Seducao planeada - Spencer, Catherine (Sabrina 1042)

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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A. Núñez de Balboa, 56 28001 Madrid © 2007 Spencer Books Limited. Todos os direitos reservados. SEDUÇÃO PLANEADA, N.º 1042 Dezembro 2013 Título original: The Greek Millionaire’s Mistress. Publicado originalmente por Mills &

Boon®, Ltd., Londres. Publicado em português em 2008 Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV. Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência. ™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A. ® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As

marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países. I.S.B.N.: 978-84-687-3806-2 Editor responsável: Luis Pugni Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

Do seu lugar, de um lado da tribuna da orquestra, Mikos percorreu com a vista a sala de baile repleta e pousou o olhar na mulher que se aproximava da mesa onde estava Angelo. Quem era? E como não a vira antes? A festa começara há quase três horas, mas só naquele momento, próximo da meia-noite, ela captara a sua atenção. Parecia estar sozinha e, como ele, dava a impressão de desejar permanecer como observadora da festa. A diferença

era que ele era muito bom no que fazia, e só alguns dos presentes sabiam que era mais do que o simples vice-presidente executivo e confidente de Angelo. Por outro lado, ela exagerava para quem não queria chamar a atenção. Se as pessoas queriam passar despercebidas, não levavam um vestido com um corte atrevido da suave cor do entardecer no Egeu. Ao observar a sala uma última vez, trocou um gesto de assentimento com os guardas de segurança nas portas. Depois desceu do estrado e, a andar informalmente, foi até onde ela estava, meio escondida pela cortina luxuosa num canto de uma janela. Com o cabelo e os olhos escuros, poderia passar por

grega, mas ele estava há tempo suficiente no meio social internacional para reconhecer uma europeia quando via uma, e aquela mulher não encaixava no perfil. Decidiu que seria americana e dirigiu-se a ela em inglês. – Kalispera. Acho que não nos conhecemos. Se ficou assustada por um desconhecido a abordar, não o mostrou. – Acho que tem razão – olhou para ele sem receio. – Embora esta noite conheça muito pouca gente aqui. Ele não conseguiu reconhecer a pronúncia dela. – Então, permita-me que resolva a situação. O meu nome é Mikolas

Christopoulos – «e o meu trabalho é descobrir tudo sobre ti». – É um prazer conhecê-lo, senhor Christopoulos – disse impassível. – Eu chamo-me Gina Hudson. – E não é americana. – Não – repôs com uma gargalhada melódica. – Sou canadiana. Parece-lhe bem? Reviu mentalmente a lista de convidados e tinha a certeza de que nela não havia canadianos. – É claro que me parece bem. Com quem veio? – Com ninguém. Estou sozinha, e vim em trabalho. Uma mulher trabalhadora? Possivelmente. Mas de uma coisa tinha a

certeza: não figurava na lista de convidados de Tyros. Além de tudo o resto, Angelo não costumava contratar mulheres, salvo para o pessoal doméstico, embora adorasse, mesmo com oitenta anos, mantê-las ocupadas com outras coisas. Tremeu ao pensar que pudesse envolver-se com aquela. – Para fazer o quê? – inquiriu, afastando-a do campo de visão de Angelo. – Para escrever um artigo para uma revista de Vancouver que, caso não saiba, é na Costa Oeste de... – Estou familiarizado com Vancouver – interrompeu a tentativa dela de o

distrair. – Trabalho para a Hesperus International que, como tenho a certeza de que sabe, é propriedade do homem que se homenageia esta noite. Dois dos nossos cruzeiros navegam do Alasca a Vancouver durante o Verão. É uma cidade bonita. – Sim – sorriu. – De facto, é espectacular. «Como tu», pensou ele. Se de longe a achava linda, de perto era deliciosa. Uma morena de uma beleza deslumbrante com uma figura de clepsidra e uma pele da cor do mel. E aquele sorriso! Forçou a sua atenção a desviar-se para onde devia estar e comentou: – Surpreende-me que os residentes de

Vancouver estejam a par deste acontecimento, e ainda mais que lhes importe. Como teve conhecimento? – Podemos parecer-lhe pessoas que vivem no fim do mundo, senhor Christopoulos – comentou, – mas na verdade mantemo-nos muito em contacto com o resto do planeta. Angelo Tyros é uma celebridade mundial e a festa do seu aniversário despertou a atenção internacional. E se tivermos em conta a ampla comunidade grega que há em Vancouver, não deveria surpreendê-lo que para nós seja digno de atenção. – Bem, é verdade que consegue fazer manchetes com um simples pestanejar – concedeu Mikos. – Mas para você vir de

tão longe por tão pouco... – Concordo, razão pela qual, uma vez que termine o que tenho para fazer aqui, tenha decidido combinar trabalho com prazer e dedicar uma ou duas semanas a descobrir as ilhas gregas. Soava tão convincente, que quase acreditou. Mas não lhe pagavam para que «quase» lhe chegasse, tinha de ter a certeza. Angelo não esperaria menos, e a vida do velhote já sofrera suficientes atentados para que assim fosse. Sob nenhum pretexto iria arriscar-se a expôlo a outro, embora daquela vez a ameaça aparecesse envolta em seda e magnetismo sexual. Apontou para a multidão de casais que dançava sob as luzes ténues ao som

da orquestra e adoptou o seu tom mais persuasivo. – Mas a intenção desta festa é que todos se divirtam, incluindo aqueles que, como nós os dois, não vieram estritamente por motivos de prazer. Então ponhamos de lado o trabalho por algum tempo e dancemos. – Tem a certeza de que o seu chefe não se importará? Olhou para a mesa de Angelo, que tinha a vista cravada no decote da mulher encostada ao seu ombro. – Nem sequer acredito que se aperceba. A seguir o olhar dele, Gina apertou os lábios, aparentemente pouco

impressionada com o que via, o que potencializou as suspeitas que despertara nele. – Tem razão. Não se aperceberá. – Então, não percamos mais tempo. Depois de uma breve hesitação, ela inclinou a cabeça e voltou a sorrir. – Combinado. Adorarei. – Pode deixá-la aqui. Estará perfeitamente a salvo – tirou-lhe a pequena bolsa de lantejoulas e escondeu-a atrás da cortina. Depois, após trocar um olhar significativo com Theo Keramidis, um agente de segurança situado a poucos metros, passou o braço pela cintura dela, levou-a para a pista e conduziu-a para o meio da multidão. A música transmitia uma mensagem

palpitante de urgência primitiva, calculada para avivar o sangue de um homem. O calor e a pressão dos corpos que os rodeavam forçaram uma intimidade que possivelmente ela teria achado ofensiva em qualquer outra circunstância. De facto, ali era impossível evitar o contacto físico. Não é que lhe importasse. Controlada a situação de segurança, estava mais do que disposto a desfrutar do momento durante o tempo que durasse. E, se dele dependesse, não terminaria em breve. Assim que os seus olhos se encontraram, uma ligação homemmulher rudimentar vibrara entre eles. Estava familiarizado com a leve

excitação causada por uma aventura fugaz. Mas a reacção visceral perante aquela mulher em particular era diferente e apelava a uma ligação mais profunda que ia para além do vulgar. Gina Hudson também era diferente. Tanto que, ao reconhecer a atracção que emanava dela, sabia que corria o risco de comprometer a sua integridade profissional. Como isso era algo que jamais se permitiria, independentemente do quão tentadora fosse a distracção, o mais inteligente seria destacar para ela um membro mais imparcial da sua equipa. No entanto, quando a orquestra passou para um ritmo ainda mais lento, envolveu-a nos seus braços e puxou-a

ainda mais para ele. Era tão pequena que a mão aberta dele abrangia uma zona que ia da ligeira protuberância da anca até à beira superior do vestido. Se o estendesse um centímetro, o seu dedo polegar poderia sentir a pele suave entre as omoplatas. E se a rodeasse mais com o braço, tocaria na curva exterior do seio direito. Aquela descoberta provocou-lhe uma descarga de calor sexual e desferiu um golpe mortal na cautela com que geralmente regia os seus actos. Jovialmente despreocupada pelo efeito que surtia nele, olhou para ele entre as pestanas longas e sedosas. – É de Atenas, senhor Christopoulos?

– Não – respondeu. – Nasci numa vila no extremo noroeste do país. E gostava que me tratasse por Mikos. – É Michael em grego? – Uma variação regional do nome. O meu nome completo é Mikolas – o sussurro do vestido, que parecia estar num jogo de sedução com as suas calças, e a elasticidade dos seios contra a sua camisa engomada fizeram com que se visse forçado a controlar a sua libido e a sua respiração. A música acabou. – E que mais deveria saber de si, menina Gina Hudson? – obrigou-se a concentrar-se no seu objectivo principal. – Como passa o seu tempo

quando não cobre festas da alta sociedade para a sua revista? Uma fugaz inquietação cruzou as suas feições antes que conseguisse camuflá-la com outra gargalhada ofegante. – Nada de muito estimulante, receio. «Mas tu, sim, és», pensou ele. «Estimulante... e mais do que um pouco evasiva». Com a mão ainda nas costas dela, guiou-a até onde tinham deixado a mala. Gina voltou a passar a corrente prateada pelo ombro e com destreza desviou a conversa para longe da sua própria pessoa. – Há quanto tempo vive em Atenas? – Desde a minha adolescência, quando vim trabalhar para cá – sorriu

sem alegria perante a lembrança daqueles duros anos. – Noutras palavras, há muito tempo. Ela olhou pela janela para o trânsito de Vassilissis Sofias e fez uma careta. – Não o incomoda o ritmo frenético, o ruído e a poluição? – Não, desde que possa fugir de vez em quando. Engano-me ao pensar que você também não é uma amante das grandes cidades? – Houve uma altura em que fui. Agora vivo em casa de uns familiares nas Ilhas do Golfo. Aquilo surpreendeu-o. Pensava que teria uns vinte e cinco anos, um pouco velha para continuar a viver com os seus

pais, mas demasiado jovem para se encerrar numa ilha. – Eu também tenho um pequeno refúgio a uns quilómetros da costa – comentou, enquanto dirigia a Theo um olhar que recebeu um gesto de assentimento, que mal se percebeu, – tal como um apartamento aqui, em Lycabettus Hill. – Receio que isso não signifique nada para mim. Não estou familiarizada com a cidade. Ao aproximar a boca o suficiente da orelha dela para perceber o seu perfume, disse: – Então, que lhe parece se pedirmos algo fresco para bebermos e a levar para o terraço do hotel para desfrutar da

vista da cidade? Lá estaremos muito mais tranquilos e não teremos de falar em voz alta para nos fazermos entender. – Bem... – inclinou a cabeça e franziu os lábios com um gesto pensativo. – Esta sala é mesmo muito ruidosa. – Então espere aqui, volto já – uns segundos mais tarde, Theo juntou-se a ele no bar. – O que encontraste na mala? – perguntou-lhe. – Nada de estranho – respondeu o guarda de segurança. – Uma credencial de imprensa válida, algum dinheiro e as coisas habituais de uma rapariga... um pente, um batom, um espelho, essas coisas – apalpou o bolso do casaco. – Ah, e a chave do quarto de hotel dela!

Das antigas, com o número gravado nela. – Credencial de imprensa, hum?! Disse que vinha para fazer um trabalho para a revista dela. – Então parece que disse a verdade. – De certeza – a sua satisfação era prematura, mas isso não o impediu de desfrutar dela. – Bom trabalho, Theo. Achas que conseguirás aguentar isto sem mim durante algum tempo? Theo não tentou ocultar a sua diversão. – O tempo que seja necessário para descobrires em que hotel se hospeda. A vista do telhado do Grande

Bretagne era impressionante. O hotel elegante e antigo era no quarteirão mais prestigiado do centro da cidade, junto à Praça Syntagma, ao Parlamento e aos Jardins Nacionais e encontrava-se a uma curta distância de muitos pontos turísticos. Tudo muito interessante e, assim como sabia que noutro momento teria memorizado os detalhes que lhe proporcionava, naquele era-lhe difícil concentrar-se. Nem as colunas iluminadas do Pártenon conseguiram captar a sua atenção por mais de um ou dois segundos. E tudo porque, muito mais perto, demasiado perto para que se sentisse à-vontade, a manga do impecável casaco de Mikos

Christopoulos não deixava de lhe tocar no braço nu. A voz, mais escura do que a meia-noite e mais sedutora do que o chocolate, hipnotizava-a com aquela entoação estrangeira. E o mais perturbador de tudo: a aura extremamente masculina que irradiava envolvia-a numa rede de percepção sexual que a deixava presa como uma borboleta perdida nas mãos de um coleccionador. Alheio ao efeito que produzia nela, dirigiu a sua atenção para uma zona situada a leste do hotel. – Ali é Kolonaki, uma das zonas mais exclusivas de Atenas. Embora seja referida muitas vezes como o território

das embaixadas, também alberga a zona financeira, assim como alguns apartamentos muito caros e cafés bem frequentados. – Mas não é lá que vive – comentou, mais para se certificar de que o cérebro ainda funcionava. – Há pouco falou de um apartamento em Lika-qualquercoisa-Hill. – Lycabettus, é verdade – apoiou as suas mãos grandes nos ombros dela e fêla virar-se um pouco para norte. – Consegue ver-se bem daqui. Mas trabalho em Kolonaki, no complexo de escritórios de Tyros. A menção do nome de Angelo Tyros serviu para a recordar da razão por que estava na Grécia.

– Há quanto tempo trabalha para ele? – perguntou. – Há quase meia vida, embora não tenha sido sempre no meu posto actual. – Ou seja, conhece-o bem? – Tão bem como se pode conhecê-lo, sim. – Que tipo de homem é? Além de rico e famoso, é claro. Mikos reflectiu uns instantes antes de responder. – Indestrutível – respondeu por fim. – Como sabe, acaba de fazer oitenta anos, mas continua a ser um presidente activo, no seu gabinete todas as manhã às nove horas e esperando que os outros façam o mesmo. Orgulha-se muito de nunca ter

faltado um dia em toda a sua vida ao trabalho, nem sequer quando a sua esposa faleceu, nem quando o seu filho único morreu num acidente de carro, há trinta anos. «Importa-se mais em aumentar a sua fortuna do que com a família», pensou ela com amargura. – E você admira um homem assim? – Respeito-o, estou-lhe agradecido e, sim, gosto dele. Muito. Talvez nem sempre concorde com ele ou com as escolhas que ele faz, mas eu não estaria onde estou hoje se não fosse Angelo Tyros. «Também a minha mãe!» Não soube como conseguiu conter-se para não o dizer em voz alta, mas o seu

desprezo deve ter-se reflectido na sua cara, porque Mikos inclinou a cabeça para a observar melhor. Antes tinha reparado que os olhos dele não eram castanhos-escuros, como seria de esperar num homem tão classicamente grego em todos os sentidos, mas verdes. Emoldurados por umas pestanas longas, eram arrebatadores numa cara abençoada com o melhor da beleza masculina. Mas à parte disso, eram observadores e transbordavam uma aguda inteligência. Não o enganaria com facilidade. Disse para si mesma que não devia esquecê-lo. Se jogasse bem as suas cartas, aquele homem poderia apresentá-

la a Angelo Tyros, algo que não faria se ela lhe desse razões para suspeitar dos seus motivos. Sem a ajuda de Mikos, uma jornalista desconhecida como ela não teria a oportunidade de atravessar a muralha de segurança e de se aproximar do velho. Interpretando o seu silêncio como desaprovação, Mikos disse: – Se tiver dado a impressão de que é frio e insensível, e de que está mais preocupado com o poder do que com as pessoas, deixe-me esclarecê-la com absoluta sinceridade de que também é capaz de grande generosidade e amabilidade. – Tentarei recordá-lo quando escrever o meu artigo.

A voz dele desceu, acariciando-lhe a pele até lhe despertar todos os terminais nervosos com um estranho arrepio. – E eu jamais esquecerei esta noite e este momento. – Porquê? – sussurrou ela com muita dificuldade. Mais uma vez, ele apoiou as mãos nos ombros dela, mas daquela vez subiu-as pelo seu pescoço até lhe emoldurar a cara. – Os dois sabemos porquê, calli mou. Na verdade, ela não sabia. Oh! Sabia que ia beijá-la. Soubera-o desde que chegaram àquele jardim deserto, do mesmo modo que soubera que o permitiria, porque para além de

qualquer outra consideração, era atraente como um deus grego, e tão maravilhoso que o sorriso dele bastava para a fazer estremecer. Além disso, há muito tempo que não se sentia desejável. Mas nada disso respondia à verdadeira pergunta: porquê? Porque a escolhera? Uma mulher vulgar do Canadá, sem linhagem, sem posição e sem dinheiro que sobressaiu de entre todas as mulheres bonitas que havia na festa? A agarrar-se aos restos da sua prudência, gaguejou: – Isso não responde à minha pergunta, Mikos. – Não? Então, talvez isto responda – murmurou.

E com a boca procurou a dela para lhe dar um beijo que redefiniu o significado da palavra, pelo menos no que se aplicava à sua experiência. Então teve de se segurar a ele para não cair. Como podia um homem transformar o instrumento mais básico para a sedução numa ferramenta de deliciosa tortura sensorial, fazendo com que o seu núcleo mais secreto vibrasse e ficasse molhado? Era uma loucura! Mas dizer isso não fez nada para travar um gemido inarticulado que escapou da sua garganta. Nem para conseguir manter as mãos quietas. De facto, aproximou-se dele e rodeou-lhe o pescoço, passando-

lhe os dedos pelo cabelo suave e denso ao mesmo tempo que abria os lábios à língua persuasiva e o deixava fazer o que quisesse com a sua boca. «Lembra-te de porque estás aqui!», suplicou-lhe a fraca voz da razão. «Não terias de vir até à Grécia se a única coisa que querias era sexo!» «Nem que fosse sexo tornado em algo estranho e maravilhoso?», perguntou o seu outro eu atrevido. «Nem sequer por isso, idiota! Que tipo de mulher abandona a sua causa assim que um estrangeiro atraente lhe dedica um segundo olhar?» «Mas trata-se de algo mais do que atracção. É química... inclusive alquimia. É olhar nos olhos de um

homem e ver o meu futuro escrito lá. É confiar no instinto e reconhecer o apelo do destino». «Diz isso à mãe que deixaste ao cuidado de desconhecidos!» As palavras caíram-lhe como um balde de água fria. – Hum... oh! – afastou a boca e forçou-se a parar a exploração do cabelo dele para empurrar com força contra o seu peito. – Não posso fazer isto! Não está correcto! Na escuridão, os olhos dele arderam como um fogo primitivo que lutou com a sua contenção civilizada. – Como pode ser errado, agapi mou, quando te acho tão irresistível? Somos

livres de seguir os apelos dos nossos corações, não somos... ou estás comprometida com alguém? – Claro que não! – respondeu num tom acalorado. – Se tivesse uma relação com outro homem, jamais o enganaria. Mas isto... que estamos a começar, bom, é... Ficou em silêncio, sabendo que não podia confiar nele. Embora não soubesse, Mikos estava do lado do inimigo, e quando descobrisse o verdadeiro motivo pelo qual estava em Atenas, também passaria a ser o seu inimigo. E nessa altura não a acharia tão irresistível. –... ir demasiado depressa. Compreendo. Conhecemo-nos há menos

de uma hora, e temos amanhã e todos os dias que estejas disposta a passar comigo antes de dizermos que é errado. Não há necessidade de acelerar uma perspectiva tão platónica. A sua voz acariciou-a. Mitigou-lhe a consciência inquieta. Não fazia nem pedia promessas de nada para além do que ele estava disposto a dar. Tal como ele a via, o que mais podiam oferecer-se era uma ou duas semanas. Depois, passaria à sua conquista seguinte e ela regressaria a casa, possivelmente com o coração um pouco magoado, mas mais realizada como mulher que ao deixá-la... e com a esperança de ter alcançado o objectivo a que se propusera. Não tinha

nada a perder. A sorrir-lhe, disse-lhe: – Absolutamente nenhuma. Desfruto simplesmente por estar aqui em cima contigo, embora me surpreenda que disponhamos do sítio só para nós. Achava que os atenienses nunca se deitavam antes do amanhecer. – Tens razão. Numa situação normal, seríamos duas de muitas pessoas que agora estariam a desfrutar da noite. Mas para esta ocasião, as salas públicas do hotel estão vedadas para todos menos para os convidados oficiais do aniversário. – Então, podemos sentar-nos e conhecer-nos melhor? Antes disseste que se não fosse Angelo Tyros não

estarias onde estás hoje e perguntava-me o que querias dizer com essa afirmação. Ele encolheu os ombros com pesar. – Embora preferisse sair para ver o nascer do sol contigo a meu lado, receio que tenha de me negar esse prazer. Oficialmente estou em serviço, por isso não deveria ausentar-me demasiado tempo da festa. Era aí que deixava de a achar irresistível! Enquanto estivesse disposta a deixar que a seduzisse, tinha todo o tempo do mundo, mas assim que surgia o lado físico das coisas, o dever chamavao... provavelmente para o pé de uma daquelas mulheres que antes reparara que se babavam por ele.

