Johanna Lindsey - Oeste II 02 - Tempestade Selvagem

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Tempestade Selvagem Johanna Lindsey Série Oeste II – Livro 2

Disponibilização/Tradução: Fátima Revisão Inicial: Irany Revisão Intermediária: Fátima Revisão Final e Formatação: Iara Projeto Revisoras Traduções Jocelyn Fleming era uma ruiva cheia de vida, que tinha enviuvado depois de um matrimônio muito breve com um ancião nobre britânico. Embora rica e aristocrata, ardia com a dor do desejo não explorado. Seu inquieto coração a conduziu da corte da sociedade londrina até a perigosa beleza do indômito Oeste norte-americano. Colt Thunder era um rebelde, um solitário, incrivelmente atrativo, brutalmente imprevisível. Em uma terra audaz e sem misericórdia chocaram esses dois mundos, tão diferentes: o potro selvagem do deserto e a intacta rosa da Inglaterra, acendendo um devastador incêndio de paixões fronteiriças, que ameaçava consumir a ambos.

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Capítulo 1 Território de Wyoming, 1878 Aquele dia do verão, no Rancho Calam reinava o silêncio, exceto pelo detestável estalar de um chicote. Seis ou sete homens se reuniram em frente ao pátio da casa, cobertos com pastagens, mas ninguém emitia um só som, no entanto Ramsay Pratt brandia o chicote com a destreza que o tinha feito famoso. Pratt tinha sido arriero e adorava exibir sua habilidade. Era capaz de desarmar a um pistoleiro com um leve movimento do punho e de matar a uma mosca pousada na garupa de um cavalo sem tocar na pele. Assim como outros levavam o revólver ao quadril, Pratt levava um chicote de três metros e meio, enrolado. Mas sua demonstração desse dia era algo diferente de seus truques habituais. Nessa oportunidade estava arrancando a carne das costas de um homem. Ramsay fazia por ordem do Walter Calam, mas obedecer lhe produzia bastante prazer; não era a primeira vez que matava a um homem desse modo nem que tirava o chapéu desfrutando-o, embora ninguém em Wyoming soubesse. Para ele as coisas não eram tão fáceis como para os pistoleiros. Se estes queriam matar a um homem, organizavam uma rixa que acabava em questão de segundos; quando a fumaça se limpava, aduziase defesa própria. Com a arma escolhida pelo Ramsay, era preciso começar por desarmar ao adversário, para logo proceder a lhe tirar a vida a açoites. Não eram muitos os que aceitavam a defesa própria, nesse caso. Mas nesta oportunidade seguia as ordens do amo e, de qualquer modo, a vítima era um mestiço sem importância, de modo que a ninguém incomodaria. Não estava empregando seu chicote para cavalos, capaz de arrancar um centímetro de carne a cada golpe. Desse modo o entretenimento teria terminado logo. Calam lhe tinha sugerido uma vara mais curta e mais fina, capaz de cortar uma volta carne humana, mas em um tempo muito longo. Ramsay estava de acordo. Poderia prolongar aquilo por horas antes que lhe cansasse o braço. 3

Se Calam não houvesse, estado tão furioso, provavelmente teria se limitado a fazer matar de um disparo ao índio. Mas queria lhe fazer sofrer, que gritasse um pouco antes da morte, e Ramsay estava disposto a lhe dar gosto. No momento se limitava a jogar com a vítima, utilizando a mesma técnica que aplicava com o chicote para bois: cortar dois ou três centímetros aqui, dois ou três lá, sem fazer muito dano, mas fazendo sentir cada corte. O índio ainda não tinha deixado ouvir sua voz, nem sequer por uma brusca aspiração. Já o faria, quando Ramsay começasse a aplicar força aos golpes. Mas não havia pressa... a menos que Calam se aborrecesse e desse ordens de acabar. Isso não era muito provável, estando o patrão tão furioso. Ramsay lhe compreendia: o mesmo teria sentido ele se tivesse descoberto que o pretendente de sua única filha era um condenado mestiço. Tinha sido enganado durante vários meses, e também Jenny Calam, a julgar por sua expressão, quando o pai a enfrentou com a verdade. havia-se posto pálida, como se estivesse chateada; agora estava de pé no alpendre, junto a seu pai, tão furiosa como ele. Era uma verdadeira vergonha, porque a moça era muito bonita. Mas quem a quereria agora, depois de saber com quem tinha andado, deixandose tocar e quem sabe que mais? Tinha sido tão enganada como seu pai. Quem teria podido suspeitar que o íntimo amigo dos Summers fosse meio índio? Vestia e falava como os brancos, levava o cabelo mais curto que a maioria dos brancos e tinha um revólver ao quadril. Por seu aspecto teria sido muito difícil adivinhá-lo, pois o único índio que havia nele era o murcho de seu cabelo negro e o bronzeado de sua pele, a qual, para falar a verdade, não era muito mais escura que a de tantos outros homens dedicados a trabalhar ao ar livre. Nada teriam sabido os Calam, se não tivesse sido por Mandíbula Durant. Durant tinha sido despedido do rancho Rocky Valley e acabava de ser contratado no de Calam. Enquanto estava no celeiro apareceu Colt Thunder, como se fazia chamar o mestiço, nesse enorme appaloosa, filho de um potro premiado da senhora Summers. Naturalmente, Durant sentiu curiosidade e perguntou a um dos homens que fazia Thunder ali; quando 4

lhe disseram que tinha estado rondando as saias do Jenny Calam os últimos três meses, logo que pôde acreditá-lo. Conhecia o Colt por seu emprego anterior; sabia que era muito amigo do Chase Summers, o patrão, e da Jessica, sua esposa. Também sabia que era um mestiço e que, até três anos antes, tinha sido um verdadeiro guerreiro cheyenne, embora essas notícias, ao parecer, não tinham saído do Rocky Valley até esse dia. Durant, sem perda de tempo, procurou a seu novo patrão e lhe pôs a par da notícia. Talvez Calam não teria atuado desse modo se não tivesse sido informado diante de outros três peões. Posto que seus homens conheciam a vergonha de sua filha, não havia modo de deixar viver ao índio. Reuniu o resto de seus homens e, assim que Colt Thunder saiu ao alpendre, depois de ter convidado ao Jenny a um picnic, encontrou-se ante seis revólveres nervosos apontados a seu ventre. Tão em desvantagem estava que não jogou mão a sua própria arma, que foi tirada sem perda de tempo. Era um homem alto, mais alto que quantos lhe rodeavam. Quem lhe tinha visto ir e vir nesses últimos meses não tinham motivos para desconfiar dele, pois sorria com freqüência, ria bastante e dava todas as amostras de ter um caráter agradável... até esse momento. Agora ficavam poucas dúvidas de que tinha sido criado pelos cheyennes do norte, os mesmos que, junto com os sioux, massacrassem à tenente coronel Custer e seu batalhão de duzentos homens, apenas dois anos antes, no vale do Little Bighorn, em território de Montana. Colt Thunder se converteu em cheyenne em um abrir e fechar de olhos: bravo, letal, perigoso, desatado a selvageria do índio, capaz de encher de medo o coração do homem civilizado. Quando se deu conta de que não tinham intenções de lhe matar a bala, não se deixou apanhar com facilidade. Só entre sete homens puderam lhe atar ao pau de amarração, frente à casa; desses sete, nenhum saiu da resistência ilesa. As contusões e os narizes ensangüentados apagaram qualquer reparo que os homens tivessem podido sentir quando Walter Calam ordenou ao Ramsay trazer um chicote para cavalos, a fim de que o índio morresse pouco a pouco. O prisioneiro nem sequer tinha piscado 5

ante essa ordem. E seguia sem fazer uma só careta de dor, embora já tinha a camisa rasgada e jorrava sangue dos pequenos cortes que Ramsay lhe tinha infligido. Ainda estava de pé, com os quadris contra o trilho de um metro e meio que lhe servia de único apoio e os braços estirados até os extremos. Havia lugar para que caísse de joelhos, e cedo ou tarde assim seria, mas no momento se mantinha erguido em toda sua estatura, com a cabeça ereta e desafiante; só a tensão de seus dedos, enroscados ao trilho, davam uma amostra de dor... ou de irritação. Foi essa postura, tão condenadamente orgulhosa, o que recordou ao Ramsay que essa ocasião não era como as outras em que tinha fundo o chicote em carne humana. Os dois mexicanos aos que tinha feito o mesmo no Texas tinham cansado detrás três ou quatro toques. Aquele velho buscador de ouro, ao que Ramsay tirasse o ouro e a vida em Avermelhado, tinha começado a uivar antes do primeiro contato com a vara. Mas esse era um índio, ou ao menos tinha sido criado como tal. Não se contava algo sobre os índios das planícies norteñas, que se submetiam a uma espécie de auto tortura cerimonioso? Ramsay teria apostado a que o mestiço tinha um par de cicatrizes no peito ou nas costas como prova disso. O detalhe lhe incitou ainda mais; significava que faria falta tempo e muito trabalho para lhe arrancar um grito. Era hora de atuar a sério. O primeiro golpe autêntico foi como um ferro ao vermelho aplicado à costas de mestiço; a única diferença foi a falta do fedor que acompanha à carne queimada. Colt Thunder não piscou. Não faria um gesto enquanto Jenny Calam estivesse nesse alpendre, lhe observando. Mantinha os olhos cravados nela. Eram azuis, como os seus, mas muito mais escuros, como esse anel de safiras que ao Jessie gostava de usar. Jessie? Deus, quanto se zangaria por isso. Claro que sempre se mostrou protetora para com ele, sobre tudo desde que lhe visse aparecer ante sua porta, três anos antes; após tinha tomado sobre si a tarefa de lhe converter em homem branco. Até lhe tinha feito acreditar que podia resultar. Ele teria devido saber que não seria assim. 6

Pensar nela... não, só podia imaginar a Jessie chorando quando visse o que subtraía de seu corpo depois do que lhe tinham feito. Jenny: tinha que concentrar-se nela. Maldição, quantos chicotadas foram? Seis, sete? Jenny, bela, loira, doce como as guloseimas caseiras do Jessie. Seu pai se instalou em Wyoming no ano anterior, ao terminar a guerra com. os índios, quando os sioux e os cheyennes, derrotados, estavam já confinados em suas reservas. Colt tinha estado em Chicago com o Jessie e Chase durante o pior da guerra; Jessie as compunha para lhe ocultar a notícia, segura de que ele quereria voltar para combater junto a seu povo. equivocava-se. A mãe, a irmã e o irmão menor do Colt já tinham morrido à mãos de dois buscadores de ouro, que se encaminhavam para as Colinas Negras, apenas dois meses depois de que ele abandonasse a tribo, em 1875. A zona fervia de buscadores de ouro desde que se descoberto ouro ali, no 74. Esse foi o começo do fim: esse ouro no território índio. Os índios sabiam sempre que estava ali, mas uma vez que se inteiraram os brancos não houve modo de mantê-los fora. E embora estavam faltando ao Tratado ao entrar nesses terrenos, finalmente apareceu o exército para protegê-los. A grande vitória a Índia do Littie Bighorn foi a última; logo, o fim. Mulher-do-Rio-Largo, a mãe do Colt, tinha-o visto vir. Por isso tinha instigado uma briga entre ele e seu padrasto, Corre-com-o-lobo, para obrigar ao Colt a que abandonasse a tribo. Teria querido enviar com ele a sua filha, mas Pequeno Pássaro Cinza já estava casada. O explicou só quando já tudo tinha passado, quando era muito tarde para franquear a brecha; o explicou junto com seus motivos para agir assim. Ele ficou furioso. Nada lhe importavam os medos maternos com respeito ao futuro. Só via o fim de seu modo de vida. Mas ela já tinha previsto esse fim e lhe brindava uma vida nova ao lhe obrigar a afastar-se. Mortificava-lhe saber que ela tinha tido razão. Que, se ele tivesse sobrevivido à guerra, a essas horas estaria vivendo em uma reserva, tal como seu padrasto e seu irmão mais velho... se ainda estavam com vida. Mas mais lhe mortificava haver-se salvado dessa degradação só para isto. 7

Vinte e cinco, trinta? Não tinha sentido contá-los, verdade? Conhecia a habilidade do Ramsay Pratt com o chicote; tinha visto várias vezes freqüentar ao Jenny. O homem se orgulhava do que podia fazer. E agora estava se exibindo ante os homens que lhe observavam. Afundava o chicote muitas vezes na mesma ferida: a primeira vez, para abri-la; a segunda, para aprofundar o corte; logo, só para desfrutá-lo e para que doesse. Colt sabia que Pratt podia brandir indefinidamente esse chicote. Era um verdadeiro urso e o parecia: um nariz tão plaina que quase lhe perdia na cara, juba desalinhada, de uma cor castanha suja, emaranhada sobre os ombros, e barba larga, densa, com o bigode fundido nela. parecia-se como ninguém a um selvagem. E Colt tinha visto brilhar seus olhos ante a ordem de trazer o chicote. Era um trabalho que gostava. Cinqüenta e cinco, sessenta? Para que tratava de levar a conta? Ficava ainda um pouco de pele? Eram os danos tão graves como lhe parecia ou só a destreza do Pratt lhe dava a sensação de ter as costas em chamas? Tinha apenas consciência do sangue que lhe estava enchendo as botas. Por quanto tempo poderia Jenny estar-se de pé ali, olhando, com uma expressão tão dura e pouco emotiva como a de seu pai? Era possível que ele tivesse pensado em se casar com essa moça, em comprar um rancho com o saco de ouro que tinha achado entre seus pertences ao chegar ao Rocky Valley? O último presente de sua mãe. Desejava a Jenny do momento em que a tinha visto pela primeira vez. Jessie tinha brincado com ele sobre esse interesse, te respirando a atuar. Também lhe tinha instilado confiança em si, para que não vacilasse por muito tempo. Quando os apresentaram descobriu que a atração era mútua, tanto que em menos de um mês Jenny lhe presenteou com sua inocência. Lhe pediu essa mesma noite que se casasse com ele. após fazer planos e esperar só o momento adequado para dizer-lhe ao pai. Mas o velho suspeitava o que ia acontecer. Posto que o gado do Rocky Valley pastava na pradaria, virtualmente junto ao rancho Calam, lhe era fácil ir de visita três ou quatro vezes por semana, a meio-dia e ao entardecer. O fato de que Walter Calam 8

não ignorasse o sério desse cortejo tinha muito que ver, provavelmente, com sua cólera atual. E a cólera do Jenny? Compreendeu que tinha feito mal em não lhe revelar o de seu passado, em não lhe dizer que seu verdadeiro nome era Trovão Branco, White Thunder em inglês; Colt, só uma ocorrência do Jessie. O caso é que Jenny não lhe teria acreditado; teria pensado que era só uma brincadeira dela. Jessie fazia um bom trabalho com ele; geralmente, até pensava como os brancos. Mas para Jenny tinha deixado de ser branco. Colt tinha visto sua fúria, antes que ela imitasse a dura expressão paterna, ao começar o tortura. Não havia lágrimas; já não pensava em suas mãos e em sua boca sobre a pele; não recordava como lhe falou que lhe fizesse o amor, cada vez que se encontravam sozinhos. Agora não via mais que a um índio, recebendo o que merecia por aspirar ao amor de uma branca. Começava a debilitar-se as pernas. E também a vista. O fogo se aberto passo até estalar dentro de seu cérebro. Não sabia como se mantinha em pé, como impedia que seus músculos faciais se contraíram espasmodicamente. Tinha acreditado experimentar o pior dos dores durante a cerimônia da Dança do Sol, mas isso era um jogo de meninos junto a isto. E Jenny não fechava os olhos nem apartava a vista. Claro que, do alpendre, não podia lhe ver as costas. Provavelmente isso não teria importado. E já não importava olhá-la aos olhos. Já não servia para bloquear a dor. Walter Calam fez gestos ao Ramsay para que se detivera por um momento, ao ver que Colt fechava os olhos e deixava cair a cabeça para trás. -Segue vivo, moço? Colt não respondeu. Os gritos estavam aí, em sua cabeça, em sua garganta, esperando só escapar assim que abrisse a boca. teria arrancado a língua de uma dentada antes de deixá-los brotar. E não era por seu feroz orgulho de índio pelo que tinha decidido não pronunciar palavra. Os índios respeitavam o branco que sabia enfrentar à morte com valentia. Ele não 9

esperava respeito semelhante desses homens. Seu silêncio era por seu próprio bem, por sua própria dignidade. Mas o silêncio que lhe rodeava tinha sido quebrado pela pergunta de Calam. Houve exclamações de assombro pelo fato de que ainda estivesse em pé; debateu-se se era possível deprimir-se sem cair; sugeriu-se que lhe arrojassem um cântaro de água, se por acaso se tinha desvanecido. Nesse momento ele abriu os olhos; estava o bastante consciente para saber que a água, ao tocar qualquer parte de suas costas ferida, faria-lhe perder o domínio. Levantar a cabeça foi mais difícil, mas também o obteve. -Se não o estivesse vendo com meus próprios olhos, não acreditaria disse alguém a seu lado. reatou-se o zumbido e o estalo do chicote, mas já ninguém emprestava muita atenção, salvo o recipiente e o verdugo. -Ainda não acredito -grunhiu uma voz, detrás do Colt-. Não é possível que siga de pé. -O que esperava? Só é humano pela metade, já sabe. É a outra metade a que segue em pé. Ramsay se desentendeu dessas vozes, concentrado em açoitar só as feridas abertas. Estava furioso por não ter quebrado ainda o índio e essa irritação lhe afetava a pontaria. Esse cretino não podia lhe fazer isso. Não podia morrer sem abrir a boca. Ramsay estava tão zangado que não ouviu os cavaleiros que apareceram a tudo galope pelo flanco da casa. Os outros sim. Ao voltar-se, encontraram-se com o Chase e Jessica Summers, mais uns vinte de seu jeans, que descendiam para eles. Se Ramsay os ouviu, deveu supor que eram os homens de Calam, chegados da pradaria, pois não se deteve. No momento em que jogava o braço atrás para outro açoite, Jessica Summers disparou seu revólver. A bala destinada a perfurar o crânio do Ramsay passou sobre sua cabeça. Summers tinha desviado para cima o braço de sua esposa no último instante, ao ver suas intenções. Mas esse disparo foi um sinal. Todos os homens do Rocky Valley apontaram rifles ou pistolas para ouvi-lo. Os peões de Calam não moviam um músculo; nem sequer respiravam. Walter Calam começava a cair na conta de que possivelmente tinha cometido um grave engano. Não porque não queria ver morto ao mestiço, mas sim porque talvez não convinha fazê-lo tão 10

publicamente. Ramsay Pratt cravou a vista horrorizada no montão de armas apontadas para ele. Um chicote não servia de nada contra tantas. Baixou cautelosamente o braço até que o tato ensangüentado se converteu em uma víbora vermelha enroscada a seus pés. -Filho de puta! -gritava Jessica Summers. Mas o grito estava destinado a seu marido. -por que não impediu isso? por quê? Antes que ele pudesse responder, ela se tinha deslizado da arreios para correr para frente, apartando a trancos nada suaves aos homens que não se atreviam a mover-se. Sua cólera era monumental. Em seus vinte e cinco anos de existência nunca se enfureceu assim, ao ponto de estar disposta a matar. Nem seus pais, nem seu marido, nenhum dos que a faziam zangar-se de vez em quando, tinham-na feito perder nunca desse modo o domínio de si. Se Chase não o tivesse impedido, teria esvaziado a carga de seu revólver contra os homens de Calam, reservando para ele a última bala. Mas quando chegou junto ao Thunder e viu de perto os danos causados pelo chicote, a fúria desapareceu. dobrou-se em dois, com um gemido agudo que acabou abruptamente ao esvaziar seu estômago no pátio manchado de sangue. Chase esteve ali imediatamente e a rodeou com seus braços. Mas não olhava a não ser ao Thunder; ele também se sentia um pouco chateado. Tinha chegado a considerar seu amigo a esse homem, embora Colt tinha relações mais estreitas com o Jessie, que lhe amava como a um irmão. Ambos compartilhavam uma relação especial desde fazia muitos anos, a metade da vida. Colt sempre estava ali quando ela necessitava um amigo, e Jessie ia culpar se de não ter chegado a tempo. E Chase tinha a forte sensação de que era muito tarde. Se Colt não morria pelo chicote, matarialhe a perda de sangue. -Naoooo! -Jessie acabava de levantar-se, chorando, e olhava outra vez ao Thunder. -OH, Deus, Deus... Faz algo, Chasel -Já chamei pelo médico. -Isso levará muito tempo. Faz algo agora. Tem que fazer algo agora mesmo. Detém a hemorragia... OH, Deus, por que não lhe cortaram ainda as ataduras? 11

Em realidade não era uma pergunta. Jessie não sabia o que estava dizendo. Quase em transe, caminhava ao redor do poste. Assim era melhor. De diante lhe via bem, excetuando a palidez de sua pele, sua imobilidade mortal, sua leve respiração. Teve medo de lhe tocar. Queria tomar em seus braços, mas não se atreveu. Qualquer contato lhe faria mal. Qualquer movimento seria uma tortura. -OH, Por Deus, Trovão Branco, o que lhe têm feito? - Disse-o em um sussurro lacrimoso. Colt a ouviu. Sabia que ela estava ali, frente a ele, mas não abriu os olhos. Se via a dor gravada na cara dessa mulher, perderia o leve fio de controle que lhe subtraía. Sentia terror a que lhe tocasse, em que pese a que necessitava de sua ternura, necessitava-a desesperadamente. -Não... chore... -Não, não chorarei -assegurou-lhe ela, em tanto as lágrimas seguiam correndo-se pelas bochechas-. Mas não trate de falar, ok? Eu me encarregarei de tudo. Até matarei, a Calam em seu nome. Acaso tratava de lhe fazer rir? Certa vez lhe tinha feito o mesmo oferecimento, só que nessa ocasião o homem a matar era seu atual marido, o mesmo que ela amava com toda sua alma. -Não... mate... a ninguém. -Chist... está bem, como queira. Mas não siga falando - brandou. -E logo-. -Maldição, Chase, ande depressa com essas ataduras! Temos que deter a hemorragia. Colt não moveu os braços quando os deixou livres. Chase estava agora frente a ele, explicando com voz suave: -Jessie, tesouro, esse chicote tocou a terra uma e outra vez. Terá que lhe limpar as costas para que a infecção não o mate. Houve um pesado silêncio. Colt se houvesse posto tenso, mas se sustentava já muito rígido. -Faz-o, Chase -disse Jessie, em voz baixa. -Caramba, Jessie... -Tem que fazê-lo - insistiu ela., Os três se conheciam o suficiente como para que ambos os homens soubessem a que se referia ela; não estava falando de limpar feridas, nem 12

sequer de lhe mover. O corpo do Colt quase suspirou de alívio. Era hora de que a ela lhe ocorresse algo sensato. -Primeiro necessitamos um colchão. E um par de homens para que lhe sustentem e lhe impeçam de cair. Quando se tratava de dar ordens, Jessie estava em seu elemento. Entretanto, para ouvir indicar a dois homens que entrassem na casa para procurar um colchão, Walter Calam recordou quem era ali o dono e se plantou ante a porta para lhes bloquear o passo. -Ninguém vai arruinar um de meus colchões por esse sujo... Não concluiu. Jessie tinha girado em volta para ouvir sua objeção e concentrava nele toda sua atenção, toda a fúria que tinha sentido momentos antes. Subiu os degraus do alpendre e, antes que ninguém adivinhasse suas intenções, tinha arrancado o revólver a um dos homens a quem Calam bloqueava o passo. Esta vez Calam não estava ali para tirarlhe Ninguém mais se atreveria. -Alguma vez lhe dispararam, Calam? -disse, em tom de conversação, enquanto indicava por gestos aos dois homens que entrassem. Acariciou com indiferença o canhão do velho Colt 44 Dragoon. -Há partes do corpo que se podem voar de um disparo sem que sangrem muito, mas sempre doem horrivelmente. Um dedo do pé, por exemplo, ou da mão... ou o que faz homem ao homem. Quantas balas calcula que fariam falta para cortar dois centímetros cada vez? Três, possivelmente? Ou nem sequer tantas? Parece-lhe que isso igualaria sua própria selvageria, Calam? -Está louca -disse Walter, em um sussurro horrorizado. Tinha levado a mão ao revólver, em um gesto protetor. Jessie não fez nada por impedir-lhe limitava-se a lhe olhar a mão, com a esperança de que ele extraíra a arma. Leu o desejo nos olhos e afastou lentamente os dedos. -Covarde -vaiou a mulher, farta de jogar com ele-. Empacote suas coisas e desapareça antes que amanheça Calam. Você e seus homens. Se não dispensar atenção a minha advertência, farei de sua vida um inferno. Não haverá sitio no território em que possa esconder-se de minha vingança. 13

Ele não esperava semelhante coisa. -Mas você não tem direito... -Cale-a boca! Ele rancheiro olhou ao marido, suplicante. -Não pode dominar a sua mulher, Summers? -Já te fiz um favor, filho de puta -gritou-lhe Chase-. Impedi que ela te voasse a cabeça. Se lhe ocorre te fazer alguma outra coisa, será o menos que mereça, de modo que não insista. Tem sorte de que um de seus homens acostume sair a beber com meu capataz e nos tenha avisado ao inteirar-se do que planejava. E tem muita sorte dC que nos tenha encontrado na pradaria, em vez de ver-se obrigado a galopar até o Rocky Valley. Mas aí te acaba a fortuna. O que tem feita é selvageria do mais baixo, digno só de bestas. -Eu tinha todo o direito do mundo -protestou Walter-. Ele manchou a minha filha. -Essa cadela fria que tem por filha lhe provocou -espetou-lhe Jessie, fazendo-se a um lado para deixar acontecer um colchão. Já se tinha confiscado uma carreta do celeiro-. Só fica uma coisa por te dizer, Calam: se ele morrer, você morre. Será melhor que reze muito enquanto sai do território. -Já se inteirará o delegado. -OH, espero que cometas a estupidez de dizer-lhe sim! Se não te entregar eu mesma é porque temo que só te daria um tapinha. Ponha contra mim e eu mesma me encarregarei dê fazer justiça. Juro Por Deus. De qualquer modo, é o que deveria fazer -concluiu Jessie, com certo desgosto contra si mesmo, em tanto lhe voltava as costas. Walter grunhiu, depois dela: -Ao fim e ao cabo é só um condenado mestiço. Jessie girou em volta; seus olhos de turquesa lançavam faíscas. -Cretino! Cretino filho de puta! Ele que queria matar é meu irmão! Dava uma palavra mais e te colocarei uma bala entre os olhos!

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Deu-lhe dois segundos para decidir se desejava enfrentar-se a essa última ameaça. Logo lhe deixou para aproximar-se do Colt. Ele tinha os olhos abertos. olharam-se por um comprido instante. -O... sabia? -Não sempre. E você? -Quando... parti. Lhe apoiou muito brandamente um dedo contra os lábios. -Surpreende-me que ela lhe dissesse isso. Sempre sentiu saudades a afinidade que unia a ti e não a seus irmãos. Por fim o perguntei a sua mãe, de frente. Ela não quis responder. Sem dúvida não gostava de admitir que sua filha mais velha não era a única tinha dado um filho a meu pai. Mas o fato de que não o negasse foi resposta suficiente para mim, sobre tudo porque eu desejava muito que assim fosse. -Jessie, não crê que esta conversação deveria ficar para outro momento? -sugeriu Chase. Ela assentiu, deixando correr o dedo pela bochecha do Colt, em uma carícia afetuosa. Foi o sinal para que os dois homens que esperavam atrás se adiantassem e tomassem ao Colt pelos braços. Ele voltou a fechar os olhos. Chase ficou diante dele. -Desculpa, meu amigo. -Não seja idiota, Chase -disse Jessie, tranqüilamente. Com isso obteve de seu marido um olhar que dizia: "Já ajustaremos contas, você e eu", mas a ignorou, segundo seu costume-. É o único que poderá agradecer em todo este dia infernal. Acaba de uma vez. Chase obedeceu. Jogou o punho para trás e o impulsionou para a mandíbula do Colt.

Capítulo 2

Cheshire, Inglaterra, 1878 15

Vanessa Britten, esquecida do bordado que tinha no regaço, observou à duquesa, que completava outra volta à habitação. Não se podia dizer que estivesse passeando-se. A moça não devia saber que estava abrindo um sulco no fino tapete oriental. Quem teria pensado que a duquesa se afligiria pela pequena tragédia que se desenvolvia no último andar! Por certo, Vanessa não o tinha acreditado ser possível aceitar o posto de dama de companhia junto à moça de dezenove anos, apenas um mês atrás. Era muito comum que as jovens se casassem com aristocratas entrados em anos, procurando o título e a fortuna. E Jocelyn Fleming tinha apanhado a um dos melhores candidatos: Edward Fleming, sexto duque do Eaton, que já era idoso e estava doente no momento de desposá-la, no ano anterior. Mas Vanessa não tinha demorado muito em trocar a opinião que lhe merecia ser a jovem duquesa do Eaton. Era verdade que, ao aceitar a proposta matrimonial do duque, estava na ruína. Seu pai tinha sido dono de uma cavalariça situada no Devonshire, uma das melhores da Inglaterra, conforme dizia Jocelyn. Mas tinha, como tantos de seus pares, uma deplorável tendência ao jogo; morreu tão cheio de dívidas que deixou a sua filha sem um centavo. Edward Fleming a tinha salvado literalmente, quando já considerava a possibilidade de fazer o pior podia fazer uma dama de boa criação: procurar emprego. Ante semelhante façanha, Vanessa só haveria dito: "Boa jogada”. Adorava as histórias de triunfos; não era das que se houvessem ressentido contra outra mulher por um pouco de boa sorte... ou muita, como no caso da duquesa. Mas Jocelyn Fleming não era a caça fortunas que ela tinha suposto no princípio. Vanessa tinha vivido muitos anos em Londres, onde as pessoas iguais a ela eram gente de sangue-frio, disposta a conseguir tudo o que se pudesse. Jocelyn não teria podido atuar assim, nem sequer desejando-o. Era muito ingênua, muito franco e confiada, muito inocente. Entretanto, não fingia. O mais assombroso era que na verdade amava ao homem que, nesse mesmo instante, agonizava no piso superior. 16

Vanessa tinha sido contratada precisamente para essa contingência. O duque tinha tomado muitas precauções desacostumados nos últimos meses, como vender propriedades não hipotecadas, transferir dinheiro ao exterior e comprar as coisas indispensáveis para viajar. Ocupou-se de todos os detalhes necessários. Jocelyn e seu cortejo, bastante numeroso, só deviam partir. Até a bagagem estava preparada. Vanessa se tinha mostrado bastante cética ante as razões que justificavam essas previsões por parte do duque. Compreendeu só ao conhecer seus parentes longínquos: os "abutres”, segundo ele os chamava, que estavam esperando para cair sobre sua propriedade e fazê-la migalhas. Se alguém merecia o título de avaro e implacável até crueldade, esse era Maurice Fleming, atual herdeiro do ducado. Edward não tinha familiares diretos. Maurice era só um segundo primo, cuja presença o duque não tolerava. Mas o primo tinha uma numerosa família política que manter, além de uma mãe e quatro irmãs. Dizer que esperava avidamente o falecimento do Edward era expressar-se com muita discrição. Tinha espiões no Fleming Hall, para que lhe mantiveram informado sobre o estado do Edward. Assim que se opinasse que o duque havia falecido, sem dúvida soaria a aldrava na porta principal. A pobre Jocelyn estava no meio de algo que só podia chamar uma briga familiar muito antiga. Os parentes tinham feito o possível por convencer ao Edward de que não se casasse com ela. Fracassado isso, expressaram certas ameaças, embora não em presença do Edward; de qualquer modo tinham chegado a seus ouvidos. Ao prepará-lo tudo para o futuro de seu jovem algema não precavia de sobre proteção. Vanessa era agora a primeira em reconhecer que teria sido uma tolice permanecer na Inglaterra, tentando ao destino. O novo duque não ficaria de braços cruzados, permitindo que a maior parte das propriedades do Fleming voassem fora de seu alcance. Faria todo o possível paras recuperá-las. E por ser o novo duque do Eaton, seu poder seria imenso. Mas Edward tinha decidido que Maurice e sua ambiciosa família não recebessem dele nada que não estivesse hipotecado. Tudo devia pertencer a Jocelyn, por sua lealdade e sua devoção sem egoísmos. 17

Se alguém necessitava do conselho e guia da Vanessa, era essa jovem de olhos lacrimosos. Jocelyn não queria abandonar a Inglaterra, onde estava tudo que lhe era familiar. Em vão tinha discutido com seu marido desde a primeira sugestão. Nesse aspecto ela era como uma criatura temerosa do desconhecido. Não chegava a compreender o perigo que sofreria se permanecia ali e caía sob o controle do Maurice. Vanessa sim. Bom Deus, não queria sequer pensá-lo. Jocelyn podia ser a duquesa; duquesa viúva, dentro de pouco, pois Maurice tinha esposa e lhe correspondia ser a nova duquesa do Eaton. Mas o título não daria a jovem nenhum amparo se Maurice conseguia lhe por as mãos. -Sua Graça? –A governanta apareceu na porta, vacilante, acompanhada pelo próprio médico da rainha - Sua Graça? Ela precisou repetir para arrancar Jocelyn de seus pensamentos sombrios. Vanessa compreendeu que até esse momento tinha uma obstinado esperança, embora leve. Mas lhe bastou olhar ao médico para que essa esperança morresse definitivamente. -Quanto será? - Perguntou, com voz apertada. -Será esta noite, Sua Graça - respondeu o velho facultativo - Sinto muito. Sabíamos que era só questão de tempo. -Posso lhe ver? -É obvio. Pergunta por você. Jocelyn assentiu e se levantou os ombros. Se algo tinha aprendido com o seu marido no ano transcorrido, era o manter o porte e certa confiança em si mesma, que provinha de gozar uma posição importante. Não choraria diante dos servos. Mas uma vez a sós... Tinha somente cinqüenta e cinco anos. Quatro anos antes, quando conheceu Jocelyn, seu cabelo castanho tinha estado logo que salpicado de cinza. Tinha ido ao Devonshire para comprar um cavalo de caçada ao pai da moça. Lhe recomendou uma arreios menos vistosa, e Edward seguiu seu conselho antes que do adestrador de seu pai. O cavalo recomendado por ela tinha mais resistência, mais vigor. Edward não se arrependeu. Voltou o ano seguinte, por dois cavalos de carreira. Uma vez mais, comprou guiando-se só pela recomendação de Jocelyn, o que significava 18

uma grande elogio. Ela compreendeu que os cavalos; criou-se entre eles um grande elo, mas ninguém tomava a sério devido a sua pouca idade. Entretanto, Edward Fleming tinha ficado impressionado por seus conhecimentos e sua segurança. Os puro sangue vendidos por lhe tinham feito ganhar muito dinheiro. Uma vez mais, não se arrependeu. E acabaram sendo amigos, mesmo em face à grande diferencia de idades. Ao inteirar-se da morte de seu pai, Edward acudiu imediatamente e lhe fez um oferecimento que ela não pôde rechaçar. Não tinha nada de perder. Sabia que ia morrer; os médicos lhe tinham dado só uns poucos meses de vida. O que desejava era uma companheira, uma amiga, alguém que cuidasse dele e derramasse alguma lágrimas após a sua morte. Tinha amigos, mas nenhum íntimo. Estava acostumado a dizer, com carinho, que lhe tinha dado motivos para viver um pouco mais. Jocelyn gostava de pensá-lo assim. Estava muito agradecida por esses meses adicionais que lhe tinham sido brindados junto a ele. Em Edward encontrava tudo: pai, irmão, mentor, amigo, herói. Tudo, salvo o amante, mas isso não tinha remédio. Ele era incapaz de fazer amor com uma mulher desde muitos anos antes de conhecê-la. Mas Jocelyn, a inocente noiva de dezoito anos sabia o que estava perdendo e, portanto, não lamentava se ver impossibilitada de explorar esse aspecto de suas relações. teria se mostrado mais que disposta, mas não se sentia enganada. Simplesmente, amava a Edward por tudo o que lhe oferecia. Às vezes pensava que tinha nascido ao lhe conhecer. Sua mãe tinha morrido antes que ela pudesse guardar lembranças autênticas de sua figura. O pai passava a maior parte do tempo em Londres. de vez em quando voltava para lar e reparava nela, mas a moça nunca tinha gozado de uma relação íntima com ele. Levava uma vida solitária e isolada no campo, interessada só nos cavalos que seu pai criava. Edward, pelo contrário, tinha-lhe aberto todo um mundo novo: de esporte, festas, amigas, roupas bonitas e luxos que nunca tinha sonhado. Agora estava a ponto de embarcar-se em outra vida nova, mas sem contar com ele como guia. Por Deus, como confrontá-la sem ele? 19

Jocelyn acomodou sua respiração ao aroma de enfermidade que reinava no dormitório principal. Não queria um lenço perfumado para dissimular esse fedor desagradável. Não queria desagradar a Edward. Ele jazia deitado na cama enorme, no centro da grande habitação, para facilitar a respiração. Observava-a, opacos os olhos cinza, já quase sem vida, com a pele afundada e uma palidez mortal. Lhe ver assim lhe encheu os olhos de lágrimas. Apenas umas semanas antes ainda se mantinha razoavelmente ativo; se voltasse umas semanas mais lhe recordava vigoroso e alegre (ao menos, isso lhe tinha feito acreditar). E durante todo esse tempo tinha estado fazendo planos e arrumando-o tudo por seu bem, sabendo que lhe acabava o tempo. -Não fique tão triste, minha querida. Nem sequer sua voz soava igual. Por Deus, como despedir-se dele sem derrubar-se? Tomou a mão que jazia na colcha de veludo e a levou aos lábios. Quando a separou de sua cara, manteve um sorriso para ele, mas durou apenas um segundo. -Faz armadilha -protestou, arreganhando-se a si mesmo ao tempo que a ele-. Estou triste. Não posso evitá-lo, Eddie. Algo do humor que lhe caracterizava lhe voltou para os olhos para ouvir esse apodo que ninguém se atreveu nunca a lhe aplicar, nem sequer na infância. -Sempre foi deploravelmente franca. É uma das coisas que mais admirei em ti. -E eu, pensando que era meu excelente critério para escolher cavalos! -Também isso. -A sua vez, ele fracassou no intento de sorrir. -Tem dores? -perguntou ela, vacilante. -Nenhum que não esteja habituado, a estas horas. -Não te deu o médico ... ? -Mais tarde, querida. Queria permanecer lúcido para me despedir. -OH, Por Deus! -Vamos, vamos, nada disso. - Ele tratou de mostrar-se severo, mas nunca tinha podido ser severo com ela. -Por favor, Jocelyn. Não suporto te ver chorar. 20

Ela afastou o rosto para enxugar lágrimas, mas assim que voltou a lhe olhar lhe correram outra vez pelas bochechas. -Sinto muito, Eddie, mas sofro muito. Não formava parte do trato que eu te amasse assim - disse, desolada. Poucos dias antes, um comentário como esse lhe teria feito rir. -Sei. -Dois meses, disse-me. E eu pensei... pensei que em tão pouco tempo não me afeiçoaria contigo. Quis te fazer cômodos os últimos dias, te fazer feliz até onde pudesse, porque me ajudou muito. Mas não pensei intimar contigo a tal ponto que doesse o... Não se importou, verdade? -Um sorriso irônico lhe cruzou os lábios e desapareceu.- antes que acabassem esses dois meses já te amava muito. OH, Eddie, não pode nos dar um pouco mais de tempo? Se enganou antes aos médicos, pode voltar a fazê-lo, não? Ele teria querido com toda sua alma dizer que sim. Não queria renunciar à vida agora, quando a felicidade chegava tão tardiamente. Mas nunca a tinha enganado e não pensava fazê-lo nesses momentos. Tinha sido egoísmo desposá-la, quando existiam tantas outras maneiras de ajudá-la. De qualquer modo, parecia, e na verdade não lamentava o tempo passado com ela, por breve que fora e embora agora a fizesse sofrer. Ele tinha querido a ter junto a si alguém que lhe chorasse, e assim era. Mas não tinha suspeitado que seu próprio coração sofreria também ao abandoná-la. Estreitou-lhe a mão, a maneira de resposta. Ao ver que ela encurvava os ombros, adivinhou que compreendia. Suspirou, fechando os olhos só por um momento. lhe contemplá-la causava muito prazer, um prazer que agora necessitava. Era incrivelmente bela, embora ela teria sido primeira em burlar-se se o tivesse ouvido dizer. E com razão, pois seu aspecto não era absolutamente o que indicava a moda. Suas cores eram muito vistosos: cabeleira vermelha, muito brilhante, como uma labareda; olhos verde lima excessivamente fora do comum por sua claridade e muito expressivos. Quando alguém não gostava, seus olhos o diziam, pois a moça era muito sincera para seu próprio bem e não conhecia a duplicidade. Tampouco se 21

parecia com outras ruivas, assim que não tinha uma só sarda em sua pele de marfim, tão clara que parecia translúcida. Suas feições eram mais aceitáveis: um pequeno rosto oval, bonito com delicadas sobrancelhas em arco, nariz pequeno e reta, boca suave e delicada. Seu queixo tem uma inclinação teimosa, embora não indicava um temperamento forte, ao menos até onde Edward podia assegurá-lo. A única teima que tinha demonstrado era sua resistência a abandonar a Inglaterra, mas nisso tinha acabado por ceder. Quanto ao resto de sua pessoa, era preciso admitir que sua silhueta poderia ser mais generosa. Sua estatura superava um pouco a meia normal, embora era vários centímetros mais baixa que ele, e Edward era de estatura média. Sempre tinha sido ativa, e mais ainda desde sua chegada ao Fleming Hall; isso explicava sua magreza. E nas últimas semanas, a preocupação por lhe tinha feito perder peso; as roupas já não se ajustavam a sua silhueta. Isso não a preocupava. Não era coquete absolutamente... Aceitava aquilo com que podia contar e não se incomodava muito em melhorá-lo. Edward, em seu amor, sentia-se extremamente ciumento; por isso se alegrava de que outros homens não a encontrassem tão encantada como ele. E posto que seu amor por ela não era de tipo sexual, sua falta de curvas não tinha importância. -Já te disse quanto te agradeço que aceitasse ser minha duquesa? -Cem vezes, quanto menos. Ele voltou a lhe apertar a mão. Jocelyn apenas o sentiu. -Você e a condessa preparastes a bagagem? -Eddie, não... -Temos que falar disso, querida minha. Devem partir imediatamente, embora seja em metade da noite. -Não é correto. Ele compreendeu a que se referia. -Os funerais são deprimentes, Jocelyn. De nada servirá que assista ao meu, como não seja para arruinar tudo o que tenho feito para te deixar a salvo. Promete-me isso? 22

Ela assentiu, embora a contra gosto. Edward lhe estava fazendo ver a realidade da sua partida iminente, quando ela tratava de não pensar nisso, como se ignorando-o pudesse reter o duque a seu lado. E isso já não era possível. -Envie ao Maurice uma cópia de seu testamento. -Ao ver que ela dilatava os olhos, explicou.- Espero que isso lhe impeça de fazer algo drástico. Também espero que, quando fugir abandonado o país, opte por deixar as coisas assim e se de acordo com as propriedades hipotecadas que herdará. Eaton é o bastante rica para lhe manter com toda sua família. Jocelyn não precisava ficar para presenciar a leitura do testamento. Edward já tinha transferido a seu nome todo o resto. -Se lhes tivesse deixado tudo... -Jamais! Antes preferiria doá-lo para obras de caridade. Quero que você receba, Jocelyn. Tudo. É um dos motivos pelos que me casei contigo. Quero estar seguro de que jamais te faltará nada. E me ocupei que sua segurança. Os homens que contratei para seu guarda são os melhores dos que se podia dispor. Quando estiver fora da Inglaterra, Maurice não poderá manipular aos tribunais contra ti. E quando chegar à maioria de idade, ou se voltar a te casar... -Não mencione agora o matrimônio, Eddie... Agora não - disse ela, com a voz quebrada. -Sinto muito, querida, mas é muito jovem. Chegará o dia em que .... -Por favor, Eddie! -Muito, bem, mas sabe que só quero que seja feliz? Fazia mal em falar tanto. Estava cansado; logo que podia manter os olhos abertos. E ainda tinha muito que lhe dizer. -O mundo inteiro é teu... Desfruta-o. -Farei-o, Eddie, prometo-lhe isso. Converterei-o em uma aventura, tal como você disse. Viverei tudo, farei tudo. - Jocelyn falava com celeridade, pois ele parecia desvanecer-se ante seus mesmos olhos. Estreitou-lhe a mão com mais força até que ele voltou a centrar seu olhar nela.- Montarei camelos e elefantes, caçarei leões na África, subirei às pirâmides do Egito. -Não se esqueça... de sua cavalariça. 23

-Não me esquecerei. Criarei os melhores puro sangue do... Eddie... -Ele tinha fechado os olhos. Seus dedos estavam lassos.- Eddie? -Te... amo... Jocelyn. -Eddie!

Capítulo 3

Território do Arizona, 1881 Não era tanto um caminho como um caminho de mulas, às vezes tão estreita que em duas oportunidades a primeira das carruagens se entupiu: ao princípio, entre a ladeira da montanha e cantos rodados impossíveis de mover; depois, entre duas altas costas rochosas. Em cada ocasião, foram muitas horas perdidas no alargamento da estrada com picaretas e pás, ferramentas que felizmente havia sido incluído entre as provisões. Eles tiveram muitos quilômetros cobertos nessa manhã quente outubro. Calorosa, sim, mas o México tinha sido muito pior, sobre tudo em julho. Era pleno verão, má época para entrar nesse país. A caravana de carruagens e carretas tinha cruzado a fronteira mexicana a noite anterior; ali tinha desaparecido o guia, e esse era o motivo pelo qual não estavam circulando por um caminho decente, a não ser perdidos, em meio de cadeias montanhosas que pareciam prolongar-se eternamente, embora o caminho que seguiam devia terminar em alguma parte, sem dúvida. Foram rumo ao Bisbee. Ou era para o Benson? Realmente, necessitavam muito um guia nessa zona. O mexicano ao que tinham contratado vários meses antes se levou admiravelmente, lhes fazendo cruzar a fronteira sem incidentes; entretanto, era óbvio que tinha mentido quanto a seus conhecimentos sobre a região norte-americana; do contrário não se teria partido, deixando-os sem prévio aviso. Claro que ninguém tinha pressa por chegar a alguma parte. Levavam suficientes provisões para todo um mês e ouro para repor a carga quando 24

por fim chegassem ao Bisbee, Benson ou o que aparecesse antes. Qualquer cidade dava igual. Não importava. Ultimamente se tinham arrojado muitas moedas para decidir no que, direção continuar a viagem. Jocelyn tinha começado a fazê-lo na Europa, não podendo decidir que país desejava visitar a seguir. Tinha intenções de chegar, cedo ou tarde, a Califórnia, aonde tinha enviado seu navio, o Jocel, para que a esperasse ali. Claro que, se algo o fazia trocar de idéia enquanto isso, sempre lhe seria possível enviar uma mensagem ao capitão para que a esperasse em outro sítio, como tantas vezes tinha feito. Perguntava-se se passar alguns meses explorando esse país, como tinha feito no México, ou se continuar ao Canadá ou a América do Sul, uma vez que chegasse a Califórnia. Em realidade era questão de prioridades: a segurança contra o prazer. Queria conhecer melhor esses territórios do oeste, e também outros estados, as cidades principais de cada um. até agora só tinha visto Nova Iorque e Nova Orléans. E desejava, sobre tudo, visitar as cavalariças de Kentucky, das que tanto tinha ouvido falar, para ver se seu puro sangue podiam comparar-se com os dela; possivelmente tivessem algumas éguas que ela queria comprar para o Sir George, o potro premiado que levava consigo. Mas se fazia segundo seus desejos, era possível que John Longnose os alcançasse. Era um fulano que os seguia por todo mundo desde que ela saísse da Inglaterra, três anos antes, contratando coortes em diferentes países conforme as necessitava; desse modo, eles não sabiam nunca de quem suspeitar ou contra os quais estar alerta. Nunca tinham visto esse homem nem conheciam seu verdadeiro nome. John Longnose (Nariz Largo) era só o que lhe davam para poder referir-se a ele, posto que lhe mencionavam com tanta freqüência em suas conversações. O mais seguro seria voltar para mar assim que chegassem a Califórnia. Existia uma boa possibilidade de que desse modo Longnose perdesse o rastro, sequer por um tempo. A menos que já tivesse seguido de navio até a Costa Oeste e a estivesse esperando ali. Na verdade, Jocelyn estava farta de fazer o mais seguro. A isso se limitou desde o começo dessa louca aventura; 25

com freqüência tinha que abandonar um sítio quando ainda não estava disposta; trocava de hotéis com freqüência; com mais freqüência ainda trocava de nome. -OH, querida, já vejo que está mal-humorada outra vez -comentou Vanessa, olhando com intenção o leque que Jocelyn utilizava com crescente velocidade. O cenho franzido que dedicou a maneira de resposta a fez acrescentar: -Claro que faz muitíssimo calor, verdade? -Estivemos em países mais calorosos, incluído o que acabamos de abandonar. -É certo. - Vanessa não disse mais nada. Voltou a olhar pelo guichê, como se o tema ficasse fechado. Jocelyn não se deixou enganar. Era costume de a condessa dar a impressão de abandonar a luta, quando estranha vez era essa sua intenção. O hábito resultava fastidioso, embora Jocelyn estava já muito acostumada a isso e o passava por cima quase sempre. Resultava mais fácil dizer a Vanessa o que desejava saber antes que tratar de evitá-la. Qualquer haveria dito que duas mulheres, depois de ser companheiras constantes durante tanto tempo, acabariam irritando-se mutuamente. Mas não era assim. A amizade iniciada na Inglaterra tinha crescido a tal ponto que cada uma sabia tudo da outra; não havia tema do que não pudessem falar. Formavam um estranho contraste: Jocelyn, com suas cores vívidas; Vanessa, pálida, de cabelo loiro cinza e olhos castanho claro. A condessa já tinha trinta e cinco anos, mas representava dez menos; sua figura arredondada fazia que os homens se voltassem a olhá-la. Jocelyn seguia sendo magra, em que pese a todas as comidas suculentas e exóticas que tinha provado em tantos países como visitasse. Media um metro sessenta e cinco, mas a baixa estatura da Vanessa a fazia parecer mais alta e magra. A condessa era acessível, de aspecto convencional e absolutamente lhe intimidem. Jocelyn causava o efeito oposto, só por seu aspecto fora do comum. A jovem não teria sabido o que fazer sem a condessa. Com freqüência se maravilhava de que ela não a tivesse abandonado muito antes, ou 26

quanto menos em Nova Iorque, onde a perseguição tinha tomado um aspecto mais sinistro com o assassinato do advogado norte-americano do Jocelyn. Mas Vanessa parecia entreter-se com as aventuras; a diferença de sua companheira, sempre tinha querido ver o mundo e desfrutava dessas viagens minuto a minuto. Estranha vez se queixava, mesmo que o alojamento era menos que adequado ou quando o clima resultava do pior. Vanessa não era a única que se manteve leal ao longo de todo aquilo. Ainda contavam com o Babette e Jane, as donzelas que as acompanhavam desde o Fleming Hall. Os três palafreneros que atendiam os cavalos eram os mesmos que Edward tinha eleito para o cortejo de sua esposa, assim como Sidney e Pearson, os dois serventes que tão úteis resultavam quando acampavam ao ar livre. Tinham perdido ao primeiro cozinheiro e a seus dois ajudantes, mas Philippe Marivaux, o temperamental francês que contratava na Itália, seguia com eles, e também o espanhol e o árabe encarregados de lhe ajudar na cozinha e de conduzir as carretas quando era necessário. Da escolta original, constituída por dezesseis homens, só quatro partiram. Não foi fácil colocar outros no lugar, pois não eram muitos os homens destros com as armas que estivessem dispostos a abandonar o lar e a pátria para unir-se a uma viagem que começava a parecer indefinido. Tinham passado cinco minutos, no máximo, quando Vanessa voltou a começar: -Não está preocupada com este pequeno caminho, verdade? -É só um caminho, conforme acredito. Não, não estou preocupada por isso. Agora parece descer, de modo que não demoraremos muito mais. -Isso significa que estava preocupada, sim -apontou Vanessa, com tom de "já sabia”-. Espero que não seja por esse fulano que deve abandonar em Nova Iorque. Não tinha chegado à conclusão de que não podia te casar com ele enquanto não solucionasse o pequeno problema de sua virgindade? Jocelyn não se ruborizou como a primeira vez que seu estranho apuro se converteu em tema de conversação. Após o tinham discutido tantas vezes que já não ficava do que ruborizar-se. 27

-Não mudei que idéia -replicou Jocelyn-. Charles conhecia o Edward; o tinham apresentado em sua viagem pela Europa. Sob nenhuma circunstância posso permitir que Charles conheça a incapacidade do Edward. Não quero que sua memória fique manchada desse modo. E se me casasse com o Charles, ele não deixaria de dar-se conta... a menos que ele padeça a mesma incapacidade, coisa muito pouco provável, sendo tão jovem. -E tão agressivo no sexo. Não diz que te encurralou nesse dormitório e esteve a ponto de... ? -Certamente. As duas decidimos que é sobriamente capaz de reclamar todos os direitos maritais. Agora Jocelyn havia tornado a ruborizar-se. Tivesse preferido ocultar esse incidente a Vanessa, mas sua companheira o tinha surrupiado, como de costume. Em realidade, não se envergonhava do ocorrido. Charles já lhe tinha proposto matrimônio. E se ela, depois de ter bebido um pouco em excesso nessa festa, tinha permitido que o jovem a seduzira, a coisa não tinha nada de mau, considerando o que ambos sentiam. Mas essa noite ela se esqueceu de seu problema. Se Vanessa não tivesse ido em sua busca, com o que pôs fim aos apaixonados abraços do Charles, o problema em questão já não teria existido. Charles já teria descoberto que a viúva do duque do Eaton ainda era virgem. -Se tivesse solto as rédeas em Marrocos - recordou-lhe a condessa-, teria podido manter uma bonita aventura com esse xeque, não recordo o nome, que não deixava de te perseguir. Ele não conheceu o Edward e nem sequer sabia que foi viúva; além disso, logo não que falava nosso idioma, de modo que não teria importado. E basta um só amante, minha querida, para que seu problema se acabe. -Era muito logo, Vanessa. Se por acaso não o recorda, eu ainda estava de luto. -E isso o que tem que ver? Acaso supõe que eu esperei um ano, depois do falecimento do conde, para tomar um amante? Não, Por Deus. As mulheres têm necessidades tão potentes como os homens. -Não sei. 28

Vanessa sorriu ante esse tom pacato. -Não, claro, mas já saberá. Ou estou te pondo nervosa outra vez? -Absolutamente -disse Jocelyn. E era sincera, embora uma coisa era falar a respeito e outra muito distinta fazê-lo na verdade-. É hora de que averigúe a que vem tanta bulha. Já não me basta saber como se faz para satisfazer minha curiosidade. Mas não posso fazê-lo com qualquer homem. -Não, certamente. Para a primeira vez não basta com uma atração leve. Quanto menos, deve ser alguém que te faça perder a cabeça. -Estive procurando -disse Jocelyn, à defensiva. -Sei, querida. Obviamente, esses mexicanos morenos e bronzeados não eram seu tipo. Se ao menos tivesse tomado esta decisão antes de conhecer alguém como Charles, com quem desejava seriamente te casar... -Mas como ia saber que eu ia querer voltar a me casar? -Adverti-te que assim passa. Ninguém planeja apaixonar-se. -Mesmo assim, francamente não pensava me casar. depois de tudo, teria que renunciar a grande parte da liberdade da que tanto cheguei a desfrutar. -Com o homem adequado, isso não te importaria. Nesse comprido viaje por mar, entre Nova Iorque e México, ambas tinham decidido que, sendo o casamento uma possibilidade futura, Jocelyn devia desfazer-se de sua virgindade. Só assim poderia impedir que o nome do Edward fora objeto de intrigas sujas. Ao fim e ao cabo, uma viúva não tinha por que ser virgem. Seguir sendo-o aos vinte e um anos não era motivo de orgulho, sobre tudo quando era o último que se podia esperar dela. Essa virgindade se converteu finalmente em um estorvo. Tal como Vanessa dizia, era algo que teria de ser liquidado tempo atrás. Agora suas opções eram limitadas. Alguém consistia em ir a um médico, mas a idéia de que lhe introduziram um instrumento para lhe cortar a membrana a fazia estremecer de desgosto. A alternativa era tomar um amante que não pertencesse a sua esfera social, alguém que não tivesse ouvido falar do Edward; sobre tudo, alguém a quem ela não voltasse a ver nunca mais quando tudo acabasse. Já voltasse para Nova Iorque e ao 29

Charles Abington III, já encontrasse a outro homem adequado para sua posição social e seus meios econômicos, poderia casar-se sem preocupações. A impotência do Edward jamais sairia à luz. Jocelyn estava disposta. Estava-o desde que desembarcassem no México. E Vanessa se equivocava: vários mexicanos lhe tinham resultado muito atrativos. Por desgraça, seu interesse não foi correspondido ou, se foi, ela não contava com a experiência necessária para interpretar sinais sutis. Não era absolutamente viciada na paquera. Isso de achar um amante não seria fácil. além de sua falta de experiência, devia ter em conta ao senhor Longnose; tampouco podia permanecer em um mesmo sítio o tempo suficiente para desenvolver uma relação ao ponto de convidar a um homem a seu leito. Provavelmente voltariam a rondá-la, como tinha ocorrido no Meio Oriente e na Costa Leste da América do Norte. Em alguns países os homens eram mais agressivos que em outros ou, ao menos, mais audazes para expressar seus desejos. Bem lhe teria sentado agora um pouco dessa audácia, que até então lhe tinha parecido pura arrogância. Ao recordar o sabujo que ainda lhes seguia o rastro, Jocelyn disse: -Em realidade, não pensava no Charles. Faz tempo que não penso nele. Crê que pôde haver eu gostado menos do que eu supunha? -Não o tratou durante muito tempo, querida. Dizem que alguns amores nascem instantaneamente, embora nunca experimentei um de esses. "Em geral, o amor demora para crescer. Poderíamos ter acontecido vários meses em Nova Iorque, mas conheceu esse homem apenas três semanas antes que nos víssemos obrigados a partir. O mero feito de que te interessasse me parece bom sinal, Posto que nestes anos tendia a ignorar aos homens. Agora... me diga por que nosso persistente amigo do largo nariz te tem preocupada. Não pensará que tem descoberto tão logo nosso paradeiro, depois de todas as mudanças de rumo que fizemos no México? Jocelyn teve que sorrir. Vanessa parecia segura de que só dois temas podiam a ter preocupada. -Não. Não vejo como pôde averiguar que nos embarcávamos para o sul, quando bem teríamos podido retornar a Europa. 30

-Tampouco sabemos como nos encontrou em Nova Iorque, mas o fez. Começo a me perguntar se não ter um informante entre nós. Os olhos verdes se dilataram de alarme. Se Jocelyn não podia confiar nas pessoas que a rodeavam estava em grave perigo. -Não, não quero pensar semelhante coisa! -Não refiro às pessoas de sua escolta, querida. Mas já sabe que a tripulação do Jocel troca constantemente. Em todos os porto que touca, o capitão perde a vários homens que deve colocar outros no lugar. Na viagem entre Nova Orléans e Nova Iorque havia seis homens novos; quando partimos para o México, dez mais. E como o telégrafo se utiliza cada vez em mais países, se Longnose tiver informações internas sobre nosso paradeiro, não tem que demorar muito nas obter. Era surpreendente, mas as implicações desse raciocínio não lhe causaram tanto medo como aborrecimento. Maldito homem! Até então, ela só se preocupou pela possibilidade de que ele localizasse o navio em Califórnia antes que ela e sua gente pudessem chegar. Agora resultava concebível que ele soubesse onde estavam nesse mesmo instante, ou para onde se dirigiam. Quão único obrava a seu favor era que o homem não contava com um navio a suas ordens para segui-los com facilidade. -Bom, isso resolve o dilema de aonde iremos -disse Jocelyn, com voz tensa-. Não será a Califórnia. Vanessa arqueou uma sobrancelha. -Só eram minhas especulações, querida. -Sei. Mas se acertar, isso explicaria por que pôde nos encontrar sempre, mesmo que deixamos o navio para viajar por terra, só para lhe fazer perder a pista. Juro-te, Vanessa, que já cheguei ao limite. Bastante me incomodava que Longnose tratasse de me seqüestrar para me levar outra vez a Inglaterra. Mas desde que cumpri os vinte e um anos tratou por duas vezes me matar. Talvez vai sendo hora de que eu aceite o desafio. -Não sei se quero saber a que te refere com isso. -Não sei, mas já me ocorrerá algo -assegurou-lhe a jovem. 31

Capítulo 4

-Eu não gosto da idéia de matar a uma mulher, Dewane. -E a ti o que te importa? Não é das que estão a seu alcance, Clydell. E é forasteira, como esse homem. lhe olhe: tranqüilo e paciente como o que mais. Não se veste como nós, não atua como nós, não fala como nós. E ele diz que a mulher também é inglesa. Então o que te importa? Clydell jogou uma olhada ao estrangeiro. Alto, magro, vestido com esses luxos do este... ou seriam luxos ingleses?... e dez anos maior que qualquer deles, pelo menos. Estava tão desconjurado ali que se destacava como uma verruga no nariz. E que limpo! Depois de ter dormido com todos eles no ravina, de noite, como podia estar tão limpo? -Mesmo assim... -recomeçou Clydell. Mas surpreendeu o olhar que seu irmão lhe cravava com os olhos entreabertos. -Olhe, o tipo nos tirou do México, não?, quando já pensávamos que nunca íamos juntar o suficiente para cruzar outra vez a fronteira. Se quiser que te diga o que penso, me alegro muito de estar outra vez em um lugar onde se pode urinar e cuspir sem que lhe metam no cárcere por isso. Estamos em dívida com ele, Clydell; não podemos negá-lo. E você vê que os outros moços se aflijam? É um trabalho como qualquer outro, pelo amor de Deus! Quando Dewane assumia esse tom, seu irmão mais novo sabia que era hora de calar. Dewane só explicava até certo ponto por que faziam determinada coisa. Assaltar diligências não estava tão mal, ou roubar um pouco de gado. E certamente, armar alvoroço e enredar-se em um par de rixas era normal quando chegavam a uma cidade. Clydell se tinha queixado um pouco por esse assunto do banco, mas o tinham feito, de qualquer modo. E por esse trabalho lhes tinha seguido um grupo armado que não se puderam sacudir. 32

Tinham-lhes açoitado até o México, onde eles acreditaram estar a salvo, até que uma banda de foragidos montanheses os deixou sem um centavo. O inglês foi então um envio do céu: apareceu justo quando estavam no fundo do poço, por assim dizê-lo; trabalhavam só pela comida e o alojamento em uma suja cantina, onde nem sequer entendiam o idioma. Tinham passado vários meses e Clydell já temia morrer ali. Em realidade, não devia queixar-se nem pensá-lo duas vezes. Dewane tinha razão, corno de costume. Esses quatro moços que tinham recolhido no Bisbee, dois deles antigos sócios de roubo de gado aos que conhecessem em Novo o México, nem sequer tinham piscado quando lhes disse o que deviam fazer. Só ao Clydell parecia que matar a uma mulher não estava bem. E o modo em que tinham decidido lhe matar revolvia o estômago. Claro que isso podia não dar resultado; graças a Deus, não era um dos dois escolhidos para ir atrás dela se o canto rodado não conseguia fazê-la pedaços. Se terei que liquidar a alguém, uma parte de chumbo era muito mais limpo. Mas ele era um dos quatro que empurrariam esse canto rodado para fazê-lo cair do ravina. Por isso grunhiu para seus adentros. quando o mexicano, apostado algo mais à frente para anunciar a chegada da vítima, apresentou-se a lhes dizer que já não faltava muito. Elliot Steele abriu seu relógio de bolso para ver a hora. Era quase meiodia. A duquesa chegava tarde, como de costume. Mas sempre as tinha composto para fazer algo que malograsse os bem riscados planos de seu perseguidor. Sem saber por que, estava seguro de que esta vez seria diferente. Por fortuna, a hora não tinha importância. Só havia um caminho, e a mulher vinha por ela. Não podia partir a não ser para frente, diretamente para a armadilha. Quantas vezes tinha pensado o mesmo? Entretanto, ela seguia alegremente viva. A moça tinha uma sorte endiabrada. Do contrário como tinha podido escapar de suas armadilhas uma e outra vez? Elliot era eficiente em seu trabalho; ao menos, isso tinha pensado antes que lhe contratasse o duque do Eaton. Em anos anteriores tinha ganho uma pequena fortuna trabalhando para a aristocracia no que fora necessário, sem que lhe importasse no que; portanto, era bom no seu. E o que Maurice 33

Fleming queria era muito simples, em um princípio: bastava com que achasse à moça e a levasse a Inglaterra, onde ele gozaria de completo domínio sobre ela e seu dinheiro, que era quanto Fleming desejava. Elliot tinha contatos em outros países, homens que se dedicavam ao mesmo. E sabia como contratar a homens que se vendessem por pouco e não fizessem perguntas. A missão teria devido concluir em uns poucos meses: apenas os necessários para averiguar onde atracaria o Jocel. Entretanto, em quase dois anos (período em que o duque continuou pagando todos os gastos do Elliot) seus homens só tinham podido jogar mão à moça uma só vez. Era ridículo, pois a duquesa era muito fácil de identificar em qualquer lugar que fosse: se não por seu navio, pelo cortejo de carros, carretas e guardas armados que a acompanhavam. A caravana não passava despercebida, e ela nunca tratava de ocultá-la, trocá-la e deixá-la atrás. Sua carruagem era muito fina: grande, de cor azul esverdeada, atirado por seis éguas de belo andar, todas cinzas. Resultava tão chamativo que bem poderia ter tido o escudo ducal pintado nas portas. Entretanto, quantas vezes conseguia localizá-la achava problemas para aproximar-se dela. Seu pequeno exército de serventes e guardas o dificultava de um modo lhe frustrem, e ela nunca se afastava muito do cortejo. Na única ocasião em que seus homens conseguiram seqüestrá-la, foi resgatada esse mesmo dia; seus quatro servos tinham morrido, enquanto que os guardas da moça não receberam uma só ferida. Mas esses tempos tinham terminado. Agora que a jovem era maior de idade, ao Fleming não resultaria nada fácil manipular aos juízes para que lhe dessem controle sobre ela. portanto, já não a queria nem pagava os gastos ao Elliot para que a buscasse. Nada tinha obtido Elliot pelo tempo perdido, os problemas e as frustrações, antes de ser despedido. Tinha esbanjado dois anos sem nenhum ganho. Ele não era homem que aceitasse algo assim encolhendo-se de ombros. Absolutamente. Seus propósitos eram agora duplos. ia matar a essa zorra ruiva por prazer, mas também para desforrar-se pela sensação de incompetência que lhe tinha causado, e por ter arruinado sua reputação de homem capaz 34

de executar uma missão prontamente e sem falhas. Além disso, quando informasse ao duque que a missão estava cumprida, que ela tinha morrido sem testar, que Fleming podia reclamar sua fortuna só por ser seu único parente, Elliot seria finalmente recompensado. Não lhe importava quanto demorasse nem quanto dinheiro custasse. E matá-la era muito mais singelo que tratar de seqüestrá-la. podia-se fazer a distância e de muitas maneiras distintas. Tinha-o tentado duas vezes; seus dois fracassos demonstravam que ela ainda não tinha perdido sua boa sorte. Até os países sanguinários que lhe gostava de cruzar estavam acostumados a lhe dar a vantagem. México parecia ideal para os propósitos do Elliot: era enorme, pouco povoado fora das grandes cidades e dotado de grandes páramos nos que uma massacre podia ficar ignorada durante dias e semanas inteiras. Por outra parte, a duquesa acampava convenientemente na metade do um nada, de vez em quando. Eram oportunidades perfeitas para atacar com uma força, para contratar um exército que equivalesse ao dela. Contratar ali a esse exército era fácil e barato... mas não para esses fins. Era quase impossível obter que um mexicano aceitasse matar a uma mulher. Tinha-o tentado uma e outra vez, sempre sem resultado. Lhe tinha vencido outra vez sem fazer nada, só pelo caráter do povo mexicano. Por fim tinha encontrado ao Dewane e Clydell Owen: dois norteamericanos em má rajada, com esse aspecto que Elliot tinha aprendido a reconhecer como o do homem disposto a tudo. Enviou-os ao norte, além da fronteira, e eles voltaram com quatro mais, do mesmo tipo. Além disso, conheciam um bom sítio para uma emboscada. Deviam reunir-se na cidade mineira do Bisbee, que ele tinha conseguido localizar, por fim, no dia anterior. Tinha passado o resto da jornada a cavalo, indo e vindo pelo estreito atalho para mulas, em busca do sítio ideal para o que tinha pensado. O sítio não era tão perfeito como ele teria desejado; estava quase fora das montanhas, e a costa, através da qual passava o atalho, estendia-se até o fundo. Havia árvores nessa zona, ao menos na costa inferior, por debaixo 35

do caminho; não eram muito abundantes, mas bem podiam deter uma carruagem que rodasse se a rocha não fazia outra coisa que tirar o veículo do caminho. Não era provável que ocorresse isso. Dado o pronunciado do pendente pela que cairia a pedra e a amplitude do caminho nesse ponto, parecia quase seguro que a rocha cairia com força sem ir mais à frente. Se tivesse tido tempo teria transladado essa maldita rocha a um sítio mais propício, onde teria ficado entupida entre dois pendentes, impossível de tirar; desse modo o caminho teria sido infranqueável para cavalos e veículos. Nesse caso teria deixado que a duquesa passasse primeiro, simplesmente pelo prazer de matá-la com suas próprias mãos. Mas tal como estavam as coisas, se o canto rodado não cumpria com sua missão de aterrissar diretamente sobre a primeira carruagem, o caminho ficaria igualmente obstruída, bloqueando ao resto da escolta, e os homens do Elliot disparariam contra eles para lhes distrair um momento. Assim que a duquesa estivesse ao outro lado do canto rodado, os dois homens designados para essa contingência poderiam baixar sub-repticiamente para eliminá-la sem dificuldades. Já se ouvia o passo dos cavalos que se aproximavam lentamente pelo atalho. -Quantos cavaleiros contou na vanguarda? -perguntou Elliot ao mexicano. -Seis, senhor. O inglês assentiu. Teria devido prever que os guardas não faltariam ao costume só porque o caminho fora estreito e diferente do habitual. Sempre montavam seis diante e seis atrás da carruagem. Por sorte, nessa cornija havia espaço suficiente para que os cavaleiros de vanguarda manobrassem junto ao carro quando os mexicanos começassem a disparar, atraindo-os para a parte traseira do veículo. Se não retrocediam para investigar, pouco era o que se poderia fazer, pois resultava duvidoso que se pudesse derrubar aos seis antes que tivessem oportunidade de cobrir-se. E se a carruagem se salvava da rocha, ficariam muitos guardas com vida para protegê-lo. 36

