PORQUE ESTUDAR FILOSOFIA - LUIZ FERNANDES TEIXEIRA

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Sumário Agradecimentos Prefácio 1. Nem mapa, nem território 2. O futuro da filosofia Conclusão Bibliografia Coleção Ficha Catalográfica

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Para Malu, Jujuba e Tâmara

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Agradecimentos À minha ex-aluna e amiga Suely Molina, pelas sugestões. Ao meu ex-aluno e amigo professor André Rehbein Sathler Guimarães, pelas críticas sempre construtivas. Ao meu amigo professor Gustavo Leal-Toledo, que generosamente leu e comentou a primeira versão deste livro. A Paula Felix Palma, pela revisão cuidadosa do texto. À minha esposa Malu.

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Pode um asno ser trágico? – Sucumbir sob um fardo que não se pode levar nem deitar fora?... É o caso do filósofo. Friedrich Nietzsche – Professor, por que existe o mundo e não apenas o nada? – Se existisse apenas o nada, vocês continuariam reclamando do mesmo jeito. Sidney Morgenbesser, em resposta a um de seus alunos de Filosofia da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos

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Prefácio A filosofia está morta. É com esta afirmação direta e arrasadora que Stephen Hawking, um dos maiores cientistas contemporâneos, inicia um de seus livros mais famosos, O Grande Projeto. Será que a filosofia acabou mesmo? E se acabou, por que isso aconteceu? Neste livro, examino essas questões e discuto por que ainda vale a pena estudar filosofia. Embora tenha sido escrito, inicialmente, para estudantes de Filosofia, procurei tornar sua linguagem acessível para o público geral. Como afirmou o célebre filósofo espanhol Ortega y Gasset: “a clareza é a cortesia do filósofo”. A filosofia sempre teve uma aura de inutilidade. Um provérbio italiano muito conhecido afirma: “A filosofia é uma coisa com a qual ou sem a qual tudo permanece igual”. Este é um dos piores preconceitos que confundem a percepção social da filosofia. Outro, talvez ainda pior, é a figura estereotipada do filósofo como o homem “desligado do mundo”, que passa seu tempo “viajando na maionese”. Certamente, a filosofia não tem uma utilidade imediata, como obturar um dente que dói ou obter um habeas corpus para um cliente preso por desviar dinheiro público. Mas isso não quer dizer que ela não sirva para nada. No século XX, a filosofia perdeu espaço para o marketing político e para as religiões tradicionais que ressurgiram vigorosamente e ocupam cada vez mais o espaço público. Elas se apresentam como alternativas às frustrações de uma tecnologia, que não cumpriu suas promessas libertadoras, e às decepções políticas, tanto as das democracias liberais como as do socialismo. O convencimento, por meio da propaganda política, da mídia religiosa e científica, se tornou uma tarefa prioritária em relação à busca pelo conhecimento. Se a filosofia não interessa, é porque a verdade também já não interessa mais. Mas por que será que, apesar de tantas forças opostas, a filosofia ainda fascina algumas pessoas? A filosofia não é mais um porto seguro, mas não é, tampouco, um continente de ideias esquecidas que merece ser visitado apenas por curiosidade. Muitas pessoas supõem que a ciência e a tecnologia, especialmente a física e a neurociência, engolirão a filosofia nas próximas décadas, sem saberem que, ao defender esse ponto de vista, estão implicitamente apoiando uma posição filosófica discutível. Certamente, muitas questões da filosofia contemporânea passaram a ser discutidas pelas ciências. Mas há outras, no campo da ética, da política e da religião, cuja discussão ainda engatinha e para as quais a ciência não tem, até agora, fornecido nenhuma solução. 7

A filosofia tem contra si o fato de ter se tornado uma carreira universitária. A partir da segunda metade do século XX, os filósofos tiveram de se tornar professores universitários para sobreviver. Com isso, a filosofia ficou confinada a clubes de comentaristas profissionais, nos quais pouco se pensa e pouco se privilegia o retorno às tradições ou a reescrever as filosofias do passado. Uma das reações a esse isolamento e ao discurso denso e esotérico dos filósofos profissionais foi o aparecimento dos filósofos midiáticos, que muitas vezes, apesar de limitados a comentários óbvios na televisão e na grande imprensa, conseguem cativar o público. Infelizmente, esses filósofos midiáticos, algemados pela exigência da simplificação, aumentam o risco de que as questões centrais e os temas da filosofia sejam apresentados de forma distorcida e, por isso, mal popularizados. Acredito que uma das melhores formas de reabilitar a filosofia é rir dela, ou seja, salpicar seu discurso enfadonho com anedotas. Aprendi isso em um curso que fiz com o filósofo americano Willard van Orman Quine, nos Estados Unidos. Na época, ele era um homem de 93 anos, frágil como Gandhi, mas com uma lucidez extraordinária. Como estava surdo, carregava um aparelho auditivo que rodeava uma de suas orelhas alongadas, típicas dos idosos, e ria disso. Será que a filosofia vai acabar? Apesar de vivermos em uma época na qual a reflexão não é bem-vinda e na qual prevalecem fundamentalismos religiosos e políticos, não acredito que a filosofia desaparecerá tão cedo. O que distingue os cientistas, os políticos e os sacerdotes dos filósofos é que eles não podem rir da ciência, da política ou da religião. É o riso que nos torna momentaneamente hereges, desafiando as autoridades e os preconceitos. Enquanto os filósofos puderem rir da própria filosofia, isso será suficiente para que ela continue a existir.

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Capítulo 1

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Nem mapa, nem território O que é filosofia? Do que ela trata? Por que estudá-la? Essas são questões inevitáveis com as quais se deparam os estudantes de Filosofia em alguma etapa de sua formação. São perguntas instigantes, e a falta de uma resposta para elas, como para qualquer problema filosófico, frequentemente frustra quem se dedica ao estudo dessa disciplina que, em alguns momentos, pode se tornar árida e desafiadora. Pessoas que nunca tiveram contato com a filosofia também costumam fazer essas perguntas a estudantes e professores de Filosofia. Algumas são motivadas por uma curiosidade autêntica, outras, que não são inteiramente leigas, as fazem em um tom debochado e até humilhante, apostando na grande dificuldade envolvida em responder a elas. Para muitas pessoas, a filosofia tem a aparência de um castelo de cartas que precisa se equilibrar no ar, sem nenhum apoio e que pode desmoronar ao mais leve toque. É difícil conceber um saber que tem de produzir a si mesmo, pois não parte nem de dados experimentais, como ocorre nas ciências, nem de postulados, como na matemática ou na geometria. A filosofia não torna ninguém milionário. Melhor sorte podem ter empresários ou artistas. Talvez por isso haja poucos profissionais dedicados à filosofia no mundo. Estima-se, atualmente, que sejam em torno de 25 mil. Desse total, quase metade reside nos Estados Unidos, o que contraria o preconceito habitual de que a reflexão é incompatível com uma cultura que privilegia a tecnologia, despreza o ócio e encoraja uma atitude pragmática diante da vida. Uma resposta para esse paradoxo é alegar que o que esses filósofos fazem não é filosofia. Ou, talvez, não seja boa filosofia, pois a temática que eles discutem se afasta da tradição histórica do pensamento, que, oficialmente, começou na Grécia Antiga e se desenvolveu, posteriormente, na Europa Ocidental. Outra resposta é afirmar que a filosofia floresce nas sociedades nas quais há abundância, pois filosofar é um artigo de luxo. Mas essa afirmação contradiz a história. A Europa Medieval era extremamente pobre e, no entanto, não foi um período estéril para o pensamento filosófico. A filosofia nem sempre acompanhou o florescimento das culturas. Descartes, um dos fundadores da filosofia moderna, publicou suas obras durante a Guerra dos Trinta Anos, um longo conflito que devastou a Europa política e economicamente. Marx passou grande parte da sua vida em Londres, que no século XIX era uma metrópole 10

cercada por favelas. Sempre muito pobre, vivia de pão e batatas. Os furúnculos, crônicos e incuráveis, não lhe permitiam permanecer sentado por muito tempo, tornando penosa sua atividade de pesquisador e de escritor. Filósofos do século XX enfrentaram perseguições políticas, dificuldades financeiras e tiveram de conviver com a barbárie e os desafios cotidianos de duas guerras mundiais. Não há dúvida de que os problemas tratados pelos filósofos medievais eram muito diferentes daqueles abordados na época moderna, e muito mais distantes ainda das preocupações filosóficas dos americanos do século XX e XXI. Contudo, dificilmente alguém discordaria de que todos eles compõem a história da filosofia. O que há de comum entre temas abordados por Platão, Descartes, Kant, Wittgenstein e Quine, apesar de seus estilos de fazer filosofia serem tão diversos? Voltamos, então, à questão inicial: O que é filosofia? Como demarcar um território próprio da filosofia se ela não pode ser definida? E como evitar tantos clichês e tabus? Definir a filosofia é uma tarefa filosófica e, por isso, qualquer tentativa nessa direção corre o risco de girar em círculos. Enfrentei esse problema em várias ocasiões, principalmente em cursos de Introdução à Filosofia para alunos de Engenharia. Nas primeiras aulas, ouvi repetidamente essa pergunta incômoda, mas sempre lhe respondi com honestidade, afirmando que até hoje não sabemos o que é filosofia e que para esta questão não há uma resposta nem unívoca nem definitiva. Certamente, isso não diminuía a irritação que ficava no ar. Como ensinar algo que não se sabe o que é? O mesmo ocorria quando me perguntavam: Mas, afinal, do que trata a filosofia? Podemos definir para ela um domínio próprio e uma agenda de temas permanente, como ocorre com as ciências? Eu era obrigado a responder que a filosofia não tem um objeto específico, que seus temas variam de acordo com os momentos da história da humanidade e com as preocupações dos filósofos. A filosofia já tratou da natureza da matéria, da existência de Deus, de problemas políticos, de angústias existenciais e até das implicações éticas da mudança climática. A filosofia é dissemelhança que não se deixa capturar sob o guarda-chuva de uma mesma palavra. Quando um filósofo expõe seu pensamento, ele também delineia, implicitamente, sua concepção de filosofia. Por isso, dificilmente poderemos identificar, na história da filosofia, um único fio condutor ou questões eternas, que transcendam a era na qual foram formuladas. A filosofia não se deixa unificar, nem condensar nas questões já banalizadas como: “O que somos?”, “De onde viemos?” ou “Para onde vamos?”, que são, frequentemente, respondidas pelo senso comum invocando versões populares da mecânica quântica, histórias simplistas sobre reencarnação e até peregrinações por roteiros sagrados. Identificar a filosofia com essas respostas 11

mistificadoras é deturpá-la e trivializá-la para que ela se encaixe na geleia geral da cultura de shopping center e das seções de “espiritualidade” das livrarias de aeroporto. Essas livrarias estão, em geral, repletas de livros com capas grandes e coloridas, a maioria sobre culinária. Há também os livros que nos dizem os cem filmes a que devemos assistir antes de morrer, os cem lugares mais bonitos do planeta que devemos visitar e também os cem livros que devemos ler antes de morrer. Mas por que a maioria dos livros é sobre culinária? Porque são livros de receitas. Queremos receitas para tudo. Uma receita é um algoritmo, é um processo passo a passo para chegar a um resultado final. Um exemplo típico de um procedimento algorítmico é pedir um sanduíche no McDonald’s. Os funcionários seguem um conjunto de instruções para preparar cada tipo de sanduíche em um processo que tem começo, meio e fim. O processo é eficiente, previsível, calculável e controlado. George Ritzer, o sociólogo americano inventor do termo “mcdonaldização”, acrescenta ainda uma característica fundamental às sociedades nas quais esse fenômeno predomina: a de empregar pessoas para tarefas que poderiam ser feitas por robôs. As sociedades “mcdonaldizadas” exaltam a cultura do algoritmo. Há algoritmos para o sucesso, para criar filhos e para ser feliz no casamento. Fórmulas para algoritmizar a vida são, hoje em dia, comercializadas na forma de pequenos cursos, em que os coachings oferecem soluções corporativas rápidas para encontrar a felicidade. A filosofia é o oposto da mentalidade algorítmica. Para fazer filosofia é preciso reverter o uso da razão, que quase sempre está dirigida para fins utilitários, e dar a ela liberdade para pensar sem nenhum objetivo preestabelecido. No entanto, essa afirmação ainda está longe de oferecer uma definição do que é a filosofia, pois, ao longo do tempo, os filósofos a definiram de formas muito diferentes e até antagônicas. Aristóteles a definiu como a ciência de todas as ciências, “a ciência da verdade”, que trata dos princípios fundamentais do conhecimento. Mas isso foi só o começo das peripécias pelas quais a filosofia passou através de vários séculos de existência. Na Idade Média, ela foi definida como faxineira da teologia. Questões como, por exemplo, a da ressurreição da carne de um missionário devorado por vários canibais ocuparam a teologia e a filosofia durante a Idade Média. Outras questões tortuosas ainda são enfrentadas pela teologia até hoje. Uma delas é saber se um extraterrestre poderia ser batizado. Na modernidade, a filosofia se aliou à ciência e forneceu os princípios fundamentais para o desenvolvimento do método científico, do qual surgiram a física, a química e, posteriormente, a biologia. No século XX a filosofia se aproximou mais ainda da ciência e tentou imitar seu rigor, refugiando-se sob a 12

lógica e sob a análise da linguagem. Na pós-modernidade, há vozes em coro que afirmam que a filosofia é um estilo literário em extinção. Bertrand Russell, um dos maiores filósofos britânicos do século XX, tentou definir a filosofia como uma interface entre a ciência e a religião. Nessa região intermediária há um conjunto de questões como: O que é a verdade? Haverá limites para o nosso conhecimento do universo? Serão cérebro (matéria) e mente a mesma coisa? O que significa agir de forma ética? Como poderíamos organizar as sociedades de forma a torná-las mais justas? Até hoje essas questões permanecem no limbo, isto é, sem ter uma resposta definitiva. No entanto, enumerar problemas que frequentemente aparecem como os principais temas dos manuais introdutórios pouco ajuda um leigo a compreender o que significa abordá-los sob um ponto de vista filosófico. Certamente, para entender o que é filosofia, não basta ler um livro introdutório. É difícil encontrar um bom manual de filosofia. Muitos deles pressupõem que compilar trechos de filósofos clássicos e complementá-los com alguns comentários é o melhor caminho para estudar filosofia. Nunca tive a percepção tão nítida da dificuldade de definir a filosofia como em uma viagem de ônibus que fiz, há dez anos, entre duas cidades do interior mineiro. Repentinamente, o ônibus parou. Havia uma caudalosa fila de veículos causada por um congestionamento na estrada. Depois de meia hora parados, sem saber exatamente o porquê, uma moça sentada ao meu lado puxou conversa. Em poucos minutos ela já havia perguntado a minha profissão, e descobriu que eu era professor de Filosofia. Ela disse, então, que era enfermeira e logo em seguida me perguntou: “Mas será que o senhor poderia me explicar, de uma forma simples, o que vem a ser filosofia?”. Percebi, então, que tinha cometido um descuido. Em pouco tempo, ela já estava falando de Deus, da alma, da imortalidade... A conversa logo se transformou em uma cena digna de um filme de Woody Allen. Afirmei, por fim, que nenhum filósofo sabe ao certo o que é filosofia. Ela me olhou com o canto dos olhos e, provavelmente, já devia estar pensando que eu não passava de um picareta. No imaginário popular existe um estereótipo do filósofo como uma pessoa ociosa e desleixada, que está sempre tratando de problemas que não têm solução. Por isso, a filosofia é inútil, é algo que não leva a nada, dizem os defensores dessa caricatura de filósofo. Pior ainda, a reflexão descompromissada é intolerável. Por que essas pessoas, por vezes tão talentosas, desperdiçam seu tempo em vez de usar sua inteligência para descobrir a cura do câncer? Ou do Alzheimer? Essas perguntas quase sempre são feitas para envergonhar os estudantes de Filosofia. Há um tom de repreensão e de desconfiança nas vozes daqueles que as formulam, uma invocação da imoralidade do desperdício contra a qual não 13

