A Crise de Integridade - Warren W. Wiersbe

58 Pages • 35,534 Words • PDF • 1.2 MB
Uploaded at 2021-09-24 13:38

This document was submitted by our user and they confirm that they have the consent to share it. Assuming that you are writer or own the copyright of this document, report to us by using this DMCA report button.


Wirren W Wiersbe

A CRISE DE INTEGRIDADE

A CRISE DE INTEGRIDADE Uma igreja maculada em luta com a responsabilidade, a moralidade e o estilo de vida dos seus líderes e pessoal leigo. POR QUE DEVE A IGREJA SER OUVIDA? • Que evangelho está a igreja proclamando? O evangelho do sucesso? • O evangelho da prosperidade? • Que é o sucesso? Como a igreja mede o sucesso de seus líderes? • Quem está fazendo o quê — e para a glória de quem? • De que maneira o estilo de vida da liderança está afetando a igreja? • Pode a popularidade ser a garantia de um bom caráter? • Quem está mudando? Quem é responsável por quem? Quem está controlando a direção da igreja? • Que pode você fazer, individualmente, como cristão? Warren W. Wiersbe mostra o caminho para uma igreja renovada, uma igreja que uma vez mais terá o direito de ser ouvida.

ISBN-8297-1643-2 Ftíra rristã

A CRISE DE INTEGRIDADE Wtr ren W Wiersbe Traduzido por Emma Anders de Souza Lima

Dedicado à memória de Theadore H. Epp (1907-1985) Fundador

ISBN 0-8297-1643-2 Categoria: Ética Cristã "

RODRIGUES

e professor do programa radiofônico "De volta à Bíblia" Um homem da Palavra Um homem de integridade

ÍNDICE

"Tornamo-nos o opróbrio dos nossos vizinhos, o escárnio e a zombaria dos que nos rodeiam. Não recordes contra nós as iniquidades de nossos pais; apressem-se ao nosso encontro as tuas misericórdias... Assiste-nos, ó Deus e Salvador nosso, pela glória do teu nome; livra-nos, eperdoa-nos os pecados, por amor do teu nome." Salmo 79:4, 8-9

Prefácio 1. Opróbrio 2. Regressão 3. Rebelião 4. Revisão 5. Responsabilidade 6. Censura 7. Reconstrução 8. Alívio 9. A Realidade 10. Riquezas 11. Recuperação 12. Reavivamento Notas

,

7 9 13 19 29 37 47 55 65 73 81 91 99 107

PREFÁCIO

Foi difícil escrever este livro, pois tive de criticar algumas coisas que me são muito caras. Isso dói. Fui pastor de três igrejas e dói-me ter de salientar os pontos em que a igreja tem falhado. Se alguma pessoa não crente ler este livro com o intuito de atacar a igreja, quero deixar bem claro que prefiro ser um cristão em luta com os problemas de uma igreja imperfeita a ser um perfeito pecador fora dela''Um dos pais da igreja disse que ela 6 algo parecido com a arca de Noé: se não fosse pelo julgamento de Deus contra os que estão de fora, seria impossível agüentar o cheiro lá de dentro/'' Como autor, editor e pregador da Palavra de Deus pelo rádio, tenho investido muito tempo, dinheiro e energia no ministério através dos meios de comunicação, e vejo com simpatia os problemas dos editores e produtores. Mas isso não me- torna insensível ao fato de que os ministérios dos meios de comunicação estão em dificuldade e que precisamos encarar a situação honestamente. Espero que nenhum dos meus amigos de rádio, televisão e publicações pense que os estou provocando. Acreditem-me, estou usando o pronome nós e não eles. Quero escrever como testemunha e não como promotor. Encontramo-nos todos no mesmo barco. Não há dúvida de que este livro incomodará a algumas pessoas. Tentei escrevê-lo com cuidado e compaixão; mas, sendo a natureza humana como é, fatalmente alguém me entenderá mal. Você não atingirá a finalidade deste trabalho se aplicar estas páginas a determinada organização ou a determinado pregador. Este livro refere-se a todos nós e à crise que atravessamos. Não é uma autópsia do cadáver ile alguém. Atinge a todos nós que confiamos em Cristo e o servimos. Bem, se me entenderem mal; paciência. O Senhor conhece o meu coração, e é ele o Juiz. "E tão ruim ser entendido mal? Pitágoras o foi, o o mesmo aconteceu a Sócrates, Jesus, Lutero, Copérnico, Galileu e Newton", disse Emerson. 1 Embora eu não faça parte de tão ilustre plêiade, é gratificante saber que estarei cm boa companhia. Agradeço a Deus o privilegio de viver neste estimulante período da história da sua igreja. Melhor época do que a atual, só a vitoriana na Inglaterra; mas não me foi dada a escolha. Agradeço a Deus o me haver permitido fazer uma pequena parte do seu trabalho durante esses anos

8

A Crise de Integridade

e o estar associado a alguns gigantes de hoje. Eles têm sido muito bondosos para comigo e eu deveria mostrar-lhes a minha gratidão colocando aqui os seus nomes. Não o farei, porém. Se assim procedesse, alguns ficariam surpresos ao descobrir que são gigantes! Há coisas neste livro que queria dizer há muito; eu as teria dito mesmo sem os escândalos que têm ocorrido nos meios de comunicação. "Pearlygate" não é o assunto deste livro; é apenas o acontecimento que impulsionou a idéia. No culto matutino da Convenção dos Livreiros Cristãos de 1987 preguei uma mensagem tirada de Neemias: "Reconstrução num Dia de Opróbrio"; e meu grande amigo, o Dr. Victor Oliver, insistiu em que eu a expandisse em forma livro. É difícil recusar algo a Victor; por isso acabei concordando. Caso soubesse quão dolorosa haveria de ser a experiência, teria provavelmente argumentado com ele um pouco mais. Estes são dias difíceis para a igreja, e o tempo urge. Bem sei que os pregadores têm dito o mesmo desde a época de Paulo, mas ainda é verdade. Deus nos deu uma oportunidade sem igual para atingir o mundo com o evangelho, mas essa tarefa não pode ser realizada de maneira adequada sem integridade pessoal c organizacional. Não espero que o leitor concorde com tudo o que escrevi. Espero que ele incline a cabeça e pergunte: "Senhor, sou eu?" E aí que começa a verdadeira integridade. WARREN W. WIERSBE

i OPRÓBRIO Escândalo: vício desfrutado de modo vicário. Elbert Hubbard

Se eu lhe pedisse que descrevesse em uma só palavra a situação atual da igreja, que palavra você escolheria? Reavivamento? Duvido, mas seria ótimo se fosse verdade! Vemos muita evangelização por toda a parte, e isso nos alegra; mas o vento do Espírito parece muito suave, e o ar um tanto abafado. Renovaçãol Talvez em alguns ministérios; na maioria, porem, é "um negócio como qualquer outro". Para renovar a igreja é preciso haver algo mais do que alguns cartazes ou mudança na ordem do culto. Reavaliação? Sim, há muitos estudos a respeito, e esperamos que sejam úteis. Temo, entretanto, que estejamos fazendo uma autópsia. Mas o que a igreja precisa mesmo é de ressurreição. Ruína? Não, pois Deus está no trono e há pessoas dispostas a ouvir e obedecer! Não importa quão sombria seja a hora, as estrelas ainda brilham; mas temos de levantar os olhos para vê-las. Sou realista, mas não pessimista. Depois de muito pensar, cheguei à conclusão de que a palavra que melhor descreve a situação atual da igreja evangélica é opróbrio e tenho a impressão de que muitas pessoas concordam comigo. Na realidade,

10 A Crise de In te gr idade opróbrio parece descrever outros setores da sociedade além da igreja: esportes, embaixadas, ensino superior, a Casa Branca, o Pentágono, finanças, o Congresso Norte-americano, e até mesmo as creches. O escândalo parece ser a ordem do dia. Tivemos "Watergate, Koreãgate" e "Irãgate"; e agora o último escândalo refere-se à igreja. Não é de admirar que a revista "Time", na reportagem de capa da edição de 25 de maio de 1987 tenha feito a seguinte pergunta: "O que aconteceu à ética?" O que realmente aconteceu à ética? Talvez nada. Talvez a sociedade ainda seja um tanto ética, e essas situações desagradáveis não sejam realmente escândalos, mas apenas o resultado de uma boa reportagem e uma cobertura mais ampla do noticiário. Afinal, sempre houve escândalos no governo, nos altos negócios, nos esportes e até mesmo na igreja. Por que, então, nos agitarmos tanto? A igreja tem tido a sua porção de hipócritas e mercenários quase desde o começo, e o joio e o trigo crescerão juntos até a volta do Senhor. Por que tanta excitação? Isso também vai passar. A explicação não é assim tão simples. Se fosse, tudo o que teríamos de fazer seria esperar até que um novo escândalo chegasse às manchetes dos jornais e o público não mais se interessasse pela roupa suja da igreja. Mas o problema não é assim tão simples, nem é fácil a solução. Por quê? Porque a crise que a igreja enfrenta hoje atinge o âmago da sua autoridade e ministério. Nosso problema não é o público haver descoberto, de repente e para o constrangimento dos cristãos, pecadores na igreja. Não, há muito tempo o público sabe que há pecado na igreja; e, seja como for, ela tem sobrevivido. Qs cristãos evangélicos não são um grupo de pequenos colegiais, que coram quando pegos em flagrante infringindo regras. Mais parecemos um exército derrotado, despidos perante nossos inimigos e incapazes de revidar por haverem eles feito uma alarmante descoberta: a igre ja está desprovida de integridade. Se a descoberta fosse apenas de que a igreja está corrompida por hipócritas, bastaria que retirássemos as máscaras, pedíssemos desculpas e começássemos a ser honestos novamente. Mas a questão é muito mais profunda do que a grande maioria de nós queremos admitir, pois a integridade envolve a própria essência da igreja no mundo. O diagnóstico é aflitivo e o remédio dispendioso, mas a igreja deve ter a coragem de enfrentá-los honestamente e fazer o que é preciso. Defrontamo-nos com uma crise de integridade. Não somente a conduta da igreja está em debate, mas também o seu próprio caráter.

Opróbrio

11

O mundo está perguntando: — Pode-se confiar na igreja? — e como respondemos é tão importante quanto o quê respondemos. Durante dezenove séculos a igreja vem dizendo ao mundo que reconheça os seus pecados, arrependa-se e creia no evangelho. Hoje, no crepúsculo do século vinte, o mundo diz à igreja que enfrente seus pecados, arrependa-se e comece a ser a verdadeira igreja desse evangelho. Nós, os cristãos, gabamo-nos de não nos envergonharmos do evangelho de Cristo, mas talvez esse evangelho se envergonhe de nós. Por alguma razão, nosso ministério não combina com a nossa mensagem. Algo está errado, quanto à integridade da igre ja. A igreja acostumou:se a ouvir pessoas contestarem a mensagem do evangelho, porque essa mensagem é loucura para os perdidos. Mas hoje a situação está embaraçosamente invertida, pois o mensageiro passou a ser suspeito. Tanto o ministério quanto a mensagem perderam_.a credibilidade perante um mundo atento, que parece estar-se divertindo com o espetáculo. "Por que deveríamos escutar a igreia?" pergunta o mundo crítico. "Com que autoridade vocês, cristãos, pregam para nós sobre pecado e salvação? Ponham ordem na própria casa: depois talvez queiramos escutá-los." Nós, é claro, estamos prontos para o contra-ataque: "Por que vocês não põem ordem na sua casa?" perguntamos. "Os escândalos no futebol não fizeram com que vocês se afastassem dos estádios ou desligassem seus televisores nos fins de semana. Os escândalos financeiros não os revoltaram a ponto de tirarem o seu dinheiro do banco ou dos investimentos. Vocês deixam de votar porque mais de cem funcionários administrativos foram acusados de atividades duvidosas e alguns tiveram de pedir demissão? Não! Então, por que rejeitar aigreja pelo fato. de algumas pessoas não terem praticado o que pregavam?" Essa defesa parece lógica, mas acontece que se fundamenta em dois perigosos equívocos quanto à verdadeira natureza da crise que a igreja atualmente enfrenta. Para começar, a crise de integridade envolve mais do que algumas pessoas acusadas de impropriedades morais e financeiras. A crise de integridade envolve toda a igreja. Não estou dizendo que as pessoas não pecaram, nem estou pregando sobre "culpa coletiva", o que quer que isso seja. Quero somente enfatizar que, no corpo de Cristo, pertencemos uns aos outros, influenciamos uns aos outros, e não podemos livrar-nos uns dos outros. Não foi a imprensa que criou a crise, foi a igreja. E é a igreja que tem de resolvê-la. "Se um membro sofre, todos sofrem com ele", escreveu

12 A Crise de Integridade Paulo, "e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam" (1 Coríntios 12:26). Gostemos ou não, estamos todos na mesma conjuntura. A tese deste livro 6 que o escândalo referente à igreja é o sintoma de problemas cruciais no mundo evangélico, problemas tão profundos e sérios que não serão resolvidos por medidas rápidas. Pregar sobre integridade, nomear novos líderes e estabelecer padrões mais rígidos de responsabilidade financeira podem ajudar, mas só irão atingir a superfície. A igreja não precisa de maquiagem, e, sim, de cirurgia. Há uma segunda razão de essa defesa ser falha: foi a fraqueza da igreja que ajudou a provocar esses escândalos. A igreja é o sal da terra, mas parece que não está suficientemente salgada para impedir a corrupção no governo, nos altos negócios, nos esportes ou até mesmo no ministério religioso. A igreja é a luz do mundo, mas parece que sua luz está fraca demais para exercer influência nos agitadores dos dias de hoje. É estranho que esses escândalos ocorram numa época em que muitos cristãos se vangloriam da força e da popularidade do cristianismo conservador! Pois temos igrejas cheias, ministérios pelo rádio e televisão, grandes convenções, escritores e músicos cristãos respeitados, livrarias cristãs, classes bíblicas e serviços religiosos em escolas, universidades, repartições públicas e escritórios e até mesmo em vestiários. Alguns dos importantes líderes da igreja são entrevistados pela rede de rádio e televisão e entre eles há os que exercem influência no cenário político. Mas, apesar dessas e outras conquistas, os escândalos aconteceram. Algo deve estar errado. Não critico as pessoas e organizações que promovem esses ministérios; na realidade, também participo de alguns deles e agradeço a Deus o testemunho do seu povo em todos esses lugares. Mas preciso salientar que alguma coisa está radicalmente errada quando o ministério evangélico c tão popular e ao mesmo tempo tão fraco. Talvez a sua popularidade seja a causa da sua fraqueza; afinal, reputação e caráter são coisas bem diferentes. Parece que nossa mão direita não sabe o que faz a esquerda e, como resultado, nossa mensagem e nosso ministério estão divididos. É uma questão de integridade, portanto comecemos aqui.

2 REGRESSÃO Deus criou números inteiros, tudo o mais é obra humana. Leopold Kronecker

Para compreender a integridade, precisamos primeiro entender que há duas forças operando no mundo: (1) Deus está unindo as coisas, e (21 o pecado as está separando. Deus. deseja unidade; Satanás quer divisão. Q propósito de Deus é "fazer convergir nele (Cristo)... todas as coisas" (Efésios 1:10). e Cristo não pode aceitar neutralidade. "Quem não é por mim, é contra mim: e quem comigo não ajunta, espalha" (Lucas 11:23). O programa de Deus, afinal, será bem-sucedido, e um dia o seu Universo se tornará uma gloriosa unidade. Mas, até que isso aconteça, você e eu precisamos viver num mundo dividido e sofrer os problemas decorrentes dessa divisão. A igreja é o principal instrumento que Deus tem neste mundo para unir as coisas; e, a fim de bem executar o seu trabalho, ela própria precisa possuir inteireza. Se há um lugar onde o povo golpeado de nossa sociedade fraturada deve procurar integridade, é na igreja local. Afinal nós, os cristãos, estamos reconciliados com Deus e unidos uns aos outros; portanto, as pessoas têm todo o direito de esperar ver integridade na igreja.

14 A Crise de Integridade O que 6 inlegridadel Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire, a palavra vem do latim integritas e quer dizer "inteireza física", "inteireza moral", "retidão". A raiz da palavra é integer, que significa "inteiro", "completo", "perfeito". A integridade está para o caráter do indivíduo ou da empresa como a saúde está para o corpo ou como a visão perfeita está para os olhos. Uma pessoa íntegra não é dividida (o que é duplicidade) nem fingida (o que é hipocrisia). É "inteira"; a vida é harmoniosa e todas as coisas operam em harmonia. Pessoas de integridade nada têm a esconder e nada temem. Suas vidas são livros abertos. São inteiras. Eis como Jesus descreveu integridade: "Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem e onde os ladrões arrombam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem destroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. A lâmpada do corpo são os olhos. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz. Se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, se a luz que em ti há são trevas, quão grandes são essas trevas! Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou se devotará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas" (Mateus 6:19-24). Jesus tornou claro que a integridade envolve toda a pessoa interior: o coração, a mente e a vontade. A pessoa íntegra possui um coração honesto. Não tenta amar a Deus e ao mundo ao mesmo tempo. Seu coração está no céu, pois é lá que se encontra o seu tesouro. "Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele" (1 João 2:15). Uma pessoa íntegra leva a sério a seguinte ordem: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração" (Mateus 22:37). A pessoa íntegra também possui uma mente honesta, um ponto de vista honesto ("olhos") que ..leva a vida para a direção certa. Afinal, o ponto de vista ajuda a determinar o resultado; "homem de ânimo dobre (é) inconstante em todos os seus caminhos" (Tiago 1:8). Ló foi um homem de ânimo dobre, o que ajuda a explicar a razão de ter ele escolhido uma casa em Sodoma em vez de uma tenda no acampamento santo de Abraão (Gênesis 13:6-13). O que ajudou Abraão a se manter no caminho certo foi o seu ponto de vista honesto. Ele era estrangeiro

Regressão

15

c peregrino na terra, tendo os olhos da fé fixos em Deus e na cidade celestial (Hebreus 11:13-16). Jesus também disse que a pessoa íntegra possui uma vontade honesta: serve apenas a um senhor. Peter T. Forsvthe tinhq razão. ao dizer: "O primeiro dever da alma é procurar não a sua liberdade, mas o seu Senhor." 1 Achando ao Senhor Jesus Cristo, você encontrará a liberdade. "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (João 8:36). Ninguém pode servir bem a dois senhores. Tentar tal coisa é tomar-se uma pessoa dividida, e uma pessoa dividida não pode ter integridade, pois seu coração, mente e vontade estão divididos. De todos os renomados servos de Deus com quem tive o privilégio de trabalhar, nenhum exemplificou melhor a integridade do que Theodore H. Epp, o fundador do programa "De Volta à Bíblia". Com freqüência ele lembrava à equipe e ao conselho que Deus não chamara, nem a ele nem à organização, para tentar fazer tudo. "Uma coisa faço!" era o seu princípio. Com bondade ele rejeitou algumas das minhas "melhores sugestões" porque percebeu que elas nos levariam a desvios. Tinha receio não somente de desvios, mas também de tornar-se um "pregador popular" que agradasse a todo o mundo. Durante certo período do seu ministério, chegou à conclusão de que havia algo de errado porque não recebia correspondência com críticas. (A maioria dos pregadores eletrônicos ficaria satisfeita.) Fez um breve retiro espiritual, sondou o coração e voltou com esboços de uma série de mensagens que iriam desafiar os ouvintes. Ele não estava procurando dissabores; apenas não queria ser um covarde tentando evitá-los. Ele disse: "Tenho receio de, ao agradar a todos, não estar agradando a Deus; e o importante é agradar a Deus." Jesus explicou que a "visão honesta" deixa entrar a luz, ao passo que a "visão dupla" — dois pontos de vista e dois senhores na vida — cria trevas. Preveniu então que a pessoa sem integridade realmente pensa que as trevas são luz! O apóstolo João descreve esse processo alarmante de degeneração moral e espiritual: "E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e nele não há treva nenhuma. Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos nas trevas, mentimos, e não praticamos a verdade" (1 João 1:5-6). • E este o primeiro passo na direção das trevas: hipocrisia, mentir aos outros sobre a nossa comunhão com o Senhor. Há muitas maneiras de fazer tal coisa: pregar o que não praticamos, orar por coisas que não

16 A Crise de Integridade queremos, fingir que. fazemos alguma coisa. Mas fingimento é apenas o começo, pois o problema torna-se pior. João continua a dizer: "Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós" (1 João 1:8). Certamente a situação torna-se mais séria, pois agora estamos mentindo não somente aos outros, mas também a nós mesmos e acreditamos nessa mentiral A hipocrisia agora passou a duplicidade. Não mais apenas fingimos; a mentira agora é nosso modo de viver, e nada vemos de errado nele. A hipocrisia deu lugar à duplicidade. Para onde nos leva esse estado de coisas? "Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós" (1 João 1:10). Estamos, agora, mentindo não somente aos outros e a nós mesmos, mas estamos tentando mentir a Deus e, desse modo, fazendo-o mentiroso! Podemos até mesmo ler a Palavra de Deus e não sentir convicção de pecado. Por quê? Porque a decadência moral de nosso interior transformou a luz em trevas. A hipocrisia tornou-se duplicidade, e a duplicidade produziu a apostasia. Tudo começou com um coração dobre que encorajou uma mente dobre e uma vontade dividida. A única maneira de evitar essa tragédia é "caminhar na luz" e conservar a vida interior honesta e pura perante Deus (1 João 1:7, 9). Devemos tornar-nos pessoas "objetivas": "uma coisa faço" (Filipenses 3:13); "uma coisa peço" (Salmos 27:4); "uma só coisa (é necessária)" (Lucas 10:42). Precisamos seguir o conselho de Paulo: "Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra" (Colossenses 3:1-2). O que João tem para dizer sobre o crente aplica-se também às igrejas e aos ministérios em geral, pois estes são formados por crentes, e todos são membros do corpo de Cristo. Se pertencemos uns aos outros, precisamos uns dos outros, influenciamos uns aos outros e não podemos fugir uns dos outros. Portanto, quando a hipocrisia (mentir a outros) e a duplicidade (mentir a nós mesmos) começam a assumir a direção, a integridade desgasta-se gradualmente até ser destruída. O resultado é sempre apostasia (fazer de Deus mentiroso), e aos poucos a luz transforma-se em trevas. E tudo isso acontece enquanto a pessoa ou o ministério aparenta um relacionamento fiel com Deus. Quando a explosão chega, o povo

Regressão

17

fica surpreendido e chocado. Na realidade, os próprios pecadores se surpreendem e chegam até a defender-se de seus acusadores. A luz tornou-se trevas, daí por que não mais conseguem discernir o certo do errado. Integridade significa que a luz está brilhando no interior porque a pessoa (ou o grupo) possui um coração honesto, uma mente honesta e uma vontade honesta. Hipocrisia significa que houve divisões e as trevas penetraram. Duplicidade significa que a luz tornou-se trevas, o errado tornou-^certo e o pecado tornou-se aceitável. É esse o tipo de pessoa que Jesus tinha em mente, ao dizer: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres? .^Então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade!" (Mateus 7:2123). textos certos, gres, jamais pode tomar o lugar de fazer a vontade de Deus. A tragédia de hoje, porém, é que muitos não < c o fingii julgamento de Deus! Talvez, a melhor ilustração dessa tragédia seja a nação de Israel. Voltemos, pois, ao paMãdojinMjíncontreniQS__coiiLíkiiihomeniS_de coragem e integridade: Neemias e Jeremias. Eles nos podem ensinar nmitQ_-SQhre o que está acontecendo à igreja

3 REBELIÃO A prova máxima do pecador é ele não conhecer o seu próprio pecado. Martinho Lutero

A crise enfrentada pela igreja nos dias de hoje é semelhante àquela que Jeremias e o seu povo enfrentaram nos dias anteriores ao cativeiro da Babilônia. E também semelhante àquela enfrentada por Neemias quando ele arriscou a sua vida para reconstruir o que o inimigo tinha destruído. Jeremias levou quarenta anos tentando evitar a crise. Neemias apareceu um século mais tarde e tentou apagar a vergonha que a crise havia deixado. Ambos viveram em dias de opróbrio. "Deitemo-nos em nossa vergonha", escreveu Jeremias. "E cubra-nos a nossa ignomínia" (3:25). Deus disse à nação através do seu profeta: "Porei sobre vós perpétuo opróbrio e eterna vergonha, que jamais será esquecida" (23:40). Jeremias, depois de ter visto a cidade e o templo serem destruídos, orou: "Lembra-te, Senhor, do que nos tem sucedido; considera e olha para o nosso opróbrio" (Lamentações 5:1). A situação foi a mesma na época de Neemias. "Os restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas

20

A Crise de Integridade

portas queimadas a fogo" (Neemias 1:3). Jerusalém não mais era "Seu santo monte, belo e sobranceiro... a alegria de toda a t e r r a . . . a cidade do grande Rei" (Salmo 48:2). Eis o que Neemias relatou depois de, ele próprio, investigar a situação: "Estais vendo a miséria em que estamos, Jerusalém assolada, e as suas portas queimadas a fogo; vinde, pois, reedifiquemos os muros de Jerusalém e deixemos de ser opróbrio" (Neemias 2:17). O salmista Asafe escreveu: "O Deus, as nações invadiram a tua herança, profanaram o teu santo templo, reduziram Jerusalém a um montão de ruínas... tornamo-nos o opróbrio dos nossos vizinhos, o escárnio e a zombaria dos que nos rodeiam" (Salmo 79:1, 4). O que aconteceu para que a cidade de alegria se tomasse uma cidade de opróbrio? E preciso responder a essa pergunta honestamente porque hoje a igreja está em perigo semelhante e o julgamento de Deus é ameaçador. Para encontrar a resposta, escutemos o profeta Jeremias. Ele viu chegar a destruição a Jerusalém, sobreviveu e pôde explicar melhor do que qualquer outra pessoa por que e como isso aconteceu. Então voltaremos a Neemias e aprenderemos como Deus quer que reconstruamos num dia de opróbrio. No décimo oitavo ano de Josias, o último rei justo de Judá, o sumo sacerdote Hilquias encontrou um exemplar do Livro da Lei (provavelmente Dcuteronômio) quando o templo estava sendo restaurado. Safã leu o livro perante o rei; e quando Josias ouviu a Palavra de Deus, humilhou-se e conclamou a nação ao arrependimento. Levou o povo a retirar a idolatria da terra e restaurar o culto a Jeová, ao menos na aparência. Esse acontecimento está relatado no segundo livro dos Reis, capítulos 22 e 23 e é geralmente chamado "o grande reavivamento durante o reinado de Josias". A mudança realizou algumas coisas boas, mas duvido de que aquele acontecimento pudesse, na realidade, ser chamado um "reavivamento". Jeremias, pelo menos, não pensou assim. Quando a reforma re 1 igiosa de Josias começou. Jeremias, que tinha estado profetizando por aproximadamente cinco anos, cooperou com çja. Mas, então, começou a ver que, em essência, nada se modificava na vida espiritual da nação. Por decreto. Josias pôde eliminar os ídolos da terra, mas não pôde eliminá-los do coração do povo. É verdade que havia um punhado de adoradores sinceros, mas, para a maioria, o reavivamento foi superficial e temporário. A religião antiga era de bom-tom. e todos queriam estar na moda.