-Volta para seu posto -ordenou Elliot ao homem- e aguarda o sinal de começar. Dewane lhe seguiu com a vista. Logo disse, algo zombador: -Você não há dito ao mexicano que ela vai morrer, não? Elliot olhou friamente à major dos irmãos Owen. Tinha como política explicá-lo menos possível ante seus homens; não viu motivos para mencionar suas experiências anteriores com os mexicanos nem para dizer que não ia correr perigo com o contratado para guiar à duquesa longe dos caminhos principais, a fim de que se visse obrigada a seguir esse trajeto. -Não, é obvio -foi quanto respondeu. Era suficiente. Esses homens desconfiavam dele, e assim devia ser. Eles compartilhavam uma camaradagem de compatriotas da que ele se mantinha à parte; assim o teria preferido, mesmo que não tivessem existido diferenças. Quando a gente empregava a gente tão fria e sem misericordia como a gente mesmo, era preciso manter distâncias, a fim de eliminar qualquer dúvida sobre quem mandava. Elliot se voltou para observar ao mexicano que corria ao longo da cornija alta, para o posto atribuído. Esse sítio era ideal, na verdade, As duas cornijas, das quais a superior não se via de abaixo, convertia-o em um lugar perfeito para uma emboscada. Até havia um atalho que descendia pelo outro lado do ravina onde estavam escondidos os cavalos. E quem chegasse por abaixo não poderiam persegui-los, pois os dois atalhos não se encontravam a não ser ao pé da montanha, por esse lado. O atalho que descendia pelo flanco oposto do ravina chegava ao pé das colinas na cara ocidental da montanha, mas os cavalos não podiam manobrar para subi-lo nem para baixá-lo. Logo... logo poderia seguir com sua vida. Esta vez nada sairia mau. Não era possível. Esta vez a sorte devia estar de sua parte. Ocupou seu próprio posto, que lhe permitia ver claramente o atalho de abaixo. Já via os primeiros cavaleiros; Sir Parker Grahame, capitão do guarda, precedia-os como de costume. Elliot conhecia toda a escolta pelo nome e podia dar alguns detalhes sobre a vida de cada um. Tinha falado com eles; tinha-os convidado a tomar uma taça; no Egito tinha chegado 37

quase a seduzir ao Babette, essa tola donzela francesa. O que lhe facilitava as coisas era que eles não tinham idéia alguma de quem era ele, de como era. Jamais suspeitariam, enquanto mantivera a precaução de não aproximar-se de nenhum deles a menos que fora a sós, e a de não voltar a abordar ao mesmo em outra cidade. -Será melhor que lhes preparem, -disse Elliot em voz baixa aos homens que esperavam atrás dele. Tendeu-se à esquerda do canto rodado. Não renunciaria a esse sítio; queria ver com seus próprios olhos a devastação que causasse. A enorme rocha estava no bordo mesmo do ravina. Tinha bastado afrouxando primeiro seu assentamento na montanha; agora só teria que lhe dar um tranco. Os quatro homens dispostos para empurrar aplicaram as mãos contra a pedra, esperando. Elliot aguardou a que os cavaleiros da vanguarda passassem por abaixo; quando o primeiro dos cavalos da carruagem esteve diretamente baixo ele, indicou por gestos ao mexicano que podia começar com sua parte. Dewane se reuniu com ele, com um revólver em cada mão, embora deixou um no chão para usá-lo depois. O último homem tirou o espelho com que faria o sinal ao mexicano. -Quero que o chofer seja eliminado antes que freie -repetiu Elliot-. Deterá a carruagem assim que os guardas de diante tratem de voltar-se para investigar os disparos na retaguarda. Seja que os guardas tenham acontecido já para trás ou não, o condutor não deve chegar a aplicar o freio. Sem chofer, os cavalos continuarão por sua conta. -Não há problema -sorriu Dewane, que já podia ver o homem montado no boléia da primeira carruagem-. Não é branco ao que se possa falhar. Elliot viu que era um dos palafreneros. Lástima que não se tratasse do espanhol, um verdadeiro demônio com as facas, que tinha matado em Nova Iorque a um dos homens do Elliot, ao lhe descobrir sabotando o carro da duquesa. Já estavam acontecendo os guardas. Em um momento mais... -Envia o sinal -ordenou Elliot, por cima do ombro. 38

E aguardou, tenso, contendo o fôlego. A primeira junta de ruços acabava de passar, a segunda já o estava fazendo. Por todos os diabos, se esse mexicano... Ouviu-se o disparo. Também o ouviram os guardas de abaixo. Todos giraram, mas Grahame só enviou a dois para que investigassem. Todos os veículos se estavam detendo. Havia gritos e perguntas a voz em pescoço. O condutor do primeiro carro se levantou para olhar fazia atrás. A terceira junta de ruços já estava debaixo do canto rodado. Houve outros dois disparos sucessivos. Os quatro guardas restantes começaram a manobrar para passar junto ao carro, subindo pela ladeira, único sítio por onde poderiam fazê-lo. Grahame se deteve, sem dúvida para tranqüilizar à duquesa. Elliot, que lhe observava, não viu que o chofer alargava a mão para o freio. Dewane sim o viu. O disparo sobressaltou ao inglês, mas nem tanto. que não visse o chofer soltar as rédeas ao cair da carruagem. Deu em terra depois do cavalo do Grahame, fazendo que o animal se elevasse de mãos, desbocado. O chofer caiu muito perto da terceira junta de ruços, que também trataram de elevar-se de mãos, alvoroçando ao resto do tiro. Imediatamente partiram em uma carreira de pânico. -Agora! -gritou Elliot. Lançou um juramento: o canto rodado se estrelou na cornija inferior, fazendo-se pedaços, sem outro efeito que cobrir de pó a carruagem que se afastava precipitadamente. Levantou-se com um rugido e esteve a ponto de receber um balaço. Os guardas já estavam respondendo ao fogo de seus homens. Os dois pistoleiros designados para descender à cornija inferior e ocupar do carro, se este não resultava esmagado, estavam ali, de pé, aguardando novas ordens. -Montem a cavalo e vão até onde se encontram estes caminhos indicou Elliot-. Dada a sorte dessa condenada mulher, a carruagem chegará milagrosamente até o fundo da montanha sem rodar pela ladeira. Sigam a toda velocidade; detenham, se for preciso, mas lhes assegure de que não fique nele ninguém com vida. Ninguém. 39

Capítulo 5

-Vanessa? Vanessa, está bem? -Pergunte-me isso dentro de um momento. Neste momento, francamente, não sei. Jocelyn estava tendida no chão; para ser mais exato, na portinhola. depois dessa horripilante carreira, que parecia não ter fim, a carruagem tinha acabado por derrubar, ficando sobre um flanco. Jocelyn tinha cansado contra a portinhola ao inclinar o veículo; nesse momento tinha as costas apertada contra ela e as largas pernas estiradas no chão, que estava agora em posição vertical. A Vanessa não tinha ido muito melhor. Embora permanecia no assento, que agora se encontrava a um lado sobre a cabeça da jovem. Ambas se incorporaram ao mesmo tempo; Vanessa, com um gemido; Jocelyn, grunhindo. -Suponho que ficarão uns hematomas como lembrança desta experiência. -Isso é tudo? -respondeu Vanessa, com uma voz que não parecia a sua-. Pois me parece... -Sei que está ferida -acusou Jocelyn, ao ver que a condessa se apertava um lado da cabeça com a mão. -Acredito que é só um galo. Tratei de, me sujeitar, mas me deslizou o braço. -Dá a volta e apóia as costas contra o assento. É mais acolchoado que o mamparo. Jocelyn a ajudou até que a condessa esteve acomodada; logo ficou de joelhos. Ambas estavam desalinhadas, com as roupas torcidas e os penteados desfeitos. A jovem retirou as poucas forquilhas que permaneciam em seu lugar e apartou a cabeleira bruscamente. Sentia 40

desejos de sorrir por ter escapado intacta da experiência, mas Vanessa fazia caretas de dor pelo galo. -O que pôde ter passado, Vã? -Acredito que John Longnose voltou para seus velhos truques. -Parece-te? -Jocelyn se mordeu o lábio inferior um momento, estudando a possibilidade-. Mas como pôde haver nos adiantado? Como podia saber por aonde viríamos? Vanessa não abriu os olhos para responder. -Não passamos pelo México muito depressa, querida minha. Teve tempo de sobra para adiantar-se a nós. Quanto a como pôde saber por onde iríamos... bom, chamou-me a atenção o súbito desaparecimento de nosso guia. Muito conveniente, verdade?, isso de nos conduzir até o começo desse caminho de montanha. -Esse traidor ... ! -O mais provável é que lhe enviasse o mesmo Longnose, querida. Recorda que ele mesmo se apresentou sem que lhe buscássemos. Além disso, reconheço uma voz inglesa assim que a ouço, e antes que se ouvisse esse estrondo alguém gritou: "Agora!", com entonação decididamente britânica. E o que foi esse estrondo, já que o menciono? -Não tenho idéia. Seria melhor perguntar-se o que foi que nosso chofer. Vanessa suspirou. -Na verdade não acredito que estivesse conosco durante essa demência carreira; do contrário lhe teríamos ouvido gritar aos cavalos. Esse disparo que soou tão perto... -Não quero pensá-lo! -interrompeu-a Jocelyn, asperamente-. Se caiu, sem dúvida foi porque perdeu cabo, como aconteceu conosco. -Sem dúvida -reconheceu Vanessa, para não discutir. De qualquer modo, logo saberiam o que tinha ocorrido-. Mas me parece que também perdemos aos cavalos. Jocelyn havia sentido a diferença no impulso da carruagem um momento antes do tombo; não discutiu esse comentário. -Já os acharemos -assegurou, confiada-. E também nos encontrarão muito em breve ... Enquanto isso... 41

Vanessa abriu um olho. A duquesa se estava pondo de pé. -O que faz? De pé em uma portinhola, Jocelyn caiu na conta de que não podia aparecer a cabeça pela outra. -Queria procurar o modo de sair daqui, mas mesmo que pudesse abrir essa porta... -Não te incomode, Jocelyn. Nossos homens não demorarão muito em... -Não concluiu, pois alguém se aproximava do galope-. Vê? Não demoraram quase nada. Aguçando o ouvido, perceberam que o primeiro cavalo se detinha muito perto. Provavelmente era um dos guardas, que se tinha adiantado aos outros; quase com segurança, o mesmo Sir Parker Grahame. Era muito diligente; além disso, estava enamorado de Jocelyn e tendia a preocupar-se mais que os outros quando Longnose fazia das suas. Um momento depois, o carro grunhiu com o peso do salvador, que acabava de subir a ele. A portinhola se abriu estrondosamente. Pelo guichê tinha estado entrando sol a torrentes; já não era assim. Jocelyn ficou momentaneamente cegada ao levantar a vista, mas assim que uma silhueta de homem bloqueou em parte o resplendor foi mais fácil fixar a vista. De qualquer modo, em um primeiro momento não reconheceu ao que ali estava. -Parker? -Não, senhora -disse uma voz grave, de entonação lenta. Se o homem tivesse acrescentado algo mais, Jocelyn não teria começado a procurar seu bolso, onde guardava a pequena pistola comprada em Nova Orléans. Tampouco teria podido disparar a tempo, pois a bolsa estava escondida sob os chapéus e as jaquetas que se tiraram um momento antes. O homem voltou a falar com certa impaciência. -Quer sair daí ou não? -Não estou muito segura -disse Jocelyn, com franqueza. Lamentava não ver a não ser uma silhueta negra emoldurada na abertura. 42

Como se pergunta a um homem se tiver vindo a nos matar? Por outra parte, teria se devotado às tirar se sua intenção era disparar contra elas? Bem podia fazê-lo. Mas também podia ter ordens do John Longnose das levar ante ele. Cabia supor que fora só um desconhecido de passagem por ali, mas era muito esperar. Vanessa interveio no prolongado silêncio. -Seria útil, senhor, que você nos dissesse quem é... e o que faz aqui. -Vi seu tiro de cavalos galopar para o rio e imaginei que tinham deixado alguma diligência atrás, embora nunca vi esse tipo de cavalos unidos a um carro. -E lhe ocorreu investigar? Não tem você relação alguma com o... com o inglês? -Não tenho relação alguma com ninguém, para repetir sua expressão, senhora. Por Deus, a que vêm tantas perguntas? Ou quer sair ou não quer. Agora bem, compreendo que não queira sujá-las mãos permitindo que tome para içá-la até aqui. -A essas alturas a impaciência se tornou decididamente amarga-. Mas no momento não vejo muita alternativa, a menos que espere a que passe outra pessoa. -Absolutamente -manifestou Jocelyn com alívio, já segura de que não desejava lhes fazer dano-. Qualquer sujeira pode lavar-se facilmente acrescentou com um sorriso, sem compreender o que o homem queria dizer. Essa resposta surpreendeu ao desconhecido a tal ponto que demorou para sujeitar as mãos estendidas para ele. Então caiu na conta de que ela não podia lhe ver. Quando o fizesse trocaria de atitude em um abrir e fechar de olhos. Poderia considerar-se afortunado se lhe dava as obrigado por sua ajuda. Jocelyn emitiu uma pequena exclamação ante a celeridade com que foi içada. encontrou-se sentada na carruagem, com as pernas ainda pendurando dentro dele, e se pôs-se a rir ante a simplicidade da operação. Logo olhou para dentro, onde Vanessa continuava imóvel. -Não vem, Vã? É fácil. 43

-Se não te incomodar, querida, prefiro ficar aqui. Esperarei, a que endireitem a carruagem... se podem fazê-lo com suavidade, claro está. Talvez por então me tenha acalmado um pouco a dor de cabeça. -Bom -acessou Jocelyn-. Sir Parker não pode demorar tanto em nos achar. -Olhou a seu redor, mas seu salvador estava diretamente atrás dela. Começou a levantar-se, girando para ele: -Minha companheira não precisa sair. golpeou-se a cabeça, compreende você?, e não se... sente... As palavras ficaram sem pronunciar, esquecidas. Jocelyn não tinha ficado tão sobressaltada desde que visse pela primeira vez as. pirâmides do Egito. Mas isto era completamente distinto, pois afetava quase todos seus sentidos. Todo seu organismo pareceu enlouquecer por um segundo, emitindo sinais que não lhe eram familiares: sufocação, pulsados acelerados, uma corrente de adrenalina... Sintomas de medo, embora não sentia medo absolutamente. Ele deu um passo atrás, afastando-se sem que ela soubesse por que. Mas desse modo pôde lhe observar melhor, posto que era muito alto. Realmente belo, tinha sido sua primeira impressão; era forte, tal como ela tinha podido experimentar em pessoa, e moreno... e exótico, nessa ordem. Cabelo negro como o peixe, completamente murcho, comprido; caía bastante por debaixo dos ombros, incrivelmente largos. Pele da cor do bronze escuro. Facções magras e aquilinas; nariz reta e bem cinzelado; olhos afundados sob sobrancelhas baixas, retas; lábios bem desenhados e uma mandíbula quadrada, firme. O corpo, comprido e musculoso, completava o quadro, abrigado com uma estranha jaqueta de pele de animal, com compridos franjas, e botas até o joelho sem saltos, da mesma pele suave e torrada, também com franjas. Jocelyn se tinha habituado a ver revólveres ao quadril, depois de cruzar o México, de modo que esse detalhe não a surpreendeu. Tampouco o chapéu de asa larga, que lhe sombreava os olhos. Jocelyn não pôde determinar sua cor, mas notou que não eram escuros, como o resto desse homem. 44

As calças, de cor azul escura, atiam-se às pernas bem torneadas. Isso não tinha nada estranho. Mas o homem não levava camisa. A jaqueta pendia quase fechada, mas mesmo assim se podia ver que abaixo não havia objeto alguma: só a mesma pele bronzeada do rosto, suave e sem pêlo. Em realidade, não havia um só cabelo na parte de peito e ventre que a moça tinha à vista. Isso era decididamente estranho. Claro que sabia muito pouco sobre os americanos e sobre os peitos masculinos. Na verdade, nunca tinha visto ninguém como ele. Seu exotismo a pôs nervosa, mas não tanto como sua bronzeada formosura. -Sempre anda você assim... ao meio vestir? -É tudo que tem que me dizer, senhora? Jocelyn sentiu que o calor lhe alagava as bochechas. -OH, por favor, não se ofenda. Não sei de onde me brotou essa pergunta... Pelo habitual não sou tão impertinente. Do carro brotou um forte: "Ja!", que fez sorrir a jovem. -Acredito que a condessa não está de acordo comigo. E tem razão. Suponho que minha franqueza linda com a grosseria em muitas ocasiões. -A perguntas estúpidas... -murmurou o homem, lhe voltando as costas para saltar ao chão. Jocelyn, com o cenho franzido, viu-lhe caminhar para seu cavalo: um belo animal de grandes ossos, como ela não tinha visto nunca; tinha manchas negras e brancas na garupa e no lombo. lhe teria encantado observá-lo e até montar nele, mas no momento só lhe interessavam as intenções do homem. -Não vai você partir, verdade? Ele não se incomodou em olhar atrás. -Você mencionou que alguém viria logo. Não tem sentido que... -É que não pode partir! -exclamou ela, alarmada sem saber por que-. Ainda não pude lhe agradecer... E como vou descer daqui se você não me ajudar? -Mierda -ouviu-lhe dizer. Voltou a avermelhar, mas o homem já retornava.- Está bem. Salte. 45

Jocelyn olhou as mãos que se alargavam para ela e não vacilou. Já lhe tinha demonstrado sua força. Não pensou sequer por um instante que pudesse deixá-la cair. E ele não o fez. Mas a moça se estrelou contra ele. Isso não foi tão assombroso como ver-se de pé e a distância quase no mesmo instante. Uma vez mais, o homem lhe voltou as costas. -Não, espere... -Alargou a mão, mas ele não se deteve. Então Jocelyn se recolheu as saias para lhe seguir. -Tanta pressa tem que se vai assim? Deu totalmente contra as costas do homem, que se tinha detido, e lhe ouviu jurar outra vez antes de lhe ver girar bruscamente, para fulminá-la com um olhar. -Você veja, senhora: resulta que deixei minha equipe e minha camisa junto ao rio, onde me dispunha a me lavar antes de ir para a cidade. Nestas paragens não se podem deixar as coisas por aí, com a segurança das encontrar ao retornar. -Reporei algo que possa perder, mas lhe rogo que não nos deixe sozinhas ainda. Posto que minha gente ainda não veio, devem estar apanhados nas montanhas, detrás de nós. Necessitamos realmente de seu... -Deixaram um rastro que qualquer pode seguir, senhora. -Sim, mas nos vimos separadas do grupo pelo ataque de certos homens que me desejam mau. Tão provável é que eles venham como meus homens. -Seus homens? -Meu cortejo. -Como isso não apagasse a ruga da frente moréia, acrescentou:- Meus guardas e serventes, os que me acompanham nesta viagem. Para ouvir isso ele a percorreu com a vista, apreciando a saia de veludo e a blusa de seda; eram roupas que só tinha visto usar neste Costa. Logo jogou outra olhada ao reluzente carruagem azul esverdeada; o interior lhe tinha feito duvidar de sua vista. Nem os fantásticos carros privados da ferrovia eram tão luxuosas como esse. Ao vê-lo convexo não tinha suposto que encontraria dentro a esse tipo de mulheres; uma era até condessa. Não era isso como ser reina ou algo assim? De qualquer modo, deviam ser estrangeiras. E essa mulher de cabelo flamegante e olhos mais brilhantes que as folhas tenras da 46

primavera, Por Deus... Ao vê-la pela primeira vez havia sentido outra vez sua antiga amargura. Mas isso não lhe impediu um arrebatamento de excitação sexual. assustou-se a morte, pois as mulheres dessa raça não lhe atraíam desde fazia anos. -Quem é você, senhora? -OH, desculpe. Devia me apresentar imediatamente. Meu nome é Jocelyn Fleming. -Tinha decidido que não tinha por que utilizar um nome falso, se Longnose a seguia tão de perto. Ele olhou a mão estendida. Se, limitou a olhá-la fixamente até que ela se viu obrigada a baixá-la. -Possivelmente devia lhe perguntar o que era você. -Perdoe; não compreendo. -É esposa de um desses mineiros ricos que vivem no Tombstone? -Não, absolutamente. Sou viúva há vários anos. E vamos do México, embora nossas viagens se originaram na Inglaterra. -Isso significa que é inglesa? -Sim. -O modo em que esse homem falava sua língua materna a fez sorrir, embora lhe compreendia perfeitamente. Em realidade, gostava da entonação arrastada de suas palavras. - Suponho que você é americano. Ele conhecia a palavra, mas até então não a tinha ouvido usar. Geralmente, cada um se associava ao estado ou território de onde provinha e não ao país. Agora reconhecia também o acento da estrangeira. Nunca tinha percebido essa entonação culta em uma mulher, mas em seus percursos pelo Oeste tinha conhecido a vários ingleses. Sua nacionalidade explicava o que não lhe tivesse incomodado lhe tocar. Levava pouco tempo ali e não sabia lhe reconhecer pelo que era. Logo não era por isso pelo que lhe tinha cuidadoso tão atentamente da carruagem. Uma vez mais, seu corpo se esticou com uma dureza familiar. Por segundo meio pensou não lhe dizer nada. De qualquer modo, o mais provável era que não voltasse a vê-la; a que pôr a distância que acostumava entre eles? Mas devia fazê-lo, porque necessitava essa distância. Lhe estava proibida. E a endemoninhada atração que lhe inspirava resultava perigosa. Mas não estava habituado a dizê-lo. Vestia 47

desse modo para não ver-se obrigado a fazê-lo, para que não se produziram confusões. -Nasci neste país, senhora, mas a gente me dá outro nome. Sou mestiço. -Que interessante! -comentou ela, consciente de que o tom de seu salvador tinha voltado para a amargura, mas decidida a ignorá-lo-. Diria-se que tem alguma relação com o gado e as cruzes. Como se vincula às pessoas? Ele a olhou um instante como se acreditasse louca. Logo jurou pelo baixo e acabou bramando: -Que demônios pode ter que ver com as pessoas? Isso significa que sou só meio branco. Esse tom furioso a fez vacilar. Mesmo assim perguntou: -E a outra metade? Uma vez mais, aquele olhar expressava que ela devia estar encerrada pelo bem do próximo. -Índia -espetou-lhe-. Em meu caso, cheyenne. E se isso não lhe faz voltar e ser afastar, deveria fazê-lo. -Por quê? -Por Deus, mulher! por que não estuda os costumes do país que vai visitar? -OH, sempre o faço -replicou ela, sem emprestar muita atenção ao feito de que lhe estivesse gritando-. Sei muitas coisas deste. -Nesse caso, deve haver-se saltado a parte que falava de índios e brancos como inimigos jurados -burlou-se ele-. Averigúe na próxima cidade pela que acontecer. Assim se inteirará de por que não deve estar aqui, conversando comigo. -Se você tiver algo contra os brancos, como os chama, isso não tem relação alguma comigo, verdade? -respondeu ela, sem deixar-se intimidar-. Eu não sou sua inimiga, senhor. Por Deus, como pode insinuar semelhante coisa, quando não sinto a não ser gratidão por sua oportuna ajuda? Ele moveu a cabeça e acabou rendo entre dentes. -Renuncio, senhora. Se passar aqui o tempo suficiente acabará por aprender. 48

-Significa isso que agora podemos ser amigos? -Ante o grunhido do homem, observou:- Não me disse você seu nome. -Colt Thunder. -Colt, como o revólver? Que original, receber o nome de uma arma! -É que Jessie tem um original senso de humor. -Jessie é seu pai? -A filha de meu pai, embora nenhum dos dois soube até faz alguns anos. Até então era minha melhor amiga. -Que interessante. Isso me sugere que Colt Thunder não é seu verdadeiro nome. Eu tive que usar pseudônimos com bastante freqüência, embora agora não é necessário, posto que meu algoz tornou a me encontrar. Thunder decidiu não perguntar. Embora morrera de curiosidade, não perguntaria. Quanto menos soubesse dela, antes a esqueceria... Céus, se conseguia esquecê-la. Essa cabeleira que lhe caía até por debaixo da cintura, como chamas que lhe lambessem os quadris. Veria essa cabeleira em seus sonhos por muito tempo, bem sabia. E também esses olhos. Maldita mulher, por que seguia lhe olhando assim, como se sentisse tão atraída como ele? Havia-lhe dito algo mais sem que ele ouvisse uma palavra, pois ela se aproximou mais ao dizê-lo, lhe apoiando uma mão no braço. Esse contato, deliberado e desnecessário, fez que o coração lhe pulsasse contra as costelas. Inspirava-lhe idéias nas que não se atrevia a atrasar-se. Maldição, ela jogava com fogo e não sabia. O disparo lhe arrancou o chapéu, lhe tirando do feitiço que ela tinha criado. Girou e disparou sem pensar: duas balas que deram no branco. Um dos dois homens que vinha ao galope tendido para eles caiu a terra, mas com um pé apanhado no estribo. O outro tinha deixado cair seu revólver, alcançado pela bala no ombro direito, e estava fazendo girar bruscamente a seu cavalo para voltar por onde tinha vindo. Colt lhe deixou escapar. Nunca matava pelas costas; tampouco disparava a matar... geralmente. O cavalo sem cavaleiro continuava a marcha para eles. A forma mais singela de detê-lo era montá-lo quando passasse, e Colt o fez assim. 49

Jocelyn o tinha presenciado tudo. Mesmo assim lhe custava acreditá-lo, sobre tudo pela celeridade com a que esse revólver tinha saído da pistolera do Colt Thunder, já disparando. Tampouco tinha presenciado nunca nada tão incrível como isso de montar um cavalo a todo galope. As possibilidades de não cair de bruços no intento eram astronomicamente pequenas, mas ele o tinha efetuado enredando uma mão nas crinas do animal ao saltar, simplesmente. Assombrada, respondeu à preocupada pergunta da Vanessa, lhe assegurando que tudo estava bem, e correu para o cavalo que já tinha sido dominado, a poucos metros de distância. Chegou no exato momento em que Colt imobilizava o animal e retirava o pé do homem de seu estribo. Logo se inclinou para averiguar a condição de seu atacante, e a moça teve ocasião de escutar outra de seus coloridos palavrões. Ela mesma notou sem dificuldade que o homem tinha morrido com o pescoço quebrado, embora a bala do Colt apenas lhe tinha roçado a têmpora; provavelmente a queda se devesse a um desmaio. -O cretino agachou a cabeça -disse Colt, aborrecido ao incorporar-se. -Apontou você para algum sitio em especial? -O ombro direito. É o modo mais fácil de desarmar a alguém que vem diretamente por volta de um. Conhecia-lhe você? Olhava-a de frente, lhe aplicando toda a potência de seus olhos. Posto que o chapéu já não lhe obscurecia o olhar, ela pôde ver que seus olhos não eram claros nem escuros, mas sim do azul mais limpo e puro que tivesse visto jamais; resultavam assombrosos em uma cara tão bronzeada. Deixaram-na literalmente sem fôlego. Teve que baixar a vista para responder com alguma inteligência normal. -Não, não lhe vi nunca, e tampouco ao outro. Mas não duvido que ambos trabalhavam às ordens do John Longnose. Tem por costume empregar aos nativos de qualquer país no que estejamos, para que façam o trabalho sujo por ele. Ao parece, você acaba de me salvar a vida, além de me haver emprestado sua ajuda.

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-Senhora! Nenhum homem em seu são julgamento pode ter desejo de matá-la. Me ocorrem muitas coisas que alguém poderia querer lhe fazer, mas matá-la não é uma dessas coisas. Ao dizer isso havia lhe tornado as costas para recuperar seu chapéu, mas ela o ouviu, de qualquer modo, e se ruborizou de prazer. Não eram muitos os homens que a encontravam atrativa, devido a seu excessivo colorido, mas quando assim era, ela o notava imediatamente. Neste caso não podia dizer o mesmo. Este homem a tinha fulminado com a vista, tinha-lhe gritado e parecia ansioso por afastar-se para não voltar a vê-la. Por isso a surpreendeu descobrir que possivelmente, só possivelmente, ele podia sentir-se tão atraído como ela... isso, se acaso esses comentários podiam tomar-se por completo. Apressou-se a lhe seguir outra vez, tratando de lhe explicar: -Direi-lhe: só este ano começou a tratar de me matar. Anteriormente só queria me levar a Inglaterra. Por minha parte, estava decidida a evitá-lo a qualquer preço. A história é muito longa, mas em resumo estive fugindo desse homem durante três anos, e francamente, estou farta. Ele desempoleirou o chapéu golpeando-o contra a perna. Logo voltou a ficar o com a asa inclinada com bastante garbo. -Não é meu assunto, senhora. -Não, é obvio que não. Claro que não. E não me ocorreria sequer lhe embrulhar em meus problemas, sobre tudo depois do que já tem feito você por mim. Eram muitas explicações, quando teria bastado com um simples gesto de assentimento. Ele a olhou com serenidade e respondeu, seco: -Me alegro. -Pois não terminei que falar, senhor Thunder. -Ouça, não me diga "senhor". Pode me chamar Colt ou Thunder. Dá-me igual. -Como você goste. Mas como lhe dizia, não pude deixar de apreciar o estupendamente apto que é você com o revólver. -Estupendamente apto? -ele sorriu-. Vá, senhora, você não é das que chamam o pão, pão e ao vinho, veio. 51

-Como diz você? -Não importa. E o que? -O que ... ? Ah, sim. Pois... por acaso, está você disponível? -Quer fazer matar ao Longnose? Isso a perturbou. Ele o dizia com muita facilidade, sem a menor emoção. Mas sossegou a sensação. -Não, só quero lhe apreender e lhe entregar aos representantes da lei neste território, quaisquer pessoas que sejam. Em Nova Iorque lhe busca pelo assassinato de meu procurador. -Seu o que? -Meu advogado na América do Norte. -E por que matou a seu advogado? -Só pudemos elucidar que esse homem desafortunado lhe descobriu em seu escritório, no ato de roubar o testamento que eu tinha assinado esse mesmo dia. Só esse faltava do escritório, segundo seu sócio. E encontramos várias testemunhas aos que pediu indicações para chegar à escrivaninha dos advogados. Todos juram que quem os interrogou era um inglês. Além disso, não é o primeiro de meus testamentos que desaparece. -A meu modo de ver, o que você precisa é um caçador de recompensas, senhora, e eu não o sou. Melhor ainda: quando for entregar este cadáver, denuncie o ocorrido aqui ao oficial do Tombstone. Bastará com o nome desse fulano e sua descrição. -É que não sei seu nome nem como é. -Ao lhe ver franzir o cenho, ela se apressou a acrescentar:- John Longnose é só um nome que nós lhe damos. Quão único posso dizer dele é que é tão inglês como eu. -Bom, o mais provável é que não haja outro inglês em cento e cinqüenta quilômetros à redonda, mas nunca se sabe. Vi passar a outros e seria fácil cometer um engano. o melhor que você pode fazer é entrincheirar-se e deixar que ele vá procurar a. Disse que tem guardas, senhora? -Sim, mas... -Então não necessita outro braço armado. 52

Jocelyn não tinha chegado a compreender que sua proposta era rechaçada quando Thunder tirou outra vez o revólver e disparou. Ao voltar-se, a jovem viu uma larga serpente, já decapitada, ao comprovar o perto que estava dela não pôde a não ser estremecer-se. Não tinha visto nem ouvido o perigo. Que não necessitava outro braço armado? Ele mesmo acabava de demonstrar a falsidade dessa declaração. Colt arrojou a serpente a um lado e a olhou de soslaio. Terei que reconhecê-lo: a mulher tinha estado a ponto de receber um disparo e de ser mordida por uma serpente, depois de que seu carro se estrelasse. E ninguém podia saber o que tinha ocorrido anteriormente. Entretanto, não alvoroçava por nada disso. Claro que a serpente tinha conseguido fazê-la calar. Era a mulher mais faladora de quantas ele conhecesse. Bom, não incomodava: seu acento resultava muito suave ao ouvido. voltou-se para contemplar a nuvem de pó que avançava para eles. Deviam ser seus guardas, a julgar pelo tamanho da poeirada, que indicava a presença de vários cavaleiros. No caso de, voltou a carregar o revólver. Ao olhá-la outra vez, viu que ela tinha tirado um pequeno quadrado de encaixe e se estava secando a frente com ele. Esse doce perfume se fez mais potente, lhe agitando outra vez o sangue. Deus, que perigosa era essa mulher! Cada vez que a olhava a encontrava mais bonita e decididamente mais desejável. E cada vez que lhe olhava com esses formosos olhos verde, a Colt era preciso lutar contra antigos instintos. Se a tivesse encontrado seis anos antes, simplesmente a teria levado a lombos de seu cavalo para fazê-la sua. Mas agora era "civilizado"; já não podia seguir suas inclinações naturais. De qualquer modo, os instintos seguiam sendo muito fortes. Por esse motivo preferiu não atrasar-se ali para ajudá-la a sair de suas dificuldades. Se ela não tivesse contado com ajuda, as coisas teriam sido diferentes; nesse caso não teria tido alternativa, pois não gostava absolutamente da idéia de que alguém queria lhe fazer dano. Embora estivesse ali desconjurado, ali estava e se cruzou em seu caminho. Ele se preocuparia com ela até que soubesse a salvo. Justo o que o fazia falta! 53

-São seus homens os que vêm? Jocelyn se sobressaltou ante a pergunta; logo que pôde ouvi-la, ensurdecida como estava pelos disparos. Tinha estado tratando de idear algum modo de lhe fazer trocar de idéia com respeito a não trabalhar para ela. Não queria que se afastasse para sempre. Era imperativo lhe reter embora ainda não soubesse por que. Então viu os cavaleiros e reconheceu ao Sir Parker Grahame, diante de todos. -Sim, é minha escolta. E vários dos serventes, ao parecer. -Nesse caso, vou. Seus homens encontrarão a tiro amarrado junto ao rio, a um quilômetro e meio neste direção... sempre que alguém não os tenha roubado a estas horas. As palavras não pronunciadas ficavam implícitas em seu tom. Se os cavalos tinham desaparecido, o mesmo podia dizer-se de sua equipe. -Obrigado. Não duvido que os recuperaremos com facilidade. Mas está você seguro de que não trocará de idéia e ... ? -Que vem para você é um pequeno exército, senhora. Não me necessita. -Entretanto, necessitamos um guia. -No Tombstone acharão algum. Jocelyn apertou os dentes ao vê-lo montar. Obviamente, não estava disponível sob nenhuma circunstância. -Onde está essa cidade que você menciona? -Cruzando o São Pedro, uns nove quilômetros mais à frente. É grande. Não a passarão por cima. -Vive você ali, por acaso? -Não, senhora. -Mas é possível que nos vejamos ali? -Duvido. Não a tinha cuidadoso desde que girasse para seu cavalo, mas nesse momento o fez e teve que aferrar-se à cadeira de montar. A desilusão se pintava vividamente na expressão da moça, lhe atirando das vísceras com invisíveis cordas. Que diabos pretendia dele? Não sabia acaso que com esse olhar se estava procurando problemas? 54

-Eu gostaria de muito que você o pensasse melhor -insistiu, com uma voz suave, implorante, que se envolveu a ele, lhe fazendo grunhir. Isso, unido a todo o resto que o fazia sentir, foi muito. Precisava fugir a toda pressa. -Nem o pense, senhora. Não quero esse tipo de problemas. Não compreendeu que Thunder se referia a ela, não a suas dificuldades. Permaneceu ali, de pé, lhe seguindo com a vista enquanto ele se afastava a cavalo. sentia-se culpado por tratar de lhe embrulhar em uma situação muito perigosa. Ele tinha razão ao recusar. Já a tinha ajudado o bastante. Mas por todos os Santos, não podia lhe perder de vista.

Capítulo 6

Quando Ed Schieffelin partiu para os páramos do sudeste do Arizona, o comandante do Fort Huachuca lhe advertiu que só encontraria sua própria lápide. O velho buscador de ouro passou por cima a advertência; quando achou a "nervura" de seus sonhos, não perdeu tempo em batizá-la Tombstone (lápide). Encontraram-se outras nervuras na zona, mas a Tombstone do Ed foi a que deu nome à cidade surta a seu redor, em 1877. Quatro anos depois, a população se gabava de ter uns quinhentos edifícios, dos quais cem pelo menos contavam com licencia para vender bebidas alcoólicas; destes, mais ou menos a metade operavam como bordéis e lenocínios no extremo oriental da cidade, além da rua 6; em realidade não eram muitos, se considerar que a população da aldeia tinha subido a mais de dez mil almas. Colt tinha por costume averiguar dados sobre cada cidade antes de entrar nela; sobre essa tinha perguntado todo o necessário ao passar pelo Benson, assim como tinha averiguado o suficiente sobre o Benson ao passar pelo Tucson. Ao vê-la com seus próprios olhos lhe pareceu compreensível que um moço de dezessete anos, ao escapar para o México, pudesse atrasar um tempo ali. 55

Nesse lugar esperava encontrar finalmente ao Billy Ewing. Seria melhor que lhe achasse ali, por certo. depois de lhe haver pescado o rastro no St. Louis, quatro meses atrás, só para perdê-lo uma e outra vez, Colt estava nos sedimentos de sua paciência. As coisas que fazia pelo Jessie! Entretanto, não seria fácil localizar a um rapaz de dezessete anos em uma população desse tamanho. Haviam-lhe dito que havia ali cinco hotéis de considerável importância e seis casas de pensão. Mas estaria Billy utilizando seu próprio nome? Também lhe haviam dito que esse não era bom momento para visitar a cidade, que se encaminhava para um estalo de violência entre quão foragidos operavam na zona e o oficial e seus irmãos, grupos ambos que se enfrentavam desde fazia já tempo. Colt se deteve em seco em meio da rua Toughnut ao recordar isso. Como tinha podido esquecer essa informação ao falar com a ruiva? Ele ia para o Tombstone com toda a intenção de tirar dali o Billy quanto antes, mas tinha encaminhado nessa direção a uma mulher como aquela. Tão aturdido estava? Ou acaso no fundo desejava que ela seguisse a mesma direção? Que tolo, que tolo! Agora teria que enfrentar-se outra vez a ela, para lhe explicar que seria melhor para sua saúde não permanecer muito tempo nessa cidade. Não: vê-la outra vez seria ainda mais tolo. Enviaria-lhe a mensagem por intermédio do Billy... quando lhe achasse. Açulou a seu cavalo, com a expressão escurecida por um aborrecimento dirigido contra si mesmo; passou vários minutos sem ver nada da cidade. Ao fim recuperou o tino e notou que tinha passado de comprimento pela rua 3, onde tinha intenções de girar à esquerda. Tinham-lhe recomendado a pensão do Fly, localizada na rua Fremont, entre a 3 e a 4. Antes que voltar sobre seus passos, preferiu subir pela rua 4. A cidade estava distribuída em maçãs quadradas; as artérias transversais eram Toughnut, Allen, Fremont e Safford, do sul ao norte; deste ao oeste, as ruas 1, a 7. depois de cruzar Allen, continuou pela 4 para o norte; passou ante o Hafford Saloon, na esquina, e o restaurante Cão-Cão, a seu lado; em frente, uma cafeteria. 56

A variedade de estabelecimentos que serviam comida foi um bemvindo alívio. Das cidades pequenas pelas que tinha passado, a maioria contava com um sozinho, se acaso. Quase todos os locais comerciais da rua estavam separados entre si por lotes baldios, onde se via algum estábulo que mais tarde podia lhe ser útil. Mas só necessitaria de um quando se assegurou o alojamento e tivesse percorrido todos os hotéis da cidade em busca do Billy. portanto continuou sua marcha. Passou junto a um funileiro, um escritório de análise de metais e uma loja de móveis. A armería do Spangenburg estava quase ao final da rua; logo, o Capital Saloon, na esquina; ali girou à esquerda, para a rua 3. Junto ao salão estava o Nugget, um dos dois periódicos da cidade; seu competidor, o Epitaph, elevava-se justo em frente. Por fim divisou a pensão do Fly, quase no extremo da rua, e açulou um pouco mais a seu cavalo. Era muito esperar que Billy tivesse seu quarto ali; supôs que a busca lhe levaria o resto da jornada. E com a má sorte que lhe acossava, provavelmente tivesse que percorrer também uns quantos bares antes de terminar; ali as probabilidades de meter-se em problemas eram sempre maiores, mas em seu estado de humor atual não lhe importava muito. Billy Ewing se passou uma mão nervosa pelo cabelo castanho-dourado, antes de servir-se outra medida do Quarenta Taças que o Oriental, bar e casa de jogo clandestino, servia a maneira de uísque; o nome era adequado, pois se dizia que às quarenta taças aparecia a paralisia. Billy estava metido até o pescoço em problemas e sabia, mas não lhe ocorria como sair sem que lhe voassem a cabeça. Tinha pensado que o Oriental seria o último sítio aonde apareceria seu novo "amigo", posto que esse estabelecimento pertencia em parte para o Wyatt Earp; uma das coisas que acabava de descobrir era a velha inimizade existente entre os irmãos Earp e a banda Clanton. Mas nesse momento não havia ali nenhum dos Earp, e Billy Clanton, o menor dos irmãos, tinha-lhe encontrado. Que enganosas estavam acostumadas ser as aparências! Mas que despreparado podia adivinhar que o jovem Clanton, quem não passava dos dezesseis anos, era já um assassino a sangue frio? Por Deus! 57

Billy tinha conhecido ao Clanton no Benson; ao descobrir que ambos sairiam por volta do Tombstone à manhã seguinte, decidiram viajar juntos. Ao Billy gostou da idéia de contar com a companhia de alguém que conhecesse a zona; mais ainda gostou que lhe oferecessem emprego no Rancho Clanton, perto do Galeyville. Conhecia esse tipo de tarefas, graças a todos os verões que tinha passado com sua irmã, em Wyoming, e necessitava decididamente um emprego, posto que se estava ficando sem dinheiro. Mas neste caso tinha demonstrado sua ignorância. Tratou de fingir ser o que não era, não fez as perguntas que teria devido fazer e tirou o chapéu contratado, não para trabalhar em um rancho, a não ser com uma banda de ladrões de gado e assaltantes de diligências. O rancho, perto do Galeyville, era só o quartel da banda. Um par de mineiros, que trabalhavam na mina do Mountain Maid e lhe tinham visto com o Clanton, puseram-lhe em antecedentes a primeira noite que passou na cidade. Claro que não estava disposto a lhes acreditar na primeira palavra, mas todos aqueles a quem interrogou lhe repetiram o mesmo. A banda Clanton levava anos operando nessa zona, além de enfrentar-se com as autoridades do Tombstone. Ainda os conhecia pelo mesmo nome, embora o velho Clanton, que organizasse o grupo, tinha sido morto poucos meses antes, deixando em seu posto ao Bill Brocius, "Cachos". Além do Bill Brocius e os três irmãos, lke, Finn e Billy Clanton, havia outros bandoleiros muito conhecidos no Tombstone que também integravam a banda. Um deles era John Ringo, de quem se sabia que tinha participado da guerra do condado do Mason, no Texas, antes de incorporar-se ao grupo; não muito antes tinha matado ao Louis Hancock em um salão da rua Allen. Frank e Tom McLaury eram outros dos nomes que surgiam com freqüência. E também o do Billy Claiborne, outro jovem caçador de glórias, que insistia em fazer-se chamar "Billy o Menino”, agora que o autêntico Billy the Kid já não existia. Claiborne tinha matado já a três homens por rir dessas pretensões; lke e os irmãos MeLaury lhe tiraram do cárcere de São Pedro apenas uma noite depois de ser detido por esse terceiro assassinato. 58

O jovem Billy Clanton tinha estado envolto no que já se chamava "a massacre do canhão Guadalupe", que levasse a morte de seu pai. Em realidade, Ewing tinha os ouvidos cheios de tudo o que lhe tinham contado dessa ação dos Clanton, em especial. A banda tinha atacado a uma caravana de mulas que transportava prata em bruto pela cordilheira da Chiricahua, em julho desse mesmo ano, massacrando aos dezenove mexicanos que as conduziam. O velho Clanton morreu poucas semanas depois, quando alguns amigos dos muleros mortos lhe tenderam uma emboscada, enquanto ele e alguns membros de sua banda conduziam uma marmita roubada aos mexicanos por essas mesmas montanhas. O jovem Clanton não participou desse mortal encontro, embora se dedicava ao roubo de gado dos doze anos, conforme os informe. E essa era a gente com quem Billy Ewing se enredou? Ainda lhe custava acreditá-lo. Pura e simplesmente, não sabia como sair dessa situação. Tinha-o tentado. Havia dito ao jovem Clanton que agora tinha outras idéias. Mas as alusões de covardia e a insistência do moço em aproximar a mão a sua pistola fizeram que Billy reconsiderasse sua decisão. A seguir tratou de evitar ao Clanton, simplesmente. Mas ao dia seguinte teria que lhe acompanhar ao rancho. Se não se apresentava, iria Clanton para lhe buscar? Se partia essa mesma noite, buscaria-lhe com toda a banda? -Este bar está morto, homem. por que não provamos na Alhambra ou no do Hatch? Billy voltou a cabeça para as mesas lotadas e o mostrador; a zona de jogo estava quase cheia de mineiros. Morta? teve medo de que seu "amigo" estivesse procurando problemas para entreter-se nessa última noite passada na cidade. -É cedo. Apenas se está pondo o sol -respondeu-. Só me detive aqui para tomar uma taça antes de jantar no restaurante Nova Orléans. Quer me acompanhar? Fazia o convite só por cortesia. Por isso se alegrou de ouvir a resposta:

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-Não tenho fome. E você não é muito bebedor, certo? Além disso, falas estranha, como os pitucos do oeste. Não me explico como não me dava conta antes. De onde disse que vinha? -Não o disse -esquivou Billy-. Tem alguma importância? -Suponho que não, mas... bom, olhe. -Clanton se ergueu na cadeira, acariciando automaticamente a culatra do revólver, em tanto observava a um alto desconhecido que acabava de franquear as portas de vaivém.- Não é índio apache nem comanche, mas reconheço aos índios pelo aroma, a um quilômetro de distância, e não há mestiço que me engane. Pode ser que isto se anime um pouco. -OH, carajo -grunhiu Billy. Logo repetiu, enquanto se encasquetava o chapéu até as sobrancelhas, afundando-se na cadeira-: OH, carajo, carajo. Clanton lhe olhou com certo desgosto. -Conhece-lhe? Ou lhe assustam os mestiços? E diziam que o irmão lke era o fanfarrão jactancioso! Billy já estava farto desse Clanton, fora assassino ou não. -Não seja tolo, homem -disse a seu companheiro, que era melhor e bastante mais baixo-. Esse não é um de tantos mestiços criados entre brancos. Esse era um autêntico guerreiro cheyenne até faz poucos anos. E desde que se separou da tribo aprendeu a usar muito bem esse revólver que leva. Nunca vi a ninguém tão veloz. A advertência foi contraproducente, pois Clanton se considerava muito rápido. -De maneira que lhe conhece. Por acaso, anda te buscando? Um olhar ao sorriso espectador do rapaz fez que Billy voltasse a gemer pelo baixo. -Que não te ocorra. -É que vem para aqui. Billy se arriscou a jogar uma olhada e se encontrou empalado por esses olhos azuis, quanto mais intensos que os seus. Se tivesse podido escorrerse debaixo da mesa, o teria feito. -Colt -disse angustiosamente, a maneira de saudação. Não recebeu sequer um gesto de cabeça como resposta. Colt já não lhe olhava: vigiava 60

ao Clanton, que se estava levantando. antes que o rapaz tivesse podido erguer de tudo, Colt já tinha o revólver na mão e lhe estava dando ordens de voltar a sentar-se. O jovem o fez, com os olhos dilatados e bastante menos cor na cara. Billy se levantou lenta, muito lentamente, mas se tranqüilizou um pouco ao ver que Thunder embainhava o revólver. Ainda não havia dito uma palavra e ele estava seguro de que não o faria, pelo menos ali. Mas sim mais tarde. A cara do Clanton estava recuperando velozmente a cor, amostra do muito que lhe enfurecia ter sido vencido com tanta facilidade, mas não tratou de voltar a levantar-se. De qualquer modo, tampouco guardou silêncio, posto que havia testemunhas, incluído Buckskin Frank Leslie, o taberneiro do Earp. Ninguém havia dito uma palavra, mas o mestiço tinha chamado a atenção ao entrar e todas as olhadas seguiam fixas nele enquanto obrigava silenciosamente ao jovem Clanton a tornar-se atrás. -Não tem por que lhe acompanhar, Ewing; não importa o que tenha feito. Agora tem respaldo. Quando eu conte a meus irmãos... -Te esqueça do assunto, homem -disse Billy, com um suspiro que bem podia ser de alívio, posto que a aparição do Colt acabava de lhe tirar de um apuro. Até sorriu a seu efêmero amigo. -Tenho que lhe acompanhar, sim. -Mas o que, diabos... -OH, já sei a que me espera, sim -interrompeu-lhe Billy, alargando o sorriso. E por fim acrescentou:- Direi-te: é meu irmão.

Capítulo 7

Billy já tinha tido sua festa. Não sorria quando saiu à calçada de pranchas, frente à Oriental, para esperar que Colt franqueasse de costas as portas de vaivém. Viu-lhe ficar rapidamente a um lado antes de afrouxar a mão que sustentava a pistola. O moço sentiu certa agitação no estômago. 61

Colt Thunder ali? Não tinha a menor esperança de que se tratasse de uma coincidência. -Onde está seu cavalo? -perguntou Cott, seco. Billy fez uma careta ao ver o grande Appaloosa rua abaixo, frente a outro botequim. -Vim caminhando do hotel de Nobre, onde me hospedo. -Bem. Vamos. Eram quase da mesma estatura, mas Billy tinha a sensação de tropeçar com seus próprios pés quando tratava de seguir o passo ao Colt, que partia pela calçada. -Não imaginei que ela te enviaria para me buscar, Colt. Juro-lhe isso. -Acreditava que te seguiria em pessoa? -Não, certamente! Supus que escreveria ao Jessie e que ela encarregaria a busca ao Chase. Sempre se apóia nele quando necessita ajuda. -Isso foi antes que se casasse com o Jessie. De qualquer modo, provavelmente o encarregado teria sido ele, se tivesse estado em sua casa. Mas não foi assim. E não foi sua mãe a que me pediu te buscar, a não ser Jessie. Teve a louca idéia de que te encontraria sem trabalho. -Sinto muito -disse Billy, mansamente. -Me dê tempo para decidir se te vou arrebentar a pauladas ou não, moço. Depois veremos se o sente. Billy fez uma careta. Teria querido ver a expressão do Colt, mas o homem ainda lhe levava vários passos de vantagem e falava sem olhar atrás. De qualquer modo, sem dúvida falava a sério. O que decidisse ao respeito só dependia de seu aborrecimento. Mas bem pensadas as coisas, tampouco sua expressão lhe revelaria nada. Colt era muito capaz de dissimular suas emoções quando assim o queria. Os últimos anos tinham sido uma surpresa atrás de outra. Billy tinha sido criado em Chicago pelo Rachel, sua mãe, e por seu padrasto, embora por então não sabia que Jonathan Ewing era só seu padrasto. Também ignorava que tinha uma irmã. Só soube ao morrer o pai do Jessie, quando Rachel viajou a Wyoming para atuar como tutora da moça. Nessa época 62

Billy tinha só nove anos; conhecer alguém como Jessie foi uma experiência impressionante. O pai a tinha educado como a um varão, e ela dirigia o rancho herdado com tanta capacidade como qualquer homem. Usava calças de montar, levava revólver e sabia todo o necessário sobre a cria de gado. Billy a adorou; ficou encantado ao saber que não eram só meio irmãos, a não ser irmãos de verdade, pois Thomas Blair tinha sido seu verdadeiro pai. Mas Rachel voltou para Chicago, levando a menino consigo, e só um par de anos depois Billy voltou a visitar o rancho Rocky Valley. Ali estava o dia em que apareceu Colt, embora por então se chamava Trovão Branco. Billy tinha ouvido falar dele, é obvio. O valente guerreiro cheyenne era íntimo amigo do Jessie desde fazia muitos anos, embora até então nunca tivesse ido ao rancho. Mas em um princípio Billy não soube do que se tratava; depois de inteirar-se de tantos problemas como estavam causando por então os sioux e os cheyennes, o ver um índio entrar em cavalo com todo disparo lhe assustou, sobre tudo posto que não era obviamente, dos mansos. Meio nu, com o cabelo solto até a metade das costas, Trovão Branco não tinha nada de manso... a menos que alguém lhe visse conversando com o Jessie em inglês. E não era um inglês claro e gramatical, como o que se podia ensinar a um índio, a não ser com a entonação do oeste, cópia exata da cadência do Jessie; não cabia surpreender-se, depois de tudo, posto que o tinha aprendido dela. Billy, com seus onze anos, ficou tão fascinado pelo Thunder como antes pelo Jessle. Não teve tempo de presenciar sua transformação em "homem branco"; por isso lhe reconheceu com muita dificuldade quando Colt viajou ao Este com o Jessie e Chase, para assistir à bodas do Rachel com o Carlos Silvela, o pai do Chase; tinha passado menos de um ano. Mas ainda ficava algo nele que impedia ao Billy relaxar de tudo em sua presença, apesar de que se mostrava franco e cordial. Isso não desapareceria nunca; muito menos agora, depois desse problema que Colt tinha tido em 1878 e que quase lhe custou a vida; já não se mostrava despreocupado. 63

Foi então quando Billy descobriu que Colt não era só o melhor amigo do Jessie, mas também seu meio irmano. E médio irmano do mesmo Billy, pois Thomas Blair os tinha engendrado aos três. Por desgraça, não por isso se sentiu mais a gosto com o Colt; ao menos, não tanto como Jessie. Por muito irmão dele que fora, Colt ainda lhe assustava mais que dez Billy Clanton juntos, sem tentá-lo sequer. Como se lhe tivesse estado lendo a mente, seu irmão maior perguntou: -Quem era esse acalorado teu amigo? Billy respondeu sem pensar e tirou o chapéu apertado contra a parede do estábulo pelo que aconteciam, com os punhos do Colt obstinados a sua camisa. -Se esqueceu o sentido comum no Este, filho? antes de ter cruzado a metade do território já tinha ouvido falar muito dessa gente: sabia perfeitamente que eram de mal viver. -Bom, pois eu não -disse Billy, à defensiva-, Quando me inteirei já era muito tarde. -E acrescentou, sem poder sustentar o olhar penetrante do Colt-. Em certo modo, contrataram-me. Pensei que era para o trabalho do rancho. -Pedaço de... -Por Deus, Colt, eu não sabia no que me estava colocando. Começava a me faltar o dinheiro. -Teria bastado com que escrevesse a sua casa. -Se o tivesse feito, teria tido que voltar para casa. E duvido que minha mãe esteja disposta a compartilhar meu ponto de vista. -Que o compartilhe ou não... OH, não importa. Colt deixou ao Billy no chão e jogou uma olhada à Oriental; ninguém tinha saído dali desde que eles o fizessem. Continuou a marcha para seu cavalo, perguntando sobre o ombro: -Renunciou? -Tentei-o, mas já viu quão acalorado é Billy Clanton. Não aceita que lhe contradigam. -Está bem, não importa. Se alguém se opuser a que abandone a cidade, que se entenda comigo. Liquidaremos sua conta no Nobre Y... 64

Os pensamentos do Colt puseram-se a voar assim que viu um carro de cor azul esverdeada que vinha pela rua, para eles, rodeado por doze cavaleiros armados. Seguia-o outro veículo, não tão grande, e um terceiro. Fechavam a marcha três grandes carretas lojas de comestíveis de bagagem e provisões. A seu lado partiam, levados da brida, quatro dos puro sangue mais estupendos que jamais se vissem o oeste do Mississippi. -Por Deus, que diabos ... ? Colt logo que ouviu a pergunta do Billy. Devia ser quão mesma cruzava a cabeça de todo o mundo, salvo a sua. Em toda a rua, a gente se detinha, boquiaberta, aparecia às janelas ou saía das lojas para olhar melhor. Os meninos de meia cidade corriam junto à caravana, como se acabasse de chegar um circo à cidade e eles não queriam perder um momento da festa. -Pensei que teria chegado muito antes -comentou Colt, distraído, com o olhar fixo na primeira carruagem. Billy lhe olhou de esguelha, como se lhe tivesse ouvido dizer que a lua era verde. -Conhece essa gente? Colt saiu de seu ensimismamiento e desceu da calçada para desatar a seu cavalo, de costas à rua.... e a ela. -Encontrei-me com as damas que vão no primeiro carro ao outro lado do São Pedro. Necessitavam ajuda, pois se tinham separado de outros e a carruagem estava derrubada. Billy notou que seu irmão ignorava deliberadamente o espetáculo da rua. -Assim ao outro lado do rio... E o que fazia você tão para o oeste? -Prefiro seguir um rio antes que os caminhos, Desse modo te encontra com menos gente indesejável. Billy fez uma careta, captando a indireta. -E os quais são? -As senhoras são inglesas. Com os acompanhantes não travei relação, mas por seu aspecto são todos estrangeiros. -Isso acredito -comentou Billy. 65

Estava observando a um dos carroceiros, que vestia uma larga túnica branca e uma espécie de lenço grande envolto à cabeça, em vez de chapéu. Os doze homens do guarda também luziam trajes estranhos: idênticas jaquetas vermelhas, com capas vermelhas, calças de cor azul marinho com uma banda de cetim negro na costura exterior e altos chapéus de aspecto militar. -Ouça, vão deter se -observou o moço, surpreso. Colt girou em redondo, com um juramento. -Caramba, essa mulher não pode ser capaz de... E diante de um botequim! Ela o fez; um de seus guardas se adiantou apressadamente para lhe abrir a portinhola. Ele chegou a ver por um momento essa gloriosa cabeleira vermelha, antes de montar muito depressa. -Essa mulher -não tem mais sentido comum que você, Billy. -Por que o diz? Não tem feito outra coisa que apear-se ... e acredito que vem para ti. Colt se negou a olhá-la outra vez. Já lhe estava esquentando o sangue, só por saber que ela estava a poucos metros de distância. -Não o fará, se eu posso evitá-lo. Espero-te diante de seu hotel. Billy alargou os olhos: -Não pensa esperar A... ? -Já sabe como reagirá esta gente se a vêem dirigir a palavra a alguém como eu. Billy se arrepiou; detestava que Colt se degradasse desse modo. -Talvez ela possa ensinar uma ou duas coisas a esta gente, que não sabe julgar a um homem pelo que vale. Colt não se incomodou em responder. Apartou a seu cavalo e pôs-se a andar pela rua. Billy se encontrou frente à ruiva mais formosa que nunca viu. Ela tinha se detido em meio da rua, com expressão de grande desilusão, e seguia ao Colt com o olhar. Billy teve vontades de dar um chute nas nádegas a seu irmão... embora nunca se atreveria a fazê-lo.

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E o que tinha ganho Colt com isso? De qualquer modo, todo mundo a estava olhando... e todos podiam ver quem olhava ela, com quem tinha tido intenções de falar. Não com o Billy, obviamente, pois uma vez que Colt se perdeu de vista, a elegante ruiva girou e, depois de intercambiar algumas palavras com um de seus guardas, voltou para seu carro e continuou rua abaixo.

Capítulo 8

Vanessa abriu a porta de suas habitações, no Grand Hotel. Babette ria como uma parva no corredor, junto ao senhor Sidney, um dos dois lacaios que rivalizavam constantemente por suas cuidados. -Bom, moça, vamos -disse a condessa, impaciente, cravando no Sidney um olhar de severo desaprovação, que lhe pôs em imediata retirada-. obtive que se deite com uma compressa fria, mas não ficará tranqüila enquanto não saiba o que informe trouxe Alonso. Sabe já o que averiguou? -É obvio -sorriu Babette. Seus artificiosos cachos de cabelo loiros revoaram ao entrar ela na habitação-. Alonso sabe onde vai o americano, mas quanto tempo estará aí... -A donzela francesa se encolheu de ombros. -Bom, enquanto permaneça ali pelo tempo necessário para o que ela pensa fazer... Embora não imagino do que se trata. Já me há dito que ele rechaçou o emprego. -Vanessa franziu o cenho, contemplando a porta fechada do dormitório do Jocelyn.- Pensando-o melhor, talvez seria preferível que não voltasse a lhe ver. Não a vi chorar assim desde aqueles primeiros meses, depois da morte do duque. -Explica-se, com tudo o que passa hoje... -OH, sei, sei -replicou Vanessa, ainda surpreendida de que nenhum de seus acompanhantes tivesse recebido feridas sérias na emboscada. Dois dos homens estavam feridos e em cama, com atenção médica, mas podiam reatar a viagem se apresentava a necessidade. 67

Mas não é por isso que chorou. Que descaramento o desse caipira! Deixá-la plantada desse modo! -Possivelmente não a viu, sim? -Possivelmente. Mas Vanessa não acreditava assim, por certo. E embora lhe surpreendia o interesse do Jocelyn por esse homem, não estava segura de que fora prudente lhe dar rédea solta, depois do que lhe tinha ouvido dizer sobre seu encontro com ele. Lhe desejava muito muito... fora do comum. -Averiguou Alonso o que é um mestiço? Os olhos celestes do Babette se tornaram redondos ao recordar essa parte do relatório. -OH, sim, mas não gostará, acredito. -Tampouco eu acredito -comentou Vanessa, seca-. Anda, vêem. A condessa chamou brandamente à porta antes de entrar com a donzela na habitação às escuras. O sol já se pôs, mas ficava um céu de lavanda nas janelas abertas, com suficiente luz para ver que Jocelyn não dormia. Pelo contrário, estava levantada e olhava à garçonete cheia de expectativa. Vanessa indicou ao Babette que acendesse os abajures. Logo disse: -Tomei-me a liberdade de ordenar que te sirva um refrigério ligeiro, dentro de um momento. Não sei o que pensa você; por minha parte não tenho vontades de me trocar para jantar. Jocelyn olhou a sua querida amiga com o cenho franzido. -Foi você a que devia deitar-se. Vá, sobre tudo depois da terrível dor de cabeça que sofreu esta manhã. Eu não tenho nada... -... que não se cure com um pouco de comida e descanso -concluiu Vanessa, sem permitir discussões. Jocelyn suspirou. Quando a condessa caía em uma dessas atitudes maternais era melhor ceder. E assim estava desde que Jocelyn sucumbisse a esse tolo arrebatamento de emoções, depois de entrar em seu quarto. Voltou o olhar para o Babette, que ainda seguia passando de um abajur a outra. Só nessa habitação havia seis. 68

O alojamento era muito adequado, contra o que lhes tinha advertido: que quase todas as cidades do oeste eram pequenas e seus hotéis, menores ainda. Essa população, a primeira em que entravam, resultava uma agradável surpresa, assim como a diversidade de hotéis com que contava. O Grand não podia competir com os luxuosos estabelecimentos deste costa, mas ao menos o tentava. E lhes tinha sido possível alugar toda a planta alta, o que era ideal para manter a segurança. -Basta já, Babette -ordenou Jocelyn, impaciente-. Quanta luz requer o relatório do Alonso? A francesa sorriu com descaramento, já descoberta sua mutreta para demorar as coisas. -Não é tão mau. Ao menos Alonso diz que é só questão de prejuízos. Ao mestiço, lhe considera igual ao índio. E ao índio lhe trata com desprezo e ódio. -Desprezo? -Para dissimular o medo, já sabe. Ao índio ainda lhe teme muito aqui. Ainda assalta, mata e... -Que índio? Digo, que índios? -Índios apaches. Ouvimos falar deles no México, não? -É certo, mas não recordo ter ouvido dizer que seguissem sendo tão hostis. -Só Jerônimo. Alonso diz que é renegado, com apenas um pequeno número de seguidores que se escondem no México e assaltam este lado da fronteira. -Muito bem, mas Colt Thunder não é um mestiço índio apache, a não ser cheyenne -Assinalou Jocelyn.- O que averiguou Alonso dos índios cheyennes? -Nesta zona não lhes conhece. -Nesse caso por que pensou o senhor Thunder que eu devia desconfiar dele? -Acredito que não capta o assunto, querida -interveio Vanessa-. O prejuízo não é algo particular. Ao parecer, a todos os mestiços lhes trata do 69

mesmo modo nestes territórios do oeste, sem que importância a que tribo a Índia pertençam. -Mas isso é ridículo! -insistiu Jocelyn-. Por não dizer injusto. Além disso, não há nada desprezível no Colt Thunder. Pareceu-me muito cortês... bom, cortês, em geral. E me ajudou muitíssimo. Bom Deus, se até me salvou a vida duas vezes no curso de uma hora! Também era impaciente, respondão, de mau gênio e teimoso em tudo o que se referisse a relacionar-se com ela. Mas não valia a pena mencionar esses detalhes. -Minha querida Jocelyn, todos estamos agradecidos a esta pessoa por seu oportuno socorro. Pode estar segura. Mas ele não pôde expressar com maior claridade, esta tarde, o que opina a respeito. Não quis falar contigo. -Agora o compreendo. Esta manhã se comportou do mesmo modo, como se eu estivesse cometendo alguma falta de decoro muito grave só por estar perto dele. Que tolice! -Pelo visto, ele não pensa que seja tolo. -Sei; ele acreditou me proteger ao me evitar diante da gente. É muito digno de elogio por essa atitude, mas não me parece necessário absolutamente. Não penso me deixar influir pelos prejuízos alheios. E me importa um rabanete a opinião geral. Se quero me relacionar com esse homem, farei-o. Ninguém vai dizer me o que posso fazer e que não. Vanessa arqueou uma dourada sobrancelha ao ver o gesto teimoso do Jocelyn. Certa vez, durante a primeira entrevista, o duque lhe havia dito que sua esposa era muito doce, dócil e flexível. Vanessa estava em situação de pensar o contrário. -E que tipo de relação tem em mente? -perguntou, relutante, temerosa se soubesse por antecipado. Jocelyn se encolheu de ombros, embora em seus olhos verde lima se via uma faísca evidente. -OH, não sei. Talvez o que estávamos analisando esta manhã. -Temia que me respondesse isso.

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Capítulo 9

-Atendo eu -anunciou Billy. E saltou da cama aonde estava tendido, observando ao Colt, que se raspava os poucos cabelos da cara, posto que não tinha tempo para arrancá-los, como era seu costume. Mas antes de haver meio doido o pomo da porta, o moço ouviu o som característico de um revólver martelado e compreendeu que acabava de cometer outra tolice. Quando a gente está em uma cidade aonde se esperam problemas, não abre sua porta sem perguntar quem chama ou, tal como acabava de fazer Colt a suas costas, preparar-se para qualquer possibilidade. E Billy Clanton ainda não tinha abandonado a população. Era improvável que tivesse seguido ao Billy até essa pensão, mas podia ser. Pensou que Colt voltaria a lhe arreganhar como a noite anterior, por ter esquecido jogar a chave ao quarto que compartilhavam. Entretanto essa manhã parecia estar de melhor ânimo, pois se limitou a dizer, ao lhe ver vacilar ante a porta: -Abre, mas mantém fora da linha de fogo. Billy tragou saliva ante o conselho, mas tirou a chave e abriu de par em par, mantendo-se detrás da porta. Enquanto esteve sozinho não se preocupou por essas coisas; não procurava o perigo detrás de cada esquina, como lhe tinha ensinado Jessie. Era um milagre que tivesse sobrevivido até esse momento. De qualquer modo, essa vez a precaução parecia desnecessária. No corredor havia dois homens, nenhum dos quais era o jovem Clanton, e ambos tinham ficado imobilizados ao ver o Colt no outro extremo do quarto, com um revólver pontudo para eles, vestido só com calças e botas índias. Ao Billy sentiu saudades lhe ver embainhar a arma imediatamente, guardando-a na pistolera que tinha pendurado do lavabo. Um segundo depois ele também reconheceu essas jaquetas vermelhas. Os homens ainda não tinham aberto a boca, embora já não havia arma apontada contra eles, mas era compreensível. Se o revólver os tinha sobressaltado, o ver as 71

costas do Colt no momento de voltar-se este para embainhar a arma devia havê-los emudecido. Convinha que Colt não caísse na conta disso. Se havia algo que lhe enfurecia até a demência era que alguém olhasse suas cicatrizes com horror. Jessie dizia que se relacionava com seu orgulho: não queria que ninguém soubesse quanto dor tinha devido sofrer para que suas costas tivesse esse aspecto. De qualquer modo, Billy sabia até que ponto ficava à defensiva quando detectava a mais leve compaixão dirigida para ele. Preferia o ódio à piedade. O moço se separou da porta, obrigando aos dois homens a centrar seus olhares nele e não em seu irmão. Apelando a suas melhores maneiras, perguntou cordialmente: -Podemos lhes ser úteis em algo, senhores? O mais alto dos dois tinha a estatura do Billy, mas sua idade se aproximava da do Colt; levava muito curto o cabelo castanho e seus olhos eram da mesma cor. Ainda desconcertado pelo que acabava de ver, respondeu à pergunta: -Bom... Colt Thunder não será você, por acaso? Perguntou-o com tanta esperança que Billy não pôde deixar de sorrir. -Temo que não. Os dois guardas intercambiaram um olhar. Seu desconforto era evidente, mas ao fim o mais alto disse: -Já o supunha, mas... bom, não importa. -inclinou-se para um lado para jogar outra olhada ao Colt. Logo ergueu as costas para dizer, com voz mais potente.- Se seu companheiro for o senhor Thunder, temos uma mensagem para ele. O sorriso do Billy se fez mais larga. Não pôde resistir à tentação de repetir esse apelativo, embora sabia que Colt detestava ouvir ser chamado assim. -Senhor Thunder, vêm por ti. -Já o ouvi, mas não me interessa.

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O moço girou em redondo, apagada o sorriso. Colt se estava pondo a camisa. Se seu irmão não tinha interesse, ele morria de curiosidade, pois sabia perfeitamente quem tinha enviado a essa gente. -OH, vamos, Colt. É só uma mensagem. Não te passará nada por escutálo. Colt se adiantou com expressão inescrutável, embora Billy reconheceu nele os sinais sutis da impaciência. Seu irmão se limitou a colocar a camisa dentro das calças, sem incomodar-se em abotoá-la. O fato de que ambos os objetos fossem negras justificava, talvez, que os dois ingleses tivessem retrocedido cautelosamente um passo ao lhe ver encher o vão da porta; entretanto, provavelmente isso era obra de seu lhe intimidem tamanho. -Vejamos -ordenou, seco. O homem mais alto pigarro; ao parecer estava encarregado de falar pelos dois. -Sua Graça, a duquesa viúva do Eaton, solicita de você a honra de... -Ao que? -interrompeu Colt, no mesmo instante em que Billy soltava um juramento-. Caray, uma duquesa britânica! -Ou seja que você...? -Não, claro que... como foi A... ? -Solta o de uma vez, filho, antes que te engasgue. Billy se ruborizou, mas estava muito excitado para deixar-se esmagar. -Uma duquesa é um membro da nobreza da Inglaterra, a esposa de um duque. A nobreza da Inglaterra tem diferentes graus de importância: há barões, condes, etc. Os poderia comparar com os chefes de tribo e os líderes de guerreiros. Mas não se pode ser mais importante que um duque ou sua duquesa, a menos que a gente seja membro da família real. Colt franziu o cenho, mas dirigiu o gesto aos dois mensageiros. -É certo o que diz o moço? -Bastante acertado -replicou o porta-voz, decidindo que não valia a pena esclarecer o do grau de influência e a magnitude das propriedades, posto que só desejava sair dali quanto antes-. Bom, senhor Thunder, tal como lhe dizia, Sua Graça solicita de você a honra de sua companhia à hora do almoço no restaurante Mais... Meis... 73

-Maison Dorée -colaborou seu companheiro, com um sussurro. -Isso: o restaurante Maison Dorée. O homem terminou com um sorriso. Colt olhou a seu irmão, que havia tornado a sorrir com toda a cara. -Quer que almoce com ela -esclareceu o menino. -Não -disse Colt, simplesmente. E começou a dá-la volta. -Um momento, senhor Thunder! Para o caso de que você rechaçasse o primeiro convite, me deram ordens de lhe estender outra. Sua Graça teria supremo prazer em lhe receber em suas habitações do Grand Hotel, quando lhe pareça conveniente, certamente. -Não -Que não? -Não vou encontrar me com essa mulher em nenhuma parte, a nenhuma hora. Está claro? Os dois mensageiros pareciam atônitos, mas não por sua negativa. Isso ficou em evidência quando o porta-voz observou: -Há maneiras corretas de referir-se a uma duquesa, senhor. Pode dizer Sua Graça, Sua Senhoria e até o Lady Fleming, mas jamais “essa mulher”. Não é o que se usa, senhor. -Não posso acreditar o que estou ouvindo -murmurou Colt. Essa vez sim lhes voltou as costas-. Desfaz desta gente, Billy. O moço não teria podido dizer quem lhe desiludia mais: se Colt, com sua indiferença para uma autêntica duquesa, realmente encantada além disso, ou o mensageiro com seu esnobismo. -Não esteve você muito feliz, senhor... -Sir Dudley Leland, senhor -esclareceu o da jaqueta vermelha, com ar de importância-. Segundo filho do conde de... -Caramba, homem, você não entende, verdade? Estamos na América do Norte. Se por acaso você não o recorda, faz uns cem anos liberamos uma guerra contra seus antepassados justamente para eliminar as diferenças de classe. Seu títulos podem impressionar às matronas deste costa, mas para um guerreiro cheyenne não significam nada. 74

-Ah, tem você muita razão, senhor. Ofereço-lhe minhas desculpas. Mas ainda tenho outra mensagem para seu amigo, aqui presente. Billy jogou uma olhada ao Colt. Estava de pé ante a única janela do quarto, contemplando o lote baldio vizinho à pensão do Fly. Ali não havia mais que um escritório de análise de metais; como o panorama não oferecia nenhum interesse, Colt tinha que ter escutado ao Sir Dudley, mas não pensava dar sinais disso. -Será melhor que eu me encarregue de transmitir-lhe sugeriu. Sir Dudley compreendeu que Colt ouvia a conversação, de modo que fez um gesto afirmativo. Também ele notava que Colt lhe escutava perfeitamente; mesmo assim dirigiu a mensagem ao Billy. -Sua Graça previu que ambos os convites podiam ser rechaçadas. Nesse caso, minhas instruções ordenam informar ao senhor Thunder que Sua Graça tem feito averiguações, tal como ele sugeriu e recebeu um relatório completo sobre os prejuízos vinculados a sua estirpe. Deseja deste modo lhe fazer saber que não compartilha absolutamente esses prejuízos, e expressar sua esperança de que o senhor Thunder, tendo isso em conta, aceite um de seus convites. O fato de que Colt não se separasse da janela atrás desse discurso demonstrava que não ia aceitar nenhuma. Entretanto, Billy notou que tinha as mãos apertadas ao marco e que se havia posto tenso. -Acredito que já têm vocês a resposta, cavalheiros -disse, em voz baixa. Podem informar à duquesa... -Não me faça dizer o que não hei dito, filho -ouviu-se, quase em um rugido-. Não há resposta. E agora fecha essa condenada porta! Billy olhou aos mensageiros encolhendo-se os ombros, para lhes dar a entender que não compartilhava esses maus maneiras. Mesmo assim lhes fechou a porta nos narizes. Logo começou a contar em silêncio, com calma. Tratava de chegar a cinqüenta, mas ia por dez quando estalou: -Nunca em minha vida tive a desgraça de presenciar uma conduta tão grosseira, desprezível e ridícula. Para cúmulo, apostaria a que o fez a propósito. Mas por que, em nome de Deus? Sabe o que vão dizer a essa senhora e... E disso se trata, verdade? 75

-Tagarela muito -criticou Colt, alargando a mão para seu pistolera. Billy moveu a cabeça. -Olhe, não o compreendi ontem e tampouco o compreendo agora, que demônios. Pude ver bem a essa dama e tive a sensação de que me tinham dado um paulada. É muito bela... -E branca -interrompeu Colt. Terminou de grampear o cinturão e foi em busca das alforjes, que tinha deixado aos pés da cama. Billy ficou mudo. de repente compreendia perfeitamente a conduta de seu irmão. E lhe parecia detestável. Nunca tinha podido suportar o rancor do Colt, esse rancor que se remontava ao doloroso momento em que tinha estado a ponto de morrer. Billy amava a seu irmão; em sua opinião, não havia homem mais digno, valente e leal; por isso lhe feria no mais fundo ver que se denegrisse assim, adotando a atitude desses brancos ignorantes e cheios de prejuízos, que lhe punham em um pé de igualdade com a escória da terra. -Acaso me escapou algo do que se disse? Teria jurado que, segundo sua mensagem, à senhora importa um rabanete que tipo de sangue corra por suas veias. -Sente-se obrigada, Billy -respondeu Colt, sem alterar-se-. A isso se reduz tudo. -Parece-te? E por isso te mostrou tão grosseiro e mal-humorado com seus serventes? Não quer aceitar sua gratidão? E é por isso que ela está tão desejosa de voltar a te ver? Só para expressar sua gratidão? Não brinque, Colt.. -Não brinco. Já vê que te deixo conservar os dentes. Agora baixa ao estábulo O.K. e retira nossos cavalos. Esperarei-te na rua dentro de quinze minutos. Se nos dermos pressa, chegaremos ao Benson com tempo para um almoço tardio. “Se, matando aos cavalos”, grunhiu Billy para seus adentros. Posto que já era quase meio-dia e Benson estava a mais de trinta quilômetros para o norte, só desse modo poderiam chegar. Não, não devia ser injusto. Colt não era capaz de descarregar seu mau humor com seu cavalo. Mas estava muito decidido a sair do Tombstone quanto antes. antes que a duquesa ideasse 76

outro modo de lhe ver? Colt já tinha saído do quarto para pagar a conta, de modo que o moço recolheu suas coisas e saiu pela parte traseira, como lhe tinha indicado. O estábulo não estava muito longe. Camillus S. Fly tinha uma galeria fotográfica na trastienda de sua pensão. Mais atrás estavam a cavalariça O.K. e seu curral, bem no centro da maçã, onde se podia chegar por qualquer lote baldio das ruas 3, 4, Fremont e Allen. Billy voltou para a rua Fremont com tempo de sobra, Mas sem os cavalos, conforme pôde comprovar Colt ao sair da pensão. -Não me olhe assim -protestou o moço-. A meu cavalo lhe caiu uma ferradura quando saíamos. Demorará só algumas horas... -Algumas horas? -O ferreiro está ocupado -explicou Billy-. Foi ele quem calculou o tempo, não eu. O que te parece se optarmos por almoçar cedo? Você desafio a umas partidas de bilhar na loja do Bob Hatch, a da rua Allen. -Está-te procurando problemas, moço -respondeu Colt, mas sua expressão já não era tão carrancuda como antes. -Não acredito que tropecemos com o jovem Clanton, se a isso refere. Billy sorriu amplamente.- Acabo de me inteirar de que seu irmão lke foi golpeado por um dos irmãos Earp, esta manhã, e levado ante o juiz, que lhe pôs uma multa. Deve ter sido Wyatt. Dizem que adora abrandar cabeças duras. Provavelmente Billy voltou para rancho, levando a seu irmão. Bem, onde prefere comer? No Maison Dorée? A resposta foi um suave chute no traseiro.