há argumentos. Esse raciocínio pode, contudo, levar a conclusões desconfortáveis. Nenhuma época favoreceu tanto o desperdício como a nossa. Ele é implicitamente valorizado como símbolo de uma ostentação da qual somente as nações desenvolvidas podem se orgulhar. Por que, então, recriminar o estudo da filosofia por ser, supostamente, um desperdício de tempo, talento e recursos materiais? É impossível provar que a filosofia é indispensável. Mas, da mesma forma, é também impossível justificar, moralmente, por que as fábricas de cerveja são indispensáveis. Que aconteceria se todas elas amanhecessem fechadas? Certamente, no telejornal matutino, haveria repórteres afirmando que as cervejarias movimentam bilhões por ano e geram milhões de empregos diretos e indiretos. Mas nada disso demonstra que necessitamos de cerveja para sobreviver. Em uma sociedade na qual só há duas opções, produzir ou consumir, a filosofia não pode ter lugar, pois ela não é um produto. A moda e a gastronomia podem ser consideradas inúteis, mas nunca serão tão rejeitadas como a filosofia, pois delas sempre é possível derivar algum tipo de produto. Não há itens filosóficos à venda ou exibidos em catálogos. Uma grife pode ser algo tão intangível como um conceito filosófico, mas ela nunca deixará de ser um produto para ser consumido. O pressuposto das críticas contra a utilidade da filosofia parece ser outro. A irritação em relação à reflexão sem utilidade imediata expressa o modo atual de estabelecer as prioridades. Somos todos coagidos a dar prioridade à ação em detrimento da reflexão. Até alguns filósofos caíram nessa armadilha. Basta lembrar um refrão filosófico marxista muito conhecido, que diz que os filósofos já perderam muito tempo interpretando o mundo e que, agora, é preciso transformá-lo. Em nome da prioridade da ação, somos convencidos diariamente a valorizar projetos que favoreçam recompensas a curto prazo. Como se diz por aí, matar um leão por dia — sem perceber, é claro, que com isso ficamos confinados a um cotidiano banal e cruel. Levamos uma vida miúda, que não nos permite enxergar para além dos pequenos afazeres e aborrecimentos diários. Aqueles que se dedicam com tanto afinco a descobrir a cura do câncer e do Alzheimer deveriam se questionar por que seus laboratórios recebem, atualmente, menos verbas do que a pesquisa para descobrir uma droga definitiva para tratamento da calvície que, se for bem-sucedida, trará, para seus fabricantes, lucros inimagináveis. Deveriam também questionar por que a pesquisa em cardiologia recebe pouco apoio até em países ricos como os Estados Unidos e que, no entanto, amargam 450 mil mortes anuais por cardiopatias. Mas os que defendem a prioridade da ação objetarão, novamente, 14

que esse tipo de consideração não leva a lugar algum e só ressalta o efeito paralisante da reflexão. No entanto, nem sempre a dúvida é paralisante, pois muitas vezes ela pode nos ajudar a resgatar nossa liberdade, ajudando-nos a ver que sempre há escolhas a serem feitas antes de agirmos. Nossos pesquisadores mais sérios deveriam perguntar por que homens como Sócrates, Galileu e Descartes foram perseguidos se, afinal, a filosofia é tão inócua. Por que ela incomodaria tanto? A ciência é um projeto filosófico. As ciências se originaram da filosofia. Elas nunca se separaram dela, embora nossos melhores manuais de história afirmem que a formação das disciplinas científicas coincide com sua independência em relação à filosofia. A ideia de aplicar a matemática para explicar e prever fenômenos naturais é uma hipótese metafísica. A física moderna se originou da hipótese filosófica formulada por Galileu, e que até hoje serve de fundamento para teorias físicas, como a da relatividade e a mecânica quântica. Ele afirmou que o livro da natureza está escrito em números e, a partir dessa hipótese, descobriu as equações que descrevem o movimento dos corpos e permitem calcular sua velocidade, tempo, distância e aceleração. Infelizmente, quando estudamos essas equações na escola secundária, a prioridade é decorá-las para resolver problemas nas provas de física. Raramente nos é explicado como Galileu chegou a elas. A ciência não nasceu pronta. Quando o método científico foi formulado, no século XVII, um de seus princípios fundamentais era o de que todas as afirmações da ciência sempre poderiam ser revisadas. Com isso, acabaria a crença na verdade imutável dos textos sagrados e a fé nas autoridades. Com isso também foi possível iniciar uma ciência da natureza que, por muito tempo, foi chamada de filosofia natural. O método científico também foi uma invenção filosófica. Até hoje, ele mantém o princípio de que os enunciados científicos só podem ser aceitos se forem confirmados pela experiência. Esse critério foi reafirmado e enfatizado, no século XX, pelo filósofo austríaco Karl Popper, que o chamou de “critério de falseabilidade”. Enunciados que não permitem um teste empírico para determinar sua verdade ou falsidade como os da teologia, da metafísica e até mesmo os da psicanálise, não podem ser considerados científicos. Eles são, no máximo, pseudocientíficos. Toda história da ciência, que se originou da física de Galileu, passando pela tecnologia até chegarmos à invenção da internet, teve como fundamento o método científico, essa hipótese metafísica fundamental que faz com que a filosofia esteja presente diariamente em nossas vidas. Mas não sabemos disso, ou talvez tenhamos optado por esquecer esse fato para poder continuar proclamando que a filosofia é inútil. 15

Tive um professor na pós-graduação que, quando lhe perguntaram se a filosofia servia para alguma coisa, respondeu, cinicamente, que ela não servia para nada, nem sequer para facilitar a compra de salsichas na mercearia da esquina. Anos mais tarde, enfrentei esse mesmo tipo de desafio quando um aluno me interrompeu gritando de forma agressiva: “Mas para que serve a filosofia, professor?”. Respondi apenas: “E sua vida, para o que serve a sua vida, rapaz?”. Ele me olhou fixamente, atônito. Por que existimos? E para quê? Nenhum de nós pôde evitar essa questão, sobretudo nos momentos em que a vida pareceu insuportável, nem naqueles nos quais, após longo sofrimento, tudo se passou como se fôssemos salvos, na última hora, por um milagre. A vida é um fato incontornável que não podemos explicar, e que sempre surge à nossa frente, mesmo que não queiramos aceitá-lo. Queremos saber se existe uma grande história e, se ela existir, como nos encaixamos nela. Mas parece que somos os degredados da natureza, o Dasein, palavra encontrada pelo filósofo alemão Martin Heidegger para designar o paradoxo da condição humana. Somos seres abruptamente jogados no mundo, sem possibilidade de descobrir a finalidade de nossa vida, se é que existe alguma. Será que somos apenas um pedaço de carne que, quando morre, desaparece definitivamente junto com tudo o que fizemos, pensamos e sofremos? Que posso fazer com minha vida? Por que tenho de vivê-la, apesar de ela ser um absurdo? A consciência nos dá a percepção inevitável de nosso desamparo, a sensação de que todos fomos abandonados por algum motivo que jamais conheceremos. Não sabemos sequer por que somos seres conscientes ou por que a consciência brotou em nós. Aliás, não sabemos sequer o que é a consciência, tampouco se nos sentiríamos menos angustiados se a ciência descobrisse suas bases neuroquímicas.

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A cilada da autoajuda Hoje em dia, há movimentos que pretendem reverter a aparente inutilidade da filosofia aproximando-a da autoajuda. Essa tendência, cada vez mais difundida, gera uma espécie de filosofia pop, voltada para aliviar a crueldade cotidiana que assola as pessoas de boa vontade. Ela também surge como reação à crença de que o mal-estar civilizatório pode ser tratado com medicações, ou seja, que até a náusea moral ou existencial poderia ser curada com um comprimido. Infelizmente, esse conforto químico, tão desejável, não está ao nosso alcance. A autoajuda serve para auxiliar os bons cidadãos, pais responsáveis que pagam seus impostos em dia, a entender como, apesar disso, o mundo acaba, quase sempre, desabando sobre eles. O leitor de autoajuda é o homem sem profundidades, o bom samaritano que não entende por que foi assaltado na esquina de sua casa quando, poucos minutos antes, assistira na TV que os números da criminalidade no seu bairro diminuíram. Não há nada mais desolador do que o sofrimento sem sentido, e esse é o caso do leitor de autoajuda. Para essas pessoas, a filosofia tem a função de uma consolação, de um bálsamo ou do lugar para recostar a cabeça, como o Evangelho. Para os defensores da autoajuda, a filosofia é uma ferramenta útil para aliviar as angústias, quase sempre por meio do esclarecimento das confusões conceituais que rondam o senso comum. É preciso esclarecer o que é o amor para que seja possível entender por que um casamento não deu certo, incentivar o perdão, a confiança ou descobrir por que o sucesso financeiro não estava ao seu alcance. A autoajuda filosófica seria um pouco menos frívola se pudesse pelo menos mostrar que o fracasso individual não é exceção e sim regra nas sociedades dominadas por empresários tubarões e políticos corruptos. A autoajuda filosófica pode ser arriscada. O esclarecimento nem sempre é uma rota de mão única para a felicidade. Para muitas pessoas, a filosofia aumenta o caos e pode até se tornar uma verdadeira chuva de granizo sobre suas vidas. Desde o início do século XX, escritores como Kafka e Camus revelaram que a vida é essencialmente absurda e que as fórmulas para produzir batalhões de depressivos sorridentes raramente são bem-sucedidas. O leitor de autoajuda não tem coragem suficiente para se deixar enlouquecer pelo absurdo. Uma alternativa à insanidade seria tentar rir das mazelas da vida, mas nem sempre isso é fácil. Lembrar-se de um passado trágico entre risos pode tornar as desgraças um pouco mais suportáveis. Rever sua história e rir dela é algo humano, demasiado humano.

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Os filósofos e o andarilho Além de desprezada, a filosofia pode também ser odiada. Em muitos contextos, a reflexão não é bem-vinda, pois ela se torna um incômodo que pode ameaçar a ordem estabelecida. O homem teórico é uma criatura malvista nas sociedades contemporâneas, o arqui-inimigo dos pragmáticos e dos utilitaristas. Ao questionar tudo, ele atrapalha a vida dos outros com suas dúvidas e com seus protestos inúteis que atrasam as filas. Desde a Antiguidade, os filósofos incomodam, pois desafiam as tentativas de monopolizar o pensamento. Basta lembrar a figura emblemática de Sócrates. O filósofo, descrito por Platão no diálogo Hípias Maior como um homem maleducado, grosseiro e sem nenhuma preocupação, exceto com a verdade, era um provocador. Ele testou os limites da tolerância dos cidadãos de Atenas e acabou sendo condenado à morte após um julgamento pífio. Quando foi preso, recusou-se a corromper seus carcereiros e fugir. Com isso, ele driblou seus adversários, pois, por sacrificar sua própria vida, entrou para a história como um mártir da ética que jamais será esquecido. O incômodo da filosofia se torna mais visível quando ela evoca questões que deveriam ter desaparecido por não terem solução. Na nossa época, problemas que não têm solução soam como uma blasfêmia, uma heresia. É muito mais fácil contornar, evitar a controvérsia e permanecer na zona de conforto da cultura da resposta certa. Já ouvi muitas pessoas atacarem a filosofia pelo fato de ela formular e reformular, ao longo de sua história, questões que não podem ser resolvidas. Por que não poderíamos atacar, igualmente, a matemática na qual há tantos problemas insolúveis? Provavelmente pelo fato de a matemática ter uma aura de prestígio garantida pela autoridade institucional da ciência. Mas será que os filósofos desejam, realmente, encontrar uma resposta definitiva para as questões da filosofia? Não correriam eles o risco de, ao obtêlas, também encerrar a própria existência da filosofia? Daniel Dennett, meu orientador de pós-doutoramento, afirmou, em um artigo escrito em tom irônico, que nenhum filósofo trocaria uma resposta definitiva a um problema por uma obra polêmica que fizesse seu nome ser lembrado pelas gerações futuras. Lembro-me de um episódio em um grande congresso de filosofia em Diamantina, uma charmosa cidade histórica do norte de Minas Gerais. Fui jantar com um grupo de amigos e, depois de muitas conversas e piadas, já tarde da noite, caminhamos por uma viela estreita de volta para o hotel. No caminho, encontramos um andarilho que acenou para nós e pediu um cigarro, no que foi prontamente atendido por um de meus amigos. 18

Gentilmente, o andarilho puxou conversa e logo perguntou: “O que os traz a Diamantina?”. Respondemos que estávamos em um congresso de filosofia. Ele esboçou um sorriso e redarguiu: “Ah, sim? E a que conclusão chegaram?”. Ficamos atônitos, parados no escuro, no meio da rua, olhando uns para os outros enquanto os mosquitos prosseguiam dançando em torno da luz do poste. As filosofias que sobrevivem e não são engolidas pela voracidade da história são as que inquietam permanentemente. A força de uma filosofia está na sua ambiguidade, está em terminarmos a leitura de um livro filosófico com mais dúvidas do que certezas. O paradoxo da filosofia é não transmitir informações, mas incertezas, e, por isso, sua fecundidade não está apenas na descoberta de novas verdades, mas na possibilidade de gerar controvérsias. Em filosofia, um equívoco brilhante pode, muitas vezes, ter mais valor do que uma certeza modesta.

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Os filósofos buscam a verdade? É ilusório achar que a filosofia busca verdades definitivas. A filosofia sempre flertou com a verdade e, por isso, nada mais adequado do que chamá-la de philo sophia, ou seja, amor incessante pela verdade. A contradição da filosofia é que ela nunca poderá apresentar uma verdade final, pois, nesse caso, perderia sua característica principal, que é questionar todas as coisas. Se isso acontecesse, a filosofia desapareceria ou, alternativamente, se tornaria uma religião. É esse o paradoxo que faz com que as filosofias se sucedam no tempo e que sua história seja interminável. No entanto, os filósofos nunca deixaram de perguntar o que é a verdade e quais critérios deveriam ser adotados para considerar uma proposição verdadeira. Defendo uma noção intuitiva de verdade, que se consolidou, principalmente, após o século XVII, com o surgimento da ciência moderna. Ela é, também, a mais simples:

@ A verdade de uma sentença consiste em sua correspondência (concordância) com a realidade. Se alguém afirma “está chovendo”, essa proposição será considerada verdadeira se olharmos pela janela e constatarmos que há chuva lá fora. De acordo com essa concepção, ou seja, a teoria da verdade por correspondência, determinar o que é verdadeiro deixa de ser tarefa exclusiva da filosofia. A ciência também pode contribuir para essa tarefa. Contudo, essa concepção intuitiva de verdade foi alterada nas últimas décadas. A partir do início do século XX, a ciência mostrou que não há mais uma descrição inteiramente objetiva da realidade, ou seja, que não podemos mais pensar em um ajuste perfeito entre nossas representações e o mundo. Esse ideal que, desde Galileu, nunca foi questionado, teve de ser abandonado após o surgimento da mecânica quântica. O Princípio da Incerteza, formulado em 1927 pelo físico alemão Werner Heisenberg, afirma que é impossível medir a posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo. Quando se lida com algo tão pequeno quanto um fóton, percebe-se a ocorrência do princípio de indeterminação. Para saber onde um elétron está é preciso jogar um fóton nele. Isso muda sua posição e altera sua velocidade. Quanto mais precisamente soubermos sua posição, mais imprecisa será a medida da velocidade. O ato de observar muda a coisa observada. A imprecisão torna as verdades apenas aproximadamente objetivas, e um critério inteiramente baseado na pressuposição de que existiria uma correspondência exata entre representação e mundo já não podia mais ser sustentado. Até a matemática, o último baluarte da certeza, foi questionada com a 20

descoberta dos teoremas da incompletude de Kurt Gödel na década de 1930. Esses teoremas demonstram que a matemática não é um edifício que se sustenta com seus próprios pés, ou seja, que sua consistência não pode ser provada por ela mesma. O sonho da elegância e da perfeição, do deus geômetra de Platão, foi duramente atacado. Se na física a ideia de verdade como representação estava ameaçada pela imprecisão, na matemática a ideia de um conhecimento sólido, de um edifício que poderia sustentar a si mesmo e constituir uma ferramenta inteiramente confiável para descrever o mundo físico, teve de ser abandonada. Em um mundo de imprecisão e de incerteza, a ideia de verdade como correspondência, “a adequação do intelecto às coisas”, como se referia Aristóteles, foi profundamente abalada. E com ela, a possibilidade de encontrar um fundamento sólido para o conhecimento, que teria como ponto de partida algumas proposições comprovadamente verdadeiras. Mas será que pelo fato de não haver uma descrição inteiramente objetiva do mundo temos de abandonar a teoria da verdade como correspondência? Foi no decorrer das últimas décadas que a noção de verdade como correspondência passou a ser questionada e atacada abertamente por alguns filósofos. Curiosamente, foi nessa mesma época que se iniciou o processo de globalização mundial. No entanto, a unificação e a homogeneização da economia e da tecnologia, metas centrais da globalização, levaram a um resultado paradoxal. De um lado, a informação começou a circular facilmente pelo planeta, incentivando padrões de consumo e agrupamentos de empresas. De outro, acentuaram-se as diferenças religiosas, culturais e étnicas. A globalização não unificou, mas, ao contrário, dividiu as pessoas em grupos, que reagiram à aceitação do multiculturalismo e do relativismo, reafirmando com ênfase ainda maior suas crenças e valores regionais. A uniformização não estancou a desigualdade econômica e social entre os países e, ao contrário do que se esperava, reforçou identidades culturais próprias que ficaram soterradas sob um manto de aparente cidadania planetária. Tudo se passou como se a globalização tivesse subitamente levado a um refluxo da tentativa de pasteurização cultural do mundo, que só foi adotada superficialmente pelas diferentes culturas. O resultado desse processo, de convivência forçada com a diferença em nome de uma falsa percepção da tolerância, foi a fragmentação de descrições do mundo que, a partir de então, precisaram disputar espaço na esfera pública. A verdade se tornou a versão dos grupos mais fortes, que, se não se impuser, corre o risco de perder o controle sobre a economia planetária. A camuflagem ideológica já não é mais necessária, pois as desigualdades de todos os tipos se tornaram cada vez mais visíveis e explicitamente reconhecidas. 21

