BENOIST.Signos, símblos e mitos

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SICNOS, SIMBOLOS E MITOS - Jr -

LUCBENOIST

Título original: Signes,symboleset mythes (Col.Quesais-je?) @PressesUniversitairesde France.1975 Tradução:PaulaTaipas Revisão:Ruy Oliveira Capa:Edições70 Depósitolegaln.o143237199 r s BN972- M - ú94- 5 Direitos reservadosparatodosos paísesde língua portuguesa por Edições70 - Lisboa- Portugal EDrçÕES70, LDA. RuaLuciano Cordeiro, 123- 2." Esq."- 1069-157Lisboa/ Portugal Telefs:(01) 3158752- 3158753 Fax: (01) 3158429 Estaobra estáprotegidapela lei. Não pode serreproduzida, no todo ou em parte,qualquerque sejao modo utilizado, inclúndo fotocópiae xerocópia,semprévia autorizaçãodo Editor. à lei dos Direitos do Autor serápassível Qualquertransgressão de procedimentojudicial.

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INTRODUÇAO

Segundoa ideia que normalmentetemos,anoção de símbolo encontrar-se-ia relegada para um solene empíreo onde seria raramente visitada por alguns curiosos de arte medieval ou de poesia malarmeana.Existe nesta noção um equívoco singular. Porque toda a gente utiliza, no quotidiano, o simbolismo sem o saber,tal como Jourdain (-) falava em prosa, pois toda a palavra constitui um símbolo. Como dizia Aristóteles, a palavra cão não mordet. Não existe pois um domínio reservadoou ocasional,mas uma prática quotidiana onde o papel do simbolismo consisteem exprimir qualquer ideia de um modo que seja acessívela todos. Etimologicamente a palavra símbolo provém do grego sumballein, que significa unir. Um syrnbalon eÍa,na sua origem, um sinal de reconhecimento,um objectocortadoem duasmetades que, ao serem unidas, permitiam aos portadores de cada uma reconhecerem-secomo irmãos e tratarem-secomo tal, sem que jamais se tivessemvisto antes.

('\ Monsieur Jourdain,personagemprincipal da peça Bourgeois Gentilhomme, de Molière (N. do R.). (r) Se bem que em última análise a palavra calose identifique simbolicamente com a mordedura. Se a transferência não se efectua, como paÍece supor Aristóteles, então não existe símbolo. Cave caneml

INTRODUçÃO

E MITOS SIGNOS. SIMBOLOS Ora, na ordem das ideias, um símbolo é igualmente um elemento de ligação pleno de intervenção e de analogia. Une o que é contraditório e reduz as oposições. Não podemos compreendernada,nem comunicar nada,sem a suaparticipação. A lógica dependedele, pois apelaao conceito de equivalência e a própria matemática, com os seus números, apenas se exprime por meio de símbolos. A vida, principalmente, é a fonte mais fecunda destes procedimentose a sua mais antiga utilizadora. Manifestava-os na mesma altura em que o homem primitivo emitia a primeira palavra articulada. É por esta razão que um simbolismo vital e orgânico exprimirá sempre, melhor do que qualquer outro, as verdadesde ordem espiritual, como testemunhamas parábolas evangélicas.É tambémpor esta razáo quea biologia de hoje com as suas novas ciências do ser vivo, que se multiplicam em disciplinas derivadas, está em vias de substituir a antiga preeminência tanto de uma matemática demasiado desumana como de uma filosofia demasiadoliterária, mais ligada a um ilusionismo verbal do que às coisasconcretas. Se existem muitos livros que tratam desteassuntotão vasto, em nosso entenderfazem-no de um modo particular e num campo limitado, mesmoque setratedeobrasde divulgação.Nenhumdeles explica as razõeslógicas do simbolismo. Os dicionários apenÍìs daspalavrase os estudosespecializados fazem um recenseamento não se aventuramno domínio da sua génese.São simples constataçõese não exegesesque, comrazáo, esperaríamosencontrar. Por estarazãopaÍeceu-nosútil seguir asmutaçõesdos signos desde o seu aparecimentoaté à sua metamorfose longínqua, nomeadamenteno domínio dos ritos e dos mitos, de modo a demonstrar cabalmentea sua ligação funcional. Os mitos são a língua figurada das origens. Freud chama-lhescomplexos, Jung arquétipose Platão denominava-osideias.Explicam a origem de uma instituição, de um costume, a lógica de uma aventura, a economiade um dito espirituoso.São,segundoGoethe,ligações permanentesda vida.

Queremos sobretudo precisar que, na sequência do desenvolvimentodas nossÍlsideias, nos manteremossempre no nível mais elementar,mais primitivo, mais quotidiano, sem nos aventurarmosno âmagodasespeculaçõesda semânticaestrutural ou da matemática das classesque, contudo, utilizámos' Mantivemos-nossempreao nível da experiência,pois não cremos que o homem jamais possaexpressar-semais alto do que a sua

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CAPÍTULO I OS SIGNOS E A TBORIA DO GESTO O pensamentohumanoé conformeà teoriadosgrupos. A. Eddineton

I. - Da sensaçãoao conhecimento Para garantir a sua segurançaou, mais simplesmente,para sobreviver, o homem das origens, como qualquer primata, era obrigado a prestarconstantementea maior atençãoaos sinais que lhe transmitiam,pela suasimplespresença,os serese coisasque o rodeavam. Isso é, aliás, uma necessidadeque se mantém, se bem que ilusoriamenteamenizadapela civilização. Hoje, como outrora, somos obrigados a exercer uma vigilância constante e, na maior parte do tempo, subconscientesobreo nossoambiente quotidiano, por exemplo sobre a alimentação, sobre o clima, o trânsito,os múltiplos encontrosocasionais,cujaseventualidades a nossa experiênciaestá muito longe de conseguir avaliar na totalidade. Desde a origem gue a vida do homem dependia, portanto, da suafunção de conhecimento,seé que sepode aplicar um termo tão ambicioso a uma atençãotão elementar. Hoje, como outrora,o alcancedasmensagensque nos chegam do ambiente difere consoanteo órgão receptor.Os três sentidos mais concretos,o tacto,o gosto e o olfacto, unem-se,por assim dizer,ao seuobjecto, que geralmenteseencontramuito próximo.

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com eles o nosso conhecimentoparececoincidir com a nossa sensação.Todavia é-nos muitas vezes difícil atribuir-lhes uma especificidadeexacta. O tacto é cego, polivalente e pouco selectivo.Mistura diversasnoçõesrelativasaosobjectostocados, a sua forma, peso, temperatura, resistência, textura. por outro lado, se tentarmosqualificar os saboresque o gosto nos revela, a originalidade de cadaum é tão exclusiva, tão distantede qualquer comparaçãoque pudessepermitir-nos ligá_los a normas detectáveisou simplesmentevizinhas,que nos contentámosem dividi-los grosseiramenteem quatro grupos: o amargo,o ácido, o salgado e o doce, a que a China acrescentao acre. euanto aos odoresinaladospelo olfacto,em que o nossosistemade detecção estálongede serutilizadocomo o de certosmamíferos,dividimo-los subjectivamenteem dois grupos elementares,os agradáveis e os repugnantes,ao passoque se nos referirmos às capacidades dos nossosamigoscãese gatos,os milharesde odoresdo mundo são para eles tão individualizadoscomo para nós os rostos dos nossosamigos. Dois outros sentidosmais intelectuais,o ouvido e a visão. dão-nosconhecimentode fontes de informação em geral fora do nosso alcance. Desde o perfume de uma flor ao barulho de um sino e ao brilho de uma estrela,a fonte afasta-secada vez mais. até porque, no caso da estrela,a sua claridade retrospectiva data talvez de milhares de anos-luz.sem dúvida que o poder da visão compensao seucarácterconjectural.Mas embora o olho consiga aperceber-se do brilho de uma vela à distânciade 17 quilómetros, não nos permite ter aceÍtezade que se trata mesmo de uma vela. Quantoao ouvido, a zonade sonsaudíveislimita-sea dez ou onze oitavas e é preciso ser um músico excepcional para identificar, no quarto de tom, a nota emitida por um som escutado. Informação que, aliás, só poderá ser compreendidapor outro músico igualmente dotado. Esta imprecisãosubjectivados nossossentidosadvém do facto de todoseles seremprovenientesda pele e do toque,quejá Epicuro consideravasero sentidofundamentar.os nossosoutros t4

sentidosdesligaram-sedele por uma especificaçãoda ectoderme embrionária e mantêm da sua modesta origem muita da sua superficialidade. Tanto mais que as mensagensdas células sensoriaisa que nos referimos, para que nós as assimilemos,têm de atravessarinúmeros centros nervosos- a medula' a hipófise, o hipotálamo, o corpo caloso e o córtex - cujo papel é fazer a síntesedessasmensagense comunicá-lasàs funçõesmotoras que as transformam em actos, voluntários ou não, permitindo a sua interpretaçãoracional. Há já muito tempo que Leibniz, ao citar a famosa máxima escolástica,segundoa qual não hd nada no intelecto que não se encontre primeiro nos sentidos, lhe acrescentavaesta pequena correcção fundamental, a não ser o próprio intelecto, que restabelecia,no primeiro nível da nossaapreensãodos signos, a actividade do nosso pensamento.Plínio dissera: 'É aüavés do espírito que vemos". A psicologia contemporânea chama "projecção" à interpretaçãoque o nossointelecto atribui acadasigno percebido que sem esta tradução seria incompreensível. No seu tempo, Alberti reconheceueste facto no artista. Cada nova mensagemé interceptadapor uma grelhade referênciasestritamentepessoais. Parece aliás que, para qualificar esta operação, o termo "sobreimpressão"com que o cinema nos familiarizou seria mais sugestivodo que a palavra "projecção". Far-nos-iacompreender melhor ana[JÍezaretroactiva destepalimpsestode imagens que a cada percepção nova faz reviver uma sensação antiga instintivamente reaparecida. Em suma, nada pode ser por nós compreendido que não evoque uma das nossasrecordações.Nada podemos reconhecer sem antes conseguirmos aproximá-lo de um precedente conservadona nossamemória. Os pensadoresde todos os tempos repetiram-no incessantemente."O nossoconhecimentodepende de uma reminiscência", diz Platão. "A palavra dor só começa a significar algo no momento em que lembra à nossamemória uma sensaçãoque tenhamosexperimentado",afirma Diderot. "Só se

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vê o que seconhece",declaraGoethe."Não conseguimosadmitir a existência de uma coisa a que não consigamosatribuir um significado", diz cassirer. Estacoincidênciade duasexperiências afastadasfoi redescobertapor proust, após tantos outror, alargando o seu campo de aplicaçáo atéao ponto de confundir -u, dois ambientesgeográficose sentimentais,dois momentose dois lugaresda sua vida, que fizeramressurgir o sabor de um bolo de Combray (madalena)e o contacto dos pavimentos irregulares de Saint-Marc. Assim, qualquersensaçãofazvir à superfícieda consciência um esquemamental esquecido,um signo correspondentea uma impressãojá experimentada.o que permite crassificarestesigno num conjunto "temático', da memória e, consequentemente, reconhecê-loe aceitá-lo.Gombrich qualificou estaoperaçãoem brevespalavras:"Decifrar uma mensagemé perceberu-u for-u simbólica". II. - Do gesto ao signo O homem das origens que, no início deste estudo. surpreendemosa vigiar os perigos ou os prazeresque o seu meio ambiente pudesseocultar, não ficava indiferente perante o espectáculonovo que se'ofereciaaosseusolhos.Respondiacom uma acção apropriada, uma resposta sob a forma de um movimento reflexo, por exemplo um gesto ou um grito, exprimindo uma qualqueremoção,medo ou desejo,desalrado ou curiosidade'surpresaou admiração.o gestoem si é coexistente com a vida e anteriorem viíriosmilhõesde anosà fala, que mais não é do que uma modalidadeposterior destelocalizada na boca. O homem primitivo começoupor se exprimir por gestosque se tornaram signos para os seus pares. porque este homem dos primeiros temposnão estavasó no mundo. Vivia como sempre viveu, como nós ainda hoje vivemos, ou seja, em sociedaãe. Depois de o termosisoladoartificialmenteenquantoreceptor de signos, devemosconsiderá-lopor sua vez como emissor de l6

mensagens,como objecto de um conhecimentopossível,mas um objecto altamenteprivilegiado, pois, sendoa suaindividualidade conhecida pelos que o rodeavarn, os seus gestos eram imediatamenteconhecidospelos seusirmãos de raça e de tribo. Deveriam suscitarnestesúltimos uma emoçãoda mesmanatureza, pois só compreendemosverdadeiramenteaquilo que podemos repetir, já que os signos preenchem o hiato que existe entre a sensibilidadee a inteligência. Qualquergestoé precedidopor uma inspiraçãoprofunda com todo o tórax, primeira fase do ritmo respiratório, porque a respiração,como diz Rilke, foi o berçodo ritmo. Segue-se,após um tempo de assimilaçãode oxigénio, uma expiração que, sob a sua forma mais elementar,se exprime por um grito. Este grito, terceiro tempo do ritmo respiratório,e primeira manifestaçãode vida do recém-nascido,mostraque toda a acçãoé uma abnegação, que todo o homem deve, seassimsepode dizer, expirar para agir. Utiliza a sua reserva de força para criar, seguindo uma lei que simboliza o mito hindu do sono cósmico de Brama, que a cada expiraçãocria um mundo que a inspiraçãoseguinte,com um ritmo milenar, reabsorveaté à recriação seguinte. Se Goethe supôsque no início era a acção' Bülow preferiu, com razão, dizerno início era o ritmo,iâque todo o gesto e todo o movimento arrítmicos se tornam à partida ritmados por repetição.O ritmo condiciona a continuidadenecessáriaa toda a acçáo,àsuatransformaçãoposterior,à suapropagaçãonas zonas psíquica e espiritual do ser. O ritmo do indivíduo define a sua forma. É uma invariante numa mobilidade, "uma periodicidade vivida", dizem os yogis. Para se exprimir, o homem primitivo recoreu pois a signos gestuais, ainda hoje praticados, que pressupõema experiência prévia do tacto para interpretar de forma útil as mensagensda visãoe do ouvido.No que diz respeitoà visão'é curiosoverificar que na China e no Egipto antigos a negaçãoou a recusa eram expressaspelos dois braços estendidoshorizontalmente, como faiemos polícias de trânsitopÍÌranos barrar o caminho. Na Índia,