Capítulo 10 A sombrerería da senhora Addie Bourland estava flanqueada pelos escritórios de uma linha de diligências e o consultório de um médico, sobre a rua Fremont. Jocelyn não necessitava absolutamente um chapéu novo, mas ali estava para encarregar um, dois ou dez: todos os que fizessem falta para manter-se ali até que visse o Colt Thunder, entrando em sua pensão 77

ou saindo dela, na calçada de em frente. Vanessa lhe tinha sugerido que se apresentasse em sua soleira, simplesmente, mas ela vacilava. Os homens enviados essa manhã não tinham sido bem acolhidos; não havia motivos para pensar que lhe iria melhor. Não, o melhor era um encontro casual na rua. E se pouco tinha de casual, o senhor Thunder não saberia. Ela não se deixaria ignorar outra vez. Tinha chegado em sua carruagem pouco antes das duas, mas a multidão de curiosos se disseminou quando ela se despediu do carro. portanto, nada indicava que ela estivesse entrincheirada na sombrerería. Os guardas eram uma necessidade da que não podia prescindir: seis, para essa saída. Estavam apostados nas portas principal e traseira; os da rua tratavam de não chamar a atenção, mas não o conseguiam. Para começar, tinham sobressaltado muito à senhora Bourland, que não estava habituada a ver sua loja invadida por tantos homens. Até um só resultava uma raridade. Mas acabou por ignorá-los, pois a perspectiva de um encargo tão grande concentrava toda sua atenção. Enquanto Vanessa, da janela, esperava a aparição do Colt, Jocelyn mantinha ocupada à senhora Bourland com a vasta seleção de plumas, flores, cores e materiais disponíveis. Nunca se mostrava tão indecisa ao escolher, mas esta vez não tinha idéia de quanto tempo teria que permanecer ali. Demorou todo o possível em explicar os complicados estilos europeus que preferia, mas ainda não bastava. Essas fingidas indecisões estavam frustrando à proprietária, mas não havia remédio. Se Colt não aparecia antes da hora de fechar... -Jocelyn, querida, acredito que deveria jogar uma olhada a isto chamou-a Vanessa da janela-. Parece que esta ponto de ocorrer algo... desacostumado. A jovem se aproximou da janela, seguida imediatamente pelo Addie Bourland. Imediatamente viu o que tinha chamado a atenção de sua companheira. Quatro homens vestidos de negro caminhavam pelo centro da rua, a passo lento, mas decidido; lhes via idênticos: os mesmos chapéus Stetson, as mesmas gravatas de laço fino, os mesmos bigodes cansados, por 78

não mencionar suas armas, de aspecto letal. Não tão elegantes resultavam os cinco indivíduos que pareciam esperá-los no lote baldio de em frente. -Chegou o momento, bom Deus! íEl grande! -Que coisa é grande? -inquiriu Jocelyn. -O grande ajuste de contas --explicou Addie, sem apartar o olhar da rua-. Faz tempo que o esperamos. -E o que é um ajuste de contas? -perguntou Vanessa à chapeleira. A mulher a contemplou com estranheza por um momento. Logo riu entre dentes. -Já me parecia que vocês falavam de um modo estranho, senhoras. Não são da zona, né? -Mas não aguardou a resposta.- Um ajuste de contas é uma briga a balaços. Esse é Virgil Earp, nosso oficial, que vem com seus irmãos Wyatt e Morgan. que leva o fuzil é o doutor Holiday, um bom amigo dos Wyatt. -E um médico vai participar de um tiroteio? -Vanessa nunca tinha ouvido nada tão pouco ético. -Não, Este era dentista, senhora. Agora ganha a vida com os naipes. Sente saudades lhe ver levantado tão cedo. Esse homem é ave noturna. -E os cavalheiros que parecem esperar escondidos? -Cavalheiros, esses rufiões? -bufou Addie-. Bagunceiros sem consciência, isso é o que são! Verdadeiros ladrões e foragidos. São da banda do Clanton. -Ante o olhar interrogante da Vanessa, esclareceu:- lke e Billy Clanton, Frank e Tom McLaury. E parece que hoje os acompanha o jovem Billy Claiborne. Sem dúvida muito recentemente que as senhoras chegaram à cidade, se não saberem quem som os da banda do Clanton. São arquiinimigos dos Earp. -Na verdade chegamos apenas ontem pela tarde. Mas se o senhor é representante da lei, como você diz, por que têm que enredar-se em um ajuste de contas, utilizando suas próprias palavras? Não é mais lógico supor que o oficial só tem intenções de prender a esses homens? -OH, provavelmente essas sejam suas intenções, sim, mas não é tão singelo. Esses moços de em frente não se deixarão prender assim sem mais. Se esperarem ali é porque pensam escapar a disparo limpo. 79

Apostaria minha loja. Como hei dito, faz já muito tempo que esperamos isto. Vanessa intercambiou um olhar com o Jocelyn. Nenhuma das duas sabia se tomar à mulher a sério ou não. Na verdade, nunca tinham visto tantos homens exibir armas tão flagrantemente como ali, no Tombstone. Em qualquer lugar que alguém olhasse via sempre o mesmo. Mas sem dúvida isso tinha uma causa, e a causa não devia ser esse possível "ajuste de contas". Os quatro senhores vestidos de negro estavam já muito perto do baldio. Jocelyn, fascinada, viu-lhes girar em redondo, abrir-se em semicírculo, de costas a sombrerería. Os cinco bandidos também se abriram em semicírculo, frente a frente. Alguém gritou uma ordem, algo sobre arrojar as armas. Não foi atendida. antes que Jocelyn pudesse prever o que ia ocorrer, iniciou-se o tiroteio. Um de seus guardas a apartou bruscamente da janela, arrojando-a ao chão ou pouco menos; o mesmo ocorreu com a Vanessa e com o Addie Bourland, que protestou. Ao Jocelyn não lhe ocorreu protestar, pois tinha ouvido uma bala perdida, pelo menos, afundar-se no muro frontal da loja. Os disparos pareciam não ter fim, embora o terrível ruído se prolongou apenas por um trinta segundos. De qualquer modo, não lhe permitiu levantar-se a não ser quando um de seus homens teve comprovado que a cena tinha terminado de verdade. Por então Addie tinha conseguido largar-se e estava outra vez ante a janela, contando avidamente os corpos. -Parece que caíram os dois McLaury. E também o jovem Clanton. Deveria me lamentar por esse menino; não devia ter mais de dezesseis anos. Mas seu pai foi má pessoa e assim o criou. O que se podia esperar dele? Jocelyn não esperava que lhe brindassem os sangrentos detalhes. Por Deus, como era possível que um menino de dezesseis anos tivesse morrido ali? -Acredito... acredito que deveríamos voltar para hotel -sugeriu, com voz trêmula. 80

-Será melhor que esperem um momento -replicou Addie-. lke e o jovem Claiborne escaparam, mas nunca se sabe. Ao menos, esperem a que os Earp abandonem a cena. Agora estão ajudando ao Morgan. Parece que recebeu um balaço no ombro. Acredito que o oficial e o doutor também estão feridos, mas se mantêm de pé: não pode ser grave. -Por fim riu entre dentes.- Não, ferida-las não são graves. vão caminhando, e a rua se encheu de curiosos. Acredito que vou conversar um momento com o senhor Fly. Parece que o viu tudo de perto. Tinha esquecido sua venda, mas não deixou de cravar um olhar fulminante no pobre Sir Dudley, por haver-se empenhado em protegê-la. Saiu bruscamente, deixando a porta totalmente aberto. O aroma da pólvora invadiu a loja, fazendo que Jocelyn se sentisse chateada. Vanessa, decididamente pálida, levou-se ao nariz uma lenço perfumado. -Não sei o que opina você, Vã, mas não me interessa permanecer um momento mais aqui. Incomodaria-te caminhar? Demoraríamos muito em pedir o carro. A carruagem tinha sido enviado a esperar na rua Safford, onde não chamasse a atenção, mas Vanessa se apressou a mostrar-se de acordo. Não queria passar um momento mais ali. E os guardas do Jocelyn, sempre diligentes e atentos aos desejos da senhora sem necessidade de que ela dissesse nada, já estavam saindo da sombrerería para limpar o passo na calçada, realmente lotada. Foi a aparição dessas jaquetas vermelhas o que chamou a atenção do Billy Ewing, dede a calçada de em frente. Até ali lhe tinham empurrado, enquanto contemplava o cadáver do Billy Clanton, seu efêmero companheiro, que sangrava pelo peito e o ventre. Logo que pôde reter o almoço que tinha consumido pouco antes. Necessitava desesperadamente algo que lhe distraíra, e a silhueta que esperava ver a seguir veio a lhe satisfazer. Sem perda de tempo, cruzou a rua. Ali estava quando as duas senhoras se reuniram com a custódia na calçada. A julgar pelo aspecto de ambas, não estavam mais habituadas que Billy a ver cadáveres tendidos na rua. Estavam pálidas; a maior parecia a ponto 81

de deprimir-se. Nenhuma das duas olhou para o outro lado da rua, embora de qualquer modo não teriam visto nada entre a multidão que rodeava os corpos. Entretanto, era óbvio que sabiam perfeitamente o ocorrido, embora não o tivessem presenciado com seus próprios olhos. Billy subiu de um salto à calçada assim que pôde ver para onde se dirigiam e resistiu o tranco que lhe deram os dois guardas que abriam a marcha. Esses e os outros quatro formavam um fechado círculo em volto das damas, com expressões muito pouco amáveis. Billy lamentou que Colt não estivesse a seu lado. Mas seu irmão ia rodeando a multidão reunida no lote, levando aos cavalos para a rua. Embora vise o Billy, difícilmente iria reunir se o Unos de los guardias llegó al extremo de asir a Billy por la pechera de la camisa, sin darle tiempo a decir una palabra. Antes de que pudiera apartarle del paso, Sir Dudley, que cerraba la marcha, ordenó: Uns dos guardas chegou ao extremo de agarrar ao Billy pelo peitilho da camisa, sem lhe dar tempo a dizer uma palavra. antes que pudesse lhe apartar do passo, Sir Dudley, que fechava a marcha, ordenou: -Deixa-o, Robbie. É o cavalheiro que estava com esse Thunder, esta manhã. Por fortuna para o Billy, o ruivo Robbie lhe deixou imediatamente sobre seus pés. Até lhe acomodou a camisa que tinha enrugado com seus grandes punhos, lhe dedicando um grande sorriso a maneira de desculpa. Era o mais corpulento dos guardas pressente; media um metro oitenta, pelo menos; sob nenhuma circunstância um fragote de dezessete anos teria podido medir-se com ele. Mas Billy não tinha intenções de provocar distúrbios. Só queria apresentar-se à duquesa, com a esperança de poder apagar, com algumas palavras, a imagem de morte que tinha gravada na mente. Por desgraça, não lhe tinha ocorrido que ela também pudesse estar alterada; esse não era momento para deter-se conversar amigavelmente, no caso de que ela se dignasse lhe dirigir a palavra. Entretanto se voltou para ele. Não ia tão distraída que não tivesse escutado o comentário do Dudley. -De maneira que você é amigo do senhor Thunder? 82

Os dois guardas de diante se apartaram imediatamente, para que ela pudesse aproximar-se do Billy. Vista de perto era ainda mais bela do que ele acreditava. Esses olhos incríveis pareciam resplandecer de claros. O jovem chegou a notar que uma seda de cor verde, muito mais escuro que os olhos, modelada as delicadas curvas de uma silhueta esbelta; de qualquer modo, não podia apartar os olhos do rosto. Passaram largos instantes antes que pudesse responder. -Não sei se corresponde dizer que sou amigo dele, Lady Fleming. Colt e eu somos irmãos. -Irmãos! -exclamou ela, surpreendida-. Mas você não lhe parece absolutamente. Você também é mestiço? Billy esteve a ponto de rir. No Oeste ninguém tivesse formulado essa pergunta. dava-se por sentado que os mestiços se reconheciam a primeira vista. E o que o parecia o era sem mais. -Não, senhora -respondeu Billy, descobrindo com surpresa que tinha descartado a entonação abreviada do oeste, recuperando o bom idioma aprendido neste costa como resposta ao tom culto da jovem-. Colt e eu somos filhos do mesmo pai, mas não da mesma mãe. -Nesse caso é a mãe do senhor Thunder quem é cheyenne -comentou ela, quase para seus adentros-. Sim, tem que parecer-se com ela. Mas os dois têm olhos azuis, embora não do mesmo... você perdoe. Não era minha intenção me espraiar assim. Billy sorriu ante o ligeiro rubor que tinha colorido as bochechas da duquesa ao cobrar consciência de suas divagações. -Não tenho nada que perdoar, senhora. Colt herdou os olhos de um antepassado de nosso pai. Hão-me dito que Thomas Blair também tinha olhos de turquesa. Só Jessie herdou sua cor de cabelo e de olhos. -Jessie... Sim, seu irmão me mencionou isso ontem, quando nos conhecemos. Mas se não o importuno com minhas perguntas, por que há dito você que só sabe a cor de olhos de seu pai pelo que lhe disseram? Não lhe conheceu? -Minha mãe lhe abandonou antes que eu nascesse e me criou no Oeste. Passaram vários anos sem que eu soubesse de sua existência nem da de 83

minha irmã maior. E ainda demorei vários anos mais em descobrir que tinha um meio irmano. Como você verá, os três crescemos separados. Jessie foi educada por nosso pai em um rancho boiadeiro de Wyoming. Colt cresceu com a tribo de sua mãe, nas planícies do norte, enquanto que eu vivia em uma mansão de Chicago. Os porquês de tudo isto são algo complexos. -Tudo isto é fascinante, jovem -comentou Vanessa, a essas alturas. -Não queria ser grosseira, mas estamos algo desejosas de abandonar quanto antes este... este sítio. Sem dúvida alguma, a duquesa se mostrará encantada de continuar esta conversação, mas em um ambiente mais tranqüilo. Se gostar de você, pode nos acompanhar a nosso hotel. -Por muito que o desejasse, senhora, temo que não me é possível. Colt me está esperando. -Sua rápida olhada ao calçada de em frente expressou onde era esperado.- Só queria explicar sua conduta desta manhã e lhe assegurar, lady Fleming, que ele não tem nada contra você, pessoalmente. Alberga certas idéias fixas, sabe você?, E... Billy deixou de falar, pois a senhora já não lhe estava emprestando atenção. Tinha seguido a direção de seu olhar para o outro lado da rua e a mantinha ali, fixa no Colt, que a observava com a mesma fixidez. Mas era óbvio que seu irmão se limitaria a isso. Não tinha feito um só gesto de saudação, não movia um músculo; esperava com paciência, retendo os cavalos pela brida, a que Billy terminasse suas relações sociais e fora a reunir-se com ele. Com paciência? Nada disso. Colt devia estar furioso, só que sua expressão nunca o revelava. -Acaso se vai da cidade? Não era difícil tirar essa conclusão, pois ambos os cavalos estavam já carregados com o necessário para a viagem. A expressão e a voz alarmada da duquesa surpreenderam ao Billy. Que interesse podia sentir uma dama como ela por alguém como Colt? Apenas lhe conhecia. O moço se sentiu incômodo; adivinhava a reação que provocaria com sua resposta. - Colt não gosta das cidades, senhora, sobre tudo as que não conhece. Se veio a esta foi só por me buscar. Agora que me encontrou não vê a hora 84

de partir outra vez. Já o teríamos feito, a não ser porque meu cavalo perdeu uma ferradura. -O senhor Thunder obra de modo muito acertado -comentou Vanessa-. Por minha parte, eu gostaria de abandonar esta cidade imediatamente. -Mas ainda não temos guia -replicou distraidamente a duquesa a seu amiga. -Para onde vão, senhora, se posso perguntá-lo? Jocelyn vacilou apenas um momento antes de dizer: -A Wyoming. Billy não foi o único surpreso pela resposta, mas sim foi o único que fez comentários, e sem a menor suspeita. -Que coincidência! -exclamou, com infantil deleite-. Também nós vamos para ali; ao menos, Colt, posto que ainda não me há dito se for me enviar a casa ou não. É lástima que não possamos viajar todos... Não terminou esse pensamento; caiu na conta, bem a tempo, que não tinha direito a convidar a ninguém, sobre tudo a uma mulher que Colt evitava por todos os meios possíveis. Mas já havia dito muito. Ela se jogou sobre a idéia sem lhe dar a menor oportunidade de corrigir seu equívoco. -Parece-me uma idéia maravilhosa, senhor... Blair, verdade? -Ewing -corrigiu ele, com uma sensação muito desagradável no estômago-. Adotei o nome de meu padrasto. -Pois bem, senhor Ewing, você é nosso salvador -continuou a mulher, precipitadamente-. Estou de acordo com a condessa em que não podemos permanecer mais em um sítio tão violento. E não demoraremos nada em nos preparar para partir. -Mas... -OH, não tema que nos aproveitemos de sua boa disposição, senhor. Absolutamente. Posto que necessitamos realmente um guia, você deve me permitir que lhe contratemos, junto com seu irmão, com essa finalidade. Podemos lhe pagar muito bem para compensar a obrigação de nos suportar pelo tempo que demoremos para chegar a Wyoming. -Mas... 85

-OH, não, não pode rechaçar o pagamento. Insisto, seriamente. De outro modo sentiria que molesto. Bem: se você nos esperar diante do Grand Hotel dentro de uma hora, não atrasaremos sua partida nem um instante mais. Até então, senhor Ewing. Passou junto a ele com um gesto de despedida e desapareceu antes que ele pudesse pronunciar outro “mas”, embora a gente mais teria servido de tanto como os outros. Billy ficou de pé na calçada, sozinho... e olhando ao Colt, com a rua por meio. Por Deus! Que demônios tinha passado? Não era possível que tivesse aceito escoltar a duquesa e a seu grupo até Wyoming, verdade? Mas tampouco se negou. Com os pensamentos convertidos em um torvelinho, Billy seguia sem dar um passo. Mas Colt, ao lhe ver sozinho, cruzou para ele levando aos cavalos da brida. -Suba, filho. Assim. Nem sequer tinha curiosidade por saber o que tinha falado Billy com a duquesa; em todo caso, se sentia curiosidade não tinha intenções de saciá-la. Para o Billy teria sido mais singelo que lhe gritasse dez insultos distintos por aproximar-se dessa mulher. sentia-se idiota, por certo. A dama lhe tinha envolto. Agora ele teria que fazer outro tanto com o Colt. -Não... né... ainda não podemos partir, Colt. -Como que não? Billy grunhiu para seus adentros, mas se lançou de cabeça. -Em certo modo, aceitei levar a senhora até Wyoming conosco. Houve um comprido silencio, crepitante de tensão, em tanto o moço aguardava o estalo. Por fim, o comentário do Colt foi apenas um sussurro: -Tal como, em certo modo, aceitou trabalhar para os Clanton. -Bom, em realidade ela não me deu a menor possibilidade de aceitar ou não. Em certo modo, deu-o por seguro. -Monta seu cavalo, Billy -foi quanto disse o major. -Mas isto é diferente! Ela foi a seu hotel para preparar a bagagem. Esperará-nos ali dentro de uma hora. Colt montou tranqüilamente seu cavalo antes de responder. 86

-Compreenderá que cometeu um engano quando sair e não nos veja, não é certo? Isso era muito certo e resultava a forma mais singela de evitar o problema. Salvo que... -Não compreende, Colt. Essas damas têm medo de permanecer aqui depois do que presenciaram. Querem abandonar a cidade hoje mesmo, com guia ou sem ele. Deixaria que cruzem este país sozinhas, sem saber nada dele, que perigos espreitam, como reconhecer os sinais de índios, nada? Acabarão perdendo-se, afogarão-se por cruzar algum rio por onde não deviam ou serão vítimas de algum assalto. Já sabe que há centenas de bandidos que operam nesta zona. Bastará com que peçam indicações a quem não corresponde para que caiam em uma armadilha. São novatas, Colt: cem vezes mais novatas que eu. Algo deve ter chegado à consciência do Colt, pois a essas alturas perdeu os estribos. -Disse-lhe que não estava disponível, maldição! -Mas sabia que ela ia a Wyoming? E diz que paga muito bem. Já que te tomaste tantas moléstias ao fazer esta viagem, ao menos poderia obter alguma vantagem. Recordar ao Colt os motivos pelos que estava ali não era, possivelmente, o mais prudente. Billy se sentiu aplanado por aquele olhar. Mas Colt deu um puxão às rédeas... e se dirigiu para o Grand Hotel.

Capitulo 11

Billy deveria ter previsto que Colt não seria tão fácil de convencer. Não tinha intenção alguma de acompanhar ao norte à duquesa e a sua escolta. Tal como disse enquanto aguardava a que ela aparecesse na porta do hotel, levava três anos viajando e ainda estava sã e salva. Seu pequeno exército lhe brindava tudo o amparo necessário; para não perder-se, podia seguir as linhas de diligências. Se necessitavam um guia, provavelmente achariam a 87

um em questão de horas, sem que isso lhes impedisse de sair da cidade esse mesmo dia. O que não necessitava nem obteria era a companhia do Colt, e ali estava ele para encarregar-se de que à dama não ficasse nenhuma dúvida a respeito. Como pensava fazê-lo, Billy o ignorava. Colt havia dito o sua e nenhuma palavra mais. Mas enquanto esperavam frente ao Grand Hotel, sem desmontar, observando a bagagem que se carregava nas carretas, Billy temeu que seu irmão não se mostrasse muito simpático com ela. E Colt podia ser muito antipático quando o propunha. Por outra parte, não se estava comportando de maneira normal. Enquanto esperavam, movia a mandíbula como se estivesse chiando os dentes; trocou seis vezes a inclinação de seu chapéu; parecia ficar tenso cada vez que se abriam as portas do hotel. Billy haveria dito que Colt estava nervoso, mas sabia que isso não podia ser. Não havia ser vivente que pudesse lhe intimidar. Mas não reagia ante as coisas como qualquer. Dentro do hotel, em troca, era indubitável que reinava o nervosismo. Jocelyn estava quase trêmula quando se aproximou da porta do hotel. Haviam-lhe dito que Colt Thunder aguardava ali com seu irmão. Nem por um momento se permitiu acreditar que o mestiço apareceria, mas o fato de que estivesse ali não significava que ela se saísse com a sua. Muito pelo contrário. Ele tinha pleno direito a ficar furioso com ela pelo modo em que tinha manipulado a seu irmão. Provavelmente tinha ido só para lhe dizer o que pensava de seu atrevimento. -Detenha um momento e respira fundo, se não querer te chatear advertiu-lhe Vanessa, com voz severo, enquanto a detinha lhe apoiando uma mão no braço; indicou por gestos aos guardas que retrocedessem-. Ao fato, peito. Agora só fica te desculpar. -Poderia lhe rogar. -Não fará semelhante coisa! -espetou-lhe a condessa, indignada-, Não estamos se desesperados por contar com sua ajuda nem você está se desesperada por seu corpo; ainda não, ao menos. Padece uma poderosa atração, mas uma vez que lhe perca de vista lhe esquecerá. Esquecesse-lhe antes do que crê. 88

-E seguirei virgem como sempre. -suspirou Jocelyn. Vanessa não pôde deixar de sorrir ante o melancólico de sua expressão. -Dificilmente será assim, querida. Bem sabe. Esquece que logo que agora decidiste tomar um amante. até agora não o tinha procurado ativamente, mas uma vez que o faça te surpreenderá descobrir que atrai a muitos homens. -É que já escolhi. -Seu eleito não se mostra disposto a cooperar, querida. Ou acaso não te precaveste? -observou Vanessa, seca. Lamentou ter falado assim ao ver que Jocelyn fazia uma careta de dor-. Anda, nada disso. Provavelmente exista um bom motivo pelo que dizem que estes índios americanos são selvagens, sabe? Duvido que te tivesse gostado de sua forma de fazer o amor. te alegre de que não tenha resultado. -Não é um selvagem, Vã. -Veremos o que opina depois de te enfrentar a ele. E será melhor que o faça quanto antes. Vamos. Continuaram a marcha; os quatro guardas voltaram às seguir, e os dois que estavam apostados no vestíbulo ficaram a ambos os lados. Os seis restantes já estavam fora; tinham revisado a fundo a zona até os edifícios de em frente. Se tivessem encontrado a uma só pessoa suspeita que não se deixasse afastar, não teriam permitido ao Jocelyn sair do hotel. Com freqüência perdiam horas inteiras nesses preparativos. Resultariam inúteis se alguma vez Longnose contratava a um homem de boa pontaria; por fortuna, nenhum de seus subordinados tinha sido nunca competente com as armas de fogo, ao menos a distância. Sir Parker estava ali, para lhes abrir a porta com um sorriso. Adorava ao Jocelyn, mas só de longe. Ela era como um ideal que se podia venerar sem problemas, mas jamais se teria atrevido a lhe expressar seus sentimentos. Como se não os conhecessem todos, incluída a mesma Jocelyn! Ela era como os sonhos, enquanto que as criaturas terrestres, como Babette, constituíam a realidade; tanto Parker como a metade dos guardas estavam acostumados a aproveitar com freqüência a realidade da donzela francesa. Mas resultava divertido observar ao Parker e ao Jocelyn 89

quando se tomavam tantas moléstias para dissimular os sentimentos do cavalheiro. Em opinião da Vanessa, era de lamentar que considerasse o Jocelyn tão fora de seu alcance. Pois tinha a idade perfeita (trinta anos), possuía propriedades consideráveis no Kent e era o mais arrumado dos guardas, graças a seu cabelo negro e seus olhos verde escuro. O problema era que jamais se conformaria sendo só o amante, no suposto caso de que lhe considerasse como candidato. Não estava disposto ainda a sentar cabeça (por isso desfrutava tanto do emprego que o duque lhe tinha devotado), mas se tivesse tido esperanças de ser aceito pelo Jocelyn, lhe teria proposto matrimônio ao momento. Não, Jocelyn jamais pensaria em algum de seus homens para seus primeiros experimentos amorosos, pois desse modo não poderia proteger a memória do duque. Mas os maus pressentimentos da condessa com respeito a esse tal senhor Thunder foram em aumento; agora mantinha com firmeza a opinião de que ele tampouco era adequado para seu amiga. Toda virgem necessita gentileza e sensibilidade em sua primeira experiência sexual, e resultava muito duvidoso que o senhor Thunder possuísse alguma dessas qualidades. Dado seu aspecto e seu modo de falar, mais compreensível que o da maioria dos habitantes do oeste, tinham suposto que, em que pese a sua origem, o homem se criou no que passava ali por civilização. Foi toda uma surpresa inteirar-se por seu irmão de que não tinha sido assim. O homem educado por selvagens, não era selvagem a sua vez? A pátina civilizada do Colt Thunder devia ser muito superficial, e por isso era uma bênção que não correspondesse ao interesse do Jocelyn. Vanessa se viu obrigada a trocar de opinião uma vez mais quando desceu da calçada, frente ao hotel, e viu ali ao homem, ainda montado a cavalo. Superficial? Nem sequer isso. Não havia nada de civilizado no olhar que cravou no Jocelyn. Dizia com mais claridade que as palavras o problema em que a moça se teria encontrado se não tivesse tido companhia. dava-se conta ela disso ou seguia cegada pela moréia beleza desse homem? E era formoso, sim. Ao lhe ver bem, Vanessa compreendia melhor por que tinha afetado tanto ao Jocelyn. 90

A moça não passou por cima o significado oculto atrás daquele olhar do Colt, mas estava esperando um pouco parecido. O homem seguia zangado com ela e queria fazer saber. De qualquer modo, não lhe gritava, ao menos no momento. Claro que esta vez ela não estava sozinha, a não ser rodeada por sua custódia. Entretanto, dificilmente isso lhe teria impedido de lhe gritar, se assim o tivesse querido. O silêncio se prolongou. Ele continuava olhando-a com fixidez, lhe destroçando os nervos. Jocelyn pensou que correspondia desculpar-se; provavelmente era o que ele esperava. Mas não conseguia dizer uma palavra. E então falou ele. -Cinqüenta mil dólares, duquesa. Aceita ou não? Foi uma sorte que Jocelyn não pudesse ver a expressão dos homens que a seguiam; do contrário teria pensado que isso ia terminar em derramamento de sangue. Em troca, sim ouviu a exclamação da Vanessa. Também soube que a condessa tinha apoiado uma mão no braço do Parker para impedir de reagir a esse insulto atirado a sua senhora. E era um insulto, sim: não só de palavra, pois dava a entender que só por uma fortuna aceitaria trabalhar para ela, mas também pelo tom com que tinha pronunciado essas palavras. OH, esse Colt Thunder era ardiloso. Esperava que ela se mostrasse indignada ante essa tarifa. Contava com isso. Também estava segura de que ela se negaria; havia dito essa cifra para obrigá-la a negar-se. Ela teve que dissimular um sorriso. Podia contratar a cem guias por esse preço e ambos sabiam; o que ele não sabia era o que se desejava dele. Possivelmente era o amante mais caro que ninguém tivesse comprado alguma vez, mas no que outra coisa podia gastar sua fortuna? -Trato feito, senhor Thunder -disse Jocelyn, com bastante agrado-. a partir de agora trabalha para mim. E teve que lhe voltar apressadamente as costas para não soltar a gargalhada ante a expressão de total incredulidade que tinha aparecido naquela formosa cara. 91

Capitulo 12 -Tem-no feito por rancor, bem sabe -queixou-se Vanessa, zangada, enquanto se limpava o pó da cara com um pano úmido-. Apenas quatro ou cinco quilômetros mais atrás passamos por uma cidade, e já era quase de noite. Não há nenhum motivo pelo que possa nos haver obrigado a continuar viagem e a acampar aqui. Só quer vingar-se de ti, por lhe haver feito tragar o falso de sua proposta. Recorda o que te digo, Jocelyn esse homem quer te fazer lamentar o te haver cruzado em seu caminho. -Mas eu não lhe tenho feito nada. Limitei-me a aceitar suas condições. -Não seja obtusa, querida. Essas ridículas condições não foram impostas para que as aceitasse. Bem sabe. Se lhe tivesse visto a cara... -A vi. -Jocelyn sorriu com tanto prazer que Vanessa não pôde deixar de divertir-se com ela.- até agora, o dinheiro do Edward nunca me tinha dado tanto gosto. Pediu a lua e a lua pude lhe dar. Bom Deus, que satisfação! -Oxalá siga pensando o mesmo quando acabarmos passando nas próximas semanas nesta loja. -OH, deixa de protestar, Vã. Não pode dizer-se que isto seja exatamente uma loja. Aquilo era enorme, com amplo espaço para estar de pé, uma suave atapeta persa cobrindo o chão, travesseiros de seda para recostar-se e grosas peles para dormir nelas. -Temos todas as comodidades que se possam desejar -acrescentou a jovem. -Salvo um banho -replicou a condessa, revelando a fonte de seu chateio. -Pode pedir um banho. Bem sabe. -Sidney e Pearson carregaram as carretas faz poucas horas. Não me atreveria a lhes pedir que agora tragam água do rio. Eu gosto de ser considerada. -Não só os lacaios podem conduzir água, Vã. Eu gostaria de saber por que te mostra tão difícil. 92

-Não sou eu a difícil. Simplesmente, não temos por que estar incômodas com uma cidade a poucos quilômetros de distância. É seu muito custoso guia o que se mostra difícil. -E se tivesse motivos legítimos para evitar essa cidade? -eu adoraria conhecê-los. por que não lhe pergunta? Bom, que esperas? -Não está aqui -admitiu Jocelyn-. Diz seu irmão que saiu a percorrer a zona. -Hum! O mais provável é que tenha voltado para o Benson para passar a noite em uma cama branda. Verá-o pela manhã, bem descansado e disposto a nos submeter a mais desconfortos. É o tipo de vingança que atrai às pessoas como ele. -Nisso te equivoca, Vã. Se queria vingar-se, não o faria de maneira tão sutil. E se vingaria de mim, não de todos. -Também isso o leu nos olhos? -observou Vanessa, com voz muito mais suave. aproximou-se para ajoelhar-se entre os almofadões que serviam de assento ao Jocelyn. Ante o gesto desventurado da moça, apoiou-lhe uma mão na bochecha-. Não compreendeste ainda que não se parece com os homens com quem trataste até agora? É duro, perigoso... -Mesmo assim lhe desejo -interrompeu-lhe Jocelyn, lhe sussurrem-. Mesmo que me estava fulminando com os olhos e sentia coisas estranhas por dentro, como a primeira vez que lhe vi. Vanessa suspirou. -Não se mostrará suave contigo, querida. Sabe, verdade? E se lhe tenta enquanto ainda está furioso, talvez te faça mal... deliberadamente. -Não pode assegurá-lo -protestou Jocelyn, embora seus olhos se encheram de incerteza-. Não é um homem cruel. Do contrário eu o teria percebido, não crie? -Talvez -reconheceu Vanessa-. Mesmo assim, não acredito que seja capaz de atuar com suavidade. É produto de uma vida e uma cultura que nem sequer podemos imaginar. Terá-o em conta, ao menos? Jocelyn assentiu e voltou a cair entre os almofadões, suspirando. -Não sei por que se preocupa. O mais provável é que não me perdoe por ser rica e poder pagar seu preço. 93

Vanessa não pôde a não ser rir. -E isso demonstra quão diferente é. Algum outro ficaria furioso por receber esse maná do céu? E não o separamos de seu caminho, sequer. Para que lhe seja cômodo, vamos aonde ele vai. A propósito, onde diabo fica Wyoming? -Que demônios é isso? Billy riu entre dentes quando viu para onde olhava seu irmão. -O alojamento das senhoras. Compraram-na a um xeque do deserto, enquanto viajavam pelos países árabes. Não imagina em que sítios estiveram, Colt. Com as anedotas que podem contar nos manteriam entretidos até chegar a Wyoming. Colt jogou sobre o jovem um olhar de desgosto, em tanto desmontava. -Onde está seu sentido comum, filho? Esperava me encontrar com um acampamento, não com toda uma aldeia. Tem idéia de quantos homens farão falta para cobrir uma zona deste tamanho? Havia outras lojas junto à principal, embora não tão grandes; junto com os veículos, estavam pulverizadas por toda a zona. O único que se feito corretamente era agrupar aos animais em um sítio a barlavento. -por que não te tranqüiliza, Colt, e come um pouco? Guardei-te algo do jantar. Têm um cozinheiro francês, sabe? E posso jurar que nunca provei nada tão... Lhe apagou a voz ao ver que seu irmão se voltava para ele com expressão ameaçadora. -Diverte-te com isto, não? Billy tragou saliva. Preferia que Colt lhe gritasse em vez de lhe falar com essa voz suave, dominada. Era imprevisível quando se impunha sua metade a Índia.. Era senhor lhe pacificar quanto antes. -Sabem o que fazem, Colt. São peritos em acampar. Desempacotaram e armaram tudo em menos de vinte minutos... E não esqueça que há muitos, homens. Já hão talher o guarda... Outra vez ficou mudo. Colt se tinha dedicado a desencilhar seu cavalo, mas a mesma inflexibilidade de seus movimentos resultava muito 94

eloqüente. Estava mais tenso que um arco a ponto de disparar. Billy acabou por compreender que o acampamento não tinha muito que ver com seu estado de ânimo: era só uma via de escapamento para o aborrecimento que não podia dirigir para sua fonte verdadeira. Por sorte, essa “fonte” já se retirou a dormir. Ainda parecia incrível que Colt estivesse trabalhando para a duquesa. Essas três palavras: “Aceita ou não?” tinham-lhe feito cair definitivamente na armadilha. O mais provável era que a metade de sua irritação fora contrado mesmo, por ter brindado à mulher essa opção, embora não tinha intenção alguma de dar-lhe Cinqüenta mil dólares. Billy tinha estado a ponto de cair de seu cavalo para ouvir essa cifra. Mas não era nada comparado com seu assombro (e o do Colt) ao aceitar a duquesa essa exigência. Agora resultava divertido; ao menos, isso lhe parecia. Mas dificilmente Colt acharia um pouco de humor nisso, jamais. Colt tinha uma pequena fortuna em oro em bruto que sua mãe lhe tinha dado, mas Billy duvidava que tivesse utilizado algo dele. As riquezas não tinham importância para esse tipo de homens. Ainda vivia da terra, como sempre. Nesse aspecto, Jessie não tinha podido lhe civilizar. Às vezes dormia na enorme casa que Chase tinha construído para o Jessie no rancho, ao incendiá-la antiga; às vezes, na cabana que ele mesmo tinha construído nas colinas, por cima do rancho. Mas geralmente passava a noite sob as estrelas, sobre tudo durante o tempo quente. E nunca tinha trabalhado às ordens de ninguém, nem sequer para o Jessie. Ela tinha tratado de lhe ensinar a criar ganho, mas não era algo ao que ele queria dedicar-se, de modo que não pôs vontade em aprender. Finalmente se decidiu por aquilo para o que sempre tinha tido mais habilidade: o adestramento de cavalos. Agora subministrava ao Rocky Valley e aos outros ranchos da zona todos os cavalos de trabalho que faziam falta, animais que antes era preciso trazer desde Avermelhado ou mais longe. E o potro que tinha agradável ao Chase era ganhador da carreira anual do Cheyenne desde fazia dois anos; portanto, seus animais de carreira gozavam agora de muita demanda. 95

De qualquer modo, o dinheiro não tinha importância para ele. Apanhava e adestrava cavalos selvagens porque gostava de fazê-lo, não pelo lucro que assim obtinha. Mesmo assim, compreendia o valor do dinheiro e o preço das coisas. Jessie se tinha encarregado de arredondar sua educação a respeito, lhe levando em viagens comerciais a Denver e a São Luis, junto com o Chase. E durante sua estadia em Chicago tinha visitado algumas das melhores casa, brincado de correr pelas lojas mais luxuosas, visto com seus próprios olhos como viviam os ricos, no que gastavam seus recursos. Ao pedir essa quantidade por seu trabalho de guia, tinha-o feito com a segurança de que era ridícula, que ninguém em seu são julgamento tomaria a sério. Esse foi seu engano. Sabia que a duquesa era rica, sim. Era impossível não dar-se conta: sua bagagem, seus finos cavalos, suas roupas e o número de pessoas que empregava diziam a gritos que era enriquecida. O incompreensível, até para o Billy, era que cinqüenta mil dólares pudessem lhe parecer uma soma friável, indigna de uma piscada. Nem sequer Billy conhecia ninguém tão rico como para isso. Mas nem sequer a gente de muita fortuna esbanja frivolamente seu dinheiro, e isso era exatamente o que a duquesa estava fazendo. por que? Talvez fora excêntrica, mas ao Billy não parecia incompetente nem amalucada. Muito pelo contrário, Acaso estava tão malcriada que não tolerava uma negativa quando desejava algo? Isso não tinha sentido. Se o que desejava era um guia Ou não era um guia? Antes bem, haveria-se dito que desejava ter ao Colt, em especial, como guia, embora lhe havia dito que não estava disponível. Na verdade, sua eleição em excelente, mas havia muitos outros homens capazes de levá-la ao destino sã e salva, e qualquer teria aceito o trabalho com prazer. Colt não o queria e o havia dito com toda claridade, mas isso não parecia ter importância para a duquesa. portanto, devia ter um motivo em especial para fazer que Colt trabalhasse a suas ordens, custasse o que custasse. E esse motivo não era visível para o moço.

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Tampouco para o Colt, embora tinha analisado meticulosamente a situação muito mais a fundo que seu irmão e com mais dados ao seu dispor. Sabia que, em um princípio, ela tinha querido lhe contratar para desfazer-se de seu inimigo. lhe contratar como guia era uma idéia posterior. Colt se perguntava se teria tido uma terceira ocorrência se ele tivesse acessado a conversar com ela anteriormente. Era provável. Acaso lhe acreditava uma solução para todos seus problemas?Ignorava que não se pode obrigar a alguém a nos emprestar ajuda? comprou-se um guia e isso era tudo o que teria. Em todo caso, por que lhe enfurecia ver que seu acampamento estivesse aberto a qualquer ataque? Essa maldita mulher contaria com seu amparo, embora ele não queria brindar-lhe Mas não iria atrás de seu inimigo. Se acreditava capaz de lhe convencer, levaria-se uma brusca surpresa. Entretanto, não podia ser por isso pelo que ela se mostrava tão insistente em sua decisão de lhe levar consigo. Teria podido contratar a dez ou doze caçadores de recompensas pelo preço que estava disposta a lhe pagar. Ou acaso não estava disposta a esbanjar essa soma? Talvez tinha respondido a sua vã exigência com uma aceitação igualmente vã, sem intenções de pagar. E talvez ele pudesse sair do atoleiro lhe exigindo o pagamento adiantado... Mas ficaria outra vez como um parvo se ela, por acaso, tinha esse dinheiro em seu poder. Nem pensar! Bastava com uma vez. Colt deixou cair a cadeira de montar ao chão, tão perto do fogo que saltaram faíscas; Billy, que o estava atiçando, teve que apagá-la roupa a palmadas. Colt não reparou em nada. Estava contemplando essa enorme monstruosidade a raias brancas e amareladas, erguida a menos de seis metros; nem sequer via a carpa: imaginava à mulher em seu interior. Teria a cabeleira solta, como aquela primeira vez? teria se tirado essas roupas finas e caras para ficar...? O que? O que ficavam para dormir as mulheres como ela? 97

Colt apertou os dentes e voltou a dedicar-se a seu cavalo. Teria preferido que Billy não tivesse aceso o fogo tão perto dessa loja, mas já parecia. De qualquer modo, não tinha esperanças de dormir muito essa noite; pouco importaria estar tão perto dela. -Volto em um minuto, filho. Faz desaparecer essa comida estrangeira. Eu mesmo me prepararei, algo. Billy quis protestar, mas o pensou melhor. Colt já tinha suportado muito em um só dia. As provisões dessa mulher lhe teriam engasgado, por ricas que fossem. Com um suspiro, Billy seguiu a seu irmão com a vista, enquanto Colt levava a seu appaloosa com os outros animais. Não era o único que lhe observava. Desde sua chegada, todas as olhadas do acampamento estava fixas nele, com diversos graus de curiosidade. Essas gente não sabiam o que pensar dele. Tampouco sabiam como lhe tratar, por certo. Só estava em claro que a senhora estava decidida a lhe incluir entre eles. Ao Billy dirigiam a palavra e lhe tratavam com cordialidade, até de maneira amistosa. A atitude do Colt, em troca, não convidava a essas aproximações. Até se não tivesse insultado à duquesa ante a metade de seus homens, motivo suficiente para que lhe tivessem antipatia, sua expressão era uma advertência a voz em pescoço.- "Que ninguém se aproxime." E quem devia manter major distancia era a mesma duquesa. Entretanto, enquanto Billy pensava nisso, ela tinha saído de sua loja para seguir ao Colt para os cavalos.

Capitulo 13 Sabia que ela estava ali. Tinha-a ouvido aproximar-se, em que pese a todos seus intentos de fazê-lo em silêncio. Não precisava voltar-se para olhar para saber que era ela. Seu perfume lhe chegava com toda potência, mas inclusive antes de havê-lo percebido sentiu sua proximidade, tal como um animal sente a de seu casal. 98

Ela estava de pé atrás dele, aguardando a que se desse por informado de sua presença. E ele não devia fazê-lo. Quanto menos lhe falasse, melhor seria. Mas ela não se iria sem mais. Era muito teimosa, essa mulher. Embora seu silêncio demonstrava que estava nervosa, mesmo assim lhe tinha aproximado; sua decisão era mais forte que a incerteza. -Faz bem em mantê-los perto. Jocelyn demorou um momento em sobrepor-se ao sobressalto que lhe havia produzido o súbito do comentário, e um momento mais em compreender a que se referia. Girou para ver quem a tinham seguido e viu quatro de seus guardas, pelo menos; estavam apostados aí, sem tratar sequer de passar despercebidos. Permitiam-lhe certa intimidade ao manter uma distância razoável, mas obviamente não estavam dispostos a deixá-la completamente só com seu novo guia. -Ainda não lhe conhecem, senhor Thunder. Quando lhe conhecerem deixarão de vigiar assim. -Tampouco você me conhece. Ela se estremeceu pelo modo em que lhe havia ódio pronunciar essas palavras; pareciam implicar uma ameaça. Provavelmente assim era; possivelmente o mais prudente era girar em redondo e correr como se a perseguisse o demônio. Bastante nervosa estava já sem necessidade de que ele dissesse esse tipo de coisas. Mas não queria lhe ter medo. E não queria que ele seguisse furioso contra ela. Se deixava assustar desse modo, nunca chegariam a nada. -Isso se pode solucionar -disse, vacilando, desejosa de que ele se voltasse a olhá-la-. Eu gostaria de muito lhe conhecer melhor. -por que? -Porque você me resulta... estranho –“E excitante muito desejável, e maldito seja, Colt, me olhe de uma vez!” Ele não o fez. Continuava escovando a seu cavalo com movimentos lentos e fáceis, como se ela não estivesse ali. Jocelyn não estava habituada a que a ignorasse deliberadamente. Isso não fomentava a confiança em uma mulher, e a sua estava já bastante decaída. 99

Durante um momento observou em silêncio os movimentos daquela mão sobre os flancos do animal. Quase ficou hipnotizada, imaginando... sacudiu-se depressa esses pensamentos e se aproximou do animal para lhe acariciar o focinho, admirando por um momento ao cavalo e não a seu dono.... que teimava em não olhá-la. Tentou-o outra vez. -Não podemos sequer conversar? -Não. Por algum motivo, essa seca negativa a chateou ao ponto de ativar seu próprio temperamento. Esse homem era impossível, total e absolutamente impossível. -Veja, sei que ainda está zangado comigo, mas... -O que sinto é muito mais que irritação, senhora. Por fim ele tinha erguido as costas e a olhava. Jocelyn desejou então que deixasse de fazê-lo. Esses olhos azuis, muito azuis, ardiam com uma emoção feroz que a deixou sem fôlego. Fúria? Não estava do todo segura. Tampouco Colt, que tratava de aferrar-se a sua irritação enquanto outras coisas insistiam em interpor-se: o perfume dessa mulher, sua voz... lembranças. Cada vez que se aproximava tanto a uma mulher branca chegava quase a sentir o chicote lhe arrancando a carne das costas. Com ela era ainda pior, pois a desejava, em que pese a saber que não podia ser dela. Isso não devia ocorrer. Não tinha ocorrido em três anos. Em todo esse tempo, as mulheres de sua raça lhe tinham provocado repugnância, ao despertar a lembrança do que uma delas lhe tinha feito sofrer. Colt era dos que não cometem duas vezes o mesmo engano. por que não lhe enojava? por que, ardia-lhe o corpo com a necessidade de agarrá-la, de aproximá-la mais ainda? E por que demônios ela não se afastava, antes de fazê-lo perder o pouco domínio que ficava? -O que acontece? -acusou, em tom deliberadamente seco-. Alguma vez antes lhe haviam dito que não? -Não... não é por isso, certamente. -me diga então, duquesa, por que eu? 100

O desprezo posto no título nobiliário foi a gota que transbordou o copo. À intimidação do Jocelyn se impôs um arrebatamento de indignação. -E por que não? Pelo visto, você tem um preço. Do contrário não estaria aqui. -mostrava-se obtusa e sabia, mas quis dizer algo mais, antes que ele o fizesse notar.- Não lhe deixarei ir, embora insista nessa atitude azeda. -Se eu acreditasse que há um modo de me fazer despedir o aproveitaria -assegurou-lhe ele, com bastante exasperação. Mas de repente seu olhar caiu nos lábios da jovem e se deteve ali por um momento lhe esmaguem. Então acrescentou, com mais suavidade: -Pensando-o bem... possivelmente haja algo... Ela adivinhou o que ia ocorrer até antes que Colt estirasse a mão... Adivinhou que não seria agradável, que ele tinha intenções de insultá-la, de lhe fazer dano ou algo similar, para que lhe despedisse. Mas ao mesmo tempo lhe dava todas as oportunidades possíveis para impedir-lhe Seus movimentos, a mão que estendia para o pescoço, não eram apressados absolutamente. E o primeiro contato de seus dedos contra a nuca foi suave, sem exigência. Até esse momento Jocelyn teria podido escapar mas vários dolorosos segundos depois já era muito tarde. Ele enredou os dedos a sua densa cabeleira para imobilizá-la e atraí-la para si. Entretanto, fez-o com tanta lentidão que inclusive então ela teria podido fazer algo: lutar, gritar... Mas não o fez. Provavelmente, ele acreditava tê-la tão assustada que tinha perdido a capacidade de falar ou de mover-se; a singela verdade era que Jocelyn não queria lhe impedir nada. Queria o contato daquela boca ao ponto de estar disposta a aceitar a dor ao mesmo tempo. Tinha-o sabido já ao lhe advertir Vanessa que ele não seria suave com ela. Se algo temia agora, era que ele não a beijasse. Mas o beijo foi mais brutal do que esperava. O homem estava decidido a lhe repugnar, talvez a fazer-se odiar, quanto menos a fazer-se despedir. O que ele não sabia era que o beijo justificava só a metade do que a jovem sentia. A outra metade, a incrível excitação que se apoderou do resto de 101

seu corpo, sustentou-a e lhe permitiu aceitar o que se oferecia sem nenhuma resistência. -Agora está disposta a me despedir? Pergunta-a foi pronunciada em tom rangente, aquela mão seguia aferrando-a dolorosamente pela cabeleira. Provavelmente ele não sabia que lhe estava fazendo mal. Jocelyn tinha os lábios intumescidos e palpitantes, a respiração agitada e os joelhos tão frouxos que apenas se tinha em pé. Ele parecia pendente só de sua boca, à espera de uma resposta, como se isso bastasse para determinar seus atos posteriores. -Não -respondeu ela, sufocada, lhe surpreendendo tanto como se surpreendia a si mesmo. Não queria que ele seguisse lhe fazendo dano, mas tampouco estava disposta a ceder. Ele a olhou fixamente aos olhos. Talvez tratava de determinar se ela era só teimosa ou simplesmente estava louca. de repente ficou tenso. A realidade acabava de intervir. -lhe diga que não me toque -murmurou, em suave ameaça- se me fizer cargo dele, não lhe será útil para nada durante muito tempo. Ela, piscando, descobriu ao Robbie detrás de seu guia. Tinha a manaza apoiada no ombro do Colt. Este não lhe tinha cuidadoso, pois mantinha os olhos cravados nela. Ao Jocelyn pareceu duvidoso que a corpulência do Robbie pudesse lhe fazer trocar de opinião. Pelo contrário, Colt estava preparado para a violência; não desejava outra coisa. E ela o compreendeu assim. -Tudo está bem, Robbie. O senhor Thunder só queria... me demonstrar algo. Não tem você por que preocupar-se. O fornido escocês vacilou, indeciso. O pouco que tinha visto desse beijo punitivo, à luz das fogueiras acesas detrás deles, tinha sido suficiente para lhe fazer duvidar dessa explicação. Jocelyn se assombrou de ter podido esquecer que seus homens estavam ali. Claro que não tinha por que lhes dar explicações, mas de qualquer maneira... E então caiu na conta de que Colt ainda tinha os dedos enredados em seu cabelo, sujeitando-a. Provavelmente era isso o que inquietava ao 102

Robbie. Mas quando levantou o ombro para tocar o ombro de Colt, em um sutil aviso, ele não a soltou. Bastou-lhe lhe olhar aos olhos para saber que ele não a retinha assim sem dar-se conta. Não pensava retroceder sob nenhuma circunstância. Ela não pôde compreender o que lhe motivava. Queria provocar uma rixa com seus homens, com a esperança de ser despedido? Ou era só outra maneira de assustá-la, de lhe demonstrar que seus homens não podiam proteger a dele? De um modo ou outro, não gostou. Se lhe arreganhava e não lhe emprestava atenção, a rixa seria inevitável. Se obrigava ao Robbie a afastar-se enquanto Colt ainda a tinha em seu poder, equivaleria a lhe dar rédea livre para recomeçar por onde o tinha deixado. Mas se não fazia nada, Colt sim faria algo, e Vanessa não lhe perdoaria jamais se seu guarda favorito resultava ferido. Sobre qual dos dois sairia ferido, cabiam poucas dúvidas. Robbie podia ser muito corpulento e muito escocês, mas não havia nele aço frio e sem misericórdia. No Colt Thunder, em troca, tudo demonstrava o perigo. Não havia outra saída. -Avaliação muito seu interesse, Robbie, mas em companhia do senhor Thunder estou perfeitamente segura. Agora pode retirar-se... e leve consigo aos outros cavalheiros. Voltarei em um momento. Ante aquela ordem, ele não teve mais alternativa que obedecer, embora contra sua vontade. -Como sua Graça deseje. Assim que Robbie retirou a mão e se afastou, Colt deixou em liberdade a jovem. De maneira que só isso desejava. Maldito homem, que a tinha feito preocupar com respeito a suas intenções. -Que atitude tão desprezível! -sussurrou, esfregando o couro cabeludo dolorido-. E não refiro ao que você me fez, embora também isso foi desprezível. Não ponho em dúvida que você seja capaz de maltratar bastante a meus homens, mas utilizar esses métodos para fazer-se despedir é covardia. E eu pensava muitas coisas de você, senhor, mas nunca lhe acreditei covarde. -E o que pensa agora de mim? -perguntou ele, em voz baixa e dura. 103

Jocelyn deu um passo atrás, muito consciente de que se referia ao que acabava de lhe fazer. O que pensava, na verdade, salvo que ele podia ser implacável para conseguir o que procurava? -Penso que você é um homem muito decidido, Thunder. Mas também eu me caracterizo por essa qualidade. E lamento lhe desiludir, mas sua pequena demonstração não deu resultado. Ainda lhe necessito. Então se afastou. Mas o que lhe tinha feito essas últimas palavras era ampla vingança pelo beijo. Ao dizer "necessito-o" ela não queria dizer o que o corpo do Colt interpretava, mas isso lhe manteve acordado por toda a noite, da qual passou a metade sofrendo.

Capitulo 14 -Ferme lá! -Hein? Espèce de salaud, je vão casser a geule! -Mon cul! -Por Deus, é preciso que despertemos sem semelhantes palavrões? acusou Jocelyn, irritada, voltando-se entre as peles-. por que brigam esta vez? Vanessa, que estava de pé na abertura da loja, observando o alvoroço, encolheu-se de ombros. -Acredito que Babette tornou a criticar seus pratos. Já sabe que Philippe é muito suscetível quando se trata de seu ofício. -Espero que não lhe esmague a cara, como anunciou, verdade? -deu procuração se de uma frigideira, mas ele tem outra. No momento se limitam a fulminar-se com o olhar. -Faça-a se calar, Vã. Adverti-lhe uma e outra vez que não deve brigar com o Philippe. Como acredita que poderíamos arrumar outro que renunciasse por culpa dela? É a ela a quem deveria remplazar. Que problemas causa!

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-Mas anima a existência, deve reconhecê-lo. E eu acrescentaria que mantém felizes aos homens. Também você está suscetível, esta manhã. O que te passa? Jocelyn passou por cima a pergunta. -Anda, faça-a calar antes que me arruíne o café da manhã. Por que estão acesos os abajures? E que horas são, afinal de contas? A essas alturas Vanessa ria entre dentes. -Calculo que são seis da manhã. Seu doce senhor Thunder despertou a todo o acampamento faz trinta minutos. Diz que devemos partir com a saída do sol, para não esbanjar as horas do dia. -Com a saída do sol? Mas esse homem está louco! -exclamou Jocelyn. -Eu arriscaria a opinião de que só quer terminar quanto antes com suas obrigações. A este passo, chegaremos a Wyoming em um abrir e fechar de olhos. -vou falar com ele. -Boa sorte. -O que é o que tanto te diverte, Vã? -Não lhe adverti isso, querida? Esse homem fará todo o possível para que te arrependa de havê-lo contratado. Guia, nem sonhá-lo! Não é outra coisa que um escravagista. Vanessa saiu da loja para cuidar de que os franceses do grupo não chegassem à guerra civil. Mas um momento depois estava de retorno com o Jane, que trazia uma terrina de água quente e uma toalha limpa. Babette brilhava por sua ausência; sem dúvida lhe tinha advertido que acabava de provocar o desgosto de sua ama; portanto, foi Jane quem preparou as roupas do Jocelyn antes de voltar a sair. A jovem permanecia sob as mantas, lutando contra uma irritação que não guardava relação alguma com o diálogo recente. Sentia os lábios inchados e doloridos; sem dúvida, se olhava ao espelho os veria inflamados. Como faria para dissimular algo assim? E se Colt a via, teria a segurança de que lhe tinha feito mal. Jamais poderia compreender que não lhe tivesse despedido imediatamente. E o que lhe diria ela se exigia explicações? Que gostava de ser tratada com rudeza? Ou a verdade: que lhe 105

desejava como primeiro amante, ao ponto de passar por cima seu rude comportamento da noite anterior. -Bom, querida, se não estar lista para partir para a hora indicada, terá a esse homem esmurrando a... né... a lapela da loja. Talvez é essa sua intenção? Quer que te deixe o terreno livre? Decididamente, Vanessa não melhorava as coisas com seu seco humor, essa manhã. Quando acertava com uma advertência, adorava fazê-lo sentir. Jocelyn supôs que, na opinião de sua amiga, esse malfadado madrugador era prova de que Colt ainda queria cobrar o fato de que lhe tivessem feito cair na armadilha. -Se vier por aqui, má sorte -grunhiu Jocelyn-. Não penso partir enquanto não esteja disposta. -O que é isto? Prepara-te para a primeira rixa com esse homem? Tenho que estar presente? -Vã! -Bom, bom-concedeu a condessa, enquanto se sentava ao pé das peles do Jocelyn-. Suponho que já demonstrei ter razão. Mas por que está tão suscetível? Jocelyn suspirou. -Não dormi bem. -Quer que falemos disso? -Não muito. -Jocelyn se voltou para outro lado e fez uma careta: acabava de ouvir a exclamação da Vanessa, que lhe tinha visto a cara pela primeira vez em manhã. -Santo Deus, já ocorreu! Quando? E por que não me disse isso? Graças a Deus, ainda está inteira. Bom, ao menos agora podemos prescindir desse rufião. -Não ocorreu nada. -Tolices -bufou Vanessa-. Sei reconhecer uma boca bem beijada a primeira vista. -É tudo o que fez. E o fez para que eu lhe despedisse. -Despediu-o? Não, claro está; do contrário não estaria aqui. Mas... Bom, ao menos avançou algo? 106

-Que se avancei? -Jocelyn, teve desejos de rir. -Não me beijou porque queria fazê-lo, Vanessa. Tratava de... -Sim, já me disse isso. De que lhe despedisse. Mas foi... o que esperava? -O que eu esperava.... Sim. O que eu queria, não. Fez-o tão brutalmente como pôde. Espero que lhe doam os lábios tanto como a mim, maldito seja. Vanessa piscou ante essa acalorada réplica. -Bem, pode-se dizer que não houve progressos -analisou-. A menos que ele tenha perdido o domínio de si e por isso tenha atuado com tanto selvageria. Domínio de si? A voz do Colt não tinha divulgado muito serena ao perguntar se já estava disposta a lhe despedir. E agora que o pensava melhor, também ele tinha a respiração agitada. E tinha esticado os dedos em sua cabeleira ao terminar o beijo, não antes. Era possível que a paixão tivesse intervindo no beijo sem que ele o planejasse? Por Deus, como queria ela pensá-lo assim! Mas a inexperiência lhe impedia de estar segura. -Não sei, Vã. Em realidade, tampouco importa. Acabei lhe chateando outra vez. Sem dúvida se deitou me amaldiçoando de4 morte, não ofegando de desejo. E agora que o penso -acrescentou, apartando as mantas para levantar-se-, o melhor será que não me aproxime dele em uns quantos dias. Fiz mal em lhe abordar ontem à noite, sabendo que ainda não tinha tido oportunidade de serenar-se. Não voltarei a cometer esse engano.

Capitulo 15 -Já vem Peter. -Era hora -grunhiu Dewane. -Traz para o médico? -perguntou Clay, desde seu jeito. -Deixa de incomodar -espetou-lhe Dewane-. Já te tirei essa condenada bala, não? -Peter vem sozinho, Clay -esclareceu Clydell, da porta-. De qualquer modo, o médico não poderia fazer nada contigo. E depois teríamos que lhe matar para que não falasse. Quer mais uísque? 107

Elliot os contemplou em silêncio. Uma garrafa da água de fogo que nessa zona se chamava uísque passou à mãos do chamado Clay. O homem estava agonizando, mas não sabia. Tinha perdido muita sangue antes de chegar, até eles. Elliot não lhe teria feito sofrer ainda mais retirando a bala; era partidário de lhe depenar, mas ninguém lhe tinha pedido opinião. Ele tampouco a ofereceu. De qualquer modo, teriam querido matar a esse homem por fracassar em sua missão, mas se guardou também o comentário. Não convinha que os outros adivinhassem sua fúria em toda sua magnitude. Em definitiva, a culpa desse último fracasso era dela, por contratar a incompetentes, por não idear um plano melhor, por despachar só a dois homens em busca da duquesa. A sorte a tinha acompanhado outra vez. Sorte infernal a dessa mulher! Esta vez tinha encontrado ajuda em um nada. Além disso, uma ajuda muito hábil. Como as compunha para sair sempre ileso? Clay tinha voltado para seu semi-inconsciência; ao menos deixaria de gemer por um momento. Esses gemidos persistentes voltavam louco ao Elliot, embora não dissesse nada. Esperava que irritassem também os nervos dos outros, para que ninguém se opor muito quando ele sugerisse que era preciso deixar morrer em paz ali mesmo. Dewane deixou a cafeteira na mesa, mas Elliot não voltou a encher sua tigela de lata com essa horrível beberagem. O alojamento também era deplorável, mas ao menos tinham um teto que os protegia. Clydell tinha encontrado essa covinha vazia; utilizavam-na os jeans de algum rancho quando estavam na pradaria, ganhando-a vida. Contava com uma mesa, duas cadeiras, uma velha cozinha, umas quantas latas enferrujadas no arca e um colchão mofado, suspenso em um elástico de cordas. O mais provável era que o teto tivesse goteiras, mas ao menos podiam esperar em algum sítio enquanto Pete Saunders averiguava o que pudesse sobre o rumo tomado pela duquesa. Entretanto, depois de duas noites de espera Elliot começava a pensar que o membro mais jovem do grupo o tinha abandonado. Isso não lhe teria surpreso muito. Fazia muito tempo que nada lhe saía bem e cabia esperar o 108

pior. Mas Pete acabava de retornar. Por fim poderia dedicar-se a planejar seu próximo passo. Pete entrou em passo comprido na única habitação, com um enorme sorriso e sacudindo o pó da roupa com um chapéu maltratado, algo mais velho que ele. Elliot tinha desconfiado dele, no momento de lhe empregar, em que pese a que a barba inteira dissimulava um pouco sua escassa idade. Mas detrás escutar a lista de suas façanhas, que incluíam assalto a mão armada, roubo de ganho e um duelo a revólver de que tinha resultado triunfador, pensou-o melhor. Ainda não gostava do entusiasmo e a atitude alegre desse moço de dezoito anos; era como se só estivesse jogando. -Dávamos-lhe por perdido, Pete -disse Clydell, a maneira de saudação. -Eu disse que estaria bêbado, incapaz de sair de uma escarradeira adicionou Dewane, desdenhoso. -Não bebi uma gota -protestou Pete, sem deixar de sorrir. E se deixou cair frente a Elliot, na única cadeira existente além da que ocupava o inglês-. Agora sim me viria bem um gole. Como segue Clay? -Igual -respondeu Clydell, deixando na mesa sua garrafa. Elliot lhe permitiu beber uns quantos sorvos antes de interpelar: -Se tiver algo que informar, senhor Saunders, agradecer-lhe-ia muito que o fizesse agora mesmo. O sorriso ainda estava ali quando descendeu a garrafa. Elliot a teria tomado por uma deformidade da boca pelo constante, se não a tivesse visto desaparecer no momento em que Clay se reuniu com eles, talher de sangue. -Claro, chefe -respondeu o moço-. Quando cheguei ao Tombstone não custou muito achar à senhora. Tinha provocado muito alvoroço, com esses carros luxuosos e tanto guarda. Todo mundo falava dela; perguntavam-se quem seria e o que estava fazendo. -Sim, sim, o mesmo ocorre em qualquer lugar que vá -interrompeu Elliot, impaciente-. Continue, quer? -Bom, ela e toda sua banda se inscreveram no Grand. Supus que passaria um tempo ali. Pensava partir por volta daqui a manhã seguinte, depois de averiguar se não nos buscavam os caçadores de recompensas... 109

-Buscam-nos? -perguntou Dewane. -Não. Falei com o fulano que poda o cárcere. Diz que eles entregaram o cadáver atribuindo-o tudo a “pessoas desconhecidas”. Como não deram nenhuma descrição, o oficial não pode atuar. Mas como dizia, por sorte fiquei dormido e não pude partir para primeira hora. -foste divertir lhe, lixo, enquanto nós lhe esperávamos nos comendo as unhas? -acusou Dewane, carrancudo. -OH, vamos, homem. O que ia fazer em meus momentos livres? Essa primeira noite me deitei um pouco tarde. Mas se eu não tivesse saído a me divertir não poderia lhes contar que a mulher já não está na cidade. -reatou a viagem? -perguntou Elliot, um pouco surpreso. -Sim. Partiu justo depois do tiroteio. Ouça, Dewane, nem imagina a quem liquidaram! -adicionou Pete, excitado-. Aos irmãos McLaury e ao moço dos Clanton. -Os Earp? -Quem, se não? -Viu-o tudo? -perguntou Clydell. -Não. Aconteceu enquanto eu estava no cárcere, averiguando o que podia. Mas os disparos se ouviam desde todas partes. Quando cheguei já tinha terminado tudo. -Se me permitir, senhor Saunders -interveio Elliot-, a que me interessa é ela, não um escuro tiroteio em qualquer cidade de fronteira. -Sim, chefe. O que ocorre é que a senhora estava ali. E quando tudo terminou pôs pés em empoeirada. Suponho que tanta bala lhe revolveu o estômago e não quis ficar. Disse-me que, como já era tarde, bem podia passar por seu hotel uma vez mais. E foi então quando vi que estavam carregando suas carretas. -Suponho que você teve a inteligência necessária para segui-la. Pete assentiu. -Até que acamparam a uns quantos quilômetros do Benson, ontem à noite. Seguem as rotas de diligências, embora contrataram a um mestiço para que os guie. O homem os fez levantar o acampamento ao amanhecer, partiam para o Tucson. Então voltei. 110

-Aonde irá ela? -perguntou Elliot. -Ao Tucson, parece -ofereceu Clydell, para ajudar. Elliot suspirou para seus adentros. Imbecis, só uma marmita de imbecis. -Asseguro-lhe que a duquesa não tem intenções de permanecer neste território, senhor Owen. O que quero saber é seu objetivo final. -Vai para o norte, mas apostaria a que não quer chegar a Utah assegurou Dewane, o único capaz de compreender o que Elliot desejava-. Ali não há mais que deserto. Podem desviar-se para Califórnia ou para Novo o México; depois, talvez a Avermelhado. Ali há ferrovia. Se quer pode viajar de trem até o Este. -Muito bem -Por fim Elliot sorriu, embora foi um sorriso frio e cheia de expectativa. -Enquanto ela siga o caminho, o qual é quase seguro, nós poderemos nos adiantar galopando um pouco. A que distância está Tucson? -Muito longe para que ela possa chegar hoje, com esses carros luxuosos. Mas nós, se partirmos agora e cavalgamos toda a noite, chegaremos primeiro. -Excelente. Mas também necessitaremos vários homens mais. Conhecem alguns no Tucson? -Talvez -replicou Dewane-. Agora atacaremos em grande número? -Não esqueça que ela tem a muitos homens armados, senhor Owen. E agora acrescentou a um mais. Lástima o desse guia. Um de vós poderia haver-se devotado para esse trabalho. Uma vez em seu acampamento, teria sido fácil degolá-la e escapar na primeira noite sem lua. A propósito, o que é um mestiço, exatamente? -Mescla de índio e branco. O que é, Pete? Índio apache? -Não, muito alto. E nunca vi que os mestiços índios apaches usem o revólver como se soubessem disparar. limitam-se aos rifles. -Alto, né? -disse Dewane, intranqüilo-. Por acaso, não ouviu dizer seu nome? -Pois sim. Estava perto de dois guardas que falavam dele. Fizeram-me abandonar a rua, mas ouvi que lhe chamavam "senhor Thunder". 111

-Ah, mierda! -jurou Dewane. Logo acrescentou outros palavrões escolhidos-. Esta vez sim que conseguiu a um pistoleiro veloz! -Devo interpretar que você conhece esse tal Thunder? Dewane cometeu a imprudência de fulminar ao inglês com a vista, pela calma que mantinha frente a sua inquietação. Colt Thunder, o único filho de má mãe que lhe tinha feito desistir de uma briga. Merda! O que estava fazendo tão ao sul? -pode-se dizer que lhe conheço, sim. Vi-lhe tirar a arma para apontar contra um fulano, faz alguns anos, e não tinha rival. -Mas Dewane, se foi... -Cala-te, Clydell! -bramou Dewane a seu irmão-. Eu sei o que vi. -Logo, mais tranqüilo- com esse índio não se joga, chefe. Não aceita insultos de ninguém. Não tem por que, sendo tão rápido com a arma. E apostaria a vida a que foi ele quem disparou contra os nossos. Por isso ela pôde lhe contratar tão logo. Já lhe conhecia. -E qual é o problema? Bastará com que o eliminem. -Como diabos o eliminamos? Hei-lhe dito que... -Não se preocupe, querido companheiro -replicou Elliot, sardônico-. Não sugiro que desafie a duelo. Bastará um bom balaço pelas costas. Depois, a duquesa necessitará outro guia, verdade? -Suponho que sim. -Dewane sorriu. Enquanto não tivesse que aproximar-se do Colt Thunder... -Se não ter outra coisa que informar, senhor Saunders, sugiro que iniciemos a marcha -disse Elliot, levantando-se- . Necessito tempo para estudar essa nova cidade e descobrir qualquer vantagem que possa aproveitar-se em sua distribuição. -E Clay? -perguntou Pete. -Se criem que sobreviverá à viagem, lhe tragam, lhe tragam. Pete jogou um olhar ao Dewane, em tanto o inglês saía. Não demoraram para lhe seguir. O quinto homem do grupo, que não tinha participado da conversação, fez outro tanto. Conhecia o Clay desde fazia poucos meses; não esbanjaria sua solidariedade em um descuidado capaz de fazer-se matar, posto que todos corriam o mesmo risco. 112

Só Clydell dedicou um último olhar ao moribundo. Como se a idéia acabasse de ocorrer-se o deixou a garrafa uísque no chão, junto ao jergón do Clay, antes de seguir aos outros.