Nesse cenário, a busca pela verdade, proposta original da filosofia, perde, em grande parte, seu sentido. A verdade perde seu valor intrínseco e é substituída por uma luta pelo convencimento. Os sofistas na Grécia Antiga tentavam, sutilmente, convencer o maior número de pessoas do seu ponto de vista usando meias verdades. Hoje, já não há sequer essa preocupação. Não é preciso converter as pessoas, seduzindo-as, mas apenas cooptá-las a defender um conjunto de proposições promovido por um grupo de pressão, pouco importando se seus participantes de fato acreditam no que defendem. Verdades desse tipo podem ser muito dispendiosas, pois dependem do financiamento de lobbies políticos. Um reflexo sociológico dessa condição é que a ciência precisa ser desenvolvida em grupo, não apenas para assegurar seus resultados por meio de um consenso formado intersubjetivamente, mas, sobretudo, pelo fato de que a verdade já não pode ser concebida como evidência para uma consciência isolada. A verdade não precisa apenas ser aceita intersubjetivamente, mas também produzida de forma compartilhada, pois sua força é derivada do grupo que a apoia. Uma versão verdadeira do mundo triunfa quando convence o maior número de pessoas. Torna-se verdadeiro aquilo que é mais visível. É por isso que, hoje em dia, algumas pesquisas em neurociência se tornaram ridículas, mas, mesmo consideradas esdruxulas ou fúteis, precisam aparecer nos telejornais para não deixar de ocupar espaço na mídia. Estudos comparativos da diferença de neuroimagem entre pessoas que falam palavrões quando dão encontrões na quina de mesas e as das que simplesmente guardam a dor para si mesmas passam a ter importância a partir do momento em que são divulgados, pois o que importa é manter a neurociência na pauta dos meios de comunicação. Sem marketing, a ciência não sobrevive. Nesse cenário, a verdade é sempre volúvel. Nas sociedades contemporâneas há um falatório interminável. As opiniões fluem torrencialmente na TV e nas redes sociais, e não há tempo para verificá-las, pois na mídia uma história nunca chega a um fim, apenas é substituída por outra mais interessante. No entanto, a maior mudança em relação à verdade nas últimas décadas é a falta de interesse por ela. A verdade não é mais o que intimida, o que afronta, o que pode ser perigoso quando subitamente revelado para as pessoas ou para as sociedades, e que, por isso, precisa ser ocultado ou censurado. Desmascarar um sistema de crenças como ideológico ou mentiroso já não é suficiente para que ele seja abandonado. Sustentar descaradamente proposições que podem não corresponder aos fatos e, com isso, estimular o autoengano pode ser mais vantajoso do ponto de vista social e político. O autoengano ocorre quando fingimos que não estamos mentindo para nós mesmos para evitar o desconforto de perceber nossas 22

contradições. É o autoengano o que permite que um ateu continue frequentando uma igreja evangélica, se isso lhe trouxer conforto psíquico e o ajudar a conter o alcoolismo ou a desorganização financeira. Contudo, não estou afirmando que a globalização, a fragmentação do mundo que ela produziu, o lobismo e o autoengano sistemático têm uma influência direta no modo como a filosofia concebe critérios de verdade. Isso seria, no mínimo, ingênuo. Mas valeria a pena indagar por que somente a partir do processo de globalização a noção de verdade como consenso ganhou tanto destaque na filosofia, assim como seus principais defensores, Richard Rorty e Jürgen Habermas. Para esses filósofos, a objetividade é o maior e melhor acordo intersubjetivo possível. A ideia de verdade como consenso seria uma decorrência natural do fato de os cientistas, a partir da metade do século XX, terem admitido a impossibilidade de uma descrição precisa e inteiramente objetiva da natureza. Isso levou alguns filósofos, como Rorty, a sustentar que a verdade é o resultado de uma longa conversação, pois a ciência e a filosofia são edifícios construídos sobre areia movediça. As certezas tiveram de ser abandonadas. Certamente, o princípio de incerteza de Heisenberg torna mais vaga e mais difícil a localização dos objetos aos quais se referem as proposições da microfísica. As relações entre matemática e mundo, depois das descobertas de Gödel, precisam ser repensadas. Há, também, fatores sociológicos e políticos que podem influenciar o que as sociedades aceitam como verdadeiro. Contudo, confesso que tenho muita dificuldade para entender e aceitar essas objeções, pois penso que a verdade como correspondência se impõe em nossas vidas como um fato inegável, cotidiano, do qual ninguém pode se desfazer. Como seria possível dirigir um carro em São Paulo usando um mapa de Nova Iorque? Imagine como seria nossa vida se um bando de hackers trocasse, sistematicamente, os mapas das cidades no GPS de nossos celulares? Será que sobreviveríamos a isso? Há algumas certezas rudimentares das quais não podemos nos livrar. Contudo, o que é ainda mais estranho e mais paradoxal na ideia de verdade como consenso é o fato de essa concepção nunca ter sido, ela mesma, consensual. Aliás, sustentar que a verdade é um consenso é, para a maioria das pessoas, um contrassenso. Como defender um critério de verdade se ele se autocontradiz? Como no mito do Ouroboros, a serpente devora sua própria cauda. O critério de verdade por correspondência não é o único possível e não há como demonstrar que ele está certo. Uma percepção não pode validar outra e, se recorrermos a esse método, ficaremos girando em círculos. Mas haverá algo instintivo que nos incline à ideia de verdade como correspondência? Como em um tropismo, no qual uma planta cresce e se volta sempre em 23

direção à luz, a mente está direcionada para o que está fora dela. A mente representa como algo fora dela até o próprio cérebro que supostamente a produz. Os medievais chamavam isso de intencionalidade, ou direcionalidade da mente, mas, hoje em dia, a neurociência explica esse fenômeno pela arquitetura de nosso sistema nervoso. Como ela foi moldada, ao longo de sua história evolucionária, para detectar características de nosso entorno, nossos estados mentais são, da mesma forma, direcionados para representar o que ocorre fora do cérebro. Será que o fato de nossa mente ser naturalmente voltada para o mundo significa que a teoria da verdade por correspondência deva ser aceita? Será ela, nossa atitude filosófica espontânea, que busca tornar nosso conhecimento o espelho da natureza? Defendo que o critério de verdade por correspondência é o mais adequado, mas isso não implica que, por adotá-lo, cheguemos a uma descrição definitiva do mundo, isto é, que nosso conhecimento se torne o espelho da natureza. O problema que enfrentamos é o de resolver um quebra-cabeça que tem múltiplas soluções, pois ele pode ser montado de diferentes formas e, com isso, variar o significado e importância das peças que o compõem. Ele pode também ser expandido, pois não sabemos, com precisão, onde se situam suas bordas. Quando abriam suas janelas, Galileu, Newton e Einstein enxergavam o mesmo céu, o mesmo sol e a mesma lua que todos vemos. Embora as peças fossem as mesmas, sua maneira de montar o quebra-cabeça era completamente diferente e, por isso, produziram teorias físicas divergentes. Com o tempo, o quebracabeça se ampliou e outras peças precisaram ser acrescentadas, como foi o caso dos buracos negros, dos quarks, dos fótons e da partícula de Higgs. Não podemos ser o espelho da natureza, mas não podemos, tampouco, habitar um mundo sistematicamente falso. Imagine, novamente, um bando de hackers trocando os mapas das cidades nos celulares, só que, desta vez, de forma tão sofisticada e maliciosa que alguém, usando um mapa de São Paulo, conseguisse se deslocar em Nova Iorque sem causar acidentes. Descartes percebeu, claramente, essa dificuldade quando afirmou que Deus nunca seria tão enganador a ponto de nos fazer acreditar que, quando comemos uma batata, estamos ingerindo uma cenoura e jamais permitir que percebamos isso. Até quando poderia nossa espécie sobreviver em um mundo coerentemente falso? Tomara que Deus não seja tão sarcástico nem tão mórbido ao ponto de nos condenar a viver em um mundo assim.

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Tiros no pé A filosofia também tem seus inimigos internos. Os comentaristas profissionais são os piores. Eles se refugiam na história da filosofia e transformam o passado em uma camisa de força que bloqueia a reflexão. Em nome da preservação do patrimônio filosófico da humanidade, os comentaristas tornam a filosofia uma língua que não se fala mais, que não se inventa mais, que não quer ser contaminada por outras, tornando-se, assim, uma língua morta. A filosofia pode se dar ao luxo de ser inútil, mas, quando transformada apenas em comentário, torna-se estéril. Certamente, atacar o comentarismo não significa negar a importância do estudo da história da filosofia. Se não a estudarmos, corremos o risco de “arrombar portas abertas”. Mas um risco ainda maior é o de escrever livros que apenas nos remetem a outros livros, o que tornaria o estudo da história da filosofia fútil. A veneração pelo passado é uma forma de desistir de pensar. Quando a interpretação dos textos clássicos se torna uma meta em si mesma, a filosofia se torna apenas uma técnica de interpretação, ou seja, se transforma em uma tecnofilosofia, uma forma emoliente de filosofar, que isenta seus defensores de se confrontar com os problemas contemporâneos. A tecnofilosofia é uma filosofia sem garras, que abriu mão de uma de suas características mais importantes: a iconoclastia, a irreverência. Elas são substituídas pela devoção aos textos e biografias dos filósofos do passado, como se eles fossem santidades laicas. Por vezes, ao frequentar departamentos de filosofia, temos a sensação de estar visitando um templo positivista como o concebido por Auguste Comte, filósofo francês do século XIX. Comte queria reformar o cristianismo e substituir os santos da fé católica pelos grandes cientistas e filósofos do passado, que seriam os verdadeiros benfeitores da humanidade. O pressuposto dos comentaristas é que a filosofia está morta. Para sustentar esse ponto de vista, os comentaristas geralmente invocam grandes filósofos como Immanuel Kant e Ludwig Wittgenstein, os cavaleiros do apocalipse, que desqualificaram os problemas filosóficos ao tentar mostrar que eles nunca poderiam ser resolvidos. Como quase todos os filósofos modernos, Kant e Wittgenstein tentaram formular uma filosofia definitiva, dar a última palavra e acharam que, com isso, a filosofia suprimiria a si mesma. Na sua obra mais importante, a Crítica da Razão Pura, publicada em 1781, Kant demarcou, pela primeira vez na história da filosofia, os limites da própria razão humana. Será que a filosofia pode responder às questões que ela formula? Para Kant, estava claro que isso não era possível, e, por isso, ele 25

atacou a filosofia ao afirmar que a metafísica extrapola os limites do conhecimento. Ao tratar de temas sobre os quais nunca poderemos afirmar nada com certeza, como se o mundo tem um começo, se é infinito, se existe o livre-arbítrio ou se podemos acreditar em Deus, a metafísica acaba se tornando um ramo da literatura fantástica, como afirmou, séculos mais tarde, o escritor argentino Jorge Luis Borges. No entanto, Kant afirmou também que os problemas filosóficos sempre reaparecem, e se eles só servem para causar mal-estar, devem ser como a ressaca de um alcoólatra, que não o impede de beber novamente. Isso parecia bem claro para Kant, que insistiu nos limites do conhecimento filosófico, mas admitiu que a metafísica é como Fênix, o pássaro mítico que entra em autocombustão, mas que sempre renasce das cinzas. A metafísica pode ser superada, mas não extinta, e a cada século ela renasce e é reeditada de acordo com as peculiaridades de sua época. Demonstrar que o conhecimento metafísico é impossível é uma tarefa, em si mesma, metafísica, ou seja, ela acaba por propor outro sistema metafísico com princípios opostos. Ou seja, uma justificativa racional para abandonar a filosofia leva, inevitavelmente, à elaboração de um argumento filosófico. Responder na mesma moeda é girar em círculos, é apenas uma forma de fogo amigo. Esse paradoxo também foi enfrentado por Wittgenstein. Wittgenstein criticava a filosofia pelo fato de suas proposições serem vazias de significado, ou seja, não se referirem a nada no mundo. Mas após demonstrar, por meio da análise lógica das proposições, que a metafísica não é possível, e que ela não passaria de uma armadilha da linguagem, ele conclui que só nos resta uma atitude mística que conduz ao inefável, ao indizível. Wittgenstein afirmou, no final de seu Tractatus-Logico-Philosophicus, publicado em 1921, que a experiência de filosofar é comparável à de subir por uma escada e depois jogá-la fora. Ele afirmou também que sobre o que não é possível falar é melhor calar, pois há coisas que não podem ser expressas em palavras. Mas como afirmar que existe o indizível se isso só pode ser feito usando palavras? Como escapar desse paradoxo? Como a crítica à possibilidade da filosofia poderia terminar admitindo a existência do inefável? Não estaríamos girando em círculos? Ou será que o Tractatus termina onde ele deveria começar? Calar sobre o inefável é abandonar a filosofia sem sequer tentar começá-la. É como atirar a pedra e esconder a mão. Não foi por acaso que, anos depois, Wittgenstein renegou seu pensamento e o reescreveu inteiramente, opondo-se a quase todas as posições filosóficas que sustentou no Tractatus. Nesse percurso paradoxal de Wittgenstein sua crítica à filosofia foi como arremessar um bumerangue que, depois de um breve voo, retornou ao seu ponto de partida. O inefável não é apenas um dos grandes temas da filosofia, 26

mas está, também, presente na nossa tradição religiosa. No cristianismo, Deus se mostrou na figura de um pregador itinerante. Mas o divino nunca se manifestou de forma a poder ser identificado externamente. Que Cristo era o filho de Deus era algo inefável, dizível, mas não comunicável, talvez o mais íntimo dos qualia que já existiu. Será que Kant e Wittgenstein não estavam guerreando com um tigre de papel? Se a metafísica é tão frágil, por que dedicar tanto trabalho para destruíla? Penso que Kant e Wittgenstein mais se parecem com Dom Quixote e seu escudeiro Sancho Pança, atacando os castelos da metafísica, miragens que, afinal, não passavam de moinhos de vento. Mas quem seria Dom Quixote, Kant ou Wittgenstein? E quem seria Sancho Pança? Hoje em dia vivemos um clima contrário à reflexão filosófica. Ele teve início a partir da segunda metade do século XIX e suas raízes nos conduzem ao positivismo de Auguste Comte. O positivismo comtiano identificava uma marcha no conhecimento humano que passava por três estágios: o teológico, o metafísico e o positivo. No estágio teológico, a explicação dos fenômenos naturais era baseada na ação dos deuses. No estágio metafísico, os fenômenos eram explicados por meio de forças e princípios ocultos na natureza. O estágio positivo se referia à ciência positiva ou, supostamente, uma ciência livre da contaminação da filosofia ou de pressupostos metafísicos. No estágio teológico, a ação do ópio era o resultado da vontade dos deuses. No estágio metafísico, por um princípio inerente à própria natureza do ópio. No estágio positivo, a ciência apenas descreve a ação da droga no nível molecular e a cataloga juntamente com outras que causam efeito semelhante. Nessa marcha, a filosofia seria definitivamente assimilada pela ciência, o ponto final para o qual converge todo o conhecimento humano ao longo de sua história. Os problemas filosóficos desapareceriam naturalmente, pois muitos deles seriam resolvidos pela ciência. Porém, esse ataque à metafísica produziu apenas uma filosofia camuflada, travestida na negação de sua própria existência. Comte estava certo ao prever que a ciência rejeitaria a filosofia. A ideia da metafísica como um entrave para o progresso da ciência é um dos preconceitos mais difundidos entre os cientistas de quase todas as áreas. Seu sonho é o de uma ciência que possa se desprender inteiramente da filosofia como se o método científico não fosse baseado em princípios filosóficos. Contudo, as previsões de Comte sobre a história do conhecimento não se confirmaram. Ele não pôde prever que, na maior parte do mundo, as três fases, em vez de se sucederem na história, passariam a coexistir. É isso o que ocorre, hoje em dia, nas sociedades pré-tecnológicas, nas quais populações com uma visão animista do mundo utilizam artefatos tecnológicos altamente sofisticados. 27

