GuiaS de Medicina aMbulatorial e HoSpitalar da epM-unifeSp
NUTRIÇÃO clínicA no Adulto 3a edição Lilian Cuppari editor da série: N e s t o r S c h o r
Guia de Nutrição Clínica no Adulto
3a edição
Guia de Nutrição Clínica no Adulto
3a edição
Editor da série Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar N ESTOR S CHOR Professor Titular da Disciplina de Nefrologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). Titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia Nacional de Medicina (ANM).
Coordenação deste guia L ILIAN C UPPARI Nutricionista pelo Centro Universitário São Camilo. Mestre em Nutrição e Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. Coordenadora do Grupo de Nutrição do Hospital do Rim e Hipertensão da Fundação Oswaldo Ramos. Professora-afiliada da Disciplina de Nefrologia da EPM-Unifesp. Vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Nutrição da EPM-Unifesp. Coordenadora do Curso de Especialização em Nutrição Aplicada às Doenças Renais da EPM-Unifesp.
Copyright© 2014 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com a Fundação de Apoio à Unifesp (FAP). Logotipos: Copyright© Escola Paulista de Medicina (EPM) Copyright© Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Copyright© Fundação de Apoio à Unifesp (FAP)
Editor gestor: Walter Luiz Coutinho Editora: Karin Gutz Inglez Produção editorial: Visão Editorial, Cristiana Gonzaga S. Corrêa e Juliana Morais Diagramação: Andressa Lira Fotos do miolo: gentilmente cedidas pelos autores e coordenadora Ilustrações do miolo: André Stefanini Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Guia de nutrição : clínica no adulto / coordenação deste guia Lilian Cuppari. – 3. ed. -- Barueri, SP : Manole, 2014. -(Série guias de medicina ambulatorial e hospitalar / editor Nestor Schor) Vários autores. ISBN 978-85-204-3823-7 1. Nutrição I. Cuppari, Lilian. II. Schor, Nestor. III. Série. CDD-613.2 13-05281 NLM-QT 235 Índices para catálogo sistemático: 1. Nutrição clínica no adulto 613.2 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox.
1a edição – 2002 2a edição – 2005 3a edição – 2014 Direitos adquiridos pela: Editora Manole Ltda. Avenida Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Tel.: (11) 4196-6000 – Fax: (11) 4196-6021 www.manole.com.br
[email protected] Impresso no Brasil Printed in Brazil
São de responsabilidade dos autores e da coordenadora as informações contidas nesta obra.
Autores
A DENILDA Q UEIRÓS S ANTOS D EIRÓ Especialista em Fisiologia do Exercício pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). Mestre em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Imunologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Adjunta da Disciplina de Patologia da Nutrição e Dietoterapia II do Departamento de Ciências da Nutrição da UFBA.
A DRIANA B OTTONI Especialista em Medicina Intensiva e em Nutrologia com Área de Atuação em Nutrição Parenteral e Enteral e em Administração em Saúde. MBA em Economia e Gestão em Saúde pela EPM-Unifesp. Especialista em Administração para Médicos pela Fundação Getulio Vargas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-Eaesp). Mestre em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo. Diretora da Funzionali – Assistência Especializada aos Distúrbios Nutricionais, SP.
A DRIANA C LÁUDIA M INATTI M ORI Farmacêutica pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Administração Hospitalar pela FGV-Eaesp.
A LESSANDRA C ALÁBRIA B AXMANN Especialista e Mestre em Nutrição e Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp.
A LEXANDRE R ODRIGUES L OBO Mestre e Doutor em Ciências dos Alimentos pelo Programa de Pós-graduação em Ciências dos Alimentos do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP). Professor Doutor da Disciplina de Minerais em Nutrição e Pesquisador de Pós-doutorado do Laboratório de Minerais em Alimentos e Nutrição do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP. Coordenador da Comissão Técnica de Divulgação e Membro da Comissão Técnica de Cursos da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN).
V
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
VI
A NA R AIMUNDA D ÂMASO Livre-docente em Obesidade Clínica e Experimental, Mestre em Biodinâmica do Movimento Humano e Doutora em Ciências em Nutrição pela EPM-Unifesp. Professora-associada e Livre-docente da Disciplina de Exercício e Doenças Metabólicas do Departamento de Biociências da EPM-Unifesp. Orientadora nos Programas de Pós-graduação em Nutrição e Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Unifesp. Coordenadora do Grupo de Estudos da Obesidade (GEO) da EPM-Unifesp. Membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso).
A NDREA B OTTONI Mestre em Nutrição e Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. MBA Executivo em Gestão de Saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). MBA em Gestão Universitária pelo Centro Universitário São Camilo. Docente da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Diretor da Funzionali – Assistência Especializada aos Distúrbios Nutricionais, SP.
A PARECIDA N ATANE V IEIRA
DE
S OUZA
Especialista em Obesidade e Emagrecimento pela Unifesp. Nutricionista Clínica Responsável pela Unidade Coronariana e pelo Programa de Cuidados Clínicos em Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST (IAMSST) do Hospital do Coração (HCor).
B ETZABETH S LATER V ILLAR Mestre em Nutrição Humana Aplicada pelo Programa de Atualização em Nutrição Clínica (Pronutri) da USP. Doutora em Nutrição e Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Professora da Disciplina de Técnica Dietética do Departamento de Nutrição da FSP-USP.
C AMILA M ARCUCCI G RACIA Especialista em Nutrição Hospitalar em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP). Nutricionista do Check-up Clínico e Esportivo do HCor.
C ARLA M ARIA A VESANI Mestre e Doutora em Ciências (Nutrição) pela EPM-Unifesp. Professora Adjunta da Disciplina de Nutrição Clínica II do Departamento de Nutrição Aplicada do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Membro da International Society of Renal Nutrition and Metabolism (ISRNM).
C ELESTE E LVIRA V IGGIANO Nutricionista Clínica pelas Faculdades de Ciências da Saúde São Camilo. Mestre em Saúde Pública pela FSP-USP. Membro do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
C ÉLIA C OLLI Mestre em Análises Clínicas pela FCF-USP. Doutora em Ciências dos Alimentos pela FCF-USP. Professora da Disciplina de Nutrição Humana do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP. Editora Científica da Revista Nutrire, da SBAN. Sócia da SBAN e da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTA).
VII
Especialista em Nutrição Clínica pelo Centro Universitário São Camilo. Doutora em Ciências pela FMUSP. Professora Adjunta do Curso de Nutrição do Departamento de Biociências da Unifesp.
C RISTINA M ARTINS Especialista em Suporte Nutricional pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE). Mestre em Nutrição Clínica pela New York University, NY, EUA. Doutora em Ciências Médicas (Nefrologia) pela Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS). Diretora-geral da Nutro – Soluções Nutritivas. Diretora Acadêmica do Instituto Cristina Martins de Educação em Saúde.
C YNTIA C ARLA
DA
S ILVA
Nutricionista pelo Centro Universitário São Camilo. Especialista em Distúrbios Metabólicos e Risco Cardiovascular pelo Centro de Extensão Universitária. MBA em Gestão de Qualidade de Vida nas Organizações pelo Centro Universitário São Camilo.
D AN L INETZKY W AITZBERG Médico. Livre-docente, Mestre e Doutor em Cirurgia pela FMUSP. Professor-associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP. Coordenador do Laboratório de Metabologia e Nutrição da FMUSP. Coordenador Clínico da Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional (EMTN) do Instituto Central (IC) do HC-FMUSP, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Hospital Santa Catarina. Diretor do Ganep – Nutrição Humana.
D ANILO T AKASHI A OIKE Especialista em Fisiologia do Exercício pela Universidade Gama Filho (UGF). Mestre e Doutor em Ciências pela Disciplina de Nefrologia do Departamento de Medicina da EPM-Unifesp.
D EBORA S TROSE V ILLAÇA Mestre em Ciências da Saúde pela Unifesp.
D IRCE M ARIA L OBO M ARCHIONI Mestre e Doutora em Saúde Pública pela FSP-USP. Professora-associada da Disciplina de Métodos para Avaliação do Consumo Alimentar de Populações do Departamento de Nutrição da FSP-USP.
E LIANE R ODRIGUES
DE
F ARIA
Nutricionista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Mestre e Doutora em Ciência da Nutrição pelo Departamento de Nutrição e Saúde da UFV. Professora do Curso de Nutrição do Departamento de Farmácia e Nutrição da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
E LIANE S AID D UTRA Profissional de Educação Física e Nutricionista. Mestre em Nutrição Humana e Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). Professora Adjunta do Departamento de Nutrição da UnB.
AUTORES
C LAUDIA C RISTINA A LVES P EREIRA
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
VIII
E THIANE
DE
J ESUS S AMPAIO
Nutricionista do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (Comhupes) da UFBA. Especialista em Nutrição Clínica pela UGF. Mestre em Alimentos, Nutrição e Saúde pela Escola de Nutrição da UFBA.
F ÁTIMA A PARECIDA A RANTES S ARDINHA Especialista em Nutrição em Saúde Pública pelo Departamento de Medicina Preventiva da EPM-Unifesp. Mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria pela Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da EPM-Unifesp. Doutora em Ciências dos Alimentos – Nutrição Experimental pela USP.
F ERNANDA B AEZA S CAGLIUSI Nutricionista pela FSP-USP. Doutora em Educação Física e Pós-doutora em Nutrição em Saúde Pública pela FSP-USP. Professora Adjunta do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS) do Departamento de Saúde, Clínica e Instituições da Unifesp.
F ERNANDA D ALPICOLO Especialista em Nutrição Humana e Terapia Nutricional pelo Instituto de Metabolismo e Nutrição (IMeN). Nutricionista Clínica e do Programa de Cuidados Clínicos em Insuficiência Cardíaca do HCor.
F RANCIANE R OCHA
DE
F ARIA
Nutricionista e Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Doutoranda em Ciências da Nutrição do Programa de Pós-graduação do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV.
J ULIANA Q UEIROZ V ASCONCELOS M UNIZ Acadêmica do Curso de Medicina da UFBA.
J ÚLIO C ÉSAR M ARTINS M ONTE Especialista em Nefrologia, Mestre e Doutor em Medicina pela EPM-Unifesp. Professor-afiliado da Disciplina de Nefrologia do Departamento de Medicina da EPM-Unifesp. Gerente Médico de Ensino da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SBIBAE). Nefrologista do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).
K ÊNIA M ARA B AIOCCHI
DE
C ARVALHO
Nutricionista e Mestre em Ciências da Saúde pela UnB. Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. Professora-associada do Departamento de Nutrição da UnB.
L ÍLIAN B ARBOSA R AMOS Especialista em Nutrição em Saúde Pública pela EPM-Unifesp. Gerontóloga Titulada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Mestre em Nutrição Humana Aplicada pela USP. Doutora em Ciências da Saúde pela Unifesp. Professora-assistente da Disciplina de Avaliação Nutricional do Departamento de Ciência da Nutrição da Escola de Nutrição da UFBA. Membro da SBGG (seção Bahia).
IX
Nutricionista pelo Centro Universitário São Camilo. Mestre em Nutrição e Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. Coordenadora do Grupo de Nutrição do Hospital do Rim e Hipertensão da Fundação Oswaldo Ramos. Professora-afiliada da Disciplina de Nefrologia da EPM-Unifesp. Vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Nutrição da EPM-Unifesp. Coordenadora do Curso de Especialização em Nutrição Aplicada às Doenças Renais da EPM-Unifesp.
L ÚCIA C ARUSO Especialista em Nutrição Clínica pelo Centro Universitário São Camilo. Mestre em Nutrição Humana Aplicada pela FCF-USP. Professora da Disciplina de Terapia Nutricional do Centro Universitário São Camilo. Coordenadora do Programa de Aprimoramento Nutricional “Nutrição Hospitalar” do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital Universitário (SND-HU) da USP. Nutricionista do SND-HU–USP. Coordenadora Técnica da EMTN do HU-USP.
L UCIANE C ELESTE L AZARI B ERBEL Médica Especialista em Endocrinologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
M ARIA A YAKO K AMIMURA Especialista em Nutrição em Nefrologia, Mestre em Nutrição, Doutora e Pós-doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. Professora Orientadora do Programa de Pós–graduação em Nutrição da EPM-Unifesp. Colaboradora da Fundação Oswaldo Ramos da EPM-Unifesp.
M ARIA B ETY F ABRI B ERBEL Nutricionista pelas Faculdades de Ciências da Saúde São Camilo. Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Norte do Paraná (Unopar).
M ARIA C RISTINA L ERARIO Nutricionista. Mestre em Reabilitação Pulmonar pelo Centro de Reabilitação Pulmonar da Disciplina de Pneumologia do Departamento de Medicina da EPM-Unifesp.
M ARIA I ZABEL L AMOUNIER
DE
V ASCONCELOS
Especialista em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde pela FGV, em Nutrição Clínica pelas Faculdades de Ciências da Saúde São Camilo, e em Nutrição Parenteral e Enteral pela SBNPE. Mestre em Ciências dos Alimentos pelo Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP.
M ARILENE P INHEIRO E UCLYDES Economista Doméstica. Especialista em Nutrição Materno-infantil pela Purdue University, Indiana, EUA. Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFV. Professora Aposentada do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV.
AUTORES
L ILIAN C UPPARI
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
X
M ARINA N OGUEIRA B ERBEL B UFARAH Especialista em Dietoterapia na Insuficiência Renal Crônica pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Mestre e Doutoranda em Fisiopatologia em Clínica Médica da Unesp.
M AURO B ATISTA
DE
M ORAIS
Professor-associado, Livre-docente da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da EPM-Unifesp. Coordenador do Curso de Especialização em Gastroenterologia Pediátrica para Nutricionistas da EPM-Unifesp.
M AYUMI S HIMA Especialista em Nutrição Clínica pelo IC-HC-FMUSP e pela Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) e em Nutrição Parenteral e Enteral pela SBNPE. Nutricionista Clínica do Centro de Terapia Intensiva – Adultos do HIAE.
N AIARA S PERANDIO Nutricionista. Mestre em Ciência da Nutrição e Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência da Nutrição do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV.
N ELMA S CHEYLA J OSÉ
DOS
S ANTOS ( IN
MEMORIAM )
Nutricionista. Mestre em Nutrição pelo Programa de Pós-graduação em Nutrição da EPM-Unifesp.
P ATRÍCIA
DA
G RAÇA L EITE S PERIDIÃO
Nutricionista da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da EPM-Unifesp. Professora Adjunta do Curso de Nutrição da Unifesp.
R AQUEL M UNHOZ
DA
S ILVEIRA C AMPOS
Especialista em Atividade Física, Exercício Físico e os seus Aspectos Psicobiológicos pelo Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício (CEPE) da EPM-Unifesp, e em Fisioterapia Hospitalar pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEPAE). Mestre em Ciências pela EPM-Unifesp. Doutoranda em Ciências da EPM-Unifesp. Integrante do GEO da EPM-Unifesp.
R EGINA M ARA F ISBERG Mestre em Biologia Molecular e Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. Professora-associada da Disciplina de Nutrição da FSP-USP. Membro da Comissão de Coordenação da Pós-graduação em Nutrição e Saúde Pública da FSP-USP. Membro da SBAN.
R EJANE D IAS
DAS
N EVES -S OUZA
Farmacêutica e Bioquímica, Mestre e Doutora em Ciência de Alimentos pela UEL. Professora Titular da Disciplina de Bromatologia do Departamento de Nutrição da Unopar.
R ENATA B RUM M ARTUCCI Doutora em Ciências dos Alimentos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nutricionista do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Professora Adjunta de Patologia e Dietoterapia do Departamento de Nutrição Aplicada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
XI DE
C ÁSSIA R ODRIGUES
Médica Especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), em Medicina Intensiva pela Associação Brasileira de Medicina Intensiva (Amib) e em Nutrição Parenteral e Enteral pela SBNPE. Coordenadora Clínica da EMTN dos Hospitais Unimed de Limeira e do Hospital do Coração de Campinas. Diarista da Unidade Coronariana do Hospital do Coração de Campinas e Plantonista da Unidade de Referência Vascular Aguda (Urva) do Complexo Hospitalar Ouro Verde de Campinas.
R OSANA P ERIM C OSTA Especialista em Nutrição em Cardiologia pela Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Mestre em Ciências da Saúde pela Unifesp. MBA em Gestão em Saúde pela FGV. Gerente de Nutrição do HCor.
R OSÂNGELA P ASSOS
DE
J ESUS
Especialista em Nutrição Clínica Funcional pela Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), SP. Mestre em Nutrição pela EPM-Unifesp. Doutora em Ciências da Saúde pela FMUSP. Professora Adjunta da Escola de Nutrição da UFBA. Vice-diretora da Escola de Nutrição da UFBA. Coordenadora do Ambulatório de Nutrição e Hepatologia da UFBA. Membro da SBNPE.
S AMANTHA C AESAR
DE
A NDRADE
Especialista em Adolescência para Equipe Multidisciplinar pela EPM-Unifesp. Mestre em Saúde Pública pela FSP-USP. Nutricionista do Centro de Referência para a Prevenção e Controle de Doenças Associadas à Nutrição (CRNutri) do Centro de Saúde “Escola Geraldo de Paula Souza” da FSP-USP.
S ERGIO
DOS
A NJOS G ARNES
Especialista em Nutrologia pela Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) e em Nutrologia com Área de Atuação em Nutrição Parenteral e Enteral pela SBNPE. Médico Nutrólogo Voluntário do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares (Proata) da EPM-Unifesp. Diretor da Funzionali – Assistência Especializada aos Distúrbios Nutricionais, SP.
S ILVIA E LOIZA P RIORE Nutricionista pela UFRJ. Mestre em Nutrição e Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. Professora-associada do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV. Orientadora do Programa de Pós-graduação em Ciência da Nutrição da UFV.
S YLVIA
DO
C ARMO C ASTRO F RANCESCHINI
Nutricionista. Mestre em Nutrição e Doutora em Ciências pela EPM-Unifesp. Professora-associada do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV. Orientadora do Programa de Pós-graduação em Ciência da Nutrição da UFV. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
T ULLIA M. C. C. F ILISETTI Especialista em Parede Celular de Vegetais pelo Departament of Botany and Plant Pathology da Purdue University, West Lafayette, EUA. Mestre e Doutora em Ciências dos Alimentos pelo Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP.
AUTORES
R ITA
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
XII
V IVIANE L AUDELINO V IEIRA Mestre em Saúde Pública e Doutora em Nutrição em Saúde Pública pela FSP-USP. Nutricionista do CRNutri da FSP-USP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Segurança Alimentar e Nutricional: Formação e Atuação Profissional” do CNPq.
Sumário
Apresentação..................................................................................................... XV Prefácio ............................................................................................................ XVII 0ARTEs.UTRI ÎO"ÉSICA .................................................................................1 1.
Necessidades e recomendações de nutrientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3
2.
Necessidades e recomendações de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.
Planejamento e avaliação da ingestão de energia e nutrientes para indivíduos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4.
Alimentação saudável e adequada: modelos aplicáveis na prática clínica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
5.
Alimentos funcionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .91
6.
Avaliação nutricional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
7.
Aconselhamento nutricional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
8.
Exercício físico e nutrição na prática clínica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
0ARTEs.UTRI ÎOEM#ONDI ÜES#LÓNICAS%SPECÓFICAS........................183 9.
Obesidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
10.
Diabete melito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
11.
Doenças renais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251
12. Distúrbios do trato digestório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297 13. Câncer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327 14. Síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355 XIII
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
XIV
15. Doenças pulmonares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 375 16. Doenças cardiovasculares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 385 17. Doenças hepáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413 18. Transtornos alimentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 455 19. Intolerância à lactose e alergia alimentar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 471 20. Cirurgia e trauma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 479 21.
Interações medicamentosas e nutricionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 507
0ARTEs4ERAPIA.UTRICIONAL ......................................................................525 22. Nutrição enteral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 527 23. Nutrição parenteral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 563
·NDICEREMISSIVO ...............................................................................................573
Apresentação
A terceira edição do Guia de nutrição clínica no adulto oferece ao leitor um conteúdo cuidadosamente revisado, atualizado e ampliado. O avanço do conhecimento na área de terapia nutricional, desde a última edição, possibilitou um aprofundamento nos conceitos e nas condutas nutricionais das várias enfermidades abordadas no livro. Esta nova edição está organizada em 23 capítulos, divididos em Nutrição Básica, Nutrição em Condições Clínicas Específicas e Terapia Nutricional, com os objetivos de atualizar o profissional da área e atender as demandas dos estudantes de Nutrição. Foram totalmente reescritos os capítulos sobre diabete melito, câncer, síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) e interações medicamentosas e nutricionais, o que possibilitou a ampliação do conteúdo. Para enriquecer ainda mais esta obra, a coordenadora convidou profissionais renomados para escreverem sobre novos temas, muito importantes para a prática clínica, como “Exercício físico e nutrição na prática clínica”, “Transtornos alimentares” e “Intolerância à lactose e alergia alimentar”. Os autores, pesquisadores e profissionais conhecidos em suas respectivas áreas, apresentam os capítulos com aprofundamento científico, sem perder a principal característica do livro: oferecer informação científica de forma didática a fim de facilitar a aplicação prática dos conceitos pelo leitor.
XV
Prefácio
Em nosso meio, é bastante frequente a utilização de guias ou manuais procedentes de instituições universitárias internacionais para a consulta rápida e objetiva por jovens estudantes de medicina, residentes e profissionais da área da saúde. Entretanto, apesar de a procedência dessa literatura ter inquestionável valor científico, raramente está adaptada à realidade médica de nosso país, apresentando diferenças relacionadas à disponibilidade dos meios de diagnóstico e de medicamentos, à incidência e à importância de determinadas doenças. Sem dúvida, a continentalidade do Brasil é um fator relevante, que deve ser considerado no desenvolvimento de estudos e pesquisas médicas de estudantes e profissionais. Por essas razões, e com o objetivo de nos aproximarmos da realidade brasileira, foi criada a série Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar da EPM-Unifesp. Esta série fundamenta-se no conhecimento e na prática cotidiana de diversos serviços da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e também na orientação das disciplinas em esfera ambulatorial (Hospital São Paulo e centros de saúde afiliados) e hospitalar (Hospital São Paulo, Hospital da Vila Maria, Hospital Pirajussara, Hospital de Cotia, Hospital de Diadema, entre outros), onde exercemos uma medicina pública de excelente qualidade intelectual. A rede ambulatorial e hospitalar utilizada por nossa Universidade é renomada não só por propiciar ensino e prática médica de qualidade, mas também por elevar os padrões e as exigências necessárias para o atendimento digno a que nossa população tem direito. Visando a manter uma educação médica continuada vinculada à prática médica atual, mais de quarenta guias, os quais são constantemente atualizados, estão à disposição de graduandos, residentes, pós-graduandos e profissionais de diferentes áreas da medicina. A maturidade e o elevado padrão médico dos serviços oferecidos à comunidade pela Unifesp refletem-se nas obras da série, engrandecidas por oferecer os proventos auferidos a seus respectivos centros de estudo, o que reverte e amplia a possibilidade de aprimoramento científico das disciplinas. XVII
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
XVIII
Esta nova edição do Guia de nutrição clínica no adulto é de responsabilidade da professora Lilian Cuppari, da Disciplina de Nefrologia do Departamento de Medicina da EPM-Unifesp. O sucesso das edições anteriores e a necessidade de atualização justificaram a terceira edição deste Guia. Renovada e bastante abrangente, a obra está organizada em três partes, com 23 capítulos, que abordam as mais significativas e frequentes necessidades da prática em Nutrição. Aponta, inicialmente, as necessidades e recomendações de nutrientes e de consumo de energia, além do planejamento da ingestão e de modelos de uma alimentação saudável e adequada. Apresenta também os alimentos funcionais e, em especial, a avaliação nutricional, bastante importante para o planejamento nutricional e a associação com o exercício físico. A Parte 2 enfoca a nutrição em condições clínicas específicas, como no diabetes melito, nas doenças renais, no câncer, e nas doenças do trato digestório, pulmonares, cardiovasculares e hepáticas. Completam essa parte as indicações nutricionais nos transtornos alimentares, na cirurgia e no trauma. Os parâmetros necessários para a avaliação e a prescrição da terapia nutricional, ou seja, a nutrição enteral e parenteral, são apresentados na Parte 3, de maneira prática e de leitura muito fácil e agradável. A literatura médica necessitava de uma obra deste porte: completa e complexa, mas primando pelo enfoque prático. Assim, mais uma vez, este grupo envolvido no ensino, na pesquisa e na assistência em Nutrição expõe sua prática e demonstra maturidade em uma área de elevada implicação médica. Para a realização desta série, não poderia faltar a participação de uma editora com o padrão da Manole. Nestor Schor Editor da série
PARTE
1
Nutrição Básica
CAPÍTULO
1
Necessidades e recomendações de nutrientes SYLVIA DO CARMO CASTRO FRANCESCHINI SILVIA ELOIZA PRIORE M A R I L E N E P I N H E I R O E U C LY D E S ELIANE RODRIGUES DE FARIA FRANCIANE ROCHA DE FARIA NAIARA SPERANDIO
CONCEITOS O termo “necessidade nutricional” pode ser definido como as quantidades de nutrientes e de energia disponíveis nos alimentos que um indivíduo sadio deve ingerir para satisfazer suas necessidades fisiológicas normais e prevenir sintomas de deficiências. Assim, as necessidades nutricionais representam valores fisiológicos individuais que se expressam em médias para grupos semelhantes da população. O conceito “recomendações nutricionais”, por sua vez, refere-se à quantidade de nutrientes que deve ser ingerida por meio da dieta e cujo valor satisfaz às necessidades individuais de quase todos os indivíduos de uma população saudável – média das necessidades de vários conjuntos de indivíduos + 2 desvios-padrão (DP) = 97,72% da população –, considerando-se idade, sexo e estado fisiológico. As necessidades humanas de energia e de proteína têm sido estabelecidas pela Food and Agriculture Organization (FAO) desde 1950, com base na evolução do conheci-
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mento científico. Desde a edição de 1973, elas são descritas com base nos princípios de “necessidade média de energia” e “nível seguro de ingestão de proteína”. A ingestão dietética recomendada (RDA – recommended dietary allowance) é estabelecida pelo Food and Nutrition Board (FNB)/National Research Council (NRC) desde 1941; a edição de 1989 é a décima. Desde 1974 (oitava edição), a RDA é definida como “os níveis de ingestão de nutrientes essenciais que, com base nos conhecimentos científicos, são julgados pelo FNB como adequados para suprir as necessidades de nutrientes específicos de praticamente todos os indivíduos saudáveis”. Em 1990, a Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN) analisou as recomendações do FNB/NRC vigentes, adaptando-as à população brasileira. Os valores de ingestão dietética de referência (DRI – dietary reference intakes) que têm sido publicados desde 1997 referem-se às mais recentes recomendações de nutrientes e energia adotadas pelos Estados Unidos e pelo Canadá, elaboradas por experts do FNB/Institute of Medicine (IOM) e da agência Health Canada. A DRI deve ser utilizada no planejamento e na avaliação de dietas de indivíduos e de populações saudáveis, visando a substituir a RDA norte-americana e a ingestão de nutrientes recomendada (RNI – recommended nutrient intake) canadense publicadas anteriormente. Essas novas recomendações DRI incluem um conjunto de valores de referência que corresponde a estimativas quantitativas de ingestão de nutrientes. Diferenciam-se das anteriores por: s s s s
trabalharem com estágios de vida em vez de faixas etárias; incluírem os conceitos de antioxidante alimentar, de unidades equivalentes para vitamina E e folato, além da vitamina A; incluírem os minerais arsênio, boro, níquel e vanádio; trabalharem com o conceito de risco ou probabilidade*, avaliando a probabilidade de adequação ou inadequação** da ingestão de nutrientes em relação às necessidades nutricionais. As DRI incluem quatro conceitos de referência para consumo de nutrientes, com definições e aplicações diferenciadas (Tabela 1.1 e Figura 1.1):
1 s s s s
necessidade média estimada (EAR – estimated average requirement); RDA; ingestão adequada (AI – adequate intake); nível máximo de ingestão tolerável (UL – tolerable upper intake level).
*
Conceito de risco ou probabilidade: medida de incerteza originada pelas fontes de variabilidade decorrentes de levantamento dietético individual ou populacional. Esse termo pode ser entendido como a chance de a população não ter suas necessidades nutricionais atendidas.
** Probabilidade de adequação ou inadequação: corresponde à avaliação da adequação da dieta, feita por meio de cálculos matemáticos que avaliam a ingestão dietética em relação às necessidades nutricionais. Assim, estima-se a probabilidade de a ingestão do nutriente atingir ou não a necessidade do indivíduo.
5 NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
Esses quatro conceitos foram elaborados a partir da relação entre o consumo alimentar e o aumento do risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, além da abordagem clássica sobre a prevenção de carências nutricionais. Em particular, os valores das RDA são obtidos a partir de evidências científicas consistentes e confiáveis. Quando a literatura é escassa de informações sobre a relação causa-efeito de determinado nutriente, estima-se a AI. A EAR representa o valor de ingestão de um nutriente estimado para cobrir as necessidades de 50% dos indivíduos saudáveis de determinada faixa etária, estado fisiológico e sexo. É utilizada como base para estabelecer a RDA e para avaliar a adequação da dieta de indivíduos e grupos populacionais. Também se utiliza a EAR para o planejamento da dieta para grupos populacionais, adicionado-se 2 DP da ingestão do grupo. Já a RDA é o nível de ingestão dietética suficiente para cobrir as necessidades de quase todos os indivíduos saudáveis (97 a 98%) de determinada faixa etária, estado fisiológico e sexo (Figura 1.1). Quando se conhece o DP da EAR e esta apresenta distribuição normal, tem-se: RDA = EAR + 2 DPEAR Se os dados sobre a variabilidade das necessidades forem insuficientes para o cálculo do DP, utiliza-se o coeficiente de variação da EAR (CV EAR) de 10 a 15% no cálculo da RDA, ou seja: Considerar o CV EAR = 10%, logo: RDA = EAR + 2 (EAR × 0,1) ou RDA = 1,2 × EAR Agora, considerar o CV EAR= 15%, logo: RDA = EAR + 2 (EAR × 0,15) ou RDA= 1,3 × EAR
50%
- 3 D - 2 DP
- 1 DP
1
50%
Média + 1 DP
EAR
+ 2 DP
+ 3 DP
RDA
FIGURA 1.1 Representação da necessidade média estimada (EAR) e da ingestão dietética recomen-
dada (RDA) na curva normal. Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 1997.
Ressalta-se que a RDA é um valor a ser usado como meta de ingestão na prescrição da dieta para indivíduos saudáveis, não devendo ser utilizada para avaliação da adequação da dieta nem para o planejamento de cardápios para grupos populacionais. A AI é o nível de ingestão de nutrientes a ser utilizado em substituição à RDA quando as evidências científicas não são suficientes para o cálculo da necessidade (EAR). Tais recomendações de ingestão baseiam-se no consumo médio de nutrientes observado ou estimado experimentalmente em um grupo ou grupos de indivíduos considerados saudáveis. A AI deve ser usada como meta de consumo de nutrientes na prescrição da dieta para indivíduos saudáveis. O UL é o nível mais alto de ingestão diária de nutrientes isento de risco de efeitos adversos à saúde para quase todos os indivíduos de uma população. O UL, portanto, não é um nível de ingestão recomendável, uma vez que se questionam os benefícios do consumo de nutrientes acima dos valores de RDA ou AI. A Figura 1.2 mostra que a EAR é o nível de ingestão cujo risco de inadequação é de 0,5 (50%), enquanto a RDA é o nível de ingestão cujo risco de inadequação é muito pequeno (2,28%). Os riscos de inadequação ou excesso se aproximam de zero quando o nível de ingestão se situa entre a RDA e o UL. Quanto mais o consumo ultrapassar o UL, maior será o risco de efeitos adversos. A AI pode não ter uma relação consistente com a EAR ou com a RDA, uma vez que é estabelecida quando não se conhece a necessidade. Estima-se que seu valor esteja próximo ou acima da RDA (ver Tabela 1.1).
1
2ISCODEINADEQUA ÎO
1,0
EAR
RDA
UL
0,5
1,0
0,5
0
0
.ÓVELDEINGESTÎOOBSERVADO FIGURA 1.2 Ingestões dietéticas de referência. Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 1997.
2ISCODEEFEITOADVERSO
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
6
7
3!5$6%)3
4IPODEUSO
)NDIVIDUAL
'RUPO
Planejamento
RDA – meta de ingestão AI – meta de ingestão UL – utilizado como um guia para limitar o consumo de nutrientes, uma vez que a ingestão crônica de quantidades elevadas pode aumentar o risco de efeitos adversos
EAR – utilizada em conjunto com a medida de variabilidade da ingestão do grupo para estabelecer metas para o consumo médio de uma população específica
Avaliação
EAR – utilizada para verificar a possibilidade de inadequação do consumo; no entanto, a avaliação mais precisa do estado nutricional requer o uso de indicadores bioquímicos, clínicos e/ou antropométricos
EAR – utilizada para estimar a prevalência de inadequação de consumo em determinado grupo
AI – uma ingestão neste nível tem baixa probabilidade de inadequação
AI – uma ingestão média neste nível implica baixa frequência de inadequação
UL – utilizado para verificar a possibilidade de consumo excessivo. Uma ingestão acima deste nível tem risco de efeitos adversos; no entanto, a avaliação mais precisa do estado nutricional requer o uso de indicadores bioquímicos, clínicos e/ou antropométricos
UL – usado para estimar a frequência de níveis de ingestões sujeitos a risco de efeitos adversos
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
TABELA 1.1 USO D!3 ).'%34À%3 $)%4³4)#!3 $% 2%&%2´.#)! 0!2! ).$)6·$5/3 % '250/3
Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2000.
A Figura 1.3 apresenta um esquema sobre o uso das DRI na avaliação dietética. A seguir, serão abordadas as necessidades e as recomendações de proteínas, carboidratos, lipídios, fibras, vitaminas, minerais, eletrólitos e água para adultos, uma vez que as necessidades energéticas serão tratadas no Capítulo 2 – Necessidades e recomendações de energia.
PROTEÍNA A proteína, principal componente estrutural das células do corpo humano, desempenha importantes funções: enzimática, carreadora de transporte nas membranas celulares, moléculas transportadoras no sangue, hormônios, além de seus componentes aminoácidos servirem como precursores de ácidos nucleicos, hormônios, coenzimas, entre outros. Os primeiros estudos para determinação das recomendações de proteínas tiveram início por volta de 1940, utilizando-se a técnica de balanço nitrogenado. A partir daí, por causa da necessidade de se encontrar a quantidade ideal de proteínas a ser oferecida em diferentes tipos de alimentação, de acordo com as características dos diversos grupos populacionais, foram criados novos métodos de avaliação. Em 1946, Block e Mitchell propuseram o cômputo químico, que é a medida da proporção de aminoácidos essenciais contidos nas proteínas em relação a um padrão predefinido, para a avaliação da qualidade nutricional proteica.
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Avaliação do consumo alimentar Recordatório de 24 horas Registro alimentar Pesagem direta dos alimentos Questionário de frequência alimentar semiquantitativo Necessidades de nutrientes
Ingestão de nutrientes (alimentos, suplementos ou fortificações)
Prescrição de dietas
Avaliação da adequação dietética
Individual
Populacional
- RDAa (ou AIb)
- EARa, e (ou AIb)
Individual - EARa (ou AIb) - UL
Populacional Prevalência de inadequação - Aproximação probabilísticac EAR como ponto de corted
a: nutrientes que apresentam valores de EAR/RDA: vitaminas A, B6, B12, C, D, E, tiamina, riboflavina, niacina, folato, cálcio, ferro, fósforo, magnésio, iodo, zinco, selênio, cobre, molibdênio b: nutrientes que apresentam valores de AI: biotina, colina, ácido pantotênico, vitamina K, flúor, manganês, cromo, potássio, sódio, cloro
A avaliação do risco de inadequação deve ser associada à avaliação da composição corporal, bioquímica e clínica
c: distribuição das necessidades do nutriente de um grupo similar ao grupo de interesse, e que servirá para comparação d: proporção de indivíduos com valores inferiores de ingestão abaixo da EAR e: mais dois desvios-padrão da ingestão do grupo
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FIGURA 1.3 Avaliação dietética e uso das ingestões dietéticas de referência (DRI). RDA: ingestão dietética recomendada; AI: ingestão inadequada; EAR: necessidade média estimada; UL: nível máximo de ingestão tolerável.
Em 1971, o Comitê da FAO/Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre necessidades de energia e proteína descreveu os princípios de abordagem de nível de ingestão seguro de proteína. De acordo com a FAO/OMS (1985), a necessidade é “o menor nível de ingestão de proteína da dieta que irá equilibrar as perdas de nitrogênio pelo organismo em pessoas que mantêm o balanço energético com níveis moderados de atividade física”. No caso de crianças, gestantes e lactantes, a necessidade de proteína inclui o gasto com a formação de tecidos (crescimento fetal e pós-natal) e a secreção láctea. Segundo a FAO/OMS (1985), considera-se nível seguro de ingestão ou dose inócua de proteína a quantidade que atingirá ou excederá as necessidades de praticamente todos os indivíduos do grupo, levando-se em conta as variações individuais. O nível seguro foi definido como a necessidade média dos indivíduos + 2 DP, aceitando-se uma estimativa de 15% para o coeficiente de variação (CV) como variabilidade das necessidades individuais (Figura 1.4).
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Porcentagem de indivíduos
Nível seguro de ingestão
+ 2 DP Proteína
FIGURA 1.4 Nível seguro de ingestão de proteína. Fonte: OMS, 1985.
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
Necessidade média
Dentre os fatores que determinam a qualidade da proteína da dieta, destacam-se, além do perfil de aminoácidos, a digestibilidade, a relação proteicoenergética, a energia total da alimentação e os teores de minerais e vitaminas. Para estabelecer as necessidades proteicas, utilizam-se como padrão ou referência proteínas de alta digestibilidade e que proporcionam quantidades suficientes de aminoácidos essenciais, como as provenientes do leite, do ovo, das carnes e dos pescados. Ao utilizar a recomendação de proteína para avaliar dietas que contenham outras fontes de proteínas, é necessário considerar a composição de aminoácidos essenciais das proteínas dessas dietas, bem como sua digestibilidade (FAO/OMS, 1985). Ressalta-se que essas recomendações são válidas unicamente quando a ingestão calórica é adequada.
Quantidade de proteína na dieta Para a determinação das doses inócuas de proteínas, o Comitê da FAO/OMS (1985) analisou vários estudos de balanço nitrogenado, conduzidos a curto e longo prazo, em homens adultos jovens. Como resultado, concluiu-se que 0,6 g/kg/dia representava a necessidade média de proteína de boa qualidade (carne, ovo, leite e peixes) para esse grupo, com coeficiente de variação verdadeiro de 12,5%. Consequentemente, um valor de 25% (2 DP) acima da necessidade média fisiológica cobriria as necessidades de 97,5% dos indivíduos de uma população similar. Dessa maneira, obteve-se a recomendação de proteína de 0,75 g/kg/dia para esse grupo. Tal recomendação foi também adotada para homens mais velhos e mulheres com idade superior a 18 anos (Tabela 1.2). O FNB/NCR (1989), tomando como base a FAO/OMS (1985), manteve as recomendações de proteínas para adultos e idosos, de ambos os sexos, em 0,8 g/kg/dia. No Brasil, a principal fonte proteica da alimentação é proveniente da ingestão de cereais e leguminosas, como o arroz e o feijão, que quando consumidos juntos podem resultar em misturas proteicas de alto valor biológico. Dessa forma, a SBAN (1990) adaptou as recomendações nutricionais para a população brasileira, considerando que a digestibilidade “verdadeira” da proteína da dieta dessa população se encontrava entre 80 e 85% e que o cômputo aminoacídico era de 90% em relação ao padrão. Assim, a recomendação de proteína estabelecida pela SBAN (1990) para homens e mulheres com idade igual ou superior a 18 anos é de 1 g/kg/dia (Tabela 1.2).
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10 TABELA 1.2 15!.4)$!$%$%02/4%·.!2%#/-%.$!$!
)DADE
GKGDIA
GDIA
0ROTEÓNADE referênciaa &.".#2 GKGDIA
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GDIA
!$5,4/3 18 anos ou mais Gestantes
0,75
0,8
1
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+10
+8
1o semestre
+16
+15
+23
2 semestre
+12
+12
+16
,!#4!.4%3 o
1
0ROTEÓNADE referênciaa &!//-3
a
Proteína de boa qualidade: leite ou ovos. O cálculo deve considerar o peso aceitável ou ideal do indivíduo e não o peso real.
b
Proteína com digestibilidade verdadeira de 80 a 85% e qualidade aminoacídica de 90% em relação a leite ou ovo.
Para gestantes, o cálculo do adicional de proteína baseia-se na quantidade estimada de 925 g (3,3 g/dia), presentes no feto, na placenta e nos tecidos maternos, incluindo o volume sanguíneo. Essa estimativa tem como base uma mulher com ganho de peso total durante a gravidez de 12,5 kg, que gera um bebê com 3,3 kg. Sendo o coeficiente de variação do peso ao nascer de 15%, ao valor estimado foram adicionados 30% (2 DP), assumindo, ainda, uma eficiência de conversão de 70% da proteína da dieta para tecidos fetais. Assim, a FAO/OMS recomenda um adicional de 6 g/dia ao longo de toda a gestação (Tabela 1.3). O FNB/NCR (1989) analisou a proposta da FAO/OMS (1985) e, ao considerar a existência de uma necessidade adicional associada ao acréscimo de massa magra e também à incerteza com que a proteína é depositada nos tecidos no decorrer da gestação, sugeriu um adicional de 10 g/dia durante toda a gravidez (Tabela 1.2). A SBAN (1990), levando em conta a digestibilidade e o cômputo aminoacídico das proteínas da dieta brasileira, aumentou o adicional de proteínas a ser recomendado durante toda a gestação de 6 g/ dia (FAO/OMS, 1985) para 8 g/dia (ver Tabela 1.2). A necessidade adicional de proteína para a lactação é calculada utilizando-se o conteúdo proteico médio do leite materno (nitrogênio × 6,25), que representa 1,3 g/100 mL no primeiro mês e 1,15 g/100 mL nos meses subsequentes. Além disso, considera-se uma eficiência de conversão de 70% da proteína da dieta para proteína do leite materno e o coeficiente de variação de 12,5% do volume de leite produzido. Dessa maneira, a FAO/OMS recomenda um adicional de 16 g de proteína/dia no primeiro semestre de lactação, 12 g/dia no segundo semestre e 11 g/dia a partir do terceiro semestre (Tabela 1.4). Analisando os valores propostos pela FAO/OMS (1985) e ajustando a média de volume de leite produzido no primeiro semestre para 750 mL/dia, o FNB/NCR (1989) propõe como ingestão adicional (RDA) 15 e 12 g/dia para lactantes no 1º e no 2º semestre, respectivamente. A SBAN (1990), levando em conta a digestibilidade e o cômputo aminoacídico das proteínas da dieta brasileira, aumentou o adicional de proteínas recomendado para o 1º e o 2º semestres de lactação de 16 g/dia (FAO/OMS, 1985) para 23 g/dia e de 12 g/dia para 16 g/dia, respectivamente (ver Tabela 1.2).
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4RIMESTRE
'ANHODENITROGÐNIOGDIA a
%FICIÐNCIAB
0ROTEÓNAADICIONALNECESSÉRIAc
MÏDIA
GDIA
1o
0,104
0,14
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1,2
2o
0,525
0,68
0,98
6,1
3
0,922
1,2
1,71
10,7
Gestação
1,551
2,02
2,88
18 (média diária de 6 g/dia)
o
Aumento estimado de nitrogênio nos tecidos de uma gestante cujo concepto seja um bebê de 3,3 kg. Coeficiente de variação do peso ao nascer: 15%. a
b
Supondo uma eficiência de conversão de 70% de proteínas da dieta para teciduais.
c
Em termos de proteínas absorvidas.
Fonte: OMS, 1985.
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
TABELA 1.3 .%#%33)$!$%3!$)#)/.!)3$%02/4%·.!3$52!.4%!'%34!£²/
TABELA 1.4 .%#%33)$!$%3!$)#)/.!)3$%02/4%·.!3$52!.4%!,!#4!£²/
-ÐSDE LACTA ÎO
,EITEMATERNO SECRETADO 6OLUMEa M,DIA
a
0ROTEÓNAB GDIA
.ECESSIDADEPROTEICAADICIONAL MATERNAGDIA -ÏDIAc
$0D
0a1
719
9,3
13,3
16,6
1a2
795
9,1
13
16,3
2a3
848
9,75
13,9
17,3
3a6
822
9,45
13,5
16,9
6 a 12
600
6,9
9,9
12,3
12 a 24
550
6,3
9
11,3
Dados derivados dos resultados do WHO Collaborative Study on Breast-Feeding.
b
Conteúdo proteico médio calculado como 1,3 g/100 mL no primeiro mês e 1,15 g/100 mL nos demais.
c
Considerando 70% de eficiência de conversão da proteína da dieta para proteína do leite.
d
Coeficiente de variação de 12,5%.
Fonte: OMS, 1985.
Tanto para gestantes quanto para nutrizes, as recomendações proteicas devem ser adicionadas ao proposto para mulheres não grávidas e não lactantes e o total deve ser corrigido considerando a digestibilidade da proteína da dieta conforme sugestões da SBAN (1990). O IOM publicou, em 2002, a DRI para proteínas. Com base em análises cuidadosas de estudos de balanço nitrogenado em humanos, a EAR foi determinada como 0,66 g/kg/dia para homens e mulheres. A RDA foi estabelecida em 0,8 g/kg/dia para adultos de ambos os sexos. A EAR definida para gestantes foi de 0,88 g/kg/dia (ou adicional de 21 g/dia) e 1,05 g/kg/dia (ou adicional de 21,2 g/dia) durante a lactação. A RDA foi determinada como 1,1 g/kg/dia (ou adicional de 25 g/dia) durante a gestação e a lactação (Tabela 1.5).
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Quantidade de energia proveniente da proteína da dieta Apesar de quantidades moderadamente acima das recomendações não parecerem prejudiciais para indivíduos saudáveis, estudos com animais demonstraram que ingestões elevadas de proteínas podem acelerar os processos que levam à esclerose glomerular renal. Com a elevação da ingestão proteica, foi observado, ainda, aumento da excreção urinária de cálcio quando a ingestão de fósforo era mantida constante. O consumo de proteína acima das recomendações é um achado frequente tanto na dieta norte-americana quanto na brasileira. Como precaução, o FNB/NCR (1989) aconselha que a ingestão proteica máxima não seja superior ao dobro das recomendações. A SBAN (1990) considera prudente limitar a oferta de proteínas de origem animal para 30 a 35% da ingestão total de proteína (exceto para crianças menores de 1 ano de idade), levando em conta o conteúdo de ácidos graxos saturados presentes nesses alimentos e seu efeito aterogênico. TABELA 1.5 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%02/4%·.!3
)DADEANOS
%!2GKGDIA
2$!GKGDIA
2$!GDIA
19 a 30
0,66
0,8
56
31 a 50
0,66
0,8
56
51 a 70
0,66
0,8
56
71 ou mais
0,66
0,8
56
19 a 30
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0,8
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31 a 50
0,66
0,8
46
51 a 70
0,66
0,8
46
71 ou mais
0,66
0,8
46
19 a 30
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1,1
71
31 a 50
0,88
1,1
71
19 a 30
1,05
1,1
71
31 a 50
1,05
1,1
71
(OMENS
-ULHERES
'ESTANTES
1
Lactantes
Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2002.
O IOM (2002) propõe como faixa de distribuição aceitável de macronutrientes (AMDR – acceptable macronutrient distribution range) que de 10 a 35% da ingestão energética de adultos seja proveniente das proteínas da dieta. Uma vez que não havia evidências para sugerir ingestões de proteínas em níveis abaixo da RDA (aproximadamente 10% da energia da dieta) e que os dados para a determinação do UL para proteínas são insuficientes, essa faixa de 10 a 35% foi estabelecida para complementar a AMDR, determinada para lipídios e carboidratos. A Tabela 1.6 expressa alguns valores estabelecidos para adequar as dietas em relação à proporção de energia proveniente das proteínas.
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#ARACTERÓSTICASDOGRUPO
0ROPOR ÎODEENERGIA PROVENIENTEDASPROTEÓNAS
FAO/OMS (1985)a
10 a 15
Preconizado pela SBAN (1990)
8 a 10
b
Populações que vivem em condições adversas (SBAN,1990)c
10 a 12
Idosos com ingestão energética reduzida (SBAN, 1990)d
12 a 14
DRIe
10 a 35
a
Observação da FAO/OMS (1985) para a maioria das dietas habituais.
b
Crianças e adultos sadios que ingerem dietas com boa qualidade proteica e adequação energética.
c
Populações que consomem pequenas quantidades de proteínas de origem animal e vivem em condições adversas.
d
Idosos com ingestão energética reduzida por inatividade ou debilidade.
e
Faixa de distribuição aceitável de macronutrientes.
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
TABELA 1.6 02/0/2£²/$%%.%2')!02/6%.)%.4%$!302/4%·.!3$!$)%4!
Qualidade da proteína na dieta: perfil de aminoácidos Os aminoácidos podem ser classificados em três categorias (Tabela 1.7): s s
aminoácidos não essenciais: são sintetizados pelo organismo humano; aminoácidos essenciais: suas cadeias carbônicas não são sintetizadas pelo organismo, sendo provenientes da dieta; s aminoácidos condicionalmente essenciais: são aqueles sintetizados no organismo (não essenciais), mas que, se utilizados em uma velocidade maior do que o produzido, podem se tornar indispensáveis. TABELA 1.7 2%,!£²/$/3!-)./#)$/3#,!33)&)#!$/3#/-/%33%.#)!)3 .²/%33%.#)!)3
%#/.$)#)/.!,-%.4%%33%.#)!)3
!MINOÉCIDOS essenciais
!MINOÉCIDOSNÎO essenciais
!MINOÉCIDOS CONDICIONALMENTEESSENCIAIS
0RECURSORESDOSAMINOÉCIDOS CONDICIONALMENTEESSENCIAIS
Histidina
Alanina
Arginina
Glutamina/glutamato/aspartato
Isoleucina
Ácido aspártico
Cisteína
Metionina, serina
Leucina
Asparagina
Glutamina
Ácido glutâmico/amônia
Lisina
Ácido glutâmico
Glicina
Serina/colina
Metionina
Serina
Prolina
Glutamato
Tirosina
Fenilalanina
Fenilalanina Treonina Triptofano Valina Fonte: Institute of Medicine, 2002.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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As necessidades de aminoácidos essenciais dos adultos foram estabelecidas com base em estudos cujo critério foi a adequação para obter um balanço nitrogenado positivo. A FAO/OMS (1985) mantém as recomendações de aminoácidos propostas em 1973 e acrescenta a histidina como aminoácido essencial para adultos, indicando de 8 a 12 mg/ kg/dia (Tabela 1.8). TABELA 1.8 %34)-!4)6!$!3.%#%33)$!$%3$%!-)./#)$/3%-!$5,4/3-'+'$)!
!MINOÉCIDOS
1UANTIDADERECOMENDADA PARAADULTOSPELA &!//-3
1UANTIDADERECOMENDADA PARAPRÏ ESCOLARESaPELA &!//-3
!RROZFEIJÎO PELA3"!.
Fenilalanina+tirosina
14
69
66
Histidina
8 a 12
—
32
Isoleucina
10
31
29
Leucina
14
73
59
Lisina
12
64
58
Metionina+cisteína
13
27
29
Treonina
7
37
33
Triptofano
3,5
12,5
9
Valina
10
38
36
Quantidade de aminoácidos para pré-escolares, cujos valores foram recomendados, em 1989, para serem aplicados nos demais grupos (com exceção de crianças menores de 1 ano) provisoriamente. a
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O FNB/NCR (1989) pondera sobre a insuficiência de estudos disponíveis sobre necessidades de aminoácidos essenciais, referenciando-se aos recomendados pela FAO/ OMS (1985) como as melhores estimativas disponíveis até o momento. A SBAN (1990) discutiu as recomendações de aminoácidos essenciais da FAO/OMS, especialmente no que se refere aos cômputos químicos, reforçando que o padrão proposto para pré-escolares (Tabela 1.8) deve ser utilizado para avaliar a qualidade das proteínas da alimentação de todos os grupos, com exceção de crianças com menos de 1 ano de idade. Recomendou, ainda, ser desejável uma proporção de 10 a 20% de proteína de origem animal da quantidade total de proteínas da dieta, visando à melhoria do perfil aminoacídico e à melhor biodisponibilidade de minerais. É importante ressaltar que a alimentação básica do brasileiro, composta de arroz e feijão, apresenta perfil aminoacídico bastante adequado e próximo ao aconselhado, uma vez que os aminoácidos limitantes dos cereais e das leguminosas se complementam na dieta (Tabela 1.8). O método de isótopos estáveis e a análise de regressão linear foram utilizados pelo IOM (2002) para desenvolver escores de aminoácidos para os diferentes grupos etários e estados fisiológicos, considerando a ingestão recomendada de proteínas e sua digestibilidade. Uma vez estabelecida a EAR, assumiu-se um coeficiente de variação de 12% para o cálculo da RDA
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TABELA 1.9 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%!-)./#)$/3
!MINOÉCIDOS
!DULTOS ANOSOUMAIS
'ESTANTES TODASASIDADES
Lactantes TODASASIDADES
%!2
RDA
%!2
RDA
%!2
RDA
Fenilalanina+tirosina
27
33
36
44
41
51
Histidina
11
14
15
18
15
19
Isoleucina
15
19
20
25
24
30
Leucina
34
42
45
56
50
62
Lisina
31
38
41
51
42
52
Metionina+cisteína
15
19
20
25
21
26
Treonina
16
20
21
26
24
30
Triptofano
4
5
5
7
7
9
Valina
19
24
25
31
28
35
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
(RDA = EAR × 1,24) para os diferentes aminoácidos (Tabela 1.9). Não se encontrou na literatura evidências suficientes de dose-resposta para se estabelecer o UL para proteínas totais ou para aminoácidos; porém, recomenda-se precaução no consumo de qualquer aminoácido em níveis significativamente superiores aos normalmente encontrados nos alimentos.
Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2002.
CARBOIDRATOS E LIPÍDIOS O principal papel dos carboidratos na dieta é prover energia para as células, especialmente do cérebro, que é o único órgão glicose-dependente. O critério utilizado pelo IOM (2002) para estimar a necessidade média de 100 g/dia de carboidrato para homens e mulheres com idade superior a 19 anos foi baseado na quantidade mínima necessária para prover glicose suficiente para as células cerebrais. A RDA, calculada com coeficiente de variação de 15% da EAR, foi estabelecida em 130 g/dia para adultos. No caso das gestantes, a EAR de 135 g/dia e a RDA de 175 g/dia visaram a prover a glicose necessária para o cérebro fetal (33 g/dia), além da necessária para o cérebro materno. Para lactantes, considerou-se o conteúdo de lactose do leite materno, ficando a EAR estabelecida em 160 g/dia e a RDA em 210 g/dia. A AMDR para carboidratos é de 45 a 65% (Tabela 1.10), sendo que a ingestão de açúcares simples não deve ultrapassar 10% do valor energético total. Os lipídios são a maior fonte de energia do organismo e são necessários para a absorção de vitaminas lipossolúveis e carotenoides. O IOM (2002) ponderou a inexistência de dados suficientes para determinar AI, RDA e UL para lipídios, mas sugere que as dietas tenham o menor conteúdo possível de colesterol, ácidos graxos trans e gorduras saturadas, tendo em vista as correlações positivas da ingestão desses tipos de lipídios e o aumento do risco de doenças cardiovasculares.
1
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
16 TABELA 1.10 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%-!#2/.542)%.4%3
#ARACTERÓSTICASDOGRUPO
0ROPOR ÎODEENERGIAPROVENIENTE DOSMACRONUTRIENTES!-$2
Proteínas
10 a 35%
Lipídios
20 a 35%
Ácido linoleico
5 a 10%
Alfalinolênico
0,6 a 1,2%
EPA ou DHA
Até 10%
Carboidratos
45 a 65%
Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2002.
1
Os ácidos graxos saturados são os principais causadores da elevação do colesterol plasmático, destacando-se os ácidos mirístico, palmítico e esteárico, sendo suas principais fontes o óleo de coco, a manteiga e a gordura animal. Os ácidos graxos insaturados podem ser classificados em duas categorias principais: poli-insaturados, representados pelas séries ômega-6 (ácidos linoleico e araquidônico) e ômega-3 (ácidos alfalinolênico, eicosapentaenoico – EPA – e docosa-hexaenoico – DHA), e monoinsaturados, representados pela série ômega-9 (oleico). O ácido linoleico é essencial e precursor dos demais ácidos graxos poli-insaturados da série ômega-6, cujas fontes alimentares são os óleos vegetais de soja, milho e girassol. Os ácidos graxos trans são sintetizados durante o processo de hidrogenação dos óleos vegetais, sendo as principais fontes os alimentos ultraprocessados. Não há consenso em relação à quantidade máxima permitida na dieta, porém recomenda-se que a ingestão de lipídios trans seja menor que 1% das calorias totais da dieta. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC – 2007), recomenda-se que a ingestão de lipídios saturados seja igual ou inferior a 7%, a de poli-insaturados, igual ou inferior a 10% e a de monoinsaturados, igual ou inferior a 20% do valor calórico total da dieta. Com base na ingestão mediana da população norte-americana, o IOM (2002) estabeleceu a AI para ácido linoleico e alfalinolênico. O ácido linoleico (poli-insaturado ômega-6) é um ácido graxo essencial e precursor de eicosanoides em nível tecidual. A AI para esse ácido graxo ficou estabelecida em 17 g/dia para homens entre 19 e 30 anos e em 14 g/dia entre 51 e 70 anos. Para mulheres, a AI é de 12 g/dia e 11 g/dia nas respectivas faixas etárias. Para gestantes e lactantes, a meta de ingestão, com base na AI, deve ser de 13 g/dia, independentemente da idade. O ácido graxo alfalinolênico (poli-insaturado ômega-3) também é precursor dos eicosanoides e desempenha papel importante nas membranas estruturais, especialmente do tecido nervoso e da retina. A AI ficou estabelecida em 1,6 g/dia para homens e em 1,1 g/dia para mulheres. Para gestantes e lactantes, a AI é de 1,4 g/dia e 1,3 g/dia, respectivamente. Recomenda-se que a proporção de ômega-3:ômega-6 seja de 6 a 10:1.
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biliar, além de ser componente integrante da membrana celular. A absorção do colesterol dietético varia de 40 a 60%. Essa variabilidade, que pode ser em parte hereditária, contribui com as diferenças individuais que ocorrem nos níveis séricos de colesterol. Todos os tecidos são capazes de sintetizar o colesterol, não havendo evidências para sua necessidade dietética. O aumento da ingestão de colesterol aumenta o risco de doenças coronarianas, por elevar os níveis de LDL. Não se definiu a UL para colesterol, uma vez que qualquer aumento na ingestão desse nutriente pode ser prejudicial à saúde. Dessa forma, recomenda-se que os indivíduos mantenham o consumo dentro do adequado. Segundo a American Heart Association (AHA, 2000), a ingestão de colesterol deve ser inferior a 300 mg/dia. Para tratamento de dislipidemias, recomenda-se ingestão diária inferior a 200 mg.
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
Colesterol O colesterol desempenha papel importante na biossíntese de hormônios esteroides e ácido
Faixa de distribuição aceitável de macronutrientes O IOM (2002) propõe adequar a ingestão energética de macronutrientes utilizando o conceito de AMDR. A AMDR poderia ser definida como os limites de ingestão de uma fonte energética em particular que está associada a risco reduzido de doenças crônicas, ao mesmo tempo em que garante o consumo adequado de nutrientes essenciais. A AMDR é expressa em porcentagem da ingestão energética total. Dessa maneira, propõe-se que 10 a 35% da ingestão energética de adultos seja proveniente das proteínas, 20 a 35% proveniente dos lipídios e 45 a 65% de carboidratos (ver Tabela 1.10).
FIBRAS Considerando a falta de uma definição universal para fibra, o FNB/IOM, em 2002, propôs as seguintes definições: s
s s
fibra dietética: carboidratos e lignina não digeríveis que estão intrínsecos e intactos nas plantas. Engloba também outros macronutrientes associados, normalmente presentes nos alimentos; fibra funcional: consiste no isolamento de carboidratos não digeríveis que tenham efeitos benéficos na fisiologia humana; fibra total: é a soma das fibras dietéticas com as fibras funcionais.
As fibras também podem ser classificadas quanto à sua solubilidade, em solúveis e insolúveis: s
fibra solúvel: composta por substâncias pécticas, gomas, hemiceluloses e betaglucanas. Atuam no metabolismo, reduzindo a absorção de carboidratos e lipídios provenientes da dieta;
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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s
fibra insolúvel: composta por celulose, lignina e pela maioria das hemiceluloses, acelera o tempo de trânsito intestinal, auxiliando na prevenção de doenças do trato gastrintestinal, além de aumentar a saciedade, promovendo redução da ingestão calórica.
A necessidade de fibra total pode ser expressa em g/dia (de acordo com a idade), g/kg de peso corporal e g/1.000 kcal, sendo que cada forma tem vantagens e desvantagens. Verifica-se que os efeitos benéficos das fibras estão mais relacionados à quantidade de alimentos consumida do que a características individuais, como idade e peso. Assim, é mais recomendado o uso de AI baseada em g/1.000 kcal. No entanto, como geralmente os indivíduos não têm noção do consumo calórico diário, a AI é baseada na ingestão diária de energia recomendada para cada grupo etário, sendo expressa em g/dia (Tabela 1.11). O consumo de fibras na dieta tem impacto positivo sobre o peso corporal, a normalização das concentrações de lipídios sanguíneos, a redução dos índices glicêmicos, o aumento do bolo fecal, a melhora do trânsito intestinal, etc. Contudo, o excesso pode interferir no metabolismo e reduzir a biodisponibilidade de alguns minerais. Apesar dessas evidências, não foi estabelecido UL para fibra dietética. A recomendação da SBC (2007) de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia, sendo de 5 a 10 g devem ser solúveis, como medida adicional para a redução do colesterol. TABELA 1.11 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%&)"2!34/4!)3
)DADEANOS
!)GDIA
(OMENS 19 a 50
38
51 ou mais
30
-ULHERES
1
19 a 50
25
51 ou mais
21
'ESTANTES 14 ou mais
28
.UTRIZES 14 ou mais Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2002.
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A vitamina A é essencial para a reprodução, a visão e a resposta imunológica. Sua deficiência pode resultar em cegueira noturna e xeroftalmia. A necessidade de vitamina A foi determinada pelo FNB/IOM (2001), com base na ingestão necessária para assegurar uma reserva corporal adequada. A partir da EAR, de 625 mcg/dia para homens e 500 mcg/dia para mulheres, definiu-se a RDA de 900 mcg/dia para homens e 700 mcg/ dia para mulheres, considerando a EAR mais 2 vezes o coeficiente de variação. Para a definição de UL para mulheres em idade reprodutiva, considerou-se o risco de teratogenicidade e, para os demais adultos, o risco de anomalias hepáticas (Tabela 1.12). Quanto ao betacaroteno e outros carotenoides, apesar de muitas evidências epidemiológicas demonstrarem efeitos benéficos em relação ao menor risco de doenças crônicas, os dados foram considerados insuficientes para estabelecer uma recomendação específica de ingestão com esse objetivo. Sugere-se, no entanto, aumentar o consumo de frutas e vegetais (5 porções/dia), fornecendo-se cerca de 5,2 a 6 mg/dia de carotenoides e contribuindo com aproximadamente 50 a 65% da RDA de vitamina A para o homem.
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
VITAMINAS Vitaminas lipossolúveis Vitamina A
Vitamina D A vitamina D é indispensável para a homeostase do cálcio e do fósforo e para a diferenciação celular. Para explicar o efeito do cálcio e da vitamina D sobre a saúde, a pedido de agências norte-americanas e canadenses, o IOM (2010) atualizou o relatório IOM/FBN (1997) referente às DRI de vitamina D e cálcio com base na avaliação de estudos de revisão sistemática. Utilizou-se a saúde óssea como principal indicador, por apresentar relação causa-efeito. Em 1997, as evidências na literatura eram insuficientes para estimar a EAR e a RDA, sendo calculada a AI para todos os grupos populacionais. Desde 2010, utilizam-se a EAR e a RDA para todas as faixas etárias, exceto para crianças menores de 1 ano, nas quais ainda se utiliza AI (400 UI/dia). O relatório publicado pelo IOM em 2010 trata de três questões centrais: quais resultados de saúde são decorrentes do consumo de cálcio e vitamina D; qual é a quantidade necessária desses nutrientes para se obter resultados de saúde desejáveis; e o quanto pode ser considerado excessivo. Após abrangente revisão da literatura científica disponível, apenas a associação do cálcio e vitamina D com a saúde óssea era respaldada cientificamente, sendo então considerada para o cálculo das DRI. Foi ponderado que a relação desses nutrientes para a prevenção de doenças, como obesidade, diabete, doenças cardiovasculares, entre outras, não está pautada em estudos conclusivos, não sendo, portanto, considerada para cálculo das DRI. As DRI para vitamina D foram baseadas na associação da saúde óssea com níveis séricos de 25-hidroxivitamina D (25-OHD), visto este ser um marcador integrado da exposição da vitamina D, o qual reflete a síntese endógena dessa vitamina decorrente
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da exposição solar e de ingestão diária de alimentos, produtos fortificados e/ou suplementos, bem como de outros fatores. Níveis séricos de 25-OHD de 16 ng/mL (40 nmol/L) equivalem aproximadamente à EAR e níveis de 20 ng/mL (50 nmol/L) à RDA. O consumo de vitamina D necessário para atingir essas concentrações de 25-OHD, considerando mínima ou ausente a exposição solar, estão apresentados na Tabela 1.12. Como as novas DRI refletem cálculos diferentes, os valores atuais não são comparáveis com os antigos. Em 1997, as AI para a vitamina D eram de 200 UI/dia para indivíduos com até 50 anos, de 400 UI/dia para a faixa etária de 51 a 70 anos e de 600 UI/dia para aqueles com idade igual ou superior a 71 anos. Atualmente, a RDA é de 600 UI/dia para todas as faixas etárias e ambos os sexos, exceto para indivíduos com idade igual ou superior a 71 anos, cuja recomendação é de 800 UI/dia (Tabela 1.12). TABELA 1.12 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%6)4!-).!3,)0/33/,Â6%)3
)DADE ANOS
6ITAMINA!a MCGDIA
6ITAMINA$B 5)DIA
6ITAMINA%c MGDIA
6ITAMINA+ MCGDIA
%!2
RDA
UL*
%!2
RDA
UL
%!2
RDA
UL
AI
UL
19 a 30
625
900
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
120
ND
31 a 50
625
900
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
120
ND
51 a 70
625
900
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
120
ND
71 ou mais
625
900
3.000
400
800
4.000
12
15
1.000
120
ND
19 a 30
500
700
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
90
ND
31 a 50
500
700
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
90
ND
51 a 70
500
700
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
90
ND
71 ou mais
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700
3.000
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4.000
12
15
1.000
90
ND
19 a 30
550
770
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
90
ND
31 a 50
550
770
3.000
400
600
4.000
12
15
1.000
90
ND
19 a 30
900
1.300
3.000
400
600
4.000
16
19
1.000
90
ND
31 a 50
900
1.300
3.000
400
600
4.000
16
19
1.000
90
ND
(OMENS
-ULHERES
'ESTANTES
1
Lactantes
* Apenas como vitamina A pré-formada. a Como equivalente da atividade de retinol (RAE): 1 RAE = 1 mcg de retinol, 12 mcg de betacaroteno, 24 mcg de alfacaroteno ou 24 mcg betacriptoxantina. b
Como colecalciferol: 1 mcg de colecalciferol = 40 UI de vitamina D. Na ausência de adequada exposição à luz solar.
Como alfatocoferol: alfatocoferol inclui RRR – alfatocoferol e as formas isoméricas 2R alfatocoferol (RRR- RSR-, RRS e RSS alfatocoferol) — presente em alimentos fortificados e suplementos. c
ND: não determinado. Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 1997, 2000, 2000a, 2010.
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Vitamina E A vitamina E é um importante antioxidante e protege os fosfolipídios insaturados da membrana celular contra degeneração oxidativa. Juntamente com outros antioxidantes (vitamina C, selênio, betacaroteno e outros carotenoides), atua no organismo combatendo o estresse oxidativo causado pelas espécies reativas de oxigênio e por outros radicais livres. O IOM/FNB (2000) estimou a necessidade diária de vitamina E do adulto baseando-se em estudos de deficiência induzida em humanos e ensaios de hemólise in vitro causada por peróxido de hidrogênio. A EAR de vitamina E para adultos é de 12 mg/dia e a RDA é de 15 mg/dia, para ambos os sexos. O UL foi fixado em 1.000 mg/dia na forma de suplemento, considerando o risco de hemorragia (Tabela 1.12).
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
Os valores de UL foram estabelecidos considerando-se a relação da curva em forma de U da vitamina D com todas as causas de mortalidade, doenças cardiovasculares, alguns tipos de cânceres, quedas e fraturas. Dessa maneira, obteve-se UL de 4.000 UI/dia para indivíduos com idade igual ou superior a 9 anos.
Vitamina K A vitamina K atua como coenzima na síntese de diversas proteínas envolvidas na coagulação do sangue e no metabolismo ósseo. Em decorrência da insuficiência de dados para se estimar a EAR, o IOM/FNB (1997), estabeleceu a AI de vitamina K para adultos a partir de dados de consumo representativos da população norte-americana saudável. A AI foi estimada em 120 e 90 mcg/dia para homens e mulheres, respectivamente (Tabela 1.12). Como não se tem registro de efeitos adversos associados ao consumo excessivo de vitamina K, seja na forma de alimentos ou suplementos, o UL não foi definido.
Vitaminas hidrossolúveis Tiamina A tiamina é fundamental para o metabolismo de carboidratos e a função neural. Em 1998, o IOM/FNB estabeleceu a necessidade de tiamina do adulto (EAR = 1 mg para homens e 0,9 mg para mulheres) baseando-se em estudos experimentais cuidadosamente controlados. A RDA de tiamina para o adulto (1,2 mg para homens e 1,1 mg para mulheres) foi estabelecida considerando-se 2 vezes o coeficiente de variação de 10%, visando a suprir as necessidades de 97 a 98% dos indivíduos de um grupo populacional. O UL de tiamina não pode ser determinado, uma vez que os estudos sobre efeitos adversos associados ao consumo excessivo dessa vitamina, seja na forma de alimentos ou suplementos, são insuficientes e inadequados para a avaliação quantitativa do risco (Tabela 1.13).
Riboflavina A riboflavina é essencial para o metabolismo de carboidratos, aminoácidos e lipídios. Em 1998, o IOM/FNB estabeleceu a EAR de riboflavina a partir de estudos experimentais realizados com adultos (Tabela 1.13). A RDA de riboflavina para o adulto (1,3 mg para
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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homens e 1,1 mg para mulheres) também foi estabelecida considerando 2 vezes o coeficiente de variação de 10%, visando a suprir as necessidades de 97 a 98% dos indivíduos de um grupo populacional. Assim como para a tiamina, os dados sobre efeitos do consumo excessivo de riboflavina foram considerados insuficientes para a definição do UL.
Niacina A niacina é essencial para o metabolismo de carboidratos, aminoácidos e lipídios. A EAR de niacina do adulto foi estabelecida em 1998 pelo IOM/FNB (12 mg de equivalentes de niacina – NE – para homens e 11 mg para mulheres). Para definir a RDA (16 mg de NE para homens e 14 mg para mulheres), considerou-se 2 vezes o coeficiente de variação de 15%. O UL (Tabela 1.13) foi baseado no risco associado ao consumo excessivo dessa vitamina na forma de suplementos, já que não há evidências de efeitos adversos associados à forma natural da vitamina presente nos alimentos.
Vitamina B6 A vitamina B6 atua como coenzima para mais de 100 enzimas envolvidas no metabolismo de aminoácidos e também no metabolismo de neurotransmissores, glicogênio, esfingolipídios, heme e esteroides. A EAR de vitamina B6 do adulto (1,1 mg/dia para ambos os sexos) foi determinada a partir de estudos experimentais relacionando a ingestão dessa vitamina à excreção urinária de seus metabólitos. A RDA (1,3 mg/dia) foi estabelecida assumindo 2 vezes o coeficiente de variação de 10%. A definição do UL (100 mg/dia) considerou os efeitos adversos do consumo excessivo dessa vitamina a partir da suplementação (Tabela 1.13).
Folato
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O folato atua como coenzima em diversas reações no metabolismo de aminoácidos e nucleotídeos, sendo essencial para a biossíntese de ácidos nucleicos e a maturação de hemácias. A EAR de folato do adulto foi estabelecida pelo IOM/FNB em 1998, a partir de estudos experimentais utilizando diferentes indicadores: folato eritrocitário, concentração plasmática de folato e homocisteína (Tabela 1.13). A RDA (400 mcg/dia para ambos os sexos) foi determinada em equivalentes de folato dietético (EFD), considerando as variações na biodisponibilidade do folato dependendo da origem (1 mcg de EFD = 1 mcg de folato da dieta = 0,6 mcg de ácido fólico ingerido juntamente com a alimentação – fortificação ou suplementação e 0,5 mcg de ácido fólico ingerido com o estômago vazio – suplementação). Considerando as evidências ligando a deficiência de folato à ocorrência de defeitos de fechamento do tubo neural, o FNB/IOM recomendou a suplementação diária de 400 mcg para as mulheres em idade fértil capazes de engravidar no período periconcepcional. O UL de ácido fólico (1.000 mcg/dia) refere-se a todas as formas de suplementos e/ou alimentos fortificados.
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A vitamina B12 participa como coenzima de diversas reações e é essencial para a formação do sangue e a função neurológica. O FNB/IOM (1998) definiu a EAR de vitamina B12 para o adulto (2 mcg/dia para ambos os sexos) e a RDA (2,4 mcg/dia). Para os adultos acima de 51 anos e idosos, considerando-se que 10 a 30% deles podem não absorver adequadamente a vitamina B12 dos alimentos, recomendou-se a ingestão de alimentos fortificados ou a suplementação visando a suprir a EAR (Tabela 1.13). Os estudos sobre efeitos adversos do consumo excessivo de B12 foram considerados inadequados para a definição do UL.
Vitamina C A vitamina C desempenha diversas funções metabólicas importantes, entre as quais se destaca a atuação como antioxidante e biossintetizador de aminoácidos e de colágeno. Visando a proporcionar proteção antioxidante, o IOM/FNB (2000) estimou a EAR de vitamina C do adulto (Tabela 1.13). Considerando um coeficiente de variação de 10%, foi estabelecida a RDA (75 mg/dia e 90 mg/dia, para homens e mulheres, respectivamente). Por causa do aumento do estresse oxidativo e do turnover de vitamina C causado pelo tabagismo, recomendou-se um adicional diário de 35 mg para os fumantes. Nessas doses, houve baixa excreção de metabólitos urinários, indicando que a dosagem não é excessiva. O UL foi fixado em 2.000 mg/dia, tomando-se como base o risco de diarreia osmótica.
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
Vitamina B12
Ácido pantotênico O ácido pantotênico é essencial para o metabolismo de ácidos graxos, proteínas e carboidratos. Considerando-se que os estudos foram insuficientes para a definição da necessidade de ácido pantotênico, foi estabelecida apenas a AI – de 5 mg/dia para ambos os sexos (Tabela 1.13). Pela falta de evidências de efeitos adversos do consumo excessivo de ácido pantotênico, também não pôde ser definido o UL.
Biotina A biotina atua como coenzima em reações de carboxilação. Em decorrência da insuficiência de estudos para a estimativa de sua EAR, o IOM/FNB (1998) definiu apenas a AI (30 mcg/dia para ambos os sexos), baseando-se na extrapolação de dados de lactentes e também em algumas estimativas de ingestão em adultos (Tabela 1.13).
Colina A colina funciona como precursor para a síntese de acetilcolina, de fosfolipídios de membrana e de fosfatidilcolina. O IOM/FNB (1998) definiu a AI (550 mg/dia para homens e 425 mg/dia para mulheres) e o UL (3,5 g/dia) para adultos (Tabela 1.13).
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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MINERAIS Cálcio Além de fundamental para a formação de ossos e dentes, o cálcio exerce outras funções no organismo: transporte em nível de membrana celular, contração muscular, transmissão de impulsos nervosos e secreção glandular. Em 2010, o IOM publicou as novas DRI para o cálcio, considerando seus efeitos na saúde óssea, uma vez que os estudos da relação desse mineral com prevenção de doenças foram considerados inconsistentes e inconclusivos. Os valores foram determinados a partir do teor presente no leite materno para menores de 1 ano, de estudos de balanço de cálcio para indivíduos com idade de 1 a 50 anos e de provas observacionais e clínicas para aqueles com idade superior a 50 anos. Para determinação da UL, foram considerados os efeitos adversos, como hipercalcemia, hipercalciúria, calcificação de tecidos e nefrolitíase (Tabela 1.14).
Fósforo O fósforo está amplamente distribuído no organismo e, juntamente com o cálcio, participa da formação de ossos e dentes, além de desempenhar diversas funções. O IOM/ FNB (1997) estimou a EAR de fósforo do adulto (Tabela 1.14) utilizando como critério o nível de ingestão associado à manutenção da concentração de fosfato sérico na faixa de normalidade. A RDA (700 mg/dia para ambos os sexos) foi estabelecida considerando-se 2 vezes o coeficiente de variação de 10%. O UL para a faixa etária dos 19 aos 70 anos, foi fixado em 4.000 mg/dia, levando-se em conta o risco de efeitos adversos.
Magnésio O magnésio está presente em ossos, músculos, tecidos moles e fluidos corporais e atua como cofator para mais de 300 sistemas enzimáticos. A EAR de magnésio para o adulto foi estimada a partir de estudos de balanço (IOM/FNB, 1997) (Tabela 1.14). Para definir a RDA (400 e 310 mg/dia para homens e mulheres, respectivamente), considerou-se um coeficiente de variação de 10%. O UL foi estabelecido com base em efeitos adversos decorrentes do consumo excessivo de magnésio de origem não alimentar.
1
Ferro O ferro é componente de diversas proteínas, incluindo hemoglobina e enzimas. O IOM /FNB (2001) utilizou um modelo fatorial para determinar a EAR de ferro para o adulto. Para estimar a necessidade do sexo masculino, considerou-se apenas o gasto basal relativo ao peso corporal; para mulheres no período pré-menopausa, levou-se em conta também a perda menstrual. Assim, a necessidade média foi estimada em 6 mg/dia para o sexo masculino e 8,1 mg/dia para o sexo feminino, e a RDA foi de 8 mg e 18 mg/dia, respectivamente (Tabela 1.14). O UL foi fixado em 45 mg/dia, considerando o risco de efeitos adversos (distúrbios gastrintestinais). Segundo as novas recomendações da OMS/FAO (2002), foram definidos quatro níveis de ingestão considerando a biodisponibilidade do ferro da dieta (15%, 12%, 10% e 5%), ou seja, 9,1, 11,4, 13,7, e 29,4 mg para o sexo masculino e 19,6, 24,5, 27,4 e 58,8 mg para o feminino.
1
1
1
31 a 50
51 a 70
71 ou mais
0,9
0,9
0,9
31 a 50
51 a 70
71 ou mais
1,2
31 a 50
1,2
1,2
19 a 30
31 a 50
Lactantes
1,2
19 a 30
'ESTANTES
0,9
19 a 30
-ULHERES
1
1,5
1,5
1,4
1,4
1,1
1,1
1,1
1,1
1,2
1,2
1,2
1,2
RDA
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
UL
4IAMINAMGDIA
%!2
19 a 30
(OMENS
)DADEANOS RDA 1,3 1,3 1,3 1,3 1,1 1,1 1,1 1,1 1,4 1,4 1,6 1,6
%!2 1,1 1,1 1,1 1,1 0,9 0,9 0,9 0,9 1,2 1,2 1,3 1,3
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
ND
UL
2IBOFLAVINAMGDIA
13
13
14
14
11
11
11
11
12
12
12
12
%!2
17
17
18
18
14
14
14
14
16
16
16
16
RDA
35
35
35
35
35
35
35
35
35
35
35
35
UL
.IACINAaMGDIA
1,7
1,7
1,6
1,6
1,3
1,3
1,1
1,1
1,4
1,4
1,1
1,1
%!2
2
2
1,9
1,9
1,5
1,5
1,3
1,3
1,7
1,7
1,3
1,3
RDA
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
UL
6ITAMINA"MGDIA
450
450
520
520
320
320
320
320
320
320
320
320
%!2
500
500
600
600
400
400
400
400
400
400
400
400
RDA
(continua)
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
1.000
UL
&OLATOBMCGDIA
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
TABELA 1.13 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%6)4!-).!3()$2/33/,Â6%)3
25
1
1 2.000 2.000
2.000 2.000
2.000
2.000 2.000 2.000
2.000 2.000 2.000 2.000
UL
2,4 2,4
2,2 2,2
2
2 2 2
2 2 2 2
%!2
2,8 2,8
2,6 2,6
2,4
2,4 2,4 2,4
2,4 2,4 2,4 2,4
RDA
ND ND
ND ND
ND
ND ND ND
ND ND ND ND
UL
6ITAMINA"cMCGDIA
7 7
6 6
5
5 5 5
5 5 5 5
ND ND
ND ND
ND
ND ND ND
ND ND ND ND
CIDOPANTOTÐNICO MGDIA AI UL
35 35
30 30
30
30 30 30
30 30 30 30
AI
ND ND
ND ND
ND
ND ND ND
ND ND ND ND
UL
"IOTINAMCGDIA
550 550
450 450
425
425 425 425
550 550 550 550
AI
3.500 3.500
3.500 3.500
3.500
3.500 3.500 3.500
3.500 3.500 3.500 3.500
UL
#OLINADMGDIA
b
a
Na forma de equivalente de niacina (NE): 1 mg de niacina = 60 mg de triptofano. Na forma de equivalente de folato alimentar (DFE): 1 DFE = 1 mcg de folato alimentar ou 0,6 mcg de ácido fólico (alimentos fortificados ou suplementos ingeridos com a alimentação) ou 0,5 mcg de ácido fólico sintético (suplemento tomado com estômago vazio). Recomenda-se a mulheres em idade fértil o consumo de 400 mcg de ácido fólico na forma de alimentos fortificados e/ou suplementos, além da ingestão de alimentos variados. c Em função da má absorção de vitamina B12 dos alimentos em 10 a 30% dos idosos, aconselha-se a pessoas acima de 50 anos de idade que atinjam suas RDA de preferência com o consumo de alimentos fortificados e/ou suplementos. d Apesar de ter sido estabelecida AI para colina, há poucas evidências de que seja necessária na dieta de grupos em todas as idades, e é provável que possa ser suprida por síntese endógena em determinadas fases. ND: não determinado. Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 1998, 2000a.
120 120
100 100
75
85 85
60
71 ou mais
75 75 75
90 90 90 90
RDA
6ITAMINA#MGDIA
70 70
60 60 60
19 a 30 31 a 50 51 a 70
'ESTANTES 19 a 30 31 a 50 Lactantes 19 a 30 31 a 50
75 75 75 75
%!2
19 a 30 31 a 50 51 a 70 71 ou mais -ULHERES
(OMENS
)DADEANOS
TABELA 1.13 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%6)4!-).!3()$2/33/,Â6%)3#/.4
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
26
27
Zinco O zinco atua como componente essencial de enzimas responsáveis pela manutenção da integridade estrutural de proteínas e pela regulação da expressão da informação genética, entre outras funções importantes. A EAR de zinco do adulto (Tabela 1.14) foi estimada a partir do método fatorial. A RDA é de 11 mg/dia e 8 mg/dia para homens e mulheres, respectivamente. Embora não haja evidências de efeitos adversos da ingestão de zinco pela alimentação, a definição do UL considerou o consumo de zinco total, incluindo alimentos, água e suplementos. Segundo as recomendações da OMS/FAO (2002), foram definidos três níveis de ingestão, considerando a biodisponibilidade do zinco da dieta (alta, moderada e baixa), ou seja, 43, 72 e 144 mg para homens e 36, 59 e 119 mg para mulheres.
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
Iodo Componente essencial dos hormônios da tireoide (T3 e T4) envolvidos na regulação de diversas enzimas e processos metabólicos. O acúmulo de iodo na tireoide e o turnover foram utilizados para a definição da EAR, estimada em 95 mcg/dia para ambos os sexos. A RDA de 150 mcg/dia foi determinada considerando um coeficiente de variação de 20%. O UL foi fixado em 1.100 mcg/dia, levando em conta o risco de elevação da concentração de hormônio tireoestimulante (TSH) e disfunção da tireoide (Tabela 1.14).
Selênio O selênio, como componente das selenoproteínas, juntamente com as vitaminas C e E e com o betacaroteno, constitui um eficiente sistema antioxidante para o organismo. A estimativa da necessidade de selênio considerou a ingestão necessária para maximizar a atividade da selenoproteína glutationa peroxidase plasmática. A EAR de selênio, segundo o IOM/FNB (2001), é de 45 mcg/dia e a RDA é de 55 mcg/dia, para ambos os sexos. O UL determinado para o adulto é 400 mcg/dia, considerando o risco de selenose (Tabela 1.14).
Cobre O cobre é componente de diversas enzimas, as quais desempenham importantes funções no organismo. A EAR de cobre do adulto é 700 mcg/dia, e a RDA, 900 mcg/dia, segundo o IOM/FNB (2002). O UL para o adulto foi fixado em 10 mg/dia, considerando o risco de efeitos adversos (Tabela 1.14).
Flúor O flúor tem papel importante na prevenção da cárie dental. O IOM/FNB (1997) definiu a AI de flúor tomando como base seu efeito cariostático e a ingestão de populações norte-americanas que consomem água fluoretada. A AI para o adulto foi estimada em 4 mg/dia e 3 mg/dia para homens e mulheres, respectivamente. O UL (10 mg/dia) foi determinado levando-se em conta o risco de fluorose (Tabela 1.14).
1
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Manganês O manganês está envolvido na formação dos ossos e no metabolismo de aminoácidos, lipídios e carboidratos. Por causa da insuficiência de dados para estimar EAR, o IOM/ FNB (2002) definiu a AI para o adulto em 2,3 mg/dia para homens e 1,8 mg/dia para mulheres. O UL foi fixado em 11 mg/dia, com base no risco de elevação na concentração sanguínea e neurotoxicidade (Tabela 1.14).
Molibdênio É considerado um micronutriente essencial em virtude de sua atuação como cofator enzimático. A EAR do adulto foi determinada com base em estudos controlados de balanço de molibdênio. A RDA para ambos os sexos é 45 mcg/dia e o UL é de 2 mg/dia, considerando-se o risco de comprometimento da reprodução e do crescimento (Tabela 1.14).
Cromo O cromo potencializa a ação da insulina in vivo e in vitro. O IOM/FNB (2002) determinou a AI de cromo para o adulto (35 mcg/dia para homens e 25 mcg/dia para mulheres) a partir da ingestão média observada, em decorrência da insuficiência de dados para a estimativa da necessidade. O UL não foi determinado, pois poucos efeitos adversos sérios têm sido associados à ingestão excessiva de cromo (Tabela 1.14).
Arsênio, boro, níquel, silício e vanádio Embora existam evidências do efeito benéfico desses minerais em alguns processos fisiológicos para várias espécies animais, inclusive o homem, os dados disponíveis ainda são insuficientes para que se possa definir as respectivas DRI. Estimativas do UL foram estabelecidas para boro (20 mg/dia), vanádio (1,8 mg/dia) e níquel (1 mg/dia).
ÁGUA E ELETRÓLITOS Água
1
Principal constituinte do corpo humano e essencial para a homeostase e a vida. Apesar do reconhecimento de que algumas doenças crônicas podem estar associadas à baixa ingestão hídrica, as evidências são insuficientes para que se recomende a ingestão de água visando a reduzir o risco de doenças. O IOM/FNB (2004) divulgou a recomendação de AI de água total, a qual foi estabelecida com base na mediana de ingestão observada em levantamentos realizados com a população norte-americana. De acordo com as novas recomendações, a ingestão média de água total de adultos na faixa de 19 a 50 anos é de 3,7 L para homens e de 2,7 L para mulheres. De acordo com o referido levantamento, os líquidos, incluindo água e outras bebidas, fornecem cerca de 3 e 2,2 L/dia de água para homens e mulheres, respectivamente, na faixa etária de 20 a 30 anos, representando cerca de 81% da água total, enquanto a água contida nos alimentos representa cerca de 19% do total ingerido.
800
800
1.000
31 a 50
51 a 70
71 ou mais
800
1.000
1.000
31 a 50
51 a 70
71 ou mais
800
31 a 50
800
800
19 a 30
31 a 50
Lactantes
800
19 a 30
'ESTANTES
800
19 a 30
-ULHERES
800
%!2
1.000
1.000
1.000
1.000
1.200
1.200
1.000
1.000
1.200
1.000
1.000
1.000
RDA
#ÉLCIOMGDIA
19 a 30
(OMENS
)DADE ANOS
2.500
2.500
2.500
2.500
2.000
2.000
2.500
2.500
2.000
2.000
2.500
2.500
UL
RDA 700 700 700 700 700 700 700 700 700 700 700 700
%!2 580 580 580 580 580 580 580 580 580 580 580 580
4.000
4.000
3.500
3.500
3.000
4.000
4.000
4.000
3.000
4.000
4.000
4.000
UL
&ØSFOROMGDIA
265
255
300
290
265
265
265
255
350
350
350
330
%!2
320
310
360
350
320
320
320
310
420
420
420
400
RDA
350
350
350
350
350
350
350
350
350
350
350
350
UL*
-AGNÏSIOMGDIA
6,5
6,5
22
22
5
5
8,1
8,1
6
6
6
6
%!2
9
9
27
27
8
8
18
18
8
8
8
8
RDA
45
45
45
45
45
45
45
45
45
45
45
45
UL
&ERROMGDIA
209
209
160
160
95
95
95
95
95
95
95
95
%!2
290
290
220
220
150
150
150
150
150
150
150
150
RDA
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
1.100
UL
)ODOMCGDIA
10,4
10,4
9,5
9,5
6,8
6,8
6,8
6,8
9,4
9,4
9,4
9,4
%!2
12
12
11
11
8
8
8
8
11
11
11
11
RDA
(continua)
40
40
40
40
40
40
40
40
40
40
40
40
UL
:INCOMGDIA
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
TABELA 1.14 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%-).%2!)3
29
1
1
55 55 55 55
55 55 55 55
60 60
70 70
45 45 45 45
49 49
59 59
RDA
45 45 45 45
%!2
400 400
400 400
400 400 400 400
400 400 400 400
UL
3ELÐNIOMCGDIA
1.000 1.000
800 800
700 700 700 700
700 700 700 700
%!2
1.300 1.300
1.000 1.000
900 900 900 900
900 900 900 900
RDA
10.000 10.000
8.000 8.000
10.000 10.000 10.000 10.000
10.000 10.000 10.000 10.000
UL
#OBREMCGDIA
3 3
3 3
3 3 3 3
4 4 4 4
AI
10 10
10 10
10 10 10 10
10 10 10 10
UL
&LÞORMGDIA
*UL para magnésio representa somente a ingestão de fármacos e não inclui alimentos e água. ND: não determinado.
(OMENS 19 a 30 31 a 50 51 a 70 71 ou mais -ULHERES 19 a 30 31 a 50 51 a 70 71 ou mais 'ESTANTES 19 a 30 31 a 50 Lactantes 19 a 30 31 a 50
)DADEANOS
2,6 2,6
2 2
1,8 1,8 1,8 1,8
2,3 2,3 2,3 2,3
AI
11 11
11 11
11 11 11 11
11 11 11 11
UL
-ANGANÐSMGDIA
TABELA 1.14 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%-).%2!)3#/.4
40 40
40 40
34 34 34 34
34 34 34 34
50 50
50 50
45 45 45 45
45 45 45 45
2.000 2.000
2.000 2.000
2.000 2.000 2.000 2.000
2.000 2.000 2.000 2.000
-OLIBDÐNIO MCGDIA %!2 RDA UL
45 45
30 30
25 25 20 20
35 35 30 30
ND ND
ND ND
ND ND ND ND
ND ND ND ND
#ROMO MCGDIA AI UL
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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31
Potássio O potássio, principal cátion intracelular no corpo humano, é fundamental para a função celular normal. Junto com o sódio, é importante para a manutenção do equilíbrio hídrico e, com o cálcio, participa da regulação da atividade neuromuscular. Sua deficiência acentuada é caracterizada por hipocalemia, cujas consequências adversas são arritmia cardíaca, fraqueza muscular e intolerância à glicose. Por causa da insuficiência de dados para a definição da necessidade (EAR), a RDA para o adulto não pôde ser definida. Com base em dados disponíveis, o IOM/FNB (2004) estimou a AI de potássio para o adulto em 4,7 g/dia (Tabela 1.15). Esse nível de ingestão a partir dos alimentos deve ser suficiente para manter os níveis de pressão sanguínea, reduzir os efeitos adversos do cloreto de sódio sobre a pressão sanguínea, reduzir o risco de cálculos renais e, possivelmente, diminuir a perda óssea. Esse valor é superior à ingestão da população norte-americana (2,9 a 3,2 g/dia para homens e 2,1 a 2,3 g/dia para mulheres) e canadense (3,2 a 3,4 g/dia para homens e 2,4 a 2,6 g/dia para mulheres). Essa recomendação mais elevada foi estabelecida visando a beneficiar particularmente a população afrodescendente norte-americana, cujo consumo de potássio é relativamente baixo e os níveis de pressão sanguínea são mais elevados. De modo geral, para uma população saudável cuja função renal é normal, a ingestão de potássio alimentar acima da AI não representa risco de efeitos adversos, uma vez que o excesso é excretado pela urina. Assim, não foi estabelecido o UL. Entretanto, para os indivíduos cuja excreção urinária de potássio esteja comprometida, é aconselhável uma ingestão inferior a 4,7 g/dia, em decorrência do efeito adverso da hipercalemia (arritmia cardíaca).
Sódio e cloro São extremamente importantes para a manutenção do volume extracelular e da osmolalidade sérica. Assim como no caso do potássio, os dados foram considerados insuficientes para que se pudesse estabelecer as necessidades e as recomendações de ingestão de sódio e cloro. Com base nas evidências disponíveis, foi estabelecida a AI para o adulto saudável, visando a assegurar o consumo adequado de sódio e de outros nutrientes importantes e repor as perdas pelo suor de indivíduos em ambientes não aclimatizados
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
É importante ressaltar que, assim como para os demais nutrientes em indivíduos saudáveis, um consumo hídrico abaixo do nível recomendado não implica, necessariamente, risco de inadequação, uma vez que uma ampla faixa de ingestão é compatível com a hidratação normal do organismo. Além disso, uma ingestão de água total mais elevada pode ser necessária em situações como doenças, aumento da atividade física e exposição a uma temperatura ambiental mais elevada. O UL não foi estabelecido, considerando que os indivíduos saudáveis são capazes de excretar o excesso de água consumido e manter o balanço hídrico. No entanto, é necessário considerar o risco de intoxicação hídrica relacionado ao consumo rápido de grandes quantidades de líquido, os quais excedem a capacidade máxima de excreção renal – aproximadamente 0,7 a 1 L/hora (Tabela 1.15).
1
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
32
e moderadamente ativos. O IOM/FNB (2004) estimou a AI de sódio do adulto em 1,5 g/ dia para ambos os sexos (Tabela 1.15), o que corresponde a 3,8 g/dia de cloreto de sódio. Essa recomendação não se aplica aos indivíduos altamente ativos, como atletas, e àqueles expostos a perda prolongada de calor. A AI de cloro para o adulto jovem (2,3 g/dia) foi estabelecida considerando a equivalência molar com o sódio, já que quase todo o cloreto da dieta é fornecido juntamente com o sódio. Para o adulto mais velho (30 a 50 anos de idade) e idoso, a AI é de 2 g/dia e 1,8 g/dia, respectivamente – o equivalente a 3,2 g e 2,9 g de cloreto de sódio. O UL de sódio foi fixado em 2,3 g/dia, com base no efeito adverso do consumo excessivo sobre a pressão sanguínea (Tabela 1.15). Entretanto, a definição precisa do limite de ingestão é dificultada tanto pela relação contínua e progressiva entre ingestão de sódio e pressão sanguínea quanto pela ação de fatores ambientais (peso, exercício, ingestão de potássio, dieta e consumo de álcool) e fator genético. É importante ressaltar, no entanto, que o consumo de sódio acima do nível recomendado não é benéfico e que o nível máximo tolerável de indivíduos mais sensíveis aos efeitos da ingestão de sódio sobre a pressão arterial (idosos, hipertensos, diabéticos e portadores de doença renal crônica) pode ser mais baixo. TABELA 1.15 6!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!$%2%&%2´.#)!$%'5!%%,%42¼,)4/3
)DADEANOS
GUA,DIA
0OTÉSSIOGDIA
3ØDIOGDIA
#LOROGDIA
AI
UL
AI
UL
AI
UL
AI
UL
19 a 30
3,7*
ND
4,7
ND
1,5
2,3
2,3
3,6
31 a 50
3,7*
ND
4,7
ND
1,5
2,3
2,3
3,6
51 a 70
3,7*
ND
4,7
ND
1,3
2,3
2
3,6
71 ou mais
3,7*
ND
4,7
ND
1,2
2,3
1,8
3,6
19 a 30
2,7*
ND
4,7
ND
1,5
2,3
2,3
3,6
31 a 50
2,7*
ND
4,7
ND
1,5
2,3
2,3
3,6
51 a 70
2,7*
ND
4,7
ND
1,3
2,3
2
3,6
71 ou mais
2,7*
ND
4,7
ND
1,2
2,3
1,8
3,6
Gestantes
+
3
ND
4,7
ND
1,5
2,3
2,3
3,6
Lactantes
3,8+
ND
5,1
ND
1,5
2,3
2,3
3,6
(OMENS
-ULHERES
1
*Representa aproximadamente 3 e 2,2 L de líquidos totais/dia para homens e mulheres, respectivamente. Representa aproximadamente 2,3 e 3,1 L de líquidos totais/dia para gestantes e lactentes, respectivamente.
+
ND: não determinado. Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2004.
As Tabelas 1.16 e 1.17 apresentam um resumo das funções, fontes, deficiências e excesso dos micronutrientes, colesterol e fibras abordados no capítulo.
!LIMENTOS FONTE Produtos de origem animal: carnes e derivados, vísceras, ovos
Vegetais, farinha de trigo integral, farelo, grãos integrais, frutas e sementes comestíveis
Aveia, leguminosas, guar, cevada, maçãs, frutas cítricas, morangos, cenouras, sementes e nozes Produtos de origem animal (fígado, rins, leite integral, creme de leite, queijos, manteigas, gema de ovo), vegetais folhosos, legumes e frutas de palmeiras como dendê e buriti
&UN ÜES
Biossíntese de hormônios esteroides e ácido biliar, além de ser um componente integrante da membrana celular
Atuam no metabolismo reduzindo a absorção de carboidratos e lipídios provenientes da dieta; auxiliam na redução dos níveis lipídicos e glicídicos e na manutenção do peso
Aceleram o tempo de trânsito intestinal, auxiliando na prevenção de doenças do trato gastrointestinal
Essencial para a reprodução, a visão e a resposta imunológica
Colesterol
Fibras solúveis
Fibras insolúveis
Vitamina A
Em mulheres em idade reprodutiva, há risco de teratogenicidade; nos demais adultos, risco de anomalias hepáticas
Pode interferir no metabolismo e reduzir a biodisponibilidade de alguns minerais
Aumenta os níveis de colesterol total, LDL e triglicerídeos no sangue, e, consequentemente, o risco de doenças cardiovasculares
%XCESSO
(continua)
Cegueira noturna, xerodermia, hiperqueratose folicular, xeroftalmia, comprometimento do crescimento e desenvolvimento, maior suscetibilidade a infecções
Dietas pobres em fibras podem estar associadas a constipação, diverticulose e câncer do intestino grosso, diabete, obesidade e doenças coronarianas
—
Deficiência
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
.UTRIENTE
TABELA 1.16 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%#/,%34%2/, &)"2!3%6)4!-).!3
33
1
1
&UN ÜES
Envolvida no metabolismo do cálcio e do fósforo e na mineralização óssea indispensável para a homeostase do cálcio e do fósforo e para a diferenciação celular
Antioxidante; protege os fosfolipídios insaturados da membrana celular contra degeneração oxidativa; combate o estresse oxidativo causado pelas espécies reativas de oxigênio e outros radicais livres
Coenzima na síntese de diversas proteínas envolvidas na coagulação do sangue e no metabolismo ósseo
Fundamental para o metabolismo de carboidratos e a função neural
.UTRIENTE
Vitamina D
Vitamina E
Vitamina K
Tiamina
Levedura, gérmen de trigo, cereais integrais, castanhas, vísceras, aves, carnes magras, peixes, gema de ovo, ervilha, feijão, soja, amendoim
Vegetais verdes, como brócolis, espinafre e repolho, e em óleos vegetais, como canola, oliva e soja
Óleos vegetais são a principal fonte, mas também está difundida em alimentos de origem animal, como ovos, leite integral e fígado
Óleo de fígado de peixes, gema de ovo, manteiga e nata
!LIMENTOS FONTE
—
Raro, porém, pesquisas demonstram que as doses excessivas podem causar anemia hemolítica em ratos e icterícia grave em bebês
Risco de hemorragia
Hipercalcemia, hipercalciúria, calcificação vascular e de tecidos moles, nefrolitíase
%XCESSO
TABELA 1.16 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%#/,%34%2/, &)"2!3%6)4!-).!3#/.4
Beribéri
(continua)
Aumento no tempo de coagulação (hipoprotombinemia), hemorragias e, em casos graves, anemia fatal
Disfunções neurológicas, miopatias e atividade plaquetária anormal; em recém-nascidos prematuros, anemia hemolítica
Raquitismo; em adultos, osteomalácia e osteoporose
Deficiência
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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!LIMENTOS FONTE Leveduras, farelo de trigo, carnes, ovos, leite e peixes Carnes magras, vísceras, levedura de cerveja, amendoim, aves e peixes Amendoim, gema de ovo, banana, abacate, carnes, fígado, nozes e cereais de grão integral
Amplamente distribuído nos alimentos; as boas fontes incluem vegetais com folhas verdes, fígado, legumes e algumas frutas Fígado, cérebro, coração, mariscos, ostras, gema de ovo; fontes intermediárias: carnes, leite e derivados, peixe, camarão e lagostas
&UN ÜES
Essencial para o metabolismo de carboidratos, aminoácidos e lipídios
Essencial para o metabolismo de carboidratos, aminoácidos e lipídios
Coenzima de mais de 100 enzimas do metabolismo de aminoácidos e também do metabolismo de neurotransmissores, glicogênio, esfingolipídios, heme e esteroides
Coenzima em diversas reações no metabolismo de aminoácidos e nucleotídeos; essencial para a biossíntese de ácidos nucleicos e a maturação de hemácias
Participa como coenzima em diversas reações e é essencial para a formação do sangue e a função neurológica
Riboflavina
Niacina
Vitamina B6
Folato
Vitamina B12
—
—
—
Sensação de formigamento e enrubescimento da pele, e latejamento, decorrentes da ação vasodilatadora
—
%XCESSO
(continua)
Anemia perniciosa, problemas neurológicos e de pele, diarreia, perda de apetite
Anemia megaloblástica, defeitos de fechamento do tubo neural
A deficiência primária não é comum. Maior ocorrência de cálculos renais e anormalidades no sistema nervoso central
Fraqueza muscular, anorexia, pelagra (dermatite, demência e diarreia), tremores
Dermatite, glossite, queilose, estomatite, edema
Deficiência
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
.UTRIENTE
TABELA 1.16 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%#/,%34%2/, &)"2!3%6)4!-).!3#/.4
35
1
1
&UN ÜES
Essencial para a síntese de colágeno e aminoácidos; auxilia na absorção do ferro, além de atuar como antioxidante
Essencial para o metabolismo de ácidos graxos, proteínas e carboidratos
Atua como coenzima em reações de carboxilação
Funciona como precursor para a síntese de acetilcolina, fosfolipídios de membrana e de fosfatidilcolina
.UTRIENTE
Vitamina C
Ácido pantotênico
Biotina
Colina
Gema de ovos, fígado e amendoim
Leite, fígado e outras vísceras, cogumelos, amendoim, gema de ovos e certas frutas e vegetais
Levedura, fígado, rim, coração, salmão, ovos, brócolis, couve-flor, cogumelos, carne de porco, amendoim, trigo, centeio e farinha de soja
Frutas cítricas: laranja, limão, acerola, mexerica, tangerina e caju; goiaba, tomate, vegetais folhosos crus
!LIMENTOS FONTE
—
—
—
Formação de cálculos renais, diarreia osmótica
%XCESSO
TABELA 1.16 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%#/,%34%2/, &)"2!3%6)4!-).!3#/.4
Esteatose hepática, cirrose, aumento na incidência de câncer de fígado, lesões hemorrágicas dos rins e falta de coordenação motora
Fadiga, anorexia, depressão, mal-estar, dores musculares, náuseas, anemia, hipercolesterolemia e anormalidades cardíacas
—
Escorbuto: debilidade geral, palidez, anorexia, gengivas edemaciadas acompanhadas de sangramento e amolecimento dos dentes
Deficiência
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!LIMENTOS FONTE Leite e derivados (iogurte, queijo, requeijão, etc.), sardinha, ostras, salmão, feijão de soja, vegetais verde-escuros Amplamente distribuído nos alimentos: peixes, queijos, presunto, leite, ervilhas, farinha de aveia, feijão cozido, ovos, carnes, cereais integrais, leguminosas, nozes Acelga, feijão preto, abacate, peixes, frango, leite integral, ovos, cereais integrais, nozes, carne, hortaliças verdes, leguminosas
Fígado de boi, carnes, vegetais verde-escuros (bertalha, espinafre, brócolis, couve, etc.), leguminosas (feijões, lentilha, ervilha, grão-de-bico), gema de ovo
&UN ÜES
Formação de ossos e dentes, transporte em nível de membrana celular, contração muscular, transmissão de impulsos nervosos e secreção glandular
Papel importante na estrutura e no funcionamento de todas as células vivas, participa das reações de produção de energia, formação dos ossos e dentes, crescimento e reparação de tecidos
Está presente em ossos, músculos, tecidos moles e fluidos corporais e atua como cofator para mais de 300 sistemas enzimáticos. Atua no transporte de íons potássio e cálcio, modula sinais de transdução, participa do metabolismo de energia e proliferação celular
É componente de diversas proteínas, incluindo hemoglobina, mioglobina e enzimas
.UTRIENTE
Cálcio
Fósforo
Magnésio
Ferro
Náusea, vômito, hepatomegalia, paladar metálico, hipotensão
Desaparecimento do reflexo do tendão, sonolência, respiração difícil, alterações cardiovasculares, hipotensão, cansaço, hipocalcemia, náusea, vômito, manifestações cutâneas
Hipocalcemia e hiperparatireoidismo
Formação de cálculos renais, síndrome de hipercalcemia e insuficiência renal
%XCESSO
Anemia ferropriva
(continua)
Sintomas neurológicos, incluindo anorexia, apatia e náusea
É rara; ocorrem anormalidades neuromusculares, esqueléticas, hematológicas e renais
Osteomalácia e osteoporose
Deficiência
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
TABELA 1.17 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%-).%2!)3
37
1
1
&UN ÜES
Componente essencial dos hormônios da tireoide (T3 e T4). Regulação da taxa metabólica basal, crescimento e desenvolvimento estimulando a síntese proteica, transcrição do hormônio do crescimento, proliferação de neurônios, regulação da função cerebral e conversão de caroteno em vitamina A
Componente essencial de enzimas responsáveis pela manutenção da integridade estrutural de proteínas e pela regulação da expressão da informação genética. Participa da síntese e degradação dos ácidos nucleicos (DNA e RNA) e ribossomos. Envolvido no metabolismo de macronutrientes, é essencial nos processos de diferenciação e replicação celulares, assim como nos processos de transporte, função imunológica e informação genética
Função protetora; principal composto da enzima glutationa-peroxidase (protege as células e membranas dos lipídios contra danos oxidativos), componente estrutural incorporado à matriz proteica dos dentes
.UTRIENTE
Iodo
Zinco
Selênio
Nozes, castanha-do-pará, linguado, salmão, mariscos, gérmen de trigo, melaço, granola, peito de frango, ovos, leite, queijo cheddar, entre outros
Ostras, mariscos, peixes, aves, leite e derivados, carne bovina, fígado, presunto de peru, amendoim, nozes, cereais integrais, leguminosas, pão branco, arroz, ovo, macarrão
Sal iodado, algas, peixes marinhos, frutos do mar, crustáceos, moluscos, lentilhas
!LIMENTOS FONTE
TABELA 1.17 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%-).%2!)3#/.4
—
Os sintomas da toxicidade incluem: deficiência de cobre, caracterizada por anemia e neutropenia; função imune comprometida; redução nos níveis de HDL
—
%XCESSO
(continua)
Sua deficiência é rara em seres humanos
Comprometimento do crescimento, hipogonadismo, diminuição da sensação do paladar e queda de cabelos em adolescentes com anorexia e também em atletas e gestantes
Bócio endêmico, cretinismo (indivíduo que apresenta mudanças irreversíveis no desenvolvimento intelectual, nascido em área de bócio endêmico)
Deficiência
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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!LIMENTOS FONTE Fígado de boi, caju, nozes, avelã, abacate, sardinha, carne bovina, arroz branco
A concentração nos alimentos é pequena, com exceção da água fluoretada Nozes, grãos integrais, leguminosas, amêndoas, aveia, pêssego
Leguminosas, grãos e nozes, leite e seus derivados, vegetais folhosos verdes, vísceras Cereais integrais, carnes, aves, peixes
&UN ÜES
Componente de diversas enzimas. Indispensável para a eritropoiese normal. Participa como agente catalisador de várias reações, como fosforilação oxidativa, maturação de proteínas, catalisador de proteção de lesão das membranas e morte celular. Catalisa a oxidação do íon férrico a ferroso e possui importante função no sistema adrenérgico no cérebro, nas terminações nervosas e na medula suprarrenal
Tem papel importante na prevenção da cárie dental
Essencial na formação dos ossos e no metabolismo de aminoácidos, colesterol e carboidratos
É considerado um micronutriente essencial em virtude de sua atuação como cofator enzimático
Potencializa a ação da insulina in vivo e in vitro
.UTRIENTE
Cobre
Flúor
Manganês
Molibdênio
Cromo
—
—
—
Ingestões maiores podem provocar efeitos dentais mais graves (fluorose)
Fraqueza, desatenção e anorexia; pode progredir para coma, necrose hepática, colapso vascular e morte
%XCESSO
— (continua)
Taquicardia, náuseas e vômitos
É improvável em seres humanos
Cárie dentária
Caracterizada por anemia, neutropenia e anormalidades esqueléticas, especialmente desmineralização
Deficiência
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
TABELA 1.17 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%-).%2!)3#/.4
39
1
1
Parece haver evidências do efeito benéfico desses minerais em alguns processos fisiológicos para várias espécies animais
Fundamental para a função celular normal. Juntamente com o sódio, é importante para a manutenção do equilíbrio hídrico normal e, com o cálcio, participa da regulação da atividade neuromuscular
Importante para a manutenção do volume extracelular e da osmolalidade sérica
Importante para a manutenção do volume extracelular e da osmolalidade sérica
Arsênio, boro, níquel, silício e vanádio
Potássio
Sódio
Cloro
Cloreto de sódio adicionado aos alimentos, frutos do mar, leite, carne, ovos
Cloreto de sódio, temperos prontos, produtos industrializados, carnes bovinas e suínas, frutos do mar, leite e derivados, batatas e grãos
Banana e outras frutas, carne, cereais, leguminosas, beterraba, brócolis, hortaliças, fígado
Arsênio: marisco, cereal de arroz e peixes Boro: frutas secas, amêndoas, vegetais folhosos verdes-escuros Níquel: gordura vegetal hidrogenada, cacau e nozes Silício e vanádio: frutas, legumes e oleaginosas
!LIMENTOS FONTE
Obs.: Nos campos vazios, faltam evidências de efeitos adversos do consumo excessivo ou da deficiência do mineral.
&UN ÜES
.UTRIENTE
TABELA 1.17 &/.4%3 &5.£À%3 %8#%33/%$%&)#)´.#)!$%-).%2!)3#/.4
Cefaleia, hiperventilação, acidose metabólica
Hipernatremia: aumento da pressão arterial, fator de risco para doenças cardiovasculares e renais
O excesso de potássio pode ser um problema na insuficiência renal e na acidose grave
Arsênio: neurotoxicidade (perda de sensibilidade periférica), cardiotoxicidade (arritmias cardíacas) Boro: náusea, vômito e diarreia Níquel: febre, dores abdominais e náuseas
%XCESSO
Alcalose metabólica pode desenvolver-se na presença de vômito, diarreia ou transpiração abundante
Hiponatremia: hipotensão, fraqueza muscular, cãibra, convulsões
Hipocalemia, cujas consequências adversas são arritmia cardíaca, fraqueza muscular, cãibra e intolerância à glicose
Boro: hipertireoidismo, artrite e disfunção cerebral
Deficiência
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
40
41 NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
NOVAS PERSPECTIVAS PARA RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS A publicação das DRI representa nova abordagem e importante avanço na área da nutrição, uma vez que incorpora a preocupação contemporânea com a qualidade de vida e a natureza variável da dieta para análise dietética. A comprovação da importância de informações, como a distribuição das necessidades e a ingestão de nutrientes, teve impacto positivo tanto na avaliação quanto no planejamento dietético, o que gerou maior consistência da avaliação da dieta com parâmetros clínicos e bioquímicos. Contudo, deve-se considerar que o comitê de avaliação das DRI identificou grande número de incertezas sobre os valores de DRI, bem como a necessidade de pesquisas mais completas para alguns nutrientes, como a vitamina D. A prioridade é o desenvolvimento em grande escala de ensaios clínicos randomizados para testar os efeitos da vitamina D sobre o organismo, identificar os efeitos do limiar e os possíveis efeitos adversos, elucidar a biologia dos diversos efeitos da vitamina D, bem como o impacto da exposição ao sol, adiposidade, composição corporal, raça/etnia e fatores genéticos sobre essas associações. Além disso, há a necessidade de se estabelecer um consenso sobre pontos de corte para inadequação sérica de 25-OHD, marcador funcional da vitamina D. Um desafio importante para pesquisas futuras diz respeito aos potenciais efeitos preventivos de doenças para alguns nutrientes, como cálcio e vitamina D, discutidos anteriormente, e alguns antioxidantes, betacaroteno e outros carotenoides, sendo que para esses últimos as DRI não foram estabelecidas em virtude da insuficiência de informações científicas. Novas evidências são necessárias no que se refere ao efeito benéfico do consumo de micronutrientes acima das RDA, como as vitaminas C e E, na prevenção de doenças crônicas, sendo necessário conhecer a segurança da ingestão de altas doses desses nutrientes. Outro desafio que requer mais pesquisas diz respeito à biodisponibilidade na estimativa de vários micronutrientes das DRI. Há poucas evidências para se estabelecer um consenso sobre como definir e como abranger todos os fatores que influenciam a biodisponibilidade. Dessa forma, de acordo com Hambidge (2010), é necessário ter uma definição que considere as variações genéticas no metabolismo dos micronutrientes e as diferenças na disponibilidade de micronutrientes em nível celular. Outro aspecto é se a definição de biodisponibilidade deve ser suficientemente ampla para considerar mudanças na absorção e/ou na excreção atribuíveis a mecanismos fisiológicos regulatórios, responsáveis pela manutenção da homeostase do organismo. Avanços importantes têm acontecido dentro do campo das recomendações nutricionais com a nutrigenômica, que representa o estudo da interação dos componentes da dieta com o genoma. Esse novo campo de pesquisa representa uma perspectiva inovadora para as recomendações nutricionais, que passariam a ser individualizadas de acordo com as necessidades específicas, influenciadas pelas características genéticas. O principal objetivo da nutrigenômica é estabelecer nutrição adequada com base no fenótipo de cada indivíduo para promoção da saúde e prevenção de doenças. Uma alimentação baseada no DNA representa alternativa promissora para auxiliar pesquisas futuras, que superem os desafios discutidos aqui.
1
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
42
1
REFERÊNCIAS 1. Conti A, Moreno FS, Ong TP. Nutrigenônica: revolução genômica na nutrição. Cienc Cult 2010; 62(2):4-5. 2. Costa NMB, Peluzio MCG. Nutrição básica e metabolismo. Viçosa: Editora UFV, 2008. 400p. 3. Franceschini SCC, Priore SE. Recomendações nutricionais e cálculo da adequação da dieta no atendimento nutricional de adolescentes. In: Priore SE, Oliveira RMS, Faria ER, France SC. Nutrição e saúde na adolescência. Rio de Janeiro: Rubio, 2010. p.17-33. 4. Hambidge KM. Micronutrient bioavailability: Dietary Reference Intakes and a future Perspective. Am J Clin Nutr 2010; 91(5):1430S-2S. 5. Institute of Medicine/Food and Nutrition Board. Dietary reference intakes for calcium, phosphorus, magnesium, vitamin D and fluoride. Washington: National Academy Press, 1997. 432p. 6. Institute of Medicine/Food and Drug Administration Dietary reference intakes for thiamin, riboflavin, niacin, vitamin B6, folate, vitamin B12, pantothenic acid, biotin, and coline. Washington: National Academy Press, 1998. 592p. 7. Institute of Medicine/Food and Drug Administration Dietary reference intakes for vitamin C, vitamin E, selenium, and carotenoids. Washington: National Academy Press, 2000. 529p. 8. Institute of Medicine/Food and Drug Administration Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc. Washington: National Academy Press, 2000. 800p. 9. Institute of Medicine/Food and Drug Administration Dietary reference intakes. Energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids, cholesterol, protein, and amino acids. Washington: National Academy Press, 2002. 10. Institute of Medicine/Food and Drug Administration Dietary reference intakes for water, potassium, sodium, chloride, and sulfate. Washington: National Academy Press, 2004. 450p. 11. Institute of Medicine/Food and Drug Administration Dietary reference intakes. Calcium and Vitamin D. Washington: National Academy Press, 2011. 1116p. 12. Krauss RM, Eckel RM, Howard B, Appel LJ, Daniels SR, Deckelbaum RJ et al. AHA Dietary Guidelines: Revision 2000: A Statement for Healthcare Professionals From the Nutrition Committee of the American Heart Association. Stroke 2000; 31:2751-66. 13. Leite JIA, Rosa COB. Alimentos funcionais e dislipidemias. In: Costa NMB, Rosa COB (eds.). Alimentos funcionais: benefícios para saúde. Viçosa: Editora UFV, 2008. p.161-84. 14. Mahan LK, Escott-Stump S. Krause Alimentos, nutrição & dietoterapia. 10.ed. São Paulo: Roca, 2002. 1157p. 15. Marchini JS. Cálculo das recomendações de ingestão proteica: aplicação a pré-escolar, escolar e adulto utilizando alimentos brasileiros. Rev Saude Publ 1994; 28(2):146-52. 16. National Research Council/Food and Nutrition Board. Recommended dietary allowances. 10.ed. Washington: National Academy Press, 1989. 284p. 17. Organización Mundial de La Salud. Necesidades de energía y de proteínas. Genebra: FAO/ OMS/UNU, 1985. 220p. 18. Padovani RM, Amaya-Farfan J, Colugnati FAB, Domene SMA et al. Dietary reference intakes: aplicabilidade das tabelas em estudos nutricionais. Rev Nutr 2006; 19(6):741-60.
43 NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE NUTRIENTES
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1
CAPÍTULO
2
Necessidades e recomendações de energia CARLA MARIA AVESANI NELMA SCHEYLA JOSÉ DOS SANTOS (IN MEMORIAM) LILIAN CUPPARI
INTRODUÇÃO O ser humano alimenta-se para satisfazer duas necessidades básicas: obter substâncias que lhe são essenciais e adquirir energia para a conservação dos processos fisiológicos. Tais processos compreendem a manutenção dos gradientes químico e eletroquímico das membranas celulares, a biossíntese de macromoléculas, como o glicogênio, as proteínas e os triacilgliceróis, e a contração muscular. Para manter todos esses processos, o organismo consome energia continuamente por meio do metabolismo oxidativo ou, melhor dizendo, do metabolismo energético. Metabolismo é uma atividade celular altamente dirigida e coordenada que abrange reações anabólicas (que consomem energia) e catabólicas (que liberam energia). Essas reações envolvem sistemas multienzimáticos que cooperam para realizar quatro funções: s s s s
obter energia química; converter as moléculas dos nutrientes em moléculas necessárias para o funcionamento da célula; polimerizar precursores monoméricos; sintetizar e degradar as biomoléculas necessárias para funções celulares especializadas.
45
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
46
Portanto, metabolismo é a soma total de todas as transformações químicas que ocorrem em uma célula ou em um organismo vivo; energia é a capacidade de realizar trabalho ou produzir mudanças na matéria; e metabolismo energético compreende todas as vias utilizadas pelo organismo para obter e usar a energia química oriunda do rompimento das ligações químicas presentes nos nutrientes que compõem os alimentos.
UNIDADES DE ENERGIA Caloria e joule Caloria, também chamada de pequena caloria, é a unidade padrão para medir calor. É definida como a quantidade de energia calorífica necessária para elevar de 14,5°C a 15,5°C a temperatura de 1 g de água. A quilocaloria equivale a 1.000 calorias, ou à quantidade de energia calorífica requerida para elevar 1°C a temperatura de 1 kg de água, que pode ser abreviada como kcaloria, kcal ou cal. O termo caloria é frequentemente utilizado tanto para pequena caloria quanto para quilocaloria. O joule é uma unidade de medida de calor mecânico que equivale a 4,1855 kcal (cerca de 4,2 kcal). Portanto, para converter kcal em quilojoule (kJ), deve-se multiplicar as quilocalorias por 4,2. Como o calor é um dos resultantes da energia liberada pelo corpo, a caloria e o joule são utilizados como unidades de medidas da energia produzida. Neste capítulo, a unidade kcal será utilizada para medidas de energia.
FONTES DE ENERGIA
2
A fonte primária de energia é o sol. Muitos organismos autotróficos são fotossintéticos e obtêm a energia de que precisam da luz solar, ao passo que os organismos heterotróficos – entre eles, o homem – a obtêm por meio da degradação de nutrientes orgânicos biossintetizados pelos autotróficos, pelo consumo dos alimentos, o que configura uma das etapas da cadeia alimentar. Os alimentos são constituídos a partir de vários grupos de nutrientes, incluindo aqueles que, sob sua forma monomérica, são passíveis de reações catabólicas com posterior geração de energia sob a forma de ATP (trifosfato de adenosina), sendo chamados de nutrientes energéticos. São eles: os carboidratos, sob a forma de glicose; os triacilgliceróis, sob a forma de ácido graxo e glicerol; e as proteínas, sob a forma de aminoácido. Há, ainda, o etanol, que, embora seja uma conhecida fonte de energia utilizável pelo organismo, não é visto por alguns autores como um nutriente, uma vez que não é capaz de promover a manutenção, o crescimento ou mesmo o reparo das células corporais. Apesar de o organismo consumir energia de forma contínua, a ingestão alimentar não se dá dessa mesma maneira. Dois períodos metabólicos precisam, então, ser definidos: período de jejum e período pós-absortivo. Durante o jejum (período em que o indivíduo permanece sem se alimentar), o organismo depende totalmente de substratos endógenos (reservas orgânicas de massa corporal) para a obtenção de energia. Chama-se esse período de estado catabólico. No
47
Utilização do alimento como fonte de energia Com exceção de alguns alimentos como o açúcar (fonte exclusiva de carboidratos) e o óleo (fonte exclusiva de lipídios), praticamente todos os alimentos possuem em sua composição carboidratos, lipídios e proteínas. Entretanto, para que a energia disponível nesses nutrientes possa ser utilizada, é necessário que eles passem, antes, por três etapas básicas: digestão, absorção e metabolismo.
Liberadores de energia: aminoácido, ácido graxo + glicerol, glicose
Catabolismo
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
pós-absortivo (fase que se segue à ingestão alimentar), por sua vez, o organismo utiliza os substratos exógenos (nutrientes vindos da alimentação) para a obtenção de energia. Observa-se que o excesso de nutrientes não utilizados de imediato é armazenado sob a forma de triacilglicerol. Chama-se esse período de estado anabólico (Figura 2.1).
Armazenadores de energia: proteína, triacilglicerol, glicogênio
Anabolismo
2 Liberação de ATP
Consumo de ATP
Produtos finais: CO2, H2O, NH3
Moléculas precursoras: aminoácido, ácido graxo + glicerol, glicose
FIGURA 2.1 Vias metabólicas que envolvem o consumo e a liberação de energia.
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
48
Essas etapas são extremamente específicas para cada nutriente, porém convergem para uma via única, que é a liberação do acetil e a posterior formação de moléculas de acetil coenzima A. Essas moléculas entram no ciclo de Krebs, liberando átomos de hidrogênio que serão oxidados na cadeia respiratória para que, então, haja a liberação de água, gás carbônico e energia sob a forma de ATP (Figura 2.2).
Utilização do alimento para armazenamento de energia O organismo é extremamente econômico no que diz respeito ao uso do substrato energético disponível. Já está bem estabelecido que mesmo no período pós-absortivo o organismo utiliza para oxidação apenas a quantidade de nutrientes necessária para suprir suas necessidades fisiológicas. Portanto, independentemente do substrato energético ingerido, tudo que não é prontamente utilizado não é excretado (exceto o grupamento amino dos aminoácidos), mas armazenado sob a forma de triacilglicerol, que poderá ser usado no período de jejum. Esses nutrientes são convertidos em moléculas de acetil (os aminoácidos, para tanto, necessitam perder o grupamento amino) que, em seguida, são ligados à coenzima A, para que ocorra a síntese de ácidos graxos no fígado e o transporte até o local de depósito – o adipócito (Figura 2.3).
Alimento (carboidrato, lipídio e proteína)
Digestão (glicose e frutose, ácido graxo e glicerol, e aminoácido)
2
Absorção (via porta, vasos linfáticos)
Metabolismo (acetilcoenzima A → ciclo de Krebs) (hidrogênio → cadeia respiratória)
Energia (ATP)
FIGURA 2.2 Etapas fisiológicas para utilização da energia disponível nos alimentos.
49
Acetilcoenzima A e glicerol Polimerização das moléculas de acetilcoenzima A
Transaminação Desaminação ↓ Perda do NH4 ↓ Ciclo da ureia
Síntese de moléculas de triacilglicerol Armazenamento no adipócito
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
Fígado (glicose, ácido graxo e glicerol, e aminoácido)
FIGURA 2.3 Armazenamento da energia não utilizada prontamente pelo organismo.
Determinação do conteúdo energético disponível no alimento Cada alimento tem seu valor energético específico, ou seja, determinada quantidade de alimento libera certa quantidade de energia quando metabolizada, e esta depende fundamentalmente da composição do alimento no que diz respeito aos substratos energéticos. Para conhecer a quantidade de energia oferecida em uma refeição, geralmente são usadas tabelas de composição que trazem a gramagem e a porcentagem de carboidratos, de lipídios e de proteínas dos alimentos que a compõem. À gramagem são aplicados valores corrigidos que possibilitam estimar a quantidade de energia disponível. Os valores utilizados como fatores de correção têm origem nos dados obtidos por meio do uso da bomba calorimétrica, ou calorímetro, e a unidade energética utilizada com mais frequência é a caloria (cal), também identificada como quilocaloria (kcal). Dessa maneira, a quantidade de calor produzida por 1 g de amostra purificada de carboidrato, de lipídio e de proteína queimados nesse aparelho proporciona, respectivamente, 4,1, 9,45 e 5,65 kcal, enquanto 1 g de álcool fornece 7,1 kcal. Como o organismo não é tão eficiente quanto o calorímetro, é importante saber qual é o porcentual do nutriente ingerido disponível para as células ou a sua digestibilidade. Em geral, aproximadamente 98% de carboidratos, 95% de gordura e 92% de proteínas são absorvidos. Entretanto, há uma ampla variação na digestibilidade das proteínas. Após o processo absortivo, toda a energia disponível na glicose e nos triacilgliceróis está disponível para ser oxidada, semelhante à aproveitada no calorímetro, o que não acontece com os aminoácidos, pois seu grupamento amino não pode ser oxidado como no calorímetro, mas, sim, excretado na urina, principalmente sob a forma de ureia. Diante dessas considerações, para a estimativa do valor energético dos alimentos que compõem uma refeição, aceitam-se os valores aproximados de 4 kcal/g de carboidrato e de proteína, 9 kcal/g de lipídio e 7 kcal/g de álcool (Figura 2.4).
2
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
50
Energia do alimento (kcal/g) CHO
Lip
Prot
Álcool
4,10
9,45
5,65
7,10
Energia digerível (kcal/g) Perda fecal de energia
CHO
Lip
Prot
Álcool
4,10
9,0
5,20
7,10
Energia metabolizável – energia fisiologicamente disponível (kcal/g) Perda urinária de energia
CHO
Lip
Prot
Álcool
4,10
9,0
4,0
7,0
FIGURA 2.4 Energia disponível nos nutrientes após processos fisiológicos. CHO: carboidrato; Lip: lipídio; Prot: proteína.
GASTO ENERGÉTICO
2
A taxa de metabolismo basal (TMB), o efeito térmico da atividade física e do alimento (antigamente chamado de ação dinâmica específica) e a termogênese facultativa são considerados os componentes do gasto energético de 24 horas. A TMB corresponde a cerca de 60 a 75% do gasto energético diário e refere-se à quantidade mínima de energia dispendida para manter os processos corporais vitais do organismo, como respiração, circulação, metabolismo celular, atividade glandular e conservação da temperatura corporal. A TMB, originalmente descrita por Boothby e Sandiford, deve ser medida por 30 a 60 minutos, com o indivíduo acordado, logo após uma noite de sono, em jejum de 10 a 12 horas, em posição supina e em um ambiente com temperatura agradável. Esses cuidados devem ser tomados para que os efeitos da atividade física, do alimento e da temperatura ambiente tenham mínima influência sobre o metabolismo. Quando a TMB é extrapolada para 24 horas, tem-se o gasto energético basal. A taxa de metabolismo de repouso, muitas vezes utilizada de maneira equivocada como um sinônimo da TMB, é a energia gasta sob condições semelhantes às da TMB. A principal diferença entre elas é que a medida da taxa de metabolismo de repouso pode ser realizada após o indivíduo se deslocar até o local do exame e com menor tempo de jejum, sendo este de 4 a 8 horas. Com intuito de neutralizar os efeitos da atividade física
51 NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
exercida, recomenda-se que antes do exame haja um período de repouso de 30 minutos. Por causa dessas diferenças, a taxa de metabolismo de repouso tende a ser de 10 a 20% maior do que a TMB e tem sido mais utilizada em razão de suas condições menos restritas. Quando a taxa de metabolismo de repouso é extrapolada para 24 horas, tem-se o gasto energético de repouso (GER, Figura 2.5). A massa corporal magra tem sido apontada como o principal determinante da TMB e explica grande parte das diferenças observadas no gasto energético entre mulheres e homens. A relação inversa entre TMB e idade parece resultar, sobretudo, da redução da massa corporal magra. Assim, a massa corporal magra, a idade e o gênero podem ser responsáveis por cerca de 83% das variações da TMB observadas entre indivíduos. O efeito térmico da atividade física é o segundo maior componente do gasto energético, comprometendo cerca de 15 a 30% das necessidades diárias de energia. É definido como o aumento do gasto energético resultante da atividade física e constitui o componente mais variável do gasto energético e, consequentemente, o mais sujeito a alterações.
FIGURA 2.5 Gasto energético de repouso medido por meio de calorimetria indireta.
O efeito térmico dos alimentos contribui com cerca de 10% do gasto energético diário e equivale ao incremento no gasto energético acima da TMB, que ocorre em função da energia dispendida para as atividades de digestão, transporte e metabolismo de nutrientes, assim como para o armazenamento das reservas corporais de glicogênio e gordura. A termogênese facultativa refere-se à modificação no gasto de energia decorrente de mudanças na temperatura e na latitude, estresse emocional e outros fatores. Contudo, como a maioria dos indivíduos adapta a temperatura do ambiente e as roupas para que haja comforto, o papel da mudança de temperatura externa raramente modifica o gasto energético de 24 horas de maneira expressiva. Por essa razão, a termogênese faculativa é mais demonstrada em animais do que em humanos, tendo como exemplo a adaptação exibida por roedores expostos a temperaturas baixas, nos quais o sistema nervoso central estimula o tecido adiposo marrom a produzir calor. O papel desse tecido na termogênese facultativa em humanos ainda é questionável e, provavelmente, de pequena magnitude, apesar de o tecido marrom já ter sido histologicamente identificado em humanos expos-
2
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52
tos a baixas temperaturas. A termogênese facultativa é o último componente do gasto energético de 24 horas e parece contribuir com 5% do gasto de energia diário (Tabela 2.1). TABELA 2.1 #/-0/.%.4%3$/'!34/%.%2'³4)#/
$EFINI ÎOBREVE
'ASTOENERGÏTICODIÉRIO
TMB
Gasto de energia durante os processos corporais vitais
60 a 75
Efeito térmico do exercício
Gasto de energia durante a atividade física
15 a 30
Efeito térmico do alimento
Gasto de energia decorrente do processo de digestão, absorção e metabolismo de alimentos e do armazenamento de reserva de glicogênio e gordura
10
Termogênese facultativa
Adaptação a condições ambientais que podem modificar o gasto de energia
5
TMB: taxa de metabolismo basal.
Medindo o gasto energético As necessidades energéticas podem ser medidas ou estimadas por fórmulas. Os métodos comumente utilizados para a medida do gasto energético são discutidos adiante.
Calorimetria direta Provavelmente, é o método que provê maior acurácia à realização de medidas do gasto energético (1 a 2% de erro), pois mede de forma direta o calor gerado pelo organismo. Em virtude de seu alto custo operacional, é raramente utilizado.
Calorimetria indireta
2
Também apresenta boa acurácia (2 a 5% de erro) e estima, por um aparelho, o calor gerado pelo organismo a partir da mensuração do oxigênio (O2) consumido, do dióxido de carbono (CO2) produzido e do nitrogênio urinário excretado por determinado período. Esses valores são incluídos na equação de Weir (1949) (Tabela 2.2), que fornece o gasto energético do indivíduo. A Figura 2.6 apresenta um laudo de GER de um indivíduo saudável obtido por esse método. A troca gasosa medida pelo calorímetro permite o cálculo do quociente respiratório (volume de CO2 produzido dividido pelo volume de O2 consumido), o qual possibilita conhecer o substrato ou a mistura de substratos oxidados como fonte de energia no momento em que o exame é realizado (Tabela 2.3). Em razão do alto custo operacional envolvido na realização de calorimetria direta, a calorimetria indireta tem sido mais empregada, sobretudo em algumas unidades de terapia intensiva (UTI), nas quais o GER ou de 24 horas pode ser medido de maneira intermitente. Isso permite uma prescrição de energia mais adequada, contribuindo para
53
TABELA 2.2 %15!£²/$%7%)2
&ØRMULACOMPLETA Produção de calor (kcal/min/dia) = 3,9 [VO2 (L/min)] + 1,1 [VCO2 (L/min)] – 2,17 [NU (g/dia)] GE (kcal/dia) = produção de calor × 1.440 min &ØRMULAABREVIADA Produção de calor (kcal/min/dia) = 3,9 [VO2 (L/min)] + 1,1 [VCO2 (L/min)] GE (kcal/dia) = produção de calor × 1.440 min Cálculo do nitrogênio urinário de 24 horas
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
menores taxas de desnutrição em pacientes que apresentam a taxa de catabolismo elevada, como é o caso de pacientes internados em UTI.
NU = ureia urinária (g/24 horas) ÷ 2,14 GE: gasto energético; NU: nitrogênio urinário; VCO2: volume de dióxido de carbono produzido; VO2: volume de oxigênio consumido.
Data: 29/3/2001 Paciente: E.J.A. Gênero: feminino Nitrogênio urinário: não medido
Estatura: 152 cm Idade: 46 anos
Peso: 46,5 kg
Resultado dos testes Volume de oxigênio inspirado: 0,155 L/min Volume de dióxido de carbono expirado: 0,133 L/min Quociente respiratório: 0,86 Gasto energético de respouso medido: 1.081 kcal/dia Taxa de metabolismo basal predita pela fórmula de Harris e Benedict: 1.144 kcal/dia GER (percentual da taxa de metabolismo basal predita): 94,5% 4.000
2
GER (kcal/dia) 3.000 2.000 1.000 0 0
5
10
15
20
25
30
35
FIGURA 2.6 Laudo do gasto energético de repouso de um indivíduo saudável medido por meio de
calorimetria indireta.
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
54 TABELA 2.3 2%,!£²/%.42%/2#/.35-)$/%#/2 PRODUZIDO
QR
6OLUMEDE/2CONSUMIDO
6OLUMEDE#/2PRODUZIDO
3UBSTRATOOXIDADO
1
0,829
0,829
Carboidrato
0,7
2,019
1,427
Lipídio
0,83
1,010
0,844
Proteína
0,7 a 1
—
—
Carboidrato, proteína e lipídio
QR: quociente respiratório; CO2: dióxido de carbono; O2: oxigênio. Fonte: Poehlman e Horton, 1999.
Água duplamente marcada Por meio desse método, é possível aferir o gasto energético de 24 horas de um indivíduo enquanto ele exerce suas atividades usuais. Consiste na utilização de uma água marcada com formas estáveis de isótopos (H218O e 2H2O), que são administrados mais frequentemente por via oral. A taxa de desaparecimento desses isótopos dos fluidos corporais (urina ou sangue) é monitorada por um período equivalente a 1 a 3 vidas médias desses isótopos. Em humanos, esse período é de 7 a 21 dias. A diferença de desaparecimento dos dois isótopos é usada para estimar a taxa de produção de CO2 e, juntamente com informações sobre a composição da dieta, calcula-se o gasto energético de 24 horas. O alto custo dos isótopos e do equipamento de espectometria de massa usado para medir os isótopos dificulta o uso corrente desse método. Na Tabela 2.4, encontram-se as vantagens e as desvantagens dos três métodos descritos. TABELA 2.4 -³4/$/3$%-%$)$!$%'!34/%.%2'³4)#/
-ÏTODO
6ANTAGENS
$ESVANTAGENS
5SOINDICADO
Calorimetria direta
Boa acurácia
Alto custo operacional Não reflete a atividade física usual do indivíduo Não permite aferir medidas de gasto energético por longos períodos
Medidas de gasto energético de 24 horas Estudos clínicos
Calorimetria indireta
Boa acurácia Técnica mais simples
Não reflete a atividade física usual do indivíduo Não permite aferir medidas de gasto energético por longos períodos
Medida de TMB e GER em UTI Estudos clínicos Durante a prática de atividade física
Água marcada
Boa acurácia Reflete a atividade física usual do indivíduo Permite aferir medidas de gasto energético por longos períodos
Alto custo
Medidas de gasto energético de 24 horas Estudos clínicos
2
TMB: taxa de metabolismo basal; GER: gasto energético de repouso; UTI: unidade de terapia intensiva.
55
% da população
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
RECOMENDAÇÕES E NECESSIDADES DE ENERGIA Necessidades e recomendações de energia e de nutrientes são termos importantes que muitas vezes são empregados de maneira incorreta. A necessidade nutricional pode ser definida como a quantidade de energia e de nutrientes disponíveis nos alimentos que indivíduos sadios devem ingerir para satisfazer todas as suas necessidades fisiológicas. A recomendação nutricional compreende a quantidade de energia e de nutrientes que deve conter na alimentação usual para satisfazer as necessidades de quase todos os indivíduos de uma população sadia. Dessa maneira, pode-se entender que as necessidades de energia são investigadas para que possam ser estabelecidas as recomendações de energia. A diferença entre o conceito de recomendações de ingestão de energia e de recomendações de ingestão de nutrientes também merece atenção. As recomendações de ingestão de nutrientes visam a satisfazer às necessidades nutricionais de quase todos os indivíduos de uma população sadia. Para tanto, as recomendações de nutrientes baseiam-se na média das necessidades somada a 2 desvios-padrão (Figura 2.7). Todavia, se esse conceito for aplicado para as recomendações de energia, parte da população ingerirá mais do que sua real necessidade, o que levará a um balanço energético positivo e, consequentemente, a aumento de peso. Por essa razão, os conceitos de recomendações nutricionais (RDA) e do nível de ingestão máxima tolerável (UL – tolerable upper intake levels), descritos no Capítulo 1, não se aplicam às recomendações de energia.
Recomendação da ingestão de nutrientes
–2 DP
Média Nível das necessidades
FIGURA 2.7 Distribuição das necessidades de nutrientes. DP: desvio-padrão. Fonte: National Research Council, 1989.
+2 DP
2
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56
O comitê de experts que compõe a Organização Mundial da Saúde/Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (OMS/FAO), definiu como necessidade de energia a quantidade de energia da dieta necessária para manutenção do balanço energético em um indivíduo de determinada idade, gênero, peso, estatura e nível de atividade física (NAF), de modo a manter boa saúde. O requerimento de energia para gestantes e lactantes também inclui as necessidades associadas à deposição de tecidos e à produção de leite. Baseando-se no mesmo princípio, o Comitê de Ingestão Dietética de Referência (DRI) de energia propôs o conceito de necessidade estimada de energia (EER – estimated energy requirements), que apresenta definição semelhante à do requerimento de energia proposto pela FAO/OMS. Embora os conceitos sejam semehantes, a forma de cálculo de requerimento de energia pela OMS/FAO difere do cálculo da EER das DRI de energia.
Necessidade estimada de energia (EER) proposta pelo Comitê das DRI e pela OMS/FAO
2
A RDA de energia (1989) foi planejada utilizando-se o método fatorial, por meio do qual se estimava o gasto energético de 24 horas. Nesse método, o gasto energético era estimado a partir de informações fornecidas pelo indivíduo em relação ao número de horas dispendidas para diferentes níveis de atividade física. Cada NAF tinha um fator de atividade. Calculava-se, então, uma média diária do fator de atividade, o qual era multiplicado pela TMB calculada pelas equações propostas pela OMS/FAO. Desse modo, era possível estimar as necessidades energéticas de um indivíduo dependendo de seu NAF. No entanto, tem sido demonstrado que o método fatorial apresenta alguns problemas que suscitam dúvidas em relação à sua validade para predizer a necessidade de energia de um indivíduo. A principal limitação consiste na dificuldade de estimar o custo energético de uma série de atividades exercidas no cotidiano. Além disso, o gasto energético durante o sono não equivale ao da TMB, como era proposto pelo método fatorial. Em razão dessas limitações, o Comitê das DRI de energia criou o conceito de EER, com intuito de calcular as necessidades energéticas de indivíduos saudáveis, de forma a manter o peso corporal compatível com boa saúde. Para tanto, foram criadas equações de predição a partir de um banco de dados contendo valores do gasto energético de 24 horas, avaliado pelo método da água marcada. Esse banco de dados era composto por indivíduos de ambos os gêneros, em diferentes estágios de vida (gestantes e lactantes), de diversas faixas etárias, com diferentes pesos, estaturas e níveis de atividade física. A Tabela 2.5 mostra as equações para indivíduos com idade igual ou superior a 19 anos. Para se fazer o planejamento dietético baseado na necessidade estimada de energia (EER), deve-se consultar o Capítulo 3 – Planejamento e avaliação da ingestão de energia e nutrientes para indivíduos.
57
02/0/34!0%,!3$2)$%%.%2')!0!2!(/-%.3%-5,(%2%3#/-)$!$%350%2)/2!!./3
(OMENSANOS EER (kcal/dia) = 662 – (9,53 × idade) + CAF × (15,91 × peso + 539,6 × estatura)* CAF = 1 se NAF sedentário (≥ 1 < 1,4) CAF = 1,11 se NAF leve (≥ 1,4 < 1,6) CAF = 1,25 se NAF moderado (≥ 1,6 < 1,9) CAF = 1,48 se NAF intenso (≥ 1,9 < 2,5) Consultar a Tabela 2.6 para saber quais atividades correspondem a cada NAF -ULHERESANOS EER (kcal/dia) = 354 – (6,91 × idade) + CAF × (9,36 × peso + 726 × estatura)*
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
TABELA 2.5 %15!£À%3 0!2! / #,#5,/ $! .%#%33)$!$% %34)-!$! $% %.%2')! %%2
CAF = 1 se NAF sedentário (≥ 1 < 1,4) CAF = 1,12 se NAF leve (≥ 1,4 < 1,6) CAF = 1,27 se NAF moderado (≥ 1,6 < 1,9) CAF = 1,45 se NAF intenso (≥ 1,9 < 2,5) Consultar a Tabela 2.6 para saber quais atividades correspondem a cada NAF *Idade em anos, peso em kg, estatura em metros. CAF: coeficiente de atividade física; NAF: nível de atividade física. Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2005.
TABELA 2.6 !4)6)$!$%3&·3)#!32%,!#)/.!$!3!#!$!.·6%,$%!4)6)$!$%&·3)#!.!& $2)
$%%.%2')!
.!&
!TIVIDADEFÓSICA
Sedentário (≥ 1 < 1,4)
Trabalhos domésticos de esforço leve a moderado, caminhadas para atividades relacionadas ao cotidiano, ficar sentado por várias horas
Leve (≥ 1,4 < 1,6)
Caminhadas (6,4 km/h), além das mesmas atividades relacionadas ao NAF sedentário
Moderado (≥ 1,6 < 1,9)
Ginástica aeróbica, corrida, natação, jogar tênis, além das mesmas atividades relacionadas ao NAF sedentário
Intenso (≥ 1,9 < 2,5)
Ciclismo de intensidade moderada, corrida, pular corda, jogar tênis, além das atividades relacionadas ao NAF sedentário
* Definido como a razão entre a TMB e o gasto energético de 24 horas (TMB/GE-24 h). DRI: valores de ingestão dietética de referência; NAF: nível de atividade física; GE: gasto energético; TMB: taxa de metabolismo basal. Fonte: Institute of Medicine/Food and Nutrition Board, 2005.
2
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O conceito de necessidade de energia proposto pela OMS/FAO é semelhante ao da EER das DRI. Contudo, seu cálculo difere do da EER, sendo feito multiplicando-se a TMB pelo NAF. A TMB pode ser calculada por meio das equações descritas na Tabela 2.7 e a estimativa do NAF, pela Tabela 2.8.
a
Necessidade de energia (kcal/dia): TMB (kcal)a × NAF b Calculado de acordo com equações propostas na Tabela 2.7. b Nível de atividade física (NAF) propostos na Tabela 2.8.
TABELA 2.7 %15!£²/ 02/0/34! 0%,! &!//-3 %- 0!2! / #,#5,/ $! 4!8! $%
-%4!"/,)3-/"!3!,4-"
&AIXAETÉRIA
(OMENS
-ULHERES
18 a 30 anos
15,057 × peso (kg) + 692,2
14,818 × peso (kg)+ 486,6
30 a 60 anos
11,472 × peso (kg) + 873,1
8,126 × peso (kg) + 845,6
> 60 anos
11,711 × peso (kg) + 587,7
9,082 × peso (kg) + 658,5
TABELA 2.8 #,!33)&)#!£²/ $/ %34),/ $% 6)$! %- 2%,!£²/ ° ).4%.3)$!$% $! !4)6)$!$%
&·3)#!(!")45!,/-3&!/
a
#ATEGORIA
.!&a
Estilo de vida sedentário ou atividades leves
1,40 a 1,69
Estilo de vida ativo ou moderadamente ativo
1,70 a 1,99
Estilo de vida intenso ou intensamente ativo
2 a 2,40
NAF = nível de atividade física: TMB/GE-24h. Consultar a Tabela 2.11 para saber quais as atividades correspondentes a cada NAF.
TABELA 2.9 !4)6)$!$%3#/22%30/.$%.4%3!#!$!.·6%,$%!4)6)$!$%&·3)#!.!& /-3&!/
2
#ATEGORIA
!TIVIDADES
Estilo de vida sedentário ou atividades leves (NAF 1,40 a 1,69)
Indivíduos que passam a maioria do dia sentados em atividades de trabalho ou de lazer que requerem pouco movimento. Atividades que requerem movimento são raramente praticadas
Estilo de vida ativo ou moderadamente ativo (NAF 1,7 a 1,99)
Indivíduos com atividades diárias que gastam mais energia do que os de estilo de vida sedentário (p. ex., pessoas com trabalhos de construção de casas, trabalhadores rurais) ou indivíduos com atividades diárias semelhantes às do estilo de sedentário, mas que costumam praticar 1 h/dia de exercícios como corrida, ciclismo, natação, dança ou outra atividade aeróbica
Estilo de vida intenso ou intensamente ativo (NAF 2 a 2,40)
Indivíduos com atividades diárias que gastam mais energia do que aqueles de estilo de vida moderadamente ativo (p. ex., pessoas com trabalhos em que carregam artigos pesados) ou indivíduos que praticam mais de 2 horas diárias de exercícios como corrida, ciclismo, natação, dança ou outra atividade aeróbica
NAF: nível de atividade física.
59
TABELA 2.10 #/-0!2!£²/%.42%!.%#%33)$!$%%34)-!$!$%%.%2')!$2)$%%.%2')! %
!.%#%33)$!$%%34)-!$!$%%.%2')!$!/-3&!/$%5--%3-/).$)6·$5/
%XEMPLODECÉLCULODE%%2ENECESSIDADEESTIMADADEENERGIAPARAUMMESMOINDIVÓDUO Sexo feminino Idade: 39 anos Peso: 63 kg Estatura: 1,65 cm Estilo de vida sedentário sNAF médio sedentário (DRI energia): 1,2 sNAF médio sedentário (OMS/FAO): 1,55 EER (DRI de energia) EER (kcal/dia) = 354 – (6,91 × idade) + CAF × (9,36 × peso + 726 × estatura) EER (kcal/dia)= 2.230
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
Conforme pode ser observado na Tabela 2.10, o valor obtido de EER (DRI de energia) é semelhante ao da necessidade estimada de energia (OMS/FAO).
Necessidade estimada de energia (OMS/FAO) Requerimento de energia (kcal/dia): TMB × NAF TMB (kcal/dia): 8,126 × peso (kg) + 845,6 TMB (kcal/dia): 1.358 Requerimento de energia (kcal/dia): 1.358 × 1,55= 2.104
EER: necessidade estimada de energia; DRI: valores de ingestão dietética de referência; NAF: nível de atividade física; TMB: taxa de metabolismo basal.
Estimativa da taxa de metabolismo basal Como já descrito, os métodos disponíveis para medir o gasto de energia impõem condições que dificultam suas aplicações nas práticas hospitalares e ambulatoriais, limitando-se o seu uso aos estudos clínicos. O uso de fórmulas para o cálculo da estimativa da TMB é de grande importância para a prática clínica, pois, apesar de elas não fornecerem valores individuais exatos, podem ser utilizadas para o cálculo da prescrição de energia. Algumas equações são recomendadas para a estimativa da TMB; neste capítulo, optou-se por citar as equações de Harris e Benedict, equação da OMS/FAO de 2001 e a equação das DRI de energia.
Taxa metabólica basal estimada pela equação de Harris e Benedict (1919) Apesar de superestimar em cerca de 6% a TMB, a equação de Harris e Benedict é bastante utilizada para o cálculo da TMB de indivíduos saudáveis. Essa equação apresenta a vantagem de ajustar o valor obtido da TMB por gênero, peso corporal, estatura e idade, uma vez que essas variáveis são utilizadas para o uso da fórmula (Tabela 2.11).
2
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
60 TABELA 2.11 %15!£²/$%(!22)3%"%.%$)#4
Homens: TMB (kcal/dia) = 66 + (13,7 × P) + (5 × E) – (6,8 × I) Mulheres: TMB (kcal/dia) = 655 + (9,6 × P) + (1,7 × E) – (4,7 × I) TMB: taxa de metabolismo basal; E: estatura (cm); I: idade (anos).
Taxa metabólica basal estimada pela equação de OMS/FAO de 2001 As equações para o cálculo da TMB (ver Tabela 2.7) propostas pelo documento da OMS/ FAO de 2001 foram criadas a partir de um banco de dados que incluía indivíduos saudáveis, de ambos os sexos, com diversas faixas etárias e etnias. Assim como na equação Harris e Benedict, as equações da OMS/FAO de 2001 também podem superestimar a TMB em 5 a 10%.
Taxa metabólica basal estimada pela equação proposta pelo Comitê de Ingestão Dietética de Referência de energia O Comitê das DRI de energia elaborou equações de predição da TMB para homens e mulheres (Tabela 2.12). Essas equações derivaram de um banco de dados que continha a TMB medida de diversos indivíduos saudáveis com idade entre 20 e 96 anos, com índice de massa carporal entre 18,5 e 40 kg/m2 e com diferentes níveis de atividade física. TABELA 2.12 %15!£²/$!4-"02/0/34!0%,/#/-)4´$/36!,/2%3$%).'%34²/$)%4³4)#!
$%2%&%2´.#)!$%%.%2')!
(OMENSCOM)-#ENTRE EKGM2 TMB (kcal/dia) = 293 – 3,8 × idade (anos) + 456,4 × estatura (m) + 10,12 × peso (kg) -ULHERESCOM)-#ENTRE EKGM2 TMB (kcal/dia) = 247 – 2,67 × idade (anos) + 401,5 × estatura (m) + 8,6 × peso (kg) TMB: taxa de metabolismo basal.
2
RECOMENDAÇÃO DE ENERGIA DURANTE PROCESSOS DE DOENÇA As DRI de energia e o documento da OMS/FAO não estabeleceram recomendações para indivíduos que se encontram em processos de doença. Por essa razão, o cálculo proposto por Kinney e Wilmore pode ser usado em caso de processos de doença. Para tanto, deve-se medir ou calcular a TMB e multiplicar esse valor pelos fatores lesão/estresse e fator térmico equivalentes (Tabela 2.13). Vale ressaltar que o fator térmico deve ser utilizado apenas na vigência de estados febris associados. Como os fatores lesão/estresse são específicos para algumas enfermidades, há uma gama de situações clínicas em que sua aplicação fica impossibilitada.