Capitulo 16 Constituíam um belo espetáculo, a mulher e seu magnífico cavalo. Por um momento, Colt ficou magnetizado ante a destreza que convertia a jovem em parte do animal, durante aquele louco galope pela planície semeada de cacto. Jamais a teria acreditado capaz de montar assim, depois de vê-la gozar de seus carros luxuosos. E nem sequer montava na posição normal, mas sim de flanco. Bom Deus! Colt se perguntou quantas idéias falsas se teria formado com respeito a ela. Mas não se permitiu refletir muito. Seu aborrecimento começava a surgir, e quando ela se deteve seu lado já estava a ponto de ebulição. Não lhe deu tempo nem para recuperar o fôlego. Gritou tanto que conseguiu espantar ao potro, e passaram vários momentos antes que ela pudesse dominá-lo. -...Nada mais idiota e estúpido... me diga, está você louca? Devia imaginá-lo! Quem, se não uma louca, pode contratar a doze homens para que custodiem e logo sair sozinha, sem fazer-se acompanhar sequer por um! -Do que está falando? -acusou Jocelyn,- quando ao fim pôde deter o Sir George junto a ele-. Vi-lhe você de longe e galopei diretamente para aqui. Se por acaso não o notado, não há colinas, árvores nem matagais que possam servir de esconderijo a alguém. Não corria nenhum perigo ao cobrir sozinha esta distância. -Parece-lhe? Pois olhe melhor, duquesa. Esse puma está algo longe de seu território de caça, mas aí está. Se tiver conseguido a presa que perseguiu até tão longe, ninguém sabe, mas isso não significa que deixe passar a uma vítima tão fácil como você, se a farejar. Aguardou um momento, enquanto ela contemplava horrorizada ao lento felino que se movia a só trezentos metros de distância. Por sorte não 113

parecia muito interessado. Mas ela o ignorava. E Colt ainda não tinha concluído. -E a serpente que assuste a esse nervoso cavalos dele e a faça cair estará ainda aí para picá-la, enquanto seu animal se afasta prudentemente. Acredita que alguém poderá auxiliá-la a tempo para extrair o veneno antes da morte? equivoca-se. Nestes territórios, o homem não é o único perigo. -Acredito que me convenceu -disse Jocelyn, em voz baixa. -Me alegro -respondeu ele, com bastante satisfação só para acrescentar: -Que demônios faz aqui? -Tanto Sir George como eu necessitávamos exercício -explicou ela, apressadamente-. Ele não galopou desde que partimos do México. Além disso, tenho por costume montá-lo um momento cada dia. Neste caso... queria conversar com você. Como me pareceu que você não retornaria antes do anoitecer, não vi perigo algum em.... Agora o vejo, mas então não, e decidi me reunir com você. -Desmonte. -Como diz? -Já o tem feito galopar, duquesa: uns cinco quilômetros. Agora dê a ele uma pausa. Por Deus! Não sabe que...? -Não se atreva a me indicar como devo cuidar de meu cavalo! -espetoulhe ela. Mas desmontou imediatamente e fez caminhar ao Sir George em círculos ao redor do Colt. -Pode me dar instruções com respeito ao que goste, mas sobre cavalos, não. dediquei minha vida inteira a criá-los. Ninguém, absolutamente ninguém, pode me dizer algo que não saiba sobre eles. E provavelmente eu saiba melhor. Colt não pronunciou palavra. O fato de que ela também tivesse seu gênio lhe surpreendia ao ponto de lhe fazer dominar o seu. E não cabiam dúvidas de que ela sabia muito de cavalos. Se montava tão bem tinha que conhecê-los. Mas daí a criá-los... Não era uma empresa típica para uma mulher, ao menos para uma branca. Em realidade, estava demonstrando ser distinta do que ele imaginava, ao menos em certos aspectos. Mas essa surpresa, em especial, vinha a lhe aliviar de uma preocupação: se a surpreendiam sozinha e ela se via 114

obrigada a escapar, quem demônios poderia alcançá-la, montada nesse animal? E ela sabia, sem lugar a dúvidas. por que não o tinha mencionado, em vez de lhe permitir arreganhá-la assim? -Você mesma o criou? Até então ela tinha estado rabiando em silencio, mas ante a pergunta levantou o olhar, cautelosa. -Sim. Colt desmontou e se ergueu ante ela, obrigando-a a deter-se. O potro baio se tornou para trás, nervoso, até que ele alargou uma mão e pronunciou algumas palavras em uma linguagem que Jocelyn não conhecia. Incrédula, viu que Sir George colocava o focinho nessa mão estendida; até empurrou a Jocelyn com o flanco para aproximar-se mais a ele. -É assombroso! -exclamou ela-. Sempre fica nervoso em presença de gente conhecida, jamais deixa que um desconhecido lhe aproxime. Você já tinha travado relação com ele, verdade? -acrescentou, suspicaz. -Não. -Mas como obteve que...? Bom Deus, tem você o toque! -Que toque? -A habilidade de fazer que os animais confiem em você. Eu também o tenho, mas nunca obtive um efeito tão imediato. Ao Colt chateou que ela descobrisse um terreno comum entre ambos, quando ele precisava aferrar-se às diferenças. -Sobre o que desejava me falar, duquesa? -OH, bom... Esta manhã você partiu sem que ninguém pudesse lhe perguntar por que nos tinha afastado do caminho pelo que viajamos ontem, nos desviando subitamente para o este. -Porque ontem nos seguiram -foi quanto ele disse. -Que nos... Como...? Vá! Não estavam muito perto, ao parecer, posto que ninguém os viu. Claro que você se afastou mais... -Era um só homem -interrompeu Colt, antes que a duquesa caísse em outro de seus arrebatamentos faladores, Deitou-se a dormir a um quilômetro do acampamento e voltou por onde tinha vindo, pouco depois de que você retomasse o caminho ao Tucson. 115

-Então informará que partimos para ali, enquanto que viramos em direção quase contrária -adivinhou ela, rendo-. OH, eu sabia que você resultaria muito valioso, Thunder, mas não calculava até que ponto. Vamos, não me olhe assim. Que hei dito? -Não sou guia, duquesa, e nunca afirmei o contrário. Como esse puma, desviei-me muitíssimo de meu território de caça. Não sei sequer quando encontraremos outro poço de água. Só sei que, detrás daquelas montanhas estão Novo o México e o velho caminho da Santa Fé, que conduzirá às planícies. As planícies me são conhecidas, sim. Mas até chegar ali... Terminou encolhendo-se de ombros. -Por Deus, homem, quer dizer que poderíamos nos perder? -nos perder não, mas por um tempo não haverá caminhos que nos facilitem o trajeto. Tampouco asseguro que o passo entre essas montanhas seja transitável para seus veículos, duquesa. -me diga, pois, como chegou você até aqui de Wyoming? Porque dali vem, verdade? -Suas carruagens não poderiam circular por onde eu vim, decididamente. Mas eu seguia ao Billy, e ele não sabia onde diabos ir. -Não parece preocupar-se muito a respeito -assinalou ela. -Sempre há um caminho. Só fica por ver quanto tempo se perde em achá-lo. Ali diante temos território índio apache. Tem que haver caminhos bem marcados. -E índios apaches? -Os teria encontrado com mais facilidade no México. Quase todos estão encerrados em reservas, como todas as tribos do país. Deveria haver-se preocupado pelos índios quando tropeçou comigo, duquesa, não agora. Ela voltou as costas à amargura que tinha brotado em sua voz e caminhou para seu cavalo. -Por favor, não voltemos a começar -disse, sem lhe olhar, centrando sua atenção no grande animal, que se manteve dócil enquanto lhe deslizava a mão pelo pescoço-. Nada de quanto faça conseguirá me convencer de que é um selvagem incivilizado. 116

Foi má idéia lhe lançar um desafio assim, caso que não o aceitaria. Mas ela não estava habituada a tratar com esse tipo de homens. Sem prévio aviso, encontrou-se tendida em terra, com ele em cima. Ambos os cavalos se apartaram bruscamente e já lhe estava recolhendo as saias. -Nada, duquesa? -pronunciou ele, com voz fria e decidida-. Já veremos o que pensa quando tiver acabado com você. Ficou tão aturdida que apenas lhe ouviu, mas sim sentiu o forte puxão que rasgou suas calcinhas e a dura intromissão de um dedo dentro dela. -Não, Colt, não lhe vou permitir. -Não me pode impedir isso mulher. Não o compreendeste ainda? Você mesma te encarregou de que estivéssemos sozinhos, onde não conta com outro protetor que eu. Quem te protegerá de mim? Ela puxou com força contra os ombros do Colt, tratando de tirar-lhe Mas era certo: não podia lhe impedir nada. -Faz-o só para me assustar! -E com êxito. -Crê que aconteceu muito tempo desde que eu tomava o que desejava e matava porque tinha o direito de fazê-lo? Sabe o que te teria passado se te tivesse conhecido naqueles tempos? Isto... e muito mais. Não nos limitávamos a violar às brancas: convertíamo-las em pulseiras. Jocelyn temeu que nessa oportunidade ele não se limitasse a fazer uma demonstração. Na verdade ia possuir a ali mesmo, no pó, com o sol da tarde ardendo sobre ambos. Não queria que fosse assim; os olhos lhe encheram de lágrimas, mas ele não as viu. Só o instinto fez que jogasse os braços ao pescoço, rogando: -Por favor, Colt, não me faça mal. Ele se afastou instantaneamente, com um cruel palavrão. Uma vez mais a deixava aturdida. Nunca teria suspeitado que fora tão fácil lhe deter, mas o perigo tinha passado, decididamente. De maneira que só tinha tratado de assustá-la outra vez! -Deveria lhe fazer açoitar! -protestou, acomodando-as saias para ficar de pé-. Não pode seguir me fazendo coisas como esta, Colt Thunder! Não o permitirei! 117

Lhe jogou um olhar sobre o ombro. Permanecia sentado, tratando de dominar seu corpo acalorado. -Diga uma só palavra mais e voltarei a tendê-la de costas! Nessa oportunidade ela estava muito furiosa para emprestar atenção a seus bramidos. -Já o veremos, condenado filho de... de... Índia! Colt a viu aproximar-se de seu próprio appaloosa, recolhê-las saias e montar... da maneira normal, com o que o vestido ficou levantado até os joelhos. Também a viu tirar o rifle de sua capa, mas não se levantou. Não sabia que diabos pensava fazer. Enquanto não apontasse contra ele... -Não quero que se converta no jantar desse puma, mas espero que se acalme para quando se reúna conosco. Dizendo assim, Jocelyn disparou duas balas contra o chão, junto às patas do felino, que fugiu a toda carreira. O ruído espantou também a cinco ou seis coelhos, um galo lira e até a um peru silvestre que até então tinham acontecido despercebidos. Outros três disparos, em rápida sucessão, acabaram com a fuga do peru e dois dos coelhos. Colt ainda olhava fixamente ao terceiro animal derrubado quando a voz da moça se abriu passo através de seu assombro. -O perigo só é perigo quando se perdem seus contornos, senhor Thunder. Talvez queira recolher essas presas. Nosso cozinheiro as agradecerá. Colt logo que tinha compreendido a metade desses últimos comentários. de repente ela partiu, levantando uma nuvem de pó, e emitiu um assobio agudo. Para ouvi-lo, o baio levantou a cabeça e galopou atrás dela. Nem sequer então se levantou. Ainda não conseguia acreditar na pontaria dessa mulher, que se parecia muito à sua: outra habilidade que nunca lhe teria atribuído. Ainda não chegava a captar a audácia com que lhe tinha deixado ali, sem arreios. 118

Ao menos, isso acreditava ela. Colt teria podido chamar a seu cavalo com tanta facilidade como ela ao Sir George, mas para isso devia ver-se obrigado a tê-la outra vez a seu alcance. E ficava demonstrado, sem sombra de dúvida, que não podia deixar de lhe jogar mão se a tinha perto. Por Deus, aproveitava qualquer desculpa para tocá-la, embora só fora com intenções de assustá-la, a fim de que ela não voltasse a aproximar-se o lhe obrigando a procurar novas desculpas! Por fim compreendeu que estava sentado no chão, com três animais mortos a pouca distância. Isso não deixaria de atrair aos abutres. Então deixou escapar uma corrente de maldições que teriam posto ao vermelho as orelhas daquela vingativa inglesa. Necessitava tempo para serenar-se, para acalmar o corpo. Posto que a caravana estava ainda a dois quilômetros de distância, pelo menos, poderia fazê-lo. Seu caráter, pelo contrário, começava a alterar-se outra vez.

Capitulo 17

-O que fará quando esse homem comece a te açoitar? Jocelyn agitou uma mão, descartando a ocorrência. -Não seja tola, Vã. Não se atreverá. -Mas deu em passear-se pela loja. Até ela reconhecia a incerteza de sua voz. -Ou sim? -Não me pergunte isso, querida. É você a que insistiu em jogar com fogo. Eu ainda não conversei sequer com ele. Mas não é algo que teria devido ter em conta antes de lhe roubar o cavalo? -Não o roubei; só tomei emprestado. De qualquer modo, ele mereceria que o tivesse roubado. Tinha causado um verdadeiro revôo ao retornar, escarranchado do grande appaloosa. Mas a todos bastou jogar ou olhada a sua azeda expressão para não fazer o menor comentário; nem sequer os fez o irmão do Colt, ao menos ante ela. Claro que isso tinha sido várias horas antes. 119

A caravana tinha passado já pelo sítio aonde ela deixasse ao Colt, sem ver sinais dele. Também tinham montado o acampamento por outra noite sem que ele aparecesse. Provavelmente, a gente começava a perguntar-se se ela se teria desfeito dele de um modo definitivo. Depois de tudo, seus disparos tinham sido bem audíveis. Também terei que ter em conta às serpentes que ele mencionasse. E esse condenado puma seguia por ali, em alguma parte... Claro que não lhe tinha deixado completamente sem armas: ainda levava um revólver. Sem dúvida, ele só queria preocupá-la. -Eu gosto bastante este tapete, mas não durará muito se segue te passeando assim -observou Vanessa, com tom mais seco-. por que não deves toma um xerez antes do jantar? -Sinto muito -respondeu Jocelyn, sem deixar de passear-se-. Reconheço que não fui uma companhia muito grata estes últimos dias. -Deve estar brincando. Seus enfrentamentos com o senhor Thunder foram a melhor diversão que gozamos desde que nossos dois arrumados lacaios trataram de matar-se mutuamente pelo Babette. Não me contaste o que passou hoje, mas se partes daqui impecavelmente vestida e volta feita um grotesco, não resulta difícil imaginá-lo. Para falar a verdade, morro por saber o que ocorrerá a seguir. Por essas palavras, a condessa recebeu um olhar carrancudo e lúgubre, que se converteu quase imediatamente em uma careta de olhos apertados: ambas podiam ouvir a comoção que acabava de estalar ante a carpa. O senhor Thunder estava ali. -Veja, companheiro -disse um dos guardas, chateados-: não pode entrar aí sem ser convidado. A única resposta foi um ruído de carne contra carne, provavelmente sob a forma de nódulos contra cara. Então se ouviu a voz de outro guarda, mais forcejos e outros dois sólidos murros. -Seria melhor que tirasse sua pequena pistola querida, enquanto ele não se acalme o suficiente para entender razões. Mas Jocelyn não se moveu. Em realidade, não houve tempo. Parecia irônico que nenhuma das duas houvesse considerado a possibilidade de que os guardas ganhassem o combate; nisso acertaram ambas. A lapela da 120

loja se abriu bruscamente e Colt entrou sem quebrar o passo: um passo furioso que lhe levou diretamente ante o Jocelyn. Ela se preparou para o pior, mas não se moveu um centímetro. Talvez foi isso o que impediu ao Colt elevar uma mão. limitou-se a arrojar o chapéu ao chão, entre ambos... e a gritar. -Teria que... Não se atreva jamais A... Não terminou nenhuma das frases, derrotado pela visível calma da jovem ante sua fúria. E resultou fascinante ver como lutava por dominar suas emoções. ficou de pé, com os olhos fechados, e Jocelyn quase pôde sentir a turbulência que fervia nele, o calor e a força que irradiavam tão perto da superfície. Entretanto, já não os via. Jocelyn teve a sensação de que ele não estava habituado a perder o domínio de nada, de que se orgulhava de poder dissimular as sensações do corpo e a mente, Sem deixar nunca entrever o torvelinho interior que pudesse estar experimentando. Não era a primeira vez que presenciava esse controle. Tampouco era a primeira vez que lhe gritava assim. Seria um bom sinal que esse homem parecesse perder a calma só em sua presença? Ou se tratava só de que ele não podia dirigir a situação em que se encontrava? Ela teria querido saber a que atribuí-lo, mas julgou que, por esse dia, já lhe tinha provocado o bastante. Vanessa tinha razão, como de costume. Não convinha jogar com fogo sem conhecer as conseqüências. antes que ele abrisse os olhos a loja voltou a ser invadida por outros seis guardas. -Chegam tarde -apontou Colt em voz baixa, enquanto Vanessa se apressava a lhes assegurar que não havia motivo de alarme-. Chegar até você é muito fácil, mulher. -Nem tanto, em realidade -respondeu ela, também em voz baixa-. Se você pôde chegar até aqui é porque eles lhe conhecem. Se um desconhecido tivesse tentado fazê-lo. teria recebido um disparo e não uma advertência. Fez você muito dano aí fora? -Não. -Bem. 121

Com um sorriso, voltou-se para seus homens e acrescentou às palavras da Vanessa sua própria afirmação de que tudo era um mal-entendido. atribuiu-se toda a culpa, embora sem entrar em detalhes, admitindo tão somente que tinha provocado irracionalmente a Colt. Como todos sabiam que ela havia tornado com o cavalo do Colt, mas sem seu proprietário, o arrebatamento do guia resultava compreensível e perdoável. Ele não teve que pronunciar uma palavra em defesa própria. Tampouco o teria feito de ser necessário. Só Sir Parker se mostrou relutante a partir enquanto Colt seguisse ali. Mas como este parecia agora a imagem mesma da calma e posto que as duas mulheres asseguravam que não haveria mais dificuldades, pouco podia fazer a respeito. Assim que o último guarda se retirou, entretanto, resultou muito desconcertante ouvir o comentário do Colt, em voz baixa, mas séria. -Tratei de que me passasse. Primeiro caminhei; depois, corri. Mas nada deu resultado. Só me passaria lhe retorcendo o pescoço, duquesa. Vanessa, horrorizada para ouvir isso, abriu a boca para chamar os guardas, mas Jocelyn o impediu. -Bom, meu pescoço lhe agradece que tenha recuperado o sentido comum. Possivelmente lhe deva uma desculpa. -Muito certo. -Até isso foi dito em tom moderado. -Mas você também me deve uma. por que não damos as contas como fechadas, por esta vez? Ele não confirmou o recebimento da sugestão, nem com palavras nem com um gesto. Jocelyn se sentia cada vez mais incômoda baixo aquele olhar penetrante. Esses olhos eram realmente letais pelo que lhe faziam sentir; se tratava de lhe sustentar o olhar, só conseguia piorar as coisas: naquelas azuis profundidades via o conhecimento íntimo de seu corpo. Essa masculina dureza a havia talher apenas horas antes. Sua mão lhe tinha queimado a carne das pernas ao apartar as saias. Ainda agora lhe afrouxavam os joelhos ao recordar que lhe tinha introduzido o dedo. E 122

tinha a sensação de que, ao olhar a desse modo, ele estava recordando o mesmo. Rezou porque não fora assim. Afastou a cara, captou o olhar cauteloso da Vanessa e esteve a ponto de estalar em uma gargalhada de alívio. Vanessa era muita afetada a fazer comentários satíricos e advertências apoiadas em supostos, mas ao ver com seus próprios olhos a esse homem não sabia o que pensar. Colt não era fácil de interpretar, por certo, sobre tudo nesse estado de ânimo. A fúria seguia ali, provavelmente, mas sepultada a tal profundidade que não podia fazer mal... ao menos no momento. -A condessa me recordou, faz um momento, que passei por cima as apresentações. Colt Thunder, me permita lhe apresentar a minha querida amiga e acompanhante: Vanessa Britten. -A suas ordens -disse Colt, inclinando a cabeça. Vanessa encontrou nisso estímulos para dizer: -Encantada, senhor Thuender. -OH, não gosta que lhe chamem senhor, Vã. Responde tanto a seu nome como a seu sobrenome. -Sem preferências? O que, estranho! -Mas a informalidade resulta muito agradável, verdade? tem-se a sensação de conhecer outro mais a fundo do que em realidade lhe conhece. -Com sua permissão, senhoras. Colt disse isso quando já se encaminhava para a saída, obrigando ao Jocelyn a plantar-se diante dele. -OH, não pode nos abandonar ainda. Tem que jantar conosco. -Por obrigação? Ela baixou os olhos antes de corrigir-se. -Queria jantar conosco, por favor? -Não revisto... -Ao menos, fique a tomar uma taça -insistiu ela-. Certamente tem... Não convinha mencionar a sede.- Temos xerez... Não, não acredito que isso goste. Vã, por que não encarrega ao Jane que procure alguma bebida mais forte no carro das provisões? -Não aprendeu ainda que não lhe convém ficar só comigo? 123

Jocelyn girou: Vanessa os tinha deixado a responder e a lapela da loja ainda tremulava. Estavam sozinhos, na verdade... no momento. -Retornará em seguida E... - Deu uma olhada aos olhos. Por Deus, outra vez esses olhos que lhe provocavam calafrios de excitação na pele, em que pese a ser tão inescrutável -E você ainda não aprendeu que não me deixo intimidar tão facilmente? -Você está louca, mulher... e sei o está procurando. Sim que o estava procurando, mas não no sentido que ele dava às expressão. Era possível que não se desse conta? por que se esforçava tanto por mostrar-se desprezível e ruim? "Porque em realidade é desprezível e ruim", sugeriu-lhe uma voz mental. Não, não estava disposta a acreditá-lo nem por um instante. Além disso, Sir George não se teria afeiçoado com um homem que fora cruel por natureza. -O que passa, Colt Thunder? - disse em voz baixa, lhe sussurrem, enquanto lhe buscava os olhos outra vez-, é que me sinto muito outra... -Jane virá em um momento. Disse-lhe que trouxesse a garrafa de conhaque antigo que conseguiu em... OH, perdão, Interrompo algo? perguntou Vanessa. Jocelyn se tinha ruborizado intensamente, mas conseguiu sacudir a cabeça, em tanto se afastava um pouco do Colt. -Não, absolutamente -balbuciou, sufocando-se com as palavras. Parecia-lhe incrível ter estado a ponto de lhe confessar a atração que por ele sentia. Isso não se fazia, simplesmente, sobre tudo quando o destinatário desses sentimentos não demonstrava os sua com nenhuma claridade. Por Deus, que mortificante teria sido ficar ao descoberto e que ele não reagisse! Ou pior ainda, que replicasse, por exemplo: “Esse é problema dele, não minha”. Na verdade, o problema era dela, mas por uma vez na vida não podia dedicar-se de cheio a resolvê-lo. -Alegra-me que haja tornado tão logo, Vã. Estava a ponto de perguntar ao Colt por que quis que evitássemos ontem essa cidade. A questão te interessava muito, verdade? -É obvio -replicou Vanessa, bem contra sua vontade. 124

Uma coisa era queixar-se ante Jocelyn pelo aparente rancor de seu guia; outra muito distinta esclarecer o tema com ele, sobre tudo considerando o pouco amável de sua atitude. Em realidade, a forma em que olhava a Jocelyn quando não lhe emprestava atenção... Por Deus, o que tinha passado aí em sua ausência? Os olhos do homem ardiam de paixão, mas que classe de paixão? Thunder não parecia ter escutado o diálogo, tão profunda era sua concentração no Jocelyn. portanto, Vanessa insistiu: -Existia algum motivo, né... Colt? Os olhos muito azuis giraram para ela, carregados de algo que só se podia descrever como impaciência. Mas os fogos tinham perdido vigor. Um momento depois voltavam para a duquesa, quase como se ele não pudesse impedi-lo. -Mantive-as fora do Benson porque o mais seguro é acampar a céu aberto, onde podemos ver chegar o inimigo. Em uma cidade não sabemos de quem nos cuidar, posto que nem sequer sabem como é esse inglês nem como são seus homens. Aqui, na planície, tudo o que se aproxime é suspeito. É a precaução mais singela de todas, duquesa: manter-se sozinho. Ali havia um dobro significado. Até a Vanessa o captou. Jocelyn preferiu ignorá-lo por completo. -Já vê, Vã, que havia um bom motivo. Mais ainda: Longnose está momentaneamente desorientado graças ao desvio que Colt decidiu esta manhã. Não poderíamos estar em mãos mais capazes, não te parece? Vanessa assentiu, mas ainda estava atenta ao Colt, vigiando sua reação. As antiqüíssimas táticas de Jocelyn eram impecáveis: fazia saber ao homem que sua companhia lhe era desejável; evitava timidamente seu olhar, como se não se atrevesse a lhe olhar por temor a que seus sentimentos ficassem ao descoberto, e agora recorria às adulações. Mas nada disso parecia dar resultados, ao menos quão resultados cabia esperar. Em todo caso, quanto mais agradável se mostrava a jovem, mais perturbado parecia ele. Acaso compreendia a situação, mas não queria jogar parte alguma nela? Ou eram seus atos os do homem que não crê poder alcançar o que deseja? Esse pensamento valia a pena, mas Vanessa não chegou a formulá125

lo por completo. perguntou-se se devia mencionar a possibilidade a Jocelyn. Não: era melhor deixar que a moça atuasse a seu modo. Além disso, não se podia obter confirmação sem uma pergunta direta. Jocelyn estava acostumado a ser muito franca com respeito a quase todos os temas, mas era de esperar que tivesse o sentido comum de não abordar esse. Não suportava pensar no escândalo que podia provocar-se. Nenhuma delas podia saber que Colt teria recebido de bom grau um pouco de franqueza, a essas alturas das coisas, pois ainda não compreendia absolutamente as motivações da duquesa. O último que lhe ocorria pensar era que ela pudesse lhe desejar, sabendo o que era. Mas o desejo que lhe inspirava lhe estava escapando das mãos. O estar tão perto dela não fazia a não ser piorá-lo. Tinha sido um grave engano entrar na loja, ainda sustentado por sua fúria. Agora que a fúria tinha desaparecido, precisava desaparecer quanto antes. Fez-o no momento em que a lapela da loja voltava a abrir-se e a criada entrava com o conhaque em bandeja de prata. -Senhoras.... -foi quanto disse como despedida, antes de partir. Mas ao passar arrebatou a garrafa à surpreendida mulher. Pelo menos, isso era um pouco de Jocelyn que poderia gozar sem remorsos. E essa noite o fazia muita falta.

Capitulo 18 Passaram vários dias sem que Jocelyn tivesse notícias do Colt, embora os outros lhe asseguravam que não lhes tinha abandonado. Simplesmente, desaparecia antes que ela despertasse e não retornava a não ser quando ela já estava deitada. Não era irracional preocupar-se com ele durante essas largas ausências, em tanto avançavam pelo que se tinha pelo coração mesmo do território índio apache; de qualquer modo, não era o habitual. Nesses três anos tinha tido muitos motivos para preocupar-se, mas da 126

morte do Edward era a primeira vez que o fazia por um homem em especial Por isso, quando Colt apareceu uma tarde e ficou à vanguarda da caravana, Jocelyn não foi a única que se perguntou qual seria a razão específica dessa atitude. Tipicamente, ele não ofereceu explicações. Obter informação espontânea do Colt Thunder era mais difícil que encontrar água nessa árida região. Se por acaso ela não tivesse adivinhado já que seus homens lhe tinham evidente antipatia, o fato de que nenhum deles lhe fizesse perguntas para apaziguar a curiosidade vinha a demonstrá-lo. Poderia havê-lo feito ela mesma. Bastava levantando um pouco a voz, posto que ela ia sentada junto ao condutor de sua carruagem, enquanto Vanessa dormitava dentro. Pensou-o dois segundos. Mas tinha visto a expressão do Colt ao aproximar-se e, francamente, parecia-lhe mais inabordável que nunca. Nesse momento não pôde deixar de experimentar certa apreensão, certo pressentimento de que algo ia ocorrer, sobre tudo ao ver a rígida postura do guia. Entretanto, passou meia hora mais antes que a tensa espera chegasse a seu fim. Na distância se elevava algo que só com muita generosidade podia denominar-se colina, e no alto do pequeno montículo havia seis cavaleiros. Os guardas do Jocelyn se detiveram assim que divisaram ao grupo, mas como Colt continuasse, ela indicou por gestos que todos deviam lhe seguir. Ainda não era possível identificar aos desconhecidos, que não se moviam; não faziam a não ser permanecer a lombo de seus cavalos, observando à caravana que se aproximava. Se era Longnose... bom, Jocelyn quase desejava que fora ele. Para utilizar uma das frases mais coloridas da região, esse “ajuste de contas” levava já muito atraso. Mas não teve tanta sorte. À medida que se aproximavam da colina foi ficando em claro que estavam ante autênticos índios norte-americanos. um pouco mais à frente compreenderam que não se tratava da variedade doméstica, posto que todos luziam muitas cartucheiras, já como cinturão, já em bandoleira. Entretanto, ainda não havia por que alarmar-se, posto que eram tão poucos. Seu guarda os dobrava em número. Mesmo assim, 127

Jocelyn não pôde menos que conter o fôlego ao ver que os índios descendiam de sua colina, lentamente e enfiados para o atalho pelo que avançava a caravana. Esta vez Colt reprimiu a seu cavalo. Quem lhe seguia lhe imitaram em seguida. Ao cabo de um momento, Sir Parker avançou até ficar a seu lado e ambos intercambiaram umas poucas palavras. Por fim Colt se adiantou para falar com os índios. Pearson, encarregado esse dia de conduzir a carruagem principal, inclinou-se para o Jocelyn para lhe sussurrar. -Eu acreditava que estes caipiras eram arqueiros consumados. Ela compreendeu imediatamente o por que desse comentário: não havia um arco nenhuma flecha à vista. -Estes são tempos modernos, senhor Pearson. Sem dúvida têm descoberto que o rifle é uma arma mais útil para matar... animais. -A caça não é muito abundante nesta zona. Possivelmente queiram comida ou algo assim? -Possivelmente, ou algum dinheiro como pedágio por cruzar seu território -respondeu ela, bastante aliviada-. Sim, é o mais lógico, verdade? por que outro motivo poderiam... estar...? Sua atenção se centrou imediatamente no Colt, que se tinha encontrado já com os índios e intercambiava com eles algumas palavras. A distância era muito grande como para que Jocelyn pudesse as ouvir. Só pôde sentir saudades pelo excessivo uso de gestos que utilizavam Colt e o chefe índio para dar ênfase à discussão. Por sorte não demoraram muito. Colt pôs a seu cavalo em direção contrária. Quando chegou até a carruagem, Jocelyn já tinha requerido ajuda e estava de pé no chão. Por desgraça, ele trazia uma expressão tão lúgubre que ela voltou a conter o fôlego. Colt a tirou do braço e se afastou com ela uns quantos metros. -Querem seu potro, duquesa -disse, sem preliminares. Igualmente direta, Jocelyn replicou: -Sir George não está em venda a nenhum preço. -Não hei dito que queiram comprá-lo. 128

-Mas... isso significa que exigem ao Sir George como pagamento por nos deixar cruzar seu território? -Não. Eles tampouco têm direito a estar aqui. São apaches renegados. -De esses que fazem incursões neste lado da fronteira? A maneira vacilante em que ela o tinha expresso esteve a ponto de fazer sorrir ao Colt. -Vejo que me compreendeu. Ao perceber sua condescendência, ela ergueu o queixo. -E se me nego a lhes entregar ao Sir George? -Não revistam pedir, a não ser tomar -replicou ele, paciente-. Viramnos ontem; poderiam ter feito o intento de roubar o potro ontem à noite. Acredito que lhes tomaram por gente do Oeste; por essa razão se mostram tão audazes. Estão seguros de que perderão a cabeça pelo medo e lhes darão o cavalo sem discutir. -Seriamente? -soprou ela. Esta vez Colt sorriu. -O que devo lhes dizer? -Isto é absurdo -manifestou Jocelyn, arrojando um olhar fulminante, sobre o ombro, para o grupo de índios que aguardavam-. O que podem nos fazer? Levamo-lhes uma vantagem numérica de três a um ou mais. E não preciso lhe recordar, Colt, que eu também sei disparar uma arma com destreza. Ele admirou sua coragem, mas em realidade ela não sabia a que se enfrentava. -Alguma vez matou a um homem, duquesa? -Não, por certo -declarou ela-. Mas não é necessário matar para desarmar a alguém. Disse-o com tanta confiança que ele não o pôs em dúvida. E trocou de enfoque. -me permita pôr as coisas em claro, duquesa. Você pode fazer que se vão com as mãos vazias. Irão-se, sim. Mas pode apostar seu bonito... a que voltarão com reforços. dentro de uns poucos dias, de uma semana, sem que você saiba quando. E então não haverá advertência, posto que eles levam 129

vantagem quando atacam de noite, enquanto quase todo o acampamento dorme. Quando o fizerem não quererão só o potro, a não ser tudo que têm, especialmente a vida de todos. -Não lhes entregarei meu potro sob nenhuma circunstância -afirmou ela, com teimosa determinação-. É o futuro de minha cavalariça. -Não acredito que você precise montar uma empresa para manter-se, verdade, senhora? Equivoquei-me ao supor que tem dinheiro em abundância, ao ponto de não lhe dar valor? A julgar por seu tom, estavam-se aproximando de terreno perigoso. -Por muito dinheiro que tenha a minha disposição, necessito algo que justifique minha existência, Colt. E isso é o que obtenho criando finos puro sangue. Por essa razão tinha permitido, depois de cumprir sua maioria de idade, que Sir George servisse às três éguas, caso que suas vagabundagens chegavam a seu fim. Grande equívoco. de repente lhe ocorreu outra solução. -E se lhes ofereço uma de minhas éguas? Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso: -Faria-o? -Eu não gosto da idéia, mas se isso impede que nos a ataquem mais adiante, farei-o, é obvio. Não quero arriscar sem necessidade os meus. Ele moveu lentamente a cabeça. -Não daria resultado. O chefe deste grupo pôs os olhos no potro. Com um cavalo assim veria aumentar tanto seu prestígio entre seus seguidores que está disposto a morrer para possuí-lo. Mas farei um trato com você. Se lucro que se vão sem que você perca nenhum de seus cavalos... -vai dizer me que há outra solução para este dilema e que você não a mencionou ainda? -Poderia dizer-se que sim. Mas não vou fazer o gratuitamente, duquesa. Isto lhe custará... -Está brincando! -protestou ela-. Com o que lhe pago! -...uma potranca de uma de suas éguas..., sempre que for seu potro o que as tenha servido. 130

Por um momento lhe olhou fixamente, surpreendida. Como podia saber que as éguas estavam gerando já seus futuros animais de cria, se estes não deviam nascer até a primavera? Mas mais ainda lhe assombrava seu descaramento. Não podia desfazer-se desses índios como parte de seu trabalho, não. Isso teria sido muito magnânimo. Condenado extorsionador! -É esse o trato? -perguntou, seca-. Se esses apaches se retirarem sem voltar a nos incomodar, você recebe uma potranca filha do Sir George? Ante o seco gesto de assentimento do Colt, acrescentou: -E como fará para que se vão? -Isso é meu assunto, duquesa. Aceita o trato? -Posto que não há alternativa... -Bem -interrompeu-lhe ele, já impaciente-. Faça que seus homens permaneçam aqui. Também lhe sugiro que você e as outras mulheres fiquem nos carros, sem olhar. Sem olhar? -Sem olhar o que? -interpelou ela. Mas Colt havia tornado já para seu cavalo. Não a ouviu ou não quis responder. De um modo ou outro, ela estava tão chateada que não repetiu a pergunta. Voltou lentamente para carruagem. ia reunir se com a Vanessa, que ainda devia estar dormindo, pois não tinha perguntado o porquê dessa detenção. Mas se deteve em seco, mais chateada ainda ao cair na conta de que estava fazendo exatamente o que Colt lhe tinha ordenado. Caminhou ao redor da carruagem até deter-se sob sua sombra. Ali poderia ver quanto demorava Colt em convencer aos índios. Para justificar o que estava cobrando, faria bem em dedicar a isso todo o resto da tarde. Mas logo que tinham acontecido um par de minutos quando Colt girou outra vez para a caravana. Jocelyn ficou rígida. Tão fácil? Grandíssimo oportunista bom para nada! Mas não: só havia percorrido a metade do trajeto, seguido por um dos índios. O aborígine desmontou ao mesmo tempo em que ele, a uns vinte metros de ambos os grupos. 131

De maneira que foram discutir o a sós. Muito bem. Jocelyn compreendeu que vantagem podia tirar Colt disso: provavelmente faria certas ameaças nada cavalheirescas. depois de tudo era muito mais alto que o apache e mais corpulento. Em realidade, o índio puro-sangue era mais baixo e fraco, ao extremo de parecer desnutrido. Entretanto não estavam discutindo. O apache deixou seu rifle; os joelhos ossudos apareciam entre as botas brandas e um pano amarelo que lhe pendia até o meio coxa. Levava além disso uma camisa de algodão solta, de mangas largas, comprada ou obtida por troca, e uma só cartucheira à cintura, em que trespassava um comprido adaga. Ao lhe ver desde mais perto, Jocelyn notou também que era muito mais moreno que Colt; o cabelo negro, muito mais curto, chegava-lhe apenas aos ombros, sujeito por uma vincha vermelha. Embora miúdo, lhe via claramente ameaçador, em tanto esperava que Colt lhe enfrentasse. Enquanto isso, o guia se estava tirando a jaqueta de pele. Jocelyn notou pela primeira vez que esse dia levava uma camisa também de pele, larga e por fora das calças, rodeada por um largo e complicado cinturão. Quando se voltou para pendurar sua jaqueta da cadeira de montar, viu-se que o peitilho Luzia uma espécie de desenho... Maldita distância! Parecia uma aplicação de contas brancas e azuis, mas não era seguro. Junto ao bordado, umas franjas muita compridos lhe caíam sobre a parte superior dos braços e descendiam pelas mangas até as bonecas; cada franja parecia ter uma conta costurada no extremo. A seguir ele se tirou o chapéu. Jocelyn ficou boquiaberta ao lhe ver dividir o cabelo em dois para trançá-lo a ambos os lados. Terminada a operação se tirou a pistolera. A jovem sentiu um primeiro estremecimento de alarme e deu um passo para frente, só para ficar imobilizada: Colt acabava de arrancar uma das franjas mais compridos para entregá-lo ao apache. Logo voltou as costas ao índio. Que diabos...? Um momento depois afogou uma exclamação, consternada. Não foi a única. Também seus guardas estavam murmurando entre si, perguntandose por que Colt permitia que o apache lhe atasse a mão direita ao cinturão, 132

por atrás, lhe deixando esse braço inutilizado. Um segundo depois descobriram a resposta. Os dois homens extraíram as adagas para um duelo primitivo. Colt tinha cedido ao outro uma grande vantagem, pois Jocelyn sabia que não era canhoto. Ambos tinham as adagas no punho, com as folhas para baixo, para cravar em vez de brandir. Entretanto os estavam brandindo. O apache foi o primeiro. Era ágil e veloz; decididamente, procurava matar. Mas também Colt fazia o mesmo. Ao parecer, o objetivo do combate era fazer farrapos ao competidor. Colt tinha o braço mais largo, mas essa era sua única vantagem. Sua desvantagem consistia em não contar com o braço direito para manter o equilíbrio nem para parar os golpes. Se caía... Jocelyn não quis pensar no resultado. Obviamente o apache também o compreendeu assim, pois detrás receber vários cortes no torso, sem poder acertar nenhum a sua vez, trocou de tática. Começou a saltar para o Colt, em vez de apartar-se dele, tratando de ficar a suas costas. Como isso não desse resultado, tentou lhe fazer tropeçar. Por fim Jocelyn saiu de sua horrorizada imobilidade e pôs-se a correr para eles. Sir Parker a deteve imediatamente. -Não deve ir, Sua Graça. Ele disse que se intervínhamos eles disparariam. -Mas é preciso detê-los! -Já é muito tarde. Esperemos que esses índios entendam algo de inglês, pois quando devermos tratar com eles, depois de... Calou ao ver que a duquesa tinha perdido a cor por completo. depois de que Colt morrera? Acaso todos pensavam que não tinha a menor possibilidade? Não, não morreria. Ela preferia lhes entregar ao Sir George. Mas era muito tarde. Quando olhou outra vez aos combatentes descobriu que Colt já tinha cansado, com o apache sobre ele. Jocelyn esteve a ponto de deprimir-se: jamais chegaria a tempo para impedir aquilo. Não podia fazer outra coisa que presenciá-lo tudo, como os outros, enquanto o 133

índio imobilizava a única defesa do Colt lhe sujeitando o braço armado com a mão esquerda e se preparava para lhe apunhalar com a direita. A jovem girou; não podia ver aquilo. Mas acabou dando o giro completo, pois tampouco podia deixar de vê-lo. E nesses poucos segundos Colt tinha obtido o impossível. Agora estava acima, com a faca contra o pescoço do apache. -O que aconteceu? Como foi? Sir Parker parecia aborrecido pela cena. -O índio não teve força suficiente para lhe manter o braço imobilizado. Thunder conseguiu levantar sua adaga para bloquear o golpe, seu adversário perdeu então a arma e também o equilíbrio, pois ainda tinha sujeita o punho de Thunder. Jocelyn começou a sorrir, mas aquilo ainda não tinha terminado. Ou sim? Colt se levantou pouco a pouco, estirou o braço para as costas para liberar sua mão direita logo ofereceu a esquerda a seu adversário, para lhe ajudar a levantar-se. De maneira que não tinha matado ao apache, embora a imobilidade do outro assim o tinha feito acreditar. Mas o derrotado rechaçou a ajuda e se levantou lentamente, para caminhar em linha reta para seu cavalo. Colt aguardou até que o apache se reuniu com seus companheiros. Quando todos se afastaram, voltou a montar e se reuniu com os veículos. Chateou-lhe notar que a duquesa ainda estava fora de sua carruagem. Quando se deteve seu lado, lhe olhou com preocupação, procurando sinais de sangue. Pareceu aliviada ao ver que não a havia, e isso lhe chateou ainda mais. Não queria que essa mulher se preocupasse com ele. Esse interesse pulsava como uma garra as cordas de seu coração, lhe fazendo sentir... caramba, só mais frustração, porque jamais seria dele. -Me alegro de que você não lhe matasse -disse ela, sorrindo. Esse sorriso provocou o mais carrancudo dos gestos. -Seriamente? Se tivesse sido um cheyenne teria tido que lhe matar, pois meu povo prefere morrer antes que confrontar a desgraça de uma derrota. Mas os costumes índios apaches diferem das meus em muitos 134

aspectos. Eles preferem viver para outro combate, de modo que lhe deixei ir. Com isso desapareceu o sorriso da moça. -E se preferia viver para tratar outra vez de apropriar-se do Sir George? -Não o fará. Disse-lhe que o potro era meu. A seu modo de ver, a única maneira de obtê-lo era me matar, e não pôde fazê-lo. -Isso significa que você... ele... Sir George teria tido que ... ? -Apertou os dentes por um segundo, muito agitada, esquecendo por completo seu enorme alívio ao lhe ver vivo e sem feridas. –me diga, por favor: o que teria passado se você tivesse perdido? Colt a enfureceu ainda mais sorrindo de orelha a brinca ao responder: -Isso não teria sido meu assunto, verdade, duquesa?

Capitulo 19 Vanessa deixou escapar um suspiro fatigado, ao ver pelo guichê que Jocelyn levantava uma grande nuvem de pó, exercitando ao Sir George. Já não se afastava a lombos do potro desde aquele encontro com os apaches. Vanna agradecia haver-se informado daquele episódio só de ouvidas, em vez de presenciá-lo. Em realidade, a duquesa oferecia uma imagem estupenda contra o vívido céu azul, pese ao estéril paisagem que a rodeava. Essa estéril paisagem se estava tornando depressivo, embora a Jocelyn parecia não afetá-la absolutamente. Em certa zona se viram rodeados de montanhas liláceas, mas tão afastadas que pareciam inalcançáveis. O habitual eram intermináveis extensões de chão plano e ressecado, sempre rachado; só algum cacto oferecia um pouco de verde; o resto, das matas de espinheiros até as mechas de ervas murchas, via-se banhado em prata sob o sol cegador. Choveria alguma vez nessa parte do mundo? Não tinha cansado uma gota desde que abandonassem essa cidade do Tombstone (lápide, nome muito apropriado), e em todo esse tempo só tinham visto um pequeno 135

curso de água: o arroio São Simón, que a essas alturas do ano era apenas um fio lamacento, a tal ponto que ninguém tinha podido pensar em banhar-se. Por sorte levavam tonéis com água; do contrário se teriam visto em apuros. Entretanto, Vanessa não emitia uma palavra de queixa desde aquela noite em que tinha protestado a propósito, só para assinalar a má disposição do guia. Para falar a verdade, não teria querido perder-se essa parte do país; podia ser desolada, tediosa e eternamente poeirenta durante o dia, mas ao amanhecer e no crepúsculo apareciam ali os mais esplêndidos estalos de cor. Às vezes o céu parecia envolto em chamas pela intensidade dos vermelhos e os amarelos. Logo aparecia a lua, com tão enorme pompa que parecia estar quase ao alcance da mão. Enquanto essa esfera resplandecente, monstruosa por seu tamanho, pendia sobre o horizonte, o céu se negava a enegrecer para que caísse realmente a noite; as fogueiras só eram necessárias para cozinhar e esquentar o ar. Jocelyn nunca deixava de sair, ao terminar cada dia, para presenciar esses espetáculos; mas ao mesmo tempo observava o acampamento, com a esperança de que aparecesse Colt Thunder. Este não se apresentava nunca. Continuava esquivando a todos, salvo a seu irmão, a quem dava as indicações gerais para cada jornada. A Vanessa a chateava imensamente ver a desilusão de Jocelyn quando terminava o dia sem que tivesse visto o guia, nem sequer de longe. Mas o que a tinha alarmado de verdade era ouvir Jocelyn descrever as emoções subjacentes que a jovem tinha experiente, sobre tudo ao acreditar que Colt estava a ponto de morrer. Era sua preocupação por esse norte-americano semi-selvagem que alarmava a Vanessa. Esses sentimentos podiam conduzir facilmente ao amor, embora a moça não o compreendesse assim. E essa não era uma eventualidade a considerar. Claro que ainda não tinha ocorrido; ao menos, Vanessa rezava porque não fora assim. Posto que Jocelyn seguia decidida a gozar desse fulano, a única maneira de impedir que o amor se intrometesse nessas relações era acabar de uma vez com esse defloramento, para que Colt Tlunder pudesse seguir seu caminho. 136

Mas para obter isso existia um grande obstáculo, descartando o fato de que Thunder estranha vez se deixava ver por ali. Dito simplesmente, ele era o único guia com quem podiam contar; enquanto não chegassem a algum sítio civilizado aonde pudessem substituí-lo, não havia mais meio que seguir com ele. Entretanto, ocorreu que o terreno desigual, combinado com a velocidade da viagem, tinham causado estragos nos veículos e nos animais. requeriam-se com urgência os serviços de um ferreiro, e havia trabalho suficiente para demorá-los vários dias... O guia já não podia evitar as cidades, mas tampouco havia cidade alguma que evitar. -Devo reconhecer uma coisa em seu favor -comentou Vanessa à manhã seguinte, quando entraram no Silver City-: ao menos não nos trouxe para uma população de uma só rua e um único hotel de quatro habitações... embora haja nos trazido a contra gosto. Jocelyn não se separou do guichê; contemplava com interesse essa nova cidade do oeste. -Sabe que tem razão quando trata de evitar as cidades, Vã. -Suponho que sim -reconheceu a condessa. Mas ainda a chateava o fato de que tivessem entrado em Novo o México vários dias antes, sem inteirarse disso. -Bem, poderia haver-se dignado nos informar que estávamos cruzando um novo território. Está segura de que nos avisará quando chegarmos a Wyoming? Ao perceber um dos tons mais secos de seu amiga, Jocelyn se voltou com um grande sorriso. -Como guia se desempenhou muito bem, não é assim? Sobre tudo, se tivermos em conta que nunca afirmou ser guia. chegamos até aqui sem sofrer percalços. E faz falta acrescentar que não lhe contratamos para que nos ajudasse a fazer turismo? -Agora que menciona para que foi contratado, acredito que deveria aproveitar nossa estadia aqui para levar a cabo esse assunto. Servirá de muito que tenha uma habitação para ti sozinha; pode aproveitar qualquer desculpa para ficar a sós com ele em sua habitação. Uma coisa levaria a outra e... 137

-Está esquecendo um pequeno detalhe -interrompeu-lhe Jocelyn, perdida o sorriso-: não gosta. -Eu não diria tanto, querida. -Eu sim. Fez todo o possível por demonstrá-lo. Não me encontra nada atrativa. Vanessa esteve a ponto de soprar, mas se contentou dizendo: -Tolices. Não te ocorreu pensar, menina, que pode sentir-se tentado, mas ao mesmo tempo acreditar que não deve solicitar favores amorosos a alguém tão importante como você? -Não é inglês, nem sequer europeu; não lhe interessam as diferenças sociais, Vã. Recorda o sermão que seu irmão espetou ao Sir Dudley sobre a importância que os norte-americanos dão à igualdade? -É certo, mas em seu caso se trata de um norte-americano de outra raça, que te desdenhou em público para proteger sua reputação. Esqueceste-o? Possivelmente me equivoquei ao utilizar o vocábulo "importante". Referia a alguém de você... cor. -Porque sou o que ele chama "uma mulher branca"? -Jocelyn afogou uma exclamação de tardio entendimento.- Bom Deus, crê que disso se trata? -Não me surpreenderia. Ao menos, isso explicaria por que se tomou tantas moléstias para te manter a distância... te assustando, por assim dizêlo. -Mas... como farei para sortear isso? -Boa pergunta. Ele já foi informado que sua condição de mestiço não te merece importância. portanto, pode que ele também tenha seus prejuízos, mas à inversa, coisa que sinceramente duvido. Ou talvez interpretou mal todas suas insinuações, simplesmente porque não crê possível que deseje a alguém como ele. -Eu não gosto de nenhuma dessas possibilidades, Vã disse Jocelyn secamente, em defesa do Colt. -Pois a segunda me parece muito provável. -Não posso acreditar que ele se tenha em tão pouca estima. 138

-Querida minha, não pode imaginar que tipo de vida levou nem que circunstâncias lhe têm feito tal como é. Suponhamos, sequer por um momento, que estou no certo. Se ainda não souber que lhe deseja o que corresponde é fazer saber. -O direi, simplesmente. -Não, nada disso! -replicou Vanessa, com horrorizada veemência.- De onde tira que minhas hipóteses são infalíveis? Não permitirei que te arrisque ao mais horrível dos escândalos, no caso de que eu esteja equivocada. Por outra parte... não viria mal que te mostrasse um pouco mais óbvia em questões de sedução. -Um pouco? Vanessa sorriu com ire conspirador. -Possivelmente uma de seus negligées francesas para lhe receber a sós em seu quarto? Acredito que com isso todo resolveria imediatamente. -Sim, violaria-me suciamente -replicou Jocelyn. -Bom, se for tomar essa atitude... -OH, não te zangue. -Jocelyn sorriu.- É uma boa idéia, embora não estou segura de que renda os resultados desejados. Ele me advertiu que não devo estar sozinha com ele. E quando não lhe empresto ouvidos fica furioso. -Mas se disso se trata, querida. por que te faria essa advertência, se não fora por seu próprio bem? Faz-o porque a tentação é muito grande e não pode resisti-la. A meu modo de ver, esse homem te deseja tanto como você a ele, se não mais. Se passas além de suas defesas, será teu. Ante essas palavras de fôlego, um comichão agitou o ventre do Jocelyn. -Espero que não te equivoque, Vã. "Também eu, queridíssima", respondeu Vã, mas só para seus adentros.

Capitulo 20 Essa noite, enquanto aguardava a que Colt chamasse a sua porta, Jocelyn não podia estar-se quieta. Esta vez ele não poderia negar-se a acudir. depois de tudo, trabalhava para ela. E Jocelyn tinha uma legítima desculpa para lhe fazer chamar: devia lhe perguntar quanto faltava para 139

chegar a Wyoming. Ao tomar a decisão de ir lá, não se tinha detido a considerar onde ficava esse sítio nem quanto tempo se demorava para chegar. Vanessa se tinha queixado de que viajariam durante semanas inteiras, mas sem dúvida era uma brincadeira. A verdade era que nenhuma delas tinha ouvido mencionar Wyoming antes que Billy Ewing o nomeasse; só sabiam que estava "no norte". Silver City, segundo o empregado do hotel, encontrava-se na metade sul ocidental de novo o México; posto que se aproximavam os meses de inverno, o tempo e a distância que faltassem começavam a preocupar ao Jocelyn, que devia instalar-se em algum sitio antes que a suas éguas chegasse o momento de parir, na primavera. portanto, contava com uma boa desculpa para exigir a presença do Colt. E se ele cometia a grosseria de fazer algum comentário sobre seu leve traje, também haveria uma desculpa para isso: o tardio da hora, a fadiga causada pelo comprido viajem e a hipótese de que ele não demoraria para chegar, posto que lhe tinha feito chamar horas antes. Em realidade, logo que acabava de despachar ao Pearson e ao Sidney para que lhe buscassem e enviassem a seu quarto. Vanessa tinha exigido que a cena estivesse completamente preparada de antemão, no caso de Colt era encontrado imediatamente. Jocelyn não achou faltas nesse raciocínio nem no clima que seu amiga lhe tinha ajudado a criar. A cama algo revolta, como se Jocelyn já tivesse estado nela; tudo os abajur apagados, salvo uma, e até essa com a mecha baixa. Mas o toque final era ela mesma, banhada, perfumada e envolta em um reluzente cetim, tão fino que resultava indecente a mais não poder. Por sua parte, não teria escolhido essa negligée em especial, mas cedeu ante a opinião da Vanessa, quanto mais experimentada nesses assuntos. Era nova, criação de uma costureira francesa descoberta em Nova Iorque. Tinha-a encarregado por capricho, depois de conhecer o Charles Abington, quando a idéia do casamento apareceu em sua mente pela primeira vez. A cor, verde lima, era quase igual ao de seus olhos; o objeto era a imagem da simplicidade: franzida nos ombros, rodeada à cintura e aos quadris, sem adornos e com um decote tão baixo que o tecido só lhe cobria os peitos 140

enquanto se mantivera erguida. cobria-se com uma bata de mangas largas, do mesmo tecido, bordada com encaixe branco; esse objeto não tinha um só broche, sequer um laço com que fechar-se, posto que sua finalidade não era ocultar a camisola, a não ser emoldurá-lo provocativamente. O toque final era sua cabeleira, lavada e escovada até que seu brilho rivalizou com o do cetim. Deixou-o solto, para que flutuasse sobre as costas ou os ombros, acorde com seus movimentos. -Assim o levava quando te conheceu, mas recorda o que te digo advertiu Vanessa, depois de dar a última escovada a esses flamígeros mechas-: esta noite não resistirá a tentação de tocá-lo para ver se queima. Mas Jocelyn não se sentia tão segura; recordava os dedos do Colt enredados a seu cabelo, lhe provocando dor. junto com sua excitação nervosa experimentava certos temores. Mas como seu desejo do Colt Thunder era inegável, estava disposta a arriscar-se a tudo, com a esperança de que essa noite ele se comportasse de modo diferente a outras ocasiões em que tinham estado sozinhos. Essa noite ele seria o gentil amante com quem sonhava desde que tinha tomado essa decisão, poucas horas depois de lhe conhecer: seria ele quem lhe ensinaria a fazer o amor. Se permitia que se interpor a incerteza, jamais teria valor para lhe abrir a porta quando ele chamasse. Enquanto esperava, não podia evitar um coice ante o mais leve ruído, sobre tudo à medida que os minutos se convertiam em horas e a cidade ficava em silêncio. Sem dúvida os serventes não conseguiam lhe encontrar. Ela haveria de prevenir tal coisa. Mas algum deles lhe acharia e ele acudiria imediatamente. Em qualquer segundo... Isso se repetia, uma e outra vez, aumentando sua agitação não pouco a pouco, a não ser bruscamente. Caminhava até a janela para contemplar o teto inclinado do alpendre; logo voltava para a cama, onde tinham posto seus próprios lençóis de seda. Ali tratava de sentar um momento, mas ao cabo de alguns segundos estava outra vez de pé, aproximando-se do grande espelho, que lhe devolvia uma imagem totalmente estranha. davase palmadas nas pálidas bochechas para lhes infundir um pouco de cor e 141

voltava a caminhar para a porta, alerta ao passo que pudessem aproximarse; para a janela, para recomeçar todo o processo. Por desgraça, a habitação não era muito grande, embora lhe haviam dito que era a mais espaçosa de todas. O hotel tinha só dois pisos com quartos, de modo que não tinha podido albergar a todo seu cortejo; alguns se hospedavam na casa de pensão, rua abaixo; outros tinham preferido permanecer nos veículos. Como não era possível dispor de todo um piso para ela sozinha, havia um guarda apostado junto a sua porta, mas não lhe ouvia um só ruído. Se Colt não aparecia logo, ela ficaria convertida em um molho de nervos. Desse modo não poderia lhe convencer de que lhe surpreendia lhe ver ali, de que tinha estado “dormindo”. Condenado homem, porquê demorava...? Quando por fim ouviu tocar à porta, teve a sensação de que o ventre lhe caía vários centímetros. ficou com a vista cravada na porta, imobilizada por uma total falta de compostura, por não mencionar o valor. E quando a porta se abriu inesperadamente, deixando passo a Vanessa, seu alívio foi enorme. -Sinto muito, querida -disse a condessa em um sussurro, antes de fechar. Logo acrescentou, com voz mais normal, embora causar pena-: Procuraram-lhe por toda parte: nas outras pensões, nos botequins, em... né... os estabelecimentos menos decorosos. mostra-se tão elusivo como durante a viagem. Nem sequer seu irmão lhe viu desde que chegamos à cidade. -Não importa, Vã. Passaremos aqui uns quantos dias. Amanhã o tentaremos outra vez. -Está-o tomando muito bem. Eu estaria enlouquecida, depois de tantos preparativos... -Que preparativos? -Jocelyn sorria de puro alívio-. Não posso dizer que tenha passado horas me vestindo para um baile. Só me preparei para me deitar... -Preparou-te para receber a um homem, que não é o mesmo, por certo. -Mas a condessa acrescentou, sapiente:- Foi muito terrível esperar? 142

-Espantoso. -Jocelyn se pôs-se a rir-. A espontaneidade tem muito a seu favor. -Mas muito mais vantajosa é uma sedução bem planejada -replicou Vanessa-. Recorda que provou a espontaneidade sem resultados. -É certo. Bom, o intentarames outra vez a seu modo. Talvez seja mais fácil com a prática. pôs-se a rir uma vez mais, pelo simples prazer de recuperar a normalidade de seus sentidos. Mas em sua gargalhada havia uma nota discordante, como se a desilusão estivesse ali e ela a ignorasse deliberadamente. Vanessa, suspeitando-o assim, tomou as coisas à ligeira. -Talvez amanhã nos ocorra uma estratégia melhor. depois de tudo, uma cama branda e uma habitação privada são maravilhosas para a inspiração, a diferença das lojas, que têm olhos e ouvidos, ou o ar livre. -Fez uma careta e acrescentou, com desgosto:- Direi-te algo: não convém pular ao ar livre, embora uma cria gozar de completa intimidade. -Diz-o por experiência, certamente! -Naturalmente. Além dos horríveis insetos, a quem adoram a pele nua, alguém está a mercê do clima. Nesta zona do país, o que há é pó, pó e mais pó para estender a manta. E te direi um segredo, querida: por muito grosa que seja essa manta, sempre haverá um calhau, um palito ou algo assim bem debaixo de suas costas, para te arruinar o humor. Além disso, tem que lutar com as bestas selvagens. -Bestas selvagens, Vã? -exclamou Jocelyn, com uma risada. -Bom, uma vez topei com um coelho. Mas pensei que se tratava de meu chefe de jardineiros. Quase morro do susto. Jocelyn estalou em uma gargalhada. -Agora sim que exageras. -Casualmente falo muito a sério. Temi que o pobre homem morrera da impressão. -depois dessas amalucadas festas de fim de semana? Contaste-me que a metade dos casais que se perdiam em seu labirinto estavam casadas com 143

a outra metade. Depois de ter presenciado tantas aventuras ilícitas, seu chefe de jardineiros não devia assustar-se ante nada. -Ocorre, querida, que meu amante desses momentos era seu arrumado filho. -Ah... -Já vê. olharam-se segundo meio antes de rir ao mesmo tempo. Quando Jocelyn recuperou o fôlego sorriu a seu amiga com carinho. --Obrigado. Estava-me tomando esta sedução muito a sério, não? -Um poquito. Ele é só um homem que vai fazer te um serviço necessário, querida... se não ter trocado de idéia. Agora que voltamos para algo que pode passar por civilização, poderia procurar a outro. -Não. Colt segue sendo... -Não se diga mais. -Vanessa suspirou para seus adentros, mas replicou, decidida: -Se, é a ele a quem quer, ele será. Mas não esta noite. Anda, te deite. -Já não lhe buscam? -A estas horas já não teria sentido. Não, hei dito a quão serventes podem deitar-se. Que desfrutes de um comprido sonho. Se seu mestiço for tão apaixonado como suspeito, amanhã não poderá dormir muito. -Sempre que lhe possa seduzir. -Com essas armas a sua disposição? -observou Vanessa, percorrendo a seu amiga com o olhar. E fechou a porta detrás de si, muito sorridente.

Capitulo 21 Pela janela aberta chegava o ruído das botas que repicavam brandamente pela calçada de em frente. de repente, o sussurro sobressaltado, apenas audível: -Santo Deus, o susto que me deste, filho! 144

Mas não houve resposta, e o repico das botas assumiu um ritmo ainda mais enérgico. Uma rã armava estrondo com seu coaxar; era um som distante, que só se ouvia quando o pianista de um botequim, rua abaixo, tomava um descanso. Também a música soava longínqua; o pianista era bastante bom e seu piano tranqüilizava em vez de perturbar. de vez em quando se ouvia uma gargalhada, mas não tão potente para manter acordados aos habitantes da cidade. Por certo, Jocelyn não podia culpar de sua insônia a esses ruídos apagados. Tendo em conta as muitas vezes que se viu despertada em meio da noite pelo agudo gemer dos coiotes ou por algum de seus guardas, que tropeçava com a estaca de uma loja ao patrulhar o acampamento e o anunciava com um palavrão, esses notamos sons da cidade eram aprazíveis. De qualquer modo, não a adormeciam. Tinha tratado (mas ainda estava muito nervosa) de pensar no que poderia ter ocorrido essa noite e de analisar seu alívio pelo fato de que nada tivesse passado. Chegou à conclusão de que essa sedução deliberada não correspondia a seu estilo. Teria que dizer-lhe a Vanessa embora a desiludisse. provavelmente, seu amiga se dormiu planejando a estratégia para o dia seguinte. Jocelyn renunciou ao sonho e afastou os lençóis. O quarto estava muito escuro, pois a lua se levantava por detrás do hotel e sua única janela dava à frente. De qualquer maneira, sua vista se adaptou à escuridão e pôde acender o abajur. Baixou a mecha, para que desse apenas um leve resplendor, o suficiente para procurar sua bata e aproximar-se da janela sem inconvenientes. Ao abrir as cortinas ficou desiludida, pois não havia nada que ver. O claro de lua era tão intenso que as sombras por ele criadas resultavam negras como o peixe. O telhado do alpendre estava em sombras; o corrimão do bordo, que sustentava o letreiro, lhe impedia de ver a rua. A lua revelava com claridade os edifícios de em frente, pelo menos em sua metade superior, mas não havia janelas iluminadas que atraíram sua atenção. 145

O que precisava era dar um comprido passeio para cansar-se. Estava segura de que o guarda apostado ante sua porta não teria inconvenientes em acompanhá-la, mas lhe impediu de fazê-lo o pensar na indignação que mostraria Sir Parker à manhã seguinte, se ela se aventurava a sair com um mínimo de amparo. Suspirou, chateada consigo mesma, chateada com o Colt, chateada com seu apuro. Se não tivesse sido pelo Longnose teria podido sair a passear. Se tivesse sabido onde estava Colt, a caminhada não teria feito falta. Se não lhe desejasse, nada lhe importaria e o sonho viria com facilidade. Maldição! Como se atrevia esse homem a desaparecer assim? E se tivessem tido que partir apressadamente? Era uma possibilidade muito real, a julgar pelas muitas vezes que se obrigaram a fazê-lo no passado. Mas se estava mostrando irracional. Colt patrulhava os arredores todos o dias; se Longnose estava perto, ele não teria deixado de inteirar-se nem de dar aviso. Provavelmente, o inglês seguia procurando seu rastro no Arizona. E para ser franco, o que a mantinha desvelada era a possibilidade de que Colt estivesse na cama de outra mulher. De nada servia continuar assim. Daria esse passeio como fora; já teria tempo para preocupar-se com o Sir Parker. Mas no momento em que se separava da janela ouviu um golpe no corredor: surdo, mas bem audível, como se... como se alguém tivesse cansado ao chão. Cravou a vista na porta; logo, em seu bolso, que estava ao outro lado da habitação, e soube sem lugar a dúvidas que não teria sorte: antes que pudesse jogar mão de sua pequena pistola, a porta já estaria aberta. E essa arma só servia a curta distância. Devia tê-la na mão e esconder-se depois da porta para esperar. Mas um segundo olhar à porta revelou que o pomo já começava a moverse. Sem pensá-lo duas vezes, desprendeu-se pela janela até baixar ao telhado do alpendre. Por fortuna, o pendente não era muito pronunciado. Mas ali acabava sua boa sorte. Muito tarde, compreendeu que quem se estava introduzindo em sua habitação, em metade da noite, não deixaria de olhar fora da janela quando a encontrasse vazia. 146

Veria-a sem lugar a dúvidas, apesar das sombras. Mas se arriscaria a despertar a toda a cidade com um disparo? O mais provável era que esperassem encontrá-la na cama, dormida, onde poderiam eliminar a de muitas maneiras silenciosas. atreveriam-se a segui-la pelo telhado? Teria devido pedir auxílio a gritos. Com um bom grito podia afugentálos, provavelmente. Mas seu traje, essa maldita negligée que nada escondia, fez-lhe fechar a boca por um momento. Não aguardou a que alguma cabeça aparecesse pela janela. O extremo do telhado estava a um par de metros de distância, posto que só o banho separava seu quarto do final do edifício. Tinha mais possibilidades de não ser vista se caminhava rapidamente até ali e se desprendia do telhado, em vez de tratar de alcançar a janela vizinha, com a esperança de que estivesse aberta, posto que de onde estava não podia sabê-lo. Como o corrimão que coroava o telhado por diante não se prolongava pelos lados, não teria que franquear nenhum obstáculo. Bastaria deslizando-se pelo bordo no ponto mais baixo, sujeitar uma das colunas com as pernas e deslizar-se a terra, simplesmente. Depois, uma louca carreira. até a parte traseira do hotel, onde funcionavam os estábulos, e estaria a salvo. Ali havia alguns guardas deles. Se tinha que acontecer a humilhação de que a surpreendessem em camisola era preferível que tudo ficasse em família, por assim dizê-lo. Isso foi exatamente o que fez, até enquanto o pensava, embora não tinha contado que o impulso ganho no correr para a esquina do teto a estrelasse contra o corrimão antes de poder deter-se. Não se deu tempo a recuperar o fôlego. Deslizar-se para baixo foi singelo, pois os curtos postes do corrimão lhe brindavam algo a que sujeitar-se até que pudesse encontrar a coluna de abaixo com os pés. Mas ali lhe acabou a sorte. Balançou as pernas de um lado a outro sem encontrar mais que o ar, Tardiamente, compreendeu que tinha contado com que todos os tetos do alpendre teriam colunas de sustento. Do que outro modo se mantinham esses malditos telhados? E nesse caso, onde estava esse condenado poste? O mais importante, posto que não estava ali, era saber a que distância estava do chão. Endiabrada sorte, por que não tinha reparado nesse tipo de coisas ao 147

entrar no hotel? Recordava que havia uns poucos degraus da rua até o alpendre, diante do edifício, mas isso era tudo. Não tinha idéia da altura em que estava suspensa; Não sabia se o alpendre se estendia mais à frente do extremo do edifício ou se ali só estava a rua, com o qual a distância entre ela e o estou acostumado a seria ainda maior. Jogou uma olhada para baixo, mas não viu mais que sombras. Talvez poderia mover-se pelo fronte do telhado, em busca desse elusivo poste, mas já lhe doíam as mãos de suportar seu peso durante esses poucos segundos. Era preferível deixar cair de ali, antes de perder todo o domínio; se caía mais adiante, talvez caísse sobre o traseiro e não sobre os pés. Mas não conseguia reunir a coragem necessária para soltar-se. ia dando procuração dela um pânico insidioso, que piorava momento a momento, añadiento a cada instante vários centímetros à distância entre ela e o chão. Acabou imaginando ali abaixo um grande abismo sem fundo. Demorou vários segundos em notar que já não estava sujeita só pelas mãos, que havia uns braços lhe rodeando as pernas para sustentá-la. Ao mesmo tempo ouviu uma voz suave, lenta e familiar, que dizia: -Solte. O fôlego que tinha reunido para um alarido ensurdecedor escapou na forma de um comprido suspiro. soltou-se. Tal como se tinha arrojado a seus braços da carruagem, o dia em que se conhecessem, confiou em que Colt a depositasse no chão sã e salva. Mas não foi igual. Esta vez terminou envolta entre seus braços. E esta vez ele não a afastou imediatamente de si. Um comprido silencio se estirou entre eles, enquanto ela tratava de divisar suas feições entre as sombras. Fracassou. Não conseguia imaginar por que ele estava exatamente ali quando lhe necessitava. E no momento não podia decidir-se a perguntá-lo. O silêncio se quebrou com bastante sarcasmo por parte do Colt. -me permita adivinhar: você tem aversão às portas, verdade? Enquanto o dizia a depositou no chão, embora sem afastar a dele. Pelo contrário, reteve-a aferrando-a pelos antebraços. Para sustentá-la? Ela preferiu acreditar que o fazia para não quebrar ainda o contato. Por sua 148

parte, tampouco desejava quebrá-lo. Por fim sua pergunta penetrou no purê que enchia sua mente. Então esqueceu o agradável, que tinha sido estar em seus braços e recordou, em troca, o motivo de que estivesse ali. Apressadamente, explicou: -Havia alguém... Ouvi um ruído no corredor... e minha bolsa estava muito longe, não podia alcançá-lo... Vi que se movia o pomo... O que outra coisa podia fazer? De algum modo ele as compôs para entender o principal: -Quer dizer que alguém tratou de entrar em seu quarto, duquesa? -Tratar, não. A porta não estava fechada com chave. Não esperei a que se abrisse, mas não tenho dúvidas de que alguém entrou. -E seus guardas? -Havia um sozinho. E temo que possam lhe haver matado. O ruído que ouvi.... Não lhe deu tempo a terminar, mas a soltou para lhe pôr um revólver na mão. Tampouco perdeu tempo em lhe explicar o que devia fazer com ele. -Não se mova daqui -foi quanto disse. -Mas aonde vai? Estúpida pergunta, posto que ele já tinha saltado para aferrar-se ao teto do alpendre e, em questão de segundos, desapareceu ali acima. Jocelyn contemplou a rua deserta, o sombreado alpendre do hotel (ali se encontrava, pois a elevação coberta se estendia, sim, mais à frente do edifício) e o revólver que tinha na mão. Não se parecia em nada a sua pequena pistola: era pesado e de canhão comprido. Jocelyn não tinha usado nunca esse tipo de armas; tampouco estava segura de poder fazê-lo agora, com os dedos ainda doloridos por ter estado pendurando do teto. Ao cabo de alguns segundos mais, a arma se tornou muito pesada para seu braço; sustentou-o contra o corpo enquanto esperava, olhando para o extremo do teto. Logo que chegava a divisar as banguelas restos do poste que em outros tempos se levantou na esquina, onde ela esperava encontrálo; pelo visto, quebrado-se em algum momento, sem que o repor. sentiu-se melhor ao comprová-lo; ao menos não tinha sido completamente estúpida 149

ao improvisar seu plano. Mas agora que estava em terra não lhe ocorreu continuar com ele; não pensou correr para o estábulo para estar a salvo. Colt lhe havia dito que não se movesse dali. E ali esperou.