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as mudras, essasmímicas eruditas compostas pelas mãos das bailarinas, traduzem os mais subtis cambiantesão pensamento. Os mongestrapistascontemporâneoscomunicusi graças "nt." a um sistemadactilológicocom 1300signos. Outros meios dizem respeito tanto ao ouvido como à visão. os negrosde África desdehá muito que transmitem informações muito pormenonzadaspor meio de apitos_ como os caucasianos_, de tambores - como os ameríndios _ ou de queimadas. São conhecidosos quippus dos Incas, os seuscordõesde nós, usados também na China antiga, os cajados com entalhes,dos antigos escandinavos,ainda utilizados como marcas de fabrico p"ìo, padeirosem certasprovíncias francesas. E também com sinais gestuais que foi possível testar a inteligência dos animais. o Dr. ph. de Ìüailly conseguiu diarogar com chimpanzés usando os gestos dos surdos_mudos. Os indivíduos das sociedadesanimais, matilhas ou hordas, comunicamentre si atravésde diversossignos.São conhecidas asdançasinformadorasdasabelhas,os sinais odoríferos ou ultra-sónicosdasformigas,os cantose exibiçõesrituaisdos pássaros, os cento e catoÍze sinais sonoros dos corvos, os grunhidos de referência emitidos pelos golfinhos, os radaresdos morcegos, o que permite pressuportécnicasde informação desconhecidas nas espéciesque não foram ainda estudadas. Voltando ao homem, a espontaneidadedos gestosconstitui a base de um método clássico proposto aos actores,dançarinos e oradores.É-hes ensinadoque um gestodeveprecedere anunciar a palavra e, muitas vezes, substituí_la por uma espécie de reconstituiçãoinstantâneada filogéneseda linguagem.O que pode parecer um simples truque da profissão é na verdad" ornu l"i baseadanas necessidades da vida social. Na suaelaboraçãooriginarpode pois dizer-seque a expressão do pensamentomais desencamadocomeça por um movimento reflexo. Ele é tão convincentee tão precoceque, a partir dos três anos,uma criançapode,atravésdosgestos,revelara um psicólogo se serámestreou discípulo.Aemoção que constitui a fonte desses l8

gestos,manifesta o Ponto que liga o físico e o psíquico e que exprime a palavra sentimento, onde Rémy de Gourmont consideravaencontrarem-seconfundidos o facto de sentir e o de compreender. De expressão subjectiva, o gesto passa, por repetição,a verdadeirosigno institucional,a comunicaçãode uma noção e, logo, a sugestãode um pensamento.Porque existe na filiação do gestouma analogia evidente entre a formação de um hábito, a compreensãode um fenómeno, e o nascimentode um símbolo. Isto permite compreendermelhor o significado muito geral que, depois do padreJousse,serianecessáriodar à palavra gesto: o de uma atitudeessencialque utilizaria os mais diversossentidos, tanto auditivos, olfactivos e visuais, como tácteis. Deste ponto de vista poder-se-ia considerar qualquer ser vivo como um complexo hereditáriode gestose o nossocorpo como um conjunto funcional de gestosfixos, tornados membros e órgãos' O gesto seriaassima sobrevivênciade uma actividadeantigaestabilizada, da qual permaneceriaa "cabeçapensante",o único elementoque permanece livre e criador. E como toda a criatura tende a reproduzir o que ela é, o que ela representae o que ela significa, estasemiologiado gestopoderia fornecer-nosa melhor definição do sacramentoe do rito, que mais não é do que a repetiçãode um gestoancestral. ilI.-O

eucomoorigem

Os nossos gestos não revelam apenas sentimentos elementares;são portadoresde noções mais gerais e mais essenciais.Fixam os limites de uma espéciede agrimensurafísica e marcam os limites da nossacapacidadede expressão,erguendo em nosso redor o quadro rigoroso das três dimensõesdo espaço ondeaprendemosa situara nossaprópria estatura.Aliás, trazemos essasdirecçõesinscritasem nós próprios, incorporadasnos canais semicircularesdo nossoouvido interno,associadasao vestíbulo que comanda o nosso equilíbrio físico e mental. Esta marca t9

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Não foi sem fundamento que Protágorasproclamou que o homem é a medida de todas as coisas.Uma tendência inelutável mantém sempre em acção este antropomorfismo original que continua a ser o princípio de toda a poesiae de toda a linguagem. A morfologia do nosso corpo forneceu os primeiros arquétipos da nossaideologia e as nossasprimeiras unidadesde medida - a braça,o côvado,o palmo, a polegada,o pé e o passo- que medem tambémo tempo, uma vez que esteobedeceao ritmo respiratório. O primeiro utensílio do homem foi o seucorpo e acima de tudo a mão que constitui o modelo dos utensílios posteriores,"o instrumentodos instrumentos",disse,Aristóteles. Após ter dominado a posição vertical, o primitivo que nós éramos pôde então agarÍar e moldar com as mãos, entretanto livres, os materiais saídosdo seuengenho.Quando dizemos que o homem tem mãos restringimos o seu papel porque as mãos o prolongam e um terço do cérebroestá-lhesconsagrado.Graçasa uma sensibilidade superior à das outras partes do corpo, estas mãos tornaram-seo órgão detector por excelência, produtor de objectos, operador de signos e em si mesmo um utensílio polivalente.Aliás, a palavra signo vem do latim signum, que tem a mesma raiz que o verbo secare = cortar, que deu a palavra seÍïÍìr.Um signo é a incisãofeita pela mão na cascade uma árvore. O homem deixa em tudo o quefazou manipula a impressãodos seusdedos,cuja naturezareveladoraé bem conhecida.As ligações privilegiadasque ligam as zonascerebraisda motricidade e as da linguagemarticuladapermitem às mãosmanifestaro homem que falae quepensae,ao.mesmotempo,o homemque age.O estádio de fazer não é mais do que uma passagemda função do dizer e mesmo etimologicamentenas línguas indo-europeias,a palavra dizer denvade uma raiz que significa mostrar com o dedo. Na verdade, mesmo quando conquistou o domínio do pensamentoabstracto,a visão do seu universo não ficou menos ligada a uma codificaçãodos movimentos da mão inscrita no Quadrointransponíveldas três dimensõesdo espaço.

cósmica que transfigura o eu mais modesto, confere a cada um de nós um papel de "microcosmos" platoniano, de craveira universal, uma posição central cuja importância, enquanto princípio e origem,Schelling(') soubedemonstrarna suaépoca. Os nossosgestosmanifestama autoridadedesteeucuja produção de imagensdo cinema interior constitui, disse-oBlake, a própria vida do nosso espírito. A riqueza das nossasrecordaçõese das nossasexperiênciaselevacadaum de nós à funçãode poetacriador de uma cultura vivida, alimentadapor sensaçõesexperimentadas e por signos aceites,recebidos dos antepassadose transmitidos às geraçõesfuturas. Esteeu íntimo, centrodos nossosactos,sujeitoe objectodo nosso conhecimentointuitivo, impregna-nosde uma autoridade tranquilizadorae provisória.As leis da perspectiva,que tornam mais pequeno,em relaçãoa nós, tudo o que seafasta,contribuem para alimentar o domínio lisonjeadorde que o nosso egoísmo nos convence.O nossonarcisismoimpele-nosa integrar tudo o que vemoscomo um reflexo do nossoea no espelhodascoisas,a considerartodos os objectosdependentesde nós, a emprestar-lhes vida e consciência,a atribuir a nossaalma a tudo o que tem corpo. Esta "empatiaprojectiva", como já foi chamada,anima aos nossosolhos o espectáculodo universo e confere-lhe uma vitalidadequaseorgânicaque explica o animismo do pensamento primitivo. Esta auto-identificaçãoque o homem descobreno mundo vai até ao ponto de transportar,como Kapp observou, a forma e a função dos nossosórgãos,não apenaspara os utensflios, que maisnão sãoqueoprolongamentodeles,masparaos objectos naturais, e também para aqueles que são produto do nosso engenho.

(l) F. C. J. Schelling, Da moi commeprincipe de la phiktsophie, 1795.

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ry. - O grito como canto

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registados,estudados,negligenciandoo sentidodaspalavrassem que essaeliminaçãoprejudiquea suacompreensãoe menosainda

O aparecimento da linguagem enquanto balbuciamento e aticulação da boca é um falso problema, pois ela nÍìsceu com o homem, não sendonem mais pÍecocenem nrcnosnatural que do os gritos dos animais, o rugir dos tigres, o amrlhar dos pombos, o relinchar dos cavalos,o grunhir dos porcos, o mugir das vacas_ todosestessonsa quechamamosgritos pornão oscompreendermos. A linguagemafastou-sepouco a pouco desteesboço de canto que é o grito, facto que muitos cantores não nos permitem esquecer.Nasceude uma silabaçãodo grito e do suspiro. Mantém_ -se sempre fortemente musical, impregnada de sentimentos elementaresque manifestam,por exemplo, as aclamações ou as vaiasdas multidões movidas peraadmiraçãoou pera ira. Desde o canto popular e espontâneo onde explode a alegria de viver, passandopela melopeia antiga, os cânticos religiosos, os queixumessentimentais,até ao simplesfarar prosaico, verifica-se uma degradaçãopouco perceptívelda suadensidade musical semque desapareçaabsolutamente,o que seriaimpossível, como o provam os diversos tons que modulam a pronúncia obrigatória de certaslínguas,como o chinês ou o dialecìo twi de,lrri""'. u." relaçãoconstanteassociacertassensaçõese certos sons,fazendo pressentira misteriosaanarogiaque une a música e a vida interior numa afinidade ainda pouco estudada(r). Os especialistasem acústicasabem que toda palavra a é identificável e única,quantomais não sejapelo seu timbie, mesmo quando a monotonia da emissãoé imposta, como por exemplo nasleiturasfeitasduranteas refeiçõ"s.onu"ntoais. Toda avizé reconhecívelgraçasa inflexões e acentuação,andantino ou arioso, tão pessoaiscomo as impressõesdigitais. O facto de já não haver uma tónica reguladoraque conduza palavra a não impede que os tons da frase possam ser notados,

a sua força emotiva. É um paradoxo aquilo que faz o espectadorde um filme mudo ou de uma peça representadanuma língua que não conhecee ao longo da qual ele apenaspoderá perceber os gestos e ouvir os sons. Todavia, a atmosfera dos sentimentos penetrá-lo-á por completo, talvez mais profundamentedo que asfrasescujo sentido contradiz muitas vezes a intenção secreta.Não precisamos de compreenderas palavraspara lhes percebero alcance, o humor do orador,a amargura,a falsidade,ou o ódio. Os nossoscãese os nossosgatos provam-nos todos os dias que o tom vale mais do que a canção,ou seja,do que a sualetra. É o segredodo espantoso sucessode certosoradoresou conferencistascuja audiêncianunca twe a intençãode aprenderalgumacoisacom eles,masque apenas acoÌre atraídapela seduçãode uma voz, para os ouvir, não falar mas cantar. A linguagemnasceude uma concordânciafortuita, recoúecida e aceite,entre um sentimentoe um som correspondenteemitido pela boca graças a uma entoação da voz associadaa esse sentimento. Ainda hoje se pode verificar que na língua mais afastadada sua origem, certasconsoantestraduzem, com maior fidelidade do que outras,determinadossentimentos.Em francês, por exemplo (-) as labiais B e M provocam o movimento de aberturados lábios necessáriopara as pronunciar, o que facilita ao mesmo tempo a acção de Boire [beber] ou Manger [comer], Mordre [morder], Murmurer [murmurar], de Béer lpasmar]. A dental T, é naturalmenteproveniente de Téter [mamar], Traire [ordenhar],de Tírer fpuxarl. A gutural G estáassociadaa Gronder [roncar] Gueuler [berrar], Glapir [ganir] Gonfler [soprar].Aletra R evocaRrissellement lionar] e Ruêelconida]. A I etraL, Lcnteur as (') Nestesexemplos,e nos outrosque ilustramestecapítulo,mantiveram-se polavrasfrancesas:se, em algunscasos,a adaptaçãoà língua portuguesaera possível, noutrossó o eraalterandoa exposiçãodo autor- daí a nossadecisão.(N' do E.)

(') cf. l"a musiqueet ra vie intérieurede L. Bourguèse A. Dénéréaz,Genebra, 1921.

