, a literatura, o casam en­ to - estes aspectos ele não invadiu. Não consideram os isto como ausência do homem ideal. A perfeição de Jesus é a do am or autolimitado. Por nossa causa ele se santificou (Jo. 17.19), ou separou-se de muitas coisas que no homem comum teriam sido excelência e prazer. Tornou-se um exemplo para nós fazendo a vontade de Deus e refle tin d o o c a rá te r de Deus em seu

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ambiente particular e em sua missão particular - a de Redentor do mundo. M o b e r l y , A tonem ent and Personality, 86 - 105 - “Cristo não era apenas um homem entre os homens. Sua relação com a raça hum ana não é diferente por ser outro, mas idêntica às nossas. Sua relação com a raça não era uma rela­ ção diferenciadora mas consum adora. Ele não era homem de modo genérico mas inclusivo ... A única relação que poderia ser com parada a sua é a de Adão que era a hum anidade em um sentido real ... O Espírito de Deus se torna, pela encarnação, o espírito do homem ... Se a humanidade de Cristo não fosse a humanoidade do Divino, não seria uma relação inclusiva e consu­ midora, na qual ela se torna, de fato, para a hum anidade de todos os outros homens ... O centro do ser de Cristo com o homem não era em si mesmo mas em Deus. ele era a expressão, pela reflexão da vontade, do Outro.”

c) Ele era movido por princípios instintivos e exercia as forças ativas que pertencem a uma humanidade normal e desenvolvida (fome, sede, cansaço, sono, amor, compaixão, ira, ansiedade, temor, lamento, choro, oração). Mt. 4.2 - “depois teve fom e” ; Jo. 19.28 - “tenho sede” ; 4.6 - “Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se junto da fonte”; Mt. 8.24 - “o barco era coberto pelas ondas; ele, porém, estava dorm indo” ; Mc. 10.21 - “E Jesus, olhando para ele, o am ou”; Mt. 9.36 - “E, vendo a multidão, teve grande com ­ paixão deles”; Mc. 3.5 - “ E olhando para eles, em redor, com indignação, condoendo-se da dureza do seu coração” : Hb. 5.7 - “oferecendo, com grande clam or e lágrimas, orações e súplicas ao que podia livrar da morte” ; Jo. 12.27 - “Agora, a minha alma está perturbada e, que direi eu? Pai, salva-me desta hora” ; 11 .3 3 - “moveu-se muito em espírito” ; 3 5 - “Jesus chorou” ; Mt. 1 4 .2 3 “subiu ao monte para orar à parte” ; Hb. 2.16 - “ Porque, na verdade, não tom ou os anjos, mas tom ou a descendência de Abraão”. O P r o f . J. P. S il v e r n a il , The Elocution o f Jesus, encontra as seguintes indicações quanto à sua libertação. Caraterizava-se 1. Pela naturalidade (sen­ tado, como em Cafarnaum); 2. Pela deliberação (cultiva a reação positiva da parte dos seus ouvintes); 3. Pela circunspecção (olhou para Pedro); 4. Pela ação dram ática (a mulher apanhada em adultério); 5. Pelo autocontrole (auto­ ridade, equilíbrio, sem gritaria, denúncia contra os escribas e fariseus). Tudo isto são manifestações de qualidades e virtudes verdadeiram ente humanas. A Epístola de Tiago, irmão do nosso Senhor, com sua exaltação de uma vida mansa, tranqüila e santa pode ser um reflexo constante do caráter de Jesus, como tinha aparecido a Tiago durante os prim eiros dias em Nazaré. Assim, a exclam ação de João Batista, “Eu careço de ser batizado por ti” (Mt. 3.14) pode ser uma inferência do seu relacionam ento com Jesus durante a infância e juventude.

d) Estava sujeito às leis ordinárias do desenvolvimento humano tanto no corpo como na alma (crescia e se fortalecia em espírito; interrogava; crescia em sabedoria e em estatura; aprendeu a obediência; sofreu sendo tentado; aperfeiçoou-se através do sofrimento).

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Lc. 2.40 - “ E o menino, crescia e se fortalecia, em espírito, cheio de sabe­ doria”; 46 - “assentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os” (aqui, aos doze anos, aparece pela prim eira vez tornando-se plenamente cons­ ciente de que é o Enviado de Deus, o Filho de Deus; 49 - “ Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?”) 52 - “crescia em sabedoria e em estatura” ; Hb. 5.8 - “aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” ; 2.18 “naquilo que ele mesmo, sendo tentado, sofreu, pode socorrer aos que são tentados”; 1 0 — convinha que aquele ... consagrasse, pelas aflições, o Prínci­ pe da salvação deles. K e b le : “ Não foi o nosso Senhor uma criancinha, ensinada aos poucos a orar; pelo pai querido e pela com passiva mãe instruído dia a dia”? A d a m s o n , The M ind in C hrist “ Para H e n r y D rummond a cristandade foi a coroa da evolu­ ção do universo inteiro. O crescim ento de Jesus em estatura e em graça dian­ te de Deus e dos homens é uma m iniatura do processo evolutivo de longa duração”. Forrest, C hrist o f History a n d o f Experience, 185 - “ A encarnação do Filho não é a sua única revelação de Deus, mas a interpretação de todas as suas outras revelações de Deus à hum anidade pecadora na natureza e história e experiência moral que tinham sido entenebrecidas pelo pecado. ... O Logos, encarnado ou não, é o xéXoç assim como o à p /ií da criação” . A n d r e w M u r r a y , S pirit o f Christ, 26,27 - “C onquanto agora ele mesmo batizado, contudo, não pode batizar outros. Em primeiro lugar, ele deve, na força do seu batismo, enfrentar a tentação e vencê-la; deve aprender a obedi­ ência e suportá-la; através do Espírito eterno, oferecer-se como sacrifício a Deus e sua vontade; então só ele pode outra vez receber o Espírito Santo como recom pensa da obediência, com o poder de batizar todos os que per­ tencem a ele”; ver A t . 2.33 - “ De sorte que, exaltado à direita de Deus e, tendo recebido do Pai a prom essa do Espírito Santo, derram ou isto que agora vedes e ouvis”.

é) Ele sofreu e morreu (transpirou sangue; rendeu o espírito; seu flanco foi cravado e dele saíram sangue e água). Lc. 22.44 - “ E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue que corriam até ao chão”; Jo. 19.30 “ E, inclinando a cabeça, entregou o espírito”; 34 - “um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” ; Stroud sustentava que a causa física da morte do nosso Senhor foi a prova de que Jesus morreu com o coração partido. A n s e l m o , C ur Deus homo, 1.9-19 - “Já se disse que o Senhor crescia e m sabedoria e em graça para com Deus, não porque isto era assim, mas p o r q u e ele agia como se assim fosse. Assim foi exaltado depois da morte, como se esta exaltação fosse por causa da m orte”. Podemos, e n t r e t a n t o , r e p ! ' ; a r : Resolva todos os sinais da humanidade pela sim ples aparência, e v o c ê p e r d e a natureza divina assim como a humana; porque Deus é v e r d a d e e n ã o p o d e produzir a mentira. O bebê, a criança e até m esm o o homem, e m c e r t o s respeitos, é ignorante. O menino Jesus não estava f a z e n d o c r u z e s , como no quadro de Overbeck, mas jugos e arados, como r e la t a J u s t in o M á r t ir -

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trabalhando como verdadeiro aprendiz na profissão de José: Mc. 6.3 - “Não é este o carpinteiro, o filho de M aria”? Ver o quadro de Holman H unt, The Shadow o f the Cross - no qual, não Jesus, mas só M aria vê a sombra da cruz na parede. Ele viveu uma vida de fé, assim como de oração (Hb. 12.2 - “Jesus, autor (capitão, príncipe) e aperfeiçoador da nossa fé”), dependente da Escritura, o que era muito, como o SI. 16 e o 118 e Is. 49, 50, 61 escritos para ele e a respeito dele. VerPARKS, Discourses, 297-327; D eutsch, Remains, 1 3 1 - 0 mais transcendental vôo do Talmude é este dito: ‘Deus ora’ “ . Na humanidade de Cristo, unida como está à divinda­ de, tem os a verdadeira resposta a esta peça poética do Talmude.

B) Sua Integridade. Empregamos aqui o termo ‘integridade’ para significar, não a mera pleni­ tude, mas a perfeição. O que é perfeito é, afortiori, completo em todas as suas partes. A natureza humana de Cristo era: a) Sobrenaturalmente concebida; visto que a negação de sua concepção sobrenatural envolve, ou uma negação da pureza de Maria, sua mãe, ou a negação da veracidade das narrativas de Mateus e de Lucas. Lc. 1.34,35 - “ E Maria disse ao anjo: Como se fará isso, visto que não conheço varão? E, respondendo, o anjo disse-lhe: D escerá sobre ti o Espírito Santo e a virtude do Altíssim o te cobrirá com a sua som bra” . A semente da mulher (Gn. 3.15) não tinha pai terreno. “Eva” = vida, não só por ser a fonte da vida física da raça, mas também por trazer ao mundo aquele que devia ser a sua vida espiritual. Juuus M ü lle r, Proof-Texts, 29 - Jesus Cristo “não tinha de modo nenhum um pai terreno; seu nascim ento foi um ato criativo de Deus, rompendo as cadeias da geração humana” . D orner, Glaubenslere, 2.447 (Dou­ trina Sistemática, 3.345) - “A nova ciência reconhece os múltiplos métodos de programa e em uma mesma espécie”. O P rof. L oeb achava que o ovo não fertilizado do ouriço do mar pode ser feito por tratam ento quím ico a fim de produzir um novo mais econômico e acha provável que se pode obter o mesmo efeito entre os mamíferos. Deste modo, coloca-se entre as possibilidades científicas a partenogênese na mais elevada ordem da vida. Romanes, mesmo quando agnóstico, afirm ava que o nascimento virginal até na raça humana, de modo nenhum devia estar no nível das possibilidades; ver sua obra Darwin depois de Darwin, 119, no roda­ pé - “Mesmo que uma virgem tivesse concebido e dado à luz um filho, mesmo que tal fato na espécie humana tivesse sido único, provocaria um precedente na continuidade psicológica” . Só um novo im pulso da parte do C riador pode­ ria salvar o Redentor das longas fatalidades ocorrentes na geração humana. Mas a nova criação da hum anidade em Cristo é cientificam ente tão possível como a primeira criação em Adão; e em ambos os casos não pode ter havido nenhuma violação da lei natural, mas apenas a única revelação das suas possibilidades. “O nascimento a partir de uma virgem pode tornar claro que algo novo estava ocorrendo na terra e que se tratava de alguém que não era

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um sim ples homem vindo ao m undo” . A.B. Bruce: “O naturalism o integral exclui a vida virginal bem como o nascimento virginal” . P a u l L o b s t e in , Incarnation o f our Lord, 217 - Aquilo que é desconhecido aos ensinos de S. Pedro e S. Paulo, S. João e S. Tiago, e do próprio nosso Senhor e está ausente dos mais antigos e dos mais tardios evangelhos, não pode ser tão essencial como tantas pessoas têm suposto” . Este argumento do silêncio é suficientem ente encarado pelas considerações de que Marcos passou mais de trinta anos da vida de nosso Senhor em silêncio; que João pressupõe as narrativas de Mateus e de Lucas; que Paulo não trata da histó­ ria da vida de Jesus. Os fatos eram conhecidos a princípio só por Maria e José; a própria natureza deles envolve reticência até que Jesus foi dem ons­ trado ser “Filho de Deus em poder, pela ressurreição dos mortos” (Rm. 1.4); nesse tem po o desenvolvim ento natural de Jesus e sua recusa de estabele­ cer um reino terreno pode ter feito os eventos m iraculosos de trinta anos atrás parecerem a Maria um sonho m aravilhoso; por esse motivo, só gradualmente o conto maravilhoso da mãe do Senhor achou seu destino na tradição do evangelho e dos credos da igreja e no íntimo do coração dos cristãos do mundo todo. C o o k e , sobre The Virgin Birth o f our Lord, Revista Metodista, nov. 1 9 0 4 . 8 4 9 8 5 7 - “Se há uma nódoa moral na raça humana, se no próprio sangue e constituição da hum anidade há uma inerradicável tendência para o pecado, então é totalm ente inconcebível que alguém que nasceu na raça por proces­ so natural escape à nódoa da raça. E, por fim, se o nascimento virginal não é histórico, então uma dificuldade maior que qualquer crítica destrutiva, resul­ tante da evolução de documentos, interpolações, im probabilidades psicológi­ cas e contradições inconscientes depara com a razão e transtorna todos os longos resultados da observação científica; que um pecaminoso e que peca deliberadam ente e o casal descasado teriam dado a vida para o mais puro ser humano que jam ais viveu ou com quem jam ais a raça humana sonhou, e que, conhecendo e perdoando os pecados dos outros, nunca conheceu a vergonha da sua própria origem ”.

b) Livre tanto da depravação hereditária como do verdadeiro pecado; como se demonstra do fato de nunca ter oferecido sacrifício, ou nunca orar pelo perdão, ensinando que todos, a não ser ele, necessitavam do novo nascimento, desafiava todos a argüi-lo de um só pecado. Freqüentem ente Jesus subia ao tem plo, mas nunca ofereceu sacrifício. Ele orava: “Pai, perdoa-lhes” (Lc. 23.34); mas nunca orou: “Pai, perdoa-m e'. Ele dizia: “Necessário vos é nascer de novo” (Jo. 3.7); mas tais palavras indi­ cam que e/e tinha tal necessidade. “ Em nenhum m om ento em toda aquela vida nem um só porm enor foi alterado, a não ser para pior” . Ele não só ren­ deu-se à vontade de Deus quando passou a conhecê-la, mas buscou-a: ‘ não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou” (Jo. 5.30). A ira que ele mostrou não era apaixonada, ou egoística, ou vindicativa, mas a indignação da justiça contra a hipocrisia e crueldade - indignação acompa-

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nhada de mágoa: “olhando para eles com indignação, condoeu-se da dureza do seu coração (Mc. 3.5). F. W. H. M y e r s , St. Paul, 19,53 - “Tu, com oração forte e com muitíssim a insistência Serás interrogado, e responderás, Mostra o coração oculto pulsando sob a criação, Sorri com teus olhos bondosos e sê humano para com os homens. ... Sim, durante a vida inteira, nos momentos de tristeza e no pecar, ele me bastará, ele me bastou: Cristo é o fim, pois Cristo foi o começo, Cristo o começo, porque o fim é Cristo” . Nenhuma expe­ riência pessoal de pecado, mas resistência a este, capacita-nos a lib e r­ tar-nos. Lc. 1.35 - “pelo que tam bém o Santo, que de ti há de nascer, será cham a­ do Filho de Deus”; Jo. 8.46 - “Quem de vós me convence de pecado?” 14.30 - “aproxima-se o príncipe deste mundo e nada tem em mim” = a mais insigni­ ficante inclinação má na qual a sua tentação pode apoiar-se; Rm. 8.3 - “à sem elhança da carne do pecado” = na carne, mas sem o pecado que nos outros homens se apega à carne; 2 Co. 5.21 - “Àquele que não conheceu pecado” ; Hb. 4.15 - “em tudo foi tentado, mas sem pecado” ; 7.26 - “santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores” - pelo fato de sua concepção imaculada; 9.14 - “pelo Espírito eterno, ofereceu a si mesm o im aculado a Deus”; 1 Pe. 1.19 - “com o precioso sangue de Cristo, como cordeiro ima­ culado incontam inado” 2.22 - “o qual não com eteu pecado, nem na sua boca se achou engano” ; 1 Jo. 3.5,7 - “nele não há pecado ... ele é justo” . J ulius M üller, Proof-Texts, 29 - “Se Cristo só tivesse natureza humana, não poderia ter sido sem pecado. Mas a vida tira da parte putrefata matéria para o seu próprio viver. A vida divina apropria a humana” . D orner, G laubens­ lehre, 2.446 (Syst. Doctrine, 3.344) - “O que a regeneração é para nós, para Deus é a encarnação” . Nesta origem da im pecam inosidade de Jesus por cau­ sa da sua união com Deus, vemos o absurdo tanto doutrinário com prático de falar em uma concepção im aculada da Virgem e de fazer a sua im pecam ino­ sidade preceder à do seu filho. Sobre a doutrina C atólica Romana, ver H. B. S mith, System, 389-392; M ason, Faith o f the Gospel, 129-131 - “Ela faz a regeneração da hum anidade começar, não com Cristo, mas com a Virgem. Ela quebra a conexão com a raça. Em vez de a pecam inosidade brotar da raça pecaminosa, deriva sua humanidade de algo não sem elhante ao resto da humanidade” . Tomás Aquino e Liguori, ambos chamam Maria rainha da misericórdia e seu filho Jesus, o Rei da Justiça. B radford, Heredity, 289 “A Igreja Romana fez quase uma apoteose de Maria; mas não é bom esque­ cer que o processo começou com Jesus. Do que ele era tirou-se uma inferên­ cia sobre o que sua mãe deve ter sido”. “Cristo assumiu a natureza humana de tal modo que esta, sem pecado, arcou com as conseqüências do pecado” . Essa parte da natureza humana que o Logos assumiu na união com ele mesmo é instantânea e, pelo fato de assumi-la, purificou-a de toda a depravação inerente. Mas, se em Cristo não há nenhum pecado, ou tendência para pecar, com o poderia ele ser tentado? Do mesmo modo respondemos que Adão foi tentado. Cristo não era oniscien­ te: Mc. 13.32 - “daquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai”. Só no fim da prim eira tentação Jesus reconhece Satanás como o adversário das almas: Mt. 4.10 - “vai-te, Sata­ nás” . Jesus pôde ser tentado não só porque não era onisciente, mas porque

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também tinha a mais aguda suscetibilidade às form as do desejo inocente. Para tais desejos a tentação pode apelar. O pecado não consiste nestes desejos, mas na gratificação deles sem a ordem de Deus e contrárias à sua vontade. M e y e r : “A cobiça é um apetite d escontrolado. Não há prejuízo nenhum em qualquer apetite natural, considerado em si. Mas o apetite foi prejudicado pela queda” . Foi assim que Satanás apelou (Mt. 4.1-11) para o desejo do nosso Senhor alim entar-se, obter aplauso, ou auferir poder: Ueberglaube, Aberglaube, U nglaube” ( K u r t z ); cf. Mt. 26.39; 27.42; 26.53. Toda ten­ tação deve dirigir-se ou ao desejo, ou ao medo; desse modo é que Cristo “em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb. 4.15). A prim eira tentação no deserto apelou para o desejo; a segunda, no horto, para o medo. Após a primeira tentação, Satanás “ausentou-se dele por algum tem po” (Lc. 4.13); porém vol­ tou, no Getsêmani - “porque se aproxim a o príncipe deste mundo e nada tem em mim” (Jo. 14.30) - se fosse possível para destruir a obra de Jesus, levan­ tando dentro dele grandes e agonizantes tem ores do sofrim ento e morte que se deparavam à sua frente. Contudo, tanto do desejo como do medo de que a sua alma estava movida, ele era “sem pecado” (Hb. 4.15). A árvore à beira do precipício ferozm ente é açoitada pelos ventos; trem enda é a pressão sobre as suas raízes, mas estas se mantêm firm es. Mesmo no Getsêmani e no Calvário nunca Cristo orou pedindo perdão para si, mas para os outros.

c) Natureza humana ideal, - fornecendo o padrão moral que o homem pro­ gressivamente deve alcançar, apesar de que dentro dos limites do conheci­ mento e da atividade requerida por sua vocação como Redentor do mundo. SI. 8.4-8 - “ Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória de honra o coroaste” . 1 Co. 15.45 - “O primeiro ... Adão ... o último Adão” - implica que o segundo Adão realizou o pleno conceito da hum anida­ de que deixou de ser realizado no primeiro Adão; é o que aparece no v. 49 “assim, como trouxem os a imagem do [homem] terreno” . 2 Co. 3.18 - “a gló­ ria do S e n h o r” é o padrão em cuja s e m e lh a n ç a fo m o s tra n sfo rm a d o s. Fp. 3.21 - “que transform ará o nosso corpo abatido, para ser conform e o seu corpo glorioso” ; Cl. 1.18 - “para que em tudo tenha a preem inência” ; 1 Pe. 2.21 - “sofreu em vosso lugar, deixando-vos o exemplo, para seguirdes os seus passos” ; 1 Jo. 3.3 - “Qualquer que nele tem esta esperança purificase a si mesmo, como tam bém ele é puro”. A expressão “filho do hom em ” (Jo. 5.27), cf. Dn. 7.13, Com. de Pusey, in loco, e W e s t c o t t , Bibl. Com. sobre João 32-35 parece sugerir que Cristo res­ ponde à idéia perfeita da humanidade, como existia no princípio na mente divina. Não que ele fosse infinitam ente belo na form a física; porque o único meio de conciliar as aparentes indicações conflitantes é supor que a respeito de todas exterioridades ele assumiu a m édia da hum anidade aparentando ao mesmo tem po sem form a ou graça (Is. 52.2), com idade anterior ao seu tem ­ po (Jo. 8.57 - “Ainda não tens cinqüenta anos”), em outra ocasião revelando tanto da sua graça interior e glória que os seres humanos foram atraídos e sentiram pavor (SI. 45.2 - “Tu és mais form oso do que os filhos dos homens” ; Lc. 4.22 - “as palavras de graça que saíam da sua boca”; Mc. 10.32 - “Jesus

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ia adiante deles. E eles m a ra vilh a va m -se e se g u iam -n o a te m o riza do s” ; Mt. 17.1-8 narrativa da transfiguração). Com pare os quadros bizantinos de Cristo com os dos pintores italianos, - aqueles ascéticos e macilentos; estes de boa aparência física. Os quadros modernos fazem Jesus excessivamente judeu. Contudo, há um certo elemento de verdade nas palavras de Mozoomdar: “Jesus era oriental e nós, ocidentais o entendem os. Ele falava através de linguagem figurada. Nós o entendem os. Ele era místico. Você o tom a literal­ mente; você faz dele um inglês” . Do mesmo modo os cristãos japoneses não engolem o sistem a ocidental de teologia porque dizem que isto seria depri­ mente para o mundo segundo o ponto de vista que o japonês tem a respeito de Cristo. Mas com referência a todo elemento espiritual Cristo era perfeito. Nele se unem todas as excelências de ambos os sexos, de todos os tem peramentos e nacionalidades e caracteres. Ele não só possui a inocência passiva, mas também a santidade positiva e absoluta, que triunfa na tentação. Em si ele engloba todos os objetivos e razões para o sentim ento e adoração; de sorte que, ao amá-lo, “o amor nunca é dem asiado” . Portanto, não é a nossa nature­ za humana, mas a natureza humana de Cristo que é a verdadeira base da ética e da teologia. Esta ausência de estreita individualidade, este ideal, a hum anidade universal, não podem te r sido garantidas sim plesm ente pelas leis da propagação; ela é garantida pela m ilagrosa concepção. S e t h , Ethical Principies, 420 - “O segredo da força do ideal moral é a convicção de que ele leva consigo não um sim ples ideal, mas a expressão da suprem a Realidade” . B o w n e , Theory o f Thought and Knowledge, 364 “O a p rio ri só esboça um possível, e não determ ina o que será real dentro dos limites do possível. Se a experiência é possível, deve assum ir certas formas, mas estas são com patíveis com uma variedade infinita de experiência” . Nem uma verdade ou ideal a p rio ri pode garantir o cristianism o. Queremos uma base histórica, um Cristo real, uma realização do ideal divino. “Os grandes homens” , diz Amiel, “são os verdadeiros hom ens” . Sim, acrescentamos, mas não som ente Cristo, o m aior homem, mostra o que é o verdadeiro homem. A perfeição celestial de Jesus revela-nos a grandeza do nosso possível ser, enquanto revela ao mesmo tem po deficiência infinita e a fonte donde deve vir toda a restauração. G o r e , Incarnation, 168 - Jesus Cristo é o homem católico. Em certo sen­ tido, os maiores homens têm transcendido os limites do seu tempo. ‘Os ver­ dadeiram ente grandes têm todos uma idade, e a partir de um espaço visível derramam a sua influência. Tanto no poder com o nos atos são perm anen­ tes, e o tem po não está com eles, mas trabalha para eles e eles no tem po’. Mas em um único sentido a hum anidade de Jesus é católica; porque é isenta, não das limitações que tornam estreita e isolada a nossa humanidade sim ­ plesmente local e nacional” . D a l e , Ephesians, 42 - Cristo é um servo e algo mais. Há uma tranqüilidade, uma liberdade, uma graça, sobre a sua prática da vontade de Deus, que pertence apenas a um Filho. ... Nada há de cons­ trangim ento. ... Para isso ele nasceu. ... Ele faz a vontade de Deus como um filho faz a vontade de seu pai, naturalm ente, quase sem pensar. ... Nenhuma irreverente fam iliaridade sobre a com unhão com o Pai, mas nenhum traço de medo, ou mesmo de estranheza. ... Os profetas caíram por terra quando a

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glória divina lhes foi revelada, mas Cristo perm anece calm o e firme. Um sujei­ to pode perder a posse de si mesmo na presença do seu príncipe, mas um filho não”. M a s o n , Faith o fth e Gospel, 148 - “O que em certa ocasião ele havia per­ cebido, daí em diante conheceu. Ele não tinha nenhuma opinião, nenhuma conjectura; nunca ouvimos dizer que ele esqueceu, nem mesmo que eie lem­ brou, o que implicaria um grau de esquecim ento; nunca ouvimos dizer que ele chegou a verdades pelo processo de raciocínio; mas ele raciocina a partir de outras. Não se registra que ele tom ou conselho ou form ou planos; mas ele quis, propôs e fez uma coisa com vistas a outra” .

d)

Natureza humana que encontrou sua pessoalidade só na união com a natureza divina, - em outras palavras, uma natureza humana impessoal, no sentido de que ele não tinha nenhuma pessoalidade separada da natureza divi­ na e anterior à sua união com ela. Im pessoalidade da natureza humana de Cristo é som ente aquilo que não tem pessoalidade antes que ele a assumisse, nem antes da sua união com a divina. É a na tu re za hum ana cujo co n h e cim e n to e cu ja vontade só se desenvolveram na união com a pessoalidade do Logos. É por isso que os Pais rejeitaram a palavra rivwtoa-tocaícc, e substituíram -na por èvwioaTaaía, eles não favoreciam a não pessoalidade, mas a //ifro-pessoalidade. Em ter­ mos ainda mais claros, o Logos não assumiu a união consigo mesmo de uma pessoa humana já desenvolvida, com o Tiago, Pedro, ou João, mas a nature­ za humana antes que ela se tivesse tornado pessoal ou capaz de receber um nome. Ela alcançou a sua pessoalidade só na união com a natureza divina. Pelo que vemos em Cristo não duas pessoas - uma hum ana e outra divina mas uma pessoa, e que possui uma natureza hum ana assim como divina. M a s o n , Faith o fth e Gospel, 136 - “Não contam os nenhum defeito em nos­ so corpo que não tenha nenhum a subsistência pessoal separada de nós mesmos e que, se separada de nós, não é nada. Ela participa de uma vida verdadeiram ente pessoal porque nós, cujos corpos elas possuem, somos pes­ soas. O que lhes acontece a nós” . Do mesmo modo, a pessoalidade do Logos fornece o princípio organizador da dupla natureza de Jesus. Quando ele faz uma retrospectiva, vê a si mesmo habitando na eternidade com Deus no que se refere à natureza divina. Porém com respeito à sua humanidade nunca foi eterno; teve o seu começo no tempo. Contudo, a sua humanidade nunca teve uma existência pessoal separada; sua pessoalidade só se desenvolveu em conexão com a natureza divina. Gòschel, citado em D o r n e r , Person Christ, 5.170 - “Cristo é humanidade; nós a tem os; ele a é inteiramente; nós partici­ pamos dela. Sua pessoalidade precede e se encontra na base da pessoalida­ de da raça e de seus indivíduos. Como idéia, ele se encontra implantado na hum anidade toda; ele se encontra na base de cada consciência humana, sem, contudo, atingir a realização em um indivíduo; porque isto só é possível em toda a raça nos fins dos tem pos” . E m m a M a r ie C a i l l a r d , Man in the Light o f Evolution, Revista Contem porâ­ nea, dez. 1893. 873-881 - “Cristo não é apenas o objetivo com o qual a raça

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que deve conformar-se, mas é tam bém o princípio vital que molda cada indi­ víduo à sim ilitude da própria raça. Potencialmente existe o tipo perfeito atra­ vés de todos os estágios interm ediários pelos quais progressivam ente se aproxim a e, se não existe, nenhum deles tam bém pode existir. Não pode ha­ ver desenvolvim ento se não houver vida. Cristo, o tipo perfeito da hum anida­ de é o objetivo da evolução do homem. Ele existe e potencialm ente sempre existiu na raça e no indivíduo tanto antes como depois da encarnação visível, de igual modo em milhões daqueles que não levam o seu nome, assim como daqueles que o levam. No sentido mais estrito das palavras, ele é a vida do homem e este é o sentido muito mais profundo e mais significativo que se pode dizer da vida do universo”. D a le , Christian Fellowship, 159 - “A encarna­ ção de Cristo não é uma maravilha isolada e anormal. É a testem unha divina da relação verdadeira e ideal de todos os homens com Deus”. A encarnação não é um evento separado do Verbo “cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq. 5.2).

é) Natureza humana germinal e capaz de auto-comunicação, constituindoo assim o cabeça espiritual e começo de uma nova raça de que o homem deca­ ído individual e coletivamente deriva a vida nova e santa. Em Is. 9.6, Cristo é chamado Pai da eternidade” . Em Is. 53.10, se diz que “ele verá a sua posteridade” . Em Ap. 22.16 ele cham a a si mesmo “a raiz” assim como “geração de Davi” . Ver tam bém Jo. 5.21 - “assim também o Filho vivifica aqueles que quer” ; 15.1 - “eu sou a videira verdadeira” - cujas raízes não estão plantadas na terra, mas no céu; o vinhateiro de cujo tronco deve proceder a nova vida da humanidade e a quem os ramos meio secos da velha humanidade devem ser enxertados para que tenham a vida divina. UerTRENCH, Sermão sobre Cristo a Videira Verdadeira, Hulsean Lectures. Jo. 17.2 - “deste-lhe poder sobre toda carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste"; 1 Co. 15.45 - “o último (foi feito) espírito vivificante” - não se trata aqui do Espírito Santo, nem da natureza divina de Cristo, mas do “ego da sua total pessoalidade divino-hum ana”. Ef. 5.23 - “como também Cristo é a cabeça da igreja" = cabeça à qual estão unidos todos os membros e da qual a vida e o poder derivam. Cristo cham a os discíp u los “filh in h o s ” (Jo. 13.33); quando os deixa cham a-os “órfãos” (14.18). “ Ele a si mesmo apresenta-se como pai e não menos que irmão” (20.17 - “meus irm ãos” ; cf. Hb. 2.11 - “irm ãos” , e 13 - “ Eis-me aqui a mim e aos filhos que Deus me deu”). A nova raça se propaga conforme a analogia antiga; o primeiro Adão é a fonte da vida física; o segundo Adão, da espiritual; o primeiro Adão é a fonte da corrupção; o segundo, da santidade. Daí Jo. 12.24 - “se morrer, dá muito fruto” ; Mt. 10.37 e Lc. 14.26 - “Quem ama o pai, ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim” = ninguém, que prefere seus velhos ascendentes à sua nova descendência e parentesco espiritual, é digno de mim. Por isso Jesus não é som ente a mais nobre encar­ nação da velha humanidade, mas tam bém a fonte e início de uma nova, a nova fonte da vida da raça. Cf. 1 Tm. 2.15 - “salvar-se-á, porém dando à luz filhos” - o que trouxe Cristo ao mundo.

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L ig h t f o o t , Cl. 1.18 - “que é o princípio e o prim ogênito dentre os mortos” - “Aqui àpxri = 1. prioridade no tem po. Cristo foi feito primícias dentre os mortos (1 Co. 15.20,23); 2. a força originadora, não somente o principium principatum, mas tam bém o principium principians. Como ele é o primeiro com relação ao universo, assim torna-se o prim eiro com relação à igreja; cf. Hb. 7.15,16 - “outro sacerdote que não foi feito segundo a lei do manda­ mento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível” . Paulo ensina que “Cristo é a cabeça de cada hom em ” (1 Co. 11.3), e que “nele habita corporal­ mente toda a plenitude da divindade” (Cl. 2.9). W h it o n , Gloria Patri, 88-92, assinala sobre Ef. 1.10, que o propósito de Deus é “congregar em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus, como as que estão na terra” para trazer todas as coisas a um cabeça A história é a perpetuam ente crescente encarnação da vida, cujo clím ax e coroa é a pleni­ tude divina da vida de Cristo. Nele a filiação do mundo outrora inconsciente desperta para a consciência do Pai. É ele o mais digno de ostentar o nome de Filho de Deus, com preem inente, mas não exclusivo direito. Concordamos com estas palavras de W h it o n , desde que signifiquem que Cristo é o único doador da vida ao homem e o único doador da vida ao universo. Por isso Cristo é a única autoridade m áxima na religião. Ele se revela na natureza, no homem, na história, na Escritura, mas cada um deles é um espe­ lho que o reflete em nós. Em cada caso o espelho é ou mais ou menos borra­ do e a imagem obscurecida, em bora apareça, não obstante, no espelho. O espelho é inútil se não houver um olho para contem plá-lo e um objeto para ser visto nele. O Espírito Santo dá a visão enquanto o próprio Cristo, vivo e presente, fornece o objetivo (Tg. 1.23-25; 2 Co. 3. 18; 1 Co. 13.12). Do outro lado da humanidade está a cristandade; do outro lado da raça decaída e pecaminosa está a nova raça criada pela introdução e morada de Cristo. Por isso, só quando ele ascendeu com a perfeita humanidade pôde enviar o Espírito Santo porque este, que torna o homem filho de Deus, é o Espírito de Cristo. Agora a humanidade de Cristo, em virtude da sua união com a divindade, tornou-se universalm ente comunicável. É tão consoante com a evolução derivar os dons espirituais do segundo Adão, fonte solitária, como derivar o homem natural do primeiro Adão, tam bém fonte solitária. S imon, Fteconciliation, 308 - “Todo homem, no sentido, tem a natureza divina - como ensina Paulo, (At. 1 7 .2 9 ).... É como se, no centro, estivesse enfaixado com várias voltas, e depois na form a de um bulbo, discer­ níssemos a viva chama divina, im primindo em nós, qualitativa, para não dizer quantitativam ente, da mesma form a absoluta que o grande sol ao qual ela pertence” . A idéia de verdade, beleza, justiça tem em si uma qualidade abso­ luta e divina. Ela vem de Deus, embora das profundezas da nossa própria natureza. É a evidência de que Cristo, “a luz que alum ia a todo hom em ” (Jo. 1.9), está presente e opera em nós. P f l e io e r e r , Philos. Religion, 1.272 - “Que a idéia divina do homem como ‘o filho do seu am or’ (Cl. 1.13) e da hum anidade como o Reino deste Filho de Deus, é a causa final im anente de toda existência e desenvolvim ento mesmo antes do mundo da natureza, este têm sido o pensam ento fundam ental da gnose cristã desde a era apostólica e penso que nenhuma filosofia ainda foi capaz de abalar ou ultrapassar tal pensam ento - a pedra angular do ponto de

(àvaKecpaXaicbaaa0ai).

-ôeíov yévoç

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vista idealista do mundo”. Porém Mead, O Lugar de R it s c h l na História da Doutrina, 10, diz a respeito de P f le id e r e r e de R it s c h l : “Am bos reconhecem Cristo m oralm ente perfeito e o cabeça da Igreja Cristã. Ambos negam a sua preexistência e essência divina. Am bos rejeitam a concepção tradicional de Cristo como o Redentor. R it s c h l cham a Cristo de Deus, embora inconsisten­ tem ente; P f l e id e r e r abre mão de dizer uma coisa quando parece significar outra” .

As passagens aqui mencionadas refutam abundantemente a negação docetista do verdadeiro corpo humano de Cristo e a negação apolinarista da verda­ deira alma humana de Cristo. Mais do que isto, estabelecem a realidade e a integridade da natureza humana de Cristo, possuída de todos elementos, faculdades e forças essenciais à humanidade. 2. A Divindade de Cristo A realidade e integridade da natureza divina de Cristo foi suficientemente provada em um capítulo anterior. Precisamos apenas fazer referência à evi­ dência dada de que, durante o ministério terreno, Cristo: a) Possuía conhecimento de sua divindade. Jo. 3.13 - “o Filho do Homem, que está no céu” - passagem que indica claramente a consciência de Cristo, pelo menos em certas épocas da sua vida terrena, de que ele não estava confinado à terra, mas também estava no céu [apesar de que aqui, W e s t c o t t e Hort, juntam ente com K e B , omitem ó còv èv xrâ o-òpavw; na defesa da leitura com um ver B r o a d u s , H ovey’s Com. On Jo. 3 .13]\ 8.58 - "antes que Abraão existisse eu sou” - aqui Jesus declara que há um sentido em que a idéia de nascim ento e de começo não se aplicam a ele, mas na qual ele pode aplicar a si o nome “eu sou” do Deus eterno: 14.9,10 - “ Estou há tanto tem po convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: M ostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” A d a m s o n , The M ind o f Christ, 24-49, dá os seguintes exemplos do conhe­ cimento sobrenatural de Jesus: 1. O conhecim ento que Jesus tinha de Pedro (Jo. 1.42); 2. a sua descoberta de Filipe (1.43); 3. seu reconhecimento de Natanael (1.47-50); 4. a m ulher sam aritana (4.17-19,39); 5. as pescas m ara­ vilhosas (Lc. 5.6-9; Jo. 21.6); 6. a morte de Lázaro (Jo. 11.14) 7. o jumentinho; 8. o cenáculo (Mc. 14.15); 9. a negação de Pedro (Mt. 26.34); 10. a forma como ele morreria (Jo. 12.33; 18.32); 11. a form a com o Pedro morreria (Jo. 21.19); 12. a queda de Jerusalém (Mt. 24.2). Jesus não diz “nosso Pai”, mas “meu Pai” (Jo. 20.17). A rejeição dele é pecado maior que a rejeição dos profetas porque ele é o “filho am ado” de Deus (Lc. 20.13). Ele conhece, m elhor do que os anjos, os propósitos de Deus, porque ele é o seu Filho (Mc. 13.32). Como Filho de Deus, só ele conhece, e só ele pode revelar o Pai (Mt. 11.27). Há algo mais claro na sua

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filiação do que na dos seus discípulos (Jo. 1.14 - “unigênito” ; Hb. 1.6 - “pri­ m ogênito”).

b) Exercia poderes e prerrogativas divinos. Jo. 2.24,25 - “Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no hom em ” ; 18.4 - “Sabendo Jesus todas as coi­ sas, que sobre ele haviam de vir, adiantou-se” ; Mc. 4.39 - “ E ele, despertan­ do, repreendeu o vento e disse ao mar: Cala-te. E o vento se aquietou e houve grande bonança” ; Mt. 9.6 - “Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra autoridade para perdoar pecados - disse ao paralítico: Levanta-te, tom a a tua cama e vai para a tua casa”; Mc. 2.7 - “ Porque diz este blasfêmias? Quem pode perdoar pecados senão Deus?” Não basta, com o A lexandre Severo, guardar o busto de Cristo, numa capela particular, do mesmo modo que um Virgílio, um Orfeu, um Apolônio e outras pessoas da mesm a valia; ver G ib b o n , Decline and Fali, cap. XVI. “Cris­ to é tudo em todos. Na história árabe, o príncipe tom ou de uma casca de noz a miniatura de uma tenda que se ampliou a ponto prim eiro de cobri-lo e, depois o seu palácio e, depois o seu exercito e, por fim, todo o seu reino. Do mesm o modo o ser de Cristo e sua autoridade am pliam -se quando os refletimos até que eles sejam levados, não só para dentro de nós, dos nossos lares e do nosso país, mas do mundo todo form ado de homens pecadores e sofredores e de todo o universo de Deus”. M a t h e s o n , Voices o f the Spirit, 39 - “Que lei é essa que eu chamo de gravitação, mas o sinal do Filho do homem no céu? É o evangelho da autorendição na natureza. É a incapacidade de qualquer mundo ser o seu próprio centro, a necessidade de cada mundo centrar-se em algo mais. ... No firm a­ mento, assim como na terra, os muitos tornam-se um ao darem-se como exem­ plo de muitos” . O mais sutil pensamento falhará e faltará o aprendizado; as igrejas mudam, as form as deixam de existir, os sistem as passam; Mas as nossas necessidades humanas, não se alterarão, Cristo jam ais se m odifica­ rá. Sim, amém, Ó imutável, só tu és o guia da vida e a meta espiritual; Tu, que és a luz no vale escuro, Tu que és o ancoradouro da alma” .

Mas isto significa, em outras palavras, que havia, em Cristo, um conheci­ mento e uma força tais que pertencem só a Deus. As passagens citadas forne­ cem uma refutação tanto para a negação ebionita da realidade como para a negação da integridade por parte dos arianos sobre a natureza divina de Cristo. Napoleão ao Conde M ontholon (M em órias de B ertrand): “ Penso que entendo um pouco da natureza humana, e digo que tudo isto [heróis da anti­ güidade] eram seres hum anos e eu tam bém o sou; mas não há ninguém como ele: Jesus Cristo era mais do que um hom em ” . Mesmo E s p in o s a , Trac. Theol.-Pol., cap 1 (vol. 1.383), diz que “Cristo com ungava com Deus, mente a mente ... tal intimidade espiritual é ímpar” ( M a r t in e a u , Types, 1.254) e Chan-

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ning fala de Cristo como sendo mais do que um ser humano; tendo apresen­ tado uma im aculada pureza que é a mais elevada distinção do céu. F. W. R o b e r t s o n cham ou a atenção para o fato de que a expressão “ Filho do hom em ” (Jo. 5.27; cf. Dn. 7.13) im plica em si que Cristo é mais do que um homem; teria sido im pertinência dele ter-se proclam ado Filho do homem, se não tivesse reivindicado ser algo mais; cada homem não podia chamar-se a mesma coisa? Quando alguém tom a para si esta designação caraterística, como aconteceu com Jesus, im plica que há algo estranho em ser Filho do homem; esta não é a condição e dignidade originais; a saber, ele é também Filho de Deus. Corrobora o argum ento da Escritura achar que a experiência cristã sem distinção reconhece a divindade de Cristo e que a história cristã mostra uma nova concepção da dignidade da infância e da fem inilidade, do elemento sagrado da vida humana, e do valor da alma humana; surgindo da crença de que, em Cristo, a divindade honrou a natureza humana fazendo-se uma união perpétua com ela, levando a culpa e castigo e elevando-a da desonra do túm ulo para a glória do céu. Tanto a hum anidade com o a divindade de Cristo são necessárias; a humanidade, - porque, como testem unha O Juízo Final de Miguel Ângelo, as eras que negligenciaram a humanidade de Cristo sem dúvida têm algum defensor e Salvador humano, e encontram um pobre subs­ tituto para o Cristo sempre presente na m ariolatria, na invocação dos santos, e na ‘presença real’ da hóstia ou na missa; porque, se Cristo não é Deus, ele não pode oferecer uma infinita expiação por nós, nem realizar uma verdadei­ ra união entre as nossas almas e o Pai. D o r n e r , Glaubenslehre, 2.325-327 (Doutrina Sistemática, 3.221-223) - Maria e os santos ocuparam o lugar de intercessores no céu; a tra n su b sta n cia çã o forneceu um C risto presente na terra” . Quase que se pode dizer que M aria se fez a quarta pessoa da divindade. H a r n a c k , Das Wesen des Christendum s: Não é paradoxo nem racionalismo, mas tão som ente expressa a verdadeira posição apresentada diante de nós nos evangelhos; só o Pai, não o Filho, tem um lugar no evangelho como Jesus o proclam ou” ; /'.e., Jesus não tem lugar nenhum, nem autoridade, nem suprem acia, no evangelho; o evangelho é um cristianism o sem Cristo; ver N ic o l l , The C hurch’s One Foundation, 48. E isto em face das próprias pala­ vras de Jesus: “Vinde a mim” (Mt. 11.28): “O Filho do Homem ... se assenta­ rá no trono da sua glória e todas as nações serão reunidas diante dele” (Mt. 25.31,32); “quem me vê a mim vê o Pai” (Jo. 14.9) “quem não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele perm anece” (Jo. 3.36). L o is y , The G ospel and the Church, defende a teoria da sem ente diferentem ente da teoria da cebola. O quarto evangelho parece uma produção do segundo século? E então? Há uma evolução da doutrina quanto a Cristo. “Harnack não concebe o cristianism o como uma semente, a princípio potencialm ente uma planta, depois uma planta real, desde o com eço da sua evolução idêntica ao limite final e desde a raiz até o alto do caule. Ele a concebe mais como um fruto am adurecido, ou muito amadurecido, que deve ser descascado para descobrir-se o cerne incorruptível, e ele descasca o fruto de tal modo que pouco sobra até o fim ”. R. W. Gilder: “Se Jesus é apenas um homem, e tão som ente um homem, Digo que Toda a hum anidade se apega a ele, e sempre

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se apegará. Se Jesus é só um Deus, eu juro que o seguirei por todo o céu e por todo o inferno, terra e mar, e ar” . Sobre Cristo manifesto na natureza, ver J o n a t h a n E d w a r d s , Observations on Trinity, ed. Smith, 92-97 - “Aquele que, por sua influência imediata, pro­ duz, a cada momento, o ser e atua por seu Espírito no mundo, porque se inclina a comunicar-se, indubitavelm ente com unica a sua excelência aos cor­ pos, até onde de qualquer form a há consentim ento ou analogia. E a beleza do rosto e o suave ar no ser humano nem sem pre são o efeito da excelência da mente; contudo, a beleza da natureza na verdade é emanação ou sombra da excelência do Filho de Deus. De tal modo que, quando nos deleitamos com as campinas floridas e a suave brisa do vento, podemos considerar que só vemos as em anações da doce benevolência de Jesus Cristo. Quando observam os a fragrante rosa ou o lírio, vemos seu am or e sua pureza. Assim as verdes árvores, e os verdes campos, e o canto das aves são emanações do seu infinito regozijo e benignidade. A tranqüilidade e a naturalidade das árvores e vinhas são som bras da sua beleza e benignidade. Os cristalinos rios e as murmurantes correntezas são os vestígios do seu favor, da sua gra­ ça e beleza. Quando contem plam os o brilho do sol, as bordas das nuvens vespertinas ou o belo arco-íris, vem os os delineam entos da sua glória e bon­ dade e, da sua mansidão e docilidade no céu azul. Há também muitas coisas através das quais podemos contem plar a sua trem enda majestade: no poder do sol, nos cometas, no trovão, nas trovejantes nuvens a tremular, nas áspe­ ras rochas e cimo dos montes. A bela luz pela qual o mundo se enche de um claro dia é clara representação de sua im aculada santidade, felicidade e deleite a comunicar-se. Sem dúvida esta é uma razão pela qual Cristo é com ­ parado com tanta freqüência a estas coisas e chamado pelos seus nomes, tais como, Sol da Justiça, Estrela Matutina, Rosa de Saron, o Lírio do Vale, a macieira entre as árvores do bosque, um molho de mirra. Através disto pode­ mos descobrir a beleza de muitas m etáforas e sím iles que a uma pessoa sem filosofia parecem tão inadequadas. Por sem elhante modo, quando contem ­ plamos a beleza da perfeição do corpo humano, ainda vem os como que ema­ nações das perfeições divinas de Cristo, em bora nem sem pre fluam das excelências mentais da pessoa que as possui. Vemos, porém, a mais ade­ quada imagem da beleza de Cristo quando a vem os na alma humana”.

III. A UNIÃO DAS DUAS NATUREZAS EM UMA SÓ PESSOA As Escrituras representam claramente Jesus Cristo tendo sido possuído de uma natureza divina e de uma natureza humana, cada qual inalterada em essência e não desvestida de seus atributos e poderes normais do mesmo modo em que elas com igual distinção representam Jesus Cristo como uma única pessoalidade indivisível em quem as duas naturezas estão vital e inseparavelmente unidas de modo que ele, com propriedade, é não Deus e homem, mas Deus-homem. As duas naturezas estão ligadas não por laço moral de amiza­ de, nem por laço espiritual que liga o crente ao Senhor, mas um laço único e

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inescrutável que os constitui uma pessoa com uma só vontade e consciência, vontade e consciência que incluem em seu estado tanto a natureza humana como a divina. W h i t o n , Gloria Patri, 79-81, deixa de falar na união de Deus e homem; por isso, diz ele, envolve a falácia das duas naturezas. Ele fala mais na m anifes­ tação de Deus no hom em ” . Como se pudesse haver algo como um mero homem excluindo algo acima dele e além dele e movido por si mesmo. Pode­ mos ver com sim patia a objeção de W h i t o n sobre a expressão “ Deus e homem” , por causa da sua implicação de uma união imperfeita. Porém prefe­ rimos o termo “Deus-hom em ” em lugar de “Deus no homem” , porque esta última pode igualmente descrever a união de Cristo com cada crente. Cristo é “o unigênito”, no sentido em que cada crente não é. Podemos ainda também sim patizar com D e a n S t a n l e y , Life and Letters, 1 .1 1 5 - “Ai da igreja que tem um culto tão divino que conserva uma lista de Artigos! Mais do que nunca me fortaleço na opinião de que só há um a necessidade, e esta deve ser: ‘Eu creio que Cristo é tanto Deus como hom em ’”.

1. Prova desta União a) Cristo fala uniformemente si mesmo e fala-se dele como uma só pessoa. Não há nenhum intercâmbio de “eu” e “tu” entre as naturezas divina e humana como as achamos entre as pessoas da Trindade (João 17.23). Cristo nunca usa o plural em referência a si mesmo, a não ser em João 3.11 - “nós falamos do que sabemos” - e mesmo aqui o “nós” é mais provavelmente usado como incluindo os discípulos. I João 4.2 - “veio em carne” - é suplementado por João 1.14 - “fez-se carne”; e estes textos juntos asseguram-nos que Cristo veio assim em natureza humana para tornar essa natureza um elemento em sua pessoalidade única. Jo. 17.23 - “ Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade; e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que tens amado a eles como me tens amado a m im ” ; 3.11 - “ Nós dizemos o que sabemos, e testificam os o que vimos, e não aceitais o nosso testem unho”; 1 Jo. 4.2 - “todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” ; Jo. 1 .1 4 - “ E o verbo se fez carne e habitou entre nós” = ele entrou na natureza humana para que a natureza hum ana e ele form assem , não duas pessoas, mas uma. Na Trindade, o Pai é objetivo para o Filho, o Filho para o Pai e ambos para o Espírito Santo. Porém a divindade de Cristo nunca é objetiva para a huma­ nidade, nem a sua humanidade para a sua divindade. M o b e r l y , Atonem ent and P ersonality, 97 - “ Ele não é tanto Deus com o homem, mas Deus no homem e através do homem e como homem. Ele é uma pessoalidade total­ mente indivisíve l.... Devemos estudar o elemento divino no humano e através

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deste. Esperando o elem ento divino lado a lado com o humano, ao invés de discernir o divino dentro do humano perdem os a significação de ambos”. Erramos quando dizem os que algum as palavras de Jesus relativas à sua ignorância sobre o dia final (Mc. 13.33) se referem à natureza humana, enquanto outras palavras relativas ao seu ser no céu ao mesmo tempo em que ele estava na terra (Jo. 3.13) se referem à natureza divina. Nunca há separação da natureza humana para com a divina, ou da divina para com a humana; todas palavras de Cristo foram proferidas e todas as obras de Cristo foram feitas por uma pessoa: o Deus-homem. b) Os atributos e poderes de ambas as naturezas são aplicáveis a Cristo e reciprocamente as obras e dignidades de Cristo são aplicáveis a quaisquer das naturezas, de modo inexplicável, a não ser com base no princípio de que estas duas naturezas são orgânica e indissoluvelmente unidas em uma só pessoa (exemplos daquele uso estão em Rm. 1.3 e 1 Pe. 3.18; e deste 1 Tm. 2.5 e Hb. 1.2,3). Por isso podemos dizer, por um lado, que o Deus-homem existiu antes de Abraão, contudo, nasceu no reino de César Augusto e que Jesus Cris­ to chorou, cansou-se, sofreu, morreu, contudo, é o mesmo ontem, hoje e eter­ namente; por outro lado, podemos dizer que um Salvador divino nos redimiu em uma cruz e que o Cristo humano está presente com o seu povo até o fim do mundo (Ef. 1.23; 4.10; Mt. 28.20). Rm. 1.3 - “seu Filho, que nasceu da descendência de Davi, segundo a carne” ; 1 Pe. 3.18 - “Cristo tam bém padeceu uma vez pelos pecados ... mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito (Rev. e Atual, do Brasil ‘no espírito’)’’; 1 Tm. 2.5 - “um só M ediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem” ; Hb. 1 .2 ,3 - “pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo ... O qual, sendo o resplendor da sua glória, ... havendo feito por si mes­ mo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da Majestade, nas alturas” ; Ef. 1.22,23 - “Sujeitou todas coisas a seus pés e, sobre todas as coisas, o constituiu cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” ; 4.10 - “aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cum prir todas as coisas” ; Mt. 28.20 - “ Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consum ação dos séculos” . M ason, Faith o f the Gospel, 142-145 - “M aria era Theotokos, porém não a mãe da divindade de Cristo, mas da sua humanidade. Falamos do sangue de Deus, o Filho, mas não é como Deus porque ele tem sangue. As mãos do menino Jesus fizeram os mundos, som ente significando aquele cujas mãos foram agentes da criação. ... O espírito e o corpo em nós não são somente postos lado a lado e isolados um do outro. O espírito não tem reumatismo e o reverente corpo não com unga com Deus. A razão por que um afeta o outro é que eles são o nosso ser. ... Evitemos o modo de tratar Cristo de um a forma sensitiva, carinhosa - modo que o desonra e debilita a alma do adorador. ... Evitemos, por outro lado, expressões tais como ‘o Deus que m orre’, que per­ de a humanidade na divindade” . C harles H. S purgeon assinala que todo “caro” lembra a mulher que dizia que estava lendo em um “caro Hebreus”.

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c) As constantes representações escriturísticas sobre o infinito valor da expiação de Cristo e da união da raça humana com Deus que têm sido assegu­ radas nele só são inteligíveis quando Cristo é considerado, não como um homem de Deus, mas como um Deus-homem, em quem as duas naturezas são de tal modo unidas que o que cada uma faz tem o valor de ambas. 1 Jo. 2.2 - “ Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas tam bém pelos de todo o m undo” ; com o prova João em seu evangelho que Jesus é o Filho de Deus, o Verbo, Deus; assim, em sua prim ei­ ra epístola prova que o Filho de Deus, o Verbo, Deus se fez homem; Ef. 2.16-18 - “reconciliar ambos [judeus e gentios] com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz a vós que estáveis longe e aos que estavam perto; porque por ele ambos tem os acesso ao Pai em um mesmo Espírito” ; 21,22 - “no qual, todo edifício bem ajustado, cresce para tem plo santo no Senhor, no qual também vós juntam ente sois edificados para moradia de Deus no Espírito” ; 2 Pe. 1.4 - pelas quais ele nos tem dado grandís­ simas promessas da natureza divina”. J o h n C a i r d , Fund. Ideas o f Christianity, 2.107 - “Não podemos separar os atos divinos de Cristo dos humanos sem duplicar a unidade da sua pessoa e vida”.

d) Corrobora este ponto de vista lembrar que a consciência cristã universal reconhece em Cristo uma pessoalidade simples e indivisível e expressa esse reconhecimento em seus trabalhos de cântico e louvor. A prova anteriormente mencionada sobre a união de uma natureza humana perfeita com uma natureza divina perfeita em uma só pessoa de Jesus Cristo basta para refutar tanto a separação nestoriana das naturezas como a confusão eutiquiana delas. Contudo, algumas formas modernas de estabelecer a doutri­ na desta união - formas de declaração em que entram algumas falsas concep­ ções já notadas - necessitam de um breve exame antes de continuarmos a proceder nossa tentativa de elucidação. D o r n e r , Glaubenslehre, 2.403-411 (D outrina Sistem ática, 3.300-308) Na encarnação incluem -se três idéias: 1) a aceitação da natureza divina pelo Logos (Hb. 2.14 - ‘participou ... da carne e do sangue’; 2 Co. 5.19 - ‘Deus estava em C risto’; Cl. 2.9 - ‘nele habita corporalm ente toda a plenitude da divindade’); 2) nova criatura do segundo Adão através do Espírito Santo e do poder do A ltíssim o (Rm. 5.14 - ‘transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de v ir’; 1 Co. 15.22 - ‘assim como todos morrem em Adão, assim tam bém todos serão vivificados em C risto’ 15.45 - ‘o primeiro Adão foi feito alma vivente; o último Adão em espírito vivificante’; Lc. 1.35 - ‘descerá sobre ti o Espírito Santo e a virtude do A ltíssim o te cobrirá’; Mt. 1.20 - ‘o que nela está gerado é do Espírito S anto’); 3) fazendo-se carne sem diminuir a divindade ou a hum anidade (1 Tm. 3.16 - ’que se manifestou na carne’; 1 Jo. 4.2 - ‘Jesus Cristo veio em carne’; Jo. 6.414,51 - ‘Eu sou o pão que

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desceu dos céus .... eu sou o pão vivo’; 2 Jo. 7 - ‘Jesus Cristo veio em carne’; Jo. 1.14 - ‘o Verbo se fez carne’). Este últim o texto não pode significar: O Logos deixou de ser o que era e com eçou a ser apenas homem. Não pode ser uma simples teofania, na form a humana. Entende-se o elemento real na hum anidade bem como a realidade do Logos”. Os luteranos sustentam uma com unhão das naturezas, assim como uma com unicabilidade das propriedades delas: 1) genus idiom aticum = comunicabilidade dos atributos de ambas naturezas com uma pessoa; 2) genus apotelesm aticum (de à7toTé;\.eap.a, ‘aquilo que se finda ou se com pleta’, /.e., a obra de Jesus) = atributos da pessoa com unicados a cada uma das naturezas consti­ tuintes. Por isso, Maria pode ser cham ada “a mãe de Deus” , como o símbolo de Calcedônia declara, “quanto à sua hum anidade”, e o que cada natureza fez tem o valor de ambas; 3) genus m ajestaticum = atributos de uma natureza comunicada a outra de sorte que a natureza divina com unica à humana, não a humana à divina. Os luteranos não crêem em um genus tapeinoticon, i.e., elem entos hum anos com unicados aos divinos. A única com unicação do humano é à pessoa, não à natureza divina, do Deus-homem. Exemplos deste terceiro genus m ajestaticum encontram -se em Jo. 3.13 - “ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Fiiho do Homem, que está no céu” [aqui, contudo, W e s t c o t t e H o r t , juntam ente com X e B, omitem ó x& 5.27 - “deu-lhe pode de exercer juízo, porque é o Filho do Homem” . Da expli­ cação que esta figura de linguagem cham a “ a/eose” , Lutero diz: “Alloeosis est larva quaedam diaboli, secundum cujus rationes ego certe nolim esse C hristianus”. A Igreja Reformada nega o genus majestaticum, baseada no fato de que ela não permite uma distinção clara das naturezas. E esta é uma grande dife­ rença entre ela e a Igreja Luterana. Assim H o o k e r , comentando sobre a subi­ da do Filho do homem ao lugar onde ele estava antes, diz: “ Pela expressão ‘Filho do hom em ’ deve-se entender toda a pessoa de Cristo, que, sendo homem na terra, encheu o céu com a sua gloriosa presença; mas não segun­ do a natureza para a qual o título homem lhe foi dado” .

còv èv

oúpavâj;

2. Falsas Interpretações Modernas desta União

A) Teoria da humanidade incompleta. - Gess e Beecher sustentam que a parte imaterial em Cristo é apenas uma divindade contraída e metamorfoseada. Os que advogam este ponto de vista sustentam que o Logos divino reduziuse à condição e limite da natureza humana e assim literalmente tomou-se uma alma humana. A teoria difere do apolinarismo por não propor necessariamente um ponto de vista tricotomista da natureza do homem. Contudo, enquanto o apolinarismo negava a origem humana só do Tcvevpa, esta teoria estende a negação a todo o seu ser imaterial, - e só o seu corpo derivou da Virgem. Ela é sustentada, com ligeiras formas variantes, pelos alemães Hofmann e Ebrard assim como por Gess; e H enry W ard B eech er foi o seu principal representan­ te na América.

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Gess sustenta que Cristo abriu mão da sua eterna santidade e autoconsciência divina, para tornar-se homem, de sorte que, durante a sua vida terre­ na, ele nunca pensou, falou, ou operou como Deus, mas sempre destituído dos atributos divinos.

Contra esta teoria apresentamos as seguintes objeções: à) Baseia-se numa falsa interpretação da passagem de João 1.14 - ó /.óyoç aápí, èyéveTO. A palavra oáp^ aqui tem seu sentido neotestamentário comum. Nem designa só a alma nem só o corpo, mas a natureza humana em sua totalidade {cf. João 3.6 - tò yeyevvrnaévov ek ttiç aapKÒç aápí; èotiv; Rm. 7.18 - ouk oíke í èv èpoí, to m ’ ècrav èv Tfj aapKÍ (j,ot>, àyadóv). Que èyévexo não implica uma transmutação do Àóyoç em natureza humana, ou em alma humana é evidente de èaKrivcoaev, que se segue - uma alusão ao Shechinah do tabemáculo mosaico; e da passagem paralela de 1 João 4.2 - èv aapKÍ è^ri^tn^óta - onde não só nos é ensinada a unidade da pessoa de Cristo, mas a distinção das naturezas constituintes. Jo. 1.14 - “o Verbo se fez carne e habitou [tabernaculou] entre nós, e vim os a sua glória” ; 3.6 - “o que é nascido da carne é carne” ; Rm. 7.18 - “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum ” ; 1 Jo. 4.2 - “Jesus Cristo veio em carne” . Visto que a palavra “carne” , no em prego escriturístico, denota a natureza humana em sua inteireza, há tão pouca razão para inferir destas passagens uma mudança do Logos para um corpo humano como a do Logos para uma alm a humana. Não há nenhuma humanidade reduzida em Cristo. A vantagem da doutrina monística é que ela evita este erro. Onipresença é a presença da totalidade de Deus em todo lugar. SI. 85.9 - “Certam ente que a salvação está perto daqueles que o temem, para que a glória habite em nos­ sa terra” - cumpriu-se quando Cristo, a verdadeira Shekinah, tabernaculou na carne humana e os homens “viram a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade” (Jo. 1.14). E Paulo diz em 2 Co. 12.9 - “de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite [tabernacule] o poder de C risto”.

b ) Contradiz as duas grandes classes de passagens da Escritura já referi­ das, que afirmam, por um lado, a plenitude da sua natureza humana e a sua derivação do tronco de Israel e da semente de Abraão (Mt. 1.1-16; Hb. 2.16). Assim nega tanto a verdadeira humanidade como a verdadeira divindade de Cristo. Ver as passagens da Escritura citadas como prova da divindade de Cristo nas pp. 305-315 (46-48 da Apostila). O próprio Gess reconhece que, se as passagens em que Jesus afirm a seu conhecim ento divino e poder e sua cons­ ciência da unidade com o Pai referem-se à sua vida terrena, sua teoria cai por

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terra. “O apolinarism o tinha um certo tipo de m agnificência grotesca, ao dar ao corpo humano e à alma de Cristo um 7tveúp.a infinito e divino. Sustenta ao menos o lado divino da pessoa de Cristo. Mas a teoria que se nos apresenta nega ambos os lados” . Enquanto limita a divindade, que, na verdade, não é divindade, afasta da humanidade tudo o que nela há de valioso; porque uma hum anidade que consiste apenas em um corpo não é humanidade. Tal huma­ nidade é como o retrato a “meia distância” que pintou apenas o lado interior do homem. Mt. 1.1-16, genealogia de Jesus, e Hb. 2.16 - “tomou a descen­ dência de Abraão” - indica que Cristo tomou tudo o que pertence à natureza humana.

c) É inconsistente com as representações escriturísticas da imutabilidade de Deus, sustentando que o Logos abandona os atributos da divindade e seu lugar e ofício como segunda pessoa da Trindade a fim de enquadrar-se dentro dos limites da humanidade. Visto que atributos e substância são termos correlatos, é impossível sustentar que a substância de Deus está em Cristo, se ele não possui os atributos divinos. Contudo, como veremos daqui em diante, a posse dos atributos divinos por parte de Cristo não implica necessariamente seu constante exercício deles. Na verdade sua humilhação consistiu em abrir mão do seu exercício independente. l/erDoRNER, Unverânderlichkeit Gottes (A Imutabilidade de Deus), Jahrbuch fü r Deutsche Theologie (Anuário de Teologia Alemã), 1.361; 2.440; 3.579; esp. 1.390-412 - Gess sustenta que, durante os trinta e três anos da vida terrena de Jesus, alterou-se a Trindade; o Pai não mais derramou a sua plenitude no Filho; o Filho não mandou mais com o Pai o Espírito Santo; o mundo foi sus­ tentado e governado só pelo Pai e pelo Espírito, sem a mediação do Filho, o Pai deixou de gerar o Filho. Ele diz que só o Pai tem asseidade; ele é o único Monas. A Trindade é uma fam ília, cujo cabeça é o Pai, mas cujo membro e cuja condição é variável. Para Gess não importa se a Trindade consiste em Pai, Filho e Espírito Santo ou (como durante a vida de Jesus) em só um. Mas é uma Trindade em que dois mem bros são acidentais. Uma Trindade que pode ser bem sucedida sem um de seus mem bros não é uma Trindade nos moldes da Escritura. O Pai depende do Filho e o Espírito depende do Filho tanto quanto o Filho depende do Pai. Afastar o Filho é afastar o Pai e o Espí­ rito. Este abandono da realidade dos atributos, ou da sua santidade, da parte do Logos, é o mesmo que tornar possível Cristo pecar. Pode-mos, porém, atribuir a possibilidade de pecar a um ser que realmente é Deus? A realidade da tentação requer que postulem os uma alma verdadeiram ente humana” .

d) Destrói todo o esquema escriturístico da salvação, porque toma impos­ sível qualquer experiência de natureza humana por parte da divina, - pois quando Deus se torna homem deixa de ser Deus; porque toma impossível qualquer expiação por parte da natureza humana, - pois a mera humanidade, apesar da sua essência ser uma divindade limitada e dormente, não é capaz de

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um sofrimento que tenha valor infinito; torna impossível qualquer união apro­ priada da raça humana para com Deus na pessoa de Jesus Cristo, - pois onde a verdadeira divindade e verdadeira humanidade estão ausentes não pode haver nenhuma união das duas. Ver D o r n e r , Jahrbuch fü r Deutsche Theologie, 1.390 - “Sobre esta teoria só se pode sustentar uma teoria de expiação exibicionista. Não há nenhuma hum anidade real que, na força da divindade, possa apresentar um sacrifício a Deus. Por isso, não a substituição, mas a obediência, neste ponto de vista nos reconcilia com Deus. Ainda que se diga que o Espírito de Deus é a verda­ deira alma em todos os homens, isto em nada ajuda a resolver o problema; porque é necessário estabelecer uma distinção essencial entre a morada do Espírito no ímpio, no regenerado e em Cristo respectivam ente. Porém, nesse caso, perdemos a sem elhança entre a natureza de Cristo e a nossa; a de Cristo, preexistente, e a nossa não. Sem esta doutrina panteísta, a diferença entre Cristo e nós é ainda maior; porque, na verdade, ele é um Deus peregri­ no, vestido de um corpo humano e não pode, com propriedade, ser chamado de alma humana. Não tem os uma média entre o corpo e a divindade; e no estado de exaltação, não temos, na verdade, uma natureza humana; só o Logos infinito, num corpo glorificado, que o reveste” . A teoria de Isaac W att sobre a humanidade preexistente tam bém implica que a hum anidade originalmente encontra-se na divindade; não procede de um choque humano, mas divino; entre o humano e o divino não há nenhuma apropriada distinção; por essa razão não pode haver apropriada redenção da humanidade; ver Biblia Sacra, 1975.421. A. H , H o d g e , Pop. Lectures, 226 “Se Cristo não assume um 7tveí)p.a humano, ele não pode ser um sumo sacer­ dote que, conosco, sente todas as nossas enferm idades, tendo sido tentado como nós”. M a s o n , Faith o fth e Gospel, 138 - “A conversão da divindade em carne só teria acrescentado mais um homem ao número já existente - sem pecado, talvez, entre pecadores - mas não teria efetuado nenhuma união entre Deus e o homem” .