Rebelião

21

Sabemos que o reavivamento foi apenas um movimento popular temporário em virtude do que aconteceu quando o rei Josias morreu e o seu filho Jeoacaz assumiu o trono. O novo rei levou o povo de volta ao pecado anterior, e o povo seguiu o rei alegremente. Vejam só: O próprio filho de Josias nem mesmo dobrara o joelho a Jeová! "Assim que acabou a influência da corte, viu-se que o povo não tinha passado pelo processo de convicção espiritual", escreveu Joseph Parker. 1 Podemos, então, entender melhor por que Jeremias foi maltratado durante tantos anos e por que a sua mensagem foi rejeitada: ele compreendeu a falsa religião dos seus dias e ousou proclamar a verdade, apesar de isso significar solidão, perseguição e martírio. Para os profetas e sacerdotes, ele era herege; para os políticos e o povo, traidor. A. maioria do povo de Judá aderiu à corrente religiosa, mas Jeremias. seguiu outra direção. \ É provável que Jeremias tenha ficado em silêncio durante os anos da reforma de Josias: mas, quando Jeoacaz foi coroado, o profeta falou. Pregou um sermão corajoso à porta do templo, que está relata&Lgm Jeremias 7:1-8:3. e insisto cm que você o leia. Imagine a reação dos membros de uma igreja evangélica se no próximo domingo ouvissem um sermão desses. "Emendai os vossos caminhos e as vossas obras, e eu vos farei habitar neste lugar. Não confieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este. "Eis que vós confiais em palavras falsas, que para nada vos aproveitam. Que é isso? Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após outros deuses que não conheceis, c depois vindes e vos pondes diante de mim nesta casa, que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos; sim, só para continuardes a praticar estas abominações! Será esta casa, que se chama pelo meu nome, um covil de salteadores aos vossos olhos?" (Jeremias 7:3-4, 8^1). O comentador bíblico G. Campbell Morgan lembra-nos que um "covil de salteadores" é o lugar onde os ladrões se escondem logo após terem cometido crimes. Um dos melhores meios de encobrir nossos pecados é assistir a um culto religioso e passar pela rotina de adoração ra-me com os lábios, mas o seu coracão está longe de mim" (Mateus 15:8. citando Isaías 29:13).

22

A Crise de Integridade

A religião ortodoxa da época de Jeremias era incrivelmente parecida com o cristianismo ortodoxo dos nossos dias. Em primeiro lugar, o que o povo dizia acreditar fazia pouca ou nenhuma diferença quanto ao modo de viver. Tinham uma forma popular de piedade (reputação), mas nessa piedade não havia poder moral ou espiritual (caráter). A religião prosperava enquanto o pecado da nação se intensificava e o julgamento de Deus amadurecia. Desde que o povo apoiasse o ministério do templo e aparentasse ter a fé dos seus pais, nada mais lhe era requerido; porém Jeremias exigiu algo mais profundo. O gerente de uma emissora cristã telefonou-me para se queixar de algo que eu tinha afirmado em uma mensagem pelo rádio. — Se eu o entendi bem — disse ele, — o senhor asseverou que, se as pessoas são salvas, há mudança em suas vidas e poder-se-á ver a evidência da salvação. — Sim — respondi, — é o que ensino —. Citei então 2 Coríntios 5:17: "E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas." — Bem, se o senhor continuar nessa linha, teremos de cancelar o seu programa! — Por quê? — perguntei. — Os senhores não acreditam que o povo de Deus deve ser diferente da multidão não-salva? — Mas um cristão pode ser carnal — foi o argumento, — e um cristão carnal parece e age da mesma maneira que uma pessoa não-salva. Que me diz de Ló? E que me diz da "madeira, feno, palha" de 1 Coríntios 3:12? Tentei explicar-lhe que os cristãos que desobedecem a Deus deliberadamente podem ser disciplinados pelo Senhor, e que 1 João ensina que pessoas salvas não continuam praticando pecado. Foi, porém, uma causa perdida. Desliguei o telefone sentindo-me decepcionado pelo fato de haver alguém que se opõe a mensagens que exortam os crentes a ter uma vida cristã piedosa e diferente. Vance Havner descreveu a igreia de maneira exata: "Nos dias de hoje somos desafiados, mas não transformados: convencidos, mas não a nós mesmos." 2 Há outro paralelo entre os dias atuais e os de Jeremias: naquela época a religião era um "grande negócio" e o ministério do templo estava prosperando. Os sacerdotes e falsos profetas comercializavam a popularidade da religião que dava às pessoas experiência suficiente para tomá-las felizes, mas não a verdade capaz de torná-las consagradas.

Rebelião

23

Podiam adorar a Baal num dia e depois, no dia seguinte, adorar a Jeová; ninguém estava inclinado a criticar tais pessoas, apesar de os adoradores de Baal terem permissão para assassinar os próprios filhos. Se isso lhe parece prática pagã, lembre-se de que nos Estados Unidos um milhão e meio de bebês são massacrados anualmente no útero, fato aprovado por muita gente religiosa. O que pensava Deus de tudo isso? Jeremias clamou: "Coisa espantosa e horrenda se anda fazendo na terra; os profetas profetizam falsamente e os sacerdotes dominam de mãos dadas com eles; e é o que deseja o meu povo" (5:30-31). A nação foi destruída "por causa dos pecados. dkis_&eusiHl)fela&JÍas maldades dos seus sacerdotes" (Lamentações 4:13). Jeremiag relfltQu-nos os nomes de alguns dos "líderes espirituais" da sua época. O chefe era Pasur (Jeremias 20:1-6). um sacerdote que dirigia o templo e fez tudo o que podia para silenciar Jeremias. TJm dia. Pasur feriu Jeremias c o colocou no tronco. Outro líder foi Hananias. que disse ao povo serem mentiras todos os sermões de Jeremias (Jeremias 28). Ainda outro líder. Semaías. escreveu cartas difamatórias contra Jeremias (Jeremias 29:24-32). Acabe e Zedequias, dois profetas exilados na Babilônia, pregaram aos judeus cativos uma mensagem de falsa esperança (29:21). Esses cinco homens, e muitos outros profetas falsos e sacerdotes hipócritas, eram populares entre o povo. Por quê? Porque lidavam apenas com coisas superficiais e jamais ousavam aprofundar-se até a raiz do problema: a séria necessidade de arrependimento. "Curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz" (Jeremias 6:14). Se o diagnóstico está errado, como pode o remédio estar certo? Concordo com Eugene Peterson: "A tarefa do profeta não é empregar paliativos, mas pôr as coisas em ordem." 3 Não pensem que aqueles ministros do templo condenavam a fé abertamente. Não. Usavam a linguagem apropriada e faziam súplicas ao Senhor. Mas era tudo dissimulação. O Senhor disse: "Tenho ouvido o que dizem aqueles profetas, proclamando mentiras em meu nome, dizendo: Sonhei, sonhei. Até quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração?" (23-.25-26V As mensagens não vinham do Senhor.

24

A Crise de Integridade

Mas, mesmo assim, eles asseveravam que os seus sonhos e visões eram autênticos, e o povo acreditava neles. Depois da queda de Jerusalém, Jeremias escreveu: "Os teus profetas te anunciaram visões falsas e absurdas, e não manifestaram a tua maldade, par? restaurarem a tua sorte: mas te anunciaram visões de sentenças falsas, que te levaram para o cativeiro" (Lamentações 2:14). Aqueles homens pensavam estar cheios do Espírito, mas foram enganados pelos espíritos. Em sua duplicidade, transformaram a luz em trevas. Usaram a linguagem familiar teológica, o que tomou as mensagens ainda mais perigosas. Asseguraram que o julgamento jamais viria a Judá porque Deus estava ao lado do povo. Em primeiro lugar, lá estava o templo do Senhor, e Deus não permitiria que a sua casa fosse destruída pelos gentios ateus! Além do mais, a nação tinha a Lei de Deus, o rito da circuncisão e a garantia da santa aliança; essas coisas faziam-nos preciosos a Jeová. Os sacerdotes devidamente ordenados estavam diligentes no templo, oferecendo todos os dias sacrifícios designados e orações. A arca da aliança estava encerrada com segurança no Santo dos Santos. Os adoradores traziam dízimos e ofertas, e as despesas eram cobertas. De que mais poderia uma nação precisar? De uma coisa só: arrependimento. Mas essa palavra não estava no vocabulário dos pregadores populares. Sua palavra-chave era paz, e a sua mensagem era que Jeová estava à disposição do seu povo escolhido. Cito Eugene Peterson novamente: "Religião era socorro sobrenatural para fazer qualquer coisa que se desejasse: fazer dinheiro, garantir boa colheita, sentir-se bem, assassinar a pessoa odiada, 'passar a perna'no vizinho." 4 Isso não lhe parece familiar? Acontece hoje como na época de Jeremias. As pessoas desejam ser levadas para o mau caminho, bem como apoiar e defender justamente aqueles que as enganam e destroem. "E o que deseia o meu povo" (Jeremias 5:31). Por que? Porque a natureza humana deseja o caminhn mais fácil para não ter de ouvir a Palavra de Deus, arrepender-se p ohedecer à sua vontade. É esse o motivo de a multidão ter seguido a Pasur e não a Jeremias, escolhido a Barrabás e não a Jesus, apedrejado os profetas verdadeiros e acoitado os servos de Deus. A multidão prefere o caminho largo: é mais fácil, é mais rápido e há muito mnk companhia.

Rebelião

25

Joseph Parker disse: "Não apreciam o ensinamento das Escrituras. Querem ouvir algo original, irreverente, picante, surpreendente. Não analisam, com a Bíblia na mão, as palavras do pregador. E ganham o que querem. Desejam refugo e isso conseguem." 5 Jeremias escreveu sobre oxoração pelo mejiQs^sssgnta e seis vezes na sua profecia. "Enganoso é o coração mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?" (17:9). Para um povo de religião de aparências. Deus anunciou através do profeta: "fiusçar- me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração" (29:13). Pelo menos nove vezes. Jeremias escreveu sobre a imaginação ^o mração perverso do homem. Pasur e o seu grupo jamais pregaram sermões radicais como esses. Prometeram paz, proteção, prosperidade, ei as multidões os aplaudiram e apoiaram. Atento ao povo que se desviava, Jeová disse: "Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas. E cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas" (Jeremias 2:13). ficasse em apuros perante a instituição religiosa. Mas Jeremias era um pastor, não um mercenário: não desistiu, apesar de o povo rejeitar seu Um último paralelismo entre a nossa época e a de Jeremias: os falsos profetas eram homens gananciosos que usavam a religião para a obtenção de.lucros pessoais. Jactavam-se de sua prosperidade e da prosperidade do templo e da nação. Afinal, não eram, eles o povo escolhido de Deus, e a sua riqueza não era prova de sua fidelidade e bênção divina? (É interessante notar que o nome Pasur significa "rodeado por prosperidade".) Jeremias ousou pregar sobre o décimo mandamento: "Porque desde o menor deles até ao maior, cada um se dá à ganância, e tanto o profeta como o sacerdote usam dp f ^ ; dade" (6:13 e 8:10). "Mas os teus olhos e o teu coração não atentam senão para a tua ganância" (22:17). Quando uma pessoa é gananciosa, corre o perigo de infringir todos os mandamentos: "Porque o amor do dinheiro é a raiz de todos os males" (1 Timóteo 6:10). Qaando_.alguém. comeca a cobiçar, poHp

26

A Crise de Integridade

condescender em mentir, roubar, até mesmo assassinar, para conseguir o^me, deseja. Ananias e Safira mentiram quanto à venda de sua propriedade (Atos 5) e Simão tentou comprar de Pedro o poder de conceder a dádiva do Espírito Santo (Atos 8:14-24). "Não avarento" é uma condição para os presbíteros e diáconos da igreja.(1 Timóteo 3:3.8: Tito 1:7). Despedindo-se dos presbíteros de Efeso. Paulo fez com que se lembrassem de que ele. Paulo, tinha trabalhado arduamente para pagar suas próprias contas e não tinha cobiçado riqueza de pessoa alguma (Atos 20:33-35).

Rebelião

disse à nação: "Eu vos falei, começando de madrugada" (7:13; 7:25; 11:7; 25:3; 25:4; 26:5; 20:19; 32:33: 35:14: 35:15; 44:4). Deusbuscou-os persistentemente. Mas o seu povo preferiu cisternas rotas ao manancial de águas vivas. A mortificante influência dos falsos profetas espalhou-se por toda a terra até que quase todos fossem afetados. Eis novamente as palavras de Deus através de Jeremias: "Mas nos profetas de Jerusalém vejo coisa horrenda: Cometem adultérios, andam com falsidade, e fortalecem as mãos dos malfeitores,

que denunciaram mais energicamente os mercenários que usavam a religião para interesses próprios: "Movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias... tendo coração exercitado na avareza, filhos malditos" (2 Pedro 2:3. 14). Pedro comparou-os a Balaão, "que amou o prêmio da injustiça" (2:15). e Judas também advertiu: "E, também acrescentou que "a sua boca vive propalando grandes arrogâncias: são aduladores dos outros, por motivos interesseiros" (v. 16). Nos últimos meses, o público tem visto várias organizações procurando convencê-lo de que têm integridade financeira. Claro que nada há de errado com as agências legais de crédito (o ministério que dirijo até ajudou a fundar uma delas). Mas a integridade financeira é mais do que uma boa auditoria. Os métodos e motivos do levantamento de fundos são importantes. Alguns sistemas de apoio ao evangelho são indignos do evangelho. Paulo afirma: "A verdade é que nunca usamos de linguagem de bajulação, como sabeis, nem de intuitos gananciosos. Deus disto é testemunha" (1 Tessalonicenses 2:5). Deus é testemunha tanto para a desonestidade quanto para a honestidade; quando a encontra, ele a julga. Se os dias atuais são parecidos com os de Jeremias (e eu acredito que sim), estamos em dias de opróbrio. Vivemos numa época em que Deus está a ponto de julgar o seu povo. "Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada" (1 Pedro 4:17). É uma grave verdade que Deus prefere destruir o seu templo e encorajar a sua Cidade Santa a permitir que os seus líderes promovam duplicidade religiosa e o seu povo a apóie. Ele ficou na espera durante décadas antes de mandar o seu julgamento, e repetidamente mandou os seus mensageiros prevenirem o seu povo; mas o seu povo não lhe deu ouvidos. Na profecia de Jeremias, pelo menos onze vezes o Senhor

27

para que não se convertam cada um da sua maldade; todos eles se tornaram para mim como Sodoma, e os moradores de Jerusalém como Gomorra... porque dos profetas de Jerusalém se derramou a impiedade sobre toda a terra" (Jeremias 23:14-15). Não é de admirar que haja tantos escândalos em nossa época, pois a terra está cheia de impiedade! Em seu sermão "O Sistema da Graça" sobre Jeremias 6:14 (Curam Superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz, quando não há paz), George Whitefield disse: ^4

"Do mesmo modo que Deus não pode conceder maior bênção a uma nação ou a um povo do que dar-lhe ministros fiéis, sinceros e retos, a maior maldição que Deus poderia mandar para um povo seria dar-lhe guias cegos, impenitentes, carnais, mornos e incapazes. Todavia, em todas as épocas, tem havido muitos lobos em vestes de carneiros... que profetizaram palavras mais suaves do que as permitidas por Deus." 6 Infelizmente, é isso o que o seu povo deseja.

4 REVISÃO O primeiro sinal da decadência de uma igreja é o abandono do alto conceito de Deus. A. W. Tozer

Rafael pintava os famosos afrescos do Vaticano quando alguns cardeais pararam por perto a fim de observar e julgar o trabalho. "O rosto do apóstolo Paulo está vermelho demais", disse um deles. Rafael respondeu: "Ele cora ao ver nas mãos de quem está a igreja." Jeremias se identificaria com essa resposta. "Serão envergonhados porque cometem abominação sem sentir por isso vergonha; nem sabem que coisa é envergonhar-se" (6:15 e 8:12). Qual foi a razão de o povo de Judá, sem se envergonhar, haver aceitado e apoiado uin sistema religioso que destronou o verdadeiro Deus que os tinha engrandecido? Jeremias explicou: "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?" (17:9). Em outras palavras, o âmago do problema é o coração; e você e eu possuímos o mesmo tipo de coração. O cenário e o texto podem ser diferentes desde a época de Jeremias, mas os atores não mudaram.

30

A Crise de Integridade

O povo de Judá seguiu os desígnios do seu coração e mergulhou numa falsa religião que lhes prometia o que desejavam. Os líderes seguiam seus próprios corações e se entregavam aos anseios que habitam em todos nós, anseios de poder, riqueza e popularidade. Talvez os líderes não se julgassem falsos profetas, mas eram justamente isso; talvez tivessem sido sinceros ao compartilhar seus sonhos e anunciar suas visões, mas estavam levando o povo para o caminho errado. Por certo que, ao perseguirem a Jeremais, pensavam estar prestando um serviço a Deus. Vendo que os seus corações se inclinavam para o mal, Deus mandou "a operação do erro, para darem crédito à mentira" (2 Tessalonicenses 2:11), porque a penalidade de rejeitar a verdade é aceitar a mentira. O pior julgamento que Deus pode enviar ao seu povo é deixá-lo seguir o seu próprio caminho; "Concedeu-lhes o que pediram, mas fez definhar-lhes a alma" (Salmo 106:15). O sucesso da reforma de Josias deixou o ambiente propício para o fermento da hipocrisia, o qual levedou-se rapidamente. Acredito que a atual crise de integridade da igreja seja em parte resultado do falso sucesso do movimento evangélico dos últimos anos. Sei que essa é uma afirmação radical, mas acho que é válida. Num livro que é agora mais relevante do que em 1980, quando foi publicado, Jon Johnson diz: "A popularidade evangélica atual apresenta pressões poderosas para transigir com valores bíblicos devido à aceitação social. Nossa condescendência chegou a proporções epidêmicas." 1 O que algumas pessoas da igreja consideram "sucesso" é para outras julgamento de Deus. Ele nos deixa seguir nosso próprio caminho, e estamos começando a descobrir que nossos créditos são na realidade débitos. George MacDonald disse: "O homem falhará desgraçadamente em qualquer coisa que faça sem Deus, ou. mais desgraçadamente ainda terá sucesso." Pense nessa afirmação e considere o que o Senhor disse por intermédio de Malaquias aos líderes religiosos da época: "Agora, ó sacerdotes, para vós outros é este mandamento. Se o não ouvirdes, e se não propuserdes no vosso coração dar honra ao meu nome, diz o Senhor dos exércitos, enviarei sobre vós a maldição, e amaldiçoarei as vossas bênçãos; já as tenho amaldiçoado, porque vós não propondes isso no coração" (Malaquias 2:1-2). Retirar bênçãos já seria julgamento suficiente: mas transformar as nçâos em maJdiç.ã£S..é.yxai julgamento terrível. Imagine as pessoas

Revisão

31

serem tão cegas à vontade de Deus que cheguem a regoziiar-se com coisas que um dia as destruirão! Mas, quando o povo de Deus deixa de glorificá-lo, é preciso que ele julgue esse pecado. "Porque para com Deus não há acepção de pessoas" (Romanos 2:11). "O Senhor julgará o seu povo" (Hebreus 10:30). Quando as pessoas valorizam a dádiva mais do que o Doador, ela se transforma em ídolo, e passam a adorar e a servir "a criatura, em lugar do Criador" (Romanos 1:25). Idolatria significa viver de substitutos, e o Deus cujo nome é Zeloso (Êxodo 34:14) simplesmente não os tolera. Consideremos alguns dos "substitutos evangélicos" que têm roubado a integridade da igreja. Quero, porém, preveni-lo: algumas das coisas que vou mencionar fazem parte da vida cristã moderna de modo que você pode ficar chocado e até mesmo ofendido. Peço que seja paciente; faz parte do tratamento. O primeiro item é o desejo de que a igreja receba a aprovação do mundo em geral e de "pessoas importantes", em particular, e de que por elas seja aceita. Nos últimos anos, temos procurado o aplauso dos homens c não a aprovação de Deus, e muitos ministérios têm dependido de "celebridades cristãs" para conseguir a atenção e o apoio do povo de Deus, Antigamente as três coisas mais importantes para o sucesso das reuniões eram que as pessoas fossem cheias do Espírito, sentissem responsabilidade pelas almas e estivessem prontas a conceder a glória a Deus. Mas, então, tomou-se necessário que houvesse pessoas famosas no programa, como astros de Hollywood, preeminentes atletas e conhecidos animadores de programa. Esperava-se que todos eles dissessem uma boa palavra para o Senhor. E duvidoso que todas essas pessoas famosas fossem realmente salvas. Provavelmente apenas usavam nossas organizações para se promoverem. Podemos agora olhar para trás e contar as baixas. A. W. Tozer chamou isso de "Tratamento Comercial" do evangelismo: como você faz certas coisas porque os outros assim procedem, você também deve ser cristão porque outros o são. Esse tratamento é ideal para uma sociedade, como a nossa, que adora o sucesso e confia nos testemunhos. Entretanto, quando a ênfase é na fama do "testemunhador", e não na sua fé em Cristo, algo está fadado a fracassar; e foi o que aconteceu. Descobrimos que essas pessoas não passavam de celebridades a ser admiradas, não heróis a ser seguidos, e que muitas vezes o seu modo de vida não condizia com o que transmitiam. Resultado: ficamos perplexos e somente nós somos os culpados.

32

A Crise de Integridade

Basicamente, foi um problema de integridade: a reputação foi mais importante do que o caráter e a popularidade e a capacidade de atrair multidões mais importantes do que uma vida cristã estável. Esse tratamento pecou pela base. Foi uma forma sutil de pragmatismo religioso: como está produzindo resultados, Deus deve estar abençoando o trabalho. Contanto que se pegue o peixe, que diferença faz o tipo de anzol ou isca? Durante algum tempo, astros de Hollywood e atletas foram a atração, e depois chegou a vez dos políticos. Como a igreja vibrou quando pregadores célebres eram convidados para falar na Casa Branca! Como era emocionante saber que pessoas de altos cargos citavam a Bíblia ou revelavam à imprensa que tinham nascido de novo! O testemunho de alguns era verdadeiro e agradecemos a Deus isso. Para muitos, entretanto, era apenas outra maneira de chamar a atenção do público cristão e conseguir mais votos. O "Direito Religioso" era uma força que os políticos tinham de levar em conta; "se você não pode derrotá-los, junte-se a eles", parecia ter-se tornado uma diretriz política e um lugar-comum. Quando a televisão entrou em cena, o "Tratamento Comercial" ganhou novo fôlego. Televisão é basicamente um meio de entretenimento e o tratamento comercial é justamente isso. O líder religioso com o tipo certo de carisma estava feito, porque os espectadores estavam preparados para aplaudi-lo. O público cristão ficou tão acostumado com entretenimento religioso, celebridades e evangelho "popular", que a transição foi fácil. Tínhamos criado um monstro poderoso com apetite voraz, e era preciso alimentá-lo. A igreja tinha o seu próprio culto de personalidades que rivalizava com qualquer coisa que Hollywood pudesse oferecer. Milhões de pessoas estavam prontas a apoiá-lo e chamavam-no de "bênção de Deus". Parece que Deus transformou a bênção em maldição. Se o seu objetivo é "conseguir resultados", os erros são inúmeros; e, acredite-me, nós os cometemos. Em primeiro lugar, a pessoa preocupa-se com os números. Depois começa a substituir a realidade espiritual por estatísticas, o que é semelhante a alguém ler a receita em vez de alimentar-se. Quantas pessoas estiveram presentes? Quantas se decidiram? Quantas se tornaram membros? De quanto foi a oferta? Todas essas coisas eram mais importantes do que se estávamos ou não glorificando a Deus durante a reunião. Não demorou muito para que a igreja deixasse de ser considerada pessoas em assembléia: tornou-se nomes e números num arquivo e, mais tarde, num computador. As

Revisão

33

pessoas já não eram uma finalidade em si mesmas; tornaram-se meios para um fim — conseguir multidões maiores e mais resultados. .Apresso-me a dizer que possuir registros exatos não é falta de geralmente nada têm a registrar, e acho que ele está certo. Certa vez, quando numa reunião de pastores eu criticava estatísticas eclesiásticas, o Dr. Walter L. Wilson me disse: — Jovem, há na Bíblia um livro chamado Números! — E l e tinha razão, mas seria o primeiro a concordar comigo em que há grande diferença entre saber o número das ovelhas e conhecer o estado do rebanho. O bom pastor preocupa-se até mesmo por uma ovelha perdida. A ênfase na estatística criou logo um ambiente de competição no mundo evangélico. Quem tinha a igreja maior? Quem tinha a maior Escola Dominical? Infelizmente, a competição levou-nos algumas vezes a fraudes, até que a controvérsia terminou. Editores aderiam ao movimento e ofereciam livros ensinando que qualquer pastor podia aumentar a assistência aos cultos e à Escola Dominical se fizessem o que faziam as autoridades nas mega-igrejas (Foi preciso inventar essa palavra para expressar o sucesso). Podíamos também ouvir essas autoridades pessoalmente se fôssemos às suas escolas ou seminários. Nada há contra aprender algo com alguém. Afinal, quem reinventou a roda? Mas sou contra a filosofia que transforma o ministério em mecânica e me apresenta um livro de fórmulas como garantia de sucesso. Também sou contra editores que contratam "homens famosos" para escrever livros sem primeiro averiguar se os seus métodos infalíveis estão baseados na sã teologia. Se a profissão médica seguisse essa norma, todos estaríamos mortos. Chego, às vezes, a sentir náusea quando folheio uma publicação cristã e vejo as notícias e a propaganda. O evangelho tomou-se um alto negócio, e toda a sorte de estranhos pássaros estão empoleirados nos seus ramos. O culto da personalidade tornou-se um círculo vicioso, e estamos agora promovendo ministérios c mercadorias do mesmo modo que o mundo promove pasta de dentes e carros usados. A única coisa mais nauseante do que ler essas revistas é visitar a exposição das habituais convenções cristãs, ver pessoas e mercadorias em cores vívidas e observar como competem entre si. Onde erramos? Novamente, foi uma questão de integridade; substituímos a produção de frutos para a glória de Deus por "resultados obtidos". Quase todos podem produzir resultados, mas o fruto tem de

34

A Crise de Integridade

fluir da vida. "Sem mim nada podeis fazer" (João 15:5). Substituímos um número inteiro por uma fração ao separarmos o ministério da verdadeira Força do seu poder — o Todo-poderoso Deus. Fazer "sucesso" na obra cristã tornou-se fácil tarefa, contanto que as pessoas possuíssem talento e pudessem atrair uma multidão. Não era importante ser consagrado. Era importante ter boa cobertura da imprensa. Robert Murray McCheyne disse: "Deus abençoa muito mais a grande semelhança com Jesus do que os grandes talentos." 2 Gostaria de ter sabido disso antes. Agora que sei, preciso prestar mais atenção. Houve uma mudança sutil; muitas igrejas quase deixaram de ser congregações reunidas com a finalidade de adorar a Deus para tornarem-se audiências agrupadas em torno de homens. Crentes que costumavam participar da liturgia sagrada tornaram-se espectadores de um desempenho religioso. "Santuários" dedicados à adoração de Deus tornaram-se "auditórios" onde os cabritos riem e as ovelhas definham. Começamos a adorar o que A. W. Tozer chamou de "o Grande Entretenimento Divino". É claro que esse tratamento somente reforçou a fraqueza que já tínhamos criado; culto da personalidade, ânsia por estatísticas e mercadologia da fé. Com o advento da televisão, os animadores de programas religiosos encontraram o meio ideal para difundir o evangelho dos bons sentimentos. Isso não é uma insinuação de que todos os que usaram ou estão usando a televisão para o ministério sejam impostores ou fracassados. Alguns dos meus melhores amigos trabalham na televisão, mas não posso dizer que nesse meio de comunicação todos tenham escapado do "Grande Entretenimento Divino". Explicarei o motivo num dos próximos capítulos. Estou convicto de que tudo o que se espera da igreja é produto derivado do culto espiritual, e isso inclui evangelização, missões, contribuição, caridade, educação, consagração pessoal e serviço. Primeiro Deus nos chama para adorá-lo. depois manda-nos testemunhar e fazer a obra. Deus deseja que a adoração venha em primeiro lugar, pois somente então teremos o seu poder e glorificaremos ao seu nome. A adoração coloca Deus onde eie merp.ee estar e conserva O homem no lugar em que deve ficar. Na adoração do "Grande Entretenimento Divino", porém, o homem recebe a glória e Deus é posto de lado. Se essa análise for correta, é claro que a igreja vem perdendo a integridade há muito tempo. Estamos vivendo de sucedâneos sem o sabermos, ou talvez nem queiramos admitir tal coisa. Separamos o ministério da adoração, o testemunho do caráter e o dever da doutrina.

