NOITE ESPECIAL

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Noite Especial The Night That Changed Everything

Anne McAllister

O que pode acontecer quando algo simples se torna complicado? Alto, moreno e deslumbrante, Nicholas Savas é um homem avassalador de quem Edie precisa proteger sua irmãzinha sem juízo. Por isso, ela se coloca na frente dele antes que ambos cruzem o olhar. Mas, sem saber, Edie deixa Nick fascinado pela sua beleza e ousadia. Ela, sem dúvida, é um verdadeiro desafio e ele vai adorar tirá-la do sério... Porém, uma única noite com Edie não é o suficiente para saciar o desejo de Nick!

Digitalização: Projeto Revisoras Revisão: Cássia

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www.harlequinbooks.com.br 9788539802135 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE NIGHT THAT CHANGED EVERYTHING Copyright © 2011 by Anne McAllister Originalmente publicado em 2011 por Mills & Boon Modern Romance Arte final de capa: Isabelle Paiva Editoração Eletrônica: ABREU'S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornal e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ - 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4o andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ - 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera [email protected]

CAPÍTULO UM 2

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Ele era um Problema. Com P maiúsculo. Pela cara dele, pensou Edie enquanto observava o Senhor Alto Moreno Lindo de Morrer disparar aquele sorriso resplandecente para Rhiannon, sua irmã aspirante a estrela, a palavra toda deveria vir em maiúsculas. PROBLEMA. Precisamente o tipo de problema que ela sabia ser seu trabalho evitar. Então Edie aguardou ao lado de uma coluna no salão de baile estadual de Mont Chamion, avaliando a situação, enquanto a festa de casamento de Sua Alteza Real, a princesa Adriana, e seu belo noivo, o célebre ator e diretor Demetrios Savas, prosseguia ao redor. A orquestra tocava e casais à sua volta dançavam. Teria sido melhor, mais seguro se Rhiannon estivesse dançando também. Em vez disso estava parada; seu corpo quase colado no do homem com quem conversava. Seria esperar demais que o Senhor Problema apenas sorrisse para sua irmã, que tinha um riso afetado e não parava de piscar os olhos, á deixasse de lado e se juntasse à aglomeração? Era claro que ele estava num nível acima do dela. Sua irmã podia ser bonita e provocante, mas aquele homem parecia ter seus trinta e tantos anos, era experiente, sofisticado e visivelmente "homem demais" para Rhiannon, que mal fizera 20. Vinte anos não muito maduros, aliás. Edie observou enquanto sua irmã punha a mão no braço dele e o olhava com um fascínio absoluto. Ela reconhecia aquele olhar. Podia significar que Rhiannon estava de fato interessada no que ele estava lhe dizendo. Ou que estava fazendo o que melhor sabia atuar. Em qualquer um dos casos, a não ser que Edie interviesse, o resultado seria um problema sem-fim. Ela desejou que o Senhor Problema desse as costas, procurando outra admiradora. Os casais dançando obstruíram sua visão por um momento. Mas quando pôde vê-los de novo, ela percebeu que ele não havia se movido um centímetro. Tinha uma expressão perplexa enquanto sorria para sua irmã. Isso lhe deixava uma charmosa marca na bochecha. Rhiannon levantou um dedo e o afagou. Edie conteve um resmungo. De repente um cotovelo bateu em suas costas. Ela se virou, esperando um pedido de desculpas. Em vez disso, encontrou a mãe fuzilando-a com os olhos. - Faça algo! - repreendeu Mona Tremayne, que lançou um expressivo olhar para Edie ê então se voltou delicadamente para o produtor dinamarquês Rollo Mikkelsen, passou o braço por baixo do dele e o ofuscou com um de seus patentes sorrisos de Mona Tremayne, a Eterna Diva do Sexo. Tudo que Edie pôde pensar foi: "Graças a Deus Rhiannon ainda não aperfeiçoou essa parte do repertório da mãe." Mas parecia estar indo muito bem por conta própria. Atrás de

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si, quando a música terminou, Edie detectou o que pensou ser o risinho cadenciado da irmã, acompanhado por uma profunda gargalhada em tom de barítono. Mona obviamente também ouviu. Virou as costas para Rollo Mikkelsen e olhou furiosa, primeiro para Edie, depois por sobre o ombro desta para onde Rhiannon estava prestes a cometer um grande erro. Portanto não havia escapatória. Edie rangeu os dentes como uma fera e deu as costas para a mãe, sabendo qual era seu dever. - Certo. Lá vou eu. Como empresária da mãe e da irmã, seu trabalho era manter as carreiras de ambas nos trilhos. Ela lidava com as finanças, os compromissos profissionais, as ofertas, os contratos e a miríade de exigências que o mundo fazia para uma das principais atrizes do cinema americano e sua filha novata. Tudo isso era fácil. Era a interferência ativa que Edie detestava. Ela não tinha de fazer isso pela mãe. Ao longo dos anos, Mona certamente havia aprendido a cuidar de si mesma. E, se cometesse algum erro, tinha o poder de tirá-lo do caminho. Já Rhiannon era outra história. Ela era jovem e vulnerável, emotiva e volúvel. Era também autenticamente gentil e amorosa. Uma combinação assustadora. Assegurar que Rhiannon tivesse diversos projetos para se manter focados era a melhor forma de garantir que ela não sabotaria a si mesma, a própria vida ou a carreira. Em geral Edie conseguia isso mantendo o calendário da irmã lotado, e nunca precisava deixar a Califórnia para fazê-lo. Mas Mona ligara dois dias antes de Mont Chamion e dissera: - Faça as malas. Quando a mãe falava naquele tom ríspido e direto, Edie sabia ficar quieta. No que se referia a Rhiannon, a intuição de Mona era quase sempre certeira. Se previsse algum problema, era melhor combatê-lo de frente do que esperar que não se concretizasse. Assim, com dedicação, Edie já havia rodado meio mundo, pronta para apagar qualquer incêndio que pudesse irromper. Só não esperava comparecer ao casamento. - Por que não? - quis saber Mona. - É claro que você vai ao casamento. E à festa acrescentou com firmeza. - Só Deus sabe em que confusão Rhiannon pode se meter lá. Especialmente agora que Andrew Queridinho está longe. Andrew Queridinho. Andrew coitadinho era como Edie o considerava, era o noivo de Rhiannon. Seu primeiro amor, ele era perfeito por completo para ela, e ambos pareciam saber disso na maior parte do tempo. Quando os dois estavam juntos e em paz, a vida de Edie estava relativamente em paz também. Porém, uma briga do casal havia feito Andrew ir embora furioso no dia anterior. E Mona estava certa; um desastre poderia facilmente sobrevir se Rhiannon ficasse se sentindo menosprezada e rejeitada. Ainda assim Edie protestou que não iria ao casamento. - É claro que vai - retrucou Mona com firmeza, naquela tarde, ao pôr o vestido que usaria para a cerimônia e fazer um sinal para que Edie amarrasse a parte de trás. Era um

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tubinho simples, azul Royal, que destacava os incríveis olhos de Mona, com um decote em "V" nas costas que, à medida que Edie dava o laço, permitia vislumbrar sua pele ainda macia. Era discreto sensual e provocante, mostrando apenas o suficiente para lembrar ao mundo que, aos 50 anos, Mona Tremayne ainda era uma mulher muito atraente. - Não fui convidada. - Edie juntou as duas pontas do laço. - E não vou entrar de penetra num casamento real. O olhar de Mona cruzou com o de Edie no espelho. - Bobagem. Você não vai entrar de penetra. É minha convidada. - Oliver é seu convidado. Sir Oliver Choate, ator inglês e mais recente parceiro de Mona nas telas, havia chegado da Espanha na tarde anterior exclusivamente para acompanhá-la ao casamento. - Além de Oliver - respondeu ela impaciente. - Você precisa estar lá. E poderia conhecer alguém... - Sua voz esmaeceu, mas ela olhou para Edie esperançosa. Edie rangeu os dentes. Era exatamente o que ela temia. Mona... Bancando o Cupido. Suspirou resignada por si própria: - Eu não estou interessada em conhecer ninguém, mãe. - Não me chame de mãe em público - advertiu Mona. – Você tem quase 30 anos, pelo amor de Deus! Edie riu e balançou a cabeça, em seguida deu um apertão extra nos laços, fazendo a mãe puxar o ar de repente. - Nós não estamos em público, e eu não acho que tenha microfones no quarto. Além disso, você não faz mais papéis de garota ingênua. O público sabe a sua idade. Mona suspirou e então se levantou, endireitando o corpo. - Eu tento não pensar nisso. De qualquer maneira - passou a mão pelos cabelos castanho-avermelhados artificialmente esvoaçantes -, você deve ir. Mesmo que não conheça viva alma - acrescentou com piedade. Depois estragou tudo: - Mas é sério, Edie, você tem de ir à luta novamente. Voltar a sair com homens, ela queria dizer. Voltar à vida. Superar Ben. No entanto, Edie não queria superá-lo. Por que deveria? Seu marido, Ben, fora a melhor coisa que já lhe acontecera. E, sim, ele estava morto havia dois anos e meio. Mas e daí? - Eu fui - ressaltou Mona, não pela primeira vez. - E como foi essa experiência para você? - perguntou Edie secamente. O pai de Edie, Joe, morrera num acidente seqüestre quando ela tinha 05 anos. Ele fora o amor da vida de Mona, que passaria os vinte anos seguintes tentando substituí-lo com uma sucessão de homens que se tomariam os padrastos de Edie. - Tenho filhos maravilhosos - respondeu Mona, em tom desafiador, cruzando com os olhos da filha no espelho. Isso com certeza era verdade. Edie não podia reclamar de seus irmãos mais novos. Na verdade, Rhiannon, Grace, Ruud e Dirk eram as melhores partes de sua vida tendo se tornado a família que ela e Ben nunca tiveram. - Tem sim - concordou ela, solene. Edie podia não compartilhar da determinação da mãe no que dizia respeito a homens, mas amava; de paixão os irmãos. - E um deles precisa de você - continuou Mona, jogando sua última cartada. - Hoje à

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noite. Só Deus sabe o que vai acontecer se Andrew Queridinho romper o noivado. - Você acha que ele seria capaz? - Edie achava que Andrew era louco por sua irmã, mas supunha que até ele tinha um limite. Andrew Chalmers tinha 23 anos, era três vezes medalhista olímpico de natação, lindo que só ele e além de tudo super bonzinho. Era perdidamente apaixonado por Rhiannon desde que os dois estudaram juntos no ensino médio, coitado. Se bem que, para ser sincera, quando não estava descaradamente dando em cima de qualquer coisa que usasse calça só porque podia, Ree também parecia apaixonada de verdade por Andrew. Ele a acalmava trazia à tona seu lado atencioso e doce. E tanto Mona quanto Edie ficavam encantadas. Um mês antes, Andrew pedira a mão de Rhiannon em casamento. Na mesma hora ela aceitou. Eles iriam se casar no verão seguinte. Feliz, Ree planejou a cerimônia. Ou estava planejando, até a briga do dia anterior. Briga nada discreta. Bem ali, no meio de uma das salas de recepção reais mais elegantes de Mont Chamion, na frente do rei e de quase toda a família real, Rhiannon deu um chilique quando Andrew disse que estava partindo para um campeonato de natação em Vancouver. - E eu? - choramingou. - Você vai me levar ao casamento! - Não vou não - respondeu Andrew em tom calmo e sensato. - E você sabia disso, Ree. Eu lhe disse isso na semana passada, quando você quis que eu viesse. Eu disse que podia vir, mas que tinha de ir embora à sexta. - Mas eu quero que você esteja comigo! - Você pode vir comigo. Eu lhe disse - lembrou-o. Rhiannon, no entanto, não queria perder o casamento real. E estava certa de que podia dobrar Andrew quando ele chegasse. Mas Andrew tinha mais força de vontade do que isso. E nenhuma torrente de lágrimas ou enxurrada de palavras o havia dissuadido. Ele manteve sua posição firme e pouco tempo depois pegou um vôo rumo a Paris e de lá para Vancouver. Em particular, Edie o encorajou contente por ele não se sujeitar a qualquer exigência que Rhiannon fizesse. Entretanto, Edie também ficou preocupada, pois, desde então, Rhiannon entrara em crise de dramalhão. - Ela vai fazer alguma coisa - previu Mona. - Eu sei. E você também sabe. Ela vai acabar com tudo, dar um tiro no pé. Dar um tiro no pé, literalmente, não era o problema de Rhiannon. Fazer uma baixaria com um homem totalmente nada a ver só para magoar Andrew era. Rhiannon era uma das jovens mais belas que Hollywood já vira. Era Marilyn Monroe aos 20 anos. Betty Boop em carne e osso. E era capaz de flertar com a Inglaterra inteira. Ou com o País de Gales, no caso, já que seu pai era o fervoroso poeta galés Huw Evans. Rhiannon tinha dupla cidadania. E a capacidade de arranjar confusão não importava em que continente estivesse. Então ali estava Edie, escondendo-se pelos cantos do salão, trajando o cintilante vestido malva de Rhiannon, que parecia magnífico, sob seus cachos louros platinados pelo sol e seu corpo dourado, mas que dava aos cabelos castanhos de Edie uma aparência apagada e empalidecia sua pele clara, fazendo as sardas sobressaírem como manchas. Pior

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ainda era o fato de que os saltos combinados tamanho 37 da irmã estavam apertando os pés tamanhos 38 de Edie. Era como estar presa numa versão mal-adaptada de Cinderela e não havia fada madrinha à vista. Tampouco príncipe, é claro. Só o Senhor Problema. Mesmo enquanto Edie observava, Rhiannon se insinuava para ele, chegando mais perto, passando o braço por baixo do dele. Em seguida passou os dedos da outra mão pela parte frontal do smoking dele e deu uma risadinha ansiosa de algo que ele disse. Balançou a cabeça, fazendo os cabelos dançarem sob a luz refletida pelos candelabros de cristal. Ao mesmo tempo comprimiu o corpo contra o dele e levantou a mão para, de brincadeira, desgrenhar-lhe os cabelos. Edie engoliu um gemido. Já estava vendo que o passo seguinte da irmã seria brincar com a gravata dele. Despindo-o! Mona estava certa. O desastre era iminente. Rangendo os dentes devido às bolhas que se formavam nos calcanhares e nos dedos dos pés, Edie se afastou da coluna e se dirigiu até a irmã. - Ah, você está aí! - exclamou com alegria. Conseguiu até dar um sorriso radiante, embora a sensação fosse mais a de uma careta. Rhiannon se virou e mais uma vez jogou os cabelos, visivelmente irritada por ter o clima interrompido. Ela não era boba. Sabia exatamente por que Edie estava ali. - O que você quer? - perguntou. Seu tom fez as sobrancelhas escuras do Sr. Problema, arquearem enquanto ele olhava sob seu pontiagudo nariz para Edie, fazendo, em silêncio, a mesma pergunta. Edie deu-lhe um sorriso educado e de reconhecimento, mas se concentrou na irmã. - Recebi um torpedo do Andrew. - O que, por sorte, era a pura verdade. O rosto de Rhiannon se iluminou, e em seguida ela se lembrou de que estava brava com Andrew e fechou a cara. - Por que ele está mandando torpedos para você? - Seu tom era acusatório. - Nem imagino. - Edie encolheu os ombros. - Talvez porque você desligou o celular? Rhiannon fez beicinho. - Eu não queria falar com ele. - Bem, ele quer falar com você. E muito. Parecia desesperado. Talvez ela estivesse enfeitando as coisas um pouco. A mensagem dizia: "Diga p/ sua irmã ligar o cel. Preciso falar com ela." Mas ele havia dito "preciso". Isso não significava desespero? É claro que sim. - Muito - reiterou Edie. Em seguida voltou o olhar para o homem ainda de pé com o braço ao redor de Rhiannon. - Andrew é o noivo dela - esclareceu indo direto ao ponto. Ele soltou Rhiannon. De forma um tanto casual, mas deliberada, soltou o braço da mão dela e recuou um passo. Olhou para ela. - Noivo? Emburrada, Ree deu de ombros. - Ele não está aqui - respondeu. Mas em seguida tratou de parecer um tanto envergonhada: - Nós brigamos. Nem sempre ele está certo. O Sr. Problema não disse nada, e Edie se viu obrigada a interromper e assumir o controle da situação. - Claro que não - emendou incisiva. - E agora ele já teve tempo o bastante para pensar

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sobre tudo no caminho para Vancouver. Tenho certeza de que ele não quis magoá-la, Ree. Provavelmente está morrendo de saudade de você. - Você acha? - De repente o tom de Rhiannon se abrandou. Edie confirmou enfaticamente com a cabeça. - Ligue para ele. Porém, Rhiannon hesitou. Olhou para o belo homem a seu lado, depois mensurou com o olhar todo o salão de baile como se estivesse tentando concluir o que perderia se fosse embora: champanhe, música, casais felizes que passavam dançando. E o Sr. Problema, que era, mesmo na visão negativa de Edie, o homem mais bonito do salão. Rhiannon pareceu decepcionada: - Ele devia ter ficado. Nós dois poderíamos ter dançado. - É, mas ele também queria que você fosse com ele - lembrou Edie. - É uma via de mão dupla. Ele tem um campeonato. - Mas eu teria perdido o casamento. - E agora está perdendo Andrew. Edie esperou alguns instantes até a ficha cair. Em seguida acrescentou quase por acaso: - Se você ligar pode contar a ele o que Sir Oliver disse sobre usar o castelo dele na Escócia na lua de mel. Foi á tentação suprema. Desde que ficaram noivos, a vida de Rhiannon girava em torno dos planos para o casamento, e cada detalhe devia ser compartilhado com Andrew. Na noite anterior, tudo o que Rhiannon conseguia falar era da oferta feita por Sir Oliver do castelo de sua família, quando não falava do quanto estava irritada com Andrew. - Ah, tudo bem. - Ela cedeu à tentação exatamente como Edie ousara esperar. - Vou ligar para ele. Acho que é meu dever, já que ele tentou ligar... E lhe mandou um torpedo... Ree suspirou e em seguida ergueu o olhar para o Sr. Problema. - Ele me ama - explicou. - E eu o amo, mesmo que ele me deixe louca. Então é provável que eu tenha de ligar para ele. Mas - acrescentou, com certa frustração - eu teria realmente adorado ver as reformas arquitetônicas no seu quarto. - E eu teria ficado feliz em mostrá-las para você - respondeu ele, galanteador. Edie ficou de queixo caído. Imediatamente fechou a boca. Rhiannon não percebeu. Fez um pequeno aceno para ambos e se dirigiu alegre para os portões que davam para o Grande Salão, onde, se Deus quisesse, ligaria para Andrew e faria as pazes com ele. Edie a observou sair, prendendo a respiração até Rhiannon sumir. Então se virou para pedir desculpas e desaparecer, apenas para descobrir que o homem que Rhiannon estivera apalpando não estava olhando na direção em que ela tinha ido. Seus olhos negros agora fitavam Edie. Um sorriso lento surgiu em seus lábios. Em seguida piscou para ela. Piscou! Algo saltou no peito de Edie. Foi quase um choque, como se ela estivesse morta houvesse anos e subitamente tivesse sido trazida de volta à vida. Como a Bela Adormecida e o príncipe, pensou, zombando de si mesma. Mas a sensação foi tão real e a, pegou tão distraída que, por um momento, Edie perdeu a fala. Ela

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não se sentia assim desde Ben. Quando finalmente recobrou a voz, disse: - Reformas arquitetônicas no seu quarto? Deduziu que em seguida ele diria que ia mostrar a Rhiannon sua coleção de arte. Mas o Sr. Problema apenas deu um largo sorriso e ela sentiu outro choque. - Palavra de escoteiro - disse ele, os olhos brilhando de contentamento. Edie se recusou a achar engraçado. Olhou zangada para ele. - Não acredita em mim? Vou lhe mostrar - disse ele, estendendo-lhe o braço. Imediatamente Edie cruzou os braços. - Não seja ridículo! Eu não vou ao seu quarto. E Rhiannon também não teria ido mentiu um segundo depois, sentindo a necessidade, por alguma razão que não entendia muito bem, de desviar o foco novamente para a irmã. - Ela ama Andrew. Só tiveram uma desavença. E Rhiannon... Perdeu a cabeça. - Sem falar no senso de propriedade. - Ela não estava se oferecendo - acrescentou com firmeza. - Não? - Ele levantou a sobrancelha. - Parece que você não ouviu toda a conversa que eu ouvi. Edie ficou vermelha. - Ela não teria... Teria... - Dormido comigo? – Ele já estava rindo dela. - Você acha que não? - Não! - Pelo menos Edie esperava que não. - Bem, não se preocupe, eu não teria dormido com ela. Edie arregalou os olhos e se surpreendeu de novo com outro sentimento inesperado, dessa vez algo semelhante ao alívio. - Você... Não teria? Ele balançou a cabeça, encontrando o olhar dela. - Nem por um decreto. Ela é uma criança. - Ela tem 20 anos. Ele concordou com a cabeça. - Como eu disse, não é o meu tipo. - Você tem um tipo. - Não foi uma pergunta. É claro que ele tinha um tipo. Homens como ele sempre tinham. -Bem, é bom - disse Edie, por sentir obrigação de dizer algo diante do olhar constante de avaliação que ele lhe lançava. Começou a se afastar. Ele a seguiu. - Quem é você? - quis saber. O olhar era fixo agora, os olhos tão escuros quase negros. - A irmã de Rhiannon. - Ninguém acreditava nisso até Mona jurar sobre uma pilha de Bíblias que dera à luz as duas. Rhiannon era loura e tinha seios volumosos, cheia de curvas e iniciativa. Edie era toda angulosa, tinha cotovelos e joelhos avantajados. Sempre fora. Tinha cabelos castanhos e olhos verdes sem brilho. Não eram da cor do jade. Nem da esmeralda. Quase da cor de capim. - Meia irmã - corrigiu. - Você tem nome, meia-irmã? - Edie Daley.

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Outra coisa que ela e Rhiannon não tinham em comum. A irmã tinha o nome de alguma deusa etérea da mitologia galesa. Edie tinha o nome da mãe de seu pai. - Ah. Edie. - Ele sorriu, ergueu a mão e puxou um cacho de seus cabelos sem brilho. - O nome da minha avó. Isso mesmo. - Eu sou o Nick. Um velho Nick, sem dúvida, como a avó dela dizia ao descrever os cafajestes da família. – Nick Savas. - Irmão de Demetrios? - Edie sabia que ele tinha vário, mas não havia sido apresentada a nenhum deles. Sabia apenas que quase todos os homens altos, morenos e lindos de morrer no casamento eram parentes do noivo. Nick balançou a cabeça. - Primo. Só mesmo Rhiannon para dar em cima de um membro da família do noivo. E o mais bonito, diga-se de passagem. Todos os homens da família Savas eram um pedaço de mau caminho. Mas aquele era com certeza o mais lindo do pacote. Sem dúvida esse foi o motivo pelo qual ela sentiu aquele súbito choque de realidade. Não estava interessada, mas não estava morta! Apenas era capaz de admirar um homem bonito. - Peço desculpas se o comportamento da minha irmã foi impróprio, Sr. Savas... - disse Edie com educação, mais uma vez começando a se afastar. - Nick- corrigiu ele. Edie não repetiu o nome. Reconheceu-o pelo que era: um convite para continuar a conversa. E ela não queria fazer isso. A impressão que tinha dele á deixava nervosa, embora não estivesse certa do por que. - Se me dá licença... - Virou-se subitamente para seguir o mesmo caminho da irmã, em direção aos portões. Seu dever estava cumprido, podia voltar para o quarto, se livrar do vestido horroroso, tirar os sapatos apertados e passar o resto da noite com um bom livro. Porém, antes que Edie pudesse dar um passo, dedos fortes algemaram seu punho, ancorando-a bem onde estava. Ela olhou de volta para ele, os olhos arregalados. - O que foi? - Você não vai segui-la e verificar se ela ligou para ele, vai? - É claro que não. - Então, por que está fugindo? Fique e converse comigo. - Havia um tom suave e persuasivo na voz de Nick. - Eu... - Ela parou, querendo dizer não, esperando que dissesse não. Sempre dizia não. Mas agora parecia incapaz de formar a palavra. - Sobre o quê? - perguntou enfim, cautelosa. Ele levantou a sobrancelha. - Sobre as reformas arquitetônicas no meu quarto? Edie não pôde evitar. Começou a rir. Era o tipo de comentário sarcástico que Ben teria feito. Seu marido nunca havia se

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levado muito a sério. E após anos vividos no mundo de egos super inflados da mãe, a forma relaxada de Ben encarar a vida havia sido uma das coisas que ela mais amou nele. Entretanto, ela não esperava o mesmo humor seco do Sr. Problema. Mas Nick Savas também riu, e em seguida deu um largo sorriso para Edie. - Aí está - disse ele. - Viu? Eu sabia que podia fazer você sorrir. Edie resistiu ao impulso de atração. - Eu já sorri. Sorrio muito - rebateu. - Mas quantas vezes são sinceras? - o desafiou de forma sutil. - Muitas vezes! - Mas não para mim - respondeu Nick. - Não até agora. Ela abriu a boca para protestar, mas ele pôs o dedo sobre os lábios dela, para impedila. - Dance comigo. Era puro charme a voz de barítono rouca, o sorriso ligeiramente desproporcional, o toque daquele único dedo sobre seus lábios. Ê aquela simplicidade a pegou desprevenida. Assim como a inesperada pontada de desejo que ela sentiu de fazer exatamente o que ele pedia. Desconcertada, Edie balançou a cabeça. - Não - respondeu. - Obrigada. - Por que não? - Os dedos dele pressionaram de leve o pulso de Edie. Seus olhos não abandonavam os dela. - Você não deveria perguntar "por que não" - repreendeu-a, irritada. - Não é de bomtom. Ele retorceu um canto da boca. - Pensei que não fosse de bom-tom você dizer não. Edie se sentiu como uma adolescente desajeitada, o rosto ruborizando. Mas conseguiu sacudir ligeiramente a cabeça. - Sinto muito. Não posso. - Não pode? - Ele ergueu a cabeça. - Ou não vai? Edie encontrou refúgio na verdade. Levantou os ombros e disse simplesmente: - Os meus pés estão doendo. Nick demorou um momento para reagir. Em seguida olhou para os pontiagudos saltos de couro malva que prendiam os pés dela. - Deus do céu. - Fez uma cara feia para eles e então olhou para Edie dando-lhe um rápido sorriso. - Venha cá. – Puxou-a, decidido, até uma das mesas no final da pista de dança. - Sente-se. Pareceu mais uma ordem do que um convite. Mas libertar os pés era uma perspectiva bem-vinda; então, obediente, Edie se sentou. Esperou que ele se sentasse ao lado dela ou, melhor ainda e mais provável, á deixasse ali e saísse em busca de outra mulher com quem dançar. Em vez disso, ele se agachou na frente dela e, antes que ela percebesse, já havia lhe tirado os dois sapatos e os arremessado sob a mesa. Ela deixou escapar um pequeno grito. - O que está...?

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- Não sei por que vocês, mulheres, usam esses sapatos horríveis. - Nick balançou a cabeça, os olhos escuros fixos nos dela de modo acusatório, os dedos acariciando-lhe o peito do pé. Ela abriu a boca para dizer que eram de Rhiannon, mas aquele toque lhe roubava a capacidade de discurso inteligível. E quando ele começou a massagear suavemente entre as mãos cada pé dolorido, Edie quase gemeu, Era divino. E íntimo. O toque de Nick provocava espasmos por todo seu corpo. Ela queria que ele parasse e ao mesmo tempo quase soluçava quando ele a soltava e afastava as mãos. - Pronto. - Ele se levantou com um movimento ágil. - Melhorou? Edie olhou para cima, atônita por vê-lo olhando para baixo imperioso, soberano, olhar irresistível. Tudo que pôde fazer foi confirmar com a cabeça. - Então dance comigo. - Levantou-a e a puxou direto para seus braços. Foi mágico. Ele a girou, conduzindo a valsa, os pés cobertos apenas pelas meias. Era para ela ter tropeçado. Sempre tropeçava quando dançava. Mesmo quando dançou com Ben no seu casamento ela se sentiu constrangida, sempre se lembrando de que a Sra. Achenbach, sua instrutora de cotilhão, lamentava que a atrapalhada pupila tivesse dois pés esquerdos. Essas palavras habitavam sua mente desde os 10 anos de idade. Edie acreditava piamente nelas. Mas naquela noite ela tinha um pé de cada, mesmo que só de meias e por milagre eles fizeram exatamente o que deviam fazer: seguir os dele. É claro que seguiram. Porque era o tipo de homem que ele era. Nick Savas disse "Dance" e eles não ousaram fazer outra coisa. Edie espiou os próprios pés, impressionada. - Algo errado? Tudo. Nada. Edie balançou a cabeça, ainda atônita. Era como ter uma experiência extracorpórea. Ou talvez uma experiência "no corpo de alguém". Como no de Cinderela. Certamente não no dela. Ela nem deveria estar ali. Não queria estar ali. Não tinha nada a ver com aquilo, a não ser por Rhiannon. E Rhiannon já havia ido embora. Instintivamente Edie olhou em volta, procurando um relógio. Quanto faltava para a meia-noite? Não havia como saber. E Nick não lhe dava uma chance de olhar, eles rodopiavam, mergulhavam e deslizavam. Os dedos livres do pé de Edie cocavam, e ela os teria retorcido se pudesse fazê-lo e dançar ao mesmo tempo. Era a coisa menos provável que podia imaginar fazer. Tinha uma, certa expectativa de que alguém batesse em seu ombro e apontasse a falta de sapatos, ou, pior, anunciasse isso publicamente. Mas é claro que ninguém estava olhando para ela. Menos ainda para seus pés. Aquela altura ele já a havia conduzido por todo o salão. Foi adorável, extasiante. E ainda assim ela só pensava em como iria recuperar os sapatos de Rhiannon. Olhou em volta e nem sequer conseguiu descobrir onde os haviam deixado. - E agora? - perguntou Nick em tom ríspido. - Meus sapatos... - Não são seus - respondeu ele cheio de razão.

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- Bem, não - admitiu Edie. - São de Rhiannon. Mas não posso simplesmente deixá-los lá. - Depois nós os pegamos. - Nick pôs de lado o problema, mas não era ele quem estava dançando no casamento real de meias. - Sorria - ordenou ele. - Gosto de quando você sorri. - Ele também voltou a sorrir, como se seu próprio sorriso pudesse estimulá-la. Parecia que sim. Os lábios de Edie se mexeram. Aparentemente sua boca era tão maleável quanto seus pés. Nick assentiu: - Isso. Assim. Não era de estranhar que Ree estivesse apalpando o smoking dele. Edie fraquejou ao pensar nisso. Porém, no momento em que seus pés começaram a cambalear, Nick a segurou, á levantou novamente e a puxou para perto de si. Agora seus seios estavam pressionados contra o smoking dele. E como ela não era excessivamente bem-dotada, isso significava que todo o resto de seu corpo também estava muito próximo de Nick. Através da seda do vestido, Edie podia sentir as pernas de Nick roçando as dela. Se virasse a cabeça, poderia contar os pelos de barba no maxilar dele. E cada vez que respirava sentia o cheiro de sabonete e um vestígio de loção pós-barba silvestre. Seus joelhos tremeram. Nick a segurou ainda mais apertado. - Não sou muito boa dançarina - desculpou-se ela, tentando se endireitar e se soltar. Porém, Nick não deixou. - Estou gostando. A melhor parte da noite até agora. - A voz dele era um ronronar no ouvido de Edie. A vibração lhe provocou um arrepio na espinha. Sua mente disparou indo exatamente aonde ela não queria que fosse. Até agora? Aonde ele esperava chegar? - O que foi agora? - murmurou ele, provavelmente sentindo-a enrijecer em seus braços. Edie sacudiu a cabeça de leve. - Nada. Estou... Estou bem. Só pensei em uma coisa. - Você precisa parar de pensar. - Ela pôde ouvir o sorriso na voz de Nick e, quando ele virou a cabeça, Edie teve a impressão de sentir os lábios dele nos seus cabelos. O tremor voltou, descendo por sua espinha. Que diabos havia de errado com ela? Ela não sentia aquilo fazia anos. Não sentia o menor pingo de interesse por homem nenhum depois de Ben. A insistência da mãe para que ela "fosse à luta" havia entrado por um ouvido e saído pelo outro porque ela não sentia a menor necessidade disso. E se recusava a forçar a barra. Mas dessa vez não era forçado. Foi inteiramente involuntário e realmente irresistível quando Nick a dirigiu para perto da orquestra. A música a envolveu, colocando-a em uma ridícula fantasia de Cinderela. Perigo! Sussurrou seu lado sensato. Mas seu lado dançante, seu lado animado, reagiu na mesma velocidade: até onde ela sabia era uma fantasia, que mal havia? Não que ela acreditasse em finais de contos de fadas.

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Ela aprendera aos 18 anos, quando o galã do cinema Kyle Robbins partiu seu coração, que contos de fadas eram fantasia, que os romances da vida real não terminavam em "felizes para sempre". E, se ousasse pensar que seu casamento com Ben provava o contrário, bastava lembrar como ficara arrasada ao perdê-lo. Portanto, Edie sabia que não se pode contar com "felizes para sempre". Ela estava imune. Então vá em frente, disse a si mesma. Encare como que são alguns minutos de diversão. Não vai durar, mas e daí? É uma dança, uma noite. Nada mais. Pela primeira vez naquela noite sua cabeça e seus pés estavam de acordo. Ela sorriu para Nick Savas, mexeu os pés e se deixou levar pela dança. Nick Savas não ia a casamentos. Fazia anos. Também não desejara ir àquele. Mas quando você é primo do noivo, de um lado, e está restaurando uma ala do castelo da família da noiva, do outro, sabe que não tem escolha. Não havia como ele continuar trabalhando direto no dia do casamento, muito embora o tivesse preferido. Não queria assistir a outro casal feliz fazendo votos mútuos para o resto de suas vidas. Não queria ver o modo como olhavam um para o outro com esperança nos olhos e sonhos no coração. Talvez fosse egoísmo, tudo bem, era egoísmo, sim, mas ele não queria testemunhar outras pessoas conquistando o que lhe havia sido negado. Desde que sua noiva, Amy, morrera dois dias antes do casamento deles, ele dera as costas para aquilo tudo. Os casamentos dos Savas, em especial, deviam ser evitados não apenas porque ele teria de ver mais um primo fazer suas promessas, mas porque cada parente ali parecia se considerar responsável por indicar pretendentes para ele conhecer. E se casar. Nick não tinha interesse em se casar com ninguém. Ninguém parecia entender isso. Então, em geral, ele tratava de ir para outro continente. Trabalhar no castelo de Mont Chamion, porém, significava que estaria ali naquele dia. Não tivera outra opção. - Será ótimo - assegura-lhe sua tia Malena na tarde do dia anterior. - Acho que Gloria vai trazer duas assistentes de Philip. As duas são jovens e solteiras - acrescentou animada, confirmando os piores temores de Nick. - Ah, sim - derramou-se a tia Ophelia. - Haverá várias mulheres deslumbrantes. Você poderá escolher a que quiser. Mas Nick não queria escolher nenhuma. Portanto chegou à última hora e sentou-se no fundo, evitando a miríade de tias, tios e primos Savas, que, vendo-o ali, tratariam de lhe arranjar companhia. Era o que eles faziam. Não podiam evitar. Tinha uma mentalidade arcaica, o mundo se organizava melhor em pares. Nick não contestava. Que droga, ele acreditava de verdade nisso. Mas já não existia "melhor" para ele. Nunca mais existiria. Quando ouviu o padre entoar "Você aceita esta mulher...", ele sentiu um nó na garganta. Nick bloqueou a mente, determinado a se concentrar, nos vários querubins e serafins

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que flutuavam sobre a congregação, estudando-os como se fosse fazer um teste sobre eles, o que já lhe havia acontecido, num curso de detalhes arquitetônicos de época. Pelo aspecto, aqueles eram de meados do século XVII. Bastantes barrocos. Bernini se sentiria em casa. - Eu os declaro marido e mulher. Nick suspirou aliviado. Teria fugido em seguida, se seu tio Orestes não o tivesse segurado antes, determinado a falar com ele para ver se não gostaria de restaurar o apodrecido coreto de sua propriedade em Connecticut. Pelo menos não se ofereceu para apresentar a nova auxiliar de escritório. Em silêncio Nick deu graças enquanto seguia a fila de convidados, parabenizava o primo, Demetrios, e beijava a esfuziante noiva. Após o jantar, no qual havia planejado ficar na companhia das filhas trigêmeas de seu tio Philip porque ninguém esperaria que estivesse interessado nelas, Nick se recostou em uma parede próxima à pista de dança onde seria difícil conversar e ninguém sugeriria que ele dançasse. Contava os minutos para que pudesse educadamente sair quando uma jovem loura ansiosa o deteve: - Rhiannon Evans - anunciou ela sem parar para respirar. E olhou para Nick como que esperando que ele soubesse quem ela era. Era jovem, definitivamente estonteante e decididamente faiscante. - Sou atriz - explicou, perdoando-o por ter admitido não saber coisa alguma sobre filmes. Não tinha o menor interesse. Não os via. Deveria, disse-lhe Rhiannon. Podia começar com os dela. Ela já estava recebendo créditos "embora ainda abaixo do título", admitiu e papéis maiores e melhores. Disse a ele que levava sua arte a sério e que não queria ser conhecida apenas pela beleza, disse isso sem um pingo de autocrítica, mas pela qualidade de seu trabalho. Havia uma tensão em todo aquele falatório infantil. Nick era bem-versado em linguagem corporal feminina e podia ver que ela tinha segundas intenções. Primeiro a mão no braço dele, depois, de alguma forma, os dois entrelaçados. Ela se debruçou nele. Passou a mão em sua lapela, em seguida tocou seu rosto. - Também estou determinada a não pegar carona no sucesso da minha mãe. - Foi aí que Nick soube que ela era filha de Mona Tremayne. Pelo menos sabia quem Mona era. Nick duvidava de que existisse algum homem que não tivesse fantasiado com Mona em algum momento da vida, seus antigos filmes de diva do sexo eram prova disso. Deus sabia que quando jovem ele também fantasiara, muito embora ela tivesse quase idade suficiente para ser sua mãe. Haviam se conhecido alguns dias antes em um jantar oferecido por Demetrios. Ela estava sem a filha na ocasião, graças a Deus. Mona continuava bonita à beça, ainda digna de fantasias se Nick estivesse inclinado a elas. Também era simpática e amável, interessada em saber o que ele estava fazendo no palácio. Quando soube que ele estava ali não para o casamento, mas para supervisionar a

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restauração de parte do palácio, Mona perguntou: - Você não trabalha com ranchos, trabalha? - Nunca trabalhei. - Deveria pensar no caso. - Ela sorriu de forma a estimulá-lo. - Eu tenho uma velha casa de adobe na minha propriedade que precisa ser restaurada antes que vire lama de novo. Ele riu. Entretanto, por ser interessado em construções antigas de qualquer espécie, fez algumas perguntas, depois lhe ofereceu mandar os nomes de alguns colegas. Rhiannon nem de longe era tão interessante. Mas como continuava tagarelando, Nick tentou parecer prestar atenção. Pelo menos ela não estava pensando em casamento. Disso ele tinha certeza. Havia uma ponta de frágil desespero em seu falatório frenético, e pela forma como seu olhar vagava pelo salão Nick achou que ela estava ansiosa para que alguém a visse com ele. Para ele não importava se alguém os visse juntos. Nada estava acontecendo. Nada iria acontecer. E a presença dela mantinha os cupidos da família Savas distante. Por fim, ela parou e se concentrou nele. - O que você faz? - perguntou. Nick então lhe falou demoradamente sobre reformas e restaurações arquitetônicas. Bem feito, pensou, por ela o ter ficado apalpando. Estava claro que Rhiannon não dava á mínima. Tinha outras coisas em mente. Então ele começou a enchê-la com aquela conversa sobre vigas e barrotes, sobre paredes portantes, sobre uniformizar o gesso utilizando técnicas originais. Falou sobre putrefação fungosa, umidade ascendente e assoalhos verminosos que, em benefício de uma educação mais aprofundada, ele se oferecia para lhe mostrar, visto que no momento estava tratando da remoção de alguns na torre leste do palácio. Chegou ao ponto de dizer que havia posto uma cama lá para poder continuar trabalhando nos assoalhos verminosos até altas horas. Ele imaginou que pudesse entediar Rhiannon o bastante para que fosse procurar alguém mais propenso a tirar proveito do que ela parecia ter em mente. Ou talvez a sugestão a afugentasse. Em vez disso, foi aí que ela passou a mão na lapela dele, olhou sonhadora para ele e lhe disse o quanto "simplesmente adoraria" ir até seu quarto ver as reformas. Nick começou a pensar que seria uma idéia melhor dançar com ela e pisar em seus pés. Mas não chegou a esse ponto. Foi salvo. Por Edie Daley. Seria difícil imaginar uma salvadora mais improvável. Também era difícil imaginar uma irmã mais improvável para a etereamente bela Rhiannon. Elas não se pareciam em nada. Apesar disso, Nick imaginou poder detectar as maçãs do rosto de Mona Tremayne em ambas as filhas. A semelhança, porém, terminava aí. Enquanto Rhiannon ressaltava em excesso as maçãs do rosto com maquiagem, Edie nada fazia para destacá-las. A pouca maquiagem de Edie parecia mais destinada a esconder do que a acentuar.