Uma imagem emblemática dessa situação é a dos catadores de caranguejos no mangue que, enquanto trabalham, se comunicam por meio de celulares de última geração. Uma das heranças de Comte, que se tornou uma das palavras de ordem da modernidade, foi o ataque à metafísica, como se ela fosse um mal em si. Outros movimentos filosóficos posteriores como o pragmatismo também rejeitaram a metafísica. Os pragmatistas, liderados pelos americanos Charles Sanders Peirce e William James, rejeitavam a filosofia como atividade apenas teórica ou especulativa, defendendo a supremacia da prática sobre a teoria. A validade de uma filosofia se mede pelo seu êxito prático. Dessa perspectiva, a metafísica seria uma especulação fútil. Mas um dilema para o pragmatista é a impossibilidade de determinar, de antemão, as consequências práticas de uma investigação. A mecânica quântica não parecia ter qualquer utilidade prática para seus fundadores, embora nas décadas seguintes tenha possibilitado a criação de uma série de aplicações tecnológicas, como a leitura de códigos de barra e o laser. Paradoxalmente, o pragmatismo é uma filosofia que nem sempre funciona na prática. O clima antimetafísico que vivemos atualmente pode levar a filosofia a sucumbir à invasão da ciência positiva. A inteligência artificial, a robótica e a biotecnologia ameaçam usurpar vários temas que têm sido privilégio da filosofia, como a relação mente-corpo, o problema da natureza do pensamento e da consciência. A replicação do ser humano seria o fim das ciências humanas e, junto com elas, o fim da filosofia. Reproduzir em laboratório a inteligência, a consciência e a vida mental seria encontrar a solução, por meio da ciência, de problemas filosóficos milenares. Mas será que replicar o homem é suficiente para compreendê-lo? Desde seu início, quando ainda era chamada de cibernética, a inteligência artificial incomodou os filósofos. O filósofo alemão Martin Heidegger, em um de seus textos de maturidade, O Fim da Filosofia e a Questão do Pensamento, chegou a expressar o temor de que a inteligência artificial fosse a morte da filosofia. A neurociência também está invadindo a filosofia. A neuroimagem nos força, cada vez mais, em direção a uma visão de mundo materialista e antifilosófica. A ciência, a ética e a religião em breve terão seus correlatos neurais localizados. Poderemos ligar ou desligar os neurônios que as produzem. O mapeamento cerebral de vários temas hoje considerados filosóficos poderá mostrar, no futuro, que eles não passam de pseudoproblemas. Soaria pueril contra-argumentar que os correlatos neurais da própria neurociência também serão localizados e que, por isso, ela estaria girando em círculos. Confesso que nunca me senti confortável com essas propostas, pois, se as levarmos a sério, poderemos chegar a conclusões bizarras. Muitos 28

neurobiólogos acreditam que estados mentais são o mesmo que estados cerebrais. Se isso for correto, o princípio de não contradição, formulado por Aristóteles, também é um estado cerebral. Segundo esse princípio, nenhuma proposição pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Suponhamos que, em uma de minhas visitas a Paris, eu caminhe em direção à Torre Eiffel. Será que isso significa que o princípio de contradição está se aproximando da Torre Eiffel? Ando com o princípio de contradição para a frente e para trás e vice-versa, às vezes me aproximando, outras me afastando da Torre Eiffel. Esta é, certamente, uma conclusão bizarra, mas me parece inevitável se sustentarmos que estados mentais são apenas estados cerebrais. O filósofo americano Daniel Dennett ironiza ainda mais essa proposta ao afirmar que não sabe como seria possível localizar os correlatos neurais de uma pechincha. Onde fica a pechincha no cérebro do pechincheiro? No século XX, a ciência saqueou a filosofia. Muitas questões que ainda eram estudadas pela filosofia foram resolvidas e absorvidas pela ciência, como a natureza do espaço e do tempo depois da formulação da teoria da relatividade no início do século XX. Essa possibilidade, ou seja, a de reduzir questões filosóficas a problemas científicos que poderiam ser resolvidos experimentalmente, ainda motiva muitos filósofos contemporâneos que defendem a identidade entre mente e cérebro. Mas há outras questões filosóficas que ainda relutam em ser absorvidas pela ciência. A irredutibilidade da experiência vivida, que os filósofos da mente chamam de qualia, parece ser uma delas. Por exemplo, se mordo uma barra de chocolate e sinto um sabor amargo, nada pode me garantir que meu amigo, que morde a mesma barra, sentirá o mesmo sabor que eu, embora ambos usemos a palavra “amargo”. Como não há símbolos linguísticos para exprimir essas diferenças subjetivas com exatidão, podemos afirmar que os qualia são inefáveis, inexprimíveis. Nem um acordo intersubjetivo permitiria definir a intensidade das sensações com precisão. Quando um médico me pergunta como defino minha dor em uma escala de 0 a 10, posso responder “8”. Mas nada garante que alguém com a mesma dor não respondesse “7” ou até mesmo “10”. Como encaixar estados intrinsecamente subjetivos na ciência se mal podemos descrevê-los? O aspecto mais interessante dos qualia é o fato de que são eles que fazem a vida valer a pena. Mas eles se tornaram um problema para a filosofia com o surgimento da física moderna no século XVII. Os físicos, para poderem formular suas equações, consideraram apenas as qualidades primárias dos objetos, como seus formatos, posições e tamanhos. Eles ignoraram as cores, ruídos, sabores e cheiros, ou seja, todas as qualidades subjetivas dos objetos que estão ligadas aos nossos sentimentos de prazer ou de desprazer. Como defini-las, se elas não podiam ser encaixadas na linguagem matemática da 29

ciência? Alguns filósofos da mente contemporâneos sustentam que os qualia são apenas uma invenção da linguagem e que eles realmente não existem. Um exemplo seria o modo como nos referimos aos vinhos. Frequentemente encontramos nos rótulos palavras peculiares como “frutado” ou “com sabor amadeirado”. O que significará exatamente “frutado”? Se isso significa uma referência ao gosto originário da uva, então, nesse caso, todos os vinhos são frutados e isso não serviria para especificar uma diferença. O “amadeirado” também é curioso. Será que já provamos o gosto da madeira nas nossas línguas? Se isso é uma metáfora, não sabemos bem do quê, pois provavelmente nunca tivemos esse tipo de experiência. Daniel Dennett nega que os qualia existam e sustenta que eles são apenas ficções filosóficas. No entanto, essa posição me parece difícil de ser defendida, pois há alguns qualia cuja existência parece ser inegável. Quando abusamos da bebida em uma noitada com amigos, no dia seguinte, ao acordar, sentimos na boca o famoso “gosto de cabo de guarda-chuva”. Como poderíamos negar sua existência? E se ele existe, como poderíamos descrevê-lo? A neurociência aposta que, em um futuro próximo, desvendará os correlatos neurais dos qualia e da consciência. Os qualia são indício da existência de uma experiência consciente e, por isso, para muitos neurocientistas, entender como eles são produzidos é um caminho para explicar a natureza da consciência. A consciência sempre será um tema privilegiado na filosofia e sua dimensão ultrapassa a abordagem da neurociência, que visa reduzi-la a um problema científico. Descobrir os correlatos neurais da consciência não nos ajuda a compreendê-la, pois eles geram experiências em primeira pessoa que podem ser únicas, intransferíveis. Mas não é só isso. A consciência é fonte de ambiguidade. De um lado, a consciência nos insere na razão, que se manifesta como algo transcendente, que ultrapassa o tempo. De outro, ela nos impõe a percepção da finitude temporal do corpo que, por estar em descompasso com a transcendência da razão, gera um sentimento insuperável de incompletude. É essa ambiguidade, essa defasagem permanente entre essa transcendência e uma finitude humilhante, que nos aprisiona em uma angústia intransponível. Paralelamente aos paradoxos existenciais da consciência, há ainda outro grande desafio para a neurociência: descobrir como o cérebro gera o sentido que reconhecemos na linguagem, na poesia, nos livros de ficção e na matemática. Será que ao sentido corresponde algum correlato neural ou biológico? Será o sentido uma propriedade emergente, que surge da atividade dos milhões de neurônios que compõem o cérebro, da mesma maneira que a solidez do gelo emerge do resfriamento dos átomos da água? Ou, em outras palavras, será o sentido redutível ao metabolismo do cérebro, algo que poderia 30

ser gerado pela ingestão de alguma droga psicoativa? Esta agenda já seria suficiente para justificar por que estudar filosofia. Mas, certamente, ela se estende para muitos outros temas como a ética, a filosofia política, a estética e a filosofia da religião. Essas disciplinas filosóficas tratam de questões que não podem ser resolvidas com base em dados de observação ou experimentos, ou seja, elas abordam questões que não podem ser solucionadas pela ciência. Quando se indaga, por exemplo, quais seriam os princípios mais adequados para tornar nossas sociedades mais justas, formulamos uma questão extremamente importante. Mas ela não pode ser solucionada pela aplicação do método científico. O mesmo ocorre quando perguntamos se, em uma sociedade na qual as necessidades humanas básicas (alimentação, saúde e educação) tenham sido supridas, as desigualdades seriam eticamente aceitáveis. A ciência tampouco pode responder se ajudar os menos favorecidos deve ser considerado uma obrigação moral dos mais abastados, ou seja, se sua responsabilidade deve ir além de gestos espontâneos de solidariedade. Por que, então, nos últimos anos, passamos a ouvir com frequência que a filosofia acabou? Talvez a resposta esteja na maneira como a ciência e a filosofia passaram a se relacionar a partir da segunda metade do século XX. A ciência e a tecnologia passaram a fazer parte da história, e não apenas a correr paralelamente a ela. Há um consenso de que o futuro de nossas vidas depende da tecnologia, pois dela surgiria uma solução para sobrevivermos a uma catástrofe climática inevitável. A fé nos poderes ilimitados da tecnologia, como solução para os grandes problemas mundiais, tornou-se, para muitas pessoas, uma tranquilidade alienante, justificada pelo fracasso das iniciativas políticas para reverter esse desastre. Nada pode ser mais inquietante do que o fato de que a ciência e a tecnologia avançam mais rapidamente do que a compreensão moral e política que temos delas. A possibilidade de clonar seres humanos, que, após ser proibida, começa a ser discutida novamente, é um exemplo típico. Novas tecnologias ameaçam noções que até agora se mantiveram inabaláveis, como a de pessoa, que, nas últimas décadas, gerou uma avalanche de dilemas que levaram à invenção da bioética. Infelizmente, a maioria dos filósofos contemporâneos ergueu trincheiras contra a ciência e relegou questões importantes aos comitês de ética. Por isso, a filosofia tem chegado atrasada na discussão dos problemas contemporâneos que surgem de novas aplicações tecnológicas. Um exemplo é a biotecnologia, que, hoje em dia, atropela as discussões éticas. A engenharia genética nos coloca diante da responsabilidade de escolher as características que queremos para as gerações futuras. Uma nova avalanche de dilemas já é vislumbrada para os próximos anos com a mistura de neurônios e chips. 31

A tecnologia passou a determinar alguns fatos políticos. As redes sociais não apenas mudaram o cenário dos debates políticos; elas passaram a constituí-lo. Algumas, como o Twitter, tiveram um papel decisivo para que movimentos como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street ocorressem. Uma manifestação popular pode ser convocada pelas redes sociais em segundos. Praças e ruas cheias de manifestantes podem ser algo fugaz. Mas suas imagens podem ser imediatamente enviadas para canais de televisão e, com isso, utilizadas para alimentar a sociedade do espetáculo, conquistando mais adeptos e formatando a opinião pública para apoiar algum tipo de reivindicação. As execuções por decapitação realizadas pelo EI (Estado Islâmico) só se tornaram um fato político porque foram filmadas e postadas no Youtube. Esses vídeos se espalharam pela internet de forma incontrolável, e logo chegaram aos canais de televisão que os retransmitiram. O fato político já não é a decapitação, mas sua exibição instantânea em todos os lugares do planeta. Como afirmou o teórico da comunicação Marshall McLuhan, o meio é a mensagem, é o que faz com que, muitas vezes, uma imagem se torne muito mais importante do que o próprio fato que ela representa. Paradoxalmente, o terrorismo se fundamenta nos valores mais caros às democracias ocidentais: a liberdade na internet e na imprensa. Ou suprimimos a liberdade de expressão ou convivemos com o terrorismo. São opções igualmente incompatíveis e inaceitáveis. Os protestos em redes sociais e seu uso para convocar manifestações de rua deslocaram os bastidores das lutas sociais para o ciberespaço. Nesse novo contexto, não podemos mais continuar apáticos em relação às mudanças impostas pela tecnologia, simplesmente aceitando e consumindo as inovações uma após a outra. A relação homem-máquina, que já impregna todas as dimensões da vida humana e modificou a vida política das pessoas, está se tornando um dos temas mais inquietantes da filosofia da tecnologia. Mas será o triunfo da tecnologia o fim da filosofia? Apesar de vivermos em uma época na qual a reflexão não é bem-vinda e na qual prevalecem fundamentalismos religiosos e políticos, não acredito que a filosofia desaparecerá tão cedo. O ressurgimento dos fundamentalismos religiosos e políticos é uma das tendências mais regressivas do século XXI. Em geral, o fundamentalismo religioso se traduz na crença literal nas escrituras religiosas e em doutrinas políticas que disseminam a intolerância. O fundamentalismo é o oposto do Iluminismo, um dos movimentos filosóficos mais importantes do século XVIII, que apostou na força da razão humana para dissolver o obscurantismo e a credulidade religiosa. Os iluministas acreditavam que a ciência nos tornaria livres e felizes, e que isso se reverteria no aperfeiçoamento social e ético dos povos. Mas isso não ocorreu. 32

O Iluminismo se desfez e seu vácuo é agora, cada vez mais, preenchido pelos fundamentalismos religiosos e políticos. É esse vácuo não preenchido que produz, às vezes, a sensação difusa de que estamos mergulhando em uma época de trevas, na qual o fanatismo predominaria sobre a razão, a ciência e sobre os avanços da tecnologia. A religião se baseia na dúvida, no temor de uma punição na vida após a morte. E o fundamentalismo se baseia na certeza, na fé cega de que uma vida virtuosa ou uma morte heroica serão recompensadas com o paraíso. Para os fundamentalistas a religião é a dimensão mais importante da vida, e sua experiência religiosa é quase incompreensível para os povos ocidentais. Se, como eles, levássemos a religião tão a sério e tivéssemos tanta certeza de nossas crenças religiosas, já teríamos dividido nossas posses com os mais pobres há muito tempo e, com isso, teríamos evitado muita violência. O fundamentalismo político se baseia na vontade de crer das massas e se aproveita da capacidade de agregação das seitas religiosas para espalhar suas ideologias com mais facilidade. O fundamentalista, estereotipado na figura do jihadista, que rejeita o McMundo e a disneyficação do planeta, transforma seu corpo em uma arma para realizar atentados terroristas. Seus inimigos, por sua vez, contam com uma tecnologia militar altamente sofisticada na qual a participação humana é cada vez menor. A luta contra o terror é uma das primeiras guerras entre homens e máquinas que ocorre na história e talvez por isso ela se afigure tão sinistra. É a parafernália de soldados robóticos, exoesqueletos e drones contra guerreiros improvisados que, em uma reedição do que fizeram os kamikazes na Segunda Guerra Mundial, não hesitam em explodir seus próprios corpos para poderem atingir alvos específicos. Não vivemos uma guerra santa, como se duas religiões se confrontassem, mas uma guerra da fé contra a ciência, que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche previu como sendo uma das últimas a serem travadas pela humanidade. Ela não é, tampouco, uma guerra de civilizações, mas de sonhos irreconciliáveis. De um lado, há o mundo laico, científico, altamente tecnológico e comercial. Do outro, um mundo apavorado com a modernidade, que teme que o consumo e o conforto substituam sua veneração pela vida após a morte. Infelizmente, o fundamentalismo também está presente na filosofia. Muitos filósofos profissionais agem como fundamentalistas e defendem suas posições com o fervor de uma fé religiosa. Embora se declarem céticos, eles são extremamente intolerantes com quem ousa discordar de seus pontos de vista. Nada poderia ser mais perigoso do que trancar em uma sala filósofos profissionais com opiniões divergentes. Desde o início do século XX há um campo de batalha na filosofia no qual a 33

discordância leva à desqualificação. É a famosa luta entre as tradições angloamericanas e a franco-alemã, caracterizada por alguns historiadores apressados como o conflito entre o continente e a ilha, como se preferências por diferentes estilos de filosofar refletissem um confronto geopolítico. Os anglo-americanos reivindicam uma filosofia com temas voltados para o presente, e os franco-alemães privilegiam a história e a tradição. É uma divergência ideológica, o choque entre estilos diferentes, pois, em alguns momentos, é possível identificar a convergência de pontos de vista de ambas as tradições, embora ela nunca seja admitida. A desqualificação mútua entre anglo-americanos e franco-alemães continua até hoje. Há filósofos anglo-americanos que sustentam que a história da filosofia não é relevante e franco-alemães que afirmam que a filosofia da mente, a lógica e a bioética sequer podem ser consideradas filosofia. Essa atitude paradoxal, típica do fundamentalismo filosófico é uma inversão da própria natureza da filosofia, que se transforma numa luta pela preservação de uma cidadela, na pregação de uma religião laica. Os filósofos profissionais não costumam ser modestos. Eles acham natural que todos gostem e se interessem por aprender filosofia. Para muitos deles, não gostar de filosofia soa tão estranho como alguém afirmar que não gosta de feijoada, não ouve samba ou não se interessa por futebol e por política. Como não gostar de algo tão instigante e que, além disso, poderia salvar a humanidade? Para esses filósofos, apreciar a filosofia é uma qualidade inerente a todos os seres humanos. A música erudita é maravilhosa, mas não teria cabimento afirmar que quem não gosta dela é incapaz de apreciar as coisas belas da vida. Contudo, há professores de música para os quais não apreciar música erudita é um sintoma de ignorância e despreparo. Com a filosofia é um pouco pior. Todos são filósofos. Quem não gosta de filosofia é porque ou não a aprendeu ou porque não tem inteligência suficiente para apreciá-la. Nada poderia ser mais equivocado. Podemos estudar rudimentos de música, apreciar a obra de alguns compositores e até aprender a ler partituras. Contudo, seria absurdo afirmar que todos têm a obrigação de gostar de música. Da mesma maneira, aprender filosofia pode nos ajudar a abandonar uma visão simplória do mundo. Mas isso não implica que a filosofia agrade a todos, ou que todos devam apreciá-la por ser algo intrinsecamente interessante. Infelizmente, essa é a ideologia espontânea de muitos professores de filosofia. Nada poderia ser mais ideológico e mais fundamentalista do que supor que a filosofia deva ser obrigatoriamente apreciada. Essa ideologia é um ranço autoritário, reflexo tardio de uma arrogância semelhante à dos latinistas que, no século XIX, desprezavam os engenheiros e cientistas. 34

Será que a filosofia sobreviverá? Ela sobreviveu até agora, apesar de não existir um mapa que norteie as questões e preocupações que ela deva seguir. Tampouco há um território que demarque os temas com os quais ela deva se ocupar. Quem quiser estudá-la terá de abrir mão dos confortos da certeza e perceber que para fazer filosofia é preciso, às vezes, ser como um malabarista que salta e amarra os cordões dos sapatos ao mesmo tempo.