Revisão

35

Tudo fizemos para conquistar popularidade e conseguir resultados em vez de produzir frutos para a glória de Deus. Os escândalos dos meios de comunicação por certo causaram problemas; mas, mais do que isso, revelaram problemas, problemas esses que há anos propagavam-se na igreja como uma infecção mortífera. Agora a infecção explodiu e todos podem vê-la. Muito antes dos escândalos, outros sintomas demonstravam que algo estava errado. A igreia estava popular demais junto ao mundo e começava a depender mais da influência política do que da pregação e oração. Não mais enfrentávamos o mundo da maneira que Moisés enfrentou Faraó, ou João Batista enfrentou Herodes. Deixamos de ser sobretudo embaixadores, tornamo-nos apenas diplomatas, e vangloriávamo-nos por ser aceitos pelas pessoas celebres. O aumento do movimento financeiro e da multidão parece ter feito pouca diferença na sociedade cm geral ou nos lares cristãos. O índice de divórcios aumentou e até invadiu a igreja e o ministério. Cristãos populares envolveram-se em confusões conjugais sem demonstrar arrependimento e ainda houve quem os aplaudisse e comprasse seus livros e discos. Mesmo com todas as nossas magníficas estatísticas, não chegamos a dar um passo sequer para ajudar a sociedade com os seus problemas de abuso de narcóticos, crime, questões familiares e imoralidade sexual. Este capítulo tem sido negativo, portanto gostaria de esclarecer que não considero que a era da igreja de pós-Segunda Guerra Mundial tenha sido de derrota e fracasso. Muito pelo contrário, foi uma época de agitação e expansão, e agradeço a Deus o ter-me permitido viver e ministrar nesses importantes anos. Que quadro sensacional os futuros historiadores nos darão quando reunirem todo o material c contarem o que realmente aconteceu! Acontecia tanta coisa que não percebemos a evolução dos problemas, e estamos agora pagando por isso. Em resposta às novas idéias e desafios, muitos ministérios desenvolveram-se tão rapidamente que não tivemos tempo para examinar a situação com cuidado. Todas as vezes que o Espírito Santo planta a semente verdadeira, o inimigo planta a falsa. Só mais tarde é que notamos a diferença. Também não estou a insinuar que nós, os que ministramos neste período, devamos ser responsabilizados pelos escândalos que têm envergonhado a igreja. Sinto, entretanto, que muitos de nós provavelmente tenhamos ajudado a criar o ambiente propício aos escândalos. Talvez o tenhamos feito inocentemente por não conhecermos nada

36

A Crise de Integridade

melhor ou, no caso de conhecermos, não nos preocuparmos em remar contra a maré. Era demasiado fácil acompanhar as pessoas que acreditavam na "nova filosofia" do ministério, pessoas que nos conduziam a vitória após vitória. E verdade que de vez em quando ouvíamos ao longe há cheiro de fumaça? Seja como for, depois que acontecem, as coisas tomam-se claras. Agora, depois do fato consumado, talvez devêssemos enfrentar a situação honestamente e pedir a Deus que nos perdoe. "A ordem mais importante do nosso Senhor para a igreja não é a Grande Comissão", disse Vance Havner. "A Grande Comissão é, na verdade, nosso programa até o fim dos tempos, mas a maior ordem do nosso Senhor à igreja é 'Arrependei-vos-'." 3 Qevemosenvergonhar-nos, Devemos arrepender-nos. Talvez a oração de Esdras nos ajude a começar: "Meu Deus! Estou confuso e envergonhado, para levantar a ti a minha face, meu Deus: porque as nossas iniqüidades se multiplicaram sobre a nossa cabeça, e a nossa culpa cresceu até aos céus" (Esdras 9:6).

5 RESPONSABILIDADE Para o homem natural nada há de atraente no evangelho; só o homem convicto do pecado acha o evangelho atraente. Oswald Chambers

Os meios de comunicação tiveram muito que dizer sobre pregadores e dinheiro e sobre pregadores e moral; mas pouco se falou sobre o problema real: os pregadores e a mensagem. A única pessoa que ouvi falar a respeito desse assunto foi Chuck Colson numa palestra da Convenção de Livreiros Cristãos em 1987. Em seu livro Reinos de Conflito ele fez uma afirmação parecida: "Os efeitos da pregação de uma falsa teologia podem ser desastrosos. Muitos atribuem a queda de Jim e Tammy Bakker à ganância, à imprudência sexual ou à corrupção do poder. É claro que esses fatores contribuíram e muito. Mas a causa fundamental foi que, durante anos, os Bakkers pregaram um falso evangelho de promoção material... Tragicamente, os Bakkers iludiram-se acreditando em sua própria mensagem falsa." 1

38

A Crise de Integridade

Enquanto Chuck falava naquela noite, abri a Bíblia em 1 Tessalonicenses 2:3-5, e li: "Pois a nossa exortação não procede de engano, nem de impureza, nem se baseia em dolo; pelo contrário, visto que fomos aprovados por Deus a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, não para que agrademos a homens, e, sim, a Deus que prova os nossos corações. A verdade é que nunca usamos de linguagem de bajulação, como sabeis, nem de intuitos gananciosos. Deus disto é testemunha." Os servos de Deus são despenseiros divinamente ordenados que são "encarregados do evangelho". É esse um grande privilégio, mas também solene responsabilidade. "Além disso o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel" (1 Coríntios 4:2). Essa fidelidade contém pelo menos três elementos que precisam ser corretos: a mensagem ("nossa exortação não procede de engano"), o motivo ("nem de impureza"), e o método ("nem se baseia em dolo"). Consideremos esses três elementos e vejamos como se relacionam com a crise de integridade. A mensagem precisa ser correta. A mensagem correta é o evangelho de Jesus Cristo, o evangelho da graça de Deus. Há apenas um evangelho, que se centraliza na morte, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo. O evangelho (as boas-novas) é "que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras" (1 Coríntios 15:3-4). Os pecadores que se arrependem e confiam em Jesus Cristo são perdoados e recebem de Deus a dádiva da vida eterna (1 João 5:10-13). Deus é de tal forma zeloso dessa mensagem que declara "anátema" todo aquele que pregar outro "evangelho" (Gálatas 1:6-9). Aqueles que mudarem essa mensagem, adicionando ou subtraindo algo, ou deturpando-a, são mestres falsos, infiéis ao Senhor e correm o risco de sofrer o seu julgamento. A mensagem destes procede "do engano" O moderno "evangelho do êxito" ajusta-se bem a uma sociedade como a nossa que cultua a saúde, a riqueza e a felicidade. As pessoas que pregam esse evangelho mergulham vez por outra no Antigo Testamento para conseguir textos de prova, mas voluntariosamente rejeitam "todo o desígnio de Deus" (Atos 20:27). O evangelho do êxito é uma mensagem barata destinada às pessoas que procuram uma "solução rápida" para as suas vidas, mas não mudança permanente no seu caráter. A. W. Tozer expressou melhor essa idéia: "Parece que muitos cristãos

Responsabilidade

39

desejam desfrutar a sensação de sentir-se justos, mas não estão dispostos a agüentar a inconveniência de ser corretos." 2 Por que estará Deus tão interessado em que preguemos a mensagem correta? Porque acredita na integridade, e um evangelho falso destrói a integridade. Para começar, a mensagem do evangelho está vitalmente relacionada à própria natureza divina. Jesus não apenas salva; ele é o Salvador. Quando mudamos a mensagem de Deus, mudamos o Deus da mensagem. O Deus dos pregadores do "êxito" não é o da Bíblia ou da igreja primitiva. É um deus manufaturado, um ídolo. Lembra-nos A. W. Tozer: "A essência da idolatria é a consideração de pensamentos a respeito de Deus que são indignos dele." 3 O evangelho popular do êxito tenta levar-nos a crer que o maior interesse divino é tornar-nos felizes, não fazer-nos santos, e que ele está mais preocupado com a parte física e material do que com a moral e espiritual. O "deus do êxito" é um menino de recados celestial cuja única responsabilidade é atender a todos os nossos pedidos e assegurar que estamos desfrutando a vida. A medida que ouço esses pregadores, algumas perguntas vêm-me à mente: Onde, na sua teologia, está o Deus de Abraão, que recebeu a ordem de sacrificar o seu único filho? Onde está o Deus de Isaque, que concordou em ser colocado no altar? Onde está o Deus de Jacó, cujos filhos lhe trouxeram pesar e vergonha? Onde está o Deus de Moisés, que ficou fora da Terra Prometida porque despojou a Deus de sua glória? Onde está o Deus dos apóstolos, que foram presos, chicoteados e finalmente mortos por não se calarem a respeito de Jesus? Onde está o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, que sofreu como ninguém havia sofrido, "ferido de Deus, e oprimido" (Isaías 53:4)? Não encontro esse Deus na pregação desses homens. Porque? Porque ele não se encaixa na mensagem deles. Eles têm um evangelho sem integridade, uma mensagem truncada, afastada do próprio Deus que dizem representar. Um evangelho parcial não é evangelho em absoluto, pois não pode haver boas-novas quando Deus é deixado de fora. Theodore H. Epp assistiu a uma convenção na qual um bem-sucedido e popular pregador era um dos oradores. O Sr. Epp tinha vontade uC ouvir tão famoso orador. Portanto, de Bíblia iia mão, foi à reunião. Imagine a sua surpresa quando ouviu o orador afirmar (e aqui faço uma paráfrase): 4 '0s Senhores devem notar que não tenho uma Bíblia. Parei de usar a Bíblia no púlpito. As pessoas não querem sermões; querem ouvir o que Deus representa para nós cm nossas vidas."

40

A Crise de Integridade

Tão desgostoso ficou o Sr. Epp que deixou o salão, foi para o seu quarto, caiu de joelhos e pediu a Deus que o perdoasse o ter ido àquela reunião, e até mesmo o ter comparecido à convenção! Fez suas malas, pagou o hotel e voltou para casa. "Nossa tarefa não é dar às pessoas o que elas desejam", costumava ele me dizer "nossa tarefa é dar-lhes o de que precisam mas tentar fazê-las querer tal coisa". Para ele, ensinar a "palavra da verdade" era a coisa mais importante. * O evangelho do êxito não somente apresenta uma visão distorcida de Deus, mas também deturpa a doutrina bíblica da Pessoa e obra de Jesus Cristo. Deus tem todo o direito de julgar aqueles que pregam um falso evangelho, porque a mensagem do evangelho custou-lhe o seu Filho! Jesus derramou o seu sangue para cumprir a santa lei divina a fim de que os pecadores perdidos pudessem ser perdoados e reconciliados com Deus. Jesus não morreu para tornar-nos saudáveis, ricos e felizes. Ele morreu para fazer-nos santos. Transformar o Calvário em cartão de crédito santificado que nos dê o privilégio de uma orgia de compras hedonista é depreciar a coisa de mais alto preço que Deus já fez. x Já notamos que o objetivo último de Deus é "fazer convergir nele (Cristo) todas as coisas" (Efésios 1:10). Somente então os nossos corpos serão completamente redimidos e libertos dos fardos da vida. O objetivo de Deus para cada um de nós, para cada indivíduo, é que sejamos "conformes à imagem de seu Filho" (Romanos 8:29). Ele deseja tomar-nos semelhantes a Jesus e dá início a esse processo no instante em que nascemos em sua família. A medida que crescemos na vida cristã, "somos transformados de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito" (2 Coríntios 3:18). Mas os pregadores do êxito não vêem na semelhança de Cristo o objetivo da vida cristã. Certamente devem ficar perturbados quando têm de enfrentar o fato de que, de acordo com sua própria mensagem, Jesus não foi um êxito. Ele não foi rico, e passou a vida entre os pobres e os desprezados. Foi um "homem de dores e que sabe o que é padecer" (Isaías 53:3), e não uma celebridade com uma vida extravagante. Posso estar enganado, mas acredito que, se Jesus estivesse hoje na Terra, ele condenaria a vida exagerada e ostensiva dos pregadores do êxito e seus discípulos. Em sua vida e ministério, em seus ensinamentos e especialmente em sua morte, Jesus Cristo repudia o evangelho do êxito. Os pregadores do êxito dão-nos uma visão deturpada de Deus, do Salvador, da vida cristã e da igreja. Segundo eles, a igreja^de Jesus

Responsabilidade

41

Cristo é um ajuntamento de pessoas felizes que desfrutam a vida. Segundo a Bíblia, a igreja é um ajuntamento de pessoas sofridas que procuram tomar-se santas na presença de Deus e úteis em um mundo necessitado. E claro que deve haver louvor e regozijo quando a igreja se reúne para o culto; mas também deve haver partilhamento de fardos, lenitivo para as ofensas e cura de corações partidos. Mas, de conformidade com o evangelho do êxito, os cristãos não deviam estar sofrendo de modo nenhum! A igreja é uma família que se reúne para encorajamento, nutrição espiritual e disciplina. E um exército que se agrupa a fim de se preparar para a batalha e a fim de ouvir as ordens de Deus. É um rebanho que procura a proteção de Deus em um mundo perigoso, uma noiva que expressa devoção ao noivo celestial, um grupo de servos que procuram conhecer a vontade do seu Mestre. Reunimo-nos não para fugir da vida, mas para nos equipar e estimular mutuamente a fim de voltarmos à vida com seus fardos e batalhas. E verdade que temos nossas horas de felicidade, mas não é esse o nosso alvo principal. Nossos objetivos são a santidade e a prestação de serviço; a felicidade é apenas um subproduto. Quando a igreja prega a mensagem errada, provoca divisão e o ministério perde a integridade. Não podemos separar a mensagem daquilo que Deus é, do que Deus fez no Calvário, do que Deus está fazendo no mundo hoje e fará no futuro. Quando a pessoa fabrica o seu próprio evangelho, logo passa a praticá-lo, e então começa a perder a integridade. Lembre-se do processo descrito em 1 João 1:5-10. Em primeiro lugar, a pessoa mente para os outros e pára de praticar a verdade (v. 6). Depois mente para si mesma e perde a verdade (v. 8). Finalmente, começa a mentir para Deus e fazê-lo mentiroso; e o resultado é que a pessoa perde a Palavra divina (v. 10). João deixou claro que o ministério exige integridade e que não se deve separar o mensageiro da mensagem. Quando tal coisa acontece, tanto o mensageiro quanto a mensagem perdem a integridade. Não é suficiente pregar a mensagem correta; precisamos pregar com os motivos certos. "Pois a nossa exortação não procede d e . . . impureza" (1 Tessaloniccnses 2:3). Certa versão da Bíblia diz "de motivos impuros". Paulo não se fez perito em agradar homens a fim de se tomar um pregador popular, nem explorou o povo a fim de se tomar um pregador rico. O motivo básico do seu ministério era agradar a Deus,

42

A Crise de Integridade

e foi isso que lhe deu forças. Ele sabia que Deus testava o seu coração constantemente para ver se os seus motivos eram puros. Henry David Thoreau escreveu: "Não há um cheiro tão mau quanto o que exala da virtude corrompida." 4 E poucas coisas corromB£jgL_a nossa virtude comoji ganância, o desejo de ser popular e o sentimento que toma conta do nosso" ser ão exercermos poder sobre pessoas que nos oferecem à~süa adoraçao Idólatra. Quando nossos motivos são errados, nosso ministério é errado; e as conseqüências são trágicas para nós, para aqueles que nos seguem e para a igreja toda. Talvez seja impossível alguém sobre a terra ministrar com motivos absolutamente puros mas, pela graça de Deus, podemos tentar. Quando percebemos que estamos resistindo às críticas e cultivando os elogios, sabemos que algo está errado. Quando começamos a acreditar em todas as coisas agradáveis que dizem a nosso respeito, estamos em perigo. Se o nosso coração está reto perante Deus, o elogio deve tornar-nos humildes e não vaidosos. Nos últimos anos, a igreja tem tido celebridades demais e servos de menos, um número demasiado grande de pessoas com muitas medalhas mas sem cicatrizes. Observando as suas vidas e ouvindo as suas mensagens, jamais saberíamos que o evangelho se refere a um humilde judeu que foi pobre, rejeitado e crucificado; nem tampouco suspeitaríamos que ele disse: "Bem-aventurados vós os pobres, porque vosso é o reino de Deus" (Lucas 6:20), ou "Mas ai de vós, os ricos! porque tendes a vossa consolação" (Lucas 6:24). A celebridade religiosa fabrica a mensagem que mais realce a sua popularidade e talvez aumente a sua renda. O servo verdadeiro se preocupa tanto com a sua integridade quanto com a da mensagem. Em capítulo posterior, direi algo mais sobre os perigos do dinheiro e do poder no ministério. Focalizemos agora o terceiro interesse de Paulo: nossos métodos devem ser corretos. Não há lugar para a "fraude" no ministério do evangelho. A fraude não tem lugar na promoção do evangelho. A fraude e a fé não andam de mãos dadas. Tenho ouvido cristãos sinceros dizer: "Não me preocupo com os métodos, contanto que a mensagem seja correta!" Essas pessoas deviam considerar o fato fundamental de que a mensagem ajuda a determinar o método. Alguns métodos do ministério evangélico são indignos do evangelho. No seu relacionamento com as pessoas, Paulo era franco e honesto. Não tentava seduzi-las com o evangelho.

Responsabilidade

43

Um amigo meu fez parte da equipe de uma igreja pastoreada por um popular pregador do êxito. Perguntei-lhe por que aquele pastor não pregava sobre pecado, arrependimento ou julgamento. "Porque sabe que a maioria das pessoas não dá ouvidos a esse tipo de pregação", respondeu meu amigo. "Ele as seduz com os seus sermões sobre o êxito, e depois a equipe faz o trabalho pessoal atrás dos bastidores para que o povo entenda o evangelho." Não encontro esse tipo de evangelização em lugar algum no ministério de Jesus, no dos seus discípulos ou no da igreja primitiva. As vezes Jesus usava paralelos interessantes para conseguir a atenção dos seus ouvintes, mas depois fazia com que enfrentassem seus pecados. Obteve a atenção da mulher junto ao poço falando sobre a "água viva", mas depois ela teve de encarar os seus pecados: "Vai, chama teu marido e vem cá" (João 4:16). Jesus estava longe de ser um pregador do êxito. Na realidade, algumas das suas mensagens foram tão condenadoras que os ouvintes desejaram matá-lo! Sermões que adulam os pecadores jamais os salvam. Ouvi certa vez um evangelista congratular-se com as pessoas que desciam os corredores a fim de se encontrar com os conselheiros; com essa atitude ele contradisse o evangelho que tinha pregado. A pregação do evangelho verdadeiro exalta a Deus e condena o pecador; não estimula o orgulho do pecador/O ego pecaminoso do homem precisa ser esimgadojteranle um Deus santo; e é isso o que a mensagem do evangelho faz. Antes de podermos aceitar as boas-novas a respeito de Jesus, precisamos aceitar as más novas sobre nós mesmos. A adulação tem sido definida como "manipulação, não comunicação". Quando começamos a manipular as pessoas em vez de ministrar a elas, deixamos de ser fiéis despenseiros do evangelho e despojamos as pessoas da oportunidade de tomarem uma decisão por Jesus Cristo. Jesus e Paulo persuadiram as pessoas; não as seduziram, nem as coagiram, nem tampouco as exploraram. O evangelho desfaz a capacidade de o pecador salvar a si próprio, mas jamais retira a responsabilidade do pecador de obedecer aos mandamentos de Deus. A adulação é apenas um dos expedientes usados pelos pregadores com o fim de seduzir o pecador incauto. Outro artifício é oferecer respostas simples a problemas complexos. O pregador que brada "Jesus é a resposta!" está fazendo uma afirmação válida. Mas está beneficiando as pessoas tanto quanto o médico que grita aos pacientes na sala de espera: "Cirurgia é a resposta!" E pura demagogia, mesmo tendo o apoio de um versículo bíblico.

44

A Crise de Integridade

Alguém disse que enquanto a verdade c a l ç a a s b o t a s a mentira dá uma volta ao mundo, e tinha razão. A natureza humana decaída deseja crer em mentiras, especialmente nas "mentiras religiosas", o que facilita o êxito dos demagogos. James Fenimore Cooper definiu demagogo como "o indivíduo que promove seus próprios interesses simulando uma dedicação profunda aos interesses dos outros." 5 De todos os demagogos, os religiosos são os mais desprezíveis. Eles sabem como seduzir. Certa vez, minha esposa e eu tínhamos acabado de preencher a ficha do hotel na Florida, quando fomos interpelados por uma amável jovem senhora que nos ofereceu transporte gratuito para o "Disney World" e o "Epcot Center". Meu radar imediatamente entrou em funcionamento, e perguntei: "E o que teremos de fazer em troca desse favor?" Então a verdade surgiu. Tudo o que tínhamos de fazer era perder algumas horas das nossas férias para ver um filme e depois visitar uma exposição imobiliária. Aqueles promotores de venda também sabiam como seduzir, mas pelo menos eram honestos. Não se pode dizer o mesmo de alguns pregadores. E uma pena que muitos cristãos, quando expostos a um ministério, não saibam pensar teologicamente e fazer as perguntas corretas. Faltam-lhes discernimento espiritual e confiança nas pessoas que o possuem. O pastor fiel que adverte seu rebanho contra um ministro de comunicação em massa que seja suspeito pode ouvir o seguinte comentário: "Ele está com ciúme do outro! Tem receio de que lhe enviemos dinheiro!" Nas primeiras semanas de ministério como pastor principal da Igreja Moody, de Chicago, surpreendi-me com a pergunta de um membro antigo: — Quando o senhor convidará para falar a esta igreja? — E deu o nome de um muito conhecido pregador eletrônico, cuja teologia e ética eu considerava deplorável. — Nunca — respondi. — N ã o quero que o povo pense que esta igreja apóia a mensagem dele ou o seu estilo de vida. — Ele atrairá uma multidão! — Não nos interessa ter aqui uma multidão — respondi. — Nosso propósito é edificar uma igreja. E ele não pode nos ajudar. Nos anos seguintes não vi aquele membro da igreja muitas vezes. Quão trágica foi a sua deficiência em detectar uma fraude religiosa, apesar de ter tido o privilégio de ouvir os melhores pregadores e os

Responsabilidade

45

melhores professores bíblicos do mundo. Ele não estava disposto a aceitar a opinião do seu pastor. Felizmente, ele era uma exceção. Agimos de conformidade com o que cremos, e nosso comportamento e fé determinam o que viremos a ser. Se crermos na verdade, ela nos santificará (João 17:17) e nos libertará (João 8:31-32). Se crermos cm mentiras, aos poucos nos tornaremos uma mentira à medida que perdemos a integridade e começamos a praticar a duplicidade. E princípio fundamental que nos tornaremos semelhantes ao deus que adoramos. Se o deus é falso, seremos falsos. "Tornem-se semelhantes a eles (deuses falsos) os que os fazem, e quantos neles confiam" (Salmo 115:8). "Filhinhos, guardai-vos dos ídolos" (1 João 5:21).

6 CENSURA A pregação é indispensável Sem a pregação, perde-se de sua autenticidade. Pois em sua essência, uma religião

ao Cristianismo. parte necessária o Cristianismo é, da Palavra de Deus.

John R. W. Stott

Minha conclusão é que o tipo errado de pregadores, compelido por motivos errados, criou o tipo errado de cristãos mediante a pregação da mensagem errada. E esse o diagnóstico. E eis o remédio. De que tipo de pregadores e líderes precisamos hoje na igreja? Comecemos com os pregadores. A igreja de hoje precisa de pregadores como Jeremias e João Batista. E interessante notar o quanto esses dois homens tem em comum e o quanto podemos aprender com eles. Nascidos para ser sacerdotes, ambos foram chamados para ser profetas. Se dependesse de mim, preferiria ser sacerdote a profeta. Afinal, o trabalho do sacerdote judaico era rotina. Tinha apenas de estudar os livros de Moisés e seguir os regulamentos e programas ordenados por Deus. Havia poucas ocorrências inesperadas no altar e não muita possibilidade de entrar em atrito com o povo. Apenas fazia o que já estava determinado e guiava-se pelos livros.