– Obrigada por me lembrares de que eu também estou a desleixar-me – disse, sem poder conter a recriminação na sua voz. – Pagam-me para escrever artigos sobre os ricos e os famosos e ainda me perdia em suculentas histórias. Ele ia para falar, mas ela não tinha vontade de ouvir, já que o rebentar da sua pequena bolha de felicidade deixara-a cheia de desilusão. Adoptar o papel de mãe da sua pobre e perdida mãe debilitara-lhe as suas habilidades sociais, e deixara-a tão faminta de um pouco de glamour e romance que perdera toda a noção da realidade assim que Mikos lhe dedicara um segundo olhar.

Fora ingénua. Os homens sofisticados como ele não estavam interessados em manter conversas pessoais à luz da lua. A engolir o nó absurdo que tinha na garganta, foi para o elevador e pressionou o botão de chamada. Felizmente, as portas abriram-se quase imediatamente e ofereceram-lhe uma escapatória rápida. Mas não o suficiente. Mikos conduziu-a ao interior com tal galanteria que evaporou toda a sua vontade de manter uma máscara de indiferença. – Ofendi-te – observou arrependido enquanto as portas se fechavam. – Não sejas ridículo – replicou e desejou que deixasse de olhar para ela.

– Se isso for verdade – comentou depois de uma longa pausa, – uma vez que as coisas comecem a acalmar, talvez queiras juntar-te a mim para uma bebida. Ela cobriu a boca com a mão e fingiu um longo bocejo. – Oh, duvido! Já estou demasiado cansada e não ficarei depois de recolher material suficiente para completar o meu artigo. – Compreendo – disse depois de outro silêncio prolongado. – Tens um quarto aqui, no Grande Bretagne, Gina? – perguntou finalmente. Ela pensou no luxuoso hotel, restaurado de toda a sua grandeza do século XIX, e riu-se, embora com pouco

humor. – De maneira nenhuma! Sou uma mulher trabalhadora, esqueceste-te disso? – Mas tens alojamento numa zona segura? – Estou no Topikos, a alguns quarteirões do Hilton – não era nada espectacular, e não podia comparar-se com o Grande Bretagne, mas o quarto dela era limpo e confortável, com uma casa de banho privada, e comportável economicamente. – Então mandarei que um carro te leve lá assim que quiseres ir-te embora. – Não é necessário. Não é longe. Posso ir a pé ou apanhar um táxi. – Não permitirei nada disso. Por

favor, diz-me quando já estiveres farta da festa, «Podes esperar sentado!» Quase o disse. Por sorte, o elevador parou e, assim que as portas se abriram, irrompeu o barulho da festa, destruindo qualquer possibilidade de continuarem a conversa. Uma vez na sala, mexeu os dedos em sinal de despedida. – Vemo-nos depois – articulou com os lábios, e pôs tanta distância entre ambos como lhe foi possível. Infelizmente, ele não tentou pará-la. Bem, se Mikolas Christopoulos não lhe ia dar acesso a Angelo Tyros, tinha de o conseguir por conta própria. A

negar-se a reconhecer o sabor amargo da desilusão e sem que ninguém a impedisse, dirigiu-se à mesa principal, apenas para sofrer outro contratempo. Não havia rasto do multimilionário grego. – Perdão, fala inglês? – perguntou a uma mulher ainda lá sentada. – Um pouco, sim. – Então, pode informar-me onde se encontra o senhor Tyros? Esperava que me concedesse uma entrevista. A mulher arqueou o sobrolho num gesto divertido. – Chega demasiado tarde, kyria! Mesmo que aceitasse falar consigo, o que duvido, Angelo foi-se embora há pouco. Afinal de contas, tem oitenta

anos! Maravilhoso! Era só o que lhe faltava! A noite fora um completo fiasco. Desanimada e esgotada de repente, dirigiu-se outra vez à saída da sala, e, embora ainda houvesse seguranças em todas as portas, agradeceu não ver rasto de Mikos em lado nenhum. Pelo menos isso foi o que supôs até que, quando se encontrava a meio do tapete persa que decorava o hall, uma mão se fechou sobre o seu ombro e aquela voz escura e profunda que estivera prestes a seduzi-la no terraço murmurou-lhe ao ouvido: – E onde pensa que vai, menina

Hudson?

Capítulo 2

Pensara que estava cansada, que o que precisava e queria era cair na cama e dormir sem receio do que pudesse encontrar ao acordar. Mas o sol estava alto no céu e a banhar os edifícios do centro de Atenas quando finalmente chegou ao seu quarto de hotel, já passava das oito horas da manhã seguinte. – Não lhe diz respeito – respondera, ao afastar outro fotógrafo incómodo para passar com determinação pelas portas

giratórias do hotel e sair para a rua, – mas penso regressar ao meu hotel. Impassível, ele seguira-a. – Decidimos que me dirias quando estivesses preparada para te ires embora. – Não – corrigiu-o com secura. – Tu decidiste, eu não. Ele levantou a mão esquerda e estalou os dedos com autoridade. Aparentemente, bastou para que uma limusina Mercedes, preta e pequena, se materializasse de entre as sombras e parasse diante deles. – Ainda bem que pelo menos um dos dois tem algum bom-senso, não é? – abriu a porta de trás num convite que não aceitava uma recusa.

Embora lhe apetecesse desafiá-lo e perder-se na noite, agradeceu a desculpa para deixar de estar de pé. Umas sandálias finas e de salto alto podiam ser a última moda em elegância para a noite, mas não se adequavam aos passeios. Mas também há anos que não calçava saltos altos e os pés já lhe doíam de uma forma desumana. De modo que engoliu o seu orgulho e deslizou pelo assento traseiro entre um ranger de seda violeta. – Obrigada – disse com rigidez. – Aprecio a tua consideração. – Parakalo. De nada – respondeu. A dar por certo que era a última coisa que ouvia dele, adiantou-se para dar ao

motorista não uniformizado o nome do seu hotel, mas então deu-se conta de que Mikos também entrara no carro. Sobressaltada, ofegou: – O que pensas que estás a fazer? – A pôr um fim a esta tolice – repôs antes de manter uma breve conversa em grego com o condutor. O homem assentiu, elevou o vidro fumado que o separava dos passageiros e ligou o carro. Gina não estava familiarizada com as ruas de Atenas, mas uma olhadela através do vidro bastou para lhe revelar que não iam em direcção ao hotel. – Caso não te tenhas dado conta, o teu motorista vai pelo caminho errado – informou.

– Vai exactamente pelo caminho que deve – desabotoou o casaco e esticou as longas pernas. – Sugiro-te que relaxes e desfrutes do trajecto. Durante algum tempo, sentiu-se provocada. Sentia-se refugiada no toque suave da macia pele preta, numa limusina que ronronava como um gato enquanto iam por um troço de rua tão suave como uma tira de cetim a flutuar no ar. O gargalo de uma garrafa de champanhe, que lhe pareceu Bollinger, espreitava de um balde de prata no bar embutido no carro. Umas taças de cristal cintilavam sob o brilho apagado das luzes do interior. O homem sentado ao

seu lado era sexy e atraente, alto e moreno. Cosmopolita, sofisticado e encantador. Então ocorreu-lhe que ia para um destino desconhecido, num carro com um estranho e que bem podia encontrarse metida em problemas sérios. Apareciam sempre notícias de mulheres que desapareciam sem deixar rasto. – Se estás a pensar raptar-me – disse com uma voz que lhe soou angustiosamente aterrada, – devias saber que não conseguirás mais do que um resgate mesquinho. Não tenho valor nenhum, monetários ou de qualquer outra natureza, para nenhuma alma viva – «salvo», acrescentou para si mesma, «para a minha mãe, que não faz ideia de

onde estou nem do tipo de problemas que me poderiam surgir. E, mesmo que soubesse, não poderia fazer nada». – Raptar-te? – conteve um sorriso, embora não com rapidez suficiente para que ela não reparasse. – A ideia não me passou pela cabeça, mas agora que falas nisso, poderia ser interessante. – Fico contente que um dos dois o ache divertido! – ironizou Gina. Ele estudou-a. – Acho-te muitas coisas. Certamente, divertida, agapiti mou, mas também fascinante, engenhosa... – E eu acho-te insuportável! Daquela vez, ele riu-se em voz alta, uma gargalhada de som rico e baixo,

como se um terramoto se manifestasse do mais fundo do seu peito. – Pelo menos causei-te alguma impressão – comentou com secura, a tirar o champanhe do balde de gelo. As mãos, cujo bronzeado contrastava com os punhos brancos da camisa, tinham uma forma perfeita, com dedos longos e competentes. Enfeitiçada, observou-o a tirar a garrafa e a abri-la com uma facilidade descuidada que indiciava que não era novo na tarefa. O líquido espumou nas taças, minúsculos vulcões de bolhas rebentavam à superfície com jubilosa efervescência. – A que brindamos, Gina? – perguntou, a oferecer-lhe uma taça. Como se tivessem vida própria, os

seus dedos fecharam-se em torno do pé da taça. – Escolhe tu. – O que te parece se brindarmos à possibilidade de nos conhecermos um pouco melhor? – Quando há pouco mais de uma hora te sugeri o mesmo, disseste ter assuntos mais importantes. – Depois mudei de opinião. – Não foste o único! Agora sei mais do que me interessa a respeito do tipo de homem que és – replicou, – e se pensas que por me colocares na parte de trás deste... deste «sexmobile», me vou deitar e deixar que faças o que quiseres comigo, espera-te uma desagradável

surpresa. Ao princípio, ele pareceu mudo. Depois levou uma mão à boca e, pelo modo como a taça de champanhe lhe tremeu, ficou claro que tentava controlar outro ataque de gargalhada embora daquela vez silencioso. Finalmente, com esforço para se controlar, embora sem muito sucesso a julgar pelo tom da sua voz, disse: – Garanto-te que sinto demasiado respeito por ti para albergar semelhante esperança. – Oh! – assimilou aquilo durante um segundo e depois virou-se para ele, desconcertada. – Bem, então, o que queres? – Explicar-me.

– Não era necessário que te desses a tanto trabalho para isso. – A sério? Estás a dizer que se tivesse tentado fazê-lo quando saías do hotel, ter-te-ias detido em plena fuga para me ouvires? – Provavelmente, não – teve de reconhecer. – Estava demasiado chateada contigo. – Exacto! E isso foi o que me levou a fazer isto. Se não te tivesse incomodado que o nosso encontro no terraço do hotel tivesse chegado ao fim bruscamente, não teria desperdiçado mais do meu tempo ou do teu. Mas... – cravou-lhe a vista e encolheu os ombros. – Importou-te, não foi? Tu também sentiste... uma faísca de

atracção entre nós, tão poderosa que desafia toda a razão? Hipnotizada, Gina assentiu, com um redemoinho de emoções no seu interior perante a mensagem que lia nos olhos dele. Demorou algum tempo a conseguir colocar a pergunta que a carcomia há horas. – Mas, nesse caso, porque é que, de repente, tu...? – Acabei com a situação antes que fosse mais longe? Ela voltou a assentir. – Porque – tirou-lhe a taça das mãos antes que a deixasse cair e depositou-a junto à sua no bar embutido – me orgulho de ser um homem civilizado que deixou para trás a era em que se

considerava aceitável tratar de forma íntima uma dama num lugar público. Mas tu, Gina, despertaste-me tanto desejo, que não tinha a certeza de conseguir controlar-me se permanecesse mais tempo a sós contigo. Ao ouvir aquilo, sentiu uma agradável sensação quente a espalhar-se pelo seu interior. – Pensei que podia ser por seres casado. – Não sou nem nunca fui. – Oh! – as mesmas bolhas que tinham rebentado com tanta exuberância na sua taça correram naquele momento pelas suas veias. – Nem queria seduzir-te na parte de

trás de um carro – continuou ele. – Se fizermos amor, algo que sob nenhum conceito é uma certeza, será num lugar e num momento que ambos escolhamos – os seus dentes cintilaram com outro sorriso. – Mas se me permitires, adoraria voltar a beijar-te. Com o coração a bater de prazer, ela sussurrou: – Acho que isso se pode arranjar. Tomou a cara dela entre as mãos e muito lentamente deixou que a sua respiração lhe acariciasse os olhos, as pestanas, o queixo, antes de se desviar para a boca. Uma vez lá, fechou os lábios sobre os de Gina quase com pudor, mas a falar numa linguagem silenciosa que prometia uma

profundidade de paixão alheia a tudo o que ela alguma vez tivesse experimentado. Com que facilidade lhe avivava o desejo e a necessidade! O desejo dominou-a, descarnado e implacável. Sentiu que se derretia, como quando a beijara no terraço do hotel. O calor espalhou-se pelo seu sangue e acumulou-se na boca do seu estômago. E nas dobras secretas da sua feminilidade surgiu o orvalho. «Deixa de ser um cavalheiro!», quase lhe suplicou em voz alta. «Pára de te conter!» Estava esfomeada dele. Queria que lhe tocasse em todos os lados. Desejava

que lhe descesse o vestido pelos ombros e lhe subisse a saia até à cintura. Que deslizasse as mãos dentro da roupa interior. Que coroasse a plenitude dos seus seios. Que descobrisse os casulos compactos que eram os seus mamilos, o núcleo palpitante entre as suas pernas. Mais, queria tocá-lo. Passar-lhe as pontas dos dedos pelo peito e pelos planos musculados do abdómen. Descer até território proibido e explorar aquela forma excitada. Medir o seu peso suave e nu na mão. Seria grande e poderoso, como a atracção que ardia entre eles. Não seria como nenhum outro homem que tivesse conhecido. Sabia-o com a mesma certeza que conhecia o seu próprio nome.

Compreender a direcção em que seguiam os seus pensamentos foi a única coisa que a impediu de agir em consonância com os seus impulsos. Horrorizada pelo perto que estivera de morrer de calor, afastou-se, abalada até ao mais profundo do seu ser. Não era completamente inocente no que se referia a sexo. Perdera a virgindade com vinte e dois anos com Paul Johnson, o seu noivo na altura, que acabou por mudar de parecer a respeito de se casar com ela ao dar-se conta de que isso também significava cuidar da mãe dela. Mas jamais fora «fácil», nunca se rebaixara com um comportamento libertino.

Mas nem poderia afirmar que tivera muita escolha, já que depois de romper com Paul, a sua vida social se tornara uma ilha, especialmente em encontros. O número limitado de homens livres que conhecera não estava interessado numa mulher sempre preocupada com os actos de uma menina de sessenta anos. Mas estava em Atenas, Grécia, e o incrível e atraente Mikos Christopoulos beijara-a duas vezes e, com isso, despertara todas as suas necessidades e desejos femininos contidos durante cinco anos, para os libertar mais atrevidos do que nunca. Não tinha nada a ver com a atracção, embora não houvesse dúvida nenhuma

de que Mikos era o homem mais atraente à face da Terra. Tinha a ver com o apetite. Com a necessidade básica de ser reconhecida como uma mulher que era mais do que uma filha e uma enfermeira. Mas entregar-se daquela maneira? Nunca! – Oh, Deus...! – ofegou, a estabelecer mais distância entre eles. – Acho que por enquanto chega. Ele não tentou dissuadi-la. De qualquer modo, pareceu quase aliviado por ela ter interrompido. – Brindo a isso – estendeu a mão para a garrafa e encheu as taças. Desconcertada pelas mensagens que ele enviava, excitado num momento mas capaz de refrear o seu ardor no seguinte,

assinalou o interior luxuoso da limusina. – Quando fui à festa, não era exactamente assim que esperava que acabasse a noite. – E o que esperavas exactamente, Gina? – Que regressaria ao meu hotel assim que tivesse conseguido informação suficiente. – Informação? – Para o meu artigo. – Ah, sim, o artigo! – repetiu com suavidade. Demasiada suavidade. – Sim – conveio, desconcertada pelo cinismo que captou na voz dele. – Não acreditas em mim?

– Há algum motivo pelo qual não devesse acreditar? – Que eu saiba, não – mentiu. – Mas, de repente, pareces muito desconfiado. – Sim!? – olhou para ela alguns segundos, e depois concentrou a sua atenção nas bolhas que se elevavam na sua taça. – Sim – repetiu, e quando ele não tentou negar, continuou: – Estás? Ele reflectiu antes de responder. – Deixa-me pôr as coisas desta maneira. Não sou um homem que ceda facilmente perante uma cara bonita ou um corpo tentador. É preciso mais do que isso para captar o meu interesse. Mas estou tão poderosamente atraído

por ti que não sei como encarar a situação. – Não me dás a impressão de seres um homem que não sabe como encarar alguma coisa. – Geralmente é verdade. Mas mentirte-ia se te dissesse que esta situação é normal para mim. A verdade é que a considero bastante extraordinária. – E não gostas de não controlar. – Não – aceitou. – Como dizem na tua terra, sou um fanático pelo controlo. É o que me torna bom no meu trabalho. – E em que consiste, exactamente, o teu trabalho? Disseste-me que trabalhas para o senhor Tyros, mas nunca mencionaste o que fazes. – Estou na direcção. De facto, sou

vice-presidente executivo. Na verdade, não a surpreendeu. Só teve de se recordar da autoridade com que chamara a limusina para reconhecer que devia pertencer ao nível corporativo mais alto. – Gostas do teu trabalho? – perguntou-lhe. O interior ténue não bastou para ocultar a careta que fez. – Nem sempre – reconheceu. – Mas, quem gosta sempre!? Tu, por exemplo. Estás totalmente contente com o que fazes todos os dias? Gina olhou pela janela e, de repente, na sua mente, só ficou o motivo da sua presença na Grécia.

«Menina Hudson... Gina, isto é muito incómodo, mas tenho a certeza de ter deixado os meus brincos na cómoda antes de sairmos esta manhã, e já não estão lá...». «Gina, és tu? Acabo de surpreender a tua mãe na praia, na água até à cintura... em Novembro, Gina...!» «Viste Maeve? Não desde esta manhã, Gina. Quando reparaste que faltava...?» A apoiar a testa contra o vidro fresco, perguntou-se como se avaliava uma obra de amor. Odiava o que tinha acontecido à sua mãe. Odiava a lenta marcha da mulher que uma vez fora o sustento principal da sua vida. De modo que a

resposta à pergunta de Mikos era que não estava contente todos os dias com o que tinha de fazer. Mas não pelos motivos que ele podia pensar. Virou a cabeça para olhar para ele. – Alguns dias são melhores do que outros – disse. – Suponho que isso se aplica a todos os trabalhos. – Conta-me. – O quê? – Do teu trabalho. Disseste que vives numa das Ilhas do Golfo. – É verdade. – Não é incómodo? Se a memória não me falha, estão a uma grande distância do continente. Isso limita uma escritora interessada em cobrir a alta sociedade internacional.