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Capítulo 2

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O futuro da filosofia Retornemos à questão com a qual iniciamos este livro: O que é a filosofia? Depois de afirmar tudo o que ela não é e, no entanto, enumerar várias razões pelas quais ela merece ser estudada, sinto-me agora na obrigação de oferecer pelo menos uma definição provisória de filosofia. A vocação da filosofia é a metafísica. Certamente não a metafísica tradicional, com a qual se ocupavam os filósofos do século XVIII anteriores a Kant, que escreviam longos tratados sobre Deus, a alma, o começo do universo e a imortalidade. Kant mostrou que enunciados científicos e metafísicos não podem ser equiparados, pois a metafísica nunca poderia ser uma ciência. Em outras palavras, a metafísica nunca poderia seguir o método científico que, para Galileu e Newton, eram a própria definição de ciência. A metafísica no século XXI é muito diferente. Ela sistematiza, amplia e desenvolve a investigação científica. Uma nova metafísica poderá, também, auxiliar a clarificar o modo como são enunciados alguns problemas da ciência e evitar a confusão conceitual que ainda turva o desenvolvimento do pensamento científico. Nesse sentido, ela é uma metafísica indutiva, pois não precede a ciência. A metafísica indutiva retoma o sentido original da palavra metaphysikós, “o que vem depois da física”, a reflexão que se inicia quando a investigação científica termina. Ela deixou de ser o fundamento, ou seja, o ponto de partida do conhecimento para se tornar o ponto de convergência das ciências. Acabou o mito da arché, da verdade primeira, a priori, sobre a qual se assentariam todas as verdades da ciência. Mas ao mesmo tempo que a filosofia perdeu seu lugar privilegiado, a ciência foi redescobrindo os problemas filosóficos como uma espécie de luz que, há muito tempo, já estava no fim do túnel. No século XX, os físicos tiveram que desenvolver uma filosofia da física. Albert Einstein, Erwin Schröedinger e Werner Heisenberg se envolveram em discussões filosóficas sobre a natureza do espaço, do tempo e da matéria. A mecânica quântica desafiou nossa compreensão do universo e reintroduziu a consciência na descrição do mundo físico. Curiosamente, após a física se separar da filosofia para se tornar uma ciência independente, agora, como se fechasse um círculo, ela refaz seu caminho de volta para a filosofia. Pois, ao incluir a experiência consciente na descrição do mundo microfísico, a física nos remete a uma das questões mais controversas da filosofia da mente contemporânea. No caminho inverso, as questões relativas ao começo e fim do universo, 37

tanto no tempo quanto no espaço, anteriormente discutidas na metafísica, tornaram-se, no século XX, problemas empíricos abordados pela cosmologia. A teoria do Big Bang e de um universo que se expande e se retrai ciclicamente já é aceita pela maioria dos físicos. Onde ocorreu o Big Bang? Em todo o universo. Quando? Antes de o próprio tempo existir. Tudo o que existe no universo, como o espaço, o tempo e as múltiplas partículas que compõem a matéria, surgiu dessa explosão originária, desse ponto que explodiu em um trilionésimo de segundo, causando uma expansão que ainda não terminou. Somos fragmentos do Big Bang. No entanto, se tudo o que existe surgiu da explosão originária, será que a consciência, algo tão diferente da matéria, já estava presente no Big Bang? Como a mente pôde surgir da matéria? A natureza da matéria é a questão mais intrigante da física. Nas últimas décadas, as tentativas de unificar a teoria da relatividade geral e a mecânica quântica levaram à formulação de uma nova concepção da matéria, baseada na teoria das cordas. De acordo com essa teoria, só existe um componente fundamental do universo: a corda. As partículas são compostas de cordas, tubos submicroscópicos de energia, filamentos mínimos e vibrantes. A teoria das cordas superou o conflito entre relatividade geral e mecânica quântica, mas suas equações só funcionam se supusermos a existência de um universo com dez dimensões, nove espaciais e uma temporal. Ou seja, para unificar a descrição do que se passa em escala astronômica com o que se passa no nível subatômico foi necessário postular que existe algo além do mundo revelado pela nossa percepção, no qual só existem três dimensões no espaço e uma no tempo. A teoria das cordas sugere que nosso universo é apenas um dos numerosos mundos flutuantes em um espaço de dimensão mais elevada. Não sabemos se existem universos paralelos ao nosso, ou seja, se há um multiverso e se ele poderia ser como uma matrioshka, um conjunto de bonecas russas feitas de madeira, que se encaixam umas dentro das outras e que, quando são abertas, mostram a de tamanho imediatamente inferior. É possível que o número de camadas da matrioshka que compõe o multiverso seja imenso, como quando colocamos um espelho na frente de outro, refletindo uma imagem que parece ir ao infinito. Entre o universo subatômico, o dos animais unicelulares revelados pelo microscópio, e o universo onde está nossa galáxia, em algum estágio no processo de desmontagem da boneca russa se situa o nosso mundo, ou seja, o mundo em escala humana. Mas se nosso universo estiver contido em outros, será que ele tem limites no espaço e no tempo? O filósofo neoplatônico Plotino imaginava alguém arremessando uma lança contra o limite do universo. Se a lança atravessasse esse limite, isso significaria que há outros universos além dos nossos, 38

possivelmente em número infinito. Mas se ela voltasse, significaria o mesmo: o limite não pode ser atravessado porque imediatamente depois dele, no espaço, deve haver outro universo. A teoria das cordas sugere que há muitos universos com vários tipos de leis físicas, diferentes das que regem o nosso. Mas será a hipótese de que existe um multiverso uma hipótese científica? Como poderíamos verificá-la? Ou será que a ciência está avançando para o domínio da metafísica, neste caso, da metaphysikós, da metafísica indutiva? A hipótese do multiverso nos obriga a rever nosso conceito de natureza. As leis físicas deixariam de ser gerais e valeriam apenas para alguns universos do multiverso. Será que ainda poderemos chamá-las de leis? E será que em todos os universos do multiverso será necessário existir um cérebro para que seja produzida uma mente? Se o nosso universo for infinito, não haverá como sabermos. Para saber se o espaço é infinito, precisaríamos receber sinais de regiões que estão a uma distância infinita, o que é fisicamente impossível, pois eles nunca poderiam chegar até nós. Mas a hipótese do multiverso, como matrioshka com universos finitos contidos uns nos outros, também enfrenta outros tipos de problemas teóricos. Como poderia existir um universo que contenha todos os outros? Nesse caso, seria sempre necessário imaginar universos cada vez maiores, o que seria uma regressão ao infinito. O conjunto dos conjuntos será sempre um novo conjunto que precisará de outro maior. Mas a teoria dos conjuntos nos assegura de que não existe um conjunto que possa conter todos os outros, pois para isso ele precisaria conter a si mesmo, o que é impossível. Do ponto de vista matemático, o multiverso é impossível. Mas será que isso significa que ele também é fisicamente impossível? A hipótese do multiverso com universos que podem ter leis físicas diferentes questiona a possibilidade de existência de um só logos, de uma única ordem universal. No entanto, a física do século XX buscou incessantemente uma teoria final ou teoria de tudo. Muitos físicos contemporâneos como Steven Weinberg e David Bohm acreditavam que havia uma ordem implícita que percorreria todo o universo. A busca pela teoria de tudo é um eco tardio do platonismo. Os sofistas, que antecederam Platão, tinham pulverizado a filosofia. Eles eram oradores pagos para argumentar em favor de algum ponto de vista, como os marqueteiros políticos hoje em dia. A filosofia, naquela época, atravessava uma crise histórica, pois tinha sido transformada em mero jogo de palavras cujo objetivo era apenas o convencimento. A reação à sofística veio com Sócrates e se consolidou na obra de Platão, seu maior discípulo. Nunca saberemos quanto da filosofia de Platão foi ditado por Sócrates. Sequer sabemos por que a teoria das ideias, inventada por Sócrates, 39

passou para a história da filosofia com o nome de platonismo, ou seja, com o nome de seu herdeiro, e não de seu inventor. Platão defendeu que só existe um mundo, o mundo das ideias, do qual todos os outros são meras cópias. Se só existe um mundo, só pode existir uma única verdade. Platão combateu os sofistas explicitando seus truques retóricos. Mas o mais importante foi o fato de ele ter convencido a todos, habilidosamente, de que ele não era apenas mais um sofista. Por que defender a possibilidade de unificar a verdade em uma só teoria não seria um sofisma? Por que defender que existe um único logos, e que ele só poderia ser conhecido por meio de sua filosofia não seria um sofisma? Platão nunca deixou perceber que ele era um sofista e, com isso, conseguiu, sutilmente, persuadir seus colegas de que haveria uma única verdade. Coincidentemente, ela era o platonismo. Platão deveria ser lembrado pela história da filosofia como o maior sofista de todos os tempos. Mas não foi isso que ocorreu. A crença na possibilidade de existir uma única filosofia, que unificasse tantas vozes dissonantes, foi um evento que equivaleu, na história das religiões, à passagem do politeísmo para o monoteísmo. Por longo tempo depois de Platão, os filósofos discordaram sobre a natureza do logos, mas não discutiram se a existência de uma filosofia que unificasse todo o conhecimento seria possível. A teoria das cordas, candidata favorita a ser a teoria de tudo, parece reivindicar para a física o mesmo tipo de unificação que Platão queria para a filosofia. Mas até agora ela não foi definitivamente testada, tampouco a hipótese de que vivemos em um multiverso, ou seja, de que existiriam inúmeros universos paralelos ao nosso. Da mesma maneira que a metafísica, a ciência moderna passou a tratar de fenômenos e de objetos que ultrapassam a experiência e, com isso, estabeleceu uma interface crescente com a filosofia. Discutir a natureza e a plausibilidade desses novos objetos é o papel do que chamei de metafísica indutiva. A grande diferença em relação à metafísica tradicional é que esses objetos e fenômenos não são mais o ponto de partida da metafísica, mas surgem como resultado de questões que se situam na vanguarda de diversas ciências. Outro exemplo de metafísica indutiva é a questão da existência do livrearbítrio, um tema metafísico milenar que é, hoje em dia, discutido pela neurociência. Será que somos autores de nossos pensamentos e ações? Ou apenas marionetes controladas pelo cérebro e com a ilusão de sermos livres? Argumentos em favor de ambas as posições se acumularam ao longo dos séculos e ainda causam muitas dúvidas. Por exemplo, se o livre-arbítrio não existe, como explicar por que, em muitas ocasiões, hesitamos em tomar uma decisão? A ponderação entre os melhores caminhos a seguir não seria uma marca inegável da existência do livre-arbítrio? Ou seriam as decisões apenas 40

uma ilusão de liberdade para seguirmos caminhos já predeterminados? Na década de 1980, os experimentos de Benjamin Libet inclinaram alguns neurocientistas e filósofos a questionar a possibilidade de existência do livrearbítrio. Libet descobriu que mudanças no cérebro ocorrem antes da intenção de executar uma determinada ação. O relato da intenção de executar a ação é posterior à mudança detectável no cérebro, que ocorre 350 milissegundos antes. A ação é determinada por um evento cerebral, embora as intenções produzam a ilusão de que agimos livremente. Os experimentos de Libet seriam a prova científica de que a liberdade não existe, pois eles confirmariam a hipótese de que o comportamento é causado por processos fisiológicos inconscientes. Os experimentos de Libet levaram a uma discussão acalorada envolvendo neurocientistas e filósofos. Nos anos seguintes à sua descoberta, houve uma enxurrada de artigos acadêmicos e um debate que invadiu a mídia e a grande imprensa. Será que a neurociência teria posto um ponto final a essa questão filosófica que se arrasta há séculos? Ou será que Libet apenas provou o que já se sabia, ou seja, que o inconsciente existe e determina a maioria das nossas ações? Em contraposição aos pontos de vista de Libet, o neurobiólogo Michael Gazzaniga, um dos fundadores da neurociência cognitiva, argumenta que a liberdade não deve ser buscada no interior do cérebro, pois ela é uma construção social que resulta da convivência e interação de vários cérebros entre si. A liberdade é uma propriedade emergente dessa interação. Um exemplo de propriedade emergente é a solidez e a impenetrabilidade do gelo. Elas são propriedades emergentes da água quando ela é refrigerada a uma temperatura inferior a 0 grau centígrado. É bem provável que, para produzir a solidez e a impenetrabilidade, os átomos da água tenham de sofrer uma alteração. Entretanto, “sólido” ou “impenetrável” não parecem ser propriedades que poderiam ser aplicadas individualmente a cada um dos átomos da água. Da mesma maneira, a interação entre vários cérebros nos grupos sociais poderia produzir a liberdade, embora ser livre não seja uma propriedade específica de cada um deles. Gazzaniga argumenta que o fato de não conseguirmos localizar correlatos neurais da ideia de responsabilidade é um indício de que a liberdade de ação não resulta de características específicas de cérebros individuais. Será que a neurociência acabará com a ideia de livre-arbítrio? Quem estará certo nessa discussão, Libet ou Gazzaniga? A compreensão de como nossas ações podem ser determinadas por desajustes hormonais, predisposições genéticas ou pelo metabolismo do cérebro não restringe nossa liberdade. Precisamos saber o que nos determina para poder agir livremente. Quanto mais 41

soubermos sobre os mecanismos que determinam nossas ações, mais livres seremos. Daniel Dennett, em seu livro Intuition Pumps, publicado em 2013, relata um curioso experimento mental no qual um neurocirurgião consegue desabilitar a capacidade de tomar decisões de um de seus pacientes através de um chip implantado em seu cérebro. Mas, inesperadamente, o paciente encontra o neurocirurgião e, quando fica sabendo de sua condição, pede-lhe que use o dispositivo para impedi-lo de comer comida gordurosa, pois sofre de problemas de coração e tem colesterol alto. Esse é um exemplo de como a liberdade pode ser resgatada pelo conhecimento dos mecanismos que determinam as ações. Mas não é apenas na neurociência que a ciência pós-moderna está muito mais próxima e misturada com a filosofia do que podemos imaginar. As perguntas solenes sobre a vida e o universo estão deixando de ser monopólio da filosofia. A imortalidade foi profanada pela ciência e cada vez mais deixa de ser um assunto exclusivamente religioso ou metafísico. Será que, quando a média de vida superar os 250 anos, nossa atitude em relação à morte permanecerá a mesma? Até que ponto o aumento da longevidade não diluirá nossa angústia em relação à morte? A possibilidade de sobrevivência digital coloca em nova perspectiva a questão da imortalidade da alma. Pesquisadores da inteligência artificial estudam, atualmente, técnicas para estocar uma réplica de nosso cérebro na internet usando uma nuvem para salvar dados. Entretanto, nesse caminho poderíamos topar, em um determinado momento, com a situação paradoxal de cada um de nós convivermos, momentaneamente, com seu próprio outro digital, com quem teríamos de disputar, mesmo que brevemente, nossa identidade pessoal. Para esses pesquisadores, o upload na internet não é um problema, pois, da mesma maneira que nossos corpos são renovados a cada sete anos, pela total substituição de células, e sem perder a identidade pessoal no tempo, podemos também imaginar a existência de várias versões de nós mesmos no espaço. Se nos tornarmos holografias, poderemos ser projetados, simultaneamente, para diversos lugares do espaço, não só na internet, como também em outros universos do multiverso. Sobreviveremos na internet como anjos deprimidos, pois, dos prazeres que se originaram do corpo, só restarão lembranças, e isso nos entristecerá até que elas sejam, finalmente, diluídas. Da mesma forma que anjos e zumbis, não teremos qualia. Será que a nossa vida valeria a pena dessa forma? No fim do túnel, as questões filosóficas são redescobertas pela ciência. A cosmologia e a neurociência são exemplos típicos dessa situação. As ciências, que se derivaram da filosofia (a física no século XVII, a biologia no século XIX 42

e a psicologia no início do século XX), estão retornando às suas raízes filosóficas. Mas será que os físicos e neurocientistas não estão reeditando, sem perceber, questões que a filosofia já abordou nos séculos passados? Como afirmei nos primeiros parágrafos deste capítulo, na obra Crítica da Razão Pura, publicada no fim do século XVIII, Kant discutiu o problema do começo do universo, se deveríamos considerá-lo infinito e também a questão do livre-arbítrio. Naquela época, Kant julgou ter arrasado a metafísica tradicional e demonstrado que esses problemas são insolúveis. Será que a ciência poderá apresentar novas abordagens e soluções para esses problemas? Ou será que, por conta de sua ingenuidade filosófica, os cientistas estão tropeçando em problemas conceituais que já deveriam ter sido abandonados? Na física, a teoria das cordas tem levado muitos físicos a questionar se a matemática pode sempre ser considerada uma representação adequada do que ocorre no universo (ou multiverso). Os neurobiólogos perguntam onde acaba a fisiologia e onde começa a psicologia. Eles questionam também se a moralidade pode ser reduzida a um pequeno grupo de minúsculas células cinzentas dentro da nossa cabeça. Será que podemos derivar decisões éticas da ciência, como abortar uma criança saudável, mas indesejada? Se por um lado refazer caminhos percorridos é sintoma de confusão conceitual dos cientistas, por outro é sinal de que o questionamento metafísico é uma atividade inevitável do ser humano como, aliás, o próprio Kant supôs. A Fênix sempre renasce das cinzas. Por isso, as relações entre a ciência e a filosofia deveriam ser repensadas. Até que ponto a ciência poderia absorver os problemas da filosofia? O que acontecerá se, além dos conceitos de espaço e tempo terem sido absorvidos pela teoria da relatividade, o conceito de consciência for definitivamente assimilado pela neurociência? A questão, de agora em diante, é saber se a filosofia desaparecerá ou se, ao contrário, ela reaparecerá ao final da jornada da ciência e mostrará que muitas novidades não eram tão novas. Talvez esta seja a luz no fim do túnel que a filosofia possa nos proporcionar.