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Embora ele suspeitasse de que o que ela escondia, fosse sarda. Ele pensou que preferiria as sardas. Com certeza preferia a intensidade de seus olhos verde-acinzentados e sua língua afiada aos olhos azuis e o falatório incansável da irmã. Edie não seduzia, não bajulava. Também não apalpava. Mantinha distância. E foi direto ao assunto, que claramente consistia em se certificar de que Rhiannon não tinha nada a ver com ele. Acostumado a ter mulheres jogadas no colo, Nick achou a representação de mãe dedicada e super protetora de Edie, determinada a afastar o filhote do perigo, estranhamente atraente. Suas palavras para a irmã, no entanto, revelavam a compreensão de que ele não era toda a fonte do perigo. Era óbvio que ela percebia que Ree era capaz de provocar um desastre sem precisar de muita ajuda. Nick não invejava quem quer que fosse o noivo de Rhiannon. O pobre coitado teria muito trabalho com ela o que tornava ainda mais impressionante a habilidade de Edie de botá-la de volta nos eixos. Era evidente que Edie não era uma mulher a ser subestimada. Ela tinha presença. E personalidade. Embora pudesse não ter as perfeitas feições atemporais da mãe ou a beleza etérea da irmã mais nova, Edie tinha o tipo de estrutura física que uma câmera adoraria, bem como os olhos mais vivazes que ele já vira. Nick gostava de olhos vivazes. Gostava de sua iniciativa e de sua seriedade. Admirava sua determinação em se afastar dele. Dava-lhe vontade de se aproximar. E uma vez que a irmã havia desaparecido, Nick parou de tentar pensar em formas de fugir da recepção e, em vez disso, tentou achar maneiras de fazer com que Edie Daley continuasse falando. Pela primeira vez começou a se divertir fazendo-a se soltar, falar e até á provocando um pouco. Ela correspondeu, depois recuou. Ele não queria que ela recuasse. Então lhe pediu para dançar. O pedido provavelmente o chocou mais do que a ela. Nick não dançava. Fazia anos. A última mulher com quem dançara fora Amy, três noites antes de seu casamento, na noite anterior à morte dela. Ele dançara com Amy e fora a última vez que a tivera nos braços. Não era a mesma coisa, garantiu a si mesmo. Nem de longe. Dessa vez era um ato isolado, uma volta pela pista de dança com uma mulher bonita e espontânea. Ele estava num casamento, pelo amor de Deus. Dançar era normal! Só porque havia oito anos que ele não fazia isso... Não queria dizer nada. Dançar era só mexer os pés conforme a música. Não era nada sagrado. Ele deveria ter feito isso anos atrás, teria feito se houvesse lhe ocorrido. Por isso ficou chocado novamente, quando Edie disse não. Em todos os seus 33 anos de vida, Nikolas Savas nunca havia tido um convite para dança recusado, sem dúvida a razão pela qual ele perguntou: "Por que não?" A resposta inesperada, embora sincera, o fez rir. Os pés dela estavam doendo. Nenhuma mulher que ele conhecera nem mesmo Amy admitira que aqueles sapatos pontiagudos imbecis que elas usavam machucavam os pés. Quando Nick se ajoelhou para tirar os dela, estavam tão apertados que ele nem pôde

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acreditar que Edie os havia calçado. Não o surpreendeu quando ela disse que eram da irmã. Não era de admirar que Edie não quisesse dançar. Era incrível até mesmo ela conseguir andar. Mas assim que ele libertou os pés dela e atirou os calçados agressores sob a mesa, de modo que ela não se atrevesse a engatinhar e resgatá-los, Edie o deixou tomá-la nos braços e rodopiá-la pela pista de dança. Era como andar de bicicleta. Depois que você aprende, nunca mais esquece. Mas não era como dançar com Amy. Amy era pequenina, sua cabeça mal batia no ombro de Nick. O nariz de Edie acertaria o queixo dele se chegasse perto demais. Não chegou. Manteve a distância e de tempos em tempos olhava para os dedos dos pés cobertos pelas meias. Nick fazia o mesmo. Eles o encantavam. Edie parecia ficar chocada com eles. Chocada por estar dançando com ele. Mas Edie se movia bem, exceto pelo fato de vez ou outra enrijecer e começar a se afastar. Quando o fazia, Nick a puxava para mais perto, gostando da sensação dos seios macios de Edie contra seu peito, dos cabelos escuros sedosos que roçavam seu maxilar quando ela virava a cabeça. Roçou os lábios contra os cabelos dela. Edie enrijeceu novamente. - Você está olhando? Não, não era o que ele estava fazendo. Nick deu um largo sorriso. - Não. - Está sim. Você está de olho nos meus pés. Ele riu e a aproximou ainda mais. - Pronto. Agora não posso vê-los. Melhorou? - É, hum - murmurou Edie com o rosto na lapela dele. Nick sentiu o corpo de ela enrijecer novamente, mas ela não se afastou. Segundos depois, a tensão pareceu diminuir o corpo de Edie ajustado contra o dele enquanto se deslocavam juntos. Bem melhor, concluiu Nick. Exceto pelo fato de que seu corpo sentia cada vez mais o quanto ela era atraente. Ele podia ter descartado a hipótese de casamento após a morte de Amy, mas não tinha descartado o sexo. E a idéia de levar Edie Daley para a cama era muito interessante. Ela parecia se encaixar bem nos braços dele e, enquanto se moviam juntos, Nick repousava o rosto em seus cabelos. Eram incríveis, em nada se pareciam com a cortina platinada lisa de Rhiannon. Os de Edie eram espessos, escuros e ondulados. Nick suspeitou de que eles iniciaram a noite, disciplinados por um par de grampos de ouro logo acima das orelhas. Mas já fazia tempo que esses grampos haviam concluído sua missão. Mesmo enquanto ela dançava, os cabelos escapavam, enrolando-se descontrolados como se tivessem vida própria. Nick queria passar os dedos por eles, enterrar o rosto neles. Imaginou que aparência teria espalhados sobre os lençóis. Voltou a pensar numa forma de levá-la para lá quando as últimas notas da valsa cessaram e a orquestra emendou algo mais barulhento, acelerado e com uma salva de bateria, que se equiparava ao ruído de seu sangue correndo pelas veias.

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- Bem - disse Edie, de repente se soltando e desvencilhando as mãos. - Foi bom. - Bom? Nick olhou para ela, chocado. Edie fez que sim com a cabeça, formando covinhas nas bochechas ao sorrir. - Muito bom. Obrigada pela dança. Havia um quê de matreiro e cortês no tom da voz dela, como se soubesse o efeito que exercia sobre ele e não fosse lhe dar sequer uma chance de tentar suas investidas. Mas Nick não desistiria facilmente. - Posso fazer melhor do que bom - prometeu, estendendo a mão, em silêncio, insistindo para Edie pegá-la, ir com ele. Edie balançou a cabeça, decidida. - Obrigada, mas não. E não é falta, de educação recusar uma segunda dança informou-lhe antes que ele pudesse protestar. - E que tal uma taça de vinho? Podemos pular a parte da dança. Porém, mais uma vez ela acenou negativamente. - Foi um prazer, Sr. Savas. Obrigada por ser gentil com a minha irmã. E obrigada pela dança. Eu... Gostei. Teria ele ouvido uma infinitesimal hesitação nas palavras dela? Antes que Nick pudesse chegar a uma conclusão, Edie estendeu a mão e apertou a dele com cortesia. - Boa noite. Não! Ele não soltou a exclamação. Por sorte sua boca permaneceu firmemente fechada. No entanto, passaram por sua mente mil coisas que ele poderia dizer para detê-la, para prolongar o momento, para mantê-la ali. O fato de querer tanto o surpreendeu. Não estava acostumado a sentir tal compulsão. Não queria senti-la. Levá-la para a cama, sim, era o que ele queria. Mas só mantê-la ali para conversar? Não havia por quê. Então ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e concordou. - Boa noite, Srta. Daley - disse de forma igualmente cortês. - Obrigado pela dança. Edie se virou. Mas, quando ela o fez, ele não pôde resistir. - Se algum dia quiser ver as reformas arquitetônicas no meu quarto, Srta. Daley... Ela se voltou os olhos verdes soltando faíscas. O coração de Nick pulou. Ele acendeu seu melhor sorriso sedutor, super irradiante. Edie deu as costas e, com um movimento da cabeça, sumiu no redemoinho de pessoas dançando. Apenas quando a multidão a engoliu Nick se virou. Sentia-se estranho e desolado. Deveria ter voltado para o quarto em seguida. Era quase meia-noite. Havia cumprido seu dever. Dera as caras. Até dançara. Ninguém notaria se ele sumisse agora. Mas não foi. Ficou rondando pelos cantos da pista de dança, agitado e confuso. Apreensivo. Faminto. E não por comida. Seu corpo ainda se lembrava de como Edie Daley se encaixara perfeitamente em seus braços. - Droga. - De repente ele se virou e pediu à mulher sozinha mais próxima para dançar. Por que não? Já havia dançado uma vez naquela noite. Era apenas mais do mesmo.

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Mas não era o mesmo. Essa mulher em nada se parecia com Edie Daley. Ela não se acomodou em seus braços com uma relutância que deu lugar à satisfação. Grudou nele, entrelaçou os dedos por trás de seu pescoço e mordiscou-lhe o maxilar. Fez menos dançar do que colar nele, até que finalmente a música terminou e Nick pôde se soltar dela. - Mais uma? - murmurou ela. - Não. - Ele estava farto. Mais do que farto. - Cansei de dançar - disse com firmeza, embora anos de boas maneiras que lhe haviam sido incutidas o tenham feito tentar parecer arrependido quando se afastou. - Estou indo me deitar. Nesse instante, a mão de alguém tocou seu braço por trás. - É bom saber disso - disse uma inesperada voz feminina. Nick se virou e fitou em choque os olhos verde-acinzentados de Edie Daley. Ela entrelaçou firmemente o braço no dele e lhe lançou um ofuscante sorriso. - Pois eu acabei de decidir que adoraria ver aquelas reformas arquitetônicas.

CAPÍTULO DOIS

As sobrancelhas de Nick cresceram. Sua freqüência cardíaca aumentou. E a fagulha de interesse que sumira com Edie voltaram com tudo. No entanto, mesmo com a libido a favor da sugestão dela, a cabeça dele dizia: Espere um minuto. - Mudou de idéia? - perguntou ele, tomando o cuidado de não soar ansioso demais. Embora estivesse, e muito. O sorriso de Edie, se é que isso era possível, ficou ainda mais luminoso. - Sim. - Sua voz era firme e clara. Sem hesitação alguma. Mas ele identificou um brilho em seus olhos que não vira antes. E havia um traço do desespero da irmã em seu tom? Nick olhou-a com atenção. Os cílios de Edie piscavam agitados. Seu sorriso se ampliou um pouco mais. Sim, era desespero. E provocação também. Ele podia ver agora. Porém, quem ou o que exatamente inspirava isso ele não tinha idéia. Com cuidado Nick expirou e inspirou novamente enquanto a estudava dos cabelos despenteados às pontas dos pés cobertos pelas meias. Queria tirar as meias daqueles pés. Será que ela deixaria? O que quer que esteja acontecendo, levá-la para seu quarto não poderia ser ruim. Poderia? Nick imaginou que descobriria. Pondo as mãos sobre as de Edie, sorriu para ela. - Com certeza. - Em seguida virou-se para a loura com quem havia dançado aquela que ainda estava ali de pé e que ele havia esquecido completamente. - Obrigado pela dança - disse-lhe com educação. - Boa noite. 20

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Em seguida enlaçou os dedos de Edie nos seus e começou a levá-la de volta para o lugar onde haviam se conhecido. - A porta é por ali. - Edie andava praticamente arrastando os pés. - Os sapatos - disse ele, mergulhando embaixo da mesa. Os miseráveis ainda estavam ali. Nick os agarrou e se levantou, em seguida lançou um olhar enviesado para ela. - Você não quer calçá-los, quer? Ela riu, porém foi uma risada mais frágil do que antes. De fato algo havia acontecido. - Claro que não - respondeu. Nick enfiou os sapatos nos bolsos do paletó de modo que só os pontiagudos saltos malvas ficaram para fora. Depois lhe ofereceu o braço. Sem hesitar, Edie enlaçou o seu no dele e prosseguiu, com a cabeça erguida, ao lado de Nick, sua postura mais regia que a da rainha de Mont Chamion. Sua postura era rígida e bem mais tensa do que quando dançaram, e ela não abriu mais a boca. Mas Nick achou melhor não perguntar sobre isso agora. Edie permaneceu olhando para frente quase até chegarem à porta. Então depararam com Mona e o pequeno, mas inevitável aglomerado de homens à sua volta. Edie mal lhes deu atenção, mas voltou o olhar para ele, direcionou-lhe um sorriso meloso e piscou os cílios. Nick quase foi às gargalhadas. Sorriu diante do espanto na expressão de Mona. Havia um olhar de surpresa e de algo mais, consternação, no rosto da mãe de Edie. O que quer que tenha provocado o retorno de Edie tinha algo a ver com ela. Ou, percebeu Nick quando Mona disse algo para o homem ao lado dela que olhava para Edie com cara feia, teria algo a ver com ele? Ele tinha mais ou menos a idade de Nick, cabelos claros e a beleza de um jovem Robert Redford. A aparência era familiar, mas Nick não soube dizer seu nome. Era ator, sem dúvida. Os amigos atores de Demetrios vieram em peso naquela noite. Esse transformou a carranca num simpático sorriso e deu um passo à frente para interceptá-los quando se aproximaram. - Edie! Há quanto tempo! Fiquei tão feliz quando Mona disse que você tinha vindo. Os dedos retesados de Edie apertaram o braço dele, mas ela sorriu também. - Não vamos demorar - disse ainda em movimento. - Já estávamos de saída. - Mas nós não dançamos. Ela continuou sorrindo, mas Nick pôde ver sua tensão. - Bom te ver de novo, Kyle. Boa noite. - Vejo você amanhã de manhã, então - respondeu o homem chamado Kyle. No entanto, eles já haviam passado em direção à porta quando Edie disse com vivacidade para Nick num tom com certeza alto o bastante para ser ouvido por qualquer um: - Em que ala fica o seu quarto? Nick não achou ter sido sua imaginação o som de várias pessoas tomando ar atrás deles. Suas sobrancelhas se arquearam, mas ele disse descontraído: - Vou lhe mostrar. Em seguida, para arrematar, lançou um sorriso derretido para Edie e segurou a porta de modo que ela pudesse entrar na frente.

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Somente depois que a porta estava fechada ela pareceu relaxar. Porém, quase de imediato, voltou a se erguer e continuou andando até se encontrarem por completo fora da área da festa e entrarem num dos longos corredores apainelados de nogueira. Ali ela enfim parou e respirou fundo, em seguida olhou para Nick. - Obrigada - disse todo o brilho anterior desvanecido. Mas o tom fragilizado havia sumido também. Nick gostou. - Foi um prazer. - De repente Edie ficou pálida, e ele perguntou: - Quer se sentar? Ela lhe deu um sorriso débil, mas balançou a cabeça. - Estou bem. Ainda assim parecia baratinada. Longe de ser a Edie Daley que viera correndo defender sua irmãzinha. - Alguma coisa errada? - perguntou ele. Edie olhou para os pés, ainda de meias, e então esfregou a sola de um no peito do outro. Parecia tão vulneráveis quanto ela. Nick se perguntou se ela iria negar que havia algo errado. Mas, enfim, ela olhou para ele com uma expressão amarga. - Á tentativa forçada da minha mãe de me arranjar alguém, receio eu. - O louro com o corte de cabelo de cem dólares? Edie pareceu assombrada, depois suspirou e concordou. - Sim. - Você não está interessada nele? - Nick ficou surpreso com sua própria felicidade ao ouvir isso. - Não! - respondeu ela com uma força que indicava mais do que indiferença. Pareceu perceber isso, pois murmurou: - Não estou. Eu só estava... Eu estava com medo de que ela tentasse algo desse tipo. - Ela sendo sua mãe? Edie assentiu com a cabeça. - Ela sempre arma essas situações para você? - Ela insinua. - E você não gosta? - Ele imaginou que Edie tivesse o direito de não gostar de parentes que bancavam o Cupido tanto quanto ele. Mas a maioria das mulheres que ele conhecia apreciava a intromissão. - É ruim? - É sim - respondeu Edie categoricamente. Não elaborou a resposta a princípio, e Nick achou que ela fosse mudar de assunto. Mas então ela suspirou e disse: - Ela acha que eu preciso voltar a sair com homens. - Voltar? - instigou Nick quando ela não explicou. Houve mais uma pausa, como se Edie estivesse decidindo o quanto dizer. Por fim ela olhou em volta, depois para ele novamente e perguntou impaciente: - Cadê essas reformas arquitetônicas? Ele levantou as sobrancelhas. - Você quer mesmo vê-las? - Elas existem mesmo? Ou você estava dando em cima da minha irmã? - Existem. E eu não estava dando em cima da sua irmã. Vir vê-las foi idéia dela.

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- Mas você me convidou... - Eu estava dando em cima de você. - E sem lhe dar chance de responder, sem esperar para ver qual seria sua reação de fato, Nick pegou a mão dela e a levou em direção à torre. Ela não abriu a boca enquanto caminhavam, e ele também não disse nada. Estava muito ocupado tentando analisar a situação, tentando concluir se ela estava apenas o usando para evitar um confronto desagradável, nada mais, nada menos. Ou se estava procurando algo consideravelmente mais íntimo. Ele sabia qual opção preferiria. O que ela queria, ele achou que descobriria, pensou ao parar e destrancar a porta da ala da torre leste. Ninguém além de Nick estava hospedado ali, portanto ele só havia deixado algumas velas acesas, e o salão estava imerso na penumbra quando ele empurrou a pesada porta. Edie parou na entrada para espiar a escuridão. - Mudou de idéia? - perguntou Nick. Ele não a culparia. No entanto, ela aspirou rapidamente. - Não. - Houve uma pausa momentânea, e então Edie virou a cabeça e encontrou o olhar dele. - Você mudou? A pergunta pegou Nick desprevenido. Ele havia dormido com outras mulheres desde a morte de Amy. Fazia oito anos, afinal, e ele não prometera se tornar monge. Porém, não significara nada. Não da mesma forma que fora com Amy. Apenas sexo sem compromisso. Mas só com mulheres que encaravam isso da mesma forma que ele. Olhou bem para a mulher que se encontrava ao lado dele agora e se perguntou qual seria a opinião de Edie Daley, ela que nem sequer saía com homens. Foi aí que ele se deu conta de que ela ainda o estava olhando, à espera de uma resposta. Rapidamente Nick limpou a garganta. - Não - disse com a mesma firmeza que ela. Edie sorriu. Não foi o sorriso que dera para a mãe ou para o homem chamado Kyle. Não foi o sorriso frágil que dera para ele quando reapareceu e o tomou pelo braço. Foi o sorriso que ele lhe provocara antes de dançarem, um sorriso verdadeiro, pensou Nick, e que não era relutante. Isso fez disparar uma flechada de desejo que atravessou o corpo dele. Nick queria mais sorrisos como aquele. Queria mais Edie. - Deixe-me mostrar minhas reformas - disse ele, começando a falar sobre a estrutura do palácio. Muitas frases depois, se deu conta de que ela o olhava, com os olhos arregalados, e parou. - O que foi? - Você sabe mesmo disso tudo? - Ela parecia perplexa. Nick riu. - É o que eu faço da vida. O meu trabalho. A razão de eu estar aqui. - Eu pensei que... O casamento... - Eu não vim para o casamento. Vim para restaurar a torre leste. De repente o sorriso que ele esperava iluminou o rosto de Edie. - Que maravilha - exclamou ela. - Mostre-me. Conte-me tudo.

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Nick achou que ela poderia estar apenas sendo educada, mas, à medida que acendia mais luzes e a levava pelas salas principais, que já estavam finalizadas, contando-lhe todo o tempo sobre a história do lugar, explicando-lhe quando tinha sido construído originalmente e quais partes haviam sido adicionadas mais tarde, mais ela fazia perguntas entusiasmadas e interessadas. Ela não prolongou o assunto como sua irmã havia feito, mas exigiu saber mais. E claro, para ser honesto, que ele havia enrolado deliberadamente ao descrever seu trabalho para Rhiannon. Já para entreter Edie, fez um esforço. Porém, não demorou a perceber que não precisava ter se preocupado. Ela estava interessada de verdade no castelo e no trabalho que ele havia feito. Havia estudado História na faculdade, contou. Pensara que poderia ser professora. - Professora? Bem longe de ser empresária da sua mãe, não é? Edie retorceu os lábios. - Coisas da vida. Eu tinha outros planos. Que planos? Nick ficou curioso, mas não perguntou, pois algo na expressão de Edie lhe dizia para não tocar no assunto. Então, em vez disso, ele perguntou: - Chegou a pensar em ser atriz? Ela balançou a cabeça. - Nunca. Não é o meu mundo. - Mas você trabalha com isso todos os dias. - Na parte comercial da coisa. Não na parte do brilho e do glamour. Não no lado das estrelas - respondeu ela, com determinação. - Você não gosta do "lado das estrelas"? - Não é para mim - respondeu Edie simplesmente, acrescentando: -, é muito difícil. - Atuar? - Acho que faz parte. Mas o que acho mesmo é que o mais difícil é ser real. Ser honesto. Se você atua o tempo todo, quem você é? De verdade? Você nem sequer sabe? A voz de Edie se elevou quando fez as perguntas, e elas não soaram retóricas. Nick supôs que, sendo a mãe dela um ícone do cinema americano, Edie provavelmente havia pensado bastante no tema. Então, como se concluísse ter revelado suas emoções um pouco além da conta, ela encolheu os ombros e disse com suavidade: - O meu lugar é longe das câmeras, só isso. - É; eu também. - Quando ela piscou visivelmente surpresa, Nick explicou: - Quando estou trabalhando num edifício, é ele o que importa. - Fez um gesto com a mão englobando toda a área que estava reformando. - Não quem faz o trabalho. Edie olhou pensativa, em seguida concordou: - É. Entendo o que quer dizer. - Então passou a mão numa das esquadrias das janelas, apreciando-a. - Você fez um trabalho incrível. Pelo menos eu acho. Sinceramente, é difícil dizer onde termina a parte velha e onde começa a nova. - Exatamente como deve ser. - Como você começa? - Eu faço um reconhecimento - contou ele sorrindo. - Depois passo um pente-fino por todo o edifício, por assim dizer. Descubro quem construiu, quando e por quê. Então vou morar lá.

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- Por isso as reformas arquitetônicas no seu quarto - concluiu Edie, achando graça. - É sério? - É sério. - Ele indicou uma porta no fim do salão. - Meu aposento. O olhar dela seguiu o gesto de Nick. Rhiannon sem dúvida teria se esfregado nele e sugerido que ele lhe mostrasse. Edie olhou para a porta, depois se voltou para ele e perguntou: - Quando a torre foi construída? Então Nick lhe contou: - Foi adicionada ao castelo no século XIII, e projetada para ser posto de vigilância e caserna para os soldados na defesa contra as hordas invasoras. - Hordas? - Os olhos de Edie se arregalaram. - Havia hordas? É tão pequeno! Por que elas iriam se importar? - O país todo era maior naquele tempo. A fortuna da família real era maior e havia bons vales para cultivo. Existem diversas nascentes naturais, bem como rios. Teria sido um belo prêmio para quem fosse capaz de conquistá-lo. - Ele sorriu e deu de ombros. - Mas ninguém foi capaz. - Eu não fazia idéia. - Os Chamion são uma família de sobreviventes. Sabiam como pôr um inimigo contra o outro. Também sabiam como fazer alianças e como fazer amigos. Há muita história neste lugar - prosseguiu Nick enquanto a levava pelas salas finalizadas até uma pesada porta de carvalho no final. Empurrou-a para revelar um salão cheio de andaimes. Ainda estamos trabalhando aqui. Havia lonas e cavaletes, sua concessão às condições de trabalho modernas por todo canto, junto a pilhas de tábuas de madeira. As ferramentas, no entanto, eram todas primitivas, do tipo que os carpinteiros, marceneiros e pedreiros do século XIII usariam. Edie se dirigiu até elas. Perguntou sobre cada uma, fez Nick explicar como as usava, onde as havia achado. Olhou-o com admiração quando ele disse que muitas vezes fazia suas próprias ferramentas. - Questão de necessidade - informou ele. - As antigas não existem mais. - E você faz tudo sozinho? Nick pôs a mão em um dos andaimes como se fosse dono dele. - Eu comecei. Fiz as primeiras salas por conta própria, de modo que pudesse ter uma idéia melhor das condições. Recentemente tenho trabalhado na torre e alguns artesãos locais estão fazendo esta sala. Edie caminhou pela sala, notando onde ele havia substituído um barrote. A madeira nova era evidente. Mas ela passou o dedo sobre as marcas de cinzel e balançou a cabeça. - Deve levar uma eternidade. . - É por isso que leva gerações para se construir lugares como este. Ela sorriu, depois desviou o olhar da madeira para fitá-lo de novo. Ele sentiu seus olhos o examinando. - Você parece um homem tão "moderno" - disse Edie. - É difícil imaginá-lo passando seus dias fazendo isso. Nick retorceu a boca. - Bem, em geral não uso terno para trabalhar.

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- Como você entrou nisso? Os meninos costumam dizer que querem ser; bombeiros ou caubóis. - Eu queria ser arquiteto. - De edifícios antigos? Ele encolheu os ombros. - Gosto deles. - Você já projetou um prédio novo? - Uma vez - respondeu ele de forma rude, virando-lhe as costas. Houve um silêncio momentâneo. - Desculpe-me - disse ela em seguida. Nick olhou-a de soslaio. Ela estava debruçada sobre uma das mesas de trabalho, os olhos delicados fitando-o, parecendo ao mesmo tempo inconveniente e excitante. - Desculpar por quê? - perguntou ele com rispidez. - Por chegar perto demais. Ele franziu ainda mais a testa. - Perto de quê? - De você. - Ela deu um sorriso pálido. - Perguntando como você começou. O que projetou - acrescentou. Ele sentiu uma tensão nas costas. - Não tem importância. Pegou um cinzel e o equilibrou sobre a palma da mão, contemplou-o em seguida largou-o repentinamente para olhar para Edie. Ela o olhou de volta, com as sobrancelhas ligeiramente erguidas. - Eu diria que teve muita importância - contrapôs. Tinha razão. Nick esfregou a nuca, massageou os músculos, mas eles continuaram tensos. - Teve - admitiu com voz apática. E isso havia mudado sua vida. Dessa vez Edie não perguntou. Não o invadiu. Simplesmente esperou. Nick enfiou as mãos nos bolsos da calça, girou sobre os calcanhares e olhou a meiadistância, não para ela. - Eu projetei uma casa - explicou enfim, incerto quanto à razão por que as palavras saíam de sua boca. Ele não falava sobre a casa. Nunca falara sobre ela com ninguém. Mas agora se via dizendo: - Ia me casar. Eu a construí para a minha noiva. - Ele soltou as palavras de forma quase desafiadora. Edie fez um pequeno ruído. Fora isso, não se moveu, não disse nada. - Era para ser a casa perfeita. – Prosseguiu Nick em tom tão áspero, quanto seus sentimentos. Ele a planejara como seu presente para ela. Quisera que fosse perfeita. Perfeita como ela fora. Amy rira. - Não seja bobo - dissera. - Estou longe de ser perfeita. Mas ele achava que era. Perfeita por completo em todos os aspectos. Com certeza era perfeita para ele. Então ele a fizera lhe contar tudo o que sempre sonhara ter numa casa, as largas janelas panorâmicas de frente para o estuário de Long Island, a escada em espiral, a sacada

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de onde se poderia ver do alto a piscina adornada pela natureza. A imponente lareira de pedra, a cozinha no centro, os três quartos no andar de cima, uma suíte para eles e os outros quartos para cada um dos filhos que teriam; ele estava determinado a fazer tudo exatamente como ela queria. - O grande sonho dela - disse Nick com amargura. - E não foi? - arriscou Edie, sutil. Ele deu de ombros. - Ela não ligava. Ah, ela estava encantada com a casa, achava uma idéia incrível. Mas, acima de tudo, queria se casar. E eu fiquei adiando. Queria a casa pronta. Queria que ficasse tudo certo. Não porque ele não quisesse se casar. Ele queria. Mas queria dar a ela o melhor que tivesse a oferecer. Pensou que valeria a pena esperar. Estava errado. A inadequação daquela casa em comparação com o tempo que ele poderia ter tido ao lado de Amy ainda o devorava por dentro. Ele trincou os dentes, estalou os dedos. Engoliu em seco. - O que aconteceu? - perguntou Edie em voz baixa. - Ela morreu. Nick pronunciou essas palavras de maneira direta. Forçou-se a confrontar o erro que havia cometido. Não olhou para Edie. Aquilo não dizia respeito a ela. Dizia respeito a ele. E a Amy. Por um longo momento ela também ficou calada. Nick não ficou surpreso. O que, afinal, se poderia dizer? Ele mesmo deveria ter mantido a boca fechada. Não imaginava no que estava pensando, desencavando sua dor particular para uma mulher que conhecera havia apenas algumas horas. - Esqueça - murmurou. - Eu não devia ter dito nada. - Eu perguntei. - Ela estendeu o braço, tocou o dele. - Sinto muitíssimo - disse-lhe. Muita gente havia lhe dito que sentia muito. Mas as palavras de Edie não soavam superficiais. Ele era capaz de sentir sinceridade na voz dela, e havia algo tão próximo à dor em seu tom que o surpreendeu. Virou-se para olhar para ela. - Você a perdeu - disse Edie - e perdeu também o seu próprio futuro. - Sim. Era algo que ninguém mais parecia compreender. Não era ele que havia morrido, afinal. Ele deveria simplesmente prosseguir com sua vida. Se não o diziam e alguns disseram, pouco depois do que aconteceu, Nick podia perceber pelo modo como o olhavam, nas sugestões de encontros, nas propostas de apresentá-lo a pretendentes. - Eu entendo - disse Edie. Ele duvidou. - Obrigado - respondeu educado, deixando o olhar se perder pela janela. - O meu marido morreu há dois anos. Os olhos de Nick se voltaram para os dela. Estava chocado. Seu "sinto muito" pareceu tão fraco e inadequado quanto um lugar-comum. - Eu não sabia.

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- Geralmente eu não anuncio por aí - disse ela com bom humor. Em seguida deu-lhe um pálido sorriso. - Imagino que você também não. - Não. - Fazia anos, literalmente, que ele não falava sobre Amy com ninguém. Dessa vez ele parou, refletindo. - Foi por isso que você ficou chateada com a tentativa de Mona? Ela acha que eu preciso voltar a sair com homens. Nick se lembrou das palavras de Edie. Lembrou-se de haver ficado curioso a respeito do voltar. Agora ele sabia. Ela hesitou, depois confirmou com a cabeça. -Sim. Ele compreendeu. Fazia todo sentido. Não olhou para ela. Não achou que ela o estivesse olhando. Provavelmente estava pensando no marido que perdera havia muito menos tempo do que ele havia perdido Amy. E ele estava pensando... Nela. Em Edie. Tentou pensar nela como esposa de alguém. Ficou imaginando o que havia acontecido não se sentiu apto a perguntar. Ela não estava tão próxima dele. Quase um metro, talvez até um pouco mais. Mas mesmo sem olhar ele podia sentir sua presença. Parecia haver uma conexão de consciência entre os dois. Ou talvez fosse uma via de mão única. Fosse como fosse, Nick sentia uma ligação. Queria apaziguar a dor de Edie, fazê-la esquecer. Mas sabia melhor do que ninguém que não era possível esquecer. Em seguida a ouviu se mover, afastar-se da lateral da mesa, e virou o corpo para encará-la novamente. Ela sorria, mas era um sorriso pálido. Triste, pensou ele. E por que não? Ela tinha razões para ficar triste. - É melhor eu ir - disse Edie. - Já invadi bastante a sua vida. Mas quando ela passou por Nick em direção à porta, ele pegou o braço dela. - Não vá - pediu ele. E quando ela o encarou, reforçou: - Fique. Apenas uma palavra. Em surdina, áspera, envolta em uma urgência que o surpreendeu. A palavra mesma o surpreendeu. O pedido. O comando. Ele não sabia como chamar isso. Só sabia que não desejava que ela se fosse. Edie também pareceu surpresa. Seus lábios se abriram, mas por um instante nenhuma palavra passou por deles. Ela parecia estar pesando as palavras, decidindo como responder. Por fim, disse com bom humor: - Ainda não acabou o tour? A pergunta permitiu que ambos recuassem. Nick confirmou com a cabeça. - Você ainda não viu a torre. - A torre? - ecoou ela. - Eu refiz a escadaria até o parapeito, reconstruí a torre e as ameias. Tem uma vista fantástica. Você devia ver. - Mas acrescentou com sarcasmo: - Você não está exatamente vestida para a ocasião. - Ela estava, é claro, ainda de meias. - Vou arriscar - respondeu Edie de imediato. - Eu a carregaria, mas a passagem é muito estreita. - Tudo bem. Eu posso subir. - As pedras são muito ásperas. Espere aí. Vou lhe arranjar algo para pôr nos pés. Ele desceu até o quarto dele e voltou alguns instantes depois com um par de chinelos.

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Fez uma careta. - São grandes demais. Mas, se você quiser ir mesmo, são melhores que nada. - Eu quero ir sim. Ele também. Agachou-se para calçar os chinelos nela, então ambos perceberam, ao mesmo tempo, que seria necessário tirar as meias. Houve uma pausa momentânea. Os dedos de Edie se contorceram, mas voltaram a se esticar lentamente em um segundo ou dois. De repente a boca de Nick ficou seca. - Deixe-me ajudá-la - ofereceu-o, erguendo o olhar para ela. Não estava claro. Era difícil identificar a expressão de Edie, mas Nick a viu passar a língua pelos lábios. Em seguida ela mordeu o inferior e, olhando para ele, ficou completamente parada. Ele interpretou como consentimento. - Espere aí - ordenou-lhe, pedindo a Deus que pudesse fazer o mesmo. Aquilo beirava o ápice da intimidade, deslizar os dedos por baixo do vestido dela para encontrar a barra das meias, meia-calça ou fosse lá o que ela estivesse usando. Por outro lado, era extremamente erótico. As meias pareciam de seda verdadeira, macias e quentes sobre as pernas dela, tão finas que ele teve medo de que seus dedos calejados as rasgassem. Então ele prosseguiu, devagar, tentando ser cuidadoso, fazer movimentos leves. Porém, o vestígio da carne firme sob aquela barreira sedosa o instigava. Adorava tocar. Queria acariciá-la à medida que suas mãos serpeavam pelas panturrilhas, passavam pelos joelhos e subiam pelas coxas. Pôde sentir as pernas de ela tremer. Dedos repentinamente agarraram a cabeça dele, segurando-lhe os cabelos. Ele prendeu a respiração. - D... Desculpe - murmurou Edie. Os dedos dela se afrouxaram, mas, à medida que os dele seguiam seu caminho, os de Edie se apertaram novamente. Nick sentiu um frio na espinha. Porém, aquela sensação não era nada em comparação com a flechada de desejo que atingiu; em cheio a virilha de Nick quando a seda sob seus dedos se tornou renda e então, centímetros depois, pele nua e quente. Nick puxou o ar, em seguida tentou controlar a respiração, para falar a verdade. Não era sedução, a não ser que ele fosse o seduzido. Ele então enganchou os dedos na barra de uma das meias e a puxou para baixo, para depois tirá-la pelo pé de Edie. Em seguida voltou os dedos para a outra perna. Porém, saber o que iria encontrar não tornava mais fácil simular indiferença. Ele não estava indiferente. E quando se levantasse, se conseguisse se levantar, ela saberia disso. Assim, Nick foi adiante sem pressa, calçando os pés de Edie nos chinelos e então pegando as meias e dobrando-as. - Eu faço isso. - Edie quase as arrancou das mãos afobadas de Nick. As dela também pareciam atabalhoadas. Mas pelo menos seu foco nelas permitiu que ele se pusesse de pé e ajeitasse a calça de modo que sua reação não ficasse logo evidente. Limpou a garganta. - Certo. Podemos subir por aqui. - Pegou a lanterna na mesa e se dirigiu para uma

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porta na extremidade da sala. - Tenha cuidado. Se tivesse cuidado, pensou Edie, não estaria aqui agora. Estaria de volta ao quarto, ouvindo o som longínquo da orquestra pela janela aberta enquanto lia um livro. Mas não estava. Estava subindo uma escadaria de pedra íngreme, sinuosa e estreitíssima atrás de um homem que acabara de passar as mãos em suas pernas. Seu corpo ainda formigava devido ao toque dos dedos de Nick. Seu cérebro ainda reverberava graças a uma enxurrada de hormônios após mais de dois anos de completo desinteresse. E suas emoções estavam tão suspeitas quanto ás de uma adolescente. Ela devia estar na cama com um livro, de preferência um entediante a ponto de dar sono! Em vez disso, ali estava ela tentando manter os olhos no feixe de luz da lanterna que Nick apontava para os degraus enquanto subia. Nick apontava a luz de forma que Edie pudesse vê-la brincando na escada e na parede, sem ter de olhar por entre as pernas dele. Mas Edie preferia examinar as pernas dele. Tentou evitar e foi aí que tropeçou. - Ai! - Ela arfou quando seu pé escorregou. Estendeu o braço para se agarrar à parede quando sentiu sua passada falhar. Mas antes que pudesse se agarrar a qualquer coisa, Nick havia girado e a segurado. Ele a puxou para cima, de encontro ao seu corpo, de modo a fazê-la ter certeza de que ele podia ouvir as batidas de seu coração. Ela certamente podia. Ou talvez fosse o dele. - Você está bem? - perguntou Nick. Em seguida, sem esperar pela resposta, já que evidentemente podia sentir que ela estava bem, afinal o corpo dela estava pressionado contra o dele, disse: - Que loucura. Eu jamais deveria ter trazido você aqui. Podia ser loucura, mas não por causa da subida. - Estou bem - respondeu Edie. - De verdade. Ele fez um ruído indicando que não estava convencido. Se levantasse o rosto apenas um pouco, pensou ela, provavelmente seus lábios roçariam o maxilar dele. Ela não podia ver, é claro. Fora a lanterna, que agora se encontrava atrás de si no braço com o qual Nick a envolvia, não havia luz alguma. E, sim, o coração dele também martelava. - Tem certeza? - perguntou ele após alguns instantes. Edie fez que sim. Estava certa. O topo de sua cabeça bateu no queixo dele. - Desculpe. Sim, tudo bem. Só escorreguei. Por favor, vamos continuar: Nick não concordou de imediato, mas por fim disse: - Está certo. Mas você vai à minha frente. Em seguida deu-lhe passagem pela estreita escadaria de modo que ela ficasse à sua frente. Então, ainda com o braço ao redor do corpo de Edie, apontando a lanterna para os degraus à frente dela, subiu logo atrás. Estava tão próximo que seus joelhos roçaram as panturrilhas dela, tão próximo que ela pôde sentir o calor da respiração dele nas costas. E a outra mão de Nick, grande, quente e áspera pelos calos, envolveram seus dedos. Ela havia se questionado a respeito dos calos quando estavam dançando. Agora entendia como ele os adquirira. Edie se lembrou da sensação que eles provocaram ao subir por suas pernas e tocar a pele nua de suas coxas. Perguntou-se qual seria a sensação daquelas mãos sobre partes mais delicadas de seu corpo.

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Mais uma vez tropeçou. Nick apertou o abraço. - Cuidado. - Sim - respondeu Edie, ofegante e constrangida, dando outro passo e em seguida mais um. - Estou tentando ter. Estava? Ou estaria, na verdade, sendo mais impulsiva do que jamais fora? Ainda não sabia a resposta. - Um passo de cada vez - sempre dizia sua avó Tremayne. - Assim você chega lá. Edie imaginou que era verdade. Mas teria ajudado saber onde estava indo. - Chegamos. - Haviam alcançado uma pesada porta de madeira. Nick passou à frente de Edie e empurrou a porta, em seguida conduzindo Edie pela estreita passagem. - Uau! - Edie ficou paralisada e simplesmente contemplou o cintilante reino que se espalhava a seus pés. Se antes a noite parecera saída do conto de Cinderela, agora, com as minúsculas luzes dos jardins formais de Mont Chamion derramadas sob ela, Edie se sentiu ainda mais plenamente envolvida por um senso de encantamento. - Não tem exatamente a mesma aparência do século XIII - comentou Nick com ironia. - Mas é lindo - murmurou Edie, pondo as mãos no áspero muro de pedra e se debruçando para olhar para baixo. - Incrível. Nós temos jardins na nossa casa em Santa Bárbara. Mas nenhuns como esses. - Não existem nenhuns como esses. Eles são únicos. - A voz de Nick era calma, quase reverente, quando ele se postou ao lado dela e ambos contemplaram, juntos, o país das maravilhas abaixo deles. Nenhum dos dois disse uma palavra. Havia uns poucos convidados do casamento nos jardins, e Edie podia ouvir um burburinho aqui ou uma gargalhada ali. De uma janela aberta vinham os sons cadenciados da orquestra tocando uma valsa. No entanto, por mais que fosse mágico era menos hipnotizante do que o homem á seu lado. Ele estava bem próximo, mas não a tocava ao se inclinar para frente, os cotovelos no muro, o branco límpido dos punhos da camisa saindo do paletó escuro. Os dedos entrelaçados relaxadamente. Sob a lua em quarto minguante, ela podia, olhando de lado, ver o efeito de luz e sombra nos ângulos acentuados e nos planos do rosto de Nick. Sua irmã Rhiannon havia casual e sedutoramente acariciado o rosto de Nick. Edie cerrou as mãos em punhos para não ficar tentada a fazer o mesmo. Virou o olhar para longe, também, procurando se concentrar no cenário abaixo. No que Nick estava realmente pensando ela não sabia. Embora momentos antes, na escadaria, ela pudesse dizer que ele estava tão ligado nela quanto ela nele, agora ele parecia tão distante que Edie duvidou de que ele estivesse pensando nela. Então virou a cabeça para arriscar outra olhada. Ele se virou ao mesmo tempo. Seus olhares se cruzaram. O calor aumentou. A respiração de Edie ficou presa na garganta. Nick limpou a dele. Então, deliberadamente, endireitou o corpo. - Está esfriando. Vamos descer? - Sua voz era perfeita e gentil, mas Edie acreditou ter detectado certa aspereza em seu tom. Aspereza do desejo? Ela ainda sabia que som a voz dele tinha? - Eu vou à frente dessa vez - decretou Nick.