61
%.&%2-)$!$%3
&ATORATIVIDADE
&ATORLESÎOLESÎOESTRESSE
0ONTUA ÎO
&ATORTÏRMICO
0ONTUA ÎO
Acamado = 1,2
Paciente não complicado
1
38°C
1,1
Acamado + móvel = 1,25
Pós-operatório de câncer
1,1
39°C
1,2
Ambulante = 1,3
Fratura
1,2
40°C
1,3
Sepse
1,3
41°C
1,4
Peritonite
1,4
Multitrauma + reabilitação
1,5
Multitrauma + sepse
1,6
Queimadura em 30 a 50% Queimadura em 50 a 70%
a
1,7
a
1,8
Queimadura em 70 a 90%a a
NECESSIDADES E RECOMENDAÇÕES DE ENERGIA
TABELA 2.13 &!4/2%3 ,%3²/%342%33% % &!4/2 4³2-)#/ %15)6!,%.4% 0!2! !,'5-!3
2
Superfície corporal.
BALANÇO ENERGÉTICO A manutenção do peso corporal dentro dos padrões de normalidade tem sido uma busca constante. Esse comportamento não encontra justificativa apenas em motivos estéticos, mas, sobretudo, na relação claramente estabelecida entre peso corporal e doença. De maneira simples, é possível entender o peso corporal como o resultado da relação entre a ingestão de energia e o gasto energético, que caracteriza balanço energético, o qual pode ser negativo (implicando perda ponderal), positivo (originando ganho ponderal) ou neutro (implicando manutenção do peso corporal). A eficiência com que cada organismo converte a energia potencial disponível nos alimentos em reserva de energia corporal está sujeita a variações individuais, o que pode explicar a predisposição ou a resistência a ganho ou perda de peso.
REFERÊNCIAS 1. Food and Agriculture Organization/World Health Organization/United Nations University. Human Energy Requirements. Roma: Technical Report Series, 2001. p.35-52. 2. Institute of Medicine/Food and Nutrition Board. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids, cholesterol, protein and aminoacids (macronutrients).Washington: National Academy Press, 2005. p.107-240. 3. Kinney JM. Energy requirements for parenteral nutrition. In: Fischer JE, Holnes CR. Total parenteral nutrition. 2.ed. Boston: Little Brown, 1991. 4. Lehninger AL, Nelson DL, Cox MM. Princípios de bioquímica. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 1995. 5. Long CL, Schaffel N, Geiger JW. Metabolic response to injury and illness: estimation of energy and protein needs from indirect calorimetry and nitrogen balance. J Parenter. Enteral Nutr 1979; 3(6):452-6. 6. National Research Council. Recommended dietary allowances. 10.ed. Washington: National Academy Press, 1989. 284p.
2
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62
2
7. Poehlman ET, Horton ES. Energy needs: assessment and requirements in humans. In: Shils ME, Olson JA, Shike M, Ross AC. Modern nutrition in health and disease. 9.ed. Baltimore: Lippinncott Williams & Wilkins, 1999. 8. Wilmore DW. The metabolic management of the critically ill. Nova York: Plenum Publishing Corporation, 1990.
CAPÍTULO
3
Planejamento e avaliação da ingestão de energia e nutrientes para indivíduos REGINA MARA FISBERG DIRCE MARIA LOBO MARCHIONI BETZABETH SLATER VILLAR
INTRODUÇÃO A avaliação do estado nutricional é fundamental para a tomada de decisão quanto ao diagnóstico nutricional e à conduta dietética em um indivíduo. Na prática clínica, utilizam-se a análise da história clínica, dietética e social, os dados antropométricos e bioquímicos e a interação entre drogas e nutrientes para estabelecer o planejamento e a orientação dietética. As ingestões dietéticas de referência (DRI – dietary reference intakes) são valores de referência, colocados à disposição dos profissionais de saúde para as estimativas das necessidades fisiológicas dos nutrientes, bem como para as metas de ingestão. Esses valores formam um conjunto de quatro parâmetros: s s s s
necessidade média estimada (EAR – estimated average requirements); ingestão dietética recomendada (RDA – recommended dietary allowances); ingestão adequada (AI – adequate intake); nível máximo de ingestão tolerável (UL – tolerable upper intake level).
Eles podem ser utilizados no planejamento e na avaliação das dietas do indivíduo ou de grupos de indivíduos saudáveis, segundo estágio de vida e gênero. As definições desses parâmetros estão descritas no Capítulo 1 – Necessidades e recomendações de nutrientes. A estimativa de ingestão de nutrientes não deve ser usada isoladamente para avaliar o estado nutricional dos indivíduos. Se, na avaliação da ingestão habitual do nutriente, 63
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
64
houver indicações de inadequação, recomenda-se fazer avaliações clínicas ou bioquímicas complementares do estado nutricional do indivíduo. Para avaliar a adequação do consumo alimentar, é preciso conhecer a dieta habitual, uma vez que os efeitos da ingestão inadequada de nutrientes, seja por excesso ou por deficiência, não surgem após poucos dias. A dieta habitual pode ser definida como a média do consumo em um período determinado (meses ou um ano), durante o qual o indivíduo mantém um padrão constante. Contudo, a dieta atual refere-se à média do consumo alimentar de um curto período corrente, por exemplo, no momento que o indivíduo está sendo avaliado. Avaliações quantitativas da dieta requerem determinação acurada das quantidades de alimentos, suplementos e água consumidos pelo indivíduo e que contribuem para o total de ingestão de nutrientes. Deve-se ter em mente que é muito difícil obter estimativas acuradas da dieta habitual, por causa da variação diária da ingestão de alimentos pelos indivíduos. Entretanto, para esse fim, podem ser utilizados métodos como o registro alimentar (RA) e o recordatório de 24 horas (R24h), aplicados múltiplas vezes, em dias não consecutivos. Ressalta-se que nenhum método é livre de erro e que a acurácia da medida depende do número de dias repetidos, da correta estimação das porções, da fidelidade da transformação dos pratos relatados em receitas, do banco de dados utilizado na conversão para nutrientes, entre outros fatores. O questionário de frequência alimentar estima a dieta habitual e é muito utilizado em estudos epidemiológicos para classificar os indivíduos em níveis de ingestão de nutrientes, para posterior análise de tendência de risco segundo o grau de exposição. No entanto, a informação obtida por esse método não pode ser utilizada para avaliar a inadequação da ingestão dietética, nem em indivíduos nem em grupos, por causa da perda de acurácia em virtude das características próprias do método: utilização de medidas padronizadas, apresentação de relação incompleta de alimentos disponíveis para o consumo e agrupamento de vários alimentos em um mesmo item.
ENERGIA Planejamento dietético
3
No planejamento de dietas utilizando a necessidade estimada de energia (EER – estimated energy requirement) para indivíduos, o objetivo é o baixo risco de a ingestão de energia estar insuficiente ou em excesso. Para indivíduos com índice de massa corporal (IMC) dentro da faixa de normalidade, a ingestão habitual provavelmente está adequada em quantidade, o que não significa que a qualidade da dieta também esteja adequada. No entanto, podem ser utilizadas as equações disponíveis para o cálculo da EER, conforme o exemplo a seguir (as equações estão disponíveis no Capítulo 2 – Necessidades e recomendações de energia).
Exemplo Indivíduo do sexo feminino, 33 anos de idade, nível de atividade física leve, 1,63 m de altura e 55 kg. EER = 354 – 6,91 × idade (anos) + CAF × [9,36 × peso (kg) + 727 × altura (m)]
65
Os coeficientes do nível de atividade física (CAF) utilizados para adultos são: s s s s
sedentário: 1 para ambos os sexos; leve: 1,11 para o sexo masculino e 1,12 para o sexo feminino; moderado: 1,25 para o sexo masculino e 1,27 para o sexo feminino; intenso: 1,48 para o sexo masculino e 1,45 para o sexo feminino.
O desvio-padrão da EER para adultos, com IMC dentro da faixa de normalidade, segundo idade, sexo, peso e categoria de atividade física, é de 199 kcal para o sexo masculino e 162 kcal para o sexo feminino. Considerando o intervalo de confiança de 95% para equação, no exemplo citado, a ingestão de energia deverá ser 2.028 kcal ± (2 × 162), ou seja, entre 1.704 e 2.352 kcal/dia. Se o objetivo for perda de peso, pode-se utilizar o menor valor; se for ganho de peso, utiliza-se o maior.
Avaliação dietética Na avaliação da adequação da ingestão de energia para indivíduos, diferentemente dos outros nutrientes, deve-se considerar o peso corporal, que é o marcador biológico de equilíbrio ou desequilíbrio entre a ingestão e o gasto de energia. No exemplo citado, a necessidade de energia estimada foi entre 1.704 e 2.352 kcal. A avaliação da adequação ou inadequação (insuficiente ou excessiva) da ingestão de energia será realizada em função do IMC; ou seja, se a mulher tiver IMC igual 22 kg/m2, a ingestão é adequada; IMC igual 17 kg/m2, ingestão insuficiente; e IMC igual 33 kg/m2, ingestão excessiva.
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE ENERGIA E NUTRIENTES PARA INDIVÍDUOS
EER = 354 – 6,91 × 33 + 1,12 × [9,36 × 55 + 727 × 1,63] EER = 2.028 kcal/dia
MACRONUTRIENTES Planejamento dietético As faixas de distribuição aceitáveis dos macronutrientes (AMDR – acceptable macronutrient distribution range) – carboidratos, gorduras, ácido linoleico, ácido linolênico e proteínas – para os indivíduos foram estabelecidas em função de estudos de intervenção e epidemiológicos com vistas à prevenção das doenças crônicas não transmissíveis e em quantidades suficientes para suprir a ingestão de nutrientes essenciais. Os valores de AMDR para gordura e carboidrato foram estimados em 20 a 35% e 45 a 65% como percentual de energia para adultos, respectivamente. A AMDR para proteína foi estabelecida para complementar 100% em relação aos valores de AMDR de gordura e de carboidratos definidos anteriormente. Cabe ressaltar que os valores máximos de proteína são elevados se comparados ao intervalo de referência preconizado anteriormente (10 a 15%); porém, para o planejamento de dietas para indivíduos, devem-se utilizar quantidades elevadas de carboidratos, em especial os complexos, ou o ponto médio do intervalo (55%, no mínimo 20% de gorduras) e, depois, ajustar-se o percentual de proteína para completar o valor energético total a ser atingido.
3
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
66
Avaliação dietética Na avaliação da dieta, considerando os intervalos dos macronutrientes propostos, verifica-se se o indivíduo está abaixo, acima ou dentro do intervalo estabelecido. Especial atenção deve ser dada ao intervalo das proteínas, pois, geralmente, quando a ingestão é elevada, mas dentro do intervalo estabelecido, ela é acompanhada de alto teor de gordura e baixo teor de carboidratos.
MICRONUTRIENTES Planejamento dietético As DRI podem ser usadas para (Tabela 3.1): estabelecer metas no planejamento das dietas para indivíduos em situações diversas; orientar indivíduos saudáveis que estão preocupados em atender suas necessidades nutricionais; aconselhar indivíduos com estilos de vida que necessitam de considerações específicas, como atletas e vegetarianos ou aqueles que necessitam de uma dieta terapêutica; e formular dietas com propósito de pesquisa ou desenvolver guias alimentares para indivíduos. TABELA 3.1 %8%-0,/$%0,!.%*!-%.4/$%-!#2/.542)%.4%3.!$)%4!
.UTRIENTE
ENERGIA
1UANTIDADEG
%NERGIAKCAL
SELECIONADA
KCAL
KCAL
20 a 35
30
67
600
Ômega-6
5 a 10
7
16
144 (parte da gordura total)
Ômega-3
0,6 a 1,2
0,8
1,8
16 (parte da gordura total)
Proteínas
10 a 35
15
75
300
Carboidratos
45 a 65
55
275
1.100
Gorduras
!-$2
AMDR: distribuição aceitável dos macronutrientes. * Mulher; 35 anos; 1,68 m; 69 kg; sedentária; 2.000 kcal. Fonte: adaptada de Institute of Medicine, 2002.
3
O objetivo do planejamento dietético para indivíduos é garantir uma baixa probabilidade de inadequação da ingestão de nutrientes e, ao mesmo tempo, um nível seguro de ingestão. Um algoritmo para tomada de decisão pode ser visualizado na Figura 3.1. Os novos valores de RDA devem ser utilizados como metas para o planejamento da ingestão dietética, pois esse valor é suficiente para atender às necessidades do nutriente de quase todos os indivíduos saudáveis (98%) em determinado estágio de vida e gênero. Quando não há evidência científica suficiente para estabelecer a EAR e, portanto, a RDA, é estabelecido um valor de AI. Nesses casos, a AI é utilizada para planejar a dieta e, na maioria das vezes, é estabelecida por meio da observação da média ou da mediana de ingestão de grupos aparentemente saudáveis ou da revisão de estudos epidemiológicos ou experimentais. A ingestão do nutriente nos níveis de AI provavelmente alcança ou excede a necessidade do indivíduo para aquele nutriente.
67
Há considerações especiais?
Não Sim Planejar para que a RDA ou Al para Atletas (ferro) Tabagistas (vitamina C) Vegetarianos (ferro, zinco) Pessoas doentes (nutrientes alterados pela doença)
idade e sexo seja atingida Manter abaixo do UL Demais nutrientes
Planejar a ingestão desses nutrientes considerando-se as recomendações específicas FIGURA 3.1 Algoritmo para decisão no planejamento da dieta. Fontes: adaptada de Institute of Medicine, 2003.
No planejamento das dietas, o valor estabelecido para ingestão do nutriente a partir de alimentos, suplementos e outras fontes, como a água, não deve ultrapassar o UL. O UL não é um nível recomendado para a ingestão, mas uma quantidade que pode ser tolerada biologicamente, sem risco aparente de efeitos adversos, por quase todos os indivíduos. Deve-se atentar ao consumo de fontes concentradas de nutrientes, como suplementos, bem como ao consumo de alimentos fortificados, que estão se tornando cada vez mais comuns.
Avaliação dietética Para avaliar a ingestão de nutrientes, é necessário, inicialmente, conhecer a ingestão habitual do indivíduo e, em seguida, confrontá-la com as necessidades desse mesmo indivíduo. A necessidade é definida como o mais baixo valor de ingestão continuada do nutriente que manterá um nível definido de nutrição em um indivíduo, para um dado critério de adequação nutricional. É evidente que a determinação da necessidade de um indivíduo exigiria um ambiente de laboratório onde ele fosse alimentado com doses variáveis do nutriente estudado durante um período de tempo, e, concomitantemente, fossem feitas numerosas medidas bioquímicas e fisiológicas. Dessa maneira, pode-se concluir que não é possível determinar com acurácia nem o verdadeiro consumo habitual nem a verdadeira necessidade do nutriente em um determinado indivíduo. Apesar disso, é possível
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE ENERGIA E NUTRIENTES PARA INDIVÍDUOS
Indivíduo
3
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
68
avaliar aproximadamente se a ingestão de um indivíduo atinge as necessidades. Tal avaliação é chamada de adequação aparente. Para verificar a adequação aparente da ingestão do nutriente, é necessário obter a estimativa da ingestão dietética total, incluindo alimentos, suplementos e, eventualmente, teor mineral da água, além da estimativa das necessidades do indivíduo. A melhor estimativa das necessidades do indivíduo é dada pela EAR. Deve-se considerar que há uma variação das necessidades, mesmo entre indivíduos do mesmo gênero e estágio de vida. Assume-se que essa variação é de 10% para a maioria dos nutrientes, com exceção da niacina, cujo coeficiente de variação (CV) foi estabelecido em 15%.
Cálculo da adequação aparente Para calcular a adequação aparente, desenvolveu-se uma abordagem estatística que permite estimar o grau de confiança com que a ingestão do nutriente alcança a necessidade do indivíduo. Essa abordagem compara a diferença entre a ingestão relatada (a melhor estimativa da ingestão habitual) e a EAR. A equação desenvolvida também leva em conta a variabilidade da necessidade e a variação intrapessoal da ingestão (do dia a dia). O resultado é um escore Z, por meio do qual se determina a probabilidade de a dieta estar adequada, ou seja, o grau de confiança em que a ingestão atende às necessidades. Z = D/DPD =
3
s s s s s
y − EAR Vnec + (Vint/n)
(Equação 3.1)
Em que: y é a média de n dias de ingestão do nutriente pelo indivíduo; n é o número de dias em que o indivíduo teve sua ingestão avaliada; EAR é a melhor estimativa da necessidade do nutriente pelo indivíduo; Vnec é a variância da necessidade; Vint é a variância intrapessoal.
Ambas as variâncias são computadas como o quadrado dos desvios-padrão correspondentes. Para exemplificar, supõe-se um homem de 40 anos de idade, cuja ingestão média diária de fósforo, obtida por meio de um registro alimentar de 3 dias, foi de 700 mg. A EAR para esse nutriente é de 580 mg/dia. Identificando os termos da equação, têm-se: s s
y = 700 mg; EAR = 580 mg;
69
Substituindo esses dados na equação 3.1, obtém-se:
Z = D/DPD =
700 − 580 = 0,35 3.364 + (32.829/3)
TABELA 3.2 %34)-!4)6!3 $% $%36)/ 0!$2²/ ).42!0%33/!, 0!2! 6)4!-).!3 % -).%2!)3
"!3%!$!3 ./ CONTINUING SURVEY OF FOOD INTAKES BY INDIVIDUALS %- -5,(%2%3$%$)&%2%.4%3&!)8!3%42)!3
#RIAN AS
!DOLESCENTES
!DULTOS
!DULTOS
AANOS
AANOS
AANOS
≥ 51 anos
Vitamina A* (mcg)
808
852
1.300
1.255
Caroteno (RE)*
452
549
799
796
Vitamina E (mg)*
3
4
5
6
Vitamina C (mg)*
61
81
73
61
Tiamina (mg)
0,5
0,6
0,6
0,5
Riboflavina (mg)
0,6
0,7
0,6
0,6
Niacina (mg)
6
8
9
7
Vitamina B6 (mg)
0,6
0,7
0,8
0,6
Folato (mcg)
99
128
131
12
Vitamina B12* (mcg)
9,6
5,5
12
10
Cálcio (mg)
313
374
325
256
Fósforo (mg)
321
410
395
313
Magnésio (mg)
61
86
86
74
Ferro (mg)
5
6
7
5
Zinco (mg)
3
5
6
5
Cobre (mg)
0,4
0,5
0,6
0,5
Sódio (mg)
930
1.313
1.839
1.016
Potássio (mg)
631
866
851
723
* Nutrientes com coeficiente de variação (CV) > 60 a 70%. Fonte: adaptada do Institute of Medicine, 2000.
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE ENERGIA E NUTRIENTES PARA INDIVÍDUOS
s Vnec = (dpnec)2; tem-se que o desvio-padrão da necessidade corresponde a 10% da EAR, portanto: Vnec = (0,1* 580)2 = 3.364; s Vint = (dpint)2, observando que o desvio-padrão correspondente à variação intrapessoal é obtido a partir de estudos na população norte-americana, conforme pode ser observado nas Tabelas 3.2 e 3.3. Portanto, o desvio-padrão para o fósforo é de 573 mg. Assim, tem-se: Vint = (573)2 = 32.829; s n = 3, correspondendo a 3 dias de registro alimentar.
3
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
70 TABELA 3.3 %34)-!4)6!3 $% $%36)/ 0!$2²/ ).42!0%33/!, 0!2! 6)4!-).!3 % -).%2!)3
"!3%!$!3 ./ CONTINUING SURVEY OF FOOD INTAKES BY INDIVIDUALS %- (/-%.3 $% $)&%2%.4%3&!)8!3%42)!3
#RIAN AS
!DOLESCENTES
!DULTOS
!DULTOS
AANOS
AANOS
AANOS
≥ 51 anos
Vitamina A* (mcg)
723
898
1.160
1.619
Caroteno (RE)*
454
681
875
919
Vitamina E (mg)*
3
5
7
9
Vitamina C (mg)*
74
93
93
72
Tiamina (mg)
0,5
0,8
0,9
0,7
Riboflavina (mg)
0,7
1
1
0,8
Niacina (mg)
7
11
12
9
Vitamina B6 (mg)
0,7
1
1
0,8
Folato (mcg)
117
176
180
150
Vitamina B12* (mcg)
4,7
5
13
14
Cálcio (mg)
353
505
492
339
Fósforo (mg)
352
542
573
408
Magnésio (mg)
71
109
122
94
Ferro (mg)
6
9
9
7
Zinco (mg)
4
8
9
8
Cobre (mg)
0,4
0,6
0,7
0,7
Sódio (mg)
957
1.630
1.819
1.323
Potássio (mg)
750
1.130
1.147
922
*Nutrientes com coeficiente de variação (CV) > 60 a 70%. Fonte: adaptada do Institute of Medicine, 2000.
3
Atualmente, existem valores de desvios-padrão intrapessoal obtidos na população de adolescentes, adultos e idosos do município de São Paulo, conforme observado nas Tabelas 3.4 e 3.5, possibilitando o cálculo com dados nacionais. Observando-se os valores de Z (D/DPD) na Tabela 3.6, tem-se que esse valor corresponde a uma área que indica a probabilidade de aproximadamente 70%. Como conclusão, é possível dizer que a dieta está adequada com 70% de confiabilidade. Deve-se notar que a RDA para esse nutriente é de 700 mg/dia. Assim, de acordo com a abordagem convencional, seria possível dizer que o indivíduo ingeriu aproximadamente 100% da RDA; porém, nesse nível de consumo, avaliado em 3 dias, há ainda a probabilidade de 30% desse consumo estar inadequado.
71
TABELA 3.4 %34)-!4)6!3 $% $%36)/ 0!$2²/ ).42!0%33/!, 0!2! 6)4!-).!3 % -).%2!)3
"!3%!$!3./).15³2)4/$%3!Â$%3²/0!5,/ %-(/-%.3$%$)&%2%.4%3&!)8!3 %42)!3
Vitamina A*,** (mcg) Vitamina E (mg) Vitamina C (mg)* Tiamina (mg) Riboflavina (mg)
!DOLESCENTES AANOS 207 3,08 79 0,7 0,72
!DULTOS AANOS 307 2 75 0,55 0,7
!DULTOS ≥ 51 anos 392 2,4 85 0,45 0,49
Vitamina B6 (mg)
0,82
0,8
0,5
Vitamina B12 (mcg)* Cálcio (mg) Fósforo (mg) Magnésio (mg) Ferro (mg) Zinco (mg) Sódio (mg) Folato (mg)** Niacina (mg)**
2,25 288 417 98 5,53 5,09 1.540 258 15,5
3,3 372 582 151 7,7 6 1.319 246 19,8
2,15 300 451 84 5,2 4,1 1.152 271 9,3
* Nutrientes com coeficiente de variação (CV) > 60 a 70%. ** Expresso em equivalentes de atividade de retinol, de folato e de niacina. Fonte: adaptada de Marchioni et al., 2011.
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE ENERGIA E NUTRIENTES PARA INDIVÍDUOS
Se for prefixado um determinado nível de confiabilidade, por exemplo, 90%, será possível notar que o valor de ingestão para o nutriente diminui à medida que aumenta o número de dias avaliados. De forma simplificada, se a ingestão habitual do nutriente for menor que a EAR, esta deve ser implementada; se a ingestão estiver entre a EAR e a RDA, há risco de inadequação e, provavelmente, a ingestão deve ser aumentada; se estiver acima da RDA e, ao mesmo tempo, um número expressivo de dias tiver sido avaliado, então é pouco provável que a ingestão seja inadequada.
3
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
72 TABELA 3.5 %34)-!4)6!3 $% $%36)/ 0!$2²/ ).42!0%33/!, 0!2! 6)4!-).!3 % -).%2!)3
"!3%!$!3./).15³2)4/$%3!Â$%3²/0!5,/ %--5,(%2%3$%$)&%2%.4%3&!)8!3 %42)!3
Vitamina A*,** (mcg) Vitamina E (mg) Vitamina C (mg)* Tiamina (mg) Riboflavina (mg) Vitamina B6 (mg)* Vitamina B12 (mcg)* Cálcio (mg)* Fósforo (mg) Magnésio (mg) Ferro (mg) Zinco (mg) Sódio (mg) Folato (mg)** Niacina (mg)**
!DOLESCENTES AANOS 223 2,16 59,5 0,48 0,52 0,68 2,16 315 348 61,5 5,21 5,23 1.012 149 13,4
!DULTOS AANOS 287 2,7 67 0,63 0,6 0,77 3,4 285 515 95 5,7 5,35 1.287 270 16,5
!DULTOS ≥ 51 anos 375 2,07 96 0,58 0,47 0,72 2,6 259 360 89 4,5 4,7 1.247 210 13,7
* Nutrientes com coeficiente de variação (CV) > 60 a 70%. ** Expresso em equivalentes de atividade de retinol, de folato e de niacina. Fonte: adaptada de Marchioni et al., 2011.
TABELA 3.6 2%35,4!$/3$/#,#5,/$!!$%15!£²/!0!2%.4%#/-$!$/3.!#)/.!)3
3
#RITÏRIO$$0D
#ONCLUSÎO
0ROBABILIDADEDECONCLUIR CORRETAMENTE
>2
Ingestão habitual adequada
0,98
> 1,65
Ingestão habitual adequada
0,95
> 1,5
Ingestão habitual adequada
0,93
>1
Ingestão habitual adequada
0,85
> 0,5
Ingestão habitual adequada
0,7
>0
Ingestão habitual adequada/inadequada
0,5
< −0,5
Ingestão habitual inadequada
0,7
< −1
Ingestão habitual inadequada
0,85
< −1,5
Ingestão habitual inadequada
0,93
< −1,65
Ingestão habitual inadequada
0,95
< −2
Ingestão habitual inadequada
0,98
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s
s
quando a ingestão diária observada não é normal (ou simetricamente distribuída): observa-se que o CV é maior que 60 a 70%. Nessa situação, estão os seguintes nutrientes: carotenoides, vitamina A, vitamina C, vitamina E, vitamina B12, entre outros; quando a distribuição das necessidades do nutriente não é normal ou simétrica: nesse caso, encontram-se as necessidades de ferro de mulheres em idade fértil, em razão das perdas de ferro decorrentes da menstruação. Nesses casos, não há alternativa oferecida para avaliação da ingestão do nutriente.
INGESTÃO ADEQUADA NA AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE NUTRIENTES DE INDIVÍDUOS A EAR ainda não foi estabelecida para todos os nutrientes. A AI é o valor de referência disponível e o método discutido previamente para estimar a adequação aparente de ingestão não pode ser utilizado. Deve-se chamar a atenção para a diferença entre os valores de referência: a EAR representa a mediana da necessidade do nutriente em determinado estágio de vida e gênero e, por definição, uma ingestão nesse nível pode ser inadequada para metade do grupo; em contraste, a AI representa uma ingestão que provavelmente excede a necessidade de quase todos os indivíduos saudáveis dentro de um determinado gênero e estágio de vida – nesse sentido, é análoga à RDA. Quando se compara a ingestão com a AI, pode-se concluir somente se a ingestão está acima desse valor. Se a ingestão habitual do nutriente estiver acima da AI, certamente estará adequada. Se a ingestão do nutriente estiver abaixo da AI, ainda estará adequada para um grupo de pessoas, mas nenhuma conclusão quantitativa poderá ser feita. Apesar dessas considerações, pode-se testar se a ingestão habitual do indivíduo excede a AI e, como decorrência, concluir que o consumo está adequado. O teste é similar ao apresentado, considerando igualmente a variabilidade intrapessoal, dividida pela raiz quadrada do número de dias em que o indivíduo foi avaliado. Z =
y − AI dpint/ n
(Equação 3.2)
Em que: s y é a média de n dias de ingestão do nutriente pelo indivíduo; s AI é o valor de referência estabelecido na impossibilidade de estabelecer a EAR pelo indivíduo; s dpint é o desvio-padrão intraindividual, obtido em estudos populacionais; s n corresponde ao número de dias em que o indivíduo teve sua ingestão avaliada.
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE ENERGIA E NUTRIENTES PARA INDIVÍDUOS
Limitações do método Há situações em que essa abordagem não é apropriada, como:
3
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
74
Para exemplificar, supõe-se uma mulher de 40 anos, cuja ingestão média diária de cálcio, obtida por meio de um registro alimentar de 3 dias, foi de 1.200 mg. A AI para esse nutriente é de 1.000 mg/dia. Z =
1.200 − 1.000 = 1,06 325/ 3
Observando-se a tabela de valores de Z (Tabela 3.6), tem-se que esse valor corresponde a uma área que indica a probabilidade de aproximadamente 85%. Como conclusão, pode-se dizer que o valor de cálcio ingerido é superior à AI, com um nível de confiabilidade de 85%. Esse método também se mostra inadequado quando a distribuição dos valores de ingestão é assimétrica, o que pode ser identificado quando o CV for maior que 60 a 70%. De maneira simplificada, uma interpretação qualitativa pode ser feita na análise da ingestão em relação ao valor de AI de um determinado nutriente, conforme apresentado na Tabela 3.7. TABELA 3.7 ).4%202%4!£²/ 15!,)4!4)6! $! !$%15!£²/ $! ).'%34²/ $% .542)%.4%3 %-
2%,!£²/°).'%34²/!$%15!$!!)
)NGESTÎOEMRELA ÎOÌ!)
)NTERPRETA ÎOQUALITATIVASUGERIDA
≥ AI
A ingestão média provavelmente está adequada se for avaliada por um grande número de dias
< AI
A adequação da ingestão não pode ser determinada
NÍVEL MÁXIMO DE INGESTÃO TOLERÁVEL NA AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE NUTRIENTES DE INDIVÍDUOS
3
Na avaliação de um indivíduo, é possível suspeitar de uma ingestão excessiva de um determinado nutriente, o que pode colocá-lo em risco de apresentar reações adversas. Ressalta-se que para alguns nutrientes o UL refere-se somente à ingestão de suplementos, medicamentos e alimentos fortificados, enquanto para outros todas as fontes foram consideradas. No caso do UL, a ingestão crônica é objeto de preocupação, já que uma ingestão eventual nesse nível, ou pouco acima, não é motivo de alarme. Um teste similar ao feito para a AI pode ser utilizado para verificar se a ingestão habitual do nutriente excede o UL. O escore Z é comparado aos valores tabelados e pode-se concluir com qual grau de confiabilidade a ingestão é excessiva ou segura. Z =
y − UL dpint/ n
(Equação 3.3)
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s s s s
y é a média de n dias de ingestão do nutriente pelo indivíduo; UL é o valor de referência estabelecido como limite superior de ingestão do nutriente que não causa efeitos adversos; dpint é o desvio-padrão intraindividual, obtido em estudos populacionais; n corresponde ao número de dias em que o indivíduo teve sua ingestão avaliada.
Para exemplificar, supõe-se uma mulher de 56 anos, cuja ingestão média diária de zinco, obtida por meio de um registro alimentar de 3 dias, foi de 37 mg/dia. O UL para esse nutriente é de 40 mg/dia. Z =
37 − 40 = 1,04 5/ 3
Observando-se na tabela de valores de Z, tem-se que esse valor corresponde a uma área que indica a probabilidade de aproximadamente 85%. Como conclusão, pode-se dizer com confiabilidade de 85% que a ingestão de zinco é inferior ao valor do UL. Esse método também se mostra inadequado quando a distribuição dos valores de ingestão for assimétrica, o que pode ser identificado quando o CV for maior que 60 a 70%. De maneira simplificada, uma interpretação qualitativa pode ser feita na análise da ingestão em relação ao valor de UL de um determinado nutriente, conforme apresentado na Tabela 3.8.
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO DA INGESTÃO DE ENERGIA E NUTRIENTES PARA INDIVÍDUOS
Em que:
TABELA 3.8 ).4%202%4!£²/15!,)4!4)6!$!!$%15!£²/$!).'%34²/$%.542)%.4%3%-
2%,!£²/!/.·6%,-8)-/$%).'%34²/4/,%26%,5,
)NGESTÎOEMRELA ÎOAO5,
)NTERPRETA ÎOQUALITATIVASUGERIDA
≥ UL
Risco potencial de efeitos adversos se a ingestão observada inclui um grande número de dias
< UL
A ingestão provavelmente é segura se for observada por um grande número de dias
REFERÊNCIAS 1. Barr SI, Murphy SP, Poos MI. Interpreting and using the dietary reference intakes in dietary assessment of individual and groups. J Am Diet Assoc 2002; 102:780-8. 2. Institute of Medicine. Dietary Reference Intakes: applications in dietary assessment.Washington: National Academy Press, 2000. 3. Institute of Medicine Dietary Reference Intakes: applications in dietary planning. Washington: National Academy Press, 2003.
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3
4. Institute of Medicine Dietary Reference Intakes: for energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids, cholesterol, protein, and amino acids. Washington: National Academy Press, 2002. 5. Marchioni DML, Verly-Jr. E, Cesar CLG, Fisberg RM. Avaliação da adequação da ingestão de nutrientes na prática clínica. Rev Nutr 2011; 26(6):825-32.
CAPÍTULO
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Alimentação saudável e adequada: modelos aplicáveis na prática clínica SAMANTHA CAESAR DE ANDRADE VIVIANE LAUDELINO VIEIRA DIRCE MARIA LOBO MARCHIONI REGINA MARA FISBERG
INTRODUÇÃO As transformações ocorridas na sociedade pelo processo de modernização resultaram em melhorias de saneamento básico, moradia e disponibilidade de alimentos, mas também trouxeram mudanças na composição da dieta, que passou a contar com alto teor de gordura saturada, açúcar e alimentos refinados, além de se tornar pobre em fibra alimentar. Essa dieta, denominada “dieta ocidental”, reflete-se no estado nutricional dos indivíduos. O padrão de morbidade e mortalidade mundial permite apontar o estilo de vida moderno como fator importante na etiologia de grande parte das doenças da atualidade, em decorrência de situações como tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, hábitos alimentares inadequados, sedentarismo e estresse, que concorrem para a crescente epidemia de obesidade, hipertensão arterial, diabete e dislipidemias. O aumento da carga imposta pelas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) evidencia a necessidade de se rever o atendimento nos serviços de saúde, buscando sua prevenção e um tratamento mais efetivo. Mudanças nos padrões de alimentação e a explosão das DCNT nos países em desenvolvimento fizeram a Organização Mundial da Saúde (OMS) propor, em 2004, uma estratégia mundial de prevenção, apoiada na promoção de padrões saudáveis de alimentação e de estilos de vida ativos. A Estratégia Global para a Promoção da Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde incentiva que os estados membros da OMS a
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apliquem de acordo com suas realidades e de maneira integrada às suas políticas e ao seu programa para prevenção de DCNT e de promoção da saúde (OMS, 2004). A fim de melhorar o consumo alimentar e os hábitos de vida da população, diversos países vêm desenvolvendo guias alimentares como estratégia para representar as recomendações nutricionais em mensagens ao público. As informações são baseadas nos alimentos e não nos nutrientes, tendo como objetivo favorecer a educação nutricional a partir de termos que sejam compreensíveis, simples e claros e que indiquem as modificações necessárias, respeitando a diversidade cultural. A construção de um símbolo de fácil compreensão que represente o guia serve como excelente ferramenta de educação nutricional e pode ser utilizada por consumidores, por profissionais de educação nutricional e pela indústria de alimentos. Por isso, a representação gráfica do guia alimentar é comum em diversos países, como em Portugal, que usa a roda de alimentos, ou no Canadá, que apresenta um arco íris como ícone, e tem o propósito de ajudar a população a compreender facilmente quais alimentos devem ser incluídos na dieta e suas respectivas proporções. Nos Estados Unidos, desde 1992, foi utilizado o ícone “my pyramid”, conhecido e adaptado no Brasil como a “pirâmide dos alimentos” (Philippi et al., 1999). A pirâmide representa os grupos de alimentos, sendo que aqueles que deveriam ser consumidos em maior número de porções se encontram em sua base, enquanto os que deveriam ser consumidos moderadamente ficam no topo. Após a revisão do Guia Alimentar para Norte-americanos em 2010, novas diretrizes serviram de base para reformulação de programas e desenvolvimento de um novo ícone, o “my plate”, que desde 2 de junho de 2011 vem substituindo a tradicional representação gráfica dos grupos alimentares em forma de pirâmide. O novo padrão é um prato dividido em quadrantes. Metade do prato deve ser constituída por frutas, legumes e verduras. O restante é reservado para cereais e alimentos proteicos (carnes, ovos e leguminosas). Um círculo menor indica a porção de laticínios e derivados. Algumas indicações incluem comer uma variedade abundante de frutas e legumes, preferir cereais integrais, limitar o consumo de carnes vermelhas, optar por óleos vegetais e evitar bebidas açucaradas. No Brasil, como parte da responsabilidade governamental em promover saúde, foi estabelecido, em 2006, o Guia Alimentar para População Brasileira, tendo como um de seus objetivos contribuir para reduzir a incidência de DCNT, por meio da alimentação saudável. Além de ser uma iniciativa inédita no país, o guia é um instrumento oficial que define princípios e diretrizes alimentares para serem utilizados na orientação de escolhas mais saudáveis de alimentos pela população brasileira. É parte da estratégia da Política Nacional de Alimentação e Nutrição, integrante da Política Nacional de Saúde, e consolida-se como elemento concreto para a implementação das recomendações preconizadas na Estratégia Global de Promoção da Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde. Segundo as diretrizes, a número 1 refere-se aos alimentos saudáveis e às refeições, ressaltando a importância das três refeições diárias e dos lanches intermediários; as diretrizes 2 a 5 especificam os componentes dos grupos de alimentos (cereais, tubérculos e raízes, frutas, legumes e verduras, feijões e alimentos proteicos, leites e derivados e carnes e ovos); a diretriz 6 trata de alimentos e bebidas que prejudicam a saúde se consumidos
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DIRETRIZES DO GUIA ALIMENTAR PARA A POPULAÇÃO BRASILEIRA ADAPTADAS PELO CRNUTRI Tendo em vista que a mudança de comportamento é um processo lento e gradual, metas podem ser propostas para promover uma alimentação adequada, tanto para atendimentos individualizados quanto em grupo. A seguir, é apresentada a aplicabilidade do documento “Alimentação saudável para todos: siga os dez passos”, do Ministério da Saúde (http://189.28.128.100/nutricao/docs/geral/10passosAdultos.pdf), cujas metas foram adaptadas pelo Centro de Referência para a Prevenção e Controle de Doenças Associadas à Nutrição – CRNutri. Para consultar as medidas usuais correspondentes às porções mencionadas nos itens, utilize a Tabela 4.1. TABELA 4.1 0/2£À%3 $% !,)-%.4/3 %- '2!-!3 % -%$)$!3 535!)3 $% #/.35-/
#/22%30/.$%.4%3
!LIMENTO
0ESOG
-EDIDAUSUALDECONSUMO
Arroz branco cozido
125
4 colheres de sopa
Batata cozida
202,5
1 ½ unidade
Biscoito tipo cream cracker
32,5
5 unidades
Bolo simples
50
1 fatia
Farinha de mandioca
40
2 ½ colheres de sopa
Macarrão cozido
105
3 ½ colheres de sopa
Pão francês
50
1 unidade
Abóbora cozida
70
2 colheres de sopa
Alface
120
15 folhas
Cenoura cozida
35
7 fatias
Couve-flor cozida
69
3 ramos
Pepino picado
116
4 colheres de sopa
Tomate comum
80
4 fatias
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA: MODELOS APLICÁVEIS NA PRÁTICA CLÍNICA
em excesso, pois contêm altos teores de gorduras, açúcares e sal; e a diretriz 7 incentiva a ingestão de água. Existem, ainda, duas diretrizes especiais que tratam da importância da atividade física e dos cuidados para manter a qualidade sanitária dos alimentos. Acredita-se que em breve medidas semelhantes às dos Estados Unidos serão adotadas, como reformulação das diretrizes do guia alimentar e adoção de um ícone que sirva como ferramenta de educação nutricional. Essa mudança será decisiva na qualidade de vida da população e na prevenção de doenças associadas à má alimentação.
'RUPODOSCEREAIS TUBÏRCULOSERAÓZES
4
'RUPODASVERDURASEDOSLEGUMES
(continua)
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
80 TABELA 4.1 0/2£À%3 $% !,)-%.4/3 %- '2!-!3 % -%$)$!3 535!)3 $% #/.35-/
#/22%30/.$%.4%3#/.4
!LIMENTO
0ESOG
-EDIDAUSUALDECONSUMO
Abacaxi
130
1 fatia
Banana
86
1 unidade
Laranja-pera
137
1 unidade
Mamão formosa
160
1 fatia
Morango
240
10 unidades
Uva itália
99,2
8 uvas
Iogurte integral natural
165
1 copo de requeijão
Leite integral
182
1 xícara de chá
Leite semidesnatado
270
1 copo de requeijão
Queijo tipo minas
50
1 ½ fatia
Bife grelhado
64
1 unidade
Frango assado
100
1 sobrecoxa
Hambúrguer grelhado
90
1 unidade
Ovo cozido
90
2 unidades
Sardinha em conserva
41,5
1 unidade média
Feijão cozido (50% de caldo)
86
1 concha
Grão-de-bico cozido
36
1 ½ colher de sopa
Lentilha cozida
48
2 colheres de sopa
Açúcar refinado
28
1 colher de sopa
Geleia de frutas
34
1 colher de sopa
Goiabada
45
½ fatia
Azeite de oliva
7,6
1 colher de sopa
Bacon
7,5
½ fatia
Margarina
9,8
½ colher de sopa
'RUPODASFRUTAS
'RUPODOLEITEEDERIVADOS
'RUPODASCARNESEDOSOVOS
'RUPODOSFEIJÜES
'RUPODOSA ÞCARES
4
'RUPODASGORDURAS
Fonte: Ministério da Saúde, 2006.
81
Suprimir refeições é uma estratégia de emagrecimento adotada por muitas pessoas na tentativa de perder peso; por isso, deve-se dar bastante atenção na desmitificação dessa prática durante o aconselhamento dietético, recomendando-se a realização de três refeições principais, intercaladas por lanches. O fracionamento da alimentação em pequenas refeições e em horários regulares tem sido reconhecido como benéfico em distintos aspectos. Há maior probabilidade de se atingir as recomendações para macro e micronutrientes, dado que o maior número de refeições tende a favorecer a realização de dieta mais variada, com inclusão de legumes e verduras em maior proporção, quando comparado àqueles que tendem a deixar de realizar uma ou mais refeições durante o dia. Ademais, o baixo número de refeições promove alterações metabólicas, contribuindo para a diminuição do gasto energético e para a hipertrofia do estômago e do intestino delgado, o que contribui para o ganho de peso. Em longo prazo, também pode se associar com hipercolesterolemia e resistência à insulina (Oliveira e Sichieri, 2004).
2. Consumir cereais integrais pelo menos 1 vez/dia Alimentos pertencentes ao grupo intitulado “cereais, tubérculos e raízes” caracterizam-se por serem ricos em carboidratos complexos, que desempenham um papel extremamente importante no organismo, pois é por meio deles que as células obtêm energia para realizar suas funções metabólicas. As principais fontes de carboidratos na alimentação do brasileiro são os grãos, como o arroz, o trigo e o milho; os tubérculos, como as batatas; e as raízes, principalmente a mandioca. O Ministério da Saúde recomenda que o consumo de alimentos desse grupo garanta 45 a 65% da energia total diária da alimentação, o que equivale a seis porções de alimentos do grupo de cereais, raízes e tubérculos. Assim como no “my plate”, orienta-se para que pelo menos metade dos cereais consumidos seja na forma integral, pois, além da presença de carboidratos complexos, mantém vitaminas, como as do complexo B, minerais, ácidos graxos essenciais e fibras alimentares. A fibra alimentar auxilia a função intestinal, protegendo contra constipação, doença diverticular e câncer do cólon. Alimentos com alto teor de fibras solúveis, como a aveia, protegem contra a dislipidemia e também são benéficos para pessoas com diabete. Recomenda-se um consumo diário de no mínimo 25 g de fibras.
3. Comer verduras e legumes no almoço e no jantar O consumo regular de uma variedade de verduras e legumes fornece grande parte das vitaminas e minerais, aumentando a resistência às infecções. Além disso, esses alimentos possuem baixo teor energético e são ótimas fontes de fibras, auxiliando na prevenção e no controle da obesidade e de outras DCNT. É importante variar no consumo dos alimentos desse grupo e comprar alimentos da estação, atentando para sua qualidade e seu estado de conservação. Dessa maneira, diferentes nutrientes serão obtidos, como os carotenoides (precursores da vitamina A), que estão presentes nos vegetais verde-escuros e alaranjados, os folatos e o ácido ascórbico
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA: MODELOS APLICÁVEIS NA PRÁTICA CLÍNICA
1. Fazer 5 a 6 refeições diárias
4
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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(vitamina C), aumentando a absorção orgânica do ferro de origem vegetal e ajudando a prevenir a anemia ferropriva. São exemplos de verduras: acelga, agrião, alface, almeirão, brócolis, chicória, couve, couve-flor, escarola, espinafre, mostarda, repolho, rúcula, salsa e salsão (aipo). Exemplos de legumes: cenoura, beterraba, abobrinha, abóbora, pepino e cebola. O Ministério da Saúde recomenda que a população, de modo geral, consuma 3 porções do grupo de verduras e legumes diariamente, variando os alimentos nas diferentes refeições e ao longo da semana.
4. Usar a fruta como sobremesa e nos intervalos das refeições principais Assim como as verduras e os legumes, as frutas são ricas em vitaminas e minerais, além de fontes de fibras e água, exercendo papel protetor contra diversas doenças, principalmente as relacionadas ao sistema digestório. O sabor adocicado das frutas é decorrente da presença da frutose, um monossacarídeo também encontrado no mel. Recomenda-se a ingestão da fruta in natura, com casca e bagaço, para aumentar o fornecimento de fibras. Produtos com alta concentração de açúcar, como as geleias de fruta e as bebidas com sabor de fruta, não fazem parte do conjunto de alimentos cujo consumo é incentivado. São exemplos de alimentos pertencentes ao grupo das frutas: acerola, laranja, tangerina, banana, maçã, manga, limão, mamão, assim como sucos ou geleias naturais e sem adição de açúcares. O Ministério da Saúde orienta a ingestão de três porções de alimentos do grupo das frutas diariamente, incluindo-os nas sobremesas ou como lanches entre as refeições. O consumo mínimo recomendado de frutas, legumes e verduras é de 400 g/dia, para garantir 9 a 12% da energia diária consumida, considerando uma dieta de 2.000 kcal.
5. Consumir leite ou derivados 3 vezes/dia
4
O leite e seus derivados são fontes de proteínas, vitaminas e, principalmente, de cálcio, nutriente fundamental para a formação e a manutenção da massa óssea. O consumo desse grupo de alimentos é importante em todas as fases do curso da vida. Para os adultos, que já completaram seu crescimento, a escolha deve ser a versão desnatada, com exceção das gestantes, que devem consumir os integrais, caso não haja contraindicação. São exemplos de alimentos pertencentes ao grupo do leite e derivados: leite, iogurtes e queijos. Deve-se ter cuidado com o consumo de manteiga e creme de leite, pois, apesar de serem derivados do leite, pertencem ao grupo das gorduras por causa de sua constituição. O Ministério da Saúde recomenda que a população consuma três porções de alimentos do grupo do leite ou derivados diariamente. Atenção especial deve ser dada ao consumo de iogurtes e bebidas lácteas industrializadas com sabores e outros ingredientes, pois podem conter uma quantidade considerável de açúcar acrescentada durante a fabricação do produto. Os iogurtes naturais são mais recomendados.
83
Os alimentos pertencentes aos grupos das carnes e os ovos, de modo geral, são boas fontes de todos os aminoácidos essenciais, substâncias químicas que compõem as proteínas, necessárias para o crescimento e a manutenção do corpo humano, além de serem fontes de ferro de alta biodisponibilidade, vitamina B12 e zinco. Os peixes são também boas fontes de cálcio e ricos em ácidos graxos essenciais. Os ovos contêm proteínas de alto valor biológico e gordura e têm grandes quantidades de colesterol, apesar de 50% da gordura presente nos ovos ser do tipo insaturada. São boa fonte de vitaminas do complexo B (Katz et al., 2005) e, por suas características nutricionais, também são componentes de uma alimentação saudável, desde que consumidos com moderação. Segundo o Ministério da Saúde, o recomendado é o consumo diário de uma porção do grupo das carnes e ovos, dando-se preferência para os cortes magros e para a retirada de toda a gordura aparente antes do preparo. Os embutidos (hambúrguer, salsicha, linguiça) devem ser evitados, assim como preparações fritas e empanadas.
7. Comer leguminosas no almoço ou no jantar As leguminosas são os grãos da vagem, como os feijões, alimentos vegetais ricos em proteínas que contêm ainda carboidratos complexos (amido) e são ricos em fibra alimentar, vitaminas do complexo B, ferro e cálcio. Contêm pequenas quantidades de gordura, quase toda do tipo insaturada, e geralmente são preparados e cozidos a partir de sua forma seca, retendo grande parte de seus nutrientes originais. São exemplos de alimentos pertencentes ao grupo dos feijões e outros alimentos vegetais ricos em proteínas os feijões verde, branco, jalo, preto, largo, carioquinha, azuki, fradinho, decorda, andu e também as lentilhas, ervilhas secas, fava, soja e grão-de-bico. O Ministério da Saúde recomenda a ingestão de uma porção diária de alimentos desse grupo, incentivando o consumo com arroz, na proporção de 1 parte de feijão para 2 de arroz, sendo uma combinação completa de aminoácidos. Para assegurar refeições saudáveis, é preferível que os feijões não sejam preparados com carnes gordas ou embutidos, pois isso eleva muito o teor de gorduras saturadas e de sal, minimizando o efeito positivo do consumo de leguminosas.
8. Trocar a gordura animal por vegetal, mas consumir com moderação As gorduras, também conhecidas como lipídios, são importantes fontes de energia, além de serem responsáveis pela síntese ou pelo transporte de vitaminas lipossolúveis, lipoproteínas e alguns hormônios. Lipídios são formados por moléculas de glicerol e de ácidos graxos, que, de acordo com a ligação química existente, podem ser ácidos graxos saturados, insaturados ou trans. São exemplos de alimentos pertencentes ao grupo das gorduras: a manteiga, o bacon, a gordura do coco e o creme de leite (fontes de ácidos graxos saturados), os óleos vegetais, castanhas e nozes (fontes de ácidos graxos insaturados), as gorduras vegetais hidrogenadas e alguns tipos de margarina (fontes de ácidos graxos trans). É importante frisar que os ácidos graxos trans são utilizados pela indústria de alimentos para dar textura e sabor a alimentos como biscoitos, sorvetes cremosos e bolos.
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA: MODELOS APLICÁVEIS NA PRÁTICA CLÍNICA
6. Ficar atento ao tamanho da porção da carne
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Recomenda-se que 15 a 30% da energia total da dieta seja proveniente desse nutriente, sendo que não mais que 10% deve ser de origem saturada e menos que 1% de trans. Esses dois tipos de ácidos graxos estão associados ao aumento do risco de doenças cardiovasculares. Os insaturados podem ser mono ou poli-insaturados, sendo que os primeiros contribuem para a diminuição do colesterol LDL sem alterar o HDL. Dos poli-insaturados, destaca-se o ômega-3, um ácido graxo essencial que, além de efeitos cardiovasculares protetores, apresenta-se importante em alergias e processos inflamatórios, pois é necessário para a formação das prostaglandinas inflamatórias. O Ministério da Saúde recomenda que a população, de modo geral, não ultrapasse o consumo diário de uma porção de alimentos do grupo dos óleos e gorduras. Além disso, em relação à gordura de adição, recomenda-se que uma família contendo quatro pessoas não ultrapasse o consumo de um frasco (900 mL) de óleo vegetal por mês.
9. Moderar nos açúcares e doces Alimentos pertencentes ao grupo intitulado “açúcares” caracterizam-se por serem ricos em sacarose, um carboidrato simples utilizado para dar sabor aos alimentos. Diferentemente dos carboidratos contidos nos cereais e nas frutas, o consumo de sacarose não é estimulado porque, apesar de ser uma fonte de energia, os alimentos que apresentam grande quantidade desse nutriente tendem a não apresentar outras substâncias importantes para o organismo humano. São exemplos de alimentos pertencentes a esse grupo: açúcar refinado, mascavo, cristal e demerara, mel, achocolatados e chocolates, refrigerantes, balas e sucos artificiais. O consumo excessivo de alimentos ricos em açúcar está associado ao aumento do peso e à ocorrência de cáries e de câncer de cólon; por isso, recomenda-se que a energia proveniente de açúcares simples não ultrapasse 10% da energia total da dieta. O Ministério da Saúde recomenda também que a população brasileira não ultrapasse o consumo diário de uma porção de alimentos do grupo dos açúcares e doces.
10. Diminuir o consumo de sal e de alimentos ricos em sódio
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O sódio é um mineral fundamental para o organismo humano, contribuindo para a regulação dos fluídos intra e extracelulares e atuando na manutenção da pressão sanguínea. Esse nutriente está presente em distintos produtos, sendo o sal de cozinha, ou o cloreto de sódio, o que mais se destaca, visto que é formado por 40% de sódio e é amplamente usado para conferir sabor aos alimentos. Por apresentar característica de conservante, o sódio é utilizado em diversos produtos industrializados que, assim, muitas vezes apresentam grande quantidade desse mineral. São considerados alimentos ricos em sódio diversos temperos industrializados, queijos amarelos, produtos cárneos (presunto, hambúrguer, salsicha, linguiça), refeições industrializadas e congeladas, conservas e produtos enlatados. O consumo de 2.000 mg de sódio tem sido preconizado como sendo o ideal para não trazer prejuízos à saúde. Quantidades adicionais relacionam-se a doenças como hipertensão arterial, que leva ao acidente vascular cerebral e a doenças coronarianas, retenção de líquido, câncer gástrico e osteoporose.
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A água é essencial à vida, fundamental para o funcionamento de todos os órgãos e sistemas, sendo que a diminuição de 1% no teor de hidratação do organismo já acarreta sintomas como sede, fraqueza e tontura. É responsável por funções como a regulação da temperatura corporal, o transporte de nutrientes e a eliminação de substâncias tóxicas ou não utilizadas pelo organismo. Os alimentos, como frutas, legumes e verduras, apresentam teor significativo de água, contribuindo para a hidratação do organismo. No entanto, mesmo com a ingestão adequada desses alimentos, recomenda-se que as pessoas ingiram diariamente, no mínimo, 2 L de água, principalmente entre as refeições, sendo que essa quantidade pode variar de acordo com idade, nível de atividade física e temperatura do ambiente. Outras bebidas também contribuem para a hidratação, como leite, chás e sucos, porém não excluem a necessidade da ingestão da água. Além disso, por não serem isentas de energia, a substituição da água por essas bebidas pode contribuir para o aumento do peso corporal. É importante atentar-se para a qualidade da água ingerida, que deve ser tratada ou fervida e filtrada adequadamente, uma vez que pode ser um potencial veículo de doenças. O uso de hipoclorito de sódio é uma alternativa para pessoas que não recebem água tratada.
12. Acumular pelo menos 30 minutos de atividade física todos os dias Além de práticas alimentares saudáveis, a realização de atividade física é fundamental para a manutenção do peso corporal, a redução do risco de doenças e a melhoria da qualidade de vida. Pessoas fisicamente ativas tendem a substituir parte da massa gorda do organismo por massa magra, o que, além de contribuir para a saúde dos ossos e das articulações, auxilia nas funções imunológica e intestinal. Outros benefícios da prática da atividade física regular, ou seja, pelo menos 30 minutos diários ou 150 minutos por semana, dizem respeito ao melhor rendimento profissional e desempenho escolar, maior qualidade do sono e, provavelmente, maior expectativa de vida. Além da realização de caminhada, dança e esportes, hábitos como utilização de escadas em substituição aos elevadores e realização de atividades a pé contribuem para o aumento do gasto energético.
13. Reduzir o consumo de bebidas alcoólicas. Evitar o consumo diário. Não ultrapassar 1 dose/dia Bebidas alcoólicas apresentam teor de álcool etílico que varia de 5 a 40%, e é importante salientar que o álcool apresenta 7 kcal/g, sendo superado somente pelas gorduras (9 kcal/g), mas ultrapassando os carboidratos e as proteínas, dado que ambos apresentam 4 kcal/g. A ingestão de bebidas alcoólicas acima de uma dose diária para mulheres ou duas doses para homens não é recomendada por estar relacionada a diversas consequências, como problemas cardiovasculares, hepáticos e gástricos, inclusive câncer, doença de
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA: MODELOS APLICÁVEIS NA PRÁTICA CLÍNICA
11. Beber no mínimo 2 L de água/dia
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Alzheimer, osteoporose, diabete, cálculos renais e biliares, além de provocar a dependência química. Alguns trabalhos vêm associando o consumo moderado de bebidas alcoólicas com benefícios à saúde, como o fato de os flavonoides do vinho contribuírem para a prevenção de doenças cardiovasculares e câncer ou de os polifenóis da cerveja melhorarem a resposta imunológica a algumas doenças infecciosas e serem favoráveis à saúde dos ossos e dos neurônios. Contudo, deve-se refletir antes de recomendar o consumo de bebidas alcoólicas à população, por causa de todos os demais riscos associados. Também é importante atentar que diversas bebidas alcoólicas apresentam valor energético aumentado por conterem carboidratos, como malte e açúcar refinado.
14. Apreciar a refeição. Comer devagar
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A alimentação, além de apresentar a função de nutrir o organismo, tem importante papel psicossocial, contribuindo para o bem-estar das pessoas. Por isso, é importante estimular que a população faça das suas refeições momentos tranquilos e prazerosos. Estimular as pessoas a mastigarem e saborearem os alimentos com calma agrega diversos benefícios, como diminuir a chance de problemas gastrintestinais, como azia, fermentações e gases. Também promove maior tempo de contato do alimento com as enzimas digestivas e, a partir da permanência do alimento no estômago, uma mensagem é enviada ao hipotálamo e a sensação de saciedade é gerada. Para que o hipotálamo reconheça a presença do alimento no estômago, é recomendado o mínimo de 15 minutos para a realização da refeição. A mastigação adequada também minimiza a necessidade da ingestão de líquidos durante as refeições, evitando diluição excessiva do suco gástrico, que pode acarretar dificuldades na digestão. Para ilustrar a distribuição adequada entre os diferentes grupos de alimentos habitualmente consumidos no almoço e no jantar, foi realizada pelo CRNutri a adaptação do "my plate" (Figura 4.1). Propõe-se, assim, que metade do prato dessas refeições seja constituída por verduras e legumes, de preferência com mais de uma variedade e com colorações diferentes. A outra metade do prato deve apresentar alimentos do grupo dos cereais, tubérculos e raízes, dos feijões e das carnes e ovos, nas proporções indicadas na Figura 4.1. São estimuladas a preferência pelos cereais integrais e o modo de preparo utilizando-se de quantidades moderadas de gordura, preferencialmente óleos vegetais, e de sal, evitando temperos industrializados ricos em sódio. Além disso, é estimulado o uso de óleos vegetais, como azeite de oliva, óleo de soja, girassol ou canola, para adição nos legumes e verduras a serem consumidos crus, como forma de tempero.
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Legumes e verduras
Estes grupos de alimentos são incluídos no café da manhã e nos lanches.
Cereais, tubérculos e raízes
Leite e derivados
C Cereai is, tubérculos e raízes Cereais,
Feijões
Frutas
Go ord duras Gorduras
Açúcares ç
Carnes e ovos
FIGURA 4.1 Adaptação do "my plate" realizada pelo CRNutri.
O grupo das frutas, dentro do contexto do prato, surge como opção a ser utilizada como sobremesa. Além disso, são habitualmente consumidas no café da manhã e nos lanches intermediários. O consumo do grupo do leite e derivados nessas refeições (café da manhã e lanches) também é sugerido. É importante ressaltar a regionalidade do padrão alimentar brasileiro, indicando que, em função dos hábitos alimentares locais, faz-se importante adaptação do modelo proposto em relação aos grupos de alimentos sugeridos para as refeições. A alimentação, juntamente com outros comportamentos, é importante para a promoção da saúde e, por isso, é importante a existência de medidas de avaliação para se obter percepção global dos hábitos atuais existentes. Assim, podem-se identificar os aspectos da alimentação e de outros fatores associados que sejam positivos e negativos de um indivíduo ou grupo populacional a fim de se estabelecer uma proposta de intervenção mais adequada e, ao final, ser possível identificar os avanços e as limitações existentes. Contudo, medidas para a avaliação dos hábitos, para serem incorporadas à prática profissional, devem ser facilmente aplicadas e calculadas. Para tanto, há a proposta do “termômetro do bem-estar” utilizado pelo CRNutri (Tabela 4.2).
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA: MODELOS APLICÁVEIS NA PRÁTICA CLÍNICA
Observe o prato do almoço e do jantar. Não esqueça de nenhum dos grupos abaixo!
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88 TABELA 4.2 h4%2-½-%42/ $/ "%- %34!2v #/-/ 02/0/34! $% !6!,)!£²/ $% (")4/3
3!5$6%)3.!024)#!#,·.)#!
(ÉBITOSPONTUA ÎO &RACIONAMENTOONTEM FEZQUANTASREFEI ÜES < 2 (0) 3 a 4 (1,5) 5 a 6 (3) #EREAISINTEGRAISONTEM CONSUMIUQUANTASPOR ÜESDECEREAIS Nenhuma (0) 1 (1,5) ≥ 2 (3) (ORTALI ASONTEM CONSUMIUHORTALI AS Em nenhuma das refeições (0) No almoço ou no jantar (1,5) No almoço e no jantar (3) &RUTASONTEM CONSUMIUQUANTASPOR ÜESDEFRUTAS Nenhuma (0) 1 a 2 ou ≥ 6 (1,5) 3 a 5 (3) ,EITE QUEIJOEIOGURTEONTEM CONSUMIUQUANTASPOR ÜESDELEITE QUEIJOEIOGURTE Nenhuma (0) 1 a 2 ou > 3 (1,5) 3 (3) ,EGUMINOSASONTEM CONSUMIUQUANTASPOR ÜESDELEGUMINOSAS ≥ 3 ou nenhuma (0) 2 (1,5)
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1 (3) GUAONTEM CONSUMIUQUANTOSLITROSDEÉGUA < 1 (0) ≥ 1 e < 2 (1) ≥ 2 (2) %XERCÓCIOFÓSICOONTEM REALIZOUQUANTOSMINUTOSDEEXERCÓCIOFÓSICO < 20 (0) ≥ 20 e < 30 (1) ≥ 30 (2) (continua)
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3!5$6%)3.!024)#!#,·.)#!#/.4
(ÉBITOSPONTUA ÎO -ASTIGA ÎOONTEM GASTOU EMMÏDIA QUANTOSMINUTOSPARAFAZERUMAREFEI ÎOPRINCIPAL ALMO OOUJANTAR < 10 (0) ≥ 10 e < 20 (1) ≥ 20 (2) ! ÞCARONTEM CONSUMIUQUANTASPOR ÜESDEA ÞCARESEDOCES ≥ 3 (0)
Diabete: ≥ 2 (0)
2 (0,5)
1 (0,5)
≤ 1 (1)
0 (1)
"EBIDASALCOØLICASONTEM CONSUMIUQUANTASDOSESDEBEBIDASALCOØLICAS > 1 (para mulheres) ou > 2 (homens) (0) 1 (para mulheres) ou 2 (homens) (0,5) < 1 (para mulheres) ou < 2 (homens) (1) #ARNEONTEM CONSUMIUQUANTASPOR ÜESDECARNE ≥ 3 ou nenhuma (0) 2 (0,5) 1 (1)
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA: MODELOS APLICÁVEIS NA PRÁTICA CLÍNICA
TABELA 4.2 h4%2-½-%42/ $/ "%- %34!2v #/-/ 02/0/34! $% !6!,)!£²/ $% (")4/3
3ØDIOONTEM CONSUMIUQUANTASVEZESALGUMALIMENTORICOEMSØDIOMOLHOS ENLATADOS CARNES PROCESSADAS ALIMENTOSPROCESSADOSRICOSEMSØDIO QUEIJOSAMARELOS ≥ 2 (0) 1 (0,5) 0 (1) 'ORDURASATURADAONTEM CONSUMIUQUANTASVEZESALGUMALIMENTOCOMGORDURAAPARENTELEITE OUDERIVADOSINTEGRAIS QUEIJOSAMARELOS PELEDEAVES GORDURADECARNES EMBUTIDOS CREMEDE LEITE TOUCINHO bacon,ETC ≥ 2 (0) 1 (0,5) 0 (1) ¼LEOONTEM QUANTASVEZESCONSUMIUFRITURAS ≥ 2 (0) 1 (0,5) 0 (1)
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O termômetro é composto por 15 itens que, juntos, somam 0 a 30 pontos, e as pontuações mais altas se referem a hábitos com maior qualidade. No intuito de reforçar a promoção de práticas saudáveis, são dadas pontuações mais altas para itens positivos, como consumo de cereais integrais, hortaliças e frutas. Contudo, são atribuídos menores pesos aos hábitos relativos à moderação, como consumo de sódio, açúcar e de gordura. Esse instrumento pode ser utilizado na prática clínica como forma de avaliação no decorrer do tratamento.
REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 2. Katz DL, Evans MA, Nawaz H, Nijike VY, Chan W, Comeford BP et al. Egg consumption and endothelial function: a randomized controlled crossover trial. Int Jour Cardiol 2005; 99(1):65-70. 3. Oliveira MC de, Sichieri R. Fracionamento das refeições e colesterol sérico em mulheres com dieta adicionada de frutas ou fibras. Rev Nutr [serial on the Internet] dez 2004 [cited 7 jun 2012]; 17(4):449-59. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141552732004000400005&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732004000400005. 4. Organização Mundial da Saúde (OMS). Estratégia Global para a Alimentação Saudável, Atividade física e saúde: 57 Assembleia Mundial de Saúde. 8 sessão plenária de 22 de maio de 2004 (versão em português, tradução não oficial). 2004. 5. Philippi ST, Latterza AR, Cruz ATR, Ribeiro LC. Pirâmide alimentar adaptada: guia para escolha dos alimentos. Rev Nutr 1999; 12(1):65-80. 6. United States Department of Agriculture. Dietary Guidelines for Americans 2010. Disponível em: http://www.cnpp.usda.gov/publications/dietaryguidelines/2010/policydoc/policydoc.pdf. 7. United States Department of Agriculture. My Plate. Disponível em: http://www.choosemyplate. gov/.
CAPÍTULO
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Alimentos funcionais
CÉLIA COLLI FÁTIMA APARECIDA ARANTES SARDINHA TULLIA M. C. C. FILISETTI ALEXANDRE RODRIGUES LOBO
INTRODUÇÃO Funcionalidade é a propriedade dos alimentos que vai além de sua qualidade como fonte de nutrientes. O conceito de alimento funcional tem variados alcances em diferentes países e uma vasta nomenclatura: nutracêuticos, alimentos para uso médico, alimentos para uso saudável, entre outras. Nos últimos anos, a preocupação com a manutenção da saúde da população alcançou abrangência muito maior com a inclusão do conceito de prevenção das doenças. Nesse contexto, a dieta tem papel cada vez mais fundamental, de maneira que as propriedades de uma dieta dita saudável vão além de sua qualidade nutricional estrita. Contudo, o consumo de alimentos funcionais vem aumentando como resultado de uma preocupação individual com a saúde. No entanto, vários alimentos não possuem ação comprovada cientificamente, dadas a variedade de oferta e a quantidade de etapas de avaliações para que determinado componente tenha seu efeito comprovado. Pode-se dizer que essa forma de rever o alimento é resultado do desenvolvimento científico e tecnológico que levou à necessidade de reconhecimento das relações entre os vários componentes dos alimentos e de seu papel na manutenção da saúde. As doenças crônicas que mais preocupam os países industrializados são todas associadas com a dieta: câncer, obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares. No entanto,
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dada a complexidade dessas citadas inter-relações entre os componentes dos alimentos, traçar uma relação de causa e efeito inequívoca e definitiva é praticamente impossível. Assim, para este capítulo, optou-se por abordar alguns alimentos funcionais ou ingredientes funcionais que têm sua atividade razoavelmente estudada. A literatura a respeito de tais alimentos é vasta e heterogênea (Tabela 5.1), sendo necessário, antes de mais nada, identificar em que estágio se encontra o conhecimento de determinado item para que o profissional da saúde possa pensar em utilizá-lo em sua prática diária. TABELA 5.1 %8%-0,/3$%!,)-%.4/3&5.#)/.!)3
.UTRIENTES
&ONTES
&UN ÜES
Ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 e ômega-6
Peixes, algas marinhas, óleos (soja, girassol, oliva)
Intervenção na coagulação do sangue Controle de processos inflamatórios
Alicina (sulfeto de dialina)
Alho
Redução do colesterol Função hipotensora Função fibrinolítica e anticoagulante
Prebióticos
Almeirão, tupinambo, yacón, cebola, alho, banana
Manutenção da saúde intestinal Melhoria da biodisponibilidade de minerais
Probióticos
Bebidas lácteas com lactobacilos (leites fermentados), bifidobactérias (iogurtes)
Aumento da resistência a infecções Impedimento da colonização por bactérias patogênicas Redução do colesterol
Fibra alimentar (amido)
Cereais (aveia, pão), verduras crucíferas (repolho, brócolis, couve-de-bruxelas), leguminosas (feijão, vagem, lentilha)
As fibras dos cereais previnem doenças cardiovasculares As verduras protegem contra o câncer de cólon e de reto O amido presente em cereais e leguminosas previne o câncer de cólon e reduz o colesterol
Fitoestrogênios, isoflavonas e lignanas
Leguminosas (feijão e soja), cereais
Redução do estrogênio, atuando na prevenção do câncer de mama
Flavonoides
Vinho tinto, uva
Antioxidantes Inibição da formação de ateromas
Licopeno
Tomate, toranja vermelha
Proteção contra tumores de pulmão, de próstata e de estômago
Vitaminas A, C e E, betacaroteno, selênio e zinco
Frutas (caqui, mamão, laranja, limão, acerola), hortaliças (beterraba, espinafre, cenoura, tomate, brócolis, repolho), ovos, cereais
Antioxidantes
Fonte: Arabbi, 1999.
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aquela relativa ao papel metabólico ou fisiológico que o nutriente ou não nutriente tem no crescimento, desenvolvimento, manutenção e outras funções normais do organismo e alegação de propriedade de saúde aquela que sugere, afirma ou implica a existência de relação entre alimento ou ingrediente com doença ou condição relacionada à saúde (Resolução n. 18, de 30 de abril de 1999).
ALIMENTOS FUNCIONAIS
A definição de alimento funcional adotada neste capítulo é a da legislação brasileira, que considera alegação de propriedade funcional
A legislação japonesa, por exemplo, reconhece como promotores da saúde os seguintes compostos: fibra da dieta (ou fibra alimentar – FA), colinas, bactérias acidoláticas, minerais e ácidos graxos poli-insaturados, prevendo a inclusão de outros itens, como os oligossacarídeos, peptídeos e proteínas, isoprenoides e vitaminas. Os alimentos funcionais correspondem a 5 a 7% do mercado mundial de alimentos. Há uma demanda excessiva e, paralelamente, uma dificuldade da efetiva comprovação de resultados do consumo desses alimentos. O Brasil, por sua vez, é rico em produtos naturais e alimentos ainda inexplorados. Assim, cabe aos profissionais de saúde, a difícil tarefa de, por um lado, dirigir pesquisas que possam comprovar a eficácia desses novos produtos, e por outro, mais premente, orientar uma legislação que garanta à população os benefícios e a proteção referentes a possíveis riscos de sua utilização. As indagações que existem até hoje se relacionam com o benefício real que pode advir da inclusão de alimentos funcionais na dieta das populações, com a possibilidade de indução de hábitos alimentares inadequados ou de uma sensação equivocada de garantias quanto à saúde geral.
FIBRA ALIMENTAR, PREBIÓTICOS E PROBIÓTICOS Fibra alimentar A definição exata de fibra alimentar (FA), ou fibra da dieta (FD), bem como os métodos utilizados para sua avaliação, não foi ainda muito bem estabelecida, apesar dos inúmeros debates em torno desse tema. Isto se deve, sobretudo, ao fato de que FA pode ser definida tanto pelos seus atributos fisiológicos quanto por sua composição química. A FA é uma classe de compostos de origem vegetal, constituída, principalmente, de polissacarídeos e substâncias associadas que, quando ingeridos, não sofrem hidrólise, digestão e absorção no intestino delgado de humanos. Essa definição de natureza essencialmente fisiológica tem sido aceita, nos últimos 30 anos, pela maioria dos cientistas que trabalham nessa área. Em alguns casos, os polissacarídeos de origem animal (p. ex., a quitina), são incluídos, também, na definição de FA. Uma comissão permanente criada pela Associação Americana de Químicos de Cereais (AACC – American Association of Cereal Chemists), depois de muitos debates subsidiados com informações de indústrias, academias e órgãos governamentais de diversos países, elaborou, em 1999, a seguinte definição para FA:
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a parte comestível de plantas ou carboidratos análogos que são resistentes à digestão e à absorção no intestino delgado de humanos com fermentação completa ou parcial no intestino grosso de humanos. A FA inclui polissacarídeos, oligossacarídeos, lignina e substâncias associadas de plantas. A FA promove efeitos fisiológicos benéficos, como laxação, atenuação do colesterol sanguíneo e/ou atenuação da glicose sanguínea.
Componentes da fibra alimentar Os componentes da FA estão, em geral, presentes em dietas consumidas diariamente pelas populações e são encontrados em vegetais, frutos e grãos integrais (Tabela 5.2). A FA pode estar associada a outras substâncias, como proteínas, cutina, suberina, compostos inorgânicos, oxalatos, fitatos, lignina e compostos fenólicos de baixo peso molecular. Além disso, é possível aumentar o conteúdo de fibra dos produtos alimentícios pela adição de determinadas fontes purificadas, como pectinas, goma guar, carragenanas, inulina, fruto-oligossacarídeos (FOS), polidextrose e outros. Conforme sua solubilidade no trato digestório, a FA pode ser classificada em solúvel (FAS) e insolúvel (FAI). A FAS foi classificada em virtude de sua precipitação em etanol a 78%. Contudo, tal característica não é adequada para determinar uma boa parte dos oligossacarídeos, incluindo a polidextrose, a inulina e os FOS. Dentro da classificação de FAI, estão compreendidas a lignina, a celulose e a hemicelulose insolúvel. Dentro das FAS, encontram-se as pectinas, a hemicelulose solúvel, os betaglicanos, as gomas e os frutanos (inulina e FOS).
Efeitos fisiológicos da fibra alimentar
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A partir da década de 1950, estudos epidemiológicos passaram a demonstrar a existência de uma forte correlação entre o aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) com o consumo de alimentos processados e refinados, o que levou a se estabelecer uma relação causal entre o surgimento dessas doenças e a quantidade de FA presente na dieta. Desde então, as pesquisas têm revelado inúmeros benefícios da FA na redução do risco de doenças e na manutenção da saúde, enfatizando a importância do consumo de alimentos que contenham um teor elevado desses componentes. O alvo de ação da FA é fundamentalmente o trato digestório, servindo de substrato para a microbiota intestinal, promovendo laxação normal e modulando a velocidade de digestão e a absorção dos nutrientes. Nesse aspecto, suas características físico-químicas, como solubilidade, viscosidade, capacidade de retenção de água, efeito da massa/volume, ligação com ácidos biliares e suscetibilidade à fermentação, interferem sobremaneira em sua função no trato digestório. Essas características variam em função da estrutura química dos componentes que fazem parte da FA. Assim, em muitos casos, conhecê-los é bastante útil para predizer as respostas fisiológicas atribuídas às novas fontes de FA. Pesquisas realizadas nos últimos 30 anos mostram que os efeitos da fibra no trato digestório têm importantes consequências metabólicas, que podem resultar em redução do risco de DCNT, como certos tipos de câncer, doenças cardiovasculares e diabete melito tipo 2. Nesse contexto, a FA deve fazer parte de dietas normais com a finalidade de
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TABELA 5.2 &/.4%3$%&)"2!%-!,)-%.4/3%3%5302).#)0!)3#/-0/.%.4%315·-)#/3
!DITIVOSALIMENTARES
&ONTESUSUAIS
0RINCIPAISMONOSSACARÓDEOS
Celulose
Vários farelos e vegetais presentes em todas as plantas comestíveis
Glc
Betaglicanos
Grãos (aveia, cevada e centeio)
Glc
Hemicelulose
Grãos de cereais e várias plantas comestíveis
Xil, Man, Glc, Fuc, Ara, Gal, AGal, AGlc
Pectinas
Frutas (maçã, limão, laranja, pomelo), vegetais, legumes e batata
Ara, Gal, AGal, Fuc, Ram
Frutanos (FOS, inulina)
Alcachofra, cevada, centeio, raiz de almeirão, cebola, banana, alho, aspargo, yacón
Fru, Glc
Amido resistente
Bananas verdes, batata (cozida/resfriada), produtos de amido processado
Glc
Quitina
Fungos, leveduras, exoesqueleto de camarão, lagosta e caranguejo
Glc-amina, Gal-amina
Rafinose, estaquiose e verbascose
Cereais, legumes e tubérculos
Gal, Glc, Fru
Lignina
Plantas maduras
Álcool sinapílico, coniferílico, p-cumarílico
Ágar
Algas marinhas vermelhas
Gal, Gal-anidro, Xil, SO4
Carragenanas
Algas marinhas vermelhas
Gal, Gal-anidro, SO4
Ácido algínico
Algas marinhas marrons
AGlc, AMan-anidro
Goma karaya
Exsudatos de plantas
Fuc, Gal, AGal, Ram
Goma tragacante
Exsudatos de plantas
Xil, Gal, AGal, Ram, Ara
Goma arábica
Exsudatos de plantas
Gal, Ara, Ram, AGlc
Goma locuste
Sementes de plantas
Gal, Man
Goma guar
Sementes de plantas
Gal, Man
Goma psyllium
Sementes de plantas
Ara, Gal, AGal, Ram, Xil
Goma xantana
Micro-organismos
Glc, AGlc, Man
Polidextrose
Síntese química
Glc
FOS: fruto-oligossacarídeos.
ALIMENTOS FUNCIONAIS
manter o bem-estar de indivíduos saudáveis, e não ser apenas um componente alimentar utilizado para modificar os fatores de risco de doenças.
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Diminuição dos níveis de colesterol A capacidade de certas fibras de reduzir o colesterol plasmático e as lipoproteínas de baixa densidade (LDL-colesterol) está bem documentada. Estes dados são compatíveis com os estudos epidemiológicos que relacionam os reduzidos riscos de doenças cardiovasculares com o consumo de dietas que contêm grandes quantidades de frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais. Muitas dessas informações sugerem que a FAS é o componente ativo responsável pela diminuição do colesterol; contudo, nem todas as fibras solúveis são responsáveis pela diminuição do colesterol plasmático. Inulina e oligofrutose, por exemplo, classificadas como FAS, não têm ação na diminuição do colesterol plasmático, provavelmente por serem fibras com ausência de viscosidade. Quando polissacarídeos viscosos, como betaglicanos, são hidrolisados, ocorre redução na viscosidade e perda da sua capacidade de influenciar a colesterolemia. A viscosidade é a principal característica da fibra responsável pela diminuição do colesterol plasmático e do LDL-colesterol. Polissacarídeos viscosos podem afetar o metabolismo de lipídios por meio de muitas vias, incluindo o aumento da excreção de ácidos biliares e a diminuição da absorção de lipídios. O aumento da excreção de ácidos biliares provoca aumento na conversão de colesterol do sangue para esses ácidos, como foi demonstrado pelo aumento da atividade das enzimas envolvidas nessa conversão. O efeito da massa/volume e a capacidade de reter água associada a determinados polissacarídeos viscosos certamente auxiliam na sua capacidade de diminuir o colesterol. Isso se deve, em parte, ao fato de que estes dois parâmetros contribuem para conferir aos polissacarídeos a capacidade de aumentar a excreção de ácidos biliares e modificar a absorção de lipídios. Contudo, ambas as propriedades isoladas não resultam em diminuição dos níveis de colesterol do plasma, do mesmo modo que a suscetibilidade à fermentação dos polissacarídeos não é suficiente, por si só, para diminuir os níveis de colesterol. Foi demonstrado em hamsters que polissacarídeos viscosos, mas não fermentáveis, atuam na diminuição dos níveis de colesterol do plasma, enquanto em ratos se observou que hidrocoloides viscosos reduzem os níveis de colesterol pela inibição de sua absorção pelo intestino.
Controle glicêmico e insulinêmico Uma importante forma para reduzir os níveis de glicose e insulina no sangue de indivíduos diabéticos (tipo 2) é pela diminuição da velocidade de esvaziamento gástrico, cuja resposta está associada à viscosidade dos produtos que compõem a dieta. Foi relatado que indivíduos com diabete melito não dependentes de insulina (NIDDM) possuem um mecanismo de esvaziamento gástrico mais rápido, e esse efeito está associado a um baixo nível de colecistoquinina (CCK). A viscosidade é importante no intestino delgado bem como no estômago, pelo aumento aparente da espessura da camada de água estacionária que provoca diminuição na velocidade da absorção da glicose. Além disso, com a absorção reduzida de gordura, certas fontes de polissacarídeos viscosos parecem prolongar ou
97 ALIMENTOS FUNCIONAIS
aumentar a resposta da CCK durante uma refeição. O aumento à resposta da CCK tem sido associado a um melhor controle glicêmico em pacientes diabéticos não dependentes de insulina (NIDDM). Da mesma maneira que os efeitos de determinadas fibras viscosas induzem a diminuição do colesterol sanguíneo, tanto a massa/volume quanto a capacidade de reter água dos polissacarídeos viscosos contribuem de maneira não isolada no controle glicêmico.
Função intestinal A FA é responsável pela melhora das funções do intestino grosso por meio da redução do tempo de trânsito, pelo aumento do peso e da frequência das fezes, pela diluição do conteúdo do intestino grosso e pelo fornecimento de substrato fermentável à microbiota normalmente presente no intestino grosso. Por conseguinte, as características de fermentabilidade, massa/volume e capacidade de reter água contribuem para a capacidade da fibra de melhorar as funções do intestino grosso. Pesquisadores verificaram que existe correlação entre o peso das fezes e a ingestão de FA. Sabe-se que a baixa ingestão de fibra está, em geral, associada a um retardo no tempo de trânsito intestinal. A massa produzida a partir da fibra ou pelo aumento da massa microbiana é necessária para proporcionar uma evacuação normal. A FA é o principal componente da dieta que provoca aumento do peso das fezes em indivíduos saudáveis. Peso de fezes abaixo de 150 g/dia tem sido associado à constipação e menor do que 100 g/dia ao aumento de risco de câncer no intestino grosso e diverticulite.
Prebióticos, fermentação bacteriana e efeitos fisiológicos A presença do alimento no intestino é fator preponderante para a manutenção de uma massa celular funcional. As evidências relacionadas aos efeitos tróficos dos carboidratos fermentáveis no trato digestório surgiram de estudos que demonstraram associação entre dietas enterais deficientes em fibras e atrofia da mucosa intestinal. A magnitude destes efeitos, entretanto, depende da fermentabilidade da fibra, isto é, do perfil de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) produzidos pela fermentação bacteriana. A maior parte dos oligossacarídeos e polissacarídeos presentes na dieta é quantitativamente hidrolisada nas regiões superiores do trato digestório. Os monossacarídeos resultantes são absorvidos e transportados pela circulação portal para o fígado e, subsequentemente, para a circulação sistêmica. Esses carboidratos servem como substratos e reguladores das principais vias metabólicas e atuam influenciando a liberação de diversos hormônios gastrintestinais. Entretanto, determinadas propriedades físico-químicas e a configuração das ligações entre os seus monossacarídeos podem influenciar na digestibilidade desses carboidratos. Assim, no intestino grosso, esses carboidratos são, em maior ou menor extensão, hidrolisados e metabolizados pela microbiota local. Nesse processo metabólico conhecido como fermentação, são produzidos gases (H2, CO2, CH4), ácidos orgânicos (como
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fumarato, lactato e succinato) e AGCC, como acetato, propionato e butirato, que produzem variados efeitos para a saúde do hospedeiro. Estes últimos são rapidamente absorvidos (90 a 95%) e, com exceção do butirato, alcançam a circulação portal, sendo metabolizados no fígado. Entretanto, parte do acetato (25 a 50%) pode escapar dessa rota metabólica e, via circulação sistêmica, alcançar os tecidos periféricos, principalmente o muscular. O butirato, por sua vez, é reconhecido como a principal fonte de energia para a mucosa colônica, afetando a proliferação, diferenciação e apoptose dos colonócitos. Nesse contexto, um enfoque especial tem sido dado para os prebióticos, por sua capacidade de estimular seletivamente o crescimento de determinadas espécies bacterianas, consideradas benéficas (bifidogênicas) para o hospedeiro. O conceito de prebiótico foi introduzido por Gibson e Roberfroid em 1995. Os autores definiram como componentes dos alimentos resistentes à digestão pelas enzimas endógenas do trato digestório, que afetam beneficamente o hospedeiro por meio da estimulação seletiva do crescimento e/ou da atividade de uma ou de um limitado número de bactérias no cólon, proporcionando, dessa maneira, um estado de saúde para o hospedeiro.
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Assim, a fermentação bacteriana passou a ter significado clínico com efeitos metabólicos importantes na fisiologia do intestino grosso. Estudos têm verificado que o processo fermentativo, por favorecer a síntese de AGCC, influencia a integridade da mucosa intestinal e a função imunológica. Além disso, a absorção de alguns minerais é afetada por esse processo fermentativo, uma vez que ocorre diminuição do pH do lúmen intestinal e aumento da solubilidade desses minerais. Contudo, a fermentação bacteriana parece, ainda, influenciar o metabolismo de lipídios e de carboidratos, uma vez que os AGCC interferem na lipogênese hepática e na concentração de triacilgliceróis no sangue. Estudos mais recentes em roedores demonstraram redução da ingestão de alimentos e, por consequência, diminuição do peso corporal após o consumo de prebióticos. Alguns AGCC, produzidos pela fermentação dessas fibras, são ligantes para receptores acoplados a proteínas G (Gpr41 e Gpr42) em células enteroendócrinas (células L) no íleo e no cólon. Esses receptores, uma vez ativados, promovem aumento na secreção de peptídeos (GLP-1, PYY) que afetarão a saciedade via sistema nervoso central. Outro aspecto que tem recebido atenção recentemente é a influência que a composição bacteriana no intestino pode exercer sobre o ganho de peso e sobre o processo inflamatório induzido pelo excesso de lipídios na alimentação. Alguns autores sugerem que a ingestão de dietas hiperlipídicas, com predominância de lipídios saturados, poderia induzir diminuição da população de bactérias bifidogênicas e aumento da endotoxemia (presença de produtos de origem bacteriana, como o LPS, no sangue), fator contribuinte para a manutenção do quadro de inflamação crônica de baixa intensidade observado na obesidade. A endotoxemia poderia, ainda, estar relacionada com alterações na integri-
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dade da barreira da mucosa, caracterizadas pelo aumento da permeabilidade intestinal e diminuição de fatores protetores da mucosa (p.ex., mucinas). Neste caso, a suplementação das dietas com prebióticos parece diminuir as concentrações de LPS e de citocinas pró-inflamatórias (IL-1-beta e TNF-alfa) no sangue, provavelmente por influência na integridade das junções oclusivas no intestino. Assim, considerando que o aumento na adiposidade, como consequência do excesso de lipídios na alimentação, predispõe ao desenvolvimento de alterações metabólicas (como hipertensão, resistência à insulina e dislipidemias) que frequentemente acompanham a obesidade, a perspectiva de que a composição bacteriana possa ser favoravelmente modulada por determinadas fibras (prebióticos) é tema atual e relevante e pode contribuir com o corpo de estratégias para a redução do risco da obesidade.
Recomendações de ingestão de fibra alimentar A recomendação de ingestão de FA, em vários países, é de 20 a 30 g/dia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere a ingestão de 27 a 40 g/dia de FA. O Food and Drug Administration (FDA) recomenda a indivíduos adultos o consumo de 25 g de FA/2.000 kcal/dia. A American Health Foundation (AHF) aconselha a crianças e adolescentes entre 3 e 20 anos de idade a ingestão diária de FA em quantidade correspondente à idade acrescida de 5 ou 10 g. No Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN), a recomendação para adultos jovens é de pelo menos de 20 g/dia de FA, que corresponde ao consumo mínimo de 8 a 10 g de FA/1.000 kcal. Esta quantidade deve ser obtida pelo consumo de frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais. Uma das dificuldades encontradas para sugerir tais recomendações de ingestão de fibra está em avaliar seus níveis de ingestão. A variabilidade na estimativa de ingestão de FA pode ser atribuída, em parte, aos tipos de inquéritos alimentares utilizados e aos métodos de análise empregados para sua determinação. Analisando-se o teor de FA de algumas dietas básicas, oferecidas pelo Restaurante Central da Coordenadoria de Saúde e Assistência Social da Universidade de São Paulo, campus de São Paulo (Coseas-USP/SP), verificou-se que elas continham em média 2% de FA e correspondiam a uma quantidade de 19 g de FA/1.000 kcal. Neste caso, constata-se que a quantidade de FA fornecida por essas dietas chegava a superar as recomendações. Faziam parte da composição diária dessas dietas: café com leite, pão francês com manteiga, pão francês, arroz polido, feijão e chá com açúcar. Vale ressaltar que 1,13% de FA (56% do total) provinha de feijão e arroz. Na Tabela 5.3, é possível observar a FA presente nos principais componentes dessas dietas. Mais estudos, porém, devem ser realizados com a finalidade de avaliar a ingestão média de FA em nível regional, dada a diversidade dos hábitos alimentares da população brasileira.
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100 TABELA 5.3 &)"2! !,)-%.4!2 &! 02%3%.4% ./3 02).#)0!)3 #/-0/.%.4%3 $% $)%4!3
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!LIMENTOS
5NIDADE
&IBRAALIMENTAR 4OTAL
)NSOLÞVEL
3OLÞVEL
#EREAISEDERIVADOS Arroz polido cozido
77
0,9
0,7
n.d.
Fubá mimoso cozido
73,1
1,4
1,3
0,1
Macarrão cozido
71,5
1,3
0,8
0,4
Pão francês
24,5
3
1.9
1.3
Feijão carioca cozido
77,2
5,6
4,1
1,8
Feijão preto cozido
76,6
5,6
4,4
1,6
Batata-docea
65,9
3,9
3,1
0,7
Batata-inglesa cozida
85,4
1,6
1,3
0,6
Cenoura crua
96,4
1,5
n.d.
n.d.
Farinha de mandioca crua
7,6
5,8
5
1,2
96,8
1
1,1
0,1
94
2.5
1,6
0,9
95,1
1,3
1
0,3
Repolho
95,4
1.3
1,1
0,2
Tomate sem semente
95,5
1
0,8
0,3
Banana-nanica
77,3
1,5
1,2
0,6
Laranja-pera sem semente
91,1
1,8
1,7
0,5
,EGUMINOSASEDERIVADOS
2AÓZES TUBÏRCULOSEDERIVADOS
6ERDURAS FOLHAS FRUTOSEBULBOS Alface lisa Berinjela
a
Chuchu verde
a
a
&RUTAS
5
a
Foram submetidos a tratamento térmico para inativação das enzimas (branqueamento).
n.d.: não determinado.
Probióticos Probióticos são micro-organismos vivos que, como as fibras, atuam no intestino promovendo o equilíbrio da microbiota intestinal. São várias as espécies de micro-organismos consideradas probióticas e as mais utilizadas são espécies de e de . Essas espécies estão presentes em iogurtes, produtos lácteos fermentados ou suplemento alimentar. Entende-se por iogurte o produto cuja fermentação se realiza com cultivos protossimbióticos de Streptococcus salivarius subsp. thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus, que podem ser acompanhados, de forma complementar, por outras
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s s
s s s
ALIMENTOS FUNCIONAIS
bactérias acidoláticas, as quais, por sua atividade, contribuem para a determinação das características do produto final. Ainda não foi comprovado o mecanismo de ação desses probióticos, mas há fortes evidências de que eles podem, por exemplo, inibir a proliferação de organismos patogênicos, ou porque competem por nutrientes ou porque produzem compostos como citocinas e ácido butírico. Com a redução do pH do meio, há o estímulo para o crescimento da microflora produtora de ácido lático. Outro mecanismo proposto seria o deslocamento dos micro-organismos patogênicos dos sítios de ligação ou receptores celulares. Dentre os benefícios atribuídos aos probióticos, os únicos que têm uma retaguarda científica para fundamentá-los são: diminuição da incidência, duração e gravidade de doenças gástricas e intestinais com ingestão diária de 109 a 1.011 bactérias láticas; preservação da integridade intestinal e atenuação dos efeitos de outras doenças intestinais, como a diarreia infantil induzida por rotavírus, a diarreia associada ao uso de antibióticos, a doença intestinal inflamatória e a colite; redução da gravidade da hepatopatia alcoólica experimental; inibição da colonização gástrica com Helicobacter pylori, que é associado a gastrite, úlcera péptica e câncer gástrico; em um ensaio clínico com 60 pacientes com doença intestinal inflamatória, a ingestão diária de 400 mL de uma bebida com 5 × 107 ufc/mL de L. plantarum reduziu a dor e a flatulência em 4 semanas.
Quanto ao efeito dos probióticos na função imunológica, há evidências de que podem estimular tanto a resposta específica quanto a inespecífica. Esses efeitos são mediados pelo aumento dos níveis de citocinas, pela ativação de macrófagos e pelo aumento da concentração de imunoglobulinas. Pode haver também um sinergismo do efeito na função imunológica quando, por exemplo, os lactobacilos são consumidos junto com as bifidobactérias. No entanto, é preciso salientar que esses estudos avaliaram a resposta imunológica, mas não seu efeito a longo prazo na saúde. Assim, não se sabe, ainda, por exemplo, se essas alterações são temporárias e, portanto, sem impacto na prevenção de doenças. Também há evidências de que o consumo de produtos láticos fermentados, que contêm cepas e níveis adequados de bactérias acidoláticas, pode ser uma boa maneira de incorporar tais produtos e seus nutrientes a dietas de indivíduos intolerantes à lactose. Em relação à incidência de câncer, os resultados até o momento são promissores, porém ainda muito preliminares para poder, de fato, orientar o consumo de probióticos para este fim. A concentração de probióticos no alimento varia bastante, e não há padrões de identidade para os níveis de bactéria necessários para o iogurte e outros produtos fermentáveis. Recomenda-se aos profissionais de saúde que sejam prudentes ao aconselhar a incorporação desses produtos gradualmente na dieta até atingir esses níveis recomendados em um período de 2 a 3 semanas. O nível de consumo aconselhado, portanto, é de 109
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a 1.010 organismos diários, o que equivale a 1 L de leite de acidófilos formulado com 2 × 106 ufc/mL. A validade de tais produtos refrigerados é de 3 a 6 meses.
ÁCIDOS GRAXOS POLI-INSATURADOS DE CADEIA LONGA Ácidos graxos são ácidos orgânicos com moléculas lineares que podem ter de 4 a 22 carbonos em sua estrutura. Eles são classificados em saturados, monoinsaturados (com uma dupla ligação) e poli-insaturados (com mais de uma dupla ligação). Essa diferença de tamanho, de grau e da posição da insaturação na molécula confere-lhes propriedades físicas, químicas e nutricionais diferentes, como solubilidade, ponto de fusão, digestibilidade, conversão de energia, destino metabólico, etc. A nomenclatura dos ácidos graxos segue a notação: C n:x, em que n é o número de átomos de carbono; e x é o número de insaturações e posição da insaturação. Quando a primeira dupla está localizada entre os carbonos 3 e 4, caracteriza-se a série ômega-3; entre os carbonos 6 e 7, a série ômega-6; e entre os carbonos 9 e 10, a família ou série ômega-9. Os ácidos graxos essenciais são das séries ômega-3 e ômega-6, devendo ser fornecidos com a dieta. Os diferentes óleos e gorduras comestíveis utilizados no consumo humano têm diferentes concentrações de ácidos graxos. Os ácidos graxos de C4 a C18 são comuns nas gorduras de animais terrestres. Os de C8 a C18 são os mais encontrados em vegetais. Nos animais marinhos, encontram-se os ácidos graxos de cadeia maior do que C18, da série ômega-3, e os mais importantes são o eicosapentaenoico (C20:5 ômega-3) e o docoas-hexaenoico (C22:6 ômega-3). O efeito dos ácidos graxos ômega-3 na prevenção das doenças cardiovasculares tem sido estudado por sua ação na redução da lipemia pós-prandial, já que a magnitude e a duração da resposta lipêmica pós-prandial estão relacionadas com a progressão da aterosclerose. Há provas de que os ácidos graxos têm efeito favorável na redução dos triacilgliceróis plasmáticos em doses superiores a 1 g/dia. A relação entre os ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 e ômega-6 na dieta tem repercussões no processo inflamatório, associando-se ao risco de desenvolvimento de doenças crônicas e também à redução da ansiedade. Existem evidências crescentes de que a ingestão de óleo de peixe e ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (LCPU-FA) ômega-3 melhora o desenvolvimento cerebral e reduz riscos de alterações da cognição em períodos posteriores do crescimento. Os mecanismos para esta associação ainda não estão definidos. No entanto, mesmo em adultos, tem sido demonstrado aumento na capacidade cognitiva, especialmente em mulheres na menopausa.
COMPOSTOS FENÓLICOS: ANTIOXIDANTES NATURAIS EM ALIMENTOS Compostos fenólicos são metabólitos secundários, geralmente relacionados com o sistema de defesa de plantas. Possuem diferentes estruturas químicas e podem ser classificados em flavonoides e não flavonoides. Dentre os não flavonoides, estão incluídos desde os mais simples (como os ácidos fenólicos e os estilbenos) até aqueles com estruturas
103 ALIMENTOS FUNCIONAIS
mais complexas, derivadas dos mais simples, como os taninos e as ligninas. Os flavonoides, por sua vez, compartilham dois anéis fenólicos e um anel oxigenado; porém se diferenciam pelo estado de oxigenação de seu anel pirano heterocíclico (p. ex., antocianinas, flavonol, flavanol). Além disso, a variação no padrão de ligação de grupamentos em sua estrutura (p. ex., hidroxil, metoxil, glicosil), muitas vezes resultando em compostos extremamente complexos, contribui para a grande diversidade desses compostos na natureza. Os compostos fenólicos podem variar, em termos qualitativos e quantitativos, entre diferentes alimentos e em diferentes regiões onde esse alimento é cultivado. Por exemplo, entre maçãs e uvas, as antocianinas são encontradas apenas nas variedades vermelhas e tendem a acumular-se nos estágios mais avançados de amadurecimento. Ácidos hidroxicinâmicos, flavanóis (catequinas, procianidinas) e di-hidroxichalconas são encontrados nas maçãs em quantidades muito maiores na casca do que na polpa. Além disso, fatores genéticos ligados às condições ambientais e de cultivo, ao estágio de amadurecimento e também o tipo de processamento ao qual é submetido podem influenciar o tipo e a quantidade de um fenólico em um alimento. Outro fator fundamental para o entendimento da atividade biológica desses compostos é a avaliação de sua biodisponibilidade, uma vez que a concentração no sangue ou nos tecidos não é necessariamente reflexo de sua concentração no alimento. O composto fenólico pode, ainda, sofrer alteração em sua estrutura química durante as fases pré e pós-absortiva, que refletirá diretamente em sua função biológica. Por exemplo, é importante considerar o metabolismo bacteriano desses componentes no intestino, o que pode levar à formação de metabólitos – muitas vezes com atividade biológica mais expressiva do que as moléculas naturalmente presentes nos alimentos consumidos.
ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E DOENÇAS CRÔNICAS O conhecimento da composição da matriz alimentar e os efeitos de seus constituintes, tanto nutrientes quanto não nutrientes, tem mudado a maneira como se vê a relação do ser humano quanto sua dieta. Assim, considera-se que a atividade antioxidante de alguns vegetais possa estar mais relacionada com a concentração de seus compostos fenólicos do que, como antes se pensava, com sua concentração de vitaminas. Nesse aspecto, os estudos até o momento avançaram na caraterização desses componentes nos alimentos e até certo ponto em seus prováveis mecanismos de ação, avaliados em modelos in vitro e in vivo (fundamentalmente, em animais de experimentação). No entanto, os estudos em humanos ainda são relativamente escassos e controversos, sobretudo quando se considera a diversidade da dieta do ser humano. O que está bem estabelecido é que sua atividade antioxidante é efetiva em doenças cuja etiologia envolva a produção de radicais livres, como a disfunção endotelial encontrada em várias situações de alteração metabólica, hipertensão, aterosclerose, doença cardíaca, hiperglicemia, diabete, dislipidemia e outras doenças mais frequentes em idades avançadas (como osteoporose, câncer, etc.). Existem algumas evidências de que compostos fenólicos específicos e seus metabólitos possam prevenir a disfunção endotelial pela redução dos fatores de riscos associados
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com o funcionamento alterado do endotélio, como redução da pressão arterial, melhorando a dislipidemia e a oxidação de LDL-c, porém os mecanismos de ação não estão ainda estabelecidos. Dentre os alimentos ricos em compostos fenólicos, aqueles mais estudados e associados com efeitos antioxidantes são o cacau, a uva, o chá verde e, no Brasil, mais recentemente, os frutos da região do cerrado, como murici, sapucaia, jatobá, camu-camu, cagaita e buriti.
ALIMENTOS FUNCIONAIS Perspectivas para o futuro Muitos ensaios experimentais vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de esclarecer os mecanismos básicos de ação de fitoquímicos presentes em alimentos, como o alho (Allium sativum), o gengibre (Zingiber officinale Roscoe), a soja (Glycine max), a berinjela (Solanum melongena), o açafrão (Curcuma longa L.), a linhaça (Linum usitatissimum), entre outros. Estudos com esses alimentos têm procurado demonstrar seu potencial farmacológico como antimicrobianos, antitrombóticos e antitumorais, bem como suas atividades hipolipidêmica e hipoglicêmica e sua ação como antioxidantes.
Açafrão
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O açafrão (Curcuma longa L.) é uma planta herbácea, rizomatosa, da família Zingiberaceae, conhecida popularmente no Brasil como cúrcuma, ou, ainda, açafrão-da-índia. É considerada um condimento e, por vezes, confundida, no Brasil, com outra espécie, a Crocus sativus L., conhecida como açafrão verdadeiro. Os rizomas secos do açafrão têm composição média de 13,1% de água; 6,3% de proteínas; 5,1% de gorduras; 69,4% de carboidratos; 3,5% de cinzas; e 2,6% de fibras. Quando destilados, apresentam entre 1,3 e 5,5% de óleo essencial. Na Índia e China, tradicionalmente, a cúrcuma é utilizada como agente anti-inflamatório e no tratamento de icterícia, hemorragia e cólicas. É empregada como protetor hepático, prevenindo uma toxicidade induzida por tetracloreto de carbono. Possui, igualmente, uma atividade anti-inflamatória, demonstrada em diversos modelos experimentais. Também tem sido demonstrada certa atividade gástrica, como agente antiulceroso e citoprotetor. Em cultivos celulares, tem-se observado que os curcuminoides são citotóxicos, inibindo as mitoses e produzindo alterações cromossômicas, embora seja desconhecido se as doses administradas em humanos são suficientes para causar tais alterações. A cúrcuma parece ser promissora quanto aos seus efeitos sobre a saúde. O fator limitante para melhores definições é a carência de estudos em humanos.
Linhaça A linhaça é uma oleaginosa com mais de 200 espécies reconhecidas. Seu nome botânico é Linum usitatissimum L. A cor varia de amarelo-claro para o marrom. A linhaça é
105 ALIMENTOS FUNCIONAIS
comumente encontrada como grão integral, moído ou na forma de óleo. Atribuem-se à linhaça sabor e aroma de nozes, podendo ser facilmente incorporada a diversos produtos, tanto em grãos ou na forma moída. É considerada um alimento funcional no Brasil, e a variedade mais comum é a semente de cor marrom-escura brilhante, rica em substâncias benéficas à saúde. Seus principais componentes são o óleo com ômega-3, as fibras solúveis e a lignana secoisolariciresinol (SDG), um fitoesterol. A ação dos fitoesteróis da linhaça também tem estimulado o seu uso como alternativa na reposição hormonal para mulheres na menopausa. Sintomas como distúrbios do sono, ondas de calor e secura vaginal são reduzidos com o consumo de 40 g/dia de linhaça. Na maioria dos estudos, há uma redução em 45% no sintoma de ondas de calor enquanto a terapia hormonal pode reduzi-las em até 90%. Os fitoestrógenos podem atuar na modulação hormonal, possivelmente, na síntese e no metabolismo dos estrogênios por meio da ligação com os receptores. Com isso, o enterodiol e a enterolactona podem ajudar na prevenção de certos tipos de câncer relacionados a hormônios, como de mama, endométrio e próstata, mediante sua interferência com o metabolismo das células sexuais. Seu papel na redução da glicemia, bem como da colesterolemia, parece estar relacionado com as propriedades fisiológicas de sua fração fibra.
Soja Nos últimos 30 anos, muitos trabalhos experimentais em animais e estudos em humanos têm demonstrado um efeito da suplementação ou consumo regular de proteína isolada de soja na redução do colesterol plasmático, particularmente evidente em indivíduos hipercolesterolêmicos como, por exemplo, em mulheres pós-menopausa. Em trabalhos com humanos, em geral, é avaliado o efeito da suplementação com isolado proteico de soja na proporção de 25 a 50 g/dia, por períodos de 2 a 8 semanas. Não foi observado, porém, nenhum efeito na quantidade de 15 g/dia de isolado proteico. Estudos com ratos e coelhos mostraram que a proteína de soja induz uma diminuição da relação insulina/glucagon pós-prandial, eleva a concentração de tiroxina plasmática e a atividade dos receptores de apo-B, contribuindo para o aumento da remoção da LDL. Descreve-se, também, em indivíduos que consomem proteína de soja, um aumento de 75% nos níveis de mRNA para receptores de apo-B e apo-E de células mononucleares. A soja contém, ainda, isoflavonas consideradas fitoestrogênios, que podem interagir com a produção, o metabolismo e a ação de hormônios sexuais, reduzindo também a concentração de estrogênios livres no plasma. O isolado proteico de soja pode ter diferentes concentrações de isoflavonas, podendo variar de 0,1 a 2 mg/g. Isoflavonas são subclasses de fenóis presentes em feijões e outras leguminosas. As isoflavonas mais conhecidas encontradas em produtos de soja são a genisteína e a daidzeína. Embora os fitoestrogênios sejam de 1.000 a 10.000 vezes menos estrogênicos do que o 17-beta-estradiol, sua concentração plasmática apresentou-se aumentada em homens japoneses que consumiam a dieta asiática tradicional e até 1.000 vezes maiores do que os níveis mais altos de estradiol de mulheres em pré-menopausa.
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Em ratos, quando se suplementa a dieta na proporção de 10 mcg/g de peso, a daidzeína é mais eficiente do que a genisteína, na mesma proporção, em prevenir a perda óssea induzida pela ressecção do ovário.
Alho O bulbo do alho contém de 0,04 a 0,37% de enxofre como dissulfeto de dialila, trissulfeto de dialila, sulfóxido de S-alil-L cisteína (aliina), além de outros compostos voláteis (como o linalol, o geraniol e o citral), enzimas, minerais, vitaminas, lipídios e cerca de 17% de proteínas. Com a trituração dos dentes de alho, obtém-se a alicina (S-óxido de dissulfeto de dialila) a partir de seu precursor biologicamente inativo, a aliina. A alicina e os outros compostos sulfurosos voláteis são responsáveis por suas propriedades como alimentos funcionais. O possível efeito anticarcinogênico do alho tem sido atribuido à S-alilmercaptocisteína, que inibe in vitro a proliferação e a progressão de células tumorais de cólon humano (SW-480 e HT-29), além de induzir a apoptose. Esse efeito é acompanhado por indução da atividade de quinases e aumento acentuado dos níveis endógenos de glutationa redutase. Sugere-se que a S-alilmercaptocisteína pode ser utilizada na prevenção de câncer de cólon, combinada ou não com agentes quimiopreventivos. Existem também relatos que evidenciam a atividade anticarcinogênica do alho, no câncer hepático em ratos e no câncer de próstata. O alho é considerado protetor contra as doenças cardiovasculares por reduzir a concentração de colesterol sérico e a pressão sanguínea, além de inibir a agregação plaquetária, em situação de hiperlipidemia. Tem-se sugerido que o consumo de extrato de alho por indivíduos normolipidêmicos possa ser benéfico na prevenção de doenças cardiovasculares, como resultado da redução da agregação plaquetária. Além disso, tem-se estudado o efeito do alho em situação de hipóxia. Foi demonstrado em animais de laboratório que o extrato de alho apresenta capacidade para modular a produção e a função de derivados endoteliais para fatores de relaxamento e constrição pulmonar, podendo contribuir e proteger contra os efeitos da hipóxia por vasoconstrição pulmonar, como ocorre em situação de asma brônquica. A avaliação da função antioxidante e hipolipidêmica tem sido estudada em pacientes com síndrome nefrótica, que é caracterizada por proteinúria, estresse oxidativo e hiperlipidemia endógena. Tanto o estresse oxidativo quanto a hiperlipidemia podem estar envolvidos em doença coronariana e na progressão de danos renais nesses pacientes. Assim, tem-se sugerido que o efeito hipolipidêmico do alho, bem como sua capacidade antioxidante, possa ser benéfico em vários estágios da doença. O efeito protetor do alho estaria associado com sua capacidade em prevenir a redução da Mn-superóxido-dismutase e da glutationa peroxidase, além da lipoperoxidação do córtex renal. Apesar de os resultados demonstrarem perspectivas positivas para essa área, os pesquisadores alertam para os possíveis riscos decorrentes do consumo abusivo e da falta de controle de qualidade desses produtos.
107 ALIMENTOS FUNCIONAIS
Gengibre O que se conhece como gengibre são os rizomas da espécie Zingiber officinale Roscoe. É usado na preparação de refrigerantes muito populares na Inglaterra e nos Estados Unidos, na culinária japonesa e em compotas e especiarias também consumidas em algumas regiões do Brasil. Contém o gingerol como princípio ativo e componentes voláteis aromatizantes, entre os quais o zingibereno e o geranial presentes em maiores quantidades. Vários efeitos têm sido descritos em experimentos in vitro realizados com diferentes extratos do rizoma fresco em animais de laboratório; entre eles, a forte inibição da agregação plaquetária induzida, que é resultado da inibição da atividade da tromboxana-sintetase. Testes farmacológicos mostram que o gingerol tem atividades antipirética, mutagênica para algumas linhagens de Salmonella em estudos in vitro, e analgésica, mas seu principal potencial é ser antiemético, ação já avaliada em seres humanos. Não há relatos de intoxicação grave no homem pela ingestão de rizomas de gengibre, e vale lembrar que, nas quantidades geralmente usadas em culinária, o gengibre não tem nenhuma atividade farmacológica.
Berinjela A berinjela (Solanum melongena) é bastante consumida no Brasil e em outros países, com diferentes tipos de culinária; segundo critérios da medicina popular, é dotada de virtudes hipocolesterolêmicas. No entanto, há poucos estudos sobre os efeitos do consumo da berinjela no metabolismo do colesterol, especialmente em humanos. Esses estudos foram feitos com infusões ou sucos do vegetal total ou sem as folhas, in natura ou desidratado (concentrações entre 2 e 60%) ou com os componentes isolados. Polifenóis, saponinas, esteroides e flavanoides presentes na berinjela são os possíveis responsáveis por essa ação hipocolesterolêmica. A saponina, em quantidade superior a 150 mg/kg/dieta, aumenta a excreção fecal de sais biliares, em homens e em animais, reduzindo o colesterol total sem alterar a fração lipoproteína de alta densidade (HDL). A administração oral de flavanoides obtidos da berinjela (1 mg/100 g de peso corporal/dia) tem mostrado significativa ação hipolipidêmica em ratos, além de uma possível ação antioxidante. Outros efeitos, ainda pouco estudados, referem-se a seu potencial anti-inflamatório e analgésico e à sua atividade antialérgica. No entanto, quase nada se sabe sobre os mecanismos dessas supostas ações terapêuticas. Considera-se que o consumo de berinjela não apresenta riscos para seres humanos, o que estimula a continuidade desses estudos. É importante lembrar que outros vegetais podem, por exemplo, causar distúrbios hepáticos quando administrados em grande quantidade, por causa da presença de fatores antinutricionais em sua composição. Os estudos assinalam possibilidades promissoras na área da saúde. Entretanto, eles devem ser baseados em conhecimento científico, pois a sabedoria popular pode levar tanto a bons resultados quanto a meras superstições.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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REFERÊNCIAS 1. 2.
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109 ALIMENTOS FUNCIONAIS
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CAPÍTULO
6
Avaliação nutricional
M A R I A AYA K O K A M I M U R A ALESSANDRA CALÁBRIA BAXMANN LÍLIAN BARBOSA RAMOS LILIAN CUPPARI
INTRODUÇÃO A avaliação do estado nutricional tem como objetivo identificar os distúrbios nutricionais, possibilitando uma intervenção adequada de forma a auxiliar na recuperação e/ou manutenção do estado de saúde do indivíduo. Os métodos indicados na Tabela 6.1 podem ser utilizados para avaliar o estado nutricional. TABELA 6.1 -³4/$/3$%!6!,)!£²/$/%34!$/.542)#)/.!,
-ÏTODOSOBJETIVOS
-ÏTODOSSUBJETIVOS
Antropometria
Exame físico
Composição corporal
Avaliação global subjetiva
Parâmetros bioquímicos Consumo alimentar
Uma vez que um parâmetro isolado não caracteriza a condição nutricional geral do indivíduo, é necessário empregar uma associação de vários indicadores para melhorar a precisão e a acurácia do diagnóstico nutricional.
111
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
112
ANTROPOMETRIA É a medida do tamanho corporal e de suas proporções, configurando-se como um dos indicadores diretos do estado nutricional. As medidas mais utilizadas na avaliação antropométrica são: o peso, a estatura, as pregas cutâneas (bicipital, tricipital, subescapular e suprailíaca) e as circunferências de braço, cintura, quadril e abdome.
Peso O peso é a soma de todos os componentes corporais e reflete o equilíbrio proteico-energético do indivíduo. Considerações sobre o peso corporal são feitas na Tabela 6.2. TABELA 6.2 #/.3)$%2!£À%33/"2%/0%3/#/20/2!,
0ESOATUAL 0ESOUSUAL 0ESOIDEAL OU DESEJÉVEL !DEQUA ÎO DOPESO
Peso AJUSTADOc Peso IDEALPARA AMPUTADOS %STIMATIVA DEPESO
6
-UDAN A DEPESO
a
Para a sua obtenção, em uma balança calibrada de plataforma ou eletrônica, o indivíduo deve posicionar-se em pé, no centro da base da balança, descalço e com roupas leves É utilizado como referência na avaliação das mudanças recentes de peso e em casos de impossibilidade de medir o peso atual O modo mais prático para o cálculo do peso ideal ou desejável é pela utilização do IMC: peso ideal ou desejável = IMC desejado × estatura (m)2 As interpretações do IMC para o adulto e o idoso encontram-se nas Tabelas 6.6 e 6.10, respectivamente A porcentagem de adequação do peso atual em relação ao ideal ou desejável é calculada a partir da fórmula: adequação do peso (%) = peso atual × 100 A Tabela 6.3 mostra a classificação do estado nutricional de acordo com a adequação do peso É o peso ideal corrigido para a determinação da necessidade energética e de nutrientes quando a adequação do peso for inferior a 95% ou superior a 115%. É obtida por meio da seguinte equação: peso ajustado = (peso ideal – peso atual) × 0,25 + peso atual Para corrigir o peso corporal ideal de amputados, deve-se subtrair o peso da extremidade amputada do peso ideal calculado. A Figura 6.1 fornece as porcentagens do peso correspondentes a cada segmento do corpo É possível estimar o peso por meio das seguintes equações de Chumlea (1985): Homem: [(0,98 × CP) + (1,16 × AJ) + (1,73 × CB) + (0,37 × PCSE) – 81,69] Mulher: [(1,27 × CP) + (0,87 × AJ) + (0,98 × CB) + (0,4 × PCSE) – 62,35] Em que: CP: circunferência da panturrilhab; AJ: altura do joelhoc; CB: circunferência do braçoc; PCSE: prega cutânea subescapularc A perda de peso involuntária é uma importante informação para avaliar a gravidade do problema de saúde, haja vista sua elevada correlação com a mortalidade A determinação da variação de peso é realizada pela fórmula: perda de peso (%) = (peso usual – peso atual) × 100 A porcentagem obtida proporciona a importância da redução de peso em relação ao tempo (Tabela 6.4)
Equação derivada para cálculo das necessidades nutricionais para pacientes com doença renal crônica.
b
A fita métrica inelástica deve ser posicionada horizontalmente em volta da panturrilha na circunferência máxima.
c
Técnicas descritas nos tópicos adiante.
IMC: índice de massa corporal.
113
!DEQUA ÎODOPESO
%STADONUTRICIONAL
≤ 70
Desnutrição grave
70,1 a 80
Desnutrição moderada
80,1 a 90
Desnutrição leve
90,1 a 110
Eutrofia
110,1 a 120
Sobrepeso
> 120
Obesidade
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
TABELA 6.3 #,!33)&)#!£²/$/%34!$/.542)#)/.!,$%!#/2$/#/-!!$%15!£²/$/0%3/
Fonte: Blackburn e Thornton, 1979.
FIGURA 6.1 Porcentagens do peso correspondentes a cada segmento do corpo. Fonte: Osterkamp, 1995.
TABELA 6.4 0%2$!$%0%3/%-2%,!£²/!/4%-0/
4EMPO
0ERDASIGNIFICATIVADEPESO
0ERDAGRAVEDEPESO
1 semana
1a2
>2
1 mês
5
>5
3 meses
7,5
> 7,5
6 meses
10
> 10
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Estatura É medida utilizando-se o estadiômetro ou o antropômetro. O indivíduo deve ficar em pé, descalço, com os calcanhares juntos, as costas retas e os braços estendidos ao lado do corpo. Alguns métodos alternativos para a estimativa de estatura em indivíduos impossibilitados de utilizar os métodos convencionais são apresentados na Tabela 6.5. TABELA 6.5 -³4/$/3!,4%2.!4)6/30!2!%34)-!2!%34!452!
!LTURADO JOELHO
%XTENSÎO DOSBRA OS %STATURA RECUMBENTE
O indivíduo deve estar em posição supina ou sentado o mais próximo possível da extremidade da cadeira, com o joelho esquerdo flexionado em ângulo de 90°. O comprimento entre o calcanhar e a superfície anterior da perna na altura do joelho pode ser medido utilizando uma régua de medir crianças ou com um calibrador específico. Este método é indicado principalmente para utilização em idosos e obtido, de acordo com o sexo, por meio das seguintes equações de Chumlea: Homens: [64,19 – (0,04 × idade) + (2,02 × altura do joelho em cm)] Mulheres: [84,88 – (0,24 × idade) + (1,83 × altura do joelho em cm)] Os braços devem ficar estendidos formando um ângulo de 90º com o corpo. Mede-se a distância entre os dedos médios das mãos utilizando-se uma fita métrica flexível. A medida obtida corresponde à estimativa de estatura do indivíduo O indivíduo deve estar em posição supina e com o leito horizontal completo. Marca-se o lençol na altura da extremidade da cabeça e da base do pé no lado direito do indivíduo com o auxílio de um triângulo e mede-se a distância entre as marcas utilizando uma fita métrica flexível
Índice de massa corporal
6
O índice de massa corporal (IMC) é o indicador simples de estado nutricional calculado a partir da seguinte fórmula: peso atual (kg)/estatura (m)2. Os critérios de diagnóstico nutricional recomendados para a população adulta estão na Tabela 6.6. Considerando-se que o IMC não distingue o peso associado ao músculo ou à gordura corporal, torna-se importante investigar a composição corporal, sobretudo quando os valores do IMC estiverem nos limites ou fora da normalidade (≤ 18,5 ou ≥ 24,9 kg/m2); além disso, é recomendável a interpretação dos pontos de corte de IMC em associação com outros fatores de risco. TABELA 6.6 #,!33)&)#!£²/$/%34!$/.542)#)/.!,$%!$5,4/3 3%'5.$//·.$)#%$%-!33!
#/20/2!,
)-#KGM2 < 16 16 a 16,9
#LASSIFICA ÎO Magreza grau III Magreza grau II
17 a 18,4 18,5 a 24,9 25 a 29,9 30 a 34,9 35 a 39,9 ≥ 40
Magreza grau I Eutrofia Pré-obeso Obesidade grau I Obesidade grau II Obesidade grau III
115 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
Circunferência do braço Esta medida representa a soma das áreas constituídas pelos tecidos ósseo, muscular e gorduroso do braço. Para a sua obtenção, o braço a ser avaliado deve estar flexionado em direção ao tórax, formando um ângulo de 90°. Localiza-se e marca-se o ponto médio entre o acrômio e o olécrano. Solicita-se ao indivíduo que fique com o braço estendido ao longo do corpo com a palma da mão voltada para a coxa. Contorna-se o braço com a fita flexível no ponto marcado de forma ajustada evitando compressão ou folga da pele (Figura 6.2). O resultado obtido é comparado aos valores de referência do NHANES I (National Health and Nutrition Examination Survey) demonstrados em tabela de percentis por Frisancho no Apêndice 6.1, e a interpretação pode ser realizada com o auxílio da Tabela 6.7.
FIGURA 6.2 Circunferência do braço.
TABELA 6.7 '5)!0!2!).4%202%4!£²/$/30!2®-%42/3$/"2!£/
0ERCENTIL
4ECIDOADIPOSO
4ECIDOMUSCULAR
27
Excesso de peso
Fonte: American Academy of Family Physician, 1997; Nutrition Screening Iniciative, 1994.
s
s
em razão dos problemas posturais (achatamento das vértebras, redução dos discos intervertebrais, cifose dorsal, escoliose, arqueamento dos membros inferiores e/ou achatamento do arco plantar) que, em geral, ocorrem com o avançar da idade, recomenda-se estimar a estatura para a determinação do IMC. Referida estimativa pode ser obtida pela medida da altura do joelho já descrita; quanto aos indicadores de distribuição da gordura corporal, por falta de estudos, sugerem-se os mesmos pontos de corte adotados para o adulto na avaliação da cintura e da RCQ.
COMPOSIÇÃO CORPORAL
6
A massa tecidual humana pode ser quimicamente separada em dois grupos: massa gorda (gordura corporal) e massa magra (massa livre de gordura). Extraindo a gordura corporal do peso total do indivíduo, obtém-se a massa magra, que, por sua vez, é constituída por proteínas, água intra e extracelular e conteúdo mineral ósseo (Figura 6.10). A avaliação da composição corporal permite diagnosticar possíveis anormalidades nutricionais, proporcionando maior eficiência nas intervenções nutricionais. O acompanhamento longitudinal dos compartimentos corporais, de massa magra e gordura corporal possibilita compreender suas modificações resultantes de várias alterações metabólicas, além de identificar precocemente os riscos à saúde associados a níveis excessivamente altos ou baixos de gordura corporal total e a perda de massa muscular. Os valores de referência de gordura corporal associados ao desenvolvimento de riscos nutricionais estão apresentados na Tabela 6.11.
123
Massa celular
Componentes viscerais Massa magra
Água intracelular
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
Proteínas somáticas
Água corporal total
Água extracelular Componente ósseo Gordura FIGURA 6.10 Principais componentes do peso corporal.
TABELA 6.11 6!,/2%3$%2%&%2´.#)!0!2!0/2#%.45!)3$%'/2$52!#/20/2!,
'ORDURACORPORAL (OMENS
-ULHERES
Risco de doenças e distúrbios associados à desnutrição
≤5
≤8
Abaixo da média
6 a 14
9 a 22
Média
15
23
Acima da média
16 a 24
24 a 31
Risco de doenças associadas à obesidade
≥ 25
≥ 32
Fonte: Lohman et al., 1991.
Existem vários métodos de referência para a aferição dos compartimentos corporais, como a hidrodensitometria, tomografia computadorizada, ressonância magnética, densitometria por duplo fóton, contagem total de potássio, análise de ativação de nêutrons e diluição de isótopos. No entanto, eles apresentam custo elevado, requerem alta tecnologia, local apropriado, avaliadores especializados, além do fato de algumas técnicas serem invasivas. Por todos esses fatores, tais métodos tornam-se limitados para aplicação na prática clínica e em estudos populacionais. Os métodos indiretos de avaliação da composição corporal abordados a seguir apresentam baixo custo operacional, não são invasivos e são de fácil utilização na rotina clínica, em protocolos de pesquisa e estudos de campo.
Pregas cutâneas Nessa técnica, a composição corporal é estimada utilizando-se a somatória de quatro pregas cutâneas: bicipital, tricipital, subescapular e suprailíaca, segundo a equação de Durnin e Womersley (1974):
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
124
Densidade corporal (DC) = (A – B) × log Σ 4 pregas Em que A e B são coeficientes elaborados de acordo com a idade e o sexo para o cálculo da DC (Apêndice 6.7). A partir do valor de DC, a porcentagem de gordura corporal total é determinada utilizando a fórmula de Siri (1961): Gordura corporal (%) = 4,95 – 4,5 × 100 DC Outra boa alternativa seria a utilização da tabela com os valores equivalentes de gordura em porcentagem, de acordo com a faixa etária e o sexo, para determinada medida da soma das quatro pregas (Apêndice 6.8). Os valores de referência de gordura corporal para homens é de até 25%, e para mulheres, de até 30% do peso corporal. A massa magra é obtida subtraindo-se a gordura corporal do peso total do indivíduo.
Bioimpedância elétrica
6
Esse método baseia-se no princípio da condutividade elétrica para a estimativa dos compartimentos corporais. Os tecidos magros são altamente condutores de corrente elétrica pela grande quantidade de água e eletrólitos; contudo, a gordura e o osso são pobres condutores. A avaliação é realizada com o paciente deitado com as pernas afastadas e os braços em paralelo afastados do tronco. Os eletrodos pletismográficos são colocados em locais específicos da mão e do pé do lado dominante (Figura 6.11). Por meio dos eletrodos distais, é introduzida uma corrente imperceptível que é captada pelos eletrodos proximais. Assim, os valores de resistência e reatância obtidos são utilizados para o cálculo dos porcentuais de água corporal, massa magra e gordura corporal por meio do software fornecido pelo fabricante. Existem ainda disponíveis aparelhos de bioimpedância portáteis que imprimem de imediato os valores da composição corporal. Bioimpedância elétrica é um método de avaliação da composição corporal altamente aceito pela comunidade científica, inclusive na identificação do estado de hidratação dos indivíduos. No entanto, os resultados podem ser afetados por fatores como alimentação, ingestão de líquidos, desidratação ou retenção hídrica, utilização de diuréticos e ciclo menstrual.
Força de preensão manual A força de preensão manual (FPM) tem se mostrado cada vez mais útil, não somente como marcador de força corporal total e aptidão física, mas também como marcador de massa muscular. Sua associação à morbidade e à mortalidade vem sendo cada vez mais evidenciada em diversas condições clínicas. A FPM é obtida a partir da medida da contração isomérica dos músculos da mão por meio de um dinamômetro (Figura 6.12) que possui escala de 0 a 100 kg e resolução de 1 kg. A partir de um comando verbal do avaliador, deve ser aplicado o máximo da força, sendo adotado o maior valor de três repetições.
125 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
FIGURA 6.11 Eletrodos pletismográficos da bioimpedância elétrica.
FIGURA 6.12 Dinamômetros.
PARÂMETROS BIOQUÍMICOS O interesse pelos marcadores bioquímicos como auxiliares na avaliação do estado nutricional surge na medida em que se evidenciam alterações bioquímicas precocemente, anteriores às lesões celulares e/ou orgânicas. No entanto, alguns fatores e condições podem limitar o uso desses indicadores na avaliação do estado nutricional, como utilização de algumas drogas, condições ambientais, estado fisiológico, estresse, lesão e inflamação. Assim, embora os parâmetros de avaliação laboratorial sejam muito importantes para auxiliar na identificação precoce de alterações nutricionais, eles não devem, de modo algum, ser utilizados isoladamente para estabelecer um diagnóstico nutricional.
Proteínas plasmáticas A diminuição da concentração sérica das proteínas de prevalente síntese hepática pode ser um bom índice de desnutrição proteico-energética. A queda na concentração dessas proteínas indica diminuição da biossíntese hepática em virtude do limitado suprimento de substrato energético e proteico, comumente associado à desnutrição. Entretanto, é
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
126
importante entender que numerosos fatores, além dos nutricionais, podem modificar a concentração das proteínas séricas, entre elas, variações do estado de hidratação, hepatopatias, aumento no catabolismo, infecção ou inflamação, etc. As principais proteínas utilizadas para avaliação nutricional estão descritas na Tabela 6.12.
ÍNDICE CREATININA-ALTURA A perda de volume muscular é uma característica importante da desnutrição proteico-energética, e sua estimativa é valiosa na determinação do estado nutricional. A dosagem da creatinina urinária de 24 horas correlaciona-se com o músculo esquelético, e é utilizada como parâmetro para identificar as condições da massa muscular do organismo. O índice creatinina-altura (ICA) é calculado pela seguinte equação: ICA (%) =
Creatinina urinária do indivíduo nas 24 horas (mg) × 100 Creatinina urinária ideal (mg)
Os valores de creatinina ideal de acordo com sexo, estatura e idade estão apresentados nos Apêndices 6.9 e 6.10. Um ICA de 60 a 80% é indicativo de depleção moderada da massa muscular, enquanto valores menores de 60% apontam depleção grave.
Limitações Não deve ser utilizado na insuficiência renal e na fase aguda pós-traumática, além de ser influenciado por atividade física intensa e ingestão de carnes da dieta.
Considerações É fundamental que haja precisão na coleta da urina de 24 horas, uma vez que uma coleta com erro de apenas 15 minutos nas 24 horas pode acarretar um erro de 1% no valor final.
AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA IMUNOLÓGICA
6
A relação entre estado nutricional e imunidade é evidente e confirmada por vários estudos. A depressão da imunidade celular e humoral é um fato observado à medida que a desnutrição progride. Sabe-se que uma alimentação inadequada provoca a diminuição do substrato para a produção de imunoglobulinas e células de defesa, que apresentam sua síntese diminuída proporcionalmente à condição nutricional, podendo o indivíduo tornar-se anérgico. Com isso, a avaliação da resposta imunológica auxilia muito na identificação de alterações nutricionais. Os testes imunológicos mais frequentemente utilizados na avaliação do estado nutricional são a contagem dos linfócitos totais e os testes de hipersensibilidade cutânea retardada em resposta a vários antígenos. Pelo fato de a linfocitopenia e a anergia estarem associadas a um aumento do risco de infecções e de outras complicações, esses testes são também utilizados como parte de índices prognósticos.
3ÓNTESE
Hepatócito
Hepatócito
0ROTEÓNA SÏRICA
Albumina
Transferrina
6IDAMÏDIA 18 a 20 dias
7 a 8 dias
6ALORESDE referência
Normal: > 3,5 g/dL Depleção leve: 3 a 3,5 g/dL Depleção moderada: 2,4 a 2,9 g/dL Depleção grave: < 2,4 g/dL
Depleção leve: 151 a 200 mg/dL Depleção moderada: 100 a 150 mg/dL Depleção grave: < 100 mg/dL
Transportar ferro do plasma
Manter a pressão coloidosmótica do plasma; carrear pequenas moléculas
&UN ÎO
Está aumentada na carência de ferro, na gravidez, nas hepatites agudas e nos sangramentos crônicos. Está reduzida em várias anemias, doenças hepáticas crônicas, neoplasias, sobrecarga de ferro e, por ser uma proteína de fase aguda negativa, na presença de inflamação e infecção
Está reduzida nas doenças hepáticas e, por ser uma proteína de fase aguda negativa, na presença de inflamação e infecção
,IMITA ÎODOUSO
O intervalo para repetir a dosagem pode ser semanal
(continua)
Apesar de muito utilizada na prática clínica, a vida média longa a torna um índice pouco sensível às rápidas variações do estado nutricional. O intervalo para repetir a dosagem deve ser no mínimo de 20 dias
#OMENTÉRIOS
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
TABELA 6.12 02).#)0!)302/4%·.!33³2)#!354),):!$!3.!!6!,)!£²/.542)#)/.!,
127
6
6
Hepatócito
Hepatócito
Pré-albumina
Proteína transportadora de retinol
Normal: 3 a 5 mg/dL
Normal: >15 a 35 mg/dL Depleção leve: 11 a 15 mg/dL Depleção moderada: 5 a 10 mg/dL Depleção grave: < 5 mg/dL
6ALORESDE referência
10 a 12 horas
2 a 3 dias
6IDAMÏDIA
Transportar a vitamina A na forma retinol. Está ligada em quantidade equimolar à pré-albumina
Transportar hormônios da tireoide, mas geralmente é saturada com a proteína carreadora do retinol e com a vitamina A
&UN ÎO
Está elevada na insuficiência renal. Está reduzida nas doenças hepáticas, na carência de vitamina A e de zinco, e, por ser uma proteína de fase aguda negativa, na presença de inflamação e infecção
Está elevada na insuficiência renal. Está reduzida nas doenças hepáticas e, por ser uma proteína de fase aguda negativa, na presença de inflamação e infecção. É influenciada também pela disponibilidade da tiroxina, para a qual funciona como proteína de transporte
,IMITA ÎODOUSO
Fonte: adaptada de Bottoni et al., 2001.
Os valores de normalidade dos parâmetros bioquímicos podem sofrer variações de acordo com o método de dosagem utilizado.
3ÓNTESE
0ROTEÓNA SÏRICA
TABELA 6.12 02).#)0!)302/4%·.!33³2)#!354),):!$!3.!!6!,)!£²/.542)#)/.!,#/.4
A vida média curta a torna um índice muito sensível para a identificação da restrição proteica ou energética
A vida média curta a torna um índice bastante sensível para a identificação da restrição proteica ou energética
#OMENTÉRIOS
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
128
129
CTL = % linfócitos × leucócitos 100
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
Contagem total de linfócitos (CTL) ou linfocitometria A contagem total de linfócitos (CTL) mede as reservas imunológicas momentâneas, indicando as condições do mecanismo de defesa celular do organismo. Pode ser calculada a partir do leucograma, utilizando-se o percentual de linfócitos e a contagem total de leucócitos:
O resultado pode ser interpretado da seguinte forma: s s s
depleção leve: 1.200 a 2.000/mm3; depleção moderada: 800 a 1.199/mm3; depleção grave: < 800/mm3.
Testes cutâneos Os testes cutâneos permitem avaliar a imunidade celular por meio da hipersensibilidade cutânea tardia a antígenos específicos. Os antígenos comumente utilizados são: candidina, tricofitina, estreptoquinase, varidase e tuberculina. A administração dessas substâncias é intradérmica e, após 24 a 72 horas, avalia-se o diâmetro da induração formada. Os resultados podem ser interpretados da seguinte forma: s s
depleção moderada: 5 a 10 mm de induração; depleção grave: < 5 mm de induração.
Baterias de testes podem ser realizadas com antígenos diferentes, desde que em momentos distintos. Considera-se reativo o indivíduo que apresenta duas ou mais respostas positivas; relativamente anérgico o que apresenta uma resposta positiva; e anérgico o que não apresenta resposta positiva.
Limitações Linfocitometria e testes cutâneos podem sofrer influência de fatores não nutricionais como infecções, doenças (cirrose, hepatite, queimaduras, etc.) e medicações.
MONITORAÇÃO DA TERAPIA NUTRICIONAL Balanço nitrogenado Realizado o diagnóstico nutricional, a conduta instituída precisa ser periodicamente avaliada. A excreção urinária de nitrogênio sob a forma de nitrogênio ureico é medida para avaliar a adequação da reposição proteica em indivíduos que estão recebendo terapia nutricional. Quando o nitrogênio diário total excretado na urina como ureia e amônia, junto com as perdas menores de nitrogênio nas fezes e na pele (em torno de 4 g), é igual ao nitrogênio liberado durante o metabolismo das proteínas exógenas e endógenas, considera-se que o indivíduo está em balanço neutro. Quando a ingestão de nitrogênio é maior
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
130
que a excreção, considera-se que o indivíduo está em balanço positivo, ou seja, o anabolismo de proteínas é maior do que o catabolismo. Observa-se tal situação nos períodos de crescimento, na gestação e quando estão sendo formados tecidos novos, como ocorre após lesões, cirurgias ou desnutrição prolongada. Quando a excreção de nitrogênio é maior que o consumo, considera-se que o indivíduo está em balanço negativo, ou seja, o catabolismo de proteínas é maior do que o anabolismo. Essa situação ocorre quando a ingestão de proteína ou energia da dieta é insuficiente para atender às necessidades do indivíduo. O balanço nitrogenado é calculado por meio da seguinte equação: Ingestão proteica 24 horas (g) ÷ 6,25 – nitrogênio ureico urinário 24 horas (g) + 4 g
Considerações O balanço nitrogenado não deve ser utilizado em pacientes com doenças renais ou que apresentem perdas anormais de nitrogênio decorrentes da presença de diarreia, fístulas gastrintestinais, etc.
CONSUMO ALIMENTAR Vários métodos podem ser utilizados para avaliar o consumo alimentar dos indivíduos. Sua validade e reprodutibilidade dependem muito da habilidade do investigador e da cooperação do investigado. Não existe um método de avaliação dietética ideal. Na realidade, os fatores que determinam qual o melhor método a ser utilizado nas diferentes situações são a população-alvo (idosos, adolescentes, crianças, gestantes, etc.) e o propósito da investigação, ou seja, o tipo de informação dietética que se quer obter (nutrientes, alimentos, grupos de alimentos, padrões dietéticos, etc.). Os métodos de avaliação dietética podem ser divididos em dois grupos: retrospectivos ou prospectivos. Os primeiros incluem o recordatório de 24 horas, a frequência alimentar, a frequência alimentar semiquantitativa e a história dietética. Já os principais métodos prospectivos são o registro alimentar estimado e o pesado.
6
Métodos retrospectivos Recordatório de 24 horas O investigador propõe ao indivíduo recordar e descrever todos os alimentos e bebidas ingeridos no período prévio de 24 horas. As quantidades dos alimentos consumidos são usualmente estimadas em medidas caseiras. Modelos de alimentos podem ser utilizados para auxiliar na estimativa das porções (Tabela 6.13).
131
6ANTAGENS
$ESVANTAGENS
Fácil e rápido de ser administrado
Depende da memória
Baixo custo
Requer treinamento do investigador para evitar indução
Quando realizado em série, fornece estimativas da ingestão usual do indivíduo
A ingestão prévia das últimas 24 horas pode ser atípica
Não altera a dieta usual
Bebidas e lanches tendem a ser omitidos
Pode ser utilizado em grupos de baixo nível de escolaridade
Não fornece dados quantitativos precisos sobre a ingestão de nutrientes
Pode ser usado para estimar o valor energético total da dieta e a ingestão de macronutrientes
Não reflete as diferenças entre a ingestão de dias de semana e o final de semana
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
TABELA 6.13 6!.4!'%.3%$%36!.4!'%.3$/2%#/2$!4¼2)/$%(/2!3
Pode ocorrer sub ou superestimação
Cuidados na coleta de informações (Tabela 6.14) s s s s s s s
Evitar questionar sobre alimentos específicos; evitar qualquer sinal de surpresa, aprovação ou desaprovação do padrão alimentar do indivíduo; insistir nos detalhes sem induzir principalmente na forma como os alimentos são preparados; não esquecer de questionar sobre bebida alcoólica, bala, pipoca, sorvete, café, suplementos vitamínicos e consumo de alimentos à noite; verificar se o consumo daquele dia não foi atípico; não comunicar com antecedência o dia do inquérito; persistência do entrevistador. Este deve ser submetido a treinamento padronizado. TABELA 6.14 02).#)0!)3&/.4%3$%%22/$/3-³4/$/3$%!6!,)!£²/$/#/.35-/!,)-%.4!2
%NTREVISTADO Incompreensão quanto ao que está sendo questionado
6
Sub ou superestimação do consumo Erro na estimativa do tamanho da porção Omissão do uso de suplementos Falha de memória %NTREVISTADOR Registro incorreto das respostas Omissão intencional Descrição incompleta de alimentos Ambiente da entrevista (distrações) Empatia pelo indivíduo entrevistado Erro na conversão em gramas da medida caseira (continua)
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
132 TABELA 6.14 02).#)0!)3&/.4%3$%%22/$/3-³4/$/3$%!6!,)!£²/$/#/.35-/!,)-%.4!2
#/.4
4ABELASEsoftwaresDECOMPOSI ÎODEALIMENTOS As principais fontes de dados disponíveis na literatura nacional são desatualizadas, pouco confiáveis e incompletas em termos de nutrientes (sobretudo de micronutrientes) As fontes de dados internacionais, provavelmente, não são verdadeiras para o teor de nutrientes consumidos no Brasil em razão da variabilidade resultante de fatores ambientais, do preparo e do processamento dos alimentos
Questionário de frequência alimentar O indivíduo registra ou descreve sua ingestão usual com base em uma lista de diferentes alimentos e em sua frequência de consumo por dia, semana, mês ou ano. O número e o tipo de alimentos presentes na lista variam de acordo com o propósito da avaliação. O questionário de frequência alimentar fornece informações qualitativas sobre o consumo alimentar, não fornecendo dados quantitativos da ingestão de alimentos ou nutrientes (Tabela 6.15). Quando as porções dos alimentos consumidos são estimadas com o uso de medidas caseiras, o método é chamado de questionário de frequência alimentar semiquantitativo. TABELA 6.15 6!.4!'%.3 % $%36!.4!'%.3 $/ 15%34)/.2)/ $% &2%15´.#)! !,)-%.4!2
15!,)4!4)6!
6ANTAGENS
$ESVANTAGENS
Pode ser autoadministrado ou utilizado por outros profissionais
Não fornece informações sobre a quantidade consumida
Baixo custo
Não é possível saber sobre a hora ou circunstância em que o alimento foi consumido
Rápido Pode descrever padrões de ingestão alimentar
6
Gera resultados padronizados
Listas compiladas para a população geral podem não ser úteis para grupos com diferentes padrões alimentares
Pode ser utilizado para estudar a associação de alimentos ou nutrientes específicos com alguma doença
Pode haver subestimação, visto que pode ocorrer de nem todos os alimentos consumidos pelo indivíduo constarem na lista A análise fica difícil sem o uso de computadores e programas especiais
133
O indivíduo é extensivamente entrevistado para fornecer informações detalhadas sobre seu hábito alimentar. A história dietética em geral inclui informações similares às coletadas pelo recordatório de 24 horas e o questionário de frequência alimentar, além de outras informações como tratamento dietético anterior, preferências, intolerâncias ou aversões alimentares, apetite, número de refeições diárias, local e horário das refeições, frequência da prática de atividade física, etc. (Tabela 6.16).
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
História dietética
TABELA 6.16 6!.4!'%.3%$%36!.4!'%.3$!()34¼2)!$)%4³4)#!
6ANTAGENS
$ESVANTAGENS
Leva em consideração modificações sazonais
Requer um nutricionista altamente treinado
Fornece uma completa e detalhada descrição qualitativa e quantitativa da ingestão alimentar
Depende da memória Exige tempo
Minimiza as variações que ocorrem dia a dia Fornece uma boa descrição da ingestão usual
Métodos prospectivos Registro alimentar estimado O indivíduo registra, no momento de consumo, todos os alimentos e todas as bebidas ingeridos em um período que varia de um dia a uma semana. Costuma-se utilizar o registro de três dias, incluindo um dia de final de semana. As quantidades ingeridas são estimadas em medidas caseiras pelo indivíduo e depois convertidas em gramas.
Registro alimentar pesado Nesse método, todos os alimentos devem ser pesados em balança apropriada antes de serem consumidos, da mesma maneira que as sobras devem ser pesadas e registradas. Apesar de bastante preciso, é pouco utilizado, pois requer treinamento, esforço e muita vontade de colaboração do indivíduo avaliado.
EXAME FÍSICO O exame físico é um método clínico utilizado para detectar sinais e sintomas associados à desnutrição. Esses sinais e sintomas apenas se desenvolvem em estágios avançados da depleção nutricional. Por essa razão, o diagnóstico da deficiência nutricional não deve basear-se exclusivamente neste método. Além disso, algumas enfermidades apresentam sinais e sintomas semelhantes aos apresentados na desnutrição, sendo importante conhecer a história clínica do paciente para evitar um diagnóstico nutricional incorreto. Os múltiplos sinais físicos de desnutrição e suas interpretações estão listados na Tabela 6.17, de acordo com diferentes locais anatômicos e sistemas orgânicos.
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
134 TABELA 6.17 3).!)3&·3)#/3).$)#!4)6/3$%$%3.542)£²/%.%2'³4)#/ 02/4%)#!%#!2´.#)!3
%30%#·&)#!3$%.542)%.4%3
,OCAL
3INAISASSOCIADOSÌDESNUTRI ÎO
0OSSÓVELDEFICIÐNCIAOUDOEN A
Cabelo
Perda do brilho natural, seco; fino e esparso; despigmentado; sinal de bandeira; fácil de arrancar sem dor
Kwashiorkor e, menos comum, marasmo
Olhos
Cegueira noturna Manchas de Bitot, xerose conjuntival e de córnea Ceratomalácia Inflamação conjuntival Vermelhidão e fissuras nos epicantos Defeito no campo da retina Estomatite angular, queilose Língua inflamada
Vitamina A, zinco Vitamina A
Boca
Glândulas Pele
6 Unhas Tecido subcutâneo Tórax Sistema gastrintestinal
Língua magenta (púrpura) Fissura na língua Atrofia das papilas Redução da sensibilidade ao sabor Hemorragia gengival Perda do esmalte do dente Aumento da tireoide Aumento da paratireoide Xerose, hiperqueratose folicular Petéquias (pequenas hemorragias) Hiperpigmentação Palidez Seborreia nasolabial Dermatose vulvar e escrotal Dermatose cosmética descamativa Pelagra Machuca-se facilmente Quebradiças, rugosas; coiloníquia Edema Gordura abaixo do normal Fraqueza do músculo respiratório Hepatoesplenomegalia
Riboflavina, vitamina A Riboflavina, piridoxina Vitamina E Riboflavina, piridoxina, niacina Ácido nicotínico, ácido fólico, riboflavina, vitamina B12, piridoxina e ferro Riboflavina Niacina Riboflavina, niacina, ferro Zinco Vitamina C, riboflavina Flúor, zinco Iodo Inanição Vitamina A Vitamina C Niacina Ferro, vitamina B12, folato Riboflavina, ácidos graxos essenciais Riboflavina Kwashiorkor Ácido nicotínico Vitamina K ou C Ferro Kwashiorkor Inanição, marasmo Proteína, fósforo Kwashiorkor (continua)
135
%30%#·&)#!3$%.542)%.4%3#/.4
,OCAL Sistema musculoesquelético
Sistema nervoso
Sistema nervoso Sistema cardiovascular
3INAISASSOCIADOSÌDESNUTRI ÎO Desgaste muscular Ossos do crânio frágeis, fossa frontoparietal Alargamento epifisário, persistência da abertura da fontanela anterior e perna em X Rosário raquítico Frouxidão das panturrilhas Alteração psicomotora Perda do senso vibratório e de posição e da capacidade de contração do punho, fraqueza motora, parestesia Demência Neuropatia periférica Tetania Desorientação aguda Aumento do coração, taquicardia
0OSSÓVELDEFICIÐNCIAOUDOEN A Inanição, marasmo Kwashiorkor Vitamina D
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
TABELA 6.17 3).!)3&·3)#/3).$)#!4)6/3$%$%3.542)£²/%.%2'³4)#/ 02/4%)#!%#!2´.#)!3
Vitamina D ou C Tiamina Kwashiorkor Tiamina, vitamina B12
Niacina, vitamina B12, tiamina Tiamina, piridoxina, vitamina E Cálcio, magnésio Fósforo, niacina Tiamina
Fonte: adaptada de Jellife, 1966; McLaren, 1976; Halated, 1944.
AVALIAÇÃO GLOBAL SUBJETIVA Inicialmente desenvolvida para avaliar o estado nutricional de pacientes hospitalizados no pós-operatório, a avaliação global subjetiva vem sendo largamente utilizada em diversas condições clínicas. Baseia-se na história clínica e no exame físico do indivíduo. A história clínica consiste em abordar aspectos como a redução de peso nos últimos seis meses, alterações na ingestão dietética, presença de sintomas gastrintestinais (náuseas, vômitos, diarreia e anorexia) e capacidade funcional relacionada ao estado nutricional. Assim, cada item é classificado em A, B ou C, conforme a gravidade. O exame físico inclui aspectos como a perda de gordura subcutânea (na região abaixo dos olhos, no tríceps e no bíceps), a perda muscular (têmporas, ombros, clavícula, escápula, costelas, músculos interósseos do dorso da mão, joelho, panturrilha e quadríceps), a presença de edema resultante da desnutrição e ascite, os quais serão definidos como normal, leve, moderado ou severo. Por meio da combinação desses parâmetros subjetivos de avaliação nutricional, os pacientes são classificados em: bem nutrido, desnutrido leve/moderado ou desnutrido grave. A Tabela 6.18 fornece os detalhes para a realização do exame físico. O formulário para a aplicação desse método encontra-se no Apêndice 6.11.
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
136 TABELA 6.18 %8!-%&·3)#/$!!6!,)!£²/',/"!,35"*%4)6!$/%34!$/.542)#)/.!,
Dicas
$ESNUTRI ÎO GRAVE
$ESNUTRI ÎO LEVEMODERADA
"EMNUTRIDO
Abaixo dos olhos
–
Círculos escuros, depressão, pele solta flácida, “olhos fundos”
–
Depósito de gordura visível
Regiões do tríceps e do bíceps
Cuidado para não prender o músculo ao pinçar o local; movimentar a pele entre os dedos
Pouco espaço de gordura entre os dedos ou os dedos praticamente se tocam
–
Tecido adiposo abundante
Têmporas
Observar de frente; olhar dos dois lados
Depressão
Depressão leve
É possível observar o músculo bem definido
Clavícula
Observar se o osso está proeminente
Osso protuberante
Osso levemente proeminente
Em homens, não está visível; em mulheres, pode estar visível, mas não proeminente
Ombros
O paciente deve posicionar os braços ao lado do corpo; procurar por ossos proeminentes
Ombro em forma quadrada (formando um ângulo reto), com ossos proeminentes
Acrômio levemente protuberante
Formato arredondado na curva da junção do ombro com o pescoço e do ombro com o braço
Escápula
Procurar por ossos proeminentes; o paciente deve estar com o braço esticado para a frente e a mão encostada em uma superfície sólida
Ossos proeminentes, visíveis; depressão entre escápula, costelas, ombro e coluna vertebral
Depressões leves ou ossos levemente proeminentes
Ossos não proeminentes, sem depressões significativas
'ORDURA SUBCUTÊNEA
-ASSAMUSCULAR
6
(continua)
137
Dicas
$ESNUTRI ÎO GRAVE
$ESNUTRI ÎO LEVEMODERADA
"EMNUTRIDO
Músculo interósseo
Observar no dorso da mão o músculo entre o polegar e o indicador quando esses dedos estão unidos
Área entre o dedo indicador e o polegar achatada ou com depressão
Com pequena depressão ou levemente achatado
Músculo proeminente, pode estar levemente achatado (sobretudo nas mulheres)
Joelho (a parte inferior do corpo é menos sensível às alterações nutricionais)
O paciente deve estar sentado com os pés apoiados em uma superfície sólida
Ossos proeminentes
–
Músculos proeminentes, ossos não protuberantes
Quadríceps
Pinçar e sentir o volume do músculo
Parte interna da coxa com depressão
Parte interna da coxa com leve depressão
Sem depressão
Em pacientes com mobilidade, observar o tornozelo; naqueles com atividade muito leve, observar o sacro
Edema aparente significativo
Edema leve a moderado
Sem sinais de retenção de líquidos
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
TABELA 6.18 %8!-%&·3)#/$!!6!,)!£²/',/"!,35"*%4)6!$/%34!$/.542)#)/.!,#/.4
%DEMAASCITE Tentar identificar outras causas não relacionadas com a desnutrição
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139
0%2#%.4)3$!#)2#5.&%2´.#)!$/"2!£/%-#- )DADE ANOS
5
15
25
0ERCENTIL Homens
75
85
1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9 50,0-54,9 55,0-59,9 60,0-64,9 65,0-69,9 70,0-74,9
14,2 14,3 15,0 15,1 15,5 15,8 16,1 16,5 17,5 18,1 18,5 19,3 20,0 21,6 22,5 24,1 24,3 26,0 27,0 27,7 27,4 27,8 27,2 27,1 26,8 26,6 25,4 25,1
14,7 14,8 15,3 15,5 16,0 16,1 16,8 17,2 18,0 18,6 19,3 20,1 20,8 22,5 23,4 25,0 25,1 27,1 28,0 28,7 28,6 28,9 28,6 28,3 28,1 27,8 26,7 26,2
14,9 15,1 15,5 15,8 16,1 16,5 17,0 17,5 18,4 19,1 19,8 20,7 21,6 23,2 24,0 25,7 25,9 27,7 28,7 29,3 29,5 29,7 29,4 29,1 29,2 28,6 27,7 27,1
15,2 15,5 16,0 16,2 16,6 17,0 17,6 18,1 19,0 19,7 20,6 21,5 22,5 23,8 25,1 26,7 26,8 28,7 29,8 30,5 30,7 31,0 30,6 30,2 30,4 29,7 29,0 28,5
16,0 16,3 16,8 17,1 17,5 18,0 18,7 19,2 20,1 21,1 22,1 23,1 24,5 25,7 27,2 28,3 28,6 30,7 31,8 32,5 32,9 32,8 32,6 32,3 32,3 32,0 31,1 30,7
16,9 17,1 17,6 18,0 18,5 19,1 20,0 20,5 21,8 23,1 24,5 25,4 26,6 28,1 29,0 30,6 30,8 33,0 34,2 34,9 35,1 34,9 34,9 34,5 34,3 34,0 33,2 32,6
17,4 17,6 18,1 18,5 19,1 19,8 21,0 21,6 23,2 24,8 26,1 27,1 28,2 29,1 30,3 32,1 32,2 34,4 35,5 35,9 36,2 36,1 36,1 35,8 35,5 35,1 34,5 33,7
17,7 17,9 18,4 18,7 19,5 20,7 21,8 22,6 24,5 26,0 27,6 28,5 29,0 30,0 31,2 32,7 33,3 35,4 36,6 36,7 36,9 36,9 36,9 36,8 36,6 36,0 35,3 34,8
18,2 18,6 19,0 19,3 20,5 22,8 22,9 24,0 26,0 27,9 29,4 30,3 30,8 32,3 32,7 34,7 34,7 37,2 38,3 38,2 38,2 38,1 38,2 38,3 37,8 37,5 36,6 36,0
1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9 50,0-54,9 55,0-59,9 60,0-64,9 65,0-69,9 70,0-74,9
13,6 14,2 14,4 14,8 15,2 15,7 16,4 16,7 17,6 17,8 18,8 19,2 20,1 21,2 21,6 22,3 22,0 22,4 23,1 23,8 24,1 24,3 24,2 24,8 24,8 25,0 24,3 23,8
14,1 14,6 15,0 15,3 15,7 16,2 16,7 17,2 18,1 18,4 19,6 20,0 21,0 21,8 22,2 23,2 23,1 23,3 24,0 24,7 25,2 25,4 25,5 26,0 26,1 26,1 25,7 25,3
14,4 15,0 15,2 15,7 16,1 16,5 17,0 17,6 18,6 18,9 20,0 20,5 21,5 22,5 22,9 23,5 23,6 24,0 24,5 25,4 25,8 26,2 26,3 26,8 27,0 27,1 26,7 26,3
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AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
APÊNDICE 6.1
Mulheres
Fonte: Frisancho, 1990.