B) Teoria da encarnação gradual. - D o rn er e R o th e sustentam que o ato da encarnação não completa a união entre as naturezas divina e humana. Os que advogam este ponto de vista sustentam que a união entre as duas naturezas se completou por uma comunicação da plenitude do Logos divino com o homem Cristo Jesus. Esta comunicação é mediada pela consciência humana de Jesus. Antes que a consciência humana começasse, a pessoalidade do Logos ainda não era divino-humana. A união pessoal se completou só gra­ dualmente, à medida em que a consciência humana se desenvolveu a ponto de apropriar-se da divina. D o r n e r , Glaubenslehre, 2.600 (Doutrina Sistemática, 4.125) - “Para que Cris­ to pudesse apresentar o seu am or sum o sacerdotal através do sofrim ento e morte, os lados diferentes da sua pessoalidade ainda perm anecem em recí­

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proca separação. C oncordem ente a sua união divino-hum ana ainda não se havia realizado completam ente, em bora tal finalização estivesse divinamente garantida desde o com eço”. 2.431 (Doutrina Sistem ática, 3.328) - Apesar da sua transform ação, dentro da união, o Logos, desde o com eço acha-se unido com Jesus no mais profundo alicerce do seu ser, e a vida de Jesus sempre tem sido divino-hum ana no sentido de que uma receptividade presente para com a divindade nunca deixou de ser satisfeita. ... Mesmo a humanidade inconsciente do bebê é receptiva ao Logos, como a planta com relação à luz. A união inicial já faz Cristo o Deus-homem, mas este processo não impede uma subseqüente transform ação; porque, sem dúvida, ele se tornou onisci­ ente e incapaz de morrer, do mesmo modo que no princípio”. 2.464 sq. (Doutrina Sistemática, 3.363 sq.) - “A vida real de Deus, como Logos, vai além do seu princípio como vida humana. Porque se a Unio deve com pletar-se através do d e se n vo lvim e n to , a relação da com unicação e recepção deve continuar. Em sua consciência pessoal há uma distinção entre o dever e o ser. A vontade precisa ser atuante e converter-se em ação, qual­ quer que seja a revelação ou percepção da vontade de Deus procedente do intelecto ou da consciência. Foi preciso que, com a sua vontade, ele susten­ tasse cada revelação da natureza e da vontade. Aos doze anos diz ele: ‘É necessário cuidar dos negócios de meu Pai’. E à resposta de Satanás, na te ntação : ‘És tu Filho de D e u s? ’ ele deve re sp o n d e r com a a firm ação que exclui toda dúvida, embora ele pudesse provar através de um milagre. Tal desenvolvim ento moral era sua tarefa com o foi da vontade do Pai. Ele ouve o Pai e obedece. Nele o conhecim ento im perfeito nunca foi o mesmo que o falso conceito. Em nós, a ignorância tem o erro como contrapartida. Mas para ele, este nunca foi o caso apesar de que ele crescia no conheci­ mento até o fim ” . Há um resumo dos seus pontos de vista na Revista de Princeton, 1873.71 -87 - D o r n e r ilustra a relação entre a hum anidade e a divindade de Cristo com a relação entre Deus e o homem, na consciência e no testem unho do Espírito. Até aqui o elemento humano é imaturo e incompleto, enquanto o Logos não está presente. O conhecim ento avança para a unidade com o Logos e o conhecim ento humano terá m aior e mais elevada confirm ação. Uma resigna­ ção tanto do Logos como da natureza humana com a união envolve a encar­ nação. O desenvolvim ento continua até que a idéia e a realidade da hum ani­ dade divina coincidam perfeitamente. A aceitação da unidade foi gradual, na vida de Cristo. Sua exaltação começou com a perfeição do seu desenvolvi­ m ento” .

É objetável pelas seguintes razões: a) A Escritura claramente ensina que aquele que nasceu de Maria era total­ mente o Filho de Deus assim como o Filho do homem (Lc. 1.35); e que. no ato da encarnação, Jesus se tomou Deus-homem e não na sua ressurreição (Fp. 2.7). Mas esta teoria virtualmente ensina o nascimento de um homem que subseqüente e gradualmente tomou-se Deus-homem ao conscientemente apro­ priar-se do Logos com quem ele mantinha relacionamento ético - relaciona­

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mento sobre o qual a Escritura silencia. Seu erro radical é que equivoca uma consciência incompleta da união com uma união incompleta. Em Lc. 1.35 - “o santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus”; - e Fp. 2.7 - “esvaziou-se a si mesmo, tom ando a form a de servo, fazendo-se sem elhante aos homens” - tem os a evidência de que Cristo foi tanto Filho de Deus como Filho do homem desde o começo da vida terrena. Mas segundo D o r n e r , antes de haver qualquer consciência humana, a pes­ soalidade de Jesus Cristo não era divino-hum ana.

Visto que a consciência e a vontade pertencem à personalidade distinta da natureza, a hipótese de uma apropriação mútua, consciente e voluntária da divindade pela humanidade e da humanidade pela divindade durante a vida terrena de Cristo é tão somente uma forma da doutrina nestoriana de uma dupla pessoalidade. Segue-se, contudo, que como estas duas pessoalidades não se tornam absolutamente uma até a ressurreição, a morte do homem Jesus Cristo, a quem o Logos ainda não se uniu plenamente, não pode possuir uma eficácia expiatória. b)

C hristi Person und Werk, 2.68-70, objeta ao ponto de vista de que “nos conduz a um homem que está em íntima com unhão com Deus” . Contra D o r n e r , ele sustenta que “a união entre o elemento divino e o humano em Cristo existe antes que se tenha consciência dele”. 193-195 O ponto de vista de D o r n e r “faz cada um dos elementos, o divino e o humano, aspirar a um pelo outro, e atingir a sua verdade e realidade som ente na outra parte. Até onde se concebe o elem ento divino, isto se aproxim a muito do panteísmo. Pressupõem-se duas pessoalidades voluntárias, com mútua rela­ ção ética; ao m enos em princípio, duas pessoas. D o r n e r diz o seguinte: “Até onde a humanidade ainda é inconsciente, a pessoa do Logos ainda não é o ego central do seu elemento humano. A princípio, o Logos não se com uni­ ca conquanto seja uma pessoa ou seja auto-consciente. Ele se conserva iso­ lado por si mesmo, na proporção exata quando a humanidade deixa de ter o poder de percepção’. No começo, então, este homem ainda não é Deushomem; apenas o Logos opera dentro dele e sobre ele. “A unio personalis d e senvolve-se e se com pleta; to rn a -se m ais a b ra n g e n te e plena. Até o momento da ressurreição ainda há uma separação relativa’. Assim pensa D o r n e r . Mas a Escritura nada inform a sobre uma relação ética do elemento divino para com o humano na pessoa de Cristo. Ela só inform a o sujeito divino-hum ano”. T

o m a s io ,

D orner

c) Conquanto a teoria declara uma união final completa entre Deus e o homem em Jesus Cristo, torna essa união muito mais difícil para a razão por­ que envolve a fusão de duas pessoas em uma, mais do que a união de duas naturezas em uma pessoa. Contudo, vimos que a Escritura não dá nenhum

T e o l o g ia S is t e m á t ic a

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jpoio à doutrina de uma dupla pessoalidade durante a vida terrena de Cristo. O Deus-homem nunca diz: “Eu e o Logos somos um”; “aquele que me vê vê o Logos”; “o Logos é maior que eu”; “eu vou para o Logos”. Na ausência de toda a evidência escriturística em favor desta teoria, devemos considerar os argumentos racionais e dogmáticos contra ela como conclusivos. L ie b n e r , Jahrbuch fü rd ie Theologie, 3.349-366, alega, contra D o r n e r , que na Escritura não há nenhum sinal da com unhão entre as duas naturezas de Cristo, como há entre as três pessoas da Trindade. P h il ip p i também faz objeções ao ponto de vista de D o r n e r : 1) que im plica uma identidade de essência panteística tanto em Deus como no homem; 2) que não faz do nascimento, mas da ressurreição a época em que o Verbo se fez carne; 3) que não explica como duas pessoalidades podem tornar-se uma. Cita D o r n e r dizendo: “A uni­ dade de essência Deus e homem é a grande descoberta deste século” . Mas das citações seguintes da sua História da Doutrina da Pessoa de Cristo, II, 3.5,23,69,115, parece que D o r n e r não é panteísta - “A filosofia protestante produziu o reconhecim ento da conexão essencial e unidade dos elementos humano e divino. ... Para a teologia dos nossos dias os elementos divino e humano não são m utuamente exclusivos, mas grandezas conexas relacionando-se interiorm ente um com o outro e confirm ando-se um com o outro e através de tal ponto de vista om item -se tanto a separação como a identifica­ ção. ... E agora a tarefa comum de produzir a união das faculdades e qualida­ des a uma união essencial transferiram -se m utuam ente em ambos elemen­ tos. A d ife re n ç a e n tre e las é que só D eus tem a ss e id a d e . ... Se nós contrariássem os cada ponto de vista que representa o elemento divino e o humano num relacionam ento estreito e essencial, voluntariam ente abriría­ mos mão das conquistas dos séculos e voltaríam os à base onde a cristologia é uma im possibilidade absoluta”. Ver D o r n e r , System, 1.123 - “A fé postula uma diferença entre o mundo e Deus, que a religião procura unir. A fé não quer ser uma sim ples relação con­ sigo mesma, ou com as suas representações e pensamentos. Isso seria um monólogo; a fé quer diálogo. Por isso não consente com um m onismo que reconhece só Deus, ou só o mundo (com o ego). A dualidade (não o dualismo, que se opõe a tal monismo, mas não quer opor-se à demanda racional da unidade) sem dúvida é uma condição da verdadeira e vital unidade” . A unida­ de é o fundam ento da religião; a diferença é o fundam ento da moralidade. Moralidade e religião são apenas manifestações do mesmo princípio. O em­ penho moral do homem é a operação de Deus dentro dele. Deus pode revelar-se só no perfeito caráter e vida de Jesus Cristo. S t a l k e r , Imago Christi (Imagem de Cristo): “Cristo não é metade Deus e metade homem, mas perfeitamente Deus e perfeitam ente homem” . M o b e r l y . Atonem ent and Personality, 95 - “O encarnado não oscilou entre ser Deus e ser homem. Na verdade ele foi sem pre Deus e nunca um outro Deus além do expresso dentro das possibilidades da consciência e do caráter humano” . Ele sabe que é algo mais do que é como encarnado. Seus milagres mostram em que a humanidade pode tornar-se. J o h n C a ir d , Found. Ideas o f Chrístianity, 1 4

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- “A divindade de Cristo não é a da natureza divina em justaposição mecânica à humana, mas a de uma natureza divina que se difundiu, mesclou, identificou-se com os pensamentos, sentim entos, volições de uma individualidade humana. Qualquer que seja o elem ento divino, que não pode organicamente unir-se com o espírito humano ou respirar através deie, não é e nem pode estar presente em alguém que, seja quem for é real e verdadeiramente humano” .

3. A Natureza Real desta União a ) Sua grande importância. - Conquanto as Escrituras representam a pes­ soa de Cristo como o mistério coroa do esquema cristão (Mt. 11.27; Cl. 1.27;2.2; 1 Tm. 3.16), elas também nos estimulam ao seu estudo (João 17.3; 20.27; Lc. 24.39; Fl. 3.8,10). Isto é mais necessário, visto que Cristo não é só o ponto central do Cristianismo, mas o próprio cristianismo - a incorporação da recon­ ciliação e a união entre o homem e Deus. As notas que se seguem oferecemse, não como explicação plena, mas somente como alguns aspectos relevantes das dificuldades sobre o assunto. Mt. 1 1 . 2 7 - “ Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem ele quiser revelar” . Aqui parece estar indicado que o mistério da natureza do Filho é ainda maior que a do Pai. S h e d d , Hist. o f Doctríne, 1 . 4 0 8 - A pessoa de Cristo é em certo sentido mais frustrante à razão do que a Trindade. Embora haja uma negligência profana, há também, uma curiosidade profana: Cl. 1 . 2 7 - “as riquezas da glória deste mistério ... que é Cristo em vós, esperança da glória” ; 2 . 2 , 3 - “o mistério de Deus - Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” ; 1 Tm. 3 . 1 6 - “grande é o m istério da piedade: Aquele que se manifestou em carne” - neste texto a Vulgata, os Pais latinos e B u t t m a n n fazem a palavra ^rua-cripiov ser o antecedente de õç, e o relativo tom a o gênero natural do seu antecedente, enquanto nucmípiov se refere a Cristo; Hb. 2 .1 1 “o que santifica como os que são santificados, são todos de um [não o pai, mas a raça, ou substância]” (cf. At. 1 7 . 2 6 - “e de um só fez toda a geração de homens”) - alusão à solidariedade da raça e a participação de Cristo em tudo que nos pertence. Jo. 1 7 . 3 - “ E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste” ; 2 0 . 2 7 - “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente” ; Lc. 2 4 . 3 9 - “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-m e e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” ; Fp. 3 . 8 , 1 0 - “tenho tam bém por perda todas as coisas pela excelência do conhecim ento de C risto Jesus, meu Senhor; ... para conhecê-lo” ; 1 Jo. 1 .1 - “o que era desde o princípio, o que vimos com os nossos olhos, o que tem os contem plado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida” .

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N a s h , Ethics and Revelation, 254,255 - “Ranke diz que Alexandre era um dos poucos homens em quem a biografia é idêntica à história universal. Tais palavras se aplicam mais precisamente a Cristo” . C rane, Religion o f Tomorrow, 267 - “Sendo a religião sim plesm ente a pessoalidade de Deus, o cristianismo é a pessoalidade de Cristo” . Pascal: “Jesus Cristo é o centro e o objetivo de tudo, e quem não o conhece nada conhece da ordem da natureza nem de si mesmo” . G oethe nos últimos anos de vida escreveu: “A humanidade não pode retroceder um passo e não podemos dizer que a religião cristã, como se apre­ senta agora, nunca desaparecerá; agora que incorporou o elemento divino, não pode jam ais ser dissolvido” . H. B . S mith, homem de pensam ento esclare­ cido e devoto, propôs na íntegra a sua doutrina em uma sentença: “Cheguemo-nos a Jesus, - a pessoa de Cristo é o centro da teologia” . D ean Stanley nunca se cansava de citar como sua Confissão de Fé as palavras de J ohn B u n y a n : “ Bendita Cruz - bendito sepulcro - bendito mais do que ele - Aquele que foi levado à vergonha por m im !” E Charles W esley escreveu no Amor Católico: “Exaustiva toda peleja terreal, destes m ovimentos, form as e modos e nomes, A ti, Caminho, Verdade e Vida, cujo am or meu simples coração inflama - Divinamente ensinado a viver e a morrer, até que voe, Para junto de ti e dos teus”. “Temos dois grandes lagos cham ados Erie e Ontário; estes são ligados pelo Rio Niágara através do qual o Erie derram a as suas águas no Ontário. A igreja cristã toda, por todos os séculos, tem sido cham ada a transbordar de Jesus Cristo, que é infinitam ente m aior do que ela. Seja o Lago de Erie sím ­ bolo de Cristo, o Logos preexistente, o Verbo eterno, o Deus revelado no universo. Que o Niágara nos seja a tela do mesm o Cristo ora limitado ao estreito canal da sua manifestação em carne, mas mostre dentro de tais limi­ tes a mesm a correnteza para o oriente e a gravitação descendente que os homens de modo tão imperfeito outrora perceberam . A trem enda catarata, espargindo suas águas no abismo e abalando a própria terra, é o sofrim ento e a morte do Filho de Deus, que, pela prim eira vez, torna palpáveis aos cora­ ções humanos as forças da justiça e do am or operantes na natureza divina desde o princípio. M anifesta-se a lei da vida universal; agora se vê que a justiça e o juízo são os fundam entos do trono de Deus; que a justiça de Deus em todo lugar e em todo tem po fazem o castigo seguir-se ao pecado; que o amor que cria e sustenta os pecadores deve ser contado com os transgresso­ res e levar as iniqüidades deles. O Niágara apresentou a gravitação do Lago Erie. E não foi sem razão. Porque do Niágara se expande outro lago pacífico. O Ontário é o resultado e a sem elhança do Erie. Desse modo a humanidade redimida é o transbordam ento de Jesus Cristo, mas só de Jesus Cristo após ter passado pelo imensurável auto-abandono na sua vida terrena e na sua trágica morte no Calvário. Como as águas do Lago Ontário sempre se alim en­ tam do Niágara, assim a igreja extrai a sua vida da cruz. E o propósito de Cristo não é que repitamos o Calvário, o que nunca poderemos fazer, mas que reflitamos em nós mesmos sem elhante m ovim ento para frente e de gra­ vitação para o auto-sacrifício que ele revelou caraterizando a própria vida de Deus” (A. H. S t r o n g , Sermon before the B aptist Congres, Londres, 12 de julho de 1905).

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b ) Os principais problemas. - São os seguintes: 1. uma pessoalidade e duas naturezas; 2. natureza humana sem pessoalidade; 3. relação do Logos com a humanidade durante a vida terrena de Cristo; 4. relação da humanidade com o Logos durante a vida celestial de Cristo. Podemos lançar luz sobre o n° 1 usando a figura de dois círculos concêntricos; sobre o n° 2 lembrando pai e mãe se unem na produção de um só filho; sobre o n° 3 com a ilustração da memória latente que contém tanto mais que a lembrança presente; sobre o n° 4. ao pensar que o corpo é a manifestação do espírito e que Cristo, em seu estado celestial, não está limitado a lugar. Lutero dizia que seria necessário que tivéssem os “novas línguas” antes que pudéssemos, com propriedade, estabelecer esta doutrina; particularmente uma nova língua sobre a natureza do homem. Mais tarde a elucidação dos problem as m encionados acim a ocuparão im ediatam ente a nossa atenção. Nossa investigação não deve ser prejudicada pelo fato de que o elemento divino em Jesus Cristo se manifeste dentro das lim itações humanas. Eis a condição de toda revelação. Jo. 14.9 - “quem me vê a mim vê o Pai” ; Cl. 2.9 - “nele habita corporalm ente toda a plenitude da divindade” = até a medida da capacidade humana de receber e expressar a divina. Hb. 2.11 e At. 17.26 atribuem ao homem uma consubstancialidade com Cristo e Cristo é o Deus manifesto. É lei da hidrostática que a coluna m enor de água se nivele à maior. O Lago Erie não será mais elevado que a água do tubo ao qual está ligado. Assim a pessoa de Cristo alcança o nível de Deus, apesar de limitado em extensão e ambiente. Ele é Deus manifesto na carne. R o b e r t B r o w n in g , Death in the Desert. “Todo reconhecim ento de Deus em Cristo, digo eu, Aceito pela razão, soluciona para ti Todas questões na terra e fora dela e permitem que sejas mais sábio” ; Epílogo ao Drama da Pessoa: “ Um rosto, longe de se desvanecer, m anifesta-se, Ou desfaz-se para se recompor, Torna-se o meu Universo que sente e conhece”. “Tal rosto” , dizia B r o w n in g à senhora Orr, ao encerrar o seu poem a, “ é o rosto de Cristo. Eis como o sinto” . Esta é a resposta dele às vítim as do ceticismo do século dezenove para o qual o Am or encarnado desapareceu do universo, levando consigo a crença em Deus. Deste modo ele atesta a contínua presença de Deus em Cristo, tanto na natureza como na humanidade.

c) Razão para o mistério. - A união das duas naturezas na pessoa de Cristo é necessariamente inescrutável porque não há nenhuma analogia com ela em nossa experiência. Tentativas de ilustrá-la com a distinção de corpo e alma por um lado, e a distinção entre Cristo e o crente por outro, do Filho divino com o Pai são unilaterais e tornam-se inteiramente equívocas se consideradas como fornecedoras de um elemento racional da união e não simplesmente um meio de repelir a objeção. As duas primeiras ilustrações ressentem-se da falta do elemento essencial das duas naturezas para torná-las completas: alma e corpo não são duas naturezas, mas uma assim como o ferro e o calor não são duas

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substâncias. As duas últimas ilustrações ressentem-se da falta do elemento da pessoalidade simples: Cristo e o crente são duas pessoas, não uma, assim como o Filho e o Pai não são uma pessoa, mas duas. As duas ilustrações mais freqüentem ente em pregadas são a alma e o corpo e a união do crente com Cristo. Cada uma delas ilustra um lado da grande doutrina, mas cada uma suplem enta a outra. Aquela, tom ada separa­ damente, representa a teoria eutiquiana; esta a nestoriana. Como a doutrina da Trindade, a pessoa de Cristo é um fato absolutam ente único, no qual não encontramos analogia. Mas não sabem os como corpo e alma estão unidos. A. A. H o d g e , P opular Lectures, 218,230 - “Muitas pessoas são unitárias, não por causa das dificuldades da Trindade, mas por causa das dificuldades da Pessoa de C ris to .... A união das duas naturezas não é mecânica, como é entre o oxigênio e o nitrogênio no nosso ar; nem é orgânica, como o coração e os pulmões; mas é pessoal. A m elhor ilustração é a união do corpo com a alma na nossa pessoa; como estão perfeitam ente juntas no mesmo orador! Contudo, não são duas naturezas humanas, mas uma só. Por isso necessá­ rio se faz acrescentar a ilustração da união entre o crente e Cristo” . E aqui também devem os confessar a im perfeição da analogia, porque Cristo e o crente são duas pessoas, não uma. A pessoa do Deus-homem é única e sem um adequado paralelo. Mas isto constitui sua dignidade e glória.

d ) A Base da Possibilidade. - A possibilidade da união divindade e huma­ nidade em uma pessoa baseia-se na criação original do homem à imagem divi­ na. O parentesco do homem com Deus, em outras palavras, a posse de uma natureza racional e espiritual é a condição da encarnação. A vida do irracional é incapaz de união com Deus. Mas a natureza humana é capaz da divina não só no sentido de que ela vive, move-se e tem o seu ser em Deus, mas porque Deus pode unir-se indissoluvelmente a ela e dotá-la de poderes divinos con­ quanto ainda permaneça verdadeiramente humana. Visto que a imagem moral de Deus na natureza humana perdeu-se com o pecado, Cristo, a imagem per­ feita de Deus segundo a qual o homem foi feito, restaura aquela imagem per­ dida, unindo-se à humanidade e enchendo-a de vida e amor divinos. 2 Pe. 1.4 - “participantes da natureza divina” . A criação e a providência não fornecem o último limite da habitação de Deus. Além destas, existe a união espiritual entre o crente e Cristo, e mesmo além disto, existe a urvdade entre Deus e o homem na pessoa de Jesus Cristo. D o r n e r , Glaubenslehre. 2.283 (Doutrina Sistemática, 3.180) - “A hum anidade em Cristo relaciona-se com a divindade, como marido e m ulher no casamento. Ela é recep: /a ~ias exaltada pelo recebimento. Cristo é o produto da aliança [casam ento] entre Deus e Israel”. Ib., 2.403-411 (Doutrina Sistem ática 3.301 -308) - “A questão é a seguinte: Como pode Cristo ser C riador e criatura? O Logos, como tal, acha-se em pólo

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bem oposto como um objetivo distinto. Como pode ele tornar-se, e ser, aquilo que existe como objeto de sua atividade e operação? Pode a causa tornar-se o próprio efeito? Resolve-se o problem a lembrando apenas que o elemento divino e humano, embora distintos um do outro, devem ser tratados como estranhos um ao outro e mutuamente exclusivos. A própria coisa que os dis­ tingue os liga entre si. Sua distinção essencial é que Deus tem asseidade, enquanto o homem tem som ente dependência, ‘um abismo cham a outro abis­ mo’ (SI. 42.7) - o abismo da riqueza divina e o abismo da pobreza humana, cham am -se reciprocamente. ‘Da m inha parte o clam or - da parte dele a res­ posta’. Os recursos infinitos de Deus e a necessidade infinita do homem, o imensurável suprimento de Deus e a ilim itada receptividade do homem, atraem-se mutuamente, até que se unam naquele em quem habita corporalmente a plenitude divina. A mútua atração é de tal modo ética, que o amor divino ‘nos amou prim eiro’ (1 Jo. 4.19). “Por isso a segunda nova criação não é, como a primeira, distinta de Deus; ela está unida a ele. A natureza se distingue de Deus, embora este se mova e opere nela. A natureza humana encontra m uito mais a sua verdadeira realida­ de, ou realização, na união com Deus. O ato unificador de Deus não a infringe ou desfaz, mas ao contrário, a prim eira faz, o que, na idéia de Deus, deve ser” . Por isso a encarnação é o próprio cum prim ento da idéia da humanidade. A dm itir a hum anidade sobrenatural é a mais natural de todas as coisas. O homem não é apenas uma tangente de Deus, mas um vaso oco a com ple­ tar-se na fonte infinita. Natura humana in Christo capax divinae (Em Cristo, a natureza do homem tem a capacidade da divina). Deus não podia ter-se tornado um anjo, ou uma árvore, ou uma pedra. Mas podia tornar-se homem, porque este foi feito à sua imagem. Deus no homem, como sustenta P h il l ip s B r o o k s , é o ser absolutam ente natural. Channing diz que “todas as mentes pertencem a uma fam ília” . E. B . A n d r e w s : “ A divindade e a hum anidade não são predicativos contraditórios. Se, com propriedade, se entendesse isto, não teria havido nenhum movimento unitá­ rio. Num verdadeiro sentido, o homem é divino. Isto tam bém é verdade com relação a Cristo. Porém ele é infinitam ente mais divino na natureza do que nós. Se dissermos que a sua divindade é uma nova espécie, então esta surge de um novo grau” . “Se o olho não fosse um sol, N enhum a luz poderia brilhar para ele: A alma não poderia obter a sem elhança divina, Se ela tam bém não fosse divina”. J o h n C a i r d , Fund. Ideas o f Christianity, 1.165 - “ Um círculo menor pode representar um m aior dentro da sua form a circular; mas um círculo maior ou m enor não pode ser a imagem de um quadrado” . ... 2.101 - “Deus não seria Deus sem a união com o homem e o homem não seria homem sem a união com Deus. Ele se fez imanente nos espíritos, com partilha das dores e triste­ zas. ... M ostrando o elemento infinito no homem, Cristo nos atrai para a sua própria excelência moral” . L y m a n A b b o t t , Theology o f and Evolutionist, 190 “ Encarnação é a morada de Deus nos seus filhos, cujo tipo e padrão é visto naquele que é ao mesmo tem po a manifestação de Deus no homem e a reve­ lação dessa hum anidade aos homens deve ocorrer quando se cumpre a obra de Deus no mundo - Deus perfeito, o homem perfeito porque Deus habita perfeitamente no homem perfeito” .

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Citamos estes pronunciam entos, não porque os consideramos admissí­ veis à verdade com pleta sobre a união do Cristo divino e humano; mas por­ que reconhecem a sem elhança essencial do elemento humano ao divino e, deste modo, auxiliam o entendim ento da união entre os dois. Vamos além dos escritores citados ao sustentar não somente a morada de Deus em Cristo, mas uma união orgânica e essencial. Contudo, Cristo não é o Deus-homem em virtude de possuir m aior medida do elemento divino do que nós, mas por ser a fonte original de toda a vida tanto humana como divina. Sustentamos a sua deidade assim com o a sua divindade com o alguns destes escritores parecem não fazer. Ver Hb. 7.15,16 - “outro sacerdote que foi feito ... segun­ do a virtude da vida incorruptível”; Jo. 1.4 - “nele estava a vida e a vida era a luz dos homens” .

e)

Dupla pessoalidade. - Esta posse de duas naturezas não envolve uma dupla pessoalidade no Deus-homem em razão de que o Logos se une consigo mesmo não como um homem individual com a pessoalidade já desenvolvida, mas com a natureza humana que não tem nenhuma existência separada antes de sua união com a divina. A natureza humana de Cristo é impessoal no senti­ do de que alcança autoconsciência e autodeterminação só na pessoalidade do Deus-homem. E importante aqui assinalar a distinção entre natureza e pessoa. Natureza é substância possuída em comum; as pessoas da Trindade têm uma natureza; há uma natureza comum da humanidade. Pessoa é natureza subsis­ tindo separadamente, com poderes de consciência e vontade. Visto que a natu­ reza de Cristo não tem e nunca teve uma subsistência separada, é impessoal e no Deus-homem o Logos fornece o princípio de pessoalidade. É igualmente importante observar que a autoconsciência e a autodeterminação não perten­ cem à natureza como tal, mas só à pessoalidade. Por esta razão, Cristo não tem duas consciências e duas vontades, mas uma só consciência e uma só vontade. Esta consciência e vontade, contudo, nunca é simplesmente humana, mas é sempre teantrópica - atividade de uma pessoalidade que une em si a humana e a divina (Mc. 13.32; Lc. 22.42). O pai e a mãe humanos são pessoas distintas e cada um dá aos seus filhos algo da sua própria natureza peculiar; contudo, o resultado não é duas pessoas no filho, mas uma pessoa com uma consciência e uma vontade. Assim a Paternidade de Deus e a maternidade de Maria não produziram uma dupla pessoalidade em Cristo, mas só uma. D o r n e r ilustra a união do ele­ mento humano e divino em Jesus através do Espírito Santo no crente; nada estranho, nada distinguível da vida hum ana na qual ele entrou; e através do senso m oral, que é a própria presença de Deus na alma humana, embora a consciência não interrom pa a unidade da vida. Estas ilustrações auxiliam-nos a entender a interpretação do elemento humano através do divino em Jesus; mas apresentam o defeito de sugerir que a relação dele com Deus é diferente

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da nossa não no gênero, mas no grau. Só Jesus pode dizer: “Antes de Abraão nascer eu sou” (Jo. 8.58); “ Eu e o meu Pai somos um” (Jo. 10.30). A teoria das duas consciências e das duas vontades, elaborada por João Damasceno foi um acréscimo não garantido à doutrina ortodoxa proposta em Calcedônia. Embora o ponto de vista de João Damasceno tivesse sido san­ cionado pelo C oncilio de Constantinopla (681), “este nunca foi considerado ecumênico pela Igreja Grega e sua com posição e espírito privam suas deci­ sões de todo valor indicativo do verdadeiro sentido da Escritura” . A natureza tem sua consciência e vontade, só quando se m anifesta na pessoa. Uma pessoa tem uma só consciência, a qual abrange em seu escopo, em todos os tempos, uma natureza humana e, às vezes, divina. Observe que não dizemos que a natureza humana de Cristo não possuía vontade, mas apenas que não a tinha antes da união com a natureza divina e não a tinha separada da von­ tade que foi form ada do elemento humano e do divino unidos. S artório em prega a ilustração dos dois c írcu lo s concêntricos: um, o ego da pessoalidade em Cristo, é ao mesmo tem po o centro de ambos os círculos, a natureza humana e a divina. Ou melhor, ilustrado por um vaso de ar invertido e imerso, às vezes abaixo do seu centro, às vezes acima, dentro de outro vaso bem m aior cheio de água. Ver Mc. 13.32 - “daquele Dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho”; Lc. 22.42 - “Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua” . Dizer que, embora em sua capacidade humana fosse ignorante, ao mesmo tem po em sua capacidade divina ele era onisciente, é acusar Cris­ to de inveracidade. Sempre que Cristo falava, não eram duas pessoas que falavam, mas a pessoa em quem ambas as naturezas estavam unidas. Ao q u e f i c o u d it o a d i c i o n a m o s v á r i a s d e f i n i ç õ e s d e p e s s o a l i d a d e : B o ê t h iu s , c i t a d o e m D o r n e r , Glaubenslehre, 2.415 ( D o u t r i n a S i s t e m á t i c a 3.313) - “ P e r s o n a e s t a n i m a e r a t i o n a l is i n d i v id u a s u b s t a n t i a ” ( P e s s o a é a s u b s t â n c i a r a c io n a l i n d i v i s í v e l d a a lm a ) ; F. H . R o b e r t s o n , Lect. On Gen., p . 3 - “ P e s s o a l i d a d e = a u t o c o n s c i ê n c i a , v o n t a d e , c a r á t e r ” ; P o r t e r , Human Intelect, 626 - “ P e s s o a l i ­ d a d e = s u b s is tê n c ia a u to d e te r m in a n te ” ; H

d is t i n t a , q u e r p a t e n t e , q u e r l a t e n t e , a u t o c o n s c i e n t e a r r is ,

Philos. Basis o f Theism, 408 -

e

“ P e s s o a = s e r, c o n s ­

c iê n c ia d o e u , s u b s is t e n t e n a in d iv id u a lid a d e e id e n tid a d e e d o t a d a d e r a z ã o in t u itiv a , s e n s ib ilid a d e

r a c io n a l e liv r e v o n t a d e ” . D

r.

E. G.

R

o b in s o n

d e f in e

“ n a tu r e z a ” c o m o “ o s u b s tr a to o u c o n d iç ã o d o s e r q u e d e te r m in a o g ê n e r o e

é c la r a m e n t e d is t in t a d a p r ó p r ia p e s s o a ” . Metaphysics, 244 - “A identidade do sujeito da experiência interna é tudo o que requeremos. Sempre que e sem pre quando a alma conhece a si mesma como o sujeito idêntico, ela é e assim é chamada, tão somente por essa razão, substância” . I l l in g w o r t h , Personality, Hum an and Divine, 32 “Nossa concepção de substância não deriva do mundo físico, mas do mental. Substância é, antes de tudo, aquilo que suporta os nossos sentim entos men­ tais e manifestações. K a n t declara que a idéia de liberdade é a fonte da nossa idéia de pessoalidade. “A pessoalidade consiste na liberdade total da alma sobre o mecanismo da natureza”. a tr ib u t o s d a p e s s o a , m a s q u e

L o tze,

f)

Efeito sobre o humano. - A união das naturezas divina e humana torna esta possuída dos poderes pertencentes àquela; em outras palavras, os atributos

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ia natureza divina são outorgados à humana sem passar por sobre sua essên­ cia, - de modo que o Cristo humano, mesmo na terra, tinha poder para ser, conhecer e agir como Deus. Que este poder era latente, ou raramente manifes­ to. era o resultado do estado da auto-escolha da humilhação na qual o Deushomem entrou. Neste estado de humilhação, a comunicação do conteúdo da raa natureza divina com a humana foi mediada pelo Espírito Santo. O Deushomem, em sua forma de servo, conhecia, ensinava e fazia só o que o Espí­ rito Santo permitia e dirigia (Mt. 3.16; João 3.34; At. 1.2; 10.38; Hb. 9.14). Mas quando havia permissão, ele conhecia, ensinava e fazia, não como os profetas, pelo poder comunicado de fora, mas em virtude de sua própria ener­ gia (Mt. 17.2; Mc. 5.41; Lc. 5.20,21; 6.19; João 2.11,24,25; 3.13; 20.19). K a h n is , Dogmatik, 2- ed. 2 . 7 7 - “A natureza humana não se tom a divina, mas (como diz Chemnitz) só o m eio-termo do divino; do mesmo modo que a lua não tem luz própria, mas só reproduz a do sol. Assim também a natureza humana pode, por derivação, exercer os atributos divinos, porque ela está unida ao elemento divino em uma só pessoa” . M a s o n , Faith o fth e Gospel, 151 - “A nossa alma espiritualiza o nosso corpo e um dia nos dará força para a hum anidade em Cristo, conquanto esta ainda não deixa de ser humanidade”. P h il l ip p i , Glaubenslehre, 4.131 - “A união exalta o elemento humano do mesmo modo que a luz ilumina o ar, o calor dá brilho ao ferro, o espírito exalta o corpo, o Espírito Santo santifica o crente através da união com a sua alma. O fogo transm ite ao ferro as suas propriedades de ilum inação e queima; ape­ sar de que o ferro não se torna fogo. O Espírito Santo santifica o crente, mas o crente não se torna divino; porque o determ inante é o princípio divino. Não falamos da luz aérea, do calor do ferro, ou de um a alma corporal. Assim a natureza humana possui o elemento divino só por derivação. Neste sentido é nosso destino tornarm o-nos ‘participantes da natureza divina’ (2 Pe. 1.4)” . Mesmo na sua vida terrena, quando ele queria ser ou, mais precisamente, quando o Espírito permitia, ele era onipotente, onisciente, onipresente, podia andar sobre o mar, ou entrar a portas fechadas. Mas, no seu estado de humi­ lhação, ele estava sujeito ao Espírito Santo. Em Mt. 3.16, a unção do Espírito Santo no seu batismo não foi a descida material da pomba (“como uma pom ba”). O aparecim ento como uma pomba só foi um sinal exterior da vinda do Espírito Santo das profundezas do seu ser, derram ando-se com o um dilúvio na sua consciência divino-hum ana. Jo. 3.34 - “pois não lhe dá Deus o Espírito por m edida” ; At. 1.2 - “depois de ter dado mandam entos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos”; 10.38 - “como Deus ungiu a Jesus de Nazaré, com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo o bem e curando todos os oprim idos do diabo, porque Deus era com ele”; Hb. 9.14 - “o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus”. Quando o Espírito Santo permitia, ele sabia, ensinava e operava como Deus; Mt. 17.2 - “transfigurou-se diante deles”; Mc. 5.41 - “Menina, a ti te digo: levanta-te” ; Lc. 5.20,21 - “Homem, os teus pecados te são perdoados.

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... Quem pode perdoar pecados senão Deus?” - Lc. 6.19 - “saía dele virtude que curava todos”; Jo. 2.11 - “Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Gaiiiéia e manifestou a sua glória” ; 24,25 - “porque a todos conhecia. ... ele bem sabia o que havia no hom em ” ; 3.13 - “o Filho do Homem, que está no céu” [contudo, aqui W e s tc o tt e Hort, juntam ente com K e B, omitem ó còv èv t ô o-üpavcò, - em defesa da leitura comum , ver Broadus, H ovey’s Com., sobre Jo. 3.13]; 20.19 - cerradas as portas ... chegou Jesus, e pôs-se no meio” . Cristo é o “servo do Senhor” (Is. 42.1-7; 49.1-12; 52.13; 53.11) o sentido de tkxíç (At. 3.13,26; 4.27,30) não é “criança” ou “ Filho” ; é “servo” como apa­ rece na Versão Revista e A tualizada do Brasil (SBB). Porém no estado de exaltação Cristo é o doador do Espírito (Jo. 16.7 - “enviar-vo-lo-ei”), presente no Espírito (Jo. 14.18 - “voltarei para vós” ; Mt. 28.20 - “ Eis que estou convosco todos os dias, até a consum ação dos séculos”) e operando através do Espírito (1 Co. 15.45 - “o último Adão, em espírito vivificante”; 2 Co. 3.17 “Ora, o Senhor é Espírito”). D elitzsch: “A concepção do servo do Senhor é, como se fosse, de uma pirâmide, cuja base é o povo de Israel como um todo; a parte central, Israel, segundo o Espírito; o cume, o Mediador da Salvação, que surge de Israel”. C heyne, sobre Isaías, 2.253, concorda com este ponto de vista de D elitzsch, que é tam bém o de Oeler. O V. T. é a vida de uma nação; o N.T., a vida de um homem. O principal fim de uma nação é produzir o homem; o principal fim do homem é salvar o mundo. S abatier, Philos. Religion, 59 - Se potencialmente e em certo grau a hum anidade não fosse um Emanuel, Deus conosco, nunca teria produzido de seu seio aquele que teve e revelou tal bendito nome” . Que­ remos am pliar e corrigir esta ilustração da pirâmide, fazendo com que a base seja o Logos, como o C riador e sustentador de todas as coisas (Ef. 1.23; Cl. 1.16); o estrato que se apóia a seguir no Logos é a hum anidade universal (SI. 8.5,6); a seguir vem Israel como um todo (Mt. 2.15); o Israel espiritual se apóia sobre o Israel segundo a carne (Is. 42.1-7); como ápice e pedra supe­ rior, vem, a coroar a pirâmide, Cristo, o verdadeiro servo do Senhor e Filho do homem (Is. 53.11; Mt. 20.28). Podemos avançar com a hum anidade sempre desenvolvendo-se e subindo ao céu (Is. 9.6 - “ Pai eterno”; Is. 53.10 - “verá a sua posteridade” ; Ap. 22.16 - “ Raiz e Geração de Davi”; Hb. 2.13 - “eu e os filhos que Deus me deu”.

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Efeito sobre o divino. - Esta comunhão das naturezas era tal que, apesar de que a natureza divina em si é incapaz de ignorância, de fraqueza, de tenta­ ção, de sofrimento, ou morte, a pessoa de Jesus Cristo era capaz destas coisas em virtude da união da natureza divina com a humana. Como o Salvador humano pode exercer atributos divinos, não só em virtude de sua humanidade, mas derivada, em virtude de possuir a natureza divina, assim o Salvador pode sofrer e ignorar como homem, não em sua natureza divina, mas derivada em virtude de possuir a natureza humana. Podemos ilustrar isto com a conexão entre o corpo e a alma. A alma sofre dor por causa da sua união com o corpo,

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o que separada do corpo seria impossível. Assim o Deus-homem apesar da natureza divina impassível, era capaz por causa da união com o elemento humano, de um sofrimento absolutamente infinito. Como a minha alma nunca poderia sofrer as dores do fogo se apenas fosse alma, mas pode sofrê-las na união com o corpo, assim o Deus, doutra form a im passível pode sofrer as agonias mortais através da união com a humanidade, o que ele nunca poderia se não se ligasse à minha natureza. A união entre a humanidade e a divindade é tão estreita que a própria divinda­ de se submeteu à m aldição e pena da lei. Por que Cristo é Deus passou ele pelas chamas do Getsêmani e do Calvário sem cham uscar-se? Ao invés dis­ so, digamos, porque Cristo é Deus, suportou o sofrim ento absolutam ente infinito. A. J. F. B e h r e n d s , Examiner, 21 de abril de 1898 - “Jesus Cristo é Deus na forma de homem; tão integralmente Deus como se não fosse homem; tão integralm ente homem como se não fosse Deus. Ele é sempre divino e sem ­ pre humano. ... As enfermidades e dores do seu corpo traspassaram a natu­ reza divina. ... A dem anda da lei lançada sobre Cristo não veio de fora, mas de dentro. É a justiça dentro dele que tornou necessária a sua morte” .

h) Necessidade da união. - A união das duas naturezas em uma pessoa é necessária para constituir Jesus Cristo um apropriado mediador entre o homem e Deus. Esta dupla natureza dá-lhe comunhão com as duas partes visto que envolve uma dignidade igual à de Deus e ao mesmo tempo perfeita simpa­ tia para com o homem (Hb. 2.17, 18; 4.15,16). Esta dupla natureza, contudo, capacita-o a apresentar tanto a Deus como ao homem os termos apropriados da reconciliação: sendo homem, pode fazer expiação pelo homem; sendo Deus, sua expiação tem valor infinito; enquanto tanto a sua divindade como a sua humanidade combinam-se para mudar os corações dos ofensores e constran­ gê-los à submissão e amor(l Tm. 2.5; Hb. 7.25). Hb. 2.17,18 - “ Porque convinha que, em tudo, fosse sem elhante aos irmãos, para ser m isericordioso e fiel sum o sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer os que são tentados” ; 4.15,16 - “ Porque não tem os um sum o sacerdote que não possa com padecer-se das nossas fraquezas; porém um que, com o nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. C heguem o-nos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possam os alcançar m isericórdia e achar graça, a fim de serm os ajudados em tem po oportuno”; 1 Tm. 2.5 - “um só Deus e um só m ediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, hom em ” ; Hb. 7.25 - “Portanto, pode salvar perfei­ tam ente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sem pre a interceder por eles” .

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Porque Cristo é homem, pode fazer expiação pelo homem e sim patizar com o homem. Porque Cristo é Deus, sua expiação é de valor infinito e a união que ele efetua com Deus é completa. Um salvador somente humano nunca nos poderia reconciliar e nos unir novamente a Deus. Mas o salvador divino-hum ano vem ao encontro das nossas necessidades. Ver W il b e r f o r c e , Incarnation, 170-208. Como o sumo sacerdote no passado levava em sua mitra o nome IHVH, e em seu peitoral os nomes das tribos de Israel, assim Cristo Jesus é Deus conosco e, ao mesmo tempo, nosso representante propiciatório diante de Deus. Na Eneida de Virgílio, Dido diz com precisão: “ Haud ignara maii, miseris succurrere disco” - “ Eu mesmo não ignoro o sofrimento, aprendo a mostrar com paixão”. Terêncio profere uma palavra quase cristã quando escreve: “Homo sum, et humani nihil a me alienum puto”. - “Sou homem e, em mim, nada de humano julgo que seja estranho em mim” . A experiência e divindade de Cristo tornam estas palavras muito mais verdadeiras nele do que em qualquer outro ser humano.

i) A união eterna. - A união da humanidade com a divindade na pessoa de Cristo é indissolúvel e eterna. Diferentemente dos avatares do Oriente, a encarnação foi a admissão da natureza humana pela segunda pessoa da Trin­ dade. Na ascensão de Cristo, a humanidade glorificada atingiu o trono do universo. Por seu espírito, este mesmo Salvador divino-humano é onipresente para assegurar o progresso do seu reino. A sujeição final do Filho ao Pai, mencionada em 1 Co. 15.28, não pode ser outra senão o completo retorno do Filho à sua relação original com o Pai; visto que, segundo João 17.5, Cristo deve novamente possuir a glória que tinha com o Pai antes que o mundo exis­ tisse (cf. Hb. 1.8; 7.24,25). 1 Co. 15.28 - “E quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” ; Jo. 17.5 - “Glorifica-m e tu, ó Pai, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse”; Hb. 1.8 - “Mas, do Filho, diz: ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos” ; 7.24 - “mas este, porque per­ manece para sempre, tem o seu sacerdócio perpétuo” . D o r n e r , Glaubens­ lehre, 2.281-283 (Doutrina Sistem ática 3.177-179), sustenta que há uma dis­ tinção presente e relativa entre a vontade do Filho, como Mediador, e a do Pai (Mt. 26.39 - “não como eu quero, mas como tu queres”) - a qual cessa quan­ do Cristo se torna Juiz (Jo. 16.26 - “Naquele dia, pedireis em meu nome, e não vos digo que eu rogarei por vós ao Pai”). Se o reino de Cristo cessasse, ele seria inferior aos santos, que devem reinar. Mas eles devem reinar só em Cristo e com ele, que é o cabeça. A melhor ilustração do sentido possível do abandono do reino por Cristo encontra-se no Governador da C om panhia das índias Orientais, abrindo mão da sua autoridade em favor da rainha e incorporando-a à do governo da sua terra, embora ele, ao mesmo tem po se tornasse S ecretário de Estado da

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índia. Assim Cristo abrirá mão do seu ofício, mas nunca da sua mediação. Naquele tem po ele reinava por autoridade delegada; agora em união com o Pai. W r i g h t n o u r : “Quando o grande remédio operou a perfeita cura, o médico não será mais tratado como médico. Quando a obra da redenção já estiver completa, cessará o ofício m ediador do Filho” . Podemos acrescentar que começarão outros ofícios como o da amizade e instrução. M elanchton: “C risto findará sua obra com o M ediador e, a partir de então, reinará com Deus, revelando-nos im ediatam ente a sua divindade” . Q u e n s t e o t , citado por S c h m id , Dogmatik, 293, é da opinião que o abrir mão do reino será apenas uma m udança da adm inistração externa em fa vo r de uma inter­ na, - não uma rendição de todo o poder e autoridade, mas só de um modo de exercício. H a n n a , R esurrection, preleção 4 - “ não se trata de abrir mão de sua autoridade m ediadora; o seu trono é eterno, - mas trata-se de um reconhecim ento público do fato de que Deus é tudo em todos, de que Cristo é o meio de que Deus se vale para cum prir tu d o ” . A nálise Paralela da Bíblia, 1 Co. 15.28 - “ Não é a sua relação m ediadora com o seu próprio povo que será interrom pida; m uito menos a sua relação pessoal com a Divindade, como Verbo divino; mas som ente a relação m ediadora com o mundo gene­ rica m e n te ” . Ver tam bém E d w a r d s , O b s e rv a tio n s on the Trinity, 8 e ss. E xpositor’s G reekTestam ent, sobre 1 Co. 15.28, não afirm a nenhum a outra sujeição além da envolvida na Filiação. ... Isto não im plica inferioridade da natureza, nem exclusão do poder, mas a livre subm issão do amor. ... que é a essência do espírito filial que dom inou C risto do com eço ao fim. ... Q ual­ quer que seja a sua glória dedica-se à glória e ao poder do Pai, que, por sua vez, o glorifica”. D o r n e r , Glaubenslehre, 2.402 (D outrina S istem ática, 3.297-299) - “Não devem os im agin a r a e ncarnação de C risto no m undo a ngelical, ou em outras esferas. Isto tornaria a encarnação apenas a m udança de roupagem, uma teofania passageira; e a relação de Cristo com a hum anidade seria tão som ente exterior” . Bispo de Salisbury, citado por Swayne, O Conhecim ento do nosso S enhor com o Homem, XX - “ P erm ite-se-nos crer que há algo paralelo ao progresso da hum anidade do nosso Senhor no estado de hum i­ lhação, vindo até os nossos dias, no estado de exaltação? isto é, de fato, tornando-se cada vez mais adequado à natureza divina? Ver Cl. 1.24 - ‘cum ­ pro o resto’; Hb. 1 0 .1 2 ,1 3 - ‘esperando até que os seus inim igos’; 1 Co. 15.28 - ‘quando todas as coisas lhe estiverem su je ita s’” . A nosso juízo, tal conclu­ são não oferece garantia, pelo fato de que o D eus-hom em , em sua exalta­ ção, tem a glória do estado preexistente (Jo. 17.5); que todos os poderes celestes já estão sujeitos a ele (Ef. 1.21,22); e que ele agora é onipresente (Mt. 28.20).

infinito e o finito em Cristo. - Nossa investigação da Escritura, ensi­ nando a respeito da pessoa de Cristo leva-nos a três importantes conclusões: 1. que a divindade e a humanidade, o infinito e o finito, nele não são mutua­ mente exclusivos; 2. que a humanidade em Cristo difere da sua divindade não meramente em grau, mas em gênero; e que 3. esta diferença em gênero é dife­ j) O

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rença entre o infinito original e o finito derivativo, de modo que Cristo é a fonte da vida, tanto física como espiritual, para todos homens. Nossa doutrina exclui o ponto de vista de que Cristo é apenas quantitati­ vamente diferente dos outros homens nos quais habita o Espírito de Deus. Qualitativam ente, ele difere por ser a fonte da vida e os homens os seus receptores. É verdade não só que a plenitude de Deus está só nele; é verda­ de que tam bém ele é Deus, revelando-se e com unicando-se, o que não acon­ tece com os homens. Contudo, não podemos sustentar com E. H. J o h n s o n , Outline o f Syst. Theol., 176-178, que a humanidade de Cristo foi da mesma espécie que a deidade, mas não da mesm a substância. Não conhecemos nenhuma substância subjacente e base do ser. Tal substância a si mesmo se limita e se manifesta em Jesus Cristo. O elemento determinante não é o huma­ no, mas o divino. A fonte infinita tem uma manifestação finita; mas no finito vemos o Infinito; 2 Co. 5.19 - “ Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” ; Jo. 14.9 - “Quem me vê a mim vê o Pai” . Por isso podemos concor­ dar com os seguintes escritores que consideram todos homens participantes da vida de Deus, embora neguemos que Cristo seja apenas homem, distinto dos seus sem elhantes por ter, mais do que nós, participação naquela vida. J. M. W h i t o n : “Como deve o espírito divino que se manifesta na vida do Jesus Cristo homem distinguir-se qua divino, do mesmo espírito divino mani­ festo na vida da humanidade? Respondo que, nele, a pessoa de Cristo habita corporalm ente a plenitude de Deus. Dou ênfase à plenitude e digo: Deus é sem elhante à raça e à direção espiritual, mas a plenitude está apenas nele plenitude naturalm ente não absoluta, visto que circunscrita a um organismo humano, mas dentro dos limites de tal organislno. A divindade essencial não pode ser atribuída ao Cristo humano a não ser em comum com a raça, criada à imagem de Deus. A vida é uma só e é divina”. ... Gloria Patri, 88.23 - “Toda encarnação da vida é pro tanto e em tal m edida uma encarnação de D e u s .... e o processo de Deus é a perpetuam ente crescente encarnação da vida cujo clímax e coroa é a divina plenitude da vida em Cristo. ... O H omoousios do Credo Niceno foi uma grande vitória da verdade. Porém os Pais nicenos edificaram de uma form a m elhor do que conheciam . O unitário D r . H e o g e o s louvava porque eles captaram a verdade, a conclusão lógica daquilo que deveria vir mais tarde; que Deus e o homem são a mesm a substância”. Assim M om erie, Inspiração, sustenta que a natureza do hom em é em gênero, a mesm a que a de Deus. Ver a crítica deste ponto de vista em W a t t s , New Apologetic, 133,134. Ele considera que o hom oiousios envolve hom oousios; a natureza divina capaz de fissão ou segm entação, quebrada em parte e dis­ tribuída entre agentes morais finitos; a natureza divina subm etendo-se a perenes limitações; por isso todo homem, até certo ponto inspirado, e o mal é tão verdadeiram ente uma inspiração de Deus como o bem. Parece-nos que W a t t s não tem a concepção própria do infinito como base do finito, e por isso não o exclui. L y m a n A b b o t t afirm a que Cristo é “não Deus e homem, mas Deus no homem” . Cristo difere dos outros homens só como a flor difere do bulbo. Como

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verdadeiro homem, ele é genuinam ente divino. Deidade e hum anidade não são duas naturezas distintas, mas só uma. A natureza ético-espiritual que é finita no homem é idêntica à natureza que é infinita em Deus. A distinção entre Cristo e os outros homens acha-se, portanto, no grau em que compartilha esta natureza e possui uma única plenitude de vida - “ungiu ... com o Espírito Santo e com poder” (At. 10.38). P h il l ip s B r o o k s : “A esta hum anidade do homem como parte de Deus - com isto concordo; porque a isto amo e nada mais quero conhecer. ... O homem é, em virtude de sua humanidade essen­ cial, participante da vida do Verbo essencial. ... Para cada alma, até onde possível recebê-la, Deus fere a sua vida e lhe dá o seu socorro” . P h il l ip s B r o o k s crê que Deus habita como redentor no homem, de sorte que a salva­ ção é do homem, para o homem, pelo homem. Ele não sente escrúpulo em dizer a cada um: “Você é uma parte de Deus” . Conquanto nos esquivem os de expressões que parecem im plicar uma divisão da natureza divina, somos com pelidos a reconhecer a verdade em que estes escritores estão em penhados em expressar a unidade essencial de toda a vida, e de Deus em Cristo, como a sua fonte e o seu doador. “ É com aprovação que Cristo cita as palavras do SI. 82.6 - ‘Eu disse: Vós sois deu­ ses’. Microscópicos, na verdade, som os divinos - centelhas da chama da divindade. Deus é o Criador, mas é através de Cristo como o mediador e como a Causa final. ‘E nós por ele’ (1 Co. 8.6) = existim os para ele, para a realização de uma hum anidade divina em solidariedade com ele. Cristo é ao mesmo tempo o fim e a causa instrum ental do processo inteiro. S a m u e l H a r r is , Deus, o C riador e Senhor de Tudo, fala do “elemento essencialmente divino no hom em ”. O Filho, ou Verbo de Deus, “quando manifesto nas formas de uma personalidade finita, é o Cristo essencial revelando isso em Deus, que é essencial e eternam ente hum ano”. P f l e id e r e r , Philos. Religion, 1.196 - “A hum anidade inteira é o objeto do amor divino; é um Emanuel e filho de Deus; sua história inteira é uma encar­ nação contínua de Deus; na verdade a Escritura diz que nós som os uma geração divina e que em Deus vivemos e nos movemos e existimos. Mas o que está potencialm ente na consciência humana de Deus não é por causa do que tam bém se manifesta a ela desde o princípio” . H a t c h , H ibbert Lect., 175180, sobre o m onismo estóico e o dualism o platônico, diz-nos que os estóicos criam num Xóyoç, pessoal e num uXri impessoal, ambos modos de uma só substância. Alguns consideram Deus com o um modo da matéria, natura naturata: “Júpiter est quodcum que vides, quodcum que m overis” ( L u c a n , Phars., 9.579); outros concebiam -no como a natura naturans, - esta se tornou a con­ cepção dom inante. ... Os produtos são todos divinos, mas não igualmente d iv in o s .... Mais próxima da essência pura de Deus está a alma humana; ela é uma em anação ou uma fluência dele, um renovo que está separado da vida de uma árvore paterna em bora continue a viver com ela, uma colônia na qual alguns membros do grupo paterno se estabeleceram. P l a t ã o seguiu Anaxágoras ao sustentar que a mente está separada da matéria e age sobre ela. Deus está fora do mundo. Ele lhe dá form a do mesmo modo que o carpinteiro à madeira.

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SEÇÃO III - OS DOIS ESTADOS DE CRISTO I. ESTADO DE HUMILHAÇÃO 1. Natureza desta humilhação

Podemos apresentar, como nota indigna de seriedade, os pontos de vista de que ela consistiu essencialmente ou na união do Logos com a natureza huma­ na, pois esta união com a natureza humana continua no estado de exaltação; ou nas provações exteriores e privações da vida humana de Cristo, pois este ponto de vista lança reprovação sobre a pobreza e ignora o poder da alma de subir a uma área superior às suas circunstâncias exteriores. E. G Robinson, Chrístian Theology, 224 - “O erro de supor que é por demais humilhante obedecer a uma iei derivou do tesouro romano do mérito e obras de supererrogação [obras que excedem ao exigido por lei]. M elhor é o senti­ mento de Frederico, o Grande, quando o seu resoluto súdito vizinho, cujo moinho de vento ele tentou retirar, tendo-o derrotado num processo judicial, o frustrado m onarca exclamou: ‘Graças a Deus que na Prússia há lei’!” Palmer, Theological Definition, 79 - “Deus se revela na rocha, nos vetais, nos ani­ mais, no homem. Não pode o processo continuar? Não pode aparecer na plenitude dos tem pos um homem que revele Deus tão perfeitam ente quanto é possível nas condições humanas - um homem que é Deus dentro das lim i­ tações da hum anidade? Tal encarnação é hum ilhação apenas aos olhos do homem. Para Cristo, trata-se de exaltação, de glória; Jo. 12.32 - “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a m im ’ “. G eorge H arris, M oral Evolution, 409 - “A divindade de Cristo não é obscurecida, mas, ao contrário, é vista claramente, brilhando através da sua hum anidade” .

Podemos dedicar mais atenção A) A teoria de T h o m a siu s , D elitzsch e C r o sb y , de que a humilhação con­ sistiu na renúncia dos seus atributos divinos. Esta teoria sustenta que o Logos, apesar de reter a sua divina consciência de si mesmo e seus atributos imanentes de santidade, amor e verdade, renun­ ciou seus atributos relativos de onisciência, onipotência, onipresença a fim de tomar para si a verdadeira natureza humana. Segundo este ponto de vista, há, na verdade, duas naturezas em Cristo, mas nenhuma delas é infinita. T homasius e D elitzsch são os principais defensores desta teoria na Alemanha. H oward C rosby tem sustentado semelhante ponto de vista na América. A teoria de T h o m a s iu s , D e l i t z s c h , e C r o s b y , embora inadequadam ente, tem sido cham ada de quenótica (de È K É vco a ev - “a si mesmo se esvaziou” - em

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Fp. 2.7), e seus defensores são cham ados de teólogos quenóticos. Há uma quênose do Logos, mas de um tipo diferente do que esta teoria supõe. Cros­ by dá ênfase á locução “se fez”, em Jo. 1.14 - “e o Logos de fez carne” - e dá à palavra carne o sentido de “hom em ”, ou de “hum ano” . Conseqüentemente, Crosby deve, por efeito lógico, negar, em bora não o faça, que o corpo de Cristo derivou da Virgem.

A este ponto de vista objetamos que: a) Contradiz as Escrituras já referidas nas quais Cristo afirma seu conheci­ mento e poder divinos. Tem-se dito que a divindade pode interromper suas funções terrenas, pois ela existia sem estas antes da criação. Mas interromper os atributos divinos é interromper a substância de Deus. Nem é resposta sufi­ ciente dizer que só os atributos relativos são interrompidos enquanto os atri­ butos imanentes, que caraterizam principalmente a divindade, são retidos; pois os imanentes envolvem necessariamente os relativos, do mesmo modo que o maior envolve o menor. L e ib n e r , Jahrbuch fü r d. Theol., 3.349-356 - “ Está o Logos aqui? Mas em que ele mostra a sua presença, para que possa ser conhecida”? H a s e , Huterus Redivivus, 113 ed., 217, nota. J o h n C a i r d , Fund, Ideas o f Christianity, 2.125146, critica a teoria quenótica, mas admite que com todas as suas contradi­ ções, como ele as considera, é uma tentativa de tornar concebível a profunda verdade de um Deus sim pático e que a si mesm o se sacrifica.

b) Visto que o Logos, unindo-se a uma alma humana, reduz-se à condição

e limitações dela, a teoria é virtualmente da coexistência de duas almas em Cristo. Mas a união de duas almas finitas é mais difícil de explicar do que a união de uma finita com uma infinita, visto que não pode haver naquele caso nenhuma direção inteligente e controle do elemento humano pelo divino. D o r n e r , Jahrbuch fü r d. Theol, 1.397-408 - “A im possibilidade de tornar duas almas finitas em uma levou, por fim, o arianism o à negação de qualquer alma humana em Cristo” (apolinarism o). Esta afirm ação de D o r n e r , que j á citamos ao tratar do apolinarismo, ilustra a iguai impossibilidade, apoiada na teoria de T h o m a s iu s de edificar, a partir de duas almas iguais, a pessoa de Cristo.

c) Esta teoria deixa de garantir seu fim, que é o de tornar compreensível o desenvolvimento humano de Jesus, pois, apesar de despido dos atributos re a ­ tivos da Divindade, o Logos ainda retém sua divina consciência de si mesmo juntamente com seus atributos imanentes de santidade, amor e verdade. E difícil reconciliar isto com um desenvolvimento humano puramente natural como a posse dos atributos relativos de Deus seriam. A teoria logicamente

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leva a uma negação da posse de quaisquer atributos divinos ou de qualquer consciência divina da parte de Cristo e apresenta-se no ponto de vista de Gess e Beecher de que a divindade do Logos transforma-se verdadeiramente em uma alma humana. K a h n is , Dogmatik, 3.343 - “A teologia antiga concebia Cristo no seu uso pleno e inquebrantável da consciência de si mesmo, dos atributos divinos, e das funções terrenas, desde a sua concepção até à sua morte. Embora Jesus, como feto, criança, menino, não fosse onipotente e onipresente em sua natureza humana, contudo ele o era quanto à natureza divina, que cons­ tituía um ego com a humana. Entretanto, T h o m a s iu s declarava que o Logos abriu mão dos seus atributos relativos, durante a sua peregrinação em carne. A .o h i§ o ã .Q de O q r h e r a Isto Jaa.sea.dQ cvalTO.utahlH.da.de dlvla a ^tta n s^ã e a.raaxca porque torna toda a transposição impossível. “ Porém algumas coisas da doutrina de ainda são difíceis: a divindade pode sem dúvida interrom per suas funções terrenas porque ela existe sem estas antes que o mundo existisse. Contudo, na natureza de uma pessoalidade absoluta há um conhecim ento, uma vontade, um sentimento absolutos de que ela não pode abrir mão. Por isso, Fp. fala de um abrir mão da glória divina, mas não a brir mão dos a tributos ou da natureza. 28, pouco se ganha com a suposição de que se abriu mão dos atributos ou natureza divinos, visto que o Logos, mesmo quando desvestido de uma parte dos seus atributos, ainda possui plenam ente a sua própria consciência divina que deve tornar menos difícil o desenvolvim ento humano. 3 a, as expressões da própria consciência, as obras poderosas, as palavras da sabedoria, todas divinas, provam que Jesus estava de posse da sua consciência própria e atributos divinos. “O elem ento essencial que os quenóticos têm em vista são firm es; a saber, que a pessoalidade divina do Logos desvestiu-se da sua glória (Jo. 17.5), das riquezas (2 Co. 8.6), da forma divina (Fp. 2.6). Este desvestir-se é o tornar-se homem. Daí, a humilhação não é abandonar a posse da natureza e atributos, mas o seu emprego. Que o homem pode deste modo abrir mão da sua própria consciência e dos seus poderes, vemos diariam ente no sono. Mas nem por isso o homem deixa de ser homem. Sustentam os que, quando o Logos se tornou homem não se desvestiu da pessoa e natureza divinas, o que é impossível; mas apenas do emprego e exercício delas - que lhe são latentes - para desdobrá-las ao seu emprego, na m edida que a natureza humana se desenvolvia - emprego que se com pletou na condição de exalta­ ção”. Esta afirm ação de K a h n is , embora próxim a do elemento correto, ainda nem é perfeitamente correta, nem perfeitamente completa.

Thomasius

1a,

2.6-11

B) Teoria de que a humilhação consistiu na renúncia do exercício indepen­ dente dos atributos divinos. Esta teoria, que consideramos como a mais satisfatória de todas, pode ser mais plenamente estabelecida como segue. A humilhação, como a Escritura parece mostrar, consistiu:

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No ato do Logos preexistente segundo o qual ele interrompeu sua glória divina com o Pai para tomar a forma de servo. Neste ato, ele resignou, não a posse, nem o uso total, mas o exercício independente dos atributos divinos. a)

Jo. 17.5 - “glorifica-m e tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com a glória que tinha contigo antes que o mundo existisse” ; Fp. 2.6,7 - “subsistindo em form a de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a form a de servo; e reconhecido em form a humana” ; 2 Co. 8.9 - “pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sen­ do rico, se fez pobre por am or de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” . Pompflia, em Ring a n d B ook de R o b e r t B r o w n in g : “Agora vejo como Deus é mais sem elhante ao Deus nascido” . A onisciência abre mão de todo o conhecim ento, porém a de criança, de menino, do embrião, o germ e da infinitesim al humanidade. A onipotência abre mão de todo o poder, mas da origem im pregnada no ventre da Virgem. A divindade se estreita num ponto que se segue à extinção absoluta. O ato de Jesus lavar os pés aos discípulos (Jo. 13.1-20) sim boliza a descida do seu trono de glória, tom ando a form a de servo, para nos purificar, pela regenera­ ção e santificação, para as bodas do Cordeiro.

b) Na submissão do Logos ao controle do Espírito Santo e as limitações da

sua missão messiânica em sua comunicação da plenitude divina da natureza humana que ele recebera na união consigo mesmo. At. 1.2 - Jesus, “depois de ter dado mandam entos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera” ; 10.38 - “ungiu a Jesus de Nazaré com o Espí­ rito Santo e com virtude”; Hb. 9.14 - “o sangue de Jesus Cristo, que, pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo im aculado a Deus”. Um m enor pode ter grandes bens que lhe foram deixados, apesar de que pode tê-lo em prega­ do como o seu guardião lhe permite. Na llíada de Homero, quando Andrômaco traz o seu filho para partir com Heitor, o menino fica apavorado com as plumas de guerra do capacete do seu pai, e Heitor as tira para abraçá-lo. Do mesmo modo Deus põe de lado “aquela form a gloriosa, aquela luz insofrível e aquele brilho metálico da majestade” . A r t h u r H. H allam , em Rab a n d h is Friend, 282,283 - “ Revelação é a aproxim ação voluntária do Ser infinito aos caminhos e pensamentos da humanidade finita”.

c) Na contínua renúncia do Deus-homem até no que se refere à sua nature­ za humana do exercício dos poderes divinos de que ele foi dotado em virtude de sua união com o divino e sua aceitação voluntária, da tentação, sofrimento, e morte que se seguiram a isso. Mt. 26.53 - “ou pensas tu que eu não poderia, agora, orar a meu Pai e que ele não me mandaria mais de doze legiões de anjos” ? Jo. 10.17,18 - “Por isso, o Pai me ama, porque dou a vida para tornar a tom á-la. Ninguém ma tira

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de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar e poder para tom á-la” ; Fp. 2.8 - “e, achado na form a de homem, humilhou-se a si mesmo sendo obediente até à morte e morte de cruz”. Cf. S h a k e s p e a r e , M ercador de Veneza: “Tal música existe nas almas imortais, que, embora suas vestes la­ m acentas se lhe colem, não podemos vê-la (a m úsica)” .

Cada um destes elementos da doutrina tem seu próprio apoio nas Escritu­ ras. Portanto, devemos considerar a humilhação de Cristo, não consistentes com um simples ato, mas envolvendo uma contínua auto-renúncia, que come­ çou com a Kenosis do Logos em se tomando homem e que culminou na autosujeição do Deus-homem à morte de cruz. Entender-se-á melhor a nossa doutrina sobre a humilhação de Cristo se a situarm os no meio do cam inho entre dois pares de pontos de vista errôneos, criando um terceiro no total de cinco. A lista é a seguinte: 1) Gess: O Logos abriu mão de todos atributos divinos; 2) T h o m a s iu s : O Logos abriu mão só dos atributos relativos; 3) O Verdadeiro Ponto de Vista: O Logos abriu mão do exercício independente dos atributos divinos; 4) Velha Ortodoxia: Cristo abriu mão dos atributos divinos; 5) A n s e l m o : Cristo agiu como se não possuísse atributos divinos. Apresentam os abaixo a exposição com pleta da passagem clássica relativa à hum ilhação, a saber, Fp. 2.5-8, no parágrafo seguinte, páginas 705, 706. Brentius ilustra a hum ilhação de Cristo com um rei que viaja incógnito. Mas M a s o n , Faith o f Gospel, 158, diz, com precisão, que “par­ tir só em aparência com o gozo dos atributos divinos seria impor-nos um pre­ tenso sacrifício de si mesmo; mas partir verdadeiram ente com ele é m anifes­ tar de modo mais perfeito a verdadeira natureza de Deus”.