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- Para eu cair em cima de você e derrubar a nós dois, escada abaixo? - brincou Edie. - Segure-se no meu ombro, se quiser. Vou devagar. E foi, mas ela não o tocou. Teria apreciado uma ajuda, mas agarrar-se a ele sem necessidade era algo que Rhiannon teria feito por isso Edie conscientemente não o fez. Só apoiou a mão na parede enquanto descia, com cuidado, os degraus, atrás de Nick e tentava não tropeçar e cair em cima dele. Foi um alívio quando voltou ao corredor e Nick virou-se e segurou a porta. - Foi lindo. Obrigada - disse ela, tirando os chinelos e devolvendo-os para Nick, ao mesmo tempo sorrindo para ele. Ele não sorriu de volta. Sua fisionomia estava tensa; havia algo de melancólico em sua boca, que, após alguns instantes, ele conseguiu mexer de modo que parecesse um sorriso. Então deu um passo para trás e disse de forma ríspida: - Bem, aí está. O insignificante tour arquitetônico de Nick Savas. Lançou-lhe um sorriso ligeiro e artificial. Edie não retribuiu o sorriso. Manteve-se firme. No entanto, seu coração galopava e ela teve a sensação de estar andando em terreno desconhecido. Não se atreveu a contemplá-lo de muito perto. Só precisava ir adiante. - Foi maravilhoso. Seus olhares se cruzaram novamente. A expressão de Nick não era distante agora. Seus olhos estavam fixos. Focados nela. O silêncio foi adiante. Adiante. Até que por fim Nick disse: - Quero você. Sua voz era rouca. Edie ouviu uma excitação nela, quase um desespero. E algo que soava como irritação. Edie não estava irritada. Mas estava chocada por ouvi-lo dizer aquelas palavras de forma tão brusca. E ao mesmo tempo, para seu próprio espanto, exultante. - Isso é problema? - perguntou ela, mantendo o tom brando. - E não é? - o desafiou, levantando uma sobrancelha. Ela piscou os olhos diante da violência do tom dele. - Nós somos adultos. - Ouviu a si mesma dizer com moderação. - A questão vai, além disso. - Sim - concordou Edie, sem estar certa de onde ele estava querendo chegar. - Em geral - o emendou. Edie balançou a cabeça, sem conseguir acompanhá-lo. - Não entendo bem o que você quer dizer. - Eu quero dizer - respondeu Nick com firmeza - que não quero nada mais do que isso. - Do que sexo? - a indagou, buscando clareza. Nick apertou as mandíbulas e pareceu um pouco desconcertado com o discurso direto de Edie, mas admitiu: - Exato. Adeus, conto de fadas, pensou Edie. Porém, na realidade, ela também não estava esperando um conto de fadas. Estava

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vacinada. Então por que não ser franca? Por que não estabelecer parâmetros? Se Kyle Robbins o tivesse feito anos atrás, ela não teria ficado; esperando um pedido de casamento quando o que ele simplesmente queria era levá-la para a cama. Não teria alimentado suas esperanças apenas para vê-las se espatifar. - Eu não entro em relacionamentos - continuou Nick para não deixar dúvidas. - Uma noite. E só. - Essas são as regras? - perguntou Edie, sorrindo. Nick assentiu com a cabeça: - Essas são as regras. Seus olhares voltaram a se cruzar, diretos, sem piscar. Nada de baboseiras românticas aqui, pensou Edie. Nada de olhos brilhando. Nada de coraçõezinhos e flores. Nada de expectativas. - Está certo - disse enfim, liberando as palavras ainda enquanto analisava as conseqüências. A sobrancelha de Nick subiu mais uma fração de milímetro. - Tudo bem para você? - perguntou como se não acreditasse nela. - Tem certeza? - Bem, eu não estou esperando um pedido de casamento - respondeu ela sem rodeios. Ele passou a mão pelos cabelos. - Ótimo - disse com evidente alívio. - Porque eu não vou pedir. - Estremeceu e sacudiu a cabeça. - Nunca mais. - Quem sabe um dia... - iniciou Edie. Porém, ele a interrompeu: - Não - afirmou absolutamente convicto. - Não vou. Edie achou que não deveria dizer que lamentava por ele, mas a verdade é que lamentava. Ela amara Ben de todo o coração. Porém, jamais diria que não se apaixonaria novamente, que não voltaria a se casar. Dissera a Mona que não estava interessada porque não estava... Então. Não significava que nunca estaria. Ora essa; vejam como as coisas podem mudar de repente. Duas horas antes seus hormônios haviam sido mortos em combate. Não tinha o menor interesse em homem nenhum. E agora... Agora considerava a hipótese de ir para a cama com um que mal conhecia. Por quê? Porque se sentia atraída por ele, decerto. Mas principalmente por não confiar em que não cometeria uma tolice ainda maior; com o recém-divorciado e bastante interessado Kyle Robbins. Seria muito melhor uma noite com Nick. - Então, se você não estiver interessada, eu entendo perfeitamente - dizia ele. - Eu estou interessada - respondeu Edie. - Uma noite. Sem envolvimento. Entendi. É o que eu quero também. Nick olhou bem para ela. Ela fez o mesmo, sem piscar. Não olhe para baixo. Não olhe para baixo. As palavras ecoaram em sua cabeça. Ainda assim ele não se mexeu. - Eu sei o que estou fazendo - assegurou a ele, com uma ligeira ponta de irritação. Você sabe? Ele parecia saber. De repente Nick rompeu a distância entre eles e a envolveu nos

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braços. Como durante a dança, Edie pensou por uma fração de segundo. Mas, em seguida, com o corpo rijo, forte e quente de Nick abraçado ao dela, ela pensou: Não, não é como a dança. Era cem, mil, um milhão de vezes melhor. Seu corpo inteiro reagiu. Os joelhos bambearam. Os olhos se abriram depois se fecharam. Os lábios se abriram e em segundos a boca de Nick tocava a sua. Ardente, ávida, exigente. Quero você, dissera ele. Sua voz fora faminta, áspera. Mas suas palavras subseqüentes haviam parecido uma espécie de negociação impessoal. Não havia nada de impessoal ou negociado naquilo. Tratava-se de instinto, puro e simples. Ele era um homem que desejava uma mulher, um homem que desejava a ela. E Edie também o queria. Quero, pensou ela, beijando-o de volta. Ah, se quero! Sim, era só uma noite. Não, não ia dar em nada. Ela não tinha expectativas. Mas aonde as expectativas já a haviam levado? Ele não era Ben. Mas Ben se fora para sempre. Tampouco era Kyle. Graças a Deus. Ele era Nick. E naquela noite somente naquela noite, era seu. Ela estava determinada a não se arrepender.

CAPÍTULO TRÊS

Ela não era seu tipo habitual de mulher. Nick não se importava. Ele a queria. E o desejo que vinha se construindo durante toda a noite era só o que contava para ele agora. Ela era picante e doce, ansiosa e hesitante, fria e ainda assim capaz de carbonizá-lo. Ela havia olhado muito de perto, visto demais. E não tinha medo de falar sobre o que vira. Mas eles não estavam falando agora, estavam? Não. Estavam se beijando. Por Deus, sim, estavam se beijando! E os lábios dela estavam tão famintos quanto os dele. Suas mãos, tão ansiosas quanto ás dele. Passeavam pelos braços e pela nuca de Nick para aproximar o rosto dele do seu. Ele não se queixou. Era o que ele queria também. Inquietas e ansiosas, as mãos dele vagavam pelas costas de Edie, emaranhando-se em seus cabelos, afrouxando qualquer grampo com o qual ela os houvesse prendido de modo a caírem em ondas livres e negras sobre os ombros e as costas. Nick passou os dedos por eles, enterrou o rosto neles, inalou o odor cítrico de xampu ê de algo que era exclusivo de Edie Daley. Era inebriante, desnorteante, e não importava se ela não era o tipo de mulher que ele costumava levar para a cama, uma mulher com quem pudesse satisfazer uma necessidade 34

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física e depois ir embora. Podia fazer o mesmo com ela. Ia fazer o mesmo. Mas primeiro ia passar a noite com ela. E, sim, ele sabia exatamente o que estava fazendo. - Esqueci de um lugar no tour - murmurou contra os lábios dela. Edie se afastou um pouco e olhou para ele, incrédula. - Meu quarto. Ela sorriu. Depois pôs as mãos sobre o braço dele e o olhou bem. - Que ótima idéia - disse. Havia uma inquietação em sua voz que impulsionou ainda mais o desejo de Nick. - Por aqui - prosseguiu ele, pegando-a nos braços e carregando-a pelo salão até a sala que estava usando como quarto, parando apenas para abrir a porta com um chute. Em seguida a fechou firmemente com o quadril e, na escuridão, pôs Edie na cama. Deitou-se ao lado dela, tentando se lembrar de onde haviam parado. - Acenda a luz - pediu Edie. Ele se levantou e olhou para ela. - O quê? - Se eu estou fazendo um tour, quero ver tudo. O que de forma alguma era má idéia. Ele queria muito vê-la enquanto faziam amor. Sorriu. - Ou talvez não tenha luzes - refletiu ela. - Você tem velas para dar um clima de verdade? - É possível usar velas - respondeu Nick. Porém, se esgueirou e acendeu uma lamparina sobre a mesa de cabeceira. - Quando fazem tours à noite, imagino que sim. Mas hoje acho que uma lâmpada e o suficiente. Era uma luz fraca, mas mesmo assim conferiu à sala, com sua mobília utilitária e a cama de casal espartana, um padrão de luz e sombra. Não era bem um cenário para uma sedução amorosa. Contudo, Nick não estava preocupado com a sala. Só tinha olhos para Edie Daley. Ele a seduziria em qualquer lugar. Ela estava semi-reclinada na cama, o vestido malvaescuro contrastando com sua pele clara. A luz fraca ocultava completamente suas sardas e dava à sua pele um suave tom dourado enquanto fazia seus cabelos negros parecerem ainda mais espessos e lustrosos. Nick estendeu a mão e passou os dedos por eles mais uma vez. Pareciam se enrascar nos dedos como se tivessem vida própria. Ele esfregou um cacho deles no rosto, alisou-os sobre os lábios, provou-os. Então mais uma vez enterrou o rosto neles, respirou fundo, já conhecia a fragrância, os indícios de frutas cítricas e de bosques... E de mulher. Daquela mulher. Nick queria lhe dar uma noite inesquecível. Não queria apagar dela a lembrança do marido. Sabia que ela não iria esquecê-lo, assim como ele jamais esqueceria Amy. Mas da mesma forma, dali em diante, sempre que Edie pensasse em fazer amor, Nick queria que seu rosto lhe viesse à mente. Ele recuou e tirou a gravata, em seguida o paletó do terno, e o jogou sobre a escrivaninha. Todo o tempo manteve o olhar fixo no dela. Sorrindo, Edie se deitou no travesseiro e observou Nick com uma espécie de fascínio ávido que fez o sangue dele esquentar ainda mais.

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Nick procurou os botões da camisa, os dedos tremendo. Enquanto ele o fazia, Edie levantou a mão para tocar a dele. - Posso? Despi-lo? Nick não estava acostumado a ceder o controle. Parecia íntimo demais. Arriscado. Mas Edie olhava para ele, com uma fisionomia esperançosa, ansiosa, embora um pouco hesitante também. E ele não queria que ela hesitasse. Queria que ela aproveitasse que se sentisse envolvida, uma parceira ativa e em condições iguais durante a noite de amor deles. Então ele fez um gesto rápido com a cabeça. - Fique à vontade. Decidido, pôs as mãos para os lados e deixou que os dedos dela fizessem o trabalho, certo de que os dele poderiam tê-lo feito em poucos segundos. Mas pela forma como eles tremiam quando ela o tocou, ele não tinha certeza disso. Edie se sentou na cama e se inclinou sobre ele, em seguida começou a abrir os botões com cuidado. Seus dedos roçaram de leve a parte inferior do queixo dele enquanto ela abria o primeiro botão. O suave toque de sua pele na de Nick provocou-lhe cócegas no queixo. À medida que descia, ela prendia o lábio inferior entre os dentes enquanto se concentrava em cada botão. Ele cerrou os dedos em punho para evitar afastar as mãos dela e terminar ele mesmo a tarefa. Seria muito mais rápido e fácil, e ele poderia sentir os dedos de Edie sobre sua pele, muito mais rápido. Mas tendo renunciado ao controle, Nick sabia que não podia tomá-lo dela agora; sabia que era ela quem tinha de impor o ritmo. Então ele deixou, muito embora a dança titubeante dos dedos de Edie quase ò estivesse matando. Edie continuou sem pressa. Não sabia o que iria acontecer após aquela noite. Não se importava. Não queria pensar nisso. Desde a morte de Ben, ela havia passado grande parte de sua vida tentando, sem êxito, focar-se no presente, porém, na verdade, nunca fora capaz de fazer mais do que suportá-lo. Mas não dessa vez. Não naquela noite. Não quando aquele momento e os logo em seguida seriam passados com Nick Savas, fazendo amor com Nick Savas. Ela iria saborear o momento. Por que não? Sentia falta da intimidade do quarto. Sua primeira experiência, com Kyle, a deixara se perguntando o que havia de tão excitante naquilo. Durante as poucas semanas em que ficou juntos, ele foi voraz, faminto e exigente. Sempre controlava tudo. Sempre assumia o comando. E com a ansiedade da juventude, tinha então 23 anos, Kyle se preocupou mais com os finalmente do que com ás preliminares. Nunca deu a ela a chance de descobrir as sutilezas do amor. Com Ben foi diferente. Os dois aprenderam juntos. Descobriram-se juntos. Com Ben, a relação consistia na descoberta, no prazer, no amor, não simplesmente no afã de chegar ao orgasmo. Consistia em conhecer um ao outro e ser conhecidos.

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Edie sabia que não deveria esperar isso naquele momento. Uma única noite não significava nada em comparação com os anos que passara ao lado de Ben. Mas até aquela noite ela nem sequer havia se sentida tentada. Não tinha certeza do que isso significava. Queria descobrir. Será que ela estaria na cama com Nick se Kyle não tivesse aparecido? Provavelmente não. O mais certo era que seu bem desenvolvido senso comum a tivesse levado de volta para a castidade de sua cama de solteira na hora certa. E, uma vez lá, o que aconteceria? Sonharia com Ben? Ultimamente ela não havia sonhado com ele. Nos últimos meses, nem sequer se lembrava de ter tido qualquer sonho. Por mais que quisesse se agarrar a todas as lembranças, sabia que ele estava ficando para trás. Se tivesse ido para a cama sozinha, teriam sido as lembranças de Ben que a teriam mantido acordada? Ou ela teria se revirado de um lado para o outro a noite toda pensando naquele belo moreno que agora estava ali parado enquanto ela desabotoava a camisa dele? A camisa estava engomada, os botões, duros. Demorou algum tempo. Edie aproveitou cada momento. Não voltaria a fazer aquilo, disse a si mesma. Nick fora bem claro em relação a isso. Eles só estavam "ficando", pensou ela, assombrada por essas palavras batidas e vulgares poderem ser usadas para descrever o que estava acontecendo naquele exato momento. De forma alguma lhe pareciam vulgares. Embora fosse algo inesperado, isso era certo. Então Edie jogou as palavras para o alto, jogou o resto da sua vida para o alto e se concentrou naquele homem e naquele momento. Abriu o último botão, depois tirou a camisa, despindo os ombros e os braços de Nick. Antes que ela pudesse decidir o que fazer em seguida, ele pegou a camisa e a jogou de lado. Então puxou a camiseta para fora da calça preta e começou a tirá-la pela cabeça. Edie segurou as mãos dele. - É minha - disse atônita por essa frase ter saído de sua boca. Nick deu um muxoxo, mas abaixou as mãos. - Então eu tiro a sua roupa - murmurou ele, dando-lhe um olhar que prometia ação. - Quando for a sua vez - concordou ela, tentando soar como se não estivesse trêmula por antecipação. Já tremia o bastante apenas tirando-lhe a camisa pela cabeça, em seguida repousando as mãos por um instante nos ombros dele antes de ousar arranhar-lhe, de leve, o tórax aveludado com as unhas. Ela pôde sentir um tremor percorrendo o corpo de Nick enquanto ele permanecia parado sob o controle das mãos dela, os olhos escuros entreabertos, observando cada movimento. Os dedos dela percorreram os mamilos dele em círculos e em seguida desceram do peito até o abdômen dele. Pararam quando chegaram ao cinto. - Suponho que seja seu também - disse ele irritado, olhando para baixo. Edie olhou também. - Para mim está ótimo - respondeu. - Quer ficar de pé? Ele se levantou. Os olhos de Edie ficaram na altura do cinto em questão. Ela roçou os dedos de leve na parte da frente da calça de Nick enquanto começava a soltar a fivela. Ele

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respirou rápido. A fivela foi mais fácil do que os botões, e em poucos segundos ela a havia aberto. Sem parar para pensar no que estava fazendo, Edie abriu o zíper da calça. Somente ao fazê-lo percebeu como estava perto da carne ardente que queria tocar, ou melhor, dada a pressão insistente contra a cueca, que queria tocá-la. Sinto desafivelado, zíper aberto, a calça foi ao chão. Nick tirou os sapatos e os chutou para longe, então se livrou da calça e ficou diante de Edie coberto apenas pela cueca de algodão que nada fazia para esconder a excitação dele. - É sua também, é claro - disse impaciente, olhando para baixo. Em seguida levantou os olhos para encontrar os dela. - Agora é minha vez. - Ainda não terminei - protestou Edie. - Nenhum de nós terminou - respondeu Nick, pegando-lhe as mãos e segurando-as para impedi-la de continuar. - Estamos quites. Inclinou a cabeça e começou a beijar-lhe os ombros nus, sua boca ardente sobre a pele de Edie, fazendo-a tremer à medida que os dedos alcançavam a parte de trás do vestido. Então ele resmungou e colocou a cabeça no ombro dela. - O que foi? - Tem cinco mil botões aí. - Só quarenta eu acho. - No entanto, Edie se lembrou de ter ficado parada pelo o que pareceu uma eternidade enquanto sua mãe abotoava o vestido. - Talvez cinqüenta. - Cinqüenta? - Outro resmungo. Mesmo assim, Nick pôs seus dedos ágeis em ação. Nick Savas era um homem de muitos talentos, capaz de realizar múltiplas tarefas com os melhores deles, pensou Edie, enquanto com os lábios ele mordiscava seu maxilar, os lóbulos de suas orelhas, seus ombros e com os dedos abria os botões de seu vestido, um de cada vez. Mesmo os cabelos dele pareciam seduzi-la ativamente com os fios negros e sedosos roçando, suaves, sua pele sensível. Então ele suspirou, deleitado, e levantou a cabeça para sorrir para ela. - A vitória é minha - murmurou, enganchando os dedos no vestido e puxando-o lentamente para baixo. O sutiã fazia parte do vestido e, quando ele abaixou o corpete, os seios ficaram à mostra. O ar fresco fez Edie estremecer. Assim como o olhar no rosto de Nick Savas. Ela nunca tivera na beleza de seu corpo a mesma confiança que Mona e Rhiannon tinham. Embora sempre soubesse que não tinha grandes defeitos, não podia evitar se sentir como se sofresse pela comparação com a mãe e a irmã. Nick, no entanto, parecia em transe com o que viu. Suas mãos subiram para envolver-lhe os seios, pesá-los delicadamente. Seus polegares circundaram-lhe os mamilos medindo-lhe a percepção dos próprios desejos físicos. - Linda. Você é tão linda - murmurou ele, inclinando a cabeça ao encontro dos seios dela. Edie sentiu uma flechada de desejo percorrer o corpo. Estremeceu. - Está com frio? - N-não. Só estou... - Ela parecia não conseguir encontrar as palavras para expressar o que estava sentindo, então apenas balançou a cabeça e desfrutou a sensação. Nick prosseguiu sem pressa, assim como ela havia feito. Tirou-a da cama e, com ela de pé à sua frente, beijou-a suavemente entre os seios ao mesmo tempo em que colocou os

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dedos dentro do vestido, que agora estava na cintura de Edie. Ajoelhado, continuou a puxá-lo para baixo. Os calos dos dedos tocavam-lhe as pernas nuas nesse movimento. Ela ainda podia sentir as marcas deixadas por eles em suas coxas quando ele tirou as meias dela. O vestido caiu a seus pés. Ele levantou uma perna dela e depois a outra, para tirar o vestido de vez. Em seguida abaixou a anágua, deixando-a nua, apenas com uma minúscula calcinha de renda bege. - Ah! - Nick se sentou sobre os calcanhares e olhou para Edie. Ela pôde sentir o olhar dele viajando vagaroso pelas pernas dela, passando pela barriga, pelos seios, até chegar ao rosto. Ele sorriu para ela. Acompanhou o desenho da renda da calcinha dela com um dedo tentador. Em seguida a segurou com delicadeza e a tirou devagar. Sem pensar, Edie se desfez dela. Então, fitando a cabeça de Nick enquanto ele se ajoelhava à sua frente, sentiu os dedos dele tocarem seus tornozelos e subirem por toda a extensão das pernas, despertando sua pele macia, fazendo-a tremer de desejo. Involuntariamente estendeu as mãos e agarrou os ombros de Nick, com toda a força. Sentiu a respiração quente de Nick na barriga. Ele a beijou. Depois os dedos dele deslizaram lentamente pela parte interna das pernas, chegaram à virilha e roçaram os pelos que cobriam sua parte mais feminina. Então ele a tocou. Edie engoliu um gemido. Ele não parou. Ao contrário, pareceu interpretar isso como um convite a ir além, a abrir-lhe as pernas e acariciá-las. Os joelhos de Edie tremeram. Seus dedos apertaram os ombros dele, cravaram-se neles. - N-não é j-justo. Nick olhou para cima, sorrindo para ela. - Não? - Você não está me esperando. Ele lançou um olhar enviesado. - Fique à vontade para interromper a qualquer momento. Foi o que ela fez. De alguma forma Nick foi parar na cama, ao lado dela. Ela o havia arrastado até ali? Ele havia aparecido de repente? Edie não sabia. Só sabia que não tinha se cansado dele embora, a julgar pelo volume sob a cueca, ainda houvesse muito mais. Ela enganchou os dedos no cós da cueca e a puxou para baixo. Nick arrancou a cueca, se acomodou ao lado de Edie e começou a explorar cada centímetro do corpo dela. Edie estava igualmente determinada a não ter pressa, a fazer a noite durar, a extrair cada momento de deleite daquela experiência. Porém, não era fácil, já que ela estava ansiosa demais, faminta demais, desesperada demais. Pior do que Rhiannon pensou. No entanto, nem esse pensamento a fez recuar. Ela o queria. Cravou os dedos nos quadris de Nick quando ele se acomodou entre seus joelhos. Ainda assim ele prosseguiu devagar, os dedos desenhando delicadas sensações ao subirem pelas coxas, roçarem seu sexo. Os polegares dele á tocaram roçaram-na de leve, então desceram de novo para as pernas. Edie engoliu um gemido. Tentou ficar quieta; não contorcer o corpo, não levantar os quadris, não procurar o toque de Nick, não evidenciar o quanto o queria.

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Mas ele sabia. Sorriu, e suas mãos repetiram a jornada. Dessa vez traçaram pequenos círculos tentadores enquanto subiam, seguidos por beijos na parte interna das coxas. Ao mexer a cabeça, seus cabelos macios tocaram a pele sensível de Edie. Seus lábios eram quentes, mas a umidade de seu beijo era fria quando ele levantava a boca e soprava de leve o local que acabara de tocar. E a cada segundo ficava mais perto. Mais perto. Edie engoliu em seco, enrijeceu-se, esperou, enterrou os calcanhares no colchão. Mais perto. Mais perto. Então a língua de Nick a tocou lá, Edie arfou. - Nick! Ele levantou a cabeça. - Sim? E então fez aquilo outra vez. E outra vez. Os joelhos de Edie tremiam frenéticos, e ela ergueu as mãos às cegas para agarrar os cabelos dele. Mas não se afastou. Persistiu. Desesperada. Ensandecida. Virava a cabeça de um lado para o outro enquanto ele continuava a acariciá-la, os dedos dele seguiam a boca, abrindo as dobras molhadas, deslizando para dentro dela. O polegar de Nick encontrou o ponto mais deliciosamente sensível e fez lentos e firmes círculos enquanto seus dedos á deixaram louca de vontade. Seus quadris se agitaram. - Ah! - Ela se contorceu na cama. - Agora! Eu... - Sim. - A palavra passou sibilando por entre os dentes de Nick. Ele manteve uma das mãos nela enquanto se virava para o pequeno gaveteiro ao lado da cama e pegava um pacote metálico. Proteção. Edie compreendeu. Ficou agradecida por ele ter se dado ao trabalho e o ajudou com o preservativo, mas ficou quase igualmente grata quando, enfim protegido, ele veio ao seu encontro, moveu-se para frente e cuidadosamente a penetrou, encaixandose no lugar certo, dando a ela exatamente aquilo de que precisava. De forma instintiva Edie balançou o corpo ao encontro do de Nick, apertou-lhe os glúteos com vontade e deu a ele aquilo de que precisava também. Ela não sabia como tinha tanta certeza do que ele precisava, mas tinha. Não apenas no plano físico, isso não era nem um pouco difícil de decifrar. Mas em outro plano instintivo mais profundo ela sentia a conexão entre ambos. Ela podia ter ido até ele por si mesma, para evitar a atração que Kyle sempre provocava nela. Mas aquilo não tinha nada a ver com Kyle. Dizia respeito somente a eles dois, Edie e Nick, que se moviam juntos, com agilidade e vigor, ansiedade e fome, dando e recebendo em medidas iguais. Nada era incerto. Nada de pensar duas vezes. Nada de pensamentos. Apenas o sentimento de realidade, e complementação. Eles explodiram ofegantes, leves. Dois formaram um. E quando ele se deitou de lado e a aninhou nos braços, Edie adormeceu. Por alguns minutos. Meia hora, talvez. Mas, por incrível que pareça, dormiu um sono profundo, sem sonhos e, quando despertou, sentiu-se extraordinariamente renovada quando se aconchegou nos lençóis macios e se virou na direção de um corpo rígido e quente. O corpo de Nick Savas.

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Teve uma breve sensação de choque. Esperou pelo sentimento de impropriedade. Não estava lá. Continuou esperando. Ele não veio. O que veio, em vez disso, foram o sentimento de satisfação e a consciência do quanto era bom estar com ele. Do quanto era certo. E o quanto havia de estranho? Edie não sabia. Parecia não haver limite para o que ela não sabia no momento, por exemplo, o que deveria fazer então. Não se envolver, lembrou a si mesma. Nick não queria envolvimento. Ele não "entrava em relacionamentos". Ok, certo. Ela embarcou nessa de olhos abertos. Não fora convencida por ele. Não estava mudando as regras. Mas de alguma forma também não estava preparada. A etiqueta do sexo casual aparentemente era algo moderno para ela. Nunca havia feito aquilo. Só havia dormido com dois homens, Kyle e Ben. E em ambos os casos ela entrara para ficar. Kyle, é claro, não entrara. Na época, porém, ela não sabia. E Ben a fizera a mulher mais feliz do mundo durante seu breve casamento. Ele, ao contrário, desejara o mesmo que ela: a eternidade. Independentemente do que Nick Savas quisesse, Edie tinha certeza de que a "eternidade" não estava incluída. Talvez ele esperasse que naquele instante Edie estivesse se levantando da cama e saindo pela porta. Mas, quando ela começou a se desvencilhar, um braço forte a envolveu e a puxou de volta para junto dele. - Aonde você vai? Edie virou a cabeça para olhá-lo. Nick sorria para ela, um sorriso preguiçoso e satisfeito. Um sorriso que ela havia provocado lembrou Edie a si mesma. Mesmo assim, pela primeira vez ela se sentiu um pouco desconcertada. - Preciso ir - respondeu hesitante. - Por quê? - Por que... - As palavras se perderam e a razão não lhe ocorreu. Sem dúvida existiam muitas, mas nenhuma parecia tão importante quanto ficar ali. - Isso não é motivo. - O sorriso de Nick se abriu. - Você quer ir embora? - perguntou. Ela ponderou mais uma vez, minuciosamente, e chegou à mesma conclusão: não tinha a menor vontade de ir embora. Gostava de estar na cama de Nick Savas, gostava de deixar os olhos passearem pelo belo rosto dele, de memorizar suas feições, os sentimentos, o momento. Desejou engarrafá-los e guardá-los mesmo sabendo que era impossível. Mas ficar um pouco mais era possível. Balançou a cabeça devagar. - Ótimo. Já aparamos ás arestas - disse ele. Então sorriu. - Agora podemos aproveitar. E foi o que Nick fez. Acomodou-se ao lado de Edie e se posicionou sobre ela, com suavidade dessa vez, fazendo pausas para prová-la, para provocá-la, para tocar onde lhe agradasse. Isso agradava a Edie também. Kyle nunca fora do tipo que se demorava muito. Nunca explorava nunca se interessava de fato pelo que ela queria. Já Ben sim. Mas Ben era um pouco mais experiente do que ela. E, embora tenham aprendido juntos, ainda tinham muito a aprender quando ele morreu.

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Desde Ben ela não tinha nada. Não sentia nada. Até aquela noite. Naquela noite Edie tinha Nick e Nick tinha Edie. Ele era experiente, não havia dúvida. Porém, não era egocêntrico. Não agia de modo mecânico para obter o que desejava. Era focado. Era comprometido, tão determinado a descobrir seus segredos quanto o era para aprender os detalhes daquelas construções que desmontava e montava de novo. Edie teve a sensação de que ele faria o mesmo com ela. Conheceu terminações nervosas que nem sabia existirem ao toque sutil dos dedos de Nick a explorá-la. Estremeceu ante a aspereza da língua dele na dobra de seu braço. Os seios se empinaram ao afago suave do polegar que circundou um mamilo e depois o outro. Os sentidos despertaram, ela tremeu ante a dança dos dedos dele sobre o abdômen e o leve roçar-nos pelos que ocultavam o local que ansiava pelo toque. Ela queria que ele acelerasse que a tocasse que a encontrasse a fizesse explodir e a completasse mais uma vez. Ao mesmo tempo queria que durasse para sempre. O que ele aparentemente queria era levá-la à loucura. Os dedos de Nick subiram pelo corpo dela de novo. Edie engoliu o desespero. Então ele seguiu as costelas, fez círculos ao redor do umbigo e com os polegares acariciou-lhe a virilha. Edie mordeu o lábio enquanto as mãos dele deslizavam sob ela até envolverem suas nádegas. Ele a levantou, a esticou, a afagou. Edie quase gemeu. - Vai - instou-o, estendendo os braços para segurar-lhe os quadris e trazê-lo para mais perto. Ele invadiu-a com um desespero antes, negado por suas carícias lentas e despreocupadas. Nada havia de casual ou despreocupado agora. Sua necessidade, como a dela, era clara e urgente. Cerrou os dentes. A pele se retesou nas maçãs do rosto. Sua respiração ficou mais rápida e intensa, assim como seu movimento. Edie se moveu para encontrá-lo, para se unir a ele. Cravou as unhas nas costas de Nick ao mesmo tempo em que ele deu um grito rouco, e os dois corpos explodiram novamente. Dessa vez não havia arestas a serem aparadas. Não havia aresta alguma, apenas um profundo contentamento, um relaxamento, uma sensação de serenidade e bem-estar quando Nick pôs o peso de seu corpo contra o dela. Ele ia recuar. Ela o deteve não estava pronta para soltá-lo. Não agora. Não ainda. Seus corações batiam em uníssono. O rosto suado de Nick repousou no dela. O bigode por fazer arranhou a pele sensível de Edie. Instintivamente ela virou a cabeça na direção dele, pressionou os lábios contra o rosto dele, aspirou seu odor. Aos poucos ele também virou a cabeça, de modo que ambos se encararam deitados, dividindo o travesseiro, os narizes quase se tocando, os olhos abertos, olhando um para o outro em silêncio. Não havia palavras. Pelo menos Edie não conseguia pensar em nenhuma. Então sorriu. Dizia tudo o que ela não encontrava palavras para dizer. Nick não sorriu. Parecia ter levado um golpe sem saber de onde veio. Isso fez o sorriso de Edie se abrir ainda mais.

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As pálpebras de Nick se fecharam. Ele as abriu de novo, pareceu se concentrar em Edie mais uma vez. Mas em instantes seus olhos se cerraram novamente, e dessa vez ficaram assim. Sua respiração ficou mais lenta e profunda. Ele adormeceu. Dessa vez Edie não dormiu. Sua respiração, como a de Nick, diminuiu e se manteve num ritmo regular e sereno de novo. Mas agora não sentiu exaustão, lassidão. Sentiu-se centrada. Firme. Fisicamente um pouco dolorida, pois não fazia aquilo havia um tempo. Mas no geral se sentia incrivelmente bem. É o que uma boa noite de sexo faz por você, pensou, lembrando-se de sentimentos similares depois de fazer amor com Ben. Mas com Ben não era apenas bom sexo. Sempre houve algo a mais. Havia uma conexão entre eles, a sensação de que juntos produziam uma bela melodia, de que juntos criavam algo maior do que cada um deles poderia sozinho. Será que isso poderia acontecer com Nick também? Esse pensamento veio do nada ou de algum lugar lá dentro dela. Edie não sabia onde. Sabia apenas que até pensar nisso era um erro. Nick não queria isso. Deixara absoluta, perfeitamente claro que não estava interessado. E ela concordara. Assegurara a ele e a si mesma que também não estava interessada em nada, além disso. Não estava. Esperava. E se estivesse? Bem, reconheceu, era problema dela. Agora estava deitada quieta e permitiu que seu olhar delineasse as feições adormecidas de Nick. Ele parecia mais jovem assim, seus traços duros mais suaves. Teria sido a "boa noite de sexo" que os abrandara? Perguntou-se Edie. Ou teria sido a boa noite de sexo com ela! Será que ele havia sentido aquela conexão também? Ou forçou-se Edie a confrontar a possibilidade, seria ela apenas uma viúva solitária tentando racionalizar uma noite de comportamento muito atípico? Não tinha as respostas para essas perguntas. Tudo o que sabia era que não iria consegui-las naquela noite. Talvez nunca. Ficar deitada ali, porém, não adiantava. Só a levava a desejar coisas a que não tinha direito, com um homem que não conhecia de fato. Exceto por uma parte de si que acreditava conhecer Nick Savas muito bem. Ele mostrara naquela noite que era possível encontrar vida após Ben. E Edie com certeza sabia que durante algum tempo seria nele que ia pensar e não em Kyle Robbins. Mas agora precisava se levantar, se vestir e voltar para o quarto dela para a vida dela. Lá, nos próximos dias, semanas ou meses, talvez descobrisse a resposta para o que fizera naquela noite. Com cuidado soltou-se dos braços de Nick e se esgueirou para fora da cama, retraindo-se ao circular e recolher suas roupas. Músculos que ela nem sabia ter agora clamavam sua existência. No banheiro graças a Deus havia algumas comodidades modernas, acendeu a luz e se vestiu o mais rápido que pôde, não tão rápido assim, já que teve de se remexer dentro

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do vestido, uma vez que não havia ninguém disponível para abotoar as costas para ela, e não era conveniente vagar pelos corredores do castelo de Mont Chamion com o vestido semi-aberto. Felizmente ainda era noite alta. Nem os maiores madrugadores estariam de pé tão cedo. Mas Edie tinha um vôo para pegar em seis horas. Então saiu do banheiro e se dirigiu à porta, parando em seguida. Não podia simplesmente ir embora não sem levar algo. Não sem uma última lembrança. Voltou em silêncio para a cama e se colocou sobre o corpo adormecido de Nick, absorvendo sua imagem. Ele estava de frente agora. O lençol mal cobria suas partes íntimas, mas Edie as tinha bem gravadas na memória e a ardência para não a deixar esquecê-lo pelo menos por algum tempo. Em seguida ela memorizou o resto de seu corpo o tórax amplo e peludo, os ombros fortes, o nariz pontiagudo, os lábios sensuais, os planos rígidos das bochechas, os delicados cílios negros arqueados e os cabelos negros despenteados. Ela desejou ver seus olhos às vezes risonhos, às vezes assustados, mais uma vez. O espelho de sua alma. Naquela noite ele havia tocado a alma de Edie tanto quanto seu corpo. Havia lhe devolvido uma parte de si que morrera com Ben. Ela esperava ter lhe dado algo também. Ela se demorou, imprimindo-o na imaginação, assim como ele se imprimira em seu corpo durante a noite. Ela o olhou. Olhou. E então, sem se conter, debruçou-se e beijou-lhe a boca de leve. Os lábios dele se mexeram, procuraram os dela. Mas quando ela se afastou, quando ele não a encontrou, os dele se abriram. Nick suspirou. Edie também. - Boa noite, Nick - sussurrou. - Obrigada. – Se permitiu mais um leve toque em seu ombro nu. - Eu acho. Então se virou e desapareceu, em silêncio, na noite.

CAPÍTULO QUATRO

O toque inesperado da campainha da mansão da mãe em Santa Bárbara a assustou. - Droga! - Edie lançou um olhar indefeso na direção da sala de estar, em seguida um malévolo para a tela do computador, para a qual estivera olhando durante horas. Estava no meio da última das inúmeras reservas aéreas de Rhiannon. Estava quase na última etapa. Se parasse agora, o tempo expiraria e ela teria de começar tudo de novo. Deus sabia que talvez isso fosse necessário de qualquer forma. Nos últimos dois meses, Rhiannon mudava as coisas quase todo dia. Desde que ela e Andrew tiveram aquela crise em Mont Chamion, embora tivessem feito as pazes, Rhiannon andava nervosa e agitada, uma hora achando que ele a deixaria, na outra que sua carreira estava acabada. Constantemente mudava suas prioridades e suas idéias, e a programação alterada dessa vez era apenas o mais recente indicativo do caos em que se encontrava. 44

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Isso também não deixava Edie descansar. Por sorte Rhiannon estava nas Bahamas gravando um videoclipe naquele dia. Senão, havia boas chances de que estivesse empoleirada na borda da mesa de Edie falando a cem quilômetros por hora, queixando-se de Andrew e mudando de idéia mesmo com a irmã remarcando suas reservas. Então Edie olhou furiosa para a ampulheta, que ainda aparecia na tela. A campainha tocou novamente. Diante da insistência, o cachorro, Roy, um gigantesco terra-nova com grossa pelagem negra e a língua vermelha para fora, olhou com vago interesse. Se ainda fosse filhote, já estaria na porta, latindo ensandecido. Agora, aos 09 anos, abordava os visitantes com mais indiferença. Tinham de ser persistentes ou então ele não se interessava. Pôs a cabeça entre ás patas e fechou os olhos de novo. A campainha de novo. Enfática. Duas vezes. Bem, quem quer que fosse Roy lhe daria pontos pela persistência. Ah, enfim. A nova tela finalmente apareceu pedindo a confirmação da compra da passagem. Edie clicou. A ampulheta reapareceu. Ela aguardou. E a campainha tocou. Uma duas vezes. Três vezes agora. Pouca gente chegava à porta de Mona Tremayne. Cravado no alto das montanhas atrás de Santa Bárbara, o terreno que ela comprara com o pai de Edie, Joe, ficava longe de tudo. Todos haviam insistido para que Mona se mudasse depois que Joe morreu. O terreno era grande demais, diziam. Ter uma criação de cavalos de rodeio na zona rural de Santa Bárbara tinha sido o sonho de Joe. Porém, Mona havia permanecido fiel a esse sonho. Os dois haviam adquirido a propriedade não só por causa dos cavalos, mas porque queriam ter onde se isolar, onde pudessem ser eles mesmos sem ter de encarar a todo instante o alvoroço em torno da crescente celebridade de Mona. É claro que na época ainda não havia a casa, apenas a agora tristemente deteriorada casa do rancho, feita de adobe e ainda mais longe da estrada. A casa atual viera mais tarde, após a morte de Joe. Durante o luto, Mona não deixava o local que possuíam juntos. Mas não era possível ficar na velha casa de adobe em ruínas com duas crianças pequenas. Sem Joe para manter tudo de pé, o teto teria desabado sobre eles num piscar de olhos. Então Mona mandou construir uma nova casa e, um ano depois, ela, Edie, então com 05 anos, e Ronan, com 09, desceram o morro centenas de metros para aquela que Ronan ainda chamava de "a casa de estrela de cinema da mamãe". Era grande e tinha decoração extravagante, algumas partes elegantes o bastante para entreter a qualquer momento os magnatas de Hollywood e os ricos e famosos do mundo. Ao mesmo tempo tinha 11 quartos, ainda mais banheiros, uma copa com tamanho suficiente para os meio-irmãos gêmeos de Edie, Dirk e Ruud, de 12 anos, patinarem, uma piscina, quadra de tênis e ah, sim uma campainha. Dessa vez, quem quer que fosse não estava apenas tocando, estava se debruçando nela. Insistentemente, com força e com toda a estridência. Aborrecida, Edie ficou tentada a não atender. Porém, a política de "casa aberta" de Mona se estendia a qualquer um de seus amigos "íntimos" que aparecesse nas redondezas. Mesmo quando estava do outro lado do mundo, ela ou, na maioria das vezes, Edie recebia Deus e o mundo. A hospitalidade a La Tremayne era lendária, e Edie ficava

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bastante feliz em exercê-la, embora, em geral, a mãe a avisasse quando convidados eram esperados. Então a ampulheta deu lugar à tela de confirmação. Aliviada, Edie apertou uma tecla para imprimir o itinerário de Rhiannon e, com Roy nos calcanhares, foi atender à campainha que ainda tocava. - Está bem! Já ouvi! - gritou enquanto atravessava às pressas o corredor, vinda do escritório nos fundos da casa, passando pela sala de estar e agarrando a maçaneta da imensa porta de carvalho escuro. - Pode parar! Parou. Ela abriu a porta com violência. Ficou de queixo caído. Seus dedos se fincaram na maçaneta. Olhou incrédula. - Nick? Pois era ele, Nick Savas em carne e osso. Alto e lindo como ficara em sua memória. E tão inesperado quanto bem, Edie não podia pensar em nada que não estivesse esperando. Ela agarrou a maçaneta com uma das mãos e a coleira de Roy com a outra, como se pudessem ampará-la em uma tempestade. E houve uma tempestade de emoções, de lembranças, de perguntas e respostas que ela deixara para trás por nunca ter conseguido organizá-las no pensamento. Não por falta de tentativa. Durante semanas após regressar do casamento em Mont Chamion ela pensara naquela noite, no homem com quem a havia passado. Pensara no que havia feito e procurara entender a razão. O mais próximo que conseguiu chegar de uma explicação foi que de alguma forma aquela noite a havia despertado. Depois de dois anos tentando achar motivos para dar seqüência à vida e ainda assim jamais encontrando de fato a fagulha que a fizesse reconhecer que voltara a viver e a ser plenamente útil em todos os níveis, naquela noite ela os encontrara. Algo. Edie nunca chegara a descobrir o quê em Nick Savas havia tocado uma parte elementar dela. Em seus momentos mais fantasiosos ela pensara que havia sido aquilo que o beijo do príncipe fez à Bela Adormecida, trouxe-a de volta à vida. Não fora o beijo de Nick que fizera isso por Edie. Tampouco sua performance na cama. Fora simplesmente ele sua energia, seu charme, sua sagacidade, seu sorriso arrebatador. E seus olhos. Os olhos de Nick eram eloqüentes. Falavam com ela sem palavras. Riam com ela, provocavam-na. Testemunhavam o sofrimento dele. Condoíam-se com o dela. Absorviam-na. Eles a despertavam. Os beijos e a noite de amor eram conseqüência. Ela pensou que talvez tivesse ido para a cama com ele por gratidão por tê-la despertado. Sentia-se grata. Mas era mais do que isso. Sentira uma conexão que não podia explicar, como se ele houvesse lhe dado algo naquela noite e, em seu ato de amor, ela também houvesse dado algo a ele em troca. Ela tentara nos últimos meses articular o quê. Não fora capaz. De forma alguma. Se ele tivesse vindo atrás dela, talvez fosse capaz. Mas é claro que ele não foi. Fora apenas uma noite, tal e qual ele disse que seria. Então o que estava fazendo ali agora?