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6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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APÊNDICE 6.2 0%2#%.4)3$!#)2#5.&%2´.#)!-53#5,!2$/"2!£/%-#- )DADE ANOS
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0ERCENTIL Homens
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1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-18,9 19,0-24,9 25,0-34,9 35,0-44,9 45,0-54,9 55,0-64,9 65,0-74,9
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14,4 14,6 14,8 15,6 16,2 17,0 17,7 18,2 19,6 20,9 20,5 22,3 23,8 26,0 26,6 28,7 29,4 29,8 30,9 31,4 31,8 31,5 31,0 29,8
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Mulheres
6
Fonte: Frisancho, 1981.
12,4 12,6 13,2 13,6 14,2 14,5 15,1 16,0 16,7 17,0 18,1 19,1 19,8 20,1 20,2 20,2 20,5 20,2 20,7 21,2 21,8 22,0 22,5 22,5
141
0%2#%.4)3$!2%!-53#5,!2$/"2!£/#/22)')$!%-#-2 )DADE ANOS
5
15
25
0ERCENTIL Homens
75
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1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9 50,0-54,9 55,0-59,9 60,0-64,9 65,0-69,9 70,0-74,9
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AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
APÊNDICE 6.3
Mulheres
Fonte: Frisancho, 1990.
12,3 13,2 14,3 15,3 16,4 17,4 18,9 20,8 21,9 23,8 26,4 29,0 30,8 32,8 33,0 33,6 34,3 28,3 29,4 30,9 31,8 32,3 32,5 33,4 34,7 34,5 34,6 34,3
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9 50,0-54,9 55,0-59,9 60,0-64,9 65,0-69,9 70,0-74,9
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10,3 10,6 10,6 10,0 10,9 11,2 12,8 15,6 18,2 21,5 26,0 27,3 25,4 25,5 24,5 24,8 23,7 30,7 33,3 34,8 33,4 35,3 33,7 32,4 33,3 31,8 30,7 29,1
11,7 11,6 11,8 11,4 12,7 15,2 15,5 18,6 21,7 27,0 32,5 35,0 32,1 31,8 31,3 33,5 28,9 37,2 40,4 41,9 39,4 42,1 40,4 40,0 39,1 38,7 36,3 34,9
1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9 50,0-54,9 55,0-59,9 60,0-64,9 65,0-69,9 70,0-74,9
4,1 4,4 4,3 4,3 4,4 4,5 4,8 5,2 5,4 6,1 6,6 6,7 6,7 8,3 8,6 11,3 9,5 10,0 11,0 12,2 13,0 13,8 13,6 14,3 13,7 15,3 13,9 13,0
4,6 5,0 5,0 4,9 5,0 5,0 5,5 5,7 6,2 6,9 7,5 8,0 7,7 9,6 10,0 12,8 11,7 12,0 13,3 14,8 15,8 16,7 17,1 18,3 18,2 19,1 17,6 16,2
5,0 5,4 5,4 5,4 5,4 5,6 6,0 6,4 6,8 7,2 8,2 8,8 9,4 10,9 11,4 13,7 13,0 13,5 15,1 17,2 18,0 19,2 19,8 21,4 20,7 21,9 20,0 18,8
5,6 6,1 6,1 6,2 6,3 6,2 7,0 7,2 8,1 8,4 9,8 10,8 11,6 12,4 12,8 15,9 14,6 16,1 17,7 20,4 21,8 23,0 24,3 25,7 26,0 26,0 24,1 22,7
8,6 9,0 9,2 9,3 9,8 10,0 11,0 13,3 15,6 18,0 19,9 20,8 23,7 25,1 24,4 28,0 29,5 30,6 34,8 39,0 41,7 42,6 44,4 45,6 46,4 45,7 42,7 41,0
9,5 10,0 10,2 10,4 11,3 11,2 13,2 15,8 18,8 21,5 24,4 24,8 28,7 29,5 29,2 32,7 33,5 37,2 42,1 46,8 49,2 51,0 52,3 53,9 53,9 51,7 49,2 46,4
10,4 10,8 10,8 11,3 12,5 13,3 14,7 18,0 22,0 25,3 28,2 29,4 32,7 34,6 32,9 37,0 38,0 42,0 47,1 52,3 55,5 56,3 58,4 57,7 59,1 58,3 53,6 51,4
11,7 12,0 12,2 12,8 14,5 16,5 19,0 23,7 27,5 29,9 36,8 34,0 40,8 41,2 44,3 46,0 51,6 51,6 57,5 64,5 64,9 64,5 68,8 65,7 69,7 68,3 62,4 57,7
Mulheres
6
Fonte: Frisancho, 1990.
7,1 7,5 7,6 7,7 7,8 8,1 8,8 9,8 11,5 11,9 13,1 14,8 16,5 17,7 18,2 20,5 21,0 21,9 24,5 28,2 29,7 31,3 33,0 34,1 34,5 34,8 32,7 31,2
143
0%2#%.4)30!2!02%'!#54®.%!42)#)0)4!,%--- )DADE ANOS
5
15
25
0ERCENTIL Homens
75
85
1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9 50,0-54,9 55,0-59,9 60,0-64,9 65,0-69,9 70,0-74,9
6,5 6,0 6,0 5,5 5,0 5,0 4,5 5,0 5,0 5,0 5,0 4,5 4,5 4,0 5,0 4,0 4,0 4,0 4,0 4,5 4,5 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 4,5 4,5
7,0 6,5 7,0 6,5 6,0 5,5 5,0 5,5 5,5 6,0 6,0 6,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 6,0 6,0 6,0 6,0 6,0 6,0 6,0 5,0 6,0
7,5 7,0 7,0 7,0 6,0 6,0 6,0 6,0 6,0 6,0 6,5 6,0 5,5 5,0 5,0 5,1 5,0 5,5 6,0 6,5 7,0 6,9 7,0 7,0 6,5 7,0 6,5 6,5
8,0 8,0 8,0 7,5 7,0 6,5 6,0 7,0 6,5 7,5 7,5 7,5 7,0 6,0 6,0 6,0 6,0 6,5 7,0 8,0 8,5 8,0 8,0 8,0 8,0 8,0 8,0 8,0
10,0 10,0 9,5 9,0 8,0 8,0 8,0 8,5 9,0 10,0 10,0 10,5 9,0 8,5 7,5 8,0 7,0 10,0 11,0 12,0 12,0 12,0 12,0 11,5 11,5 11,5 11,0 11,0
12,0 12,0 11,5 11,0 10,0 10,0 10,5 11,0 12,5 14,0 16,0 14,5 13,0 12,5 11,0 12,0 11,0 14,5 15,5 16,5 16,0 16,0 16,0 15,0 15,0 15,5 15,0 15,0
13,0 13,0 12,5 12,0 11,5 12,0 12,5 13,0 15,5 17,0 19,5 18,0 17,0 15,0 15,0 14,0 13,5 17,5 19,0 20,0 18,5 19,0 19,0 18,5 18,0 18,5 18,0 17,0
14,0 14,0 13,5 12,5 13,0 13,0 14,0 16,0 17,0 20,0 23,0 22,5 20,5 18,0 18,0 17,0 16,0 20,0 21,5 22,0 20,5 21,5 21,0 20,8 20,5 20,5 20,0 19,0
15,5 15,0 15,0 14,0 14,5 16,0 16,0 19,0 20,0 24,0 27,0 27,5 25,0 23,5 23,5 23,0 19,5 23,5 25,0 25,0 24,5 26,0 25,0 25,0 25,0 24,0 23,5 23,0
1,0-1,9 2,0-2,9 3,0-3,9 4,0-4,9 5,0-5,9 6,0-6,9 7,0-7,9 8,0-8,9 9,0-9,9 10,0-10,9 11,0-11,9 12,0-12,9 13,0-13,9 14,0-14,9 15,0-15,9 16,0-16,9 17,0-17,9 18,0-24,9 25,0-29,9 30,0-34,9 35,0-39,9 40,0-44,9 45,0-49,9 50,0-54,9 55,0-59,9 60,0-64,9 65,0-69,9 70,0-74,9
6,0 6,0 6,0 6,0 5,5 6,0 6,0 6,0 6,5 7,0 7,0 7,0 7,0 8,0 8,0 10,5 9,0 9,0 10,0 10,5 11,0 12,0 12,0 12,0 12,0 12,5 12,0 11,0
7,0 7,0 7,0 7,0 7,0 6,5 7,0 7,0 7,0 8,0 8,0 8,0 8,0 9,0 9,5 11,5 10,0 11,0 12,0 13,0 13,0 14,0 14,5 15,0 15,0 16,0 14,5 13,5
7,0 7,5 7,5 7,5 7,0 7,0 7,0 7,5 8,0 8,0 8,5 9,0 9,0 10,0 10,5 12,0 12,0 12,0 13,0 15,0 15,5 16,0 16,5 17,5 17,0 17,5 16,0 15,5
8,0 8,5 8,5 8,0 8,0 8,0 8,0 8,5 9,0 9,0 10,0 11,0 11,0 11,5 12,0 14,0 13,0 14,0 15,0 17,0 18,0 19,0 19,5 20,5 20,5 20,5 19,0 18,0
12,0 12,0 12,0 12,0 12,0 12,0 12,5 14,5 16,0 17,5 18,0 18,5 20,0 21,0 20,5 23,0 24,0 24,5 26,5 29,5 30,0 30,5 32,0 32,0 32,0 32,0 30,0 29,5
13,0 13,5 13,0 13,0 13,5 13,0 15,0 17,0 19,0 20,0 21,5 21,5 24,0 23,5 23,0 26,0 26,5 28,5 31,0 33,0 35,0 35,0 35,5 36,0 36,0 35,5 33,5 32,0
14,0 14,5 14,0 14,0 15,0 15,0 16,0 18,0 21,0 22,5 24,0 24,0 25,0 26,5 26,0 29,0 29,0 31,0 34,0 35,5 37,0 37,0 38,0 38,5 39,0 38,0 36,0 35,0
16,0 16,0 16,0 15,5 17,0 17,0 19,0 22,5 25,0 27,0 29,0 27,5 30,0 32,0 32,5 32,5 34,5 36,0 38,0 41,5 41,0 41,0 42,5 42,0 42,5 42,5 40,0 38,5
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
APÊNDICE 6.5
Mulheres
Fonte: Frisancho, 1990.
10,0 10,0 10,0 10,0 10,0 10,0 10,5 11,0 12,0 12,5 13,0 14,0 15,0 16,0 16,5 18,0 18,0 18,5 20,0 22,5 23,5 24,5 25,5 25,5 26,0 26,0 25,0 24,0
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
144
APÊNDICE 6.6 Padrões de referência para prega cutânea tricipital (PCT) e circunferência muscular do braço para idosos (CMB) de acordo com o NHANES III (National Health and Nutrition Examination Survey) – 1988-1991.
0%2#%.4)3$%0#4%---
0ERCENTIL )DADE
ª
ª
0ERCENTIL ª
ª
Homens
ª
ª
Mulheres
60 a 69
7,7
12,7
23,1
14,5
24,1
34,9
70 a 79
7,3
12,4
20,6
12,5
21,8
32,1
80 +
6,6
11,2
18
9,3
18,1
28,9
0%2#%.4)3$%#-"%-#-
0ERCENTIL )DADE
ª
60 a 69
24,9
70 a 79 80 +
ª
0ERCENTIL ª
ª
28,4
31,4
20,6
23,5
27,4
24,4
27,2
30,5
20,3
23
27
22,6
25,7
28,8
19,3
22,6
26
Homens
ª
ª
Mulheres
APÊNDICE 6.7
6
Cálculo da densidade corpórea (DC) desenvolvida por Durnin e Womersley (1974) utilizando a soma das pregas bicipital, tricipital, subescapular e suprailíaca (Σ). (OMENS
-ULHERES
)DADEANOS
)DADEANOS
17 a 19 DC = 1,1620 – 0,0630 × (log Σ)
17 a 19 DC = 1,1549 – 0,0678 × (log Σ)
20 a 29 DC = 1,1631 – 0,0632 × (log Σ)
20 a 29 DC = 1,1599 – 0,0717 × (log Σ)
30 a 39 DC = 1,1422 – 0,0544 × (log Σ)
30 a 39 DC = 1,1423 – 0,0632 × (log Σ)
40 a 49 DC = 1,1620 – 0,0700 × (log Σ)
40 a 49 DC = 1,1333 – 0,0612 × (log Σ)
50 +
DC = 1,1715 – 0,0779 × (log Σ)
50 +
DC = 1,1339 – 0,0645 × (log Σ)
145
0/2#%.4!'%-%34)-!$!$!'/2$52!#/20¼2%!/"4)$!0/2-%)/$!3/-!$%15!42/ 02%'!3#54®.%!3"·#%03 42·#%03 35"%3#!05,!2%3502!),·!#!
0REGAS CUTÊNEAS
(OMENS )DADEEMANOS
MM
15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100 105 110 115 120 125 130 135 140 145 150 155 160 165 170 175 180 185 190 195 200 205 210
4,8 8,1 10,5 12,9 14,7 16,4 17,7 19,0 20,1 21,2 22,2 23,1 24,0 24,8 25,5 26,2 26,9 27,6 28,2 28,8 29,4 30,0 31,0 31,5 32,0 32,5 32,9 33,3 33,7 34,1 34,5 34,9 35,3 35,6 35,9
Fonte: Durnin e Womersley, 1974.
12,2 14,2 16,2 17,7 19,2 20,4 21,5 22,5 23,5 24,3 25,1 25,9 26,6 27,2 27,8 28,4 29,0 29,6 30,1 30,6 31,1 31,5 31,9 32,3 32,7 33,1 33,5 33,9 34,3 34,6 34,8
12,2 15,0 17,7 19,6 21,4 23,0 24,6 25,9 27,1 28,2 29,3 30,3 31,2 32,1 33,0 33,7 34,4 35,1 35,8 36,4 37,0 37,6 38,2 38,7 39,2 39,7 40,2 40,7 41,2 41,6 42,0
-ULHERES )DADEEMANOS
12,6 15,6 18,6 20,8 22,9 24,7 26,5 27,9 29,2 30,4 31,6 32,7 33,8 34,8 35,8 36,6 37,4 38,2 39,0 39,7 40,4 41,1 41,8 42,4 43,0 43,6 44,1 44,6 45,1 45,6 46,1
10,5 14,1 16,8 19,5 21,5 23,4 25,0 26,5 27,8 29,1 30,2 31,2 32,2 33,1 34,0 34,8 35,6 36,4 37,1 37,8 38,4 39,0 39,6 40,2 40,8 41,3 41,8 42,3 42,8 43,3 43,7 44,1
17,0 19,4 21,8 23,7 25,5 26,9 28,2 29,4 30,6 31,6 32,5 33,4 34,3 35,1 35,8 36,5 37,2 37,9 38,6 39,1 39,6 40,1 40,6 41,1 41,6 42,1 42,6 43,1 43,6 44,0 44,4 44,8 45,2 45,6 45,9 46,2 46,5
19,8 22,2 24,5 26,4 28,2 29,6 31,0 32,1 33,2 34,1 35,0 35,9 36,7 37,5 38,3 39,0 39,7 40,4 41,0 41,5 42,0 42,5 43,0 43,5 44,0 44,5 45,0 45,4 45,8 46,2 46,6 47,0 47,4 47,8 48,2 48,5 48,8 49,1 49,4
21,4 24,0 26,6 28,5 30,3 31,9 33,4 34,6 35,7 36,7 37,7 38,7 39,6 40,4 41,2 41,9 42,6 43,3 43,9 44,5 45,1 45,7 46,2 46,7 47,2 47,7 48,2 48,7 49,2 49,6 50,0 50,4 50,8 51,2 51,6 52,0 52,4 52,7 53,0
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
APÊNDICE 6.8
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
146
6
APÊNDICE 6.9 %8#2%£²/$%#2%!4).).!52).2)!)$%!,$%!#/2$/#/-!!,452!%!)$!$%%-(/-%.3 -'$)!
!LTURACM
)DADEANOS
146
1.258
1.169
1.079
985
896
807
718
148
1.284
1.193
1.102
1.006
915
824
733
150
1.308
1.215
1.123
1.025
932
839
747
152
1.334
1.240
1.145
1.045
951
856
762
154
1.358
1.262
1.166
1.064
968
872
775
156
1.390
1.291
1.193
1.089
990
892
793
158
1.423
1.322
1.222
1.115
1.014
913
812
160
1.452
1.349
1.246
1.137
1.035
932
829
162
1.481
1.376
1.271
1.160
1.055
950
845
164
1.510
1.403
1.296
1.183
1.076
969
862
166
1.536
1.427
1.318
1.203
1.094
986
877
168
1.565
1.454
1.343
1.226
1.115
1.004
893
170
1.598
1.485
1.372
1.252
1.139
1.026
912
172
1.632
1.516
1.401
1.278
1.163
1.047
932
174
1.666
1.548
1.430
1.305
1.187
1.069
951
176
1.699
1.579
1.458
1.331
1.211
1.090
970
178
1.738
1.615
1.491
1.361
1.238
1.115
992
180
1.781
1.655
1.529
1.395
1.269
1.143
1.017
182
1.819
1.690
1.561
1.425
1.296
1.167
1.038
184
1.855
1.724
1.592
1.453
1.322
1.190
1.059
186
1.894
1.759
1.625
1.483
1.349
1.215
1.081
188
1.932
1.795
1.658
1.513
1.377
1.240
1.103
190
1.968
1.829
1.689
1.542
1.402
1.263
1.123
Fonte: Walser, 1987.
147
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898
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917
859
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984
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628
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1.003
940
882
819
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698
640
156
1.026
961
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838
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158
1.049
983
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796
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670
160
1.073
1.006
944
877
815
747
686
162
1.100
1.031
968
899
835
766
703
164
1.125
1.054
990
919
854
783
719
166
1.148
1.076
1.010
938
871
799
733
168
1.173
1.099
1.032
958
890
817
746
170
1.199
1.124
1.055
980
911
835
766
172
1.224
1.147
1.077
1.000
929
853
782
174
1.253
1.174
1.102
1.023
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800
176
1.280
1.199
1.126
1.045
972
891
817
178
1.304
1.223
1.147
1.065
990
908
833
180
1.331
1.248
1.171
1.087
1.011
927
850
Fonte: Walser, 1987.
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
APÊNDICE 6.10
6
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
148
APÊNDICE 6.11 !6!,)!£²/',/"!,SU"*%4)6!$/%34!$/.542)#)/.!,
NOME: _________________________________________________________ DATA: ____________ 1a Parte: História médica 1. Mudança de peso A. Peso de 6 meses atrás: _____ Peso atual: _____ Mudança de peso: _____kg _____% A
B
C
A
B
C
A
B
C
A
B
C
B. Porcentagem de mudança: __________ ganho ou redução < 5% __________ 5 a 10% redução __________ > 10% redução
C. Mudança de peso nas últimas duas semanas: ________ aumento ________ sem alterações ________ diminuição 2. Ingestão dietética A. ________ não mudou (adequado) ________ não mudou (inadequado) B. ________ houve mudança Tipo de mudança: _______ dieta sólida com quantidade insuficiente _______ dieta líquida normocalórica _______ dieta líquida hipocalórica _______ jejum
6
3. Sintomas gastrintestinais
3INTOMAS ( ) nenhum ( ) náusea ( ) vômito ( ) diarreia ( ) anorexia
&REQUÐNCIA $URA ÎOs ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________
* Diário; 1 a 2 vezes por semana; 2 a 3 vezes por semana. sSEMANASOUSEMANAS
149
A
B
C
A
B
C
A. _________ sem alteração _________ com alteração __________duração Tipo: ____ moderado (dificuldade para trabalhar, andar e fazer as atividades normais) ____ grave (acamado ou o tempo todo sentado)
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
4. Capacidade funcional (relacionada com o estado nutricional)
B. Mudança nas últimas duas semanas: __________ apresentou melhora __________ não modificou __________ piorou 2a Parte: Exame físico 5. Evidência de: Normal
Leve
Moderado
Grave
Diminuição de tecido adiposo subcutâneo (abaixo dos olhos, tríceps, bíceps): ( ) algumas áreas ( ) todas as áreas Redução da massa muscular (têmporas, clavícula, ombro, escápula, costelas, quadríceps, panturrilha, joelho, entre os ossos da mão, entre o polegar e o dedo indicador): ( ) algumas áreas ( ) todas as áreas Edema (relacionado com desnutrição): ( ) sim ( ) não Ascite ( ) sim ( ) não 3a Parte: Classificação da AGS (marque apenas um) A. (
) Bem nutrido
B. (
) Desnutrido leve/moderado C. (
6 ) Desnutrido grave
Bem nutrido: Classificação “A” na maioria das categorias ou melhora significativa. Desnutrido leve/moderado: Nem a classificação “A” nem a “C” estão claramente indicadas. Desnutrido grave: Classificação “C” na maioria das categorias, sobretudo no exame físico.
CAPÍTULO
7
Aconselhamento nutricional CRISTINA MARTINS
INTRODUÇÃO O aconselhamento ou educação alimentar é o processo pelo qual os clientes, ou pacientes, são efetivamente auxiliados a selecionar e implementar comportamentos desejáveis de alimentação e estilo de vida. O resultado desse processo deve ser a mudança de comportamento, e não somente a melhora do conhecimento sobre nutrição. Um momento particularmente difícil é o diagnóstico de uma doença, quando a depressão, a negação, a raiva ou a barganha podem sobrepor-se aos esforços de lidar com o problema. Antes de tudo, é preciso reconhecer que este existe e, de fato, querer mudá-lo. Sem esse desejo interno de cada indivíduo, todo o trabalho de educação é inútil. O educador alimentar é apenas um facilitador das mudanças de comportamento. Ele dá apoio emocional, auxilia na identificação de problemas alimentares e de estilo de vida, sugere comportamentos a serem modificados e facilita a compreensão e o controle do cliente.
FATORES RELACIONADOS À ADESÃO ÀS ORIENTAÇÕES Relacionados ao cliente s
Quantidade de informações: quanto mais informações recebidas ao mesmo tempo, menor a adesão;
151
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
152
s s s s s
nível de ansiedade: os níveis extremos de ansiedade (baixo ou alto) do cliente quanto à mudança alimentar diminuem a taxa de adesão às recomendações; morar sozinho: clientes que moram sozinhos parecem possuir níveis mais baixos de adesão às orientações nutricionais; expectativa do cliente e da família: quanto mais positiva a expectativa pela mudança de comportamento, melhor o nível de adesão; apoio familiar: o envolvimento do cônjuge e/ou daqueles que vivem com o paciente na adesão às orientações alimentares é crucial; irregularidade na rotina: quanto mais irregular o estilo de vida do cliente, menor a adesão.
Relacionados ao conselheiro s s
Grau de satisfação do cliente: quanto mais satisfeito ele estiver com o conselheiro e com o tratamento, maior o nível de adesão às orientações; continuidade com o mesmo conselheiro: quando o cliente encontra o mesmo conselheiro em cada visita, melhores são as chances de adesão.
Relacionados ao ambiente s s s
Local de atendimento: quando o aconselhamento ocorre em local claro, organizado e limpo, maiores são as chances de adesão às orientações; tempo de espera: quanto menor o tempo de espera, melhor o nível de adesão; atitudes do pessoal de apoio: quanto melhor o atendimento do cliente pelo pessoal de apoio (telefonista, recepcionista, secretária, etc.), melhor a adesão.
Relacionados à orientação nutricional s s
7
Número de mudanças: quanto maior o número de mudanças recomendadas ao mesmo tempo, menor a taxa de adesão; complexidade: quanto mais simples e claros os objetivos e o conteúdo do aconselhamento, melhores as chances de adesão às recomendações alimentares.
PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO ALIMENTAR Dois conceitos são importantes nos modelos contemporâneos de comportamentos da saúde: 1. O comportamento é mediado por cognições. Ou seja, o que o indivíduo sabe e pensa afeta sua ação. 2. O conhecimento é necessário, mas não é suficiente para levar a mudanças no comportamento. As percepções, a motivação, as habilidades e os fatores do ambiente social também têm papel importante. As necessidades psicológicas exercem mais influência nos hábitos alimentares do que a lógica. Dar informações, prover materiais educativos e citar estatísticas e pesquisas
153 ACONSELHAMENTO NUTRICIONAL
científicas não necessariamente conduzem a mudanças de comportamento. O principal é aprender a entender os problemas da população-alvo e do paciente, a ponto de conhecer os obstáculos que enfrentam quando tentam alcançar seus objetivos. A interação, o respeito mútuo e o carinho genuíno, divididos entre o indivíduo e o educador, são tão importantes quanto as informações científicas e as mensagens impressas no papel. O próprio fato de conversar com outra pessoa frequentemente ajuda o cliente a encontrar soluções para os seus problemas. O avanço na compreensão da natureza humana, além do conhecimento da ciência da nutrição, tem elevado o nível da prática da educação alimentar. A nutrição está, no momento, em transição. Novas técnicas de auxílio e psicoterapia são integradas à educação. O objetivo da educação alimentar é a mudança ou implantação de um comportamento, e não somente o aumento do conhecimento sobre alimentação e nutrição. A mudança desejada de um comportamento deve ser específica às necessidades e à situação de cada indivíduo. Uma pessoa consciente aceita que a causa para a necessidade do tratamento e da mudança é real, e que existem benefícios para a saúde quando se seguem as recomendações, ou, por sua vez, riscos, quando elas não são seguidas. É mais provável que o indivíduo siga as recomendações se sentir que elas são de seu próprio interesse. Antes de tudo, um indivíduo deve reconhecer que existe um problema. E precisa, genuinamente, querer mudá-lo. Sem esse desejo interno do indivíduo, todo o trabalho de educação é em vão. O educador alimentar é apenas um facilitador das mudanças de comportamento. Ele fornece apoio emocional, auxilia na identificação de problemas nutricionais e de estilo de vida, sugere comportamentos a serem modificados e facilita a compreensão e o controle do cliente. Então, pelo menos um lado da educação alimentar é designado a dar poder. Dar poder é aumentar a capacidade de definir, analisar e agir sobre seus próprios problemas. Possuir poder não é meramente algo comportamental, no sentido de que as pessoas começam a ter “bons” comportamentos, como aleitamento materno, ao invés de “maus”, como o uso da mamadeira; também é cognitivo (o que o indivíduo sabe e pensa) e carregado de valores. Se um indivíduo muda um comportamento, não o faz porque alguém disse; e sim porque fez uma análise da situação e decidiu que é importante mudar. O objetivo de dar poder não é simplesmente oferecer novas informações ou induzir a um comportamento específico. É apoiar os indivíduos a fazerem suas próprias análises e, dessa maneira, eles mesmos serem capazes de decidir o que é melhor. Os educadores alimentares tradicionais aconselham os clientes sobre como fazer as melhores escolhas possíveis, dentro das opções disponíveis. Na educação alimentar objetivada a dar poder, a preocupação é com as possibilidades políticas e sociais. Ou seja, o que os indivíduos são e o que eles podem ser. A análise política, em essência, significa perguntar. Ela fornece a base para encontrar os caminhos para expandir e melhorar a abrangência das possibilidades. Na educação alimentar objetivada a dar poder, não somente o conteúdo, mas o método de ensino também é diferente. O educador deve criar oportunidades para discussões e propor questões que ajudem as pessoas a descobrirem seus próprios problemas. Os
7
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
154
bons educadores não dão aulas ou expõem suas análises políticas como corretas. Eles estimulam as pessoas a desenvolverem seus próprios entendimentos sobre a situação, em seus próprios termos. Com os bons educadores, ocorre mais aprendizado do que ensino. A experiência tem mostrado que entregar listas de alimentos e dietas meticulosamente calculadas não garante, necessariamente, a aderência ou motiva os clientes a mudarem seus comportamentos. Não é tão simples. As pessoas estão ligadas aos seus hábitos alimentares. A natureza humana, o querer e a saúde mental do indivíduo podem ter papel importante no processo de mudança. O cliente tem o direito e a responsabilidade de fazer as escolhas sobre seus cuidados de saúde. Então, o papel do educador é facilitar o processo pelo qual o cliente identifica mais claramente onde ele está, onde quer estar e o que precisa aprender para chegar lá. O educador ajuda o cliente a identificar os prós e contras das várias opções. O modelo de educação alimentar baseado na resolução do problema possui três passos: 1. Estabelecimento de uma relação estreita. 2. Avaliação do(s) problema(s) e da(s) necessidades. 3. Planejamento de estratégias: s objetivos de aprendizado; s conteúdo; s ferramentas de educação (atividade de aprendizado); s implementação; s avaliação dos resultados. Nenhuma intervenção educacional possui todas as respostas para todos os clientes. Para aumentar a chance de sucesso, deve ser aplicada uma abordagem centrada no cliente e na resolução de problemas. Para isso, alguns aspectos primordiais são:
7
1. Nenhum cliente ou situação é igual a outro. 2. Cada cliente e educador estão em estado constante de mudança e fluxo. Nenhuma pessoa ou situação de educação é, ou pode ser, estática. 3. O educador efetivo é mais flexível no que tem a dizer para o cliente fazer. 4. O adulto é o maior especialista de seus próprios problemas. 5. O educador usa todos os recursos pessoais e profissionais para auxiliar a situação. Mas é totalmente humano no relacionamento. E não pode ser mais responsável pelo cliente do que ele mesmo. 6. O educador e o processo de educação são falíveis. E não pode ser esperada resposta ou sucesso imediatos em cada educação ou situação do cliente. 7. Os educadores competentes estão cientes de suas próprias qualificações e deficiências pessoais e profissionais. E têm a responsabilidade de assegurar que o processo de educação seja conduzido de maneira ética e no melhor interesse do cliente. 8. A segurança do cliente tem prioridade sobre a necessidade de satisfação do educador.
155 ACONSELHAMENTO NUTRICIONAL
9. Para lidar com cada problema, provavelmente, não existe nenhuma abordagem ou estratégia melhor que outra. 10. Muitos problemas do dilema humano parecem insolúveis, mas sempre existem várias alternativas. Umas podem ser boas para um cliente, mas não para outro. 11. A educação efetiva é um processo realizado mais com o cliente do que para ele. 12. Para a maioria das pessoas que necessitam de mudanças básicas no estilo de vida, três meses é, provavelmente, o mínimo para a educação alimentar. E seis meses não deve ser considerado um tempo longo demais. 13. Quando chegar o momento de cessar a educação, o cliente deve ter aprendido a identificar os seus “sinais de risco”. Estes servirão para indicar a necessidade de retorno ao acompanhamento. A porta deve ser deixada aberta, por ambas as partes, para o contato futuro.
O que deve resultar para o cliente? A educação alimentar deve resultar em mudanças de longo prazo. Para isso, o processo é importante. Os principais resultados para o indivíduo devem ser: 1. Aumentar a autoconsciência de que existe a negação de problemas, e que isso afeta sua nutrição ou estado nutricional. Conscientizar-se de que os problemas podem ser resolvidos ou, pelo menos, controlados. 2. Tornar-se ciente de suas forças internas e, dessa forma, ser independente e desafiar crenças antigas sobre alimentação e estilo de vida. 3. Aumentar o sentimento responsável pelos pensamentos, comportamentos e relacionamentos, ao invés de fortalecer o papel de “vítima”. 4. Aprender a se arriscar, ser mais flexível e tolerar melhor suas desarmonias. 5. Aprender a confiar mais e a dar chance a novos comportamentos e pensamentos antes de os descartar. 6. Tornar-se mais consciente das alternativas na resposta ao estresse e a outros estímulos, ou quando escolher alimentos. 7. Ter um estilo de vida funcional, em que os valores (o que ele acredita) e os comportamentos (o que ele faz) são compatíveis. Ou seja, existe um bom nível de autoaceitação: o indivíduo faz o que acredita que deveria fazer e sente-se bem com isso.
PRINCÍPIOS PARA AUMENTAR A EFICÁCIA DA EDUCAÇÃO ALIMENTAR 1. Desenvolver um relacionamento construtivo, com empatia, calor humano e genuinidade. 2. Criar um ambiente de segurança e confiança, no qual o cliente não se sinta julgado. 3. Ouvir o cliente completa e ativamente. 4. Avaliar a compreensão e os sentimentos do indivíduo. 5. Dar informações precisas, de maneira clara e simples. 6. Esclarecer e corrigir informações incorretas. 7. Dar valor aos sentimentos do cliente.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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8. Ajudar o cliente a avaliar os riscos de comportamentos passados e presentes. 9. Auxiliar o cliente a desenvolver estratégias para redução dos riscos. 10. Ajudar o cliente na identificação de obstáculos potenciais para a redução dos riscos de complicações e para melhorar o bem-estar. 11. Ser sensível às diferenças culturais e a outras particularidades do cliente. 12. Fornecer apoio psicológico sempre que necessário. 13. Avaliar o potencial para depressão, isolamento ou outros problemas. 14. Fazer referências apropriadas para serviços adicionais (psiquiatra, psicólogo, psicanalista e outros). 15. Avaliar a motivação do cliente para procurar as referências. Ajudá-lo a minimizar as barreiras para buscar outros serviços necessários. 16. Criar condições para sustentar uma relação de educação a longo prazo. A maioria dos programas de educação alimentar para a população, e mesmo aqueles focados no indivíduo, tem a premissa de que pessoas de fora podem mudar situações. Por isso, muitos programas tradicionais têm pouco impacto após o término. Os indivíduos não gostam de implementar ideias formuladas por outros. Os projetos pertencem às pessoas somente quando são trabalhados por elas. Quando gerados por aqueles responsáveis por agir, os objetivos e a motivação são completamente internalizados, e a implementação torna-se menos problemática. Por isso, o enfoque primordial da educação alimentar é dar poder. Assim, enfatiza a responsabilidade do indivíduo de avaliar a causa do problema e de adquirir competência para resolvê-lo. Os principais conceitos-chave para a prática de dar poder, por meio da educação alimentar, são: s s s
7
s s s s s
ênfase na pessoa como um todo; estabelecimento de objetivos negociáveis; transferência da responsabilidade das decisões e liderança (do educador, ou meio externo, para o cliente); promoção do guia inerente do cliente em direção à saúde e ao bem-estar; educação para as escolhas informadas das opções de intervenção nutricional; seleção das necessidades de aprendizado pelo cliente; autogeração de problemas e soluções; visualização dos planos de intervenção nutricional, como experimentos contínuos.
COMPORTAMENTO ALIMENTAR O comportamento alimentar refere-se a todas as práticas relativas à alimentação, como seleção, aquisição, conservação, preparo e consumo de alimentos. É um componente da personalidade de um indivíduo e visa a satisfazer não apenas às necessidades nutricionais, como também às psicológicas, sociais e culturais. O processo de formação do comportamento alimentar tem bases fixadas na infância, nas crenças, nos valores e nos
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PROCESSO DE MUDANÇA DE COMPORTAMENTO ALIMENTAR O indivíduo é o nível mais básico da prática da educação alimentar. As teorias no nível básico focam, entre outros aspectos, os fatores intraindivíduos (que estão “dentro” dele). As características dos fatores intraindivíduos são: conhecimento, atitudes, crenças, motivação, autoconceito, história de desenvolvimento, experiência passada, habilidades e comportamento(National Cancer Institute, 1997). Uma das teorias mais populares sobre o processo de mudança de comportamento explora o nível intraindivíduo. É o chamado Modelo de Estágio de Mudança ou Modelo Transteórico, introduzido por Prochaska e DiClemente (1986). A teoria concentra-se no
ACONSELHAMENTO NUTRICIONAL
tabus – que passam por gerações. As práticas alimentares adquiridas na primeira infância, principalmente por imitação e condicionamento, ficam arraigadas no indivíduo e trazem uma forte carga emocional, difícil de modificar. Contudo, o comportamento alimentar pode se modificar espontaneamente em função de mudanças do meio, como poder aquisitivo e disponibilidade de alimentos, importância social deles, nível de escolaridade ou grau de exposição do indivíduo aos canais de comunicação. Ou, ainda, pode se modificar por causa de alterações relacionadas às necessidades psicológicas, como autoconceito, aprovação social e segurança. Antes do planejamento, execução e avaliação de intervenções e de programas de educação alimentar, é indispensável analisar o comportamento relacionado com seus componentes cognitivos, afetivos e situacionais. O componente cognitivo corresponde àquilo que o indivíduo sabe sobre os alimentos e nutrição. Ele influencia, em maior ou menor grau, o comportamento alimentar. Existem dois tipos básicos de conhecimento sobre nutrição: o científico e o não científico (mitos, crenças ou tabus). O conhecimento científico não influencia consideravelmente o comportamento alimentar, pois nem sempre é compatível com as condições do meio em que o indivíduo vive. O componente afetivo do comportamento corresponde àquilo que se sente sobre os alimentos e as práticas alimentares. São as atitudes que predispõem cada indivíduo a determinado comportamento alimentar. O componente afetivo envolve todos os motivos intrínsecos relacionados aos valores sociais, culturais, religiosos e significados diversos que são atribuídos aos alimentos. Ele diz respeito, exatamente, às outras necessidades que são satisfeitas pela alimentação, além das fisiológicas. Em geral, as necessidades fisiológicas, quando satisfeitas, têm importância relativamente pequena na determinação do comportamento humano. As psicológicas, por sua vez, nunca são inteiramente satisfeitas. Por isso, são determinantes importantes do comportamento, inclusive do alimentar. Por fim, o componente situacional do comportamento é determinado pelos fatores econômicos que limitam a adesão a uma prática alimentar correta. Isso quando ela depende do aumento dos gastos com alimentação, e não apenas de uma realocação de recursos. Os fatores situacionais, que podem se apresentar como facilitadores da prática desejada, ou como barreira para ela, são de três tipos: normas sociais e padrões culturais, apoios estruturais e coerção social.
7
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
158
preparo, ou não, do indivíduo para mudanças de comportamento. A premissa é de que a mudança de comportamento é um processo, e não um evento, e que, para mudar, o indivíduo está em vários níveis de motivação ou preparo. Pessoas em pontos diversos do processo de mudança podem se beneficiar de diferentes intervenções, que estejam de acordo com seu estágio do momento. O Modelo Transteórico é baseado em evidências. É prático e consistente com a filosofia de dar poder ao cliente. No Modelo, cinco estágios distintos são identificados: pré-contemplação, contemplação, preparo (decisão/determinação), ação e manutenção (hábito) (Prochaska et al., 1992). Há, ainda, o conceito de relapso, ou recaída, que é o retorno ao comportamento indesejável. A Figura 7.1 apresenta um esquema do Modelo Transteórico.
Pré-contemplação
Contemplação Re-entrada
Entrada Preparo
Ação
Relapso
Manutenção
7
FIGURA 7.1 Modelo Transteórico ou Modelo de Estágios de Mudança de Comportamento. Fonte: Prochaska e DiClemente, 1986.
É importante notar que o Modelo Transteórico é circular, não linear. As pessoas não passam pelos estágios e “graduam-se”. Elas podem entrar e sair em qualquer ponto e, frequentemente, reciclam-se várias vezes antes de mudar para um comportamento desejável. O Modelo pode ser usado para ajudar a entender (explicar) a razão de certas pessoas não darem sequência a programas de intervenção. Indivíduos com problemas nutricionais podem ser classificados de acordo com o estágio de comportamento em que estão. A partir da identificação do estágio atual, é possível estabelecer objetivos mais realistas e auxiliar na progressão a outro estágio. Ou seja, é possível individualizar mensagens, estratégias e
159
TABELA 7.1 -/$%,/42!.34%¼2)#//5-/$%,/$%%34')/3$%-5$!.£!
%STÉGIO
Definição
%STRATÏGIADO EDUCADOR
O indivíduo não tem intenção de mudar o comportamento-alvo em futuro próximo (mais que seis meses) Sinais: sNão compreende a importância da mudança sNega o impacto negativo potencial de seu comportamento atual Fez s tentativas malsucedidas de mudança no passado e, por isso, sente-se desmoralizado sVê poucos benefícios com a mudança sFoca no custo ou pontos negativos da mudança
Aumentar a consciência para a necessidade de mudança e individualizar informações sobre riscos e benefícios
O indivíduo pensa em mudança, mas não agora (próximos seis meses) Sinais: sTem consciência dos benefícios da mudança, mas estes não são maiores do que o custo e os pontos negativos antecipados sTem ambivalência de sentimentos sobre a mudança sFalta confiança na capacidade de mudar com sucesso sEstá coletando informações sobre a realização da mudança
Motivar e encorajar com planos específicos
O indivíduo planeja mudar o comportamento-alvo para o nível objetivo em futuro imediato (próximos 30 dias) Sinais: sIniciou pequenos passos em direção à mudança de comportamento sEnxerga os benefícios da mudança como maiores do que o custo e os pontos negativos Está s se preparando para o objetivo sEm geral, está confiante em sua capacidade de mudança
Auxiliar no desenvolvimento de planos de ação concretos e no estabelecimento de objetivos graduais
0RÏ CONTEMPLA ÎO Exemplo: a esposa de um paciente obeso quer que ele perca peso e melhore a saúde. O paciente diz que não quer mudar seus hábitos alimentares e de exercícios físicos. Ele diz que já tentou diminuir a ingestão alimentar e aumentar a atividade física no passado, mas tudo foi muito difícil e ele não conseguiu
ACONSELHAMENTO NUTRICIONAL
programas que sejam apropriados para o estágio em que a pessoa se encontra. A Tabela 7.1 traz as definições e as estratégias de ação sugeridas ao educador, para cada estágio.
#ONTEMPLA ÎO Exemplo: o paciente obeso diz que sabe que diminuir a ingestão de calorias e aumentar os exercícios físicos pode ajudá-lo a perder peso e melhorar a saúde. Ele diz que tem pensado nisso. Relata que já tentou antes, mas encontrou muitas dificuldades. Não se sente confiante de que será capaz de realizar a mudança agora
7
Preparo Exemplo: o paciente obeso diz que está pronto para iniciar um programa de exercícios físicos e quer instruções alimentares. Diz que se sente bem quando se exercita e come menos. Já se matriculou em uma academia na semana passada. Pretende manter o objetivo de se exercitar a cada dois dias
(continua)
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
160
7
TABELA 7.1 -/$%,/42!.34%¼2)#//5-/$%,/$%%34')/3$%-5$!.£!#/.4
%STÉGIO Ação Exemplo: o paciente obeso relata, com alegria, que tem alcançado o objetivo de se exercitar a cada dois dias. Diz que, às vezes, tem vontade de não ir à academia. Relata, com satisfação, que diminuiu a ingestão alimentar e já perdeu peso -ANUTEN ÎO Exemplo: o paciente obeso relata que tem ido à academia há mais de seis meses, com poucas faltas. Perdeu 15 kg no período e diz que tem se sentido muito bem por ter alcançado seus objetivos
(ÉBITO Exemplo: há vários anos, o paciente faz exercícios físicos 3 vezes/semana e tem mantido seu peso estável 2ELAPSO Exemplo: o paciente relata que, depois da morte de um irmão, ganhou peso e não fez exercícios físicos nos últimos dois meses
Definição
%STRATÏGIADO EDUCADOR
O indivíduo implementa planos de ação específicos e realiza, com sucesso, as mudanças desejadas dentro dos últimos seis meses Sinais: sEstágio de confusão comportamental sTentação de retornar ao comportamento prévio sEm grande risco de relapso e retorno ao estágio anterior
Dar feedback, apoio social e reforço, e auxiliar na resolução de problemas
O indivíduo continua as ações desejadas ou repete o(s) passo(s) recomendado(s) por, pelo menos, seis meses Sinais: sSente-se confiante na capacidade de continuar o comportamento Sente-se menos tentado a voltar para o compors tamento antigo sAinda tem algum risco de reciclar (relapso), especialmente em momentos de aumento de estresse
Ajudar a lidar com os pontos negativos e auxiliar com lembretes e alternativas, evitando os relapsos
O hábito formou-se Sinais: sPara alguns indivíduos, pode durar para o resto da vida
Dar apoio positivo ao hábito
O indivíduo retorna ao comportamento antigo Sinais: sPode retornar em qualquer fase da mudança do comportamento Quanto antes retornar ao ciclo de mudança, mais s fácil será entrar nos estágios de ação e de manutenção
Reavaliar a motivação e as barreiras, discutir a importância de manter a mudança, e explorar novas estratégias de enfrentamento
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O uso do Modelo Transteórico implica, primeiramente, identificar o estágio de mudança em que o indivíduo se encontra para um determinado comportamento. Isso é realizado na entrevista. O diagnóstico do estágio é o início do processo de mudança. A definição do estágio não é simplesmente um rótulo, mas um mapa que guiará o processo de mudança. Para auxiliar na individualização da educação alimentar e facilitar o processo, vários componentes do Modelo Transteórico necessitam ser avaliados. Eles incluem o balanço da decisão e a autoeficácia para as tentações. Na mudança de determinado comportamento, o balanço da decisão envolve a avaliação dos prós e das vantagens percebidas, em relação aos pontos negativos e às desvantagens. A autoeficácia envolve a confiança da pessoa em sua própria capacidade de se envolver em um comportamento mais saudável, dentro de várias situações. As tentações são as várias circunstâncias que podem levar a um comportamento indesejável. O aumento da confiança e o gerenciamento das tentações são essenciais para fazer as pessoas se moverem adiante nos estágios.
PRINCÍPIOS DO ACONSELHAMENTO ALIMENTAR DE CRIANÇAS A criança aprende novas habilidades ou conhecimentos quando está física e mentalmente madura para isso. Ela acumula fatos e possui aprendizado com foco centralizado no indivíduo. Os adultos, por sua vez, possuem aprendizado com foco no problema. Mesmo uma criança de 4 anos de idade sabe o que quer comer. Ela experimenta o aprendizado por meio de realizações pessoais e interações com os outros indivíduos. Precisa de amor, de alguém para guiá-la e de apoio emocional para desenvolver o senso de valor e entender sobre si mesma. Às vezes, a criança quer assumir a responsabilidade; em outras, ela quer ajuda. O educador alimentar pode promover melhor aceitação das mudanças na alimentação quando envolve os pais e a criança, fazendo que todos se sintam confortáveis e abertos sobre as decisões e sugestões. As pessoas seguem mais os conselhos que lhes fazem sentido. Se o conselheiro sente que suas orientações não estão sendo aceitas, deve encorajar a criança ou a família a fazer perguntas. Por exemplo: “essa parece a melhor opção para mim, mas será que vai funcionar para vocês?”. Uma frase como esta pode trazer as desvantagens percebidas para os pais ou para a criança. É importante estar alerta aos sinais de que os pais ou a criança não estão realmente de acordo com as recomendações. As crianças costumam ser ensinadas a não discordar dos adultos e podem estar relutantes em dizer que uma recomendação não funcionará para elas. Contudo, elas são rápidas para expressar seus sentimentos. É fundamental tentar identificá-los e discernir seus significados na situação. As crianças de todas as idades possuem dificuldades em aceitar e ajustar-se a mudanças nos hábitos de saúde e estilo de vida em razão de sua capacidade limitada de racionalização. Elas nem sempre compreendem os motivos porque devem mudar seus hábitos e executar certas tarefas. Permitir que as crianças tomem parte do planejamento de seus cuidados pode ajudá-las a sentir-se no controle da situação.
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A maioria das estratégias para ensinar crianças pequenas utiliza atividades lúdicas, a maneira primária de aprendizado delas. Uma criança pode motivar-se a aprender quando joga, lê livros e usa bonecos. Quando uma criança entende e aceita a resolução de um problema alimentar, pode ser mais disciplinada do que seus pais. Contudo, um deles, sem perceber, pode sabotar os esforços da criança, oferecendo alimentos não desejáveis ou desmotivando as iniciativas de exercício físico. O conselheiro deve, então, trabalhar para ajudar esse pai (que, em geral, não frequenta as consultas) a encontrar outras formas de demonstrar amor e preocupação para com a criança. É importante levar em consideração o relacionamento entre esta e seus pais, assim como as expectativas destes quanto ao aconselhamento. O educador deve aprender o máximo possível sobre a criança a partir dos pais, sobretudo acerca de seus hábitos de alimentação e higiene. Educar crianças também exige entendimento dos princípios de aprendizado do adulto, para poder trabalhar com os pais e solidificar a relação de aconselhamento com toda a família. Os pais e a família possuem muitas funções na vida da criança, entre elas, ensiná-la. O maior objetivo do aconselhamento dos pais é ajudá-los a aumentar a sua competência e confiança para alcançar as necessidades da criança. No que se refere às necessidades alimentares da criança, a responsabilidade dos pais é decidir o que e quando é servido, e é responsabilidade da criança decidir o quanto e o que será ou não consumido. Algumas dicas são: 1. Estabelecer relação estreita e amigável com a criança. Usar expressões faciais, jogos ou desenhos. Conversar por algum tempo com ela sem a presença dos pais. Respeitar seus sentimentos e suas necessidades e demonstrar simpatia por seus interesses. Manter-se aberto para a maneira como a criança faz as coisas, se isso não interferir nos objetivos da educação. Repetir o que foi dito com outras palavras, refletindo os sentimentos da criança. 2. Manter as perguntas e os conceitos de forma concreta, ou seja, evitar assunto abstrato. Ajudar a criança a lidar com os problemas que ela levanta. Fornecer informações em termos simples e com honestidade. Identificar aspectos positivos nos comportamentos dela. 3. Não sobrecarregar a criança com fatos e explicações. Encorajar discussões utilizando desenhos, fotografias ou modelos de alimentos. Responder sempre às perguntas de modo simples e conciso. 4. Reconhecer que a criança pode sentir qualquer limitação (p.ex., dieta) como uma punição. As limitações podem ser sentidas com raiva e ressentimento. Fazer a abordagem à criança com gentileza e preocupação sincera com os problemas dela. 5. Fornecer escapes para a raiva ou sentimentos hostis. Encorajá-la a desenhar figuras ou demonstrar seus sentimentos com bonecos. 6. Perguntar o que ela gostaria que acontecesse. Usar técnicas criativas de brainstorming (tempestade cerebral). Dar opções à criança e respeitar suas escolhas. Aceitar seus objetivos, mas focalizar naqueles concretos e de curto prazo. Imaginar o futuro e
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explorar as inúmeras alternativas. Permitir que a criança explore o mundo ideal e descubra fantasias e desejos. 7. Encorajar os pais a fazer perguntas. Fornecer explicações factuais que os ajudem a apoiar o aconselhamento. 8. Ser flexível. A flexibilidade é particularmente importante no trabalho com crianças. Quando a relação de aconselhamento se desenvolve, os objetivos em curto prazo e que podem ser facilmente realizados são vitais. Manter os objetivos concretos. As tarefas caseiras são úteis. Tentar reunir pequenos grupos de crianças com problemas similares. Observar o comportamento e as interações da criança com as demais.
PRINCÍPIOS DO ACONSELHAMENTO ALIMENTAR DE ADOLESCENTES A adolescência é um período de aceitação variável dos conselhos vindos dos adultos. O adolescente pode ser mais desafiador quando luta para sair do papel de criança dependente para o de adulto independente. Por intermédio de seus colegas e amigos, ele aprende sobre a vida além da unidade familiar. A tarefa central do adolescente é o estabelecimento da identidade. Ele se vê cada vez mais possibilitado de tomar decisões com relação a seu bem-estar, incluindo as escolhas alimentares, as atividades, as roupas e os amigos. Em geral, entende as bases da saúde de maneira diferente dos adultos. Os conselhos, como reduzir a ingestão de queijo e salgadinhos, podem ser vistos como uma forma de os adultos limitarem sua independência e a liberdade de escolha. O adolescente precisa sentir-se autônomo para ter o sentido real de compromisso com qualquer mudança proposta de estilo de vida. Ele tende a preocupar-se com o físico, a aparência e as emoções. Em termos cognitivos, ele pensa no aqui e agora. O abstrato e as consequências a longo prazo de comportamentos da saúde são difíceis de ser compreendidos. O desenvolvimento de uma relação estreita de aconselhamento com o adolescente pode demorar e necessitar de atitude de aceitação por parte do conselheiro. A educação alimentar deve enfatizar os comportamentos imediatos, concretos e de impacto pessoal, explorando seu poder e controle sobre tudo. As ênfases negativas e baseadas em restrições não são produtivas. Algumas dicas são: 1. Entender que o adolescente precisa amadurecer. É importante incluí-lo nas decisões e no estabelecimento de objetivos, assim como o manter informado sobre o progresso da educação. 2. Não impor valores e crenças a eles. Permitir que o adolescente verbalize suas opiniões e seus sentimentos. O educador deve concordar ou desaprovar sem usar julgamento. 3. Reconhecer que os problemas do adolescente envolvem assuntos de interação familiar. O conselheiro deve ajudá-lo a avaliar seu meio ambiente; parabenizá-lo e encorajá-lo quando ele toma decisões sozinho. 4. Tratar o adolescente com dignidade e respeito. Reforçar os aspectos positivos e permitir que ele expresse suas ideias e preocupações de maneira aberta, sem criticismo. 5. Estabelecer limites justos e reforçá-los de forma consistente. Reconhecer as necessidades individuais do adolescente e estabelecer objetivos realistas.
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6. Um conselheiro não deve trabalhar com adolescentes a menos que goste deles e se importe com eles. Os adolescentes estão passando por muitos conflitos físicos, emocionais e psicológicos e necessitam de assistência e guia nesse período difícil. Precisam sentir-se seguros e guiados por indivíduos em quem possam confiar.
PRINCÍPIOS DO ACONSELHAMENTO ALIMENTAR DE ADULTOS Existem diferenças importantes entre o aprendizado de crianças e adultos. O aprendizado destes é um processo ativo e contínuo. O adulto: s s s s s s s s
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necessita saber porque precisa aprender algo, antes de submeter-se ao aprendizado; gosta de determinar e ser ativo em suas próprias experiências de aprendizado. Ele ressente e resiste a situações que sinta que outros lhe estejam impondo suas vontades; quer ter uso eficiente de seu tempo; é mais motivado a aprender se vê um propósito ou necessidade; pode aprender a partir da experiência de outros, assim como das suas próprias; deseja soluções práticas para os problemas encontrados; quer que o meio ambiente conduza seu conforto; opera no princípio da resolução do problema. É motivado a aprender algo que percebe que o ajudará a executar tarefas ou lidar com problemas que ele confronta na vida real; responde melhor aos motivadores internos, como desejo pela satisfação no trabalho, autoestima e qualidade de vida; não gosta de ser tratado como criança; aprende em velocidade e maneiras diferentes; gosta de saber se progressos foram alcançados.
Quando o indivíduo amadurece, a independência desenvolve-se assim que ele toma controle de sua vida. Portanto, qualquer situação que não permita a independência está ligada a ressentimentos e resistência a mudanças. O adulto não gosta de ser colocado em situações em que se sinta tratado como criança: alguém dizendo o que fazer e o que não fazer, menosprezo, punição e julgamento. O educador alimentar deve envolver o cliente na seleção do que aprender, como apresentar a informação e quais ferramentas de avaliação utilizar para determinar se os objetivos do aprendizado foram alcançados. A avaliação pode trazer ansiedade para muitos adultos. No aprendizado do adulto, os melhores métodos de avaliação são os que não intimidam, que permitem a determinação do que foi aprendido. Um exemplo é solicitar ao cliente que faça verbalmente uma lista de conceitos básicos. E demonstram como as novas informações serão incorporadas às atividades diárias. Um exemplo é selecionar alimentos de um cardápio de restaurante. As experiências passadas também possuem impacto imenso, positivo ou negativo, no aprendizado. Na avaliação inicial, o educador precisa determinar os sentimentos do cliente e as experiências relacionadas ao processo de aconselhamento. Perguntar, por
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não repreender ou menosprezar o cliente; particularizar o plano de ensino a cada situação. Evitar materiais “padronizados”, a menos que possam ser individualizados; muitos adultos preferem a objetividade. Em geral, é apropriado o uso de títulos e tópicos dos assuntos; explicar que a mudança reduzirá os riscos, em vez de insistir na mudança em si; certos clientes possuem pouca autoconfiança, como deficiência na educação, medo de falhar, entre outros. Para promovê-la, é preciso ter paciência, responder às perguntas e estabelecer objetivos realistas; certos clientes possuem excesso de autoconfiança. É importante estabelecer objetivos realistas; os adultos precisam de reforço positivo e retornos (reconsultas). Auxiliar na transposição do medo e da ansiedade. Isso pode melhorar a adesão às orientações.
PRINCÍPIOS DO ACONSELHAMENTO ALIMENTAR DE INDIVÍDUOS COM BAIXO NÍVEL DE ALFABETISMO Clientes com baixo nível de alfabetismo procuram primeiro os membros da família e os amigos para obter informações de saúde. Portanto, para serem efetivas nessa população, as intervenções alimentares devem construir um sistema social que inclua familiares e outros diretamente envolvidos com o cliente. Algumas dicas são: s s s
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exemplo: “você já tentou fazer alguma dessas mudanças antes?”. O plano de educação precisa incorporar essa informação e ser montado em cima das experiências positivas, sobrepondo qualquer sentimento negativo que possa bloquear o aprendizado ou a mudança. É importante dar ênfase a técnicas experimentais para envolvê-lo na análise das experiências. É relevante, também, antes de iniciar um relacionamento de aconselhamento, que o educador determine se o cliente está preparado para fazer as mudanças em seu comportamento. Uma discussão gentil e amigável com ele sobre seu preparo pode prevenir frustração e mal-entendidos no futuro. A educação não garante o aprendizado, e o aprendizado pode ocorrer sem a educação. O momento de ensinar um adulto ocorre quando ele reconhece que um problema precisa ser resolvido. Entretanto, um cliente pode ser motivado a aprender em consequência de um educador dinâmico e criativo. É importante abordar um cliente adulto com atitude positiva e acreditar que ele pode aprender, e que o aprendizado terá um impacto positivo em seu bem-estar. Pelo fato de os indivíduos aprenderem de maneiras diferentes, é importante que o conteúdo seja apresentado em vários formatos:
determinar as necessidades, as preocupações e o estilo de aprendizado do cliente; usar métodos e materiais educativos apropriados. É útil o uso de várias técnicas de ensino, como a combinação de informações escritas com o que é explicado verbalmente; conectar as informações com a experiência do cliente. Limitar-se às informações relevantes;
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encorajar apenas as mudanças mais importantes; permitir tempo necessário (passos flexíveis). Manter as sessões curtas e com poucas informações. Evitar surpresas ou mudanças rápidas; envolver o cliente no processo de aprendizado. Encorajá-lo a estabelecer objetivos e descobrir recursos. Promover sua responsabilidade no aprendizado; encorajar a resolução de problemas; fazer simulações. Usar as informações e os materiais com significado prático, organizado e útil; avaliar os esforços. Reconhecer as realizações. Fornecer feedback.
PRINCÍPIOS DO ACONSELHAMENTO ALIMENTAR DE IDOSOS O educador alimentar deve perceber que existem grandes variações e diferenças no desenvolvimento de um indivíduo, de modo que restringir a educação alimentar em virtude da idade pode não ser válido. Muitos estudos mostram que a inteligência não declina substancialmente com o envelhecimento. Os idosos podem ser capazes de continuar a aprender e a mudar os comportamentos. Estratégias específicas de aconselhamento auxiliam o idoso a adaptar a memória associada ao declínio da idade. A educação de um idoso tem de considerar as mudanças sensoriais do envelhecimento. As mudanças com maior impacto no processo de ensino-aprendizado são os declínios da visão e da audição, embora nem sempre estejam correlacionados com a idade cronológica do cliente. As estratégias de educação devem ser focalizadas nas habilidades e capacidades para compreender a quantidade e o tipo de informações: 1. Para acuidade auditiva diminuída, manter as informações claras e simples, falar devagar, com maior separação entre as palavras e repetir os pontos mais importantes. Falar em tom mais baixo. Usar técnicas não verbais. Utilizar audiovisuais para enriquecer a comunicação. Evitar ruídos de fundo. Apoiar os pontos mais importantes com materiais impressos de fácil compreensão. Eliminar as distrações do ambiente e corrigir as respostas erradas de imediato, para manter a clareza da mensagem. 2. Para acuidade visual diminuída, certificar-se de que a luz ambiental está suficientemente clara. Encorajar o uso de óculos. Usar poucos materiais visuais e, no caso, utilizar cores contrastantes e bem definidas (sem sombras), com letras grandes. Pode ser útil o uso de CDs de imagem e som gravados como auxílio didático. 3. Para percepção distorcida das cores, evitar usar as cores azul, verde e violeta nos materiais educativos. Evitar superfícies brilhantes ou plásticas.
PRINCÍPIOS DO ACONSELHAMENTO ALIMENTAR DE CLIENTES HOSPITALIZADOS Com o cliente enfermo hospitalizado, o conselheiro deve ser sensível ao que ele está sentindo e entender as respostas emocionais à enfermidade. É responsabilidade do conselheiro conscientizar o cliente sobre suas opções relacionadas à alimentação, mas é direito do cliente decidir sobre o que quer. É extremamente importante o conselheiro manter-se flexível e retornar outra hora no caso de o cliente estar trocando de roupas, vomitando, discutindo com a família, dormindo ou em outras situações especiais. É
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1. Ouvir o cliente. Perguntar diretamente quais são seus problemas. Determiná-los e, então, tentar encontrar as soluções. 2. Repetir as informações pelo menos uma vez. Quanto mais o cliente ouvir uma informação, mais ela será lembrada. Quando diagnosticados pela primeira vez, a maioria dos clientes lembra-se apenas das informações básicas. 3. Fornecer todas as informações pertinentes por escrito. Escrever nomes comerciais para facilitar a retenção da informação. Dar seu número de telefone para perguntas futuras. 4. Pedir ao cliente que escreva as perguntas. A ansiedade da hospitalização frequentemente bloqueia a memória. 5. Incluir a família e outros indivíduos envolvidos com o cuidado do cliente no aconselhamento, uma vez que isso enfatiza a importância das recomendações. Dar apoio psicológico ao cliente e à família. 6. Ser direto e simples. Evitar termos técnicos. Não esperar que os clientes se lembrem de nomes e detalhes. Para justificar as mudanças, explicar a fisiologia de maneira simples. O uso de figuras é frequentemente efetivo e apropriado. 7. Respeitar períodos mais curtos de atenção. Os medicamentos e o estado emocional podem incapacitar o cliente de se concentrar. Abordar primeiro os pontos mais importantes. Reduzir o tempo da visita e retornar com mais regularidade.
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também relevante checar o prontuário e perguntar ao médico responsável ou ao pessoal de enfermagem, quando possível, se o cliente sabe sobre seu diagnóstico, antes de entrar no quarto e fazer orientações alimentares específicas. Nem todos os clientes estão prontos para mudanças de comportamento. Em hospitalizações de curto prazo, o máximo que pode ser realizado é a avaliação do nível de preparo do cliente, a documentação do que foi avaliado e a comunicação com a fonte apropriada de referência, após a alta. Vários clientes e famílias ficam devastados com o diagnóstico de uma doença, e podem não querer conversar. O oposto também pode ocorrer; eles querem e precisam conversar com alguém sobre o que fazer. Quando este é o caso, é importante estabelecer uma relação estreita, demonstrando preocupação e empatia, e acalmá-los, respondendo às perguntas mais urgentes. Esse é o momento em que o conselheiro deve evitar sobrecarregar ou confundir o cliente com excesso de informações, as quais devem ser dadas de maneira muito rápida. As informações fornecidas durante internações curtas têm de ser breves e restritas ao básico que o cliente precisa saber. Estas são chamadas de “emergenciais” ou de “sobrevivência”. Se o tempo permitir, deve-se marcar uma visita mais extensa no dia seguinte; se o cliente estiver de alta, deve-se pedir que selecione uma ou duas mudanças que ele concorde em fazer e marcar uma consulta ambulatorial. Durante a hospitalização e no momento da alta, os clientes geralmente não estão preparados para um aconselhamento mais profundo, assim como o ambiente hospitalar típico não oferece privacidade suficiente para as sessões. O tempo curto de internação pode também limitar a identificação das necessidades específicas de aconselhamento e a avaliação do conhecimento e da compreensão das instruções dadas. É apropriado (e ético) o encaminhamento do cliente para educação e acompanhamento ambulatorial. Algumas dicas são:
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8. Não tentar conduzir o aconselhamento quando o cliente está irritado ou indiferente. Voltar em outro momento.
PRINCÍPIOS DO ACONSELHAMENTO ALIMENTAR DE GRUPOS A educação em grupo é o trabalho realizado em conjunto com indivíduos que apresentam problemas nutricionais similares. Qualquer tipo de cliente pode ser trabalhado em grupo. As instruções em grupo podem ser tão efetivas quanto as individuais se o planejamento for cuidadoso, dando possibilidade de prática suficiente das habilidades ensinadas. A educação em grupo é diferente de dar aula. O instrutor é o facilitador. Ele possui vários papéis bem definidos, como organizador das sessões, pessoa de contato, controlador e autoridade em alimentação e nutrição. Sua função mais importante, porém, é exercitar o bom julgamento. A efetividade do facilitador depende de um preparo extenso, adequado e frequente, de um diagnóstico cuidadoso, planejamento, conhecimento e consideração das alternativas (flexibilidade). Os membros de um grupo chegam, em geral, com diferentes expectativas, comportamentos e necessidades psicológicas, além de diferentes estilos de comunicação. Algumas pessoas e problemas, como as que necessitam de aceitação social e apoio de outros, respondem bem ao aconselhamento em grupo (se as pessoas se combinam bem). Um grupo pode ajudar seus membros a se sentirem aceitos, respeitados e não sozinhos em seus problemas nutricionais comuns. As experiências divididas e a resolução de problemas podem ajudar algumas pessoas a lidar com seus pensamentos e comportamentos e mudá-los. Os grupos costumam ser dinâmicos e estimulantes. Contudo, outras pessoas necessitam do apoio individual e respondem melhor a ele, com uma relação estreita e de confiança com o conselheiro. Os membros de grupos sentem-se, às vezes, desconfortáveis com exposições. É mais fácil “ficar perdido” em um grupo e nunca realmente lidar com os problemas. Os membros de grupos possuem a oportunidade de desenvolver relações múltiplas, que podem ser positivas ou estressantes, dependendo de quem está no grupo e como ele é coordenado. Algumas dicas são: 1. Estabelecer um número razoável de indivíduos para o grupo. Seis a 12 pessoas é usualmente mais efetivo e atraente. 2. Criar um relacionamento cooperativo e de interação com o grupo. Estabelecer uma relação estreita, com empatia e uma atmosfera de sinceridade com cada participante. As sessões devem iniciar-se bem-humoradas, fazendo-se uma pergunta aberta ou dividindo uma experiência interessante. 3. Equilibrar as informações geradas pelo facilitador e pelo grupo. O primeiro ajuda os membros a explorar causas e fatores contribuintes para os comportamentos e pensamentos-problema. Oferecer a identificação de problemas e os desafios da vida real. 4. Desenvolver estratégias de resolução de problemas. Limitar o uso de diretrizes (dizer o que fazer) para a resolução de problemas. Facilitar que os membros decidam por eles mesmos o que fazer.
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5. Dar a oportunidade para os membros do grupo praticarem novas habilidades. O aprendizado real ocorre durante as sessões práticas. A prática deve acontecer primeiro nas sessões para assegurar que todos entenderam o que fazer. O grupo pode ser subdividido em grupos menores, ou em pares, para a prática de uma nova habilidade. Em sessões subsequentes, os membros relatam como foi o sucesso e os novos desafios quando a habilidade foi utilizada na “vida real”. 6. Utilizar a abordagem positiva e um bom ritmo para manter o grupo motivado. O facilitador deve reconhecer adequadamente as mudanças positivas que todos os membros estão fazendo. Quanto mais prestigiada e bem-sucedida a pessoa se sente em um grupo, mais se sentirá atraída a ele. 7. Fazer a avaliação e solicitar feedback. Tentar novas estratégias ou técnicas com o grupo e perguntar se isso ajudou ou o que foi mais proveitoso naquela sessão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A não adesão pode ser um grande problema para o tratamento nutricional. Como tentativa de minimizá-la, o conselheiro deve procurar deixar o cliente ciente de que a adesão às orientações é seu interesse maior. O cliente deve entender que as limitações são impostas por sua doença e por seu tratamento, e não por uma atitude arbitrária e caprichosa dos profissionais que o assistem. Estes, por sua vez, devem aprender a lidar com o comportamento do cliente não aderente. Embora um profissional possa influenciar na adesão, é importante evitar assumir a responsabilidade pelo tratamento prescrito. O cliente deve ser visto e tratado como o detentor do poder último de decisão sobre seus cuidados.
REFERÊNCIAS 1. National Cancer Institute (NCI). Theory at a glance: a guide for health promotion practice. In: National Cancer Institute, U.S. Department of Health and Human Services (eds.). National Institutes of Health, 1997. p.45. 2. Prochaska JO, DiClemente CC. Toward a comprehensive model of change. In: Miller WR, Heather N (eds.). Treating addictive behaviors: process of change. Nova York: Plenum, 1986. 3. Prochaska JO, DiClemente CC, Norcross JC. In search of how people change: applications to addictive behaviors. Am J Psychology 1992; 47(9):1102-14.
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CAPÍTULO
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Exercício físico e nutrição na prática clínica RAQUEL MUNHOZ DA SILVEIRA CAMPOS DANILO TAKASHI AOIKE ANA RAIMUNDA DÂMASO
INTRODUÇÃO O binômio nutrição e exercício físico na prevenção de doenças tem sido foco de atenção não somente de cientistas, mas também da mídia e de órgãos públicos e privados. Esse fato baseia-se no atual fenômeno conhecido como inversão epidemiológica, em que as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) têm atingido grande parte da população mundial, em diferentes fases do crescimento e desenvolvimento humano, enquanto ocorre redução na prevalência de doenças infectocontagiosas, antes consideradas o principal problema de saúde pública. Nesse sentido, sabe-se que essas doenças, incluindo a obesidade, o diabete, a aterogênese, as dislipidemias, as doenças cardiovasculares, as doenças renais, a esteatose hepática não alcoólica e muitos fatores de risco relacionados à morbidade e à mortalidade precoces apresentam em sua etiologia fatores determinantes comuns, sendo o sedentarismo e a inadequação alimentar fatores contribuintes, porém evitáveis, nesse fenômeno mundial indesejável denominado epidemia-pandemia global. Assim, novos conceitos surgem, embora baseados em premissas antigas. Hipócrates e seus colegas, em aproximadamente 300 a.C., já haviam compilado uma série de fascículos com textos relacionados aos cuidados com a saúde, na visão da época, principalmente voltados para a prevenção de certas enfermidades, mas com vistas para o tratamento de outras. A obra foi chamada de Corpus Hippocraticus e continha volumes dedicados
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exclusivamente à alimentação e à atividade física, ressaltando, já naquela época, sua essencialidade. Mesmo com suas ideias, para sempre atuais, Hipócrates certamente não poderia imaginar o mergulho profundo que a nutrição e o exercício físico dariam ao longo do tempo rumo à imensidão celular. Atualmente, estudiosos das ciências nutricionais têm notado que os nutrientes desempenham papéis que vão muito além do simples nutrir ou mesmo de sua atuação como meros coadjuvantes em processos fisiopatológicos. Nesse sentido, a nutrigenômica abriu muitas portas para a percepção e compreensão mais elaborada de tradicionais sistemas fisiológicos nos quais a nutrição participa e também contribuiu para o desenvolvimento de novas estratégias de terapias nutricionais, visando objetivamente à modulação gênica por meio da alimentação. Desse modo, a busca do comportamento alimentar adequado visando à prevenção e ao tratamento de várias DCNT, assim como a preservação da saúde em todas as fases da vida, baseada em evidências científicas, passam a ser uma estratégia essencial para a melhoria da qualidade de vida da população, uma vez que esta deixou de ter, nas últimas décadas, uma alimentação saudável, em decorrência da adoção de hábitos alimentares denominados de junk-food. Concomitantemente a esse fenômeno alimentar denominado transição nutricional secular, houve também uma redução radical e substancial, sustentada pela alta tecnologia, no nível de atividade física diária da população. Isso contribuiu sobremaneira para o aumento na prevalência de DCNT de etiologia multifatorial, incluindo alterações metabólicas, hormonais, funcionais, psicossociais, entre outras. Contudo, o exercício físico sistematizado, assim como a prática de lazer ativo, têm sido amplamente investigados e, atualmente, são indicados como estratégia terapêutica não medicamentosa, visando ao controle de obesidade, diabete, dislipidemias, doenças cardiovasculares, doenças renais, aterosclerose, síndrome metabólica, esteatose hepática não alcoólica, osteoartrite, osteoporose e muitas outras doenças, incluindo o câncer e a depressão. Assim, seria possível considerar que, na adaptação do homem em relação à sobrevivência foi seletiva, porém punitiva, só os que melhor se adaptaram e conseguiram armazenar energia de maneira eficiente sobreviveram. Todavia, com o passar do tempo, o homem modificou seus hábitos alimentares e seu estilo de vida. Os mecanismos desenvolvidos para sua preservação fazem hoje com que se desenvolva uma série de doenças, colocando a vida em risco. Nesse sentido, é importante mencionar que o sedentarismo, associado aos maus hábitos alimentares, aumenta substancialmente a prevalência de todas as doenças crônicas anteriormente mencionadas, bem como contribui para um maior grau de dependência ao uso de medicamentos, mesmo em idades precoces. Esse conjunto de fatores não somente aumenta a morbidade, mas também abrevia o tempo de vida útil do indivíduo. Assim, torna-se importante a busca por respostas para inúmeras questões relacionadas à etiologia das doenças crônicas e estratégias capazes de diminuir suas consequências. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC – Centers for Disease Control and Prevention) norte-americano, o uso do cigarro, os maus hábitos alimentares e o sedentarismo são os principais fatores de riscos comportamentais determinantes no desenvolvimento de DCNT. Nesse sentido, em 2005, considerando todas as causas de morte, o CDC demonstrou que das dez causas mais frequentes, sete foram
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OBESIDADE A obesidade é uma doença crônica que ocorre em consequência de múltiplos fatores, sejam eles genéticos, endócrinos, psicobiológicos ou culturais, e atinge pessoas de todas
EXERCÍCIO FÍSICO E NUTRIÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA
atribuídas às doenças crônicas (doenças cardiovasculares, câncer, acidente vascular encefálico, doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC –, diabete, Alzheimer e as doenças renais). Nas últimas décadas, considerável conhecimento tem sido acumulado sobre a importância de diferentes tipos de exercícios físicos associado a bons hábitos alimentares, tanto no controle quanto no tratamento de um variado número de doenças crônicas. Desse modo, este capítulo inclui diferentes estratégias terapêuticas associando esse importante binômio (exercício e nutrição) a partir de evidências científicas de sua aplicação na profilaxia, no tratamento e no controle de doenças crônicas mais prevalentes na sociedade atual. Revisando a literatura, observam-se evidências da aplicação do exercício associado à dieta no controle da obesidade e suas complicações (resistência à insulina, diabete melito tipo 2 – DM2 –, dislipidemias, hipertensão), doenças cardiovasculares e pulmonares (DPOC, doenças coronarianas, insuficiência cardíaca crônica – ICC), doenças musculares, ósseas e articulares (osteoartrite, artrite reumatoide, osteoporose, fibromialgia, síndrome da fadiga crônica), câncer, depressão e asma. Por causa da diversidade de aplicação clínica desse binômio na qualidade de vida da população, assim como fatores comuns na etiologia de um vasto elenco de doenças crônicas, serão descritos a seguir os principais efeitos de diferentes tipos de exercícios físicos associados ao controle dietético sobre a fisiopatologia, alguns sintomas específicos identificados em seu diagnóstico e possíveis mecanismos de ação, os princípios da prescrição, incluindo o tipo, a intensidade e a duração, assim como as possíveis contraindicações. Nos diferentes universos da saúde e da doença humana, acredita-se que a prescrição adequada do exercício físico pode torná-lo um fator contribuinte ao tratamento clínico tradicional, tendo sido demonstrado que em um seleto número de casos o exercício físico pode ser ainda mais efetivo do que o tratamento medicamentoso ou estimular os seus efeitos potenciais. Além disso, o exercício físico pode apresentar menos efeitos colaterais do que determinados tipos de medicamentos, o que estimula a busca constante do aprimoramento de sua aplicação ao controle de várias doenças crônicas. No entanto, algumas vezes ocorrem margens limítrofes entre a profilaxia por meio do exercício e sua aplicação como terapia atual. Nesse sentido, considera-se o sedentarismo um dos fatores de riscos evitáveis no desenvolvimento de várias DCNT, sendo o treinamento de aeróbico e de força ou resistido formas viáveis para profilaxia, tratamento e controle. Assim, considerando a ampla aplicação do exercício físico e da alimentação no controle de doenças crônicas, serão discutidas a seguir aquelas de maior prevalência e que apresentam evidências mais consistentes quanto aos efeitos benéficos do exercício físico – os efeitos potenciais da adequação nutricional serão priorizados em outros capítulos. É importante ressaltar que em indivíduos com risco cardiovascular uma avaliação clínica cuidadosa deve sempre preceder o início de qualquer programa de exercício físico.
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as idades, em diferentes fases da vida. A partir da recente descoberta da leptina, hormônio produzido predominantemente pelo tecido adiposo, o conceito de obesidade mudou, deixando de ser considerada apenas como o excesso de gordura corporal e passando a receber a denominação de uma doença inflamatória crônica, pois o tecido adiposo, como órgão secretor, produz inúmeras citocinas pró-inflamatórias que estão aumentadas em indivíduos obesos, o que aumenta a sua associação com outras doenças, como o diabete melito, a hipertensão, a esteatose hepática não alcoólica, as doenças cardiovasculares, entre outras. No entanto, o tecido adiposo também secreta uma importante citocina anti-inflamatória denominada adiponectina, a qual se apresenta reduzida em pessoas obesas. Além disso, sabe-se que o excesso de tecido adiposo visceral, mais do que o excesso de tecido adiposo corporal total, é determinante no desenvolvimento das complicações e/ou comorbidades relacionadas à obesidade e à síndrome metabólica. Existem fortes evidências de que o exercício físico pode melhorar a patogênese da obesidade, assim como seus sintomas e a aptidão cardiovascular, resultando em qualidade de vida. Neste sentido, a prescrição do exercício físico deve ter pelo menos dois grandes focos de atenção: o exercício físico como estratégia de emagrecimento e o exercício físico como estratégia de manutenção de massa muscular. Além disso, deve considerar os fatores de risco associados, de maneira a aperfeiçoar o tratamento. Em estudos visando ao emagrecimento em obesos, observou-se que a terapia de curto prazo (< 16 semanas) promovendo aumento do gasto energético de 2.200 calorias semanais é efetiva em reduzir a massa total de gordura. Também tem sido demonstrado, em obesos, que tanto o exercício aeróbico quanto o resistido, realizados em intensidade moderada, são eficazes na redução na adiposidade visceral. O exercício resistido realizado de forma combinada ao aeróbico pode promover efeitos mais benéficos na manutenção e/ou no aumento da massa muscular, fator importante para a manutenção do peso corporal perdido. É importante que as estratégias de emagrecimento incluam, após o período de intervenção, um período de manutenção do peso corporal atingido, que é um ponto crítico de mensuração do sucesso da terapia. Além disso, deve-se entender que a obesidade, por se tratar de uma doença multifatorial, precisa, na maioria dos casos, de acompanhamento multidisciplinar. Nesse sentido, existem fortes evidências da importância de associação do exercício físico às terapias dietéticas, psicológicas e clínicas. A prescrição do exercício físico deve consistir em exercícios aeróbicos em grande volume, associados ao exercício combinado de força muscular. No entanto, deve ser considerado o elenco de fatores de risco e comorbidades associadas à obesidade, mesmo em idades mais jovens. De modo geral, o preconizado pelo Colégio Americano de Medicina no Esporte para perda de peso deve ser de no mínimo 150 minutos/semana em intensidade leve a moderada, podendo ser ampliada até 420 minutos/semana. É importante ressaltar que esses indivíduos podem ter baixa tolerância ao exercício, além de diversas alterações articulares decorrentes do excesso de peso. Portanto, em muitos casos é necessário iniciar o exercício com volume e intensidade muito abaixo do recomendado. Assim, considerando a necessidade de aumento do nível de atividade física diária para pessoas obesas,
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RESISTÊNCIA À INSULINA E DIABETE MELITO TIPO 2 A resistência à insulina causa intolerância à glicose e aproximadamente 40% das pessoas com essa intolerância desenvolvem diabete melito tipo 2 (DM2) em 5 a 10 anos. A intolerância à glicose está associada a fatores de risco para doenças cardiovasculares e renais, incluindo a obesidade, a hipertensão e as dislipidemias. Nesse contexto, o exercício físico associado ao controle dietético pode reduzir substancialmente o risco para o desenvolvimento do diabete, e esses efeitos são obtidos de maneira mais acentuada à medida que outras mudanças são incluídas no estilo de vida. O DM2 é uma doença metabólica caracterizada por hiperglicemia e alterações no metabolismo de glicose, gorduras e proteínas. É decorrente da resistência à insulina do músculo estriado e do defeito na produção de insulina pelas células betapancreáticas. É uma doença silenciosa, na qual o aparecimento de sinais e sintomas costuma ocorrer tardiamente, o que pode contribuir para aumentar o risco de doenças associadas, como hipertensão, dislipidemias, doenças cardiovasculares e renais. O exercício físico promove melhora na sensibilidade à insulina por causa de um aumento na captação de glicose pela contração do músculo esquelético. Os mecanismos envolvidos incluem aumento da sinalização insulínica, aumento na atividade das enzimas glicogênio sintase e hexoquinase, redução na secreção e depuração de ácidos graxos livres e aumento no influxo de glicose no músculo em decorrência de maior capilarização. Esses mecanismos são agudamente dependentes de depleção do glicogênio muscular e hepático que ocorre durante o exercício físico e cronicamente apresentam melhor eficiência dos mecanismos de captação de glicose. Contudo, a intensidade e o volume do exercício são fundamentais para determinar uma boa depleção do glicogênio. Exercícios aeróbicos de intensidade moderada a alta e exercícios resistidos são excelentes para promover grande depleção de glicogênio muscular e hepático; porém, como esses pacientes são frequentemente sedentários e obesos, a intensidade, tolerância e adaptação ao exercício podem ficar limitadas.
DISLIPIDEMIAS As dislipidemias podem ser definidas como um grupo de desordens no metabolismo das lipoproteínas, caracterizadas pela elevação dos níveis plasmáticos de triglicérides ou de alterações dos níveis das lipoproteínas que transportam o colesterol e as gorduras no sangue. Podem ser classificadas em primárias, quando decorrentes de alterações genéticas, ou secundárias ao uso de medicamentos, aos hábitos de vida inadequados ou a outras doenças, como diabete, hipertensão, ou à combinação desses fatores. Já está bem estabelecido que o exercício físico, independentemente do emagrecimento, promove benefícios no controle das dislipidemias. Os possíveis mecanismos incluem o aumento na utilização de gorduras pelo músculo durante o exercício, poupando glicogênio, mediado por ativação de um elenco de enzimas musculares necessárias ao
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sugere-se a complementação de exercícios com lazer ativo, como dança, caminhada ao ar livre e aumento das atividades físicas do cotidiano.
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metabolismo de lipídios. Portanto, a intensidade do exercício é fundamental para que haja impacto sobre a dislipidemia. Nesse sentido, o exercício aeróbico de intensidade leve e de longa duração é o mais indicado, pois é o que mais otimiza o metabolismo lipídico como fonte de energia durante o exercício.
HIPERTENSÃO A hipertensão arterial é um importante fator de risco para acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca e renal também para morte súbita. Já está bem documentado que o exercício físico pode reduzir a pressão arterial. Entre os mecanismos envolvidos nessa diminuição, incluem-se adaptações estruturais e vasculares, além de mecanismos neuro-humorais mediados pela redução na atividade simpática promovendo redução da vasoconstrição. Assim, de acordo com o Colégio Americano de Medicina do Esporte, o exercício recomendado para o controle da hipertensão tem sido principalmente o exercício aeróbico em intensidade moderada e longa duração, suplementado pelo exercício de resistência muscular localizada em intensidade leve a moderada, tanto para pacientes em uso de medicação anti-hipertensiva quanto para aqueles que utilizam apenas o exercício como forma de profilaxia e controle.
DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA
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A esteatose hepática é definida como um acúmulo de lipídios no citoplasma dos hepatócitos, sobretudo de triglicerídeos, excedendo 5% do peso do fígado. Os fatores mais frequentemente associados à esteatose hepática são a ingestão excessiva de álcool, as hepatites crônicas virais e a chamada doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA). A prevalência de DHGNA tem sido descrita em 10 a 39% em várias populações e está comumente associada a intolerância à glicose ou ao DM2, obesidade central, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia e redução do HDL-colesterol, caracterizando a síndrome metabólica ou de resistência à insulina. O tratamento universalmente aceito da DHGNA consiste basicamente em mudanças no estilo de vida por meio de dieta e exercício físico objetivando a redução de peso e da resistência à insulina. Assim, o exercício aeróbico de intensidade leve a moderada e de longa duração tem impacto significativo sobre a doença, contribuindo no controle da obesidade, principalmente na redução da gordura visceral e na melhora da hipertensão e da dislipidemia. A combinação do exercício aeróbico com o resistido pode ainda contribuir para o controle da inflamação hepática.
DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA A doença pulmonar obstrutiva crônica é caracterizada por redução irreversível da função pulmonar. Em seu estágio avançado, pode gradualmente levar à dispneia debilitante. Apesar de não haver evidências dos efeitos do exercício físico em sua patogênese, existe consenso na literatura sobre seu benefício nos sintomas da doença, na aptidão física e na qualidade de vida. Visto que o exercício não melhora diretamente os mecanismos
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pulmonares ou as trocas gasosas, provavelmente os benefícios observados são decorrentes da melhora na musculatura esquelética. A disfunção dos músculos responsáveis pela locomoção pode limitar o desempenho no exercício tanto pelo desconforto quanto pela ativação precoce do metabolismo anaeróbico, com consequente produção ácido lático. O tamponamento do ácido lático pelo bicarbonato leva à produção de dióxido de carbono e a um aumento no estímulo ventilatório. Como o fluxo expiratório está frequentemente limitado na DPOC, um aumento na ventilação pode exacerbar a hiperinsuflação dinâmica, causando apneia e necessidade de interrupção prematura do exercício. A força do quadríceps, a resistência e a fadiga melhoram significativamente com o exercício, porém ainda não há consenso sobre qual é o tipo de exercício mais efetivo em promover não apenas adaptações musculares, mas também melhora em desfechos clínicos relevantes. Tipicamente, o exercício aeróbico de longa duração aumenta a resistência do músculo esquelético, e o exercício resistido reduz a sarcopenia e promove hipertrofia das fibras musculares. A intensidade do exercício é um importante determinante dos benefícios fisiológicos do treinamento. É consenso que exercícios de intensidade moderada a alta produzem melhores resultados, porém, em pacientes com DPOC grave, a dispneia dificulta a manutenção de treinamento de alta intensidade com duração prolongada. A suplementação de oxigênio durante o exercício físico é uma das estratégias que melhora consideravelmente o desempenho; por esse motivo, é importante a disponibilidade de fontes portáteis de oxigênio. Como alternativa, outra estratégia é empregar o exercício intervalado, ou seja, curtos períodos de alta intensidade intercalados com períodos de intensidade muito leve ou repouso. Portanto, existe consenso na literatura sobre os benefícios do exercício físico aeróbico de intensidade moderada a alta, bem como de exercícios resistidos sobre os músculos respiratórios, sobre a sintomatologia, a aptidão física e a qualidade de vida desses pacientes.
DOENÇAS CORONARIANAS E ATEROSCLEROSE As doenças coronarianas compõem um conjunto de doenças cardíacas causadas por deficiência de fluxo sanguíneo no miocárdio. A isquemia do miocárdio prolongada leva à morte celular (infarto). As doenças coronárias manifestam-se de forma leve a severa: angina pectoris estável, insuficiência cardíaca aguda ou ICC, arritmias agudas e crônicas, angina aguda instável, infarto agudo do miocárdio e morte súbita. A causa de doenças coronárias mais comum é a aterosclerose. A aterosclerose é uma doença inflamatória, crônica, progressiva e de etiologia multifatorial. Caracteriza-se pelo acúmulo de lipídios e elementos fibróticos na parede de artérias de médio e grande calibre. Quando o processo inflamatório ocorre nas artérias que suprem o cérebro, está relacionada à ocorrência de acidente vascular encefálico, e quando ocorre nas artérias que suprem o coração (artérias coronárias), está relacionada ao aparecimento de angina e ao infarto agudo do miocárdio. O processo inflamatório aterogênico inicia-se com uma agressão ao endotélio vascular, associada a inúmeros fatores de risco, como hipertensão arterial, dislipidemia,
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resistência à insulina e aumento na secreção de adipocinas pró-inflamatórias e redução na produção de adiponectina, principal adipocina anti-inflamatória. Há evidências de que o exercício físico apresenta efeitos positivos sobre a patogênese da aterosclerose e das doenças cardiovasculares em geral, além de promover melhora nos sintomas, na aptidão física e na qualidade de vida desses pacientes. Tem sido observado em pacientes que sofreram infarto do miocárdio ou que foram submetidos à revascularização ou angioplastia que o exercício aeróbico promove redução de 20% em todas as causas de morte, além de diminuir em 26% as causas por doenças cardiovasculares. Em resposta ao exercício físico, observa-se, ainda, redução no colesterol total, triglicerídeos e pressão arterial em pacientes submetidos à reabilitação cardíaca. Sugere-se que o exercício aeróbico tenha início 2 semanas após o infarto agudo do miocárdio em ambiente hospitalar. É importante considerar algumas contraindicações quanto à prescrição do exercício físico: s s s s s s
após infarto agudo do miocárdio ou angina instável, esperar pelo menos 5 dias após o quadro se tornar estável; não exercitar pacientes com dispneia em repouso; não exercitar pacientes com pericardites, miocardites e endocardites; não exercitar pacientes com estenose aórtica sintomática; não exercitar pacientes com hipertensão grave (pressão sistólica > 180 mmHg e/ou diastólica > 105 mmHg); não exercitar pacientes com febre.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA
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É uma síndrome clínica definida pela European Society of Cardiology (ESC), de acordo com o seguinte critério: sintomas (dispneia, fadiga e edema no tornozelo) associados a evidências de disfunção cardíaca de repouso, variando de leve a grave. A insuficiência do ventrículo esquerdo é o principal precursor dessa síndrome. As causas mais comuns ao seu desenvolvimento são as doenças cardíacas isquêmicas, a hipertensão e as anomalias valvulares. A ICC associa-se a diminuição da capacidade aeróbica, atrofia muscular, intolerância ao exercício físico, diminuição da força muscular, alterações na atividade do sistema renina-angiotensina, aumento de TNF-alfa e resistência à insulina. O exercício físico pode promover vários benefícios para pacientes com ICC, entre os quais se destacam: melhora da capacidade aeróbica, diminuição da frequência cardíaca de repouso, diminuição da pressão arterial, aumento da capacidade ventilatória, diminuição da dispneia, aumento da tolerância ao exercício e diminuição do risco de morte e de hospitalização. Os principais mecanismos responsáveis pelos efeitos positivos do exercício físico são o aumento da função do miocárdio (aumento do volume/minuto), do volume cardíaco e da força muscular e a diminuição da atividade simpática, da resistência arterial periférica e da atividade do sistema renina-angiotensina. Além disso, o exercício físico aumenta a
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o exercício está associado a redução da atividade simpática, aumento do tono parassimpático e redução nos níveis circulantes de neuro-hormônios; o exercício pode diminuir a geração de espécies reativas de oxigênio, restaurar a função endotelial e reduzir a resistência periférica com melhora da fração de ejeção ventricular esquerda em pacientes com insuficiência cardíaca estável; o exercício físico regular pode ter um efeito anti-inflamatório com redução de citocinas pró-inflamatórias, de mediadores da agregação plaquetária e de marcadores periféricos de disfunção endotelial; o exercício físico melhora o consumo de oxigênio e o limiar de lactato, retardando o início do metabolismo muscular anaeróbio; o exercício melhora a fração de ejeção ventricular esquerda, os volumes diastólicos e sistólicos, a frequência cardíaca máxima, a pressão arterial sistólica e o débito cardíaco.
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atividade da enzima citocromo-C-oxidase com consequente diminuição na expressão local de citocinas pró-inflamatórias, diminui moléculas de adesão, TNF-alfa e iNOS (óxido nítrico sintetase) e proporciona aumento de IGF-1, melhorando o metabolismo muscular e vascular. De acordo com Crimi et al. (2009), os principais benefícios do exercício físico para pacientes com insuficiência cardíaca estável são:
Na ICC, são indicados os exercícios físicos aeróbios inicialmente até 3 vezes/semana, em intensidade leve, aumentando progressivamente sua duração. Posteriormente, deve-se associar exercícios resistidos com característica para resistência muscular localizada, também em intensidade leve.
DOENÇA RENAL CRÔNICA A perda progressiva da função renal tem como consequência inúmeras alterações sistêmicas, metabólicas e hormonais que afetam adversamente vários sistemas e órgãos. Entre elas, destacam-se os distúrbios do metabolismo lipídico e mineral, a resistência à insulina, o estresse oxidativo, a redução da eritropoiese, as alterações no sistema cardiovascular, a acidose metabólica, o aumento do catabolismo proteico, entre outras. Além disso, a doênça renal crônica (DRC) apresenta várias comorbidades, entre elas: hipertensão arterial, diabete melito, inflamação crônica, dislipidemias, depressão, distúrbios do sono, diminuição da capacidade cognitiva e funcional, doenças cardiovasculares, desnutrição energético-proteica e obesidade. Todas essas complicações impõem um elevado risco de mortalidade nessa população. Já está bem demonstrado que o risco de morte de pacientes em terapia dialítica é 20 a 30 vezes maior que o de indivíduos sem DRC da mesma faixa etária, sendo que 50% dos óbitos têm como causa as doenças cardiovasculares. Além disso, observa-se uma importante diminuição no nível de atividade física e na capacidade para realização de exercícios físicos, com início precoce no curso da DRC, principalmente por causa da perda da força muscular causada pela anemia e por disfunções musculares. Entre os
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fatores que contribuem para a atrofia muscular e a redução no número de fibras musculares, destacam-se: desnutrição, acidose metabólica, distúrbios do metabolismo mineral ósseo, diminuição da síntese e aumento do catabolismo proteico e resistência à ação de hormônios anabólicos. Além disso, as mudanças sociais e psicológicas, o envelhecimento, o desemprego e a piora da qualidade de vida podem também contribuir para a redução da atividade física desses pacientes. A inatividade física, por sua vez, agrava as disfunções musculares, que se expressam pela baixa capacidade funcional desses pacientes, caracterizada por dificuldade na realização de atividades diárias, baixa tolerância ao exercício e reduzida capacidade aeróbica. Pacientes com DRC podem encontrar-se em diferentes fases da doença ou tipos de tratamentos com particularidades importantes que devem ser consideradas na prescrição de exercício. Na fase não dialítica ou tratamento conservador, há elevada prevalência de pacientes com sobrepeso e obesidade, hipertensão, diabete melito, dislipidemia e doença cardiovascular. Em função dessas comorbidades, nessa fase da DRC, o exercício mais comumente preconizado é o aeróbico de baixa intensidade, com duração média de 20 a 30 minutos, 2 a 3 vezes/semana até que o paciente se adapte, para posterior aumento da frequência e duração e, finalmente, da intensidade. Exercícios resistidos de baixa intensidade também podem ser agregados, iniciando-se com muitas repetições (~20) para posteriormente aumentar a carga de trabalho. Se a terapia substitutiva da função renal for a diálise peritoneal ou o transplante renal, a prescrição do exercício é semelhante à proposta na fase não dialítica. No entanto, algumas particularidades das terapias devem ser consideradas na escolha do exercício. Na diálise peritoneal, a presença do cateter no abdome impede que exercícios que aumentem a pressão intra-abdominal ou que promovam intensa movimentação da região abdominal sejam realizados. Já no transplante renal bem-sucedido, a intensidade e a duração dos exercícios devem ser menores, para facilitar a tolerância e não promover imunossupressão, uma vez que o paciente faz uso crônico de medicamentos imunossupressores. Na terapia substitutiva da função renal do tipo hemodiálise, é comum encontrar pacientes com desnutrição energético-proteica, apetite reduzido, fadiga, intolerância ao exercício prolongado e fraqueza muscular, mas essas não são contraindicações para a implementação de um programa de treinamento físico. Ao contrário, as evidências apontam que os exercícios físicos, principalmente os do tipo resistido, promovem melhora do estado nutricional e da qualidade de vida. Os pacientes podem ser submetidos ao exercício tanto no dia interdialítico quanto no dia da hemodiálise – nesse caso, o exercício deve ser realizado antes ou nas duas primeiras horas da sessão. No caso dos exercícios resistidos, o principal cuidado a ser tomado é em relação ao braço que tem o acesso vascular (fístula, cateter ou prótese), o qual, na maioria das vezes, não poderá ser exercitado, de modo que a prioridade dos exercícios resistidos será nos membros inferiores. O exercício aeróbico também traz importantes benefícios para esses pacientes, porém a tolerância é muito pequena. Assim, geralmente se inicia com apenas 5 a 10 minutos de duração, em intensidade leve, com 2 a 3 sessões/semana. A Figura 8.1 mostra os principais efeitos da prática regular de exercícios físicos sobre órgãos e sistemas.
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Sistema nervoso
Sistema vascular
Norepinefrina
Angiotensinogênio II
Síntese do óxido nítrico
Vasopressina
Angiotensinogênio II tipo 1
Óxido nítrico
Angiotensinogênio II
Espécies reativas de oxigênio
Superóxido dismutase
Aldosterona
Óxido nítrico ní nítri
Espécies reativas de oxigênio
Ati iddaddde simpática Ativid Atividade
Estresse oxidativo
Atividdaadde vvagal A Atividade
Função endotelial
Reflexo vascular Barorreceptores arteriais Quimiorreceptores
Função cardíaca
Sistema muscular
EXERCÍCIO FÍSICO E NUTRIÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA
Regulação R Reg ula llaç ação aç ção neuro neuro-humoral eu oo-h h
Respostas inflamatórias
S ibilid d ao Ca Sensibilidade C 2+
Enzimas oxidativas
TNF-α, IL-1β, IL-6
Contratilidade dos miócitos
Conteúdo mitocondrial
IL-10
Melhora da hemodinâmica
Estresse oxidativo
ICAM-1, VCAM-1
Citocinas pró-inflamatórias IGF-1
FIGURA 8.1 Efeitos da prática regular de exercício físico sobre órgãos e sistemas. TNF-α: fator de necrose tumoral alfa; IL-1β: interleucina 1-beta; IL-6: interleucina 6; IL-10: interleucina 10; ICAM-1: molécula de adesão intracelular 1; VCAM-1: proteína de adesão vascular 1; IGF-1: fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1.
CONSIDERAÇÕES FINAIS As DCNT, de maneira geral, têm importante impacto sobre a capacidade física, frequentemente comprometendo a autonomia dos indivíduos acometidos por essas doenças. Com a perda de autonomia, há piora da qualidade de vida, isolamento social, depressão, entre outros problemas biopsicossociais. Esse conjunto de fatores dificulta a orientação e a prescrição do exercício físico, visto que todo o quadro clínico e não apenas a doença de base deve ser levado em consideração. Assim, nem sempre o exercício físico “ideal” pode ser aplicado ao paciente. Deve-se, por meio do exercício físico “possível”, promover melhora clínica e da aptidão física de forma lenta e gradual, para alcançar um grau de condição física e clínica em que o exercício físico “ideal” possa ser aplicado e, assim, obter o máximo de benefícios provenientes dele.
DEFINIÇÕES DE TERMOS 1. Atividade física: movimento corporal produzido por contração do músculo esquelético com aumento do gasto energético.
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2. Capacidade funcional: representa a habilidade de executar atividades necessárias do cotidiano, como sentar e levantar, caminhar, entre outros determinantes importantes da qualidade de vida. 3. Capacidade aeróbica: refere-se à capacidade dos sistemas respiratório, cardiovascular e muscular na manutenção de energia para sustentar o exercício pelas vias aeróbicas. 4. Exercício aeróbico: exercício físico caracterizado por repetidos movimentos que recrutem grandes grupos musculares, por longo período de tempo, utilizando predominantemente o metabolismo aeróbico na reposição de adenosina trifosfato (ATP). 5. Exercício resistido: exercício físico caracterizado pela aplicação de uma resistência à ação fisiológica de determinado músculo ou grupo muscular, utilizando predominantemente o metabolismo anaeróbico na reposição de ATP. 6. Intensidade: refere-se ao grau de esforço e pode ser determinada pela quantidade de carga ou peso, pelo percentual do teste de carga máxima, velocidade, consumo de O2, percentual da frequência cardíaca, quantidade de MET, etc. 7. Volume: refere-se à quantidade de exercício, seja pelo número de repetições, de séries, de sessões e/ou à duração das repetições, séries e sessões. 8. Resistência muscular localizada: capacidade muscular de realizar um grande número contrações. 9. Qualidade de vida: é representada pela percepção do indivíduo sobre si e sobre sua posição em relação a sua vida, cultura, metas, expectativas e seus valores, incorporando a saúde física, o estado psicológico, o nível de independência, os relacionamentos sociais, e as crenças religiosas e pessoais.
REFERÊNCIAS
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1. Baria F, Aoike DT, Cuppari L. Exercício físico na doença renal crônica. In: Cuppari L, Avesani CM, Kamimura MA (orgs.). Nutrição na doença renal crônica. Barueri: Manole, 2012. p.427-52. 2. Crimi E, Ignarro LJ, Cacciatore F, Napoli C. Mechanisms by which exercise training benefits patients with heart failure. Nat Rev Cardiol 2009; 6:292-300. 3. Dâmaso AR, Tock L. Obesidade: perguntas e respostas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. 4. Dâmaso AR. Nutrição e exercício na prevenção de doenças. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. 5. Dâmaso AR. Obesidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. 6. Donaldson AV, Maddocks M, Martolini D, Polkey MI, D-C Man W. Muscle function in COPD: a complex interplay. Int J of COPD 2012; 7:523-35. 7. Pedersen BK, Saltin B. Evidence for prescribing exercise as therapy in chronic disease. Scand J Med Sci Sports fev 2006; 16(Suppl. 1):3-63. 8. Sanches PL. Obesidade e doença arterio-coronariana. In: Obesidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. p.101-10.
PARTE
2
Nutrição em Condições Clínicas Específicas
CAPÍTULO
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Obesidade
KÊNIA MARA BAIOCCHI DE CARVALHO ELIANE SAID DUTRA
INTRODUÇÃO A obesidade caracteriza-se como uma doença multifatorial, na qual, além dos fatores nutricionais, os aspectos genéticos, metabólicos, psicossociais, culturais, entre outros, atuam em sua origem e manutenção. No cenário epidemiológico mundial, a obesidade destaca-se por ser, simultaneamente, uma doença e um fator de risco para outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), estando fortemente associada a um risco maior de desfechos, sejam eles as doenças cardiovasculares, diabete melito tipo 2, cânceres ou mortalidade geral. A obesidade interfere não apenas na duração e qualidade de vida, mas apresenta implicações diretas na aceitação social dos indivíduos, que excluídos da estética difundida pela sociedade contemporânea. Dessa forma, o diagnóstico precoce da obesidade, assim como intervenções terapêuticas apropriadas, são aspectos fundamentais para a promoção da saúde e redução de morbimortalidade de indivíduos e populações. Neste capítulo, serão tratadas as questões relevantes para o estabelecimento do diagnóstico da obesidade e para uma conduta nutricional racional, incluindo aspectos de seu tratamento cirúrgico. Nesse contexto, são abordados fatores que contribuem para o sur-
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gimento da doença, os riscos à saúde que a obesidade representa para o indivíduo e os objetivos e metas recomendados para a perda ponderal e sua sustentabilidade.
DEFINIÇÃO E MÉTODO DIAGNÓSTICO Os termos sobrepeso e obesidade, muitas vezes utilizados como sinônimos são, tecnicamente, diferentes. Enquanto sobrepeso significa um aumento exclusivo de massa corporal,* obesidade representa excesso de adiposidade em sua composição. Define-se obesidade, então, como uma enfermidade crônica, que se caracteriza pelo acúmulo excessivo de gordura, comprometendo a saúde do indivíduo. Além do excesso de gordura corporal, é indispensável identificar sua distribuição regional, ou seja, avaliar onde esse excesso de gordura está localizado no organismo do indivíduo. O excesso de gordura, quando localizado principalmente na região central, ou abdominal, representa um fator de risco maior de morbidade e mortalidade que aquele distribuído difusamente ou concentrado em outros segmentos anatômicos. A obesidade é uma doença influenciada por fatores genéticos, ambientais, socioculturais e comportamentais. Estima-se que os fatores genéticos influenciem de 24 a 40% das alterações no índice de massa corporal (IMC), e diversos fatores genéticos predisponentes podem desempenhar papel expressivo no desequilíbrio energético determinante do excesso de peso. O mapa gênico da obesidade humana identifica quão dinâmico é esse processo, uma vez que se identificam novos genes e regiões cromossômicas associados com a obesidade. Sugere-se que o comportamento alimentar inadequado e o sedentarismo devem ser os principais fatores que influenciam o crescimento da obesidade nos grupos populacionais geneticamente suscetíveis. Fatores ambientais, caracterizados por um estilo de vida sedentário e hábitos alimentares inadequados, desempenham expressivo papel na gênese da obesidade da vida moderna e urbana, embora a suscetibilidade genética também seja fator reconhecido para o excesso ponderal. O estilo de vida influencia fortemente os componentes do balanço energético, seja pelo padrão de consumo ou pelas atividades motoras cotidianas. O balanço energético de um indivíduo corresponde à razão entre a quantidade de energia metabolizável ingerida e a quantidade de energia gasta. Este resultado pode ser neutro, positivo ou negativo. *
Vale observar que, propositalmente, não foi utilizado o termo “peso”, pois este termo se refere a uma grandeza de força cujas unidades de representação são, geralmente o N (Newton) e o kgf (quilograma força). O termo “massa” identifica uma grandeza física fundamental, cuja unidade de representação, mais comum no Brasil, é o kg (quilograma). Este é o valor identificado nas balanças de uso habitual. Quando calculado em N (a partir de uma dada massa, em kg), o peso corresponde à massa do corpo multiplicada pelo valor da aceleração da gravidade, que é de aproximadamente 9,8 m/s². Assim, uma pessoa que possua massa de 60 kg terá um peso, aproximado, de 588 N. Observa-se que em situações nas quais não é necessária a identificação da unidade de representação da grandeza física, como, por exemplo, em referência a um “peso saudável”, “peso desejável” ou “peso meta”, o termo “peso” tem sido mais utilizado na literatura técnica.
187 OBESIDADE
Na base etiológica da obesidade, encontra-se o processo indesejável de balanço energético positivo, que resulta em ganho excessivo de massa adiposa corporal. O gasto energético diário total (GET) de um indivíduo inclui três componentes: a taxa de metabolismo basal (aproximadamente 60 a 75% do GET), a atividade física (aproximadamente 15 a 30% do GET) e o efeito térmico do alimento (aproximadamente 10% do GET). O gasto energético pode variar amplamente entre os indivíduos em decorrência de vários fatores, entre os quais se destacam: a composição corporal, a idade, o sexo, o estado nutricional, a ação de hormônios tireoidianos, a atividade do sistema nervoso simpático e os fatores genéticos. Para diagnosticar e avaliar os riscos relacionados à obesidade, é preciso não apenas determinar a composição corporal, mas também identificar nessa composição quanto há de massa gordurosa e qual é sua distribuição. Além disso, é fundamental que se proceda à avaliação nutricional e metabólica detalhada de modo a identificar o peso de cada fator no balanço energético diário.
MÉTODOS CLÍNICOS Antropometria e índices antropométricos A antropometria é o método básico para a avaliação da composição corporal, sendo adequada para determinar a massa, o tamanho, forma e grau de adiposidade. As medidas incluem peso, altura e perímetros de quadril, cintura, cabeça e pescoço, entre outras. Um grande número de publicações recomenda medidas corporais específicas, padroniza técnicas de medida e fornece dados de referência. Atualmente, a antropometria é um método indireto largamente empregado na avaliação da obesidade. No entanto, para essa utilidade, há de se empregar técnica e protocolo com cuidado, pessoal capacitado e referências dos pontos de corte cientificamente aceitos. A antropometria permite distinguir categorias de obesidade, avaliar a composição corporal e estimar o risco relativo da enfermidade.
Peso corporal O peso corporal de um indivíduo corresponde ao somatório de todos os componentes de cada nível da sua composição corporal. Correlaciona-se diretamente com a quantidade de gordura total e a porcentagem de gordura corporal em crianças, adultos e idosos, variando substancialmente nos diversos ciclos da vida. Tem se falado muito, particularmente na mídia não especializada, acerca do “peso ideal” de um indivíduo, valor esse associado mais a um padrão estético a ser alcançado do que a um patamar de promoção, manutenção ou recuperação da saúde e prevenção de riscos associados à obesidade. Observa-se que, inicialmente, o valor isolado do peso de um indivíduo não o identifica como obeso ou eutrófico. Para que tal diagnóstico seja feito, é fundamental que, entre outros procedimentos, seja avaliada sua composição corporal. De
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maneira geral, tecnicamente, trata-se de peso ideal quando se comparam os dados de um indivíduo com padrões de referência divulgados pela literatura científica. Porém, na abordagem clínica, é fundamental identificar o peso que favorece a saúde total do indivíduo, contextualizando-o à sua história médica e nutricional, seus hábitos de vida e, principalmente, à sustentabilidade ponderal – a esse peso dá-se o nome de “peso saudável”. Peso e estatura representam as variáveis antropométricas mais comumente disponíveis em estudos epidemiológicos e de mais fácil obtenção na prática clínica como referência para o peso corporal ideal. Suas combinações, em índices, aferem peso corporal corrigido pela estatura, porém são inespecíficas para distinguir adiposidade de massa muscular e edema. Como padrão de referência de adequação de peso e altura, as tradicionais tabelas do Metropolitan Life Insurance (Tabelas 9.1 e 9.2) são as que associam valores de peso com relação à estatura de pessoas identificadas como sadias e normais, considerando seu gênero e compleição física. Apesar de algumas limitações quanto à metodologia empregada, esses resultados deram origem a termos como “peso ideal” ou “peso corporal relativo” (relação percentual entre o peso do indivíduo e o peso populacional de menor morbimortalidade calculado a partir de tabelas conhecidas). Com esses valores, busca-se diagnosticar baixo peso, sobrepeso e, indiretamente, desnutrição e obesidade. Nesse protocolo, para a obtenção do peso ideal, calcula-se primeiro a compleição física do indivíduo, dividindo-se sua estatura pela circunferência do punho, conforme a relação: Compleição física =
Estatura (cm) Circunferência do punho (cm)
A compleição física é, em seguida, classificada em pequena, média ou grande (Tabela 9.1). Posteriormente, obtém-se a faixa de massa ideal, a partir dos dados fornecidos pela Tabela 9.2.
9
TABELA 9.1 #,!33)&)#!£²/$!#/-0,%)£²/&·3)#!
#OMPLEI ÎOFÓSICA
'RANDE
-ÏDIA
0EQUENA
Homens
< 9,6
9,6 a 10,4
> 10,4
Mulheres
< 10,1
10,1 a 11
> 11
189
-ULHERESCOMPLEI ÎO
(OMENSCOMPLEI ÎO
%STATURA CM
0EQUENA
-ÏDIA
147,7
46,3 a 50,3
49,4 a 51,9
149,9
46,7 a 51,3
152,4
'RANDE
%STATURA CM
0EQUENA
53,5 a 59,4
157,5
58,8 a 60,8
59,4 a 63,9
62,2 a 68,0
50,3 a 55,8
51,4 a 60,8
160
58,9 a 61,7
60,3 a 61,9
63,5 a 69,4
47,2 a 52,2
51,3 a 57,1
55,3 a 62,1
162,6
59,9 a 62,6
61,2 a 65,8
64,4 a 70,8
154,9
48,1 a 53,5
52,2 a 58,5
56,7 a 63,5
165,1
60,8 a 63,5
62,1 a 67,1
65,3 a 72
157,5
48,9 a 54,9
53,5 a 59,9
58 a 61,9
165,6
61,7 a 61,4
63,1 a 68,5
60,2 a 74,4
160
50,3 a 56,2
54,9 a 61,2
59,4 a 66,7
170,2
62,6 a 65,8
64,4 a 69,9
67,6 a 76,2
162,6
51,7 a 57,6
56,2 a 62,6
60,8 a 68,5
172,7
63,5 a 67,1
65,8 a 71,2
68,9 a 78
165,1
53,1 a 58,9
57,6 a 63,9
62,1 a 70,3
175,3
64,4 a 65,5
67,1 a 72,9
70,3 a 79,8
167,6
54,4 a 60,3
58,9 a 65,3
63,5 a 72,2
177,8
65,3 a 69,9
68,5 a 73,9
71,7 a 81,6
170,2
55,3 a 61,7
60,3 a 66,7
64 a 73,9
180,3
66,2 a 71,2
69,9 a 75,3
73 a 83,5
172,7
57,1 a 63,1
61,7 a 68
66,2 a 75,7
182,9
67,6 a 72,6
71,2 a 77,1
74,4 a 85,3
175,3
68,5 a 64,4
63,1 a 69,4
67,6 a 77,1
185,4
68,9 a 74,4
72 a 78,9
76,2 a 87,1
177,8
69,9 a 65,8
64,4 a 70,8
68,9 a 78,5
187,9
70,3 a 76,2
74,4 a 80,7
78 a 86,4
180,3
61,2 a 67,1
65,8 a 72,1
70,3 a 79,8
190,5
71,7 a 78
75,8 a 82,5
70,8 a 91,6
182,9
62,6 a 68,5
67,1 a 73,5
71,7 a 81,2
193
73,5 a 79,8
77,6 a 81,8
82,1 a 93,9
0ESOKG
-ÏDIA
'RANDE
OBESIDADE
TABELA 9.2 0%3/)$%!,$%!#/2$/#/-!%34!452!%!#/-0,%)£²/&·3)#!
0ESOKG
Fonte: Metropolitan Life Insurance Company, 1983.
Relação peso-estatura – índice de massa corporal As relações peso-estatura apresentam grande precisão, pois, ao utilizar padronizações adequadas, suas medições oferecem baixa margem de erro. O IMC é uma forma útil e muito prática de avaliar a obesidade, calculado pela razão entre a massa (kg) de um indivíduo e sua
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estatura (m) ao quadrado. O IMC apresenta o inconveniente de não distinguir o aumento de gordura ou músculo, podendo ser subestimado em indivíduos mais velhos, em decorrência de sua perda de massa magra e diminuição do peso, e superestimado em indivíduos musculosos. Não apresenta, ainda, distinção entre valores de normalidade esperados para homens e mulheres, além de não informar sobre a distribuição de gordura corporal. Em geral, para adultos com menos de 40 anos de idade, aceita-se que o peso de menor risco corresponde a um IMC entre 20 e 25 kg/m2, e até 27 kg/m2, para indivíduos mais velhos. O risco, sobre a base do IMC, pode elevar-se caso também haja concentração de gordura na parte superior do abdome, distúrbios do metabolismo glicídico, hipertensão arterial e dislipidemias, entre outros agravos à saúde. A Tabela 9.3 mostra a classificação do estado nutricional, de acordo com o IMC e o risco de comorbidades, segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS). TABELA 9.3 #,!33)&)#!£²/$/%34!$/.542)#)/.!,$%!#/2$/#/-/·.$)#%$%-!33!
#/20/2!,)-# %/2)3#/$%#/-/2")$!$%3
#LASSIFICA ÎO
)-#KGM2
2ISCODECOMORBIDADES
Baixo peso
< 18,5
Baixo (embora aumente o risco de outros problemas clínicos)
Intervalo normal
18,5 a 24,9
Médio
Excesso de peso
≥ 25
Pré-obeso
25 a 29,9
Aumentado
Obeso classe I
30 a 34,9
Moderado
Obeso classe II
35 a 39,9
Severo
Obeso classe III
≥ 40
Muito severo
IMC: índice de massa corporal. Fonte: World Health Organization, 1998.
9
Voltando ao tema de peso saudável, segue um exemplo no qual se pode refletir acerca do peso-meta para determinado paciente: s s s s s s
sexo: feminino; massa: 98 kg; estatura: 160 cm; circunferência do punho: 17 cm; compleição física: 160/17 = 9,41 cm, portanto: grande; IMC: 98/2,56 = 38,3 kg/m2, portanto, obesa classe II, com elevado risco de comorbidades. Para essa pessoa, sua massa ideal de acordo com:
s s
estatura e compleição física: 59,4 a 66,7 kg; IMC: intervalo de normalidade: 47,3 a 63,7 kg (IMC de 18,5 a 24,9 kg/m2);
191
pré-obeso: 64 a 76,5 kg (IMC de 25 a 29,9 kg/m2); obeso classe I: 76,8 a 89,3 kg (IMC de 30 a 34,9 kg/m2).
OBESIDADE
s s
Dessa maneira, para uma mesma pessoa e sem considerar quaisquer outras informações, sua massa ideal poderia ser bastante variável. No caso do IMC, por exemplo, a redução em uma classe de obesidade (passando de II para I) já reduziria o risco de comorbidades associadas. Assim, compete ao profissional assistente identificar o melhor procedimento para estabelecer a massa e a composição corporal a ser alcançada durante o tratamento da obesidade. Esse assunto será aprofundado no item "Tratamento nutricional".
Distribuição regional da gordura corporal Há diferentes locais de deposição corporal de gordura, a saber, tecidos adiposos visceral, subcutâneo abdominal, subcutâneo glúteo-femural e intramuscular, com graus metabólico e endócrino diferenciados. Na obesidade, as repercussões clínicas do excesso de adiposidade dependem não apenas de sua magnitude, mas particularmente de sua localização. A distribuição regional de gordura com maior concentração nos quadris, denominada obesidade periférica, ginoide ou ginecoide, relaciona-se com um risco aumentado de artroses e varizes. Quando os depósitos de gordura estão difusamente distribuídos, na chamada obesidade generalizada, difusa ou mista, também há riscos aumentados para doenças cardiovasculares, endócrinas, musculoesqueléticas e outras. Porém, quando a maior concentração de gordura é visceral, na obesidade identificada como central, troncular ou androide, é que se verifica maior risco cardiovascular. De modo geral, o tecido adiposo visceral é mais sensível à lipólise, via catecolaminas e beta-adrenorreceptores, e mais resistente à ação da insulina, liberando maior concentração de ácidos graxos livres diretamente na veia porta. Ele também secreta maiores concentrações de adipocinas pró-inflamatórias, como resistina, angiotensina I, inibidor de plasminogênio ativado-1, proteína-C reativa, interleucina-6. O acúmulo de gordura visceral na região central vem sendo descrito, portanto, como o tipo de obesidade que oferece maior risco para a saúde dos indivíduos, sendo identificada como potente fator de risco coronariano e cardiovascular, comparativamente aos demais indicadores de obesidade. Há evidências de que a determinação da circunferência da cintura pode promover, de forma prática e sensível, correlação entre distribuição de gordura e riscos à saúde. Essa medida, que não se relaciona com a altura, mas correlaciona-se estreitamente com o IMC, é um indicador aproximado de gordura abdominal e gordura corporal total. As variações nesse parâmetro refletem mudanças na severidade dos fatores de risco para enfermidade cardiovascular e outras formas de enfermidades crônicas. Existem diferenças populacionais na identificação no ponto de corte a ser utilizado para estimar o risco associado a comorbidades e desfechos, particularmente, cardiovasculares e de desenvolvimento de diabete melito tipo 2. Na Tabela 9.4, é apresentada a adaptação de uma revisão da proposta de valores étnico-específicos para pontos de corte da medida da circunferência da cintura.
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192 TABELA 9.4 0/.4/3 $% #/24% 2%#/-%.$!$/3 $! #)2#5.&%2´.#)! $! #).452! %- #-
0!2!)$%.4)&)#!£²/$!/"%3)$!$%!"$/-).!,%2)3#/$%#/-/2")$!$%3
0OPULA ÎO
(OMENS
-ULHERES
Europeus
≥ 94
≥ 80
Caucasianos
≥ 94 (risco aumentado) ≥ 102 (risco muito aumentado)
≥ 80 (risco aumentado) ≥ 88 (risco muito aumentado)
Norte-americanos, canadenses e europeus
≥ 102
≥ 88
Asiáticos e japoneses
≥ 90
≥ 80
Chineses
≥ 85
≥ 80
Etnias do Oriente Médio, mediterrâneos e africanos subsaarianos
≥ 94
≥ 80
Etnias das Américas Central e do Sul
≥ 90
≥ 80
Fonte: adaptada de Alberti et al., 2009.
Índice de conicidade Considerando que a obesidade central está associada às doenças cardiovasculares mais do que à obesidade generalizada, entre elas doença arterial coronariana, foi proposto o índice de conicidade (IC). O IC é uma ferramenta auxiliar para a avaliação da distribuição da gordura corporal, com base nas medidas de peso, estatura e circunferência da cintura, conforme a seguinte equação: IC =
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Circunferência da cintura (m) 0,109 √ massa corporal (kg)/estatura (m)
O IC é baseado na ideia de que o corpo humano muda do formato de um cilindro (IC = 1) para o de um cone duplo com base comum, com o acúmulo de gordura ao redor na região central do tronco (IC > 1) (Figura 9.1). O resultado do cálculo do IC permite a seguinte interpretação: se, por exemplo, um indivíduo tem um IC de 1,5, isso significa que a circunferência de sua cintura, já considerando o efeito de sua estatura e peso, é 1,5 vez maior do que a circunferência que ele teria caso não houvesse adiposidade central. Apesar de possuir uma faixa teórica esperada de valores (1 a 1,73), sua maior limitação como preditor de doenças coronarianas é a inexistência, até o momento, de pontos de corte específicos que possam discriminar gradações de risco coronariano.
Pregas cutâneas As medidas das pregas cutâneas são úteis para determinar os depósitos de gordura subcutânea, pois há relação entre a gordura localizada nos depósitos debaixo da pele e a gordura interna ou a densidade corporal. Trata-se de uma medida prática e útil, ainda que sua validade dependa de quão precisa foi a técnica empregada para medi-la. A grande limitação desse procedimento como método diagnóstico na clínica diária é a necessidade
193 OBESIDADE
FIGURA 9.1 Ilustração da possível conicidade do corpo humano.
de um adipômetro calibrado e a ampla variabilidade intra e interindividual do aferidor da medida, comprometendo sua reprodutibilidade. É um parâmetro pouco específico quando aplicado em indivíduos com maior grau de obesidade e não deve ser usado para definir o valor total de gordura corporal ou classificar a obesidade entre obesos mórbidos, uma vez que os adipômetros, em geral, não medem além de 50 mm. Os locais em que as pregas cutâneas refletem melhor a adiposidade são: tricipital, bicipital, subescapular, suprailíaca e parte superior da coxa. A soma das quatro primeiras pregas pode ser usada para estimar a porcentagem de gordura corporal, de acordo com a Tabela 9.5. Contudo, as pregas tricipital e subescapular podem ser mais úteis porque, além de possuírem padrões de referência isolados, têm correlação elevada com a gordura corporal total e com a porcentagem de gordura determinada por outros métodos. Há, ainda, outros procedimentos que incluem a utilização de equipamentos mais sofisticados que avaliam, mais especificamente, a localização e as características do tecido adiposo, como bioimpedância elétrica, ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética. São métodos não invasivos e que permitem o diagnóstico e acompanhamento de indivíduos obesos, porém seu alto custo impede sua ampla e rotineira utilização. Independentemente do método, quando se avalia a composição corporal, deve-se estabelecer a referência de normalidade a ser adotada. A Tabela 9.6 apresenta uma classificação possível dos níveis percentuais de gordura corporal, para homens e mulheres, associando o respectivo risco de comorbidades.
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194 TABELA 9.5 0/2#%.4!'%-$%'/2$52!#/20/2!,%-(/-%.3%-5,(%2%32%&%2%.4%°
3/-!$%15!42/02%'!3"·#%03 42·#%03 35"%3#!05,!2%3502!),·!#!
(OMENS )DADE
-ULHERES
A
A
A
A
A
A
20
8,1
12,2
12,2
12,6
14,1
17
19,8
21,4
30
12,9
16,2
17,7
18,6
19,5
21,8
24,5
26,6
40
16,4
19,2
21,4
22,9
23,4
25,5
28,2
30,3
50
19
21,5
24,6
26,5
26,5
28,2
31
33,4
60
21,2
23,5
27,1
29,2
29,1
30,6
33,2
35,7
70
23,1
25,1
29,3
31,6
31,2
32,5
35
37,7
80
24,8
26,6
31,2
33,8
35,1
34,3
36,7
39,6
90
26,2
27,8
33
35,8
34,8
35,8
38,3
41,2
100
27,6
29
34,4
37,4
36,4
37,2
39,7
42,6
110
28,8
30,1
35,8
39
37,8
38,6
41
42,9
120
30
31,1
37
40,4
39
39,6
42
45,1
130
31
31,9
38,2
41,8
40,2
40,6
43
46,2
140
32
32,7
39,2
43
41,3
41,6
44
47,2
150
32,9
33,5
40,2
44,1
42,3
42,6
45
48
160
33,7
34,3
41,2
45,1
43,3
43,6
45,8
49,2
170
34,5
34,8
42
46,1
44,1
44,4
46,6
50
0REGAMM
Fonte: Durnin e Womersley, 1974.
TABELA 9.6 0!$2À%30%2#%.45!)3$%'/2$52!#/20/2!, 0/23%8/ %2)3#/$%#/-/2")$!$%3
!33/#)!$!3!/%34!$/.542)#)/.!,
9
(OMENS
-ULHERES
Risco (desnutrição)
≤ 5%
≤ 8%
Abaixo da média
6 a 14%
9 a 22%
Média
15%
23%
Acima da média
16 a 24%
24 a 31%
Risco (obesidade)
≥ 25%
≥ 32%
Fonte: adaptada de Lohman, 1992.
Circunferência do pescoço A circunferência do pescoço pode ser utilizada tanto como triagem para detecção de adultos com excesso de peso quanto como marcador de adiposidade central e morbidade. Isso se deve ao fato de o acúmulo de gordura nessa região estar associado a maior risco de doenças cardiovasculares, infarto do miocárdio, altas concentrações de LDL-colesterol, hipertensão arterial, hiperglicemia e síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS).
195 OBESIDADE
Tem sido demonstrado que a circunferência do pescoço se associa com todos os critérios diagnósticos para a síndrome metabólica, mesmo após o ajuste para o IMC e o tecido adiposo visceral determinado por tomografia computadorizada. A circunferência do pescoço aumentada revelou-se um marcador mais eficiente de obesidade visceral e resistência periférica à ação da insulina do que a circunferência da cintura. Sabe-se que, quanto maior a circunferência aferida do pescoço, maior o risco de morbidades associadas. No entanto, até o momento, foram sugeridos pontos de corte de referência associados a sobrepeso e obesidade em adultos (Tabela 9.7). TABELA 9.7 -%$)$!$!#)2#5.&%2´.#)!$/0%3#/£/%2)3#/$%3/"2%0%3//5/"%3)$!
%$-EDIDADACIRCUNFERÐNCIADOPESCO OCM
2ISCODESOBREPESOOUOBESIDADE
(OMENS
-ULHERES
< 37
< 34
Não identificável
≥ 37
≥ 34
Investigação adicional
≥ 39,5
≥ 36,5
Obesidade presente
Fonte: adaptada de Ben Noun et al., 2001.
Avaliação metabólica No processo de avaliação do balanço energético, uma das etapas mais complexas é a estimativa do gasto, ou dispêndio, de energia do indivíduo. Para tal, podem ser utilizadas equações preditivas. Seu uso, entretanto, é uma alternativa quando não há disponibilidade, por exemplo, de realização de calorimetria indireta. A calorimetria indireta é um exame utilizado para medir a taxa metabólica de repouso. Fundamenta-se no fato de que o organismo consome uma quantidade fixa de oxigênio para cada unidade de energia oxidada. Pela diferença entre a quantidade de oxigênio no ar inspirado e expirado, o aparelho calcula com boa precisão a quantidade de energia que o corpo está oxidando naquele momento. Cada pessoa tem sua própria taxa metabólica de repouso. Duas pessoas semelhantes, com mesma idade, sexo, peso e altura provavelmente terão metabolismos energéticos diferentes em função, principalmente, de sua composição corporal. A taxa metabólica em repouso de indivíduos obesos é maior do que a observada em eutróficos da mesma idade, sexo e estatura, por conta de sua maior massa corporal. No entanto, quando se faz a correção da taxa metabólica em repouso para o cálculo do gasto energético por kg de massa corporal, o valor encontrado é maior para os eutróficos do que para os obesos.
COMORBIDADES Fatores genéticos, endócrinos, neurológicos, psicológicos e ambientais podem desempenhar, em diferentes indivíduos, papéis importantes na patogênese e morbidades associadas à obesidade. É difícil definir os fatores que contribuem para o aparecimento da obesidade em determinado indivíduo, mas está claro que a obesidade não é uma doença única, e sim um grupo heterogêneo de distúrbios, todos manifestados pelo excesso de gordura corporal, com expressivas implicações metabólicas e sistêmicas.
9
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
196
9
Relacionam-se com a obesidade: doenças cardiovasculares, diabete melito tipo 2, hipertensão arterial, cânceres, apneia do sono, síndrome do ovário policístico, doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e lítiases. Estudos epidemiológicos têm confirmado que a perda ponderal leva à melhora dessas doenças, reduzindo tanto os fatores de risco quanto a mortalidade. Há, entretanto, um aspecto frequentemente comum entre essas doenças: um aumento na resistência periférica à ação da insulina. Os adipócitos possuem uma série de funções, como estocagem de energia e controle hormonal e neural. O controle da ingestão alimentar e homeostase de energia podem ser influenciados por substâncias secretadas pelos adipócitos, como a leptina, adiponectina, resistina, fator de necrose tumoral (TNF)-alfa e receptores-alvo do gene proliferador peroxissômico. Na obesidade, esses compostos bioativos encontram-se modificados por alteração morfofuncional dos adipócitos que secretam maiores concentrações de TNF-alfa e interleucina-6, que são antagonistas à ação da insulina. Além disso, secretam mais leptina, resistina e o inibidor-1 da ativação do plasminogêmio (PAI-1), que estão diretamente relacionados a um quadro de resistência à insulina. A resistência à insulina refere-se a uma falta de resposta fisiológica dos tecidos periféricos à sua ação, levando a alterações metabólicas e hemodinâmicas. A resistência à insulina está presente na maioria dos pacientes com intolerância à glicose ou portadores de diabete melito tipo 2 e em cerca de 25% dos indivíduos não obesos com tolerância à glicose normal. Nessa situação, a euglicemia está condicionada à capacidade das células betapancreáticas em aumentar sua resposta secretória insulínica ou em manter o estado de hiperinsulinemia crônica. Caso isso não ocorra, surge um estado de descompensação do equilíbrio dos níveis de glicose circulante. Além disso, se a hiperinsulinemia não for mantida, ocorre elevação dos níveis de ácidos graxos livres na circulação, que, por sua vez, provoca maior produção de glicose hepática, acarretando, em última análise, aumento significativo da glicemia sérica. A resistência à insulina configura-se, assim, como importante determinante na fisiopatologia das dislipidemias, hipertensão arterial, intolerância à glicose, diabete melito tipo 2, hiperuricemia, hipercoagulabilidade e defeitos no sistema fibrinogênico, hiperandrogenismo, esteatose hepática, doenças cardiovasculares e síndrome metabólica.
Risco cardiovascular Sabe-se que a mortalidade associada à obesidade decorre de lesões no sistema vascular. A obesidade é um fator de risco independente para ocorrência de doença cardiovascular, sobretudo em mulheres, e que o ganho de peso durante a vida adulta aumenta o risco de doença cardiovascular, independentemente do peso inicial ou da presença de outros fatores de risco. Foi verificado que 70% dos casos de hipertensão em homens e 61% nas mulheres puderam ser diretamente atribuídos à obesidade e, para cada quilograma de peso ganho, a pressão sistólica elevava-se em média 1 mmHg. Assim, embora a obesidade se mostre como fator de risco independente para doença cardiovascular, é importante ressaltar a forte associação entre obesidade e hipertensão arterial, bem como sua associação com dislipidemia e intolerância à glicose.
197 OBESIDADE
Dislipidemia Algumas investigações confirmam a importância da hipertrigliceridemia e de níveis baixos de lipoproteínas de alta densidade (HDL) em obesos, mas a influência da obesidade nos níveis de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) ainda é controversa. Muitas pessoas obesas apresentam níveis de LDL-colesterol dentro dos limites normais, uma vez que o aumento característico da concentração de partículas pequenas e densas de LDL-colesterol, mais aterogênicas, não pode ser detectado pela simples dosagem do colesterol total ou fração de LDL-colesterol. A razão LDL-apo-B/LDL-colesterol está frequentemente aumentada nas pessoas obesas. Mais uma vez, essa alteração do perfil metabólico é mais comum entre obesos com acúmulo elevado de gordura intra-abdominal, consistindo em aumento de risco de doença cardiovascular. Trabalhos apoiados nos dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES II), dos Estados Unidos, confirmaram as alterações do perfil lipídico encontradas anteriormente (aumento de triglicerídeos e diminuição de HDL-colesterol) em todas as faixas etárias, além de incremento do colesterol total, em particular à custa de LDL-colesterol em jovens e de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL-colesterol) em idosos, demonstrando, de maneira inequívoca, a importância do diagnóstico e do tratamento concomitante da obesidade e de distúrbios lipídicos.
Diabete melito tipo 2 O peso corporal pode ser considerado fator de risco constante para o diabete melito tipo 2. De acordo com a Comissão Nacional de Diabetes dos Estados Unidos, o risco do desenvolvimento da doença é 2 vezes maior em obesos leves, 5 vezes maior em obesos moderados e 10 vezes maior em indivíduos com obesidade grave. Estudo de coorte (Wilson et al.) que utilizou parte da população envolvida no estudo de Framingham, com seguimento de 5.082 norte-americanos por 14 anos, revelou que a obesidade contribuiu fortemente para incidência de intolerância à glicose em ambos os sexos. Para mulheres, níveis elevados de VLDL-colesterol foram um importante fator independente preditor de intolerância à glicose. Esses resultados sugerem que a elevação dos níveis de VLDL-colesterol pode anteceder o quadro de diabete melito ou intolerância à glicose e não ser apenas o resultado de descompensação da glicemia.
Hipertensão arterial Se por um lado a hiperinsulinemia, resultante da resistência à insulina, pode ser considerada um bom mecanismo compensatório para manterem-se normais os níveis de glicemia e ácidos graxos livres, por outro já se comprovou relação direta entre concentração de insulina plasmática e pressão arterial. As informações disponíveis sugerem pelo menos duas hipóteses, com as quais se poderia explicar a relação de causalidade da resistência à insulina e hiperinsulinemia, com o aumento da pressão arterial: s
o aumento da concentração da insulina estaria relacionado com aumento significativo da concentração de catecolaminas plasmáticas, independentemente de qualquer alteração da glicemia, estimulando a atividade do sistema nervoso simpático, gerando
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198
s
um estado hiperadrenérgico; assim, o aumento da atividade simpática vasoconstritora na musculatura contribuiria para a elevação dos níveis da pressão arterial; o rim seria outro possível sítio, no qual a resistência à insulina e a hiperinsulinemia poderiam agir, provocando elevação da pressão arterial pelo aumento da reabsorção tubular de sódio.
Síndrome da apneia obstrutiva do sono A SAOS caracteriza-se por repetida obstrução das vias aéreas superiores, resultando em dessaturação da oxi-hemoglobina, alterações da estrutura do sono e sintomatologia típica: ronco, sonolência diurna excessiva e pausas respiratórias durante o sono. O fator de risco mais importante para a SAOS é a obesidade, em especial a gordura localizada no pescoço. Entre os portadores da síndrome, até 70% são obesos; e entre os obesos graves, a incidência é de até 15 vezes maior quando comparada à população em geral. Apesar de bastante complexa e não completamente esclarecida, a fisiopatologia da SAOS inclui um estreitamento das vias aéreas superiores, frequentemente causada por deposição de gordura perifaríngea, alterações nos ossos da face e nas amígdalas e adenoides. A obesidade, que se relaciona fortemente com o aumento de tecidos moles ao redor da faringe, é considerada o fator predominante para a obstrução das vias aéreas superiores.
Doença hepática gordurosa não alcoólica
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A DHGNA é uma condição clinicopatológica comum, caracterizada por depósito de lipídios nos hepatócitos do parênquima hepático, causando elevação assintomática de aminotransferases em até 90% dos casos, excluídas outras causas bem estabelecidas. Sua prevalência aumenta significativamente entre obesos, variando de 50 a 75% dos casos, e, provavelmente, este valor elevado seja paralelo ao aumento da prevalência global de obesidade, nas diversas faixas etárias. Ao exame físico, a obesidade é a anormalidade mais comum, sendo a hepatomegalia descrita em, aproximadamente, 75% dos pacientes. Sinais de hipertensão portal são menos frequentes, embora a esplenomegalia possa ser encontrada em 25% dos pacientes na época do diagnóstico e, entre os sinais de insuficiência hepática, spider e eritema palmar são os mais comuns. Por meio de exames laboratoriais, podem ser encontradas elevações discretas ou moderadas nos níveis de aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT). Diversas agressões estão envolvidas em sua patogênese, sendo aqui abordadas duas delas. Inicialmente, como resultado da resistência à insulina, há uma maior síntese e retenção de triglicerídeos no hepatócito, levando à esteatose macrovesicular. Provavelmente, uma menor oxidação de ácidos graxos, por disfunção mitocondrial, possa contribuir para esta alteração. A segunda agressão é geralmente atribuída ao estresse oxidativo, favorecendo a peroxidação de lipídios na membrana do hepatócito e produção de citocinas. Na obesidade, pode ocorrer, também, resistência à leptina. Há estudos sugerindo que esse hormônio promove esteatose hepática e esteato-hepatite, e outros mostrando que suas concentrações se correlacionam com esteatose, mas não com inflamação e fibrose. Na
199 OBESIDADE
ausência de terapêutica específica para a DHGNA, o tratamento é direcionado à correção dos fatores de risco. A perda de peso é fundamental, pois há estudos que observaram melhora bioquímica e histológica, com perda ponderal gradual e moderada (~10%), porém não há estudos clínicos bem controlados sobre o tema.
Síndrome metabólica O termo “síndrome metabólica” (SMet) foi proposto ao final da década de 1990, caracterizando-se como uma associação complexa de desordens metabólicas, incluindo a intolerância a glicose (diabete tipo 2, diminuição da tolerância à glicose ou hiperglicemia), resistência à insulina, obesidade central, dislipidemia e hipertensão arterial, que aumentam o risco para doença cardiovascular e diabete melito tipo 2. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, a SMet é um transtorno complexo representado por um conjunto de fatores de risco cardiovascular usualmente relacionados à deposição central de gordura e à resistência à insulina. No Brasil, os dados de prevalência de SMet são escassos, e entre os poucos estudos de base populacional acerca da prevalência de SMet em adultos brasileiros foram encontrados valores que variaram entre 56,8% em nipo-brasileiros do estado de São Paulo; 23,7% na população de Salvador; 24,8% nos residentes do semiárido baiano; 25,4% na população urbana da cidade de Vitória; e 32% no Distrito Federal. A publicação, em 2009, de um comunicado conjunto de renomadas instituições (International Diabetes Federation, National Heart, Lung, and Blood Institute, American Heart Association, World Heart Federation, International Atherosclerosis Society e International Association of the Study of Obesity) orientou para um consenso na definição da SMet e seus critérios diagnósticos, conforme a Tabela 9.8.
TABELA 9.8 #2)4³2)/30!2!$)!'.¼34)#/#,·.)#/$!3·.$2/-%-%4!"¼,)#!
-EDIDA
#ATEGORIZA ÎODOSPONTOSDECORTE
Circunferência da cintura aumentada
Definições populacionais e específicas para cada país (Tabela 9.4)
Triglicerídeos aumentados (tratamento medicamentoso para hipertrigliceridemia é um indicador alternativo)
≥ 150 mg/dL (1,7 mmol/L)
Valores reduzidos de HDL-c (tratamento medicamentoso para HDL-c baixo é um indicador alternativo)
Homens: < 40 mg/dL (1 mmol/L) Mulheres: < 50 mg/dL (1,3 mmol/L)
Hipertensão arterial (tratamento medicamentoso anti-hipertensivo em paciente com história de hipertensão é um indicador alternativo)
Pressão sistólica ≥ 130 e/ou diastólica ≥ 85 mm Hg
Glicemia de jejum aumentada (tratamento medicamentoso para hiperglicemia é um indicador alternativo)
≥ 100 mg/dL
Fonte: adaptada de Alberti et al., 2009.
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A definição de SMet permite inferir acerca das diretrizes para seu tratamento, que atribui aos fatores ambientais a maior responsabilidade por sua manifestação. Qualquer programa de intervenção necessita de perspectivas comportamentais, atuando sobre a redução da obesidade e aumento na atividade física, de acordo com avaliação médica e intervenção farmacológica.
TRATAMENTO NUTRICIONAL Globalmente, o processo de urbanização foi acompanhado por mudanças de comportamento, principalmente com relação à dieta e à atividade física. A alimentação industrializada, tão comum no mundo contemporâneo, caracteriza-se pela oferta predominante de energia, rica em carboidratos simples e gorduras. Por sua vez, o modo de vida das pessoas foi se tornando cada vez mais sedentário nas últimas décadas. À parte do imenso e acelerado desenvolvimento tecnológico na área de saúde, a prevenção e o tratamento da obesidade devem incluir, necessariamente, aspectos relacionados à promoção de padrão alimentar saudável e modo de vida ativo. Outras propostas para controle da obesidade que não promovam o cuidado com o comportamento, associado à alimentação e à atividade física, podem ganhar popularidade, mas fracassam em termos de eficácia e eficiência. Dada a emergência da situação com a elevada prevalência das DCNT e obesidade, foi aprovada, em 1999, no Brasil, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), que trouxe como uma de suas diretrizes a promoção de práticas alimentares e estilo de vida saudáveis. Em 2004, a OMS publicou a Estratégia Global para Alimentação, Atividade Física e Saúde, documento que aponta os modos de vida saudáveis, em especial a alimentação e a atividade física, como elementos fundamentais nas ações de saúde pública. No Brasil, a aprovação, em 2006, da Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) institucionalizou a promoção de hábitos alimentares saudáveis e a prática de atividade física e/ou práticas corporais como ações prioritárias para se promover a saúde e reduzir os riscos para DCNT, por meio de ações sustentáveis e integradas. Paralelamente, a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), em 2008, representou um avanço para a integração das ações de atenção e promoção da saúde, favorecendo a formação de redes de suporte social. Mais recentemente, em 2011, foi lançado o Programa Academia da Saúde, visando à implantação de polos com infraestrutura, equipamentos e profissionais para a orientação de práticas de atividade física e modos de vida saudáveis, cujas atividades estão associadas às ações do NASF. Em todos esses documentos, a promoção da saúde por meio da alimentação e prática de atividade física é o tema central. Tais medidas servem não apenas para a prevenção de obesidade, mas também para seu tratamento. Da mesma maneira que as ações de saúde pública devem ser desenvolvidas, individualmente, a dietoterapia ou o aconselhamento nutricional são abordagens fundamentais para garantir uma nova condição de saúde. As mudanças dietéticas para controle de quantidade e qualidade das refeições devem ser a base do tratamento da obesidade, mesmo quando esse tratamento incluir medicação e/ou cirurgia bariátrica. No caso da dietoterapia, porém, a conduta deve ser individualizada, respeitando-se a história
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clínica do doente, seu contexto social e cultural, bem como o estágio de mudança de comportamento em que o indivíduo se encontra. Recomenda-se que a abordagem seja multidisciplinar, uma vez que, além dos fatores clínicos e nutricionais, outros aspectos, como comportamento, estado emocional, prática de exercícios, entre outros, também devem ser considerados. De maneira geral, pode-se dizer que as ações em saúde pública favorecem a criação de um ambiente propício para a atenção dietética individualizada. São, portanto, ações complementares. Nesta seção, serão abordados os princípios e parâmetros do manejo nutricional individualizado diante de uma situação de excesso de peso ou obesidade.
Princípios da atenção nutricional ao paciente obeso A atenção nutricional ou atenção dietética inclui: s s s s s
avaliação do estado nutricional, para determinação do diagnóstico nutricional e das necessidades nutricionais; desenvolvimento do plano de ação nutricional; implementação da dietoterapia, determinada pelo cálculo da dieta e conteúdo de macro e micronutrientes; aconselhamento nutricional, envolvendo conceitos básicos de saúde e alimentação; avaliação da eficiência da intervenção.
Essas ações são traçadas para dar suporte profissional necessário para garantir um cuidado nutricional de qualidade.
Avaliação nutricional A avaliação do estado nutricional é fundamental para a identificação dos pacientes sob risco nutricional. Inicialmente, devem-se buscar na história clínica informações acerca de diagnóstico e intercorrências clínicas que podem afetar o estado nutricional do paciente. Em seguida, buscam-se evidências objetivas desse estado nutricional (antropometria, avaliação clínica e dados bioquímicos). Tem-se assim uma descrição do perfil clínico e nutricional do paciente, na qual se determinam o grau de obesidade, o tipo de distribuição de gordura corporal (central ou periférica) e a presença ou não de comorbidades associadas ao quadro. Todos esses parâmetros foram abordados nas seções anteriores. A avaliação nutricional só será completa, contudo, se apresentar a descrição detalhada do padrão alimentar ao longo da vida do indivíduo e as características da alimentação no momento da avaliação. Alguns profissionais erroneamente consideram que, pelo fato de todo indivíduo obeso ter um balanço energético positivo com excessivo consumo alimentar, não é necessário o detalhamento das suas práticas alimentares. De acordo com essa análise equivocada, o senso comum no sentido de que o indivíduo obeso come de forma errada e excessiva justificaria uma consulta de curta duração sem aplicação dos demorados inquéritos alimentares. Entretanto, não realizar uma anamnese alimentar detalhada não apenas demonstra falta de interesse do profissional pela alimentação
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do paciente, como também impede que o plano alimentar seja individualizado e de acordo com as práticas e culturas referidas. Assim, deve-se evitar preconceitos a respeito do padrão alimentar do obeso e buscar conhecer de forma pormenorizada sua cultura e práticas alimentares. O diário alimentar, em que o paciente registra durante a semana todos os alimentos consumidos e as quantidades correspondentes, representa ferramenta eficaz de anamnese alimentar. Outros aspectos relacionados que devem ser verificados durante a avaliação nutricional incluem: s s s s s s
capacidade física para ingestão de alimentos; mudanças ponderais recentes; intolerâncias alimentares; medicações em uso e possíveis interações de drogas, nutrientes e estado nutricional; presença de transtornos alimentares; outras alterações ou queixas digestivas, como dispepsia, constipação intestinal, etc.
Desenvolvimento do plano de ação nutricional
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Para o planejamento da intervenção nutricional, é preciso definir os objetivos do tratamento. Não raramente se encontram metas discrepantes entre o profissional e o paciente, quando este deseja recuperar, por exemplo, suas medidas antropométricas de um passado remoto. A referência estética, especialmente no caso das mulheres, vem sendo construída pela mídia, com imagem de modelos e atrizes ricas, famosas e magérrimas – um mundo irreal, mas que se faz presente na hora de definir o peso desejado ou as metas do tratamento. É comum uma paciente manifestar, em primeira consulta com nutricionista, desejo de emagrecer 30 kg, por exemplo, pela simples pretensão de sair da condição de obesidade e alcançar um patamar de magreza; em outras palavras, solicita que o nutricionista provoque uma “troca” de IMC: sair de um nível superior a 30 kg/m2 para alcançar um novo IMC que seja inferior a 20 kg/m2. Este fato pode explicar a baixa adesão ao tratamento nutricional, pois os pacientes abandonam o tratamento quando percebem que não conseguirão atingir seus próprios objetivos, em geral, excessivamente ambiciosos. O objetivo racional da intervenção dietética é reduzir a gordura corporal para um nível tal que seja acompanhado de melhora no estado de saúde ou de redução dos riscos de complicações associadas à obesidade. De forma geral, redução de 5 a 10% do peso inicial já resulta em melhora metabólica significativa. Portanto, alcançar um estado de eutrofia ou magreza não é o objetivo central do tratamento da obesidade, uma vez que níveis intermediários para este resultado representam melhora substancial da condição de saúde. As metas individuais devem basear-se em indicadores metabolicamente importantes, como perfil de glicose, lipídios plasmáticos e pressão arterial. Tais parâmetros são mais eficientes que metas arbitrárias de peso “ideal”. Além disso, o tratamento só poderá ser considerado bem-sucedido se os resultados forem sustentados a longo prazo. De nada
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adianta obter um emagrecimento maciço se este não puder ser mantido a longo prazo. Por sua vez, para um emagrecimento sustentado é preciso manutenção, durante toda a vida, de hábitos e práticas saudáveis. Portanto, entende-se que o monitoramento dos resultados seja fundamental. A Figura 9.2 apresenta quatro níveis de sucesso de tratamento para obesidade. Em todos eles, o resultado deve ser sustentado. Nos três primeiros níveis, o paciente continua com excesso de peso, mas além de não aumentar o peso corporal com o passar do tempo, encontram-se outros marcadores de sucesso, como práticas alimentares saudáveis e melhora do perfil metabólico. Pelo esquema apresentado na Figura 9.2, conclui-se que o sucesso não representa apenas o nível 4 de resultado, aquela condição rara do peso “ideal” recuperado. Existem ainda outros três níveis de sucesso que devem ser considerados ao se estabelecer uma meta de tratamento. Todos esses aspectos devem ser detalhadamente tratados com o paciente, antes da implementação da dieta propriamente dita. As metas racionais de tratamento podem evitar frustrações e abandono do programa. A adaptação do plano de ação nutricional à realidade do paciente, de acordo com sua atividade ocupacional, suas rotinas, sua disponibilidade financeira, seus hábitos regionais, entre outros, também podem favorecer a adesão ao tratamento.
Implementação da terapia nutricional O tratamento da obesidade pode ter, ainda, resultados frustrantes por outras razões, como a utilização de estratégias equivocadas, o mal uso dos recursos terapêuticos disponíveis e o baixo nível de acompanhamento, evolução e adaptação da dieta estabelecida.
Peso corporal
Curso natural do ganho de peso
Sucesso
1. Peso sustentado, sem aumento
Obeso
2. Pequena perda de peso com mudança 3. Perda de peso modesta com clara redução de fator de risco, p.ex., PA
Sobrepeso Normal
4. Normalização de peso: raro
Estratégias de tratamento
Anos de acompanhamento ou monitoramento intermitente
FIGURA 9.2 Possíveis indicadores de sucesso em programas de tratamento da obesidade. Fonte: adaptada de Institute of Medicine, 2002.
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Para proposta de tratamento por curto período, o paciente poderia aceitar qualquer dieta, mesmo que seja diferente de seus hábitos, em função da motivação intrínseca para perder peso e da promessa de resultado rápido e robusto (emagrecimento substancial a ser alcançado em pouco tempo). Os resultados dessas dietas “da moda” são visíveis, porém transitórios, uma vez que dificilmente tais regimes são mantidos por muito tempo. Para tratamentos de longo prazo, com monitoramento continuado, a adesão será melhor se as dietas forem nutricionalmente balanceadas, com cardápios saborosos e sem restrições energéticas muito drásticas. As necessidades nutricionais devem ser supridas durante o período de tratamento e monitoramento. De fato, indivíduos que seguem dietas muito restritas e desbalanceadas podem ficar contentes com seus resultados a curto prazo, mas além do risco de recuperação de peso, podem apresentar, ainda, deficiências nutricionais durante a vigência da dieta. Assim, a terapia nutricional será adequada se forem supridas as necessidades nutricionais do indivíduo e se houver um monitoramento permanente. A seguir, serão detalhadas as características da dietoterapia preconizada para indivíduos com excesso de peso.