– Muita gente vive nas ilhas e trabalha em Vancouver. Se for necessário, posso ir de hidroavião em vinte minutos. – Mas o que fez com que uma mulher como tu voltasse para viver em casa da família? – Como sabes que vivo em casa da família? – Tu mesma me disseste quando dançávamos. Santo Céu! Ia ter de manter a sua língua quieta ou as suspeitas dele iriam aumentar. Ou poderia simplesmente distraí-la com a intenção de que não reparasse que tinham deixado a cidade para trás e se aproximavam de uma

ponte que cobria uma extensão de água escura? Um lago? O mar? Neste último caso, qual? De repente, os seus receios regressaram. – Porque não me dizes para onde estás a levar-me? – Para um lugar onde possamos estar sozinhos. – Já estamos sozinhos. – Não de todo – olhou para o vidro fumado que os separava do condutor. – São raras as vezes que consigo fugir do meu trabalho, mas esta noite... – riscou levemente o contorno do lábio inferior dela com a ponta de um dedo. – Esta noite, farei gazeta. Contigo. Depois de passar uma ponte,

atravessaram uma cidade pequena em cujas casas ainda brilhavam muitas luzes. – Continuamos no continente? – Não. Estamos em Evia, a segunda maior ilha depois de Creta. Muitos gregos consideram-na a mais bonita, mas como está tão perto da Grécia continental, os turistas ignoram-na com frequência e, graças a isso, manteve os costumes e o encanto tradicionais. Entrelaçou os dedos com os dela. O sangue ferveu nas veias de Gina, não só porque o contacto lhe electrizava os sentidos, mas por sentir uma crescente apreensão. Demasiado cedo, as luzes da cidade desvaneceram-se na

noite. Uns quinze minutos mais tarde, cruzaram uma vila. E aí o carro parou numa rua deserta, longe de qualquer rasto de civilização. – Vem – disse Mikos, a tirá-la do veículo assim que o motorista correu para lhes abrir a porta. Custou-lhe manter o equilíbrio no pavimento com os saltos altos. Mikos segurou-a e falou com o condutor, que, para consternação de Gina, voltou a entrar no Mercedes, deu a volta e regressou pelo mesmo caminho. Em poucos minutos, a noite ficou iluminada apenas pela luz das estrelas, o som do mar inquieto e o retumbar errático do seu próprio coração. A seu lado, Mikos erguia-se alto e escuro

como um monólito. – A verdade é que não me sinto muito confortável com esta situação – comentou com a voz mais serena que conseguiu. – O que é que tens exactamente em mente? – Um passeio pela praia. O que pensavas? – Que são três da manhã e que a esta hora as pessoas costumam estar deitadas. Ele riu-se em voz baixa. – Estás a dizer que preferias estar na cama comigo, Gina? A ideia passara-lhe pela cabeça com frequência no decurso da noite, por isso agradou-lhe que a noite ocultasse o

rubor que a embargou. – Não – respondeu. – Só quero dizer que não entendo porque estamos aqui. – Bem, olha à tua volta – com o braço rodeou os ombros dela e fê-la virar-se para a água. – Olha como o reflexo das estrelas dança no mar. Sente como o ar suave acaricia a tua pele. Aspira a fragrância dos pinheiros e dos louros. Diz-me que preferias estar sozinha no quarto do teu hotel de Atenas, uma cidade que nunca dorme. Como podia ser assim, quando cada palavra que ele dizia representava a inegável verdade? – Isto é bonito. Aproximou-a ainda mais de si. – Então, afasta as tuas dúvidas e vem

comigo. Tinha outra escolha? Quereria ter? Que se arriscasse a torcer os dois tornozelos enquanto o seguia com muita dificuldade por um atalho estreito até à praia foi resposta suficiente. – Tenho sandálias de salto alto – ofegou quando finalmente chegaram à areia, – e não se adequam muito bem a este tipo de terreno. Ele encolheu os ombros. – Então, tira isso – disse ao baixar-se diante dela para lhe rodear o tornozelo direito com uma mão. – Apoia-te em mim. Exercia tal efeito sobre ela, que em nenhum momento lhe passou pela cabeça

recusar. Com docilidade, obedeceu sem protestar, a apoiar uma mão no ombro dele para manter o equilíbrio e levantar primeiro um pé e depois o outro. – Já está – comentou ele. – E agora? A areia era fresca e suave na planta dos seus pés e entre os dedos. – Maravilhoso – reconheceu com um suspiro de alívio, embora a perturbasse que lhe fosse tão fácil conseguir que satisfizesse a sua vontade. – E agora? – perguntou com um sussurro enquanto puxava um pouco o vestido para não tropeçar nele. – Caminharemos pela água e regressaremos à vila. Fica apenas a três quilómetros e não demoraremos mais de meia hora.

De facto, demoraram quase duas horas. Não soube como mas, no decurso desse tempo, descobriu que iam de mão dada e que ele, de vez em quando, lhe tocava os lábios com um beijo fugaz. Também não soube quando decidiu abandonar a areia seca e deixar que as ondas rebentassem em torno dos seus tornozelos, sem se importar que lhe molhassem o vestido. Nem o momento em que Mikos tirou os sapatos e as meias e arregaçou um pouco as calças para se juntar a ela. Nem lhe importou. Bastava-lhe, durante umas breves horas, acreditar nos contos de fadas, em que um príncipe atraente descobria a Cinderela e a

libertava das preocupações da vida real. A magia não desapareceu nem sequer quando os telhados da vila se ergueram contra um horizonte tocado levemente pela luz rosada do amanhecer. Mikos conduziu-a para lá de uma frota de navios pesqueiros que se balançavam num molhe de madeira até um kafenion situado na mesma praia. Tinha as persianas das janelas abertas e delas saía um poderoso cheiro a café grego, ao mesmo tempo que derramava luz sobre várias mesas e cadeiras de ferro num terraço empedrado. – Senta-te – convidou ele, ao puxar uma das cadeiras. Ao fazê-lo, Gina sentiu um calafrio involuntário. O metal estava frio através

do fino tecido do vestido e, ao deixar de se mexer, o ar da manhã foi impiedoso contra as suas pernas e pés húmidos. Ao reparar, ele tirou o casaco e passou-o em redor dos ombros dela antes de se sentar à sua frente. Tal como Gina, continuava descalço. O laço pendia solto do pescoço da camisa aberta. Mas embora pudesse estragar o que sem dúvida era um smoking de mil dólares, continuava a mostrar aquela segurança que fazia com que sobressaísse entre a multidão. Naquele momento apareceu o dono do café. – Provavelmente, é mais forte do que o café a que estás habituada – comentou

Mikos depois de o homem servir um copo com água a cada um e uma chávena minúscula do que parecia ser uma bebida espessa coroada com uma espuma castanha, – mas é como os gregos gostam, especialmente quando estivemos acordados toda a noite. – Está bem – disse, contendo uma careta ao engoli-lo. – Hum... hoje tens de trabalhar? – Não. Tenho os fins-de-semana livres e posso fazer com eles o que me apetecer. E tu? «O meu tempo também é meu», pensou, ao beber meio copo de água de um gole. Mas ao lembrar-se do motivo da sua presença em Atenas, disse: – Vou rever as minhas notas e

começarei o artigo. – Depois de recuperares o sono, é claro. – É claro – corroborou ela. Ele apoiou-se contra as costas da cadeira com a graça indiferente de um gato numa almofada e observou-a. – Tens material suficiente para agradares ao teu editor? «Não tens de me trazer nada, Gina», dissera-lhe Lome MacDonald, o seu antigo chefe, quando recorreu a ele para conseguir uma acreditação de imprensa para a festa de aniversário de Tyros. «Eu gosto muito de te ajudar no que puder. Mas se te ajuda a satisfazer a tua consciência, dá-me algo que possa

publicar... nomes de ricos e famosos, o que vestiam as mulheres, o que bebiam e comiam, quem seduzia quem. Já conheces a rotina. Fizeste-o muito bem nos velhos tempos». – Na verdade, não – disse a Mikos. – Esperava ter a oportunidade de entrevistar o senhor Tyros pessoalmente, mas suponho que era esperar demasiado. – Decididamente – conveio ele. – Angelo já quase não concede entrevistas. Mas se tiveres algumas perguntas, provavelmente eu poderei responder, por isso dispara. Claro que tinha, mas duvidava que alguém, excepto Angelo Tyros pessoalmente, pudesse proporcionar-lhe as respostas. No entanto, tinha uma coisa

clara. De um modo ou de outro, conseguiria aceder ao velho miserável e obrigá-lo a satisfazer as suas exigências. Não esvaziara a sua conta poupança nem percorrera todo aquele caminho para regressar a casa com as mãos vazias. Havia demasiado em jogo.

Capítulo 3

– Não sejas tímida, Gina – insistiu. – Pergunta-me qualquer coisa. O que quiseres. Ela bebeu outro gole de café e teve um calafrio por causa do sabor. – Disseste que é viúvo. Só se casou uma vez? Ele não conseguiu conter o sorriso. O apetite do seu chefe pelas mulheres era lendário. Ao mesmo tempo, era estranho que ela não se tivesse incomodado a investigar um pouco de antemão. Cinco

minutos na Internet ter-lhe-iam revelado que Angelo passara pelo altar mais do que uma vez. – Cinco – respondeu. – A primeira esposa dele, a mãe do seu filho, faleceu com quarenta e poucos anos. Divorciouse da segunda e da terceira um ano depois de se casar com elas, da quarta aos seis meses e sobreviveu à quinta, que faleceu há oito anos. – Achas que ainda pensa voltar a casar-se? – É possível. Angelo não gosta de estar sozinho e gosta de mulheres bonitas. A gargalhada de Gina, frágil como o gelo a quebrar-se sob pressão, vibrou como uma nota discordante.

– Noutras palavras, usa-as. – Não – respondeu sem hesitação. – Não foi o que eu disse e espero que sejas suficientemente precisa ao citaresme. As suas faces coraram e virou a cabeça para ver uns pescadores a puxarem as suas redes. – Desculpa. Está descansado que tratarei o meu protagonista com todo o respeito que merece – replicou com rigidez. Finamente esculpido contra o pálido céu da manhã, o perfil dele poderia ter servido como modelo para um camafeu de inigualável beleza e delicadeza. – Eu também peço desculpa – disse

ele com sinceridade. – Lamento se falei com demasiada aspereza. – Não peças desculpa. Só fizeste aquilo para que te pagam e já me disseste que o senhor Tyros ganhou a tua lealdade. Devia lembrar-me disso antes de fazer um comentário tão desconsiderado. Havia alguma coisa que não parecia sincera na sua resposta. – Quase parece que tens motivos para sentir antipatia por Angelo – comentou, a olhar para ela com intensidade, – embora isso não faça sentido, já que não o conheces. Ou engano-me ao dar isso por certo? – De maneira nenhuma – repôs sem qualquer hesitação. – Talvez o que

ouças na minha voz seja desilusão por não ter tido o prazer de o conhecer. Mas isso leva-me a um ponto interessante. Se é tão solitário, porque autorizou uma festa de aniversário tão pública? – Eu não usaria a palavra «solitário» para o descrever. Como já disse, desagrada-lhe estar sozinho e adora rodear-se de amigos. Mas como outros homens muito ricos, ganhou a sua cota de inimigos ao longo dos anos. Em jovem, era-lhe igual, mas na sua idade, e compreensivelmente, tornou-se mais precavido e evita estranhos a menos que tenha a certeza de que não lhe desejam nenhum mal. – Até ao ponto de ter medo de falar

com alguém tão inócuo como eu? – franziu o nariz. – O que achas que poderei fazer, apunhalá-lo com a caneta? – Tudo é possível – disse. – O dinheiro é um afrodisíaco poderoso para aqueles que não o têm, o que o transforma no alvo de indivíduos sem escrúpulos onde quer que vá. Ela levantou outra vez a chávena. – Com que tipo de objectivos? – Só no último mês, sofreu três tentativas de extorsão. Sequestro. E, é claro, é sempre perseguido por empresários que aparecem de todos os lados a afirmar que são parentes perdidos. Se acreditasse em todos, nos últimos sessenta anos teria procriado

uns quinhentos filhos. Ela engasgou-se. – Peço desculpa – disse Mikos quando a viu respirar fundo. – Não era minha intenção fazer-te rir num momento inoportuno. Mas ela não estava a rir. Em qualquer caso, via-a muito nervosa, o suficiente para deixar cair a mala da mesa. Abriuse e espalhou-se quase todo o seu conteúdo sobre o terraço. Ao inclinar-se para apanhar um batom, atribuiu-o a um acidente fortuito. Quando descobrisse que lhe faltava a chave do hotel, sabia exactamente como o explicar. Além de um lenço de papel, que usou para secar as lágrimas dos cantos dos

olhos, colocou tudo de volta na mala e dedicou-lhe um olhar atrevido. – De facto – espirrou, – não foi divertido. Na verdade, nada do que até agora descobri a respeito de Angelo Tyros me parece divertido. Não me perguntes porquê, porque não saberia responder-te. – Talvez se deva à simples explicação de que estás extenuada. Talvez o vejas sob uma luz diferente depois de descansares. Ela abafou um bocejo. – De repente, sinto-me muito cansada. – Nesse caso, regressaremos à cidade. O carro está na estrada, mas teremos de subir até lá. Queres calçar os sapatos antes de começarmos?

Ela levantou-se da cadeira e fez uma careta. – Não, obrigada! Os meus pés ainda estão a recuperar e provavelmente vão continuar assim durante uma semana. Ele colocou as meias no bolso, calçou os sapatos e reclamou o seu casaco. – Suponho que isso só me deixa uma opção – ignorou os protestos dela, levantou-a nos braços, pô-la ao ombro e foi até onde o seu motorista, cujo rosto não denunciou qualquer expressão, segurava a porta aberta. Gina aterrou no banco de trás num monte de seda e indignação. – Isso foi completamente desnecessário!

Ele afastou o olhar, perigosamente excitado pela bonita extensão de perna exposta enquanto ela tentava endireitarse. – Do meu ponto de vista, não, Gina – repôs de forma vaga. Não se lembrava de se ter aninhado contra ele. Nem que ele a tivesse rodeado com o braço e apoiasse a cabeça dela contra o seu ombro. Só quando as buzinas do trânsito penetraram no seu cérebro brumoso é que ficou consciente da suave camisa de algodão contra a face, do contorno musculado do peito sob a sua mão e do calor aveludado da pele de Mikos onde

a tocava. Abriu os olhos e aventurou-se a olhar para ele. Ele tinha a vista cravada na janela e uma expressão preocupada. – Não sou muito boa companhia, pois não? – replicou por causa do sono que ainda a embargava. Mikos virou a cara e um sorriso iluminou-o. – Ouviste-me queixar? – Não. Mas desejou que o fizesse, que dissesse alguma coisa como «perdemos tempo enquanto dormias». Naquele momento o carro entrou no pátio do hotel dela e o único comentário de Mikos foi: – Mantive-te acordada até muito

tarde. Estás cansada. Ela levantou-se e arranjou o cabelo. O motorista abriu a porta. Mikos saiu e levantou-se em toda a sua estatura. Estendeu-lhe a mão. – Gina? Apoiou-se na palma da mão de Mikos. Sentiu que os dedos dele se fechavam com calor em redor dos seus. Com um movimento fluido fez com que ficasse de pé descalça no pátio ao lado dele. Consciente de que a janela da oportunidade se fechava com rapidez, estudou os olhos verdes em busca de um indício, de um vestígio de esperança, de que voltaria a pedir-lhe que se vissem. – Obrigada por uma noite

maravilhosa – disse ela. Ele sorriu. Aproximou-se. Inclinou a cabeça e deu-lhe um beijo rápido na boca. – Parakalo. Dorme bem – murmurou. Tão deprimida que lhe custou não começar a chorar, ela assentiu, deu meia volta e quase tinha chegado às portas do hotel quando de repente, ele a chamou: – Gina, espera! Virou-se para olhar para ele, com a esperança a bulir no seu sangue. As suas sandálias de lantejoulas pendiam da mão de Mikos. – Não te esqueças – indicou-lhas. O momento de optimismo afundou-se como chumbo no seu estômago. Ao aceitar os ditosos sapatos, murmurou um

«obrigada» apagado e com rapidez entrou no hotel antes de se sentir como uma parva. Sentindo uma pena patética por si mesma, subiu de elevador até ao seu quarto no quarto andar e ao chegar lá descobriu que perdera a chave. Não fazia ideia de onde, quando ou como acontecera, mas aquilo era a gota que enchia o copo e, a dar rédea solta à sua frustração, deu um forte pontapé na porta. A única coisa que sofreu foi o dedo grande. Saltou sobre o outro pé à medida que uma dor agónica lhe percorria o outro e gritou com força suficiente para conseguir que uma

empregada aparecesse a correr do quarto ao lado. Percebendo logo o que aquilo poderia parecer à primeira vista, a empregada murmurou umas palavras de simpatia com um inglês pouco perceptível e usou a sua chave mestra para abrir a porta do quarto. Depois de a ajudar a chegar a uma poltrona próxima da janela, foi-se embora mas regressou num instante com uma tigela de plástico cheia de cubos de gelo. Sem rodeios, colocou o pé de Gina na tigela. Não soube se começou a chorar com o efeito do gelo no dedo magoado, porque alguém cuidava dela para variar ou, simplesmente, pelo culminar de uma fadiga que crescera durante meses. A

única coisa que Gina soube foi que num momento sorria com coragem e no seguinte chorava sobre o peito maternal da empregada, que lhe acariciou o cabelo e murmurou palavras gregas de consolo que, de algum modo, conseguiram superar a barreira do idioma. – Desculpe – soluçou quando voltou a recuperar o controlo. – Não sei o que se passou comigo desde que cheguei cá, mas tornei-me demasiado emocional. – Neh, neh – entoou a empregada. – Neh, katalaveno. Entendo. Gina sorriu com melancolia. «Não, não entende, mas dizê-lo faz com que me sinta melhor».