Capitulo 22 O quarto não estava deserto. Nele havia dois homens, dedicados a revolver os baús da duquesa, jogando sem nenhum cuidado seus vestidos e pertences ao chão. A gente tinha encontrado um joalheiro e estava tratando de abrir a fechadura com uma pequena faca; o outro, de joelhos, tinha a cabeça sepultada no arca maior. Nenhum dos dois emprestava atenção à janela, por onde Colt entrou silenciosamente. Só vigiavam a porta, com olhadas nervosas de vez em quando. Tudo acabou em poucos segundos. Pesada-a tampa do baú descendeu contra a cabeça do homem, no momento em que este se levantava com algo no punho. E o pé do Colt fez contato com a mandíbula do outro... o qual foi um engano. Com o pé palpitante, soltou uma corrente de palavrões por não ter utilizado a faca, que tinha preparado na mão. Mas já não fazia falta; os dois assaltantes estavam deprimidos. Mancou com desgosto até a cama, onde se sentou a inspecionar seu pé. Mas assim que se sentou, o perfume do Jocelyn lhe atacou por surpresa, lhe obrigando a levantar-se com outra série de maldições. Nesse momento estava tão furioso que teria podido degolar aos dois homens, mas se impôs a prudência. Não era culpa deles que Colt tivesse passado a metade da noite de pé na calçada de em frente, com uma garrafa de mau uísque, olhando fixamente a janela da duquesa, como um parvo apaixonado, submerso em cinco ou seis fantasias que podiam fazer-se realidade se decidia a fazer uso dessa janela aberta. Fez falta uma verdadeira batalha com sua consciência para não cruzar essa rua. Por isso lhe punha furioso que, pese ao triunfo de sua consciência, estivesse de qualquer modo ali, no quarto dela, inflamado pelo fato de que a mulher lhe esperasse abaixo. 150

Existia uma leve esperança de que ela não estivesse ali, de que tivesse procurado imediatamente ao resto de seus guardas para lhes informar do ocorrido. Mas quando voltou a sair e descobriu que lhe tinha obedecido, ao menos tinha posto freio a sua lascívia e dominava seu gênio. -Já pode entrar, duquesa. Milagrosamente, sua voz soou quase agradável ao chamá-la. Ela não podia saber que seu tom era forçado. -Não havia ninguém em meu quarto? -Não hei dito isso. Tinha um par de visitantes, Mas foram liquidados. Espero-a no corredor. -Não, espere! -pediu ela, em um sussurro frenético-. Não posso passar pelo vestíbulo. E se alguém me vê vestida assim? Colt a olhou do teto, alegrando-se de que a sombras não lhe permitissem distingui-la com muita claridade. De maneira que se envergonhava de ser surpreendida em camisola? Mais deveria haver quão preocupado ele a visse assim, não um empregado de hotel, meio dormido. -lhe gosta de paquerar com o perigo, não? Ela entendeu aquilo completamente ao reverso. -Não há tanta altura. Não poderia estirar as mãos e me levantar? Em um comprido momento não viu a não ser sua sombra. Tampouco chegou sua resposta. Levantando a cabeça, nervosa, perguntou-se que problema havia, se acaso ele não tinha escutado sua petição. Não seria a primeira vez que a içava assim. Aquela primeira vez a tinha tirado da carruagem sem muita dificuldade. E ali a altura não era muito major. No momento tinha tido sorte: ninguém a tinha visto, esperando no extremo do alpendre. Colt logo que tinha demorado uns minutos em "liquidar" aos intrusos. estremeceu-se, perguntando-se o que significaria isso. Mas não podia seguir esperando indefinidamente. À medida que desciam para o norte, as temperaturas tinham ido descendendo gradualmente; agora se notava uma marcada diferença de temperatura depois do anoitecer. E essa noite era decididamente fria; ao menos, isso lhe parecia com traje tão escasso. Sentia calafrios do momento em que se dissipou seu medo. Não poderia passar muito tempo ali. 151

-Colt? Esta vez não se incomodou em sussurrar. Se ele havia tornado a entrar para esperá-la no corredor, como havia dito, seu chateio seria grande, em que pese a que ele acabava de.... do que? De salvá-la outra vez? Em realidade, ela não sabia o que tinha feito. E não saberia enquanto... A mão apareceu tão bruscamente que ela deu um coice. De maneira que tinha estado todo o tempo ali, depois de sua pergunta. Não era bom momento para lhe arreganhar por fazê-la esperar, enquanto decidia se lhe tender uma mão ou não. Em realidade não podia lhe arreganhar por nada, a menos que estivesse disposta a lhe dar uma desculpa para renunciar ao trabalho. E não estava disposta, não. Além disso, não ignorava até que ponto carecia Colt de tendências cavalheirescas. Não seria ela quem esperasse lhe fazer trocar de costumes nesse momento só porque se encontrava em um alpendre, tremendo de frio, e não gostasse de apresentar-se meio nua em um vestíbulo bem iluminado. Primeiro lhe entregou o revólver, que ele embainhou rapidamente antes de voltar a lhe estender a mão. O problema era que ela não alcançava seus dedos, nem sequer erguendo-se nas pontas dos pés. ia dizer mas teve a sensação de que não podia pedir mais; ele não baixaria essa mão um centímetro mais, embora pudesse fazê-lo. Por algum motivo não queria ajudá-la a subir a esse coberto. Mas ela era mais tal astuta que Colt. Conseguiu-o no primeiro salto: seus dedos se enlaçaram aos dele. Mas assim que os pés ficaram balançando no ar começou a deslizar-se. Estava a ponto de gritar, esperando uma dura aterrissagem sobre o traseiro quando se sentiu içada um poquito mais. A outra mão do Colt a agarrou pelo braço. Isso de pendurar de um só braço lhe provocou uma pontada dolorosa no ombro, mas não teve tempo de queixar-se: um segundo depois estava acima, sentada no bordo do teto. Dadas as circunstâncias, entretanto, não se sentia inclinada a dar obrigado, sobre tudo porque um puxão insistente a obrigou a levantar-se imediatamente. 152

Uma vez mais, esteve a ponto de lhe arreganhar, mas um seco: "Vamos, maldição" obrigou-a a lhe seguir, apertando os dentes, até chegar à janela. Ali se apresentou outro inesperado problema. As mãos do Jocelyn, estiradas para cima, chegavam apenas ao parapeito. Com o que seus braços tinham suportado essa noite, não poderia levantar-se até passar por essa janela. Detestava pedi-lo, mas não havia remédio: -Por favor, teria a gentileza de me ajudar uma vez mais para que possa subir? Ela não viu os olhos do Colt, que descendiam por seu corpo até o sítio que provavelmente teria que tocar para impulsioná-la para a janela. Sua virilidade, já meio excitada pela proximidade da moça, entrou em estado de alerta. Não havia modo algum de lhe pôr as mãos no corpo sem fazer mais que isso. Tampouco se sentia capaz de agachar-se junto a suas pernas para lhe fazer um estribo com as mãos sem perder o controle. Já era mais que suficiente. -Por nada do mundo, duquesa -respondeu asperamente, com decisão. Também Jocelyn perdeu o controle a essas alturas. -Pois o sinto muito, mas não posso subir sozinha. Doem-me os braços, estou congelada e cansada... Acredita que escapei pela janela e me desprendi do telhado só por diversão? -Em metade da noite, mulher. Quem demônios está levantado esta hora? -Você -replicou ela, muito digna-. E esses senhores que entraram em minha habitação. E como posso estar segura de que não haja alguns mais esperando no vestíbulo? Tinha muita razão, mas de qualquer modo ele não estava disposto a apoiar as mãos nas proximidades desse glorioso traseiro. -Está bem, com exceção de se -cedeu a contra gosto. E se impulsionou para dentro pela janela. Era justamente o que ele queria evitar: entrar outra vez em seu quarto, estar ali com ela... a sós. Até o momento de conhecê-la-se tinha acreditado capaz de suportá-lo tudo: dores, torturas, tentações... Céus, se até esse 153

sádico do Ramsay lhe tinha açoitado sem poder lhe quebrantar. Mas essa pequena ruiva se aproximava muito a lhe vencer sem sequer fazer o intento. E nem sequer podia culpá-la por isso. Não, ele sabia exatamente quem tinha a culpa: isso que estava dentro de suas calças. A luxúria estava convertendo sua vontade em objeto de brincadeira; rasgava seu orgulho e fazia pedaços sua auto-estima. Mas se tratava de algo que nunca até então lhe tinha dominado; por isso não sabia como lutar. Só sabia que nunca tinha desejado nada como desejava agora a essa mulher. E cada vez que a via sua necessidade parecia aumentar. Isso bastava para que a gente queria degolar-se. Com asco contra si mesmo, tirou-a das mãos e atirou dela até o parapeito da janela, o suficiente como para que pudesse subir o resto por si mesmo. Logo girou em redondo e se encaminhou para a porta, decidido a sair dali antes que ela acabasse de entrar. Mas a duquesa, obviamente, não estava disposta a que a deixasse assim, medeio dentro e meio fora. -Colt! -gemeu. Ele não se deteve. -Se tiver que tocá-la outra vez, duquesa, lamentará-o de verdade. -O fato de que você tenha podido fazer isto se nenhum esforço não significar que... OH, está bem, não importa! Jocelyn baixou a metade superior do corpo até que seu peso a fez cair para frente, dentro da habitação embora de uma maneira ignominiosa. Não perdeu um segundo em corrigir sua pouco graciosa entrada. levantou-se imediatamente. Comprovou que ele não estava olhando, mas isso não a serenou. Pelo contrário, o lhe ver alargar a mão para o pomo da porta foi a gota que transbordou o copo. -Você é o mais azedo e mau educado que... Por Deus! -exclamou, ao ver a desordem que reinava entre suas coisas-. Que diabos aconteceu aqui? Pensavam que estava oculta em algum dos baús? Ante isso, Colt se deteve. O tema não oferecia perigo e ela tinha direito ou seja. Além disso, entre ambos se interpunha todo o largo do quarto. Mesmo assim, não quis correr o perigo de olhá-la, agora que já não 154

estavam as sombras para ocultá-la. A desordem que ela contemplava atraiu também sua atenção, como se não o tivesse visto até então. Buscavam a você, duquesa. -É obvio que sim. Só Longnose... -Esta vez não. Seu Longnose não nos alcançou ainda. Quando chegar, eu me inteirarei. Ela não pôs em dúvida tanta certeza. Sabia que Colt passava todos os dias de viagem explorando em amplos círculos a seu redor. -Quais eram, pois? -Um par de ladrões, provavelmente da zona. O guarda apostado ante a porta pode havê-los atraído. Nove vezes de cada dez, quando uma habitação necessita mais segurança que uma fechadura e uma chave, é porque dentro há algo que se pode roubar. Lhe olhou imediatamente, recordando o golpe que tinha ouvido no corredor. -Robbie? Está...? Não pôde terminar, temerosa de que, se Colt não a olhava, era porque o corpulento escocês tinha morrido. Mas ele esclareceu coisas, embora sem olhá-la. inclinou-se para recolher uma parte de seda que havia a seus pés e ficou olhando a fina cinta azul, como se aquele objeto fora o mais estranho que tivesse visto em sua vida. -Seu guarda foi golpeado por trás. Pela manhã terá uma espantosa dor de cabeça como conseqüência de seu descuido, mas nada mais. Suponho que um deles lhe distraiu um momento enquanto o outro lhe deixava sem sentido. A estratégia está acostumada dar resultados quando se trata de um só homem. -E os dois bandidos? -Quer que lhe dê os sanguinários detalhes? -Colt! havia-se posto pálida, mas ele não o viu. Foi o silêncio seguinte a essa indignada exclamação o que lhe fez ceder. -Receberam tão somente quão mesmo tinham dado. Mas tive que cortar uma de suas anáguas, duquesa, para atá-los e arrojá-los assim ao 155

corredor. Farão companhia a seu Robbie. Supus que a você não incomodaria. Não acredito que se movam até a manhã, mas de qualquer modo terá que substituir ao guarda. que venha pode vigiá-los até que os possa entregar ao delegado. -Houve uma larga pausa. Por fim Colt acrescentou:- Você deveria estar melhor protegida. Habitualmente assim era, mas essa noite se apresentaram circunstâncias especiais; essa noite ela tinha planejado receber a um visitante do que ninguém deveria saber. Se tinha permitido que Robbie montasse guarda ante a porta, era só porque Vanessa lhe acreditava capaz de calar tudo o que visse. Mas a nenhuma das duas lhe tinha ocorrido acrescentar outro guarda ao trocar as circunstâncias. Recordar esse plano foi um verdadeiro golpe. Em realidade, estava-se cumprindo. Colt estava ali, em sua habitação. Estavam sozinhos. E tudo tinha ocorrido sem planejá-lo, de modo que ele não podia suspeitar de seus motivos. Por Deus, se até estava vestida para seu papel. E já não sentia o arrependimento de ter projetado deliberadamente a sedução. O que ocorresse... antes que seu coração pudesse acelerar-se com esse pensamento, Jocelyn compreendeu que nada ocorreria, porque Colt não a tinha olhado uma só vez desde que estavam nessa habitação, logo que iluminada. Compreendeu que não a olharia. E esteve a ponto de rir. Se lhe obrigava a olhá-la, isso equivaleria a tratar deliberadamente de lhe seduzir. Era preciso aceitá-lo. Essa noite, fatalmente, não seria "a noite". -Se pus só um guarda ante minha porta foi, indiretamente, por culpa sua, Colt. Sorriu ante o dobro significado que ele não podia captar. Ao ver que ele ficava rígido, apressou-se a esclarecer: -Indiretamente, hei dito. Desde que você forma parte do grupo, sintome tão segura que me descuidei quanto às medidas de precaução. Além disso, pensei que os homens mereciam ter uma noite livre. -De que diabos lhe serve ter um exército ao redor, se não o utilizar para que a cuidem, sem ter em conta seus próprios desejos? lhe tocava agora falar com secura. 156

-Tem você muita razão. fui uma estúpida ao depender de você, tão hábil para o resgate, só porque lhe vi exibir sua capacidade tão bem e com tanta freqüência. -Estúpida, sim. Era o cúmulo. Não a olhava sequer para lhe gritar. -Boa... noite, senhor Thunder. Fervendo por dentro, viu-lhe alargar a mão fazia o pomo da porta. Esta vez saiu com uma portada.

Capitulo 23 Assim que ficou sozinha, Jocelyn se arrancou a bata, fez-a um novelo entre as mãos e a jogou em seus pés. Também teria querido pisoteá-la. Esse miserável, detestável... -E quando demônios pensa jogar chave a esta condenada... porta? A “condenada porta” em questão foi aberto outra vez, para que Colt lhe grunhisse essa pergunta. Jocelyn não respondeu. ficou-se sem fôlego ante esse brusco reaparecimento e parecia ter esquecido como se respirava assim que seus olhos tropeçaram com ele. De falar se lembrava muito menos. Colt parecia ter o mesmo problema, pois logo que tinha conseguido pronunciar a última palavra. Permanecia ali, com uma mão no pomo da porta e a outra apertada à parede exterior, inclinado para o interior do quarto. E não abandonava essa posição; ao menos, com o corpo. Seus olhos, pelo contrário, moviam-se por cada centímetro do Jocelyn, percorrendo a cabeleira de fogo, agora em desalinho, até tocar a ponta dos pés descalços que apareciam sob o arena dessa incrível túnica de aderente cetim verde. E o que havia no meio... Deus Todo-poderoso! Ao vê-la assim teria devido ficar reduzido a cinzas. -Muitas vezes me perguntei... o que usava você para dormir. 157

Jocelyn não teria sabido o que responder a isso; de qualquer modo, não podia dizer uma palavra. Logo que tinha conseguido voltar a respirar, e isso com dificuldade. A fala lhe era ainda inalcançável, tanto como o movimento. Tinha medo de dar um passo, pois sentia que os joelhos não a sustentariam. E não era seu único temor. Os olhos do Colt, habitualmente tão opacos, ardiam agora com tanto calor que ela se sentiu chamuscada, comovida até o inconcebível... mas também temerosa. Não podia evitá-lo; recordava que ele nunca tinha sido suave com ela. E nesse momento estava muito longe de parecer suave. Sem afastar os olhos dela, Colt deu um passo para o interior, o suficiente para fechar a porta a suas costas. Também fez girar a chave, sempre com o olhar fixo no Jocelyn. Se ela não tivesse adivinhado que já acabou a espera, nesse momento o teria confirmado. Mas sabia. Ele ia fazer a sua. Não seria possível negar-se embora quisesse. E não queria. Desejava-o, apesar do medo, em que pese a saber que receberia uma grande paixão e não um suave amor. Não teria podido dizer por que isso não a fazia trocar de idéia, por que não fugia outra vez pela janela. Só sabia que ele devia ser o primeiro; não imaginava a ninguém mais tocando-a como ia deixar se tocar por ele. Sua paixão em florações e a decisão nervosa não eram tão marcados como seu medo, e isto último foi quão único Colt percebeu nela, quão único leu em seus olhos dilatados. Com um efeito primitivo, isso não fez a não ser lhe inflamar ainda mais. Mas no fundo de sua mente tinha consciência de que ela não tinha instigado esse encontro, que só sua própria debilidade seria culpado se lhe linchavam depois. Teria sido um verdadeiro cretino se tivesse utilizado agora as mesmas táticas que antes para afugentá-la. Posto que tinha perdido a batalha, não tinha necessidade delas. Mas sim precisava jogar limpo, sobre tudo porque ela não podia lhe deter sem ajuda. Por isso, em que pese a sua decisão, obrigou-se a lhe brindar uma última oportunidade de escapar ao que já não podia impedir. 158

-Grite agora, duquesa, enquanto tenha tempo. Não terá outra oportunidade. Jocelyn teria desejado que ele não dissesse semelhante coisa. Soava muito ameaçador, como se fora a sucumbir nesse encontro, como se estivesse completamente equivocada quanto ao que estava a ponto de ocorrer. -Por... por que? Sua voz atuou como um ímã que lhe atraiu através da habitação, enquanto respondia com brutal claridade. -Porque vou te deitar nessa cama e a enchê-la com minha carne. Por Deus, que assim fora! Bastaram essas palavras para lhe fazer voar o sangue, para que o coração lhe golpeasse contra as costelas. Não pensou sequer em gritar. Em gemer sim, talvez. Já sentia a necessidade de gemer e teve que resistir a isso a plena vontade, por não fazer nenhum ruído que ele pudesse interpretar equivocadamente antes que estivesse a seu lado. Quando ele esteve ali a oportunidade se perdeu para sempre. Imediatamente lhe enlaçou os dedos na cabeleira para lhe sujeitar a cabeça e incliná-la para trás, aplicando suficiente pressão para que não pudesse escapar da boca que baixava para cobrir a dela. Tal como Jocelyn esperava, foi um beijo devastador, carregado de uma necessidade contida muito tempo, lhe queimou completamente. Mas Jocelyn compreendeu a emoção que escondia, ou acreditou compreendê-la. Se Vanessa estava no certo, Colt devia estar furioso com ela por ter permitido que isso ocorresse. lhe correspondia domesticar essa fúria antes que se desbocasse por completo. Puxou desesperadamente contra seu peito até que ele levantou a cabeça. Até deixou cair uma mão, para que ela pudesse criar um espaço entre ambos, a outra mão permaneceu onde estava, enredada a sua cabeleira. Enquanto ela não tratasse de afastar-se muito, não doía. Mas ele poderia imobilizá-la em qualquer momento; só estava deixando acontecer um momento para que ambos recuperassem o fôlego. Ela estava ofegando; em vez de acalmar-se, não fez a não ser acelerar a respiração ao ver que aqueles olhos lhe percorriam o corpo, bebendo-o 159

tudo ao mesmo tempo, a tão pouca distância. Quando quis dizer algo, algo que servisse para romper a tensão que lhe acumulava no ventre, ele soube sem levantar a vista e o impediu de movendo a cabeça. -Já não, duquesa. -Em sua voz vibrava a advertência. Já passou a oportunidade. Ela tragou saliva com dificuldade, e só porque os olhos do Colt continuavam em outra parte conseguiu pronunciar: -Nesse caso, me chame Jocelyn. Nesse momento Colt compreendeu que ela estava bem disposta. Olhou-a à cara para confirmá-lo. E ali estava: nem medo, nem horror, nem sequer desgosto: só incerteza e... excitação. Isso atuou nele como o uísque derrubado sobre as chamas. Com um grunhido, alargou uma mão tremente para lhe tocar a bochecha, deslizou-a por seu pescoço e a deixou descansar no peito, onde podia sentir o ritmo selvagem de seu coração. Jocelyn deixou escapar um suspiro, segura já de que não havia nada que temer. Ofereceu-lhe a boca e ele tomou exquisitamente, com pressão suficiente para avivar seu desejo, mas não tanta que a alarmasse ou a machucasse. Logo ela se estreitou contra ele e tratou de lhe envolver com seus braços. Então descobriu que, se a selvageria tinha desaparecido, sua impaciência seguia intacta. Colt queria tudo de uma vez: tocá-la, olhá-la, saboreá-la. Queria estar já dentro dela. Ao mesmo tempo, não queria renunciar ao prazer de sua boca. Por isso, sem deixar de beijá-la (o qual se converteu em uma exploração sensual de sabor e textura), enganchou os polegares nos estreitos suspensórios de sua camisola. Quando suas mãos desceram pelos braços de Jocelyn, o objeto ficou pendurando da cintura; só então sentiu a tentação de retirar para trás, mas o que viu não fez a não ser acrescentar sua impaciência. Ela tinha peitos pequenos, mas de forma perfeita; os mamilos eram pontudos, sem que ele os houvesse sequer tocado. Tão surpreso ficou que a olhou aos olhos. Então se levou outro sobressalto. A incerteza tinha desaparecido. Lhe sustentou o olhar com calma, e havia em suas pupilas um desejo tão nu que ao Colt custou afastar a vista. 160

-Deseja-me. -Disse-o com respeito quase religioso, sem dar-se conta de que falava em voz alta, até que a ouviu sussurrar: -Sim. E sentiu suas mãos no peito, tratando de desabotoar a camisa. Suas próprias mãos voltaram a concluir rapidamente o que tinham iniciado, mas não teve mais sorte que ela com os botões. A camisola não passava mais ali do quadril, e Jocelyn estava muito ansiosa por lhe tocar a pele nua para pensar em lhe ajudar. -Há uma cinta atrás -revelou, para lhe ajudar. -Importa-te? -Não. Um leve puxão rompeu a atadura. O objeto se converteu em um atoleiro a seus pés. Ele a afastou para poder observá-la enquanto tirava a roupa; o incentivo acrescentou eficiência a seus movimentos. Ela também queria lhe olhar, sem perder detalhe desse corpo sobre o que tanto tinha fantasiado. Mas o pequeno espaço que havia entre os dois lhe provocou um súbito acanhamento, lhe fazendo cobrar aguda consciência de sua falta de experiência. Não sabia o que se esperava dela a essas alturas, se acaso se esperava algo. Seria grosseiro lhe olhar? Não devia lhe despir, como tinha feito ele? Ou correspondia ir diretamente à cama para lhe esperar ali? Seria vergonhoso que ele tivesse que indicar-lhe - Eu colocarei lá, como eu disse. Contra sua vontade Jocelyn girou para a cama, mas um sussurro meio rouco a deteve. -Quero te pôr eu mesmo ali. Isso a levou a recordar as palavras exatas: que ia encher a com sua carne. A mera lembrança dessas palavras teve o poder de lhe debilitar os joelhos. Cedeu a alegremente a seu primeiro desejo: satisfazer sua curiosidade com respeito ao corpo do Colt, em especial sobre aquela misteriosa parte da forma masculina que até então não tinha visto nunca. Vanessa tinha tratado de lhe explicar como era; até lhe tinha esboçado alguns desenhos ridiculamente divertidos, mas que não se pareciam com a realidade. Ou talvez se? O só pensá-lo fez que lhe desse voltas a cabeça; por 161

não fazer algo realmente tolo, como jogar-se sobre ele, obrigou a seus pensamentos a tomar outra direção. Na verdade não tinha visto o que tinha posto ele essa noite, mas foi reparando em cada objeto à medida que foram caindo ao chão. A camisa e as calças eram escuras, mas normais para variar. Em realidade, o cinturão com pistolera e o lenço que levava a pescoço (Jocelyn viu que o cortava com a faca em vez de desatá-lo) assemelhavam a qualquer outro habitante do oeste. Só faltavam as botas com esporas e, por essa noite, o chapéu. Mas então viu as duas finas tranças adiante. fundiam-se tão bem com o resto do murcho cabelo negro que quase não se viam, ao menos com tão pouca luz. Billy lhe tinha falado desse capricho do Colt: vestia-se desse modo para que ninguém tomasse pelo que não era. O moço não lhe havia dito o motivo, mas ela suspeitava que se relacionava com a amargura que tinha sentido naquela Colt primeira vez, não com o orgulho que lhe inspirasse sua raça... Teria querido conhecer a causa, pois de repente caía na conta, com notável surpresa, de que tênia o forte desejo de lhe liberar dessa amargura, de lhe ver feliz. Entretanto, imediatamente se levou outra surpresa. distraiu-se tanto que tinha perdido a oportunidade de lhe ver em toda sua esplêndida nudez. Compreendeu-o ao sentir-se levantada em velo, e então gritou, sem pensar: -Espera! -O que acontece? -grunhiu ele. “Idiota! Não pode lhe dizer que quer lhe ver a...” -Nada. -Me alegro, porque não posso esperar. Sem mais pausa, ele a levou diretamente à cama e a depositou ali. Imediatamente se tendeu sobre ela. antes que Jocelyn tivesse tido oportunidade de adaptar-se a esse peso desconhecido, sentiu que lhe abria as pernas com os joelhos. Mas o mais chocante foi compreender que ele não ia esperar um minuto mais. Embora não o tivesse visto, já o sentia: a carne com a que desejava enchê-la. E isso ia ocorrer imediatamente. 162

Tratou de resistir, de preparar-se, mas lhe sujeitou as mãos, tornandoa mais frenética... até que a beijou profundamente, lhe fazendo sentir sua urgência, fazendo que lhe desejasse. Um momento depois a olhou com paixão tão feroz que Jocelyn nem sequer teve consciência daquela primeira tentativa de penetração. O que notou foi a retirada. Isso, e o segundo embate, com o que avançou apenas dois centímetros mais. -Por Deus, que estreita é -grunhiu ele, como se sofresse-. Acredito que poderia passar o resto da vida dentro de ti, mas neste momento te desejo muito. te abra a mim, duquesa, antes que eu morra. Disse-o lhe roçando apenas os lábios com os seus. Ainda não a chamava por seu nome, mas agora para que seu título nobiliário soasse como um carinho. Mas foi o gemido do Colt, quando ela obedeceu a indicação, o que provocou um som igual em sua própria garganta. Ele tinha penetrado um pouco mais, mas não o suficiente. Jocelyn podia perceber o que lhe estava custando esperar a que o corpo feminino se ajustasse a seu tamanho, em vez de limitar-se a empapá-la. Todo seu torso estava tenso e duro, mas os olhos continuavam hipnotizando-a com sua intensidade. -Será um rodeio duro. Pode suportá-la? Jocelyn tragou saliva, mas assentiu. Como recompensa, recebeu um sorriso de flagrante satisfação masculina. -Já imaginava -acrescentou ele, com voz tensa-. Três anos, não? Ela compreendeu a que se referia. Outros homens, rechaçados por ela, tinham insinuado que, em sua viuvez, devia estar faminta de sexo. Colt teria sua resposta muito logo. -Não é meu assunto, verdade? -Essa vez não lhe deu oportunidade de responder.- Não importa. Não quero me inteirar. Jocelyn não reparou em seu áspero tom; tampouco soube que ele, ao imaginá-la assim com outros homens, tinha perdido todo desejo de conterse para lhe facilitar as coisas. Colt fechou os olhos e puxou profundamente. Ouviu a aguda escamação da moça, sentiu a barreira que acabava de rasgar e ficou quieto como a morte. Jocelyn também estava tensa, aguardando as inevitáveis pergunta. 163

Não as houve. depois de um momento lhe torturem, ele começou a beijá-la, lhe lambendo os lábios, incitando-os a abrir-se para ele; deslizou a língua em sua boca, para enlouquecê-la um pouco com selvagens sensações que a percorriam, com seu embriagador sabor. E suas mãos a acariciavam. Agora se mostrava tão incrivelmente tenro que sentia vontades de chorar. Da bochecha até o pescoço, até os peitos, seus dedos eram muito suaves, quase muito suaves, até que a boca seguiu o mesmo atalho, banhando a de calor. O roce de sua língua contra os sensíveis mamilos a fez gemer de prazer. Quando ele sugou, Jocelyn teve a sensação de que ia morrer. Os olhos lhe encheram de lágrimas; embalou-lhe a cabeça contra o seio. sentia-se querida, preciosa e muito desejada. sentia-se formosa a seus olhos, algo que nunca antes havia sentido. E enquanto isso ele atendia seu corpo com delicioso cuidado. Algo quente seguia muito dentro dela, quieto, paciente, mas palpitando com a necessidade que ela desejava desesperadamente agradar. Quando ele voltou a mover-se, muito depois, já não havia dor. A dor havia desaparecido desde aquele primeiro beijo. E Colt fazia que seu desejo aumentasse até um nível tão febril que em poucos momentos se dissolveu em uma maré de sensações ao vermelho vivo. Através dessa névoa de prazer, apenas lhe ouviu alcançar sua própria culminação. ficou dormida antes que pelo corpo do Colt, passasse o último estremecimento.

Capitulo 24 -Maura, a irmã, é encantadora -estava dizendo Vanessa, enquanto deixava o fio verde e tomava o vermelho, para seu bordado-. Acredito que você gostará. Tem mais ou menos sua idade, e morre por ver esses figurinos de modas que compramos em Nova Iorque. Disse-te que daí vêm? Até conhecem o Charles. Ao menos, ouviram nomear aos Abbington. -Está segura de que Robbie está bem? 164

Vanessa não levantou a cabeça, mas sim os olhos, e suas sobrancelhas se uniram suspicazes no meio. Essa pergunta tinha sido formulada e respondida... duas vezes. -Em realidade, a moça é bastante audaz, não tão polida como seu irmão. -Que bem. A condessa deixou cair o bordado no regaço, com um suspiro de exasperação. -ouviste sequer uma palavra do que hei dito, Jocelyn? Eu-ju.... Joce-lyn! -cantarolou. A jovem se apartou apenas da janela, frente à qual tinha passado a última hora. -Dizia algo, Vã? Com forçada serenidade, a condessa respondeu: -Estava-te falando dos Dryden. -De quem? -Jocelyn Fleming! supõe-se que hoje deve estar radiante, não distraída. O que te passa? Jocelyn voltou a olhar pela janela, passando por cima a censura, mas não a pergunta. Na verdade, o que lhe passava? por que não podia deixar de pensar na noite anterior, de perguntar-se onde estaria Colt? Uma vez mais, era impossível lhe encontrar. Pela manhã cedo, conforme lhe haviam dito, estava esperando à substituição do Robbie; pelo visto, ele mesmo tinha montado guarda durante o resto da noite. Mas em seu quarto ou no corredor? Ao despertar, Jocelyn tinha achado a habitação vazia; dois largos cabelos negros, no travesseiro, eram o único sinal de que Colt tinha estado ali. Bom, em realidade havia outro sinal: as manchas de sangue seca na parte superior das coxas. Mas quando se partiu? E por que sem dizer nada? Vanessa chegou cedo, cheia de preocupação, depois de ter visto os dois ladrões levados a rastros ante as autoridades locais. Quis saber em todos os detalhes a pequena aventura do Jocelyn fora da janela, e também o que 165

tinha ocorrido depois. Também se mostrou muito aliviada ao saber que a projetada sedução tinha tido lugar, ao fim e ao cabo. -Então, não há necessidade de continuar viagem até Wyoming, verdade? Nem de seguir empregando ao senhor Thunder. Para ouvir isso, Jocelyn se sentiu estranhamente despojada. Insistiu em assegurar que os serviços do Colt eram muito necessários, embora só fora para conservá-la sã e salva. Assinalou as muitas vezes que ele tinha ido a resgatá-la. Assinalou sua habilidade para impedir que Longnose descobrisse o novo rumo que levavam. E se por acaso isso fora pouco, anunciou que era em Wyoming onde tinha decidido instalar seu criadouro de cavalos. Vanessa, prudente, não disse mais, embora Jocelyn tinha sentido por então sua desaprovação e ainda a sentia. Até chegava a compreendê-la, sabendo que a seu amiga a preocupava a possibilidade de que se formasse um vínculo completamente inadequado com o Colt. -Indevidamente, o primeiro amante é especial –lhe havia dito meses antes, ao decidir ambas que Jocelyn necessitava um-. O importante é recordar que é só o primeiro e não confundir uma simples e saudável atração com o amor. Ao recordar agora essas palavras, Jocelyn tratou de analisar seus sentimentos, mas só achou confusão, inquietação com respeito a seu próximo encontro com o Colt e sobre tudo, um perdurável assombro porque o ato de amor fora tão mais satisfatório do que ela tinha imaginado. Jogou uma olhada a seu amiga sobre seu ombro, revelando uma parte dessas sensações. -Sinto muito, Vã. É que foi... foi... -Sei -Interrompeu Vanessa, com um bufo-. Foi tão maravilhoso que não tem palavras para descrevê-lo. -Bom, é certo -replicou a moça, à defensiva. -portanto, devemos a nosso azedo guia nossa eterna gratidão, verdade? -continuou Vanessa, com seu tom mais seco-. Sobre tudo, porque poderia ter ocorrido justamente o oposto, tratando-se de um temperamento tão imprevisível como o seu. E ainda poderia ocorrer, se 166

cometesse a tolice de procurar outra vez suas cuidados. -Então suavizou a voz para expor sua verdadeira preocupação:- O que experimentou, querida, pode-se gozar com qualquer homem. Mas seria preferível, além de menos perigoso e muito menos preocupam-se para mim, que o experimentasse com um amante do que não devesse temer um estalo de violência em qualquer momento. Sugiro-te que procure a outro para lhe demonstrar isso E logo, antes que converta a este no que não é. Jocelyn estava acostumado a deixar-se guiar pelos conselhos da Vanessa, mas neste caso não eram necessários. Sua busca de amante tinha uma só finalidade, e essa finalidade estava cumprida. Não precisava levar a outro homem a sua cama; nem sequer ao mesmo Colt. Vanessa se estava alterando por nada. Mas não poderia convencê-la. -O que dizia dos Braden? -perguntou em tom simpático, mas deliberado. -Os Dryden -corrigiu a condessa, recolhendo a indireta que lhe sugeria abandonar momentaneamente o tema-. Dizia-te que esta manhã os conheci no vestíbulo. Dois irmãos muito interessantes. poderia dizer que são uma variedade americana da nobreza rural empobrecida. A má sorte que padeceram desde que seus pais morreram, asseguro-lhe isso, faz que alguém se considere afortunada de ser perseguida só por um assassino. -Não vejo onde está a graça, Vã. -Suponho que não a tem, mas na verdade me comoveram. -Contaram-lhe toda sua história ali, de pé no vestíbulo? -Em realidade estávamos sentados e acredito que me contaram uma versão muito abreviada. Com uns poucos investimentos equivocados, os recursos da família desapareceram. Então decidiram reunir o que ficava e vir ao oeste para começar de novo. Acredito que Milhares mentiu algo sobre comprar um rancho. -Milhares? Refere-te ao senhor Dryden? Chama-lhe Milhares depois de uma só conversação, mas continua chamando “senhor Thunder” ao Colt. -Não troque de tema, querida -replicou Vanessa, sem deixar-se intimidar-. Como te dizia, sua sorte piorou quando chegaram a Novo o México. A diligência em que viajavam foi assaltada por alguns malfeitores, 167

que mataram a um dos passageiros. Esse mesmo dia, na mesma diligência, note, foram atacados por índios. foram tirar lhes o couro cabeludo... -O que é isso? -Algo desagradável que fazem os índios, suponho. O caso é que chegou a cavalaria, que tinha estado perseguindo a esse grupo, e os salvou. depois de todo isso, é compreensível que tenham trocado de idéia com respeito ao projeto de instalar-se aqui, mas lhes inspira muito medo ter que viajar outra vez em diligência. De modo que estão estados %parado nesta cidade. Naturalmente, senti-me obrigada a lhes oferecer nossa escolta. -Parece-te prudente? depois de tudo, não sabe deles mais que o que lhe contaram. O irmão poderia ser... -Posso te assegurar que ainda não estou envelhecendo de velhiceinterrompeu Vanessa, indignada-. Sir Parker verificou a história. Vivem neste mesmo hotel há três meses. E Milhares Dryden tem uma irmã, querida, uma irmã. Se nosso Longnose tiver uma, não a estaria arrastando consigo, não te parece? -Não quis dizer que pudesse tratar do mesmo Longnose, mas poderia ter sido contratado para... OH, não importa. -Logo, com súbita suspicacia: Por acaso, é arrumado? -Não me olhe assim. Na verdade, é bastante atrativo. Isso não significa que eu pretenda te distrair com ele, para que esqueça a seu mestiço. -Não, certamente -replicou Jocelyn, chateada, pois era óbvio que isso procurava seu amiga. Não sabia dissimular, ao menos ante ela. Era hora de lhe dizer que suas maquinações não tinham sentido, com a esperança de que lhe acreditasse. -Não quero repetir o de ontem à noite, Vã. -Ele já sabe? -Virtualmente, o homem foi violado... -O que? Jocelyn fez um gesto indiferente. -O princípio é o mesmo. Terá que lhe obrigar, não? Pode dizer que foi seduzido, que lhe fez perder o domínio de si, para que seus instintos mais baixos cobrassem força e ele não pudesse resistir. Parece esquecer que ele 168

não queria saber nada comigo. Fui eu quem lhe perseguiu, não ele a mim. portanto, dificilmente quererá que se repita o de ontem à noite, Vã. Em realidade, surpreenderia-me muito que não estivesse furioso e decidido a não voltar a encontrar-se nessa situação. -Quando o dado está jogado, querida, as atitudes trocam. Uma vez cometido o pecado, a gente tende a repeti-lo antes de arrepender-se. -Duvido que isso se possa aplicar ao Colt. Além disso, hei dito que não tenho intenções de que isso se repita. Meu problema está resolvido. Já não necessito de nenhum amante. “Isso diz agora, porque foi plenamente satisfeita faz poucas horas”, pensou Vanessa. Mas não fez notar que a “necessidade” do Jocelyn seria logo de um caráter muito distinto nem que o corpo, uma vez provados os prazeres da carne, tende a exigir mais do mesmo. O que disse foi: -Se ele te desejar outra vez, querida, não acredito que possa decidir a respeito. Essa predição provocou um pequeno revôo no estômago do Jocelyn, mas o ignorou tercamente. -Nesse caso me assegurarei de não ficar nunca a sós com ele. Pode deixar de preocup... -Madame! -Babette acabava de irromper, tão excitada que não se incomodou em golpear. -Alonso insiste em que lhe diga, que monsieur Thunder está a ponto de bater-se a duelo na rua. Que você quereria sabêlo. -Bater-se como? Vanessa estalou a língua. -Acredito que se refere ao que essa chapeleira do Tombstone chamava “ajuste de contas”, querida. Recorda o que presenciamos... Jocelyn, não te atreva A...! Mas a duquesa já tinha saído correndo.

Capitulo 25 169

De pé ante o comprido mostrador, Colt acabou o uísque que tinha no copo e se serve lentamente outro, da garrafa que tinha arrebatado ao taberneiro momento antes. Esse era o terceiro botequim a que entrava desde que saísse do hotel, essa manhã. Segundo toda lógica, já teria devido estar ébrio, mas não: tinha as vísceras muito cheias de fúria como para que o uísque atuasse. Procurar briga era algo que também tendia a lhe manter sóbrio a um, e não se podia negar que ele a tinha estado procurando. Como nos dois primeiros botequins não tinha provocado mais que olhadas sombrias, tinha provado nessa... e dado no branco. Mas não era o branco que desejava. Necessitava uma mole em que descarregar sua irritação, não um convite a fazer voar umas quantas balas. Por desgraça, o único que tinha objetado sua presença com certa belicosidade vocal era um jovem que se considerava muito rápido com o revólver. O fora ou não, Colt não tinha dúvidas de poder lhe vencer. Eram os calados os que ofereciam motivos para preocupar-se, não os exibicionistas. De qualquer modo, tudo teria terminado se o taberneiro não tivesse insistido, armado de um rifle, em que saíssem à rua a liquidar suas diferenças. Colt proclamou que antes queria terminar sua taça. Riley, como lhe chamavam seus amigos, mostrou-se magnânimo, posto que seu desafio tinha sido aceito, e saiu para esperar na rua. O moço era, ao parecer, um profissional. Ainda em fraldas, mas já pistoleiro a salário. Trabalhava para um mineiro local, que tinha tido alguns problemas com ladrões de minas. Nos seis meses transcorridos desde que chegasse à cidade, já tinha matado a dois homens, ferido a vários mais e obrigado aos outros a lhe abrir espaço. dizia-se que o mineiro não sabia como desfazer-se dele, agora que já não lhe necessitava. Colt averiguou todo isso apoiando-se nos fragmentos de conversações sussurradas a suas costas. Também muitos comentários desatinados sobre ele mesmo, mas nada que não tivesse ouvido antes. Lhe tinham aplicado quantos insultos existiam; portanto, tinha que estar de muito mau humor 170

para ofender-se ante os palavrões que os brancos resmungavam quase por instinto quando viam um índio. Isso era o que tinha estado procurando: esses insultos. Por certo, seu humor era bastante mau. Mas essas gente, tão ao sul, não sabiam como lhe classificar. Tomavam por mestiço, mas nunca tinham visto nenhum tão alto, de aspecto tão ameaçador nem com semelhante Colt no quadril. Esse tipo de coisas fazia que alguém o pensasse duas vezes antes de abrir a boca... a menos que um fora um jovem com ilusões de onipotência e uns quantos êxitos subidos à cabeça. Colt já tinha feito esperar uns dez minutos a seu adversário; por isso os clientes que ainda permaneciam no botequim foram perdendo a desconfiança. Riley gritou: -Que esperas, mestiço? Acaso essa pele-vermelha que tem te há posto amarela? Isso provocou algumas risadas sufocadas no botequim, mas verdadeiras gargalhadas nos dois companheiros do moço: um par de jeans que lhe incitavam de um princípio e que lhe tinham seguido à rua. Os olhos do Colt se encontraram com os do taberneiro, que estava secando lentamente um copo com um trapo sujo. Em seus olhos avermelhados havia desprezo, misturado com uma boa medida de desdenhoso prazer. Imaginava que o sarcasmo era acertado, que Colt acabaria perguntando onde estava a porta traseira assim que reunisse coragem. Imaginava que um mestiço não tinha guelra para enfrentar-se a um homem, que não entrava em seu estilo. E lhe deixou imaginar todo isso. O que lhe importava o que pensasse um taberneiro, o que pensassem todos eles? Esperavam para ver como caía; tinham a esperança de lhe ver cair. Esse bocón do Riley podia provocar medo e desprezo na cidade, mas agora lhe aplaudiriam se conseguia derrubar a um mestiço presunçoso. Colt voltou a esvaziar seu copo e para ajustar a ação aos sentimentos, jogou-o para o taberneiro. Despreparado, o homem deixou cair o que estava secando para apanhar o outro no ar. Satisfeito detrás ouvir o ruído 171

de vidros quebrados e o grunhido do homem, Colt se separou do mostrador para dirigir-se à entrada. Os clientes atiraram as cadeiras na pressa por lhe seguir, mas os pés se detiveram patinando quando ele se deteve, logo que franqueadas as portas de vaivém, para localizar a seu adversário. A sombra tinha tentado ao Riley a cruzar a rua; descansava contra um pau de amarração, com seus dois amigos. As calçadas de pranchas, a ambos os lados da rua, já se estavam enchendo de espectadores, atraídos pela provocação do Riley. O jovem teve que ser alertado com uma cotovelada para que reparasse na chegada do Colt. Sorriu com toda a cara antes de erguer as costas e fez algum comentário que provocou risadas sufocadas entre seus amigos. Depois caminhou para o centro da larga rua, mostrando sua confiança em cada passo. Um músculo se contraiu na mandíbula do Colt, que apertou os dentes, aborrecido. perguntou-se se as boas gente dessa cidade decidiriam lhe linchar no caso de que ele matasse ao caipira oficial. Provavelmente. Embora a briga fora limpa, aos brancos não gostava que um mestiço derrotasse a um dos seus. Nesse momento, pouco lhe importava. De qualquer modo, não tinha intenções de matar ao pirralho; não era esse o tipo de briga que tinha estado procurando. Claro que se o exibicionista morria acidentalmente, por ficar no caminho de uma de suas balas... Colt inclinou o chapéu para trás até que ficou pendurando contra as costas. Em certa oportunidade o vento o tinha jogado sobre os olhos no pior momento possível. Se ainda estava vivo era só graças à má pontaria do outro fulano. -Que esperas? -clamou Riley, impaciente, do centro da rua. -Tanta pressa tem por morrer? Ao Riley pareceu divertido. A seus amigos também. E a vários dos espectadores. -Olhe que não tem arco e flechas, mestiço. Deste-te conta? Esta vez o moço se dobrou de risada ante sua própria ocorrência. 172

Houve muitas palmadas nas costas e muito enxugar de olhos a ambos os lados da rua; todos os pressente participaram de suas risadas... menos o espanhol. Colt viu o Alonso, que acabava de sair à rua; logo, ao escocês que lhe acompanhava. De maneira que havia gente da duquesa entre os espectadores. Não tinha importância. Eram como outros. E entretanto, Colt percorreu bruscamente com o olhar as calçadas cobertas... até descobri-la. Esse brilhante farol de cabelo vermelho não podia passar despercebido. Corria para o Alonso. Merda! Agora sim que estava vexado, bem vexado. perguntou-se a quem devia essa nova presença, e teve a resposta ao ver que ela se detinha junto ao espanhol. O olhar que cravou no homem cítrico era toda uma promessa de represália, mas Alonso se limitou a encolher-se de ombros. Olhar à duquesa não era o que correspondia. Colt dedicou toda sua atenção ao Riley, desaparecida sua indiferença, com a fúria a ponto de estalar. Se ela tratava de intervir. E isso era o que Jocelyn estava a ponto de fazer. Aprecio a situação à primeiro olhar; compreendeu que os dois homens que ocupavam o centro da rua estavam a ponto de disparar-se mutuamente. Não podia permiti-lo. Sabia por própria experiência quão hábil era Colt com seu revólver, mas e se seu jovem adversário tinha a mesma destreza? Não podia correr o risco. Mas no momento em que se recolhia as saias para baixar à rua, Alonso a sujeitou por um braço e lhe sussurrou ao ouvido: -Se você lhe distrair agora, é homem morto. Assim que ele volte os olhos para olhá-la (e não deixará de fazê-lo) o jovem Riley aproveitará a vantagem para tirar a arma. Se você tivesse chegado antes possivelmente teria podido impedi-lo, mas já é muito tarde. -Mas... Mordeu-se os lábios, indecisa, olhando ao Colt. Como não fazer nada, quando ele podia resultar ferido ou algo pior? Mas na verdade era muito tarde para intervir. No momento em que observava ao adversário do Colt, para valorar sua atitude, o moço estava tirando a arma. 173

Tudo ocorreu em tão pouco tempo que a multidão afogou uma exclamação coletiva. Colt já tinha o revólver na mão, apontando para seu adversário. O jovem, que logo que tinha agarrado a culatra de sua arma embainhada, olhou-lhe com incredulidade e não se moveu um centímetro. Parecia chateado. Obviamente, não sabia o que fazer: se dar a luta por perdida ou correr o risco de desencapar. Era o silêncio da arma do Colt o que lhe mantinha indeciso. Colt não lhe deu tempo a decidir. Com passos lentos e resolvidos, cruzou a distância que os separava até que a boca de seu revolver ficou apoiada contra o ventre estremecido do Riley. Por então o rapaz estava suando; não se atrevia a baixar a vista, por medo a lhe ver apertar o gatilho. Não podia olhar a não ser aqueles duros olhos azuis, que não se separavam dos seus. Colt viu seu medo, farejou-o. Mas nesse momento não se sentia muito dado à piedade. -Já o tentamos a seu modo, enganador filho de puta -vaiou, em voz tão baixa que só Riley pôde lhe ouvir-. Agora me dará o gosto. Assim dizendo, afastou o revólver do ventre do Riley, elevou-o para a esquerda e golpeou com ele a cara do moço. Este caiu para um lado e se levou uma mão à bochecha; retirou-a ensangüentada. Não conseguia compreender. Ainda não compreendia, embora Colt tinha embainhado sua arma e lhe esperava de pé, flexionando os dedos. Tampouco os amigos do Riley podiam entender, mas não vacilaram tanto com respeito ao que deviam fazer. Um deles levou a mão à arma. Simultaneamente, Alonso tirou sua faca e Robbie deu um passo adiante. Entretanto, essa ajuda era desnecessária; Colt nem sequer reparou neles. Não tinha perdido de vista aos amigos do Riley, e essa vez seu revólver saiu disparando. A bala deu contra metal. O vaqueiro deixou cair a arma com um grito, com os dedos intumescidos. O outro se elevou de mãos e retrocedeu; não estava disposto a enfrentar-se só ao Colt. Uma vez mais, o mestiço embainhou o revólver e cravou o olhar no Riley, que não se atrevia a mover-se. 174

-Anda, moço, que não posso perder aqui todo o dia. -O que... o que quer? -Não procurava te levar minha parte? Vêem buscá-lo. Riley deu um passo atrás, com os olhos cheios de alarme. -Quer que brigue contigo? Mas é maior! -Meu tamanho não impediu que me enchesse de insultos, né? -Cometi um engano, senhor. Por que não nos esquecemos do assunto? Colt moveu lentamente a cabeça. -Quero te caçar a golpes. Riley deu outro passo atrás; seus olhos pareciam pires. -Seria capaz... de me disparar pelas costas? O mestiço franziu o cenho ante pergunta tão estúpida. -Não. -Me alegro se soubesse. -E Riley saiu disparado rua abaixo. Por um momento Colt se limitou a lhe seguir com a vista com uma mescla de surpresa e exasperação. Não era a primeira vez que alguém se retirava de uma briga ao lhe ver tirar a arma, mas nunca tinham fugido assim quando ele lhes ofereceu a oportunidade de salvar a honra, muito menos havendo tantas testemunhas. Em geral, a presença de testemunhas alterava totalmente as reações dos homens, convertendo aos covardes em valentes, até com a segurança de que acabariam mortos. Teria podido enviar umas quantas balas ao redor desses pés em fuga, mas isso não faria voltar para o Riley, de modo que não se incomodou. Girou, aborrecido, sem emprestar atenção ao murmúrio dos espectadores, que experimentavam mil reações diversas, do assombro à desilusão, passando pelo desprezo que lhes merecia a covardia do Riley. A maioria se perguntava quem era Colt. Para os cronistas da cidade seria uma fonte de frustração ver-se condenados a não saber nunca seu nome. Quem em seu são julgamento se atreveria a perguntar-lhe depois do que acabavam de presenciar? E não havia nenhum outro disposto a proporcionar a resposta. Jocelyn não o fez, por certo, embora ouviu a pergunta repetida várias vezes enquanto voltava 175

para o hotel. Tampouco seus homens revelariam quem era o mestiço, acostumados como estava a não chamar a atenção. Entretanto, Jocelyn se deteve em seco para ouvir um comentário cheio de desprezo: -É um selvagem. O que outra coisa quer saber? Alterada já pelo susto que acabava de passar, frustrada pelo desaparecimento do Colt entre a multidão, antes que ela tivesse podido lhe falar, girou para o jovem bem vestido cujo comentário a tinha ferido no mais vivo. -Como se atreve a falar assim, senhor! -espetou-lhe sem preâmbulos, para surpresa do cavalheiro e seu acompanhante, assim como do Robbie e Alonso, que a seguiam de perto-. Saíram à rua para matar-se. O fato de que nenhum dos dois tenha morrido é sinal distintiva de um homem civilizado, não de um selvagem. Sentindo-se melhor por ter descarregado uma pequena parte de sua irritação, embora era ao Colt a quem desejava arreganhar por ter deslocado esse risco desnecessário, seguiu andando, sem reparar na agitação que deixava detrás de se. -Magnífico, Milhares. Se por acaso não te precaveste por seu acento, apostaria a que acaba de ofender ao Lady Fleming em pessoa. O sarcasmo, pronunciado com tanta ironia, pôs a Milhares Dryden à defensiva. -Pois... como ia eu ou seja o? Pelo modo em que a condessa falou dela, imaginei uma beleza deslumbrante. -E grunhiu: -Uma ruiva, e fraca além disso! É algo que jamais poderei levar a cabo. Maura, aferrando-se possesivamente a seu braço, deixou-se abrandar para ouvir isso. Pessoalmente, a duquesa o parecia muito formosa, mas por um momento tinha esquecido que Milhares não pensaria assim. Sabia por experiência que ele se inclinava para as loiras bem curvadas, como ela. Em todo caso, era a amadurecida condessa quem podia lhe dar motivos de preocupação.

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-Fará-o muito bem, tesouro, pois parece que ela é o sonho de nossa vida. Uma verdadeira duquesa da Inglaterra, que viaja só por prazer e com muito luxo. Tem que ser mais rica que Creso. -O mesmo disse a última vez -grunhiu Milhares. A Maura não agradou esse aviso. -A viúva Ame não mentiu ao dizer que todos seus filhos tinham morrido. Só calou que havia dezessete netos aguardando pacientemente o momento de fazer pedaços suas propriedades. Despediram-lhe com uma mina de prata inútil, que nos deixou estados %parado neste maldito lugar. Ao menos, não quiseram investigar a morte da anciã. -Porque era anciã. Esta é jovem. -Esta vez não usaremos veneno para te deixar viúvo de novo. Um acidente dará o mesmo resultado. -E suponho que eu devo me encarregar disso. Ela começava a cansar-se dessa atitude negativa. -Eu me encarreguei de suas duas últimas algemas, tesouro. Acredito que te chegou o turno. Claro que se prefere procurar um marido para mim em vez de... -Zorra -bramou ele, ciumento, tal como a mulher esperava-. O dia em que te atreva a olhar a outro romperei esse bonito pescoço. -Vamos, tesouro, vamos, era só uma brincadeira. -Lhe sorriu.- Sabe muito bem que te fui fiel desde dia o que nos conhecemos. Além disso, jamais poderia fazer o que você faz tão bem. Muito me custa me fingir irmana tua. -A idéia foi tua, não minha. Todo este plano horrível foi tua idéia. “te case com uma viúva rica, tesouro, e poderá deixar as apostas” -imitou, com voz de falsete. Maura entreabriu os olhos, chateada. -Suas armadilhas, quererá dizer. Por elas tivemos que fugir de uma cidade e de outra. E se mal não recordo, precipitou-te sobre a idéia. -Isso foi descobrir que a primeira esposa não era tão rica para te conformar. antes que decidisse eliminá-la para tentá-lo outra vez... e outra, e outra. 177

-Está bem! -saltou ela-. As quatro resultaram mau negócio. Mas esta vez será diferente. Estou segura. -Já é diferente, Maura. Ou te esqueceste que quão jovem é esta viúva? O mais provável é que deva me esforçar o dobro para conquistá-la. E mesmo assim não é seguro que o consiga. Isto poderia ser uma completa perda de tempo e esforço. -Nem tanto, querido. Se a dama não sucumbir a seu encanto fatal, ainda fica essa outra possibilidade. Mas arrumado por ti. depois de tudo, ninguém sabe como eu quão irresistível é quando te esforça. Acaso não me conquistou , em corpo e alma?

Capitulo 26 -bom dia, Sua Graça. Jocelyn se voltou para sorrir ao jovem que tão abafado te tinha causado a noite anterior, quando foi apresentado. Agora lhe parecia risível, mas nesse primeiro momento tinha sido mortificante descobrir que os irmãos que Vanessa tinha tomado sob seu amparo eram quão mesmos Jocelyn tinha atropelado, virtualmente, depois do abortado duelo do dia anterior. Além disso, estavam convidados para jantar; não houve maneira fácil de evitar o desconforto. De algum modo (e ainda não sabia com certeza como), Milhares Dryden as compôs para fazê-la sentir a gosto com suas profusas desculpas; não quis aceitar as suas absolutamente e até conseguiu lhe fazer esquecer o incidente pelo resto da velada. Sem dúvida alguma, era absolutamente encantador. Boa moço, além disso, tal como ela tinha suposto: cabelo loiro escuro, talhado justo por debaixo das orelhas, e olhos da cor do bom xerez. Mas bem magro, de estatura algo superior a normal, possuía um par de covinhas simpatiquísimos, que apareciam com cada sorriso; como gozava de um excelente senso de humor, sorria com freqüência, e o mesmo faziam todos a seu redor. 178

Maura Dryden era tão interessante como seu irmão. Entre ambos o parecido era escasso: ela tinha o cabelo loiro muito claro e grandes olhos verdes, de tonalidade escura; era muito mais baixa e de silhueta voluptuosa. Mesmo assim, não se podia negar que ambos tinham sido bentos com uma formosura excepcional. Se o encanto de Milhares aumentava seu atrativo, Maura mantinha uma atitude tristeza que realçava o seu, ao menos em opinião dos homens, se podia tomar ao Sir Parker como exemplo. Também ele jantou com o grupo e, para diversão do Jocelyn, logo que pôde tirar os olhos da moça durante toda a comida. Vanessa tinha ficado encantada com a velada, por certo; sem dúvida se deitou sem voltar a pensar em suas preocupações. Milhares Dryden estava tendo muito êxito como distração; Jocelyn, ao deitar-se, reconheceu-o assim; até experimentou certo alívio de que assim fora... até que lhe ocorreu que o plano da Vanessa podia funcionar em ambos os sentidos: tanto para o Colt como para ela. E ao pensar em que Maura Dryden pudesse ser do agrado de seu guia, como do Sir Parker, evaporou-se o alívio que tinha sentido por um momento, dando novas dimensões a seus sentimentos confusos. Embora isso a chateasse, pareciam-se muito ao ciúmes. Claro que também podia ser um equivocado sentido da posse, o que cabia sentir por algo que lhe houvesse flanco uma exorbitante soma de dinheiro. Não convinha preocupar-se com o assunto. Assim o tinha decidido de noite. Mas ainda nesse momento, quando o encantador sorriso de Milhares Dryden se voltou para ela, estava-se perguntando onde estaria sua irmã e qual seria a reação do Colt quando a visse .Também procurava alguma maneira de renegar de sua permissão para que eles formassem parte do grupo, mas isso era muito difícil. Provavelmente, os irmãos estavam carregando seus pertences nas carretas nesse mesmo instante. -bom dia, senhor Dryden -respondeu-. Espero que esta temprana hora não resulte incômoda para vocês. Estamos mais ou menos a mercê de nosso guia, que não é partidário de esbanjar a luz diurna, tal como expressa, tipicamente. 179

-Conheço os desse tipo. Nosso condutor de diligências era um velho arisco e resmungão, que nos colocava pressa em cada estalagem do caminho, com a ameaça de nos deixar ali se não nos apressávamos segundo sua vontade. Ante essa descrição ela teve que sorrir: também se teria podido aplicar a seu guia, excetuando o de “velho”. Com muita freqüência, Colt se mostrava agressivo, irritável e de temperamento vivaz. Como se mostraria agora? incomodaria-se sequer em apresentar-se ante o hotel ou já se teria adiantado, como de costume, deixando ao Billy para que lhes indicasse o caminho? De repente compreendeu que estava ansiosa por lhe ver. Ainda não sabia o que ele pensava desse dom de sua virgindade. Não tratava de enganar-se pensando que possivelmente ele não se deu conta. O fato de que a tivesse tratado com tanta suavidade, aquela noite, demonstrava o contrário. -Não nos vemos tão urgidos, senhor Dryden, mas desperta todas as manhãs a horas muito ingratas. -Não queria demonstrar a impaciência que experimentava, mas queria procurar o Colt e possivelmente, intercambiar algumas palavras com ele antes que partissem.- Não duvido que você se acostumará rapidamente. E agora, se molesta você em procurar a sua irmã... -Maura já está fora, Sua Graça. Permite-me... ? Ela vacilou antes de aceitar o braço que lhe oferecia. Era desnecessário, posto que a rodeava sua custódia. Além disso, não queria que Colt a visse sair do hotel acompanhada por Milhares, até sem saber por que. Mas se não queria cair em uma aberta grosseria, aquilo não tinha remédio. Fora tudo estava já preparado; Jocelyn era a última em chegar. A senhorita Dryden esperava, junto à Vanessa e as duas donzelas, à sombra do alpendre, mas não emprestava atenção ao bate-papo de suas companheiras: mantinha a vista fixa para a vanguarda da caravana, para o Colt. Ele já estava a cavalo, ao igual a Billy, em quem nesse momento concentrava sua atenção. Isso não significava que não tivesse consciência 180

de que a senhorita Dryden lhe estava observando. Posto que sempre estava alerta a quanto ocorria a seu redor, provavelmente sabia, e por isso seus olhos se voltaram para o alpendre só segundos depois de que Jocelyn tivesse saído. Assim que a viu sacudiu as rédeas para que seu cavalo ficasse em marcha. -Um momento, Colt, por favor! Jocelyn se ruborizou imediatamente, pois sem querer o tinha atraído a atenção de todos para ela. Teve que levantar a voz para que o guia a ouvisse, e sua frase soou imperiosa até para ela mesma. Se Colt a tivesse morto de calor ainda mais ignorando-a, não teria podido culpar-se o Mas ele não o fez. Descreveu um giro com seu cavalo e esperou, com óbvia impaciência. O fato de que não desmontasse para aproximar-se o como teria correspondido a um assalariado, chamou a atenção de seu guarda e até de Milhares, cujo braço ficou tenso sob a mão do Jocelyn. Mas ela preferiu não abusar de sua sorte. depois de desculparse ante Milhares, baixou rapidamente do alpendre. Mas seu imprudente impulso ia de mal em pior, tal como ela descobriu quando chegou junto ao Colt. Billy se tinha afastado para lhes outorgar certa intimidade, mas isso não importou. Ao levantar a vista para o homem, compreendeu sem lugar a dúvidas que acabava de cometer um grave engano. em que pese a que ele estava acostumado a ocultar tão bem suas emoções que ninguém sabia nunca o que estava pensando, nesse momento as exibia com claridade cristalina... e distavam muito de ser plácidas. Jocelyn chegou a dar um passo atrás ante a hostilidade de sua expressão. Imediatamente se entrincheirou em sua resolução, ou tratou de fazê-lo. Fazia mal em lhe abordar tão logo, mas já parecia. Ali estava. E embora não tinha a menor idéia do que pensava dizer, talvez lhe ocorresse algo que, quanto menos, aliviasse um pouco aquela irritação evidente. -Quer te apear... por favor? -pediu-. Preciso falar contigo. -Não temos nada de que falar. -Pois sim, eu... 181

-Não, duquesa. Ela não sabia com segurança o que significava isso: se ele simplesmente se negava a escutar o que ela tivesse que dizer ou se lhe estava advertindo que não gostaria de receber sua resposta. Isto último, provavelmente. E por isso a jovem não tratou de seguir lhe retendo quando lhe viu girar em redondo para afastar-se. Ela também se voltou. Todos os integrantes de seu grupo se dedicaram subitamente a alguma atividade desnecessária, a algum diálogo sem sentido; isso lhe revelou sem lugar a dúvidas que, até esse momento, tinham-na estado observando avidamente. Essa vez não se sentiu morta de calor. Pelo contrário, seu gênio vivo saiu a reluzir, sobre tudo ao reparar na expressão de suficiência que Luzia a senhorita Dryden. Essa mulher não tinha podido ouvir a negativa do Colt a dialogar com ela, mas a animosidade e a falta de respeito de sua atitude tinham sido inconfundíveis. Quase era possível ler os pensamentos da Maura: que ela jamais se deixaria tratar desse modo por um homem. -Né... não sabia que ele fora um de seus guardas, Sua Graça. O fato de que Milhares Dryden estivesse ali para ajudá-la a subir à carruagem não apaziguou as emoções da jovem. Tampouco lhe sentou bem recordar sua imprudência do dia anterior. Mas por nada do mundo permitiria a ninguém entrever com que facilidade podia Colt alterá-la, de modo que as compôs para sorrir, embora sentisse os lábios a ponto de rachar-se, a fuer de rígidos. -Não o é. É nosso guia. -Um pistoleiro por guia? Milhares parecia decidido a converter-se em branco de seu mau humor, mas ela não procurava substitutos. Colt era o único que o merecia por completo. -Sua variabilidade lhe converte em um guia excelente, senhor Dryden, em que pese a sua falta de bons maneiras e a seu mau caráter. Mas se lhe incomoda deixar-se guiar por um homem assim pelos páramos... -Absolutamente -apressou-se ele a lhe assegurar. -Nesse caso, veremo-nos mais tarde, senhor. 182

E subiu a seu carro, para esperar com impaciência que Vanessa se reunisse ali com ela. Se Milhares esperava compartilhar seu carro estava muito equivocado. Até se tivesse tido intenções de renunciar a sua intimidade, coisa muito afastada de sua mente, nesse momento teria trocado de idéia. Sob nenhuma circunstância aceitava passar o dia em conversações corriqueiras com dois virtuais desconhecidos. O mero intento teria a tornado louca. Vanessa, advertindo seu estado de humor, manteve-se prudentemente calada, uma vez que estiveram em marcha. Mas o silêncio não fez a não ser permitir que a ira do Jocelyn se alimentasse a si mesmo. Se até então tinha compreendido os sentimentos do Colt, agora se ressentia ante o ressentimento desse homem. Não lamentava o que tinha ocorrido entre ambos. Não ia desculpar se por lhe haver desejado. Na verdade ele se resistiu em cada ocasião, mas acaso lhe tinha levado a sua cama a ponta de pistola? No,por certo. portanto, ele não tinha por que fazê-la branco de seu aborrecimento. E assim o diria à primeira oportunidade.