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Experimentos mentais: o gênio maligno, o crackeiro e o asno A metafísica começa quando a ciência transborda para além da experiência possível. Mas como conduzir a investigação quando se ultrapassa esse limite? Como não deslizar, arbitrariamente, de volta para a metafísica tradicional e construir castelos de cartas no ar? Como afirmei no capítulo anterior, a filosofia flerta com a verdade. Por isso, sua prioridade não é determinar o que é verdadeiro, mas o que é plausível. Os experimentos mentais são a ferramenta privilegiada para esse tipo de investigação. Com eles é possível imaginar cenários que permitem estender os limites da reflexão por meio da descrição de situações hipotéticas. Esses cenários podem ser paradoxais, mas não devem contrariar as leis da lógica e da física. Esta última cláusula é fundamental. Dificilmente poderíamos considerar legítimo um experimento mental que incluísse vacas que voam. Uma discussão filosófica pode ser um experimento mental. Nos diálogos socráticos de Platão, há um momento no qual os interlocutores sucumbem ao peso das questões como se seu pensamento tivesse sido distendido ao máximo, como se eles tivessem perdido a esperança de poder concluir sua investigação. É nessa hora que Sócrates retoma a palavra para mostrar que existem caminhos para escapar da enxurrada caudalosa de dúvidas e desfazer a incerteza. O diálogo socrático é um experimento mental, é uma investigação cujos resultados não podem ser previstos. Talvez por isso Sócrates nunca os tenha escrito, pois registrá-los seria controlar a direção da reflexão, sacrificar sua liberdade por saber, de antemão, como as questões poderiam ser respondidas. A verdade precisava ter a força da compreensão súbita, do insight impactante, de um déjà vu que, subitamente, invadisse a mente dos participantes. Um texto nunca seria capaz de espelhar plenamente essa experiência de ousar perder-se no pensamento, a vivência autêntica de fazer filosofia. Um experimento mental clássico na história da filosofia é vivido por Descartes no percurso de suas Meditações Metafísicas, publicadas em 1641. Nesse experimento, ele se pôs a duvidar de tudo, até que alguma certeza sobrasse. A dúvida é a primeira grande expressão do poder da razão. Pode-se duvidar de tudo, a começar daquilo que nos é transmitido pelos sentidos, por nossas sensações. A dúvida vai demolindo as certezas habituais, em um processo progressivo. Posso duvidar se o mundo é real ou apenas uma fantasia da minha mente. Para assegurar que encontraria uma certeza inabalável, Descartes imaginou um gênio maligno, uma figura alegórica que simbolizava a tentativa persistente e habilidosa de meus sentidos e de meus próprios raciocínios de levar-me ao 44

engano. As minhas sensações, por exemplo, quando estou acordado, são tão vívidas como quando estou sonhando. Como eu poderia distinguir entre sonho e vigília? Não haveria nenhuma marca que me permitiria saber se as impressões que tenho estão ocorrendo durante minha vigília ou durante um sonho. Nada me garante que estou acordado quando penso que estou. Meu sonho poderia ser tão vívido a ponto de me convencer de que eu estaria acordado quando, de fato, estivesse apenas sonhando. Ou seja, quando penso que estou acordado, poderia estar sonhando um sonho no qual tudo se passaria como se eu estivesse acordado. Inversamente, quando estou acordado, poderia estar apenas sonhando. Vamos imaginar esse gênio maligno como um neurocientista perverso que, por meio de um implante cuidadoso de eletrodos no meu cérebro, poderia produzir em mim vários tipos de sensações, a começar por experiências visuais de perceber objetos diante de mim, mesmo que eu estivesse momentaneamente cego e não pudesse enxergá-los. Este neurocientista poderia se tornar ainda mais sofisticado se, por meio do implante desses eletrodos, ele reproduzisse o modo como esses objetos são encadeados em uma sequência causal que imitasse perfeitamente uma percepção realista e ordenada do mundo. Certamente, esse neurocientista teria de desenvolver uma técnica bastante sofisticada para determinar com precisão o local e a sequência em que os eletrodos teriam de ser implantados em meu cérebro de modo a produzir uma alucinação tão bem estruturada que eu nunca pudesse saber se estaria alucinando ou não. Como seria possível enfrentar esse neurocientista perverso e, no meio de tanta névoa, encontrar alguma certeza na qual eu pudesse me apoiar? O grande insight de Descartes é que não posso duvidar de que duvido; deste ponto ele infere sua frase mais célebre, o Cogito ergo sum ou “Penso, logo existo”. Essa é a certeza que ninguém pode me arrancar: “Penso, logo existo”. Isso porque podemos duvidar de qualquer coisa, até mesmo se o mundo existe ou se dois mais dois é igual a quatro, mas não é possível duvidar de que estamos duvidando, ou seja, não podemos duvidar de que pensamos ao formular nossas próprias dúvidas, pois dúvidas são pensamentos. Assim sendo, é impossível pensar que não pensamos, pois, neste caso, estaríamos incorrendo em uma contradição. “Penso, logo existo”, o cogito, é uma proposição única e peculiar, na medida em que não é possível negá-la. O cogito é um teste infalível para detectar a existência de uma subjetividade. Se um robô ou um sonâmbulo pronunciassem ou escrevessem a frase “Penso, logo existo”, provavelmente não a aceitaríamos como autêntica, pois saberíamos que ela não expressaria uma experiência subjetiva e seria apenas a imitação de um comportamento verbal. Qualquer outro pensamento ou sensação pode ser reduzido a um mero comportamento verbal, mas com o 45

cogito, isso não é possível. O pensamento de Descartes é labiríntico. Por vezes, temos a vertigem de estar caindo em um poço (c)artesiano. Já li e reli as Meditações várias vezes, mas creio que nunca compreendi sua filosofia. Tenho dúvidas quanto ao cogito. Quando declaro “Penso, logo existo”, estou afirmando que eu não poderia pensar se não existisse. Mas eu poderia existir também se eu não pensasse. Existo só porque algo existe, seja matéria, pensamento ou espírito. Pode ser que eu nunca consiga descobrir a natureza desse algo. Mas não é possível negar que ele existe. Nenhum filósofo jamais discordou de que algo existe, que há algo que jaz à nossa frente e do qual fazemos parte. Se todos os filósofos concordam que algo deve existir, seja qual for sua natureza, nesse caso o cogito não é minha certeza primeira, fundamental. Ele é uma certeza derivada de outra, ou seja, de uma certeza primordial que o antecede. Por isso, só podemos afirmar que o cogito é uma verdade parcialmente fundante. Existo antes de pensar e não porque penso. Em outras palavras, eu não poderia pensar se eu não existisse, mas eu também poderia existir sem pensar. Por que o cogito teria, então, de ser o ponto de partida da metafísica, o alicerce incontestável para construir o edifício do conhecimento? Sou corroído por dúvidas quando releio a passagem na qual Descartes fala sobre o gênio maligno. Em certa ocasião, visitei um trutário em Campos do Jordão. Nele, os peixes eram mantidos em um tanque e havia alguns mecanismos que imitavam pequenas cachoeiras. Como será o mundo desses animais? Não é claro que seu mundo está sendo produzido artificialmente? E por que isso não poderia estar acontecendo com os seres humanos? A hipótese de vivermos em uma simulação é perversa, mas não pode ser inteiramente descartada. Lembra-se da possibilidade de vivermos em um mundo coerentemente falso, produzido por um Deus sarcástico do qual falamos no capítulo I, quando discutíamos o problema da verdade? Mas há ainda outra questão que precisamos abordar antes de prosseguir. Será que um experimento mental pode falhar, ou seja, levar-nos por um caminho inusitado como nos diálogos socráticos? Ou serão as situações hipotéticas projetadas de forma a serem sempre previsíveis e, por isso, apenas ilustrativas de um ponto de vista que se quer defender? O filósofo americano Robert Nozick descreve, no seu livro Anarquia, Estado e Utopia, publicado em 1971, uma máquina de produzir experiências, controlada por um neurobiólogo que, por meio de eletrodos, estimularia partes do cérebro e causaria vários tipos de sensações, por exemplo, estar escrevendo um poema genial ou saboreando um jantar maravilhoso. Seria possível programar essa máquina para produzir experiências agradáveis a cada dois anos e, no fim desse período, haveria um intervalo no qual seria possível programá-la novamente. Quem não gostaria de estar conectado a essa máquina 46

de produzir prazer? Quem recusaria levar uma vida de felicidade plena, apesar de ser apenas na forma de experiências subjetivas ilusórias? Nozick afirma que não aceitaríamos viver para sempre conectados a essa máquina, pois não queremos apenas ter experiências, mas agir de modo a produzi-las. Há pessoas que procuram experiências reais, e não apenas viver como se as estivessem sentindo. Ou vivo minha vida ou vivencio uma vida feita para mim. Sem uma opção pela liberdade, não existe uma vida que não seja apenas vegetativa, ou seja, não existe uma vida no sentido pleno e existencial da palavra. O contato com o mundo real me dá essa escolha e, por isso, viver no mundo real é uma opção pela liberdade. Nozick considera que todos faríamos essa escolha, pois, no fundo, não suportaríamos viver enganados. A situação descrita por Nozick é semelhante à do filme Matrix, de Andy e Larry Wachowski (1999, 2003). Há um mundo real, insuportável, que, no entanto, é camuflado por uma máquina, a Matrix, que manipula nossa percepção e o torna prazeroso. O protagonista do filme tem de optar entre tomar uma pílula azul e continuar a ter sua vida monitorada por uma máquina ou tomar a pílula vermelha e cair no deserto do real. O personagem escolhe a pílula vermelha e faz a opção de viver uma vida livre e responsável, embora sem nenhum conforto. Creio que o experimento de Nozick pode falhar. No nível institucional, muitas pessoas trocam sua liberdade pela segurança, ou seja, optam pela pílula azul. Esse é o princípio que tem servido, até agora, para muitos políticos implantarem estados totalitários e se perpetuarem no poder. Há pessoas que optam, de-liberadamente, por viver conectadas à máquina do prazer. São os consumidores de crack, por exemplo. Quando alguém opta por consumir essa droga, troca, de forma irreversível, uma vida prazerosa por uma morte inevitável em pouco tempo. O consumidor de crack opta pela pílula azul, ou seja, escolhe viver em seu falso mundo prazeroso, e, embora esse seja seu único ato livre, sabe que não terá como revertê-lo. Os experimentos mentais são um grande teste para nossa musculatura mental. Mas até que ponto eles podem arrastar nossa imaginação? Um dos experimentos mentais mais bizarros da história da filosofia foi formulado pelo teólogo medieval francês Jean Buridan, que viveu no século XIV. Buridan, que foi reitor da Universidade de Paris, era proprietário de um asno que morreu de fome. O asno tinha ao seu lado uma grande quantidade de aveia e do outro, um jarro de água, mas não conseguiu decidir se tinha fome ou sede. A vacilação durou tanto tempo que ele morreu. Esse asno não morreria se tivesse livre-arbítrio, pois, nesse caso, ele tomaria a decisão de comer ou de beber. No entanto, como atribuir livre-arbítrio a um animal? Para os teólogos medievais, somente seres humanos, por serem racionais e terem alma, são capazes de romper as forças implacáveis da natureza por meio de ações guiadas pelo livre-arbítrio.

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Nesse caso, ou temos de admitir que o asno tem uma alma igual à nossa, ou ele morrerá de fome e de sede. Como escapar desse dilema? Pobre asno! Não era ele o desalmado, mas os teólogos que decretaram que ele não tinha o direito de ter uma alma. Que bando de teólogos desalmados!

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A filosofia vai acabar? Será que um dia a filosofia vai acabar? Essa questão já foi formulada no primeiro capítulo, mas agora é preciso reexaminá-la a partir de outra perspectiva. O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty afirmou que, enquanto o homem durar, a filosofia não terminará. O que é o homem? Será que somos seres especiais, com um lugar privilegiado no universo? As respostas têm de ser encontradas na própria filosofia. Enquanto não conseguirmos resolver essas questões, a obra da razão não estará acabada e, por isso, a filosofia continuará. O homem é um animal racional, proclamou Aristóteles. Mas é difícil acreditar nisso. Séculos mais tarde, Bertrand Russell declarou que passou toda sua vida buscando provas que sustentassem essa afirmação. O escritor tcheco Franz Kafka escreveu, em um conto publicado em 1917, que, para um macaco se tornar humano, bastaria ele aprender a falar, desistir de qualquer plano para conquistar liberdade e ser capaz de trabalhar em um teatro de variedades. Grande parte das narrativas iniciais que o homem criou sobre si mesmo o situaram no centro do universo, pois seríamos criaturas privilegiadas, seres conscientes e com livre-arbítrio — o que nos elevava acima de todas as outras. Essa tradição foi herdada pelo cristianismo e depois retransmitida para a filosofia. No século XVIII, o Iluminismo francês e a filosofia de Kant deram um passo a mais, acrescentando que o homem é um ser autônomo, diferentemente dos outros animais, que seguem, cegamente, as leis da natureza. Autonomia significa cortar os laços imediatos que ainda nos prenderiam diretamente a Deus. Com isso, passamos a nos considerar seres livres e responsáveis por nossas decisões éticas que não se limitam a apenas seguir os mandamentos da religião. Em outras palavras, deixamos de ser os animais de estimação de Deus e nos condenamos ao inferno da livre decisão moral. O humanismo que surgiu com o Iluminismo centralizou, no domínio consciente da existência humana, a possibilidade de transformação do mundo e das sociedades por meio da política. Esse humanismo é, hoje em dia, laico, pois não precisa mais da ideia de Deus. No entanto ele herdou da tradição religiosa a ideia de que somos os únicos e verdadeiros senhores deste planeta. Na contramão da religião, e de muitas filosofias, a ciência corroeu nossa autoestima ao mostrar que não somos criaturas privilegiadas no cosmos. A descoberta de Copérnico, de que a Terra é apenas um planeta que gira em torno do Sol, contribuiu para construirmos uma autoimagem que ressalta nossa pequenez diante de um cosmos imenso, no qual há bilhões de galáxias. Mas será que a descoberta de Copérnico implica que nosso sistema solar não 49