A mulher também sorriu e afastou-a um pouco do seu peito. – Apostolia. E você? – Gina – repôs, ao compreender. A empregada assentiu. – Está bem, Gina? – Sim, muito melhor. Obrigada – assinalou a porta. – Deveria ir, não quero que se meta em problemas por minha causa. Mas obrigada mais uma vez, Apostolia. Foi muito amável. Efkharisto. – Parakalo – Apostolia assentiu pela última vez, foi-se embora e fechou com suavidade a porta atrás de si. Com a vista cravada na luz da manhã, o dedo do pé a palpitar e os olhos

arenosos pela falta de sono, viu as últimas dez horas como o que realmente foram, uma pausa glamorosa e romântica tão efémera como o pó das estrelas. Conhecera um homem que a fizera sentir-se outra vez mulher. Seduzira-a e fizera com que passasse umas horas que jamais esqueceria. Mas percebera uma certa ambivalência nele, e não causada por afirmar que não confiava em si mesmo, mas porque não tinha a certeza de poder confiar nela. Porquê? O que havia nela que o impulsionava a retrair-se? Vira-a demasiado ansiosa? Demasiado ofegante? «Devia ser eu a pôr o pé no travão»,

pensou consternada. «É uma pena que não batesse na porta com a cabeça. Terme-ia feito bem que alguma coisa me impusesse um pouco de bom-senso». Uma olhadela para o relógio da mesade-cabeceira indicou-lhe que eram oito da manhã de sábado, o que fazia com que fossem nove da noite de sexta-feira na Costa Oeste do Canadá. Uma boa altura para telefonar para casa. A sua mãe estaria deitada, a permitir que Lynn O’Keefe, a senhora que temporariamente cuidava dela, desfrutasse de liberdade para falar. Foi à mesa e pegou no auscultador do telefone. Lynn atendeu ao primeiro toque. – Esperava que fosses tu – disse. –

Como é Atenas? – Calorosa, ruidosa, exótica e exaustiva – respondeu Gina. – Como está a mamã? – Teve um bom dia. Esta manhã dedicámo-nos a apanhar búzios na praia, depois fomos comer à cidade e depois comemos um gelado no parque. – Achas que se dá conta de que não estou? Sente a minha falta? – Não acredito – repôs Lynn com amabilidade. – A maior parte do tempo está no seu próprio mundo. Já sabes como é para ela, Gina. – Sim – invadiu-a uma súbita culpa ao dar-se conta de que não dedicara mais do que um pensamento fugaz à sua mãe nas últimas doze horas. – Não te

esqueces de lhe dar a sua medicação? – Claro que não! Ouve, ela não é a única que se encontra sob ordens do médico. É suposto tu aproveitares ao máximo o teu tempo livre e não te preocupares com o que acontece em casa. Se houver uma emergência, saberás. Caso contrário, podes ter a certeza de que tudo está sob controlo. Por isso, pára de te preocupares e aproveita. – Tentarei. Mas sabia que não seria fácil. Preocupar-se passara a fazer parte da sua rotina diária, como escovar os dentes, e estar a milhares de quilómetros não ajudava nada a mudar isso.

– Não deves preocupar-te – disse Theo Keramidis. – Está limpa. – Tens a certeza? – Mikos, revistei aquele quarto de hotel de cima a baixo. Acredita, se tivesse algo a esconder, tê-lo-ia encontrado. Está tudo em ordem, do passaporte até às etiquetas da sua bagagem. É quem diz ser. Procurei a revista dela na Internet e li artigos antigos que escreveu. É legítima, até as suas próprias cuecas de algodão. A ideia de que Theo tivesse mexido na roupa interior dela deixou-lhe um trago amargo na boca. – Obrigado mais uma vez, Theo. Eu

tratarei do assunto a partir daqui. – Não duvido nem por um minuto – a sorrir, o segurança dirigiu-se à porta, mas no último segundo parou. – A propósito, havia uma discrepância, mas tão leve que duvido de que seja importante. Chama-se a si mesma Gina, mas o seu nome completo é Angelina Maeve Hudson e, se servir de alguma coisa, fará vinte e nove anos a cinco de Agosto. Ao arquivar a informação num canto da sua mente, saiu para o terraço das águas-furtadas. Fazia um calor fora do comum, mesmo para Atenas, e em circunstâncias normais teria ido para a ilha passar o fim-de-semana. Mas vira desilusão nos bonitos olhos

castanhos dela quando se despediu, e soube que a tinha provocado. Embora não tivesse outra alternativa até saber com certeza que a história de Gina era verdadeira. Infelizmente não encontrara outra maneira de verificar excepto enviar Theo para violar a intimidade dela. Tal como Angelo gostava de lhe recordar, esse era o preço de se fazer negócios, e quando se tratava de questões de segurança, Mikos sabia que o velhote tinha razão. Mesmo se às vezes isso fazia com que se sentisse tão sujo que nenhuma quantidade de sabão e água quente conseguiam eliminar o cheiro.

O sol projectava sombras longas sobre a parede quando a campainha da porta acordou Gina. Surpreendida, viu no relógio da mesa-de-cabeceira que já passava das sete horas. Dormira quase doze horas seguidas. Levantou-se, vestiu o robe de algodão, atou o cinto, e caminhou sonolenta para a porta. O dedo grande ainda palpitava um pouco quando se apoiava nele, mas disse para si mesma que sobreviveria. – Um segundo – disse antes de ir à casa de banho limpar a maquilhagem da cara. Mas ou quem tocou não a entendeu ou

não podia perder tempo à espera porque, quando espreitou pela mira, não viu ninguém no corredor. Diante da porta deixaram-lhe um enorme cesto de flores. Descobriu que eram pelo menos três dúzias de rosas de caule longo, vermelhas, distribuídas numa alta jarra de cristal. «Por uma noite inesquecível», lia-se no cartão. E caso isso não bastasse para lhe elevar o coração, a assinatura de Mikos fê-lo. Pegou na jarra e pô-la no toucador quando o telefone tocou. – Então, sentes-te mais descansada agora? A pergunta era da voz que julgara que

não voltaria a ouvir. – Oh, muito! – respondeu, aturdida por um júbilo que desafiava tudo o que o seu bom-senso lhe ditara antes. – O suficiente para passares outra noite comigo? Era mais do que se atrevera a esperar. – Adoraria, desde que me dês uma hora para me preparar – deu outra olhadela ao espelho. – De facto – corrigiu ao ver os seus olhos inchados, – é melhor serem duas. – Então, passarei por aí às nove. – Perfeito. Ah! Mikos, obrigada pelas flores. São lindas. – Como tu – e desligou. A sua mãe arranjava-se sem ela.

Tinha um encontro com o homem mais excitante que alguma vez conhecera. Durante pelo menos algum tempo, o seu mundo ficou em completa harmonia. Foi uma experiência embriagadora, que pretendia desfrutar sem receio do que lhe pudesse proporcionar o amanhã.

Capítulo 4

– O dono deste sítio – disse-lhe Mikos, ao conduzi-la ao interior de um restaurante pequeno situado num canto de uma praça tranquila perto do cimo de Lycabettus Hill – serve o melhor ouzo de Atenas, talvez de toda a Grécia. Para Gina era-lhe igual se servisse água da torneira. Estava demasiado encantada com o seu ambiente. Os restos do crepúsculo dourado reflectiam-se sobre o mar, num momento mais púrpura do que vermelho.

Toda a Atenas se estendia aos seus pés, salpicada por um milhão de luzes de diferentes cores e, como sempre, dominada pela extraordinária silhueta da Acrópole. Atrás dela, umas videiras em flor estendiam-se sobre paredes de tonalidades de cor creme. E o melhor de tudo, Mikos a conceder-lhe toda a sua atenção, o seu sorriso cativante, o seu olhar mais potente do que um beijo. Depois da chamada, dedicara algum tempo a meditar no que vestir, embora as suas escolhas fossem limitadas, já que não previra nenhum tipo de vida social além da festa de aniversário. Tendo em conta que o dedo magoado do pé a limitava a umas sandálias baixas,

acabou por se decidir por uma saia branca com folhos de um algodão ténue com fios prateados e um top com um decote acentuado a condizer. Acompanhado de um cinto vermelho largo, o traje mantinha um equilíbrio cómodo e elegante entre o formal e o informal. O hotel dera-lhe uma segunda chave, mas o director advertira-a para que tivesse cuidado. «Nunca se sabe, kyria, quem poderia encontrá-la. Os hotéis antigos e pequenos como o nosso não oferecem a mesma segurança nos quartos do que os estabelecimentos mais recentes. Não seria a primeira a descobrir que lhe faltam objectos valiosos no quarto».

Não é que tivesse algo de valor real salvo o passaporte e o bilhete de avião, embora a sua perda fosse catastrófica, em especial se de casa lhe pedissem que voltasse sem aviso prévio. Com isso em mente, ao descer passou pela recepção para pedir que os guardassem no cofre do hotel. Depois de dobrar o recibo, saíra para o pátio. Mikos chegara quase de seguida, a conduzir o último modelo do Jaguar XJ. Naquele instante sentira pânico. Poderosamente aerodinâmico, o veículo insinuava uma noite de glamour sofisticado que ela não antecipara. Se a levasse a um sítio em que todos os homens levassem fatos e gravatas e as

mulheres usassem vestidos elegantes e de marca, reparar-se-ia o quão informal estava para a ocasião. Mas a sua preocupação foi passageira. Quando saiu para a cumprimentar, viu que Mikos ia tão informal como ela, apesar dos calções de algodão cinzento e a camisa de manga curta de cor creme que levava custassem mais do que o que ela ganhava num mês. Naquele momento, sentado diante dela, com uma vela a projectar sombras sobre a sua pele bronzeada, estava arrebatador, tanto que era fácil uma mulher perder a cabeça por um homem assim. Não se dera conta de que olhava para

ele fixamente até que ele levantou a vista do menu, surpreendeu-a e perguntou: – Tens fome? «Sim. Mas não de comida!» A conter-se com dificuldade, repôs com indiferença: – Suponho que um pouco. – Eksertikos! Isso faz com que seja um jantar mais interessante. Começaremos com um pouco de ouzo e u n s mezedes. Gostas de polvo, calamares e aboborinhas? – De tudo o que mencionaste – afirmou, embora não estivesse assim tão certa do ouzo, que só provara uma vez há anos atrás, sem que a entusiasmasse

muito. – Uma mulher fácil de agradar – Mikos assentiu com gesto de aprovação. – Gosto disso. «E eu gosto de ti, mais do que devia!» Alheio ao estado mental dela, ele chamou o empregado, que lhes levou ouzo à mesa e um jarro de metal com água gelada. Depois, os dois homens encetaram uma conversa animada que, embora completamente alheia à sua compreensão, lhe deixou bem claro que se conheciam. – Deves vir aqui muita vez – comentou quando voltaram a ficar sozinhos. – Pelo menos uma vez por semana – disse Mikos. – O meu apartamento é

perto. – E o senhor Tyros? – Tem uma casa em Kolonaki para quando está na cidade e outra em Evia, com vista para o Egeu – acrescentou água gelada ao o u z o de ambos, que adquiriu uma tonalidade branca leitosa. – Dantes costumava passar a semana em Atenas e ia à ilha só aos fins-de-semana mas, ultimamente, habituou-se a ficar cada vez mais em Evia, particularmente durante o Verão. Gina agradeceu-lhe com um gesto quando Mikos empurrou o copo para ela. – Disseste que tu também tens um refúgio numa ilha.

– Neh, em Petaloutha, que significa «borboleta». É um lugar mágico situado a sul, nas Cícladas. – Passas muito tempo lá? – Sempre que posso, o que significa quase todos os fins-de-semana. – Mas não este. – Não – olhou para ela com olhos intensos. – Este fim-de-semana vi-me tentado por um feitiço diferente. Ainda bem que o empregado regressou naquele momento com uma bandeja cheia, já que não sabia se teria conseguido responder com alguma coerência. Para disfarçar a sua ausência de resposta, fingiu mostrar interesse pela variedade de canapés e entradas

depositadas sobre a mesa. Azeitonas, tomates secos ao sol, tzitiki e calamares que reconheceu e, é claro, o maravilhoso pão acabado de sair do forno. Dos outros pratos não teve a certeza, entre eles uns pequenos pedaços de carne a flutuar numa substância gelatinosa. – Spetsofai – explicou Mikos. – É uma loukanika, um molho grego feito com sangue de cordeiro e porco, condimentado com pimenta preta e casca de laranja – fez soar a beira do seu copo contra o dela em brinde. – Por uma noite de descobertas para os dois. Isiyian! – Saúde – repôs, e bebeu com valentia parte do seu copo. – Bebe devagar – avisou ele com um

sorriso. – Temos a noite toda e preferia que estivesses suficientemente sóbria para a aproveitares comigo. – Eu também – riu-se. – Provavelmente deveria ter-te advertido de antemão que não sou uma boa bebedora. – Não tens de me dizer nada, Gina – murmurou. – Já sei tudo o que preciso de saber sobre ti, e já me satisfaz, em todos os sentidos. Santo Céu! Era embriagador, e sem necessidade de recorrer ao álcool! – De facto – começou ela, instigada pela sua consciência a revelar parte da verdade, – sabes pouco sobre mim. As pessoas têm sempre camadas

escondidas... motivos e impulsos e... mistérios que não se vêem à superfície. No meu caso, vim para a Grécia porque... – Pára! – cobriu-lhe a mão com a sua. – Já sei porque vieste para a Grécia. Mais do que isso, sei que és bonita por dentro. Vejo paixão nos teus olhos maravilhosos. Ouço música na tua voz. Vejo generosidade e amabilidade no teu espírito. Para mim, isso basta. O único mistério é porque nenhum outro homem te reclamou antes, algo por que estou agradecido. – Mas, Mikos... – Não. Se querias desanimar-me, não deverias ter aceitado jantar comigo. Não deverias ter deixado que te beijasse.

– Bem, não o fizeste. Pelo menos, não esta noite. Ele riu-se. – Ainda! – apertou-lhe a mão. – Tenho trinta e cinco anos, Gina. Idade suficiente para saber o que quero. E com experiência suficiente para ver para além da superfície das pessoas que conheço. E suficientemente inteligente para reconhecer um presente quando mo oferecem. – Pode ser que sim, mas... Voltou a interrompê-la. – Achas que conheces os meus segredos todos? – Não, claro que não. – Então, porque deveria eu conhecer

os teus? Toda a gente tem um passado, karthula mou, e temos de viver com os erros que fazem parte dele. Mas o hoje e o amanhã são nossos para modelarmos como quisermos. Deveria tê-lo parado então. Deveria ter-lhe explicado que as suas circunstâncias não lhe permitiam muitos planos para o futuro. Mas, de alguma maneira, as dificuldades e preocupações que a esperavam em casa naquele momento pareciam muito longínquas e, nesse sentido, ele tinha razão. Naquele instante, naquele encantador restaurante, tinha escolhas. Podia pedir-lhe que a levasse de volta ao hotel e esquecer que se conheceram, ou podia ficar e deixar que a natureza das coisas seguisse o seu

curso, apesar do limitado que podia ser. Quando se despedisse dela ao regressar ao Canadá, beijá-la-ia com o coração intacto. Então, era assim tão erróneo da sua parte guardar lembranças indeléveis que a ajudassem a seguir em frente quando o futuro lhe parecesse demasiado sombrio? – Sabes? – perguntou com voz trémula. – De repente, já não estou assim tão faminta. – Comeste antes de vir? – Não. Não comi nada desde ontem à noite. – Então, vais comer agora. Um copo d e o u z o não é substituto de um bom alimento – pegou num pedaço de pão e

molhou-o no tzitiki. – Toma, começa com isto. Gina compreendeu que se preocupava com ela. Há tanto tempo que ninguém se preocupava com ela que teve de engolir o nó súbito que se formou na sua garganta. A controlar as suas emoções, concentrou-se na refeição. – É bom? – olhou para ela sério enquanto provava o tzitiki. – Está bom – disse. – De facto, melhor do que bom. O pão é delicioso. – Neh. Nós, os gregos, adoramos o nosso pão. Agora prova um pouco de calamares. – E tu? Ou pensas ficar aí sentado a ver-me comer? – As duas coisas – os olhos dele

brilharam. – Vamos fazer um festim demorado. E assim o fizeram durante as três horas seguintes. Mikos pediu uma garrafa de um excelente Boutari Moschofilero para acompanhar o prato principal, uma massa de caranguejo de rio com um fabuloso molho de tomate. Para a sobremesa, ele insistiu que ela provasse o bolo de damasco e pistácios, que comeram intimamente com um único garfo. Finalmente, partilharam a sobremesa com um metaxa, com a atmosfera entre ambos a vibrar por saberem que, embora o jantar pudesse estar a chegar ao seu final, a noite mal tinha começado.

– Vens comigo? – perguntou ele quando abandonaram a praça. Gina sabia o que lhe perguntava. – Sim – respondeu, e agarrou-lhe a mão. Conduziram pelas poucas ruas que havia até ao apartamento dele, embora essa definição não lhe fizesse justiça, já que ocupava a totalidade do último piso de um bonito edifício antigo que fora restaurado sem sacrificar nenhum do seu encanto original. O interior estava elegantemente acabado com chãos de mármore e antigas molduras de carvalho em redor das portas e das janelas. A decoração escolhida por Mikos, ecléctica e reflexo

de um gosto impecável e caro, encaixava na perfeição naquele ambiente, tal como descobriu ao ter liberdade para espreitar quando ele foi atender uma chamada. Na sala, uns sofás de pele de cor verde-escura agrupavam-se em torno de uma mesa de centro de vidro. Uma grande televisão e uma aparelhagem enchiam quase toda uma parede. Do outro lado, umas estantes embutidas estavam lotadas de livros. Uns candeeiros estrategicamente distribuídos projectavam focos de uma quente luz alva. Através de um arco aberto à direita, uma mesa de sala de jantar de vidro, oito cadeiras de costas altas e uma

vitrina com um serviço de copos delicioso brilhava sob o ténue resplendor das luzes embutidas no tecto. E de cada janela, magníficas vistas panorâmicas da cidade e do mar iluminado pela lua davam a sensação de estarem a flutuar a meio caminho entre o céu e a terra. Mas apesar do luxo, as águas-furtadas mostravam sinais de serem também um lar. Um jornal no chão, junto a uns sapatos pretos. Uma camisola sobre um dos sofás. Um maço de cartas por abrir enchia uma mesa lateral, que também tinha a fotografia de uma mulher. Pela roupa e pelo estilo do penteado, devia ser de há uns trinta anos atrás. A mãe de

Mikos? Levantou-a para a examinar melhor, até ao ponto de a virar para ver se alguma coisa escrita na parte de trás lhe podia dar uma pista. Envergonhada por catalogar de forma tão descarada os detalhes da vida privada dele, largou a fotografia e virou-se para as portas de vidro e para o aspecto menos pessoal do jardim do terraço. Era um refúgio idílico no coração da cidade. Sabia que se ela lá vivesse, nunca quereria ir-se embora. Não percebeu que Mikos estava atrás dela até que lhe rodeou a cintura com os braços. – A piscina não é muito extensa para nadar mas, se quiseres, podemos refrescar-nos nela mais tarde.

– Não trouxe fato de banho – murmurou com o coração acelerado. – E não o vestirias mesmo que tivesses um – levantou-lhe o cabelo e passou os lábios pela nuca dela. – Tens medo de mim, Gina? – sussurrou. A proximidade dele electrizou-a da cabeça aos pés e deixou-a a flutuar numa expectativa palpitante. – Não – murmurou. – Tenho medo de mim, do modo como me fazes sentir. – E como é, karthula mou? – Absolutamente segura de que estou onde quero estar. Quando estou contigo, o resto do mundo deixa de existir. – Eu sei – conveio ele com voz rouca. – Eu sei. Para mim é igual. Foi assim

desde que te conheci. Até agora, estive a contar os minutos, à tua espera, embora não soubesse o teu nome nem conhecesse a tua cara. No entanto, quando olhei para os teus olhos, reconheci-te imediatamente e, com uma facilidade pasmosa, senti-me completo. As suas palavras descreviam com precisão algo que fugia a toda a explicação lógica, mas tão real e tangível como o chão que tinha sob os pés. Puxou-a mais para ele. Estava poderosamente excitado, duro, grande e forte contra o contorno suave do rabo dela. – Deixarás que te ame, Gina? «Isso é mau», repreendeu-a uma

condenada voz puritana no seu cérebro. «Não vás para a cama com um homem no primeiro encontro». Mas a verdade era que nunca nada lhe parecera tão correcto, bom e maravilhoso. «Cala-te!», replicou mentalmente e virou-se no círculo dos braços de Mikos. – Sim – suspirou. – Oh, sim, por favor... Não falaram depois daquilo, porque não houve necessidade de palavras quando os lábios, as línguas e as mãos se manifestaram noutro idioma distinto e mais eloquente. Não houve desconforto enquanto se despiam. Nenhuma

hesitação na forma como descobriam os seus corpos. Apenas uma reverência espiritual. Uma familiaridade que parecia nascer de outra época, de outra vida juntos, muito antes de esta ter começado. Era perfeito. Impressionantemente dotado nos sítios adequados. De ombros largos, de peito profundo, de cintura e ancas estreitas, magnificamente erecto e viril. Tinha as pernas longas e musculadas e os pêlos escuros que lhe delineavam o peito eram sedosos ao contacto. O primeiro orgasmo sacudiu-a enquanto estavam entre a roupa abandonada na sala. Ele tomou com gentileza o mamilo entre os dentes e ao

mesmo tempo tocou-a entre as coxas, o que a fez explodir. Depois levantou-a nos braços e levou-a pelo corredor até ao quarto. Outro espaço separado por uma parede de vidro da noite que invadia o quarto com a luz de lua. A cama, alta e larga, ocupava metade do quarto. O colchão aceitou-os com um suave suspiro. Então ele fez com os lábios o que antes fizera com os dedos. A ignorar o leve murmúrio de surpresa de Gina, afastou-lhe as pernas, enterrou a boca no seu núcleo e com a língua brincou sobre a pele sensibilizada. Então assaltou-a um segundo orgasmo, tão intenso que não conseguiu controlar um ligeiro grito.