Capitulo 27 Todos os instintos advertiam ao Colt que essa noite devia manter-se longe do acampamento. Já conhecia a teimosia da duquesa e não duvidava que, se ela se decidiu a uma confrontação, não ficaria satisfeita enquanto não se desse o gosto. Mas ele não estava preparado absolutamente. As conclusões que tinha tirado sobre ela podiam lhe haver enfurecido ao ponto de lhe fazer buscar briga, mas o fato de ver essas conclusões confirmadas resultava muito pior. E se uma mera suspeita podia lhe acossar tanto, Quanto lhe custaria a verdade? Claro que, se equivocava com respeito a ela, as coisas eram muito distintas; em certo sentido, o problema resultava ainda maior. Era isso o 183

que lhe tinha feito tomar o que ela oferecia, em que pese a seu juramento de não voltar a tocar a uma branca. E voltaria a ocorrer... se ele se equivocava com respeito a ela. Nesse caso, bem podia acabar querendo que ela fora definitivamente dela, e muito bem sabia que não era possível. De um modo ou outro, o melhor era não saber ainda a verdade, ao menos enquanto não estivesse seguro de poder dominar suas reações. Entretanto, em que pese a sabê-lo, em que pese a saber que a ruiva lhe acossaria como sempre, essa noite entrou no acampamento. E isso era também culpa dela, por permitir que um desconhecido formasse parte do grupo nesse momento tal especial, quando Colt, presa de seu mau humor, não estava alerta à aparição de recém chegados à cidade. em que pese a todas suas precauções, não era inconcebível que o inimigo os tivesse alcançado nos dois dias que tinham perdido no Silver City. Posto que o perigo seguia a essa mulher como um cachorrinho sem lar, o desconhecido bem podia ser um dos homens do inglês. Não era muito possível, por certo, mas bastava a possibilidade para que Colt se preocupasse. Embora se tinha proposto não protegê-la, não suportava a idéia de que lhe ocorresse algo mau enquanto ele não estava ali para evitálo, só por medo a manter uma confrontação com essa mulher. Mas a confrontação, quando se produziu, fez-o de uma forma inesperada. face à hora avançada em que Colt chegou, mais da metade do acampamento estava ainda em pé; além disso, teve a má sorte de que a duquesa fora uma dessas pessoas. Sentiu que seus olhos seguiam a cada passo, em tanto ele se aproximava da fogueira do Billy, depois de ter agasalhado a seu cavalo com os outros. Ela estava sentada ante outro fogo com um grupo de guardas, sua donzela... e o desconhecido. Billy, que se tinha separado deles ao ver seu irmão junto aos cavalos, entregou o prato de comida que estava acostumado a manter quente junto ao fogo. Colt tinha deixado de queixar-se pelo que preparava o cozinheiro da duquesa. Quase sempre estava tão cansado que nem sequer sabia o que se levava a boca. -Não imaginei que fosses deitar te conosco, esta noite. 184

Colt jogou uma olhada às outras fogueiras antes de responder: -Não parece que ninguém esteja muito desejoso de dormir. Billy se encolheu de ombros. -É que o novo esteve contando algumas costure horríveis. Provavelmente as inventou. -Ao recordar esses relatos, Billy compreendeu que Colt não os consideraria entretidos e se apressou a acrescentar:- Viu a loira, este manhã? São irmãos. Colt passou por cima a pergunta; seus olhos se detiveram no desconhecido, que estava sentado junto à duquesa, muito perto dela. -E quem é esse tipo, ao fim e ao cabo? -chama-se Dryden. Milhares Dryden. As sobrancelhas do Colt se entreteceram em um gesto pensativo. -Não recorda a ninguém, filho? -Não acredito. por que? -Tenho a sensação de lhe haver visto antes. -Talvez quando viajou ao Este, com o Jessie e Chase? Assegura ser dali. Colt moveu a cabeça. -Não. Vi-lhe recentemente. Está seguro de não lhe reconhecer? -E você está seguro de que lhe reconhece? Colt olhou fixamente ao homem. Ao cabo de um momento apartou a vista. -Sim. Já me virá à memória. -Logo, olhando a seu irmão com intenção: Que histórias eram essas? Billy avermelhou ante a pergunta que acreditava ter evitado. -Contos, nada mais. -Solta -foi quanto ordenou seu irmão. -É do Este, Colt -disse Billy, à defensiva-. Já sabe que um pequeno ataque índio não altera em nada a alguém do oeste, mas estes acanhados armam muito alvoroço. -Atacaram-no? -A ele e a sua irmã. -E lhe levou toda a velada contá-lo? Billy sorriu, posto que Colt não se ofendeu pelo tema. 185

-Já sabe como são estas coisas. Chega alguém à cidade contando que esteve a ponto de perder o couro cabeludo, e todos os que tiveram uma experiência similar ou ouvido falar de um pouco parecido têm que contá-lo também. Desde que chegou ao Silver City, Dryden ouviu tantos relatos desse tipo que bem poderia encher um livro. -Estava ali antes que nós chegássemos? -Há vários meses. por que? -Curiosidade, nada mais. Colt se tinha tranqüilizado em um aspecto: Dryden não podia estar trabalhando às ordens do Longnose. Mas não por isso gostava que a duquesa permitisse o ingresso de desconhecidos em seu grupo. Teria devido ser mais prudente. Vários bocados depois, Colt perguntou: -Que demônios é isto que estou comendo? Billy riu entre dentes. -Uma das especialidades do Philippe. Saborosa verdade? -Não se nota o sabor da carne por culpa do sal -Colt apartou o prato, aborrecido. -E esse, que problema tem? Billy se voltou a ver quem tinha atraído a atenção de seu irmão. Parker Grahame lhes sustentou o olhar sem muita cordialidade. -Está... bom, digamos que lhe chateou um pouco o fato de que liquidasse a esses dois ladrões que trataram de assaltar à duquesa. -E o que devia fazer eu? Permitir que roubassem? Billy sorriu. -Suponho que lhe chateia o fato de que atuasse você, quando esse é seu trabalho. depois de tudo, está-se fazendo costume que você a resgates, e isso não lhe deixa bem parado. -E isso é suficiente para fazer-se matar? Billy ficou tenso. -O que está dizendo? -O homem tem intenções de vir para aqui, e não para passar o momento. 186

-Bom Deus! Ouça, não lhe mate, por isso mais queira. Ele é o capitão; poderia dizer-se que expressa a opinião de todos. E essa gente está farta de que trate a sua senhora com tão pouco respeito. Eu sei que não o faz a propósito, mas ela não tem por que sabê-lo, e seus guardas tampouco. Acredito que o desta manhã encheu a medida e não pode acontecer sem que ninguém diga nada. -Tem você toda a razão, senhor Ewing –concordou Parker, desde atrás. Billy não se voltou a olhar outra vez ao inglês. Pelo contrário, mantinha a vista fixa em seu irmão, temeroso de sua reação. Posto que estava de muito mau humor desde que trabalhava para a duquesa, não cabia esperar que tomasse bem isto. E ao Colt não lhe podia provocar quando estava de mau humor. O guia se recostou contra a cadeira de montar, em atitude negligente, sem preocupar-se absolutamente pelo outro, que se irritava cada vez mais. -Se tiver algo que dizer, Grahame, cuspa. -Seu irmão já o há dito. Se você não pode comportar-se com um mínimo de urbanidade... -O que acontecerá? -interrompeu Colt, com uma careta quase zombadora-. Você desafiará a duelo? -Demônios, Colt! -interveio Billy. Mas era muito tarde. Parker já lhe estava esquivando para chegar ao Colt, tão enfurecido que não se deteve pensar. Simplesmente, levantou o Colt pelo peitilho da camisa. O fato de que o outro não fizesse nada para bloquear o punho, já jogado para trás para lhe derrubar, não pareceu estranho ao Parker, pois este reagia sem pensar. Mas a educação de anos se interpôs no último instante para lhe fazer vacilar, sequer por um segundo. Por desgraça para o Parker, nesse segundo se cruzaram os olhares de ambos os competidores. Sua confiança em si ficou quase feita migalhas. Teve a horrível sensação de olhar à morte aos olhos. Nunca em sua vida tinha fugido um combate; tampouco tinha sido necessário: nunca tinha perdido nenhum. Mas neste caso acabava de esquecer a quem se enfrentava; esse homem não tinha igual; estava muito próximo aos 187

selvagens cujas histórias tinha estado contando Dryden durante toda a velada. Esse homem conhecia modos de matar dos que Grahame não tinha notícia. E ele acabava de lhe desafiar. -Sir Parker, solte-o imediatamente! A voz da autoridade e da razão. Sua salvação, também. Parker obedeceu com grande alívio. A reação do Colt, em troca, foi a oposta. -Merda! -protestou, fulminando com a vista à duquesa, que estava a pouca distância-. Este homem tem uma ofensa que resolver comigo. Quem demônios te pediu que intervenha, mulher? Jocelyn ficou momentaneamente emudecida ante esse ataque verbal, mas, de qualquer modo, não teve oportunidade de responder. Parker não podia suportar mais; ante essa nova insolência, viu-o tudo vermelho e deixou voar o punho. O golpe alcançou ao Colt no flanco da cara, mas apenas lhe fez girar a cabeça. Não o tinha visto chegar, e isso fez que todos os pressente contiveram o fôlego, à espera de sua reação. Parker, em especial, sentia-se bastante alterado pois nunca tinha atacado a um homem despreparado. Por isso lhe surpreendeu muito que o mestiço se voltasse lentamente para ele, com um grande sorriso. -Levou-te bastante tempo, inglês -foi quanto disse, um momento antes que um golpe de reverso tombasse ao Parker no chão. Billy apanhou no ar o revólver e a adaga que Colt lhe arrojava e se limitou a ficar fora do passo. Jocelyn também teve que retroceder, pois uma carga fez que ambos os combatentes cruzassem a fogueira, pulverizando faíscas em qualquer parte. -Vêem, querida -disse Vanessa em voz baixa, a seu lado-. Já não pode fazer nada por detê-los. Tão pouco te conviria. -Que não me conviria...? Mas se estiverem... -Comportando-se atrozmente, sei. Mas é óbvio que seu Thunder precisa descarregar sua violência contra alguém. É melhor que o faça contra Sir Parker, não contra ti. Anda, vamos. Jocelyn se mordeu o lábio ao recordar a hostilidade do Colt, essa manhã, e ao presenciar sua atual selvageria. face ao que Vanessa dizia, não 188

lhe acreditava capaz de lhe fazer dano, por muito furioso que estivesse. E também ela estava furiosa. Não era uma rapariga acovardada, que devesse esconder-se para não confrontar o desgosto de um homem. -Fico, Vã -disse, com decisão-. Não farei nada por lhes deter, mas quando isto acabe terão que me escutar.

Capitulo 28 Colt se sentia as maravilhas. Doía-lhe todo o corpo, mas por dentro tinha recuperado o domínio de si, liberadas as emoções e com a ira de novo a rédea curta. Provavelmente até poderia enfrentar agora à duquesa e acabar com aquilo. Ao menos, isso acreditou até que a viu ali, de pé, lhe observando. Então voltou a irritação. Primeiro, porque ela tivesse podido aproximar-se sem que ele a ouvisse. A culpa era do zumbido que lhe tinha deixado nos ouvidos um golpe do Grahame. Sacudiu a cabeça, mas o zumbido persistiu. Olhou a seu redor, se por acaso algum desconhecido lhe tivesse seguido, mas só ela estava ali. E isso aumentou sua irritação. Essa mulher não aprendia nunca. Tinha-a evitado, tinha-lhe advertido que não devia aproximar-se. Que mais devia fazer? Mas só isso cabia esperar, dada sua teima. Não tinha por que irritar-se, mas se irritava. -O que olhe, duquesa? Jocelyn deixou escapar um suspiro ante o azedo tom do Colt. Pensar que até se preocupou ao ver sair a tropeções do acampamento! Sir Parker estava inconsciente, mas Vanessa, que lhe atendia, assegurava que se reporia. Mas Colt, ainda de pé ao terminar o combate, partiu antes que ninguém pudesse curar seus cortes e queimaduras. Ele tinha fundado a cabeça na aguada junto à qual tinham acampado; estava secando-a cara com o lenço de pescoço quando reparou nela. Alguém tinha deixado uma tocha cravada em terra, depois de encher os cântaros, e essa luz permitia ver o inchaço da bochecha esquerda, o corte que ainda sangrava sobre o olho. Tinha as roupas imundas e as calças 189

rasgadas nos joelhos. Provavelmente havia outras lesões ocultas, posto que Sir Parker tinha concentrado a maior parte dos golpes no corpo. E deviam ser muitos: a briga tinha durado uns bons quinze minutos. -Tem um aspecto horrível. Dói? -Mijam os cães? Ela endireitou as costas. -Agradeceria-te que me respondesse com educação, por favor. -Pois vá falar com outro. Comigo sabe a que terá. -Esperava que tivesse aplacado esse humor horrível depois deste exercício. -Eu também -afirmou ele, zombador-. Isso demonstra que os índios são muito tolos. -Não faça isso -protestou Jocelyn. -O que? -te degradar assim. Talvez não tenha recebido uma educação normal, Colt Thunder, mas não é tolo, e os dois sabemos. -Isso se pode discutir, querida. depois de tudo, aqui estou, não? Ela tomou fôlego bruscamente. -O que significa isso? Que não deveria estar aqui? -Muito certo! -Vete, pois! Ninguém lhe impede isso. -Você tampouco? - Em dois largos passos esteve a seu lado, sacudindoa.- Você tampouco? - repetiu, em um vaio de fúria. -Em todo caso... me alegro -disse ela, lamentando-se já de lhe haver brindado uma saída no calor da discussão, mas também aliviada porque ele não tivesse aceito imediatamente-. depois de tudo, te necessita. Colt lhe voltou as costas, derrotado por uma só palavra. Cada vez que ela dizia isso lhe provocava por dentro. Sobre tudo, inflamava-lhe o desejo, em que pese a saber perfeitamente que o emprego dessa palavra não era provocador. Quanto teria desejado ele que o fora! -Faz falta integridade e honra para respeitar a palavra empenhada quando nos é tão desagradável -disse ela em voz baixa, a suas costas. 190

-O que é isto? -acusou ele, áspero, olhando sobre o ombro com expressão carrancuda-. Tranqüiliza à besta selvagem com um osso de louvor? Jocelyn apertou os dentes. -Não -disse. Teria querido gritá-lo, mas temia que, se dava rédea solta a sua irritação, ele o aproveitasse para renunciar- Trato de te dizer que lamento o desgosto que te provoca este trabalho... mas não tanto como para te deixar em liberdade. Ele girou lentamente. -Ao diabo com o trabalho -disse, quase em tom coloquial-. O problema não está aí; bem sabe. O problema é você. Você e essa inesperada bonificação que me deu sem prévio aviso. Jocelyn tratou de afastar a vista; pressentia o que ia seguir. Colt a obrigou a lhe olhar aos olhos lhe sujeitando com força o queixo. -Não me interprete mau, duquesa: foi uma honra. –O súbito sarcasmo de sua voz dizia o contrário.- Mas por que não me esclarece o mistério? Por que teve que ser comigo? Ela sabia exatamente o que lhe perguntava, mas o negou. -Não sei a que te refere. Essa resposta provocou outra forte sacudida e um grito: -por que, eu? -Porque... desejava-te. Assim de simples é. -Não é certo. Uma virgem pode desejar a todos os homens que se aproximem de farejar, mas não fará nada sem um anel no dedo ou sem um amor que lhe nuble o julgamento. Posto que nenhum desses dois motivos lhe podem aplicar, quero que me diga o verdadeiro. Punha-a nervosa essa segurança de que esses motivos não se aplicavam a ela. Como podia sabê-lo? Como adivinhava que a atração física não tinha sido sua única motivação? -Não acredito que isso tenha importância, mas eu não era uma virgem qualquer: era uma virgem viúva. portanto, não tive necessidade de esperar a me casar nem a estar apaixonada para desejar a um homem. Quem pode opor-se a que eu faça o que queira? 191

Ele a olhou com fixidez por um comprido instante, caviloso. Por fim sacudiu a cabeça. -Essa é a filosofia das viúvas, em efeito. Mas assim como não foi uma virgem qualquer, tampouco é uma viúva qualquer. O porquê de suas circunstâncias especiais não me interessa. Seguia virgem, e as virgens não se entregam sem muito boas razões. Ainda não me há dito as tuas. -Já te respondi! -exclamou ela-. Não sei que mais espera. -A verdade! -por que não me crê? -Porque o vejo em seus olhos, mulher. Ela empalideceu: -Que coisa? -Que está ocultando algo. E agora o tem na cara. Ontem à noite cheguei à conclusão de que devia ter um motivo especial para me aceitar em sua cama. -Mas te desejava, seriamente -insistiu ela-. Não te dá conta? Tinha que ser você. -Não, não me dou conta. Mas o farei, embora tenha que te arrancar a explicação. Jocelyn ficou rígida. A irritação veio a resgatar a da confusão que lhe provocavam essas suspeitas. -Já o tem feito o bastante, obrigado. Agora tenha a bondade de me soltar. -Não tenho vontades -disse ele com suavidade. E a atraiu para si. Com a intimidação não tinha chegado a nada. E tinha aprendido a reconhecer nela a veia teimosa. Poderia açoitá-la sem lhe arrancar uma palavra mais. Mas precisava saber, de um modo ou outro. -Que diabos faz? -acusou ela, ao sentir seus lábios no pescoço. -E o pergunta, depois de tanto falar de desejo? -Mas... -Mas o que, duquesa? -Os lábios do Colt se moveram para a orelha; seus lábios se ateram a ela até não deixar espaço algum entre os corpos. Devia ter uma necessidade muito capitalista para renunciar a sua 192

virgindade a fim de satisfazê-la. E algo tão capitalista não desaparece facilmente. Ou sim? -Não... -ouviu-se dizer ela, para sua própria surpresa e a dele. Mas era certo. Ela o tinha sentido do momento em que ele a rodeasse com seus braços. E cada vez se tornava mais potente. Colt cheirava a terra, a suor e a homem. Desejava-lhe outra vez, tanto como antes. Não importava que já não houvesse motivos para satisfazer o desejo, salvo o puro prazer. Seus lábios se afastaram da pele do Jocelyn ante a resposta; o cabelo úmido do Colt lhe gotejava sobre o ombro, fazendo-a tremer. Ou era seu fôlego que ainda lhe enfraquecia a zona sensível, ao redor da orelha? -por que te desfez dela? Ante o som de sua voz, a jovem se apertou mais a ele. -Do que? OH, por favor, basta de perguntas -gemeu- Me beije. Ele o fez, mas provocativamente, lhe mordiscando os lábios, tornandose para trás quando ela se estirava para fundir as bocas. Assim continuou até que ela esteve disposta a algo em troca de sentir esses lábios esmagados aos seus. -Colt! -por que te desfez dela? Pese ao torvelinho de suas emoções, parecia fácil responder. -Era um estorvo. -por que? -persistiu ele, com um sussurro gutural, enquanto a percorria toda com as mãos. -Impedia-me... voltar a me casar se... se encontrava a alguém... que me conviesse. -por que? -Era preciso que ninguém soubesse da incapacidade do duque. -Mas não importava que soubesse eu? -Você não lhe conheceu... dificilmente tratará jamais com alguém que lhe tenha conhecido. Bruscamente se sentiu empurrada para trás. Desaparecida a calidez do Colt, ficou tão frustrada que teria podido gritar... até que ouviu o palavrão. 193

-Filha de puta! Não poderia me haver equivocado, sequer por esta vez? -Sobre o que? -perguntou ela, lhe buscando. Mas lhe afastou a mão com rudeza. -Utilizou-me! Jocelyn piscou, arranco a sua confusão; agora compreendia o que ele acabava de fazer: tinha usado a paixão contra ela, tal como ela o fizesse contra ele aquela noite. Reparou na ironia e se disse que a merecia. Mas entre as táticas de ambos havia uma flagrante diferença que convertia sua frouxidão em indignação, lhe cegando à indignação do Colt. Ela não se afastou uma vez obtido seu propósito, como ele acabava de fazer. Não lhe tinha deixado na frustração. -De maneira que por isso estiveste tão desagradável nestes últimos dias? -acusou, furiosa-. Sentia-se insultado porque eu te desejei? - Porque me utilizou, mulher -corrigiu ele, com frieza-. Para o que desejava, qualquer homem te teria servido. -E você não me utilizou? Não estava ali essa noite, debaixo de seu corpo, cheia de sua carne? Ele teria querido lhe pegar por isso: por lhe fazer arder com o desejo de voltar a enchê-la, graças à vívida imagem que essas palavras criavam em sua mente, ainda mais do que tinha ardido ao abraçá-la. E ainda continuava. -É isso o que estiveste tratando de me dizer, Thunder? Que não encontrou prazer em minha cama? -te cale, maldita seja! -por que está ressentido, ao fim e ao cabo? por que te escolhi como primeiro amante? Porque me aproveitei de seu momento de debilidade? E logo, o golpe mortal: isso é o que te incomoda. Não? Eu sabia que não me desejava. Expressava-o com toda claridade cada vez que eu me aproximava. Mas consegui te seduzir para que perdesse o domínio de ti. E isso é o que não suporta, né? Ele levantou uma mão, mas como ela não fizesse o menor gesto para afastar-se, fechou o punho e a deixou cair. 194

-me responda a uma pergunta, duquesa. Quando decidiu me utilizar? Antes ou depois de me haver feito tragar este maldito emprego? Jocelyn não respondeu imediatamente. -Tal como pensei -apontou ele, com uma careta desdenhosa-. Quando um homem paga a uma prostituta se assegura de receber aquilo pelo que pagou. Foi assim em seu caso? Ela estava tão furiosa que respondeu: -É obvio. depois de tudo, é um estupendo espécie de virilidade, o mais formoso que eu tenha visto. Em sua voz havia tanto sarcasmo que ele duvidou da veracidade dessas palavras. E então ela acrescentou, só por despeito. -Mas o que paguei foi uma bagatela, já que o menciona. Não se preocupe pelo que me custou. Não foi nada. Além disso, te pode aproveitar de tantas maneiras distintas que em realidade fiz muito bom negócio, não te parece? A resposta foi um bramido: -Já suspeitava eu que foi uma cadela malcriada! -E eu sabia que foi um cretino arrogante. O que demonstra isso? Quão cega pode ser a luxúria? Era o último sarcasmo que Colt podia suportar sem ceder a seus impulsos. E nesse momento, o mais forte -deles era o de lhe cortar essa língua afiada. Quão único pôde fazer para evitá-lo foi partir dali. Mas ela interpretou mau. A suas costas, gritou: -Não te confunda, Thunder! Não tenho intenção alguma de te deixar em liberdade enquanto não tenha concluído com o trabalho que acordou fazer. Ouve-me? Não te atreva a renunciar! Ele se deteve, mas só depois de pôr distância suficiente entre ambos. Como o acampamento, bem iluminado, estava detrás dele, Jocelyn só podia ver sua silhueta. Melhor assim: a expressão do Colt era nesses momentos a de um assassino. -Eu não renuncio. Mas te faço uma justa advertência, mulher. Por última vez: mantén bem longe de mim. -Com todo prazer! -foi a réplica. 195

Mas os compridos passados do mestiço já tinham aumentado a distância entre ambos. Não teve a certeza de que ele a tivesse ouvido. Seguiu-lhe com a vista até que lhe viu desaparecer depois de uma das carretas. Então girou em redondo para olhar cegamente para as longínquas montanhas. Só para seus adentros, murmurou: -Besta odiosa. E imediatamente rompeu a chorar.

Capitulo 29 Jocelyn deixou seu prato a um lado; logo depois de se desprezar, voltou a reclinar-se contra os almofadões pulverizados sob o abrigo de seda, que todos os dias se levantava para que ela almoçasse. Era um luxo que logo não faria falta. Já a fins de novembro, sendo os dias tão frescos, não se requeria de sombra para a comida de meio-dia. Se ainda instalavam o toldo era só por insistência da Vanessa que era da velha escola: estava convencida de que jamais devia o sol tocar a pele de uma dama, nem sequer o sol de um clima frio. Estalava a língua com desaprovação ao ver o tom dourado que Jocelyn tinha adquirido em seus rodeios diários, agora que o tórrido calor do sul cedia ante o inverno. Tinha passado duas semanas desde que partissem do Silver City. Depois de um breve desvio para o sul, para rodear as montanhas, tinham contínuo para o este quase em linha reta, até cruzar o rio Grande, que agora seguiam com rumo norte. A partir daí foi muito mais fácil, pois acharam o antigo caminho Real, que se estendia desde a Santa Fé, fazia onde foram, até a cidade do México. Em realidade, bem teriam podido utilizar essa antiga rota que tinha servido como via comercial mais de trezentos anos antes; só que a intenção original tinha sido a de viajar a Califórnia. Conforme dizia Billy, o Caminho Real se encontrava com o caminho Santa Fé, outra velha rota comercial. Tinha sido aberta só sessenta anos antes e lhes conduziria para fora das montanhas, outra vez com este rumo, 196

até chegar às Grandes Planícies, pastos plainas que se alargavam até o Canadá. Pelo Billy sabiam também a que distância estava Wyoming. Se tivessem sabido em um princípio que demorariam dois meses em chegar... Mas isso já não tinha importância, depois de haver talher tanta distância. Entretanto, o caminho possibilitava um menor sacudo. E as paisagens eram encantadoras: os Montes de São Andrés à direita; o rio à esquerda, com mais cadeias montanhosas atrás dele; árvores abundantes, com as magníficas cores do outono, e até o vale de Jornada do Morto, durante vários dias, para exercitar aos cavalos. Entretanto, a qualidade desértica da terra não tinha desaparecido por inteiro. Ainda havia cacto, arbustos de creosoto brancos e purpúreos, largas extensões de chão ressecado ou areias brancas. E poucas ervas, salvo a grama. Mas detrás percorrer tanto tempo essas regiões sulinas tinham acabado por habituar-se. Ao aproximar-se dos Montes Rocallosos e a Santa Fé, que estava a só três dias de distância, mais montanhas apareceram a ambos os lados, assim como mais cerque encantados para explorar. Mas Jocelyn não sentia desejos de explorar esse dia. Seu suspiro deveu sugerir o mesmo a Vanessa. -Não é pelo calor. E o almoço foi ligeiro -comentou a condessa-. Não dormiu bem ontem à noite? -Como de costume -replicou Jocelyn. Não era muito admitir, posto que seu amiga não tinha idéia das más noites que estava passando ultimamente. Ela conhecia a causa, embora isso não servisse para aliviar o problema Simplesmente, padecia um prolongado caso de abafado grave pela conduta exibida em seu último enfrentamento com o Colt. Essa maldita disputa. Não conseguia tirar-se a da memória, até duas semanas depois. Ao dia seguinte se iniciou sua regra; ela a aproveitou de bom grau para justificar as injustificadas lágrimas dessa noite e sua horrível conduta. Mas ainda ardia de vergonha quando recordava como tinha permitido ao Colt reduzi-la ao papel de uma arpía, cheia de rancor, despeito e malícia. Nunca 197

se teria acreditado capaz disso. Mas não voltaria a ocorrer, não. Isso se tinha prometido. E manteria sua promessa por muito que esse homem sem coração fizesse para provocá-la... se acaso voltava a lhe dirigir a palavra. Em todo o tempo transcorrido não lhe tinha visto a não ser duas vezes e só a distância, enquanto exercitava ao Sir George. Ele já não ia ao acampamento nem sequer para dormir. Onde pernoitava era algo que ninguém sabia, embora ela suspeitava que não podia estar muito longe, posto que Billy ia reunir se com ele antes do amanhecer, todos os dias, a fim de receber as indicações para a jornada. E o moço nunca demorava muito em retornar. Vanessa acabava de perguntar algo que ela não tinha ouvido. -O que há dito? -Perguntava-te se não estava muito cansada para seu rodeio de hoje. Acredito que já selaram ao Sir George. Jocelyn não abandonou o almofadão nem abriu os olhos para responder. -Cansada não, Vã, mas em realidade não tenho vontade. Que o leve uma das moços de quadra. -E Milhares? Sabe quanto gosta de passear contigo. Com uma pontada de irritação, Jocelyn se perguntou o que esperava seu amiga para abandonar esses intentos casamenteiros. Simplesmente, aquilo não dava resultado. Pouco tempo antes, semelhante homem tivesse apanhado imediatamente o interesse da jovem. Quanto a personalidade e atitude, opaca do Charles Abington, com quem tinha pensado seriamente em casarse. Mas agora existia outro homem com o qual não podia deixar de comparar a Milhares Dryden.. E junto a ele Milhares não resultava tão fascinante. Lhe via muito pálido, muito encantado, muito teimado em agradar. Até sua má sorte podia revelar um sotaque de covardia. Colt nunca teria fugido do fracasso para começar de novo em outro sítio. Tampouco se teria deixado imobilizar em uma cidade, só por um encontro com a morte. Jocelyn não imaginava ao Colt deixando-se assaltar cruzado de braços. Não, por certo. 198

O que o diabo o levasse! Tinha que deixar de pensar nesse homem. Mesmo assim, não tinha desejos de cavalgar, nem sequer por distrair-se. -Por um dia não vai morrer, Vã. -Eu não o diria com tanta segurança. Acredito que está encantado. Maura pensa o mesmo, e quem pode saber o melhor que sua irmã? É seu confidente mais provável. Jocelyn esteve a ponto de soprar. Esses dois estavam muito unidos. Se por alguém estava encantado Milhares era por sua tristeza irmana. Alargou o pescoço e os viu caminhando juntos, perto da ravinas do rio, profundamente sumidos em conversação. -Isso te disse ela, suponho -comentou, jogando uma olhada à condessa. -É obvio. -Bom, eu não acreditaria em tudo o que ela diz. Já a surpreendi em uma mentira. -O que? -O outro dia me disse que seu pai tinha tido cavalos de carreiras, alguns dos melhores do Este, e que ela tinha lamentado muito perdê-los quando foi preciso vendê-lo tudo, embora não gosta de montar. -E bem? -A primeira vez que permiti a Milhares montar ao Sir George, ele comentou que sempre tinha desejado possuir um puro sangue, mas que sua família só acostumava ter cavalos de tiro, pois na cidade não se necessitava outra coisa. A Vanessa só pareceu divertido, a julgar por sua risada sufocada. -É muito comum que a gente deseje impressionar a alguém de sua importância, querida. A estas horas deveria sabê-lo. Essa moça é orgulhosa e te tem um pouco de inveja, mas não há por que preocupar-se. -Não me preocupo. Só que não aceitaria quanto ela dissesse como verdade literal. -Muito bem. Mas neste caso, no relativo aos sentimentos de Milhares, inclino-me a coincidir com ela. Vi com meus próprios olhos como te trata. Em realidade, surpreenderia-me que não te propor casamento muito antes de chegar à ferrovia que os devolverá ao Este. 199

-Também me surpreenderia. Vanessa franziu o cenho. -Logo sabe que está encantado. por que o discute? Jocelyn sorriu. -Eu não diria que isso seja discutir, Vã. E não hei dito que lhe veja encantado. -Mas há dito... -Que me surpreenderia que não me propor casamento. Quantas propostas matrimoniais recebi nestes três anos? Vanessa suspirou. -Muitas. Pensa que é só outro caçador de fortunas? -Temo que sim. -Poderia te equivocar, sabe? Pensa nas cuidados que te brinda. Além disso, é tão incrivelmente formoso... E civilizado, deveria acrescentar. Como isso ardesse, Jocelyn replicou: -Dificilmente me ignoraria se pensasse em minha fortuna. -por que está tão segura, querida? -Por seus olhos. -O que há em seus olhos? -A maneira em que me olhe. Neles não há nada, Vã; nem a menor faísca de interesse. Diz tudo o que corresponde dizer, sim, mas seus olhos o desmentem tudo. Simplesmente, não lhe atraio. Claro que atraio a muito poucos homens. -Porque são tolos -disse a condessa-. Não importa, querida. Não pensávamos te casar com ele, mas sim servisse para te entreter. Que isto não te aflija. Jocelyn teve que dissimular um sorriso. -Não me aflige, não. Mas a Vanessa custava abandonar a idéia. -Está segura? -perguntou depois de um momento. Nessa oportunidade Jocelyn sorriu sem dissimulação. -Vã! -E se pôs-se a rir.- Você olhe a ti com muito mais calor que a mim. E ante o rubor da condessa, acrescentou:- Ah, tinha-o notado, não? 200

-Sim, mas supus que você recebia ainda mais olhadas admirativasreplicou Vanessa, à defensiva. -Pois agora sabe que não. Não se preocupe, mulher. Divertiu-me e entreteve muito. Em parte, isso era o que você desejava, não? Vanessa voltou a ruborizar-se. -Minhas intenções eram boas, querida. Jocelyn se inclinou para abraçála. -Sei, e te quero mais por isso. Além disso, já não deve preocupar-se por nosso mal-humorado guia. Se por acaso não o notaste, evita-me como à peste. Isso terminou. -Seriamente? Ela não queria lhe relatar aquela rixa depois de tanto tempo. limitou-se a lhe dizer, simplesmente: -Sim. -Mas sabia que seu amiga não deixaria assim as coisas, mas sim trataria das analisar até sentir-se tranqüila. portanto, acrescentou covardemente: -Acredito que, depois de tudo, vou dar esse passeio.

Capitulo 30 Cavalgaram para o este, rumo aos Montes Macieira. O veloz galope os levou até o pé das colinas mais desce em pouco tempo, embora Jocelyn ia muito adiante, como de costume. Desmontou para esperar a Milhares, em tanto conduzia ao passo ao Sir George sob os álamos dourados e os pinheiros que salpicavam a zona. O rodeio a tinha feito entrar em calor, mas o vento frio lhe impedia de tirá-la jaqueta forrada de pele. Tinham tido que escavar nos baús, em busca de algumas objetos de inverno, desde recente mudança de clima: uma inclusão afortunada, pois provavelmente veriam neve antes de chegar ao destino. Também foi uma sorte que sendo tantos, só houvesse no grupo alguns resfriados sem importância. Milhares reprimiu a sua cavalgadura emprestada ao aproximar-se da duquesa. 201

Aquilo lhe assustava, mas Maura tinha estado lhe importunando para que acabasse de uma vez. E tinha razão, É obvio. A proximidade da ferrovia fazia que se cortasse o tempo; se a dama não lhe respirava decididamente, não teriam desculpas para continuar viagem com ela. E a outra opção não aguardaria indefinidamente. Tinham esperado contar com mais tempo, caso que todos tomariam o trem na Santa Fé, mas não era assim. O grupo da duquesa teria que dividirse para transportar tantos veículos por ferrovia, sempre que a nova linha da Santa Fé tivesse vagões de plataforma para carregá-los. Jocelyn já tinha decidido esperar até que chegassem à estação de Denver, mais importante, para considerar a possibilidade de viajar por ferrovia; por outra parte, o mestiço lhe tinha assegurado que se podia chegar a Wyoming pelas planícies. Pela primeira vez, a Milhares faltava a confiança tão necessária para executar seus planos, pois não conseguia predeterminar os sentimentos da duquesa para ele. Punha-lhe nervoso com seus olhares diretos, mas só expressava certa diversão. Às vezes até lhe parecia que ela ria dele, como se detectasse perfeitamente a campanha para conquistá-la. Claro que, de um princípio, ele não tinha podido pôr entusiasmo na empresa. As mulheres amadurecidas do passado tinham sido presas fáceis: solitárias que acreditavam algo; nada custava as dirigir. Mas a essa jovem faltavam todos os ingredientes básicos para um cortejo rápido e sem esforços. Além disso, deixava-lhe indiferente, em que pese a sua juventude. E isso era, em realidade, o que lhe dava medo com respeito à conversação iminente. Por muito dinheiro que ela tivesse, Milhares quase desejava que lhe rechaçasse. Aborrecido consigo mesmo, esboçou um sorriso ao desmontar. -Ganha você outra vez, Jocelyn. Lhe tinha permitido que a chamasse por seu nome, mas ainda lhe olhava com estranheza cada vez que ele o empregava. Com tantos títulos como possuía, tinha acabado por desacostumar-se para ouvi-lo. Até a própria condessa a chamava geralmente “querida”. 202

-Isto não era uma carreira, Milhares. Os únicos animais que podem desafiar ao Sir George são suas éguas, mas no estado em que estão não lhes pode exigir esforço tão grande. Ele apertou os dentes. Sempre tinha a sensação de que essa mulher lhe tratava com condescendência, e sem dúvida era assim. Um pobre moço do Missouri não estava em condições de tratar com uma aristocrata inglesa, que sempre tinha tido fortuna. Provavelmente, só seus malditos cavalos valiam mais que tudo o que ele tinha obtido de suas quatro algemas mortas, sobre tudo contando os potros que nasceriam na primavera. -O fazia participar de carreiras, ali na Inglaterra? -lhe ocorreu perguntar. A dama se mostrava muito mais agradável quando falava sobre seus cavalos. E esse dia a necessitava com boa disposição. -Não, por minha fé. Era muito jovem quando partimos. Mas seu pai... O que está fazendo, Milhares? Lhe tinha rodeado os ombros com um braço, enquanto caminhavam. voltou-se para olhá-la. -Não seja tímida -disse, com suavidade-. É natural que um homem deseje tocar à mulher que ama. -Suponho que sim. Essa resposta lhe confundiu, sobre tudo porque foi sorte sem a menor inflexão. -Não me ouviste? Estou apaixonado por ti. -Sinto muito. O que era o que sentia? Não havê-lo ouvido ou que ele a amasse? Caramba, bastante duro era ter que declarar-se. por que o complicava ela tudo? -Suponho que recebeste muitas declarações de amor. Nem sequer teve consciência do sarcasmo que jorrava de suas palavras, mas Jocelyn o notou com chateio. Tinha intenções de receber essa proposta como se fosse sincera e negar-se com suavidade, sem lhe deixar entrever que conhecia seu verdadeiro interesse. Não se decidia a lhe tratar de mentiroso, mas depois desse comentário zombador decidiu lhe deixar em dúvida. 203

-Surpreenderia-lhe saber, Milhares, quantos são os caçadores de fortuna que juram amor eterno, e com muitíssima doçura. Declarações, propostas de casamento... recebi tantas que deixei das contar faz muito tempo. -Está-me você acusando...? -Não, por certo -interrompeu ela, com fingida indignação-. Um cavalheiro sobressalente como você não seria capaz de recorrer a um meio tão desprezível de adquirir fortuna. Não o pensei nem por um momento assegurou-lhe, lhe dando um tapinha no braço-. Se me mostrei algo morna em minha reação, é só porque se tornou algo tedioso ter que explicar com tanta freqüência por que não penso voltar a me casar. OH, mas você não me tem proposto casamento, verdade? Por Deus, claro que não. depois de tudo, só nos conhecemos há poucas semanas. Teve que lhe voltar as costas para que ele não visse quanto a divertia esse rubor, que a pálida pele de Milhares não podia dissimular. Entretanto, a mão apoiada em seu ombro lhe impedia de afastar-se. -O que significa isso de que não pensa voltar a casar-se? -interpelou ele, com bastante aspereza. -Como? Ah, sim. -Jocelyn conseguiu exalar um forte suspiro, preparando-se para a descarada mentira que estava a ponto de dizer. -Embora queria fazê-lo, é impossível, simplesmente. Meu marido se assegurou de que eu honrasse sempre sua memória. Se voltar a me casar o perderei tudo, sabe você? E você compreenderá que não posso me arriscar a tanto. -Tudo? -exclamou ele, quase sufocado. -Sim, tudo. -Mas você é tão jovem! E se queria ter filhos? E se apaixonasse? -Meu marido não me negou o ter filhos nem amantes. Se os desejo, terei-os. OH, meu amigo, horrorizo-lhe? A expressão de Milhares o dizia às claras, ao Jocelyn custou não rir. -Certamente você odeia até sua lembrança -disse Milhares, amargamente. Ele, por certo, odiava-o. 204

-O que lhe inspira essa idéia? O pobre não fez mais que me proteger, assegurar-se de que ninguém pudesse jamais exercer domínio sobre mim nem sobre o dinheiro que me legou. Não vejo nada mau nisso. -Você não, claro -murmurou Milhares. -Como diz? -Nada. -Com um supremo esforço reapareceu o sorriso conquistadora. -Como você diz, é muito logo para falar de casamento. me diga: chamou-me a atenção que, tendo tantos guardas em sua custódia, nenhum a acompanhe em seus rodeios diários. por que é assim? Jocelyn riu ante a súbita mudança de tema, mas lhe fez acreditar que era a pergunta o que a divertia: -E como fariam para me seguir o passo? O propósito destes passeios é exercitar ao Sir George. O prazer que disso obtenho é algo secundário. Além disso, nunca me afasto salvo a uma distância onde, possa me fazer ouvir com um disparo. -Indicou o rifle que levava na cadeira de montar.- E depois de tudo, você pode me proteger. Se estivéssemos sozinhos, simplesmente me manteria à vista de minha custódia. Bom, retornamos? -Se está cansada, é obvio -disse ele, com serenidade, já bem dominada sua cólera-. Mas há uma pradaria encantadora que eu gostaria de lhe ensinar. Passamos por ela... OH, pouco antes de nos deter para almoçar, de modo que não tem que estar muito longe. Parecia tão ansioso por mostrar-lhe E satisfazer esse desejo era o menos que Jocelyn podia fazer, depois de cortar seus planos tão de raiz. Na verdade, sentia-se muito culpado por todas as mentiras que tinha inventado para evitar acusações e rancores. -Com muito prazer -concedeu, com um sincero sorriso-. Parece-me delicioso.

Capitulo 31 -Se quiser que te diga minha opinião, estamos perdendo o tempo. 205

-E quem lhe pediu isso? Pete Saunders jogou uma olhada de desconfiança ao homem novo. Era um fulano estranho. apresentava-se com o nome do Angel, só Angel. supunha-se que era seu sobrenome, devia sê-lo, porque, quem teria escolhido esse nome posto a escolher? Mas não tinha nada de anjo. Era muito pulcro, sim. raspava-se todas as manhãs e se cortava muito bem o cabelo; lavava suas próprias roupas, quando não tinha uma tinturaria a que pudesse as levar. Era m pesado com a limpeza, esse Angel, igual ao chefe. Mas a gente demorava para reparar nesses detalhes. Primeiro lhe via a cicatriz que lhe corria do queixo até a orelha, ao longo da mandíbula, como se alguém, tratando de lhe cortar o pescoço, tivesse falhado por alguns centímetros. Depois chamavam a atenção os olhos, negros como o pecado, frios, implacáveis; olhos de animal açougueiro. A gente não podia olhá-los muito tempo sem perguntar-se se teria chegado ao fim de seus dias. Não era muito alto, mas esse era outro detalhe no que um não reparava ao princípio. Levava sempre um comprido impermeável que quase roçava o chão e grandes esporas de prata; com elas anunciava sua chegada e fazia carne picada de seu cavalo se levava pressa. Mas estranha vez se dava pressa por nada. Seus movimentos eram lentos; sua paciência parecia ilimitada. Nunca se sabia o que estava pensando pois quase sempre guardava um silêncio inquietante e nunca sorria. Até esse frio inglês de olhos acerados torcia de vez em quando os lábios; mas este tal Angel, nunca. Tinham-lhe incorporado no Benson, junto com dois antigos membros da banda do Clanton, que não queriam saber nada com os Earp, sobre tudo depois do enfrentamento do Tombstone e as ameaças de vingança. Dewane tinha ido ao Benson em busca de um rastreador, ao perder a pista da duquesa e seu grupo, entre essa cidade e Tucson. Entretanto, antes tinham viajado até o Tucson; só depois compreenderam que tinham sido burlados em algum ponto do caminho. Perdidos quatro dias, o chefe se chateou o bastante, ao ponto de desmontar ao Pete de uma bofetada como se todo isso fora culpa dele. 206

Pete não o tinha esquecido. Claro, era difícil esquecê-lo, com o moretón que tinha no traseiro e que não tinha podido apagar-se com tanto rodeio, e a rosada cicatriz do lábio, que logo que acabava de perder a crosta. Nesse momento tinha estado a ponto de abandoná-los, mas Dewane lhe fez ver que o verdadeiro culpado era esse mestiço contratado pela duquesa. Agora Pete queria encarregar-se pessoalmente desse cretino, por lhe haver feito ficar mau, e imaginava que a única maneira de obtê-lo era acompanhando um pouco mais ao inglês. Mas tal como foram as coisas e com o novo plano do chefe (que não requeria liquidar ainda ao mestiço, mas sim ter muita paciência) não parecia que fora dar o gosto. A paciência e a vingança não fazem bom casal. Ao menos, isso pensava ele. Já tinha tido duas vezes ao índio ao alcance de suas balas, e ambas as vezes lhe tinham impedido de disparar. Antes deviam provar o novo plano, embora Pete era da opinião de que isso tinha tantas probabilidades de funcionar como uma bola de neve no inferno. Por uma vingança não valia a pena passar tantas moléstias. Pete começava a arrepender-se de não ter tomado seu próprio caminho à primeira oportunidade. Agora estavam em Novo o México, onde ele não conhecia ninguém, e a muita distância do Arizona. E Angel, com quem formava casal esse dia, desgraçadamente, mostrava-se sarcástico. Se ele também estava perdendo a paciência, Pete corria o risco de converter-se em presa para os abutres antes que caísse o sol. -Alto, Saunders --ordenou Angel, subitamente. Pete sentiu que o coração lhe dava um tombo, tendo em conta o que tinha estado pensando. Mas quando seguiu a direção do olhar de seu companheiro viu o que Angel tinha divisado: duas bolinhas que levantavam pó na distância. -Não posso acreditá-lo -disse Pete-. Parece-te que é ele, depois de tanto tempo? Angel não se incomodou em responder. Pete não abusou de sua sorte com outra pergunta. De qualquer modo, logo saberiam. Seguiu a seu companheiro até um arbusto de artemisa que os ocultaria à vista até que estivessem lístos para apresentar-se. 207

O trato era que eles estariam esperando com o dinheiro, de dia e de noite, mais ou menos a seiscentos metros do caminho, por este lado, e uns cinco quilômetros mais atrás. Era a distância necessária para não ser detectados se alguém efetuava uma percorrida pela zona: o mestiço, por exemplo. O chefe permanecia com os outros ainda mais atrás; quando acampavam ficava ao menos uma jornada entre os dois grupos. Dia a dia, dois membros do grupo se adiantavam para assistir à entrevista. Dia a dia retornavam com as mãos vazias. Se o inglês não tinha abandonado o plano, transcorridas duas semanas, era porque na verdade desfrutava com a idéia de que lhe entregassem à mulher para que ele pudesse eliminá-la pessoalmente. A idéia de eliminar ao mestiço, para que um de seus homens pudesse substituí-lo, não lhe parecia tão desejável enquanto pudesse contar com essa alternativa; era difícil que o designado pudesse afastar a de seus guardas, e isso lhe obrigaria a matá-la no próprio acampamento. Depois de dez minutos de muito entortar os olhos, Pete decidiu finalmente que o que via ondular em um dos cavaleiros não era um casaco comprido, a não ser a verde saia de uma mulher. -É ela de verdade, não? Em realidade, não pedia a confirmação do Angel; limitava-se a falar em voz alta, surpreso. Até então tinha acreditado que não faziam a não ser perder o tempo. Entretanto, Angel respondeu: -O que há baixo esse chapéu estranho é cabelo vermelho. Pete se esforçou ainda mais. -Caramba, você sim que tem boa vista. Eu não vejo o chapéu. Mas não demorou muito em vê-lo. Jocelyn começava a sentir saudades desse pequeno passeio, que a afastava cada vez mais de sua gente. Ela e Milhares tinham percorrido já vários quilômetros sem ver sinais de uma pradaria nem paisagem algum digno de contemplar-se. Tardiamente, lhe ocorreu que Milhares podia ter algum outro motivo para induzi-la a afastar-se: retê-la para pedir resgate, por exemplo. depois de tudo, ela tinha aniquilado seus planos para obter 208

legalmente suas riquezas. E se agora desejava fazê-lo ilegalmente? E ela o tinha facilitado só por um tolo remorso. Uma vez que a dúvida entrou em sua mente, lhe ocorreram outras possibilidades. E se ele não tinha acreditado aquela mentira com respeito às disposições testamentárias de seu marido? E se a levava para obrigá-la a aceitar o casamento? estremeceu-se; negava-se a pensar como podia ele conseguir isso. A coerção se apresentava de muitas maneiras distintas, mas nenhuma delas era agradável. Foi esse o pensamento que a fez atirar das joga a rede para deter o Sir George. Milhares se deteve junto a ela com mais facilidade, pois sua cavalgadura era menos vital. -Ocorre algo? A inocente pergunta, a expressão preocupada a fizeram sentir tola, mas não tanto como para seguir. -É só uma dor de cabeça que começa a piorar. Lamento-o, mas terei que me passar sem conhecer essa maravilhosa paisagem que você diz. -Mas se não ficar muito longe! - protestou ele. “Olhe onde fica sua expressão preocupada”, pensou ela, arqueando uma sobrancelha com ar de desgosto. -Seriamente? Eu só vejo... -Dois homens que saíam de entre uns arbustos, oito ou nove metros mais à frente, fizeram-na concluir:- Amigos deles, Milhares? Até enquanto o dizia estava jogando mão de seu rifle. A mão de Milhares o impediu, lhe apartando os dedos da culatra. Lhe fulminou com o olhar, só para descobrir que lhe estava apontando com seu revólver. -Não cometa nenhuma estupidez, duquesa -advertiu-lhe lhe arrancando o rifle da capa para jogá-lo em certa distância. -Pior da que já cometi? -espetou-lhe ela, furiosa. Os dois homens se aproximavam. Se Milhares não tivesse tido esse maldito revólver lhe apontando ao peito, a tão pouca distância, ela teria aplicado talões ao Sir George. Mas não tinha possibilidades. E pensar que em nenhum momento tinha tido em conta essa possibilidade! Parecia impossível que Longnose tivesse podido chegar até Milhares. Como, 209

quando? Entretanto, não cabiam dúvidas de que esses homens estavam às ordens de seu inimigo nem de que Milhares a tinha conduzido diretamente a suas mãos. -O certo é que você não me deixou alternativas, com sua inesperada revelação, duquesa -comentou Milhares em voz baixa, justo antes que os dois homens os alcançassem-. Teria preferido o ter tudo, mas terei que me conformar com os cinco mil que me prometeram. -Quer você que lhe tenha lástima por haver-se conformado com tão pouco? Bom Deus, que idiota exímio é você! Ele ficou escarlate. -Não sei o que querem lhe fazer, mas por mim podem dar o gosto. Irritou-a que ele não soubesse nem sequer para que lhe estavam pagando, mas de qualquer modo isso não teria trocado as coisas. Jocelyn o compreendeu assim, mas felizmente estava tão enfurecida pela avareza desse homem e sua própria estupidez que isso não a preocupou. Por outra parte, estava segura de que não a matariam imediatamente, pois nenhum desses dois homens parecia ser seu inimigo. Era lógico supor que Longnose quereria estar presente em sua execução. depois de tudo, esse objetivo lhe havia flanco muito trabalho para conformar-se conhecendo o de ouvidas. -De maneira que podem me fazer o que gostem, né? E como pensa você explicar minha ausência à custódia? Dirá que esqueceu onde me pôs ou que tive algum horrível acidente? -Que se tem cansado ao rio. Com isso bastará –replicou ele, triste. -Ah, muito conveniente. Mas lhe convirá atuar melhor que nestas últimas semanas. Se um só de minha suspeita que sua história não é veraz, pode estar seguro de que nem você nem sua irmã poderão ir-se com seu mal havidas lucros. de repente lhe ofereceu um sorriso satisfeito. -Fizemo-lhe acreditar que Maura era minha irmã, verdade? Em realidade, é minha amante. Essa informação a desconcertou, mas só por um momento. 210

-Muito ardiloso, senhor Dryden, mas só essa parte de sua comédia resultou convincente. -Tolices! -espetou-lhe ele-. Você acreditou tudo! -Igual a você! -lhe tocava o turno de sorrir.- Lamento desiludir-se, sujo caçador de fortunas, mas faz um momento lhe menti. Acaso acredita que ia casar me com alguém tão pouco dissimulado como você? Satisfeita pela palidez do homem, que compreendia o significado de sua observação, Jocelyn voltou sua atenção aos dois homens, que já estavam junto a isso. Tinham ouvido seu comentário... e o compreendiam também. Não lhe importou. Dryden não merecia afastar-se pensando que tinha salvado algo de seus retorcidos planos. Agora sabia que, se não tinha conseguido conquistá-la, de ninguém era a culpa mas sim dele. -ouviste isso, Angel? -perguntou o mais jovem dos dois a seu companheiro-. Teve-nos esperando todo este tempo para poder cortejá-la. Se quer saber minha opinião, não merece o dinheiro. -E quem lhe pediu isso? -respondeu o mais moreno dos dois, que parecia mais perigoso-. De qualquer modo, não tinha intenções de gastar tanto dinheiro nele. antes que compreendessem o que isso significava, o homem desencapou tranqüilamente um Colt 45 e disparou contra Milhares Dryden, lhe abrindo um buraco entre os olhos. Depois embainhou com a mesma serenidade. Jocelyn tinha tido uma oportunidade de fugir nesse momento, posto que ninguém lhe apontava, mas estava tão horrorizada por esse inesperado giro dos acontecimentos que não pôde aproveitá-la. Bastou-lhe jogar um olhar a Milhares para saber que tinha morrido. Enquanto ele se deslizava brandamente da cadeira de montar, até cair ao chão, ela mantinha os olhos cravados em seu assassino, que não revelava emoção alguma. Tampouco notou que o outro homem estava quase tão espantado como ela, nem que o veludo verde de seu traje de montar estava manchado de sangue. Só podia olhar a esse homem, consciente de que se encontrava a sua mercê e segura d que ele não teria misericórdia. Talvez fora Longnose, depois de tudo. 211

Capitulo 32 Não era Longnose, é obvio. depois de tudo, falava com a entonação do oeste. E seu falador e sorridente companheiro lhe chamava Angel; também aludia a chefe que devia ser John Longnose. Mas o assassino de Milhares Dryden era igual ao inglês, pois a ele levava. Depois de várias horas de viagem, o atordoamento começou a ceder e a mente do Jocelyn voltou a funcionar. Naturalmente, em um primeiro momento a horrorizou encontrar-se sentada no cavalo desse homem, frente a ele; seus braços a cercavam a ambos os lados. Quando teve acontecido uma hora mais, entre o bate-papo incessante do Saunders e os grunhidos do Angel, sua única resposta, sentiu menos medo, ao menos desses dois. Saunders era só um pirralho, depois de tudo; essa cara sorridente o fazia parecer inofensivo. Quanto ao Angel, posto que estava detrás dela, não via suas facções duras e cruéis e não se deixava inquietar por elas. Mas nem por um momento esqueceu onde foram e o que lhe esperava quando estivesse ali. Não é agradável saber que alguém vai morrer. Só seu inato otimismo evitava que se convertesse em uma idiota lhe balbuciem. Enquanto não tivesse exalado o último fôlego, existia a esperança de que algo a salvasse. Seu rifle tinha desaparecido, mas não estava de tudo ileso. Levava numerosos alfinetes de chapéu, excelentes para arrancar olhos; também duas botas muito duras e dez unhas afiadas. E contava com o passado para dar-se valor: quantas vezes Longnose tinha saído burlado? em que pese a todo esse otimismo, demorou um momento em reunir coragem para dirigir-se ao homem montado atrás dela. Quando o fez foi começar com uma pergunta muito pertinente: -Quanto fica? -Do que? 212

-De vida. -Eu não me preocuparia por isso -replicou ele, despreocupado, com voz lenta. Jocelyn ficou momentaneamente emudecida, mas apertou os dentes. -Não estou preocupada. -Por que pergunta, pois? -Para saber quando lhe desmontar a você e escapar, certamente replicou ela, de mau humor. Ele a surpreendeu com uma risada. -Você vale, senhora. Mas já imaginava eu que devia ser alguém muito especial para que me pedissem este favor. -Faz isto como favor? -exclamou ela, quase sufocada. -Além me pagam bem. O que dizer a isso? Obviamente, esse homem carecia de consciência. Ou talvez tinha uma dívida tão grande que não podia negar-se a emprestar esse favor. Entretanto, teve a sensação de que esse homem não podia ser obrigado a fazer algo que não desejasse, sob nenhum conceito. portanto, devia carecer de consciência. Esse pensamento desalentador a manteve em silêncio um momento. Ao fim e ao cabo, esse homem representava uma de suas esperanças. Era o mais forte e o mais perigoso dos dois que a levavam ante o Longnose. Se conseguia lhe convencer de que não a entregasse ao inglês, se lhe persuadia de que a devolvesse em troca a seu grupo, Saunders não poderia detê-los. Mas como convencer a alguém que lhe tinha aconselhado não preocupar-se sobre o momento de sua morte? Alguém que a entregava a seu assassino como favor? Não lhe ocorria solução, a menos que... -Você sabe que esse inglês quer me matar, verdade? -Não o oculta, por certo. Adeus a ilusão de que ele ignorasse as intenções do chefe. -E sabe por que? -O que importa? -A você, nada, obviamente. 213

Ouviu-lhe rir outra vez e apertou os dentes, mas nesta oportunidade para não lhe aplicar todos os insultos que lhe ocorriam. Que carecia de consciência? Antes bem, carecia de humanidade. Pensar que nessa zona chamavam selvagens aos índios! -Posto que você é uma verdadeira fonte de informação -recomeçou, com voz tensa-, incomodaria-lhe me dizer como contratou Longnose a Milhares Dryden? -Quem é Longnose? -O inglês. -De maneira que assim se chama. -Parecia surpreso.- Não sente saudades que o ocultasse. Jocelyn lançou uma exclamação chateada. -Não tenho a menor idéia de como se chama esse maldito homem. Você tampouco, obviamente, mas que diabos importa isso? Perguntei-lhe como contratou ele ao Dryden. Recorda-lhe? Esse homem a quem você acaba de matar. -Assim além disso tem caráter, a dama. Era uma observação, não uma pergunta, de modo que ela respondeu de igual modo. -Ah, o senhor entende meu idioma. Outra risada sufocada saudou a seca réplica. Em realidade lhe estava divertindo, enquanto que ele a frustrava até o limite do suportável. Mas Jocelyn se negou categoricamente a suplicar ou a chorar. De qualquer modo, estava segura de que nada ganharia desse modo. -Dryden? -insistiu. -por que quer sabê-lo? -Porque suspeitava muitas coisas dele, mas não que fora da banda desse malfeitor. depois de tudo, não é um inútil como os que Longnose está acostumado a contratar... sem intenção de ofender. -Não, certamente. Ela ignorou a interrupção, embora era um prazer comprovar que esse duro pele tinha um pouco de sensibilidade. 214

-Era só um inofensivo caçador de fortunas, não um assassino assinalou. -O velho Dewane parece pensar outra coisa, e por isso ajustou a esse inofensivo caçador de fortunas assim que lhe conheceu, até antes de ter consultado ao chefe. diria-se que não se equivocou, porque esse inofensivo caçador de fortunas aceitou a proposta. -Foi isso antes ou depois de que lhe convidássemos a viajar conosco? -Depois. Alcançamo-lhes no Silver City, a manhã depois de sua chegada. Dewane e seu irmão estavam em seu hotel, procurando a maneira de chegar a você, quando viu o Dryden falando com seu amiga, a condessa, no vestíbulo. Imagine o resto. E ela imaginou, embora nada disso tênia importância, salvo para satisfazer a curiosidade. Era preciso ter a oportunidade de aprender com os enganos, e esses homens se encarregariam de não lhe dar essa oportunidade, nem outra alguma. Seriam realmente decididos? Eram inconcebivel em sua lealdade ou lhes podia comprar? Decidiu averiguá-lo sem mais. -Eu posso lhe pagar mais que o inglês. -Sei. -Falo de uma fortuna. -Não houve resposta.- Não lhe interessa? -Não. -Como pode dizer isso? -perguntou ela, incrédula-. Acaba de matar a um homem por dinheiro. -Você fala muito. -Mas você o fez. O dinheiro tem que ter importância para você. -Não muita. -por que lhe matou, se não foi por dinheiro? -Você fala muito -repetiu ele. -E você, muito pouco! -Veja, senhora, a coisa foi assim: esse homem merecia morrer. Ele a entregou a você, verdade? -Mas não sabia para que. 215

-Não se engane -aconselhou ele, aborrecido-. Lhe disse que você não podia lhe denunciar depois da entrega. Simplesmente, limitou-se a tentar antes seu próprio plano... e devo acrescentar que para ele é uma profissão. -A que se refere? -Conforme diz Dewane, era um jogador trapaceiro ao que expulsaram de todas as cidades ao oeste do Missouri; então se dedicou a casar-se com viúvas ricas e a desfazer-se delas quando se acabava o dinheiro. -divorciava-se delas? -Não. -OH! -Agora quer calar-se? Ao Jocelyn doía a mandíbula de tanto apertar os dentes. -Se não gostar de minha conversação, senhor, pode me montar em meu próprio cavalo. -Isso quereria você, senhora -foi a única resposta. Por fim a jovem calou. Lamentava que não tivessem deixado em liberdade ao Sir George, como tinham feito com o cavalo de Milhares. Detestava pensar no que seria do animal se lhe abandonava a sorte. Esteve a ponto de perguntar ao Angel se pensava ficar com o Sir George, mas decidiu que Sir George estaria tão mal em suas mãos como nas do Longnose. Saunders, que se tinha adiantado um curto trecho, ansioso por chegar ao destino, chegou ao topo de uma pequena colina e deixou escapar um grito. Imediatamente ao Jocelyn lhe congelou o sangue, pois suspeitava o que haveria ao outro lado. Não se equivocava. debaixo de uma levantada costa havia seis homens dedicados a instalar seu acampamento. O grito do Saunders os tinha petrificado nas diversas tarefas que executavam. Quando Angel chegou ao alto da elevação todas as olhadas estavam dirigidas para ali. E todas se cravaram na presa. Involuntariamente, Jocelyn se apoiou contra o peito do Angel. A idéia de escapar não era muito alentadora, nesse momento; tampouco muito factível. Só cabia perguntar-se como pensava matá-la Longnose. limitaria216

se a lhe disparar tipicamente ou preferiria fazê-la sofrer antes um momento? Individualizou-lhe imediatamente. mantinha-se além dos outros; era alto, magro, reto como uma vara, e tinha as mãos apoiadas na manga de prata de um fortificação. Obviamente, não participava das tarefas do acampamento, algo muito servil para seus gostos. Também sua vestimenta lhe distinguia dos outros. Não só luzia um traje cinza de três peças, mas também um elegante casaco de lã. Levava uns dez anos a todos seus companheiros; Jocelyn calculou que tinha algo mais de quarenta. De maneira que ali estava o inimigo, por fim. Não parecia um assassino a sangue frio. Todos seus homens respondiam ao tipo, mas ele não. Em realidade, parecia completamente inofensivo e tão desconjurado que resultava ridículo. Jocelyn poderia ter sorrido ante essa idéia, pois ela mesma estava desconjurada ali, com seu grosso traje de montar de veludo, o espumoso cachecol de encaixe e o alto chapéu. Mas não tinha desejos de sorrir. Embora Longnose não fora o que ela esperava, não por isso deixava de ser o mesmo que a tinha açoitado tercamente ao longo de três anos, com odiosas intenções. Jocelyn ficou tensa, em tanto Angel descendia pela costa para reunir-se com seus amigos, que já não guardavam o mesmo silêncio sobressaltado. Alguns de seus comentários se abriram passo entre os frenéticos pensamentos da moça; até a obrigaram a apartar a vista do Longnose para lhes observar. Todos eles eram inimigos sua por associação. Se de algum modo conseguia sair dessa, não estaria mal poder lhes reconhecer. Mas bastou um olhar para deprimi-la. Eram homens duros, de aspecto perigoso, adequados para esse tipo de trabalho. Deles não obteria ajuda. E agora compreendia que na verdade necessitava ajuda. Não tinha pensado que pudessem ser tantos nem que a olhassem com tanta lascívia. O certo era que a coragem a abandonava com tanta celeridade como as esperanças de escapar. -Por todos os diabos! Nunca pensei que a moça fora assim! E você? -O que esperava? Uma velha? 217

-Em realidade... -Pode esquecer-se do que me deve, chefe -chiou alguém-. Fico com o cavalo! Houve algumas risadas entre dentes, mas não interromperam os comentários pessoais que tão nervosa estavam pondo ao Jocelyn. Sem darse conta se apertou ainda mais ao Angel, que avançava para o Longnose a passo lento. -Maldita seja, nunca tinha visto cabelo tão vermelho. -É muito fraca. -E o que importa? -O que quero é saber se antes a vamos passar de mão em mão ou o que. Ao parecer, mais de um tinha interesse em sabê-lo, voltaram-se para o inglês. Mas este não disse nada. Continuava olhando ao Jocelyn. E sorria. Isso a fez erguer as costas. De maneira que estava desfrutando daquilo, não? E pensava entregá-la a essa escória para que lhe servisse de diversão? Quando Angel se deteve e a deixou em terra, ela estava preparada. Se Longnose tivesse estado algo mais perto, teria recebido a ponta de sua bota no queixo. Desse modo lhe teria obrigado. Mas havia outras maneiras de lhe provocar para que a matasse imediatamente, antes que seus homens se tornassem insistentes na exigência. Não estava disposta a passar por esse manuseio antes que a matassem. Era muito. Mas no momento em que Jocelyn pôs-se a andar com decisão para seu compatriota, encontrou-se bruscamente obrigada a olhar outra vez ao Angel. Tinha desmontado atrás dela. Com certa surpresa, Jocelyn notou que não era tão alto como parecia com cavalo. Tampouco parecia muito maior que ela. Mas baixo esse impermeável que o cobria até as botas se notava uma robusta força. Ela a experimentou no braço que lhe apertava. E estava furioso. Lhe via nos frios olhos negros. Essa sensação ficou confirmada quando ele a sobressaltou com um sussurro furioso: -Não faça isso. -O que? -perguntou ela, cautelosa. -Ia lhe dar uma boa bofetada, não? 218

Os olhos da jovem se dilataram, incrédulos. -Como demônios sabe? -Porque a senti preparar-se para a batalha. Ela voltou a ficar tensa e exigiu, em um murmúrio seco: -me solte. -Acredito que me equivoquei quando a julguei inteligente. Supus que você provaria com táticas dilatórias e não com o suicídio, para dar a seus guardas a possibilidade de encontrá-la a tempo. Ela conseguiu liberar o braço. -É questão de prioridade -disse-. Pelo que uma mais aprecie. -E você aprecia mais o orgulho que a vida? Aquilo a ruborizou, igual a seu desdém. Esse condenado tinha razão. Ela devia estar disposta a algo para adiar o inevitável. Havia alguma possibilidade de que a encontrassem a tempo? Angel pareceu lhe ler a mente. -Não se preocupe. Este não é seu último dia, querida. Ela abriu a boca para lhe exigir uma explicação a esse críptico comentário, mas outra voz falou primeiro. -foi muito amável ao reunir-se conosco, Sua Graça. Ela girou lentamente e esperou a que Longnose houvesse talher a distância entre ambos. Teve que levantar a vista, mas não importava. Por alguma razão, embora não compreendia o que Angel acabava de dizer, com ele a seu lado não tinha medo. -Absolutamente, Longnose. -Saudou-lhe majestosamente com a cabeça. -Deveria lhe agradecer o que me convidasse. Haveria-me sentido destroçada se não tivesse podido desfrutar desta pequena reunião. Por um motivo ou outro, esse comentário provocou a risada dos homens. Não lhe pareceu gracioso. Suas bochechas se tingiram de uma cor intensa; seus olhos cinza, gelados, prometiam uma morte realmente espantosa. Tinha-lhe provocado sem necessidade de lhe golpear. Mas antes que ele pudesse reagir, Angel murmurou um sujo juramento e a apartou a um lado com violência. 219

Ao Elliot ardiam as mãos por estrangulá-la, mas não por isso deixou de reparar no movimento do Angel. Agora o homem se interpunha parcialmente entre ele e a duquesa; estava apartando com muita tranqüilidade sua impermeável, para facilitar o acesso ao revólver que levava no quadril. O inglês não passou por cima o significado desse gesto, mas isso não lhe preocupou absolutamente. depois de tudo, Angel era só um entre oito. Elliot se arrependeu de lhe haver contratado, mas já era tarde para isso. De um princípio tinha suspeitado que teria problemas com ele, pois era muito diferente dos outros. Mas era o rastreador que Owen tinha achado no Benson. Por certo, descobriu quase imediatamente o rastro da duquesa, lhes permitindo alcançá-la depois de um forte galope. Em realidade, não havia por que preocupar-se. Pelo contrário: cabia agradecer ao Angel que lhe tivesse distraído. Em nada convinha pôr fim a esse glorioso triunfo em um arrebatamento de ira. Não era o que tinha sonhado. A duquesa merecia muito mais. De maneira que se o moço a desejava, se esse era o motivo desse desafio sutil, podia gozar dela. Todos eles podiam gozaria. E quando terminassem, ele a estrangularia lentamente enquanto a possuía a sua vez. Elliot sorriu, saboreando a idéia. Mais ainda, adorou ver que a duquesa parecia desconcertada. Bem. Sua audácia de um momento antes tinha sido algo inesperado, inadequado absolutamente. Queria vê-la morto de medo. Assim o necessitava. -Tem você um estranho senso de humor, Sua Graça. Espero que não o perca muito logo. -Logo Elliot se esqueceu dela por um momento para perguntar ao Angel:- Houve alguma dificuldade com o senhor Dryden? -Nenhuma que possa mencionar. -Excelente. Começava a duvidar dele, mas cumpriu admiravelmente com sua parte. E agora nos ajudará um pouco mais ao fazer que ganhemos tempo. -Como? -Fará que a custódia da duquesa a busque em direção equivocada, é obvio. depois de tudo, lhe convém tanto como a nós que não a encontre. 220

-Não lhe importará muito -informou Pete, a essas alturas-. Angel lhe matou. Houve outra larga pausa antes que Elliot dissesse: -Compreendo. -E outra larga pausa antes que acrescentasse:- Bom, não haverá tempo ganho. Suponho que tornastes depressa, pelo menos. -Fizemos bom tempo -grunhiu Angel-. E agora me responda você: por que não disse alguma vez que era uma moça bonita? -Porque esse fato não vem ao caso. -Sim que vem ao caso. Muito ao caso. Não é possível desperdiçar uma coisa tão bonita como esta. Seu dedo roçou a bochecha do Jocelyn, ao compasso dessas palavras. Ela o afastou bruscamente. De maneira que isso era o que tinha querido lhe dizer ao sugerir que esse não era seu último dia. Estava obscurecendo. Na escuridão ninguém poderia achá-la. Esses homens disporiam de toda a noite para violá-la. E Angel tinha intenções de ser o primeiro, sem dúvida. Longnose deveu pensar o mesmo, pois sorriu outra vez. -sobrou tempo para isso, por certo. Eu mesmo ia sugerir o. Mas todos vós deverão tomar cuidado, porque o privilégio de matá-la é meu. Se Jocelyn tivesse sido propensa aos desmaios, ante essas palavras teria cansado a terra. Invadia-a o pânico. Sua única possibilidade era Sir George. Se chegava lhe plantariam uma rápida e misericordiosa bala nas costas, pois só assim poderiam detê-la. Mas Angel deveu lhe ler os pensamentos outra vez, pois lhe pôs no braço uma mão que parecia uma morsa, mantendo-a a seu lado. Nesse momento, Jocelyn lhe teria matado com gosto. Mais ainda: estava procurando um de seus alfinetes quando a voz grave do homem a obrigou a deter-se. -Parece-me que você não me entende -disse ao Longnose-. decidi ficar com ela... até que me aborreça. -Nem pensar nisso! A voz do Angel se tornou brandamente ameaçadora. -Não lhe estou pedindo permissão, inglês. 221

A cara do chefe voltou a manchar-se de cor. Até levantou o fortificação, o qual foi um engano. O que seguiu foi uma cena que já se estava fazendo familiar para a jovem: um revólver extraído em um abrir e fechar de olhos. Logo que deu um coice quando a arma disparou. Entretanto, para seu eterno desgosto, Longnose seguia de pé. A bala do Angel não tinha feito a não ser lhe arrancar o fortificação das mãos. Mas o homem não teve o bom tino de acalmar-se. -Senhor Owen! -gritou. Esse cavalheiro parecia ter mais sentido comum. -Nada, nada, chefe. Não me coloco com gente como ele. Longnose jogou um olhar aos outros. Pareciam ter opinião parecida. Um a um, os revólveres embainhados foram caindo a terra. Só então Jocelyn notou que Angel ia apontando sua arma de um em outro. Ninguém queria provar sorte lhe desarmando, embora eram tantos contra um sozinho. Incrível. Claro que não só ela tinha presenciado sua demonstração de celeridade e pontaria. -Traz esse cavalo, Saunders -ordenou Angel, assinalando ao Sir George. O moço se apressou a obedecer. Jocelyn esteve aponto de sorrir de puro alívio, mas recordou que isso não era um verdadeiro resgate. Simplesmente, saía da frigideira para cair no fogo. Entretanto, agora tinha melhores possibilidades e não corria perigo iminente de morte. Provavelmente tinha motivos para estar agradecida a seu inesperado salvador. Trocou de idéia quando ouviu a despedida do Angel ao Longnose: -Para que fique tranqüilo, homem, pode você considerá-la morta. Levoa onde sua gente não possa encontrá-la. E quando acabar com ela... -Matará-a? -por que não? -replicou Angel, encolhendo-se de ombros-. Tenho o dinheiro do Dryden como pagamento adiantado.