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A boca inquieta de Nick se virou em um sorriso conspiratório e seus olhos, aqueles olhos escuros, às vezes risonhos, às vezes ameaçadores estavam concentrados como sempre ao focalizarem-na. Mais uma vez Edie sentiu a conexão que havia sentido naquela noite em Mont Chamion. Portanto, o que quer que fosse, havia durado pelo menos para ela mais do que uma noite. Ela sentiu a respiração parar. - O quê... O que você está fazendo aqui? A Cinderela dentro de Edie desejou que ele dissesse estar ali por ela. Os outros 99,99% equilibrados e sensatos de seu cérebro lhe disseram que se controlasse. Coisas assim não aconteciam na vida real. Ela não iria querer que acontecessem! - Bom te ver também - cumprimentou Nick em tom jocoso. Em seguida ergueu a cabeça e olhou de forma enigmática para ela. - Não me lembro de termos nos despedido brigados. Na verdade, nem me lembro de termos nos despedido. Eu acordei e você tinha ido embora. - Agora seu olhar era acusatório. Edie sentiu o rosto esquentar, os dedos se apertaram na coleira de Roy. - Você estava dormindo. Eu tinha de pegar um vôo. - Tentou soar pragmática. Na verdade, sabia que havia soado defensiva. - Desculpe-me - continuou após um momento. Foi... - hesitou, procurando a palavra certa. - Foi uma noite adorável. Aquilo foi inadequado. O que mais, porém, ela poderia dizer? E não era uma situação em que ela já se vira antes ou desde então. Nick ainda sorria tão lindo como naquela noite, só que dessa vez de uma forma californiana, casual e tranqüila. Esse Nick usava calça jeans desbotada, quase branca nos joelhos e nas coxas, camisa de Oxford verde-acinzentada de mangas compridas com os punhos arregaçados até os antebraços e um par de óculos de aviador sobre os cabelos esvoaçados e negros como a noite. - Foi - concordou ele. Seu olhar passeava por ela lentamente, como se a estivesse despindo mais uma vez. Edie sentiu o corpo inteiro esquentar. Então ele disse: - Estive conversando com a sua mãe. - Minha mãe? - Ele a estava despindo com os olhos e estivera falando com a mãe dela? Deus do céu, o que Mona havia aprontado agora? - Falamos sobre uma velha casa de adobe que ela tem. Edie o fitou, sentindo-se totalmente desconectada. – O quê? - Ela a mencionou quando a conheci em Mont Chamion - prosseguiu Nick. - Disse que precisava de uma mexida. Então eu disse que faria uma avaliação. - Lançou um olhar animador para Edie. - Avaliação? - ecoou ela. Ele estava ali porque havia falado com a mãe dela? Era assunto de trabalho. Não tinha nada a ver com ela. Sentiu-se terrivelmente frustrada e desequilibrada. Não sabia bem o que dizer, mas Nick a observava, e era óbvio que ele estava esperando que ela dissesse algo. Por fim ela deu a única resposta que lhe veio à mente:

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- Mona não está. Ela está na Tailândia. - Eu sei. Falei com ela ontem. - É mesmo? - Edie também havia falado com a mãe no dia anterior, e ela não havia dito uma palavra sequer! O nome Nick Savas não havia passado por sua boca. Tampouco qualquer menção à casa de adobe. - Falamos sobre reformas algumas semanas atrás - informou Nick. - Mas eu não sabia quando estaria livre. Ela disse que não tinha problema, que eu viesse assim que terminasse meu último trabalho. - Abriu as mãos. Lentamente a ficha começou a cair. - Viesse? - ecoou Edie de novo, perguntando-se se ele achava estranho ela parecer incapaz de formular um pensamento que ele já não tivesse enunciado. - Para quê? - Para a avaliação. Trabalhar na casa, se valer á pena. - Nick estendeu a mão para o cachorro, deixando Roy cheirá-la para assegurar que ele era amigo. Edie desejou que isso acabasse. Sentiu-se ferida. E traída. Era óbvio que, já que esfregar Kyle na cara dela não a deixara tentada, Mona agora usava o homem com quem ela havia saído na noite do casamento. Teria ela ido atrás de Nick e ligado para ele? Teria ela o coagido? Edie se sentiu muito humilhada. - Você não vai querer se incomodar com a casa de adobe - disse com secura. - Não vale á pena mexer nela. Isso claro que não era verdade. Ou pelo menos ela esperava que não fosse. Adorava a velha casa onde morara quando pequena. Mas aquilo não significava que ela queria que sua mãe contratasse Nick Savas para restaurá-la! Infelizmente Roy pareceu tê-lo aceitado como amigo. Começou a abanar o rabo devagar. Edie o segurou firme com a mão na coleira. Trincou os dentes, tentando manter um sorriso simpático. - Ela deu a entender que havia a possibilidade - retrucou Nick. - Mas só saberemos quando eu olhar - acrescentou, tentando amolecê-la. - Prometi dar uma olhada e ligar para ela para falar sobre isso. Se for viável, faço uma planta e algumas explicações e envio para aprovação. Posso ter de abordar comissões históricas, procurar apoio. Vamos tratar disso quando for á hora. - Esse era o profissional Nick falando, detalhando todos os passos com uma confiança inabalável. Edie mal ouviu tudo, a não ser registrar que todos esses passos levariam tempo. E tempo significava... - E onde você vai ficar? - perguntou de repente. Nick piscou então o sorriso torto reapareceu. - Bem, Mona me convidou para ficar aqui. Isso soou como um soco no estômago de Edie. - Algum problema? - perguntou ele. Olhava para ela de modo especulativo. - Eu... - Foi tudo o que Edie conseguiu dizer, então sua fala sumiu. Problema não era exatamente a palavra. Talvez constrangimento, pensou. Quem sabe desconcerto. Ou humilhação. Mas como poderia explicar? Havia dito a ele que Mona estava bancando o Cupido em Mont Chamion. Não queria ter de admitir isso de novo. Não queria que Nick pensasse que a mãe dela estava tentando servi-lo de bandeja!

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Deliberadamente armou seu melhor sorriso do tipo mi casa es su casa. - É claro que não - mentiu, dando um passo para trás para abrir mais a porta. Problema algum. Só fiquei surpresa. Entre. Este aqui é Roy, aliás. Nick se agachou e acariciou as orelhas do cão. Roy, que adorava um carinho nas orelhas, soltou um gemido contente. O som fez Edie se lembrar muito bem de como as mãos de Nick a haviam feito gemer também. Ela teve certeza de que suas bochechas estavam queimando quando ele deu um último afago nas orelhas de Roy e em seguida se levantou. - Só vou pegar minha mala no carro. Edie esperou à porta e tentou se recompuser buscar um suporte emocional adequado para lidar com o repentino aparecimento de Nick Savas em sua vida. Ele não estava ali por causa dela, lembrou a si mesma. Pelo menos não da parte dele. Viera porque a mãe dela havia feito o maior drama com a história da reforma. E Nick não ligava o bastante para ela, de uma forma ou de outra, a ponto de se deixar levar. - É assunto de trabalho - disse Edie a si mesma, firme. - Lembre-se disso - murmurou por entre os dentes enquanto ele subia pela entrada da garagem com uma bolsa de couro e lona em uma das mãos e uma pasta de laptop puída na outra. - O que foi? - perguntou ele, evidentemente tendo ouvido Edie dizer algo. Ela balançou a cabeça. - Só estava falando sozinha. Preciso me lembrar de uma coisa. - Você devia anotar. Sim, pensou ela. Devia. Devia tatuar dentro das pálpebras. - Vou fazer isso - respondeu de forma ríspida, em seguida respirou fundo e se virou para fazê-lo entrar. - Por aqui. - Bela casa - elogiou Nick enquanto a seguia. A sala de estar, com pé-direito alto, grossas paredes de estuque de cor creme e piso de granito, se abria em uma série de janelas francesas para um amplo pátio protegido do sol por uma cobertura de treliça. As portas naquela época do ano ficavam abertas, e a leve brisa vespertina penetrou no ambiente, agitando um sino dos ventos de conchas enquanto eles passavam. - Não tem nada de autêntico - disse Edie por sobre o ombro, feliz por ele estar olhando à volta e não para ela. - É o que meu irmão chama de "arquitetura espanhola de estrela de cinema". Nick deu uma gargalhada. - Conheço bem. - Encolheu os ombros. - Mas é uma impressionante homenagem à original. Os puristas odeiam, mas celebrava a herança e a história à sua própria maneira. Tornou o estilo popular e acessível. - Você é mais condescendente do que meu irmão. - Edie ficou surpresa com a atitude dele. Ela achava que um arquiteto, especialmente um que lidava com preservação e restauração históricas autênticas, seria mais crítico, não menos. - É o que é - respondeu Nick, passando a mão pelo suave corrimão escuro enquanto ela o conduzia pela ampla escadaria, e em seguida olhou de volta para a sala lá embaixo. Uma idealização romântica. Não tem a intenção de ser autêntica. Talvez seu irmão esteja reagindo não a casa, mas ao que ela representa para ele.

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O que talvez fosse mais verdadeiro do que ele poderia imaginar, pensou Edie. E Ronan também não gostaria que lhe jogassem isso na cara. - Você pode ter razão - assentiu ela enquanto chegavam ao corredor aberto no andar de cima. - Pode escolher o que quiser. - Apontou para as várias portas abertas. Mostroulhe todos os quartos disponíveis, ao mesmo tempo indicando a suíte da mãe no final do corredor, depois o quarto da irmã caçula, Grace, e o dos gêmeos, do qual se via a piscina. Eles estão na Tailândia com Mona. Em férias de verão. Ela própria fazia isso quando mais nova: acompanhar Mona e assistir às filmagens do lado de fora. Essas experiências lhe deram a certeza de que jamais iria querer fazer igual à mãe e ao mesmo tempo deixaram Rhiannon ansiosa por ficar em frente às câmeras. - Que tal este? - sugeriu Nick, olhando para um quarto vazio com aspecto masculino. Era quase espartano na falta de decoração. - Ronan, o meu irmão mais velho, usa este quando está aqui. Mas ele não vai vir por alguns meses, então é todo seu. Ou - acrescentou ela com um sorriso jocoso - pode ficar com o quarto da torre. - Torre? - Com certeza você deve ter visto a nossa torre pseudomoura quando chegou. - Era o mais romântico de todos os elementos românticos na casa. Ele sorriu. - Eu havia esquecido. Tem um quarto lá? - Uma pequena suíte. Rhiannon adora. - Ela apontou para a estreita escadaria acima. - Por que eu não estou surpreso? Ela a usa quando está aqui? - Sim. Mas ela não está agora. É toda sua. - Pensei que você tivesse a preferência. - Nunca me interessei. Ele levantou a sobrancelha. - Você não é do tipo, romântica? - Não. - Não em relação a quartos. E ela tentava ser realista. Pelo menos na maior parte do tempo. - Esse era o meu quarto. - Ela virou a cabeça na direção de um com vista para o bosque. - Era? Qual é o seu agora? - Tenho um apartamento em cima da cocheira. Era um apartamento pequeno e aconchegante, de um quarto, que fora do caseiro quando Edie era nova. Porém, depois o caseiro foi embora, e Ronan se apossou da cocheira durante a faculdade. Ele a mantivera mesmo após conseguir seu primeiro emprego como jornalista. Mas ele viajava tanto para o exterior que enfim decidiu que não precisava mais dela. Edie havia se mudado para lá quando voltou após a morte de Ben. Trabalharia para a mãe de boa vontade, mas não iria morar com ela também. Tinha sido uma mulher casada, agora era uma viúva. Queria sua independência. Isso sem dúvida estava lhe fazendo muito bem! - Então quem está dormindo na sua cama? - perguntou Nick. Edie abriu a boca e imediatamente a fechou de volta, com o rosto corado. Então se deu conta de que ele se referia à cama do quarto que pertencera a ela.

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- Ninguém - respondeu rápido, o que na verdade era também a resposta para quem estava dormindo com ela na cocheira. Não que importasse a ele. - Então eu vou dormir aqui - disse ele, entrando e largando a mochila e o laptop na cama. Ela não se permitiria enxergar qualquer significado oculto na escolha. Era um belo quarto, e não havia nada seu deixado lá. Pelo menos ela esperava que não. Não que Nick Savas fosse se importar se houvesse. Para ele, era um lugar para dormir. - Ótimo - concordou Edie, com toda a brusca indiferença que pôde demonstrar. Bem, vou deixar você se acomodar. - Quem mais está aqui? - perguntou Nick. - Só você. Mas não se preocupe. Clara, que trabalha para Mona, fazendo a faxina e às vezes cozinhando, vai vir fazer a comida para você. Ela mora em Santa Bárbara, mas vem todo dia e cozinha para a família quando Mona e as crianças estão em casa. Ela costuma fazer isso para os hóspedes também. Nick balançou a cabeça. - Não é necessário. Eu mesmo posso cozinhar. Além disso - lembrou a ela, - pode ser que eu não fique. Preciso ver se vale á pena. - Claro. Ele poderia ir embora antes que a noite caísse. A vida voltaria ao normal. Edie cruzou os dedos. - Quer dar uma olhada na velha casa hoje? Ou está cansado da viagem? - Estou bem. Acabei de chegar de Los Angeles. Fui visitar o meu primo. - Demetrios? - Ela sabia que ele e Anny mantinham uma casa lá para quando o trabalho o levasse a Hollywood. Mas Nick negou com a cabeça. - Yiannis. Se Edie estava bem lembrada do casamento, era o irmão mais novo de Demetrios. Outro Savas esguio, moreno e bonito. - Ele é ator também? Nick riu. - Você jamais o veria atuando. Ele trabalha com madeira. Fabrica móvel. Importa e exporta tudo, de lenha bruta a peças prontas. Ele fez algumas peças para restaurações em que eu trabalhei. Rapaz talentoso. - Parece que sim. - Edie sorriu e se voltou para a porta. - Desça quando estiver pronto e eu o levo para ver a casa de adobe. Vou estar no meu escritório. É nos fundos da casa, depois da cozinha. Se você se perder, siga o barulho do telefone. Estava tocando naquele momento. Assim ela teve a desculpa de sair em disparada para atender. Deu um rápido sorriso para Nick e acenou com os dedos, depois desceu as escadas correndo. Era a primeira vez em semanas que ficava feliz em ouvir a voz de Rhiannon ao atender ao telefone. Mesmo quando a irmã disse: "Mudei de idéia", Edie não esbravejou. Apenas pegou um lápis e respondeu: - Tudo bem. Diga-me qual é o novo plano. Se Rhiannon percebeu que Edie não ficou brava, não comentou. Mas também

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raramente ela parecia perceber as reações dos outros. Apenas começou a explicar sua mais recente mudança de decisão, que era ir encontrar Andrew em Miami no fim de semana seguinte em vez de ir a uma reunião com um diretor a respeito de um filme rodado na Turquia. - Então você pode mudar, não é? - quis saber Ree. - Posso, sim - assegurou-lhe Edie. Era só recomeçar do zero, cancelando a reserva que havia feito uma hora antes. Mas pelo menos poderia ocupar a mente com algo com que fosse capaz de lidar, exceto com o homem no andar de cima. Não, disse a si mesma com firmeza. Podia lidar com ele também. Só precisava de um pouco de espaço e tempo para se reorganizar. Estava surpresa, só isso. Não esperava vê-lo de novo. Poderia ter tido essa esperança, sim só um pouco, mas não a havia levado em consideração de fato. Assim, quando ele apareceu, Edie ousou acreditar que ele viera para encontrá-la, para explorar a conexão que ela havia sentido entre ambos. Então descobriu que ele viera porque a mãe dela havia lhe pedido a mais esfarrapada das desculpas! - Edie! Você está aí? - A voz de Rhiannon invadiu seu dilema mental. - É claro que estou. Você acha que eu iria desligar na sua cara? - Você ficou calada. - Isso soou como uma acusação. - Estou anotando a informação que você acabou de me passar - respondeu Edie. Não era mentira de todo. Ela havia feito uma ou outra anotação. - Vou fazer as reservas agora. Eu lhe envio um e-mail e repasso para eles. - Ótimo. Obrigada. Você é o máximo. Não conte para o Andrew - acrescentou Rhiannon rapidamente. - Quero fazer uma surpresa para ele. - Tem certeza? - Surpresas nem sempre eram a melhor das idéias. - Preciso fazer alguma coisa. Dar as caras quando ele não estiver esperando, quando tiver perdido toda a esperança! Ah, que drama. - Então está bem - respondeu Edie, aérea. - Obrigada, Edie. Amo-te! - Rhiannon trilou e desligou o telefone, deixando a irmã organizando os pensamentos e checar o relógio. Era madrugada na Tailândia, senão Mona teria de ouvir um bocado. O telefone tocou de novo, distraindo-a. E mais duas ligações depois dessa forçaram Edie a voltar á cabeça para o trabalho, de modo que ela deu um pulo quando uma voz vinda por trás disse: - Então é aqui que você trabalha. Ela virou e viu Nick de pé à porta, com as mãos apoiadas no batente, olhando à volta e em seguida pousando o olhar nela. Havia um sorriso no rosto dele. Trabalho lembrou Edie a si mesma com amargura. Só trabalho. - Este é o meu escritório - confirmou fazendo um gesto que abrangeu todo o aposento. Mona o chamava de "central de comando", mas na verdade parecia mais um aconchegante retiro do que qualquer outra coisa. Havia uma parede de estantes de livros de ambos os lados da lareira, amplos pisos de tábuas com um tapete, turco vinho e azul-

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marinho, um par de poltronas estofadas, um sofá confortavelmente velho, uma pesada escrivaninha dupla de carvalho de estilo espanhol na qual ficavam o computador, a impressora, o escâner de Edie e uma pilha de caixas que iam e vinham sem a qual ela seria incapaz de sobreviver. Porém, o mais impressionante era a vista. Uma das paredes era quase toda de vidro, composta de janelas que iam do chão ao teto, o equivalente espanhol às janelas francesas, e que se abriam para um pavilhão de ladrilhos de granito coberto de buganvílias. O escritório tinha vista para um extenso gramado ondulado com uma piscina de dimensões quase olímpicas, naturalmente escavada. Depois do gramado e da piscina, a terra descia de forma que as copas de um bosque de eucaliptos ficavam visíveis. Além delas podiam-se ver os telhados de Santa Bárbara e, ao longe, as formas volumosas das Ilhas do Canal no mar. - Nada mal - murmurou Nick, assimilando aquilo tudo. Lançou para Edie um entretido olhar de esguelha. - É surpreendente você conseguir terminar algum trabalho. - A gente se acostuma - confessou ela, levantando-se. - Parece um sacrilégio dizer isso, mas, a não ser que eu pare e olhe conscientemente, e às vezes faço isso, na maior parte dos dias eu sequer vejo. Vejo o trabalho. Nick assentiu com a cabeça. - É compreensível. Acontece o mesmo quando estou trabalhando numa construção. Geralmente é um lugar impressionante em todos os guias de viagem, e tudo o que eu vejo é umidade ascendente e madeira apodrecida. - Havia putrefação na igreja de madeira? - perguntou ela. Quando ele fizera o "tour" em Mont Chamion, mencionara que seu projeto seguinte seria a restauração de uma igreja de madeira na Noruega. Edie não estava familiarizada com esse tipo de igreja na época, mas assim que chegou a casa pesquisou na internet. Agora sabia que eram igrejas medievais feitas de madeira, e bem podia imaginar que estivessem meio apodrecidas depois de tantos anos. - Havia - assentiu Nick. Logo depois fez o que Edie esperava que ele fizesse: começou a falar do projeto. Enquanto ele continuasse falando da igreja, ela podia manter o foco naquilo. Podia lembrar a si mesma que ele estava ali a trabalho, e aquilo não tinha nada a ver com ela. Em seguida, porém, dirigindo-se para fora da casa, ela pegou um boné de beisebol e o pôs na cabeça. No verão, Santa Bárbara, especialmente a zona longe do mar, muitas vezes era calorenta no meio da tarde. Quando o sol abria caminho através do nevoeiro que em geral encobria a costa até o fim da manhã, despejava seu brilho implacavelmente. E enquanto dentro de casa ventiladores bastavam para refrescar, do lado de fora Edie costumava usar óculos escuros e um velho boné de beisebol de Ronan para proteger os olhos. - Encantadora - disse Nick com a voz arrastada, com um sorriso de canto da boca enquanto ele a examinava. Depois estendeu a mão e puxou a aba do boné. E de repente tornou-se difícil lembrar que era apenas trabalho. - Eu fico queimada - disse Edie, tentando parecer indiferente e saindo pela porta. Por aqui. Ela atravessou a entrada da garagem e subiu a trilha passando pela cocheira. Os

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gramados bem-cuidados não se estendiam para esse lado da propriedade. Ali havia apenas mata selvagem, um chaparral e eucaliptos, por entre os quais passava uma espécie de trilha indefinida que levava para o cume do morro. Roy foi à frente, farejando a vegetação rasteira. - Não tem uma estrada? - perguntou Nick, caminhando ao lado dela, acompanhando seu passo com facilidade. - Tem uma bastante irregular - informou Edie. - Mas ela não passa pela casa. Passa ao lado do morro e é um pouco sinuosa. Então, em geral, é mais rápido ir andando. A não ser que você prefira outra coisa. Os cabelos dele estavam despenteados e úmidos sobre a testa bronzeada e ela achou que ele parecia um pouco cansado. Mas Nick apenas riu. - Isso é um desafio, dona Edie? Algo em sua fala fez Edie sentir uma comichão na pele de tão ligada. Era ruim, na verdade. Durante dois anos e meio depois da morte de Ben, ela não tivera interesse, não tomara conhecimento do sexo oposto. Então, naquela noite em Mont Chamion, a simples visão de Nick Savas do outro lado do salão de baile com a irmã dela á despertara. A atração por ele não diminuíra à medida que a noite avançava, e certamente tirara Kyle Robbins dos pensamentos de Edie. Ainda assim, ela esperara que, não voltando a vê-lo, seus hormônios reanimados viessem a notar outro homem nesse meio-tempo. Porém eles haviam caído no sono de novo, até agora. Agora ela tentava ao máximo ignorá-los. - Só perguntei. Podemos ir de carro, se você quiser. Ele balançou a cabeça. - Estou bem - disse a ela, recomeçando a caminhada. - Só estava imaginando como arranjar material para a casa. Certo. Trabalho. Então Edie apontou para onde a estrada seguia enquanto subiam o morro. Antigamente existira uma trilha através do bosque que levava da nova mansão para a velha casa de adobe. Porém, nos últimos 15 anos aproximadamente, ele havia crescido demais, já que a família voltava cada vez menos para lá. A casa de adobe tinha um significado para Ronan e Edie. Mas o resto dos filhos de Mona havia crescido na casa nova, portanto não tinham lembranças nem muito interesse numa casa de rancho velha e abandonada. Mesmo os gêmeos, que vibravam ante a perspectiva de uma aventura, em especial se envolvessem lama e sujeira, nunca haviam mostrado real entusiasmo com ela. Não era lá muito empolgante, embora Edie a amasse. Vez por outra Edie pensara que adoraria restaurá-la e fazer dela a casa da família como fora quando ela era criança. No entanto, não dissera nada sobre isso a Ben. Não vinha ao caso quando eles estavam em Fiji. E ela sempre pensou que haveria tempo. Agora agradecia não o ter feito. Só voltara até lá umas poucas vezes desde a morte dele, na maioria das vezes para levar os gêmeos e Grace, para tentar fazê-los se interessar pela casa de adobe, para lhes contar histórias e lhes proporcionar um senso de conexão com um passado do qual eles faziam parte apenas perifericamente. - Pensei que você não trabalhasse com casas - disse ela enquanto subia a trilha com Nick.

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- Talvez eu não faça - respondeu ele. - Tenho de ver primeiro. - É claro. Foi muito gentil de a sua parte vir até aqui olhar e dar uma opinião para Mona - concordou Edie, esforçando-se para soar devidamente profissional. - Não sei por que ela está tão entusiasmada com isso agora. Bem, na verdade sabia. E não tinha nada a ver com a casa em si. Mas até que ponto chegara á cara de pau de Mona ao tentar juntá-los? Edie olhou de soslaio para Nick enquanto caminhavam, mas ele não respondeu, e seu olhar não deixava nenhuma pista. - Quando terminou o trabalho em Mont Chamion? - perguntou ela. - Saí de lá cerca de uma semana depois do casamento. Havia alguns artesãos locais talentosos que continuaram o trabalho enquanto eu estava na Noruega. Voltei algumas vezes para me certificar de que tudo estava correndo bem, mas passei a maior parte dos últimos dois meses na Noruega e na Escócia. - Escócia? - Hummm. Fale-me da casa de rancho. Chega de tentar fazê-lo falar. Mas a casa também era assunto de trabalho, portanto Edie fez o que ele pediu: - Creio que seja de meados do século XIX. Em primeiro lugar é bastante primitiva, eu acho. O meu pai nos contava histórias sobre os rancheiros que viviam aqui. Não sei até que ponto era verdade. Papai gostava de contar histórias. - Sorriu ao se lembrar do prazer que Joe Tremayne tinha em botar Edie e Ronan no colo e regalá-los com os contos da velha Califórnia. - Era da família dele? - perguntou Nick. -Não. Meus pais a compraram logo depois de se casarem. Na época já estava caindo aos pedaços, mas o terreno era o que o meu pai queria. Ele foi criado num rancho ao norte de San Luis Obispo. O pai dele era capataz lá. Papai queria criar cavalos de rodeio. Era o sonho dele. Tinha interesse em vinificação também. Ele não era o tipo de homem hollywoodiano. - Edie ainda trazia na memória o pai, alto e bonito, com um tufo de cabelos negros e um largo sorriso travesso. - Ele era um bom contraponto para a minha mãe. Sólido. Confiável. Firme. - Segurou-se antes de prosseguir: - Mas isso não é do seu interesse. Você quer saber da casa. - Quero saber tudo - replicou Nick, com os olhos nos dela. - Sobre a casa, é claro. Mas é importante entender as pessoas que moram ou moraram nela. O que era importante para elas. A que davam valor. Edie parou para pensar. Lembrou-se dele lhe contando a história do castelo de Mont Chamion e da família real que vivia lá. Imaginou que fosse a mesma coisa. - Uma família - respondeu ela com firmeza. - Era o que os dois queriam. Inclusive Mona - completou antes que ele pudesse levantar dúvidas. - A morte do meu pai a transformou. Ele era uma âncora para ela. Quando ele morreu, foi como se ela tivesse ficado à deriva. Ficou perdida. Queria aquilo que eles tinham o que nós todos tínhamos, e continuou tentando recuperar isso. Contando-lhe agora, ela podia ver tudo de novo, os dias felizes que haviam passado como uma família na velha casa de adobe, seguidos pelos dolorosos e sombrios dias após o acidente de carro que tirara a vida do pai dela. Sua voz esmaeceu quando chegaram ao cume e começaram a descer para o outro lado. Avistaram a velha casa atrás dos eucaliptos.

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- Daí os casamentos? - arriscou Nick. - Basicamente isso - confirmou Edie. - Ela queria estar casada. Queria um homem. E os homens a queriam. Sempre quiseram. Então foram a pedindo em casamento, e ela foi aceitando. E foi tendo filhos - acrescentou com sarcasmo. - Deve ter sido difícil para você. - Não. Foi ótimo, principalmente depois que ela ficou tão famosa. O fato de sermos seis ajudava. Diluía a atenção dos paparazzi. Estavam se aproximando da casa, e Edie ficou chocada ao constatar como estava em ruínas. Tentou ver da perspectiva de Nick. Imaginou que ele estivesse mentalmente fazendo a mala, pronto para declará-la inutilizável. Com certeza não parecia recuperável para ela. E tinha um ar vazio, abandonado, bastante diferente do que ela guardava na memória. - Está bem pior do que eu me lembrava - reconheceu. - Não era assim quando eu cresci aqui. Nick não disse nada. Apenas parou sobre o declive e examinou a estrutura irregular de adobe de um andar com extenso alpendre frontal e janelas embutidas. - Não estava na melhor das condições quando eles compraram - continuou Edie rapidamente. - Lembro-me de Mona dizer que foi barata como um "barraco". Mas o meu pai trabalhou um bocado nela - acrescentou de maneira defensiva. - Porém, ele estava ocupado tentando a sorte com o rancho e os cavalos. Não teve muito tempo. - Entendi. - Nick continuou descendo o empoeirado barranco e iniciou uma inspeção mais aproximada. Edie, seguindo-o, reconheceu o quanto a casa estava descuidada. A extensa cobertura do alpendre frontal havia cedido. Peças do zaguán estavam quebradas ou haviam desaparecido. Lugares que seu pai tinha tentado emendar com estuque haviam se desintegrado e o adobe embaixo deles ia pelo mesmo caminho. Nick prosseguiu com calma, caminhando devagar ao redor da construção, observando-a de todos os ângulos enquanto Edie o seguia, olhando para a casa, mas também para ele. Ele se movia com a graça e a agilidade de um gato selvagem. No ano anterior, quando ela levara Ruud e Dirk ao zoológico de San Diego, ficara fascinada com a graça de um tigre passeando pelo matagal. Pensou naquele tigre enquanto observava Nick vagando em tomo da casa. Ele pegou uma das vigas de madeira que caíam do teto e deu um puxão. O estalo da madeira fez Edie se encolher. - Talvez não valha á pena restaurar - arriscou ela. Ele não respondeu, apenas continuou andando. Parou para arrancar um pedaço do estuque que o pai dela havia usado para reparar uma parte da degradada parede dos fundos, depois a observou se descarnar e ir ao chão. Outro motivo para se encolher. Isso era bom, ela tentou dizer a si mesma. Com tanta coisa errada na casa, era menos provável que ele ficasse, e os pesados esforços de Mona para juntá-los iriam pelo ralo. Ao mesmo tempo, porém, Edie não queria que a casa desmoronasse. E o gene de Cinderela que ela tentava ignorar ainda queria que Nick Savas ficasse. - Está destrancada? Quer dizer que o exterior não o havia desencorajado por completo? - Tenho a chave. - Edie vasculhou o bolso e puxou um molho de chaves, procurando

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a que abria a porta da frente. Nick a pegou sem dizer uma palavra. Seus dedos se roçaram. Sim, meu Deus, mesmo um simples toque era capaz de deixá-la ligada. Com uma passada só Nick pulou para o alpendre e abriu a porta. Edie o seguiu com mais cuidado, preferindo o caminho pelos degraus de madeira quebrados até o alpendre. - Está sem energia elétrica - disse. - Acho que você não vai conseguir ver muita coisa. Com uma floresta de gigantescos eucaliptos ao redor, a casa nunca recebia iluminação direta do sol. Ficava bem mais fresca dessa forma, mas o interior, imerso na sombra e apenas com janelas embutidas, mal podia ser visto quando Edie seguiu Nick pela porta da frente. Parecia que ele estava acostumado a se guiar pelo feeling. Enquanto ela observava, ele andava pela casa, passando a mão nas paredes, verificando o teto, agachando-se e examinando o piso. Edie não sabia o que ele estava vendo, porém, quanto mais ficava ali, mais lhe vinham lembranças da casa em que fora feliz na infância. Aquela sala de estar era onde seu pai engatinhara pelo chão andando de cavalinho com ela. Adiante, próximo à janela, era onde montavam a árvore de Natal. Na grande cozinha haviam tido refeições que a própria mãe preparara, em vez de uma cozinheira. As lembranças lhe provocavam um nó na garganta à medida que ela olhava à volta. Ela caminhou pelo recinto, tocando os objetos, recordando acontecimentos. Passou a mão na bancada da cozinha e se lembrou de ficar de pé numa cadeira ajudando a mãe a recortar massa de biscoito nela. Próximo à porta dos fundos ainda havia as marcas na parede onde o pai media as alturas dela e de Ronan de meses em meses. Como ela era pequena. Esfregou o dedo na marca de lápis mais recente e mais alta e se lembrou de como se esticava o máximo que podia, e o pai pressionava o alto de sua cabeça com a mão, rindo. - Pare com isso! Você já está crescendo rápido demais! - Você está bem? - Nick apareceu à porta, com a fisionomia preocupada. Edie ensaiou um sorriso. - Só recordando. - Deu um pequeno, tapa na parede. - Faz muito tempo. Era um bom lugar. Estava apenas me lembrando de como era bom. Nick acenou com a cabeça como se compreendesse. E talvez compreendesse de fato. Ela não sabia tanto a respeito dele. O problema era que gostava do pouco que sabia. E vê-lo ali tornava tudo ainda mais complicado. Quando passara uma noite com ele num ambiente totalmente estrangeiro, fora mais fácil dizer a si mesma que não estava de fato interessada, que sua percepção dele fora uma aberração momentânea, que, de volta à própria vida, ela não tomaria mais conhecimento. Mas tomou. Nick estava abrindo os armários, vasculhando o interior deles. Edie se permitiu examiná-lo porque ele não estava prestando atenção. Edie havia passado os dedos por aqueles cabelos despenteados. Havia mordiscado sua barba malfeita e em seguida tirado sua gravata e desabotoado sua camisa. Agora, enquanto ele fechava os armários e se abaixava para olhar o piso, ela observava os músculos das coxas dele se agruparem e flexionarem sob o brim gasto que as cobria e se lembrava de que o havia tocado ali. E ele a havia tocado também.

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Não apenas seu corpo, mas algo essencial dentro dela. Algo que ela não conseguira esquecer. - Preciso ir - disse Edie de repente, o anúncio saindo um pouco mais alto do que ela pretendera. - Tenho de trabalhar. Do lugar onde estava agachado examinando as tábuas do chão, Nick ergueu o olhar para ela e consentiu. - Certo. Claro. Tudo bem fique à vontade. - Soou como se ele já a tivesse apagado da mente. Sem dúvida tinha, pensou Edie. Virou-se e saiu correndo da casa. - Vamos, Roy - gritou para o cachorro que farejava curioso pela beirada do alpendre. Roy olhou para ela, depois para a casa, como que esperando que Nick se juntasse a eles. - Ele não vem - disse Edie, mais pelo seu próprio bem do que pelo do cachorro. - Ele está aqui a trabalho. E depois vai embora. Ela esperava que sim. Pelo menos pensava ser o que esperava. Ele não estava ali por ela. Ele a havia despertado, mas não a queria. Pensava estar ali para trabalhar, mas na verdade era porque Mona estava bancando o Cupido novamente. Edie olhou para o relógio. Ainda era cedo na Tailândia, mas e daí? Se Mona achava que ia se intrometer na vida dela e se safar, merecia ser acordada pelo telefone! Ele não havia feito nenhuma promessa. - Vou dar uma olhada na casa de adobe - dissera Nick a Mona ao telefone na semana anterior. - Você não vai querer jogar dinheiro fora. Se não for uma boa candidata à restauração, eu lhe aviso. - Certo. Ótimo. O que você achar melhor - respondeu ela. - Pode ficar na minha casa. Tem muitos quartos. - Farei isso - concordou ele. - Mas pode não valer a pena. - Entendo. - Mona soou impaciente. - Preciso ir. Estamos filmando. Discuta isso com Edie. Ela pode lhe mostrar. Você se lembra de Edie. Sim, ele se lembrava de Edie. Ela não havia mudado em nada. A praticidade do rabo de cavalo nem de longe lembrava a sofisticação do penteado alto que ela usara no casamento. E a casualidade da calça de sarja e da camisa rosa decotada podia mascarar as curvas que o vestido roxo destacava. Porém, Nick estava disposto a apostar que, soltos, os cabelos de Edie cairiam como uma cascata pelas costas, em ondas extraordinariamente sedosas. Da mesma forma que sabia muito bem que, sob qualquer coisa que Edie Daley vestisse, ele ainda encontraria sua pele macia como pétalas e os segredos femininos, que apenas uma vez ele tivera a chance de explorar. - Droga - murmurou ele, olhando com raiva para a porta pela qual ela saíra momentos antes. Droga, porque ela era tão atraente quanto em Mont Chamion. Ele tivera a esperança de que não fosse. Por isso se esforçara para garantir que Mona entendesse que ele poderia

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não ficar. Talvez a casa não fosse valer o trabalho ou talvez ele olhasse Edie Daley uma vez e concluísse que a noite em Mont Chamion fora a extensão do encanto que ela exercia. Não teve essa sorte. Agora ele estava sob as sombras da janela e a observava até estar fora do alcance da vista. Ela ainda usava o boné de beisebol, com os cabelos para trás num rabo de cavalo que saía pela abertura acima da tira ajustável. E realmente não tinha nenhuma curva perceptível. Na verdade, de costas ele ficou desconcertado ao descobrir que talvez ela se passasse por uma menina de 12 anos alta e esguia. Então por que, durante dois meses e meio, ele não fora capaz de tirá-la da cabeça? Nick nunca ficara pensando nas mulheres que levava para a cama. Não tinha interesse nelas além da noite que passavam juntos. Eram divertidas e atraentes, e ele desfrutava bons momentos com elas. Porém, assim que partia ele seguia em frente e nunca pensava no que havia acontecido. Ponto final. Ele não saberia dizer os nomes de metade delas. Mas não podia esquecer o dela: Edie Daley. Edie dos longos cachos escuros e dos cintilantes olhos verdes, da boca larga e versátil e dos lábios deliciosos de se beijar. Esbelta e graciosa Edie. Ansiosa e apaixonada Edie. Seu brilho, seu charme, sua curiosidade, sua vulnerabilidade, tudo o havia assombrado a cada noite e em muitos dias. Desde que dividira a cama com ela. Dois meses e meio e ele não fora capaz de esquecê-la. Era um absurdo. A princípio Nick pensou que as lembranças ficavam voltando porque haviam passado a noite na cama dele. Ele sempre fizera questão de jamais compartilhar sua própria cama com uma mulher. Não as trazia para seu território. Que droga, ele nem sequer tinha um território. Não possuía uma casa, não tinha um apartamento alugado. Não tinha um lugar para chamar de seu. Após a morte de Amy, ele vendeu a casa que havia construído para ela assim que pôde. Não queria mais nada que a lembrasse. Qualquer pequeno equipamento que não carregasse consigo ele deixava na casa do tio Sócrates, em Long Island. E permanecia em constante mudança, morando na casa de alguém enquanto a reformava. Caía-lhe como uma luva. Não tinha razões para ter uma casa. Não tinha mulher. Nem filhos. Tampouco um cachorro ou um gato. Nada que o prendesse. Não precisava disso. Não queria isso. E também não queria Edie Daley! Bem, queria. Carnalmente, pelo menos, admitiu Nick, ele a queria demais. Mas era só isso. O desejo era uma necessidade que ele precisava aliviar. Então ele a satisfaria, ela iria embora e pronto.