2. Estágios da humilhação de Cristo

Podemos distinguir: a ) O ato do Logos pré-encamado pelo qual, tomandose homem, ele interrompeu o exercício independente dos atributos divinos. b ) Sua submissão às leis comuns que regulam a origem das almas de um tron­ co pecaminoso preexistente, recebendo sua natureza humana da Virgem, natu­ reza que só a concepção miraculosa tornaria pura. c) Sua sujeição às limita­ ções que o crescimento e desenvolvimento humano envolviam, atingindo a consciência de sua filiação aos seus doze anos, não operando milagres senão depois do batismo, d ) A subordinação de si mesmo, em estado, conhecimento, ensino e atos ao controle do Espírito Santo, vivendo, assim, não independen­ te, mas como um servo, é) Sua sujeição à tentação e ao sofrimento, em cone­ xão com uma raça pecaminosa e, finalmente, à morte que se constituiu na pena da lei. Pedro Lombardo perguntava se Deus podia saber mais do que ele estava consciente. Trata-se apenas de um outro m odo de colocar a questão se,

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durante a vida terrena de Cristo, o Logos existia fora da carne de Jesus. Devemos responder com a afirm ativa. Doutra sorte, o número de pessoas na Trindade seria variável e o universo poderia agir sem aquele que está sempre “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hb. 1.3) e em quem “todas as coisas subsistem ” (Cl. 1.17). Convém lembrar a natureza da onipre­ sença de Deus (ver pp. 279-282). A onipresença não é nada menos que a presença integral de Deus em todo lugar. A partir daí, segue-se que o Cristo integral pode estar presente em cada crente de um modo tão pleno como se esse crente fosse o único a receber a sua plenitude e que o Logos inteiro pode estar unido e presente no homem Jesus Cristo, enquanto, ao mesmo tempo, ele enche e governa o universo. Por isso, em virtude da sua onipre­ sença, o Logos todo pode sofrer na terra enquanto o Logos todo reina no céu. O Logos fora de Cristo tem a consciência perpétua da sua divindade, enquan­ to o Logos, unido à hum anidade em Cristo, está sujeito ao desconhecimento, à fraqueza e à morte. S h e d d , Dogm. Theol., 1.153 - “Jeová, embora presente na form a da sarça ardente, era ao mesmo tem po onipresente”; 1.265-284, esp. 282 - “ Porque o sol brilha na nuvem e através dela, não se segue que não possa ao mesmo tem po estar brilhando através dos outros espaços do universo, desobstruído por q u alquer va p o r em q u a lquer p arte” . G o r d o n , M inistry o f the Spirít, 21 - “D iferentem ente do homem, em Deus a chegada a um lugar não necessita o afastamento de outro” . João Calvino: “Lá está o Cristo todo; mas nem tudo o que estava em Cristo estava lá”. Não se concebe como se pode dispor do exercício dos atributos da onipo­ tência, da onisciência e da onipresença, mesmo que seja por algum tempo quando se considera o Logos como é em si mesmo, sentado no trono do universo. A matéria é um tanto mais fácil quando lembramos que não o Logos p e r se, mas ao invés disso, o Deus-homem, Jesus Cristo, em quem o Logos submeteu a esta humilhação. S o u t h , Sermons, 2.9 - “ Nunca a fonte está tão cheia, se ela se com unica através de um tubo de pequena dimensão; a cor­ renteza pode ser pequena e considerável e igual à medida da sua condução”. S a r t ó r io , Person and Work o f Christ, 39 - “Quando o olho humano abre, vê céu e terra; mas quando fecha pouco ou nada vê. Contudo, a sua capacidade inerente não muda. Do mesmo modo a divindade não muda a sua natureza quando desce a cortina da hum anidade diante dos olhos do Deus-homem”. O elemento divino em Cristo, durante a m aior parte da sua vida terrena, é latente, ou só esporadicam ente presente à sua consciência ou manifesto aos outros. Ilustremos a partir da segunda infância, na qual a própria mente exis­ te, mas não é capaz de uso; ou da prim eira infância, em que nem mesmo um Newton, ou um H u m b o l d t , se retrocedessem à terra e ocupassem um cérebro infantil, com poderes infantis. Há mais na m em ória do que podemos lembrar neste momento; a mem ória é m aior do que a lem brança. Há mais de nós e r todos os tem pos do que podemos saber; só uma súbita em ergência revela a grandeza dos recursos da nossa mente e do coração e da vontade. No rege­ nerado, a nova natureza é m aior do que aparenta: “Amados, agora scm os filhos de Deus e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, serem os sem elhantes a ele” (1 Jo. 3.2). Deste modo há uma plenitude oceânica de recursos de cuja consciência e cujo exer­ cício só agora e daí em diante o Espírito permite.

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Sem negar (como D o r n e r ) a plenitude, mesmo a partir do momento da sua concepção, da união entre a deidade e a humanidade, podemos ainda dizer com K a h n is : “A natureza humana de Cristo, segundo a medida do seu desenvolvimento, se apropria cada vez mais do seu emprego consciente da plenitude latente da natureza divina Assim tiram os a média entre os dois extremos opostos. Por um lado, a quênosis não é a extinção do Logos. Nem, por outro, sentiu fom e ou sono por milagre; isto é docetismo. Não devemos m inim izar a humilhação de Cristo, porque esta é a sua glória. Não há limite para a sua descida a não ser a que surge da sua im pecam inosidade. Sua humilhação não é sim plesm ente o abrir mão da aparência de Deus. B e a r d , Elohim Revealed, 585 - “Seria fraco e absurdo que alguém, baseado no fato de que o Im perador Carlos Quinto abriu mão dos seus trajes da realeza e assumiu o estilo de um súdito e ignorou o mais importante fato que realmente se tornou uma pessoa reservada e tivesse sido alvo da celebração da sua condescendência” . Cf. 2 Co. 8.9 - “sendo rico, se fez pobre por amor de vós” = tornou-se um pedinte. Mt. 27.46 - “Meu Deus, meu Deus, por que me desam paraste”? = o não exercício da onisciência divina. Contudo, visto que a passagem de Fp. 2.6-8 é a principal base e apoio da doutrina da humilhação de Cristo, anexam os aqui um exame mais porm eno­ rizado a seu respeito. EXPOSIÇÃO DE FILIPENSES, 2.6-8. A passagem reza; “pois ele, subsis­ tindo em form a de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assum indo a form a de servo, tom ando-se em sem elhança de homens; e, reconhecido em form a humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz”. O sujeito da sentença é, no início, (v. 6,7) Cristo Jesus, considerado o Logos preexistente; a seguir, (v. 8), este mesmo Cristo Jesus é considerado o encarnado. O contraste entre ja.opcpfi 8eot> e jxopcpriv 8ox>\ox> assim como os particípios Xaprâv e yevó|xevoç (v. 7) e ei>pe0eíç (v. 8) indicam a mudança do sujeito. Afirma-se, então, que, o Logos preexistente, “apesar de subsistir na form a de Deus, não considerou sua igualdade com Deus algo que deve ser retido à força, mas esvaziou-se a si mesmo, tom ando a form a de servo, (isto é) fazendo-se sem elhança dos homens. E, na condição de homem, ele (o filho encarnado de Deus) hum ilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz” (v. 8). É bom notar aqui que o Logos se desvestiu, ao tornar-se homem, não da sua substância de Deus, mas da “form a de Deus” na qual a substância se manifestou. Tal “form a de Deus” só pode ser o exercício independente das forças e prerrogativas da divindade que constitui sua “igualdade com Deus”. Disto ele abriu mão, “tom ando a form a de servo” - ou, tornando-se subordina­ do, como homem. (Aqui outros textos completam o ponto de vista através das suas representações da influência controladora do Espírito Santo na vida ter­ rena de Cristo. As expressões “tornando-se em sem elhança de homens” e, “reconhecido em figura humana” são em pregadas não para indicar que Jesus Cristo não era realmente humano, mas que ele era tanto Deus quanto homem e, portanto, livre do pecado que se prende ao homem {cf. Rm. 8.3 - èv ó|o.oió>naTi o a p K Ò ç à jm p T Ía ç - M e y e r ). Finalmente, esta pessoa, agora união de Deus e homem, submete-se, consciente e voluntariam ente, à hum ilhação de uma ignom iniosa morte de cruz.

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Ver L ig h t f o o t , em Fp. 2 . 8 - “Cristo desvestiu-se, não da sua natureza divina, porque isto era impossível, mas das glórias e prerrogativas da divinda­ de. Isto ele fez tomando a forma de servo”. E v a n s , em Presb. Review, 1 . 8 8 3 . 2 8 7 - “Dois estágios da humilhação de Cristo, cada um representado por um ver­ bo finito, definindo o ato central do estágio particular, acom panhado de dois particípios modais. O 1a estágio acha-se indicado no v. 7. Seu ato central é; ‘esvaziou-se a si m esm o’. Suas duas modalidades são: 1) ‘tom ando a forma de servo’; 2 ) ‘tornando-se em sem elhança de hom ens’. Temos aqui a humi­ lhação da quenosis; pela qual Cristo tornou-se homem. 2 2 estágio, indicado no v. 8. Seu ato central é: ‘hum ilhou-se a si m esm o’. Suas duas m odalidades são: 1) ‘reconhecido em form a hum ana’; 2) ‘tornando-se obediente até à mor­ te e morte de cruz’. Temos aqui a humilhação da sua obediência e morte; pela qual, na humanidade, ele se tornou sacrifício pelos nossos pecados” . M ey e r relaciona Ef. 5.31 exclusivam ente com Cristo e a igreja, fazendo a futura união completa, contudo, /'.e., no tem po da Parousia. “ Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe” = “na encarnação, Cristo deixou pai e mãe (seu assento à direita de Deus), e se uniu à sua esposa (a igreja) e os dois (des­ cendentes de Cristo e da igreja) tornaram -se uma só carne (eticamente uma pessoa do mesmo modo que o casal torna-se um através da união física). Contudo, os Pais (Jerônimo, Teodoreto, Crisóstomo), relacionaram isto com a encarnação” . Sobre Fp. 2.6-8, ver tam bém Com entário das Escrituras Sagra­ das de Lange; R o b e r t R . W ic k s e E r n e s t S c o t t em The ln te rp re te r’s Bible. Sobre a questão se Cristo se to m a ria homem caso não tivesse ocorrido o pecado, os teólogos estão divididos. D o r n e r , M a r t e n s e n e W e s t c o t t respon­ dem pela afirmativa; R o b in s o n W a t t s e D e n n e y pela negativa. W e s t c o t t , Com. On Hebrews, p. 8 - “Na sua essência, a encarnação independe da Queda, embora condicionada por ela, quanto às suas circunstâncias” . P e r contra, ver R o b in s o n , C hristian Theology, 219, nota - “Seria difícil m ostrar que um méto­ do sem elhante de argum ento a partir de prem issas a p rio ri não teria igual valor para provar que o pecado foi necessário ao esquema da criação” . D e n n e y , Studies in Theology, 101, opõe-se à doutrina da encarnação necessária inde­ pendentem ente do pecado, que tende a obliterar a distinção entre a natureza e a graça a fim de apagar os traços definidos da redenção operada por Cristo, como a revelação suprem a de Deus e de seu amor.

II. O ESTADO d e e x a l t a ç ã o 1. A natureza da exaltação

Consistiu essencialmente em: d) Um reassumir, da parte do Logos. de seu independente exercício dos atributos divinos, b) O afastamento, da parte do Logos, de todas limitações em sua comunicação da plenitude divina à nature­ za humana de Cristo, c) O correspondente exercício, da parte da natureza humana, daqueles poderes que pertenciam a ela em virtude da sua união com a divina.

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O Salmo oitavo, com a sua dissertação sobre a glória da natureza huma­ na, cum pre-se aqui apenas em C risto (ver Hb. 2.9 - “vem os ... Jesus”). Hb. 2.7 - fi^áTTCoüaç ocmov Ppaxú t i jia p ' àyyé X o u ç - pode ser traduzido, como na Versão Revista: “Tu o fizeste p o r um pouco de tempo menor do que os anjos” . O corpo de Cristo não estava necessariam ente sujeito à morte; só por compulsão exterior, ou rendição voluntária poderia ele morrer. Por isso a ressurreição era uma necessidade natural (At. 2.24 - “ao qual Deus ressusci­ tou, soltas as ânsias da morte, pois não era possível que ele fosse retido por ela” ; 31 - “a sua alma não foi deixada no Hades, nem a sua carne viu a corrupção”). Esta exaltação, que afetou a hum anidade apenas na sua cabe­ ça, deve ser a experiência de todos os seus membros. Os nossos corpos também estão livres dos laços da corrupção e devem os sentar com Cristo no seu trono.

2. Os estágios da exaltação de Cristo

a) O despertar e a ressurreição.

Tanto os luteranos como os romanistas estabelecem distinção entre estes dois, fazendo aquele preceder e este suceder à pregação de Cristo “aos espíri­ tos em prisão”. Estes pontos de vista repousam numa falsa interpretação de 1 Pe. 3.18-20. Os luteranos ensinam que Cristo desceu ao inferno para procla­ mar seu triunfo aos espíritos maus. Mas isto dá à palavra èKtipuÇev o sentido incomum de proclamar seu triunfo ao invés de seu evangelho. Os romanistas ensinam que Cristo entrou no mundo inferior para pregar aos santos do V.T. a fim de que eles pudessem ser salvos. Mas a passagem fala só dos desobedien­ tes; não pode imprimir apoio a uma teoria sacramental da salvação dos crentes do V.T. A passagem não afirma a descida de Cristo ao mundo dos espíritos, mas só uma obra do Logos preencamado oferecendo salvação, através de Noé, ao mundo então prestes a perecer. A g o s t in h o , A d E uodian, ep. 99 - “Os espíritos encerrados em prisão são os incrédulos que viveram no tempo de Noé, cujos espíritos ou almas estavam encerrados nas trevas da ignorância como numa prisão; Cristo pregou a eles, não em carne, porque ele ainda não era encarnado, mas em espírito, isto é, na natureza divina”. Calvino ensinava que Cristo desceu ao mundo inferior e sofreu as dores dos perdidos. Mas nem todos calvinistas pensam assim; ver Princeton Essays, 1.153. M e y er em Rm. 10.7, considera a pergun­ ta - “Quem descerá ao abismo (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo)”? - como uma alusão e, assim, indiretam ente um texto prova da des­ cida de Cristo ao mundo inferior. M a s o n , Faith o f Gospel, 211, favorece uma pregação aos mortos: “ Durante esse tem po [os três dias] ele não retornou ao céu e ao seu Pai”. Mas embora Jo. 20.17 seja mencionado como prova, esta afirm ativa não será verdadeira apenas a respeito do seu corpo? No que se refere à sua alma, Cristo pode dizer: “ Pai, nas tuas mão entrego o meu espí­ rito”, e “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc. 23.43, 46).

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Z a h n e D o r n e r representavam m elhor o ponto de vista luterano. Z a h n , em Expositor, mar., 1 8 9 8 . 2 1 6 - 2 2 3 - “Se Jesus era verdadeiram ente humano, então a sua alma, depois de deixar o corpo, entrou em com unhão com os espíritos que partiram. ... Se Jesus é aquele que vive para sempre, e age mesmo depois de morto, não se pode pensar que a sua perm anência no reino dos mortos fosse uma condição puram ente passiva, mas de conhecim ento daqueles que habitavam lá. ... Se Jesus é o Redentor da humanidade, as gerações daqueles que passaram devem ter entrado em contato pessoal com ele, com a sua obra e o seu reino, sem aguardar o dia final”. D o r n e r , Glaubenslehre, 2 . 6 6 2 , defende o pensam ento de que “a descida de Cristo ao Hades marca uma nova era da sua vida pneumática, em que ele se mostra livre das limitações de tem po e espaço” . Ele rejeita “a noção de Lutero sobre um progresso simplesm ente triunfal e uma proclamação de Cristo. Antes de Cristo”, diz ele, “não havia lugar povoado de perdidos. A descida foi uma aplicação do benefício da expiação (im plicada em K ip - ú a a s iv ) . A obra é profética, não sumo sacerdotal, nem real. Fala-se que ir aos espíritos em prisão é um ato espontâneo, não uma necessidade física. Nenhuma força do Hades o levou ao Hades. A liberdade das lim itações de um corpo mortal indi­ ca um estágio da existência mais elevado. A alm a de Cristo por algum tempo é incorpórea - só t tv e % ia - como a dos que partiram. “ Não se encontra registrada, nem a razão supõe a cessação desta prega­ ção; na verdade a igreja antiga supunha que ela tivesse continuado através dos apóstolos. Ela expressa a significação universal de Cristo para as prim iti­ vas gerações e para todo o reino dos mortos. Não há força física que seja um limite para ele. As portas do inferno, ou Hades, não prevalecerão sobre ou contra ele. O estado interm ediário é de bênção para ele e ele pode adm itir o ladrão penitente. Até mesmo aqueles que não se sujeitaram à manifestação histórica de Cristo na vida terrena ainda devem e podem entrar em relação com ele a fim de serem capazes de aceitá-lo ou rejeitá-lo. Deste modo confir­ mam-se a relação universal de Cristo com a hum anidade e o elemento abso­ luto da religião cristã” . Este é, substancialm ente, o pensamento de D o r n e r . Tudo isso versus S t r a u s s , cujo pensam ento é de que a morte de grande massa de homens, antes e depois de Cristo, prova que a religião cristã não é necessária à salvação, porque não é universal. Quanto aos pontos de vista opostos, ver E. D. M o r r i s , I s There Salvation afoter Death? e W r i g h t , Relation o f Death to Probation, 2 2 . 2 8 - “Se Cristo pregou aos espíritos no Hades, pode te r sido com a finalidade de demonstrar a desesperança de acrescentar no outro mundo os privilégios gozados neste. Não lemos que tivesse qualquer efeito nos ouvintes. Se os homens não ouvi­ ram Moisés nem os profetas, tam bém não ouvirão ainda que um dos mortos ressuscite. ‘Hoje estarás com igo no Paraíso’ (Lc. 2 3 . 4 3 ) não seria um consolo se Cristo naquele dia estivesse indo ao reino dos espíritos perdidos. Contu­ do, os antediluvianos foram especialm ente favorecidos com a pregação de Noé e especialm ente os ímpios” . Para a afirm ação com pleta do ponto de vista apresentado no texto, de que a citada pregação se referia à de Cristo como o Logos preexistente aos espí­ ritos, agora em prisão, quando outrora desobedeceram nos dias de Noé, ver B ar le tt , em New Englander, out. 1 8 7 2 .6 0 1 sq., e Biblia Sacra, abr. 1 8 8 3 . 3 3 3 - 3 7 3 .

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Antes de dar a substância da exposição de B a r l e t t , transcrevem os por com ­ pleto a passagem em foco, de 1 Pe. 3.18-20 - “ Porque tam bém Cristo pade­ ceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual tam ­ bém foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais em outro tem po, foram rebeldes, quando a longanim idade de Deus esperava nos dias de Noé”. Segue-se a exposição de B a r l e t t : ‘“ no qual’ [7tve-ò|o.om, a natureza divina] ‘foi e pregou aos espíritos em prisão, que noutro tem po foram rebeldes’. à7teitfriaaaiv é um aoristo circunstancial, que indica o tem po da pregação como um passado definido. É um dativo anartro (relativo ao que sofre de anartria = im possibilidade de articular palavras por efeito da paralisia de cer­ tos músculos), como em Lc. 8.27; Mt. 8.23; At. 15.25; 22.17. Trata-se de um particípio aposto, ou predicativo. [Pelo seu em prego no verso 18 ( ô a v a x a n M ç ) , em 1 Ts. 1.6 (ôe^ájiEvoi) e em Cl. 2.11,13, parece que o particípio aoristo não de screve n e ce s s a ria m e n te um a açã o p re lim in a r à do verbo p rin cip a l], A conexão do pensamento é: Pedro exorta os seus leitores a serem firmes, sofrendo com bravura, porque o mesmo ocorreu com Cristo; em sua natureza inferior foi entregue à morte, em sua natureza mais elevada suportou a oposi­ ção dos pecadores antes do dilúvio. Os pecadores daquele tem po apenas são mencionados porque isto perm ite uma introdução à referência ao batis­ mo feita a seguir. Cf., Gn. 6.3; 1 Pe. 1.10,11; 2 Pe. 2.4,5” .

b) A ascensão e assento à direita do Deus. Como a ressurreição proclamou Cristo aos homens como homem perfeito e glorificado, vencedor do pecado e da morte, proclamou-o ao universo como Deus restabelecido, possuidor do domínio universal, o objeto onipresente de culto e que ouve a oração. Destra Dei ubique est. Mt. 28.18,20 - “Toda a autoridade me é dada no céu e na terra. ... E eis que estou convosco todos os dias até à consum ação do século”; Mc. 16.19 — “Ora, o Senhor, depois de lhes te r falado, foi recebido no céu e se assentou à direita de Deus”; At. 7.55 - “Mas ele, estando cheio do Espírito Santo e, fixan­ do os olhos no céu, viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus” ; 2 Co. 13.4 - “ainda que tenha sido crucificado por fraqueza, vive, con­ tudo, pelo poder de Deus” ; Ef. 1.22,23 - “ E sujeitou todas as coisas a seus pés e o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”; 4.10 - “Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acim a de todos os céus, para cum prir todas as coisas” . P h il ip p i , Glaubenslehre, 4 .184-189- “Antes da ressurreição, Cristo era o Deushomerrr, desde a ressurreição, ele é o Deus-homem. ... Ele come com os seus discípulos, não para apresentar a qualidade, mas a realidade, do seu corpo humano” . N ic o l l , Life o fC h ris t “Foi coisa dura para Elias a ascensão” foram necessários carruagem e cavalos de fogo - “porém, foi mais fácil para Cristo ascender do que descer” , havia uma gravitação para cima. M a c l a r e n : “ Ele não deixou o mundo, apesar de ter ascendido para o Pai, diferentemente de quando veio ao mundo” ; Jo. 1 .1 8 - “o Filho unigênito, que está no seio do Pai” ; 3.13 - “o Filho do homem, que está no céu” .

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Somos com pelidos a considerar o problem a da relação da humanidade com o Logos no estado de exaltação. Os luteranos defendem a ubiqüidade do corpo humano de Cristo, e fazem dela a base para a sua doutrina dos sacra­ mentos. D orner, Glaubenslehre, 2.674-676, sustenta um a “presença não somente do Logos, mas do Deus-homem como um todo, com todo o seu povo, mas não necessariamente como uma presença de igual modo sem e­ lhante no mundo; a saber, sua presença condiciona-se moralmente à recepti­ vidade do homem”. Os antigos teólogos diziam que Cristo não está no céu, quasicárcere (como se estivesse num cárcere). Calvino, Institutes, 2 . 1 5 - “ele é encarnado, mas não encarcerado” . Ele foi para o céu, lugar dos espíritos e lá ele se manifesta; mas ele também foi mais distante acima de todos os céus, para preencher todas as coisas. Está com o seu povo todos os dias. Todo o poder foi entregue nas suas mãos. A igreja é a plenitude daquele que cumpre tudo em todos. Do mesmo modo os Atos dos Apóstolos falam cons­ tantemente do Filho do homem, do Jesus homem como Deus, sempre pre­ sente, objeto de adoração, sentado à direita de Deus, tendo todo o poder e prerrogativas da divindade. Ver W e s t c o t t , Bib. Com., em Jo. 20.22 - “assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” - “O efeito caraterístico da oferta pascal mostra-se na nova fé pela qual os discípulos reuniram-se em sociedade viva; o efeito caraterístico da dádiva do Pentecostes mostrou o exercício da suprem acia potencialm ente universal”. Quem e o que é esse Cristo que está presente com o seu povo que ora? Não basta dizer que é sim plesm ente o Espírito Santo; porque o Espírito Santo é o “ Espírito de Cristo” (Rm. 8.9) e, tendo o Espírito Santo, tem os o próprio Cristo (Jo. 16.7 - “[enviarei a vós o Espírito Santo]”; 14.18 - “Voltarei para vós”). O Cristo, que, deste modo está presente conosco quando oramos, não é sim plesm ente o Logos, ou a natureza divina de Cristo; sua humanidade separada da divindade e localizada no céu. Isto seria inconsistente com a sua promessa, “eis que eu estou convosco” , em que o “eu” que fala não é som en­ te a divindade, mas a divindade e humanidade inseparavelm ente unidas; e isto significaria negar a união real e indissolúvel das duas naturezas. O salva­ dor, irmão mais velho e sim patizante que está conosco quando oramos, é tanto homem como Deus. Por isso esta hum anidade é ubíqua através da virtude de sua união com o Ser divino. Mas isto não significa que o corpo humano de Cristo esteja presente em toda a parte. Causaria a impressão de que o corpo deve existir em relações espaciais, e limitar-se a lugares. Não sabem os se isto é assim a respeito da alma. Tudo indica que o céu é um lugar, porque o corpo de Cristo encontra-se lá; corpo espiritual não é corpo que é espírito, mas que está adequado aos usos do espírito. Apesar de que Cristo pode m anifestar-se no corpo humano glorificado só no céu, sua alma humana, em virtude da união com a natureza divina, pode no mesmo momento estar com o seu povo espalhado por toda a terra. Como, nos dias da sua vida em carne, sua humanidade estava confina­ da ao lugar, sua alma humana é ubíqua. A humanidade pode existir sem o corpo; porque, durante os três dias no sepulcro, o corpo de Cristo estava na terra, mas a sua alma estava no mundo; do mesmo modo há, durante o estado intermediário, uma separação entre alma e corpo dos crentes. Mas a hum ani­ dade não pode existir sem alma; e, se o S alvador humano está conosco,

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então essa humanidade, ao menos no que diz respeito à sua parte imaterial, deve estar presente em toda a parte. P e r contra, ver S h e d d , Dogm. Theology, 2.326, 327. Porque a natureza hum ana de Cristo por derivação tornou-se possuída dos atributos divinos, não há validade alguma na noção da progres­ sividade dessa natureza, agora que ascendeu à direita de Deus. S h e d d , Dogm. Theology, 2.327 - “Suponha a presença da natureza divina de Cristo na alma de um crente em Londres. Esta natureza divina está ao no mesmo momento junto com a natureza divina de Cristo, presente e m odifica­ da por ela, estando no céu, não em Londres. Do mesmo modo H o o k e r , Eccl. Polity, 54,55 e E. G. R o b in s o n : “Cristo está no céu à direita do Pai, interceden­ do por nós, enquanto está presente na igreja através do seu Espírito. Oramos ao Jesus teantrópico. A posse de um corpo humano não constitui limitação. Pouco sabemos da natureza do corpo atual”. Acrescentam os a esta última nota excelente a expressão da nossa convicção de que o conceito moderno da natureza sim plesm ente relativa do espaço e o ponto de vista idealista de que a matéria, apenas como a expressão da mente e da vontade, tem aliviado este assunto de muitas dificuldades. Se Cristo é onipresente e o seu corpo é a manifestação da sua alma, então cada alma pode sentir a presença da sua hum anidade mesm o agora e “todo olho” pode vê-lo na sua segunda vin­ da, embora os crentes estejam separados de Boston a Pequim. O corpo do qual sua glória rebrilha pode ser visto em dez mil lugares simultaneamente; (Mt. 28.20; Ap. 1.7).

SEÇÃO IV - OS OFÍCIOS DE CRISTO As Escrituras representam os ofícios de Cristo em número de três: proféti­ co, sacerdotal e real. Apesar de que estes termos derivam de relações humanas concretas, expressam idéias perfeitamente distintas. O profeta, o sacerdote e o rei do V.T., diferençavam-se, mas designavam prefigurações daquele que devia combinar todas estas variadas atividades em si mesmo, e forneceria a realidade ideal, da qual eram símbolos imperfeitos. 1 Co. 1.30 - “vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” . Aqui a palavra “sabe­ doria” parece indicar a obra “profética” , a palavra “justiça” a sacerdotal e “san­ tificação” e “redenção” a obra real de Cristo. Denovan: “Os três ofícios são necessários. Cristo deve ser profeta, a fim de salvar-nos da ignorância do pecado; sacerdote para salvar-nos da culpa do pecado; rei, para salvar-nos do domínio do pecado na nossa carne. A nossa fé não pode te r base firm e em qualquer um dos três isoladamente, do mesm o modo que um banquinho não se afirma sobre menos que três pés” . A. A. H o d g e , Popular Lectures, 235 - “ H á em latim duas palavras para designar ‘ofício’; m unus = posição (de m ediador), e officia = funções (de pro­ feta, sacerdote e rei). Não são ofícios separados como os de Presidente da República, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e Senador. Não são

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funções separadas passíveis de sucessiva e isolada execução. Ao invés dis­ so são como as várias funções de um corpo humano vivo - pulmões, cora­ ção, cérebro - funcionalm ente distintos, em bora interdependentes, e consti­ tuindo uma vida. Do mesmo modo as funções de Profeta, Sacerdote e Rei, implicam reciprocidade mútua de um para com o outro: Cristo é sempre um profeta sacerdotal; é sempre um sacerdote real, e um rei sacerdotal; e juntos cumprem a redenção, para a qual todos são essenciais. Cristo é tanto usahriç como 7tapáKXr]Toç”.

I. O OFÍCIO PROFÉTICO DE CRISTO 1. Natureza da obra profética de Cristo

á) Devemos aqui evitar a estreita interpretação que tomaria o profeta um

preditor dos eventos futuros. Ao invés disto ele era um intérprete inspirado ou revelador da vontade divina, um meio de comunicação entre Deus e o homem (7ipO(pfixr|Ç = não preditor, mas porta-voz. Cf. Gn. 20.7, Abraão; Sl. 105.15, patriarcas; Mt. 11.19, João Batista; 1 Co. 12.28, Ef. 2.20 e 3.5, no N.T. expo­ sitores da Escritura). Gn. 20.7 - “restituí a m ulher ao seu marido, porque profeta é” - referindose a Abraão; Sl. 105.15 - “ Não toqueis nos meus ungidos e não maltrateis os meus profetas” - falando dos patriarcas; Mt. 11.9 - “Mas, então, que fostes ver? Um profeta? Sim, vos digo eu, e muito mais do que profeta” - falando de João Batista, de quem não tem os predições registradas e cuja indicação a Jesus como o “Cordeiro de Deus” (Jo. 1.29) parece ter sido apenas um eco de Is. 53. 1 Co. 12.28 - “prim eiram ente, apóstolos, em segundo lugar, profe­ tas”; Ef. 2.20 - “edificados sobre o fundam ento dos apóstolos e profetas”; 3.5 - “tendo sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas” todos estes textos falando dos expositores da Escritura do Novo Testamento. Qualquer órgão da revelação ou meio de com unicação divina é um profe­ ta. “ Por isso”, diz P h il ip p i , “ o s livros de Josué, Juizes, Samuel e Reis são cham ados de ‘profetae p rio re s ’, ou ‘profetas prim itivos’ “. O Respice, Aspice, Prospice (Retrovisão, Visão atual, Previsão) de Bernardo descreve a obra do profeta; porque o profeta podia ver e desvendar coisas do passado, do pre­ sente, ou do futuro. Daniel foi um profeta, ao contar a N abucodonosor o que tinham sido os seus sonhos, assim como dar-lhe a sua interpretação (Dn. 2.28,36). A m ulher sam aritana com precisão chamou Cristo de profeta, quando ele lhe disse tudo o que ela havia feito (Jo. 4.29)” .

b) O profeta comumente unia três métodos para cumprir o seu ofício: ensi­ no, predição e operação de milagres. Em todos estes respeitos Jesus realizou a sua obra profética (Dt. 18.15 cf. At. 3.22; Mt. 13.57; Lc. 13.33; João 6.14). Ele ensinava (Mt. 5-7), operava milagres (Mt. 8,9), proferia predições

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(Mt. 24,25), enquanto em sua pessoa, vida, obra, morte revelava o Pai (João 8.26; 14.9; 17.8). Dt. 18.15 - “O Senhor, teu Deus, te despertará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis” ; cf. onde se diz que esta profecia se cumpriu em Cristo. Jesus chama-se a si mesmo profeta em Mt. 13.57 - “Não há profeta sem honra, a não ser na sua pátria e na sua casa” ; Lc. 13.33 "Importa, porém, cam inhar hoje, amanhã e no dia seguinte, para que não suceda que morra um profeta fora de Jerusalém ” . Ele foi chamado profe­ ta: Jo. 6.14 - “Vendo, pois aqueles homens o m ilagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é, verdadeiram ente o profeta que devia vir ao mundo” . Jo. 8.26 “e o que dele [o Pai] tenho ouvido, isso falo ao m undo” . 14.9 - “quem me vê a mim vê o Pai” ; 17.8 - “porque lhes dei as palavras que me deste”. Denovan: “Cristo nos ensina através da sua palavra, seu Espírito e seu exem plo” . Os milagres de Cristo são principalm ente os de cura. “Só o pecado é contagioso. Mas Cristo é o exemplo de cura perfeita, e a sua cura é conta­ giosa. Através do seu transbordam ento ele cura outros. Basta um ‘toque’ “ (Mt. 9.21). E d w in P. P a r k e r , em Horace Bushnell: “Os dois elem entos fundam entais da profecia são o discernim ento e a expressão. A profecia cristã implica ‘insight’ ou discernim ento das coisas espirituais através da iluminação divina e a sua expressão através da inspiração em term os de verdade cristã ou em tons e cadências do testem unho cristão. Podemos defini-la, então, como a publi­ cação das verdades percebidas pela iluminação divina, apreendidas pela fé, e assim iladas pela experiência, sob o impulso da inspiração, e para a edifica­ ção. ... Requer uma base natural e preparação racional da mente humana, um conjunto adequado de dons naturais em que se apega o dom espiritual para o apoio e nutrição. Os dons têm tido um cultivo devoto. Eles foram coroa­ dos pela iluminação e pela inspiração. Porque o discernim ento dá uma previ­ são, o profeta é alguém que vê as coisas com o se desdobram e em que se tornam; discernirá as sinalizações a longa distância e as indicações da Provi­ dência; anunciaremos aos homens que preparem o caminho para elas e elas para o caminho da vinda do reino de Deus”.

2. Estágios da obra profética de Cristo

São quatro, a saber:

d) A obra preparatória do Logos, iluminando a humanidade antes do advento

de Cristo em carne. Todo conhecimento religioso preliminar, quer dentro, quer fora dos limites do povo escolhido, é de Cristo, o revelador de Deus. A obra profética de Cristo começou antes que ele aparecesse em carne. Jo. 1.9 - “Ali estava a verdadeira luz, que alum ia a todo homem que vem ao mundo” = toda a luz natural da consciência, da ciência, da filosofia, da arte, da civilização é a luz de Cristo. T e n n y s o n : “ O s novos pequenos sistemas têm o seu dia, Eles têm o seu dia e deixam de ser; São apenas luzes quebradas

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de ti, E tu, ó Senhor, és mais do que eles” . Hb. 12.25,26 - “Vede que não rejeiteis ao que vos fala. ... a voz do qual moveu então [no Sinai] a terra, mas agora anunciou, dizendo: Ainda uma vez comoverei, não só a terra, senão também o céu”; Lc. 11.49 - “Por isso, diz tam bém a sabedoria de Deus: Pro­ fetas e apóstolos lhes mandarei” ; cf. Mt. 23.34 - “ Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; a alguns deles matareis e crucificareis” - o que mostra que Jesus se referia aos seus próprios ensinos, assim como aos dos primitivos profetas.

b) O ministério terreno do Cristo encarnado. - No ministério terreno, Cris­

to mostrou-se um profeta por excelência. Enquanto, como os profetas do Y.T., ele se submetia à direção do Espírito Santo, diferentemente deles, ele achava a fonte de todo o conhecimento e poder em si mesmo. A palavra de Deus não vinha a ele; ele mesmo era a Palavra (o Verbo). Lc. 6.19 - “ E toda a multidão procurava tocar-lhe, porque saía dele virtude que curava todos”; Jo. 2.11 - “Jesus principiou assim os sinais em Caná da Galiléia e manifestou a sua glória”; 8.38.58 - “ Eu falo do que vi junto de meu P a i.... antes que Abraão existisse, eu sou” ; cf. Jr. 2.1 - “ E veio a mim a pala­ vra do Senhor” ; Jo. 1.1 - “No princípio era o Verbo (a Palavra)” . M t. 26.53 “doze legiões de anjos” ; Jo. 10.18 - da sua vida: “tenho poder para a dar e poder para tornar a tom á-la”; 34 - “Não está escrito na vossa lei: Vós sois deuses? Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida. ... àquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, vos dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus”? M a r t e n s e n , Dogmatics, 295-301, diz do ensino de Jesus que “a sua fonte não foi a inspiração, mas a encarna­ ção”. Jesus não foi inspirado; ele foi o inspirador. Por isso ele é o verdadeiro “Mestre daqueles que sabem ”. Os seus discípulos agem em seu nome.

c) A direção e o ensino da sua igreja na terra, desde a sua ascensão. A atividade profética de Cristo continua através dos seus apóstolos e minis­ tros e das influências iluminadoras do Espírito Santo (Jo. 16.12-14; At. 1.1). Os apóstolos desenvolveram os germes da doutrina que Cristo pôs em suas mãos. A igreja é, em sentido derivado, uma instituição profética estabelecida para ensinar o mundo através da pregação e ordenanças. Mas os crentes são profetas só no sentido de serem proclamadores do ensino de Cristo (Nm. 11.29; Jl. 2.28). Jo. 16.12-14 - “Ainda tenho muita coisa que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade. ... Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” ; At. 1.1 - “ Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar” = a obra profética de Cristo estava apenas iniciada, durante o seu ministério terreno;

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continuou desde a sua ascensão. A inspiração dos apóstolos, a iluminação de todos os pregadores e cristãos a fim de entenderem e desenvolverem o sentido da palavra que eles escreveram, a convicção dos pecadores; tudo isto faz parte da obra profética de Cristo executada através do Espírito Santo. Em virtude da união deles com Cristo e da participação do Espírito de Cristo, todos os cristãos se tornam num sentido secundário profetas, bem como sacerdotes e reis. Nm. 11.29 - “Tomara que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu Espírito” ! Jl 2.28 - “derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; e vossos filhos e filhas profetizarão”. Toda a verdadeira profecia moderna, contudo, é apenas uma nova publica­ ção da mensagem de Cristo - a proclam ação e exposição da verdade já reve­ lada na Escritura. “Toda a assim cham ada profecia, de Montano a Swedenborg, prova sua falsidade por não atestar m ilagres” . A. A. H o d g e , Pop. Lectures, 242 - “Todo profeta humano pressupõe um eterno profeta divino e infinito de quem recebe o conhecim ento, do mesmo modo em que cada correnteza pressupõe uma fonte de onde flui. ... Como o telescópio da mais elevada potência traz para o seu campo o mais estreito segm ento do céu, do mesm o modo Cristo, o profeta, às vezes apresenta o mais intenso discernim ento ao brilhante centro do mundo celestial aos que este mundo considera iletrados e tolos e a igreja reconhece apenas como bebês em Cristo” .

d) Cristo, revelando o Pai aos seus santos em glória (João 16.15; 17.24,26; cf. Is. 64.4; 1 Cor. 13.12). - Assim a obra profética de Cristo será sem fim como o Pai, que ele revela, é infinito. Jo. 16.25 - “chega, porém, a hora em que vos não falarei mais por pará­ bolas, mas abertamente vos falarei do Pai” ; 17.24 - “aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam com igo para que vejam a minha glória que me deste”; 26 - “ Eu lhes fiz conhecer o teu nome e lho farei conhecer mais”. A revelação da sua glória será a revelação do Pai, em seu Filho. Is. 64.4 - “Porque, desde a antigüidade, não se ouviu, nem com os ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti, que traba­ lhe por aquele que nele espera” ; 1 Co. 13.12 - “ Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, verem os face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecerei como tam bém sou conhecido”. Ap. 21.23 - “E a cidade não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro é a sua lâm pada” - não a luz, mas a lâmpada. Luz é algo geralmente difuso; vê-se através dela, mas não se pode vê-la. A lâmpada é o estreitam ento para baixo, a concentração, a focalização da luz, de modo que se torne definida e visível. Deste modo, no céu, Cristo será o Deus visível. Nunca verem os o Pai separado de Cristo. Nenhum homem ou anjo em tem po algum viu Deus, “a quem nenhum homem viu nem pode ver”. “O unigênito Filho ... o fez conhecer”, e ele o fará conhecer eterna­ mente (Jo. 1.18; 1 Tm. 6.16). Os ministros do evangelho nos tem pos modernos, quando se juntam a Cristo e são tom ados pelo seu espírito, tem direito de cham ar-se profetas.

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O profeta é alguém - 1. enviado por Deus e consciente da sua missão; 2. com uma mensagem da parte de Deus que ele é com pelido a proferir; 3. mensa­ gem baseada no passado, posicionando-a em novas luzes para o presente e fazendo novas aplicações dela para o futuro. A palavra do Senhor deve vir a ele; deve ser o evangelho de/e; deve haver tanto coisas novas como velhas. Toda a matem ática está no mais sim ples axioma; mas necessita da ilumina­ ção divina para descobri-la. Toda a verdade está nas palavras de Jesus, não somente, na prim eira profecia pronunciada após a queda, mas só os apósto­ los a revelaram. A mensagem do profeta deve ser 4. para o lugar e tempo em primeiro lugar para os contem porâneos e para as necessidades presen­ tes; 5. uma mensagem de significação eterna e influência mundial. Como a palavra do profeta destinava-se ao mundo todo, assim tam bém a nossa pala­ vra pode destinar-se a outros mundos “para que, agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus” (Ef. 3.10). Deve ser tam bém 6. uma mensagem do reino e triunfo de Cristo, que opõe os desvios e calam idades do presente o brilho ideal e a consumação perfeita a que Deus está conduzindo o seu povo: “ Bendita seja a glória do Senhor, desde o seu lugar” ; “o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra” (Ez. 3.12; Hc. 2.20).

II. O OFÍCIO SACERDOTAL DE CRISTO O sacerdote era uma pessoa divinamente indicada para interceder a Deus em nosso favor. Cumpria esse ofício, primeiro oferecendo o sacrifício e, em segundo lugar, fazendo a intercessão. Em ambos estes respeitos Cristo é sacerdote. Hb. 7.24-28 - “este, porque perm anece eternamente, tem seu sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que se chegam a Deus, vivendo sempre a interceder por eles. Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, im aculado, separado dos pecadores e feito mais sublime do que os céus, que não necessitasse, como os sumos sacerdotes de oferecer cada dia sacrifícios, prim eiram ente por seus próprios pecados e, depois pelos do povo; porque isso fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mes­ mo. Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens fracos, mas a palavra do juram ento, que veio depois da lei, constitui ao Filho, perfeito para sempre” . A raça toda foi separada de Deus por seu pecado. Mas Deus escolheu os israelitas com o nação sacerdotal, Levi com o tribo sacerdotal, Arão como fam ília sacerdotal, o sumo sacerdote desta fam ília como o tipo do grande sumo sacerdote, Jesus Cristo. J. S. C a n d l is h , em Bib. World, fevereiro, 1897.8797, cita os seguintes fatos relativos aos sofrim entos do nosso Senhor como prova da doutrina da expiação: 1. Cristo deu a sua vida através de um ato perfeitamente livre; 2. por considerar Deus o seu Pai e a obediência à sua vontade; 3. o mais amargo elemento do seu sofrim ento é que ele o suportou junto a Deus; 4. esta indicação divina e aplicação do sofrim ento é inexplicá­ vel, a não ser como Cristo suportou o juízo divino contra o pecado da raça.

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1. A Obra Sacrificial de Cristo, ou Doutrina da Expiação

As Escrituras ensinam que Cristo obedeceu e sofreu em nosso lugar para satisfazer uma demanda imanente da santidade divina e assim remover um obstáculo na mente divina para o perdão e restauração da culpa. Esta afirma­ ção pode ser ampliada e explicada preliminarmente da seguinte maneira: a) O atributo fundamental de Deus é a santidade e santidade não é o amor comunicante de si mesmo, mas a retidão auto-afirmativa. A santidade limita e condiciona o amor, pois o amor pode querer a felicidade só na medida em que esta resulta da retidão ou consiste nela, isto é, na conformidade com Deus. Já vimos na nossa discussão sobre os atributos divinos (vol. 1, pp. 268-275); que santidade não é am or próprio, nem amor, mas a pureza e a justiça autoafirmantes. Aqueles que sustentam que o am or é auto-afirm ativo assim como autocom unicante e, por isso, essa santidade é o am or de Deus por si mesmo, devem adm itir que este amor auto-afirm ativo, que é a santidade, condiciona e fornece o padrão para o am or autocom unicante que é a benevolência. Mas sustentam os que a santidade não é idêntica ao amor, nem uma m anifes­ tação dele. Porque a conservação própria deve preceder a entrega de si mes­ mo; e porque a benevolência encontra o seu objeto, motivo, padrão e limite na justiça, na santidade, a com unicação de si mesmo. Deus deve, em prim ei­ ro lugar, sustentar o seu próprio ser antes que possa dar dele a outrem; e esta sustentação própria deve ter seu próprio motivo no mérito do que se sustenta. Santidade não pode ser amor, porque o amor é irracional e caprichoso a não ser que tenha o seu padrão pelo qual ele é regulado; este padrão não pode ser o am or em si mesmo, mas deve ser a santidade. Fazer da santidade uma form a de amor é, na verdade, negar a sua existência e, com isto, negar que qualquer expiação é necessária para a salvação do homem.

b) O universo é um reflexo de Deus e Cristo, o Logos, é a sua vida. Deus constituiu o universo e a humanidade como uma parte dele de modo a expres­ sar a sua santidade positivamente estabelecendo conexão da felicidade com a retidão, atribuindo a infelicidade ou sofrimento ao pecado. Já vimos no vol. 1, pp. 109, 309-311, 335-338 que, porque Cristo é o Logos, o Deus imanente, o Deus revelado na natureza, na hum anidade e na reden­ ção, o universo deve ser reconhecido como criado, sustentado e governado pelo mesmo Ser que, no curso da história, se manifestou em form a humana e fez a expiação do pecado pela morte no Calvário. Como toda a atividade criadora de Deus foi exercida através de Cristo (vol. 1, p. 310), do mesmo modo acontece com Cristo em quem consistem e são sustentadas todas as coisas. A providência, assim como a preservação, é sua obra. Ele faz o uni­ verso refletir Deus e especialm ente a natureza ética de Deus. Que a dor ou perda seguem universal e inevitavelm ente é uma prova de que Deus, de modo

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inalterável se opõe ao mal moral; e as dem andas e reprovações da consciên­ cia testem unham que a santidade é atributo fundam ental do ser divino.

c) Cristo, o Logos, como revelador de Deus no universo e na humanidade,

deve condenar o pecado visitando-o no sofrimento que é sua pena; enquanto, ao mesmo tempo, como a Vida da humanidade, ele deve suportar a reação da santidade de Deus contra o pecado que constitui a pena. Há aqui uma dupla obra de Cristo que Paulo declara em Rm. 8.3 - “ Por­ quanto, o que era im possível à lei, visto como estava enferm a pela carne, Deus, enviando seu Filho à sem elhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” . O sentido é que Deus, através de Cristo, fez o que a lei não podia fazer, isto é, cum prir o livram ento para a humanidade; e isto, enviando seu Filho numa natureza que em nós se identifica com o peca­ do. Em conexão com o pecado (jtepi á^ap-cíaç) e, como oferta pelo pecado, Deus condenou o pecado, condenando Cristo. Expositor’s Greek Testament, in loco: “Quando se faz a pergunta: Em que sentido Deus enviou seu Filho ‘em conexão com o pecado’, só há uma resposta possível. Ele enviou seu Filho para expiar o pecado através da sua morte sacrificial. Este é o centro e o fundam ento do evangelho de Paulo; ver Rm. 3.25 sq.” . Mas o que quer que Deus tenha feito para condenar o pecado ele o fez através de Cristo; “Deus estava em Cristo, reconciliando o mundo consigo” (2 Co. 5.19); Cristo foi o condenador, assim como o condenado; em nós, a consciência, que une o acusador e o acusado mostra-nos como Cristo podia ser tanto o Juiz como o que suporta o pecado.

d) Nossa pessoalidade não é contida em si mesmo. Vivemos, movemo-nos

e existimos naturalmente em Cristo, o Logos. Nossa razão, sentimento, cons­ ciência, completam-se só nele. Ele é a humanidade genérica de que somos os frutos. Quando a sua retidão condena o pecado, e o seu amor voluntário supor­ ta o sofrimento que é a pena do pecado, a humanidade ratifica o juízo de Deus, torna plena a propiciação pelo pecado e satisfaz as demandas da santidade. M inha existência pessoal fundam enta-se em Deus. Não posso perceber o mundo fora de mim nem reconhecer a existência do meu com panheiro, a não ser quando ele estabelece uma ponte sobre o abism o entre mim e o universo. Seria im possível a consciência própria com pleta se não partici­ pássem os da razão universal. A m enor criança faz suposições e emprega processos lógicos que são totalm ente instintivos, mas que indicam nele a operação de uma inteligência infinita e absoluta. O verdadeiro amor só é possível quando o am or de Deus flui em nós e de nós se apossa: de sorte que o poeta pode de um modo verdadeiro dizer: “O nosso amor resiste em um am or mais e le va do ” . N enhum a vo n ta d e hum ana é verdadeiramente livre, a não ser que Deus a em ancipe; só aquele que o Filho de D e js liber­ ta é verdadeiram ente livre; “operai a vossa salvação com temor e tremor;

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porque é Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar” (Fp. 2.12,13). A nossa natureza moral testem unha que nós não som os auto-suficientes, com pletos naquele em quem vivem os, nos m ovem os e existim os (Cl. 2.10; At. 17.28). Ninguém pode fazer a consciência por si mesmo. Há uma cons­ ciência com um m uito acim a da fin ita e in d ivid u a l. Há uma co n sciê ncia comum em todos os seres morais. John W atson: “ Não há nenhuma consciên­ cia do eu independente da dos outros eus e coisas e nenhuma consciência do mundo daquela simples realidade proposta em am bas” . Esta sim ples rea­ lidade é Jesus Cristo, o Deus manifesto, a luz que ilum ina todo o homem e a vida de tudo o que vive (Jo. 1.4,9). Ele pode representar a humanidade diante de Deus porque a sua divindade imanente constitui a própria essência da humanidade.

e) Enquanto o amor de Cristo explica sua voluntariedade de suportar o sofrimento por nós, só a sua santidade fornece a razão para a constituição do universo e da natureza humana que torna o sofrimento necessário. Com res­ peito a nós, o seu sofrimento é substitutivo, visto que a sua divindade e a sua impecaminosidade o capacitam a fazer por nós o que nunca poderíamos fazer por nós mesmos. Contudo, essa substituição está participando - não da obra de alguém estranho a nós, mas de alguém que é a vida da humanidade, a alma da nossa alma e a vida da nossa vida e assim conosco responsável pelos peca­ dos da raça. Os recentes tratados sobre a expiação, em sua maioria, têm sido descri­ ções dos seus efeitos sobre a vida e o caráter, mas não têm lançado luz alguma sobre a referida expiação se é que, na verdade, não negaram a sua existência. Não devemos dar ênfase aos efeitos ignorando a causa. A Escri­ tu ra d e cla ra que o único o b jetivo da e xp ia ção é que Deus “seja ju s to ” (Rm. 3.26); nenhuma teoria da expiação atenderá às demandas da razão ou da consciência que não baseia a sua necessidade na justiça de Deus, ao invés de baseá-la no seu amor. R econhecem os que as nossas concepções sobre a expiação sofreram algum a mudança. Para os nossos pais foi um sim ­ ples fato histórico, um sacrifício oferecido em poucas breves horas sobre a cruz. Foi uma substituição literal do sofrim ento de Cristo em nosso favor, o pagamento da nossa dívida por outro e, com base nesse pagamento, nos foi perm itido andar livres. Tais sofrim entos logo acabaram e o hino, “Cumpriu-se a redentora obra do am or”, expressa a alegria do crente numa redenção ter­ minada. Tudo isso é verdade. Mas é apenas uma parte dela. A expiação, como cada uma das outras doutrinas do cristianism o, é um fato da vida; tais fatos não podem ser multiplicados nas nossas definições, porque eles são m aiores do que qualquer uma destas que podem os estruturar. A idéia de substituição acrescentam os a de participação. As obras e o sofrim ento de Cristo não são exteriores ou estranhas a nós. Ele é osso dos nossos ossos e carne da nossa carne; o sustentador da nossa humanidade; sim ele é a pró­ pria vida da raça.

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f) A obra histórica do Cristo encarnado não é em si a expiação; ao invés disso é a revelação da expiação. O sofrimento do Cristo encarnado é a mani­ festação do sofrimento eterno de Deus no tempo e no espaço por causa do pecado humano. Contudo, sem a obra histórica que findou no Calvário, o duradouro sofrimento de Deus nunca podia tornar-se compreensível ao homem. A vida de Cristo na Palestina e a morte no C alvário revelaram a união com a hum anidade a qual antedatou a queda. Deste modo, ligado a nós desde o começo, ele sofreu em todo o pecado humano; “ Em toda a angústia dele foi ele angustiado” (Is. 63.9); deste modo o salm ista diz: “Bendito seja o Senhor, que de dia em dia nos cum ula de benefícios; o Deus, que é a nossa salvação” (Sl. 68.19). O sacrifício histórico foi um vidro incandescente que focalizou os raios difusos do sol da justiça e os tornou eficazes na fusão dos corações humanos. Os sofrim entos de Cristo só se apoderam de nós quando vemos neles as duas verdades contrastadas, mas com plem entares; a santidade deve fazer a pena seguir-se ao pecado e o am or deve com partilhar a pena com o transgressor. A cruz foi a apresentação com pleta da santidade que requereu e do am or que proveu a redenção do homem. Aquelas seis horas de dor nunca podiam ter conseguido a nossa salvação se não tivessem sido uma revelação dos fatos eternos do ser divino. O coração de Deus e o sentido de toda a história anterior foram então desvendados. A evolução total da huma­ nidade pintou, nos seus elem entos essenciais, de um lado o pecado e a con­ denação da raça e, do outro, a graça e o sofrim ento daquele que era a sua vida e salvação. Como aquele que foi levantado na cruz era Deus, m anifesta­ do na carne, do mesmo modo o sofrim ento na cruz era o sofrim ento de Deus pelo pecado, manifesto na carne. A atribuição dos nossos pecados a ele é o resultado da sua união conosco. Ele foi o nosso substituto desde o princípio. Não podemos brigar com a doutrina da substituição quando vemos que esta é apenas a participação das nossas mágoas e tristezas através daquele cuja vida pulsa em nossas veias.

g) O sacrifício histórico de Nosso Senhor não é só a revelação final do

coração de Deus, mas também a manifestação da lei da vida universal - a lei de que o pecado traz sofrimento a todos em conexão com ela e que nós só podemos vencer o pecado em nós mesmos e no mundo entrando em comu­ nhão com os sofrimentos de Cristo e com a vitória de Cristo, ou, em outras palavras, pela união com ele através da fé. Nós também estam os sujeitos à m esm a lei da vida. Nós, que entramos ra mesm a com unhão com o nosso Senhor, “cum prim os ... o resto das a: ;ções de Cristo ... pelo seu corpo, que é a igreja” (Cl. 1.24). A igreja cristã pode reinar com Cristo só quando participa do seu sofrim ento. A expiação se tom a um modelo e um estím ulo para o sacrifício de si mesmo e um teste do caráter

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cristão. Mas é fácil ver como o efeito subjetivo do sacrifício de Cristo pode absorver a atenção a fim de excluir a sua base e causa. A influência moral da expiação aprofundou-se mais nas nossas mentes e corremos o perigo de esquecer que não é a salvação dos homens, mas a santidade de Deus que a requer. Quando o com partilham ento exclui a substituição; quando a reconcili­ ação do homem com Deus exclui a reconciliação de Deus com o homem; quando apenas a paz segura é a paz no coração do pecador e não se dá nenhum pensamento à paz com Deus que é o primeiro objetivo que a expia­ ção deve assegurar; então o sistem a evangélico todo se enfraquece, igno­ ra-se a justiça de Deus e o homem praticam ente se põe em lugar de Deus. Não devemos voltar às velhas concepções mecânicas e arbitrárias da expia­ ção; devemos avançar para uma captação da relação da raça com Cristo. Um conhecim ento maior de Cristo, a vida da humanidade, nos capacitarão a apegarmo-nos firm em ente à natureza objetiva da expiação e à sua necessi­ dade baseada na santidade de Deus; enquanto, ao mesmo tempo, apropriamo-nos de tudo o que é bom no moderno ponto de vista da expiação, como demonstração final do amor constrangedor de Deus que move o homem ao arrependim ento e à submissão.

A) Métodos para a Escritura Representar a Expiação. Podemos classificar as representações da Escritura de conformidade com as analogias moral, comercial, legal ou sacrificial. a) MORAL - A expiação é descrita como Uma provisão originada no amor de Deus, manifestando-o ao universo; mas também como um exemplo de amor desinteresseiro de assegurar nossa libertação do egoísmo. - Nestas passagens há referência à morte de Cristo como a fonte de estímulo moral para o homem. Uma provisão: Jo. 3.16 - “ Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho unigênito”; Rm. 5.8 - “Mas Deus prova o seu am or para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” ; 1 Jo. 4.9 - “Nisto se manifestou o am or de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivam os” ; Hb. 2.9 - “vemos, porém, coroado de glória e honra aquele Jesus, que, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” = redenção originada no am or do Pai, assim com o no do Filho. Um exemplo: Lc. 9.22-24 - “É necessário que o Filho do Homem padeça ... e seja morto. ... Se alguém quer vir após mim ... tom e cada dia a sua cruz, e siga-m e ... mas qualquer que, por am or de mim, perder a sua vida a salvará” ; 2 Co. 5.15 - “ E ele mor­ reu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si”; Gl. 1 . 4 - “o que se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau”; Ef. 5.25-27 - “também Cristo amou a igreja e a si mesmo se deu por ela, para a santificar” ; Cl. 1.21.22 - “vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para vos apresentar santos”; Tt. 2.14 - deu-se a si mesmo por nós para nos rem ir de toda a iniqüidade e purificar” ; 1 Pe. 2.21-24 - “também

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Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas, o qual não cometeu pecado ... levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro para que, mortos para o pecado, pudésse­ mos viver para a justiça” . M a s o n , Faith o f Gospel, 181 - “Um piedoso aldeão, ouvindo o texto, ‘Deus amou o m undo’, exclamou: ‘Ah! isso é que é amor! Eu poderia ter-me entregado a mim mesmo, mas nunca teria dado o meu filho’ “ . Foi uma ferida no Pai através do coração do Filho: “Olharão para mim, a quem traspassaram; e o prantearão como quem pranteia por um unigênito” (Zc. 12.10).

b) COMERCIAL - A expiação descrita como Um resgate pago para libertar-nos da escravidão do pecado (note nestas

passagens o uso de òcvtí, preposição de preço, barganha, câmbio). Nestas pas­ sagens a morte de Cristo é representada como o preço de nossa libertação do pecado e da morte. Mt. 20.28 e Mc. 10.45 - “dar a sua vida em resgate de muitos” - ?onpov àv-tí noXk&v. 1 Tm. 2.6 - “que deu-se a si mesmo em resgate por todos” àvTíXuTpov. 'Av-tí (“por” ou “de” no sentido de “em lugar de”) nunca deve ser confundido com ímép (”por” no sentido de “em favor de” , “em benefício de”). ’ Av-tí é uma preposição que indica preço, barganha, câmbio; e esta significa­ ção se aplica a cada passagem do N.T. Ver Mt. 2.22 - “Arquelau reinava na Judéia em lugar de [àv-tí] Herodes, seu pai”; Lc. 11.11 - “se o filho lhe p e d ir... peixe, lhe dará por [àv-tí] peixe uma serpente”? Hb. 12.2 - “autor e consumador da nossa fé, o qual, pelo [àv-tí = como preço do] gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz” ; 16 - “ Esaú, que, por [àv-tí = em troca de] um manjar, vendeu o seu direito de prim ogenitura” . Ver também Mt. 16.26 - “Ou que dará o homem em recom pensa da (àvTàÀXayna) sua alma”? = como a comprará de volta, quando uma vez ele a perdeu? ’ Av-tüonpov = resgate subs­ titutivo. A conexão em 1 Tm. 2.6 requer que írnép signifique “em vez de”. Deve­ mos interpretar esse wtép como o àv-tí de Mt. 20.28. “Algum a coisa sucede a Cristo e, em razão disso, é preciso que aconteça a mesma coisa aos pecado­ res” (E.Y. Mullins). M e y e r , em M t. 20.28 - “dar a sua vida em resgate de muitos” - “Concebese a \|/t>%r| como A/útpov, o resgate pelo, ou através do, derram am ento do sangue, e se torna o (preço) da redenção” . Ver também 1 Co. 6.20; 7.23 - “fostes comprados por preço” ; e 2 Pe. 2.1 - “negarão o Senhor que os resgatou” . A palavra “ redenção” , na verdade, significa sim plesm ente “com ­ prar outra vez” , ou “o estado de ser com prado outra vez”- /'.e., liberado pelo pagamento de um preço. Ap. 5.9 - “foste morto e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo” . W in e r , N.T. Grammar, 258 - “Em grego, àv-tí é a preposição de preço” . B u t t m a n n , N.T. Grammar, 321 - “Na significa­ ção da preposição àv-tí (em lugar de, por), não ocorre nenhum desvio do emprego comum” . Ver de G r im m W il k e , Lexicon Greek-Latirr. “àv-tí, in vicem, anstatf-, T h a y e r , Lexicon o f N. T. - àvxí, sobre o que é dado, recebido, ou

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suportado em benefício de alguma c o is a ;... sobre o preço da venda (ou aqui­ sição) Mt. 20.28. P f l e id e r e r , em N ew World, setem bro 1899, tem dúvidas sobre se Jesus em algum tempo proferiu as palavras “dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt. 20.28). Ele as considera essencialm ente paulinas, e resultantes de refle­ xão dogm ática sobre a morte de Jesus com o um meio de redenção. Mas estas palavras ocorrem não em Lucas, o evangelho paulino, mas em Mateus, que foi escrito muito antes. De qualquer modo elas representam a concepção apostólica do ensino de Jesus, a qual ele mesm o prometeu ser form ada sob a orientação do Espírito Santo, que traria todas as coisas à mem ória dos apóstolos e os guiaria em toda a verdade (Jo. 14.26; 16.13). Como veremos abaixo, P f le id e r e r declara que a doutrina de Paulo é a do sofrim ento substi­ tutivo.

c) LEGAL - A expiação é descrita como

Um ato de obediência à lei que os pecadores violaram; uma pena para livrar da culpa; e uma apresentação da justiça de Deus necessária à vindicação do seu processo de perdão e restauração do pecador. - Nestas passagens, a morte de Cristo é representada como uma exigência da lei e governo de Deus. O bediência: Gl. 4.4,5 - “nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei” ; Mt. 3 . 1 5 - “assim nos convém cum prir toda a justiça” - O batismo de Cristo prefigura a sua morte e é uma consagração a ela; cf. Mc. 10.38 - “Podeis vós beber o cálice que eu bebo e ser batizados com o batismo com que sou batizado”? Lc. 12.50 - “ Importa, porém, que eu seja batizado com um certo batismo e como me angustio até que venha a cum prir-se” ! Mt. 26.39 - “Meu Pai, se é possível, passa de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres” ; 5.17 - “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir” ; Fp. 2.8 - “tornando-se obediente até à m orte”; Rm. 5.19 - “pela obediência de um, muitos serão feitos justos” ; 10.4 - “ Porque o fim da lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê” . - Pena: Rm. 4.25 - “por nossos pecados foi entre­ gue e ressuscitou para a nossa justificação” ; 8.3 - “ Deus, enviando seu Filho em sem elhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” ; 2 Co. 5.21 - Àquele que não conheceu pecado o fez pecado por nós” - aqui a palavra “pecado” = um pecador, sob a m aldição ( M e y e r ); Gl. 1.4 - “o qual se deu a si mesmo por nossos pecados"; 3.13 - “Cristo nos resgatou da m aldição da lei fazendo-se m aldição por nós, porque está escrito: Maldito todo aquele que fo r pendurado no madeiro” ; cf. Dt. 21.23 - “porquanto o pen­ durado é maldito de Deus”. Hb. 9.28 “Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos”; cf. Lv. 5.17 - “se algum a pessoa p e c a r... será culpada e levará a sua iniqüidade”; Nm. 14.34 - “cada dia, representando um ano, levareis as vossas iniqüidades quarenta anos”; Lm 5.7 - “Nossos pais pecaram e já não existem; nós levamos as suas m aldades” . Apresentação: Rm. 3.25,26 - “ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para dem onstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos

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sob a paciência de Deus”; cf. Hb. 9.15 - “intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testam ento” . N estas pa ssagens vem os um a e xce le n te seção em P f l e id e r e r , Die R itschl’sche Theologie (A Teologia R itschliana), 38-53. P f l e id e r e r critica severam ente a fuga de R it s c h l da força natural delas e declara que o ensino de Paulo é que Cristo nos redimiu da m aldição da lei pelo sofrim ento como substituição da morte imposta pela lei contra os pecadores. Por outro lado, L. L. P a in e , Evolution o f Trinitarianism, 288-307, cap. sobre a Expiação do Novo Cristão, sustenta que Cristo apenas ensina a reconciliação condiciona­ da ao arrependim ento. Paulo acrescenta a idéia da mediação extraída do dualismo platônico de Filo. A Epístola aos Hebreus faz de Cristo uma vítima sacrificial em propiciação a Deus, de sorte que a reconciliação se torna a Deus ao invés de ser ao homem. Mas o ponto de vista do Professor P a in e de que Paulo ensina uma mediação ariana é incorreto. “Deus estava em Cristo” (2 Co. 5.19) e Deus “se manifestou em carne” (1 Tm. 3.16) constituem -se a chave do ensino de Paulo o que é idêntico à doutrina de João sobre o Logos: “o Verbo era Deus” , e “o Verbo se fez carne” (Jo. 1.1, 14). The Outlook, 15 de dez de 1900, em crítica ao P r o f . P a in e , estabelece três postulados do N ovo T rin ita rism o : 1. O reinado e ssencial de D eus e do homem; no homem há uma divindade essencial e em Deus, uma humanidade essencial. 2. A im anência divina; esta presença universal dá à natureza a sua unidade física e à humanidade a sua unidade moral. Isto não é panteísmo nem ainda a som a das suas experiências. 3. Deus transcende a todos os fenôm enos; apesar de que em todos ele é m aior do que todos. Ele penetra perfeitamente no ser humano e, através desta habitação num ser humano, gradualmente entra em todos os seres humanos em sua plenitude, de sorte que Cristo é o prim ogênito entre muitos irmãos. Os defeitos deste ponto de vista, que contém muitos elem entos de verdade, são: 1. Considera Cristo como produto ao invés de produtor e o homem form ado divinamente ao invés de sua hum anidade agir como Deus, o cabeça entre os homens ao invés de o Criador e a Vida da humanidade; 2. Por isso, torna im possível a Jesus Cristo suportar os pecados de todos os homens e substitui em favor disto tal apre­ sentação histriônica do sentim ento de Deus e de tal beleza de exemplo, pos­ síveis dentro dos limites da natureza humana; a saber, não existe nenhuma divindade de Cristo e nenhuma expiação objetiva.

