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RELATÓRIO DE ATIVIDADES – ESTUDO DIRIGIDO ESTÁGIO ESPECÍFICO EM INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS III CURSO DE PSICOLOGIA - UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Nome do Estagiário: Regina Serafina Brunini
RA: 20857632
Área de Estágio: Estágio Específico em Intervenções Psicológicas III Nome da Instituição: Estudo Dirigido Nome do Supervisor: Glaucineia Gomes Lima – CRP 06/64032 N° da Atividade: 2
Data de Realização: 17/11/2020
1. Objetivo: relatar, por meio de meio de breve resenha, os aspectos psicanalíticos do filme turco Mucize, do Diretor Mahsun Kırmızıgül, realizado em 2015, que trata de uma história real sobre o professor Muhir e o jovem homem chamado Aziz, ocorrida em 1960. 2. O filme Mucize, de nacionalidade turca, lançado em 2015, versa sobre a história do Professor Muhir, pai de duas meninas, que é enviado à pequena aldeia no interior da Turquia em 1960, onde ele muda a vida dos moradores e do jovem Aziz. Quando ele chega na localidade, descobre que não há prédio para escola. Nas conversas com homens, é informado de que a escola seria somente para os meninos. Os pais dizem que as meninas não pertencem às próprias famílias, mas que pertencerão às famílias daqueles com quem se casarem. Quando os aldeões recebem a notícia de que o governo não construirá a escola, o professor os ajuda financeiramente a edificar o prédio, com a condição de também dar aulas para as meninas. Isso vai mudando a vida daquelas pessoas. O professor Muhir também tem contato com o jovem homem chamado Aziz, um jovem homem com problemas de motricidade e de fala, a quem todos na aldeia, inclusive os pais, chamam de “deficiente”. O jovem é vítima de ataques e preconceitos, e seu único meio de contato afetivo é um cavalo, pois não consegue se expressar verbalmente e nem é compreendido sequer pelos pais. Ele é totalmente dependente dos familiares, inclusive para tomar banho, embora consiga compreender o que é falado. Curioso com a escola, o rapaz aos poucos vai se aproximando do professor, que também se interessa por ele e que consegue alfabetizá-lo. A história se desenvolve em uma pequena comunidade tribal, predominantemente mulçumana, na qual as esposas para os jovens solteiros são escolhidas pelas mulheres das famílias, embora seja clara o sistema patriarcal. A escolha se dá pelos critérios de conhecimentos de culinária e do Alcorão, não ter mau hálito e nem pernas tortas. Assim,
os irmãos de Aziz vão se casando com mulheres que nem sempre atendam aos desejos que eles têm e que expressam à mãe, à tia e cunhadas. Os noivos somente se conhecem na noite de núpcias e as primeiras relações sexuais são precedidas de rituais com mortes de animais, via de regra, para assustar e dominar a jovem mulher. No entanto, o casamento de Aziz acaba acontecendo por meio de um acordo entre os anciões (os pais), no qual o pai da noiva decide dar a filha, Mizgim, em casamento, como agradecimento por ter sido salvo da morte pelo pai de Aziz. Tanto o pai, quanto a mãe de Aziz falam que o jovem é deficiente, mas isso não importa à família da jovem. Ao conhecer o marido, na noite de núpcias, Mizgim chora muito, mas com o tempo ela vai aprendendo a cuidar e a gostar do marido. O jovem ao encontrá-la tem uma queda abrupta, com sinais de paralisia, da mesma forma que tivera algum tempo em contrato com a neve. Os irmãos falam que isso ocorre por conta da euforia do rapaz. Como é muito mais bonita que as outras mulheres, Mizgim sofre preconceitos na aldeia por ter se casado com o rapaz deficiente e que