poderia ser o centro do universo no qual vivemos? Quando foi processado pela Inquisição, Galileu insistiu na necessidade de distinguir o aspecto teológico e o astronômico envolvidos nessa questão. Podemos não ser o centro astronômico do universo, mas isso não implica que não possamos ser o centro da criação. Ou seja, podemos, do ponto de vista teológico, continuar a ser o centro do universo, seres especiais escolhidos por Deus, pouco importando se isso coincide com nossos dados astronômicos. Contudo, Galileu não conseguiu explicar essa distinção aos seus inquisidores ou, talvez, eles nunca a tenham compreendido, e por isso ele foi processado pela Inquisição. As polêmicas envolvendo astronomia e teologia são antigas. Giordano Bruno, filósofo e teólogo italiano do século XVII, polemizou com a Igreja ao defender a pluralidade dos mundos. O problema, então, é saber se Jesus veio a todos esses mundos. Se ele veio a todos, a crucificação deixa de ser um evento único e sagrado. Mas, se ele veio apenas ao nosso planeta, então há muitas pessoas sem nenhuma possibilidade de salvação. No século XX, a descoberta de Copérnico foi contrabalançada com a ideia de que o surgimento da vida depende de uma complexa sincronização de variáveis cosmológicas, uma espécie de extraordinária coincidência que possibilitou a formação dos primeiros micro-organismos. Seríamos especiais porque somos seres vivos, um fenômeno raro que, para acontecer, requereu a existência de um universo que reunisse condições peculiares. No entanto, a física contemporânea, ao formular a hipótese da existência de um multiverso, reeditou a ideia de pluralidade dos mundos defendida por Giordano Bruno. Há inúmeros universos paralelos. Vivemos em um multiverso, e a extraordinária coincidência da repetição das condições peculiares que possibilitaram a vida, embora rara, pode também ter se desenvolvido em outros universos além do nosso. Isso nos tornaria especiais, mas não necessariamente únicos. Faltaria ainda saber se nos universos nos quais a vida se desenvolveu haveria também inteligência. Será a inteligência resultado da evolução natural? Essa parece ser a hipótese científica mais plausível. Nesse caso, para supor a existência de vida inteligente em outros planetas teríamos que encontrar universos nos quais a vida tenha evoluído da mesma maneira que na Terra. Mas como garantir que os princípios da evolução darwiniana, por seleção natural, existem também em outros universos e em outros planetas? A evolução envolve história, ou seja, contingências que podem ser únicas e nunca mais repetidas. Uma mesma história evolucionária seria necessária, mas não garantiria que aparecesse, em outros lugares do universo ou em outros universos, algo semelhante à inteligência humana, ou seja, a inteligência consciente. A consciência, além da inteligência, nos tornaria seres únicos, pois 50

seríamos não apenas um evento incomum na história do cosmos como também na história da vida. A ideia de que a consciência é resultado da evolução só foi explicitamente defendida por Darwin em seu livro A Origem do Homem e a Seleção Sexual, publicado em 1871. Ele discordava de seu colega Alfred Russel Wallace, um biólogo que perdeu, em um naufrágio, o rascunho de uma obra semelhante à Origem das Espécies poucos anos antes de Darwin publicá-la, em 1859. Wallace não concordava que a consciência pudesse ser explicada pela evolução. Para ele, a consciência humana era uma exceção às leis da biologia. Mas será possível, como sugeriu Wallace, conciliar a teoria da evolução com a ideia de que a consciência nos torna seres únicos no universo? A combinação da cosmologia do multiverso com a teoria da evolução se tornou uma mistura explosiva para o humanismo. Para os humanistas, é aceitável que nosso universo seja apenas um acidente cósmico e que a vida tenha surgido aleatoriamente. Mas é inaceitável considerar o ser humano apenas como um acidente da evolução. A consciência, garantia de nossa liberdade e de nossa responsabilidade ética, nos torna diferentes dos outros animais. O naturalismo, uma extensão natural do darwinismo, enfrenta oposição de quase todas as religiões e filosofias, para as quais é inaceitável considerar o ser humano apenas o resultado da evolução biológica. Para a visão naturalista, somos apenas uma combinação especial de moléculas. Somos apenas portadores de genes que, até agora, têm permitido que a história da vida neste planeta já dure mais de 3,5 bilhões de anos. A evolução nos torna apenas um elo transitório na linhagem da vida. A ideia de explicar a consciência por meio da biologia é um dos pontos cruciais da oposição entre o humanismo e o naturalismo. O humanismo não é contra a teoria da evolução, isto é, seus defensores não são criacionistas, mas não aceitam que não sejamos senhores da nossa história, de nossas economias e da organização de nossas sociedades. Não podemos explicar fenômenos sociais complexos como a criminalidade apenas por referência à nossa semelhança com os primatas. Os fenômenos humanos não podem ser explicados por leis biológicas e físicas, tampouco reduzidos a elas. Como o ser humano é autônomo, as ciências humanas, como a sociologia, a antropologia e a economia, têm seus modelos próprios de explicação. Em outras palavras, para o humanismo é inaceitável que o homem tenha se transformado em apenas mais um objeto de explicação das ciências naturais. O humanismo leva a uma exaltação da excepcionalidade do ser humano e uma consequente desvalorização dos outros animais. A visão naturalista caminha na direção inversa. Para os naturalistas, a vida que precede o homem é 51

extremamente importante, pois, sem ela, não estaríamos aqui. Eles lamentam que a tradição filosófica desde Aristóteles, passando por Tomás de Aquino, Descartes e, mais recentemente Heidegger, desvalorizou os animais. Os naturalistas defendem a necessidade de uma ética animal e condenam a crueldade e a falta de respeito com a qual tratamos nossos companheiros planetários. A visão que temos de nós mesmos pode determinar o destino de nossa espécie e, por isso, não é apenas uma questão teórica ou acadêmica. O humanismo, que prega que somos senhores do planeta, nos levou à hiperpopulação e ao desastre ambiental por não respeitar os outros animais e os vegetais, que são considerados apenas recursos à disposição do homem. Por outro lado, o naturalismo é visto como uma ameaça, pois pode levar a uma visão desumanizada do homem, na qual o sofrimento individual nada tem de especial, pois é apenas consequência da luta pela sobrevivência, um dos princípios fundamentais do darwinismo. Os defensores do humanismo acreditam na possibilidade de criação de novas tecnologias que permitam superar o desastre ambiental e, assim, manter o homem na sua posição de senhor da Terra. Certamente, isso é uma aposta em um futuro otimista. Os naturalistas, que nas últimas décadas têm tentado conceber o ser humano no contexto de seu ecossistema, preveem um futuro de recursos extremamente escassos que obrigará a uma reformulação de valores fundamentais como a propriedade privada e a individualidade. Muitos dilemas éticos futuros se concentrarão na impossibilidade de conciliar a preservação da vida como valor moral com os imperativos biológicos necessários para a sobrevivência da espécie. Um dos temores dos humanistas é que o homem derreta sua própria imagem ao se incluir como objeto da ciência natural. A conquista da natureza humana pela ciência pode ser também sua supressão. O homem deixa de ser um enigma para si mesmo e o humanismo tem de ceder lugar para o naturalismo que, por sua vez, se encarregará de eliminar a filosofia, absorvendo-a na ciência. No entanto, a ciência não explica por que nos percebemos como pessoas, tampouco por que essa é uma intuição inabalável. Os gregos antigos distinguiam entre zoe e bios. Zoe é nossa vida como organismos, como seres biológicos. Bios é nossa vida como experiência subjetiva, como história pessoal. Somos zoe e bios ao mesmo tempo, mas até agora ninguém mostrou como uma poderia ser reduzida a outra. A ciência cada vez mais procura se desfazer da noção de pessoa, simplesmente ignorando-a ou deletando-a. Mas, sem ser uma pessoa, como o homem pode continuar a ser o autor da ciência que visa suprimi-lo? O risco do naturalista é jogar fora o bebê junto com a água do banho. 52

Há um paradoxo implícito nas narrativas naturalistas que o ser humano produz sobre si mesmo. Ao mesmo tempo que a ciência nos diminui, ela nos exalta ao enfatizar a nossa capacidade de conhecermos o mundo e a nós mesmos. Quanto mais a ciência nos diminui para poder nos explicar, dissolvendo-nos, mais ela ressalta a exuberância da razão humana. Um paradoxo ainda maior é que, da perspectiva naturalista, o homem não pode perecer. O darwinismo não pode ser apenas um produto da seleção natural sob pena de se autocontradizer. Ou seja, se usarmos as ideias de Darwin para explicar a consciência, teremos de admitir que as teorias científicas que o homem construiu sobre si mesmo nada mais são do que um produto efêmero da evolução biológica. Em outras palavras, para podermos proclamar que não somos especiais, é preciso que isso seja feito por alguém tão especial como nós. O darwinismo verga sob seu próprio peso e o humanismo reaparece na cena naturalista, mesmo que seja para entrar pela porta dos fundos. Penso que a filosofia resistirá às nossas próprias tentativas naturalistas de extingui-la pelo fato de ela ser parte do nosso Umwelt, um termo criado pelo biólogo Jakob von Uexküll no início do século XX. O Umwelt designa o mundo próprio de cada organismo, um microcosmo inseparável e insuperável, que se estabelece na interface dos seres vivos com seu meio ambiente. Esse microcosmo determina o significado do que está no entorno do organismo e, com isso, também suas prioridades biológicas. O mundo dos insetos não é o mesmo que observamos. Tampouco é o da água-marinha. Cães privilegiam os odores na sua percepção e ouvem sons inaudíveis para os ouvidos humanos. A água pode ser inconcebível para os peixes, pois como eles nunca viveram em outro ambiente, provavelmente eles não são capazes de enxergá-la. Cada animal recorta a realidade de sua maneira e é uma ilusão achar que existe um mundo comum no qual se situariam todos os seres vivos. O Umwelt humano é definido pelo nosso mundo cotidiano, com mesas, cadeiras, um espaço tridimensional e um sol que nasce e se põe no fim do dia. O Umwelt de animais mais sofisticados como o ser humano permite que ele crie, por meio do pensamento e da linguagem, uma visão de mundo no qual ele mesmo está situado. A filosofia é uma parte importante desse Umwelt. Ele torna nosso mundo inteligível e atribui sentido à nossa vida por meio de uma cosmovisão que, embora contrariando a ciência, nos situa em um lugar privilegiado e confortável no universo. Construímos um mundo para que nele possamos nos sentir especiais. Da perspectiva do Umwelt, o humanismo não se conflita com o naturalismo, pois se do ponto de vista biológico ele é um microcosmo ele é, também, um macrocosmo para o organismo que o habita. Mas, se nosso Umwelt nos traz conforto, isso pode ter um preço muito alto. 53

Estamos todos juntos e sozinhos com as outras espécies deste planeta. Nosso Umwelt é nossa solidão, pois, mesmo se conseguíssemos nos comunicar com outras espécies, não poderíamos entendê-las, pois seu mundo é muito diferente do nosso. Como afirmou Wittgenstein, se um leão pudesse falar, não compreenderíamos o que ele diz. Se houver hominídeos inteligentes em outros planetas, isso tampouco nos livrará de nossa solidão. Pois, se o ambiente no qual eles vivem for muito diferente do nosso, o que, aliás, é muito provável, seu Umwelt será incompreensível e não conseguiremos nos comunicar com eles. No nosso Umwelt, a filosofia continuará a ter um lugar privilegiado, pois ela é uma alternativa ao discurso fragmentário das religiões. Acabar com a filosofia seria o mesmo que optar por tomar a pílula vermelha no filme Matrix, ou seja, desvelar o deserto do real. Mas isso seria insuportável e, possivelmente, não sobreviveríamos ao desespero.

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Ficção neurocientífica O século XXI se tornou a era dos fundamentalismos. Há fundamentalismos religiosos e políticos, e também o fundamentalismo científico. O projeto do fundamentalismo científico é construir uma ciência sem pressupostos filosóficos. Se no passado a preocupação era discutir a possibilidade da metafísica se tornar uma ciência, agora esse projeto é invertido e se busca transformar a ciência na nossa melhor metafísica. Será que um dia a ciência substituirá a filosofia? Não acredito nessa possibilidade. Explicar a natureza da consciência, um dos temas centrais da metafísica após o século XVII, continua sendo um grande desafio para unificar a visão científica do mundo. A ciência moderna criou uma lacuna entre consciência e matéria sobre a qual ainda não foi possível construir uma ponte. No entanto, existem filósofos e cientistas contemporâneos que acreditam que essa ligação pode ser reestabelecida, pois essa lacuna seria ilusória. Um dos itens mais importantes desse projeto é explicar os mecanismos cerebrais do pensamento e construir uma teoria biológica que elimine quaisquer resíduos filosóficos. Noções como as de “consciência”, “mente”, “pessoa” são consideradas pré-científicas e devem, com o progresso da neurociência, desaparecer. Esse projeto está longe de ser realizado, mas sua possibilidade no futuro tem sido amplamente apregoada por alguns neurocientistas. “Somos criaturas da matéria”, proclama, enfaticamente, Patricia Churchland, uma das mais entusiásticas defensoras do materialismo eliminativo. Desde meados da década de 1980, o casal de filósofos Paul e Patricia Churchland se dedica ao projeto de aposentar a filosofia por meio da neurociência. Esse projeto, batizado de materialismo eliminativo, se baseia na aposta de que a neurociência superará a psicologia e a filosofia. É um projeto mais ambicioso do que o próprio reducionismo mente-cérebro, pois superar não significa extinguir, mas tornar algo obsoleto. Na maioria dos casos, a superação não significa a extinção imediata, mas a desautorização institucional de alguns tipos de conhecimento, como ocorreu no caso da astrologia em relação à astronomia e da alquimia em relação à química. Será que a psicologia será desautorizada pela neurociência? O materialismo eliminativo é uma das tentativas mais drásticas de suprimir a psicologia e a filosofia. Embora não exista uma filiação histórica, a proposta do materialismo eliminativo se assemelha ao positivismo esboçado por Auguste Comte no século XIX. Comte julgava que a psicologia desapareceria, cedendo lugar à ciência. Na lição 45 de seu extenso e tedioso Curso de Filosofia Positiva, publicado em 1869, Comte defendia que o estudo da mente se 55

tornaria um capítulo da fisiologia. Seguindo essa linha de raciocínio, o materialista eliminativo sustenta que ainda não existe uma solução empírica para o problema mente-cérebro, mas que nada nos impedirá de alcançá-la no futuro. Desde meados da década de 1990, quando foi inventada a neuroimagem, a identidade mente-cérebro passou a ser um mantra aceito tacitamente pelos neurocientistas e psiquiatras. Pouco importa se essa ideia conflita com suas visões religiosas, quase sempre dualistas. Os cientistas não se interessam mais por ter uma visão ampla do mundo, e tampouco que ela seja coerente. A identidade entre mente e cérebro tem sido, até agora, uma hipótese extremamente útil para o desenvolvimento da neurociência e da biopsiquiatria. Embora nunca tenha sido demonstrada, a partir dela foi possível desenvolver medicamentos para aliviar os sintomas de vários transtornos psíquicos. O controle químico da angústia, da ansiedade e do pânico é, atualmente, uma das prioridades das sociedades contemporâneas. Por outro lado, perdemos o direito de nos angustiar, nos desesperar ou nos descontrolar. Como esses sintomas e comportamentos passaram a ser controláveis, eles se tornaram socialmente inadmissíveis. Uma premissa fundamental das sociedades pós-modernas é que todos têm o dever de sempre estar bem. A intolerância a qualquer manifestação de transtorno mental cresceu proporcionalmente à possibilidade de aliviá-los por meio de medicamentos. Apostar contra a identidade mente-cérebro significa, hoje em dia, apostar contra o progresso da psiquiatria. Espera-se dos filósofos a cortesia de conceder que essa é uma hipótese verdadeira, sem a qual não faria sentido intervir no cérebro por meio de medicamentos que atuam no nível neuroquímico. Historicamente, quem apostou contra a ciência sempre perdeu. Por isso, quem não aceita a possibilidade de redução da mente ao cérebro faz parte do time dos românticos que apostam contra a ciência. Os materialistas eliminativos concebem a redução mente-cérebro apenas como um estágio intermediário na eliminação da psicologia e sua transformação definitiva em neurociência. No entanto, até hoje ainda não ficou claro o que seria essa eliminação, nem como e quando ela ocorrerá. A observação dos sintomas de alguns transtornos mentais pode ilustrar essa dificuldade. Não basta afirmar, por exemplo, que o consumo de um determinado medicamento suprime ideações suicidas de um paciente depressivo. O desaparecimento dessas ideações pode ser causado por uma melhoria geral do estado emocional do paciente, que o deixe momentaneamente eufórico, mas isso não é suficiente para sabermos se foi a medicação que fez com que elas desaparecessem. Ideações suicidas podem ser causadas por desespero ou ansiedade, sintomas que, se suprimidos, eliminam indiretamente o desejo de autodestruição. Da mesma forma, sabemos que 56