SACRIFICIAL - A expiação é descrita como Uma obra de mediação sacerdotal, que reconcilia Deus com o homem; note aqui que o termo ‘reconciliação’ tem seu sentido usual de remover a inimizade não do ofensor, mas da parte ofendida; uma oferta pelo pecado apresentada em favor dos transgressores; uma propiciação que satisfaz as demandas da santidade violada; e uma substituição da obediência de Cristo e sofrimento por nós. Tomadas juntas, estas passagens mostram que a morte de Cristo é exigida pelo atributo da justiça de Deus ou santidade para que os pecadores sejam salvos. d)

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M ediação sacerdotal. Hb. 9.11,12 - “vindo Cristo, o sumo sacerdote, ... nem por sangue de bodes e de bezerros, mas, por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado a eterna redenção”; Rm. 5.10 - “ Por­ que, se nós, sendo inimigos, fom os reconciliados com Deus pela morte de seu Filho” ; 2 Co. 5.18,19 - “ E tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo. ... Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não lhes im putando os seus pecados” ; Ef. 2.16 - “e, pela cruz, reconciliar ambos com Deus em um só corpo, matando com ela as inim i­ zades”; cf. 12,13 ,1 9 - “estranhos aos concertos da p ro m e s s a ... vós que está­ veis longe ... não mais sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e da fam flia de Deus” ; Cl. 1.20 - “havendo feito por eie a paz pelo sangue da cruz, por meio dele reconciliasse o mundo consigo mesmo” . A respeito destas passagens, ver M e y e r , que m ostra em que sentido para o apóstolo “nós éramos ‘inim igos’, não de form a ativa, hostis a Deus, mas de modo pa ssivo com o a q u e le s co n tra os quais D eus se iro u ” . A E p ísto ­ la aos Romanos com eça com a revelação da ira contra gentios e judeus (Rm. 1.18). “ Porque, se nós, sendo inim igos” (Rm. 5.10) = “quando Deus foi hostil a nós". “R econciliação” é, portanto, a rem oção da ira de Deus para com o homem. M e y e r , nesta passagem, diz que a morte de Cristo não remove a ira do homem para com Deus [isto não é obra de Cristo, mas do Espírito Santo]. O ofensor não reconcilia a pessoa ofendida, nem ele mesmo. Cf. Nm. 25.13, onde se diz que Finéias, m atando Zinri, “fez propiciação pelos filhos de Israel” . Sem dúvida “propiciação” aqui não pode ser uma reconciliação de Israel. A ação não term ina no sujeito, mas no objeto - Deus. Do mesmo modo, 1 Sm. 29.4 - “com que aplacaria este a seu senhor? Por­ ventura, não seria com as cabeças destes hom ens”? Mt. 5.23,24 - “Se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te com o teu irmão [/'.e., remove a inimizade dele, não a tua], e depois vem, e apresenta a tua oferta” . P f l e id e r e r , Die Ritschlische Theologie, 42 - “ 'ExQpoi õvxeç (Rm. 5.10) = não a disposição ativa da inimizade da nossa parte para com Deus, mas a nossa condição passiva sob a inimizade ou ira de D eus”. Paulo não é o autor desta doutrina; ele reivindica que recebeu do próprio Cristo (Gl. 1.12). S im o n , Reconciliation, 167 - “A idéia de que só o homem necessita de reconciliar-se vem de uma falsa concepção da imutabilidade de Deus. Porém Deus não seria injusto, se a sua relação com o homem fosse a mesm a depois do peca­ do deste como era antes” . O velho hino expressa a verdade: “Meu Deus se reconcilia; ouço a sua voz perdoando; ele me tom a por seu filho; não mais posso ter medo; Com confiança filial aproxim o-m e e clamo: ‘Pai, Aba, Pai”’. Oferta pelo pecado: Jo. 1.29 - “ Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” - aqui avpcov afastar tom ando ou levando; tom ar e afastar. Trata-se de uma alusão à oferta pelo pecado em Is. 53.6-12 - “quando a sua alma se puser por expiação do pecado ... como um cordeiro foi levado ao matadouro ... mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” . Mt. 26.29-8 “isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para a remissão dos pecados”; cf. Sl. 50.5 - “fizeram comigo um con­ certo com sacrifícios”. 1 Jo. 1.7 - “o sangue de Jesus Cristo, seu Filho nos

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purifica de todo pecado” = não santificação, mas justificação; 1 Co. 5.7 “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós”; cf. Dt. 16.2-6 - “sacrificarás como oferta de páscoa ao Senhor, teu Deus”. Ef. 5.2 - “entregou-se a si mes­ mo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave”; Hb. 9.14 - “o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imacula­ do a Deus” ; 22,26 - “sem derram am ento de sangue não há re m is s ã o ,... ago­ ra, na consum ação dos séculos, uma vez se m anifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesm o” ; 1 Pe. 1.18,19 - “fostes resgatados ... com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontam inado” . L o w r ie , Doctríne o f St. John, 35, assinala que Jo. 6.52-59 - “comerdes a minha carne e beberdes o meu sangue” - é uma referência que Cristo faz à sua morte em termos de sacrifício. Assim, como verem os abaixo, é uma pro­ piciação (1 Jo. 2.2). Por isso, objetam os firm em ente a afirm ação de W il s o n , Gospei o f Atonement, 64 - “A morte de Cristo é um sacrifício, se sacrifício significa o exemplo culm inante do sofrim ento do inocente em favor do culpa­ do o que surge da solidariedade do ser humano; mas não se pense que há substituição ou expiação” . Wilson se esquece de que a necessidade do sofri­ mento surge da justiça de Deus; que, sem esse sofrim ento, o homem não pode ser salvo; que Cristo suportou o que nós, por causa da insensibilidade do pecado, não podemos sentir ou suportar; que este sofrim ento substitui o nosso, de sorte que somos salvos em conseqüência disso. W ilson sustenta que a Encarnação substitui a Expiação, que todo o pensamento a respeito da expiação pode ser eliminado. Henry B. Smith resume bem melhor o evange­ lho com as palavras: “ Encarnação para a Expiação” . Consideram os melhores ainda as palavras: “ Encarnação para revelar a Expiação” . Propiciação: Rm. 3.25,26 - “o qual Deus propôs para propiciação, ... no seu sangue ... para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”. Uma exposição com pleta e crítica desta passagem encontra-se na Teoria Ética da Expiação, pp. 750-760. Por ora, basta dizer que ela mostra: 1) que a morte de Cristo é um sacrifício propiciatório; 2) que o seu primeiro e principal efeito é sobre Deus; 3) que o atributo particular que em Deus deman­ da a expiação é a justiça, ou santidade; 4) que a satisfação de tal santidade é condição necessária da justificação da parte de Deus para com o crente. Compare Lc. 18.13 - “Ó Deus, tem m isericórdia de mim, pecador” ! Literal­ m ente: “ Ó D eus, sê p ro p íc io a m im , p e c a d o r” - p e lo s a c rifíc io cu ja fum aça sobe diante do publicano enquanto ele ora. Hb. 2.17 - “misericordio­ so e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo”; 1 Jo. 2.2 - “ E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas pelos de todo o m undo” ; 4.10 - “Nisto está o amor, não em que nós tenham os amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados” ; cf. Gn. 32.20, LXX. - Eu o aplacarei [è^iXáaonai, ‘propiciarei’] com o presente que vai adiante de m in r: Pv. 16.14 LXX. - “O furor do rei é como o m ensageiro da morte; mas o homem sábio o apaziguará” [è^iXáce-tai, ‘propiciará’]. Sobre a propiciação, ver F o s t e r , C hristian Life and Theology, 216 - “ Em conseqüência, algo se fez para que Deus se inclinasse a perdoar o pecador. Deus se inclinou a perdoar os pecadores através do sacrifício, porque a sua

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justiça foi dem onstrada pela aplicação da pena do pecado; mas não porque ele necessitasse de inclinar-se de coração a am ar o pecador ou exercer a sua misericórdia. Na verdade, foi ele mesmo que ‘propôs’ Jesus como ‘propicia­ ção’ (Rm. 3.25,26)”. Paulo nunca une a expiação objetiva aos seus efeitos subjetivos, embora nenhum escritor do Novo Testamento tenha reconhecido mais plenam ente estes efeitos subjetivos. Com ele Cristo p o r nós sobre a cruz é a preparação necessária para Cristo em nós através do seu Espírito. G o u l d , Bib. Theol. N.T., 74, 75, 89, 172, sem garantia contrasta a representa­ ção de Paulo a respeito de Cristo como sacerdote o que ele chama de repre­ sentação de Cristo como profeta na Epístola aos Hebreus: “O sacerdote diz: Não basta a volta do homem para Deus; deve haver uma expiação do peca­ do do homem. É a doutrina de Paulo. O profeta diz: Nunca houve uma provi­ são divina para o sacrifício. O que se busca é a volta do homem para Deus. Mas esta volta deve ser completa. Jesus é o perfeito profeta que nos dá o exem plo da obediência restabelecida e que entra na obra im perfeita do homem. É a doutrina da Epístola aos Hebreus” . O reconhecim ento da expli­ cação no ensino de Paulo, juntam ente com a negação da sua validade e interpretação da Epístola aos Hebreus como profética ao invés de sacerdotal, é uma curiosidade da exegese moderna. L y m a n A b b o t t , Theology ofart Evolutionist, 107-127, vai mais adiante quando afirma: “ No N. T. Deus nunca diz que ele recebe a propiciação, nem que Jesus Cristo propicia, ou satisfaz a ira de Deus” . Contudo, o Dr. Abbott acres­ centa que, no N. T. Deus é representado como a si mesmo propiciado: A dife­ rença entre o cristianism o e o paganism o está na representação como Deus aplaca a sua própria ira e satisfaz a sua própria justiça externando o seu próprio am or”. Contudo, não se deve pensar que propiciar de si mesmo é suportar a pena: “Em nenhum lugar do V. T. a idéia do sacrifício está ligada à da pena; sem pre está ligada à purificação: ‘pelas suas pisaduras fom os sarados’ (Is. 53.5). E no N. T., ‘o Cordeiro de Deus ... tira o pecado do mundo’ (Jo. 1.29); ‘o sangue de Jesus ... purifica’ (1 Jo. 1.7 ).... O de que a hum anida­ de necessita não é a remoção da pena, mas a rem oção do pecado” . Isto nos parece uma contradição distinta tanto de Paulo como de João, para quem a propiciação é essencial à doutrina cristã (ver Rm. 3.25; 1 Jo. 2.2), conquanto admitam os que a propiciação é feita, não por um pecador, mas pelo próprio Deus, na pessoa de seu Filho. Substituição: Lc. 22.37 - “E com os malfeitores foi contado”; cf. Lv. 16.21,22 - “ E Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode vivo e sobre ele confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel ... e os porá sobre a cabeça do bode ... aquele bode levará sobre si todas iniqüidades deles à terra solitária” ; Is. 53.5,6 - “ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele e pelas suas pisaduras fom os sarados. Todos nós andávam os desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” . Jo. 10.11 - “o bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas” ; Rm. 5.6-8 - “ Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tem po pelos ímpios. Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores”.

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A estes textos devemos acrescentar os m encionados sob a letra b acima, nos quais a morte de Cristo é descrita como um resgate. Além do comentário de M e y e r , já citado, sobre M t. 20.28 - “dar a sua vida em resgate de muitos”, Vóxpov à v -c i noW &v - M e y e r tam bém diz: “ à v x í tam bém denota substituição. Aquilo que é dado como resgate tom a o lugar dos que devem ser libertos, é dado em vez deles, a eles. ’ A v -tí s ó pode ser entendido no sentido de substi­ tuição no entendimento de que o resgate está presente como um equivalente, para garantir o livram ento daqueles em favor de quem foi pago o resgate; ponto de vista que é só confirm ado pelo fato de que, em outras partes do N.T., fala-se deste resgate, via de regra, como sacrifício expiatório. Que aquilo que [aqueles por quem o resgate é pago] é redim ido é a eterna àn&Xeia em que, tendo a ira de Deus perm anecido sobre eles, continuam aprisionados como em estado de desesperançado cativeiro, a não ser que a sua culpa seja expiada” . C remer, N .T Lex., diz que “em ambos os textos do N.T., Mt. 16.26 e Mc. 8.37, a palavra àvm XXay\ia, como Vínpov está aquém da concepção de expiação; cf. Is. 43.3,4; 51.11; Am. 5.12. Isto se confirm a pelo fato de que a satisfação e a substituição pertencem essencialm ente à idéia de expiação” . Dorner, Glau­ benslehre, 2.515 (Doutrina Sistemática, 3.414) - “Mt. 20.28 contém o pensa­ mento de substituição. Conquanto o mundo todo não tenha igual mérito quan­ to à sua alma, e não possa possuí-lo, a morte e obra de Cristo são de tal modo valiosas que podem servir como um resgate” . O judaísm o rabínico reconhece os sofrim entos dos justos como tendo um sentido substitutivo para o pecado dos outros. Mas W e n d t , Teaching o f Jesus, 2.225-262, diz que esta idéia de satisfação vicária foi um acréscimo de Paulo ao ensino de Jesus. W e n d t admite que tanto Paulo como João ensinavam a substituição, mas nega que Jesus o fizesse. Ele defende que à v t í em Mt. 20.28 significa somente que Jesus deu a sua vida como um meio através do qual ele obtém a libertação de muitos. Mas esta interpretação não é natu­ ral e viola o em prego lingüístico. Sustenta que Paulo e João entenderam erro­ neamente e erroneam ente interpretaram as palavras do nosso Senhor. Prefe­ rimos o franco reconhecim ento da parte de P f le id e r e r de que, como Paulo e João, Jesus ensinava a substituição, mas nenhum deles estava correto. C o l e s t o c k , sobre a Substituição com um Estágio no Pensamento Teológico, do mesmo modo sustenta que se deve desprezar a idéia de substituição. Adm itim os que a idéia de substituição necessita de ser suplem entada pela idéia de participação e deste modo isenta das im plicações exteriores e mecâ­ nicas, mas que, abandonar a concepção em si, é abandonar a fé nos evange­ listas e no próprio Jesus. O D r . W. N. C l a r k e , em sua C hristian Teology, rejeita a doutrina da retri­ buição pelo pecado e nega a possibilidade do sofrim ento penal em favor d e outro. Um ponto de vista apropriado a respeito da pena e a conexão vital d e Cristo com a hum anidade tornaria estas idéias rejeitadas não só dignas d e crédito, mas inevitáveis. O D r . A lvah H o v e y revê a Teologia do D r . C l a r k e . A ir Jour. o f Theology, janeiro 1899.205 - “Se não derm os im portância ao fato d e se suportar a pena por algum grau de sentim ento ou volição p e ca n rroso s, não há base para negar que um ser santo possa suportá-la em iugar d e um pecador. Porque nada, a não ser a prática do erro, é im possível a um santo.

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Na verdade, suportar em lugar de outro a pena justa do seu pecado, faz com que o outro possa, desta forma, ser salvo dela e tornar-se amigo de Deus, e talvez seja esta a mais elevada função de am or ou de boa vontade concebí­ vel” . D e n n e y , Studies, 126,127, mostra que “substituição significa somente que, para a sua aceitação da parte de Deus, o homem depende de algo que Cristo fez por ele e que ele nunca poderia ter feito e nunca precisará fazer em favor de si mesmo. ... A perda da nossa vida livre livrou-nos da vida perdida. Podese pregar esta substituição e isto liga os homens a Cristo fazendo-se sempre dependentes dele. A condenação dos nossos pecados em Cristo sobre a cruz é a farpa no anzol; sem ela, tom ará a isca que você tem, mas não pescará os homens; você não aniquilará o orgulho, nem tornará Cristo, o Alfa e o Ômega, a redenção do homem” .

Um exame das passagens mencionadas mostra que, enquanto as formas em que a obra expiatória de Cristo é descrita em parte derivada das relações moral, comercial e legal, a linguagem prevalecente é a do sacrifício. O ponto de vista correto da expiação deve, portanto, basear-se na interpretação ade­ quada da instituição do sacrifício especialmente achado no sistema mosaico. Às vezes se faz a pergunta: Por que há tão pouca coisa nas palavras de Jesus a respeito da expiação? O D r . R. W. D a l e responde: Porque Cristo não veio pregar o evangelho; ele veio para que o evangelho pudesse ser pregado. Ele teve de suportar a cruz antes que se pudesse explicá-la. Jesus veio para se r o sacrifício, não para falar a respeito deste. Porém a sua reticência é exatam ente o que nos fala que devemos encontrar nas suas palavras. Ele as proclamou incom pletas e falou-nos de um subseqüente Mestre - o Espírito Santo. O testem unho do Espírito Santo tem os nas palavras dos apóstolos. Devemos ter em mente que os evangelhos suplem entaram as epístolas, e não o contrário. Os evangelhos sim plesm ente completam o nosso conheci­ mento de Cristo. Não cabe ao Redentor m agnificar o custo da salvação, mas cabe-o ao redimido. Aquele que praticou o grande feito tem o mínimo a dizer a esse respeito. H a r n a c k : “ Há uma lei interna que com pele o pecador a olhar para Deus como um juiz iroso. A pesar de que nenhum outro sentim ento é possível” . Consideram os esta confissão como uma dem onstração da exatidão psicoló­ gica da doutrina de Paulo sobre a expiação vicária. Deste modo a natureza humana tem sido constituída por Deus para que reflita a demanda da sua santidade. Que a consciência necessita de ser aplacada é prova de que Deus precisa ser aplacado. Quando W h it o n declara que a propiciação é oferecida apenas à nossa consciência, que é a ira daquilo que é de Deus dentro de nós e que Cristo levou os nossos pecados, não em substituição por nós, mas em com unhão conosco, a fim de despertar a nossa consciência sobre a aversão a eles, ele se esquece de que Deus não é apenas imanente na consciência, mas também transcendente e que os veredictos da consciência são apenas indicações dos mais elevados veredictos de Deus: 1 Jo. 3.20 - “se o nosso coração nos condena, m aior é Deus do que o nosso coração e conhece todas

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as coisas” . L y m a n A b b o t t , Theology o f an Evolutionist, 57 - “ Um povo meio emancipado do paganism o que imagina que Deus deve ser aplacado pelo sacrifício antes de poder perdoar os pecados deu ao sistem a sacrificial que Israel tom ou de em préstim o do paganism o a m esm a autoridade divina que aos elem entos revolucionários no sistem a que se destinou eventualm ente a varrê-io totalm ente da existência” . Do mesmo modo B o w n e , Atonement, 74 “Na sua essência, o fato moral é que, se Deus deve perdoar o injusto, devese descobrir um meio de torná-lo justo. A dificuldade não é de ordem forense, mas m oral”. Tanto A b b o t t como B o w n e consideram a justiça como simples form a de benevolência e a expiação como meio com vistas a um fim utilitário, a saber, restauração e felicidade da criatura. Um ponto de vista mais correto da justiça de Deus como atributo fundam ental do seu ser, operado na consti­ tuição do universo, com o infalivelm ente estabelecendo conexão entre o sofri­ mento e o pecado, teria levado estes escritores a sentirem uma visão e inspi­ ração na instituição do sacrifício e uma necessidade divina de que Deus sofreria se o homem não fosse liberto.

B) Instituição do Sacrifício, mais especialmente encontrada no sistema mosaico. a ) Podemos apresentar como insustentável, por um lado, a teoria de que o sacrifício é essencialmente a apresentação de uma oferta (Hofmann, BaringGould) ou uma festa (S pen c er ) à divindade; por outro lado a teoria de que o sacrifício é o símbolo de uma comunhão renovada (Keil) ou a oferta de grati­ dão ao Deus de toda a vida e ser do adorador (Bâhr). Nenhuma destas teorias pode explicar o fato de que o sacrifício de uma oferta de sangue envolve o sofrimento e morte da vítima não trazida pela alma simplesmente grata, mas pela alma de uma consciência abalada. L a n g e , Introd. to Com. on Exodus, 38 - “Os pagãos mudam os sím bolos de Deus em mitos (racionalismo), do mesmo modo em que os judeus mudam os sacrifícios de Deus em ofício meritório (ritualism o)”. W e s t c o t t , Hebrews, 281294, parece sustentar com S p e n c e r que o sacrifício é essencialm ente uma festa feita como oferta a Deus. Do mesmo modo Filo: “Deus recebe o ofertante fiel à sua mesa dando-lhe em troca uma parte do sacrifício” . Com isto com ­ p a re os e s p írito s na O d is s é ia de H o m e ro , q u e re c e b e m fo rç a ao beberem o sangue do sacrifício. O ponto de vista de Bâhr está a meio cami­ nho da verdade. Renovação da união pressupõe Expiação. L y t t l e t o n , e m Lux Mundi, 281 - “O pecador deve, em primeiro lugar, expiar o seu p e c a d o através do sofrim ento; só então ele pode entregar sua vida a Deus p u r if ic a d a pela morte expiatória”. J a h n , Bib. Archaeology, 373, 378 - “ É da própria id é ia de sacrifício que se apresenta a vítim a diretam ente a Deus e, na a p r e s e n t a ­ ção é destruída”. B o w n e , Philos. o f Theism, 253, fala do sentim ento d e lic a d o do crítico bíblico que com a sua boca cheia de carne de boi o u d e o v e lh a , professa estar chocado com a crueldade para com os a n im a is q u e o s s a c r if í ­ cios no tem plo envolviam. L o r d B a c o n : “Os hieróglifos vieram antes das le tr a s

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e as parábolas antes dos argum entos” . A velha dispensação foi a grande parábola de Deus ao homem. A teocracia foi sepultada com todos os hierógli­ fos divinos. Existe a pedra Roseta através da qual podemos ler estes hierógli­ fos? As sombras que se foram abreviando na limitação do esboço passam e desvanecem totalm ente sob o pleno esplendor meridiano do Sol da Justiça” .

b ) A verdadeira importância do sacrifício, como fartamente se evidencia, tanto nas fontes gentílicas como judaicas, abrangia três elementos: primeiro, da satisfação da divindade ofendida ou propiciação oferecida à santidade vio­ lada; segundo, da substituição do sofrimento e morte da parte do inocente para a merecida punição do culpado, e terceiro a comunhão da vida entre o ofertante e a vítima. Combinando estas três idéias temos a importância do sacrifício: A satisfação pela substituição e a substituição pela incorporação. O sacrifício de sangue entre os pagãos expressava a consciência de que o pecado envolve culpa; que a culpa expõe o homem à justa ira de Deus; que sem a expiação daquela culpa não há perdão; e que, através do sofrimento de um outro que compartilha a sua vida, o pecador pode expiar seu pecado. L u t h a r d t , Compendium d e r Dogmatik, 1 7 0 , cita de Nágelsbach, Nachhomerische Teologie (Teologia Pós-homérica), 3 3 8 sq. - “A essência da punição é a retribuição (Vergeltung) e a retribuição é uma lei fundam ental da ordem terrena. A retribuição inclui a força expiatória da punição. Esta consciência de que a pena do pecado demanda retribuição, a saber, esta certeza de que há na divindade uma justiça que pune o pecado, em conexão com a consciência da transgressão pessoal, desperta o anseio pela expiação” ; que se expressa no sacriffcio de um animal que é morto. Os gregos reconheciam a expiação não só no sacrifício de animais, mas nos humanos. S t a h l , Christliche Philosophie (Filosofia Cristã), 1 4 6 “Toda consciência não pervertida declara a lei eterna de justiça que inevitavelm ente a punição se seguirá ao pecado. No reino moral há outro meio de satisfazer a justiça - o da expiação. Isto difere da punição em seu efeito, isto é, na reconciliação; a autoridade moral, afirm ando-se, não através da destruição do ofensor, mas elevando-o a ela e unindo-a a ele. Mas o ofensor não pode oferecer o seu próprio sacrifício; isto só pode ser feito pelo sacerdote” . No Prometeu A cor­ rentado, de Ésquilo, Hermes diz a Prometeu: “Desse trem endo suplício não esperes ver o fim, salvo se algum deus quiser ficar em teu lugar, a descer aos antros do invisível Plutão, nos redutos som brios do Tártaro” . E isto é feito por Quiron o mais sábio e mais justo dos Centauros, filho de Cronos, sacrifican­ do-se em lugar de Prometeu, enquanto Hércules m ata a águia em seu peito e assim livra-o do tormento. A lenda de Ésquilo é quase uma predição do verda­ deiro Redentor W e s t c o t t , Hebrews, 2 8 2 , sustenta que a idéia das ofertas expiatórias, correspondendo à consciência do pecado, não pertencem à religião primitiva da Grécia. Respondemos que a llíada de Homero, no primeiro livro, descreve exatamente uma oferta expiatória a Febo Apoio, afastando a sua ira e fazendo

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cessar a praga e as devastações. E. G. R o b in s o n sustenta que não há “nenhu­ ma evidência de que os judeus tivessem qualquer idéia da eficácia do sacrifí­ cio para a expiação da culpa m oral”. Mas, ao aproxim ar-se do tabernáculo ou do templo, o altar sempre se apresentava diante do lavatório. H. C la y Trumb u l l , S. S. Times, 30 de novembro, 1901.801 - “A páscoa não era uma passa­ gem pelas casas dos israelitas, mas uma passagem ou travessia junto ao Senhor para entrar nas casas daqueles que o recebiam de bom grado e que tinham entrado no pacto com ele através do sacrifício. O soberano oriental era acom panhado pelo executor, que entrava para matar o primogênito da casa só quando não houvesse nenhum sinal de pacto na porta” . C onsidera­ mos esta explicação como um substituto de um resultado e efeito incidental do sacrifício pelo sacrifício em si. Isto sempre teve consigo a idéia de repara­ ção de um erro pelo sofrim ento substitutivo. C u r t is , A Religião Sem ítica Primitiva nos Nossos Dias, na Significance of Sacrifice, 218-237, conta-nos que foi à Palestina sob a explicação de Robert Smith de que o sacrifício é uma festa sim bolizando com unhão am istosa entre o homem e Deus. Ele chegou à conclusão de que a ceia sacrificia! não é um elemento primário, mas há um valor substitutivo na oferta. Não estão excluí­ das a oferta e a festa; mas há um valor substitutivo na oferta. Não se excluem a oferta e a comem oração; mas estas são seqüências e incidentes. O infortú­ nio é evidência de pecado; é preciso que o pecado seja expiado; a ira de Deus precisa ser removida. O sacrifício consiste principalm ente no derram a­ mento do sangue da vítima. A “explosão do sangue” satisfaz e paga a divinda­ de. G e o r g e A d a m S m it h em Is. 53 (2.364) - “Por ser inocente, ele dá a sua vida como satisfação da lei divina pela culpa do seu povo. Sua morte não é sim ­ plesmente um martírio ou desvio da justiça humana; na intenção e propósito de Deus, mas tam bém através da sua oferta voluntária, é um sacrifício expia­ tório. Não há nenhum exegeta que não concorde com isto. 353 - A substitui­ ção do servo do Senhor em favor do povo culpado e o poder redentor dessa substituição não são doutrina arbitrária” . Satisfação significa sim plesm ente que há um princípio no ser divino que não rejeita som ente o pecado passivamente, mas também, ativamente, se opõe a ele. O juiz, se fo r correto, deve repelir o suborno com indignação e a mulher pura deve arder em ira contra uma proposta infame. R. W. E m e r s o n : “A vossa bondade deve te r um limite no despenhadeiro - caso contrário, não é bondade”. Porém o juiz e a m ulher não se sentem bem na repulsa; ao invés disso eles sofrem. Deste modo Deus não se regozija com a dor ou com a perda a cuja inflição ele é compelido. Deus tem uma ira que é calma, judicial, inevitável - reação natural da santidade contra a falta desta. Cristo sofre tanto por ser aquele que aplica a punição como aquele sobre quem ela é aplicada: “ Porque Cristo não se agradou a si mesmo, mas, com o está escrito: Sobre mim caíram as injúrias dos que te injuriavam ” (Rm. 15.3; cf. SI. 69.9).

Considerando o propósito exato e eficácia dos sacrifícios mosaicos, deve­ mos distinguir entre seus ofícios teocráticos e os espirituais. Eles são, por um lado, os meios indicados pelos quais o ofensor podia ser restaurado ao lugar e privilégios exteriores, como membro da teocracia, que ele tinha perdido por c)

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causa da negligência e da transgressão; e cumpriram este propósito mesmo sem o gênio e o espírito que apresentavam. Por outro lado eram símbolo do sofrimento vicário e morte de Cristo e obtinham perdão e aceitação da parte de Deus só quando eram oferecidos com a verdadeira contrição e com fé no método de salvação de Deus. Hb. 9.13,14 - “ Porque, se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santificam , quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras m or­ tas, para servirdes ao Deus vivo”? 10.3,4 - “Nesses sacrifícios, porém, cada ano, se faz com em oração dos pecados, porque é im possível que o sangue dos touros e bodes tire pecados” . A morte de Cristo tam bém , como os sacrifí­ cios do V.T., opera um benefício tem poral mesm o sobre aqueles que não têm fé; ver pp. 771,772. R o b e r t s o n , E arly Religion o f Israel, 441,448, rebate ao ataque da alta crí­ tica de que, nos dias de Isaías, Miquéias, Oséias, Jerem ias, não existia códi­ go levítico; que estes profetas expressavam a sua desaprovação do sistema sacrificial todo como mero artifício humano destituído de sanção divina. Mas o Livro do Concerto, sem dúvida, existia na sua época, com esta ordem: “ Um altar na terra me farás e sobre ele sacrificarás holocaustos (Ex. 20.24). Ou, caso se sustente que Isaías condena até mesmo um trecho da legislação, isto bem prova, porque faria tam bém o profeta condenar o sábado como uma parte da adoração voluntária e até mesmo rejeitaria a oração como desagra­ dável a Deus, visto que, na mesma conexão ele diz: “as festas da Lua Nova, e os sábados ... não posso suportar ... quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos” (Is. 1.13-15). Isaías som ente estava conde­ nando o sacrifício sem a piedade; caso contrário nós o faríam os condenar tudo o que ocorria no tem plo. Mq. 6.8 - “o que é que o Senhor requer de ti, senão que pratiques a justiça”? Isto não exclui a oferta de sacrifício, pois Miquéias antecipa o tem po quando “o monte da Casa do Senhor será estabe­ lecido no cume dos montes, ... e irão muitas nações e dirão: Vinde, e suba­ mos ao monte do Senhor” (Mq. 4.1,2). Os 6.6 “eu quero m isericórdia e não sacrifício”, interpreta-se com que segue: “o conhecim ento de Deus mais do que os holocaustos”. Compare com Pv. 8.10; 17.12; e as palavras de Samuel: “o obedecer é melhor do que o sacrificar” (1 Sm. 15.22). O que é o altar de onde se extraiu a sua descrição da teofania de Deus e do qual se tomou a brasa viva que tocou os seus lábios e preparou o profeta? (Is. 6.1-8) Jr. 7.22 - “ Porque nunca falei ... acerca de holocaustos ou sacrifícios ... mas isto ... Dai ouvidos à minha voz” . Jerem ias insiste apenas na indignidade do sacrifí­ cio onde não há coração.

d) Desse modo os sacrifícios do Antigo Testamento, quando oferecidos corretamente, envolto em uma consciência de pecado da parte do adorador, daquele que trazia a vítima para a expiação do pecado, fazia repousar as mãos

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do ofertante sobre a cabeça da vítima, fazendo confessar os pecados através ia oferta, o derramar do sangue sobre o altar, e o conseqüente perdão dos recados e a aceitação da oferta do adorador. A oferta pelo pecado e o bode expiatório do grande dia da expiação simbolizaram as duas idéias elementares de sacrifício, a saber, satisfação e substituição juntamente com a conseqüente remoção da culpa daqueles que ofertam e fizeram o sacrifício. Lv. 1.4 - “E porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito por ele, para expiação” ; 4.20 - “e fará a este novilho como o fez ao novilho da expiação; assim lhe fará, e o sacerdote por eles fará propiciação e lhes será perdoado o pecado” ; do mesmo modo 31 e 35 - “e o sacerdote fará propiciação por ela e lhe será perdoado o pecado” ; assim tam bém 5.10,16; 6.7. Lv. 17.11 - “ Porque a alma (vida) da carne está no sangue, pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma (vida), porquanto é o sangue que fará expiação pela alma (vida)” . Os sacrifícios patriarcais eram expiação como sacrifício de Jó pelo teste­ munho de seus amigos: Jó 42.7-9 - “A minha ira se acendeu contra ti [Elifaz] ... Tomai, pois, sete bezerros ... oferecei holocaustos por vós” ; cf. 33.24 “então, Deus terá misericórdia dele e lhe dirá: Livra-o, que não desça à cova; já achei resgate”; 1.5 - Jó oferecia holocaustos por seus filhos, porque ele dizia: “Porventura pecaram meus filhos e blasfem aram de Deus no seu cora­ ção”; Gn. 8.20 - Noé “ofereceu holocaustos sobre o altar” ; 21 - “e o Senhor cheirou o suave cheiro e disse o Senhor em seu coração: Não tom arei mais a am aldiçoar a terra por causa do hom em ” . O sofrim ento vicário que se pretende em todos estes sacrifícios, está cla­ ro em Lv. 16.1-34 - relato da expiação e o bode expiatório do grande dia da expiação cujo sentido com pleto apresentam os abaixo; tam bém Gn. 22.13 “e foi Abraão, e tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar do seu filho”; Ex. 32.30-32 - onde Moisés diz: “Vós pecastes grande pecado; agora, porém, subirei ao Senhor; porventura farei propiciação por vosso pe­ cado. Assim , tornou Moisés ao Senhor e disse: Ora, este povo pecou pecado grande, fazendo para si deuses de ouro. Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito”. Ver também Dt. 21.1-9 — a expiação de um homicida incerto, com o sacrifício de uma bezerra; onde O e h l e r , O. T. Theology, 1.39,9 diz: “Evidentem ente a pena de morte para um homicida involuntário é simbolicamente executada sobre a bezerra”. E Is. 53.112 - “Todos nós andam os desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos ... pisaduras ... expiação do pecado” - as idéias tanto de satisfação como de substituição tornam -se ainda mais claras. W a l l a c e , R e p re se n ta tive R e s p o n s a b ility : “Os a n im a is oferec oos e r sacrifício devem estar relacionados com o homem , sujeitos a ele. s e r de sua propriedade. Não devem ser resultado de caça. Devem trazer a "'a rc a e im pressão da humanidade. Deve-se im por as mãos humanas sobre o s a cr ^' cio: as mãos do ofertante e as do sacerdote. A oferta substitu o ofertante. O sacerdote substitui o ofertante. O sacerdote e o sacrifício são um _ ' ico

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símbolo. [Por isso, na nova dispensação, o sacerdote e o sacrifício são um: ambos acham-se em Cristo]. O sumo sacerdote deve entrar no santo dos santos com o seu próprio dedo m ergulhado no sangue: o sangue deve estar em contato com a sua própria pessoa; é outra indicação da identificação dos dois. A lim enta-se e sustenta-se a vida com a vida. Toda vida inferior ao homem pode ser sacrificada para o bem do homem. Deve-se derramar o san­ gue no chão. ‘A vida está no sangue’. Deus reserva a vida. Ela é dada em benefício do homem não para ele. A vida em favor da vida é a lei da criação. Do mesmo modo, a vida de Cristo, tam bém , em benefício da nossa vida. Originariam ente Adão era um sacerdote da fam ília e da raça. Mas perdeu esse caráter representativo por causa da desobediência e a sua redenção é a do indivíduo, não da raça. A raça deixou de ter um representante. Os súditos do reino divino deviam ser, em vista disso, não descendência natural de Adão, mas os redim idos. O fato de que se requer o corpo e o sangue indica a demanda de que a morte seja uma violência que derram a sangue. Os sacrifí­ cios apresentam, não o próprio Cristo [seu caráter, sua vida], mas a sua morte” . Segue-se uma tentativa de esquem atizar os SACRIFÍCIO S JUDAICOS. A razão geral para o sacrifício acha-se expressa em Lv. 17.11 (citado acima). I. Para o indivíduo: 1. A expiação = sacrifício com vistas à expiação dos peca­ dos de ignorância (o elemento im pensado e a tentação plausível): Lv. 4.14, 20,31. 2. Oferta pela culpa = sacrifício com vistas à expiação dos pecados de omissão: Lv. 5.5,6. 3. O holocausto = sacrifício com vistas à expiação dos pecados em geral: Lv. 1.3 (a oferta de Maria, Lc. 2.24). II. Para a família: A Páscoa: Ex. 12.27. III. Para o povo: 1. O sacrifício diário matutino e vesper­ tino: Ex. 29.38-46. 2. Oferta do grande dia da expiação: Lv. 16.6-10. Neste último, em pregavam -se as duas vítim as: uma para representar o significado: morte e a outra para representar o resultado: perdão. Uma única vítim a não podia representar tanto a expiação, através do derram am ento de sangue, como a justificação, através da retirada do pecado. Jesus morreu pelos nossos pecados na festa da Páscoa, na hora do sacri­ fício diário. Mclaren, em S. S. Times, 30 de nov. 1901.801 - “O derramamento de sangue e a conseqüente segurança eram som ente uma parte do ensino da Páscoa. Há uma dupla identificação do ofertante com o sacrifício; prim ei­ ro, ele a oferece como seu representante, im pondo as mãos sobre a sua cabeça, ou transferindo a sua pessoalidade, como se fosse para a vítima; em segundo lugar, recebendo-a de volta, da parte de Deus, a quem ele a ofere­ ceu, ele se alim enta da vítima, fazendo-a parte da sua vida e nutrindo-se dela: ‘Minha carne ... que eu darei pela vida do mundo ... quem de mim se alimenta também viverá por m im ’ (Jo. 6.51,57)”. C h a m b e r s , em Presb. A n d Ref. Review, janeiro, 1892.22-34 - Sobre o grande dia da expiação “a dupla oferta - uma para o Senhor e a outra para Azazel tipifica não só a remoção da culpa do povo, mas a sua transferência para o odioso e detestável ser que é a causa prim eira da sua existência” , /'.e., Sata­ nás. L id g e t t , Spir. Principie o f the Atonem ent, 112,113 - “Não foi a punição que o bode levou para o deserto, porque a idéia de punição não está direta­ mente associada ao bode expiatório. Ele leva o pecado - toda a infidelidade da comunidade que contam inou os lugares santos - deles, de modo que, por isso, eles podem ser purificados ... A oferta pelo pecado - representando o

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pecador ao levar o fardo do seu pecado - faz a expiação ao recuar e elevar a sua vida para Deus sob condições que representam ao mesmo tempo a ira e o ato de aplacar Deus”.

é) Não é essencial a este ponto de vista sustentar que uma instituição for­ mal divina do rito do sacrifício, na expulsão do homem do Éden, pode ser provada com a Escritura. Como a família e o estado, o sacrifício pode, sem tal constrangimento formal, ter a sanção divina e ser ordenado por Deus. Contu­ do, a prevalência quase universal do sacrifício, juntamente com o fato de que sua natureza, como uma oferta de sangue, parece excluir a própria invenção do homem, combina com algumas indicações da Escritura em favor do ponto de vista de que era uma determinação divina. Desde os tempos de Moisés, não pode haver dúvida quanto à sua autoridade divina. Compare a origem da oração e da adoração, para o que não achamos nenhuma injunção form al divina no início da história. Hb. 1 1 .4 - “Pela fé, Abel ofereceu maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testem unho de que era justo, dando Deus testem unho dos seus dons” - aqui se pode argu­ mentar que a fé de Abel não era presunção; ela deve te r tido algum a injunção e prom essa de Deus em que se baseava. Gn. 4.3-5 - “Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. Abel tam bém trouxe dos prim ogênitos das suas ovelhas e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou”. Tem-se argum entado, em corroboração a este ponto de vista, que a exis­ tê ncia do sa crifício anteriorm ente vem su gerida em Gn. 3.21 - “ E fez o Senhor Deus a Adão e a sua m ulher túnicas de peles e os vestiu”. Visto que não se perm itia até muito depois a m atança de animais para a alimentação (Gn. 9.3 - “Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso m antim en­ to”), tirou-se a inferência de que as peles com que Deus vestiu nossos prim ei­ ros pais eram de animais mortos para o sacrifício; esta vestim enta fornecia um tipo de justiça de Cristo que garante a nossa restauração ao favor de Deus, como a morte das vítim as fornecia o tipo do sofrim ento de Cristo, que nos garante a remissão do castigo. Contudo, devem os considerar esta hipó­ tese tão agradável e p o ssive lm e n te correta, m ais do que um a verdade dem onstrada pela Escritura. Visto que os instintos não pervertidos da nature­ za humana são expressão da vontade de Deus, a fé que Abel possuía pode ter consistido em confiar nestes ao invés de insinuações de egoísm o e de justiça própria. O sacrifício de animais, com o a morte de Cristo que o sacrifí­ cio significava, apenas acelerou o que lhes pertencia por causa da conexão com o pecado do homem. A fé reconheceu tal conexão. W e s t c o t t , H ebrews, 281 - “ Não há nenhuma razão para pensar que o sacrifício foi instituído em obediência a uma revelação direta. ... No começo m enciona-se na Escritura como uma coisa natural e conhecida. Era praticam ente universal nos tem pos p ré -c ristã o s.... No devido tem po a prática popular do sacrifício foi regulam en­ tada pela revelação como disciplinar e em pregada como veículo do ensino

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típico” . Preferim os dizer que o sacrifício provavelm ente teve origem num ins­ tinto fundam ental da hum anidade e, por isso, tornou-se uma ordenança divi­ na do mesmo modo que o casam ento e o governo civil. Sobre Gn. 4.3,4, ver C. H. M. - “A total diferença entre Caim e Abel está, não na natureza deles, mas nos seus respectivos sacrifícios. Caim trouxe a Deus o fruto m anchado de pecado de uma terra am aldiçoada. Não há aqui o reconhecimento do fato de que ele era um pecador, condenado à morte. Todo o seu esforço não podia satisfazer a santidade de Deus, ou rem over a sua pena. Mas Abel reconheceu o seu pecado, a condenação, a desesperança, a morte, e trouxe o sacrifício de sangue - sacrifício de um outro ser - provido pelo próprio Deus, que satisfizesse as exigências de Deus. Ele achou um substituto e apresentou-o com fé - fé que olha de si para Cristo, ou o caminho indicado por Deus para a salvação. A diferença não estava nas pessoas, mas nas ofertas. A respeito de Abel se diz que Deus ‘deu testem unho dos seus dons’ (Hb. 11.4). De Caim se diz: ‘se fizeres bem (LXX.: òpBffiç Trpoaevéytoiç se. ofereceres corretam ente) não haverá aceitação para ti”? Mas Caim dese­ jou afastar-se de Deus e do cam inho de Deus, e perder-se no mundo. Este é o ‘cam inho de Caim ’ (Jd. 11)” . Num ponto de vista contrário, ver C r a w f o r d , A tonem ent, 259 - “Tanto nos tem pos levíticos com o nos patriarcais, não temos nenhuma instituição do sacrifício, mas a sua regulam entação já exis­ tente. Porém a fé em Abel pode ter sido aceita, não como uma revelação relativa ao culto sacrificial, mas ao Redentor prom etido; o seu sacrifício pode ter expressado aquela fé. Se é assim, a sua aceitação da parte de Deus deu sustentação divina aos sacrifícios futuros. Não se tratava de uma adoração voluntária porque não substituía outro culto que Deus já havia instituído. Não é preciso supor que Deus tivesse dado uma ordem expressa. Abel pode ter sido movido por algum estímulo divino interior. Assim disse Adão a Eva: ‘esta agora é osso dos meus o s s o s ....’ (Gn. 2.23), antes da ordem divina para que se casassem. Não foi apresentado nenhum fruto durante a dispensação patri­ arcal. Os sacrifícios pagãos representam uma corrupção do sacrifício prim iti­ vo”. V o n L a s a u l x , Die Sühnopfer d e r Gríechen und Rómer, und ih r Verháltniss zu dem einen a u f Golgotha (O Holocausto dos Gregos e Romanos, e a sua relação com o do Gólgota), 1 - “A prim eira palavra do homem original prova­ velm ente foi uma oração e a prim eira ação do homem decaído foi um sacrifí­ cio"; ver tradução em Biblia Sacra, 1.368-408. Bispo Butler: “ Pela prevalência geral dos sacrifícios propiciatórios sobre o mundo pagão, em que a noção de arrependim ento é suficiente para expiar a culpa parece contrariar o sentido geral da hum anidade” .

f) O N. T. admite e pressupõe a doutrina veterotestamentária do sacrifício. A linguagem sacrificial de que as descrições da obra de Cristo se revestem pode ser explicada como uma acomodação aos métodos judaicos de pensa­ mento, visto que esta terminologia em grande parte estava em uso comum entre os pagãos e Paulo a usava mais do que quaisquer outros apóstolos tratan­ do dos gentios. Negar o seu sentido veterotestamentário, quando usado pelos escritores do Novo Testamento para descrever a obra de Cristo é negar qual­

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quer apropriada inspiração tanto na indicação mosaica dos sacrifícios como interpretações apostólicas. Portanto, devemos sustentar, como resultado de uma simples indução dos fatos escriturísticos, que a morte de Cristo é uma ■ferta vicária, provida pelo amor de Deus com o propósito de satisfazer uma demanda interior da santidade divina e remover um obstáculo na mente divina rira a renovação e perdão dos pecadores. A epístola de Tiago não faz alusão ao sacrifício. Mas ele não teria deixado de fazê-lo se tivesse sustentado o ponto de vista moral da expiação; porque, neste caso teria sido um óbvio auxílio ao seu argum ento contra o ofício m era­ mente formal. Cristo protestou contra a lavagem das mãos e a guarda dos dias de sábado. Se o sacrifício tivesse sido uma parte da form alidade huma­ na, como, com indignação teria investido contra ele! Mas, ao invés disto, ele recebeu de João Batista, sem censura, as palavras: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do m undo’ (Jo. 1.29)” . A. A. H o d g e , P opular Lectures, 247 - “Os sacrifícios de touros e de bodes eram como um sím bolo de dinheiro, como as nossas prom issórias, aceitas no valor do seu anverso até o dia do vencim ento. Mas o sacrifício de Cristo é o ouro que, de um modo absoluto cancelou toda a dívida através do seu valor intrínseco. Por isso, quando Cristo morreu, mãos sobrenaturais rasgaram de alto a baixo o véu que fazia separação entre o homem e Deus. Quando term i­ nou a verdadeira expiação, o sistem a sim bólico todo que o representava tor­ nou-se functum officio (com pleto pelo ofício), e foi abolido. Logo depois disto, o tem plo caiu por terra e o ritual tornou-se im possível”. Sobre a negação de que a morte de Cristo deve ser interpretada pelos sacrifícios pagãos e judaicos, ver M a u r ic e em Sac., 154 - “A significação pagã das palavras, quando aplicadas a um uso cristão, não devem sim plesm en­ te ser m odificadas, mas invertidas” ; J o w e t t , Epistles o f St. Paul, 2.479 “Os sacrifícios pagãos e judaicos, mostram mais o que não era o sacrifício de Cristo, do que o que ele era” . B u s h n e l l e Y o u n g não duvidam da natureza expiatória dos sacrifícios pagãos. Mas os principais term os que o N. T. em pre­ ga para descrever o sacrifício de Cristo são tom ados de empréstimo do ritual sacrificial grego, p. ex., íXaap.óç, Negar que estes termos, quando aplicados a Cristo, implicam expiação e subs­ tituição, é negar a inspiração dos que os empregaram. Com todas estas indicações da nossa discordância da m oderna n ega:ãc do sacrifício expiatório, julgam os de bom alvitre, em contraste, apresentar a mais clara afirm ação possível do ponto de vista de que discordamos, s :: pode ser encontrado em P f l e id e r e r , Philos. Religion, 1.238,260,261 - ' - ~ stinção gradual da moral sobre a cerim onial, a repressão e final s u e s ::. ; ã : da expiação cerim onial pela purificação moral do sentido e da , : ia e conse­ qüentem ente a transform ação da concepção mística da redenção na cc-respondente concepção ética da educação, pode ser designada c c ~ : : :e ~ e do princípio teológico do desenvolvim ento da história da re ! gíãc '.'as ç a ra Paulo, o problema sobre em que sentido a morte da cruz pode s e r o ~ e o da redenção messiânica encontrou a sua resposta tão som e-:e "o s c-essucostos

Sucría, 7tpoa(popá,

áyiáÇco, Kaôaípco, íXácncojica-

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da teologia farisaica, que se apoiava no sofrim ento inocente e especialmente no martírio, ou da justiça, um meio expiatório de com pensar os pecados do povo todo. O que seria mais natural do que Paulo contem plar a morte na cruz do m esm o modo, com o um recurso e xpiatório de salvação com vistas à redenção do mundo pecador? “Somos induzidos a ver nesta teoria o pressentim ento sim bólico da verda­ de de que o novo homem sofre, como se fosse de um modo vicário, em favor do velho homem; porque ele tom a sobre si as dores diárias da subjugação de si mesm o e inculpavelm ente com paciência os males que o velho homem não pôde, a não ser por necessidade, atribuir a si mesm o como punição. Por isso, como Cristo é a exem plificação da idéia moral do homem, do mesmo modo a sua morte é o sím bolo do processo moral da dolorida subjugação própria na obediência e paciência em que consiste a verdadeira redenção interior do homem. ... De igual modo Fichte diz que o único meio apropriado para a sal­ vação é a morte do eu, morte com Jesus, a regeneração. “O defeito da doutrina de K a n t e F ic h t e sobre a redenção consiste nisto, que ela limita o processo da transform ação ética para o indivíduo e se empe­ nha em explicá-la somente a partir da sua razão e liberdade. Como pode o indivíduo libertar-se da sua falta de potencialidade e tornar-se livre? Esta per­ gunta não tem solução. A doutrina cristã da redenção é a de que a libertação moral do indivíduo não é o efeito do seu próprio poder natural, mas o efeito do Espírito divino, que, desde o começo da história hum ana exerce a sua ativi­ dade como o poder educativo para o bem, e particularm ente criou para si, na com unidade cristã, um órgão perm anente para a educação do povo e dos indivíduos. É o individualism o moral de K a n t que o impediu de achar no espí­ rito comum historicam ente realizado do bem a verdadeira força valiosa para o indivíduo tornar-se bom ”.

C) Teorias sobre a Expiação. Ia) Sociniana, ou Teoria do Exemplo. Esta teoria sustenta que a pecaminosidade subjetiva é a única barreira entre o homem e Deus. Só o homem e não Deus necessita de reconciliar-se. O único método de reconciliação é a melhoria da condição moral do homem. Esta pode efetuar-se através da vontade do próprio homem pelo arrepen­ dimento e reforma. A morte de Cristo é apenas a morte de um mártir nobre. Ele nos redime só com o seu exemplo humano de fidelidade à verdade e o dever tem poderosa influência sobre o progresso moral. Este fato os apósto­ los, consciente ou inconscientemente, revestiram da linguagem dos sacrifí­ cios gregos e judaicos. Esta teoria foi plenamente elaborada por Lélio Socínio e Fausto Socínio da Polônia, no século XVI. Seus defensores modernos achamse no grupo unitário. O texto que à prim eira vista parece favorecer esta opinião encontra-se em 1 Pe. 2.21 - “Cristo tam bém padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas”. Mas veja letra (e) abaixo. Quando Correggio viu

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o quadro de Santa Cecília de Rafael, exclamou: “ Eu também sou pintor'1. Deste modo Socínio sustentava que o exemplo de Cristo despertou a nossa huma­ nidade para a imitação. Ele considera a expiação como pagã e impossível; cada um deve receber segundo as suas obras; Deus está pronto a adm itir o perdão baseado no simples arrependim ento. E. G. R o b in s o n , Christian Theology, 277 - “ Esta teoria primeiro insiste na inviolabilidade das seqüências morais na conduta de cada agente moral; a seguir insiste em que, em dada condição, o fiat onipotente pode cativar as conseqüências da transgressão. ... O unitarism o erra ao dar uma força trans­ form adora àquele que opera a beneficência só depois de se operar a trans­ form ação”. Ao atribuir à natureza humana um a força transform adora por si mesma, ignora a sua necessidade da regeneração através do Espírito Santo. Mas mesmo esta obra regeneradora do Espírito Santo pressupõe a obra expia­ tória de Cristo. “ N ecessário vos é nascer de novo” (Jo. 3.7) necessita a expressão “Importa que o Filho do Homem seja levantado” (Jo. 3.14). Só a cruz é que satisfaz o instinto de reparação do homem. H a r n a c k , Das Wesen des C hristenthum s, 99 - “Aqueles que consideravam a morte de Cristo logo deixaram de trazer oferta de sangue a Deus. Isto é verdade tanto no judaísm o como no paganismo. A morte de Cristo põe um fim às ofertas de sangue na história religiosa. O impulso para o sacrifício encontrou satisfação na cruz de Cristo”. Consideram os isto como prova de que a cruz é essencialm ente uma satisfação à justiça divina e não um mero exem plo de fidelidade ao dever. A teoria sociniana é a prim eira das seis sobre a expiação, as quais, a grosso modo, correspondem às seis teorias do pecado tratadas anteriormente, e é a primeira que inclui a mais falsa doutrina que aparece nas mitigadas formas das que se seguem.

A esta teoria fazemos as seguintes objeções: d) Baseia-se em falsos princípios filosóficos, como, por exemplo, de que a vontade é meramente a faculdade das volições; que o fundamento da virtude está na utilidade; que a lei é uma expressão da vontade arbitrária; que a pena é um meio de reformar o ofensor; que a retidão, quer em Deus, quer no homem, é apenas manifestação da benevolência. Se a vontade é sim plesm ente a faculdade das volições, sem ser tam béra determinação fundam ental do ser para um fim último, então o homem pode por uma simples volição, efetuar a sua própria reforma e reconciliação c c ~ Deus. Se o fundam ento da virtude se encontra na utilidade, então nada há "o ser divino que impede o perdão, o bem da criatura, e não demanda a s a r : f e ­ de de Deus e é a razão do sofrim ento de Cristo. Se a lei é uma expressão 02 vontade arbitrária, ao invés de uma transcrição da natureza di\ na e ~ 0 - 2 quer tem po pode ser dispensada, e 0 pecador pode ser perdoaoo posim ples arrependim ento. Se a pena é só um meio de reforrrtar o o; e n s c r. então o pecado não envolve a culpa objetiva, ou a obrigação de s c ; 'e r 5 0 pecado pode ser perdoado a qualquer momento, a todos os q^e 0 =o£"donam; na verdade, deve ser perdoado, visto que a punição es :2 ora de ugar

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quando o pecador já está reformado. Se a justiça apenas uma form a ou manifestação de benevolência, então Deus pode m ostrar a sua benevolência com tanta facilidade através do perdão como através da pena, e a morte de Cristo tão somente tem a intenção de atrair-nos para o bem pela força de um nobre exemplo. W e n d t , Teaching o f Jesus, 2.218-264, é essencialm ente sociniano neste ponto de vista da morte de Jesus. Contudo, ele atribui a Jesus a idéia de que o sofrim ento é necessário, mesmo para alguém que está em perfeito amor e bendita com unhão com Deus, visto que a bênção terrena não é a verdadeira bem -aventurança e que uma verdadeira piedade é im possível sem a renún­ cia e a inclinação para servir aos outros. A vida sacrificial terrena do Messias é o seu m aior ato necessário e o ponto culm inante do seu ensino. O sofrim en­ to fez dele um exemplo perfeito e, deste modo, garantiu o sucesso da sua obra. Mas, W e n d t não explica por que Deus teria tornado necessário que o santíssim o sofresse. Podemos entender esta constituição das coisas só como uma revelação da santidade de Deus, e da sua relação punitiva com o peca­ do do homem. S im o n , Reconciliation, 357, bem mostra como o exemplo pode­ ria ter sido suficiente para uma raça que som ente necessitava de liderança. Porém a raça necessitava mais é de energia, cum prim ento das condições, restauração na direção de Deus em favor dos homens da parte de um dentre eles, aquele de cuja essência participavam, o quai os criou, em quem eles consistiam e cuja obra era a obra deles. Cristo aplicou a condenação divina dos pecados e impulsos que surgiram da vida subconsciente. Antes que o pecado, que no momento parecia ser dele, pudesse passar a pertencer-lhe, ele o condenou. Ele simpatizou, revelou a própria justiça e tristeza de Deus. Hb. 2.16-18 - “na verdade, ele não tom ou os anjos, mas tomou a descendên­ cia de Abraão. Pelo que convinha que em tudo fosse sem elhante aos irmãos para ser m isericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus para expiar os pecados do povo, porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados” .

b)

É um desenvolvimento natural do ponto de vista pelagiano sobre o peca­ do e logicamente necessita de um corte ou renúncia de cada uma das outras doutrinas caraterísticas do cristianismo - inspiração, pecado, divindade de Cristo, justificação, regeneração e recompensa eterna. A teoria sociniana requer uma renúncia da doutrina da inspiração; porque a idéia de sacrifício vicário e expiatório está entrelaçada no tear do Velho e do Novo Testamentos. Requer um desprezo da doutrina bíblica do pecado; por­ que nela toda idéia do pecado como perversão da natureza que torna o peca­ dor incapaz de salvar-se e, como a culpa objetiva que demanda a satisfação da santidade divina, ela é negada. Requer de nós que desprezem os a divin­ dade de Cristo; porque, se o pecado é um mal leve, e o homem pode salvarse do seu castigo e do seu poder, então não há mais necessidade ou de um sofrim ento infinito, ou de um Salvador tam bém infinito, e o Cristo humano é tão bom como um divino. Requer que nós abandonem os a doutrina da justifi­

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cação como um ato de Deus declarando justo o pecador aos olhos da lei somente por causa da justiça e morte de Cristo a quem ele está unido pela fé; porque a teoria sociniana não pode perm itir que homem seja beneficiado por uma outra justiça que não seja a sua própria. Ela requer uma negação da doutrina da regeneração; porque esta não é mais a obra de Deus, mas do pecador; não é mais uma m udança dos sentim entos abaixo da consciência, mas uma volição do pecador que a si mesmo se reforma. Requer uma nega­ ção da retribuição eterna; porque esta não é mais adequada à transgressão finita da lei arbitrária e do pecar superficial que não envolve a natureza. c) Contradiz os ensinos da Escritura de que o pecado envolve a culpa obje­ tiva assim como a contaminação subjetiva; que a santidade de Deus deve punir o pecado; que a expiação era um processo de punição do pecado do homem; e que este processo vicário de punição era necessário, da parte de Deus, para tornar possível a apresentação da graça para com o culpado. As Escrituras não fazem o principal objetivo da expiação ser o aprim ora­ mento moral subjetivo do homem. É para Deus que se oferece o sacrifício, e o seu objetivo é satisfazer a vontade divina e rem over da sua mente o obstá­ culo da apresentação da graça ao culpado. É algo exterior ao homem e à sua felicidade ou virtude, que exige que Cristo sofra. O que Emerson disse do mártir é ainda mais verdadeiro a respeito de Cristo: “embora o amor lamente, a razão irrite, surge uma voz sem resposta: é a perdição do homem a ser salvo, quando deve morrer em favor da verdade” . A verdade pela qual Cristo morreu é a que se encontra dentro da natureza de Deus; não som ente exteriorizada e publicada entre os homens. O que a verdade de Deus requeria e que C risto executou - a plena satisfação de um a ju stiça violada. “Jesus pagou-a toda e nenhuma obediência ou justiça da nossa parte pode acres­ centar-se à sua obra como base da nossa salvação. E. G. R o b ín s o n , Christian Theology, 276 - “Esta teoria deixa de apresentar o dever do reconhecimento profundo, senso universal e inato de merecer o mal, que em todos os tem pos e lugares tem ajudado os homens a buscar a expiação da sua culpa. A teoria da influência moral não faz provisão adequa­ da deste senso de culpa e seus requisitos, quer em Cristo, quer naqueles que Cristo salva. Supondo que a obra redentora de Cristo consiste simplesm ente em ganhar os homens para a prática da justiça, ela não leva em conta a pena. quer como sanção da lei, quer como reação da santidade divina co n ira o pecado, ou como reprim enda da consciência individual. ... A teoria soc ' = releva o fato de que deve haver algum a m anifestação objetiva da :ra de G e-s e o desprazer contra o pecado”.

d) Não fornece nenhuma explicação adequada sobre os sofriinen:: í e r.::te de Cristo. A angústia daquele que não se assemelha ao mártir nãc p.: 2e :e: valor e o desprezo da parte do Pai não pode ser justificado, com b ise r.i hipó­ tese de que Cristo morreu como simples testemunha da verdade. Se os sofri-

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mentos de Cristo não fossem propiciatórios, não nos forneceriam um exemplo perfeito, nem se constituiriam uma manifestação do amor de Deus. Compare o sentim ento de Jesus, no ponto de vista da morte, com o de Paulo: “tendo o desejo de partir” (Fp. 1.23). Jesus, cheio de angústia: “Agora a m inha alm a está perturbada: e que direi eu? Pai, salva-m e desta hora” (Jo. 12.27). Se Cristo é som ente um mártir, então não é um exemplo perfeito; porque muitos mártires têm sentido m aior coragem na aproxim ação da morte e na agonia final têm sido capazes de dizer que o fogo que os consum ia era “um leito de rosas” . O Getsêmani, com a sua angústia mental, parece ter sido registrado para indicar que os sofrim entos de Cristo na cruz não eram princi­ palmente físicos. A Igreja C atólica Romana indevidam ente dá ênfase ao lado físico da paixão do nosso Senhor, mas perde de vista o elemento espiritual. O Cristo de Roma, na verdade, ou é um bebê ou é um morto e o crucifixo apresenta-nos não um Redentor ressurrecto e vivo, mas um corpo dilacerado e inerte. S t r o u d , em sua Physical Cause o f o u r L o rd ’s Death, considera provável que C risto tenh a m orrido por seu coração partido e que só isto explica Jo. 19.34 - “um dos soldados lhe furou o lado com um lança e logo saiu sangue e água” - /'.e., o coração já estava danificado pela angústia. Esta se devia ao abandono do Pai (Mt. 27.46 - “Meu Deus, meu Deus, porque me desam paraste”?), e o resultado da morte m ostra que esse abandono não foi imaginário. Será que Deus fez o mais santo de todos os homens tornar-se o m aior sofredor de todos os tem pos? Esse coração danificado pelo abandono do Pai significa mais que martírio. Se a morte de Cristo não é propiciatória, ela me enche de terror e desespero; porque ela não só me apresenta um exemplo imperfeito em Cristo, mas uma prova de justiça im ensurável da parte de Deus. Lc. 23.28 - “não choreis por mim; chorai, antes, por vós e por vos­ sos filhos” = Jesus rejeita toda a compaixão que esquece o seu sofrimento pelos outros. Quanto ao ponto de vista de S t r o u d , W e s t c o t t objeta que o sangue não fluiu prontamente de um cadáver comum. A separação dos corpúsculos san­ güíneos verm elhos da linfa, ou água, seria o com eço da decom posição, inconsistente com a afirm ação em At. 2.31 - “nem a sua carne viu a corrup­ ção” . Porém o Dr. W. W. Keen, de Filadélfia, em seu artigo sobre O Sangüí­ neo Doce do nosso Senhor (Biblia Sacra, jul., 1897. 469-484) endossa o pon­ to de vista de Stroud quanto à causa física da morte do nosso Senhor. O fato de Cristo ser abandonado pelo Pai foi apenas o ápice do afastamento relativo que constituiu a fonte da solidão de Cristo através da vida. Através dela ele foi o servo do Espírito. Na cruz o Espírito o deixou por conta da fraqueza da natureza humana sem assistência, destituída dos recursos da consciência divina. Compare o curioso texto de Hb. 2.9 - “para que ele, separado de Deus (xcopi QeoD) provasse a morte por todos” . Se Cristo sim plesm ente supusesse ser desam parado por Deus, não só se tornaria um homem errado e, como o predicado da divindade se aplica a ele, um Deus errado; mas se ele se agradava da falta de confiança da par­ te de Deus, como é possível ainda sustentar que a sua vontade estava em

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perm anente e perfeito acordo e identidade com a vontade de Deus”? C h a r le s Evangelho de Paulo, diz que Jesus não foi crucificado porque ele foi am aldiçoado, mas foi am aldiçoado porque foi crucificado, de modo que, numa destrutiva vingança contra ele, ab-rogou-se a si mesma. Esta interpre­ tação, porém contradiz 2 Co. 5.21 - “Àquele que não conheceu pecado o fez pecado por nós” - onde a identificação divina de Cristo com a raça dos peca­ dores antedata e explica os seus sofrim entos. Jo. 1.29 - “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” - não se refere a Jesus como um cordeiro por causa da sua bondade, mas como um sacrifício. M a c la r e n : “como a morte de Cristo prova o am or de Deus? Só com base numa suposição, a saber, que Cristo é o Filho encarnado de Deus, enviado pelo am or e imagem expressa do Pai”; e, podemos acrescentar, sofrendo de modo vicário por nós e remo­ vendo o obstáculo na mente de Deus para o nosso perdão. C. E v e re tt,

e) A Escritura não declara a influência do exemplo de Cristo, nem a expe­ riência cristã a endossa como o principal resultado garantido pela morte. O mero exemplo é apenas uma nova pregação da lei, que repele e condena. A cruz tem força para levar o homem à santidade só quando ela, a princípio, mostra uma satisfação que aponta para os seus pecados. Concordemente a maioria das passagens que representam Cristo como um exemplo também contém referências à sua obra propiciatória. Não há virtude algum a em sim plesm ente estabelecer o exemplo. Cristo nada fez sim plesm ente por causa do exemplo. Até mesm o o seu batismo foi o sím bolo da sua morte propiciatória; ver pp. 761,762. A exortação do apóstolo não é “abstende-vos de toda a aparência do mal” (1 Ts. 5.22), mas abstendevos de toda a forma de mal” . A morte de Cristo é o pagamento de uma dívida real para com Deus; e o convicto pecador prim eiro necessita de ver a dívida que ele tem para com a justiça divina paga por Cristo, antes que ele pense na esperança de reform ar a sua vida. Os hinos da igreja “Em Cristo deponho os meus pecados”, e “Nem todo o sangue dos anim ais” , representam o ponto de vista dos sofrimentos de Cristo que os cristão derivaram das Escrituras. Quando o pecador vê que a hipoteca está cancelada, que alguém carregou sobre si a pena, pode dedicar-se livrem ente ao serviço do seu Redentor. Ap. 12.11 “ Eles o venceram (venceram Satanás) pelo sangue do Cordeiro” = como Cris­ to venceu Satanás pelo seu sacrifício propiciatório, do mesm o modo nós vencem os através da apropriação da expiação de Cristo e do seu Espírito; cf. 1 Jo. 5.4 - “ Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” . O próprio texto no qual os socinianos se apóiam, quando tom ado em conexão com o contex­ to, prova que esta teoria é uma falsa interpretação da Escritura. 1 Pe. 2.21 “Cristo tam bém padeceu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais as suas pisadas” - é seguido pelo verso 24 - “ levando ele mesm o em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas sua feridas fom os sarados” - estas últimas palavras representam uma citação da descrição de Isaías sobre os sofrim entos substitutivos do Messias (Is. 53.5).

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Quando disseram ao pecador convicto que Deus pode limpar o coração e renová-lo, ele respondeu com justa impaciência: “ Não é isto que eu quero; primeiro preciso pagar a minha dívida” ! A. J. G o r d o n , M inistry o f Spirít, 28,89 - “ Em lugar nenhum no tabernáculo ou no tem plo encontrarem os um lavató­ rio assentado diante do altar. O altar é o Calvário e o lavatório é o Pentecostes; um representa o sangue sacrificial e o outro o Espírito santificador. ... O óleo que sim boliza o Espírito santificador sem pre foi posto ‘o sangue da oferta pela expiação da culpa’ (Lv. 14.17)”. A extrem idade do sacrifício de Cristo na cruz coincidiu com a extrem a m anifestação da culpa da raça. A gran­ deza disto ele conhecia teoricam ente desde o com eço do seu ministério. O seu batismo não pretendia sim plesm ente estabelecer um exemplo. Foi um reconhecimento de que o pecado merece a morte; de que ele foi contado com os transgressores; de que ele foi enviado para m orrer pelo pecado do mundo. Ele não foi tanto um mestre como o sujeito de todo o ensino. Nele o grande sofrim ento do santo Deus por causa do pecado apresenta-se ao universo. A dor de umas poucas breves horas salva o mundo, só porque ele estabelece um fato eterno no ser divino e abre-nos o seu próprio coração. S h a k e s p e a re , Henrique V, 4.1 “ Há uma alma da bondade nas coisas más e os homens que as observam destilam -na”. É bom pregar Cristo como exem­ plo. Lym an A b b o t t diz que o sangue de Jesus com pra o nosso perdão e nos redime para Deus, do mesmo modo em que o patriota redime o seu país da servidão e adquire a sua liberdade. Mas até mesm o R i t s c h l , Justice and Reconciliation, 2, vai além, quando diz: “Os que defendem a teoria do exem ­ plo devem lembrar que Jesus se afastou da imitação quando se pôs bem além dos seus discípulos como autor do perdão. E eles perceberam que em primeiro lugar se deve apropriar desse perdão antes que lhe seja possível imitar a sua piedade e a realização m oral” . Este é um reconhecim ento parcial da verdade de que a remoção da culpa objetiva pela expiação de Cristo deve preceder a remoção da contam inação subjetiva pela regeneração da parte de Cristo e pelo Espírito santificador. L id g e t t , Spir. Princ. ofA tonem ent, 265-280, mostra que há uma demanda paterna da satisfação que se deve buscar atra­ vés da resposta filial. Thom as C h a lm e r s , no com eço do m inistério estimulava o seu povo para reform ar a sua vida. Porém ele confessa: “ Nunca ouvi dizer que houvesse tal reforma entre eles” . S ó quando pregou a separação do homem com relação a Deus e o perdão através do sangue de Jesus Cristo é que ele ouviu falar dessa melhora. G o r d o n , Chríst o f Today, 129 - “A consciência do pecado é em grande parte a criação de Cristo” . Homens como Paulo, L u t e r o , E d w a r o s mostram isto de uma form a impressionante. F o s t e r , Christian Life and Theology, 198201 - “Naturalm ente há um sentido em que o cristão deve imitar a morte de Cristo, porque deve ‘tom ar a cada dia a sua cruz’ (Lc. 9.23) e seguir o seu Mestre; porém neste mais elevado sentido e mais com pleto escopo da sua morte não se trata mais de um objeto estabelecido para nossa imitação do que é a criação do mundo. No seu sacrifício, Cristo faz pelo homem o que o homem não poderia fazer por si mesmo. Vemos na cruz: 1. a magnitude da culpa do pecado; 2. a nossa própria condenação; 3. o remédio adequado; porque o objeto da lei se obtém na execução da justiça; 4. a base objetiva do

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perdão” . M a c la r e n : “O cristianism o sem um Cristo morto é um cristianismo m oribundo” .

f) Esta teoria contradiz todo o teor do N. T., fazendo a vida de Cristo, e não a sua morte, a caraterística mais significativa e importante da sua obra. As constantes alusões à morte de Cristo como fonte da nossa salvação bem como o simbolismo das ordenanças não podem ser explicados com base em uma teoria que considera Cristo como mero exemplo e trata os seus sofrimen­ tos como incidentes, ao invés de essência da sua obra. O Dr. H. B. Hackett freqüentem ente cham a a atenção para o fato de que o registro nos evangelhos de só três anos de vida de Jesus e a proeminência dada ao registro das cenas finais dessa vida, não são evidência dela, mas de que a sua morte foi a grande obra do Senhor. A verdade central do cristianis­ mo não é a vida de Cristo, mas a sua morte. A cruz é o sím bolo cristão por excelência. Em ambas ordenanças - batismo e ceia - é realçada a morte de Cristo. Nem o exemplo de Cristo, nem o seu ensino revelam Deus como a sua morte. É a morte de Cristo que estabelece um elo entre todas doutrinas cris­ tãs. O marco do sangue de Cristo encontra-se sobre todos eles do mesmo modo que o fio de escarlata que percorre todo o cordão e corda da marinha britânica é um sinal de que ela é propriedade da coroa. Será que a morte de Jesus não teve outra relação com a nossa morte além da que teve a morte de Paulo? Paulo foi um mártir, mas não se registrou a sua morte. G o u ld , Bib. Theol. N.T., 92 - “De modo nenhum Paulo reside na vida e obra do nosso Senhor a não ser quando elas se envolvem na morte e ressurreição deste” . O que significam as palavras de Jesus: “ Está consum a­ do” (Jo. 19.30)? Na teoria sociniana o que se consum ou? A salvação sociniana ainda não tinha começado. Por que Jesus não fez o batismo e a ceia serem m em oriais do seu nascimento, em vez de o serem da sua morte? Por que o véu do tem plo não se rasgou no batismo, ou no Sermão do Monte? Tão som ente porque a sua morte abriu cam inho para Deus. Na conversa com Nicodemos, Jesus desprezou as form alidades: “sabem os que és mestre vin­ do da parte de Deus” (Jo. 3.2). Não basta reconhecer Jesus como mestre. É preciso haver renovação através do Espírito de Deus de modo que se reco­ nheça também a elevação do Filho do homem com o o Salvador que realiza a expiação (Jo. 3.14,15). E a Pedro Jesus diz: “Se eu não te lavar os pés, não tens parte com igo” (Jo. 13.8). Não se pode ter parte com Cristo como Mestre enquanto não ele é rejeitado com o Redentor do pecado.