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SIGNOS, SÍMBOLOS E MITOS fientidão] e Langueur [languidez]. Verificou_seque as vogais grâves A, O, U parecemmais distantes do que as vogais agudas E e I, que parecem mais próximas. Estas consonânciassão relíquiasque testemunhama favor de uma antigacorrelaçãoentre o fundo e a forma, vestígios de uma língua muito antiga que conservariatraços de uma origem quase animal ou celestã. Actualmente os linguistas abandonaram a pretensãodos sábiosdo séculoXIX que procuravama língua primitiva. Tudo o que pode dizer-se sobre o aparecimento da fala é apenasuma hipótese baseadanuma reconstituição psicológica cànfrontada com os estádiosmais antigos das línguas de que conseguimos sabera idade pela nova glotocronologia. Os linguistas anglo_saxónicosaventaram várias fontes possíveispara o nascimentodas línguas: 1/ uma fonte imitativa (teoriado bow_wow1, segundoa qual a linguagemé provenientede onomatopeias que imitavam os barulhosou gritos naturais; 2lumafonte emotiva(teoriado pooh_pooll), segundoa qual a linguagem se formou progresÀiuamente a partir de úns espontaneamente expressivos,associadosa sentimentos definidos; 3/ uma fonte harmónica(teoria do ding dong)rsegundo a qual a línguaevocariaurnu simbólicaentreum "orr"lução som e o seu impactoimpressionista; 4/ uma fonte social (teoria do yo_he_yo) segundoa qual a língua nasceudos cantos ou coros que acompanhavamo esforço muscular e ritmavam os gestos colectivos dos nossosantepassados enquantotrabalhavam. Outras teorias invocam o desenvolvimento da primeira tagarelice infantil, o canto espontâneo sem ouffa razão que a afirmaçãode uma presença...Nenhuma destasteoriasé, aliás, exclusivae não seriaimpossívelreduzi_las a uma fonte comum. Podemosdaqui reter o aparecimentosimultâneo do homem e da fala, qualquerque sejao grau de evolução. Todasascircunstâncias 24

E ATEORIADOGESTO OSSIGNOS descritaspor cadauma destasteoriasdesempenharamcertamente um papel; quer em conjunto, quer separadamente.Se o grito, impelido pela pressãode um sentimentoforte que exprimia um desejo,dava uma ordem, indicava um gesto que devia ser feito, ou pedia ajuda, foi interpretado pelos ouvintes como uma comunicaçãosuficientementeclara para ser obedecida,então de súbito nasceu a linguagem e com ela o símbolo, através da associaçãode um sentimentocom a música de uma voz' V - Do nome próprio ao substantivo comum Para o homem primitivo as relaçõeshumanaseram bastante mais íntimase desenvolvidasdo que nos nossospaísescivilizados, ondetodaviagrassacom idênticofervor a moda dasconcentrações gregárias.Contudo, nessasépocasrudes que a alvorada indecisa da história ilumina, a solidariedadetribal era uma necessidade rnais imperiosa do que nos nossos dias. Ela impunha-se tão fortementeque o famoso ostracismogrego que bania um homem da sua família, da sua aldeia ou da sua cidade. equivalia praticÍìmentea uma condenaçãoà morte. Existe de facto entre os seresvivos, animais ou humanos, uma necessidadeconstantede se agruparpara evitar uma solidão que pode outrora ter sido terrível, para participar em jogos colectivos, num trabalho difícil, ou simplesmentepara estar acompanhado,desfrutar de uma presençamútua, impelidos por esse instinto de afeição que os etólogos contemporâneos pretendemsubstituir pela celebénimalibido freudiana,que mais não seria do que uma das suasmodalidades. Nas condições em que viviam, uma das maiores alegrias desteshomens de lazer compulsivo que eram os primitivos consistia em conversar,trocar lugares comuns ou ideias novas, desdeos mexericosdo dia até àspalavrassolenese enfáticasque conduziam os mais eloquentesà popularidadee ao poder. A necessidadede falar correctamente,de conhecerperfeitamentea lÍngua conferiam a estaa importância de um rito tribal. Aliás, era

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preservadade quaisquer alteração ou erro por um desenvolvi_ mento extraordinário da memória, graçasao qual vários milhares de versos podiam ser aprendidos,retidos e transmitidos por simplestradição,o que ainda hoje aconteceem algunspovos sem escrita. Estas línguas arcaicas,práticas, realistas e terra-a-terra tinham de evocarcadaserfamiliar, cadaobjectode uso quotidiano numa situação conhecida, num determinado momento da sua existência,na interacçãode uma imensidãode condiçõesconcretas notadas por estes observadoresinsuperáveis que eram os primitivos. Esta síntesede qualificaçõespermitia designar inquestionavelmente,com uma só palavra, o ser ou a coisa em questão. Por exemplo, o antigo arábicoclássicopossuíamais de cinco mil palavrasrelativas ao camelo. Mas cada uma delas estava reservadaa um dos seusmúltiplos aspectos,a um dos minúsculos porïnenoresda sua anatomia,da sua aparência,do seu sexo, da sua idade, do seu pêlo, dos seuscostumes,dos seusgritos e, ao mesmo tempo, numa situaçãobem determinadano tempo e no espaço,semfalar do seucrescimento,da suasaúde,dos seusvícios e doençasou dos seusdesempenhos.Ser capazde dizer qual era o sujeito em questão,em que aspectoestava a ser referido, em que lugar e com quem, por que razão lâ tinha chegado,como e em que momento,eram questõesàsquais sepodia respondercom uma só palavra do vocabulário cameliano (r). para incluir todos estesdados,a palavra correspondentetornava-seum verdadeiro nome próprio, que num dado momento era aplicável a um único indivíduo. À semelhançadas condiçõesde nomeação õ;; lugar, escolhidas consoanteum candidato que as apresentasse todase a quem o lugar estariaà partida reservado. Cada famflia tinha a sualinguagemprópria, como ainda hoje acontece;e quando um estranho,ainda que conhecedor da língua, 1' ; É denoar quea sequênciadestedesenvolvimentocoÍÍ€spondeexactamenteaos aÍgumentos da antigaretórica:euis?, euid?,IJbi?,eaibus auxittis?,Cur?, euomodo?, Quando'!.

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para ele surpreendeum diálogo entre familiares' essediálogo é praticamente incompreensível se não estiver familiarizado com iodas as implicações'quecadapalavracomportapara os membros dessafamflia. Mas uma tal especializaçáo,,ligada a uma realidade personificada, excluía qualquer gènetalizaçãoe impedia a expressãodo movimento e da mudança,que apenasfoi facilitada p"iu p*rug"* do nome próprio a substantivocomum, ou seja' pela transformação do nome em símbolo' O trabalho em comum' principalmente,por certo facilitou estatransferênciae a utilização ãos uiensflios ditou igualmente uma manipulação mais flexível da língua. A origem artesanal da maior parte dos verbos testemunha em favor desta hipótese. A primeira fala surge associadaa uma acçãoonde as palavras que ainda não surgiram da frasesubstituíramos antigosgestos,pois a voz tinha um alcance maior que estes e podia chegar até àqueles que se pretendia alcançar mas que não estavam à vista. Se tivéssemosforma de investigar, poderíamos tentar fazer remontar as palavras mais correntese, nomeadamente,os verbos de uma língua qualquer' a uma antigafonte artesanal.o simbolismono sentidoestrito surgiu quando a palavra, assim que saiu do todo da frase, foi utilizada para transmitir um sentimentoou uma ideia' VI -As mutações do gesto. Se a origem da fala e' consequentemente,das línguas' se perdena noite dos tempos,a psicologia, as lendastradicionais e a ãtimologia podem, de modos diversos,lançar alguma luz sobre a mecânicado seu simbolismo. A psicologia do homem falante é sempre perceptível no estadonascentemesmoque apenassobrenós próprios. J.-8. Vico e G. de Humboldt, que reflectiram sobrea questão,consideravam que, segundoa suaexperiênciade escritoresem buscade termos .upur"t de exprimir o seu pensamento,anterior a qualquer urticulaçãoverbal, existia uma força interior, uma pulsão na qual

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SIGNOS, SÍMBOLOS E MITOS viam a fonte de todasasmetáforase que constituíaa forma arcaica e embrionáriada teoriado gesto. Convém analisaro mecanismocuja intuição era manifestada por estepressentimentoe que nos indicaráa forma como a palavra, sob o impulso daquilo a que chamamos ideia, se apresentaao nossoespírito.Consideremosa ideia de árvoree interroguemo-nos sobre como foi formulada. Os primitivos apenas se preocupavamcom os serese com as coisasno meio dos quais viviam na medidaem que diziam respeitoàs suasnecessidades. Os lenhadoresda pré-históriadistinguiam perfeitamenteo freixo, a bétula, o carvalho e o abetoporque utilizavamcom finalidades diferentesas suasmadeiras,as cascas,as sementese as folhas. Uma palavra exactacorrespondia a cada utilização específica, sem que ninguém tenha sentido a necessidadede reunir todas as substânciasarborícolasna abstracçãode um único vocábulo. Só apósum peúodode tempoprovavelmentebastantelongo é que inovadores,menosenvolvidosnum trabalhoespecializado, mais sensíveistalvezao aspectoestéticoda floresta,conceberam a ideia geral de iírvore em si mesma. Como lhes ocorreu? Terá, sido pela confusão entre as diversas arborescênciasfeita por homensde outrasprofissões?Ou terásido inspiradapelo mesmo despontardos troncos,pela forma desordenada como ascopasse abremou pelo conjuntodestassemelhanças? Paranos ajudara respondera estasperguntas,tentemoscaptar a impressãoque despertaem nós,como deveter acontecidocom os nossosantepassados, a alta estaturade um carvalho e, para além destaimagem isolada,a de toda uma antigafloresta.Algo de mais íntimo, de mais intenso,de mais geral, nos atinge de imediato, uma força irresistível de erecção,uma tensão vital inesgotávele subjacenteque cremos sentir em nós por simpatia. O que explica que em indo-europeu, a raiz dreu, firme e dru [denso],tenhadado,em grego,os nomesdo carvalho,da árvore, do homem firme. "Como a árvore,rainhada floresfa,assimé o homem", diz-se nas Upanixadas. Nicole havia já notado qve um espectadordo exterior é no 28

primeiro interior um actor secreto.Esteautordasorigensque foi o génio a reunir na mesmapalavra- denso- a ideia do carvalho' do palavra5 que as dos bosquese do homem completo, mostra-nos uma não possuem valor fixo ou exclusivo, mas que servem que' finalidade.O utilizador da palavra agecomo um caricaturista traço um dos múltiplos aspectosdo seu modelo, apenasretém geral suficientementeoriginal parao tipificar, massuficientemente bem for gesto o Se para ser distinguido e interpretadopor todos' escolhido será tão revelador como um teste, e os psicólogos e descobrirãonele a síntesede um caÍâçteÍ,a assinaturamovente símbolo' comoventede um tipo do qual poderá tornar-seo Começamos a compreender aquilo qu-e Humboldt consideravao seu misteriosoimpulso original' É o rastilho de um gesto,o início de uma mímica inconscienteque os nossos àscoisas,aindaque sejam músculosesboçame queemprestamos elasa sugerirem-noso movimento' A palavrasimbólica que reúne estasduasnoçõescontagiosasdesempenhao papelmediadorde um verbo.Nela encontramoso aspectomaiselementardestateoria do gesto na qual René Guénon via a verdadeira chave do simbolismo. Consideradana sua concepçãomais alargada,a teoria do gestopostulaa reintegraçãoda continuidadea todosos níveis de i* *uttOo que a física quânticanos apresentacomo dominado um elo de solidariedadevirtual pelo descontínuo.Ela restabelece àntre estados distintos, sobretudo quando o gesto inicial se transforma em ritmo pela sua própria repetição' Porque aacçáo' imediatapor definição,produzos seusefeitosde modo sucessivo e só se liberta do provisório graçasao ritmo que comanda os gestos,os ritos e os símbolos. Existe.dizGuénon,identidadeentreosímboloeorito'Não apenaspor qualquerrito serum símbolorealizadono tempo' mas porque,reciprocamente,o símbolográfico é a fixaçáo de um gesto ritual. A palavrarepresentaum exemplo destefacto, tanto mais claro quantoqualquerdiscursoritual é normalmentepronunciado por uma personagemconsagrada,cuja qualificaçãonão depende

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SIGNOS, SÍMBOLOS E MTTOS da sua individualidade, mas da sua função, o que define igualmente,comojá vim os,o género do actor e o p apeI da palavra. VII. - Primazia do ritmo As línguasmais antigas,chegadastardiamenteaténós graças à escrita, são mais ou menos contemporâneasdo IV ou do V milénio. Para remontar a tempos anteriores apenas temos o testemunhoaleatóriodaslendasconservadaspor textos sagrados, nomeadamenteos dos povos que utilizavam a recitaçãoe dos das religiões dos livros, a Índia, Israel e o Islão. A fala é neles apresentadacomo uma revelaçãodivina à qual o ritmo seencontra intimamenteligado, pois foi esseritmo que transmitiu aoshomens a vida, da qual são uma manifestação,provindo toda a forma da repetiçãode um mesmo gesto. Uma tradiçãoislâmicarelata-nos,que no Paraíso,Adão falava em verso, numa língua ritmada que fora até então privilégio dos deuses,dos anjos e dos seussímbolosangelicais,"os pássaros". Esta lenda é a forma tardia que, após uma longa filiação, tomou uma tradiçãohistóricabastantemais antigaconservadanos Vedas. Nela a língua primordial ou poéticaera chamadalíngua "siríaca" ou solar, quer dizer, a língua de uma Síria original e lendária que os textos védicos situavam simbolicamente no polo onde colocavam igualmente o lar primitivo dos seus antepassados arianos,quando,duranteo último período interglaciar,este lugar desfrutava de um clima temperado.Este centro circumpolar da tradição hindu tornou-sena mitologia gregaa Tula hiperb óreae para os latinos a uhima Thule, a ilha situadanos confins árcticos do mundo (r). Nestes tempos longínquos, o ritmo poético não apenas facilitava a retenção, a recitação e a transmissãodos textos (r)Aindaexistem cidadescom o nomedeTulanaSibéria, Lapónia, Irlandae Islândia, Escócia e América do Norte. Em sânscrito,Tula é o nome da Balança, signo zodiacal, que era o nome antigo da Ursa Maior e Menor, constelaçãopolar. Cf. B. G. Tilak, The Artic home in the Vedas.Poona.1925.