todos consideram também impotente. Uma noite, o casal decide fugir e somente volta, depois de sete anos, para casa. Nesse período, Aziz que sempre foi apoiado pelo professor, retorna com a esposa e dois filhos, caminhando e falando, ainda que com leves problemas de motricidade, e indagado pelo pai sobre o que acontecera, diz que o que o salvou foi se apaixonar pela esposa. Seguindo o modelo de exame psíquico proposto por Paulo Dalgalarrondo (2008), observa-se um Aziz, no começo da história, com graves alterações motoras e com severos problemas de linguagem. Sua marcha apresenta um caminhar inseguro e descoordenado dos membros inferiores, arrastando os pés, que estão tortos, ao mesmo tempo que ele apresenta, às vezes, quadro de provável Cataplexia, com “a perda abrupta do tônus muscular, geralmente acompanhada de queda ao chão” (IDEM), que ocorre, segundo seus familiares, quando em situação de euforia. As mãos, os braços e a boca são tortas, com predominância para o lado esquerdo do corpo. Ele apresenta dificuldade de fala, emitindo sons ininteligíveis para as pessoas. Por outro lado, seu pensamento revela-se claro e coerente na carta que deixa para os pais, ao fugir com a esposa, indicando ser uma pessoa inteligente, com pleno juízo de realidade (IDEM). Aziz apresenta vontade e desejos, como o de se casar e de estudar, indicando ter consciência de si, mesmo que em alguns momentos de solidão, pareça ser tomado de angústias que somente conta a seu cavalo, deixando transparecer alguns sentimentos ou configurações afetivas da esfera da tristeza (IDEM). Outros momentos são permeados por sentimentos de euforia, que quase sempre resultam em um momento de queda e paralisia corporal. Por
meio desse breve exame psíquico, bem como, em face do retorno de um Aziz quase saudável, que
permite, em princípio, descartar a hipótese de um eventual quadro
neurológico, já se pode observar, sob o ponto de vista psicanalítico, que a presença desses sintomas psico-orgânicos, físicos ou somáticos (FREUD, 2015, p. 343) podem estar associados a um possível adoecimento neurótico de estrutura histérica. Freud (2019, p. 79) dispõe que o adoecimento neurótico, seja provocado pelo ambiente e/ou pela singularidade do sujeito, pode “se produzir por vários caminhos” e conduz o sujeito a uma determinada situação psíquica de conflito entre o Eu e o Isso, no qual não é possível para o Eu (que se encontra a serviço da realidade e do Super-Eu) controlar a quantidade de libido afetada e represada pelo ataque pulsional do Isso (IDEM, p. 77 e 271). Note-se que Aziz vive em um sistema familiar tradicional e patriarcal com valores rígidos que, em conjunto com as próprias dificuldades subjetivas do jovem, pode ter contribuído para a formação de um quadro neurótico, originado de um processo de defesa do Eu, que não aceitou e nem quiz conduzir a moção pulsional do Isso, ou seja, não quis atender a algum desejo ou afeto inconsciente e intolerável, recalcando-o ou reprimindo-o, de forma a mantê-lo isolado. Segundo Freud, quando isso acontece e, eventualmente, estrutura-se uma neurose histérica, o afeto recalcado desaparece, é substituído, sendo seu conteúdo ideativo suprimido da consciência, e surge o sintoma somático, como esclarece no texto “A Repressão”, de 1915: “O conteúdo ideativo da representante instintual [pulsional] é radicalmente subtraído à consciência; como formação substitutiva - e, ao mesmo tempo, como sintoma – encontra-se uma inervação muito acentuada – somática, em casos exemplares”, ora de natureza sensorial, ora motora, como excitação ou inibição” (FREUD, 2010, p. 96).