48

A Crise de Integridade

Mas não era assim com o profeta! Ele nunca sabia qual seria o seu ministério de um dia para outro. Não somente tinha de entender a Palavra de Deus, como também tinha de entender o povo e a época em que vivia. Precisava saber como aplicar a Palavra imutável a tempos mutáveis. O sacerdote podia cumprir sua tarefa sem jamais prestar atenção às notícias do dia, mas não o profeta. Este tinha de saber o que estava acontecendo! O sacerdote possuía segurança; o profeta era vulnerável. O sacerdote podia calar-se; o profeta tinha de entregar a mensagem de Deus, quisesse o povo ouvi-la ou nâo. E preciso coragem para ser profeta. Tanto Jeremias como João Batista, ao declararem a verdade de Deus, enfrentaram com ousadia homens poderosos e congregações hostis; e ambos foram mortos por terem sido fiéis a essa verdade. Do ponto de vista humano, foram um fracasso. O ministério dos sacerdotes não era primariamente um ministério da Palavra, apesar de terem a obrigação de ensinar ao povo as leis de Deus. Os sacerdotes conduziam um ministério de "preceitos". Tinham apenas de seguir os regulamentos escritos nos livros e tomar cuidado para que a cerimônia não se transformasse em ritual. Infelizmente, isso acontecia com demasiada freqüência! Os sacerdotes do Antigo Testamento lidavam principalmente com a parte extrínseca da religião: os sacrifícios, as purificações, as dietas e os dias especiais. Mas os profetas tinham de lidar com aparte intrínseca. Tinham de tentar mudar o coração humano pecaminoso, o que não é fácil. Havia muita religião popular nos dias de Jeremias e João Batista, mas ela não alcançava o coração do povo. O profeta tinha de ser radical e atingir a raiz dos problemas. Foi por isso que João Batista clamou: "Já está posto o machado à raiz das árvores" (Mateus 3:10); e foi por isso que Jeremias denunciou os falsos profetas que aplicavam bálsamo quando deveriam ter realizado a cirurgia (Jeremias 6:13-14). Se Jeremias e João Batista tivessem sido sacerdotes e não profetas, é possível que os líderes os tivessem aceitado; mas, sendo os seus ministérios proféticos, os líderes se lhes opuseram e depois os eliminaram. O principal dever do sacerdote era preservar o passado e proteger a situação do momento. Mas o dever do profeta era interpretar o presente à luz do passado e então dar uma orientação que ajudasse garantir o futuro. João Batista e Jeremias desafiaram a situação do momento. Ousaram anunciar que Deus estava produzindo abalos e preparava-se

Censura

49

para fazer mudanças! As pessoas que desejam uma religião confortável não reagem de bom grado a esse tipo de mensagem. Como Jeremias era um profeta do coração, ele olhava além das formalidades da religião judaica e via as verdades espirituais mais profundas. Os judeus tinham grande respeito pelo templo, mas logo este seria destruído (7:4-11). No futuro Deus construiria um novo templo que não pudesse ser destruído. Os judeus gloriavam-se da Lei e da aliança, mas Deus faria uma nova aliança que pudesse ser escrita nos corações e não em pedras (31:31-34). Viria um dia em que a preciosa arca da aliança seria levada e dela nem sentiriam falta (3:1617), porque Deus estaria morando em seu povo de maneira nova e vivificante. Até mesmo a circuncisão (4:4) e os sacrifícios (7:21 e seguintes) seriam substituídos por algo espiritual, eterno e mais maravilhoso. Sem dúvida, todas essas coisas tinham sido bênçãos para a nação; mas estavam tomando o lugar da fé em Deus. Jeremias viu o que os falsos profetas não queriam ver: as bênçãos tinham-se tornado maldições e os levariam ao cativeiro. "Eis que vós confiais em palavras falsas, que para nada vos aproveitam" (7:8). Se você quiser descobrir quão difícil é para algumas pessoas desistir dos "acessórios" da fé e dar lugar a algo novo, é só participar de um programa de construção, ou tentar mudar a classe de adultos da Escola Dominical para outra sala. Em nosso primeiro pastorado, o Senhor levou-nos a demolir o prédio da igreja e construir um edifício novo. Sendo jovem e entusiasta, pensei que o povo iria regozijar-se. Nem todos, porém, ficaram felizes. O fato de o prédio ser feito de chapas corrugadas e completamente inadequado, e estar condenado pelas autoridades competentes, não influenciou a minoria. Até o dia da demolição, eu os ouvi orando: "Agradecemos-te, Senhor, o nosso pequenino templo!" Compreendo que muitos momentos preciosos estavam ligados àquela pequena construção — casamentos, funerais, pessoas salvas — mas eu gostaria que a minoria tivesse olhado para frente em vez de para trás. Essa experiência ápresentou-me à diferença entre o sacerdote c o profeta. Há alguns anos, ao ler a profecia de Jeremias do princípio ao fim, fiz uma lista de algumas imagens do seu ministério, que me ajudaram a melhor compreender o tipo de ministério de que a igreja precisa mas nem sempre deseja. Eis o que era Jeremias:

50

A Crise de Integridade Um destruidor, um construtor e um plantador "Olha que hoje te constituo sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares, e também para edificares e para plantares" (1:10). Uma cidade, uma coluna e um muro "Eis que hoje te ponho por cidade fortificada, por coluna de ferro, e por muros de bronze" (1:18). Um acrisolador de metal e uma fortaleza "Qual acrisolador te estabeleci entre o meu povo, qual fortaleza, para que venhas a conhecer o seu caminho, e o examines" (6:27).

Um médico "Estou quebrantado pela ferida da filha do meu povo; estou de luto; o espanto se apoderou de mim. Acaso não há bálsamo em Gileade? Ou não há lá médico? Por quê, pois, não se realizou a cura da filha do meu povo?" (8:21-22). Um sacrifício "Eu era como manso cordeiro, que é levado ao matadouro" (11:19). Um corredor "Se te fadigas correndo com homens que vão a pé, como poderás competir com os que vão a cavalo?" (12:5) Um pastor "Mas, se isto não ouvirdes, a minha alma chorará em segredo, por causa da vossa soberba; chorarão os meus olhos amargamente, e se desfarão em lágrimas, porquanto o rebanho do Senhor foi levado cativo" (13:17) Um agitador "Ai de mim, minha mãe! Pois me deste à luz homem de rixa e homem de contendas para toda a terra!" (15:10)

Censura

51

A última imagem perturba-me: um agitador. Quem quer ser um agitador? Quando me tornei pastor principal da Igreja Moody, descobri que preeminentes púlpitos fazem com que os seus pregadores sejam bons alvos. Em todo o meu ministério, eu estava acostumado a ter bom relacionamento com a imprensa e com os irmãos, mas então as coisas mudaram. Lembro-me de ter lido um artigo sobre a minha pessoa e o meu ministério numa revista religiosa e exclamado em alta voz: "De onde tiraram isso? Nada disso é verdade!" Telefonei a um amigo que conhecia algo acerca de batalhas com os irmãos e ele disse: "Não se preocupe com isso. Não permita Deus que eles aprovem o seu ministério! Eu ficaria preocupado se eles o aprovassem! Isso é novidade para você, mas espere um pouco. Dentro de alguns anos, você terá a minha experiência, e essas coisas já não doerão tanto. Eles estarão lançando bombas em velhos alvos!" Foi uma lição difícil de ser aprendida: mesmo quando somos fiéis ao nosso ministério, alguns dos colegas podem não concordar conosco. Mas, meu amigo tinha razão. Eles estão agora lançando bombas em velhos alvos, e eu mal percebo. João Batista podia dizer um forte "Amém!" a cada imagem de Jeremias, mas será que eu posso? Imagino quantos ministros da Palavra podem honestamente dizer que têm tido esse tipo de ministério? Sc essas imagens descrevem um ministério profético verdadeiro, não há muitos profetas hoje. Realmente a igreja é uma organização sem profetas. A maioria das pessoas não quer um profeta por perto porque ele faz com que se sintam desconfortáveis. O profeta chora quando outros riem, e usa um jugo que atrapalha o caminho dos outros e derruba enfeites caros das prateleiras. Enquanto os que estão satisfeitos com a situação controlam o conformismo religioso, o profeta arrasa para poder construir, desarraiga para poder plantar. Enquanto os líderes populares se dobram com o vento, o profeta permanece firme como um muro, de modo que possa levar a nação para a frente. O falso profeta trabalha com uma liga de metal inferior, mas o profeta é um acrisolador que liga o calor de maneira que apure o metal e retire a escória. Ele é um médico que expõe as chagas repulsivas antes de aplicar o remédio. É, em suma, uma pessoa que cria problemas revelando problemas a fim de resolver problemas. Mas, enquanto ministra, é tão vulnerável quanto o pequenino cordeiro, fatiga-se tanto quanto o corredor de longa-distância, e seu cora-

52

A Crise de Integridade

ção se parte como o do pastor amoroso que vê o rebanho disperso e explorado. Ele chora para que possamos ter alegria; ele usa o jugo para que possamos ser libertos. João Batista conhecia o que era ficar desanimado no ministério. Quando estava na prisão de Herodes, mandou alguns dos seus discípulos perguntar a Jesus: "És tu aquele que estava para vir, ou havemos de esperar por outro?" (Mateus 11:3). Jesus mandou a João Batista uma palavra de estímulo e, quando os discípulos enviados não mais estavam ao alcance da voz, ele comentou a respeito de João Batista: "Que saístes a ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Sim, que saístes a ver? Um homem vestido de roupas finas? Ora, os que vestem roupas finas assistem nos palácios reais. Mas, para que saístes? Para ver um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que profeta" (Mateus 11:7-9). João Batista não fazia concessões, não era um "caniço agitado pelo vento". Como Jeremias, ele era um muro de bronze e uma coluna de ferro. Ele não permitia que os ataques dos homens o perturbassem, nem que seus aplausos o influenciassem. Tivesse João Batista compactuado com a religião oficial, talvez os líderes tivessem convencido Herodes a libertá-lo; mas João Batista era prisioneiro da consciência, e a liberdade nessas condições significaria o fim do seu ministério. Quando a religião é popular, a popularidade é a parte mais importante da religião e, a fim de mantê-la, a pessoa terá de fazer concessões. Jesus tinha essa verdade em mente, ao dizer: "Mas, a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes. Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: Tem demônio. Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizem: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!" (Mateus 11:16-19). João não fazia concessões, nem era uma celebridade desfrutando suntuosas roupas ou divertindo-se em palácios de reis. Uma das fraquezas da igreja nos últimos anos tem sido a abundância de celebridades e a ausência de servos. A maneira pela qual alguns pregadores dos meios de comunicação têm ostentado abertamente um estilo de vida extravagante é uma desgraça para si mesmos e para a igreja. Entretanto, poucos líderes religiosos ousam criticá-los ou cortar sua amizade. Afinal,

Censura

53

quando assistem às mesmas convenções, compartilham a mesma publicidade e pertencem às mesmas comissões influentes, é fácil ignorar o pecado e chamar a covardia de "tolerância". A igreja não vai solucionar a crise de integridade até que os seus ministros e membros comecem a viver a mensagem do evangelho tanto quanto pregá-la. Os pregadores do sucesso asseveram que uma vida de opulência é a confirmação do evangelho, mas eu acho que é uma contradição do evangelho. Não é que Deus queira que o seu povo viva em pobreza, pois ele "tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento" (1 Timóteo 6:17). Mas, levando em consideração o nascimento, a vida e a morte de Cristo, e levando em consideração o sofrimento e a necessidade do mundo nos dias de hoje, como pode a igreja justificar apoio a homens e movimentos que desperdiçam recursos? • Acho que algumas celebridades cristãs têm problemas financeiros e morais por começarem a acreditar no que se dizia a seu respeito. Deve ser difícil para a celebridade chegar a casa depois de uma esplêndida reunião ou concerto e ter de trocar as fraldas do nenê ou levar o lixo para fora! João Batista não fazia concessões, não era uma celebridade, nem procurava agradar à multidão. O falso profeta pergunta: "A minha mensagem é popular?" enquanto o profeta de Deus indaga: "A minha mensagem é verdadeira?" Não se pode agradar às multidões, então por que tentar? Um dia pensam de um jeito, no outro dia pensam de outro! Uma semana queixam-se de que o pregador fica muito no seu gabinete, na semana seguinte censuram-no por fazer visitas demais! O pregador que procura agradar à multidão esqueceu-se das palavras de Thomas à Kempis: "A glória de homens dignos está em sua consciência e não n^ boca de ho~mens.'"fl Nos dias de hoje muitos ministérios são governados pela popularidade e não pela integridade, pelas estatísticas e não pelas Escrituras. Depois do alvoroço inicial, é duvidoso que o ministério de João Batista tivesse conservado o interesse da moderna audiência religiosa. Ele era muito pessoal, não procurava a cobertura da imprensa nem o resultado de IBOPE. Sua única preocupação era: "Convém que ele (Cristo) cresça e que eu diminua" (João 3:30). E provável que o cristão médio não compreenda a importância que a popularidade tem para o ministério nos dias de hoje. Quando me tornei o pastor principal da Igreja Moody, editores e diretores de concílios começaram a me importunar e a me "cortejar" querendo que eu escreA

54

A Crise de Integridade

vesse livros ou falasse em suas reuniões. Não me deixei enganar por toda essa atenção. Sabia que o meu nome e a minha capacidade eram de somenos importância; o fato de eu estar na Igreja Moody era a coisa mais importante. O nome da igreja ajudaria a atrair multidões e vender livros. Certo pastor telefonou convidando-me para dar, na sua igreja, uma série de mensagens sobre a adoração. Não me foi possível aceitar o convite porque minha agenda estava cheia, mas dei-lhe o nome de um talentoso amigo que dirigia um maravilhoso seminário sobre adoração e lhe seria de grande auxílio. — Nunca ouvi falar nele! — disse o pastor. — E daí? — respondi. — Até esta noite eu não tinha ouvido falar no senhor] Procura um orador ou uma celebridade? Meu amigo jamais recebeu o convite e, com franqueza, nem se importou. Seja como for, é um paradoxo um pastor querer alguém com um "nome importante" para ensinar o povo a adorar a Deus. Nossas igrejas precisam de pastores como Jeremias e João Batista, servos do Senhor que defendiam a verdade com coragem e não se deixavam intimidar pela multidão. Precisamos do tipo de pregadores descritos por João Wesley: "Dê-me cem pregadores que nada temam a não ser o pecado e que nada desejem a não ser Deus, sejam eles clérigos ou leigos; eles, sozinhos, abalarão as portas do inferno e estabelecerão o Reino de Deus na terra." 2 Nossas igrejas também precisam de líderes corajosos como Neemias, que estejam dispostos a atacar a árdua tarefa de remover os destroços, reconstruir os muros e retirar o opróbrio do povo de Deus. Para resolver essa crise de integridade, pregadores e leigos precisam trabalhar em conjunto. Portanto, voltemos a Neemias e consideremo-lo como nosso exemplo de integridade na liderança.

7 RECONSTRUÇÃO Antes de seguir a qualquer homem, é necessário que procuremos pela unção em sua testa. Não temos obrigação espiritual de ajudar homem algum em atividade alguma que não possua as marcas da cruz. A. W. Tozer

Tudo se levanta ou cai com a liderança, inclusive o que chamamos de a "obra do Senhor". Ao lermos a Bíblia, encontramos homens e mulheres que foram chamados para ser líderes em horas de crise. Alguns tiveram êxito brilhante para a glória de Deus. Outros fracassaram miseravelmente e ainda agravaram a crise. A história mostra-nos que a crise pode produzir pelo menos três tipos diferentes de líderes, e a atual crise de integridade não é exceção. Geralmente, o primeiro tipo de líder a aparecer é o otimista que trata da situação de modo suave e superficial. Ocupa-se apenas das falhas aparentes e logo convence o público de que as coisas não são tão ruins, afinal de contas. "Não é que o problema seja tão sério", afirma o líder, com um sorriso, "é que a imprensa está cobrindo melhor as notícias. Se dermos tempo ao tempo, tudo se resolverá e será logo esquecido."

56

A Crise de Integridade

Você deve lembrar-se de que Jeremias teve de enfrentar esse tipo de líderes. "Curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz, quando não há paz" (8:11). E claro que algumas pessoas desejam esse tipo de líder porque ele as conserva felizes e não exige delas sacrifício. Maquiavel, em O Príncipe, escreveu: "Os homens são tão simples e tão inclinados a obedecer às necessidades imediatas que um enganador jamais terá falta de vítimas para suas fraudes." 1 O segundo tipo de líder é mais realista — admite haver problemas sérios e promete tomar providências para resolver a situação. Se lhe derem cobertura financeira e autoridade, ele criará novas organizações, estabelecerá novos alvos, contratará novo pessoal e reforçará novos padrões. Embora não haja dúvida de que essas soluções a curto prazo sejam melhores do que a inércia otimista, ainda não passam de substitutivos das mudanças drásticas realmente necessárias. Contratar nova tripulação e planejar nova rota não impede que o navio danificado vá a pique. O perigo é que os passageiros e a tripulação podem ficar tão entusiasmados com o novo sistema a bordo que se esqueçam de que o navio precisa ser salvo. Quando o escândalo do PTL começou a ameaçar o apoio público aos ministérios eletrônicos, certo líder disse: "O problema sério da difusão eletrônica religiosa não é o que aconteceu, mas o que deve ser feito a respeito." Sugeriu, em seguida, uma nova organização com o fim de aplicar padrões mais elevados de responsabilidade fiscal. Ninguém pode negar que a responsabilidade é importante, mas não é a única resposta. E imprudente fazer um diagnóstico e dar uma receita sem primeiro examinar cuidadosamente o paciente. Tenho mais receio de evangelho falso do que de auditoria falsa. O terceiro tipo de líder é o de que realmente precisamos. Descarta o tratamento cosmético por saber que é superficial, e a "providência rápida" por saber que é temporária. Tem coragem para enfrentar os problemas com honestidade, sabedoria para entendê-los, força para realizar o que é preciso e fé para confiar em que Deus fará o restante. Não teme perder amigos nem fazer inimigos. Não se deixa intimidar por ameaças nem é comprado por subornos. E um homem de Deus e não está à venda. Neemias foi um líder desse tipo, um homem que nos mostra como reconstruir em época de opróbrio. Neemias foi uma pessoa deslocada, um judeu que vivia no palácio de Artaxerxes I, rei da Pérsia. Como copeiro do rei, usufruía prestígio e abundância, autoridade e conforto. Não havia motivo para ele se preocupar com os seus compatriotas em Jerusalém, mas se preocupou.

Reconstrução

(57

Tão preocupado ficou que procurou saber o que acontecia na Cidade Santa. Essa atitude me parece importante: ele queria enfrentar os fatos honestamente; não tinha medo da verdade. Um dos problemas atuais é que muitos cristãos na realidade não querem enfrentar os fatos. Vivem num mundo devocional de sonhos, cegos para a verdade e com os ouvidos abertos somente para mensagens que lhes assegurem que tudo vai bem. O fato de alguns "vigias das torres" terem adormecido não somente não perturba muita gente religiosa, mas também na realidade as tranqüiliza. Quando não há notícias, tudo vai bem. Nem tudo vai bem na igreja, não obstante nossas palestras e estatísticas. Precisamos de mais pessoas como Neemias, que se interessem o bastante para indagar, mesmo sabendo que as notícias não serão alvissareiras: "Os restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas portas queimadas a fogo" (Neemias 1:3). Por que deveria Neemias, o braço-direito do rei, preocupar-se com a situação angustiosa de cinqüenta mil judeus que viviam a uma distância de mais de mil e seiscentos quilômetros? E se eles estivessem em angústia e opróbrio? Havia inúmeras razões ou desculpas para que Neemias não se envolvesse. Para começar, o que podia um único homem fazer numa situação difícil dessas? Além do mais, era sua a culpa de a cidade ter sido destruída século e meio atrás? Não. Seus antepassados é que tinham pecado e provocado o julgamento de Deus sobre Jerusalém. Foram eles que rejeitaram as mensagens de Jeremias e outros profetas e persistiram na idolatria. Foram eles que pecaram, e não Neemias e sua geração. Como teria sido fácil Neemias escapar. Vimos essa atitude "escapista" expressa por inúmeros cristãos quando da eclosão do escândalo do PTL. Eles e deles eram as palavras mais usadas na ocasião, apesar de Jesus ter-nos ensinado que devemos usar nós e nosso. Não digo que todos nós deveríamos ser responsabilizados pelo que aconteceu; mas afirmo que não podemos negar a nossa unidade no corpo de Cristo e nossas responsabilidades mútuas. Não importa quão culpados outros possam ter sido, parece insensibilidade manter-nos à parte e apontar o dedo. Neemias preocupou-se o suficiente para indagar e também para se identificar com o seu povo. Assentou-se e chorou!

58

A Crise de Integridade

Will Rogers era conhecido por seu riso, mas também sabia chorar. Certa vez, deu um espetáculo num hospital especializado na reabilitação de vítimas da poliomielite, problemas de coluna e outras sérias deficiências físicas. Todos davam gostosas gargalhadas, até mesmo pacientes em péssima condição de saúde. Repentinamente, porém, Rogers deixou o palco e se dirigiu ao banheiro. Alguém o seguiu para lhe dar uma toalha e, ao abrir a porta, deparou com Will Rogers encostado na parede, soluçando como uma criança. Dentro de poucos minutos, porém, Rogers voltou ao palco, tão jovial quanto antes. 2 Para saber como alguém realmente é, basta fazer três perguntas: O que o faz rir? O que o torna zangado? O que o faz chorar? Esse teste de caráter é bastante apropriado para os líderes cristãos. Ouço dizer: "Precisamos de líderes irados!" ou "E hora do cristianismo militante!" Talvez, mas "a ira do homem não produz a justiça de Deus" (Tiago

1:20). O de que precisamos atualmente não é de ira mas de angústia, o tipo de angústia que Moisés sentiu quando quebrou as tábuas da lei e depois subiu ao monte para interceder pelo seu povo, ou a que Jesus sentiu quando purificou o templo e quando chorou pela cidade. A diferença entre ira e angústia é um coração partido. E fácil ficar irado, especialmente com os pecados de outras pessoas; mas não é fácil considerar o pecado, inclusive o nosso, e chorar por ele. Por que Neemias chorou? Não porque a cidade dos seus pais estava em ruínas, mas porque o Deus dos seus pais servia de opróbrio perante o inimigo. A preocupação de Neemias era pela glória do Senhor, não apenas pelo bem-estar do povo. Lamentou-se e chorou; jejuou e orou. A sua identificação com o estado trágico de Jerusalém foi tão intensa que a tristeza estampou-se em seu rosto, e o rei a percebeu. Imagino quantos de nós nos assentamos e choramos quando sabemos que um líder cristão pecou ou um ministério fracassou? Imagino quantos de nós nos lamentamos quando vemos a mídia exultar às custas da igreja? Quando alguém fracassa, muitos de nós em posição de liderança apressamo-nos a proteger nosso nome e ministério e nos esquecemos de que é o nome de Deus que tem de ser glorificado. Em vez de nos identificarmos com a situação aflitiva, na maioria das vezes afastamo-nos dela. Neemias identificou-se não somente com a vergonha e com o sofrimento, mas também com o pecado dos seus antecessores. "Faço confissão pelos pecados... que temos cometido contra ti", disse ao Senhor. "Temos procedido de todo corruptamente contra ti" (Neemias 1:6-7).

Reconstrução

59

Note o pronome: nós e não eles. Embora certamente não aprovemos o que alguns líderes do PTL têm sido acusados de praticar, tampouco endossamos a atitude farisaica de muitos crentes, ao ouvirem as más notícias. Existe alguma igreja ou ministério paraeclesiástico sem mancha? Mesmo que os nossos ministérios sejam perfeitos para a glória de Deus, devemos nós endurecer o coração de tal modo que não possamos assentar-nos e chorar com os que choram? Neemias preocupou-se a ponto de indagar, identificar-se e interceder. Depois de assentar-se e chorar, ajoelhou-se e orou. Geralmente pensamos em Neemias como um executivo exemplar, um homem de ação; mas ele era também um homem de oração. Seu livro traz pelo menos onze incidentes de orações. O líder que sabe orar conhecerá a vontade de Deus a seu respeito. Neemias 1:5-11 é o registro de uma oração realmente importante, o tipo da oração de que podemos apropriar-nos pois atinge as nossas necessidades básicas. Ela contém a intercessão com base no caráter de Deus ("Ah! Senhor, Deus dos céus, Deus grande e temível!") e na sua aliança ("que guardas a aliança e a misericórdia"). Firmado no caráter e na aliança de Deus, Neemias confessou os seus pecados e os do povo e clamou pelo perdão de Deus. Se houver um escândalo evangélico novamente, imagino o que aconteceria se nós, os líderes da evangelização eletrônica, nos ajoelhássemos juntos em oração, não apenas pelo nosso ministério ameaçado, mas por todo o povo de Deus? Será que poderíamos convocar uma grande reunião de oração e convidar outros ministérios, pastores e igrejas a que se unissem conosco na confissão de pecados e na procura da face de Deus? E certo que muitos de nós temos orado em particular e ainda estamos orando; mas talvez o impacto tivesse sido maior se, em conjunto, tivéssemos orado e confessado os nossos pecados. A oração de Neemias foi mais do que confissão; foi também uma oração de consagração, pois ele se pôs à disposição do Senhor para o que fosse necessário. Nós realmente não estamos orando pela fé, a menos que estejamos dispostos a ser parte da resposta. "Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós" (Efésios 3:20). Não era o caso de: "Eis-me aqui — envia o meu irmão!" Era: "Eis-me aqui, Senhor, envia-me a mim!" Essa atitude de consagração leva-nos à etapa final da experiência de Neemias: ele preocupou-se a ponto de participar. Indagou e inquiriu, assentou-se e chorou, ajoelhou-se e orou; depois levantou-se e traba-

60

A Crise de Integridade

lhou. Era um homem de coração partido, um homem de oração de fé, um homem de mãos ocupadas; justamente o que é preciso para reconstruir num dia de opróbrio. Esquecemo-nos às vezes de que Neemias pagou um altíssimo preço pela sua participação. Trocou o luxo e a segurança do palácio pelas ruínas e perigos de Jerusalém. Sacrificou a honra e a tranqüilidade pelo ridículo e labor. Em cinqüenta e dois dias, removeu os escombros, reconstruiu os muros e restaurou as portas de Jerusalém, tarefas que o inimigo julgara impossíveis. Alexander Whyte descreveu com perfeição o tipo de líder que é Neemias: "Não começa sem ter avaliado o custo. E depois não pára sem ter terminado a obra." 3 Poderíamos acrescentar que ele faz tudo para a glória de Deus. O que há de mais admirável em Neemias é a sua integridade: uma dedicação exclusiva à tarefa e um coração sincero na sua devoção ao Senhor. Trabalhador, ele absolutamente não era uma celebridade tentando estabelecer um reinado para si. Quando ridicularizado, orou. Quando ameaçado, orou, tomou da espada em uma das mãos e de uma ferramenta na outra e continuou a trabalhar. Quando convidado para um acordo, respondeu: "Estou fazendo grande obra, de modo que não poderei descer" (Neemias 6:3). Ele viu a grandeza do seu Deus e a grandeza da obra, e não quis afastar-se. Neemias era muito cuidadoso a respeito de finanças. Quando o povo começou a explorar uns aos outros, ele os repreendeu e citou o seu próprio estilo disciplinado de vida (Neemias 5). Como governador, Neemias poderia ter usufruído muitos privilégios financeiros; mas de bom grado deixou-os de lado para o bem da obra. Pagou as suas próprias contas e ainda repartiu generosamente o quanto tinha com 150 hóspedes que assentavam à sua mesa. "Nem por isso exigi o pão devido ao governador, porquanto a servidão deste povo era grande" (5:18). Sabia como harmonizar as responsabilidades e os privilégios do seu cargo. As responsabilidades não lhe esmagavam o espírito, e os privilégios não lhe exaltavam o ego. Como todos os bons líderes, carregava o fardo mais do que precisava e usava menos privilégio do que era natural. Para ele, a obra não era uma profissão, mas um ministério; por isso, ele sabia que teria de fazer sacrifícios. "Privilégio jamais confere segurança", disse John Henry Jowett. "Antes, proporciona as condições da luta mais selvagem." 4 Neemias sabia como lidar com as pessoas e sabia também como fazê-las trabalhar para o Senhor. O líder verdadeiro gera outros líderes. Neemias (mais jovem) trabalhava em harmonia com Esdras (mais

Reconstrução

61

velho). O administrador e o escriba eram como se fossem "um" porque ambos se dedicavam ao trabalho do Senhor. Quando consideramos que o trabalho foi executado em cinqüenta e dois dias e que os trabalhadores, homens e mulheres, não eram construtores treinados, temos de dar glória a Deus. Mas dar glória ao nome de Deus é o que compete a qualquer ministério. Se Neemias tivesse adotado a maneira de agir de algumas organizações religiosas atuais, ele teria em primeiro lugar gasto alguns meses "construindo uma imagem" para que o público o conhecesse e aceitasse a sua liderança. As firmas de relações públicas declaram que podem transformar um joão-ninguém em pessoa importante em pouco tempo, se houver suficiente cobertura financeira e da imprensa. Felizmente, Neemias não tomou uma atitude dessa natureza. O que esse homem e seus companheiros executaram pela graça de Deus? Três tarefas difíceis que, espiritualmente falando, a igreja precisa realizar hoje. Primeiro, reconstruíram os muros. Como moramos em cidades e subúrbios modernos, talvez não avaliemos a importância dos muros na época de Neemias. Uma cidade murada possuía distinção e era capaz de defender-se do inimigo. Os muros tanto serviam de separação como de segurança. Uma das coisas mais importantes que um governador fazia naqueles dias era reforçar e estender os muros da cidade, e a primeira coisa que um inimigo tentava fazer era derrubá-los. Não é de admirar que Davi tivesse orado, dizendo: "Edifica os muros de Jerusalém" (Salmo 51:18). Charles H. Spurgeon disse: "A Nova Jerusalém deve, do mesmo modo, ser rodeada e protegida por um largo muro de não-conformismo para com o mundo, e de separação dos seus costumes e espírito. A tendência atual é demolir a barreira santa e tornar a separação entre a igreja e o mundo apenas nominal." 5 O que alguns chamam de "separação do mundo" realmente não passa de isolamento do mundo, e o que outros chamam de "penetração no mundo" pode ser nada mais do que o antigo acomodamento com novo nome. Quando a igreja, tentando alcançar o mundo, se torna igual a ele, perde o seu impacto sobre o mundo. Quão trágico é que cooperemos com o inimigo, demolindo os nossos próprios muros! Perdemos nossa característica e destruímos nossas defesas.