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CAPÍTULO CINCO

- Como assim não está? - quis saber Edie. A tailandesa do outro lado da linha não falava um inglês lá muito bom, o que deu a Edie uma esperança de ter ouvido mal. Porém, quando a mulher repetiu as palavras, o significado ainda era o mesmo: - Sra. Tremayne saiu pra trabalho. Aqui não. - Mas acabou de amanhecer - protestou Edie. - A que horas ela saiu? - Noite. - Noite? Mas ela não disse nada ontem. - Mudou plano - respondeu a mulher. Não parecia estar levando muito a sério. Para ela não devia ser mesmo. - Quando ela volta? - Não sei. Três, quatro, talvez cinco dias. Foram nas montanhas. - Montanhas? - Aquilo não estava cheirando bem. E eles iam ficar dias? - Mas eu preciso falar com ela. Edie só estava ligando para a casa que Mona alugara porque já havia tentado o celular, meia dúzia de vezes. Em todas havia caído direto na caixa postal. No início pensou que a mãe simplesmente a estivesse evitando. Porém, depois de duas horas sem resposta, percebeu que algo estava acontecendo. Mona era fanática por responder mensagens. As únicas horas em que não ligava de volta eram quando estava no meio de alguma cena ou completamente fora de alcance. Era óbvio que agora ela estava fora de alcance. Mas por dias! - Onde estão as crianças? - perguntou Edie. O normal era sua mãe mandar chamá-la para tomar conta delas enquanto estivesse fora. Com certeza não as havia deixado com a mulher que cuidava da casa. - Foi também. - Ah. Bom, tudo bem. - Pelo menos Edie esperava que estivesse tudo bem. Não havia dúvida de que Mona amava os filhos. Mas também tinha uma carreira que exigia que ela a pusesse em primeiro lugar a maior parte do tempo. Levar os gêmeos e Grace naquele verão, sem Edie do lado para ficar de olho em tudo, era algo inédito. - Pelo menos ela levou o telefone? - Levou - confirmou a mulher. - Mas difícil receber ligação. Tenta - sugeriu-a toda animada. - Talvez tenha sorte. A sorte, Edie poderia ter dito à empregada da mãe, não estava ao lado dela naquele momento. Agradeceu, tentou o número de Mona mais duas vezes, então desistiu. Não adiantava encher a caixa postal de mensagens que ela não veria até retornar à civilização. Além disso, quando fosse confrontá-la a respeito da tentativa de bancar o Cupido, Edie pretendia fazê-lo ao vivo e, se não cara a cara, pelo menos ouvido a ouvido. Ela dera uma bronca na mãe após o incidente com Kyle Robbins no casamento. 60

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Pensou que Mona tivesse aprendido a lição. Mas, pelo jeito, não. Ainda resmungando, olhou para a tela do computador e tentou se concentrar no resto do trabalho da tarde. Tinha telefonemas para retornar, algumas correspondências do advogado contratado por Mona para tratar e as reservas aéreas de Rhiannon para cancelar e remarcar. Com certeza tinha muito com o que se manter ocupada. O suficiente para que não passasse o resto da tarde pensando em Nick Savas. Mais fácil falar do que fazer. Ela remarcou as reservas. Procurou as respostas para as perguntas que o advogado de Mona queria. Retornou aquela ligação e muitas outras. Mas, enquanto o fazia, mantinha um ouvido atento à porta, esperando ouvi-la se abrir, esperando o som de passos vindo em direção ao escritório. O tempo passou. Uma hora. Duas. Por volta das 17h30 ele ainda não havia aparecido. Talvez tivesse dado uma olhada e simplesmente, ido embora. Quando fechou o escritório, ela foi para a sala da frente olhar pela janela e ver se o carro dele ainda estava lá. É claro que estava. Ele não poderia ter ido sem ela saber, pois teria de voltar para pegar a bagagem. Ele já havia levado a sacola para cima. Estaria ele esperando que ela simplesmente ficasse sentada no escritório, o aguardando? Talvez não, Edie admitiu para si mesma. Talvez ele nem sequer tivesse pensado nela. - E você deveria parar de pensar nele - aconselhou a si mesma. Então ela fez o que sempre fazia depois do trabalho. Pôs o biquíni, foi para a piscina e deu um mergulho. Era pouco depois das 18h quando Nick voltou para a casa de Mona. Tinha checado cada centímetro da casa de adobe, andara pelo recinto dando chutes na fundação, levantando assoalhos trepado no telhado. Estava encardido, imundo, suado, com calor e precisava de uma chuveirada. Muito. Então deu a volta na casa-grande para passar pela entrada mais próxima à escada sem deixar um rastro de sujeira e pó. Assim poderia passar no escritório de Edie. Mas, antes de chegar lá, pelo rabo do olho viu um movimento que lhe chamou a atenção. Depois do banco de oleandros que crescia em parte do gramado, havia alguém na piscina. Antes que seu cérebro tomasse uma decisão consciente, os pés já se dirigiam pelo gramado para o local em que as formas esbeltas de Edie cortavam a água dando voltas na piscina. As braçadas dela eram suaves e regulares, mas não era nas braçadas que Nick estava interessado. Era no seu corpo, nas pernas compridas, nas costas bronzeadas, toda aquela adorável pele dourada da qual ele se lembrava tão bem. Se antes ele precisava de uma chuveirada, agora precisava mais ainda. Uma longa e gelada. Ou, pensou ele, poderia mergulhar na piscina, pegar Edie nos braços e resolver todos os seus problemas de uma vez só. Não era uma escolha muito difícil. Ele havia desabotoado a camisa quando chegou ao pátio ladrilhado de granito onde ficava a piscina. Abriu o portão, jogou a camisa sobre uma espreguiçadeira e começou a tirar os sapatos e a arrancar a camiseta pela cabeça ao mesmo tempo. - Você voltou. - A voz de Edie o assustou. Nick terminou de tirar a camiseta para vê-la, agora fora da água, vindo em sua

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direção. Tinha uma toalha enrolada na cintura e secava os cabelos com outra. Ele não podia mais ver as pernas dela, mas a barriga à mostra já era o bastante para instigá-lo. Enquanto Nick observava, meia dúzia de gotículas de água desceu de dentro do sutiã do biquíni pelo abdômen de Edie. Ele engoliu em seco, olhando as gotas desaparecerem sob a toalha amarrada à cintura dela. - Então, o que você acha? "Acha"? Ele nem conseguia pensar. Não com o cérebro, pelo menos. - Do quê? - perguntou ele, confuso. Ela devia tê-lo visto se aproximar. Por que diabo não havia ficado na piscina? Estava tentando evitá-lo? A dúvida o deixou inquieto. - Da casa. - Edie tirou a toalha da cabeça e olhou para Nick por sobre ela. - Está na hora de demolir? Parar de insistir? - Parecia quase esperançosa. Ela esperava isso? Com certeza não. Nick vira o olhar nostálgico em seu rosto à tarde. Observara-a vagar de cômodo em cômodo, passando a mão sobre a carpintaria e as estantes, tocando aquelas marquinhas de lápis próximo à porta dos fundos. - Não - respondeu ele de forma brusca, com mais força do que pretendera. Moderou o tom: - Não. É bem recuperável. - Mesmo? E deve ser recuperada? - Agora ela pareceu surpresa. - E uma peça de arquitetura vernacular interessante - afirmou ele. - Não uma grande peça, é claro. E não que tenha uma imensa importância histórica - acrescentou com sinceridade. - Porém, o fato de não ser uma mansão, mas sim um pequeno exemplar remanescente da arquitetura de rancho, torna válida a restauração. Também era verdade. Até certo ponto. Do ponto de vista da pura importância histórica, a velha casa de rancho feita de adobe era um Lal pastiche de diferentes estilos, períodos, restaurações, desastrosas adições e mau acabamento que, como especialista profissional em restauração histórica de boa-fé, chamado para selecionar que construções valiam á pena preservar e restaurar, ele deveria ter corrido para o outro lado. Mas não correu. Ficou e disse: "Pode ser recuperada" com uma expressão absolutamente séria. E foi recompensado ao ver o rosto de Edie se iluminar. - Pensei que você fosse dizer que não valia o incômodo. Não valia. Pelo menos não da perspectiva estritamente arquitetônica. Mas existiam outras razões para se restaurarem as coisas. - Vale - redargüiu-o. De imediato ela lhe deu um sorriso brilhante. Que, no entanto, logo esmoreceu. - Então o que isso quer dizer? - perguntou, agora com um tom quase cauteloso. Que vamos fazer amor bem aqui na espreguiçadeira. É claro que ele não disse isso. Limpou a garganta. - Que eu vou fazer um planejamento, discutir com Mona e pôr a mão na massa. - Então você... Vai ficar? - Ela não demonstrou muita animação. - Sim - respondeu Nick com firmeza. Então Edie sorriu de novo, mas um sorriso ainda não muito aberto. - Bem, que bom. Isso é ótimo. - Você não quer recuperar a casa?

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Algo tremeluziu nos olhos dela. - Não, quero sim. E... - ela hesitou em seguida o sorriso reapareceu - é o máximo. - Então que tal ir jantar comigo para comemorar? Edie piscou. Abriu a boca. Mas apenas ficou ali parada, olhando para ele. Nenhum som saiu da boca. . - Edie? - chamou Nick após alguns segundos de silêncio. - Comemorar? - ecoou ela enfim. - É claro. Temos muito que comemorar. O fato de a casa poder ser consertada. O fato de eu ficar aqui por um tempo. O fato de nós dois estarmos aqui - acrescentou ele explícito, voltando todo o calor do olhar para ela. - Acho que isso merece uma comemoração, você não acha? Nick a viu engolir em seco. Logo depois ela sacudiu a cabeça de forma um tanto desajeitada e respirou fundo. - Sim. Claro. - Outra aspiração, um sorriso pálido. - Seria uma boa. - Uma boa? - Nick ergueu a cabeça, observando Edie com os olhos entreabertos. Uma boa? - repetiu, provocando-a. Edie encolheu os ombros, sem jeito. Seu sorriso continuou, mas pareceu ainda mais superficial. Nick se lembrou do sorriso dela ao reaparecer ao lado dele na festa, quando aceitou a oferta do tour pelas reformas. Também havia nela um nervosismo então. Na ocasião ela estava evitando o homem do corte de cabelo de cem dólares e as expectativas da mãe. Estaria nervosa agora? Insegura? Desejando poder evitá-lo? Nick fechou a cara. Por que ela se sentiria assim? Não se lembrava de como havia sido bom o que ocorrera entre eles? Se não, ele ficaria feliz em lhe recordar. - Preciso me vestir - disse Edie, começando a se dirigir para o portão. - Por mim, não. - Ele sorriu com malícia. Um rubor se espalhou em cada pedacinho da pele visível de Edie, mostrando a Nick que ela de fato não o havia esquecido. Ainda assim, o sorriso que ela lhe deu foi atormentado. - Se vamos sair para jantar preciso tomar um banho e lavar os cabelos. - Podíamos encomendar comida, ficar aqui, comemorar aqui mesmo. - Ele era capaz de pensar em excelentes maneiras de comemorar sem que fosse preciso ela se vestir. Edie balançou a cabeça. - Não. Se formos ficar aqui - disse, - eu tenho de trabalhar. - Então vamos sair. - Mas... - Vá tomar seu banho e lavar os cabelos, Edie Daley. Se vista se for necessário retrucou Nick. - Eu vou dar uma nadada, trocar de roupa e estarei na sua casa em uma hora. A noite toda pareceu um encontro. Edie estava precavida, é claro. Sua mãe havia engendrado toda aquela situação. Mas saber disso não a deixava inteiramente a salvo. Desde o momento em que abriu a porta para Nick, parado no pequeno alpendre frontal, pareceu que ele a estava cortejando. Na imaginação dela, ela se castigou mesmo ao deixar que ele abrisse a porta do carro dele para ela e, por um instante, roçasse os dedos nos dela enquanto ela entrava.

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Embora seus dedos tenham sentido uma comichão, Edie tentou manter as coisas amenas e um ar profissional. Afinal, era disso que se tratava. Trabalho. Era como um mantra. Ela precisava manter essa palavra o tempo todo em mente, porque o modo como ele sorria para ela, a forma como os olhos dele pareciam se inflamar quando encontravam os dela, o jeito como os dedos de ambos se tocavam toda vez que ele enchia a taça de vinho e a devolvia a ela, tudo isso fazia Edie querer mais do que sabia existir ali. Era uma linda e clara noite californiana com as brisas mais suaves, perfeita para se escolher uma mesa do lado de fora. O ambiente era descontraído, a comida fantástica e Nick; estava charmoso e sedutor. Edie tinha certeza de que ele se comportara assim com todas as mulheres que já havia conhecido, mas dizer isso a si mesma não a tornava nem um pouco menos suscetível a ele. Ele era muito fácil de conversar, lindo demais de olhar. Estava respondendo às perguntas dela sobre a igreja de madeira na Noruega e outro projeto em que estava trabalhando num castelo escocês. - E ainda assim veio para cá? - perguntou ela. Os poderes de persuasão de Mona eram lendários, mas ainda assim Edie ficou surpresa por Nick ter concordado, especialmente sabendo que ela estaria lá. E ele não "entrava" em relacionamentos. Ou entrava? A idéia era tentadora. Ele a havia despertado, afinal. Talvez ela tivesse feito o mesmo com ele. Edie se inclinou para estudá-lo mais de perto, como se um exame atento de suas feições fosse lhe dar a resposta para a questão. - Vim para cá - concordou Nick. Reclinou-se sobre a cadeira e a observou com os olhos entreabertos. - Por quê? Ele piscou, como se a brusca pergunta o tivesse surpreendido. Mas em seguida deu de ombros, tranqüilo. - É o meu trabalho. E - acrescentou, retorcendo um canto da boca - gosto de desafios. E lá estava mais uma vez, a conexão de consciências que parecia formar uma centelha entre eles. Atração física? Com certeza. Algo a mais? Edie não era capaz de dizer. O barulho da hora do jantar havia diminuído e, à medida que os outros fregueses iam embora, a mesa deles, que ficava no final do pátio do restaurante no centro de Santa Bárbara, se tornava mais isolada e íntima. - Café? - murmurou Nick. Ele a observava com os olhos ligeiramente entreabertos. Um sorriso se ensaiava nos cantos de sua boca. Edie não teve dificuldade para se lembrar do gosto daquela boca e da sensação dos lábios dele nos dela. Era hora de partir. Edie sabia. Mas partir significava confrontar a realidade mais cedo do que o esperado. E ela ainda não estava pronta. Precisava se fortalecer. Então aceitou o café. Era forte, puro, uma torrefação colombiana encorpada. Feito para ser saboreado. Feito, suspeitou-a, para lhe dar ô vigor e a cafeína para ficar a noite acordada fazendo amor com ele. O que ela adoraria fazer. A não ser... Agarrou a xícara como à própria vida, olhou dentro dela, procurando as palavras

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para dizer o que precisava dizer. Por fim levantou os olhos ao encontro dos dele. - Precisamos esclarecer uma coisa. Diante do tom, Nick levantou uma sobrancelha. - Hum? Ela abaixou a cabeça de forma um tanto convulsiva. Seus dedos comprimiram a xícara de café quando ela foi direto ao xis da questão: - Eu não vou dormir com você. Agora as duas sobrancelhas de Nick levantaram. Ele se endireitou na cadeira, primeiro parecendo surpreso, depois quase estupefato. Depois de um momento, voltou a se acomodar e pegou a própria xícara, segurando-a suavemente. - Não? - Seu tom demonstrou apenas um leve interesse, fazendo Edie se sentir uma idiota. Mas já havia começado, então foi em frente: - Não. E sim, eu sei você não perguntou. - Aí ela apontou o óbvio, também: - Mas já que o fizemos uma vez... - parou rápido para respirar - achei que a questão poderia vir à tona de novo. - Poderia - concordou Nick. Seu tom ainda era brando, mas havia uma ponta de algo á mais, algo mais profundo e ainda assim definitivamente sugestivo que dizia a Edie que sua interpretação não estava de todo equivocada. Ela enfrentou o olhar dele de cabeça erguida. - Então eu gostaria de deixar claro de antemão que isso não vai acontecer. Por um longo momento Nick não disse nada, mas seu olhar jamais vacilou. Enfim, após o que pareceu uma eternidade, mas talvez tenha sido menos de meio minuto, perguntou: - Por que não? Edie engoliu em seco. Sua boca ficou seca e as mãos úmidas e ela já se, arrependia de ter aberto a boca. Ela não era de confrontar. Jamais. Era uma negociadora, não uma combatente. Então disse: - Não é que eu não tenha gostado. - Baixou o olhar. Ela não conseguia olhá-lo diretamente agora. - Eu gostei - admitiu. Suas bochechas estavam pegando fogo. - Fico feliz. - O tom de Nick era grave, mas, quando Edie ousou olhá-lo, pensou ter visto seus lábios se contraírem. - Você está rindo de mim. Ele balançou a cabeça. - Não. Eu estou... Confuso. - Abaixou a xícara e pareceu se contrair. - Eu tinha a impressão de que nós dois havíamos gostado. - É, bem, sim - respondeu Edie. - Fico feliz por você ter gostado também. Mas foi isso. - Isso? - Um ato isolado. Você mesmo disse. Ela achou tê-lo visto apertar o maxilar de leve, mas na penumbra não pôde ter certeza. - Não era uma regra imutável. - O tom de Nick era rude. - Eu não viro abóbora se fizer amor com uma mulher duas vezes. A boca de Edie esboçou um sorriso relutante.

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- Fico feliz. - E você? - o desafiou. Ela balançou a cabeça devagar. - Também não viro abóbora. - Bem, e então? - quis saber ele. Os olhares voltaram a se cruzar. Ela não viu raiva no dele, graças aos céus. Era mais curiosidade. - Eu poderia me apaixonar por você. - O quê? - A xícara de Nick bateu na mesa com um indisfarçável baque. Então ele ficou absolutamente parado. - Apaixonar-se por mim? - Pareceu, na pior das hipóteses, apavorado; na melhor, incrédulo. Edie encolheu os ombros. Agora era tarde para voltar atrás. - Depois... Depois que Ben morreu - explicou - eu me senti como se tivesse morrido também. Nick assentiu com a cabeça, quase impaciente. - É. - Meses se passaram. Eu não estava a fim de sair com ninguém. Não ligava para namorar de novo. Eu... Não estava interessada em homem nenhum. - Hesitou, então abriu o jogo: - Até você. - Você não me ama - protestou ele. - Eu sei disso! - retrucou Edie com fúria. - Mas gosto de você. - É, bem, eu gosto de você também - respondeu ele, franzindo a testa. - Mas não estou me apaixonando por você! - Isso mesmo - disse Edie. - E se estou começando a sentir alguma coisa de novo, não quero me apaixonar por alguém que não está interessado. Já fiz isso - revelou. Ele fechou a cara. - Quando? - Eu tinha 18 anos. Jovem, boba. Devia ter sido mais esperta. Você se lembra do ator que estava com a minha mãe em Mont Chamion? - Ele? - Nick pareceu assombrado. - Ele era charmoso. Nós namoramos. Significou mais para mim do que para ele. - Ela se recusou a entrar nos detalhes sórdidos. - Não foi assim com Ben - continuou. - Então eu sei como deve ser. - Sabe, é? - Os olhos negros de Nick brilharam em tom de desafio. Edie, porém, não tinha dúvidas. Envolveu a xícara de café com os dedos e olhou bem para ele. - Sei. Nick torceu a boca. Seus dedos batucaram levemente na mesa. Com a outra mão ele levou a xícara à boca, com os olhos o tempo todo em Edie. Continuou calado. Ela também. Melhor assim. Talvez já tivesse falado demais. O garçom veio e encheu a xícara de Nick, mas Edie pôs a mão sobre a dela e balançou a cabeça com um sorriso. - Já tomei bastante - disse. - Se tomar outra, não durmo. O garçom lançou um olhar masculino conspiratório na direção de Nick. - O sono é supervalorizado.

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Nick fez um som inarticulado, em seguida disse em tom áspero: - Pode trazer a conta, por favor. Edie pegou a bolsa. - Eu pago. Os olhos negros faiscaram. - De jeito nenhum. - É trabalho - protestou Edie. - A minha mãe... - A sua mãe não tem nada a ver com isso! - Nick sacou o cartão de crédito e o jogou para o garçom, que regressava antes mesmo de poder chegar à mesa. - É sério, Nick... - Pare de reclamar, Edie. - Seu tom era direto e inflexível. - E guarde essa carteira. Com relutância, Edie guardou a carteira. – Eu não espero... - Você já deixou bem claro o que espera e o que não espera. Vou deixar algo claro também: quando convido uma mulher para jantar, eu espero pagar. Entendeu? - Entendi - resmungou Edie. O garçom voltou com a conta, que Nick examinou rapidamente, assentiu e assinou, em seguida guardando o cartão e o recibo de volta na carteira. - Pode deduzir do seu imposto - sugeriu-a. Nick a olhou aborrecido. Depois se levantou e deu a volta na mesa para puxar a cadeira para Edie antes que ela a empurrasse e se levantasse sozinha. Tudo de forma muito cavalheiresca e educada. Como se ela não pudesse ouvi-lo ranger os dentes. - Obrigada - murmurou Edie ao se levantar. - E obrigada pelo jantar. - Foi um prazer - mentiu ele. Tinha que ser mentira. A conexão de consciências ainda estava lá, mas também o chiado de irritação. Edie apertou o passo enquanto se encaminhavam para a saída. Porém, a ponta da sandália esbarrou na perna de uma cadeira. Ela tropeçou. A mão de Nick se estendeu para segurar-lhe o braço e impedir a queda. - Obrigada - disse ela, sem ar. - Sem problemas - respondeu ele, sucinto. O problema foi que ele não a soltou. Caminhou ao lado dela em direção ao estacionamento onde havia deixado o carro, com os dedos no braço dela. Sobre o algodão fino do vestido, Edie pôde senti-los como se não houvesse barreira alguma entre eles. Já no carro, ela deu as direções para sair de Santa Bárbara e voltar para a casa de Mona nas colinas. Nick a havia encontrado durante o dia. Edie sabia que à noite não era tão fácil. Ele não reclamou. Não discutiu. Não abriu a boca. Seguiu as instruções sem um comentário. Não voltou a falar até estacionarem o carro e subirem os degraus para o apartamento de Edie. Ela teria protestado que não precisava de companhia até a porta, mas havia então uma implacabilidade nele que fez com que ela segurasse a língua. Se ele quisesse subir todo o trajeto, que assim fosse. Não iria entrar. O alpendre não era grande. Quando Edie pegou a chave, Nick estava próximo o

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bastante para que ela sentisse o aroma silvestre de sua loção pós-barba. Estava próximo o bastante para que, se ela se virasse, pudesse ficar na ponta dos pés e beijar a sua boca. Ela não se virou. Na verdade ficou feliz por conseguir encaixar a chave na fechadura sem se atrapalhar, já que suas mãos estavam ligeiramente trêmulas. Apenas com a chave já na fechadura ela olhou em volta. - Obrigada pelo jantar - disse com cortesia. Nick resmungou os lábios apertados. Fim da linha para todo aquele charme de Savas. Ela lhe deu um sorriso ligeiro, abriu a porta e entrou. Roy veio pulando ao encontro dela. - Edie. Ela pegou Roy pela coleira e olhou de volta para Nick. - Sim? O olhar dele invadiu o dela. - Aquilo não está garantido, você sabe. Aquilo? - O que não está garantido? - Que você vá se apaixonar. As pessoas escolhem se vão se apaixonar ou não. É sempre uma escolha. - É... - Sempre uma escolha - repetiu ele com firmeza, cortando-a. - Você só precisa escolher não se apaixonar. Edie abriu a boca para protestar, mas, mesmo ao fazê-lo, sabia que não adiantava. Se Nick acreditava naquilo, teriam de concordar em discordar. - Boa noite, Nick. - Boa noite, Edie. - Seu tom era um tanto zombeteiro. Um canto de sua boca se levantou ligeiramente. - Avise-me quando mudar de idéia. Na manhã seguinte, ele havia partido. Edie não ficou surpresa ao olhar pela janela e ver que o carro dele não estava mais lá. Era óbvio que Nick concluíra que se levá-la para a cama não fosse um bônus do trabalho de reforma para Mona, ele não queria se incomodar. De alguma forma perversa, ela pensou que talvez devesse se sentir, lisonjeada. Pelo menos aquilo significava que ele havia gostado da noite que passaram juntos em Mont Chamion. Mas estava claro que também queria dizer que ele via sua presença como nada mais que uma oportunidade de satisfação física. Talvez não fosse tão lisonjeiro, afinal. - Então ainda bem que eu disse o que disse - falou ela para Roy enquanto comia o cereal matinal. O cão levantou a cabeça e mostrou-lhe os dentes, em seguida olhou cheio de vontade para a torrada na qual ela passava manteiga. - Você já comeu bastante - disse Edie. - E não lhe dou comida na mesa. Mas tente convencer Roy disso. Ele ganiu baixinho e não mexeu ou piscou um olho enquanto o cereal ou a torrada duraram. Edie olhou para a carinha dele. Ele mostrou os dentes todo alegre, depois a acompanhou até a casa de Mona às 9h,

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quando ela foi trabalhar. Edie sabia no que ele estava pensando: sempre havia a chance de que ela parasse para um lanche durante a manhã. Roy não ia querer perder essa. Na cozinha, não havia sinal de que Nick havia comido antes de partir. Estava exatamente como Edie a deixara no dia anterior, como se ele nunca tivesse estado ali, como se tudo tivesse sido um sonho. Não fora um sonho. Talvez, no entanto, pensou Edie, tivesse sido um alerta. Talvez Mona tivesse razão. Agora que seus hormônios haviam sido despertados de novo, talvez fosse á hora de Edie parar de ficar em casa esperando o homem certo aparecer em sua vida. Depois do desastroso fim da relação com Kyle, ela não ficou em casa se lamentando. Retornou à faculdade, onde alguns meses depois; conheceu Ben. Ele fora o homem certo, de modo tão claro quanto Kyle fora o errado. Talvez á hora tivesse chegado novamente. Ela amara Ben, mas não queria passar o resto da vida sozinha. Ben também não iria querer. Portanto, se Nick Savas era o homem errado, cabia a ela encontrar o certo. Ele lhe havia feito um favor. Ela ficava repetindo isso a si mesma. Até tomou uma atitude. Quando Derek Saito, um professor de Inglês local, ligou naquela manhã para perguntar se Mona iria falar para a turma de teatro quando as aulas começariam Edie não apenas anotou a informação, mas prometeu conferir com a mãe e ligar de volta. Ela conversou com ele. Derek tinha a idade de Ronan. Ambos haviam sido colegas de turma no colégio. Foram parceiros de surfe e jogaram tênis juntos. Ele também fora amigo de Ben. E Edie se lembrava bem do quanto Derek havia sido gentil com ela após a morte de Ben. Agora, depois de ela o deixar a par do que Ronan andava fazendo, Derek perguntou sobre ela. - Estou bem - respondeu Edie. - Trabalhando muito. - Demais, eu arriscaria dizer. - Ele a conhecia bem. - Como sempre. Em outra ocasião Edie teria discordado. Mas dessa vez admitiu: - Você tem razão. Preciso sair mais. Houve uma pausa, como se Derek não esperasse aquilo. Porém, em seguida ele disse: - Então, quer sair comigo? - Depois de um rápido instante, emendou: - Eu não estou dando em cima de você, Edie. Não ainda - candidatou-se. - Ben era um grande amigo. Mas vai rolar um Show na faculdade sexta-feira à noite. Um pessoal das antigas. Uns grupos de rock dos anos 80. Nostalgia pura... Se você quiser. Parecia divertido. E Derek era um amigo. Ela duvidava de que ele viesse a ser mais do que isso, mas por que não ir? Para que ficar em casa? - Eu quero - aceitou Edie. - Vou sim. - Ótimo! - Uma súbita faísca de entusiasmo apareceu na voz de Derek. - Jantamos primeiro? - Eu posso cozinhar - ofereceu-a. - Não. Comemos um hambúrguer ou algo assim. Pego você às 18h. - Não seria melhor nos encontrarmos no restaurante? Você não iria querer vir até aqui. - Derek morava na cidade. A universidade ficava do outro lado, a quilômetros de distância,

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- Eu pego você. Será um prazer - respondeu ele. - Até lá. Porém, assim que desligou, Edie ficou sentada; um momento pensando: O que foi que eu fiz? - Nada - disse em voz alta com toda a firmeza que pôde reunir. - Você vai sair com um amigo. Vai viver. Mona vai ficar orgulhosa - acrescentou com ironia. Falando no diabo, Edie tinha algumas coisas a dizer à mãe. Então pegou o telefone de novo e tentou ligar para ela, Mais uma vez não obteve resposta. Já havia tentado duas vezes naquela manhã, assim que chegou ao escritório. Também não houvera resposta, então aparentemente Mona ainda se encontrava fora de área. Imaginou que Nick tivesse mandado um e-mail para Mona avisando que decidira não fazer a reforma. Bem feito, pensou Edie, pela intromissão. No entanto, uma parte dela se sentiu um pouco desolada porque a casa de adobe não seria recuperada. Voltar lá com Nick a havia feito recordar que outrora fora uma bela casa, que ela construíra inúmeras boas lembranças lá. Edie esperara construir mais com Ben, embora, para ser honesta, não tivesse certeza de que isso teria acontecido. Pensara que talvez, quando voltassem de Fiji, pudessem consertá-la e usar como casa de veraneio, ou talvez fossem morar perto de onde Ben trabalhava em algum lugar no meio da água. Agora nada disso iria mais acontecer. A vida é o que acontece enquanto você está planejando o futuro. Ela achava que tinha sido John Lennon quem dissera isso. Mas Mona havia dito isso também. Sua mãe vinha sendo uma fonte de sabedoria pensou Edie cruamente. Pelo menos ela havia feito um plano. Iria a um show com Derek na sexta. E naquela tarde iria finalizar o arquivamento que pretendera fazer no dia anterior, quando Nick Savas foi a "vida" que interrompeu seus planos. O telefone tocou. Edie atendeu: - Edie Daley. - Oi - respondeu uma rude voz masculina que ela jamais esperava voltar a ouvir, você pode me encontrar na casa de adobe com a sua chave? Tenho ferramentas e um monte de telhas para descarregar.

CAPÍTULO SEIS

Ela ainda era uma mulher perturbadoramente atraente, mesmo de pé ali, com as mãos nos quadris, observando-o entrar de ré com um caminhão na casa de adobe, abrindo e fechando a boca como um peixe. Nick acenou e sorriu alegre para ela pela janela aberta ao passar. - Obrigado. Se ela respondeu, ele não ouviu. Também não viu sua boca se mexer, mas estava concentrado em aproximar o caminhão da casa de adobe o máximo que pudesse. Quando 70

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conseguiu, desligou o motor e saltou. Edie continuava de pé no quintal. - O que está fazendo? - quis saber enquanto ele vinha em sua direção. - Vou começar pelo telhado. Enquanto estava na cidade, pensei em ver se conseguia o equipamento necessário. - Encolheu os ombros e esticou as mãos. - Consegui. Não conseguiu todas as telhas de que precisaria. Porém conseguiu todas as disponíveis no momento e encomendaram mais algumas. Quando chegassem, ele estaria pronto. Enquanto isso precisava terminar de arrancar o telhado antigo. - Você foi embora - acusou Edie. - Não. Fui à cidade. Precisava registrar licenças, arranjar materiais. - Ele deu o sorriso mais ensolarado. Ela continuava com as mãos na cintura. - Pensei que você tivesse mudado de idéia e ido embora. Nick considerara a hipótese. Metade da noite passara rondando a casa agitado ou dando voltas na droga da piscina para atenuar sua frustração e havia pensado em minimizar o prejuízo, fazer as malas e meter o pé na estrada. Deus sabia que ele tinha uma série de outros trabalhos dos quais poderia estar cuidando. Tinha compromissos alinhavados para os próximos dois anos. Ele teria de fazer um sério remanejamento de planos para encaixar o pequeno rancho de Mona neles. Essa era a razão por que ele havia ficado, disse a si mesmo. Tinha dito que o faria. Na verdade, porém, ainda não havia comunicado a Mona. Ela estava incomunicável em algum ponto nos confins do mundo, rodando um filme no Sudeste Asiático. Ela nem saberia que Nick mudara de idéia até ele ter partido. No entanto, ele não foi e não iria por causa da expressão no rosto de Edie enquanto andava pela casa na tarde anterior. Ele estivera examinando as paredes, o telhado, a fundação. Porém, mais que isso, ele estivera estudando Edie. O rosto dela era uma mistura de melancolia, saudades, felicidade e tristeza enquanto ela vagava pelos cômodos, passava os dedos pela carpintaria e olhava pelas janelas. Com certeza ele gastara bem menos tempo examinando a estrutura da casa e bem mais tempo observando Edie. E na noite anterior, após ela anunciar que "não ia dormir com ele", Nick decidiu que iria embora, mas se lembrou do olhar dela e não conseguiu ir. Em vez disso, desceu e ficou vagando pela casa de Mona olhando todas as fotos sobre o piano, nas prateleiras, nas paredes. Mona tinha uma coleção de pinturas e impressões finas de artistas conhecidos e não tão conhecidos assim. Porém, os quadros mais numerosos eram de longes fotos de família. Nenhuma delas mostrava Mona sozinha, eram todas dos filhos, dos maridos, o pai de Edie e os ex, inferiu Nick, ou da família reunida. Havia muitas de Edie. Na cozinha, havia retratos em forma de ímã na geladeira de todos os filhos, mas ele só deu atenção às dela. Numa delas, Edie brincava na piscina, jogando a cabeça para trás e rindo. Em outra, tinha os braços em volta dos ombros de dois meninos ruivos idênticos. Eram sardentos e desengonçados, mas tinham os olhos dela. Numa terceira foto, Edie estava sentada no pátio abraçando Roy. Ela sorria, mas a melancolia estava presente.

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Nick encontrou outras também. Observou todas. Edie menina montada num pônei com um garoto que devia ser seu irmão mais velho, Edie uniformizada para um jogo de vôlei no ensino médio, Edie e Rhiannon, Edie e outra menina que talvez também fosse irmã dela, mais algumas de Edie e os gêmeos. Edie e um rapaz bonito abraçado, com uma expressão de pura felicidade no rosto. Devia ser o marido dela. Nick quase não conseguia olhar para essa foto, sabendo o que sabia. Perguntou-se se Edie era capaz de olhar. Mas havia diversas, incluindo um retrato maior e mais formal que devia ter sido tirado no dia do casamento. Estava em lugar de destaque sobre o piano. Ela devia vê-lo todo santo dia. Ele não olhava para uma foto de Amy fazia anos. As fotos e a lembrança do rosto de Edie naquela tarde o fizeram ficar. Ela queria que a casa fosse recuperada. Ele podia lhe dar isso. Além disso, Nick não era de desistir fácil. Se Edie achava que podia simplesmente dizer não e deixar ambos infelizes bem, estava errada. Ele só iria embora quando lhe desse, vontade quando pudesse dar as costas e partir, e era o que ele iria fazer. Pois, como havia lhe dito, o amor é uma escolha. E ele havia escolhido uma vez. Não iria escolher de novo. Jamais. Mas isso não queria dizer que os dois não poderiam aproveitar o tempo que passassem juntos. Ele começou a descarregar as telhas. - Você podia me ajudar - sugeriu, lançando-lhe um olhar enviesado. - Ou não. Edie ficou parada por um longo momento, mas em seguida Nick ouviu seus passos se dirigindo para o caminhão. - Dez minutos - disse ela. - Depois tenho de voltar ao trabalho. Ele ia ficar? Ainda perplexa com a ligação de Nick, Edie o observou carregar um punhado de telhas até um ponto próximo à lateral da casa. Ainda sentia como se a respiração lhe houvesse sido roubada. Estava zonza, em pânico e perversamente extasiada. Ao mesmo tempo tentava não sentir nada. Sabia o que ele estava fazendo. Ele achava que ela estava blefando. Iria fazê-la provar que podia resistir a ele. Edie trincou os dentes, olhando-o furiosa pelas costas. Mas em seguida, depois de descarregar as telhas, Nick se endireitou, virou-se e olhou direto para ela, que voltou a se sentir zonza e pediu a Deus força para fazer o que dissera a si mesma e a ele ser necessário. Era necessário! Ela sabia por experiência própria. Sabia o quanto investira em relacionamentos. Sabia a dor que sua paixão não correspondida por Kyle havia lhe causado. Mesmo o fato de ter ido para a cama com Nick uma vez minara sua habilidade de não se envolver. Havia dito a si mesma que era capaz, mas no final, cedera. Não se apaixonara. Mas também não conseguira esquecê-lo. Agora, mais uma vez ela tentou imaginar ir para a cama com Nick enquanto ele permanecesse lá, depois sorrir e dizer adeus assim que a casa estivesse pronta. Ou antes, disso. Nada garantia que ele não se cansaria dela mais rápido do que levaria para terminar

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a reforma! Ele poderia dividir a cama com ela mais uma ou cinco vezes e então concluir que era hora de ir em frente, encontrar outra mulher. Nem teria de ostentá-la na frente de Edie. Poderia apenas encontrar uma nova parceira de cama. E ela ficaria sozinha, arrasada, com o coração partido. No fim das contas, Nick tinha razão, era simples. No entanto, estava errado também. Ele podia achar fácil escolher quando amar. Mas e ela? Mais uma vez a resposta era simples: não. Então Edie virou o rosto, recusando-se a permitir que o olhar se alongasse sobre o andar ágil, o corpo musculoso e esguio, o sorriso, o brilho nos olhos de Nick. Ajudou-o a transportar as telhas e tentou pensar em outra coisa. E quando o caminhão estava vazio, disse: - Tchau. - Au revoir - respondeu ele com bom humor. - Quer dizer que vou vê-la outra vez. - Eu sei o que isso quer dizer - retrucou Edie. Teve vontade de dizer: Não se eu o vir primeiro. - Venha, Roy. Mas Roy, para seu desespero, estava muito ocupado seguindo Nick, observando o que ele fazia, apanhando com desenvoltura o biscoito que vez ou outra ele jogava em sua direção. - Eu vi isso - acusou Edie. – Roy; vamos! Entretanto, Roy só tinha olhos para ele. - Ele é meu amigo - disse Nick, com um sorriso jocoso. - Porque você o está subornando - respondeu ela indignada. - Você não conhece o velho ditado "um cão se conquista pelo estômago"? Edie deu um olhar zangado para evitar começar a rir. - Certo. Fique com ele. Só não exagere - disse irritada. - E não o perca. - Não se preocupe. Nós dois voltaremos para o jantar - prometeu Nick. Edie resmungou, denunciando sua falta de entusiasmo com aquilo, e começou a subir o morro. - Vou comprar uma pizza - gritou ele. - De qual você gosta? Ela não respondeu. - Vou estar ocupada. - Ocupada evitando-o. Porém, se Nick entendeu o recado, ignorou-o: - Vejo você mais tarde. Ela tentou garantir que isso não acontecesse. Encerrou o trabalho cedo. Deu suas voltas na piscina cedo, de modo que já tivesse terminado quando ele voltasse. E estava no apartamento fazendo uma salada quando ouviu o carro dele. O único motivo por que ela olhou pela janela foi verificar se Roy estava com ele. Ao ver o grande cachorro negro, virou as costas. Portanto não estava preparada para a batida na porta. - Voltamos - anunciou Nick sem necessidade. Trazia uma caixa de pizza na mão. Ela não o convidou para entrar. Aparentemente não era preciso. Ele entrou assim como Roy, sem ser chamado. Só que, enquanto o cão foi direto para o prato de comida, Nick parou para olhar o sofá e a cadeira super estofados, as prateleiras de livros em estilo

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artesanal e a mesa da biblioteca que se desdobrava em mesa de jantar. Ele fez um sinal de aprovação. - Ótimo lugar. Combina com você. - Viu o gato no parapeito. - Quem é ele? - Gerald - apresentou Edie. - O que veio fazer aqui? Eu não o convidei - disse incisiva. - Não, eu a convidei - concordou Nick. - Para uma pizza - lembrou-lhe quando ela pareceu não entender. - Eu disse que estava ocupada. Ele olhou em volta e constatou que ela não estava fazendo absolutamente nada, a não ser cortar algumas folhas para a salada. - É, estou vendo. O ar passou sibilando por entre os dentes de Edie. - Não quero jantar com você. - Porque você vai se apaixonar por mim. - Ele fez uma pausa, em seguida o sorriso ao rosto. - Ou eu estou sendo tão insolente que você não consegue me agüentar? - Está chegando perto - respondeu ela, determinada a não sorrir. Nick deu de ombros sem se alterar. - Bem, se você não quer compartilhar a pizza comigo... - Balançou a caixa a uma distância suficiente para que ela sentisse o cheiro de lingüiça e outros aromas que davam água na boca enquanto se dirigia à porta. O estômago de Edie roncou. - Ah, está bem. Sente-se - estourou ela. Ele sorriu radiante. - Vou me sentar. Primeiro preciso me limpar um pouco. Cuide disto enquanto eu tomo uma chuveirada rápida. - Jogou a caixa de pizza nas mãos dela. - Não coma tudo antes de eu voltar. - Desceu as escadas sem pressa, rumo à casa de Mona. Ela colocou a pizza no forno e o ligou na potência baixa para mantê-la aquecida. Depois terminou de preparar a salada, agora adicionando ingredientes para Nick também, e arrumou a mesa para dois. Roy fez uma cara de pidão. Gerald se aproximou para ver se havia algo para ele. Edie deu comida a ambos. Então lhes disse com ar severo: - E chega. Nada de ficar sentados nos observando com cara de "quero mais". - Não, eu que vou fazer isso. Ela se virou de repente e viu Nick parado à porta. Ele lançou um olhar inegável de "quero mais", temperou-o com um sorriso e seus olhos passearam pela imagem de Edie, dando a ela a plena consciência do que ele esperava. Ela blindou o coração e os hormônios. - Não comece - disse com firmeza. Ele deu de ombros. - Tudo bem - respondeu com tranqüilidade, baixando o olhar de "quero mais" e se dirigindo à mesa com a mesma determinação que Roy e Gerald haviam demonstrado. Estou morrendo de fome - continuou, botando uma fatia de pizza no prato de Edie e outra no dele. Depois lhe serviu um pouco de salada e pôs mais um pouco para si. - Parece ótima. Estava mesmo. E ela estava com fome. Então comeu. Nos primeiros minutos o silêncio prevaleceu, já que ambos estavam concentrados na refeição. Até o momento em que Edie havia comido o bastante para se fixar bem mais no homem do que na comida que ele trouxera.