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Capitulo 33 Jocelyn tinha suposto que a montariam no Sir George, mesmo que Angel cavalgasse detrás dela para assegurar-se de que não fugisse com o potro. depois de tudo, terei que abandonar essa zona a toda pressa. Mas depois de levar a ambos os cavalos da brida até a costa, sem deixar de apontar com a arma ao grupo dali abaixo, Angel montou seu próprio cavalo e a içou à arreios, pondo-a diante dele. O potro seria levado da brida, tal como tinha feito Saunders anteriormente. Entretanto, houve um momento surpreendente quando lhe perguntou, no momento de partir: -Esse rifle que você levava, sabe usá-lo? Como ela não tinha desejos de cercar conversação, limitou-se a assentir com a cabeça. Foi uma surpresa que lhe pusesse seu próprio rifle nas mãos, com esta ordem: -Dispare contra algo que apareça sobre essa colina. -Preferiria disparar contra você. -Seriamente? Bom, deixe-o para outro momento, querida. Ela compreendeu que tinha razão. depois de apoiar o rifle no ombro do bandido, para tomar pontaria, disparou umas quantas vezes. Não podia saber se estava fazendo-o contra cabeças ou contra pedras, pois a intensa luz rosada do sol poente era enganosa. Mas houve ruído de disparos, que continuaram muito depois de que eles estivessem fora de seu alcance. Mesmo assim, Jocelyn não se sentiu a salvo a não ser quando Angel recuperou seu rifle. Nesse momento, ele a assustou a morte passando-a à garupa do cavalo sem prévio aviso e açulando a seu cavalo, com o qual ela teve que aferrar-se para não cair. Nem por um momento pensou em soltar do impermeável. Mesmo que tivesse podido esconder-se, aproveitando a iminente escuridão, esse dia sua sorte era muito malote para tentá-lo sem romper o pescoço na queda. Mas ele diminuiu a marcha quando a escuridão foi total. Inclusive quando apareceu a lua, lhe oferecendo luz suficiente para evitar os 223

arbustos e as rochas grandes, manteve-se ao passo. Jocelyn não pôde deixar de perguntar-se por que. Ao fim lhe ocorreu que quem lhe perseguisse tampouco se arriscariam a um passo mais veloz, ao menos até o amanhecer. Não tinha idéia do rumo que levavam. Em um principio ele se encaminhou para as montanhas do este, mas já não parecia levar uma direção fixa. E quando o céu se obscureceu, Jocelyn perdeu todo sentido da orientação. Se havia montanhas diante, ela já não as via. -Durante quanto tempo podem procurá-la seus guardas, esta noite? Essa pergunta, que vinha depois de tão comprido silencio, tomou ao Jocelyn por surpresa. Oxalá estivesse preocupado. Por sua parte, não pensava lhe dar nenhuma informação que o fora útil. -Em seu lugar, eu me preocuparia mais pelo inglês -disse-. Não cria que se conformará esperando que você me impeça de escapar e me mate quando se cansar. Não: será ele quem me siga, mas para nos matar aos dois. Ele não disse nada. Tampouco repetiu sua pergunta, deixando-a muito desiludida pela falta de oportunidades de mostrar-se esquiva. Uns vinte minutos depois teve outra, quando ele tratou de tomar as mãos para obrigá-la a lhe rodear a cintura. Ela resistiu com prazer. E provocou seu aborrecimento, a julgar pelo grunhido que lhe espetou por sobre o ombro: -Em seu lugar, trataria-me com mais carinho. Jocelyn não se deixou impressionar. -Você não me intimida, senhor Angel. Será melhor que me mate agora mesmo, porque não penso ser seu amante nem sua rameira. -Minha esposa, talvez? Isso a desconcertou. -Quer casar-se comigo? Mas acredito recordar que o dinheiro não lhe interessa. -Quem fala de dinheiro? Que absurda pergunta! -Bom, suponhamos que você me diz por que fala de casamento. 224

-Além do motivo mais óbvio, o homem tem direito a pegar a sua mulher. -Não lhe vejo nada divertido! -espetou-lhe ela. Uma súbita risada lhe fez compreender que ele só tinha estado brincando-. Odioso! -murmurou para seus adentros. -Onde está esse senso de humor com o que soube provocar ao inglês? -dormiu-se, pelo visto. É o que eu gostaria de fazer. Pensa continuar viagem toda a noite? -Quer que desmontemos a esperar a meus amigos? Esse humor a estava irritando. -Não se esqueça de meus. -O mais provável é que seus guardas se perderam nas colinas, tesouro. Não contam com nenhum rastreador. Claro que está esse mestiço acrescentou, em tom calculador-. Parece-lhe que ele se incomodará em procurá-la? Tendo em conta a maneira abominável em que Colt a tratava ultimamente? -Não -disse Jocelyn, sem pensar. Logo compreendeu que tinha devido mentir-. Mas eu não descartaria a meu guarda com tanta facilidade. O riu entre dentes. Isso foi muito: Jocelyn começou a lhe dizer tudo o que pensava dele, mas nesse momento ouviu que um cavalo se aproximava. Afogando uma exclamação, olhou para trás. Um borrão cinza vinha para eles, a perigosa velocidade. O coração lhe subiu à garganta. -Alguém está a ponto de nos alcançar! -Sei. -O... Bom, faça algo! Ele fez algo. deteve-se e pôs a seu cavalo em direção contrária. Até desmontou, atraindo-a para si. Mas não extraiu o revólver nem procurou seu rifle. Lhe olhava como se lhe acreditasse louco. Por sua parte, não esperou a ver quem era: pôs-se a correr, e cobriu uns quinze metros antes que uma mão a levantasse em velo, seu alarido de susto estalou em toda a campina, só para interromper-se bruscamente quando a mesma mão a plantou em outro cavalo. 225

-Está bem? Jocelyn piscou, sem poder dar crédito a seus ouvidos. Mas era, na verdade, sua voz. Levantou a vista para confirmá-lo. Viu seu rosto feroz e formoso. -OH, Colt! -gemeu. Por algum motivo tolo pôs-se a chorar, sepultando a cara contra seu peito. Ele se deteve e a envolveu melhor com os braços. Por um momento lhe impediu de respirar. Pelo visto, esse homem não conhecia sua própria força. -Está bem? -repetiu. -Sim. -E por que chora? -Não sei! -E chorou com mais força... até que ouviu a risada do Angel na distância. Então ergueu as costas, perguntando:- Onde está seu revólver? -Para que? -Quero matar a esse maldito! -Não, nada disso -disse Colt, lacônico-. Talvez o eu faça, mas você não. Com essas palavras, fez girar a seu cavalo e retornou ao trote até onde Angel lhe esperava, ainda rendo entre dentes. Jocelyn não entendia o humor desse homem, mas a punha furiosa. Acaso não se dava conta de que esta vez a tinham resgatado de verdade? E então compreendeu. Na verdade todo tinha terminado. Colt estava ali e não permitiria que lhe fizessem mal. Já não a queria: era impossível enganar-se. Nunca a tinha querido, muito menos agora. Mas mesmo assim a protegeria. E ninguém podia fazê-la sentir tão segura e protegida como ele. Quase compadecia ao Angel, que não tinha noção do perigo que corria. Seu chateio desapareceu ao pensá-lo. depois de tudo, o homem não lhe tinha feito mal. Pelo contrário, tinha-a protegido dos outros. Colt poderia ter chegado a tempo para impedir que Longnose a matasse, mas não para evitar que os outros... Disso se encarregou Angel. Tinha que fazer o ver, sobre tudo depois do comentário que ele tinha feito sobre a possibilidade de matar ao Angel. 226

-Né.... Colt.... -Agora não, duquesa. -Mas Colt... Era muito tarde. Ele desmontou até antes de deter o cavalo. E só então, ao lhe observar, compreendeu que estava furioso. Angel também deveu notá-lo. Ela os tinha visto desencapar a ambos e não teria podido determinar qual dos dois era mais rápido. Um momento depois, Angel pendia no ar a uns quinze centímetros do chão. -Se fosse um pouco mais corpulento, maior filho de puta, mataria a golpes! -OH, vamos, Colt. Fiz o que me pediu. -Que diabos está dizendo! -Isso, com um sacudo.- Pedi-te que a ajudasse se a levavam a banda, não que lhe levasse isso você mesmo. -Estava tudo calculado! -Tem mutíssima sorte de que estivesse eu ali para te cobrir -bramou Colt, antes de lhe soltar. -Imaginei que foi você quem os mantinha ocupados. Quando chegou? -Não tão a tempo para te impedir de franquear essa colina -disse Colt, aborrecido. Mas acrescentou, quase com angústia-: Maldito seja, Angel! Se não tivesse presenciado seu ardil, provavelmente te teria matado ao te encontrar. Pô-la em tanto perigo... Ainda acredito que deveria te matar a golpes. -Bom, bom -reconheceu Angel, conciliador-, talvez me excedi. Mas o perigo não era tanto, Colt. passei bastante tempo com essa banda e sei o que se pode esperar deles. A metade deles são perfeitos covardes; outros não sabem distinguir seu culo de um buraco no chão. -Mas por que diabos fez isso? -Para que ela conhecesse seu inimigo. Todo mundo tem esse direito, Colt. Durante todo este tempo ele atuou com vantagem porque a moça não podia lhe reconhecer se cruzava com ele na rua. Agora lhe conhece. -Bem pôde lhe matar, simplesmente, e me economizar o problemamurmurou Colt. 227

-Você não me pediu isso. -Angel sorriu.- Além disso, suponho que esse direito é também dela. A irritação do Colt voltou a estalar. -Por quem diabos a tomadas? Por uma segunda Jessie? É uma duquesa, homem, por amor de Deus. Esta gente não se dedica a matar a seus inimigos. Contrata a outro para que o faça. -Eu não o diria com tanta segurança, Colt Thunder -interveio Jocelyn, dominando com muita dificuldade a voz-. Quer me oferecer seu revólver para comprová-lo? Pelo visto, ambos se tinham esquecido dela. Angel fez uma careta de horror. Colt girou para ela, com o cenho franzido, mas se cuidou muito bem de lhe oferecer sua arma. Pelo menos, ela era capaz de martelá-la e lhe apontar. -Deveria fazê-lo, sabe? -A mulher estava fervendo de fúria, não tanto como para lhe matar, mas se para gritar.- por que demônios não me disse que tinha enviado a alguém a esse ninho de víboras? Sabe que seu condenado amigo não me fez saber uma só vez que estava ali por tua ordem? Mencionou algo sobre um favor, mas me deixou pensar que era ao Longnose a quem o devia. E sabe o que disse ao Longnose que faria comigo? ia utilizar me até que se cansasse de mim; depois, é obvio, mataria-me. -Queeeé? -queixou-se Angel, com ar inocente, quando o cenho do Colt se voltou para ele-. Tive que lhe dizer algo para que o pensasse duas vezes antes de nos seguir Como ia eu ou seja que estava ali para contê-los? -E por que não esclareceu coisas com ela, uma vez que a tirou dali? -Que tolice, Colt, supus que ela não se tragou esse montão de esterco. Brinquei bastante com ela. Disse-lhe que não tinha do que preocupar-se. E ela não me tinha medo. Só uma vez a vi alterada: quando enviei a esse hipócrita do Dryden com seu Criador. Realmente me revolveu o estômago que nos entregasse isso assim. O olhar do Colt voltou então para o Jocelyn, e ela teve a sensação de que seu aborrecimento também trocava de direção. Agora estava furioso com ela, por algum motivo que ela não podia imaginar. 228

-Bom, estupendo -disse, suspirando-. De maneira que agora a culpado sou eu. Poderia me dizer por que? -E ainda o pergunta? Deixa-te mentir por esse cretino e logo tem a coragem de preocupar-se com sua morte. Segundo lembrança, nem sequer piscou quando matei a um desses bandidos para te proteger. Ela ainda não compreendia qual era a objeção. -Eu não conhecia fulano que matou. Via-o pela primeira vez. Além disso, matou para me proteger. Angel, pelo contrário, matou a sangue frio. Acredito conhecer a diferença. Ele apertou os lábios, lhe fazendo saber que isso não lhe apaziguava. Também Angel tinha o cenho franzido ante esse alegação por escrito, mas não se incomodou em discutir com ela. Colt estava muito zangado, mas ele precisava justificar-se. Que sangue-frio nem menino morto! -Sabia o do Dryden, Colt? -perguntou, afastando a atenção de seu amigo da duquesa. -Não tudo, obviamente -replicou Colt, com brutalidade-. Quando lhe recrutaram? -Quando todos vós estavam imobilizados no Silver City. Acessou a nos trazer para a duquesa; por isso não houve necessidade de aproximar-se até onde pudesse nos detectar. Dizem que matava a viúvas ricas... depois de casar-se com elas. Parece-te mal que lhe tenha liquidado? -Eu mesmo lhe teria matado só por entregá-la. Não esperava isso, Por Deus. Mas ao fim tinha recordado de onde lhe conhecia. Expulsaram-lhe do Cheyenne, faz alguns anos, quando lhe surpreenderam fazendo armadilhas com os naipes. Parece-me recordar que havia certa viúva preparando-se para umas bodas; ficou um pouco desconsolada por essa partida. Os olhos do Jocelyn se acenderam por um momento. -E tampouco te incomodou em me dizer isso? -Para arruinar seu pequeno romance? Pareceu-me que não me agradeceria isso. Eram ciúmes os que se revelavam em seus bramidos? A idéia era tão incrível que... dissolveu-se instantaneamente. Não podia ser. Provavelmente lhe chateava não havê-lo sabido tudo sobre o Dryden. Mas 229

o dia tinha sido exaustivo; Jocelyn já não suportava por um momento mais sua atitude nem o humor do Angel. Esse miserável sorria outra vez! -Recolhe isto -disse, desgostada, jogando no Colt seu revólver antes que a tentação se fizesse muito forte. Logo lhe ignorou para voltar-se para o Angel-. O protocolo exige que lhe as dê obrigado por sua ajuda, senhor, por lamentável que tenha sido a maneira de me emprestar isso. Ele fez uma careta, mas a jovem ainda não tinha terminado.- me permita, portanto, lhe desejar uma vida larga e muito tranqüila... meu maior desejo é que mora de puro aborrecimento. boa noite, cavalheiros. Sem sequer voltar a olhá-los, enganchou a perna ao incômodo corno que apresentava a cadeira do Colt. Nem sequer tratou de localizar o estribo, sabendo que estaria graduado para aquelas pernas largas, não para as dela. Mas o precário de seu cabo não lhe fez trocar de idéia: pôs ao cavalo em marcha e se afastou. Como Colt não se movesse, Angel comentou ao desgaire: -Se subida assim se for romper o pescoço. -É sua maneira de montar. -Mas não em uma cadeira do oeste, homem. Colt jurou baixo, mas acabou por gritar: -Duquesa! Retorne! Naturalmente, não lhe emprestou atenção. Ele tampouco fez gesto de segui-la. Em troca emitiu um agudo chiado e aguardou, caso que ela também deixaria escapar um par de maldições quando seu cavalo girasse. Na verdade, o animal se deteve e tomou a direção contrária, mas a duquesa, em vez de amaldiçoar, deslizou-se tranqüilamente ao chão. Então Colt ouviu esse estridente assobio que lhe tinha ouvido lançar uma vez, e foi virtualmente derrubado pelo potro do Jocelyn, que partia em resposta à chamada. Colt, lançando palavrões de todas as cores, partiu para a carreira para sair ao encontro do appaloosa, sabendo perfeitamente que Sir George chegaria primeiro a ela. E a lombos desse raio que ela tinha por cavalo seria impossível alcançá-la. Angel montou a sua vez, sem pressa alguma, e os seguiu, rindo. 230

Capitulo 34 -Se por acaso não sabe, envelheci dez anos. -É provável que eu também me tenha envelhecido uns quantosrespondeu Jocelyn à condessa, enquanto se afundava um pouco mais na pequena tina que tinham levado a habitação compartilhada por ambas. -Se ao menos me houvesse... -OH, Vã, por favor, por favor, deixa de te culpar. Ninguém podia saber o que ser desprezível havia debaixo de tanto encanto. O mesmo Colt não suspeitou nunca de quanto era capaz, até sabendo que Dryden não era trigo limpo. -Bom, me alegro de que esse simpático Angel lhe tenha despachado. Seriamente. Era o menos que merecia. -Angel, simpático? -exclamou Jocelyn, sufocada-. Esse homem... -Resgatou-te, querida. -A gastos de minha paz interior! A condessa fez estalar a língua. -Não proteste pelos meios. O que conta é o fim. -Colt estava ali -recordou-lhe Jocelyn, carrancuda-. O não teria permitido que ninguém me tocasse. -Mas seu amigo não sabia. Seu amigo arriscou a vida para te tirar dali, correndo grandes perigos. -Foi seu amigo o que me levou até ali, para começar! -replicou Jocelyn, que tinha ouvido já muito-. Por outra parte, esse amigo não disse nunca que era amigo do Colt. Não quero ouvir uma palavra mais sobre esse condenado homem. Colt tinha razão: terei que lhe matar a golpes. Vanessa arqueou as sobrancelhas, não só pelo arrebatamento malhumorado da jovem, mas também por essa expressão. -lhe matar a golpes? -Sim. Esparramo de tripas e essas coisas. Vanessa supôs que Jocelyn não fazia a não ser mostrar-se sarcástica. -Não me resulta gracioso, querida. 231

-Pois falo a sério. -Ah... bom.... Jocelyn aguardou, mas essa última réplica tinha deixado a seu amiga definitivamente muda. Voltou a trabalhar em seu bordado, com pontos breves e suspensórios, que provavelmente teria que refazer depois. A jovem se relaxou na tina, tanto como pôde, e fechou os olhos. Era sua primeira possibilidade de relaxar-se desde que Longnose esteve a ponto de sair-se com a sua. Não gostava de recordar o perto que tinha estado esta vez de elevar-se com ela. Tampouco lhe era grato ter uma imagem desse homem horrível para trazer para a mente. Mas nesse aspecto Angel tinha razão: era preciso lhe reconhecer. Por muito que a perturbasse recordar a cara do inglês, beneficiava-a poder fazê-lo. Essa noite se tinha encontrado com seus homens pouco depois de iniciá-la carreira para afastar-se do Colt. Quase o esperava, pois tinha notado, com certa surpresa, que estava no caminho principal. Angel tinha estado levando-a para seu grupo de um princípio; Colt os seguia de perto, mas em vez de organizar uma cena, como ela esperava, limitou-se a lhe dizer: -Terei que fazer algo com esse mau teu gênio. Só mais tarde descobriu Jocelyn que só Colt tinha ouvido o disparo com que Angel matasse ao Dryden; só por isso tinha podido achá-la com tanta prontidão. Seus homens tinham saído a procurar a ao ver que não retornava à hora habitual, mas se viram obrigados a seguir o rastro até as colinas, para começar. E também nesse aspecto Angel estava no certo: no grupo não havia nenhum rastreador. Quando retornaram às carretas, Maura Dryden, ou qualquer que fosse seu verdadeiro nome, tinha desaparecido, Vanessa supunha que a mulher tinha roubado um cavalo para escapar aproveitando as últimas luzes do dia, mas não estava segura, pois por então tanto ela como as outras mulheres estavam muito afligidas para reparar na loira. De qualquer modo, o mais provável era que Maura tivesse cansado no pânico ao notar que Milhares não retornava para informar do suposto "acidente" sofrido pelo 232

Jocelyn, tal como planejava. Deveu supor que a tinha abandonado ou que algo tinha saído mau. De um modo ou outro, teve a prudência necessária para não esperar a inteirar-se. Jocelyn pensava que se teria oculto na Santa Fé ou naquela cidade que tinham evitado, possivelmente. Dificilmente abandonaria a zona sem saber o que tinha sido de seu amante. Por sua parte, importava-lhe muito pouco o que fora da Maura, sempre que não voltasse a encontrar-se com ela. Por sugestão do Colt, partiram diretamente para a Santa Fé, detendose só por breves períodos para que descansassem os cavalos. Não era agradável dormir nos veículos, mas desse modo reduziram na metade o tempo necessário para chegar à velha cidade, enquanto o inglês, provavelmente, seguia procurando à duquesa e ao Angel entre as montanhas. Em realidade, essa pressa não era necessária: ele não atacaria com tão poucos homens. Mas existia a possibilidade de que voltassem a desorientar-se. Agora podiam abandonar o caminho para tomar a ferrovia e até deixar que ele passasse de comprimento. Mas ainda não se tomaram decisões. Jocelyn esperava discutir o assunto com o Colt, mas essa última aventura com o Longnose não tinha alterado os hábitos do mestiço: após não havia lhe tornado a ver. -Sabe? Devo admitir que nosso guia atuou bastante bem durante esse desagradável episódio. Jocelyn abriu bruscamente os olhos. Por Deus, era possível que Vanessa tivesse estado refletindo sobre isso durante todo esse momento? Em todo caso, sem dúvida tinha chegado a certa conclusão que ao Jocelyn não gostaria, sem lugar a dúvidas. -Isso pensava eu -reconheceu, vacilante. Ao menos, isso tinha pensado ela até que o guia voltou a zangar-se com ela sem motivos visíveis. -Impressionou-me a maneira em que saiu detrás de ti -prosseguiu a condessa-, sem perder um tempo valioso em procurar ajuda e sem saber a que se enfrentaria quando te encontrasse -Sabia que Angel estaria ali. -Em realidade, não sabia, se o pensar melhor. Quando voltou para o Benson, essa noite em que acampamos tão perto da cidade, e encontrou ali 233

a seu amigo, só lhe pediu que se introduzira no grupo do inglês quando se apresentasse a oportunidade. Não tinha modo de saber se Angel tinha conseguido unir-se aos bandidos ou quantos outros homens podia ter contratado esse Longnose a essas horas. Vanessa defendendo ao Colt? Jocelyn não queria saber onde levaria todo isso. Entretanto, por algum motivo, agradava-lhe ouvir louvores sobre o Colt, especialmente de boca de seu amiga. -Bom, nunca me pareceu que tipo que se preocupa com o que possa ocorrer. -Nos olhos da jovem apareceu um chiado. -Terá algo que ver com sua estirpe? depois de tudo, escutamos muitos relatos sobre índios que atacavam em pequenos grupos a grande número de habitantes. Jocelyn teve que conter um sorriso ao ver que Vanessa franzia o cenho ante essa observação. -A meu modo de ver, deve-se só à coragem -insistiu a condessa. Isso ia cada vez melhor. Se a condessa continuava nessa veia, Colt terminaria sendo bom candidato para o casamento. No caso de que o homem tivesse um sexto sentido, a essas horas devia estar fugindo do território. -O que acontece com Babette, que não chega alguma vez com a água? -Não troque de tema -admoestou-a Vanessa. -Nada disso. Eu nunca duvidei de que Colt tivesse coragem, Vã. De que fora cordato, talvez. Mas valente, é-o. -E por que não pede ao Colt que persiga o Longnose? Ali estava, por fim. Era tão desagradável como Jocelyn esperava. depois da rixa daquela noite, ela se tinha comportado de uma maneira tão deplorável que jamais poderia pedir outra coisa ao Colt; muito menos, que arriscasse a vida por ela, uma vez mais. -De maneira que lhe chama Colt, agora que lhe encontra utilidade. Vanessa teve a decência de mostrar-se envergonhada. -Nunca disse que não fora útil, querida. Só que já não era útil para o que tinha decidido lhe utilizar em um princípio. -Eu não gosto disso de "utilizar". lhe parece detestável. -O que? 234

-Utilizaram-lhe muito, Vã. -Mas isto é diferente. -Não acredito que o seja, a seus olhos. Além disso, o dia em que nos conhecemos lhe perguntei se podia lhe empregar para procurar o Longnose e lhe levar ante a lei. negou-se. -Isso foi antes que se interessasse intimamente por tí -assinalou a condessa. O calor se filtrou nas bochechas do Jocelyn, afastando o frio da água, já apenas morna. -Jamais poderia utilizar essa intimidade para me aproveitar dele! -Eu não sugeri... -Não? Por um momento houve silêncio; furioso, por parte do Jocelyn; contrito, no caso da Vanessa. -Sinto muito -disse ao fim a acompanhante-. É que me preocupo muito por ti. Longnose nunca se aproximou tanto ao êxito como esta vez. Seus atentados fracassaram com tanta freqüência que acabei por lhe acreditar tolo e incompetente; já estava convencida de que não representava uma ameaça real, a não ser só uma moléstia. Mas isso deixou de ser assim quando chegamos a esta terra selvagem, que parece fomentar em seus habitantes os piores rasgos. -Ou os melhores. -Bom, sim.. Se não querer abusar mais do Colt, compreendo-o. Alguns homens têm a absurda idéia de que quando uma lhes pede algo, dá-lhes direito a pedir o que desejarem em troca. E não preciso te dizer o que é o que pedem com mais freqüência. -Já sei -afirmou Jocelyn, com ar sábio-: o jantar. -Não, querida --começou Vanessa, mas surpreendeu a luz brincalhona nos olhos verdes e compreendeu que estava perdoada. -O jantar! Na verdade, é o primeiro que escolheriam alguns. Não te chamou a atenção que muitos estabelecimentos do oeste anunciem “comida caseira” em seus letreiros? Neste país parece ser muito importante. antes que a condessa terminasse, ambas se puseram-se a rir. 235

Ainda riam quando Babette irrompeu sem chamar no quarto de hotel. Vanessa foi primeira em ficar séria, recordando uma oportunidade anterior em que a donzela tinha entrado desse modo, com os olhos azuis muito abertos e as mãos agitadas. “Outra vez?", grunhiu para seus adentros. Mas as primeiras palavras do Babette demonstraram que a cena se repetia. -Monsieur Thunder... dispararam-lhe! Vanessa fechou os olhos com um suspiro... até que ouviu o chapinho. Então recordou outra coisa que tinha ocorrido aquela última vez e saiu disparada de sua cadeira para bloquear a porta. Na verdade, chegou apenas um segundo antes que a duquesa. -Não irá... -Vã! A condessa se negou a lhe ceder passo. -Disse que lhe tinham disparado, não que lhe tinham matado. Não morreu, Babette, verdade? -Non, Madame. -Vê? Não tem por que sair desse modo, enche de pânico e sem roupas. Ou não recorda que está completamente nua, querida? Jocelyn já tinha girado em busca da bata. Babette a alcançou, e Vanessa compreendeu que seria inútil lhe sugerir que se vestisse de uma maneira mais apropriada, Jocelyn fechou apenas a bata e saiu da habitação. A condessa suspirou uma vez mais, cravando na donzela um olhar de exasperação. -Um dia destes teremos que falar seriamente sobre essa tendência a quão melodramático está desenvolvendo, Babette.

Capitulo 35 Jocelyn não sabia qual era o quarto do Colt, mas não lhe custou encontrá-lo: havia cinco ou seis de seus homens ao redor da porta e na soleira. depois de abrir-se passo entre a multidão descobriu que dentro havia mais: ali estavam Angel, Billy e Alonso. Colt estava sentado em uma 236

cadeira, sem camisa; jorrava-lhe sangue pelo braço, brotando sob um curativo molhado. O coração lhe deu um tombo ao ver o sangue, mas só por um momento; imediatamente abandonou o frenético palpitar que tinha assumido do momento em que abandonasse sua habitação. Ele estava sentado, tinha estado conversando e lhe via bem, sem contar o sangue. A ferida não era mortal. Colt cobrou consciência de que todos os pressente estavam olhando ao Jocelyn ao mesmo tempo em que ela também se precavia. Por um momento tinha sido como se todo o resto tivesse desaparecido. Colt só podia vê-la a ela, tão pouco vestida: o veludo branco da bata, modelando as curvas úmidas; a gloriosa cabeleira vermelha, amontoada sobre o cocuruto, com compridos brincos molhados que se aderiam ao veludo ao redor dos peitos; no pescoço e nas bochechas ainda tinha gotas de água; ia descalça. O ferido esteve a ponto de levantar-se para alargar as mãos para ela, tão poderoso e instantâneo foi o efeito que lhe causou. Era como um punho que lhe golpeasse em pleno ventre. de repente ouviu que alguém pigarreava e recordou que não estavam sozinhos. Não podia tocá-la; não podia lamber as gotas de seu pescoço; não podia sequer aproximar-se dela. Teve que limitar-se a olhá-la, a observar sua tez clara, tão pálida, que se alagava de cor ao recordar ela também que não estavam sozinhos, que acabava de faltar a todas as regras do decoro, que estava meio nua. E então Colt teve a súbita e feroz necessidade de matar a todos os homens pressente só por havê-la visto assim. Jocelyn foi primeira em recuperar-se, o qual foi uma sorte, pois Colt estava a ponto de lhe causar um escândalo horrível carregando-lhe sobre o ombro para levá-la a sua habitação, onde deveria estar. Por fortuna, a moça não o adivinhou; do contrário não teria podido fingir desenvoltura para escapar da embaraçosa posição. Mas o descaramento tem sua utilidade. Quão único podia fazer era fingir que nada tinha que estranho em que seus homens pudessem vê-la nesse estado. Haveria que dar desculpas para justificar o ter aparecido ali. Isso teria sido mais fácil se Colt tivesse estado algo mais grave. 237

-chamou-se já ao médico? Posto que não dirigiu sua pergunta a ninguém em especial, não se teria sabido dizer quem foi o que respondeu negativamente. -Nesse caso, teria você a bondade de ir em busca de um, Rob... ? -Não me faz falta nenhum médico -interveio Colt. -Talvez não, mas não estaria de mais... -Não quero médicos... senhora. O que quero é que me deixem em paz. Disse-o em voz baixa, mas com tanto aborrecimento contido que o êxodo se iniciou imediatamente. Só ficou Angel, sentado no extremo da cama, e Billy, que continuou espremendo o pano com o que Colt tinha estado limpando-a ferida... e Jocelyn, ainda de pé no centro do quarto. Colt preferiu ignorá-la, com a esperança de que ela captasse a indireta e se retirasse. -te apresse, filho, antes que me sangre. Não pôde dizer nada pior. Jocelyn estava a ponto de retirar-se, pensando que tinha feito mal em acudir; mais tarde averiguaria como tinha recebido esse balaço. Mas se deteve, dizendo: -Sim que faz falta um médico! -Não, maldição -bramou Colt, compreendendo que acabava de cometer um engano-. Foi só um... Que diabos está fazendo? Jocelyn já se aproximou dele e alargava a mão para tirar o pano molhado que cobria a ferida. -Quero me assegurar pessoalmente... Ele voltou a interrompê-la: -Deixe, duquesa. É só um arranhão. -Demônios, Colt, desde quando é tão resmungão? -comentou Angel, levantando-se da cama-. por que não deixa que ela te cure, já que está bem disposta? Bem se sabe que as mulheres têm a mão mais suave. -Acredito recordar que gritou como um porco quando Jessie te extraiu aquela bala do flanco. -Sua irmã é uma exceção -sorriu o pobre -. Vamos, Billy. O homem está em boas mãos. 238

-Volta aqui, Billy! -exigiu Colt, ao ver que seu irmão seguia ao Angel para o corredor. -Mas se Angel tiver razão, Colt! Lady Jocelyn pode te enfaixar melhor que eu. Colt não necessitava o moço para que lhe enfaixasse, mas sim para que atuasse de amortecedor. Era possível que nenhum deles o compreendesse? A porta se fechou depois dos dois, lhe deixando a sós com a duquesa. -Acredito te haver feito uma advertência, faz algumas semanas observou em voz baixa, cuidando de não olhá-la-. Esqueceu-a? -Não, mas neste caso se trata de uma emergência. Não opina assim? -É um simples arranhão, duquesa... -Mesmo assim terá que curá-lo. E posto que seus amigos e seu parente abandonam a minhas tenras cuidados, por que não permite que te cure e deixa de te mostrar tão... resmungão? Ele esteve a ponto de torcer os lábios. A arrogância dessa mulher poderia ter sido um par de graus menor, mas terei que admirar tanta tenacidade. Descobriu que, enquanto mantivera a vista fixa no lado oposto da habitação, até podia suportar sua proximidade... um momento. Também descobriu com chateio que lhe agradava ser objeto de suas cuidados e sua preocupação. Claro que todas as mulheres atuavam desse modo quando havia um homem ferido, mas mesmo assim ela não estava obrigada. Teria podido mandar a alguma de suas mulheres. por que lhe atendia pessoalmente? E por que tinha entrado em sua quarto dessa maneira, quase frenética? -O que lhe disseram para que viesse apenas saída do banho, sem sequer te secar? Jocelyn se ruborizou até a raiz do cabelo. -Não deveria ter reparado nesse detalhe. -Quem não se deu conta, merda? -grunhiu ele. E imediatamente-: Ai! Lhe tinha aplicado outro pano molhado no braço, sem prévio aviso. Angel teria que inteirar-se de que sua teoria da suavidade feminina tinha outra exceção. -Quem disse que te ensinou a falar em inglês? 239

-Minha irmã -replicou ele, irritado. -Pois o inglês de sua irmã deixa muito que desejar. -Aprendi umas quantas palavras por minha conta. -eu adoro sabê-lo. Mas alguém deveria te haver ensinado que é incorreto as dizer em presença de uma senhora. -Não me respondeste... senhora. -Disseram-me que tinha recebido um disparo. -Temia haver ficado sem guia? -Algo assim -replicou ela, seca. Ele franziu o cenho e se afundou um pouco mais na cadeira. -Não pode te dar um pouco depressa? -Para ser um arranhão, está bastante mal. -A bala tinha aberto um sulco profundo na capa superior de carne e músculo. Jocelyn não se explicava como fazia Colt para não queixar-se.- Não lhe viria mal uma sutura, para que não deixe uma cicatriz tão larga. O que, brincadeira era essa? -Os homens não nos preocupamos com umas quantas cicatrizes. -Já me dei conta. Lhe dirigiu um olhar brusco, mas Jocelyn estava observando as cicatrizes que tinha no peito. Posto que estava curvado contra o respaldo da cadeira, ela não podia lhe ver as costas. -Não vais perguntar como me fiz isso? -Acredito que já sei -respondeu ela, enquanto voltava a lhe atender o braço-. Chama-se "Dança do Sol", verdade? Ele não pôde dissimular a surpresa. -Como sabe? -Milhares sugeriu que talvez tivesse essas marcas. Eu não lhe acreditei, é obvio. Pareceu-me tão bárbaro... quando ele descreveu como se fazia... Esses estoques de madeira atravessados na pele do peito... e depois, o homem pendurado de uma árvore por Cordas sujeitas aos estoques, até que a carne se rasga, lhe deixando cair. É realmente assim como se faz? -Mais ou menos assim. -Mas por que submeter-se a essa tortura deliberadamente? 240

-Recorda que sou só um índio parvo. Assim de brutos somos. Olhou aos olhos pela primeira vez desde que começasse a lhe limpar a ferida. -Acredito te haver pedido que não faça isso -admoestou-lhe, com suavidade-. Tenho-te feito a pergunta por sincera curiosidade, tratando de entender algo de uma cultura com a que não estou familiarizada. Mas se não querer explicá-lo, te esqueça da pergunta, por favor. por que se sentia pequeno de repente? -É uma cerimônia religiosa -disse ele, depois de um breve silêncio, voltando a perder a vista no vazio-. Uma cerimônia de renovação em que se reza pedindo benções. Não todos os guerreiros participam, mas os que o fazem luzem suas cicatrizes com orgulho, como garantia da bênção divina. -Algo religioso -murmurou ela-. Devi ter adivinhado que era tão singelo. -Sentia tantos desejos de tocar essas cicatrizes que quase lhe tremiam os dedos.- Deveu ser horrivelmente doloroso. Valeu a pena... para ti? Sentiu que tinha recebido sua bênção? -Só por muito pouco tempo. -Sinto muito. Ele voltou a olhá-la, surpreso. -por que? -Se alguém se submeter a uma dor tremenda esperando uma bênção, tem direito a que essa bênção dure muito, muito tempo, não te parece? Do contrário, a que suportá-lo? -Não me tinha ocorrido. Ela compreendeu que esse ponto de vista divertia ao Colt. Não chegou a sorrir, mas era visível que lhe estava seguindo a corrente. Entretanto, preferiu não dizer nada. depois de tudo, o homem estava ferido. -Bom, não importa. por que não me conta como lhe fizeram isto? A mudança do Colt foi imediato e arrepiante. -Descuidei-me. Como ele não dissesse nada, Jocelyn se sentiu chateada ao ponto de interpretar deliberadamente mal: -Disparou-te você mesmo? Que estupidez! 241

O olhar rancoroso estava cheia de ameaças. -O disparo veio de um beco escuro. Quando cheguei ao extremo, o culpado já tinha montado a cavalo e saía da cidade a toda pressa. -E não sabe quem era? -Não lhe vi a cara, não, mas reconheci o cavalo. Lembrança melhor aos cavalos que às pessoas. Esse pertencia ao moço que acompanhava ao Angel quando levou ante o inglês. Angel disse que se chamava Pete Saunders, se mal não recordar. -Eu estava segura de que tínhamos chegado aqui antes que eles! -Pelo visto, estão decididos a não te perder o rastro outra vez, duquesa. Sabiam para onde nos encaminhávamos. E você te vê atrasada por esses veículos, mesmo que não estabeleçamos acampamentos. Deve lhes haver flanco muito pouco dar um rodeio a nosso redor para chegar aqui antes que nós. -Que sentido teve que nos déssemos tanta pressa, nesse caso? -Fizemo-lo se por acaso Angel tinha conseguido que perdessem tempo nos buscando nas montanhas. Sem dúvida tiveram sorte e descobriram o sítio em que ele trocou de direção. -E o que devo fazer agora? -perguntou ela, lhe atando a vendagem apertada com certo excesso, de puro nervosismo-. Suponho que estão vigiando as estações de ferrovia, alerta A... Espera um momento, por que dispararam contra ti? -Pelo de sempre -respondeu ele, seco-: para me matar. Nessa oportunidade a ele tocou receber um olhar rancoroso. -Longnose nunca tem feito mal a meus acompanhantes. Não tem motivos. Deveu ser um engano. Em sua inquietação, tinha começado a passear-se diante dele. Colt tinha que fazer um esforço para não observar a parte inferior de sua bata, que ameaçava abrir-se a cada passo. -Não foi um engano, duquesa. O que faria você se te encontrasse sem guia?

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-Contratar a outro... -Não terminou a frase, os olhos lhe acenderam com uma compreensão que não queria aceitar.- Mas os vi a todos. Como poderiam...? -Não enviarão a um homem que possa reconhecer. Seu Longnose procurará a outro; provavelmente já o tem. Não te disse Angel que esse era o plano original, antes que encontrassem ao Dryden? -Seu Angel é mais reservado que uma esfinge. Não me disse nada, é obvio. Mas se sabia por que não renunciaste? Recebeu um olhar de irritação tão feroz que esteve a ponto de sorrir: -OH, é certo, você não renuncia. -Já se sentia melhor.- Verá: eu tinha razão quando dizia que te necessito muito. Se te ocorresse algo não poderia contratar a ninguém para substituílo. Jamais teria a segurança de que não fora um homem às ordens do Longnose. Colt não ouviu muito mais, depois daquele “te necessito”. Se não a tirava logo dessa habitação, ela não se iria nunca mais. -Está bem, duquesa: neste momento tem poucas opções. Não pode contar com o trem. Tal como diz, estarão-o vigiando, e também seus veículos. Se dividir a seus homens para que alguns persigam o inglês e outros lhe protejam, não fará a não ser lhes facilitar as coisas. Ela franziu o cenho. -Disse que você não lhe perseguiria, sei. Mas esse trabalho não poderia interessar ao Angel? Ele moveu a cabeça. -Tem coisas que fazer no Texas e já se atrasou muito. Parte pela manhã. -O que posso fazer, nestas circunstâncias? -Pode te entrincheirar e esperar a que seu inimigo reúna um número de homens suficientes para te atacar O... Não terminou. Fora o que fosse a outra possibilidade, Colt parecia ter trocado de idéia ou não tê-la bem pensada. Ela estava muito impaciente para aguardar. -Ou o que? 243

Lhe cravou um olhar largo e atento, que acabou com um encolhimento de ombros. -Pode fugir sozinha. Por um momento ela pensou que era uma brincadeira. Não podia ser outra coisa. Mas imediatamente percebeu que sua desenvoltura era fingida: Colt estava tenso, quase espectador. -Sem nenhum amparo? -Comigo. Posso te levar sã e salva até Wyoming, mas seremos só você e eu, os cavalos e um duro rodeio. Seu grupo terá que seguir a seu próprio passo. -Só você e eu... -A cabeça lhe dava voltas ante as possibilidades. -Mas me advertiu que devia manter longe de ti -recordou-lhe-. por que oferece agora...? -Não me interprete mau, duquesa -interrompeu-lhe ele, com tom grave e hipnótico-. Asseguro-te que chegará a Wyoming sã e salva, mas não faço nenhuma outra promessa. Compreende o que te estou dizendo? Ela assentiu secamente, sentindo que a cor já lhe alagava as bochechas, e esteve a ponto de correr para a porta. -Terei que.... que pensá-lo... deteve-se, com a mão no pomo da porta, de costas a ele. -Quando quer partir? -perguntou. -Esta noite, quando menos imagine o inglês. Uma vez mais, ela fez um gesto afirmativo, mas sem voltar-se para lhe olhar. -dentro de muito pouco te farei saber minha decisão.

Capitulo 36 Era absolutamente inaceitável. Era tão indecoroso o nem sequer cabia pensar nisso. Além disso, existia essa ameaça implícita de que Colt não lhe guardaria muito respeito se lhe acompanhava. 244

Foi o único ponto que Jocelyn não mencionou ao revelar à condessa que se ia, nem depois, quando passou as duas horas seguintes discutindo com ela. Ao fim e ao cabo, a ela correspondia tomar uma decisão. E Vanessa acabou por conhecer que o plano podia ter certo mérito. depois de tudo, se Jocelyn podia passar despercebida ao partir, Longnose não abandonaria a zona, acreditando que ainda estava ali. Algo mais avançada a semana, o resto do grupo se dividiria em dois; alguns tomariam o trem para encontrar-se com ela no Cheyenne; os outros iriam pelo caminho da Santa Fé, segundo o plano original. E como Jocelyn não estava em nenhum dos grupos, Longnose não saberia a qual seguir e suporia que ela estava escondida. Até era provável que ele também dividisse a seu grupo, o qual facilitaria a tarefa das autoridades que lhe estariam esperando em Wyoming. Jocelyn não sabia como tinha recebido Colt sua decisão de viajar sozinha com ele, pois encarregou a um servente o lhe dar a notícia. Existia a forte possibilidade de que seu oferecimento não tivesse sido sincero; nesse caso, ele ficaria furioso ante o fato de que ela voltasse a tomar a palavra. depois de tudo, Jocelyn não chegava a compreender por que fazia isso em seu favor, se tanto lhe desgostava sua companhia. Mas se tinha sido sincero, só cabia supor que estava farto desse trabalho imposto e que desejava lhe pôr fim a qualquer preço. Se viajavam sem o estorvo desses pesados veículos, chegariam ao Wyorning na metade do tempo... ou menos. Quando foi procurar a, ao redor de meia-noite, ela estava preparada; pôs-se um de seus trajes de montar mais toscos; levava um manto comprido, forrado de peles, o rifle em uma mão e uma pequena maleta na outra. Colt se limitou a lhe tirar o chapéu de amazona, alto e de asa estreita, para substituir pelo que levava consigo: um chapéu de homem, de asa larga; era do mesmo estilo que o seu; assombrosamente, sentava-lhe bem. Ela não se opôs: não se atreveu. Teria que habituar-se a fazer as coisas tal como ele indicasse ou arriscar-se Deus sabia a que. A idéia não gostava de muito, mas teria que habituar-se também a isso. 245

De um princípio notou, em que pese a que não tinham intercambiado uma palavra, que Colt não parecia furioso. Claro que em geral resultava impossível adivinhar que sentia esse homem. Em todo caso, sua atitude era relaxada. Até lhe fez cair o novo chapéu sobre os olhos depois de ficar o como o teria feito um familiar ou um amigo brincalhão, mas jamais seu taciturno guia. De qualquer modo, não perdeu tempo em iniciar a marcha. Ela não teve muito tempo para analisar sua atitude. Tirou-a do hotel pela parte traseira e a conduziu por várias ruas, não para os estábulos, a não ser até um beco onde esperava seu irmão com os cavalos. -Viu a alguém? -perguntou ao Billy. -Nem a uma alma. Billy deu um passo atrás, permitindo que Colt montasse ao Jocelyn no Sir George; logo lhe acomodou a maleta. Ela teve que empregar alguns segundos em tranqüilizar ao animal, a quem não gostava de tanta proximidade com o potro do Colt. -Não esqueça o que te disse, filho -dizia Colt a seu irmão-. Segue a planície, com as montanhas diretamente a sua esquerda, e não terá problemas em guiar aos outros diretamente até o Cheyenne. Confio em que te presentes no Rocky Valley por sua própria conta. Se tiver que sair outra vez para te buscar, arrependerá-te. -Ali estarei -replicou Billy, algo resmungão-. Mas não penso voltar para os estudos. -Isso pode discuti-lo com sua mãe quando voltar a Chicago, que é o que deveria ter feito de um princípio. A essas alturas Billy sorriu: -Acreditou que eu não falava a sério quando dizia que não queria ser advogado, a não ser me dedicar à cria de gado. Agora sabe que não estava brincando. -Já o demonstraste, sim. Fica por ver o que ganhaste com isso. E de repente Colt encerrou ao Billy em um breve e triturador abraço, que surpreendeu tanto ao moço como ao Jocelyn, que os observava. 246

Ela teria jurado que Colt Thunder não tinha um pingo afetuoso em sua personalidade. Pelo visto, tinha-a, embora bem oculta. Enquanto Billy voltava para o hotel e Colt montava a cavalo, Jocelyn caiu na conta de que algo faltava. -Onde estão os cavalos com as provisões? -Viaja com um índio, duquesa. –Pela primeira vez disse esse título sem tom depreciativo.- Se não poder sobreviver com o que oferece a terra é porque estou muito grave. Ambos pensaram simultaneamente no Philippe Mariveaux: Colt, satisfeito de não ver-se obrigado a cheirar nunca mais outra comida cheia de vinhos franceses; Jocelyn, com pena. -Bastante fraca estou já -sentiu-se obrigada a protestar-. Provavelmente chegarei reduzida a nada. Ele teve o descaramento de rir. Mas pensando-o bem, era agradável a idéia de que ele provesse. Amparo, provisões e todo o necessário. Soava bem.

Capitulo 37 Cavalgaram durante o resto da noite, seguindo as rotas para facilitar o passo aos cavalos. Em certo momento, Jocelyn perguntou quando se deteriam para dormir. inteirou-se então de que não o fariam a não ser na noite seguinte. Já estava cansada e ainda não tinha amanhecido; Jocelyn esteve a ponto de retornar. Mas lhe ocorreu que provavelmente Colt a estava submetendo a uma prova. Possivelmente tinha feito uma aposta consigo mesmo: quanto demoraria ela em começar a queixar-se por algo? Claro que ela nunca tinha prometido não queixar-se. Se tivesse formulado promessa tão irracional não se teria atrevido a dizer nada, por difícil que lhe fizesse essa viagem. Mas decidiu que seu único entretenimento, nos dias vindouros, seria chatear a esse homem. portanto, não se queixaria embora morrera no intento. 247

Ao amanhecer se detiveram um breve momento para dar descanso aos cavalos. Ela pensou que tomariam o café da manhã, mas Colt se limitou a tirar de seus alforjes algumas fatias de carne seca e lhe disse que as mastigasse. Ela tentou, tentou com toda sua vontade. Mas os do oeste deviam ter dentes mais fortes que as duquesas. Por fim ficou aquilo na boca, como se fora um charuto, e passou o resto da manhã chupando-o. Por volta do meio-dia teve que tirar o manto. O dia não era quente, absolutamente, mas o passo que Colt marcava era um exercício exigente e chegava pouco vento das colinas pelas que transitavam. detiveram-se uma vez mais, de novo para dar descanso aos cavalos. Sir George agüentava aquilo muito melhor que Jocelyn, que sentia as costas em chamas e os músculos rígidos. A perna que enganchava ao corno da arreios, para manter o equilíbrio, lhe tinha dormido ao menos seis vezes. Invejava-a. Estava tão cansada que pouco lhe faltava para dormir na cadeira. Só o nervosismo do Sir George o impedia. Colt, pelo contrário, não dava a menor amostra de ter acontecido a noite em vela. Não se encurvava nem estirava as costas para acalmar o intumescimento; não inclinava sequer a cabeça. E o mas provável era que não lhe chiasse o estômago, como ao Jocelyn. Pouco depois do meio-dia recebeu um par de bolachas e um cantil com água, que lhe permitiu conservar. As bolachas não a satisfizeram, mas a água sim, ao menos por um momento. Colt levava os animais ao trote comprido um tempo; depois os fazia galopar um trecho, para pô-los ao passo durante dois ou três quilômetros; por fim os insistia de novo a tomar o trote comprido. Foi durante uma dessas marchas lentas quando Jocelyn ficou dormida. Despertou uma maldição que lhe ressonou nos ouvidos e uma banda de aço que lhe rodeava a cintura. -Por Deus, mulher! Quer te matar? O que lhe rodeava a cintura era o braço do Colt. Contra as costas tinha um travesseiro: seu peito. Ela a aproveitou imediatamente, sem que lhe interessasse como tinha chegado ali. -ocorreu algo? -perguntou, bocejando. 248

-Começava a cair do cavalo. -Sinto muito. Devo me haver adormecido. -E Jocelyn começou a cabecear outra vez. -Que o sente? Não tem o bom tino de dizer algo quando não pode manter desperta? Entorpecida, ela se perguntou por que lhe gritava. -Bom, não posso manter desperta. -Teimosia, disso se trata -ouviu-lhe murmurar-. Pura teima. Significasse isso o que significasse, não lhe importou. Já não lhe apertava o ventre. Alargou uma mão para lhe fazer acontecer uma perna sobre a cadeira, a fim de montá-la escarranchado, e moveu seu corpo até que ela se sentiu tão cômoda contra ele como em uma agradável poltrona. Até suas pernas lhe serviam de apoio, de modo que pôde relaxar-se por completo. Na verdade, estava tão relaxada que não se inteirou de que lhe tiravam o chapéu e as forquilhas, lentamente. Já se estava adormecendo outra vez. Mas ainda dormia com sonho profundo. Quando os cavalos voltaram para trote, ela o percebeu. -Não vamos nos deter? -Para que? -Para dormir, é obvio. -Não estava dormindo? -Os dois, digo. Ontem à noite você não descansou. -Não o necessito, mas tinha esquecido que você sim. Durma, anda. Não permitirei que te caia. Jocelyn não necessitava mais fôlego que esse, sobre tudo porque ele era muito mais cômodo que a dura terra. Colt detectou o segundo mesmo em que seu sonho se converteu em um esquecimento total. Foi como se seu corpo lhe desse um sinal, lhe indicando que a partir desse momento podia tocá-la. Não o fez. O saber que podia fazê-lo quando lhe desejasse muito deu paciência. Lhe pertencia durante uma semana, pelo menos. 249

A paz que sobreveio com essa decisão ainda a surpreendia. Mas levava tanto tempo lutando contra seu instinto que a confusão interior começava a lhe parecer normal. Teria devido perder a luta um pouco antes. submeteu-se a um inferno, e para que? Não se podia negar que desejava ao Jocelyn Fleming. Embora as mulheres brancas seguissem sendo um anátema para ele, a duquesa teria que ser a exceção. Ainda lhe irritava que lhe tivesse utilizado para preparar o caminho, a fim de que outro homem pudesse possuí-la, mas já se encarregaria de que ela o fizesse esquecer. Também lhe irritava que Jocelyn se derrubou para o Dryden com tanta prontidão. Mas antes que terminasse a semana não recordaria sequer o nome desse cretino.

Capitulo 38 Ela alcançou o clímax em sonhos. Despertou assim, ainda palpitante, com a mais grata frouxidão nos membros... e sem idéia alguma do que tinha estado sonhando, embora não resultava difícil supô-lo. estirou-se deliciosamente, bocejou... e caiu na conta de que estava a lombos de um cavalo. Ao abrir os olhos achou outro montão de realidades que clamavam por sua atenção. estava-se pondo o sol. O cavalo avançava ao passo, com as rédeas envoltas no pomo da arreios. Sua jaqueta estava completamente aberta, ao igual a sua blusa, e o lado direito de sua camisa de encaixe estava colocada debaixo do peito, expondo o gordinho montículo ao rosado esplendor do crepúsculo. Mas isso não era o pior. Tinha as saias recolhidas até o quadril, deixando ao descoberto a pouco feminina postura de suas pernas a cada lado do cavalo. E entre suas pernas... -Colt Thunder! -Já era hora de que despertasse. -Retira essa mão imediatamente! -Eu gosto de tê-la aí. -Pois eu não gosto do que está... 250

-Deixa de chiar, duquesa, ou esta noite não jantaremos. vais assustar a todos quão animais haja a vários quilômetros à redonda. Ela estava a ponto de gaguejar e ele continuava com seu tom lento, preguiçoso. -O que me importa o jantar! Não pode... -Já o tenho feito -interrompeu ele-. E deixa essa blusa em paz. Custo bastante desabotoá-la. E eu gosto como está. Como ela não obedecesse, os dedos do Colt entraram mais profundamente nela. Jocelyn emitiu um gemido, possivelmente de protesto, possivelmente de prazer. Ele não soube com certeza. Tampouco ela, mas ao fim deixou a blusa para aferrar-se a coxas do cavaleiro. -Assim está melhor -sussurrou-lhe ele, ao ouvido-. Ainda quer que tire a mão? Ela não respondeu. -Gostou-te, né? Ela seguia sem responder, mas arqueou as costas e deixou a cabeça para trás, lhe acariciando as coxas de um modo desesperado. Ele aproveitou esse pescoço exposto para roçá-lo com os dentes. A outra mão, que tinha estado sujeitando-a pelo ventre, subiu até o peito. O mamilo já estava duro e suplicando uma carícia. Brincou um momento com ele antes de satisfazê-lo com a firme pressão da palma em um movimento circular. O outro peito foi logo submetido ao mesmo tratamento. E os dedos da outra mão continuavam movendo-se lentamente. -Lamento não ter podido esperar, duquesa, mas estava devidamente advertida, verdade? O fôlego quente que lhe enchia a orelha esteve a ponto de perdê-la. -Não esperava.... que me atacasse... despreparada -conseguiu balbuciar, só para lhe ouvir rir. -Não importa como nem quando, se não depender de ti. Quando aceitou viajar comigo renunciou a toda opção. Em realidade, renunciou a elas muito antes, mas não sabia. -De que falas? 251

-Quando uma donzela cheyenne permite que um guerreiro toque intimamente seu corpo, não se criticará a esse guerreiro se a tratar como se fosse de sua propriedade. Em realidade, seria estranho que não a considerasse propriedade dela. Você me permitiu mais que um mero contato, verdade duquesa? Propriedade? por que a irritava essa palavra? por que essa voz de timbre grave estimulava suas sensações? E esses dedos... Por Deus... logo que pôde tomar fôlego para responder. -Eu não sou cheyenne. -Não, mas eu sim. -Só pela metade. -E a metade branca sofreu horrores, nestes últimos tempos, resistindo a vinte e dois anos de costumes e crenças arraigadas. Agora te volte. -O que? -Que te dê a volta. Quero te ter frente a frente. -Mas por que? -Não te ocorre? A insinuação era suficiente. E ele se assegurou, com as manobras prévias, de que ela não se opor muito a suas intenções. Só lhe custava acreditar que pretendesse fazê-lo assim. -por que não detém o cavalo? -Para perder tempo estendendo uma manta? Para isso teria que deixar de te tocar, e não acredito poder. Além disso, assim o tinha pensado, duquesa, enquanto fazia esses ruidos tão sedutores estando dormida. Acompanhou o movimento de meus dedos ao ritmo de meu cavalo. Agora quero que me Montes com o mesmo ritmo. Ela passou a perna sobre o pescoço do cavalo até antes que ele terminasse sua última frase. Colt a ajudou a passar a outra. Sua saia apresentou um pequeno problema, mas quando esteve resolvido também ele estava preparado. Até antes que ela pudesse perguntar-se como foram executar aquilo, ele a levantou, penetrou nela e cravou talões a suas arreios. Jocelyn afogou um grito; só podia sujeitar-se. 252

Foi o rodeio mais incrível de sua vida. Com os braços enlaçados ao pescoço do Colt, as pernas lhe rodeando os quadris, deixava-se levar pelo movimento de homem e cavalo, sem mover um músculo. Quando Colt conduziu ao animal a passo lento as coisas ficaram extremamente interessantes, sobre tudo porque ele não se movia com o animal, a não ser em sentido inverso, obrigando-a a ricochetear e estelar se contra seu corpo. Quando o cavalo se deteve, ela tinha alcançado o clímax três vezes, uma intensidade que aturdia. Como estava um pouco enjoada, demorou um momento em cair na conta de que se detiveram e de que Colt a beijava com muita doçura. -Está bem? -Não tenho a mais remota idéia. Ele riu pelo baixo. Por Deus... Jocelyn sentiu entre as pernas que ainda estavam conectados. E seguia obstinada a ele. Deslizou os braços por seus ombros e se tornou para trás. Por sorte, seu rubor era invisível à pouca luz restante, mas ele deveu adivinhá-lo, pois lhe levantou o queixo para lhe depositar outro beijo nos lábios. -Já te acostumará, duquesa. Penso me encarregar isso. A sua maneira de fazer o amor? Ou a essa nova atitude com respeito a ela? Jocelyn estava tão acostumada a seu atitude, sua amargura, sua maneira de afastá-la, com os atos ou com as palavras... Colt tinha mudado desde que abandonaram Santa Fé. Ainda não sabia o que pensar do novo Thunder. Não se atrevia a dizer que estava encantador. Lhe ocorreu a palavra 'proprietário', e recordou o que ele havia dito antes. Acaso haveria dito seriamente que a considerava sua propriedade? -Né... disse algo com respeito ao jantar? Não estou segura, mas é possível que esteja morta de fome. Ele voltou a rir. Isso era outra coisa totalmente estranha. -Acredito que devo aproveitar a pouca luz que fica -disse-lhe, depositando-a em terra-. Enquanto eu saio a explorar, pode te lavar. E se sabe acender fogo, faz uma fogueira. Em meus alforjes há fósforos. 253

As deixou cair aos pés, junto com um cilindro de mantas. Logo lhe pôs o chapéu, que estava sujeito no pomo da arreios. -Será melhor que te cubra, duquesa, se não querer te resfriar. Boquiaberta, Jocelyn lhe seguiu com a vista, em tanto ele se afastava águas acima. Sim, ali havia um arroio; por isso se tinha detido o cavalo. E Sir George estava também ali, pastando na ribeira. Ela o tinha esquecido por completo, como a todo o resto. Graças a Deus, o potro os tinha seguido. Chamou-o para tomar seu manto e a maleta. Na parte traseira da cadeira havia outras mantas e um saco com utensílios para cozinhar e comer. Menos mal: imaginou-se comendo carne com um palito e várias outras coisas de bárbaros. Não haveria loja nem grossos almofadões nos que recostar-se, nem uma bacia... Isso lhe recordou algo: teria que aproveitar essa breve intimidade enquanto fora possível. Tinha a sensação de que, nos dias vindouros, não disporia de muita. Resfriar-se, justamente! Nem sequer se tinha dado conta de que fazia frio.

Capitulo 39 Colt retornou com um faisão e duas pequenas perdizes, uns ovos bastante grandes que deviam corresponder a outra espécie de aves, um saco de couro cheio de verduras e algo assim como cebolas silvestres e outro com bagos diversas. Trazia os bolsos cheios de nozes, que lhe jogou no regaço com prazer, ao sentar-se em Cócoras a seu lado. A variedade dessas provisões surpreendeu ao Jocelyn. Tinha suposto que Colt traria só algum animal morto e que a submeteria ao desagrado de ver como o esfolava. Também lhe tinha intrigado sua larga ausência, durante a qual sua imaginação e seus medos tiveram oportunidade de desbocar-se. -Como! Não há veado? 254

Colt respondeu como se não tivesse detectado seu tom sarcástico. -Com seus gritos espantou a todos os animais grandes. Adverti-lhe isso. -Isso foi vários quilômetros mais atrás. -Referia aos gritos que deu quando... -Não o diga! -exclamou ela, recordando vagamente que se pôs muito ruidosa em diversos momentos daquele apaixonada rodeio. Baixou a vista ao montão de nozes que tinha no regaço, compreendendo que, se ele tinha demorado tanto em encontrar comida, era só por culpa dela-. Me desculpe se te falei com brutalidade. Começava a pensar que não voltaria. Lhe tocou a têmpora e lhe tirou uma forquilha, com o qual um comprido mecha vermelha caiu sobre o seio. -Vejo que trazia mais destas. Terei que lhe tirar isso todas para que deixe livre a seu sol? Lhe olhou sentida saudades. -Meu sol? -Seu cabelo, duquesa. Em meu povo diriam que capturaste ao sol nele. -Que poético -murmurou ela, enquanto Colt retirava outra forquilha, liberando outra juba. Agradava-a inexplicavelmente essa fascinação com sua cabeleira. -Não está zangado porque eu tenha espantado a todos os animais? -Não os afugentou. -Admitiu-o olhando-a aos olhos.- Eu não gosto de desperdiçar o alimento. Matar a um animal grande, se não termos tempo para conservar a carne e levá-la conosco, seria um desperdício. Era assombroso que o gênio vivo do Jocelyn pudesse aflorar tão rapidamente, só para que ele o aplacasse arqueando uma sobrancelha interrogante. Quando Colt viu que ela não ia estalar, pôs-se a rir. -Teme que te abandone, duquesa? -perguntou. -Não. Você não renuncia nunca; ao menos, isso me asseguraste. Mas acredito que eu merecia essa pequena mentira sobre os animais. Fiz mal em te receber desse modo, depois de que te tomaste tanto trabalho para dispor um festim. 255

-Mas estava preocupada -observou ele, franzindo um pouco o cenho.Tenha a segurança de que não me afastarei nunca tanto que não possa te ouvir se me necessitar. Nesse aspecto não tem nada que temer. Mas como pôde pensar que eu não voltaria? Ela voltou a baixar a vista. -Recordei o muito que lhe desgostavam as mulheres brancas. -E você é mais branca que a maioria, verdade? -O dorso de um dedo lhe roçou a bochecha. -Nunca trataste que dissimular o que sente. -Compreendo. Bom, hoje me desgostou muitíssimo, não? Ela levantou bruscamente a cabeça. -Perdeu outra vez o domínio de ti, como antes. É perfeitamente compreensível, considerando o modo em que dormi contra seu corpo. A essas alturas estava furiosamente ruborizada, mas Colt movia a cabeça. E ela teve a sensação de que agora sim estava zangado, embora não teria podido assegurá-lo, pois só lhe via essa expressão estóica que tão te exasperem podia ser. -O único domínio que perdi hoje foi o de minha paciência, mulher. E se me desgostasse, nem no inferno poderia me esquentar o sangue como o faz. -Seriamente? -perguntou ela, estupidamente. -Sabe perfeitamente que sim. O tom a chateou, embora as palavras eram uma adulação. -Bom, mas isso te desgosta, não? -Se por acaso não o notaste, renunciei a resistir -Colt se inclinou para frente para lhe apertar os lábios com os seus, para demonstrá-lo, mas sua voz era menos áspera quando acrescentou: -Se por acaso sua bonita cabeça ainda não o captou, anuncio-te que compartilhará minhas mantas até que cheguemos ao Cheyenne. Mas como, duquesa, resulta-me o agradável. portanto, não duvide que voltarei para ti todos os dias. Muito poucas coisas poderiam me impedir isso. Jocelyn não achou resposta. Desconcertava-a esse acerto tão claramente expresso. Também a desconcertava o calor que lhe fluía pelo 256

sangue para ouvi-lo. Teria devido protestar, lhe negando o direito a dar tantas coisas por sentadas. Ela nunca tinha aceito ser seu amante durante toda a viagem. A mesma idéia... emocionava-a tanto que ficava sem fôlego. E depois de tudo, o que podia dizer a respeito? Tal como ele acabava de assinalar, no momento era ele quem elegia. Como se lhe tivesse lido a mente, Colt lhe sorriu (foi, talvez, o sorriso mais belo que tivesse visto) e foi ocupar se da comida. A Jocelyn pareceu muito arrogante, mas não disse nada. Para que? Até se tivesse tratado de discutir, em altares do decoro, o teria feito sem convicção e ele o teria notado imediatamente. E Jocelyn não era hipócrita. Em um princípio tinha pensado sinceramente que já não lhe desejava, mas lhe tinha demonstrado o contrário. Enquanto Colt cavava um buraco junto à pequena fogueira que ela tinha aceso, dedicou-se tranqüilamente a lhe percorrer o corpo com os olhos. Sabia que algumas pessoas assavam as presas na terra, e supôs que assim cozeria ele aquelas aves. Em realidade, nesse momento não lhe interessava muito a comida, pois seus olhos se entretinham em observar o modo em que lhe avultavam os músculos das pernas quando se sentava assim, em Cócoras. Recordou que até então não lhe tinha visto completamente nu. Talvez essa noite... Bom Deus, com apenas pensá-lo sentia mariposas no ventre. Seria melhor pensar em coisas menos perigosas. -Parece que não vais perguntar me se sei cozinhar. Ele moveu a cabeça sem olhá-la. -Se dissesse que sim me veria obrigado a te deixar provar, embora fosse mentira. Prefiro me encher a pança. Jocelyn se pôs-se a rir, sabendo que ele não brincava. -Também eu. Por isso me alegra que um de nós, ao menos, saiba cozinhar. Nunca me permitiram me aproximar da cozinha; era o domínio dos serventes, sabe? E tampouco tive muito interesse em aprender, uma vez enchente. Em realidade, preferia os estábulos, e a ninguém lhe ocorria me proibir a entrada neles. Mas até minha mãe sabia fazer bolos, conforme dizem. Suponho que eu deveria ter aprendido a preparar ao menos uma 257

especialidade. Toda mulher deve ser especialmente apta para algo, não te parece? -Há certas coisas que faz muito bem, duquesa. Isso lhe acendeu as bochechas. -Referia-me à cozinha. -E eu, a sua maneira de dirigir os cavalos. Ela não pôde deixar de sorrir. -Que brincalhão é, Colt Thunder. Lhe devolveu o sorriso. -Tampouco te desempenha mal com um rifle. -Bom, se formos falar de talentos em geral, devo confessar que não me desempenho mau, não. Sou bastante boa para a navegação a vela, a arquería, o tênis e o ciclismo. -O tênis e o que? -O ciclismo. Já sabe, esse artefato de duas rodas e... -Já sei, sim. Um cavalo de duas patas, a condenada. Nas ruas de Chicago vi muitas; assustavam aos animais e se estrelavam contra os edifícios. E você as dirige bem? -Posso montar em uma delas e me apear sem uma só queda, embora eu não gostaria de contar os cardeais que me fiz enquanto aprendia às dominar. Mas reconheço que na cidade são perigosas. No campo, em troca, é divertido passear nelas. Deveria provar. -Obrigado. Prefiro me limitar aos cavalos de verdade. Ela tratou de imaginar ao Colt em bicicleta e esteve a ponto de rir. Não, provavelmente não gostaria de lutar com um pouco tão difícil de dominar. Compartilharam agradavelmente a comida, que era deliciosa. As aves poderiam ter um aspecto horrível, porque não estavam depenadas, mas a carne era tenra e saborosa. Ela brincou, dizendo que Colt seria um bom marido quando decidisse casar-se, mas teve a impressão de que ele não apreciava a piada. Tampouco lhe durou muito o humor. depois de ter lavado os utensílios no arroio (pareceu-lhe que devia fazer algo para ajudar, posto que ele não a queria perto das caçarolas) sentiu-se cheia de acanhamento, sobre tudo 258

porque Colt, com muita tranqüilidade, retirou suas mantas do lugar aonde ela as tinha posto e as tendeu junto às suas. Ela se sentou em meio de suas mantas, totalmente vestida e sem saber o que fazer. Recordou que já tinha tido antes o mesmo problema, mas que lhe tinha servido de guia. Por então se impunha o desejo, ardoroso e impaciente. Uma coisa era a união espontânea e outra muito distinta a situação em que se achava. Também tinha sido distinto despertar em seus braços. Até pensar em deitar-se com ele parecia distinto a esta realidade. Nesse momento não sentia desejo. Estava tão nervosa que, quando Colt começou a tirá-la jaqueta, ela balbuciou: -Não lhe deveria deixar isso? Faz frio... -Não me fará falta. -OH... Isso não partia. Necessitava tempo para acalmar os nervos. Como podia esse homem mostrar-se tão desenvolvido, despir-se diante dela como se o fizesse todos os dias? Quando ele desabotoou a pistolera, Jocelyn procurou rapidamente um tema para lhe distrair e se decidiu pelo Angel. -me fale de seu amigo Angel. Isso lhe deixou imóvel. Além disso, fez-lhe franzir o cenho. -O que quer saber dele? -por que fez o que fez por ti, com que só o pedisse. Introduzir-se em uma banda de perigosos foragidos, só para poder me ajudar no caso de que me capturassem, era muito pedir de qualquer homem. Entretanto, ele te fez esse favor. Colt a olhou fixamente um momento. Decidiu que não era o interesse pelo Angel o que provocava essa curiosidade e se encolheu de ombros. -Suponho que se sentia em dívida comigo. -por que? -Faz alguns anos lhe ajudei a escapar de uma situação perigosa. Trabalhava no rancho de minha irmã desde fazia uma ou duas semanas quando tropeçou com uma pequena banda dedicada a roubar o gado do Jessie. Eram só quatro homens; ao menos, isso acreditou ele. E pensou que 259

poderia encarregar-se solo de todos eles. O mais provável é que o tivesse feito, sim, mas em realidade a banda tinha cinco membros, e o quinto lhe disparou desde atrás. -Essa foi a bala que sua irmã lhe tirou, conforme disse? -Sim. -E você lhe encontrou e lhe ajudou a voltar para rancho? Isso foi tudo? -Houve algo mais. Quando cheguei, o revólver já tinha sido martelado para lhe liquidar. Era questão de segundos. -E lhe salvou a vida -adivinhou ela-. Bom, suponho que isso vale um favor ou dois. E os ladrões? -Salvei-os de que os enforcassem. -Os... OH, bom, não me dê detalhes. -Não pensava fazê-lo -replicou ele, sorridente. Durante todo o tempo tinha estado observando o modo em que a moça seguia os movimentos de suas mãos. -Não vais despir te? -Com este frio... -Não o sentirá, duquesa. Prometo-lhe isso. -Mas... -O que? -Parece-me... tão abafadiço... -reconheceu ela, ao final-. Nem sequer me beijaste. -Não o tenho feito porque nos viria bem dormir um pouco. Esquece que passamos a noite viajando? Se te beijasse agora, tampouco dormiríamos esta noite. Ela se pôs-se a rir. -De maneira que por isso te mostrava tão endemoniadamente desenvolvido. -Se tiver outra idéia... -Não, não. Dormir parece muito adequado -disse ela, apressadamente. levantou-se para tomar sua maleta. -vou pôr me a camisola. -Estaremos mais abrigados se dormirmos os dois nus -advertiu-lhe ele, enquanto Jocelyn se encaminhava para o matagal mais próximo. 260

-Mas poderemos dormir desse modo? -perguntou ela, depois de reunir coragem. -Anda, te troque.

Capitulo 40 Depois de ter acontecido três anos viajando pelo mundo, por fim Jocelyn se sentia como de férias. divertia-se imensamente; sentia-se turista. Quanto via era belo e digno de recordar: das montanhas pelas que serpenteavam até as planícies que utilizavam para cobrir distâncias maiores em menos tempo. O céu era formoso: muito azul, freqüentemente ensolarado. Os rios e os arroios, cintilantes e cristalinos. Até o frio era um prazer. A jovem não achava defeito em nada, salvo, possivelmente, na celeridade com que passava o tempo. Levavam quatro dias viajando por avermelhado, depois de ter cruzado as montanhas pelo estreito Passo Camundongo, cena de um esforço de guerra entre as ferrovias, apenas alguns anos atrás, quando o Denver & Rio Grande e o Atchison, Topeka & Santa Fé se precipitaram a reclamar a rota para suas linhas; tinha ganho o Santa Fé sem derramamento de sangue, o qual era surpreendente. Ao viajar perto das vias, Jocelyn tinha a sensação de estar outra vez em zona civilizada; claro que Avermelhado tinha atraído a milhares de habitantes e buscadores de ouro do descobrimento de ouro, em 1858. Estava bastante colonizado e em 1876 tinha alcançado a condição de estado. Se Jocelyn não via partes habitadas, era só porque Colt tendia a dar amplos rodeios para não passar por granjas, ranchos e cidades. Entretanto, esse dia não foi assim. Estalagem na planície, com as Montanhas Rochosas atrás, formando uma muralha sólida e inexpugnável, estava a pequena cidade de Avermelhado Springs, a que se aproximaram ao redor do meio-dia. Colt disse que de ali poderiam continuar viagem em trem. Jocelyn não se opôs, pois se imaginava fazendo o amor em um cômodo leito, a bordo de um luxuoso carro-dormitório. De qualquer modo, 261

Colt tinha pensado tomar o trem em Denver para cobrir o último lance da viagem. E Denver estava a só dois dias de viagem, dada a celeridade que levavam. Colt se deteve antes de entrar na cidade e obrigou ao Jocelyn a esperar, em tanto ele se trancava o cabelo. Essa manhã se tirou também o pesado casaco que tinha estado usando nos sorvetes atalhos de montanha; agora luzia só uma camisa de pele com franjas, botas brandas e suas calças negras ajustadas. A moça moveu a cabeça. -por que faz isso? Esmera-te em exibir sua raça. Sei que te causa problemas. Isso foi o que te levou a esse duelo a pistola no Silver City, verdade? -E o que? -Se te cortasse o cabelo e vestisse de outro modo pareceria perfeitamente normal, verdade?, descontando sua formosura, que nada tem de normal. Lhe sorriu, surpreso de que essa pergunta não lhe chateasse. Talvez era pelo modo em que lhe admirava. O fazia sentir muito bem saber-se observado desse modo. -Você faz as coisas a seu modo, duquesa, e eu as faço ao meu. Quando a gente se equivoca com respeito a ti podem acontecer coisas piores. -Piores que um duelo a revólver? -soprou ela. Mas não esperou resposta-. Bom, se quiser que faça as coisas a meu modo, terá que me devolver as forquilhas. Alargou a mão para as receber, mas ele foi então quem moveu a cabeça. -Já poderá voltar a ser Sua Graça Real quando chegarmos ao Cheyenne. Ela ia franzir o cenho, mas lhe ocorreu que tinha ante si uma esplêndida oportunidade para fazer coisas que não podia fazer acompanhada pela condessa e por sua custódia. -Nesse caso, enquanto esperamos o trem eu gostaria de visitar um bordel para... -Nem te ocorra! 262

-Só para ver como é por dentro, Colt. Sempre me perguntei... -te esqueça do assunto. Não o pense mais. Agora sim que Jocelyn franziu o cenho. -Um botequim, então -disse, procurando o término médio-. Não oporá a isso, verdade? -Parece-te? antes que lhe negasse também isso, ela insistiu. -Por favor, Colt. Nunca na vida voltarei a ter essa oportunidade. Vir a esta terra e não ver um de seus fenômenos culturais. Uma vez que me reúna com minha gente não poderei ser tão... audaz. -Está disposta a usar calças e minha jaqueta? Por um momento ela só soube que Colt não se negava. -Suas calças? Está brincando. -Ninguém disse que devam ficar bem, duquesa. Ela sorriu subitamente. -Crê que vou mudar de idéia, não? -Parece-te? -Não. -Então roguemos que o trem esteja a ponto de partir quando chegarmos à estação. Não foi assim. Dispunham de umas duas horas antes que chegasse o trem que partiria para o norte. Isso agradou muito ao Jocelyn, mas se levou uma grande desilusão quando lhe disseram que não havia carrosdormitorio disponíveis. de repente reparou em um pequeno carro privado estacionado no pátio da estação. Informaram-lhe que era propriedade de um dos residentes mais prósperos da cidade, mas tinha sido comprado muito pouco antes e não estava em venda nem em aluguel. Naturalmente, isso não teve nenhuma importância para ela. depois de passar trinta minutos procurando o proprietário e intercambiando mensagens com ele, além de um pequeno saco de ouro, obteve o uso exclusivo do carro até o Cheyenne. Colt, que se tinha mantido à parte, observando o efeito que o dinheiro e os maneiras da jovem exerciam sobre a gente (nem sequer se tinha visto 263

obrigada a mencionar seu título) limitou-se a mover a cabeça. Carregou a equipe no carro e aguardou enquanto ela se trocava de roupa no pequeno dormitório. Aquele veículo se parecia com a carruagem da duquesa, por suas paredes estofadas de veludo e seus assentos de felpilla, mas era muito mais vistoso, pois tinha cortinas com borlas de seda, estreitos espelhos do Marcos dourados entre guichês, grosas tapetes e talhas de madeira. Havia um aquecedor e um lavabo completo, até com tina; o bar estava bem provido e até se viam um piano no rincão. Colt olhou a seu redor, perguntando-se que chifres estava fazendo ali. Aquilo se adequava bem à duquesa, mas não era para ele. Em sua cabana das colinas, sobre o rancho do Jessie, não tinha sequer uma cama. Jessie tinha insistido em lhe pôr alguns móveis, mas ele se negou a aceitar a cama, pois preferia dormir no chão. E tinha chegado a jogar com a idéia de conservar junto a ele à duquesa? Devia ter estado louco. O que necessitava agora era tirar-lhe de cima, em bem de sua paz interior, e por isso estavam ali. Gostava de muito estar com ela, atender a suas necessidades, voltá-la dependente dele. Mas o perigo tinha estado ali de um princípio: que esse breve período não fora suficiente, que acabasse desejando conservá-la definitivamente consigo. Tinha esperado que não fora assim, mas não tinha sorte. Nunca tinha pensado que pudesse albergar sentimentos tão potentes. Ao pensá-lo voltava a antiga amargura, a fúria. O que ele desejava não tinha importância: a duquesa não podia ser dele. Era branca; ele, não. As mulheres brancas não se casavam com mestiços, a menos que queriam ser rechaçadas por sua raça. Provavelmente ela não o tinha esquecido, embora ele, por um tempo, não o recordasse. A duquesa se estava divertindo com ele, mas quando chegasse o momento se afastaria sem voltar-se para lhe olhar. Acaso não lhe tinha utilizado para eliminar sua virgindade, a fim de casar-se com algum homem que lhe conviesse? Que lhe conviesse! -Estou preparada. Bom Deus! Encontrava-a formosa mesmo assim, ridícula. 264

-Não, não está preparada. Esconde esse cabelo debaixo do chapéu. Ela obedeceu, franzindo o cenho ante esse tom. -Ocorre algo? -O que pode ocorrer? -Não quer me levar a um botequim, certo? -O que eu queira, duquesa, não tem importância. Aquela frase parecia ter dobro significado. Ao Jocelyn chateou não captá-lo. Também essa atitude a chateava; tinha abrigado a esperança de não ter que suportá-la mais. -Posto que não tem importância, vamos. Não esperou seu consentimento. Saiu do carro ferroviário e partiu para a rua principal, a passo furioso. Colt a fez girar antes que pudesse sair do pátio da estação. -Se quer fazer esta loucura, ao menos a fará a meu modo. Não te tire o chapéu e mantém os olhos baixos. Assim que olhe diretamente a qualquer homem que se aprecie de tal, ele interpretará que quer brigar. E mantém a boca fechada. E pelo amor de Deus, não te aferre para mim se algo te sobressaltar. Recorda que, supostamente, é um homem. Atua como tal. -Como você? Não acredito que possa manter esse cenho espantoso, mas tem tantos gestos carrancudos que algum poderei imitar. O que te parece este? A careta que fez foi a perdição do Colt. Pô-la outra vez rumo à rua e lhe deu um tranco, antes que ela reparasse no sorriso que já não podia dissimular. Não tiveram que caminhar muito para encontrar um botequim. -O que servem aqui? Cerveja ou ouro? -perguntou Jocelyn, ao ver o letreiro: "Cervejaria do Ouro". Colt não estava com ânimo para piadas. -O que servem aqui é violência, Duke. Está segura de que quer entrar? -Duke? -sorriu ela-. Suponho que é um apelido masculino. Pareço me chamar Duke? -Parece um despojo abandonado na pradaria, isso é o que parece replicou ele, lhe atirando do chapéu para cobrir seus delicados lóbulos-. 265

Isto não vai resultar, Meu Deus. Com que alguém te olhe à cara, acabará-se tudo. -Mas o que passaria se descobrissem que sou mulher? -Algo, maldita seja... Jocelyn compreendeu que Colt estava a ponto de arrepender-se, de modo que avançou para as portas de vaivém, dizendo: -Só cinco minutos, Colt, por favor. Em cinco minutos não passará nada. E empurrou as portas antes que ele pudesse detê-la.