62

A Crise de Integridade

O fato de alguns crentes terem praticado uma forma extrema de separação não é desculpa para fazermos o contrário. "Não devemos estar isolados, mas separados", disse Vance Havner, "andando no meio do mal sem ser atingidos por ele." 6 Separação é contato sem contaminação. Jesus foi "santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores" (Hebreus 7:26), contudo, foi "amigo de publicanos e pecadores" (Lucas 7:34). No desejo de fugir do "legalismo", temo que tenhamos abraçado uma forma sutil de antinomianismo (a idéia de que a salvação pela graça anula a responsabilidade para com a lei moral), com resultados que levariam nossos pais a dobrar os joelhos em oração: consideramos a aliança do casamento levianamente, adotamos o modo de vida dos ricos e famosos, usamos o tipo mundano de comercializar o evangelho, ignoramos o dia do Senhor, rejeitamos a imposição de padrões, e até mesmo suavizamos a pregação para que o povo não se ofenda. G. K. Chesterton aconselhou: "Jamais derrube uma cerca sem saber antes por que ela foi construída." 7 Cercas e muros não apenas impedem a entrada; também impedem a saída. A igreja sempre perde suas coisas valiosas, inclusive pessoas de valor, quando os muros da separação são demolidos. Além da reconstrução dos muros, Neemias e os seus trabalhadores restauraram as portas. A porta da cidade, no Oriente, era muito mais do que um lugar de entrada e saída; era também um lugar de jurisdição, onde as autoridades se encontravam para tratar de negócios. Quando Jesus quis ilustrar a autoridade e a vitória de sua igreja, ele disse que "as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mateus 16:18). E possível haver portas sem muros, mas, nesse caso, as portas não fazem o que se espera delas. Durante a Segunda Guerra Mundial, o gradil de ferro em volta de um parque londrino foi removido para ajudar no esforço de guerra; mas os portões decorativos permaneceram. Todas as noites o guarda trancava os portões! Rimo-nos dessa atitude, mas me pergunto se a igreja não está fazendo a mesma coisa. Por mais fortes que sejam os muros, eles são inúteis se as portas não forem resistentes ou se os guardas forem descuidados ou desleais. A Grande Muralha da China foi transposta por inimigos pelo menos três vezes, sempre porque os guardas foram subornados. A igreja necessita desesperadamente de portas fortes e de guardas leais. E esta uma boa oportunidade para dizer algo sobre a importância de consagrados membros de conselho. Afinal de contas, em diversos ministérios, o conselho ajuda a guardar as portas e garantir que o

Reconstrução

63

ministério seja seguro teológica, organizacional e financeiramente. Mais de um ministério tem-se desmoronado porque o conselho não fez a sua parte. Não é importante que os membros do conselho sejam ricos ou famosos. O importante é que sejam honestos e fiéis. Como guardas escolhidos por Deus, precisam estar alertas e ser corajosos. Quando os membros do conselho se deixam intimidar pelos líderes da organização ou influenciar pelos patrocinadores, o ministério não demora a desintegrar-se. Certa vez demiti-me de um conselho missionário (que já não existe) porque o fundador mudou a constituição a fim de dirigir o trabalho a seu modo. Perdi um amigo, mas salvei a consciência. É claro que Neemias e os trabalhadores tiveram de remover os escombros que os impediam de edificar o muro. Não tiveram de assentar novos alicerces. Tudo o que tinham de fazer era tirar o lixo, encontrar os alicerces antigos e construir o muro. Mas essa tarefa não foi fácil. "Então disse Judá: Já desfaleceram as forças dos carregadores, e os escombros são muitos; de maneira que não podemos edificar o muro" (Neemias 4:10). Não podemos dar ênfase suficiente à importância dos alicerces. Eles determinam o tamanho, o formato e a resistência da estrutura. Construir um muro sem alicerces ou sobre alicerces errados seria insensato e perigoso. A fim de encontrar os alicerces antigos, os homens de Neemias primeiro tinham de livrar-se dos escombros. É fácil acumularmos lixo e então nos acostumarmos a ele a ponto de julgá-lo uma preciosidade! A dona de casa limpa o porão enquanto o marido está no trabalho; mas, quando ele chega, leva de volta todo o "rebotalho selecionado". Sábio é o líder que reconhece o lixo quando o vê e tem coragem de descartá-lo. Como Israel na Páscoa dos Judeus, cada ministério precisa regularmente de uma limpeza para ficar melhor e mais puro. Talvez tenhamos colecionado na organização lixo que interfere com o progresso. Ou talvez lixo doutrinário que entristece o Espírito Santo e impede o seu poder. Talvez o ministério todo precise ser podado por haver pessoas em demasia, comissões em derr asia, atividades em demasia e não podemos encontrar os alicerces. Jogar fora os escombros não é trabalho fácil nem traz popularidade. Mas é importante. É verdade, tudo se levanta ou cai com a liderança, simplesmente porque os seguidores tornam-se iguais aos seus líderes. Uma geração de líderes sedentos de poder provavelmente incapacitará a igreja por

64

A Crise de Integridade

muitos anos. Sabemos do que precisamos: pregadores como Jeremias e João Batista, e líderes como Neemias. Mas precisamos de algo mais: intercessores como Moisés. Se não nos voltarmos para a oração, não há esperança de reavivamento na igreja.

8 ALÍVIO Deus jamais nos dá discernimento com a finalidade de podermos criticar, mas para que possamos interceder. Oswald Chambers

Mesmo que todos os pregadores fossem iguais a Jeremias e todos os líderes iguais a Neemias, não resolveríamos os problemas criados pela crise de integridade. Por quê? Porque apoiando os pregadores e líderes é preciso haver intercessores que se apeguem a Deus e reivindiquem as suas bênçãos sobre a igreja. Uma das maiores necessidades da igreja é a oração intercessora. Precisamos de intercessores como Moisés. Quando preparava uma série de mensagens para o rádio, surpreendi-me ao descobrir que o Bíblia registra pelo menos vinte e cinco exemplos de oração na vida de Moisés. Geralmente pensamos em Moisés como libertador ou legislador, mas nos esquecemos de que ele também foi um grande guerreiro da oração. De fato, Moisés exemplifica bem o que é interceder em favor dos que pecaram. Encontramos esse exemplo nos capítulos 32 e 33 de Êxodo. Moisés estivera a sós com Deus no monte Sinai, recebendo a lei que entregaria ao povo. Mas se ausentou por um período demasiadamente longo e Israel se inquietou, como ovelhas sem pastor. O povo de Deus

66

A Crise de Integridade

tinha (e ainda tem) dificuldade em esperar e andar pela fé. Pediram a Arão que fizesse alguma coisa, de modo que ele fez um bezerro de ouro para representar Deus; e com grande alegria, o povo declarou feriado. Finalmente algo estimulante estava acontecendo! Havia algo que podiam ver e fazer! • E claro, Deus viu tudo aquilo e avisou a seu servo Moisés: "Vai, desce; porque o teu povo, que fizeste sair do Egito, se corrompeu" (Êxodo 32:7). Parecia o fim da nação, mas Moisés orou e Deus desviou a sua ira. Quando Moisés chegou ao arraial, viu o povo numa orgia religiosa, dançando ao redor do bezerro de ouro e supostamente adorando ao Deus Jeová. Num ímpeto de ira sagrada, Moisés quebrou as duas tábuas de pedra, destruiu o bezerro e julgou o povo. Subiu depois ao monte Sinai e mais uma vez intercedeu por ele. O resultado foi que Deus puniu os infratores, poupou a nação e concordou em ir com Israel na sua jornada, tudo porque Moisés orou. Vamos ver o que esse acontecimento significa para a igreja de hoje. Interceder significa "implorar a alguém um benefício em favor de outra pessoa". No vocabulário cristão, significa fazer súplicas a Deus em favor dos seus filhos necessitados. Nunca somos mais parecidos com o Senhor Jesus Cristo do que quando intercedemos por outros, porque é isso que ele está fazendo nos céus hoje (Hebreus 7:24-25). A igreja sempre precisou de intercessores porque Deus opera através da oração. "Se o véu do mecanismo do mundo fosse levantado", disse McCheyne, "veríamos o quanto é feito em resposta às orações dos filhos de Deus." 1 Deus afirma com clareza que não podemos realizar nada sem a oração, não importa quão bem-sucedidos aparentemente sejamos. "Gostemos ou não", disse Spurgeon, "pedir é a regra do reino." 2 A oração é vital, não somente porque Deus a ordenou, mas também porque ele estabeleceu que através dela seu povo deve crescer em fé e dependência a fim de que somente ele receba a glória. Os verdadeiros servos de Deus dependem da oração e não se envergonham de admiti-lo; mas as celebridades falam sobre oração a fim de impressionar os seus seguidores. A oração não é o poder desse ministério; é meramente uma pequena parte do seu equipamento religioso. A razão pela qual entrei para o movimento "Mocidade para Cristo" em 1957 é que me senti desafiado pela sua dependência da oração. Fui movido por ver notórios pastores e homens de negócios ajoelhados, buscando a bênção de Deus. Impressionaram-me especialmente as vigílias de oração numa das convenções anuais. A pessoa que dirigia

Alívio

67

as reuniões lembrava-nos, com freqüência: "Muita oração, muito poder! Nenhuma oração, nenhum poder!" Moisés concordaria com isso. Por que precisamos de intercessores? Porque grande parte do povo de Deus está fazendo hoje o que Israel fez nos dias de Moisés: adora um bezerro de ouro. Um bezerro de ouro, veja você, não de madeira ou pedra. Adoram o grande deus das riquezas. "Em Horebe fizeram um bezerro, e adoraram o ídolo fundido. E assim trocaram a glória de Deus pelo simulacro de um novilho que come erva. Esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que, no Egito, fizera coisas portentosas" (Salmo 106:1921). A grande maioria de nós está tão acostumada com as riquezàs que se ofende quando é acusada de adorar o dinheiro. Comparados com os cristãos de outras partes do mundo, somos realmente ricos; e, de modo sutil, dançamos ao redor do bezerro de ouro e entoamos canções de louvor. Com freqüência demasiada, o dinheiro é o padrão de medida do ministério. Como Israel no Sinai, dizemos estar adorando o Deus verdadeiro, mas a imagem do nosso Deus é — o ouro. Por exemplo, jactamo-nos das finanças. Pedro confessou abertamente: "Não possuo nem prata nem ouro" (Atos 3:6); e Paulo escreveu: "Pobres, mas enriquecendo a muitos" (2 Coríntios 6:10). Se alguns pastores dissessem isso hoje, os membros das suas igrejas provavelmente corariam de vergonha. Um grande orçamento é sinal de que Deus está abençoando! Depois de ter pregado numa igreja influente que procurava um novo pastor, disse-me um dos oficiais: "Se o senhor fosse o nosso pastor, jamais teria preocupações financeiras." Assegurei-lhe que minha esposa e eu não nos preocupávamos com essas coisas porque o Senhor sempre cuidara de nós muito bem. Suspeitei que o deus das riquezas estava controlando, em surdina, alguns dos líderes daquela igreja, mesmo que talvez o povo não o soubesse. Jactamo-nos também dos nossos edifícios. É desconcertante notar quantos boletins de igrejas e papel timbrado levam a estampa dos edifícios, como se tijolo e argamassa fossem as partes mais importantes do ministério. E triste ver que os conselhos de igreja conseguem dinheiro para manutenção e expansão dos edifícios com muito mais facilidade do que para ministério e missões. Na inauguração das novas Casas do Parlamento, Winston Churchill disse: "Primeiro construímos

68

Alívio

A Crise de Integridade

nossos edifícios, depois os nossos edifícios nos constroem." Como isso é verdade! *

Nada há de errado com finanças ou edifícios em si mesmos. E bíblico pagar ao pastor um salário razoável, "porque digno é o trabalhador do seu salário" (Lucas 10:7); e é prático a igreja ter um edifício onde a família cristã possa reunir-se para adoração e culto. Mas, quando essas coisas passam a ser o padrão de medida do ministério e o sinal mais importante de bênção espiritual, construímos um bezerro de ouro. Substituímos a glória transcendente de Deus por uma glória temporária que o dinheiro pode comprar. É também desconcertante notar que o ministério está agora à venda como qualquer outro serviço. Se quisermos que certos "músicos cristãos" se apresentem em nossa igreja é preciso que assinemos um contrato e concordemos em pagar honorários fixos, geralmente altos. Ainda não encontrei pastores que sigam essa praxe, mas suspeito que haja alguns. Duvido que os apóstolos ou profetas jamais tenham cobrado honorários. Precisamos de intercessores hoje porque nossos valores estão confusos. Achamos que somos ricos, sem necessidade de coisa alguma, mas na realidade somos "infeliz, miserável, pobre, cego e nu" (Apocalipse 3:17). Concordamos com Jesus em que é impossível servir a Deus e às riquezas (Mateus 6:24), e nem mesmo tentamos. Antes, adoramos as riquezas no lugar de Deus e agradecemos a Deus o no-las ter dado! O estilo de vida extravagante de algumas pessoas dos meios de comunicação religiosa é copiado em menor escala em muitos lares e igrejas. Estamos tão acostumados a isso que nem mesmo notamos. O povo de Israel fez sacrifício de modo que pudessem desfrutar o bezerro de ouro. Doaram suas riquezas e madrugaram para comer, beber e divertir-se (Êxodo 32:6). Tenho encontrado crentes que se queixam das ofertas para missões ("Estão mendigando de novo?"), mas nunca pensam duas vezes antes de gastar fortunas com "férias cristãs" ou na compra de coisas desnecessárias. Pessoas que acham difícil levantar-se cedo para ir a uma reunião de oração não têm dificuldade alguma em fazê-lo quando se trata de divertimento. As pessoas sacrificam-se por coisas de que realmente gostam. Do mesmo modo que a idolatria e a imoralidade do bezerro de ouro, a conivência de Arão nos desgosta. Ele tentou afastar de si a responsabilidade, mas Moisés sabia que seu irmão, sacerdote de Deus, era culpado. Arão representa os líderes religiosos que dão às pessoas o que elas desejam e não o de que precisam, dirigentes que estão mais

69

preocupados em agradar o povo do que agradar a Deus. A cooperação de Arão com o povo deve ter feito dele o homem mais popular do arraial (Êxodo 32:1-6). Tendo, pois, examinado a necessidade de haver intercessores, olhemos agora para Moisés como exemplo do tipo de intercessores de que precisamos. Para começar, necessitamos de um intercessor que, como Moisés, fique a sós com Deus, ouvindo a sua Palavra e contemplando a sua glória. Um intercessor não pode ter pressa; o lugar de intercessão não é um balcão de refeições rápidas. Cantamos na igreja: "Tempo de ser santo, tu deves tomar", mas quantos de nós realmente praticamos essas palavras? Em vez de tomarmos tempo para ser santos, usamos guias devocionais que requerem de nós apenas poucos minutos diários de "exercício espiritual". Lemos um versículo bíblico e alguns "pensamentos espirituais" já digeridos, e talvez um poema e uma oração; então seguimos a nossa rotina, felizes por termos passado algum tempo com o Senhor. Antes eu achava que esse tipo de vida devocional era melhor do que nada, mas mudei de idéia. Tudo o que for substituto da Palavra de Deus será prejudicial ao crescimento espiritual. Não estou sugerindo que o uso de guias devocionais é errado. Tenho uma grande coleção deles na biblioteca e os uso. Até escrevi alguns. Mas os guias devocionais devem ser suplementos da Palavra de Deus e não substitutos. Pego um livro devocional depois de ter lido a Palavra em oração e em comunhão pessoal com o Senhor. "Tenho tanto que fazer", disse João Wesley, "que preciso passar várias horas em oração antes de ser capaz de fazê-lo." 3 Não é de admirar que ele tivesse transformado completamente a Inglaterra. Ele sabia interceder. Como Moisés, o intercessor deve saber que será interpretado mal. Não se pode ser popular se as prioridades o afastarem das reuniões das comissões, seminários e conferências a que todos assistem. É difícil entender como alguns pregadores conseguem tempo para se preparar e a suas mensagens quando estão constantemente nos "bebedouros evangélicos" a fim de abençoar os santos. Talvez não sejam eles que preparem suas mensagens ou escrevam seus livros. Talvez se satisfaçam em ser como fotografias de má qualidade: exposição demais e revelação de menos. O verdadeiro intercessor tem de ser abnegado. Deus ofereceu-se para destruir a Israel e estabelecer uma nova nação através de Moisés, mas

70

A Crise de Integridade

este recusou a oferta (Êxodo 32:10). Deus fez a mesma oferta quando Israel se rebelou em Cades-Barnéia, e Moisés rejeitou-a novamente (Números 14:12). Ele não desejava promoção pessoal; queria o bem do seu povo e a glória de Deus. Todo egoísmo é ruim, mas o é especialmente quando invade o recinto de oração. "Pedis, e não recebeis, porque pedis maf, para esbanjardes em vossos prazeres" (Tiago 4:3). Que contraste com a oração do Senhor no Getsêmani: "Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e, sim, a tua" (Lucas 22:42). As orações egoístas são perigosas porque Deus pode atendê-las! O intercessor eficiente ora fundamentado no caráter e na aliança de Deus. E bom lembrar que Neemias também orou assim. Moisés lembrou ao Senhor as suas promessas a Abraão, Isaque e Jacó e salientou que o que estava em jogo era a glória do Senhor, e não a da nação. Se Israel não chegasse a Canaã, as outras nações diriam: "O Deus deles pode começar, mas não consegue terminar!" Estou convencido de que alguns de nós do ministério evangélico temos escapado da ira de Deus só porque ele não quer dar ao inimigo mais munição contra o evangelho. Seja deliberadamente ou por ignorância, temos adorado o bezerro de ouro ou ajudado outros a assim proceder; e Deus tem sido paciente conosco. Entretanto, nesta crise recente, Deus pode estar dizendo a nós, como disse a Davi: "Com isto deste motivo a que blasfemassem os inimigos do Senhor" (2 Samuel 12:14). Não vou entrarem detalhes. Você que ouve rádio e vê televisão, lê jornais, vê charges, com certeza tem baixado a cabeça envergonhado. O intercessor eficiente enfrenta os fatos com honestidade e não é indulgente com o pecado. Moisés repreendeu a Arão e ao povo, e os humilhou perante o Senhor. Até mesmo endossou a morte de três mil idólatras; algo que não faríamos hoje, mas podemos aproveitar o exemplo da obediência a Deus e aversão ao pecado. A seguir, Moisés voltou ao monte a fim de fazer súplicas a Deus e oferecer-se para morrer no lugar de Israel. "Agora, pois, perdoa-lhe o pecado; ou, se não, risca-me, peço-te, do livro que escreveste" (Êxodo 32:32). O intercessor conhece a gravidade do pecado e está pronto a pagar o preço de ajudar os outros e glorificar a Deus. O que deu forças a Moisés para prosseguir foi a visão da glória de Deus. "Rogo-te", pediu ele a Deus no monte, "que me mostres a tua glória" (Êxodo 33:18). O que viu no vale era deprimente, mas a revelação gloriosa no topo do monte foi emocionante. Moisés viu a glória de Deus! Essa visão não diminuiu os pecados de Israel (pode

Alívio

71

tê-los tornado mais abomináveis), mas vivificou a fé de Moisés e o capacitou a voltar ao vale e retomar a direção. Num dia desolador durante a recente crise, comecei a sentir-me desanimado. Tinha lido as notícias e conversado pelo telefone com alguns dos amigos da área de comunicação, quando o inimigo sussurrou: "Não vale mesmo a pena! Durante todos esses anos você e o programa 'De Volta à BíbHa' têm sido corretos e tentado honrar ao Senhor; e o público nem sabe que há diferença. Estão colocando todos vocês, do ministério eletrônico, numa só cesta e arremessando-a ao monte de lixo! Não vale a pena!" Acredite-me, foi uma hora de trevas para a minha alma. Só consegui encontrar o caminho de volta para a luz quando focalizei os pensamentos e orações na glória de Deus. Quando compreendi que a glória de Deus é muito mais importante do que reputação, orçamento ou ministério de quem quer que seja, a luz começou a aparecer e o fardo começou a dissipar-se. O Senhor trouxe-me à memória um versículo que me havia dado uma noite quando, na Unidade de Tratamento Intensivo de um hospital, eu pairava entre a vida e a morte: "Grande é o Senhor e mui digno de ser louvado: a sua grandeza é insondável" (Salmo 145:3). Não compreendo todos os caminhos do Senhor, mas acredito que em última análise, de um modo ou de outro, esta crise trará glória a Deus. Nesse ínterim, temos de conviver com a vergonha e permanecer fielmente nos nossos postos servindo ao Senhor. E temos de tomar tempo para ser santos — e para interceder.

9 A REALIDADE A televisão é uma droga supremamente poderosa. Acabo vivendo minha existência diante da própria coisa que me elimina. Jacques Ellul

Durante esta crise de integridade, o foco de atenção tem sido sobre moral, dinheiro e mensagem, nessa ordem; mas não se tem dito muita coisa acerca do meio de comunicação envolvido, isto é, a televisão. Posso estar errado, mas acho que a televisão ajudou a criar o escândalo. Se as pessoas envolvidas estivessem usando outro meio de comunicação, algumas coisas poderiam ter sido diferentes. Não estou desculpando, apenas explicando. Precisamos entender o papel da televisão na crise de integridade, porque a televisão continua a exercer esse mesmo tipo de influência na igreja hoje. Permita-me começar com algumas lembranças da comunicação em massa. Tive o privilégio de crescer nos grandes dias do rádio. Lembro-me também dos primeiros anos de programação evangélica pelo rádio. Nessa época, o rádio era uma parte vital de nossa vida. Trazia-nos música e a palavra falada de todas as partes do mundo.

74

A Crise de Integridade

Quando apareceram os filmes cristãos, ficamos entusiasmados. Já tínhamos visto "filmes de missões" mas o tipo de filme que começava a aparecer era novidade. Alguns filmes anteriores não passavam de lições objetivas ou sermões de ação postos em filme, ou talvez um sermão entregue por um pregador famoso. Travou-se uma batalha na imprensa cristã quanto à possibilidade ou não de Deus abençoar os filmes evangélicos, visto que as pessoas que neles apareciam estavam desempenhando um papel. A. W. Tozer fez forte oposição a esses filmes, mas eles continuaram. Agora são aceitos como parte da vida da igreja. Chegou depois a televisão com novo elenco. Foram reprisados antigos filmes contra os quais nos haviam alertado nossos professores de Escola Dominical. Muitos artistas de rádio passaram para a televisão e descobriram que era um tipo de comunicação inteiramente novo, com um poder peculiar, um poder que tinha de ser obedecido ou o programa não teria êxito. O analista de comunicação, Marshall McLuhan, tentou explicar o novo fenômeno em seus livros, especialmente em "Compreendendo os Meios de Comunicação: As Extensões do Homem". Era, porém, mais fácil ver televisão do que ler livros sobre ela. Nem todos concordaram com McLuhan, mas depois de todos estes anos ele nos convenceu de que o meio é a mensagem. O primeiro programa religioso de televisão que me lembro de ter visto foi "Juventude em Marcha", de Percy Crawford. Era uma adaptação de "A Igreja dos Jovens do Ar", popular programa de rádio das tardes de domingo. Lembro-me também de ter visto Charles Fuller em 1950. De todos os pregadores de televisão dessa época, talvez Fulton J. Sheen tivesse sido quem melhor compreendeu como usar o novo meio de comunicação. Eu não concordava com toda a sua teologia, mas ele certamente sabia como transmitir a mensagem. Com paramentos, falas dramáticas, quadros-negros e giz, parecia entender como a TV funcionava. Eram dias tranqüilos e sonhávamos com grandes coisas por vir. Não havia tantos pregadores eletrônicos competindo pelo nosso tempo e dinheiro e muitos cristãos estavam convencidos de que esse novo meio de comunicação era uma dádiva de Deus para a igreja alcançar o mundo com o evangelho. Se tão-somente tivéssemos tempo e dinheiro suficientes, poderíamos realizar a obra. Aproximávamo-nos do milênio da comunicação.