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sagrados,como também determinavanaquele que recitava uma harmonizaçãodos elementos inconscientese não coordenados do ser, graças a vibrações síncronas que se propagavam nos prolongamentospsíçicos e espirituais da sua individualidade. Porque os ritmos, que formam o esqueletode toda a natureza, desde a sua substânciamais íntima até aos seus limites mais longínquos,colocavamo homemem uníssonocom estaharmonia cósmica que ele passavaa ser capaz de sentir e a compreender. Os seus actos podiam assim libertar-se da instantaneidade,ao prolongarassuÍrsconsequências naturaise imprevisíveisem todas as direcçõesdo espaçoe do tempo. Voltemos ao nosso modesto horizonte quotidiano a fim de verificar que o ritmo comandaa execuçãode qualquer trabalho. Torna-o mais fácil, ao transferir o esforço por ele exigido para o inconscientee para o hábito, graças à sincronizaçãode uma respiração compassada pelos cantos do ofício. Estes desenvolveram-seem simultânpo com as diferentes técnicas artesanais,nomeadamentegraçasa uma codificação precisa dos gestos exigidos para a consecuçãode uma obra-prima e pelo conhecimento de uma "destreza manual" capazde asseguraÍa concretizaçãode uma tarefa difícil, sob pena da ocorrência de um acidenteou de uma falha. Trabalha-sesemprebem quando se estábem instaladoparao fazer.A posturacorrectaé tão necessária para o trabalho como para o rito e é possível avaliar um artesão pelos seusgestos,pois as ferramentasde que se serve mais não fazem do que prolongar o esforço do seu cérebro e da sua mão. Parasecompreenderessanecessidadeé preciso ter-seassistidoa essescantos colectivos, como, por exemplo, há uns anos,ao ha-han, ofegantede uma equipa de assentadoresde carris, cujos gestoseram pautados,durantea suaperigosamanobra,como um bailado que obedeciaao sopro de vinte homens a respirar como um só. Foram as técnicasmais antigas- a do cesteiro,do oleiro, do tecelão,do ferreiro, do trabalhadordo campo - que permitiram o desenvolvimentoda linguagem.O vocabuláriode todasaslínguas

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começapor serartesanal,visto que gestual,e mesmohoje, através das palavras mais fundamentais,podem descobrir-seos gestos desaparecidosde antigos artesãos.Souberam distinguir modos de actividadediferentes,cujas metáforastoscashoje servempara exprimir os mais subtis cambiantesdo pensamento.E se é lícito supor que no princípio existiam tantas línguas quantos os clãs e famflias, somenteasexigênciasda aprendizageme da colaboração artesanal entre diferentes grupos ou tribos permitiram a generalizaçãode termostécnicose o aparecimentode uma língua comum entendidapor todos. VIIL - As três pessoasdo verbo Uma língua é composta por palavras que desempenham várias funções que os antigos gramáticosdenominavam "partes do discurso". Vamos tentar, tomando por guia E. Cassirer, descobrir o aparecimentoprogressivodestaspalavras fora da nebulosada frase, seguindoa iniciativa de um antigo locutor. Verificaremos até que ponto à natvreza desta progressão é dominadapelos gestosdo eu. Como já disseraHumboldt, os pronomes,sucedâneosdos nomespróprios e representativosdaspessoas,foram os elementos mais precocementeisolados,sobretudoo pronomepossessivoque apareceumesmo antesdo pronome pessoal.A ideia do eu, como se verifica na criança, só lentamentese separoude um conjunto onde a suapessoaseencontraaindaligada aosobjectosfamiliares que necessariamente a rodeiam.O que pareceprovar que o sentido da posse,dependendodo instinto de conservação,não é uma contribuição tardia de uma civilização avançada. Qualquer conversaou qualquer mensagempressupõea relaçãode três entidades,duasque dialogam sobreuma terceira, muda ou ausente.Não pode haver outras, porque o terceiro personificaoutrem,como o coro antigo.É ele que apenasassiste ao drama, vago figurante que não está longe de ser apenasuma presença.A desigualdadeque distingue estastrês entidades,o 5Z

moi leaf,o rol [tu] e o lui[ele] estágeometricamente marcadaí espaçopela importância decrescenteque o moi [eu] dominando o centro da acção,atribui às pessoase às coisas que se afastam dele. O roi [tu] fica suficientementepróximo para poder ser consideradoum confidente a quem sepedeum conselhoou se dá uma ordem. Quanto aestelui [ele] de que sefala, confunde-seao longe com a multidão, da qual não passade um representante simbólico. É o Outro, como diria Platão. A vocalizaçãodas letras iniciais dos pronomes revela os sentimentosdo locutor e a importânciada suasituação.O I agudo de lci! [Aqui!] que o dono de um cão o ensinaa compreendere a respeitarcaracterizaaquilo que estápróximo e é natural que seja ele a terminar a palavra moi.Pelo contrário, o A grave e duplo de là-bas [ali] indica um afastamentono espaçoe tambémno tempo, e inclusive na importância que se lhe atribui. Quantoàs consoantesiniciais, o M de moi estâassociadoa tudo o queé íntirno, centrípeto,comoMère [mãe]e Maison [casa], ao passoque as letrasT e L seencontramassociadasàstendências centrífugas,a tudo o que é Triste,Timoré lreceosol,Tardif ltaÍdio]. De uma maneira mais geral estasletras T e L são os ideogramas universais de outrem, cujo pronome demonstrativo latino lsre designa aquele cujo nome apenas se pronuncia com o mesmo tom de desprezo ou de descontentamentoque tem o celui-là, cestuy-Ià[este,aquele] que executaa ordem dada ao toi ftul. Com as três pessoasaparecemos três primeiros números, uma vez que associamosao eu o tlm, ao tu o Dois e ao ele oTrê,s, representandonaslínguasmais primitivas, como nabosquímane, uma pluralidade indeterminada,ou seja, muito, como nos francesese nos chineses a palavra cent [cem] que tem esta finalidade em cem ocasiõesdiferentes, e mesmo a palavra très [muito], tambémela vinda de rrois [três]. Foi em consideraçãoà suaprópria pessoa,a esteeu colocado no centro da sua actividade que o primeiro locutor começou a exprimir as suasrelaçõescom ascoisasque o rodeavam.E parao fazer,recorreu às posiçõesdo seucorpo e aos gestosda sua mão

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nas diferentesdirecçõesdo espaço.Foi em primeiro lugar o seu dedo indicado\ o índex damáo direita que ele ddrigiu para a coisa para que pretendia chamar a atenção do seu interlocutor, essa coisa de que ele mais tarde se contentarâem dizer o nome, pois, recordo-o aqui,dire ldizer] encontra-seetimologicamenteligado a uma raiz que significa nTostrarcom o dedo. Apalavra surge assimcomo um gestosupletivo e depressasubstituído,que poupa a concretizaçãode um gesto efectivo e que tem a vantagem de poder serpercebidopor um interlocutor incapazdeo ver.A ajuda da etimologia, essaarqueologia da língua, cuja interpretaçãoé tão delicada como a dos vestígios exumadospelos historiadores dapré-históna, nâ permitir-nosdefinir o mecanismosimbólico das palavras.

Se numa língua indo-europeiapercorrermos,recuandono tempo, a árvore genealógicade uma família de palavras, determinadapela identidadedos fonemas,chegamos aumaraiz onomatopaica ou simples som, cujo sentido muito geral se transmitiu com infinitos cambiantesa todos os ramos derivados. Vejamos,por exemplo,a onomatopeiaclic-clac e aruizfla. Clic-clac traduz uma pancadasecade duas superfícies.Daí derivam cliquet, flingueta] cliquetis [estalido], déclic [gatilho], la clanche [fenolho], o verbodéclencher(abnr umaporta) [levantaro trinco]. O latim clavis, a chave, deu clore ffechar], inclure [encerrar], conclure [concluir], conclave [conclave]. Do latim clarus, que designaum som estridentee pomposo,deriva o que é claro e ilustre,daí os nomesreaisClotaire,Clodomir, Clovis. Se partirmos da raiz fla que deu o latim flatus" o soffie [sopro],encontramosenfler [entumecer], gonflerfincharl, soffier [soprar],flüte [fTauta],flétrir fdertnharf,flaccon (feito de vazio) ffrascof,flou llevel eflair lfaro]. Ao ligarmosa onomatopeia ou a raiz aum dos nossossentidos que lhe corresponde,obtemos duas séries de palavras, uma

provenientedo estalido de um dedo e a outra do sopro da boca. Com o auxflio de um dicionário etimológico, poderíamosdeste modo esgotaro vocabulário de uma língua, elaborandoo quadro dasderivaçõesde algumasraízes,elaspróprias ligadas a uma das nossasactividades. A etimologia é uma ciência fascinante que durante muito tempo perïnaneceuuma arte, mas cujo testemunhoficará sempre conjectural. Porque pressupõeser possível reconstituir a forma original de uma língua falada durante os milénios antes da sua escrita.Não é pois capazdeinvocar um documentocomprovativo que legitime as mutaçõesque presume,de que acabamosde vos dar dois exemplos,limitados à suaorigem latina, e que sebaseiam unicamentenas leis da fonética. Estas leis parecem provar que existe uma relação precisa, parentesco um homofónico, entre um som e um sentido, um "gesto" e a suaexpressãofalada. Os linguistas têm duasposições opostasa esterespeito,já defendidaspor Platãoe Aristóteles. Os platonianos defendiam que a relação que liga a palavra ao seu significado era espontâneae tinha por basea naturezadas coisas, ao passo que os aristotélicos consideravam ser essa relação arbitrária e convencional. Esta última opinião, que foi renovada pelo ilustre Saussure,volta hoje em dia a ser alvo de contestação. Porque,se nos reportarmosàs épocasmuito antigasem que surgiramas primeiras vocalizações,fudo nos leva a crer que uma denominaçãoarbitrária dos actos e das coisas foi contrária ao caminhohabitualseguidopelo homemprimitivo, que obedeciaem primeiro lugar aos seusreflexos. Teve semprea preocupaçãode traduzir tão nafuralmentequantopossívelo aspectoobjectivo das coisasou o sentimentosubjectivoque experimentavae que os seus incomparáveisdonsde observaçãolhe permitiam respeitar.Como, por outro lado, é inegávelque posteriormentea convençãoteve de interferir para legitimar as palavras,devemosunir as duas teses numasó,conciliandoo quecadauma delastem de válido. Dirernos portanto que uma convençãoposterior, nos casos em que ela interveio,sancionou,como toda a boa lei, uma situaçãode facto.

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IX. - Thinta e seis factos e gestos

SIGNOS, SÍMBOLOS E MITOS Estas raízes-mãe, como pudemos observar, não desempenhamo papel de coisasmas de embriõesde factos ou de gestos,que obedecemao funcionamentodos nossosórgãose se encontramnos limites do nossoespaço.Sãopouco numerosase os linguistascalculam que nenhumalíngua conhecidaexige, para ser falada, um número de fenómenos superior à centena e, geralmente,estenúmero é bastanteinferior. Foram o órgão do tacto e os seus prolongamentos muscularesque com maior frequência forneceram as metáforas do mediadorverbal.Paraclassificaros animaisque conhecia,o homem primitivo reportou ao modo de locomoção desses animâise distinguiuos que voam,os que nadam,os que rastejam e os que andam.Quandofoi necessárioqualificar uma sensação que escapavaao tacto, como uma cor, um sabor,um cheiro, foram ainda as metáforastácteis que serviram de intermediárias, devido à riquezado seuvocabulárioe sobretudodo simbolismo conquistadorda mão. Ainda hoje somos obrigadosa exprimir as nossassensaçõesinteriorescom imagensexteriorese a falar, por exemplo, de um vinho áspero,de uma cor quente, de um perfumedoce.O que leva por vezesa expressõesabsurdas,mas simbolicamentejustificadas e perfeitamente compreendidas, como "cumprir um dever fremplir un devoir],', .,abrir um parêntesis"ou "abraçaruma carreira". Todavia, apesarde o meio ser aproximativo, o resultado é excelente.Assemelha-seàquelasmáquinascujo sistemaregulador está ajustadode um modo suficientementegrosseiropara poder suportar, sem avariar, um encadeamentoimperfeito dos seus componentes,e até mesmo uma certa percentagemde falhas, ao passo que um rigor absoluto dos ligamentos as tornaria inutilizáveis.Acontece o mesmo com o simbolismo da língua. Quanto mais vaga for uma palavra,mais evoca semelhançasde forma, de cor ou de gosto,mais setoma preciosae utilizada.É o que Verlaine pressentia,há muito ou há pouco ternpo [referência à obra Jadis et Naguèrel, quando disse ao poeta:

E ATEORIADOGESTO OSSIGNOS II faut aussi que tu niailles point choisir tes mots sansquelqueméprise... [É também preciso que nunca] [Escolhasas tuaspalavrassem algum equívoco...] Mas o equívoco era ele quem o cometia. E o que lhe parecia uma fantasia da sua musa era na verdade uma lei da simbólica, ilustrada por todas as figuras de estilo, metáforas, sinédoques, metonímias, catacreses,traduzindo analogias, assimilações ou correspondências.Baseia-se no princípio de que não uma ligação com a coisa evocadapela palavra, estabelecemos mas sim com a basecomum à qual se liga a suafunção. Vamos poder verificar esta lei atravésda etimologia. Um dos primeiros gestos do homem primitivo foi o de estendera mão paraagarraÍo que cobiçava.Todasas palavras que querem dizer prendre fpegar, tomarl querem igualmente dizer ter a inteligência para,como saisir [agarrar], comprendre [compreenderl,pièger [caçar com armadilha]. A palavra, o cérebro e a mão estão de tal forma ligados que a palavra Ee torna uma mão que executaà distânciauma mesmafunção. O verbo latino cogitare (cum-agitare), cogitar, significa originalmente"agitar em conjunto" e acaboupor significar agitar em ideia. O verbo latino intelligere, compreender, significa "escolher entre", o que constitui a definição mais exacta de inteligência, que é uma escolha constante, um cálculo permanentedas probabilidades.Apenas os que escolhem mal crêem que os que escolhembem o fazem por uma questãode Borte. O verbo latino putare significou, na suaorigem, cortar,podar us árvores.Mas ao fraccionarmosas coisas,contámo-las,daí a noçãode contar,de calcular,de pesar.E quandosepesa,avalia-re, dondeputare acaboupor significarjulgar e pensar. Se existe um acto primeiro e original, esse acto é o Rgscimento.Em todasas línguasexiste uma estreitarelaçãoentre o nuscimentoe o conascimento,objectivo essencialdo segundo

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nascimentoiniciático, que Claudel representouna Art poétique. Esta imensa linhagem tem por ruz gen, gon, gn,que deu o latim gens, a famflia, depois a génese,a genealogia.O grego gonos, a criança, deu epígono (discípulo), gineceu, gentil (bem nascido, nobre), o verbo engendrar,generalizar,a generosidade.Do latim ingenium (espírito natural), vem o génio, o engenheiro, o engenhoso.Do latim ingenuus (homem livre) deriva benignus (bem nascido), daí béni lbenditol, bénin [benigno], benoít [abençoado],depoisnaif fingénuo),niais [simplório] natal [Natal] e noël (de novellus),ano novo. No que respeitaao conhecimentoexpressopela palavragrega gnosis, encontramos gnose, diagnóstico, gnomos (génios elementaresda terra) e os versos gnómicos (adágios). Do latim nobilis (digno de ser conhecido) deriva nobre e ignóbit (a não conhecer),o verbo ignorati narrar e inenarrável. Os linguistas debatem se a prioridade do aparecimento pertenceao verbo ou ao nome no seio da nebulosaoratória. Mas como as palavras foram precedidaspela ideia comum de acção que estãoencÍureguesde exprimir, o verbo acaboupor sero único a encarná-la. O nome provém frequentemente do verbo imobilizado numa atitude, como participante,ou num particípio. O gramáticoindiano Panini tinhajá reconhecidoo carácterverbal das raízes e J. Grimm declarava:"Os verbos e os pronomes parecemser as verdadeirasalavancasda linguagem"('). Desde as línguas antigas, onde superabundavamas formas verbais,até ao inglês que as substituipor advérbiose preposições, verificamosum despojamentosucessivoda expressãosem que o sentido da frase se altere.É o resultadode uma simplificação naturalque suavizaa língua ao serutilizada.Estedesgastedeixa transparecer oselementosinvariantes,revelaos impulsosocultos, que já Humboldt suspeitaraexistirem,e apenasdeixa subsistir

(l) R. de Grasserie utilizou esta ideia como tema do seu livro, Du verbe comme générateur des autres parties du discours,1914.

