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STRENGTH BEATS STRETCH. A FORÇA VENCE O ALONGAMENTO
ARTIGO DO AUSTRALIAN BALLET. TRADUZIDO E COMENTADO POR CAROL LIMA.
Carol é bailarina formada pela Escola Estadual de Danças Maria Olenewa (Escola do Theatro Municipal do RJ). Atua como professora de ballet clássico na Escola de Dança Petite Danse desde 2002. É fisioterapeuta formada pelo IBMR com especialidades em Trilhos Anatômicos , RPG e Pilates. Idealizadora e professora de Anatomia da Dança no curso Profissionalizante da Petite Danse desde 2003 e professora convidada do Curso de Aperfeiçoamento do Sindicato de Dança do Rio, onde ministra aulas de Anatomia Aplicada a Dança, lesão e prevenção desde 2016.
O time médico do Australian Ballet está reeducando os bailarinos da companhia sobre os perigos do alongamento. Bailarinos esbeltos derretendo sobre suas pernas, tocando seu nariz nos joelhos ou sentando sobre os seus sapatos de ponta para alongar seus pés são imagens bastante comuns no meio do ballet. Foi uma grande surpresa quando Sue Mayes, a fisioterapeuta principal da companhia lançou esse novo conceito. No início dos anos 2000, Mayes e sua equipe começaram a focar nos tornozelos e panturrilhas, regiões que frequentemente eram alvo de lesões em bailarinos. Eles entenderam que os bailarinos estavam prédispostos a esse tipo de lesão por terem uma panturrilha pouco resistente, então eles introduziram o programa de “elevação de calcanhares” (apoiado sobre uma perna só e se movendo entre a meia ponta e o pé no solo) nas aulas diárias. O fortalecimento da panturrilha promoveu um efeito surpreendente na redução do número de lesões de tornozelo e estiramentos de panturrilha, mas essa foi apenas uma parte do contexto todo. “A outra parte foi educar os bailarinos a não alongarem suas panturrilhas. ” Diz Mayes. “Usávamos as pranchas de alongamento em todos os studios, e os bailarinos costumavam alongar suas panturrilhas antes, depois e até mesmo durante aulas e ensaios. Nós tiramos as pranchas de alongamento dos studios e incentivamos os bailarinos a trabalhar os músculos fortalecendo com alongamento de fibras (trabalho excêntrico). As ideias convencionais e tradicionais do ballet sempre citaram que o alongamento iria produzir músculos longos e elegantes, enquanto o fortalecimento faria eles ficarem inchados e volumosos. A mensagem de Mayes para os bailarinos era – menos alongamento, mais fortalecimento e além de nunca ficar em posições de alongamento por muito tempo – foi difícil de convence-los, mas após os bailarinos observarem um outro grupo de bailarinos trabalhando por um período com a equipe do programa de fortalecimento eles perceberam que os bailarinos reconstruíram suas linhas, então eles aceitaram que esse trabalho não os faria ficar inchados ou com músculos volumosos. Tudo está na forma como você trabalha. Para construir um musculo como o do Poppey, primeiro você precisa ser um rato de academia, você precisa praticar com cargas elevadas e muitas repetições. Os bailarinos alternavam dois tipos de trabalho: o modelo de fortalecimento (carga alta e pouca repetição) e o modelo de resistência (carga baixa e muitas repetições). Essa combinação resultava em músculos que podem dar suporte e proteger as articulações durante os movimentos de arco de movimento extremo que são tão utilizados no ballet.
Os músculos têm a importante função de estabilizar as articulações de forma ativa, trabalho que ele realiza em conjunto com os ligamentos que promovem esta estabilização de forma passiva. Quando mantemos os músculos excessivamente longos eles perdem o poder de estabilizar essas articulações o que irá gerar uma sobrecarga articular durante o trabalho e futuramente lesões na cartilagem articular (artrose). Carol Lima
O medo de ficar inchado ou volumoso não era a única razão para que os bailarinos resistissem a redução do alongamento. O alongamento promove uma sensação muito particular de bem-estar e alivio, principalmente para os corpos que tem uma grande demanda de trabalho como acontece na carreira profissional. No entanto, Mayes diz, que não há razão para continuar se alongando. “ Só porque isso traz uma sensação prazerosa não significa que isso é bom para você.