A Realidade

75

Agora, mais de quarenta anos depois, quando reflito sobre tudo isso, atrevo-me a tirar as seguintes conclusões, que são pessoais e não possuem base estatística: O rádio evangélico deu importante contribuição tanto para as igrejas locais como para as missões mundiais e deve continuar a contribuir. Quanto aos filmes, eles têm sido um instrumento útil; acho, porém, que serão substituídos pelo videoteipe. A respeito da televisão evangélica, acho que falhamos porque não tomamos tempo para compreender o meio de comunicação e seu funcionamento. Do mesmo modo que malogrados comediantes tentaram reproduzir na TV o que faziam no rádio, tentamos colocar a "igreja" na TV, mas sem grande êxito. Descobrimos agora dois fatos sobre a televisão que, por algum motivo, passaram-nos despercebidos durante anos. O primeiro é que a televisão é um meio de entretenimento, portanto qualquer coisa que comunique se transforma em diversão. O segundo é que a televisão é uma indústria e todo comércio envolve dinheiro. Mesmo o conhecido executivo Fred Friendly admite essa realidade. Disse ele: "Visto que a televisão pode ganhar tanto dinheiro fazendo o que tem de pior, com freqüência não pode dar-se ao luxo de fazer o que tem de melhor." 1 Você pode estar indagando em que direção este assunto nos está levando, mas, por favor, tente acompanhar-me. Anos atrás não pensamos nestas coisas, e agora estamos em dificuldade. Não podemos mudar o passado. Talvez possamos melhorar o futuro. Pela sua própria natureza, a televisão é um meio de entretenimento. Não quer dizer isso que não possamos aprender nada vendo televisão, porque podemos. Alguns aprendem até coisas que não deviam. Entretanto, o que aprendermos pela televisão aprendemos através dos olhos e não dos ouvidos. Essa diferença é importante, porque a ênfase bíblica é no ouvir e não no ver. "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" (Romanos 10:17). A televisão ajudou a criar uma sociedade de observadores, e não de ouvintes; pessoas fascinadas pelas imagens e não educadas pelas palavras. O primeiro passo para a queda do homem foi Eva substituir o que ouviu de Deus ("não comerás" — Gênesis 2:17) pelo que viu (a árvore era "agradável à vista" — Gênesis 2:9). Depois da queda, ao ouvirem a voz de Deus, Adão e Eva apressaram-se a esconder-se. Em vez de comunicar, a Palavra estava excomungando; mas a falha era do homem e não de Deus. Desde essa ocasião, Deus tem falado com bondade e clareza à humanidade pecadora, tentando transpor a trágica lacuna da comunicação; a maioria das pessoas, entretanto, não deseja ouvir. 2

76

A Crise de Integridade

Quando o Filho de Deus esteve na terra, o seu ministério mais importante foi proclamar a Palavra de Deus e não realizar milagres. "Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça" (Marcos 7:16). Na realidade, os seus milagres foram importantes como evidência de sua obra messiânica e prova da sua grande compaixão pelos necessitados; mas sua prioridade foi declarar a Palavra. Infelizmente, as multidões queriam ver; não queriam ouvir. Um dos maiores temas do Evangelho de João é o conflito entre a fé e a vista. Multidões só "acreditavam" em Jesus porque tinham visto os seus milagres; mas Jesus não acreditava neles (João 2:23-25). Ele incentivou o ouvir e não o ver. É importante notar que João Batista, grande profeta de Deus, veio como uma "voz" e não como realizador de milagres (João 1:23; 10:4042). Sua ênfase estava na pregação da Palavra de Deus. Ao apresentar Jesus Cristo ao povo, João Batista falou de modo que este entendesse o que viam: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" (João 1:29). Deus ordenou que aquilo que vemos seja entendido por aquilo que ouvimos. "A conexão entre Palavra e Verdade é de tal natureza" disse o filósofo Jacques Ellul, "que nada da verdade pode ser conhecido sem a linguagem." 3 Na maioria das vezes, a televisão divorcia o ouvir do ver e cria um mundo sedutor e irreal que parece ser real. Ellul chama a isso de "realidade substitutiva". 4 Se desligarmos a imagem e ouvirmos apenas o som, não saberemos realmente o que está acontecendo. Isso não seria verdade com respeito a programas que focalizam as palavras. A não ser pelas expressões e gestos do pregador, nada perderíamos do conteúdo essencial dos programas religiosos comuns da TV se tivéssemos os olhos vendados. De fato, estarmos de olhos vendados, e sem possibilidade de distrações, podia melhorar o nosso aproveitamento do programa! Chegamos agora ao âmago da questão. Se a obra mais importante da igreja é a pregação da Palavra, e a maior necessidade do mundo perdido é ouvir a Palavra, por que deveríamos nós glorificar um meio de comunicação como a televisão que enfatiza mais o ver do que o ouvir"] O que adiciona a TV ao ministério? Afirmo que não adiciona coisa alguma, mas muito pode tirar dele. A TV põe o povo de Deus e a sua Palavra num contexto que pode despojar a realidade da mensagem. Neil Posünan, teorista de comunicação, explica que "não é que a televisão seja divertida mas que ela faz do entretenimento o formato natural para a representação de toda experiência." 5 O que quer que vejamos na televisão, inclusive cultos religiosos, percebemos no con-

A Realidade

77

texto do entretenimento. Não importa o programa, pode até mesmo ser um documentário devastador, não o levamos demasiadamente a sério. Por quê? Porque o mundo da televisão não é "real". Malcolm Muggeridge, ex-diretor da BBC de Londres, diz que "esse meio de comunicação, pela sua natureza, não se presta a finalidades construtivas." 6 Os educadores estão descobrindo que o vídeo não é o instrumento de ensino mágico que antes pensavam ser. Postman diz: "Sabemos agora que Vila Sésamo incentiva as crianças a amarem a escola somente se a escola for semelhante à Vila Sésamo".7 Começamos então a entender por que a televisão é uma ameaça ao ministério cristão: o ministério não deve ser entretenimento, nem se espera que o pregador seja um artista. O ministério verdadeiro subentende participação: estamos adorando na santa presença de Deus, e temos a obrigação de ouvir a Palavra de Deus e obedecer a ela. Quando colocamos religião na TV, uma força sutil entra em ação que a tudo transforma. O telespectador não assiste ao mesmo culto que as pessoas que estão na igreja ou no estúdio da TV. As pessoas da congregação podem ser participantes; o observador em casa não passa de espectador. A congregação é uma comunidade unida ativa, em adoração; o telespectador é um observador solitário, mesmo que não esteja sozinho. Religião da TV não é a mesma coisa que religião em pessoa. E um tipo totalmente novo de religião. Mas isso não é tudo. Quando eu preparava este capítulo, recebi o último número do "Relatório Reid". Fiquei feliz por descobrir que Russ Reid, meu amigo de longa data, concorda comigo. Em seu artigo de fundo ("O Caso Bakker — Que Pode Ele Nos Ensinar?"), Russ explica de modo sucinto por que a televisão não é o melhor meio de comunicação para o nosso tipo de ministério cristão. Acredito que muitas das pessoas que participam da igreja eletrônica são honestas e fazem a obra com um profundo sentido de dedicação. Acredito também que estão erradas em quatro pontos: 1. A igreja eletrônica é um mau uso dos meios de comunicação. Como um todo, os meios de comunicação em massa não são um meio muito eficiente para levar as pessoas a se decidir pela igreja ou por qualquer outro tipo de compromisso pessoal... 2. A igreja eletrônica é uma distorção da igreja. A mensagem da igreja eletrônica é extremamente sedutora. As pessoas que ali aparecem são mais bonitas. Os seus programas mais potentes. Suas possibilidades mais persuasivas. Parece estar dizendo: "Eu lhe mostrarei um modo mais fácil, onde tudo é música, dança e milagre..."

78

A Crise de Integridade

3. A igreja eletrônica é publicidade que conduz a erro. Devido à natureza da comunicação, o pregador eletrônico é forçado a reduzir a mensagem a um "slogan", uma simplificação exagerada da verdade que promete demais e transmite de m e n o s . . . 4. A igreja eletrônica é má evangelização. Os pregadores de televisão justificam o levantamento de fundos na base de estarem alcançando pessoas fora da igreja. Entretanto os fatos não apóiam essa afirmação. Num estudo feito pelo Conselho Nacional de Igrejas e pelos Radiodifúsores Nacionais Religiosos em 1984, calcula-se que 13 milhões de pessoas vêem os pregadores de televisão pelo menos uma vez por semana. Dessa audiência, somente um milhão não pertence a uma igreja. Contudo, a igreja eletrônica gasta pelo menos um bilhão de dólares para alcançar esse milhão de pessoas sem igreja. 8 Outro fator é a perigosa tendência da televisão de fabricar celebridades. "O ponto mais forte da televisão", afirma Postman, "é introduzir as personalidades ao nosso coração, e não abstrações à nossa mente." 9 O que se desenvolve então é uma "mentalidade de fãs" em pessoas que se tornam tão leais à causa que se recusam a enfrentar a verdade sobre os seus ídolos. Se o pregador de televisão quiser, pode construir para si um reino à custa de outros: a integridade do conselho e a honestidade e a generosidade dos seguidores. A natureza humana anseia por heróis e viceja com o sucesso vicário. Os apóstolos lutaram contra esse pecado desde o começo. Quando Cornélio caiu aos pés de Pedro, o apóstolo disse: "Ergue-te, que eu também sou homem" (Atos 10:26). Paulo e Barnabé recusaram ser tratados como deuses (Atos 14:8-18). Quando o rei Herodes aceitou a adoração de homens, Deus o matou (Atos 12:20-23). A Bíblia não incentiva o culto da celebridade. "Percebemos que a Escritura é parcimoniosa na informação sobre as pessoas, porém pródiga no que nos fala sobre Deus", escreve Eugene Peterson. "Ela se recusa a alimentar nosso desejo de cultuar um herói. Não se mostra complacente para com o desejo próprio da adolescência de unir-se a um clube de fãs. Penso que a razão seja evidente. Clubes de fãs estimulam um viver de segunda mão." 10 Quando combinamos o viver de segunda mão do clube de fãs com a falta de realidade dos programas de televisão, acabamos com um modelo de cristianismo horrível de se contemplar; entretanto é essa a única "religião" que alguns professam\ Vivem de substitutos e não o sabem. Defrontados com o Cristianismo genuíno, não o reconheceriam nem estariam dispostos a pagar o preço para adquiri-lo.

A Realidade

79

"Mas não há pessoas salvas pelo ministério da televisão?" alguém pode perguntar. Sim, talvez, mas os fins não justificam os meios. "Eu não apoiaria uma ficção para impedir que o mundo todo vá para o inferno", escreveu George MacDonald. "O inferno, do qual o homem seria afastado pela mentira, sem dúvida é o melhor lugar para esse homem. E a verdade... que salva o mundo." 11 Quando as pessoas me perguntam por que não tenho um programa na televisão, geralmente sorrio e respondo: "Porque tenho um rosto perfeito para o rádio." Mas acabo de explicar o verdadeiro motivo: Não acho que a televisão e o ministério bíblico sejam compatíveis. Não digo que não possamos ensinar, ou pregar, ou cantar a verdade pela televisão, pois podemos. Algumas pessoas têm excelentes programa de televisão hoje em dia e algumas são minhas amigas, e oro por elas. Todavia, fico a pensar se não produziriam mais frutos se a quantia que despendem na televisão fosse empregada em outros ministérios. O estudo mencionado por Russ Reid divulgou alguns fatos interessantes sobre o mundo da televisão religiosa. Por exemplo, não é tão grande quanto alguns querem que pensemos. Os pregadores eletrônicos que afirmam ter dez ou vinte milhões de telespectadores estão assobiando no escuro. A TV religiosa vem reforçar o que as pessoas já acreditam, mas fracassa quando se trata de mudar ou aprofundar as crenças. A maioria das pessoas que vêem regularmente programas religiosos já são membros ou freqüentadores de igreja, sendo que quase a metade assiste pelo menos a um culto por semana. Somente 6% de todos os telespectadores mandam contribuição regular para os pregadores eletrônicos, numa média de trinta e cinco dólares por contribuição. Somente 7% disse que assistir aos programas religiosos eletrônicos ampliou sua participação na igreja, ao passo que 3% afirmou que a sua participação na igreja decaiu. Os pesquisadores concluíram que a maioria das pessoas vê os programas religiosos de televisão por duas razões principais: (1) para fortalecer e apoiar aquilo em que já acreditam; (2) para protestar contra as coisas malignas apresentadas pela televisão comercial (homossexualidade, aborto, pornografia etc). Nas áreas de adoração, evangelização e educação, a TV religiosa não é um sucesso. Há uma área, entretanto, em que a TV religiosa parece ser um sucesso: a manufatura de celebridades religiosas. Nenhum outro meio de comunicação oferece maiores oportunidades para os mercenários

80

A Crise de Integridade

religiosos cujo interesse principal é algo mais do que ministrar. O cristianismo da indústria do entretenimento sempre terá seguidores. Mike Yaconelli disse-o com muita eloqüência: "A igreja tem sido hipnotizada pelo poder. Reverenciamos a rainha da beleza, o jogador profissional, o próspero homem de negócios, e estamos dispostos a pagar milhões para qualquer pessoa que tome o nosso dinheiro e nos prove que somos a maioria; que somos respeitáveis; que somos os vencedores. De muito bom grado permitimos que esses personagens do poder viajem nos seus próprios aviões a jato com uma comitiva leal de assistentes executivos e secretários de imprensa. De muito bom grado damos os nossos bens para serem compartilhados de modo vicário enquanto eles festejam com presidentes, correm de um estúdio de televisão para outro, entram em aeroportos e deles saem em grandes limusines negras. Essas personalidades do poder têm-se tomado nossos gigolôs evangélicos. De bom grado prostituímos nosso dinheiro, tempo, e tudo o que temos, a fim de poder ostentá-los perante aqueles que não acreditam sermos nós, de fato, vencedores. E a culpa não é deles. E nossa." 12

10 RIQUEZAS Aquele que não é influenciado pelo dinheiro é o mais admirado entre todos os homens. Cícero

"Deus e Dinheiro}"estampava a capa da revista Time ôe 3 de agosto de 1987. Começando na página 48, anunciava o que o público há muito suspeitava: nem todos os que dizem "Senhor, Senhor" são dignos de confiança quanto à aquisição honesta de dinheiro e à maneira sábia de empregá-lo. A reação do povo foi rápida, e logo muitas organizações religiosas sentiram dramática redução nas contribuições. Até ministérios de nome exemplar sofreram com a repercussão. O público havia perdido a confiança: era uma crise de integridade. Não foi a primeira vez que um império religioso desabou, nem será a última. Mas deve ter sido a primeira vez que uma queda envolveu tanto dinheiro e tanta gente, e foi alvo de tanta atenção da imprensa por tanto tempo. Dinheiro e princípios sempre interessam ao público, de modo que a imprensa tirou proveito da situação. Não podemos culpá-la; a imprensa também tem de ganhar dinheiro. No seminário me diziam que orgulho, dinheiro e sexo são as arnias principais que o inimigo usa para arruinar um ministério, e que com freqüência operam juntos. O líder religioso ganha prosperidade, adquire fama, torna-se orgulhoso, e então passa a ser a lei para si próprio e faz

82

A Crise de Integridade

o que bem entender. Afinal de contas, os bem-sucedidos servos de Deus não têm o direito de viver acima da lei divina? Visto que nosso Senhor foi humilde, pobre e puro, esperaríamos que seus discípulos lhe seguissem o exemplo. Mas nem sempre é esse o caso. A seqüência é familiar. Primeiro um homem, ou uma mulher, sente-se chamado para o ministério e, com sinceridade, quer servir na causa do evangelho. Mas o ministério requer dinheiro. Até mesmo Jesus tinha amigos que o ajudavam a pagar as contas (Lucas 8:3), e Paulo aceitou o apoio tanto de igrejas (Filipenses 4:15-16) como de pessoas (2 Timóteo 1:15-18). O ministério requer dinheiro, mas precisamos tomar cuidado para que o dinheiro não comece a requerer o ministério. Quando isso acontece, o ministério pára e a organização se transforma em negócio religioso. O dinheiro passa a ser um fim e não um meio para atingir esse fim. A televisão é um meio de comunicação caro, portanto não devíamos nos surpreender pelo fato de os pregadores eletrônicos se preocuparem com dinheiro, principalmente se levam uma vida de extravagância a qual alguém tem de sustentar. Mas até os mais modestos pregadores eletrônicos, na tentativa sincera de servir ao Senhor, deparam-se com grandes orçamentos, e orçamentos demandam dinheiro. Como o conseguem e o que fazem com ele depende da integridade de cada um. Sobre dinheiro e religião há pelo menos três mitos que precisamos, enterrar. O primeiro é o de que dinheiro não é bom nem ruim; é neutro e^ tudo depende_íJ.O-SCujjso. Se isso fosse verdade, então por que Jesus chamou as riquezas de "as riquezas da injustiça" (Lucas 16:9)? E por que ele alertou quanto à "sedução das riquezas" (Mateus 13:22)? Ele parece estar dizendo que a riqueza é corruptora e ilusória em si mesma, e que somente Deus pode santificá-la para usos dignos. Concordo com Richard Foster, que disse: "Por trás do dinheiro há forças espirituais invisíveis, forças que são Sedutoras e enganosas, forças que exigem total devoção." 1 A riqueza é perigosa, e até mesmo o cristão mais dedicado pode cair na armadilha de adorá-la sem nem mesmo perceber tal coisa. Em algumas traduções da Bíblia lemos em Lucas 16:13: "Não podeis servir a Deus e a Mamom." Mamom é a palavra aramaica para riqueza de toda a espécie. Significa "aquilo em que alguém confia" ou "aquilo que é entregue aos cuidados de alguém". Isso sugere que a riqueza é algo que Deus entregou aos nossos cuidados, algo em que Deus não quer que confiemos. Ele deseja que confiemos nele. Quando os judeus usavam a palavra, era quase sempre em sentido negativo, e foi assim

Riquezas

83

que Jesus a empregou. Ele disse: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou se devotará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas" (Mateus 6:24). Mamom é a riqueza personificada, e Jesus nos alerta para que não nos relacionemos com Mamom do mesmo modo como nos relacionamos com Deus. Não devemos tentar colocá-los no mesmo nível em nossa vida. Se não formos cuidadosos, o dinheiro pode controlar nossa atenção e afeto. Foster ressalta que "o dinheiro possui muitas das características da divindade. Dá segurança, pode induzir a sentimentos de culpa, dá liberdade, dá poder e parece onipresente. A característica mais sinistra de todas, entretanto, é ser ele uma oferta para a onipotência." 2 O dinheiro reivindica a lealdade e o amor que pertencem somente a Deus, e tem o poder de aprisionar-nos se não tomarmos cuidado. O dinheiro é um servo maravilhoso mas um patrão terrível, c somente uma devoção disciplinada para com Deus pode capacitar-nos a conservar as riquezas no seu devido lugar. O mundo atual mede o sucesso pelo dinheiro e pelas posses, e torna-se fácil para os cristãos defenderem esses padrões falsos se não forem cautelosos. Jesus disse: "Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui" (Lucas 12:15). "Porque, o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação" (Lucas 16:15). É possível ser próspero e não ser mundano. Tanto a Bíblia como a história cristã falam sobre pessoas ricas que andaram com Deus e que, através das suas riquezas, foram bênçãos para outros. Mas tenho notado que os líderes nas Escrituras tiveram cuidado em manter as mãos limpas em relação ao dinheiro, e não usaram sua posição ou autoridade para explorar a ninguém. Ouça o que disse Abraão, que recusou os despojos de Sodoma: "Levantei a minha mão ao Senhor, o Deus Altíssimo, o Criador dos céus e da terra, jurando que não tomarei coisa alguma de tudo o que é teu, nem um fio, nem uma correia de sapato, para que não digas: Eu enriqueci a Abrão" (Gênesis 14:22-23). Ouça o profeta Samuel: "Eis-me aqui, testificai contra mim perante o Senhor, e perante o seu ungido: De quem tomei o boi? de quem tomei o jumento? a quem defraudei? a quem oprimi? e das mãos de quem recebi suborno para encobrir com ele os meus olhos?" (1 Samuel 12:3). Ouça Paulo quando se dirigia aos pastores de Éfeso: "De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes. Vós mesmos sabeis que estas mãos

84

A Crise de Integridade

proveram o que me era necessário a mim, e aos que estão comigo. Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é necessário socorrer os enfermos, recordando as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber." (Atos 20:33-35). "Nem cobiçoso de torpe ganância" (Tito 1:7) é uma das qualificações para o ministério. Portanto, o povo de Deus tem direito de saber se os seus ministros lidam com as finanças honestamente ou não. Acho que isso aplica-se a qualquer pessoa que viva do apoio voluntário de outros, inclusive ministros eletrônicos, missionários, evangelistas e pastores locais. Os servos de Deus devem receber apoio adequado porque "digno é o obreiro do seu salário" (Lucas 10:7), mas devem usar o dinheiro sabiamente e estar prontos a prestar contas. O ministro ganancioso tornar-se-á ou um comerciante ou um mercenário. O comerciante troca os seus dons por dinheiro e usa a Bíblia e a congregação do mesmo modo que o ator usa o roteiro e os espectadores do teatro; pede demissão quando aparece um trabalho melhor. O mercenário trabalha pelo salário e faz apenas o que se espera dele — nada mais. Para ele os dias mais importantes da semana são o do pagamento e o de folga. Pede demissão quando aparece um trabalho mais fácil ou quando algum perigo ameaça o rebanho (João 10:12-13). "Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males" advertiu Paulo a Timóteo (1 Timóteo 6:10), e ordenou-lhe que passasse a mensagem para os ricos da congregação. Tiago alertou os introdutores da igreja a serem cuidadosos no modo de mostrarem os lugares aos ricos e aos pobres (Tiago 2:1-13), e também repreendeu os homens de negócio ricos que exploravam os trabalhadores pobres (Tiago 5:1-8). Tenho a impressão de que Tiago se dirigia a cristãos professos e não a pessoas não-convcrtidas. O dinheiro não é neutro. É essencialmente maligno e precisamos estar cônscios da sua força sedutora. Os líderes eclesiásticos em particular precisam evitar o amor ao dinheiro: "Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de boa vontade" (1 Pedro 5:2). O segundo mito que devemos enterrar é o de que o dinheiro não satisfaz. Quantas vezes, no princípio do meu ministério declarei: "O dinheiro não traz felicidade! Ele não satisfaz!" Ai de mim, eu era zeloso e sincero, mas estava completamente errado. Milhões de pessoas neste mundo estão felizes e satisfeitas em virtude do que o dinheiro pode

Riquezas

85

fazer. Não são ricos, mas levam uma vida confortável e a desfrutam. O problema é que não a desfrutam plenamente. Alguns não sabem que a idéia de "gozar as coisas" se encontra na Bíblia; mas Paulo apresentou-a em 1 Timóteo 6:17: "Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos." A doutrina aqui é clara. Deus fez as coisas, e elas são boas (Gênesis 1:31). Deus sabe que precisamos de coisas (Mateus 6:32), portanto ele no-las dá e quer que tenhamos prazer nelas. Todavia, cabe aqui uma advertência: precisamos usufruir as dádivas de Deus humildemente, porque são dádivas, e cuidadosamente, porque a riqueza é incerta e pode ser retirada a qualquer momento. Além disso, é preciso que não deixemos que as dádivas divinas tomem o lugar de Deus. "Paulo está alertando não contra o desejo de ganhar dinheiro para satisfazer às nossas necessidades e às necessidades de outros", escreve John Piper. "Ele está alertando contra o desejo de ter mais e mais dinheiro, e contra a exaltação do ego e o luxo material que o dinheiro pode proporcionar." 3 Foi por isso que Paulo escreveu: "Mas os que querem ficar ricos caem em tentação e em laço" (1 Timóteo 6:9). O problema não é que o dinheiro não satisfaça, mas que realmente satisfaz. Todavia, satisfaz apenas às pessoas desejosas de viver num plano inferior onde o dinheiro representa a maior felicidade. Era o que Jesus tinha em mente quando disse: "Mas ai de vós, os ricos! porque já tendes a vossa consolação" (Lucas 6:24). Ele fez uma afirmação semelhante sobre os fariseus, excessivamente devotos e ricos: "Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão" (Mateus 6:2). H. H. Farmer escreveu que "para Jesus, o que há de terrível em possuir valores errados na vida e em buscar objetivos errados não é que a pessoa esteja fadada a um amargo desapontamento, mas justamente o contrário-, não é que a pessoa não consiga o que deseja, mas é que ela o consegue"4 As perguntas a serem respondidas são: O que realmente me satisfaz? Estou satisfeito em ter alimento, roupa e teto? Ou desejo algo mais do que o conforto pessoal? É bom possuir as coisas que o dinheiro pode comprar, contanto que não percamos aquelas que o dinheiro não pode comprar. As pessoas que "já receberam a recompensa" escolheram a segunda opção. Podemos agora entender melhor por que o evangelho do sucesso e a vida de extravagância de alguns pregadores eletrônicos e suas esposas

86

A Crise de Integridade

atraem a admiração e o apoio de tantos telespectadores. É o nível de vida que eles desejam, e Deus pode permitir que isso lhes aconteça. Mas isso será tudo o que conseguirão; já terão recebido a sua recompensa. Quando a vida terminar, não receberão outras recompensas. Suas oportunidades acabaram. A Bíblia não enaltece nem o luxo nem a pobreza; apenas nos diz que sejamos satisfeitos com as necessidades básicas da vida. Muitos de nós temos muito mais do que as nossas necessidades, e teremos de responder por isso. "Seja a vossa vida sem avareza, contentando-vos com o que tendes" (Hebreus 13:5). "Tendo, porém, sustento e com que nos vestir, estejamos contentes" (1 Timóteo 6:8). Precisamos determinar as nossas necessidades reais e viver nesse nível. Podemos usar qualquer riqueza extra que Deus nos mande para ajudar a preencher as necessidades de outros. O fato de termos uma renda maior não nos obriga a viver mais dispendiosamente, mas significa que podemos compartilhar muito mais. O terceiro mito que precisa ser enterrado é o de que nossa responsabilidade termina quando contribuímos. Aqueles que assumem essa atitude acabam desperdiçando o que sobra e permitindo que as organizações a que apóiam desperdicem o que lhes é enviado. Ambas as coisas são pecado. Tudo o que temos vem de Deus e precisa ser usado do modo que ele ordena: "Antes te lembrarás de que o Senhor teu Deus é que te dá força para adquirires riquezas" (Deuteronômio 8:18). Deus é o dono; nós, os mordomos. Não importa a proporção da nossa renda que lhe entreguemos, o que resta também está sob a sua autoridade. Dar 10% ou até mesmo 50% não nos compra o privilégio de desperdiçar o resto. Visto que um dia precisaremos prestar contas da nossa mordomia, precisamos ter cuidado quanto ao lugar em que colocamos a riqueza de Deus. Uma senhora minha amiga que contribuiu para uma organização indigna disse-me: "Bem, ainda terei a minha recompensa. Dei a importância para o Senhor, e ele conhece o meu coração." Talvez, mas se ela de fato quisesse dar a importância ao Senhor e agradar-lhe, teria investigado a maneira de a organização aplicar os fundos e o que estava sendo realizado. Você se sentiria honrado se alguém fizesse uma doação em seu nome para a Sociedade de Recuperação de Tampas de Garrafas Velhas? Ou para a Comissão de Resgate de Minhocas Extraviadas? A mordomia bíblica manda que entreguemos uma doação digna, de maneira digna, a uma organização digna ou a uma pessoa que a use para um ministério digno.