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Quando Nick terminou a quarta fatia de pizza, reclinou-se na cadeira e suspirou: - Arrancar telhado dá um tremendo apetite. Edie notara que ele já havia começado quando pediu que ela lhe trouxesse a chave. Então estendeu a mão para a bancada, pegou a chave e a entregou a ele. - É melhor você ficar com ela. Assim não vai ter de ficar me ligando. Ele retorceu a boca, mas pegou a chave, pondo-a no bolso do short de sarja. - Obrigado. Seus olhares voltaram a se cruzar. Os olhos escuros de Nick a contemplaram com afeto. Esboçou um discreto sorriso. Edie se levantou de repente e levou o prato até a pia. - Obrigada pela pizza - disse, abrindo a torneira para lavar a louça. - Obrigado pela salada - respondeu ele, igualmente educado. Aproximou-se por trás dela, deixou o prato sobre a bancada. Ficou tão perto que Edie pôde sentir o calor de seu corpo. Ela adicionou detergente à água, em seguida começou a empilhar os pratos, o tempo todo ciente da presença dele atrás de si. Da mesma forma, percebeu quando ele se afastou. Respirou novamente. - Tenho um planejamento a fazer - anunciou Nick. - Portanto, é hora de dar boanoite. Edie olhou por sobre o ombro, surpresa. Nick deu de ombros. - Ou você tem uma idéia melhor? - Havia uma ponta de esperança mais uma vez. Ela balançou a cabeça. - Não. Não. Eu... Boa noite. Era o que tinha de fazer, assegurou Edie a si mesma quando a porta se fechou e ela ouviu os passos de Nick descendo os degraus. Era mais seguro muito mais seguro assim. Nick terminou de arrancar o telhado na manhã seguinte. No outro dia limpou e ordenou as telhas. Fazia tempo que ele não trabalhava num telhado como aquele. Juntar telhas novas e velhas era uma tarefa traiçoeira. Queria executá-la com calma. E queria que Edie voltasse. Ela não dava as caras desde o primeiro dia. Nick mal a vira, exceto na hora do jantar. De alguma forma davam um jeito de comer juntos toda noite. Ou ela cozinhava e aparentemente se sentia obrigada a lhe oferecer comida - "a hospitalidade de Mona é lendária", dissera, deixando claro que as refeições eram uma extensão desse lema ou ele ia à cidade e comprava comida para viagem. Porém, fora os jantares, ele não a vira. Ela não havia ido à casa de adobe uma vez sequer. Bem, não, isso não era verdade. Ela com certeza; estava lá em espírito, na cabeça de Nick, mesmo que não tivesse posto o pé no local. Na sexta-feira, enquanto removia a última viga podre do alpendre frontal antes de instalar a nova à tarde, ele pôde olhar pelo nível do telhado e ver o balanço enferrujado próximo às árvores. Edie não passara perto dele ao lhe mostrar a casa, mas Nick sabia que ela devia ter brincado ali quando criança. Não era preciso muita imaginação para enxergá-la balançando ate o alto, as pernas curtas se sacudindo, frenéticas os longos cabelos escuros voando para trás. Nick sorriu ao

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vê-la em sua mente porque sabia exatamente como ela era. A menininha de cabelos negros que Edie um dia fora adornava meia dúzia de fotos no andar superior da casa de Mona. Mais tarde, quando almoçava na cozinha, sentado à mesa bamba, pensou nela fazendo suas refeições ali com a família. Era intrigante imaginar Mona Tremayne fazendo comida naquela cozinha, vê-la não como uma mega estrela, mas como uma jovem esposa e mãe. Porém, o mais intrigante era pensar em Edie na infância. Enquanto o sol derramava seus raios através das janelas sujas, criando formas no chão empoeirado, Nick tentou imaginá-la brincando ali com o irmão. Tinha certeza de que ela fazia isso. Vira a expressão oscilante em seu rosto quando ela o trouxe até a casa de adobe. Ele se sentiu curioso quanto àquelas lembranças. Em geral, quando pensava nos antigos ocupantes da construção que estava restaurando, eles eram figuras históricas distantes. Não era a mulher com que ele comera pizza na terça e bolo de carne na noite anterior, a mulher com quem fizera amor em Mont Chamion, a mulher íntegra e de língua afiada que se derretera em seus braços, a mulher que ele não conseguia deixar de querer levar de volta para a cama. Porém, quando ele examinou a fileira vertical de pequenas marcas de tinta que subiam a parede próxima à porta dos fundos, letras "R" azul-escuras para seu irmão Ronan e letras "E" vermelho-claras para Edie, mais uma vez ela se tornou a menininha de cabelos escuros que fora quando morou ali. Nick apostou que ela se esticava toda quando o pai a media. Se fechasse os olhos, ele poderia vê-los agora na mente. No hall havia uma foto de Edie com o pai. Ela estava sentada na escada do alpendre frontal da casa, recostada sob o braço dele. A cabeça dela estava virada de forma que, em vez de olhar para a câmera, ela o fitava como se ele fosse á pessoa mais incrível do mundo. A recordação fez Nick sorrir até se dar conta de que, um ano após aquela foto, Joe Tremayne morreu num acidente, e a vida de Edie mudou de forma irreversível. Era de admirar ela ter alguma vontade de regressar a casa. Um estalido no assoalho trouxe Nick de volta ao presente, e ele se virou para ver Roy entrar, vindo do piso empoeirado da sala. Ele ficou animado e olhou para cima, esperando ansiando, enfim ver Edie. Mas não havia ninguém. - Onde ela está? - perguntou ele ao cachorro. Sem surpresas, Roy não respondeu. Estava mais interessado no que restara do sanduíche de Nick, e ganiu pidão. Nick lhe deu as cascas do pão, se levantou e saiu para procurá-la. - Edie? No entanto, ninguém respondeu. Chamou o nome dela de novo. Nada. A não ser Roy, que, tendo engolido as cascas de uma vez só, também saiu e ficou no alpendre abanando o rabo. - Você não veio sem ela, veio? Mas aparentemente viera. Esperança perdida. Nick suspirou e afagou a nuca do cachorro, massageando tendões retesados.

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- Bem - disse, - sinta-se em casa. Preciso trabalhar. Se um dia Mona voltasse à civilização, pensou Edie irritada, ficaria atônita com todo o trabalho que a empresária dela havia realizado enquanto ela estava fora de contato. Edie sempre trabalhava duro. Mas trabalhar o dia todo e boa parte da noite, determinada e recusando-se a se permitir pensar em Nick Savas, tinha um efeito extraordinário sobre seu desempenho. Mesmo nos casos em que, anteriormente, havia meia dúzia de telefonemas esperando retorno dela quando começasse a trabalhar pela manhã, porque havia gente de todo ô mundo envolvida com Mona, agora Edie quase sempre atendia a qualquer hora da noite. Por que não? Ela não conseguia dormir. E falar sobre fosse o que quisessem falar era de longe mais seguro do que se deitar na cama, se virando de um lado para o outro e pensando no homem que dormia na casa de Mona, o homem que poderia estar na sua cama se ela simplesmente permitisse. Mas ela não permitiria. Não podia. No entanto, pensava nele. Não conseguia evitar. Ansiava pelos jantares todas as noites. Parecia inevitável também. Todo o dia ficava aflita para saber o que ele fizera na casa. - Você devia ir ver - dizia ele todas as noites. Porém, ela sempre declinava. - Tenho muito que fazer - respondia. Mas ficava curiosa. Ele também. Enquanto ela perguntava sobre o trabalho dele, todas as noites ele fazia perguntas sobre os anos que ela vivera ali. Qual fora seu quarto? Quando puseram o balanço? Fora presente de aniversário de quem? Como eles celebravam o Natal quando moravam na casa? A princípio Edie relutava em responder. Durante anos trancara as lembranças porque parecera mais seguro assim. Porém, diante do questionamento gentil de Nick, ela se viu falando mais, lembrando-se mais e encontrando alegria na enxurrada de recordações que guardara no coração. Por que não havia feito isso antes? Porque mencionar seu pai sempre causara dor à sua mãe. Ronan também se esquivava de mencionar Joe. Mas Ronan se esquivava de falar de qualquer coisa. E ninguém mais compartilhava essas lembranças. Ninguém jamais havia perguntado. Nem mesmo Ben, percebeu Edie. Ele não sondava, não queria deixá-la triste. E Ben sempre estava ocupado pensando no futuro. Porém, Nick perguntou. E Edie falou. Quando protestava por estar falando muito de si mesma e que era a vez dele, Nick compensava com histórias sobre sua própria infância, sobre verões em Long Island, ele e o irmão Ari com os primos Savas, especialmente Demetrios, que tinha sua idade, e George, que tinha a idade de Ari. - Éramos crianças levadas e malucas - contou ele. - Se havia uma confusão onde nos metermos, nós a encontrávamos. Contou-lhe histórias que a fizeram rir e lhe mostrou cicatrizes que a fizeram

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estremecer. E ela percebeu que não ir para a cama com Nick não a impedia de se apaixonar um pouco mais a cada noite em que comiam juntos. Os jantares duravam cada vez mais, e cada vez ficava mais difícil Edie se despedir e dizer que precisava voltar ao trabalho. Mas ela o fazia. Era necessário. Era tudo o que podia fazer para se preservar. Na sexta-feira, porém, viu que fora muito bom ter aceitado sair com Derek naquela noite. No meio da tarde, depois de receber quatro telefonemas estressantes em seqüência e perder mais uma hora tentando, de maneira infrutífera, contatar Mona para falar sobre um script, Edie decidiu fazer um intervalo, voltar para o apartamento e pensar no que iria vestir. - Vamos - disse, virando-se para olhar para o cachorro ao desligar o telefone, frustrada por ainda não conseguir localizar Mona. - Vamos sair daqui. Foi aí que percebeu que Roy não estava ali. - Roy? Levantou-se de sua mesa e foi até a cozinha. Às vezes, quando estava calor, ele ficava deitado nos ladrilhos frios. Mas não naquele dia. - Roy? Voltou ao escritório, abriu a porta que dava para o pátio e chamou pelo cachorro outra vez. Desde que ela o adotara em um abrigo de animais, pouco depois de voltar aos Estados Unidos após a morte de Ben, Roy era sua sombra. Se ela estivesse no escritório, lá estava ele ao lado da cadeira. Se estivesse deitada numa espreguiçadeira sob o pavilhão fazendo notas num script, ele sempre estava lá. Se estivesse na piscina, Roy estava deitado próximo à borda, com um olho aberto, observando-a. Se estivesse comendo uma salada no almoço, ele estava esparramado no chão da cozinha com um ar pidão, embora salada decididamente não fosse o prato favorito dele. Edie tentou se lembrar da última vez em que o vira. Fora no almoço, pensou. Ele não ficara muito encantado quando ela começou a picotar as folhas. Será que tinha voltado para o escritório? Ele conseguia empurrar a porta para sair, mas raramente o fazia, só deixava Edie se Clara estivesse lá fazendo a limpeza ou se os netos dela estivessem na piscina. Roy era um animal social. Gostava de estar com as pessoas, e Edie era a única por perto. A não ser que... - Não - disse ela em voz alta. - Roy, você não fez isso. Sinceramente, não acreditava que ele houvesse percorrido todo o trajeto até a casa de adobe para ver Nick. Por que ele faria isso? Mas se não estava lá, onde estaria? Teria lhe acontecido algo? Meu Deus, por favor, não. Mesmo ao pensar nisso, as palavras formaram um nó na garganta de Edie, trazendo de volta a lembrança do desaparecimento de Ben. Racionalmente ela sabia que não era a mesma coisa, Roy era um cão no próprio

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território. Não um homem num barquinho no mar turbulento. Roy era apto e competente. Porém, coisas ruins aconteciam mesmo aos aptos e competentes. Ben era as, duas coisas. E também era um hábil navegador. Apenas estava no lugar errado na hora errada. No ensino médio, uma amiga de Edie, Kelly, perdera o cachorro, picado por uma cascavel. Não era comum, mas certamente acontecia. E sem aviso. Edie sabia que nada poderia ter feito para salvar Ben. Mas se algo tivesse acontecido a Roy... Ele não estava na piscina. Não havia ido para a arena de rodeio. Não estava em lugar algum da casa ou da cocheira. Não havia mais aonde ir senão à casa de adobe. Ficava a cerca de 800m de distância. Ela não acreditava que ele tivesse ido tão longe. Mas precisava verificar. Talvez pelo menos Nick o tivesse visto. - Roy! - chamou-o várias vezes enquanto se dirigia para lá. A primeira resposta veio quando ela ainda não havia chegado ao alto do morro. Ainda não podia ver a casa. A voz que gritou de volta era alta o bastante para ela ouvir, mas ofegante. Apenas duas palavras: - Está aqui. - Ah, graças a Deus - disse ela em voz alta enquanto subia apressada. Ficou eufórica; ao ver Roy no quintal em frente á casa, balançando o rabo alegremente, e horrorizada ao ver Nick, sem camisa, no meio de uma escada, carregando uma enorme e pesada viga no ombro, tentando subir. Uma ponta já estava no lugar, o que por si só já devia ter sido um sacrifício. A outra, no entanto, precisava ser erguida e colocada no lado oposto do alpendre. Enquanto ela observava, a escada parecia balançar. - Espere! No momento em que gritou, Edie achou ter cometido um erro, que podia tê-lo assustado e feito soltar a viga, cair e ser atingido por ela. Felizmente isso não aconteceu. Ele parou e levantou a cabeça para olhar morro acima na direção de Edie. Ela já estava engatinhando e escorregando para baixo. Roy, esfuziante ao vê-la, começou a latir e a pular de alegria. - Não! Roy pare! - Ela já o imaginava esbarrando na escada e mandando Nick pelos ares. Uma vez na vida, Roy lhe deu ouvidos. Parou diante dos degraus quebrados e se contorceu, balançando o rabo freneticamente quando Edie alcançou o quintal e olhou com cara de zangada para o homem na escada. - Que diabo está fazendo? Você pode acabar se matando! - Já fiz isso antes. - A voz de Nick ainda estava ofegante, sem dúvida devido ao peso que carregara. Edie pôde ver o suor escorrendo pelos lados do rosto dele e deixando um rastro na poeira das costas nuas. - E aparentemente sobreviveu para contar a história. Mas isso não lhe dá razão. Você precisa de ajuda. - Está se voluntariando?

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- Estou. - Ela passou esbarrando em Roy e segurou a escada, postando-se atrás de Nick, fixando as mãos nos lados para dar sustentação enquanto ele subia. Assustado, Nick olhou para ela. - Saia daí. Você está bem na linha de fogo se eu deixar isso cair. - Então é melhor não deixar cair. - Edie permaneceu bem onde estava; com o nariz na parte de trás dos joelhos de Nick, cobertos pelo brim da calça. - Edie! - Nick! - a retrucou, ainda imóvel. - Que droga - murmurou ele por entre os dentes. Mas, ainda assim, ao não se mover nem afrouxar as mãos, Edie viu as pernas de a calça mudar de posição conforme ele contraía os músculos e subia mais um degrau. A escada tremeu. Ela a agarrou com toda a força que pôde. Agora podia examinar as manchas e as marcas de arranhão nas botas protetoras de Nick. Lá em cima, ele respirou de forma ruidosa. - Você é um idiota - disse-lhe Edie descontraída, mais para manter a cabeça ocupada, pensando na situação como um todo, em vez de no que aconteceria se a viga ou ele escorregassem. - Você... - ele subiu outro degrau - também. As botas saíram da linha de visão de Edie. Ela teria de olhar para cima se quisesse vêlo. Foi o que fez. A visão era espetacular tirando a viga, que era absolutamente assustadora. Ela queria olhar para longe e ao mesmo tempo estava hipnotizada. Ele começava a se apoiar do outro lado do corpo, tirando a viga do ombro e colocando-a no lugar. Enquanto o fazia, a escada balançou. Edie a segurou com os dedos trêmulos, a respiração presa na garganta. Então Nick anunciou: - Consegui. E, com a atitude consagrada de qualquer escalador de escadas, desceu de volta antes que ela pudesse soltar os dedos das hastes. Ali Edie ficou a mão enrolada na escada, os joelhos fraquejando de alívio, o nariz pressionado contra a parte de trás do pescoço de Nick, os braços o envolvendo. Exatamente onde queria estar. Ficou tão assombrada que nem sequer recuou. Apenas se ateve. Pressionou a escada com furor e inalou o cheiro de suor, sujeira e algo que era parte tão essencial de Nick. Por um momento ele também não se mexeu. Ficou completamente imóvel nos braços dela, tão tenso quanto ela estava relaxada. Edie podia ver sua tensão no tremor dos músculos das costas. Então á cabeça pendeu quando ele repousou a testa sobre um dos degraus e respirou profunda e agitadamente. O movimento encurtou os milímetros de distância entre os lábios de Edie e a pele dura e úmida das costas de Nick. Ela a beijou. Tinha gosto de sal. Tinha gosto de Nick. Foi inevitável. Foi num piscar de olhos. Só isso. Porém, ao seu toque, ele se virou. - Pelo amor de Deus, Edie! Logo depois a estava beijando de volta. Sem experimentar. Estava determinado a

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devorá-la. Envolveu-a com força nos braços e sua boca encontrou a dela com uma fome voraz. - Sim - exclamou exultante. - Sim! Eu sabia. Eu lhe disse. Recuou para olhá-la, os olhos brilhando, triunfante. Edie se agarrou aos cacos da própria sanidade e balançou a cabeça. - Não. Dedos fortes apertaram-lhe os braços. - Como assim, não? Você me beijou! Ela não iria negar. - O pescoço - disse. - Só isso. - É o suficiente - replicou ele. Em seguida consertou: - Não, não é. Nem de longe. Mas você não pode alegar que não me quer. - Eu nunca disse isso - aceitou ela. - Eu... Queria você - admitiu. Devia isso a ele. - Quer - corrigiu Nick com firmeza, como se a desafiasse a contestar. - Você me quer. Edie apertou os lábios. - Sim - reconheceu. - Quero. Mas eu lhe disse: quero mais do que aquilo. - A voz dela baixou: - E você não. - Os olhos de ambos se cruzaram e ela o fitou de um modo que o desafiava a discutir. Ele trincou os dentes. Um músculo em seu maxilar estalou. Ela baixou o olhar para observar o sobe e desce constante de seu tórax rijo e bronzeado. Em seguida voltou a erguer os olhos devagar. Nick os encarou diretamente. Não disse uma palavra. Seu silêncio dizia tudo. Em algum lugar nas copas das árvores Edie pôde ouvir os pássaros cantando. A uma longa distância o som tênue de uma motocicleta quebrou o silêncio. À altura de seus joelhos, Roy arfava. Ela deu um passo para trás, respirou fundo e expirou lentamente. - Preciso ir. Os ombros de Nick relaxaram um pouco. Suas mãos, antes cerradas em punhos, se abriram e ficaram dependuradas. Seus olhos escuros a acusaram. Ela havia tomado uma atitude. Havia mudado de idéia, eles pareciam dizer. Não tinha. Apenas desejou que tivesse.

CAPÍTULO SETE

Uma coisa era ir e outra era ir. Quando Edie disse. "Preciso ir", Nick presumiu que ela quis dizer voltar para a casa, voltar para a segurança de sua rotina de trabalho, onde poderia fingir que o desejo que acabara de explodir entre eles pudesse retroceder a um fogo baixo que ela achava confortável ignorar. Não percebeu que ela queria dizer ir embora! Porém, quando ele voltou a casa naquela tarde, ainda fumegando, ainda excitado, de 81

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uma vez por todas determinado a confrontá-la, dizer que ela podia muito bem parar de dizer uma coisa enquanto seu corpo queria outra, Edie não estava lá. Roy estava na casa, esperando. Assim como uma mensagem na bancada da cozinha: Vou sair à noite. Lasanha na geladeira. Dei comida a Roy. Ela nem se preocupara em assinar. Uma lufada de ar cheia de raiva passou por entre os dentes de Nick. Ele não comeu a droga da lasanha. Era noite de sexta-feira. Ele não iria passá-la ao lado de um cachorro. Tomou um banho, então foi à cidade atrás de uma boa refeição e de uma companhia. Uma mulher. Alguém para afastar sua mente de Edie Daley. Se ela não ia dividir a cama com ele, Nick estava disposto a apostar que era capaz de encontrar uma mulher que o fizesse. Não teve problema algum para achar uma ótima refeição. Santa Bárbara tinha sua cota de bons restaurantes. E depois conheceu várias moças num bar de jogos bem próximo à State Street. Eram todas muito tagarelas e risonhas ou muito desarrumadas e atiradas. Os cabelos eram muito curtos ou muito louros. Eram muito altas, a não ser que fossem muito baixas. Nenhuma provocou a menor agitação nos hormônios dele. Tomou uma cerveja, conversou um pouco com o barman e viu um pouco de um jogo de beisebol. Depois, sentindo-se pior do que nunca, voltou para a casa de Mona. Sozinho. Roy ficou extasiado. Balançou ô rabo enlouquecida mente, batendo a cabeça na batata das pernas de Nick, seguindo-o até a sala. Para Nick isso significou que ela ainda não voltara. Se houvesse, teria chamado por Roy. Já passava das 23h. Ainda não eram altas horas da noite, mas onde diabos ela estava? Vagou pelo andar de baixo, o cão em seus calcanhares. Durante a noite toda ele não se permitira imaginar onde ela havia ido. Era problema dela. Não dele. Ele não se importava. Toda vez que seus pensamentos se enveredaram na direção dela, ele os desviara ou os sufocara. Era fácil enquanto assistia ao jogo. Mas não tão simples quando era assolado pelas infinitas deficiências de mulheres que não eram Edie. Menos ainda agora que eram quase 23h30 e ela não havia chegado. Estaria ela esperando que ele passasse a noite toda sendo babá de cachorro? Nick enfiou as mãos nos bolsos de sua calça jeans e olhou furioso pelas janelas francesas para o azul-turquesa da piscina que brilhava em meio à escuridão do jardim. Teve um sobressalto quando o celular vibrou em sua mão. Surpreso, puxou-o do bolso para ver que número estava ligando. Não o reconheceu. Sentiu o coração palpitar ao abrir o telefone. - Savas. Onde diabos você está? - Tailândia. Onde diabos você está? - Mona? Era ela, claro. Ninguém mais, nem mesmo Edie, tinha aquela voz tórrida, sensual e imediatamente reconhecível. - Onde você está? - perguntou ela novamente. - Em Santa Bárbara? Trabalhando na casa? Onde está Edie? - As perguntas eram velozes e furiosas.

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Nick massageou a nuca. - Sim, estou em Santa Bárbara - respondeu com impaciência. - Sim, estou trabalhando na casa. E não sei onde Edie está. - Como não? - Não sou guarda-costas dela - disparou ele. - Não? - perguntou Mona com inflexão suficiente para deixá-lo, com a nuca toda arrepiada. – Não - retrucou-o com rispidez. - Como quiser querido - ignorou Mona. - Mas você a viu? Ela estava aí? - Ela estava hoje à tarde - respondeu Nick de forma rude. - Ah. - Uma sílaba. Não era de admirar que ela fosse atriz. Era capaz de dar um enorme significado a duas letras. Nick não replicou. Aonde quer que ela esteja levando a conversa, ele não estava disposto a segui-la. - Aconteceu alguma coisa? - Depois das perguntas iniciais velozes e furiosas, Mona agora parecia preocupada. Nick curvou os ombros, massageou a nuca, lembrou que os lábios de Edie o haviam tocado ali e abaixou a mão de repente. - Aconteceu? Não, claro que não. O que quer que haja ou não acontecido não era da conta dela. - Bem, ela não está atendendo ao telefone - disse Mona, claramente ofendida. - Edie sempre atende. - Isso é ridículo. É quase meia-noite aqui - lembrou-lhe Nick. - Ela precisa de um descanso. Talvez esteja dormindo. - Ela ouviria o telefone. Ou ela tem vida, Nick pretendeu insistir na questão, mas não o fez. Em vez disso, sugeriu: - Talvez não tenha querido atender. Mona descartou a idéia com um mero pffft. - Preciso falar com ela. Diga-lhe que preciso falar com ela. - Vou dizer. - Diga para ela me ligar. - Então Mona desligou. No silêncio que sobreveio, Nick ficou olhando carrancudo para o telefone, sem saber com quem estava mais irritado se com Edie ou com a mãe. Ou consigo mesmo, por não ter aceitado um convite de uma das mulheres risonhas demais, atiradas demais, louras demais, baixas demais ou altas demais que conhecera naquela noite. Derek Saito era um bom rapaz. Era engraçado, charmoso e mais bonito do que Edie se lembrava. Havia crescido, encorpado e desenvolvido um senso de humor agradável e sarcástico desde que ela e Ben andavam com ele nos tempos de faculdade. Dava aulas de Inglês para o ensino médio, assegurou-lhe que não estava comprometido, coração livre e era evidente que estava interessado nela. De forma igualmente evidente, Derek era o tipo de homem estável no qual ela deveria estar interessada se estivesse levando a sério a hipótese de um relacionamento.

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Mas não estava interessada, quer dizer. Não em Derek. Era como se os hormônios que estiveram totalmente despertos e loucos para se entregar quando ela estava nos braços de Nick naquela tarde tivessem tomado um sonífero assim que Derek foi buscá-la em seu apartamento. Não apenas os hormônios. O cérebro também. Foram jantar antes do show e, por mais que ela tentasse acompanhar a conversa de Derek, sua mente voltava a todo o momento para o outro homem, aquele que sairia de sua vida muito em breve, o homem que havia deixado claro que sua intenção era levá-la para a cama e nada mais. Tentou se concentrar, ficar alerta fazer perguntas apropriadas. Mas viu que tinha estragado tudo quando Derek, contando-lhe a respeito de uma produção teatral de verão no colégio, perguntou se ela a havia lido. Edie perguntou: - Quem é o autor? - Romeu e Julieta? - O sorriso magoado no rosto de Derek ficou para sempre em sua mente. Ou, se não ficou, deveria. Ela ficou vermelha. - Desculpe. Desculpe. Eu ando no mundo da lua. Eu... - sacudiu a cabeça - eu não tenho dormido bem. Até aí nenhuma mentira. A expressão de Derek se amenizou e ele meneou a cabeça, compreensivo. - Eu sei que ainda é difícil - disse, estendendo o braço sobre a mesa para lhe dar uma leve batidinha ria mão. - Estou feliz por você ter vindo comigo esta noite. - Também estou - retribuiu Edie com fervor, embora certamente não pelas mesmas razões. - Que cenas estão fazendo? - perguntou, e conseguiu não cometer mais nenhuma gafe tão terrível o resto da noite. O show foi alto e estridente, mas teve bastante beach e surfmuic, bem como outros estilos recentes mais barulhentos, o que significou que todo o público se divertiu. Edie também. No entanto, não pôde deixar de se perguntar de que tipo de música Nick gostava. Nunca haviam falado sobre música. E nunca falariam porque, depois daquele dia, ela ficaria afastada dele por completo até a casa ficar pronta. Ou quem sabe dessa vez, pensou enquanto Derek deixava a sinuosa estrada e adentrava a propriedade, quando chegasse a casa, ele teria de fato ido embora. A noite estava escura, com pouco menos que uma meia-lua a lançar luz prateada por entre as sombras profundas quando eles subiram a pista curvilínea através do bosque de eucaliptos. À frente, além dos troncos das árvores, enquanto subia a colina, Edie pôde ver luzes na casa de Mona. Pegou a bolsa no chão do carro e ensaiou seu melhor agradecimento de moça bem-educada pela agradável noite enquanto Derek fazia a última curva. O carro de Nick estava estacionado em frente à garagem. A visão fez o coração de Edie dar uma total e indesejável pirueta. Deliberadamente ela voltou á atenção para Derek. - Foi ótimo. Ele desligou o motor e se virou para ela, sorrindo também.

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- Foi mesmo. Estou feliz. Ela não podia ver os olhos dele, mas detectou uma afabilidade verdadeira em sua voz, e talvez uma ponta de remorso. - Foi tão bom vê-lo de novo. E a comida estava maravilhosa. Derek assentiu com a cabeça. - O melhor lugar da cidade para comer tacos de peixe. - Seu sorriso brilhou ao luar. Não deixe ninguém lhe contar que eu não sei divertir uma garota. - Mas foi divertido, Derek. - Ela pôs a mão na maçaneta. - Obrigada. Ele também saltou. Ela sabia que ele faria isso. Não sabia como impedir. Esperou que ele não ficasse ofendido com um mero beijinho de boa-noite. Mantendo um sorriso no rosto, Edie se dirigiu para a cocheira e, detendo-se à beira da escada, virou-se. - Obrigada mais uma vez, Derek. Ele sorriu uma espécie de meio-sorriso, compreensivo. - O prazer foi meu. Por um momento Edie pensou que não teria de beijá-lo. Porém, quando Derek se inclinou, ela viu que não poderia virar a cabeça. Foi apenas um leve toque. Nada mais. Seus hormônios nem sequer perceberam. - Vou perguntar à minha mãe se ela pode ir falar com a sua turma no outono prometeu. - Mas não sei quando voltarei a falar com ela. Parece que ela não tem podido atender ao telefone. - Agora pode - disse uma voz rude e totalmente inesperada. Edie deu um pulo e girou o corpo enquanto Nick caminhava na direção deles em meio à escuridão. - Ela pediu que você ligasse para ela. Ainda hoje. Edie não sabia como ele conseguira, mas de alguma forma Nick estava entre ela e Derek, agigantando-se como um pai controlador cuja filha houvesse perdido o toque de recolher. - Este é Nick Savas - apresentou-o a Derek. - Ele está trabalhando na restauração da velha casa de adobe. Para a minha mãe - enfatizou, embora não soubesse ao certo para quem queria mandar o recado. Derek ou Nick. - Ela queria saber onde você estava - continuou Nick como se ela não tivesse dito nada. - Com quem você havia saído. - Seu tom deixou claro que ele não estava muito impressionado com Derek. - Obrigada - retrucou Edie. Não se preocupou em apresentar Derek. Era evidente que Nick não estava com humor para ouvir. - Foi muita gentileza sua ficar acordado e me dar o recado... - Não, eu não estava dormindo - respondeu ele com uma voz arrastada. - Eu saí. Fui à cidade. Também acabei de chegar. - Deu-lhe um sorriso duro. Ela entendeu a indireta. Com certeza ele não havia desperdiçado tempo. Derek, que assistia ao diálogo como se eles estivessem na quadra central de Wimbledon, tomou a palavra: - Bem, vamos deixar você dormir - disse de maneira tranqüila a Nick. Edie olhou para ele surpresa e sem admiração alguma pela disposição em enfrentar o papel de pit buli protegendo o osso que Nick representava.

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Então os dentes de Nick se juntaram com um estalo. Seu corpo inteiro pareceu quase vibrar de tensão. Edie pensou que, por mais interessante que fosse ver dois homens tentando demarcar território, não gostaria muito de ser o "território" em questão. E não queria que Derek fosse chutado dali. Então lhe disse: - Acho que vou ligar para ela agora. Que tal se eu ligar para você amanhã de manhã e lhe der uma resposta? Ele pareceu hesitar por um momento, mas em seguida concordou: - Eu agradeço. - Seus olhos escuros detiveram os dela e ele a fitou de modo demorado e questionador, como se estivesse reavaliando tudo o que pensara mais cedo. Talvez o fizesse. Depois olhou para Nick. - Sou amigo de Edie. E do marido dela - acrescentou, estabelecendo seu direito de ser protetor. O ar pareceu zumbir entre os dois. Então aparentemente Derek sentiu que havia se feito claro. Virou-se e voltou para o carro. Edie ficou bem onde estava até ele entrar no veículo, ligá-lo e dar a partida. Nick ficou ao lado dela como uma sentinela. Ela teve uma vontade imensa de lhe dar um chute. - Você podia ter esperado - resmungou por entre os dentes. Nick deu de ombros. - Você podia ter dito aonde ia. Não olharam um para o outro, ficaram os dois no escuro, sobre o chão de cascalho, observando o carro de Derek descer a colina e fazer a curva até os faróis traseiros não mais poderem ser vistos. Só aí Edie se afastou apressada rumo à casa de Mona para buscar Roy. - Não imaginei que você estivesse interessado em saber - soltou por sobre o ombro. - A sua mãe estava. A mãe dela estava. Ele não. Era isso que importava, e só. - Vou ligar para ela - anunciou Edie, abrindo a porta para Roy, que disparou ansiosamente e começou a dançar ao redor dela. Edie lhe afagou o pelo. - Venha - chamou. Com o cachorro ao lado, passou por Nick e se dirigiu para o apartamento. Durante todo o caminho, escada acima, até fechar a porta atrás de si, sentiu os olhos dele á seguindo. - Você ligou - disse Edie quando Mona enfim atendeu ao telefone. Pronunciou essas palavras de maneira consideravelmente mais ácida do que costumava fazer quando falava com a mãe. Em geral apenas sorria e deixava o comportamento de Mona, as teorias de Mona, a visão de mundo de Mona entrar por um ouvido e saírem pelo outro. Descobrira havia tempo que tinha personalidade própria. Só queria que Mona aprendesse isso também. - Você está bem? - quis saber a mãe, para sua surpresa. Havia 11 mensagens de Mona quando Edie voltou ao apartamento e ligou o celular. As primeiras eram instruções prolixas de coisas que Edie precisava fazer e pessoas para quem tinha de ligar se já não o houvessem feito (sim, havia). Após a quinta, as mensagens foram ficando mais curtas e nervosas, até que a última dizia: "Meu Deus, Edie! Atenda ou vou pensar que você morreu!"

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- Estou bem - respondeu Edie. - Dei uma saída. - Nick disse que não sabia onde você estava. - A irritação de Mona emergiu alta e clara. - Eu não saí com Nick - resmungou Edie por entre os dentes. - E eu não preciso que você fique jogando homens em cima de mim! Houve um momento de silêncio, e então Mona replicou: - O quê? - Você ouviu. - Edie estava cansada daquela inocência fingida. Sua mãe podia ser uma atriz premiada, mas não era capaz de enganá-la. - Eu disse que não preciso que você fique jogando homens em cima de mim! Eu sei que você acha que eu deveria voltar a sair. Eu sei que você acha que preciso seguir minha vida. Mas entenda uma coisa: a vida é minha! Vou encontrar meu próprio homem quando quiser um! Dessa vez o silêncio foi mais longo. Então Mona disse de forma quase humilde: - É claro que vai. Edie trincou os dentes. - Estou falando sério. Pensei que tivesse deixado isso claro depois do casamento em Mont Chamion. Você não ouviu nada do que eu disse? - Você disse: - repetiu Mona com cuidado - "Não quero que você fique arranjando homens para mim. Principalmente que fique armando para mim e Kyle Robbins. Nunca mais faça isso." Era uma representação assustadoramente precisa da versão resumida do que Edie dissera à mãe naquela noite. - E? - pressionou ela quando Mona parou de falar. - Não vá me dizer que você saiu com Kyle Robbins! - Não, droga! Eu não saí com Kyle. Você o mandou também? - Também? - Além de Nick - esbravejou Edie, furiosa por Mona não admitir a armação. Mais uma vez. - Como? - Por que mais ele estaria aqui? - quis saber Edie. - Bem, quando ele ligou, disse que estava interessado em ver a casa sobre a qual eu havia falado - replicou Mona. Edie abriu a boca. Não saiu uma palavra. Ele havia ligado? Ele dissera... O quê? - Nick ligou? Para você? - Sim, Nick me ligou - afirmou Mona. - Você... Não ligou para ele? - Edie. - Estou só... Tentando entender. - Edie achou que devia ter ficado em pé por muito tempo. Seus joelhos ficaram bambos. Sentou-se e tentou pensar. - Pensei que fosse óbvio - disse Mona de forma seca. Era? Edie sacudiu a cabeça. - Não - respondeu, com uma única palavra suave e incerta. - Pelo amor de Deus - exclamou Mona, exasperada. - Por que você achou que ele queria reformar a minha casa de adobe arruinada? Para encher o currículo dele? Para

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impressionar outro rei? Você imagina que um rancho insignificante vá fazer isso? Eu acho que não! - Mas então... - Ele foi por sua causa. - Mona explicou Tim-Tim por Tim-Tim. - Mas... - Novamente Edie interrompeu a frase, pasma, balançando a cabeça. Ela mesma chegara a essa conclusão quando ele apareceu na soleira da porta. Seu coração dera um pulo. Suas esperanças despertaram. Então ela perguntara: "O que está fazendo aqui?" E Nick respondera...? O que Nick respondera? Edie puxou pela memória. Ele não dissera nada de forma direta. Não declarara francamente ter vindo por causa dela. Mas também não o negara. Dissera: Estive conversando com a sua mãe. Edie ficou completamente paralisada, tentou organizar as idéias. Não respirou. Não ousou ter esperança. E ainda assim... - Edie? Ela ainda estava pensando. Sua cabeça girava. Não fazia sentido. Por que ele teria sugerido reformar a casa de adobe se não...? - Tem certeza de que ele ligou para você? - perguntou à mãe. - O que está acontecendo aí? Eu deveria ter dito que não? Você fugiu com ele na noite em que eu "joguei" Kyle em cima de você - lembrou ela, enfática. - Pensei que gostasse dele. - Eu mal o conhecia - disse Edie. - Na época - acrescentou depressa, temendo que a mãe tivesse idéias ainda piores do que as que aparentemente já estava cogitando. - E sim, eu... Eu gosto dele. - Então - perguntou Mona com malícia - estou perdoada? Edie admitiu que tivesse sorte pela mãe não estar pedindo que ela se desculpasse! - Está - respondeu. - Desde que não volte a fazer isso. - Espero que não seja preciso. - Mona foi transparente como cristal. - Não é... Tão simples quanto pode parecer - defendeu-se Edie. - Eu sei que você amava Ben... - Não tem nada a ver com Ben - redargüiu ela. - Porque amar Ben não é desculpa para dar as costas para a vida - continuou Mona como se Edie não tivesse dito nada. - Eu amava o seu pai de todo o coração. - Parou de repente, e Edie ficou surpresa por ouvir uma pausa na voz da mãe que não tinha a ver com sua lendária habilidade de atuação. - Eu o amava - repetiu, de modo mais brando, mas não menos fervoroso. - Eu sei disso, mãe - respondeu Edie. - Sempre soube. Mesmo assim, sentiu-se grata pelas palavras. Era tão raro, Mona parar e olhar para o passado que era bom ouvir aquela reafirmação. - Mas - repetiu - não tem nada a ver com Ben. Nem com papai. - Então com o quê? - Exceto em suas performances multifacetadas, Mona não era dada a sutilezas.

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- Tem a ver com Nick. - O que tem Nick? De fato, o que tinha Nick? - É o que estou tentando descobrir. Eu ligo de volta amanhã de manhã. Na minha manhã, na sua manhã, ou seja, o que for - especificou Edie. - Agora estou cansada. Preciso dormir. E preciso pensar. - Tente não fazer as duas coisas ao mesmo tempo - recomendou Mona secamente. Porém, não fez mais nenhum comentário e deixou passar a miríade de questões de trabalho. Tudo o que disse foi: - Se precisar conversar, Edie... - Obrigada - respondeu Edie distraída, já pensando. Não era com Mona que precisava conversar. Ainda. - Obrigada, mãe - repetiu, pois ao menos uma vez o termo parecia adequado. Chamavam isso de mudança de paradigma. Quando um fenômeno não podia ser explicado pelas leis do mundo como as conhecemos, era preciso repensar. Naquela noite Edie repensou. Deitou-se na cama olhando para o teto e contemplou os acontecimentos da última semana através de uma lente criada por uma nova informação: era Nick quem tinha ligado para sua mãe, e não o contrário. Era Nick quem tinha proposto vir para ver a casa, avaliá-la, dizer se valia a pena reformá-la. Por quê? Mona admitiu ter contado a ele sobre a existência da casa. Edie já sabia disso. Quando voltaram, Mona havia lhe entregado um papel dado por Nick com os nomes de alguns arquitetos com quem pudesse querer falar para ver se teriam interesse no projeto. Em vez disso, ele mesmo veio. Por quê? Porque queria desesperadamente reformar uma velha casa de rancho de adobe? De maneira alguma. Mona estava certa em zombar dessa hipótese. Proprietários de edifícios antigos importantes em todo o mundo com freqüência tentavam contratar Nick Savas. Quando voltou de Mont Chamion, apesar de seu bom-senso lhe dizer para esquecêlo, Edie pesquisou seu nome na internet. Nick Savas era uma autoridade reconhecida e procurada em reconstrução e reforma arquitetônicas. Ele podia escolher e escolhia seus projetos. Então por que havia escolhido aquele? Se Mona tivesse lhe pedido, ele poderia ter considerado. Não era possível, Edie sabia como ignorar a atração do poder da fama da mãe. Mas já que ela não havia pedido e Edie acreditava que não havia, não fazia sentido. A menos que Nick tivesse outra razão para vir. Ela. A idéia lhe era estranha, ousada e veio com a expectativa de ser rebatida por simplesmente se arriscar a pronunciá-la. Afinal, era a esperança não revelada que ela sentira quando ele apareceu em sua casa.

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E ele a havia derrubado quase nas primeiras palavras. Por quê? Porque ela havia demonstrado essa esperança. Havia indicado que se importava e podia se importar ainda mais, e Nick não queria. Queria uma relação física, nada mais. Mas, quando ela recusou, ele poderia ter ido embora. Poderia ter dito que não valia á pena recuperar a casa. Poderia ter dito que não tinha tempo. Mas não disse. Ele ficou. O que significava... Edie sentiu um renovado calafrio de esperança ao chegar à seguinte conclusão: quisesse ou não quisesse, Nick Savas se importava com ela. Ele não ficou pelo prazer de trabalhar num projeto que poderia facilmente ter passado adiante. Não ficou pelo sexo apimentado que faziam, porque eles não faziam. Ficou por causa dela. Foi mais ou menos a essa altura às 3hl2 da manhã, de acordo com o relógio da cabeceira que Edie percebeu que estava sorrindo como louca para o teto. Parou. Não era hora de sorrir. Era hora de pensar um pouco mais, equacionar seus próximos passos, porque se Nick realmente se importava, isso mudava tudo. A barriga de Nick não estava satisfeita. Tampouco o próprio Nick, mas isso não vinha ao caso. O que vinha ao caso era que ele estava morrendo de fome. Havia comido um pãozinho com um pouco de café às 7h, após uma noite não tão sossegada que ele passara imaginando o que diabo existia entre Edie e o homem que a trouxera para casa. Agora eram quase 14h, e ele havia deixado o almoço na casa de Mona. Ele não ia voltar para buscá-lo. Se o fizesse, Edie sem dúvida pensaria que fora com o propósito de poder ver o que ela estava fazendo. Ou talvez ela sequer estivesse lá. Afinal, era sábado. Ela provavelmente não trabalhava nos fins de semana. Com certeza não havia trabalhado na sexta à noite! Então lembrou a si mesmo pela centésima vez que o que Edie fazia era problema dela, droga. Assim como ele dissera à mãe dela. Mas ele não gostou do Senhor Proprietário dizendo: "Sou amigo dela. E do marido dela." Como se quisesse dizer que tinha direitos que Nick não tinha. Nick desejou estar fazendo algo mais físico e cansativo do que colocar telhas no lugar. Quebrar uma parede parecia uma ocupação bem mais satisfatória. Puxou uma bandana do bolso, secou o suor do rosto e estava pondo mais uma telha no lugar quando uma voz gritou: - Está com fome? Ele girou a cabeça. Por um momento pensou que estava ouvindo coisas. Seu estômago roncou como se respondesse. Em seguida ouviu passos e, ao olhar ao redor, viu Edie e Roy descendo o morro através do bosque de eucaliptos. Ela vestia uma bermuda de sarja e uma blusa verde-limão, não um traje do tipo casual, mas profissional, que costumava usar durante a semana, de modo que devia de fato estar livre naquele dia. Os cabelos estavam presos na nuca. Na cabeça um chapéu de palha, e no braço carregava uma cesta. Quando chegou ao quintal da frente, olhou para

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Nick no telhado com os olhos semicerrados. - Você esqueceu o seu almoço. - É. - Então eu o trouxe. - Ela encolheu os ombros, sorrindo. - E o meu também. O dela? As sobrancelhas de Nick se ergueram, e seus olhos se estreitaram. Edie não se moveu, apenas continuou sorrindo, olhando para ele. Nick também ficou parado. Havia algo errado naquela cena. O cérebro dele dava voltas para descobrir o que era. Na noite anterior ela estava cuspindo fogo. E agora estava... - Ou talvez você não esteja com fome - disse Edie quando ele ficou onde estava. Enfim. Você não se incomoda se eu comer aqui, não é? E com isso pôs a cesta sobre a prancha de madeira que ele havia colocado sobre os degraus quebrados e desapareceu dentro da casa. Se fosse um cata-vento naquele telhado, Nick imaginou que teria sido soprado a 180 graus. Esfregou a cabeça. O dia estava quente e o sol, forte. Talvez ele estivesse com insolação. Sacudiu a cabeça de leve, então pegou outra telha. Seu estômago roncou. - Ai, ai - murmurou. – Está bem. Estava tudo bem. Nick esperava um pedido de desculpas por ela ter soltado cobras e lagartos em cima dele na noite anterior ou mais cobras e lagartos agora. Mas não recebeu nem uma coisa nem a outra. Recebeu um Chapeuzinho Vermelho. Alegre, vivaz, ácida, engraçada, para não dizer atraente como sempre, Edie era de novo a mulher com quem ele passara aquela noite inesquecível em Mont Chamion. Ela havia trazido os sanduíches e a maçã dele. Mas havia adicionado uma garrafa térmica de chá gelado, garrafas de cerveja e salada de batata. - Eu não sabia direito o que você costumava beber no almoço - explicou. - Então trouxe as duas coisas. E estava num clima domestico hoje de manhã, então fiz uma salada. Tinha esvaziado a mesa da cozinha, onde ele deixara martelos, grosas e um pé de cabra, e a limpado com um pano úmido. Arrumou-a com pratos de papel e garfos para a salada e se sentou quando, Nick veio, então apontou o lugar à frente para que ele se acomodasse. Entre a cautela, a perplexidade, o assombro e a desconfiança, Nick se sentou. Ela lhe contou que havia falado com a mãe. Foi o mais próximo que chegou de reconhecer o encontro que tiveram na noite anterior. - Ela está muito entusiasmada com a reforma - disse vivamente, com os olhos brilhando. - Mas como falou com ela, é claro que você sabe disso. Na verdade, ele e Mona não deram uma palavra sobre a casa. O único motivo por que Mona ligara era saber onde Edie estava. Mas, em primeiro lugar, isso significaria falar sobre o que ele estava fazendo ali, e Nick não queria entrar nesse mérito de novo. Então apenas fez que sim com a cabeça e engoliu um pedaço do sanduíche com um longo gole de cerveja. Ele não costumava levar cerveja para o trabalho, mas era sábado e se Edie trouxera, bem, ele não iria recusar. - Vai trabalhar o dia todo? - perguntou ela. - Alguma idéia melhor? - Nick sorriu, tentando provocá-la. No entanto, ela respondeu: - Eu estava pensando em ir à praia. - Com o garotão? - disparou Nick sem se conter.