O alongamento é uma das maneiras que temos de aumentar nossa mobilidade (flexibilidade). E esse artigo não se trata de extinguir o alongamento, é apenas uma reflexão sobre a forma como os bailarinos tendiam a se alongar muito mais do que fortalecer. Então não cometam o erro de ler esse artigo e entender que o alongamento está condenado, até porque essa é uma avaliação que deve ser feita caso a caso. Carol Lima
É como comer açúcar. A sensação é ótima! Quando você alonga um tecido que está tenso ou irritado pode parecer bom naquele momento, mas você estará perpetuando o problema porque você estará alongando e enfraquecendo algo que já está alongado e enfraquecido. É como coçar uma picada de mosquito, só vai piorar a coceira. Tendo constatado que o fortalecimento ajuda a prevenir o estiramento muscular e que o alongamento poderia enfraquecer o músculo, fazendo com que ele ficasse suscetível a rupturas e reduzindo seu poder de propulsão, a equipe de Meyes passou a aplicar esse conceito a todos os músculos do corpo. “ Os músculos que os bailarinos amam alongar são os isquiotibiais e adutores (parte interna da coxa). Eles amam sentar sobre os pés. No entanto, existem muitas pesquisas recentes que confirmam nossas impressões clinicas, que é a de que o alongamento estático – ou seja – ficar em uma posição por um tempo prolongado, sem usar o músculo – pode realmente ser prejudicial. Mayes citou os corredores das olimpíadas de 2016. O grande problema dos alongamentos estáticos é que eles são perigosos quando são inseridos durante a rotina diária dos bailarinos, antes de iniciar uma aula ou entre aulas e ensaios. Eu como professora de ballet nunca simpatizei com exercícios nas aulas de chão que mantinham alunos por muito tempo na mesma posição, e uma das razões era a falta de participação dos alunos no exercício. Muitas se dispersavam, desfocavam na aula e as que tinham pouca flexibilidade não conseguiam manter a posição, ficavam inquietas e acabavam não melhorando nada. Minha experiência com alongamentos dinâmicos e mais participativos das alunas mostrou mais resultado do que os estáticos. Carol Lima
“˜Você já viu atletas de corrida alongando seus isquiotibiais antes de correr? E inevitavelmente, pelo menos um desses corredores poderá ter um estiramento muscular durante essa corrida. Nas olimpíadas mais recentes você pode vê-los fazendo aquecimentos dinâmicos, correndo, mantendo seu corpo aquecido – eles provavelmente fizeram algum alongamento dinâmico antes da corrida, mas bem próximo do momento da corrida o que importa é manter o corpo aquecido, batimento acelerado, todos os seus músculos acordados e seu corpo ativo, mas sem nenhum arco de movimento extremo. ”
Esse tem sido um alerta muito importante para os profissionais de dança. Que precisamos reestruturar o início das aulas, principalmente o modo como aquecemos antes de dançar. É comum ver bailarinas fazendo grandes alongamentos na coxia, ou deitadas em posições de alongamento. Esse tipo de aquecimento, além de não ajudar em nada, afinal de contas não será nesse momento que o bailarino terá aumento da condição de flexibilidade dele, ainda pode gerar uma lesão enquanto ele estiver em cena. Antes de dançar, o ideal é uma aula de barra, e nas coxias, no momento que precede o palco, abdominais e exercícios aeróbicos que mantenham o corpo aquecido e a frequência cardíaca elevada. Há alguns anos, eu já vinha modificando os meus aquecimentos e minhas aulas de chão. Nos dias mais frios eu iniciava as aulas com uma corrida leve, skips e galopes leves pela sala. Em seguida alongamentos dinâmicos e abdominais. Eu percebia uma melhora enorme no rendimento das aulas. O primeiro exercício da barra também era focado em alongamentos dinâmicos, transferências de peso passando por uma segunda posição mais funda, pequenos ronds que mobilizavam e aqueciam a articulação do quadril. E sempre finalizando com exercícios de abdominais. Baseado nessas informações os professores podem criar aquecimentos adequados e seguros para iniciar as aulas, ensaios ou antes de dançar.
Carol Lima
Então os bailarinos deveriam abandonar o alongamento todos juntos? Mayes diz que tudo se resume a forma como você faz isso. “Um bom aquecimento antes da aula serve para lembrar seu corpo de suas amplitudes dinamicamente e não sentar em uma posição de alongamento. Nesse momento você pode fazer um leve e controlado cloche, usando o musculo para desacelerar o movimento.” Antes da aula matinal, muitos bailarinos da companhia passam algum tempo no ginásio fortalecendo levemente todos os seus músculos, caminhando e se preparando para os movimentos do ballet. Eles irão levar seus músculos para o limite do arco de movimento, mas de forma lenta, gradual e controlada, e gradativamente aumentando a velocidade até que a temperatura corporal aumente e os músculos sintam-se aquecidos e elásticos.