Relaxou-a com prolongadas carícias até que ela conseguiu voltar a respirar, e depois ofereceu-lhe prazer uma terceira vez, a levá-la de forma implacável até à beira do delírio. Ouviu-se a si mesma a suplicar-lhe que a penetrasse. Segurou-o pelos ombros e passou-lhe as unhas pelas costas, a mexer a cabeça de um lado para o outro numa agonia de impaciência que se negava a ver-se satisfeita até que ele se enterrasse nas suas ardentes profundidades. O que fez, mas não antes de tirar um preservativo da gaveta da mesa-de-cabeceira e de o pôr. Assim que a penetrou, a atracção magnética que os levara a esse ponto

elevou-se, acendeu-se e rebentou em redor de Gina. Possuiu-a tão completamente, com uma delicadeza tão deliciosa, que tremeu várias vezes. Encerrada no seu abraço, provou o sal do suor da pele dele enquanto procurava generosamente o que Mikos tentava em excesso guardar para si mesmo e, quando, sem advertência prévia, a levou a outro clímax explosivo, pensou que podia morrer de comoção. Imersa naquele frenesim, chorou, gemeu e gritou o nome dele. Rodeou-lhe as ancas com as pernas e puxou-o para ela. Finalmente, com um instinto alheio a tudo o que fizera antes, desferiu o derradeiro golpe ao deslizar as mãos

entre os corpos unidos para acariciar as bolsas que havia entre as suas pernas. Naquele momento, ele deixou escapar um gemido. O corpo ficou tenso brevemente e depois sacudiu-se de maneira incontrolada enquanto a penetrou várias vezes. A calma que se seguiu foi ensurdecedora no seu silêncio. Mas, assombrosamente, nada mudara. A lua continuava a brilhar no céu. A piscina continuava a enviar reflexos de água que dançavam no tecto. Mas ela estava diferente. Nunca voltaria a ser a mesma. E não só porque ele era um amante generoso que lhe ensinara mais sobre o seu corpo

do que o que aprendera nos seus vinte e oito anos de vida. Mas não gostava de jogos. Olhava-a nos olhos e expunha o seu desejo sem o enfeitar com promessas que não poderia manter. Usava protecção, e não escondia o facto de guardar preservativos na sua mesa-de-cabeceira. Era o que o seu exnamorado nunca fora: suficientemente sincero para reconhecer a verdade e suficientemente forte para não se esconder dela. Paul vangloriava-se de fazer tudo por ela, quando o que na verdade queria era que a mãe dela não fosse parte da bagagem do casamento. «Não seria justo da minha parte obrigar-te a manter o compromisso»,

lamentou-se com uma expressão tão transparentemente falsa que ela própria estivera prestes a vomitar. «Deves colocar sempre Maeve à frente de tudo. Não te posso pedir que te comprometas comigo. Parte-me o coração, mas vou libertar-te da tua promessa de te casares comigo». «Obrigada, Paul», pensou naquele momento. «Nunca saberás o favor que me fizeste». Adormeceu. Observando o movimento regular dos seios dela a subir e a descer, ele maravilhou-se por parecer tão jovem, com a expressão de preocupação suavizada pelo sono.

Com cuidado para não a acordar, puxou o lençol para a tapar. Para ele, dormir estava posto de parte. O sabor de Gina ainda continuava na sua língua. Os gritos ofegantes e desesperados ecoaram nos seus ouvidos. Ao fechar os olhos, conseguia ver as coxas finas e pálidas, coroadas por aquele triângulo des pêlos sedosos, e a confiança com que se abrira a ele. Levantou-se e foi em silêncio à casa de banho. Abriu o duche e ajustou a temperatura da água até que saiu quase fria. Vê-la dormir deixara-o tão dolorosamente próximo de querer fazer amor com ela outra vez que, ao ensaboar-se, esteve prestes a explodir novamente.

Mas não eram só a sua beleza física ou o sexo que lhe eram irresistíveis. O facto era que adorava tudo nela. Adorava a sua língua às vezes afiada, o modo como mostrava as garras quando se sentia ameaçada. Adorou a expressão de preocupação que mostrara ao ver um menino correr sem vigilância pelos molhes perto do amanhecer, e como se relaxou ao ver que o avô o seguia. O seu corpo bonito albergava um coração e uma alma bonitas, dos que um homem aprenderia a amar se não tivesse cuidado. Poderia estar a apaixonar-se por ela? Aturdido, ficou quieto, à espera de que as agulhas geladas da água

devolvessem a prudência ao seu cérebro. Não estava em território familiar com a palavra «amor». «Gostar, respeitar, admirar, desejar...» Isso reconhecia e podia controlar. Mas salvo nos primeiros anos da sua vida, o «amor» esquivara-se dele. Nem uma única vez depois da morte da sua mãe o conhecera. E salvo com Gina, nunca o dera. O mais perto que estivera fora com a devoção e a gratidão que lhe inspirava Angelo, o homem que lhe oferecera uma figura paternal quando mais ninguém quisera o papel. Então, que raios se apoderara dele que, de repente, estava tão predisposto a dizer «amo-te» a uma mulher que investigara antes de confiar o suficiente

nela para a seduzir?

Capítulo 5

Gina acordou com umas sombras púrpura que não reconheceu imediatamente a espreitar do canto do quarto e com uma vibração persistente que não conseguiu identificar. Sentia umas dores agradáveis por todo o corpo. Humedeceu os lábios e lembrou-se de outra boca sobre eles. A pele da cara, do pescoço, dos seios e das coxas ardialhe um pouco, como se tivesse sido raspada por um papel de lixa muito fino. Os lençóis tinham o cheiro

inconfundível de um homem, uma mulher e sexo. Então lembrou-se de tudo. A reacção do seu corpo às lembranças foi imediata e inequívoca. O calor enroscou-se no seu interior e saiu disparado por todo o seu corpo. Deixou-a tão húmida e ansiosa dele que gemeu o nome de Mikos em voz alta. Ao não obter resposta, endireitou-se sobre um cotovelo e deu-se conta de que estava sozinha. Mas uma aura de luz que passava por debaixo de uma porta fechada, mais o som que naquele momento reconheceu como o de um duche, indicaram-lhe onde o encontraria. A casa de banho era enorme e luxuosa. Maior do que o quarto do

primeiro apartamento dela, com uma banheira embutida num canto com vista para uma parte privada do jardim do terraço. Estranhou não ver o vapor na cabina do duche. Alheio ao público que tinha, viravalhe as costas, de pé sob os jorros palpitantes que lhe pegavam o cabelo escuro ao crânio e que caíam em redemoinhos pelos seus ombros e pelas suas costas. Seguindo o caminho que percorriam, pousou o olhar naqueles glúteos tensos e nas coxas musculadas. Engoliu em seco e respirou fundo, com o apetite que a impulsionara a espiá-lo com tanto descaramento a crescer até se tornar algo voraz perante

aquela simetria perfeita. Como uma sonâmbula, entrou no duche e anunciouse ao abraçá-lo e ao dar-lhe um beijo numa pequena cicatriz em forma de estrela que ele tinha na omoplata esquerda. Durante um breve instante, ele ficou rígido, de tal maneira que Gina lamentou a audácia mostrada. Mas então Mikos levou uma mão atrás para a pousar sobre o rabo dela e agarrá-la com força contra o seu corpo. Com a outra, guiou-lhe a mão além da cintura até ao seu membro viril, erguido com dureza e urgência. Embora a água saísse tão misturada que estava quase fria, Mikos estava quente ao tacto. Quente, sedoso e palpitante, e tão perto de alcançar o

orgasmo que quando ela aumentou levemente a pressão dos dedos, começou a tê-lo. Ao reparar, soltou um gemido rouco e primitivo. Com um movimento rápido e fluido, virou-se, deslizou as mãos sob o rabo dela e colocou-lhe as pernas em redor da cintura. Depois, a pegar-lhe nas costas contra a parede transparente da cabina, penetrou-a com força e celeridade, várias vezes enquanto a todo o momento se vertia furiosamente nela. Ao princípio sentiu a sua semente a queimar-lhe a pele delicada do interior das coxas. Depois, só o sentiu a ele, dentro dela, onde era o seu lugar, a invocar um abandono tão bendito e cego

que a cautela e as possíveis circunstâncias deixaram de existir. O corpo dela viu-se sacudido pela força explosiva dos espasmos que a convulsionavam. Os seus pulmões arderam. O sangue troou nas suas veias. Afundou os dentes no ombro dele. E rebentou em soluços entrecortados pela corrente de emoção que a rasgava. – Chiu, emana mou. S ’ a g a p o – ofegou, a cobri-la com o seu corpo para a proteger. – Não chores. Está tudo bem. Agarrou-se a ele, demasiado aturdida para lhe pedir que traduzisse aquelas palavras gregas. Demasiado emocionada pela profundidade da atracção que sentia por ele. «Só passaram vinte e quatro horas!», murmurou uma parte

longínqua e já pouco funcional do seu cérebro. «Não permitas que gostes tanto». Mas gostava. Mais do que qualquer outra coisa no mundo. – Tenho medo – disse com voz entrecortada, como uma menina na escuridão. – Medo de quê, karthula mou? – De irmos demasiado depressa. Estás a arrastar-me demasiado profundamente para o teu mundo, e não é o sítio onde pertenço. Temos de falar, Mikos. – Neh – desceu-a com gentileza, virou a torneira até que a água saiu quente e, depois de tomar banho, tirou uma toalha

enorme da prateleira que havia no extremo da cabina. – Prepararei café, veremos o nascer do sol e diremos tudo o que temos para dizer – indicou-lhe, envolvendo-a na toalha. – Mas tens de saber uma coisa. Não tens de ter medo de mim. Estou aqui. Tratarei de tudo. Sabia que não era assim tão simples e que nunca seria, mas Mikos falava com tanta autoridade, que estava disposta a suspender a sua incredulidade. Secou-se, vestiu um roupão igual ao que ele tinha, subiu as mangas e seguiu-o até à cozinha. Tal como todos os quartos, também dava acesso ao jardim do terraço. Era tudo de aço inoxidável, a cozinha de um solteiro que mostrava poucos sinais de

ter sido usada. – Não gostas de cozinhar? – perguntou-lhe. Ele riu-se. – De maneira nenhuma. E tu? – Aprendi a gostar. Tive de o fazer, e acho que é importante que te conte porquê. – Quero ouvi-lo, Gina – disse-lhe. – Vem sentar-te comigo no terraço e continuemos a nossa viagem de exploração mútua. Aproximou duas cadeiras da piscina. Faltava pouco para que a luz do sol cintilasse sobre o mar e começasse outro dia. Ela dobrou as pernas e acomodou os pés sob o roupão.

Recostou-se na cadeira com a chávena a aquecer-lhe as mãos. – E então – disse ele, – por onde começamos? Contigo ou comigo? – Comigo – indicou Gina, ansiosa por contar a verdade sobre si mesma. – A questão é, Mikos, que de certo modo te... induzi em erro. Estou aqui para escrever um artigo, mas é um trabalho único. Há anos que já não trabalho na revista. Portanto não sou exactamente quem pensas que sou. Tentei dizer-te isso ontem à noite no restaurante, mas tu não querias ouvir e confesso que me senti aliviada. Não queria que nada estragasse a noite. – Compreendo. Mas não compreendia. Gina soube-o

pela súbita reserva que apareceu na sua voz. Bebeu uma chávena de café e deixoua com um gesto seco sobre a mesa de vidro. – A verdade sobre o que falas parece pesar muito no teu pensamento. Nesse caso, deverias ter insistido em revelá-la, sem te importares que eu pudesse gostar ou não do que ouvisse. – Não pensei que entendesses. – Experimenta – disse com frieza. – Nem sei por onde começar. – Geralmente, o princípio é um bom ponto de partida. Neste caso, não. Não ia ganhar simpatia ou compreensão a retrair-se até

ao verdadeiro começo. Isso teria de esperar até que ele entendesse os seus motivos. – Está bem – disse com simplicidade. – Já não sou jornalista porque dirijo uma pequena hospedaria. Ele olhou para ela surpreendido. Era evidente que esperara algo muito mais retorcido. – Tu sozinha? Não é demasiado para uma só pessoa? – Sim. – Mas gostas? – Não. – Então, porque continuas com isso? E o que é mais pertinente, porque tentaste esconder o que fazes? – Por causa de uma promessa que fiz

à minha mãe. – Que tipo de promessa leva uma mulher adulta a mentir sobre o modo como ganha a vida? – perguntou ele com dureza. – Também não estás propriamente a dirigir um bordel. – Eu posso ser uma mulher adulta, mas a minha mãe... não é. Já não – calou-se com um súbito nó na garganta. Partilhar os detalhes da deterioração do seu pai parecia a derradeira traição à mulher cuja dignidade fora retirada por uma terrível doença que a deixara sem nada. «Não posso fazê-lo», pensou. «Então, levanta-te desta cadeira, veste-te e afasta-te deste homem sem

olhares para trás», invocou a sua consciência. «Pelo menos dessa maneira a tua integridade permanecerá intacta, mesmo que o teu coração esteja partido». Fechou os olhos. Dera-lhe motivos para não confiar nela. Isso fazia com que fosse correcto não confiar nele, quando Mikos não lhe dera nenhum motivo para duvidar dele? – A questão é, Mikos – começou em voz baixa, – que a minha mãe se encontra numa fase avançada da doença de Alzheimer. Ele murmurou umas surpreendidas palavras de simpatia e pegou na mão dela. – E é esse o teu segredo? Ah, Gina,

como pudeste pensar que não entenderia? – Nem toda a gente entende. – Eu não sou toda a gente, agape mou. Provavelmente, talvez até esteja mais bem preparado do que outros para apreciar a situação triste em que te encontras. Embora não fosse por culpa própria, a minha mãe transformou-se numa proscrita entre as pessoas que conhecia desde menina. Era uma advogada que, a viver aqui em Atenas quando a Grécia estava sob o controlo do ditador Papadopoulos, se mostrou abertamente crítica com o regime e acabou na prisão, onde foi violada por um dos guardas.

– Santo Céu! – levou uma mão à boca emocionada. – Apanharam quem o fez? Ele negou com a cabeça. – Ohi. Pouco depois, puseram-na em liberdade e regressou à sua vila natal, mas condenaram-na ao ostracismo quando se tornou evidente que estava grávida. Com a ajuda de uma velha parteira, trouxe-me ao mundo numa casinha que herdara dos seus pais. Em criança, lembro-me de a ver trabalhar de sol a sol em tarefas de empregada com o objectivo de ganhar dinheiro suficiente para levar comida para a nossa mesa. Ao crescer, comecei a ajudar, depois da escola, a cultivar o pequeno terreno que rodeava a nossa casa. Tinha catorze

anos quando ela morreu e abandonei a vila sem olhar para trás de tanto que odiava as pessoas de lá por a terem feito viver num inferno. – Então, tu entendes. – Completamente – acariciou-lhe o braço com um gesto tranquilizador. – Quando começou a doença da tua mãe? – Não sabemos com certeza, mas provavelmente há uns seis anos. Nessa época, eu vivia em Vancouver, mas adorava a ilha em que crescera e ia visitá-la sempre que podia. A minha avó, que viveu connosco toda a sua vida, morrera no ano anterior e a primeira vez que reparei que a minha mãe não era a mesma, atribui-o à solidão e à dor. De facto, ríamo-nos

juntas por algumas das coisas que fazia. Calou-se, dominada pelas lembranças de uma época em que a gargalhada fora uma parte tão importante das suas vidas. – Viveu sozinha quando a tua avó faleceu? O teu pai...? – Era um pescador que se afogou na costa noroeste da Ilha de Vancouver no Inverno em que eu fiz dezoito anos. – Thee mou! A tua família sofreu uma overdose de problemas e de dor! – A tua também – indicou ela. – Pelo menos a minha mãe desfrutou de mais anos bons do que maus. O meu pai e ela tiveram um casamento maravilhoso. Cresci num lar muito feliz, com uns pais magníficos e uma avó que adorava. Não

imagino o horror do que passou a tua mãe, nem como deve ter sido para ti crescer sem pai. – Foi melhor que não o tivesse conhecido. Tê-lo-ia matado pelo que fez à minha mãe. – Isso é assustador em todos os sentidos, e o mérito radica na tua mãe e em ti mesmo. – Não completamente – confessou ele. – De facto, tive um mentor. Depois de a minha mãe morrer vim para Atenas. Era grande para a minha idade e parecia ter muito mais de catorze anos, por isso consegui arranjar trabalho a ajudar a pintar escritórios. Foi assim que conheci Angelo Tyros. Sentiu uma poderosa repulsa ao ouvir

aquele nome. Alheio à reacção dela, Mikos continuou: – Mostrou interesse por mim. Considerou uma pena que um rapaz tão brilhante trabalhasse com as suas mãos quando deveria estar a trabalhar com o cérebro. Fizemos um acordo: ele darme-ia um lugar onde viver e, em troca, eu acabaria o liceu e, no meu tempo livre, ajudaria com a manutenção e a jardinagem em sua casa. Naquela época, vivia com a sua terceira esposa em Kiffisia, uma zona muito agradável, com muitas árvores, situada a vários quilómetros do centro da cidade. Até a ver, desconhecia a existência de

semelhante opulência. – Quanto tempo ficaste com ele? – Vários anos. Muitos mais do que os que previra quando aceitei as suas condições. Acabei o liceu no Verão e no Outono comecei as aulas na universidade. – Que ele pagou? – Não foi preciso. Na Grécia, a universidade é gratuita desde que se tenha sido um bom aluno e se conheçam as pessoas adequadas. Tive sorte. As minhas notas eram suficientemente boas e ele era um benfeitor generoso. Fiquei em casa dele e trataram-me como mais um elemento da família, até que me licenciei. – Por isso é que agora trabalhas para

ele? – Sim e não. Depois de me graduar e cumprir quatro anos de serviço nas Forças Aéreas, já que o serviço militar continua a ser obrigatório na Grécia, colocou-me no negócio dele e ensinoume tudo. Se agora tenho sucesso, devo-o a Angelo. – Então sentes uma obrigação para com ele? Encolheu os ombros. – Não há dúvida de que lhe devo muito mais do que alguma vez lhe poderei pagar. De facto, ele ocupou o papel do pai que não conheci em criança e, talvez em certa medida, eu tenha enchido o vazio que ficou no seu

coração depois da morte do seu filho. Mas também é justo dizer que o meu trabalho é estimulante e satisfatório e que não tenho vontade de procurar qualquer outra coisa. As palavras dele deixaram-na aturdida e consternada, o que se devia reflectir na sua expressão. Interpretou mal o motivo e acariciou-lhe a mão. – Mas já chega de falarmos da minha vida. Conta-me mais da tua. Agora que compreendia plenamente o quanto Angelo Tyros significava para ele, nunca lhe poderia contar tudo, e saber isso encheu-a de tanta tristeza, que por um momento só conseguiu olhar para ele, carente de palavras. – Quando descobriste que o que se

passava com a tua mãe era algo mais sério? – insistiu ele. A recuperar-se, Gina respondeu: – Quase um ano depois. Ambas nos demos conta de que os seus esquecimentos já não eram engraçados no momento em que lhe cortaram o telefone por se ter esquecido de pagar a conta. – O que fizeste então? – Fomos a uma consulta com o nosso médico, que lhe fez uns exames preliminares antes de a levarmos a Vancouver para que confirmassem o que ele suspeitava. Os resultados foram conclusivos e, como podes imaginar, totalmente devastadores.