algumas drogas alteram a mente, mas até agora não foi possível encontrar uma correlação específica entre essas substâncias e determinados estados mentais. Um evento relatado por um neurocirurgião que se tornou meu amigo pode, talvez, nos dar uma ideia mais precisa do que se pretende quando se fala em uma redução de estados mentais a estados cerebrais como caminho para a eliminação do mental. Era o caso de uma moça que sofria de um tipo específico de zumbido auditivo. Ela ouvia, dia e noite, o barulho de uma cachoeira, um ruído que tinha se transformado em uma trilha sonora infernal que a acompanhava em todos os momentos de sua vida. Ela tinha tentado vários tipos de tratamento sem, entretanto, obter nenhum alívio. Uma investigação minuciosa no cérebro da paciente, utilizando técnicas avançadas de neuroimagem, revelou que uma pequena veia do córtex auditivo estava encostada em outra. O passo seguinte foi realizar uma cirurgia para abrir um minúsculo espaço entre essas veias, isolando-as de qualquer contato. Depois de alguns dias na UTI, a paciente se recuperou e relatou que o ruído da cachoeira tinha desaparecido. O raciocínio do neurocirurgião era que, se uma veia se encostava à outra e produzia o ruído de uma cachoeira, a paciente, certamente, estava ouvindo o fluxo de seu próprio sangue no cérebro. Ou seja, o ruído da cachoeira era como uma transcrição mental do que ocorria no cérebro. A cirurgia descobriu uma isomorfia entre um estado cerebral e um estado mental, entre o evento objetivo do fluxo de sangue e a experiência subjetiva, privada, do ruído de uma cachoeira. O neurocirurgião me disse, transbordando de alegria, que esse era um passo inicial, mas decisivo, para decifrar o problema da relação entre mente e cérebro. Essa isomorfia entre o fluxo de sangue e o ruído de uma queda d’água abriu uma passagem entre o físico e o mental, entre cérebro e mente. Finalmente, a neurociência tinha resolvido o problema principal da filosofia da mente. A lacuna entre consciência e matéria podia, finalmente, ser preenchida. Meu novo amigo, o neurocirurgião, me disse, ainda mais entusiasmado, que aquela cirurgia podia ser considerada um marco histórico no desenvolvimento da neurociência. Ele previa vários usos clínicos para essa descoberta cirúrgica. Em breve, o desconforto dos esquizofrênicos que ouvem vozes poderia ser resolvido por meio de intervenções neurocirúrgicas análogas, visando reestabelecer o funcionamento adequado de circuitos cerebrais. Contudo, foi no momento seguinte que o neurocirurgião arriscou sua hipótese mais ousada. Se formos capazes de controlar as alucinações auditivas de um esquizofrênico, por que não controlar outras vozes no interior de nossa cabeça? Afinal, todos nós ouvimos vozes no interior de nossas cabeças o tempo todo, e a isso nossa cultura denomina “consciência”. O importante, dizia ele, não é estancar essas vozes, como no caso do esquizofrênico, mas apenas 57

esclarecer, definitivamente, sua origem em circuitos cerebrais específicos. As pesquisas em neurociência, nas próximas décadas, permitirão à humanidade livrar-se de um incômodo problema filosófico: explicar o que é a consciência. Quando o neurocientista falou sobre ouvir vozes causadas pelo mau funcionamento de circuitos cerebrais, a imagem que me ocorreu foi a de Sócrates, que afirmava ouvir uma voz interior que sabia mais do que ele mesmo, um daimon, ou a voz de Deus, cujos conselhos seguia sem duvidar. Será que Sócrates era um esquizofrênico? E, depois dele, Descartes, Wittgenstein e outros filósofos que relataram ouvir vozes no interior de suas cabeças? Existem muitos preconceitos contra a ideia de ouvir vozes, embora saibamos que ouvi-las, de vez em quando, não é necessariamente um sintoma de esquizofrenia. No seu livro A Mente Assombrada, publicado em 2012, o neurologista americano Oliver Sacks relata seu contato com vários pacientes que ouviam vozes, mas que não eram esquizofrênicos. Nem todas as vozes que ouvimos são patológicas e, frequentemente, são apenas indícios de estresse agudo. A última notícia que tive do neurocirurgião foi que ele apresentou esse caso em um grande simpósio de neurociência na Universidade John Hopkins, em Maryland, nos Estados Unidos. A apresentação foi um grande sucesso, e esse tipo de neuropatologia foi classificado como Síndrome de “Cataratas do Iguaçu”. Era um nome difícil de ser pronunciado em inglês, mas foi escolhido em homenagem ao fato de a descoberta ter sido feita por um cientista brasileiro. Para muitos neurocirurgiões americanos, não havia dúvida de que a redução de um suposto fenômeno psicológico a suas bases neurais tinha ocorrido e que agora o caminho estava livre para chegar à eliminação final, ou seja, a da consciência. Mas havia opiniões recalcitrantes. Casos como o dessa paciente são raríssimos e, por isso, seria precipitado afirmar que a partir da Síndrome de “Cataratas do Iguaçu” seria possível formular uma teoria neurológica da consciência.

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Conclusão Ao tentar definir o que é prazer, Platão partiu da observação da atividade cotidiana de comer e beber. Quando comemos, saciamos a fome e, quando bebemos, a sede. Em ambos os casos, há um processo no qual se passa de um desejo para sua satisfação. Platão afirmou que esse processo define o prazer. Aristóteles argumentou que a definição de Platão estava errada, pois, quando jantamos, pode acontecer alguma coisa que nos obrigue a interromper a refeição na metade. Nesse caso, se a definição de Platão estivesse correta, eu teria apenas metade do prazer, o que, para Aristóteles, não faz sentido, pois não existe meio prazer. Ou seja, o prazer não pode ser fracionado, e só podemos comparar seu grau de intensidade, isto é, se é mais ou se é menos intenso. Esse argumento de Aristóteles fornece um exemplo típico de análise conceitual, uma das atividades mais importantes da filosofia. A análise conceitual mostra o quanto pode ser descoberto pela razão. Na filosofia, a razão precisa explorar a si mesma, o pensamento se constitui a partir dele mesmo na busca por uma compreensão do mundo. Essa busca precisa pressupor, pelo menos no seu início, a existência de um princípio cósmico na ordem do mundo, independente da vontade e dos caprichos dos deuses, para passar da mágica para a razão e da mitologia para a filosofia. Penso que o início da filosofia na história só pode ser determinado convencionalmente. A maioria dos manuais situa seu começo na Antiguidade grega, mas sua origem é tão ancestral como a da própria razão. É provável que a filosofia, no Ocidente, tenha começado como um boato, o rumor de que existiria uma ordem cósmica e que havia um grupo de sábios que poderiam desvendá-la usando apenas a razão. Esse boato pode ter sido, no início, pouco mais do que uma lenda urbana da Atenas antiga que se transformou na ideia da existência de um logos universal, que permearia o universo. Boatos nunca têm uma origem definida e, por isso, é fácil espalhá-los sem correr riscos. Eles são como o sal: se o espalharmos mais do que o necessário sobre a comida, não será possível retirá-lo. Alguns rumores não desaparecem e passam a ser distorcidos, exagerados e geram mal-entendidos. Foi assim que começou a história da filosofia, essa imensa batalha de argumentos que, por ser interminável, nunca terá um vencedor. A história da filosofia é uma narrativa de mal-entendidos que geraram outros mal-entendidos, de interpretações equivocadas que nunca foram desfeitas, que geraram mais equívocos que, provavelmente, nunca serão esclarecidos. A grande questão que preocupa não apenas os filósofos, mas a maioria das 59

pessoas é saber se existe uma estrutura lógica do mundo, esse logos. Há uma ordem cósmica ou será que tudo é aleatório, inclusive a existência de um animal que formula essa questão? Se essa ordem existir, como cada uma das vidas humanas se encaixa nela? O homem pós-moderno se tornou um “ciborgue” melancólico, frustrado por perceber que não pode responder a essas questões nem a outras que envolvem dúvidas sobre a existência e a morte. Para a filosofia, existir uma ordem não basta, pois resta ainda saber se podemos decifrá-la. E se conseguirmos decifrá-la, quem pode garantir que existiria apenas uma única solução para esse quebra-cabeça? Imagine novamente o tabuleiro do quebra-cabeça de que falei no capítulo I, quando discutia o problema da verdade. Esse tabuleiro pode vir acompanhado de vários sacos de peças, que correspondem a diferentes maneiras de preenchê-lo. Se existirem várias soluções, teremos de saber o critério para escolher a mais adequada. Podemos conceber a filosofia como algo semelhante a esse quebracabeça, pois ela envolve não apenas a formulação de questões, como também a discussão de soluções, buscando selecionar as mais plausíveis. A pluralidade de soluções e a impossibilidade de decidir pela mais adequada não significam desmoralizar a verdade. A pluralidade pode nos afastar do platonismo, do monoteísmo da verdade única sem, no entanto, forçar uma convivência com proposições inconsistentes em nome de diferenças culturais ou históricas. O fato de teorias científicas ou filosóficas variarem ao longo da história não implica que elas sejam um produto histórico, como querem os relativistas. Essa é uma forma de reducionismo tão indesejável quanto à dos materialistas eliminativos que abordei no capítulo anterior. Nas últimas décadas, a filosofia passou a ser recebida com desconfiança, não apenas por causa dos estereótipos cotidianos, mas também pelo clima acadêmico que vivemos hoje. O especialista continua a olhar o filósofo com o rabo dos olhos e, muitas vezes, esgarça um sorriso de desdém. A educação científica permite, hoje em dia, que um grande cientista seja, ao mesmo tempo, um homem medíocre, com opiniões próximas às do senso comum em tudo o que não se refere à sua especialidade. O cientista comunga aos domingos e não percebe que a ciência que produz pode ser incompatível com sua fé religiosa. Recentemente, uma ênfase quase paranoica sobre a discussão política tem monopolizado a filosofia e inundado a mídia em vários países em desenvolvimento. A questão social é um tema obsessivo no pensamento filosófico brasileiro, o que, estranhamente, não ocorre em países nos quais as desigualdades e a miséria são muito mais acentuadas. Nossos filósofos políticos, como se ainda estivessem no século XVIII, julgam poder transformar o mundo por meio de palavras mágicas. Mas será a política a única forma de transformar o mundo? Será que o fogão a gás não foi mais redentor para as mulheres do que a conquista do direito ao voto obrigatório? Confundir a 60

filosofia com uma forma de pregação política é mais uma tentação reducionista que, como várias outras, seduz muitas mentes brilhantes da nossa época. Os palanques e tribunas dos políticos, físicos ou virtuais, são cada vez mais patéticos. A linguagem pode ser a grande traidora do pensamento. O falatório é o pano de fundo das sociedades contemporâneas, a enxurrada de significantes, de símbolos que já não significam nada. A linguagem não se refere mais ao mundo, mas à sua sombra, pois se tornou uma reedição e recombinação de elementos culturalmente arcaicos. Muitos termos que usamos não tiveram seu significado atualizado. Como o Dom Quixote de Cervantes, vivemos em um mundo, mas nossas palavras se referem a um outro que já ficou no passado. Sem perceber, usamos palavras como “matéria”, “natureza”, “ser vivo”, “família”, “Estado”, “nação” com um significado obsoleto. Nosso entorno mudou, mas nosso vocabulário ainda não e, por isso, estamos construindo um mundo coerentemente falso sem precisar do Deus enganador tão temido por Descartes. A linguagem se tornou uma cortina de fumaça tão espessa que nos impede de sermos contemporâneos à nossa época. Será que a filosofia poderá nos resgatar dessa situação? A filosofia sempre será polifonia, dissonância, convivência com o ruído da vida. Para fazer filosofia é preciso transformar nossas mentes em laboratórios imaginários para realizar experimentos mentais, percorrer labirintos que podem não ter saída e, no entanto, estarmos sempre dispostos a recomeçar a tarefa do pensamento. Nesse caminho, provavelmente depararemos com filosofias já propostas no passado, redescobriremos o óbvio, “arrombaremos portas abertas”. Mas isso não deve nos preocupar. Tudo já foi pensado. O problema é termos de pensar tudo novamente.

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Coleção COMO LER FILOSOFIA Coordenação: Claudiano Avelino dos Santos e Claudenir Módolo Alves • Como ler a filosofia clínica? Prática da autonomia do pensamento, Monica Aiub Monteiro • Como ler a filosofia da mente, João de Fernandes Teixeira • Como ler Jean-Jacques Rousseau, José Benedito de Almeida Júnior • Como ler os pré-socráticos, Cristina de Souza Agostini • Como ler um texto de filosofia, Antônio Joaquim Severino • Como ler Wittgenstein, João da Penha Cunha Batista • Encontrar sentido na vida: propostas filosóficas, Renold Blank • Fazer filosofia: aprendendo a pensar como os primeiros filósofos, Barbara Botter • Filosofia do cérebro, João de Fernandes Teixeira • Inteligência artificial, João de Fernandes Teixeira • Introdução a Lévinas: pensar a ética no século XXI, Rogério Jolins Martins; Hubert Lepargneur • Mestre Eckhart: um mestre que falava do ponto de vista da eternidade, Matteo Raschietti • Por que estudar filosofia?, João de Fernandes Teixeira • Schopenhauer: a decifração do enigma do mundo, Jair Barboza • Um mestre no ofício: Tomás de Aquino (com DVD), Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento • Um mestre no ofício: Tomás de Aquino, Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento • Uma introdução à República de Platão, Giovanni Casertano

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Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos Coordenação de revisão: Tiago José Risi Leme Capa: Marcelo Campanhã Coordenação de desenvolvimento digital: Guilherme César da Silva Desenvolvimento digital: Daniela Kovacs Conversão EPUB: PAULUS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Teixeira, João de Fernandes Por que estudar filosofia? [livro eletrônico]; / João de Fernandes Teixeira [organizador]. – São Paulo: Paulus, 2017. – Coleção Como ler filosofia. 1,1Mb; ePUB 1. Filosofia I. Título. II. Série. 16-08913

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Scivias de Bingen, Hildegarda 9788534946025 776 páginas Compre agora e leia Scivias, a obra religiosa mais importante da santa e doutora da Igreja Hildegarda de Bingen, compõe-se de vinte e seis visões, que são primeiramente escritas de maneira literal, tal como ela as teve, sendo, a seguir, explicadas exegeticamente. Alguns dos tópicos presentes nas visões são a caridade de Cristo, a natureza do universo, o reino de Deus, a queda do ser humano, a santifi cação e o fi m do mundo. Ênfase especial é dada aos sacramentos do matrimônio e da eucaristia, em resposta à heresia cátara. Como grupo, as visões formam uma summa teológica da doutrina cristã. No fi nal de Scivias, encontram-se hinos de louvor e uma peça curta, provavelmente um rascunho primitivo de Ordo virtutum, a primeira obra de moral conhecida. Hildegarda é notável por ser capaz de unir "visão com doutrina, religião com ciência, júbilo carismático com indignação profética, e anseio por ordem social com a busca por justiça social". Este livro é especialmente significativo para historiadores e teólogas feministas. Elucida a vida das mulheres medievais, e é um exemplo impressionante de certa forma especial de espiritualidade cristã. Compre agora e leia

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Santa Gemma Galgani - Diário Galgani, Gemma 9788534945714 248 páginas Compre agora e leia Primeiro, ao vê-la, causou-me um pouco de medo; fiz de tudo para me assegurar de que era verdadeiramente a Mãe de Jesus: deu-me sinal para me orientar. Depois de um momento, fiquei toda contente; mas foi tamanha a comoção que me senti muito pequena diante dela, e tamanho o contentamento que não pude pronunciar palavra, senão dizer, repetidamente, o nome de 'Mãe'. [...] Enquanto juntas conversávamos, e me tinha sempre pela mão, deixou-me; eu não queria que fosse, estava quase chorando, e então me disse: 'Minha filha, agora basta; Jesus pede-lhe este sacrifício, por ora convém que a deixe'. A sua palavra deixou-me em paz; repousei tranquilamente: 'Pois bem, o sacrifício foi feito'. Deixou-me. Quem poderia descrever em detalhes quão bela, quão querida é a Mãe celeste? Não, certamente não existe comparação. Quando terei a felicidade de vê-la novamente? Compre agora e leia

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DOCAT Vv.Aa. 9788534945059 320 páginas Compre agora e leia Dando continuidade ao projeto do YOUCAT, o presente livro apresenta a Doutrina Social da Igreja numa linguagem jovem. Esta obra conta ainda com prefácio do Papa Francisco, que manifesta o sonho de ter um milhão de jovens leitores da Doutrina Social da Igreja, convidando-os a ser Doutrina Social em movimento. Compre agora e leia

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Bíblia Sagrada: Novo Testamento - Edição Pastoral Vv.Aa. 9788534945226 576 páginas Compre agora e leia A Bíblia Sagrada: Novo Testamento - Edição Pastoral oferece um texto acessível, principalmente às comunidades de base, círculos bíblicos, catequese e celebrações. Com introdução para cada livro e notas explicativas, a proposta desta edição é renovar a vida cristã à luz da Palavra de Deus. Compre agora e leia

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A origem da Bíblia McDonald, Lee Martin 9788534936583 264 páginas Compre agora e leia Este é um grandioso trabalho que oferece respostas e explica os caminhos percorridos pela Bíblia até os dias atuais. Em estilo acessível, o autor descreve como a Bíblia cristã teve seu início, desenvolveu-se e por fim, se fixou. Lee Martin McDonald analisa textos desde a Bíblia hebraica até a literatura patrística. Compre agora e leia

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Índice Rosto Agradecimentos Prefácio 1. Nem mapa, nem território 2. O futuro da filosofia Conclusão Bibliografia Coleção Ficha Catalográfica

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PORQUE ESTUDAR FILOSOFIA - LUIZ FERNANDES TEIXEIRA

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