Diretrizes da dietoterapia Plano de restrição energética moderada
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1. Conteúdo energético: calcular o valor energético desejado segundo a situação biológica. Aconselha-se reduzir progressivamente a ingestão entre 500 kcal e 1.000 kcal/dia em relação ao valor de consumo obtido na anamnese alimentar (não inferior a 1.200 kcal/dia). Para o cálculo direto do teor energético da dieta, sugere-se implementar um plano que forneça de 15 a 20 kcal/kg de peso atual/dia, não sendo inferior à estimativa do gasto energético basal. 2. Conteúdo ideal de nutrientes: s carboidratos: 55 a 60% (com cerca de 20% de absorção simples); s proteínas: 15 a 20% (não menos de 0,8 g/kg de peso desejável/dia); s gorduras: 20 a 25%, com 7% de gorduras saturadas, 10% de gorduras poli-insaturadas e 13% de gorduras monoinsaturadas; s fibras: entre 20 e 30 g/dia; s álcool: não é aconselhável; s colesterol: não mais que 300 mg/dia; s vitaminas e minerais: são alcançadas as necessidades totais nos planos de 1.200 kcal ou mais; s cloreto de sódio: quantidade adequada à situação biológica individual; s líquidos: 1.500 cc para cada 1.000 kcal; s distribuição: sugerem-se 6 refeições/dia.
Outros planos alimentares 1. De baixo valor energético: denominam-se assim os planos que proveem entre 800 e 1.200 kcal ou entre 10 e 19 kcal/kg de peso desejável/dia. É indicado se após um período razoável com um plano moderado não se conseguiu diminuir de peso.
205 OBESIDADE
2. De muito baixo valor energético: denominam-se assim os que proveem menos de 800 kcal diárias ou menos de 10 kcal/kg de peso desejável/dia. Está indicado para obesidades massivas e recorrentes, descompensação diabética e outros estados que necessitam de rápida perda de peso. Deve ser aplicado por períodos curtos (3 a 4 semanas). Nota: apesar de os planos alimentares de baixo valor energético e muito baixo valor energético promoverem maior perda ponderal do que o de restrição energética moderada, eles estão associados a maiores taxas de reganho de peso, a menos que sejam seguidos de cirurgia bariátrica, a ser descrita em seção posterior deste capítulo. Não se recomendam dietas de menos de 400 kcal/dia, nem o jejum total (menos de 200 kcal/dia).
Aconselhamento nutricional A cultura de um povo pode determinar a adoção de um padrão alimentar particular, incluindo suas crenças e tabus. Uma vez instalado, talvez seja impossível modificá-lo individualmente, sobretudo para pessoas adultas. A inclusão de conteúdo relacionado à alimentação e à nutrição nos currículos escolares pode contribuir para o estabelecimento de hábitos alimentares saudáveis. O Ministério da Saúde lançou em 2005 a cartilha “Dez Passos para uma Alimentação Saudável”, indicados na Tabela 9.9, que é uma ferramenta útil para aconselhamento nutricional também nos casos de obesidade. TABELA 9.9 $%:0!33/30!2!5-!!,)-%.4!£²/3!5$6%,
1º passo
Estabeleça horários para as refeições, distribuindo-as em 5 a 6 refeições/dia
2º passo
Consuma variados tipos de verduras, legumes e frutas: use sempre aqueles de coloração intensa, como os verdes-escuros e amarelos
3º passo
Escolha alimentos ricos em fibras, como verduras, frutas, legumes, leguminosas (feijões), cereais integrais, como arroz, pão e farinha integrais (aveia, trigo, etc.)
PASSO
Evite os alimentos ricos em açúcares, como doces, refrigerantes, chocolates, balas e outras guloseimas
5º passo
Consuma pouco sal de cozinha: evite alimentos com alto teor de sal. Prefira ervas (salsa, coentro, cebolinha, orégano), especiarias e limão para tornar as refeições mais saborosas
PASSO
Diminua o consumo de gordura
7º passo
Evite o fumo e as bebidas alcoólicas
8º passo
Beba água
PASSO
Mantenha um peso saudável
PASSO
Procure ter uma alimentação saudável e uma atividade física moderada regular, assim você terá um peso adequado, que também é importante para o controle do diabete e da hipertensão
Fonte: adaptada de Ministério da Saúde, 2007.
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As orientações nutricionais fornecidas durante o tratamento da obesidade têm como objetivo situar a dietoterapia em um contexto amplo de saúde, permitindo que o paciente perceba a importância do tratamento para estabelecimento de um estilo de vida, o qual possibilita que se sinta melhor e mais saudável. Tal conduta pode ser um diferencial no nível de adesão à dieta. São exemplos de tópicos de aconselhamento durante o tratamento da obesidade: s
s
s s s s s
instruir o paciente a manter sua própria dieta: ensinar a utilizar receitas; controlar as porções; indicar o que consumir em festas, os lanches menos energéticos e os métodos de preparação de alimentos; utilizar recursos de terapia comportamental para automonitoramento (diários alimentares e de atividade física, registro de peso corporal); estimular o paciente a discutir com o profissional as opiniões leigas e “palpites” de familiares ou amigos; estimular a prática de exercícios físicos orientados; orientar sobre a síndrome de “ioiô” (reganho de peso), porque ela ocorre e o que se pode fazer para evitá-la; comer devagar, mastigando bem; evitar pular refeições; ressaltar que a obesidade pode ser tratada com sucesso (explicar o que é sucesso).
RESUMO DA ABORDAGEM E AVALIAÇÃO DA EFICIÊNCIA DA INTERVENÇÃO
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Após estabelecer a conduta nutricional racional e individualizada, é preciso acompanhar a evolução do tratamento e analisar a eficiência da intervenção, o que exige o estabelecimento de novas estratégias, sempre que necessário. As dificuldades encontradas para o cumprimento da dieta vão sendo relatadas, e a falta de resultados pode apontar para o fim do tratamento. Caso seja possível manter o contato com o paciente, novos estímulos poderão surgir, dando continuidade à intervenção. Entretanto, deve-se considerar que, mesmo com esse cuidado, é comum o tratamento ser abandonado, resultando em uma experiência frustrante para o paciente e para o profissional. Técnicas de automonitoramento de peso e de registro alimentar costumam ser eficazes na busca pela manutenção dos resultados. As atitudes positivas adquiridas durante o período de emagrecimento devem ser mantidas por toda a vida. Disso depende a eficiência da intervenção. A Figura 9.3 representa um resumo de todo processo de manejo da obesidade até aqui apresentado e que culmina na avaliação da intervenção e monitoramento do paciente. No modelo proposto por Serdula et al. (2003), percebe-se que não basta receber o paciente, calcular uma dieta hipoenergética e esperar que tudo seja resolvido. Da mesma maneira, o tratamento medicamentoso ou cirúrgico da obesidade não são propostas isoladas de intervenção. As seis etapas descritas a seguir comprovam a abordagem cuidadosa que envolve o tratamento da obesidade.
207 OBESIDADE
1. Inicialmente, é preciso proceder à avaliação nutricional do paciente e à determinação do IMC, avaliar os fatores de riscos cardiovasculares presentes e a circunferência da cintura. Caso os valores estejam dentro dos limites aceitáveis, não se recomenda iniciar um tratamento para obesidade. Outros fatores de risco como sedentarismo e tabagismo devem ser registrados, e o paciente deve ser orientado a fazer um monitoramento periódico de seu peso e do estilo de vida. 2. Em situações de obesidade ou excesso de peso e aumento da circunferência abdominal, mesmo havendo fatores de risco associados, antes de iniciar o tratamento é preciso perguntar ao paciente se ele está preparado para perder peso e disposto a assumir todas as atitudes envolvidas para alcançar esse objetivo. Avaliar, portanto, a motivação do paciente diminui a ocorrência de fracassos e abandonos ao tratamento. Sugere-se que o tratamento seja iniciado apenas com aqueles que manifestarem claramente disposição para perda de peso. Caso contrário, o paciente deve ser orientado quanto à necessidade de monitoramento periódico do peso corporal e de fatores de risco associados. 3. Na terceira etapa, começa o aconselhamento, quando serão estabelecidas as metas de perda de peso e o ritmo de emagrecimento desejável e possível. Nesse momento, o profissional deve esclarecer que quanto maior e mais rápida for a perda ponderal, mais difícil será a manutenção do resultado em longo prazo. A perda de peso na ordem de 5 a 10% do peso inicial é suficiente para melhora dos principais parâmetros da síndrome metabólica. Metas inalcançáveis também parecem ser causas de baixa adesão ao tratamento. 4. Só depois de estabelecida a meta de perda de peso é que se inicia o tratamento propriamente dito, o qual deve necessariamente contemplar um estilo de vida saudável, em termos de padrão alimentar e de atividade física. Quantitativamente, a dieta com restrição energética moderada parece ser a mais eficiente. 5. Outros componentes do tratamento da obesidade, como medicação e cirurgia para perda de peso, podem ser indicados, porém sua vigência não exclui a necessidade do manejo da alimentação e de atividade física; pelo contrário, pois o sucesso do tratamento e a manutenção dos resultados só serão possíveis se houver adequação a um estilo de vida saudável. 6. A fase de acompanhamento é a mais importante e complexa do tratamento. Nela, o paciente precisa adquirir autoconfiança e capacidade de tomar decisões adequadas em diferentes situações, como viagens, festas e alterações de humor. Mesmo assim, é preciso que o profissional acompanhe essa fase e avalie junto com o paciente as dificuldades encontradas e proponha soluções factíveis. Sem o acompanhamento, o rebote de peso ocorre com mais frequência, e possivelmente o indivíduo abandona o tratamento, podendo recorrer a alternativas e terapias, por exemplo, que prometem milagres e resultados imediatos.
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Não alterado
Avaliar IMC Fatores de risco (FR) Circunferência da cintura (CC)
Manutenção de peso Apontar outros FR Monitoramento periódico de peso, IMC e CC
Não
Alterado
Perguntar se o paciente está preparado para perder peso? Sim
Aconselhar Determinar metas e estratégias para emagrecimento e controle dos FR Apontar objetivos quantificáveis: perda de peso de 10% ou 0,45 a 0,90 kg/ semana em seis meses de terapia Assistir Estabelecer intervenções apropriadas para IMC e riscos Mudanças no estilo de vida Dieta: déficit de 500 a 1.000 kcal/dia ou 20 kcal/kg de peso atual Atividade física
Farmacoterapia como coadjuvante de mudanças no estilo de vida
Cirurgia de perda de peso como coadjuvante de mudanças no estilo de vida Para paciente com IMC > 40 ou > 35 com comorbidades Considerar outras tentativas fracassadas de emagrecimento Acompanhar
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Não
Fazendo progresso ou os objetivos foram alcançados? Sim
Avaliar razões para fracassos do tratamento
Manutenção do aconselhamento: dietoterapia, terapia comportamental, atividade física, monitoração periódica de peso, IMC e CC
FIGURA 9.3 Algoritmo para o tratamento da obesidade.
209 OBESIDADE
CIRURGIA BARIÁTRICA Para uma parcela da população obesa, quando o IMC supera 40 kg/m2, as tentativas de mudanças no estilo de vida, com tratamentos exclusivamente clínicos, culminam em fracassos recorrentes. Entre esses obesos, as inúmeras experiências de tratamento e a oscilação ponderal agravam o quadro clínico. A morbidade associada à obesidade grave (hipertensão arterial, artropatias, dislipidemias, diabete, disfunções respiratórias, etc.) gerou o termo “obesidade mórbida”. A obesidade mórbida, também conhecida como clinicamente grave, é caracterizada, ainda, pelo profundo comprometimento da qualidade de vida acompanhada de instabilidade emocional. É esperado que esses pacientes anseiem por um tratamento definitivo capaz de resgatar saúde e vida social. Com os avanços das técnicas e do número de profissionais habilitados, vem aumentando a procura pelo tratamento cirúrgico da obesidade (cirurgia bariátrica), que parece ser atualmente a melhor resposta que a medicina tem para esse paciente de alto risco de morte. Existem algumas técnicas cirúrgicas utilizadas para o tratamento da obesidade mórbida com indicações e resultados específicos. A Figura 9.4 mostra o esquema representativo da gastroplastia redutora com derivação gastrojejunal em Y-de-Roux (GRYR). Trata-se de uma técnica mista, ou seja, restritiva e disabsortiva, que é a mais utilizada, por causa de sua eficácia e baixa morbidade e mortalidade. O estômago é separado em dois compartimentos por grampeamento e a maior porção é excluída do trânsito alimentar. O estômago reduzido comporta de 30 a 50 mL e é ligado diretamente a um segmento do jejuno. Há, portanto, uma redução do volume gástrico e da área de absorção, causada pela exclusão de uma pequena porção do intestino delgado (duodeno). Contudo, a eficácia da cirurgia bariátrica depende das mudanças drásticas na ingestão alimentar, o que implica a necessidade de acompanhamento nutricional sistemático. A adesão ao tratamento terá de ser avaliada, uma vez que é comum que os pacientes se encontrem instáveis emocionalmente, mesmo depois de operados, o que pode levar ao
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FIGURA 9.4 Derivação gastrojejunal em Y-de-Roux.
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consumo de preparações de baixa qualidade nutricional e resultados insatisfatórios. De fato, o componente mecânico da cirurgia, responsável pela saciedade precoce, pode ser visto apenas como um facilitador inicial. Sem uma atitude positiva, o paciente pode, por exemplo, optar por uma dieta de alta densidade energética (sobretudo com preparações líquidas), diminuir ou abandonar as consultas e não ingerir suplementos de micronutrientes. Nesse caso, os resultados do tratamento não serão bons, ainda que o procedimento cirúrgico tenha sido desempenhado de forma excelente pelo cirurgião. Mais uma vez, observa-se que o tratamento está intrinsecamente associado à atitude do paciente e não apenas ao procedimento técnico dos profissionais.
Atenção dietética Pré-operatório No período pré-operatório, é importante orientar o paciente sobre o programa a que ele será submetido. Durante o preparo, quando será assistido por equipe multiprofissional, serão avaliados aspectos clínicos, psicológicos e nutricionais que determinaram sua condição atual e correspondem aos critérios de indicação da cirurgia. Será de grande valia oferecer um plano de restrição energética, visando emagrecimento no pré-operatório, cuja adesão geralmente será facilitada por tratamento medicamentoso. Nesse período, ele deve demonstrar interesse por sua alimentação, aprimorando suas atitudes com relação à disciplina alimentar e à seleção de alimentos (prática que terá de ser mantida após a cirurgia). Os objetivos dessa etapa, portanto, são: s s s
orientar o paciente quanto à cirurgia; diminuir o risco cirúrgico (com a perda ponderal); estimular uma atitude adequada diante de sua alimentação.
Pós-operatório Consistência da dieta
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Nos primeiros meses após a operação, as modificações com relação à consistência da dieta englobam não apenas a apresentação dos alimentos, com líquidos, pastosos ou de consistência mais sólida, mas também fatores nutricionais que interferem no trabalho digestivo. A evolução da dieta requer atenção quanto ao teor de fibra, resíduos, gordura dos alimentos e tempo de cocção. Pretende-se facilitar a adaptação do novo trânsito digestivo e permitir que o paciente entenda que sua nova condição exige um cuidado nutricional especial. Apesar de ainda não haver consenso quanto à evolução da dieta pós-operatória, os serviços seguem as etapas apresentadas adiante, com alguma variação em termos de duração de cada uma delas.
Dieta líquida restrita ou líquida de prova Geralmente, é a primeira dieta após jejum pós-operatório de cirurgias do aparelho digestivo, assim como para cirurgia bariátrica. Por conter apenas chás, refrescos e caldos de legumes, essa dieta é bastante restrita quanto a seu conteúdo de resíduos e requer mínimo trabalho digestivo. Não deve conter leite, derivados ou açúcar de adição, para
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evitar a síndrome de dumping. Em função das restrições, é inadequada em relação a praticamente todas as necessidades de nutrientes, devendo ser mantida por curto período (menos de 4 dias, geralmente por apenas 1 dia).
Dieta líquida completa Por não ser simplesmente uma dieta transitória, é preciso considerar seu valor nutricional. Durante um mês, é aconselhável que o paciente mantenha a dieta líquida completa, o que garante com folga boa adaptação digestiva e zelo alimentar nessa nova fase de vida. A adequação da dieta pode ser garantida, desde que esta seja variada e que sejam incluídos nas preparações leite, iogurtes, carnes e outras fontes proteicas. Não há necessidade de se coar preparações como as sopas, bastando liquidificá-las. Os volumes devem ser consumidos lentamente e de acordo com a capacidade gástrica. Os sucos e outros líquidos não devem conter açúcar de adição. Todos esses cuidados também visam evitar a síndrome de dumping. A limitação de volume que o paciente consegue ingerir (aproximadamente 40 mL/refeição) refletirá em um padrão hipoenergético. Geralmente, é nesse período que se inicia a suplementação de micronutrientes. A Tabela 9.10 mostra um exemplo de cardápio de dieta de consistência líquida completa. Observa-se que, mesmo com o uso de suplemento proteico, o consumo terá ficado inferior ao recomendado. A ingestão proteica aumenta, à medida que evolui a consistência da dieta. TABELA 9.10 %8%-0,/$%#!2$0)/$)%4!,·15)$!#/-0,%4!
!LIMENTOS
1UANTIDADE G
%NERGIA KCAL
#(/ G
04. G
'/2$ G
120
68
6,6
3,7
3
100
104
6,5
19
0,2
50
98
11,9
5,9
3
100
77
15,5
3,5
0,1
50
100
8
8
4
447
48,5
40,1
10,3
42,7
36,7
20,6
#AFÏDAMANHÎ Vitamina de leite com banana ,ANCHE Refresco de laranja com concentrado proteico !LMO O Sopa de legumes com frango ,ANCHE Iogurte de fruta *ANTAR Sopa de legumes com carne Total do dia % CHO: carboidratos; PTN: proteínas; GORD: gorduras. Observações: O leite utilizado nas preparações pode ser integral. Não se recomenda o uso de açúcar de adição. Concentrados proteicos: albumina em pó, proteína do soro do leite (whey protein) e similares.
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Dieta pastosa A dieta pastosa requer o mínimo de mastigação. As preparações incluem carnes moídas ou desfiadas, arroz “papa”, macarrão e purês de legumes, por exemplo. A digestibilidade ainda está facilitada, porém pela variedade de alimentos incluídos, composição e volume das refeições, ela passa a requerer maior integridade funcional do processo digestivo e absortivo. Recomenda-se cuidado para evitar preparações de alta densidade energética, como doces em geral. No almoço e no jantar, os pacientes são orientados a iniciar a refeição com consumo do prato proteico. Assim, suas características conferem um bom valor nutricional. A necessidade de permanência dessa dieta pode ser variável, mas, geralmente, deve ser mantida por 15 dias.
Dieta branda Essa dieta, embora apresente os alimentos em sua consistência sólida e seja bastante semelhante à dieta normal, possui características que conferem melhor digestibilidade. Tais características envolvem principalmente restrição do teor de fibra e lipídios da dieta. Deve-se individualizar sua indicação de acordo com o apetite do paciente, a tolerância alimentar e a adaptação cirúrgica. Alguns pacientes que requerem dieta branda não toleram bem alimentos ácidos, flatulentos ou preparações muito condimentadas. Não há restrições quanto ao período de permanência nessa dieta, e a evolução para dieta normal ocorrerá de acordo com a tolerância do paciente. Geralmente, a dieta branda é mantida por um mês.
Dieta normal
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Esta dieta não envolve qualquer restrição alimentar. Deve ser prescrita como etapa final da evolução dietética pós-operatória, quando a qualidade nutricional será avaliada pela seleção adequada dos alimentos. A dieta deverá ser adequadamente fracionada (6 a 7 refeições por dia) e com ingestão de pelo menos 70 g de proteínas diariamente. A ingestão de frutas e hortaliças também deverá ser estimulada, e o consumo de massas estará presente, mas já não poderá representar a base da alimentação. Há indicação formal e permanente para o uso de suplementos polivitamínicos e minerais, uma vez que não é possível, pela limitação do volume ingerido e do processo disabsortivo, suprir as necessidades de micronutrientes apenas com a dieta. Não existe um critério sistemático para estabelecer o valor energético da dieta para pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Sabe-se, contudo, que a ingestão permanece em torno de 5 kcal/peso desejável/dia (300 a 500 kcal/dia), depois de um processo adaptativo inicial. Após o primeiro ano, esse valor aumenta, mas ainda não existem estudos que definam as necessidades energéticas específicas para esses pacientes. A distribuição de macronutrientes deve seguir a distribuição normal, com atenção à qualidade. Recomenda-se consumo mínimo de 80 g/dia de proteínas. Alguns pacientes costumam referir intolerâncias específicas, por exemplo, ao consumo de pães e carnes bovinas. Outros acabam por estabelecer hábitos errados, como provocar vômitos com frequência ou mastigar a carne bovina, deglutindo o “caldo” e desprezando sua “massa”. Em todas essas ocasiões, é preciso proceder a uma avaliação exaustiva da situação. Geralmente, se a quantidade do
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alimento for compatível com a capacidade gástrica, bem como se a mastigação for feita de forma adequada, há grandes chances de uma boa adaptação sem a ocorrência de vômitos ou intolerâncias alimentares. Caso permaneçam algumas restrições de alimentos, os nutricionistas deverão sugerir substitutos adequados, de forma que se garanta a presença de todos os grupos de alimentos no novo padrão alimentar a ser implementado. O acompanhamento nutricional no pós-operatório, com verificação da evolução clínica e bioquímica e realização da anamnese alimentar qualitativa e quantitativa, dará ao nutricionista condições de prestar excelente assistência ao paciente.
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CAPÍTULO
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Diabete melito
CELESTE ELVIRA VIGGIANO
INTRODUÇÃO O diabete melito (DM) é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia crônica com alterações do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, resultante de defeitos na secreção ou ação da insulina ou ambas. Independente de sua etiologia, o DM passa por vários estágios clínicos durante sua evolução natural.
EPIDEMIOLOGIA Atualmente, o diabete melito tipo 2 (DM2) é considerado um problema de saúde pública e uma epidemia mundial, acometendo países desenvolvidos e em desenvolvimento. O aumento da incidência e prevalência é atribuído especialmente ao estilo de vida atual que predispõe ao acúmulo de gordura corporal. Contribuem também o envelhecimento da população e os avanços terapêuticos no tratamento da doença. Com a maior sobrevida e o tempo de exposição à hiperglicemia de portadores de DM mais prolongado, aumenta também a prevalência de complicações crônicas da doença, que podem ser muito debilitantes e onerosas ao sistema de saúde. Entre as principais complicações, figuram a doença cardiovascular (DCV), como a primeira causa de mortalidade entre indivíduos com DM; a nefropatia, uma das maiores responsáveis pelo ingresso em programas de diálise e transplante; o pé diabético, como importante causa de amputações
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de membros inferiores; e a retinopatia, como a principal causa de cegueira adquirida. Essas enfermidades demandam procedimentos diagnósticos e terapêuticos de alto custo, hospitalizações, invalidez e morte prematura com custos substancialmente elevados para o Sistema Único de Saúde (SUS), além do custo social que representam para o indivíduo e a família. Em 1994, estimava-se que, no mundo, 135 milhões de pessoas apresentavam a doença; em 2005, 240 milhões; e a projeção para 2030 é que o DM atinja 366 milhões de pessoas, sendo que dois terços habitarão países em desenvolvimento. Dados sobre prevalência de DM no Brasil datam do final da década de 1980, quando se estimou que, em média, 7,6% dos brasileiros entre 30 e 69 anos de idade apresentavam DM, com incidência igual sobre os dois sexos, mas aumentando de acordo com a idade e a adiposidade corporal. Os dados foram obtidos em nove capitais brasileiras, e as maiores taxas foram observadas nas cidades de São Paulo e Porto Alegre, sugerindo o papel da urbanização e industrialização na patogênese do DM2. À época, chamou a atenção o fato de que cerca de metade dos indivíduos diagnosticados desconhecia sua condição, o que levantou a suposição de que os serviços de saúde diagnosticavam casos de DM tardiamente, comprometendo a prevenção das complicações crônicas. Esses dados não foram atualizados até o momento. Estudo semelhante foi realizado na cidade de Ribeirão Preto, SP, onde a prevalência de DM na faixa etária de 30 a 69 anos foi de 12,1%, sugerindo que o DM deve ser mais prevalente nesta faixa etária no estado de São Paulo. Considerando o último censo populacional do IBGE e utilizando-se a prevalência do estudo de Ribeirão Preto, o número estimado de DM no Brasil é de aproximadamente 10,3 milhões. Ainda vale mencionar que a população brasileira de ascendência japonesa apresenta pelo menos o dobro da prevalência de DM2 quando comparada à população geral brasileira. Esta prevalência parece estar relacionada ao binômio: exposição ao ambiente ocidental e predisposição genética.
FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DAS CÉLULAS BETA
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As ilhotas de Langerhans são agregados celulares distribuídos no parênquima pancreático em número variável entre 300 mil e 1,5 milhão, compondo a porção endócrina do pâncreas. São compostas por quatro tipos celulares: s s s s
células alfa: produtoras de glucagon (15 a 20% do total); células beta: produtoras de insulina (70 a 80% do total); células delta: produtoras de somatostatina (5% do total); células pp: produtoras de peptídeo pancreático (1% do total).
Os mecanismos de diferenciação celular que levam ao desenvolvimento das células beta são investigados, porque podem revelar meios de se obter células produtoras de insulina a partir de precursores indiferenciados. Fisiologicamente, a glicemia oscila em uma faixa estreita, o que garante simultaneamente oferta adequada de nutrientes aos tecidos e proteção contra a neuroglicopenia. A
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homeostase glicêmica ocorre graças a um sistema hormonal integrado e eficiente, composto pela insulina (hipoglicemiante) e alguns hormônios hiperglicemiantes, como o glucagon, o cortisol, a adrenalina e o hormônio de crescimento. A glicose é o principal estimulador da secreção de insulina. De maneira pouco expressiva, a frutose e os aminoácidos leucina, glutamina, alanina e arginina podem induzir a secreção de insulina de forma independente ou potencializadora do efeito primário da glicose. A entrada da glicose na célula beta é garantida pelo GLUT2, um transportador de alta capacidade e baixa afinidade. No ambiente intracelular, a glicose é fosforilada em glicose-6-fosfato pela enzima glicoquinase e direcionada à glicólise; essa etapa consome 90% da glicose transportada ao interior da célula beta e é responsável pela geração de piruvato. O piruvato é direcionado à mitocôndria, transformado em acetil CoA e metabolizado pelo ciclo de Krebs para produção de ATP. Com o aumento da relação ATP/ ADP dentro da célula, ocorre o fechamento de canais de K+ – ATP dependentes, levando à despolarização da membrana. A abertura dos canais de Ca2+ – voltagem dependente permite influxo de Ca2+ para a célula beta, que ativa um complexo sistema efetor, cujo resultado é a secreção de insulina. Mecanismos complementares também se expressam na regulação da secreção basal e estimulada da insulina, sendo os hormônios mais importantes o glucagon, adrenalina, cortisol, somatostatina, hormônio de crescimento, leptina e a própria insulina; e os neurais, que por estímulo colinérgico aumentam, e por estímulo adrenérgico inibem a secreção de insulina.
Distúrbios funcionais das ilhotas pancreáticas Atualmente, reconhece-se que as perdas funcionais, totais ou parciais, da capacidade produtora e secretória da célula beta pancreática, estão presentes não somente no diabete melito tipo 1 (DM1), mas também em formas genéticas como maturity-onset diabetes of the Young (MODY); na DM decorrente da perda funcional pancreática produzida por drogas, agentes tóxicos ou doenças do pâncreas; e no DM2, em que a perda funcional da célula beta está presente, se não no início da doença, certamente em sua evolução.
Diabete melito tipo 1 (DM1) A base fisiopatológica do DM1 é a destruição progressiva e específica das células beta pancreáticas por mecanismo autoimune. A destruição da célula beta é dependente de uma resposta imunológica predominantemente celular, com ativação de linfócitos T-CD4 e T-CD8. Autoanticorpos contra antígenos da célula beta são encontrados em todos os portadores de DM1; esses anticorpos não desempenham papel importante na destruição das células beta, mas se prestam como marcadores da doença e fatores preditivos. Os principais autoanticorpos que podem ser determinados por métodos disponíveis em laboratórios de referência são ICA, GAD65 e ICA512. Entre as razões mais aceitas para a reatividade autoimune à célula beta figuram a infecção por alguns tipos de vírus ou bactérias em indivíduos geneticamente predispostos e a exposição a fármacos, alimentos ou outros fatores ambientais ainda pouco conhecidos.
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A taxa de destruição das células beta é variável, sendo mais rápida em crianças. A forma lentamente progressiva ocorre em adultos, referida como latent autoimune diabetes in adult (LADA).
Maturity-onset diabetes of the young Este tipo de DM é definido como forma monogênica, dominante, decorrente de mutações em genes que levam à disfunção da célula beta. Caracteriza-se por baixa produção de insulina em relação a necessidades básicas periféricas, os portadores são jovens e magros e há recorrência familiar por pelo menos duas gerações. Dados de estudos populacionais evidenciam que 52% dos casos envolvem os genes HNF-1 alfa (MODY3) e 14% glicoquinase (MODY2). Os mais raros são HNF-4 alfa (MODY1) e HNF-1 beta (MODY5) e que aproximadamente 10% dos indivíduos com diagnóstico de MODY não têm genes envolvidos identificados.
Diabete melito tipo 2
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Em adultos saudáveis, o pâncreas secreta cerca de 40 a 50 U de insulina por dia. A secreção basal ou insulinemia basal é a quantidade secretada continuamente, inclusive durante a fase de jejum, e a insulina secretada em função de uma demanda aumentada de insulina após as refeições caracteriza a insulinemia prandial ou bolos de alimentação, ou seja, a quantidade de insulina que só é secretada quando o organismo se alimenta. A média diária é cerca de 40 a 50% de insulina basal e o restante de insulina prandial. Tanto a glicemia quanto a insulinemia tendem a aumentar significativamente logo após as refeições, caracterizando a hiperglicemia pós-prandial. No indivíduo não diabético, cuja glicemia basal é baixa, os picos de glicemia pós-prandiais permanecem dentro dos limites normais, assim como da insulinemia. Em portadores de DM2, o nível de insulina basal é alto e, por isso, os picos de glicemia e de insulinemia pós-prandial tendem a ser bem mais pronunciados. O que determina o desenvolvimento do DM2 é a incapacidade da célula beta em responder à crescente demanda periférica de insulina, observada durante a evolução progressiva da intolerância à glicose com insulinorresistência para DM2. Durante a evolução da resistência à insulina, particularmente em obesos, ocorre aumento progressivo da concentração sanguínea basal de insulina. A magnitude da insulinorresistência depois de instalada sofre pequeno ou nenhum incremento com o tempo, entretanto a deterioração da função da célula beta é progressiva. A primeira e mais marcante evidência clínica da disfunção da célula beta em pacientes com predisposição para DM2 é a perda da primeira fase de secreção de insulina. Com a evolução da doença aparecem alterações na segunda fase e no padrão pulsátil de secreção. Várias causas têm sido apontadas como determinantes da perda funcional da célula beta, mas alterações genéticas comuns a múltiplas populações não foram identificadas. Entre as não genéticas, citam-se: disfunção mitocondrial com aumento da produção de espécies reativas de oxigênio; glicotoxicidade; lipotoxicidade; estresse do retículo endoplasmático e da própria ação autócrina e parácrina da insulina, promovendo controle
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Gestação e diabete melito (DM) Atualmente, a disglicemia é o problema metabólico mais comum na gestação. Sua prevalência pode ser de até 13%. A ocorrência de DM1 na população de gestantes é de 0,1% ao ano; de DM2, de 2 a 3% ao ano; e de diabete melito gestacional (DMG), de até 12%, a depender do critério utilizado no diagnóstico e da população estudada. É importante a diferenciação entre os tipos de DM, uma vez que causam impactos diversos sobre o curso da gravidez e no desenvolvimento fetal. O DM pré-gestacional, seja tipo 1 ou 2, é mais grave, pois seu efeito começa na fertilização e implantação, afetando de modo particular a organogênese, levando a risco aumentado de aborto precoce, defeitos congênitos graves e retardo no crescimento fetal, principalmente nos casos tratados inadequadamente. As manifestações maternas também são relevantes, especialmente na presença de complicações como retinopatia e nefropatia.
DIABETE MELITO
de sua própria síntese e secreção. Há também evidências suficientes que apontam para multifatorialidade ambiental (obesidade, inatividade física, envelhecimento) associada à genética, que levam a coexistência da resistência à insulina e falência da célula beta pancreática como responsáveis pela hiperglicemia no DM2. Alguns autores sugerem o envolvimento do acúmulo de gordura visceral na gênese da resistência à insulina, mas não está totalmente esclarecido qual defeito ocorre primeiro. Sugere-se que o declínio da função da célula beta possa ocorrer até dez anos antes do momento do diagnóstico. Na fase inicial do processo, tanto a resistência quanto a deficiência de insulina apresentam uma curva ascendente, à medida que a resistência à insulina progride, as células beta respondem com aumento inicial na secreção de insulina com o objetivo de superar os efeitos hiperglicemiantes da resistência à insulina. Em geral, quando a doença é diagnosticada já existe um estado progressivo de deficiência insulínica da ordem de 50%. A glicotoxicidade caracteriza-se por efeitos adversos da hiperglicemia crônica sobre a função da célula beta e inclui consequências distintas: diminuição da tolerância à glicose por refratariedade reversível do mecanismo de liberação da insulina, produzida após exposição à hiperglicemia; exaustão e apoptose das células beta. Esse estado desencadeia um mecanismo fisiológico adaptativo para preservar a célula beta, reduzindo a primeira fase de produção de insulina e promovendo menor supressão da liberação hepática de glicose após as refeições, o que aumenta ainda mais a hiperglicemia pós-prandial. A glicotoxicidade tem como consequência levar alguns portadores de DM2 à incapacidade de reduzir a glicemia, de forma adequada, com uso de antidiabéticos orais e terapia nutricional. Isto ocorre particularmente em relação à glicemia de jejum elevada (acima de 300 mg/dL), o que requer insulinização por período variável, a fim de restaurar a glicemia para níveis aceitáveis. A lipotoxicidade geralmente ocorre em portadores de DM2 e de obesidade com adiposidade visceral. Ácidos graxos são fisiologicamente uma forma de energia para as células beta, mas tornam-se tóxicos quando em altas concentrações cronicamente. Seus efeitos deletérios são mediados pela presença do excesso de glicose.
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Mulheres com DM prévio devem ser orientadas quanto a cuidados pré-concepcionais, principalmente ao que se refere ao bom controle glicêmico pré-concepção, o que reduz, mas não elimina os riscos de aborto, malformação congênita, natimortalidade e morte neonatal. Parte destes cuidados é a avaliação quanto à presença de nefropatia, neuropatia, retinopatia, DCV, hipertensão arterial (HA), dislipidemia, depressão e disfunção tireoidiana. Se diagnosticadas, devem ser tratadas antes da concepção. Mulheres com hemoglobina glicada A1c (HbA1c) acima de 10% devem ser desencorajadas de engravidar até alcançarem melhor controle glicêmico por causa do elevado risco de ocorrência de malformações fetais e abortamentos. O nível recomendado de HbA1c é menor que 6% ou até 1% acima do valor máximo informado pelo laboratório, o que contribui para a prevenção de malformações fetais. O DMG ocorre em geral na segunda metade da gravidez e afeta principalmente o ritmo de crescimento fetal. Seus conceptos têm maior risco de evoluírem com macrossomia e hipoglicemia neonatal. É definido como intolerância a glicose de qualquer grau, que é diagnosticada pela primeira vez durante a gestação, e que pode ou não persistir após o parto. Em grande parte, representa o aparecimento de DM2 durante a gravidez e tem fatores de risco como: s s s s s s s s s
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idade superior a 25 anos; obesidade ou ganho excessivo de peso na gravidez atual; deposição central excessiva de gordura corporal; história familiar de diabete em parentes de primeiro grau; baixa estatura (< 1,5 m); pernas curtas; gestantes que nasceram com baixo peso; crescimento fetal excessivo, poli-idrâmnio, HA ou pré-eclâmpsia na gravidez atual; antecedentes obstétricos de abortos de repetição, de malformações congênitas fetais, de morte fetal ou neonatal, de macrossomia ou de DMG.
DIAGNÓSTICO E CLASSIFICAÇÃO Os principais sintomas da doença são: polidpsia, poliúria, perda ponderal não explicada, hiperfagia e visão turva e em formas mais graves há presença de cetoacidose e coma, mais comum no diagnóstico de DM1. No DM2 frequentemente os sintomas não são evidentes ou podem estar ausentes, especialmente em idosos, que podem apresentar sintomas como mialgia, fadiga, adinamia, estado confusional, incontinência urinária e turvação visual, confundindo com sintomas de outras doenças comuns nessa faixa etária. Diferentemente dos mais jovens,
221 DIABETE MELITO
idosos apresentam glicosúria a partir de glicemia maior que 220 mg/dL, enquanto nos primeiros, os níveis são de 180 mg/dL. Nessa faixa etária, há atenuação nos mecanismos da sede, tornando-os mais suscetíveis à desidratação. A complicação aguda mais frequente no DM2 é o coma hiperosmolar não cetótico. Infecções bacterianas e fúngicas podem ser o primeiro sinal de descompensação glicêmica em todas as faixas etárias e tipos de DM. O diagnóstico da doença pode já ocorrer no estágio de intolerância à glicose por meio de exames de rotina, porque ainda não há sintomas característicos. Evidências sugerem que as complicações do DM2 ocorrem precocemente, ainda na fase inicial, com mínimas alterações na glicemia, e que os níveis elevados em jejum e principalmente pós-prandiais implicam maior risco cardiovascular, justificando diagnosticar alterações glicêmicas precocemente. Classicamente, o diagnóstico de DM vem se baseando na glicemia de jejum (GJ), que deve ser realizada pela manhã após jejum de apenas oito horas; e no teste oral de tolerância à glicose (TOTG), cujos critérios são jejum entre 10 e 16 horas; ingestão de um mínimo de 150 g de carboidrato nos três dias que antecedem a realização do teste; atividade física habitual; comunicar a presença de infecções ou medicações que possam interferir no resultado do teste; utilização de 1,75 g de glicose (dextrosol) por kg de peso até o máximo de 75 g. Em decorrência da associação entre risco de retinopatia e pontos de corte de glicemia de jejum, chegou-se ao valor de 126 mg/dL para GJ e 200 mg/dL para TOTG, alterando os critérios estabelecidos anteriormente. A HbA1c, apesar de já conhecida na década de 1950 para avaliação do controle glicêmico, passou a ser mais empregada após os resultados dos estudos DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) e UKPDS (United Kingdom Proscpective Diabetes Study), na década de 1990. É um marcador de hiperglicemia crônica, que reflete a média dos níveis glicêmicos nos últimos 2 a 3 meses porque possui boa correlação com lesão microvascular e, em menor proporção, com lesão macrovascular. Em razão do uso de cromatografia líquida de alto desempenho que permite resultados mais confiáveis, a American Diabetes Association (ADA) em 2009, passou a adotar a HbA1c como mais uma ferramenta diagnóstica para o DM. Valores de HbA1c maiores ou iguais a 6,5% indicam diagnóstico de DM. A determinação da HbA1C oferece maior estabilidade pré-analítica e menor interferência de outras condições agudas que interferem na glicemia como infecções e outros estresses metabólicos. Não exige jejum para sua realização. A Tabela 10.1 apresenta a atual classificação etiológica do DM, e a Tabela 10.2 resume os valores de glicemia para diagnóstico.
10
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
222 TABELA 10.1 #,!33)&)#!£²/%4)/,¼')#!$/$)!"%4%-%,)4/$-
$- Autoimune Idiopático $- /UTROSTIPOSESPECÓFICOSDEDIABETE Defeitos genéticos específicos das células beta Defeitos genéticos na ação da insulina Doenças do pâncreas exócrino: pancreatite Endocrinopatias Infecções Formas incomuns de diabete autoimune Síndromes genéticas associadas ao diabete $-' DMG: diabete melito gestacional; DM1: diabete melito tipo 1; DM2: diabete melito tipo 2. Fonte: modificada de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes, 2011.
TABELA 10.2 6!,/2%3$%',)#/3%0,!3-4)#!0!2!$)!'.¼34)#/$%$)!"%4%-%,)4/$-
%3%53%34')/302³ #,·.)#/3
#ATEGORIA
*EJUMMGD,
HORASAPØSG DEGLICOSEMGD,
#ASUALREALIZADAAQUALQUER HORADODIA;MGD,=
Normal
< 100
< 140
–
Tolerância à glicose diminuída
> 100 a < 126
≥ 140 a < 200
–
Diabete
≥ 126
≥ 200
≥ 200
Fonte: modificada de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes, 2011.
10
Pré-diabete Indivíduos com glicemia de jejum alterada (GJA) e/ou tolerância à glicose diminuída (TGD) encontram-se em estágio de pré-diabete. Na GJA, os valores de glicemia em jejum estão entre 100 mg/dL e 125 mg/dL, ou seja, mais elevados do que o valor de referência normal, porém inferiores aos níveis de diagnóstico de DM. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda não tenha adotado esse critério, tanto a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) quanto a ADA já utilizam esse ponto de corte: GJ normal até 99 mg/dL. Já a TGD é caracterizada por uma alteração no TOTG. Níveis glicêmicos entre 140 e 199 mg/dL duas horas após o TOTG definem a TGD. Estas condições indicam um estado intermediário de alteração do metabolismo da glicose, que aumentam em até duas vezes a mortalidade cardiovascular. A progressão para DM nos indivíduos com GJA é de 6 a 10% por ano e a incidência cumulativa naqueles com GJA e TGD é de 60% em 6 anos. Essas situações são de risco para DM2 e
223 DIABETE MELITO
DCV, por isso têm sido foco de estudos que mostraram a possibilidade de intervenções que diminuem a taxa de progressão. Os estudos Finish Diabetes Prevention Study (DPS) e o Diabetes Prevention Study (DPP) mostraram que mudanças no padrão alimentar e na atividade física implicaram redução do risco de progressão para DM2 de até 58%. O DPP avaliou também o impacto do fármaco metformina e o STOP-NIDDM avaliou o fármaco acarbose. Os estudos identificaram uma redução no risco de progressão para DM2 de 31% e 32%, respectivamente. O estudo XENDOS testou o fármaco orlistat por quatro anos em obesos portadores de pré-diabete, os resultados mostraram redução de 37% na progressão para DM2 nesses indivíduos. O estudo NAVIGATOR avaliou o papel dos fármacos nateglinida e do valsartan sobre a progressão para DM2 e não encontrou redução de risco. Nas diretrizes da ADA (2011) há a recomendação, de modo consensual, de que a metformina deve ser o único fármaco a ser considerado no estado de pré-diabete, em virtude do baixo custo, segurança e persistência de seu efeito em longo prazo. É válido, no entanto, registrar que o fármaco foi significativamente menos eficaz do que a modificação do estilo de vida. Ressalta-se, entretanto, que no estudo DPP a metformina foi mais eficaz até do que a modificação do estilo de vida em indivíduos com índice de massa corporal (IMC) maior que 35 kg/m2, mas não foi mais eficaz do que o placebo naqueles com idade superior a 60 anos. Esse fármaco deve ser indicado para aqueles pacientes de muito alto risco (vários fatores de risco para DM e/ou hiperglicemia progressiva e de grande magnitude).
TRATAMENTO E SEGUIMENTO Os estudos prospectivos realizados com portadores de DM1: DCCT e com DM2: UKPDS mostraram benefícios alcançados, em longo prazo, com controle metabólico mais rigoroso na prevenção e redução das complicações crônicas do DM. Entretanto, outros estudos têm demonstrado a dificuldade na manutenção do controle intensivo ao longo do tempo de evolução da doença, evidenciados por níveis de HbA1c acima de 7,05 em 81 a 87% dos participantes da coorte do estudo DCCT e acima de 7,5% em 74% dos indivíduos da coorte do UKPDS. De qualquer maneira, o controle intensivo posterga o aparecimento das complicações crônicas tardias e pode reduzir os fatores de risco. Como parte do tratamento inclui-se a terapia nutricional individualizada, presente em todas as situações clínicas e tipos de DM, a atividade física orientada e o uso de medicamentos específicos. Além disso, são fundamentais os exames de controle metabólico e preventivos de complicações.
Exames para seguimento A HbA1c tem sido considerada como representativa da média ponderada global das glicemias médias diárias, incluindo glicemias de jejum e pós-prandial, durante os últimos 120 dias, que é o período de vida do glóbulo vermelho. Entretanto, a glicemia recente é a que mais influencia o valor da HbA1c. Modelos teóricos e estudos clínicos sugerem que um paciente em controle estável apresentará 50% de sua HbA1c formada no mês precedente ao exame, 25% no mês anterior a este e os 25% remanescentes no 3º ou 4º mês antes do exame.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
224
Os valores de correspondência entre os níveis de HbA1c e os respectivos níveis médios de glicemia durante os últimos 2 a 4 meses foram inicialmente determinados com base nos resultados do estudo DCCT. Estudo mais recente reavaliou as correlações entre os níveis de HbA1c e os de glicemia média estimada, anteriormente, o resultado de HbA1c igual a 7% correspondia a uma glicemia média de 170 mg/dL e, de acordo com os novos parâmetros, esse mesmo nível de HbA1c corresponde à glicemia média estimada de 154 mg/dL. Os testes de HbA1c devem ser realizados pelo menos duas vezes ao ano em todos os portadores de DM e quatro vezes por ano (a cada três meses) nos pacientes que se submeterem a alterações do esquema terapêutico ou que não estejam atingindo os objetivos recomendados com o tratamento vigente. Para gestantes, a HbA1c deverá ser medida na primeira consulta pré-natal, depois mensalmente, até que valores abaixo de 6% sejam alcançados, quando poderá ser avaliada a cada 2 a 3 meses. As metas estabelecidas pela SBD para caracterização do bom controle glicêmico para adultos estão resumidas na Tabela 10.3 e para crianças e adolescentes na Tabela 10.4. TABELA 10.3 -%4!3$%#/.42/,%',)#´-)#/0!2!!$5,4/32%#/-%.$!$!30%,!3"$
HbA1c < 7%
'LICEMIAPRÏ PRANDIALMGD,
'LICEMIAPØS PRANDIALMGD,
70 a 130
< 160
SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes; HbA1c: hemoglobina glicada A1c.
TABELA 10.4 -%4!3$%#/.42/,%',)#´-)#/%-#2)!.£!3%!$/,%3#%.4%32%#/-%.$!$!3
0%,!3"$
'LICEMIAPRÏ PRANDIALMGD,
'LICEMIAAODEITARMGD,
(B!C
Lactentes e pré-escolares
100 a 180
110 a 200
7,5 a 8,5
Escolares
90 a 180
100 a 180
95 = alto IG. 2. Padrão glicose: s IG > 70 = alto IG; s IG 56-69 = médio IG; s IG < 55 = baixo IG.
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Carga glicêmica (CG) Este marcador mede o impacto glicêmico da dieta. A carga glicêmica (CG) considera a quantidade ingerida do alimento na refeição e seu respectivo IG, a partir da equação: CG = IG × teor de carboidrato disponível na porção/100 1. Padrão glicose: s CG < 10 = baixa CG; s CG > 20 = alta CG.
237
s s s
DIABETE MELITO
A origem do alimento, o clima, o solo, a forma de preparo, o tempo de cozimento e outros componentes da refeição, como teor de gorduras, proteínas, fibras, temperatura e acidez são fatores que influenciam a resposta glicêmica. A aplicação clínica desses conceitos em DM ainda é controversa, pois, apesar de reduzir a hiperglicemia pós-prandial, a dieta de baixo IG não traz melhoras efetivas no controle glicêmico, o que não justifica seu uso como estratégia primária para estabelecer o plano alimentar. Mas o conhecimento dos conceitos de IG e CG viabilizam melhor avaliação da glicemia pós-prandial e planejamento da dieta, principalmente quando se busca por respostas pós-prandiais mais aceitáveis em menos tempo, como ocorre na gestação com DM. Portadores de DM beneficiam-se com incremento de fibras alimentares na alimentação diária pelo efeito que exercem sobre a glicemia pós-prandial, na redução dos níveis de marcadores inflamatórios e na disfunção endotelial. Há evidências de que em dez dias de uso de dieta rica em fibras já há diminuição da glicemia média e da glicemia pós-prandial, com diminuição de níveis de lipoproteínas aterogênicas e de triacilgliceróis. Objetivamente, as fibras são divididas em solúveis e insolúveis, sendo que cada tipo apresenta cada tipo propriedades e benefícios diversos. As solúveis são benéficas para o metabolismo dos lipídios e da glicose, proporcionando respostas glicêmicas pós-prandiais menores, e as insolúveis contribuem para a saciedade, controle de peso e função intestinal. Recomenda-se o consumo de cerca de 20 gramas de fibras ou 14 g/1.000 kcal/dia a partir de hortaliças, frutas, leguminosas e cereais integrais, não sendo necessária suplementação. Embora altas quantidades de fibras mostrem efeitos benéficos sobre o controle glicêmico e lipídico, não é conhecido se a palatabilidade e os efeitos gastrintestinais colaterais dessa quantidade de fibras seriam aceitáveis. Os alimentos podem ser classificados com relação ao teor de fibras em: alimento rico em fibras = apresenta > 5 g de fibras/porção; boa fonte de fibras = apresenta 2,5 a 4,9 g de fibras/porção; baixa fonte de fibras = apresenta menos que 2,5 g de fibras/porção.
Aminoácidos também são estimuladores da secreção de insulina, e a ingestão diária de 15 a 20% do VET a partir de proteínas não aumenta a glicemia em portadores de DM bem controlados. Contudo, não é indicado o consumo de dietas com alto teor proteico e baixo teor de carboidratos, considerando que não há evidências suficientes para recomendar seu emprego por parte dos portadores de DM. Quando não houver bom controle metabólico, a necessidade proteica pode ser maior do que o preconizado pela Recommended Dietary Allowances (RDA), em razão da mobilização da reserva proteica para gerar energia. A oferta de proteínas deve provir principalmente de alimentos proteicos com baixo teor de gorduras saturadas. As ilhotas pancreáticas expressam lipase lipoproteica e receptores para lipoproteínas. As células beta são responsivas aos ácidos graxos dietéticos, comportando-se de forma diversa de acordo com o tipo e possivelmente com a quantidade de ácido graxo pre-
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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sente na dieta. Os ácidos graxos saturados (SFA) induzem maior síntese e secreção de insulina do que os ácidos graxos monoinsaturados (MUFA). No pós-prandial tardio, os SFA promovem aumento mais acentuado de ácidos graxos livres circulantes e da resistência periférica à insulina do que MUFA. A exposição prolongada e crônica das ilhotas pancreáticas ao ácido palmítico (SFA) prejudica a secreção de insulina estimulada pela glicose, levando gradual e progressivamente à deterioração da habilidade da célula beta em secretar insulina. Este ácido graxo reduz a transcrição do gene que codifica a insulina e induz apoptose de células beta. O ácido oleico (MUFA), por sua vez, protege as células beta, atenuando o efeito pró-apoptótico do ácido palmítico por mecanismos ainda desconhecidos, o que sugere que a resposta insulinêmica elevada no pós-prandial melhora progressivamente com o aumento de MUFA e redução de SFA na dieta diária. O DM2 favorece aumento dos níveis circulantes da fração LDL-c oxidada que mimetiza os efeitos dos SFA, prejudicando a função da célula beta. Ao contrário, alguns subtipos da fração HDL-c auxiliam os MUFA a manterem a homeostase glicêmica, melhorando a função dessas células, da captação muscular de glicose e também da função endotelial. Pode-se, então, considerar que a ingestão de gordura é inversamente associada à grande sensibilidade insulínica, não somente pela relação positiva com o peso corporal, mas também pela qualidade da oferta de ácidos graxos. Menos de 10% da ingestão energética diária deve ser derivada de gorduras saturadas, e indivíduos que apresentam fração LDL-c maior ou igual a 100 mg/dL podem se beneficiar reduzindo a ingestão de gordura saturada para menos de 7% do VET. A ingestão de ácidos graxos poli-insaturados deve perfazer aproximadamente 10% do VET e a série ômega-3 pode ser benéfica, em especial no tratamento da hipertrigliceridemia grave em pessoas com DM2, recomendando-se 2 ou 3 porções de peixe por semana. É aconselhável aumentar a quantidade de ácidos graxos monoinsaturados, na hipertrigliceridemia ou quando a fração HDL-c for inferior ao desejável, reduzindo, nesse caso, a oferta de carboidratos. O baixo consumo de gordura em valores inferiores a 15% do VET pode diminuir a fração HDL-c e aumentar a glicemia, insulinemia e triacilgliceróis. A ingestão de colesterol deve ser menor que 300 mg/dia. Para indivíduos com fração LDL-c maior ou igual a 100 mg/dL, recomenda-se reduzir para menos de 200 mg/dia. Os ácidos graxos trans aumentam os níveis da fração LDL-c e de triacilgliceróis e reduzem a fração HDL-c. A maior oferta destes ácidos graxos trans na dieta ocidental se dá a partir do consumo de gorduras hidrogenadas, margarinas duras e shortenings (gorduras industriais presentes em sorvetes, chocolates, produtos de padaria, salgadinhos do tipo chips, molhos para saladas, maionese, cremes para sobremesas e óleos para fritura industrial). Seu consumo não deve exceder 2 g/dia. Esteróis de plantas e ésteres de estanol bloqueiam a absorção intestinal de colesterol biliar e dietético e o consumo de 2 g/dia desses componentes em portadores de DM, reduz os níveis de colesterol total e fração LDL-c.
239 DIABETE MELITO
Há um número ainda pequeno de estudos com portadores de DM, em qualquer faixa etária, que demonstrem os efeitos dos ácidos graxos e do colesterol dietético sobre os lipídios plasmáticos. Por essa razão, as metas dietéticas para portadores de DM são as mesmas que para indivíduos com DAC, já que os dois grupos apresentam risco cardiovascular semelhante.
Minerais Minerais como zinco, cromo, magnésio e potássio estão relacionados à homeostase glicêmica, e deficiências desses elementos podem agravar a intolerância à glicose. Planos alimentares equilibrados, variados e saudáveis colaboram para prevenir carências, associados ao bom controle glicêmico, e, até o momento, não há evidências suficientes para a recomendação de suplementos alimentares ou herbais para portadores de DM que não apresentam deficiências – exceções ao folato na gestação e ao cálcio para prevenir a doença óssea. Em relação à prescrição de antioxidantes para reduzir o estresse oxidativo e níveis de marcadores inflamatórios, comumente aumentados em portadores de DM, também não foram encontradas evidências que justifiquem sua indicação. Tem ocorrido um crescente interesse em demonstrar ou compreender o papel da vitamina D no desenvolvimento de DM, HA e de DAC. Alguns achados em animais associam a deficiência de vitamina D com a redução de secreção de insulina pelas células beta e a presença de resistência a insulina. Em animais com raquitismo, foi observada redução na liberação de insulina pelas células beta e subsequente intolerância à glicose. Outros modelos experimentais de deficiência grave de vitamina D também mostram risco elevado de DM. Em humanos, especula-se que a hipovitaminose D durante a gestação poderia ativar o sistema imune dos conceptos, o que foi demonstrado por meio de detecção de anticorpos anti-ilhotas já no primeiro ano de vida. Com base em alguns achados, um grupo de pesquisadores advoga a suplementação de altas doses de vitamina D com o objetivo de prevenção de DM. É muito importante elucidar que essa proposta ainda está em debate e necessita de evidências convincentes para embasar a preconização de suplementação de vitamina D ativa na prevenção de DM. Quanto ao sódio dietético, pela grande associação entre DM e HA, a SBD recomenda que esteja limitado a 6 g/dia (2.400 mg de sódio), controlando-se a adição de cloreto de sódio (sal de cozinha) e evitando-se os alimentos processados, como carnes processadas, conservas (defumados, salgados e enlatados), temperos industrializados, fast-foods e snacks, incentivando-se o consumo de temperos como cebola, alho, salsa, cebolinha, coentro, hortelã, gengibre, manjericão e outros. A Tabela 10.5 resume as recomendações da composição nutricional do plano alimentar para portadores de DM.
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240 TABELA 10.5 #/-0/3)£²/ .542)#)/.!, $/ 0,!./ !,)-%.4!2 ).$)#!$/ 0!2! 0/24!$/2%3
$%$)!"%4%-%,)4/
-ACRONUTRIENTES
)NGESTÎORECOMENDADADIA
CHO
Carboidratos totais: 45 a 60% Não menos que 130 g/dia
Sacarose
Até 10%
Frutose
Não se recomenda adição nos alimentos
Fibra alimentar
Mínimo de 20 g/dia ou 14 g/1.000 kcal
GT
Até 30% do VET
AGS
< 7% do VET
Ácidos graxos trans
3 g/24 h )DADE 60 anos < 60 anos
0,8 + 1 g proteína para cada g de proteinúria %NERGIA 30 a 35 kcal/kg/dia 35 kcal/kg/dia Carboidratos: 50 a 60% do valor energético total Lipídios: 25 a 35% do valor energético total
a
Em todos os estágios, 50% do total de proteína deve ser de alto valor biológico.
b
Para pacientes que tenham muita dificuldade em aderir à maior restrição.
AAE: aminoácidos essenciais; TFG: taxa de filtração glomerular. Utilizar o peso desejável ou ajustado para o cálculo das recomendações caso a adequação do peso seja superior a 115% ou inferior a 95%.
11
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264
Existem algumas evidências de que as proteínas provenientes de alimentos de origem vegetal exercem menor efeito sobre a filtração glomerular quando comparadas com aquelas provenientes de alimentos de origem animal. Isso poderia ser um benefício para pacientes com DRC, já que evitar ou minimizar a hiperfiltração e suas consequências está associado com diminuição do ritmo de progressão da doença. Porém, os resultados de estudos que avaliaram o impacto de dietas com proteínas de origem vegetal na DRC são inconsistentes. Comparando-se a dieta hipoproteica à base de proteína vegetal (principalmente soja) com a de base animal, não se observaram diferenças na função renal. Ambas as dietas resultaram em retardo no ritmo de progressão da doença e diminuição da proteinúria, sugerindo que o benefício parece decorrer principalmente de menor ingestão proteica independente do tipo de proteína.
Energia Estudos mostram que pacientes na fase não dialítica da DRC, mesmo quando submetidos à restrição proteica, apresentam necessidades energéticas muito semelhantes àquelas de indivíduos saudáveis com atividade física leve (35 kcal/kg/dia). Pacientes obesos ou com mais de 60 anos de idade podem receber um aporte energético menor (~ 30 kcal/kg/ dia; para obesos, não menos que 25 kcal/kg/dia). Para aqueles que apresentam piora da condição nutricional, ou que já apresentam DEP estabelecida, por sua vez, um aporte de energia superior a 35 kcal/kg/dia deve ser empregado. Para tanto, a orientação dietética deve dar ênfase ao consumo de alimentos com elevado teor de energia e baixo teor de proteínas (Tabela 11.11). TABELA 11.11 !,)-%.4/3 #/- %,%6!$/ 4%/2 $% %.%2')! % 2%$5:)$! 15!.4)$!$% $%
02/4%·.!3
11
!LIMENTO
1UANTIDADEG
-EDIDACASEIRA
%NERGIAKCAL
0ROTEÓNAG
Mandioca cozida
130
3 pedaços médios
163
1,6
Farinha de mandioca
40
2 colheres (sopa)
144
0,6
Mandioquinha cozida
114
1 unidade média
91
1
Óleos vegetais
8
1 colher (sopa)
71
0
Margarina/manteiga
5
1 colher (chá)
35
0
Creme de leite
20
1 colher (sopa)
44
0,3
Maionese
15
1 colher (sopa)
45
0,1
Açúcar
10
1 colher (sobremesa)
39
0
Melb
14
1 colher (sobremesa)
43
0
Goiabadab
30
1 fatia média
86
0
a
a
a
b
a
Esses alimentos devem ser evitados por pacientes com dislipidemia.
b
Esses alimentos devem ser evitados por pacientes diabéticos ou com hipertrigliceridemia.
Fonte: Unicamp, 2011.
265
Diálise é uma terapêutica empregada para a remoção de solutos urêmicos anormalmente acumulados e do excesso de água. Além disso, permite o restabelecimento do equilíbrio eletrolítico e acidobásico do organismo. Tanto na hemodiálise (HD) quanto na diálise peritoneal (DP), o plasma urêmico do paciente é colocado em contato com uma solução de diálise (dialisato), separados apenas por uma membrana permeável (artificial na HD e a própria membrana do peritônio na DP) por meio da qual por difusão, ultrafiltração e osmose ocorrem as passagens dos solutos e da água acumulada. A eficiência da diálise pode ser avaliada mediante o cálculo do Kt/V de ureia. Essa razão representa a depuração fracional, ou seja, quantas vezes a água corporal do paciente foi totalmente depurada de ureia. O Kt/V expressa uma proporção de volume, e por isso não tem unidade. O K representa a depuração do dialisador, o t o tempo ou a duração da diálise e o V o volume de água corporal do paciente. Na HD, a sessão é considerada de boa eficiência quando o Kt/V é igual ou maior que 1,2 (ver Tabela 11.7). Na DP, o Kt/V semanal de ureia desejável é igual ou maior que 1,7.
DOENÇAS RENAIS
Terapia renal substitutiva (diálise)
TABELA 11.12 #,#5,/$/+t6
#ÉLCULODO+T6 Kt/V = -Ln (R – 0,008 × t) + [4 – (3,5 × R)] × UF ÷ P Em que: Ln = logaritmo natural R = NUS pós-diálise ÷ NUS pré-diálise t = duração da sessão de HD em horas UF = volume de ultrafiltração em litros P = peso pós-diálise em kg
Terapia nutricional na fase dialítica A HD e a DP constituem as terapias dialíticas empregadas para substituição da função renal, quando não é possível ou até que seja possível a realização de transplante renal. Segundo dados do último censo, em 2011, da Sociedade Brasileira de Nefrologia, a grande maioria dos pacientes (90,6%) no Brasil encontra-se em HD. Apesar do grande avanço científico e tecnológico nas terapias de reposição renal, a morbidade e a mortalidade da população em diálise continuam muito elevadas. As doenças cardiovasculares, as enfermidades infecciosas e a DEP são as principais causas de hospitalização e óbito nessa população. As principais causas de desnutrição de pacientes em diálise, assim como as possíveis intervenções, estão listadas na Tabela 11.13.
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
266
11
TABELA 11.13 #!53!3 $% $%3.542)£²/ %.%2'³4)#/ 02/4%)#! % 0/33·6%)3 ).4%26%.£À%3
%-0!#)%.4%3%-$),)3%
#ONSUMOALIMENTARINSUFICIENTE
)NTERVEN ÎO
!NOREXIA Diálise insuficiente (uremia)
Melhorar a eficiência da diálise Kt/V > 1,2/sessão (em HD) Kt/V > 1,7 semanal (em DP)
Dietas muito restritas ou pouco palatáveis
Prescrever dietas mais liberais e adequadas em energia e proteína ou instituir terapia nutricional oral/enteral
Doenças gastrintestinais (úlcera, gastrite, gastroparesia)
Instituir precocemente tratamento medicamentoso e dietético
Sobrecarga hídrica
Adequar a restrição hídrica e a ultrafiltração
Anemia (fadiga, desânimo)
Avaliar a necessidade do uso de eritropoetina e/ou ferro
Quantidade excessiva de medicamentos e interação medicamento/nutriente
Reavaliar e restringir medicamentos, dentro do possível, e avaliar interações
Doenças associadas (diabete, insuficiência cardíaca, etc.) e doenças intercorrentes (infecção, inflamação)
Minimizar os efeitos dessas doenças com tratamentos medicamentoso e nutricional adequados
Pressão intraperitoneal (em DP)
Avaliar a possibilidade de diminuir o volume da solução de diálise
Absorção contínua de glicose (em DP)
Avaliar a possibilidade da utilização de soluções com menor concentração de glicose
Peritonites (em DP)
Iniciar tratamento medicamentoso precoce e terapia nutricional específica (dieta hiperproteica)
Fatores psicológicos (depressão, solidão, etc.) e sociais (baixa renda, desestruturação familiar, etc.)
Prover suporte psicológico e social
&ATORESCATABØLICOSEALTERA ÜESMETABØLICAS Perda de nutrientes: Aminoácidos e peptídeos (10 a 12 g/sessão na HD e 3 g/dia na DP) Proteína (< 1 a 3 g/sessão na HD e 5 a 15 g/dia na DP) Vitaminas (complexo B e vitamina C)
Promover adequação do consumo alimentar para repor perdas e suplementar vitaminas
Bioincompatibilidade das membranas na HD e do dialisato em CAPD – condições que aumentam o catabolismo proteico
Utilização de materiais biocompatíveis
Acidose metabólica (proteólise muscular)
Manter bicarbonato sérico > 22 mmol/L (continua)
267
%-0!#)%.4%3%-$),)3%#/.4
#ONSUMOALIMENTARINSUFICIENTE
)NTERVEN ÎO
&ATORESCATABØLICOSEALTERA ÜESMETABØLICAS Inflamação (aumento do catabolismo proteico e energético)
Iniciar terapia nutricional adequada; investigar e tratar as causas da inflamação
Resistência à ação de hormônios anabólicos (insulina, hormônio do crescimento, etc.) e aumento de hormônios catabólicos (paratormônio, glucagon, etc.)
Tratar as anormalidades
Hiperparatireoidismo secundário
Prevenir e/ou tratar precocemente
Atividade física reduzida
Orientar e incentivar a prática de atividade física regular
DOENÇAS RENAIS
TABELA 11.13 #!53!3 $% $%3.542)£²/ %.%2'³4)#/ 02/4%)#! % 0/33·6%)3 ).4%26%.£À%3
DP: diálise peritoneal; HD: hemodiálise; CAPD: diálise peritoneal ambulatorial contínua.
Recomendações de proteína e energia na diálise Proteína A recomendação ideal de proteínas para pacientes em diálise ainda é controversa, principalmente em função da escassez de estudos clínicos bem conduzidos nessa área. Tomando os poucos estudos que avaliaram diretamente a necessidade proteica de pacientes em HD, estima-se que entre 1,1 e 1,2 g/kg/dia de proteína é necessário para promover balanço nitrogenado neutro ou positivo na maioria dos pacientes clinicamente estáveis. Pacientes em DP têm o fator adicional da perda diária de proteínas, que pode variar entre 5 e 15 g/dia, de forma que a prescrição de 1,2 a 1,3 g/kg/dia de proteína diminui a possibilidade de balanço nitrogenado negativo. Em ambos os casos, pelo menos 50% das proteínas devem ser de alto valor biológico. Especial cuidado deve ser tomado para evitar ingestão proteica inferior a 1 g/kg/dia, uma vez que esses valores se associam com menor sobrevida.
Energia Estudos de balanço metabólico demonstram que pacientes em diálise estáveis, com atividade física leve e com ingestão proteica adequada alcançam balanço nitrogenado neutro quando ingerem ao redor de 35 kcal/kg/dia. Para pacientes com mais de 60 anos de idade, uma ingestão de energia de 30 kcal/kg/dia parece ser suficiente. Particularmente para pacientes em DP, a energia estimada proveniente da glicose absorvida do dialisato (cerca de 40 a 60% do total da glicose infundida) deve ser subtraída do total de energia recomendada. Para pacientes com DEP, não é necessário descontar a glicose absorvida, já que esta constitui uma fonte adicional de energia. De qualquer maneira, deve-se sempre buscar individualizar a oferta de energia de acordo com o nível de atividade física e com a condição clínica e nutricional do paciente. As recomendações de energia e proteína para pacientes em diálise estão apresentadas na Tabela 11.14.
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
268 TABELA 11.14 2%#/-%.$!£À%3$%%.%2')!%02/4%·.!0!2!0!#)%.4%3%-$),)3%
0ROTEÓNADEALTOVALORBIOLØGICO HD
1,1 a 1,2 g/kg/dia
DP
1,2 a 1,3 g/kg/dia %NERGIA
HD e DP
30 a 35 kcal/kg/dia
DP: diálise peritoneal; HD: hemodiálise.
Recomendação de outros nutrientes na DRC Potássio A hiperpotassemia ou hipercalemia é geralmente definida quando a concentração sérica de potássio está superior a 5,5 mEq/L, e sua principal consequência é a ocorrência de arritmias cardíacas – uma complicação grave e que pode ser fatal. Em pacientes na fase não dialítica, o controle do potássio da dieta deve ser empregado quando houver elevação da concentração sérica desse eletrólito ou quando já houver perda significativa da função renal (TFG < 15 mL/min). A restrição dietética deve ser mais rigorosa para pacientes em HD, principalmente para os anúricos. Pacientes em DP raramente apresentam hiperpotassemia. Apesar de a alimentação contribuir de forma significativa para os níveis séricos de potássio, outras condições também podem causar ou agravar a hiperpotassemia (Tabela 11.15) e devem ser tratadas sempre que possível. TABELA 11.15 &!4/2%3 .²/ $)%4³4)#/3 % #/.$)£À%3 #,·.)#!3 15% 0/$%- 02/-/6%2
()0%20/4!33%-)!
Acidose metabólica Constipação crônica e grave Uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina Uso de betabloqueadores
11
Condições de hipercatabolismo Deficiência de insulina ou hiperglicemia Uso de diuréticos poupadores de potássio Elevada concentração de potássio na solução de diálise
De maneira geral, recomenda-se que a ingestão de potássio seja inferior a 70 mEq/ dia (~3 g/dia). Hortaliças, frutas, leguminosas e oleaginosas apresentam elevado teor de potássio. O processo de cozimento em água das hortaliças e frutas promove perda significativa de potássio (aproximadamente 60%). Não é necessário, entretanto, que o paciente seja orientado a ingerir somente alimentos cozidos. A Tabela 11.16 apresenta uma lista de frutas e hortaliças divididas de acordo com o teor de potássio. De maneira geral, na prática clínica, a orientação inicial para pacientes com hiperpotassemia é o consumo máximo de
269 DOENÇAS RENAIS
3 porções/dia do grupo das frutas com pequena ou média quantidade de potássio ou 1 ou 2 porções/dia do grupo com elevada quantidade de potássio. Didática semelhante pode ser utilizada para orientação do consumo de hortaliças cruas: 2 porções/dia daquelas com menor teor de potássio ou 1 a 2 porções/dia das com maior quantidade. Certamente, essas são orientações gerais, portanto, devem ser adaptadas de acordo com a concentração sérica de potássio e com a análise do consumo de alimentos fontes de potássio do paciente. TABELA 11.16 4%/2$%0/433)/%-0/2£À%3535!)3$%!,'5.3!,)-%.4/3
!LIMENTOSCOMPEQUENAEMÏDIAQUANTIDADEDEPOTÉSSIOM%QPOR ÎO &RUTAS
(ORTALI AS
1 banana-maçã média
5 folhas de alface
1 caqui médio
2 pires (chá) de agrião
2 pires de chá de jabuticaba
½ pepino pequeno
1 fatia média de abacaxi
1 pires (chá) de repolho
1 laranja-lima pequena
3 rabanetes médios
10 morangos
1 pimentão médio
1 maçã média
1 tomate pequeno
!LIMENTOSCOMPEQUENAEMÏDIAQUANTIDADEDEPOTÉSSIOM%QPOR ÎO &RUTAS
(ORTALI AS
10 acerolas
½ cenoura média
½ manga média
1 pires (chá) de escarola crua
1 pera média 1 pêssego médio 1 ameixa fresca média ½ copo de suco de limão !LIMENTOSCOMELEVADAQUANTIDADEDEPOTÉSSIO M%QPOR ÎO &RUTAS
(ORTALI ASELEGUMINOSAS
1 banana-nanica média
1 pires (chá) de acelga crua
1 fatia média de melão
2 pires (chá) couve-manteiga crua
1 laranja-pera média
3 colheres (sopa) de beterraba crua
1 kiwi médio
1 concha pequena de feijão cozido
½ abacate médio
1 concha pequena de lentilha cozida
1 mexerica/tangerina média
1 pires de chá de erva-doce/funcho
½ copo de água de coco
Demais hortaliças devem ser cozidas sem casca em água, e esta deve ser desprezada
1 fatia média de mamão 1 cacho pequeno de uva
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
270
Vários alimentos que fazem parte do hábito alimentar da população contêm quantidade elevada de potássio. Assim, dependendo do caso, sua ingestão deve ser controlada ou desaconselhada. São eles: s s s s s s s s s s
caldo de feijão, de soja, de grão-de-bico e de lentilha; amendoim, nozes, castanhas, avelã, amêndoas, pinhão; tomate seco, molho, extrato e massa de tomate; chocolate e achocolatados; água de coco; chimarrão; frutas secas (ameixa, uva passa, damasco, etc.), caldas das compotas de frutas; vinhos; suco de fruta concentrado; refrigerantes à base de laranja.
Carambola Indivíduos portadores de DRC não devem consumir carambola e nenhum de seus subprodutos (suco, geleia, doce, sorvete, etc.). Essa fruta contém um composto neurotóxico que normalmente é depurado pelos rins. Na vigência de função renal muito diminuída ou inexistente, há um acúmulo dessa neurotoxina, desencadeando uma série de sintomas, sendo os mais comuns soluços persistentes, vômitos, confusão mental, agitação, diminuição da força muscular, insônia e convulsão. Dependendo da quantidade ingerida do alimento e do tempo até que o paciente receba atendimento, pode ocorrer óbito.
Sódio e líquidos
11
Apesar de ser possível a manutenção do balanço de sódio com ingestão normal desse eletrólito até fases mais avançadas da DRC, a hipertensão arterial comumente observada nessa população pode ser mais bem controlada se houver restrição na ingestão de sódio. Além disso, a menor ingestão de sódio contribui para potencializar a resposta aos anti-hipertensivos. Em pacientes na fase não dialítica, a ingestão de sódio pode ser estimada pela medida da excreção de sódio em urina de 24 horas. Nessa fase da DRC, o controle da ingestão hídrica raramente é empregado, já que o mecanismo de sede regula o balanço hídrico quando o balanço de sódio está bem controlado. Exceções devem ser consideradas quando a DRC é acompanhada de comorbidades que necessitem de restrição hídrica, como insuficiência cardíaca, hepatopatias com ascite, entre outras. Para pacientes em HD, a restrição de sódio é indicada não somente para o controle da pressão arterial, mas também para o controle na ingestão de líquidos e, consequentemente, minimizar o ganho de peso interdialítico, que não deve ultrapassar 4 a 4,5% do peso seco. Uma ingestão de sódio entre 2.000 e 2.300 mg/dia tem sido recomendada. Essa quantidade de sódio corresponde a 5 a 6 g/dia de sal (cloreto de sódio), cerca de metade da quantidade de sal ingerido pela população brasileira, o que justifica a dificuldade na adesão do paciente a essa orientação. De maneira geral, para o melhor controle de sódio na dieta, os pacientes devem ser orientados a utilizar pouco sal no preparo dos alimentos,
271 DOENÇAS RENAIS
bem como a não ingerir alimentos processados, como embutidos e enlatados e condimentos industrializados, nos quais o conteúdo de sódio é elevado. O sal dietético ou light, composto de cloreto de potássio não deve ser utilizado, pois pode causar hiperpotassemia. A prescrição de ingestão de líquidos para pacientes em HD é baseada na capacidade individual de excreção pela urina e pelo suor. Como esses fatores sofrem variações por diversos motivos, o ganho de peso interdialítico torna-se o melhor indicativo da adequação da ingestão hídrica. De maneira geral, recomenda-se de 500 a 1.000 mL/dia somados ao volume de diurese residual de 24 horas. A maioria dos pacientes em DP tem maior liberdade tanto na ingestão de sódio quanto na de líquidos, uma vez que está submetida ao procedimento de diálise diariamente. As recomendações de sódio e líquidos encontram-se na Tabela 11.18.
Fósforo A retenção de fósforo e/ou a hiperfosfatemia estão entre os principais fatores que contribuem para o desenvolvimento do hiperparatireoidismo secundário e de doenças ósseas associadas à DRC. Além disso, a retenção de fósforo também é fator de risco para calcificação vascular e óbito. À medida que a função renal diminui, a homeostase do fósforo no organismo torna-se comprometida. O mecanismo compensatório inicial para a manutenção da concentração sérica de fósforo dentro da normalidade é a diminuição na taxa de reabsorção tubular de fósforo e, portanto aumento na sua excreção, em parte mediada pela elevação do PTH. Isso, de maneira geral, permite que o fósforo sérico se mantenha dentro da faixa de normalidade até que a TFG atinja valores inferiores a 20 a 25 mL/min. Nesse ponto, a excreção de fósforo não consegue compensar a sua ingestão e o fósforo sérico tende a se elevar. A manutenção da fosfatemia dentro de valores normais até as fases mais avançadas da DRC faz supor que a intervenção dietética em relação ao fósforo só é necessária quando ocorre hiperfosfatemia. Marcadores da carga de fósforo e não da sua concentração sérica, como o fator de crescimento de fibroblasto-23 (FGF-23), recentemente identificado, demonstra que a retenção de fósforo parece ocorrer precocemente no curso da DRC. Porém, ainda não é possível determinar o valor de fósforo sérico a partir do qual o controle de sua ingestão deva ser iniciado. O controle dietético deve ser feito quando o fósforo sérico for superior ao valor de referência ou, ainda, quando níveis de PTH forem maiores aos recomendados, mesmo que o fósforo sérico esteja normal. As diretrizes brasileiras de prática clínica para o distúrbio mineral e ósseo na DRC (SBN, 2011) recomenda que a ingestão de fósforo nos estágios 3 e 4 da DRC não exceda 700 mg/dia, que é o valor recomendado para indivíduos adultos saudáveis. Como grande parte dos alimentos ricos em fósforo também possui quantidades significativas de proteína e ciente de que nessa fase da doença a quantidade de proteína é controlada, não é difícil manter a ingestão abaixo de 700 mg/dia. Porém, é importante lembrar que atualmente tem havido um crescimento na ingestão de fósforo em decorrência dos aditivos alimentares à base de fósforo utilizados em alimentos processados. Esses aditivos são empregados pela indústria de alimentos para melhorar a cor e o sabor, propiciar a retenção da umidade e aumentar a vida útil do alimento. Eles estão presentes em um grande número de alimen-
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
272
11
tos, como pães industrializados, queijos processados, biscoitos, alimentos semiprontos e pratos congelados, embutidos, sucos artificiais, entre outros. Como os procedimentos dialíticos são pouco eficientes na remoção de fósforo, a hiperfosfatemia (fósforo sérico acima de 5,5 mg/dL) é bastante frequente em pacientes em diálise. Além disso, como a necessidade proteica é elevada nesses pacientes, a ingestão de fósforo dificilmente será inferior a 800 mg/dia. Uma maneira de atender à recomendação de proteína sem elevar muito a ingestão de fósforo é escolher os alimentos com menor relação proteína/fósforo (Tabela 11.17). TABELA 11.17 02).#)0!)3!,)-%.4/3&/.4%3$%&¼3&/2/%$%02/4%·.!
!LIMENTO
1UANTIDADE G
-EDIDACASEIRA
&ØSFORO MG
0ROTEÓNA G
2ELA ÎOPARA PROTEÓNAMGG
Carne de frango
80
1 filé de peito médio grelhado
150
23
6,5
Carne de porco
80
1 bisteca média grelhada
147
21,2
6,9
Carne bovina
85
1 bife médio grelhado
209
26
8
Pescada branca
84
1 filé médio
241
20,6
11,7
Ovo inteiro
50
1 unidade
90
6
15
Clara de ovo
30
1 unidade
4,3
3,3
1,3
Fígado de boi
85
1 bife médio
404
22,7
17,8
Sardinha
34
1 unidade
170
8,4
20,2
Presunto cozido
48
2 fatias médias
136
14
9,7
Queijo prato
30
2 fatias finas
153
7,5
20,4
Iogurte
120
1 pote pequeno
159
6,3
25,2
Leite
150
1 copo americano
140
4,9
28,6
Soja cozida
54
5 colheres de sopa
130
9
14,5
Feijão cozido
154
1 concha média
133
6,9
19,3
Amendoim
50
1 pacote pequeno
253
13
19,5
Chocolate ao leite
40
1 barra pequena
92
3
30,7
Nos casos em que a orientação dietética não for suficiente para promover redução do fósforo sérico, é necessária a utilização de quelantes de fósforo. Os quelantes contêm compostos que se ligam ao fósforo do alimento no intestino, reduzindo sua absorção. São empregados geralmente os sais de cálcio como quelantes, carbonato de cálcio (40% de cálcio) e acetato de cálcio (25% de cálcio). Como parte do cálcio desses quelantes também é absorvida, deve-se ter cautela com sua utilização para pacientes com hipercalcemia e/ou com risco ou presença de calcificação de tecidos moles. Nesses casos, o cloridrato de sevelamer, que é um quelante de fósforo que não contém cálcio, torna-se uma opção mais segura. O hidróxido de alumínio, também quelante de fósforo isento de cálcio, não deve ser
273
Cálcio
DOENÇAS RENAIS
utilizado, pela possibilidade de intoxicação por alumínio. A quantidade de quelante prescrita depende da quantidade de fósforo na alimentação e, para que o quelante possa agir, é necessário que seja ingerido junto com os alimentos ricos em fósforo.
Especialistas da área recomendam uma ingestão de cálcio entre 1.400 e 1.600 mg/dia, o que, em geral, só é alcançado com suplementação. Porém, considerando as incertezas a respeito dos possíveis efeitos deletérios da sobrecarga de cálcio, ainda não é possível estabelecer com segurança uma recomendação de ingestão desse mineral para pacientes com DRC. Tem sido recomendado, no entanto, que o consumo total de cálcio (alimentação + quelantes à base de cálcio) não seja superior a 2.000 mg/dia. Vale lembrar que pacientes em uso de vitamina D estão mais predispostos a desenvolver hipercalcemia e, por essa razão, os níveis séricos de cálcio devem ser monitorados regularmente.
Ferro As recomendações de ferro dietético são semelhantes às de indivíduos saudáveis (Tabela 11.18). No entanto, a suplementação com ferro pode ser necessária quando a dieta é restrita em proteínas, já que as carnes são as melhores fontes alimentares desse nutriente. A suplementação também é geralmente empregada para pacientes em uso de eritropoetina recombinante humana. TABELA 11.18 2%#/-%.$!£À%3 $% %,%42¼,)4/3 -).%2!)3 % ,·15)$/3 0!2! 0!#)%.4%3 #/-
$/%.£!2%.!,#2½.)#!
&ASENÎODIALÓTICA
(EMODIÉLISE
$IÉLISEPERITONEAL
Potássio (mEq/dia)
50 a 70
50 a 70
70 a 100
Sódio (mg/dia)
2.000 a 2.300
2.000 a 2.300
2.000 a 3.000
~700
800 a 1.000
800 a 1.000
Cálcio (mg/dia)
1.400 a 1.600
Máximo 2.000 (dieta + quelantes de P à base de Ca)
Máximo 2.000 (dieta + quelantes de P à base de Ca)
Ferro (mg/dia)b
Homens: 8
Homens: 8
Homens: 8
Mulheres: 15
Mulheres: 15
Mulheres: 15
Zinco (mg/dia)
Homens: 10 a 15
Homens: 10 a 15
Homens: 10 a 15
Mulheres: 8 a 12
Mulheres: 8 a 12
Mulheres: 8 a 12
Selênio (mcg/dia)d
55
55
55
Líquidos (mL/dia)
Sem restrição
500 a 1.000 mL/dia + diurese 24 h
Individualizada
Fósforo (mg) a
c
a
Ver detalhes no texto.
b
Avaliar a necessidade de suplementação.
Não deve ser suplementado, salvo se a ingestão energética e proteica for insuficiente e se o paciente apresentar sintomas de deficiência de zinco (diminuição do paladar e/ou olfato, pele sensível, impotência e neuropatia periférica). c
d
Sem suplementação.
P: fósforo; Ca: cálcio.
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
274
Vitaminas A ingestão de algumas vitaminas pode tornar-se inadequada quando há restrição dietética de proteínas, potássio e fósforo. Além disso, nos procedimentos dialíticos, ocorrem perdas de vitaminas, principalmente as hidrossolúveis (vitamina C e as do complexo B) para a solução de diálise, e na maioria das vezes a suplementação dessas vitaminas é necessária. As vitaminas A e K não devem ser suplementadas, a menos que haja deficiência. A vitamina D em sua forma ativa (calcitriol) deve ser prescrita individualmente de acordo com a condição osteometabólica do paciente. Mais recentemente, em função da elevada prevalência de hipovitaminose D observada em pacientes com DRC, tem sido indicada a suplementação com ergocalciferol ou colecalciferol com o objetivo de normalizar o estado nutricional dessa vitamina, porém ainda não existe um protocolo de suplementação claramente definido em relação à dose. A Tabela 11.19 apresenta recomendações de vitaminas para pacientes com DRC. TABELA 11.19 2%#/-%.$!£²/$)2)!$%350,%-%.4!£²/#/-6)4!-).!30!2!0!#)%.4%3
#/-$2#
11
6ITAMINAS
#ONSERVADOR
HD
DP
Vitamina A e K
Não suplementar
Não suplementar
Desconhecido
Vitamina E (UI)
400 a 800
400 a 800
400 a 800
Tiamina (mg)
1,1 a 1,2
1,1 a 1,2
1,1 a 1,2
Riboflavina (mg)
1,1 a 1,3
1,1 a 1,3
1,1 a 1,3
Vitamina B6 (mg)
5
10
10
Vitamina B12 (mcg)
2,4
2,4
2,4
Vitamina C (mg)
75 a 90
75 a 90
75 a 90
Ácido fólico (mg)
1
1
1
Niacina (mg)
14 a 16
14 a 16
14 a 16
Biotina (mcg)
30
30
30
Ácido pantotênico (mg)
5
5
5
Vitamina D
Individualizado
Individualizado
Individualizado
DP: diálise peritoneal; DRC: doença renal crônica; HD: hemodiálise.
Tratamento da desnutrição energético-proteica na DRC Conforme mencionado, a DEP na DRC é multicausal, por isso seu tratamento deve incluir a terapia nutricional associada a outras ações, como exercício físico, adequação da diálise, correção dos distúrbios metabólicos e hormonais e tratamento das comorbidades. De maneira geral, a suplementação nutricional na DRC é indicada nas seguintes situações: s
quando a ingestão alimentar espontânea estiver reduzida e a orientação dietética não for capaz de promover aumento significativo na ingestão energética e proteica – atenção especial deve ser dada aos pacientes idosos;
275
em situações de hipercatabolismo (p.ex., quadro inflamatório ou infeccioso); a pacientes em HD com IMC < 20 kg/m2 ou que apresentem redução maior que 10% de seu peso seco em 6 meses.
A primeira opção de terapia nutricional deve ser a suplementação oral, por não ser invasiva e ser a de mais fácil aceitação. Deve-se dar preferência aos suplementos específicos para pacientes com DRC que são formulados para atender as necessidades de energia e proteína sem provocar efeitos adversos no controle hídrico e de eletrólitos (Tabela 11.20). No entanto, os suplementos não especializados (fórmulas-padrão) também podem ser empregados, desde que forneçam no máximo 20 a 25% do total calórico e por período inferior a 30 dias. Caso não haja melhora no estado nutricional, a terapia nutricional de nutrição por via enteral (preferencialmente noturna) ou parenteral durante a sessão de HD podem ser empregadas.
DOENÇAS RENAIS
s s
TABELA 11.20 350,%-%.4/3.542)#)/.!)30!2!0!#)%.4%3#/-$2#
3UPLEMENTOS
Apresentação
%NERGIA
0ROTEÓNA
Potássio
&ØSFORO
KCALUN
GUN
M%QUN
MGUN
Nepro HP® (Abbott)
Lata (237 mL)
474
16,6
6,3
166
Replena (Abbott)
Lata (237 mL)
474
7,1
6,8
175
Nova Source Renal (Nestlé)
Caixa (237 mL)
474
17,5
4,9
154
Nutri Renal (Nutrimed)
Caixa (200 mL)
400
8,0
2,8
130
Envelope (90g)
391
9,9
7,1
114
Caixa (200 mL)
300
13,5
1,9
158
®
®
®
Nutrison Advanced Nefro (Support) Renalmax® (Prodiet)
®
LESÃO RENAL AGUDA Lesão renal aguda (LRA) é um distúrbio complexo que ocorre em diversas condições clínicas. Nessa situação, os rins podem apresentar redução ou perda total de sua capacidade funcional, de modo temporário ou permanente. A LRA apresenta manifestações que podem variar entre pequenas elevações na creatinina sérica até a ausência total de diurese (anúria), com acúmulo de produtos nitrogenados e líquidos. Existem inúmeras definições para insuficiência renal aguda na literatura. Entretanto, o termo lesão renal aguda (LRA) tem sido proposto como mais apropriado do que insuficiência renal aguda, por ser mais amplo e abranger desde pequenas alterações na função renal até a necessidade de terapia de substituição renal (TSR). A incidência da LRA vem aumentando, com um crescimento de 10% ao ano nas últimas décadas. Atinge em torno de 5% dos pacientes hospitalizados e de 15 a 80% dos pacientes em unidades de terapia intensiva (UTI), conforme o critério diagnóstico utilizado. Desses pacientes, 3,5 a 5% evoluem com necessidade de diálise, com taxas de mor-
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
276
talidade ainda extremamente altas, em torno de 60%. Fatores nutricionais e metabólicos, como indução a estado pró-inflamatório, pró-oxidante e hipercatabolismo, estão entre os fatores que também contribuem para as altas taxas de mortalidade nessa população. Apesar da dificuldade de se estabelecer um critério diagnóstico para a LRA, ela é atualmente diagnosticada quando ocorre uma redução abrupta na função renal, conforme descrito na Figura 11.1.
Creatinina sérica
Aumento absoluto de 0,3 mg/dL nas últimas 48 horas
Débito urinário Redução do débito urinário para menos do que 0,5 mL/kg/hora por pelo menos 6 horas
Aumento de 50% no valor basal FIGURA 11.1 Critérios diagnósticos da LRA, conforme definição do Acute Kidney Injury Network. Fonte: KDIGO, 2012.
Etiologia da LRA
11
Para fins de diagnóstico e tratamento, a LRA costuma ser dividida em três etiologias: a que ocorre antes do rim, no rim e depois do rim (pré-renal, renal e pós-renal, respectivamente). A LRA pré-renal é uma resposta fisiológica à hipoperfusão renal, sem defeito estrutural nos rins. Pode ser consequente a hemorragia, depleção de volume, insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática descompensada, entre outros fatores. A manutenção da perfusão renal adequada possibilita o retorno ao funcionamento normal dos rins em um curto período de tempo (em até 48 horas), sem grandes consequências ao estado nutricional. A LRA renal é aquela que afeta diretamente o parênquima renal, desencadeada, na maioria dos casos, por isquemia ou nefrotoxinas que induzem à necrose tubular aguda. Podem desencadear a LRA renal: sepse, antibióticos nefrotóxicos, agentes radiocontrastes, quimioterápicos, hemoglobinúria, mioglobinúria, mieloma, doenças vasculares (vasculites, hipertensão maligna), glomerulonefrites aguda e nefrite intersticial aguda (associada a drogas). A LRA renal costuma apresentar duração maior (pelo menos uma semana) e necessidade de diálise mais frequente. Essa condição costuma trazer implicações nutricionais mais importantes, por causa do maior tempo de instalação e dos prejuízos nutricionais associados ao procedimento dialítico.
277
Fatores de risco Idade avançada Doença renal crônica Diabete melito Neoplasias Anemia Desidratação Doenças crônicas (coração, fígado, intestino)
DOENÇAS RENAIS
A LRA pós-renal é aquela em que a passagem da urina está impedida por alguma obstrução na pelve renal, ureter, bexiga ou uretra. A função renal geralmente volta ao normal após a desobstrução da via urinária. Alguns fatores de risco, como idade avançada, presença de DRC e diabete melito, tornam os rins mais suscetíveis ao desenvolvimento da lesão renal. Na Figura 11.2, estão descritas algumas causas e fatores de risco associados à LRA.
Causas Sepse Choque circulatório Trauma Cirurgias cardíacas Drogas nefrotóxicas Agentes radiocontrastes Queimaduras
FIGURA 11.2 Fatores de risco e causas do desenvolvimento da LRA.
Impacto da LRA no estado nutricional A avaliação nutricional é indispensável para a monitoração e o acompanhamento clínico do paciente com LRA. No entanto, existem poucos dados na literatura sobre o estado nutricional dessa população. Um único estudo realizado com mais de 300 pacientes encontrou que 42% dos pacientes com LRA avaliados eram gravemente desnutridos, de acordo com o método da avaliação global subjetiva (AGS). Além disso, a presença da desnutrição esteve associada de maneira independente à maior incidência de complicações, maior tempo de internação e maior mortalidade. Pacientes com LRA apresentam alteração no metabolismo de todos os macronutrientes, tendo como principais consequências a hiperglicemia, a hipertrigliceridemia e o hipercatabolismo.
Metabolismo dos carboidratos A presença de hiperglicemia é muito comum, consequente principalmente à resistência da ação da insulina. Outros fatores, como presença de citocinas e acidose também podem contribuir para o aumento dos níveis glicêmicos. A hiperglicemia em pacientes críticos está fortemente associada ao aumento da morbidade, mortalidade e maior risco para desenvolvimento da LRA. Porém, a hipoglicemia decorrente de controle estrito da glicemia também está associada à maior mortalidade. Níveis glicêmicos entre 110 e 149 mg/dL são recomendados para manter o paciente crítico com LRA fora dos riscos de hiper/hipoglicemia.
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
278
Metabolismo dos lipídios Alterações no metabolismo dos lipídios podem ocorrer com aumento das lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) e de baixa densidade (LDL) e com redução do colesterol total e das lipoproteínas de alta densidade (HDL). A hipertrigliceridemia é condição muito comum, consequente à lipólise prejudicada. Deve ser dada atenção especial a níveis de triglicerídeos séricos acima de 400 mg/dL, os quais são suficientes para contraindicar ou suspender a emulsão lipídica no suporte nutricional.
Metabolismo das proteínas A alteração nutricional mais importante que ocorre é no metabolismo das proteínas, evidenciado por catabolismo proteico intenso e liberação dos aminoácidos do músculo esquelético. Além de a quebra proteica estar acelerada nessa condição, a síntese proteica também está prejudicada, culminando em um sustentado balanço nitrogenado negativo. Outros fatores que também podem contribuir para o hipercatabolismo são a presença dos mediadores inflamatórios, acidose, aumento da circulação de hormônios catabólicos e perda de substratos através do procedimento dialítico. A resistência à insulina tem como consequência a utilização dos aminoácidos como fonte de substrato energético, contribuindo sobremaneira para a perda de massa magra corporal. Durante a TSR, perdas entre 10 e 20 g/dia de aminoácidos e entre 10 e 15 g/dia de proteínas podem ocorrer dependendo da modalidade de diálise e tipo de membrana utilizada. Pacientes em DP apresentam perdas similares de proteínas. As perdas de glutamina em pacientes em TSR contínua (hemofiltração venovenosa de 24 horas) variam de 15 a 20%. Com a utilização de filtros high-cuttoff, as perdas de albumina podem chegar a 15 g por sessão de tratamento.
Suporte nutricional na LRA
11
Considerando os inúmeros fatores que podem contribuir para a depleção nutricional do paciente com LRA, o suporte nutricional torna-se intervenção essencial, visando prover quantidade adequada de energia e nutrientes, minimizando o hipermetabolismo e o hipercatabolismo exacerbado. A Figura 11.3 descreve os principais objetivos do suporte nutricional na LRA. Diante da gravidade e maior proporção de alterações metabólicas e nutricionais que ocorrem nos pacientes críticos com LRA, a maioria das orientações disponíveis na literatura é direcionada a essa população, principalmente àqueles com necessidade de diálise. É importante ressaltar que vários fatores estão envolvidos na patogênese da desnutrição, não apenas a LRA por si só. O estado nutricional preexistente, a presença de comorbidades crônicas (insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabete melito) e a presença de complicações (sepse) ou situações inerentes à doença de base (trauma, queimaduras, oferta inadequada de nutrientes) também podem predispor o paciente à desnutrição. Portanto, para a estimativa das necessidades de nutrientes nessa condição clínica, é necessário considerar a gravidade da doença de base, a presença de comorbidades e complicações associadas, bem como o tipo e intensidade de diálise.
279 DOENÇAS RENAIS
Evitar desnutrição energético-proteica Reduzir a mortalidade
Minimizar a inflamação
Suporte nutricional
Preservar a massa magra
Melhorar a atividade antioxidante
Melhorar a função imune e a cicatrização
Evitar complicações e distúrbios metabólicos
FIGURA 11.3 Objetivos do suporte nutricional na LRA.
Energia e proteína O gasto energético de pacientes com LRA não costuma ultrapassar 30% do gasto energético basal (GEB). Porém, esse valor deve ser reavaliado se o paciente estiver em vigência de outras situações clínicas que aumentam o GEB, como sepse, por exemplo. Ofertas superiores a 30 kcal/kg/dia de calorias não proteicas, além de não apresentarem benefícios na redução do catabolismo, podem desencadear complicações como hiperglicemia, hipervolemia e hipertrigliceridemia. As recomendações de energia, glicose e lipídios estão apresentadas na Tabela 11.21. TABELA 11.21 2%#/-%.$!£À%3$%%.%2')! ',)#/3%%,)0·$)/30!2!0!#)%.4%3#/-,2!
Referências
%NERGIA KCALKGDIA
'LICOSE GKGDIA
,IPÓDIOSMISTURADE4#- E4#, GKGDIA
ESPEN, 2009 (Cano et al., 2009)
20 a 30 calorias não proteicas
3 a 5 (máximo 7)
0,8 a 1,2 (máximo 1,5)
Fiaccadori et al., 2011 (pacientes em TRS contínua)
25 calorias não proteicas
2/3 das calorias totais (máximo 5)
1/3 das calorias totais (1,1 a 1,5)
KDIGO, 2012
20 a 30
3 a 5 (máximo 7)
0,8 a 1
LRA: lesão renal aguda; TCM: triglicerídeos de cadeia média; TCL: triglicerídeos de cadeia longa; TRS: terapia renal substitutiva.
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
280
Estudos que ofertaram entre 2 e 2,5 g/kg/dia de proteína a pacientes com LRA em TSR observaram balanço nitrogenado mais positivo com controle aceitável da uremia e melhora da sobrevida. Entretanto, são necessários mais estudos que sustentem a evidência destes benefícios. Pacientes em diálise estendida (6 a 12 h/dia) ou contínua apresentam taxa de catabolismo proteico em torno de 1,4 a 1,8 g/kg/dia, sugerindo que ofertas próximas a esses valores sejam necessárias para manter balanço nitrogenado próximo da neutralidade (Tabela 11.22). TABELA 11.22 2%#/-%.$!£À%3$%02/4%·.!0!2!0!#)%.4%3#/-,2!
Referências
0ROTEÓNASGKGDIA CONTENDOAMINOÉCIDOSESSENCIAISENÎOESSENCIAIS
ESPEN, 2009 (Cano et al., 2009)
Baixo catabolismo: 0,6 a 0,8 (máximo 1) Médio catabolismo: 1 a 1,5 Grave catabolismo: máximo de 1,7
Fiaccadori et al., 2011 (pacientes em TRS contínua)
Mínimo de 1,5 Aumentar 0,2 a 0,3 para compensar as perdas na diálise
KDIGO, 2012
Não catabólicos sem diálise: 0,8 a 1 Pacientes em diálise: 1 a 1,5 Hipercatabólicos em diálise contínua (24 h): até 1,7
LRA: lesão renal aguda; TRS: terapia renal substitutiva.
Micronutrientes
11
Os micronutrientes apresentam importantes funções regulatórias, antioxidantes e imunológicas no metabolismo. A concentração desses nutrientes nos pacientes com LRA é geralmente baixa, em especial em decorrência das perdas que ocorrem durante a diálise. Diante disso, sabe-se que maiores ofertas são necessárias, porém não existem informações claras sobre as reais necessidades desses nutrientes nesses pacientes. Dados mostram perdas importantes de vitaminas hidrossolúveis, ácido fólico e selênio pela diálise, sugerindo que esses micronutrientes devam ser suplementados. Com relação à vitamina C, recomenda-se não exceder a dose de 100 mg/dia, em virtude do risco de oxalose.
Avaliação nutricional na LRA As informações na literatura sobre avaliação nutricional na LRA são escassas, provavelmente por causa da dificuldade de se avaliar estes pacientes. Os métodos de avaliação nutricional disponíveis são os mesmos para a DRC. Entretanto, diante da grande influência dos fatores inflamação e hidratação, sobretudo nos pacientes críticos, a interpretação dos parâmetros nutricionais torna-se bastante limitada e pouco aplicável. Na Figura 11.4, estão descritos os marcadores nutricionais utilizados e suas principais limitações na LRA.
281
CB CMB
)NFLAMA ÎO
Pré-albumina
DOENÇAS RENAIS
Pregas cutâneas
Albumina
Colesterol
%DEMA
Peso
Albumina
FIGURA 11.4 Marcadores nutricionais convencionalmente utilizados e sua principal limitação na LRA. CB: circunferência do braço; CMB: circunferência muscular do braço.
A inflamação pode reduzir de maneira significativa os níveis séricos de alguns parâmetros laboratoriais, como albumina, pré-albumina e colesterol, tornando-os pouco fidedignos como marcadores nutricionais. O edema também dificulta a interpretação do peso seco, circunferências do braço, pregas cutâneas e albumina. Portanto, diante dessas limitações, os parâmetros de avaliação nutricional convencionalmente utilizados na rotina clínica são pouco aplicáveis na população com LRA. Nesses pacientes, os marcadores laboratoriais são mais utilizados como fatores de prognóstico clínico do que marcadores do estado nutricional. Os critérios estabelecidos por Fouque et al. (2007) para o diagnóstico da desnutrição energético-proteica em pacientes com LRA (Tabela 11.23) talvez sejam mais bem interpretados na população de pacientes estáveis, não críticos, ausentes de quadros inflamatórios ou edema. TABELA 11.23 #2)4³2)/3 $)!'.¼34)#/3 $% $%3.542)£²/ %.%2'³4)#/ 02/4%)#! 0!2!
0!#)%.4%3#/-LRA
0ARÊMETROS
6ALORES
Albumina sérica
< 3,8 g/dL
Pré-albumina (transtirretina) nos dialíticos
< 30 mg/dL
Colesterol sérico
< 100 mg/dL
IMC
< 23 kg/m²
IMC: índice de massa corporal; LRA: lesão renal aguda. Fonte: Fouque et al., 2007.
A obesidade (IMC > que 30 kg/m²), apesar de aumentar o risco de desenvolvimento de LRA, parece exercer efeito protetor na sobrevida de pacientes com LRA. Estudo com mais de 5.000 pacientes mostrou que pacientes obesos apresentaram menor risco de morte quando comparados àqueles com IMC < 25 kg/m², sugerindo a presença da epidemiologia reversa também nessa população. Ou seja, a obesidade, fator de risco tradicionalmente associado a prognósticos adversos, pode exercer benefícios a indivíduos com LRA.
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
282
Quanto ao gasto energético dos pacientes com LRA, o ideal é que seja medido por meio de calorimetria indireta. Na ausência desse método, pode ser estimado mediante equações preditoras. Porém, é importante ressaltar que a estimativa do peso seco é uma tarefa difícil nesses pacientes, já que a maioria deles se encontra acamada e não contactuante, podendo ocasionar erros na utilização dos valores provenientes das fórmulas preditivas. A ferramenta nutricional que menos apresenta limitação é o cálculo do catabolismo proteico por meio do aparecimento de nitrogênio ureico (ANU). Além de ser mais fidedigno na prática clínica, possibilita estimar a quantidade de equivalente proteico “gerada/ consumida” pelo paciente. O cálculo do aparecimento de nitrogênio ureico é feito com a seguinte fórmula: ANU (g/dia) = excreção de NUU + variação do nitrogênio ureico sérico ANU = NUU × V + (NUS2 – NUS1) × 0,006 × peso (kg) + (PC2 – PC1) × NUS2/100 Em que: NUU = nitrogênio ureico urinário (mg/dL); NUS = nitrogênio ureico sérico (mg/dL); PC = peso corporal (kg); 1 = dia referente ao cálculo; 2 = dia seguinte ao cálculo; utilização/geração proteica total = ANU × 6,25. Para os pacientes em diálise, devem ser acrescidas as perdas de nitrogênio ureico contidas no dialisato. Para a conversão da ureia em nitrogênio, é necessário multiplicar o valor de ureia por 0,467, já que a molécula de nitrogênio equivale a 46,7% da molécula de ureia. Para estimativa do grau de catabolismo dos pacientes, calcula-se o balanço nitrogenado a partir da seguinte fórmula: Balanço nitrogenado = nitrogênio dietético ingerido – ANU Nitrogênio dietético ingerido = proteína ingerida (g)/6,25, já que o nitrogênio equivale a 16% da proteína
11
O grau de catabolismo pode ser classificado de acordo com o excesso de aparecimento de nitrogênio ureico em: leve, moderado ou grave (Tabela 11.24). TABELA 11.24 #,!33)&)#!£²/$!%84%.3²/$/#!4!"/,)3-/$%!#/2$/#/-/"!,!.£/
.)42/'%.!$/
'RAUDOCATABOLISMO
"ALAN ONITROGENADO
Anabolismo
>0
Leve
0 a -4,9
Moderado
-5 a -10
Grave
Maior que -10
283 DOENÇAS RENAIS
O principal objetivo é manter o paciente em balanço nitrogenado positivo ou neutro. Porém, diante dos diversos insultos catabólicos a que o paciente está frequentemente submetido, atingir um balanço nitrogenado menos negativo possível torna-se a alternativa mais vantajosa. O balanço nitrogenado é uma medida simples, fácil e confiável, muito importante para caracterizar o catabolismo do paciente e direcionar o nutricionista quanto à oferta proteica mais indicada. Estudos em pacientes com LRA em TSR contínua e DP mostraram que para cada aumento de 1 g/dia no balanço nitrogenado houve aumento de 21% e 31%, respectivamente, na probabilidade de sobrevida, evidenciando a importância de manter um balanço nitrogenado positivo nesses pacientes.
Via de administração da dieta na LRA As indicações para a via de suporte nutricional são as mesmas aplicadas aos demais pacientes hospitalizados. Algumas situações inerentes aos pacientes críticos, como motilidade gastrintestinal prejudicada e absorção reduzida de nutrientes secundária ao edema intestinal podem desfavorecer o uso da dieta enteral. Porém, ainda assim a via enteral deve ser a via de escolha preferencial, considerando suas vantagens em manter a integridade intestinal, diminuir a atrofia intestinal e diminuir a translocação de bactérias e endotoxinas. A nutrição parenteral deve ser indicada na ausência de trato gastrintestinal funcionante ou para complementar as necessidades nutricionais fornecidas pela via enteral (Figura 11.5). A dieta enteral deve ser iniciada nas primeiras 24 horas na impossibilidade de dieta via oral.
Trato gastrintestinal funcionante?
Sim
Não
Via enteral
Via parenteral
11
Necessidades nutricionais atingidas? Associar com Sim
Não
FIGURA 11.5 Algoritmo para a escolha da via de dieta no paciente crítico com LRA.
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
284
A nutrição parenteral deve ser iniciada quando não há previsão de iniciar dieta enteral em até três dias. Nesta condição, deve-se iniciar a nutrição parenteral prolongada dentro de 24 a 48 horas. O suporte nutricional deve ser iniciado o mais rápido possível, a fim de evitar, principalmente, o consumo de tecido muscular consequente ao jejum prolongado.
LITÍASE RENAL A litíase renal é uma das doenças mais comuns em países industrializados, e sua prevalência varia entre 1 e 10%. A nefrolitíase pode ser definida como uma consequência de alterações nas condições normais de cristalização da urina. Ela é uma condição multifatorial consequente ao estado de supersaturação urinária, e a formação dos cálculos resulta do processo de nucleação, retenção e crescimento de cristais no trato urinário. Aproximadamente 80% dos cálculos são formados por sais de cálcio, como oxalato, fosfato ou carbonato de cálcio; 10%, por estruvita, produzido durante infecção com bactérias produtoras de urease; 9%, por ácido úrico; e o 1% restante é composto por cistina ou relacionado ao uso de medicamentos. Fatores genéticos, ambientais e nutricionais são fatores de risco que podem elevar os promotores de cristalização (cálcio, oxalato, fósforo e ácido úrico) ou reduzir os inibidores (citrato e magnésio). Muitos componentes dietéticos são fortemente relacionados com a composição urinária, sendo, portanto, a dieta um dos fatores de risco mais importantes para a formação de cálculos renais. Os principais nutrientes que exercem influência sobre a excreção urinária de componentes litogênicos, como cálcio, oxalato, sódio, potássio, vitamina C, proteínas, carboidratos, além da ingestão de líquidos, serão abordados adiante.
Cálcio
11
No passado, a restrição na ingestão de cálcio era uma medida comum, utilizada para reduzir o cálcio urinário em pacientes hipercalciúricos e prevenir a recorrência de nefrolitíase. Entretanto, em 1993, um grande estudo prospectivo realizado em homens sadios, com o objetivo de avaliar a relação entre a ingestão de cálcio e a incidência de cálculos renais, observou que, ao contrário do que se esperava, quanto maior era a ingestão de cálcio, menor era a formação de cálculos renais. Posteriormente, em um estudo prospectivo com duração de cinco anos em litiásicos hipercalciúricos, observou-se que uma dieta restrita em sal e proteína, combinada com uma ingestão de cálcio normal, foi mais eficiente em reduzir a recorrência de nefrolitíase, em comparação a uma dieta pobre em cálcio. Esses achados foram atribuídos ao fato da restrição de cálcio potencialmente induzir a hiperoxalúria secundária, por causa da menor disponibilidade de cálcio no lúmen intestinal para complexação com o oxalato, permitindo que uma quantidade maior de oxalato livre fosse absorvida. Além disso, hoje se sabe também que a restrição de cálcio resulta em balanço negativo de cálcio e perda de massa óssea. Sendo assim,
285 DOENÇAS RENAIS
atualmente, recomenda-se que os pacientes litiásicos não restrinjam o cálcio da dieta e que mantenham a ingestão habitualmente recomendada para a população em geral, em torno de 800 a 1.000 mg/dia. A quantidade de cálcio de alguns alimentos é representada na Tabela 11.25. TABELA 11.25 15!.4)$!$%$%#,#)/$%!,'5.3!,)-%.4/3
!LIMENTOS
Porção
MGDECÉLCIOEM GDEALIMENTO
MGDECÉLCIO porção
Iogurte desnatado
1 pote (185 g)
157
290
Iogurte Molico® enriquecido*
1 copo (200 g)
250
500
Leite desnatado
1 copo médio (150 mL)
134
201
Leite integral
1 copo médio (150 mL)
123
184
Queijo minas fresco
1 fatia média (30 g)
580
174
Queijo Polenguinho®
1 unidade (20 g)
730
146
Leite em pó, integral
1 colher de sopa (15 g)
890
133
Leite Molico® enriquecido*
1 copo (200 mL)
250
500
Iogurte de frutas
1 pote (120 g)
101
121
Requeijão cremoso
2 colheres de sopa (38 g)
258
98
Ricota
1 fatia média (35 g)
251
88
Queijo prato
2 fatias finas (20 g)
323
65
Queijo muçarela
2 fatias finas (20 g)
320
64
Leite condensado
1 colher de sopa (19 g)
247
47
Couve-manteiga refogada
3 colheres de sopa (54 g)
178
96
Agrião cru
1 prato de sobremesa (60 g)
133
80
Espinafre cozido
2 colheres de sopa (50 g)
112
56
Brócolis cozido
2 ramos médios (60 g)
50
30
Sollys Original®, bebida de soja*
1 copo (200 mL)
132
265
,EITEEDERIVADOS
6EGETAISELEGUMINOSAS
* Dados fornecidos pela empresa Nestlé®. Fonte: adaptada de Unicamp, 2011.
Oxalato O princípio para a restrição de oxalato reside no fato de que o oxalato de cálcio é o principal componente da maioria dos cálculos renais. Apesar de o oxalato dietético contribuir com apenas 10 a 20% na excreção urinária de oxalato, em decorrência da
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
286
menor concentração urinária de oxalato do que de cálcio (a relação Ca/Ox é de 5:1), pequenas alterações na concentração de oxalato têm maior efeito sobre a cristalização de oxalato de cálcio do que grandes alterações na concentração de cálcio. O oxalato dietético está presente em grande quantidade em alimentos de origem vegetal. Os vegetais que contêm elevados teores de oxalato são o espinafre, a beterraba e o ruibarbo, embora outros alimentos, como o feijão e o chocolate, também contenham oxalato em uma quantidade considerável. Outros alimentos, como as oleaginosas (nozes, amendoim, amêndoas, etc.), contêm oxalato em uma forma muito biodisponível (solúvel) e, portanto, mesmo com teores menores de oxalato, podem levar a um aumento na oxalúria. Em humanos, a ingestão de oxalato varia de 44 a 930 mg/dia, com média em torno de 150 mg/dia. O teor de oxalato de alguns alimentos encontra-se na Tabela 11.26. TABELA 11.26 15!.4)$!$%$%/8!,!4/$%!,'5.3!,)-%.4/3
!LIMENTOS
Porção
MGDEOXALATOEM GDEALIMENTO
MGDEOXALA TOPOR ÎO
6EGETAISELEGUMINOSAS Espinafre cozido
1/2 xícaraa
943
755
Feijão-preto cozido
1 xícara
Beterraba crua
95
152
1/2 xícara
a
95
76
Quiabo cru
1/2 xícara
a
71
57
Batata-doce
1 xícara
17
28
Tomate cru
3 rodelas médias (54 g)
39
21
Cenoura crua
1 unidade pequena (45 g)
22
10
Brócolis cru
1/2 xícara
a
1,25
1
Couve-manteiga crua
1/2 xícara
a
1,25
1
a
a
!LIMENTOSINDUSTRIALIZADOS
11
Chocolate amargo (Nestlé®)*
1 barra pequena (30 g)
190
57
Chocolate ao leite**
1 barra pequena (30 g)
120
36
Chá, infusão
1 xícara
9
14
a
/LEAGINOSAS Amêndoa
7 unidades (9 g)
452
41
Amendoim
1 pacote (30 g)
100
30
Nozes
3 unidades (15 g)
87
13
* Dados fornecidos pela empresa Nestlé®. ** Oxalate documentation - Harvard University Website. a
Xícara de chá (160 g).
Fonte: adaptada de HSPH, 2007.
287 DOENÇAS RENAIS
Apesar da possível associação entre a elevada ingestão de oxalato com a hiperoxalúria e a formação de cálculos, não existem estudos que comprovem que a restrição de oxalato efetivamente reduza a recorrência de cálculos. Contudo, estudos realizados em indivíduos saudáveis observaram incrementos da oxalúria da ordem de 20 a 213%, seguindo-se a sobrecargas de oxalato. Entretanto, já foi comprovado que a ingestão de cálcio exerce um efeito tão importante quanto a ingestão de oxalato sobre a oxalúria, já que, conforme mencionado anteriormente, o cálcio absorvido se liga ao oxalato, formando um complexo insolúvel, que é excretado nas fezes. Portanto, o cálcio tem um poder quelante sobre o oxalato. Em estudo realizado em litiásicos, um aumento na ingestão de oxalato em torno de 100 mg/dia, sob a forma de chocolate amargo (94 mg de oxalato + 26 mg de cálcio), produziu um aumento em torno de 20% na excreção de oxalato, que não foi observado quando os pacientes ingeriram chocolate ao leite (94 mg de oxalato + 430 mg de cálcio), provavelmente por causa da presença de cálcio, exercendo função quelante do oxalato no intestino. Dessa maneira, é aconselhável manter o equilíbrio entre as ingestões de cálcio e oxalato durante as refeições. O catabolismo do oxalato é processado por meio de reações de oxidação e descarboxilação catalisadas por bactérias anaeróbias e outras na luz intestinal, destacando-se a Oxalobacter formigenes. A colonização intestinal pela Oxalobacter formigenes é significativamente menor em pacientes com litíase renal recorrente em comparação a controles sadios (17% versus 38%, respectivamente). Algumas lactobactérias também utilizam o oxalato como fonte de energia, potencialmente limitando sua absorção pelo lúmem intestinal e, assim, contribuindo para reduzir a oxalúria. Alguns estudos observaram que altas concentrações de uma associação de bactérias produtoras de ácido lático foram eficazes em colonizar o intestino e reduzir a excreção urinária de oxalato em pacientes litiásicos com hiperoxalúria leve. Contudo, outros investigadores não observaram redução significativa na excreção urinária de oxalato em pacientes com hiperoxalúria idiopática após o uso de lactobactérias. Em um estudo mais recente em 14 pacientes litiásicos sem hiperoxalúria, observou-se redução na oxalúria em 7 indivíduos após o consumo de Lactobacillus casei e Bifidobacterium breve, sendo a redução superior a 25% em 4 indivíduos, e superior a 50% em 2 indivíduos. Os 2 pacientes que apresentaram a maior redução na oxalúria foram os mesmos que apresentaram um aumento significativo na excreção urinária de oxalato após consumo de uma dieta rica em oxalato (200 mg/dia) durante 2 semanas. Os resultados sugerem que a mistura de Lactobacillus casei e Bifidobacterium breve possui um efeito variável na redução da oxalúria que possivelmente é dependente da ingestão dietética de oxalato.
11
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
288
Sódio O papel da elevada ingestão de sódio contribuindo para litogênese é baseado em seu potencial efeito em elevar o cálcio urinário em decorrência do transporte comum de ambos em túbulo proximal. Um aumento de 100 mEq na ingestão diária de sódio produz um aumento de 25 mg na excreção urinária de cálcio. Portanto, a recomendação para pacientes litiásicos, especialmente os hipercalciúricos, é adequar a ingestão do sódio dietético. Considerando-se que a excreção de sódio urinário não deve ultrapassar 150 mEq/dia, o cálculo de uma ingestão adequada de sal não deve ser superior a 9 g/dia. Pacientes litiásicos devem adequar a ingestão de sódio dietético (sal de adição), bem como de alimentos enlatados, industrializados e/ou conservados em salmoura, como caldos concentrados, sopas desidratadas, embutidos (salsicha, salame, linguiça, mortadela, etc.), defumados, carnes salgadas (carne seca, bacalhau) conservas (azeitona, picles, entre outros).
Potássio
11
Alimentos ricos em potássio, como frutas e vegetais, geralmente são ricos em precursores de bicarbonatos, causando alcalinização sistêmica, reduzindo a reabsorção renal de citrato e aumentando a sua excreção. Em dois grandes estudos observacionais, observou-se que a incidência de nefrolitíase foi proporcionalmente menor de acordo com o maior consumo de potássio na dieta. Além disso, em estudo anterior, observou-se uma correlação direta e significativa entre potássio urinário e excreção de citrato. Recentemente, em um estudo transversal envolvendo 3.426 indivíduos, sendo alguns litiásicos e outros sem história de cálculos renais, Taylor et al. (2010) avaliaram a relação entre composição da urina de 24 horas e dieta estilo DASH (dietary approaches to stop hypertension) caracteristicamente rica em frutas e vegetais e, portanto, em potássio. Os resultados analisados em conjunto para litiásicos e não litiásicos mostraram que o citrato urinário foi de 11 a 16% maior para os participantes que se encontravam no maior quintil de escore DASH comparados àqueles que se situavam no menor quintil. Finalmente, um estudo demonstrou que a adição de frutas e vegetais à dieta de 26 litiásicos hipocitratúricos que anteriormente apresentavam baixo consumo destes alimentos levava a um aumento marcadamente significativo no citrato (68%), potássio (68%), volume (64%) e pH urinários, além de uma redução de 18% na excreção de amônio. A suplementação de frutas e vegetais para os pacientes deste estudo era composta de suco natural de laranja, frutas frescas variadas (cítricas e não cítricas) e, portanto, ricas em potássio e/ou citrato, consumidas junto com vegetais frescos, fornecendo uma ingestão adicional de potássio de 50 mmoL/dia. Portanto, a ingestão de alimentos ricos em potássio, como frutas e vegetais pode exercer efeito protetor contra a formação de cálculos. A Tabela 11.27 mostra o conteúdo de potássio de alguns alimentos considerados ricos quanto a esse nutriente (> 5 mEq de potássio).
289
!LIMENTOS
Porção
0OTÉSSIOM%Q
Melão
1 fatia média (170 g)
9
Abacate
1 unidade média (150 g)
8
Banana-nanica
1 unidade média (60 g)
8
Maracujá
1 unidade grande (100 g)
8
Banana-prata
1 unidade média (60 g)
7
Água de coco
1 copo médio (150 mL)
6
Laranja-pera
1 unidade média (150 g)
6
Mamão-formosa
1 fatia média (100 g)
6
Kiwi
1 unidade média (77 g)
5
Tangerina
1 unidade média (150 g)
5
Uva-itália
1 cacho médio (130 g)
5
Feijão-carioca cozido
1 concha média (154 g)
10
Batata frita
1 escumadeira (65 g)
8
Cenoura crua
1 unidade média (90 g)
8
Acelga crua
1 pires de chá (70 g)
6
Agrião
1 prato raso, picado (80 g)
2
Couve-manteiga crua
1 folha grande (35 g)
1
&RUTAS
DOENÇAS RENAIS
TABELA 11.27 !,)-%.4/32)#/3%-0/433)/
6EGETAISELEGUMINOSAS
Fonte: adaptada de Unicamp, 2011.
Vitamina C A vitamina C (ácido ascórbico) também tem sido considerada como um fator de risco para formação de cálculos. Estudos demonstram que a vitamina C pode ser metabolizada a oxalato, o que poderia aumentar a excreção de oxalato e elevar o risco de formação de cálculo de oxalato de cálcio. Apesar disso, dois estudos epidemiológicos não demonstraram associação entre o uso de suplemento de vitamina C e o aumento do risco de formação de cálculo renal em indivíduos sadios. Contudo, em outro estudo em indivíduos litiásicos, observou-se um aumento significativo na excreção de oxalato após a ingestão de 1 ou 2 g de suplemento de vitamina C por um período de três dias. Sendo assim, pacientes litiásicos devem ser aconselhados a evitar a utilização de suplementos de vitamina C em quantidades superiores a 500 mg/dia. Os pacientes devem ser incentivados a atingir a recomendação diária de vitamina C por meio de fontes dietéticas naturais, principalmente frutas, por apresentarem também citrato.
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Proteína O nutriente que tem impacto sobre a maioria dos parâmetros urinários envolvidos na formação de cálculos renais é a proteína de origem animal (carnes, aves, peixes, ovos, leite e derivados). A elevada ingestão de proteína animal contribui para hiperuricosúria, por causa sobrecarga de purinas, e para hipocitratúria, em decorrência da maior reabsorção tubular de citrato. O efeito da proteína dietética para o oxalato urinário é ainda controverso. Alguns autores mostraram um aumento, enquanto outros não encontraram mudanças. Recentemente, um estudo com indivíduos saudáveis mostrou que a oxalúria não foi alterada após aumento da ingestão proteica em dieta controlada, sugerindo que a síntese endógena de oxalato não se alterou. No entanto, o mesmo estudo mostrou que a excreção urinária de cálcio aumenta com o consumo aumentado de proteínas. Esse mecanismo já está bem estabelecido na literatura, e sugere-se que esteja relacionado à maior reabsorção óssea e menor reabsorção tubular renal de cálcio consequentes à carga ácida derivada do metabolismo de aminoácidos sulfurados, os quais estão presentes em maior quantidade nas proteínas de origem animal. A redução dietética de proteínas mostrou ser eficaz na redução da excreção de cálcio, fosfato, hidroxiprolina, ácido úrico e oxalato e no aumento do citrato urinário em litiásicos submetidos a uma dieta com 0,8 g/kg/dia de proteínas por duas semanas. Sendo assim, seria interessante manter o consumo de proteínas para pacientes litiásicos entre 0,8 e 1 g/kg/dia. Deve-se salientar que o leite e os derivados, apesar de serem de origem animal, não devem ser restritos, por causa do elevado conteúdo de cálcio. Além disso, considerando que o produto final do metabolismo das purinas é o ácido úrico, pacientes com litíase úrica devem evitar especialmente alimentos de origem animal ricos em purinas. Contudo, estudos recentes sugerem que a ocorrência de cálculos de ácido úrico pode não estar relacionada com o aumento na excreção urinária de ácido úrico, mas, sim, com a redução do pH urinário. Pacientes com síndrome metabólica apresentam maior risco de formação de cálculos de ácido úrico. Isso ocorre porque o excesso de gordura corporal pode levar à resistência à insulina, reduzindo a produção e excreção de amônia, levando a uma redução do pH urinário, mesmo na vigência de normouricosúria.
Carboidratos Dentre os carboidratos, a frutose, um monossacarídeo encontrado principalmente em frutas, vem sendo amplamente utilizada para adoçar bebidas e alimentos processados sob a forma de xarope de milho e de sacarose (dissacarídeo composto de glicose e frutose). Nos Estados Unidos, a porcentagem de energia consumida na forma de sucos de frutas industrializados aumentou de 1,1 para 2,2% (20 para 45 kcal) entre os anos de 1977 e 2001. Esse aumento também parece ter sido semelhante no Brasil, considerando a grande facilidade na aquisição do suco industrializado em comparação ao preparo do suco de fruta natural. O elevado consumo de açúcar proveniente de bebidas e alimentos processados está relacionado com o aumento de peso, que pode levar a um quadro de síndrome meta-
291 DOENÇAS RENAIS
bólica. Alguns investigadores encontraram uma associação positiva entre síndrome metabólica e nefrolitíase, sendo que a ocorrência de litíase renal aumentava conforme aumentavam as características da síndrome (obesidade abdominal, hipertrigliceridemia, baixos níveis de HDL, hipertensão arterial e intolerância à glicose ou diabete). Em uma análise retrospectiva com 4.883 indivíduos litiásicos, observou-se uma relação inversa entre pH urinário e peso corporal. Os autores sugerem que o declínio do pH associado ao aumento de peso ocorra pela presença de resistência à insulina, a qual diminui a excreção urinária de amônia (devido à baixa atividade da insulina no túbulo proximal renal), impedindo um tamponamento adequado da urina. Neste caso, o risco de ocorrência de cálculos de ácido úrico eleva-se em consequência de um pH urinário reduzido. Além disso, Taylor et al. (2010) demonstraram, por meio da análise prospectiva de três grandes estudos, que o consumo de frutose está independentemente associado ao aumento no risco de litíase. Um dos mecanismos que explica a influência da frutose na litogênese é o fato de que o açúcar aumenta a absorção intestinal de cálcio e reduz sua reabsorção no túbulo distal, resultando em hipercalciúria. A frutose também pode aumentar a excreção de oxalato, uma vez que alguns carboidratos são precursores dos carbonos para a síntese de oxalato. Além disso, ela aumenta a produção de ácido úrico, porque a fosforilação da frutose hepática reduz os estoques de fosfato, que inibe a regeneração do trifosfato de adenosina (ATP), e resulta no aumento dos níveis de monofosfato de adenosina (AMP) que, em seguida, são metabolizados em ácido úrico. Assim, é preferível o consumo de sucos de frutas naturais do que sucos de frutas industrializados por causa da quantidade de açúcar presente na composição destes últimos.
Líquidos Em virtude do efeito diluidor da urina, com consequente diminuição das razões de saturação de seus componentes, a elevada ingestão de líquidos é uma das medidas mais importantes para a prevenção da recorrência de litíase renal. Contudo, o baixo volume urinário é considerado um fator de risco independente para a formação de cálculos. Acredita-se que o volume ideal de líquidos ingeridos ao longo do dia deva ser o suficiente para gerar 2 litros de urina (cerca de 30 mL/kg/dia), chegando a uma quantidade individualizada a partir da coleta de urina de 24 horas. Porém, apesar de o objetivo principal ser aumentar o volume urinário, é necessário analisar o tipo de líquido ingerido e sua composição individualmente, a fim de verificar sua possível influência como protetor ou fator de risco para a recorrência de nefrolitíase. Uma possível maneira de elevar a ingestão de líquidos poderia ser pelo consumo de sucos. Além de aumentar o volume urinário, alguns sucos são fontes naturais de citrato, que é um potente inibidor da formação de cálculos de oxalato de cálcio e de fosfato de cálcio, além de possuir efeito alcalinizante na urina. O citrato forma um complexo solúvel com o cálcio e inibe a cristalização e o crescimento de cálculos de oxalato de cálcio. Ademais, aumenta o pH urinário por causa da oxidação do citrato em bicarbonato no fígado.
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Inúmeros estudos que avaliaram a bioquímica urinária demonstraram que os níveis de citrato urinário aumentaram de maneira satisfatória após o consumo de sucos de grapefruit, laranja ou limão. Contudo, em estudo cruzado randomizado, os efeitos do suco de laranja foram comparados com os do suco de limão, e observou-se que apenas o suco de laranja forneceu o potássio e uma carga alcalina, que resultou em um aumento no pH e no citrato urinário. O citrato do suco de limão, por sua vez, estaria complexado com um próton, neutralizando o efeito alcalinizante do bicarbonato produzido no fígado. Em um estudo recente, entretanto, comparou-se o efeito do suco de uma fruta não cítrica fonte de citrato e potássio (melão) com o suco de frutas cítricas (laranja e limão) sobre a citratúria e observou-se um aumento significativo na excreção urinária de citrato urinário após o consumo dos três tipos de suco. Com relação às frutas não cítricas, o cranberry e a groselha destacam-se por apresentarem elevado teor de citrato. A ingestão de 330 mL de suco de groselha durante um período de 5 dias aumentou o pH urinário e a excreção de ácido cítrico, podendo auxiliar no tratamento da litíase úrica. Assim, o consumo do suco de frutas cítricas ou não cítricas é recomendado tanto para o aumento do volume urinário quanto para o aumento na excreção de citrato e pH urinário. Entretanto, é preferível o consumo de sucos de frutas naturais do que sucos de frutas industrializados para evitar o consumo excessivo de açúcar proveniente de bebidas industrializadas. A interferência de algumas bebidas na ação do hormônio antidiurético (ADH) no túbulo distal pode levar ao aumento do volume urinário e, consequentemente, à menor saturação de compostos urinários. Curhan et al. (1993) observaram associação inversa entre o consumo de chá, café (descafeinado ou não), cerveja e vinho com risco de litíase renal. A ação inibitória do álcool e da cafeína presentes nessas bebidas sobre o ADH pode justificar o efeito protetor encontrado, pois esse hormônio leva ao aumento do volume urinário e, consequentemente, à menor saturação de compostos urinários. No caso do café descafeinado, o efeito protetor permanece inexplicado. No entanto, as bebidas alcoólicas devem ser utilizadas com moderação entre os pacientes com hiperexcreção de ácido úrico por conterem purinas. Os chás preto e mate também devem ser consumidos com cautela por causa do elevado teor de oxalato. Os chás herbais claros, contudo, podem ser uma alternativa na prevenção da urolitíase, uma vez que contêm menor quantidade de oxalato, comparados ao chá preto. No Brasil, é muito comum a utilização do chá de “quebra pedra”, que é preparado a partir da infusão da planta Phyllanthus niruri, para o tratamento da litíase renal. Em um estudo clínico, observou-se que pacientes com hipercalciúria que ingeriram cápsulas de P. niruri liofilizado apresentaram redução significativa da calciúria. Além disso, em um estudo experimental em ratos, observou-se que, embora o P. niruri efetivamente não seja capaz de fragmentar cálculos existentes, pode interferir na deposição do cristal, alterando sua forma e textura, diminuindo a agregação e crescimento dos cálculos. Portanto, apesar de o P. niruri interferir em várias etapas da formação dos cálculos, mais estudos em longo prazo são necessários para se estabelecer uma adequada conduta sobre o seu consumo.
293 DOENÇAS RENAIS
O consumo de refrigerantes à base de cola poderia estar relacionado com o risco de formação de cálculos renais por elevar a excreção urinária de oxalato e de citrato. Sendo assim, pacientes litiásicos deveriam ser orientados a evitar o consumo de refrigerantes à base de cola. Com relação às bebidas isotônicas, há controvérsias na literatura. Enquanto estudos experimentais sugeriram crescimento de cálculos vesicais de animais que ingeriram bebidas isotônicas, em um estudo clínico que investigou dois tipos de bebidas isotônicas, foi observado que a ingestão de aproximadamente 1 L/dia do isotônico com maior conteúdo de citrato e com pH mais elevado levou a um aumento significativo na citratúria e no pH urinário e foi, portanto, um protetor contra o risco de formação de cálculos. A outra bebida isotônica, por sua vez, não alterou o pH urinário nem a citratúria. Entretanto, assim como os refrigerantes, as bebidas isotônicas contêm uma quantidade expressiva de carboidratos e frutose e não parecem ser boas opções dentro de uma abordagem dietética para a prevenção dos cálculos renais. Finalmente, uma possibilidade simples e acessível de se elevar o volume urinário com o objetivo de prevenir a recorrência de litíase seria pelo aumento do consumo de água. Pacientes litiásicos que foram orientados a aumentar a ingestão de água apresentaram uma taxa de recorrência de cálculos reduzida em um estudo prospectivo randomizado de cinco anos.
Considerações sobre a LRA A influência da dieta sobre a litíase renal parece ser muito mais complexa do que se imaginava, devido às inúmeras interações dos nutrientes sobre os vários parâmetros urinários. Assim como em qualquer dieta, é imprescindível um equilíbrio entre todos os componentes dietéticos. As recomendações gerais devem ser feitas conforme mostrado na Tabela 11.28. TABELA 11.28 2%#/-%.$!£À%3.542)#)/.!)3'%2!)3
Dieta individualizada de acordo com o distúrbio metabólico (quando possível) Evitar o excesso de peso Ingestão de cálcio entre 800 e 1.000 mg/dia (em balanço com a ingestão de oxalato) Ingestão proteica entre 0,8 e 1 g/kg/dia Evitar a ingestão excessiva de sal Elevado consumo de citrato por meio de sucos de laranja e limão Elevado consumo de potássio por meio de frutas, verduras e legumes Não fazer uso de suplementos de vitamina C Ingestão de líquidos para manter diurese em torno de 30 mL/kg/dia
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CAPÍTULO
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Distúrbios do trato digestório
LÚCIA CARUSO
INTRODUÇÃO No estudo da terapia nutricional das doenças que envolvem o trato digestório, dois pontos são fundamentais. O primeiro relaciona-se com a repercussão sobre o estado nutricional, e o segundo refere-se às alterações dietéticas necessárias diante dos aspectos fisiopatológicos existentes. A subnutrição pode instalar-se a partir de limitações na alimentação (disfagia, tumores e estenoses) e da sintomatologia (anorexia, náuseas, vômitos, diarreia) que podem alterar a ingestão e absorção dos nutrientes. A intervenção nutricional, por sua vez, pode incluir restrições dietéticas específicas (de consistência, de via de administração, de nutrientes), que, se não forem bem monitoradas, resultam em uma oferta inadequada. O nutricionista, como membro da equipe multidisciplinar de terapia nutricional (EMTN), é responsável pela triagem e avaliação nutricional, que é importante não só para o diagnóstico nutricional inicial e identificação da necessidade de recuperação do estado nutricional, mas também para o acompanhamento da evolução após o aconselhamento dietético.
DISFAGIA A deglutição normal apresenta quatro fases: oral, preparatória, faríngea e esofágica. A disfagia é qualquer dificuldade na deglutição, resultante de qualquer interferência na precisão e sincronia dos movimentos de músculos e estruturas associadas à deglutição, que resultam em inabilidade, seja por debilidade no controle pelo sistema nervoso central (SNC) ou disfunção mecânica. É classificada em orofaríngea e esofágica.
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A disfagia também é comum em geriatria, como decorrência das alterações fisiológicas que acontecem com o envelhecimento, como diminuição da secreção salivar, aumento do tempo de resposta motora que é necessário para formação do bolo alimentar, prejuízo na peristalse faríngea e na abertura do esfíncter esofágico. A prevalência relatada em população geriátrica é de 10% em pacientes hospitalizados e de 30 a 60% em pacientes em programas de acompanhamento domiciliar. Já em unidades de terapia intensiva, pacientes submetidos à intubação orotraqueal por mais de 48 horas têm risco de desenvolver disfagia orofaríngea e apresentam risco potencial de complicações com a introdução da alimentação oral após a extubação. As principais complicações da disfagia são a desidratação e o prejuízo no estado nutricional pela dificuldade de alimentação. No caso de disfagia orofaríngea, há o risco de aspiração e desenvolvimento de pneumonia.
Disfagia orofaríngea É decorrente de anormalidades que afetam o mecanismo neuromuscular de controle do movimento do palato, faringe e esfíncter esofágico superior. A dificuldade está em iniciar o ato de deglutição, podendo ocorrer engasgos, mas é comum a ocorrência de forma silenciosa, isto é, sem engasgos que é diagnosticada com avaliação do fonoaudiólogo. A ocorrência pode estar relacionada a problemas no SNC (acidente vascular encefálico, doença de Parkinson, esclerose múltipla, neoplasias) ou a distúrbios neuromusculares (miastenia grave, poliomielite bulbar).
Terapia nutricional Objetivos s s s
Estabelecer a via de administração nutricional mais segura; adaptar a alimentação oral ao grau de disfagia; manter o estado nutricional ou promover a recuperação nutricional.
Recomendações
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A avaliação criteriosa do grau de disfagia é o primeiro passo para o estabelecimento do plano nutricional, pois permite a escolha da via de acesso mais adequada. Nos casos mais graves, com a finalidade de prevenir a aspiração, bem como a desidratação e a desnutrição, a nutrição por via enteral exclusiva pode ser indicada. Para tanto, a atuação de uma EMTN é fundamental, com a participação ativa do fonoaudiólogo. A partir daí, com o acompanhamento e aplicação de técnicas e manobras que visam à melhora da mobilidade e da sensibilidade para a deglutição, pode haver a introdução e progressão da via oral (VO) conforme a evolução de cada caso. A introdução da via oral deve ocorrer de maneira gradativa, com acompanhamento da equipe de fonoaudiologia. A definição da consistência dos alimentos deve estar de acordo com a avaliação realizada, geralmente sendo iniciada com preparações cremosas (sopa, creme, mingau, etc.), e é importante definir se existe risco de aspiração e se os líquidos ralos ou finos podem ser ofertados. A princípio, é importante manter a via enteral, pois a aceitação oral pode ser insuficiente. De acordo com a progressão da aceitação e consistência da via oral, a via enteral pode ser reduzida.
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néctar: líquido levemente espessado que pode ser consumido aos goles como mingau ralo; s mel: líquido espessado que necessita de colher para consumo, como mingau grosso; s pudim: apresenta aparência de sólido e deve ser consumido com colher, mas desfaz-se na boca, como flan.
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
Nos casos em que a perspectiva de oferta nutricional total por via oral é somente em longo prazo, implicando treinamento da via oral, uma alternativa é a gastrostomia, que livrará o paciente do incômodo da sonda nasoenteral. As técnicas atuais permitem, inclusive, a realização de gastrostomia por endoscopia. Quando há indicação de via oral exclusiva, o acompanhamento da aceitação é fundamental, pois é comum que seja insuficiente, em virtude do rebaixamento do nível de consciência, ou mesmo por dificuldades no processo de deglutição. Nessa situação, a EMTN deve avaliar a necessidade de complementação por via enteral para prevenir o déficit nutricional e a desidratação. A oferta por via oral deve ser criteriosa. O grau de disfagia é que determinará a consistência, isto é, a textura dos alimentos e a viscosidade dos líquidos. A textura inclui todas as sensações percebidas na cavidade oral durante a degustação de um alimento e por isso é medida sensorialmente. A viscosidade é a resistência do líquido ao fluxo. Pode haver necessidade de espessamento dos líquidos, o que possibilita melhor controle oral sobre o bolo alimentar e proporciona um tempo maior para que o reflexo da deglutição seja desencadeado. Ao mesmo tempo, líquidos ralos podem representar risco de aspiração, ou seja, de seguirem para as vias aéreas, por controle oral reduzido conforme o grau da disfagia. Para espessar, podem ser utilizadas farinhas à base de amido, que podem requerer aquecimento para o aumento da viscosidade (p.ex., amido de milho, creme de arroz, etc.), gomas feitas a partir de fibras solúveis (p.ex., goma guar) ou ágar-ágar, produto à base de algas, utilizado na culinária japonesa. Estão disponíveis no mercado produtos industrializados elaborados justamente com o propósito de espessar sem alterar o sabor. Esses produtos são apresentados em pó (lata ou sachês) e, quando adicionado à água ou a diferentes preparações como sucos, chá, caldo de vegetais, preparações lácteas, levam ao espessamento sem necessidade de aquecimento. Conforme a necessidade de cada caso, podem resultar em diferentes viscosidades: s
A primeira padronização, a “Dieta nacional para disfagia”, foi estabelecida nos Estados Unidos com o objetivo de descrever as etapas para a progressão da alimentação oral para o tratamento da disfagia orofaríngea. São propostos três níveis, especificando a consistência dos alimentos sólidos e semissólidos: s s
nível I: consiste em purês homogêneos, alimentos coesivos e de baixa adesividade; nível II: é composto por alimentos úmidos e de textura macia, como vegetais cozidos, frutas macias e maduras e cereais mais umedecidos, ou seja, alimentos que requerem grau mínimo de mastigação; são excluídos pães, bolo seco, queijo em cubos, milho e ervilha;
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s
nível III: consiste em alimentos próximos da textura normal, com exceção de alimentos muito duros e crocantes; são permitidos pães, arroz, bolos macios, alface, carnes macias; devem-se evitar frutas e vegetais duros, castanhas e sementes.
Com relação aos líquidos, a recomendação é considerar qual é a viscosidade indicada em cada caso, individualmente. A restrição de consistência pode comprometer a oferta nutricional, sendo importante o acompanhamento, para avaliação da necessidade de incrementar as preparações, conforme será discutido ao longo desse capítulo. Outra opção é a indicação de complementos nutricionais. Esses complementos estão disponíveis no mercado na forma líquida, prontos para consumo, ou em pó, quando necessitam ser reconstituídos em água. Podem fornecer de 1 a 2 kcal/mL e diferentes concentrações proteicas, chegando a conter até 20 g de proteínas na porção de 200 mL. São considerados produtos de nutrição enteral para uso por via oral, sendo disponibilizados em diferentes sabores.
Disfagia esofágica
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É decorrente de distúrbios que afetam o esôfago, resultando em dificuldade na propulsão através do esôfago. Durante a deglutição, o esôfago apresenta contrações cuja função é a propagação do bolo alimentar em direção ao estômago. O peristaltismo esofágico é um processo neuromuscular coordenado em parte pelo SNC e em parte por mecanismos locais e miogênicos. Esse processo pode ser alterado por diversas causas, como obstruções que invadam a luz do órgão (neoplasias, divertículos, etc.), alterações manométricas, espasmos difusos, distúrbios não específicos de motilidade, ou, ainda, por aquelas secundárias a processos de degeneração crônica dos tecidos (esclerose e escleroderma). A acalasia, também chamada de dissinergia esofágica, é um distúrbio da motilidade do esôfago inferior. O número diminuído de células ganglionares no plexo de Auerbach causa diminuição na inervação colinérgica da musculatura esofágica. Isso leva a uma falência do esfíncter esofágico inferior (EEI) para relaxar e abrir durante a deglutição, resultando em disfagia ou dificuldade de deglutição. Nos distúrbios de motilidade, a tendência é que a disfagia piore, chegando a permitir apenas a ingestão de líquidos. Durante a alimentação, o esôfago passa a acumular os líquidos ingeridos e com a pressão da gravidade ocorre a abertura do EEI, com passagem de pequenas porções do volume para o estômago. Caso isso não ocorra, o volume acumulado no esôfago é devolvido na forma de regurgitação. Essa dificuldade para a alimentação resulta em prejuízo do estado nutricional, sendo a desnutrição comum nesses pacientes. A avaliação do estado nutricional deve levar em conta indicadores antropométricos, bioquímicos e a análise do consumo alimentar, conforme descrito na Tabela 12.1 (gastrite e úlcera). A avaliação nutricional subjetiva, que alia questões sobre alterações de peso, ingestão alimentar e exame físico, é um excelente instrumento de triagem nutricional.
301
s Adaptar a dieta ao grau de disfagia; s promover a recuperação nutricional.
Recomendações A recuperação nutricional deve ser proposta por meio de dieta hipercalórica e hiperproteica. A consistência da dieta por via oral depende do grau de disfagia, sendo geralmente necessária a dieta líquida. Pode ser indicada a nutrição enteral, quando existir disfagia inclusive aos líquidos. Na Tabela 12.1, são apresentadas algumas sugestões para o enriquecimento das preparações por via oral. Se houver inflamação da mucosa esofágica por atrito com os alimentos não deglutidos, há necessidade de evitar sucos e frutas ácidas, condimentos e especiarias picantes e irritantes que podem causar dor, e temperaturas elevadas. O tratamento da acalasia costuma ocorrer por meio de balões infláveis para dilatação forçada do EEI, que permite o alívio da disfagia. No entanto, frequentemente resulta em refluxo gastroesofágico, uma vez que ocorre destruição do EEI. Em casos mais graves, pode haver indicação de cirurgia.
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
Terapia nutricional Objetivos
TABELA 12.1 35'%34À%30!2!!5-%.4!2!/&%24!%.%2'³4)#!%02/4%)#!
4IPODEALIMENTO
!DICIONARPARAENRIQUECIMENTO
Leite
Leite em pó, mel, creme de leite, sorvete
Sopas
Azeite ou óleo vegetal, margarina, queijo ralado ou picado, requeijão
Carne
Ovos, queijo, molhos à base de leite
Frutas
Farinhas, leite condensado, mel, aveia, leite em pó, chocolate, sorvete, etc.
Pães e cereais
Geleia, mel, manteiga ou margarina derretida, queijo
Suplementos em pó ou líquidos
Incluir nos intervalos entre as refeições
REFLUXO GASTROESOFÁGICO – ESOFAGITE Esofagite consiste na inflamação da mucosa esofágica, decorrente do refluxo do conteúdo acidopéptico gástrico. Esse refluxo decorre de uma diminuição na pressão do EEI, que não se contrai adequadamente após a passagem dos alimentos para o estômago, permitindo o retorno do conteúdo gástrico. O controle da pressão do EEI é feito pelos sistemas nervoso e humoral. A gastrina (fase gástrica da digestão) aumenta a pressão, enquanto a colecistocinina (CCK) e a secretina a diminuem (fase intestinal da digestão). Algumas substâncias podem alterar a pressão do EEI. A cafeína, a teobromina, as xantinas e o álcool diminuem e por isso contribuem para o refluxo. O sintoma mais comum é a queimação dolorosa epigástrica e retroesternal. Deve-se ressaltar que a hérnia de hiato (protusão de uma porção do estômago para dentro do tórax através do hiato esofágico do diafragma), por alterar a anatomia esofagogástrica, apresenta forte associação com a esofagite. A correção cirúrgica pode fazer parte do tratamento.
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O aumento da pressão intra-abdominal (gravidez, obesidade) também pode desencadear o refluxo gastroesofágico. Na avaliação nutricional dos pacientes com esofagite, a obesidade é achado frequente, e a perda de peso deve ser programada, pois contribui para a diminuição do refluxo.
Terapia nutricional Objetivos s s s s
Prevenir a irritação da mucosa esofágica na fase aguda; auxiliar na prevenção do refluxo gastroesofágico; contribuir para o aumento da pressão do EEI; corrigir e manter o peso saudável.
Recomendações As características da dietoterapia na esofagite estão sintetizadas na Tabela 12.2. TABELA 12.2 2%#/-%.$!£À%3.542)#)/.!)3.!%3/&!')4%
#ARACTERÓSTICA
2ECOMENDA ÎONUTRICIONAL
Valor energético total
Suficiente para manter o peso ideal Se necessário, programar a perda de peso
Lipídios
Hipolipídica (< 20% das calorias totais) Evitar alimentos e preparações gordurosas, uma vez que a CCK diminui a pressão do EEI
Consistência da dieta
Fase aguda: líquida ou semilíquida com evolução até a dieta geral (com melhora da disfagia)
Fracionamento
6 a 8 refeições de pequenos volumes para evitar o refluxo
Líquidos
Preferencialmente entre as refeições; evitar nas refeições principais (almoço e jantar) para diminuir o volume ingerido
Excluir
Alimentos que diminuem a pressão do EEI: café, mate, chá preto, bebidas alcoólicas, chocolate
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Alimentos que irritam a mucosa inflamada: sucos e frutas ácidas, tomate Alimentos que estimulam a secreção ácida: com alto teor de purinas (consomê) Recomendações gerais
Não comer antes de dormir (pelo menos duas horas antes de deitar) Comer em posição ereta Não se recostar ou deitar após a refeição Manter horários regulares para evitar aumento do volume das refeições Não usar roupas e acessórios apertados Manter a cabeceira da cama elevada
CCK: colecistocinina; EEI: esfíncter esofágico inferior.
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Gastrite consiste na inflamação da mucosa gástrica. Ela aparece de repente, tem curta duração e desaparece, na maioria das vezes, sem deixar sequelas. Pode ser desencadeada por medicamentos (ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios, etc.), ingestão de bebidas alcoólicas, fumo, situações de estresse (queimaduras graves, politrauma, etc.). A gastrite crônica é definida histologicamente pela atrofia crônica progressiva da mucosa gástrica. Úlcera péptica é uma doença de etiologia ainda pouco conhecida, de evolução crônica, com surtos de ativação e períodos de remissão, caracterizada por perda circunscrita de tecido nas áreas do tubo digestório que entram em contato com a secreção acidopéptica do estômago. Tanto na gastrite quanto na úlcera, o ponto central é o desequilíbrio entre os fatores que agridem a mucosa (como ácido clorídrico, pepsina, bile, medicamentos ulcerogênicos) e os que a protegem (como barreira mucosa, prostaglandinas, secreção mucosa). Esse desequilíbrio resulta em lesão da mucosa. Um fator importante na etiopatogenia da úlcera é a presença da Helicobacter pylori, que aparece em cerca de 70% das úlceras gástricas e de 90% nas duodenais. Essa bactéria, Gram-negativa, microaerófila, que possui forma espiralada e flagelos unipolares, é capaz de movimentar-se em meios de alta viscosidade, aderindo-se ao epitélio superficial da mucosa, onde permanece protegida. Postula-se que, por meio de sua atividade mucolítica, altera o muco e propicia a retrodifusão de íons H+, resultando em mudança no equilíbrio entre os fatores protetores e agressores. A bactéria, segundo alguns estudos, por ser sensível às alterações do pH, migraria para outra área na qual a camada de muco estivesse íntegra. O epitélio, livre do micro-organismo, pode regenerar-se ou, já inflamado (gastrite) pela presença do bacilo, ulcerar-se quando atingido por agentes agressores. Embora os tipos de lesão nas gastrites e úlceras sejam distintos do ponto de vista morfológico, no que diz respeito ao tratamento dietético podem estabelecer-se as mesmas diretrizes.
Avaliação nutricional A subnutrição pode ocorrer principalmente nos casos em que existe estenose, a qual impede a ingestão normal de alimentos. É fundamental a investigação sobre a existência de deficiências nutricionais, com a finalidade de planejar sua recuperação a partir do plano dietético. As deficiências mais comuns são de energia, proteínas e ferro (que pode ocorrer por causa de hemorragias constantes). Na gastrite crônica, é comum a deficiência de vitamina B12. Na Tabela 12.3, estão relacionados os indicadores que podem ser adotados para a avaliação nutricional.
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
GASTRITE E ÚLCERAS GASTRINTESTINAIS Fisiopatologia
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304 TABELA 12.3 ).$)#!$/2%3.542)#)/.!)3
!NTROPOMÏTRICOS
#LÓNICOS
"IOQUÓMICOS
Peso
Avaliação nutricional subjetiva
Albumina sérica
Altura
Exame físico
Pré-albumina sérica
Prega cutânea do tríceps
Anamnese alimentar
Hemograma
Circunferência muscular do braço
Balanço nitrogenado Transferrina sérica
Terapia nutricional Objetivos s s s s
Recuperar e proteger a mucosa gastrintestinal; facilitar a digestão; aliviar a dor; promover um bom estado nutricional.
Recomendações
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Cabe aqui um relato histórico para que determinados tabus alimentares possam ser compreendidos. No início do século XX, foi proposta uma dieta à base de leite e creme de leite, associada a antiácidos, para o tratamento da úlcera gastrintestinal. Baseava-se no princípio de que o leite proporcionaria a alcalinização gástrica e aliviaria a dor. A partir de 1940, a eficácia dessa dieta passou a ser questionada, ao mesmo tempo que o tratamento medicamentoso evoluiu e surgiram os bloqueadores H2, bem como evoluíram as técnicas diagnósticas, com o aparecimento da endoscopia. Outro fator que condenou essa dieta, chamada de tradicional, foi o aumento na incidência de óbitos por doenças cardiovasculares nesses pacientes, correlacionado ao alto consumo de gordura saturada, que está presente no leite e no creme de leite. O conceito atual é de que o leite não é um alimento indicado para aliviar a dor ou queimação, sintoma comum nesses pacientes. Embora possa levar ao alívio instantâneo quando ingerido, o leite, por ser rico em cálcio e proteínas, resulta em rebote ácido, isto é, estimula a produção ácida gástrica e acaba intensificando a dor. Ele deve ser consumido como parte da alimentação, na quantidade recomendada nos guias alimentares (2 a 3 porções/dia), e não em quantidades abusivas com o objetivo de aliviar a dor. A associação de gastrites e úlceras com Helicobacter pylori levou a várias liberações na dieta. Alguns até propõem que não há necessidade de nenhum tipo de recomendação dietética, bastando apenas a erradicação da bactéria. Deixando de lado posições extremistas, as recomendações dietéticas estão resumidas na Tabela 12.4, ressaltando que estas são para pacientes em acompanhamento ambulatorial, ou que estejam internados, mas sem intercorrências.