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essasraízes activas que o abadeBergier há já muito verificara seremem pequenonúmero. Ao tentarclassificaralgunsverbosnum determinadonúmero de grupos,cadaum correspondendo a um gestode direcçãoexacta, a uma atitudetraduzidapor uma preposição,ou um advérbiocomo com,para, em direcção a, entre, em, ern redo4 a partir de, contra, sobre, perante, desde, chegamos a trinta e seis conjuntos que esgotamavariedadede gestospossível.Em cadaconjunto,cada verbo que traduz um acto colectivo de estrutura idêntica é intermutável, facto que podemos verificar substituindo*osuns pelos outros numa frase, se bem que, na verdade,não sejam sinónimos(r). Visto que há muito os animais, as plantas e os minerais acabarampor ser classificadossegundoa sua estrutura,seria estranhoque a linguísticanão utilizasseo mesmo método,uma vez que, desdeos primórdios, o espírito humano procedeudesta mesmamaneira. Não é pois de espantarque verifiquemos a sua presençana estruturados contos populares,na dos dramase dos mitos. Ao longo dos seusEntretiensavec EckermannGoetheconta que, segundoGozzi, o dramaturgovenezianodo teatro fabuloso, não existiriam mais de trinta e seissituaçõestrágicaspossíveis. Acrescentaque Schiller se terá esforçadoimensopor descobrir mais e que nem sequertinha conseguidoencontrar tantas. É tambémde salientarqueum etnólogoe linguistarusso,V. J. Propp, num livro que setornou um clássico,no qual enumerae desmonta o mecanismodos contosmaravilhosos,reduziua trinta e uma as tunçõesdo herói a as situaçõesdelas resultantes.Como numa históriaqualquero sujeitoda frasepode ser ou o herói do conto, ou a personagemda peça,ou o deusanimadordo mito, não é de cspantarque as suasacçõesestejamigualmentelimitadas às que nós próprios podemos realizar, que reconhecemosnos nossos

(r) Encontra-seno Apêndice I o quadro destesgrupos.

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SIGNOS, SÍMBOLOS E MITOS trinta e seisconjuntos,uma vez que é sempre o mesmo sistema de símbolosque se manifestaem qualquer dos casos(r). Mas, não é estranhoque estenúmero fatídico de trinta e seis seja,em francês,um idiotismo, que indica a passagem ao campo do indeterminado,enquantoo número trinta e um, em linguagem familiar, indica a mais elevadaqualidade da aparênciat el X. -A analogia topológica Esperamoster demonstradoque o exercício da inteligência, a começaÍpelo uso da linguagem,não pode ser isolado da sua orige.p operacional.Ao fazê_lo,o homem humanizou um espaço cuja tomadade possemental seguiupasso a passouma tomada de posse efectiva. A mão e o espíritó obedeceram aos mesmos métodosde realizaçãopor aproximações sucessivas,efectuando os gestos de um ffabalho que se tornara habitual. O nosso conhecimentodo universo, antes de ser visual, foi manual e pedestre.Ao tomar consciênciada direcção do seu olhar, da amplitudee da eficáciados seusmovimentos, o homemcriou um vocabulário de imagens activas que foi aplicado naturalmenteà sua primeira geometria. Diz Simone Weìt que ..quase todas as nossasacções,simples ou sábias,são aplicaçOesde noções geométricas'o universoonde vivemos é um tecido de relaioes geométricase a necessidadegeométrica é aquela a que estamos sujeitoscomo criaturasfechadasno espaço e no tempo,,. As matemáticasresponderamem primeiro lugar a exigências utilitárias e a necessidades sociais.Serviram paÍa acontagem das colheitas e dos rúanhos, paraa medição das terras, píru u arquitecturadosedifíciose mesmoparao cáiculo dos movimentos (r) Cf. G. polti,lzs trente_sixsituationt dramatiques,l gg5; V. J. propp, Morpfulogie du conte, 1970. (2) Este trinta e um seria uma conuptela da palavra trentain,designação de um tecido luxuoso, cuja trama era composta por trinta centenasde fios. O que âpenas vem confirmar a ideia de perfeição limite atribuída ao número 3l

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E ATEORIADOGESTO OSSIGNOS celestesde que dependia,e continua a depender,o nosso "Conhecimento dos Tempos". Estas noções primordiais foram elaboradaslentamente a partir de dados perceptíveis por uma prâticade operaçõesque respondiama necessidadesquotidianas. Esta geometriaintuitiva baseava-seinstintivamenteem duas noçõesfundamentais,de ordeme de continuidade,posteriormente postasem destaquepor Leibniz e que constituem as condições do novo método que viria a denominaranalysis siÍt'tü ou análise de situação,quer dizer, de procedimentostão simples como conexões,todas exclusões,convergências, extensões, regressões, já estasfiguras que, como vimos, formam igualmente a basedo mecanismonormal do nossopensamentoe que exprimimos com os nossosgestose com os nossosverbos. Desde o início do nosso estudo que nos esforçámospor mostrar que, para exprimir as suasideias, o homem ia buscar os seusmeios de expressãoàs formas das coisase aos movimentos dasfiguras que o rodeavam,semsepreocupÍìrminimamente com a sua natureza intrínseca.Aos seus olhos apenasinteressavao aspectodestese a direcçãoda suadeslocação,que podia servir-lhe de referênciae de símboloaproximativo.Dado o seupapel, os verbosacabarampor monopolizar estafunção, seguidospelos advérbiose pelaspreposiçõesadverbiais.Ora, estepensamento dinâmico, anterior à fala, foi ordenado pelos matemáticos em grupos de transformações.Ao classificar os verbos em trinta e seis grupos, correspondendocada um deles a um determinado gesto, não fizemos mais do que aplicar à linguagem esta lógica dos grupos. Baseava-senas relaçõesde interdependênciaque definiam a nova topologia, na qual a naturezarelativa dasfiguras não era modificada pelas deslocaçõesque lhes eram impostas, tal como um sentido metafórico idêntico se mantinha dentro da diversidadedos verbos do grupo. Assim, os conceitos com a ajuda dos quais interpretamoso mundopossuemo carácterde um grupo que,segundoH. Poincaré, preexisteno nossoespíritoao ponto de não podermospensarsem a sua intervenção.É matemáticareduzida à sua forma pura.

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SIGNOS, SÍMBOLOS E MITOS Condiciona os nossos meios de expressãoporque o nosso pensamentoé sempre global. Não distingue as homologias, ou melhor, serve-sedelas.Não individualiza as suasimagens,que se parecemmuito com o sonhoacordado,como essanuvem em que Hamlet via simultaneamenteuma bailarina, uma doninha e um camelo. Apenas apreendeum conjunto de elementoscom a mesma forma, um grupo com a mesma atitude, um gesto com o mesmo sentido, constituindo a marca comum que caracteriza o nossointeressepassageiro. Alinguagem não consegueobteruma precisãomaior do que estepensamentoque tenta traduzir e cuja expressãoé facilitada pelo indefinido. Do gesto ao símbolo podemospois dizer que o mecanismoda língua, dos signos e do nossopensamentoutiliza uma simplesanalogiatopológica.

CAPÍTULO II O MUNDO DOS SÍMBOLOS O símboloé apenasa fixação de um gestoritual. R. Guénon.

1. Ambivalência dos símbolos Abordámos a génesedo simbolismo começando pelas palavras que se dirigem ao sentido da audição e que os povos nómadasou de pastores,cuja actividade era exercida no mundo animal, móvel como elespróprios, utilizaram preferencialmente. É por esta razão que as suaslínguas são tão ricas em expressões do movimento. Quanto aos povos sedentários,agricultorese fundadoresde cidades, exploraram naturalmente os reinos vegetal e mineral utilizandoum simbolismode signosfixos que se dirigia à visão, como a escrita,a arquitecturae as artesplásticas,sendoa própria escritaum modo de fixar a linguagem. Todavia a complementaridadedos estadosda existência corrigiu o que estasqualidadestinham de exclusivo. Os nómadas errantesno espaçopraticaram sobretudoa poesia e a música fixos ao longo dos baseadas no ritmo do tempo.E os sedentários, tempos,dedicaram-sesobretudoàs artesplásticasque dependem do número e da geometriatributários do espaço.Sãoestasformas cspaciaisdo simbolismoque iremos agoratratar.

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SIGNOS, SÍMBOLOS E MITOS

O MUNDO DOS SÍMBOLOS

O nossoconhecimentodo mundo seguiu a exploraçãoque a nossa sensibilidadeaplicava ao universo com o qual tentava identificar-se.Estaanalogiaque astradiçõesantigasestabeleciam entre o microcosmos e o macrocosmosé a verdadeirachave do simbolismo figurativo que utiliza os elementosda naturezapara exprimir asconcepçõesdo espírito.É por essara záo queo mundo espiritual se reflecte no espelhodas coisas visíveis em imagens invertidas.As antigasescriturassagradastinham simbolizadoesta humanizaçãodo cosmosna figura de Adam Kadmon da cabala e na do Homem Universaldo Islão. Com a cabeçanasnuvense os pésna terra o antigoAdão tomavapossedo cosmosao reconhecer ugr mundo espiritual no céu, um mundo psíquico na zona intermédiado espaçoaéreoe um mundo carnal no plano terrestre, concepçãomítica que coÍrespondeno hermetismo ocidental ao Andrógino primordial. Esta noção tem o mérito de introduzir no simbolismo uma dualidadecomplementarqueexplica a suaambivalênciaessencial. Porquequalquer símbolo é susceptívelde, pelo menos,duas interpretaçõesopostasque deverão unir-se para obtermos o seu sentido global. Esta ambivalência é perceptível mesmo ao nível do vocabuliário.Em hebraico,por exemplo, a palavrasfter(serpente) tem dois sentidosopostos,o de alicercee o de ruína,o quejustifica os dois sentidosdo caduceuhermético.Em latim, apalavra ahus significa alto e profundo e a palavra sacer significa santo e maldito. O que poderia ser geometricamentetraduzido por uma linha rectacuja direcçãovertical seriapercorridanos dois sentidos opostos,de cima para baixo e de baixo para cima, consideração essaque poderia facilitar uma definição da função simbólica. O que, numa primeira abordagem,nos faz deterface a esta noção de ambivalência, não é a direcção do movimento mas a qualidade diversa que atribuímos a cada uma destasdirecções. Porque qualquer gesto executado pelo homem se encontra afectado por um coeficiente considerável de emoção e, consequentemente,cada zona do espaçoem que se movimente se encontracarregada,por contágio, com uma mesmaqualidade 44

impressiva, conforme o prazer ou o receio que suscita e os obstáculosou as facilidadesque comporta.Existeneste facto um complexo hereditárioque nos leva a atribuirum valor diferente à direita e à esquerda,ao que estáem cima e ao que estáem baixo. Se, por exemplo, na tradição do Ocidente o lado direito é activo e benéfico,e o lado esquerdopassivoe " sinistro", na antiga tradição chinesa aconteceprecisamenteo inverso: a mão direita erayin, ou seja, feminina, porque levava os alimentos à boca, uma tarefa menor, ao passoque a mão esquerdaetayang por ser ociosa. O homem bilateral cujo andaré um balancearritmado, divide assim o mundo em duas metadesopostasmas complementares, que reflectem a dissimetria rnisteriosa do cérebro, que é tanto anatómicaquanto funcional, uma vez que o hemisfério esquerdo contéma zonada linguagemenquantoo hemisfériodireito preside à acçãomuda de um pensamentopor signo, imagem e som. Numa visão retrospectiva da espécie, esta polarização remontaa muito antesdo aparecimentodo reino animal, pois é já visível na célula viva. Sem esta dissimetriaoriginal não teria havido vida, como já Pasteurfizera notar, pois a condição para o aparecimentodestareside no equilíbrio de duas forças opostas. Os psicotécnicos,especialistasem grafologia e em testesde personalidade, admitem o significado psíquico diferente das direcções do espaço. Na verdade é notável o facto de terem chegado às mesmas correspondênciasque as antigas tradições ensinam, se bem que estas possam parecer particularmente reduzidas quando são por eles adaptadasao campo da sua especialidade. Para os grafólogos, a superfície horizontal de uma folha de papelpode serconsideradao plano ondeseriaprojectadaa imagem de um indivíduo quenelativessetraçadoalgumaslinhas de escrita. Nela podemosreconhecerastrês zonasclássicasque vão de cima até baixo, a espirirual, a psíquica e a corporal. No meio dazona intermédia encontra-seevidentemente o centro unificado da vida interior, a consciênciado eu. Na zona

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O MUNDO DOS SÍMBOLOS

dizer-seque estaanálisesejacontráriaaotestemunhodapsicologia das raças. Do que foi exposto resulta que o espaço mítico parece desempenharum papel dirigente no que diz respeito à nossa percepçãosensívele ao nossopensamentoabstracto.As noções de alto e de baixo, de direita e de esquerdaantes de serem concretamenteexperimentadasestavamjá inscritas num espaço interioç classificado desde a sua origem pela manifestaçãodo cosmos e na nossa virtualidade. São as diferentes concepções tradicionais dessamanifestaçãoque vamos analisar de acordo com o seu simbolismo desdeo céu até à terra.