Riquezas

87

Os capítulo 8 e 9 da segunda epístola aos Coríntios esboça a doutrina cristã da contribuição. Paulo enfatizou que a oferta dos cristãos deve ser motivada pela graça e não pela culpa. A palavra grega charis (graça) é usada muitas vezes nesses capítulos. Dar pela graça quer dizer dar apesar das circunstâncias (8:1-2), dar com entusiasmo e alegria (8:3-4) e em resposta às dádivas recebidas de Deus (8:7). A oferta da graça jorra do interior de um coração agradecido; não é arrancada à força. Deus se interessa pela boa vontade (8:10-12), capacidade (8:13-14) e a fé do crente (8:15). Quando contribuímos, Deus vê a proporção e não a porção; e ele vê o coração como também a mão. Ele sabe que não podemos dar o que não temos, mas quer que sejamos generosos com o que possuímos. Dar pela graça exige uma atitude de fé no Deus vivo, o mesmo tipo de fé que o fazendeiro demonstra ao fazer a semeadura 9:6-11). Mas Paulo não falou apenas a respeito de dar; ele também teve uma palavra sobre receber (8:16-9:5). Uma comissão, escolhida pelas igrejas gentias, foi com Tito receber a oferta de amor e levá-la aos crentes judeus pobres da Judéia. Por que o próprio Paulo não levou a oferta sozinho? Por que envolver todos aqueles homens? Em primeiro lugar, obviamente era perigoso demais um homem levar sozinho todo aquele dinheiro. Além disso, Paulo queria que a oferta promovesse a unidade cristã e, assim, várias igrejas foram representadas na missão. Mas havia um terceiro motivo: "pois zelamos o que é honesto, não só diante do Senhor, mas também diante dos homens" (2 Coríntios 8:21). Paulo não queria dar motivo a que alguém duvidasse da sua administração do dinheiro. Por isso, organizou uma comissão representativa. Não era suficiente Paulo dizer às igrejas: "O Senhor sabe o que estou fazendo com o dinheiro." Ele era franco e honesto com as finanças e queria que as igrejas soubessem o que ele fazia. Seus inimigos teriam ficado felizes em poder acusá-lo de desonestidade. A praxe de Paulo sugere que as organizações religiosas devem tomar providências para que toda a renda seja administrada honestamente. Isso quer dizer que as ofertas devem ser usadas para as finalidades a que foram dadas. E os fundos de reserva também devem continuar como fundos de reserva, e que todos sejam distribuídos de acordo com um orçamento aprovado. Uma praxe fiscal sadia exige relatório ao conselho com regularidade, bem como uma auditoria anual. O conselho deve certificar-se de que nenhum membro da organização esteja obtendo lucros pessoais com o ministério e que as informações fiscais estejam ao alcance de todos.

88

A Crise de Integridade

Como a maioria dos cristãos, minha esposa e eu também recebemos muitas cartas de organizações pedindo apoio. Isso não nos aborrece pois gostamos de saber o que está acontecendo no mundo evangélico. Aprendemos que o Senhor não espera que apoiemos a todas as pessoas, mas deseja que estejamos informados. Parte dessa correspondência jogamos fora imediatamente porque não confiamos nas organizações que a enviam. Lemos o restante e fazemos as devidas considerações. No decorrer dos anos, o Senhor tem-nos levado a contribuir para certos ministérios que sabemos serem sérios e dignos de confiança; não nos sentimos culpados se não pudermos dar aos outros. Se for da vontade de Deus, ele nos orientará e tornará a oferta possível. O ministério onde estou atualmente, "De Volta à Bíblia", ajudou a fundar o Conselho Evangélico de Responsabilidade Financeira, uma agência independente que vigia os seus membros a fim de assegurar que mantenham altos padrões de integridade organizacional e fiscal. Também pertencemos à Associação de Missões Estrangeiras Interdenominacionais, que também mantém um alto padrão para os seus membros. A mais nova agência "cão de guarda" é a Comissão de Integridade Financeira e Ética da Difusão Religiosa Nacional. Francamente, eu pensaria duas vezes antes de contribuir para qualquer ministério que não pertencesse a uma agência auditora de confiança. Quando digo de confiança refiro-me a uma agência que tenha altos padrões e não receie disciplinar os seus membros, aconteça o que acontecer. É preciso mais do que uma lista de padrões para fazer que a disciplina funcione; exige coragem, principalmente quando o ministério a ser disciplinado é popular. Já que estou emitindo alertas, permita-me acrescentar algo mais acerca dos ministérios que têm um grande número de parentes do diretor no conselho e/ou na folha de pagamento. É bom examiná-los cuidadosamente. Quero alertar sobre organizações que usam técnicas suspeitas de levantamento de fundos, como inventar uma ou duas crises anuais ou oferecer mercadoria de valor maior do que a importância da oferta. E, embora nem todos concordem conosco, minha esposa e eu não gostamos de receber um dilúvio de correspondência — recebemos às vezes até três cartas da mesma organização por semana pedindo ofertas — e tampouco apreciamos pedidos por telefone. Certa vez cheguei até a ameaçar em conseguir um número telefônico que não constasse da lista, não pelo fato de comerciantes locais nos estarem querendo vender-nos

Riquezas

89

alguma coisa, mas em virtude de ministérios cristãos estarem suplicando ofertas. Antes que chamem, já respondi: "NÃO!" Ouvi dizer que certo homem, ao chegar a casa, depois de uma viagem, recebeu um aviso de carta registrada. Julgando ser algo importante, apressou-se ao Correio. Mas a carta — registrada, veja bem — era de um evangelista pedindo uma oferta para o seu ministério que passava pela crise mais recente. O homem sabia que não conseguiria tirar seu nome daquela lista de endereços, de modo que tomou duas decisões: jamais ler qualquer correspondência desse ministério e nunca tomar a ver o seu programa. Um ouvinte de rádio telefonou-me para partilhar comigo um problema, e no decurso da nossa conversa contou-me esta história: "O número do meu telefone não está na lista. Certa noite, recebi um telefonema de (deu o nome de um ministério eletrônico) pedindo-me um donativo bem grande. Fiquei surpreso, e perguntei como tinham conseguido o número do meu telefone. A garota saiu-se com evasivas: 'Oh, há muitas maneiras de se conseguir um número.' Por que deve um ministério chamado cristão violar a vida privada de uma pessoa e ainda mentir?" "A menos que você nos ajude hoje, nosso ministério terminará no fim da semana!" Já viu isso em alguma carta ou ouviu algo semelhante no rádio ou na TV? Espero que não acredite nesse apelo. Que tal este: "Se o nosso ministério afundar, afetará toda a obra do evangelho no mundo todo"? Quem realizava "a obra do evangelho" antes de ele entrar em cena? Esse tipo de exagero de alta potência simplesmente não faz parte do ministério cristão. Talvez esses casos sejam extremos, mas exemplificam o que me preocupa: métodos não éticos de levantamento de fundos. Na igreja primitiva, os servos de Deus pagavam as contas trabalhando, aceitando apoio de indivíduos ou recebendo ofertas de igrejas locais. Paulo não se envergonhava de falar de suas necessidades e pedir que o auxiliassem com oração. Não há dúvida de que alguns amigos faziam mais do que orar; mandavam-lhe ofertas para ajudar no seu trabalho. Não veja nada de errado em escrever carta aos amigos que querem saber do nosso trabalho, dando-lhes informações exatas que podem orientá-los quanto às orações e ofertas. Comunicação é uma coisa, manipulação é outra muito diferente. A conexão entre a responsabilidade fiscal e a fidelidade no ministério é muito clara. As pessoas que não são confiáveis quanto à riqueza de Deus, também não são confiáveis quanto à sua verdade. Nosso Senhor

90

A Crise de Integridade

disse: "Quem é fiel no mínimo (dinheiro), também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito. Pois, se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?" (Lucas 16:10-11). A maior riqueza do mundo é "o seu reino e a sua justiça" (Mateus 6:33). É isso que precisamos pôr em primeiro lugar. Se assim fizermos, Deus providenciará o restante. Penso que muitos ministérios cristãos, incluindo igrejas locais, atravessarão provações difíceis nos próximos meses. Deus está abalando coisas "para que as inabaláveis permaneçam" (Hebreus 12:27; leia também vv. 25-29). Será uma época de dolorosa autocrítica, mas isso jamais prejudicou nenhuma organização. Será também um tempo de sacrifício e submissão, talvez até mesmo de perseguição; mas essas tribulações nos devem levar para mais perto de Deus. "Porque já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus" (1 Pedro 4:17).

ii RECUPERAÇÃO Que é, então, o Reino de Deus? É Jesus Cristo e, através da Igreja, a unificação de todas as coisas nele. Howard A. Snyder

A crise de integridade não será resolvida pelos Radiodifusores Nacionais Religiosos, pela Comissão Federal de Comunicações ou por qualquer outra autoridade governamental ou religiosa. Essas organizações podem providenciar certa proteção, mas jamais garantirão ausência de erros. A crise só será resolvida por pessoas crentes das igrejas locais, pois lá é que os ministérios dos meios de comunicação, bons ou ruins, encontram apoio. Durante meu ministério pastoral eu me surpreendi com o número de cristãos fundamentalistas viciados em programas eletrônicos religiosos suspeitos; e nada do que eu pudesse dizer mudaria o seu ponto de vista. Milhares de pessoas que deviam ter melhor discernimento apoiavam e promoviam o PTL. Até hoje, algumas pessoas ainda se recusam a enfrentar os fatos. A responsabilidade de mudanças nos meios de comunicação religiosos deve ser dos líderes e membros das igrejas locais; mas — e aqui está o problema — muitas igrejas não serão capazes de modificar coisa alguma antes de elas mesmas se modificarem. A televisão religiosa

92

A Crise de Integridade

consegue sucesso porque conta com o apoio dos crentes que gostam do cristianismo apresentado como entretenimento. Receio que a igreja local tenha a sua própria crise de integridade. Sempre que algo falso tem êxito, cm geral é porque algo verdadeiro falhou. Um casal feliz não precisa procurar emoções fora do casamento; estão mutuamente satisfeitos. Com freqüência tem-se dito que as heresias na igreja muitas vezes indicam uma falha dentro dela: Perdemos o equilíbrio em algum ponto. Creio que isto se aplica especialmente à crise atual. O que tem faltado em nossas igrejas locais? Por que pessoas boas se sentem compelidas a procurar substitutos em outros lugares? Comecemos observando uma falta de autoridade espiritual nas igrejas. Com isso me refiro à ausência do senhorio de Jesus Cristo sobre os seus ministros e suas congregações. Dois dias depois do falecimento de A. W. Tozer, "O Testemunho da Aliança" publicou seu artigo "A Decrescente Autoridade de Cristo nas Igrejas", no qual ele afirmava que "hoje Jesus Cristo quase não tem autoridade sobre os grupos que se chamam pelo seu nome." Ele citou duas causas como responsáveis pela situação: a influência de tradições e costumes, e o "reavivamento do intelectualismo entre os evangélicos." 1 Recomendo este artigo ao leitor e à junta de sua igreja. Talvez o principal sintoma da erosão desta autoridade seja a obsessão das igrejas locais pela "independência". As igrejas e os seus membros fazem o que lhes parece certo. O membro de igreja que não gosta do seu pastor simplesmente reúne um grupo de dissidentes e dá início a uma nova igreja ou invade outra e tenta assumir a direção. Alguém examinou as Escrituras para saber o que o Espírito poderia querer dizer às igrejas? Alguém convocou uma reunião de oração? Alguém perguntou sob que autoridade estão dando início a uma nova igreja? Alguém pediu a outras igrejas que orassem e os aconselhassem? Não, é mais fácil seguir um líder com carisma e ser independentes. Se entendo bem 1 Coríntios 12, não há igrejas "independentes". As igrejas podem ser autônomas e não denominacionais; mas não independentes. "Somos membros uns dos outros" (Efésios 4:25). Nossas igrejas locais podem ter diferentes formas de governo e liturgias diferentes, mas estamos todos sob a chefia do mesmo Senhor Jesus Cristo. Pode não parecer, mas Cristo ainda é o "cabeça" sobre todas as coisas (Efésios 1:22). O espírito de independência gera problemas sérios dentro das igrejas c entre elas. Paulo alertou-nos: "Porque sei que depois da minha partida

Recuperação

93

entrarão no meio de vós lobos cruéis que não pouparão o rebanho. E que dentre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas para atrair os discípulos após si" (Atos 20:29-30). Se as ovelhas estiverem sob a autoridade do seu grande Pastor, reconhecerão os pastores falsos quando os virem, e não os seguirão (João 10:4-5). Nas igrejas do Novo Testamento a liderança tinha como base a consagração, o caráter e a conduta. Era preciso satisfazer aos requisitos bíblicos definidos para que a igreja ordenasse alguém e se submetesse à sua liderança. Na igreja de hoje, a liderança é na maioria das vezes fraseada em carisma pessoal: a pessoa "talentosa", não a piedosa, consegue seguidores c estabelece para si um reino religioso. Com muita freqüência, o importante é a personalidade e não a espiritualidade. Muitas vezes as igrejas locais parecem ter dificuldade em trabalhar em conjunto e apresentar um testemunho unânime e amoroso diante da comunidade. Em muitas ocasiões os pastores suspeitam uns dos outros e competem uns com os outros, embora preguem o mesmo evangelho, orem ao mesmo Senhor, e afirmem obedecer à mesma Palavra. Em quase todas as cidades de qualquer tamanho, há pelo menos uma igreja que faz o que lhe apraz c dá pouca atenção às outras, exceto quando algumas de suas ovelhas se desviam para outros rebanhos. Não sei qual seja a solução para esse problema. Há ocasiões em que chego a desejar que cada comunidade tivesse um bispo que unisse as ovelhas em um só rebanho e ajudasse os pastores a trabalhar em conjunto. Mas tivéssemos tal organização, suponho que alguns pastores começariam a competir para se tornarem bispos! Uma resposta, é claro, é o batismo de amor e humildade que resultaria em obediência a Filipenses 2:1-18 e Romanos 14-15. A resposta é um reavivamento. Falaremos sobre isso mais tarde. Outra coisa que falta nas igrejas locais é a adoração espiritual. A adoração bíblica verdadeira satisfaz a nossa personalidade integral de tal modo que não precisamos procurar substitutos fabricados pelo homem. William Templc deixou isto perfeitamente claro em sua definição de adoração: Pois adoração é a submissão de toda a nossa natureza a Deus. E o despertar da consciência ante a sua santidade, a nutrição da mente com a sua verdade, a purificação da imaginação com a sua beleza, a abertura do coração ao seu amor, a entrega da vontade a seus propósitos — e tudo isso elevado em louvor, a emoção menos egoísta de que nossa natureza é

94

A Crise de Integridade capaz, e, portanto, o principal remédio para o egocentrismo que é o nosso pecado original e a fonte de todo pecado real. 2

À luz dessa definição, em que plano fica a maioria dos programas religiosos de televisão? Em que plano fica a maioria das igrejas locais? "No culto regular da igreja", escreveu A. W. Tozer, "a coisa mais real é a irrealidade sombria de tudo." 3 Infelizmente, é verdade! Mesmo com a irrealidade sombria, o culto matutino de domingo é' tão previsível que não precisamos consultar o boletim para saber o que vem em seguida, e é tão enfadonho que o que vem não faz nenhuma diferença. Satanás sabe que-a adoração verdadeira é emocionante e que santos emocionados lhe causam transtorno, portanto ele trabalha horas extras a fim de não usarmos todas as nossas aptidões dadas por Deus na adoração ao Senhor. Leia a definição de William Templc novamente e pergunte a si mesmo: "São todas essas áreas da minha personalidade consagradas a Deus quando adoro? Tenho a oportunidade de me dar totalmente a Deus durante os cultos?" Alguns de nossos evangelistas e de nossos teólogos têm-nos alertado tanto a respeito de "sentimentos" que temos empurrado nossas emoções para fora da igreja e para dentro dos campos de esporte. Quase a única oportunidade de expressar nossas emoções honestamente é nos casamentos c, assim mesmo, temos de tomar cuidado. As igrejas evangélicas são fortes em "cerebração" e fracas em celebração. Com demasiada freqüência vamos para casa depois de um sermão com um novo esboço na mente e o mesmo frio sentimento no coração. Não estou advogando fanatismo nem emocionalismo. Estou apenas pleiteando um tipo de adoração que satisfaça à essência total do ser humano, criado à imagem de Deus. Se os filhos de Deus não se entregarem a ele em genuína adoração, atrofiar-se-ão emocionalmente ou expressarão esse sentimento de modo ilícito. Continuarão a procurar substitutos, e aos poucos se satisfarão com aquilo que não é pão. Podemos criticar os ministérios eletrônicos tanto quanto quisermos, mas nossa crítica não trará o rebanho faminto de volta ao redil. Uma terceira deficiência é um paralelo do que acabamos de comentar: a emoção e o desenvolvimento no ministério. Quão trágico é quando as pessoas precisam sair do programa da igreja local a fim de se identificar com um ministério que os emocione e lhes desafie! Compreendo que Deus chama alguns dos seus para trabalhar em organizações paraeclesiásticas, como "De Volta à Bíblia" no meu caso. Mas, quando uma organização paraeclesiástica passa a tomar o lugar da comunhão da igreja local, algo está errado. Quando as igrejas resistem

Recuperação

95

a mudanças e tudo se torna rotina, estão convidando os membros a procurar oportunidades em outras partes. Isto nos leva ao delicado assunto dos ministérios paraeclesiásticos. Jerry White define o ministério paraeclesiástico como "qualquer ministério espiritual cuja organização não esteja sob o controle ou a autoridade de uma congregação local." 4 Estariam aí incluídos os ministérios eletrônicos. Muitos pastores não concordam em que os membros de suas igrejas contribuam para o sustento de nenhum tipo de organização fora do campo de ação da igreja local, inclusive os ministérios bons. Jamais foi essa a minha posição, mesmo quando pastoreava uma igreja local, e fui pastor de três. Aqueles que dizem que não havia ministério paraeclesiástico na época do Novo Testamento estão tecnicamente certos, mas tampouco existiam escolas dominicais ou seminários. Não conheço nenhum princípio do Novo Testamento que proíba crentes e igrejas de trabalharem cm conjunto para realizar a obra de Deus. Na realidade, um ministério paraeclesiástico em que muitos crentes de muitas igrejas trabalham juntos, pode estar mais perto do tipo de unidade pelo qual Jesus orou (João 17:20-23) do que igrejas marcadas pela dissensão e divisão. A "comissão de beneficência" de Paulo, nomeada pelas igrejas gentias, é provavelmente a coisa mais próxima de um ministério paraeclesiástico mencionada cm Atos. Mas é bom lembrar que Paulo, apesar de ter apresentado relatório à igreja-mãe ao voltar de uma viagem, levou avante um ministério bastante independente. Não podia estar em contato com a igreja que o mandara do modo que os missionários o fazem hoje; na verdade, Paulo e sua "equipe" tinham certa semelhança com um ministério paraeclesiástico. Ao longo de toda a minha vida crista r sempre estive associado de um modo ou outro a ministérios paraeclesiásticos, embora no coração eu seja basicamente um pastor. Converti-me numa enorme concentração promovida pela Mocidade para Cristo e, ainda adolescente, comecei a trabalhar nesse ministério. Quando pedi demissão da minha primeira igreja para me unir à equipe da Mocidade para Cristo Internacional, um pastor amigo disse: "Tenho pena de que esteja deixando o ministério." Essa expressão me perturbou. Estaria ele sugerindo que eu estava pecando por deixar o pastorado a fim de colaborar com um ministério paraeclesiástico? Durante quase quarenta anos de ministério, tive inúmeras oportunidades de observar as atividades de organizações paraeclesiásticas. Colaborei com dois desses ministérios (Mocidade para Cristo e De

96

A Crise de Integridade

Volta à Bíblia), fui membro de diversos conselhos, escrevi para diversos editores e publicações, falei em muitos encontros paraeclesiásticos e tive o privilégio de conhecer pessoalmente a muitos dos seus líderes. Creio que posso falar tanto com autoridade como com simpatia quando se trata de ministérios paraeclesiásticos e seu relacionamento com as igrejas locais. Para começar, não gosto da palavra paraeclesiástico. Significa "ao lado da igreja" o que não é uma descrição exata de nenhum ministério paraeclesiástico que eu conheça. Ao lado de qual igreja? Na sua comunidade, qual congregação é a "igreja verdadeira"? Se existir tal congregação, todas as outras igrejas serão ministérios paraeclesiásticos! Isso faz sentido? É interessante saber que na Grã Bretanha, a palavra paraeclesiástico referia-se originalmente a "uma congregação" que existia junto com a igreja institucional. Era a "igreja alternativa", a "igreja do futuro", e não uma organização religiosa diferente da igreja. E claro que não é esse o significado de paraeclesiástico nos dias de hoje. Gostaria que tivéssemos uma palavra nova, porque todas as vezes que usamos a antiga, perpetuamos confusão e divisão. Talvez co-eclesiástica ("com a igreja") fosse uma possibilidade. No que me diz respeito, os ministérios paraeclesiásticos verdadeiramente bíblicos operam com a igreja e a servem. Não fazem a sua própria obra "ao lado da igreja" nem competem com ela. Se isso não for verdade, estou em má situação. Durante a semana, preparo estudos bíblicos e produzo de oito a dez programas de "De Volta à Bíblia", uma organização paraeclesiástica. Em alguns fins de semana, minha esposa e eu viajamos a uma igreja onde prego duas ou três vezes. Pertenço mais à igreja de Deus nos fins dc semana ou nos dias úteis? Quando assisto a uma reunião de conselho de missões ou faço uma palestra numa escola, estou abandonando a igreja ou servindo a ela? De algum modo misterioso, estou movendo-me "dentro da igreja" e depois "junto à igreja" quando procuro usar meus dons espirituais? Quanto mais penso nisso, tanto mais ridículo se torna. Um pastor amigo acha que Deus não abençoa ministérios fora da igreja local. Entretanto, na última vez que estive em seu gabinete, vi dois diplomas de escolas paraeclesiásticas, uma grande coleção de livros e revistas impressos por editores paraeclesiásticos, correspondência de uma agência paraeclesiástica que dirige o seu programa de rádio, fitas cassete produzidas por um estúdio paraeclesiástico de gravação. Parece que não lhe é fácil ser coerente nesse assunto. Tenho

Recuperação

97

a impressão de que ele considera os ministérios paraeclesiásticos uma ameaça tanto para a sua própria influência como para as finanças da igreja. Em ambos os pontos ele está errado. Se eu fosse condensar algumas conversas recentes, principalmente com pastores, o resultado seria mais ou menos o seguinte: — Bem, o PTL é um ministério paraeclesiástico — diz um amigo. — Não presta contas a ninguém! Mas, uma boa coisa pode advir disso: é uma obra a menos a pedir ofertas! Existem grupos paraeclesiásticos demais. — Não há escândalos nas igrejas locais? — pergunto. Relutantemente ele responde: — Sim —. Pode ser que ele tenha lido 1 Coríntios. — São todas as igrejas locais responsáveis a alguma autoridade fora da igreja? Todas elas possuem auditoria? Com maior relutância: — Não. — Você acha que há igrejas locais em demasia na sua cidade? — Sim, acho. A cada passo, vê-se alguém dando início a uma nova igreja. Não precisamos de mais nem uma! — Então as acusações que você faz aos ministérios paraeclesiásticos também se aplicam às igrejas locais? — Acho que sim —. E assim termina a conversa. Os ministérios paraeclesiásticos quase sempre começam por um destes três modos. As vezes o Espírito de Deus une homens e igrejas, dando-lhes um fardo e uma visão comuns, e dão início a uma nova organização para realizar essa obra. Foi assim que tiveram início algumas das primeiras sociedades bíblicas e agências missionárias. Um segundo modo é que às vezes um homem, ou um grupo de homens, recebe uma bênção especial de Deus de maneira extraordinária, mas a igreja não tem espaço para ela. Se o ministério permanecer dentro de uma única igreja, tanto a igreja como o ministério podem ser destruídos. O vinho novo precisa ser colocado em odres novos para que a bênção seja preservada e partilhada. A separação é amigável, a igreja aceita o novo ministério, e todos trabalham em conjunto. Nessa categoria parecem-se enquadrar organizações como "Mocidade para Cristo", "A Aliança Pró-Evangelização de Crianças" e a "Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno". Um terceiro modo pelo qual têm início os ministérios paraeclesiásticos é através dc determinados esforços de pessoas que simplesmente querem fazer o seu próprio trabalho, gostem os outros ou não. Um missionário é impedido de voltar ao seu campo; então ele organiza o

98

A Crise de Integridade

seu próprio conselho e volta de qualquer maneira. Uma florista converte-se e decide começar uma nova organização para testemunhar especialmente para floristas. (No lugar de floristas podemos colocar caminhoneiros, agentes funerários, divorciados, suecos, ou o que seja.) Nem todos os ministérios paraeclesiásticos começam desse jeito, mas infelizmente é o caso da maioria. E por isso que são em tão grande número. Disseram-me que isso não aconteceria se as igrejas locais parassem de "restringir" e "sufocar" os cristãos talentosos. Afinal, se um crente sente o chamado para certo ministério mas a igreja não coopera, por que não deve ele começar sua própria organização? Houve uma época em que eu teria apoiado uma pessoa como essa, mas já não o faço. Quanto mais vivo, mais vejo a morte de ministérios que afirmam ter sido estabelecidos por Deus; mas que, aparentemente, ninguém conseguiu mantê-los com vida. "Sinto que devo começar um ministério no rádio" escreveu-me alguém. "Que sugestões poderia dar-me?" Minha resposta; "Sugiro que comece a servir na igreja local a que pertence. Se Deus achar que você é fiel e deve alcançar mais pessoas, ele abrirá as portas. Por favor, não dê início a um novo ministério pelo rádio antes que Deus tenha aberto as portas; já temos mais do que precisamos." Quando Neemias e os seus amigos reconstruíram os muros de Jerusalém, algumas das pessoas trabalharam na frente de suas próprias casas (3:10,23,28-30). E um bom lugar para qualquer pessoa começar. Se todos nós, nas igrejas locais, seguíssemos esse exemplo, poderíamos começar a solucionar a crise de integridade. Sou grato às organizações nacionais que promovem altos padrões para os ministérios eletrônicos; mas, enquanto os membros das igrejas locais continuarem apoiando a charlatães e assalariados, não vamos resolver o problema. Levamos anos para nos metermos nessa confusão e não sairemos dela imediatamente. A menos que — e escrevo isto com temor e tremor — a menos que Deus, na sua grande bondade, nos envie um reavivamento.