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#/-'!342)4%3%Â,#%2!3
#ARACTERÓSTICA
2ECOMENDA ÎO
Valor energético total
Suficiente para manter ou recuperar o estado nutricional
Distribuição calórica
Normal (carboidratos: 50 a 60%, proteínas: 10 a 15%, lipídios: 25 a 30%)
Consistência
Geral ou adaptada às condições da cavidade oral
Fracionamento
4 a 5 refeições/dia (evitar longos períodos em jejum)
Alimentos com efeito positivo
Ricos em fibras alimentares (vegetais em geral): a fibra apresenta efeitos benéficos – age como tampão, reduz a concentração de ácidos biliares no estômago e diminui o tempo de trânsito intestinal, o que leva a menor distensão
Alimentos a serem evitados
Bebidas alcoólicas: o álcool é um potente irritante da mucosa gastrintestinal
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
TABELA 12.4 2%#/-%.$!£À%3$)%4³4)#!30!2!0!#)%.4%3!-"5,!4/2)!)3%(/30)4!,):!$/3
Café, mesmo que seja do tipo descafeinado, leva ao aumento da produção de ácido gástrico, resultando em irritação da mucosa Chocolate contém xantinas que contribuem para a irritação da mucosa Refrigerantes à base de cola e, em especial, Seven up® são relacionados ao aumento da produção ácida. Além disso, por serem gasosos, provocam distensão gástrica e podem relacionar-se a dispepsia Pimenta vermelha possui capsaicina, substância irritante gastrintestinal A pimenta preta também é irritante, porém a substância ainda não foi identificada Mostarda em grão, chili e chocolate são irritantes
Frutas ácidas
Respeitar a tolerância do paciente. O pH do estômago (por volta de 2) é mais ácido que qualquer fruta (p. ex., o pH do suco de laranja é em torno de 3), por isso não seria necessário evitá-las. No entanto, alguns pacientes relatam dispepsia após ingerir alimentos cítricos
Ambiente durante a alimentação
Procurar fazer as refeições em ambiente tranquilo; comer devagar e mastigar bem os alimentos
No caso de complicações, como sangramento, é importante salientar que a conduta será distinta, exigindo jejum e observação da evolução clínica. A endoscopia é importante para direcionar o tratamento, podendo ser indicada a esclerose de vasos sanguíneos. Ao se introduzir a alimentação, é necessário iniciar com líquidos por via oral, evoluindo-se a consistência conforme o acompanhamento. Hemorragias, estenoses e subestenoses, bem como perfuração, podem exigir o tratamento cirúrgico. Vale ressaltar, ainda, que casos de gastrites erosivas (por ingestão de substâncias ácidas ou alcalinas) exigem atenção especial e, conforme o grau de lesão, em casos graves, eventualidade rara, podem ser indicação de nutrição parenteral.
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É essencial levar em conta as tolerâncias individuais, respeitando-as na medida do possível, sempre atentando para existência de conceitos errados sobre a ação dos alimentos e, nesse caso, procurar esclarecer o paciente sobre mitos e verdades.
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS As doenças inflamatórias intestinais (DII) são crônicas e acometem o trato digestório. A história natural caracteriza-se pela frequente exacerbação dos sinais e sintomas, com diferenças dependendo da localização e da extensão do processo fisiopatológico. As duas formas mais comuns de apresentação são: 1. Retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI): a inflamação é delimitada à mucosa do cólon, ocorrendo de maneira contínua, e a manifestação mais comum é a diarreia sanguinolenta. 2. Doença de Crohn (DC): é uma doença inflamatória também de caráter granulomatoso, que pode afetar qualquer parte do trato alimentar, desde a boca até o ânus, mas envolve predominantemente o íleo terminal e o cólon. É segmentar e as manifestações predominantes na DC são a diarreia e a dor abdominal. A etiologia das DII é desconhecida e multifatorial, mas são apontados quatro aspectos que apresentam grande interação, além de sofrerem a influência de fatores ambientais: os genéticos; os luminais (relacionados a microbiota intestinal, seus antígenos e produtos metabólicos e os antígenos alimentares); os relacionados à barreira intestinal (incluindo os aspectos referentes à imunidade inata e à permeabilidade intestinal); e os relacionados à imunorregulação (incluindo a imunidade adaptativa ou adquirida). É crucial a determinação do grau de severidade ou atividade da DII, pois a gravidade, a duração e a localização da doença são importantes na resposta ao tratamento, lembrando que doenças na região perianal têm uma resposta menos favorável à terapia nutricional.
Avaliação nutricional
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Depois de vários anos com exacerbações cíclicas da doença, os pacientes perdem significativamente a função do trato intestinal. Com isso, o comprometimento do estado nutricional é frequente. Além disso, são vários os fatores que contribuem para a deficiência nutricional (Tabela 12.5). Dessa maneira, é importante verificar na avaliação nutricional a ocorrência de perda de peso (que pode estar mascarada pelo uso de corticosteroides, que levam à retenção hídrica), anemia, falta de vitaminas e minerais (ferro, ácido fólico, vitamina B12, cálcio) e deficiência no crescimento em crianças. A hipoalbuminemia é frequente, mas deve ser interpretada considerando o processo inflamatório, pois por ser uma proteína de fase aguda negativa, ou seja, cuja produção é diminuída durante a fase aguda, a albumina nesse momento estará sob a influência da inflamação vigente. Torna-se interessante observar o resultado da albumina ao lado da proteína C reativa (PCR), que reflete o estado inflamatório. PCR alta (medição por método ultrassensível) e albumina plasmática baixa são indicadores de processo inflamatório, não sendo possível usar a albumina, nesse caso, para classificação do estado nutricional.
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).&,!-!4¼2)!3).4%34).!)3$))
$IMINUI ÎONAINGESTÎOALIMENTAR Anorexia, náuseas e vômitos Dor abdominal e diarreia Comportamento negativista Dietas restritas (iatrogenia) -ÉABSOR ÎO Diminuição da área absortiva (doença, ressecções)
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
TABELA 12.5 &!4/2%3 2%,!#)/.!$/3 ° $%&)#)´.#)! .542)#)/.!, .!3 $/%.£!3
Supercrescimento bacteriano Deficiência de sais biliares !UMENTODASPERDASINTESTINAIS Enteropatia perdedora de proteínas Fístulas: perda de eletrólitos, minerais, traços Sangramento gastrintestinal )NTERA ÜESDROGA NUTRIENTE Corticosteroides (cálcio e proteínas) Sulfassalazina (folato) Colestiramina (gorduras e vitaminas) !UMENTONASNECESSIDADESNUTRICIONAIS Sepse, febre, fístula Aumento do turnover celular Repleção das reservas orgânicas Terapia com esteroides (catabolismo proteico) Fonte: Dudrick et al., 1991.
Terapia nutricional Objetivos s Aplicar as recomendações nutricionais adequadas de acordo com o tipo de doença e grau de atividade; s recuperar e/ou manter o estado nutricional; s manter o crescimento em crianças; s fornecer aporte adequado de nutrientes; s contribuir para diminuir a atividade e para aumentar o tempo de remissão da doença.
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Recomendações Como os mecanismos patológicos da DII não estão definitivamente estabelecidos, o papel de fatores específicos da dieta na etiologia ou no tratamento continua obscuro. Portanto, a tolerância individual deve ser levada em conta, sempre tendo como objetivo principal a preservação de um bom estado nutricional. Na Tabela 12.6, estão as principais recomendações nutricionais nas DII. TABELA 12.6 2%#/-%.$!£À%3.542)#)/.!)3.!3$/%.£!3).&,!-!4¼2)!3).4%34).!)3$))
#ARACTERÓSTICA
2ECOMENDA ÎO
Energia
25 a 30 kcal/kg/dia Suficiente para recuperar ou manter um peso corporal saudável (levar em conta o hipermetabolismo das DII e a necessidade de recuperação de peso)
Proteínas
1 a 1,5 g (até 2 g para desnutridos)/kg de peso ideal/dia
Lipídios
Hipolipídica (< 20% das calorias totais), uma vez que podem piorar a diarreia (pode haver deficiência de sais biliares)
Carboidratos Fase aguda da DII
Isenta de lactose (evitar leite e derivados). A lactase é uma enzima de frágil inserção na mucosa intestinal, e seus níveis podem estar diminuídos na diarreia, havendo intolerância Controle de mono e dissacarídeos para evitar soluções hiperosmolares que possam aumentar a diarreia Rica em fibras solúveis (por ação das bactérias intestinais, formam ácidos graxos de cadeia curta, que constituem importante fonte de energia para células intestinais) e pobre em fibras insolúveis (para auxiliar no controle da diarreia) (ver Tabela 12.8)
Fase de remissão da DII Antifermentativa
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Evoluir progressivamente o teor de fibras insolúveis Evitar alimentos: srelacionados com a formação de gases: brócolis, couve-flor, couve, repolho, nabo, cebola crua, pimentão verde, rabanete, pepino, batata-doce; sgrão de leguminosas: feijão, ervilha seca, grão-de-bico, lentilha; sfrutos do mar, especialmente mariscos e ostras; smelão, abacate, melancia; sovo cozido ou frito consumido inteiro (mas não quando faz parte de uma preparação, como em um bolo ou torta); ssementes oleaginosas: nozes, castanhas, amendoim, castanha de caju, etc.; sbebidas gasosas como refrigerantes; sexcesso de açúcar; sdoces concentrados, como goiabada, cocada Lembrar que a formação de gases é muito individual, mantendo relação com a flora bacteriana intestinal (continua)
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#/.4
#ARACTERÓSTICA
2ECOMENDA ÎO
Via de administração
Oral (fase de remissão) Complementos orais: são recomendados para casos de DC com inflamação intestinal persistente, como nos dependentes de terapia com corticoesteroides, oferecendo até 600 kcal/dia – associados à via oral Enteral e parenteral (fase aguda) (discussão no texto)
Substratos específicos Na DC ativa sFórmulas enterais à base de aminoácidos livres, peptídeos
A utilização de fórmulas enterais elementares não mostrou eficácia superior às fórmulas poliméricas (com proteína intacta) e por isso não há recomendação específica para o uso dessas fórmulas
sFórmulas enterais
Como não há evidência científica sobre os benefícios, não há recomendação específica para o uso dessas fórmulas enriquecidas
sGlutamina via
A adição de 0,3 g/kg de L-alanil-L-glutamina na nutrição parenteral não se associou com melhora (na permeabilidade intestinal, concentração plasmática, parâmetros nutricionais, atividade da doença e tempo de permanência hospitalar), não justificando recomendação específica
enriquecidas com glutamina, ácido graxo ômega-3, TGF-beta parenteral
Na RCUI sÁcido graxo ômega-3
sAGCC
Probióticos
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
TABELA 12.6 2%#/-%.$!£À%3.542)#)/.!)3.!3$/%.£!3).&,!-!4¼2)!3).4%34).!)3$))
Contribui para diminuir a resposta inflamatória (3 a 6 g/dia) Os AGCC (ácidos acético, butírico e propiônico) obtidos por meio da fermentação bacteriana das fibras solúveis (p. ex., Plantago ovata) são importantes para o trofismo da mucosa intestinal (ver discussão no texto). Ainda é necessário desenvolvimento de mais estudos sobre fontes e quantidade Os pacientes com DII apresentam menor quantidade de bactérias benéficas e o uso de probióticos pode contribuir para o aumento no tempo de remissão, favorecendo o equilíbrio da flora bacteriana intestinal. Ainda há necessidade de melhor definição sobre quais as cepas indicadas e a quantidade. Cabe ressaltar que pelo risco de translocação bacteriana é contraindicado o uso na fase ativa, pela falta de evidência científica
AGCC: ácidos graxos de cadeia curta; DC: doença de Crohn; DII: doenças inflamatórias intestinais; RCUI: retocolite ulcerativa inespecífica.
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Via de administração Na fase aguda, o suporte enteral e parenteral tem sido amplamente empregado com o objetivo de melhorar o estado nutricional. Existe na literatura atual uma tendência favorável à utilização de fórmulas enterais nas DII. A seguir, são apontadas algumas características, vantagens e desvantagens das duas vias de administração.
NUTRIÇÃO PARENTERAL TOTAL (NPT) Vantagens s s
s s
Repouso intestinal com aumento da ação motora e de transporte na mucosa comprometida; diminuição do estímulo antigênico (alimentos): a mucosa está com aumento da permeabilidade e diminuição da função imune (linfócitos), contribuindo para diminuir a inflamação; oferta de aminoácidos para renovação celular da mucosa; diminuição do processo inflamatório local e fornecimento de substrato para regeneração.
Desvantagens s s
Recidiva quando o paciente retorna à dieta normal (quando usada como terapia primária); complicações mecânicas, metabólicas e infecciosas.
Indicações para nutrição parenteral total (NPT) s s s s s
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Obstrução intestinal; síndrome do intestino curto; hemorragia colônica; perfuração intestinal; como terapia coadjuvante na fase aguda para pacientes que não toleram a via enteral.
TERAPIA NUTRICIONAL ENTERAL (TNE) Vantagens s A presença de nutrientes estimula a secreção de hormônios (CCK, glucagon, hormônios intestinais) que têm efeito trófico na mucosa, mantém a integridade da mucosa e previne a translocação bacteriana (sepse); s evita a atrofia da mucosa, que é relatada com a NPT; s remissão da DC, evitando uso de drogas e promovendo o crescimento em crianças; s custo inferior ao da NPT; s pode ser usada em nível domiciliar (não requer internação); s paciente pode desenvolver suas atividades normais.
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s s
Palatabilidade baixa, necessitando, às vezes, do uso de sonda para infusão, a qual pode resultar em lesão no EEI; complicações, como diarreia, sangramento, refluxo gastroesofágico e aspiração; não é recomendado usar a TNE durante muitos meses por ano, quando adotada como terapia primária.
Indicações para a terapia nutricional enteral A TNE é preferível à NPT por apresentar menor incidência de complicações severas e manter o trofismo da mucosa intestinal. Alguns estudos são realizados utilizando-se a terapia nutricional como primária, ou seja, em substituição à terapia medicamentosa. Neste contexto, na RCUI, a NPT não é efetiva como terapia primária. Como terapia primária na DC ativa, a nutrição enteral mostrou-se tão efetiva quanto a parenteral, mas inferior à terapia com corticosteroides. Assim, a TNE primária nessa doença deve ser reservada para casos selecionados, como crianças e adolescentes em que a terapia convencional com corticosteroides não funcionou e em casos de retardo no crescimento. Na RCUI, os benefícios da nutrição por via enteral ainda não foram claramente demonstrados, mas essa via é recomendada na fase ativa da doença. Na DC, há evidência para indicação da TNE na prevenção e no tratamento da subnutrição, na fase aguda e perioperatória, assim como para manter a remissão na doença crônica agudizada. A utilização da nutrição parenteral em associação à enteral tem resultados melhores que TNE ou NPT isoladas no perioperatório na DC. Essa terapia combinada está associada à redução na morbidade, tempo de permanência hospitalar e custo efetividade. A NPT no período pré-cirúrgico pode diminuir as complicações em pacientes subnutridos com DII, quando administrada por um período de pelo menos cinco dias; no entanto, ainda há necessidade do desenvolvimento de estudos que melhor identifiquem a duração do suporte nutricional. A indicação de terapia parenteral deve ocorrer quando há contraindicação de terapia enteral.
FIBRAS ALIMENTARES E INTESTINO As fibras fazem parte dos carboidratos da alimentação. Os carboidratos têm sofrido uma série de alterações com relação a alguns conceitos básicos, em virtude dos estudos sobre a sua digestibilidade, em especial da fração amido resistente e fibra alimentar. A sua classificação atual está especificada na Tabela 12.7.
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
Desvantagens s
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312 TABELA 12.7 #,!33)&)#!£²/$/3#!2"/)$2!4/3
#LASSES'0
3UBGRUPOS
#OMPONENTES
Açúcares (1 a 2)
Monossacarídeos
Glicose, galactose, frutose
Dissacarídeos
Sacarose, lactose, tetralose
Polióis
Sorbitol, manitol
Malto-oligossacarídeos
Maltodextrinas
Outros oligossacarídeos
Rafinose, estaquiose, FOS
Amido
Amilose, amilopectina, amido-resistente
Polissacarídeos não amido
Celulose, hemicelulose, pectinas, hidrocoloides
Oligossacarídeos (3 a 9) Polissacarídeos (> 9)
GP: grau de polimerização; FOS: fruto-oligossacarídeos. Fonte: FAO/WHO, 1998.
O consumo de alimentos de origem vegetal para o tratamento da constipação intestinal já era usado por Hipócrates. No entanto, a fibra, nutriente responsável por esse efeito laxativo, só ganhou expressão nos estudos relacionados à nutrição humana no final do século XX. Em geral, as fibras promovem o desenvolvimento da mucosa intestinal mediante vários mecanismos, alguns deles explicitados na Tabela 12.8. TABELA 12.8 #!2"/)$2!4/3%%&%)4/3&)3)/,¼')#/3
4IPOSDECARBOIDRATOSFONTES
%FEITOSFISIOLØGICOS
&IBRASSOLÞVEIS Pectina (maçã, casca de frutas cítricas, morango); gomas (aveia, leguminosas secas); algumas hemiceluloses (psyllium)
Retardam o esvaziamento gástrico e diminuem a taxa de absorção de carboidratos Ligam-se aos ácidos biliares, retardando ou reduzindo a absorção de lipídios Aumentam o volume e a maciez das fezes Formam soluções viscosas e têm a capacidade de reter moléculas orgânicas e cátions metálicos
12 4IPOSDECARBOIDRATOSFONTES
%FEITOSFISIOLØGICOS
&IBRASSOLÞVEIS FOS (alho, cebola, banana, tomate, alcachofra, alimentos produzidos a partir de inulina, massas)
São fermentados no cólon e produzem ácidos graxos de cadeia curta (acetato, propianato, butirato) Efeito prebiótico
&IBRASINSOLÞVEIS Celulose (farinha de trigo integral, feijões, ervilha, maçã, farelo, repolho, raízes vegetais); hemiceluloses tipo B (farelo, cereais, soja, grãos integrais); lignina (vegetais maduros, trigo)
Não são normalmente fermentadas Aceleram o trânsito intestinal: reduzem a obstipação intestinal Aumentam o volume e a maciez das fezes
FOS: fruto-oligossacarídeos. Fonte: adaptada de Slavin, 1987; FAO/WHO, 1998; Roberfroid e Delzene, 1998.
313
s s s s s s
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
O consumo de fibra alimentar associado a uma dieta balanceada, rica em carboidratos e pobre em lipídios é importante para promover a saúde, diminuindo o risco de doenças crônicas. É recomendado o consumo de 20 a 35 g/dia de fibra alimentar. Como os dados de fibra contidos nas tabelas de composição de alimentos nacionais persistiram por muito tempo com informações sobre fibra bruta (que subestima o valor real de fibras dos alimentos), ainda existe dificuldade em se identificar o real valor de fibras dos cardápios elaborados. As alternativas para incrementar o consumo de fibras esbarram na mesma dificuldade. Dessa maneira, após a compilação de dados nacionais atuais do teor de fibra alimentar, avaliados com relação à sua qualidade analítica, foram propostos os equivalentes de fibra alimentar. Estes equivalentes visaram a uma familiarização com o real teor desse nutriente distribuído nos diversos grupos de alimentos e como podem ser substituídos de modo igual. Isso deve ser feito sempre com a preocupação de que pode haver grandes variações no valor energético. Nos equivalentes de fibra alimentar total (FAT) (Apêndice 12.1), foram propostos seis grupos, nos quais os alimentos estão divididos em porções. Cada porção tem valores de FAT próximos, o que permite a substituição de um alimento por outro, garantindo uma equivalência no teor de fibras alimentares. Os grupos são: frutas: 2,8 g; pães e matinais: 1,4 g; vegetais A: 0,42 g; vegetais B: 1,3 g; leguminosas: 3,11 g; cereais e outros: 1,35 g.
A preocupação com o teor de fibras da alimentação não deve ser feita sem considerar os demais nutrientes. Assim, uma alimentação rica em fibras também deve seguir as recomendações dos guias alimentares. Para garantir que um cardápio apresente teor adequado de fibras e, ao mesmo tempo, esteja equilibrado, é interessante considerar a adaptação da pirâmide alimentar proposta por Philippi et al. (1996) para a população brasileira. A Tabela 12.9 apresenta um paralelo entre o consumo de alimentos de origem vegetal proposto neste guia da pirâmide e os equivalentes de FAT. O valor estimado de fibras alimentares, utilizando este exemplo de aplicação dos equivalentes de FAT, é de 26 g/dia, conforme o sugerido pela American Dietetic Association (ADA, 1993), que é de 20 a 35 g/dia. Informações adicionais sobre o teor de fibra alimentar e amido existente em alimentos podem ser encontradas na Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – USP, disponível no site http://www.fcf.usp.br/tabela (USP, 1998).
CONSTIPAÇÃO INTESTINAL Constipação é uma alteração do trânsito intestinal, mais especificamente do intestino grosso, caracterizada por diminuição do número de evacuações, com fezes endurecidas e
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esforço à defecação. As causas mais comuns de constipação são os hábitos deficientes de eliminação de fezes, como uma repetida ausência de resposta imediata à necessidade de evacuar. A vida moderna, os alimentos tipo fast-food e a falta de horários regulares para as refeições contribuem para essa condição. Mas ela pode ser relacionada a muitas outras causas secundárias, como uso de medicamentos, falta de exercícios físicos (pacientes acamados), doenças do intestino grosso (que levem à insuficiência da propulsão ou da passagem do bolo fecal por obstrução), neuropatia (diabete), neoplasias intestinais, hemorroidas, etc. A utilização das fibras alimentares pode ser bastante valiosa. A vantagem de sua utilização em relação aos medicamentos é muita clara. Esses medicamentos acabam “viciando” a mucosa intestinal, de modo que quantidades crescentes são necessárias. Além disso, existem os efeitos adversos dos medicamentos que devem ser considerados. O principal instrumento no tratamento da obstipação intestinal é a anamnese alimentar, observando-se a frequência e a quantidade de ingestão dos grupos fontes de vegetais (Tabela 12.9). TABELA 12.9 2%#/-%.$!£À%3$)%4³4)#!3%4%/2$%&)"2!3!,)-%.4!2%3
2ECOMENDA ÜESDAPIRÊMIDEALIMENTAR 0HILLIPIETAL
0OR ÜESDOSEQUIVALENTESDE&!4!PÐNDICE
Cereais, pães, tubérculos, raízes: 5 a 9 porções
Pães/matinais: 2 porções (2,8 g de FAT) Cereais/outros: 4 porções (5,4 g de FAT) Vegetais B: 1 porção (1,3 g de FAT), perfazendo um total de 9,5 g de FAT
Hortaliças: 4 a 5 porções
Vegetais A: 5 porções (2,1 g de FAT)
Frutas: 3 a 5 porções
Frutas: 4 porções (11,2 g de FAT)
Leguminosas: 1 porção
Leguminosas: 1 porção (3,1 g de FAT) Total de FAT no exemplo: 26 g
FAT: fibra alimentar total. Fonte: Caruso,1998.
12
Farelo de trigo e farelo de aveia, bem como cereais e grãos integrais, podem ser indicados como alternativas para aumentar o consumo de fibras. A ameixa preta e seu suco são potentes estimuladores da motilidade intestinal (contêm o ácido di-hidroxifinil isotina). Outro fator importante é a oferta hídrica. Para que as fibras possam agir alterando o peso e a maciez das fezes, é essencial a ingestão abundante de pelo menos 8 copos/dia de líquidos (água, sucos e outros). De acordo com a Tabela 12.8, os fruto-oligossacarídeos (FOS) apresentam efeito prebiótico. Os FOS são encontrados naturalmente em alimentos, ou adicionados, ou, ainda, sintéticos (disponíveis comercialmente em sachês). Os prebióticos são discutidos a seguir.
315
s s s
competição por nutrientes com as patogênicas; produção de antimicrobianos; ativação da resposta imune e inflamatória.
Em situações nas quais as bactérias patogênicas se sobressaem, causando o desequilíbrio, uma das repercussões é a diarreia, conforme já discutido nas DII. O tipo de flora bacteriana de um indivíduo depende principalmente de fatores relacionados à hereditariedade, hábitos alimentares e uso contínuo de medicamentos (especialmente antibióticos). Já nos primeiros meses de vida o tipo de alimentação influenciará a flora bacteriana em formação. O aleitamento materno tem importante papel por estimular o desenvolvimento das bifidobactérias, que são benéficas. Uma das importantes funções da flora colônica é a síntese de vitaminas e a produção dos ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), a partir da fermentação de resíduos alimentares. Esses resíduos são principalmente carboidratos não absorvidos. Em média, 10 a 60 g/dia de carboidratos são fermentados ao longo do trato digestório, especialmente nos cólons, sendo que podem ser relacionados a diferentes carboidratos. Quando o alimento apresenta um ingrediente que resiste à digestão pelas enzimas e chega ao intestino, sendo capaz de estimular o crescimento seletivo das bactérias benéficas (como lactobacilos e bifidobactérias), este alimento é dito prebiótico. Os FOS são um ótimo exemplo de prebióticos; são encontrados naturalmente em alimentos (alho, cebola, tomate, alcachofra, banana) ou adicionados (p.ex., em iogurtes, suplementos e fórmulas enterais), ou, ainda, sintéticos (disponíveis comercialmente em sachês), como já se mencionou. Os AGCC (acético, butírico e propiônico) produzidos pelas bactérias intestinais têm diferentes ações fisiológicas: s s
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
PREBIÓTICOS E PROBIÓTICOS E AÇÃO NO TRATO DIGESTÓRIO O ecossistema intestinal é formado por mais de 50 gêneros de bactérias, incluindo cerca de 500 espécies. No trato intestinal humano, existem cerca de 100 trilhões de bactérias, e a maior concentração de bactérias está nos cólons, onde se alojam em torno de 1 × 1012 UFC/g. Dentre essas bactérias estão algumas patogênicas e as benéficas. A manutenção do equilíbrio dessa flora é essencial para a saúde do hospedeiro. Em condições saudáveis, os micro-organismos benéficos “controlam” as bactérias nocivas, mantendo o equilíbrio do intestino. Esse equilíbrio baseia-se nas seguintes atividades das bactérias benéficas:
são fonte de energia para os colonócitos, sendo importantes para a manutenção da integridade da barreira mucosa; diminuem o pH intestinal, afetando a atividade de enzimas microbianas: um dos mecanismos propostos é a modificação de enzimas (azorredutases, nitrorredutases, betaglucoronidase, etc.) produtoras de carcinógenos, reduzindo o risco do desenvolvimento do câncer de cólon;
12
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
316
s s s
diminuem o pH intestinal, que contribui para menor solubilidade e menor reabsorção passiva de ácidos biliares; transferem água para o lúmen intestinal, facilitando a solubilidade e a absorção de minerais, especialmente do cálcio; são relacionados, em hipótese, com ações sistêmicas: o acético com a redução de ácidos graxos livres do soro; e o propiônico com a diminuição do colesterol no sangue.
Essas ações, embora algumas ainda estejam em estudo, ressaltam a importância da fermentação intestinal e da formação dos AGCC de modo geral. Mas cabe lembrar que os prebióticos são aqueles carboidratos que interferem na flora intestinal, levando ao crescimento seletivo das bactérias benéficas. Alguns estudos têm mostrado um efeito promissor dos prebióticos no tratamento da constipação intestinal, e outros estudos preliminares têm relacionado com a prevenção do câncer de intestino. Ainda há necessidade de mais investigação científica e esclarecimento sobre a quantidade e o tempo de ingestão, para a produção dos efeitos benéficos. Outros alimentos contêm as bactérias benéficas e são ditos probióticos, como, por exemplo, os leites fermentados e outros produtos lácteos. Também estão disponíveis na forma de sachê. A Tabela 12.10 relaciona algumas características dos prebióticos e probióticos. Cabe ressaltar que o alimento que contém ambos, prebióticos e probióticos, é chamado simbiótico. TABELA 12.10 #!2!#4%2·34)#!3$/302%")¼4)#/3%02/")¼4)#/3
12
#ARACTERÓSTICAS
0REBIØTICO
0ROBIØTICO
Definição
Ingrediente não digerível dos alimentos que estimula seletivamente o crescimento ou a atividade de uma ou de pequeno número de bactérias nos cólons, com ação benéfica para o hospedeiro
Micro-organismo viável (que resiste à acidez gástrica) presente no alimento que tem efeito benéfico para a saúde do hospedeiro
Critérios de seleção
Não ser hidrolizado nem absorvido no trato gastrintestinal Substrato seletivo para um ou limitado número de bactérias benéficas nos cólons Contribuir para a alteração da flora bacteriana tornando-a saudável Induzir efeitos luminais ou sistêmicos benéficos para o hospedeiro
Linhagem pertencente à flora bacteriana Seguro para uso humano Estável ao ácido gástrico e à bile Durabilidade durante armazenamento Capacidade de aderência na mucosa intestinal e de produzir efeitos benéficos
Exemplos
FOS Galacto-oligossacarídeos Oligossacarídeos da soja
Lactobacillus casei Bifidobacterium bifidum
FOS: fruto-oligossacarídeos.
317 DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
Os probióticos devem conter micro-organismo viável de linhagem pertencente à flora bacteriana, que resiste à acidez gástrica, seguro para uso humano, com durabilidade durante armazenamento e capacidade de aderência na mucosa intestinal, produzindo efeitos benéficos. Embora a interação específica entre o hospedeiro e a microbiota intestinal ainda tenha sido pouco estudada, é reconhecido que uma regulação imunofisiológica é gerada no intestino, dependente da população de bactérias benéficas. A ingestão de 109 a 1011 de bactérias lácticas tem se associado com a diminuição da incidência, duração e gravidade de doenças gástricas e intestinais. Outras aplicações dos probióticos observadas em estudos são: preservação da integridade intestinal e atenuação dos efeitos de outras doenças intestinais, como a diarreia infantil induzida por rotavírus, diarreia associada ao uso de antibióticos, doença inflamatória e colite, melhora da intolerância à lactose. No entanto, para alguns casos as cepas e a quantidade ainda estão sendo pesquisadas.
DIARREIA O aumento da frequência (geralmente, acima de 3 vezes/dia) de eliminação de fezes semipastosas ou líquidas caracteriza a diarreia, sendo acompanhada por perda excessiva de líquidos e eletrólitos (sobretudo sódio e potássio). Na Tabela 12.11, relacionam-se a classificação e a etiologia da diarreia. TABELA 12.11 #,!33)&)#!£²/%%4)/,/')!$!$)!22%)!
4IPODEDIARREIA
%TIOLOGIA
Osmótica
Presença de solutos osmoticamente ativos no intestino, inadequadamente absorvidos (p.ex., na deficiência de lactase)
Secretória
Ocorre secreção ativa de eletrólitos e água pelo epitélio intestinal (p.ex., por exotoxinas bacterianas ou por vírus)
Exsudativa
Associada a lesões de mucosa, que levam à eliminação de muco, sangue e proteínas plasmáticas (p.ex., colite ulcerativa, enterite por radiação)
Contato mucoso limitado
Condições em que há exposição inadequada do quimo no epitélio intestinal (p.ex., síndrome do intestino curto)
Fonte: adaptada de Mahan e Arlin, 1998.
No tratamento da diarreia, é importante investigar sua causa. Em geral, as principais recomendações nutricionais são: s s
oferta de líquidos e eletrólitos suficiente para repor as perdas: a água de coco é interessante por ser rica em potássio, e bebidas isotônicas também podem ser usadas; evitar, em geral, o leite e seus derivados, porque o nível de lactase nos enterócitos se encontra diminuído e pode haver intolerância;
12
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
318
s
s s
oferta de fontes de fibras solúveis: é importante para auxiliar no controle do trânsito intestinal pela viscosidade que proporciona, bem como pela possibilidade de produção de ácidos graxos de cadeia curta, importantes para a integridade e recuperação da mucosa intestinal; evitar alimentos fontes de fibras insolúveis (que aceleram o trânsito intestinal ainda mais) (ver Tabela 12.8); dieta antifermentativa (ver Tabela 12.8).
Além disso, no período de remissão, deve-se utilizar probióticos para recuperação da flora bacteriana, conforme abordado no item anterior.
PANCREATITE Pancreatite é um termo genérico que engloba uma série de condições com variações na etiologia, no curso clínico e no tratamento.
Pancreatite crônica
12
É decorrente da inflamação persistente do pâncreas, que leva a uma deficiência funcional, com comprometimento da absorção e, por vezes, com desenvolvimento de diabete por insuficiência na produção de insulina. Em geral, está associada ao consumo de bebidas alcoólicas. Geralmente, os sintomas incluem dor abdominal, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia (sobretudo esteatorreia) e desnutrição progressiva. A avaliação e o acompanhamento nutricional são essenciais, podendo-se adotar os indicadores propostos na Tabela 12.3. Deve-se considerar que, como resultado do processo crônico de pancreatite, a secreção enzimática é gradualmente diminuída, resultando em má digestão e esteatorreia, sendo que também pode ocorrer diabete, quando as células beta produtoras de insulina são afetadas. Em um estágio inicial da doença, a digestão de lipídios é mais afetada que a de proteínas e carboidratos e resulta em esteatorreia. Com a progressão da doença, também pode ocorrer azotorreia. Por causa da esteatorreia, a deficiência de vitaminas lipossolúveis é comum. Outro achado comum é a deficiência de tiamina, cálcio, magnésio e zinco, sendo importante acompanhar os níveis séricos. Na pancreatite crônica, mais de 80% dos pacientes podem ser tratados adequadamente com suplementação medicamentosa de enzimas pancreáticas e alimentação por via oral. É indicado que as enzimas (pancreatina, que pode ou não ser associada à lipase) sejam ingeridas no horário das refeições, em quantidade proporcional aos alimentos consumidos.
Terapia nutricional Um dos pontos principais é observar a tolerância aos lipídios, uma vez que as gorduras precisam das enzimas pancreáticas para digestão e absorção, e sua má absorção caracte-
319 DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
riza a esteatorreia, conforme já citado. A glicemia deve ser acompanhada, e, na presença de hiperglicemia persistente, as recomendações para diabete devem ser adotadas. Pode haver deficiência de várias vitaminas, sendo necessária a suplementação. Por causa da esteatorreia, pode haver necessidade de reposição de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e vitamina B12 (cuja deficiência é rara, sendo importante a observação de sintomas clínicos, uma vez que pode haver deficiência mesmo com níveis séricos normais). Também pode haver deficiência de minerais: cálcio, magnésio e zinco. Especialmente no caso de etilismo crônico, a suplementação com ácido fólico pode ser indicada, assim como de vitamina C, riboflavina, tiamina e ácido nicotínico, sendo recomendada a reposição. As principais recomendações estão resumidas na Tabela 12.12. TABELA 12.12 2%#/-%.$!£À%3.542)#)/.!)3.!0!.#2%!4)4%#2½.)#!
#ARACTERÓSTICA
2ECOMENDA ÎO
Energia
30 a 35 kcal/kg de peso corporal/dia 20 kcal/kg de peso atual/dia, com progressão gradativa: quando houver subnutrição grave (IMC < 16 kg/m2) pelo risco de síndrome de realimentação
Carboidratos
Normoglicídica (acompanhar a glicemia)
Proteínas
1 a 1,5 g/kg/dia
Lipídios
30% do VET (se bem tolerado) Caso não haja ganho de peso e a esteatorreia persistir, é indicada a restrição a 20%, com a utilização de TCM
Bebidas alcoólicas
Exclusão total
Micronutrientes
Os sinais clínicos de deficiência devem ser avaliados. Pode ser necessária a suplementação de várias vitaminas, especialmente se houver etilismo crônico
IMC: índice de massa corporal; TCM: triglicerídeos de cadeia média; VET: valor energético total. Fonte: adaptada de Meier et al., 2006.
Pancreatite aguda As causas da pancreatite aguda são variadas, englobando desde a ingestão de álcool, doenças do trato biliar, hipertrigliceridemia, traumas abdominais, pós-operatórios de cirurgias abdominais, até causas infecciosas (p.ex., virais) e medicamentosas (p.ex., corticosteroides). Embora apresente mecanismos fisiopatológicos ainda não completamente esclarecidos, esta condição é caracterizada pela ativação de enzimas digestivas na célula acinar, provocando lesão. Ocorre a liberação de mediadores inflamatórios (citocinas), com o desenvolvimento do processo inflamatório. A forma leve está associada com edema discreto, elevações do nível sérico das enzimas (amilase), com quadro de dor abdominal e vômitos, apresentando mortalidade relati-
12
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
320
vamente baixa. O tratamento em geral consiste no jejum alimentar por 2 a 5 dias, com hidratação e analgesia até o alívio dos sintomas. Geralmente é o suficiente para que haja resolução da dor abdominal e diminuição das enzimas pancreáticas (amilase e lipase), critérios comumente utilizados para o início da dieta oral. A partir daí, deve-se proceder com a introdução de dieta líquida hipolipídica, com progressiva evolução da consistência. Mas, deve-se considerar que alguns estudos têm mostrado que a utilização de dieta oral desde o princípio do quadro não altera a evolução do processo. Cerca de 10% dos pacientes desenvolvem a forma necrótica e hemorrágica, quando além dos sintomas iniciais pode apresentar distúrbios gerais graves com insuficiência de órgãos, com quadro de síndrome da resposta inflamatória sistêmica, sendo associada à alta mortalidade. Esses pacientes são hipermetabólicos. São propostos critérios para avaliação da gravidade da pancreatite, apoiados em dados clínicos e laboratoriais (p.ex., critérios de Ranson).
Terapia nutricional na pancreatite aguda grave
12
O objetivo principal é manter o repouso pancreático, com o jejum via oral (evitar a fase gástrica da estimulação pancreática), e, em decorrência do hipermetabolismo, procurar preservar o estado nutricional. A terapia nutricional deve ter início o mais breve possível (24 a 48 horas após as medidas iniciais do tratamento médico). A via enteral é indicada, sempre que tolerada, com fórmula oligomérica, iniciando com uma velocidade bem baixa, com progressão de volume o tipo de fórmula (polimérica), conforme a tolerância digestiva. Vale ressaltar que, se a fórmula polimérica é tolerada, ela pode ser utilizada desde o início, mas é importante que a fonte lipídica seja de triglicerídeos de cadeia média, com o mínimo de triglicerídeos de cadeia longa. Cada vez que a nutrição enteral é adotada na pancreatite aguda grave, deve-se levar em conta que o acesso enteral deve estar locado em posição além do ângulo de Treitz, para não estimular a atividade exócrina pancreática. Pode haver paresia gástrica, decorrente da proximidade anatômica do pâncreas inflamado com o estômago, podendo ser indicado manter uma sonda de drenagem gástrica. A nutrição parenteral é indicada para complementar a oferta via enteral ou quando essa via não é tolerada. A Tabela 12.13 resume as principais recomendações.
321
'2!6%
2ECOMENDA ÎODIETÏTICA
)NDICA ÎO
Energia
25 a 35 kcal/kg de peso ideal/dia (considerar o grau de hipermetabolismo)
Proteínas
1,2 a 1,5 g/kg de peso ideal/dia (pode ser indicada suplementação com glutamina por causa do hipermetabolismo)
4ERAPIANUTRICIONAL
)NDICA ÎO
Enteral
Deve ser indicada sempre que possível e tolerada. A posição preferencial é jejunal (após o ângulo de Treitz), mas pode ser gástrica, se tolerada A fórmula enteral oligomérica, que tem menor estimulação pancreática, pode ser mais bem tolerada Pode ser necessária a complementação com a via parenteral para garantia da oferta nutricional adequada
Parenteral
Indicada quando a via enteral não é tolerada. Soluções lipídicas podem prover 25 a 30% das calorias não proteicas. Os lipídios têm pouca estimulação sobre o pâncreas quando administrados por via endovenosa Em pacientes com hiperlipidemia tipo I e IV, devem ser usadas soluções lipídicas com cautela Acompanhar os triglicerídeos séricos, pois pode haver hipertrigliceridemia
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
TABELA 12.13 2%#/-%.$!£²/$)%4³4)#!%4)0/$%4%2!0)!.542)#)/.!,.!0!.#2%!4)4%
Fonte: adaptada de Herrmann e Fuhrman, 1997; Meier et al., 2006.
O melhor método de terapia nutricional para pacientes com pancreatite moderada a grave ainda precisa ser definido mediante avaliações prospectivas da evolução da doença.
REFERÊNCIAS 1. Caruso L. Avaliação da qualidade analítica dos dados sobre fibra alimentar – um modelo. São Paulo, 1998. [Dissertação]. Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo. 140p. 2. Cerda JJ. Diet and gastrointestinal disease. Med Clin North Am 1993; 77(4):881-7. 3. Dudrick SJ, Latifi R, Schrager R. Nutritional management of inflamatory bowel disease. Surg Clin North Am 1991; 71(3):609-23. 4. FAO/WHO (Food and Agricultural /World Health Organization). Classificação dos carboidratos – 1998. Disponível em http://fao.org. 5. Finestone HM, Greene-Finestone LS. Rehabilitation medicine: 2. Diagnosis of dysphagia and its nutritional management for stroke patients. Canadian Medical Association 2003; 169(10):1041-4. 6. Han PD, Burke A, Baldassano RN, Rombeau JL, Lichtenstein GR. Inflamatory bowel disease. Gastroenterol Clin North Am 1999; 28(2):423-43. 7. Herrmann VM, Fuhrmann MP. Nutrition support and pancreatitis. In: Shikora SA, Blackburn GL. Nutrition support: theory and therapeutics. Nova York, Champman and Hall, 1997. 8. Hudson HM, Dauvert CR, Mills RH. The interdependency of protein-energy malnutrition, aging and dysfagia. Dysphagia 2000; 15(1):31-8.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
322
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323
&RUTAS
-ÏDIA GDE&!4VARIA ÎO A G -EDIDACASEIRA
0ESOLÓQUIDOG
%NERGIAKCAL
Abacaxi
2 rodelas médias
260
122
Banana-nanica
2 unidades grandes
160
167
Banana-prata
2 unidades médias
160
167
Goiaba branca
1 unidade média
60
20
Goiaba vermelha
1 unidade média
60
16
Jabuticaba
1 copo pequeno
120
44
Laranja-pera
1 unidade média
150
41
Maçã
1 unidade média
150
91
Mamão
1 fatia média
100
88
Mamão papaia
1/2 unidade pequena
112
100
Manga
1 unidade pequena
80
48
Pitanga
20 unidades
140
44
Uva
1 cacho médio
130
47
0ÎESMATINAIS
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
APÊNDICE 12.1 – EQUIVALENTES DE FIBRA ALIMENTAR TOTAL (FAT)
-ÏDIA GDE&!4VARIA ÎO A G -EDIDACASEIRA
0ESOLÓQUIDOG
%NERGIAKCAL
All Bran®
1 colher de sobremesa
6
21
Aveia em flocos
1 colher de sopa
16
55
Aveia, farelo Oat Bran®
1 colher de sobremesa
8
28
Aveia, farinha
1/2 colher de sopa
10
35
Cereal matinal, arroz, chocolate
1/2 xícara de chá
60
220
Cereal matinal, aveia, amêndoa, mel
2 colheres de sopa
30
108
Cereal matinal, milho
3 colheres de sopa
45
160
Cereal matinal, milho, açúcar
1 xícara de chá
60
222
Cereal matinal, milho, chocolate
1 xícara de chá
60
223
Cereal matinal, milho, mel
1 xícara de chá
60
216
Cereal matinal, milho, trigo, aveia
1 xícara de chá
60
231
Pão, aveia, forma, diet
1 fatia
30
73
Pão, centeio, forma
1 fatia
30
73
Pão, glúten, forma
2 fatias
50
121
Pão, trigo, hot dog
1 unidade
50
143
Pão, trigo, forma
2 fatias
50
126
Pão, trigo, forma, diet
1 fatia
30
68
12
(continua)
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
324 (continuação)
0ÎESMATINAIS
0ESOLÓQUIDOG
%NERGIAKCAL
Pão, trigo, forma, integral
1 fatia
30
76
Pão, trigo, forma, preto
1 fatia
33
78
Pão, trigo, francês
1 unidade
50
151
Pão, trigo, hambúrger
1 unidade
50
138
Trigo, farelo
3 colheres de chá
3
5
6EGETAIS!
-ÏDIA GDE&!4VARIA ÎO A G -EDIDACASEIRA
0ESOLÓQUIDOG
%NERGIAKCAL
Abóbora crua
1 colher de sopa
26
3
Abobrinha crua
3 colheres de sopa
42
5
Alface crua
2 pires de chá
44
3
Batata-inglesa cozida
2 colheres de sopa
32
16
Cenoura crua
2 colheres de sopa
28
2
Couve-flor crua
2 colheres de sopa
25
4
Inhame cru
2 colheres de sopa
32
21
Nabo cru
2 colheres de sopa
40
4
Pepino cru
4 colheres de sopa
44
2
Pimentão cru
1 unidade média
50
10
Repolho cru
1 colher de sopa
22
2
Tomate cru
1/3 unidade média
30
5
Vagem cozida
1 colher de sopa
16
3
6EGETAIS"
12
-ÏDIA GDE&!4VARIA ÎO A G -EDIDACASEIRA
-ÏDIA GDE&!4VARIA ÎO A G -EDIDACASEIRA
0ESOLÓQUIDOG
%NERGIAKCAL
Acelga cozida
3 colheres de sopa
105
12
Batata-doce cozida
1 colher de sopa
30
41
Batata-inglesa cozida
5 colheres de sopa
80
41
Berinjela crua
2 colheres de sopa
54
13
Beterraba cozida
4 colheres de sopa
56
10
Brócolis cozido
2 ramos médios
60
12
Cará cozido
2 colheres de sopa
44
45
Chuchu refogado
4 colheres de sopa
60
16
Espinafre cozido
3 colheres de sopa
90
12
Mandioca cozida
3 colheres de sopa
75
77
Quiabo cru
2 colheres de sopa
32
6 (continua)
325
,EGUMINOSAS
-ÏDIA GDE&!4VARIA ÎO A G -EDIDACASEIRA
0ESOLÓQUIDOG
%NERGIAKCAL
Ervilha em grão cozida
3 colheres de sopa (grão)
60
64
Feijão cozido
3 colheres de sopa (grão)
54
37
Grão-de-bico cozido
2 colheres de sopa (grão)
44
43
Lentilha cozida
2 colheres de sopa (grão)
40
54
#EREAISOUTROS
DISTÚRBIOS DO TRATO DIGESTÓRIO
(continuação)
-ÏDIA GDE&!4VARIA ÎO A G -EDIDACASEIRA
0ESOLÓQUIDOG
%NERGIAKCAL
Arroz polido cozido
1 e 1/2 escumadeira
128
114
Farinha de trigo
2 e 1/2 colheres de sopa
50
173
Farinha de mandioca crua
2 colheres de sopa
24
80
Macarrão cozido
1 escumadeira rasa
110
122
Milho enlatado
2 colheres de sopa
40
30
Polenta
1 fatia
100
102
Fonte: Caruso, 1998.
12
CAPÍTULO
13
Câncer
RENATA BRUM MARTUCCI
INTRODUÇÃO A palavra câncer vem do grego karkínos, que quer dizer caranguejo, e foi utilizada pela primeira vez por Hipócrates, o pai da medicina, que viveu entre 460 e 377 a.C. Atualmente, câncer é o nome geral dado a um conjunto de mais de 100 doenças, que têm em comum o crescimento desordenado de células que tendem a invadir tecidos e órgãos vizinhos. A nutrição tem papel de destaque tanto na prevenção quanto no tratamento do câncer.
EPIDEMIOLOGIA A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, no ano 2030, podem ser esperados 27 milhões de casos incidentes de câncer, 17 milhões de mortes por câncer e 75 milhões de pessoas vivas por ano com câncer. Os cânceres de pulmão, mama, próstata e cólon predominam em países com grande volume de recursos financeiros. Os cânceres de estômago, fígado, cavidade oral e colo do útero, por sua vez, são mais predominantes em países de baixo e médio níveis de recursos financeiros. Embora se tente criar padrões mais característicos de países ricos em relação aos de baixa e média rendas, o padrão está mudando rapidamente, e vem-se observando um aumento progressivo nos cânceres de pulmão, mama e cólon e reto, os quais, historicamente, não apresentavam essa importância e magnitude.
327
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
328
No Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), as estimativas para o ano de 2012 serão válidas também para o ano de 2013 e apontam a ocorrência de aproximadamente 518.510 casos novos de câncer, incluindo os casos de pele não melanoma. Sem os casos de câncer da pele não melanoma, estima-se um total de 385.000 casos novos. Os tipos mais incidentes serão os cânceres de pele não melanoma, próstata, pulmão, cólon e reto e estômago para o sexo masculino; e os cânceres de pele não melanoma, mama, colo do útero, cólon e reto e glândula tireoide para o sexo feminino. Ainda de acordo com o Inca, é esperado um total de 257.870 casos novos para o sexo masculino e 260.640 para o sexo feminino. O câncer de pele do tipo não melanoma (134 mil casos novos) mantém-se como o mais incidente na população brasileira, seguido pelos tumores de próstata (60 mil), mama feminina (53 mil), cólon e reto (30 mil), pulmão (27 mil), estômago (20 mil) e colo do útero (18 mil). Estratificando a incidência por sexo, os cinco tipos de tumores mais incidentes no sexo masculino serão o câncer de pele não melanoma (63 mil casos novos), próstata (60 mil), pulmão (17 mil), cólon e reto (14 mil) e estômago (13 mil). Para o sexo feminino, destacam-se, entre os cinco mais incidentes, os tumores de pele não melanoma (71 mil casos novos), mama (53 mil), colo do útero (18 mil), cólon e reto (16 mil) e pulmão (10 mil). Na Figura 13.1, observam-se os tipos de câncer mais comuns na população brasileira. O câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis vêm se tornando cada vez mais comuns no mundo todo, razão pela qual investir em programas de educação em saúde em todos os níveis da sociedade, bem como em promoção e prevenção são estratégias que devem cada vez mais serem tomadas em todas as esferas governamentais.
PREVENÇÃO DE CÂNCER
13
Com o aumento e o envelhecimento da população, os casos de morte pelo câncer estão aumentando, embora a maioria possa ser prevenida. O Fundo Mundial de Pesquisa contra o Câncer/Instituto Americano para Pesquisa do Câncer (WCRF/AICR) e o Inca publicaram em 2009 um documento conjunto sobre “Políticas e Ações para Prevenção do Câncer no Brasil”. O propósito era mostrar como o câncer pode ser controlado e
70.000 60.000
Feminino
60.180 52.660
Masculino
50.000 40.000 27.320
30.000
30.140 20.090
17.540
20.000
14.170 6.110
10.000
Próstata
Mama feminina
Colo do Traqueia, útero brônquios e pulmões
Cólon e reto
Estômago Cavidade oral
Laringe
8.900
Bexiga
10.420
Esôfago
6.190
Ovário
9.640
10.590
Linfoma Glândula não Hodgkin tireoide
9.270
8.510
4.520
6.230
Sistema Leucemias Corpo Pele nervoso do útero (melanoma) central
FIGURA 13.1 Tipos de câncer mais estimados para 2012/2013, exceto câncer de pele não melanoma,
na população brasileira.
329 CÂNCER
prevenido no Brasil – desde a partir de políticas governamentais até com recomendações para os indivíduos. O aparecimento do câncer é multifatorial e inclui tanto fatores genéticos e de composição corporal quanto ambientais, chamados agentes cancerígenos. Se ninguém fumasse ou fosse exposto ao tabaco, aproximadamente um terço dos atuais casos de câncer seriam prevenidos. Dentre os fatores ambientais, a alimentação saudável e atividade física poderia aumentar a prevenção para um quarto dos casos. Os fatores de risco para o câncer podem ser divididos em modificáveis e não modificáveis, como na Tabela 13.1. TABELA 13.1 &!4/2%3$%2)3#/-/$)&)#6%)3%.²/-/$)&)#6%)3
&ATORESDERISCOMODIFICÉVEIS
&ATORESDERISCONÎOMODIFICÉVEIS
Uso de tabaco
Idade: aumento do risco com o aumento da idade
Alimentação inadequada: alta densidade energética, rica em gordura saturada e pobre em frutas, legumes e verduras
Etnia ou raça
Inatividade física
Hereditariedade
Obesidade
Gênero: diferenças anatômicas
Consumo de bebidas alcoólicas Agentes infecciosos: HPV, vírus da hepatite B e bactéria Helicobacter pylori Radiação ultravioleta (solar) e ionizante (raio X) Exposição ocupacional: asbesto, arsênio, benzeno, sílica, radiação, agrotóxico, poeira de madeira e de couro e fumaça do tabaco Poluição ambiental Comportamento sexual: início precoce das atividades sexuais, e múltiplos parceiros sexuais são fatores relacionados ao desenvolvimento de infecção pelo HPV HPV: papilomavírus humano. Fonte: Inca, 2012a.
A ingestão de carnes vermelha e processada aumenta o risco de câncer colorretal, enquanto o uso de bebidas alcóolicas está relacionado com o aumento dos cânceres de boca, faringe, laringe, esôfago, colorretal e mama. O excesso de gordura corporal está relacionado com o aumento do risco de câncer de esôfago, pâncreas, vesícula biliar, colorretal, mama, endométrio e rins. A estimativa da fração prevenível (FAP) de cânceres comuns no Brasil é apresentada na Tabela 13.2.
13
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
330 TABELA 13.2 %34)-!4)6!3$!&2!£²/02%6%.·6%,&!0 $/#®.#%20/2-%)/$!!,)-%.
4!£²/ .542)£²/ !4)6)$!$%&·3)#!%'/2$52!#/20/2!,!$%15!$!3./"2!3),
4IPODECÊNCER
&!0
Boca, faringe, laringe
63
Esôfago
60
Pulmão
36
Estômago
41
Pâncreas
34
Vesícula
10
Fígado
6
Colorretal
37
Mama
28
Endométrio
52
Rim
13
4OTALPARAESSESCASOSCOMBINADOS
4OTALPARATODOSOSCÊNCERES
Fonte: Inca, 2012b.
Baseado nesses dados, o WRCF/AICR e o Inca também fizeram uma série de recomendações para pessoas, como comunidades, famílias e indivíduos, como descrito na Tabela 13.3. TABELA 13.3 2%#/-%.$!£À%3'%2!)33/"2%!,)-%.4!£²/%#®.#%2
'ORDURACORPORAL
Manter o peso corporal dentro dos limites normais de IMC Evitar o ganho de peso e aumentos da circunferência da cintura
!TIVIDADEFÓSICA
Manter-se fisicamente ativo como parte da rotina diária Fazer no mínimo 30 minutos todos os dias de atividade física moderada (p.ex., caminhada acelerada) Limitar os hábitos sedentários
!LIMENTOSEBEBIDAS QUEPROMOVEM GANHODEPESO
Consumir raramente alimentos com alta densidade energética (225 a 275 kcal/100 g) Evitar bebidas açucaradas e alimentos tipo fast-food
!LIMENTOSDE ORIGEMVEGETAL
Consumir pelo menos cinco porções (400 g) de verduras e frutas variadas todos os dias Consumir cereais pouco processados e/ou leguminosas em todas as refeições Limitar alimentos processados (refinados) que contenham amido
!LIMENTOSDE ORIGEMANIMAL
Consumir menos de 500 g de carne vermelha por semana, incluindo pouca ou nenhuma quantidade de carne processada
13
(continua)
331
"EBIDASALCOØLICAS
Evitar, mas se forem consumidas, o consumo deve ser limitado a 2 doses/dia para homens e 1 dose/dia (10 a 15 g de etanol) para mulheres
0RESERVA ÎO PROCESSAMENTOE preparo
Evitar alimentos salgados ou preservados em sal; preservar os alimentos sem uso de sal Limitar a ingestão de sal em menos de 6 g (2,4 g de sódio) por dia Não consumir cereais e grãos mofados
3UPLEMENTOS ALIMENTARES
As necessidades nutricionais devem ser alcançadas pela alimentação Suplementos alimentares não são recomendados para a prevenção de câncer
!MAMENTA ÎO
Amamentar exclusivamente as crianças com leite materno até os 6 meses de vida
3OBREVIVENTESDE CÊNCER
Seguir as recomendações de prevenção de câncer Devem receber assistência nutricional de um profissional apropriadamente treinado
CÂNCER
TABELA 13.3 2%#/-%.$!£À%3'%2!)33/"2%!,)-%.4!£²/%#®.#%2#/.4
IMC: índice de massa corporal. Fonte: Inca, 2012b.
DESENVOLVIMENTO DO CÂNCER O termo câncer ou tumor pode ser definido como o crescimento descontrolado, disseminado e invasivo de células anormais, resultantes de alterações genéticas hereditárias ou adquiridas. A história natural da maioria dos tumores malignos pode ser dividida em quatro fases: (1) alteração maligna na célula-alvo, chamada de transformação; (2) crescimento descontrolado das células transformadas; (3) invasão local; e (4) metástases à distância. O organismo é capaz de identificar a presença dessas células transformadas a partir do reconhecimento de antígenos tumorais pelo sistema imune. O principal mecanismo de imunidade tumoral é a eliminação das células transformadas pelas células citotóxicas: linfócitos CD8, células natural killer (NK) e macrófagos. Contudo, as células transformadas são capazes de desenvolver mecanismos para escapar ou iludir o sistema imune do hospedeiro, como crescimento seletivo de variantes antígeno-negativas, perda ou expressão reduzida das moléculas do complexo de histocompatibilidade (MHC), produção de substâncias ou citocinas imunossupressoras e apoptose das células citotóxicas. Apesar de indivíduos imunodeprimidos apresentarem maior chance de desenvolvimento de tumores, as células tumorais são capazes de vencer as defesas do hospedeiro e evoluir mesmo em um sistema imune intacto. A transformação maligna pode ser genética e hereditária ou adquirida ao longo da vida a partir da exposição aos fatores de risco e cancerígenos, como radiação solar, tabagismo e certos hábitos alimentares. Apenas 10% dos pacientes apresentam mutações hereditárias, como síndromes autossômicas dominantes, o retinoblastoma na infância, a polipose familiar adenomatosa (câncer de cólon), as neoplasias endócrinas múltiplas (MEN) e os cânceres familiares como mama, ovário e pâncreas. Além disso, existem as condições predisponentes não hereditárias, como as inflamações crônicas (colite ulcerativa, doença de Crohn, gastrite pelo Helicobacter pylori, hepatite viral e pancreatite crônica) e condições pré-cancerosas, como gastrite atrófica e queimaduras cutâneas solares.
13
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
332
Independentemente da exposição a agentes cancerígenos, as células sofrem processos de mutação espontânea, que não alteram seu desenvolvimento normal. As alterações podem ocorrer em genes especiais, denominados proto-oncogenes, que, a princípio, são inativos em células normais. Quando ativados, os proto-oncogenes transformam-se em oncogenes, responsáveis pela malignização (transformação) das células normais. Essas células diferentes são denominadas transformadas ou cancerosas. Geralmente, o processo de carcinogênse é dividido em três estágios: s s s
estágio de iniciação, no qual os genes sofrem ação dos agentes cancerígenos; estágio de promoção, no qual os agentes oncopromotores atuam na célula já alterada; estágio de progressão, caracterizado pela multiplicação descontrolada e irreversível da célula.
As células transformadas diferem das células normais no aspecto morfológico, com algum grau de anaplasia. Além disso, as células transformadas possuem uma taxa de crescimento acelerada, com rápida multiplicação celular e evasão da apoptose, que pode não ser constante ao longo do tempo. O crescimento dos tumores é acompanhado por infiltração, invasão, angiogênese e destruição progressiva do tecido adjacente. Junto com o desenvolvimento de metástases, a invasividade é a característica mais segura que distingue os tumores malignos dos benignos. As principais diferenças entre os tumores benignos e malignos podem ser visualizadas na Tabela 13.4. TABELA 13.4 $)&%2%.£!3%.42%45-/2%3"%.)'./3%-!,)'./3
13
4UMORESBENIGNOS
4UMORESMALIGNOS
Formados por células bem diferenciadas (semelhantes às do tecido normal); estrutura típica do tecido de origem
Formados por células anaplásicas (diferentes das do tecido normal); atípicos; falta diferenciação
Crescimento progressivo; podem regredir; mitoses normais e raras
Crescimento rápido; mitoses anormais e numerosas
Massa bem delimitada, expansiva; não invadem nem infiltram tecidos adjacentes
Massa pouco delimitada, localmente invasivos; infiltram tecidos adjacentes
Não ocorre metástase
Metástase frequentemente presente
Fonte: Inca, 2012a.
Os tumores malignos podem crescer rapidamente e causar uma série de danos ao hospedeiro, como destruição de estruturas adjacentes por pressão, síntese de hormônios, fatores de crescimento e citocinas, alterações metabólicas, sangramento e infecções secundárias e início de sintomas agudos, como obstrução do trato gastrintestinal (TGI), que pode levar à perda de peso e desnutrição. Em relação à nomenclatura, a designação dos tumores baseia-se em seu tecido de origem e histopatologia, isto é, se possuem características de tumores benignos ou malignos, como descrito na Tabela 13.5.
333
/RIGEM
"ENIGNO
-ALIGNO
Revestimento
Papiloma
Carcinoma
Glandular
Adenoma
Adenocarcinoma
Fibroso
Fibroma
Fibrossarcoma
CÂNCER
TABELA 13.5 ./-%.#,!452!$/345-/2%3"%.)'./3%-!,)'./3
Tecido epitelial
Tecido conjuntivo Mixoide
Mixoma
Mixossarcoma
Adiposo
Lipoma
Lipossarcoma
Cartilagem
Condroma
Condrossarcoma
Vasos sanguíneos
Hemangioma
Hemangiossarcoma
Glômus
Glomangioma
-
Pericitos
Hemangiopericitoma
Hemangiopericitoma maligno
Vasos linfáticos
Linfangioma
Linfangiossarcoma
Mesotélio
-
Mesotelioma
Meninge
Meningioma
Meningioma maligno
Mieloide
-
Leucemia
Linfoide
-
Leucemia
Tecido hemolinfopoético
Linfomas Plasmocitoma Mieloma Células de Langerhans
-
Histiocitose X
Liso
Leiomioma
Leiomiossarcoma
Estriado
Rabdomioma
Rabdomiossarcoma
Ganglioneuroma
Glanglioneuroblastoma
Tecido muscular
Tecido nervoso Neuroblasto ou neurônio
Neuroblastoma Simpaticogonioma Células gliais
-
Gliomas
Nervos periféricos
Neurilemoma
Neurilemoma
Neuroepitélio
-
Ependimoma
Melanócitos
-
Melanoma
Trofoblasto
Mola hidatiforme (corioma)
Coriocarcinoma
Células embrionárias totipotentes
Teratoma maduro (cisto dermoide)
Teratoma imaturo (maligno)
Fonte: Inca, 2012a.
13
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334
DIAGNÓSTICO O diagnóstico precoce e o estadiamento dos tumores são importantes para o prognóstico e o tratamento. A confirmação do diagnóstico é geralmente baseada nos sinais e sintomas, exames de imagem do órgão-alvo, métodos histopatológicos, citológicos e/ou moleculares de uma biópsia ou fragmento do tumor. O câncer não invasivo ou carcinoma in situ (Tis) é o primeiro estágio em que o câncer pode ser classificado (essa classificação não se aplica aos cânceres do sistema sanguíneo). Nesse estágio (in situ), as células cancerosas estão somente na camada de tecido na qual se desenvolveram e ainda não se espalharam para outras camadas do órgão de origem, isto é, antes de progredir para a fase de câncer invasivo. O estadiamento dos tumores malignos baseia-se no tamanho da lesão primária (T), em sua extensão de disseminação para os linfonodos regionais (N) e na presença ou ausência de metástases (M). A classificação TNM foi desenvolvida pela União Internacional Contra o Câncer (UICC) em 1952 e é adotada pelo Inca (Tabela 13.6). TABELA 13.6 #,!33)&)#!£²/$%45-/2%3-!,)'./3n4.-
4nTUMORPRIMÉRIO
.nLINFONODOSREGIONAIS
-nMETÉSTASEADISTÊNCIA
TX – não pode ser avaliado
NX – não podem ser avaliados
MX – não pode ser avaliada
T0 ou Tis – não há evidência
N0 – ausência de metástase em linfonodos regionais
M0 – ausência de metástase a distância
T1, T2, T3, T4 – tamanho crescente e/ou extensão local
N1, N2, N3 – comprometimento crescente dos linfonodos regionais
M1 – presença de metástase a distância
Fonte: Inca, 2012a.
13
A classificação de tumores malignos pelo sistema TNM existe para aqueles tipos histológicos mais comuns, como os carcinomas. Além disso, existe o Estadiamento Geral dos Tumores (estádio de descrição), que varia de 0 a IV (0, IA, IB, IIA, IIB, IIIA, IIIB, IIIC, IV) e tem características diferentes para cada localização e tamanho de tumor, sendo que em geral: s s s s s
0 – carcinoma in situ (TisN0M0); I – invasão local inicial; II – tumor primário limitado ou invasão linfática regional mínima; III – tumor local extenso ou invasão linfática regional extensa; IV – tumor localmente avançado ou presença de metástases.
Outro aspecto importante durante o diagnóstico do câncer é a determinação da capacidade funcional do paciente ou performance status. A performance status é uma medida relacionada à tentativa de quantificar o bem-estar geral e a sobrevida dos pacientes. Pode ser utilizada para determinação da possibilidade de receber tratamento. A escala de Zubrod de 1960 é reconhecida como performance status pela OMS (Tabela 13.7).
335
Performance status 0
Totalmente ativo; sem restrições funcionais
1
Atividade física extenuante é restrita; deambula sem qualquer dificuldade e é capaz de realizar trabalho leve
2
Capaz de se autocuidar, porém incapaz de realizar qualquer atividade laboral. Capaz de manter-se em pé mais do que 50% do tempo de vigília
3
Capacidade limitada de autocuidados; confinado à cama ou à cadeira mais de 50% do tempo de vigília
4
Completamente incapaz, não consegue se autocuidar, totalmente confinado à cama ou à cadeira
5
Morte
CÂNCER
TABELA 13.7 %3#!,!$%PERFORMANCE STATUS
Fonte: Inca, 2012a.
TRATAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS Uma vez confirmado o diagnóstico, o tratamento do câncer por ser dividido em quatro tipos principais, que podem ser realizados separadamente ou combinados, os quais são: a cirurgia, a quimioterapia (QT), a radioterapia (RXT) e o transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH). A cirurgia é a terapia definitiva quando o tumor está em estágio inicial e localizado em condições anatômicas favoráveis. Para alguns tumores sólidos com disseminação local ou distante, a cirurgia é inadequada, sendo indicado outro tipo de tratamento. O ato cirúrgico promove estímulos indutores de alterações homeostáticas, que incluem hemorragia e hipovolemia, fatores locais e lesões, choque e alterações do pH sanguíneo. Além disso, outros elementos são indutores de alterações homeostáticas, como a administração venosa intraoperatória de medicamentos e a própria anestesia, trauma emocional, jejum prolongado e a hiperglicemia comum em pacientes submetidos a cirurgia de grande porte. A injúria provocada pela cirurgia resulta em uma resposta orgânica de fase aguda, induzindo a um processo inflamatório local que é necessário para a cura e reconstituição de tecidos. Com isso, há a ativação de macrófagos, com aumento da produção de citocinas e de outros mediadores inflamatórios. Podem ser observadas, assim, como decorrência dessa reação, alterações vasculares, humorais, neurológicas e celulares com manifestações de dor, rubor, calor, edema, perda de função do local do trauma cirúrgico. O trato gastrintestinal também sofre com o procedimento, muitas das vezes cursando o indivíduo com a diminuição do peristaltismo e da capacidade de absorção, principalmente quando há manipulação da cavidade peritoneal. A QT é um tratamento sistêmico e consiste na combinação de fármacos (quimioterápicos), que é quase sempre mais efetiva do que o uso sequencial de agentes isolados. Os mecanismos de ação dos agentes quimioterápicos diferem amplamente, embora o dano ao DNA da célula tumoral seja a via final comum. A QT pode causar uma série de efeitos
13
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
336
colaterais, como anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, mucosite, edema, hiperglicemia, alteração da função hepática e renal. Na Tabela 13.8, podem ser visualizados os principais efeitos colaterais dos quimioterápicos mais usados. TABELA 13.8 !,'5.3 &2-!#/3 54),):!$/3 ./ 42!4!-%.4/ !.4).%/0,3)#/ % 3%53
02).#)0!)3%&%)4/3#/,!4%2!)33/"2%/42!4/'!342).4%34).!,
1UIMIOTERÉPICOS
4OXICIDADEDOTRATOGASTRINTESTINALEFEITOSMAISCOMUNS
Bleomicina
Vômitos, anorexia
Doxorrubicina
Náuseas, vômitos, constipação, anorexia
Irinotecano
Diarreia, náuseas, vômitos, dor abdominal
Oxaliplatina
Náuseas, vômitos, diarreia
Gencitabina
Náuseas, vômitos, diarreia, estomatite
Bortezomibe
Constipação, diarreia, náuseas, vômitos, dor abdominal, anorexia
5-fluorouracil
Náuseas, vômitos, mucosite, disfagia, diarreia
Etoposide
Náuseas, vômitos, anorexia, diarreia
Cisplatina
Náuseas, vômitos
Metotrexato
Estomatite ulcerativa, náuseas, vômitos, diarreia, anorexia, mucosite
Ciclofosfamida
Náuseas, vômitos, anorexia
Vincristina
Constipação, cólicas abdominais, perda de peso, náuseas, vômitos, mucosite, íleo paralítico
Citarabina
Náuseas, vômitos, anorexia, diarreia, disfunção hepática
Fonte: adaptada de Skeel, 1993; Gimenez, 2003.
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A RXT é a terapia útil para os tumores que não podem ser ressecados, sem morbidade grave ou que tendem a disseminar para locais previsíveis, podendo a radiação ser ampliada além da extensão conhecida. A RXT é um método eficaz capaz de destruir células tumorais, empregando feixes de radiações ionizantes, que podem ser eletromagnéticas ou corpusculares. Ao interagir com os tecidos, dão origem a elétrons rápidos que ionizam o meio e criam efeitos químicos, como hidrólise de água e ruptura de DNA, o que causa a morte celular. A dose de radiação é baseada em uma estimativa da dose absorvida pelo tumor, medida em unidades equivalentes chamadas de centigrays (cGy) ou rads. As regiões da cabeça, pescoço e TGI possuem diferentes tecidos que respondem de modo diferente à radiação, causando sintomas agudos, como: mucosites, enterites, disgeusia, xerostomia e descamação da pele. Além disso, podem surgir efeitos tardios, como ulceração da mucosa, lesões vasculares, atrofia de tecidos moles, perda ou mudança no paladar, fibrose, edema, necrose de tecidos moles, perda de dente, diminuição do fluxo de saliva, diarreia. Todos esses sintomas podem comprometer a ingestão e absorção de alimentos durante e após o tratamento, causando impacto importante no estado nutricional, e, muitas vezes, necessitando de suporte nutricional via sonda nasoentérica ou gastrostomia.
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ALTERAÇÕES METABÓLICAS O desenvolvimento e crescimento do tumor produzem uma série de alterações metabólicas no metabolismo energético e no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, compatíveis com o estresse metabólico causado pelo câncer. No início do desenvolvimento do tumor, a maioria dos pacientes não apresenta nenhum sintoma ou alteração, porém dependendo da localização e da taxa de crescimento, a presença do tumor pode
CÂNCER
A QT e RXT podem ser a primeira opção, como tratamento combinado exclusivo e curativo ou antes da cirurgia (neoadjuvante). Além disso, pacientes operados e com doença considerada de alto risco podem ser submetidos à terapia isolada ou combinada após o procedimento cirúrgico (adjuvante). Quando o paciente não tem condições de ser operado ou de receber outro tratamento curativo, a QT e/ou RXT paliativa são os tratamentos de escolha, com o objetivo de paliação de sinais e sintomas que comprometem a capacidade funcional do paciente, mas não repercutem, obrigatoriamente, em sua sobrevida. Esses pacientes frequentemente apresentam caquexia, disfagia, odinofagia, disgeusia ou hipogeusia, estomatite, náuseas, vômitos, dispneia e outros sintomas. As orientações nutricionais para alívio dos sintomas estão listadas no final do capítulo. O TCTH é um procedimento terapêutico que consiste em altas doses de QT e/ou RXT corporal total, conhecido como período de condicionamento, seguido por infusão intravenosa de células-tronco hematopoéticas (CTH) com a finalidade de restabelecer a hematopoese após aplasia medular. É uma forma de tratamento eficaz contra diversos tipos de doenças hematológicas malignas ou não, para alguns tipos de tumores sólidos e outras condições patológicas, por exemplo, desordens autoimunes. A fonte clássica dessas células é a medula óssea, mas não é a única, pois também podem ser obtidas a partir do sangue periférico e do sangue de cordão umbilical. Existem três modalidades de transplante: o autólogo, que utiliza CTH do próprio paciente; o alogênico, no qual há infusão de CTH de um doador aparentado ou não, e o singênico, que consiste na transferência de CTH entre irmãos gêmeos homozigotos. Quando o paciente possui doença avançada, metastática ou recidiva, sem tratamento curativo eficaz, é indicado o tratamento ou cuidados paliativos. Segundo a OMS, os cuidados paliativos consistem na abordagem para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares e no enfrentamento de doenças que oferecem risco de vida, pela prevenção e pelo alívio do sofrimento. Isso significa a identificação precoce e o tratamento da dor e de outros sintomas de ordem física, psicossocial e espiritual. O paciente com câncer avançado é o que apresenta expectativa de vida de mais de seis meses e o paciente em estágio terminal da doença tem expectativa menor do que seis meses. Em paciente ao fim da vida, a expectativa de vida considerada é de até 72 horas. Independentemente do tratamento instituído, é mandatório que o paciente esteja inserido em uma abordagem multidisciplinar, incluindo a equipe médica e as outras áreas técnico-assistenciais, como enfermagem, farmácia, serviço social, nutrição, fisioterapia, reabilitação, odontologia, psicologia clínica, psiquiatria e estomaterapia (cuidados de ostomizados).
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causar anorexia e aumentar o gasto energético do organismo, por causa do aumento da utilização de nutrientes essenciais para o seu crescimento e a produção de substâncias químicas, chamadas citocinas. As citocinas são proteínas de baixo peso molecular produzidas por diferentes tipos celulares do sistema imune. Sua produção é desencadeada quando as células são ativadas por diferentes estímulos, como o câncer, e estão associadas diretamente com as alterações metabólicas durante seu desenvolvimento. As principais citocinas produzidas pelo tumor são: o fator mobilizador de lipídios (LMF), o fator mobilizador de proteínas (PMF) e o fator indutor de proteólise (PIF). O hospedeiro, por sua vez, produz várias citocinas, sendo que as mais estudadas no câncer são as interleucinas 1 e 6 (IL-1 e IL-6), o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interferon-gama (IFN-gama) e fator transformante de crescimento beta (TGF-beta). A IL-1 e o TNF-alfa têm sido relacionados ao desenvolvimento da anorexia no câncer, provavelmente pelo aumento do hormônio liberador de corticotropina (CRH), um neurotransmissor do sistema nervoso central que suprime a ingestão alimentar. A IL-1 também bloqueia o neuropeptídeo orexígeno Y (NPY), reduzindo a ingestão alimentar. Tanto IL-1 quanto TNF-alfa foram associados com a perda de massa muscular. A IL-6 é outra citocina pró-inflamatória que aumenta a expressão de vários oncogêneses e a de proteínas de fase aguda, como a proteína-C reativa (PCR), relacionada com ativação de estado inflamatório. Provavelmente, as citocinas têm um efeito sinérgico no aparecimento da anorexia, aumento da taxa metabólica basal e perda de massa muscular. O TNF-alfa pode induzir a perda de peso por inúmeros mecanismos, como supressão do apetite, inibição da atividade da lipoproteína lipase, efeitos catabólicos nos depósitos de energia e proteólise, como mostrado na Tabela 13.9. A célula tumoral utiliza a glicose como nutriente essencial, aumentando a produção endógena e o turnover de glicose, que é o chamado efeito Warburg. A célula tumoral aumenta a captação de glicose e tem preferência em utilização do metabolismo anaeróbico, com formação de lactato, que gasta mais energia para produzir uma quantidade muito menor de ATP, quando comparado com o metabolismo aeróbico (ciclo de Krebs). Para manter sua produção de energia e crescimento tumoral, ocorre um estímulo para o aumento da disponibilidade de glicose por meio do mecanismo de gliconeogênese, produção hepática de glicose a partir de substratos como lactato e proteína. Assim, ocorre a ativação de mecanismos como o ciclo de Cori, produção de lactato muscular, proteólise, degradação de proteína muscular, resistência periférica a insulina e hiperglicemia, com o objetivo de disponibilizar mais glicose para o tumor. A proteólise e a degradação da proteína muscular causam depleção da massa muscular corporal, com consequente perda de peso e sarcopenia. A presença de citocinas, como PIF e consequentemente ativação do estado inflamatório, leva à diminuição da síntese de proteínas musculares e circulantes, como albumina, pré-albumina e transferrina, além de aumentar a síntese de proteínas de fase aguda, como a PCR, que tem seu nível sérico aumentado em pacientes com doença avançada e metastática.
339 CÂNCER
A ativação do metabolismo energético, a intensa utilização de glicose pelo tumor e a presença de LMF também interferem no metabolismo de lipídios, causando lipólise, ativação da lipase hormônio sensível, degradação de reservas de gordura, com liberação de ácidos graxos livres. Frequentemente, ocorre diminuição da lipogênese e diminuição da lipase lipoproteica com aparecimento de dislipidemias. TABELA 13.9 #)4/#).!302/$5:)$!30%,/45-/2%0%,/(/30%$%)2/
#ITOCINAS
0RODU ÎO
%FEITO
IL-1
Macrófagos, monócitos, células endoteliais, fibroblastos, eosinófilos, neutrófilos
↑ CRH – anorexia
Macrófagos e monócitos
↑ CRH – anorexia
TNF-alfa
↓ NPY ↑ Cortisol/glucagon ↑ TMB
Perda de peso Proteólise Lipólise IL-6
Macrófagos, monócitos, células endoteliais, fibroblastos, queratinócitos
Perda de peso Proteólise Caquexia
IFN-gama
Células T e NK
Caquexia ↑ TNF ↓ Ingestão ↓ LPL
PIF
Tumor
Proteólise
TGF-beta
Macrófagos, células epiteliais, fibroblastos e células tumorais
Inflamação, tumorogênese, invasão e metástase Caquexia
IFN-gama: interferon-gama; IL-1: interleucina-1; IL-6: interleucina-6; PIF: fator indutor de proteólise; TGF-beta: fator de crescimento beta; TNF-alfa: fator de necrose tumoral alfa; CRH: hormônio liberador de corticotropina; NPY: neuropeptídeo orexígeno Y; TMB: taxa metabólica basal; LPL: lipoproteína lipase.
DESNUTRIÇÃO E CAQUEXIA O grau e a prevalência da desnutrição dependem do tipo, localização e do estágio do tumor, dos órgãos envolvidos, dos tipos de terapia antitumoral utilizadas e da resposta do paciente. Dependendo da localização do tumor, as consequências no estado nutricional podem ser agravadas. Em estudo multicêntrico realizado em pacientes hospitalizados no Brasil (IBRANUTRI), Waitzberg et al. (2001) demonstraram que 48,1% dos pacientes estavam desnutridos, sendo que 12,5% estavam gravemente desnutridos. A presença de desnutrição associou-se com o diagnóstico primário, idade acima de 60 anos, tempo de internação hospitalar, presença de câncer ou infecção. Dentre os pacientes com câncer, 66,4% estavam desnutridos, e o risco nutricional se modificava de acordo com a localização
13
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340
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da doença, principalmente quando o câncer acometia o TGI. A desnutrição é indício frequente da presença de tumor maligno e, quando o processo de desnutrição está associado a anorexia, produção de citocinas, aumento do gasto energético, ativação de estado inflamatório, hipoalbuminemia e perda grave de peso, é chamada de caquexia do câncer ou síndrome anorexia-caquexia. A caquexia pode ser definida como uma síndrome multifatorial caracterizada pela perda de massa muscular (com ou sem perda de tecido adiposo), que não pode ser revertida com suporte nutricional convencional e acarreta progressiva disfunção orgânica. A fisiopatologia é caracterizada por balanço nitrogenado e proteico negativo, associado a redução da ingestão alimentar (anorexia) e alterações metabólicas (hipermetabolismo). Segundo o consenso atual sobre caquexia do câncer, a caquexia pode ser dividida em três estágios: pré-caquexia, caquexia e caquexia refratária (Figura 13.2). Na pré-caquexia, aparecem sinais clínicos e metabólicos precoces, como anorexia e intolerância a glicose, que podem preceder a perda de peso involuntária menor que 5%. O risco de progressão depende de fatores como tipo e estágio do câncer, presença de inflamação sistêmica, baixa ingestão alimentar e ausência de resposta à terapia anticâncer. Pacientes que têm perda de peso maior que 5% em seis meses ou índice de massa corporal (IMC) menor que 20 kg/m2 ou sarcopenia com perda de peso maior que 2% são classificados com caquexia. Na caquexia refratária, a caquexia pode ser clinicamente refratária, como resultado de doença avançada ou ausência de resposta à terapia anticâncer, com expectativa de vida menor que três meses. Nesse contexto, a sarcopenia é a diminuição da massa muscular, sendo menor que o percentil 5 para cada sexo, podendo ser quantificada por antropometria (área muscular do braço < 32 cm2 para homens e < 18 cm2 para mulheres), absortometria de raio X de dupla energia (DEXA) (índice de musculatura esquelética apendicular < 7,26 kg/m2 para homens e < 5,45 kg/m2 para mulheres), tomografia computadorizada (TC) (índice de massa muscular lombar < 55 cm2/m2 para homens e < 39 cm2/m2 para mulheres) e por bioimpedância elétrica (BIA) (massa livre de gordura < 14,6 kg/m2 para homens e < 11,4 kg/m2 para mulheres). Alguns autores incluem outros parâmetros para o diagnóstico da caquexia, como diminuição da gordura corporal (< 10%), hipoalbuminemia (< 3,5 g/dL) e aumento de PCR (> 1 mg/dL), porém não existe um consenso.
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL A assistência nutricional ao paciente oncológico deve ser individualizada e incluir a triagem nutricional, a avaliação nutricional, o cálculo das necessidades nutricionais e a terapia nutricional até o seguimento ambulatorial. Tais medidas têm o objetivo de prevenir ou de reverter o declínio do estado nutricional, bem como evitar a progressão para um quadro de caquexia, além de melhorar o balanço nitrogenado, reduzindo a proteólise e aumentando a resposta imune. Dentre as ferramentas utilizadas para triagem do risco nutricional em pacientes com câncer, destacam-se a avaliação subjetiva global (ASG) e avaliação subjetiva global pro-
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Caquexia
Caquexia refratária
Perda de peso ≤ 5% Anorexia e alterações metabólicas
Perda de peso > 5% IMC < 20 ou sarcopenia + perda de peso > 2% Diminuição da
Catabolismo e ausência de resposta à terapia anticâncer Baixa perfomance status
ingestão/inflamação sistêmica
Expectativa de vida < 3 meses
Normal
CÂNCER
Pré-caquexia
Morte
FIGURA 13.2 Diagnóstico e estágios da caquexia do câncer. Fonte: adaptada de Fearon et al., 2011.
duzida pelo próprio paciente (ASG-PPP). Seu propósito é identificar indivíduos em risco de desnutrição ou que já estão desnutridos, e que são candidatos à terapia nutricional. A ASG-PPP avalia o estado nutricional baseado na história de variação de peso e de ingestão de alimentos, sintomas gastrintestinais que persistem por duas semanas, e capacidade funcional atual; exame físico avaliando reserva subcutânea de gordura muscular e presença de má distribuição de líquidos na forma de edemas e ascite. O instrumento também pontua a presença de condições catabólicas imposta por doenças crônicas, febre, uso de corticosteroide e idade superior a 70 anos. Os resultados da avaliação classificam o indivíduo entre bem nutrido (A), moderadamente desnutrido ou com risco nutricional (B) e gravemente desnutrido (C), e o escore maior ou igual a 9 indica necessidade crítica de controle de sintomas e intervenção nutricional. Outro parâmetro que deve ser valorizado é a perda de peso involuntária e recente. A perda de peso maior que 5% em seis meses é considerada um dos indicadores iniciais de caquexia, mesmo quando o paciente ainda não apresenta depleção evidente de massa corporal. Segundo o Consenso Brasileiro de Nutrição Oncológica (Inca, 2009), nos pacientes internados para tratamento cirúrgico, a avaliação deve ser realizada até 48 horas da internação, com a realização da ASG e ASG-PPP na admissão hospitalar. Durante a internação, devem ser mensurados os parâmetros antropométricos, parâmetros bioquímicos, anamnese alimentar, exame físico e clínico a cada sete dias. No pós-operatório, a avaliação deve ser individualizada e considerar as particularidades de cada paciente. No atendimento ambulatorial, o paciente sem risco nutricional deve ser avaliado em até 30 dias, e os que apresentam risco nutricional, em até 15 dias. Na doença avançada e na doença terminal, recomenda-se a ASG ou ASG-PPP no dia da internação. Para o acompanhamento, anamnese nutricional compreendendo dados clínicos, dietéticos, antropométricos (dependendo das condições do paciente e da disponibilidade de equipamentos) e sinais e sintomas apresentados. Nos cuidados ao final da vida, a avaliação nutricional restringe-se à anamnese nutricional desde a internação até o acompanhamento, com objetivo maior de identificar e amenizar a sintomatologia.
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Além dos métodos descritos anteriormente, outros podem ser usados para quantificar a massa muscular e a reserva de gordura, como a BIA, a TC e a DEXA. Em relação à BIA, vários autores relatam uma diminuição do ângulo de fase em pacientes com diferentes tipos de câncer, o que sugere uma diminuição da celularidade e integridade da membrana celular. Contudo, nenhum desses métodos está validado para pacientes com câncer.
RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA PACIENTES ONCOLÓGICOS ADULTOS Desnutrição e caquexia ocorrem frequentemente em pacientes com câncer e são indicadores de pior prognóstico. Para qualquer tipo de tumor, a sobrevida é menor em pacientes que perdem peso antes do tratamento. Além disso, depleção do estado nutricional está associada com pior qualidade de vida, maior número de reações adversas relacionadas ao tratamento e menor resposta ao tratamento. Sendo assim, os objetivos terapêuticos para os pacientes com câncer visam prevenir e tratar a desnutrição e evitar suas consequências. Como os pacientes com câncer estão em risco nutricional, devem passar por uma triagem nutricional para determinar o plano de cuidado. Quando a alimentação normal ainda é possível, mas inadequada para alcançar as necessidades nutricionais, a intervenção por meio de orientação dietética e/ou uso de suplementação oral podem prevenir ou melhorar a deterioração do estado nutricional. Contudo, quando a alimentação oral é contraindicada ou insuficiente, indica-se terapia nutricional enteral ou parenteral. O aconselhamento nutricional é efetivo em melhorar o estado nutricional e a qualidade de vida, podendo alcançar resultados tão bons quanto à suplementação nutricional oral durante a RXT. Observa-se, por exemplo, que no tratamento radioterápico de cabeça e pescoço e regiões gastrintestinais o aconselhamento dietético e o uso de suplemento nutricional oral previnem a perda de peso e interrupção do tratamento. O gasto energético de repouso (GER) em pacientes com câncer é, em média, semelhante ao de indivíduos saudáveis, podendo variar de acordo com a localização do tumor. Pacientes com câncer gástrico ou colorretal apresentam GER normal, enquanto nos casos de cânceres pancreático e pulmonar observa-se maior GER. Porém, pacientes com câncer gástrico avançado, com obstrução do TGI e aumento de PCR, possuem elevado GER. A necessidade de energia e de proteína para os pacientes com câncer são influenciadas não apenas pela localização do tumor, mas também pelo estágio da doença, estado nutricional prévio, complicações presentes e formas de tratamento, como cirurgias, QT, RXT e TCTH. As necessidades hídricas são semelhantes às de indivíduos saudáveis, podendo variar conforme as perdas de água sensíveis (urinárias) e insensíveis, superfície corporal, quantidade de massa celular, idade e sexo. Para aqueles em cuidados paliativos, a oferta de líquidos e nutrientes deve ser estabelecida de acordo com a aceitação e tolerância para promoção, prioritariamente, de conforto. O Consenso Nacional de Nutrição Oncológica (Inca, 2009), com o objetivo de uniformizar a terapia e a assistência nutricional, definiu condutas sobre as recomendações nutricionais para pacientes oncológicos adultos, conforme o tratamento, como podem ser observadas nas Tabelas 13.10 e 13.11.
343
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2ECOMENDA ÜES
0RÏEPØS CIRÞRGICO 14E284
1UANTIDADES
Energia (kcal/kg/dia)
Realimentação Obeso Manutenção de peso Ganho de peso Repleção Tratamento: Sem complicações Com estresse moderado Com estresse grave e repleção proteica Idade: 18 a 55 anos 56 a 65 > 65 Acrescentar perdas dinâmicas e descontar retenções hídricas
20 21 a 25 25 a 30 30 a 35 35 a 45
Proteína (g/kg/dia)
Hídricas (mL/kg/dia)
CÂNCER
TABELA 13.10 2%35-/ $!3 2%#/-%.$!£À%3 .542)#)/.!)3 ./ 0!#)%.4% /.#/,¼')#/
1 a 1,2 1,1 a 1,5 1,5 a 2 35 30 25
QT: quimioterapia; RXT: radioterapia. Fonte: adaptada de Inca, 2009.
TABELA 13.11 2%35-/$!32%#/-%.$!£À%3.542)#)/.!)3./0!#)%.4%/.#/,¼')#/%-
#5)$!$/30!,)!4)6/3
2ECOMENDA ÜES
$OEN AAVAN ADA
$OEN ATERMINAL
Energia (kcal/kg/dia)
20 a 35 Se necessário, ajustar o peso do paciente (edema, obesidade, massa tumoral) 1 a 1,8 Se necessário, ajustar o peso do paciente (edema, e massa tumoral) e comorbidades (doença renal e hepática)
20 a 35 Utilizar o peso teórico ou usual ou peso mais recente
Proteína (g/kg/dia)
Hídricas (mL/kg/dia)
Adulto: 30 a 35 Idoso: 25 Administrar de acordo com a tolerância e a sintomatologia do paciente
Fonte: adaptada de Inca, 2009.
#UIDADOSAOFIMDA VIDA De acordo com a aceitação e tolerância do paciente
1 a 1,8 De acordo com a aceiUtilizar o peso teórico ou usual tação e tolerância do ou peso mais recente paciente Respeitar a tolerância e a aceitação do paciente Ajustar de acordo com comorbidades (doença renal e hepática) Adulto: 30 a 35 Idoso: 25 Administrar de acordo com a tolerância e a sintomatologia do paciente
Adulto: 30 a 35 Idoso: 25 Administrar de acordo com a tolerância e a sintomatologia do paciente
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Durante todo o curso da doença e do tratamento, pode ocorrer deterioração das condições clínicas dos pacientes oncológicos, como pneumonias, infecções generalizadas, sepse, isquemias, insuficiência orgânica e até a falência múltipla de órgãos, levando esse paciente à condição de criticamente enfermo. A resposta orgânica à doença crítica é classicamente dividida em duas fases: a fase de refluxo, caracterizada pela síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS), e a de fluxoadaptação, caracterizada pela síndrome da antirresposta compensatória (CARS). A fase de refluxo inicial ocorre imediatamente pós-injúria e está associada à instabilidade hemodinâmica, com débito cardíaco e consumo de oxigênio diminuídos, baixa temperatura central, e aumento nas concentrações dos hormônios contrarreguladores, como catecolaminas, glucagon, cortisol e a liberação de citocinas pró-inflamatórias. A fase de fluxoadaptação é caracterizada por um aumento no consumo de oxigênio, da taxa metabólica e efluxo de aminoácidos das reservas periféricas dos músculos. As concentrações dos hormônios contrarreguladores permanecem elevadas, o metabolismo da glicose é alterado, e a produção de lactato, perdas de nitrogênio urinário e catabolismo das proteínas teciduais aumentam. As alterações metabólicas permanecem até o momento do restabelecimento das funções orgânicas, que é influenciado pela presença do câncer. Nesse sentido, as recomendações de energia e macronutrientes devem ser adaptadas. A calorimetria indireta (CI) é o método recomendado para determinar as necessidades de energia em pacientes oncológicos críticos. Entretanto, se a CI não estiver disponível, ou não for viável para o cálculo das necessidades calóricas, as equações preditivas, como a de Harris e Benedict, de Schofield e da caloria por quilograma de peso atual, entre outras, devem ser utilizadas, porém com cautela, uma vez que fornecem uma medida menos precisa da necessidade de energia do que a CI. Por causa da resistência à insulina e de alterações metabólicas da fase aguda, as recomendações de energia não devem ser superestimadas, sendo reajustadas e aumentadas progressivamente na fase de recuperação. Pacientes no período pós-operatório imediato também se beneficiam das mesmas recomendações. Além disso, as recomendações energéticas são diferentes para o paciente obeso crítico, já que a obesidade grave interfere negativamente no tratamento do paciente crítico, aumentando o risco de comorbidades, como resistência à insulina, sepse, infecções, trombose venosa profunda e insuficiência de órgãos (Tabela 13.12). TABELA 13.12 2%#/-%.$!£À%3 %.%2'³4)#!3 % 02/4%)#!3 0!2! 0!#)%.4%3 /.#/,¼')#/3
#2·4)#/3
2ECOMENDA ÜES
0ACIENTEONCOLØGICOCRÓTICO
Energia (kcal/kg/dia)
Fase inicial do tratamento e na presença de sepse: 20 a 25 kcal/peso atual/dia Fase anabólica/recuperação: 25 a 30 kcal/peso atual/dia Obeso crítico: 11 a 14 kcal/kg peso atual/dia ou 22 a 25 kcal/kg de peso ideal/dia
Proteína (g/kg/dia)
Paciente crítico: 1,2 a 2 g/kg de peso atual Paciente obeso crítico (IMC 30 a 40 kg/m²): > 2 g/kg de peso ideal/dia Paciente obeso crítico (IMC > 40 kg/m2n): > 2,5 g/kg de peso ideal/dia
IMC: índice de massa corporal. Fonte: adaptada de Inca, 2009.
345 CÂNCER
A maioria dos pacientes oncológicos críticos apresenta necessidades proteicas proporcionalmente maiores do que as necessidades energéticas (Tabela 13.12). Isto se deve ao fato de a proteína ser o macronutriente mais importante para a cicatrização de feridas, suporte da função imunológica e manutenção de massa magra.
RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA PACIENTES ONCOLÓGICOS ADULTOS SUBMETIDOS A TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOÉTICAS Ao longo dos anos, o transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) possibilitou a cura de uma grande variedade de doenças oncológicas, hematológicas, imunológicas e hereditárias que até pouco tempo possuíam um prognóstico desfavorável. Entretanto, o processo de adaptação da nova medula pode gerar inúmeras complicações com manifestações clínicas associadas, interferindo de maneira significativa no estado nutricional destes indivíduos. Os diferentes tipos de TCTH, regime de condicionamento (QT/RXT) e a terapia medicamentosa para evitar rejeição podem levar a consequências deletérias na anatomia e integridade funcional do TGI. O crescimento e o reparo da mucosa do TGI tornam-se comprometidos, resultando em diarreia, má absorção e perdas de nutrientes pelo intestino. Além dessas complicações, sintomas como náuseas, vômitos, disgeusia, mucosite, anorexia, odinofagia, gastroparesia, doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) que é um evento mediado por células imunocompetentes provenientes do doador, particularmente os linfócitos T e que pode acometer diferentes órgãos como pele, intestino, fígado, entre outros, e a doença veno-oclusiva hepática, que se caracteriza por oclusão de pequenas veias hepáticas, induzida pela QT, atuam de forma adversa sobre o estado nutricional do paciente. Complicações cardiopulmonares e metabólicas também são observadas nessa população de pacientes, comprometendo ainda mais seu estado nutricional. Durante o TCTH, ocorrem, então duas situações distintas e simultâneas: a diminuição da ingestão oral de alimentos e o aumento das necessidades metabólicas. A manutenção de um bom estado nutricional é de extrema importância em todo o processo do TCTH. Para que tal fato ocorra, é necessário uma oferta adequada de nutrientes. Segundo critérios do Fred Hutchinson Cancer Research Center (1985), a calorimetria indireta é a forma mais acurada de avaliar a necessidade energética, porém geralmente é inacessível. Na maioria dos centros de TCTH, os protocolos de recomendação energética são similares. Alguns autores demonstraram que, para manter um balanço nitrogenado em zero, foram necessárias de 30 a 50 kcal/kg de peso para adolescentes e adultos. Obesidade, ausência de febre e função orgânica normal são condições clínicas que podem reduzir a necessidade de energia, ao passo que reserva adiposa reduzida, DECH aguda severa, febre alta persistente e complicações como infecção disseminada aumentam a necessidade calórica.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
346
O tratamento associado ao TCTH pode comprometer o metabolismo de carboidratos. Drogas como corticosteroides podem precipitar a hiperglicemia. Quimioterápicos, por sua vez, podem causar danos diretos ao pâncreas. Recomenda-se que a quantidade de carboidratos na dieta seja de 50 a 60% do valor energético total. Não é recomendado exceder a dose de 5 g/kg/dia, com infusão máxima de 5 mg/kg/min em adultos. O percentual de lipídios pode variar entre 6 e 30%, pois parece não influenciar na taxa de complicações infecciosas e são considerados boa fonte de energia, sobretudo naqueles pacientes com restrição de volume. A quantidade máxima de lipídios não deve ultrapassar 2,4 g/kg de peso teórico em adultos. As necessidades proteicas são estimadas com o objetivo de manter, recuperar ou minimizar a perda de massa magra. Alguns autores recomendam estimar essa necessidade em 2 vezes o recomendado a fim de prover substrato para reparo tecidual após a terapia de condicionamento, variando essas recomendações de 1 a 2 g de proteína/kg/dia. De acordo com alguns autores, as recomendações hídricas para essa população de pacientes não difere do que é preconizado para indivíduos saudáveis, que é de 1 mL/ kcal/dia ou 35 mL/kg/dia. Perdas dinâmicas e retenções hídricas podem exigir ajustes nesses cálculos. A Tabela 13.13 descreve de modo compilado as recomendações de energia e proteína e hídricas nas diferentes etapas do transplante. TABELA 13.13 2%#/-%.$!£À%3(·$2)#!3 $%%.%2')!%02/4%·.!.!3$)&%2%.4%3%4!0!3
$/42!.30,!.4%
2ECOMENDA ÜES
0RÏ 4#4(
Energia
!DULTOS
KCALKGDIA
!DULTOS
KCALKGDIA
Manutenção de peso
25 a 30
Manutenção de peso
25 a 30
Ganho de peso
30 a 35
Ganho de peso
30 a 35
Repleção
35 a 45
Repleção
35 a 45
!DULTOS
GKGDIA
!DULTOS
GKGDIA
Manutenção
1 a 1,2
Proteína
13 Hídricas
0ØS 4#4(
Repleção
1,2 a 1,5
Repleção
1,5 a 2
!DULTOS
M,KGDIA
!DULTOS
M,KGDIA
18 a 55 anos
35
18 a 55 anos
35
56 a 65
30
56 a 65
30
> 65
25
> 65
25
Acrescentar perdas dinâmicas e descontar retenções hídricas TCTH: transplante de células-tronco hematopoéticas. Fonte: adaptada de Inca, 2009; Fred Hutchinson Research Center, 1985.
Acrescentar perdas dinâmicas e descontar retenções hídricas
347 CÂNCER
Com relação à suplementação de vitaminas e minerais, caso sejam necessárias, na dieta oral, deve-se ter por base as recomendações nutricionais (RDA – em inglês, recommended dietary allowances) e por via endovenosa seguindo os critérios da American Medical Association (AMA).
VIA DE ADMINISTRAÇÃO A terapia nutricional no paciente oncológico adulto tem como objetivo a prevenção ou reversão do declínio do estado nutricional, assim como busca evitar a progressão para a caquexia e melhorar a qualidade de vida. A via preferencial deve ser a oral, porém quando esta não for possível, indica-se o uso de sonda. O suporte nutricional não deve ser usado rotineiramente em pacientes oncológicos, mesmo que estejam fazendo RXT ou QT, pois não interfere na resposta ao tratamento ou na redução da toxicidade relacionada à QT. No entanto, a intervenção nutricional deve começar tão logo os déficits sejam detectados. Os estudos não mostram diferenças na mortalidade e morbidade quando se compara uso de nutrição parenteral, enteral ou dieta oral padrão. Dessa maneira, recomenda-se o início da nutrição enteral se a desnutrição já existir ou se for possível prever que o paciente será incapaz de se alimentar por mais de sete dias ou se a ingestão de alimentar for marcadamente reduzida (menos de 60% do gasto energético estimado) por mais de 7 a 10 dias. Pacientes com risco nutricional moderado a grave, por sua vez, beneficiam-se do suporte nutricional por 7 a 14 dias antes da cirurgia, devendo-se pesar se os benefícios são maiores que os potenciais riscos da própria terapia nutricional e de adiar a cirurgia. Também é indicada no pré-operatório, por 5 a 7 dias, em pacientes com câncer que serão submetidos a cirurgias abdominais, utilizando, preferencialmente nesses casos, fórmulas com imunomoduladores (arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos). A nutrição enteral será indicada quando houver obstrução que impeça a deglutição, como nos cânceres de cabeça e pescoço e esofágico ou quando se espera a ocorrência de mucosite severa, como, por exemplo, na RXT. Em pacientes em cuidado paliativo, a nutrição enteral é utilizada para minimizar a perda de peso e conservar a melhor qualidade de vida possível, desde que haja o consentimento do paciente e da família, considerando-se os potenciais riscos e benefícios, e a sobrevida estimada do paciente. Existem poucos dados sobre o uso de nutrição parenteral nesses casos, podendo ser favorável naqueles com boa performance status, com obstrução intestinal, e com progressão indolente da doença. Quando o fim da vida estiver muito próximo, somente quantidades mínimas de alimento e água são requeridas para reduzir a sede e a fome.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
348
As Tabelas 13.14 e 13.15 descrevem as recomendações para início de terapia nutricional no paciente adulto, conforme Consenso Nacional de Nutrição Oncológica (Inca, 2009). TABELA 13.14 2%35-/ $! 4%2!0)! .542)#)/.!, ./ 0!#)%.4% /.#/,¼')#/ !$5,4/
#)2Â2')#/%%-42!4!-%.4/#,·.)#/
0RÏEPØS CIRÞRGICO 14E284 Critérios de indicação da via a ser utilizada
TNE: trato gastrintestinal total ou parcialmente funcionante TNE via oral: os complementos enterais devem ser a primeira opção, quando a ingestão alimentar for < 75% das recomendações em até 5 dias, sem expectativa de melhora da ingestão TNE via sonda: impossibilidade de utilização da via oral, ingestão alimentar insuficiente (ingestão oral < 60% das recomendações) em até 5 dias consecutivos, sem expectativa de melhora da ingestão TNP: impossibilidade total ou parcial de uso do trato gastrintestinal
Critérios para suspender a terapia nutricional
TNE via oral: quando há inviabilidade da via (odinofagia, disfagia, obstrução, vômitos incoercíveis, risco de aspiração), recusa do paciente e intolerância TNE via sonda: instabilidade hemodinâmica e/ou persistentes intercorrências, como diarreia severa (acima de 500 mL/dia), vômitos incontroláveis (pós-adequações de volume, tempo e formulações da dieta) e quando há inviabilidade da via de acesso TNP: instabilidade hemodinâmica
Programação do desmame
TNE via oral: quando a ingestão da alimentação convencional for > 75% do GET por 5 dias consecutivos TNE via sonda: quando a ingestão oral permanecer ≥ 60% do GET por 3 dias consecutivos TNP: quando for possível a utilização do trato gastrintestinal
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GET: gasto energético total; QT: quimioterapia; RXT: radioterapia; TNE: terapia nutricional enteral; TNP: terapia nutricional parenteral. Fonte: adaptada de Inca, 2009.
349
#5)$!$/30!,)!4)6/3
CÂNCER
TABELA 13.15 2%35-/ $! 4%2!0)! .542)#)/.!, ./ 0!#)%.4% /.#/,¼')#/ !$5,4/ %-
%TAPASFASESDADOEN A
Critérios de indicação da via a ser utilizada
.ADOEN AAVAN ADAOUDOEN ATERMINAL
#UIDADOSAOFIM DAVIDA
TNE: trato gastrintestinal total ou parcialmente funcionante
Não há indicação, porém devem ser considerados os consensos entre paciente, familiares e equipe multidisciplinar
TNE via oral: os complementos enterais devem ser a primeira opção, quando a ingestão alimentar for < 75% das recomendações em até 5 dias, sem expectativa de melhora da ingestão TNE via sonda: impossibilidade de utilização da via oral, ingestão alimentar insuficiente (ingestão oral < 60% das recomendações) em até 5 dias consecutivos, sem expectativa de melhora da ingestão TNP: impossibilidade total ou parcial de uso do trato gastrintestinal na doença avançada. Não é uma via de escolha para paciente com câncer terminal %MQUALQUERFASEDADOEN A Critérios para suspender a terapia nutricional
Programação do desmame
Na vigência de instabilidade hemodinâmica .ADOEN AAVAN ADA
.ADOEN ATERMINALENOSCUIDADOSAO FIMDAVIDA
TNE: quando a ingestão oral permanecer ≥ 60% do GET por 3 dias consecutivos TNP: quando possível a utilização do trato gastrintestinal
Ingestão oral > 70% do GET por 3 dias consecutivos
TNE: terapia nutricional enteral; TNP: terapia nutricional parenteral; GET: gasto energético total. Fonte: adaptada de Inca, 2009.
ANTIOXIDANTES E DIETA IMUNOMODULADORA Os antioxidantes podem ser definidos como qualquer substância que, mesmo em baixas concentrações, são capazes de atrasar ou inibir a oxidação, diminuindo a concentração de radicais livres (RL) no organismo e que também agem quelando os íons metálicos, prevenindo a peroxidação lipídica. Uma característica importante desses nutrientes é que eles agem nas três linhas de defesa orgânicas contra os RL. A primeira é a de prevenção, que se caracteriza pela proteção contra a formação de substâncias agressoras; a segunda é a de interceptação dos RL; e a última é a de reparo, que ocorre quando a prevenção e a interceptação não foram completamente efetivas e os produtos da destruição dos RL estão sendo continuamente formados em baixas quantidades, podendo se acumular no organismo.
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Os antioxidantes estão presentes naturalmente em uma dieta rica em frutas, vegetais e hortaliças, e os mais estudados são os carotenoides, a vitamina C (ácido ascórbico) e E (tocoferol), o selênio e os flavonoides. Na Tabela 13.16, estão listadas as principais fontes alimentares desses antioxidantes. TABELA 13.16 02).#)0!)3&/.4%3!,)-%.4!2%3$%!.4)/8)$!.4%3
!NTIOXIDANTES
&ONTESALIMENTARES
Carotenoides Betacaroteno
Mamão, manga, damasco, pêssego, cenoura, abóbora, batata-doce Em quantidades menores: couve, repolho, espinafre, agrião e brócolis
Licopeno
Tomate e seus derivados, goiaba, melancia
Vitamina C
Abacaxi, acerola, caju, limão, laranja, tangerina, goiaba, morango, kiwi Hortaliças e vegetais crus: agrião, salsa, bertalha, couve, brócolis, rúcula, alho, tomate, pimentão
Vitamina E
Óleos vegetais (soja, canola, milho, girassol, azeite de oliva) Castanhas, nozes, amêndoas, gérmen de trigo, amendoim Espinafre, brócolis, aspargo, abacate, kiwi, manga, tomate, milho
Selênio
Castanha-do-brasil, nozes, farelo de triho, centeio, semente de girassol, milho, arroz branco cru, aveia, amêndoa, avelã Carnes em geral: frutos do mar, ostras, camarão, salmão, atum, fígado bovino, carne bovina, suína e de aves
Flavonoides
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Antocianinas
Frutas vermelhas (morango, cereja, amora, framboesa), uvas e derivados
Flavanoides
Chá verde e preto, cacau, chocolate amargo
Flavonoides
Maçã, cebola, brócolis, chá e várias frutas
Flavanonas
Frutas cítricas, tomate e hortelã
Flavonas
Ervas, tangerina, aipo e salsa
Isoflavonas
Soja e seus derivados
Existe uma correlação positiva entre uma dieta pobre nesses nutrientes e o aparecimento de alguns tipos de câncer, mas não há nenhuma evidência de que o excesso ou suplementação com antioxidantes possam prevenir a carcinogênese. Inclusive, vários estudos apontam que, em indivíduos fumantes, a suplementação com betacaroteno pode aumentar a incidência de câncer de pulmão. Nesse sentido, o recomendado é uma dieta variada e a suplementação específica em casos de deficiência bioquímica comprovada. A imunonutrição pode ser definida como a modulação da atividade do sistema imunológico com intervenções específicas. Ela pode ser aplicada em qualquer situação na qual o fornecimento de nutrientes esteja diminuído, sendo responsável por modificar a resposta inflamatória ou imune; e tem se associado mais estreitamente com tentativas de
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melhorar o curso clínico de pacientes críticos e cirúrgicos, que muitas vezes exigem um fornecimento exógeno de nutrientes por meio da nutrição enteral ou parenteral. Os efeitos benéficos da administração perioperatória de imunonutrientes como a arginina, glutamina, ácidos graxos ômega-3 e ácido ribonucleico, em pacientes submetidos à cirurgia de grande porte, é estudada como uma alternativa para modular a resposta imune e inflamatória. A arginina aumenta a produção de óxido nítrico, protege contra a reperfusão de lesões, promove a maturação e ativação das células T e melhora o balanço de nitrogênio; a glutamina atua no sistema imune e como uma importante fonte de energia para a mucosa do TGI; os ácidos graxos ômega-3 têm um papel importante na modulação e produção de eicosanoides e citocinas, redução da inflamação sistêmica, minimização da isquemia hepática e normalização vascular; e os nucleotídeos melhoram a cicatrização e a síntese proteica, facilitam a maturação das células intestinais e têm um papel regulador na resposta mediada imune das células T. Contudo, a maioria dos estudos foi conduzida usando-se fórmulas comerciais contendo arginina, ácidos nucleicos, ácidos graxos ômega-3, 500 a 1.000 mL/dia, 5 a 7 dias somente no pré-operatório ou 5 a 7 dias somente no pós-operatório ou nos dois períodos. Os principais resultados estão relacionados com melhora do perfil imune, diminuição das complicações infecciosas, melhor cicatrização e menor tempo de internação. O mecanismo de ação desses imunonutrientes combinados ainda não foi esclarecido. Deve-se considerar a aceitação do suplemento nas dosagens indicadas e seu alto custo. Em média, os produtos comerciais disponíveis no momento possuem 1,4 g/L de arginina, 3,5 g/L de ácidos graxos ômega-3 e 1,25 g/L de ácidos nucleicos. Entretanto, não existem estudos controlados usando esses imunomoduladores isolados. Em relação à arginina, estudos usando esse componente isolado em pacientes críticos encontraram efeitos nocivos, como hipotensão temporária, aumento no débito cardíaco e diminuição na resistência vascular e pulmonar sistêmica. Pelo fato de a arginina intensificar a resposta inflamatória, os efeitos tóxicos são maiores em pacientes com sepse, SRIS ou infecção grave. A glutamina é um aminoácido não essencial, que pode ser sintetizada em nível hepático e muscular, mas, em enfermidades como o câncer, pode ser considerada condicionalmente essencial, pois ocorre um aumento de seu catabolismo, afetando a função imune e a barreira mucosa intestinal. A suplementação de glutamina pode ser feita via oral, enteral ou parenteral e está relacionada com melhor tolerânia à QT, prevenção da mucosite oral e diarreia. Contudo, existem poucos trabalhos controlados confirmando seus efeitos benéficos. Em relação à mucosite, a comparação entre os resultados encontrados é dificultada pela diversidade dos pacientes e tratamentos submetidos, da quantidade usada nos estudos, que pode variar de 1,02 a 7,31 g/kg/dia e da forma de administração. Até o presente momento, nenhum guia de conduta ou revisão consultada recomenda a suplementação com glutamina e, inclusive, existe uma preocupação a respeito de que o seu uso possa aumentar a recidiva de alguns tumores, como os hematológicos. Entre os imunonutrientes estudados, alguns estudos utilizam isoladamente os ácidos graxos ômega-3, ácido eicosapentanoico (EPA) e o doco-hexaenoico (DHA), com objeti-
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vo de diminuir a inflamação, a perda de peso involuntária e a caquexia. Entretanto, várias revisões e metanálises não chegaram a uma conclusão sobre sua efetividade e a dose que deve ser utilizada, a qual pode variar de 170 mg a 4,9 g de EPA e de 115 mg a 3,2 g de DHA. Outros fatores que interferem na dificuldade para analisar os resultados são: as diferentes formas de suplementação usadas, a variedade de tipos de câncer e condições clínicas estudadas e o tempo da suplementação. Até o momento, não existe consenso sobre o benefício da utilização dos ácidos graxos em pacientes com câncer. Segundo o mais recente Guia de Conduta da ASPEN (2009), a utilização de fórmulas enterais contendo imunomoduladores, como arginina, ácidos nucleicos e ácidos graxos essenciais, pode ser benéfica para pacientes desnutridos que serão submetidos a cirurgias de grande porte, com grau A de recomendação. Contudo, a diversidade das metodologias limita a determinação do momento ideal para o início da imunomodulação. Em geral, recomenda-se que indivíduos previamente desnutridos, que serão submetidos a cirurgias gastrintestinais, de cabeça e pescoço ou outras, consideradas de grande porte, recebam a suplementação em um período de 5 a 7 dias no pré-operatório. O Consenso Brasileiro de Nutrição Oncológica (Inca, 2009) recomenda a suplementação com dieta imunomoduladora no pré-operatório de cirurgias eletivas de grande porte para todos os pacientes, independente do estado nutricional.
ORIENTAÇÕES DE MODIFICAÇÕES NA DIETA PARA PACIENTES COM SINAIS E SINTOMAS RELACIONADOS AO TRATAMENTO ONCOLÓGICO Falta de apetite
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s Aumentar o fracionamento das refeições, com intervalos a cada 3 horas; s preparar pratos coloridos e variados; s modificar a consistência para uma que seja mais bem tolerada, podendo variar entre as consistências normal, branda, pastosa, semilíquida ou líquida; s sugerir alterações para enriquecer as preparações, como adição de azeite, óleo vegetal, creme de leite ou manteiga em purês ou mingaus; uso de farinhas instantâneas, aveia, maisena, cremogema com leite ou leite batido com frutas, etc.
Disfagia e/ou odinofagia s
s s
Os alimentos devem ser preparados na consistência que for mais bem tolerada e que ofereça menos dificuldade para mastigar ou engolir, podendo variar entre branda, pastosa e líquida; orientar ingestão de pequenos goles de água ou suco durante as refeições para ajudar a engolir; reduzir o volume e aumentar o fracionamento das refeições.
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s
Restringir alimentos ácidos, picantes, muito condimentados ou salgados; modificar a consistência para uma que for mais bem tolerada, podendo variar entre as consistências branda, pastosa, semilíquida e líquida; evitar alimentos quentes, preferindo preparações frias ou geladas ou em temperatura ambiente.
CÂNCER
Mucosite s s
Xerostomia s s s
Evitar alimentos secos; as preparações devem conter caldos ou molhos; se não houver contraindicação, o uso de chicletes (de preferência os de menta), gelo e picolés podem ajudar a produzir saliva.
Náuseas e vômitos s s s s s
Restringir frituras e alimentos gordurosos; evitar líquidos durante as refeições; reduzir o volume e aumentar o fracionamento; orientar para que a mastigação e a ingestão sejam lentas; se não houver contraindicação, o consumo de sucos, picolés de frutas cítricas e o hábito de chupar gelo ajudam a diminuir as náuseas.
Diarreia s Aumentar a ingestão hídrica; s orientar o consumo de alimentos com ação constipante ou pobre em resíduos, como banana, maçã sem casca, goiaba sem casca e sementes, limão, caju, batatas, chuchu, cenoura cozida, aipim, inhame, cará, creme de arroz, arroz, macarrão com molho simples, farinhas, torradas, biscoito água e sal ou de maisena, gelatina, pera sem casca, carnes magras grelhadas e leite de soja; s evitar frituras, alimentos gordurosos e açucarados, além do leite e seus derivados; s restringir os alimentos com ação laxativa (ver item Constipação intestinal).
Constipação intestinal s Aumentar a ingestão hídrica; s orientar o consumo de alimentos ricos em fibras ou com ação laxativa, como pão, biscoito e cereais integrais, frutas frescas tipo mamão, laranja com bagaço, ameixa, tangerina, caqui, uva com casca, verduras, abóbora, quiabo, lentilha, feijão, farelo de trigo ou de aveia; s restringir os alimentos com ação constipante (ver item Diarreia).
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REFERÊNCIAS 1. 2.
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CAPÍTULO
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Síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) ADENILDA QUEIRÓS SANTOS DEIRÓ ETHIANE DE JESUS SAMPAIO ROSÂNGELA PASSOS DE JESUS
INTRODUÇÃO Em decorrência dos eventos associados ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), às infecções oportunistas, à terapia medicamentosa e aos aspectos psicossociais, pacientes com HIV e síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) estão em risco nutricional independentemente do estágio da doença no qual se encontram. Com a introdução da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART – highly active antiretroviral therapy), observou-se uma importante redução na mortalidade dos pacientes infectados pelo HIV e também uma redução, mas não erradicação, da desnutrição. Entretanto, a prevalência de morbidades secundárias a essa terapia tem crescido. Dentre as diversas complicações da HAART, destacam-se: lipodistrofia, dislipidemia, resistência à insulina, osteopenia, alterações glicêmicas e anormalidades na distribuição de gordura corporal. Essas complicações ocasionam sintomas colaterais indesejáveis e, no caso da lipodistrofia, prejudicam também a autoimagem, o que pode interferir na adesão a essa terapia. Observa-se, assim, que a condição de viver com HIV/Aids assumiu características semelhantes a outras doenças crônicas não transmissíveis, exigindo modificações nos hábitos de vida e intervenção farmacológica para prevenção de eventos cardiovasculares. Esses eventos associados a comorbidades, desnutrição, lipodistrofia, insegurança alimentar e envelhecimento, entre outras condições, podem complicar ainda mais o manejo da doença.
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Diante dessa complexidade e da interação de diversos fatores que podem resultar no comprometimento da digestão, da absorção e do metabolismo de nutrientes, ressalta-se que o papel da nutrição para esses pacientes é fundamental. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que a intervenção nutricional faça parte de todos os programas de controle e tratamento de pessoas vivendo com HIV/Aids, como uma estratégia complementar para melhorar a adesão e a efetividade da terapia antirretroviral, além de contribuir com a melhoria das anormalidades metabólicas e da qualidade de vida desses pacientes. Os objetivos deste capítulo são apresentar as implicações nutricionais e alterações da mucosa intestinal relacionadas à infecção pelo HIV e à terapia medicamentosa, apresentar uma proposta de terapia nutricional efetiva no tratamento de pacientes portadores do HIV/Aids e discutir estratégias para o manejo nutricional dos sintomas e das complicações metabólicas mais comuns nesses pacientes.
DEFINIÇÃO O HIV é um retrovírus com genoma RNA da família Retroviridae (retrovírus) e subfamília Lentivirinae. Pertence ao grupo dos retrovírus citopáticos e não oncogênicos que necessitam, para multiplicar-se, de uma enzima denominada transcriptase reversa, responsável pela transcrição do RNA viral para uma cópia de DNA, que pode, então, integrar-se ao genoma do hospedeiro. Esse vírus infecta células do sistema imunológico humano, principalmente as células T helper CD4, componentes-chave do sistema imunológico celular, destruindo ou prejudicando suas funções. Infecções com esse vírus resultam em um progressivo esgotamento do sistema imunológico, levando-o à imunodeficiência. O sistema imunológico fica debilitado e o indivíduo torna-se mais suscetível a infecções. A infecção pelo HIV pode evoluir para quatro estágios no decorrer do período: s
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estágio I ou soroconversão: ocorre em 2 a 4 semanas após a infecção pelo vírus, acometendo 50 a 90% dos pacientes; s estágio II: denominado fase assintomática, na qual ocorre replicação ativa do vírus e destruição de células T helper CD4, sem manifestações clínicas aparentes. Com o decorrer do tempo, evolui para a infecção sintomática na maioria dos indivíduos, quando o sistema imunológico começa a ficar debilitado; s estágio III: surgem doenças como candidíase oral e linfoadenopatia e ocorre declínio da função imunológica, quando o paciente fica suscetível às infecções oportunistas (sarcoma de Kaposi, pneumonia por Pneumocystis carinii, etc.); s estágio IV: o paciente é definido como portador da Aids. Vale salientar que uma pessoa infectada pelo HIV pode levar 10 a 15 anos para desenvolver Aids, e as drogas antirretrovirais podem retardar ainda mais o processo.
SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA NACIONAL Cerca de 34 milhões de pessoas estão infectadas com o HIV no mundo. No Brasil, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde (2012), de 1980 a junho de 2011, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), um total
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ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS EM HIV/AIDS Alterações nutricionais são comuns em pacientes com HIV/Aids e costumam ocorrer precocemente. Podem estar relacionadas a baixa ingestão alimentar, má absorção de nutrientes, alterações metabólicas, infecções oportunistas, fatores psicossociais e neurológicos e interações drogas-nutrientes. Todas essas condições podem levar a deficiências nutricionais que afetam negativamente o estado nutricional desses indivíduos. Atualmente, destacam-se entre esses pacientes duas condições preocupantes do ponto de vista nutricional: a síndrome consumptiva e a síndrome lipodistrófica do HIV, ou lipodistrofia.
Síndrome consumptiva
SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
de 608.230 casos de Aids, sendo 343.095 (56,4%) na região Sudeste; 123.069 (20,2%) na região Sul; 78.686 (12,9%) na região Nordeste; 35.116 (5,8%) na região Centro-oeste; e 28.248 (4,7%) na região Norte (Figura 14.1).
A desnutrição é considerada um importante fator prognóstico nos pacientes com estágios avançados da Aids e uma das complicações mais frequentes da infecção pelo HIV. A perda de peso pode ocorrer em aproximadamente 95 a 100% dos pacientes com diagnóstico de Aids, principalmente nos estágios mais tardios da evolução, sendo que mais da metade dos pacientes apresenta índice de massa corporal (IMC) abaixo dos valores normais.
5,8%
4,7% 12,9% Norte Nordeste
20,2%
Sul Sudeste
56,4%
Centro-oeste
FIGURA 14.1 Distribuição percentual dos casos de Aids por região de residência no Brasil, de 1980
a 2011. Nota: casos notificados no Sinan e registrados no Siscel/Siclom. Fonte: Brasil, 2012.
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A perda de massa muscular significativa é comum nos pacientes com infecção pelo HIV e está associada à rápida progressão da doença e ao aumento da morbidade. Observa-se aumento dos níveis plasmáticos de moléculas inflamatórias e hormônios, incluindo fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e fator de crescimento similar ao da insulina (IGF-1), associado à etiologia da perda de massa muscular. Altos níveis de RNA viral também foram correlacionados positivamente a perda de peso e IMC reduzido, enquanto se observa relação inversa entre contagem de linfócitos CD4 e perda de peso. A síndrome consumptiva está presente em 20% dos pacientes no momento do diagnóstico de Aids e em 70% dos pacientes que evoluíram para óbito durante a internação hospitalar. Pode ser diagnosticada quando a perda ponderal é superior a 10% do peso habitual, associada a uma das sintomatologias clínicas, como diarreia crônica e/ou febre e/ou astenia sem outra causa detectável que não a infecção pelo HIV. Os critérios atuais para diagnóstico da síndrome consumptiva mais utilizados foram definidos por Polsky et al., em 2001. Assim, para o diagnóstico da síndrome consuptiva, o paciente deve cursar com pelo menos um dos seguintes critérios: s s s s s s
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perda de peso não intencional de 10% em 12 meses; perda de peso não intencional de 7,5% em período superior a 6 meses; 5% de perda de massa celular corporal (MCC) em 6 meses; homens: MCC < 35% do peso corporal total e IMC < 27 kg/m2; mulheres: MCC < 23% do peso corporal total e IMC < 27 kg/m2; IMC < 20 kg/m2.
A etiologia da síndrome consumptiva é multifatorial e envolve diversos fatores, como redução na ingestão alimentar, comprometimento dos processos de digestão e absorção dos nutrientes em decorrência das alterações estruturais da mucosa intestinal provocadas pelo vírus HIV, hipermetabolismo, catabolismo proteico acelerado, doenças oportunistas associadas e efeitos adversos dos medicamentos utilizados no tratamento da doença. Contudo, a produção exacerbada de citocinas inflamatórias e a disfunção do sistema endócrino são os principais fatores que contribuem para essa síndrome. Dessa maneira, observam-se numerosas interações que influenciam o aumento do turnover proteico e a perda ou manutenção do tecido magro. Constitutivamente, o turnover proteico é normalmente mantido com o equilíbrio entre degradação e síntese de proteínas, que permite a manutenção de tecido magro. Portanto, a perda de massa muscular nos pacientes com HIV/Aids está associada ao aumento da degradação excessiva de proteínas. O quadro de imunodeficiência que os pacientes com Aids apresentam possibilita o surgimento de inúmeras infecções oportunistas, causadas por micro-organismos que normalmente não provocariam doenças em indivíduos hígidos, mas que se tornam patogênicos nessa condição clínica. A diarreia crônica ocorre em mais de 50% dos pacientes com Aids e, em 70 a 90% dos casos, a presença de patógenos entéricos pode ser classicamente demonstrada.
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Síndrome lipodistrófica do HIV Em 1997, a lipodistrofia definida como redistribuição anormal da gordura corporal foi descrita pelo Food and Drugs Association (FDA), sendo classificada em três tipos: lipoatrofia, lipo-hipertrofia e forma mista. A lipoatrofia é reconhecida pela diminuição da gordura nas regiões periféricas, como braço, perna, nádegas e face, podendo salientar músculos e veias. A lipo-hipertrofia é caracterizada pelo acúmulo de gordura abdominal,
SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
Outras condições clínicas, como anorexia, disfagia, náuseas e vômitos, febre, lesões orais e esofágicas, doenças neurológicas relacionadas à Aids, efeitos colaterais dos medicamentos, recursos financeiros escassos e dificuldade física para preparar seu próprio alimento, também estão relacionadas a perda de apetite e inadequação do consumo de alimentos, o que contribui ainda mais para a desnutrição. Observa-se que deficiências de micronutrientes, principalmente das vitaminas A, C, E e de oligoelementos como o selênio, são comuns nos pacientes infectados pelo HIV. Essas deficiências estão associadas à desnutrição, comprometendo ainda mais o funcionamento do sistema imunológico e favorecendo o desfecho desfavorável. Pacientes gravemente desnutridos, com IMC inferior a 16 kg/m2, apresentam risco de óbito 6 vezes maior, nos primeiros 3 meses em uso de HAART, quando comparados aos indivíduos inicialmente eutróficos, com IMC maior que 18,5 kg/m2. Suplementação nutricional, redução de citocinas inflamatórias, terapia hormonal e treinamento resistido são tratamentos potenciais para controlar a síndrome consumptiva. O treinamento resistido é o tratamento mais facilmente acessível a essa população, em relação a outros tratamentos para controlar o processo de perda de tecido magro associado ao HIV. A introdução da HAART alterou de maneira significativa o curso clínico da infecção por HIV, contribuindo para uma redução de mais de 80% na incidência anual de infecções oportunistas e aumento de 65 a 70% na sobrevida anual dos pacientes com Aids. No entanto, apesar dos avanços obtidos com a introdução da HAART, a perda ponderal e a síndrome consumptiva ainda estão presentes de forma significativa nos indivíduos infectados em uso de antirretrovirais. Esse efeito foi demonstrado em um estudo de coorte desenvolvido com 466 portadores de HIV/Aids em uso de HAART, o qual demonstrou que 58% dos pacientes continuaram a perder peso após o início do tratamento, sendo que mais de 30% deles apresentaram pelo menos um dos critérios para síndrome consumptiva durante o uso dos medicamentos. A prevalência da perda de peso e síndrome consumptiva de pacientes com infecção pelo HIV durante a era HAART é elevada. Em uma população estudada, observou-se que, desde o início do acompanhamento, 18% dos pacientes apresentaram perda de peso corporal superior a 10%, 21% apresentaram perda de peso corporal de 15%, que foi mantida por 6 meses, e 8% apresentaram IMC inferior a 20 kg/m2. A incidência da síndrome consumptiva nessa coorte foi de 38%. Esses resultados demonstram que a prevalência da perda de peso e desnutrição não tem sofrido alterações ao longo do tempo e, mesmo na era HAART, continuam sendo muito frequentes.
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gibosidade dorsal, ginecomastia e aumento de mamas em mulheres. A forma mista é a associação das duas formas descritas anteriormente. Inicialmente, o termo “síndrome da lipodistrofia associada ao HIV” foi sugerido, mas logo ficou claro que alguns pacientes têm lipoatrofia pura, enquanto outros têm acúmulo de gordura central e um subconjunto têm um quadro misto de ambas as características morfológicas. Tal como na lipodistrofia congênita, a lipodistrofia relacionada a doentes infectados pelo HIV também está associada ao diabete melito e à resistência à insulina. A prevalência de diabete é 4 vezes mais comum em homens em terapia antirretroviral, quando comparados àqueles não infectados. A incidência de pré-diabete e diabete é de 2 e 3 vezes, respectivamente. Cerca de 50 a 80% dos indivíduos com Aids desenvolvem lipodistrofia relacionada ao uso dos antirretrovirais, sendo considerada um efeito adverso da HAART. Essas síndromes de redistribuição de gordura podem ou não estar associadas à dislipidemia e à resistência à insulina. Seu aparecimento pode estar relacionado à progressão da infecção por HIV em si, ao hospedeiro e a fatores relacionados à exposição a diferentes agentes antirretrovirais. O diagnóstico clínico de lipodistrofia costuma ser feito com base no exame físico, pelo reconhecimento de alterações nos tamanhos dos diferentes compartimentos corporais de armazenamento de gordura, especialmente a presença da lipoatrofia, definida como perda de gordura subcutânea nas extremidades ou na face. É importante diferenciar a lipoatrofia da desnutrição que ocorre nesses indivíduos. Uma diferença-chave é que a massa magra e a massa muscular esquelética são normais em pacientes com lipodistrofia e deficientes em pacientes desnutridos. Embora o diagnóstico não dependa da quantificação do grau de perda de tecido adiposo, estimativas podem ser feitas na prática clínica. Na lipo-hipertrofia, a manifestação mais perceptível é o aumento do tamanho do coxim adiposo dorsocervical, a “giba de búfalo”. Alguns estudos têm revelado um aumento da gordura na região abdominal, demonstrada pelo aumento da circunferência da cintura e confirmado por exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética. Atualmente, não existe tratamento-padrão para nenhum componente da síndrome lipodistrófica, e a decisão do tratamento depende de algumas variáveis, como presença de sintomas, quadro clínico, tipo de antirretrovirais utilizados, tempo de uso da medicação e presença de um ou mais fatores de risco cardiovascular. A lipodistrifia associada ao HIV pode ser desfigurante esteticamente e estigmatizar o indivíduo fisicamente como uma pessoa com infecção pelo HIV. Essa deformação pode ter impacto psicológico negativo sobre o humor, a autoestima e, possivelmente, sobre a adesão ao tratamento. Além da lipodistrofia, destacam-se algumas complicações da HAART, como dislipidemia, resistência à insulina, osteopenia, alterações glicêmicas e cardíacas, como efeitos colaterais preocupantes. A dislipidemia associada ao aumento do risco de doenças cardiovasculares tem ocorrido em 70% dos pacientes infectados pelo HIV-1 recebendo HAART. A hipercolesterolemia e/ou hipertrigliceridemia está associada ao uso de inibidores de protease (IP), sendo que após 5 anos de seguimento de pacientes HIV-positivos, em terapia com IP, verificou-se uma incidência de 20% de casos de hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. Contudo, um grupo de pacientes que nunca recebeu IP e que estava em tratamento com inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeo apresentou níveis elevados de triglicerídeos, sugerindo a existência de outros fatores.
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INTERAÇÃO ENTRE FÁRMACOS E NUTRIENTES Com o advento da terapia antirretroviral, houve uma melhora significativa no estado nutricional dos pacientes com HIV/Aids. Além disso, observa-se que aqueles com melhor estado nutricional têm melhor resposta ao tratamento. Contudo, tanto os antir-
SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
A resistência à insulina pode ser causada por aumento de peso, alteração na distribuição de gordura corporal e uso de inibidores de protease – esse último ainda não comprovado. A resistência à insulina pode estar associada à própria infecção pelo HIV, provavelmente pela ação direta do vírus na função das células beta pancreáticas, como nos mecanismos de secreção de insulina. A resistência à insulina apresentada por pacientes com HIV/Aids poderá progredir para diabete, porém não é certo que isso ocorra. A patogênese dessas anormalidades ainda não foi completamente esclarecida, porém a hiperglicemia pode ser resultado de resistência à insulina periférica e hepática, da capacidade diminuída do fígado para extrair insulina e de exposição mais prolongada aos medicamentos antirretrovirais. Hiperglicemia com ou sem diabete tem sido relatada entre 3 e 17% dos pacientes em vários estudos retrospectivos. Nesses estudos, os sintomas de hiperglicemia foram relatados em uma média de aproximadamente 60 dias após o início da terapia com inibidor de protease. A osteopenia também pode estar presente no paciente com HIV e tem sido relacionada com o uso da terapia antirretroviral, ressaltando a perda da densidade mineral óssea, associada ao baixo peso antes do início da terapia e à acidemia láctica decorrente dos inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeos. Embora existam poucas evidências sobre o tratamento nutricional para o controle das anormalidades metabólicas que acometem o paciente portador do HIV em uso de terapia antirretroviral, estratégias como modificações no estilo de vida, incluindo a prática de atividade física e modificações nos hábitos alimentares, parecem promover melhora do quadro de lipodistrofia, dislipidemias, resistência à insulina e hipertensão arterial sistêmica em pacientes em uso de HAART. As complicações metabólicas associadas à HAART correlacionam-se com elevado risco de doença cardiovascular. Além disso, diversas evidências sugerem que a inflamação crônica e a ativação do sistema imune também podem desempenhar um papel importante na associação da doença cardiovascular com o HIV. A prevalência de complicações crônicas da infecção por HIV está aumentando, sendo que o reconhecimento precoce e o tratamento dos componentes da síndrome metabólica (SM) são essenciais para a prevenção de complicações cardiovasculares e metabólicas. De acordo com a OMS, existem hoje, no Brasil, 54% de homens e 60% de mulheres com idade acima de 15 anos com sobrepeso ou obesidade. Esses números refletem as profundas mudanças alimentares e nos padrões comportamentais nas últimas décadas, com aumento do consumo de alimentos ricos em energia e pobres em nutrientes, com elevada concentração de açúcar e gorduras saturadas, aliadas a uma reduzida atividade física. Estudos têm demonstrado que a mudança no perfil nutricional associada às alterações nutricionais relacionadas ao uso da HAART trouxe, além da perda de peso, que anteriormente caracterizava o paciente com HIV/Aids, a redistribuição de gordura e a obesidade.
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retrovirais quanto os fármacos empregados para tratamentos de infecções oportunistas e comorbidades podem interagir com os nutrientes. Essas interações abrangem tanto os efeitos dos nutrientes sobre a eficácia dos medicamentos quanto os efeitos dos medicamentos sobre a utilização dos nutrientes e a ingestão alimentar. Portanto, medicamentos de todas as classes podem causar efeitos colaterais que têm implicações nutricionais (Tabela 14.1). Os nutrientes podem afetar a absorção, o metabolismo, a distribuição e a excreção dos fármacos. Podem interferir na biodisponibilidade dos medicamentos por meio da modificação da acidez gástrica, do aumento ou da diminuição da velocidade do trânsito intestinal ou por interferir nas enzimas de metabolização no fígado. Além disso, para metabolizar substâncias estranhas, o organismo necessita de vitaminas, minerais, ácidos graxos e outros componentes fornecidos pela dieta, pois são essenciais em alguns sistemas enzimáticos envolvidos nesse processo. Por exemplo, estudos apontam que flavonoides presentes nos alimentos podem induzir ou inibir enzimas que metabolizam antirretrovirais no fígado. A deficiência das vitaminas C e D, por sua vez, pode reduzir essa metabolização. Os medicamentos também podem afetar a absorção, o metabolismo, a distribuição e a excreção dos nutrientes. Além disso, efeitos colaterais dos medicamentos podem afetar o consumo alimentar, principalmente por atingirem o trato gastrintestinal, causando diarreia, vômitos, náuseas e alterações do paladar. Outros efeitos colaterais relacionados ao manejo nutricional incluem as alterações metabólicas causadas por alguns antirretrovirais, como resistência à insulina, intolerância à glicose e dislipidemia. Durante o acompanhamento nutricional, é fundamental considerar essas interações e oferecer ao paciente recomendações dietéticas que possam minimizar os efeitos colaterais e garantir uma adequada biodisponibilidade dos medicamentos utilizados. A Tabela 14.2 mostra essas recomendações para alguns antirretrovirais. TABELA 14.1 %&%)4/3 #/,!4%2!)3 #/- )-0,)#!£À%3 .542)#)/.!)3 0/2 '250/3 $%
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4IPODEMEDICAMENTO
%FEITOSCOLATERAIS
Antibióticos
Xerostomia, algia oral, náuseas, vômitos, diarreia, obstipação, alteração do paladar, aftas, dor abdominal, perda de apetite, disfagia
Antifúngicos
Xerostomia, náuseas, vômitos, diarreia, alteração do paladar, dor abdominal, perda de apetite, gosto metálico, perda de peso, cólicas, aumento da sede, dor estomacal, fadiga
Antivirais
Náuseas, vômitos, diarreia, gosto metálico
Antirretrovirais
Ganho de peso, náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, alterações do paladar, aumento ou diminuição do apetite, obstipação, fadiga, esteatose hepática, acidose lática, lipodistrofia, aumento da pressão arterial, dislipidemia
Antineoplásicos
Perda de apetite, dor na boca e garganta, náuseas, vômitos, perda de peso, dor e cólicas abdominais, obstipação, edema em gengivas, irritação estomacal, alteração do paladar, disfagia, sede
Fonte: adaptada de CFNI, 2004.
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0!2!!$-).)342!£²/
!NTIRRETROVIRAL
#ONSIDERA ÜES
Zidovudina
Alimentos gordurosos diminuem a absorção. Recomenda-se tomar com ou sem alimentos evitando os muito gordurosos. Evitar a ingestão de álcool
Abacavir
A ingestão com alimentos pode diminuir efeitos colaterais Evitar a ingestão de álcool
Didanosina
Alimentos diminuem absorção. Recomenda-se administrar 30 minutos antes ou 2 h após as refeições. Evitar álcool e suplementos ou antiácidos com alumínio ou magnésio.
Tenofovir
Recomenda-se ingerir com alimentos gordurosos
Estavudina
A ingestão com alimentos pode diminuir efeitos colaterais Evitar a ingestão de álcool
Lamivudina
A ingestão com alimentos pode reduzir efeitos colaterais Evitar a ingestão de álcool
Efavirenz
Alimentos gordurosos aumentam a absorção Pode-se ingerir com ou sem alimentos. Evitar a ingestão de álcool
Nevirapina
Recomenda-se ingerir com alimentos e evitar a ingestão de álcool
Indinavir
Alimentos diminuem absorção. Recomenda-se tomar 1 h antes ou 2 h após refeição com água ou chá. Evitar a ingestão de álcool
Nelfinavir
Alimentos melhoram a absorção Recomenda-se ingerir com alimentos fontes de proteínas
Saquinavir
Alimentos melhoram a absorção Recomenda-se ingerir com uma refeição completa
Lopinavir
Alimentos melhoram a absorção. Recomenda-se ingerir com alimentos
Amprenavir
Recomenda-se ingerir com alimentos gordurosos, pois estes melhoram a absorção
Atazanavir
Recomenda-se ingerir com alimentos
Ritonavir
A ingestão com alimentos pode diminuir efeitos colaterais Evitar a ingestão de álcool
Kaletra
Recomenda-se ingerir com alimentos gordurosos
Fonte: adaptada de Ministério da Saúde, 2006; Food and Nutrition Technical Assistance Project, 2001.
COMPROMETIMENTO DO TRATO GASTRINTESTINAL PELO HIV E CONSEQUÊNCIAS NUTRICIONAIS Na população infectada pelo HIV, observa-se alta prevalência de distúrbios gastrintestinais, os quais geralmente incluem alterações na deglutição (47%), dor e cólica abdominal (20%), diarreia (77%), doença oral e perianal (74%), lesões orais (54%), candidíase oral (34%). A xerostomia ocasionada por infecções, medicamentos, tabagismo e desidratação é também encontrada em aproximadamente 29% dos pacientes infectados com o HIV. A saliva é essencial para a digestão adequada dos nutrientes, uma vez que contém enzimas como a
SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
TABELA 14.2 ).4%2!£²/%.42%!.4)22%42/6)2!)3%!,)-%.4/3%2%#/-%.$!£À%3$)%4³4)#!3
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lipase sublingual e a amilase salivar. A saliva também desempenha função imunológica, pois apresenta células que produz anticorpos, imunoglobulina A (IgA) e inibidor da protease salivar de leucócitos, responsáveis pela neutralização de parasitas, bactérias e vírus. Dessa maneira, a redução da produção de saliva pode contribuir para a instalação ou piora das alterações da digestão e absorção, bem como aumentar o risco de infecções oportunistas. O intestino delgado frequentemente entra em contato direto com potenciais agentes patogênicos que são ingeridos juntamente com a alimentação e é necessário que a imunidade da mucosa esteja ativa para resistir à invasão microbiana e evitar danos. Nos pacientes com HIV/Aids e deficiência grave de linfócitos imunorreguladores, a proliferação de protozoários, agentes patogênicos virais, bacterianos e fúngicos pode gerar má absorção e diarreia. A enteropatia da Aids, caracterizada por diarreia crônica e alterações histológicas na mucosa intestinal, está presente em um percentual significativo dos pacientes e pode comprometer a ingestão alimentar, a digestão e a absorção de nutrientes ingeridos. A ocorrência das múltiplas infecções, principalmente do trato gastrintestinal, conduz à rápida depleção nutricional por aumentar as necessidades metabólicas e comprometer as funções digestórias e absortivas, além de induzir redução da ingestão energética e de micronutrientes. Vale ressaltar que a presença do HIV pode causar atrofia das vilosidades do trato digestório, reduzindo a área de superfície na qual ocorre a absorção, bem como ocasionar a diminuição da atividade das enzimas intestinais que pode causar má digestão, mais diarreia e esteatorreia. Tais alterações da mucosa intestinal podem deixar os indivíduos infectados mais suscetíveis a infecções e diarreia, reduzindo ainda mais a absorção de nutrientes. A diarreia crônica, por sua vez, pode exacerbar os sintomas de desidratação, reduzindo ainda mais a produção de saliva e aumentando a incidência de desnutrição e infecção secundária. As células de Paneth são fundamentais para a manutenção da barreira antimicrobiana intestinal, por meio da síntese e liberação de peptídeos e proteínas. Na criptosporidiose relacionada ao HIV, mas não em outras desordens, observa-se redução do número das células de Paneth e depleção da visualização de grânulos, o que está associado à redução da imunorreatividade. A redução de grânulos das células de Paneth foi associada a menor IMC, redução dos níveis plasmáticos de zinco e infecção pelo HIV. Portanto, a depleção de grânulos das células de Paneth no intestino humano pode ser decorrente do estado infeccioso e nutricional e ser um dos mecanismos pelos quais o nível de zinco influencia a suscetibilidade do hospedeiro para infecção intestinal. A infecção por HIV induz a perda de células T CD4 no intestino durante a fase precoce, resultando no comprometimento da barreira intestinal, com consequente quebra da primeira linha de defesa contra agentes patogênicos. Dessa forma, o “intestino permeável” permite que bactérias da microbiota normal do intestino migrem para a corrente sanguínea, por meio dos espaços paracelulares e ativem o sistema imunológico local e sistêmico, com consequências negativas à saúde, contribuindo para uma maior replicação do vírus HIV. Estudo experimental demonstrou que a presença no intestino de número satisfatório de um subtipo de células do sistema imunológico CD4-positivas, chamadas células Th17
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(T helper 17), poderia influenciar a evolução da doença. Essas células Th17 são comumente encontradas na superfície da mucosa de indivíduos saudáveis, ativam as células epiteliais e estimulam a produção de proteínas de junção que mantêm os enterócitos aderidos, impedindo, assim, que bactérias patogênicas sejam translocadas para a corrente sanguínea. Portanto, a manutenção da barreira intestinal intacta durante a fase inicial da infecção com HIV teria um impacto positivo para a atenuação da gravidade da progressão da doença. Na infecção pelo HIV, observam-se precocemente distúrbios na microbiota intestinal, caracterizados por predominância de cepas patogênicas com redução dos níveis de bifidobactérias e lactobacilos, com consequente inflamação da mucosa. A administração de probióticos protege a superfície intestinal e pode retardar a progressão da infecção pelo HIV, por fortalecer o tecido linfoide associado ao intestino (GALT – gut associated lymphoid tissue), reduzir as alterações da microbiota e evitar a quebra da barreira intestinal. Além disso, a translocação microbiana e supressão das células T regulatórias (TReg) ocorre em associação com ativação crônica do sistema imune e da inflamação. Portanto, a combinação de cepas probióticas que possam estimular a ativação das células TReg pode ser benéfica para suprimir a resposta imune inflamatória.
TERAPIA NUTRICIONAL EM HIV/AIDS Alterações nutricionais ocorrem já nos primeiros estágios da infecção pelo vírus HIV e têm um importante impacto sobre a morbidade e a mortalidade, de modo que pacientes com HIV/Aids estão em risco nutricional em todas as fases da doença. A nutrição é um dos principais aspectos do tratamento desses pacientes, e a terapia nutricional deve ser implementada o mais precocemente possível, de maneira individualizada, considerando as particularidades de cada indivíduo. São objetivos da terapia nutricional para pacientes com HIV/Aids: s s s s s s s s
detectar, prevenir e reduzir a ocorrência de problemas nutricionais; auxiliar na preservação da massa corporal magra, prevenir a perda ponderal e recuperar o estado nutricional; fornecer aporte adequado de nutrientes, a fim de evitar deficiências ou excessos, de acordo com as condições clínicas do paciente; contribuir para a eficácia da terapia medicamentosa; auxiliar no alívio dos sintomas e nas complicações relacionadas ao HIV e às infecções oportunistas; colaborar para o manejo dos transtornos associados à terapia medicamentosa; promover educação nutricional em todas as fases da doença; contribuir para melhorar a qualidade de vida.
A terapia nutricional em HIV/Aids compreende avaliação do estado nutricional, definição das recomendações de energia, macronutrientes e micronutrientes, definição da necessidade da utilização de alimentação artificial ou de terapia medicamentosa e aconselhamento nutricional.
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Avaliação do estado nutricional A avaliação completa do estado nutricional é o primeiro passo para a intervenção nutricional em pacientes com HIV/Aids. Essa avaliação deve compreender os itens descritos a seguir. Cabe ressaltar que para um diagnóstico nutricional mais preciso é necessário analisar os métodos conjuntamente, pois todos eles apresentam vantagens e limitações.
História clínica Tem por objetivo identificar aspectos clínicos que possam interferir no estado nutricional e na ingestão alimentar, levando à má nutrição. Devem ser obtidas informações sobre tempo de diagnóstico e estágio da doença; ocorrência de infecções oportunistas, afecções agudas e comorbidades; estilo de vida (tabagismo, etilismo, uso de drogas ilícitas, prática de atividade física); presença de sintomas gastrintestinais; uso de terapia antirretroviral e de outros medicamentos relacionados ao tratamento de morbidades intercorrentes e infecções oportunistas; estado funcional; e aspectos psicossociais, neurológicos e cognitivos.
Exame físico Deve ser realizado de maneira detalhada, em todos os compartimentos corporais, e visa a identificar deficiências ou excessos de micronutrientes, depleção de massa muscular e tecido adiposo e alterações da distribuição de gordura corporal associadas à síndrome lipodistrófica do HIV.
Avaliação antropométrica
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Permite avaliar a perda de peso não intencional, que mesmo em torno de 5% do peso corporal habitual já se associa a aumento da mortalidade e progressão da doença nesses pacientes. Além disso, o IMC, obtido a partir do peso e da altura, é um dos parâmetros utilizados para diagnóstico da síndrome consumptiva. A antropometria permite, ainda, a avaliação da composição corporal a partir das medidas de pregas cutâneas e circunferências, métodos não invasivos e de baixo custo. A avaliação da composição corporal é importante, visto que pacientes com HIV/Aids podem perder tecido adiposo e massa muscular no curso da doença. Para acompanhar alterações da distribuição de gordura associadas à síndrome lipodistrófica do HIV, o método antropométrico (dobras cutâneas e circunferências da cintura o do quadril) é o mais prático e de menor custo. Os métodos mais precisos e objetivos, como absorciometria de raios X de dupla energia (DXA), técnicas de corte transversal de imagem, ressonância magnética e tomografia computadorizada, são técnicas limitadas a ambientes de pesquisa, em decorrência dos custos elevados e da falta de técnicos treinados. A ultrassonografia pode ser uma alternativa potencial e acessível para estimar o teor de gordura intra-abdominal com exatidão.
Bioimpedância É um método útil na avaliação do estado nutricional de pacientes com HIV/Aids, pois a partir da sua realização é possível determinar a composição corporal do indivíduo,
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Avaliação bioquímica Essa avaliação deve incluir indicadores bioquímicos do estado nutricional, indicadores imunológicos e virológicos, além de qualquer indicador necessário ao monitoramento do estado nutricional durante o acompanhamento. Glicemia de jejum, hemograma completo, avaliação da função hepática e da função renal, albumina, dosagens de micronutrientes, eletrólitos, perfil lipídico, carga viral, contagem de CD4 e CD8 e relação CD4/CD8 devem compor uma avaliação bioquímica completa. Pacientes em uso de terapia antirretroviral devem ter o perfil lipídico e a glicemia avaliados periodicamente. Sempre que possível, é adequado dosar os níveis de testosterona, pois a deficiência desse hormônio está comumente associada à perda grave de massa magra nesses pacientes. Cabe ressaltar que os indicadores bioquímicos para diagnóstico nutricional devem ser interpretados com cautela, visto que podem sofrer a influência da infecção pelo HIV, de morbidades, de medicamentos e de outras condições.
SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
incluindo a quantidade de MCC, que é um dos parâmetros utilizados no diagnóstico da síndrome consumptiva e cuja perda se associa a alta mortalidade nesses pacientes. Além disso, a partir de dados da bioimpedância obtém-se o ângulo de fase, um marcador independente de prognóstico nesses pacientes. Valores de ângulo de fase inferiores a 5,3 graus são associados a maior risco de mortalidade nessa população.
Avaliação do consumo alimentar Tem por objetivo avaliar qualitativa e quantitativamente o consumo alimentar. Devem-se investigar intolerâncias, preferências, alergias, tabus e práticas alimentares; alterações do apetite; forma de preparo dos alimentos; uso de suplementos; e aspectos que possam limitar o acesso a uma alimentação adequada e à habilidade para adquirir e preparar os alimentos. A escolha do método de avaliação do consumo depende dos objetivos do avaliador.
Recomendações de energia, macronutrientes e micronutrientes Recomendações de energia Indivíduos com HIV/Aids têm maior gasto energético quando comparados a indivíduos saudáveis, de modo que, mesmo estando assintomáticos e com peso estável, têm recomendação de dieta hipercalórica. As necessidades energéticas desses pacientes são altamente variáveis, dependentes da condição clínica (estágio da doença, presença de infecções oportunistas), da necessidade de ganho de peso e do nível de atividade. A Tabela 14.3 resume as recomendações de energia para esses pacientes. Caso seja utilizado o método de Harris e Benedict, recomenda-se fator injúria de 1 a 1,75.
Recomendações de macronutrientes Proteínas A garantia das necessidades proteicas tem como objetivos fornecer substrato para o sistema imune e restaurar ou preservar a massa magra. Nas infecções agudas, recomenda-
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-se aumentar a oferta proteica para minimizar a perda de massa magra imposta pelo catabolismo. Na presença de disfunção renal ou hepática, recomenda-se reavaliar as necessidades proteicas, ajustando-as à gravidade da disfunção e às necessidades individuais. As recomendações proteicas para adultos com HIV/Aids estão descritas na Tabela 14.4. A proporção segue o recomendado para a população em geral: 15 a 20% do valor energético total (VET). TABELA 14.3 2%#/-%.$!£À%3$%%.%2')!0!2!!$5,4/3#/-()6!)$3
%STÉGIO
%NERGIA
Estágio A – assintomático, peso estável
30 a 35 kcal/kg de peso atual/dia
Estágio B – sintomático com complicações do HIV, necessidade de ganho de peso
35 a 40 kcal/kg de peso atual/dia
Estágio C – infecção oportunista e/ou Aids (CD4 < 200)
40 a 50 kcal/kg de peso atual/dia
Estágio C – com desnutrição grave
Iniciar com 20 kcal/kg de peso atual/dia, aumentando gradualmente para evitar a síndrome de realimentação
Obesidade
20 a 25 kcal/kg de peso ajustado/dia
Fonte: adaptada de CFNI, 2004; Polo et al., 2007.
TABELA 14.4 2%#/-%.$!£À%302/4%)#!30!2!!$5,4/3#/-()6!)$3
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%STÉGIO
0ROTEÓNAS
Estágio A – assintomático, peso estável
1,1 a 1,5 g/kg de peso atual
Estágio B – sintomático com complicações do HIV, necessidade de ganho de peso
1,5 a 2 g/kg de peso atual
Estágio C – infecção oportunista e/ou Aids (CD4 < 200)
2 a 2,5 g/kg de peso atual
Estágio C – com desnutrição grave
Aumentar a oferta gradativamente, conforme a evolução das calorias
Obesidade
Utilizar o peso ajustado para cálculo das necessidades proteicas
Fonte: adaptada de CFNI, 2004; Polo et al., 2007.