Capitulo 41 O botequim estava muito mais concorrida do que parecia do exterior. Jocelyn não entrou muito no salão. perguntou-se se esse dia era algum tipo de festa, pelo número de homens que havia ali em plena tarde. Mas então notou que quase todos os sentados ante o bar tinham pratos de comida frente a eles. Era ainda a hora de almoçar... e ela tinha fome. -Não me disse que isto era também restaurante -sussurrou, ao sentir ao Colt a suas costas. -Com quem falas, filho? voltou-se com os olhos dilatados. Um veterano se deteve detrás dela; levava calças quase tão abolsados como os seus, com uma camiseta larga debaixo dos suspensórios. estava-se arranhando a barba cinza e, para alívio do Jocelyn, não a olhava a ela, a não ser ao mostrador. -você desculpe, estava... -"Discul..." O velho gargalhou antes de terminar. Jocelyn fez uma careta e olhou sobre o ombro do paroquiano, para ver o que tinha sido do Colt. Não estava ali. E o ancião a olhava entortando os olhos. -Por acaso, não tem uma moeda que te esteja incomodando, filhinho? Para quem pode pagar uma taça, a comida é gratuita. Ela revolveu no bolso da jaqueta, onde tinha posto umas quantas moedas momento antes, e lhe entregou uma. Só compreendeu seu engano 266

ao ver que o homem dilatava os olhos e lhe arrebatava a moeda antes que pudesse trocar de idéia. -Tem que vir dos campos auríferos, filho. Vêem. Convido a uma taça. Demônios, estou rico. E se afastou para o bar, gargalhando outra vez. Jocelyn não pensava lhe seguir. Em realidade, tinha posto-se a andar para a saída quando alguém a fez girar. Era Colt, muito aborrecido; tinha estado atrás dela no princípio. -Não te disse que não abrisse a boca? -Tomou por um moço -explicou ela, apressadamente-. É algo que não tínhamos pensado. Se posso passar por moço, não poderíamos ficar o tempo suficiente para comer algo? -Não, não poderíamos -repetiu ele, irritado-. Já viu o suficiente? -Em realidade, ainda não vi nada, mas... Lhe apagou a voz ante o primeiro detalhe que detectou: um comprido quadro com marco dourado, que pendia sobre o espelho, depois do mostrador; mostrava a uma mulher reclinada em um sofá, sem um sozinho objeto em cima. A risada do Colt lhe fez compreender que estava ruborizando. -Vêem. daqui verá melhor o panorama. Cinco minutos, Duke, e vamos. Ela fez um gesto afirmativo e lhe seguiu até o mostrador. Era um móvel comprido de carvalho esculpido; dele pendiam, a intervalos de dois metros e meio, toalhas destinadas a que os comensais pudessem limpá-las mãos; ao menos, isso supôs a moça. Ao longo da base um trilho de bronze para enganchar os saltos das botas. No estou acostumado a havia escarradeiras, uma cada quatro comensais. Estavam rodeadas de serragem, e Jocelyn teve a desgraça de compreender imediatamente por que: um fulano cuspiu uma mascada de tabaco por volta de um desses recipientes, mas com pouca pontaria. Quando chegou ao mostrador, o homem que o atendia se aproximou para limpar com um trapo o lugar que tinha ocupado. -O que vais tomar, moço? -Um conhaque, por favor. 267

-Que sejam dois whiskies -bramou Colt, a seu lado, enquanto arrojava uma moeda de dez centavos sobre o mostrador. Sua frente enrugada valia por mil palavras. A jovem compreendeu que acabava de cometer outro engano. O mais provável era que ninguém tivesse ouvido falar do conhaque nessas paragens. -Desculpa -ofereceu, em voz baixa. Ele se limitou a recomendar, assim que lhe puseram o copo diante: -Toma o copo, mas não beba. Ela tomou aquela copo e girou, apoiando um braço no mostrador, tal como tinha visto fazer a outro fulano. Colt seguia olhando para frente, mas ali estava o espelho, que lhe permitia observar todo o salão. Jocelyn preferia fazê-lo diretamente. O botequim não era muito grande; logo que alcançava as dimensões da sala mais pequena do Fleming Hall. Além desse quadro, subido de tom, que ela se negava a olhar outra vez, havia outras coisas interessantes nas paredes: uma cabeça de veado, o crânio branqueado de um animal grande, armas velhas, o traseiro de um búfalo... Isso a fez piscar um par de vezes. Havia algumas mesas de jogo e uma roleta, mas nada que apartasse o cliente de sua função principal: beber. No curso de uns poucos minutos ouviu mencionar coisas tais como "veneno de serpente", "verniz de ataúdes", "dinamite vermelha", "suco de tarântula" e "mijada de pantera"; posto que todo isso lhe pedia ao taberneiro, chegou à conclusão de que eram diferentes nomes do uísque. Teve a tentação de tomar um sorvo de sua própria taça, só para saber por que merecia copos tão coloridos. Um olhar a Colt, que ainda observava tudo pelo espelho, convenceu-a de que não lhe convinha. Havia ali todo tipo de homens, vestidos de diferentes maneiras: buscadores de ouro, apostadores, comerciantes, jeans, vagabundos. Foi quase uma surpresa detectar, finalmente, às mulheres sentadas a algumas das mesas. Tinha-as ouvido chamar por vários apelativos pouco gratos. Ao parecer, não estavam disponíveis só para beber uma taça ou dançar uma peça, mas Jocelyn só detectou nelas uma diferença com respeito às 268

mulheres da cidade: estavam maquiadas e não luziam simples vestidos de tecidos rústicos. Pelo contrário, embelezavam-se segundo a última moda francesa. Jocelyn recordou ter visto um desses modelos em seus figurinos, embora não recordava que o decote fora tão baixo. Só quando uma das mulheres se levantou pôde ver onde terminava o parecido com a moda vigente: o vestido não tinha saia; o que passava por tal terminava na metade da coxa, deixando ao descoberto largas pernas embainhadas em vistosas médias de seda a raias. Jocelyn não pôde evitar ficar olhando-a boquiaberta. Fechou os lábios bruscamente. Bom, ela mesma tinha pedido que a escandalizassem ao entrar ali. E se mulheres vestiam tão escassamente, pelo amor de Deus, o que ficavam as mulheres dos bordéis? Com razão Colt se negou tão rotundamente a levá-la! -Tem algum problema, senhor? Agora lançou um gemido. Colt lhe tinha advertido que não devia olhar fixamente a ninguém. E o homem que olhava para eles parecia bastante aborrecido por algun motivo. Mas ela não recordava lhe haver parecido a vista. Talvez não se dirigia a ela. -Tenho-lhe feito uma pergunta, senhor. Então comprovou que não se dirigia a ela, a não ser ao Colt. E este lhe estava observando pelo espelho; era ele quem olhava com fixidez, embora lhe tinha aconselhado o contrário. E aquele urso, que também podia lhe ver com claridade no cristal, não parecia muito agradado por essa contemplação. Mas Colt não se voltou a lhe responder. Não reagia. Tinha ficado imóvel, mortalmente imóvel. Não se movia um só músculo em todo seu corpo. -Merda! De maneira que é mestiço, né? -Jocelyn ficou rígida.- Quem diabos te deixou entrar aqui? A jovem esperava que Colt girasse para dizer a essa maldita besta o que pensava dele. por que insistia em levar essas tranças e esses objetos índios? Uma só coisa não teria importado. Ali havia quem tinha o cabelo mais comprido que Colt. Havia outro com uma camisa de pele. Não viu 269

nenhum com botas índias, mas mesmo assim... Exibir as três coisas de uma vez era como pintar um pôster bem grande. Isso equivalia para buscar-se problemas. por que aceitava o desafio, pois? -Estou-te falando, mestiço. O fulano se levantou. Era grande de verdade. Parecia realmente um urso por sua desalinhada juba parda e sua cara, toda barba e bigode. Não tinha revólver; tampouco parecia lhe importar que Colt sim estivesse armado. O que levava era um chicote enrolado sujeito ao cinturão; provavelmente era para uma mula. Jocelyn se compadeceu desses pobres animais aos que conduziria pelos caminhos da montanha: o homem não parecia só perverso, a não ser bastante cruel. E Colt seguia sem responder. -Parece que necessita algo que desperte -sugeriu o urso. Jocelyn afogou um exclamação, pois o chicote acabava de desenrolarse. atreveria-se esse homem A...? Entretanto, todos os homens que estavam ante o bar pareciam pensar que sim, pois se afastaram para as paredes, lhe abrindo espaço. Também se desocuparam as mesas mais próximas ao mostrador. Alguém a agarrou pela jaqueta para afastá-la dali. E Colt seguia sem voltar-se. Quando Jocelyn conseguiu desprender-se de seu improvisado protetor, o chicote já tinha estalado. A jovem viu sua marca escura atravessando as costas do Colt: ali onde havia meio doido, a pele estava esmagada. Seu horror foi indescritível. A besta se atreveu a açoitar a Colt para lhe obrigar a reagir! Mas não conseguia. Para assombro do Jocelyn e surpresa de todos, Colt não atuou. Não se movia, não demonstrava com o menor gesto que tivesse sido meio doido. E esse golpe tinha que ter doído, a julgar por sua ressonância. O urso também pareceu surpreender-se ao não obter reação alguma de sua vítima, mas só por um momento. Entreabrindo os olhos, aproximou-se do espelho para observar a cara do Colt. -Resulta-me muito conhecido, mestiço. Alguma vez se meteu em problemas comigo, talvez quando eu estava muito bêbado para te recordar? -E de repente gritou: -me responda, cretino! O chicote cortou o ar duas vezes mais. 270

-Não -exclamou Jocelyn. E deu um passo para frente, só para sentir-se imobilizada por uma mão firme que se apoiou no ombro. -Não te intrometa, moço. É só um mestiço. Nesse momento a jovem perdeu a razão. Não compreendia o prejuízo que podia fazer pronunciar semelhante observação, a apatia com que todo mundo se limitava a olhar, em vez de impedir tanta crueldade. Sobre tudo, não entendia o que acontecia com Colt, por que guardava silêncio, por que suportava aquilo. Ela não pôde atuar igual. Girou para o fulano que a sujeitava e lhe tirou o revólver antes que o outro tivesse podido adivinhar suas intenções. Era um objeto incômodo, de canhão comprido. Teve que apoiá-lo no antebraço, mas mesmo assim não teria tido muita sorte. As armas curtas não eram sua especialidade. Mas o urso não sabia. -Golpeie-o outra vez, senhor, e terei que disparar contra você. A gente se afastou um pouco mais, abrindo passo ao redor dela e do urso. Pelo menos, tinha conseguido lhe distrair, e isso a pôs muito nervosa. Deu uma olhada ao Colt, mas o maldito permanecia imóvel. Acaso pensava que ela podia sair dessa por sua própria conta? -Falava-me, moço? - perguntou o urso-. suponho que não é tão estúpido. Ela deu um coice ao lhe ver recolher o chicote com um breve movimento. A ameaça era evidente; a mensagem, evidente. Se não deixava a arma, o branco do chicote seria ela mesma. Suavam-lhe as mãos. Teve que provar duas vezes antes de poder martelar o revólver. O ruído foi horrível no mortal silêncio do salão. E com isso só conseguiu enfurecer ao urso a tal ponto que pouco lhe importou a arma. -Pequena merda -grunhiu-, te aparte se não querer que reduza a fatias! -por que não lhe deixa em paz, Pratt? -sugeriu alguém-. É apenas um pirralho. -Você também quer? -foi a réplica do urso. -Não te parece que já deste suficiente espetáculo por hoje, Pratt? -Isso, do outro extremo da habitação. 271

Jocelyn começava a recuperar o ânimo, mas compreendeu que ao homem lhe enfurecia não contar com o apoio de todos os pressente. Essa ira se voltou para ela. -Maldito seja sua pele! Deixa essa arma ou dispara! Não deixava alternativa, pois o homem estava jogando o braço para trás, preparando-se para lançar a chicotada para ela. Apertou o gatilho... e ficou petrificada de espanto. Não ocorria nada. Tinha confiscado uma arma descarregada! A selvagem exaltação de sua inimigo era muito expressiva. Pela audácia de lhe haver desafiado teria que sangrar e sofrer uma dor espantosa. A só idéia a paralisou a tal ponto que nem sequer pôde gritar quando viu o chicote vir para ela. Em realidade, o estalar foi pior que o golpe. Jocelyn não sentiu nada. O coração lhe tinha detido, mas não sentia dor algum. Então cheirou a fumaça, viu que Pratt se derrubava lentamente e compreendeu que alguém a tinha salvado: o que acabava de ouvir não era o estalido do chicote, a não ser um disparo. Era compreensível que não atribuíra automaticamente seu resgate ao Colt, posto que tinha deixado chegar tão longe a cena. Entretanto, a arma que ainda fumegava era a de seu guia; eram seus olhos os que a contemplavam. Jocelyn afrouxou todo o corpo, aliviada... e quase imediatamente se sentiu ferver por dentro. Mas sua brusca irritação estava perfeitamente dominada. Girou sem pressa e devolveu o revólver inútil a seu dono. Logo saiu tranqüilamente à rua. Não voltaria a dirigir a palavra ao Colt Thunder. Por algum motivo diabólico, absteve-se de atuar até o último instante possível: possivelmente para lhe dar uma lição, tinha-a deixado morrer de medo. Jamais o perdoaria.

Capitulo 42 272

Colt viu que a duquesa saía do botequim, mas não fez gesto algum de segui-la; nesse momento não podia. sentia-se fraco como um bebê. O coração ainda lhe golpeava contra as costelas e tinha a pele pegajosa de suor frio. Nunca antes lhe tinha ocorrido nada assim. Tampouco sabia com certeza o que tinha passado. Tinha visto o Ramsay Pratt lhe olhando pelo espelho. Ao lhe reconhecer, sentiu uma satisfação tão primitiva que esteve a ponto de deixar escapar um grito de guerra. Muitas vezes tinha imaginado que voltava a lhe encontrar, que desafiava a duelo e lhe esvaziava o revólver no corpo, não para lhe matar, mas sim para lhe deixar aleijado. Não queria lhe matar. Queria que vivesse para suportar a mesma amargura, a mesma dor que tinham formado parte de sua própria vida do último dia em que seus caminhos se cruzassem. Deixou deliberadamente que o homem se encolerizasse mais e mais, sem lhe responder. Queria-o completamente louco, o suficiente como para que tirasse esse chicote dele. Mas quando obteve o desejado e começou a girar para enfrentar-se ao cretino, descobriu que não podia. Era como se seu corpo se desconectou ao ver o chicote, como se a parte de sua mente que o dominava tivesse decidido não participar de outra confrontação com ele, como se tivesse medo de passar outra vez por essa experiência. Mesmo que Ramsay lhe açoitou, não foi possível sair desse estupor hipnótico que lhe imobilizava. Não houve dor algum que lhe ajudasse: dado o grande dano que tinham sofrido suas malhas nas costas, teria sido preciso lhe aplicar brasas vivas para que as sentisse. Até agora não sabia se Ramsay lhe tinha causado algum dano, esta vez. Não saberia enquanto não se visse as costas. Mas se era o medo o que lhe tinha paralisado sem conhecimento consciente, foi o mais puro terror o que sentiu ao ver que a duquesa estava ameaçada e ele seguia sem poder mover-se; um puro terror que provocou o suor frio e a debilitação, com apenas pensar que ela podia sair ferida. Só ao ver que o homem levantava realmente o chicote contra ela estalou a ira em sua cabeça, lhe devolvendo a capacidade de mover-se. 273

Seguiu com a vista o cadáver do Pratt, que era tirado rastros. Houve alguns comentários, mas nenhum dirigido contra ele. Os paroquianos, em sua maioria, voltaram para o que tinham estado fazendo antes daquela cena violenta. A reação era típica, posto que a violência era mais ou menos cotidiana. Colt não sentia nada: nem pena, nem satisfação, nem emoção alguma pelo homem ao que acabava de matar. Só lhe perturbava o olhar completamente depreciativo que tinha recebido da duquesa, um momento antes que ela saísse. Não precisava perguntá-la causa. E o que lhe diria? Que tinha tido medo. sem consciência disso? O que tinha tratado de mantêla fora da questão, sem poder mover-se? Que não tinha podido mover-se... OH, claro que ela acreditaria. Voltou para pátio da estação, a esse luxuoso carro que ela tinha conseguido com tanta facilidade. A duquesa estava ali, mas encerrada sob chave no compartimento dormitório. Colt se perguntou por um momento se devia golpear à porta e decidiu que não. Talvez assim fora melhor. Perdia alguns dias de amor com ela, mas se de qualquer modo tinha que renunciar a essa mulher, o que importava? Recolheu sua bagagem e se encaminhou para a porta. Tiraria bilhete e informaria à duquesa, por intermédio do condutor, em onde lhe encontrar. Não havia motivos para que voltassem a ver-se até a chegada ao Cheyenne. Mas ao sair viu um dos espelhos e se lembrou de suas costas. Então deixou cair a equipe e se tirou a camisa para tornar uma olhada. Decidiu que Pratt tinha perdido a mão com os anos, porque não se detectava uma só marca. -Santo céu! Girou, jogando mão de seu revólver. -O que?! Mas compreendeu ao ver a expressão da jovem. Uma piedade que não sabia suportar no melhor dos casos, muito menos dela. Jocelyn deixou cair o rifle para cobri-la boca. Estava a ponto de vomitar. Na hora passada tinha visto violência de sobra, mas isso, o resultado da violência aplicada contra ele... contra ele! Correu para o lavabo. 274

Colt arrojou a camisa ao chão com um forte palavrão e correu atrás dela, a fazendo girar antes que ela pudesse chegar à porta. -Não te ocorra! Não é nada, ouve-me? Nada! Se queria vomitar, teria devido fazê-lo quando esse porco estirou a pata, não agora. Ela tragou a bílis que lhe subia à garganta, sacudindo a cabeça. Já lhe tinham cheio os olhos de lágrimas. Não sabia o que havia posto furioso ao Colt. Não podia evitar a emoção que lhe rasgava as vísceras. Ele, ao ver suas lágrimas, bramou: -Não! Mas o gemido afogou sua ordem. Jocelyn jogou os braços ao pescoço. Colt tratou de liberar-se, mas não podia fazê-lo sem machucá-la. E não lhe soltava; aferrava-se tanto a ele que quase teria podido lhe sufocar. -Ah, merda -protestou ele, ao cabo de um momento. Levou-a a cadeira mais próxima e se sentou, com ela no regaço-. Não pode me fazer isto, mulher. E por que diabos chora, ao fim e ao cabo? Hei-te dito que não é nada. -Isto... parece-te... nada? -soluçou ela, contra seu ombro. -Nada que te incumba. Passou faz muito tempo. Crê que ainda dói ou algo assim? Asseguro-te que não. -Mas doeu! -gritou ela, ainda mais forte-. Não diga que não! OH, Deus, suas pobres costas! Ele ficou tenso. Não podia evitá-lo. -me escute, duquesa, e me escute bem. Um guerreiro não pode aceitar a compaixão. Prefere a morte. Ela se inclinou para trás, um pouco surpreendida. -Mas se não te compadeço! -A que vem tanto pranto, pois? -É pela dor que deve ter sofrido. Não... não posso suportar que tenha sofrido assim. Ele moveu a cabeça. -Está olhando de uma perspectiva equivocada, mulher. Essa flagelação estava encaminhada a me matar. Não há muitos homens que possam 275

sobreviver a algo assim, mas eu estou vivo. As cicatrizes representam meu triunfo sobre meus inimigos. Derrotei-os sobrevivendo. -Se estiver orgulhoso dessas cicatrizes, como o está destas- perguntou ela, roçando com os dedos a pele enrugada de um bico da mamadeira, com o qual lhe provocou um coice-, por que me ocultou isso? Não pode negar que me ocultava isso. Recordava agora aquelas oportunidades em que, nus ambos, fazendo o amor, ela tinha alargado as mãos para suas costas; invariavelmente, ele as imobilizava sobre a cabeça ou aos flancos. Também recordou certa vez em que lhe havia dito: "Deveria lhe fazer açoitar!' Que insensibilidade, Por Deus! Claro que, por então, ela ignorava isso. -Não disse que estivesse orgulhoso destas cicatrizes, duquesa. Mas recorda como reagiu quando viu estas -observou ele amargamente, pressionando as mãos do Jocelyn contra seus bicos da mamadeira-. E fixa lhe como acaba de reagir. Aí tem sua resposta. Provocam desgosto. Minhas costas faz que as mulheres vomitem. -Sabe por que? -inquiriu ela, um pouco acalorada-. Porque as do peito lhe fez isso você mesmo, em uma autotortura deliberada, e lhe inspiram orgulho. Mas as outras as fez alguém que quis mutilar este corpo magnífico, e isso é uma atrocidade indescritível. Quem lhe fez isso? Colt não teria podido saber se isso era lhe arreganhar ou um completo. -Acaba de ver morrer -respondeu. Ela demorou um momento em compreender; então ficou pálida. -OH, não entendo porque que não pudesse te mover ao lhe ver! Eu mesma fiquei imobilizada quando pensei que ia açoitar te, em que pese a que não sabia o que foste sentir. Mas você sabia... OH, Deus -gemeu, lhe rodeando outra vez com força, como se desse modo pudesse lhe apagar a lembrança-. Sabia exatamente o que foste sentir se te golpeava... e ele o fez! Teve que reviver esse pesadelo... -Basta, duquesa -grunhiu ele-. Está piorando as coisas. Não senti nada. Faz falta nervos vivos para sentir a dor, e de esses ficam poucos aí detrás. -OH, Por Deus! -E ela voltou a chorar. -E agora o que? 276

Mas Jocelyn moveu a cabeça; ele não quereria lhe ouvir dizer que isso era ainda pior. Só que ele adivinhou seu pensamento. E compreendeu o que ela fazia: tratava de lhe afogar com esses consolos que só as mulheres sabem oferecer. Se o permitia, acabaria por lhe embalar a cabeça contra o peito. E o problema residia em que a idéia resultava muito tentadora. Tinha que pensar em outra coisa. Ao ver o rifle cansado no chão, perguntou: -Onde foi com essa arma? -É que não te ouvi entrar -soluçou Jocelyn-. Por fim me ocorreu que possivelmente tinha tido mais dificuldades no botequim, ao sair eu. -Pensava voltar para me resgatar? -Algo assim. Ela esperava lhe ouvir rir. Em troca sentiu sua mão, que lhe atirava da cabeleira para trás para poder beijá-la. Chamou-lhe a atenção a qualidade quase desesperada desse beijo, que parecia provir mais dele que dela mesma. estava-se acabando o tempo que podiam acontecer juntos e ambos sabiam.

Capitulo 43 Quando o trem entrou na estação do Cheyenne havia um leve redemoinho de neve ante os guichês do carro privado. depois de passar quase um ano nos quentes países do Mediterrâneo antes de viajar a América do Norte, Jocelyn levava comprido tempo sem ver neve. -Não te parece que o clima desta zona pode ser muito frio para os cavalos? -perguntou, deixando cair a cortina. Colt se estava pondo o casaco. -Os cavalos selvagens vivem aqui há séculos, duquesa. Como as arrumaria as gente sem cavalos? Ela sorriu com certo acanhamento. Havia dito a Vanessa que tinha intenções de instalar ali sua manada de éguas, mas essa decisão tinha sido 277

impulsiva, tomada sob a influência do homem que tão tranqüilamente se preparava para abandonar o trem... e a ela. Se não tinha outro motivo para instalar-se nesse território, talvez houvesse outra zona mais adequada para criar os puro sangue. -Mas você criaria cavalos aqui? -insistiu. -É o que penso fazer, começando com essa potranca que me deve. E não tema que não possa sobreviver: em realidade, este clima é ideal para os animais: nem os verões são muito calorosos nem os invernos muito frios. -Pensava em meus próprios animais. Não te disse que pensava me estabelecer aqui? -Pelo amor de Deus! por que? Ela afastou a cara para não ver aquela expressão de horror. Tinha um nó na garganta. Aquilo a fez sofrer. ia dizer lhe que não se criasse problemas, que se elegia estabelecer-se em Wyoming o faria muito longe dele. Mas Colt se aproximou por atrás, lhe apoiando uma mão em cada ombro: -Esquece o que lhe disse. O que faça agora é tua coisa. Meu trabalho terminou. Mas como demônios poderia viver dia a dia, sabendo que ela estava perto? Colt tinha pensado que, depois de cumprir com o que devia fazer ali, a duquesa voltaria a tomar o trem para o Este, então poderia esquecê-la. Mas se não se ia... Lhe afastou as mãos. Estava rígida. -Não sei por que insisto em esquecer que está ansioso por terminar com esta relação. Se quer me levar a um hotel, poderá seguir seu caminho. Farei que lhe entreguem a soma endividada no rancho de sua irmã, assim que chegue. -Não, nada disso. -Seriamente... -Não, duquesa. 278

Ela apertou os lábios. Era a segunda vez que Colt atuava assim com ela; mas a primeira vez ela só tinha querido lhe falar. Agora já não a intimidava tanto essa expressão implacável. Ela também estava deixando que seu mau gênio lhe fizesse esquecer o sofrimento. De maneira que ele não queria esperar? De maneira que preferia cortar todos os laços imediatamente? depois da semana que acabavam de passar juntos, ela acreditava que começava a lhe compreender algo melhor. Até tinha albergado esperanças de... -Se temer que eu vá mesma a entregar o dinheiro, não o farei. Asseguro-te que não voltará para ver-me, se não querer. Mas não trago semelhante soma comigo. Se não poder esperar a que cheguem minhas carretas, suponho que posso chegar no banco mais próximo e fazer transferir a soma... E agora o que acontece? -perguntou, vendo que ele continuava movendo a cabeça. -Se me pagar esse dinheiro, queimarei-o. Nunca o quis, bem sabe. Simplesmente, faz que me entreguem a potranca, quando estiver lista para ser separada de sua mãe, e estaremos em paz. -Isso significa que suportou por nada um trabalho que odiava? Deixa ao menos que te pague a soma acostumada... -Não. Jocelyn lhe fulminou com a vista. -Está decidido a me fazer sentir culpada por me aproveitar de ti, não? Mas vou desiludir te. Se algo sentir não é culpa, por certo. Assim dizendo, levantou sua maleta e partiu para a porta. Colt apertou os dentes, furioso. Seus alforjes estavam ainda no compartimento dormitório; do contrário teria saído atrás dela. Maldita mulher! por que tratava de fazer que ele se sentisse culpado por não aceitar seu dinheiro? Só desejava afastar-se dela antes de cometer alguma estupidez, como a de lhe confessar seus sentimentos. Bem podia imaginar sua reação, nesse caso: poria a correr como um demônio... possivelmente depois de soltar a gargalhada. Recordou o que ela havia dito ao lhe pedir que a levasse a um botequim: que não voltaria a ter a oportunidade, porque não poderia 279

mostrar-se tão audaz quando se reunisse com seu grupo. O mesmo podia aplicar-se a ele: a duquesa estaria disposta a compartilhar suas mantas, sempre que estivessem sozinhos e ninguém se inteirasse. Mas sem dúvida ali a esperavam alguns membros de sua custódia. Não podia permitir que eles se inteirassem de que tinha tomado por amante a seu guia mestiço. E se agora estava ofendida, provavelmente era porque Colt lhe tinha recordado que a aventura chegava a seu fim antes que ela pudesse lhe despedir. Por isso saía tão rígida e ofendida. Colt saiu dando uma portada. Teve que correr para alcançar à duquesa. A mulher teria devido ir diretamente ao vagão dos animais para que ambos pudessem retirar seus cavalos, mas não: ia a passo rápido para a cidade. Colt pensou em deixá-la ir; agora não corria perigo. Mas preocupar-se com ela se converteu em costume. Enquanto não estivesse seguro de que a custódia tinha chegado de trem antes que eles, enquanto não a pusesse em mãos de seus acompanhantes, sentia-se responsável. Jocelyn estava tão furiosa que não via onde ia, com quem se cruzava nem como era Cheyenne, Wyoming. sentia-se... utilizada. Bom Deus, era possível que toda a semana transcorrida tivesse sido para ele tão somente um modo de lhe ajustar contas? Porque se havia sentido utilizado por ela, assegurava-se de lhe fazer experimentar o mesmo. Que coisa tão desprezível! Mas o que outra coisa cabia pensar? Apenas essa manhã lhe tinha feito o amor selvagem, apaixonante, para depois embalá-la entre seus braços com ternura. Agora ardia por tirar-lhe de cima para não vê-la nunca mais. Alguma vez mais? OH, Deus, não voltar a lhe ver, não voltar a sentir suas mãos... Como suportar isso? Seu passo se tornou mais lento; seu peito se encheu de dor. Tratou de recordar onde estava; disse-se que não podia chorar em plena rua. Mesmo assim, os olhos lhe encheram de lágrimas. de repente alguém a sujeitou pela braço, atirando dela para um lado. Seu primeiro pensamento foi: “Não, ainda não me abandonou.” Mas uma mão que lhe apertava a boca e uma espetada no pescoço lhe fizeram trocar de idéia. 280

-Tem sorte de que o chefe queira te ver primeiro, moça. Do contrário te degolaria aqui mesmo. Se fizer algum movimento estranho, terei que lhe deixar com as vontades. Ela compreendeu a advertência, mas não estava segura de que lhe importasse obedecer. A que esperar? por que sofrer os abusos do inglês antes de morrer, se podia acabar com o assunto ali mesmo? Além do homem que a retinha contra si, só com aquela mão apertada à boca e uma faca contra seu pescoço, havia outro à vista; apertava as costas contra o flanco de um edifício, na esquina, ocultando a mão sob seu pesado casaco. Sem dúvida tinha ali um revólver, posto que lhe podia ver da rua. Tinham-na miserável um pouco para trás, para que ambos fossem menos visíveis à sombra, entre os dois edifícios. Só poderia lhes ver alguém que acontecesse esse estreito beco, como ela um momento antes. O que não compreendia era por que se limitavam a retê-la ali. Sem dúvida tinham cavalos esperando detrás dos edifícios, para levar-lhe Com essa espera só lhe davam tempo para decidir se os acompanharia ou não. Talvez, se esse não a degolava imediatamente, pudesse largar-se ou gritar. Quando estava a ponto de lhe atirar um golpe com o talão, o outro homem disse: -Ali vem, Dewane. Quem? Não podia ser Colt. Sem dúvida estava ainda na estação, retirando seu cavalo; talvez até ia já rumo a sua casa. Mas Jocelyn teve a segurança de que era Colt, e compreendeu que eles não teriam estado lhe esperando a não ser para lhe matar. O pânico a deixou imóvel, lhe roubando o calor e a cor. E um momento depois apareceu ele, girando na esquina. Um revólver contra sua cara lhe deteve em seco. -Não te atreva sequer a respirar -disseram-lhe. Colt não se moveu, porque a ira estava a ponto de lhe sufocar. Como podia ter sido tão estúpido? por que não lhe tinha chamado a atenção que a duquesa trocasse subitamente de direção para esconder-se entre dois edifícios? Tinha pensado que ela só tratava de lhe desorientar, mas não era desculpa. Com apenas olhá-la compreendeu que estava assustadísima; até 281

chorava. Foi isso o que despertou seus instintos assassinos, como nenhuma outra coisa teria podido fazê-lo. Esses dois cretinos não sairiam disso com vida, se ele podia impedi-lo. -Fica tranqüilo, Clint. Não fará nada enquanto eu tenha a faca contra este bonito cangote. Não é certo, índio Trovão? -Dewane riu entre dentes-. Não me recorda, né? Suponho que afugentaste a tantos que já não leva a conta, né? -Chama-te Owen, não? -Vá, vá, que honra. E agora a omelete se deu volta. A que acreditava nos haver desorientado ao te levar a esta senhorita? Mas o bom de Milhares nos havia dito onde ia a moça. A que andar brincando de correr detrás de um índio, se podíamos esperar bem sentados aqui? -De maneira que o inglês está aqui, na cidade. -O que te importa não é onde está, a não ser como. E te digo eu: enfadadíssimo. Ante isso Clint deixou escapar uma gargalhada; era novo na banda, mas lhe tinham falado do último enfrentamento com a moça. Ao Dewane não fez graça, porque ele tinha estado presente. -Quando perseguimos o Angel e descobrimos que ele a havia devolvido, o homem queria nos matar a todos -continuou Dewane-. Para cúmulo, ao estúpido de meu irmão e ao Saunders os pilhou a febre do ouro em Avermelhado e se foram às minas. -Por fim sorriu-. Pode apostar seu último fôlego a que o chefe lhe fará pagar a esta mulher tudo o que lhe tem feito sofrer. E você? Está preparado para pagar por sua parte? -Que parte? -Foi você o que disparava para nos atrasar. Crê não sabemos, Trovão? -Esse é seu nome índio, não? -perguntou Clint-. Se tiver algum outro, será melhor que o diga agora. -E concluiu, com uma risada zombadora: Nas lápides terá que pôr o nome completo. -Branco -replicou Colt, tranqüilamente. -Trovão Branco -burlou-se Dewane-. Claro. -Como é isso? -quis saber Clint-. Não é divertido, como Cão Raivoso ou Cavalo Louco. 282

-Não esqueça que é mestiço, tolo -disse Dewane, aborrecido-. É por sua metade branca. -Não, é pelo relâmpago que acompanha ao trovão -explicou Colt, sem elevar a voz, em tanto extraía sua arma para cravar uma bala no centro da frente do Dewane. Clint ficou estupefato; nem sequer recordava que tinha um revólver na mão. A duquesa começou a gritar ao cair com o Dewane. Só então Clint se voltou para o Colt... e recebeu a bala reservada para ele. Disparou por ato reflito, mas o projétil tocou o pó apenas um segundo antes que ele. Colt se assegurou de que estivesse morto (com respeito ao Owen não havia dúvidas) e ajudou ao Jocelyn a ficar de pé. Lhe lançou imediatamente uma bofetada, que ele pôde evitar apenas. O que não pôde esquivar foi sua fúria. -Poderia me haver matado! Poderia me haver feito matar por ele! Colt lhe imobilizou o braço, elevado para outra bofetada, e a estreitou entre seus braços. -Já passou, duquesa -disse com suavidade-. E nunca disparo se não saber exatamente que vou acertar. Sentiu que a percorria um estremecimento; logo ficou relaxada contra ele. -Acredito que vi cair muitos cadáveres a meu redor, nestes últimos tempos. me tire daqui, Colt. Nada lhe teria gostado mais, mas ao ver que a gente corria para eles para investigar a causa dos disparos, compreendeu que era preciso esperar. Entre a multidão estava o subcomissário Smith, a quem ele conhecia, felizmente; pelo menos, não os reteriam muito com as perguntas. -Levarei-te ao Rocky Valley assim que tenha explicado isto, duquesa. Eu voltarei para averiguar se algum de seus guardas chegou antes que nós, mas enquanto o inglês possa estar na cidade, com outros homens a suas ordens, estará mais segura no rancho. Ela não discutiu. Só importava uma coisa: ele ainda não a abandonava.

Capitulo 44 283

O primeiro que, disse-lhe a mulher foi: -A menos que Billy tenha trocado de sexo, Colt, não é ele com quem vieste a casa. -Logo lhe abraçou, olhou-lhe de pés a cabeça e acabou por franzir o cenho.- Nunca pensei que demorasse tanto. Não pôde encontrar a esse cabeça oca? Jocelyn, algo mais atrás, escutou a breve explicação do Colt e a corrente de perguntas que seguiu. Nunca lhe tinha ouvido falar tanto em tão pouco momento. Nem por um momento duvidou que essa bela moréia, de magníficos olhos de turquesa, fora sua irmã Jessie, a que lhe tinha dado um nome, a que lhe tinha ensinado a falar seu idioma. Disso tampouco cabiam dúvidas para ouvi-los falar com ambos. Por fim foi apresentada. Colt, tipicamente, limitou-se a chamá-la Duquesa. Jocelyn se perguntou se recordava sequer seu verdadeiro nome, mas tampouco se incomodou em corrigir a sua irmã, quando esta supôs que Duquesa era seu nome. Depois apresentaram ao Chase, o marido do Jessie: um homem encantador, de olhos tão escuros que pareciam negros. Embora Jessie parecia ter apenas vinte e um anos, devia ter alguns mais, pois tinha um filho de sete anos, imagem viva de seu pai, uma menina de cinco e outro varão de só quatro. Formosos meninos que lhe provocaram certa opressão no peito ao precipitar-se aos braços de seu "tio Colt". Como tinham chegado ao rancho Rocky Valley pouco depois de obscurecer, Jocelyn se desculpou cedo para permitir ao Colt uma conversação em privado com sua família. Pela manhã descobriu que ele tinha voltado para a cidade a noite anterior. Quando se reuniu com o Jessie no comilão, foi enfrentar-se a certa hostilidade. -O que lhe tem feito a meu irmão? -foi o primeiro que ouviu dizer. -Como diz você? -Não me venha com esse tom altivo, Duquesa. E não finja não saber a que me refiro. O Colt que voltou para casa ontem à noite não era o mesmo que partiu faz tantos meses, para procurar o Billy. 284

Jocelyn caiu na conta de que ali, por fim, poderia descobrir algumas costure sobre o Colt Thunder. Interpretou a hostilidade do Jessie Summers como o que era: preocupação por alguém a quem amava. Por isso não se ofendeu. -me diga como era quando partiu -foi sua proposta. -Era um homem feliz e satisfeito. E me levou muito tempo conseguir isso. Aqui pode mostrar-se tal como é. E permite que te diga algo, Duquesa: em sua vida conhecerá outro homem tão generoso e considerado. Mas ontem à noite... Demônios, estava reservado, nervoso, mudo. E saiu como disparado assim que te deitou. Quero saber o que passa aqui! -Temo não ter a mais vaga idéia. O Colt que conheço é o mesmo fulano abrupto e azedo que conheci quando me salvou a vida. Não, isso retiro: nesta última semana se mostrou mais... depravado, poderia-se dizer. Até ontem. -E o que passou ontem? -Chegamos ao Cheyenne, é obvio. E então atuou como se estivesse fervendo por desfazer-se de mim. Por desgraça, meu inimigo tinha outros planos. Por isso estou aqui. E talvez por isso lhe notou diferente: ainda não pôde divorciar-se de minha presença. -Divorciar-se? -Jessie riu pelo baixo. -Tem uma maneira muito estranha de falar, Duquesa. A próxima vez que meu marido esteja em desacordo comigo, divorciarei-me da discussão. -Se se parecer em algo ao Colt, diria que será uma decisão prudente respondeu Jocelyn, participando da brincadeira. -Colt discute? Desde quando? -sempre. Ao menos, isso pensava eu. Quer dizer que isso não é normal nele? -É obvio que não. Não são muitos os que se atrevem a discutir com ele, compreende? Quando eu o repreendo, limita-se a esperar tranqüilamente a que me tenha descarregado. Logo diz algo que me faça rir. Jocelyn moveu a cabeça, sentida saudades. -Parece-me incrível que estejamos falando da mesma pessoa. -Também a mim, Duquesa. 285

-Incomodaria-te se me chamar de Jocelyn? -O que? Duquesa é só um apelido que te pôs Colt? -Poderíamos dizer que sim -esquivou Jocelyn, por não dar explicações, pois havia algo mais importante que averiguar-. Muitas vezes perguntei a que se deve essa amargura que tantas vezes percebi no Colt. Talvez você possa arrojar alguma luz sobre isso. -Está brincando? É bastante óbvio, não te parece? A gente não lhe aceita pelo que é. -Mas você mesma disse que vivia feliz e satisfeito. -Aqui, no rancho. Também no Cheyenne lhe conhece bem e lhe aprecia. Mas de vez em quando também tem problemas com os forasteiros. Passará muitíssimo tempo antes que a gente possa lhe olhar e não ver um índio, raça a que se sentem naturalmente obrigados a odiar. -Mas é só culpa dele, por vestir-se desse modo para exibir sua origem! protestou Jocelyn, irritada ante tanta injustiça-. Acaso não se dá conta do pouco índio que parece? Se cortasse o cabelo... -Já o tentou -interrompeu Jessie, deixando entrever parcialmente sua própria amargura-. Quer saber o que lhe passou por parecer-se com os brancos? Um de meus vizinhos se enfureceu tanto ao descobrir a verdade que lançou a seus homens contra Colt, fez-lhe atar a um poste e ordenou que matassem a chicotadas. -OH, Deus -sussurrou Jocelyn, fechando os olhos como se sofresse. -Não ficou muita pele para suturar -prosseguiu Jessie, em tanto as lembranças voltavam para ela-. Tampouco muita carne, depois de mais de cem açoites. Mas ainda estava de pé quando chegamos nós para impedir aquilo. E não tinham conseguido lhe arrancar um grito, embora fizeram todo o possível, aqueles cretinos. Teve febre durante três semanas; pensamos que ia morrer. E passaram oito largos meses antes de que recuperasse toda sua força. Mas o que lhe fizeram não é agradável de ver. -Sei -murmurou Jocelyn. -Sabe? Como é isso? Nunca deixa que lhe vejam as costas. -Temo que apareci por surpresa. 286

-Ah... -exclamou Jessie, envergonhada do que tinha chegado a pensar-. Sem dúvida lhe... horrorizou. -Isso não descreve nem aproximadamente o que senti. Estive a ponto de me decompor. -Mas suas costas não é tão horrível como para isso -protestou a irmã. Jocelyn piscou. -Não, é obvio. O que me repugnou foi que alguém pudesse fazer algo assim. Não o compreendi então e não o compreendo agora. Esse teu vizinho devia estar louco. Só isso poderia explicar semelhante violência. -OH, estava bem cordato. E até acreditava que se justificava atuar assim. Colt estava cortejando a seu branquíssima filha, sabe? E ele o tinha permitido. Por isso se considerou obrigado a fazer o que fez: porque Colt se atreveu a desejar a essa arrastada. Pode acreditar que ela o presenciou tudo sem dizer uma palavra? -Jessie franziu o cenho ao ver a expressão do Jocelyn.- Perdoa. Fiz mal em te contar tudo isto. É que me ponho furiosa quando o recordo. -Sim, compreendo. Mas Jocelyn compreendia algo mais. Agora sabia por que Colt rechaçava a tal ponto às brancas. E se sentia completamente derrotada.

-Sua Graça por aqui, Sua Graça por lá... o que era todo isso? -perguntou Jessie a seu marido, enquanto Jocelyn se afastava com a escolta de seis homens que tinha ido procurá-la. -diria-se que a tal Duquesa é uma duquesa de verdade. -Vá, é o cúmulo -sorriu Jessie-. Parece que meu irmão aponta muito alto, não? -O que quer dizer? -perguntou Chase, franzindo o cenho. -Não me diga que não viu como a olhava ontem à noite. Pensei que em qualquer momento sairia fumaça do sofá aonde ela estava sentada. -Meu deus, Jessie! Não estará pensando em fazer de casamenteira, não? Ela é da nobreza britânica. Ela entreabriu os olhos. 287

-Insinuas que meu irmão não a merece? -Nada disso -protestou ele, exasperado-. Mas os aristocratas só se casam com outros aristocratas. -Ela já o fez -soprou Jessie-. Conforme me parece, agora pode casar-se com quem deseja. -E te parece que quer casar-se com o Colt? Um sorriso presumido curvou os lábios da jovem. -Ontem à noite também vi como lhe olhava ela. E se a tivesse ouvido falar dele, esta manhã! Aqui não faz falta uma casamenteira, querido. Entre eles dois já há algo. -E esse algo parece te agradar muito. -claro que sim. Ela é simpática, mas o mais importante é que pode lhe curar as cicatrizes da alma. -As cicatrizes da alma? Caramba, mulher, de onde tiraste essas expressões? -Está-te burlando de mim, Chase Summers? -Nem pensar! Jessie cravou um olhar de desconfiança sobre a inocente expressão de seu marido. Logo pigarreou. -Me alegro. Porque de ser assim teria que me divorciar de sua presença. -O que? -chiou ele. Mas só ouviu a gargalhada do Jessie, que desaparecia no interior da casa.

Capitulo 45

-Olhe, Chase, estamos perdendo o tempo. O inverno se irá sem que nos demos conta. E eles terão perdido a oportunidade de passar os dias frios acorçoados junto ao fogo, como nós. 288

-Quais? -perguntou ele, como se não soubesse. Ultimamente sua esposa não falava de outra coisa. -Colt e sua duquesa. Em realidade, eu teria que fazer algo. -Não tinha reconhecido que deviam arrumar as coisas seu modo? -Mas então não sabia que eles foram mostrar se tão teimosos. Faz três semanas que ela está no imóvel de Calam. Já tem a casa lista. Todos os dias chegavam móveis do Oeste. E até construiu um novo estábulo. -Não lhe há dito de quem era o imóvel que comprou? -Quando me inteirei ela já tinha gasto muito dinheiro nessa casa. Não tive a coragem de dizer-lhe Mas suponho que esse é um dos motivos pelos que Colt não a visita. -Se lhe interessasse lhe ver, tesouro, não te parece que poderia vir aqui com alguma desculpa, para ver se tropeçava com ele? Se não o fizer, por algo tem que ser. -Só porque é teimosa... e talvez necessita um pouco de fôlego. Ele nem sequer se despediu, bem sabe. Não lhe vê da noite em que a trouxe. E ainda tem a impressão de que Colt só interessava tirar-lhe de cima. -Poderia ser certo. Jessie soprou. -Se quer saber o que opino, ele atua com a mesma impressão. -Por seu modo de falar, vejo que visitaste outra vez à duquesa. Jessie sorriu para seus adentros, deslizando as unhas pelo peito nu de seu marido, sob a manta de peles. Não sempre mordia o anzol quando ele a provocava. -Está te buscando um beliscão, não? Seguro de que Jessie não estava zangada (depois de tantos anos, a diferença era fácil de detectar), ele a atraiu para si, sugerindo tranqüilamente: -Se me curar a dor com um beijo, pode me beliscar onde te agrade. -Já sabia que não te foste negar. Mas como a mão do Jessie descendesse entre as pernas de seu marido, Chase ficou tenso. Ela se pôs-se a rir. -O que, passa, tesouro? Não confia em seu doce mulhercita? 289

-Doce, qualquer dia -grunhiu ele-. Às vezes penso que segue sendo tão selvagem como quando te conheci. Ela voltou brandamente a cabeça para lhe rodear um bico da mamadeira com a língua. Os suaves olhos de turquesa investigaram a reação marital. -Quereria-me distinta? -Não, que diabos. Essa mesma tarde, Jessie montou a cavalo para ascender as colinas até a cabana do Colt. Ainda sorria quando passava pelo sítio aonde ela e Chase faziam o amor pela primeira vez, nas colinas inferiores que davam ao vale. Aquela primeira vez tinha sido estupenda, embora acabasse mau. Por então ele não se sentia disposto a casar-se e sentar cabeça. Depois trocou de opinião. E havia tornado a levá-la ali, quando retornaram a Wyoming, para fazê-lo outra vez como era devido, conforme disse. Após, sempre o faziam como era devido. Os anos os tinham tratado bem, muito bem. Ela ainda lhe arreganhava de vez em quando, porque é difícil desfazer-se dos velhos costumes e porque sempre tinha sido de gênio vivo. Mas sabia que Chase a amava tanto como ela a ele, e não era pouco dizer. A cabana do Colt estava mais acima, perto do arroio aonde ela estava acostumada nadar quando era jovencita; de ali se via, não só o vale, mas também as planícies, mais à frente. Nessas costas havia vários centímetros de neve acumulada, mas encontrou ao Colt fora, vestido só com um par de velhas calças de montar, cortando lenha. detrás dele havia uma respeitável montanha de lenhos, mas continuava brandindo a tocha com energia. Pese ao frio, as costas e o peito lhe brilhavam de suor. Ela decidiu não fazer comentários sobre esse método para aplacar o gênio; sem dúvida alguma, tanto esforço não tinha outra finalidade. -Fica um pouco de café? Ele assentiu sem levantar a vista. Sabia quem era a visitante muito antes de que ela aparecesse no pequeno claro. -Vê e te sirva. 290

Jessie o fez; a cabana estava desordenada e havia uma caixa no rincão, com dez ou doze garrafas de uísque vazias. Ao sair se deteve na soleira, com a taça na mão. Ele não interrompeu sua tarefa. -apanhaste algum cavalo ultimamente? Posto que o curral estava vazio, pergunta-a só estava destinada a lhe chatear. Não resultou. Ele se limitou a negar. -A semana próxima Billy tomará o trem a Chicago. Acredito que esta vez minha mãe desistirá de lhe obrigar a seguir estudando. Ao moço não lhe faria mal seguir uma carreira, em realidade. Talvez entre você e eu poderíamos lhe convencer. -O menino está em idade de tomar decisões por sua conta, Jessie respondeu ele, descarregando outra machadada. Ela abandonou o tema. -Não lhe vê desde que trouxe para os estrangeiros até a cidade. Não pensa ir despedir te? Nestes dias anda remisso para essas coisas. Isso lhe chamou a atenção. -O que quer dizer com isso? Jessie se encolheu de ombros. -Nada, mas sua duquesa comentou algo sobre sua ausência, a manhã em que se foi. Não lhe tinha ocorrido que não voltaria a te ver. Ele voltou para brandir a tocha. Seu único comentário foi: -Não é minha duquesa. -Bom, claro que não -reconheceu Jessie-. É uma maneira de falar Abandonou a soleira para sentar-se em um toco, mais perto do montão de lenha, e comentou como ao desgaire: -Essa senhora sabe como fazer as coisas. Dizem que entrou no banco e saiu meia hora depois, com um título de propriedade na mão. -O do imóvel de Calam. De maneira que estava informado. Era o que Jessie queria confirmar. -Bom, não havia muitas casas disponíveis. Deixou-a irreconhecível, mas acredito que ainda não gosta. Também comprou terras até as montanhas e pensa construir uma mansão ao pé das colinas, quando chegar a primavera. Há um famoso arquiteto de Nova Iorque que lhe está 291

preparando os planos e já tem todo um grupo de operários dispostos a viajar até aqui. -Como te inteiraste que tantas coisas, Jessie? -Tenho-lhe feito um par de visitas. depois de tudo, agora somos vizinhas e a distância é pouca. -Sei. Ela franziu o cenho ante a nota de desgosto que percebia em sua voz. -Você não gosta disso? -por que não? -diria-se que não te faz muito feliz. -Tem que me fazer feliz? -Bom... em certo modo, isso esperava eu. Não foram amigos? -Ela me contratou para que fizesse um trabalho. Eu o fiz. -E entre vós não houve nada mais? -Jessie... -advertiu ele. Mas lhe interrompeu. -Está falando com sua irmã, Trovão Branco. Não me diga que não a quer: vi como a olhava. por que não está em sua casa, cortejando-a? Meu capataz não perde a oportunidade de fazê-lo. -Emmett Harwell? -estalou ele-. Mas poderia ser seu pai! -E isso o que tem que ver? Dizem que o duque era ainda mais velho. Ele a fulminou com o olhar por um momento, mas seguiu cortando lenha. Jessie emitiu um som exasperado. Com a franqueza não iria a nenhuma parte. Tomou um sorvo de café e disse: -Sabe uma coisa? Considerando que esse palhaço inglês segue rondando à senhora, supus que sua primeira medida, quando comprou a casa, seria edificar uma muralha ao redor. Mas não o fez. Quando lhe perguntei por que, sabe que disse? Aguardou. Ao cabo de uns vinte segundos, ele levantou a vista: -E bem? -Não quer lhe manter fora da casa. Diz que se entrincheirou a esperar que vá a procurar. Tive a impressão de que o tinha sugerido você. -É possível. 292

-Isso me pareceu, mas não consigo me explicar por que não está ali, esperando com ela. -Tem homens de sobra. -Mas não pensa utilizá-los. Planeja matar ela mesma ao inglês. Por isso lhe facilita a entrada. Colt deixou cair a tocha. -De onde tirou essa idéia descabelada? Jessie se encolheu de ombros. -Não sei. Possivelmente só tratava de me impressionar com sua coragem. Como diz, tem homens de sobra. O razoável é que haja um ou dois por ali para apanhar a esse fulano antes de que chegue até ela. Colt não fez comentários. Já ia rumo a sua cabana. Jessie lhe seguiu, tratando de não sorrir. -Pensa ir a sua casa? -perguntou-lhe. -Essa mulher não faz comentários ociosos, Jessie -respondeu ele, sobre o ombro-. Se disse que lhe mataria ela mesma, essa é sua intenção. Alguém tem que lhe dizer que está louca. -Bom, aproveitando a ocasião, por que não termina com esta tolice de te embebedar todas as noites e lhe pede que se case contigo? Ele girou para lhe dedicar seu olhar mais carrancudo. -te coloque em suas coisas, Jessie. -É o que quer, não? -Isso não troca nada. Ela é branca. Não o notaste? Jessie dilatou deliberadamente os olhos, como se só então compreendesse. -Vá! por que não me disse que tinha prejuízos? -Está assobiada? Nem sequer sabe o que significa essa palavra. -É muito arrogante para tí? Claro, devia imaginá-lo, sendo duquesa e todo isso... -Não é mais arrogante que você-replicou ele. -Bom, eu não sou arrogante. Então tem que ser mal intencionada. Nunca o teria imaginado. -Basta, Jessie -vaiou Colt-. Não tem um cabelo de má. 293

-É por seu aspecto, então? Caramba, eu pensava que não te parecia tão feio essa massa de cabelo vermelho! -Chase fez mal em não te retorcer o pescoço a última vez que te ameaçou. -E agora o que tenho feito? -perguntou ela, inocente. Por fim Colt pôs-se a rir e a abraçou com força pela cintura. -obtiveste seu propósito, irmã. Acredito que nada perco provando. Jessie deu um passo atrás, com o nariz enrugado e limpando-as mãos nas calças. Será melhor que te banhe primeiro. Ou quer que se deprima antes de poder te dar o sim? Logo que tinha pronunciado a última palavra quando deu um chiado e pôs-se a correr.

Capitulo 46 -É primeira em sabê-lo, querida: decidi me casar. Jocelyn girou, surpreendida, e esteve a ponto de derrubar o abajur de mesa. -Vã! Logo que conhece senhor Harwell. Faz só uma semana que te visita. A condessa riu entre dentes. -Surpreende-me que te tenha precavido, quando te passa o tempo vagabundeando por aqui como alma penada. -Não é certo! -Bom, não sei como chama você ao que faz. Mas não vem ao caso. E não vou casar me com o simpático do Emmett Harwell, embora deva lhe agradecer o ter posto a meu querido Robbie tão ciumento para declarar-se. -Com o Robbie? -por que não? -observou a condessa, à defensiva-. Se você pode te apaixonar por um homem totalmente inadequado para sua posição social... 294

-Ao diabo com minha posição social! E não estou apaixonada por ele. -É obvio que não, querida. Jocelyn jogava faíscas pelos olhos, mas Vanessa não se deixou alterar. Por fim a jovem se voltou com um suspiro. -Seria muito estúpido me apaixonar por um homem que não me ama, não? -disse com voz débil. -OH, sem dúvida alguma. Jocelyn a olhou sobre o ombro, outra vez fulminante. -por que não me recorda que é azedo, mal-humorado, perigoso...? -Porque não tem que ser tão mau, posto que lhe ama. -Não. Mas se por acaso não o notaste, não vem. -Talvez tenha que ser você quem vai lhe visitar, querida. Tenho entendido que sente aversão por este rancho. Sua irmã me contou que, faz alguns anos, estiveram a ponto de lhe matar nesta mesma casa... Por Deus, sente-se! O que hei dito? Jocelyn apartou à condessa, que tratava de arrastá-la até uma cadeira. -Estou bem. Teria sido bom que alguém me dissesse isso antes, sim. Que horrível ironia! -Qual? -Que eu tenha comprado justamente esta casa. -Bom, mas não viverá aqui muito tempo. Só até a primavera. Além disso, talvez ele queira que viva com ele nas montanhas, em sua rústica cabana. -Não me incomodaria. A condessa fez uma careta, pois só tinha querido dar certa ligeireza à conversação. -Não exageremos com isso de nos sacrificar por amor, querida. Deixa que ele seja quem se sacrifique aprendendo a desfrutar das coisas boas da vida. -eu adoraria, mas insiste em esquecer um pequeno detalhe: sua ausência. Não tratou que lombriga porque não quer lombriga. -Eu não estou tão segura, querida. Segundo sua irmã... 295

-OH, Vã, por favor, basta já com as confidências das irmãs! Deveria ter aprendido a lição. -Não seja obtusa -interrompeu-lhe a condessa-. Jessica Summers não é uma pequena mentirosa, como aquela Maura. -Talvez não, mas não é objetiva nem... Jocelyn se interrompeu, pois acabava de ouvir gritos fora. aproximouse rapidamente à janela. Ao ver que saía fumaça de seu novo estábulo, o coração começou a lhe palpitar de medo. -O que, passa? -perguntou Vanessa. Jocelyn já ia para a porta. -Há fogo no estábulo. -Bom Deus... mas espera um minuto! -A condessa correu para lhe seguir o passo. -Não pode ir ali. Esse incêndio poderia ser obra do Longnose, para te fazer sair. -Não seja ridícula, Vã. Ainda é de dia. Se vier o fará de noite, para poder escorrer-se como os outros insetos noturnos. -Não sabe se... -Ali estão meus cavalos, Vã! A condessa, sem dizer uma palavra mais, limitou-se a segui-la. Ainda era de dia, sim, mas logo que ficava luz, e a fumaça que brotava a baforadas do comprido edifício aumentava a impressão crepuscular. Os homens já estavam tirando os cavalos; outros saíam precipitadamente, por conta própria. Seus relinchos temerosos resultavam patéticos. -E Sir George? -perguntou Jocelyn ao primeiro que viu sair pelas grandes leva. -Rob se encarrega dele, Sua Graça. -É grave? -As chamas já chegaram ao palheiro. Para ouvir isso Jocelyn caiu no pânico. Sir George estaria tão aterrorizado que ninguém poderia dominá-lo. Seria impossível levá-lo fora. Antes que ninguém pudesse detê-la, Jocelyn tinha deslocado ao interior. A fumaça se amontoava por sobre sua cabeça, com tanto aroma 296

que não bastava o lenço contra o nariz para neutralizá-lo. Quando chegou ao grande casebre do Sir George já estava tossindo. Ali estava Robbie, tratando em vão de sujeitar ao potro pelas crinas para levá-lo fora. Ante os olhos da jovem, Sir George se elevou de mãos com um relincho, fazendo que o escocês caísse para trás. Não se levantou imediatamente: tinha recebido um forte golpe no ombro. -Está você bem, Robbie? -Por Deus, mulher, o que...! -Agora não! -exclamou ela, e se arrancou a blusa, quão único tinha em mão, para cobrir os olhos ao animal. -Se se levantar e o monta sairemos os três em um momento. Por sua parte, já estava subindo ao lombo do animal, que se tinha acalmado um pouco ante o som de sua voz e a escuridão. Robbie não vacilou em imitá-la. Momentos depois, Sir George irrompia através das portas, quase ao galope tendido. Jocelyn conseguiu dirigi-lo utilizando sua blusa a maneira de rédeas. Não foi pouca façanha. -E o resto dos animais? -perguntou ao Sir Dudley. -Todos em perfeitas condições, Sua Graça. Ela se recostou contra o largo peito do Robbie, mas se controlou quase imediatamente. Simultaneamente, os dois recordaram a maneira pouco ortodoxa em que ele a tinha entrado no estábulo. A condessa, ao aproximar-se, surpreendeu-os rindo. -Assusta a morte e te encontro aqui, muito divertida. Jocelyn ficou séria ante esse repreensão, mas não de tudo; ainda sorria quando se desculpou: -Sinto-o Vã, mas tive a sensação de que esta besta nervosa não deixaria que ninguém lhe aproximasse. E não me equivoquei. Parece-me que o ombro de seu prometido necessita atenção imediata. Já sabe o pouco suave que é Sir George com seus coices. O mau humor da condessa se converteu imediatamente em aflição. -Tem alguma fratura, querido? -Só me desloquei, tesouro. Não há por que preocupar-se. Jocelyn esteve a ponto de grunhir ante esses carinhos. 297

-Levarei-lhe a cavalo até a casa, Vã, enquanto você procura a alguém para que lhe acomode o ombro. Tenho um pouco de frio. -Não sente saudades. Jocelyn não ouviu o final da frase. Envergonhava-a cada vez mais deixar-se ver com uma simples camisa. Açulou com os joelhos ao Sir George, obrigando-o a partir para a casa, e ali o deixou, com o Robbie, para subir precipitadamente a escada. Queria vestir-se corretamente antes de inspecionar aos outros animais. Mas não voltou para estábulo. Em seu quarto, tranqüilamente recostado em sua cama, como se lhe pertencesse, estava seu inimigo, John Longnose. A surpresa foi tão grande que não gritou. Logo teve o bom tino de não fazê-lo, posto que lhe estava apontando com um revólver à cabeça. Esse homem horrível sorria. Claro, por que não, se a fim de contas tinha ganho? Vanessa tinha razão: ele tinha aceso fogo ao estábulo, a fim de tirar todos da casa para poder escapulir-se nela. E o cretino nem sequer se preocupava com os animais, que teriam podido morrer no incêndio. Jocelyn sentiu que despertava o gênio antes de que o medo tivesse tido a menor oportunidade. -Feche a porta, Sua Graça -ronronou ele-. Não queremos que nos incomode. - Feche-a você! Ele se incorporou, com os olhos cinzas escurecidos pelo chateio ao ver que ela não se acovardava. -Acredito que você não compreende... -É você o que não compreende Estou até aqui! -Jocelyn se golpeou o queixo com o fio dos dedos.- Dispare de uma vez, maldito verme! Mas lhe prometo que não sairá desta casa com vida. -Não tenho intenções de disparar contra você -grunhiu ele, zangado. -Não? Então me dê seu revólver. Eu não tenho tanta boa intenções. -Maldita zorra! -A frustração lhe estava pondo vermelho. Não era assim como tinha imaginado o encontro-. Quando jogar as mãos ao pescoço, recorde o que há dito. -Bem, venha e tente-o. enquanto isso lhe arrancarei os olhos. 298

Mas só quando ele se levantou, com um bramido de ira, recordou Jocelyn quão alto era. Embora magro, em uma resistência física a venceria. E ela não era estúpida, Saiu como uma flecha pela porta, rumo à escada. Tinha a sensação de que o fôlego do homem lhe esquentava o pescoço, mas confiou em que fosse só sua imaginação desbocada. Não o era tanto: Longnose estava apenas a um metro dela quando a moça se deteve bruscamente ao batente da escada. Ali estava Colt, para a metade. Ele também se deteve. O mesmo fez Longnose, que desviou para o mestiço o revólver que levava na mão. Foi seu último ato. No momento em que oprimia o gatilho, Colt já tinha disparado sua própria arma. A bala do Longnose passou quase lhe roçando a orelha e foi cravar se no muro, depois dele. a do Colt alcançou ao inglês em pleno peito. Caiu lentamente, de joelhos. Murmurou algo assim como. "Por todos os diabos..." e se derrubou. Jocelyn se sentou no primeiro degrau, com um suspiro estremecido. -Esta vez não me incomoda absolutamente seu costume de arrojar homens mortos a meus pés. -Está bem? -É obvio. Estou-me voltando veterana nestas coisas. -Entretanto, sua voz não soava tranqüila absolutamente. Ele entreabriu os olhos. -Parece-me que te viria bem um pouco de uísque. -Se o trocar por conhaque, aceito. Tenho um pouco na sala. -Bom, baixa. Reunirei-me contigo quando tiver arrojado isto ao lixo. Não houve tal demora. Os acompanhantes do Jocelyn vinham já para a casa desde todas partes, para investigar a origem dos disparos. Eles se encarregaram da limpeza. Entretanto, a condessa esteve a ponto de chegar à sala antes que Colt. Este lhe adiantou por muito pouco. -Está bem, Vanessa -informou-lhe Colt, com voz baixa, mas firme-. Deixa a de minha conta. Em um princípio, à condessa espantou tanto esse tuteo que não disse nada. Imediatamente lhe fecharam a porta na cara, lhe tirando toda oportunidade. 299

-Bom, nunca haveria... -ofegou Vanessa. -Não rogava por que aparecesse? -observou Robbie, a suas costas. -Devo ter padecido alguma demência passageira. Tinha esquecido como é este homem. -Enquanto não lhe importe, querida, o que importa a ti? Ela ia franzir o cenho, mas acabou por sorrir. -Tem mutíssima razão. depois de tudo, não serei eu quem viva com ele.

Dentro da sala, Jocelyn bebeu todo seu conhaque antes de dizer: -Não estiveste muito amável. -Por quê? Não fui cortês? Ela arqueou uma sobrancelha ante sua expressão de inocência. Não teria podido assegurar que ele falasse a sério. Tampouco lhe interessava. Muito mais interessante era o que ele estava fazendo. Tinha pendurado a jaqueta no rack do vestíbulo, um momento antes de que os gritos lhe atraíram para a o andar de cima. Ela reparou em que não levava tranças nem objetos índios: só as botas brandas lhe eram familiares. O resto de seu traje: as calças negras e a camisa azul de pescoço aberto, o lenço vermelho e o chapéu de asa larga, eram a roupa habitual de todos os jeans. Enquanto isso, ele estava apreciando o traje da moça. Sobre tudo, aquela fina camisa, tão pouco acorde com a saia de grosa lã. Jocelyn sentiu que se ruborizava e isso a chateou, Por, Deus, depois de tudo o que tinham vivido juntos era possível que ele ainda a fizesse ruborizar? Decidiu que um olhar dúbio era resposta suficiente a sua pergunta. Logo fez uma a sua vez: -O que faz aqui, Colt? -Contaram-me que pensava matar você mesma ao Longnose. -E veio para me dissuadir. -Algo assim. Ela recordou lhe haver dito o mesmo em uma oportunidade e não pôde conter um sorriso, embora a resposta a desencantasse. 300

-Não pôde ser mais oportuno... como sempre. Acredito que jamais saberei como se chamava em realidade. -Importa muito? -Não; mereceu seu apelido até o final; passou-se o tempo farejando meu rastro de um país a outro. Acredito que lhe vou sentir falta de, sabe? Acrescentava um elemento de aventura a minha vida. -Pois terá que procurar outra coisa que te excite. Essas palavras não lhe faziam mau. Já lhe tinham acelerado o coração. E os olhares do Colt... aproximou-se da janela para observar a atividade em torno do estábulo, dando tempo a seu pulso para que voltasse para a normalidade. Os animais já tinham sido levados a celeiro velho, que felizmente ainda não tinha sido ruído. De qualquer modo, Jocelyn não pôde ver muito mais a partir do momento em que Colt se aproximou dela por detrás... Sempre as compunha para centrar toda sua atenção, embora não lhe olhasse. -Quer se casar comigo? Jocelyn deixou cair a frente contra a janela. Só por milagre não lhe afrouxaram as pernas. Essas palavras lhe causavam um alívio tão incrível, enchiam-na de um êxtase tal... e ele a tinha feitos sofrer durante três semanas inteiras, enquanto se decidia! -Não sei -disse, com voz perfeitamente normal. Embora não teria podido dizer como o conseguia-. Diz a condessa que uma mulher não deve casar-se com seu amante. Arruína o romance, sabe? -E eu só sirvo para amante? Ela girou, com os olhos dilatados pela irritação. -Já está te denegrindo outra vez! Hei-te dito que... Ele a abraçou para sossegá-la. -Sigo sendo seu amante? -Se o for, não conheço amante mais desatento. Lhe beijou a careta, lenta, persuasivamente. -E se nos casássemos igual e fingíssemos que somos só amantes? -Parece-me estupendo, sobre tudo porque os amantes tendem a amarse, não? 301

-E os casais casados, não? -Não sempre. -Isso não será problema, em meu caso. -Não? -Não ponha cara de surpresa, duquesa. Aposto pensava que eu andava detrás de seu dinheiro? Ela, chateada por seu grande sorriso, resmungou: -Provavelmente quererá que o dê de presente tudo. -Talvez. -Para que vivamos em uma cabana, nas colinas. -Talvez. -E que te dê filhos e lave sua roupa. -Eu gostaria de manter minha roupa intacta. E lhe advirto isso a partir de agora: não te quero perto de minha cozinha. Suponho que necessitará uns poucos serventes, depois de tudo. -E os filhos? -Quer alguns? -Sem lugar a dúvidas. -Isso tem que significar que me ama, não? -Ou que eu gosto de seu corpo. Hei-te dito que tem um...? -Sim! -chiou, quando ele a espremeu com força-. Amo-te, muitíssimo. -Poderia haver dito isso antes -grunhiu ele, estreitando-a contra si-. Enquanto fazíamos amor, por exemplo, ou em algum outro momento adequado. Desse modo não me teria feito passar estas últimas semanas no inferno, pensando que... -Se for mencionar seguisse sua origem índia, Colt Thunder, pegarei-te. Ele se tornou para trás para observar aquela expressão feroz. Logo se pôs-se a rir. -Por Deus, como te amo, duquesa! Não tem igual. -Eu adoro sabê-lo -disse ela, enquanto lhe enchia a cara de beijos-. Agora bem, posto que chamas por seu nome a meu melhor amiga, por que a mim não? Meu nome é Jocelyn, se por acaso não o recorda. 302

-Recordo-o muito bem, tesouro, mas não soa a ti. Você é a duquesa, pura e simplesmente... e minha. -Bom, se o expressas assim...

FIM

303
Johanna Lindsey - Oeste II 02 - Tempestade Selvagem

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