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Edie piscou, pareceu confusa por um momento e então perguntou: - Está falando de Derek? - Balançou a cabeça. - Não. Eu ia sozinha. A não ser que você queira vir - fez o convite com indiferença, então se levantou para pegar um copo de água na pia. Nick hesitou. Em seguida concordou: - Nada contra. Mas, primeiro, tenho algumas coisas para terminar. Daqui á uma hora? - Perfeito. - O sorriso de Edie brilhou novamente enquanto ela se levantava e começava a recolher os pratos de papel e os talheres para colocar na cesta. Nick terminou de comer a maçã, esvaziou a garrafa de cerveja e foi em direção à saída para subir a escada de novo. Porém, antes de chegar à porta, virou-se. - Obrigado pelo almoço. - Fez uma pausa, e então teve de perguntar: - O que mudou? Edie acabou de botar a tigela de salada e as outras coisas de volta na cesta antes de olhar para ele. - Mudou? - Seu tom soou excessivamente casual. Ele a pressionou: - Você estava me evitando. Agora não está. Edie deu um discreto sorriso. Seu olhar se aqueceu e, sob o calor dele, Nick também. - Não - reconheceu-a, devagar. - Não estou. - Por que... - incitou Nick, uma vez que ela não desenvolveu a resposta. Edie passou a língua pelos lábios, encolheu os ombros e o encarou de cabeça erguida. - Porque só se vive uma vez - disse com serenidade.

CAPÍTULO OITO

Foram a Leadbetter's Beach, aonde Edie costumava ir quando estava no ensino médio. Era uma praia urbana não muito longe da marina, um lugar típico de cartão-postal com ondas calmas, areia branca e céu azul de um lado e a arquitetura espanhola, os telhados vermelhos da cidade e as colinas de Santa Bárbara do outro. Edie a escolheu por ser um local que lhe trazia boas lembranças, mas não era aonde costumava ir com Ben. Nick gostou como ela esperara. Eles nadaram, pegaram jacaré, caminharam na praia. Edie não sabia se ele era uma pessoa "praieira". Ainda tinha tanto a aprender sobre ele. Estava ansiosa por saber mais. E ficou feliz por encontrar coragem para fazê-lo. Feliz porque as palavras de Mona lhe haviam oferecido uma premissa em que se basear. Ela podia levar essa história adiante. Graças a Ben, sabia como. Ele havia feito o mesmo por ela. Após o doloroso caso de amor não correspondido por Kyle, Edie se afastara dos homens, com medo de confiar neles, temendo pôr seu coração em risco. 92

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Havia resistido a Ben. - Não quero sair - disse-lhe mais de uma vez. - Não quero me envolver. Ben apenas olhava para ela e sorria. Então respondia: "Vamos pegar umas ondas" ou "Vamos soltar pipa". Ben era cheio de sugestões. Mas apenas sugeria. Nunca exigia. E diante daquela perseverança tão honesta Edie não pôde resistir. Eles faziam coisas simples juntos. Iam à praia, andavam de bicicleta, capinavam, faziam comida. Eram amigos em primeiro lugar. Talvez tenha sido por isso que funcionou, porque eram amigos desde o primário. Eram amigos muito antes de ser qualquer outra coisa. E essa amizade fácil dera a Edie a chance de estar com Ben em circunstâncias que, a princípio, não pareciam românticas. - Sem expectativas - prometera ele, solene. Mas em seguida ria. - O que não quer dizer que não tenho esperanças. Edie compreendia. E a verdade era que ela também sentia algo, algo de início menos tórrido e intenso do que a turbulência que vivera com Kyle, mas ainda assim real. Mais real, se isso era possível, pois o que ela e Ben nutriam não queimava intensamente para depois esmaecer e morrer. Quanto mais tempo passavam juntos, mais se fortalecia. Com Nick era diferente, é claro. Ele não era Ben. Não se conheciam desde sempre. Não haviam sido amigos. Antes de qualquer coisa, eram amantes. E a partir daquele mesmo momento houve algo entre eles uma faísca, um estalo, um indício, uma promessa. Edie tentara ignorar a promessa, mas ela não se afastou. E agora não estava mais determinada a resistir a ela. Ao contrário, estava fazendo a escolha que Nick dissera lhe caber. A questão não era se apaixonar ou não por ele isso já havia acontecido. Tratava-se de fugir ou gerar uma relação a partir desse sentimento, essa era a escolha. E ela escolheu parar de fugir, voltar-se e abraçar aquele sentimento. E Nick? Nick estava onde ela estivera antes de Ben trazê-la de volta à vida. Estava preso ao passado com a dor da morte da noiva. Virará as costas para a esperança, para os sonhos, para as possibilidades. Ainda assim, sentia algo por ela. Edie tinha certeza disso. Se não sentisse, não teria vindo. Era uma esperança muito tênue sobre a qual começar a construir um futuro. Ela devia estar com medo, disse a si mesma. Arriscar o coração não era para fracos. No entanto, por seu amor a Ben, ela sabia que valia a pena tentar. E se Nick não sabia disso, bem, ela teria de lhe ensinar. Nick não sabia por que Edie havia mudado de idéia. Mas estava feliz da vida. Desde que ela parou de sair quando ele entrava, abandonou aquela polidez distante quando conversavam e começou a aparecer para ver como estava

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á restauração da casa e ficar; para contar suas lembranças da juventude passada ali, os dias eram muito mais radiantes. E as noites? Bem, as noites eram tudo o que ele havia imaginado. Nick não sabia o que esperar das noites ou o que Edie pretendia fazer em relação, a elas. Não demorou muito para descobrir. Naquela mesma noite, após o jantar, ela pôs o último prato na lava-louça e disse: - Estava pensando em nadar um pouco. - Nadar? - Ele estava pensando em como convencê-la a ficar, conversar um pouco mais, esperando que sua mudança fizesse com que ela não fosse embora logo depois de comer. E agora ela sugeria nadar? Ela fez que sim e deu um sorriso ainda mais estonteante do que o que dera ao enganchar o braço no dele naquela noite em Mont Chamion. - Quer vir comigo? Não precisava perguntar duas vezes. A noite estava clara e ainda agradável, embora o sol permanecesse como uma grande bola cor de laranja sobre os telhados da cidade e o mar. Edie voltara ao apartamento para trocar de roupa, mas enquanto Nick se dirigia à piscina, ela passou por ele descendo o gramado. - Você não me pega - cantarolou. Sorrindo, Nick a observou correr. Conhecia aquele olhar o suficiente para reconhecer a promessa. Não se apressou. Haveria tempo. Quando chegou lá, ela já se revolvia na água, dando voltas. Ele se acomodou ao lado da piscina e deixou os pés pendurados na borda enquanto observava as formas graciosas dela cortando a fresca água azul-turquesa. Muitas voltas depois, ela mudou o curso e nadou na direção de Nick para olhá-lo. - Isso aí não é nadar - disse. - Estou observando. - Ele sorriu. - E guardando minhas energias. Ela tirou os cabelos da frente do rosto, abrindo um sorriso. - Acha que vai precisar? - Espero que sim. Os olhos de ambos se encontraram e assim permaneceram por um momento. - Eu também - respondeu Edie com serenidade, e Nick sentiu o corpo enrijecer de imediato. Então, veloz como um raio, o corpo de Edie se inclinou. Ela mergulhou e nadou por debaixo da água. Algo pegou o tornozelo de Nick, deu um puxão e o jogou na água! Quando ele voltou à superfície, ela já estava á meia piscina de distância. Sorrindo, Nick foi atrás dela. Mais uma vez não se apressou. A expectativa era parte do jogo. Era um jogo e mais do que isso também. Edie estava sorrindo quando ele a alcançou, rindo quando ele a puxou ao encontro dele em seguida a virou em seus braços e as bocas de ambos se uniu. Ele queria provocá-la, experimentá-la, tentá-la. Jogar o jogo dela e aumentar um pouco as apostas. Porém, fazia tanto tempo que a abraçara que a abraçara de fato. As mãos dele subiam pelas costas dela, passeando por sua pele sedosa e molhada para aproximá-la mais dele. A língua contornava-lhe os lábios, abria-os, penetrava-os. Um beijo não era suficiente. Nem

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dois, nem três. Beijos nunca seriam suficientes. Ele gemeu. - Era para você nadar - disse Edie, com a boca grudada na dele. Nick balançou a cabeça. - Não posso. Estou afundando. - No desejo. Na sensação. Na necessidade. Nela. "Edie." Suas mãos desceram para lhe tocar os glúteos e apertá-la mais, deixá-la sentir com que urgência ele a queria. As pernas de Edie se entrelaçaram nas de Nick, trazendo-o ainda mais perto, pressionando os dois corpos um contra o outro. Suas mãos agarraram os ombros dele ao mesmo tempo em que os calcanhares bateram na parte traseira dos joelhos dele. Ele enganchou os polegares no biquíni e começou a tirá-lo, enquanto os dedos alisavam as curvas das nádegas. Edie recuou, mudando um pouco de posição, para se soltar de Nick, uma perna de cada vez, e deixar que ele tirasse a tanga toda até poder se livrar dela. Em seguida as mãos de Nick voltaram a subir pelas pernas dela, estimularam a parte interna das coxas, roçaram as dobras suaves no ápice e a massagearam ali. Foi á vez de Edie gemer, enrolar as pernas em torno dele e pressionar a boca contra a dele, devorá-lo com a mesma fome com que ele a beijava. Mas ainda assim não era o bastante. Ela se contorceu ao ser, tocada. Ela o apertou mais forte. Os dedos de Nick a invadiram e ele a sentiu envolvê-los. - Nick! - Hummm. - Ele a queria infinitamente. Possuí-la agora, porém, era questão de tempo. Havia esperado demais, sabia que iria explodir com um simples toque. Agora... Agora queria dar a ela, provar que Edie tinha feito a escolha certa. Assim, quando as mãos de Edie desceram pelos braços dele até a cintura, determinadas a escorregar para dentro do calção, para libertá-lo, ele a interrompeu. - Mas... -protestou ela. - Temos bastante tempo. Isto é para você. - Então a única coisa que se moveu foram os dedos de Nick, dando prazer a ela, fazendo-a cravar os calcanhares na parte traseira das coxas dele, arquear o corpo e deixar a cabeça, pender para trás. Nick sentiu o corpo dela se retesar, se contrair e estremecer contra o seu. Então a cabeça de Edie voltou para frente, á testa caindo no ombro de Nick enquanto ela desabou sobre ele. Então a única coisa que se moveu foi á pequena onda de água fria contra seus corpos ferventes e o bater de seus corações. Edie se moveu primeiro, mudou lentamente de posição nos braços dele, teria recuado, mas Nick relutou em soltá-la. Gostava do calor dela, de sentir o peso dela no colo. Então a segurou firme, mas com delicadeza, dando-lhe espaço. Ela não precisou de muito, apenas o suficiente para lhe descer a mão pelo tórax. - Isso foi - ela sacudiu a cabeça - incrível. - Melhor do que nadar? Edie sorriu, beijou-lhe o queixo. - E como. - Sua mão desceu sorrateira e roçou a frente do calção dele. - E agora? - Aqui não - respondeu Nick, levantando-a e a acomodando à beira da piscina, depois saindo também. - Acho que podemos usar uma cama para o segundo round. Os olhos de Edie se arregalaram, a boca se abriu numa risada.

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- Estamos contando rounds? Quantos? Ele a beijou. - Quantos agüentarmos. Edie não se arrependeu de mudar de idéia. Se tiver algum arrependimento, era o de não o ter feito antes. Se tivesse sido mais corajosa, podiam ter passado mais dias juntos na casa de adobe, mais dias compartilhando a cama. Mas estavam juntos agora. Passaram grande parte dos dias juntos. A vantagem do trabalho de Edie era que podia ser executado de quase qualquer lugar. Assim, enquanto Nick trabalhava na casa, muitas vezes ela pegava o celular e o laptop, e ao lado de Roy subia o morro para lhe trazer o almoço e passar á tarde com ele. Comiam juntos, sentados no alpendre frontal se o tempo estivesse fresco, ou dentro, com os ventiladores ligados se estivesse um pouco mais quente. Ela lhe perguntava o que estava fazendo e ele lhe perguntava sobre as lembranças dela. Quanto mais conversavam, mais Edie conseguia explicar o fascínio que a casa exercia sobre ela. Foi como disse, "onde tudo começou". Era um lembrete dos valores fundamentais de amor, compromisso e lealdade à família que seus pais lhe deram. Eram valores que ela queria compartilhar com seus próprios filhos, valores que queria compartilhar com Nick. Não o disse abertamente. Apenas explicou o melhor que pôde. - É uma pedra de toque - comentou Nick. Ela concordou: - Isso mesmo. A melhor época - refletiu, mas em seguida se lembrou do dia em que o carro do xerife subiu até lá e o sujeito saltou para falar com a mãe. O sorriso esmaeceu. - E a pior das épocas - sussurrou. Mas então Nick pegou as mãos dela e se inclinou para beijá-la. - Vai dar tudo certo - prometeu com os lábios contra os dela. Ele fazia Edie feliz. Fizesse o que fizesse, Nick Savas conseguia isso. Ele parecia se deleitar em fazê-la sorrir. Chegou ao ponto de descobrir o que era importante para Edie sem que ela o dissesse. Ela mencionara uma vez o quanto adorava brincar no alto e amplo alpendre dos fundos, debaixo das janelas da cozinha. - Era o meu lugar - contou. - Ronan preferia as árvores. Mas eu adorava o alpendre. Brincava de casinha e de escola ali, com a minha amiga Katie. Era especial porque eu podia ficar sozinha. Minha mãe só precisava olhar pela janela. Pensando bem agora, parecia curioso; a estrela internacional de o cinema Mona Tremayne um dia ter sido como todas as outras mães, que ficavam de olho nos filhos. Mas tinha sido e ao mesmo tempo soubera dar espaço à filha. - Eu gostaria de fazer isso com os meus filhos - refletiu Edie. No outro dia, quando ela voltou com o almoço, Nick sugeriu: - Por que não comemos no alpendre dos fundos? - Está imundo - protestou ela, porque com certeza estava no dia anterior. Porém, quando Edie entrou na casa e foi até a cozinha, a porta dos fundos estava aberta para um alpendre de madeira novinha em folha. Ela soltou um grito. Largou a cesta na mesa e correu para fora, olhando ao redor. - Ah! É isso! - Seus olhos brilhavam enquanto ela girava. - Isso, exatamente! E as

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escadas... - Cruzou o alpendre e olhou para os degraus. Era seis, ela contara a Nick no dia anterior. Brincavam de escola neles, atribuindo a cada um uma nota diferente. Ela os contou e então se voltou para Nick, eufórica. - Seis! Perfeito! - Ajoelhou-se e passou as mãos pela madeira lixada. - Melhor ainda - disse, - porque a madeira antiga era áspera e sempre entrava farpa. - Essa não tem farpas - assegurou-lhe Nick. - Obrigada. - Edie jogou os braços em volta dele e o beijou com intensidade. Nick o retribuiu com igual fervor, e ela suspeitou de que as coisas ficariam escandalosas bem ali, mas ele recuou, fez uma careta e informou: - Estou esperando uns rebocadores depois do almoço. - Péssima idéia - respondeu Edie, rindo. - Eu compenso à noite. - Isso é; uma ameaça ou uma promessa? - O que você acha? Edie achou que a vida era maravilhosa e melhorava a cada minuto. - Vou aguardar ansiosamente - disse, pegando um pano para limpar a madeira nova e os dois poderem fazer um piquenique ali. Em seguida deixou Nick com seus rebocadores e levou Roy de volta para casa para ficarem lá à tarde. Porém, antes de sair, virou-se para Nick e tomou-lhe as mãos, em seguida olhou bem para ele. - Obrigada pelo alpendre, Nick. Adorei. Ele fez um gesto com a cabeça. - Que bom. - Meus filhos lhe agradecem também. Ele piscou. Porém não disse mais nada, pois ela subiu nas pontas dos pés e o beijou. Filhos dela? Ele o fizera para a própria Edie pelas lembranças sobre as quais ela lhe contara, e agora tudo o que podia visualizar eram os filhos dela. Menininhas de cabelos escuros e meninos risonhos de nariz sardento. Isso lhe deu calor e frio, tudo ao mesmo tempo. Nunca havia pensado em Edie no futuro. Sempre valera o agora e os dois, juntos. Porém, de repente ele podia vê-la; rodeada de filhos. De quem? Dispensou a questão assim que lhe ocorreu. Não importava, disse a si mesmo. Não era problema dele. Os filhos não eram; dele. No entanto, a idéia ficou em sua cabeça a tarde toda. Os rebocadores apareceram e eles discutiram a melhor maneira de lidar com as paredes interiores. Nick pretendia mandá-los trabalhar nos quartos. Agora, entrando no velho quarto de Edie, imaginou-o não como sendo dela, mas como o que as filhas dela poderiam usar. E o quarto de Ronan de alguma forma parecia povoado por menininhos que seriam filhos dela. Não ouviu o que os rebocadores disseram. Não tinha certeza de haver comunicado tudo o que queria que fizessem. Eles disseram: "Claro. Tudo bem" e que poderiam começar na segunda-feira. Nick disse que sim, ou algo parecido. Ficou aliviado quando eles foram embora. Saiu logo em seguida, voltando para a casa de Mona mais cedo do que de costume. Edie estava ao telefone. Olhou surpresa

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quando ele entrou. Agitou os dedos em sua direção e sorriu, então continuou escutando, eventualmente murmurando algo que soava confortador. Ele estava sujo e suado, e no caminho até a casa planejara pedir a Edie que tomasse banho com ele e lavasse suas costas. Mas agora ela estava visivelmente absorta na conversa, então ele subiu sozinho, tomou uma chuveirada rápida, pôs roupas limpas e desceu de novo. Ela continuava escutando. E escutando. Andava pela cozinha ao mesmo tempo, preparando o jantar. Porém, sua atenção estava claramente voltada para a pessoa com quem falava. - Eu sei - dizia. - Sim, eu me lembro. Nick foi até o retiro para ligar a televisão e se informar dos resultados do beisebol. Passou mais meia hora até Edie se juntar a ele. - Grace - disse ela, a título de explicação. - Da Tailândia? Edie fez que sim. - O namorado a dispensou. - O namorado dela era da Tailândia? - Não. Daqui. Ele leu algo num blogue de fofocas sobre ela e Matt Holden. Um ator explicou ela, para o caso de ele não saber. Nick já tinha ouvido o nome, mas só isso. - Tem uns 20 anos. Um candidato a destruidor de corações. David ficou magoado. Por que isso seria problema de Edie, Nick não tinha idéia. Mas estava claro que ela passara um longo tempo falando com a irmã e a escutando. E ele podia detectar em sua expressão e nos poucos comentários que fizera que fosse importante, que se importava com Grace. Ela se importava com todos os irmãos. Edie não era apenas a empresária da mãe e de Rhiannon. Era o esteio que mantinha a família unida, aquela a quem todos recorriam quando as coisas desandavam. Com Rhiannon, observou Nick, as coisas desandavam com freqüência. Era raro um dia em que ele não ouvisse Edie acalmando a irmã, organizando e reorganizando tudo com o que parecia uma paciência e um otimismo infinitos quando Rhiannon não conseguia fazer seus planos funcionarem. Mona exigia menos. Seus pedidos em geral condiziam com o trabalho para o qual Edie fora contratada. Porém, os filhos mais novos, Grace e os gêmeos, Ruud e Dirk todos procuravam Edie, e não a mãe, quando precisavam de auxílio. Podiam estar do outro lado do mundo, na Tailândia, mas ligavam para ela quase todo dia. Ela bem que poderia ser mãe deles. Ela seria maravilhosa como mãe. E ali estava ele, de novo contemplando a Edie do futuro. - Você pretende morar na casa de adobe? - quis saber. Ela estava indo a cozinha para levar a travessa de lasanha que estava preparando ao forno. Parou e olhou para ele surpresa. Porém, em seguida, inclinou a cabeça e pareceu levar a sério a hipótese. - Não havia pensado nisso ultimamente - respondeu. - Mas já que agora tem um alpendre nos fundo tão bom... - Assentiu com a cabeça. - É, acho que sim. Não o tempo todo, é claro. Eu esperaria ter uma casa que não fosse à da minha mãe. Mas seria um bom lugar para trazer a família, não acha?

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Felizmente não esperou uma resposta, o que caiu bem, já que ele não tinha o que dizer. - Assim as crianças poderiam ficar perto de Mona sem atrapalhar. Seria bom para todos - acrescentou Edie com um sorriso. - Mona adora crianças, mas o dia a dia realmente não faz o estilo dela. No entanto, fazia o estilo de Edie. E agora que Nick podia ver isso, parecia não conseguir esquecer, especialmente porque, além da novela em andamento de Grace, ainda naquela semana Edie passou a noite falando com Dirk, que estava tentando fazer uma conexão para poder escutar jogos de beisebol de Bangcoc. Entre eles dois, cumpriram a tarefa por sorte bem antes de Nick a carregar para a cama. - Você está muito ansioso - comentou Edie enquanto ele a levava escada acima. - Estou. - Ele a beijava no caminho, puxando-lhe a blusa decotada pela cabeça. - E por quê? - perguntou ela, embora parecesse igualmente ansiosa, abrindo de forma atabalhoada o botão do cós do short de Nick. - Não me canso de você - murmurou ele, carregando-a para a cama. Ele não sabia por que isso era verdade. Só sabia que era. Quanto mais tempo passava com Edie na cama ou fora dela, mais queria estar com ela. Com certeza não se cansara. Se ia se fartar de Edie Daley precisaria de cada minuto disponível desde aquele até o fim da restauração. Fartar-se não era algo fácil de imaginar. Nick inventava mais e mais formas de passar o tempo na companhia dela. Ficavam juntos no almoço, à tarde na casa de adobe, no jantar todos os dias ao anoitecer e à noite, na cama dela ou na dele. Muito mais tempo do que ele jamais passara com alguém. Porém, longe de satisfazer seu desejo de estar com Edie, Nick ficou aborrecido; uma tarde, no fim da terceira semana que compartilharam, quando ela botou as coisas na cesta do almoço e disse que o veria no jantar. - No jantar? - perguntou ele de cara amarrada. - Aonde você vai? Ele se surpreendeu ao constatar o quanto isso era importante. Mas havia se acostumado a tê-la ali. Antes de Edie, nunca havia convidado ninguém para lhe fazer companhia enquanto trabalhava. Nem mesmo Amy enquanto ele construía a casa que projetara para ela. Nick escutava de bom grado o que os outros diziam. Valorizava as idéias, mas não gostava de interferências e sempre trabalhava sozinho. Então, talvez tenha ficado mais surpreso do que Edie na primeira tarde em que sugeriu que ela ficasse. E ela ficou igualmente surpresa ao descobrir que ele se incomodou com a ausência dela naquele dia. - Prometi a Ruud que iria comprar as rodinhas do skate que ele pediu e enviá-las pelo correio hoje à tarde. Evidente que era por causa de um dos irmãos. Ele devia ter pensado nisso. Ainda assim, levantou as sobrancelhas. - Você entende de skate? - Nick já era capaz de compreender que havia bem mais em Edie Daley do que imaginara a princípio, mas... Skate? Ela sorriu. - Tenho instruções explícitas. - Em seguida puxou um papel do bolso do short e o entregou.

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Nick pegou o papel e o examinou. - Como você vai escolher? Ele pôs quatro opções diferentes. - É para eu comprar a melhor. - Suspirou. - Ele as elencou. Ou então disse que eu poderia perguntar a alguém que entenda alguma coisa disso. - Olhou para Nick com ar esperançoso. - O que você entende de skate? Ele sorriu. - Eu andava um pouco nos velhos tempos. - É mesmo? - Ela achou o máximo. - Venha comigo, então. Posso usar um especialista. Ele não andava de skate desde a adolescência. Era um Neandertal no mundo dos skatistas. Mas se isso significava passar o dia com Edie... - Tudo bem. - Outra coisa que ele raramente fazia tirar folga durante a semana. Quando um homem trabalhava para si mesmo, era preciso ser um supervisor rígido. Então fez daquela uma saída a trabalho, parando na loja de equipamentos de construção e também comprando alguns materiais. Depois de passarem por diversas lojas de skates, comprarem as rodas perfeitas escolhidas por Nick e em seguida as postarem no correio. Então Edie sugeriu que fossem caminhar na praia antes de voltarem para casa. - É lindo aqui. E já é tarde para voltar à casa de adobe para trabalhar. Já são quase 17h. Podíamos dar uma caminhada e depois parar em algum lugar para jantar mais cedo. Virou-se para ele, os olhos brilhando, e disse: - Podíamos ir ao Biltmore. O Biltmore era um velho marco de Santa Bárbara situado bem na praia, a uma pequena distância do centro, em direção à costa. Construído na década de 1920, no auge da celebração ativa da herança colonial espanhola da cidade, o Biltmore dava forma àquela que os idealistas acreditavam ser a aparência perfeita de um edifício neocolonial. Com grossas paredes de estilo adobe, telhados vermelhos, portais de ferro forjado e arcadas mouras, o local parecia mais um romântico cenário de cinema do que um hotel. - Pense nele como uma inspiração - sugeriu Edie, sorrindo. Pelo menos uma vez Nick não encontrou razões para discutir. Encolheu os ombros e entrelaçou os dedos nos dela. - Por que não? Brincar com a sorte, isso é o que era convidar Nick para ir ao Biltmore. Porém, as palavras já lhe haviam saído pela boca antes que ela pudesse impedi-las. A verdade é que não queria impedi-las. Queria ir ao Biltmore com ele, comer lá com ele, queria compartilhar o ambiente romântico, o cenário especial e eis a parte da brincadeira com a sorte, fazer um acréscimo à história da família no processo. O Biltmore era onde ela havia ido com Ben para celebrar o noivado deles. Era onde, cerca de trinta anos antes, seus pais haviam jantado na noite em que Joe pediu Mona em casamento. Onde, trinta anos antes disso, os próprios pais de Joe haviam se conhecido, quando a mãe trabalhava na cozinha e o pai era chofer de um milionário bostoniano que viera para o Oeste passar o inverno em climas mais amenos. Dias memoráveis no Biltmore eram uma espécie de tradição familiar. Não que Edie tenha contado isso a Nick. Com certeza não pretendia pedir a ele que se casasse com ela ali e ficaria chocada se

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ele lhe pedisse. Não naquela noite. Não ainda. Mas em breve. Sim, ela ousava esperar que fosse em breve. O que eles compartilharam naquelas últimas semanas não havia enfraquecido, não havia diminuído. Só havia crescido. Os tempos que passaram juntos, as histórias de infância que Edie contou a Nick e os casos de juventude que ele lhe revelou mostravam a ela o quanto tinham em comum. Os dois também amavam História, apreciavam a família, os amigos e grandes cães negros, restauração de casas e competições de natação, caminhadas na praia e piqueniques entre manhãs e tardes de trabalho e noites nos braços um do outro. Ambos tinham amado e ambos tinham perdido. Edie não esperava tomar o lugar de Amy no coração de Nick, assim como sabia que ele não seria capaz de tomar o de Ben. Havia espaço para os dois. Em sua disposição talvez ingênua, mas ainda assim admirável a correr riscos repetidos vezes, Mona lhe mostrara isso. Ben lhe ensinara á confiar se atrever a amar. Ela amava Nick. Em Mont Chamion, dissera a si mesma que isso não aconteceria. Quando ele chegou a Santa Bárbara e lhe prometeu nada além do momento, ela resistiu. Ou tentou. No entanto, não podia resistir para sempre. Não queria. Ela o amava. E, sim, talvez fosse brincar com a sorte sugerir o Biltmore, saber em seu coração o que aquilo significava, mas não pôde evitar. Edie acreditava. Edie tinha esperança. Estacionou o carro do outro lado da rua em frente ao hotel, próximo à calçada que margeava a praia. Por ser ainda muito cedo para jantar, tiraram os sapatos e subiram o pequeno muro para caminhar na areia. Foi quando ela pulou do muro e ele a pegou. Depois, abraçado a ela, suas mãos se uniram. Edie sorriu, esfregou o polegar na lateral da mão dele e inclinou o rosto para deixar que o sol da tarde a aquecesse, embora Nick já aquecesse seu coração. Percorreram todo o caminho até a marina e retornaram, de mãos dadas, os quadris se tocando. Conversavam durante a caminhada, contavam histórias, riam. E havia momentos em que andavam em silêncio. Ambos se sentiam confortáveis ambos se sentiam bem. Quando voltaram ao Biltmore, limparam os pés e calçaram novamente os sapatos, e Edie penteou os cabelos. Não tinha dúvida de que seus avôs ficariam escandalizados diante da falta de elegância atual no Biltmore. Algumas coisas de fato haviam mudado. Outras, no entanto como o encontro de olhares entre duas pessoas num jantar à luz de velas, não havia. A comida estava ótima, frutos do mar recém-pescados, massa feita na hora, salada verde fresca. O vinho estava soberbo. Nick escolheu, ergueu a taça e brindou com Edie, os olhos flamejando, e disse: - A você, Sra. Daley. - Sua voz era rouca. Edie também ergueu a taça, olhando-o profundamente. - A você, Sr. Savas. - Dentro de seu coração, ela disse: A nós. Pularam a sobremesa. Todas as tortas, os flans, os tarteletes e os cheesecakes pareciam deliciosos. O zabaione, Edie sabia por experiência, era uma perdição. Mas

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naquela noite ela nem hesitou. Algo melhor esperava por eles em casa. Na volta, mal falaram enquanto Nick dirigia. Ele segurava a mão de Edie mesmo ao volante. O único momento em que a soltou foi quando chegaram e saltaram cada um por uma porta do carro. Porém, pegou-a outra vez antes de subirem a escada. Haviam feito amor na cama de Nick, no antigo quarto de Edie na casa de Mona. Haviam feito amor à beira da piscina. Uma vez fizeram amor até na casa de adobe, sobre a velha coberta de Madras que ela trouxera para fazerem piqueniques. Porém, na maioria das vezes iam para lá, para a cama de Edie. E embora ela o amasse em qualquer lugar, ali era onde mais gostava de fazer amor com ele. O apartamento na cocheira era pequeno e nem um pouco requintado. Mas era sua casa e, mais do que qualquer lugar no mundo, continha parte de seu coração. Ali estava á foto do pai com os braços ao redor dela e de Ronan, tirada na manhã de Natal, apenas um mês antes de ele morrer. Ali estava a foto de Mona com todos os filhos à sua volta, uma turma heterogênea, mas muito amada. Ali estava ás lembranças que tinha de Bem, um entalhe que ele fizera para ela quando morava em Fiji, uma pequena canoa polinésia que fabricara enquanto pesquisava uma das ilhotas e deixou Edie três semanas sozinha, uma caixa contendo todos os cartões-postais que ela enviara à mãe enquanto os dois viviam fora do país. Mona lhe dera a caixa somente no ano anterior. - Porque agora você pode lidar com as lembranças - dissera. - Pode olhar para o passado com amor. E pode ir em frente. Na época Edie não tinha certeza. Mas, embora o presente de Mona pudesse ter sido um pouco prematuro, ela tinha razão. Edie estava pronta agora. E ficou feliz por Nick estar disposto a fazer amor com ela ali. Roy saiu em disparada pela porta assim que eles entraram. Porém, algum minuto depois estava de volta à procura do jantar. Gerald, o gato, miou, queixoso, e abriu caminho entre os pés deles, indignado por não ter recebido sua refeição noturna. - Eu sei que você está com fome - disse-lhe Edie. Pegou a tigela e uma lata de comida para gatos. Nick ficou atrás dela, beijando-lhe o pescoço, fazendo-a estremecer de vontade. As mãos dele brincaram discretas pelos seios dela. - Caso você não tenha notado - murmurou, - eu também estou com fome. - Gerald diria que você teve uma bela refeição - respondeu Edie, abrindo a lata e botando o conteúdo na tigela. - Peixe-espada fresquinho. Que delícia! - Para um felino castrado, o manjar dos deuses, sem dúvida. - Nick mordiscou o ombro parcialmente descoberto de Edie. - Tenho algo melhor com o que me saciar. Ela pôs a tigela de comida no chão para o gato e sentiu o corpo ser envolvido nos braços de Nick e carregado para o quarto. Ele a deixou cair levemente na cama, depois se jogou ao lado dela, tirou-lhe a roupa e em questão de instantes arrancou as próprias. Em seguida, diante da ansiedade de Edie, acomodou seu corpo musculoso sobre o dela. Então ela se abriu para ele, passou os braços ao redor do pescoço dele e deixou que ele saciasse a fome. Amaram-se com intensidade feroz, seus corpos quentes e escorregadios de suor enquanto se levavam mutuamente à plenitude frenética. No entanto, após o ato, nenhum

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dos dois adormeceu. Abraçaram-se apertado. Dormiram, acordaram e se amaram novamente, então dormiram um pouco mais. Estava quase amanhecendo quando Edie acariciou a barba por fazer de Nick. Ele passou os dedos pelos cabelos dela. Ela começou a beijá-lo ao longo da clavícula, depois desceu para o tórax, roçou o nariz no umbigo dele e então desceu mais. De repente Nick prendeu a respiração. - Você vai me matar - disse com a voz rouca. - Também estou com fome. - Edie levantou a cabeça para olhá-lo por entre a cortina formada pelos cabelos. Em seguida voltou a beijá-lo e mordiscá-lo, tocando-o com a língua, fazendo-o gemer, tirando-lhe o fôlego, até que ele a puxou para cima e a acomodou sobre o corpo, arrastando-a para baixo para possuí-lo. A respiração dele passou sibilando entre os dentes quando ela se pôs sobre ele. Eles explodiram, e Edie desabou sobre Nick, ouvindo o coração de ele trovoar contra o ouvido. Os braços dele á envolveram circundaram suas costas, a boca nos cabelos dela. - Deus do céu, o que você fez comigo? - sussurrou ele. Edie levantou a cabeça, olhou para ele, sorrindo, passou a mão em um cacho de cabelo que lhe caía sobre a testa e, confiando em seus instintos, deu a ele seu coração assim como acabara de lhe dar o corpo. - Eu te amo, Nick - disse. Então se soltou e subiu pelo tórax dele para juntar seus lábios aos dele. - Eu te amo - repetiu. - Eu te amo. Ele ficou imóvel. Rígido. Seu olhar, que momentos antes eram ferozes de paixão, agora era neutro. Escuro e indecifrável. Distante. Os dedos, que se emaranharam nos cabelos de Edie e passearam por sua coluna, se afastaram, recuaram. Tudo o que restou nos olhos dele foi um olhar tenso, assustado, ao mesmo tempo em que proferiu uma única e áspera palavra. - Não.

CAPÍTULO NOVE

Não o quê? Algo estava diferente. Errado. Ela podia sentir. Podia ver no rosto de Nick. Um músculo no maxilar dele se contraiu. Os dentes pareciam cerrados e, quando ele abriu a boca, aspirou devagar, antes de dizer com calma: - Não se apaixone por mim. Edie engoliu em seco. Então sorriu e tentou desesperadamente restabelecer a intimidade do ato de amor, brincando: - Tarde demais. Já me apaixonei. Teria repousado a cabeça no peito dele mais uma vez, mas ele segurou os braços 103

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dela, levantando-a para longe de si, acomodando-a na cama enquanto se afastava. - Nick? - Ela lhe estendeu a mão. Mas ele não viu. Já estava fora da cama, virado de costas, pegando as roupas, a voz ainda áspera quando murmurou: - Droga. Droga? O quê? Edie se sentou, enrolando o lençol no corpo nu, sentindo um frio repentino ao olhar para as costas de Nick. Eram as mesmas costas, amplas, fortes e lisas, por onde ela passara as mãos minutos antes, as mesmas por cuja espinha seus dedos haviam descido suavemente. Agora eram uma parede, mantendo-a do lado de fora, os músculos duros e tensos de Nick tremendo de emoção. - Nick. Ele se virou para encará-la. - Você sabia - disse com rispidez. Sabia que não deveria ter se apaixonado, quis dizer Nick. Ela entendia do que ele a acusava. Mas sabia outra coisa com ainda mais certeza. - Eu conheço você - retrucou com tranqüila convicção. - Você também me ama. Ele sacudiu a cabeça rápida e bruscamente. - Não. A negação direta foi como um soco. Por dentro abalou Edie, mas por fora ela se recusou a receber o golpe. - Não? Então o que estamos fazendo aqui? - Ela fez um gesto com a mão para incluir não apenas o quarto, não apenas a cama onde haviam acabado de passar a noite nos braços um do outro, fora tudo o que havia acontecido entre eles desde que Nick chegara a Santa Bárbara. - O que fizemos esse mês inteiro? Ele a encarou. - Nos divertimos juntos. Agora foi a vez de Edie sacudir a cabeça. - Não. É mais que isso. Nick, porém, cruzou os braços à frente do peito. - Você está sonhando - disse a ela. - Está vendo o que quer ver. O que ela queria ver amor, compromisso, honestidade, um futuro, os dois juntos para o resto da vida, sim, sem dúvida, era isso, com certeza, o que ela via. - O que há de errado nisso? - perguntou. Quando ela lhe dirigira aquelas palavras alguns minutos antes, quentes e lânguidas do amor que fizeram, o mundo parecera dourado, cheio de promessas. Agora, diante da implacabilidade de Nick, ela sentiu como se uma nuvem houvesse encoberto o sol. - Não vai acontecer. - Você quer dizer que não liga? - replicou Edie com cautela. - Ligo. - Pelo menos isso ele admitia. - Você é uma amiga. Uma mulher maravilhosa. As palavras eram incômodas, mas o sentimento era pior ainda. Soaram forçadas e insinceras, apunhalando-a como uma faca. No entanto, ela conseguiu dar um débil sorriso. - Uma boa amante? - sugeriu, cheia de doçura. Toda a euforia anterior agora

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evaporava. Sentiu-se gélida, ferida e assustada. Pior do que quando soube da morte de Ben. Entretanto Ben não pôde evitar o que aconteceu. Porém, Nick... Nick estava optando por rejeitar o amor dela, negar a ela e a si mesmo. - Uma boa amante. Uma ótima amante - corrigiu ele, sem captar ou sem admitir captar a amargura de Edie. Havia posto a cueca, mas parou e sorriu para ela antes de vestir a calça, como se ela pudesse esquecer aquela maluquice, chamá-lo de volta à cama e lhe dar um bis. Sem chance. Edie se levantou da cama também. Sentia-se mal. Seu corpo todo tremia. Não acreditava no que ele dizia, mas sabia que isso não importava. O importante era que Nick acreditava. Começou a se vestir com pressa, como se as roupas de algum modo fossem aquecêla. Claro que não era porque o dia estivesse frio, mas por causa do sentimento que crescia dentro dela. - Não vou me esquecer de botar isso no meu currículo. - Edie mal conseguiu fazer as palavras passarem pelo nó na garganta. Seu corpo entrou na camisa com esforço e ela começou a abotoá-la afobada mente. Que dedos incompetentes. O olhar de Nick se estreitou. - O que quer dizer? Ela lhe deu as costas e vestiu a calça de sarja. - Só falei por falar. - Tentou pegar as sandálias embaixo da cama com os pés. De alguma forma, ficar totalmente vestida era importante. Era como pôr uma armadura. Tarde demais, talvez, mas fez o que tinha de fazer. Já tinha fechado o zíper da calça quando Nick estendeu a mão e a segurou pelo braço. - Edie. Ela tentou se livrar, mas ele a deteve com velocidade e a virou para que pudesse olhá-la no rosto. Aquele rosto adorado. Aquele rosto amado. Aquele rosto resoluto, implacavelmente fechado. - Você está exagerando. - Não. - Sim - insistiu Nick. - O que temos é bom. - Pensei que tivéssemos - concordou Edie, com a garganta doendo. - Eu esperava. Sua voz se partiu. Droga! Ela não queria demonstrar o quanto aquilo a machucava. Mas por que não? Já havia admitido que o amasse. - Você sabia que não era isso. Não era o que eu queria. Nunca foi - continuou ele. Nós falamos sobre isso. - E quanto ao que eu queria? - perguntou ela. Nick apenas a olhou. - Você está mudando as regras. - Eu? Você as mudou quando veio atrás de mim!