Ao mesmo tempo, o Eu também acaba tendo que se defender dos possíveis sintomas produzidos pela pulsão ou instinto recalcado ou reprimido, conforme exposto no texto Neurose e Psicose, de 1924. Freud considera, que com o processo de repressão, surgem sintomas que denomina de formações substitutivas extensas, os quais se apresentam ao Eu pela de via do compromisso, de forma a concluir a formação dos sintomas histéricos: “O Eu se defende dela através do mecanismo de recalcamento; o recalcado luta contra esse destino, cria para si próprio – por caminhos pelos quais o Eu não tem nenhum poder – um substituto que se impõe ao Eu pela via do compromisso [Kompromisses]: o sintoma; o Eu descobrindo sua unidade ameaçada e prejudicada
por esse intruso, prossegue na luta contra o sintoma, tal como fez com a moção pulsional original, e tudo isso produz o quadro da neurose” (FREUD, 2019, p. 272).
Essa luta defensiva com a moção pulsional ou impulso desagradável, por vezes, “é eliminada com a formação de um sintoma” (FREUD, 1996, p. 101/102), o que, na conversão histérica, é possível por meio de um sintoma somático (IDEM), como os verificados em Aziz. Estes sintomas “constituem processos catexiais que são permanentemente mantidos” (IDEM, p. 114), embora Freud admita que pouco se conhece sobre eles, ainda que possam ser, possivelmente, derivados de um processo excitatório, a exemplo da paralisia motora poder decorrer de uma defesa, inibida no momento do trauma, que poderia ter sido levada a efeito contra uma ação no momento em que houve a repressão ou recalque, ou das quedas ou convulsões poderem ser, eventualmente, uma explosão de afeto retirado, naquele momento, do controle do Eu. A sensação de desprazer ou culpa é praticamente ausente e inconsciente na neurose histérica, sendo difícil detectar a possível luta secundária entre o Eu e o sintoma (IDEM, 114/115). De qualquer forma, essa luta entre o Eu e o sintoma, pode apresentar duas faces, de um lado, o Eu pode agregar a si o sintoma, e assim gerar um ganho secundário, e de outro, o Eu tenta reprimir esse mesmo sintoma, por ser um derivativo da pulsão, afeto ou impulso reprimido (IDEM, p. 101/102). Assim, talvez seja possível observar algum ganho secundário para o personagem de Aziz, na atenção extra que recebe da mãe e, depois da esposa, nos momentos em que elas lhe prestam cuidados no banho ou cuidam dele. Note-se que Aziz é totalmente indiferente aos sintomas que apresenta, só deles tomando conta quando se casa e se apaixona por Muzgim, razão pela qual sai em busca de tratamento. Assim, embora as formações substitutivas extensas (sintomas somáticos) demonstrem, na histeria de conversão, uma possível falha no processo de repressão, por outro lado, o montante afetivo fica totalmente reprimido, indicando completo êxito desse processo, sua verdadeira tarefa, fazendo com que o histérico exiba o comportamento que o Professor Charcot chamou de “la belle indifférence des hystériques“ (FREUD, 1915, p. 96) , ou seja a indiferença sobre os próprios sintomas que Aziz mostra.
Referências: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. 440 p.
FREUD, Sigmund. A Repressão. In Obras Completas, volume 12: Introdução ao Narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916); tradução e notas: Paulo César de Souza – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 82-98. ________________Neurose e Psicose (1924). In FREUD, Sigmund. Neurose, Psicose, Perversão. 1ª. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. (Obras Incompletas de Sigmund Freud). Tradução: Maria Rita Salzano Moraes. p. 271-276 ________________Sobre os tipos neuróticos de adoecimento. In FREUD, Sigmund. Neurose, Psicose, Perversão. 1ª. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. (Obras Incompletas de Sigmund Freud). Tradução: Maria Rita Salzano Moraes. p. 71-81 _______________Inibições, Sintomas e Ansiedade (1926). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Com comentários e notas de James Strachey: em colaboração com Ana Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob direção geral de Jayme Salomão – Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XX, p. 155/173.
São Paulo, 17 de novembro de 2020.
_________________________________ Regina Serafina Brunini - RA 20857632 Estagiária
_____________________________________ Glaucineia Gomes Lima – CRP 06/64032 Professora Supervisora