2a) Teoria Bushneliana, ou Teoria da Expiação de Influência Moral. Sustenta como a Sociniana que não há nenhum princípio da natureza divi­ na que seja propiciado pela morte de Cristo; mas que tal morte é manifestação do amor de Deus sofrendo com o pecado da criatura. A expiação de Cristo, portanto, é a mera conseqüência do fato de tomar sobre si a natureza humana; e é um sofrimento, não da pena em lugar do homem, mas dos ais e pesares que

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o v iv e r d e u m se r h u m a n o en v o lv e . E s ta e x p ia ç ã o te m o e fe ito , n ã o d e sa tis­ fa z e r a ju s tiç a d iv in a , m a s d e re v e la r o a m o r d iv in o a fim d e a b ra n d a r o c o ra ­ çã o p a ra o a rre p e n d im e n to ; e m o u tra s p a la v ra s , os s o frim e n to s d e C risto fo ra m n e c e s sá rio s, n ã o p a ra re m o v e r u m o b s tá c u lo q u e e x iste n a m e n te de D e u s p a ra o p e rd ã o do p e c a d o r, m a s p a ra c o n v e n c e r o p e c a d o r d e q u e de m o d o a lg u m e x iste ta l o b s tá c u lo . E sta te o ria , n a su b stâ n c ia , te m sid o d e fe n d i­ d a p o r B u sh n ell , n a A m é ric a ; p o r R o ber tso n , M a u r ic e , C a m pbell e Y oung n a G rã -B re ta n h a ; p o r S ch leierm a ch er e R itsc h l , n a A le m a n h a . O r íg e n e s e Abelardo são os antigos representantes deste ponto de v is ta . Ela pode ser encontrada no Sacrifício Vicário de B u s h n e ll. Mais tarde a o b r a de B u s h n e ll, cham ada Perdão e Lei, contém uma modificação da sua mais antiga doutrina a que ele foi levado pelas críticas ao seu Sacrifício Vicário. Na obra mais tardia ele reconhece o que antes negava tão firm em ente, a saber, que a m orte de C risto tem efeito sobre D eus do m esm o modo que sobre o homem e que Deus não pode perdoar sem “custo para si mes­ mo” . Ele confessa abertamente a fraqueza do seu ensino anterior para com os pecadores convertidos e, como a única hom ilética eficaz ele recom enda a pregação da própria doutrina do sacrifício propiciatório que substituía o livro que ele tinha escrito. Contudo, mesm o em Perdão e Lei não há nenhum reco­ nhecimento do verdadeiro princípio e base da expiação na santidade punitiva de Deus. Visto que a form a da doutrina original de B u s h n e ll é a única que atende à mais ampla aceitação, é principalm ente a esta que dirigimos as nos­ sas objeções. F. W. R o b e r ts o n , Sermons, 1.163-178, sustenta que os sacrifícios de Cris­ to são o resultado necessário da posição de conflito em que ele se colocou ou colisão com o mal que está no mundo. Ele entrou em contato com a roda viva e foi por eia esmagado; bateu o seu tacão sobre o covil da serpente e foi ferido por suas presas. M a u r ic e , on Sacrífice, 209, e Essays o f Theology, 141,228, considera os sofrim entos de Cristo como uma ilustração, dada por um homem ideal, do sacrifício de si mesmo devido a Deus a partir da humani­ dade de que ele é a raiz e a cabeça e todos os homens são redimidos nele, independentem ente da sua fé e só precisam que se tragam a ele as novas da sua redenção. Y o u n g , Life an d Light ofM e n , sustenta um ponto de vista sem e­ lhante ao de R o b e r ts o n . A morte de Cristo é o resultado necessário da sua colisão com o mal e os sofrim entos extirpam o pecado som ente através da manifestação do am or auto-sacrificial de Deus. C a m p b e ll, Atonem ent, 129-191, cita E d w a r d s para m ostrar que se pode satisfazer a justiça infinita em qualquer uma das duas formas: 1) por uma punição infinita; 2) por um adequado arrependimento. Esta última, que E d w a rd s despreza como im praticável, C a m p b e ll declara te r sido a verdadeira expiação oferecida por Cristo, que se apresenta como o grande penitente, confessan­ do o pecado do mundo. M a s o n , Faith o f Gospel, 160-210, tom a substancial­ mente o ponto de vista de C a m p b e ll, negando a substituição e dando ênfase à unidade de Cristo com a raça e a sua confissão do pecado humano. Na ver­

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dade ele admite que o nosso Senhor assumiu a pena, mas só no sentido de que ele entendeu quão grande é a condenação e a pena da raça. S c h le ie r m a c h e r nega que haja satisfação a Deus através da substituição. Ele a substitui pela influência da personalidade de Cristo sobre os homens de modo que eles se sentem reconciliados e redimidos. A expiação é somente subjetiva. Contudo é a obra de Cristo na qual só a unidade do mesmo Cristo com Deus ensina aos homens que eles podem ser um com Deus. A consciên­ cia de Cristo de estar em Deus e conhecê-lo e o seu poder de transm itir esta consciência aos outros fazem dele o M ediador e Salvador. A idéia da repara­ ção, da compensação, da satisfação, da substituição é inteiram ente judaica. Ele a considera possível só nas pessoas de mente estreita. Ele diz que detes­ ta esse tipo de relação histórica. Ele não tem este sentido da santidade de Deus, ou da culpa do homem, que tom aria necessário qualquer sofrim ento de punição ou oferta a Deus pelo pecado humano. D eseja substituir o cristianis­ mo exterior e histórico pelo interior e subjetivo. Contudo, R i t s c h l é o mais recente e influente representante da teoria da Influência Moral na Alem anha. Encontra-se o seu ponto de vista em seu Rechtfertigung und Versõhnung, ou na versão inglesa, Justificação e Recon­ ciliação. R itschl é o mais anti-hegeliano e libertário, mas, como S chleierma­ cher, ele não trata o pecado com seriedade; considera o sentim ento de culpa como uma ilusão que é a parte de Cristo que deve ser descartada; há um conceito inadequado da pessoa de Cristo, uma negação prática da sua pree­ xistência e da obra da expiação objetiva; na verdade, a obra de Cristo dificil­ mente é posta em qualquer relação precisa com o pecado. E. H. J ohnson: Muitos ritschilianos negam tanto a concepção m iraculosa como a ressurrei­ ção física de Jesus. O pecado não preocupa particularm ente a Deus; Cristo é o Salvador só no mesm o sentido que Buda, exercendo o senhorio sobre o mundo indiferente a ele; ele é o Verbo de Deus apenas no sentido de que ele revela esta indiferença divina às coisas. Tudo isto não concorda com o ensino do N. T. de que Cristo é o unigênito de Deus, que estava com o Pai antes que o mundo existisse, que ele fez para Deus a expiação dos pecados e que o pecado é essa coisa abom inável que Deus detesta”.

A esta teoria objetamos da seguinte forma: a) Conquanto ela abranja um valioso elemento de verdade, a saber, a influ­ ência moral dos sofrimentos do Deus-homem sobre o homem, ela falha ao substituir um efeito subordinado da expiação sobre o seu principal alvo e ain­ da se apropria injustamente do nome ‘vicário’, que só se aplica ao referido alvo. Sofrer com o pecador de modo algum é sofrer em seu lugar. D a le , Atonement, 137, ilustra o ponto de vista de B u s h n e ll através da esposa leal, que sofre o exílio ou o aprisionam ento do marido; através do filantropo, que sofre as privações e durezas de um povo selvagem, que ele civiliza só suportando as misérias das quais ele deveria livrá-los; através do missionário morávio que entra na vida da cela do leproso para converter os seus internos. Também Potwin diz que o sofrim ento e a morte são o preço da expiação, não a expiação em s i mesma.

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R espondem os que sofrim entos tais com o estes não tornam vicário o sacrifício de Cristo. A palavra ‘vicário’ (de vicis) im plica substituição, que esta teoria nega. O vigário de uma paróquia não é necessariam ente alguém que realiza o ofício com o reitor, ou na sim patia com ele; é alguém que fica no lugar o reitor. O vice-presidente é alguém que atua em lugar do presidente; ‘A. B. nomeado cônsul, vice C. D., dem itido’, im plica que A. B, agora deve servir em lugar de C. D. Se Cristo é um ‘sacrifício vicário’, então ele faz a expiação para Deus em lugar de e em fa vo r dos pecadores. O sofrim ento de Cristo nos pecadores e com eles, em bora seja o mais importante e influente fato, não é o sofrim ento em lugar daqueles em quem consiste a expiação. Apesar de que sofrim ento nos pecadores e com eles pode ser em parte o meio através do qual Cristo foi capaz de suportar a ira de Deus contra o peca­ do, não deve ser confundido com a razão pela qual Deus põe o seu sofrim en­ to sobre ele; nem deve cegar-nos quanto ao fato de que esta razão é a sua posição no lugar do pecador a fim de responder pelo pecado à santidade retributiva de Deus. b) Apóia-se em falsos princípios filosóficos, tais como, que a justiça é idêntica à benevolência, ao invés de condicioná-la; que Deus está sujeito a uma eterna lei do amor, em vez de ser ele mesmo a fonte de toda a lei; que o fim da pena é a reforma do ofensor. H o v e y , G o d w ith Js, 181-281, dá uma das melhores respostas a B u s h n e ll. Ele mostra que, se Deus está sujeito à lei eterna do amor, então, necessaria­ mente ele é o Salvador; ele deve ter criado o homem logo que ele pôde; ele torna os homens santos logo que possível; ele faz todo o bem que pode; ele não é m elhor do que seria. Mas isto im plica em negar a transcendência de Deus e reduzir a onipotência a uma sim ples força natural. A concepção de Deus como sujeito à lei põe em risco a auto-suficiência e liberdade de Deus. W a t t s , N ew A pologetic, 277-280, assinala que, sobre os princípios de B u s h n e ll, deve haver uma expiação destinada aos anjos decaídos. Deus se com prom ete a assum ir a natureza angélica e fa ze r pelos anjos tudo o que ele faz por nós. Também não há nenhuma razão para restringir a expiação ou oferecer a salvação à vida presente. B . B . W a r f i e ld , na Princeton Review, 1903.81-92, bem mostra que todas as form as da teoria da Influência Moral apóiam -se na suposição de que Deus é apenas am or e que tudo quanto se requer baseado no perdão ao pecador é a penitência, ou de Cristo ou dele mesmo, ou dos dois. Ignorando a santidade divina e m inim izando a culpa do pecado, muitos escritores modernos fazem da expiação um mero incidente da encarnação de Cristo. P h illip s B r o o k s , Life, 2.350,351 - “A expiação pelo sofrim ento é o resultado da encarnação; aquela é necessária e este é o elemento essencial desse resultado. Porém o sacrifício é um elem ento essencial porque, na ver­ dade, ele significa aqui a consagração da natureza humana ao seu emprego e pronunciam ento mais elevados e não exige necessariam ente que se pense

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na dor. Não é a destruição, mas o cum prim ento da vida humana. Na medida em que a vida humana assim consagrada e com pleta é em nós a mesma que é em Jesus e na medida em que a sua consagração e cum prim ento se nos tornam moralm ente possíveis, a mesm a consagração e cum prim ento que ele realiza por sua expiação e sacrifício e, incidentem ente, seu sacrifício tornamse vicários. Não que eles sejam desnecessários, mas que eles possibilitam e se fazem bem sucedidos em nós os mesm os processos que eram perfei­ tos nele” .

c)

A teoria não fornece nenhuma razão apropriada para o sofrimento de Cristo. Enquanto mostra que o Salvador necessariamente sofre por seu conta­ to com o pecado humano e a com tristeza, não dá nenhuma explicação de tal constituição do universo que torna o sofrimento uma conseqüência do peca­ do, não só para o pecador, mas também para o ser inocente que entra em conexão com o pecado. Ignora a santidade de Deus, que se manifesta na cons­ tituição das coisas e que requer a expiação. B. W. L o c k h a r t , em recente afirm ação da doutrina da expiação, mostra este defeito de apreensão: “Deus, em Cristo, reconciliou o mundo consigo mesmo; Cristo não reconcilia Deus com o homem, mas o homem com Deus. Cristo não capacita Deus a salvar os homens; Deus capacita Cristo a salválos. Os sofrim entos de Cristo são vicários com o a mais alta ilustração da lei espiritual através da qual a boa alma é im pelida a sofrer para que os outros não sofram, a m orrer para que os outros não morram. Os sofrim entos vicários de Jesus são tam bém a grande revelação da natureza vicária de Deus ao homem; a revelação da cruz eterna na sua natureza; está no coração de Deus suportar o pecado e a tristeza das criaturas no seu eterno amor e com ­ paixão; contudo, uma revelação de que a lei que salva o perdido através do trabalho vicário das almas divinizadas sem pre que o divinizado e o perdido possam influir um no outro” . Conquanto haja muito na afirm ação acim a com o que nós concordamos, nós lhe atribuímos falsa apreensão da razão do sofrimento de Cristo. Tal razão só deve ser encontrada na santidade de Deus que se expressa na própria constituição do universo. Não foi o amor, mas foi a santidade que fez invaria­ velm ente o sofrim ento se seguir ao pecado de sorte que a pena recai não só sobre o transgressor mas sobre aquele que é a vida e o fiador do transgres­ sor. A santidade de Deus causa sofrim ento não só para Deus, mas para Cristo que é a manifestação de Deus. O am or suporta o sofrim ento, mas é a santida­ de que o necessita. A afirm ação de Lockhart acim a m ostra o efeito, que é a reconciliação; mas deixa de reconhecer a causa, que é a propiciação. As palavras de E. G. R o b in s o n fornecem o com plem ento necessário: “A obra de Cristo tem dois lados: propiciatório e reconciliador. Cristo sentiu a dor de associar-se à culpa da raça. O desagrado divino caiu sobre ele como pos­ suindo a natureza culposa. Na sua própria pessoa ele redime esta natureza suportando a sua pena. A propiciação deve preceder a reconciliação. A teoria da Influência Moral reconhece a necessidade de uma mudança subjetiva no

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homem, mas não faz nenhuma provisão de uma atuação objetiva para asse­ gurá-la” . d ) Contradiz os claros ensinos da Escritura, que necessita a expiação, não simplesmente para revelar o amor de Deus, mas para satisfazer a sua justiça; que os sofrimentos de Cristo são propiciatórios e penais; e que a consciência humana necessita de ser propiciada pelo sacrifício de Cristo, antes que possa sentir a influência moral de seus sofrimentos. Em Ef. 5.2 fica evidente que a expiação não é principalm ente uma oferta ao homem, mas a Deus - “e se entregou a si mesmo por nós em oferta e sacrifício a Deus” ; Hb. 9.14 - “ofereceu-se a si mesmo imaculado a Deus”. A consciência, reflexo da santidade de Deus, só pode ser propiciada quando se propicia a própria santidade. O sim ples am or e sim patia são sentimentalismos, e incapazes de se mover, a não ser que haja um cenário para a justiça. Spear: “O apelo para o homem sem uma retaguarda para dar ênfase e força ao apelo, nunca tocará o coração. A sim ples aparência de expiação não tem influência m oral”. C r a w f o r d , Atonement, 358-367 - “Ao invés de livrar-nos da pena, a fim de livrar-nos do pecado, esta teoria faz Cristo livrar-nos do pecado para que ele nos livre da pena. Mas isto reverte a ordem da Escritura. E o D r. B u s h n e ll admite, no fim, que o ponto de vista moral da expiação é m oralm en­ te fraco; e que o ponto de vista objetivo que ele condena é, além do mais, indispensável para a salvação dos pecadores” . Alguns homens estão bem prontos a perdoar aqueles que lhes ofende­ ram. A escola ritschliana não vê culpa a ser expiada e nem a necessidade de propiciação. Só o homem precisa ser reconciliado. Os ritschlianos estão prontos para perdoar Deus. A única expiação, feita através do arrependim ento, dirigese à consciência humana. S h e d d diz com propriedade: “Tudo que se requer para a satisfação e paz na consciência da alma pecadora também se requer para a satisfação do próprio Deus” . W alter Besan: “ Não basta ser perdoado; é necessário perdoar-se a si mesmo” . As proposições inversas são ainda mais verdadeiras: Não basta perdoar-se a si mesmo; é necessário também ser perdoado; na verdade, não se pode com ju s tiç a perdoar-se a si mesmo se não se for primeiro perdoado; 1 Jo. 3.20 - “se o nosso coração nos conde­ na, m aior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas” . A. J. G o r d o n , M inistry ofS p irit, 201 - “Como o sum o sacerdote levava o sangue ao santo dos santos na velha dispensação, assim o Espírito leva o sangue de Cristo ao mais íntimo santuário do nosso espírito na nova dispensação para que ele purifique “a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo” (Hb. 9.14).

e) Contradiz os claros ensinos da Escritura, que necessita a expiação, não simplesmente para revelar o amor de Deus, mas para satisfazer a sua justiça; que os sofrimentos de Cristo são propiciatórios e penais; e que a consciência humana necessita de ser propiciada pelo sacrifício de Cristo, antes que possa sentir a influência moral de seus sofrimentos.

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Já vimos que as formas em que as Escrituras descrevem a morte de Cristo são principalm ente tiradas do sacrifício. Note o reconhecim ento de B u s h n e ll de que estas “form as de altar” são os m étodos mais vividos e eficientes de apresentar a obra de Cristo e que o pregador não pode dispensá-las. Não está clara a razão por que não as dispensaria se o sentido proveio delas. Em sua obra mais tardia, intitulada Perdão e Lei, B u s h n e ll parece reco­ nhecer esta inconsistência e representa Deus afetado pela expiação; em outras palavras, a expiação tem uma influência tanto objetiva como subjetiva. Deus pode perdoar apenas “a custo de si m esm o” . Ele “m ostra o seu ressen­ timento através do sofrim ento por nós”. Isto norteia o verdadeiro ponto de vista, mas não reconhece a dem anda da santidade divina pela santificação; e atribui paixão, fraqueza e im perfeição a Deus. D o r n e r , Glaubenslehre, 2.591 (Doutrina Sistemática, 4.59,69), objeta a esta teoria da Influência Moral modi­ ficada, que o am or que faz o bem a um inimigo já é um am or que perdoa; de sorte que o benefício a um inimigo não pode ser, como supõe B u s h n e ll, uma condição para o perdão. Para o ponto de vista de C a m p b e ll, de que Cristo é o grande Penitente, e de que a sua expiação consiste essencialm ente na sua confissão dos peca­ dos do mundo, respondemos que não é possível nenhum a confissão ou peni­ tência sem responsabilidade. Se Cristo não exerceu o ofício substitutivo, a ordem dos seus sofrim entos dada por Deus foi uma m anifesta injustiça. Tais sofrim entos, contudo, são im possíveis com base na mera simpatia. A Escritu­ ra os explica declarando que ele suportou a nossa m aldição e tornou-se res­ gate em nosso lugar. Por isso há mais nos sofrim entos de Cristo do que “um perfeito Amém na humanidade quanto ao juízo de Deus sobre o pecado do hom em ”. Não foi o zelo de Finéias para com Deus que fez uma expiação, mas a sua execução do juízo (SI. 106.30 - “executou o juízo” - LXX: èÇiXáaaxo, “fez propiciação”) e desviou a ira de Deus. O bserve aqui o contraste entre a expiação sacerdotal de Arão, que ficava entre os vivos e os mortos e a judicial de Finéias, que executou o justo juízo e, deste modo, desviou a ira de Deus. Em nenhum dos dois casos a mera confissão foi suficiente para tirar o peca­ do. Sobre o ponto de vista de C a m p b e ll ver adiante, p. 760. M o b e r ly , Atonem ent and Personality, 98, tem o grande mérito de assinalar que Cristo com partilha os nossos sofrim entos em virtude do fato de que a nossa personalidade tem sua base nele; mas ele deixa de indicar que esta participação na nossa pena tornou-se necessária através da justiça de Deus. Ele nos diz que Cristo santificou o presente e cancela o passado. Oferece a Deus uma santidade viva nas condições e caráter humanos; torna o terrível sacrifício em humanidade de perfeita contrição. Por um lado é uma oferta de obediência, por outro, de expiação; por um lado, oferta de vida, por outro, oferta de morte” . Esta m odificação do ponto de vista de C a m p b e ll pode ser racionalm ente sustentado só através da conexão com uma declaração ante­ rior de que o atributo fundam ental de Deus é a santidade; que a santidade é a justiça de si mesma afirm ante; que esta justiça necessariam ente se expressa na punição do pecado; que a relação de Cristo com a raça, na qualidade de seu sustentador e a sua vida o fez aquele que suporta a sua culpa e com justiça é responsável pelo pecado da referida raça. A Escritura declara que o alvo último da expiação é que Deus “seja justo” (Rm. 3.26), e nenhuma teoria

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da expiação vai ao encontro das dem andas quer da razão quer da consciên­ cia que não baseia a sua necessidade na justiça de Deus, ao invés de basearse no seu amor. E. Y. Mullins: “Se a união de Cristo com a hum anidade possibilitou-o de ser ‘o representante Penitente’, e o Amém da hum anidade para que Deus executasse a ju s ta condenação do pecado, sua união com Deus possibilitouo a ser o representante do Juiz, e o Amém da natureza divina para sofrer, como expressão da condenação”. D e n n e y , Studies in Theology, 102,103 “O sério elemento no pecado não é o desgosto do homem, a suspeita, a alie­ nação de Deus, nem a debilitação, os efeitos corrosivos do vício na natureza humana, mas, ao invés disso, a condenação de Deus relativa ao homem. Este Cristo sofreu e morreu para rem over a condenação. ‘Suportando a ver­ gonha e a cruel zombaria, Ei-lo condenado em meu lugar; Selou o meu per­ dão com o seu sangue; A leluia!’ B u s h n e l l considera Mt. 8.17 - “Ele tom ou sobre si as nossas enferm ida­ des e levou sobre si as nossas doenças” - como indicador da natureza da obra expiatória de Cristo. O sentido então deveria ser que ele simpatizou tão plenam ente com todos os males humanos que os tornou seus próprios. Con­ tudo, H o v e y deu uma explicação mais com pleta e correta. As palavras signifi­ cam: “Sua profunda sim patia com estes efeitos do pecado moveram-no de tal maneira que tipificou o seu sofrim ento final dos próprios pecados, ou agüen­ tou o sofrim ento prelim inar e parcial do sofrim ento que devia expiar os peca­ dos dos hom ens” . O seu suspiro final quando ele curou o surdo (Mc. 7.34) e o seu choro junto à sepultura de Lázaro (Jo. 11.351) foram causados pe\a com ­ preensão antecipada de que ele era um com a hum anidade que estava sob a m aldição e que ele tam bém se “tornou m aldição por nós” (Gl. 3.13). O grande erro de B u s h n e l l é a negação da necessidade objetiva e efeito da morte de Jesus e toda a Escritura que aponta para uma influência da expiação fora de nós como uma refutação da sua teoria.

f) Esta teoria confunde o método de Deus salvar o homem com a experiên­ cia de salvação sentida pelo homem. Faz a própria expiação consistir em efei­ tos na união do crente com Cristo e a influência purificadora desta união sobre o caráter e a vida. S t e v e n s , em sua Doctrine o f Salvation com ete este equívoco. Diz ele: “As velhas form as da doutrina da expiação - de que o sofrim ento de Cristo é necessário para aplacar a ira de Deus e induzi-lo a perdoar; ou a satisfazer à lei de Deus e capacitá-lo a perdoar; ou dirigir-se ao coração do homem para induzi-lo a aceitar o perdão; tudo isto se tem provado inadequado. Ainda rejei­ tar a paixão de Cristo é rejeitar o principal elemento de poder do cristianismo. ... Para mim, as palavras ‘expiação eterna’ denotam paixão sem data da parte de Deus por causa do pecado; significam que Deus é, por sua própria nature­ za, alguém que suporta o pecado - que o pecado magoa e fere o seu coração e que ele se entristece e sofre em conseqüência disso. Resulta do amor divi­ no - como da sua santidade e da sua sim patia - que na nossa aflição ele se

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aflige’. Expiação da ‘parte de Deus’ é o nome da mágoa e da dor imposta pelo pecado sobre o coração paterno de Deus. As aflições de Cristo revelam esta tristeza divina pelo pecado. Na amarga m ágoa e na angústia que ele experi­ mentou por causa do pecado vemos refletida a dor e a tristeza que o pecado traz ao am or divino” . Tudo isso se tem dito com propriedade exceto que a santidade é conside­ rada como uma form a de am or e a principal ofensa do pecado é considerada como a mágoa do coração do Pai. O D r . S te v e n s deixa de considerar que, se o am or fosse supremo, nada haveria que evitasse a ímpia tolerância do peca­ do. Porque a santidade é suprema, o am or se condiciona a ela. Não é o amor que liga o sofrim ento ao pecado e requer que o Redentor sofra, mas é a santidade. O Dr. S te v e n s afirm a que as teorias até agora correntes nas igre­ jas protestantes e a teoria que ele defende são “sempre irreconciliáveis” ; elas “se baseiam em diferentes concepções a respeito de Deus” . Revista Semanal Britânica, 16 de nov. de 1905 - “A doutrina da expiação não é a de que a salvação é o livram ento do pecado e que tal livram ento é obra de Deus, que m otiva o am or dele pelos homens; estas são verdades que cada um que escreve sobre a expiação admite. A doutrina da expiação tem por tarefa expli­ car como é feita essa obra. ... D r. S te v e n s não apresenta nenhuma contribui­ ção para o seu cumprimento. Ele admite que tem os em Paulo ‘uma teoria de expiação substitutiva’. Mas vê algo em Paulo que ele pensa mais adequado à experiência cristã do apóstolo - por exemplo, a idéia de m orrer com Cristo e ressuscitar com ele; e, sobre o poder de aceitar esta última, ele sente a liber­ dade de deixar a expiação transbordar como algo a ser explicado a partir da posição controversa de Paulo ou da sua herança farisaica, de qualquer modo que não tem valor perm anente para a mente cristã. ... A experiência depende do método. Paulo não morreu com Cristo como alternativa para Cristo ter morrido com ele; morreu com Cristo totalm ente e apenas porque Cristo mor­ reu por ele. É o sentido que estas duas últimas palavras têm - não desenvol­ vido na teoria da expiação substitutiva - que tem em si o motivo moral de levar Paulo à união com o seu Senhor na vida e na morte. ... Na própria exposição do D r. S te v e n s , Paulo sustentava as duas idéias lado a lado; para ele a união m ística com Cristo só foi possível através da aceitação das verda­ des das quais o D r. S te v e n s não sabia o que fazer”.

g) Esta teoria confina a influência da expiação aos que ouviram falar dela, - excluindo, assim os patriarcas e os pagãos. Mas as Escrituras representam Cristo como o Salvador de todos homens no sentido de assegurar-lhes a graça que, só por sua obra expiatória, nunca poderia ter sido outorgada consistentemente com a santidade divina. H o v e y : “A influência da expiação para o homem é muito mais extensiva d o que a sua influência m oral” . Cristo é Advogado, não com o pecador, mas com o Pai. Conquanto a obra do Espírito tem influência moral sobre o coração d o homem, o Filho garante, pela apresentação do seu sangue, no céu, o p e r d ã o que só pode vir de Deus (1 Jo. 2.1,2 - “tem os um advogado com o Pai, Jesus

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Cristo, o justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados”). C onseqüente­ mente 1.9 - “Se confessarm os os nossos pecados, ele [Deus] é fiel e justo [fiel à sua prom essa e justo para com Cristo] para perdoar os nossos peca­ dos”. Por isso o publicano não orou pela mudança do seu coração, mas por misericórdia baseada no sacrifício [Lc. 18.13 - “O Deus, tem misericórdia de mim, pecador” !, literalm ente: “Ó Deus, sê propício para comigo, (que sou um) pecador” ! Rev. e Atual, do Br.]. A gravitação conservou o universo estável muito antes de ser ele desco­ berto pelo homem. Do mesmo modo a expiação de Cristo se aplica à salva­ ção do homem muito antes de que este suspeitasse da existência daquela. A “luz do m undo” (Jo. 8.12) passa por m uitos “ raios X”, além do espectro visível, mas é capaz de im prim ir a imagem de Cristo sobre os patriarcas ou sobre os pagãos. Esta luz tem estado brilhando através dos séculos, mas “as trevas não a com preenderam ” (Jo. 1.5). Seus raios registram-se só onde há coração sensível ao recebimento deles. Brilham eles através do homem e eles revelam quão desconhecido é o pecado e desconhecidas as possibilida­ des do bem. A teoria da Influência Moral não leva em conta o Cristo preexis­ tente e a obra expiatória antes da sua m anifestação em carne. Por isso con­ duz logicam ente à crença num a segunda provação para m uitos imbecis, excluídos e pagãos que neste mundo não ouvem falar da expiação de Cristo. Deste modo, a doutrina de B u s h n e ll destrói a doutrina da retribuição futura. Para Lym an A b b o t t a expiação é a propiciação de si mesmo da parte do am or de Deus e a sua influência é exercida através da educação. Na sua Theology o f an Evolutionist, 118,190, ele sustenta que a expiação é “a verda­ deira reconciliação entre Deus e o homem fazendo-o ao mesmo tem po atra­ vés da encarnação e paixão de Jesus Cristo, que viveu e sofreu, não para redim ir o homem do torm ento futuro, para purificá-lo e aperfeiçoá-lo à sem e­ lhança de Deus. ... O sacrifício não é a pena que o sofredor inocente suporta por causa da culpa do homem; é uma doutrina para a qual não há autoridade alguma, quer na Escritura, quer na vida (1 Pe. 3.18?) - mas o descanso de uns no amor, para que os outros recebam a vida. ... Redenção não é restau­ ração a um estado de inocência que se perdeu, im possível de se restaurar, mas o ápice de um longo processo no qual o homem será apresentado diante do Pai ‘sem mancha, nem ruga, ou qualquer coisa’ (Ef. 5.27). ... Nós cremos não na propiciação de um Deus irado através de um outro que sofre para apaziguar a ira do Pai, mas na perpétua propiciação do próprio Pai, cuja misericórdia, apontando para a rem issão do pecado, satisfaz como coisa al­ guma a indignação divina contra o pecado, pela abolição deste. ... M isericór­ dia é detestar a lástima; é a lástim a da ira. A piedade vence a ira, levantando o pecador da sua degradação e restaurando-o à sua pureza” . E em tudo isto não há menção da justiça divina como fonte da indignação e objeto da propi­ ciação! É interessante notar que alguns dos m aiores defensores da teoria da Influência Moral mudaram para outra crença quando se aproximaram da mor­ te. L. W. Munhall conta-nos que, nesses m om entos, H o r a c e B u s h n e ll disse: “Temo que aquilo que eu possa ter escrito e dito sobre a idéia da expiação engane e cause grande prejuízo” ; e quando pensava nisto mais tarde, cla­ mou: “Ó Senhor Jesus, pela tua m isericórdia, confio só no sangue derramado

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que tu ofereceste no C alvário” ! S c h l e ie r m a c h e r , no leito da morte, reuniu a sua fam ília e uns poucos amigos e ele mesm o m inistrou a Ceia do Senhor. Depois de orar e abençoar o pão e depois de pronunciar as palavras “ Isto é o meu corpo, partido por vós” , acrescentou: “ Este é o nosso fundam ento”! Quan­ do ele começou a abençoar o cálice, clamou: “Depressa, depressa, tragam o cálice! Estou tão feliz” ! Então inclinou-se tranqüilam ente para trás e expirou. R it s c h l , na sua History o f Pietism , 2.65, criticou duram ente o hino de Paul Gerhardt: “O Haupt voll Blut und W unden” (Ó cabeça cheia de sangue e de feridas), descrevendo o sofrim ento físico; mas pediu ao seu filho que repetis­ se os dois últimos versos desse hino: “Ó cabeça sagrada agora ferida” ! quan­ do estava para morrer (Há em português uma versão que começa dizendo: “Ó fronte ensangüentada”). E, em geral, o pecador convicto encontra paz mais rapidamente e com mais segurança quando aponta para o Redentor que mor­ reu na cruz e suportou a pena do pecado em seu lugar.

3a) Teoria Grociana, ou Teoria Governamental da Expiação. Sustenta que a expiação é uma satisfação, não a qualquer princípio interior da natureza divina, mas às necessidades de governo. Da parte de Deus, o governo do universo não pode sustentar-se, nem a lei divina pode preservar sua autoridade sobre os seus súditos, a não ser que o perdão dos ofensores seja acompanhado por uma apresentação do alto valor que Deus estabelece para a sua lei e a nefanda culpa de violá-la. Tal apresentação da consideração divina para com a lei é fornecida no sofrimento e morte de Cristo. Cristo não sofre exatamente a pena da lei, mas Deus graciosamente aceita o seu sofrimento como substituto para a pena. Este procedimento do sofrimento substitutivo da parte de Cristo apóia a lei divina de tal modo nas consciências e corações dos homens que Deus pode perdoar o culpado no seu arrependimento sem detri­ mento dos interesses do seu governo. O autor desta teoria era Hugo Grócio, jurista e teólogo holandês (1583-1645). A teoria carateriza a teologia da Nova Inglaterra e é geralmente sustentada pelos que aceitam o ponto de vista do pecado defendido pela Nova Escola. Grócio era um gênio precoce. Escreveu bons versos em latim aos nove anos de idade; estava preparado para a universidade aos doze; editou a obra enciclopédica de M arciano Capella aos quinze. A inda cedo foi com a em bai­ xada para a corte da França onde passou um ano. De volta para a sua terra, graduou-se doutor em leis. Quanto à literatura, editou as rem iniscências de Arato e escreveu três dramas em latim. Aos vinte foi nomeado historiógrafo das Províncias Unidas; a seguir, advogado geral do fisco para a Holanda e Zelândia. Escreveu sobre lei internacional; foi nom eado deputado para a Inglaterra; aprisionado por causa das suas opiniões teológicas; fugiu para Paris; tornou-se em baixador da S uécia na França. Escreveu com entários sobre a Escritura, história, teologia e poesia. Foi indiferente ao dogma, am an­ te da paz, árbitro, crente desapaixonado, tratando a doutrina mais como um

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estadista do que como um teólogo. E. G. R o b in s o n costum ava dizer a respeito de Grócio: “O onipotente Deus ordena que o homem que se aprofunda em tudo não chegue ao fundo de nada”. Grócio, o jurista, concebia a lei com um a m era questão de expediente um aparelho para procurar resultados governam entais práticos. O texto mais freqüentem ente citado em apoio à sua teoria é 15, 42-21 “ Foi do agrado do Senhor, por am or de sua retidão, tornar grande e glorioso a sua lei.” Estra­ nhamente acrescenta-se uma explicação: “mesmo quando suas ordens não são cum pridas.” Park:” Cristo satisfez a lei. Cristo sofre um castigo divino por nossos peca­ dos - Cristo foi am aldiçoado pelo pecado de Adão assim como os céus e a terra o foram pelo pecado de Adão, - Isto é, ele sofreu dores e sofrimentos por causa deste pecado.” Grócio em pregava a palavra acceptilatio, com a qual ele significava a soberana provisão de Deus sobre o sofrim ento que não é a pena em si, mas que determ inou aceitar como substituto. Temos aqui uma virtual negação de que existe algo na natureza de Deus, que requer o sofrim ento de Cristo; por­ que, se a pena pode ser abrandada em parte, pode ser abrandada no todo e a razão por que Cristo sofre, afinal de contas, deve ser encontrada, não em qualquer dem anda da santidade de Deus, mas som ente na influência benéfi­ ca de tais sofrim entos sobre o homem; de sorte que, em princípio, esta teoria alia-se à do Exemplo e à da Influência Moral, já mencionadas. Note a diferença entre defender a tese de um substituto para a pena, como Grócio o faz, e a de uma equivalente pena substitutiva, como fazem as Escri­ turas. A própria afirm ação deste ponto de vista da parte de Grócio pode encontrar-se na sua Defensio Fidei Catolicae de Satisfactione [Defesa da Cren­ ça C atólica sobre a S atisfação] (W orks, 4.297-338). Presidente W oolsey: “O sofrim ento de Cristo se deve a um profundo e terrível senso de responsa­ bilidade, co nce ito de sum a im p o rtâ n cia p ara o hom em sobre os firm es padrões nesta crise. Ele assume, não a ira de Deus, mas o sofrim ento como o único meio de redenção no que respeita ao sentim ento do pecado do homem e, deste modo, preocupa-se com o governo de Deus” . Isto reúne as teorias Governamental e da Influência Moral. F o s t e r , C hristian Life a n d Theology, 226,227 - “Grócio dá ênfase à idéia da lei em lugar da de justiça, e faz dos sofrim entos de Cristo um exemplo legal e oportunidade de relaxamento da lei; não a estrita pena exigida pela justiça. Mas este ponto de vista, embora possa ser considerado e te r servido para esclarecer o pensamento da época, não encontra aceitação geral e dei­ xa pouco sinal de si mesm a entre os teólogos que sustentam a linha da des­ cendência teológica evangélica” .

A esta teoria apresentamos as seguintes objeções: Conquanto contenha um valioso elemento de verdade, a saber, que o sofrimento e morte de Cristo asseguram os interesses do governo de Deus, é errônea ao substituir o principal alvo da expiação por aquilo que é apenas subordinado e incidental. a)

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Em nossa discussão sobre a pena (pp. 655,656) vem os que o objetivo da punição não é prim ordialm ente a segurança do governo. Não é o direito de punir o homem em benefício da sociedade. O castigo do mal deve ante­ ceder à punição ou esta não terá nenhum efeito sobre a sociedade. N enhu­ ma punição que não seja ju sta e reta em si m esm a pode operar o bem na sociedade.

b) Apóia-se em falsos princípios filosóficos, tais como, que a utilidade é a base da obrigação moral; que a lei é uma expressão da vontade de Deus e não da sua natureza; que o fim da pena é impedir a comissão de ofensas; e que a retidão se resolve com a benevolência. H o d g e , Syst. Theology, 2.573-581; 3.188, 189 - “Porque Deus receber como satisfação aquilo que na realidade não é, é o mesm o que dizer que não há realidade em coisa alguma. Deus pode tom ar a parte pelo todo, o erro por verdade, o errado por certo. Na verdade, a teoria nega a necessidade da obra de Cristo. Se cada coisa criada oferecida a Deus é tão digna da aceitação de Deus, então, o sangue dos touros e bodes pode tirar pecados e Cristo morreu em vão”. D o r n e r , Glaubenslehere, 2.570,571 (Doutrina Sistemática, 4.38-40) - “A cceptilatio implica que nada é bom e correto em si. Deus é indiferente ao bem e ao mal. O homem só pode estar com prom etido com a autoridade e com a força. Não há necessidade de punição ou de expiação. Seguem-se a doutrina das indulgências e a das obras supererrogatórias”.

c) Ignora e virtualmente nega que a santidade imanente de Deus de que a lei com suas penas ameaçadoras e a consciência humana com a sua demanda de punição são apenas reflexos finitos. Há algo atrás do governo; se a expia­ ção satisfaz o governo, deve ser porque satisfaz a justiça de Deus da qual o governo é uma expressão. Nenhum pecador profundam ente convicto sente que a sua controvérsia se dá com o governo. Arruinado e poluído, ele se sente em antagonismo com a pureza de um Deus pessoal. O governo não é maior nem menor do que Deus. O que lhe satisfaz deve satisfazer ao governo. É por isso que o peca­ dor ora: “Contra ti, contra ti, som ente pequei” (SI. 51.4); “Deus, sê propício a mim, pecador” (tradução literal de Lc. 18.13); propiciado através do sacrifício indicado por Deus, cuja fum aça sobe em seu favor enquanto ele ora” . No governo divino esta teoria não reconhece nenhum a constituição, mas só a determ inação legislativa; mesmo esta não se fundam enta em nenhuma necessidade da natureza de Deus, mas só no seu expediente ou na sua von­ tade arbitrária; a lei pode ser ab-rogada sim plesm ente por razões econôm i­ cas, se disso advier algum bem incidental. J. M. C a m p b e ll, Atonement, 81,144 - “Nenhum pecador consciente, em cujo espírito entraram os terrores da lei, jam ais pensou numa justiça de um reitor, mas na justiça absoluta, e só nela. ... Deste modo, a justiça de reitor pressupõe a absoluta e assim faz a mente

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retroceder; a idéia de uma expiação que satisfaz, embora não possa agir de outra forma, é uma ilusão” . A Teologia de N. W. T a y l o r se intitula “Governo M oral” , e a Teologia Siste­ mática de C. G. F in n e y é um tratado do Governo Moral apesar que ela o cha­ ma por um outro nome. Mas porque as idéias de governo na Nova Inglaterra não se baseavam suficientem ente na santidade de Deus, porém na utilidade, no expediente, ou na felicidade, a própria idéia de governo desapareceu da teologia da Nova Escola e os seus defensores quase de comum acordo par­ tiram para a teoria da Influência Moral da expiação que é apenas um socianismo modificado. Tanto a expiação de A ndover como a de Oberlin tornaram-se puram ente subjetivas. Por esta razão a teoria grociana ou Governamental perdeu seu apoio no mundo teológico e não precisa de muito espaço.

d) Faz ser uma apresentação da justiça o que não é um exercício dela; a expiação não é, segundo esta teoria, uma execução, mas uma apresentação da lei que assegurará o perdão aos que a violam. Tal representação meramente cênica pode inspirar respeito pela lei só na medida em que a irrealidade essen­ cial dela for insuspeita. Para ensinar que o pecado será punido, é preciso que haja punição. Potwin: “ É difícil perceber como a apresentação daquilo que o pecado m ere­ ce, mas não recebe, pode satisfazer a justiça” . O ponto de vista sociniano sobre Cristo como um exemplo de virtude é mais inteligível do que o grociano como exemplo de castigo. L y m a n A b b o t t : “Se eu pudesse pensar que Jesus sofreu e morreu para causar uma im pressão moral sobre mim, isto não produ­ ziria em mim tal impressão moral W il l ia m A s h m o r e : “Uma situação de tragé­ dia determ ina um hom icídio que faz a platéia chorar. Se Cristo não é em sentido algum substituto ou, se ele, com o pecador, que ele representa, não é co-responsável, então Deus e Cristo são participantes da tragédia real mais terrível que entenebreceu a história humana, som ente causando sobre os homens calorosa sensibilidade - um artifício de palco com o mesmo efeito” . A mãe finge chorar para induzir o filho a obedecer. Mas ele só o fará enquanto ele pensa que ela está magoada de verdade e o último estágio da criança é pior do que o primeiro. A expiação de Cristo não é uma encenação de paixão. O inferno não pode ser curado com homeopatia. O sacrifício no Calvário não é uma encenação dram ática do sofrim ento com vistas à produ­ ção de uma impressão moral sobre espectadores tocados pelo terror. É uma lição objetiva, somente por se tratar de uma realidade. Toda a justiça de Deus e todo o seu amor focalizam a cruz, de modo que ela ensina de Deus e a sua verdade mais do que todo o espaço e todo o tempo. J o h n M il t o n , Paradise Lost, livro 5, fala da “névoa, a glosa comum dos teólogos” . Tal névoa é a ficção legal pela qual o sofrim ento de Cristo ocupa o lugar da pena ditada pela lei, em bora não a seja. E. G. R o b in s o n : “A expiação não é um artifício, de sorte que, se alguém suporta uma certa cota de sofri­ mento, um certo número de outras situações pode estar quite relativamente a todas”. A misericórdia nunca frauda a justiça. Contudo, a teoria da Nova

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Escola sobre a expiação admite que Cristo fraudou a justiça por um ardil. Ela substitui a pena de Cristo a respeito do redimido e, a seguir, substitui algo pela pena de Cristo.

e)

A intensidade dos sofrimentos de Cristo no horto e na cruz é inexplicá­ vel com base na teoria de que a expiação foi uma apresentação histriônica da forma como Deus considera o seu governo e só pode explicar-se com base no ponto de vista de que Cristo, na verdade, suportou a ira de Deus contra o pecado humano. Cristo recusou o “vinho com m irra” (Mc. 15.23), para que pudesse até o fim te r plena posse das suas forças e não proferir nenhuma palavra a não ser as da verdade e sobriedade. O seu clam or de agonia, “Deus meu, Deus meu, por que me desam paraste?” (Mt. 27.46), não foi a produção de um im pensa­ do e delirante sofrim ento. Expressa o mais profundo sentido da crucificação. O entenebrecim ento dos céus foi tão som ente o sím bolo exterior do oculto sem blante de Deus para com aquele que “se fez pecado por nós” (2 Co. 5.21). No caso de Cristo, muito mais do que todos os outros, finis coronat, e as palavras da morte são imortais. “As línguas dos m oribundos produzem a aten­ ção como uma profunda harmonia; Quando as palavras mínguam, raramen­ te são gastas em vão porque elas expressam a verdade, sopram palavras de dor” . A m ulher pura enfrenta as palavras infames com muito mais que uma leve recusa. Ela se inflam a e se ira. SI. 97.10 - “Vós que amais o Senhor, aborre­ cei o mal”; Ef. 4.26 - “ Irai-vos e não pequeis” . Assim cabe à santidade de Deus não deixar o pecado sem castigo. Deus não apenas mostra ira, mas ele fica irado. É próprio da ira de Deus que enfrente o pecado e Cristo o faz quando ele é contado com os transgressores. A morte é o cálice que ele teve de beber (Mt. 20.22; Jo. 18.11) e que ele esgotou até o fim. M a s o n , Faith of Gospei, 196 - “ De todos homens só Jesus verdadeiram ente ‘provou a m orte’ (Hb. 2.9). Alguns homens são m uitíssim o estólidos e sem imaginação para prová-lo. Para os cristãos a amarga morte term inou porque Cristo morreu e ressuscitou. Mas para Jesus o seu terror ainda não dim inuiu. Ele ainda con­ serva resolutam ente as suas faculdades sãs até à profunda e terrível morte”. Por isso não podem os concordar com W e n d t ou com J o h n s o n nas cita­ ções seguintes. W e n d t, Teaching o f Jesus, 2.249,250 - “O abandono do Pai não foi absoluto, visto que Jesus ainda o chamou ‘Deus m eu’ (Mt. 27.46). Jesus sentiu a falta daquela energia do espírito que o sustentava e sim ples­ mente expressa o seu ardente desejo e oração para que Deus mais um a vez conceda o seu poder e assistência”. N. H. J o h n s o n , The H olyS pirit, 1 4 3 ,1 4 4 “ Não é necessário crer que Deus escondeu a sua face de Cristo no momento final. A única coisa necessária é adm itir que Cristo não via mais o rosto do Pai. ... Ele sentia que era assim, mas não o era” . Tais explicações tom am irreais os sofrim entos e palavras de Cristo e para a nossa mente são inconsis­ tentes tanto com a sua divindade como com a sua expiação.

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O verdadeiro poder da expiação sobre a consciência humana e sobre o coração deve-se, não à sua apresentação com respeito à lei de Deus, mas à sua apresentação de uma verdadeira execução da lei e uma verdadeira satisfação da santidade violada, satisfação esta cumprida por Cristo em lugar do pecador. f)

W h ito n , Gloria Patri, 143,144, reivindica que Cristo é a propiciação pelos nossos pecados apenas por trazer a paz à consciência e satisfazer à dem an­ da divina sentida por isso. W h it o n considera a expiação não como uma obra governamental exterior a nós, mas educacional dentro de nós. Ao lado da objeção que este ponto de vista levanta sobre a transcendência de Deus e a sua imanência, argum entam os com as palavras de M atthew Henry: “ Nada pode satisfazer uma consciência ofendida a não ser aquela que satisfaz um Deus ofendido” . C. J. B a ld w in : “A parte do lago que se expande não tem poder para movimentar-se; ela movimenta o moinho só quando contida na estreita corrente e se derram a sobre a queda. Do mesm o modo o amor de Deus move o homem só quando se concentra no sacrifício da cruz” .

g ) A teoria contradiz todas passagens da Escritura que representam a expia­ ção como necessária; como propiciando o próprio Deus; como sendo a revela­ ção da justiça de Deus; como sendo uma execução da pena da lei; como tor­ nando a salvação matéria de dívida do crente com base no que Cristo fez; como purificando verdadeiramente ao invés de tornar possível a purificação; como não simplesmente assegurando ao pecador que Deus pode agora perdoarlhe por aquilo que Cristo fez, mas que Cristo na verdade operou uma salvação completa e a fornece a todos que se chegam a ele. J o h n B u n y a n , O Peregrino, cap. vi - “Sobre esse lugar erguia-se uma cruz e, pouco abaixo, um sepulcro. Assim eu vi, no meu sonho, quando o Cristão subiu com a cruz, seu fardo rolou dos seus ombros e caiu das suas costas, e com eçou a desabar, e continuou até que atingiu a boca do sepulcro, dentro do qual entrou e não vi mais nada. Então o C ristão se alegrou, e se iluminou, e disse com o coração festivo: Através da sua tristeza ele me deu descanso, e com a sua morte deu-m e vida. Então, por um pouco de tempo, olhou e extasiou-se; porque lhe era bem surpreendente que o olhar para a cruz ali­ viou-lhe o fardo”. A narrativa de J o h n B u n y a n é mais verdadeira para a experiência do Cris­ tão que a teoria Governamental. O pecador encontra paz, não vindo a Deus com um distante respeito a Cristo, mas com a vinda direta ao “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo. 1.29). As palavras de Cristo a cada pecador consciente são sim plesm ente estas: “Vinde a mim” (Mt. 11.28). Com base no que Cristo fez, a salvação é assunto de dívida para o crente. 1 Jo. 1.9 - “Se confessarm os os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados” - fiel à sua prom essa, e justo para com Cristo. Por outro lado, a teoria Governamental, tende a dissuadir o acesso direto do pecador a

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Cristo, e tornar o cam inho para a aceitação consciente de Deus mais curta e mais certa. Quando O Panorama diz: “ Nem mesmo para o Filho de Deus devem os vir em lugar de virmos para Deus”, apenas vemos a clara negação da validade das dem andas e prom essas de Cristo, porque ele exige imediata submissão quando determ ina ao pecador que o siga, e prom ete salvação imediata quan­ do garante a todos os que vêm a ele que não os lançará fora. A teoria de Grócio é legal e especulativa, mas não tem base na Escritura, nem atende às necessidades da natureza humana.

4a) Teoria de Irv in g , o u da Depravação Gradualmente Extirpada. Sustenta que, na encarnação, Cristo tomou a natureza humana como se estivesse em Adão, não antes da queda, mas depois, natureza humana, portan­ to, com sua corrupção inata e predisposição para a moral má; que, não obstan­ te a posse dessa maculada e depravada natureza, Cristo, através do poder do Espírito Santo, ou de sua natureza divina, não só evitou que a sua natureza humana se manifestasse em qualquer pecado real e pessoal, mas gradualmen­ te purificou-a, através da luta e do sofrimento, até que, na sua morte, extirpou completamente sua depravação original e tomou a unir-se com Deus. Esta purificação subjetiva da natureza humana na pessoa de Jesus Cristo constitui a sua expiação, e os homens são salvos não por qualquer propiciação objeti­ va, mas somente por tomar-se participantes da nova humanidade de Cristo através da fé. Esta teoria foi elaborada por E d w a rd I r v in g , de Londres (1792-1834) e tem sido sustentada, em substância, por Menken e Dippel na Alemanha. Nisto I r v in g foi precedido de Felix de Urgela, Espanha (+818), a quem Alcuíno se opôs. Felix diz que o Logos se uniu à natureza humana sem anterior­ mente santificá-la. E d w a rd Irv in g , no início da sua vida colega do D r . C h a lm e rs , em Glasgow, nos seus últimos anos foi pregador da Igreja Nacional da Escó­ cia, em Londres. Os seguidores de I r v in g diferem na sua representação dos pontos de vis­ ta. Diz M i l l e r , Hist. A n d Doct. o f Irvingism, 1.85 - “Se, na verdade, fizemos Cristo pecador, então, na verdade, todos os credos estão no fim e não m ere­ cemos sofrer a morte dos blasfemos. ... A concepção m ilagrosa privou-o da pessoalidade humana, e privou-o tam bém do pecado original da culpa que precisa ser expiada por uma outra pessoa, mas não o privou da substância da carne e sangue pecam inosos; isto é, carne e sangue iguais aos de seus irmãos” . 2 .1 4 - Freer diz: “De sorte que, apesar de decaída a carne, o sangue que ele assumiu, através do Espírito Eterno, nasceu no mundo “o Santo” . 11-15, 282-305 - “A humanidade não decaída não necessitava de redenção; por isso, Jesus não a recebeu. A natureza de que ele tom ou parte era pecam i­ nosa como um todo, mas santíssim a na sua pessoa” .

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Deste modo, diz um tratado irvingiano, “sendo parte da própria nature­ za que tinha incorrido na pena do pecado, embora em sua pessoa nunca o tivesse cometido, ou mesmo pensado nisso, parte da humanidade comum podia sofrer essa pena e, na verdade sofreu, para expiar essa natureza ape­ sar de que aquele que a tom ou não conheceu pecado”. Dr. Curry, citado por M c L in t o c k e S t r o n g , Encyclopaedia, 4.663, 664 - “Deus entrou em união vital com a humanidade decaída sob a lei. O último pensam ento levou, no modo realístico de I r v in g , a noção da participação no caráter decaído da hum anida­ de, que ele designou através dos term os que im plicavam pecaminosidade real em Cristo. Ele tentou desem baraçar-se da odiosidade dessa idéia, dizen­ do que esta foi subjugada e há muito expulsa pelo Deus que nela habitava” . Devemos considerar os mais tardios expositores da doutrina de Ir v in g , como tendo abrandado, senão expurgado, sua principal caraterística como m ostra a citação das próprias palavras de I r v in g {Works, 5.115) - “Torna-se m anifesto que C risto assum iu a nossa natureza decaída porque não há nenhuma outra a ser recebida como existente. 123 - “A natureza humana é totalm ente decaída; a sua sim ples aceitação pelo Filho não a torna santa”. 128 - “A sua alma pranteou, e magoou-se, e orou a Deus continuam ente pela sua libertação da morte, da corrupção, e da tentação que ele sentiu no tabernáculo da sua carne” . 152 - “Estes sofrim entos vieram, não simplesm ente por atribuição, mas por real participação do elemento pecaminoso e amaldi­ çoado” . Ir v in g freqüentem ente citava Hb. 2.10 - “aperfeiçoasse, por meio de sofrim entos, o Autor da salvação deles”. Os seguidores de Ir v in g negam a pecam inosidade de Cristo, admitindo que apenas a enferm idade inata e as tendências congênitas não são pecado; a saber, que nenhuma depravação inata deve ser cham ada de pecado, mas só a transgressão real. A nosso juízo, I r v in g com justiça foi acusado de afir­ mar a pecaminosidade da natureza humana de Cristo e com base nessa acusa­ ção foi deposto pelo presbitério da Escócia. I r v in g possuía uma estatura imponente, uma voz poderosa, e uma oratória natural e elegante. Era amante do estilo antigo e grandioso. Em Londres, durante algum tem po ele foi a gran­ de sensação popular. Porém, pouco depois do começo da sua nova igreja em R egenfs Square em 1827, ele achou que a moda desapareceu e a sua igreja não mais ficava cheia. Concluiu que o mundo estava sob o reinado de Sata­ nás; tornou-se um milenista fanático; entregou-se inteiram ente ao estudo da profecia. Em 1830 ele pensava que os dons apostólicos reviveram; sustenta­ va a esperança de uma restauração da igreja prim itiva embora ele mesmo estivesse relegado a uma posição subordinada. Esgotou as suas energias e morreu aos quarenta e dois anos. “Se eu tivesse me casado com Ir v in g ” , disse a Sra. Thom as Carlyle, “não teria havido mais línguas”. Ir v in g era homem de comando, de voz poderosa e de oratória natural e graciosa. Ele amava a antigüidade e a grandeza. Mas logo após a abertura de sua nova igreja na R e je u fs Square em 1827, ele descobriu que a m oda havia passado e que sua igreja não mais lotava. Ele concluiu que o mundo estava sob o reino de Satanás; e tornou-se um m ilenarista fanático; e entregou-se com pletam ente ao estudo da profecia. Em 1830 ele achou que os dons dos apóstolos haviam se reavivado e manteve a esperança da restauração da igreja primitiva.

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A esta teoria apresentamos as seguintes objeções: a ) Apesar de abranger um importante elemento de verdade, a saber, o fato da nova humanidade em Cristo, da qual todos que crêem se tornam participan­ tes, é acusável de sério erro negando a expiação objetiva que torna possível a aplicação subjetiva. B r u c e , em sua Hum iliation o f Christ, cham a esta teoria de “ redenção por am ostragem ” . É uma expiação que I r v in g tem em sua mente puram ente sub­ jetiva. O livram ento do pecado, a fim de libertar da pena, é o reverso exato da ordem da Escritura. Contudo, este livram ento do pecado, no ponto de vista de Ir v in g , deve estar assegurado de um modo exterior e mecânico. Ele sustenta que é a econom ia do Velho Testamento que deve perm anecer enquanto a do Novo deve passar. Isto é um sacram entalism o, ou dependência de um rito exterior, ao invés de uma graça interior, essencial à salvação. Os seguidores de I r v in g são sacram entalistas. Eles consideram o crucifixo e as velas, o incenso e as vestes magníficas, o ritual altam ente com plicado e simbólico, como acessórios necessários à religião. Sentem a necessidade de uma auto­ ridade exterior, visível e perm anente, mas que se apóia na inspiração e con­ tínuo auxílio sobrenatural. Eles não acham, como os católicos, a sua autori­ dade no papa; acham -na nos novos apóstolos e profetas. A igreja nunca pode ser renovada, como pensam eles, a não ser pela restauração de todas as ordens ministrantes mencionadas em Ef. 4.11 - “apóstolos ... p ro fe ta s ... evan­ gelistas ... pastores ... ensinadores” . Porém a marca do apóstolo do N. T. é o aparecim ento de Cristo para ele. Os apóstolos de I r v in g não resistem a este teste.

b) Baseia-se em falsos princípios fundamentais, como, de que a lei é idên­ tica à ordem natural do universo e, como tal, é uma exaustiva expressão da vontade e da natureza de Deus; que o pecado é apenas uma força do mal moral dentro da alma ao invés de também envolver uma culpa objetiva e desertar da punição; que a pena é mera reação da lei contra o transgressor ao invés de ser também a revelação de uma ira pessoal contra o pecado; que a mancha do mal da natureza humana pode ser extirpada pelo sofrimento das suas conseqüên­ cias naturais, pena que deste modo reforma o transgressor. D o r n e r , Glaubenslehre, 2.463 (Doutrina Sistemática, 3.361,362) - “Na teo­ ria de Ir v in g , as inclinações más não são pecaminosas. A pecam inosidade só tem a ver com os atos maus. As conexões soltas entre o Logos e a hum anida­ de tem um sabor de nestorianismo. É obra da pessoa desem baraçar-se de algo na hum anidade que não a torna pecaminosa. Se a pecam inosidade da natureza de Jesus não tornou a sua pessoa pecadora, o mesm o ocorre conosco; o que é um elemento pelagiano, revelado tam bém na negação de que, para a nossa redenção, precisam os de Cristo como um sacrifício expia­ tório. Para que a encarnação de Cristo seja completa, não é necessário que

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ele assuma a natureza pecaminosa, a não ser que o pecado seja essencial à natureza humana. No ponto de vista de Ir v in g , a m orte do corpo de Cristo opera a regeneração da sua natureza pecaminosa. Mas isto significa fazer do pecado uma coisa sim plesm ente física e o corpo a única parte do homem que necessita da redenção” . Deste modo, a pena se tornaria reformadora e a morte salvadora. I r v in g sustenta que há dois tipos de pecado: 1. o pecado sem culpa; 2. o pecado culposo. A depravação passiva não é culposa; é parte da natureza sensível do homem; sem ela não seriam os humanos. Mas a partir do momen­ to em que esta natureza decaída se expressa em atos, torna-se culposa. Ir v in g , quase no fim da sua vida, defende um tipo de perfeição sem pecado; porque desde que ele conserva esta natureza pecam inosa inativa, e seja gui­ ado pelo Espírito Santo, ele está livre do pecado e da culpa. Cristo tomou o seu pecado passivo, para ser sem elhante aos seus irmãos e capaz de sofrer.

c) Contradiz as representações expressas e implícitas da Escritura com relação ao fato de Cristo estar livre de toda mancha da depravação hereditária; falsa representação da sua vida como uma crescente consciência da subjacen­ te corrupção de sua natureza humana, que culminou com o Getsêmani e com o Calvário; e nega a verdade de suas próprias afirmações quando declara que ele deve ter morrido por causa da sua própria depravação apesar de que nin­ guém seria salvo por ela. “Sustentarei até à m orte” , dizia Ir v in g , “que a carne de Cristo era tão rebel­ de como a nossa, tão decaída como a nossa. ... A natureza humana era cor­ rupta até o cerne e tenebrosa como o inferno, e esta é a natureza humana que o Filho de Deus tom ou sobre si e de que se revestiu” . O libertador deve estar tão fundo no lodaçal como aquele que ele liberta. Não há nenhuma substituição. Cristo em preendeu uma guerra contra o pecado da sua própria carne e o expeliu. A sua glória não está em salvar os outros, mas em salvarse a si mesmo e deste modo dem onstrar o poder do homem através do Espí­ rito Santo para expulsar o pecado do seu coração e da sua vida. I r v in g sus­ tenta que a sua teoria é a única ensinada na Escritura e sustentada desde o princípio pela igreja. N ic o l l , Life o f Christ, 1 8 3 - “Todos os outros, quando crescem em santida­ de, crescem no seu senso de pecado. Mas quando Cristo é desamparado pelo Pai, pergunta: ‘Por que?’ bem sabendo que a razão não está no seu pecado. Ele nunca faz confissão de pecado. O prefácio da sua mais longa oração é uma afirm ativa de justiça; ‘Eu te glorifiquei’ (Jo. 1 7 . 4 ) . O seu último pronunciam ento na cruz é uma citação de SI. 3 1 .5 - “ Pai, nas tuas mão entre­ go o meu espírito’ (Lc. 2 3 . 4 6 ) , mas ele não acrescenta, como o salmo, ‘tu me redimiste, ó Deus da verdade’, porque ele não necessitava de redenção, mas ele mesmo é o Redentor”.

d ) Faz a obediência ativa de Cristo e a purificação subjetiva de sua nature­ za humana ser a principal caraterística da sua obra enquanto as Escrituras

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fazem a sua morte e procedimento passivo da pena o centro de tudo e sempre o consideram como alguém que é pessoalmente puro e que, vicário, suporta a punição da culpa. Na teoria de I r v in g não existe atribuição, representação, ou substituição. A sua única idéia de sacrifício é que o próprio pecado será sacrificado, ou aniquilado. As muitas teorias subjetivas sobre a expiação mostram que a ofensa da cruz não cessou (Gl. 5.11 - “Logo, o escândalo da cruz está aniqui­ lado”). O Cristo crucificado é ainda um escândalo para a especulação m oder­ na. Contudo, é, como nos tem pos antigos, “poder de Deus para a salvação” (Rm. 1.16; cf. 1 Co. 1.23,24 - “pregam os a Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregam os a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus”). Como o oceano recebe as im purezas dos rios e as purifica, do mesmo modo I r v in g representa C risto com o recebendo para si as im purezas da humanidade e purificando dos pecados a raça. Aqui está o sentido da conta­ minação, mas não o sentido da culpa; a poluição subjetiva, mas não a conde­ nação objetiva. Assum im os precisam ente a base oposta à de Ir v in g , a saber, de que Cristo tem a depravação hereditária, mas a culpa hereditária; que ele tinha a obrigação de sofrer pelos pecados da raça à qual ele historicamente se uniu e da qual ele foi o criador, o sustentador e a vida. Ele “se fez pecado por nós” (2 Co. 5.21), não no sentido de um contam inado, como pensava I r v in g , mas no sentido de alguém condenado a levar as nossas iniqüidades e sofrer as conseqüências penais. O teste de uma teoria de expiação, como o teste de uma religião, é o seu poder de “lim par a mão verm elha direita” da Lady Macbeth; a saber, o seu poder de satisfazer a justiça divina da qual a nossa consciência condenadora é apenas um reflexo. A teoria de I r v in g não tem tal poder. O D r . E. G. R o b in s o n inclinou-se para o ponto de vista de Ir v in g , quando este defendeu que “Cristo assum iu a natureza humana quando a encontrou” .

e) Ela necessita a rendição da doutrina da justificação simplesmente como um ato declaratório de Deus; e requer tal ponto de vista da santidade divina expresso só através da ordem da natureza como só pode ser sustentado com base nos princípios do panteísmo. Tomás de A quino inquiriu se C risto foi m orto por si mesmo, ou por um outro. A pergunta sugere uma outra m aior - se Deus constituiu outras forças além das suas próprias, pessoais ou im pessoais, no universo, além das que ele tem na sua transcendência; ou se toda a sua atividade surge da ativida­ de da criatura e se identifica com ela. A teoria de uma expiação sim ples­ mente subjetiva é mais consistente com este últim o ponto de vista do que com aquele.

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5a) A Teoria Anselmiana da Expiação ou Comercial. Esta teoria sustenta que o pecado é uma violação da honra ou majestade divina e, cometido contra um ser infinito, merece uma punição infinita; que a majestade de Deus requer que ele execute a punição enquanto o amor de Deus pleiteia a dispensa da culpa; que este conflito dos atributos divinos é reconci­ liado eternamente pelo sacrifício voluntário do Deus-homem, que em virtude da dignidade da sua pessoa, suporta a punição infinita do pecado, que de outra forma os pecadores sofreriam extensa e eternamente; que este sofrimento do Deus-homem apresenta à majestade um equivalente exato dos merecidos sofrimentos dos eleitos; e que, como resultado desta satisfação das reivindica­ ções divinas, os eleitos pecadores são perdoados e regenerados. Este ponto de vista foi a princípio abordado por A n selm o de Cantuária (1033-1109) como substituto para o mais antigo ponto de vista patrístico de que a morte de Cristo foi um resgate pago a Satanás para libertar os pecadores do seu poder. É sus­ tentado por muitos teólogos escoceses e nos Estados Unidos pela Escola de P rin c eto n .

A velha teoria patrística, que a anselm iana suplantou, foi cham ada de teoria militar da Expiação. Satanás, do mesmo modo que o aprisionador na guerra, tem direito sobre os seus cativos, que podiam ser vendidos só m edi­ ante o pagam ento de resgate. É Justino, o Mártir, quem primeiro propõe este ponto de vista do pagamento de resgate a Satanás. Gregório de Nissa acres­ centa que a humanidade de Cristo é a isca com que Satanás foi atraído para esconder o anzol da divindade de Cristo e, deste modo, ser apanhado pelo artífice. P e d r o L o m b a rd o , Quatro Livros de S entenças, 3.19 - “O que fez o nosso aprisionador? Sustentou para ele a sua cruz como uma ratoeira; nela pôs como isca o seu sangue” . Até mesmo Lutero com para Satanás com o crocodilo que engole o icnêumon só por achar que o anim alejo devora o que está dentro dele. Estas metáforas mostram isto, ao menos, que, em nenhuma época, a igreja creu numa expiação meramente subjetiva. Nem esta relação com Satanás foi o único aspecto em que a expiação foi considerada mesm o pela igreja primi­ tiva. Num período tão antigo como o quarto século, encontram os um grande Pai da igreja que sustentava que a verdade e a bondade de Deus requereram a morte de Cristo. UerCRiPPEN, H istory o f Christian D octrine, 129 - “Atanásio (325-373) sustenta que a morte de Cristo é o pagam ento de uma dívida para com Deus. Em resumo, o seu argum ento é: Deus, tendo am eaçado de morte como punição do pecado, não seria verdadeiro se não cumprisse a sua amea­ ça. Mas seria igualmente indigno a bondade divina perm itir que seres racio­ nais, aos quais ele deu o seu próprio Espírito, incorressem nesta morte como conseqüência de uma imposição praticada sobre eles pelo diabo. Vendo, então, que nada, a não ser a morte, poderia resolver este dilema, o Verbo, que não podia morrer, assumiu o corpo mortal e, oferecendo a sua natureza humana em sacrifício por todos, cumpriu a lei através da sua m orte” . Gregório Nazian-

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zeno (390) “reteve a figura de um resgate, mas, percebendo claram ente que a analogia é incompleta, explica a morte de Cristo como um expediente para harm onizar os atributos divinos” . Porém, em bora muitos teólogos tenham reconhecido uma relação da ex­ piação com Deus, nenhum antes de A n s e lm o deu qualquer explicação clara da natureza de tal relação. O agudo, breve e belo tratado intitulado “C ur Deus Homo” (Por que Deus Homem?) constitui a maior contribuição para a discus­ são desta doutrina. Ele mostra que “o que quer que o homem deva, deve-o a Deus, não ao diabo. ... Aquele que não presta a devida honra a Deus retira dele o que lhe pertence e o desonra; e isto é pecado. ... é necessário que ou a honra roubada lhe seja restaurada, ou que se siga o castigo”. Em virtude do seu pecado original, o homem não pode prestar satisfação à desonra com eti­ da contra Deus; “pecador não pode ju stificar pecador” . Nem um anjo pode prestar esta satisfação. Ninguém pode fazê-lo a não ser Deus. “Se, pois, nin­ guém pode fazê-lo senão Deus, e ninguém deve fazê-lo senão o homem, deve ser operado da parte de Deus e feito através do hom em ” . O Deushomem, para efetuar a satisfação dos pecados de toda a humanidade, deve “dar de si mesmo a Deus algo mais valioso do que tudo o que está abaixo de Deus”. Essa dádiva de valor infinito é a sua morte. A recom pensa do seu sacrifício torna-se em vantagem para o homem e, deste modo, harmonizamse a justiça e o am or de Deus.