Lipídios A proporção de lipídios a ser oferecida deve seguir o recomendado para a população em geral, ou seja, 20 a 35% do VET. A oferta de gorduras saturadas, gorduras trans e colesterol segue o recomendado para a população em geral, considerando-se uma alimentação
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Carboidratos e fibras Podem ser ofertados 45 a 65% do VET sob a forma de carboidratos. A seleção das fontes e a necessidade de restrição de carboidratos simples dependem das condições clínicas individuais e da presença de resistência à insulina ou diabete. A recomendação de fibras é de 25 a 30 g/dia, ajustando-se essa quantidade e o tipo de fibra às necessidades de cada paciente, de acordo com a presença de diarreia ou obstipação. Dietas pobres em fibras solúveis associam-se com dislipidemia em pacientes com lipodistrofia.
SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
equilibrada e saudável, devendo ser reavaliada na presença de dislipidemias. Estudos indicam que dietas pobres em gorduras saturadas e incluindo ácidos graxos ômega-3 estão associadas a redução nos níveis de triglicérides, aumento do HDL-c e diminuição do risco de lipo-hipertrofia. Entretanto, não existem evidências científicas suficientes para estabelecer a dose recomendada e o tempo de suplementação com ômega-3 para obter esses efeitos.
Recomendações de micronutrientes Deficiências de micronutrientes são comuns em pacientes com HIV/Aids e são causadas por má absorção, ingestão insuficiente e/ou aumento das demandas nutricionais. Alguns nutrientes específicos, como zinco, selênio, vitaminas do complexo B, ácido ascórbico e tocoferol parecem ter um importante papel na manutenção da função imune e na redução da mortalidade. Apesar disso, não existem evidências suficientes para recomendar a suplementação de vitaminas e minerais com o objetivo de reduzir a morbidade e a mortalidade entre adultos com HIV/Aids. São necessários mais estudos para definição de tipo, dose e duração da suplementação de micronutrientes para esses pacientes, principalmente entre aqueles em uso regular de terapia antirretroviral. No entanto, as Diretrizes Brasileiras de Terapia Nutricional, publicadas pela Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (SBNPE, 2012), sugerem que há necessidades especiais de micronutrientes como vitaminas A, B, C, E, zinco e selênio, as quais não devem ser inferiores a 100% dos valores de ingestão dietética de referência (DRI – dietary reference intakes). Dessa maneira, a necessidade de suplementação de micronutrientes deve ser avaliada de modo individual, principalmente em situações especiais, como gestação e lactação. Deve-se garantir a ingestão de uma dieta saudável, que forneça as quantidades estabelecidas pela RDA, e corrigir deficiências por via medicamentosa quando necessário, até que os níveis séricos estejam normalizados. Suplementação de vitamina A, zinco e ferro deve ser realizada com cautela, pois alguns estudos mostraram efeitos adversos da suplementação desses micronutrientes em subpopulações de pacientes com HIV/Aids.
Indicações da terapia nutricional A terapia nutricional enteral e parenteral está indicada em pacientes com HIV/Aids desnutridos ou em risco de desnutrição que não conseguem, não podem ou não querem alimentar-se com a alimentação habitual. A terapia nutricional também está indicada se ocorrer
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perda de peso maior do que 5% em três meses ou perda de MCC maior do que 5% em três meses ou com IMC inferior a 18,5 kg/m². Tendo em vista o impacto do estado nutricional sobre a morbidade e a mortalidade desses pacientes, o início da terapia nutricional deve ser precoce, ou seja, deve-se iniciar assim que alguma das condições citadas seja detectada. Caso o paciente não apresente problemas que impeçam a utilização da via oral, esta deve ser a via de escolha para a alimentação. É aconselhável usar suplementos orais em adição à alimentação normal e ao aconselhamento nutricional, a fim de aumentar o aporte calórico e proteico e promover ganho ponderal. Quando a ingestão alimentar, mesmo com uso de suplementos orais, é insuficiente ou quando é impossível alimentar o paciente por essa via, deve-se considerar uso da via enteral para a alimentação. A escolha do tipo de fórmula, do tipo de acesso ao tubo digestório (sondas ou ostomias) e do tipo de administração (bolo, infusão contínua ou intermitente) depende da situação clínica do paciente, do grau de catabolismo, dos transtornos metabólicos concomitantes, da sua funcionalidade digestiva e de suas demandas nutricionais. Geralmente, fórmulas-padrão são bem toleradas e atendem às necessidades. Atualmente, ainda não há evidência científica para recomendar o uso de fórmulas com imunomoduladores. Ressalta-se que diarreia e má absorção não são consideradas contraindicações para alimentação oral ou por sonda enteral; ao contrário, a terapia enteral tem impacto positivo na frequência e na consistência das fezes. Pacientes com diarreia e desnutrição grave podem se beneficiar de fórmulas contendo triglicerídeos de cadeia média (TCM). Após receber orientação nutricional durante 8 semanas, pacientes com história recente de perda de peso apresentaram aumento da ingestão calórica em torno de 600 kcal/dia, com consequente aumento de massa livre de gordura. Indivíduos infectados pelo HIV que receberam um suplemento hipercalórico com dieta polimérica completa por via oral durante 45 dias também apresentaram aumento do peso corporal, ganho de massa livre de gordura, de massa gorda e melhora do balanço nitrogenado positivo. A nutrição parenteral deve ser reservada para situações nas quais a utilização da via enteral esteja totalmente contraindicada, quando o trato gastrintestinal estiver inacessível ou quando não for possível atingir as necessidades nutricionais pelas outras vias. A intervenção nutricional domiciliar com nutrição parenteral total (NPT) contendo no máximo 35 kcal/kg de peso corporal por 4 a 42 semanas, em pacientes com HIV e síndrome consumptiva decorrente de graves infecções sistêmicas promoveu aumento do peso corporal e da massa gorda, mas não afetou positivamente a quantidade de tecido magro. Esses resultados obtidos antes da introdução da terapia HAART demonstraram que a assistência nutricional especializada é capaz de prevenir e tratar a desnutrição, controlando a perda de peso, restaurando o quantitativo de tecido adiposo e, possivelmente, o tecido magro. A decisão sobre a suspensão da terapia nutricional, bem como a transição de uma via de alimentação para outra, deve ser avaliada individualmente, considerando a evolução clínica e nutricional de cada paciente. Para pacientes em cuidados paliativos, o objetivo
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TERAPIA MEDICAMENTOSA Alguns pacientes, mesmo com terapia nutricional efetiva, não conseguem reverter o quadro de caquexia e ganhar massa magra. Além disso, a anorexia também é muito comum, impedindo a ingestão dos nutrientes em quantidades adequadas ao atendimento de suas demandas nutricionais. Dessa maneira, em algumas situações é necessário optar pelo uso de estimulante do apetite, anabolizantes ou inibidores de citocinas concomitantemente à terapia nutricional, como uma terapia complementar. Entretanto, o uso desses medicamentos frequentemente é limitado, por causa do alto custo e dos efeitos colaterais significativos, conforme descrito na Tabela 14.5. TABELA 14.5 !.!"/,):!.4%3 %34)-5,!.4%3$/!0%4)4%%).)")$/2%3$%#)4/#).!3
-EDICAMENTO
#LASSE
#ONSIDERA ÜES
Acetato de megesterol
Estimulante do apetite
Ganho de peso predominante ou exclusivamente à custa de gordura. Pode causar hipercalcemia, efeitos gastrintestinais, hepatotoxicidade, tromboflebite, eventos cardiovasculares e respiratórios, insuficiência suprarrenal transitória, alterações do sistema nervoso central, alterações hormonais, neuromusculares e dermatológicas
Dronabinol
Estimulante do apetite
Apenas estabiliza o peso, sem promover ganho de massa magra ou gordura; pode causar transtornos neuropsiquiátricos e cardiovasculares
Testosterona
Anabolizante
Indicada em pacientes com hipogonadismo; pode causar virilização, redução do HDL-c, alterações hepáticas e da próstata, acne, queda de cabelo, apneia do sono
Hormônio do crescimento recombinante (rGH)
Anabolizante
Aumenta o peso, a massa muscular, a síntese proteica e a sobrevida; melhora o balanço nitrogenado e a capacidade funcional; em altas doses, pode causar retenção hídrica, diarreia, mialgias, intolerância à glicose; alto custo
Talidomida
Inibidor de citocinas
Inibe a produção do fator de necrose tumoral (TNF-alfa); parece promover ganho de peso e massa magra; pode causar sonolência, neuropatia periférica, hipersensibilidade e neutropenia; alguns estudos mostraram aumento da carga viral e, paradoxalmente, do TNF-alfa
Pentoxifilina, cetotifeno e ácidos graxos ômega-3
Inibidores de citocinas
Ainda experimentais
TNF-alfa: fator de necrose tumoral alfa.
SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
da terapia nutricional é oferecer conforto e aliviar sintomas e só deve ser implementada se houver concordância entre a equipe de saúde, o paciente e seus cuidadores.
14
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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ACONSELHAMENTO NUTRICIONAL O aconselhamento nutricional deve fazer parte do cuidado integral às pessoas portadoras de HIV/Aids desde o momento do diagnóstico e durante todo o seguimento do paciente. Durante o processo de educação nutricional os pacientes devem ser orientados sobre: s s s
a importância e os princípios de uma alimentação saudável; a segurança higiênica e sanitária da água e dos alimentos; o manejo de sintomas clínicos e efeitos colaterais de medicações: – anorexia, perda de peso, obstipação, diarreia/má absorção, intolerância à lactose, esteatorreia, náuseas e vômitos, saciedade precoce, disfagia, diminuição do paladar, afecções da cavidade oral, esofagite, xerostomia, disfagia, febre; – orientações sobre escolha dos alimentos e formas de preparo mais adequados a cada situação; s o manejo nutricional de comorbidades: dislipidemia, diabete, osteoporose, etc.; s a interação drogas-nutrientes e uso de suplementos; s a importância de hábitos de vida saudáveis. O paciente deve ser inserido na discussão de seu plano nutricional, o qual deve levar em conta, além dos aspectos nutricionais, aspectos psicossociais. Com isso, garante-se a individualização e uma maior adesão a esse plano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A terapia nutricional para pacientes com HIV/Aids deve ter como diretrizes: s
s
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s
s s
fornecer avaliação nutricional completa e precoce de todos os pacientes, atentando à avaliação da perda de peso e de massa magra e à redistribuição de gordura característica da síndrome lipodistrófica do HIV; auxiliar na prevenção e no tratamento das alterações metabólicas associadas à terapia antirretroviral; minimizar sintomas gastrintestinais associados à infecção pelo HIV, infecções oportunistas e terapia antirretroviral, com o objetivo de otimizar a ingestão oral, evitando deficiências nutricionais; fornecer terapia nutricional adequada às diversas condições clínicas que possam acometer esses pacientes, de modo a evitar a desnutrição; fornecer aconselhamento nutricional adequado, de modo a contribuir para maior sobrevida com melhor qualidade de vida para esses pacientes.
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SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS)
REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO
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Doenças pulmonares
MARIA CRISTINA LERARIO DEBORA STROSE VILLAÇA
DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma enfermidade respiratória prevenível e tratável que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que é usualmente progressiva e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões e das vias aéreas à inalação de partículas ou gases tóxicos. A DPOC é geralmente diagnosticada ao redor da quinta ou sexta década de vida, mas pode iniciar mais cedo. Alguns fatores, como diminuição do fator alfa-1-antitripsina, exposição a substâncias presentes no ar e o hábito de fumar, constituem fatores de risco para o desenvolvimento da doença. Atualmente, a DPOC é a quinta causa mais frequente de morte, e estudos mostram que em 2030 será a quarta mais frequente. Essa prevalência varia de um país para outro, por causa das diferenças socioeconômicas, dos tipos de tabagismo, das diferentes formas de relatar e classificar a doença, assim como dos subdiagnósticos. As alterações metabólicas e nutricionais manifestam-se primeiramente pela perda de peso, que pode ser identificada em até 60% dos pacientes com DPOC e tem sido associada ao aumento de morbidade e mortalidade, independentemente do grau de obstrução do fluxo aéreo.
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Apesar de a DPOC comprometer os pulmões, ela também produz consequências sistêmicas significativas. Entre esses efeitos, podem ser observadas alterações metabólicas e nutricionais, disfunção muscular esquelética, inflamação sistêmica e miopatia induzida por drogas. Outros fatores, ainda, podem contribuir para a depleção nutricional, como a administração prolongada de medicamentos como teofilina, por irritação gástrica, beta-2-agonistas e corticosteroides, que podem mudar a função e a estrutura muscular. Observa-se também uma redução dos níveis de hormônios anabolizantes endógenos, como a testosterona e o hormônio do crescimento, que pode levar à atrofia muscular e ao aumento da degradação proteica em pacientes com DPOC. O fator de necrose tumoral (TNF) também influencia para tal ocorrência, porque desencadeia a liberação de outras citocinas, incluindo a interleucina 1 e 2 (IL-1 e IL-2), que mediam um aumento do gasto energético, mobilizando aminoácidos e contribuindo também para o catabolismo proteico. Além disso, o envelhecimento fisiológico produz alterações na composição corporal e, junto com o sedentarismo ocasionado pela própria doença, contribui para a redução de massa magra e força muscular (Figura 15.1).
DPOC
Perda de peso Perda de massa gorda
Lesões pulmonares
Perda de músculos respiratórios Perda de massa muscular
Funcão pulmonar alterada
Diminuição da atividade física
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Aumento do trabalho respiratório Redução da capacidade respiratória (dispneia) Aumento da necessidade energética Hipermetabolismo Envelhecimento Sedentarismo Medicação Inflamação sistêmica Hipoxia FIGURA 15.1 Mecanismos envolvidos na perda de peso de pacientes com doença pulmonar obs-
trutiva crônica. Fonte: adaptada de Muers e Green, 1993.
377 DOENÇAS PULMONARES
Na DPOC, observa-se que os músculos respiratórios também são afetados quando há perda de peso, ocorrendo uma redução da capacidade de gerar força. Em condições normais, a perda de peso ocorre por um desequilíbrio entre a ingestão alimentar e o gasto energético; porém, nesses pacientes, mesmo havendo ingestão normal ou acima do normal, há um contínuo déficit energético, determinado pelo hipermetabolismo. A saciedade precoce e a anorexia também podem estar presentes em virtude da dispneia e da fadiga, com consequências sobre a composição corporal e redução dos compartimentos de massa gorda e massa magra corporal, podendo evoluir até à caquexia. A caquexia é relativamente frequente, variando de 20 a 40% dos pacientes, e está associada a um estado patológico de perda de peso associada à perda de massa magra. A perda de massa magra não costuma ocorrer de forma uniforme, ou seja, distribuída igualmente por todo o corpo. A depleção muscular esquelética em pacientes com DPOC é desproporcional, pois ocorre uma maior redução muscular nos membros inferiores. Um consenso recente definiu alguns critérios para o diagnóstico da caquexia, desde que sejam excluídos outros distúrbios, como má-absorção, depressão primária, hipertireoidismo e perda de massa muscular relacionada à idade (Tabela 15.1). TABELA 15.1 $)!'.¼34)#/$!#!15%8)!
0ERDADEPESODEPELOMENOSEMMESESOUMENOSLIVREDEEDEMA OU)-#KGM2MAIS APRESEN ADEPELOMENOSOUTROSFATORES Fadiga Diminuição da força muscular Anorexia (consumo energético < 20 kcal/kg/dia) Índice de massa magra baixo Anormalidades bioquímicas: aumento de marcadores inflamatórios: IL-6 > 4 pg/mL, PCR > 5 mg/L, Hb < 12 g/dL, albumina sérica < 3,2 g/dL Hb: hemoglobina; IL-6: interleucina 6; IMC: índice de massa corporal; PCR: proteína-C reativa. Fonte: adaptada de Evans et al., 2008.
Um estudo no Brasil com pacientes com DPOC encontrou prevalência 27,9% de baixo peso, 45,9% de eutrofia e 26,2% de obesidade. Embora o baixo peso seja uma condição frequente, a obesidade também está presente em alguns desses pacientes. As recentes pesquisas mostram que a prevalência da obesidade está aumentando em todo o mundo. A obesidade também está relacionada ao desenvolvimento da síndrome metabólica, a qual tem sido identificada como um fator de risco importante para doenças crônicas, como diabete, e doenças cardiovasculares. A obesidade também está intimamente relacionada à síndrome da hipoventilação, e algumas evidências mostram associação entre obesidade e asma. A obesidade leva a disfunções no mecanismo de controle ventilatório, na função muscular esquelética, na eficiência das trocas gasosas e na
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função cardíaca. Tais efeitos são exacerbados quando o paciente se encontra em posição supina ou durante exercício. O uso sistêmico de glicocorticosteroides por pacientes com DPOC pode aumentar o risco de obesidade, com maior distribuição de gordura subcutânea no tronco e maior apetite, aumentando o consumo alimentar. Em pacientes com DPOC, a obesidade tem importante efeito negativo, pois o excesso de massa gorda prejudica a função pulmonar, a capacidade física ao exercício, as atividades de vida diária e o prognóstico da doença. Os efeitos deletérios da obesidade no paciente com DPOC dependem da presença de excesso de tecido adiposo no tórax e no abdome. O prognóstico da DPOC para pacientes de baixo peso é bem conhecido. Sabe-se que o índice de massa corporal (IMC) baixo é um preditor de mortalidade, e este risco diminui à medida que o peso aumenta. Estudos recentes observaram que a obesidade avaliada pelo IMC parece exercer um efeito protetor aos pacientes, embora a massa gorda não seja um preditor determinante no prognóstico de pacientes com DPOC moderada e graves. A associação da obesidade como proteção em pacientes com DPOC contrasta com estudos epidemiológicos da população geral nos quais a obesidade está associada à diminuição da expectativa de vida, independentemente de ser ou não fumante. Este fenômeno é conhecido como “paradoxo da obesidade”. Embora seja grande o número de pesquisas nessa área, ainda não está claro como e por que o maior IMC pode contribuir para uma maior sobrevida nesses pacientes. Em decorrência das repercussões citadas, torna-se muito importante conhecer o estado nutricional desses pacientes o mais precocemente possível. Cabe ao nutricionista ou avaliador escolher o método que permita determinar o estado nutricional.
Avaliação do estado nutricional
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Na avaliação nutricional de pacientes com DPOC, o IMC ainda é muito utilizado como marcador de depleção, porém é um índice pouco específico para ser utilizado individualmente, já que não permite identificar os compartimentos corporais e, nesses pacientes, é comum observar alterações na composição corporal, sem alteração significativa de peso corporal. O ponto de corte do IMC nesses pacientes é diferenciado, ou seja, o paciente é considerado com depleção quando o IMC é menor que 21 kg/m2. Considerando, então, a baixa sensibilidade do IMC, torna-se importante quantificar a massa corporal magra (MCM), que pode ser obtida por métodos mais sofisticados e nem sempre disponíveis, como a absortometria de raios X de dupla energia (DEXA), ou por métodos mais simples, entre os quais se destaca a antropometria. Assim, a MCM pode ser estimada subtraindo-se o peso corporal da gordura corporal obtida a partir do somatório de pregas cutâneas (detalhes no Capítulo 6). A MCM também pode ser calculada a partir de uma equação específica para essa população que considera o peso corporal, a estatura e a resistência fornecida pela bioimpedância elétrica: Massa magra (kg) = 2,38 + (0,58 × estatura2/resistência) + (0,23 × peso corporal total)
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Terapia nutricional
DOENÇAS PULMONARES
O índice de massa magra (MCM/altura2) igual ou inferior a 15 kg/m2 para mulheres e igual ou inferior a 16 kg/m2 para homens é usado como critério para caracterizar a depleção de massa magra em pacientes com DPOC. A avaliação do estado nutricional deve incluir, ainda, a história alimentar e os marcadores bioquímicos comumente empregados na prática clínica (ver detalhes no Capítulo 6 – Avaliação nutricional).
A oferta de energia deve ser adaptada à demanda metabólica. O método mais indicado para estimar o gasto energético de repouso assumido como basal (gasto energético basal – GEB) é a calorimetria indireta (CI). No entanto, como a CI é um método pouco disponível na prática clínica, equações de predição têm sido empregadas para estimar o GEB. Entre elas, destaca-se a equação de Harris e Benedict (ver Capítulo 2 – Necessidades e recomendações de energia), que, apesar de ter sido validada para uma população saudável e com IMC médio de 22 kg/m2, tem sido utilizada em diferentes doenças e em diversos graus de severidade. Apesar de não ser específica à população com DPOC, o GEB estimado por essa equação se assemelha aos valores obtidos pela CI. Recentemente, uma equação para estimativa do GEB foi validada para pacientes com DPOC. GEB (kcal/dia) = 443,3 + [18,15 × MCM (kg)] Não há um consenso quanto à determinação do gasto energético total (GET). Têm sido indicados fatores entre 1,49 e 1,78 a serem multiplicados ao GEB para a obtenção do GET nessa população. Em relação ao planejamento alimentar, a distribuição dos macronutrientes deve seguir as recomendações da população adulta saudável, mas recomenda-se uma oferta energética e proteica suficiente para melhorar ou manter o estado nutricional o mais próximo possível da normalidade (Tabela 15.2). TABELA 15.2 2%#/-%.$!£À%3 .542)#)/.!)3 0!2! 0!#)%.4%3 #/- $/%.£! 05,-/.!2
/"34254)6!#2½.)#!$0/#
%STADONUTRICIONAL
2ECOMENDA ÜES
Eutrofia
Adequar para manutenção do peso, utilizando:
s50 a 60% de carboidratos s25 a 30% de lipídios s15 a 20% de proteínas Pode-se utilizar proteína até 1,5 g/kg/dia Desnutrição
Adequar para ganho de peso, aumentando o valor energético em 500 a 1.000 kcal/dia
Obesidade
Adequar para perda de peso, diminuindo o valor energético em 500 kcal/dia em relação ao GET
GET: gasto energético total.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Algumas estratégias devem ser adotadas para aumentar a oferta de energia quando os pacientes relatarem sintomas como anorexia, saciedade precoce, dispneia e fadiga (Tabela 15.3). Mudanças nas atividades de vida diária devem ser introduzidas por profissional especializado com a finalidade de poupar energia e melhorar a qualidade de vida. TABELA 15.3 %342!4³')!30!2!!4%2!0)!.542)#)/.!,%-0!#)%.4%3#/-$/%.£!05,-/
.!2/"34254)6!#2½.)#!$0/#
!NOREXIA Ingerir primeiro os alimentos mais energéticos Utilizar os alimentos preferidos pelo paciente Fracionar a dieta durante o dia Adicionar manteiga, margarina, maionese e/ou creme de leite para aumentar o valor calórico dos alimentos 3ACIEDADEPRECOCE Ingerir inicialmente os alimentos mais energéticos Limitar líquidos durante as refeições; beber somente após 1 hora Dar preferência aos alimentos frios Dispneia Descansar antes das refeições Usar broncodilatadores antes das refeições Empregar as estratégias de liberação de secreções, se indicadas Comer devagar Ter alimentos preparados para os períodos de aumento da dispneia &ADIGA Descansar antes das refeições Ter alimentos preparados para os períodos de fadiga Escolher alimentos de fácil preparo
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&LATULÐNCIA Consumir menor quantidade de alimentos e com maior frequência Comer devagar Não ingerir alimentos que contenham gases ou favoreçam o seu aparecimento #ONSTIPA ÎO Fazer exercícios, se toleráveis Aumentar a quantidade de fibras e água, mas ter cuidado com o excesso, que pode contribuir para retenção hídrica 0ROBLEMASDENTÉRIOS Modificar a consistência dos alimentos para facilitar a mastigação Encaminhar para serviços odontológicos
381 DOENÇAS PULMONARES
Como em todo planejamento alimentar e dietético, recomenda-se também o consumo de alimentos de diversos grupos, como frutas e hortaliças, cereais, leguminosas e fontes adicionais de gorduras e açúcares, evitando-se o consumo de alimentos que forneçam pouco ou nenhum nutriente. Durante a exacerbação da doença, a utilização de corticosteroides induz um aumento do catabolismo, tornando necessário um maior aporte proteico e energético a fim de reduzir os efeitos deletérios sobre a massa muscular esquelética. Intervenções nutricionais ou dietéticas têm sido utilizadas nessa população com a finalidade de diminuir ou reverter a perda de peso, aumentar a tolerância ao exercício e melhorar a qualidade de vida. Estudos recentes apontam uma associação entre a deficiência de vitamina D e doenças crônicas, incluindo a DPOC. Nos pacientes com DPOC, a deficiência da vitamina D foi associada à gravidade da doença. Assim, tem sido sugerida a correção da hipovitaminose D como parte do tratamento desses pacientes.
SÍNDROME DA APNEIA-HIPOPNEIA DO SONO OBSTRUTIVA A síndrome da apneia-hipopneia do sono obstrutiva (SAHSO) é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores, o que resulta em dessaturação da oxigenoglobina, com despertares que podem causar hipersonolência durante o dia, sono não reparador, fadiga diurna e dificuldade de concentração. O ronco está presente em todos os pacientes com SAHSO com um padrão alto e interrompido por episódios de silêncio por 10 a 30 segundos. As comorbidades associadas à SAHSO são: obesidade, hipertensão arterial sistêmica, hipertensão pulmonar, despertares noturnos, arritmias cardíacas, refluxo esofágico e um grande comprometimento da qualidade de vida. São fatores predisponentes: obesidade, principalmente na parte superior do corpo, sexo masculino, anormalidades craniofaciais, aumento do tecido mole da laringe, obstrução nasal e algumas doenças endócrinas, como hipotireoidismo e acromegalia. A obesidade prejudica a função e a estrutura respiratória, ocasionando sua deterioração fisiológica e fisiopatológica. O aumento do trabalho respiratório na obesidade ocorre em virtude do estreitamento da caixa torácica resultante do acúmulo de tecido adiposo dentro e ao redor das costelas, do abdome e do diafragma. A hipoxemia é comum, parcialmente em razão de um volume de relaxamento pequeno que concorre para que a ventilação ocorra em volumes abaixo do de fechamento. A hipoxemia é exacerbada quando o paciente se deita, pela baixa capacidade residual funcional do pulmão, causando oclusão das vias aéreas superiores, o que é caracterizado como apneia do sono. Essa doença ocorre em mais de 10% dos homens e mulheres com IMC igual ou superior a 30 kg/m2, e entre 65 e 75% dos indivíduos com SAHSO são obesos. Apneia do sono também está relacionada à obesidade central e ao tamanho do pescoço, por causa de um estreitamento das vias aéreas superiores, sobretudo na posição deitada. Em geral, o cansaço e a falta de motivação para o exercício levam a um estilo de vida sedentário.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Avaliação do estado nutricional É importante que, na avaliação nutricional, além da mensuração do peso e da estatura, sejam obtidas a circunferência do pescoço, da cintura e do quadril. Os detalhes sobre as técnicas e referências podem ser encontrados no Capítulo 6 – Avaliação nutricional.
Conduta nutricional A conduta nutricional nesses casos deve ser baseada na diminuição gradual do consumo energético, balanceado em relação aos diversos nutrientes, por meio de um planejamento alimentar personalizado. Em casos de obesidade grau 3, a cirurgia bariátrica pode ser recomendada. Esse procedimento requer um envolvimento multidisciplinar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A manutenção de um ótimo estado nutricional é vital para pacientes com doenças pulmonares, já que tanto a desnutrição quanto a obesidade podem ter efeitos deletérios sobre o parênquima pulmonar e os músculos respiratórios e periféricos, contribuindo para a piora da doença e da função pulmonar.
REFERÊNCIAS
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383 DOENÇAS PULMONARES
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CAPÍTULO
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Doenças cardiovasculares
ROSANA PERIM COSTA CAMILA MARCUCCI GRACIA CYNTIA CARLA DA SILVA APARECIDA NATANE VIEIRA DE SOUZA FERNANDA DALPICOLO
INTRODUÇÃO Em todo o mundo, estima-se que as doenças cardiovasculares (DCV) representem a primeira causa de morte e de incapacidade ajustada pela idade. De acordo com o cenário de projeções para 2020, em comparação com 1990, as estimativas das taxas de mortalidade por infarto agudo do miocárdio (IAM) indicam porcentagens variáveis de aumento, de acordo com a região analisada, variando, por exemplo, de 8% para homens em regiões desenvolvidas a 17% para homens da América Latina. Assim, tais dados mostram que uma verdadeira epidemia cardiovascular vem sendo gradativamente instalada nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Para a prevenção efetiva das doenças do sistema circulatório é necessária a compreensão do controle dos fatores de risco. Embora a idade, sexo e predisposição genética sejam fatores de risco não modificáveis, outros determinantes não menos importantes são passíveis de intervenção. Alterações dos fatores comportamentais (padrão alimentar, sedentarismo, tabagismo e consumo de álcool), fatores biológicos (dislipidemia, hipertensão arterial, sobrepeso e hiperinsulinemia) e fatores sociais, que incluem uma mistura complexa de interações socioeconômicas, culturais e outros parâmetros ambientais são controláveis e complementares na prevenção das DCV.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Há certa complexidade nos elementos mais importantes do processo de determinação das DCV e de suas inter-relações. Tem-se admitido que os fatores de risco têm efeito sinérgico quando ocorrem concomitantemente. A alimentação contribui de várias maneiras para a determinação do risco cardiovascular, considerando-se seu impacto em diversos dos fatores de risco envolvidos nas DCV. Dietas ricas em calorias, sódio e gorduras saturadas e trans, o tabagismo e a inatividade física mantêm uma importante relação com a doença coronariana nas populações e são fatores contribuintes para o desenvolvimento e o progresso da aterosclerose. A importância da alimentação adequada na redução do risco cardiovascular já está bem comprovada por uma série de evidências científicas. Estudos demonstraram que as DCV podem ser reduzidas em 30% com modificações na dieta. Essas modificações compreendem uma alimentação saudável, com equilíbrio entre valor energético, macro e micronutrientes. Além da doença aterosclerótica, outra importante manifestação da DCV é a insuficiência cardíaca (IC), reconhecida como um problema importante e crescente de saúde pública, em especial nos países industrializados, cuja população é mais idosa. Diante desse cenário, pode-se concluir que a melhor estratégia para a redução da morbidade e da mortalidade decorrentes das DCV é a prevenção. A terapia nutricional é a primeira conduta a ser adotada, por meio de ações clássicas de medicina preventiva aliadas à atuação multiprofissional da equipe de saúde que cuida de pacientes em todos os âmbitos: hospitalar, de saúde pública ou em serviços ambulatoriais e privados.
DISLIPIDEMIAS
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As dislipidemias são problemas clínicos comumente encontrados pelos profissionais de saúde. Caracterizam-se pela elevação dos níveis plasmáticos de triglicérides ou de alterações dos níveis das lipoproteínas que transportam o colesterol e as gorduras no sangue. Podem ser classificadas em primárias, quando decorrentes de alterações genéticas, ou secundárias ao uso de medicamentos, aos hábitos de vida inadequados ou às outras doenças, por exemplo, o diabete, ou à combinação desses fatores.
Classificação das dislipidemias As dislipidemias podem ser classificadas, do ponto de vista laboratorial, em: s s s s
hipercolesterolemia isolada: aumento do colesterol total e/ou da fração LDL-colesterol (lipoproteína de baixa densidade); hipertrigliceridemia isolada: aumento dos triglicérides; hiperlipidemia mista: aumento do colesterol total e dos triglicérides; diminuição isolada do HDL-colesterol (lipoproteína de alta densidade) ou associada ao aumento dos triglicérides ou LDL-colesterol. A Tabela 16.1 apresenta os valores de referência para diagnóstico de dislipidemia.
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#OLESTEROLTOTAL
,$, COLESTEROL
($, COLESTEROL
4RIGLICÏRIDES
Muito alto: ≥ 190 mg/dL
Homens: baixo < 40 mg/dL
Muito alto: ≥ 500 mg/dL
Alto: ≥ 240 mg/dL
Alto: 160 a 189 mg/dL
Mulheres pré-menopausa: baixo < 50 mg/dL
Alto: 200 a 499 mg/dL
Limítrofe: 200 a 239 mg/dL
Limítrofe: 130 a 159 mg/dL
Limítrofe: 150 a 200 mg/dL
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
TABELA 16.1 6!,/2%3$%2%&%2´.#)!0!2!/$)!'.¼34)#/$%$)3,)0)$%-)!3%-!$5,4/3
As dislipidemias têm sido objeto de estudo contínuo por causa de sua forte correlação com a manifestação de DCV, como a aterosclerose e, no caso dos triglicérides elevados também ao risco de desenvolvimento de pancreatite.
Fisiopatologia Para se compreender a fisiopatologia envolvida no processo de instalação das dislipidemias e da aterosclerose, bem como a relação dos alimentos na promoção ou prevenção e tratamento das dislipidemias, é necessário compreender o metabolismo dos lipídios. Os lipídios biologicamente importantes são: s s
fosfolipídios: formam a estrutura básica das membranas celulares; colesterol: precursor dos hormônios esteroides, dos ácidos biliares e da vitamina D; também é constituinte das membranas celulares e participa na ativação de enzimas; s triglicérides: são formados a partir de três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol e constituem uma das formas de armazenamento energético mais importantes no organismo, depositados nos tecidos adiposo e muscular; s ácidos graxos: são constituídos por uma cadeia carbônica não ramificada, de comprimento variável, contendo em uma das extremidades o grupo carboxílico e, na outra, um grupo metila, denominada ômega; podem ser classificados como de cadeia curta, média ou longa, ou, ainda, pela presença, quantidade e configuração de duplas ligações na cadeia carbônica e pela posição do ácido graxo na molécula de glicerol, da seguinte forma: s saturados: sem duplas ligações entre seus átomos de carbono; os mais presentes na alimentação variam entre 12 e 18 átomos de carbono; s monoinsaturados: com uma dupla ligação: o mais frequente na alimentação é o ácido oleico, que contém 18 átomos de carbono; s poli-insaturados: com mais de uma ligação dupla em sua cadeia, podem ser classificados de acordo com a presença da primeira dupla ligação entre os carbonos, a partir da extremidade ômega como: – ômega-3: eicosapentaenoico (EPA), docosa-hexaenoico (DHA) e linolênico; – ômega-6: linoleico.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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As duplas ligações podem apresentar configurações geométricas diferentes. Na configuração cis, os hidrogênios encontram-se do mesmo lado da cadeia carbônica. Na configuração trans, estão em lados opostos. Em virtude dessa configuração, os ácidos graxos trans assemelham-se mais às gorduras saturadas (Figura 16.1).
COOH
COOH
COOH
Ácido oleico
Ácido elaídico
Ácido esteárico
18:1 cis
18:1 trans
(saturado) 18:0
FIGURA 16.1 Configurações de ácidos graxos.
Transporte de lipídios no plasma
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Como os lipídios são geralmente substâncias hidrofóbicas, é necessário um meio específico para seu transporte no plasma. Esse transporte é realizado pelas lipoproteínas. As lipoproteínas são compostas por lipídios e proteínas denominadas apolipoproteínas (Apos). As Apos têm diversas funções no metabolismo das lipoproteínas, como a formação intracelular das partículas lipoproteicas, caso das Apos B100 e B48, ligantes a receptores de membrana como a Apo B100 e a Apo E, ou co-fatores enzimáticos, como as Apos CII, CIII e AI. As lipoproteínas são classificadas de acordo com sua densidade, com as siglas de suas denominações na língua inglesa: 1. Quilomícrons (Qm): são partículas ricas em triglicérides, maiores e menos densas, sintetizadas nos enterócitos intestinais. São responsáveis pelo transporte no plasma dos triglicérides originários da dieta. Os Qm possuem Apo B48, Apo C e Apo E.
389 DOENÇAS CARDIOVASCULARES
2. Lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL – very-low density lipoprotein): rica em triglicérides, de origem hepática. Possui Apo B100, Apo E e Apo C. 3. Lipoproteína de baixa densidade (LDL – low density lipoprotein): rica em colesterol. Transporta o colesterol do fígado para os tecidos periféricos. Possui Apo B100. 4. Lipoproteína de alta densidade (HDL – high density lipoprotein): rica em colesterol. Responsável pelo transporte reverso do colesterol, levando colesterol dos tecidos para o fígado. Possui Apo A, Apo E e Apo C. Existe, ainda, uma classe de lipoproteínas de densidade intermediária (IDL – intermediary density lipoprotein) e a lipoproteína (a) [Lp(a)], que resulta da ligação covalente de uma partícula de LDL à Apo A. As lipoproteínas passam por várias ações enzimáticas no plasma, que podem ser divididas genericamente em via exógena e via endógena (Figura 16.2).
Via endógena
Via exógena Ácidos biliares + colesterol
Colesterol dos alimentos
Apo B-100 LDL Receptor LDL Fígado
Intestinos
Receptor LDL
Receptor remanescente
1M
21M
Apo E Apo C Apo B-48
Apo E
Apo B-48
Apo B-100 IDL Apo E
Apo B-100 VLDL Apo C Apo E
Capilares
Capilares
Lipase lipoproteica
Lipase lipoproteica
FIGURA 16.2 Vias exógena e endógena. Apo: apolipoproteína; LDL: lipoproteína de baixa densidade; Qm: quilomícrons; RQm: remanescentes de Qm; VLDL: lipoproteína de muito baixa densidade; IDL: lipoproteína de densidade intermediária. Fonte: adaptada de Martinez et al., 2003.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
390
No ciclo exógeno, os lipídios da dieta são absorvidos no enterócito e são incorporados aos Qm, que são, então, secretados na linfa, atingindo a circulação pelo ducto torácico. Após a secreção, os Qm interagem com a HDL, recebendo Apo CII, CIII e E e colesterol. Nos capilares extra-hepáticos, os Qm, por meio de uma enzima presente no endotélio (lipoproteína lipase – LPL), liberam ácidos graxos para os tecidos adiposo e muscular, reduzindo de tamanho e transferindo para a HDL uma parte de colesterol e de Apos, sendo, então, chamados remanescentes de Qm (RQm). Esses RQm ricos em colesterol e Apo E retornam ao fígado, onde são captados por receptores específicos, sendo que parte do material lipídico é aproveitada e o excedente é reorganizado em outra lipoproteína. No ciclo endógeno, a VLDL é formada no fígado para transporte de triglicérides de origem hepática (endógenos) e também de colesterol proveniente dos RQm ou da síntese de novo, além de fosfolipídios e Apo B100. Da mesma maneira que os Qm, as VLDL interagem com a HDL, recebendo Apo CII, CIII e E. O processo inicial também é mediado pela LPL, de maneira análoga aos Qm, transferindo triglicérides para os tecidos adiposo e muscular, reduzindo a partícula para VLDL remanescentes, mais conhecidas como IDL, contendo Apo E e colesterol. A IDL pode então seguir dois caminhos: s s
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cerca de 40% das IDL são removidas pelo fígado em um processo dependente de Apo E (usando o receptor LRP) ou de Apo B (usando o receptor B/E); os 60% não removidos e que apresentam perda posterior de triglicérides vão se transformar em partículas de LDL, as quais perdem Apo C e E para a HDL, permanecendo somente com a Apo B-100.
As LDL ricas em colesterol e ésteres de colesterol são então removidas pelos receptores de LDL na superfície dos hepatócitos. A regulação do receptor de LDL é o principal fator que controla a concentração plasmática de LDL. As partículas de LDL não removidas e oxidadas são retiradas da circulação por receptores scavenger de macrófagos, localizados na camada íntima das artérias, nas células endoteliais, contribuindo para o desenvolvimento da placa aterosclerótica.
Transporte reverso de colesterol A HDL é secretada pelo fígado e pelo intestino em formato discoide e, com a ação contínua da enzima lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT), adquire fosfolipídios e colesterol das membranas celulares e de outras lipoproteínas (Qm e VLDL). Assim, o colesterol excedente é removido dos tecidos periféricos para o fígado. Esse retorno pode ocorrer diretamente ou por meio da troca de colesterol para a VLDL, e a IDL, por ação da enzima cholesteryl ester transfer protein (CETP), que em troca fornece triglicérides para a HDL. O colesterol ao chegar ao fígado pode ser reaproveitado, interagindo com outras vias metabólicas, produzir ácidos biliares ou ser excretado na bile e, em condições normais, ser reabsorvido em cerca de dois terços pelo ciclo entero-hepático.
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A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica de origem multifatorial que ocorre em resposta à agressão endotelial, acometendo principalmente a camada íntima de artérias de médio e grande calibre. A formação da placa aterosclerótica inicia-se com a agressão ao endotélio vascular devida a diversos fatores de risco, como elevação de lipoproteínas aterogênicas (LDL, IDL, VLDL, RQm), hipertensão arterial e tabagismo. Como consequência, a disfunção endotelial aumenta a permeabilidade da íntima às lipoproteínas plasmáticas favorecendo a retenção destas no espaço subendotelial, sendo oxidadas e provocando o surgimento de moléculas de adesão leucocitária na superfície endotelial. As moléculas de adesão são responsáveis pela atração de monócitos e linfócitos para a parede arterial. Os monócitos migram para o espaço subendotelial, onde se diferenciam em macrófagos, que, por sua vez, captam as LDL oxidadas. Os macrófagos repletos de lipídios são chamados células espumosas e são o principal componente das estrias gordurosas, lesões macroscópicas iniciais da aterosclerose. A placa aterosclerótica é constituída por um núcleo lipídico, rico em colesterol, e a capa fibrosa, rica em colágeno. As placas estáveis caracterizam-se por predomínio de colágeno, organizado em capa fibrosa espessa, escassas células inflamatórias e núcleo lipídico de proporções menores. As instáveis apresentam atividade inflamatória intensa, especialmente nas suas bordas laterais, com grande atividade proteolítica, núcleo lipídico proeminente e capa fibrótica tênue. A ruptura dessa capa expõe material lipídico altamente trombogênico, levando à formação de um trombo sobrejacente. Esse processo, também conhecido por aterotrombose, é um dos principais determinantes das manifestações clínicas da aterosclerose, como o infarto.
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Aterosclerose
Terapia nutricional Além dos controles e recomendações específicas para o tratamento das dislipidemias, devem ser levadas em consideração outras situações clínicas e fatores de risco, como obesidade, hipertensão, diabete, etc.
Papel das gorduras nas dislipidemias As gorduras da dieta não afetam somente os níveis lipídicos séricos, como também influenciam diretamente diferentes fatores de risco em mecanismos distintos, estimulando ou protegendo contra a aterosclerose. Embora as evidências epidemiológicas demonstrem que um baixo consumo de gordura está associado a níveis mais baixos de colesterol e menor incidência de cardiopatias coronarianas, parece que o tipo de gordura presente em uma dieta moderada nesse nutriente (25 a 30% da energia total ingerida diariamente) é mais importante que a quantidade de gordura ingerida. Substituindo-se a gordura saturada por insaturada, verifica-se que os níveis séricos de lipídios e colesterol são substancial e consistentemente reduzidos na maioria dos casos. A maior parte das gorduras consumidas pelo ser humano apresenta-se como triglicérides (uma molécula de glicerol e três ácidos graxos). Os efeitos metabólicos exercidos
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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pelas gorduras consumidas via dieta dependem da característica química dos ácidos graxos contidos.
Gorduras saturadas Em 1970, o Estudo dos Sete Países demonstrou relação direta entre o consumo de gordura saturada e as concentrações de colesterol, bem como entre as concentrações de colesterol e a mortalidade por doença coronária. As principais fontes alimentares de gordura saturada são a gordura das carnes em geral e a gordura do leite e seus derivados. O consumo excessivo de gorduras saturadas leva à redução da expressão dos receptores hepáticos de LDL e também a uma diminuição da fluidez das membranas, elevando o LDL plasmático. Os ácidos graxos saturados mais presentes em nossa alimentação são o palmítico, o esteárico, o mirístico e o láurico. Entretanto, os ácidos graxos não interferem na elevação do colesterol da mesma maneira. O esteárico tem menor efeito na elevação do colesterol plasmático do que o mirístico e o palmítico. Isso ocorre por causa da rápida conversão do ácido esteárico em oleico, que é um ácido graxo monoinsaturado. A gordura saturada tem um impacto até três vezes maior do que o colesterol presente do alimento na elevação da colesterolemia, pois favorece uma entrada maior de colesterol nas partículas de LDL e dificulta a retirada do LDL da circulação. As principais fontes alimentares de gordura saturada estão apresentadas na Tabela 16.2. TABELA 16.2 &/.4%3!,)-%.4!2%3$%'/2$52!3!452!$! 3%'5.$/#)$/3'2!8/3
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CIDOGRAXOSATURADO
&ONTESALIMENTARES
Láurico
Gordura do coco
Mirístico
Gordura do leite e gordura do coco
Palmítico
Óleo de dendê (palma), gordura animal, gordura do leite, gordura do cacau
Esteárico
Gordura animal, gordura do leite, gordura do cacau e óleos vegetais
Fonte: adaptada de Philippi, 2008.
Colesterol O colesterol é um álcool que, em sua maior parte, circula no organismo esterificado (associado a um ácido graxo). O colesterol alimentar possui menor efeito sobre a elevação plasmática do colesterol quando comparado à gordura saturada. O colesterol alimentar está contido somente em alimentos de origem animal e influencia diretamente os níveis plasmáticos de colesterol. As principais fontes alimentares de colesterol incluem a gema de ovo, vísceras e frutos do mar. Há alguns anos, discute-se sobre o real impacto do uso de alimentos ricos em colesterol, especialmente a gema do ovo, no desenvolvimento das DCV, contudo as recomendações para o consumo de colesterol alimentar permanecem restritas a 200 mg/dia.
393 DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Gorduras trans As gorduras com a configuração trans (ácidos graxos trans) apresentam a mesma correlação positiva com o risco de DCV que as gorduras saturadas. Os ácidos graxos trans resultam em menor parte de processo natural de bio-hidrogenação por ruminantes ou, na maior parte, de processo industrial de hidrogenação parcial de óleos vegetais ou marinhos. Os ácidos graxos trans são ácidos graxos insaturados, com conformação química retilínea, semelhante à gordura saturada. Quando comparadas dietas enriquecidas com ácidos graxos poli-insaturados e dietas enriquecidas com ácidos graxos trans, as gorduras trans elevaram a concentração da LDL e reduziram a concentração da HDL e triglicérides plasmáticos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS – 2003), há evidências convincentes de que os óleos vegetais parcialmente hidrogenados ricos em ácidos graxos trans aumentam o risco para o desenvolvimento de DCV e também aumentam o número de eventos cardiovasculares, incluindo morte súbita e infartos fatais, além de estarem relacionados ao desenvolvimento de diabete melito e síndrome metabólica. A OMS sugere que o consumo de gordura trans seja o mínimo possível, não ultrapassando 1% do valor calórico total da dieta. Atualmente, as margarinas não são mais a maior fonte alimentar de gordura trans porque o processo de fabricação foi alterado pela maioria das grandes indústrias do segmento alimentício. A maior contribuição dietética de gorduras trans é de produtos processados, para consumo imediato como salgadinhos, biscoitos, frituras industriais e refeições de fast-food, bem como produtos de confeitaria que utilizam a gordura vegetal hidrogenada para confecção de bolos, tortas, cookies, sorvetes, etc.
Gorduras poli-insaturadas São representadas pelos ácidos graxos das séries ômega-6 (linoleico e araquidônico) e ômega-3 (alfalinolênico, EPA e DHA). O ácido linoleico é essencial e o precursor dos demais ácidos graxos poli-insaturados da série ômega-6, cujas fontes alimentares são os óleos vegetais, exceto os de coco, cacau e palma (dendê). Os ácidos graxos poli-insaturados reduzem o colesterol e o LDL plasmáticos, por vários mecanismos, sendo os principais: menor produção e maior remoção de LDL e alteração da estrutura das LDL de modo a diminuir o conteúdo de colesterol da partícula. Os ácidos graxos ômega-3 (EPA e DHA) são encontrados em peixes de águas muito frias, e sua concentração depende da composição do fitoplâncton local. As fontes do ácido alfalinolênico são os tecidos verdes das plantas e o óleo de soja e de canola. Os ácidos graxos ômega-3 diminuem a trigliceridemia por reduzirem a secreção hepática de VLDL.
Gorduras monoinstauradas Representadas pela série de ácidos graxos ômega-9, o ácido oleico é considerado neutro, ou seja, não aumenta nem diminui a concentração de colesterol e LDL. São encontrados no azeite de oliva, no óleo de canola, na azeitona, no abacate e nas oleaginosas (castanhas, nozes,
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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amêndoas). Dados epidemiológicos mostram que populações que vivem no Mediterrâneo possuem menor risco de desenvolver DCV em decorrência do tipo de alimentação adotada, na qual a principal fonte de gordura é o azeite de oliva associado ao alto consumo de cereais, vegetais e frutas. De modo geral, recomenda-se distribuição de macronutrientes em um plano alimentar para tratamento das dislipidemias, segundo a IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (Tabela 16.3). TABELA 16.3 2%#/-%.$!£À%3$)%4³4)#!30!2!!02%6%.£²/%42!4!-%.4/$!3$)3,)0)$%-)!3
.UTRIENTES
)NGESTÎORECOMENDADA
Gordura total
25 a 35% das calorias totais
Ácidos graxos saturados
≤ 7% das calorias totais
Ácidos graxos poli-insaturados
≤ 10% das calorias totais
Ácidos graxos monoinsaturados
≤ 20% das calorias totais
Carboidratos
50 a 60% das calorias totais
Proteínas
Cerca de 15% das calorias totais
Colesterol
< 200 mg/dia
Fibras
20 a 30 g/dia
Calorias
Ajustadas ao peso desejável
Alimentos coadjuvantes para a prevenção e controle das dislipidemias
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Alguns alimentos, em virtude de propriedades fisiologicamente ativas de seus componentes alimentícios, oferecem benefícios à saúde que vão além da nutrição básica, ou seja, além de fornecer os nutrientes, podem prevenir ou contribuir para o tratamento de algumas doenças. Esses alimentos são denominados alimentos funcionais. Alguns alimentos funcionais, quando consumidos adequadamente, mostraram benefícios na prevenção e tratamento de várias doenças, principalmente as DCV por meio de diferentes mecanismos, entre eles: redução dos níveis de colesterol sanguíneo, diminuição na formação de placas de gordura nas artérias e redução na formação de radicais livres.
Fibras São carboidratos complexos classificados, de acordo com sua solubilidade, em solúveis e insolúveis. As fibras solúveis são representadas pela pectina (frutas) e pelas gomas (aveia, cevada e leguminosas – feijão, grão-de-bico, lentilha e ervilha). Essas fibras reduzem o tempo de trânsito gastrintestinal e a absorção enteral do colesterol. O farelo de aveia é o alimento mais rico em fibras solúveis e pode, portanto, diminuir moderadamente o colesterol sanguíneo. Um dos mecanismos propostos é que as fibras solúveis aumentam a excreção dos ácidos biliares, promovendo assim maior captação de LDL pelo fígado e
395 DOENÇAS CARDIOVASCULARES
consequentemente redução do colesterol plasmático. O segundo mecanismo de ação é estimulado pelas bactérias intestinais. Os subprodutos desse processo incluem os ácidos graxos de cadeia curta (acetato, butirato e propionato), que entram no sistema pela circulação portal e são levados ao fígado, limitando a ação da HMG-CoA redutase, inibindo a síntese de colesterol hepático. As fibras insolúveis não atuam sobre a colesterolemia, mas aumentam a saciedade, auxiliando na redução da ingestão alimentar. São representadas pela celulose (trigo), hemicelulose (grãos) e lignina (hortaliças). A recomendação de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia, sendo que 5 a 10 g destas devem ser solúveis, como medida adicional para a redução do colesterol.
Café Vários estudos foram realizados com o objetivo de esclarecer a relação entre o consumo de café e cafeína e o desenvolvimento de DCV. Alguns autores relataram, em suas pesquisas, uma associação positiva entre o consumo de café e a doença arterial coronariana, enquanto outros investigadores encontraram resultados negativos para essa relação. Foi sugerido que o aumento da incidência de doença arterial coronariana teria relação com a elevação da pressão arterial e do colesterol plasmático, com a dieta inadequada e, especialmente, com o aumento do hábito de fumar associado ao consumo de café. Desde o início da década de 1970, já havia evidências de que o café não filtrado elevava os níveis séricos de colesterol, especialmente a fração LDL-colesterol, aumentando, assim, o risco de doenças coronarianas. Esse efeito deve-se à ação de duas substâncias lipídicas presentes nos grãos de café, denominadas cafestol e kahweol, que podem alterar os níveis plasmáticos de colesterol, de LDL-colesterol e de triglicérides, dependendo do modo de preparo do café. Com relação ao desenvolvimento de hipertensão arterial, os resultados encontrados nos estudos demonstraram pequena elevação da pressão arterial decorrente do consumo de café. Existem poucas evidências correlacionando o consumo de café ao aumento de arritmias em humanos, até o momento; sabe-se que a cafeína exerce pouco ou praticamente nenhum efeito sobre a condução cardíaca, mas seu consumo excessivo pode agravar uma arritmia já existente.
Soja A soja tem sido alvo de muitos estudos e sua eficácia é comprovada quanto ao seu efeito em reduzir os níveis de colesterol sanguíneo, pela ação das proteínas da soja e das isoflavonas. Esta última pertence a uma classe de substâncias vegetais que têm funções semelhantes ao estrógeno humano. As principais fontes de soja na alimentação são: feijão de soja, queijo de soja (tofu), molho de soja (shoyu), farinha de soja, leite de soja e o concentrado proteico da soja. O concentrado de proteínas da soja é amplamente utilizado como base de alimentos liofilizados e como suplemento proteico. A melhora do perfil lipídico proporcionada pela proteína de soja fez com que a Food and Drug Administration (FDA) concluísse
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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que o consumo superior a 25 g/dia contendo aproximadamente 50 mg de isoflavonas contribuiria para a redução da incidência de doença coronariana.
Fitosteróis São encontrados apenas nos vegetais e desempenham funções estruturais análogas ao colesterol em tecidos animais. O betassitosterol, extraído dos óleos vegetais, é o principal fitosterol encontrado nos alimentos. Os fitosteróis reduzem a colesterolemia por competirem com a absorção do colesterol da luz intestinal. Uma dieta balanceada com quantidades adequadas de vegetais fornece aproximadamente 200 a 400 mg de fitosteróis, e os níveis plasmáticos variam de 0,3 a 1,7 mg/dL. No entanto, é necessária a ingestão de 2 g/dia de fitosteróis para a redução média de 10 a 15% do LDL-colesterol. Os fitosteróis não influenciam os níveis plasmáticos de HDL e de triglicérides. A ingestão de 3 a 4 g/dia de fitosteróis pode ser utilizada como adjuvante ao tratamento hipolipemiante. Os fitosteróis mais comuns são: sitosterol, campesterol e estigmasterol. Para fins comerciais, os fitosteróis são encontrados adicionados às margarinas e outros produtos industrializados (leite em pó, bebida láctea, iogurte). A dose depende do produto, e como o mercado de alimentos industrializados é muito dinâmico, deve-se ficar atento às mudanças nas formulações e apresentações dos produtos.
Antioxidantes – flavonoides e vitaminas
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Os antioxidantes, entre eles os flavonoides presentes na dieta, podem potencialmente estar envolvidos na prevenção da aterosclerose por inibirem a oxidação das LDL, diminuindo sua aterogenicidade e, consequentemente, o risco de doença arterial coronária. Os flavonoides são antioxidantes polifenólicos encontrados nos alimentos, principalmente nas verduras, frutas (cereja, amora, uva, morango, jabuticaba), grãos, sementes, castanhas, condimentos e ervas e também em bebidas como vinho, suco de uva e chá. Com relação às vitaminas, não há estudos randomizados, controlados e com número suficiente de pacientes que demonstrem a prevenção de eventos clínicos relacionados à aterosclerose com suplementações com antioxidantes como, por exemplo, as vitaminas E, C ou betacaroteno. Também não há evidência de que suplementos de vitaminas antioxidantes previnam manifestações clínicas da aterosclerose, portanto esses não são recomendados. Uma alimentação variada e rica em frutas e hortaliças fornece doses apropriadas de substâncias antioxidantes, que certamente contribuirão para a manutenção da saúde.
Bebidas alcoólicas O efeito protetor do vinho é influenciado não só pela ação dos flavonoides, mas, segundo alguns autores, também pela ação do álcool, cujo consumo moderado está relacionado com menores taxas de mortalidade por doença coronariana. Mas, considerando que o consumo de bebidas alcoólicas pode elevar os níveis de triglicérides e glicemia, aumentar a pressão arterial e favorecer o ganho de peso, não é recomendado o consumo de álcool na prevenção da doença aterosclerótica.
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O consumo de chocolate amargo está relacionado com a melhora da função endotelial e exerce influência sobre vários fatores de risco para DCV. Estes efeitos estão associados ao aumento da epicatequina no plasma e sua ação antioxidante. Estudos sugerem que a diminuição da oxidação de LDL pode ser atribuída ao fato de as epicatequinas serem incorporados às partículas de LDL ou à Apo B. Os efeitos cardioprotetores relacionados aos flavonoides do cacau incluem, além da diminuição da suscetibilidade de oxidação da LDL, diminuição da agregação plaquetária e expressão de moléculas de adesão, ativação do óxido nítrico, redução da pressão arterial e aumento da sensibilidade insulínica. O óxido nítrico é um importante vasodilatador endógeno e possui várias propriedades antiateroscleróticas incluindo a inibição da oxidação de LDL, diminuição da expressão de moléculas de adesão e redução da agregação plaquetária. Os flavonoides do chocolate exercem efeito farmacológico agudo sobre o aumento da ativação do sistema óxido nítrico e consequente efeito vasodilatador, no entanto o mecanismo pelo qual isso ocorre não está totalmente esclarecido. A recomendação sobre o consumo mínimo e máximo de chocolate amargo necessário para se conseguir benefícios cardiovasculares ainda não está definida, embora, estudos sugiram que, apesar da ação aguda, os efeitos cardioprotetores dos flavonoides do cacau estão relacionados ao consumo crônico. Mais estudos são necessários para esclarecer a dose apropriada, o flavonoide que apresenta maior benefício e quais são os possíveis sinergismos entre outros alimentos ricos em flavonoides.
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Chocolate
Terapia nutricional da hipertrigliceridemia Os triglicérides são reservas altamente concentradas de energia. Análises dos estudos de Framingham mostram que homens e mulheres com elevação dos triglicérides plasmáticos e baixas concentrações de HDL apresentam maior risco de desenvolver doença arterial coronariana. Excesso de peso, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de álcool, diabete, uso de medicamentos e distúrbios genéticos também são fatores que contribuem para a elevação dos triglicérides plasmáticos. As estratégias para o tratamento da hipertrigliceridemia dependem da causa de sua elevação e da gravidade. Para valores limítrofes, a ênfase deve ser dada para adequação da composição corporal, alimentação equilibrada e prática de atividade física. Na presença de intolerância à glicose ou diabete melito, devem-se restringir açúcares simples e carboidratos refinados. Alguns estudos mostram efeitos positivos com o consumo de peixe e óleo de peixe, fibras alimentares e gorduras poli-insaturadas. Alguns estudos sugerem a utilização de dietas com baixo índice glicêmico para controle dos triglicérides, porém duas metanálises não demonstraram efeito dessas dietas nas concentrações plasmáticas de triglicérides. Pacientes com níveis muito elevados de triglicérides e que apresentem quilomicronemia devem reduzir a ingestão de gordura total da dieta. Recomenda-se a ingestão de no máximo 15% das calorias diárias na forma de gordura. Na hipertrigliceridemia
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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secundária à obesidade ou ao diabete, recomenda-se, respectivamente, dieta hipocalórica, adequação do consumo de carboidratos e gordura e controle da hiperglicemia, além da restrição total do consumo de álcool.
Conclusão A intervenção nutricional deve ser a primeira medida não farmacológica a ser adotada no tratamento das dislipidemias e deve ser considerada como parte da mudança de estilo de vida e não como uma estratégia passageira. O plano alimentar deve ser individualizado e respeitar preferências e hábitos do paciente. Medidas de educação nutricional são importantes para que o paciente conheça os nutrientes e saiba como organizar sua alimentação em prol de mais saúde e qualidade de vida. O papel do nutricionista como educador de saúde é fundamental para o sucesso da terapia nutricional nas dislipidemias.
HIPERTENSÃO ARTERIAL Fisiopatologia
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A hipertensão arterial é definida como uma entidade multigênica, de etiologia múltipla, de fisiopatogenia multifatorial, e sua presença causa lesão dos chamados órgãos-alvo (coração, cérebro, vasos, rins e retina). Os determinantes da pressão são o débito cardíaco e a resistência periférica, e qualquer alteração em um ou em outro, ou em ambos, interfere na manutenção dos níveis pressóricos normais. Diferentes mecanismos de controle estão envolvidos não só na manutenção como também na variação da pressão arterial, regulando o calibre e a reatividade vascular, a distribuição de fluido dentro e fora dos vasos e o débito cardíaco. Os complexos mecanismos pressores e depressores interagem e determinam o tônus vasomotor. Quando o equilíbrio se rompe com predominância dos fatores pressores, ocorre a hipertensão primária. Essa ruptura pode ser provocada e/ou acelerada pelos fatores ambientais, como excesso de sal na dieta e estímulos psicoemocionais, entre outros. A hipertensão arterial é basicamente uma doença assintomática, e a investigação clínica deve ter como objetivos: s s s
identificar a etiologia da hipertensão arterial; verificar o grau de comprometimento dos órgãos-alvo envolvidos; identificar outros fatores de risco associados que possam influir no prognóstico e na orientação terapêutica.
A maioria dos sintomas relacionados com a hipertensão arterial não tem correlação com níveis de pressão arterial. A cefaleia é tida como o sintoma mais comum, principalmente nos casos graves, de localização occipital e geralmente pela manhã. Os portadores de apneia do sono, em decorrência da hipóxia, podem também apresentar cefaleia matinal.
399 DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Assim como a cefaleia, outros sintomas, como tontura, palpitações e desconforto precordial, podem refletir a hiperventilação recorrente por causa da ansiedade. Como os sintomas são pouco significativos para o diagnóstico da hipertensão arterial, a anamnese deve ser direcionada para o tempo da doença, as cifras pressóricas anteriores, os tratamentos prévios e seus possíveis efeitos colaterais, o uso de medicação concomitante que possa influir no controle da pressão arterial, os sintomas indicativos de envolvimento de órgãos-alvo comprometidos e os antecedentes familiares, sobretudo a presença de doença arterial coronária prematura e acidente vascular encefálico na família, de dislipidemia e de doença renal. Outros fatores de risco devem ser observados, entre eles: aterosclerose, tabagismo, consumo de álcool, hábitos alimentares, obesidade, sedentarismo e também deve ser dada atenção especial aos aspectos psicossociais como depressão, situação familiar, condições de trabalho, etc. O tratamento da hipertensão arterial compreende dois tipos de abordagem: o farmacológico, com uso de drogas anti-hipertensivas, e as modificações de estilo de vida que favoreçam a redução da pressão arterial (Tabela 16.4). TABELA 16.4 -/$)&)#!£À%3 $% %34),/ $% 6)$! % 2%$5£²/ !02/8)-!$! $! 02%33²/
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Controle de peso
Manter o peso corporal na faixa normal (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2)
5 a 20 mmHg para cada 10 kg de peso reduzido
Padrão alimentar
Consumir dieta rica em frutas e vegetais e alimentos com baixa densidade calórica e baixo teor de gorduras saturadas e totais. Adotar dieta DASH
8 a 14 mmHg
Redução do consumo de sal
Reduzir a ingestão de sódio para não mais que 2 g (5 g/dia de sal) = no máximo, 3 colheres de café rasas de sal = 3 g + 2 g de sal dos próprios alimentos
2 a 8 mmHg
Moderação no consumo de álcool
Limitar o consumo a 30 g/dia de etanol para os homens e 15 g/dia para mulheres
2 a 4 mmHg
Exercício físico
Habituar-se à prática regular de atividade física aeróbica, como caminhadas, por, pelo menos, 30 minutos por dia, 3 vezes/semana, para prevenção; e diariamente, para tratamento
4 a 9 mmHg
* Associar abandono do tabagismo para reduzir o risco cardiovascular. ** Pode haver efeito aditivo para algumas das medidas adotadas. DASH: dietary approaches to stop hypertension; IMC: índice de massa corporal. Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010.
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Terapia nutricional O controle da hipertensão por medidas dietéticas específicas visa não apenas à redução dos níveis tensionais, mas também a incorporação de hábitos alimentares permanentes. A dietoterapia faz parte de um conjunto de medidas terapêuticas, não farmacológicas, que têm como principal objetivo diminuir a morbidade e mortalidade por meio de modificações do estilo de vida. Dessa maneira, como coadjuvantes do tratamento dietético, outras medidas de fundamental importância como a redução do consumo de bebidas alcoólicas, o abandono ao tabagismo, a redução de peso corporal e a atividade física devem ser implementadas.
Controle de peso A associação entre hipertensão arterial e obesidade é reconhecida há muitos anos e é bastante descrita na literatura. Estudos epidemiológicos relatam aumentos de 3 a 8 vezes na frequência de hipertensão arterial entre indivíduos obesos. Estudos populacionais indicam que a obesidade é um importante e independente fator de risco para a hipertensão. Os mecanismos fisiopatológicos de hipertensão arterial induzida pela obesidade estão associados a hiperinsulinemia de jejum, bem como a uma resposta à insulina exagerada à sobrecarga de glicose. Há evidências clínicas e experimentais que apontam múltiplas ações da insulina, como atuação direta sobre o sistema nervoso simpático, ações diretas na função renal aumentando a reabsorção de sódio, ações tróficas sobre os vasos arteriais e, consequentemente, aumento da pressão arterial. A redução de peso é a maneira não farmacológica mais efetiva para controlar a hipertensão; mesmo pequenas reduções promovem diminuições significativas na pressão, bem como no risco cardiovascular, por causa da melhora do perfil lipídico e da tolerância à glicose, melhorando também a resposta à terapia de medicamentos anti-hipertensivos. A redução de peso corporal deve ser fundamentada em prescrição dietética individualizada, identificando e respeitando hábitos alimentares, condições socioeconômicas e estilo de vida. Mais do que a perda de peso inicial, é de fundamental importância a incorporação de hábitos alimentares permanentes para que os benefícios alcançados sejam duradouros.
Plano alimentar DASH (dietary approaches to stop hypertension) Uma série de resultados de estudos sobre dieta e pressão arterial demonstrou que a intervenção dietética, além da redução de peso, redução da ingestão de sódio e consumo moderado de bebidas alcoólicas reduziam a pressão arterial. Além disso, estudos relacionando dietas vegetarianas, alguns micronutrientes, como potássio, cálcio e magnésio, e macronutrientes, como fibras e proteínas, quando suplementados ou consumidos em maior quantidade, também poderiam exercer influência na redução da pressão arterial. No entanto, algumas hipóteses para a ação de diversos nutrientes e seus respectivos efeitos sobre a redução da pressão arterial ainda não estavam totalmente esclarecidas:
401
s
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o efeito na diminuição da pressão arterial de um único nutriente poderia ser pequeno para ser detectado em alguns estudos; quando uma série de nutrientes, como minerais (potássio, cálcio e magnésio) e fibras eram consumidos juntos, como em estudos observacionais e estudos de dietas vegetarianas, o efeito aditivo de todos poderia ser suficientemente grande para ser detectado; nutrientes ou compostos alimentares ainda desconhecidos ou não testados contidos em plantas e vegetais poderiam também diminuir a pressão arterial; nutrientes suplementados podem não afetar a pressão arterial da mesma maneira como os nutrientes encontrados naturalmente nos alimentos.
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
s
Assim, diante de todas essas possibilidades o plano alimentar DASH foi desenhado para testar o efeito de uma dieta-padrão sobre a diminuição da pressão arterial não enfocando apenas nutrientes isolados ou suplementados. O plano alimentar DASH equilibra macro e micronutrientes de uma maneira considerada ideal para redução expressiva dos níveis de pressão arterial. A dieta DASH é composta por alimentos com baixa quantidade de gordura, como peixe, frango, carnes vermelhas magras e laticínios magros, visando à diminuição do consumo de gordura saturada e colesterol e ao aumento do aporte de proteína e cálcio. Dessa maneira, existe um perfil favorável de macronutrientes que é a diminuição de gordura total e saturada e aumento da relação gordura poli-insaturada/saturada. Essa dieta também é composta por quantidade abundante de frutas, vegetais, grãos, oleaginosas, todas fontes ricas de potássio, magnésio e fibras (Tabela 16.5). TABELA 16.5 #!2!#4%2·34)#!3 $/ 0,!./ !,)-%.4!2 $!3( %- 2%,!£²/ !/3 '250/3 $%
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0OR ÜES
0RINCIPALNUTRIENTE
Cereais e grãos
7 a 8/dia
Energia e fibra
Hortaliças
4 a 5/dia
Potássio, magnésio e fibra
Frutas
4 a 5/dia
Potássio, magnésio e fibra
Laticínios sem ou com pouca gordura
2 a 3/dia
Cálcio e proteína
Carnes
2 ou menos/dia
Proteína e magnésio
Sementes, nozes e leguminosas
4 a 5/semana
Energia, magnésio, potássio, proteína e fibra
Gorduras e óleos
2 a 3/dia
Energia
Doces
5/semana
Energia
DASH = dietary approaches to stop hypertension. Fonte: adaptada de Sacks et al., 1995.
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Redução do consumo de sal Há muito tempo, o cloreto de sódio tem sido considerado importante fator no desenvolvimento e na intensidade da hipertensão arterial. A correlação entre o aumento da prevalência da hipertensão e a ingestão de sal é bastante citada na literatura. O excesso de sódio inicialmente eleva a pressão arterial por aumento da volemia e consequentemente aumento do débito cardíaco. Posteriormente, por mecanismos de autorregulação, há aumento da resistência vascular periférica, mantendo elevados os níveis de pressão arterial. Além de seu efeito isolado, a alta ingestão de sódio ativa diversos mecanismos pressores, como aumento da vasoconstrição renal, aumento da reatividade vascular aos agentes vasoconstritores e elevação dos inibidores da Na+/ K+ ATPase. Os indivíduos apresentam respostas diferentes quanto à sensibilidade ao sódio. Dentre os indivíduos normotensos, cerca de 26% são resistentes, e na população de hipertensos esse número sobe pra 55%. Apesar disso, existem evidências de que a simples redução de sódio da dieta induz a queda significativa na pressão arterial sistólica de indivíduos hipertensos, além de diminuir o risco de eventos cardiovasculares. O consumo médio de sal da população é em torno de 10 a 12 g. Esse consumo refere-se ao sódio intrínseco e extrínseco, sendo importante salientar a enorme variedade de alimentos processados que apresentam adição de sódio. O total de sódio consumido pode ser proveniente de três fontes: 75% de alimentos processados, 10% de sódio intrínseco e 15% de sal de adição. A dietoterapia fundamenta-se em uma dieta hipossódica em torno de 100 mEq (2.300 mg) por dia de sódio, tendo como base fundamental a exclusão, principalmente, de alimentos processados, além do controle do sal de adição. Em termos práticos, deve-se considerar sal de adição 4 g, o que corresponde a aproximadamente a 70 mEq (sódio extrínseco) e o restante, aproximadamente 26 a 30 mEq, deve ser proveniente do sódio intrínseco. A orientação nutricional a pacientes hipertensos deve preconizar a não ingestão de produtos processados, como enlatados, embutidos, conservas, molhos prontos, caldos de carne, temperos prontos, defumados e bebidas isotônicas, além do preparo das refeições com pouco sal e da não utilização de saleiro à mesa (Tabela 16.6). O uso de substitutos de sal contendo cloreto de potássio pode ser recomendado, porém é importante lembrar que o uso desses substitutos deve ser cuidadosamente monitorado na presença de insuficiência renal. Para melhores palatabilidade e aceitação, é recomendável a utilização de molhos à base de frutas, ervas aromáticas e vinagrete no preparo dos alimentos.
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!LIMENTO
1UANTIDADEDESØDIOG
Margarina cremosa com sal
1,08
Margarina cremosa sem sal
0,03
Salsicha
0,95
Presunto defumado
1,28
Salame
1,06
Linguiça calabresa
2,04
Mortadela
1,24
Atum em conserva
0,32
Queijo muçarela
0,37
Queijo parmesão
1,69
Queijo gorgonzola
1,39
Ketchup
1,04
Mostarda
1,25
Maionese
0,6
Azeitona
2,02
Sal
40
Sal light
20
Ervilha em conserva
0,48
Milho em conserva
0,32
Sopa pronta (carne ou galinha)
4,6
Caldo de carne/galinha (cubos)
16,98
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
TABELA 16.6 !,)-%.4/3#/-!,4/4%/2$%3¼$)/n#/.4%Â$/%-'
Fonte: EPM-Unifesp, 1994.
Restrição no consumo de álcool O consumo excessivo de álcool eleva a pressão, além de ser uma das causas de resistência terapêutica anti-hipertensiva. De maneira geral, o uso de bebidas alcoólicas deve ser desaconselhado aos indivíduos hipertensos. Entre aqueles que fazem uso, é aconselhável que o consumo não ultrapasse 30 mL/dia de etanol, para os homens. Isso corresponde a 100 mL de bebidas destiladas, 300 mL de vinho ou 700 mL de cerveja. Para as mulheres a ingestão não deve superior a 15 mL/dia de etanol.
Atividade física O exercício físico regular reduz a pressão arterial, além de produzir benefícios adicionais, como diminuir o peso corporal, ter ação coadjuvante no tratamento das dislipidemias, diminuir a resistência à insulina e auxiliar no controle do estresse.
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Abandono ao tabagismo O tabagismo deve ser combatido não apenas para controle da hipertensão, mas também para diminuir o risco de câncer e de doenças pulmonares e por constituir risco para doença coronariana, acidente vascular encefálico e morte súbita.
Conclusão As medidas terapêuticas não farmacológicas no tratamento da hipertensão arterial fazem parte de uma mudança comportamental global. A incorporação de novos hábitos de vida garante que os benefícios alcançados sejam duradouros desde que as mudanças no estilo de vida sejam permanentes.
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO Fisiopatologia
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O IAM é a principal causa de mortalidade e incapacidade no Brasil e no mundo, sendo que mais de 60% dos óbitos ocorrem no período de uma hora após o evento. A principal causa de IAM é a limitação do fluxo coronário levando à necrose do músculo cardíaco, que pode ser por vasoespasmo e/ou trombose. As artérias coronárias, na presença de fatores de risco para doença coronária, desenvolvem placas de ateroma que podem se tornar instáveis e romper, liberando substâncias pró-inflamatórias que promovem adesão e agregação plaquetária com ativação da cascata de coagulação, resultando na formação do trombo. O trombo ocorre sobre uma placa aterosclerótica, complexa e irregular, geralmente fissurada ou ulcerada, levando a um estreitamento luminal da coronária que reduz o fluxo sanguíneo para o miocárdio e, consequentemente, a oferta de oxigênio. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento do IAM são: herança genética, sexo masculino, idade acima de 45 anos para os homens e acima de 55 anos para as mulheres, hipertensão arterial, diabete melito, dislipidemias, obesidade, tabagismo, estresse e alterações hemostáticas. O IAM ocorre em regiões específicas do coração, e sua extensão depende de alguns fatores: s s s s s
localização e severidade do estreitamento aterosclerótico nas coronárias; tamanho do leito vascular perfundido pelos vasos estreitados; necessidade de oxigênio no miocárdio mal perfundido; extensão do desenvolvimento de vasos sanguíneos colaterais; presença de fatores teciduais capazes de modificar o processo necrótico. Há dois tipos de IAM:
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com supradesnivelamento do segmento ST, quando há oclusão total do lúmen de uma artéria coronária, promovendo necrose do músculo cardíaco na região por ela irrigada;
405
sem supradesnivelamento do segmento ST, no qual o trombo formado oclui parcialmente a luz da artéria, diminuindo o fluxo sanguíneo sem afetar toda a extensão do músculo cardíaco. Os principais sintomas são:
s
s s
dor precordial de forte intensidade, com sensação de opressão ou queimação e duração superior a 30 minutos, frequentemente acompanhada de fenômenos neurovegetativos (sudorese, palidez e taquicardia); eletrocardiograma exibindo corrente de lesão em pelo menos duas derivações contínuas ou bloqueio de ramo esquerdo, inexistente em eletrocardiograma anterior; elevação das enzimas cardíacas compatíveis (creatinoquinase fração MB [CKMB]: 2 vezes o valor normal da instituição; troponina: até 1 mg/mL).
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
s
Terapia nutricional Os principais objetivos da terapia dietética são: diminuir a sobrecarga cardíaca, promover recuperação ou manutenção do estado nutricional, garantir suporte nutricional adequado por meio de ingestão equilibrada de energia e nutrientes e fornecer dieta equilibrada, saudável e individualizada, considerando idade, sexo, peso e presença de enfermidades associadas. Para avaliação do estado nutricional, podem ser empregados os seguintes métodos e/ou parâmetros: s s s s
registros alimentares que informam ingestão dietética, frequência e quantidades dos alimentos consumidos; parâmetros antropométricos: massa corporal total, porcentagem de perda ponderal, índice de massa corporal (IMC), circunferências e dobras cutâneas; exames laboratoriais: hemograma, creatinina, ureia, perfil lipídico, eletrólitos e indicadores da função imunológica; composição corporal: bioimpedância elétrica, pregas cutâneas, absorciometria por raios X de dupla energia (DEXA), etc.
O cálculo das necessidades nutricionais pode ser realizado pela fórmula de Harris e Benedict, lembrando-se de acrescentar os fatores de injúria e estresse. No entanto, o aporte de 20 a 30 calorias/kg de forma prática atende às necessidades na maioria dos casos. O paciente deve permanecer em jejum nas primeiras 4 a 12 horas após diagnosticado o evento. No caso de pacientes hemodinamicamente estáveis, mas incapacitados de se alimentar por via oral, deve-se iniciar a terapia nutricional enteral. Para aqueles com capacidade adequada de utilização da via oral, é recomendado seguir as orientações descritas adiante: s
fracionamento da dieta em 4 a 6 refeições/dia, ou seja, pequenos volumes distribuídos em várias vezes ao dia, de modo a evitar sobrecarga do trabalho cardíaco no processo de digestão;
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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s s s
s
s s
consistência líquida-pastosa para melhor mastigação, deglutição e digestão; evitar temperaturas extremas dos alimentos (quente-frio), prevenindo resposta vagal; incluir fibras alimentares (solúveis e insolúveis) na dieta para facilitar o funcionamento intestinal, aumentar volume fecal, retardar a absorção do amido e tornar mais lenta a absorção de glicose; a necessidade de repouso absoluto na fase aguda, na maioria das vezes, pode levar à constipação, portanto a quantidade recomendada de fibras é de 20 a 30 g/dia; caso seja necessário e levando-se em consideração o estado clínico e nutricional do paciente, a indicação de suplementos orais hipercalóricos pode ser acrescentada à dieta para se atingir o valor energético total; as recomendações de macro e micronutrientes devem ser realizadas de acordo com o quadro clínico e resultados de exames laboratoriais; a recomendação de ingestão hídrica deve ser de 1.500 mL/dia (30 mL/kg/peso) para adultos; para o idoso, acima de 65 anos de idade, deve ser de no mínimo 1.700 mL/ dia (30 mL/kg/peso); em alguns casos, no entanto, pode ser necessária restrição hídrica, conforme quadro clínico.
Conclusão A terapêutica dietoterápica para esses pacientes deve ser dirigida à correção das alterações metabólicas encontradas por meio de modificações de hábitos alimentares e do estilo de vida.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Fisiopatologia
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Durante a última década, a IC tornou-se um dos principais problemas em saúde pública. No Brasil, é a principal causa de internações por DCV registrada no Sistema Único de Saúde (SUS), representando 25,4% das hospitalizações/ano. Dados da Fundação Seade revelam que, em 2006, a IC ou etiologias associadas com IC foram responsáveis por 6,3% dos óbitos no Estado de São Paulo. A IC é uma síndrome clínica ocasionada por anormalidade cardíaca em bombear o sangue (disfunção sistólica) e/ou de acomodar o retorno sanguíneo (disfunção diastólica). A visão da IC atualmente é diferente em relação ao início do século, quando as principais causas eram miocardiopatia hipertensiva e valvulopatias, sobretudo estenose mitral. Nos dias de hoje, a IC é vista como uma doença de progressão lenta, permanecendo compensada por muitos anos, tendo como principal causa no Brasil a cardiopatia isquêmica crônica associada à hipertensão arterial, e nas regiões mais pobres é comum ser causada por doença de Chagas, endomiocardiofibrose e cardiopatia valvular reumática crônica. Até os anos 1970, os conhecimentos sobre a fisiopatologia da IC restringiam-se, praticamente, às manifestações dos distúrbios hemodinâmicos, levando à diminuição do débito cardíaco, com consequente baixo fluxo renal, ocasionando retenção de sódio e água e o surgimento de edemas periférico e pulmonar.
407 DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Atualmente, a IC é mais bem definida como uma síndrome multissistêmica, sendo caracterizada por anormalidades da função cardíaca, musculoesquelética, da função renal e metabólica, associada à elevada estimulação do sistema nervoso simpático e a um complexo padrão de alterações neuroumorais e inflamatórias. Para compensar a perda de células miocárdicas, mecanismos hemodinâmicos e neuro-humorais são ativados com objetivo de aumentar a força contrátil do miocárdio não lesado e, dessa maneira, preservar a função cardíaca. Os principais fatores de risco para desenvolvimento da IC são: IAM, idade, hipertensão arterial sistêmica, diabete, hipertrofia ventricular esquerda, valvulopatia, obesidade e dislipidemia. A IC é frequentemente acompanhada por retenção hídrica traduzida por sinais de congestão venocapilar pulmonar e/ ou congestão venosa sistêmica. Dispneia, edema periférico e fadiga são manifestações mais frequentes, porém podem ser de difícil interpretação, particularmente em idosos, obesos, pneumopatas e mulheres. A dispneia progressiva aos esforços (grandes, médios e pequenos) é um dos mais importantes sintomas dessa síndrome e pode evoluir até dispneia em repouso e ortopneia. Outras manifestações são a dispneia paroxística noturna e o edema agudo de pulmão. A presença de broncoespasmo por congestão pulmonar caracteriza a “asma cardíaca” e pode confundir-se com a asma brônquica. A tosse é outra manifestação clínica que, apesar de não específica, está frequentemente associada ao quadro clínico de IC. A classificação funcional da IC é realizada: (1) pelos sintomas, de acordo com a limitação da tolerância aos esforços habituais. Essa classificação foi proposta pela New York Heart Association (NYHA) (Tabela 16.7) e tem sido utilizada desde 1964; e (2) por meio da progressão da doença (Tabela 16.8). TABELA 16.7 #,!33)&)#!£²/&5.#)/.!,$!).35&)#)´.#)!#!2$·!#!.9(!
Classe funcional I
Ausência de sintomas em suas atividades cotidianas
Classe funcional II
Sintomas desencadeados pelas atividades cotidianas
Classe funcional III
Sintomas desencadeados em atividades menos intensas que as cotidianas ou pequenos esforços
Classe funcional IV
Sintomas em repouso
Fonte: Bocchi et al., 2012.
TABELA 16.8 #,!33)&)#!£²/02/'.¼34)#!$!).35&)#)´.#)!#!2$·!#!)#
Estágio A
Pacientes sob risco de desenvolver IC, mas ainda sem doença estrutural perceptível e sem sintomas atribuíveis à IC
Estágio B
Pacientes que adquiriram lesão estrutural cardíaca, mas ainda sem sintomas atribuíveis à IC
Estágio C
Pacientes com lesão estrutural cardíaca e sintomas atuais ou pregressos de IC
Estágio D
Pacientes com sintomas refratários ao tratamento
Fonte: Bocchi et al., 2012.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Outros sintomas, relacionados ao baixo débito cardíaco, são: s s s
manifestações de isquemia cerebral (hipoperfusão), como alteração da memória, do comportamento do sono, pré-síncope; manifestações de insuficiência vascular periférica, sudorese e cianose; oligúria.
A mortalidade nos pacientes com IC ocorre de forma súbita (40%), por progressiva falência de bomba (40%) e outras formas de morte (20%), incluindo IAM e acidente vascular encefálico. O tratamento atual não visa somente aliviar os sintomas e melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida, mas também a prevenção do desenvolvimento e progressão da IC, atenuação do remodelamento ventricular e a redução da mortalidade. A abordagem terapêutica da IC é multidisciplinar, incluindo modificações no estilo de vida, dieta, fármacos diversos e intervenção cirúrgica. O tratamento não farmacológico tem sido utilizado na tentativa de minimizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, usadas em associação às medidas farmacológicas.
Terapia nutricional
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A IC leva a uma série de alterações fisiológicas das quais muitas influenciam diretamente o estado nutricional. Os indivíduos acometidos apresentam, frequentemente, perda ponderal progressiva podendo chegar ao quadro de caquexia cardíaca onde o déficit de peso pode ser de até 20%. Atualmente, a caquexia cardíaca tem sido definida como a perda ponderal involuntária de 6% da massa muscular em seis meses. Entre os fatores que contribuem para uma menor ingestão alimentar e aproveitamento de nutrientes, destacam-se, principalmente, as alterações no trato digestório, como compressão gástrica e congestão hepática, o que ocasiona sensação de plenitude pós-prandial, edema de alças intestinais que leva a uma diminuição da capacidade absortiva em que se destaca a enteropatia perdedora de proteína, além de outros sintomas como náuseas e anorexia. Dispneia e fadiga são bastante comuns e também contribuem para menor aceitação alimentar. A dietoterapia tem como objetivo fornecer energia e nutrientes necessários, minimizar a perda de peso, recuperar o estado nutricional e evitar sobrecarga cardíaca.
Necessidades energéticas As necessidades energéticas no paciente com IC variam de acordo com o estado nutricional atual, atividade física, atividade ocupacional e grau de IC. Tendo em vista a perda de peso que geralmente ocorre, deve-se buscar suprir as necessidades energéticas a fim de se manter o peso o mais próximo do considerado ideal, bem como minimizar tal perda. Pacientes que apresentam déficits ponderais maiores necessitam de um valor calórico bastante elevado para recuperação de peso. Porém, deve-se considerar uma meta viável, uma vez que a ingestão elevada de energia não é bem tolerada.
409
Mulheres: GEB = 665 + (9,6 × P) + (1,8 × A) – (4,6 × I) Homens: GEB = 66 + (13,7 × P) + (5,0 × A) – (6,8 × I) P: peso em kg, A: altura em cm, I: idade em anos
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Deve-se lembrar sempre de que dietas hipercalóricas ou nutricionalmente desequilibradas podem contribuir em certas situações para o desenvolvimento e progressão da IC, por meio de mecanismos relacionados à glicotoxicidade e à lipotoxicidade. Para o cálculo do gasto energético basal (GEB), pode ser utilizada a fórmula de Harris e Benedict apresentada a seguir:
Para o cálculo do valor energético total, devem ser considerados, ainda, o fator injúria e o fator atividade. Outra maneira de estimar as necessidades energéticas é considerando: 28 kcal/kg de peso para pacientes com estado nutricional adequado e 32 kcal/kg de peso para pacientes nutricionalmente depletados, devendo-se considerar o peso do paciente sem edemas. Para atingir a recomendação de energia, deve-se aumentar a densidade calórica das preparações fornecendo maior quantidade de energia em menor volume. Para isso, podem ser utilizados módulos de nutrientes, suplementos nutricionais especializados ou até mesmo aumentar o percentual de gordura da dieta. Quando a ingestão via oral não é possível ou é insuficiente, a terapia nutricional enteral deve ser instituída o mais precocemente possível para evitar perda de peso e de nutrientes. A composição da dieta enteral varia de acordo com o quadro clínico e o estado nutricional do paciente. Deve apresentar densidade calórica elevada e volume geralmente reduzido, variando em função do balanço hidroeletrolítico.
Recomendações de macronutrientes Carboidratos A recomendação de carboidratos em geral varia de 50 a 55% da ingestão energética, priorizando os carboidratos integrais com baixa carga glicêmica. Nos casos em que a retenção de dióxido de carbono está aumentada em decorrência da má ventilação, a redução no percentual de carboidratos pode auxiliar no manuseio clínico dos pacientes. Podem-se mesclar carboidratos simples e complexos e alterar a proporção destes na dieta de acordo com a presença ou não de doenças associadas como diabete e hipertrigliceridemia.
Lipídios A quantidade de gordura da dieta deve ser de 30 a 35% da ingestão energética. Deve-se priorizar, na medida do possível, maior consumo de gorduras poli-insaturadas, preferencialmente, ômega-3, monoinsaturadas e não mais do que 300 mg/dia de colesterol. Deve-se também reduzir o consumo de gorduras saturadas e trans. Nos casos de dislipidemias a quantidade de gordura deve ser ajustada em função do tipo de dislipidemia e fatores de risco associados.
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Proteínas A recomendação de proteínas em geral varia de 15 a 20% da ingestão energética, priorizando as proteínas de alto valor biológico. A recomendação proteica também pode ser estabelecida levando-se em consideração o estado nutricional atual, podendo variar de normo a hiperproteica. Pacientes com graus de desnutrição avançados necessitam de até 2 g de proteína/kg peso/dia para garantir a síntese proteica. Nos casos em que há diminuição da função renal, a restrição proteica deve ser de 0,8 g/kg peso/dia. Restrições maiores podem ocasionar catabolismo proteico.
Recomendações de micronutrientes Sódio A orientação da quantidade permitida de sal adicionado à dieta de pacientes com IC é um assunto polêmico, pois os estudos demonstram resultados controversos. Atualmente, recomenda-se uma dieta com até 6 g de sódio, individualizada conforme as características do paciente, sendo que esse valor deve ser adaptado à situação clínica do paciente. Para se conseguir a diminuição do sódio, é necessária a exclusão de alimentos processados, como enlatados, conservas, embutidos, temperos prontos, molhos prontos, salgadinhos, conservas, bebidas isotônicas, etc. Para melhorar o sabor e o aroma da dieta, deve-se incentivar o uso de ervas aromáticas e condimentos naturais como alho e cebola. Substitutos do sal também podem ser empregados para melhorar a palatabilidade, devendo ser restritos àqueles indivíduos com insuficiência renal.
Potássio
16
O uso de diuréticos é bastante comum no controle da IC, sendo que alguns deles são espoliadores de potássio. A hipocalemia pode causar toxicidade digital, que tem como sintomas: náuseas, vômitos, desconforto abdominal, arritmia, entre outros. A implementação de potássio na dieta mediante aumento no consumo de frutas, legumes, verduras e leguminosas pode ser suficiente, no entanto, em alguns casos, é necessária a suplementação medicamentosa.
Cálcio e magnésio Alguns diuréticos também podem ser espoliadores destes eletrólitos. Níveis plasmáticos devem ser controlados, e a suplementação, realizada quando necessária.
Restrição hídrica A restrição de líquidos, da mesma maneira que a restrição de sódio, é bastante variável e será estabelecida de acordo com o balanço hidroeletrolítico.
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Fracionamento e consistência O fracionamento da dieta deve ser de 5 a 6 refeições/dia para diminuir o trabalho cardíaco, facilitar a ingestão calórica e diminuir a plenitude pós-prandial. Na presença de dispneia e fadiga, é necessário fornecer uma dieta que exija pouca ou nenhuma mastigação, modificando a consistência para semipastosa ou pastosa.
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Dentro do volume total estipulado, devem ser computados como líquidos não apenas bebidas, mas também preparações como mingaus, gelatinas, sorvetes e sopas. Algumas frutas, por apresentarem grande quantidade de líquidos, também devem ser consideradas, como abacaxi, melão, melancia, laranja e mexerica.
Conclusão O acompanhamento nutricional individualizado e intervenções precoces são grandes aliados para garantir um melhor estado nutricional e prevenir desnutrição. A dietoterapia para indivíduos com IC não deve seguir regras fixas, pois as alterações metabólicas e os diversos sintomas variam muito em cada caso. Sendo assim, deve ser realizada uma avaliação criteriosa e global não apenas do estado nutricional, mas também das condições clínicas e comorbidades do paciente para que as medidas dietoterápicas adotadas tragam os benefícios esperados.
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CAPÍTULO
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Doenças hepáticas
ROSÂNGELA PASSOS DE JESUS CLAUDIA CRISTINA ALVES PEREIRA JULIANA QUEIROZ VASCONCELOS MUNIZ DAN LINETZKY WAITZBERG
INTRODUÇÃO O fígado é considerado o órgão central do metabolismo. Pesando entre 1.200 e 1.500 g, é perfundido com sangue venoso proveniente da circulação portal, rico em nutrientes, e também com sangue proporcionalmente rico em oxigênio, proveniente da artéria hepática. Essa dupla irrigação confere ao órgão heterogeneidade funcional e grande capacidade metabólica. O lóbulo hepático é considerado unidade funcional do fígado. Possui formato cilíndrico e é formado por lâminas hepatocelulares dispostas em torno da veia central. Os hepatócitos possuem forma poligonal e são ricos em organelas como mitocôndrias, dispostos em coluna única. São os principais constituintes funcionais dos lóbulos hepáticos. Entre os lóbulos, encontram-se os septos formados por canalículos biliares, vênulas e arteríolas que convergem para os sinusoides, irrigando o parênquima hepático. Os sinusoides são constituídos por células endoteliais, de Kuppfer, de Ito e linfócitos natural killer. As células endoteliais são fenestradas para permitir fluxo bidirecional de substâncias do plasma para os hepatócitos. Células de Kuppfer são macrófagos grandes de forma estelar, que fagocitam agentes invasores, células velhas ou neoplásicas. A função das células de Ito é sintetizar substâncias precursoras para fibroblastos e colágeno, enquanto os linfócitos natural killer auxiliam na destruição de células neoplásicas ou proteínas virais.
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Entre as lâminas hepatocelulares e o endotélio, estende-se o espaço de Disse, que apresenta conexão direta entre as estruturas celulares e o plasma, encerrando lipócitos e microvilos dos hepatócitos. Essas estruturas apresentam-se inter-relacionadas anatômica e funcionalmente, fazendo do fígado o principal centro regulador da homeostase nutricional. O fígado exerce funções metabólicas importantes do organismo humano, sendo responsável por mais de 500 reações de síntese e degradação de moléculas. As principais funções envolvem a formação da bile, glicogênese e glicogenólise, gliconeogênese, síntese de ureia, metabolismo do colesterol, armazenamento de ferro, vitaminas lipossolúveis e B12, síntese de proteínas plasmáticas, a exemplo da albumina, globulina, transferrina, ceruloplasmina, fatores de coagulação e lipoproteínas. Além disso, atua no metabolismo de alguns polipeptídeos hormonais e detoxificação de diversas drogas e toxinas externas ao organismo (xenobiótico). Atua como centro de biotransformação dos xenobióticos ingeridos que chegam até o fígado por meio da absorção paracelular e após a primeira fase do processo de detoxificação por meio da ativação da cadeia de isoenzimas citocromo P450 com geração de espécies reativas de oxigênio, são conjugados com substratos como glutationa, taurina, glicina, fosfato, ácido glicurônico, entre outros. Assim, são convertidos em produtos hidrossolúveis e inócuos, eliminados via sistema urinário ou biliar. Portanto, as doenças hepáticas crônicas (DHC) podem cursar com anormalidades metabólicas e nutricionais, as quais repercutem negativamente sobre a morbidade e mortalidade dos pacientes.
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
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Doenças hepáticas agudas e DHC podem ser consequentes a lesões no parênquima hepático provocadas por agentes químicos, virais, farmacológicos ou outros componentes tóxicos, que alteram a estrutura morfológica e a capacidade funcional dos hepatócitos. Os principais agentes etiológicos das doenças hepáticas encontram-se relacionados na Tabela 17.1. Nos dependentes alcoólicos, o consumo de álcool pode chegar próximo a 50% da ingestão calórica total diária, podendo causar importante redução de peso. No Brasil, as doenças gastroenterológicas representam a sétima causa de mortalidade, sendo a cirrose hepática a primeira causa de óbito deste grupo de doenças. Em 1998, observaram-se 8.870 óbitos ocasionados por cirrose hepática, com as seguintes taxas de mortalidade específica por região, em ordem decrescente: s s s s s
Sudeste: 55,41%; Nordeste: 19,39%; Sul: 16,16%; Norte: 4,65%; Centro-oeste: 4,37%.
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!GENTES
$OEN ASHEPÉTICAS !GUDA
#RÙNICA
Vírus A (VHA)
x
–
Vírus B (VHB)
x
x
Vírus C (VHC)
x
x
Vírus D (VHD)
x
x
Vírus E
x
x
Acetaminofeno
x
–
Halotano
x
–
Doença de Wilson
x
x
Hemocromatose
x
x
Galactosemia
–
x
x
x
Cirrose biliar primária
–
x
Colangite esclerosante
–
x
Fibrose cística
–
x
Virais
DOENÇAS HEPÁTICAS
TABELA 17.1 02).#)0!)3!'%.4%3%4)/,¼')#/3$!3$/%.£!3(%04)#!3!'5$!3%#2½.)#!3
-EDICAMENTOS
$ISTÞRBIOSMETABØLICOS
1UÓMICO Álcool $OEN ASECUNDÉRIA
Fonte: Vasconcelos 1998.
PATOGÊNESE DAS DOENÇAS HEPÁTICAS CRÔNICAS O termo doença hepática crônica (DHC) compreende hepatite, cirrose e insuficiência hepática. A cirrose constitui a forma mais grave do dano hepático, sendo ocasionada principalmente por infecção pelos vírus da hepatite B e C, pela ingestão excessiva de etanol, de fármacos e doença autoimune. Independentemente do agente etiológico, as DHC podem ser caracterizadas por agressão e necrose celular, resposta imunológica e regeneração nodular que comprometem a estrutura hepática e a capacidade funcional dos hepatócitos. No entanto, pela enorme reserva e capacidade regenerativa do fígado, as manifestações clínicas tendem a surgir tardiamente, com lesões sérias e muitas vezes irreversíveis. Aproximadamente 40% dos pacientes com cirrose são assintomáticos, contudo na presença da doença descompensada, com quadro clínico característico, o prognóstico é grave, e os custos econômicos e humanos são altos, fazendo que o paciente com DHC perca em média 12 anos de vida produtiva, tempo maior quando comparado com a perda de dois anos observada no grupo de pacientes cardiopatas, e de quatro anos no portador de neoplasia maligna, reforçando a necessidade de se estabelecer o diagnóstico precocemente.
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Na Tabela 17.2, encontram-se sistematizados os principais sintomas e o quadro clínico, as diversas variáveis que compõem o diagnóstico e tratamento da DHC. TABELA 17.2 15!$2/#,·.)#/ $)!'.¼34)#/%42!4!-%.4/$!$/%.£!(%04)#!#2½.)#!
1UADROCLÓNICO
)NVESTIGA ÎO
4RATAMENTO
Náusea
Exame clínico
Abstinência alcoólica
Desconforto abdominal
Transaminases: AST, ALT, gama-GT, fosfatase alcalina
Corticoterapia – hepatite aguda grave
Diarreia
Bilirrubina total e direta
Interferon
Icterícia
Albumina
Tratamento de suporte
Ascite
Tempo de protrombina
Suplementação vitamínica e administração de albumina
Edema periférico
Volume corpuscular médio
Terapia nutricional
Varizes esofágicas
Marcadores séricos de fibrose: pró-colágeno III, colágeno IV
Tratamento-padrão das complicações
Hipertensão portal – circulação colateral
Ultrassonografia abdominal
Cirurgias
Ginecomastia
Ressonância magnética
Apoio psicológico
Telangiectasia (spiders)
Biópsia hepática
Apoio psicológico
Perda de peso
Avaliação nutricional com bioimpedância e exame clínico
Rever prescrição de proteína, energia e restrições desnecessárias
Adinamia
Exame clínico e identificação de anemia
Rever prescrição nutricional, e analisar custo-benefício de suplementação de nutrientes
Hemorragia digestiva
Endoscopia com escleroterapia
Suspender alimentação até o controle da hemorragia
EH
Níveis de amônia plasmática
Instituir terapia especializada com aminoácidos de cadeia ramificada, probióticos e controle da ingestão proteica preferencialmente de origem vegetal
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DHC: doença hepática crônica; EH: encefalopatia hepática; AST: aspartato aminotransferase; ALT: alanina aminotransferase; GT: glutamil transferase. Fonte: Walsh e Alexander, 2000.
DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA Considerando que alguns indivíduos são mais sensíveis aos efeitos do etanol em relação a outros e que a quantidade dessa substância capaz de ocasionar dano hepático é bastante variável, o efeito tóxico do etanol provavelmente está relacionado ao genótipo individual. No entanto, quanto maior a quantidade e o tempo de consumo, maior o risco para desenvolver lesão hepatocelular. Estima-se que o consumo de 60 a 80 g/dia de etanol para homens e 40 a 60 g/dia de etanol para mulheres durante dez anos aumenta o risco para o desenvolvimento
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TABELA 17.3 &!4/2%315%!5-%.4!-!353#%4)"),)$!$%°$/%.£!(%04)#!!,#/¼,)#!
DOENÇAS HEPÁTICAS
de doença hepática alcoólica (DHA). Na Tabela 17.3, são identificados os principais fatores que aumentam a suscetibilidade à DHA. Em geral, a DHA pode apresentar-se de três formas diferentes: esteatose hepática, hepatite alcoólica aguda e cirrose alcoólica.
Ingestão alcoólica diária prolongada: 15 a 20 anos Ingestão esporádica de grande quantidade de álcool: “farras” alcoólicas Ingerir bebidas alcoólicas sem alimentação Fatores genéticos Sexo feminino: mais suscetível ao dano alcoólico Ingestão de bebidas alcoólicas com alta concentração de etanol: cachaça, uísque, absinto Ingestão de bebidas alcoólicas de tipos diferentes Fonte: Walsh e Alexander, 2000.
A EH é comum em 80% dos casos de ingestão excessiva de álcool, ocorrendo sempre que o consumo exceder 80 g/dia de etanol. Caracteriza-se pelo acúmulo de triglicérides no citoplasma celular, geralmente com manutenção da função hepática e reversão total do quadro após abstinência alcoólica. A hepatite alcoólica aguda ocorre quando o consumo excessivo de álcool persiste por 15 a 20 anos, podendo estar associada com a colestase importante, mais grave nas mulheres. A taxa de mortalidade é cerca de 30 a 60%, e pode ocorrer piora do estado geral durante a fase inicial da hospitalização (dez dias), pela ausência das calorias alcoólicas e pela administração de dietas pouco palatáveis provocadas pela restrição excessiva de sódio com consequente redução da ingestão alimentar. Cirrose é a forma mais grave do dano hepático por abuso de álcool. Ocorre deposição de colágeno no espaço de Disse, em torno da veia centrolobular e trato portal, isolando grupos de hepatócitos que, após necrose, formam nódulos de regeneração. A taxa de sobrevivência é de 60 a 70% após um ano e 35 a 50% até cinco anos do diagnóstico. As Figuras 17.1 a 17.4 demonstram os principais mecanismos fisiopatológicos da DHC provocada pelo abuso de álcool.
DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA Esteatose hepática Esteatose hepática é o acúmulo de gordura dentro dos hepatócitos. A morfologia e o tamanho das vesículas caracterizam o acúmulo de gordura como um processo agudo ou crônico. A esteatose microvesicular geralmente está associada com disfunção hepática grave, por sua vez relacionada com alteração na via de betaoxidação dos ácidos graxos livres; essa alteração pode ocorrer de forma aguda na gestação e na síndrome de Reye. A esteatose macrovesicular é em geral resultante de alterações fisiopatológicas crônicas, envolvendo aumento da síntese hepática, oxidação deficiente e redução da secreção hepática de lipídios. É comum na obesidade, DHA, caquexia, distúrbios metabólicos, hepatite C, resistência à insulina e diabete. Quando ocorre esteatose simples em pacientes não alcoólicos, sem inflamação ou fibrose, a evolução clínica é benigna. No entanto,
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418 Etanol NAD NADH+ Acetaldeído NAD NADH+
Álcool-desidrogenase Acetato
Excesso de NAD reduzido
Acetaldeído-desidrogenase Efeito tóxico direto
Desequilíbrio metabólico
Necrose hepatocelular
↓ Gliconeogênese
Hipoglicemia
↑ Lipogênese ↓ Oxidação de TGC
Esteatose hepática
FIGURA 17.1 Efeito tóxico do etanol no organismo humano. NAD: dinucleotídeo de adenina-nicotinamida; NADH+: NAD reduzido; TGC: triglicérides.
↓ Expressão de citocina anti-inflamatória
↑ Consumo de etanol
17 ↓ IL-4
↑ Expressão de citocinas pró-inflamatórias IL-6
IL-1
TNF-alfa
TGF-beta
Estímulo às células de Ito
↑ Produção de colágeno Fibrose hepática FIGURA 17.2 Produção de citocinas no organismo humano mediante o alto consumo de etanol. IL: interleucina; TNF-alfa: fator de necrose tumoral alfa; TGF-beta: fator de crescimento beta.
419 DOENÇAS HEPÁTICAS
↑ Consumo alcoólico
↑ Oxidação do etanol
↑ Radicais livres
↑ Acetaldeído
Mecanismos antioxidantes
Ligação covalente
Proteínas
Compostos antigênicos ↑ Peroxidação lipídica
↑ Liberação de anticorpos
Estímulo à resposta imune
Lesão na membrana celular
Humoral
Celular
Lesão tecidual hepática FIGURA 17.3 Resposta imune e produção de radicais livres no organismo humano mediante o alto
consumo de álcool. Fígado normal Oxidação DHA Etanol
Acetato Desoxidação
17 Consumo excessivo de etanol
Esteatose hepática Hepatite alcoólica
Fibrose perivenular Cirrose
FIGURA 17.4 Fisiopatologia da doença hepática alcoólica. DHA: doença hepática alcoólica.
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17
quando a esteatose macrovesicular é intensa, pode resultar em necroinflamação e fibrose decorrente de estresse oxidativo, geração de radicais livres e peroxidação lipídica.
DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é um termo genérico para designar várias anormalidades hepáticas relacionadas com depósito de lipídios no citoplasma dos hepatócitos em pacientes sem consumo excessivo de etanol. Inclui desde a esteatose hepática benigna até a esteato-hepatite não alcoólica (NASH – nonalcoholic steatohepatitis). Caso não haja tratamento adequado, com adoção de medidas clínicas, mudança no estilo de vida e seguimento de alimentação saudável, a NASH pode evoluir para cirrose e insuficiência hepática. A DHGNA está associada com desordens metabólicas, incluindo obesidade central, desequilíbrio no metabolismo da insulina, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia e síndrome metabólica. No entanto, indivíduos com peso adequado, mas cursando com resistência à insulina, também são mais suscetíveis a DHGNA. A esteatose hepática está significativamente correlacionada com a superprodução de glicose, VLDL, proteína-C reativa (PCR), fatores de coagulação, acúmulo de gordura intra-abdominal e perfil inflamatório com excesso de fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucinas 1 e 6 (IL-1 e IL-6). A NASH é caracterizada por infiltração gordurosa difusa no fígado, degeneração em balão e inflamação nos hepatócitos. A NASH é responsável por cerca de 60 a 80% dos casos de níveis plasmáticos elevados de aminotransferases e gamaglutamiltransferases (gama-GT) de pacientes atendidos ambulatorialmente e ocorre mais frequentemente entre obesos, sobretudo naqueles com hipertensão arterial, hiperglicemia, resistência à insulina, hipertrigliceridemia superior a 150 mg/dL e com valores de lipoproteínas de alta densidade (HDL) abaixo de 40 e de 50 mg/dL, respectivamente, para homens e mulheres. Os mecanismos envolvidos na patogênese da NASH são complexos, multifatoriais e instalam-se em consequência da redução de oxidação mitocondrial de triglicérides, da baixa exportação hepática de ácidos graxos e lipídios, da maior síntese hepática de fosfolípides, ésteres de colesterol (Tabela 17.4). Nessa condição, os pacientes evoluem com acentuada produção de radicais livres de O2, hipersecreção de leptina e grelina ampliadores da ingestão e pelo hiperestímulo exercido sobre células estelares do fígado e da matriz extracelular. Como consequência, desenvolve-se entre indivíduos não alcoólicos portadores de fibrose hepática, cirrose que pode evoluir para carcinoma hepatocelular (CHC). A instalação da lesão hepatocelular e NASH está associada à teoria da dupla causa (two hits), descrita como a necessidade de uma lesão inicial (first hit), como o surgimento da esteatose hepática por mecanismo adaptativo de defesa ou predisposição genética. A esteatose deixa os hepatócitos sensibilizados para ação de radicais livres que são capazes de induzir o estresse oxidativo no parênquima hepático, que é considerado a segunda causa (second hit), da lesão tecidual que evolui para a NASH. As vias metabólicas que levam ao desenvolvimento da DHGNA são múltiplas, incluindo incremento da liberação de ácidos graxos não esterificados do tecido adiposo (lipólise), aumento da síntese de novo de ácidos graxos (lipogênese), associados ao decréscimo da betaoxidação.
421
%TIOPATOGENIA
-ECANISMOSFISIOPATOLØGICOS
Obesidade
↑ da captação hepática de AGL associada à resistência à insulina e hiperinsulinemia ↑ da expressão de TNF-alfa nos adipócitos
Diabete melito tipo 2 e resistência à insulina
DOENÇAS HEPÁTICAS
TABELA 17.4 -%#!.)3-/3&)3)/0!4/,¼')#/3$!%34%!4/ (%0!4)4%.²/!,#/¼,)#!
↑ da captação hepática de AGL associada a resistência à insulina e hiperinsulinemia Dismotilidade intestinal associada ao supercrescimento bacteriano ↑ da expressão de TNF-alfa induzindo estresse oxidativo
Hiperlipidemia
↑ da captação hepática de AGL
Cirurgia para obesidade e outras
Esteatose preexistente
Causas de rápida perda de peso, como ressecções intestinais
Desnutrição, deficiência de micronutrientes e de proteína
NPT prolongada
Deficiência de micronutrientes
Redução da glutationa peroxidase Sobrecarga de glicose
Uso de drogas, principalmente tamoxifeno, Dano mitocondrial corticosteroides, amiodarona, perexilina NPT: nutrição parenteral total; AGL: ácidos graxos livres; TNF: fator de necrose tumoral. Fonte: adaptada de Chitturi, 2001.
O estresse oxidativo causado por espécies reativas de oxigênio (ERO) está relacionado de forma importante com a progressão da DHGNA. As ERO produzidas a nível mitocondrial, microssomal, peroxisomal e no retículo endoplasmático desempenham um papel importante na NASH. Os sistemas antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos não são capazes de evitar o dano hepático decorrente da lipotoxicidade, e a perda do equilíbrio oxidante/antioxidante dá início à cascata inflamatória envolvendo citocinas. Consequentemente, as células estreladas hepáticas são ativadas e sintetizam tecido conjuntivo inativo que dá origem à fibrose. DHGNA está também relacionada com alterações no metabolismo lipídico, glicídico e inflamação, envolvendo ativação ou inativação dos receptores ativados por proliferadores de peroxissoma (PPAR)-alfa, PPAR-beta/gama e PPAR. Estes receptores formam um subgrupo de fatores de transcrição ativados por ligante que pertencem à família receptor nuclear hormonal expressos diferencialmente nos tecidos hepático, adiposo e muscular. O PPAR-alfa superexpresso no fígado modula o catabolismo lipídico e é alvo de drogas hipolipemiantes. Ácidos graxos poli-insaturados da dieta ou derivados do metabolismo ativam o PPAR-alfa, com consequente regulação transcricional de inúmeros genes, chamados PPAR-alfa transcriptoma, o que contribui para manutenção do balanço energético, por meio da promoção da betaoxidação dos ácidos graxos mitocondrial e peroxissomal e muitas outras vias metabólicas. Agonistas PPAR-alfa podem inibir a atividade transcricional de NF-kB (factor nuclear kB), que medeia a indução de genes responsáveis pelo desenvolvimento de inflamação,
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
422
sugerindo um benefício terapêutico promissor dos ligantes de PPAR no tratamento de doenças inflamatórias como a DHGNA. Nas Tabelas 17.5 e 17.6, podem-se visualizar a classificação da EHNA em relação ao fator desencadeante e aos achados histopatológicos, respectivamente. TABELA 17.5 #,!33)&)#!£²/ $! %34%!4/3% (%04)#! .²/ !,#/¼,)#! 3%'5.$/ &!4/2%3
$%3%.#!$%!.4%3
#LASSIFICA ÎO
#ONDI ÜESASSOCIADASCOMRESISTÐNCIAÌINSULINA
5SODEDROGAS
Primária
Diabete melito tipo II
Corticosteroides, salicilatos
Obesidade
Estrogênios sintéticos
Hiperlipidemia
Amiodarona, nifedipino
Desnutrição energético-proteica
Perexilina, tetraciclina
Procedimentos cirúrgicos com rápida perda de peso
Diversos
Gastroplastia
Doença celíaca
Derivação jejunoileal
Abetalipoproteinemia
Ressecção extensa do intestino delgado
NPT prolongada com glicose
Ressecção biliopancreática
Diverticulose, doença de Wilson
Secundária
Exposição ocupacional ao solvente dimetilformamida NPT: nutrição parenteral total.
TABELA 17.6 #,!33)&)#!£²/ $! %34%!4/3% (%04)#! .²/ !,#/¼,)#! 3%'5.$/ !#(!$/3
()34/0!4/,¼')#/3
17
#ATEGORIAS
#ARACTERÓSTICASHISTOPATOLØGICAS
Tipo 1
Apenas gordura
Tipo 2
Gordura + inflamação
Tipo 3
Gordura + degeneração "em balão"
ENCEFALOPATIA HEPÁTICA Encefalopatia hepática (EH) é uma das manifestações clínicas da insuficiência hepática aguda ou crônica. A causa da EH é multifatorial e depende da ruptura da barreira hematoencefálica, junções rígidas entre as células endoteliais que compõem os capilares cerebrais. Tais junções podem sofrer ações de substâncias tóxicas do sangue para o cérebro ou deste para o sangue. Na Tabela 17.7, encontra-se descrita a graduação da EH. Apesar de a patogênese da EH ainda não estar completamente elucidada, atualmente se sabe que o excesso de amônia (NH3) exerce papel fundamental na ocorrência dos distúrbios associados com essa complicação.
423
'RAU
!LTERA ÜESNEUROMUSCULARES
0ERSONALIDADEDISTÞRBIOSDOCOMPORTAMENTO
I
Redução da coordenação motora Tremor Escrita alterada
Comportamento inadequado Alterações no ciclo do sono Confusão mental moderada Oscilação do humor Sonolência
II
Asterix Ataxia Redução do tônus muscular Reflexos hipo ou hiperativos Fala arrastada
Alterações da personalidade Comportamento inadequado Letargia Redução da memória Desorientação moderada Oscilação do humor
III
Hiper-reflexia Sinal de Babinski positivo Rigidez muscular Estupor moderado
Comportamento inadequado Confusão mental moderada a grave Agressividade, paranoia Delírio, sonolência
IV
Pupilas dilatadas
Coma Perda da consciência
A detoxificação da amônia ocorre preferencialmente nos hepatócitos, por meio do ciclo da ureia, no qual esse composto nitrogenado (a amônia) é convertido em ureia, de menor toxicidade e que será excretada na urina. Outra via de detoxificação da amônia ocorre pela ação da enzima glutamina sintetase (GS), que sintetiza glutamina a partir de amônia e ácido glutâmico. Uma pequena parcela da amônia também é metabolizada pelos músculos, cérebro e rins. Portanto, em condições fisiológicas, a concentração plasmática de amônia é mantida em níveis baixos, o que não representa toxicidade para os tecidos. Nos pacientes com DHC e função de detoxificação comprometida, a hiperamonemia ocorre geralmente em decorrência da deficiência funcional hepatocelular e da hipertensão portal, que ocasiona sobrecarga da circulação colateral, promovendo grande desvio de sangue a partir da circulação venosa portal diretamente para a circulação sistêmica, caracterizando os shunts portossistêmicos. No sistema nervoso central (SNC), as principais células afetadas pela elevada concentração de amônia são os astrócitos. Os astrócitos são células gliais que têm como função mais importante a regulação das concentrações de compostos iônicos e de neurotransmissores no líquido cefalorraquidiano (LCR), contribuindo de modo significativo para a permeabilidade seletiva da barreira hematoencefálica. Portanto, a hiperamonemia promove um efeito neurotóxico, uma vez que a amônia apresenta grande facilidade de se difundir por meio da barreira hematoencefálica e está relacionada à disfunção neutrofílica, o que promove maior risco de inflamação sistêmica e induz diretamente neuroinflamação, presente até mesmo em pacientes com encefalopatia hepática mínima (EHM), sem sintomatologia clássica.
DOENÇAS HEPÁTICAS
TABELA 17.7 '2!$5!£²/$!%.#%&!,/0!4)!(%04)#!
17
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
424
O aumento da concentração de amônia no LCR gera, inicialmente, maior produção de glutamina, a qual se acumula nos astrócitos e, por ser osmoticamente ativa, pode induzir um quadro de edema cerebral de baixo grau, além de promover alterações na morfologia astrocítica. No interior dos astrócitos, a glutamina também pode participar de uma via metabólica mitocondrial, em que parte da glutamina é hidrolisada a glutamato e amônia pela enzima glutaminase ativada por fosfato (PAG). Acredita-se que uma elevada concentração de glutamina acelera esse processo, o que pode ocasionar níveis aumentados de amônia no interior das mitocôndrias astrocíticas, com consequente formação de espécies reativas do oxigênio, que comprometem a funcionalidade mitocondrial, refletindo na perda do seu potencial transmembrana e decréscimo na atividade do ciclo de Krebs. O desenvolvimento da EH também pode estar associado a outros eventos, como elevação da concentração plasmática de manganês, carência de zinco, desequilíbrio plasmático entre aminoácidos aromáticos e aminoácidos de cadeia ramificada (AACR), aumento da atividade GABAérgica, processos inflamatórios e estresse oxidativo. O grave quadro de falência hepática fulminante é descrito quando EH se desenvolve dentro de oito semanas após o início da doença hepática, com grave comprometimento da função hepática, alta mortalidade e rápido aparecimento de desnutrição, mesmo quando as necessidades nutricionais são supridas adequadamente. A classificação da EH é realizada considerando o grau de comprometimento da função hepática, além da duração, característica do distúrbio neurológico e a presença de fatores desencadeantes. A classificação mais atual foi estabelecida no 11º Congresso Mundial de Gastroenterologia (Viena, 1998), que dividiu a EH em três grupos, de acordo com as causas relacionadas, conforme descrito na Tabela 17.8. TABELA 17.8 #,!33)&)#!£²/$!%.#%&!,/0!4)!(%04)#!$%!#/2$/#/-!#!53!02)-2)!
17
4IPO
#ARACTERÓSTICAS
A
Associada à insuficiência hepática aguda
B
Associada à presença de shunt portossistêmico, na ausência de insuficiência hepatocelular
C
Associada à cirrose hepática Episódica
Precipitada Espontânea Recorrente
Persistente
Leve Acentuada Dependente de tratamento
Mínima Fonte: Ferenci et al., 2002.
425
s s s s s s s s s
administração de drogas; hemorragias digestivas; inflamação; infecções; paracenteses sem reposição plasmática; intervenção anestésica e/ou cirúrgica; hiponatremia; distúrbios hidroeletrolíticos; obstipação.
Quando a insuficiência hepática está avançada, o simples aumento da oferta de proteína dietética de origem animal pode desencadear o processo que pode agravar-se com a ocorrência de obstipação intestinal. O transplante hepático (TxH) está indicado quando não for possível controlar a insuficiência hepática com tratamentos convencionais. Sua realização tardia compromete ainda mais o estado nutricional e contribui para reduzir a sobrevida dos pacientes no pós-operatório imediato e tardio.
DOENÇAS HEPÁTICAS
A EH do tipo A está relacionada à presença de insuficiência hepática aguda; a encefalopatia do tipo B associa-se à presença de shunts portossistêmicos, sem relação com insuficiência hepática; o tipo C ocorre em pacientes com cirrose, sendo que a EH episódica é caracterizada por distúrbios de consciência, associados com alterações cognitivas, em pacientes previamente hígidos do ponto de vista neurológico. Pode ser subdividida em: precipitada, quando sua gênese está associada a fatores desencadeantes; espontânea, na ausência de tais fatores; ou recorrente, quando os episódios se repetem pelo menos duas vezes ao ano. A EH do tipo C persistente é caracterizada pela presença ininterrupta de sinais e sintomas neuropsiquiátricos. Pode ser graduada em leve, acentuada ou dependente de tratamento, quando sua compensação ocorre apenas durante o uso de medicamento ou dieta. A EHM é um estágio subclínico da EH, no qual pacientes não apresentam anormalidades neurológicas evidentes, porém apresentam déficits em testes neuropsicológicos e neurofisiológicos. A EHM é caracterizada pela presença de déficits neurológicos bastante sutis, relacionados à capacidade de concentração, memória de trabalho, habilidade visual, espacial e à coordenação motora fina, o que pode comprometer a qualidade de vida dos pacientes com cirrose e limitar a habilidade para a condução de veículos. Apesar de não ser facilmente identificada no exame clínico, uma anamnese mais minuciosa pode revelar possíveis sinais de déficits neuropsiquiátricos, como quedas de rendimento no trabalho, dificuldade em relações interpessoais, violações recentes a leis de trânsito ou até mesmo envolvimento em acidentes automobilísticos. Os possíveis mecanismos envolvidos na patogênese da EH estão representados na Figura 17.5. A EH pode ser precipitada por vários fatores, entre os quais se destacam:
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426
Paracenteses (alívio ou diagnóstico) Diarreia e vômitos incoercíveis Distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos
↓ Níveis de AACR ↑ Níveis de AACA ↓ Produção de falsos neurotransmissores (octopamina, feniletanolamina)
↑ Síntese de amônia renal ↑ ↓ Perda de potássio na urina ↑ Alcalose metabólica ↑ Uso de diuréticos
↓ Função dos hepatócitos ↓ ↓ Detoxificação hepática ↓ ↑ Toxinas na circulação sistêmica ↓ Anormalidades metabólicas no SNC
Encefalopatia hepática
↑ Plasmáticos de amônia, ácidos graxos de cadeia curta, mercaptanas
Ingestão de proteína excessiva ↓ ↑ Substâncias nitrogenadas
↑ Captação pelo SNC ↑ ↑ Amônia e compostos nitrogenados ↑ Sangramento gastrintestinal
FIGURA 17.5 Mecânismos envolvidos na patogênese da encefalopatia hepática.
SNC: sistema nervoso central; AACR: aminoácidos de cadeia ramificada; AACA: aminoácidos de cadeia aromática.
17
Pacientes com cirrose e que são desnutridos, quando submetidos ao TxH, possuem maior risco para perda excessiva de sangue no ato operatório, maior tempo de permanência na unidade de terapia intensiva (UTI), aumento na morbidade e mortalidade e permanência hospitalar mais longa após o transplante.
ALTERAÇÕES METABÓLICAS NAS DOENÇAS HEPÁTICAS CRÔNICAS As DHC ocasionam alterações no metabolismo intermediário dos macro e micronutrientes, relacionadas ao grau de comprometimento funcional do fígado, afetando o equilíbrio dos processos anabólicos e catabólicos do organismo.
427
Nos portadores de doenças hepáticas, o gasto energético de repouso (GER) é bastante variável. Estudos demonstraram que pacientes com cirrose apresentam GER semelhante ao de controles saudáveis, quando esse gasto é expresso em valores absolutos ou corrigido pelo peso total. No entanto, quando relacionado à massa corporal magra (MCM), o GER desses pacientes apresenta-se superior ao normal. Nos pacientes com cirrose, a contribuição do tecido adiposo para produção de energia durante jejum de curta duração é de 70%. Isto representa aumento de 30% em relação aos indivíduos normais, sugerindo que esses pacientes possuem baixa adaptabilidade ao jejum graças à redução das vias glicogenolíticas para produção de energia imediata.
DOENÇAS HEPÁTICAS
Alterações no metabolismo energético
Alterações no metabolismo proteico O fígado participa ativamente do metabolismo proteico: promove síntese de hormônios, enzimas, proteínas plasmáticas e estruturais, controla o turnover proteico, metaboliza aminoácidos e capta alanina e glutamina provenientes dos músculos e do intestino para gliconeogênese. Em virtude das alterações no metabolismo energético, pode acontecer aumento da oxidação muscular de aminoácidos cetogênicos como leucina para fornecimento de energia, com redução da disponibilidade de carbonos para síntese de ácidos graxos e colesterol. Com o comprometimento da função hepática, em geral, observaram-se redução da síntese de proteínas hepáticas e plasmáticas, metabolização de aminoácidos aromáticos e detoxificação de amônia insuficiente. Além disso, pode ocorrer perda intestinal de proteína dietética em 40% dos pacientes, o que, associado às alterações metabólicas, resulta em perda irreversível de nitrogênio e aumento da taxa de gliconeogênese, induzindo desnutrição proteica, altamente predominante nos pacientes com DHC.
Alterações no metabolismo de micronutrientes Deficiências de vitaminas e minerais prevalecem nas disfunções hepáticas, sobretudo quando a etiologia for de origem alcoólica. Entre os fatores causais predisponentes, incluem-se anormalidades nos processos metabólicos dos macronutrientes, efeito negativo do etanol na ativação e biodisponibilidade de micronutrientes, ingestão dietética inadequada e até o uso de dietas muito restritivas de baixa palatabilidade. A Tabela 17.9 aponta as deficiências de micronutrientes mais preponderantes nas doenças hepáticas agudas e DHC. Na Tabela 17.10, estão sintetizadas as principais alterações metabólicas relacionadas ao metabolismo dos macronutrientes, as quais justificam os distúrbios nutricionais observados nas DHC.
17
17
6ITAMINA!
6ITAMINA$
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Fonte: Borges et al., 2001.
Colestase crônica
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Cirrose biliar primária x
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2IBOFLAVINA x
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CIDOPANTOTÐNICO
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Cirrose não alcoólica
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Zinco
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Cirrose alcoólica
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Hepatite crônica
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Hepatite aguda fulminante
CIDOFØLICO x
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4IAMINA
Hepatite aguda
$OEN ASHEPÉTICAS
TABELA 17.9 $%&)#)´.#)!3$%-)#2/.542)%.4%3.!3$/%.£!3(%04)#!3!'5$!3%#2½.)#!3
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
428
429
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-ACRONUTRIENTES
Hepatopatias
!LTERA ÜES
#ONSEQUÐNCIAS
Glicídios
Agudas e graves
Hiperglucagonemia
Hipoglicemia
↓ Glicogenólise
Hiperlactacidemia
DOENÇAS HEPÁTICAS
TABELA 17.10 !,4%2!£À%3./-%4!"/,)3-/',)#·$)#/ ,)0·$)#/%02/4%)#/ %.#/.42!$!3
↓ Gliconeogênese Crônicas/ cirrose
Degradação da insulina
Intolerância à glicose Hiperglicemia
Resistência à insulina Hiperinsulinemia Lipídios
Proteínas
↑ Lipogênese hepática ↓ Oxidação hepática de AG ↓ Síntese de LDL
Esteatose hepática
↓ Gliconeogênese hepática
Hiperlipidemia
↑ Lipólise periférica ↑ Oxidação periférica de AG
Cetose
Colestase crônica
↓ Síntese e secreção de SB ↓ cc. intraluminal de SB
Esteatorreia Má absorção de lipídios e vitaminas
Agudas e crônica
↓ Síntese de P plasmáticas ↑ Liberação dos aa teciduais
Hipoprotrombinemia/hipoalbuminemia ↑ Catabolismo
Crônica
↓ Captação e metabolização de AACA ↓ Função hepática ↓ Ciclo de ureia ↑ Síntese de colágeno e de autoanticorpos
↑ cc. plasmática de aminoácidos amoniogênicos/NH3 ↑ Síntese de FN ↑ Hiperamonêmia/EH ↑ Fibrose hepática
Crônica e agudas
AG: ácidos graxos; LDL: lipoproteína de baixa densidade; P: proteína; AACA: aminoácidos de cadeia aromática (tirosina, fenilalanina); NH3: amônia; FN: falsos neurotransmissores; EH: encefalopatia hepática; cc.: concentração; SB: sais biliares. Fontes: Waitzberg e Cukier, 2001; Borges et al., 2001; Lieber, 2003.
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL Pacientes com DHC, principalmente de etiologia alcoólica, apresentam ingestão dietética inadequada, alterações dos indicadores antropométricos, bioquímicos e clínicos que evidenciam prejuízo nutricional. A avaliação nutricional clássica desses pacientes pode ficar comprometida se houver repercussões do dano hepático sobre o metabolismo hídrico e distribuição de líquido nos compartimentos corporais intra e extracelulares.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
430
Ainda não existe método de avaliação nutricional para pacientes com DHC considerado o padrão de excelência. Portanto, o diagnóstico nutricional deve ser feito utilizando-se métodos antropométricos, bioquímicos e clínicos, levando-se em consideração vantagens, desvantagens e indicações de cada método.
Métodos dietéticos A anamnese com recordatório alimentar de 24 horas é considerada um bom método para avaliar a adequação da ingestão dietética em relação às necessidades energéticas. Além de ser útil para estimar a ingestão de proteína e micronutrientes e o consumo de bebidas alcoólicas, identifica precocemente a necessidade de intervenção nutricional. Em alcoólicos ativos, a aplicação do recordatório de 24 horas muito detalhado pode ser impreciso em função do reduzido nível de consciência observado nesses pacientes. Para reduzir a margem de erro, pode-se centrar o inquérito nos hábitos alimentares questionando-se sobre o local habitual das refeições (residência, bares ou restaurantes), o número de refeições diárias e de preparações por refeição ou se ocorrem substituições frequentes das refeições por lanches. Com base nestes dados, podem-se classificar os hábitos alimentares como bons, moderados ou gravemente inadequados. Em trabalho clínico desenvolvido com 181 pacientes alcoólicos portadores de DHC, observou-se que os hábitos alimentares foram considerados adequados em 34,6%, moderadamente inadequados em 44,7% e gravemente inadequados em 20% da população estudada. A irregularidade dos hábitos alimentares foi relacionada com o grau de ingestão alcoólica, desajuste social e familiar, e presença de cirrose descompensada com ascite.
Métodos clínicos
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A história clínica deve ser bem investigada neste grupo de pacientes. É interessante questionar o início, a duração e a etiologia da hepatopatia, bem como a presença de outras doenças crônicas, como disfunção renal, pancreática, cardíaca ou diabete melito. Essas doenças podem limitar a ingestão e a utilização dos alimentos. É importante classificar a hepatopatia, considerando o grau de disfunção do órgão de acordo com os parâmetros de Child-Pugh, para melhor dimensionar as cotas diárias de energia e proteína necessárias para os pacientes avaliados. A Tabela 17.11 representa a classificação de Child-Pugh, com os parâmetros utilizados durante avaliação clínica dos pacientes. TABELA 17.11 #,!33)&)#!£²/$!3(%0!4/0!4)!3$%#(),$ 05'(
#HILD 0UGH
A
"
#
Albumina (g/dL)
> 3,5
3 a 3,5
100: ausência de desnutrição, ou seja, o paciente é bem nutrido; IRN = 97,5 a 100: o paciente apresenta-se levemente desnutrido; IRN = 83,5 a 97,4: o paciente apresenta-se moderadamente desnutrido; IRN < 83,5: o paciente apresenta-se gravemente desnutrido.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
434
O índice de Maastricht (IM) foi proposto para avaliar o estado nutricional dos pacientes com DHC e apresenta alta sensibilidade e especificidade, quando comparado a outros métodos de avaliação. Em pacientes com cirrose hepática, observou-se que 12,8% dos pacientes estavam desnutridos quando o diagnóstico foi obtido por meio da prega cutânea triciptal, 17,4% por meio da circunferência muscular do braço, 25,6% usando-se a ASG, 60,5% por meio do IRN, e um alto percentual de paciente – aproximadamente 76,7% – foi considerado desnutrido pelo IM. O IM é um excelente indicador para identificação da desnutrição na fase mais precoce da instalação. Portanto, esse método está indicado para avaliação nutricional e decisão referente à terapia nutricional de pacientes hospitalizados com DHC. É obtido utilizando-se os valores plasmáticos de albumina, pré-albumina, linfócitos totais (LT) e o percentual de peso ideal, utilizando-se a equação descrita a seguir: IM = 20,68 – (2,4 × albumina plasmática [g/dL]) – (0,1921 × pré-albumina [mg/dL]) – (0,00186 × LT [células/mm3]) – (4 × [peso atual/peso ideal]) sendo que o peso ideal foi obtido pela equação: PI = 22 × (altura [m]2). A descrição dos pontos de corte para o diagnóstico de desnutrição pelo IM é: s s s
IM > 0 a 3: o paciente é levemente desnutrido; IM > 3 a 6: o paciente é moderadamente desnutrido; IM > 6: o paciente é gravemente desnutrido.
Métodos antropométricos
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As medidas antropométricas classicamente utilizadas na prática clínica, como peso, altura, IMC, dobras cutâneas, circunferência e área muscular do braço (CB e AMB) podem fazer parte da avaliação nutricional do paciente com DHC. No entanto, quando houver presença de ascite e edema periférico, deve-se dar preferência à mensuração da gordura subcutânea (dobras tricipital, bicipital e subescapular) e da massa magra (CB e CMB), indicadores que sofrem menos interferência da retenção hídrica. Recomenda-se mensurar periodicamente o peso e a circunferência abdominal, para acompanhamento da progressão ou remissão da ascite. Excesso de fluido corporal contraindica a utilização de parâmetros nutricionais baseados no peso por altura, como IMC e percentual de perda de peso. O uso indevido de tais indicadores quando ocorre retenção hídrica pode subestimar a prevalência e o grau de desnutrição nos pacientes com DHC.
Força muscular A força muscular pode ser mensurada com auxílio do dinamômetro, aparelho que quantifica a força do aperto de mão, possivelmente reduzida em indivíduos desnutridos. Em pacientes com cirrose, a avaliação da força muscular pode ser utilizada como alternativa para avaliação da resposta à terapia nutricional, embora seja considerada
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Impedância bioelétrica A análise por impedância bioelétrica (BIA) consiste em um método simples, rápido, não invasivo, de baixo custo, que pode ser utilizado para avaliar o conteúdo total de água e a massa celular corporal (MCC) em indivíduos sadios e pacientes retidos no leito, apresentando associação prognóstica com a mortalidade. Essas facilidades tornam a estimativa da composição corporal pela BIA um dado importante para a prática da avaliação nutricional mais eficiente em pacientes com DHC. No entanto, alguns estudos demonstraram que a BIA pode ser imprecisa para avaliar desnutrição em pacientes com ascite ou edema. Esse método pode ser mais sensível, quando empregado em medidas seriadas, para acompanhar a resposta à terapia nutricional dos pacientes com DHC. A MCC pode ser utilizada como parâmetro relevante para identificar risco de mortalidade em pacientes que serão submetidos a TxH. Portanto, a BIA não é contraindicada para avaliação nutricional dos pacientes com DHC, podendo ser usada para determinação de água e MCM, além do acompanhamento da resposta à terapia nutricional. Recomenda-se restringir o uso da BIA para os pacientes que apresentam edema, ascite e usam diuréticos.
DOENÇAS HEPÁTICAS
pouco específica para diagnosticar desnutrição por sofrer interferência de outros fatores, como neuropatia periférica e alterações metabólicas.
Perfil nutricional O dano hepático em geral promove grande impacto nutricional, independentemente da etiologia, por causa da participação do fígado nos processos digestivos e absortivos, na metabolização e no armazenamento dos nutrientes. Observa-se perda de peso em 20% dos pacientes com hepatopatia compensada e em 40 a 65% dos pacientes clinicamente descompensados. Nesses casos, anorexia e náuseas podem estar presentes em 87 e 55%, respectivamente. O álcool possui alto valor energético (7,1 kcal/g), mas as calorias são consideradas “calorias vazias”, uma vez que faltam nutrientes essenciais como proteínas, vitaminas e elementos-traços. Quando a ingestão alcoólica supera 25 a 50% das calorias totais diárias, a utilização do etanol como substrato pode não ser eficiente, porque o excesso de calorias ingeridas com o álcool não pode ser estocado. Dessa maneira, ocorrem desvios metabólicos para priorização da detoxificação do etanol, com perda energética significativa. Todo o álcool ingerido deve ser imediatamente metabolizado, ocorrendo desvios para priorização da metabolização do etanol. A administração excessiva de etanol pode ocasionar alterações na motilidade intestinal, aumentando os movimentos propulsivos, além da redução de lactase e ácidos biliares intraluminais, provocando diarreia e esteatorreia. A modificação dos hábitos alimentares, a redução da biodisponibilidade e a oxidação anormal dos nutrientes, observadas nos dependentes acoólicos, podem resultar em anorexia, náuseas, vômitos e diarreia. Portanto, a substituição crônica da ingestão alimentar normal pelo etanol frequentemente está associada à perda de peso e desnutrição.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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Cerca de 40% dos pacientes com doença hepática não alcoólica possuem deficiência de vitaminas lipossolúveis, sobretudo A e E; 8 a 10% apresentam falta de vitaminas do complexo B (niacina, tiamina, riboflavina, piridoxina e vitamina B12), e 17% têm deficiência de ácido fólico. Essas deficiências estão relacionadas mais diretamente às alterações da função hepática e reservas reduzidas do que com a inadequação alimentar ou má absorção. Nos dependentes alcoólicos, as deficiências de micronutrientes são mais predominantes, especialmente as referentes às vitaminas hidrossolúveis (ácido ascórbico, tiamina, riboflavina, niacina, ácido fólico e B12), lipossolúveis (A e D) e a redução plasmática de minerais (magnésio, cálcio e zinco). A desnutrição pode agravar o quadro clínico, pois afeta o sistema imunológico, aumentando a suscetibilidade dos pacientes com cirrose aos processos infecciosos. Nas Figuras 17.6 e 17.7, estão representados as interações e os mecanismos que condicionam à DEP nos pacientes portadores de DHC de origem alcóolica, em que a piora de um processo agrava o outro.
Comprometimento da ativação, utilização e metabolização dos nutrientes
Efeito tóxico direto
Doença hepática crônica de origem alcoólica
Etanol
Degradação do etanol
Calorias "vazias" ↑ Citocinas
Triptofano
17
↑ Serotonina
Alterações neurológicas
Hipotálamo (centro da fome)
Zn e Mg Ageusia ↓ Apetite
Desnutrição Redução do apetite
FIGURA 17.6 A ingestão excessiva de etanol provoca efeito tóxico direto sobre o sistema cardior-
respiratório, o sistema nervoso central, o sistema gastrintestinal (SGI), os rins e o fígado. A doença hepática crônica pode induzir comprometimento da função renal, ocasionar distúrbios do SGI com consequente má digestão e má absorção de nutrientes. O etanol fornece calorias "vazias", aumenta produção de citocinas, reduz absorção do zinco (Zn) e do magnésio (Mg), provocando ageusia com redução do apetite e da ingestão alimentar.
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Efeito tóxico direto Etanol
Má digestão e má absorção (26%) de lipídios, vitaminas A, D, E, K, B6 e B12, Ca, Zn, Mg, ácido fólico e tiamina
Calorias "vazias"
Desnutrição
Hemorragia Uso de etanol: digestiva (HD) ↓ Alcalinidade Anorexia (87%) Deficiência Vômitos, náuseas (55%) pancreática Ácidos biliares ↓ Proteases ↓ Lactase
Iatrogenia Jejum prolongado
Dietas pouco palatáveis
Catabolismo visceral
DOENÇAS HEPÁTICAS
Doença hepática alcoólica (DHA)
Lactulona/laxantes Esterilização da flora intestinal Restrição alimentar excessiva EH e/ou HD
Catabolismo do músculo cardíaco FIGURA 17.7 Na doença hepática crônica de origem alcoólica, observam-se aumento da oxidação de
ácidos graxos e aminoácidos, comprometimento do metabolismo dos nutrientes, aumento da produção de serotonina a partir do triptofano que atua no hipotálamo (centro da fome), com consequente redução do apetite. A presença de colestase, o uso de laxantes e a esterilização da flora intestinal com antibióticos podem reduzir a biodisponibilidade de lipídios, minerais e vitaminas lipossolúveis e do complexo B. Durante o tratamento da encefalopatia hepática (EH) e da hemorragia digestiva (HD), podem ser necessários jejum prolongado e dietas pouco palatáveis. Esses fatores induzem à desnutrição energético-proteica, que, por sua vez, pode agravar a lesão hepática e os distúrbios gastrintestinais e, ainda, promover catabolismo visceral.
TERAPIA NUTRICIONAL Os principais objetivos para a indicação da terapia nutricional nas DHC são: s s s s s
favorecer a aceitação da dieta e melhorar o aproveitamento dos nutrientes administrados; suprir substratos energéticos suficientes para atender às necessidades orgânicas e favorecer ganho de peso; prover substratos energéticos e proteicos suficientes para controlar o catabolismo proteico muscular e visceral; garantir o quantitativo de aminoácidos adequados para manter o balanço nitrogenado e a síntese de proteínas de fase aguda; suprir o organismo com o quantitativo de aminoácidos adequado para normalização da função e regeneração hepática sem precipitar a encefalopatia.
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Os aspectos mais relevantes que a equipe multidisciplinar de saúde deve considerar para o programa de terapia nutricional nas DHC encontram-se sintetizados na Figura 17.8. Avaliação nutricional: História dietética Dados antropométricos Dados bioquímicos Dados clínicos Terapia nutricional: Necessidades energéticas e proteicas Seleção da via de acesso Suprimento de nutrientes
Estratégias
Acompanhamento da TN: Implementação Eficácia Complicações Ajustes
Informação e educação: Pacientes Familiares Equipe de saúde FIGURA 17.8 Estratégias para programar a terapia nutricional (TN) na doença hepática crônica.
Necessidades energéticas
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A adequada determinação das necessidades energéticas e proteicas é fundamental para a tentativa de evitar ou reverter a DEP. Para tanto, o ideal seria a determinação do GER por calorimetria indireta em decorrência da grande variabilidade do metabolismo energético observada nesses pacientes. Na indisponibilidade do calorímetro, recomenda-se estimar as necessidades energéticas nas DHC, utilizando-se 25 a 40 kcal/kg de peso corporal/dia de acordo com o objetivo de manter ou restaurar o estado nutricional do paciente. Para esse cálculo, aconselha-se utilizar o peso corporal atual ou, na presença de edema periférico e ascite, o peso adequado para o paciente. Vale considerar que a ascite, por ser um compartimento metabolicamente ativo, eleva o GER em cerca de 10%. Portanto, deve ser considerado durante a programação das necessidades energéticas. A utilização de fórmulas como a clássica Harris e Benedict para estimar o GER não é recomendada, em razão das alterações metabólicas e da grande variabilidade dos valores individuais do GER observadas nos pacientes com DHC. Tais fatores induzem a elevada margem de erro na estimativa do GER. O resultado do GER em pacientes com cirrose estimado por várias fórmulas para o cálculo de gasto energético foi significativamente mais baixo do que os valores obtidos por calorimetria indireta, em ambos os sexos.
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O valor energético total (VET) deve ser distribuído normalmente entre os macronutrientes. Recomenda-se que os lipídios não sejam ofertados acima de 30% do VET, para evitar desconforto abdominal, retardo no esvaziamento gástrico e hiperlipidemias. Os carboidratos podem compor 50 a 60% do VET, dando-se preferência aos açúcares complexos. Os carboidratos simples podem ser usados normalmente, desde que a glicemia esteja controlada e que se considere a resistência à insulina e a intolerância à glicose, comuns nos pacientes com cirrose.
Necessidades proteicas Para pacientes com doença hepática compensada, a proteína pode ser ofertada em quantidades similares às sugeridas à população saudável, ou seja, cerca de 0,8 a 1 g/kg de peso atual ou ideal/dia, para manter ou promover balanço nitrogenado positivo (BN+). No entanto, para melhorar a retenção nitrogenada, é necessário administrar valores de proteína em torno de 1,2 a 1,8 g/kg de peso/dia. Em pacientes com indicação cirúrgica para transplante de fígado, hepatectomia ou ressecção esofágica, recomenda-se administrar proteína na quantidade de 1 a 1,5 g/kg de peso/dia. Atualmente, não se indica restrição proteica como profilaxia da EH, pois a maioria dos pacientes com DHC tolera bem a proteína dietética até valores próximos de 1,75 g/ kg de peso/dia. Quando for constatada intolerância proteica, pode-se substituir a proteína animal por vegetal e as fórmulas-padrão por fórmulas suplementadas com AACR.
Necessidades de micronutrientes O zinco é um elemento-traço essencial para o crescimento, o desenvolvimento e a diferenciação normal das células, pois está envolvido na síntese de DNA, na transcrição de RNA, na ativação e divisão celular. Por ser componente ativo de diversas enzimas e fatores de transcrição, observam-se alterações no metabolismo e deficiência de zinco em várias doenças hepáticas, incluindo a doença alcoólica do fígado (DAF) e a doença hepática viral. Os principais mecanismos para a deficiência de zinco e alterações no metabolismo desse oligoelemento envolvem a redução da ingestão diária, o aumento da excreção urinária, a ativação dos transportadores de zinco e indução de metalotioneína hepática. Nas doenças hepáticas, a deficiência de zinco geralmente se manifesta por lesões de pele, má cicatrização de feridas, dificuldade para regeneração hepática, alteração do estado mental alterado e anormalidades na função imune. Apesar de modelos experimentais com DAF demonstrarem que a suplementação com zinco promove a melhora e a estabilização da barreira intestinal reduzindo a endotoxemia, a produção de citocinas pró-inflamatórias e o estresse oxidativo e que também atenua a apoptose dos hepatócitos; os ensaios clínicos que comprovam esses efeitos benéficos da suplementação de zinco ainda são limitados. No entanto, já está bem comprovado que a suplementação com 50 mg de zinco elementar reverte os sinais clínicos da deficiência desse mineral em pacientes com DHC, principalmente de origem alcoólica e pode melhorar inclusive marcadores de fibrose em pacientes com hepatite crônica por vírus C. A suplementação de zinco e vitamina A pode favorecer indiretamente o ganho de peso, graças à melhora da sensação gustativa e ao estímulo para alimentação voluntária dos pacientes.
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Na DHC, pode ocorrer deficiência ou excesso de ferro, sobretudo em pacientes alcoólatras. A anemia ferropriva geralmente está presente quando ocorre hemorragia digestiva por lesões gastrintestinais provocadas pelo álcool, ou por hipertensão portal, com varizes esofágicas hemorrágicas. Indica-se suplementar por via oral ou parenteral os nutrientes comprometidos, para prevenir ou reverter manifestações clínicas de deficiências nutricionais. Como a deficiência de elementos-traços em geral é de difícil diagnóstico, a suplementação desses nutrientes pode ser instituída liberalmente. Em alcoólicos crônicos com excesso de ferro plasmático, ou pacientes com alteração no metabolismo deste mineral (hemocromatose), recomenda-se a redução do ferro alimentar com acompanhamento periódico dos valores plasmáticos, para evitar progressão do dano hepático. A restrição do sal está indicada apenas quando ocorrer retenção hídrica, de sódio (Na) e sobrecarga de fluidos. Pacientes hospitalizados podem requerer restrição severa de sódio (250 a 500 mg/dia), o que corresponde a 0,63 a 1,3 g de sal acrescido às preparações. A restrição excessiva de sódio pode piorar significativamente a palatabilidade da dieta, ocasionando importante redução da ingestão alimentar. Portanto, deve-se evitar ao máximo a restrição acentuada de sódio para pacientes não hospitalizados. Se houver sobrecarga fluida nesses pacientes, sugere-se restrição leve, em torno de 2,5 g de sódio ou 6 g de sal de adição por dia. Dessa maneira, garante-se o efetivo manejo de fluidos, sem limitar a ingestão energética e proteica do paciente.
Alterações do padrão alimentar
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A terapia nutricional consiste em instrumento importante no tratamento das DHC porque melhora a qualidade de vida, reduz o tempo de permanência hospitalar e eleva a sobrevida dos pacientes com lesão hepática. É necessário introduzir novo padrão alimentar para esses pacientes, incluindo maior fracionamento de cardápio (5 a 6 refeições/dia), evitar longos períodos em jejum, utilizar alimentos de fácil digestibilidade e alta densidade calórica, administrar no período noturno suplementos energéticos e usar dietas quimicamente definidas. Tais medidas são eficazes para prevenção da hipoglicemia, reversão da oxidação excessiva de substratos e prevenção da perda de peso, comprovadas por medidas de balanço nitrogenado e calorimetria indireta.
TRATAMENTO NUTRICIONAL DA ESTEATOSE HEPÁTICA O tratamento consiste no controle de problemas associados (obesidade, diabete e hiperlipidemia) e na interrupção de fármacos potencialmente hepatotóxicos que possam piorar a esteatose. A terapia medicamentosa visa impedir a evolução do dano hepático, sendo indicada para pacientes com risco de desenvolver DHC, de acordo com o critério clínico. A obesidade e o diabete melito tipo 2 são as principais condições clínicas que levam à esteatose hepática. A redução do peso corporal pode reverter a esteatose e melhorar o perfil bioquímico, mas pode contribuir para aumentar a fibrose hepática se esse quadro já estiver instalado.
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a proteína, a fibra e os isoflavonoides da soja possuem efeito redutor de lipídios plasmáticos; s os constituintes da soja atuam como agentes protetores contra dislipidemia, favorecem a perda de peso, o controle da resistência à insulina e a normalização da glicemia, aspectos importantes no tratamento da DHGNA; s a proteína da soja pode alterar ainda o padrão da expressão de fatores de transcrição (SREBP, PPAR) e genes relacionados com o metabolismo de carboidratos e lipídios no tecido hepático e adiposo, favorecendo a manutenção da homeostase orgânica.
DOENÇAS HEPÁTICAS
Recomenda-se terapia nutricional durante seis meses, objetivando perda de peso gradativa de aproximadamente 10% do peso corporal com dieta hipocalórica em torno de 25 kcal/kg/dia e 6 horas/semana de atividade física aeróbia. A distribuição dos macronutrientes pode ser programada para obtenção de dieta hipolipídica com 65% de carboidratos, 12% de proteína e 23% de lipídios. A perda de peso, principalmente se for gradual, pode contribuir para total reversão do quadro histológico, mas ainda não foi determinado qual o tempo da redução de peso requerido para normalização da histologia hepática. No entanto, deve-se evitar perda de peso de forma rápida e intensa para evitar evolução da esteatose e intensificação do dano hepático. Pacientes com alto grau de infiltração gordurosa, submetidos à rápida perda de peso com alteração importante da composição corporal, pode promover inflamação portal e fibrose. Da mesma maneira, a inanição ou jejum total pode induzir fibrose portal e pericelular, estase biliar e necrose focal. Esse efeito negativo da perda de peso observado em alguns pacientes provavelmente é ocasionado pelo aumento da concentração de ácidos graxos circulantes. Esse aumento se deve à rápida mobilização dos triglicérides armazenados no tecido adiposo, associada a grande exposição do fígado aos ácidos graxos livres. Portanto, não é recomendado indicar dietas com valor energético muito baixo para controle da esteatose hepática, a não ser quando a administração de dieta-padrão em torno de 1.200 calorias se mostrar ineficiente. Nesses casos, recomenda-se ter critérios para indicação, usar de bom senso, considerar os aspectos individuais e priorizar a manutenção da saúde do paciente. A soja (glicina max) destaca-se como alimento funcional indicado para a terapia nutricional para a DHGNA, por apresentar excelente valor nutricional, uma vez que contém alto teor proteico, carboidratos complexos, fibras, minerais como cálcio, zinco e vitaminas do complexo B. A soja contém, ainda, compostos fitoquímicos bioativos como isoflavonoides totais, genisteína, daidzeína, gliciteína e saponina, que possuem propriedades quimioprotetoras já confirmadas por meio de trabalhos clínicos. O consumo diário dos constituintes bioativos da soja pode modular o metabolismo hepático de lipídios, fornece substratos proteicos de alto valor biológico, sem aumentar o risco do desenvolvimento de complicações como EH nos pacientes com DHC avançada. A administração de aproximadamente 25 g de proteína da soja na dieta dos pacientes com DHGNA pode controlar a dislipidemia associada, reduzir a glicemia de jejum e aumentar a tolerância à glicose. O mecanismo de ação da soja no manejo de doenças relacionadas a distúrbios do metabolismo lipídico pode ser atribuído aos seguintes efeitos:
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A Tabela 17.12 esquematiza as principais estratégias nutricionais para controlar a esteatose hepática alcoólica e não alcoólica. TABELA 17.12 02).#)0!)3 %342!4³')!3 .542)#)/.!)3 0!2! #/.42/,!2 ! %34%!4/3%
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(ÉBITOSALIMENTARES %STIMULAR
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Ingestão de 3 a 5 porções de frutas e verduras por dia. Porção pode ser uma unidade, fatia, pedaço ou 1 xícara para vegetais folhosos
Ingestão de produtos alimentícios industrializados hipercalóricos contendo frutose, gorduras saturadas, transaturadas, glutamato monossódico, corantes e excesso de aditivos
Ingestão de carnes magras, aves ou peixes assados, cozidos ou grelhados, com pouca gordura de adição
Uso de banha, gorduras saturadas, transaturadas, manteiga, maionese, molhos industrializados e gordurosos, alimentos empanados, queijos amarelos, etc.