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Nick abriu a boca, e por um momento Edie achou que ele fosse negar. Mas ele apenas apertou os lábios numa expressão severa e deu de ombros. - Foi uma boa noite. Como se tivesse feito tudo aquilo por causa disso. - Você viajou meio mundo! Aceitou restaurar uma casinha de adobe de terceira mão quando poderia estar fazendo um castelo escocês historicamente significativo. - Eu vou fazer o castelo. É para onde vou depois daqui. - Quando terminar aqui? - Sim. - Quando terminar comigo! As palavras fizeram um músculo no maxilar de Nick saltar. Os olhos dele faiscaram diante da provocação deliberada. Negue, implorava ela silenciosamente. Mas ele não o fez. - Sim. - A resposta sibilou furiosamente entre os dentes. Edie se desvencilhou das mãos dele. - Ótimo. Vou poupá-lo desse incômodo. - Enfiou os pés nas sandálias, pegou o telefone da cabeceira e desceu estrepitosamente as escadas. Nick disparou atrás dela e a deteve diante da porta. - O que está fazendo? - Indo embora. - O quê? Para onde vai? Você mora aqui! - Sim, e não quero ficar aqui agora. - Ela arrancou um suéter das costas de uma cadeira, e a bolsa e as chaves do carro da mesa da cozinha. - Vamos - chamou Roy. - Edie! Pare. Não seja ridícula. Se alguém tem de ir, vou eu. - Ótimo. Vá. Vá para o inferno. Não estou nem aí. - O que era mentira, é claro. Ela não estaria à beira das lágrimas se não estivesse nem aí, se não o amasse de todo o coração. Abriu a porta com violência e desceu voando as escadas, seguida por Roy. Nick foi atrás numa perseguição acirrada. - Edie! Que droga! Mas ela não parou. Não lhe deu ouvidos. E não tinha a menor intenção de ficar ali ouvindo Nick dizer que ela estava sendo irracional. A razão não tinha nada a ver com aquilo. A reação dela a ele fora instintiva desde o momento em que o viu do outro lado da pista de dança conversando com sua irmã. Foi instintiva quando ele voltou, embora ela tivesse tentado ao máximo impedir que as emoções assumissem o controle. No último mês, depois de saber que fora idéia dele vir, e não de sua mãe trazê-lo, ela ousara acreditar que ele também confiara nas próprias emoções. Parecia que não. Parecia que ele estava determinado a não se importar, como sempre esteve. Então ela não ia ficar ali. Não podia. Não naquele momento. Não quando não havia futuro para eles. - Edie! Pelo amor de Deus! Mas Edie não ouvia. Abriu a porta do carro, deixou Roy pular para dentro, depois entrou ao lado dele, enfiou a chave na ignição e ligou o motor. - Não seja idiota! - Nick agarrou a porta, mas não a tempo. Ela havia acionado a

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tranca elétrica segundos antes. - Edie! Ela pôs o carro em movimento e arrancou, recusando-se a olhar para trás, secando as lágrimas enquanto partia. Chega de confiar nos instintos. Ele a deixou partir. Não adiantava pular no carro e ir atrás dela. Não queria que ela tomasse uma atitude inconseqüente, uma atitude tola. Embora parecesse apesar do aviso dele que ela já a tinha; tomado: havia se apaixonado por ele. Não fazia sentido tentar conversar com ela, fazê-la ver que querer demais era pedir para arranjar problema, brincar com a sorte. Embora Deus soubesse que ela, mais do que qualquer pessoa, e tendo perdido o marido, devesse entender o que é brincar com a sorte. Então, que assim seja, o pensou ao ficar ali, olhando enquanto os faróis traseiros do carro de Edie desapareciam na curva da entrada da garagem. Mesmo assim, desejou que ela diminuísse a velocidade, virasse o carro, voltasse e o envolvesse nos braços, o deixasse fazer o mesmo e se sentisse grata pelo que haviam tido. Era suficiente, droga! Edie tinha de ficar satisfeita. Ele estava, disse a si mesmo ao socar o muro de contenção da garagem. Edie dirigiu até a praia em frente à universidade, estacionou o carro e se pôs a caminhar. E caminhar. Isso iria clarear a mente, disse a si mesma. Iria lhe dar alguma perspectiva. Era aonde ela havia ido após o fiasco com Kyle. Ela ficara ali, olhando fixamente para a água, chafurdando na humilhação, quando Ben passou por ela, parou, deu um sorriso jocoso e disse: - Eu conheço você. O que veio depois, é claro, mudou a vida dela para sempre. Ela já não era a mesma pessoa daquela época. Aos 18 anos, era inocente e idealista. A deslealdade de Kyle feriu o orgulho dela e a fez se sentir tola por acreditar que havia algo entre eles quando não havia. Porém, aos 25 tinha muito mais experiência de vida. Sabia o que era real e o que era ilusão. Tinha certeza de que não estava errada em crer que poderia haver algo especial entre ela e Nick. Tinha certeza de que ele a amava assim como ela o amava. Era Nick quem estava errado. Ele não acreditava. Não confiava. E ela não podia mudar isso. Também não podia apagar as palavras que dissera. Não havia retorno, não havia como fingir. Não se arrependia. Ela não poderia ter vivido aquela mentira. Não a viveria. Mas também não poderia ficar lá. Não se ele ficasse. Ela suspirou e contemplou as ilhas, tentou pensar no que fazer aonde ir, como lidar com o desastre que sua vida estava se tornando. Vindo pela praia na direção dela, havia um homem fazendo Cooper. Tinha cabelos escuros e desgrenhados como os de Ben. Era esguio e tinha os joelhos ligeiramente tortos, como Ben. Ele chegou perto. E mais perto e passou direto por ela sem nem sequer olhar na direção dela. Edie deu um sorriso irônico e auto-depreciativo. Não havia Ben para salvá-la dessa vez. Nenhum Ben poderia. Não dessa vez. Porque dessa vez o amor era real, e nenhum acaso lhe permitiria negá-lo.

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Mas esse era o problema do acaso. Não era possível prevê-lo. Nem em um milhão de anos ela adivinharia que seu celular tocaria naquele momento e Mona diria: - Ruud quebrou a perna. Bangcoc estava quente, úmida e lotada. Edie estava amassada, exausta e cheia de olheiras, desejando estar entorpecida pelas próximas 24 horas, quando Mona pulou no pescoço dela em sinal de gratidão. - Ah, graças a Deus você chegou! Edie ficou no meio da sala principal da bela e antiga casa de teca de Mona e se deixou arrastar pelo abraço da mãe. Cambaleou um pouco sob o impacto do entusiasmo dela, depois recuperou o equilíbrio enquanto a mãe a apertava outra vez e dava um passo para trás para avaliá-la de cima a baixo. - Meu Deus, você está horrível. Muito obrigada, pensou Edie. Horrível, na verdade, era um elogio para o que ela sentia. Estava fisicamente exaurida, emocionalmente destroçada e ainda incapaz de tirar Nick da cabeça. - Com certeza os vôos não foram tão ruins. - Mona a puxou em direção a um dos sofás de rata e a forçou a se sentar. - Não - concordou Edie. Os vôos não tinham nada a ver com aquilo. - Rhiannon? - chutou Mona. - Eu sei que ela e Andrew andaram brigando de novo. - Andaram? - Edie não sabia. Supôs que Rhiannon podia ter lhe dito, mas ela estava ocupada demais com Nick para prestar atenção. - Não tente acobertá-los - respondeu Mona com firmeza. - É eu sei que quis que você consertasse as coisas no passado, mas, sinceramente, Edie, não se preocupe com isso. Se eles não conseguem resolver os próprios problemas amorosos, não é seu trabalho fazer isso por eles. Certo. Sobretudo porque ela não conseguia sequer lidar com os dela mesma. - E eu não esperava que você largasse tudo e viajasse para o outro lado do mundo só por causa da perna de Ruud - acrescentou Mona. - Não que eu não tenha gostado de você ter vindo - continuou alegre, - principalmente porque sabemos que ele se comporta melhor com você do que comigo. E ele, Dirk e Grace estavam morrendo de saudade de você. Mas de fato pensei que você tivesse coisas mais urgentes na sua vida... - As sobrancelhas bem delineadas se ergueram em um inquérito silencioso. Edie sabia exatamente o que elas indagavam. E não tinha intenção de responder. - Fiquei feliz em vir - respondeu convicta. - Estava com saudade de você. De todos vocês. Onde está Ruud? Estou tão ansiosa para vê-los. E ainda mais ansiosa para não ser sujeitada a mais pergunta. Deve ter convencido Mona de que estava realmente animada de estar lá, porque, depois de instruir o criado a pôr as malas no quarto dela, Mona fez um sinal para que a filha a seguisse. - Eu não contei a nenhum deles que você viria - informou. - Queria fazer uma surpresa. Eles ficaram surpresos, e tão animados quanto Mona prometera que eles ficariam. A expressão de Ruud se iluminou. Dirk se jogou sobre ela. Já Grace a abraçou e disse: - Estou tããão feliz de você estar aqui. Edie assegurou que estava feliz também. E, é claro, eles acreditaram. Por que não

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deveriam? Eram o foco da vida dela desde que ela voltou para casa após a morte de Ben. Não tinham razão para achar que havia algo diferente agora. E, de fato, não havia diferença, havia? Com certeza, quando ela anunciou que estava partindo, Nick não fez nada para detêla. Na verdade, arqueou as sobrancelhas. Mas no fim apenas deu de ombros. - Faça o que tiver de fazer - dissera ele. Prestes a matá-lo, o que era uma idéia de fato tentadora, ela fez o que tinha de fazer: partiu. Foi em frente. Sabia que, se ficasse, não conseguiria fazer isso. Ficaria presa, desejando o que não podia ter. E não ia se contentar com o caso amoroso que ele estava disposto a lhe oferecer. De jeito nenhum. Não seria fácil, mas ela iria esquecê-lo. Esqueça-a. Devia ter se tornado um mantra, de tanto que a mente de Nick o repetia. Às vezes ele sentia como se as palavras estivessem tatuadas dentro das pálpebras. Não estavam, é claro. Não havia espaço. Era onde todas as imagens de Edie residiam aquelas que o atormentavam toda vez que fechava os olhos. Havia Edie na piscina, os cabelos negros caindo sobre os ombros, os olhos brilhando de malícia. Havia Edie na casa de adobe, rondando, vasculhando, com ar melancólico, saudoso. Havia Edie preparando a salada, Edie do outro lado da mesa de jantar, Edie no Biltmore, sorrindo para ele por sobre a taça de vinho, oferecendo-lhe um pedaço de massa. Tinha visões de Edie brincando com Roy, Edie dando comida a Gerald, Edie no parapeito em Mont Chamion, contemplando as luzes decorativas. Havia Edie dançando descalça. Edie em seus braços. Edie na cama. Tantas; tantas lembranças de Edie na cama dele. Na cama dela. Santo Deus, ele não conseguia tirá-las da cabeça. As lembranças deveriam ser suficientes. Mais do que suficientes. Ele deveria estar satisfeito agora, estar pronto para ir em frente. Mas não estava satisfeito. Não estava pronto. E embora tenha ido à casa de adobe para trabalhar na tarde em que ela deixou a casa de Mona, sentiu como se Edie estivesse com ele, cantarolando na sala ao lado, fora de sua vista. Não podia acreditar que ela estivesse pegando um vôo, indo para a Tailândia, pelo amor de Deus! Era uma estupidez! Uma insanidade! O que eles passaram juntos fora incrível, maravilhoso. Diferente de tudo o que ele vivera antes com qualquer mulher, exceto Amy. Não... Nem mesmo Amy fora como Edie. Ninguém era como Edie. Ninguém o fazia rir como ela. Ninguém era tão encantadora. Ninguém provocava, tentava e ao mesmo tempo se doava de maneira tão generosa. Ela o fizera feliz. E claro que ele a fizera também, pois ela alegou ter se apaixonado por ele. E ainda assim a teimosa jogou tudo fora. Ótimo, disse Nick a si mesmo com raiva. Que assim seja. Se ele havia superado a morte de Amy, com certeza podia superar a partida de Edie.

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Não precisava dela. Não a queria. Permanência, compromisso, amor! Era a última coisa que ele queria! Então ele a esqueceria. Terminaria a restauração porque era o trabalho dele e jamais voltaria a misturar trabalho e prazer. Jamais. - Senhorita? Tem um senhor... - Malee, a empregada, abriu uma fresta da porta do quarto que Edie estava usando como escritório. Sorriu em pedido de desculpas quando Edie olhou assustada. - Um senhor? - Edie sentiu um frio na barriga ao mesmo tempo em que a esperança foi às alturas. Fechou os olhos. Graças a Deus. - Deixe-o entrar - disse, secando as palmas das mãos úmidas nas laterais da calça de linho ao se levantar e tentar se recompuser. Havia passado uma semana. Ela quase perdera as esperanças. Respirou fundo quando Malee abriu mais a porta e deu um passo para trás. Kyle Robbins adentrou o aposento. - Edie! - O sorriso de galã que era sua marca registrada iluminou-lhe o rosto. Edie sentiu a luz fugir do seu. - Kyle - respondeu, aborrecida. Sentiu a barriga pesada como chumbo. Ele levantou as sobrancelhas ao decifrar sua linguagem corporal. - É bom ver você também - disse com óbvia ironia. - Eu... Não esperava que fosse você. —Ela torceu para que não tivesse exagerado na parte do "você". - O que está fazendo aqui? - quis saber. - Se Mona o meteu nessa... - Mona me convidou - cortou ele - para estudar um script com ela. Vamos fazer um filme juntos mês que vem. Você sabe disso - lembrou-lhe. - Você agendou esse encontro. O que, agora que Edie parou para pensar, era a mais pura verdade. Mona costumava pedir uma semana, aproximadamente, para estudar o script com os outros atores com quem trabalharia. Kyle era um desses atores. E agora que ele mencionou, Edie se lembrou vagamente de ter agendado o encontro. Mas ela o fizera quando todos os pensamentos giravam em torno de Nick. E a prova de como Kyle se tornara insignificante para ela era que os e-mails que trocara com ele mal haviam ficado registrados na memória. - Eu esqueci - disse, encolhendo os ombros de modo pouco convincente. Kyle fez uma cara irônica. - O que dá a entender qual é o meu lugar. - Sim - concordou Edie com franqueza. Ele assentiu. - Sinto muito. Com anos de atraso. Eu fui um idiota. Não soube lidar com a situação. - Você foi infiel - corrigiu ela. Ele estremeceu, mas em seguida admitiu: - Como eu disse, fui um idiota. Mas - suspirou - Jake é a única coisa da qual não me arrependo no meu casamento. Virou-se e, pela porta, Edie pôde ver que Kyle não viera sozinho. Na outra sala havia um menininho sentado no sofá. O bebê que Serena esperava, a razão por que Kyle havia terminado o relacionamento com ela. - Se soubesse que você estava aqui, jamais teria...

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Edie, no entanto, balançou a cabeça. - Gostaria de conhecê-lo - disse com bastante honestidade. Os olhos de Kyle se iluminaram. - Ele é um ótimo garoto. Você vai adorá-lo. Quem sabe você e eu... - Não - interrompeu Edie. No entanto, ela gostaria de conhecer Jake. E imaginou que Jake gostaria de conhecer os gêmeos. Se ele ia ficar lá por cerca de uma semana, eles podiam se divertir e ela podia se ocupar ainda mais. Precisava se mantiver ocupada porque Nick não viria atrás dela. Ela esperara. Mas ele tivera uma semana. Se fosse para acontecer, já teria acontecido. Ela precisava encarar os fatos, precisava encarar a verdade. Podia amar Nick Savas de maneira fervorosa e tola, porém, por mais que desejasse o contrário, ele não estava disposto ou não era capaz de retribuir o amor dela. Ela não iria voltar. Nick pensou que iria. Mesmo tendo dito a si mesmo para esquecê-la, que ela não era importante, que estava melhor sem ela, em algum lugar bem lá no fundo dele ele não conseguia se convencer. Então fez o melhor que lhe restou fazer. Disse a si mesmo que ela perceberia que estava errada, que estava jogando fora algo bom e voltaria. Ele seria delicado. Não diria "Eu avisei", mesmo tendo avisado. Não iria apontar o quanto ela tinha sido boba ao ir embora ou quanto tempo desperdiçara podendo estar ao lado dele. Apenas sorriria e abriria os braços para ela. Iria tomá-la em um abraço, carregá-la para a cama e lhe mostrar o que havia perdido. Toda vez que pensava em fazer isso, sorria. Eram os únicos momentos do dia em que sorria. Quando estava acordado, passava quase todo o tempo na casa de adobe trabalhando como um condenado. Podia perfeitamente. Não tinha nada melhor para fazer quando estava acordado. E nas horas em que deveria estar dormindo, bem, não o estava fazendo muito, poderia perfeitamente trabalhar também. Quando Edie voltasse, ele lhe mostraria o quanto tinha avançado com a obra. Ela iria adorar. Sorriria e falaria em viver ali. Faria com que ele vislumbrasse esse futuro. Porém, a cada dia em que ela não voltava, suas esperanças esmoreciam um pouco mais. Então, uma semana depois que ela partiu, lá estava ele ao fim do dia se arrastando de volta, abatido e exausto, para a casa de Mona quando Roy veio correndo, latindo. Nick deu a volta pelo canto da garagem e viu um carro estranho na entrada. O portamalas estava aberto. Aporta da frente idem. Ele parou e olhou. A esperança aumentou. Ele começou a sorrir e esfregou afoito, o rosto imundo com a camiseta enrolada no pescoço. Disparou em direção à porta e parou no meio do caminho quando uma mulher saltou. - Rhiannon? Era ela, com Roy pulando ansioso ao seu redor. A irmã de Edie não deu atenção alguma ao cão. Estava olhando para Nick, igualmente atônita.

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- Onde está Edie? - quis saber. - Na Tailândia. Rhiannon franziu a testa. - Na Tailândia? Por quê? Quem é você? Ela não sabia. Imaginou que não deveria ficar surpreso. - Nick Savas. Nós nos conhecemos no casamento do meu primo. O que está fazendo aqui? Qualquer que fosse a resposta que ele esperasse, não esperava a que recebeu. Ela irrompeu em lágrimas. - Preciso de Edie! - Soluços ruidosos vieram em seguida e o rosto dela ficou inchado e vermelho. Pareceu teatral demais para ser verdadeiro, mas uma reflexão momentânea disse a Nick que ela não poderia estar fazendo aquilo de propósito. Aqueles soluços, á deixavam feia demais. - Pelo amor de Deus, Rhiannon - disse ele, dividido entre a vontade de lhe dar um, tapinha nas costas e a de correr na outra direção. - Pare com isso! O que é que há? Ela engoliu o choro, começou a falar. Então começou a chorar de novo e ele precisou esperar que ela parasse para enfim obter uma resposta. - Andrew t-terminou o nosso noiv-vado! – E é; lógico as lágrimas voltaram a cair. Nick se apoiou no outro pé. Considerou a idéia de oferecer a camiseta imunda para que ela limpasse o rosto, depois achou melhor não. - Tenho certeza de que não foi bem isso - disse um tanto sem graça, sem certeza alguma. - F-foi sim! - Rhiannon enfiou a mão no bolso da calça jeans e tirou um lenço que parecia já haver secado de outras crises de choro. - E... E eu mereço. É tudo... Tudo minha c-culpa! Nisso Nick podia acreditar. - Eu estava tentando deixá-lo com ciúme. Ele passa tanto tempo nadando! Matt não significa nada! Hã-hã. - Ele é s-só um amigo. Mas Andrew entendeu mal. Edie d-diz que eu acho que ele não tem sentimentos. Nick podia acreditar nisso também. - Entre - ordenou. - Vou trazer suas malas e depois lhe preparar uma xícara de chá. Rhiannon conseguiu dar um sorriso lacrimoso. - Uma xícara de chá? Ele encolheu os ombros, sentindo-se idiota e sem graça. No entanto, ela concordou e fungou. - Chá está b-bom. Edie faz chá para mim. Você é igual a ela. Não era Deus sabia. Por outro lado, podia ser o maior elogio que ele já recebera. Nick trouxe as malas, pôs a chaleira no fogo, depois subiu, limpou o rosto e vestiu uma camiseta limpa. Queria que Rhiannon fosse embora, mas ao mesmo tempo estava feliz por ela estar ali. Ela representava um elo com a irmã, mesmo que evidentemente fizesse dias que Rhiannon não falava com Edie. Quando ele voltou para o andar de baixo, Rhiannon estava saindo do toalete.

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Também tinha lavado o rosto, que ainda estava inchado, e os olhos estavam vermelhos. - Não sei o que fazer. - Ela o seguiu até a cozinha, como uma alma penada. - O que você acha? Nick preparou o chá e deu a caneca na mão dela. - Beba isto. Ela tomou um gole. Depois, agarrando-se à caneca como a uma bóia, levou-a para o sofá e se encolheu em um canto. - Edie saberia o que fazer. - Soluçou sobre a caneca de chá, ergueu o olhar e o fixou em Nick. - O que devo fazer? Como se ele fosse um guru do amor. Como se ele fosse Edie. O que Edie faria? Perguntou: - Onde está Andrew? - Aqui. Nick olhou à volta, perguntando-se se de alguma forma não havia percebido a presença de Andrew na sala. - Aqui onde? - Em casa. Os pais dele moram a cerca de l, 5 km daqui. Ele está com os d-dois. - Ela soluçava de novo. - Não vai querer falar comigo. - Você tentou? - N-não. - Bem, então... - Ele disse que está cheio. Que vai arranjar outra namorada! Disse que me odeia. Era a primeira coisa que soava promissora. - Não odeia - refutou Nick com firmeza. - Vá falar com ele. - Mas... - Escute. - Ele se sentou ao lado de Rhiannon no sofá e se inclinou na direção dela, com honestidade absoluta. - Se Andrew diz que a odeia, está tentando não amá-la. Ele ainda não chegou lá. Rhiannon o fitou, os olhos arregalados. Fungou. Duas vezes. - Tem c-certeza? Tinha? Que diabos ele sabia a respeito do amor? Bastante, foi á resposta inteiramente inesperada. Ele já amara uma vez. Estava amando agora, Edie. Reconhecer isso foi como um soco no estômago. - Mas e se ele tiver arranjado outra namorada? - perguntava Rhiannon. Não importava. Assim como não havia importado, que Derek Sei-Lá-Quem tentara se meter na vida de Edie. - E se tiver? - o desafiou. - Você vai ficar aí sentada e deixá-la ficar com ele? - Eu... - Rhiannon parou e o olhou indefesa. - Você pode fazer isso - continuou Nick, - se não liga para ele. Ou se pode fingir que não liga. - Esperou a ficha cair. – Ou - seu olhar penetrou no dela - pode correr o risco. Correr o risco. Correr o risco. Correr o risco. As palavras martelavam a cabeça de Nick. Rhiannon não respondeu. Olhou para ele. Depois para a caneca de chá. Nick não se

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importava com o que ela fizesse. As palavras ficavam gravadas em seu cérebro. Então ela ergueu o olhar e encontrou o dele. - Vou correr o risco. As palavras dela caíram como uma pedra sobre a água plácida. Nick quase pôde ver as ondulações. Com certeza pôde senti-las. Ela não terminou o chá. Pôs a caneca sobre a bancada, passou uma escova nos cabelos, secou novamente o rosto, mas no último minuto pegou uma caixa de lenços para levar. - Só por precaução - esclareceu para Nick, que ainda estava sentado no sofá; aquelas palavras uma réplica á seu próprio desafio ainda ecoando na mente. Rhiannon parou ao lado dele, então se inclinou para beijar-lhe o rosto. - Obrigada - disse. - Espero que você esteja certo. Nick a observou partir. Assim que ela saiu pela porta, ele pegou o celular e ligou para a companhia aérea, também pedindo a Deus que estivesse certo.

CAPÍTULO DEZ

O problema de fugir quando se é adulto é que, alguma hora, é preciso voltar para casa. Edie sabia disso. Aceitava. Só esperava ter tomado a atitude certa e deixado Nick para trás quando o fizesse. Deus sabia que ela havia tentado. Havia se entregado com vingança à vida na Tailândia. Além de exercer o trabalho regular para Mona, pássara grande parte de tempo com os gêmeos e Grace. E já que ele estava lá, e realmente não significava mais nada para ela agora, até se viu saindo com Kyle e o filho, Jake. No entanto, por mais tempo que passasse com todos eles, não era o bastante. Onde quer que ela esteja o que quer que esteja fazendo, Nick estava sempre com ela. Não conseguiria superar até ir para casa e encará-lo ou pelo menos encarar a reforma da casa de adobe que ele tivesse concluído. Isso também poderia não funcionar. Porém, uma vez que o filme de Mona havia terminado e estavam todos deixando o país, era a única esperança que Edie tinha. - Você não precisa ir para casa - disse-lhe Kyle quando ela lhe trouxe o cartão de embarque dele naquela tarde. Ele e Jake iriam passar algumas semanas no Caribe antes que Kyle começasse a trabalhar com Mona no novo filme. Agora ele estava sentado no jardim dela observando Jake brincar na maior algazarra com Dirk. Porém, depois de enfiar o cartão no bolso, Kyle se virou para Edie com um sorriso luminoso e sugeriu: - Rasgue o seu. Venha conosco. Ela balançou a cabeça. - Obrigada, mas não posso. - Você não está feliz - assinalou-o. Isso era óbvio para qualquer um, embora ela 114

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fizesse o máximo para disfarçar. Edie deu de ombros. - Então eu devo levar a minha infelicidade para vocês? - Riu com uma ponta de ressentimento. - Obrigada, mas acho que não. - Eu poderia fazê-la feliz - disse Kyle com sua costumeira confiança. Mas em seguida o sorriso esmaeceu um pouco e ele acrescentou: - Eu poderia tentar Edie. - Kyle... - Eu sei que você me disse para esquecer. Mas nós demos certo juntos uma vez... Até eu estragar tudo. Eu fui um otário. - Balançou a cabeça. - Vou me arrepender para o resto da vida. - Mas não se arrepende de Jake. Ele virou para olhar o filho brincando com os gêmeos. Observou por um longo instante, depois se voltou para Edie. - Não - reconheceu com serenidade. - Disso eu não me arrependo. Em seguida ambos ficaram em silêncio, e Edie se perguntou se estava sendo otária, também, ao jogar fora a chance de algum tipo de felicidade só porque não era com o homem que realmente queria. No entanto, só havia uma resposta para isso. - Obrigada - disse, olhando bem para Kyle, sorrindo e balançando a cabeça. - Mas não posso. Sempre serei sua amiga, mas eu não te amo. A expressão dele era de ressentimento. - Nada que eu não mereça - reconheceu. - Ainda assim, se mudar de idéia, você sabe onde me encontrar. - Então abaixou a cabeça e beijou-lhe os lábios. - Por que diabos você o está beijando? Edie girou o corpo. Nick? Ele mesmo! Com o rosto pétreo e furioso, Nick estava na sala fuzilando-a com os olhos. Atrás dele, diante da porta da frente aberta, uma nervosa Malee torcia as mãos. Edie olhou, espantada, a cabeça dando voltas. O que ele estava fazendo ali? Seu coração bateu forte. Indo direto ao ponto, por que estava preocupado, com quem ela beijava? Ele não a queria a não ser na cama. Ela se enfureceu: - Eu beijo quem eu quiser! - Levantou-se e olhou para ele irritada. - E, falando nisso, o que você está fazendo aqui? O maxilar de Nick se moveu. Ele ainda segurava uma mochila, que pusera no chão. - Preciso falar com você. - O olhar reluzia, o peito arfava. - Sobre o quê? - indagou Edie, com medo de ter esperanças. Já havia feito isso. Não podia fazer outra vez. - Você não tem de falar com ele - interrompeu Kyle com calma. - Tem sim, e muito - retrucou Nick. - Não tem - insistiu Kyle, pondo-se entre os dois. Edie pensou que Nick fosse pegá-lo e ô atirar no lago do jardim. - Você quer falar com ele? - perguntou a ela. - Ou eu devo quebrar; a cara dele? - Gostaria de vê-lo tentar - disparou Nick. Kyle não recuou. Nick deu um passo à frente. Malee, os gêmeos e Jake prenderam a

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respiração ao mesmo tempo. - Deixe-o falar - instou Edie, insegura. - O que há de tão importante para você ter vindo até o outro lado do mundo? Os olhos de Nick se fixaram nela, ainda reluzindo. - Rhiannon precisava de você - disse ele. - Você não estava lá. As palavras dele destruíram qualquer esperança que ela ainda tivesse. Edie ficou estarrecida: - E você veio até a Tailândia para me dizer isso? - Não fazia o menor sentido. - Não, mas isso me trouxe até aqui. - Não entendi. - Teria acontecido algo com sua irmã? Ela recebera mensagens de Rhiannon. Várias. Mas Edie estava seguindo o exemplo de Mona. Havia se decidido a parar de tentar consertar a vida amorosa de Rhiannon. Agora, de repente, ficou apavorada. - O que aconteceu com Rhiannon? - quis saber. - Vou lhe contar - respondeu Nick com calma, - mas preferiria que fosse sem platéia. - Você não precisa ouvi-lo, Edie - lembrou Kyle. Nick abriu a boca, mas ela o cortou: - Tudo bem. Venha - chamou. - Vamos até o escritório. Seguiu na frente, ciente da presença dele logo atrás. Porém, não voltou o olhar até Nick fechar a porta. Então virou para ele e perguntou: - Diga! O que há com Rhiannon? O que aconteceu? Nick abriu um frágil sorriso. - Tudo bem. Ela está acertada com Andrew. Casada com ele, para falar a verdade. Edie sentiu as pernas tremerem como gelatina. - O quê?! Nick encolheu os ombros. - Eu também não esperava. Mas ela chegou a casa há três dias. Não, acho que quatro. Que dia é hoje? - Sexta - respondeu Edie, distraída. - Continue. - Ela devia estar ouvindo coisas. - Ok. - Ele passou a mão pelos cabelos. A aparência dele era horrível. Insone, pálido, cheio de olheiras, os cabelos desgrenhados e uma barba de pelo menos dois dias no rosto. E lindo também. Ela queria estender os braços para ele, tocá-lo. Não se atreveu. Cerrou as mãos em punhos. - Ela foi à sua procura - narrou ele. - Chorando. O mundo havia acabado. Andrew tinha terminado com ela. Era tudo culpa dela. Ela o amava tanto. - Nick pareceu atormentado ao se lembrar. Edie assentiu com a cabeça. Sim, aquilo era a cara de Rhiannon. - Queria saber o que fazer - continuou Nick. - Mas, diabos, como eu ia saber? - Agora ele parecia mais do que atormentado. Começou a andar para lá e para cá no pequeno escritório, esfregando a mão nos cabelos, estalando os músculos da nuca. - Você que não entra em relacionamentos, quer dizer? Ele lhe disparou um olhar e em seguida curvou os ombros. - Isso mesmo. Então pensei: o que você faria? - E o que eu faria? - perguntou Edie, curiosa.

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Ele encolheu os ombros. - Dei a ela uma xícara de chá. Edie suprimiu um sorriso. Não tinha vontade de sorrir. Tinha vontade de chorar. - Tenho certeza de que isso ajudou - disse com ar sério, vencendo o nó na garganta. - Ajudou - respondeu Nick com brevidade. - Então eu lhe disse que fosse falar com ele. Disse que ele ainda a amava. - Como você saberia uma coisa dessas? - Ora, porque ela me contou que ele disse que não a amava. Como se fosse uma escolha! - Pensei que fosse uma escolha - lembrou-lhe Edie com voz calma. - Isso é balela - retrucou-o, categórico. - Não dá para impedir. É o destino. - Olhava direto para ela. - Assim como eu amo você. O mundo parou. O ruído parou. Bem, talvez não o ruído. Edie podia ouvir os gêmeos e Jake gritando no jardim. Mas todos os outros ruídos do mundo pararam. E seu coração. Seu coração parou também. Ela olhou para ele. Muda. Incrédula. - Eu te amo - repetiu Nick, a voz áspera. Ele parecia arrasado. - E foi isso que você veio me dizer? - arriscou Edie, incerta, embora seu coração cantasse, fosse isso bom ou não. Nick com certeza não parecia animado com a descoberta. Parecia tão inseguro quanto ela se sentia. Em seguida perguntou, com a voz falha: - O que aconteceu com o "eu também te amo"? Então Edie compreendeu. Viu a dor dele tal como era, medo. Mas ele o derrotara. Dissera as palavras. Acreditara nelas! E era isso o que importava. Ela correu para ele e jogou os braços ao redor dele. - Eu também te amo! - E beijou seu queixo áspero, seu maxilar barbado, sua boca quente e faminta. Nick a segurou, beijando-a, envolvendo-a num abraço tão apertado que ela mal pôde respirar. Não importava. Todo o fôlego que ela tivesse era para ele. Edie o beijou de volta, ávida por ele, desesperada por ele. Queria-o ali e agora, mas só havia uma cadeira giratória no quarto e uma pequena escrivaninha. Nick olhou em volta ao mesmo tempo em que ela, viu o que ela viu e chegou à mesma conclusão, lamentando: - Que falta de planejamento. Edie riu descontroladamente. - Mais tarde - prometeu. Em seguida perguntou: - Vai haver mais tarde, não vai? - Se Deus quiser - respondeu ele com fervor. - Vai - jurou ela. - Vai - repetiu, sabendo que ele precisava ouvir isso. - Não vai ser como Amy. - Você não sabe nada disso - respondeu Nick de forma rude. - Tem razão, claro. Eu não sei. Não sei o que aconteceu. - Ela teve um aneurisma - revelou-o. - Ninguém sabia que havia algo de errado com ela. Então, dois dias antes do casamento, ela simplesmente... - Interrompeu a frase, não pôde continuar. Edie voltou a beijá-lo, em seguida colou o rosto no dele.

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- Sinto muito. Muito mesmo. - Eu também. Foi culpa minha. - Aneurismas não são culpa de ninguém - contestou ela. - Esse foi. Ficar adiando o casamento. Ela não ligava para a casa. Eu não deveria tê-la feito esperar. - Não há como adivinhar uma coisa dessas - disse-lhe Edie. - Eu sei. E ainda assim - ele balançou a cabeça, exausto - não pude evitar. Quis morrer também. Não queria passar por isso nunca mais. Escolhi não passar. - Levantou a cabeça e encontrou o olhar de Edie. - Pelo menos tentei. - Ainda bem que não funciona assim - respondeu ela com ternura. Ainda tinha os dedos entrelaçados nos de Nick. Repousou-os sobre o peito dele e por baixo pôde sentir o batimento constante e forte do coração. - Ainda bem. - Nick virou a cabeça e seus lábios tocaram a testa de Edie. Beijou-a. Beijou-lhe os cabelos. - Quer se casar comigo? Por mais que ela quisesse ouvir aquelas palavras, quando ouviu, elas foram inesperadas. - É isso que você quer? - perguntou, precisando de certeza. Nick assentiu: - É. - Ele contorceu um canto da boca. - Perguntei a Rhiannon se ela iria lutar por Andrew, se ousaria correr o risco. Ela ousou. E eu vi que se ela tinha coragem suficiente para ir atrás do que queria, eu também deveria correr o risco por você. - Inclinou a cabeça e encostou os lábios nos dela. - Eu te amo, Edie. Então Edie acreditou. Confiou. E pôs seu coração à disposição dele. - Eu também te amo. E, sim, por favor, eu quero me casar com você. O dia do casamento o deixou apavorado. Não que Nick deixasse transparecer. Imaginou que Edie soubesse. Ela parecia saber no que ele estava pensando antes mesmo que ele pensasse. Mas todos os outros estavam focados na noiva. Ele também. Não era supersticioso. Não achava que dois raios pudessem cair no mesmo lugar. Mas não conseguia deixar de se preocupar. Não queria perdê-la. Se Amy fora o primeiro amor dele, Edie era o amor eterno. Ela era tudo para ele. Dava sentido a cada passo dele. E enquanto aguardava que ela descesse as escadas da casa da mãe e fosse até ô pavilhão vestida de noiva para desposá-lo, Nick sabia que seu coração martelava, seu colarinho o sufocava, seus dedos tremiam. Ao lado dele, seu primo Yiannis, o padrinho, murmurou: - Você não vai desmaiar, vai? O pior de tudo era que Nick não podia prometer que não iria. Não podia dizer nada. Só podia aguardar. E, então, lá estava ela, sua linda noiva de cabelos escuros, sua Edie. Indo ao encontro dele, os olhos brilhando de júbilo, sorrindo só para ele. Ele voltou a respirar. - Graças a Deus - murmurou Yiannis.

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- Você trouxe as alianças? - perguntou Nick por entre os dentes. - Alianças? - Yiannis pareceu não estar entendendo. Então, diante do olhar aterrorizado de Nick, deu um sorriso jocoso. - Estão bem aqui. - Apalpou o bolso. - Nada de desistir agora. - Não pretendo - respondeu Nick enquanto Edie chegava e ele pôde tomar a mão dela. - Vamos em frente. E foram. Curta e bela. Uma cerimônia absolutamente perfeita apenas com a família e amigos íntimos presentes, seguida de uma festa para Rhiannon e Andrew, bem como para eles. Estendeu-se por horas. Porém, Nick e Edie não estavam lá. Estavam partindo para a lua de mel. - Para onde vamos à lua de mel? - perguntou ela. - Por que não quer me contar? - Logo, logo você vai ver - respondeu ele. - Vou gostar? - Espero que sim. Estavam no apartamento dela prontos para a partida. Podiam ouvir a música, a dança e a celebração do outro lado, na casa. Rhiannon e Andrew estavam se divertindo à beca. Nick estava feliz por eles estarem lá. Estava pronto para ir em frente. - Eu nem sei o que levar - queixou-se Edie. - Não sei o que vestir. - Eu fiz as suas malas. E o que você está vestindo está bom por ora - respondeu Nick. Ela trocara o vestido de noiva por um short e uma camiseta para relaxar. - Isto? - perguntou ela desconfiada. - Perfeito - afirmou ele. Pegou a mala que havia feito com uma das mãos e a de Edie com a outra. - Vamos. Nick a conduziu escada abaixo, mas, quando ela ia virar na direção do carro na garagem, ele virou para o outro lado, para as árvores. Edie parou de repente, e Nick notou que ela compreendeu. - Nick? - Ela agarrou-lhe a mão e ficou olhando para ele, com os olhos arregalados, curiosa. Ele a puxou com delicadeza. - Venha. Edie não ia à casa de adobe desde que voltaram da Tailândia. Não tivera muito tempo. Haviam planejado o casamento em menos de uma semana. E nas poucas vezes em que sugerira ir ver o progresso da restauração, ele encontrara razões para adiar. Nick sentiu um vestígio do antigo medo que lhe era familiar ao pegar a mão dela e a conduzir morro acima e abaixo até o outro lado, onde a velha casa os esperava. Uma luz suave vinda do alpendre os recepcionou enquanto a tarde caía. A aparência era boa. Os degraus da frente eram sólidos; o alpendre, amplo, com cadeiras baixas em estilo espanhol de madeira e couro para se sentarem do lado de fora numa tarde de clima ameno. Edie olhou boquiaberta. As paredes externas haviam todas sido finalizadas com reboco caiado. Todas as vigas e as mísulas haviam sido consertadas ou substituídas e o

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telhado estava inteiro novamente. Luzes brilhavam, vindas de dentro, através das janelas embutidas. - Está linda - murmurou Edie. - Muito mais bonita do que eu lembrava. - Segurou a mão de Nick e, em vez de subir os degraus, o arrastou por trás de si para brincar no alpendre agora pintado e pronto. Abraçou-o forte, os olhos brilhando. - Está perfeita. Então subiu até o alpendre e espiou pelas janelas. - Móveis? - Virou-se para olhar para Nick. - Alguns. Você não pensou que íamos dormir no chão, pensou? - Eu não pensei que íamos passar nossa lua de mel aqui! - Achou ruim? - Ele achou que seria perfeito, mas agora se perguntava se estava enganado. No entanto, Edie sorria. - De modo algum. É o melhor lugar. - Passou a mão por uma das vigas de suporte. Foi assim que vi que você me amava. Nick olhou para ela. - O quê? - Você jamais teria sugerido reformar uma velha construção deteriorada e de terceira categoria se não me amasse - disse Edie com alegria. - Teria? Ele pensou de maneira lógica, analítica, sensata e sabia que ela estava certa. - Acho que não. Então foi a vez de Nick pegá-la pela mão e a conduzir pela frente da casa, levá-la para cima até o espaçoso alpendre. Ali ele parou e tirou o envelope que estava afixado à porta. Entregou-o a Edie. - É para você. Os dedos de Edie tremeram ao pegá-lo. Ela ô abriu lenta e desajeitada mente. Então abaixou a cabeça e o leu, primeiro em silêncio, depois em voz alta: - "Minha querida filha" - começou a voz oscilando. - "Sempre houve amor nesta casa quando seu pai e eu vivíamos aqui. Desejo a você e a Nick uma vida inteira do mesmo amor. A casa é de vocês. Sei que você e Nick farão dela um maravilhoso lar. Espero que as lembranças que você já tem e as que vierem a construir sejam tão maravilhosas quanto você é. Com amor, mamãe." Lágrimas caíram pelo rosto. Fungando, Edie tentou secá-las. - Vem cá - chamou Nick com carinho, inclinando a cabeça e beijando-as uma por uma. - Mamãe - disse Edie, rindo baixinho. - Mamãe. - Ela não a chamava assim havia anos. Mas estava certo. Tudo estava certo. - E não Mona - concordou ele. - Espere só até aparecer alguém para chamá-la de vovó - respondeu ela com uma súbita alegria. Nick riu também. - Mal posso esperar. Eu te amo. - E a pegou nos braços, abriu a porta com o pé e a levou para dentro do lar do passado dela e do futuro de ambos.

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- Na verdade, Sr. Savas, eu acho que devíamos começar a tratar disso agora mesmo.

Fim

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