superior, em cima e à esquerda, situa-se o domínio da espiritualidadeespeculativae àdireita o da intelectualidadeactiva. Na zona inferior, a parteesquerdaé atribuída aosinstintos sociais de submissãoe a direita aosimpulsos de iniciativa e de liberdade. Por outro lado, se dividirmos com uma linha vertical a parte do meio em duasmetades,o lado esquerdo,comandadopelo lado direito do cérebro, parece consagrado ao passado e o direito, comandadopela metadeesquerdado cérebro, ao futuro. É aliás curioso verificar lue a má reputaçãodo lado esquerdopode ser experimentalmente explicada. Remontaria ao traumatismo do nascimento, ao qual o lado esquerdo do embrião parece mais exposto devido à sua posição intra-uterina. É natural que qualquer movimento que partissedo centro e se dirigisse para a direita fosse em direcção a uma manifestação exterior, ao passo que, caso se dirigisse paÍa a esquerda,se refugiaria na interioridade. Poder-se-iaassim afirmar que a esquerdaencera a parte hereditária e receptiva, o lado social e conformista do indivíduo, enquantoa parte direita revelaria a sua originalidade criadora, a sua vontade de expansão.E todos os gestos se espiritualizariam ao elevarem-se para o alto e se materializariam ao descerempara baixo. Poder-se-iaobjectar a esta cinemâtica caracteriológicaque só é aplicável à escrita das línguas ocidentais,obrigatoriamente traçadasda esquerda para a direita. Tâl argumento não colhe. Porque é possível testaruma tradição com a ajuda da sua escrita. Os povos semitas,judeu e ârabe,que escrevemda direita para a esquerda,revelam destemodo um retomo ancestralpermanente, uma fidelidade extraordinária à natureza da sua raça, à sua unicidade específicaque chega a atingir a intolerância. Ao passo que os povos que, como o chinês, escrevem da direita para a esquerda,mas de cima para baixo, dominam aquilo que uma fidelidade à naturezada suaraçateria de particular através de um retorno periódico à sua espiritualidadeoriginal e também a uma tendênciapositiva que atribui uma maior importância ao resultado que ao método utilizado para chegar a ele. Não pode

O homem primitivo media a importância do adversário ou do obstáculocom que se deparavapelo tamanho,onde via, como nós,o sinal de uma força.Peranteacolossalimensidãodanatureza deve ter-se sentido desarmadoao ponto de demonstrar perante ela receio e respeito. Nada lhe deve ter parecido susceptívelde ultrapassara temível transcendência do céu imutável e inacessível, cuja ameaçaseescondiapor detrásde um véu de sombriasnuvens negrase se manifestavaduranteas trovoadasque subitamentese abatiam sobre ele em relâmpagostonitruantes. É natural que os primeiros humanostenhamsupostoque para lá da abóbadaestreladareinava uma autoridadecaprichosa que secontentaramem chamaro Altíssimo, por serparaelesinvisível. Esta força oculta era ainda.mais misteriosa porquanto se transfigurava numa luminosidade radiosa que anunciava todas as manhãso aparecimentodo Sol. A semi-esferacelesteque os dominavafoi por elescomparada a uma cúpula, a um cesto hemisférico invertido, a uma abóbada ocasobrea Terra,a uma coberturapesadaqueos cobriae ao mesmo têmpo os protegia, como sugeremo nome e o mito de Uranos. Mesmo nos povos ditos civilizados, o céu foi representado,por Gxemplo,pela sombrinhade ouro que protegeBuda, pelo guarda-

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II-Omundoceleste

SÍMBOLOS OMUNDODOS

SIGNOS.SÍMBOLOSE MITOS

-sol dos soberanosorientais, pela pomba do Espírito Santo que cobre o mundo com as suas asasabertasem cúpula, e mesmo pelo dossel que fica sobre o novo papa após a sua eleição no conclave. A impotência do pobre terreno em se elevar acima do plano terrestrefê-lo teruma admiraçãoreverenterelativamenteao povo alado, capazde voar livremente e de alcançar o empíreo, ïalvez mesmo de surpreendera presençadivina. Os pássaros foram, portanto, considêrados os mensageiros dos deuses e todas as manifestaçõesdo poder do espírito imitaram as suas asas. Os pássaros,as asase o yoo simbolizaram os estadossuperioresdo ser. As penasem redor da cabeçados grandeschefesameríndios indicam a sua autoridade espiritual. As asas que Mercúrio, mensageirodos deuses,tem atadasaos calcanhareslibertam-no da gravidadecomo os pés ligeiros dos santosbudistas,cujo andar se pode tornar quaseaéreo,ou o dos imortais taoístasque desse modo atingem as ilhas dos Bem-aventurados.Alguns homens predestinadosreceberamo privilégio deste voo extático, desta elevaçãoem espírito, duranteo sono,como por exemplo Maomé e Pitágoras. O seuintercâmbiocom o céu, permitiu compararos pássaros aos anjos e atribuir-lhes a língua angelical ou "solar", que é precisamentea poesia, linguagem ritmada que facilita o acesso aos estadossuperiores.Porque, dizo Rigveda, "a inteligênciaé mais céleredo que o pássaro",e a palavra,invisível emanaçãodo espírito, é ela própria alada "A linguagem dos pássaros"é uma expressãocorânica que designa o conhecimento supremo. Os heróis que derrotaram o dragão, esse monstro que representa as forças inferiores, conquistarama imortalidade virtual e compreendema linguagem dos pássaros.Foi o que aconteceuao Sigurd da lenda nórdica ou a São Mateus que escutaa pomba do Espírito Santo,pousadano seuombro, ditarlhe asrevelaçõesdo seuEvangelho, como vemos esculpido nos pórticos das catedrais.O anjo daAnunciação, que 48

nos retábulos primitivos vem saudar a Virgem, encontra-se acompanhadopor uma pomba, que é um Qutro ele, pois a sua = saudaçãoé igualmente alada(ave = saudaçãoe avis pássaro)' Um ilustre persa espiritual, Farid ed-din Attar, escreveumesmo um poema de perto de 5000 versos' intitulado A linguagem dos pósiarosqueconstitui a exposiçãomais lúcida da espiritualidade sufi.

A abelha, também ela alada, cujo nome hebreu (deborah) deriva da mesma raiz que a palavra Verbo (dbr) foi por vezes consideradauma gota de luz caída do sol na aurora. Ela depôs sobre os lábios de Platão e de Píndaro adormecidos o mel da inspiraçãopoética e dalinguagem dos anjos.Aliás o mel, basedo hidromel, é um alimento de imortalidade e, ao reaparecerno dia a seguir à hibernaçãona colmeia, a abelhatornou-seum símbolo da ressurreiçãoiniciática Penetrando as nuvens com os seus raios, o eminente representanteda espiritualidadecelesteé o Sol, que apresentao seu coraçãobrilhante no centro e o olhar penetranteno zénite. O símbolosolarfoi adoptadodesdea origem peloppotentados asiáticos que aí foram buscar a sua coroa de luz cujo brilho o ouro e as jóias brilhantes imitam. os santostambém tiveram a suaauréolae os atletasvencedoresdosjogos a suacoroa de louro, símbolo de imortalidade. As pontas dessas coroas antigas representavamos raios luminosos, como os cornos do carneiro, animal solar.o como, símbolode força e raio visível da inspiração, enfeitava a testa de Moisés, facto que Miguel Ângelo respeitou na sua célebre estátua. O culto solarfoi universal.Adorado sob o nome de Osíris no Egipto, de Baal na Caldeia, de Mitra na Pérsia, de Hélios em Rodes,tornou-seApolo quando chegou do Hiperbóreo à Grécia antes de ser adoptado por Roma. Representavaa inteligência cósmicaque ilumina, e consequentementepreside aos mistérios. Estestinham lugar no santuáriode Delfos, cujo nçme provinha do delfim, peixe de Apolo. Durante os seis mesesem que o Sol doclinava na noite polar, o seu oráculo permanecia mudo'

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E MITOS SIGNOS, SÍMBOLOS

O MUNDO DOSSIMBOLOS

Festejava-seo seu regressocom a volta dos dias bonitos. Irmão gémeo de Artemisa-Diana, nascida antesdele, visto que a noite lunar precedeo dia, o Apolo solar acaboupor beneficiar de uma quaseomnipotênciacom funçõesmúltiplas de adivinho, médico, pastor,músico, archeiro. Com uma única das suasflechas podia matar ou curar. Outras divindades,como Átis e Cíbele colocaram na cabeça a tiara de três andares,símbolo do seu domínio sobre os três níveis do cosmos,coroa supremada qual hoje em dia só o papa se pode orgulhaç se bem que tenha renunciadoa usála. Os animais representanteseminentesda sua espécie são solares,como a águia, rainha dos ares,o leão, rei do desertoque encarnama majestade,a corageme ajustiça. A águia,cujo olhar se dizia ser capaz de fixar o Sol sem sofrer danos, conseguia receberdirectamentealuz inteligível. Na Índia, a âguiadivina Garuda, brilhante como o fogo, era a montada de Vixnu e encarnavaum estadotranscendentede espiritualidade. O cisne, outro pássarosolar, acompanhavaApolo nas suas migraçõesinvernais ao Hiperbóreo e, destemodo, ligava entre si as regiões nórdica e mediterrânea.O famoso "canto do cisne" é um aspectoda "linguagem dos pássaros"e etimologicamente isomorfo da palavra. Na Índia, o cisne (hamsa) é a montada de Brama e de Varuna e choca o Ovo do Mundo (bramanda) sobre as águasprimordiais. Um outro pássarosolar, a fénix, nome grego do bennou egípcio, é identificado com a garça-real púrpura. Este pássaro mítico deveriarenascerdascinzase simbolizavaa ressurreição. O simbolismo solar do leão é demasiadoconhecidopara que insistamosnele. Sendouma das funçõesreais a justiça, é natural que na Idade Média os tronos dos soberanosestivessem com leõese quefrequentemente ajustiça eclesiástica ornamentados fossefeitaentre leõesde pedraque enquadravama entradade certas igrejas.É mais curiosaa associaçãodo lobo com o Apolo lício na sequênciade um jogo de palavrasentrelukos = lobo e luke =luz. Dizia-se que o lobo via claramentedurantea noite. 50

III - O centro e o eixo do mundo. A ideia de centro que o Sol simboliza é o ponto de partida de toda uma sínteseideológica que devemosconsiderarpróxima da ideia de grupo que definimos na primeira parte. Essa ideia de centro é efectivamente a de um grupo de situaçõestomadas na suaextensãouniversal,o que pressupõea coincidênciados opostos e o equilíbrio dos contrários.A própria ambivalênciamais não é do que o mais pequenodos grupospossíveisreduzido à dualidade de dois complementares. A representaçãogeométricade centro é o ponto no meio do círculo que ele produziu. A sua representaçãogeográfica nas diferentestradiçõesatribui-lhelocaisevocativos: Terrasanta,Terra de imortalidade, Terra pura, Terra dos bem-aventurados,Terra dosvivos, santoPalácio,Paláciointerior,lugar dos Eleitos... É o InvariávelMeio dos Chineses,o cubo centralda roda cósmica,o Templo do Espírito Santo. Pode ser um jardim como o Paraíso, uma cidade como a Jerusalémceleste. uma caverna como a Agarttha,uma ilhacomo aAtlântida, umamontanhacomoo Meru, um umbigo de pedra,como o Ônfalo, ou mais simplesmenteum f'ólo do globo do ponto de vista terrestÍee o eu de cadapessoa, tlo ponto de vista individual. O círculo é o desenvolvimentodo centro no seu aspecto tlinâmico enquantoo quadradoo representano seu aspecto cstático.É por issoque o círculo simbolizao céucomo exprimem os três recintoscircularesda Jerusalémceleste,ao passoque o rluadrado simboliza a Terra e é por essarazão que o Paraíso lerrestreé quadrado. Na tradição islâmica, o trono divino é um círculo a que Mlomé dá a volta aquandoda suaascensãonocturna.Na Índia o lrorrode Vixnu é um lótusem rosácea.Estesimbolismocolocao lrorx) dos príncipesacima do chão e se no Extremo Oriente os reir cram outroratransportadosaosombros,como os nossosreis frnncos o eram no escudo, ou ainda hoje os papas na sedia ge,rlttloria,é porque, tornados personagensquase divinas, não

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O MUNDODOSSÍMBOLOS

devem tocar o chão. O que acontecepor vezesaos heróis actuais levados em triunfo pelo entusiasmopopular, sem que a origem destecostumesejaconhecidapor aquelesque o praticam. ATena é caracterizadapelo quadradoporque o Sol fixa os eixos dela graçasaos pontos extremos do seu percurso, o que a divide em quatropartesrepresentando cadauma delasuma estação e ao mesmotempoum dospontoscardeais.As mandalastântricas, por exemplo, são suportesde meditaçãoque, sob o aspectode imagens geométricas, formadas por círculos e quadrados concêntricos,associamassim o céu e a terra, ou seja todo o cosmos.Aliás, em magia cerimonial, o traçadode um círculo móximo estabeleceo limite de protecçãocontra as influências nefastas.E a dançacircular dos dervixesrodopiantesé um meio de transfiguraçãoespiritual. As duas linhas perpendicularesentre si que traçam os diâmetrosde um círculo ou os eixos de um quadrado,formam uma cruz, o símbologeométricomais geral.Em todasastradições representao Homem universal que se identifica com Adam Kadmon e com o Andrógino primordial. No plano horizontal esta cruz representaa extensão do homemem todasasdirecçõesda suaindividualidade.No sentido vertical liga os níveis hierárquicosdos estadossuperioresa que pode aspirar.O eixo central,que une estesestadosdo céu à terra encontra-serepresentado por um grandenúmerode símbolos:a árvore, a montanha,a lança, a coluna, o bastão, o mastro de cocanha,o pilar cósmico,a escadade mão, a escada,o obelisco, a torre da igreja, a flecha,o falo, a pirâmide,o bétilo, o umbigo, a corda,a corrente,o fio... Enumerámospropositadamente esta litania para esclarecerde novo a ideia de grupo que sugere,e ao mesmotempoo gestoúnico que os reúnee que os defineao longo de um eixo ideal quepodeserpercorridonosdois sentidosopostos. A montanha simboliza simultaneamente o centro e o eixo do universo. Existe aliás em toda a ascensãouma espéciede purificação natural, uma espiritualidadeespontâneaque, parece-me, Nietzscheprocuravaao praticaralpinismoem Sils-Maria e 52