– Especialmente porque não tinha ninguém a quem recorrer para além de ti – ele assentiu com um gesto de compreensão. – Mas como é que isso conduziu à promessa que fizeste? – A nossa casa é na praia e dá para o estreito da Georgia, com vista para as montanhas no continente. Tudo o que de bom lhe aconteceu aconteceu ali. Quando lhe dei a minha palavra, ainda era capaz de entender a progressão da sua doença e sabia que chegaria o dia em que não poderia viver sozinha, mas a ideia de ter de deixar o seu lar ancestral e a sua ilha amada, para ir para um lar e ficar ao cuidado de desconhecidos, aterrava-a. «Prefiro morrer», disse-me,

e não era uma frase melodramática. Dizia-o a sério. – E por isso prometeste-lhe que não deixarias que isso acontecesse. – Sim. Além de outras crenças, acredita-se que manter pacientes com Alzheimer num ambiente familiar entre coisas e caras familiares, pode diminuir o ritmo a que a doença se apodera das suas vidas. – E até agora,mantiveste a tua palavra? Ia responder, mas a sombria realidade da situação surpreendeu-a e, como acontecera com frequência nas últimas semanas, esbofeteou-a com força. Enterrou a cara nas mãos e começou a chorar.

Ele abraçou-a e, ao levantá-la da cadeira, acomodou-a sobre o seu colo. – Min cles, glikia mou – murmurou, a acariciar-lhe a pele. – Não chores, minha doce Gina. Diz-me como posso ajudar-te. – Não podes – soluçou. – Só Deus pode fazê-lo e Ele já não me ouve! Secou-lhe a cara com o seu roupão. – Receias ter de renunciar à tua promessa? Gina assentiu e reatou os soluços. – Porquê, agape mou? – Já não consigo mantê-la a salvo. Vou ter de fazer o que me suplicou que não fizesse e interná-la num lar, e isso está a matar-me.

– Tens a certeza de que é a tua única opção? – Receio que sim. Talvez não seja hoje nem amanhã, mas muito em breve. O nosso médico disse-nos de forma sucinta e clara. A partir de agora, só vai piorar, e cuidar dela é mais do que eu consigo fazer sozinha. – Então, parece-me evidente que precisas de ajuda vinte e quatro horas por dia – raciocinou Mikos. – Contratar uma equipa de enfermeiras privadas aliviará a tua carga e contribuirá para a tua paz mental. Poderia ter-lhe dito que isso implicaria uma despesa que não conseguiria suportar, mas não pensava

reconhecer algo do género perante um homem com quem acabava de fazer amor, e muito menos com alguém tão obviamente rico como Mikos. Pareceria uma troca de favores sexuais. – Sim, foi a outra opção que o nosso médico mencionou, mas quando lhe disse que não acreditava que a nossa mãe aceitasse uma desconhecida em casa, pensou que o único modo de descobrir era que eu me ausentasse durante uns tempos – fez uma careta. – Acha que agora estou demasiado tensa para poder tomar uma decisão importante. «Descansa ou aceita o risco de um esgotamento nervoso», foram as suas palavras exactas. – Foi isso que te convenceu a vires

aqui fazer a tua reportagem? A possibilidade de ocupares a tua mente com outra coisa e tentares ver a situação de forma mais objectiva? «Não, Mikos! As minhas intenções são muito mais matreiras». – Mais ou menos – repôs evasiva. – Bem, o teu médico tem razão. Seja qual for o teu próximo movimento, tem de ser algo com que possas viver o resto da tua vida. Por isso proponho que sigas o conselho dele e te esqueças dos teus problemas durante umas horas. Hoje faremos turismo – levantou-a do colo e deu-lhe uma palmadinha no rabo. – Vai vestir-te antes que as minhas boas intenções se evaporem.

Depois de revelações tão dolorosas, não imaginava que pudesse pôr de lado as preocupações, mas Mikos foi fiel à sua palavra. Depois de telefonar para casa para se certificar de que tudo estava bem, entregou-se por completo às mãos dele. Começaram com fruta, torradas e café numa esplanada sob a imponente estrutura da Acrópole. Depois, deambularam pelas pequenas e sinuosas ruas de Plaka, cheias de músicos, vendedores de flores e fotógrafos. O guia perito e divertido mostrou-lhe os marcos que nenhum turista devia perder: a Torre dos Ventos, a Mesquita

nos terrenos da Ágora Romana, a porta de Medrese, que era a única coisa que restava da escola teológica fundada em 1721, o monumento de Lisícrates e, sem dúvida, a própria Acrópole e o Pártenon. Quando o calor começou a afectá-los, conduziu-a a um café num parque pequeno e na sombra calorosa beberam café com gelo. Sentiu-se a mulher mais sortuda de Atenas porque ele escolhera passar o domingo com ela. Ao meio-dia, seguiram a multidão até à Feira de Monastiraki, uma mistura colorida de pequenas lojas e postos que atendiam turistas e locais por igual, onde se vendia de tudo, desde

antiguidades até simples sucata. E ele levou-a sempre pela mão. E, acima de tudo, fê-la rir. – Se pudesses pedir um desejo – perguntou-lhe ele quando a tarde estava a chegar ao fim, – um que não tivesse nada a ver com a tua mãe ou a doença dela, qual seria? Com uma fogosidade estranha nela, repôs: – Que este dia nunca acabasse. Durante algum tempo, ele ficou em silêncio, com um olhar solene. – Bem, infelizmente, é inevitável – repôs finalmente, – mas isso não é motivo para que não haja um amanhã, ou um dia depois de amanhã.

– Não sei se estou a compreender-te – não se atrevia a acreditar no que pensava que ele queria dizer. – Estarás cá poucas semanas, emana mou, e o tempo já passa suficientemente depressa. Porque havemos de estar afastados quando podemos estar juntos? Deixa o teu quarto no hotel e vem comigo, Gina. Deixa-me oferecer-te umas férias que nunca esquecerás, algo que te dê certezas quando regressares a casa. Não posso fazer com que os teus problemas desapareçam, mas posso tentar que os esqueças durante um tempo. O que dizes? Arriscar-te-ás comigo? Por nós?

Capítulo 6

Olhou para ele atónita. – Como podes sugerir algo assim? Nenhuma mulher que se respeite iria viver com um homem que conhece há menos de quarenta e oito horas. – Não é um pouco tarde para te preocupares com o decoro? Já fizemos... – Eu sei o que já fizemos – interrompeu-o antes que o pronunciasse, – mas há uma grande diferença entre isso e ir viver contigo, mesmo que seja só uma coisa temporária.

– Sim? – fingiu espanto. – Explica-me lá isso então, porque não consigo entender. – Para começar, não nos conhecemos bem. – Quanto mais podes conhecer alguém para além da sinceridade descarnada que surge de partilhar a experiência mais íntima possível entre um homem e uma mulher? Ela olhou ao seu redor sem dissimulação. – Se insistes em falar de sexo – vaiou, – pelo menos tem a decência de baixar a voz! – Não estou a falar de sexo – replicou com convicção. – Falo em fazer amor. O

sexo não envolve as emoções e acaba logo. O homem passa para a conquista seguinte... e a mulher também. Consegues olhar-me nos olhos e dizerme que depois do que partilhámos ontem à noite, estás preparada para te afastares de mim? – Não – gaguejou. – Então, onde está o problema? – insistiu Mikos. – Porque não podemos continuar a desfrutar um do outro? Se lhe dissesse que tinha medo, perguntar-lhe-ia porquê, e, como lhe poderia explicar sem parecer uma parva ingénua? Como lhe podia dizer que, em dois dias, sentira mais prazer com ele, uma sensação mais profunda de realização, uma ligação emocional mais

comprometida, do que qualquer coisa que conhecera nos dois anos em que se imaginara apaixonada pelo seu exnamorado? Olhou-o de esguelha, obrigando-se a racionalizar o irracional. Que estava embriagada por ele era indiscutível. Mas porquê? O que o tornava tão magnético e irresistível que quanto mais o via, mais poderosa era a atracção? O que o tornava único? A resposta atingiu-a, veloz e recta como uma seta que encontra o seu alvo. Agia como se importasse. Com ela! Quando lhe falava da sua mãe, prestava atenção e não tentava minimizar a gravidade da situação. Respondia com

amabilidade e compaixão. E, ao fazer isso, chegava ao seu vulnerável coração. Era de estranhar que a palavra «amor» perfurasse as suas defesas, apesar dos seus esforços para a rejeitar? – Em que pensas, Gina? – Que és o homem mais amável que alguma vez conheci – disse num impulso. – Mostra-o. Passa as tuas férias comigo. Sentia-se mais tentada do que ele conseguia imaginar. – Pensarei nisso, mas neste momento o que mais quero é descansar uma ou duas horas. O calor deu cabo de mim e, de repente, sinto-me muito cansada. – Está bem – acariciou-lhe o braço

com um dedo – Mas não demores muito a decidir, karthula mou. O tempo não corre a nosso favor. A decisão acabou por ser tomada por ele, porque quando a levou de volta ao hotel, descobriram que o seu quarto fora alagado por causa de um hóspede do andar de cima que deixara que a banheira transbordasse. Em algumas partes o tecto desabou, o quarto estava inabitável e quase toda a sua roupa ficara inutilizável. Guardou-a num saco de plástico com o que salvou e meteu tudo numa caixa de cartão, porque a sua mala também não sobrevivera. E ainda pior. – Não temos nenhum outro quarto

disponível – explicou o director, a espremer as mãos em sinal de desculpa. – Como já sabe, menina Hudson, somos um hotel pequeno e estamos cheios para as próximas duas semanas. Mas se desejar, será um prazer telefonar para outros hotéis para lhe procurar alojamento. Sem se incomodar em consultá-la, Mikos tomou as rédeas da situação. – Não é preciso – declarou. – A menina Hudson ficará comigo. Visivelmente aliviado, o director empurrou uma folha diante dela. – Então, por favor, antes de se ir embora, tenha a amabilidade de adjudicar um valor à lista de artigos destruídos e a nossa companhia de

seguros enviar-lhe-á um cheque para cobrir a substituição deles. E, é claro, reembolsá-la-emos do resto do tempo que esperara permanecer aqui. – Isso será óptimo – repôs, consternada. – Mas o que faço enquanto isso? – Deixa-me cuidar de ti – interveio Mikos. – Iremos às compras e comprarte-ei o que precisares. – De maneira nenhuma! – respondeu. A sua decisão de ir para a Grécia fora espontânea, a acção de uma mulher a que restavam poucas opções e que não se podia dar ao luxo de ser orgulhosa. O dinheiro escasseava e chegara disposta a fazer o que fosse... pela sua mãe.

Enquanto pudesse proporcionar-lhe cuidados decentes, o resto não lhe importava. Mas nem por um momento pensava aceitar isso para si mesma. – Tens de ser sensata, Gina – continuou ele. – Precisas de alguns artigos básicos para continuares as tuas férias e eu posso pagar-tos. Desesperada, perguntou-se se teria outra escolha. Ou fazia o que Mikos dizia, ou andava por lá com o que restava da sua roupa interior, uma sandália encharcada e as suas jóias. O resto estava estragado. Nesse ponto devia estar agradecida por os seus bilhetes de avião e o seu passaporte estarem no cofre do hotel. A revista pagara-lhe o hotel e usara

uma promoção da companhia aérea para conseguir o bilhete. Deixara de usar cartões de crédito no momento em que deixara de conseguir pagá-los ao fim do mês, com o abuso de uns juros exorbitantes. Era verdade que Lorne lhe dera um adiantamento pelo artigo, mas estava renitente em recorrer a ele até saber que tinha informações. – Vá lá, Gina – insistiu Mikos, a olhar com impaciência por cima do seu ombro enquanto ela apontava o valor das coisas que perdera. – Deixa-me fazer qualquer coisa. O único problema que existe é o que estás a criar na tua cabeça. Temos coisas melhores para

fazer do que perder tempo a discutir por assuntos insignificantes de algumas centenas de euros. Com um suspiro contrariado, disse: – Combinado. Aceitarei um empréstimo, mas só pelo valor que a companhia de seguros me reembolsará. Insisto nisso, Mikos, ou não há acordo. – Como quiseres – apanhou a caixa com as posses dela e levou-a de volta ao carro. – Aos domingos há pouca coisa aberta, mas por aqui encontraremos alguma coisa até que abram as boutiques amanhã. – Eu não faço compras em boutiques – informou-o. – Não encaixam precisamente no meu estilo de vida nesta altura.

Conduziu-a a uma loja que vendia uma ampla variedade de roupa a bons preços e disse: – Vamos tratar disso. A verdade era que não tinha energia para questionar aquele comentário ambíguo. A procurar entre um bengaleiro de saias rodadas, Mikos escolheu uma de tonalidades vibrantes em vermelho, laranja e amarelo sobre um fundo preto e tirou-a para que a visse. – O que te parece? Fica-te bem? – Provavelmente. Geralmente são artigos de tamanho único. – E isto é bonito para a acompanhar? – tirou uma blusa preta com bordados e

pô-la à frente dela. – É... bonita. De facto, era estranho que um homem lhe escolhesse a roupa, e ainda mais quando mostrava tão bom olho para o que ficava bem. Paul nunca mostrara interesse em ir às compras com ela. Ao deixar a saia e a blusa com a vendedora, Mikos disse: – Está bem. Agora a única coisa que nos falta é lingerie. Escolher-lhe cuecas e sutiãs era ir demasiado longe, embora já a tivesse visto sem roupa nenhuma. – Obrigada, mas desenrascar-me-ei com o que sobreviveu à inundação, pelo menos até amanhã – declarou, a agarrarse à caixa com os seus poucos

pertences. – Combinado, faz uma nota promissória disto e depois levar-te-ei a casa para uma mesimeriani anapafsi. – O que é isso? – perguntou nervosa. Ele riu-se. – Uma sesta. Faz parte da vida na Grécia durante o Verão. A ideia de dormir despreocupadamente durante o calor mais intenso do que fora um dia longo e cansativo pareceu-lhe extraordinariamente atraente. Além de uma sonecazinha antes do amanhecer, não dormira desde o dia anterior quando Mikos a deixou no seu hotel, e o seu relógio interno estava alvoroçado.

– Isso soa-me maravilhosamente bem. De facto, acho que poderia dormir até amanhã. – Mas não o farás – afirmou com segurança, ao levá-la de volta a onde deixara o carro. – Depois de quatro ou cinco horas, estarás pronta para desfrutar da noite comigo. Naquele momento, a possibilidade pareceu-lhe, no mínimo, remota, mas ao acordar depois das oito da noite, compreendeu que nada era impossível com Mikos. Depois de regressar às águasfurtadas, alimentara-a com umas rodelas de laranja doce e uvas pretas, depois

levara-a para a cama e fizera amor com ela de forma lenta e doce. Adormeceu nos braços dele, embriagada de prazer. Ao abrir os olhos e ver as pás do ventilador de tecto a virarem devagar e a luz moribunda do sol que enchia o quarto com uma iluminação dourada, sentiu-se cheia de uma sensação de absoluta satisfação. Com severidade, recordou-se de que aquela não era a sua vida real. Mikos arrastara-a para um romance de férias que, pela própria definição, era algo transitório, e transportara-a para um mundo muito longe daquele a que estava habituada. Mas seria também o seu nem que fosse durante um fugaz momento. Mais nada.

– Estás aqui! Surpreendido, Mikos levantou a vista do diagrama que estivera a estudar e viu Angelo na porta. Ao levantar-se, foi ajudar o velho a sentar-se atrás da secretária. – Yassou! O que fazes ainda no escritório numa segunda-feira à tarde? Esperava que já estivesses a caminho de Evia. – Achei que já era hora de descobrir quando tinhas começado a ter segredos para mim. É isso que estou a fazer. – Não faço ideia do que falas. Angelo suspirou. – Foste chefe de segurança tempo

suficiente para saberes que por aqui não há nada que não acabe por chegar aos meus ouvidos, portanto deixa-te de joguinhos comigo, Mikolas. Disseramme que desapareceste da festa na sextafeira. Com uma mulher. Ninguém te viu durante o fim-de-semana. Não foste a Petaloutha... eu sei porque verifiquei, o que me leva a supor que ficaste cá. Com ela. E isso quer dizer qualquer coisa, já que não gostas do Verão na cidade. Quem é? – Ninguém que te possa interessar. – Talvez tenha oitenta anos, mas ainda não estou cego nem senil. Se ela for a causa desse sorriso que tens na cara, estou interessado. Leva-a a jantar a minha casa amanhã para que possa

conhecê-la e decidir se é suficientemente boa para ti. Claro que era! Impulsionado pelas dúvidas que tinham sido geradas ao descobrir que não fora completamente sincera com ele, solicitara uma segunda investigação. O relatório chegara há menos de uma hora da agência de Vancouver, a confirmar tudo o que lhe dissera. – Talvez sejas meu chefe, Angelo – repôs, – mas isso não te dá o direito de ditares como passo o meu tempo livre. – O facto de seres suficientemente adulto para votar significa que devo deixar de me preocupar contigo? – repôs com os olhos cintilantes. – Não é assim

que funciona, Mikos. Pensava que sabias. – Suficientemente adulto para votar? – soltou uma gargalhada. – Vá lá, Angelo, isso é exagerar um pouco, mesmo vindo de ti. Por amor de Deus, tenho trinta e cinco anos. – E sempre pensei que eras suficientemente esperto para não te envolveres demasiado com um capricho passageiro. Ou engano-me? Esta mulher é diferente de todas as outras? Mikos coçou a cabeça, tão desconcertado como o velho. Reconhecia que se comportava de forma diferente da habitual, já que sempre fora um perito a evitar enredos românticos. No entanto, Gina cativara-o desde o

início. – Sim, é diferente. – Em quê? – Sei lá! – reconheceu. – É, mais nada. – É daqui? – Não. Nem sequer é grega. – Então, como conseguiu entrar no Grande Bretagne? – Cobria a festa para uma revista canadiana. Uma sombra cruzou fugazmente o rosto de Angelo. – Canadiana, eh? Fez muitos quilómetros para uma festa de uma noite, não achas? – Isso foi o que eu também pensei ao

princípio, mas aproveitou a viagem para umas férias. Além disso, és uma espécie de celebridade naquela parte do mundo. Roubar a namorada debaixo do nariz de um milionário de Toronto há vinte anos levou-te ao estrelato. – Casar-me com ela foi o maior erro que alguma vez cometi – murmurou Angelo. – Era uma prostituta. Devia têla deixado ficar. Se até se insinuou a ti, um miúdo de quinze anos que vivia na minha casa sob minha protecção! Mikos revirou os olhos perante a lembrança. Fora a primeira mulher que o encurralara num canto do jardim, onde ele estivera a podar flores mortas. Levantara o vestido para lhe mostrar que não tinha roupa interior. A surpresa

fizera com que quase cortasse a própria mão. – Não tens de te preocupar com Gina poder ser assim. É tão honesta e honrada como qualquer mulher que pudesse desejar conhecer. – O que não acontecerá se eu permitir que vás avante com a tua. Ou envergonhei-te, e consegui que mudes de ideias sobre levá-la amanhã a Evia? Deveria ter imaginado que Angelo não aceitaria um «não» como resposta. Se significava tanto para ele, porquê negar-se? – Perguntar-lhe-ei e telefonar-te-ei de manhã. Angelo sorriu e lutou por se

endireitar. – Amanhã às nove. Conto contigo, Mikolas. Não me decepciones. – É uma ordem para irmos jantar a casa dele amanhã? – Não temos de ir se assim preferires – Mikos encolheu os ombros. – Angelo sempre foi exigente, mas... – Não – disse Gina com o coração apertado. – Eu gostaria de ir, a sério. – Tens a certeza? – Tenho – sossegou o sentimento de culpa que amargurava o que deveria ter sido o seu momento de triunfo. Para isso é que fora à Grécia, para enfrentar o homem que virara as costas à sua avó.