12 REAVIVAMENTO Não tornarás a vivificar-nos, para que o teu povo se alegre em ti? Salmo 85:6

Tem o leitor uma pintura predileta? Suponho que um bom psiquiatra poderia deduzir muita coisa a nosso respeito apenas estudando os quadros de que mais gostamos. Talvez não devêssemos revelar quais são. Bem, vou correr o risco. Uma das minhas pinturas favoritas é O Profeta Jeremias Contemplando a Destruição de Jerusalém, de Rembrandt. Quando visitei o museu Rijks, em Amsterdã, comprei uma reprodução da pintura, emoldurei-a, e a coloquei no meu gabinete. Está agora na minha frente. Gosto do quadro porque Jeremias é o meu profeta preferido, pois o seu ministério me incentiva a continuar mesmo quando parece que estou fracassando. As vezes olho para o quadro e digo: "Bem, meu velho, você parece um fracassado, mas foi um sucesso! Obrigado por ter sido fiel. Obrigado por incentivar-me hoje." Jeremias foi um grande homem. Tempos difíceis produzem gigantes e anões. "Quando homens pequenos projetam longas sombras, é sinal de que o sol está entrando." Li que Walter Savage Landor escreveu isso há mais de cem anos. Vale a pena repetir: "Quando homens pequenos

100 A Crise de Integridade projetam longas sombras, é sinal de que o sol está entrando." Fico a pensar quais seriam as nossas medidas e as de nossas sombras aos olhos de Jeremias. É difícil e perigoso ser um indivíduo que segue um caminho diferente dos outros. Henrik Ibsen disse: "Deus primeiro individualiza o homem que ele quer abater na luta da vida." 1 Poderíamos parafrasear: "O cristão que Deus quer abençoar e usar na crise atual precisa ter a coragem de ser diferente e a convicção de continuar na direção certa, aconteça o que acontecer." A conclusão é que nada mudamos ao ler livros e concordar uns com os outros. Mudamos as situações tornando-nos disponíveis a Deus e obedecendo-lhe a fim de que ele possa fazer a obra por nosso intermédio. De que tipo de pessoas a igreja precisa? A igreja precisa de pessoas com discernimento, que reconheçam que a vergonha de um ministério não exige a condenação de todos os outros. O inimigo quer que os santos comecem a desacreditar uns nos outros e a sufocar a obra de Deus perante um mundo cheio de espírito crítico. Satanás, e não Deus, é o autor da confusão. Leia estes trechos de algumas cartas que me chegaram às mãos logo depois do escândalo do PTL. São típicas das muitas recebidas pelos meus companheiros. "Meu marido, que ainda não se entregou ao Senhor, está mais intransigente do que nunca quanto ao apoio a qualquer organização cristã... E s s e . . . escândalo causou danos profundos no trabalho do Senhor e não é fácil ser cristão atualmente. A vida está difícil aqui em casa." "Por favor, tire o meu nome da sua lista de endereços. Agradeça a Jim c Tammy Bakker." "Em vista de recentes e lamentáveis acontecimentos, a congregação instruiu nossa Comissão de Missões que obtivesse declarações financeiras de todas as organizações para as quais contribuímos." [Tivemos o prazer de atendê-los. Não temos segredos.] "Que desgraça todo esse escândalo pela TV! Peço a Deus que abra os olhos de mais pessoas para a verdade."

Reavivamento

101

"Sirvo a um Deus, louvado seja o seu nome, que não me diz para enviar-lhe dinheiro... Ele não abençoará nenhuma pessoa da turma do PTL — inclusive vocês. Que ele tenha misericórdia de você!" Fiquei surpreso ao descobrir que "De Volta à Bíblia" fazia parte da "turma do PTL". Mas essa carta vem provar o meu argumento: os cristãos têm enorme necessidade de discernimento. Se não formos cuidadosos, cairemos nas mãos do inimigo, enfraqueceremos a causa de Cristo e destruiremos a obra de Deus. Posso afirmar que esse tipo de suspeita e reação exagerada terá conseqüências trágicas para a obra de Deus em toda a parte, inclusive nas igrejas locais e, por intermédio das missões, no mundo todo. Como nunca antes, o povo de Deus precisa lutar contra o inimigo certo no espírito certo, sem negligenciar a obra que Deus nos entregou. Do mesmo modo que os trabalhadores de Neemias, precisamos combater e construir, com a espada numa mão e a ferramenta na outra. O discernimento espiritual vem para aqueles que conhecem a Palavra dc Deus, obedecem a ela e dependem do Espírito do Senhor. A igreja também precisa de pessoas devotadas a Jesus Cristo. Sei que isso parece um chavão; mas haverá maneira melhor de expressar a idéia? A pergunta que dirigiu a Pedro, Jesus no-la faz hoje: "Amas-me mais do que estes?" (João 21:15). A coisa mais relevante sobre o povo de Deus não é que amemos as almas perdidas ou mesmo a nossos irmãos no Senhor. O mais importante é que amemos a Jesus Cristo. Somente então é que estamos aptos a alimentar as suas ovelhas, cuidar do seu rebanho e combater os lobos. "Reavivamento é a renovação do amor da igreja por Jesus Cristo", escreveu Vance Havner. "Amamos a nós mesmos, amamos a nossa turma e pode ser que amemos o nosso fundamentalismo, mas não amamos ao Senhor." 2 As pessoas ficam chocadas quando lhes digo que não vou à igreja com a finalidade de ouvir um sermão ou ter comunhão com o povo de Deus, apesar de muito apreciar ambas as coisas. Vou à igreja no dia do Senhor para dar testemunho de que Jesus Cristo vive e para adorá-lo. De fato, começo o dia, bem cedo pela manhã, adorando-o. Se ele possuir o meu coração, ele pode confiar-me qualquer coisa que me queira dar. Tenho grande receio de deterioração espiritual, de estar aparentemente vivo quando na realidade esteja morto. O fato de participar de um ministério não é proteção. Mesmo os ministérios podem criar oportu-

102 A Crise de Integridade nidades para a obra do inimigo. As cautelosas palavras de George MacDonald me cativam: "Um homem pode afundar-se tão vagarosamente que, muito depois de ter-se tornado um demônio, pode ainda continuar a ser bom clérigo ou bom dissidente e considerar-se bom cristão." 3 A crise atual não será resolvida por cristãos cujo alimento e armas sejam de segunda mão. Será resolvida por pessoas que andam com Deus, que se alimentam da sua Palavra, que têm força para a batalha e que sabem usar a espada do Espírito. Precisamos voltar às velhas disciplinas espirituais praticadas pelos nossos pais, disciplinas que a nossa geração liberada gosta de chamar de "legalismo". Precisamos cavar de novo os velhos poços e chamá-los pelos mesmos antigos nomes (Gênesis 26:18). A igreja precisa de pessoas praticantes da Palavra e não apenas ouvintes, porque a crise não será resolvida por espectadores e generais de reserva. Que Deus tenha pena de nós! Pregamos unidade e continuamos a fazer as coisas "ao nosso modo" mesmo que prejudique o trabalho de outros. Pregamos separação do mundo e fazemos concessões. Pregamos amor e regozijamo-nos secretamente com a queda de um irmão. Somos tão tolerantes para com o pecado em nossa própria vida e na vida dos outros que não ousamos falar de um modo muito concreto em nossa pregação. Precisamos de reavivamento. Outra vez o chavão, mas não posso deixar de usá-lo. Precisamos de reavivamento. Nova vida. Nova purificação. Novo amor. Nova unidade. Novo poder. E como precisamos de tudo isso! Como eu preciso! Não porque bilhões de pessoas neste mundo condenado precisem ouvir o evangelho. Não porque a igreja precisa de uma boa limpeza. Não porque estamos confusos e envergonhados e queremos parecer dignos de novo. Não porque perdemos a integridade e o mundo não mais confia em nós. Predsamos de reavivamento porque não temos honrado nem glorificado a Deus como ele merece. Quando Deus não é glorificado, tudo o. mais vai mal. O reavivamento lida com as causas, não com os sintomas. O reavivamento é radical: desce às raízes. Considere as palavras de Richard Owen Roberts, uma das maiores autoridades em reavivamento: "Não tenho dúvida alguma de que um povo reavivado glorificará a Deus de um modo que não lhe seria possível se estivesse dele afastado. Quando homens e mulheres apren-

Reavivamento

103

dem a glorificar a Deus podem realmente começar a desfrutar a sua companhia. A satisfação não será periódica, mas eterna. Quando Deus é glorificado e sua companhia desfrutada, a busca de prazeres transitórios é abandonada com entusiasmo e ações de graças. O que era antes uma incrível labuta e restrição ao espírito livre do homem torna-se agora pura liberdade e prazer. O que antes era absoluto prazer torna-se agora asqueroso e conduta depravada mais digna dos desprezíveis habitantes do inferno do que dos nobres cidadãos da terra criados à imagem de Deus." 4 Sejamos práticos. O que devemos fazer para incentivar a vinda do reavivamento de que tão desesperadamente precisamos? Arrependimento. Isto significa sermos honestos a respeito dos pecados, tanto pessoais como organizacionais. Significa desprezarmos nossos pecados, confessá-los, abandoná-los, fazer as devidas reparações e tomar providências a fim de que não os repitamos. Nós, os que dirigimos ministérios paraeclesiásticos, precisamos estar certos de que somos honestos com os nossos pares e usamos de amor cristão para com os líderes de outros ministérios. Precisamos confessar um espírito crítico e competitivo, talvez até mesmo um espírito de ciúme. Talvez precisemos fazer uma reunião de cúpula, não de promoção mas de oração. Precisamos vir de coração partido e não de cabeça erguida, confessando nossos pecados em vez de gloriando-nos nas estatísticas. E preciso que confessemos nossas diferenças pessoais e organizacionais e tomemos providências para que trabalhemos juntos em amor. O que acabo de dizer sobre os líderes paraeclesiásticos aplica-se também a pastores, oficiais de igreja, missionários, líderes denominacionais, a todos os que procuram servir ao Senhor. Estas palavras no papel parecem tão fracas! A Palavra de Deus pode expressá-lo muito melhor! "Se o meu povo, que se chama pelo meu nome se humilhar, orar e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra" (2 Crônicas 7:14). Retorno. Talvez os nossos ministérios tenham-se afastado aos poucos dos objetivos que deram origem à sua existência. Nesse caso, voltemos aos alvos elevados e santos e livremo-nos de tudo o que os

104 A Crise de Integridade atrapalha, não importa o quanto isso nos possa custar. Diminuamos nossas equipes, cortemos orçamentos e trabalhemos mais e melhor para esticar os nossos recursos. Vamos descobrir o que Paulo quis dizer quando escreveu: "Pobres, mas enriquecendo a muitos" (2 Coríntios 6:10). Voltemos aos princípios fundamentais da Palavra de Deus, as verdades conhecidas mas nem sempre praticadas. Sejamos primeiramente cristãos e depois executivos em nossa pregação, no levantamento de fundos, na promoção e administração. Façamos mais reuniões de oração e menos reuniões executivas, gastemos mais tempo na Palavra e mostremos mais interesse uns pelos outros. Descubramos o que agrada ao Senhor, e não o que agrada ao público cristão. Lamento se o que estou dizendo parece um "sermão", mas lembre-se de que estou pregando para mim também. Dentro de pouco tempo alguns de nós deixarão o palco e darão lugar à nova geração de líderes cristãos, e quero que os meus últimos anos de serviço façam uma diferença na sua igreja. Não desejo passar os anos restantes na rotina fazendo programas de rádio, escrevendo livros e artigos e pregando sermões. Quero experimentar um toque novo de Deus de modo que o meu ministério ajude o povo de Deus em toda a parte a ter um novo domínio de sua vida e serviço em Cristo. Arrependimento. Retorno. Regozijo. "Não tomarás a vivifícar-nos, para que o teu povo se alegre em ti?" (Salmos 85:6). Durante tempo demasiado temo-nos regozijado por coisas erradas: finanças, edifícios, estatísticas, experiências emocionais, popularidade, aceitação universitária, influência... tudo, exceto Deus. Os nossos valores estão confusos. E por isso que os movimentos religiosos dos últimos cinqüenta anos não têm gerado um reavivamento. Acreditávamos que nossas multidões e os convertidos eram prova de que Deus estava restaurando uma igreja doente; mas estávamos errados. Os nossos esforços não restauraram a paciente; apenas agitaram-na um pouco e deram-lhe força suficiente para virar-se e voltar a dormir. Repito: nossos valores estão confusos. E estamos tão confortáveis nessa armadilha preparada por nós mesmos que na realidade não queremos sair dela! O interesse criado no mundo evangélico é enorme, e um reavivamento podia trazer-nos prejuízo financeiro. Para qualquer pastor ou líder paraeclesiástico que, como o rei Amazias, está preocu-

Reavivamento

105

pado com a perda de dinheiro, permita-me dizer. "Muito mais do que isso pode dar-te o Senhor" (2 Crônicas 25:9). Comecemos a orar pelo reavivamento, e incluamos nele as pessoas com as quais não concordamos. Bob Cook costumava lembrar-nos, na "Mocidade para Cristo", que Deus abençoa as pessoas de quem discordamos. A oração fervorosa não requer que fundemos uma nova organização ou estabeleçamos uma relação de endereços para correspondência. Se todos nós nas igrejas locais e nos vários ministérios começarmos a orar pedindo um reavivamento, e continuarmos orando por ele, Deus iniciará a obra. Eis o que disse o Dr. D. Martyn Lloyd-Jones: "Não vejo esperança, a menos que cada membro dc igreja ore pelo reavivamento, talvez reunindo-se em diferentes lares, em grupos de amigos, reunindo-se em igrejas ou em qualquer outro lugar, e orando com insistência e concentração por um derramamento do poder de D e u s . . . Não há esperança a menos que façamos isso." 5 Declaremos uma moratória na competição cristã. Não importa quem é o maior pregador, cantor ou autor ou quem possui a maior escola dominical ou orçamento missionário. Deus sabe e ele dá as recompensas. Enquanto isso, há trabalho a ser feito. Amemo-nos uns aos outros e comprovemos esse amor falando a verdade em amor (Efésios 4:15). Em vez de procurarmos a imprensa, oremos e estejamos certos de estar obedecendo a Filipenses 2:3: "Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade, cada um considere os outros superiores a si mesmo". Tenhamos solicitude sincera pelo ministério dos outros a fim de encorajar-nos uns aos outros e orar uns pelos outros. Muitos líderes cristãos estão feridos e precisam do nosso auxílio. Quem é o pastor do pastor? Quem incentiva o ministro eletrônico, o autor, o cantor, o missionário? Não nos esqueçamos de que Jesus deixou-nos aqui para sermos suas testemunhas e dizer ao povo como ser salvo. Jesus não está edificando uma Sociedade de Admiração Mútua. Ele está construindo a sua igreja. Este livro tratou da crise de integridade que você e eu precisamos ajudar a resolver. As notícias sobre a crise podem mudar, mas isso não significa que a situação esteja melhor ou que o problema tenha sido resolvido. Se o problema não for resolvido, o testemunho da igreja será prejudicado nos anos por vi. E preciso resolvê-lo.

106 A Crise de Integridade Disseram-me que o sinal chinês para crise é uma combinação de caracteres que significam "perigo" e "oportunidade". Essa é uma descrição perfeita da situação atual da igreja, mas o maior perigo é que podemos desperdiçar a oportunidade. Se as pessoas dos meios de comunicação religiosos em massa continuarem como se nada tivesse acontecido, os perigos aumentarão e possivelmente destruirão as oportunidades. Temos uma tarefa árdua. Estamos reconstruindo em dia de opróbrio. Com a graça de Deus, este dia pode tornar-se em reavivamento; e você e eu podemos ajudar para que essa mudança aconteça. "Fazei tudo quanto ele vos disser" (João 2:5).

Notas Prefácio 1. Ralph Waldo Emerson, Self-Reliance Press, 1967), p. 22.

(Nova York: Peter Pauper

Capítulo 1 A epígrafe foi extraída do Dictionary of Quotable Definitions, ed. Eugene E. Brussell (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1970). Capítulo 2 A epígrafe foi extraída de Familiar Quotations, de John Bartlett, ed. Emily Morison Beck, 15? ed. (Boston: Little Brown, 1980), p. 592. 1. Peter Forsythe, Positive Preaching and the Modem Mind (Londres: Independent Press, 1953), p. 28. Capítulo 3 A epígrafe foi tirada de The New Book of Christian Quotations, compilador Tony Castle (Nova York: Crossroads, 1984), p. 226. 1. Joseph Parker, The People's Bible, vol. 15 (Londres: Hodder e Stoughton, 1900), p. 282. 2. Dennis J. Hester, The Vance Havner Quote Book (Grand Rapids: Baker Book House, 1986), p. 63. 3. Eugene Peterson, Run With the Horses (Downer's Grove, Illinois: Inter-Varsity Press, 1983), p. 88. Este é um dos melhores estudos que já encontrei acerca do ministério e da mensagem de Jeremias aplicado à situação atual. 4. Ibid., p. 62. 5. Parker, op. cit., p. 289. 6. Jerry Falwell, 25 of the Greatest Sermons Ever Preached (Grand Rapids: Baker Book House, 1983), p. 18. Capítulo 4 A epígrafe é tirada de The Knowledge of the Holy (Nova York: Harper and Row, 1961), p. 12. 1. Jon Johnston, Will Evangelicalism Survive Its Own Popularity? (Grand Rapids: Zondervan, 1980), pp. 2, 13.

108 A Crise de Integridade Notas 2. Andrew A. Bonar, Robert Murray McCheyne, Memoir and /?e, mains (Londres: Banner of Truth Trust, 1966), p. 282. 3. Hester, op. cit., p. 186. Capítulo 5 A epígrafe é extraída de Oswald Chambers, The Best From Ali Hi$ Books, compilador Harry Verploegh (Nashville: Oliver-Nelson, 1987), p. 141. 1. Charles Colson, Kingdoms in Conflict (Grand Rapids: William Morrow/Zondervan, 1987), pp. 244-45. Usado com permissão. 2. A. W. Tozer, The Root ofthe Righteous (Harrisburg, Pa.: Christian Publications, 1955), pp. 52.53. 3. Tozer, Knowledge of the Holy, p. 11. 4. Henry David Thoreau, Walden (Princeton: Princeton University Press, 1971), p. 74. 5. Brussell, op. cit., p. 53. Capítulo 6 A epígrafe é extraída de Betn>een Two Worlds de John R. W. Stott (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 15. 1. Castle, op. cit., p. 45. 2. Ibid., p. 193. Capítulo 7 A epígrafe c extraída de The Root of the Righteous de A. W. Tozer, p. 19. (Esta fonte já foi citada.) 1. Niccolo Machiavelli, The Prince (Nova York: Bantam, 1966), p. 63. 2. Rupert Hughes, "When Will Rogers Wept", em Folks Songs of Will Rogers, compiladores: William H. Payne e Jake Lyons (Nova York: G. P. Putnam's Sons, 1936), pp. 152-53. 3. Alexander Whyte, Bible Characters, Ahithophel to Nehemiah (Londres: Oliphant, Anderson e Ferrier, s.d.), p. 236. 4. John Henry Jowett, The Preacher, His Life and Work (Nova York: Harper, 1912), p. 44. 5. Charles H. Spurgeon, 20 de agosto, em Morning and Evening, ed. reimp. (Grand Rapids: Zondervan, 1980). 6. Hester, op. cit., p. 209. 7. Bartlett, op. cit., p. 742.

109

Capítulo 8 A epígrafe é extraída de My Utmost for His Highest (Nova York: Dodd, Mead & Co., 1965), p. 328. 1. Bonar, op. cit., p. 93. 2. Castle, op. cit., p. 191. 3. Ibid., p. 192. Capítulo 9 A epígrafe é extraída de The Humiliation of the Word de Jacques Ellul (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), p. 120. 1. Citado em Christ and the Media (Grand Rapids: Eerdmans, 1977), de Malcolm Muggeridge. Um homem com grande experiência nos meios de comunicação em massa, Muggeridge guarda sentimentos muito negativos com relação à televisão, e até mesmo se desfez do seu televisor. Todos aqueles que participam da mídia religiosa devem ler com cuidado estas três conferências e os relatos dos debates que se seguiram. 2. Os conceitos aqui incluídos foram extraídos de Ellul, op. cit., pp. 97-98. The Humiliation of the Word é um texto básico sobre o relacionamento entre as palavras e as imagens. Não é necessário que concordemos com Ellul a fim de nos beneficiarmos de seu profundo conhecimento. 3. Ellul, ibid., p. 42. 4. Ibid., p. 141. 5. Neil Postman, Amusing Ourselves to Death (Nova York: Viking, 1985), p. 87. Este é um estudo profundo da influência da televisão sobre diversas áreas da cultura norte-americana. Um excelente estudo da situação da televisão britânica é o livro de John Fiske e John Hartley intitulado Reading Television (Londres: Methuen, 1978). 6. Muggeridge, op. cit., p. 81. 7. Postman, op. cit., p. 143. 8. Russ Reid, "The Bakker Affair — What Can It Teach Us?" no número 135, de outubro de 1987 do reid report (Russ Reid Company, 2 North Lake Ave., Pasadena, CA 91101). Usado com permissão. 9. Postman, op. cit., p. 123. 10. Peterson, op. cit., p. 12. 11. C. S.Lewis, ed., George MacDonald, An Anthology (Nova York: Macmillan, 1947), p. 102.

110 A Crise de Integridade 12. Mike Yaconelli, "Evangelical Gigolo", no número de junho-julho de 1980 de The Wittenberg Door (1224 Greenfield Dr., El Cajon, CA 92021). Capítulo 10 A epígrafe é extraída de De offíciis 2.11. Descobri-a no Dictionary of Quotations, compilador Bergen Evans (Nova York: Delacorte Press, 1968), p. 461. 1. Richard Foster, Money, Sex & Power (San Francisco: Harper and Row, 1985), p. 29. 2. Ibid., p. 28. 3. John Piper, Desiring God: Meditations of a Christian Hedonist (Portland, Oregon: Multnomah Press, 1986), p. 155. Recomendo este livro como uma análise de um tema negligenciado, apresentado de forma prática e reforçado com verdades teológicas sólidas. A perspectiva de Piper evita o Iegalismo, o antinomianismo e o misticismo. 4. H. H. Farmer, Things Not Seen (Londres: Nisbet and Co., 1938), p. 96. Gostaria que Farmer fosse mais conhecido hoje. Em algumas áreas, parece que ele se antecipou a C. S. Lewis. Capítulo 11 A epígrafe é extraída de The Community of the King de Howard A. Snyder, (Downers Grove, Illinois: Inter-Varsity Press, 1978), p. 16. 1. "The Waning Authority of Christ in the Churches", de A. W. Tozer, foi publicado originalmente na The Alliance Witness de 15 de maio de 1963. Encontra-se também nos livros God Tells the Man Who Cares (Harrisburg, Pa.: Christian Publications, 1970), pp. 163-72; e The BestofA. W. Tozer, ed. Warren W. Wiersbe (Grand Rapids: Baker Book House, 1978), pp. 87-94. 2. William Temple, Readings In St. John's Gospel, 1- ser. (Londres: Macmillan, 1939), p. 68. Para um discussão mais ampla da importância da adoração, veja o meu livro: Real Worship: It Will Transform Your Life (Nashville: Oliver-Nelson, 1986). A bibliografia será de grande utilidade para o estudioso sério. 3. A. W. Tozer, The Divine Conquest (Harrisburg, Pa.: Christian Publications, s. d.), p. 90. 4. Jerry White, The Church & The Parachurch: An Uneasy Marriage (Portland, Oregon: Multnomah Press, 1983), p. 19. O tratamento de White é justo, e suas conclusões equilibradas.

Notas

111

Capítulo 12 1. Rhoda T. Tripp, compiladora, The International Thesaurus of Quotations (Nova York: Crowell, 1970), p. 310. 2. Hester, op. cit., p. 192. 3. Lewis, op. cit., p. 97. 4. Richard Owen Roberts, Revival (Westchester, Illinois: Crossway, 1987), p. 20. Este é um dos melhores livros sobre reavivamento, e a bibliografia é excepcional. Gostaria que cada pastor pudesse lê-lo e tomá-lo a sério. 5. D. Martyn Lloyd-Jones, Reavivamento (Westchester, Illinois: Crossway, 1987), p. 20. O profundo interesse do Dr. Lloyd-Jones pelo reavivamento na igreja torna-se evidente nestas vinte e quatro mensagens que são solidamente baseadas na Escritura. Este volume é o companheiro perfeito para o livro de Richard Owen Roberts citado acima.
A Crise de Integridade - Warren W. Wiersbe

Related documents

58 Pages • 35,534 Words • PDF • 1.2 MB

125 Pages • 51,113 Words • PDF • 673.2 KB

12 Pages • 860 Words • PDF • 156.7 KB

252 Pages • 79,042 Words • PDF • 1.9 MB

238 Pages • 92,129 Words • PDF • 2 MB

3 Pages • 302 Words • PDF • 66.1 KB

456 Pages • PDF • 31.7 MB

346 Pages • 92,917 Words • PDF • 3.1 MB

67 Pages • 26,313 Words • PDF • 223.1 KB

28 Pages • 15,198 Words • PDF • 212.4 KB

14 Pages • 3,856 Words • PDF • 292.8 KB

7 Pages • 3,092 Words • PDF • 671.3 KB