A esta teoria fazemos a seguintes objeções: a) Conquanto contenha um valioso elemento de verdade, em sua represen­ tação da expiação, satisfazendo um princípio da natureza divina, concebe este princípio de maneira muito formal e externa, fazendo a idéia da honra divina e majestade mais proeminente que a da santidade divina na qual a honra e majestade divinas se baseiam. Esta tem sido cham ada de “Teoria C rim inal” de Expiação, como a antiga teoria patrística do resgate pago a Satanás tem sido cham ada de “Teoria Militar”. Tem sua origem num tem po quando prevaleciam idéias exageradas sobre a autoridade dos papas e dos imperadores e a desonra da majestade deles (crim en lesae majestatis) era a m aior ofensa conhecida na lei. A l le n , Jonathan Edwards, 88,89 - “Do ponto de vista da soberania, não há necessidade de expiação. No m aom etanism o, onde a soberania é o suprem o e único princípio teológico, não se sente necessidade alguma d e satisfazer a justiça divina. Deus pode perdoar quem ele quiser; a soberana vontade pode ditar em quaisquer bases. Por isso ela constitui um grande avanço na teologia latina assim como uma evidência da sua imensuráve' su­ perioridade com relação ao m aom etanism o quando, pela primeira v e z , A n s e l­ mo, de modo claro e enfático afirmou uma necessidade interior n o ser d iv in o de que a justiça seja satisfeita pela afronta da pecam inosidade humana con­ tra ela” . H e n r y G e o r g e , Progress and Poverty, 481 - “Nos d ia s d o fe u d a lis m o , p e n ­ sava-se que o céu era organizado em base feudal e q u e a p r im e ir a e s e g u n d a

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pessoas da Trindade eram suseranas como com andantes em chefe” . W illia m Varieties o f Religious Experíence, 329,830 - “O tipo monárquico de soberania era, por exemplo, tão firm em ente plantado na mente dos nossos pais que a sua im aginação requereu uma dose de crueldade e arbitrariedade no seu Deus. Chamavam a crueldade de ‘justiça retributiva’ e, sem ela, indu­ bitavelmente Deus não as teria abatido. Hoje, porém, detestam os a própria noção de sofrim ento eterno; e este tratam ento arbitrário da salvação e da perdição seletiva de indivíduos, de que J o n a th a n E d w a r d s poderia persuadirse não só da sua própria convicção, mas uma ‘convicção prazerosa’, como a doutrina ‘do grande prazer, do brilho e da doçura’ parece-nos, senão algo soberana, irracional e fraca” . Jam es,

b) Em sua ânsia de manter a eficácia da expiação de Cristo uma obediência passiva, a obediência ativa, perfeitamente expressa na Escritura, tem insufi­ ciente ênfase e quase se perde de vista. Sozinhas, nem a obediência ativa de Cristo, nem a sua paixão obediente podem salvar-nos. Como verem os mais adiante em nosso exame da doutrina da justificação, esta era necessária como base sobre a qual a nossa pena pode ser remida; aquela como base sobre a qual podem os ser admitidos ao favor divino. Calvino refletia o elemento passivo no ponto de vista de A n s e lm o nas seguintes passagens da Instituição Cristã; II, 17.3 - “ Deus, para quem nós éramos detestáveis por causa do pecado, foi aplacado pela morte do seu Filho e se fez propício a nós” . ... II, 16.7 - “ É necessário considerar como ele mesmo substituiu a fim de pagar o preço da redenção. A morte nos pôs sob o seu jugo, mas ele, em nosso lugar, libertou a si mesm o em seu poder para isentar-nos daquele jugo” . ... II, 16.2 - “Cristo interpôs e levou o que, pelo justo juízo de Deus, am eaçava os pecadores; com o seu próprio sangue expiou o pecado que os tornava detestáveis a Deus; através desta expiação satisfez e propiciou devidam ente o Pai; por esta intercessão aplacou a sua ira; baseado nisto, estabeleceu a paz entre Deus e os homens; e por este laço garantiu-lhes a benevolência divina” . Tem-se dito que A n s e lm o considera a morte de Cristo não como uma puni­ ção vicária, mas como um sacrifício voluntário por cuja com pensação a culpa foi retirada e justificada. Deste modo N e a n d e r , Hist. Christ. D ogm as (Bohn), 2.517, entende que A n s e lm o ensina “a necessidade de uma satisfactio viçaria activa” , e diz: “ Não encontram os nos seus escritos a doutrina de uma satis­ factio passiva; em lugar nenhum ele diz que Cristo suportou a punição dos homens” . S h e d d , História da Doutrina Cristã, 2.282, julga que isto é um falso entendim ento de A n s e lm o . A Encyclopaedia B ritannica segue o ponto de vista de S h e d d quando fala dos sofrim entos de Cristo como uma pena: “ A justiça do homem demanda satisfação; e, como um insulto à honra infinita, a satisfação deve ser infinita, /.e., deve descarregar tudo o que não é de Deus. Tal pena só pode ser paga pelo próprio Deus e, como no caso do homem, a pena deve ser paga na form a de hom em . A s atisfação só é possível através do Deushomem. Ora, este Deus-homem, sem pecado, é isento da punição do peca­ do; por isso a sua paixão é voluntária, não dada por obrigação. Por isso, o

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mérito dela é infinito; deste modo aplaca-se a justiça de Deus e a sua miseri­ córdia se estende ao hom em ”. Para A n s e lm o a verdade parece que a obedi­ ência de Cristo é passiva ao satisfazer a justiça de Deus suportando o castigo que o pecador merece; mas ao mesmo tem po ele sustenta que a obediência de Cristo é ativa, pelo fato de que ele suportou a pena voluntariam ente quan­ do não tinha obrigação alguma de fazer isto. S h e d d , Dogm. Theology, 2.431, 461, 462 - “Cristo não só sofreu a pena, mas obedeceu o preceito da lei. Neste caso, a lei e a justiça cumprem tudo o que lhes é devido. Mas, quando o perdido sofre sozinho a pena, mas não obedece o preceito, defrauda-se a lei numa parte dos seus deveres. Não há obediência com pleta da lei, se som ente se suporta a pena. ... Conseqüente­ mente o pecador nunca pode satisfazer com pleta e exaustivam ente a lei divi­ na, por mais que ele sofra, porque ele não pode de uma vez e sim ultanea­ mente suportar a pena e obedecer o preceito. Ele deve ‘dez mil talentos’ e não tem ‘com que pagar’ (Mt. 18.24,25). Mas Cristo o fez e por isso ele ‘engrandeceu-o pela lei e o fez grandioso’ (Is. 42.21, num grau infinitamente mais elevado do que toda a fam ília humana poderia ter feito se todos sofres­ sem pelos seus pecados”.

c) Permite um peso desproporcional às passagens da Escritura que repre­ sentam a expiação sob analogias comerciais, como o pagamento de dívida ou resgate, para a exclusão daqueles que a descrevem como um fato ético, cujo valor deve ser estimado não quantitativamente, mas qualitativamente. M i l t o n , Paradise Lost, 3.209-213 - “Morra ele, ou a justiça, a não ser que por ele morra um outro, capaz e de livre vontade, e pague a rígida satisfação: morte por morte” . O principal texto sobre o qual se apóiam os defensores da teoria Comercial é Mt. 20.28 - “dar a sua vida em resgate de muitos”. P f le id e r e r , Philos. Religion, 1.257 - “ A obra de Cristo, do modo em que A n s e lm o a cons­ truiu, não é nada mais que o protótipo da execução e satisfação meritórias da parte dos santos da igreja e, por isso, do ponto de vista da igreja medieval, é um pensam ento logicam ente perfeito. O mais notável é que as igrejas da Reforma podiam estar satisfeitas com esta teoria não obstante a completa contradição com a sua mais profunda consciência moral. Se, segundo os prin­ cípios protestantes gerais, não há obras meritórias supererrogatórias, então é de se supor que elas não sejam aceitas nem no caso de Jesus” . E. G. R o b in s o n , Christian Theology, 258 - “Abelardo rejeitou a teoria ansel­ miana por basear a expiação na justiça em vez de baseá-la na benevolência e por considerar insuficiente o poder dos sofrim entos e morte de Cristo na busca de uma mudança subjetiva no hom em ” . Enciclopédia Britânica, 2.93 (art. A n s e lm o ) - “ Esta teoria exerceu enorme influência na form a da doutrina da igreja. É sem dúvida um avanço na teoria da antiga patrística até onde ela substitui por uma com petição entre Deus e Satanás, com petição entre a bon­ dade e a justiça de Deus; mas coloca a relação toda em base simplesm ente legal, não dá nenhuma direção ética nem reconhece que a consciência do indivíduo deve ser redimida. A respeito disto contrasta desfavoravelmente mais tarde com a teoria de A belardo” .

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d) Representa a expiação como tendo referência só com o eleito e ignora as declarações da Escritura de que Cristo morreu por todos. Como A g o s tin h o , A n s e lm o limita a expiação aos eleitos. Contudo, Leão, o Grande, em 461, afirmou que “Tão precioso é o derram am ento do sangue de Cristo pelo injusto, que, se todo o universo de cativos cresse no Redentor, não haveria cadeia do diabo que pudesse contê-lo” (C rip p e n , 132). O Bispo Gailor, da Igreja Episcopal, ouviu o general Booth em M em phis d ize re m 1903: “Amigos, Jesus derramou o seu sangue para pagar o preço, e comprou da parte de Deus a salvação suficiente para rodear o mundo” . O Bispo diz: “Senti que este ponto de vista da salvação é diferente do meu. Contudo, tal ensino, parcial como é, eleva os homens aos milhares, do lodo e do vício do pecado para o poder e pureza da nova vida em Jesus C risto” . F o s t e r , Christiart Life and Theology, 221 - “Anselm o não estabelece uma clara conexão entre a morte de Cristo e a punição do pecado, visto que ele faz a obra supererrogatória voluntária e, conseqüentem ente ‘é natural’ que o perdão seja dado aos pecadores. C ontudo a sua teoria serve para transm itir aos teólogos posteriores a grande idéia da expiação objetiva” .

e) Tem o defeito de sustentar uma transferência meramente externa da obra de Cristo enquanto não estabelece claramente a base interna de tal transferên­ cia na união do crente com Cristo. T o m á s d e A q u in o forneceu este suplem ento necessário, a saber, a doutrina da União do Crente com Cristo, Summa, pars 3, quaes. 8. A teoria anselmiana é de tendência romanista, como a teoria a ser m encionada a seguir é de tendência protestante. P. S . M o x o m afirm a que a salvação não é por substitui­ ção, mas que a substituição é por incorporação. Preferim os dizer que a salva­ ção é por substituição, mas esta é por incorporação. Incorporação envolve substituição e a dor de um outro aplica-se a mim. Sendo incorporado à huma­ nidade, tudo a que a humanidade está exposta e todas as suas tendências recaem sobre Cristo. S im o n , Reconciliação através da Encarnação, tenta unir os dois elementos da doutrina. L id g e tt, Spir. Prin. ofAtonement, 132-189- “Anselmo representa a morte de Cristo não como nossa em qualquer sentido em que podemos entrar. B u s h n e ll, com precisão afirma que ela não tem nenhuma dinâm ica moral na Cruz”.

6a)Teoria Ética da Expiação. Ao propor o que podemos conceber como sendo a verdadeira teoria da expiação, parece desejável dividir nosso enfoque em duas partes. Nenhuma teoria pode ser satisfatória se não fornecer uma solução para os dois proble­ mas: 1. O que a expiação cumpriu? ou, em outras palavras, qual foi o objetivo da morte de Cristo? A resposta a esta pergunta deve ser uma descrição da expiação na sua relação com a santidade de Deus. 2. Qual o meio utilizado?

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ou, em outras palavras, como poderia, com justiça, Cristo morrer? A resposta a esta pergunta deve ser uma descrição da expiação surgindo da relação de Cristo com a humanidade. Ocupar-nos-emos destas duas partes do assunto seguindo uma ordem. E d w a rd s , Works, 1.609, diz que duas coisas fizeram dos sofrim entos de Cristo uma satisfação pela culpa humana: 1) sua igualdade e equivalência à punição do merecimento do pecador; 2) a união entre Cristo e o merecimento e a propriedade do seu ser aceito, no sofrim ento, com o representante do pecador. Cristo suportou a ira de Deus: 1) à vista do pecado e do castigo; 2) suportando os efeitos da ira ordenada por Deus. Estas afirm ativas de E d w a r ­ d s sugerem dois pontos de vista a partir dos quais consideram os a expiação; mas eles resumem declarações da Escritura que não afirmam distintamente a resistência ao sofrim ento da pena propriam ente dita. Deste modo eles abrem caminho para as teorias da Nova Escola sobre a expiação, propostas pelos sucessores de E d w a rd s . Adolphe Monod, com propriedade, diz: “S alve prim eiro a lei santa de Deus; depois disto salve-m e” . E d w a r d s sentiu a prim eira destas necessidades, pois ele diz em seus M istérios da Escritura, Works, 3.542 - “A necessidade da satisfação de Cristo a respeito da justiça divina é como se fosse o centro e elo de todas as doutrinas da revelação pura. As outras doutrinas são relativa­ mente de pouca im portância a não ser que se relacionem com esta” . E em sua Obra da Redenção, 1.412 - “Cristo nasceu com a finalidade para a qual morreu; por isso ele começou a m orrer logo que nasceu” . Ver Jo. 12.32,33 “ E eu, quando fo r levantado da terra, todos atrairei a mim. Mas ele dizia isso significando com que morte havia de m orrer” . Cristo “foi levantado”; 1. como propiciação à santidade de Deus, que faz o sofrim ento seguir-se ao pecado, fornecendo, deste modo, a única base para o perdão exterior e a paz interior; 2. como um poder de purificar os corações e vidas dos homens, Jesus é “a serpente levantada no deserto” (Jo. 3.14), e nós vencem os “por causa do sangue do Cordeiro” (Ap. 12.11).

Prim eiro: A Expiação relacionada com a santidade em Deus. A teoria Ética sustenta que a necessidade da expiação se baseia na santida­ de de Deus, da qual a consciência do homem é reflexo finito. Há um princípio ético na natureza divina, que exige que o pecado seja punido. Afora os seus resultados, o pecado presta essencialmente um desserviço. Como nós, que fomos feitos à imagem de Deus, marcamos nosso crescimento na pureza atra­ vés da crescente presteza com que detectamos a impureza e a crescente aver­ são para com ela, assim a infinita pureza é um fogo consumidor de toda a iniqüidade. Como há uma exigência ética em nossa natureza de que não só a iniqüidade dos outros, mas também a nossa, seja visitada com a punição e uma consciência aguçada não pode descansar até que tenha satisfeito a justiça

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para com os seus maus atos, assim há uma exigência ética da natureza de Deus de que a pena se siga ao pecado. A santidade de Deus tem como suas correlatas e conseqüências a cons­ ciência e a pena. G o r d o n , C hrist o f Today, 216 - “Na antiga Atenas, a rocha sobre cujo topo sentava-se o Tribunal do Areópago, representando a mais elevada razão e o m elhor caráter do Estado Ateniense, tinha sob si a Caverna das F úrias” . S h a k e s p e a r e co n h e cia a n a tu re za hum ana e testem unhava da necessidade da expiação. Em sua últim a Vontade e Testamento escreve: “Em primeiro lugar encom endo a m inha alma às mãos de Deus, meu Criador, esperando e crendo firm em ente, nos méritos de Cristo Jesus meu Salvador, para tornar-m e participante da vida eterna” . Ricardo III, 1 .4 - “Determino-vos, na esperança de ter a redenção pelo sangue precioso de Cristo derramado por nossos pecados, que vos retireis e não ponhais a mão em mim” . Ricardo II, 4.1 - “O Resgate do mundo, bendito Filho de Maria” . Henrique IV, 2- parte, 3.2 - “Aquele terrível Rei tom ou sobre si o nosso estado para livrar-nos da maldição da ira do Pai. Henrique VI, 1§ parte 1.1 “Aqueles campos santos sobre cujos solos andaram os benditos pés que, há catorze séculos em nos­ so benefício foram cravados na amarga C ruz” . M edida sobre Medida, 2.2 “Por que todas as almas que há foram esquecidas de uma vez; e ele podia com grande vantagem ter rejeitado o rem édio” . Henrique VI, 2a parte, 1.1 “Ora, por que a morte daquele que morreu por todos” ! Vai Bem Tudo que Termina Bem, 3.4 - “Que anjo abençoará aquele indigno esposo? Ele não pode prosperar a não ser que as orações daquela de quem os céus se delei­ tam em ouvir e que gosta de admitir, o afaste da ira da maior justiça”.

A punição é a reação constitucional do ser de Deus contra o mal moral - a auto-afirmação da santidade infinita contra seu antagonista que seria seu des­ truidor. Em Deus esta demanda é desprovida de toda paixão e é consistente com a infinita benevolência. É uma demanda de que não se pode escapar, visto que a santidade de que brota é imutável. Portanto, a expiação é uma satisfação da exigência ética da natureza divina pela substituição dos sofri­ mentos penais de Cristo para a punição da culpa. John W essel, reform ador antes da Reform a (1419-1489): “Ipso deus, ipse sacerdos, ipse hostia, pro se, de se, sibi satisfecit” = “Ele mesmo, ao mesmo tem po Deus, sacerdote e vítim a sacrificial, satisfez-se a si mesmo, em favor de si mesmo [i.e. pelos pecados dos homens aos quais se uniu] e através de si mesmo [pelos seus próprios sofrim entos, não tendo pecado”.Os Emblemas de Quarles (Francisco Quarles): “Ó profundidades sem fim! Ó ilimitado amor! Morre o que sofre as ofensas, para libertar os ofensores” ! S p u r g e o n , Autobiography, 1.98 - “Quando nas mãos do Espírito Santo, sob a convicção do pecado, tive claro e agudo senso da justiça de Deus. O que quer que seja para as outras pessoas, o pecado tornou-se para mim um fardo intolerável. Não é que eu sentisse tanto o inferno, como sentia o

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pecado e sempre tive em mente a preocupação de honrar o nome de Deus e a integridade moral do seu governo. Senti que ela não satisfaz a minha cons­ ciência se, injustamente, eu vier a cair no esquecim ento. Veio, então, a per­ gunta: ‘Como pode Deus ser justo e ainda justificar-m e a mim que tenho sido tão culpado’? ... A doutrina da expiação é, na minha mente, uma das mais seguras provas da inspiração da Escritura Sagrada. Quem pensaria ou pode­ ria pensar no justo Governante”?

Esta substituição é desconhecida da mera lei e está acima e além dos pode­ res da lei. É uma operação da graça. Contudo, a graça não viola ou suspende a lei, mas vale-se dela e cumpre-a. A retidão da lei é mantida no sentido de que a fonte de toda a lei, o juiz e o punidor voluntariamente se submetem para manter a pena e mantê-la na natureza humana que cometeu pecado. M a t h e s o n , Mom ents on the Mount, 221 - “ Na consciência, o homem con­ dena e é condenado. Cristo é Deus em carne, tanto é sacerdote com vítima sacrificial (Hb. 9.12). Ele é ‘cheio de graça’ - graça perdoadora - mas ‘tam­ bém é ‘cheio de verdade e, deste modo, ‘o unigênito do Pai’ (Jo. 1.14). “não é um perdão que ignora o pecado, não uma justiça sem misericórdia. Ele per­ doa o pecador porque leva o seu pecado”. K a f t a n , referindo-se a alguns teó­ logos modernos, que voltaram à velha doutrina, mas que disseram que a base da expiação não é a idéia jurídica da punição, mas a da propiciação, afirma: “Ao contrário da mais elevada idéia ética da propiciação é exatam ente a da punição. Afaste esta idéia, e a propiciação se to m a nada que não seja a idéia de aplacar a ira de uma divindade enfurecida. Exatamente a idéia do sofri­ mento vicário no castigo de alguma form a deve apontar para a plena expres­ são da consciência ética. “A consciência despertada por Deus não pode aceitar perdão algum sem que ao mesmo tem po experim ente a condenação do p e c a d o .... Embora sem pecado e sem m erecer castigo, Jesus tom ou sobre si o mal que veio ao m un­ do como conseqüência e castigo do pecado na vergonhosa morte na cruz pela mão dos p e c a d o re s .... Conseqüentem ente, em benefício do homem, ele suportou tudo o que este merecia e que, em decorrência, escapou ao castigo final eterno e tornou-se filho de Deus. ... Esta não é sim plesm ente uma con­ clusão subjetiva de fatos correlatos, mas algo objetivo e real que a fé conhece e reconhece” .

Assim, a expiação responde à demanda ética da natureza divina de punir o pecado e o ofensor ficar livre. Ficam os interesses do governo divino garanti­ dos como o primeiro resultado desta satisfação do próprio Deus de cuja natu­ reza o governo é expressão; como segundo resultado faz-se a provisão às necessidades da natureza humana: por um lado, a necessidade de uma satisfa­ ção objetiva da demanda ética de uma punição do pecado e, por outro, a necessidade de uma manifestação do amor divino e misericórdia que afetará o coração e moverá para o arrependimento.

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A grande passagem clássica sobre a expiação é Rm. 3.25,26 - “ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para dem onstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes com etidos, sob a paciência de Deus; para a dem onstração da justiça neste tem po presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” . Ou, em tradução um tanto mais livre, ler-se-ia a passagem da seguinte maneira: - “a quem Deus propôs em seu sacrifício propiciatório, através da fé, m ostrar a sua justiça por conta da preterm issão das ofensas passadas na paciência de Deus; a fim de declarar a sua justiça no tem po presente de sorte que ele seja justo e justifique aquele que crê em Jesus” . EXPOSIÇÃO DE RM 3.25,26. - Estes versos são o desenvolvim ento de uma afirm ação do assunto da epístola - a revelação da “justiça de Deus” (a justiça que Deus provê e aceita) - m encionada em 1.17, mas agora com nova luz e dem onstração em 1.18-3.20, que tanto gentios como judeus estão sob condenação e igualmente estão impedidos da salvação por outro método além das suas obras. Resumimos aqui a substância do com entário de M eyer sobre esta passagem. “V. 25. ‘Deus propôs Cristo com o oferta propiciatória, através da fé, por meio do seu sangue, não pertence a mas a O propósito desta colocação em seu sangue é eiç ‘para a declaração pública da sua justiça [judicial e punitiva]’, que recebeu a sua satisfação na morte de Cristo com o oferta propiciatória e, por isso, dem onstrada e apresentada de um modo prático. ‘Por conta da supres­ são dos nossos pecados que anteriorm ente ocorreram ’, /.e., porque ele per­ mitiu que os pecados anteriores a Cristo não tivessem punição, pelo que se perdeu de vista a sua justiça e se obscureceu e passou a necessitar de uma evSei^iç, ou declaração pública aos hom ens. O m issão não é absolvição, rópeaiç, a supressão, é o elemento interm ediário entre o perdão e o castigo. A expressão ‘em virtude da paciência de D eus’ expressa o motivo da rápeaiç. Antes do sacrifício de Cristo, a adm inistração de Deus era um escândalo; era necessária a vindicação. A expiação é a resposta de Deus para a mudança da libertação do culpado. V. 26. eiç tò e ív a t não é o epexegético de eiç ê vô ei^iv, mas apresenta a teleologia do íXaa-nípiov, que é o alvo final de toda a afirm ação õv 7ipoé-ôexo para Kaipcò - a saber, em primeiro lugar, Deus s e r ju s to e, em segundo lugar, aparecer ju sto em conseqüência disto. Justus et justificans, em vez de ju stus et condenans, é o summ um paradoxon evangelicum. A graça é a base determ inante desta revelação da justiça, não através da condenação, mas da expiação”. Repetimos o que se disse nas págs. 719 e 720 (43 de Ofícios) a respeito do ensino da passagem, a saber, que ela mostra: 1) que a morte de Cristo é um sacrifício propiciatório; 2) que o seu prim eiro e principal efeito recai sobre Deus; 3) que o atributo particular em Deus dem anda a expiação na sua ju sti­ ça, ou santidade; 4) que a satisfação da sua santidade é condição necessária para que Deus justifique o crente. Só de um modo incidental e subordinado é que a expiação é uma necessidade para o homem; Paulo disto fala principal­ mente como uma necessidade para Deus. Na verdade Cristo sofre para que Deus apareça justo; mas atrás desta aparição está a realidade; o principal

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objetivo do sofrim ento de Cristo é que Deus seja justo enquanto perdoa o pecador crente, a saber, a base da expiação é às vezes interior ao próprio Deus. Ver Hb. 2.10 - “convinha” que Deus = é moralm ente próprio de Deus, fazer Cristo sofrer; cf. Zc. 6.8 - “aqueles que saíram para a terra do Norte fizeram repousar o meu Espírito na terra do Norte” = os juízos aplicados à Babilônia satisfizeram a m inha justiça. Charnock: “Aquele que uma vez ‘apagou a violência do fogo’ para os filhos dos hebreus tam bém apagará, da ira de Deus contra o pecador, o fogo mais quente que a fornalha mais aquecida o sétuplo” . O mesmo Deus, que é um Deus de santidade e que, em virtude disso deve punir o pecado humano, é também um Deus de misericórdia e, em virtude desta, ele mesmo suporta a punição do pecado humano. D orner, G eschichte prot. Theologie (História da Teologia P rotestante, 93 - “C risto não só é o m ediador entre Deus e o homem, mas entre o Deus justo e o Deus m isericordioso” - cf. SI. 85.10 “A m isericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram ” . “A consciência demanda a ação vicária porque a consciência declara que o perdão gratuito não seria justo” . L id g e t t , Spir. Principie o f the Atonem ent, 219, 304 - “A expiação 1. tem sua significação na direção de Deus; 2. consiste em que Senhor suporta a morte em nosso favor; 3. o espírito em que ele suportou a morte é de vital im portância na eficácia do seu sacrifício, a saber, a obediência. Deus dá o arrependimento, contudo, o requer; dá a expiação, contudo, a requer. ‘Graças a Deus, pois, pelo seu dom inefável’ (2 Co. 9.15)’’. S imon, em Expositor, 6.321334 (em substância) - “Como na oração pedim os a Deus que nos dê energia e nos capacite a obedecer a sua lei e ele responde entrando no nosso cora­ ção e obedecendo em nós e por nós; com o oramos pedindo força na aflição e acham o-lo ajudando-nos ao introduzir o seu Espírito em nós e sofrendo em nós e por nós; do mesmo modo, na expiação, Cristo, o Deus manifesto obe­ dece e sofre em nosso lugar. Até m esm o a te o ria moral im plica tam bém a substituição. Deus, em nós, obedece a sua própria lei e suporta as triste­ zas que o pecado causou. Por que não pode ele, na natureza humana, supor­ tar tam bém a pena do pecado? Tal possibilidade não pode ser consistentemente negada por qualquer pessoa que crê no socorro divino concedido em resposta à oração. A doutrina da expiação e a da oração estão juntas e abrangem -se” .

Segunda: A expiação relacionada com a Humanidade em Cristo.

A teoria ética da expiação sustenta que se põe em tal relação com a huma­ nidade que o que a santidade de Deus demanda que Cristo tem a obrigação de pagar e paga plenamente em virtude de sua dupla natureza para que a reivindi­ cação da justiça seja satisfeita e o pecador que aceita o que Cristo fez em sei: favor seja salvo. O D r. R. W. Dale , em sua obra sobre a Expiação, propõe-nos a se g u n te pergunta: “Qual deve ser a relação de Cristo com os homens, a fim de possi­ bilitar que ele morra por eles”? Mudam os a form a da pergunta de modo que

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se leia: “Qual deve ser a relação de Cristo com os homens a fim de, não só possibilitar, mas tornar justo e necessário que ele m orra em favor deles”? Em síntese, Dale responde que Cristo deve ter tido uma relação original e central com a raça humana e com cada um dos seus membros. Quando trata­ mos do M onismo Ético, da Trindade e da pessoa de Cristo, mostramos que Cristo, como Logos, como Deus imanente, é a vida da humanidade, carrega­ do da responsabilidade pelo pecado humano, conquanto não conheça pes­ soalm ente nenhum pecado. Desta responsabilidade e culpa raciais que Cris­ to assumiu e pelas quais ele sofreu logo que o homem pecou, a obediência e o sofrim ento de Cristo na carne foram o reflexo e revelação visíveis. Só na união orgânica de Cristo com a raça podem os encontrar a relação vital que fará o seu sofrim ento vicário ou possível, ou justo. Só quando consideramos o Calvário revelador dos princípios eternos da natureza divina, podemos ver como os sofrim entos das poucas horas sobre a cruz seriam suficientes para salvar os milhões de seres humanos. O Dr. E. Y. Mullins propõe a doutrina da Expiação em cinco proposições: “ 1. Para a expiação, Cristo se uniu vitalm ente à raça humana. Só mesmo assumindo a natureza daqueles é que ele iria redim ir para quebrar o poder do seu c a p to r.... A raça humana pode assem elhar-se a muitos pardais que foram capturados numa arm adilha do caçador e desesperadam ente lutam contra o seu destino. Uma grande águia vertiginosam ente desce do céu, embaraça-se com os pardais na rede e, abrindo as suas poderosas asas sobe levando a arm adilha e os cativos e, rompendo as malhas liberta-se e liberta-os. ... Cris­ to, a fonte da vida, dando de si mesm o a vitalidade aos redimidos e, fazendoos participar das experiências do Getsêmani e do Calvário, rom pendo-lhes deste modo o poder do pecado e da morte - eis aí a expiação em virtude da qual retira-se o pecado, e o homem se une a Deus”. O Dr. Mullins, com propriedade, considera este ponto de vista da expiação por demais estreito visto que ele desconsidera as diferenças entre Cristo e os homens que surgem da sua impecam inosidade e da sua divindade. Por isso acrescenta que 2. “Cristo tornou-se o substituto dos pecadores; 3. tornou-se o representante dos homens diante de Deus; 4. ganhou força sobre os cora­ ções humanos para tirá-los do pecado e reconciliá-los com Deus; e 5. tornouse propiciação e satisfação, fazendo a rem issão dos pecados consistente com a santidade divina” . Se a união de Cristo com a raça com eça com a criação e antedata a queda, mais tarde todos os pontos do esquema acima são apenas correlatos naturais e conseqüências do primeiro; substituição, representação re conciliação, p ro piciação, sa tisfa çã o , to rn a m -se apenas aspectos da obra que Cristo fez por nós em virtude do fato de que ele é Deus imanente, a vida da humanidade, sacerdote e vítima, condenador e condena­ do, expiador e expiado.

Vimos como Deus pode, com justiça, exigir satisfação; agora mostramos que Cristo pode, com justiça realizá-la; ou, em outras palavras, como o ino­ cente pode, com justiça sofrer pelo culpado. A solução do problema está na união de Cristo com a humanidade. O primeiro resultado dessa união é a obri­ gação de sofrer pelo homem; visto que, sendo um com a raça, Cristo teve uma

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participação na responsabilidade da raça com a lei e a justiça de Deus. Nele a humanidade foi criada; em cada estágio da existência a humanidade foi sus­ tentada pelo seu poder; como Deus imanente, ele era a vida da raça e de cada membro dela. A participação de Cristo na vida do homem, com justiça e inevi­ tavelmente, sujeitou-o à exposição do homem e suscetibilidade e especial­ mente à condenação de Deus por causa do pecado. No sétimo capítulo de Elsie Venner, O liver W endell Holmes faz o Rev. Sr. Honeywood pôr de lado um velho serm ão sobre a natureza humana e escre­ ve um sobre as O brigações de um C riador infinito para com uma Criatura finita. A. F. J. Behrends baseava a relação representativa do nosso Senhor não na natureza humana, mas na divina. “ Ele é nosso representante não por­ que estava nos lombos de Adão, mas porque nós, incluindo Adão, estamos nos lombos dele. A existência pessoal criada baseia-se no Logos, de modo que Deus deve tratá-lo do mesmo modo que cada pecador individualmente e o pecado e a culpa e a punição devem afligir o Logos e o pecador, e isto, quer o pecador seja salvo, quer não. Não se trata, como freqüentem ente se diz, de uma negação da graça ou da liberdade na graça, porque ela não é uma nega­ ção da liberdade ou da graça a fim de m ostrar que são eternam ente racionais e estão em conform idade com a lei eterna. Na esfera ideal, a necessidade e a liberdade, a lei e a graça fundem -se” . J. C . C . C la r k e , O M an and this Divine Father, 337 - “A expiação vicária não consiste em qualquer ato simples. ... Nenhum ato a abrange totalm ente e nenhum a definição pode envolvê-la” . Neste sentido podemos adotar as palavras de Forsyth: “ Na expiação, o Pai Santo trata o pecado do mundo sobre (não dentro de) uma alma cósm ica”. G. B. F o s t e r , sobre Mt. 26.53,54 - “Ou pensas tu que eu não poderia, agora, orar a meu Pai e que ele me daria mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cum pririam as Escrituras, que dizem que assim convém que aconteça”. “ A Escritura se baseia nesta expressão ‘que aconteça’, e não o contrário. A expressão ‘que aconteça’ é a dem anda ética da sua conexão com a raça. Ter-lhe-ia sido imoral safar-se do organismo. A lei do organismo é: cada um segundo a sua capacidade; a cada um segundo a necessidade. Davi nas canções, A r i s t ó t e l e s na lógica, D a r w in na ciência, têm a obrigação de contribuir para o organism o com os seus talentos. Será que eles têm a obriga­ ção e Jesus está livre dela? Mas Jesus pode contribuir e, porque pode, deve. Contudo, ele é membro não só do todo, mas de cada parte; Rm. 12.5 - ‘mem­ bros uns dos outros’. Como a m em bresia do todo pende para o pecado do todo, assim o fato de que ele é membro da parte o faz responsável pelo peca­ do daquela parte”. F a ir b a ir n , Place o f C hrist in M odem Thelogy, 483,484 - “Há um sení:do em que a teoria patripassiana está certa; o Pai sofreu; apesar de que não sofreu com o o Filho, mas de modo distinto e diferente. ... Através da sua piedade o homem tornou-se a sua tris te z a .... Há uma revelação do seu sofri­ mento na rendição do Filho. Esta rendição representa o sacrifício e a paixão de toda a Divindade. Neste ponto não se aplicam o grau e proporção; se não fosse assim, poderíam os dizer que o Pai sofreu mais por dar o Filho do que

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este ao ser entregue. Aquele que dá por dever não tem a recom pensa daque­ le que se regozija em fazê-lo. ... Um membro da Trindade não pode sofrer sem que os demais sofram. ... O sacrifício visível é o do Filho; o invisível é do Pai” . A Teoria de Andover, representada em O rtodoxia Progressiva, 43-53, afirm a não só a Influência Moral da Expiação, mas tam bém que a raça toda está naturalm ente em Cristo e, por isso foi punida no seu sofrim ento e morte e através destes.

A participação de Cristo na responsabilidade da raça para com a lei e justi­ ça de Deus não foi destruída pela encarnação, nem pela sua purificação no ventre da Virgem. Em virtude da unidade orgânica da raça, cada membro da raça, desde Adão, nasceu no mesmo estado em que Adão caiu. As conseqüên­ cias do pecado de Adão, tanto para si como para sua posteridade, são: 1) depra­ vação, ou corrupção da natureza humana; 2) culpa, ou obrigação de prestar satisfação pelo pecado à santidade divina; 3) pena, ou verdadeira perda ou sofrimento visitado por aquela santidade sobre a culpa. M o b e r ly , A tonem ent a n d Personality, 117 - “Cristo tomou sobre si, como expressão viva de si mesmo, uma natureza que pesava, não só pela incapa­ cidade presente, mas por esta com o parte do resultado judicial necessário da pecam inosidade aceita e inerente. A natureza humana não é apenas incapaz, mas culpada e é, por si, conseqüência e aspecto da culpa” . L id g e t t , Espiritual P rincipies o f Atonement, 166-168, critica o Dr. Dale por negligenciar o propó­ sito paterno da expiação com o fim de servir à educação moral da criança - o castigo marcante causado pelo m erecim ento do mal, trazendo-o à consciên­ cia do ofensor; e tam bém negligenciando a declaração positiva contida na expiação cuja lei é santa, justa e boa - algo mais que a expressão negativa do castigo pelo mal do pecado. B o w n e , Atonement, 101 - “Algo como esta obra da graça é a necessidade moral para com Deus. É uma terrível responsabilidade assum ida quando a nossa raça humana foi apresentada com a sua terrível possibilidade da práti­ ca do bem e do mal. Por isso Deus se sente na obrigação de cuidar da sua fam ília humana; reflexões sobre a sua posição como criador e governador, em vez de rem over só tornam mais m anifesta tal obrigação. Até onde pode­ mos conceber Deus como sentado numa condição suprem a e de satisfação de si mesmo, ele não é, afinal de contas, amor, mas apenas reflexo do nosso egoísm o e vulgaridade. Até onde podem os concebê-lo dando-nos da sua ple­ nitude infinita, mas sem custo real para si, ele se iguala aos heróis da raça. Sempre é possível um pensam ento mais elevado, até verm os Deus receben­ do o mundo no seu coração, com ungando com a nossa tristeza, carregando o nosso fardo e com andando todo o sacrifício de si mesmo. Só então ocorre a possibilidade da graça, do amor, do heroísmo moral e da condescendência, de sorte que nada sobra de mais elevado. E a obra do próprio Cristo, tornada um evento histórico, deve ser vista, não som ente como uma parte da história, mas tam bém como manifestação da cruz que estava oculta no am or divino

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desde a fundação do mundo, e que, afinal de contas, envolve a existência do mundo humano” . J ohn C aird, Fund. Ideas o f Christianity, 2.90,91 - “C onceber o ideal de perfeição moral encarnada numa pessoalidade hum ana e ao mesmo tempo alguém que nos am a com amor tão absoluto que se identifica conosco e faz seu o nosso bem e o mal - reúne estes elem entos num espírito humano vivo e consciente, e você tem nele a capacidade da vergonha e angústia, a pos­ sibilidade de carregar o fardo da culpa hum ana e derrota, que a humanidade perdida e culpada nunca poderia levar por si mesm a” .

Se Cristo tivesse nascido por geração comum, ele também teria tido depra­ vação, culpa e pena. Mas ele não nasceu assim. No ventre da Virgem, a natu­ reza humana que ele assumiu estava expurgada da depravação. Mas este expurgo da depravação não tirou a culpa ou a pena. Ainda foi deixada a justa exposição à pena da lei violada. Apesar de que a natureza de Cristo foi purifi­ cada, sua obrigação de sofrer ainda foi conservada. Ele podia ter deixado de se unir à humanidade e não necessitaria de ter sofrido. Podia ter separado esta conexão com a raça e não precisaria ter sofrido. Mas, uma vez nascido da Virgem, uma vez possuído da natureza humana que estava sob a maldição, ele tinha o compromisso de sofrer. Toda a massa e peso do desagrado de Deus contra a raça caíram sobre ele, uma vez que se tornou membro da raça. Porque Cristo é em essência a humanidade, o homem universal, a vida da raça, ele é o cérebro central para o qual e através do qual devem passar todas idéias. Ele é o coração central ao qual e através do qual devem com u­ nicar-se todas as dores. Você não pode telefonar para um amigo do outro lado da cidade sem primeiro cham ar a central telefônica. Você não pode ferir o seu próximo sem prim eiro ferir Cristo. Cada um de nós pode dizer com ele: “Contra ti, contra ti som ente pequei” (SI. 51.4). Por causa da sua hum anidade central e de total alcance, ele deve levar em sua própria pessoa o fardo de toda a humanidade e ser o “Cordeiro de Deus, que” tom a e, deste modo, “tira o pecado do m undo” (Jo. 1.29). Sim ms Reeves, grande tenor inglês, diz que a m úsica da paixão era m uita coisa para ele; ele foi encontrado vencido depois de cantar as palavras do profeta em Lm 1.12 - “Não vos comove istc. todos vós que passais pelo caminho? Atendei e vede se há dor como a minha dor, que veio sobre mim, com que me entristeceu o Senhor, no dia do furor da sua ira”. O padre Damien dedicou a sua vida ao m inistério na colônia de leprosos das Ilhas Havaianas. Embora, tendo entrado, estivesse livre da doença, fc: acom etido da lepra e então escreveu: “Devo fica r com o meu povo". Uma vez leproso, não havia livram ento. Uma vez ligado à humanidade, Cristo se expôs e estava sujeito a tudo que ocorria com a humanidade. Apesar de que ele pessoalm ente não tem pecado, fez-se pecado por nós. Cristo herdou a culpa e a pena. Hb. 2.14,15 - “visto que os filhos participam da cam e e do sangue, tam bém ele participou das mesmas coisas, para que, aniquilasse o que tinha

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o império da morte, isto é, o diabo, e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” . Só Deus pode perdoar o pecado porque só ele pode senti-lo na verdadei­ ra odiosidade e pô-lo no verdadeiro m erecim ento. Cristo pode perdoar o pe­ cado porque ele acrescenta ao sentim ento divino sobre o pecado a angústia de uma hum anidade pura relativa a isso. S. W. Culver: “ Não podemos ser salvos, assim como não podem os aprender geom etria através da leitura ou do diagrama. Ninguém jam ais salva um outro do afogam ento permanecendo friam ente ou dizendo-lhe da im portância de aparecer na superfície e da necessidade da respiração. É preciso afundar-se no elemento destrutivo e assum ir a condição da própria pessoa que está se afogando e, no exercício da sua própria força, no vigor da sua própria vida, salvá-lo da morte iminente. Quando o seu filho está envolto nas cham as que estão consum indo a sua casa, você não vai chamá-lo do lado de fora. Você atravessa o fogo devorador até que você esteja nas mesm as condições de perigo em que ele está e, daí, voltar trazendo-o à liberdade e segurança”.

Contudo, note que esta culpa que Cristo tomou sobre si por sua união com a humanidade 1) não era a culpa do pecado pessoal - como pertence a todo membro adulto da raça; 2) nem mesmo a culpa da depravação herdada; tal culpa pertence às crianças e aos que não chegaram à consciência moral; mas 3) a culpa do pecado de Adão, que pertence antes à transgressão pessoal e independentemente da depravação herdada a cada membro da raça cuja vida derivou de Adão. Este pecado original e a culpa herdada, mas sem a deprava­ ção que ordinariamente os acompanha, Cristo a toma e tira-a. Ele pode com justiça suportar a pena porque ele herda a culpa. E visto que esta culpa não é pessoal, mas daquele pecado em quem “todos pecaram” - a da transgressão comum da raça em Adão, a do pecado, raiz de que todos os outros pecados surgiram - aquele que é pessoalmente puro pode de um modo vicário suportar a pena devida ao pecado de todos. Cristo estava consciente da inocência nas suas relações pessoais, mas não de suas relações raciais. Ele reunia em si todas as penas da humanidade como W ilkelried reunia em seu seio em Sempach os picos austríacos e, des­ te modo, traçava o cam inho para o vitorioso suíço. Cristo tom ou sobre si a vergonha da hum anidade como a mãe tom a para si a vergonha da sua filha, arrependendo-se disso e sofrendo por isso. Mas este não pode ser o caso de Cristo a não ser que tenha havido um laço de união entre ele e os homens bem mais vital, orgânico e profundo do que o que une mãe e filha. Cristo é, por natureza, a vida de todos os homens antes de tornar-se espiritualm ente a vida dos crentes verdadeiros. M a th e s o n , Spir. Devei. ofS t. Paul, 197-215,244, fala do sacerdócio secular de Cristo, da m em bresia externa e interna do corpo de Cristo. Ele é o cabeça sacrificial do mundo assim como o da igreja. Nas suas últimas cartas, Paulo declara que Cristo é “o salvador de todos os

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homens, principalm ente dos fié is ” (1 Tm. 4.10). Há um a graça “trazendo salvação a todos os hom ens” (Tt. 2.11). Ele “deu dons a todos os homens” (Ef. 4.8), “e ntre os re beldes, para que o S e n h o r ha b ita sse e ntre e le s” (SI. 68.18). “ Porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar” (1 Tm. 4.4). R o y c e , W orld and Individual, 2.408 - “ Nossas tristezas são idênticas às do próprio Deus. ... Pode ocorrer o cum prim ento divino só através das tristezas do tem po. ... Se Deus não conhece a tristeza, ele não conhece o supremo bem, que consiste em vencê-la “ . G o d e t , em The A tonem ent, 331-351 “Jesus condena o pecado da mesma form a que Deus o condena. Quando ele se sentiu abandonado na cruz, executou aquele ato pelo qual o próprio ofensor condena o seu pecado e, através dessa condenação, no que depende dele mesmo, o faz desaparecer. Há apenas uma consciência em todos os seres morais. Este eco em Cristo sobre o juízo de Deus contra o pecado é uma repetição do eco em toda a consciência do ser humano. Isto tem trans­ form ado o amor compassivo de Deus em amor que executa a satisfação da parte dele. A santidade une o sofrim ento ao pecado. Porém o elemento de reparação na cruz não está no sofrim ento, mas na submissão. A criança que se revolta contra a sua punição afinal não fez a reparação. Apropriam o-nos da obra de Cristo quando, pela fé, condenam os o pecado e aceitam os o Sal­ vador” .

Se se perguntar se este não é simplesmente um sofrimento por seu próprio pecado, ou, ao invés disso, por participar do pecado da raça, respondemos que tal participação no pecado da raça não é a única razão por que ele sofre; só fornece a razão subjetiva e base para levar sobre si o pecado de todos. Aunião de Cristo com a raça na sua encarnação é somente a expressão exterior e visí­ vel da união anterior com a raça que começou quando ele a criou. Como “nele foram criadas todas as coisas” e “nele subsistem todas as coisas”, ou mantémnas juntas (Cl. 1.16,17), segue-se que aquele que é a vida da humanidade deve, apesar de sua pessoalidade pura, estar envolvido na responsabilidade por todo o pecado humano e “era necessário que Cristo padecesse” At. 17.3). Era o padecimento da reação da santidade divina contra o pecado e era assim o procedimento da pena (Is. 53.6; Gl. 3.13), mas era também a execução voluntária de um plano que antedatava a criação (Fl. 2.6,7) e o sacrifício de Cristo no tempo mostrou que ele tinha estado no coração de Deus desde a eternidade (Hb. 9.14; Ap. 13.8). Ao tratarm os deste assunto, pretendem os enfrentar a principal objeção feita à expiação. G reg, Creed o f Christendom, 2.222, fala da “doutrina estra­ nhamente consistente de que Deus é tão ju sto que não pode deixar o pecado sem punição, em bora tão injusto que possa puni-lo na pessoa dc inocente, ... É próprio da dialética ortodoxa explicar como a justiça divina pode ser impug­ nada perdoando o culpado e, vindicada punindo o inocente” . A fim de enfrentar

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esta dificuldade, apresentam -se os seguintes relatos da identificação de Cris­ to com a humanidade: 1. O de Is a a c W a t t s (ver Bíblia Sacra, 1875,421). Sustenta que a humani­ dade de Cristo tanto no corpo como na alma preexistiu à encarnação e se m anifestou aos patriarcas. R espondem os que se declara que a natureza humana de Cristo deriva da Virgem. 2. O de R. W . D a le (A tonem ent, 265-440). S ustenta que Cristo é respon­ sável pelo pecado porque, como sustentador e como a vida de todos ele é naturalm ente um com todos os homens e espiritualm ente um com todos os crentes (At. 17.28 - “nele vivemos, nos movem os e existim os” ; Cl. 1.17 “todas as coisas subsistem por ele”; Jo. 14.20 - “estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós”). Contudo, se o sofrim ento de Cristo pelos nossos peca­ dos deve ser explicado pela união do crente com Cristo, o efeito existe para explicar a causa e ele pode ter m orrido só em favor dos eleitos. A sua união com a raça através da criação - que reconhece a pureza de Cristo e o pecado do homem - continuam sendo o mais valioso elemento da verdade na teoria do Dr. Dale. 3. O de E d w a r d Ir v in g . Cristo tem uma natureza corrom pida, enfermidade inata e uma depravação que ele gradualm ente vence. Mas, ao contrário dis­ so, as Escrituras afirmam a sua santidade e separação dos pecadores. (Ver referências nas páginas 744-747 - Teoria irviniana da Depravação Gradual­ mente Extirpada). 4. O de J o h n M i l l e r , Theology, 114-128; tam bém neste capítulo: Estava Cristo em Adão? em Q uestões levantadas pela Bíblia. Quanto à natureza humana, em bora criada pura, contudo, com o a da posteridade de Adão, foi concebida pecadora em Adão. Para ele atribuída “a culpa do ato no qual todos os homens uniam-se numa relação federal. ... Foi decretado que ele seria culpado pelos pecados da hum anidade toda” . N ecessitam os de uma real união de Cristo com a humanidade e tal derivação da substância do seu ser pela geração natural de Adão, como o tornará não som ente o herdeiro construtivo, mas o herdeiro natural da culpa da raça. Por isso chegamos ao que consideram os o verdadeiro ponto de vista, a saber: 5. O de que a humanidade de Cristo não é uma nova criação, mas derivou de Adão através de Maria, sua mãe; de modo que Cristo, no que tange à sua humanidade, estava em Adão como nós, e tem a m esm a responsabilidade racial que nós temos. Como descendente de Adão ele é responsável pelo pecado deste, como qualquer outro mem bro da raça; a principal diferença é que, enquanto herdamos de Adão tanto a culpa como a depravação, aquele que o Espírito Santo purificou, herdou não a depravação, mas a culpa. Cristo tom ou sobre si, não o pecado (depravação), mas as suas conseqüências. Nele foi abolido o pecado, sem abolir o sofrim ento que ele causa; enquanto no crente existe a abolição da obrigação de sofrer, sem abolir o pecado pro­ priam ente dito. A ju stiça dos sofrim entos de Cristo tem sido im perfeitam ente ilustrada pela obrigação do silencioso sócio de uma firm a de pagar as dívidas que ele pes­ soalm ente não contraiu; ou a obrigação do marido de pagar as dívidas da esposa; o do com prador de uma terra de assum ir as dívidas da província a que ela pertence (W m . A s h m o re ). Tem havido homens que gastam a energia

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da vida toda quitando as dívidas de um pai insolvente, enfermo há muito tem ­ po. Eles reconhecem uma unidade orgânica da fam ília que, moral ou legal­ mente tornam suas as responsabilidades do seu pai. Deste modo, se diz que Cristo reconheceu a unidade orgânica da raça e viu que, tendo-se tornado um com a raça pecadora, ele se envolveu nessas responsabilidades até no que se refere ao sofrim ento da morte que é a grande pena do pecado. O defeito de todas as analogias m encionadas é que elas são puramente com erciais. A tra n sfe rê n cia de um a obrigação fin a n ce ira é mais fácil de entender do que uma responsabilidade criminal. Não posso, com justiça, su­ portar o castigo de um outro a não ser que de alguma form a eu com partilhe a sua culpa. A teoria que defendem os mostra que é possível a participação de Cristo na nossa culpa. Na substituição, todos os crentes sustentam que Cris­ to levou a nossa culpa: “A minha alma olha para traz e vê os fardos que levaste quando suspenso no maldito madeiro e nele as esperanças da culpa a respeito do que ela com eteu” . Mas reivindicam os que, em virtude da união de Cristo com a humanidade, a culpa não só foi imputada, mas também trans­ ferida. Estavam em conexão com a obrigação de Cristo sofrer, apesar de que em menor escala, os resultados causados pelo fato de Cristo assum ir a humani­ dade: em primeiro lugar as ânsias do sofrim ento; em segundo, a inevitabilida­ de do sofrim ento. Ele sentiu o anseio de sofrer o que o perfeito am or a Deus deve sentir em vista das dem andas da raça, de que a santidade do Deus que ele ama mais do que o am or que ele tem pela própria raça; o que o perfeito amor ao homem deve sentir pelo fato de suportar a pena do pecado que o homem comete é apenas um recurso para salvá-lo. Por isso vemos Cristo levando a cruz com tão m ajestosa determ inação que os discípulos se adm ira­ ram e se amedrontaram (Mc. 10.32). Pelo mesm o motivo ouvimo-lo dizer: “Desejei muito com er convosco esta Páscoa” (Lc. 22.15); “ Importa que eu seja batizado com um certo batismo; e como me angustio até que venha a cum prir-se” ! (Lc. 12.50). Aqui está a verdade na teoria de C a m p b e l l sobre a expiação. Cristo é o grande Penitente diante de Deus; faz a confissão do pecado da raça, o que os outros da mesma raça nunca poderiam ver ou sentir. Porém o ponto de vista que apresentam os é m aior e mais com pleto que o de C a m p b e l l , no sentido de que torna a confissão e reparação obrigatória em Cristo, o que o ponto de vista de C a m p b e l l não faz, e reconhece a natureza penal dos sofrim entos de Cristo, o que C a m p b e l l nega. L ia s , Atonem ent, 7 9 - “Cabeça de um clã, leal ao seu rei, vê que o seu clã esteve envolvido em rebeldia. Quanto mais intensa e perfeita a sua lealdade, mais integral a sua nobreza de coração e sentimento pelo seu povo, mais inescusável e flagrante a rebeldia daqueles por quem ele pleiteia; mais aguda a sua agonia como representante e cabeça da raça. Nada mais verdadeiro à natureza humana, no m elhor sentido da palavra, do que o conflito da lealdade ao seu rei e o sentim ento pelos seus vassalos o induziria a oferecer a sua vida em favor deles, a pedir que a punição que eles merecem lhes seja infligida” . A segunda menor conseqüência de Cristo te r assum ido a hum anidade é que, sendo o que ele é, não poderia socorrer sofrendo; em outras palavras, o elemento obrigatório e esperado tam bém é o inevitável. Visto que ele é um

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ser de perfeita pureza, o contato com o pecado da raça, da qual ele é mem­ bro, na verdade, envolve necessariam ente o sofrim ento do tipo mais intenso que podemos conceber. O pecado é por si mesmo isolante, mas o amor e a justiça têm em si o instinto da unidade humana. Em Cristo encontram -se todos os nervos e sensibilidade do ser humano. Eie é o único membro sadio da raça. Quando a vida volta à sua parte gélida, é nela que encontra a dor. Deste modo, Cristo, o único mem bro sensível da hum anidade entorpecida e estupefata, sente todas as dores da vergonha e sofrim ento que, com justiça, pertencem aos pecadores; mas estes não as sentem sim plesm ente por cau­ sa da intensidade da sua depravação. Porque Cristo é puro, embora unido a uma raça pecam inosa e culpada, portanto “convinha que Cristo padecesse” (At. 17.3); ver tam bém Jo. 3.14 - “assim im porta que o Filho do Homem seja levantado” = A encarnação sob as verdadeiras circunstâncias da hum anida­ de, traz consigo a necessidade da Paixão” ( W e s t c o t t , Com. Bibl. in loco). Compare o Jornal de John W oolman, 4.5 - “Ó Senhor, meu Deus, assom ­ brosos horrores das trevas reúnem -se em torno de mim, e me cobrem inte­ gralmente, e não vejo saída alguma; sinto o abism o e a extensão da miséria dos meus sem elhantes, separados da harm onia divina, o que é mais do que eu possa suportar; sob ela sou esmagado; levanto a m inha cabeça, estendo o braço, e não encontro coisa algum a que me socorra; olho em volta e fico assombrado. No abismo da miséria, lembro que tu és onipotente e que te tenho cham ado Pai” . Ele teve uma visão de uma “m assa obtusa, m elancóli­ ca”, entenebrecendo a metade dos céus e disseram -lhe que isto era o “con­ junto de seres humanos, na grande miséria em que se encontram e vivem; e mesclou-se entre eles e não pôde considerar-se distinto e separado deles”. Este sofrim ento nos pecados dos homens e juntam ente com estes, a que B u s h n e l l deu tão forte ênfase, embora não seja, como ele pensava, o ele­ mento principal, é, contudo, indispensável à expiação de Cristo. O sofrimento no pecador e com ele é um meio, embora não seja o único, que possibilita Cristo a suportar a ira de Deus, o que constitui a verdadeira pena do pecado. EXPOSIÇÃO DE 2 Co. 5.21. - Falta-nos acrescentar à prova escriturística desta suposição natural da culpa hum ana de Cristo. Encontram o-la em 2 Co. 5.21 - “Àquele que não conheceu pecado o fez pecado por nós; para que, nele, fôssem os feitos justiça de Deus” . A palavra “justiça” aqui não pode significar pureza subjetiva, porque, nesse caso, a expressão “o fez pecado” significaria que Deus fez Cristo ser subjetivam ente depravado. Como Cristo não se tornou sem santidade não pode ter o sentido de que nele nós nos tornam os pessoas santas. M e y e r cham a a atenção para este paralelo entre “justiça” e “pecado” : - “ Para que nele nos tornássem os a justiça de Deus” = que nos tornássem os pessoas justificadas. Por correspondência, “o fez peca­ do por nós” deve ser = o fez pessoa condenada. “À quele que não conheceu pecado” = Cristo não teve experiência nenhum a do pecado - é o postulado necessário da sua obra da expiação. Por isso “fez pecado por nós” , é o abs­ trato correspondente ao concreto e = fez um pecador no sentido de que a pena do pecado recaiu sobre ele. Esta é a substância do com entário de M e y e r . Contudo, devemos considerar esta interpretação da parte de M e y e r um tanto desprovida do sentido pleno do apóstolo. Como a justificação não é somente remissão da verdadeira punição, mas também livramento da obrigação

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de sofrer a punição, - a saber, como “justiça” no texto = pessoas libertas da culpa assim como da pena do pecado, - assim o termo “pecado” contrastado no texto, = uma pessoa não só verdadeiram ente punida, mas também sob a obrigação de sofrer a punição; - a saber, Cristo se “fez pecado”, não só no sentido de ser posto sob a pena, mas tam bém no de ser posto sob a culpa. Numa nota à últim a edição de M e y e r , adm ite-se substancialm ente isto. “Deve-se notar” , diz ele, que á p .a p x ía v , como K o a á p a em Gl. 3.13, inclui em si necessariam ente a noção de culpa” . Contudo, M e y e r acrescenta: “A culpa que Cristo parece levar não é apenas dele (n f) y v ó v x a á i i a p t í a v ) ; é por isso que a culpa dos homens lhe foi transferida; conseqüentem ente a justificação dos homens é atributiva” . Aqui a im plicação da culpa que Cristo suporta por atribuição parece-nos contrária à analogia da fé. Como o pecado de Adão é nosso porque, na verdade nós som os um com Adão e, como a justiça de Cristo nos é atribuída só porque nós somos, na verdade, unidos a ele, assim os nossos pecados lhe são atribuídos só porque, na verdade, ele é um com a raça. Ele se “fez pecado” fazendo-se um com os pecadores; tomou a nossa culpa, tom ando a nossa natureza. Aquele que “não conheceu pecado” veio a ser “pecado por nós” nascendo de uma linhagem pecadora; por herança a culpa comum da raça tornou-se dele. A culpa não só foi atribuída a Cristo; também foi transmitida. Esta exposição pode tornar-se mais clara pondo-se os dois pensamentos contrastados nas seguintes colunas paralelas: Justiça feita nele = pessoas justas; pessoas justificadas; livres de culpa ou obrigação de sofrer; pela união espiritual com Cristo.

Se fez pecado por nós = uma pessoa pecadora; uma pessoa condenada; sob culpa ou obrigação de sofrer; pela união natural com a raça.

A expiação, então, da parte de Deus, tem sua base 1) na santidade de Deus, que deve visitar com a condenação o pecado, apesar de que esta condenação traz a morte a seu Filho; e 2) no amor de Deus que providencia o sacrifício, sofrendo no seu Filho e com ele pelos pecados dos homens, mas através desse sofrimento, abrindo o caminho e os meios de salvação. A expiação, por parte do homem, se cumpre através 1) da solidariedade da raça; da qual 2) Cristo é a vida e seu representante e segurança; 3) com justiça, levando voluntariamente sua culpa e vergonha e condenação como se fossem suas. Melanchton: “Cristo se fez pecado por nós, não só com respeito à p u -.ição, mas prim ordialm ente por ser responsável tam bém pela culpa (culpae e: reatus)” - citado por T o m á s io , C hristi Person und Werk, 3.95,102,103,107: e também 1.307,314 sq. T o m á s io diz que Cristo levou a c u lp a d a r a ç a p e la atribuição; porém, como no caso da atribuição do pecado de Adão a n ó s , a atribuição dos nossos pecados a C risto pressupõe r e la c io n a m e n t o re a l.

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Cristo se apropriou do nosso pecado. Ele mergulhou na nossa culpa”. D o r n e r , G laubenslehre, 2.442 (D o u trin a S iste m á tica , 3 .3 5 0 ,3 5 1 ), con co rd a com T o m á s io no sentido de que “Cristo entrou na nossa mortalidade natural que, para nós é uma condição penal, e no estado de culpa coletiva, porque é um mal, um fardo a ser suportado; não que ele tivesse culpa pessoal, mas entrou na nossa culpa pela vida comum, não como coisa estranha, mas que a ela pertencia - colocada sob a sua lei, segundo a vontade do Pai e do seu próprio am or” . Quando e como Cristo assumiu sobre si a culpa e a pena? Com relação à pena, não sentim os dificuldade em responder que, como toda a sua vida de sofrim ento é propiciatória, do mesmo modo a pena se apóia nele desde o começo da sua vida. Tal pena é herdada e é conseqüência do fato de Cristo tom ar a form a humana (Gl. 4.4,5 - “nascido de mulher, nascido sob a lei”). Mas a pena e a culpa são correlatas; se Cristo herdou a pena, deve ter sido porque ele herdou a culpa. Tal sujeição à culpa com um da raça é sugerida na circuncisão de Jesus (Lc. 2.21); na sua purificação ritual (Lc. 2.22 - “sua purificação” - /'.e., a purificação de Maria e do bebê; na sua redenção legal (Lc. 2.23,24; cf. Ex. 13.2,13); e no seu batismo (Mt. 3 .1 5 - “assim nos convém cum prir toda a justiça”). A pessoa batizada descia à água como se estivesse carregada de pecado e de culpa, para que tal pecado e culpa fossem sepulta­ dos para sempre e a referida pessoa se levantasse da sim bólica sepultura para uma vida nova e santa. (Ebrard: Batismo = m orte” .) Deste modo a sub­ missão ao batismo de arrependim ento m inistrado por João não é apenas uma consagração à morte, mas tam bém um reconhecim ento e confissão da sua implicação na culpa da raça pela qual a m orte foi indicada e a pena inevitável (cf. Mt. 10.38; Lc. 12.50; Mt. 26.39); e, como o batismo é uma prefiguração da sua morte, do seu batismo podemos aprender alguma coisa sobre o sentido da sua morte.

Como alguém que teve culpa Cristo foi “justificado no espírito” (1 Tm. 3.16); e a sua justificação parece ter ocorrido depois que ele se manifestou em carne (1 Tm. 3.16) e quando ele “ressuscitou para nossa justificação” (Rm. 4.25). Compare Rm. 1.4 - “declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos”; 6.7-10 - “aquele que está morto está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que tam­ bém com ele viveremos ; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mor­ tos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus” - concebe-se aqui que estão incluídos todos os cristãos justificados idealmente na justificação de Cristo, quando ele morreu pelos nossos pecados e ressuscitou. 3.3 - “Deus, enviando seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” - sobre este trecho diz M ey er : “O envio não precede a condenação; mas a condenação se efetua no envio e com ele”. Jo. 16.10 - “da justiça, porque eu vou para o Pai”; 19.30 “Está consumado”.

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Se se pergunta se Jesus, então, antes da morte, não era justificado, respon­ demos que, conquanto puro e agradável a Deus (Mt. 3.17), ele estava cons­ ciente da responsabilidade da raça e da culpa da raça que deve ser expiada (Jo. 12.27 - “Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salvame desta hora; mas para isso vim a essa hora”); e que nele a natureza humana culpada suportou até o fim a separação de Deus, o que constitui a essência da morte, a pena do pecado (Mt. 27.46 - “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste” ?) É bom lembrar que até mesmo o crente deve “ser julgado conforme os homens, na carne” (1 Pe. 4.6), isto é, devem sofrer a morte que é, para os incrédulos, a pena do pecado, embora ele “vivam conforme Deus em Espírito” , do mesmo modo Cristo, para que pudéssemos estar livres tanto da culpa como da pena, foi “mortificado na carne, mas vivificado pelo Espírito”(3.18); - a saber, como Cristo era homem, cabe a ele suportar a pena devida à culpa humana; mas, como ele é Deus pode exaurir essa pena e ser o verda­ deiro substituto dos outros. Se se pergunta se ele que, a partir do m om ento da concepção “santificouse a si mesm o” (Jo. 17.19), a partir daquele m om ento não justificou-se a si mesmo, respondem os que, embora, através da eficácia retroativa da sua expiação e, com base nela, a sua natureza hum ana foi purificada da sua depravação a partir do momento em que ele tom ou essa natureza; e apesar de, baseado nessa expiação, os crentes que viveram antes da sua vinda eram santificados e justificados; embora a sua justificação não pudesse ter proce­ dido na base da sua expiação e a sua expiação também tivesse procedido com base na sua justificação. Isto seria um círculo vicioso; devem os ter começo em algum lugar. Tal começo está na cruz, onde a culpa foi, pela pri­ meira vez expurgada (Hb. 1.3 - “havendo feito por si mesm o a purificação dos pecados, assentou-se à destra da M ajestade, nas alturas”; Mt. 27.42 - “Sal­ vou os outros e a si mesmo não pode salvar”; cf. Ap. 13.8 - “O Cordeiro que foi morto desde a fundação do m undo”). Já se disse que a culpa e a depravação são praticam ente inseparáveis, e que, se Cristo teve culpa, ele deve tam bém te r tido a depravação, responde­ mos que, na lei civil, fazem os distinção entre ambas; a conversão de um homicida não remove a sua obrigação de sofrer a forca; e respondemos ainda mais, que, na justificação, fazem os distinção entre elas; a depravação air.da continua, embora haja a remoção da culpa. Deste modo podemos dizer que Cristo assumiu a culpa sem a depravação para que tivéssem os a depravação sem a culpa.

Portanto, Cristo, enquanto estava encarnado, revelou a expiação mais do que a fez. Sua obra histórica da expiação terminou na Cruz, mas sua obra histórica revelou apenas aos homens a expiação feita tanto antes quanto antes pelo logos extra-mundano. O amos eterno de Deus que sofre a necessária

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reação de sua própria Santidade contra o pecado de suas criaturas e com vistas à salvação delas - esta é a essência da expiação. N a s h , Ethics and Revelation, 252, 253 - “Cristo, a expiação de Deus, é a revelação e a descoberta do fato de que o sacrifício é tão profundo em Deus como o seu ser. Ele é o santo C ria d o r.... Toma sobre si a vergonha e a dor do pecado”. O tabernáculo terrestre e os seus sacrifícios são apenas a sombra dos que estão nos céus e Moisés tem a incum bência de fazer o que é terreno o padrão do que ele viu no monte. Assim, a expiação histórica é apenas a som bra das mentes obscuras e finitas de uma dem anda da santidade divina e de uma satisfação prestada pelo amor divino. G o d e t, S. S. Times (Tempos na Escola Dominical), 16 de outubro, 1886 - “Cristo assim identificado com a raça veio para salvar, com partilhando a vida ou o seu próprio sangue, para que, quando a própria raça fosse redimida da m aldição do pecado, a sua ressurreição viesse como as prim ícias daquela redenção”; Rm. 4.25 - “o qual foi entregue pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação” . S im o n , Redem ption o f Man, 322 - “Se o Logos é, de um modo geral, o Mediador da im anência na criação, especialm ente no homem; se os homens são diferenciações do efluxo da energia divina; se o Logos é o princípio con­ trolador imanente de toda diferenciação, /'.e., o princípio de toda forma - as perversões próprias destas diferenciações necessárias não devem reagir naquele que é o seu princípio constituinte? 339 - Lem bre-se de que não foram os homens que se apegaram firm em ente a Cristo o todo vivo. ... eles subsistem naturalm ente em Cristo, e têm que se separar, desligar-se dele, se é que eles devem separar-se. Este é um equívoco com etido na teoria de ‘A Vida de Cristo’. Os homens são tratados em certo sentido como indepen­ dentes de Cristo e tendo de ligar-se a ele. ... Não é que tem os de criar o relacionam ento; tem os sim plesm ente de aceitá-lo, reconhecê-lo e ratificá-lo. A rejeição a Cristo não é tanto uma recusa de tornar-se um com ele, como a de perm anecer unido a ele, de deixar que ele seja a nossa própria vida”. A. H. S t r o n g , Christ in Creation, 33,172 - “Quando Deus soprou nas nari­ nas do homem o fôlego da vida, com unicou-lhe a liberdade e tornou possível a escolha própria da alienação da criatura dele mesmo, o doador da vida. Conquanto o homem nunca tenha podido rom per os laços que o uniam a Deus, ele podia fazê-lo no sentido espiritual e introduzir até mesmo na vida de Deus um princípio de discórdia e de mal. Am arre firm e um cordão no dedo; em parte você isola o dedo diminui a sua nutrição, provoca atrofia e doença. Contudo, a vida de todo o sistem a se insurge para expelir o mal, desatar o cordão para livrar o membro da doença e do sofrim ento. A ilustração está longe de ser adequada; mas auxilia num só ponto. Tem sido dadas a cada agente inteligente e moral a força, a espiritualidade para isolar-se de Deus, enquanto ainda ele naturalm ente está junto a Deus de quem depende total­ mente para a remoção do pecado que o separou do seu Criador. O pecado é o ato da criatura, mas a salvação é o ato do Criador. “Se você pode im aginar um dedo dotado de uma vontade livre tentando separar sua conexão com o corpo atando-lhe em torno um barbante, você tem o quadro de um homem tentando desfazer a sua conexão com Cristo.