É de grande importância a evolução gradual da movimentação do corpo. É importante para o musculo ter esse tempo para se aquecer e perceber a elasticidade que ele já tem. É importante que ele alcance toda a percepção da sua melhor contração muscular para que ele responda adequadamente aos movimentos que serão feitos com grande amplitude e velocidade aumentada, como no jeté, nos ronds jetés e grand battements . Muitos alunos tem o costume de chegar atrasados nas aulas, e isso pode ser de grande risco para esse bailarino. Professores e bailarinos devem ser muito cuidadosos e atentos para esse fator. Carol Lima
“A aula é uma amável continuação disso.”. Diz Mayes. “Ela começa devagar e pequena, e se desenvolve até ângulos mais extremos. Até os saltos seguem esse processo do pequeno para o grande. A aula de ballet é um belo caminho para se construir um corpo através do desafiador repertorio de um bailarino profissional.” Para um bailarino amador que não tem a facilidade de estar em um ginásio antes das aulas Mayes tem uma solução simples. “ Tentem uma leve corrida em torno da sala. Muitos bailarinos vão para suas escolas pedalando. Qualquer coisa que aumente a temperatura corporal e faça o sangue circular. Então você pode tentar pequenos exercícios que acordem o seu corpo – partes como quadris, tronco e panturrilhas. ”
Os esportistas amadores gostam dos conselhos que Mayes e sua equipe dão aos bailarinos da companhia que apreciam corrida e Ioga. “ A chave para as lesões de corredores são os estiramentos da panturrilha e as tendinites do tendão de Aquiles (aonde o tendão não está suportando a carga sobre ele). Os tendões odeiam surpresas, então evitem aumentar a carga sem prepara-lo para isso - por exemplo, você não deve começar a correr de uma hora para a outra sem se preparar. É muito comprometedor para o tendão. Então nosso conselho aos bailarinos que correm é eliminar o alongamento pré corrida e aumentar a capacidade da sua panturrilha com algo como a elevação de calcanhar sobre um pé só: 25 em cada perna, pelo menos. Bailarinos suportam até 35 elevações, por exemplo, mas isso é bastante individual. Jasmine Duhrham, uma de nossas bailarinas pode fazer 100 belas elevações de calcanhar.”.
É muito importante para evitar lesões na dança e no praticante de esporte, preparar o corpo para receber a carga que será imposta. Fortalecer músculos específicos de acordo com sua função, como no caso da corrida ou do uso de pontas, dos joelhos para o caso dos saltos. Devemos considerar o fortalecimento tão importante para o corpo quanto o alongamento. Devemos avaliar caso a caso e tentar equilibrar as capacidades do musculo: força, resistência e alongamento. Carol Lima
Assim como o alongamento de final de aula, as evidências sugerem que não há benefício nisso. Uma redução dos batimentos cardíacos gradual será mais efetiva. Se você ainda assim optar por alongar, faça um alongamento dinâmico. Alerta aos bailarinos que praticam Yoga “Se você está fazendo um alongamento tenha certeza que seus músculos estão engajados enquanto está se alongando. Evite alongamentos longos e estáticos, que podem na verdade estressar sua capsula articular até danifica-las. Sobre esse detalhe eu posso relatar minha experiência; Eu pratiquei Yoga por um período de um ano e meio, religiosamente. E nas aulas costumávamos ficar na mesma posição por tempos que podiam chegar até um minuto e meio, e por ter dançado, eu tinha uma boa flexibilidade e ficava nas posturas sem grandes dificuldades. Até que o professor começou a me cobrar engajamento muscular durante as posturas. Não era somente me colocar na postura e relaxar, ele me alertou que eu deveria manter meus músculos fortes, atentos e participativos durante toda a postura. E essa lição que recebi desse professor mudou muito o meu rendimento nas aulas, percebia que eu poderia ganhar força nas aulas de Yoga, percebi que minhas articulações sofriam menos, que eu gastava mais energia... Passei a cobrar isso das minhas alunas de ballet! Nunca mais deixei elas fazerem aula de chão como corpo abandonado, pedia sempre atenção aos músculos durante o alongamentos. Carol Lima
E sobre a população em geral – como por exemplo pessoas que trabalham sentadas que foram orientadas que o alongamento regular iria aliviar sua letargia e tensão. Mayes também prefere enfatizar na atividade regular. “ Não fique sentado por muito tempo - tente se mover ao entorno o máximo possível. Escolha escadas ao invés de elevadores e faça elevações de calcanhar enquanto você lê. Ande o quanto você puder. Suba e desça alguns andares de escada durante o seu intervalo. ” Para bailarinos a mensagem é clara: fortalecer os músculos é a maneira mais segura e eficiente de manter a flexibilidade. Como o açúcar, o alongamento estático é um habito difícil de tirar, mas suas articulações irão agradecer.
O recado mais importante desse artigo é que devemos pensar no corpo de forma diferente, e aceitar que certos conceitos que tínhamos já não são tão corretos assim e estarmos abertos a novas informações. Hoje sabe-se que a o movimento ajuda muito na recuperação de lesões, que antigamente eram tratadas com a imobilização. E que a forma como alongamos nossos músculos podem ser atualizadas para técnicas que tragam mais resultados. Entender a importância do fortalecimento, sem achar que isso pode prejudicar a linha dos bailarinos, e acima de tudo saber que podemos obter força sem que tenhamos que ficar com volume muscular. Precisamos de músculos resistentes, preparados e livres, que permitam que nossas articulações se movam em amplitudes reais e seguras. Carol Lima
Eu espero que esse artigo ajude no trabalho de vocês! Atenciosamente, Carol Lima!