Seleção de cortes magros, como fraldinha, alcatra, músculo, acém, filé mignon, peixes e carne de cordeiro, que são mais saudáveis ao fígado
Alimentos gordurosos (principalmente de origem animal), carnes gordas, frituras
Ingestão de pelo menos um tipo de grão (milho, soja, ervilha, grão-de-bico), em pelo menos uma refeição
Jejum prolongado, pois, além de desviar o metabolismo para armazenar gordura, propicia o acúmulo de gordura no fígado (esteatose hepática, fase pré-cirrótica)
Consumo de apenas um cálice de vinho tinto no jantar; isso favorece a diminuição do colesterol e estimula o metabolismo dos triglicérides
O consumo alcoólico permanente de 4 ou mais doses/dia (40 g/dia) não é aconselhado, pelo risco progressivo de aumentar o dano hepático associado ao consumo alcoólico
Consumo de castanhas, nozes, brócolis, cebola, alho, cereais integrais, peixes de carnes brancas e ácidos graxos ômega-3, frutos do mar ricos em minerais, como zinco e selênio, pois são poderosos antioxidantes e estimulam o sistema imunológico. Esses nutrientes podem reduzir a incidência de hepatite
Ingestão de mais de quatro ovos/semana Evitar excesso de preparações contendo ovos, como massas, bolos, empanados e suflês
Se a dieta não for suficiente para controlar a esteatose, recomenda-se o uso de suplementos como a lecitina e os fatores lipotrópicos (colina, inositol e L-metionina)
Consumo excessivo de doces, açúcar de adição, alimentos e bebidas contendo excesso de frutose, como xarope de milho, xarope de caramelo comum nos refrigerantes do tipo cola. Outros refrigerantes também são desaconselhados
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SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS ASSOCIADAS À DIETA A terapia com suplementos nutricionais e princípios bioativos, em associação às alterações no padrão alimentar, pode trazer benefícios principalmente para pacientes que apresentam dificuldades para perder peso ou manter dieta para redução de peso por longos períodos, bem como nos casos em que a intervenção dietética isolada não apresentar efeitos consistentes.
DOENÇAS HEPÁTICAS
Pacientes com obesidade e outras doenças relacionadas, como diabete, hiperlipidemia e doença cardiovascular, necessitam de acompanhamento médico para ajustar a dosagem de medicação e monitorar os exames bioquímicos durante a perda de peso.
Ácidos graxos ômega-3 A suplementação com ácidos graxos ômega-3, eicosapentaenoico (EPA) e docosa-hexaenoico (DHA) tem sido associada com a redução plasmática da concentração do ácido araquidônico, o qual é o principal estimulador da via da ciclo-oxigenase. Por inibir competitivamente a via da ciclo-oxigenase e atenuar a resposta inflamatória, o efeito dos ácidos graxos ômega-3 pode ser comparado aos medicamentos anti-inflamatórios nas doenças que envolvem processo inflamatório. Estudos sugerem que a suplementação dietética com EPA e DHA reduzem a ação de citocinas pró-inflamatórias, promovem melhora do perfil lipídico e aumentam a sensibilidade periférica à insulina em pacientes diabéticos. Evidências científicas atuais justificam a recomendação da inclusão dos ácidos graxos ômega-3 como componente dietético importante para os pacientes com DHGNA e NASH por causa modulação de genes relacionados à betaoxidação. O ácido graxo DHA e o EPA induzem biologicamente o catabolismo de constituintes lipídicos no parênquima hepático, por meio da ativação da via mediada pelo receptor ativado por proliferador de PPAR e inibem a transcrição de genes com ação lipogênica no fígado, via inativação do fator de transcrição SREBP ou elemento regulador do esterol ligado à proteína.
S-adenosil-metionina (SAMe) O ciclo normal do metabolismo da metionina produz a S-adenosilmetionina, substância que exerce efeito hepatoprotetor porque eleva o nível da glutationa nos hepatócitos. A glutationa desempenha importante função antioxidante, protegendo o parênquima hepático contra a ação dos radicais livres e o estresse oxidativo gerado principalmente pelas reações de fase I da detoxificação de xenobióticos. A metionina é também a precursora imediata da SAMe (S-adenosilmetionina), o doador de radical metil, substrato importante para a síntese de fosfatidilcolina necessária para a exportação hepática de VLDL (lipoproteína de muito baixa densidade) e triglicérides. Portanto, a deficiência de metionina pode estar relacionada com alterações no metabolismo lipídico e desenvolvimento de doenças hepáticas relacionadas com infiltração gordurosa. Trabalho realizado com pacientes com NASH comparados com indivíduos clinicamente estáveis demonstrou que esses pacientes apresentavam resistência à insulina
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e apresentavam significativamente maiores concentrações plasmáticas de PCR ultrassensível, de TNF-alfa e outras citocinas inflamatórias. Além disso, as taxas de metilação de homocisteína e transmetilação de metionina foram significativamente menores nos pacientes com NASH em comparação com os controles. Estes resultados confirmam que os pacientes com NASH apresentam alterações importantes no metabolismo da metionina e reforça a importância da utilização de estratégias nutricionais para suplementação com SAMe e vitaminas envolvidas no metabolismo da metionina. As alterações induzidas pelo etanol sobre o metabolismo da metionina estão relacionadas diretamente com os mecanismos fisiopatológicos da DAF. Nessa condição, observa-se alta prevalência de desnutrição e deficiências de folato, piridoxina e cianocobalamina, vitaminas relacionadas com o metabolismo hepático da metionina, induzindo desvio metabólico, com consequente aumento da homocisteína e redução da S-adenosilmetionina, a qual regula a expressão epigenética de genes relevantes para a inativação das vias indutoras de lesão hepática. O uso de SAMe e betaína durante o retratamento da hepatite C crônica em associação com interferon peguilado e ribavirina (pegIFN-alfa/ribavirina) apresentou boa tolerabilidade e segurança.
Vitamina E A vitamina E (alfatocoferol) é um excelente antioxidante principalmente contra peroxidação lipídica da membrana celular, supressão do TNF-alfa, IL-1, IL-6, IL-8, além de inibir a expressão gênica do colágeno alfa-1. O tratamento oral com 400 a 1.200 UI de alfatocoferol por 4 a 10 meses melhorou significativamente as provas de função hepática em relação aos controles sem suplementação dessa vitamina.
Silimarina
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O Cardo-Mariano ou Silybum marianum é um fitoterápico originário do Mediterrâneo e é utilizado no tratamento de doenças hepáticas há várias décadas. O composto denominado silimarina é extraído dos frutos e sementes do Cardo-Mariano, sendo formado por três isômeros flavonolignanas denominados silibinina, silidinina e silicristina com efeitos hepatoprotetores e antioxidantes. A silibinina é o componente com o maior grau de atividade biológica e representa 50 a 70% de silimarina. Extrato de Cardo-Mariano parece ter efeito sobre DHC, particularmente quando essas doenças estão relacionadas ao consumo de álcool, doenças hepáticas induzidas por toxinas, medicamentos e doenças hepáticas virais. Revisão sistemática que analisou estudos realizados com a silimarina ou silibina isolada sobre as células hepáticas, em modelos experimentais com lesão hepática, ou com pacientes com DHC, demonstrou que trabalhos in vitro e in vivo comprovaram efeitos antifibrótico, anti-inflamatório e antioxidantes da silibina. Os resultados indicaram que a biodisponibilidade do fitosomo da silibina é tão alta quanto da silimarina e é menos
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influenciada pelo dano hepático. No entanto, os estudos realizados com humanos ainda são insuficientes para confirmar a eficácia clínica da prescrição da silimarina nas DHC. Trabalhos clínicos são promissores, e a silibina pode ser uma droga em potencial para as DHC. Já foi demonstrado que a administração de silimarina melhora a sintomatologia clínica e provas de função hepática de pacientes com hepatite aguda com etiologia diversificada. A utilização do fitoterápico promove regressão dos sintomas e sinais da hepatite aguda relacionados à retenção biliar, como colúria e icterícia, além de redução significativa da bilirrubina indireta.
TRATAMENTO NUTRICIONAL DA ENCEFALOPATIA HEPÁTICA As opções de tratamento terapêutico para HE são atualmente limitadas e apresentam riscos e benefícios associados à sua utilização. Para o controle da EH, sugere-se principalmente evitar os fatores desencadeantes, limitar a ingestão de proteínas de origem animal na dieta, utilizar aminoácidos de cadeia ramificada (AACR) e administrar terapia redutora de amônia, como dissacarídeos não absorvíveis (lactulose), probióticos e simbióticos. Considerando que o uso de lactulose pode apresentar alguns efeitos adversos como distensão e dor abdominal e que sua eficácia tem sido questionada pela literatura recente, atualmente estão disponíveis cada vez mais evidências favoráveis dos tratamentos alternativos, como administração de AACR, aspartato ornitina, suplementação de zinco, benzoato de sódio, acarbose e probióticos. A terapia nutricional no indivíduo com EH tem como objetivos evitar ou controlar a perda ponderal, regular a produção entérica de amônia e controlar o catabolismo proteico muscular. Para tanto, é necessário prescrever dieta rica em nutrientes anti-inflamatórios, antioxidantes e fibras alimentares, evitar longos períodos de jejum, principalmente noturno, além de reduzir a produção e absorção intestinal de amônia.
Prescrição de proteína Atualmente, a indicação de dietas hipoproteicas está proscrita, pois estudos demonstram que as dietas com restrição proteica, além de não reduzirem o grau da EH, comprometem o estado geral e nutricional do paciente prejudicando a normalização do quadro neuropsiquiátrico. Neste sentido, recomenda-se o aumento da ingestão proteica em pacientes com cirrose e insuficiência hepática, com a inclusão adequada de fontes alimentares de proteínas de fácil digestibilidade e com perfil aminoacídico e lipídico contendo maior percentual de aminoácidos ramificados e ácidos graxos mono ou poli-insaturados, preferencialmente de origem vegetal ou à base de peixes. Na Tabela 17.13, estão sistematizados os alimentos contraindicados e permitidos para dieta rica em aminoácidos de cadeia ramificada.
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446 TABELA 17.13 !,)-%.4/3#/.42!).$)#!$/3%0%2-)4)$/30!2!$)%4!2)#!%-!-)./#)$/3
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!LIMENTOSCONTRAINDICADOS Queijos amarelos Gema de ovo Carne bovina Carne suína Frango e derivados !LIMENTOSPERMITIDOS Azeite, óleos vegetais, soja em grãos Bebida láctea à base de soja, tofu, leite e laticínios de cabra, peixe congelado, carne de cordeiro, carne caprina Cebola, pimentão, tomate, limão, chuchu, legumes em geral Molho de tomate, ameixas, uva passa, abacate Farinha de tapioca, farinha de trigo integral, fubá Abobrinha, cenoura, cogumelos, vagem, pepino, brócolis, espinafre, berinjela, batata, maçã, mamão, banana, couve-flor Leite de coco, baunilha, amido de milho, arroz, feijão, grão-de-bico, milho, lentilha, palmito Condimentos: pimenta-do-reino, salsinha, alho, canela, cominho, louro, coentro, manjericão, gengibre, cúrcuma Fonte: Walsh e Alexander, 2000.
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Esse plano terapêutico associa-se a uma melhora significativa no estado mental dos pacientes, com manutenção de massa corporal proporcionada por ingestão proteica adequada, pois os músculos esqueléticos constituem uma rota alternativa aos hepatócitos e astrócitos na depuração da amônia em excesso. Estudos sugerem que proteínas vegetais são mais bem toleradas do que proteínas animais nos pacientes com insuficiência hepática, devido a seu maior conteúdo de AACR, além de sua influência no trânsito intestinal. Pacientes com EH inicial podem ser beneficiados com a manutenção da dieta hiperproteica indicada para pacientes com cirrose hepática, apenas com seleção cuidadosa de fontes alimentares. No entanto, vale ressaltar que naqueles pacientes com intolerância proteica grave, bem como em pacientes nos estágios III e IV de EH, é recomendável que o consumo proteico seja reduzido por curtos períodos e preferencialmente com a utilização de AACR para complementar a prescrição.
Aminoácidos de cadeia ramificada Pesquisas demonstraram forte correlação entre o desequilíbrio dos níveis plasmáticos de aminoácidos aromáticos (AACA), aminoácidos de cadeia ramificada e EH. Desde então, estudos têm sido realizados com o intuito de comprovar o efeito benéfico de soluções enriquecidas com AACR sobre a evolução da EH. Fórmulas suplementadas com AACR são indicadas para tratar pacientes com encefalopatia grave, de modo a garantir o fornecimento de nitrogênio adequado para manter o metabolismo, sem prejudicar o estado mental desses pacientes.
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DOENÇAS HEPÁTICAS
Os AACR são normalmente derivados de laticínios e vegetais e constituem substratos para síntese proteica, podendo ser úteis para a conservação e restauração da massa muscular em estágios avançados de insuficiência hepática. Podem potencializar a detoxificação da amônia, dando suporte à síntese de glutamina nos músculos esqueléticos, promovendo a quantidade necessária de nitrogênio ao organismo, sem que haja repercussões negativas no estado mental do indivíduo. Dessa maneira, é possível minimizar o catabolismo proteico, melhorar o estado nutricional e as manifestações clínicas da EH. Segundo Marchesini et al. (2000), existem fortes argumentos para utilização dos AACR na EH: em pacientes que apresentam cirrose e são desnutridos, os AACR podem ser utilizados como fonte energética para prevenir o catabolismo endógeno, sem sobrecarregar a função hepática; a oferta exógena de AACR é válida porque eles podem competir com os AACA pela passagem na barreira hematoencefálica, prevenindo a entrada de aminas tóxicas no SNC; suplementos de AACR podem ser utilizados para atingir a necessidade proteica diária nos pacientes com intolerância à proteína-padrão, garantindo adequado balanço nitrogenado.
A suplementação em longo prazo de AACR mostrou-se eficaz em aumentar a sobrevida, prevenir a progressão da falência hepática e diminuir a taxa de internamentos hospitalares em pacientes portadores de cirrose em estágio avançado. A suplementação de AACR no período noturno apresentou efeito positivo no equilíbrio do nitrogênio, síntese de tecido magro e níveis de albumina plasmática em pacientes com cirrose, quando comparada com administração do suplemento no horário diurno.
L-ornitina e L-aspartato (LOLA) A combinação dos aminoácidos L-ornitina e L-aspartato (LOLA) é atualmente considerada como potencial estratégia para redução da hiperamonemia característica da EH. Ambos os aminoácidos atuam como substrato para a produção de glutamato no músculo esquelético, que será convertido em glutamina, aumentando a captação e depuração muscular da amônia circulante. Foi demonstrada melhora significativa no quadro clínico dos pacientes submetidos a terapia com LOLA para a EH em estágios I e II, com uma redução mais rápida e pronunciada no teor de amônia plasmática. No entanto, questiona-se que a redução do teor sanguíneo de amônia ocasionada por LOLA seja apenas transitória, uma vez que um aumento na concentração de glutamina eventualmente pode se tornar uma fonte de amoniogênese renal ou intestinal. São necessários mais estudos para inferir se a utilização de LOLA em longo prazo traz benefícios significativos.
Suplementação com zinco Foi demonstrado que a suplementação de 50 mg de sulfato de zinco por 90 dias melhorou os marcadores bioquímicos da função hepática, além de prevenir a evolução clínica da cirrose e evitar o acúmulo de cobre em pacientes com cirrose de origem não alcoólica.
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A suplementação oral com 225 mg de zinco mostrou-se eficaz sobre a EH e gerou melhora da qualidade de vida de pacientes com cirrose. Observou-se melhora do grau de EH, dos níveis de amônia no sangue, escore de Child-Pugh e testes neuropsicológicos. No entanto, considerando-se que o limite máximo de tolerância para prescrição nutricional do zinco é 40 mg/dia, recomenda-se que a suplementação desse oligoelemento não exceda esse valor.
Pré, pró e simbióticos Em pacientes com DHC, o número de bactérias não patogênicas no organismo, principalmente Bifidobacterium e Lactobacillus, está reduzido enquanto o teor de bactérias produtoras de urease está elevado. Portanto, o benefício terapêutico dos pré e probióticos nos pacientes com insuficiência hepática consiste em acidificar o lúmen intestinal, por meio da fermentação da fibra alimentar pelas bactérias bifidogênicas, gerando ácido láctico, etanol e CO2, o que modula a microbiota bacteriana e gera redução significativa dos níveis de amônia plasmática. Além disso, os probióticos reduzem a produção de amônia intestinal por meio da glutaminase dos enterócitos, bem como atuam na modulação de respostas inflamatórias. Recomenda-se que a utilização de probióticos no tratamento da EH não seja a primeira ou única escolha, mas esteja em associação com outras abordagens terapêuticas, sendo que os probióticos mais indicados na EH são os lactobacilos, pois sua administração não apresenta efeitos colaterais e o custo é bastante acessível. Ao lado do controle da encefalopatia com manejo da dieta, recomenda-se associar o tratamento com administração oral de neomicina para reduzir a microbiota intestinal e controlar o aumento da amônia sanguínea. A lactulose também pode ser utilizada com efeito laxante, para reduzir o pH intestinal e a absorção colônica de amônia, aminoácidos aromáticos, ácidos graxos de cadeia curta, mercaptanas e ácido gama-aminobutírico (GABA), agentes relacionados com o desencadeamento da EH.
NUTRIÇÃO ENTERAL E PARENTERAL
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A indicação para terapia nutricional enteral (NE) ou parenteral (NP) deve considerar a condição clínica de cada paciente, os riscos e os benefícios de cada método. A via de escolha para suplementação nutricional tem de ser sempre a oral, por ser mais segura, eficiente e menos invasiva. Quando não houver condições favoráveis para suprir as necessidades nutricionais por essa via, indica-se o uso da NE, quando o sistema digestório estiver em plenas funções. As sondas nasoenterais de material macio e de fino calibre estão indicadas, mesmo na presença de varizes esofágicas, exceto quando houver sangramento ativo. Recomenda-se, sempre que possível, o uso de bomba de infusão para melhorar a tolerância à dieta. Caso contrário, deve-se evitar infusão de grandes volumes para reduzir o desconforto abdominal, principalmente em pacientes com ascite importante. Nesses pacientes, as ostomias estão contraindicadas, tendo em vista o risco de complicações como peritonite e extravasamento do líquido ascítico. As fórmulas enterais industrializadas selecionadas para NE podem ser liofilizadas, para garantir maior flexibilidade do volume quando houver indicação para restrição hídrica, desde que produzidas em sala de preparo adequada. Recomenda-se o uso de fórmulas com
449 DOENÇAS HEPÁTICAS
densidade calórica maior que 1 kcal/mL para favorecer ganho de peso, teor de sódio menor ou igual a 40 mEq/dia, que contenham todos os aminoácidos essenciais. As fórmulas suplementadas com AACR estão indicadas quando houver intolerância à proteína animal. Dieta rica em proteína vegetal e hidrolisado proteico à base de caseína pode ser mais bem tolerada que a proteína animal. A nutrição parenteral está indicada quando as necessidades nutricionais não puderem ser supridas por via oral ou enteral, e em situações como presença de hemorragia gastrintestinal e falência intestinal ou no pós-operatório abdominal imediato. A nutrição parenteral periférica pode ser útil para suplementar a nutrição oral ou enteral, sobretudo para ofertar aminoácidos no curso de hepatites graves. As calorias não proteicas devem ser administradas conforme a tolerância do paciente quanto à sobrecarga de glicose e emulsão lipídica. É importante acompanhar os valores de glicemia e o perfil lipídico periodicamente para controlar a adequação da terapia nutricional. Na presença de encefalopatia graus 1 e 2, pode-se utilizar solução de aminoácidos-padrão, desde que haja acompanhamento cuidadoso da carga proteica total e do quadro clínico do paciente. Se ocorrer agravamento do quadro encefalopático (graus 3 e 4), recomenda-se a utilização de fórmulas suplementadas com AACR. Em pacientes estáveis, sugere-se o uso de emulsões lipídicas convencionais à base de triglicérides de cadeia longa (TCL) em torno de 25 a 40% das calorias não proteicas. O uso de emulsões lipídicas especiais (TCM/TCL) ou restrição lipídica para 1 vez/semana está indicado apenas quando houver colestase ou esteatorreia e hipertrigliceridemia, respectivamente. A Tabela 17.14 sintetiza as diretrizes da terapia nutricional nas DHC. TABELA 17.14 $)2%42):%3$!4%2!0)!.542)#)/.!,.!3$/%.£!3(%04)#!3#2½.)#!3
Hepatopatia
0ROTEÓNA GKGDIA
%NERGIA KCALKGDIA
6%4
6%4
OBJETIVOS
(#
,IP
Hepatite aguda ou crônica
1 a 1,5
30 a 40
67 a 80
20 a 33
Cirrose compensada ou descompensada
1 a 1,5
30 a 40
67 a 80
20 a 33
Prevenir desnutrição Favorecer regeneração
Desnutrição
1 a 1,8
30 a 50
72
28
Tratar desnutrição
Colestase
1 a 1,5
30 a 40
73 a 80
20 a 27
Tratar má absorção Suprir necessidades nutricionais sem precipitar EH
Prevenir desnutrição Favorecer regeneração
Encefalopatia Grau 1 ou 2
1 a 1,2
25 a 40
75
25
Grau 3 ou 4
0,5*
25 a 40
75
25
Pré
1,2 a 1,75
30 a 50
70 a 80
20 a 30
Pós
1
30 a 35
> 70
≤ 30
Transplante Restaurar ou manter estado nutricional
AACR: aminoácidos de cadeia ramificada; EH: encefalopatia hepática; PC: peso corporal; VET: valor energético total; HC: carboidratos; Lip.: lipídios. Fonte: McCollough et al., 1998. *Adicionar 0,25g/kg/dia de AACR.
17
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
450
TRANSPLANTE HEPÁTICO O TxH torna-se necessário àqueles pacientes em estágio final da doença hepática e hepatobiliar. A taxa de sobrevida entre pacientes transplantados tem aumentado em razão de avanços em técnicas cirúrgicas e utilização de novas terapias farmacológicas. O aumento no risco de morbidade e mortalidade é maior em pacientes com outros históricos médicos e familiares, como obesidade, hipercolesterolemia, hipertensão, doenças cardiovasculares ou diabete. Além desses fatores, o estado nutricional é fator importante que influencia a sobrevida dos pacientes submetidos a TxH; portanto, o acompanhamento nutricional individualizado está indicado, considerando-se as diferentes etapas da evolução clínica e as complicações apresentadas pelo transplantado.
Terapia nutricional no transplante hepático A terapia nutricional no transplantado tem como principal objetivo promover a adequada cicatrização, além de prevenir ou tratar infecções e alterações nutricionais para melhorar o prognóstico do paciente. A oferta proteica no pré-operatório pode ser em torno de 40 a 60 g/dia, considerando o estado nutricional, a má absorção e a presença de encefalopatia. Para evitar esteatose hepática nesses pacientes, recomenda-se não promover sobrecarga energética, principalmente fornecida por carboidratos, ofertando-se de 30 a 40% do VET na forma de lipídios, desde que os pacientes não sejam hiperlipidêmicos.
Fase pré-transplante hepático Normalmente, a desnutrição está presente nos estágios finais ou na descompensação da doença hepática. A DEP é um fator prognóstico aos pacientes com cirrose que serão submetidos a TxH. Nessa fase, recomenda-se planejar dieta nutricional completamente, de modo que seja de fácil digestão, fracionada e adequada às condições individuais do paciente. Assim, controlam-se ou minimizam-se os efeitos negativos da desnutrição pré-existente, para favorecer a evolução clínica pós-TxH.
17
Fase pós-transplante hepático Com base no acompanhamento nutricional individualizado, observa-se aumento nas necessidades nutricionais no período de pós-TxH. Nessa fase, deve ser oferecida dieta hipercalórica e hiperproteica, para promover adequada cicatrização, manter níveis bioquímicos normais e minimizar proteólise e perda de peso. São vários os riscos que os pacientes enfrentam durante os primeiros 30 dias pós-transplante. Quadros infecciosos, rejeição aguda e toxicidade aos agentes imunossupressores estão frequentemente presentes nesses pacientes. A terapia nutricional deve, então, ser preconizada como tentativa estratégica de manter em equilíbrio as funções metabólicas e fisiológicas, reverter o desequilíbrio energético-proteico decorrente da insuficiência hepática e minimizar os efeitos colaterais da medicação imunossupressora.
451 DOENÇAS HEPÁTICAS
A dieta oral pode ser iniciada em, no mínimo, 24 horas pós-cirurgia, porém com maior aceitação dentro de 2 a 5 dias pós-transplante, quando geralmente se observa melhora dos sintomas como náusea, anorexia, alteração de paladar, diarreia ou obstipação. A indicação de terapia nutricional no pós-operatório imediato pode ocorrer quando não for possível atingir, em curto prazo, as necessidades nutricionais do paciente. Observa-se boa tolerância gastrintestinal quando a nutrição enteral é iniciada até 12 horas após TxH, com maior ingestão calórico-proteica e menor risco para infecção viral e bacteriana. Nas Tabelas 17.15 e 17.16, estão relacionadas as recomendações e as necessidades nutricionais no pós-operatório tardio e imediato para pacientes submetidos a TxH. TABELA 17.15 .%#%33)$!$%3.542)#)/.!)30¼3 42!.30,!.4%(%04)#/
.UTRIENTES
#ONDI ÎO
.ECESSIDADESNUTRICIONAIS
Calorias
Paciente estável
1,3 × GER
Paciente desnutrido
1,5 × GER
Pós-operatório imediato e suspeita de rejeição
1,5 a 2 g/kg/dia
Insuficiência renal e diálise
1,2 g/kg/dia
Estável
70% de calorias não proteicas
Diabete
Dieta para diabético
Estável
30% de calorias não proteicas
Má absorção
↓ TCL e ↑ TCM
Pancreatite
Jejum ou oferta mínima de lipídios, dependendo do grau de inflamação e disfunção pancreática
Estável
1 mL/kg de peso seco
↑ Perdas urinárias
Repor
Proteínas Carboidratos Lipídios
Líquido
Restringir líquidos Eletrólitos
Hiponatremia
↓ Líquidos: 1 a 1,5 L/dia
Hipernatremia
↑ Líquidos
Ascite grave, edema
↓ Sódio: 2 a 4 g/dia
Hipocalemia
Suplementar potássio
Hipercalemia
↓ Ingestão de potássio
Hipofosfatemia
Suplementar fósforo
Hiperfosfatemia
Carreadores de fósforo
Hipomagnesemia
Suplementar magnésio
GER: gasto energético de repouso; TCL: triglicérides de cadeia longa; TCM: triglicérides de cadeia média. Fonte: Silva e Waitzberg, 2001.
17
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
452 TABELA 17.16 2%#/-%.$!£À%3 0!2! #/.42/,!2 !3 !,4%2!£À%3 .542)#)/.!)3 4!2$)!3
0¼3 42!.30,!.4%(%04)#/
!LTERA ÜES
#AUSAS
2ECOMENDA ÜES
Obesidade
Hiperfagia
Mudar hábito alimentar
Melhora da absorção
Mudar imunossupressor
Inatividade
Aumentar atividade física
Dieta não balanceada
120 a 130% do GER
Ingestão exagerada
Tratamento clínico
Genética Diabete
Hiperlipidemia
Resistência à insulina
Dieta para diabético com redução de sacarose e alimentos de alta carga glicêmica
Deficiência de insulina
Agentes hipoglicemiantes
Genética
Mudar imunossupressor
Obesidade
Modificar hábito alimentar
Idade
Modificar hábito alimentar
Obesidade
Dieta (lipídios: 30% do VET)
Genética
Tratamento clínico
Diabete
Mudar imunossupressor
Dieta
Óleo de peixe
Inatividade
Estimular a prática de atividade física monitorada
Disfunção renal
Tratamento clínico
Anti-hipertensivo
Ajustar tratamento medicamentoso
Proteinúria
Tratamento clínico
Imunossupressores Hipertensão
17 Osteoporose
Ciclosporina*
↓ Sódio (2 a 4 g/dia)
Tacrolimo
Perder peso
Genética
Tratamento clínico
Obesidade
Modificar hábito alimentar
Doença prévia
Vitamina D
Corticosteroide
Cálcio (1 a 1,5 g/dia)
Inatividade
Restringir fumo e álcool
Abuso de álcool
Estrogênio para mulher
Uso de diurético
Mudar imunossupressor
↓ Estrogênio na mulher
Tratamento hormonal monitorado por especialista
Hiperparatireoidismo
Tratamento hormonal monitorado por especialista
Cigarro
Abolir tabagismo
* Causa vasoconstrição. GER: gasto energético de repouso; VET: valor energético total. Fonte: Silva e Waitzberg, 2001.
453
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DOENÇAS HEPÁTICAS
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CAPÍTULO
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Transtornos alimentares
FERNANDA BAEZA SCAGLIUSI
INTRODUÇÃO – DEFINIÇÕES, CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E EPIDEMIOLOGIA Transtornos alimentares (TA) são transtornos psiquiátricos, com graves complicações clínicas. As complicações clínicas decorrentes dos TA estão relacionadas principalmente ao comprometimento do estado nutricional (em função da restrição alimentar autoimposta) e às práticas compensatórias inadequadas para o controle e a perda de peso – vômitos autoinduzidos, uso de diuréticos, anfetaminas, enemas e laxativos. Tais complicações são diversas e graves, incluindo alterações endócrinas, cardíacas, pulmonares, renais, dentárias, além das seguintes doenças: hipercolesterolemia, hipoglicemia, osteopenia, osteoporose, hipocalemia, hipomagnesia, hiponatremia, hipofosfatemia, distúrbios acidobásicos, anemia, lanugo, constipação, esofagite, pancreatite aguda, entre outras. Neste capítulo, serão abordados a anorexia nervosa (AN), a bulimia nervosa (BN), o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) e os transtornos alimentares não especificados (TANE). A AN, a BN e os TANE possuem, atualmente, seus critérios diagnósticos definidos pela Associação Psiquiátrica Americana, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). As Tabelas 18.1 e 18.2 apresentam, respectivamente, os critérios diagnósticos para AN e BN. 455
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
456 TABELA 18.1 #2)4³2)/3$)!'.¼34)#/30!2!!./2%8)!.%26/3! 3%'5.$//$3- )6%!#)$
$3- )6
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1. Recusa em manter o peso dentro ou acima do mínimo normal adequado à idade e à altura; p. ex., perda de peso, levando à manutenção do peso corporal abaixo de 85% do esperado, ou fracasso em ter o peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menor que 85% do esperado
1. Há perda de peso ou, em crianças, falta de ganho de peso, e o peso corporal é mantido pelo menos 15% abaixo do esperado
2. Medo intenso do ganho de peso ou de se tornar gordo, mesmo com peso inferior ao normal
4. Um transtorno endócrino generalizado envolvendo o eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal é manifestado, em mulheres, como amenorreia, e, em homens, como uma perda de interesse e potência sexuais (uma exceção aparente é a persistência de sangramentos vaginais em mulheres com anorexia nervosa que estão recebendo terapia de reposição hormonal, mais comumente tomada como uma pílula contraceptiva)
3. Perturbação no modo de vivenciar peso, tamanho ou forma corporais; excessiva influência de peso ou forma corporais na maneira de se autoavaliar; negação da gravidade do baixo peso 4. No que diz respeito especificamente às mulheres, há ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos, quando é esperado ocorrer o contrário (amenorreia primária ou secundária). Considera-se que uma mulher tem amenorreia se seus períodos menstruais ocorrem somente após o uso de hormônios, como estrogênio administrado 5. Subtipos:
18
Restritivo: não há episódio de comer compulsivamente ou prática purgativa (vômito autoinduzido, uso de laxantes, diuréticos enemas)
2. A perda de peso é autoinduzida. Evitam-se “alimentos que engordam” 3. Há uma distorção da imagem corporal na forma de uma psicopatologia específica de um pavor de engordar
Comentários: se o início é pré-puberal, a sequência de eventos da puberdade é demorada ou mesmo detida (o crescimento cessa; nas garotas, as mamas não se desenvolvem e há uma amenorreia primária; nos garotos, os genitais permanecem juvenis). Com a recuperação, a puberdade é com frequência completada normalmente, porém a menarca é tardia. Os seguintes aspectos corroboram o diagnóstico, mas não são elementos essenciais: vômitos autoinduzidos, purgação autoinduzida, exercícios excessivos e uso de anorexígenos e/ou diuréticos
Purgativo: existe episódio de comer compulsivamente e/ou purgação DSM-IV: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana; CID-10: Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, da Organização Mundial da Saúde. Fonte: APA, 1994; OMS, 1993.
457
$3- )6
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A. Episódios recorrentes de consumo alimentar compulsivo (episódios bulímicos) tendo as seguintes características:
A. O paciente sucumbe a episódios de hiperfagia, nos quais grandes quantidades de alimento são consumidas em curtos períodos (pelo menos 2 vezes/semana durante um período de 3 meses)
1. Ingestão em pequeno intervalo de tempo (p. ex., aproximadamente em 2 horas) de uma quantidade de comida claramente maior à que a maioria das pessoas comeria no mesmo tempo e nas mesmas circunstâncias 2. Sensação de perda de controle sobre o comportamento alimentar durante os episódios (p. ex., a sensação de não conseguir parar de comer ou controlar o que e quanto come) B. Comportamentos compensatórios inapropriados para prevenir o ganho de peso, como vômito autoinduzido; abuso de laxantes, diuréticos ou outras drogas; dieta restritiva ou jejum; ou, ainda, exercícios vigorosos C. Os episódios bulímicos e os comportamentos compensatórios ocorrem, em média, duas vezes por semana, por pelo menos três meses D. A autoavaliação é indevidamente influenciada por forma e peso corporais
TRANSTORNOS ALIMENTARES
TABELA 18.2 #2)4³2)/3$)!'.¼34)#/30!2!"5,)-)!.%26/3! 3%'5.$//$3- )6%!#)$
B. Preocupação persistente com o comer e um forte desejo ou sentimento de compulsão a comer C. O paciente tenta neutralizar os efeitos “de engordar” por meio de vômitos autoinduzidos, purgação autoinduzida, períodos de alternação de inanição e/ou uso de drogas, como anorexígenos, laxantes, preparados tireoidianos ou diuréticos. Quando a bulimia ocorre em pacientes diabéticos, eles podem negligenciar seu tratamento insulínico D. Há uma autopercepção de estar muito gordo, com pavor intenso de engordar, e ocorre a realização de exercícios excessivos ou jejuns
E. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa F. Tipos: Purgativo: autoindução de vômitos, uso indevido de laxantes e diuréticos, enemas Sem purgação: sem práticas purgativas, porém com prática de exercícios excessivos ou jejuns DSM-IV: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana; CID-10: Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, da Organização Mundial da Saúde. Fonte: APA, 1994; OMS, 1993.
Os TANE incluem quadros parciais de AN e BN, também chamados de atípicos ou subclínicos. Estes incluem condições nas quais há uma relação disfuncional para com a alimentação e a imagem corporal, mas que não preenchem todos os critérios diagnósticos supracitados. Pode-se citar como exemplo o caso de uma mulher que preenche todos os critérios para AN, exceto pela presença de ciclos menstruais regulares.
18
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
458
O TCAP encontra-se, atualmente, descrito no apêndice B do DSM-IV como uma condição que necessita de maior investigação. Seus critérios diagnósticos sugeridos estão apresentados na Tabela 18.3. Entretanto, os critérios diagnósticos da Tabela 18.3 estão sendo revistos pelo grupo de trabalho que está formulando a quinta edição do DSM. Conforme divulgado em seu website, a nova classificação compreenderá os seguintes quadros: (1) pica; (2) transtornos de ruminação; (3) transtorno de evitação ou restrição alimentar; (3) AN; (4) BN; (5) TCAP; e (6) outros TANE (que incluem os TA atípicos, purgação, síndrome da alimentação noturna e uma categoria residual). TABELA 18.3 #2)4³2)/3 $)!'.¼34)#/3 $/ 42!.34/2./ $! #/-05,3²/ !,)-%.4!2
0%2)¼$)#! 3%'5.$//$3- )6!0´.$)#%"
Episódios recorrentes de compulsão alimentar, com ingestão de uma quantidade de comida definitivamente maior que a maioria das pessoas comeria em um período similar e sob circunstâncias similares Perda de controle sobre a ingestão durante o episódio (sentir que não consegue parar de comer ou controlar o que está comendo) Os episódios de compulsão alimentar estão associados a 3 (ou mais) das seguintes características: s Comer mais rápido que o habitual s Comer até sentir-se “cheio” s Comer grandes quantidades de comida mesmo sem estar com fome s Comer sozinho por se sentir envergonhado pela quantidade ingerida s Ter repulsa por si próprio, sentir-se deprimido ou muito culpado após a compulsão s Muita angústia em virtude dos episódios de compulsão alimentar Os episódios de compulsão alimentar ocorrem, no mínimo, em 2 dias da semana por 6 meses. O método de determinação da frequência difere daquele usado na BN; pesquisas futuras devem definir se o método preferido para a determinação da frequência de corte será contar o número de dias nos quais os episódios de compulsão alimentar ocorrem ou o número de episódios
18
Os episódios de compulsão alimentar não estão associados com medidas compensatórias inadequadas e não ocorrem exclusivamente durante a presença de AN ou BN AN: anorexia nervosa; BN: bulimia nervosa; DSM-IV: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana. Fonte: APA, 1994.
Os TA são condições clínicas raras, que tendem a afetar principalmente adolescentes e adultos jovens do sexo feminino. Estudos originais e de revisão apontam que a prevalência de AN é de 0 a 0,9% em mulheres jovens, e que a de BN é de em torno de 1% para mulheres e 0,1% para homens. Os TANE parecem ter maior prevalência, variando, em geral, de 1 a 4%. Como os critérios diagnósticos do TCAP não são ainda bem estabelecidos e a definição do que é uma compulsão alimentar varia entre os estudos, poucos estudos com entrevistas para fins diagnósticos têm sido feitos. As pesquisas com
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aplicação de questionário sugerem uma prevalência de 1 a 5%. Tal transtorno é mais frequente entre indivíduos obesos, conforme indicam estudos comunitários e clínicos. A prevalência mundial de TA ao longo da vida de uma dada população, considerando a AN, a BN, o TCAP e os TANE, é de 5%. Entretanto, ressalta-se que esses dados referem-se a populações europeias e norte-americanas. Diversos estudos rastrearam sintomas de TA em vários grupos populacionais brasileiros, mas, até o limite do conhecimento atual, nenhum estudo mediu no Brasil a prevalência dos TA “fechados” a partir da aplicação de entrevistas para fins diagnósticos.
TRATAMENTO ESPECIALIZADO PARA AS PESSOAS COM TRANSTORNOS ALIMENTARES Os TA são caracterizados por complexos aspectos biológicos, genéticos, psicológicos, nutricionais e socioculturais, e, por este motivo, o tratamento deve ser interdisciplinar. A equipe mínima de tratamento deve ser constituída por médico psiquiatra, psicólogo e nutricionista. Assim, o nutricionista que recebe um paciente “novo” que não seja acompanhado por estes profissionais supracitados deve encaminhar o paciente a eles. Além destes, outros profissionais podem contribuir para o tratamento, como enfermeiros, educadores físicos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. A equipe deve ser treinada na área de TA, e é imprescindível que haja boa comunicação entre os profissionais. Preferencialmente, a supervisão da equipe deve ser feita por um profissional experiente. Os TA são condições extremamente complexas, tanto no tocante à sua psicopatologia e às suas complicações clínicas quanto aos desafios que eles criam para os profissionais de saúde. Portanto, seu tratamento deve ser o mais complexo e abrangente possível, não se limitando a modalidades ou raciocínios singulares. O tratamento da AN e da BN pode ser feito em regime ambulatorial, de internação completa ou parcial (hospital-dia), dependendo da severidade e da cronicidade, tanto dos componentes clínicos quanto comportamentais da doença. Costuma-se conduzir o tratamento do TCAP em regime ambulatorial, e raramente é necessário internação, a qual pode ocorrer em especial em casos de manifestação de comorbidades psiquiátricas, e não em função do TCAP em si. De forma geral, os critérios clínicos para internação completa, independentemente do tipo de TA, são: alterações clínicas, metabólicas e fisiológicas significativas; perda de peso importante (ou falta de ganho de peso) a despeito do tratamento ambulatorial ou em regime de internação parcial; diminuição rápida e persistente do consumo alimentar; conhecimento de que, com peso semelhante, aquele paciente já apresentou instabilidades metabólicas importantes; agravamento ou surgimento de comorbidades psiquiátricas graves; e autoagressão, com ideação e planos suicidas claros, bem como risco elevado de suicídio. A alta da internação deve ocorrer quando os critérios estabelecidos para sua ocorrência e permanência não procedem mais. Contudo, é extremamente importante que a internação completa seja seguida por tratamento de hospital-dia ou ambulatorial. Estes terminam quando o paciente atinge todos os objetivos do tratamento (que serão apresentados no próximo tópico) e demonstra recursos para conseguir manejar sua condição.
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Finalmente, cabem alguns comentários sobre as modalidades e o manejo do tratamento. Embora a internação completa facilite a aceitação de uma dieta adequada e o controle dos comportamentos compensatórios e seja necessária para salvar a vida de muitos pacientes, os profissionais envolvidos podem se debruçar sobre as questões de institucionalização. É comum encontrar pacientes que abandonaram suas vidas pessoais e profissionais por causa das exigências do tratamento e que não conseguiram retomá-las depois. Usualmente, estes se tornam pacientes crônicos, pois o transtorno é o único elemento que preenche sua vida. Também é comum encontrar pacientes que se tornam dependentes do ambiente de tratamento para se alimentar, não desenvolvendo autonomia para fazê-lo por conta própria. Isso deve ser considerado uma falha do próprio tratamento. A autora nota, em sua experiência na área, um distanciamento entre os profissionais da área de TA e aqueles que militam por tratamentos mais livres e participativos, com inspiração nas experiências da “reforma psiquiátrica”. É possível que uma aproximação entre esses campos, embora seja, provavelmente, árdua e conflituosa, seja capaz de construir tratamentos mais eficazes e menos institucionalizantes e estigmatizantes.
CUIDADO NUTRICIONAL PARA AS PESSOAS COM TRANSTORNOS ALIMENTARES
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O cuidado nutricional para as pessoas com TA segue a mesma sequência dos demais tratamentos nutricionais: avaliação nutricional inicial; formulação do diagnóstico nutricional; intervenção e acompanhamento (com reavaliações). Destaca-se, entretanto, que os procedimentos devem ser discutidos com a equipe interdisciplinar que acompanha o caso. Além disso, a intervenção deve ser construída junto com o paciente e, em alguns casos, com seus familiares. Os métodos de avaliação nutricional incluem medidas antropométricas, bioquímicas, clínicas e alimentares que, no atendimento nutricional a portadores de TA, devem ser utilizados com adaptações e cautela. Recomenda-se o uso de entrevistas abertas, calcadas na escuta empática, que consigam obter dados objetivos e subjetivos. Os seguintes dados devem ser coletados por meio de anamneses não estruturadas: s
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informações básicas: idade, contatos, estado civil, filhos, escolaridade, profissão, nível socioeconômico, com quem mora e como, indicação para tratamento, narrativa da história de vida; informações quanto à saúde: doenças pregressas e vigentes, tratamentos já realizados ou em andamento, medicamentos, suplementos, qualidade do sono, sintomas atuais, com atenção especial às complicações típicas dos TA, como alterações gastrintestinais, bucais e endócrinas;
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informações quanto ao peso corporal: histórico de variação do peso, histórico da prática de dietas, flutuações de peso e questões de imagem corporal (p.ex., conceitos sobre qual considera ser seu peso ideal e graus de insatisfação corporal); informações quanto à alimentação: histórico dos hábitos alimentares do paciente e de sua família, consumo alimentar habitual e atual (com possível cálculo posterior da ingestão de nutrientes, se for necessário), evidências de compulsões alimentares, crenças, sentimentos e pensamentos sobre alimentação, alimentos evitados; informações quanto aos comportamentos compensatórios: uso de laxantes, diuréticos, enemas e remédios para emagrecer, indução de vômitos, realização de jejuns ou restrições alimentares e prática de atividade física; informações quanto à prática de atividade física: tipo, frequência, duração e intensidade.
O exame físico deve investigar alterações nos cabelos (ressecamento e diminuição da espessura, volume e quantidade), na pele (presença de lanugo, ressecamento) e nas unhas (geralmente fracas, quebradiças e com mudança brusca de cor no frio). No tocante aos exames laboratoriais, recomenda-se que o nutricionista monitore os seguintes parâmetros: densidade óssea, eletrólitos séricos, hemograma, reticulócitos, ferro, ferritina, transferrina, vitamina B12, creatinina, ureia, glicemia, albumina, pré-albumina, colesterol total e frações. Exames endoscópicos, hepáticos, cardíacos e hormonais devem ser solicitados e avaliados pelos médicos. Os parâmetros antropométricos, como o índice de massa corporal (IMC), a área muscular do braço, as dobras cutâneas e a circunferência muscular do braço, são importantes para se avaliar a gravidade do caso e a resposta ao tratamento. Todavia, dois alertas são necessários. Em primeiro lugar, é importante usar os dados obtidos para comparação com o histórico do próprio paciente, avaliando assim sua evolução. Em segundo lugar, os momentos de mensuração e a discussão das medidas devem ser conduzidos com sensibilidade, respeito e discrição. Além disso, tais medidas não devem ter papel central no atendimento. Após a coleta dos dados subjetivos, antropométricos, bioquímicos, clínicos e alimentares, o nutricionista deve articular seus resultados, a fim de estabelecer nexo entre as medidas e de elaborar um diagnóstico nutricional que norteie o tratamento. O diagnóstico nutricional deve responder às seguintes questões: (1) qual é o perfil do paciente; (2) quais são as causas e condições; e (3) quais são as demandas e necessidades. É útil mostrar ao paciente os resultados das avaliações supracitadas, discutindo o que elas significam. Contudo, vale ressaltar que muitos pacientes com quadros graves de TA não apresentam alterações significativas nos exames bioquímicos, em função da reduzida volemia, do uso de suplementos e de alterações metabólicas. Para a elaboração da intervenção, devem estar claros os objetivos do tratamento. Os objetivos do tratamento nutricional para os diversos TA encontram-se na Tabela 18.4.
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462 TABELA 18.4 /"*%4)6/3$/#5)$!$/.542)#)/.!,0!2!/342!.34/2./3!,)-%.4!2%3
/BJETIVOSCOMUNSAOTRATAMENTODEPESSOASCOMQUALQUERTRANSTORNOALIMENTAR Melhorar a estrutura, o consumo e as atitudes alimentares Ajudar o paciente a perceber os sinais de fome e saciedade Diminuir ou eliminar os distúrbios de imagem corporal Diminuir a restrição alimentar autoimposta Estabelecer práticas alimentares saudáveis /BJETIVOSESPECÓFICOS 0ARAPESSOASCOMANOREXIANERVOSA
0ARAPESSOASCOMBULIMIA NERVOSA
0ARAPESSOASCOMTRANSTOR NODACOMPULSÎOALIMENTAR
Restabelecer um peso corporal saudável
Cessar os episódios bulímicos e o uso de métodos compensatórios inadequados
Cessar os episódios de compulsão alimentar
Cessar as práticas para perda de peso
Normalizar as funções do trato gastrintestinal (esvaziamento gástrico lento, distensão gástrica, constipação)
Promover, de forma moderada, lenta e sustentável, a perda de peso, se esta for necessária
Corrigir sequelas decorrentes da desnutrição Cessar os episódios de compulsão alimentar e o uso de métodos compensatórios, caso estes existam Fonte: adaptada de Alvarenga et al., 2011.
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O cuidado nutricional das pessoas com TA deve ser feito de forma individualizada e compreender técnicas e procedimentos da dietoterapia (no caso da AN), da educação alimentar e do aconselhamento nutricional. Recomendam-se, para o tratamento inicial, consultas semanais ou quinzenais com o nutricionista, de acordo com a gravidade do quadro. Arnaiz (2009) fez uma crítica extensa, com base em dados etnográficos, sobre as formas de tratamento nutricional para pessoas com TA. De acordo com a autora, os serviços estudados se pautavam em modelos biomédicos, coercitivos e autoritários e desconsideravam os aspectos relacionais e simbólicos que permeiam a alimentação. Ela ainda apontou como problemática a aplicação de um programa de educação nutricional que tentava inculcar hábitos saudáveis por meio de uma suposta alimentação adequada, que era administrada como se fosse um remédio e que impunha controle e uma rotina rígida à vida cotidiana. Muitas vezes, eram apresentadas aos pacientes refeições prontas, sem que eles tivessem qualquer participação em seu planejamento, aquisição, preparo e consumo. Isto gerava pouca aceitação ao tratamento e maiores dificuldades no período após a alta, quando os pacientes se confrontavam com diversas situações sociais para as quais não tiveram nenhum suporte. Arnaiz (2009) afirmou que é surpreendente que os profissionais de saúde que definem os pacientes com AN como “obcecados por dietas” usem a mesma estratégia – a dieta – para tratar essa condição clínica. Dessa maneira, é necessário ouvir os pacientes, dar voz às suas experiências, prestar atenção às questões socioculturais que envolvem os TA (como a medicalização da alimentação e da saúde, a construção histórica de gênero, entre outras) e formular novas concepções e estratégias de cuidado nutricional.
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o diálogo; a escuta empática; a abertura para o encontro; o reconhecimento de que o paciente não é desprovido de conhecimentos e recursos; o agir com o outro, e não para o outro; o relacionamento significativo, que por si só já é parte do tratamento; o foco nas atitudes alimentares; as intervenções de longo prazo, nas quais a educação é um dos componentes (e não o principal); o uso de um plano de ação muito individualizado (em vez de uma dieta), que evolui com o tempo.
As atitudes alimentares compreendem os pensamentos, os sentimentos, os comportamentos e as crenças para com a alimentação, descrevendo, portanto, a forma como o indivíduo se relaciona com o comer. Para estabelecer esta prática de aconselhamento, o nutricionista necessita de sensibilidade, treinamento, supervisão e experiência, para assumir o papel do que se denomina “terapeuta nutricional”. Procedimentos como prescrição de dietas (exceto na fase crítica da AN), contagem de calorias ou pesagem dos alimentos também devem ser desencorajados, por reforçar os sintomas e as atitudes típicos dos TA. Strober e Johnson (2012) reforçam a importância da habilidade dos clínicos envolvidos no tratamento dos TA, afirmando que “a lição comumente aprendida no trabalho clínico é que a habilidade necessária para administrar bem o tratamento da AN transcende o que é apresentado mesmo no mais rigoroso manual de tratamento”. Esses autores também ressaltaram que “a aplicação de uma técnica, seja a partir de um manual ou não, pode ter valor, porém é necessário mais do que isso, especialmente quando se trata de casos difíceis”. Estes pontos reforçam a necessidade de experiência, treinamento e supervisão dos terapeutas nutricionais, para que se possa avançar em termos teóricos e práticos e constituir novas concepções e condutas de cuidado. O terapeuta nutricional deve estabelecer, junto com o paciente, metas individuais de acordo com sua necessidade específica. Tais metas devem atender às necessidades mais urgentes do paciente, mas também devem considerar a capacidade do paciente em alcançá-las naquele momento, o que pode promover motivação e diminuição dos sentimentos de frustração e incapacidade. Um instrumento que auxilia nesse processo é o diário alimentar. Por meio dele, o paciente monitora seu comportamento alimentar, registrando aspectos como: quais alimentos foram consumidos e a quantidade, os horários e locais das refeições, a ocorrência de compulsões e purgações, a companhia durante as refeições, uma “nota” para o quanto de fome estava sentindo antes de alimentar-se e outra para o quanto de saciedade ele obteve com aquela ingestão, além dos sentimentos
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Nessa nova forma de cuidar, o “tom” do tratamento nutricional é pautado pela nutrição clínica ampliada e pelo aconselhamento nutricional, que pode ser entendido como um “encontro entre duas pessoas para examinar com atenção, olhar com respeito e deliberar com prudência e justeza sobre a alimentação de uma delas” (Motta, 2011). Os seguintes princípios formam o cerne dessas concepções:
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e pensamentos associados. As Tabelas 18.5 e 18.6 apresentam, respectivamente, modelos de diários alimentares para pessoas com AN ou BN e para aquelas com TCAP. O paciente preenche o diário ao longo de seu cotidiano e leva-o preenchido à consulta nutricional. A partir desses dados, o terapeuta nutricional deve mapear, junto com o paciente, quais são os comportamentos que merecem prioridade para mudança, entendendo que não é possível mudar todos os comportamentos imediatamente. Deve-se, subsequentemente, elaborar uma lista de estratégias para mudança, que especifica como o paciente atingirá cada meta. É necessário atentar não só ao consumo alimentar, mas também à estrutura da alimentação (número de refeições, horários, intervalos entre elas) e às atitudes alimentares (pensamentos, sentimentos, crenças e comportamentos para com a alimentação). Os distúrbios de imagem corporal também são uma das características mais marcantes dos TA. A abordagem desses distúrbios não deve ser conduzida isoladamente, mas, sim, como um componente do tratamento interdisciplinar. Já que a imagem corporal é um constructo multidimensional (e não apenas psicológico), o terapeuta nutricional pode contribuir para a abordagem desses distúrbios, contanto que ele se dedique a investigar mais o tema, tenha supervisão especializada, compartilhe experiências e desenvolva ações conjuntas com os outros profissionais da equipe. Intervenções verbais, como atividades educativas e propostas calcadas na terapia cognitivo-comportamental, podem ser conduzidas com sucesso pelos terapeutas nutricionais. Por exemplo, é relevante discutir os conceitos de peso ideal com base na amplitude da variação de adequação, na compleição física e no histórico de peso, determinando-o em função da saúde e não de padrões de beleza ou da exigência pessoal. De maneira geral, o peso “ideal” do paciente será aquele alcançado naturalmente, com a suspensão das práticas compulsivas, purgativas e restritivas. Também é importante discutir os padrões atuais de beleza, investigando o significado e o impacto que eles têm para os pacientes, ao mesmo tempo que se procura relativizá-los. A American Dietetic Association (ADA) dividiu o tratamento nutricional das pessoas com TA em duas fases: 1. Fase educacional: compreende a avaliação nutricional (com consecutiva formulação do diagnóstico nutricional) e a intervenção inicial, geralmente mais calcada na educação alimentar e, em alguns casos, na dietoterapia (especificamente para pacientes com AN). 2. Fase experimental: envolveria o uso intensivo do aconselhamento nutricional. Tal divisão pode ser considerada um tanto quanto arbitrária. Por exemplo, a escuta empática e o estabelecimento de vínculo e de colaboração são princípios do aconselhamento nutricional e, doravante, deveriam pertencer à fase experimental. Contudo, se ambos não estiverem presentes na avaliação nutricional (que se situa na fase educacional), provavelmente o paciente não se sentirá seguro para falar sobre si próprio, e não serão coletadas informações fidedignas. Talvez essa divisão possa ser útil para lembrar aos profissionais de que é importante trabalhar princípios e conceitos relevantes da educação alimentar (sobre alimentos, nutrientes, guias alimentares, fome, saciedade, apetite, efeitos da restrição alimentar e das práticas purgativas, ingestão e gasto energético), assim como fornecer orientações básicas para a família, mas que tais ações não são suficientes.
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Fonte: adaptada de Alvarenga et al., 2011.
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Apenas ter conhecimento sobre saúde, alimentação e nutrição não promove mudanças significativas em pessoas com TA, uma vez que o conhecimento nutricional é um determinante pífio das práticas alimentares. Ademais, a educação alimentar não deve trazer uma visão dogmática ou biomédica. Ao incorporar os princípios da nutrição clínica ampliada e do aconselhamento nutricional, o terapeuta nutricional torna-se apto a praticar a própria educação alimentar de forma diferente, dando espaço e ênfase para os aspectos subjetivos, socioculturais e psicológicos da alimentação. Alvarenga et al. (2011) apresentaram protocolos detalhados dos programas de educação alimentar e aconselhamento nutricional desenvolvidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP, por meio do Programa de Transtornos Alimentares, do Instituto de Psiquiatria, para pacientes com AN, BN e TCAP). Tais protocolos foram desenvolvidos e testados na referida instituição há algum tempo e, em função disso, utilizaram os guias alimentares disponíveis naquele período (p.ex., a pirâmide alimentar), que, atualmente, não são considerados adequados por diversos pesquisadores. Mesmo com essa limitação, estes protocolos ilustram como deve ser o foco da educação alimentar para esses pacientes e apresentam diversas dinâmicas adequadas para o trabalho da imagem corporal e das atitudes alimentares. Embora a prescrição de dietas não seja a abordagem efetiva e ética de tratamento nutricional para pessoas com TA, ela é um passo necessário no início do tratamento de indivíduos com AN. Isso ocorre porque a realimentação de pacientes desnutridos pode ocasionar complicações clínicas potencialmente perigosas, especialmente se ela for excessivamente rápida. Essas complicações são conhecidas como “síndrome da realimentação” (ou síndrome do roubo celular), que consiste em uma miríade de distúrbios metabólicos, como alterações de fluidos e eletrólitos (como hipofosfatemia, hipocalemia, hiponatremia), edema, complicações neurológicas, cardiológicas, pulmonares, neuromusculares e hematológicas. Os riscos para tal síndrome são ainda maiores quando é administrada nutrição enteral ou parenteral. Assim, a alimentação deve ser cautelosa, com monitoração dos eletrólitos. Para tanto, é necessário calcular a ingestão energética atual do paciente, suas metas de restauração de peso, suas necessidades nutricionais para atingir esse ganho e, após os cálculos, evoluir sua dieta gradativamente. Contudo, há de se considerar que este fluxo de procedimentos não é sempre linear, pois os aspectos individuais e subjetivos estão sempre presentes e também porque muitos métodos de avaliação nutricional e de cálculo de necessidades energéticas apresentam baixa validade quando aplicados a pessoas com AN. De acordo com a literatura científica, ainda não está estabelecida a melhor prática em termos de restauração de peso para pacientes com AN. Para avaliar o consumo energético atual do paciente, podem ser usados alguns dias de recordatório alimentar de 24 horas ou de diário alimentar. Em casos em que não seja possível esperar vários dias para iniciar o tratamento, o uso da história alimentar é indicado. Muitas vezes, é necessário verificar os dados relatados pelo paciente com os seus familiares. As metas de restauração do peso corporal devem ser graduais, já que o ganho rápido de peso pode acarretar as complicações mencionadas e que esse processo é extremamente impactante e difícil para os pacientes. É possível trabalhar com o conceito de fases de tratamento, sendo que, em cada fase, há uma meta de peso a ser atingida. É importante
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que tais metas e fases sejam discutidas e pactuadas com o paciente e seus familiares. Inicialmente, deve-se estabelecer como meta um peso minimamente saudável, que seja superior ao IMC de 17,5 kg/m2, atingido quando as necessidades nutricionais são preenchidas. No caso de meninas e mulheres na pós-menarca, um peso-alvo minimamente saudável também é aquele em que a menstruação e ovulação normais são recuperadas. No entanto, como algumas pacientes continuam a menstruar mesmo com baixo peso, um peso-alvo mínimo é geralmente estimado como 90% do peso ideal para a altura, de acordo com as faixas de adequação de IMC. A última meta de restauração de peso consiste em atingir e manter um peso-alvo ideal (100% do peso ideal para a altura), de acordo com as faixas de adequação do IMC. Todavia, é delicado estabelecer tal peso a priori ou apenas com base nos parâmetros populacionais. Deve-se considerar o peso habitual que o paciente costumava manter antes do TA. Ademais, o terapeuta nutricional deve construir junto com o paciente o conceito de peso naturalmente saudável, ou seja, o peso corporal que o indivíduo naturalmente atinge quando sua alimentação é adequada (sem restrições e compulsões alimentares), quando ele não pratica purgações e quando ele pratica atividade física de forma saudável (sem excessos ou caráter de purgação ou punição). Não é possível calcular previamente qual será esse peso, pois ele é atingido naturalmente, em um processo de tentativa e erro. Além de tais metas de peso-alvo, devem ser estabelecidas metas controladas de ganho de peso: de 900 a 1.300 g/semana para pacientes de enfermaria, 500 a 900 g/semana para pacientes em internação parcial e de 200 a 450 g/semana para pacientes de ambulatório. No entanto, não existem fórmulas que permitam calcular o quanto deve ser consumido (em termos energéticos) para se obter um ganho de “200 g/semana” para um paciente específico. A resposta individual varia extremamente, dependendo do grau de baixo peso e de diversos fatores, como atividade física, uso de métodos purgativos, baixa ingestão de líquidos, baixo peso crônico, tipo de restrição alimentar e velocidade da perda de peso. Ademais, a aceitação da dieta pelo paciente deve ser considerada. A literatura apresenta uma grande variedade de recomendações energéticas para o ganho de peso na AN. Sabe-se que as necessidades energéticas para o ganho de peso variam ao longo do tratamento e são influenciadas pelas diferenças interindividuais citadas anteriormente, contudo, a maioria dos programas de enfermaria começa a realimentação com ingestão de 500 a 700 kcal/dia, com variações de acordo com o IMC e o consumo alimentar habitual do paciente. É crucial monitorar o balanço de eletrólitos e a ingestão de líquidos, além de se avaliar a necessidade de suplementação de vitaminas e minerais (de acordo com os resultados dos exames físicos e bioquímicos). Não é possível, atualmente, prever como o peso corporal reagirá a essa realimentação inicial. O peso pode diminuir como resultado da redução da ingestão de líquidos em comparação com uma eventual “super-hidratação” prévia ou pelo fato de que o gasto energético aumenta durante a realimentação. O ganho de peso pode não acontecer até 2 a 3 semanas de tratamento, mas, em contraste, alguns pacientes podem ganhar peso mais rapidamente em função de desidratação prévia, de uma perda de peso muito rápida ou de um histórico de obesidade. É relevante informar o paciente e seus familiares sobre essa imprevisibilidade inicial, para que eles não se frustrem e abandonem o tratamento.
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Após esta fase inicial, recomenda-se que, para promover o ganho de peso em pacientes com AN, o consumo energético comece com 30 a 40 kcal/kg de peso atual/dia, com aumento gradual de até 70 a 100 kcal/dia. O acréscimo progressivo na ingestão energética deve ser feito a cada 24 a 48 horas, aumentando-se de 200 a 300 kcal, conforme tolerância do paciente, para que haja adaptação do sistema digestório e para que o paciente não se sinta tão temeroso quanto ao ganho de peso. Para a manutenção do peso corporal, a ingestão energética deve ser de 40 a 60 kcal/kg de peso atual/dia. Em programas de internação completa e parcial, o terapeuta nutricionista calcula tais necessidades e planeja a composição da dieta, tanto de acordo com as necessidades do paciente, quanto em concordância com os recursos do equipamento de saúde em que este se insere. Ainda assim, é essencial incluir o paciente no planejamento dietético (e, em um momento mais avançado do tratamento, no porcionamento das refeições) e respeitar suas preferências alimentares. No tratamento ambulatorial, a prescrição dietética também é feita pelo terapeuta nutricional nessa fase inicial de tratamento, porém devem ser consideradas as condições financeiras e os aspectos culturais atrelados à alimentação (como questões religiosas) do paciente e seus familiares. Por mais que nesse momento se utilize a dietoterapia (e não o aconselhamento nutricional) como abordagem estratégica, é bastante útil usar as técnicas e concepções do aconselhamento, como a escuta, o vínculo, o entendimento dos aspectos simbólicos e subjetivos atrelados à alimentação e a não imposição de normas a serem seguidas. À medida que o paciente melhora, é imprescindível que ele se apodere e se torne menos dependente do planejamento dietético feito pelo terapeuta nutricional. Neste momento, o tratamento passa a operar com tecnologias mais aconselhativas, leves e relacionais, utilizando a proposta de metas, diálogos e dinâmicas em vez da prescrição dietética. Em todos os momentos do tratamento, é importante que o paciente tenha contato com alimentos reais e, por isso, a alimentação por via oral é a estratégia de primeira escolha. Os suplementos alimentares devem ser usados apenas como complementos e não como a principal forma de alimentação. Esses recursos devem ser usados de forma específica em situações pontuais, como no caso de pacientes que apresentam aumento drástico do gasto energético total (em função da realimentação), que dificilmente pode ser atingido sem o emprego de suplementos. O uso de terapia nutricional enteral ou parenteral em pacientes com TA é raro, em função do risco de síndrome da alimentação e de questões éticas e psicológicas. O emprego desse suporte é mais comum na AN, porém não deve ser o tratamento de primeira escolha e nem o tratamento exclusivo. É importante manter a alimentação por via oral mesmo quando tal suporte é utilizado, para que o paciente desenvolva, gradualmente, recursos para manejar sua alimentação. O suporte nutricional especializado é indicado quando o paciente não consegue atingir suas necessidades energéticas por via oral, seu quadro é extremamente grave e apresenta redução aguda do peso corporal, hipotensão severa, alterações cardíacas, distúrbio dos eletrólitos, desidratação e severidade do ciclo de compulsão alimentar e purgação. Quando tal suporte for necessário, a terapia de escolha deve ser a terapia nutricional enteral, empregando-se a terapia nutricional parenteral apenas quando não for possível usar a
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O cuidado nutricional é componente fundamental do tratamento das pessoas com TA. Entretanto, constitui-se como um desafio, pois exige diversas habilidades para o aconselhamento, como sensibilidade, paciência, empatia e conhecimentos oriundos das ciências humanas, entre outros. É essencial, nessa produção de cuidado, que o encontro terapêutico seja permeado pela complexidade do paciente e pela própria complexidade do ato alimentar. Ademais, também é necessária uma postura existencial de abertura e interesse para com o outro, seja este “outro” o próprio paciente, que deve participar ativamente do tratamento, ou os demais profissionais da equipe interdisciplinar, com quem são compartilhadas discussões e experiências.
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primeira, pelo fato do trato gastrintestinal não funcionar adequadamente ou no caso de pacientes que não possam ser nutridos adequadamente por via oral ou por TNE.
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CAPÍTULO
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Intolerância à lactose e alergia alimentar PATRÍCIA DA GRAÇA LEITE SPERIDIÃO MAURO BATISTA DE MORAIS
INTRODUÇÃO A alergia alimentar está incluída no grupo das reações adversas aos alimentos, que podem ser classificadas em: tóxicas, intolerância e hipersensibilidade (alergia). As reações tóxicas ocorrem quando uma quantidade suficiente de toxina capaz de provocar manifestações clínicas é ingerida por qualquer indivíduo (todos são suscetíveis). Um exemplo é a ingestão de alimento com toxina produzida pelo Staphylococcus aureus ou bacilo cereus. A intolerância depende de suscetibilidade individual. Por exemplo, a intolerância à lactose na hipolactasia do tipo adulto. Assim, a intolerância à lactose é uma reação adversa não tóxica, tendo a deficiência de lactose como fator individual de suscetibilidade. Nessa situação, os indivíduos têm a determinação genética de reduzir a produção de lactase a partir de uma determinada idade. Quando ingere uma quantidade que excede sua capacidade de hidrolisar e absorver esse dissacarídeo, o indivíduo pode apresentar sintomas. As pessoas com hipolactasia do tipo adulto podem ingerir as proteínas do leite de vaca. A ingestão da lactose em quantidade excessiva é a causa dos sintomas em parcela desses indivíduos. A forma mais frequente de intolerância à lactose parece ser consequência da hipolactasia do tipo adulto. Nos mamíferos, exceto humanos, a lactase diminui após o desmame para 5 a 10% da quantidade encontrada no nascimento. A hipolactasia do tipo adulto é
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comum em afrodescendentes, israelitas, mongóis, esquimós e asiáticos, e sua ocorrência em anglo-saxões é baixa. As reações de hipersensibilidade são determinadas por proteínas que desencadeiam reação imunológica, a qual pode determinar várias síndromes clínicas. Segundo o mecanismo imunológico presumivelmente predominante são classificadas em: reações tardias mediadas por células, reações imediatas mediadas por imunoglobulina E (IgE) e reações mistas nas quais ambos os mecanismos (reação por células e IgE) participam. Atenção para a palavra presumível: do ponto de vista prático, até o presente, só existem métodos diagnósticos que permitem a caracterização das reações mediadas pela IgE. Outro ponto fundamental nas reações de hipersensibilidade alimentar, mediadas ou não por células, é que, do ponto de vista científico, existe consenso na literatura da obrigatoriedade de reação de desencadeamento ou desafio positivo para confirmação diagnóstica (exceto quando a reação adversa é grave, como no choque anafilático ou em reações mediadas pela IgE com níveis elevados de IgE específica no soro). Esse ponto determina dificuldades na interpretação dos estudos epidemiológicos que tratam da prevalência de alergia alimentar. Considera-se que o padrão de excelência para o diagnóstico de alergia alimentar seja o teste de desafio duplo-cego controlado por placebo. Na literatura, são encontrados poucos estudos com confirmação por teste de desafio aberto ou fechado, predominando outras abordagens, como questionários respondidos pelos próprios indivíduos ou pais, estudos retrospectivos com revisão de sintomas sugestivos em prontuários ou pesquisa de sensibilização (que não significa alergia) por meio da determinação sérica de IgE específica ou teste cutâneo (prick test). No caso da pesquisa da sensibilização, deve ser considerada, ainda, a falta de padronização. A alergia alimentar é mais prevalente nos primeiros anos de vida, e cerca de 6% das crianças menores de 3 anos de idade experimentam algum tipo de reação alérgica aos alimentos. Ela declina na primeira década de vida e, em adultos, sua prevalência encontra-se em torno de 1,5%.
INTOLERÂNCIA À LACTOSE A intolerância à lactose compreende um conjunto de sintomas decorrentes da má absorção da lactose, um dissacarídeo constituído por uma molécula de glicose e uma de galactose, monossacarídeos absorvidos por meio dos enterócitos. Do ponto de vista fisiopatológico, os sintomas são decorrentes da lactose ingerida que não é absorvida e, na luz intestinal, exerce força osmótica e aumenta o fluxo de fluídos para o interior do intestino, promovendo o aparecimento de distensão, dor ou cólica abdominal, náusea, aumento do borborigmo, aumento da produção de flatos e diarreia. A lactose não absorvida no indivíduo com deficiência de lactase, independentemente de ocorrer intolerância (sintomas) ou não, chega ao cólon, onde é fermentada, produzindo ácidos graxos de cadeia curta e gases, entre os quais se destaca o hidrogênio. Parte do hidrogênio produzido é absorvida no cólon e eliminada no ar expirado; parte dos ácidos graxos de cadeia curta também é absorvida no cólon, sendo utilizada como fonte
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Deficiência primária de lactase Alactasia congênita Doença genética congênita muito rara na qual existe ausência de lactase. Manifesta-se por diarreia quando o recém-nascido recebe leite contendo lactose (humano ou fórmula à base de leite de vaca).
Hipolactasia do tipo adulto
INTOLERÂNCIA À LACTOSE E ALERGIA ALIMENTAR
energética para os colonócitos; e parte dos ácidos é eliminada nas fezes, provocando diminuição do pH fecal. A deficiência de lactase é pré-requisito para que ocorra a intolerância à lactose. Por sua vez, a deficiência de lactase pode ser classificada em duas categorias: deficiência primária de lactase e deficiência secundária de lactase.
Apesar da denominação, a diminuição de lactase pode ter início a partir dos 2 aos 3 anos de idade, em geral dos 4 aos 5 anos, ou até após essa idade. A maior parte dos hipolactásicos tipo adulto é assintomática mesmo quando consome lactose como parte da dieta habitual.
Deficiência secundária de lactase Ocorre em consequência à lesão intestinal por diferentes mecanismos, como, por exemplo, agentes infecciosos e outros, que promovem agressão da mucosa do intestino delgado, acompanhada da diminuição na quantidade de lactase no ápice das vilosidades. Os métodos utilizados com maior frequência no diagnóstico da hipolactasia baseiam-se no aumento da glicemia de jejum (> 20 mg/dL) ou no aumento da concentração de hidrogênio no ar expirado, após dose padronizada de lactose administrada em jejum. Pode ser caracterizada também pela dosagem da própria enzima em fragmentos de biopsia intestinal. Recentemente, a genotipagem vem sendo utilizada na pesquisa sobre hipolactasia do tipo adulto. Do ponto de vista clínico, os indivíduos com má absorção de lactose diagnosticada por métodos laboratoriais devem ser avaliados se apresentarem tolerância a alguma quantidade de lactose. Esse aspecto é importante na distinção da alergia à proteína do leite de vaca, em que geralmente o indivíduo apresenta manifestações independentemente da quantidade de leite ingerida. É importante, também, porque muitos indivíduos com má absorção de lactose ou intolerância a grande dose de lactose, muitas vezes, podem consumir produtos lácteos com menores quantidades de lactose, como o leite de vaca com baixo teor de lactose, queijos, iogurtes, entre outros. Esses alimentos são fontes importantes de cálcio, cujas necessidades são difíceis de serem atendidas quando o indivíduo é mantido em dieta sem leite de vaca e derivados.
Terapia nutricional Deve-se ressaltar a importância de a orientação nutricional ser personalizada, em razão da variabilidade da intolerância à lactose. A dose de lactose tolerada por cada indivíduo
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é diferente. Alguns não necessitam excluir totalmente o leite da alimentação, porém o consumo de lactose deve ser reduzido a uma quantidade que não proporcione o aparecimento dos sintomas, que depende de diversos fatores, como a dose de lactose consumida, o grau de adaptação colônica (pH, trânsito, motilidade, microbiota intestinal), a velocidade de esvaziamento gástrico e a característica física do alimento que contém a lactose (sólido ou líquido), de modo que, embora uma dieta livre de lactose possa ser útil no diagnóstico, a maioria dos indivíduos intolerantes não precisa seguir rotineiramente esse tipo de dieta para evitar os sintomas desagradáveis decorrentes da ingestão desse dissacarídeo. A maioria dos indivíduos com algum grau de deficiência de lactase pode tolerar a quantidade de lactose contida, por exemplo, em um copo de leite (cerca de 12 g), sem apresentar sintomas, especialmente se consumido com outros alimentos. Pequenas quantidades de lactose consumidas ao longo do dia são mais bem toleradas do que se consumidas em uma única refeição. Além disso, alimentos contendo lactose são mais bem tolerados se consumidos juntamente com outros alimentos (ou se a lactose é parte de alimento sólido). Esse fato pode ser atribuído ao retardo no esvaziamento gástrico. O consumo de leite integral gera menos sintomas com menor intensidade quando comparado ao consumo de leite desnatado. Uma das explicações para isso é o retardo do esvaziamento gástrico, que pode ser conseguido, também, por adição de chocolate ao leite. Produtos como queijos, iogurtes, coalhadas e leite fermentado podem ser tolerados pela maioria dos indivíduos que apresentam hipolactasia do tipo adulto, seja por seu reduzido conteúdo de lactose ou pela presença de parte da atividade de betagalactosidase. Queijos do tipo minas (frescal, meia-cura e curado), prato, muçarela, gouda, estepe, requeijão, coalho e queijo manteiga apresentam baixo nível de lactose em relação ao leite. O conteúdo de lactose do leite fermentado é muito inferior ao dos iogurtes e coalhadas, e isso pode ser explicado pela maior atividade de betagalactosidase durante o processo de fermentação do produto ou pela diluição do leite fermentado. No caso dos iogurtes, a lactose presente nesse alimento é mais tolerada e bem digerida que a presente no leite, por causa do retardo do esvaziamento gástrico, do tempo de trânsito intestinal e da capacidade de seus micro-organismos (em especial, Lactobacillus bulgaricus) em hidrolisar a lactose. Atualmente, no mercado brasileiro, há várias opções de leite na forma líquida ou em pó. Existem fórmulas sem lactose para crianças e leite UHT com baixo teor de lactose. O leite com baixo teor de lactose é semelhante ao leite UHT, com sabor normal, contendo todos os nutrientes do leite. Para os lactentes com intolerância secundária à lactose, em geral, no curso de diarreia aguda ou persistente, deve ser preconizada uma fórmula sem lactose, que normalmente é derivada do leite de vaca, pobre ou isento de lactose, além das fórmulas de soja. No início, uma boa estratégia terapêutica é a exclusão completa da lactose da dieta até a remissão dos sintomas. Posteriormente, faz-se a reintrodução gradual da lactose na dieta, considerando-se a dose-limite individual. Estabelecida a dose máxima de lactose
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ALERGIA ALIMENTAR A alergia alimentar está incluída nas reações adversas aos alimentos. Os mecanismos envolvidos na fisiopatologia da alergia alimentar foram motivo de importantes revisões publicadas nos últimos anos. Fundamentalmente, ocorre uma falha na supressão da resposta imunológica a uma determinada proteína, falhando, assim, o mecanismo de tolerância. Apesar do grande acúmulo de conhecimento nas últimas décadas, ainda não se sabe exatamente por qual motivo ocorre desenvolvimento de alergia ao invés de tolerância. O tubo digestivo entra em contato com inúmeros elementos estranhos ao organismo, tanto micro-organismos como alimentos, e precisa discriminar para os quais desenvolverá uma reação imunológica de defesa e com quais deve desenvolver uma relação comensal. Determinados alimentos apresentam maior risco de desencadear alergia, como leite de vaca, ovo, soja, amendoim e frutos do mar, incluindo peixes. Outro ponto fundamental é o momento no qual esses alimentos são introduzidos na dieta. Inquestionavelmente, o aleitamento natural exclusivo continua sendo a melhor prevenção da alergia alimentar. Nos últimos anos, vem sendo investigada a participação da microbiota intestinal no desenvolvimento de alergia. Assim, atribui-se ao fator bifidogênico do leite materno importância em proporcionar a instalação de maior número de bifidobactérias no cólon, em detrimento de bactérias potencialmente nefastas para a saúde. Observou-se que alguns probióticos e prebióticos podem reduzir a ocorrência de dermatite atópica nos primeiros anos de vida. Outro aspecto importante refere-se à hereditariedade. Um exemplo interessante da interação entre fator genético e ambiental pode ser ilustrado pelo aumento de 8 vezes da alergia ao ovo em nascidos por cesariana de mães alérgicas, em comparação com filhos de mães sem alergia nascidos por parto normal. Nos filhos de mães alérgicas nascidos por parto normal, o risco é menor: 2,5 vezes, em vez de 8. O intestino é rico em células com função imunológica. A interação das proteínas da dieta depende da captação de pequena parcela dessas proteínas antes de sua completa digestão. Nesse processo, participam as células M, que se situam anatomicamente próximas às placas de Peyer. Pode ocorrer passagem de antígenos através dos enterócitos
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tolerada, o indivíduo deve assumir mudanças nos hábitos alimentares, como consumir o leite juntamente com outros alimentos, consumir produtos lácteos fermentados e fracionar a ingestão de leite em pequenas quantidades ao longo do dia. Contudo, se essas estratégias não forem eficazes no tratamento da intolerância à lactose, algumas terapias farmacológicas, como a administração de lactase solúvel no leite, cápsulas ou tabletes de betagalactosidase para sólidos, podem ser utilizadas. É importante ressaltar que, independentemente da terapêutica adotada, deve-se considerar a necessidade de suplementação de cálcio, caso o consumo de produtos lácteos não seja garantido. Por fim, deve ser enfatizado que a dieta com reduzido teor de lactose deve atender às necessidades nutricionais do indivíduo e garantir um estado nutricional adequado.
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e também pelo espaço entre proteínas na luz intestinal, respeitando a integridade da superfície epitelial. Sucede o processamento imunológico do intestino desses antígenos. Linfócitos T efetores podem assegurar tolerância oral pela produção de interleucina 10 e fator de crescimento tumoral beta (TGG-beta). Nesse processo, quando há desenvolvimento predominante do sistema denominado Th1, ocorre a tolerância. Quando se observa desvio para dominância da resposta Th2, ocorre sinalização para o desenvolvimento de alergia.
Manifestações clínicas As manifestações da alergia alimentar são muito variadas e dependem das características do indivíduo, do tipo de alimento desencadeante e do mecanismo fisiopatológico envolvido. Mecanismos mediados por IgE são responsáveis pelas reações imediatas que ocorrem minutos ou horas após a ingestão do alérgeno alimentar, desencadeando manifestações clínicas respiratórias, gastrintestinais e, nos casos mais graves, acometem o sistema cardiovascular. Esse tipo de alergia alimentar geralmente é descrito em adultos, associando-se a alimentos como o peixe, crustáceos, amendoim e algumas castanhas. Manifestações cutâneas podem variar de urticária até dermatite herpetiforme, incluindo angioedema. Mecanismos mediados e não mediados por IgE podem estar envolvidos e tem relação com alimentos como frutas, vegetais, peixes e frutos do mar. Nos casos em que há acometimento cardiovascular, a anafilaxia aos alimentos é a mais temida. As reações anafiláticas são graves, potencialmente fatais. Ocorrem subitamente após a ingestão do alérgeno alimentar. Os alimentos mais envolvidos nos processos anafiláticos são: leite de vaca, clara de ovo, amendoim, castanhas, peixes, frutos do mar e trigo.
Terapia nutricional – dieta de exclusão ou dieta de eliminação
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No manejo das alergias alimentares, é importante destacar que o tratamento se baseia na exclusão ou eliminação do alérgeno alimentar, caracterizando-a como “dieta de exclusão”. O principal objetivo do manejo dietético é a retirada das proteínas da dieta, as quais estão relacionadas aos sintomas clínicos. A dieta de exclusão/eliminação deve ser utilizada por pacientes com sintomas persistentes. Além de base do tratamento dietético, a dieta de exclusão é também instrumento fundamental no diagnóstico da alergia alimentar. Permite confirmar a suspeita de alergia alimentar quando ocorre desaparecimento dos sintomas e seu reaparecimento após a reintrodução do(s) alimento(s) suspeito(s). Dessa maneira, o resultado é considerado positivo para alergia alimentar àquele(s) determinado(s) alimento(s). Alérgenos alimentares são glicoproteínas hidrossolúveis de elevado peso molecular, em torno de 10 a 60 KD. Na Tabela 19.1, estão relacionados alguns alimentos alergênicos e suas proteínas antigênicas. Em teoria, todas as proteínas alimentares podem desencadear alergia alimentar. Em lactentes e crianças maiores, 90% das alergias alimentares ocorrem com leite, trigo, ovo, amendoim e soja. Nos adolescentes e adultos, por sua vez, amendoim, nozes, peixe e marisco são responsáveis por 85% das reações alérgicas.
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!LIMENTO
!LÏRGENO
Leite de vaca
Betalactoglobulina, alfa, beta e kappacaseína, alfalactoalbumina
Clara de ovo
Ovomucoide, ovalbumina, ovotransferrina
Amendoim
Vicilina, conglutina, glicinina
Soja
Vicilina, conglicina
Peixe
Parvalbumina
Camarão
Tropomiosina
Nozes
Albumina-2S
Trigo
Inibidor da alfa-amilase
Fonte: Morais e Fagundes Neto, 2003.
INTOLERÂNCIA À LACTOSE E ALERGIA ALIMENTAR
TABELA 19.1 02).#)0!)3!,)-%.4/3!,%2'´.)#/3
A completa eliminação do alimento alergênico é a única forma comprovada de manejo dietético atualmente disponível. A dieta de exclusão tem os seguintes objetivos: s s s s
eliminar ou proscrever da dieta aqueles alimentos relacionados à sintomatologia ou aqueles considerados muito alergênicos; evitar alimentos industrializados ou todos aqueles dos quais não é possível conhecer sua composição; promover oferta energética e de nutrientes suficiente para atender às necessidades do indivíduo; reintroduzir gradativamente os alimentos excluídos da dieta de acordo com a resposta clínica.
Devem-se utilizar as recomendações da ingestão diária de nutrientes (DRI), de acordo com idade e gênero, para o estabelecimento de energia, vitaminas e minerais a serem propostos na intervenção dietética individualizada, visando ao atendimento adequado das necessidades nutricionais do indivíduo. É importante ressaltar que o tratamento da alergia alimentar deve ser privilegiado por abordagem multidisciplinar e contar com a participação do nutricionista em conjunto com o médico e os demais profissionais envolvidos, durante todo o acompanhamento. A equipe deve realizar cuidadosa avaliação do estado nutricional. Cabe ao nutricionista realizar avaliação criteriosa e detalhada da ingestão alimentar, além de estabelecer conduta dietética individualizada, devendo incluir informação necessária para os responsáveis da criança. História dietética bem detalhada permite identificar sintomas relacionados ao alimento e suspeitar de outros alimentos ou ingredientes que podem levar o paciente a fazer transgressões da dieta de exclusão, de forma voluntária ou involuntária. Para finalizar, é importante destacar que os alimentos a serem oferecidos devem proporcionar oferta adequada de nutrientes e segurança quanto à ausência do alérgeno alimentar na dieta.
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CAPÍTULO
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Cirurgia e trauma
ANDREA BOTTONI ADRIANA BOTTONI RITA DE CÁSSIA RODRIGUES SERGIO DOS ANJOS GARNES
INTRODUÇÃO Entende-se como trauma um evento agudo que altera a homeostase, ou seja, o estado de equilíbrio de um organismo. Como resposta e para garantir a sobrevivência, esse organismo deflagra uma ampla e complexa resposta sistêmica que envolve reações neuroendócrinas, metabólicas e imunobiológicas, cujas ações modificam o metabolismo corporal e funções cardiorrespiratórias para preservar algumas funções fundamentais e manter em valores apropriados a essa condição parâmetros como: s s s s
volemia; débito cardíaco; oxigenação tecidual; oferta e utilização de substratos energéticos.
O termo trauma é usado em um sentido amplo, originalmente do termo anglo-saxônico “injury”, que envolve várias situações clínicas de diferentes naturezas e etiologias com repercussão ampla em todo o organismo. São exemplos de trauma intervenções cirúrgicas, politrauma, sepse, queimadura, hemorragia, pancreatite aguda, entre outros.
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CARACTERÍSTICAS GERAIS DA RESPOSTA AO TRAUMA As primeiras observações da resposta do organismo ao evento de trauma focalizavam a reação do organismo à lesão aguda e o fato de que esta seria uma adaptação metabólica deste, sugerindo-se o conceito de uma resposta envolvendo todos os tecidos metabolicamente ativos com interação entre os diversos órgãos, a qual seria mediada por substâncias com ação reguladora, os hormônios, e também por substâncias produzidas pela resposta inflamatória desencadeada, as citocinas. Uma característica identificada na resposta metabólica ao trauma era o aumento da perda proteica pelo organismo, desencadeada pela lesão inicial e mantida por fatores como complicações infecciosas, jejum e imobilidade. Outra característica documentada na resposta ao trauma era o aumento do metabolismo energético, ainda que este não apareça logo após o evento traumático. Essas, entre outras observações, conduziram, na década de 1940, ao conceito da existência de diferentes fases da resposta sistêmica (Figura 20.1): 1. Ebb phase: é a primeira fase, iniciada logo após o evento traumático e persiste até a estabilização inicial; caracteriza-se por um estado de redução do metabolismo associado ao hipodinamismo cardiocirculatório, quando o débito cardíaco e o fluxo sanguíneo (a perfusão e a oxigenação tecidual) estão diminuídos – é chamada de fase de choque. 2. Flow phase: é a fase sucessora, iniciada imediatamente após a estabilização cardiocirculatória; há inversão do estado corporal pela reperfusão tecidual dos órgãos e sistemas corporais. Nesse novo estado de perfusão, há um aumento do metabolismo energético e, consequentemente, do consumo de oxigênio em decorrência do hiperdinamismo cardiocirculatório. A fase flow é dividida em duas situações metabólicas: a primeira, de consumo extremo, denominada aguda ou catabólica; e a segunda, também de maior demanda, porém, com predomínio de síntese e reparação ou anabólica.
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Nos anos seguintes, a atenção concentrou-se nos mecanismos fisiopatogênicos que causam essa resposta metabólica e hemodinâmica com ênfase no papel das catecolaminas. Nos anos de 1950, foi introduzido o conceito de estresse e de reação de alarme, evidenciando a importância do cortisol endógeno. Na década de 1960, os papéis da relação insulina e glucagon na modulação da atividade hepática durante o estresse foram identificados, particularmente a ativação da gliconeogênese e da ureogênese. O conceito de resistência à insulina após o trauma, especialmente no âmbito do equilíbrio entre os hormônios catabólicos e a insulina, foi estudado nos anos de 1970. Posteriormente, as pesquisas identificaram os múltiplos mecanismos patogenéticos de tal resposta, o que levou à associação da clássica reação neuroendócrina ao estresse com a do sistema imunológico. Contemporaneamente, as pesquisas são voltadas para desvendar todas as possíveis e complexas inter-relações entre o sistema neuroendócrino e o sistema de mediadores
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Fase de fluxo anabólica (flow)
Gasto energético
Fase de fluxo catabólica (flow)
CIRURGIA E TRAUMA
Fase de refluxo (ebb)
Tempo FIGURA 20.1 Figura 17.1Comportamento do gasto energético na resposta metabólica ao trauma.
Comportamento do gasto energético na resposta metabólica ao trauma
humorais, como: citocinas, prostaglandinas, proteínas de fase aguda, bradicinina e outros mediadores de inflamação e as influências da terapia nutricional e de nutrientes específicos que atuam nessas etapas. Para o auxílio na compreensão do fenômeno da resposta metabólica ao trauma, é importante fazer uma analogia com a adaptação fisiológica observada em condições de jejum. O estado de jejum inicial (primeiras 15 horas), tal como após o trauma, leva à ativação neuroendócrina que envolve as mesmas vias nervosas e os mesmos fatores hormonais, entretanto com diferença de intensidade. Durante o jejum, há um rápido consumo das reservas de glicogênio hepático, o que leva a uma queda da taxa de glicose sanguínea. A hipoglicemia, por sua vez, desencadeia uma ativação dos núcleos ventromediais do hipotálamo, ativando a resposta simpática e inibindo a produção de insulina. Inicialmente, o organismo adapta-se à disponibilidade energética reduzida determinada pelo jejum por meio da diminuição da taxa metabólica basal. A glicose plasmática, indispensável para o sistema nervoso central (SNC), é assegurada pela gliconeogênese hepática a partir de alanina, lactato e glicerol, oriundos do catabolismo proteico e da mobilização dos ácidos graxos dos depósitos lipídicos. Durante as primeiras 72 horas, há o predomínio do uso de aminoácidos para tal, porém após esse período há uma adaptação metabólica para a maior utilização de lipídios como fonte energética com maior eficiência da gliconeogênese a partir do glicerol e do lactato em vez de sua produção a partir de aminoácidos. Também há uma adaptação do SNC para utilizar corpos cetônicos como substrato energético preferencial. A resposta metabólica ao jejum é eficaz em seu intuito de poupar energia e proteínas e constitui uma situação catabólica facilmente reversível após o retorno de oferta alimentar normal – diferentemente do que ocorre após o evento traumático (Tabela 20.1).
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482 TABELA 20.1 $)&%2%.£!3-%4!"¼,)#!3%.42%/*%*5-%!3%03%
&ATORES
*EJUM
Sepse
Gasto energético
↓
++
Ativação de mediadores
+
+++
Quociente respiratório
0,7
0,8 a 0,85
Substrato energético
CHO/LIP
Misto
Gliconeogênese
+
+++
Síntese proteica
+
+
Catabolismo
–
+++
Oxidação de aminoácidos
+
+++
Ureiagênese
+
++
Cetose
+++
+
Resposta ao estímulo
+++
+
Velocidade de desnutrição
+
+++
+: leve; ++: moderado(a); +++: intenso(a); CHO: carboidrato; LIP: lipídio.
A resposta metabólica ao trauma inicialmente se assemelha ao processo de jejum – o intuito inicial do organismo é promover mudanças no padrão metabólico para garantir a sobrevivência. Em ambas, há redução do consumo energético sistêmico –, mas na resposta ao trauma, a ativação neuroendrócina desencadeada para preservação do volume circulatório priva determinados territórios do fluxo sanguíneo, garantindo que este seja direcionado a órgãos vitais como cérebro e coração. Em outras palavras, o consumo diminui por uma simples cessação da oferta, e não por alterações celulares. Outra diferença fundamental é que no jejum, a administração de substrato energético rapidamente interrompe o padrão metabólico desencadeado – o que não ocorre na resposta ao trauma, pois os fatores humorais perpetuam a gliconeogênese, resistência à insulina e a proteólise. As características da resposta ao trauma são (Figura 20.2):
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s s s
s s
ativação de uma peculiar resposta cardiocirculatória do tipo hiperdinâmica, dependente da resposta neuroendócrina; aumento do gasto energético e do consumo de oxigênio; uma complexa alteração do metabolismo proteico (ver Figura 20.2), que, ao contrário do que ocorre no jejum, é caracterizado não apenas por uma marcada proteólise no músculo esquelético, mas também por um aumento da síntese proteica visceral, com sacrifício de proteínas estruturais favorecendo a síntese de proteínas envolvidas na ativação imunológica; uma gliconeogênese maior que no jejum, não suprimida com a administração de glicose e associada a um estado de resistência à insulina e hiperglicemia; as alterações do metabolismo intermediário não são modificadas com a administração de nutrientes, como se dá no jejum;
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Atividade neuroendócrina
Mediadores humorais
CIRURGIA E TRAUMA
Trauma
Hipermetabolismo ↑ Catabolismo periférico
↑ Anabolismo central
↑ Gliconeogênese FIGURA 20.2 Alterações metabólicas na resposta ao trauma.
s
o quadro da resposta ao trauma pode ser explicado por mecanismos de ativação neuroendócrina similares aos do jejum, porém as diferenças de intensidades e alterações em sua resposta estão associadas e são moduladas pela intervenção de fatores humorais diversos intimamente relacionados com as respostas imunológica e inflamatória.
Na Tabela 20.1, estão sintetizadas algumas das diferenças metabólicas entre o jejum e a sepse, em uma situação de hipermetabolismo e hipercatabolismo.
MECANISMOS DA RESPOSTA AO TRAUMA Mecanismos neuroendócrinos A resposta neuroendócrina ao evento traumático é iniciada a partir de estímulos periféricos provenientes de vários tipos de receptores, que são ativados em resposta às diferentes solicitações e perturbações (hipovolemia, dor, desidratação, etc.). Trata-se dos seguintes receptores: s s s s
receptores de pressão: barorreceptores atriais, aórticos e carotídeos; receptores de volume: venoatriais; quimiorreceptores sensíveis à osmolaridade (no hipotálamo) e ao conteúdo sanguíneo de oxigênio e dióxido de carbono (no nível carotídeo e bulbar); receptores de dor: nociceptores cutâneos, viscerais e esqueléticos.
Estes e outros receptores constituem o estímulo sensitivo de uma complexa rede de arcos reflexos, que têm como centro áreas do SNC (área límbica, núcleo ventromedial
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do hipotálamo, bulbo) e como via efetora os sistemas neurovegetativo e o hormonal hipotalâmico-hipofisário. A ativação de tais vias determina uma resposta neuroendócrina ampla: s
s s s s s s
aumento da produção de hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) e, consequentemente, a estimulação da produção de cortisol e de aldosterona pela cortical da glândula suprarrenal; aumento da produção do hormônio antidiurético (ADH), com relativo efeito antidiurético; aumento de produção do hormônio do crescimento (GH); aumento da produção de adrenalina pela região medular da glândula suprarrenal; ativação do sistema renina-angiotensina, que, por sua vez, estimula a produção de aldosterona; ativação generalizada do sistema nervoso simpático: terminações noradrenérgicas nas regiões vascular, miocárdica e endócrina; aumento da produção de glucagon, em resposta à aumentada estimulação adrenérgica.
Essa resposta neuroendócrina é particularmente eficaz na proteção da homeostase circulatória (vasoconstrição arteriolar com aumento das resistências periféricas, aumento da contratilidade cardíaca e da frequência cardíaca, retenção de água e sal nos rins), mas também de efeitos respiratórios (broncodilatação e hiperventilação) e sobre o metabolismo (mobilização de substratos energéticos e em particular das reservas de glicose).
Mecanismos bio-humorais e imunológicos
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Paralelamente aos fenômenos provocados pela estimulação neuroendócrina, existe uma complexa resposta imunobiológica responsável pela produção de vários mediadores locais chamados citocinas. As citocinas são proteínas endógenas (glicoproteínas), produzidas principalmente pelos macrófagos e monócitos ativados, que se difundem de forma local e sistêmica, mediando as funções de inúmeras células em concentrações muito pequenas. As citocinas medeiam uma grande variedade de reações biológicas, algumas essenciais para a resposta metabólica, hemodinâmica, imunológica e reparadora do organismo ao trauma. A complexa interação entre citocinas, sistema neuroendócrino clássico e vários outros fatores humorais secundários estimula a resposta inflamatória. Entretanto, se a cascata de mediadores humorais e celulares se torna independente do estímulo que desencadeou sua síntese, as citocinas passam a exercer efeitos deletérios sobre a homeostase fisiológica, determinando graus variáveis de disfunção orgânica. No início dos anos 1950, foi demonstrada pela primeira vez a existência desses mediadores ao serem liberados pelos macrófagos que foram ativados pela exposição à endotoxina, provocando febre e outros fenômenos relacionados à inflamação. No fim dos anos 1960, foi criado o termo LEM (leucocyte endogenous mediators) para indicar as substâncias produzidas pelos leucócitos responsáveis pela febre, pela síntese das proteínas de fase aguda
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CIRURGIA E TRAUMA
e por outros eventos característicos da resposta catabólica ao estresse. Tais fenômenos foram inicialmente atribuídos a uma única citocina que fora denominada de interleucina-1 (IL-1), esta um polipeptídeo de peso molecular de cerca de 17.000 dáltons; e a um de seus derivados, o PIF (proteolysis inducing factor) de peso molecular de 4.500 dáltons. Em 1985, outra citocina com atividade pirogênica, o TNF-alfa (fator de necrose tumoral alfa), fora isolado e descobriu-se que seu é papel semelhante ao da IL-1, demonstrando-se um importante mediador da resposta ao trauma. Na ampla gama de funções biológicas do TNF, é interessante evidenciar aquelas do tipo metabólico: direta ou indireta (por meio do ACTH e/ou efeito hipotensivo): estimulação dos hormônios do estresse (catecolaminas, glucagon e cortisol); mobilização das reservas lipídicas do tecido adiposo (liberação de triglicerídeos e ácidos graxos) e inibição da síntese das enzimas lipogênicas; aceleração da glicogenólise muscular com liberação de lactato; aumento do catabolismo proteico muscular com redução da síntese das proteínas estruturais e aumento da liberação de aminoácidos; aumento da síntese das proteínas de fase aguda no fígado (proteína-C reativa, alfa-1-antitripsina, fração C3 do complemento, fibrinogênio, ceruloplasmina e outras); aumento da lipogênese hepática; febre: ação no centro termorregulador mediante a síntese hipotalâmica das prostaglandinas E2 (PGE2) e IL-1.
Em resumo, o TNF é um dos principais responsáveis pela redistribuição dos substratos energéticos e, sobretudo, pelo catabolismo proteico típico do trauma, com sacrifício das reservas periféricas e aumentada incorporação das proteínas nos órgãos esplâncnicos. Promotor de variações da resistência e permeabilidade vascular, redução na contratilidade miocárdica, aumento da atividade da medula óssea e anorexia. É importante ressaltar alguns elementos de outros mediadores: 1. IL-1: influencia de maneira sinérgica nos muitos efeitos do TNF-alfa. O TNF induz à síntese do IL-1 pelas células endoteliais e pelos monócitos e, por sua vez, a IL-1 aumenta muitos dos efeitos do TNF-alfa, por meio de autorregulação (feedback). Tanto a IL-1 quanto o TNF-alfa influenciam importantes funções imunológicas por estimulação da IL-2 e da IL-8, cujos efeitos são de amplificação da proliferação dos timócitos ao estímulo antigênico e aumento da proliferação e da resposta das células B. A IL-1 promove febre, anorexia, sonolência, hipotensão arterial, redução dos níveis de catecolaminas e tiroxina, depressão de diversos sistemas enzimáticos, aumento dos fatores estimulantes de colônias e da IL-6, aumento das proteínas de fase aguda, além de intenso extravasamento de líquido intravascular. 2. PAF (platelet activating factor): mediador eicosanoide cuja síntese se dá nas células endoteliais, plaquetas, monócitos/macrófagos e neutrófilos é um importante mediador da
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resposta ao trauma determinando: hipotensão, aumento da permeabilidade capilar pulmonar e síntese de produtos da lipoxigenase e ciclo-oxigenase. Sua produção é induzida pelo TNF-alfa e pela IL-1, e por sua vez o PAF retroalimenta a produção de TNF-alfa. 3. Eicosanoides: são os produtos do metabolismo do ácido araquidônico liberados pelos fosfolipídios de membrana através da ação da enzima fosfolipase A2, presente nas membranas de macrófagos, plaquetas e outras células. Como resultado por ação da ciclo-oxigenase há as prostaglandinas PGI2 e PGE2, entre outras, e os tromboxanos; pela via da lipoxigenase, há a produção de leucotrienos. Todos são importantes mediadores secundários da resposta ao estresse induzida pelas citocinas e produzem vários efeitos fisiopatológicos, como vasodilatação e vasoconstrição, a depender da sua predominância, aumento da permeabilidade capilar, agregação plaquetária, adesão leucocitária, formação de edema e diversas outras reações. Os eicosanoides têm íntima relação com a síntese de TNF-alfa e IL-1 tanto estimulando sua síntese quanto sendo mediados por eles. 4. Complemento: os componentes do complemento, sobretudo C3a e C5a, representam outra fonte das alterações hemodinâmicas, hematológicas e metabólicas induzidas pelo trauma, pois estimulam a síntese de TNF-alfa e IL-1. C3a e C5a são capazes de induzir à síntese de eicosanoides por parte dos macrófagos, à degradação dos neutrófilos, ao dano endotelial pulmonar, à liberação de enzimas lisossomiais e de radicais livres do oxigênio, ao aumento da vasodilatação e da permeabilidade vascular. 5. IL-6: produzida pelos linfócitos, estimula junto com a IL-2 várias funções dos linfócitos T e B, assim como a produção de proteínas de fase aguda pelos hepatócitos. A Figura 20.3 sintetiza os efeitos dos diversos mediadores, estimulados pelas citocinas, na cascata dos fenômenos da resposta do organismo ao estresse.
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Endotoxinas IL-1 TNF-alfa C5a
Eicosanoides Radicais livres de O2 Proteínas de fase aguda
Citocinas
Citocinas Hormônios Fatores de crescimento
FIGURA 20.3 Ativação dos mediadores humorais induzida pelo trauma. IL: interleucina; C5a: componente do complemento.
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As alterações fisiopatológicas e bioquímicas verificadas após um evento patológico agudo são típicas da resposta metabólica ao trauma. Uma das mais evidentes características de tal resposta está associada à situação cardiocirculatória conhecida como estado hiperdinâmico. O hiperdinamismo consiste em um aumento da velocidade do fluxo sanguíneo, causado pelo aumento do débito cardíaco, clinicamente evidente pela taquicardia e da redução da resistência vascular periférica. Essa situação ocorre provavelmente visando à manutenção de uma perfusão tecidual adequada à aumentada demanda metabólica do organismo traumatizado, que na fase flow necessita de uma maior oferta de oxigênio e de substratos. O aumento do fluxo sanguíneo privilegia os órgãos nobres, que não suportam déficit de oxigênio, o SNC e o miocárdio, e também os tecidos diretamente traumatizados, feridos ou com reação inflamatória. Com o aumento do débito cardíaco e do fluxo tecidual, verifica-se aumento do transporte e da distribuição de O2 na microcirculação, na tentativa de compensar a aumentada necessidade de oxigênio dos diversos órgãos. O consumo total de O2 (VO2) eleva-se em decorrência do aumento da oxidação de substratos energéticos para fornecer mais energia às células. Essas reações oxidativas produzem calor, e esse aumento de produção total de calor por parte do organismo é típico do hipermetabolismo característico do paciente gravemente enfermo e por alterações no centro termorregulador do SNC, de modo que mesmo em temperatura ambiente aparentemente confortável, o paciente sente frio em virtude da dispersão de calor. Com o aumento da oxidação de substratos, paralela ao aumento de VO2, eleva-se também a produção de CO2 (VCO2), o que causa um aumento da ventilação pulmonar, na tentativa de eliminar o CO2 produzido em excesso. Este mecanismo, associado à hipóxia tissular, pode precipitar o desencadeamento de insuficiência respiratória aguda pelo aumento do trabalho respiratório. Associado ao estado hiperdinâmico, há também a expansão do volume do líquido extracelular, decorrente do aumento da água total e do sódio total corporal por mecanismo de ativação renina-angiotensina-aldosterona e pelo uso de repositores endovenosos. Essa expansão ocorre principalmente no período de tratamento inicial fase ebb na qual a prioridade é a ressuscitação volêmica do paciente traumatizado, em que não é raro observar rápidos aumentos do peso corporal do paciente secundários a variações do volume extracelular, os quais podem mascarar perdas de massa magra. Nas situações em que o hiperdinamismo se associa a uma marcada elevação do fluxo renal e, portanto, da filtração glomerular, pode-se verificar um aumento da diurese, levando a desidratação e redução do débito cardíaco. Na avaliação das perdas hídricas, há perdas renais e também perdas insensíveis, como exalação de vapores respiratórios e transpiração, os quais são incrementados pela febre, perdas por feridas abertas e fluidos sequestrados para distintos locais, como o peritônio e órgãos do trato digestório.
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RESPOSTA FISIOPATOLÓGICA AO TRAUMA Estado hiperdinâmico
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Hipermetabolismo O estado hipermetabólico no paciente gravemente enfermo tem as seguintes características: s s
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o hipermetabolismo indica aumento da oxidação dos substratos energéticos; o grau de hipermetabolismo é proporcional à gravidade da lesão; por exemplo, nas grandes queimaduras, o aumento do gasto energético é proporcional à porcentagem de superfície corporal afetada; o aumento do gasto energético é generalizado e envolve todos os tecidos do organismo, mesmo se ocorre nas regiões esplâncnica e renal, e nos locais do trauma; o aumento na taxa metabólica de cada tecido não é diretamente proporcional à elevação do seu fluxo sanguíneo, sugerindo que os dois fenômenos não estão inter-relacionados, ainda que sejam desencadeados pelo mesmo tipo de resposta sistêmica; os mecanismos responsáveis pelo hipermetabolismo estão ligados, em parte, à ativação neuroendócrina e ao efeito das citocinas.
Alterações metabólicas específicas A mesma estimulação neuroendócrina e imunobiológica tem relevantes e imediatos efeitos sobre o metabolismo energético, não só quantitativos, como o aumento do gasto energético, mas também qualitativos, por alterações do metabolismo glicídico, lipídico e proteico:
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1. Aumento da oferta de glicose aos tecidos, secundário à ativação da glicogenólise e da gliconeogênese hepática são mediados pelas catecolaminas e pelo glucagon, esse fenômeno é particularmente importante por assegurar o necessário substrato energético ao SNC e a outros tecidos glicose-dependentes. 2. Aumento da disponibilidade de lipídios causada por elevação da lipólise é mediada pela maior produção de glucagon, adrenalina e cortisol, os ácidos graxos livres constituem o substrato energético preferencial para diversos tecidos, como o músculo estriado-esquelético. 3. Mobilização muscular periférica de aminoácidos para a síntese hepática das proteínas de fase aguda e para produção de glicose a partir da gliconeogênese, importantes na manutenção adequada de substratos e estímulos para o sistema imunológico e na reparação dos tecidos lesionados. Um dos pontos mais característicos, sem dúvida, é o aumento na produção de glicose, levando à hiperglicemia, ocasionada pelos efeitos dos hormônios contrarregulatórios (cortisol, glucagon, adrenalina, hormônio do crescimento) cujos níveis circulantes aumentam na resposta ao trauma, e também secundária a um estado de relativa intolerância à glicose por insulinorresistência, mais exacerbado quando o evento é acompanhado de infecção. Ressaltam-se, a seguir, duas considerações a respeito do metabolismo glicídico no trauma:
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Assim, pode-se sugerir a administração de lipídios como fonte de energia (30 a 50% das necessidades energéticas) em pacientes gravemente enfermos para garantir as necessidades energéticas dos pacientes hipermetabólicos minimizando os problemas relacionados à excessiva oferta de glicose (intolerância à glicose, estímulo do hipermetabolismo e excessivo aumento da produção de CO2), mas mantendo uma oferta suficiente aos tecidos glicose-dependentes (SNC, células dos túbulos renais, eritrócitos, medula óssea, tecidos em processos reparativos). É interessante notar que um dos tecidos que não seria eficientemente nutrido durante a oferta endovenosa exclusiva de nutrição no paciente agudo grave é o intestino, pois seus substratos energéticos preferenciais são a glicose, os corpos cetônicos e a glutamina. Uma característica importante na resposta metabólica ao trauma é o catabolismo proteico induzindo a uma aumentada proteólise muscular, a qual tem como consequência a redução na massa dos músculos esqueléticos. O sinal bioquímico da acelerada proteólise muscular é o aumento da perda de nitrogênio na urina na forma de ureia. A hidrólise das proteínas do músculo esquelético provoca a liberação na circulação de grandes quantidades de aminoácidos, entre os quais a glutamina e alanina captados pelos órgãos esplâncnicos (fígado, rins, intestino, etc.), em que são transformados e utilizados com dupla finalidade: 1. Anabólica: síntese de proteínas de defesa (proteínas do sistema imune, opsoninas, albumina, fatores de coagulação, etc.), das enzimas (especialmente no fígado) e de proteínas estruturais (para órgãos como fígado, rins e miocárdio, e nos processos reparativos dos tecidos traumatizados). 2. Catabólica: utilização do esqueleto de carbono dos aminoácidos gliconeogênicos para síntese de glicose, com eliminação do grupo amínico mediante a síntese de ureia; utilização da glutamina para a produção de amônia (nos rins) e como substrato energético para o intestino e para outros tecidos em fase de multiplicação como o sistema hematopoiético, os macrófagos, eventuais feridas e áreas traumatizadas.
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1. Mesmo com uma situação de hipermetabolismo em estados agudos graves a capacidade de oxidação glicose está limitada, sendo que infusões de glicose superiores a 5 mg/kg/minuto no adulto não determinam vantagens em relação à melhora do balanço nitrogenado e podem exceder a capacidade tecidual de utilização da glicose, contribuindo para a hiperglicemia. 2. No paciente não gravemente enfermo, a oferta exógena de glicose mediante nutrição artificial é capaz de suprimir a oxidação de lipídios endógenos (quociente respiratório > 1) e de abolir a produção endógena de glicose (supressão da gliconeogênese a partir do piruvato e da alanina). Esses mecanismos reguladores estão alterados no paciente agudo grave, sendo que a administração de glicose nesses pacientes não suprime a oxidação dos lipídios (quociente respiratório mantém-se < 1) e a alta oferta de glicose estimula ainda mais o hipermetabolismo sem cobrir todas as necessidades energéticas do organismo.
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Durante o estresse do trauma, o catabolismo proteico está aumentado significativamente em comparação ao anabolismo. Essa utilização de aminoácidos acontece no paciente gravemente enfermo ao custo de uma grave espoliação da massa muscular com diminuição do patrimônio proteico do organismo, refletindo na grande perda urinária de nitrogênio, cujo pico máximo ocorre poucos dias após o trauma em si, o qual pode ser avaliado sob o ponto de vista clínico com a medida da ureia urinária de 24 horas (Figura 20.4).
28
Excreção de nitrogênio (g/dia)
24
Queimadura grave
20
Trauma ortopédico
16
Sepse 12 8
Infecção Cirurgia eletiva
Nível normal
4 0
10
20
30
40
Dias
FIGURA 20.4 Aumento da excreção de nitrogênio na urina em diferentes situações clínicas.
PAPEL DO TRATO GASTRINTESTINAL NA RESPOSTA AO TRAUMA
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As bactérias e as endotoxinas bacterianas contribuem de maneira determinante na resposta fisiopatológica ao trauma. Excluindo-se os casos nos quais estejam presentes ferida infectada, abscesso e focos sépticos, como infecções pulmonares, entre outros, a fonte mais importante de invasão sistêmica dos germes e da difusão de endotoxinas é o intestino. O lúmen intestinal representa um grande reservatório de bactérias, sobretudo Gram-negativas, que em situações de normalidades convivem em um regime de simbiose com outras bactérias e com a mucosa intestinal, contribuindo ativamente para sua homeostase. Essas bactérias Gram-negativas são as maiores responsáveis pela infecção do paciente agudo grave, o que é complicado pela pressão seletiva exercida pela antibioticoterapia utilizada, transformando-os em germes resistentes a determinados antibióticos. Em condições normais, a mucosa intestinal íntegra constitui uma barreira eficiente contra o ingresso de micro-organismos e toxinas. Os fatores que preservam a integridade da mucosa são múltiplos e correlacionam-se de modo complexo: a existência de junções
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intercelulares contíguas, grande número de macrófagos e células imunocompetentes na submucosa intestinal, presença de imunoglobulinas de superfície, principalmente imunoglobulina A (IgA) e proximidade com o fígado e o baço, que são dotados de sistemas de captura de bactérias e neutralização da ação de toxinas no sistema reticuloendotelial. A mucosa íntegra e o sistema imune funcional são necessários para o desempenho satisfatório da função de barreira contra germes e toxinas. Quando a referida mucosa está comprometida, as bactérias e toxinas intraluminais invadem o setor intravascular do hospedeiro e atingem o sangue portal; logo, chegam ao fígado e ao sistema linfático, onde há colonização dos linfonodos mesentéricos. A perda dessa função de barreira é determinada pelas seguintes condições: alteração da permeabilidade da mucosa, diminuição das defesas do organismo e aumento do número de bactérias no lúmen intestinal. O primeiro desses fatores tem maior relevância. Numerosas condições coexistentes no paciente traumatizado conseguem reduzir a capacidade de defesa do trato gastrintestinal, entre elas: desnutrição, que torna o intestino mais suscetível à endotoxina; hipotensão e choque, que levam à hipoperfusão dessa região; íleo paralítico, com estase do conteúdo intraluminal; sepse; químio e radioterapia; enterites e diarreia; atores iatrogênicos, medidas terapêuticas ou práticas rotineiras em terapia intensiva, como posição supina prolongada; uso de drogas que alteram as secreções salivares, gástricas e biliopancreáticas; uso maciço de antiácidos que levam à alcalinização do estômago e perda do efeito antibacteriano ligado à acidez gástrica; uso de antibióticos de amplo espectro; e suspensão da alimentação pelo trato gastrintestinal.
O intestino metaboliza ativamente muitos dos substratos circulantes, sendo a glutamina o aminoácido mais importante para o metabolismo das células da mucosa intestinal, particularmente dos enterócitos, em que esse aminoácido é consumido seletivamente de forma exacerbada como principal substrato energético, tornando-o condicionalmente essencial nos casos de trauma (Figura 20.5). A glutamina é o aminoácido mais abundante no organismo. A diminuição de sua concentração plasmática é sinal característico da doença aguda grave e do estresse, assim há uma liberação acelerada pelo sistema musculoesquelético associado ao rápido consumo pelo intestino e por outros tecidos, que nessas situações, passam a consumir esse aminoácido. Lembrando que a glutamina é o principal transportador interórgãos de nitrogênio e estando a síntese proteica estimulada em determinados tecidos, é possível compreender o motivo pelo qual suas concentrações plasmáticas diminuem nos estados de estresse metabólico.
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Intestino
Pulmão
Fígado
Glutamina
Glutamato + NH+4
Linfócitos Macrófagos Outras
Rins
Musculoesquelético
Ciclo ATc
Alfacetoglutaramato Alanina
Citrulina
Prolina
Fígado
Intestino
4
150*
Pulmão
Fígado
Intestino
550*
750*
Pulmão
* nmoL/100 g/min.
FIGURA 20.5 Metabolismo da glutamina em situações fisiológicas (1 e 2), na sepse (3) e no trauma (4).
3
Glutamina sintetase
Glutaminase
20
Glutamina
1
2
Rins
Glutamina
Rins
250*
Glutamina
550*
350*
Linfócitos Macrófagos Outras
Feridas
Musculoesquelético
Linfócitos Macrófagos Outras
Musculoesquelético
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A ferida acidental ou cirúrgica não é só um local de destruição de tecidos, mas também de inflamação e reparação, além de perda líquida por evaporação. Muitas feridas resultam do procedimento cirúrgico realizado, que deve ser efetuado em condições de máxima assepsia e técnica, para gerar o mínimo de dano tecidual e de contaminação bacteriana. Fatores de risco para complicações do processo de recuperação são a contaminação com material séptico e um período de hipotensão e um tempo de cirurgia excessivamente longos. Os eventos celulares envolvidos no processo de reparação da ferida dependem de uma adequada perfusão e oferta de oxigênio, glicose e outros nutrientes, sendo importante assegurar a boa perfusão tecidual que clinicamente pode ser aferida por meio de pressão arterial estável, pulso periférico normal, boa diurese e ausência de acidose metabólica.
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EVENTOS CONCOMITANTES QUE CONDICIONAM A RESPOSTA AO TRAUMA Ferida
Dor Todos os pacientes, em particular os cirúrgicos, experimentam algum tipo de dor. Além do incômodo da sensação objetiva a dor pode ser limitante da atividade física e dos movimentos em leito, deambulação, incursões respiratórias profundas, tosses eficazes, entre outros, sendo de grande relevância uma analgesia eficiente.
Febre O aumento da temperatura corporal acima dos valores normais é comum nas afecções graves, podendo ou não ser resultante de infecção. De fato, lesões teciduais mínimas e assépticas, como no caso de cirurgias eletivas sem contaminação, podem ser responsáveis pela febre. Contudo, ausência de febre e de leucocitose na vigência de trauma ou estresse pode estar presente em idosos ou imunodeprimidos. Elevadas temperaturas corporais representam um estresse notável para o paciente, como taquicardia, taquipneia, hipotensão e mal-estar generalizado, sendo adequadamente tratados. Sabe-se que há um incremento na taxa metabólica basal (TMB) ocasionado pelo aumento da temperatura corporal, cerca de 10% para cada 1 C acima de 38 C, porém, na prática clínica, essa correção deixou de ser utilizada para evitar superestimativas das metas calóricas e consequentes problemas de hiperalimentação de doentes graves.
Infecção A infecção hospitalar pode ser decorrente de duas naturezas – a primeira por causa da doença primária; e a segunda que se manifesta como complicação de medidas terapêuticas. É importante basear-se em sinais clínicos de suspeita para um diagnóstico precoce de infecção, associado ao resultado das culturas. Esses sinais são a febre e a leucocitose, sobretudo quando associada a calafrios, a hipotermia e a leucopenia; alterações da função renal; acidose metabólica persistente; hipotensão; entre outros.
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Vale a pena lembrar que pacientes idosos ou desnutridos graves nem sempre apresentam febre como manifestação de infecção. Aqui é importante a observação clínica rigorosa para que uma nova infecção seja precocemente detectada e tratada.
Fatores iatrogênicos Os fatores iatrogênicos mais comuns são: s
s s
s
s
imobilização no leito: s contribui para a perda da massa e da força muscular, por causa da inatividade forçada; s pode provocar ou agravar atelectasias, insuficiência respiratória e lesão pulmonar aguda; s se prolongada, pode favorecer a formação de úlceras de decúbito; o jejum compulsório antes e após procedimentos diagnósticos ou terapêuticos devem ser minimizados por poder causar efeitos deletérios no decorrer na evolução clínica; procedimentos invasivos como tubos, cateteres, sondas e drenos, essenciais para a assistência e monitoração do paciente violam as barreiras fisiológicas contra os micro-organismos, aumentando o risco de infecções e outras complicações, devendo-se minimizá-los e não ultrapassar prazos recomendáveis de utilização; insônia: por causa da doença ou por contíguos estímulos visuais e sonoros, pela claridade artificial constante, sobretudo nas unidades de terapia intensiva, podem desencadear distúrbios neuropsicológicos, como agitação, irritabilidade, confusão mental, ansiedade, psicose ou troca do dia pela noite; sedação: sedativos infundidos de forma contínua e excessiva devem ser minimizados, preferindo-se protocolos de despertar diário.
RECOMENDAÇÕES PRÁTICAS
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Algumas recomendações são comuns para pacientes pós-trauma. A avaliação nutricional inicial e efetuada de maneira rotineira e sequencial deve ser adotada, entretanto, o bom senso ao interpretar resultados de métodos usualmente utilizados para a avaliação nutricional, como antropometria, parâmetros bioquímicos, impedância bioelétrica, é necessário, pois todos sofrem intensa interferência das alterações típicas da resposta à lesão aguda: 1. O aumento da água no espaço extracelular, decorrente do aumento da permeabilidade capilar e da infusão de grandes quantidades de líquidos para ressuscitação hemodinâmica, interfere com a avaliação do peso, das pregas cutâneas, da impedância bioelétrica e da concentração das proteínas plasmáticas. 2. A interpretação da dosagem das proteínas plasmáticas, enquanto marcadores do estado nutricional e do resultado da terapia nutricional praticada deve levar em conta que, nessas situações, além da diluição já comentada, ocorre desvio da síntese proteica, as proteínas como a albumina deixam de ser produzidas, em prol da síntese das proteínas de fase aguda, fatores de coagulações e das proteínas e células relacio-
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A avaliação de parâmetros metabólicos é importante não apenas na indicação da melhor terapia nutricional e dos melhores substratos nutricionais a serem utilizados, mas também porque ajuda a classificar o nível de estresse provocado pela lesão (Tabela 20.2).
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nadas à defesa imunológica e da reparação dos tecidos lesados. Albumina baixa não é necessariamente sinal de terapia nutricional ineficaz, mas, sim, de gravidade.
TABELA 20.2 #,!33)&)#!£²/$/.·6%,$%%342%33% 3%'5.$/0!2®-%42/3-%4!"¼,)#/3
.ÓVELDEESTRESSE
1
2
3
Quadro clínico
Jejum
Eletivo
Trauma
Sepse
Nitrogênio urinário (g/dL)
15
Consumo de O2 (mL/m )
90 ±10
130 ± 10
150 ± 20
180 ± 20
Glicemia (mg/dL)
100 ± 20
150 ± 25
150 ± 25
250 ±50
Lactato sérico (mg/dL)
10 ± 5
120 ± 20
120 ± 20
250 ± 50
Relação glucagon/insulina
2,0 ± 0,5
2,5 ± 0,8
3,0 ± 0,7
8,0 ± 1,5
2
Determinação das necessidades nutricionais Há um aumento nas necessidades energéticas nos diversos tipos de trauma, variando de 10 a 20% nas lesões ósseas, 20 a 60% nos traumas com infecção e 40 a 100% após queimaduras extensas. Apesar de as necessidades estarem aumentadas, o fornecimento de quantidade excessiva de energia deve ser evitado. Em função do perfil metabólico no trauma e nas cirurgias, o organismo é incapaz de metabolizar de maneira adequada uma quantidade elevada de energia, ocorrendo efeitos indesejáveis, como hiperglicemia, uremia, hiperosmolaridade, desidratação, excessiva produção de CO2, síndrome da realimentação, entre outros. Além disso, ao contrário do que se observa no jejum, o catabolismo observado nessas situações não é bloqueado pela simples oferta de nutrientes, visto estar intimamente ligado à atividade inflamatória sistêmica e ao padrão hormonal desencadeado. O padrão consagrado para mensuração da necessidade de energia é a calorimetria indireta, porém em decorrência do custo, da necessidade de mão de obra especializada com disponibilidade e da necessidade de fração de oxigênio inspirado menor que 0,6, há limitações para seu uso de forma ampla na prática clínica, por isso, faz-se necessária a utilização de fórmulas preditivas, sendo recomendada utilização para pacientes críticos inicialmente uma oferta de emergia entre 20 e 25 kcal/kg de peso. Na prática clínica, existem fórmulas preditivas do gasto energético dos pacientes. A equação de Harris e Benedict publicada em 1919 fornece o gasto energético basal (GEB) estimado. Sabe-se, entretanto, que, quando comparado com o GEB medido pela calorimetria indireta, essa equação superestima o GEB em 3 a 11%. Já a equação de Mifflin-St Jeor superestima em apenas 1%, sendo, portanto, mais recomendável sua utilização na prática clínica para pacientes críticos.
20
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Para a estimativa do gasto energético total, é necessário multiplicar o GEB por fator adicional. Antigamente, foi proposta por Long a utilização de fatores de injúria, térmico e de atividade, o que superestimava em muito as necessidades reais dos pacientes em estado crítico. Assim, atualmente, quando optado pelo uso da equação na prática diária, utiliza-se apenas de fator injúria entre 1,2 e 1,3 com intuito de minimizar o erro. 1. Harris e Benedict (1919): GEB homens = 66,473 + (13,7516 × peso) + (5,0033 × altura) – (6,755 × idade) GEB mulheres = 655,095 + (9,5634 × peso) + (1,8496 × altura) – (4,6756 × idade) (peso em kg; altura em cm, idade em anos) 2. Mifflin-St Jeor (1990): Homens: GEB = 10 × peso (kg) + 6,25 × altura(cm) – 5 × idade (anos) Mulheres: GEB = 10 × peso (kg) + 6,25 × altura(cm) – 5 × idade (anos) – 161 É importante ressaltar que a oferta de energia não deve ultrapassar 35 kcal/kg/dia em adultos para que os efeitos deletérios da administração de quantidades maiores do que a capacidade de metabolização, não sejam desencadeados. Em casos muito graves, recomenda-se inicialmente adotar 20 kcal/kg/dia e, à medida que o paciente melhorar, evoluir gradativamente, chegando em 25 a 30 kcal/kg/dia, sempre com controle metabólico rígido para evitar hiperalimentação e síndrome da realimentação. A necessidade proteica nesses pacientes em geral é muito variável de 1,2 a 2 g/kg/ dia de proteína dependendo da condição clínica. A relação energia/grama de nitrogênio recomendada nos pacientes gravemente enfermos, de acordo com o nível de estresse, é de 80 a 100:1 (Tabela 20.3). A administração de quantidades maiores de proteínas não resulta em benefício clínico e pode desencadear uremia pré-renal, com todos os seus efeitos deletérios. TABELA 20.3 %34)-!4)6!$%.%#%33)$!$%3.542)#)/.!)3
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.ÓVELDE estresse
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0ROTEÓNAS
Ausência
30 a 35
130 a 150:1
60
25
15
Leve a Moderado
25 a 30
100 a 150:1
50 a 60
25 a 30
15 a 20
Grave
20 a 25
80 a 100:1
45 a 50
30 a 35
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A glutamina é um aminoácido precursor dos ácidos nucleicos, carreador interórgãos de nitrogênio e substrato energético preferencial de células de replicação rápida como os enterócitos, linfócitos e macrófagos, implicado na manutenção da integridade da mucosa intestinal. Assim, em situações de lesão aguda, a glutamina torna-se um ami-
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1. Balanço nitrogenado (BN) = nitrogênio ingerido (NI) – nitrogênio excretado (NE), ou seja, BN = NI – NE. 2. Nitrogênio ingerido (NI) = proteínas ingeridas + proteínas infundidas ÷ 6,25; 6,25 porque a proteína tem 16% de nitrogênio (100 ÷ 16 = 6,25). 3. Nitrogênio excretado (NE) = N urinário ureico + N urinário não ureico + N fecal + N pele + N sonda nasogástrica + N fístulas; em que N = nitrogênio. 4. N urinário não ureico (NUNU) = N ureico urinário (NUU) x 0,2. 5. N urinário ureico (NUU) = ureia urinária de 24 horas x 0,47. 6. N fecal = 1 a 2 g/dia sem diarreia. 7. N pele = 0,1 a 0,49/m2/dia. A avaliação do grau de catabolismo deve seguir os seguintes parâmetros: s s
N excretado até 6 g = catabolismo normal; N excretado de 6 a 12 g = catabolismo moderado;
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noácido condicionalmente essencial para o organismo. Sua utilização deve ser cautelosa em pacientes com hepatopatia por ser metabolizada em glutamato e amônia e em pacientes com insuficiência renal por ocorrer redução do seu metabolismo nos túbulos renais. A dose de glutamina indicada atualmente é entre 0,5 e 0,7 g/kg/dia por via enteral, principalmente quando utilizada em queimados e politraumatizados. O seu uso por via parenteral na forma de dipeptídeo alanil-glutamina, pela necessidade de estabilidade, na dose entre 0,3 e 0,5 kg/kg/dia tem mostrado benefícios como menor incidência de complicações infecciosas e mortalidade. Tem sido demonstrado em estudos que a suplementação com arginina promove redução na excreção nitrogenada, aumento na síntese proteica, cicatrização tecidual mais rápida e melhora da função imunológica. Esses efeitos parecem ser decorrentes da estimulação do GH, insulina e prolactina. Entretanto, não há consenso quanto ao seu uso, uma vez que há relatos de aumento da mortalidade de pacientes críticos que receberam dietas suplementadas com esse aminoácido, já que a arginina é precursora direta do óxido nítrico tecidual. Assim, recomenda-se o uso em pacientes hemodinamicamente estáveis, sem infecção, principalmente em pós-operatório de grandes cirurgias, queimados e pacientes graves sob ventilação mecânica. A arginina na dose de 2% do total de energia melhoraria a função linfocitária, aumentaria a celularidade do timo, melhoraria a cicatrização de feridas e diminuiria o tempo de internação hospitalar. Os aminoácidos de cadeia ramificada (valina, leucina e isoleucina) participam do metabolismo de aminoácidos em nível periférico como substratos para o músculo esquelético, auxiliando na síntese proteica, reduzindo a degradação de proteínas e atuando como substratos para a gliconeogênese. Mediante o cálculo do balanço nitrogenado, é possível avaliar o grau de catabolismo do paciente:
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s s
N excretado de 12 a 18 g = catabolismo aumentado; N excretado acima de 18 g = catabolismo grave.
O balanço nitrogenado zero ou positivo não deve ser perseguido como objetivo terapêutico enquanto persistir o hipercatabolismo relacionado à lesão aguda. Como visto anteriormente, a mobilização dos estoques está relacionada à resposta hormonal e inflamatória desencadeada, e só deixa de existir com a resolução desse processo. Incrementos na oferta calórica ou nitrogenada não resultam em balanço nitrogenado zero ou positivo enquanto persistir o hipermetabolismo, e pode ter efeitos deletérios significativos. A administração de 30 a 50% da energia em lipídios oferece uma quantidade adequada de ácidos graxos essenciais e diminui a necessidade de oferta de glicídios. É recomendável não ultrapassar o limite de 1 g de lipídios/kg/dia, pois acima desse limite pode-se estabelecer sobrecarga do sistema reticuloendotelial. Os ácidos graxos ômega-3 são de incorporação preferencial às membranas celulares, sendo substratos para produção de prostaglandinas e leucotrienos da série ímpar, os quais possuem menor efeito inflamatório, com consequente redução da produção da série par de prostaglandinas e leucotrienos provenientes da metabolização do ácido araquidônico mais inflamatórios, e isso resulta na diminuição de PGE2, TNF-alfa e IL-1, exercendo um importante efeito imunomodulador.
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO
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A via mais fisiológica é a ideal e sempre que possível deve ser utilizada. Assim, o uso do trato gastrintestinal o mais precocemente possível é recomendável. A nutrição enteral, especialmente se instituída nas primeiras 36 horas após o insulto, resulta em grandes benefícios, como a prevenção da atrofia da mucosa intestinal e manutenção de sua integridade, atenuação do hipercatabolismo em resposta à lesão, prevenção da translocação bacteriana e menor incidência de complicações, além de seu custo mais baixo quando comparada à nutrição parenteral. A terapia nutricional deve ser instituída precocemente desde que o equilíbrio hemodinâmico, aferido pelas variáveis hemodinâmicas e de oxigenação, tenha sido atingido, pois estudos mostram que o primeiro território a sofrer restrição de fluxo nos estados de choque é o intestinal, e a indução de trabalho à mucosa com má perfusão, por produção e secreção de enzimas, digestão e absorção dos nutrientes, pode resultar em agravamento das lesões isquêmicas. Além da instabilidade hemodinâmica, a nutrição enteral é contraindicada nas situações em que o intestino não tem condições adequadas de uso, como nas obstruções intestinais, no íleo adinâmico e nas hemorragias digestórias altas. As vias de administração podem ser por sonda nasoenteral, nasojejunal ou ostomias, dependendo do tempo estimado para a terapia nutricional e do tipo de afecção do paciente. Os pacientes que estão em uso de drogas inotrópicas, infusão contínua de sedativos, bloqueadores neuromusculares ou que apresentem refluxo gástrico importante são considerados de risco para a infusão em posição gástrica e beneficiam-se com sondas enterais posicionadas no jejuno. A nutrição por via parenteral é administrada sempre que o trato gastrintestinal não pode ser utilizado ou quando a nutrição enteral por si só não for suficiente para suprir a demanda de nutrientes requerida pelo paciente. A administração parenteral em via central
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é indicada quando houver necessidade de terapia nutricional por tempo prolongado e possibilidade de acesso venoso central; a administração por veia periférica é indicada quando não houver indicação de terapia nutricional por tempo prolongado (7 dias). Deve-se lembrar de que as soluções utilizadas por via central apresentam uma concentração, na solução final, em torno de 20 a 25% de glicose com osmolaridade maior que 900 mOsm/L e as de uso periférico têm concentração próxima a 10% e osmolaridade inferior a 900 mOsm/L. A terapia nutricional, tanto enteral quanto parenteral, se indicada, deve ser iniciada o mais precocemente possível, 24 a 48 horas após a lesão em condições hemodinâmicas favoráveis e com velocidade de infusão baixa, com a progressão feita de forma gradual e cautelosa vigiando o estado clínico e metabólico do paciente. A avaliação da aceitação da nutrição enteral pode ser feita pela observação da tolerância gastrintestinal. Episódios de distensão abdominal, diarreia, vômito e esvaziamento gástrico diminuído (superior a 200 mL residual em duas mensurações consecutivas) são sinais de intolerância. Pró-cinéticos como bromoprida, domperidona e metoclopramida podem ser utilizados na tentativa de melhorar o esvaziamento gástrico ou eliminar vômitos. O decúbito horizontal deve ser evitado em pacientes recebendo nutrição enteral, sendo indicada a manutenção da cabeceira sempre entre 30 e 45°, caso isso não seja possível, a cabeceira deve ser elevada de acordo com o estado clínico e o posicionamento pós-pilórico da sonda é preferível, na tentativa de evitar o refluxo gástrico e risco de aspiração. A nutrição parenteral deve ser avaliada por parâmetros clínicos como estado hemodinâmico, volemia, diurese e balanço hídrico total; e metabólicos como marcadores bioquimicos, pHmetria e glicemia, sendo necessário muitas vezes controle externo para normalização desses parâmetros. Um exemplo é o controle glicêmico por meio de protocolos de reposição insulínica com o objetivo de manter a glicemia o mais próximo do considerado fisiológico, ou ao menos inferior a 180 mg/dL, sempre com cuidado para evitar hipoglicemia. O controle periódico dos eletrólitos é fundamental; pacientes em estado hipermetabólico apresentam alterações eletrolíticas que podem ser agravadas pela quantidade infundida nas fórmulas enterais ou parenterais. A síndrome da realimentação, caracterizada pela queda nas concentrações plasmáticas de potássio, magnésio, fósforo e déficit de tiamina, são muito frequentes e devem ser corrigidas para que sejam evitadas complicações graves como arritmias cardíacas, dificuldade de desmame ventilatório, acidose metabólica lática e graus variados de distúrbios da consciência e coma até a encefalopatia de Wernicke-Korsakov. Quando a alimentação por via oral puder ser iniciada, deve ser feita de maneira segura, com especial atenção aos idosos submetidos à intubação orotraqueal após 24 a 48 horas, por causa do maior comprometimento neurossensitivo decorrente desse procedimento. Esses casos devem ser observados preferencialmente durante as 48 horas da extubação por fonoaudiólogo especializado em distúrbios da deglutição, para que a oferta oral seja mais efetiva e com menor risco. É importante lembrar que a consistência líquida é a de maior dificuldade e maior risco, o que dificulta inclusive a administração de medicações por via oral. Após liberada dieta oral, a dieta enteral só deve ser interrompida quando o paciente for capaz de ingerir cerca de 60 a 70% das necessidades nutricionais diárias por via oral, minimizando risco de desnutrição por baixa ingestão.
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SITUAÇÕES ESPECÍFICAS Acidente vascular encefálico No traumatismo cranioencefálico, ocorre um dos maiores graus de catabolismo, que se inicia logo após o trauma e atinge seu pico entre 3 e 5 dias e diminui gradativamente em 7 a 10 dias, desde que não haja complicações como cirurgias ou infecções. Nesses pacientes, o GEB pode aumentar em até 50%, e a desnutrição pode instalar-se rapidamente quando não adequadamente assistidos do ponto de vista nutricional. Quanto mais precocemente se inicia a terapia nutricional, com uma oferta apropriada de proteínas e energia, menor é o pico máximo do catabolismo e mais curta a duração. Como o catabolismo proteico é acentuado, é indicado uso de formulas hiperproteicas com no mínimo 15% de proteínas. O recomendável é o início da nutrição nas primeiras 24 horas após o trauma, com prioridade para a enteral. Na impossibilidade de seu uso ou se houver dificuldade de progressão, deve ser aventado uso de nutrição parenteral. A dieta oral nesses pacientes só deve ser iniciada quando eles tiverem recuperado completamente o nível de consciência e quando os reflexos protetores das vias aéreas e de deglutição estiverem funcionando. Em pacientes com alterações dos últimos pares cranianos, intubação prolongada, antecedente de doenças crônicas degenerativas neurológicas, existe o risco de disfagia e broncoaspiração, sendo indicada avaliação por profissional da área de fonoaudiologia especializado. Por vezes, ainda se faz necessária avaliação objetiva da deglutição por exames como nasofibroscopia e videodeglutograma para definição da melhor maneira de alimentação. A atuação do profissional fonoaudiólogo vai além da avaliação inicial; alguns pacientes, mediante treinamento adequado, podem voltar a se alimentar por via oral de forma eficaz, incluindo casos de pacientes com comprometimento neurológico, contudo é necessário tempo para reabilitação.
Queimadura
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Nos pacientes queimados, há uma lesão tecidual decorrente de um trauma de origem térmica. As lesões são classificadas de acordo com sua extensão e profundidade e essas características relacionam-se diretamente com a gravidade e prognóstico desses pacientes. Logo, a análise da superfície corporal queimada (SCQ) e o grau de lesão (1º, 2º ou 3º graus), bem como a avaliação de doenças crônicas do paciente, vão direcionar o tratamento clínico e nutricional a ser instituído. O aumento da permeabilidade capilar é transitório e ocorre de 18 a 24 horas (com pico de 8 horas após a lesão). Esse aumento de permeabilidade é responsável por alterações hemodinâmicas que determinam o uso de cristaloides e não de coloides nessa fase, tentando assim, minimizar o edema. A maneira mais precisa para determinar esse gasto é por meio da calorimetria indireta, mas poucos serviços dispõem de um calorímetro. Existem algumas fórmulas para a determinação da necessidade de energia desses pacientes, porém uma maneira prática é utilizar a fórmula de bolso com objetivo de oferecer 25 kcal/kg/dia com acréscimo de energia por superfície corporal queimada (Tabela 20.4).
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)DADEANOS
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TMB + 15 kcal × SCQ
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TABELA 20.4 #,#5,/3$%.%#%33)$!$%%34)-!$!0/2350%2&·#)%15%)-!$!3#1 %-
TMB: taxa metabólica basal.
Nos pacientes queimados, a nutrição enteral é a primeira opção e deve ter início o quanto antes, com evolução gradativa da oferta nutricional, sempre observando a estabilidade hemodinâmica e tolerância do paciente. Fatores que refletem no metabolismo, como febre, infecção, dor, ansiedade, devem ser avaliados diariamente e cuidados. A melhor composição da dieta é 50 a 60% do valor energético total na forma de carboidratos; 20 a 30% na forma de lipídios, sendo estes divididos em 10% de ácidos graxos poli-insaturados, 10 a 15% de ácidos graxos monoinsaturados e 8 a 10% de ácidos graxos saturados. O ideal nos ácidos graxos poli-insaturados é uma proporção de 7% de ácidos graxos ômega-6 e 3% de ácidos graxos ômega-3 por seu papel na cascata de eicosanoides. A proteína corporal é a principal fonte de energia na fase aguda, principalmente por meio da mobilização de alanina e glutamina para a gliconeogênese. Tem sido preconizada uma reposição proteica de 2 a 2,5 g/kg/dia para adultos e 1,5 g/kg/dia para crianças com relação energia:gramas de nitrogênio de 100:1 e 150:1, respectivamente. Nos três primeiros dias após a lesão, a perda nitrogenada diária é maciça pelo intenso catabolismo proteico, entre o 4º e o 16º dia pós-lesão a perda ainda é grande e decresce lentamente. As vitaminas A, C e E, os elementos traços selênio, zinco e cobre devem ser suplementados: a vitamina A na dose de 5.000 UI/1.000 kcal, dada sua importância na manutenção da resposta imunológica e na epitelização das feridas; a vitamina C, por sua ação como coenzima na síntese de colágeno e função imunológica, deve ser administrada na dose de 500 mg, 2 vezes/dia; o selênio está indicado com reposição de 500 mcg/dia para redução de mortalidade em pacientes críticos; o zinco é cofator no metabolismo proteico e energético, devendo ser suplementado na dose de 220 mg/dia.
Doença pulmonar Em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, ou lesão pulmonar aguda, especialmente quando em ventilação mecânica, o suporte nutricional é muito importante. A hipofosfatemia nesses pacientes leva à diminuição do transporte de oxigênio pelas hemácias, podendo causar hipocontratilidade do diafragma, e a hipomagnesemia está associada à diminuição da força muscular. Dietas ricas em gordura, apesar de reduzirem a produção de CO2, podem causar maior desconforto respiratório pela dificuldade em esvaziamento gástrico e por dificultar a mobilização diafragmática, sendo recomendadas dietas normoglicídicas para tais pacientes. A utilização de produtos que
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contenham em sua formulação óleo de peixe e antioxidantes pode ser útil, principalmente em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
Pancreatite Pacientes com pancreatite têm indicação de repouso pancreático para melhora do quadro. A gravidade da doença é que determinará o tipo, a via e o momento certo para o início da terapia nutricional. Não há evidências de que a nutrição enteral ou parenteral tragam benefícios na evolução dos pacientes com pancreatite leve ou moderada. Nesses pacientes, a recomendação é manter boa hidratação e reposição eletrolítica nos dias iniciais (2 a 5 dias) e iniciar a realimentação quando não houver mais dor e as enzimas já estiverem se normalizando (isso geralmente ocorre após o 3º dia de tratamento). A dieta recomendada é rica em carboidratos, com quantidade moderada de proteínas e de moderada a restrita em gorduras. Nos pacientes com pancreatite grave, as complicações ou a necessidade de cirurgia tornam a oferta nutricional precoce essencial, visando à prevenção dos efeitos adversos da desnutrição, sendo preferível a dieta enteral desde que o posicionamento da sonda enteral seja distalmente ao piloro, preferencialmente após o ângulo de Treitz e guiado por endoscópio, proporcionando assim mínima estimulação exógena pancreática. No entanto, no casos em que não se consiga atingir as necessidades energéticas e proteicas pela via enteral, a via parenteral deve ser associada. A nutrição parenteral exclusiva está indicada para os casos de íleo prolongado, fístulas pancreáticas e síndromes compartimentais abdominais. A terapia nutricional para esses pacientes é guiada por quatro princípios: s s s s
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a alteração do metabolismo pode ser modulada pela terapia nutricional adequada; evitar complicações iatrogênicas, principalmente as relacionadas à superalimentação; reduzir a estimulação pancreática em níveis subclínicos; procurar atenuar a reação inflamatória global (SIRS).
As recomendações nutricionais nessa fase são: de 20 a 25 kcal/kg/dia iniciais com evolução a 30 kcal/kg/dia e 1,2 a 1,5 g/kg/dia de proteínas; de 3 a 6 g/kg/dia de carboidratos; de 0,8 a 1,5 g/kg/dia de lipídios, devendo ser descontinuada se ocorrer hipertrigliceridemia. Deve-se iniciar a alimentação por via enteral com sondas localizadas no jejuno e, quando isso não for possível ou a oferta de nutrientes não é adequada, deve ser iniciada ou associada à nutrição parenteral. O uso de glutamina e ômega-3 está recomendado em pancreatite aguda grave em condições clínicas para tal.
Perioperatório No perioperátório, a intenção é minimizar o período de jejum, não se recomendando jejum superiores a 6 a 8 horas para os sólidos, e de 2 a 6 horas para líquidos claros, com exceções nos casos de obesidade mórbida, comprometimento do esvaziamento gástrico prévio e doenças do refluxo gástrico moderado a grave. No pós-operatório, recomenda-se a reintrodução enteral precocemente entre 12 e 24 horas, quando possível por via oral, ou por vias alternativas de alimentação.
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Fístulas Em pacientes com fístula digestiva, sempre se deve avaliar o local da fístula, seu débito, se ela é terminal ou lateral, simples ou complicada. De posse desses dados, determina-se a terapia nutricional mais adequada. A nutrição parenteral trouxe uma nova perspectiva para esses pacientes, sendo muito utilizada em fístulas no trato digestivo em nível de jejuno e íleo. Apesar de todas as desvantagens da não utilização do intestino relacionadas ao uso da nutrição parenteral, o fato dessa terapia provocar diminuição das secreções no trato gastrintestinal é considerado benéfico. O uso da glutamina, mesmo que endovenosa, é recomendado na tentativa de manter o trofismo da mucosa intestinal. Quando a nutrição enteral provoca o aumento do débito da fístula, esta deve ser imediatamente suspensa, e o paciente deve ser mantido em nutrição parenteral exclusiva até sua resolução. A maior parte das fístulas fecha em média com 30 dias de tratamento, porém muitas podem demorar mais tempo. A nutrição parenteral nesse caso previne o desenvolvimento ou a progressão da desnutrição, pois esses pacientes são submetidos a múltiplas intervenções cirúrgicas e estão sujeitos às mais diversas complicações. A dieta oral está condicionada ao débito da fístula e é utilizada em fístulas distais no íleo terminal e cólon cujos débitos são normalmente baixos, ou em casos de fístulas exclusas do trânsito intestinal como na árvore biliar. Em casos nos quais há aumento do débito de forma persistente, a dieta deve ser suspensa. Existindo distância mínima de 120 cm entre o ângulo de Treitz e o orifício fistuloso podem ser utilizadas dietas de absorção alta e de baixo resíduo (fórmulas oligoméricas) por sonda ou, se aceitas, por via oral. Quando a fístula é muito proximal, exemplo no esôfago, pode-se utilizar uma dieta por sondas finas posicionadas distalmente à fístula. A nutrição enteral evidentemente não tem como finalidade apenas nutrir, mas também proteger e preservar a mucosa intestinal, diminuindo o risco de translocação bacteriana. A administração de nutrição enteral está contraindicada na presença de hipertensão intra-abdominal, pois o fluxo sanguíneo nessa situação pode estar comprometido para mucosa com risco de isquemia. Pacientes com peritoniostomia podem ser alimentados pela via enteral, com bons resultados. A tolerância à dieta enteral pode ser melhorada com o posicionamento da sonda após o piloro.
Uso de drogas vasoativas A terapia nutricional em pacientes graves e hemodinamicamente instáveis é um assunto polêmico, porém diversos estudos demonstraram seu benefício na redução da resposta ao hipermetabolismo, na preservação da integridade da mucosa intestinal com efeito direto sobre a translocação bacteriana e na imunidade local e sistêmica, reduzindo assim complicações infecciosas graves e diminuindo o tempo de internação hospitalar. Tem havido
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No caso de pacientes com risco nutricional grave ou candidatos a cirurgias eletivas de grande porte, recomenda-se o uso de terapia nutricional pré-operatória por 7 a 14 dias, preferencialmente com imunonutrientes, que pode ser continuado por mais 5 a 7 dias no pós-operatório.
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um crescente uso da dieta enteral nesses pacientes. A preocupação de ocorrer agravamento da isquemia e mesmo necrose da mucosa intestinal nas situações de instabilidade hemodinâmica e de consequente diminuição do fluxo esplâncnico é assunto amplamente discutido. Tais complicações relacionadas à nutrição enteral são raras. A orientação atual é de que pacientes hemodinamicamente estáveis, com uma ressuscitação volêmica adequada e mantendo pressão arterial média ≥ 70 mmHg, mesmo em uso de drogas vasoativas, devem receber nutrição preferencialmente pela via enteral e com infusão contínua. O volume a ser administrado depende da tolerância do paciente. A sugestão para início nos casos mais graves é de baixos volumes, cerca de 20 mL/hora de uma dieta isosmolar com ou sem adição de fibras. Os pacientes devem ser monitorados, e, a qualquer sinal de intolerância gastrintestinal ou piora hemodinâmica, como necessidade de aumento de drogas vasoativas, adição de novas drogas vasoativas, necessidade de aumento no suporte da ventilação mecânica, sinais de baixo débito ou hipotensão refratária, a estratégia nutricional deve ser imediatamente suspensa. Quando os sinais de intolerância gastrintestinal persistirem, como refluxo gástrico aumentado, distensão abdominal, dor abdominal, diarreia profusa, parada de eliminação de gases e fezes, diminuição ou ausência de peristalse, a dieta deve ser suspensa e deve ser aventada a hipótese de que uma isquemia ou mesmo necrose de mucosa intestinal possam estar ocorrendo. Distensão abdominal foi observada em 100% dos casos de necrose de mucosa e dor, em 50%. Uma investigação criteriosa deve ser realizada. Tomografia computadorizada de abdome, exames laboratoriais, leucograma com desvio e leucocitose, dosagem de lactatemia que se eleva, gasometria arterial com componente de acidose metabólica e dosagem de eletrólitos, principalmente potássio, fósforo e cálcio, podem ajudar nessa investigação.
IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E CONCLUSÕES
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Do ponto de vista clínico, o tratamento do paciente gravemente enfermo será fundado na terapia específica e na terapia de suporte fisiopatológico das funções hemodinâmica, respiratória e metabólica. O suporte fisiopatológico do paciente agudo grave baseia-se nos seguintes princípios gerais: s s
acurada monitoração das alterações fisiopatológicas; suporte hemodinâmico, mediante a otimização da volemia e da função miocárdica, tendo como objetivo a adequação das variáveis de oxigenação; s correção de distúrbios acidobásico e eletrolítico; s monitoração e suporte da função respiratória, que pode estar alterada na sua função (como acontece no hiperdinamismo associado à má perfusão pulmonar), ou por lesões morfológicas localizadas (atelectasias, focos broncopneumônicos, derrames pleurais) ou difusas (SDRA); s terapia nutricional quantitativa e qualitativa adequada para sustentar as particulares situações da resposta metabólica ao trauma. Vale lembrar que, sempre que possível, deve ser tentada a nutrição enteral, mesmo que mínima. A definição de nutrição enteral precoce refere-se ao início da administração da nutrição até 36 horas após a afecção.
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s s s s s s
oferta energética adequada, considerando o elevado consumo energético desses pacientes, assim como os efeitos deletérios da hiperalimentação; administração de energia na forma de glicídios e de lipídios, com o intuito de controlar melhor a homeostase glicêmica; oferta proteica adequada, na tentativa de compensar as elevadas perdas típicas dessa situação metabólica; administração de oligoelementos e vitaminas; uso de substâncias imunomoduladoras, quando indicadas; controle metabólico rigoroso, tratando a hiperglicemia de forma enérgica e repondo as reduções que ocorrem nas concentrações plasmáticas dos eletrólitos (síndrome da realimentação).
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Outros pontos importantes são:
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CAPÍTULO
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Interações medicamentosas e nutricionais MARIA BETY FABRI BERBEL LUCIANE CELESTE LAZARI BERBEL ADRIANA CLÁUDIA MINATTI MORI REJANE DIAS DAS NEVES-SOUZA
INTERAÇÕES ENTRE FÁRMACOS E NUTRIENTES Introdução A interação entre fármaco e nutriente ocorre quando se obtém algum efeito colateral indesejado, seja pela ingestão concomitante de fármaco com determinado nutriente ou por algum componente presente no alimento. O efeito colateral significa acelerar ou retardar a absorção do fármaco, alterar seu metabolismo, impedir seu efeito farmacológico ou alterar sua excreção. Entender as interações fármaco-nutriente é importante, especialmente quando os tratamentos farmacológicos ocorrem por longo período, porque comprometem a eficácia do fármaco ou aumentam sua toxicidade e também por reduzirem a biodisponibilidade do nutriente.
Metabolismo dos fármacos e nutrientes Os mecanismos de absorção dos nutrientes e de alguns fármacos são semelhantes e muitas vezes competitivos, apresentando como principal sítio de interação o trato gastrintestinal, onde ocorrem algumas reações metabólicas que resultam em modificações químicas e efeitos farmacológicos, podendo propiciar a eliminação do fármaco. 507
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O início de um tratamento medicamentoso é feito pela liberação e absorção do fármaco contido no comprimido, na cápsula ou na ampola. O primeiro fator a ser considerado deve ser a via de administração, que influencia diretamente na biodisponibilidade. Apenas a via intravenosa propicia biodisponibilidade de 100% do fármaco; a absorção intestinal e a concentração sanguínea dos fármacos podem ser influenciadas por inúmeros fatores diretamente relacionados às suas características químicas e a aspectos individuais relacionados ao sujeito que consumirá esse fármaco.
Fases de ação dos fármacos É possível diferenciar as interações fármaco-nutriente que são produzidas nas fases biofarmacêutica, farmacocinética e farmacodinâmica.
Interações na fase biofarmacêutica É quando acontece a dissolução ou desintegração do fármaco. Estão englobados todos os processos que acontecem a partir do momento em que o fármaco é administrado até o instante em que se encontra disponível para a absorção. A presença de nutrientes no trato gastrintestinal pode alterar a desintegração da forma farmacêutica e a dissolução do princípio ativo. A natureza química do fármaco, seu tamanho, o estado físico, a superfície da partícula e os excipientes utilizados em sua composição são fatores que podem influenciar na quantidade de fármaco absorvida e no tempo de absorção. A ingestão de fluoxetina (antidepressivo) com alimentos, por exemplo, não altera seu efeito, mas altera o tempo de absorção do fármaco, retardando seu efeito terapêutico.