Mikos apoiou as mãos em cada um dos seus ombros, a imobilizá-la contra as costas da piscina, e deu-lhe um beijo. – É um velho solitário que trabalha demasiado para se manter ao corrente dos actos das pessoas de quem gosta, porque acha que caso contrário o esquecerão. «É um canalha com o coração endurecido que só pensa em si mesmo», pensou Gina, mas guardou para si a sua opinião. Beijou-lhe o pescoço. – Hoje senti a tua falta – apertou-a mais contra ele e acrescentou sobre a boca dela: – Porque continuas com isto vestido quando eu estou nu como um

recém-nascido? – despiu-lhe o fato-debanho e atirou-o para fora da piscina. Imediatamente sentiu a pressão dura da erecção dele no estômago, quente e urgente. O que mais desejou foi abrir as pernas e possuí-lo, mas ele enlouqueceu-a ao sair da piscina em busca do preservativo que tivera a precaução de deixar perto. Sussurrou o nome dele em forma de súplica, a desejá-lo com desespero. Mikos voltou a entrar na água e passou o dedo entre as dobras lubrificadas do seu núcleo, à procura do sensível casulo do seu interior. Gina ficou tensa e sentiu que o seu corpo se contraía dolorosamente. Ele

voltou a acariciá-la com mais insistência. E o que começara como um sussurro na parte de trás da sua garganta rebentou num grito angustiado ao não conseguir resistir aos embates do orgasmo. Depois, enquanto ainda se via sacudida pelos espasmos, penetrou-a e permaneceu dentro dela, imóvel. – Isto – disse com voz rouca e os olhos verdes a brilhar – é o que significa a generosidade, Gina... entregares-te a mim com tanta confiança, sem pedires nada em troca, mas a deixares que eu te dê prazer. – Mas eu também quero agradar-te, Mikos – murmurou com voz quebrada. – E agradas – garantiu-lhe. – Em tudo

o que és e em tudo o que fazes, satisfazes-me muito. «O que fica por dizer», pensou ela, «quando não há palavras que façam justiça ao momento... excepto que te amo!». Mas não se atreveu a pronunciar aquelas palavras. Ele mexeu-se. Segurou-a e balançouse contra ela. Ao princípio devagar, depois com crescente urgência. Ofegou contra a face dela. O coração troou-lhe contra os seios dela. Rodeou-lhe o pescoço com os braços. Deixou que as pernas dela flutuassem até lhe rodearem a cintura. Sentiu os tremores longínquos de outro orgasmo e deu-lhe as boas-vindas. Regozijou-se por saber que também ele ia rebentar;

que estavam unidos como uma única pessoa em todos os sentidos da palavra, lançados pelo espaço, obstinados um pelo outro, como se essa fosse a única oportunidade que tivessem de sobreviver à glória do momento. – S’agapo! – ofegou ele contra o pescoço dela enquanto o corpo se sacudia com tremores poderosos. – S’agapo, psihula mou! Naquela noite estavam sentados numa taberna a pouca distância das águasfurtadas e discutiam por causa da roupa. – Gostes ou não, amanhã irás comprar um vestido de cocktail. – Não vejo qualquer sentido em

gastar dinheiro num vestido que provavelmente só vestirei uma vez. – No entanto, far-me-ás a vontade. Não haverá nada de informal no jantar de amanhã. Angelo adora oferecer espectáculos aos visitantes e convidados, e o mínimo que podemos fazer é tentar agradar-lhe na sua maneira de ser. – Santo Céu! Espero não morrer de calor com os meus peculiares costumes estrangeiros! Demasiado ardiloso para passar por cima do sarcasmo, olhou para ela com os olhos cintilantes. – Serás tu quem se sentirá envergonhada, e apenas por apareceres vestida de forma pouco apropriada para

a ocasião. Deverias agradecer-me por te avisar disto, Gina, e não te opores. – Poderia estar mais disposta a agradecer-te se não fosses tão ditatorial. – Não sou – informou-a com um arrogante desdém masculino. – Assumo o controlo da situação porque um dos dois tem de o fazer, e tu estás a mostrarte pouco racional – fez uma pausa. – Por favor, podemos pôr de lado as nossas diferenças e aproveitar juntos o resto da noite? Lançou-lhe um último olhar. – Suponho que sim. – Está bem. Voltamos a ser amigos – pegou na mão dela e levou-a aos lábios. – Sabes, Gina? Se um dos meus amigos

se encontrasse na tua situação, teria reagido da mesma maneira e insistido em ajudá-lo. – Duvido muito que os teus amigos precisem da tua ajuda. Provavelmente, são tão ricos como tu e ser-lhes-ia indiferente perderem um guarda-roupa completo. – Se acreditas nisso, então não és justa comigo. Sei o que é ser pobre, provavelmente muito melhor do que tu alguma vez poderás ser. E para que saibas, não escolho os meus amigos pelas suas contas bancárias. Esperava que me conhecesses melhor para saberes isso. Envergonhada, ela baixou a vista. – E é verdade – murmurou. –

Desculpa-me, por favor. – Estás desculpada. E agora tira essa expressão preocupada da cara e aproveita o jantar. Mas deu-lhe a impressão de que nenhum dos dois estava seguro do outro como estiveram no começo da noite.

Capítulo 7

Yiannis, o mordomo de Angelo, que estava com ele desde que Mikos se lembrava, conduziu-os ao terraço onde aquele aguardava para os receber. Gina parecia nervosa e quase se assustou quando Angelo lhe pegou na mão e a levou aos lábios. – Obrigada – murmurou em resposta às palavras de boas-vindas. – Efharisto. . . kyrie Tyros – e retirou a mão como se estivesse a queimá-la. Angelo sorriu feliz.

– Já aprendeste o nosso idioma – comentou em inglês. – Receio que não – repôs com frieza e o rosto carente de qualquer emoção. Mikos chegou à conclusão de que devia sentir-se intimidada por todo o esplendor, com o deslumbrante fundo das montanhas de um lado da enorme propriedade e a vista panorâmica do Egeu do outro, com a piscina olímpica no terraço inferior e as estátuas de mármore de cada lado... e isso antes de ver o interior da casa, a não ser o amplo hall que conduzia da entrada principal até ao terraço das traseiras. Ou aquela reserva teria mais a ver com o desacordo da noite anterior? Em

teoria, tinham feito as pazes na taberna, mas no ar ficara uma tensão evidente. E ao voltarem para as águas-furtadas, não tinham feito amor. Logo de manhã ele fora trabalhar e, mais uma vez, ela dera a impressão de estar adormecida. Não regressara até depois das cinco da tarde. Não os esperavam em casa de Angelo até às oito, e por isso tinham partilhado uns momentos no jardim do terraço, numa conversa superficial, como um casal que preferia não falar. O que lhe reforçara a crença de que era preferível uma amante a curto prazo do que uma esposa a longo prazo. Mas até uma aventura breve podia esgotar um homem se escolhesse a mulher errada.

E o que tinham eles em comum, além de um apetite insaciável pelo corpo do outro e umas mães tocadas pela tragédia? E que raios se apoderara dele na noite anterior, em que se deixara levar e lhe dissera que a amava? De certeza que fora no calor da paixão e em grego, e que ela não entendera. Nem, felizmente, lhe pedira que traduzisse. Mas estivera tão deslocado que lhe parecera um lapso grave e que sob nenhum pretexto devia repetir-se. Mas tudo isso fora antes de ela o deixar e ir tomar banho para o jantar na casa de Angelo. Antes que ele entrasse no quarto precisamente quando ela tentava subir o

fecho do vestido preto e justo que comprara, assombrosamente elegante na sua simplicidade e desenhado para empurrar um homem para a distracção. Antes que sentisse que o pulso se descontrolava, em vez de lhe fechar o fecho, despiu-a. Antes de se libertar das calças, lutar com impaciência com um preservativo, empurrá-la sobre a cama e penetrá-la, cego pelo desejo de se perder no corpo sedoso e brilhante de Gina. – Desculpa – ofegara – aquilo de ontem à noite. – Eu também – sussurrou Gina, a agarrar-se a ele. Depois daquilo, nada importara, nem voltar a gemer «s’agapo». Porque

naquele preciso momento, amava-a. – Senta-te aqui, onde te possa ver, querida – disse Angelo, a apontar para uma cadeira de costas altas do outro lado da mesa baixa de vidro, onde ele estava. – Na minha idade, é um prazer raro poder contemplar uma beleza tão fresca e imaculada. De volta ao presente, Mikos ocultou um sorriso ao ver como Angelo a seduzia perante os seus próprios olhos. Também não podia culpá-lo, o que não o impediu de se sentar ao lado dela e apoiar a mão com um gesto de firmeza e posse no joelho dela, para lembrar ao velho «Casanova» que não estava livre. Como se tivesse previsto semelhante

acção, Angelo antecipou-se. – Serve o champanhe, Mikolas, e deixa-me sozinho com esta dama para que nos possamos conhecer um pouco – instruiu, e concentrou a sua atenção outra vez nela. – Fala-me de ti, kouklaki mou. Tenho a certeza de que tens uma vida fascinante. «Minha pequena boneca»? Mikos revirou os olhos. – Então não sabe nada de mim, senhor Tyros – repôs ela sem rodeios. – Se não, saberia que, comparada com as mulheres a que está habituado, sou na verdade muito aborrecida e vulgar. – Não existe nada como uma mulher aborrecida e vulgar – riu-se entredentes, animado pela resposta veemente. – E

devo insistir que me chames Angelo, porque não tenho intenção de me dirigir a ti como thespinis Hudson. Gina assenta-te muito melhor. Ela quase sorriu... ou foi mais uma careta? De onde enchia as taças, Mikos não conseguiu ter a certeza. – Tem uma casa linda, senhor Tyros. Passa o seu tempo todo aqui? – perguntou, ignorando o pedido dele. – Tenho casas por todo o mundo, querida, mas esta é a minha favorita. Queres vê-la? Mikos escolheu aquele momento para lhes entregar as taças de champanhe. – Será um prazer mostrar-ta depois, Gina. Mas diria que agora o mais

apropriado seria um brinde. Queres fazer as honras, Angelo, ou faço eu? – Fá-lo-ei eu – Angelo levantou a taça. – À tua adorável Gina, Mikolas. Finalmente, aprovo a tua escolha – depois virou-se para ela. – Obrigado, querida, por aceitares passar a noite com um velho solitário. Espero que seja a primeira de muitas. Mais uma vez, Mikos não conseguiu ter a certeza, mas deu-lhe a impressão de que ela franzia os lábios. – Assim espero – repôs Gina, mas com pouca convicção. Tal como esperara pelo pouco que vira do resto da casa, a sala de jantar era opulenta, até mesmo ostentosa. Um enorme lustre de cristal cintilava no

meio do tecto. Quatro candelabros grandes de prata mantinham guarda num aparador esculpido. Um serviço de copos e uma baixela de porcelana com monogramas de prata enfeitavam uma mesa suficientemente longa e larga para albergar quarenta comensais, embora os três ocupassem um canto num extremo. Um canto demasiado pequeno, na opinião de Gina. Estava sentada em frente a Mikos, mas Tyros estava entre ambos na cabeceira da mesa e, durante todo o jantar, esforçou-se por a transformar no centro da atenção. Com o encanto suave de um homem habituado a ter as mulheres atentas a cada palavra que dissesse, contou-lhe

histórias divertidas e às vezes perversas de gente famosa que conhecera. Mas o olhar escuro que a estudava tão implacavelmente era incapaz de emanar calor humano, tal como ela soubera que seria. Era um ser horrível! Não entendia como Mikos podia aguentar trabalhar para ele. – Falo demasiado e tens de me perdoar – disse quando o jantar estava a chegar ao fim. – De certeza que as minhas divagações são muito chatas. Até se atreveu a tocar-lhe na mão com o seu pulso. – De maneira nenhuma – obrigou-se a não recuar perante aquele contacto indesejado. Não podia dar-se ao luxo de o ofender, e ainda menos quando

acabava de lhe abrir a porta que esperara desde que soubera que enfim ia conhecê-lo em pessoa. – De facto, a principal razão da minha presença na Grécia é o senhor. – Mikolas mencionou algo sobre isso. Acho que disse que escreves para uma revista. – É verdade. Ele sorriu. – Eu gostaria de ouvir mais coisas a respeito disso, querida... e também sobre ti. Desejaria não ter pedido isso! Mas não naquele momento, na presença de Mikos. Tendo em conta como fora generoso, o mínimo que podia fazer era

deixar-lhe as ilusões intactas sobre o seu mentor. Além disso, o que tinha para dizer a Angelo Tyros estava destinado apenas aos seus ouvidos, e duvidava que quisesse partilhá-lo com mais alguém. – Sabe o que eu gostaria, senhor Tyros? – sorriu, embora com desagrado. – Diz-me, e torná-lo-ei realidade. – Adoraria falar extensamente consigo, se um dia pudesse dedicar-me algumas horas. Pegou-lhe na mão, e obrigou-a a conter-se para não se afastar com um gesto de desagrado. – Está combinado. Quando é que gostarias de voltar? – Quando lhe der mais jeito a si. Eu

estou disponível todo o dia. – Mas não toda a noite, não é? – olhou com lascívia para Mikos. – Confesso que esta jovem me intriga, Mikolas. Uma mulher tem de ser extraordinária para te fazer esquecer que é suposto seres o homem forte da minha equipa! – Não tinha consciência de o ter esquecido – respondeu Mikos. – De facto, Angelo, como pensava ter deixado claro ontem, nunca permito que a minha vida privada interfira com o meu trabalho... ou ao contrário. Tyros fez uma careta brincalhona. – Neste caso particular, não te culparia se o fizesses. A tua

acompanhante é deliciosa... e tem um gosto delicioso. Estive a admirar as tuas jóias, querida – continuou, a virar-se de repente, para Gina. – Esta, por exemplo, é muito bonita. Como a conseguiste? Para seu espanto, manuseou o seu antigo pendente, uma das poucas coisas que tinham sobrevivido ao dilúvio que acontecera no seu quarto de hotel. Levantou-o para o inspeccionar melhor. – Está na minha família há gerações – conseguiu dizer, incapaz de suprimir um encolhimento de repulsa. Os olhos brilhantes dele cravaram-se nos dela. – Uma relíquia familiar, então? – Céus, não. Não tem valor para isso. – Sou uma espécie de perito em

joalharia antiga e não sei se concordo contigo – aproximou-se da cadeira dela. – Posso inspeccioná-lo mais atentamente? Recuando antes que ele pudesse voltar a tocar-lhe, tirou com celeridade a tira de veludo que lhe rodeava o pescoço, libertou o pendente e entregoulho, para ele o examinar e voltar a examinar várias vezes nas mãos. – Sim – murmurou quando lho devolveu. – É como pensava. Diria que se trata de uma peça rara. De facto, única. Tomamos o café no terraço? Ela própria se transformara numa perita em detectar mudanças na expressão ou no tom de voz de uma

pessoa. O que contava era o que se passava no interior e, decididamente, algo estava a passar-se atrás daquela cara ardilosa. Mas se para Gina a mudança brusca de assunto lhe foi estranha, Mikos não pareceu surpreendido. – Efkharisto, Angelo, mas se não te importas, vou levar Gina a casa – anunciou. – Ainda não está habituada ao horário da Grécia. – Então, não insistirei para ficarem. Foi um prazer conhecer-te, koukla mou. Espero que te tenhas divertido esta noite. – Muito – mentiu. – Obrigada, senhor Tyros. Espero voltar a vê-lo. – Angelo, por favor! – exclamou, e

levou a mão dela aos lábios. – E voltarás a ver-me. Podes ter a certeza disso, querida. No trajecto de regresso à cidade, conversaram da noite que terminara. – Acho que correu bem – comentou Mikos, e acrescentou com uma gargalhada: – Angelo pareceu realmente impressionado contigo. Senti-me ciumento. Que te pareceu? – É... interessante. Mas foi imaginação minha ou, de repente, pareceu ansioso por se desfazer de nós? – Não foi imaginação tua. Cansa-se com muita facilidade nestes dias. Num minuto é a alma da festa e no seguinte

adormece. No último ano, chegou a ressonar a meio de uma reunião de negócios. Todos reparámos e perguntámo-nos quanto tempo poderia continuar, mas tem uma vontade de ferro e não lhe passa pela cabeça retirar-se. É o chefe, e enquanto houver fôlego no seu corpo, não vai deixar que mais ninguém pegue nas rédeas. – Com «ninguém», referes-te a ti? És o sucessor dele? Olhou-a. – Sou o mais parecido com uma família que resta e, tal como as coisas estão, vou ser presidente da Hesperus International e presidente do conselho directivo, mas não herdarei todo o seu poder. Nem quero.

– Porque não? – A indústria naval não me interessa, a não ser no que respeita ao meu campo de conhecimentos. – E qual é exactamente? Falaste de teres ido para a universidade e de teres servido nas Forças Aéreas, mas não chegaste a explicar-me o que fazes. – Sou um profissional da segurança, treinado para desenvolver políticas e procedimentos, realizar avaliações de risco e criar o que chamam de «plano viável de resposta a incidentes». Aqueles homens de fatos escuros que seguem discretamente as personalidades importantes e outros indivíduos de perfil alto são treinados por pessoas como eu.

Angelo é um dos homens mais ricos do mundo, e isso transforma-o num alvo. De qualquer um que tenha uma querela com ele, real ou imaginária. De qualquer um que procure uma fortuna sem ter de trabalhar para a ganhar. De qualquer louco que acredite que é um filho abandonado numa cesta nas escadinhas do Pártenon e esteja decidido a exigir a sua parte da fortuna Tyros. O meu trabalho consiste em certificar-me de que ninguém se aproxima o suficiente para afectar Angelo ou o seu império. Embora o dissesse com ligeireza, não a enganou. – A mim soa-me a um trabalho perigoso – indicou com certa preocupação.

Ele encolheu os ombros. – Vivemos num mundo perigoso, Gina. Alguém tem de manter os vilãos sob controlo. – Queres dizer alguém como tu? És o guarda-costas pessoal dele? – Já não. Eu fiscalizo toda a estrutura de segurança e agora isso tem muito a ver com as tecnologias de comunicação. Mas se Angelo ou um dos seus executivos superiores precisarem de protecção, atribuir-lhes alguém para os proteger depende de onde vão e o que vão fazer, e isso recai em mim. – Raptaram Angelo uma vez, não foi? E o homem que negociou a sua libertação levou um tiro?