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Qual o resultado de tal tentativa? Por que, dor, queda; possível m orte inci­ piente do dedo. Por qual lei? Pela do organism o que é de tal modo consti­ tuída que se mantém contra sua própria ruptura causada pela revolta dos seus mem bros. A dor e a m orte do dedo é a reação do todo contra a traição da parte. O dedo sofre a dor. Porém não há resultados da dor para o corpo? Este não sente tam bém a dor? Com o fica claro que essa dor não se lim ita a uma única parte! O coração sente, sim, o organism o todo sente, porque todos são m em bros uns dos outros. Não é só ele que sofre, mas o sofrim en­ to tende a rem ediar o mal e rem over a sua causa. O corpo reúne as suas forças, conduz as novas tendências da vida ao m em bro que está morrendo, luta para desem baraçar o dedo da ligadura que o prende. Assim , por todo o curso da história, Cristo, a vida natural da raça, foi afligido com a aflição do hum anidade e sofreu pelo pecado do homem . Esse sofrim ento é expiatório visto que se deveu à justiça. Se Deus não tivesse sido santo, se Deus não tivesse feito toda a natureza expressar a santidade do seu ser, se Deus não fizesse a dor e a perda serem conseqüências necessárias do pecado, C ris­ to não teria sofrido. Mas porque todas essas coisas são a pena do pecado e Cristo é a vida da raça pecaminosa, havia necessidade de que Cristo sofres­ se. Não há nada de arbitrário no fato de im por a ele a iniqüidade de todos. A graça original, com o o pecado original é apenas um a interpretação dos fatos biológicos” .

Considerações a favor do ponto de vista Substitutivo, ou Ético: Em favor do ponto de vista Substitutivo ou Ético da expiação apresenta­ mos as seguintes considerações: a) Apóia-se em princípios filosóficos corretos com relação à natureza da vontade, da lei, do pecado, da pena, da justiça. Esta teoria sustenta que há estados perm anentes assim como atos transi­ tórios da vontade; e que a vontade não é som ente a faculdade das volições, mas tam bém a determ inação fundam ental do ser para um fim último. Consi­ dera que a lei tem sua base não na vontade arbitrária ou no expediente gover­ namental, mas, ao invés disso, na natureza de Deus e como uma transcrição necessária da santidade de Deus. C onsidera que o pecado consiste não somente em atos, mas nos estados maus perm anentes dos sentimentos e da vontade. Faz o objeto da pena ser, não a reforma do ofensor, ou o impedi­ mento de fazer o mal, mas a vindicação da justiça ultrajada pela violação da lei. Ensina que justiça não é benevolência, mas um atributo distinto e se p a rado da natureza divina que demanda que o pecado seja visitado com a puni­ ção independente de qualquer coisa a considerar dos resultados úteis cue advirão dela.

b) Combina em si todos elementos valiosos das teorias anteriormente men­ cionadas, conquanto evite suas inconsistências, mostrando um princípio mais profundo no qual se baseia cada um desses elementos.

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A teoria ética admite a indispensabilidade do exemplo de Cristo defendido pela sociniana; a influência moral do sofrim ento dele, defendida pela teoria de B u s h n e ll; a garantia da segurança do governante insiste na teoria de Gró­ cio; a participação do crente na nova hum anidade de Cristo ensinada na teo­ ria de Ir v in g ; a satisfação à majestade de Deus para com os eleitos fez tanto pela teoria de A n s e lm o . Mas a teoria ética afirm a que todas as outras reque­ rem como pressuposto da sua obra eficaz a satisfação ética à santidade de Deus, apresentada na natureza humana culpada pelo seu Filho que a tomou para redimi-la.

c) Vai, mais plenamente, ao encontro das exigências da Escritura, susten­ tando que a necessidade da expiação é absoluta, visto que se apóia nas deman­ das da santidade imanente, atributo fundamental de Deus. At. 17.3 - “convinha que Cristo padecesse e ressuscitasse dos m ortos” literalm ente: “era necessário que Cristo padecesse” ; Lc. 24.26 - “Porventura não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória”? Literalm en­ te: “Acaso não era necessário que Cristo padecesse estas coisas”? Não bas­ ta dizer que Cristo deve padecer para que se cum pram as profecias. Por que se profetizou que ele havia de padecer? Por que Deus propôs que ele deveria padecer? A necessidade última está na natureza de Deus. P la t ã o , Republic, 2.361 - “O homem justo de quem se pensa ser injusto será açoitado, torturado e am arrado; terá os olhos arrancados; e, por fim, tendo suportado todo o tipo de mal, será em palado” . Isto significa que, do modo como a sociedade humana está constituída, até mesmo uma pessoa justa deve sofrer pelos pecados do mundo. “Mors m ortis Morti mortem nisi morte dedisset, Aeternae vitae janua clausa foret” - “Não tivesse a Morte da morte dado a destruição da morte, Teria sido fechado o portal, o portal da vida e do céu”.

d) Mostra-se mais satisfatória indo ao encontro das demandas da santida­ de; a saber, pela oferta propiciatória de alguém que é pessoalmente puro, mas que, pela união com a raça humana herdou a sua culpa e pena. "Q uo nort ascendam ”? - “ Para onde não su b ire i” ? exclam ou o m aior m inistro dos reis modernos, num momento de intoxicação. “Para onde não me inclinarei?” diz o Senhor Jesus. O Rei Humberto, durante o ataque de cólera, na Itália: “ Em Castellam are eles se casam; em Nápoles morrem; eu vou para Nápoles” . W rightnour: “Não é uma boa ilustração a de Powhatan, erguendo a sua clava para matar John Smith, enquanto Pocahontas foge entre a clava e a vítima. Deus não é um ser irado, determ inado a abater algum a coisa, não importa qual. Seria m elhor que Powhatan tivesse recebido ele mesmo o gol­ pe, sem o desejo de poupar a vítima. O Pai e o Filho são um. Quando era necessário punir em sua escola em C oncórdia, Bronson A lcott às vezes punha uma vara nas mão do ofensor e mandava bater na dele (Alcott), para

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não quebrar a lei deixando de punir. O resultado é que poucas regras eram quebradas. Do mesmo modo Deus em Cristo levou o pecado do mundo e suportou a pena para que a sua lei não fosse violada” . e) Fornece a única explicação apropriada da linguagem sacrificial do N.T. e dos ritos sacrificiais do V.T., considerados proféticos da obra expiatória de Cristo. F o s t e r , Chrístian Life a n d R eligion, 207-211 - “A im posição de mãos sobre a cabeça da vítim a não é totalm ente explicada a não ser por conta do grande dia da expiação, quando através do mesm o gesto e da distinta confis­ são dos pecados do povo seria ‘posta sobre a cabeça do bode’ (Lv. 16.21) para ser levado para o deserto. O sangue era sagrado e devia ser derramado diante do Senhor evidentem ente em lugar da vida do pecador infrator que devia ter sido entregue” . W a t t s , N ew Apologetics, 205 - “ ‘O Senhor proverá’, eis a verdade ensinada quando Abraão valeu-se de um carneiro providen­ ciado por Deus que ele ‘ofereceu em holocausto, em lugar do seu filh o ’ (Gn. 22.13,14). Como o cordeiro não era de Abraão, o seu sacrifício não podia ensinar que tudo o que ele tinha pertencia a Deus e, com inteira fé na sua bondade, deveria ser dedicado a ele; mas, na verdade ensina que ‘sem derram am ento de sangue não há rem issão’ Hb. 9.22)”. 2 Cr. 29.27 - “ao tem ­ po em que começou o holocausto, começou tam bém o canto do Senhor”.

f) Só ela dá o adequado lugar à morte de Cristo como a caraterística central de sua obra - estabelecida nas ordenanças, e no principal poder da experiência cristã. Q uando M artin h o Lutero c o m p re e nd e u a ve rd a d e sobre a expiação com eçou a soluçar e a lam entar diante de um crucifixo: “ Für mich, fü r mich” ! - “Por mim, por m im ” ! Elisha Kane, o explorador do C írculo Polar Ártico, enquanto procurava sinais de Sir John Flanklin e dos seus companheiros, enviou oito ou dez homens para explorar a região vizinha. Depois de vários dias, três deles voltaram quase doidos de frio - o term ôm etro m arcava cin­ qüenta graus abaixo de zero - e relataram que estavam m orrendo a milhas de distância. O Dr. Kane organizou um grupo de dez e, em bora ele mesm o estivesse sofrendo de um velho problem a do coração, dirigiu-os para o res­ gate. Por três vezes ele desm aiou durante doze horas de m archa e sofri­ mento; mas achou os homens. “ Nós tínham os certeza de que você . ria! nós tínham os certeza de que você viria, irm ão” ! cochichou um deles, c : r dificuldade para falar. Por que ele tin h a certeza de que o Dr. Kane \ ria? Porque sabia da estrutura de que ele era feito e sabia que ele arriscaria a sua própria vida por qualquer um deles. É um a parábola da relação de C ris­ to com a nossa salvação. Ele é o nosso irm ão mais velho, osso dos nossos ossos e carne da nossa carne e não só arrisca a morte, mas suporta-a. para salvar-nos.

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g ) Dá-nos o único meio de entender os sofrimentos de Cristo no horto e na

cruz, ou de reconciliá-los com a justiça divina.

K r e ib ig , Versõhnungslehre (Doutrina da R econciliação): “O homem tem urc\a cuVpa. que os so^vmerVios punWiNOS de um 'mediador. Cristo mostra um sofrim ento que não pode ser justificado a não ser pela referência de uma outra culpa que não é a sua. Estes dois fatos com binam e resolvem o problema da expiação”. J. G. W h it t ie r : “Através de todas as profundezas do pecado e perdição cai o peso da cruz; embora o abismo nunca se acha mais profundo do que a cruz possa sondar” . Alceste adquiriu a vida do seu marido Admeto morrendo em lugar dele; Marco Cúrcio salvou Roma saltando na aber­ tura do abism o; o servo russo lançou-se aos lobos para resgatar o seu ser\Uot. B e r d o e , Robert Browning, 47 - “C onhecer D eus como o \e \s\a pode ser o bastante para os espíritos puros, para quem nunca pecou, sofreu, nem sentiu a necessidade de um Salvador; mas para os homens decaídos e peca­ dores o Cristo do cristianism o é uma necessidade imperativa; e os que nunca se renderam a ele nunca souberam o que é experim entar o descanso que ele dá à alma carregada do fardo do pecado” .

h ) Como nenhuma outra teoria, este ponto de vista satisfaz a demanda ética da natureza humana; pacifica a consciência convicta; garante ao pecador que ele pode achar a instantânea salvação em Cristo; e assim torna possível uma nova vida de santidade enquanto, ao mesmo tempo, fornece os mais altos incentivos para essa vida. S h e d d : “A parte ofendida 1) permite uma substituição; 2) provê um substi­ tuto; 3) este mesmo substitui” . G e o r g e E l io t : “A justiça é como o reino de Deus; não existe sem nós, como um fato; está ‘dentro de nós’ como um gran­ de anseio” . Mas é tanto externo como interno e a sua introversão é apenas um reflexo da extroversão; as dem andas subjetivas da consciência só refle­ tem as objetivas da santidade. E ainda, enquanto este ponto de vista exalta a santidade de Deus, ultra­ passa qualquer outro ponto de vista em sua apresentação móvel do amor de Deus - que não se satisfaz com o sofrim ento no pecador e com ele, ou não se satisfaz em fazer deste sofrim ento da consideração que Deus faz da lei; mas do am or que mergulha na culpa do pecador e suporta a pena; desce tanto que se faz um com ele em tudo exceto na sua depravação - faz todo o sacrifício menos o da santidade de Deus - o qual Deus não poderia fazer sem deixar de ser Deus; ver 1 Jo. 4.10 - “ Nisto está o amor: não em que tenham os amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados” . O soldado que pensara ter sido reprovado foi transferido para a reforma uma vez perdoado. W illiam Huntington, em sua Autobiografia, diz que uma das sensações de dor mais agudas depois que foi despertado pela graça divina é que ele sentiu a compaixão da parte de Deus. Nunca se abusou tanto do homem como de Deus. Rm. 2.4 - “a bondade de Deus te leva ao arre­

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pendim ento”; 12.1 - “pelas m isericórdias de Deus” leva a “apresentardes os vossos corpos em sacrifício vivo”; 2 Co. 14.15 - “o am or de Cristo nos cons­ trange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morre­ ram; e ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” . O efeito da expiação de Cristo sobre o caráter e vida do cristão pode ser ilustrado com a proclamação de Garibaldi: “Aquele que ama a Itália, siga-me! Prom eto-lhe dureza, prometo-lhe sofrim ento, prom eto-lhe morte. Mas quem ama a Itália siga-m e” !

D) Objeções à Teoria Ética da Expiação. Sobre o assunto geral destas objeções, P h il ip p i , Glaubenslehre, VI, 2.156180, assinala: 1) que ela se apóia em Deus só para dizer se ele perdoa o pecado e de que modo o faz; 2) que os instintos humanos são um padrão bem inseguro pelo qual se julga o procedim ento do governador do universo; e 3) uma nítida declaração de Deus a respeito do plano da salvação prova a falácia e o erro de todos os raciocínios contra ela. Devemos corrigir os nossos relógios móveis e fixos conforme os padrões astronômicos.

a) Que um Deus que não perdoa o pecado sem expiação não é onipotente ou amoroso. - Respondemos, por um lado, que a onipotência de Deus sempre se exerce em consistência com o seu atributo fundamental da santidade de modo que, enquanto a santidade demanda o sacrifício, o amor o provê. Mostra-se a misericórdia, não pisando sobre as reivindicações da justiça, mas satisfazendo-as de um modo vicário. Porque o hom em não necessita de vin g a r os erros pessoais, não se segue que Deus não o deve. De fato, tal vingança é proibida com base no fato de que ela pertence a Deus; Rm. 12.19 - “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, diz o Senhor” . Porém há limites até mesmo para a nossa preterição sobre as ofensas. Às vezes o pai deve castigar; e, embora tal castigo não seja propriam ente uma punição, torna-se tal, quando o pai se tom a um senhor ou governante. É quando entram outros interesses além dos pessoais. “Porque um pai pode perdoar sem a expiação não se segue que o estado possa fazer o m esm o” ( S h e d d ). Porém Deus é mais do que pai, mais do que Senhor, mais do que governador. Nele a pessoa e a justiça são idên­ ticas. Para ele, perm itir que o pecado não seja punido é aprová-lo; o que é a m esma coisa que negar a sua santidade. Q ualquer que seja o perdão admitido, então, deve sê-lo através da puni­ ção. O simples arrependim ento nunca expia o crime, mesmo no governo civil. O verdadeiro penitente nunca sente que o seu arrependim ento se constitui a base da aceitação; quanto m ais ele se arrepende, mais reconhece a sua necessidade de reparação e expiação. Por isso Deus vai ao encontro da demanda da consciência do homem, assim com o da sua santidade, quando ele provê uma punição substitutiva. Deus m ostra o seu amor, indo ao encon­ tro das dem andas da santidade e com o sacrifício de si mesmo.

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O publicano não orou para que Deus fosse m isericordioso sem sacrifí­ cio, mas do seguinte modo: “Ó Deus, tem m isericórdia de mim, pecador” ! (Lc. 18.13); em outras palavras, ele pediu misericórdia através do sacrifício e apoiada nele. Não podemos fazer expiação aos outros pelo erro que com ete­ mos contra eles, nem mesmo podemos fazer expiação às nossas almas. Uma terceira parte, um ser infinito, deve expiar, de uma form a que nós não pode­ mos. Só apoiados no fato de que o próprio Deus fez a provisão para a satisfa­ ção da reivindicação da justiça é que podemos cum prir a ordem de perdoar os outros. Então Otelo perdoaria lago? Sim, desde que este se arrependes­ se; Lc. 17.3 - “Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; e, se ele se arrepen­ der, perdoa-lhe”. Mas, e se ele não se arrepender? Sim, aí vai depender da disposiçã o de O telo. Ele não deve d e te s ta r lago, mas q u e re r-lh e bem; Lc. 6.27 - “Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, fazei bem aos que vos aborrecem, bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam ”. Mas ele não pode receber lago na sua com unhão enquanto este não se arrepender. b) Que a satisfação e o perdão excluem-se mutuamente. - Respondemos que, visto que não é uma terceira parte, mas o Juiz em si mesmo que satisfaz a sua própria santidade violada, o perdão ainda é opcional e pode ser oferecido nos termos do acordo com ele mesmo. O sacrifício de Cristo não é uma satis­ fação pecuniária, mas penal. A objeção é válida contra o ponto de vista mera­ mente comercial da expiação, não contra o ponto de vista ético. O perdão é algo além da sim ples retirada da pena. Quando um homem suporta a pena do seu crime, a com unidade não tem nenhum direito de se indignar contra ele? Há uma discussão entre a satisfação pecuniária e a penal. A pecuniária diz respeito apenas à dívida; a penal se refere também à pessoa do ofensor. Se o perdão é matéria de justiça no governo de Deus, também o é a respeito de Cristo. Para o recebedor é apenas misericórdia. “ Fiel e justo para perdoar os nossos pecados” (1 Jo. 1.9) = fiel à sua prom es­ sa e justo para Cristo. Nem a expiação, nem a prom essa, atende qualquer reivindicação pessoal do ofensor. Filemom deve perdoar a dívida pecuniária a Onésimo, quando Paulo fizer o seu pagamento; o mesmo não ocorre com a ofensa pessoal que Onésimo praticou contra Filemom; não há perdão desta enquanto Onésim o não se arrepender e pedir-lho. Pode-se oferecer uma anistia a todos, mas sob condi­ ções. O Exemplo do oferecim ento do perdão de Am os Lawrence ao que falsi­ ficou o papel que ele tinha com prado com a condição de que ele confessasse a sua falência e pusesse todos os seus negócios nas mãos do seu benfeitor. Do mesmo modo o fato de que Cristo pagou as nossas dívidas não o impede de oferecer-nos o benefício daquilo que ele fez, apoiado na condição do nos­ so arrependim ento e fé. O homem não fornece o equivalente, mas Deus o faz. Por isso Deus pode oferecer os resultados com apoio nos seus próprios termos. A raça toda pagou a pena quando um sofreu, do mesmo modo que todos incorreram na pena quando um pecou? Sim; todos que receberam a sua vida, cada um da sua parte - de um lado Adão, do outro lado, Cristo.

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H o v e y cham a a relação de Cristo com o pecado humano de substituição penal. Do mesmo modo em que a posição do vice-rei assume toda a respon­ sabilidade, cuidado, e anseios da autoridade real, assim a relação do substi­ tuto penal para com o pecado leva em si o sofrim ento e a perda do castigo original. A pessoa sobre quem recai a ação é diferente, mas a sua punição é a mesma, ao menos quanto ao valor penal. Como autoridade vice-real pode ser inferior à real, de modo que o sofrim ento vice-penal, se desprezado, pode ser superado pela pena originai. Há um desgaste no sofrim ento vice-penal quando algo se perde em favor de quem a suportou? Sobre o mesmo princí­ pio poderíam os objetar qualquer sofrim ento da parte de Cristo para os que recusam ser salvos por ele. Tal sofrimento pode beneficiar outros ou até aqueles para quem ele o suportou. Há quem diga que, se se faz a com pensação, nada há a perdoar; se se admite o perdão, não se requer nenhum a com pensação. Isto nos faz lembrar Narvaez, que não via razão para perdoar os seus inim igos enquanto não tivesse atirado em todos eles. Quando a parte ofendida fornece a com pensa­ ção, pode oferecer os seus benefícios nos seus próprios termos. Dr. Pentecost: “ Na Escócia, trouxeram um prisioneiro perante o juiz. Quando o réu entrou, encarou o rosto do juiz para ver se podia descobrir m isericórdia nele. Juiz e prisioneiro trocaram olhares, dos quais veio o reconhecimento mútuo. O prisioneiro disse para si mesmo: ‘Agora tudo certo’; o juiz tinha sido colega de classe na Universidade de Edimburgo havia vinte anos. Proferida a sen­ tença, o pagamento de cinco libras esterlinas, o limite da lei para um delito leve, e o réu ficou muito desapontado, quando foi levado à prisão. Porém o juiz pagou a multa determ inando ao escrivão que lavrasse a abolição da cul­ pa do homem. O juiz fez isto como pessoa, explicando que as exigências da lei devem ser cum pridas e tendo feito isso liberou o hom em ”.

c) Que não pode haver nenhuma verdadeira propiciação, visto que o juiz e o sacrifício são o mesmo. - Respondemos que esta objeção ignora a existência das relações pessoais dentro da natureza divina e o fato de que o Deus-homem se distingue de Deus. A satisfação se baseia na distinção das pessoas da divinda­ de; enquanto o amor em que se origina pertence à unidade da essência divina. A satisfação não se entrega a uma parte de Deus, porque toda a divinda­ de, de certo modo, está no Pai; como na onipresença = totus in om ni parte. Deste modo a oferta é perfeita porque a divindade toda está em Cristo (2 Co. 5.19 - “Deus estava em Cristo reconciliando o m undo”). L y m a n A b b o t t diz que a palavra “propiciar é em pregada no Novo Testamento só na voz média, para m ostrar que Deus propicia a si mesm o. L y t t e l t o n , em Lu x M u n a l 302 “A expiação é, sem dúvida, um mistério, mas, na verdade todo perdão o é. É bom avaliar o peso da culpa que recai sobre o ofensor. Uma mudança omite aquele que só pode ser descrito como regenerador, doador da vida; e, deste modo, a garantia do perdão, embora se possa dizer que oblitera a dádiva, realiza-se; e, deste modo, a garantia do perdão, apesar de transm itida, podese dizer que oblitera, em certo sentido, as conseqüências do passado. 310 -

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“Cristo não suportou os sofrim entos para ficarm os livres deles, pois merece­ mo-los, mas para que sejam os capazes de suportá-los, como ele, de um modo vitorioso e numa inquebrantável união com Deus” .

d ) Que o sofrimento do inocente pelo culpado não é uma execução da jus­

tiça, mas da manifesta injustiça. - Respondemos que isto é verdade só com base na suposição de que o Filho suporta a pena dos nossos pecados, não voluntariamente, mas compulsoriamente; ou com base na suposição de que aquele que é pessoalmente inocente de modo nenhum pode envolver-se na culpa e pena dos outros ambas hipóteses contrariam a Escritura e os fatos. O mistério da expiação encontra-se nos sofrim entos imerecidos da parte de Cristo. Muito ao contrário, isto fixa o m istério correspondente ao imerecido perdão merecido dos crentes. Já tentam os m ostrar que, conquanto Cristo é pessoalm ente inocente, ele estava envolvido com os outros nas conseqüên­ cias da queda, porque cabe a ele suportar a culpa e a pena da raça. Ao dis­ cutirm os a doutrina da Justificação, verem os que, pela sem elhante união do crente com Cristo, tal justificação deste se torna nossa. Para aquele que crê em Cristo com o o Deus imanente, a vida da hum ani­ dade, o Criador e sustentador da raça, parece inevitável que Cristo suporte o castigo do pecado humano. As próprias leis da natureza são a manifestação da sua santidade e aquele que revela Deus tam bém está sujeito à sua lei. O processo histórico que culm inou com o C alvário foi a m anifestação de um longo sofrim ento que Cristo suportou por causa da sua conexão com a raça a partir do primeiro momento em que ela pecou. A. H. S t r o n g , C hristin Creation, 80-83 - “O Deus de am or e santidade é o Deus d o sofrim ento tão certo como o pecado existe. Paulo declara que com pleta “o resto das aflições de Cristo pelo seu corpo que é a igreja” (Cl. 1.24); em outras palavras, Cristo ainda sofre nos crentes que são o seu corpo. O sofrim ento histórico realmente ter­ minou; a agonia do Gólgota findou; os dias em que a tristeza devorou a ale­ gria passaram ; a morte não tem mais domínio sobre o nosso Senhor. Mas a tristeza pelo pecado não term inou; ainda continua e continuará enquanto o pecado existir. Mas agora não militará contra a bem -aventurança de Cristo porque a tristeza é contrabalançada e vencida pelo conhecim ento infinito e glória da sua natureza divina. B u s h n e l l e B e e c h e r estão certos quando sus­ tentam que o sofrim ento por causa do pecado e a conseqüência natural da relação de Cristo com a criação pecadora. Estão errados ao confundir a natu­ reza desse sofrim ento e não verem que a constituição das coisas que o to r­ nam necessário, porque é a expressão da santidade de Deus, dá ao sofri­ mento um caráter penal e faz de Cristo a oferta substitutiva do pecado do m undo” .

é) Que não pode haver nenhuma transferência de punição e mérito, visto que estes são pessoais. - Respondemos que a idéia de representação e fiança é comum na sociedade humana e no governo; e que tal representação e fiança

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são inevitáveis sempre que o inocente e o culpado comunguem na vida. Quan­ do Cristo tomou a nossa natureza, não podia agir de outra forma a não ser tomando as nossas responsabilidades também. Cristo tornou-se responsável pela hum anidade à qual ele se uniu. Tanto os poetas como os historiadores têm reconhecido a propriedade do membro de uma casa ou de uma raça, respondendo um pelo outro. Antígone expia o crime da sua casa. Marcos Cúrcio sustenta que está pronto a m orrer pela sua nação. Luís XVI tem sido cham ado de “cordeiro sacrificial:, oferecido pelos crimes da sua raça. Do mesmo modo o sacrifício de Cristo para com toda a fam ília humana, porque ele é um com a referida fam ília. Mas aqui encontra­ mos tam bém uma limitação. Não se estende aos anjos porque ele não tomou sobre si a natureza deles (Hb. 2.16 - “Porque, na verdade, ele não tom ou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão”). “ Recentemente aconteceu uma coisa estranha em uma das nossas cor­ tes de justiça. Perguntou-se a um jovem por que não se aplicaria a pena extrem a a ele. Naquele momento, um homem de cabelos grisalhos, rosto sulcado de tristeza, dirigiu-se ao prisioneiro, pôs a mão sobre o seu ombro e disse: ‘Da sua honra não tenho nada a dizer. O veredicto que se encontrou contra nós é justo. Só tem os de clam ar por m isericórdia’. ‘Nós’! Nada há con­ tra este velho pai. Contudo, neste m om ento ele se perdeu. Identificou o seu próprio ser com o do seu moço desordenado. Não tendes vós compaixão do filho crim inoso por causa da sua com paixão pelo seu idoso e triste pai? Por­ que ele tem sofrido tanto, não deve a vossa dem anda de que o seu filho sofra ser mitigada? Não será isso motivo para que o juiz m odifique a sua sentença? A natureza não conhece perdão algum; mas a natureza humana sim; não é a natureza, mas a natureza humana que é feita à imagem de Deus” .

f) Que Cristo não podia ter sofrido o remorso, como parte da pena do peca­ do. - Respondemos, por um lado, que não pode ser essencial à idéia de pena que Cristo tenha suportado idênticas angústias que o incrédulo teria passado; e, por outro lado, não sabemos o quanto um ser perfeitamente santo, possuído de conhecimento sobre-humano e o amor podia ter sentido as mesmas angús­ tias do remorso pela condição da humanidade de que ele era a consciência e o coração centrais. Tome-se por exem plo o advogado lam entando a queda de uma estrela da sua profissão; a m ulher envergonhada porque alguém degradou o seu sexo: o pai angustiado pela desobediência da sua filha; o cristão esmagado pelos pecados da igreja e do mundo. O espírito que a si mesmo se isola não pode entender quão perfeitam ente o am or e a santidade podem to m a r seus os pecados da raça da qual ele faz parte. S im o n , Reconciliation, 3 & € L ^ “ Na m edida em que o pecado da raça hum a­ na culminou com a crucificação que coroou os sofrim entos de Cristo, de um modo claro a vida da humanidade que o introduziu de form a subconsciente

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deve ter sido mais com pletam ente carregada de pecado e do tem or da morte que é o seu fruto no exato momento quando ele mesmo estava suportando a morte na sua mais terrível forma. Por isso, era necessário que ele sentisse como se ele fosse o pecador dos pecadores e, na agonia, clamasse: ‘Deus meu, Deus meu, por que me desam paraste’? (Mt. 27.46)”. Cristo pode entender a nossa condição penal. Os seres que têm sem e­ lhante natureza espiritual podem entender e suportar os sofrim entos espiri­ tuais uns dos outros. Não foi injusta a tristeza de Davi, quando clamou: “Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morresse por ti” ! (2 Sm. 18.33). M o b e r l y , A tonem ent and Personality, 117 —“ É possível a penitência na impecam inosidade pessoal? R espondem os que só aquele que é pessoalm ente sem pecado pode perfeitam ente arrepender, e esta iden­ tificação do sem pecado com o pecador é vital ao evangelho”. Lucy Larcom: “ Haja mulheres tristes, enferm as e pobres, e as que andam em andrajos; A sua vergonha e a sua tristeza eu as suporto; M inha esperança se frustra com a sua derrota; Suportam o desprezo por causa do meu nome; Há quem peca e eu não me acuse disso”?

Que os sofrimentos de Cristo, tão finitos no tempo, não se constituem uma satisfação às infinitas demandas da lei. - Respondemos que a dignidade infinita do sofredor constitui um pleno equivalente aos olhos da justiça infini­ ta. A substituição exclui identidade de sofrimento; não a exclui de equivalên­ cia. Visto que a justiça tem como alvo as suas penas não tanto à pessoa como ao pecado, pode admitir sofrimento equivalente quando aquele que pecou suporta-o na própria natureza. g)

Os sofrim entos de um cão e os de um homem têm diferentes valores. O salário do pecado é a morte; e Cristo, sofrendo a morte, sofreu a nossa pena. A eternidade do sofrim ento não é essencial à idéia de pena. O ser finito não pode esgotar uma maldição infinita; mas um ser infinito o pode em umas poucas horas. S h e d d , Discourses and Essays, 307 - “ Uma águia de ouro vale mil centavos de cobre. A pena paga por Cristo é estrita e literalm ente equiva­ lente embora não idêntica àquela que o pecador teria suportado. A sua obra vicária exclui esta” . A opinião de Andrew Fuller é que Cristo teria de sofrer o mesmo tanto se só um pecador fosse salvo por isso. A expiação é um fato único, ilustrado só em parte através da dívida e da pena. Contudo os term os ‘com pra’ e ‘resgate’ sejam escriturísticos e sim ples­ mente significam que a justiça de Deus pune o pecado o quanto ele merece; e isso, tendo determinado o que merece, Deus não muda. V e /-O w E N , citado em C a m p b e l l , Atonement, 58,59. Porque o sacrifício de Cristo é absolutam en­ te infinito, nada se lhe pode acrescentar. Se o sacrifício de Cristo satisfaz o Juiz de todos, bem pode satisfazer-nos.

h) Que, se a obediência passiva de Cristo satisfez a justiça divina, então a sua obediência ativa foi supérflua. - Respondamos que as obediências ativa e

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passiva são inseparáveis. Esta é essencial àquela; e ambas são necessárias para assegurar ao pecador, por um lado, o perdão e, por outro, o que está além do perdão, a saber, a restauração do favor divino. A objeção se sustenta apenas contra um ponto de vista da expiação superficial e externa. Para uma exposição mais com pleta deste ponto ver o nosso estudo sobre a Justificação; ver também, O w e n , em Works, 5.175-204. Paulo insiste tanto na obediência ativa de Cristo quanto na passiva. Opor-se à teologia paulina é opor-se ao evangelho de Cristo. C h a r l e s C u t h b e r t h H a l l , U niversal Elements o fth e Christian Religion, 140 - "Os efeitos disto já aparecem nos em pobreci­ dos valores religiosos dos serm ões produzidos pela geração mais jovem de pregadores e pelo deplorável declínio da vida espiritual e do conhecim ento em muitas igrejas. Resultados abertos à observação mostram que o movi­ mento para a sim plificação da essência cristã descartando a teologia de São Paulo facilm ente conduz o ensino do púlpito cristão a uma posição onde as experiências caraterísticas da vida cristã tornaram -se praticam ente impossí­ veis aos que se submetem a tal ensino. O senso cristão do pecado; a penitên­ cia cristã ao pé da cruz; a fé cristã num Salvador que realiza a obra da expia­ ção; a paz cristã com Deus pela mediação de Jesus Cristo - estas e outras experiências que eram a própria vida dos apóstolos e das almas apostólicas desvanecem do ponto de vista do ministro e não têm nenhum significado para a geração mais jovem ”.

0 Que a doutrina é imoral em suas tendências práticas visto que a obediên­ cia de Cristo toma o lugar da nossa e toma a nossa desnecessária. - Responde­ mos que a objeção ignora não só o método pelo qual se apropriam os benefí­ cios da expiação, a saber, o arrependimento e a fé, mas também o poder regenerador e santificador concedido a todo o que crê. A fé na expiação não induz à licenciosidade, mas às “obras de amor” (Gl. 5.6) e à “purificação de corações” (At. 15.9). A água tem pouco valor para o sedento se ele não a beber. A fé que aceita Cristo ratifica tudo o que Cristo tem feito e aceita Cristo como um novo princí­ pio de vida. Paulo determ ina a Filemom que aceite Onésimo como se aceitas­ se o próprio apóstolo; não o velho Onésimo, mas o novo, em quem entrou o espírito de Paulo (Fm. 17). É deste modo que Deus nos recebe como novas criaturas em Cristo. Emborqi não possam os ganhar a salvação por merec mento, recebem o-la; e isto èqvolve uma rendição do coração e da vida que garante a união com Cristo e do progresso moral. O que se fará ao assassino convicto que destrói o perdão que as orações e lágrim as da sua esposa garantiram da parte do governo? Não resta nada a não ser executar a sentença da lei. O honorável G e o r g e F. D a n f o r t h , do Tribu­ nal de Apelação do Estado de Nova Iorque, num a carta particular diz: Apesar de que se acha estabelecido de um modo geral que o perdão atinge tanto a

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punição prescrita para a ofensa e a culpa do ofensor de modo que aos olhos da lei ele é tão inocente como se nunca tivesse com etido a ofensa, e o perdão faz dele como se fosse um novo homem com um novo crédito e uma nova capacidade, contudo o oferecim ento do perdão é essencial à sua validade e não se com pleta sem a sua aceitação. Não se pode forçá-lo. A este respeito é como se o tivesse feito. O oferecim ento pode ser pessoal ao ofensor ou ao seu agente e as circunstâncias assim como outros fatos podem provar a sua aceitação” .

Que se, como complemento, a expiação requer fé, então não fornece em si uma completa satisfação à justiça de Deus. - Respondemos que a fé não é, como a expiação, a base para a nossa aceitação para com Deus e, deste modo, não é uma obra; a fé é apenas o meio de apropriação. Somos salvos não pela fé, ou por causa da fé, mas só através da fé. Não é a fé, mas a expiação que a fé aceita, que satisfaz a justiça de Deus. j)

Ilustre-se com a anistia dada a uma cidade, sob as condições de que cada habitante a aceite. A aceitação não é base para que se adm ita a anis­ tia; é o meio através do qual se usufruem os benefícios de tal anistia. Com relação às dificuldades ligadas à expiação, podem os dizer, concluindo, com o Bispo Butler: “Se a E scritura tem, com o é certo que tenha, deixado m iste­ rioso este assunto da satisfação de Cristo, não revelado, todas as conjectu­ ras a respeito devem ser, senão evidentem ente absurdas, ao menos incer­ tas. Nem há qualquer razão para queixas de falta de m aiores inform ações a não se r que possam os m ostrar as suas reivin d ica çõ e s” . C onquanto não possam os dizer com o P residente Stearns: “A obra de C risto rem ove os em baraços na justiça especial do universo quanto ao perdão do pecador, mas não podem os dizer c o m o "- não se pode dizer isto porque crem os nos p rin c ip a is d e lin e a m e n to s do pla n o da s a lv a ç ã o a se re m re ve la d o s na Escritura - contudo adm itim os que m uitos problem as continuam insolúveis. Mas, com o o pão nutre até mesm o aqueles que nada entendem dos seus constituintes quím icos ou do m étodo da sua digestão ou assim ilação, do mesm o modo a expiação de Cristo salva aqueles que a aceitam mesmo que não saibam como ela os salva. B a l f o u r , Fund. o f Belief, 264-267 - “ Pensava-se que o calor é uma form a da m atéria; agora considera-se com o um modo de m ovim ento. Podem os tira r proveito dele, qualquer que seja a te o ­ ria adotada, ou m esm o que não tenham os teoria nenhum a. Assim podemos tira r proveito da reconciliação com Deus, em bora difiram os quanto à teoria da Expiação” . - “ Um dos im peradores rom anos com andou a sua fuga para tra ze r areia de A lexandria à arena apesar de que o seu povo em Roma estava passando fome. Mas um certo capitão de navio declarou que, qual­ quer que fosse a ordem do im perador, o seu navio traria trigo. Deste modo, q u a lqu e r areia que os outros pudessem tra z e r p ara s a c ia r a fom e das almas, vam os trazer o trigo do evangelho - a expiação substitutiva de Jesus C risto” . I

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E) Extensão da Expiação. As Escrituras representam a expiação como tendo sido feita para todos homens e como suficiente para a salvação de todos. Portanto, o que é limitado não é a expiação, mas a sua aplicação através da obra do Espírito Santo. Apoiados neste princípio de uma expiação universal, porém com sua apli­ cação aos eleitos, devemos interpretar passagens como Ef. 4.7; 2 Tm. 1.9,10; Jo. 17.9,20,24, declarando uma eficácia especial à expiação no caso dos elei­ tos; também passagens tais como 2 Pe. 2.1; 1 Jo. 2.2; 1 Tm. 2.6; 4.10; Tt. 2.11 declarando que a morte de Cristo é para todos. As passagens que afirm am a eficácia especial da expiação, no caso dos eleitos, são as seguintes: Ef. 1.4 - “como tam bém nos elegeu nele antes da fundação do mundo para que fôssem os santos e irrepreensíveis diante dele em am or” ; 7 - “em quem tem os a redenção pelo seu sangue, a remissão das nossas ofensas, segundo as riquezas da sua graça”; 2 Tm. 1.9,10 - Deus, “que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tem pos dos séculos, e que é manifesta, agora, pelo aparecimento do nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte e trouxe à luz a vida e a incorrupção, pelo evangelho” ; Jo. 17.9 - “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste”; 20 - “Eu não rogo somente por estes, mas tam bém por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim” ; 24 - “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste”. Passagens que afirmam que a morte de Cristo destina-se a todos: 2 Pe. 2.1 - “falsos mestres, que introduzirão encobertam ente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou” ; 1 Jo. 2.2 - “e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não som ente pelos nossos, mas tam bém pelos de todo o mundo”; 1 Tm. 2.6 - Jesus Cristo, “o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos” ; 4 .1 0 - “Deus vivo, que é o salvador de todos os homens, principalm ente dos fiéis” ; Tt. 2.11 - “ Porque a graça de Deus se há m anifesta­ do, trazendo salvação a todos os homens” . Rm. 3.22 - “sobre todos os que crêem ” - às vezes tem sido in te rp re ta d o com o sig n ifica n d o “ a to d o s os homens, e sobre todos os que crêem ” (eiç = destinação; ètú = extensão). Mas a Versão Revista omite as palavras “e sobre todos” , e M e y e r , que conser­ va as palavras, assinala que xoúç 7UGTeúovTaç se refere a Ttávxaç em ambos os exemplos. A participação inconsciente na expiação de Cristo, em virtude da nossa hum anidade comum com ele, em muito nos faz herdeiros da bênção tempo­ ral. A participação consciente na expiação de Cristo, em virtude da nossa fé nele e na sua obra para conosco, concede-nos justificação e vida etem a. M atthew Henry diz que a expiação é “suficiente para todos; eficaz para mui­ tos”. J. M. W h it o n , em The Outlook, 25 de set. de 1897 - “Samuel Hopkins de Rhode Island (1721-1803) foi quem primeiro declarou que Cristo fez a expia­ ção por todos os homens, não só pelos eleitos, como afirm am os calvinistas".

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Devemos dizer “como alguns calvinistas afirm am ” ; pois, como verem os, o próprio João Calvino declara que “Cristo sofreu pelos pecados do mundo todo”. A lfr e d T e n n y s o n , certa feita perguntou a uma velha m etodista quais eram as novas. “ Por que, S r . T e n n y s o n ? , há só uma parte das novas que eu conheço; que Cristo morreu pelos homens todos” . Ao que ele lhe disse: “ Essa é uma velha notícia, aliás, boa nova”.

Se se perguntar em que sentido Cristo é o Salvador dos homens, respondemos: Que a expiação de Cristo assegura a todos os homens um adiamento na execução da sentença contra o pecado e um espaço para o arrependimento juntamente com a continuação das bênçãos comuns da vida que se perderam na transgressão.

d)

Se fosse executada a justiça estrita, a raça teria sido cortada já no prim ei­ ro pecado. O fato de que o homem vive mesm o depois de pecar, deve-se totalm ente à cruz. Há uma pretermissão, ou “ rem issão dos pecados antes com etidos, sob a paciência de Deus” (Rm. 3.25), cuja ju stifica çã o só se encontra no sacrifício do Calvário. Esta “rem issão”, contudo, é limitada na sua duração: ver At. 17.30,31 - “não tendo em conta os tem pos da ignorân­ cia, anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam, porquanto tem determ inado um dia em que com justiça há de julgar o mundo por meio do varão que destinou” . Podemos obter o benefício da lei da gravitação sem entender muito a respeito da sua natureza e os patriarcas e pagãos sem dúvida foram salvos através da expiação, embora eles nunca tinham ouvido falar do seu nome, mas, com o desesperançados pecadores, lançaram -se na m isericórdia de Deus. Cristo é a misericórdia de Deus e eles não o sabiam. Nossos piedosos judeus modernos experim entarão uma estranha surpresa quando souberem que não só o perdão dos pecados, mas cada uma das outras bênçãos da vida lhes vieram através do Jesus crucificado. Mt. 8.11 - “Mas eu vos digo que muitos virão do Oriente e do Ocidente e assentar-se-ão com Abraão, e Isaque e Jacó, no Reino dos céus”. O Dr. G. W. Northrup sustenta que a obra de Cristo é universal em três pontos: 1. reconcilia Deus com a raça toda, independentem ente da trans­ gressão pessoal; 2. garante a doação em toda a graça còrftum e os recursos desta; 3. torna certa a doação da vida eterna a todo aqueje que se vale da graça comum e dos seus meios para possibilitar a Deus como sábio e santo Governador a dar sua graça especial e renovadora. b) Que a expiação de Cristo tornou objetiva a provisão da salvação de todos, removendo da mente divina todo o obstáculo ao perdão e à restauração dos pecadores exceto a sua voluntária oposição a Deus e a recusa de voltar-se para ele. V a n O o s t e r z e e , Dogmatics, 604 - “Da parte de Deus, foi removido tudo o que causava separação; a não ser que prefiram continuar separados dele”.

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A mensagem do evangelho não é: Deus perdoará se retornardes; mas, ao invés disso: Deus tem mostrado m isericórdia; basta crerdes e tereis a vossa porção em Cristo. A s h m o r e , The New Trial o f the S inner em Revista Cristã, 26.245-264 “A expiação veio a todos os homens e sobre todos os homens. Vê-se a sua coexistência com os efeitos do pecado de Adão em todas as criaturas de modo que os infantes e os débeis mentais, incapazes de recusá-la, são sal­ vos sem o seu consentim ento, mesmo porque estão envolvidos no pecado de Adão sem o seu consentimento. A razão por que os outros não são salvos é que, quando a expiação vem a eles e sobre eles, ao invés de consentirem em ser incluídos nela, rejeitam-na. Se eles nasceram sob a maldição do mesmo modo nasceram sob a expiação, cuja finalidade é rem over a m aldição; per­ manecem sob o seu escudo até que tenham a idade suficiente para repudiála; eles desprezam as suas influências como o homem fecha a janela para os raios do sol; eles desviam -na em direção oposta do mesm o modo que o homem constrói diques em volta do seu campo para im pedir que a água corra e não fertilize o solo” .

c ) Que a expiação de Cristo procurou para todos homens os poderosos incentivos para o arrependimento apresentados na cruz e a atuação combinada da igreja cristã e do Espírito Santo pelos quais estes incentivos foram levados à eficácia sobre eles. Do mesmo modo o sol e a chuva são necessários para que o agricultor seja beneficiado com a terra. Não mais seria preciso que Cristo sofresse, se todos fossem salvos. Como já vimos, os seus sofrim entos não são o paga­ mento de uma dívida pecuniária. Tendo suportado a pena do pecado, a ju sti­ ça permite a sua absolvição, mas não a requer, a não ser como cumprimento de uma prom essa ao seu substituto, e a única condição exigida é o conjunto arrependim ento e fé. A expiação é ilimitada; toda a raça humana pode ser salva através dela; a aplicação da expiação é limitada; só os que se arrepen­ dem e crêem são verdadeiram ente salvos por ela. Robert G. Farley: “A futura mãe prepara o enxoval com pleto e bonito para o filho que ela espera. O filho, porém, ainda não é nascido. Entretanto, o enxoval está preparado como se o nascim ento já fosse uma realidade. A obra de Cristo está completa tanto para um homem como para o outro; tanto para o incrédulo como para o crente”.

Cristo é especialmente o salvador dos que crêem naquele que exerce um poder do seu Espírito para que seja o procurador da aceitação da sua salvação. Entretanto, isto não é parte da sua obra expiatória; é a aplicação desta e, como tal, será considerada a partir de agora. Entre os que sustentam uma expiação lim itada tem os O w e n . C a m p b e l l citao dizendo: “Cristo não morreu por todos os pecados de todos os homens; se

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assim fosse, por que não estão livres da punição de todos os seus pecados? Você pode responder: ‘Por causa da sua incredulidade’. Mas esta increduli­ dade é um pecado e por ela Cristo foi punido. Por que, mais do que os outros pecados, este os impede de participar dos frutos da sua m orte”?

2. A Obra Intercessora de Cristo

O sacerdócio de Cristo não cessa com a sua obra de expiação, mas conti­ nua para sempre. Na presença de Deus ele cumpre o segundo ofício de sacer­ dote, o da intercessão. Hb. 7.23-25 - “sacerdotes em grande número, porque, pela morte, foram im pedidos de perm anecer; mas este, porque perm anece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, ele pode salvar perfeitam ente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sem pre a interceder por eles” . C. H. M. sobre Ex. 17 .1 2 - “As mãos do nosso grande intercessor nunca arreiam, como acon­ tecia com Moisés, nem ele necessita de alguém que as sustente. A vara do poder de Deus que foi usada por Moisés para bater na rocha (expiação) esta­ va nas mãos de Moisés enquanto se achava no monte (intercessão)”. D e n n e y , Studies in Theology, 166 - “Se não vem os nada de sobrenatural no fato de que Cristo orou por Pedro aqui na terra, não vemos dificuldade alguma no fato de que ele ore por nós no céu. A relação é a mesma; a única diferença é que agora ele está exaltado e ora, não com clam ores e lágrimas, mas com o poder soberano e prevalecente de alguém que alcançou a reden­ ção eterna para o seu povo” .

A) Natureza da Intercessão de Cristo. - Esta não deve ser concebida como um requisito exterior e vocal, nem como mera figura de linguagem da influên­ cia natural e contínua do sacrifício; porém, mais como uma atividade de Cris­ to, garantindo, com base em tal sacrifício, qualquer que seja a bênção que venha ao homem, quer temporal quer espiritual. 1 Jo. 2.1 - “se alguém pecar, tem os um A dvogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo” ; Rm. 8.34 - “ É Cristo quem morreu ou, antes, quem ressusci­ tou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e tam bém intercede por nós” - neste texto parece que M e y e r favorece o sentido de uma petição exte­ rior e oral como a do Deus-homem glorificado; Hb. 7.25 - “vivendo sempre para interceder por eles”. Apoiado nessa intercessão eficaz, ele pode proferir a verdadeira bênção sacerdotal; e todas as bênçãos dos seus m inistros e apóstolos são apenas frutos e em blemas desta (ver a bênção araônica em Nm. 6.24-46 e as apostólicas em 1 Co. 1.3 e 2 Co. 13.13).

B) Objetivos da Intercessão de Cristo. - Podemos distinguir a ) a interces­ são geral que garante a todos homens alguns benefícios temporais da obra

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expiatória e b) a intercessão especial que assegura a aceitação divina das pes­ soas dos que crêem e a concessão divina de todas dádivas necessárias à sua salvação. a) Intercessão geral em favor dos homens: Is. 53.12 - “mas ele levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” ; Lc. 23.34 “ Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem ” - o começo da sua inter­ cessão sacerdotal, mesmo enquanto estava sendo pregado na cruz. b) Intercessão especial pelos seus santos: Mt. 18.19,20 - “se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome aí estou eu no meio deles”; Lc. 22.31,32 - “Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar com o o trigo. Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” ; Jo. 14.16 - “ E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Controlador” ; 1 7 .9 - “ Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste” ; At. 2.33 - “ De sorte que, exaltado pela destra de Deus e, tendo recebido do Pai a prom essa do Espírito Santo, derramou isto que agora vedes e ouvis” ; Ef. 1.6 - ‘a glória da sua graça, pela qual vos fez agradáveis a si no Am ado” ; 2 . 1 8 - “por ele, ambos tem os acesso ao Pai em um mesm o Espírito” ; 3.12 - “no qual tem os ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele” ; Hb. 2.17,18 - “Pelo que convinha que, em tudo, fosse sem elhante aos irm ãos, para ser m isericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados. 4.15,16 - “ Porque não tem os um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguem os, pois, com confiança ao trono da gra­ ça, para que possamos alcançar m isericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tem po oportuno”; 1 Pe. 2.5 - “sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” ; Ap. 5.6 “ E olhei, e eis que estava no meio do trono ... um Cordeiro, como havendo sido morto, e tinha sete pontas, e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados a toda a terra” j 7.16,17 - “Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem sol nem c a ljjia cairá sobre eles, porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda lágrim a”.

C) Relação da Intercessão de Cristo com a do Espírito Santo. - O Espírito Santo é um advogado em nós, ensinando-nos como devemos orar; Cristo é um advogado no céu, assegurando uma resposta da parte do Pai para as nossas orações. Assim a obra de Cristo e a do Espírito Santo são complementos uma da outra e partes de um todo. Jo. 14.26 - “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará todas as coisas e vos fará lem brar de tudo

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quanto vos tenho dito” ; Rm. 8.26 - “ E da m esm a m aneira o Espírito ajuda as nossas fraquezas porque não sabemos o que havemos de pedir como con­ vém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprim íveis”; 27 - “ E aquele que exam ina os corações sabe qual é a intenção do Espírito; e é ele que segundo Deus intercede pelos santos” . A intercessão do Espírito Santo pode ser ilustrada pela palavra da mãe, que ensina o seu filho a orar pondo as palavras na sua boca ou sugerindo os assuntos da oração. “A Trindade toda está presente no compartimento do cristão; o Pai ouve; o Filho advoga a sua causa à destra do Pai; o Espírito Santo intercede no coração do crente” . Por isso “Quando Deus inclina o cora­ ção para a oração, ele tem ouvidos para ouvir” . O impulso para orar, dentro dos nossos corações, é evidência de que Cristo está estim ulando as nossas reivindicações no céu.

D) Relação da Intercessão de Cristo com a dos santos. - Toda a verdadeira intercessão é direta ou indiretamente a intercessão de Cristo. Os crentes são órgãos do Espírito de Cristo. Supor Cristo em nós para oferecer oração a um dos seus santos ao invés de diretamente ao Pai é blasfemar de Cristo e conce­ ber erroneamente a natureza da oração. Na terra, os santos, através da sua união com Cristo, o sumo sacerdote, constituem -se intercessores; e como o sumo sacerdote no passado levava em seu seio o peitoral gravado com os nomes das tribos de Israel (Ex. 28.9-12; 39.8), do mesmo modo o cristão deve levar no seu coração os interesses da sua fam ília, da igreja e do mundo, em oração na presença de Deus (1 Tm. 2.1 - “Adm oesto-vos, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões e ações de graças por todos os hom ens”). L u c k o c k , A fte r Death, encontra evidência da fé na intercessão dos santos no céu logo no segundo século. Ele considera que invocação dos santos não é anterior ao século quarto. Aprova a doutrina de que os santos oram em nosso favor, mas rejeita a doutrina de que devemos dirigir nossas orações a eles. Ele defende firm em ente as orações em fa vo r dos mortos. Bramhall, Works, 1.57 - A invocação dos santos “não é necessária, por duas razões: prim eira: nenhum santo nos ama tanto como Cristo; nenhiiim santo nos deu a garantia do seu amor, fez tanto por nós como Cristo; nenhum santo quer ajudar-nos tanto como Cristo; e segunda: não tem os nenhum mandamento de Deus para invocá-los” . A.B. Cave: “O sistem a de mediação humana desapa­ rece com o advento do Cristo vivo nas nossas almas. Quem quer as estrela, ou mesmo a lua, depois que o soi vai alto”?

III. OFÍCIO REAL DE CRISTO Este deve ser distinto da soberania que Cristo possuía em virtude da sua natureza divina. O reinado de Cristo é soberania do Redentor divino-humano que lhe pertencia por direito desde o momento do seu nascimento, mas que foi

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exercido plenamente a partir da sua entrada para o estado de exaltação. Em virtude deste ofício real, Cristo dirige todas coisas no céu e na terra para a glória e execução do propósito salvador de Deus. a) Com relação ao universo em toda sua extensão, o reino de Cristo é um reino de poder; ele sustenta, governa e julga o mundo. SI. 2.6-8 - “Ungi o meu R e i... tu és meu Filho ... os confins da terra por tua possessão” ; 8.6 - “ Fazes com que ele tenha dom ínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo dos teus pés” ; cf. Hb. 2.8,9 “ainda não vemos que todas as coisas lhe estão sujeitas; vemos, porém ... Jesus ... coroado de glória e de honra”; Mt. 25.31,32 - “quando o Filho do Homem vier na sua glória ... então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dele” ; 28.18 - “Toda a autoridade me é dada no céu e na terra” ; Hb. 1.3 - “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”; Ap. 19.15,16 - “ferir todas as nações ... regerá com vara de ferro ... Rei dos Reis e Senhor dos Senhores”. J u l iu s M ü l l e r , Proof-Texts, 34, diz incorretamente, segundo o nosso pen­ samento, que o regnum naturae da teologia antiga é indefensável; há apenas o regnum gratiae e o regnum gloriae". A. J . G o r d o n : “Cristo agora mantém o cetro como uma vez suportou o fardo da criação” .

b) Com relação à sua igreja militante, é o reino da graça; ele funda, legisla, administra, defende e amplia sua igreja na terra. Lc. 2.11 - “... vos nasceu um Salvador, que é Cristo, o Senhor” ; 19.38 “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor” ; Jo. 18.36,37 - “O meu Reino não é deste mundo ... Tu dizes que eu sou r e i... Todo aquele que é da verda­ de ouve a minha voz”; Ef. 1.22,23 - “sujeitou todas as coisas a seus pés e, sobre todas as coisas, o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” ; Hb. 1.8 - “do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos” . D o r n e r , Glaubenslehre, 2.677 (Doutrina S istem ática 4.142,143) - “ Podese dizer que todos os grandes homens têm uma pós-influência (Nachwirkunçj) após a m orte, mas só se p ó tte -d iz e r que C risto tem um a pós-atividade (Fortwikung). O envio do Espírito é parte da obra de Cristo como Rei” . P. S. M o x o m , Bap. Quart. Review, janeiro, 1886.25-36 - “A proem inência de C rs to como a fonte do ser da igreja; a base da unidade desta; a fonte da sua lei: d modelo da sua vida”. A. J. G o r d o n : “Como a igreja suporta a dureza e a h u r-ilhação unida àquele que estava na cruz, assim ela deve mostrar algo da ener­ gia sobrenatural em união àquele que está no trono” . Lutero: ‘ Dizemos ao Senhor Deus que, se ele quer te r a sua igreja, ele mesmo deve cuidar dela. Nós não podem os sustentá-la e, se pudéssem os, nós nos tom aríam os os mais orgulhosos asnos sob o céu ... Se o papa, o sacerdote ou o rr nistro pudessem d e stru ir a igreja de Jesus C risto, tê -lo -ia m há m uito te m p o ” . Ao observar os processos da Dieta de A ugsburgo, Lutero fez um a notá­ vel descoberta. Viu que as estrelas formavam o pálio do céu e, embora não

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houvesse colunas para sustentá-las, continuavam nos seus respectivos luga­ res e o céu não caía. A questão de sustentar o céu e as suas estrelas tem estado nas mentes dos homens em todos os tem pos. Porém não precisamos providenciar esteios para sustentar o céu. Deus cuida da igreja e da doutri­ na cristã. Porque a respeito de Cristo está registrado em 1 Co. 15.25 - “ Por­ que convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés”. “Três vezes abençoado seja aquele a quem é dado o instinto de contar que Deus está no campo conquanto ele seja absolutam ente invisível” . Por­ que Cristo é o Rei, convém nunca perder a esperança na igreja e no mundo. D r. E. G. R o b in s o n declara que o caráter cristão nunca esteve mais completo do que agora, nem mais próximo do homem ideal. Podemos acrescentar que a educação, o comércio a invenção, a civilização m odernos devem ser consi­ derados como revelações de Cristo, a Luz do mundo e o Governante das nações. Todo o progresso do conhecim ento, do governo, da sociedade, é o progresso da sua verdade e uma profecia do estabelecim ento do seu reino.

c) Com relação à igreja triunfante, é um reino de glória; ele recompensa o seu povo redimido com a sua plena revelação da complementação do seu rei­ no na ressurreição e no juízo. Jo. 17.24 - “ Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, tam ­ bém eles estejam comigo, para que vejam a m inha glória” ; 1 Pe. 3.21,22 “Jesus Cristo; o qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu, havendose-lhes sujeitado os anjos, e as autoridades e as potências”; 2 Pe. 1.11 “ Porque assim vos será am plamente concedida a entrada no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” . VerA N D R E W M u r r e y , With C h ris tin the S chool o f Prayer, prefácio, vi - “Ap. 1.6 — ‘E nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai’. Tanto no rei como no sacerdote os principais elementos são: poder, influência, bênção. No rei está o poder de descer; no sacerdote o poder de subir, prevalecendo com Deus. Como em Cristo, assim também em nós, o poder real encontra-se no sacerdotal; Hb. 7.25 - “pode tam bém salvar os que se chegam a Deus, vivendo sem pre para interceder por eles’. “ W a t t s , N ew A pologetics, prefácio, i x - “Não podem os ter Cristo como Rei sem tê-lo como sacerdote. É como Cordeiro que ele se senta sobre o trono no Apocalipse; é como Cordeiro que ele conduz o seu conflito com os reis da terra; e é do trono de Deus em que o C ordeiro aparece que flui a água da vida, que refresca através de todo o Paraíso de Deus” . L u t e r o : “Agora Cristo reina, não de uma form a visível, pública, mas atra­ vés da palavra do mesmo modo em que vem os o sol através de uma nuvem. Vemos a luz, mas não o sol. Porém, quando as nuvens se vão, vemos tanto a luz como o sol” . Podemos encerrar as nossas considerações sobre o Reina­ do de Cristo com duas notas práticas: 1. Nunca será demais pensarm os na cruz, mas podemos pensar muito pouco no trono. 2. Não tem os Cristo como Profeta ou Sacerdote se não o aceitarm os com o Rei.

C apítulo II RECONCILIAÇÃO DO HOMEM COM DEUS, OU APLICAÇÃO DA REDENÇÃO ATRAVÉS DA OBRA DO ESPÍRITO SANTO

SEÇÃO I - APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO NA SUA PREPARAÇÃO a) Nesta seção trataremos da Eleição e da Vocação; a Seção II será dedica­ da à Aplicação da Redenção de Cristo logo no Início, a saber, na União com Cristo, na Regeneração, na Conversão e na Justificação; enquanto a Seção III tem como assunto a Aplicação da Redenção de Cristo na sua Continuação, a saber, na Santificação e Perseverança. O arranjo dos tópicos, ao tratar da reconciliação do homem com Deus, é tirado de Juuus M ü l l e r , Proof-Texts, 35. “A revelação para nós tem como fina­ lidade efetuar a revelação em nós. Em qualquer ser absolutam ente perfeito o intercâm bio de Deus para conosco através da faculdade, e do ensino direto, fu n d ir-s e -ia e a q u e la se ria a vo z de D eus ta n to q u a n to e ste ” ( H u t t o n , Essays).

b) Ao tratar da Eleição e Vocação como aplicações da redenção de Cristo, implicamos que, no decreto de Deus, são ambas logicamente subseqüentes à redenção. Nisto sustentamos o sublapsarianismo distinto do supralapsarianismo de Beza e outros hipercalvinistas que consideram, na ordem do pensamen­ to, que o decreto da salvação individual precede o decreto que permite a que­ da. Neste último esquema, a sua ordem é: 1. o decreto de salvar alguns, e recusar outros; 2. o decreto de criar tanto os que devem ser salvos como os que devem ser recusados; 3. o decreto de permitir que tanto aqueles como estes caiam; 4. o decreto de providenciar salvação só àqueles, i.e., os eleitos. R i c h a r d s , Theology, 302-307, m ostra que Calvino, conquanto na primeira obra, Instituição Cristã, evita inform ações definidas sobre a sua posição a

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respeito da extensão da obra e xp ia tó ria , co n tu d o nas suas últim as, os Comentários, admite a teoria da expiação universal. Por isso o supralapsarianism o não é calvinista, nas hipercalvinista. O sublapsarianism o foi adotado pelo Sínodo de Dort (1618, 1619). Supralapsarianism o é a form a de doutrina que sustenta o decreto da salvação individual antes do decreto de perm itir a Queda; o sublapsário designa a form a de doutrina que sustenta que o decreto da salvação individual é subseqüente ao de perm itir a Queda. Pode-se ver o progresso no pensamento de Calvino comparando alguns dos seus antigos pronunciam entos com os seus últimos. Institutes, 2.23.5 “Com A g o s t in h o , digo que o Senhor criou aqueles que, como, sem dúvida, conhecia antecipadam ente, deviam ir para a destruição e isto fez porque assim quis”. Mas ainda na Instituição, 3.23.8, ele afirm a que “a perdição dos ímpios depende da predestinação divina de tal m odo que a sua causa e matéria encontram -se neles mesmos. O homem cai pela indicação da provi­ dência divina, mas por sua própria culpa” . Ele descreve o ato de cegar, o endurecimento, a volta do pecador provocados por Deus, como conseqüên­ cia do abandono divino, não da causa divina. A relação de Deus com a origem do pecado não é eficiente, mas perm issiva. No fim da vida, Calvino escreveu em seu Com entário sobre 1 Jo. 2.2 - “ele é a propiciação pelos nossos peca­ dos; e não somente pelos nossos, mas tam bém pelos do mundo todo” - o seguinte: “Cristo sofreu pelos pecados do mundo todo; não apenas por uma parte do mundo, mas por toda a raça humana; porque, embora no mundo todo não se ache nada m erecedor do favor de Deus, contudo, ele sustenta a propiciação para o mundo todo porque, sem exceção, ele convoca todos à fé em Cristo que nada mais é do que a porta da esperança” . Apesar de outras passagens, tais como Instituição 3.21.5 e 3.23.1, afirm a­ rem um ponto de vista mais duro, devem os dar a Calvino o crédito de m odifi­ car a sua doutrina com uma reflexão mais am adurecida na idade mais avan­ çada. Muito do que é chamado de calvinism o teria sido repudiado pelo próprio Calvino até mesmo no começo da sua carreira e é, na verdade um exagero do seu ensino pelos seus sucessores mais escolásticos e menos religiosos. Renan cham a Calvino de “o mais cristão da sua geração”. D o r n e r o descreve como “igualmente grande no intelecto e no caráter, amável na vida social, cheio de terna sim patia e fidelidade aos seus amigos, cedendo e perdoando as ofen­ sas pessoais” . O artifício do seu selo é o flam ejant^co^ração que estende a mão auxiliadora. A participação de Calvino na queim a de Serveto deve ser explicada pelo seu equivocado zelo para com a verdade de Deus e pela crença universal daquela época de que tal verdade deve ser defendida pelo poder civil. Seguese a inscrição sobre o monum ento expiatório que os calvinistas ergueram a Serveto: “Aos 27 de outubro de 1553, morreu num poste em C a m p b e l l , Miguel Serveto, de Villeneuve d ’Aragon, nascido em 29 de setem bro 1511. Reveren­ tes e gratos filhos de Calvino, nosso grande Reformador, mas condenando um erro daquela época, e aderindo firm em ente à liberdade de consciência segundo os verdadeiros princípios da Reform a e do evangelho, erigimos este monum ento expiatório, aos 27 de outubro de 1903”. J o h n D e W it t , Princeton Theol. fíeview , janeiro, 1 9 0 4 .9 5 - “Tomemos João Calvino. Essa frutífera concepção - mais frutífera na igreja e no estado do

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que qualquer outra concepção que o mundo de fala inglesa sustentou - sobre a soberania absoluta e universal do Deus santo, como a revolução da con­ cepção prevalecente na época sobre a soberania do homem numa igreja ter­ rena, foi historicam ente a mediação e instauração da sua carreira espiritual”.

c) Mas as Escrituras ensinam que os homens, como pecadores, indepen­ dentemente dos seus pecados, são objeto da graça salvadora de Deus em Cris­ to (João 15.19; Rm. 11.5,7; Ef. 1.4-6; 1 Pe. 1.2). Contudo, a condenação é um ato, não de soberania, mas de justiça e baseia-se na culpa do condenado (Rm. 2.6-11; 2 Ts. 1.5-10). A verdadeira ordem dos decretos é, portanto, a seguinte: 1. o decreto de criar; 2. o decreto de permitir a queda; 3. o decreto de prover em Cristo uma salvação suficiente para as necessidades de todos; 4. o decreto de assegurar a verdadeira aceitação de tal salvação para alguns, ou, em outras palavras, o decreto da Eleição. Que a graça salvadora pressupõe a queda e que os homens como peca­ dores são seus objetos é evidente em Jo. 15.19 - “Se vós fosseis do mundo, 0 mundo amaria o que era seu; mas, porque vós não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece”; Rm. 11.5-7 “Assim, pois, tam bém agora neste tem po ficou um resto, segundo a eleição da graça. Mas, se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Pois que? O que Israel buscava não o alcançou; mas os elei­ tos o alcançaram e os outros foram endurecidos” . Ef. 1.4-6 - “como também nos elegeu desde a fundação do mundo, para que fôssem os santos e irrepre­ ensíveis diante dele em amor, e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Am ado”; 1 Pe. 1.2 — “eleitos segundo a presciência deJDeus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: graça e paz vos sejam m ultiplicadas”. Que a condenação não é um ato da soberania, mas da justiça é evidente em Rm. 2.6-9 - “o qual recom pensará cada um segundo as suas obras, ... indignação e ira ... sobre toda alma do homem que faz o mal” ; 2 Ts. 1.6-9 “que dê em paga a tribulação aos que vos atribulam ... tom ando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho do nosso Senhor Jesus, os quais por castigo sofrerão punição”. Pessoas em particular são eleitas, não porque Cristo morreu por elas, mas porque têm influências especiais do Espírito, que lhes foi dado.

d) Os sublapsários que sustentam o ponto de vista ansélmico de uma expia­ ção limitada, fazem os decretos 3 e 4, já mencionados, mudarem de posição: por isso o decreto da eleição precede o de prover a redenção. Já foram apre­ sentadas as razões bíblicas para preferir a ordem aqui apresentada ao tratar­ mos da Expiação.

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Quando ‘3’ e ‘4 ’ mudam de lugar, o ‘3’ deve ser lido: “O decreto de prover em C risto um a salvação su ficie n te para os e le ito s ” ; e ‘4 ’ deve ser lido: “O decreto de que um certo número de pessoas deve ser salvo; ou, em outras palavras, o decreto da Eleição” . O sublapsarianism o do prim eiro tipo pode ser encontrado em T u r r e t t in , loc. 4, quaes. 9; C u n n in g , Hist. o f Theology, 416439. A. F. J . Behrends: “O decreto divino é a nossa últim a palavra em teologia, não a primeira. Representa o term inus a d quem não o term inus a quo. O que quer que aconteça no exercício da liberdade humana e da graça divina - isso Deus decretou” . Contudo, devem os adm itir que o calvinism o necessita de ser suplem entado por uma afirm ação mais expressa do am or de Deus para com o mundo. H e r r ic k J o h n s o n : “Através da Confissão de W estm inster pode-se com justiça escrever: ‘O evangelho só para os eleitos’. Essa confissão foi escrita sob o dom ínio absoluto de uma idéia: a doutrina da predestinação. Ela não contém um a das três verdades: O amor de Deus em favor de um mundo perdido; a com paixão de Cristo em favor de um mundo perdido, e o evange­ lho universal para um mundo perdido”.

I. ELEIÇÃO Eleição é o ato etemo de Deus pelo qual, em seu soberano agrado e não por mérito algum previsto nos homens ele escolhe alguns dos numerosos pecado­ res para serem os receptores da graça especial do seu Espírito e assim serem participantes voluntários da salvação de Cristo.

1. Prova da Doutrina da Eleição

A) A Partir da Escritura.