Daumal ao criar o seuMonte Análogo. Os lugaresaltos foram as primeiras etapasdestasubida pÍua os cumes, como demonstrao episódiobíblico de Moisésrecebendoas Tábuasda Lei no cimo do Monte Sinai. Como cadapaístem o seupróprio centro, o nome das montanhassagradasvaria consoanteas tradições mas correspondea uma função idêntica.É o Olimpo dos Gregos,o Alborj dos Persas,o Tabor dos judeus, a montanha eaf dos muçulmanos,o Potala dos Tibetanos,a Montanha Branca dos Celtas,o Meru dos Hindus,o K'uenluen dos Chineses.Podemos mesmodizer que no coraçãode cada aldeia,a torre da igreja, o campanário, a torre de menagem correspondem à rnesma necessidade de protecçãoprovidencial. Quandonão havia montanha,imitava-se,erguendouma pilha de pedras,um "montículo", um túmulo, uma pirâmide, um zigurate na Babilónia, um templo-montanha no país khmer ou um pagodebúdico de nove andaresna China. As pedraserguidas, bétilos e menhires,são igualmentereceptáculosde inspiração divina como o Umbigo de Delfos,junto do qual a Pítia fazia os seusvaticínios. A variantemais conhecidado centro axial é a árvore, à qual ls civilizaçõespré-helénicasprestaramculto. É o carvalho na Gália,a tflia naAlemanha,o freixo (Yggdrasil)na Escandinávia, ruvideirana Sibéria,a oliveira na terrado Islão,a figueira-asiática nit Índia, o bambu no Japão.Sem esquecer,em acepçõesmais resl.ritas,a acâciamaçónica, a amendoeirahebraica,o salgueiro elrinês,o louro de Apolo e o visco dos druidas. Plantada no meio do universo, ou num centro que seja consideradocomo tal, a árvore cósmica, como o poste de rurcrifíciosda Índia, faz a comunicaçãoda terra com o céu. A verlicalidadeda árvore,o seuverdepermanenteou renovadoaos lrês níveis das raízes,do tronco e da folhagem, relacionamos Itrrrndosceleste,aéreoe uraniano.d sua seivaé uma espéciede ol'virlhoda terra e os seusfrutos, maçã das Hespérides,ou do farrlimdo Éden;sãoalimentosde imortalidade.Como diz Dante "Hírvore vive do seucumel'.O que traduza imagemesotéricada

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O MUNDODOSSÍMBOLOS

srcNos, sÍNasot-osE MITos árvore invertida, cujas raízes são a folhagem e a folhagem as rúzes eque pode assim alimentar-sedo orvalho do céu' O tema arborícola mais importante é o da árvore da vida que, na arte iraniana, é frequentementeladeadapor dois pavões viradosum parao outro, representandoa dualidadecósmica.uma fonte, símbolode um rejuvenescimentoperpétuo,banhapor vezes a base da árvore e transborda,dividindo-se em quatro rios que coÍrem nasquatrodirecçõesdo espaço'Na Bíblia, os dois pavões foram substituídospelas árvoresda ciência do bem e do mal que ladeiama árvoreda vida, triplicidade cuja equivalênciacabalística

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é a árvore sefirótica de três pilares. Quando, na construçãodos edifícios, a pedra substituiu tardiamentea madeira,a coluna de pedratalhadatorna-setambém ela símbolo axial. O cestode folhas esculpidasque normalmente rodeia o capitel deriva do antigo laço vegetal que ligava num molho o florescimento floral dos pecíolos. A escadaé uma outra figura do eixo, bem como a escadaria' É conhecida a escadade Jacob pela qual subiam e desciam os anjos. Esta escadamística cujos degrausmarcavam as etapasde uma progressãoespiritualexiste no budismo e já se encontrava presenteno Livro dos Mortos egípcio. A corda é um outro símbolomuito antigoda ascensão'Ligada a ela,encontra-seuma noçãomais complexa,diferentedo eixo' a dos nós, que colrespondem aos diferentes degraus da escadae que se aplicam à fixação de um estado, favorável ou não' Na verdade,naAntiguidade e ainda hoje no Islão, os ornamentosem forma de nós, de trança, de canutilho ou cordões constituem talismãs conservadorese preservadores'É contudo possível desfazeressesnós com uma experiênciaque é um rito de realizaçío dos yogis. Na realidade,desfazerum nó é proceder a uma libertação que deve ser concÍetizadana ordem exactamente inversa da que permitiu a sua confec çáo.É,etimologicamente o único desenlace verdadeiroque consisteem passara laçada do nó sem ficar preso. Embora Alexandre tivesse cortado com um golpe de espadao famoso "nó górdio" que prendia o jugo dos 54

arreios ao cÍuro de Górdio, antigo trabalhador que se tornou rei da Frígia, esta pseudovitória do herói macedónio, da linhagem dos cavaleiros, precipitou o seu fim. Porque, embora tenha conquistadoa Ásia, logo a perdeu, tendo vindo a morrer no caminhode regresso. De todosos símbolosdo eixo, o bastão êtalvezo mais geral e o mais rico em descendência'Desde o cajado do pastor, da bengala do peregrino até ao bastão de marechal ele confere autoridade e dignidade. Temos o báculo do bispo, o cnute do boiardo, a chibatado cavaleiro' a bengalado janota, a vara do xamã, e também o cabo da vassourada feiticeira medieval, se introduzirmos aqui a noção de ambivalência. Também o bastãobramânico de espiral dupla que lembra o caduceu de Hermes, em volta do qual se enrolam em sentido inverso duas serpentesque representamo equilíbrio polarizado de duascorrentescósmicas. O ceptro, atributo real, constitui uma outra particularização do bastãoe um símbolo do eixo, tal como o é o próprio rei, na medida em que é o intermediário entre o céu e os súbditos' As suasfunçõesessenciaisimpõem-lheo estabelecimentodapaz e pela espadae pela balança.A flecha desta dajustiça representadas última, tal como a espada,é um símbolodo eixo. A própria flecha, outro símbolo axial, pressupõefurar e abrir rrrn orifício por onde passe a luz e consequentementeo do signo lrcnsamento.Surge assim como elemento terminal zodiacaldo Sagitário formado por três entidades,o cavalo, o Iurmeme a flecha, que representamclaramenteuma progressão nu conquistados três estados. O fio é um símbolo que se aproxima da corda, mas sob uma lirrma bastante mais complexa, porque foi utilizado para a lecclagem,que naAntiguidaderepresentavaa texturado universo. l{ocae fuso,ondeo fio seenrolae sedesenrola,eramos símbolos do destinocolocadosnasmãosdasgrandesdeusas,as Moiras ou $til'arcas,que trabalhavama cantarcomo asSereias'A mais velha, l,ítlrrcsis,fiava, masentreas suasmãoso fio erajá o do passado'

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O MUNDODOSSÍMBOLOS

E MITOS SIGNOS, SÍMBOLOS A segunda,Cloto, desenrolavao fio do presente,e a mais nova, Átropos, manejavaa tesourafatal que devia cortar o fio no futuro' Essa Hesíododava-lhespor mãe a Noite e Platãoa Necessidade. temível trindade era consideradanefastae étalvez estefacto que explica que em certas iniciaçõesfemininas a tecelagemritual estivesseassociadaà reclusãoda noite e do lnverno, enquantoo trabalho dos campo, executadodurante o dia e no Verão, se encontravareservadoaos homens. O fio da urdidura,elementoimutável, liga os mundos e os estados,enquanto o fio da trama, sempre em movimento, desenvolveo destino condicional de cada um. O vai-vem da canela,representaparaos taoístasa alternânciada vida e da morte, a inspiração e a expiração, que no Rigveda simboliza o ritmo vital. Nos Upanixadaso fio é simultaneamenteatma = a pessoae prama = o sopro. O colar de pérolas enfiadasé a cadeia dos mundos ligados poÍ atma. O fio que se enrola sobrea roca de fiar evocaa roda e o seuaspectodinâmico.A roda é um símbolo do mundo como outrasimagensflorais ou circulares,a rosa, o lótus, que encontraremosmais adiante, cuja expansãorepresentao desenvolvimentoda manifestação. Mas a roda simboliza tambéma criaçãodo devir, contingente e perecível,o ciclo contínuoda renovação.Disseo cardealde Cusa que "O mundo é uma roda dentro de uma roda, uma esferadentro de uma esfera". A roda,com o seucubo e o seueixo, é tambémum símbolo solar,ou seja,central.É animadapelo chakravartihindu, aquele que move a roda, o senhordo espaçoe do tempo. Enquantoo disco simples é um atributo de Vixnu, a roda do carro, atributo solar com 8, 12 ou 30 raios, cujo núcleo é um centro imóvel, é Aquele que,colocado igualmenteaRota-Mundi dosrosa-cruzistas. no centro, faz girar a roda é, conforme as perspectivas,o homem universalou o soberanoou, paraos budistas,o próprio Buda que põe em funcionamentoa Roda da Lei, que aliás sepode comparar à Roda da Fortuna ocidental.

IV. - Os mediadores elementares: fogo, ar, água Estestrês elementossimbolizam as influênciasque a terra recebedo fogo do céu sob a forma de luz e de calor' ao passoque o vento e a chuva dependemdo espaçointermédio. A luz é a manifestaçãovisível do mundo informal que acompanhatodasasteofanias.Segundoa cabala,a suairradiação criou a vastidão enquantovibração ordenadorado caos, o que a Géneseexplicita com o Fiat Lux divino, o aparecimentoda luz que,no início do EvangelhosegundoSãoJoão,anunciao Verbo. Estaordemdivina que separaaluz da sombra,originalmente confundidas,manifestao podercriador antesescondidona noite do inconhecível.A luz solar identifica-seassimcom o espíritoe a suailuminaçãocom o conhecimentodirecto,ao passoque a luz da Lua é apenasracionale reflectida. a uma Segundoos sufis,o coraçãodo homem assemelha-se lanterna de vidro na qual se encontraa sua consciênciamais secretasob a forma de uma lâmpadaacesapela luz do espírito'A simbólica romana ilustrou esta iluminação interior no tímpano das igrejascom uma estátuado Cristo sentadonuma amêndoa ou mandorla, em torno da qual irradia uma vibração de raios luminosos. E talvez comparável à tradição hebraica que chama luz(ouamêndoa)a essenúcleode imortalidadee que a mitologia grega traduziu criando o mito de Átis, nascidode uma virgem que o concebeua partir de uma amêndoa.A floração precoceda amendoeira,nascidade uma projecçãofálica de Zeus,anunciaa revivescênciaprimaveril da natureza. Esta auréolada mandorla é por vezescomparadaao arco-íris, essaponte de luz que une a terra ao céu e o céu à terra e que lìrcilita a passagemdo mundo sensívelao mundo sobrenatural. I jstearco-írisé a escadariade setecorespelaqual Buda,ele próprio r\svezesapelidadode GrandePonte,desceuà Terra.Na Grécia,o rrrco-írisé afaixade Íris, mensageirados deuses,e na Índia é o rurcode Indra, com o qual ele lança as suasflechasde chuva ou rle lbgo. Se os imperadoresromanose os papasforam apelidados

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O MUNDODOSSÍMBOLOS

E MITOS SÍMBOLOS SIGNOS,

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de pontífices, é por serem construtoresde pontes, mediadores entreocéueaterra. O arco-íris simboliza também as provas da iniciação libertadora, comparada à passagemsobre uma ponte estreita e temível, reduzidaa uma linha mais fina do que um cabelo e mais cortante do que um sabre,tal como é descrita no Islão a ponte sirat que permite o acessoao Paraíso. O culto do fogo deriva da naturezaespiritual da luz. Remonta à pré-históriae o seusimbolismoé polivalente.Paraconseguirmos captar-lhe a coerênciadentro da sua variedade,podemos tomar como exemplo as divindadeshindus que representamvários dos seus aspectos:Agni, que é a iluminação da inteligência; Indra, que lança as flechas do seu raio, do seu poder; Surya, o sol que aqueceo mundo. MasAgni, por seuturno, é não apenaso espírito que ilumina, mas a vontadeque conquistae o cruel guerreiro que destrói, simultaneamentegerador,purificador e destruidor. O fogo purificadorque seerguesobreo altardos holocaustos, acompanhousempreas coroaçõese os ordálios. Foi ele que deu Foi ele que o nome aos serafins,que significa "incandescentes". desceusobreas cabeçasdos apóstolosem no dia de Pentecostes línguas de fogo e foi ele que fez subir Elias ao céu num carro de chamas. O raio do fogo celesteé simbolizadopelo machado de pedra de dois gumes,de Parashu-Rama,pedraque é aliás um meteorito' É também o martelo do Tor escandinavo,o vajra de Xiva e de Indra, simultaneamenteraio e diamante'a flecha de ouro doApolo hiperbóreo,a espada de SãoMiguel, o tridente de Neptuno, que na Índia erajâ a arma de Xiva cujos três dentes representamo tempo triplo (passado,presentee futuro) e os três níveis da manifestaçãouniversal, tomada a jóia tripla do budismo' Em países islâmicos, durante a pregação, o khitâb segura uma espadade madeiracomo símbolo da força da palavra, tal como uma espadade dois gumessimbolizandoo Verbo, sai da boca de Javé, tal como se encontra representadoem algumas iluminuras romanas. 58

No Tibete,o vajra representao raio, símboloda manifestação activa do céu, bem como o método em oposição à doutrina pela sineta.O que é expressopela fórmula latina de representada toda a iniciação ao conhecimento,obtido mente et malleo, pela razãoe pelo maço. O calor que o fogo produz ao encontrara matéria, tornou-se a inflamação espiritual de todas as provas e foi aplicado pelos alquimistas taoístasao cadinho interior do homem, ao centro do seucoração,localizado anatomicamenteno plexus precisamente denominadosolar.Como o fogo tem por função transformartudo aquilo em que toca do estadogrosseiroaosestadossuperiores,o tantrismo compara este fogo à ascensãoda kundalini ao longo dos centros da coluna vertebral que consome,transformando progressivamente a energia seminal em despertar da espiritualidade.Mas o fogo pode tambémdescere transformar-se em castigo,como testemunhaLúcifer, anjo portador de luz que se tornou príncipe do fogo subterrâneo. O ar é o elemento próprio do mundo intermédio, mediador entre o céu e a terra, entre o fogo e aágua. É o meio onde se manifesta o sopro divino, idêntico ao Verbo saído da boca de Javé, e em simultâneo o sopro da sua narina, que representaa força criadora e conservadora da vida. Na Índia, o ar ê representadopelo deus Vayu soberano do domínio subtil, que montauma gazela,o mais veloz dos animais,e que transporta um estandarteflutuando no vento das oito correntescósmicas. Estasestãorelacionadascom as oito direcçõesdo espaçoque as qualificam,pois o octógonoé a figura intermédiaentreo quadrado terrestree o círculo celeste.EmAtenas,tambéma Torre dos Ventos tinha oito lados que correspondiamao simbolismoda oitava. O ur é uma emanaçãodo sopro do espírito(rouah) que na Génese sc move sobre as águasprimordiais para as separare criar o rnundo.Podesercomparadoao hamsados Vedas,o cisnedivino tlue sobreas mesmaságuaschocao Ovo do Mundo. Vayu que liga como um fio (sutra) a cadeiados mundos é urrìaemanaçãode Atma, sopro do Espírito universal. Sendo o