Interações na fase farmacocinética
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Engloba absorção, transporte, metabolismo e eliminação do fármaco, que podem ser alterados por causa da ingestão concomitante de nutrientes. Essa alteração se manifesta por meio do aumento ou da diminuição da atividade terapêutica do fármaco. Em contrapartida, a administração de alguns fármacos pode também reduzir a absorção de nutrientes ou alterar sua utilização pelo organismo. A absorção de um medicamento pode depender da integridade do aparelho digestório, como do pH gástrico e da velocidade do trânsito intestinal, podendo prolongar ou abreviar o tempo de contato com as células intestinais (enterócitos) do jejuno. Além disso, pode ser alterada pela concentração da droga, pelo grau de ionização e pela solubilidade no local de absorção. Os fármacos são transportados aos diferentes órgãos do corpo, sendo que a maior concentração se dá naqueles mais irrigados, como coração, fígado, rins e cérebro. O restante do fármaco é distribuído para o músculo, o tecido adiposo e a pele. O metabolismo dos fármacos ocorre por intermédio de reações de oxidação, redução, hidrólise e da conjugação do fármaco com substâncias endógenas. A biotransformação dos fármacos depende de enzimas ou de sistemas enzimáticos que funcionam como catalisadores. Ocorre principalmente no fígado, em razão de seu amplo sistema microssomial. Os componentes desse sistema (citocromo P-450, dinucleotídeo nicotinamida adenina fosfato [NADPH]-citocromo P-450 redutase e fosfa-
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tidilcolina) usam o NADPH e o oxigênio como catalisadores de uma série de reações oxidativas, agindo sobre várias substâncias endógenas, fármacos, poluentes ambientais e substâncias carcinogênicas. Qualquer alteração ocorrida nesse sistema pode levar a alterações na resposta metabólica. Os citocromos P-450 (CYP) são hemoproteínas envolvidas nas biotransformações de vários compostos de origem endógena e exógena. Em termos biológicos, essas enzimas promovem a modificação química de várias moléculas exógenas lipofílicas, que se tornam mais solúveis e de fácil excreção pelo organismo humano. São formados por cerca de 30 enzimas CYP constituídas por 27 famílias de genes. Na nomenclatura dessas enzimas, estão incluídos a família e o gene, por exemplo: CYP 3 A4, em que CYP é a família, 3 é a subfamília e A4 é o gene. A função desses sistemas enzimáticos depende de vários nutrientes e sua ação pode ser maior ou menor, em decorrência de uma dieta deficiente em proteínas e aminoácidos essenciais, retinol, riboflavina, ácido ascórbico, tocoferol, magnésio e zinco, alterando o metabolismo do fármaco e vice-versa. A última etapa farmacocinética é a de eliminação ou excreção da droga in natura ou inativada como produtos do metabolismo. A grande maioria dos fármacos tem eliminação renal, mas tembém há eliminação pelo trato gastrintestinal, pelos pulmões e pelas secreções da pele (sudorese). Os órgãos responsáveis pela excreção, como rins e pulmões, eliminam os metabólitos ou as drogas que permaneceram inalteradas. A excreção também pode acontecer pela bile ou pelas fezes.
Na absorção do fármaco 1. Pela absorção do fármaco: absorção do paracetamol (analgésico) é afetada pela presença da pectina dos alimentos. 2. Pela modificação do pH gástrico: para que o fármaco seja absorvido, é necessário que haja primeiramente sua dissolução. Cada fármaco apresenta determinada solubilidade que varia com a mudança do pH. O pH gástrico em jejum é de 1,7 a 1,9 e a presença de alimentos pode elevar o pH para 3. Essa alteração do valor do pH pode modificar a dissociação e a solubilidade do fármaco ou degradá-lo. Por exemplo, a tetraciclina (antibiótico) que é solúvel em pH < 3 e insolúvel em pH > 5. Isso mostra que o fármaco deve ser tomado apenas com água, sem a presença de alimentos, para que se obtenha o efeito esperado. 3. Pela ação de transportadores: ocorre quando o fármaco é absorvido por transporte ativo e o nutriente utiliza o mesmo transportador, como no caso da levodopa (antiparkinsoniano), que pode usar os mesmos transportadores dos aminoácidos. Nesse caso, recomenda-se a ingestão do fármaco sem a presença de alimentos. 4. Pela formação de complexos não absorvíveis: quando um fármaco se liga a um nutriente formando um quelato, isto é, uma molécula grande demais para ser absorvida. Por exemplo, a tetraciclina (antibiótico) ingerida com leite. A tetraciclina é um fármaco que reage com cátions bi ou trivalentes. Nesse caso, ela se agrupa com
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o cálcio presente no leite, formando um quelato, diminuindo a absorção tanto do fármaco quanto do nutriente. Isso pode acontecer também com alimentos ricos em ferro, zinco e magnésio. 5. Pela alteração da velocidade do esvaziamento gástrico: o tempo de permanência do fármaco no estômago pode aumentar ou diminuir sua absorção. Em jejum, o fármaco leva de 10 a 30 minutos para chegar até o intestino. Após a ingestão de alimentos, esse tempo aumenta em até 2 horas. Um exemplo é a espironolactona (diurético poupador de potássio e anti-hipertensivo) que, em virtude da sua fórmula estrutural, é favorecida pela presença do suco gástrico e do bolo alimentar. Outro exemplo é o da penicilina V (antibiótico), que deve ser administrada com pelo menos com 2 horas de diferença das refeições, pois estas aumentam a ocorrência da inativação (abertura do anel betalactâmico).
Na distribuição do fármaco Pela ingestão de alimentos gordurosos, o nível de ácido graxo é aumentado e este tem afinidade pelas proteínas plasmáticas. Isso pode acarretar uma menor fixação proteica pelo fármaco. Essas interações são menos frequentes, e um exemplo é o uso de estatinas com uma refeição com alto teor de gordura.
No metabolismo do fármaco
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1. Pela indução enzimática: a estimulação da atividade das enzimas microssomais dos fármacos por nutrientes representa importante problema clínico. Muitos fármacos, como analgésicos, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes orais, sedativos e tranquilizantes, estimulam a sua própria biotransformação e a de outras drogas. A indução enzimática acelera a biotransformação hepática do fármaco, aumenta a velocidade de produção dos metabólitos, diminui sua meia-vida plasmática, aumenta a velocidade de depuração hepática, diminui os efeitos farmacológicos caso os metabólitos sejam inativados e diminui as concentrações séricas, livre e total do fármaco. O citocromo P-450 é rapidamente induzido por muitos fármacos ou nutrientes (p.ex., brócolis, couve-flor, repolho, espinafre, que contêm compostos indólicos que aumentam o metabolismo hepático) e por indução enzimática de fármacos como o paracetamol (analgésico) ou a varfarina (anticoagulante oral). 2. Pela irrigação hepática aumentada: a depuração hepática depende da quantidade de sangue presente no fígado. O alimento aumenta o débito sanguíneo, fazendo com que os fármacos cheguem mais rapidamente e em maior concentração até o fígado, onde são metabolizados. Um exemplo disso é quando é administrado o propranolol (betabloqueador, anti-hipertensivo) com alimento, alcançando concentrações séricas mais altas do fármaco. 3. Pela eliminação do fármaco: os alimentos, de modo geral, modificam pouco o pH urinário, mas a influência do pH na excreção de fármacos é clara. O pH da urina pode variar de 4,5 a 8, de acordo com a acidez ou alcalinidade da urina. Se esta estiver ácida, ocorrerá a reabsorção de ácidos fracos, como os barbitúricos (anticonvulsivante) ou
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Interações na fase farmacodinâmica É a resposta fisiológica do fármaco ou da combinação de fármacos. É a fase em que acontece a interação do fármaco com o receptor, resultando no efeito terapêutico. São pouco frequentes, pois habitualmente os nutrientes e os fármacos têm diferentes destinos ou locais de ação no organismo. Ocorrem quando o local de ação de um fármaco é modificado pela presença de determinado nutriente. Podem ser do tipo agonista, em que há um aumento da ação terapêutica, ou do tipo antagonista, que interfere no metabolismo normal e na função fisiológica, anulando o efeito esperado pelo fármaco. Os fármacos, além dos efeitos terapêuticos, também produzem uma série de efeitos colaterais, e isso é determinado por sua absorção, seu transporte, sua biotransformação, sua excreção e sua afinidade com os receptores. Um bom exemplo disso é o uso do ácido fólico por um paciente que faz uso de fenitoína (anticonvulsivante). O ácido fólico faz com que haja uma diminuição da concentração de fenitoína sérica, que pode fazer com que o paciente tenha convulsões. No entanto, o uso contínuo de fenitoína pode levar a uma deficiência de folato, que, por sua vez, pode causar anemia megaloblástica.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS E NUTRICIONAIS
sulfonamidas (antibiótico); se estiver básica, ocorrerá a reabsorção de bases fracas, como a anfetamina (inibidor de apetite). O ácido acetilsalicílico (analgésico), a furosemida (diurético) e a penicilina (antibiótico) podem ter sua excreção aumentada por dietas predominantemente alcalinas, enquanto a amitriptilina (antidepressivo), a cloroquina (antimalárico) e a teofilina (broncodilatador) podem ter sua excreção aumentada por uma dieta que gere metabólitos ácidos (p.ex., ameixa, carnes, frutos do mar, pães, biscoitos, bolachas), em razão da acidificação da urina.
Fatores de risco para interações entre fármacos e nutrientes Existem alguns grupos específicos nos quais pode haver maior incidência de interações, e é importante conhecê-los para orientar os pacientes sobre os melhores horários de tomadas dos fármacos em relação ao consumo de alimentos. O tratamento de doenças crônicas de longa duração, como diabete e hipertensão, pode ocasionar a desnutrição, aumentando o risco de interações. Pacientes transplantados apresentam alto risco de sofrer interações fármaco-nutriente, pelo uso de muitos fármacos e pelo sistema imunológico e enzimático suprimido. Pacientes idosos consistem um grupo de risco, pelo fato de estarem constantemente em uso de diversos tipos fármacos, por causa da idade e por possuírem maior chance de consumir dietas não balanceadas. Em decorrência da idade avançada, os idosos apresentam alterações na imunidade, nos fatores enzimáticos e na absorção de nutrientes. Isso se deve ao comprometimento da atividade das enzimas hepáticas e ao fluxo sanguíneo hepático. No indivíduo idoso, observa-se uma diminuição da capacidade metabólica, portanto é preciso ter um cuidado especial com a dieta e com a prescrição de fármacos. Crianças, lactentes e fetos também podem sofrer com o problema, pois seus sistemas enzimáticos ainda estão em desenvolvimento. As gestantes, pela necessidade aumentada
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de alguns nutrientes, também estão sujeitas ao risco de sofrer interações entre fármaco e nutriente. Pacientes desnutridos são frequentemente submetidos ao uso de fármacos. Alterações no trato gastrintestinal, como mudança na motilidade, diarreia, vômito, aumento do pH estomacal e atrofia da mucosa, podem afetar a absorção dos fármacos. Dietas com baixo teor proteico podem afetar as ligações dos fármacos às proteínas plasmáticas e ao volume transportado, alterando os processos de oxidação, conjugação e ligação dos fármacos. Contudo, uma dieta hiperproteica pode elevar o nível de citocromo P-450, estimulando o metabolismo oxidativo. A desnutrição também pode causar problemas no percentual de oxidação dos fármacos, principalmente quando for uma desnutrição grave acompanhada de edema. A hipoalbuminemia pode ser causada pela desnutrição e diminuir o tempo de excreção renal dos fármacos, já que estes são eliminados mais rapidamente em razão da falta de ligação à proteína plasmática, alterando o efeito esperado. Isso pode acontecer em pacientes com problemas hepáticos (esteatose) e renais (doença renal crônica). A deficiência de alguns nutrientes específicos pode alterar o metabolismo dos fármacos, pois podem influenciar o sistema de oxidase de função mista. Por exemplo, uma deficiência orgânica de ferro aumenta a atividade do citocromo P-450, enquanto a deficiência de magnésio diminui essa atividade. O zinco é essencial nos processos de biotransformação do fármaco. Para a glutationa eliminar compostos tóxicos, é necessária a presença do selênio e do cromo. Indivíduos obesos ou que têm uma quantidade aumentada de tecido adiposo em relação à massa magra podem acumular mais metabólitos nos tecidos, aumentando o tempo de depuração e toxicidade, pois os fármacos lipossolúveis são transportados mais facilmente para o tecido adiposo. Isso também pode ocorrer em idosos, pelo decréscimo da atividade enzimática. Idade, sexo, peso, genética (alterações na CYP2C19 em asiáticos, tornando-os mais sensíveis à diminuição da absorção da vitamina B12 pela inibição da bomba de prótons), condição e estilo de vida são alguns dos fatores individuais que podem fazer com que haja um maior risco de ocorrência de interações. A velocidade de absorção de um fármaco pode ser diminuída pela presença de nutrientes. Eles podem modificar a função enzimática ou o mecanismo de transporte ativo responsável pela biotransformação por meio de modificações do pH gástrico, por retardarem o esvaziamento gástrico, por alteração da motilidade gastrintestinal, fluxo de bile ou dissolução de formas sólidas do fármaco. Essas interações podem ocorrer em consequência da composição enantiomórfica do fármaco ou da dose, da via de administração e do tempo de ingestão do fármaco em relação à refeição. Como exemplo, pode-se citar o captopril (anti-hipertensivo inibidor da enzima de conversão da angiotensina), que, caso seja ingerido junto com alimentos, tem sua biodisponibilidade reduzida em 50%. Contudo, o retardo no tempo de absorção, no caso de alguns fármacos, não implica redução da quantidade absorvida, e sim em um período mais longo para alcançar a concentração sanguínea necessária para a obtenção do efeito desejado, como é o caso da paroxetina (antidepressivo). Portanto, o distanciamento entre a tomada do fármaco e a refeição pode prevenir esse tipo de interação. As soluções e suspensões têm menor risco de interação com nutrientes por causa de sua maior mobilidade no trato gastrintestinal.
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Exemplos de interações entre fármacos e nutrientes Cada nutriente ou fármaco possui um pH específico no qual sua absorção é melhor, como é o caso da vitamina B12 dietética, que necessita do ácido gástrico e da enzima pepsina para ser liberada da proteína dietética e ligar-se à proteína R salivar. Esse complexo, B12-proteína R salivar, é hidrolisado no duodeno, por enzimas pancreáticas, em B12 livre, que é absorvida no íleo. Sem o pH ácido não ocorre a liberação e a consequente absorção da B12, podendo ocasionar anemia perniciosa no paciente. Um exemplo é a ingestão simultânea de vitamina B12 dietética com um fármaco que aumente o pH gástrico, como omeprazol (um inibidor da bomba de prótons) ou hidróxido de alumínio ou de magnésio (antiácidos) – nesse caso, a absorção da vitamina B12 fica comprometida. Tanto a dieta quanto o ambiente podem alterar o metabolismo dos fármacos induzindo ou inibindo o citocromo P-450. Um exemplo a ser citado é a ingestão de fármacos acompanhada de suco de toranja (grapefruit). A toranja possui derivados do psoraleno e flavonoides que inibem tanto a CYP3A4 quanto o MDR1 no intestino delgado. A ativação ou inibição da CYP3A4 por nutrientes pode alterar a biodisponibilidade oral dos fármacos, sendo o contrário também verdadeiro. A inibição da CYP3A4 diminui o metabolismo de primeira passagem de fármacos administrados concomitantemente com o suco de toranja e que também são metabolizados por essa enzima, enquanto a inibição do MDR1 aumenta a absorção de fármacos coadministrados e que são bases de efluxo para essas enzimas. Os fármacos metabolizados por essa enzima são: antibióticos macrolídios (eritromicina, claritromicina, azitromicina), inibidores da protease (antirretrovirais), inibidores da hidroximetilglutaril-CoA-redutase (estatinas, tratamento das hiperlipidemias) e bloqueadores dos canais de cálcio (anti-hipertensivos). A exposição a produtos tóxicos presentes no ambiente pode, do mesmo modo, produzir efeitos radicais sobre o metabolismo dos fármacos, como exemplo, pode-se citar a indução enzimática do citocromo P-450 por hidrocarbonetos aromáticos policíclicos presentes no churrasco, em defumadores e em fumaça de cigarro.
Fármacos que podem afetar a absorção de nutrientes Como a maioria dos fármacos é absorvida no intestino delgado, é nesse local que acontece grande parte das interações fármacos-nutrientes. A intervenção do fármaco na absorção dos nutrientes depende de uma série de fatores: dosagem da droga, tipo e quantidade de alimento presente no intestino, tipo da doença e estado nutricional do paciente. Alguns exemplos são mostrados na Tabela 21.1.
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A dissolução de fármacos em sua forma farmacêutica sólida seria melhorada com a ingestão de nutrientes, os quais estimulariam a liberação das secreções gástricas e intestinais, mas deve-se ter cuidado com fármacos ou nutrientes que reduzem a motilidade gastrintestinal, pois aumentam o tempo de absorção, podendo ocasionar toxicidade. No entanto, um aumento dessa motilidade pode ocasionar falha na terapêutica, pois a absorção é insatisfatória.
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TABELA 21.1 4)0/3$%&2-!#/3 !£À%3%%&%)4/3#/,!4%2!)3
&ÉRMACO
Ação
%FEITOSCOLATERAIS
Bisacodil Leite de magnésia Orlistat
Laxante Antiácido Laxante Inibidor da lipase intestinal Hipoglicemiante
↓ absorção de gordura ↓ absorção de vitaminas lipossolúveis ↓ absorção de colesterol ↓ absorção de betacaroteno
Colestiramina Neomicina
Redutor de colesterol Antibiótico
↓ atividade da bile
↓ absorção de gordura ↓ absorção de vitaminas lipossolúveis ↓ absorção de colesterol
Cimetidina
Antiácido
Altera pH gastrintestinal
↓ absorção de Ca, Zn, Fe, Mg
Colchicina Diclofenaco Ibuprofeno Vincristina
Tratamento da gota Anti-inflamatórios
↓ absorção de Ca, Fe, Na, K, vitamina B12 e proteínas
Metotrexato Pirimetamina Isoniazida Ciclosserina Penicilamina Levodopa
Quimioterápico Antimalárico Tratamento da tuberculose Antirreumático Antiparkinsoniana Anti-hipertensiva Antibiótico Diuréticos
Destroem microvilosidades Inibem enzimas de borda "em escova" e o transporte intestinal ↓ ácido fólico
Acarbose
↓ vitamina B12
Metformina
Cefalosporina Furosemida Hidroclorotiazida Fenitoína Fenobarbital Primidona Glicocorticosteroides Propranolol Atenolol
Anfotericina B
Quimioterápico
↓ vitamina B6
↓ vitamina K ↓ absorção renal de Na, Ca, K, Mg e Zn
Anticonvulsivantes
↓ biotina, vitamina D e folato
Anti-inflamatórios esteroidais Anti-hipertensivo
↓ absorção de Ca
Antifúngico
↑ triglicérides ↓ HDL colesterol ↓ efeito de hipoglicemiantes orais ↑ intolerância à glicose ↓ Ca ↑ creatinina
Ca: cálcio; Zn: zinco; Fe: ferro; Mg: magnésio; Na: sódio; K: potássio.
515 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS E NUTRICIONAIS
INTERAÇÕES ENTRE NUTRIENTES A alimentação deve fornecer os nutrientes necessários e na quantidade suficiente para que ocorram todas as reações metabólicas nos diferentes períodos da vida. Uma alimentação saudável deve ser composta por vários tipos de nutrientes e por diversas substâncias não nutrientes. Contudo, estes podem interagir entre si e/ou sofrer alteração em sua estrutura química, alterando a biodisponibilidade.* Por isso, é importante entender o que ocorre durante a absorção e o metabolismo, bem como compreender que muitas modificações também podem acontecer durante o processamento de alimentos, favorecendo ou não o aproveitamento das substâncias consumidas. Durante o processo de digestão, podem ocorrer reações químicas entre os próprios nutrientes ou com outras substâncias presentes naturalmente nos alimentos, que podem afetar o processo de absorção de um ou mais nutrientes de forma positiva ou negativa, denominada interação pré-absortiva. Além disso, após a absorção, também podem ocorrer interações entre os nutrientes de forma positiva ou negativa, denominadas interações pós-absortivas. Portanto, não basta conhecer a quantidade dos nutrientes presentes em um alimento ou em uma refeição; é necessário saber quanto da proporção ingerida vai ser absorvida, quanto da proporção absorvida vai se converter na forma biologicamente ativa e quanto dessa forma biologicamente ativa alcançará o tecido-alvo e será capaz de exercer sua função. Nesse sentido, muitos pesquisadores têm buscado respostas para avaliar a biodisponibilidade e, ao longo dos anos, têm surgido diversas definições e classificações para as interações nutricionais. Apesar da importância, este capítulo não se aterá em detalhá-las, mas em trabalhar com o conceito de interação pré e pós-absortiva positiva ou negativa para que o nutricionista possa tomar atitudes adequadas na prescrição de alimentos e de suplementos.
Interações nutricionais no trato gastrintestinal São conhecidas como interações pré-absortivas porque ocorrem durante o processo de digestão e podem acontecer entre nutrientes e/ou componentes naturais presentes nos alimentos, a partir de ligações iônicas ou covalentes ou de adsorção em consequência de interações hidrofílicas ou hidrofóbicas. São influenciadas pelas condições presentes no trato gastrintestinal, por exemplo, o pH, a osmolaridade, podendo ser positivas ou negativas na absorção de nutrientes em razão da formação de quelatos (compostos de grande estabilidade), da precipitação dos nutrientes, ou por haver competitividade entre dois nutrientes pelo mesmo sítio de absorção (antagonismo) em razão da configuração química similar, etc. Quando um nutriente ou uma substância favorece ou é necessário para a absorção de outro, denomina-se interação positiva, como no caso de alguns exemplos citados na Tabela 21.2.
*
Biodisponibilidade é definida como a fração de qualquer nutriente ingerido que tem o potencial de suprir demandas fisiológicas em tecidos-alvos.
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516 TABELA 21.2 .542)%.4%3%35"34®.#)!315%&!6/2%#%-%3²/&!6/2%#)$!3%-2%,!£²/
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.UTRIENTESOU SUBSTÊNCIASQUE FAVORECEMAABSOR ÎO
.UTRIENTESE SUBSTÊNCIASFAVORECIDAS
4ERAPIANUTRICIONAL
Vitamina C
Fe+2, Fe+3, Se
Ácido cítrico
Fe , Zn
Consumo de frutas ricas em vitamina C (laranja, goiaba, acerola, kiwi, caju e limão)
Polifosfatos
Fe+3
Frutose
Cu+2
Consumo de frutas frescas ricas em frutose (banana, goiaba, pera, maçã, cereja, etc.)
Aminoácidos sulfurados
Se+2
Consumo de carnes e ovos
Gordura
Vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K), carotenoides
Consumo de gorduras saudáveis (p.ex., azeite de oliva)
Vitamina D
Ca+2
Consumo de produtos lácteos*
+2
+2
*
Produtos lácteos desnatados não contribuem com a absorção do cálcio porque a quantidade de gordura e, consequentemente, de vitamina D são próximas de zero.
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A vitamina C favorece a absorção do ferro não heme (Fe+2 Fe+3) porque tem capacidade de reduzir a forma férrica em ferrosa, formando um quelato estável em pH ácido, sendo um complexo bem captado pela mucosa. Incluir 25 mg de vitamina C pode aumentar a absorção do ferro não heme em até 65%, lembrando que 200 mL de suco de laranja puro contêm 100 mg de vitamina C, de modo que essa opção acrescentada às principais refeições contribui para melhorar o aproveitamento do ferro não heme dos vegetais. Nem sempre a vitamina C aumenta a biodisponibilidade de minerais. Por exemplo, o complexo vitamina C e cobre é mal captado pela mucosa, e o zinco tem baixa afinidade pela vitamina C; assim, esses dois minerais não têm sua absorção favorecida caso haja presença de vitamina C nessa refeição. Contudo, o zinco presente nos alimentos de origem animal encontra-se fortemente ligado a metaloenzimas e isso lhe confere proteção contra alguns de seus inibidores competitivos, como o ferro e o cobre. Os produtos lácteos, além de serem fontes de cálcio de elevada disponibilidade, são ainda fontes de proteínas, lipídios, potássio, fósforo, zinco, vitaminas A e B, e contêm componentes funcionais, como a proteína básica do leite (PBL), que é capaz de promover a formação óssea e inibir a reabsorção, propiciando interação pós-absortiva positiva. As interações negativas referem-se ao fato de uma substância ou nutriente poder prejudicar a absorção de outro.
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2%,!£²/°!"3/2£²/
3UBSTÊNCIASEOUNUTRIENTESQUEPODEM DESFAVORECERAABSOR ÎO
.UTRIENTESQUETERÎOSUAABSOR ÎOCOMPROMETIDA
Vitamina C
Cu+2
Ácido oxálico
Ca+2
Ácido fítico
Ca2+, Zn2+ Cu2+, Mg2+, Fe2+, proteínas ou peptídeos
Fibras insolúveis
Fe+2, Fe+3, Ca+2, Zn+2
Frutose e sacarose
Cu+2
Fosfatos simples
Fe+2, Fe+3
Excesso de gordura
Ca2+
O ácido oxálico (oxalatos) e o ácido fítico (fitatos) estão presentes naturalmente em alimentos, ligam-se a minerais formando quelatos insolúveis e, assim, não são absorvidos. Por exemplo, quando há formação de oxalato de cálcio, esse quelato se precipita no lúmen intestinal em virtude do pH alcalino e, por isso, é excretado pelas fezes, impedindo o aproveitamento desse cálcio pelo organismo. Assim, deve-se evitar consumo de alimentos fontes de oxalatos (espinafre, morango, cenoura, beterraba, amendoim e principalmente cacau) na mesma refeição em que há alimentos fontes de cálcio. O ácido fítico, presente em cereais integrais, nozes, leguminosas, raízes, tubérculos, espinafre, entre outros, também interage no lúmen intestinal, formando complexos insolúveis com diversos nutrientes (ferro, cálcio, magnésio, cobre, proteínas, etc.), os quais não serão absorvidos. Tendo em vista que esses elementos estão presentes naturalmente nos alimentos, faz-se necessário observar a relação ácido fítico e minerais (AF:minerais) na elaboração de cardápios, pois a relação AF:Ca igual ou maior que 1,56 compromete a absorção do cálcio. Por exemplo, 3 colheres de sopa (30 g) de feijão contêm 441 mg de ácido fítico e meia xícara de brócolis contém 185 mg de cálcio. Calculando a relação AF:Ca, encontra-se um valor igual a 2,4, portanto se essas quantidades forem consumidas na mesma refeição haverá redução da absorção do cálcio. Já para comprometer a biodisponibilidade do ferro não heme, a relação AF:Fe deve ser acima de 14. No caso do zinco, somente quando a relação AF:Zn for acima de 15 a biodisponibilidade será baixa (10 a 15%); entre 5 e 15, considera-se uma biodisponibilidade média (30 a 35%); e, abaixo de 5, a biodisponibilidade é considerada alta. Em pH levemente alcalino, pode haver formação do complexo AF-Ca-Mg. Esse complexo pode induzir a coprecipitação de outros minerais (particularmente o cobre e o zinco), formando heterocomplexos que não serão absorvidos. Portanto, a biodisponi-
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bilidade do cobre e do zinco pode estar mais comprometida quando a concentração de cálcio for alta em uma refeição, o que significa que é importante não incluir alimentos muito ricos em cálcio nas refeições em que há alimentos fontes de cobre e zinco. A hemicelulose, presente nas fibras insolúveis e em alguns tipos de mucilagens, é rica em resíduos aniônicos, os quais se ligam aos minerais, reduzindo sua absorção por serem excretados pelas fezes. Essa consequência negativa do consumo de alimentos ricos em fibras deve ser um motivo de atenção para indivíduos anêmicos e vegetarianos restritos. Além disso, pode haver interações entre componentes das fibras e vitaminas, como piridoxina e vitamina B12, e deve ser considerado que nas fibras há presença de fitatos e oxalatos, que também podem reduzir a presença de minerais em razão dos motivos já discutidos. Elementos químicos diferentes, mas com estruturas químicas semelhantes, podem competir pelo mesmo sítio de absorção. Um exemplo dessa competição é o ferro não heme e o cálcio. Portanto, deve ser evitado o consumo de alimentos fontes de ferro e cálcio nas mesmas refeições. Uma refeição rica em gordura e cálcio pode provocar a reação de saponificação, que significa formação de moléculas de “sabão” no intestino. Nesse caso, não há absorção de nenhum dos dois nutrientes. As fibras solúveis, principalmente pectina e betaglucana, reduzem a velocidade de difusão dos produtos da digestão, pois formam gel em virtude de sua capacidade de hidratação. Alguns nutrientes e/ou substâncias presentes no trato gastrintestinal difundem-se nesse gel, como é o caso de glicose, colesterol, triglicérides, ácidos biliares, e impedem sua absorção pela mucosa intestinal. Nos dias de hoje, isso é considerado positivo, especialmente porque estudos mostram que o consumo diário de 30 a 40 g de pectina da polpa da maçã e/ ou laranja pode contribuir com a redução de 10% o colesterol sanguíneo, ao passo que o consumo de 3 g de betaglucana pode atingir uma redução entre 10 e 20%. Essa quantidade de betaglucana pode ser encontrada em 40 g de fibra de aveia e/ou 60 g de farinha de aveia. A redução do colesterol sanguíneo se dá pelo fato de os sais biliares não serem reabsorvidos e reconduzidos à vesícula biliar, como ocorre normalmente após terem exercido sua função emulsificante durante a digestão de gorduras. Por isso, o organismo é obrigado a retirar o colesterol da corrente sanguínea para sintetizar novos sais biliares, já que esse nutriente é o precursor, e isso contribui com a redução do colesterol sanguíneo.
Interações nutricionais após a absorção São conhecidas também como interações pós-absortivas positivas ou negativas em razão de um nutriente favorecer ou ser necessário à ação metabólica de outro ou quando o excesso de um reduzir o requerimento de outro durante a transformação metabólica, ou, ainda, quando a deficiência ou o excesso de um nutriente interfere na ação biológica ou na excreção do outro. Um exemplo de interação pós-absortiva positiva ocorre entre o cobre e o ferro, pois o primeiro é cofator da ferroxidase I, enzima responsável pela formação da hemoglobina. Assim, há necessidade de se manterem os estoques de ferro e cobre adequados para
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Interação entre fármaco e nutriente em condições clínicas específicas Obesidade A obesidade é caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal no indivíduo e pode acarretar graves problemas de saúde, pois é fator de risco para uma série de doenças que podem culminar em complicações cardiovasculares e até na morte. A redução de peso de 5 a 10% é uma medida efetiva no sentido de combater as condições mórbidas que aumentam o risco cardiovascular e de melhorar a qualidade de vida do paciente. O primeiro passo no tratamento é a mudança no estilo de vida, o que inclui alimentação saudável e atividade física. Contudo, em alguns casos, a critério médico, medicamentos específicos podem ser empregados. O orlistate, um dos fármacos indicados para o tratamento da obesidade, atua na inibição reversível da lipase gastrintestinal, enzima responsável pela digestão da gordura ingerida, formando uma ligação covalente com a porção serina do sítio ativo das lipases gástrica e pancreática. A enzima inativada é incapaz de hidrolisar a gordura proveniente dos alimentos na forma de triglicérides em ácidos graxos livres e monoglicerídeos absorvíveis. Dessa maneira, cerca de 30% da gordura dos alimentos ingeridos atravessa o trato gastrintestinal e depois é eliminada nas fezes. Como os triglicérides não são digeridos, há uma diminuição no valor energético consumido com consequente perda de peso. Além de agir sobre perda de peso, o orlistate também pode contribuir para o controle do diabete melito do tipo 2, da hipertensão arterial e na redução dos níveis de LDL colesterol e triglicérides. Seus efeitos colaterais estão relacionados ao próprio mecanismo de ação ao evitar a absorção de parte da gordura ingerida, sendo a gravidade dos sintomas proporcional à quantidade desse componente na alimentação. Pode ocorrer aumento do número das evacuações, fezes amolecidas, esteatorreia, distensão abdominal, eliminação de flatos com presença de conteúdo gorduroso, urgência e até incontinência fecal. A longo prazo, o uso do fármaco pode induzir a uma interação com nutrientes, diminuindo os níveis de carotenoides e de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), já que essas vitaminas, por serem lipossolúveis, são absorvidas junto com as micelas mistas formadas pelos ácidos biliares e pelos produtos de digestão lipídica. A presença destes no trato gastrintestinal interfere na absorção, no transporte e na biodisponibilidade dessas vitaminas.
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evitar anemia. Ocorre interação pós-absortiva negativa, por exemplo, quando há excesso de sal (NaCl) na alimentação, bem como excesso no consumo de proteínas porque há eliminação do cálcio via renal, podendo prejudicar a formação da massa óssea e formar cálculos renais a longo prazo. De acordo com as recomendações das dietary reference intakes (DRI), a ingestão de sódio não deveria ser superior a 1,5 g/dia para adultos e crianças acima de 9 anos de idade, e o consumo de proteínas deve ser de 46 g/dia (> 14 anos) para mulheres e 56 g/dia (> 18 anos) para homens.
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Interferência do orlistate no metabolismo das vitaminas lipossolúveis 1. Vitamina A: os ésteres de retinol são emulsificados com a gordura presente no trato gastrintestinal, formando gotículas que são hidrolisadas no lúmen do intestino por enzimas pancreáticas e absorvidos juntamente com os lipídios. Na absorção reduzida de gorduras, que é o veículo de transporte da vitamina A e estimulador do fluxo biliar, a absorção do retinol fica comprometida, mas estudos recentes têm demonstrado que uma pequena quantidade de lipídios (3 a 5 g/refeição) já assegura uma absorção eficiente de alfa e betacaroteno. 2. Vitamina D (colecalciferol ou vitamina D3; ergocalciferol ou vitamina D2): a vitamina D é absorvida a partir das micelas no intestino e conduzida na linfa após a absorção. Atenção especial tem sido dada a essa vitamina, pois ela desempenha um importante papel na absorção intestinal de cálcio e na mineralização óssea. Na vida adulta, a deficiência dessa vitamina pode precipitar osteopenia ou osteoporose, gerar osteomalácia e fraqueza muscular, bem como aumentar o risco de fraturas. Recentemente, tem sido relatada a associação dos níveis baixos dessa vitamina a outros tipos de doenças, não apenas as osteometabólicas, mas também a doenças autoimunes, neoplasias malignas, resistência à insulina, doenças cardiovasculares e aumento nos níveis séricos de fatores inflamatórios, como a proteína-C reativa e a interleucina 10. 3. Vitamina E: a vitamina E também depende do processo digestivo para sua absorção, pois necessita da ação dos sais biliares, formação de micelas e incorporação aos quilomícrons nos enterócitos para posterior transporte pelas lipoproteínas. 4. Vitamina K: a absorção da vitamina K ocorre somente na presença de sais biliares e o seu transporte é realizado pelos quilomícrons. A má absorção de gorduras pode desencadear deficiência dessa vitamina. Portanto, condições que interferem na digestão e absorção de vitaminas lipossolúveis, como a esteatorreia crônica e a absorção alterada de gorduras, podem resultar em interações que desencadeiam deficiências dessas vitaminas. Mesmo que essa deficiência não ocorra na maior parte dos pacientes, é importante observar sinais clínicos de deficiências das vitaminas A, D, E, e K com uso prolongado de orlistate, para que se avalie a necessidade de suplementação vitamínica que, quando indicada, deve ser realizada pelo menos 2 horas após a administração da droga.
Dislipidemia A dislipidemia encontrada na obesidade, sobretudo na obesidade visceral, é altamente aterogênica, caracteriza-se por hipertrigliceridemia, aumento das partículas de LDL colesterol pequenas e densas e níveis baixos de HDL colesterol. O tratamento das dislipidemias está associado à redução no risco de eventos cardiovasculares. Portanto, é imprescindível um tratamento mais efetivo desses pacientes. A principal opção de tratamento farmacológico é a utilização de estatinas.
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As estatinas atuam primariamente no fígado, inibindo competitivamente a HMG-CoA redutase (hidroximetilglutaril coenzima A redutase), enzima essencial na biossíntese do colesterol, levando à diminuição da síntese do mevalonato, intermediário crítico dessa reação metabólica. Por reduzir o conteúdo intracelular do colesterol, essa inibição enzimática induz a um aumento do número de receptores de LDL-c nas células hepáticas, que levam a uma maior remoção de LDL-c da circulação para repor o colesterol dentro das células. Ao se bloquear a enzima HMG-CoA redutase, ocorre também o bloqueio da formação de outras substâncias fundamentais, além do colesterol, entre elas, a coenzima Q10 (CoQ10), produto final da via do mevalonato (precursor da síntese de isoprenoides esteróis, como colesterol, e isoprenoides não esteróis, como a ubiquinona). A CoQ10, pertencente à família das ubiquinonas, é um composto que atua na oxidação de nutrientes para produzir ATP, cuja principal função é servir como transportador de elétrons para a mitocôndria, uma etapa muito importante no desempenho da função dos músculos esquelético e cardíaco. A CoQ10 também é considerada um antioxidante natural das mitocôndrias e membranas lipídicas, conhecida por ser o único antioxidante lipossolúvel sintetizado endogenamente e que tem ação preventiva sobre a peroxidação lipídica.
Diabete melito e síndrome dos ovários policísticos Junto com as complicações cardiovasculares, o risco de desenvolvimento de diabete melito tipo 2 é outra possível complicação da obesidade, associada à hiperglicemia e à hiperinsulinemia. Além da importância da alimentação equilibrada e da atividade física regular, em muitos casos, é necessário o emprego de hipoglicemiantes orais que atuam primariamente na resistência à ação da insulina. Uma boa opção de hipoglicemiante oral é a metformina, um sensibilizador da ação da insulina, e seus efeitos são mais proeminentes no fígado, por meio da inibição da neoglicogênese, do que no tecido adiposo, o que a torna ainda mais importante, limitando a produção hepática de glicose. A síndrome dos ovários policísticos (SOP) caracteriza-se pela presença de disfunção menstrual, hiperandrogenismo e anovulação crônica. A etiologia da SOP ainda não está completamente esclarecida. São levantadas algumas hipóteses, como alterações na liberação pulsátil de gonadotrofinas (GnRH); na liberação hipofisária dos hormônios: luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH); nas funções do ovário e suprarrenal, e, mais recentemente, na resistência à insulina. A resistência à insulina contribui para o hiperandrogenismo e expõe as pacientes a um risco aumentado para diabete melito tipo 2, dislipidemia, hipertensão e outras doenças cardiovasculares, fatores associados à síndrome metabólica (SM). Por essas razões, para evitar as complicações e os eventuais riscos relacionados a essa síndrome, acompanhamento e aconselhamento adequados são fundamentais. Como opção de tratamento nas pacientes com sobrepeso ou obesidade, a perda de pelo menos 5% do peso pode restaurar a ovulação. Existem controvérsias quanto ao uso de contraceptivos orais como medicação de primeira linha, pois, apesar de melhorarem o hirsutismo e a acne e protegerem o endométrio da exposição estrogênica, não atuam
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na fisiopatologia da resistência à insulina, não diminuindo o risco de desenvolvimento de diabete melito tipo 2. Os agentes sensibilizadores da ação da insulina têm sido empregados para reduzir a hiperinsulinemia e seu impacto negativo sobre a função ovariana e a prevenção a longo prazo de suas consequências cardiovasculares, tornando a metformina o agente mais utilizado para o tratamento da SOP. O tratamento crônico com essa droga, tanto nos casos de diabete melito tipo 2 quanto de SOP, pode promover a interação com a vitamina B12, aumentando o risco de deficiência dessa vitamina e resultando em aumento nas concentrações de homocisteína.
Interação entre metformina e vitamina B12 A metformina reduz a absorção de vitamina B12 ou cianocobalamina no íleo distal. Até 30% dos pacientes que recebem a medicação em longo prazo, principalmente os idosos, desenvolvem um teste de Schilling anormal, apesar de níveis subnormais dessa vitamina ocorrerem em menor número de casos. A vitamina B12 participa de várias reações bioquímicas, agindo, por exemplo, como cofator da enzima 5-metiltetrahidrofolato-homocisteína metiltransferase, também chamada metionina sintase (MS), relacionada diretamente com o metabolismo da homocisteína. Quando o ciclo homocisteína/metionina é interrompido por deficiência de vitamina B12, os níveis de homocisteína podem se elevar. Estudos mostram a relação entre níveis elevados de homocisteína com risco independente para aterosclerose na vascularização coronária, cerebral e periférica. As alterações no endotélio vascular causadas pelo efeito tóxico-oxidativo da homocisteina provavelmente são decorrentes de sua auto-oxidação no plasma e da sua associação com o aumento da geração de espécies reativas de oxigênio responsáveis pela lesão de célula endotelial e aumento da oxidação do LDL-colesterol. A hiper-homocisteinemia também pode diminuir a biodisponibilidade do óxido nítrico e, consequentemente, reduzir as proteções antitrombóticas do endotélio e aumentar a ativação plaquetária. A deficiência de vitamina B12, desencadeada pela interação com o uso crônico de metformina, é evitável. É recomendada a realização de dosagens regulares dos níveis de vitamina B12 durante o tratamento prolongado com esse medicamento, e os profissionais devem estar atentos para considerar as possíveis interações e avaliar sempre a necessidade de suplementação.
Anemia (ácido fólico) O ácido fólico é utilizado rotineiramente em pacientes com anemia crônica, no período pré-concepção, durante a gestação, em casos de lesões cerebrais, entre outras situações. Nesses casos, é importante uma criteriosa avaliação, pois a suplementação com altas doses de folato pode mascarar a anemia por deficiência de vitamina B12 preexistente, que morfologicamente é indistinguível da deficiência de ácido fólico, podendo levar a complicações ao paciente, uma vez que níveis baixos de vitamina B12, além de interferirem diretamente com o metabolismo da homocisteína, desencadeiam alterações neurológicas que podem se tornar irreversíveis.
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A interação entre esses nutrientes ocorre porque na deficiência de vitamina B12, e na consequente interrupção da conversão de homocisteína em metionina, o 5-metiltetraidrofolato (5-MTHF), doador de grupamentos metil na reação, não pode ser eficientemente convertido em tetraidrofolato (THF), forma ativa do folato, ocasionando um “aprisionamento” de folatos na forma 5-MTHF. Esse “aprisionamento” de folatos desencadeia deficiência de outros metabólitos dos folatos, como o 5,10-metilenotetraidrofolato, cofator fundamental na síntese do ácido desoxirribonucleico (DNA), dificultando a divisão celular na medula, sem alterar o ácido ribonucleico (RNA) e a síntese de componentes celulares, resultando em macrocitose. Essa retenção de folatos explica a interrelação da deficiência da cobalamina e de folato e anormalidades hematológicas indistinguíveis, sendo necessários testes específicos para essa distinção. Durante a administração de altas doses de ácido fólico sem a identificação de níveis deficientes de vitamina B12, os sinais hematológicos podem ser corrigidos e, o quadro de anemia, revertido, mas os prejuízos neurológicos causados pela provável desmielinização neuronal não serão solucionados. Por isso, a identificação prévia de deficiência da vitamina B12 é importante nos casos de suplementação com folato.
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PARTE
3
Terapia Nutricional
CAPÍTULO
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Nutrição enteral
MARIA IZABEL LAMOUNIER DE VASCONCELOS
INTRODUÇÃO A demonstração de elevada prevalência de desnutrição em pacientes hospitalizados não é recente e foi confirmada no Brasil a partir do Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar. Deve-se frisar, no entanto, que o reconhecimento da relevância desse problema na prática clínica deve-se aos trabalhos desenvolvidos na Universidade do Alabama, por Charles E. Butterworth. Em um dos artigos publicados, The skeleton in the hospital closet (Butterworth, 1994), o autor chama a atenção para a relevância da desnutrição hospitalar durante o tratamento de doenças comuns em hospitais. Essa “epidemia” de inadequação nutricional não representou, na verdade, um fenômeno novo, mas a renovação do interesse por nutrição clínica. Esse renascimento deve-se ao grande avanço no conhecimento em três áreas da ciência da nutrição: s
a demonstração de que a inanição primária ou secundária acarreta uma sequência de alterações que vão desde a perda de peso até a morte;
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s s
reconhecimento de que graus similares de desnutrição podem ser causados por uma série de diferentes processos mórbidos; desenvolvimento de técnicas eficazes de repleção nutricional.
A prevalência da desnutrição energético-proteica (DEP) em pacientes hospitalizados tem sido amplamente documentada nas últimas três décadas e pode ocorrer em 19 a 80% dos doentes, como mostra a Tabela 22.1, dependendo do país e do grupo de pacientes estudados. TABELA 22.1 ).#)$´.#)!$%$%3.542)£²/%.%2'³4)#/ 02/4%)#!%-!-")%.4%(/30)4!,!2
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Estados Unidos (Bistrian et al.,1974)
Cirurgia geral
50%
Inglaterra (Hill et al.,1977)
Cirurgia geral
25 a 40%
Estados Unidos (Willcuts et al.,1978)
Cirurgia geral
65%
Suécia (Warnold et al.,1978)
Cirurgia vascular
37%
Tailândia (Tanphaichitr et al.,1980)
Medicina geral/cirurgia
50 a 80%
Estados Unidos (Willard et al.,1980)
Medicina geral/cirurgia
31%
Suécia (Asplund et al.,1981)
Medicina interna/psiquiatria
30%
Dinamarca (Jensen et al.,1982)
Cirurgia abdominal
28%
Suécia (Symreng et al.,1982)
Cirurgia abdominal
26%
Inglaterra (Bastow et al.,1983)
Cirurgia ortopédica em mulheres idosas
18%
Estados Unidos (Meguide et al.,1985)
Câncer
44%
Holanda (Hoof et al.,1989)
Câncer
74 a 80%
Espanha (Gassul et al.,1986)
Doença inflamatória intestinal
85%
Nova Zelândia (Pettigrew et al.,1988)
Cirurgia geral
28%
Brasil (Waitzberg et al., 2001)
Medicina geral/cirurgia
48%
Espanha (Trellis et al., 2002)
Idosos disfágicos
32%
América Latina (Correia e Campos, 2003)
Medicina geral
50,2%
Suíça (Pichard et al., 2004)
Medicina geral
57,8%
Espanha (De La Cruz, 2004)
Medicina geral
65,7%
Índia (Dwyer et al., 2005)
Pacientes ortopédicos
48,8%
Canadá (Singh et al., 2006)
Medicina geral
69%
Brasil (Salviano et al., 2007)
Doença inflamatória intestinal
41,7%
Pacientes hospitalizados em estado nutricional depauperado apresentam elevados riscos de desenvolver maiores taxas de complicações e mortalidade e representam custos aumentados para a instituição e para a sociedade. Quanto maior for o período de perma-
529 NUTRIÇÃO ENTERAL
nência hospitalar, maior será o risco de agravar a desnutrição, criando um ciclo vicioso com prejuízo ao doente. Segundo Waitzberg (2009), entende-se por terapia de nutrição enteral (TNE) um conjunto de procedimentos terapêuticos empregados para manutenção ou recuperação do estado nutricional por meio de nutrição enteral. Dentre as possíveis definições de nutrição enteral, uma das mais abrangentes e gerais foi proposta pelo regulamento técnico para a TNE – a Resolução RCD n. 63, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Saúde, de 6 de julho de 2000, define nutrição enteral como: alimento para fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de composição definida ou estimada, especialmente formulada e elaborada para uso por sondas ou via oral, industrializada ou não, utilizada exclusiva ou parcialmente para substituir ou completar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas necessidades nutricionais, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas.
A alimentação enteral é um método de prover nutrientes no trato gastrintestinal (TGI) através de um tubo. O aumento da popularidade da alimentação enteral pode ser atribuída a dois fatores: 1. O desenvolvimento de procedimentos simples e de baixo risco para passagem das sondas no TGI, principalmente gastrostomias e jejunostomias. 2. A disponibilidade comercial de uma variedade muito grande de produtos, com diversos nutrientes, que permite a melhor escolha da formulação para pacientes com limitações no TGI ou para aqueles que requerem nutrição especial. Muitas publicações descrevem a importância da preservação da integridade da mucosa intestinal pela infusão de nutrientes, assim como da manutenção da homeostase e da competência imunológica. Além disso, a utilização do TGI no período pós-operatório imediato tem se associado a um decréscimo na taxa metabólica e melhora do balanço nitrogenado. Em todas as eventualidades, o emprego da TNE garante pelo menos igual e, possivelmente, melhor desfecho em relação à nutrição parenteral total (NPT) nos cuidados dos pacientes hospitalizados que requerem terapia nutricional. Para melhorar a resposta imune, prevenir a atrofia intestinal, evitando a translocação bacteriana, e diminuir a resposta inflamatória, tem-se recomendado o uso de nutrição enteral preferentemente à NPT, uma vez que o uso da via enteral produz menor incidência de complicações, atenua a resposta inflamatória e previne a atrofia intestinal e, consequentemente, a translocação de bactérias do lúmen intestinal. Também se tem estudado a utilização de diferentes substratos, como os aminoácidos glutamina e arginina, os ácidos graxos ômega-3 e os nucleotídeos. O objetivo é melhorar a resposta imune e atenuar a resposta inflamatória, com a esperança de aliviar a
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sobrevida do paciente, diminuindo complicações e reduzindo a permanência na terapia intensiva, como também o tempo de internação hospitalar. De fato, há hoje no mercado dietas que não só satisfazem essa exigência, mas também fornecem nutrição diferenciada a indivíduos de várias faixas etárias e situações clínicas. Basicamente, uma dieta enteral deve ser um composto balanceado de proteínas, carboidratos, lipídios, fibras, eletrólitos, vitaminas e minerais.
INDICAÇÕES Existem duas situações em que se indica a TNE. A primeira é quando houver risco de desnutrição, ou seja, quando a ingestão oral for inadequada para prover de 2/3 a 3/4 das necessidades diárias nutricionais. A outra situação em que se faz necessária a indicação de TNE é quando o trato digestório estiver total ou parcialmente funcionante. É preferível a nutrição enteral nos pacientes cujo TGI está funcionante: “quando o intestino funciona, use-o”, ou melhor, “quando o intestino funciona, use-o ou perca-o”. Em certas situações, o tubo digestório está íntegro, mas o paciente não quer, não pode ou não deve alimentar-se pela boca. Embora sejam múltiplas, as indicações podem ser agrupadas, genericamente, em quatro grupos, apresentados na Tabela 22.2. TABELA 22.2 ).$)#!£À%3$!4%2!0)!.542)#)/.!,%.4%2!,%-!$5,4/3
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TGI: trato gastrintestinal.
Inconsciência Anorexia nervosa Lesões orais Acidentes vasculares encefálicos Neoplasias Doenças desmielinizantes Trauma Septicemia Alcoolismo crônico Depressão grave Queimaduras Doença de Crohn Colite ulcerativa Carcinoma do TGI Pancreatite Quimioterapia Radioterapia Síndrome de má absorção Fístula Síndrome do intestino curto
531 NUTRIÇÃO ENTERAL
Ao contrário de casos em adultos com diarreia, em que a nutrição por sonda nasoenteral pode estar contraindicada, em crianças com desnutrição e diarreia crônica a TNE pode trazer melhoras quando a concentração e o volume são aumentados paulatinamente, como mostra a Tabela 22.3. TABELA 22.3 ).$)#!£À%3$%4%2!0)!.542)#)/.!,%.4%2!,%-#2)!.£!3
Anorexia/perda de peso Crescimento deficiente Ingestão via oral inadequada Desnutrição: aguda, crônica e hipoproteinemia Estados hipercatabólicos: queimaduras, sepse, trauma, doenças cardiológicas e respiratórias Doenças neurológicas Coma por tempo prolongado Anomalias congênitas: fissura do palato, atresia do esôfago, fístula traqueoesofágica, outras anomalias do TGI Doença ou obstrução esofágica Cirurgia do TGI Diarreia crônica não específica Síndrome do intestino curto Fibrose cística Câncer associado a quimioterapia, radioterapia e/ou cirurgia TGI: trato gastrintestinal.
CONTRAINDICAÇÕES As contraindicações em TNE em geral são relativas ou temporárias em vez de serem definitivamente absolutas. Na Tabela 22.4, podem ser observadas algumas das contraindicações mais frequentes. TABELA 22.4 #/.42!).$)#!£À%3$%4%2!0)!.542)#)/.!,%.4%2!,
Disfunção do TGI ou condições que requerem repouso intestinal Obstrução mecânica do TGI Refluxo gastroesofágico intenso Íleo paralítico Hemorragia no TGI severa Vômitos e diarreia severa Fístula no TGI de alto débito (> 500 mL/dia) Enterocolite severa Pancreatite aguda grave Doença terminal Expectativa de utilizar a TNE em período inferior a 5 a 7 dias para pacientes desnutridos ou 7 a 9 dias para pacientes bem nutridos TGI: trato gastrintestinal; TNE: terapia de nutrição enteral.
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
532
VIAS DE ACESSO As vias de acesso em nutrição enteral podem estar dispostas no estômago, duodeno ou jejuno, conforme as facilidades técnicas, as rotinas de administração, bem como alterações orgânicas e/ou funcionais a serem corrigidas (Figura 22.1). Em pacientes que necessitam de nutrição enteral por curto período (inferior a 6 semanas), a sonda nasoenteral é a mais utilizada, graças a seu baixo custo e fácil colocação. A gastrostomia e a jejunostomia, por sua vez, são utilizadas, em geral, quando a duração da terapia nutricional for superior a 6 semanas. O local de administração da dieta enteral, se intragástrica ou pós-pilórica, é um dos fatores a ser considerado na seleção da via de acesso para a nutrição enteral. O risco de aspiração (pacientes inconscientes, distúrbios de deglutição, história de aspiração, refluxo gastroesofágico, gastroparesia) é um dos critérios para essa decisão, como pode ser observado na Figura 22.2. As técnicas utilizadas para o acesso enteral podem ser, às cegas, por endoscopia, radioscopia, laparoscopia ou cirurgia. Para a escolha da sonda, devem-se avaliar as seguintes características: s s s s s
s
calibre 8 fr: dietas pouco viscosas ou com utilização de bomba de infusão; calibre 10 fr: dietas viscosas, de alta densidade calórica; material: silicone, poliuretano. São flexíveis, diminuindo os riscos impostos por uma sonda rígida; e são mais biocompatíveis; demarcação das sondas: facilitam o posicionamento; fio-guia: por causa da flexibilidade da sonda, facilita a instalação. Porém, deve-se observar o risco de perfuração do TGI; não deve ser utilizado para desobstruir a sonda; usá-lo apenas para a intubação esofágica e, então, removê-lo antes de prosseguir com a introdução da sonda; radiopaca: facilita a visualização radiológica, dando segurança ao profissional.
22 &ARINGOSTOMIA
.ASOGÉSTRICA .ASODUODENAL .ASOJEJUNAL FIGURA 22.1 Vias de acesso para a nutrição enteral.
'ASTROSTOMIA *EJUNOSTOMIA
533
Não
Parenteral
Sim Enteral
Duração ≥ 4 semanas
Duração < 4 semanas Risco de aspiração
Risco de aspiração
Não
Sim
Sim
Não
Gástrica
Pós-pilórica
Pós-pilórica
Gástrica
Alto risco cirúrgico? Sim
Não Jejunostomia*
Jejunostomia* local
Sim Gastrostomia endoscópica
Endoscopia é possível? Não Gastrostomia*
Gastrojejunostomia endoscópica
FIGURA 22.2 Algoritmo para seleção da via de acesso. *
NUTRIÇÃO ENTERAL
Trato gastrintestinal funcionante
Cirúrgica ou laparoscópica.
Fonte: adaptada de Gorman e Morris, 1997.
A Tabela 22.5 exemplifica as vantagens e as desvantagens da localização gástrica e duodenal/jejunal.
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
534 TABELA 22.5 6!.4!'%.3%$%36!.4!'%.3$!,/#!,):!£²/$!3/.$!
,OCALIZA ÎOGÉSTRICA
,OCALIZA ÎODUODENALEJEJUNAL
6ANTAGENS
6ANTAGENS
Maior tolerância a fórmulas variadas (proteínas intactas, proteínas isoladas, aminoácidos cristalinos)
Menor risco de aspiração
Boa aceitação de fórmulas hiperosmóticas
Maior dificuldade de saída acidental da sonda
Permite a progressão mais rápida para alcançar o valor calórico total ideal
Permite nutrição enteral quando a alimentação gástrica é inconveniente e inoportuna
Em razão da dilatação receptiva gástrica, possibilita a introdução de grandes volumes em curto tempo Fácil posicionamento da sonda $ESVANTAGENS
$ESVANTAGENS
Alto risco de aspiração em pacientes com dificuldades neuromotoras de deglutição
Risco de aspiração em pacientes que têm mobilidade gástrica alterada ou são alimentados à noite
A ocorrência de tosse, náuseas ou vômitos favorece a saída acidental da sonda nasoenteral
Desalojamento acidental, podendo causar refluxo gástrico Requer dietas normo ou hiposmolares
MÉTODOS DE ADMINISTRAÇÃO A técnica de administração pode ser contínua ou intermitente, em bolo ou gravitacional, como exemplificado na Tabela 22.6. TABELA 22.6 -³4/$/3$%!$-).)342!£²/$!$)%4!%.4%2!,
22
!DMINISTRA ÎO EMBOLO
Injeção com seringa, 100 a 350 mL de dieta no estômago, de 2 a 6 horas, precedida e seguida por irrigação da sonda enteral com 20 a 30 mL de água potável
!DMINISTRA ÎO INTERMITENTE
Utiliza a força da gravidade, volume de 50 a 500 mL de dieta administrada por gotejamento, de 3 a 6 horas, precedida e seguida por irrigação da sonda enteral com 20 a 30 mL de água potável
!DMINISTRA ÎO CONTÓNUA
Usa a bomba de infusão, 25 a 150 mL/hora, por 24 horas, administrada no estômago, no jejuno e no duodeno, interrompida de 6 a 8 horas para irrigação da sonda enteral com 20 a 30 mL de água potável
A administração em bolo ou intermitente deve ser feita com o paciente sentado ou reclinado em 45° para prevenir a aspiração. Quando se utiliza a posição da sonda gástrica, podem ser administradas dietas iso e hiperosmolares, pelo fato de o piloro prevenir a passagem de grande quantidade de solução para o duodeno. As dietas isosmolares são preferíveis para evitar a passagem de água da parede intestinal para o lúmen. A alimentação intragástrica é escolhida por vários fatores: em primeiro lugar, o estômago tolera mais facilmente que o intestino delgado uma variedade de fórmulas; em
535 NUTRIÇÃO ENTERAL
segundo, ele aceita normalmente grandes sobrecargas osmóticas sem cólicas, distensão, vômitos, diarreia ou desvios hidroeletrolíticos, o que não ocorre no intestino delgado. Além disso, o estômago exibe uma enorme capacidade de armazenamento e aceita mais facilmente as refeições intermitentes. Pacientes com reflexo do vômito preservado, sem pneumopatias e lúcidos costumam aceitar bem a alimentação nasogástrica. As sondas nasogástricas também são mais fáceis de posicionar que as nasoduodenais. A alimentação nasogástrica, entretanto, aumenta o risco de aspiração.
DOSE E VELOCIDADE DE ADMINISTRAÇÃO Quando a extremidade distal da sonda nasoenteral se localiza na câmara gástrica, a dose, a velocidade e a tonicidade da infusão passam a ter importância secundária graças aos mecanismos fisiológicos de adaptação do estômago. A administração intermitente de nutrientes nesse órgão deve iniciar com 100 mL e o volume é aumentado a cada 24 ou 48 horas até as necessidades totais de nutrientes serem preenchidas por completo. Se for preciso, grandes volumes são infundidos (até 500 mL) de 3 a 4 horas. Os resíduos gástricos são verificados antes de cada refeição e esta é suspensa se os resíduos forem superiores a 150 mL. A administração contínua é iniciada com volume de 25 a 30 mL/hora/ dia, e deve-se aumentar gradativamente até a velocidade máxima de 100 a 150 mL/hora. Quando a sonda se localiza em porções distais ao piloro (duodeno ou jejuno), o gotejamento da dieta deve ser observado com grande atenção, uma vez que o escoamento rápido pode ocasionar cólica e diarreia, com consequente queda no aproveitamento nutricional e prejuízo ao paciente. Esta via é preferida para pacientes com gastroparesia, retardo do esvaziamento gástrico e alto risco de aspiração e no período pós-operatório imediato. O ideal é proceder à confirmação radiológica da posição da sonda e, depois, iniciar a alimentação com uma fórmula diluída à razão de 50 mL/hora. Caso não surjam efeitos colaterais gastrintestinais, a velocidade é aumentada até 25 a 50 mL/hora/dia até ser atingido o volume necessário. Em seguida, a osmolalidade é aumentada até serem preenchidas as demandas nutricionais. Na infusão contínua, o procedimento em relação à dose e à velocidade é semelhante ao descrito para a sonda posicionada no estômago.
SELEÇÃO DE FÓRMULAS Para a seleção de uma dieta enteral, é necessário conhecer as exigências específicas do paciente e a composição exata da fórmula. A dieta escolhida precisa ser nutricionalmente completa e adequada para uso em períodos curtos e longos; precisa satisfazer as exigências nutricionais do paciente, ser bem tolerada, de fácil preparação e econômica. As condições individuais do paciente devem ser consideradas.
FÓRMULAS ENTERAIS Composição A seleção de uma apropriada fórmula enteral requer avaliação da capacidade digestiva e absortiva, como também o conhecimento das fontes de substratos e sua forma.
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
536
22
Proteínas (Tabela 22.7) s A qualidade proteica é atribuída ao perfil dos aminoácidos: um perfil de aminoácidos de pelo menos 40% de aminoácidos essenciais é sugerido para os casos de anabolismo; s fonte predominante de proteína inclui a soja e a caseína. TABELA 22.7 02/4%·.!3$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3
&ORMA
&ONTE
$IGESTÎO necessária
#ARACTERÓSTICAS
Proteína intacta
Caseína Proteína isolada de soja Lactoalbumina Ovo Clara de ovo Carnes Leite
Sim
Indicada a pacientes com capacidade digestiva e absortiva normal do TGI Promove maior estímulo de liberação dos fatores de crescimento e hormônios intestinais que os aminoácidos Osmolalidade não é afetada
Proteína parcialmente hidrolisada
Caseína Proteína isolada de soja Lactoalbumina Soro do leite Colágeno
Sim para oligopeptídeos
Indicada para pacientes com redução da capacidade absortiva Promove maior estímulo de liberação dos fatores de crescimento e hormônios intestinais que os aminoácidos
Dipeptídeos e tripeptídeos
Caseína Proteína isolada de soja Lactoalbumina Soro do leite Colágeno
Não
Absorção por difusão passiva através da mucosa intestinal Absorção pode ser melhor quando comparado com aminoácido livre e proteína intacta Podem aumentar a absorção de sódio e água, o que diminui o risco de diarreia
Aminoácidos cristalinos
L-aminoácidos
Não
Requerem transporte ativo via bomba de sódio para absorção através da mucosa intestinal Indicados a pacientes com redução na capacidade absortiva Contribuem para hiperosmolalidade
537 NUTRIÇÃO ENTERAL
Carboidratos (Tabela 22.8) s A diferença primária nos componentes dos carboidratos está relacionada com sua forma e concentração; s a forma predominante é o hidrolisado de amido de milho ou a maltodextrina. TABELA 22.8 #!2"/)$2!4/3$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3
&ORMA
&ONTE
$IGESTÎO necessária
#ARACTERÓSTICAS
Amido
Amido de milho
Sim
Osmolalidade não é afetada
Polímeros de glicose
Polímeros de glicose Maltodextrina Xarope de milho Oligossacarídeos de glicose Polissacarídeos de glicose
Sim
Rápida hidrólise intestinal Maior absorção do que a glicose livre Contribuem para aumentar a osmolalidade e a solubilidade A absorção de cátions bivalentes, como cálcio, zinco e magnésio, é maior com polímeros de glicose
Dissacarídeos: Sacarose (glicose-frutose) Maltose (glicose-glicose) Lactose (glicose-galactose
Amido Dextrina Maltose Sacarose Lactose
Sim
Rápida hidrólise intestinal da sacarose e da maltose Lenta hidrólise intestinal da lactose A maioria das fórmulas comerciais é isenta de lactose
Monossacarídeos: glicose (dextrose) frutose
Glicose Frutose
Não
Contribuem para a hiperosmolalidade A tolerância do TGI pode ser melhorada pela capacidade absortiva dos monossacarídeos
Lipídios (Tabela 22.9) s A gordura aumenta a palatabilidade e o sabor da dieta; s os óleos vegetais contêm variedade de ácidos graxos essenciais; s a ingestão de ácidos graxos essenciais (sobretudo o ácido linoleico) deve ser de 3 a 4% do total da necessidade energética; s as fontes lipídicas comumente encontradas nas fórmulas incluem vários óleos vegetais.
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
538 TABELA 22.9 '/2$52!$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3
&ORMA
&ONTE
$IGESTÎO necessária
#ARACTERÓSTICAS
Ácidos graxos poli-insaturados (PUFA) e triglicerídeos de cadeia longa (TCL)
Óleo de milho Óleo de girassol Óleo de soja Óleo de peixe
Sim
Fornecem os ácidos graxos essenciais, transportam as vitaminas lipossolúveis e produzem os eicosanoides Não contribuem para a osmolalidade
Triglicerídeos de cadeia média (TCM)
Óleo de coco TCM
Não
Densidade calórica de 8,2 a 8,3 kcal/g Rapidamente hidrolisados no intestino, não diretamente para o sistema portal Não contêm ácidos graxos essenciais Indicados a paciente com má absorção de gordura
Lipídios estruturados
PUFA de óleos vegetais TCM
Sim
Triglicerídeos reesterificados de cadeias média e longa
Fibras (Tabela 22.10) s s s s
Consideram-se fibras alimentares todos os polissacarídeos vegetais da dieta, mais a lignina, que não são hidrolisadas pelas enzimas do trato digestório humano; o conteúdo de fibras nas fórmulas é, em média, de 5 a 14 g/L; a recomendação de ingestão de fibra é de cerca de 20 a 25 g/dia; a forma predominantemente utilizada nas fórmulas é o polissacarídeo da soja. TABELA 22.10 &)"2!3$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3
22
&ORMA
&ONTE
$IGESTÎO necessária
#ARACTERÓSTICAS
Insolúveis: celulose hemicelulose lignina
Plantas
Sim
Podem aumentar o peso fecal por causa da capacidade de reter água Aceleram o tempo de trânsito no cólon, aumentanto o peristaltismo
Solúveis: pectina mucilagem polissacarídeos de algas gomas (guar)
Plantas
Sim
Aumentam o peso fecal em decorrência do aumento da massa bacteriana Retardam o tempo de trânsito do cólon Retardam o esvaziamento gástrico Ácidos graxos de cadeia curta (produto de fermentação da fibra solúvel) contribuem para a absorção de sódio e água no cólon
Polissacarídeos da soja (fibra solúvel e insolúvel)
Cotilédone da soja
Sim
Principais fontes de fibras das formulações enterais Retardam o tempo de trânsito intestinal Podem aumentar o peso fecal Parecem reduzir a hipoglicemia rebote pós-prandial
539 NUTRIÇÃO ENTERAL
Água (Tabela 22.11) s A quantidade de água é frequentemente relacionada em mL de água por 1.000 mL de fórmula ou mL de água/L de fórmula; s a maioria das fórmulas enterais contém de 690 a 860 mL de água por 1.000 mL da fórmula enteral. TABELA 22.11 #/.4%Â$/$%'5!$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3
$ENSIDADECALØRICA KCALM,DAFØRMULA
#ONTEÞDODEÉGUA M,M,DAFØRMULA
#ONTEÞDODEÉGUA
1 a 1,2
800 a 860
80 a 86
1,5
760 a 780
76 a 78
2
690 a 710
69 a 71
Vitaminas e minerais s As fórmulas comercialmente completas são adequadas em vitaminas e minerais, quando o volume suficiente da fórmula é utilizado para satisfazer as necessidades energéticas e dos macronutrientes; s algumas fórmulas especializadas para doenças específicas são nutricionalmente incompletas em relação ao conteúdo das vitaminas e minerais; s suplementos vitamínicos e minerais podem ser necessários para pacientes que recebem formulações nutricionalmente incompletas ou fórmulas diluídas por períodos prolongados.
Características físicas das fórmulas Osmolalidade 1. Função do tamanho e da quantidade de partículas iônicas e moleculares (proteína, carboidratos, eletrólitos, minerais) em determinado volume: s unidade de medida para osmolalidade é mOsm/kg de água versus unidade de medida para osmolaridade (mOsm/L); s osmolalidade é considerado o termo preferido para usar nas referências das fórmulas enterais. 2. Fatores que afetam a osmolalidade (incluindo primeiramente o aumento da hidrólise do nutriente e a subsequente unidade do tamanho): s minerais/eletrólitos: em razão das propriedades de dissociação e do pequeno tamanho; s proteínas: componentes mais hidrolisados, como aminoácidos, têm maior efeito osmótico do que moléculas com peso molecular maior, como as proteínas íntegras; s carboidratos: componentes mais hidrolisados, como glicose, têm maior efeito osmótico que moléculas com peso molecular maior, como o amido. 3. Fórmulas com grande quantidade de nutrientes hidrolisados têm proporcionalmente maior osmolalidade.
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
540
pH s A motilidade gástrica é menor com soluções de pH menor que 3,5; s o pH da maiorias das fórmulas enterais é maior que 3,5.
Densidade calórica A taxa do esvaziamento gástrico pode ser menor para fórmulas com alta densidade calórica.
Classificação das fórmulas (Tabela 22.12) s s s s
Fórmulas poliméricas: a maioria dos pacientes pode beneficiar-se com esse tipo de fórmula; fórmulas parcialmente hidrolisadas: indicadas a pacientes com capacidade digestiva e absortiva parcial; fórmulas especializadas: desenhadas para específicas disfunções orgânicas e para estresse metabólico; módulos: indicados para suplementar fórmulas e individualizar a formulação.
TABELA 22.12 #,!33)&)#!£²/$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3
22
#ATEGORIA
3UBCATE GORIA
#ARACTERÓSTICASDAFØRMULA
&ORMADOSMACRO NUTRIENTES
)NDICA ÜES
Polimérica
Padrão
Composição: sproteínas: 10 a 15% scarboidratos: 50 a 60% slipídios: 25 a 30% Isotônica (300 mOsm/kg de água) Isenta de lactose Nutricionalmente completa
Proteína intacta Polissacarídeos Dissacarídeos Polímeros de glicose Monossacarídeos PUFA TCM
Capacidade digestiva e absortiva normal do TGI
Hiperproteica
Proteína > 15% Isotônica Isenta de lactose Nutricionalmente completa
Proteína intacta Polissacarídeos Polímeros de glicose PUFA TCM
Catabolismo Desnutrição Capacidade digestiva e absortiva normal do TGI
Suplementada com fibras
Conteúdo de fibra: 5 a 14 g/L de fórmula Isotônica Isenta de lactose Nutricionalmente completa
Proteína intacta Polímeros de glicose Dissacarídeos Fibra: polissacarídeos de soja PUFA TCM
Regulação da função intestinal Uso da nutrição enteral por período prolongado Capacidade digestiva e absortiva normal do TGI
Concentrada
Densidade calórica: 1,5 a 2 kcal/mL Alta osmolalidade (> 450 mOsm/kg de água) Isenta de lactose Nutricionalmente completa
Proteína intacta Polímeros de glicose Dissacarídeos Monossacarídeos PUFA TCM
Restrição de líquidos Capacidade digestiva e absortiva normal do TGI (continua)
541
#ATEGORIA
3UBCATE GORIA
#ARACTERÓSTICASDAFØRMULA
&ORMADOS MACRONUTRIENTES
)NDICA ÜES
Parcialmente hidrolisada
Proteína parcialmente hidrolisada
Médio conteúdo de lipídios: 3 a 40% Média osmolalidade (250 a 650 mOsm/kg de água) Isenta de lactose Nutricionalmente completa
Proteína hidrolisada D-peptídeos Tripeptídeos Aminoácidos Polímeros de glicose Dissacarídeos Monossacarídeos PUFA TCM
Mínima capacidade digestiva Limitada área de absorção do TGI (síndrome do intestino curto, doença celíaca, desnutrição) Enteropatias com perda proteica (doenças inflamatórias intestinais ou doença actínica
Aminoácido livre
Médio conteúdo de lipídios: 1 a 15% Média osmolalidade (> 450 mOsm/kg de água) Isenta de lactose Nutricionalmente completa
Aminoácidos cristalinos Polímeros de glicose Monossacarídeos PUFA TCM
Mínima capacidade digestiva Limitada área de absorção do TGI (síndrome do intestino curto, doença celíaca, desnutrição)
Nefropatia
Contém alta taxa de aminoácido essencial Baixo conteúdo de eletrólitos Conteúdo limitado de vitaminas A e D, magnésio e fósforo Alta densidade calórica (2 kcal/mL) Alta osmolalidade (> 450 mOsm/kg de água) Isenta de lactose
Aminoácidos cristalinos Polímeros de glicose Dissacarídeos Monossacarídeos PUFA TCM
Insuficiência renal
Hepatopatia
Contém 45 a 50% de aminoácidos cadeia ramificada Alta osmolalidade (> 450 mOsm/kg de água) Isenta de lactose
Aminoácidos cristalinos Polímeros de glicose Monossacarídeos PUFA TCM
Infusficiência hepática
Intolerância à lactose
Baixo conteúdo de carboidratos: 30 a 35% Alto conteúdo de lipídios: 50% Suplementada com fibras Isotônica (300 mOsm/kg de água) Isenta de lactose Isenta de sacarose Nutricionalmente completa
Proteína intacta Polissacarídeos PUFA
Estresse metabólico, diabete melito
Especializada
(continua)
NUTRIÇÃO ENTERAL
TABELA 22.12 #,!33)&)#!£²/$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3#/.4
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
542 TABELA 22.12 #,!33)&)#!£²/$!3&¼2-5,!3%.4%2!)3#/.4
#ATEGORIA
3UBCATE GORIA
#ARACTERÓSTICASDAFØRMULA
&ORMADOS MACRONUTRIENTES
)NDICA ÜES
Especializada
Pneumopatia
Alto conteúdo de lipídios: 50 a 60% Alta osmolalidade (> 450 mOsm/kg de água) Isenta de lactose Nutricionalmente completa
Proteína intacta Maltodextrina PUFA
Insuficiência pulmonar
Trauma/ estresse
Contém 45 a 50% de aminoácidos de cadeia ramificada Alta osmolalidade (> 450 mOsm/kg de água) Isenta de lactose
Proteína intacta RNA Arginina Glutamina Polímeros de glicose Dissacarídeos PUFA TCM
Estresse metabólico Disfunção imune
Proteínas
Digestibilidade variada Apresentação na forma de pó
Proteína intacta Aminoácidos cristalinos
Suplementação proteica
Carboidratos
Facilmente dissolvida em várias fórmulas Facilmente digerida Apresentação na forma de pó
Maltodextrina
Suplementação calórica
Lipídios
Alta densidade calórica Relativamente insolúvel Digestibilidade variada Apresentação na forma líquida
PUFA TCM
Suplementação calórica, sobretudo para pacientes com restrição de líquidos
Fibras
Apresentação na forma de pó
Polissacarídeo de soja: fibra solúvel e insolúvel
Regulação da função intestinal Uso da nutrição enteral por período prolongado
Módulos
22
TGI: trato gastrintestinal; PUFA: ácidos graxos poli-insaturados; TCM: triglicerídeos de cadeia média.
DIETAS INDUSTRIALIZADAS Preparadas industrialmente, essas dietas apresentam-se sob três formas: 1. Dietas industrializadas em pó para constituição: em geral, acondicionadas em pacotes hermeticamente fechados, em porções individuais com 60 a 96 g ou em latas com cerca de 400 g; necessitam ser reconstituídas em água ou em outro líquido. 2. Dietas industrializadas líquidas semiprontas: são dietas prontas, apresentam-se em latas ou frascos de vidro com 230 a 260 mL, em quantidades suficientes para um horário de dieta. 3. Dietas industrializadas prontas: são as que já se apresentam envasadas, acondicionadas em frascos de vidro ou bolsas próprias com 500 e 1.000 mL, diretamente acopladas no equipo.
543
TABELA 22.13 $)%4!3).$5342)!,):!$!30!$2²/0!2!.542)£²/%.4%2!,
0RODUTO
KCAL,
0ROTEÓNA G,
#ARBOIDRATO G,
,IPÓDIO G,
/SMOLALIDADE M/SMKG
1.060
40 (15)
160 (62)
29 (23)
510
1.500
63 (16,7)
204 (54,3)
49 (29)
510
Fibersource
1.220
44 (14)
170 (56)
40 (30)
390
Fresubin Energy3
1.500
56 (15)
188 (50)
58 (35)
330*
Fresubin Energy Fibre3
1.500
56 (15)
188 (50)
58 (33)
325*
Fresubin HP Energy
1.500
75 (20)
170 (45)
58 (35)
300*
1.000
38 (15)
138 (55)
34 (30)
250*
1.000
38 (15)
138 (55)
34 (30)
285*
1.000
38 (15)
133 (53)
36 (32)
410*
Isosource 1,5 cal sem sacarose
1.480
65 (18)
150 (41)
67 (41)
320
Isosource HN
1.200
53 (17)
160 (53)
40 (30)
330
Isosource Standard
1.220
44 (14)
170 (56)
40 (30)
360
Isosource Soya
Ensure2 Ensure Plus HN RTH
2
1
3
Fresubin Original
3
Fresubin Original Fibre Fresubin Soya Fibre
3
3 1
1 1
1.230
44 (15)
170 (55)
41 (30)
360
Isosource Soya Fiber1
1.230
44 (15)
170 (55)
41 (30)
320
Jevity2
1.051
40 (15,2)
141 (55,5)
35 (29,3)
300
1.200
56 (18,5)
150 (52,5)
39 (29)
450
1.010
40 (16)
130 (50)
38 (34)
350
1.010
40 (16)
127 (50)
38 (34)
360
1.000
38 (15)
110 (45)
44 (40)
190
1.330
56 (17)
190 (58)
37 (25)
378
1.090
43 (16)
150 (56)
34 (28)
308
1.330
40 (17)
150 (58)
30 (25)
348
1.000
40 (16)
123 (49)
39 (35)
265*
Jevity Plus
1
2
Nutren
1
Nutren Prebio
1
Nutren Diabetes Nutri Enteral SK
1
5
Nutri Enteral Soy Nutri Fiber SK
5
5
Nutrison Standard 1.04 Nutrison Multi Fiber 1.0
1.000
40 (16)
123 (49)
39 (35)
210*
Nutrison Energy Plus 1.54
1.500
60 (16)
180 (49)
58 (35)
385*
Nutrison Energy MF 1.54
1.500
60 (16)
180 (49)
58 (35)
335*
1.250
63 (20)
140 (45)
49 (35)
280*
1.010
36 (14)
140 (56)
34 (30)
237*
1.040
36 (14)
140 (55)
36 (31)
237*
1.004
40 (16)
136 (54)
34 (30)
300
1.200
56 (18,5)
158 (52,5)
39 (29)
360
4
Nutrison Protein Plus MF Nutrison Soya
4
Nutrison Soya Multifiber Osmolite HN
4
2
Osmolite Plus HN
2
4
NUTRIÇÃO ENTERAL
Os principais tipos de dietas industrializadas estão apresentados nas Tabelas 22.13 e 22.14, respectivamente.
22
(continua)
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
544 TABELA 22.13 $)%4!3).$5342)!,):!$!30!$2²/0!2!.542)£²/%.4%2!,#.4
0RODUTO
KCAL,
0ROTEÓNA G,
#ARBOIDRATO G,
,IPÓDIO G,
/SMOLALIDADE M/SMKG
Nutranon HC HP 1.2 Soy6
1.200
(18)
(52)
(30)
330
Nutranon 1.06
1.000
(16)
(49)
(35)
310
1.500
(17)
(48)
(35)
256
1.100
(21)
(51)
(28)
323
Total Nutrition Hipossódico sem sacarose6
1.100
(20)
(40)
(40)
286
Total Nutrition Soy6
1.100
(14)
(58)
(28)
370
(18)
(43)
(39)
330
Nutranon 1.56 Total Nutrition
6
Total Nutrition Fiber6 1
1.100
Nestlé; Abbott; Fresenius; Support; Nutrimed; Nuteral; * Osmolaridade (mOsm/L). 2
3
4
5
6
TABELA 22.14 $)%4!3).$5342)!,):!$!3%30%#)!,):!$!30!2!.542)£²/%.4%2!,
0RODUTO Alitraq2 Forticare
#ARBOIDRATO G,
,IPÓDIO G,
/SMOLALIDADE M/SMKG
1.000
53 (21,1)
160 (65,7)
14 (13,2)
575
1.600
88 (22,5)
192 (47,7)
56 (29,8)
730*
1.300
40 (12)
179 (55)
47 (33)
330*
3
Fresubin Hepa
1.500
100 (27)
124 (33)
67 (40)
340*
Glucerna2
1.000
42 (17)
81 (33)
54 (50)
354
Glucerna SR2
930
47 (20)
120 (47)
34 (33)
498
Impact
1.000
56 (23)
130 (52)
28 (25)
350
1.010
36 (14)
110 (44)
47,2 (42)
310
2.000
70 (14)
210 (43)
96 (43)
665
1.520
60 (16)
180 (47)
60 (37)
440
2.000
74 (15)
200 (40)
100 (45)
700
Novasource Pulmonary
1.480
76 (21)
140 (38)
65 (41)
600
Nutri Diabetic
1.200
50 (16)
170 (55)
40 (29)
380
1.610
44 (11)
260 (64)
44 (25)
402
1
Modulen
1
Nefrodial
2
Novasource GI Control
1
Novasource Renal
1
22
0ROTEÓNA G,
3
4
Fresubin Lipid
KCAL,
1
Nutri Liver
5
5
Nutri Renal
2.010
34 (7)
320 (63)
63 (30)
490
Nutrison Advanced Oligo4
1.200
40 (13)
220 (73)
19 (14)
400*
Nutrison Advanced Hepato4
1.250
34 (11)
210 (67)
30 (22)
365*
Nutrison Advanced TCM4
1.000
52 (21)
124 (50)
32 (29)
186*
Nutrison Advanced Imuno4
970
45 (18)
130 (53)
32 (29)
306*
Nutrison Advanced Nefro4
1.300
32 (10)
230 (69)
30 (21)
322*
5
(continua)
545
0RODUTO
KCAL,
0ROTEÓNA G,
#ARBOIDRATO G,
,IPÓDIO G,
/SMOLALIDADE M/SMKG
Nutrison Advanced Pulmo4
1.600
66 (16)
120 (29)
98 (55)
240*
Nutrison Advanced Cubison4
1.000
55 (20,4)
120 (49,6)
33 (30)
315*
Nutrison Advanced Diason4
1.000
43 (17)
110 (45)
42 (38)
300*
Nutrison Advanced Peptisorb4
1.000
40 (16)
180 (69)
17 (15)
455*
Oxepa2
1.500
62 (16,7)
106 (28,2)
94 (55,1)
490
Peptamen
1.000
40 (16)
120 (49)
39 (35)
375
Peptamen Prebio1
1.010
40 (16)
120 (51)
39 (33)
270
Peptamen 1,51
1.530
68 (18)
190 (49)
56 (33)
550
Peptamen UTI
1.520
94 (25)
130 (36)
68 (39)
490
1.240
76 (25)
110 (35)
55 (40)
390
1.300
67 (20,5)
177 (54,5)
37 (25)
385
1.000
63 (25)
130 (52)
26 (23)
340
1.200
66,6 (21)
183,3 (61)
25,4 (18)
599
1.500
63 (16,7)
106 (28,2)
93 (55,1)
475
1.000
55 (22)
120 (48)
33 (30)
270*
1.080
64 (23)
100 (37)
48 (40)
300
1
Peptamen AF Perative
1
1
2
Profort
2
Prosure
2
Pulmocare
2
Reconvan
3
Resource Diabetic
1
Replena
2.000
30 (6)
260 (51)
96 (43)
600
Survimed OPD3
1.000
45 (18)
150 (60)
24 (22)
350*
Total Nutrition Hepato6
1.100
58,6 (23)
136 (53)
27 (24)
268
Total Nutrition Imuno
1.100
58,6 (23)
136 (53)
27 (24)
268
1.400
55,8 (17)
90 (28)
77,5 (55)
258
1.300
(30)
(45)
(25)
528
2
Total Nutrition Pulmo
6
6
Total Nutrition Decubital 1
6
Nestlé; 2 Abbott; 3 Fresenius; 4 Support; 5 Nutrimed; 6 Nuteral; * Osmolaridade (mOsm/L).
DIETAS NÃO INDUSTRIALIZADAS, CASEIRAS OU ARTESANAIS São aquelas preparadas à base de alimentos in natura ou de mesclas de produtos naturais com industrializados (módulos), liquidificadas e preparadas artesanalmente em cozinha doméstica ou hospitalar.
Vantagens Individualização da fórmula quanto à composição nutricional e o volume. Custo aparentemente menor do que o da dieta similar industrializada.
NUTRIÇÃO ENTERAL
TABELA 22.14 $)%4!3).$5342)!,):!$!3%30%#)!,):!$!30!2!.542)£²/%.4%2!,#/.4
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
546
Desvantagens Instabilidade bromatológica, microbiológica e organoléptica do produto final, acarretando um custo real maior do que o da dieta industrializada. Não é de composição nutricional definida e há dificuldade para ser formulada uma dieta com algum grau de especialização, por exemplo, à base de hidrolisados proteicos ou ricos em nutrientes imunomoduladores. O fornecimento adequado dos micronutrientes mostra-se prejudicado.
COMPLICAÇÕES As complicações da TNE podem ser classificadas em: gastrintestinais, metabólicas, mecânicas, infecciosas, respiratórias e psicológicas, como mostrado na Tabela 22.15. TABELA 22.15 #,!33)&)#!£²/$!3#/-0,)#!£À%3$!4%2!0)!.542)#)/.!,%.4%2!,
'ASTRINTES tinais
-ETABØLICAS
-ECÊNICAS
22 Infecciosas 2ESPIRATØRIAS 0SICOLØGICAS
Náuseas Vômitos Estase gástrica Refluxo gastroesofágico Distensão abdominal, cólicas, empachamento, flatulência Diarreia/obstipação Hiperidratação/desidratação Hiperglicemia/hipoglicemia Anormalidades de eletrólitos e elementos-traços Alterações da função hepática Erosão nasal e necrose Abscesso septonasal Sinusite aguda, rouquidão, otite Faringite Esofagite, ulceração esofágica, estenose Fístula traqueoesofágica Ruptura de varizes esofágicas Obstrução da sonda Saída ou migração acidental da sonda Gastroenterocolites por contaminação microbiana no preparo, nos utensílios e na administração da fórmula Aspiração pulmonar com síndrome de Mendelson (pneumonia química) ou pneumonia infecciosa Ansiedade Depressão Falta de estímulo ao paladar Monotonia alimentar Insociabilidade Inatividade
547 NUTRIÇÃO ENTERAL
As complicações mecânicas associadas à própria sonda variam de acordo com seu tipo e localização. O desconforto nasofaríngeo decorrente da intubação prolongada, junto com sinusite ou otite, é um problema comum quando são utilizadas sondas calibrosas de plástico ou borracha. O tratamento com pedaços de gelo, anestésicos locais e descongestionantes minimiza esses efeitos colaterais. A obstrução pode ser causada por resíduos alimentares ou acúmulo de medicamentos administrados pela sonda. Por causa do pequeno calibre de muitas sondas, é difícil desobstruí-las por irrigação, quando estas realmente ficam obstruídas; mas é possível conseguir isso com Coca-cola® ou papaína. As sondas têm de ser lavadas com água após a administração da dieta em intervalos regulares, para evitar esse problema. As erosões da mucosa esofágica ou gástrica raramente são graves desde o advento das sondas nasoentéricas flexíveis. As complicações mais frequentes da alimentação enteral são as gastrintestinais. Quando se utilizam técnicas de administração adequadas, as distensões abdominais e as náuseas aparecem com pouca frequência. A diarreia é a complicação mais usualmente atribuída à dieta. Osmolalidade e presença de lactose são as causas mais citadas. Deve-se, no entanto, lembrar que a antibioticoterapia associada à terapia enteral é a principal responsável pela referida complicação. A diminuição da velocidade de infusão ou a diluição da fórmula é necessária para pacientes que recebem dietas hiperosmolares e apresentam efeitos colaterais gastrintestinais. A regurgitação e a aspiração pulmonar são as complicações mais temidas. Hipercalemia, hiperglicemia, hipofosfatemia são as complicações metabólicas mais frequentemente descritas na terapia enteral. Hipocalemia, hipomagnesemia e hipozinquemia também são relatadas. A prevenção dessas complicações é feita com seguimento clínico e laboratorial do paciente. A desidratação hipertônica ocorre quando preparações nutritivas hiperosmolares fazem o líquido extracelular sair da mucosa do intestino delgado para a luz. Como efeito, há a desidratação intracelular, com as consequências metabólicas associadas. Intolerância à glicose pode ocorrer com dietas que utilizam carboidratos como fonte básica de calorias. Coma hiperglicêmico hiperosmolar não cetósico pode advir durante a alimentação enteral. O controle meticuloso da bioquímica urinária e sanguínea, associado à vigilância clínica, evita essa perigosa complicação. O principal efeito da complicação infecciosa é a gastroenterocolite por contaminação microbiana no preparo, nos utensílios e na administração da fórmula. A Resolução RCD n. 63 estabelece orientações gerais para aplicação nas operações de preparação da nutrição enteral, bem como critérios para aquisição de insumos, materiais de embalagem e nutrição enteral industrializada, orientações sobre validação do processo e treinamento de todo o pessoal envolvido no trabalho, com o objetivo de garantir a qualidade do produto. A pneumonia aspirativa é considerada a complicação de maior gravidade na TNE, podendo ocorrer a partir de oferta exagerada de dieta, retardo do esvaziamento gástrico e íleo paralítico, comum, sobretudo, em pacientes com afecção neurológica.
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
548
Desconforto pela presença de sonda enteral, sede e boca seca levam à falta de estímulo ao paladar. Os horários fixos das refeições favorecem a monotonia alimentar e a autoimagem prejudicada interfere na sociabilidade e inatividade do paciente, deixando-o deprimido e ansioso.
CUIDADOS NO PREPARO DA NUTRIÇÃO ENTERAL Dietas enterais ricas em macro e micronutrientes são um excelente meio para o crescimento de micro-organismos. A administração de dieta eventualmente contaminada por diferentes germes pode causar distúrbios gastrintestinais (náuseas, vômitos e diarreia). Independentemente de sua administração, é fundamental que as dietas sejam preparadas com o maior cuidado para evitar a contaminação. O preparo da nutrição enteral no Brasil é regido pela Portaria n. 337, de 14 de abril de 1999, e Resolução 63, de 6 de julho de 2000. Os locais de manipulação das dietas enterais são fontes de contaminação. Os processos para transferência da dieta de sua embalagem original para os frascos e a reconstituição e a mistura de ingredientes favorecem a contaminação das formulações. Por essa razão, as áreas distintas de preparo da nutrição enteral (sala de limpeza e sanitização de insumos, sala de preparo de alimentos in natura, de manipulação e envasamento da NE, dispensação e distribuição) e os procedimentos para manipulação preestabelecidos e validados podem minimizar os riscos de contaminação. É importante o estabelecimento de um fluxograma para o preparo das dietas industrializadas, como segue: 1. 2. 3. 4. 5.
22
Recebimento dos insumos e materiais para preparo da nutrição enteral. Armazenamento dos materiais e insumos. Procedimento de higienização. Procedimentos para o preparo. Conservação e transporte.
Devem ser implantados rotinas e procedimentos de validação de cada etapa do fluxograma que assegurem e comprovem a qualidade microbiológica da dieta enteral. Além disso, toda a documentação referente à preparação da nutrição enteral deve ser arquivada ordenadamente por cinco anos.
PASSAGEM DA SONDA No rol de material necessário à colocação de uma sonda nasoentérica estão, além da própria sonda de alimentação, seringas de 10 e 50 mL, um lubrificante hidrossolúvel, um estetoscópio, uma toalha, um copo com água, um canudo, um par de luvas plásticas descartáveis, gazes e fita adesiva hipoalergênica tipo Micropore®. O procedimento de introdução e posicionamento das sondas começa com a introdução da ponta de mercúrio (bem lubrificada) através da narina do paciente até a nasofaringe. Em seguida, este engole a sonda com um pouco de água para facilitar a passagem do
549 NUTRIÇÃO ENTERAL
tubo. Para confirmar a localização da sonda nasoenteral, aspira-se com uma seringa de 20 cc, observando a presença de conteúdo gástrico, ou injeta-se ar e ausculta-se simultaneamente os ruídos hidroaéreos. Uma vez confirmada a localização da sonda, fixa-se bem a sonda com fita tipo Micropore® no nariz ou na face do paciente. Nos casos de dúvida, deve-se pedir uma radiografia simples de abdome para confirmar a localização da sonda.
TERAPIA NUTRICIONAL IMUNOMODULADORA Desde a introdução da TNE e da terapia nutricional parenteral na prática clínica, numerosos estudos têm sido realizados e horizontes têm-se ampliado, verificando-se a habilidade desse procedimento em alterar o curso natural de muitas doenças. Pacientes criticamente enfermos são, em geral, os mais acometidos de imunossupressão em consequência à sua doença de base. A infecção é o fenômeno mais comum, em pacientes de unidade de terapia intensiva (UTI), como manifestação da resposta imunológica deficitária. Sem dúvida, são estes os mais suscetíveis à infecção. Frequentemente, são acompanhados de hipermetabolismo, considerados desnutridos em potencial na vigência de jejum por via oral, com indicação precisa de TNE e/ou terapia nutricional parenteral, na maioria das vezes. A infecção nosocomial em pacientes criticamente enfermos está associada com maior morbidade e mortalidade na UTI, aumento do tempo de internação e maiores custos da saúde. Nutrição enteral é preferida à nutrição parenteral para atender às necessidades nutricionais dos pacientes críticos com funcionamento do trato digestivo. Os nutrientes têm sido vistos tradicionalmente como um meio de se fornecer energia para a homeostase celular e aminoácidos para a síntese proteica. Todavia, pacientes em estado crítico, pacientes cirúrgicos e vítimas de traumatismos estão em um constante estado dinâmico entre a resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e a resposta anti-inflamatória compensatória (SRAC). Evidências sólidas apoiam atualmente o conceito de que o aporte de nutrientes com um foco específico pode melhorar os resultados finais por modular a resposta imune e/ou metabólica. Esses nutrientes são atualmente considerados como recursos terapêuticos no tratamento de condições hiperdinâmicas complexas como traumas, cirurgias e naqueles pacientes no contexto de cuidados críticos. O conceito de fornecer nutrientes como agentes terapêuticos e não simplesmente para atender às demandas energéticas e metabólicas celulares básicas provoca uma alteração importante no dogma atual. Os nutrientes terapêuticos mais comumente utilizados comercialmente são a arginina, glutamina, nucleotídeos e os ácidos graxos da série ômega-3 (ácido eicosapentaenoico [EPA] e ácido docosa-hexaenoico [DHA]). Isolados ou em combinação, têm demonstrado em laboratório e em estudos clínicos exercer influência nos paramentos imunológicos, nutricionais e inflamatórios. Múltiplas fórmulas enterais “imunomoduladoras” já estão disponíveis em grande parte do mundo. As mais disponíveis estão relacionadas na Tabela 22.16.
22
22
&ABRICANTE
Abbott/Ross
Abbott/Ross
Abbott/Ross
Abbott/Ross
Nestlé
Nestlé
0RODUTO
Optimental
Oxepa
Perative
Prosure
Crucial
Peptamen AF
75,6
94
72
66,6
62,5
51,3
0ROTEÓNAS G,
2,4
4,3
4,2
NS
6,45
3,29
CIDOGRAXO ÙMEGA %0!$(! ;G,=
120 384 160
100 1000 100
63 127 76
40 260 61
320 850 74
215 215 50
!NTIOXIDANTES 6ITAMINA%5), 6ITAMINA#5), 3ELÐNIOMCG,
TABELA 22.16 &/2-5,!£À%30!2!)-5./.542)£²/%.4%2!,$)30/.·6%)3./-5.$/
NS
NS
NS
NS
NS
NS
.UCLEOTÓDEOS G,
14
18
NS
4,99
6,7
3,84
'LUTAMINA G,
NS
15
NS
8
2
5,5
(continua)
!RGININA G,
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
550
Nestlé
Nestlé
Nestlé
Nestlé
Victus, Inc.
Nutricia Clinical Care
Impact
Impact (com fibras)
Impact 1,5
Impact glutamine
Imumunex-Plus
Forticare
NS = nenhuma suplementação extra.
&ABRICANTE
0RODUTO
90
37
78
84
56
56
0ROTEÓNAS G,
60 80 100 60 80 100 72 96 120 78 260 70 50 60 100 41 300 140
1,7
2,6
1,7
NS
8,97
!NTIOXIDANTES 6ITAMINA%5), 6ITAMINA#5), 3ELÐNIOMCG,
1,7
CIDOGRAXO ÙMEGA %0!$(! ;G,=
NS
1
1,6
1,8
1,2
1,2
.UCLEOTÓDEOS G,
NS
11,4
15
NS
NS
NS
'LUTAMINA G,
NS
14
16,3
18,7
12,5
12,5
!RGININA G,
NUTRIÇÃO ENTERAL
TABELA 22.16 &/2-5,!£À%30!2!)-5./.542)£²/%.4%2!,$)30/.·6%)3./-5.$/#/.4
551
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
552
22
Glutamina É um aminoácido não essencial que pode ser sintetizado em muitos tecidos do corpo. Em virtude de sua massa, os músculos esqueléticos produzem a maior parte da glutamina endógena. Durante episódios de hipercatabolismo, a demanda de glutamina torna-se bem maior que seu suprimento; em consequência disso, a glutamina é atualmente considerada como um aminoácido condicionalmente essencial. É a fonte energética preferencial dos enterócitos. Sua metabolização por essas células é acentuada nas situações de hipercabolismo, como no câncer, no politraumatismo e nas queimaduras severas. Essas situações são acompanhadas de uma importante alteração no fluxo de glutamina interórgãos. Ocorre saída de glutamina dos músculos para vários locais, incluindo os enterócitos. No estresse prolongado, as células intestinais necessitam de uma oferta adicional desses aminoácidos, e a redistribuição corporal passa a não suprir suficientemente essas células. Ocorre queda acentuada de substrato energético com morte de células intestinais. A falência na barreira intestinal, resultante desse processo, favorece a translocação bacteriana. Além disso, a glutamina estimula e regula a síntese proteica; colabora para a retenção nitrogenada; colabora na manutenção do pool de proteínas musculares; participa da biossíntese de ácido nucleico em todas as células do organismo, fornecendo energia e nitrogênio para a síntese de purinas e pirimidinas; fornece substrato energético aos linfócitos, garantindo, assim, a proliferação destes; comporta-se como substrato da amoniagênese renal, colaborando para a manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico do organismo. A glutamina também é precursora da glutationa, substrato para a síntese da glutationa peroxidase, enzima esta que exerce importante papel na metabolização de radicais livres tanto no compartimento intra quanto no extracelular. Tem crescido rapidamente o volume de dados relativos ao uso da suplementação enteral da glutamina. A maior parte da glutamina administrada por via enteral, estimada em 70 a 80%, é metabolizada nas vísceras, com apenas uma fração dela chegando à circulação sistêmica. Apesar disso, foram relatados benefícios em termos da evolução final, pelo aporte enteral de glutamina, embora muitos estudos sejam favoráveis ao aporte pela via parenteral. Na prática clínica, a suplementação com glutamina tem sido indicada nas situações: s s s s
jejum digestivo, como suplementação via parenteral; em doenças inflamatórias intestinais e fases adaptativas pós-ressecções maciças; em situações de hipercatabolismo, como no câncer, choque, sepse, queimaduras graves; em transplantes, em especial no de medula óssea.
Em situações de estresse cirúrgico, a nutrição parenteral suplementada por glutamina parece ajudar a manter o balanço nitrogenado e a reserva intracelular de glutamina no tecido muscular esquelético. Em pacientes com trauma, uma redução de mais de 50% na incidência de pneumonia foi demonstrada com a suplementação de glutamina em comparação a controles isonitrogenados e isocalóricos.
553 NUTRIÇÃO ENTERAL
Arginina A arginina é considerada um aminoácido não essencial em condições fisiológicas normais. Assim como a glutamina, a arginina torna-se um aminoácido condicionalmente essencial em situações de estresse e tem um papel significativo no metabolismo intermediário de pacientes em estado crítico. A arginina tem múltiplas propriedades biológicas, incluindo a habilidade para estimular a secreção de hormônios anabólicos. Sua forte atividade secretagoga estimula a liberação de prolactina e hormônio do crescimento pela pituitária, bem como a insulina e o glucagon pelo pâncreas. A suplementação com arginina, aumenta a síntese de fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1, insulin-like growth factor-1) e de óxido nítrico. Favorece o balanço nitrogenado em pacientes com câncer gastrintestinal e aumenta o número de linfócitos T auxiliares (CD4) circulantes. Também a adição de arginina em culturas de células aumenta significativamente a replicação celular. A arginina atua aumentando a liberação de hormônios (insulina e hormônio do crescimento); favorecendo a divisão celular; como vasodilatador; e como substância citotóxica. A arginina é precursora do óxido nítrico, sendo a responsável pelo fornecimento de nitrogênio para sua síntese. O óxido nítrico é um importante vasodilatador e agente oxidativo. O metabolismo e a disponibilidade da arginina influenciam claramente a evolução final em pacientes em estado crítico. Enquanto o suprimento diminui, a demanda celular de arginina aumenta. A demanda aumentada em contextos de traumatismo, cirurgia, sepse e casos críticos é causada principalmente pela suprarregulação de arginase produzindo ureia e ornitina e pela iNOS produzindo NO e citrulina. Níveis elevados de arginase, conforme relatados em traumas agudos e cirurgias, acarretam a inibição da síntese de NO e alterações na expressão de genes. Os níveis aumentados de arginase em macrófagos ativados agem limitando a proliferação de células T, por diminuírem a expressão da parte da cadeia zeta do receptor. Essas alterações na atividade da arginase ocasionam a alteração da função imune em múltiplos níveis da resposta imune. O conceito teórico de que a arginina pode constituir um risco para pacientes em estado critico baseia-se principalmente na percepção de que esses pacientes se encontram frequentemente hemodinamicamente instáveis, com atividade da enzima iNOS suprarregulada. Em consequência disso, pode ocorrer um aumento da produção do óxido nítrico à administração da arginina suplementar em estados metabólicos de suprarregulação da iNOS. O aumento do NO pode induzir vasodilatação e hipotensão, ocasionando uma instabilidade hemodinâmica ainda maior. Vários fatores devem ser considerados para se decidir se a arginina se ajusta ao plano terapêutico de pacientes em estado critico. É preciso avaliar os órgãos e sistemas envolvidos, a escala temporal do aporte de nutrientes e a localização e a via de administração. Uma conferência de consenso ao uso de formulações imunomoduladoras foi realizada, e as orientações foram publicadas subsequentemente em 2001 (Tabela 22.17).
22
GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
554 TABELA 22.17 2%#/-%.$!£À%3 #/.3%.35!)3 $! #/.&%2´.#)! $% #Â05,! $/3 %34!$/3
5.)$/33/"2%!4%2!0)!%.4%2!,)-5./-/$5,!$/2!
"ENEFÓCIOCLARAMENTE ESTABELECIDO
Cirurgias gastrintestinais eletivas Esofágicas Pancreáticas Gástricas Hepatobiliares maiores Traumas penetrantes ou não penetrantes no tronco Escore da gravidade da lesão > 18 Índice de trauma abdominal > 20
"ENEFÓCIOPROVÉVEL
Cirurgia eletiva de grande porte Reconstrução aórtica com DPOC Ventilação pós-operatória esperada Cirurgias por câncer de cabeça e pescoço Lesão cranioencefálica grave Queimaduras > 30% da superfície corporal queimada Pacientes de UTI sépticos não dependentes de aparelho de ventilação
.ENHUMBENEFÓCIO
Capaz de retomar ingestão oral em 5 dias Na UTI apenas para monitoramento
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; UTI: unidade de terapia intensiva.
A controvérsia arginina/NO com certeza vai continuar até que mais estudos tenham confirmado consistentemente benefícios ou prejuízos da suplementação da arginina.
Nucleotídeos
22
O nucleotídeo é definido como uma base nitrogenada (purina ou pirimidina) combinada com um açúcar (pentose) e um ou mais grupos fosfato. Os nucleotídeos estão envolvidos em praticamente todos os processos celulares, incluindo processos anabólicos, catalíticos, estruturais e, como foi descrito mais recentemente, em um processo regulador. Eles constituem as unidades monoméricas de RNA e DNA que são necessárias para a divisão celular. Os suplementos dietéticos com nucleotídeos têm a capacidade de otimizar a imunidade humoral mediada pelas células T auxiliares. Além disso, a capacidade dos macrófagos em matar as bactérias englobadas pela produção de superóxidos é intensificada pela suplementação de nucleotídeos. Os nucleotídeos passaram a ter destaque na literatura especializada e a ser adotados na prática clínica em função de bons resultados obtidos com a sua suplementação na diminuição de complicações infecciosas em pacientes politraumatizados, cirúrgicos e outros gravemente enfermos. Mais recentemente, têm-se expandido as observações em que os nucleotídeos têm se mostrado igualmente importantes na regeneração da mucosa intestinal, em jejum prolongado e na recuperação de hepatócitos em pacientes com esteatose hepática ou decorrente de outros comprometimentos hepáticos.
555
Família n-6
NUTRIÇÃO ENTERAL
Ômega-3 Os ácidos graxos poli-insaturados são classificados pela presença de duas ou mais duplas ligações e também pela localização das ligações em relação ao primeiro carbono na cadeia. Os ácidos graxos ômega-3 com 18 carbonos são alongados aos ácidos graxos ômega-3 de 20 e de 22 carbonos, EPA e DHA, respectivamente, que tem efeitos diretos sobre a fluidez, a estrutura e a função das membranas celulares (Figura 22.3).
Família n-3
Ácido linoleico C18:2 (n-6)
Ácido alfalinoleico C18:3 (n-3) 6
dessaturase Ácido octadecatetraenoico C18:4 (n-3)
Ácido gamalinolênico C18:3 (n-6) Elongase Ácido di-homo-gamalinolênico C20:3 (n-6) Série 1 Prostanoides Leucotrienos
Ácido eicosatetraenoico C20:4 (n-3) 6
dessaturase
Ácido araquidônico (AA) C20:4 (n-6)
Ácido eicosapentaenoico (EPA) C20:5 (n-3)
Elongase
Séries 2 e 4 Mediadores pró-inflamatórios Prostanoides (TXA2, PGI2, PGE2), Leucotrienos (LTB4)
Séries 3 e 5 (ciclo e lipo) Mediadores anti-inflamatórios Prostanoides (PGE3, TXA3), Leucotrienos (LTB5)
Ácido docosapentaenoico C22:5 (n-3)
Dessaturação
Ácido docosa-hexaenoico (DHA) C22:6 (n-3) FIGURA 22.3 Biossíntese dos ácidos graxos poli-insaturados.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
556
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Tanto os ácidos graxos ômega-3 quanto os ômega-6 podem ser oxidados nas mitocôndrias para a produção de energia. No entanto, os produtos finais da via da ciclo-oxigenases são diferentes para os dois ácidos graxos. O metabolismo dos ácidos graxos ômega-6 produz prostaglandinas do tipo E2 (PGE2) e também leucotrienos na classe LTB4. O metabolismo dos ácidos graxos ômega-3 acarreta a produção de PGE3 e leucotrienos LTB5, que são menos inflamatórios que os produtos finais pró-inflamatórios dos ácidos graxos ômega-6. A composição de ácidos graxos da membrana celular é afetada pela composição de ácido graxo na dieta, portanto a quantidade de ômega-3 ou de ômega-6, veiculada pela alimentação, modula, respectivamente, o teor destes na parede celular. Os ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 são dois representantes de uma família de três ácidos graxos poli-insaturados. O ácido graxo ômega-6, como ácido linoleico, é precursor do ácido araquidônico. Este, por sua vez, quando incorporado na membrana celular, é metabolizado pela via da ciclo-oxigenase. Altos níveis de PGE2 são produzidos. Essas prostaglandinas são conhecidas como de ação imunossupressora, tanto in vivo, como in vitro, bem como causam a agregação plaquetária e vasoconstrição. Há evidências substanciais sugerindo que a ingestão elevada de ômega-6, isoladamente, tem ação imunossupressora. Já as citocinas produzidas pela metabolização dos ácidos graxos ômega-3, são as PGE3 e PGI3, imunoestimulantes. A presença do ômega-3 na cascata do ácido araquidônico pode minimizar esse processo, modulando a resposta imunológica. A quantidade total de lipídios ômega-3 fornecidos como EPA ou DHA que é necessária para a obtenção de um benefício clínico em geral fica entre 1,5 e 3 g/dia. A quantidade exata no contexto do cuidado de casos críticos ainda está sendo avaliada. Os resultados obtidos com estudos clínicos, comparando-se dietas enterais com e sem nutrientes imunomoduladores, também vêm sendo bastante difundidos na literatura especializada. Segue um resumo dos pontos mais importantes do Consenso Americano em Terapia Enteral Imunomoduladora. Pacientes que podem se beneficiar com a terapia nutricional imunomoduladora enteral: s
cirurgia eletiva de reconstrução aórtica com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e candidatos à ventilação mecânica prolongada; s grandes cirurgias de cabeça e pescoço com desnutrição preexistente; s traumatismo craniano grave; s queimados (3º grau e superior a 30% da superfície corporal queimada). Os pacientes listados a seguir não são considerados candidatos para uso imediato de terapia nutricional com ou sem fórmula imunomoduladora:
557
s s s s
aqueles em que se espera o uso de alimentação via oral ad libitum em prazo de até cinco dias após o evento agressor; aqueles em UTI apenas para acompanhamento e estabilização; aqueles com obstrução intestinal distal; aqueles com ressuscitação incompleta ou hipoperfusão esplênica; aqueles com hemorragia digestiva alta causada por varizes ou úlceras pépticas.
NUTRIÇÃO ENTERAL
s
A terapia nutricional com dieta imunomoduladora deve ser iniciada sempre que possível, antes da lesão ou do evento desencadeador da resposta imunossupressora. Sugerem-se: 1. Em cirurgias eletivas de grande porte: preparo nutricional imunomodulador iniciando 5 a 7 dias antes da cirurgia. 2. No seguimento do pós-operatório: jejunostomia intraoperatória para TNE precoce imunomoduladora no pós-operatório. s dose recomendada: 1.200 a 1.500 mL diários ou até atingir 50 a 60% das necessidades nutricionais; s duração: tem sido sugerido um mínimo de cinco dias e máximo de dez dias ou até a saída da UTI ou até a redução do risco ou da complicação infecciosa; s forma de administração: infusão gástrica deve ser a primeira escolha; o volume pode ser aumentado em 25 mL/h a cada 8 ou 12 horas até atingir a taxa ideal; a administração deve ser diminuída ou suspensa se o resíduo gástrico for maior que 200 mL. Os resultados esperados com o uso de dietas imunomoduladoras são: s s s s s s
redução de complicações infecciosas; menor utilização de recursos de pessoal e financeiro; redução no tempo de internação; menor tempo de ventilação mecânica; menor risco para falência de múltiplos órgãos; menor redução de antibioticoterapia.
A seguir, são apresentadas as recomendações dos diferentes guias de conduta a respeito da utilização de dietas imunomoduladoras baseados em níveis de evidência científica (Tabela 22.18).
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
558 TABELA 22.18 '2!5$%2%#/-%.$!£²/%.·6%,$%%6)$´.#)!#)%.4·&)#!0/24)0/$%%345$/
'RAUDE RECOMENDA ÎO
.ÓVELDE 4RATAMENTOPREVEN ÎO ETIOLOGIA EVIDÐNCIA
A
1A
Revisão sistemática (com homogeneidade) de ensaios clínicos controlados e randomizados
1B
Ensaio clínico controlado e randomizado com intervalo de confiança estreito
1C
Resultados terapêuticos do tipo “tudo ou nada”
2A
Revisão sistemática (com homogeneidade) de estudos de coorte
2B
Estudos de coorte (incluindo ensaio clínico randomizado de menor qualidade)
2C
Observação de resultados terapêuticos (outcomes research) e estudo ecológico
3A
Revisão sistemática (com homogeneidade) de estudos caso-controle
3B
Estudos caso-controle
C
4
Relato de casos (incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade)
D
5
Opinião desprovida de avaliação crítica ou baseada em matérias básicas (estudo fisiológico ou estudo com animais)
B
*Grau de recomendação:
sA - Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência. sB - Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência. sC – Relatos de casos/estudos não controlados. sD – Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais. Fonte: Oxford Centre for Evidence Based Medicine (última atualização: maio de 2001).
GUIA CANADENSE PARA NUTRIÇÃO EM PACIENTES CRITICAMENTE ENFERMOS
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1. Com base em quatro estudos de nível de evidência 1 e em 18 estudos de nível de evidência 2, dietas suplementadas com arginina não devem ser utilizadas por pacientes criticamente enfermos. 2. Com base em um estudo de nível de evidência 1 e em 4 estudos de nível de evidência 2, dietas suplementadas com óleo de peixe, óleo de borragem e antioxidantes devem ser utilizadas para pacientes com lesão pulmonar aguda e com síndrome da angústia respiratória aguda. 3. Com base em dois estudos de nível de evidência 1 e em 7 estudos de nível de evidência 2, dietas suplementadas com glutamina, devem ser utilizadas em pacientes com trauma e queimados. Não existem dados suficientes que suportam o uso rotineiro de glutamina enteral em outros pacientes criticamente enfermos.
GUIA DA ASSOCIAÇÃO DIETÉTICA AMERICANA (ADA) 1. Dieta imunomoduladora não é recomendada para o uso rotineiro em pacientes criticamente enfermos na UTI. O uso de dietas imunomoduladoras não está associado
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GUIA DA SOCIEDADE AMERICANA DE NUTRIÇÃO PARENTERAL E ENTERAL (ASPEN) E DA SOCIEDADE MÉDICA DE PACIENTES CRÍTICOS (SCCM)
NUTRIÇÃO ENTERAL
com redução de complicações infecciosas, permanência hospitalar, redução de custos, dias de ventilação mecânica ou mortalidade. Seu uso pode estar associado ao aumento da mortalidade em pacientes gravemente enfermos na UTI, embora estudos controlados não tenham sido realizados.
1. Dieta imunomoduladora suplementada com arginina, glutamina, nucleotídeos, ácido graxo ômega-3 e antioxidantes deve ser utilizada para pacientes com cirurgia eletiva, trauma, queimados, câncer de cabeça e pescoço, pacientes criticamente enfermos sob ventilação mecânica. Precaução para pacientes com sepse severa. 2. Pacientes cirúrgicos (grau de recomendação A). 3. Pacientes clínicos (grau de recomendação B). 4. Pacientes com lesão pulmonar aguda e com síndrome da angústia respiratória aguda devem receber dietas suplementadas com óleo de peixe, óleo de borragem e antioxidantes (grau de recomendação A). 5. A utilização de dieta suplementada com glutamina deve ser utilizada para pacientes queimados, trauma e outros pacientes criticamente enfermos (grau de recomendação B).
ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA – PROJETO DIRETRIZES 1. Há subgrupos de pacientes graves que se beneficiam do uso de soluções enriquecidas com arginina, glutamina, ácido nucleico, ácidos graxos ômega-3 e antioxidantes. Dentre eles, estão os pacientes em pós-operatório de grandes cirurgias abdominais eletivas, trauma abdominal com trauma índex (escore > 20), queimados com superfície corporal > 30%, pós-operatório de câncer de cabeça e pescoço e pacientes graves sob ventilação mecânica, desde que não estejam sépticos. 2. Em pacientes com lesão pulmonar aguda ou síndrome do desconforto respiratório agudo, sob ventilação mecânica, o tempo de internação na UTI, tempo de ventilação mecânica e a ocorrência de novas disfunções orgânicas estão reduzidos com a utilização de dietas enterais enriquecidas com ácidos graxos ômega-3 e antioxidantes. Ainda é necessária a determinação da dose e do tempo de utilização ótimos para essas dietas (grau de recomendação A). 3. Os benefícios clínicos da farmaconutrição são maiores quando 50% ou mais das metas nutricionais são alcançadas. 4. Pacientes queimados, traumatizados e pacientes graves sob ventilação mecânica podem beneficiar-se de doses maiores de vitaminas antioxidantes (C e E) e elementos-traços (zinco, selênio e cobre). Ainda são necessários estudos para determinar doses e períodos de tratamento, além das combinações adequadas. Recomenda-se evitar reposições maiores em pacientes com insuficiência renal (grau de recomendação A). 5. Pacientes queimados ou vítimas de trauma devem ter associados ao regime de TNE 0,3 a 0,5 g/kg/dia de glutamina suplementar divididos em 2 ou 3 doses.
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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REFERÊNCIAS 1. American Dietetic Association (ADA). Evidence analysis library. Critical illness. Disponível em: http://www.adaevidencelibrary.com/topic.cfm?cat=1031. Acesso em: 2012. 2. Baxter YC, Borghi RT. Nutrientes Imunomoduladores e suas aplicações. In: Silva SMCS, Mura JDP. Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia 2010; 1059-79. 3. Beale RJ, Bryg DJ, Bihari DJ. Immunonutrition in the critically ill: a systematic review of clinical outcome. Critical Care Med 1999; 27(12):2799-805. 4. Butterworth CE Jr. The Skeleton in the hospital closet. Nutrition 1994; 10(5):442. 5. Centre for Evidence-based Medicine (CEBM)/University of Oxford, 2011. 6. Committee to Advise Public Health Services on Clinical Practice Guidelines (Institute of Medicine). Clinical Practice Guidelines: Directions for a New Program. Washington: National Academies Press, 1990. 7. Consensus recommendations from the US summit on immune-enhancing enteral therapy. JPEN J Parenter Enteral Nutr 2001; 25:S61-3. 8. Correia MITD, Caiaffa WT, Waitzberg DL. Inquérito brasileiro de avaliação nutricional hospitalar (IBRANUTRI): Metodologia do estudo multicêntrico. Rev Bras Nutr Clin 1998; 13(1):30-40. 9. Dhaliwal R, Madden SM, Cahill N, Jeejeebhoy K, Kutsogiannis J, Muscedere J et al. Guidelines, guidelines, guidelines: what are we to do with all of these North American guidelines? JPEN J Parenter Enteral Nutr 2010; 34(6):625-43. 10. Doig GS, Simpson F, Finfer S, Delaney A, Davies AR, Mitchell L et al.; Nutrition Guidelines Investigators of the ANZICS Clinical Trials Group. Effect of evidence-based feeding guidelines on mortality of critically ill adults: a cluster randomized controlled trial. JAMA 2008; 300(23):2731-41. 11. Gottschlich MM, Fuhrman MP, Hammond KA, Holcombe BJ, Seidner DL. The science and practice of nutrition support: A case-based core curriculum. American Society for Parenteral & Enteral Nutrition (ASPEN). Dubuque: Kent/Huntpublishing, 2001. 12. Heyland DK, Dhaliwal R, Drover JW, Gramlich L, Dodek P; Canadian Critical Care Clinical Practice Guidelines Committee. Canadian clinical practice guidelines for nutrition support in mechanically ventilated, critically ill adult patients. JPEN J Parenter Enteral Nutr 2003; 27(5):355-73. 13. Magnoni D, Cukier C. Perguntas e respostas em nutrição clínica. São Paulo: Roca, 2001. 14. McClave SA, Martindale RG, Vanek VW, McCarthy M, Roberts P, Taylor B et al.; ASPEN. Board of Directors; American College of Critical Care Medicine; Society of Critical Care Medicine. Guidelines for the provision and assessment of nutrition support therapy in the adult critically Ill patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN). JPEN J Parenter Enteral Nutr 2009; 33:277-316. 15. Nunes ALB, Koterba E, Alves VGF, Abrahão V, Correia MITD. Terapia nutricional no paciente grave. In: Projeto Diretrizes, volume IX. Associação Médica Brasileira. Conselho Federal de Medicina 2011; 309-24.
561 NUTRIÇÃO ENTERAL
16. Tirapegui J. Nutrição – fundamentos e aspectos atuais. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2006. 17. Waitzberg DL. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 4.ed. São Paulo: Atheneu, 2009.
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CAPÍTULO
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Nutrição parenteral
JÚLIO CÉSAR MARTINS MONTE M AY U M I S H I M A
INTRODUÇÃO Em nutrição parenteral (NP), uma solução estéril de nutrientes é infundida via intravenosa, por meio de um acesso venoso periférico ou central, de modo que o trato digestivo é completamente excluído no processo.
TIPOS Nutrição parenteral periférica Nutrição parenteral periférica (NPP) é um meio de terapia nutricional em que uma solução parenteral é administrada diretamente em uma veia periférica. É usualmente indicada para períodos curtos (7 a 10 dias) porque, em geral, não atinge as necessidades nutricionais do paciente. O valor energético alcançado costuma ficar em torno de 1.000 a 1.500 kcal/dia. A osmolaridade da NPP deve ser menor que 900 mOsm/L, para evitar flebite.
Nutrição parenteral total Nutrição parenteral total (NPT) é um meio de terapia nutricional em que uma solução parenteral é administrada diretamente em uma veia central (em geral, veia cava superior). É indicada para uso superior a 7 a 10 dias e oferece aporte energético e proteico
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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total a um paciente que não possa tolerar ingestão via oral ou enteral. A osmolaridade da NPT é geralmente superior a 1.000 mOsm/L.
INDICAÇÕES Em geral, a NP é indicada se o trato digestivo não funciona, está obstruído ou inacessível, e antecipa-se que essa condição continuará por pelo menos 7 dias. Durante a avaliação nutricional e clínica, alguns fatores precisam ser considerados na decisão de utilizar NP, incluindo: s s s s
antecipar a duração da terapia; necessidade energética e proteica; limitação de infusão hídrica; acesso venoso disponível.
Indicações específicas s Vômitos intratáveis: pancreatite aguda, hiperêmese gravídica, quimioterapia; s diarreia grave: doença inflamatória intestinal, síndrome da má-absorção, doença do enxerto contra o hospedeiro, síndrome do intestino curto, enterite actínica; s mucosite e esofagite: quimioterapia, doença do enxerto contra o hospedeiro; s íleo: grandes cirurgias abdominais, trauma grave, quando não se pode usar uma jejunostomia por pelo menos 7 dias; s obstrução: neoplasias, aderências, etc.; s repouso intestinal: fístulas enteroentéricas e/ou enterocutâneas; s pré-operatório: somente em casos de desnutrição grave nos quais a cirurgia não possa ser adiada.
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A escolha e o cuidado adequados com a via de acesso venoso são fundamentais para minimizar eventos adversos e garantir o sucesso da terapia de NP. O tipo e o local de acesso têm relação com o volume, a composição e a concentração da solução utilizada, além do tempo previsto para a terapia. As condições clínicas do paciente, como a história de acesso vascular, a anatomia venosa e o estado de coagulação, determinam a escolha do acesso venoso; assim como a natureza da terapia, o local do seu emprego (institucionalizado ou domiciliar) e o período de utilização. A NP de curta duração é definida como aquela que ocorre por até 15 dias. Em período superior a este, é considerada de longa duração, sendo indicado o cateter central.
CONTRAINDICAÇÕES A NP é contraindicada em pacientes hemodinamicamente instáveis, incluindo aqueles com hipovolemia, choque cardiogênico ou séptico, edema agudo de pulmão, anúria sem diálise ou que apresentam graves distúrbios metabólicos e eletrolíticos.
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Os cateteres devem dirigir-se para a veia cava superior ou inferior e ser bem documentados por radiografias antes de serem utilizados. Essa via permite diluição de soluções hiperosmolares, em decorrência do alto fluxo sanguíneo. Cateteres de duplo e triplo lúmen podem ser utilizados se uma via for destinada exclusivamente para NP. Contudo, cateteres multilúmens apresentam maior taxa de infecção do que com um único lúmen. Cateter de artéria pulmonar (Swan-Ganz) não deve ser usado para infusão de NP. O cateter de NP não deve ser utilizado para monitorar PVC, infusão de hemocomponentes ou uso de drogas vasoativas.
NUTRIÇÃO PARENTERAL
CATETERES Cateter venoso central
Tipos de cateter s s
Curta permanência; longa permanência (tunelados).
Sítios de inserção As duas veias mais utilizadas para acesso venoso central são a veia subclávia e a veia jugular interna. Esses dois sítios apresentam risco de inserção relativamente baixo. Há também o acesso femoral, porém esse sítio apresenta uma taxa de complicação infecciosa superior à dos anteriores pela proximidade com áreas potencialmente contaminadas. A ordem preferencial de escolha é: subclávia, jugular e femoral. A veia subclávia permite maior conforto à mobilização do paciente e menor índice de infecção. Os principais sítios disponíveis para NP são: s s s s
veia subclávia; veia jugular interna; veia axilar (pediatria); veia femoral.
Cateteres confeccionados com materiais de silicone e poliuretano, biocompatíveis, conferem maior durabilidade, menor trauma e menos riscos para o paciente.
COMPONENTES DAS SOLUÇÕES DE NUTRIÇÃO PARENTERAL Glicose Historicamente, várias fontes de carboidrato foram propostas para utilização na NP, como glicerol, xilitol, sorbitol e frutose. Todavia, a glicose monoidratada é a que apresenta maior interesse prático na atualidade. Sua presença é essencial nas formulações parenterais, pois ocupa posição central no metabolismo energético do organismo, exerce efeito poupador de nitrogênio e é fundamental no metabolismo de alguns tecidos, como sistema nervoso central, leucócitos, hemácias e medula renal. As soluções de glicose encontram-se disponíveis em ampolas plásticas de 10 mL, em frascos ou bolsas plásticas de 100 mL, 250 mL, 500 mL, 1.000 mL e 2.000 mL, com pH
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GUIA DE NUTRIÇÃO CLÍNICA NO ADULTO
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em torno de 3, em concentrações que variam de 5 a 70%. Cada grama de glicose monoidratada fornece 3,4 kcal. A máxima concentração de glicose que pode ser administrada perifericamente é 10%; por via central, a máxima concentração é 35%. A quantidade mínima de glicose/dia requerida é 200 g, principalmente para o cérebro. A máxima taxa de oxidação de glicose é 5 mg/kg/minuto no paciente estável e 3 mg/kg/minuto no paciente grave, taxas limítrofes para a oxidação plena no organismo.
Aminoácidos As soluções-padrão de proteína comercialmente disponíveis são constituídas por aminoácidos cristalinos essenciais e não essenciais, em concentrações que variam de 6,7 a 15%, disponíveis em frascos de 50, 100, 250 e 1.000 mL e têm como características físico-químicas pH de 5,5 a 6,5 e osmolaridade em torno de 900 mOsm/L. As fórmulas disponíveis buscam composições que tenham aminoacidograma semelhante a proteínas de alto valor biológico. Cada grama de aminoácidos oxidados para energia fornece aproximadamente 4 kcal. Existem formulações específicas dirigidas a situações especiais de disfunção orgânica, como para hepatopatas e nefropatas, ricas em aminoácidos ramificados e aminoácidos essenciais, respectivamente.
Emulsão lipídica
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As emulsões lipídicas (EL) são isotônicas e podem ser administradas por veia periférica. Elas são uma importante fonte de energia, especialmente se usadas em NPP. São utilizadas como fonte de energia (20 a 35% do valor energético total) e para prevenir deficiência de ácidos graxos essenciais (2 a 4% do valor energético total como ácido linoleico). Diferente do óleo comum, que fornece 9 kcal/g, as EL a 10 e 20% fornecem 1,1 kcal/mL e 2 kcal/mL, respectivamente. A taxa de infusão deve ser de até 100 mL/hora para emulsões a 10% e de 50 mL/hora para emulsões a 20%, a fim de prevenir sobrecarga do sistema reticuloendotelial. Não se recomenda infusão superior a 2 g/kg/dia (administra-se geralmente 1 g/kg/ dia) para evitar sobrecarga de gordura, a qual é caracterizada por hepatomegalia, icterícia e plaquetopenia. O uso de emulsões lipídicas com triglicérides de cadeia média (TCM) associadas a triglicérides de cadeia longa (TCL) pode ser vantajoso para diminuir a incidência de alterações nas enzimas hepáticas e obter melhor utilização, uma vez que os TCM não dependem de carnitina para seu metabolismo. Mantém-se também a razão lipoproteínas de alta densidade/ baixa densidade (HDL/LDL), não observada em emulsões exclusivas com TCL. A utilização de EL endovenosa teve início entre os anos 1946 e 1960, quando se utilizou uma EL à base de óleo de caroço de algodão conhecida como Lipomul® com o intuito de corrigir as deficiências de ácidos graxos essenciais (AGE). Por causa de reações adversas associadas à utilização dessa EL, seu uso foi descontinuado. Nos meados de 1970, uma EL à base de óleo de soja foi desenvolvida e não apresentou os efeitos adversos
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anteriormente observados com o Lipomul®, sendo aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA) como Intralipid®. Os produtos comercialmente disponíveis são fabricados em concentrações de 10 a 30% (sendo a EL a 30% indicada somente para fins de composição farmacêutica), em frascos de vidro de 50, 100 e 500 mL, com pH variando de 6,5 a 8,8 e osmolaridade em torno de 273 mOsm/L. São compostos de água, triglicérides, emulsificante e um agente hipertonizante, geralmente o glicerol. Os triglicérides podem ser constituídos de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, linolênico e linoleico (caso dos óleos de peixe e de soja); ácidos graxos monoinsaturados de cadeia longa (óleo de oliva); e ácidos graxos saturados de cadeia média (óleo de coco), em proporções variadas.
Tipos de emulsão lipídica 1. Lipídios de primeira geração: s EL a 10% (TCL): composta por óleo de soja (100%); s EL a 20% (TCL): composta por óleo de soja (100%); s EL a 20% (TCL): composta por óleo de oliva (20%) e óleo de soja (80%). 2. Lipídios de segunda geração: s EL a 10% (TCL/TCM): composta por óleo de soja (50%) e óleo de coco (50%); s EL a 20% (TCL/TCM): composta por óleo de soja (50%) e óleo de coco (50%). 3. Lipídios de terceira geração: EL a 20% (TCL/TCM): composta por óleo de soja (40%), óleo de coco (40%) e óleo de oliva (20%). 4. Lipídios de quarta geração: EL a 20% (TCL/TCM): composta por óleo de soja (30%), óleo de coco (30%), óleo de oliva (25%) e óleo de peixe (15%).
Recomendação de energia nos pacientes adultos A calorimetria indireta é considerada o método ideal para determinar a necessidade energética. A necessidade energética do paciente adulto é de 25 a 35 kcal/kg/dia, quando não existe enfermidade grave ou risco de síndrome de realimentação. Em situação grave, é de 20 a 25 kcal/kg/dia. Além do cálculo de quilocalorias por quilograma de peso, a equação de Mifflin-St é recomendada para estimar o gasto energético total (GET) de indivíduos não obesos e obesos, apresentando acurácia de 82% em indivíduos não obesos e de 70% em obesos. A equação de Mifflin-St é calculada por: Homens: GEB = 10 × peso (kg) + 6,25 × altura (cm) − 5 × idade (anos) + 5 Mulheres: GEB = 10 × peso (kg) + 6,25 × altura (cm) − 5 × idade (anos) − 161 Para pacientes em estado grave, várias equações preditivas do GET foram validadas, como a de Ireton-Jones: Paciente em respiração espontânea: GET = 629 − 11(I) + 25 (peso atual) − 609 (O) Paciente dependente de ventilação: GET = 1784 −11(I) + 5 (peso atual) + 244 (S) + 239 (T) + 804 (Q)
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Em que: I = idade (anos); O = obesidade (ausente = 0; presente = 1); S = sexo (masculino = 1; feminino = 0); Q = queimadura (ausente = 0; presente = 1).
Recomendação de carboidrato Os carboidratos são as principais fontes de energia e equivalem a 50 a 60% do valor energético total (VET) da dieta. É recomendado o máximo de 7 mg/kg/minuto de carboidratos para minimizar complicações metabólicas, como a hiperglicemia, as anormalidades no metabolismo hepático e o aumento do trabalho ventilatório.
Recomendação de proteína A recomendação de proteína entre 10 e 15% do VET da dieta para indivíduos saudáveis segue as recomendações das dietary reference intakes (DRI) e da American Dietetic Association (ADA). Uma oferta de 0,85 a 1,1 g/kg/dia de proteína possibilita alcançar balanço nitrogenado positivo para a maioria dos indivíduos saudáveis. Para pacientes enfermos e em condições especiais, as necessidades proteicas podem variar significativamente. Para pacientes sem estresse metabólico ou falência de órgãos, a recomendação de proteínas é de 10 a 15% do VET da dieta, ou 0,8 a 1 g/kg/dia; para pacientes com estresse metabólico, a recomendação de proteína é de 1 a 2 g/kg/dia, dependendo da condição clínica. A relação de calorias não proteicas por grama de nitrogênio suficiente para otimizar a utilização de proteína pelo organismo, não permitindo que esta seja utilizada como fonte calórica, é de 120 a 150:1 para uma pessoa saudável; de 200 a 220:1 para pacientes com insuficiência renal; e de 80 a 90:1 para pacientes em estado grave ou hipercatabólicos.
Recomendação de lipídios
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Em condições normais, a recomendação de lipídios é de 20 a 35% do VET, baseada nas evidências coletadas para o estabelecimento das DRI. Em NP, os lipídios são importantes como fonte de ácidos graxos essenciais, são concentrados em energia e servem como transportadores de vitaminas lipossolúveis. Pacientes gravemente enfermos podem apresentar menor capacidade de utilização de carboidratos e usar os lipídios como preferência metabólica de energia. Além de suas ações nutritivas, os lipídios possuem, também, efeitos fisiológicos nas reações inflamatórias e imunológicas. A recomendação de lipídios é de 20 a 35% do VET da dieta, não devendo ultrapassar 2,5 g/kg/dia, para minimizar o risco de complicações metabólicas. Em pacientes em estado grave, a recomendação máxima de lipídios via venosa é de 1 g/kg/dia. A ingestão adequada de ácidos graxos linoleico é de 10 a 17 g/dia (2 a 4% do VET), e de alfalinolênico é de 0,9 a 1,6 g/dia (0,25 a 0,5% do VET).
Acetato e cloreto O farmacêutico deve balancear as concentrações de acetato e cloreto para evitar acidose metabólica hiperclorêmica (AMH) ou alcalose metabólica hipoclorêmica. Em pacientes com AMH, a concentração de acetato pode ser maximizada.
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s s s s s
relação molar entre Ca e P; formulação e concentração de aminoácidos: quanto menor a concentração de aminoácidos, menor a solubilidade Ca-P; concentração de glicose: quanto menor a concentração de dextrose, menor a solubilidade Ca-P; temperatura: menor solubilidade a altas temperaturas; ordem em que os componentes são adicionados: o cálcio deve ser adicionado por último.
NUTRIÇÃO PARENTERAL
Solubilidade cálcio-fósforo (Ca-P) A solubilidade Ca-P depende de vários fatores:
Aditivos s
s
Insulina: pode ser necessária em pacientes diabéticos ou intolerantes em razão da doença aguda (sépticos), geralmente se iniciando com uma unidade de insulina regular para cada 10 g de glicose. Recomenda-se um protocolo para tratamento de hiperglicemia em pacientes com NP; heparina/hidrocortisona: 1.000 U de heparina ou 5 a 10 mg de hidrocortisona podem ser adicionados a cada litro de NPP para diminuir o risco de flebite.
MONITORAÇÃO Os seguintes parâmetros devem ser monitorados em pacientes com NP: s
s s
metabólicos: a princípio, deve-se monitorar diariamente. Uma vez que estejam estáveis, 1 ou 2 vezes/semana: sódio, potássio, cloro, ureia, glicemia, cálcio, magnésio, fósforo e hemograma. Outros parâmetros a serem avaliados semanalmente são: atividade de protrombina, triglicérides, bilirrubinas, transaminases e fosfatase alcalina; nutricionais: avaliação diária do peso. Albumina e/ou pré-albumina podem ser solicitadas semanalmente; infecção: vigilância em pacientes febris com cateteres centrais que recebem NP. Hemoculturas do cateter e sistêmica podem ser necessárias. Deve-se avaliar diariamente o local de inserção quanto à presença de sinais inflamatórios e infecciosos.
COMPLICAÇÕES DA NUTRIÇÃO PARENTERAL As seguintes complicações podem surgir quando a NP é administrada: s s s
mecânicas (relacionadas à inserção do cateter): incluem pneumotórax, hidrotórax e lesão vascular. É imperativo o controle radiológico antes de infundir a NP; infecciosas: sepses relacionadas ao cateter são causadas por fungos (Candida), estafilococos ou germes Gram-negativos; metabólicas: estão relacionadas ao tipo e à quantidade dos macro e micronutrientes que constituem a solução. A infusão dos componentes diretamente na corrente
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sanguínea minimiza ou mesmo elimina a estimulação secretória pelo alimento na luz intestinal, ocasionando modificações estruturais e funcionais no tubo digestivo e alterações em vários hormônios, principalmente a insulina. As principais complicações são alteração da glicemia, do fósforo e do magnésio e hipercapnia.
Hiperglicemia Há dois problemas relacionados à hiperglicemia: um é imediato e o outro é tardio. A complicação imediata é desidratação hiperosmolar e coma secundários à diurese osmótica. Se o paciente é diabético, a solução parenteral pode ser alterada pela adição de insulina regular em quantidades suficientes para manter uma glicemia inferior a 200 mg/dL. Se o nível sérico de glicose é persistentemente superior a 200 mg/dL, há compromisso do sistema imune com aumento da suscetibilidade à infecção, em especial por Candida. Entre os pacientes particularmente suscetíveis à hiperglicemia, incluem-se diabéticos, sépticos e aqueles que utilizam drogas hiperglicemiantes (como corticosteroides). A seguir, é apresentada uma sugestão de como abordar esses pacientes de risco que recebem NP. Inicialmente, é preciso avaliar alguns aspectos no controle da glicemia: s s s
valor energético total prescrito: manter entre 25 e 30 kcal/kg/dia; taxa de infusão de glicose: limitar uma taxa de infusão de 3 a 5 mg/kg/minuto; porcentagem de macronutrientes em relação às calorias não proteicas: talvez seja necessário aumentar a porcentagem de energia proveniente de lipídios de 30 para 40% do total; s uso de insulina previamente ao início da NP: adicionar à NP 50% da quantidade de insulina administrada nas últimas 24 horas; s quando a quantidade de insulina adicionada à NP ultrapassar de 30 a 40 U/L, considerar o uso de insulina (paralelamente) com bomba de infusão contínua.
Hipoglicemia
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Nos pacientes em uso de NP, a secreção de insulina está aumentada cerca de 6 vezes em relação aos níveis basais. Na suspensão súbita da infusão de glicose, a concentração ainda elevada de insulina circulante pode provocar um quadro de hipoglicemia reativa, resultando em sintomas como cefaleia occipital, sensação de frio, sede, taquicardia, parestesia, ansiedade, convulsão e, eventualmente, coma. A hipoglicemia pode surgir precocemente, em 30 minutos ou nas primeiras 8 horas após a suspensão da NP. O tratamento consiste na administração de solução glicosada até o desaparecimento dos sintomas. No desmame da NP, a hipoglicemia pode ser evitada com a diminuição gradual da velocidade de infusão, ou com uso de solução glicosada a 10% durante, pelo menos, oito horas, tempo necessário para diminuição dos níveis plasmáticos de insulina até níveis normais.
Balanço acidobásico Deve ser feito sempre que houver uma correção eletrolítica a ser feita na NP, como aumentar ou retirar sódio e/ou potássio da formulação, checar o cloro e o bicarbonato
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séricos para saber como adicionar os cátions à NP, ou seja, na forma de acetato ou cloreto. Por exemplo, se todos os cátions da NP forem adicionados na forma de cloreto, o frasco irá conter uma solução de aminoácidos em um ambiente rico em cloro, podendo causar ou agravar um estado de acidose metabólica do paciente. Nunca se deve utilizar bicarbonato de sódio em NP, em virtude do risco de precipitação com cálcio e liberação de microbolhas de dióxido de carbono. Acidose respiratória pode ser secundária à sobrecarga de carboidratos. Toda oferta em excesso é estocada como gordura. Esse processo metabólico produz muito dióxido de carbono e o paciente acaba desenvolvendo acidose respiratória. Portanto, o controle adequado da oferta de carboidratos é importante particularmente na programação de “desmame” do paciente em ventilação mecânica.
Hipertrigliceridemia A hipertrigliceridemia tem como principais causas a dose diária total de lipídios infundida e a velocidade de infusão. Especificamente, o agente emulsificante fosfolipídio tem sido implicado no desenvolvimento de níveis elevados de triglicérides no plasma, por interferir nas ações da lipase lipoproteica. Algumas medidas que podem contribuir para a diminuição dos triglicérides plasmáticos incluem: diminuir a quantidade de lipídio na formulação e diminuir a velocidade de infusão.
Disfunção hepática Praticamente todo paciente que recebe NP apresenta, após 6 semanas, moderada elevação das enzimas hepáticas. A contínua oferta de carboidratos e persistente hiperinsulinemia levam à esteatose hepática. Esse risco pode ser minimizado administrando-se a NP de forma cíclica, de modo que haja um período de jejum no qual os níveis de insulina diminuem e os de glucagon aumentem, mobilizando, assim, os estoques de gordura. Emulsões lipídicas ofertadas em excesso podem sobrecarregar o sistema retículo endotelial, comprometendo o sistema imune. Pacientes com NP exclusiva diminuem a produção de colecistoquinina com perda da estimulação biliar. A consequência é colestase. Esse problema pode ser minimizado com a manutenção da via enteral ativa, mesmo que em pequenas quantidades.
Síndrome da realimentação Durante o jejum prolongado, o organismo adapta-se a usar menos o metabolismo dos carboidratos e mais o de gorduras. Com o início da NP, ocorre uma rápida passagem de líquidos e eletrólitos (em particular fósforo e potássio) para o intracelular, com queda nos níveis séricos. A consequência dessa hipofosfatemia e hipopotassemia é um quadro de insuficiência respiratória e disfunção cardíaca observada nas primeiras 24 a 48 horas após iniciada a NP. Recomenda-se que em pacientes gravemente desnutridos a NP seja iniciada de forma lenta (25 mL/h) e os eletrólitos sejam monitorados periodicamente nas primeiras 48 horas.
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REFERÊNCIAS 1. Calixto-Lima L, Abrahão V, Auad GRV, Coelho SC, Gonzalez MC, Silva RLS. Manual de nutrição parenteral. Rio de Janeiro: Rubio, 2010. 2. Ciosak SI, Matsuba CST, Silva MLT, Serpa LF, Poltronieri MJ. Acessos para terapia de nutrição parenteral e enteral. Projetos diretrizes. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. 2012. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/9_volume/acessos_para_ terapia_de_nutricao_parenteral_e enteral.pdf. Acessado em: 5 jul 2012. 3. Coppini LZ, Sampaio H, Marco D, Martini C. Recomendações nutricionais para adultos em terapia nutricional enteral e parenteral. Projetos diretrizes. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. 2012. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/9_ volume/recomendacoes_nutricionais_de_adultos_em_terapia nutricional_enteral_e_parenteral.pdf. Acessado em: 5 jul 2012. 4. Shikora SA, George L. Blackburn GL. Nutrition support: theory and therapeutics. New York: Chapman & Hall, 1997. 5. Waitzberg DL. Nutrição parenteral total – nutrição enteral e parenteral na prática clínica. 3.ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
Índice remissivo
A açafrão 104 acceptable macronutrient distribution range (AMDR) 12 acidente vascular encefálico 500 acidobásico 570 ácido(s) docosa-hexaenoico (DHA) 549 fólico 522 linoleico 16 oleico 238 pantotênico 23 graxos 102 da série ômega-3 549 de cadeia curta 472 insaturados 16 monoinsaturados 238 ômega-3 443
saturados 16 trans 15, 238 aconselhamento 151 açúcares 84 adequação aparente 68, 72 do peso 113 do peso 112 adequate intake (CAI) 4 adolescentes 163 adultos 164 água 28, 54,85 alanina aminotransferase 431 albumina 127, 259 alérgenos 476 alho 106 alimentação 330 alimento 49 ambientais 329
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aminoácidos 13, 237, 566 de cadeia ramificada 446, 497 amônia 423 anorexia nervosa 455, 456 antioxidantes 349 apneia 198 hipopneia do sono obstrutiva 381 área de gordura do braço 116 muscular do braço 116 arginina 497, 549, 553 aspartato aminotransferase 431 astrócitos 424 aterosclerose 177 avaliação antropométrica 121 dietética 66 global subjetiva 135 nutricional 201, 280 na DRC 257
B balanço energético 61 nitrogenado 129, 282 benignos 332, 333 berinjela 107 biguanidas 230 bioimpedância elétrica 124 biotina 23 bulimia nervosa 455, 457
C cálcio 24, 273, 284 e magnésio 410 caloria 46 calorimetria 52 câncer 329 caquexia 339, 377 carboidrato(s) 15, 65, 236, 277, 290, 369, 409, 537, 568 catabolismo proteico 489 na DRC 257 cateteres 565 células
beta 216 de Kuppfer 413 chocolate 397 circunferência da cintura 119, 191 do braço 115 do pescoço 194 do quadril 120 muscular do braço 116 cirurgia bariátrica 209 citocinas 338, 339, 484 classificação funcional da insuficiência cardíaca (NYHA) 407 prognóstica da insuficiência cardíaca 407 cobre 27 colesterol 17, 33, 96, 392 colina 23 coma 221 compleição física 188 complemento 486 comportamento alimentar 156 compostos fenólicos 102 compulsão alimentar periódica 455, 458 constipação intestinal 313 consumo alimentar 64 contagem de carboidratos 236, 242 total de linfócitos 129 conteúdo energético 49 controle glicêmico 224 crianças 161 cromo 28
D desnutrição 339 energético-proteica 134, 256, 274, 281 diabete melito 253, 521 tipo 2 175 diâmetro abdominal sagital 120 diarreia 317, 547 dieta de eliminação 476 de exclusão 476 enteral 283 imunomoduladora 349
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E educação alimentar 152, 154 efeito térmico da atividade física 51 dos alimentos 51 eicosanoides 486 encefalopatia 422 energia 46, 47, 55, 60, 64, 235, 264, 267, 279, 567 enteropatia da Aids 364 equivalente proteico do aparecimento de nitrogênio (PNA) 259 esofagite 301 estatinas 521 estatura 114, 189 esteatose hepática 417 esteróis 238 exame físico 136, 461 exercício(s) aeróbico 176, 180 físico 174, 175, 176, 178, 245 resistidos 180
F fármaco(s) 361, 507, 508, 509, 510 fatores de risco 329 genéticos 329 ferro 24, 273 fibra(s) 18, 33, 237, 369 alimentar 92, 93, 94, 99 dietética 17 funcional 17
insolúvel 18 solúvel 17 fisiopatologia 303 fitosteróis 396 flúor 27 folato 22 força de preensão manual 124 fósforo 24, 271 fruta 82 frutose 234
G gasto energético 50, 338, 481 gastrite(s) 303, 305 gastrostomia 532, 533 gengibre 107 gestação 11, 219 gestantes 10, 246 glicemia 221 média 226 gliconeogênese 482 glicose 565 glicotoxicidade 219 glitazonas 230 glutamina 351, 491, 496, 549, 552 gordura(s) 65 animal 83 corporal 118, 191 monoinstauradas 393 poli-insaturadas 393 saturadas 392 trans 393 visceral 191 Guia Alimentar para a População Brasileira 78, 79
H hematopoéticas 335 hemoglobina glicada 220 hiperamonemia 423 hipercalemia 547 hiperglicemia 488, 547, 570 hipermetabolismo 377, 488 hipertensão 176 arterial 197, 253, 398 hipertrigliceridemia 397, 571 hipoalbuminemia 256 hipofosfatemia 547
ÍNDICE REMISSIVO
dietary reference intakes (DRI) 4 disfagia 297 dislipidemia 175, 197, 360 distribuição regional 191 doença(s) coronarianas 177 hepática crônica 415 gordurosa não alcoólica 176, 198 inflamatória(s) intestinal(is) (DII) 306, 307 pulmonar 501 obstrutiva crônica 176, 375 renal crônica 179
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hipoglicemia 481, 570 hipolactasia 471 história dietética 133
de baixa densidade 389 de muito baixa densidade 389 L-ornitina e L-aspartato (LOLA) 447
I
M
idoso(s) 121, 166, 247 IL-1 485 IL-6 486 ilhotas pancreáticas 217 imagem corporal 465 índice creatinina-altura 126 de conicidade 192 de Maastricht (IM) 434 de massa corporal (IMC) 258, 378 e risco de comorbidades 190 magra 379 de risco nutricional 433 glicêmico 236 infarto agudo do miocárdio 404 ingestão alcoólica 240 insuficiência cardíaca 406 crônica 178 insulina(s) 175, 227, 228, 229 interação 361 intragástrica 532 iodo 27
magnésio 24 manganês 28 mediadores humorais 484 metabolismo basal 59 energético 427 proteico 427 metformina 522 micronutrientes 427 minerais 24 molibdênio 28 mudanças de comportamento 153
J jejum 481 jejunostomia 533
L lactação 11 lactase 473 lactose 471 leguminosas 83 leite 82 lesão renal aguda (LRA) 281 linhaça 104 lipídios 15, 278, 368, 409, 537, 568 lipodistrofia 360 lipoproteína (a) [Lp(a)] 389 de alta densidade (HDL) 389
N necessidade(s) de aminoácidos 14 de energia 58 de fibra 18 de micronutrientes 439 energéticas 438 estimada de energia 56 nutricional(is) 3, 235 proteica 496 niacina 22 nonalcoholic steatohepatitis (NASH) 420 nucleotídeos 549, 554 nutrição parenteral 283 total 310 nutrientes 361, 515
O obesidade 173 abdominal 192 ômega-3 555 ômega-6 16 ômega-9 16 orlistate 520 osmolalidade 539 osteopenia 361 oxalato 285
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pancreatite(s) 318, 502 parâmetros antropométricos 461 parenteral 499 perda de peso 113 perioperatório 502 peso ideal ou desejável 112 planejamento 64 dietético 66 plano alimentar DASH 400 platelet activating factor (PAF) 485 pneumonia aspirativa 547 poli-insaturados 16 pós-pilórica 532 potássio 31, 268, 410 pré-albumina 128, 259 prebióticos 92,93, 97, 315, 316, 475 pregas cutâneas 117, 123 pré, pró e simbióticos 448 prescrição do exercício 178 probióticos 92, 93, 100, 315, 316, 475 progressão 254 proteína(s) 7, 65, 261, 267, 278, 279, 290, 367, 410, 445, 536, 568 -C reativa 485 na dieta 9 plasmáticas 125 transportadora de retinol 128 proteólise 338
Q qualidade da proteína 13 queimadura 500 questionário de frequência alimentar 132 quilomícrons 388 quimioterapia 335
R radioterapia 335 razão cintura-quadril 119 receptores 483 recomendação(ões) 18, 99, 330 de aminoácidos 14 de energia 367 de proteína 261 dietéticas 305
energéticas 467 hídricas 346 nutricionais 3, 342, 343 na esofagite 302 Recommended Dietary Allowances (RDA) 4 registro alimentar pesado 133 resistência 175 à insulina 196, 361 resposta metabólica 481 restrição proteica 262, 263 Riboflavina 21 Risco cardiovascular 196
S S-adenosil-metionina (SAMe) 443 sal 84 selênio 27 sepse 482 silimarina 444 síndrome consumptiva 357, 358 da realimentação 466 metabólica 199, 361 sódio 84, 270, 288, 410 e cloro 31 soja 105, 395, 441 sonda nasoenteral 532 suplementos alimentares 468
T taxa de metabolismo basal 50 de repouso 50 terapia nutricional 499 enteral 310, 468, 499 parenteral 499 testes cutâneos 129 tiamina 21 TNF-alfa 485 tolerable upper intake level (UL) 4 tolerância à glicose 221 transferrina 127, 259 transplante de células-tronco 335 reverso de colesterol 390
ÍNDICE REMISSIVO
P
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triglicérides de cadeia longa 566 média 566 tumores 332, 333 benignos 332, 333 malignos 332, 333
U úlceras 303, 305
V vegetal 83 vitamina(s) 19, 33, 274, 520 A 19, 520 B6 22 B12 522 B12 23 C 23, 289, 516 D 19, 520 E 21, 444 hidrossolúveis 21 K 21 lipossolúveis 19
X xerostomia 363
Z zinco 27
GuiaS de Medicina aMbulatorial e HoSpitalar da epM-unifeSp
NUTRIÇÃO
clínica no adulto 3a edição
Na prática médica, é essencial o uso de guias de consulta rápida e objetiva. Até há pouco tempo, estudantes de medicina, residentes e médicos só tinham à disposição guias da literatura médica internacio nal, muitas vezes não condizentes com a realidade brasileira. Visando a divulgar o conhecimento científico adequado à reali dade de nosso país e estimular uma educação médica continuada, a série Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar, escrita por renoma dos profissionais da EPMUnifesp, é indispensável para o ensino, a prática médica e a pesquisa brasileira. Esta série, de elevado padrão médico, reúne guias de: u adolescência u alergia, imunologia e reumatologia em pediatria 2a edição u anestesiologia e medicina intensiva u cardiologia 2a edição u cirurgia pediátrica u cirurgia plástica u clínica médica u coloproctologia u dermatologia u diagnóstico por imagem u dor 2a edição u economia e gestão em saúde u eletrocardiografia u endocrinologia u gastrocirurgia u gastroenterologia u genética médica u geriatria e gerontologia 2a edição u ginecologia u hematologia u hepatologia 2a edição u infectologia
u medicina de urgência 3a edição u medicina do esporte u medicina laboratorial 2a edição u nefrologia 3a edição u neurocirurgia u neurologia u nutrição clínica na infância e na adolescência u obstetrícia u oftalmologia u oncologia u ortopedia e traumatologia u otorrinolaringologia u pediatria u pequenas cirurgias u pneumologia u psiquiatria u qualidade de vida 2a edição u reabilitação u reumatologia 2a edição u transtornos alimentares e obesidade u trauma u urologia
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