Aqui adotamos as palavras do D r . H o v e y : “As Escrituras proíbem-nos de achar as razões para a eleição na ação moral do homem antes do novo nasci­ mento e fazem referência meramente à soberana vontade e misericórdia de Deus; isto é, elas ensinam a doutrina da eleição pessoal” . Antes de avançar para a prova da doutrina em si podemos reivindicar a garantia bíblica para as três afirmativas preliminares (que citamos do D r . H o v ey ), a saber: Primeira: “Deus tem o direito soberano de conceder mais graça a um do que a outro; graça é favor não merecido dado aos pecadores” . Mt. 20.12-15 - “Estes derradeiros trabalharam só uma hora e tu os igualaste conosco ... Amigo, não te faço injustiça ... Não me é lícito fazer o que quiser com o que é meu” ? Rm. 9.20,21 - “A coisa form ada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para, da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra”?

Segunda: “Aprouve a Deus exercer este direito ao tratar os homens” .

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SI. 147.20 - “Não fez assim a nenhuma outra nação; e, quanto aos seus juízos, nenhum a os conhece” . Rm. 3.1,2 - “Qual é, logo, a vantagem do judeu? ou a utilidade da circuncisão? Muita, em toda maneira, porque primei­ ramente as palavras de Deus lhe foram confiadas” ; Jo. 15.16 - “Não me escoIhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, para que vades e deis fruto”; At. 9.15 - “este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel” .

Terceira: “Deus tem alguma outra razão além da de salvar tantos quantos possíveis da maneira em que ele distribui a sua graça” . Mt. 21.21 - Tiro e Sidom “ter-se-iam arrependido” se tivessem tido a graça que foi dada a Corazim e a Betsaida; Rm. 9.22,23 - “Que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia que, para a glória, já dantes preparou”?

As passagens da Escritura que direta ou indiretamente apóiam a doutrina de uma eleição particular do homem para a salvação podem ser arranjadas da seguinte maneira: a) Afirmativas diretas do propósito de Deus de salvar alguns indivíduos. Jesus fala dos eleitos de Deus, como por exemplo em Mc. 13.27 - “E ele enviará os seus anjos e re u ijirá os seus escolhidos (eleitos)” ; Lc. 18.7 “ E Deus não fará justiça aos seus escolhidos (eleitos), que clamam a ele de dia e de noite”? At. 13.48 - “e creram todos quantos estavam ordenados (Te-cayjiévoi) para a vida eterna” - aqui W h e d o n traduz: “dispostos para a vida eterna” referindose a KaxapTia(j.éva em Rm. 9.22, onde “preparados” = “preparados eles mes­ mos” . Contudo, o único exemplo onde xáaaco é em pregado no sentido médio está em 1 Co. 16.15 “a si mesm os se dedicaram ” ; mas o objeto, èavroúç acha-se expresso. Devemos aqui com parar Rm. 13.1 “as autoridades que há foram ordenadas (teTcr/nevou) por Deus; ver tam bém At. 10.42 - “ele é o que por Deus foi constituído (rapianévoç) por Deus juiz dos vivos e dos mortosü Rm. 9.11-16 - “porque eles (os filhos), não tendo ainda nascido, nem ten­ do feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que c h a m a )... Compadecerme-ei de quem me com padecer e terei m isericórdia de quem eu tive r miseri­ córdia ... Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se com padece”; Ef. 1.4,5,9,11 - “com o nos elegeu desde a fundação do mundo, [não porque fôssem os, ou devêssem os ser, santos, mas] para que fôssem os santos e irrepreensíveis diante dele em amor, e nos pre­ destinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito da sua vontade ... o mistério da sua vontade, segundo o seu bene­ plácito ... em quem também fomos feitos herança havendo sido predestinados

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conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade”; Cl. 3.12 - “eleitos de Deus” 2 Ts. 2.13 - “por ter Deus elegido desde o princípio para a salvação do Espírito e fé da verdade” .

b) Em conexão com a declaração da presciência de Deus relativa a estas pessoas, ou escolha para torná-las objeto de sua atenção e cuidado. Rm. 8.27-30 - “cham ados por seu decreto. Porque os que dantes conhe­ ceu, tam bém os predestinou para serem conform es à imagem de seu Filho”; 1 Pe. 1.1,2 - “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito para obediência e aspersão do sangue de Jesus C risto” . Sobre a passagem em Romanos, S h e d d , em seu Comentário, assinala que “dantes conheceu” , no emprego hebraico é mais do que uma sim ples presciência e algo mais que o simples ‘fixar os olhos sobre’, ou ‘selecionar’. É este último, mas com a noção adicional de um sentim ento benigno e generoso para com o objeto” . Em Rm. 8.27-30, Paulo está dando ênfase à soberania divina. A vida cristã é considerada a partir do lado do cuidado e ordenação divinos e não da escolha e volição humanas. A l e x a n d e r , Theories o f the WiH, 87,88 “Se Paulo aqui está defendendo o indeterm inism o, é estranho que no capítulo 9 ele se sinta em dificuldade para responder as objeções do determinismo. O protesto do apóstolo no cap. 9 não é contra a predestinação, mas contra o homem que considera tal teoria como impugnadora da justiça de Deus”. Que, na Escritura, a palavra “conhecer” , com freqüência, não significa sim­ plesm ente “apreender intelectualm ente”, mas “considerar com favor”, para que seja “um objeto de cuidado”, é evidente no texto de Gn. 18.19 - “Porque eu o tenho conhecido que ele há de ordenar a seus filhos e à sua casa depois dele, para que eles guardem o cam inho do Senhor para agirem com justiça e juízo”; Ex. 2.25 - “e atentou Deus para os filhos de Israel e conheceu-os Deus”; cf. v. 24 - “ E ouviu Deus o seu g e m id o -^ lem brou-se Deus do seu concerto com Abraão, com Isaque e com Jacó” ; Sl. 1.6 - “ Porque o Senhor conhece o cam inho dos justos; mas o cam inho dos ím pios perecerá” ; 101.4 - “não conhecerei o homem mau”; Os. 13.5,6 - “ Eu te conheci no deserto, em terra muito seca. Depois eles se fartaram em proporção do seu pasto”; Na 1.7 “conhece os que confiam nele” ; Am. 3.2 - “ De todas fam ílias da terra a vós som ente co nheci” ; Mt. 7.23 - “ Então lhes direi abertam ente: Nunca vos conheci” ; Rm. 7.15 - “ Porque nem mesm o com preendo o meu modo de agir” (Rev. e Atual, do Br.); 1 Co. 8.3 - “Se alguém am a a Deus, esse é conhecido dele” ; Gl. 4.9 - “agora, conhecendo a Deus ou, antes, sendo conhecidos de Deus” ; 1 Ts. 5.12,13 - “rogam o-vos, irmãos, que reconheçais os que traba­ lham entre vós, e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam; e que os tenhais em grande estim a e amor, por causa da sua obra” . Do mesmo modo a expressão “conhecer dantes”; Rm. 11.2 - “Deus não rejeitou o seu povo que antes conheceu” ; 1 Pe. 1.20 - Cristo, “o qual foi conhecido, ainda antes da fundação do m undo”. B r o a d u s sobre Mt. 7.23 - “Nunca vos conheci” - diz: “ E, nas passagens mencionadas acima, como em nenhuma outra, há base para a arbitrária idéia dos Pais, aceita por muitos, de que a palavra “conhecer” envolve também a

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de aprovar ou considerar. A Bíblia está sim plesm ente falando de Deus na linguagem dos homens, e usando o term o que significa conhecim ento, com todas as suas vantagens e regalias; ‘conheci’, /'.e., como meus, como meu povo” (Citado da edição em Português; Casa Publicadora Batista, 1949). Mas a aceitação desta últim a parte parece adm itir o que B r o a d u s anteriormente negara. 1 /e rT H A Y E R , Lex. ofN.T., sobre yivráaKco: “Com o acusativo de pessoa, reconhecer como digno de intim idade e amor; assim se diz dos que Deus julgou dignos das bênçãos do evangelho: m ò toC Geoú yiváoKeaeai (1 Co. 8.3; Gl. 4.9); negativamente, na sentença de Cristo: c ò S É tto re eyvcov tyiSç, “nunca vos conheci” , “nunca tive qualquer conhecim ento de vós” . Sobre rcp o y iv á aK c o , Rm. 8.29 - oüç 7tpoéyvco ” os que dantes conheceu”, ver D e n n e y , em E xpositor’s Greek Testament, irt loco: “Aqueles que ele dantes conheceu - em que senti­ do? como pessoas que responderam o seu am or com amor? No mínim o isto é irrelevante e estranho ao método geral do pensam ento de Paulo. Que a salvação começa com Deus, e ocorre na eternidade são suas idéias funda­ mentais, que ele aplica aos cristãos sem levantar quaisquer dos problemas na relação da vontade humana com a divina. Contudo, podemos estar certos de que 7ipoéyvco tem o gestante sentido que yivróaKco freqüentem ente apre­ senta na Escritura, p. ex., em SI. 1.6; Am. 3.2; por isso podemos ler: ‘aqueles de quem Deus tom ou conhecim ento desde a eternidade’ (Ef. 1.4)”. Em Rm. 8.28-30, citado acima, “dantes conheceu” = eleitos - isto é, fez certos indivíduos, no futuro, o objeto do seu am or e cuidado; “predestinou” descreve a designação divina destes mesm os indivíduos para receberem o dom especial da salvação. Em outras palavras, a “presciência” é de pessoas: a “predestinação” é das bênçãos a serem concedidas a eles. H o o k e r , Eccl. Polity, apêndice ao livro v, (vol. 2.751) - “ ‘os que dantes conheceu’ (conhe­ ceu antes como dele mesmo, com a determ inação de ser para sem pre mise­ ricordioso para com eles) ‘tam bém predestinou para serem conform es à ima­ gem de seu Filho’ - predestinou não para a oportunidade da conformação, mas para a própria conform ação” . A interpretação arm iniana de “os que dan­ tes conheceu” (Rm. 8.29) requereria que a expressão “conform es à imagem de seu Filho” fosse conjugada com ela. Contudo, Paulo faz da conformidade de Cristo o resultado, não a condição prevista, da predestinação de Deus. c) Em declarações de que esta escolha é matéria da graça, ou favor imere­ cido, concedido na eternidade passada. Ef. 1.5-8 - “predestinou ... segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado, segundo as riquezas da sua graça” ; 2.8 - “ Pela graça sois salvos por n e io da fé; e isso não vem de vós; é dom de D eus” - aqui a expressão “e isso’ i neutro t o u t o , v. 8) refere-se não à “fé ”, mas à “salvação” . Mas a fé em outro contexto é representada com o tendo a sua fonte em Deus; ver p. 782, (k). 2 Tm. 1 . 9 “seu próprio propósito e graça que nos foi dada em C risto Jesus antes dos tem pos dos séculos” . A eleição não é devida ao nosso merecimento. M c L a r e n : “A misericórdia própria de Deus, espontânea, imerecida, condes­ cendente, moveu-o. Deus é o seu próprio motivo. O seu am or não vem através

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da nossa amabilidade, mas brota, como um a fonte artesiana das profundezas da sua natureza” .

d) Que o Pai deu algumas pessoas ao Filho, para ser sua possessão peculiar. Jo. 6.37 - “Tudo o que meu Pai me dá virá a mim” ; 17.2 - “que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste”; 6 - “ M anifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste” ; 9 - “ não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste” ; Ef. 1.14 - “para a redenção da pos­ sessão de Deus”; 1 Pe. 2.9 - “povo adquirido (por Deus)” .

e) Que o fato de os que crêem estarem unidos assim a Cristo se deve total­ mente a Deus. Jo. 6.44 - “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, o não trou­ xer” ; 1 Co. 1.30 - “Mas vós sois dele (Deus) em Jesus Cristo” = a vossa existência, como cristãos, em união com Cristo, se deve inteiramente a Deus.

f) Que aqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida e só eles serão salvos. Fp. 4.3 - “os outros cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida”; Ap. 20.15 - “Aquele que não foi achado no livro da vida foi lançado no lago do fogo” ; 21.27 - “não entrará nela coisa algum a que contam ine ... mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” = decreto^xfe Deus sobre a graça da eleição em Cristo. /

g) Que estes são destinados como discípulos para alguns servos de Deus. At. 17.4 - (literalm ente) “Alguns deles foram persuadidos e unidos [por Deus] a Paulo e Silas” - como discípulos (M eyer e G rimm); 18.9,10 - “Não tem as, mas fala e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade”.

h) São portadores de uma vocação especial de Deus. Rm. 8.28,30 - “chamados por seu decreto. ... e aos que predestinou, a esses tam bém cham ou” ; 9.23,24 - “vasos de m isericórdia, que, para glória, já dantes preparou, os quais somos nós, a quem tam bém chamou, não só den­ tre os judeus, mas tam bém dentre os gentios” ; 11.29 - “ Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependim ento” ; 1 Co. 1.24-29 - “para os que são cham ados ... Cristo poder de Deus e sabedoria de Deus ... porque vede, irmãos, a vossa vocação ... Deus escolheu as coisas desprezíveis e as que não são para aniquilar as que são, para que nenhum a carne se glorie perante

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ele” ; Gl. 1.15,16 - “quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim”; cf. Tg. 2.23 - “e [Abraão] cham ado filho de D eus”.

f) Nasceram para o reino de Deus, não em virtude da vontade do homem, ~ zs da de Deus. Jo. 1.13 - “não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus” ; Tg. 1 .1 8 - “Segundo a sua vontade ele nos gerou pela palavra da verdade” ; 1 Jo. 4.10 - “Nisto está o amor: não em que nós tenham os amado a Deus, mas em que ele nos am ou” ; S.S. Times, 14 de out. de 1899 - “A lei do am or é a expressão da natureza am orosa de Deus e não é só pela participação da natureza divina que somos levados a prestarlhe obediência. ‘Deus am oroso’, diz B u s h n e l l , ‘é apenas um Deus que nos am a’. Deste modo, as grandes palavras de João podem ser traduzidas no tempo verbal presente: ‘não que nós amam os a Deus, mas que ele nos am a’. Ou como Madame Guyon canta: “Am o a meu Deus, mas sem que haja amor algum em mim, porque não tenho nada para dar; Amo-te, Senhor, mas todo o amor é teu, porque por tua vida é que eu vivo’.”

j)

Recebem o arrependimento como dom de Deus.

At. 5.31 - “ Deus, com sua d e s tr \ o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependim ento e remissão dos pecados” ; 11.18 - “Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependim ento para a vida” ; 2 T m . 2 .2 5 - “ Instruindo com mansidão os que resistem; para ver se, porventura, Deus lhes dará arre­ pendim ento para conhecerem a verdade” . Sem dúvida é verdade que Deus dá arrependim ento induzindo o homem a arrepender-se pela atuação da sua palavra, da sua providência e do seu Espírito. Porém, parece mais do que isto, significar o salm ista quando diz: “Cria em mim um coração puro e renova em mim um espírito reto” (SI. 51.10).

k) A fé, um dom de Deus. Jo. 6.65 - “ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não for concedido": At. 15.8,9 - “Deus ... dando-lhes o Espírito ... purificando o seu coração pela fé” ; 1 Co. 12.9 - “a outro, pelo mesmo Espírito a fé”; Gl. 5.22 - “O fruto do Espírito é ... fé” ; Fp. 2.13 - Em toda a fé “é Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar segundo a sua boa vontade” ; Ef. 6.23 - “Paz seja com os irmãos e amor com fé, da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus C risto': João 3.8 - “O vento [Espírito] sopra onde quer e (conseqüentem ente] ouves a sua voz”; 1 Co. 12.3 - “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pe:o Espírito Santo” - mas cham ar Jesus de “Senhor” faz parte essencial da fé: por isso a fé é obra do Espírito Santo; Tt. 1.1 - “fé dos eleitos de Deus” = a eleição não vem em conseqüência da fé, mas esta em conseqüência da

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eleição ( E l l ic o t t ). Se eles recebem a fé de si mesmos, então a salvação não se deve à graça. Se Deus deu a fé , ela estava no seu propósito, e isto é eleição.

/) Santidade e boas obras são dom de Deus. Ef. 1.4 - “nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôsse­ mos santos” ; 2.9,10 - “Não das obras para que ninguém se glorie. Porque nós somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássem os nelas”; 1 Pe. 1.2 - “eleitos ... para a obediência”.

Estas passagens fornecem abundante e conclusiva refutação, por um lado. do ponto de vista luterano de que a eleição é simplesmente determinação de Deus desde a eternidade para prover uma salvação objetiva para a humanida­ de universal; e, por outro lado, do ponto de vista arminiano de que a eleição é determinação de Deus desde a eternidade de salvar alguns indivíduos com base na fé prevista. A grosso modo se afirm a poderm os dizer que S c h l e ie r m a c h e r elege todos os homens subjetivam ente; para os arm inianos os crentes; os agostinianos defendem toda a presciência do próprio Deus. S c h l e ie r m a c h e r sustenta que logicam ente o decreto precede a presciência e a eleição é individual, não nacional. Mas ele faz a eleição incluir todos os homens; a única diferença está entre a conversão dos mais antigos e a dos mais tardios. Por isso, em seu sistema, o Calvinismo e o restauracionism o caminham lado a lado. O luteranism o afirma que a graça original precede o pecado original e que o Quia Voluit de T e r t u l ia n o e de C a lv in o baseia-se na sabedoria, em Cristo. O luterano sustenta que o crente é apenas um indivíduo não resistente à graça comum; enquanto o arm iniano sustenta que o crente é um indivíduo cooperante com a graça comum. O luteranism o entra mais plenam ente que o calvinism o na natureza da fé. O seu pensam ento se volta mais para a atua­ ção humana, enquanto o calvinism o mais para o propósito divino. O luteranis­ mo pensa mais na igreja, enquanto o calvinism o mais na Escritura. A concep­ ção arm iniana é que Deus indicou os homens para a salvação do mesmo modo que para a condenação, tendo em vista as suas disposições e atos. Como a justificação tem em vista a presente fé, o arm iniano considera que a eleição ocorre em vista da fé futura. O arm inianism o deve rejeitar a doutrina da regeneração do mesm o modo que a da eleição e, em ambos os casos, faz o ato do homem preceder o ato de Deus. Todas as va rie d a d e s de pontos de vista so b re este a ssunto podem ser encontradas entre os teólogos. J o h n M il t o n , em sua Christian Doctrine, sustenta que não existe a predestinação particular ou a eleição, mas só a geral. ... Não pode haver nenhum a reprovação de indivíduos desde toda a eternidade” . Arcebispo Sumner: “ Eleição é predestinação de com unidades e

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nações para o conhecim ento exterior e os privilégios do evangelho” . A rcebis­ po W hately: “ Eleição é a escolha de indivíduos para a m em bresia na igreja exterior e os meios da graça” . G o r e , L u x Mundi, 320 - “Os eleitos represen­ tam não o propósito especial de Deus dirigido a uns poucos, mas o propósito universal que, sob as circunstâncias pode ser realizado apenas nuns pou­ cos” . R. V. F o s t e r , presbiteriano de Cumberland, opõe-se à predestinação absoluta e diz em sua Teologia Sistem ática que o decreto divino é incondicio­ nal em sua origem e condicional em sua aplicação”.

B) Da Razão.

a) Eternamente Deus propôs-se a fazer o que ele faz. Visto que ele concede graça regeneradora especial a alguns, deve eternamente ter proposto concedêla; em outras palavras, deve tê-los escolhido para a vida eterna. Assim a dou­ trina da eleição é só uma aplicação especial da doutrina dos decretos. Os pontos de vista de New Haven são essencialm ente arminianos. Ver sobre Predestinação e Eleição, em Christian Spectator, 3 .6 2 2 - “A p re s ­ ciência de Deus de quais seriam os resultados das suas atuais obras da gra­ ça precedem , na ordem da natureza, o propósito de persegui-las e apresen­ tar as bases de tal propósito. Os que ele antes conheceu - como povo a ser guiado para o seu reino através das atuais obras da graça, em cujo resultado está todo o motivo objetivo para d seu em preendim ento - ele o fez também, resolvendo, nestas obras, predestinar” . Aqui se diz erroneam ente que Deus conhecia antecipadam ente o que ainda está incluído num plano sim plesm en­ te possível. Como já vim os ao tratar dos decretos, não existe presciência, a não ser que haja algum a coisa fixada, no futuro, a ser conhecida antecipada­ mente; esta fixidez só pode dever-se à predestinação de Deus. Deste modo, no caso em foco, a eleição deve preceder a presciência. Se Deus desejasse a salvação de Judas, tanto como a de Pedro, como foi Pedro eleito diferentem ente de Judas? Para a pergunta “Quem te fez diferen­ te ”? a resposta deve ser: “ Não Deus, mas a m inha própria vontade” . Ver F in n e y , em Biblia Sacra, 1877.711 - “Deus deve te r conhecido antecipada­ mente quem ele podia sabiam ente salvar, na ordem da natureza antes a fim de determ inar salvá-los. Mas o conhecim ento de quais /riam ser salvos, deve ter sido, na ordem da natureza, subseqüente à sua eleição ou determ ina­ ção de salvá-los e depender dessa determ inação” . F o s t e r , Christian Life and Theology, 70 - “A doutrina da eleição é a form ulação consistente, sub specie eternitatis, da graça preventiva. ... 86 - Com a doutrina da graça preventiva, concorda ou coincide a doutrina evangélica” . F it c h ,

b) Este propósito não pode condicionar-se a qualquer m é rito o u fé n o s escolhidos, visto que de modo nenhum existe tal mérito, - a p ró p ria fé é d o m de Deus e é predestinada por ele. Porque se prevê que a fé n o h o m e m re s u lta apenas da obra da graça de Deus, a eleição procede m a is p re c isa m e n te d a descrença prevista. A fé, como o efeito da eleição, n ã o p o d e ao m e sm o te m p o ser a sua causa.

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Por um lado há uma analogia entre a oração e a sua resposta e, por outro, entre a f é e a salvação. Deus decretou a resposta em conexão com a oração, e a salvação em conexão com a f é . Mas ele não muda a sua mente quando os homens oram, ou quando eles crêem. Como ele cum pre o seu propósito ins­ pirando a verdadeira oração, do mesmo modo cum pre-o dando f é . A g o s t in h o : “ Ele nos escolhe, não porque nós cremos, mas para que creiamos; para que não digamos que nós o escolhem os prim eiro” . (Jo. 15.16 - “ Não me escoIhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós” ; Rm. 9.21 - “da mesma massa”; 16 - “não depende de quem quer”). Veja aqui a valiosa discussão de W a r d l a w , Syst. Theology, 2.485-549 “ Eleição e salvação baseadas nas obras previstas não diferem em princfpio da eleição e salvação baseadas nas obras executadas” , cf. Pv. 21.1 - “Como ribeiros de águas, o coração do rei está na mão do Senhor; a tudo quanto ele quer o inclina” - tão fácil como os riachos dos cam pos orientais m ovem -se ao mais leve m ovim ento da mão ou do pé do roceiro; SI. 110.3 - “O teu povo se apresentará voluntariam ente no dia do teu poder”.

c) A depravação da vontade humana é tal que, sem este decreto de conce­ der influências divinas especiais a alguns, todos, sem exceção, teriam rejeita­ do a salvação de Cristo depois de ter-lhes sido oferecida? e assim todos, sem exceção, deviam ter perecido. A eleição, portanto, pode ser vista como uma conseqüência necessária do decreto de Deus para prover uma redenção objeti­ va, se tal redenção tiver qualquer resultado objetivo na salvação humana. Antes que o filho pródigo buscasse o pai, este deveria buscá-lo; uma ver­ dade revela nas parábolas apresentadas anteriorm ente sobre a dracma e a ovelha perdidas (Lc. 15). Sem a eleição todos estão perdidos. N e w m a n S m y t h , Ortodox Theology o f Today, 56 - “ Hoje, a pior doutrina da eleição é ensinada pela ciência natural. A doutrina científica da seleção natural é a da eleição despojada da esperança e sem te r em si um único toque de piedade”. H o d g e , Syst. Theology, 2.335 - “Suponham os que o ponto de vista deísta fosse verdadeiro: Deus criou o homem e o deixou; seguram ente ninguém poderia queixar-se dos resultados. Mas, suponham os agora Deus, prevendo estes mesmos resultados que a criação causaria. Faria isto alguma diferen­ ça, se o propósito de Deus quanto ao futuro desse mundo, o precedesse? A g o s t in h o supõe que Deus propôs tal mundo como supõe o deísta, com duas exceções: 1) ele interfere para lim itar o mal; 2) ele intervém , através da provi­ dência, através de Cristo e através do Espírito Santo para salvar alguém da destruição” . A eleição é apenas a determ inação de Deus para que os sofri­ mentos de Cristo não sejam baldados; que todos os homens não se percam; que alguns sejam levados a aceitar a Cristo; que para este fim especial ocor­ ram influências do Espírito Santo. À prim eira vista pode parecer que a indicação de homens para a salvação da parte de Deus é sim plesm ente perm issiva, do mesmo modo que a sua indicação para a condenação (1 Pe. 2.8), e que esta indicação é sim plesm en­ te indireta, criando-os na previsão da sua fé ou desobediência. Porém o

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~'ecreto da salvação não é sim plesm ente perm issivo; é tam bém eficiente. E o decreto de em pregar os meios especiais para a salvação de alguns. A. A. H o d g e , P opular Lectures, 143 - “O morto não pode espontaneam ente originar o seu próprio despertar, nem a criatura a sua criação, nem o infante a sua própria geração. Faça o homem o que fizer após a sua regeneração, em primeiro lugar, o despertar da morte deve ter sua origem em Deus”. H o v e y , M anual o f Theology, 2 8 7 - “ Reduzido a seus mais simples termos, o calvinismo é a eleição dos crentes não por qualquer que fosse a sua condu­ ta prevista, quer antes, quer durante o ato da conversão, que espiritualmente seria m elhor do que a dos outros influenciados pela mesm a graça, mas por causa da sua maior utilidade prevista na manutenção da glória de Deus para com os seres morais e por estar prevista que não com eteria o pecado contra o Espírito Santo” . Porém mesmo aqui devem os atribuir a m aior utilidade e a abstenção do pecado fatal, não às forças desauxiliadas do homem, mas ao decreto divino: ver Ef. 2.10 - “ Porque nós somos feitura sua, criados em Cris­ to Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” .

d) A doutrina da eleição toma-se mais aceitável à razão quando lembra­ mos: primeiro, que o decreto de Deus é eterno e, em certo sentido, contempo­ râneo à crença do homem em Cristo; segundo, que o decreto de Deus envolve o de tudo o que se seguirá no exercício da liberdade do homem; terceiro, que o decreto de Deus é o daquele que está em tudo de modo que o nosso querer e o nosso agir é ao mesmo tempo a obra daquele que decreta o nosso querer e o nosso agir. Toda a questão gira em tomo da iniciativa da salvação humana: se esta pertence a Deus, então, a despeito das dificuldades, devemos aceitar a doutrina da eleição. A ilim itada existência de Deus pode ser a fonte de muitas das nossas dificuldades relativas à eleição e, com apoio no ponto de vista apropriado da eternidade de Deus, tais dificuldades podem ser rem ovidas. M a s o n , Faith the Gospel, 249-351 - “ Em geral pensa-se na eternidade como se fosse um estado ou série anterior de tem po e desta form a resum e-se quando o tempo chega ao fim. Contudo, isto só reduz a eternidade a um tem po e põe a lida de Deus no mesmo plano da nossa, apenas com a idéia de anterioridade. ... Atualm ente não vemos como tem po e eternidade se encontram. R o y c e , W orld and Individual, 2.374 - “ Em term os de tem po, Deus não conhece anteriorm ente coisa alguma a não ser o que ele expressa em nós. seres finitos. O conhecim ento que existe no tem po é o que os seres fr ito s possuem, porque eles são finitos. Tal conhecim ento não pode predizer as características especiais dos atos individuais exatam ente por serem únicos A presciência no tempo só é possível no geral e na causalidade predetermi­ nada; não na única e livre. Por isso nem Deus, nem o homem podem conhe­ cer antecipadam ente de um modo perfeito, em qualquer momento temporal, o que um agente de vontade livre ainda fará. Por outro lado, o Absoluto pos­

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sui, de relance, um conhecim ento perfeito de toda a ordem temporal: passa­ da, presente e futura. Tal conhecim ento é inadequadam ente chamado de pres­ ciência. É conhecim ento eterno. E, como há conhecim ento eterno de toda a individualidade e de toda a liberdade, os atos livres são conhecidos como ocorrendo, como as cordas numa sucessão musical, precisam ente quando e como na verdade eles ocorrem ” . Conquanto vemos muita verdade na afirm a­ ção anterior, não encontram os nela nenhuma barreira para crermos que Deus pode trasladar o seu conhecim ento eterno em conhecim ento finito e deste modo colocá-lo em propósitos especiais em posse das suas criaturas. E. H. J o h n s o n , Theology, 2- ed., 230 - “Antevendo o que as suas criaturas fariam, Deus decretou o destino delas quando decretou a sua criação; e ain­ da este seria o caso, apesar de que cada homem tinha o controle parcial sobre o seu destino, que os arm inianos afirmam, ou mesm o o controle com ­ pleto que os pelagianos defendem. O decreto é tão absoluto como se não houvesse liberdade, mas deixa tão livres como se não houvesse decreto”. A. H. S t r o n g , Christ in Creation, 40,42 - “Como o Logqs ou a razão divina, Cristo habita na humanidade em toda a parte e constitui-se o princípio do seu ser. A hum anidade com partilha com Cristo na imagem de Deus. Tal imagem nunca está totalm ente perdida. Está com pletam ente restaurada nos pecado­ res quando o Espírito de Cristo assegura-lhes o controle da vontade e os leva a incorporar sua vida à dele. ... Se Cristo é o princípio e a vida de todas as coisas, então a soberania divina e a liberdade humana, se não reconciliadas de modo absoluto, ao menos perdem o seu velho antagonismo, e racional­ mente podemos ‘operar a nossa salvação’, pela mesma razão que ‘é Deus quem opera em nós, tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vonta­ de’ (Fp. 2.12,13).

2. Objeções à Doutrina da Eleição

a) É injusta para com aqueles que não estão incluídos neste propósito da salvação. - Resposta: A eleição trata, não somente de criaturas, mas de peca­ dores culpados e condenados. Que qualquer um deve ser salvo é matéria de pura graça e aqueles que não estão incluídos neste propósito da salvação sofrem apenas a recompensa devida aos seus atos. Não há, portanto, nenhuma injustiça na eleição de Deus. Podemos melhor louvar o Deus que salva alguns do que acusá-lo de injustiça porque ele salva tão poucos. A todos os homens, salvos ou não, Deus pode dizer: “Amigo, não te faço injustiça ... ou não me é lícito fazer o que eu quero com o que é meu”? (Mt. 20.13,15). A pergunta não é se um pai trata os seus filhos igualmente, mas se um soberano deve tratar os condenados rebeldes da mesma forma. Não é verdade que, porque o governador perdoa da penitenciária a um con­ victo, ele deve perdoar a todos. Quando ele perdoa um, não se faz injustiça aos que são deixados. Mas, no governo de Deus, há ainda menos razão para objeção; porque Deus oferece perdão a todos. Nada impede os homens de serem perdoados a não ser a falta de vontade de aceitar o perdão. A eleição

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é somente a determ inação que Deus tem de levar algumas pessoas a aceitálo. Porque a justiça não pode salvar todos, não deve salvar ninguém? A g o s t in h o , De Predestinatione Sanctorum., 8 - “ Por que Deus não ensina todos? Porque é em misericórdia que ele ensina todos quantos na verdade ele ensina, enquanto é em juízo que ele não ensina os que na verdade não ensina” . Em seu M anual o f Theology and Ethics, 260, H o v e y assinala que Rm. 9.20 - “ó homem, quem és tu, que a Deus réplicas” ? - ensina, não que o poder faz o certo, mas que Deus m oralm ente tem direito à glorificação tanto da sua justiça como da sua m isericórdia no trato de uma raça culpada. Não é que ele escolhe salvar uns poucos náufragos e que estão se afogando, mas escolhe só uma parte de um grande grupo que se inclina ao suicídio. Pv. 8.36 - “Mas aquele que pecar contra mim violentará a sua própria alma; todos os que me aborrecem amam a m orte” . Em geral é m elhor para o universo que se permita a alguns ter o seu próprio caminho e mostrar quão terrível é a oposi­ ção a Deus. (

b) Representa Deus como parcial no trato e respeitador das pessoas. - Res­ posta: Visto que nada há nos homens que determine que Deus escolha um ao invés de outro, a objeção é inválida. Aplicar-se-ia igualmente à seleção que Deus faz de certas nações, como Israel, e certos indivíduos, como Ciro, para serem os receptores dos dons temporais especiais. Se Deus não deve ser con­ siderado como parcial em não prover salvação aos anjos decaídos, não pode ser considerado como parcial por não prover as influências regeneradoras do seu Espírito para toda a raça dos homens caídos. SI. 44.3 - “ Pois não conquistaram a terra pela espada, nem o seu braço os salvou, e sim a tua destra, e o teu braço, e a luz da tua face, porquanto te agradaste deles” ; Is. 45.1,4,5 - “Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tom o pela sua mão direita, para abater as nações diante da tua fa c e .... Por am or de meu servo Jacó, e de Israel, meu eleito, eu a ti te chamarei pelo teu nome; pus-te o teu sobrenome, ainda que não me conheces”; Lc. 4.25-27 - “muitas viúvas existiam em Israel ... e a nenhum a delas foi enviado Elias, senão à de Sarepta de Sidom, a uma m ulher viúva. E muitos leprosos havia em Is ra e l... e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro” ; 1 Co. 4.7 “ Porque quem te diferença? e que tens tu que não tenhas recebido? e, se tu o recebeste, por que te glorias como se não o houveras recebido”? 2 Pe. 2.4 - “Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno...” ; Hb. 2.16 - “ Porque, na verdade, ele não tom ou os anjos, mas a descendência de Abraão”. É Deus parcial ao escolher Israel, Ciro, Naamã? É Deus parcial, ao dotar alguns de seus servos de dons m inisteriais especiais? É Deus p a rc ia . ao deixar de prover salvação aos anjos decaídos? Na providência de Deus. um homem nasce numa terra cristã, o filho de uma fam ília nobre, é bem apessoado, talentoso, tem grandes oportunidades, e riqueza farta. Outro nasce em Cinco Pontas, ou no meio dos hotentotes, em meio à degradação e depravação do paganismo real ou prático. Sentimos que é falta de reverência queixar-se

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do trato da providência de Deus. Que direito têm os pecadores de queixar-se da form a como Deus trata a distribuição da sua graça? H ovey: “ Não temos o direito de pensar que Deus trata todos os seres morais da mesm a forma. Devemos nos sentir felizes por ouvir dizer que outras raças são “melhor trata­ das do que nós”. A eleição divina é apenas o lado ético e a interpretação da seleção natu­ ral. Nesta última Deus escolhe algumas form as do reino vegetal e do animal sem qualquer mérito da parte deles. Uns são preservados enquanto outros morrem. Em matéria de saúde individual, talento, propriedade, um é tom a­ do, outro é deixado. Se chamarmos a isso de resultado do sistema, a respos­ ta é que Deus escolhe o sistema, sabendo precisam ente o que dele advirá. B r u c e , Apologetics, 201 - “A eleição não é incom preensível na distinção entre filosofia e arte, pois isto não é matéria de preocupação vital; mas a eleição para a santidade da parte de uns e a falta de santidade da parte de outros, seria inconsistente com a própria santidade de Deus” . Porém não existe uma eleição para a falta de santidade a não ser da parte do próprio homem. A eleição garante só o bem. Ver c) abaixo. J. J. M u r p h y , N atural Selection and S piritual Freedom, 73 - “O mundo está ordenado numa base de desigualdade; o mundo orgânico, como o apresenta­ do por D a r w i n , baseia-se na desigualdade - de raças favorecidas - da qual vem todo o progresso; a história mostra que o mesmo é verdade a respeito do mundo humano e do espiritual. Todo o progresso hum ano se deve a indiví­ duos hum anos eleitos, não só com vistas a serem uma bênção para si m es­ mos, porém, ainda mais para serem -na a m ultidões de outras pessoas. Qual­ quer superioridade, quer no mundo natural, q uer no mental ou espiritual, torna-se a vantagem básica para a obtenção de uma superioridade m a io r.... Este é o método do governo divino, que age tanto na província da natureza como na da graça, para que o benefício todo advenha a muitos através dos eleitos” .

c) Representa Deus como arbitrário. - Resposta: Representa Deus não como arbitrário, mas exercendo a livre escolha de uma sábia e soberana vontade por meio e por razões que nos são inescrutáveis. Negar a possibilidade de tal esco­ lha é negar a personalidade de Deus. Negar que Deus tem razões para a sua escolha é negar a sua sabedoria. A doutrina da eleição não encontra tais razões no homem, mas em Deus. Quando um regimento é dizim ado por insubordinação, o fato de que cada décimo homem é escolhido para a morte obedece a critérios; mas tais crité­ rios não estão nos homens. Em um caso, o critério para a escolha de Deus para revelar-se: 1 Tm. 1.16 - “por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que sou o principal, Jesus Cristo mostrasse a sua longanim idade para exemplo dos que haviam de crer nele para a vida eterna” - aqui Paulo indica que a razão pela qual Deus o escolheu é que ele (Paulo) é um grande peca­ dor: v. 15 - “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” . H ovey assinala que “o em prego para o qual Deus pode pôr os

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homens como vasos de honra pode determ inar a sua seleção” . Mas visto que os fracos por natureza são salvos, assim como os fortes por natureza, não podemos tirar qualquer conclusão geral, ou discernir qualquer regra, no trato de Deus, a não ser este, que, na eleição, Deus procura ilustrar a grandeza e a variedade da sua graça; por isso, os critérios não estão no homem, mas em Deus. É bom lem brar que a soberania divina é a de D eus - o infinitamente sábio, santo e amável Deus em cujas mãos os destinos dos homens podem tornar-se mais seguros do que nas mãos das mais sábias, das mais justas, das mais bondosas de todas as criaturas. Devemos crer na graça da soberania assim como na soberania da graça. A eleição e a reprovação não são matéria de vontade arbitrária. Deus salva todos os que sabiam ente pode salvar. Ele m ostrará benevolência na salva­ ção da humanidade do mesmo modo em que o pode sem prejuízo da santida­ de. Ninguém pode ser salvo sem Deus, mas tam bém é verdade que não há homem que Deus não queira salvar. H. B. S mith, System, 511 - “ Pode ser que no fim muitos impenitentes ofereçam menos resistência dos que muitos dos salvos” . H arris, M oral Evolution, 401 (substancialm ente) - “Não se perde a soberania na Paternidade, mas recupera-se como a lei divina do amor justo. Sem dúvida tu és nosso Pai, apesar de que A gostinho nos ignore, e Calvino não nos reconheça” . H ooker, Eccl. Polity, 1.2 - “Erram os que pensam que na vontade de Deus não há razão, mas apenas a sua vontade” . T. Erskine, The Brazen Serpent, 259 - S oberania é “apenas um nome para o elemento não revelado de Deus”. Não conhecem os todas razões que Deus tem para salvar os homens em particular, mas algum as delas nos foram reveladas. Já m encionamos a pri­ m eira delas: 1) O maior pecado e a m aior necessidade do homem; 1 Tm. 1.16 - “que eu sou o principal, Jesus Cristo m ostrasse toda a sua longanim idade”. A esta acrescentamos: 2) O fato de que os homens não pecaram contra o Espírito Santo e não foram receptivos à salvação que vem de Cristo; 1 Tm. 1.13 - “alcancei misericórdia, porque o fiz ignorantem ente, na incredulidade” = o fato de que Paulo não pecou com pleno conhecim ento do que ele fez é a razão por que Deus o escolheu. 3) A capacidade do homem através do auxílio de Cristo para ser testem unha e mártir do seu Senhor; At. 9.15,16 - “Vai, porque este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel. E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nom e” . Como a m issão de Paulo aos gentios pode ter determ inado a escolha de Deus, assim a missão de A gostinho para com os sensuais e abandonados pode ter tido a mesm a influência. Mas, se os previs­ tos pecados de Paulo constituíram uma razão por que Deus escolheu salválo, por que a sua capacidade de servir ao reino não podia ter-se constituído outra razão? Por isso acrescentam os: 4) A prevista capacidade de os homens servirem ao reino de Cristo trazendo outros ao conhecim ento da verdade; Jo. 15.16 - “eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto” . Contudo, note que esta é uma escolha para servir, e não sim plesm ente uma escolha p o r causa do serviço. Em todos estes casos as razões não se assen­ tam nos próprios homens, pois aquilo que eles são e o que eles possuem se deve à providência e graça de Deus.

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d) Tende para a imoralidade, representando a salvação do homem como independente da nossa obediência. - Resposta: A objeção ignora o fato de que a salvação dos que crêem é ordenada só em conexão com a regeneração e santificação deles como meios; e que a certeza do triunfo final é o mais forte incentivo para o árduo conflito com o pecado. Plutarco: “ Deus é a brava esperança do homem e não a escusa do covar­ de” . Os propósitos de Deus são uma âncora para o espírito abalado pela tem pestade. Mas o navio necessita de uma máquina, assim como de uma âncora. Deus não elege ninguém para sa lva r sem arrependim ento e fé. Há quem sustente a doutrina da eleição, mas esta não os sustenta. Tais pes­ soas deveriam ponderar 1 Pe. 1.2 em que se diz que os cristãos são eleitos “em santificação do Espírito para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo". \ A g o s t in h o : “ Ele a amou [a igreja] hedionda, para que ela se tornasse bela”. Dr. John W atson ( I a n M c L a r e n ) : “O M aior reforço que a religião poderia te r nos nossos dias seria a volta à crença antiga na soberania de Deus” . Isto porque há falta de uma forte convicção do pecado, da culpa, e da desesperança e ainda perm anecem o orgulho e a falta de vontade de subm eter-se a Deus, uma fé imperfeita na fidedignidade e bondade dele. Não devemos excluir os arm inianos da nossa comunhão - porque há muitos bons metodistas. Porém podem os su s te n ta r que eles defendem apenas m etade da verdade e a ausência da doutrina da eleição do seu credo torna menos séria a pregação e o caráter menos seguro.

e) Inspira orgulho naqueles que pensam que são eleitos. - Resposta: Isto é

possível só no caso daqueles que pervertem a doutrina. Ao contrário, sua influência apropriada é tornar humildes os homens. Aqueles que se exaltam acima dos outros, supondo que são os favoritos especiais de Deus, têm razão para questionar sua eleição. No romance, havia uma grande eficácia na dem anda do am or para com o objeto do seu afeto, porque ele tinha amado desde que pôs nela os seus olhos quando ela ainda era criança. Porém o am or de Deus por nós é de muito mais tem po que aquele. Data do tem po anterior ao nosso nascimento; na eternidade passada. É um am or que se prendeu a nós em bora Deus conhecesse o pior de nós. É um am or imutável, porque se fundam enta no infinito amor de Deus a Cristo. Jr. 31.3 - “Há muito que o Senhor me apare­ ceu, dizendo: Com amor eterno te amei, tam bém com amável benignidade te atraí” ; Rm. 8.31-39 - “Se Deus é por nós, quem será contra nós ... Quem nos separará do am or de C risto”? A resposta é que nada “nos separará do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” . Este amor se submete e se humilha: SI. 115.1 - “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória por amor da tua benignidade e da tua verdade".

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Do efeito da doutrina da eleição, C a l v in o , na sua Institutes, 3.22.1, assina­ la que “quando a mente humana ouve falar nela, sua irritação quebra todo o constrangim ento e ela descobre tanto a séria e violenta agitação como se estivesse alarmada pelo som de uma trom beta m arcial” . A causa de tal agita­ ção mora na apreensão do fato de que se trata de inimigo de Deus e ainda absolutamente dependente da sua m isericórdia. Este tipo de apreensão leva normalmente à submissão. Mas o rebelde conquistado não pode dar graças a si mesmo; toda a gratidão é devida a Deus, que o escolheu e o renovou. Os sentim entos obtidos não são de orgulho ou com placência de si mesmo, mas de gratidão e amor. A h inologia cristã dá testem unho destes efeitos. I s a a c W a t t s (+1748): “ Por que fui feito a fim de ouvir a tua voz e entrar em bora não haja lugar, quando m ilhares fizeram uma escolha m iserável e passar fom e ao invés de vir. O mesmo amor que ampliou a festa à qual me forçou a entrar; eu mesmo recusei prová-la e perecia no me\j pecado. Tem compaixão das nações, ó Deus! Envia o teu Verbo vitorioso por todo o mundo e traze de volta os pere­ grinos”. Josiah C onder (+1855): “Não fui eu que te escolhi, pois, Senhor, não tenho condições de fazê-lo; este coração ainda te recusaria; mas tu me escoIheste a mim; Lavaste-me do pecado que me manchou e tornaste-m e livre e para isto me ordenaste que eu viva para ti. Foi a tua soberana misericórdia que me chamou e me ensinou a abrir a mente; eu tinha sido um cativo de um outro mundo; cego a respeito das glórias celestes. Nada há no meu coração que esteja acima de ti; da tua graça sinto sede; Sabendo isto: se eu te amo, tu me amaste prim eiro”

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Dissuade o esforço para a salvação do impenitente quer da parte dele mesmo, quer da parte dos outros. - Resposta: Visto que é um decreto contido nos seus arcanos, não pode embaraçar ou dissuadir tal esforço. Por outro lado, é base de encorajamento e assim um estímulo para o esforço; pois, sem a eleição, é certo que todos estariam perdidos (At. 18.10). Enquanto torna humilde o pecador, de modo que ele queira clamar por misericórdia, estimulao também a mostrar-lhe que alguns serão salvos e (visto que a eleição e a fé estão em inseparável conexão) que ele estará salvo, só se crer. Enquanto faz o crente sentir-se dependente do poder de Deus, em seus esforços pelo impeni­ tente, leva-o a dizer com Paulo que ele “sofre por amor dos escolhidos para que também alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória etema" (2 Tm. 2.10). O decreto da parte de Deus de que o grupo que estava no mesmo navio em que Paulo se encontrava seria salvo (At. 27.24) não torna óbvia a neces­ sidade de que eles continuariam no navio (v. 31). No casamento, a eleição do homem não exclui a da mulher; do mesmo modo a eleição da parte de Deus não exclui a do homem. Há necessidade tanto do esforço como se a eleição não existisse. Por isso a pergunta para o pecador não é: “Sou eu um dos eleitos”?, mas, ao invés disso: “O que farei para ser salvo”? Milton representa

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os espíritos do inferno como que debatendo a presciência e a livre vontade, peregrinando perdidos nos labirintos. Ninguém é salvo enquanto não pára de se debater e com eça a agir. E, ainda ninguém com eçará a agir, se o Espírito de Deus não o mover. O Senhor estim ulou Paulo, dizendo-lhe: “Tenho m uito povo nesta cidade” (At. 18.10) - povo que eu trarei pela tua palavra. “O velho Adão é muito forte para o jovem M elanchton” . Se Deus não regenerar, não haverá nenhuma esperança de sucesso na pregação: “Deus perm anece impotente diante da m ajestade da vontade senhoril do homem. Os pecadores têm a glória da sua própria salvação. O rar para que Deus converta o homem é um absurdo. Deus elege o homem porque prevê que o homem se elegerá a si m esm o” (ver S. R. M a s o n , Truth Unfolded, 298-307). Na verdade, a doutrina da eleição não pres­ cinde das esperanças daqueles que põem a sua confiança em si mesmos; mas seria m elhor que tais esperanças fossem destruídas e que, em seu lugar, a puséssemos na graça soberana de Deus. A doutrina da eleição, na verdade, ensina a dependência total que o homem tem de Deus e a impossi­ bilidade de qualquer frustração e desordem nos planos divinos por causa da desobediência do pecador e abate o orgulho hum ano até que ele decida tom ar o lugar de alguém que suplica m isericórdia. Criticaram Roland Hill por pregar a eleição e ainda exortar os pecadores ao arrependim ento; disseram -lhe que ele só deveria pregar aos eleitos. Ele respondeu que, se o crítico pusesse uma marca de giz em todos os eleitos, ele só pregaria a estes. Mas esta não é a verdade toda. Não só nós desco­ nhecemos quem são os eleitos de Deus, mas precisam os pregar tanto aos eleitos como aos que não o são (Ez. 2.7 - “tu lhes dirás as minhas palavras, quer ouçam quer deixem de ouvir”), na certeza de que a nossa pregação tornará o céu mais elevado para aqueles e o inferno mais profundo para estes (2 Co. 2.15,16 - “ Porque para Deus somos o bom cheiro de Cristo nos que se salvam e nos que se perdem. Para estes, certam ente, cheiro de morte para morte; mas para aqueles, cheiro de vida para vida” ; cf. Lc. 2.34 - “ Eis que este é posto para queda e elevação de muitos em Israel” = para queda de alguns e para levantamento de outros). A própria ação de graças de Jesus em Mt. 11.25,26 - “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e instru­ ídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve”. é imediatam ente seguido pelo convite contido no v. 28 - “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”. Na sua mente não há contradição algum a entre a graça soberana e os livres convites do evan­ gelho. G. W. N o r t h r u p , em The Standard, 19 de setem bro de 1889 - “ 1. Deus quer salvar cada um da raça humana que ele pode salvar e continua sendo Deus; 2. Cada mem bro da raça tem uma provação com pleta e justa, de sorte que todos possam ser salvos e o sejam e valerem -se corretam ente da luz que já têm ” . ... (Carta particular: “As limitações de Deus na concessão da salva­ ção: 1. No poder de Deus relativo à livre vontade; 2. Na benevolência de Deus, que requer o m aior bem da criação ou o m aior bem agregado do maior número; 3. No propósito que Deus tem de fazer a mais perfeita limitação de si mesmo; 4. Na soberania de Deus como prerrogativa absolutam ente opcional

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no seu exercício; 5. Na santidade de Deus que envolve limitações da parte dele ao tratar dos agentes morais. Nada a não ser uma im possibilidade abso­ luta, m etafísica ou moral, poderia ter im pedido a ele, ‘cuja natureza e cujo nome é am or’ de decretar e garantir a confirm ação de todos os agentes morais na santidade e bem-aventurança para sem pre” .

g) O decreto da eleição implica um decreto de reprovação. - Resposta: O decreto de reprovação não é um decreto positivo como o da eleição, mas permissivo que permite ao pecador a rebelião por livre escolha e as conse­ qüências naturais da punição. A eleição e a soberania são apenas fontes do bem. A eleição não é um decreto destrutivo; é um decreto apenas para salvar. Quando elegemos um presidente não precisam os de uma segunda eleição para determ inar que os outros m ilhões restantes não serão presidentes. Não é necessário aplicar qualquer artifício ou força. Como a água, os pecadores, se sim plesm ente forem deixados, correrão morro abaixo para a ruína. O decreto da reprovação é sim plesm ente um decreto de não agir - deixar o pecador por sua própria conta. O resultado natural deste abandono judicial, da parte de Deus. é o endurecim ento e destruição do pecador. Porém convém não esquecer que ta] endurecim ento e destruição não se devem a qualquer causa eficiente da par­ te de Deus; são o endurecim ento e destruição próprios; o abandono judicial de Deus é tão som ente a justa punição da culposa rejeição da parte do peca­ dor relativa à misericórdia oferecida. Ver Os. 11.8 - “Como te deixaria, ó Efraim? ... Está mudado em mim o meu coração, todos os meus pesares juntam ente estão acesos” ; 4.17 - *Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o” ; Rm. 9.22,23 - “ E que direis se Deus. querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia que para glória já dantes preparou” - note que a expressão “dantes preparou' declara uma causa eficiente divina positiva, no caso dos vasos de m isericór­ dia, enquanto “preparados para a perdição” não sugere tal atuação positiva de Deus; os vasos da ira preparados eles m esm os para a perdição; 2 Tm. 2.20 - “vasos ... uns para honra, outros, porém, para desonra” ; Jd. 4 - "antes estavam escritos para este mesmo juízo” ; Mt. 25.34,41 - “o reino que vos está preparado ... preparado [não para vós, não para os homens, mas] para o diabo e seus anjos” = há uma eleição para a vida, mas não uma reprovação para a morte; um livro da vida (Ap. 21.27), mas não um livro da morte. E. G. R o b in s o n , Christian Theology, 313 - “Reprovação, no sentido de pre­ destinação absoluta para o pecado e perdição eterna nem é uma seqüência da doutrina da eleição, nem do ensino das E scrituras” . Os hom ens não são “indicados” para a desobediência e engano do mesm o modo que não são “indicados” para a salvação. Deus em prega os meios positivos para sal­ var, não para destruir. H e n r y W a r d B e e c h e r : “Os eleitos são quaisquer que

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querem; os não eleitos são quaisquer que não querem ” . G e o r g e A. G o r d o n , N ew Epoch fo r Faith, 44 - “A eleição bem entendida teria sido a força salva­ dora de Israel; mal entendida, a sua ruína. A nação entendia que a sua eleição significava a rejeição das outras nações. ... A igreja cristã repetiu o erro de Israel” . A Confissão de W estm inster reza: “ Pelo decreto de Deus, para a manifes­ tação da sua glória, alguns homens e anjos são predestinados para a vida eterna e outros para a morte eterna. Anjos e hojnens, assim predestinados e preordenados, são particular e im utavelm ente designados; e o seu número é tão certo e definido que nem pode ser aum entado nem diminuído. Deus se agradou do resto da humanidade conform e o insondável conselho da sua própria vontade pelo qual ele estende ou restringe a m isericórdia como lhe apraz para a glória do seu poder soberano sobre as suas criaturas a fim de perdoar e ordená-los para a desonra e ira por causa do seu pecado para o louvor da sua gloriosa justiça”. Isto reza como se tanto os salvos como os perdidos fossem originariam ente feitos com vistas aos seus estados finais independentem ente do seu caráter. Isto é um supralapsarism o. É certo que os supralapsários estavam em m aioria na A sse m b lé ia de W estm inster e determinaram a form a da declaração apesar de haver tam bém sublapsários, que objetaram ser apenas por causa da sua iniqüidade prevista que eles foram reprovados. Mais tarde, em sua declaração da doutrina, os presbiteria­ nos na Am érica esclareceram que o decreto de reprovação da parte de Deus é perm issivo, e que não coloca nenhuma barreira no cam inho da salvação de qualquer ser humano.

II. VOCAÇÃO Vocação é o ato de Deus pelo qual os homens são convidados a aceitar, pela fé, a salvação providenciada por Cristo. - As Escrituras distinguem entre: a) A vocação geral, ou exterior, a todos homens através da providência de Deus, da palavra e do Espírito. Is. 45.22 - “Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os term os da terra; porque eu sou Deus e não há outro” ; 55.6 - “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” ; 65.12 - “chamei, e não respondestes; falei, e não ouvistes, mas vós fizestes o que é mal aos meus olhos e escolhestes aquilo em que eu não tinha prazer"; Ez. 33.11 - “Vivo eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva; convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis, ó casa de Israel”? Mt. 11.28 “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”; 22.3 - “ Enviou os seus servos a cham ar os convidados para as bodas; e estes não quiseram vir” ; Mc. 16.15 - “ Ide por todo o mundo, pregai o evange­ lho a toda a criatura” ; Jo. 12.32 - “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim” - atrair, não arrastar; Ap. 3.20 - “ Eis que estou à porta e bato;

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se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei e ele com igo”.

b) Vocação especial, eficaz, do Espírito Santo aos eleitos. Lc. 14.23 - “Saí pelos c a m in h o s ^ atalhos e forçai-os a entrar, para que a minha casa se encha” ; Rm. 1 .7 - “A to d o s os que estais em Roma, amados de Deus, cham ados santos: Graça e paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” ; 8.30 - “ E aos que predestinou, a esses tam bém chamou; e aos que chamou, a esses tam bém justificou”; 11.29 - “ Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependim ento” ; 1 Co. 1.23,24 - “mas nós pregam os a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cris­ to, poder de Deus e sabedoria de Deus” ; 26 - “Porque vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são cham ados” ; Fp. 3.14 - “prossigo para o alvo, pelo prêm io da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”; Ef. 1 .1 8 - “para que saibais qual seja a esperança da sua vocação e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos” ; 1 Ts. 2.12 - “para que vos conduzísseis dignam ente para com Deus que vos cham a para o seu reino e glória” ; 2 Ts. 2.14 - “para o que, pelo nosso evangelho, vos chamou, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus C risto”; 2 Tm. 1.9 - “que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tem pos dos séculos”; Hb. 3.1 - “irmãos santos, participan­ tes da vocação celestial” ; 2 Pe. 1 .1 0 - “ Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firm e a vossa vocação e eleição”.

Só duas perguntas necessitam de especial consideração: A) É sincera a vocação geral de Deus? Nega-se isto com base em que tal sinceridade é incompatível, primeiro, com a incapacidade de o pecador obedecer; e segundo, com o desígnio de Deus conceder só aos eleitos a graça especial se eles não vão obedecer. d) A primeira objeção respondemos que, porque esta incapacidade não é física, mas moral, consistindo na perversidade de uma estabelecida vontade má, não pode haver nada de insinceridade em oferecer salvação a todos, espe­ cialmente quando a oferta é em si um apropriado motivo para a obediência. A cham ada de Deus para o arrependim ento e para fé no evangelho não é mais desprovida de sinceridade do que o imperativo a todos os homens para que o amem de todo o coração. Não há nenhum obstáculo no caminho da obediência do homem à lei. Se é natural publicar os m andam entos da lei, tam bém o é sobre os convites do evangelho. O homem pode ser perfeitam en­ te sincero fazendo um convite que ele sabe que será rejeitado. Ele pode

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desejar que o seu convite seja aceito, conquanto ele ainda possa, por certas razões de justiça ou por dignidade pessoal, não desejar fazer esforços espe­ ciais, além do próprio convite, para garantir a sua aceitação da parte daquele a quem o convite é feito. O desejo de Deus de que alguns homens sejam salvos pode não ser acom panhado da sua vontade de exercer influências especiais para salvá-los. Tais desejos estão representados pelos antigos teólogos na expressão “vontade revelada” ; o seu propósito é conceder uma ^raça especial através da expressão “vontade secreta” . É daquela que Paulo, fala em 1 Tm. 2.4 “que quer que todos os homens sejam salvos” . Não tem os aqui a voz ativa ocoacu, mas a passiva acoGfjvou. O sentido não é o dos propósitos de Deus de salvar todos os homens, mas de que ele deseja que todos os homens sejam salvos através do arrependim ento e fé no evangelho. Por isso, a vontade revelada ou o desejo de Deus no sentido de que todos sejam salvos é perfei­ tam ente consistente com a sua vontade e propósito de conceder graça espe­ cial só a um certo número de pessoas. A sinceridade da vocação de Deus é apresentada não só no fato de que o único obstáculo à concordância, da parte do pecador, é a própria má vontade deste, mas tam bém o fato de que Deus, a custo infinito, fez uma provisão externa apoiada no fato de que “quem quiser venha e beba de graça da água da vida” (Ap. 22.17); de sorte que Deus pode dizer com verdade: “que mais se podia fazer à minha vinha, que eu lhe não tenha fe ito ”? (Is. 5.4). B r o a d u s , Com. on Mt. 6.10 - “Seja feita a tua vontade” - distingue entre a vontade do propósito de Deus, do desejo e do mandam ento. H. B. S m i t h , Syst. Theology 521 - “A graça comum passa por uma outra que é eficaz na medida em que o pecador se entrega à influência divina. A graça eficaz é aquela que efetua o que a graça comum tende a fazer”.

b)

Quanto à segunda, respondemos que a objeção, se verdadeira, igual­ mente manter-se-ia contra a presciência de Deus. A sinceridade da vocação geral de Deus não é mais inconsistente com a sua determinação que permite a alguns recusá-la do que com a presciência de que alguns a rejeitarão. H o d g e , Syst. Theology, 2.643 - “A predestinação trata apenas do propósi­ to de Deus de tornar eficaz, em casos particulares, uma vocação dirigida a todos. Uma anistia geral, em certas condições, pode ser oferecida por um soberano a um rebelde, embora ele saiba que, por causa do orgulho e da maldade, muitos se recusarão a aceitá-la; mesm o assim, por sábias razões, ele deve determ inar não constranger o seu assentim ento, supondo que tal influência sobre as mentes deles estariam dentro das suas forças. É eviden­ te, pela natureza da vocação, que nada tem a ver com o propósito secreto de Deus de adm itir a sua graça eficaz a uns e não a outros. ... Conform e o esquem a agostiniano, os não eleitos têm todas as vantagens e oportunidade de garantir a sua salvação, que, de acordo com qualquer outro esquema, são admitidos à hum anidade indistintam ente. ... Deus designou em sua adoção, salvar o seu próprio povo, mas oferece consistentem ente os seus benefícios a todos os que querem recebê-los”.

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B) É a vocação especial de Deus irresistível? Preferimos dizer que esta vocação especial é eficaz; isto é, que infalivel­ mente cumpre seu propósito de levar o pecador à aceitação da salvação. Isto implica em duas coisas: a) Que a operação de Deus não é um constrangimento externo sobre a vontade humana, mas que concorda com as leis da nossa constituição mental. Rejeitamos o termo ‘irresistível’, como implicando uma coerção ou compul­ são estranha à natureza da obra de Deus na alma. SI. 110.3 - “O teu povo se apresentará voluntariam ente no dia do teu poder, com santos ornamentos; como vindo do próprio seio da alva, será o orvalho da tua m ocidade” - /.e., o recrutam ento dos jovens para o teu padrão, tão inumerável e brilhante como o orvalho da manhã; Fp. 2.12,13 - “operai a vossa salvação com tem or e tremor; por que é Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” /'.e., o resultado da obra de Deus é a nossa própria obra. A Fórmula Luterana da C oncórdia com pro­ priedade condena o ponto de vista de que, antes, durante e depois da conver­ são, a vontade só resiste ao Espírito Santo; por isso, ela declara que é a própria natureza da conversão, que, na falta de vontade, Deus faz com que as pessoas a tenham. Os. 4.16 - “como uma vaca rebelde se rebelou Israel”, ou “como uma vaca esgueirou-se para trás” = quando se apresenta a oferta sacrificial para ser morta, ela recua, desvia as ancas de modo a ser im pelida e forçada antes de ser trazida ao altar. Estes não são “os sacrifícios de Deus” os quais são “um espírito quebrantado e um coração contrito” (SI. 51.17). E. H. J o h n s o n , Theology, 2- ed., 250 - “ Em lugar algum o N.T. declara, ou mesmo sugere, que a chamada geral do Espírito Santo é insuficiente. E além disso, nunca afirm a que a cham ada eficiente é irresistível. Psicologicam ente, falar da influ­ ência irresistível sobre a faculdade da autodeterm inação no homem é uma contradição expressa em termos. Nenhum dano pode advir do reconhecimento de que nós não conhecem os as razões não reveladas por que um indivíduo é eleito para a vida eterna ao invés de outro” . D r . J o h n s o n vai além, argum en­ tando que, caso não haja o desprezo da graça, a fé pode ser uma condição da justificação; ela pode ser uma condição para a eleição e, visto que a salva­ ção é recebida como um dom apenas sob a condição do exercício da fé, ela tem como propósito um dom, mesmo que apenas sob a condição da fé pre­ vista. Isto nos parece ignorar o farto testem unho da Escritura de que até mes­ mo a fé é um dom de Deus e, por isso, a iniciativa deve estar totalm ente com Deus.

b) Que a operação de Deus é a causa originadora da nova disposição dos sentimentos e da nova atividade da vontade pela qual o pecador aceita a Cris­ to. A causa não está na resposta da vontade à apresentação dos motivos da parte de Deus, nem na mera cooperação da vontade do homem com a vontade de Deus, mas é um ato onipotente de Deus na vontade do homem, pelo qual

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sua liberdade de escolher Deus como seu fim é restaurada e corretamente exercida (Jo. 1.12,13). Para maior discussão do assunto, ver, na seção seguinte, as notas sobre a Regeneração com as quais esta chamada eficaz se identifica. Jo. 1.12,13 - “ Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem em seu nome, os quais não nas­ ceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus” . A graça salvadora de Deus e a vocação eficaz são irresistíveis, não no sentido de que não haverá resistência, mas no sentido de que esta não será bem sucedida. M a t h e s o n , Mom ents on the Mount, 128,129 - “O teu am or por ele é para o seu am or por ti o que a luz do sol sobre o m ar é para a luz do sol no firm am en­ to: um reflexo, um espelho, uma difusão; tu devolves a glória que foi lançada sobre as águas. Na atração da tua vida para com ele, no apego do teu cora­ ção ao dele, se diz que ele está perto de ti, tu ouves a pulsação dele por ti”. U p t o n , H ibbert Lectures, 302 - “A respeito da nossa razão e da essência dos nossos ideais, não há nenhum dualism o real entre o homem e Deus; mas no caso da vontade que constitui a essência de cada individualidade do homem, há um dualism o real e, conseqüentem ente um possível antagonismo entre a vontade e o espírito dependente, o homem, a vontade do espírito absoluto e universal que é Deus. Essa dualidade real da vontade, e não a aparência da dualidade, como F. H. B r a d l e y propõe, é condição essencial da ética e da religião” .

SEÇÃO II - A APLICAÇÃO DA REDENÇÃO DE CRISTO PRECISAM ENTE NO COMEÇO Sob este tópico tratamos da União com Cristo, Regeneração, Conversão (abrangendo Arrependimento e Fé) e Justificação. Tem surgido muita confu­ são e erro ao concebê-las como ocorrendo em ordem cronológica. Sua ordem não é cronológica, mas lógica. Como é só “em Cristo” que o homem é uma “nova criatura” (2 Co. 5.17) ou é justificado (At. 13.39), a união com Cristo logicamente precede tanto a regeneração como a justificação; contudo, crono­ logicamente, o momento da nossa união com Cristo é também o momento quando somos regenerados e justificados. Assim, também, a regeneração e a conversão são apenas os lados divino e humano ou aspectos do mesmo fato, apesar de que a regeneração tem precedência lógica e o homem se volta para Deus só quando Deus se volta para ele. D o r n e r , Glaubenslehre, 3 . 6 9 4 , neste ponto apresenta um relato da obra do Espírito Santo em geral. A obra do Espírito Santo, diz ele, pressupõe a de Cristo e prepara o caminho para a volta deste. “Como o Espírito Santo é o princípio da união entre o Pai e o Filho, do mesm o modo ele é o princípio da

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união entre Deus e o homem. Só através do Espírito Santo Cristo garante para si aqueles que hão de amá-lo como pessoas distintas e livres” . A regene­ ração e a conversão não são cronologicam ente separadas. Quem de uma roda começa a falar primeiro? O raio de luz e o raio de calor entram no mes­ mo momento. A sensação e a percepção não estão separadas no tempo, embora aquela seja a causa desta. Suponha um tubo não elástico estendido através do Atlântico. E que este tubo esteja completam ente cheio de um fluido incompressível. Neste caso não há nenhum intervalo de tem po entre o impulso dado ao fluido nesta extre­ midade do tubo e o seu efeito na outra extrem idade” . \/e r H A Z A R D , Causation and Freedom in Willing, 33-38, que argum enta que a causa e o efeito são sempre simultâneos; também no tem po que medeia, há uma causa sem efei­ to; isto é, uma causa que não efetua nada; isto é, uma causa que não é causa. “ Pode existir uma causa potencial de um período ilimitado sem que produza qualquer efeito e, naturalm ente, pode preceder o seu efeito a qual­ quer distância relativa ao tempo. Mas se a causa verdadeira, eficaz, fosse o exercício de uma força suficiente, o seu efeito não pode ser adiado; pois, nesse caso, haveria o exercício de uma força suficiente para produzir o efeito, sem produzi-lo; envolveria o absurdo de ser, ao mesmo tem po, tanto suficien­ te com o insuficiente. “ Pode-se sugerir aqui uma dificuldade com relação ao fluxo ou ao pro­ gresso dos eventos no tempo, se eles são sim ultâneos às suas causas. Esta dificuldade não pode aparecer quanto ao esforço inteligente; porque, a res­ peito dele, períodos de inação podem interferir continuam ente; mas se há série de eventos e de fenôm enos m ateriais cada um dos quais é por sua vez efeito e causa, pode ser difícil ver como em qualquer tem po poderia decorrer entre o primeiro e o último da série. Se, contudo, como suponho, a série de eventos ou alterações materiais, sem pre se efetuam por meio do movimento, não é preciso perturbar-nos, pois há exatam ente a mesma dificuldade a res­ peito do nosso conceito do movimento da matéria de um ponto ao outro; não há espaço ou distância entre dois pontos consecutivos e o corpo em movi­ mento vai de um term inal de uma longa linha ao outro e, neste caso, esta dificuldade neutraliza a o u tra .... Deste modo, mesm o que não possamos con­ ceber como o movimento envolve a idéia de tem po, podemos perceber que, se isto ocorre deste modo, pode ser um meio de transferir os eventos, que dependem dela, tam bém através do tem po” . M a r t i n e a u , Study, 1.148-150 - “Sim ultaneidade não exclui duração” visto que cada causa tem duração e cada efeito tam bém a tem. B o w n e , Metaphysics, 106 - “ No sistema, a base com pleta de um evento nunca se encontra numa coisa qualquer, mas num com plexo de coisas. Se uma só coisa fosse a base suficiente de um efeito, este coexistiria com a coisa, e todos efeitos ocorreriam instantaneam ente. Por isso todos eventos do sistem a devem ser vistos como o resultado da interação de duas ou mais coisas”. A prim eira manifestação de vida de um infante pode ocorrer nos pulmões, ou no coração ou no cérebro, mas o que tom a qualquer e todas essas mani­ festações possíveis é a vida antecedente. Podemos não ser capazes de dizer o que vem em primeiro lugar, mas ter a vida que tem os em todo o seu restan­ te. Quando a roda gira, todos os raios tam bém giram. A alma que renasce

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mostrará isso na fé, e na esperança, e no amor, e no espírito vivo. A regene­ ração envolverá arrependimento, e fé, e justificação e santificação. Mas a única vida que torna possível a regeneraçã
Teologia Sistematica - Strong Vol 2

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