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O MUNDODOSSÍMBOLOS

E MITOS SÍMBOLOS SIGNOS, universotecido pelo fio de Atma, o homem é tecido pelos cinco soprosdos seuscinco sentidos,porque a suacirculação,associada àkundalini tântrica, e à embriologia taoísta,não suscitaapenasa simples respiraçãocomum, mas unifica todas as energiasvitais' O domínio do prana, que o yogi persegue,conduz ao da mente' da energia seminal e da respiraçãosubtil. primordiais em Quando o sopro divino separou as águas possibilidades informais superiores e formais inferiorês, as nuvens,o orvalho e a chuva apareceramcomo bênçãos'Porque a água recebida pela terra é fonte de vida. Representao infinito dos possíveis,as promessasde desenvolvimentoe todas as u*"uçu, de dissolução. Mergulhar nas águas é regressar às origens.Na Índia, aâguaêa fonte substancialda matériaprimeira, da prakritioriginal, quando o mundo futuro repousavano fundo do Oceanoprimitivo. O Espírito Santo é fonte de água viva' A imersão é regeneração.O baptismoé um segundonascimentoe todos os ,"*pre sedesenvolveramperto de uma nascente'Na Bíblia' "uÌto, os poços,nascentese fontes desempenhamum papel essencial de iocal sagradoonde se dão encontros providenciais, onde se efectuamuniões,aliançase pactos' ALuaestáassociadaàáguacomooSolaofogo.Irradiando uma luz indirecta, é símbolo de dependênciae, pelo seu reaparecimentoperiódico, de renovação' Mede o tempo, o das semanase dos meses,segundoo seu próprio ciclo e unifica os cuja analogiaos aproximado seu'Controla ritmos heterogéneos, os fenómenosda fertilidade e da vegetação' Foi o primeiro morto, como o demonstra o seu desaparecimentodo céu nocturno durante os três dias da sua renovação.As almas mortas devem passaratravésda sua esfera, domicílio das divindades lunares Ísis, Istar, Artemísia' Lucine' HécateePerséfone,quesãotambémasdivindadesctonianas. Simbolizaoconhecimentoindirecto,discursivoeracional representadopela coruja, pássaronocturnode Minerva' Na India' onde a dissolução a ásferada Lua é o fim da Via dosAntepasSados, 60

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das formas antigas permite a chegada do futuro. O que pode compÍìrar-secom o papel transformadorde Xiva, cujo símbolo é precisamenteum crescentelunar, O crescenteé aliás o aspectomais correnteda lua, comparada a uma taça ou a qualquer outro recipiente que contenha as promessasde uma renovação, como a arca de Noé flutuando sobre as águasdo Dilúvio e que representavaa metade inferior do Ovo do Mundo, cujo complemento superior seria a abóbada celeste.O crescenteé tambéma letra nün que,em árabe,possui essaforma. Na tradição islâmica,esta letra representao peixe dentrodo qual Jonasesteveencerradodurantealgum tempo,como Noé na arca, antesda sua libertação.Do ponto de vista do seu significado, o crescenterepresentaa ressurreiçãodevido ao ritmo mensal das transformaçõeslunares. Na cabala hebraica a letra nttn encontra-setambém ligada à ideia de renascimento. O simbolismo mais geral da taça seria o de um vaso de abundânciaque recolheriaa águado céuou o leite do seiomatemo, ele próprio comparávela uma taça.Acrescente-seque certosfrutos aquosos,que podemserconsiderados taçasnaturaisparaestancar a sede,a abóbora,a cidreira,a laranja,a melancia,sãoalém disso para os taoístas símbolos de fecundidade, devido às suas numerosassementes,embriões de frutificação futura. Um símbololendário dataçaé,o do Graal, o vasoda Ceia que recolheuo sanguede Cristo na Cruz, tornando-seassimo cálice de todas as missas e o homólogo de todos os corações.Facto que confirma o hieróglifo egípcio do coraçãoque é o desenhode uma taça.O coração é, na verdade,tradicionalmenteo centro do seq a fonte da inteligência intuitiva antesde se tornar a do sentimento. Devido ao seuritmo é o senhordo tempo.Na Índia é a moradade Bramae no Islão o trono de Deus.Aquando do embalsamamento de um corpo, duranteas cerimóniasfúnebresdo antigo Egipto, o coraçãoera a única vísceradeixadaintacta no corpo da múmia. Quandoo Alcorão fala do espíritodivino insufladoemAdão, trata-sedo coração,como o afirma o poeta Djili, pois paÍa os sufis a visão espiritualé comparadaao "olho do coração".

O MUNDODOSSÍMBOLOS

E MITOS SÍMBOLOS SICNOS,

'

l

um livro O Graal, que é um vaso (grasale), é também (gradal e),simultaneamenterevelaçãoespiritual e v ida orgânica' teria sido dlgma e ritual. Segundouma antiga tradição' o Graal da aquando tathado numa esmeraldacaída da testa de Lúcifer excrescência suaqueda,signo que pode compÍrar- seà urna'essa sobrancelhas as simbolicu quã xiuu e Buda tinham na testaentre perdera e que representavao sentido da eternidade,que Lúcifer queda' justamente no momento da sua lembrar A távola redonda,sobrea qual o Graal repousafaz altares' E a a pedra do Santo Sepulcro e o protótipo de todos os zodiacal círculo do de um centroespiritual,em torno representação são idlal desenhadopor esta mesa, onde os doze apóstolos e onde substituídospelos doze signosdo bestiário astrológico' távola Esta posteriormentesesentarãoos dozecavaleirosdo Graal' enquantoa iedonda zodiacalé uma imagem da abóbadaceleste' o local da terrestre' Tábua guardadado Islão é a sua projecção inscreve'a substânciamanifestadasobre a qual o calame divino sortedos nossosdestinos' outro O búzio, como todas as conchas marinhas' é um ao órgão símbolo aquático e lunar. Universalmente comparado Afrodite de do mito genital feminino encontra-sena origem marinho' Anadiomena(ou mulher do mar), nascidade um búzio de amêndoa' a como tal A pérola, fruto da concha,imagem, a simboliza uma gota de espermaou de orvalho caída do céu' nos rituais força geradorae a energiacósmica e daí o seu papel devido ao de renascimento ou de exéquias' O búzio marinho' quando o estranho e misterioso som que dele provém e origem aproximamos do ouvido, foi consideradoreceptáculo ressonância do som. Os monges tibetanos utilizavam a sua som natural o descobrir e mente a contínua para nela imergirem do mundo. búzio' Como o som e a pérola se encontramconservadosno vajra do passivo este era consideradono Tibete complementar própria assimo papelda sineta' ela (raio) activo,desempenhando Esta análoga a uma taça invertida cujo batente seria a pérola' 62

complementaridadeera igualmente reconhecidana China onde se empregava um grande búzio para "extrair" água da Lua, enquantoum espelhode metal deveria "extrair" o fogo do Sol. Pelo desenvolvimento logarítmico das suasespirais, que o Número de Ouro calcula e que comandao crescimentodos seres vivos,a forma helicoidaldo búzio transmitiuo seusimbolismoà espiral. A espiral plana evoca o desenhodo labirinto, ou seja, do retornoao centro.A espiralduplarepresentaos dois movimentos complementares,evolutivo e involutivo, da vida e da morte. É igualmenteo enrolamentoduplo da serpentedo caduceu,a hélice dupla em torno do bastãobramânico,o movimento duplo dos nôdis, em redorda artériac entralsushúma.o movimento alternado executadopelos devas e pelos assuras durante a desnataçãodo Mar de Leite (amrita), o movimento de vai-vem da pederneira queproduz fogo pelafricção da madeira.É um simbolismo cíclico que vai ao encontro do da roda e que representaigualmente as duasespirais entrecruzadasque formam a suástica. Mas não abandonemosa água necessáriaà vida e que é anterior ao nascimentodo mundo. Segundoum mito hindu o mundo terá nascidode um ovo (bramanda) vazido para as águas e chocadopor um cisne(hamsa).Esta ideia de um ovo cósmico, embrião da manifestação,encontra-seem outras cosmogonias, porexemplono ovo escondidopelo Kneph egípcioe pelo dragão chinês,o ovo dos Dióscoros,chocadopor Leda depois da sua união com um cisne. Encontramo-latambém nas cosmogonias dos Dogonse dos Bambaras.Enquantosímbolosde nascimento e de ressurreiçãoforam encontradosovos colocadosentreas mãos de imagensde Dioniso nos himulos da Beócia.Ainda hoje o ovo du Páscoaconstitui um símbolo da ressurreiçãodo Cristo e do t'enascimento primaveril da natureza.Nesseovo, esféricocomo o Ândrógino platoniano,encontram-seenvoltoso céu e a terra ttindanão manifestados,que surgiramquandoo ovo se quebrou crnduasmetades,segundouma operaçãoanálogaà da polarização rlo Andrógino.Esseovo continhaa multiplicidadedos seresnum

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O MUNDODOSSÍMBOLOS

E MITOS SÍMBOLOS SIGNOS. Ouro embrião a que os Vedas chamam Embrião de al' univers (hyranyagarblra), símboloda potencialidade ser Após a bipartição deste ovo a acção do céu não pôde apenas captadadirectamente,pois os raios solaresinsustentáveis a superfície sobre podem ser olhados nu ,uu imagem invertida apenas ãas águas.ALua, que reflecte igualmenteos raios solares' ilusório carácter de pode da, uma imagem indirecta num reflexo é reduzidoa uma especulaçãoracional,uma vez que especular observaro céu com a ajudade um espelho(speculum)' do A manifestaçãosurge pois como um reflexo invertido O Princípio, cuja imagem na superfície das águasé um símbolo' conjunto um é que o universo qu" o, sufis expressamafirmando de áe espelhosno qual a Essênciase contemplasob o aspecto espelhos todasas formas' No Japão,por exemplo,encontramos que forma solares em todos os santuiíriosxintoístas da mesma existemcruzesnasnossasigrejas' A realizaçáodas possibilidadescontidasno Ovo cósmico efectua-se graças a uma acção solar em profundidade' de uma representadanas diferentes tradições pelo desabrochar reflecte se onde flor, lótus, rosa,lis, na superfíciedaságuas,plano ao o raio celeste no qual se opera a passagemdo universal individual ou vice-versa. cálic-e A flor é aqui um símbolodo princípio passivo'O seu celestes'O é comparadoà taça que recebea chuva e o orvalho como no seu desabrocharna superfície de uma água estagnada' eclosãoe casodo lótus,ou numjardim, como a rosa,representaa o desenvolvimentode toda a manifestação' o A flor enquanto receptáculo horizontal e passivo é da acção complementodos símbolos verticais e activos' os de sangue o celeitial, como a lançade Longino, de onde escoa como o Cristo para o cálice durante a cerimónia do Graal' ou javali' faz um de sanguede Adónis que, ferido pelo focinho os nur"", uma flor de anémona púrpura' Na Antiguidade' "Jardins de Adónis" designavam a floração da renovação primaveril. 64

O lótus, saído da obscuridadedas águas adormecidas, desabrochana superfíciedestasas oito pétalasda suacorola nas oito direcções do espaço.O seu botão pode ser comparado ao ovo que se abrepela eclosãoda flor. Aiconografia hindu mostranos Vixnu adormecidona superfíciedo oceanooriginal enquanto do seu umbigo sai um lótus onde está sentadoBrama. A Índia, aliás,distingueum lótus rosa(padma),símbolosolar,e um lótus azul(utpala),símbololunar.A famosainvocação."Oh, a jóia no lótus!" (om! mani padme), exprime a exaltaçãodo ãivino no receptáculodo darma cósmico. A rosa persa correspondeao lótus hindu e chinês. Na iconografiacristã é o cálice que recolheuo sanguedo Salvador, ou seja, representao Santo Graal, ele próprio comparado ao coraçãode Cristo o que mostraclaramenteo sentidodo símbolo dos rosa-cruzistas.É um símbolo de regeneraçãoe os antigos colocavamsemprerosasnos túmulos.Hécate,que governavaos Infemos, era representadacoroada de rosas. Assim, pode considerar-seo mundo como uma terra santa no meio do oceanocósmico,uma ilha no centroda qual seergueria uma montanha, ela própria encimada por uma árvore sagrada. Corremnascentesda basedessaárvoree o conjunto desselugar privilegiadopode ser consideradoa primeira concepçãode um espaçoreservado,ou seja,de um templum,de um templo. Esta imagem reduzida do cosmos,este pequenomundo em miniatura,pode assim ser substituídopelo palácio do soberano no meio do seulago, ou por um castelono meio dos seusfossos, ou por um jardim que procura reconstituiros jardins persasou osjardins fechadosdascasasmuçulmanas,o claustro .iaponeses, dos mosteiros,todasestasimagensde um paraísoreencontrado. nos mais Sãoelasque encontramossimbolicamenterepresentadas belostapetespersas,com os seusviveiros de flores, o seu lago ccntral,os seuspavõesviradosuns para os outrose a sua árvore da vida.

O MUNDODOSSIMBOLOS

E MITOS SIMBOLOS SIGNOS,

cadauma delas. A estrelapolar, que desempenhao papel de motor principal e em torno da qual gira o firmamento, foi desdemuito cedo um símbolo de preeminência.Na China a ela eram comparadosos sábiose noutrastradiçõesera o coroamentodo céu, o umbigo do mundo, o pilar solar. O desenhode uma estrela de cinco pontas, ou pentagrama, foi durante muito tempo considerado uma imagem do microcosmos humano, significado que a estrela ardente da maçonaria herdou. Colocada entre o esquadro, que serve para medir a terra e o compasso,que serve para medir o céu, o pentagramaé o símbolo do homem regenerado,do mestre iniciado, do companheiro por excelência da ordem da camaradagem.Num mosaicode Pompeia,sem dúvida feito por um arquitecto,podemosver um crânio pentagonalcolocadosob um esquadroem forma de telhadosustentadopor um círculo alado, promessade um renascimentode além-túmulo. O pentagrama,signo secretode reconhecimentoentre os pitagóricos,correspondematematicamentea um número irraciotraduzindouma proporçãomédia ( 1,618) de ouro>>, nal, o - declaraEddington-
BENOIST.Signos, símblos e mitos

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