– Sim. – E esse homem foste tu? – Sim. Gina sentiu um calafrio. – É daí que vem a cicatriz que tens no ombro? Poderiam ter-te matado. Voltou a encolher os ombros. – Mas não me mataram. Considerou que tomara a decisão correcta ao controlar os seus sentimentos. Mikos conseguia ser arranjado e sexy, sofisticado, encantador e inteligente. Mas apaixonar-se por um homem como ele era uma receita segura para o desastre, e já tivera demasiado disso na sua vida. Não precisava de mais.

Então, porquê a súbita sensação de vazio no estômago? Porquê o sentimento absurdo de que acabavam de lhe roubar algo incrivelmente valioso? Não queria saber. A resposta era demasiado perturbadora. O resto da semana decorreu tranquilamente. Ela telefonava para casa todos os dias para saber o estado da sua mãe e depois dedicava-se a explorar Atenas, perdida entre os magotes de gente que fluía pelas ruas estreitas, a absorver todas as cores e todos os sons. E depois, as longas e lentas ceias com Mikos fundiam-se em longas e ofegantes noites cheias de luz da lua e paixão.

Desde que resolveram aquele pequeno contratempo, o prazer que obtinham um com o outro intensificou-se. E embora tentasse não pensar muito nisso, Gina sabia que não demorariam a despedir-se. E, apesar dos seus esforços, a cada dia que passava sentia que se apaixonava um pouco mais por ele. Na sexta-feira, Mikos surpreendeu-a ao chegar a casa pouco depois das três da tarde. – Prepara uma mala e põe-te pronta para saíres dentro de uma hora, Gina – anunciou, e empurrou-a para o quarto. – Vamos passar umas semanas a

Petaloutha. – É impossível – começou, decidida a não abandonar Atenas até que tivesse conseguido o que lá tinha ido procurar. Parou-a com um movimento cortante da mão. – É completamente possível e, por isso, nem sequer tentes convencer-me do contrário. Devem-me umas férias e, apesar do que possas pensar, não te vais embora da Grécia sem ver as ilhas. – Eu adoraria, a sério, mas não posso – insistiu. – Ainda não sei nada sobre Angelo. E, se telefonar enquanto estamos fora, perco a oportunidade de o entrevistar... – Não acontecerá. Ele próprio teve de se ir embora nesta mesma manhã e não

espera voltar até ao final do mês. Mas tenho de te dizer que não se esqueceu que têm uma entrevista e que passará um dia contigo quando voltar. De certeza que isso será tempo suficiente para o entrevistares, não? Sabia que uma hora lhe bastaria, depois da qual passaria a ser pessoa non grata para os dois, embora o preço valesse a pena. Enquanto isso, poderia ter duas gloriosas semanas com Mikos. No entanto, hesitou. – Mas, e a minha mãe? Tenho de me manter em contacto... Ele sorriu. – Não falamos da Sibéria, glikia mou! Petaloutha é no norte das Cícladas,

a um salto de Andros. Temos electricidade e telefone. Poderás telefonar para casa quando quiseres, exactamente como fazes aqui. – Está bem... – a sua resolução debilitou-a por momentos enquanto o prazer lhe invadia os ossos. Duas semanas a sós com Mikos! Teria de ser de pedra para rejeitar tal oportunidade. – Está bem... se tu o dizes, está combinado. – Digo – deu-lhe uma palmadinha no rabo. – Por isso deixa de discutir, mete roupa na mala que compraste e faz o que te dizem. Vamos às quatro. Pensou que apanhariam um hidroavião e se alojariam numa cabana de praia.

Enganou-se em tudo. Foram num helicóptero pilotado por ele. A primeira surpresa dela, uma vez superada a comoção de que estava a pôr literalmente a sua vida nas mãos de Mikos, foi o súbito movimento ascendente ao levantarem voo. Deixou-a a sentir-se enjoada e estranha. Era como se os seios lhe tivessem aterrado no colo! – Não fiques com essa cara horrorizada – disse Mikos divertido enquanto voava para sudeste pelo Egeu. – Ainda não perdi nenhum passageiro, embora haja sempre uma primeira vez. Perguntou-se se alguém vomitara. Porque pelo modo como o seu estômago

lhe subia à garganta, também para isso ia haver uma primeira vez! Devia estar tão pálida como se sentia, porque lhe tocou no joelho num gesto tranquilizador. – Estou só a brincar, calli mou! Descontrai-te e aproveita o passeio. Prometo-te que chegarás inteira. Algumas horas mais tarde, chegavam, depois de cruzarem um oceano azul pintalgado de ilhas com casas cúbicas com telhados azuis, que iam das ladeiras das montanhas até à beira da praia. Os navios pesqueiros balançavam ancorados em baías tranquilas. Mas a bolinha de terra que se aproximava deles mostrava poucos sinais de vida. Temerosa, pensou que

era demasiado pequena para ter mais alguma coisa para além deles dois. Só via montes separados por uma série de profundos terrenos baixos e cascatas. Não sabia como conseguiria aterrar o aparelho naquele lugar. – Onde aprendeste a pilotar isto? – perguntou-lhe pelo microfone dos auscultadores. – Na Força Aérea, onde também comecei a interessar-me pelos assuntos de segurança. – Então sabes realmente para onde vamos? Mikos virou a cabeça e riu-se, com o sol a ricochetear nos seus óculos de aviador.

– Este brinquedo está equipado com a última tecnologia em GPS – e naquele momento começaram a descer. Deveria ter imaginado que ele sabia o que fazia. Precisamente quando parecia que iam directos à montanha mais próxima, virou à esquerda, rodeou a colina e sobrevoou uma zona aberta na costa oriental. Uma casa de estuque de cor de pêssego com um telhado vermelho dava para o mar, com duas cabanas mais pequenas um pouco mais à frente e vários anexos atrás de um grupo de palmeiras. Na parte de trás havia uma plataforma de aterragem claramente marcada e ligada com a casa através de

um atalho largo e arenoso. Durante um momento, o helicóptero flutuou sobre a casa como uma abelha gigante e com os rotores a aplanar as copas das palmeiras, e depois Mikos pousou com a delicadeza de um beijo de uma mãe. Depois de o deixar a trabalhar um minuto para arrefecer os motores, desligou-o, tirou os óculos e os auriculares e virou-se para ela com outro sorriso. – Ainda respiras? – Com muita dificuldade – a resposta saiu como um grasnido fraco na quietude súbita. Os olhos verdes dele cintilaram divertidos. – Ah, Gina, onde está a tua confiança

em mim? Não sabes que nunca te magoaria nem sequer num só cabelo da tua cabeça bonita? Ela conseguiu esboçar um sorriso tímido. Aquela fora a sua primeira experiência num helicóptero e pareceralhe demasiado parecido com flutuar numa bolha. – Digamos que estou contente por ter outra vez algo sólido sob os meus pés. – Nesse caso, vamos para casa e reanimamos-te com um cocktail antes do jantar. Com rapidez, acomodou-a, juntamente com as suas malas e três caixas de vinho branco, num carrinho de golfe estacionado ao lado da plataforma.

Depois arrancaram pelo atalho arenoso, a deixar para trás uns limoeiros e, numa nuvem de pó, chegaram à porta das traseiras da casa. De cada lado dos degraus cresciam tomates em vasos de terracota. E no cimo, esperava-os um casal de uns sessenta e poucos anos. Mikos apresentou-os. – Gina, quero que conheças Dimitri, a minha mão direita e o homem que faz com que tudo funcione como deve ser em Petaloutha, e a sua esposa e governanta, Stavroula. Voula, Dimitri, apoetho i fili mou, Gina. – Te fira! – exclamaram em uníssono, sorridentes, e deixaram-na entrar para uma cozinha luminosa e ensolarada.

Junto à janela, em cima do lava-loiça ladeado de bancadas de azulejos, pendiam réstias de alhos e pimentos secos ao sol. No meio havia uma mesa de pinho e duas cadeiras. Um forno eléctrico e um frigorífico grande, separados por um arco que conduzia a uma despensa, ocupavam o espaço da segunda parede, enquanto a terceira estava ocupada por um velho aparador com estantes abertas. À direita da porta uma escada conduzia ao piso de cima, com umas portas na quarta parede a darem acesso ao resto da casa. Ampla e alegre, recordou-lhe um pouco a cozinha da sua própria casa. Embora lá, pelo problema da sua mãe,

não pudesse deixar os utensílios afiados e potencialmente perigosos ao alcance da mão. – Kalos orisite! Bem-vinda! – exclamou Stavroula. – É a primeira vez que Mikos traz uma amiga a Petaloutha. É muito bom! – Obrigada – repôs. – Efharisto! Estou muito contente por estar aqui. Depois de a observar durante mais uns momentos, Stavroula falou com severidade para Mikos, e depois empurrou-os aos dois para a parte principal da casa. – Tenho de te levar para que possas pôr os pés ao alto. Stavroula acha que não tens descansado bem ultimamente e alegra-se por te ter trazido cá, para que

possa cuidar de ti. Abriu umas portas de vidro e indicoulhe que entrasse. Ela entrou e ficou embevecida. Uns móveis de bambu com almofadas às cores agrupavam-se num pátio com o chão de laje, com uma sombra oferecida por umas videiras penduradas. Trepadeiras com flores de cor púrpura subiam pelas paredes e um canto do jardim era dominado por um fabuloso hibisco escarlate. Um gato gordo dormia sobre a pedra aquecida pelo sol de outra parede baixa para além da qual, a menos de cinquenta metros, o mar turquesa rompia suavemente sobre a areia amarela de uma praia em forma de meia-

lua. – Oh, Mikos! – murmurou. – Como consegues ir-te embora daqui? Pôs-se atrás dela e rodeou-lhe a cintura com os braços. – Tu gostas? – É perfeito! O paraíso na terra! Nunca vi algo tão bonito. – Eu sim – murmurou sobre o seu cabelo. – No primeiro momento em que te vi. Não nos conhecemos há muito tempo mas, quando chegar o momento de te ires embora, vai custar-me muito deixar que vás, Gina. Só desejo que exista uma maneira de conseguir fazer com que fiques comigo. Aquelas palavras comoveram-na e gelaram-na ao mesmo tempo. Sentir-se-

ia da mesma maneira quando descobrisse a verdade? Ou descobriria que a sua lealdade não era para com ela, mas para com o homem que ela mais odiava e ele mais admirava, Angelo Tyros, benfeitor dele e, ao mesmo tempo, avô de Gina?

Capítulo 8

As duas semanas que se seguiram foram cheias do material de que são feitos os sonhos. Dias despreocupados e dourados cheios de sol e com o tipo de tranquilidade que se deve ter no Paraíso. Noites escuras e apaixonadas nas quais só os seus suspiros e as sussurradas palavras carinhosas abofavam o som gentil das ondas para lá da janela. Longe da pressão do trabalho, a face autoritária de Mikos acalmou. Vivia unicamente para lhe agradar.

Gina adorava a forma lenta que tinham de passar as horas e a solidez que a relação deles adquiria. Longe da cidade, o dinheiro já não era um problema, porque tudo o que importava em Petaloutha era grátis. Coisas simples como o calor do sorriso de Voula todas as manhãs ou a suave música que Dimitri tocava no seu bouzouki. E, acima de tudo, o olhar de Mikos a incendiá-la em momentos inesperados do dia, com promessas de intimidade partilhada quando estivessem sozinhos na cama. – Desabrochaste desde que chegaste aqui, karthula mou. Não és a mesma mulher que conheci no Grande Bretagne

há menos de um mês. – Sinto-me diferente – reconheceu, e era verdade. Sentia-se leve, despreocupada, como costumava sentir-se antes de a sua mãe ter mudado, e de tudo ter mudado com ela. Então a gargalhada morrera com a luz dos olhos da sua mãe e uma terrível desolação reinara no seu lar outrora feliz. As lembranças mitigaram parte do brilho do dia. Mesmo que Mikos e ela não quisessem admiti-lo, o tempo não estava do lado deles. Faltava pouco para que deixasse aquela ilha paradisíaca e regressasse aos problemas que, durante um tempo, outra pessoa carregara. Mas não até enfrentar Angelo

Tyros e o obrigar a reconhecer as responsabilidades que evitara durante todos aqueles anos. A sua mãe não acabaria os seus dias num lar que, no melhor dos casos, seria aceitável, enquanto ele acabava rodeado de luxos. Antes que um dos dois morresse, haveria um momento para acertar contas. E aproximava-se depressa. Até então, guardaria cada prezado momento com Mikos. Manteria todas as palavras ternas junto ao seu coração para a fortalecerem nos momentos difíceis que sabia que aí vinham. Levantou a vista e viu que Mikos ainda a observava.

– De repente, pareces triste, Gina. Porquê? Ela encolheu os ombros. – Estava a pensar em ir para casa. – Não penses nisso. Ainda falta mais de uma semana cá e, mesmo depois de regressarmos a Atenas, não tens de te ir logo embora da Grécia. O que te disse o teu médico? Que descansasses ou corrias o risco de um colapso nervoso? Se lhe perguntasses, tenho a certeza de que te recomendaria que estendesses as tuas férias ao máximo possível, desde que a tua mãe esteja bem e cuidada. – Mas quando penso que a deixei com uma desconhecida, sinto-me culpada por tê-la abandonado.

– Mas, emana mou, pelo que me contaste, ela nem sequer se dá conta de que não estás com ela. Por isso, qual é o mal de aproveitarmos este momento para nós? – Suponho que não é nenhum. Não enquanto estiver bem cuidada. – Depois da nossa sesta, levo-te a Andros. Exploraremos a vila e jantaremos lá. Gostarias disso, agape mou? – Enquanto estiver contigo, sinto-me feliz em qualquer parte – indicou Gina. Os olhos dele adquiriram uma tonalidade jade, sinal de que ela começara a reconhecer o despertar do desejo, que nunca parecia muito longe

deles, em particular quando estavam sozinhos. – Acaba de comer e vamos para a cama – disse ele com voz rouca. O amor à tarde adquiria uma forma mais pausada que não tinha nada a ver com o ardor. Talvez o motivo fosse a luz apagada do sol que se filtrava entre as persianas e enchia o quarto com um tom dourado suave que permitia uma observação mais detalhada do outro. Fosse qual fosse a causa, o orgasmo acontecia em câmara lenta. Naquela tarde, cada pausa ínfima, e houve muitas, acentuava um novo momento de prazer que potenciava os sentidos deles até um estado quase febril. Os lábios dele tocaram-lhe o pescoço

e depois desceram para um festim num seio. A mão na perna dela transformouse lentamente numa carícia no interior da coxa e o dedo numa descoberta terna do seu núcleo. A exploração realizada por Gina do peito dele desviou-se para a pélvis estreita e depois para o sexo. Tocou-lhe no membro viril ligeiramente, com curiosidade, surpreendida como sempre pelo seu poder e delicadeza. Devorou-o com o olhar, depois subiu a vista até à sua cara e deleitou-se com a tensão que marcou as suas feições enquanto fechava os dedos em torno dele. – É todo meu – sussurrou, e desceu a boca para o acariciar.

Nunca antes fizera algo assim. Nunca provara o seu calor sedoso. Nunca sentira semelhante poder enquanto ele tremia perante aquele movimento atrevido. – Christos, Gina – soltou com uma fina camada de suor sobre a sua pele, – se continuares assim, não me conseguirei conter. Era exactamente isso que desejava. Queria prová-lo tal como Mikos a provara muitas vezes. Sem se importar que fosse muito breve, queria escravizálo. Mas ele era um amante demasiado altruísta para o permitir. Pegou-a pelos ombros, pô-la de barriga para cima e estendeu a mão para a gaveta da mesinha

de cabeceira à procura de um preservativo. – Deixa-me pô-lo – suplicou-lhe, e ele deixou, a tremer perante o contacto quando o colocou. Então, com um suspiro, deixou que ele a penetrasse. E, mais uma vez, começaram a dança do amor que tinham aperfeiçoado tantas vezes antes, os movimentos lentos e sensuais que ganharam velocidade até que o universo desse voltas num êxtase perturbador e ela pensasse que o coração lhe ia rebentar. Extenuados, dormiram com os dedos entrelaçados. Quando acordaram, tomaram banho juntos. Depois foram para a praia e nadaram nas transparentes

águas da enseada. – Se tivesse vindo preparado, voltaria a fazer amor contigo agora – murmurou ele, a segurar-lhe o rabo com as mãos enquanto as ondas os balançavam. – Não sou capaz de me cansar de ti, emana mou. – Nem eu de ti – conveio, a afogar-se nas profundidades verdes dos seus olhos. Fosse sensato ou não, credível ou não, apaixonara-se por ele. Profunda e irreversivelmente. Saber isso regozijoua tanto como a arrasou. Viajaram para Andros numa lancha, uma estimulante viagem de uma hora que

acabou na capital da costa oriental da ilha. A passear pelas suas calçadas de pedra e becos estreitos com Mikos, sentiu-se transportada para tempos medievais. – Se tivesse uma câmara... – começou, encantada pela visão pitoresca dos hibiscos e das trepadeiras que salpicavam de cor as antigas paredes brancas e as imponentes mansões neoclássicas. Mikos entrou numa loja e um instante depois saiu com uma câmara digital que substituía a que ela perdera na inundação do seu quarto. – Um presente do teu maior admirador – disse, a travar a insistência dela em lhe pagar. – Tenho a certeza de

que nunca serias tão pouco amável ao ponto de recusares um presente. E assim aceitou-a, renitente em beliscar sequer a perfeição do dia. Levou-a até ao extremo da península, a uma praça de mármore em que se erguia uma estátua dedicada ao Marinheiro Desconhecido. Lá pediram a outro turista que lhes tirasse umas fotografias juntos. Com a luz diurna a apagar-se a pouco e pouco, sentaram-se na esplanada de um restaurante a beber ouzo com água, azeitonas, pão com tzitziki feito com cebola ralada e pepino, denso como um iogurte, e a contemplar o sol moribundo que projectava camadas de cor

vermelhas e laranja sobre o céu. De algum modo, o momento capturava a mesma essência da Grécia que conhecera e amara... um país cheio de vistas, sons e cores buliçosas. Quando depois Gina olhou para cada fotografia no ecrã da câmara, viu um homem e uma mulher que bem poderiam estar em lua-de-mel. Numa, os dois estavam a rir apoiados um no outro, com a linguagem corporal a falar de um conhecimento mais profundo e íntimo que o mostrado perante o olho público. Noutra, ela olhava de lado com um sorriso na cara, e Mikos olhava para ela com um desejo tão evidente que quase lhe deu vontade de chorar. Mas não o fez. Não queria estragar a

magia. Finalmente, regressaram à lancha, arrumaram as suas compras e, com uma lua crescente a iluminar o seu caminho, voltaram para Petaloutha. – Passaste bem o dia? – quis saber Mikos ao aproximar-se do barco onde Dimitri esperava para prender os cabos. – Maravilhosamente – respondeu. – Mas fico contente por voltar aqui. Sinto como se voltasse para casa. Olhou-a com um sorriso. – Eu sei. Eu sinto o mesmo. Sair daqui custa-me sempre, e nunca é demasiado cedo para regressar. Naquela noite, disse-lhe que a amava. Com os olhos nublados pela paixão,

penetrou-a e convulsionou-se com a potência do clímax e pronunciou as palavras que Gina nunca pensou que sairiam dos seus lábios. – S’agapo, Gina! – ofegou. – Amo-te! Ela susteve a respiração, à espera que ele renunciasse a dita afirmação. Os segundos penderam de uma fina corrente de ouro de incerteza antes que repetisse: – Amo-te, emana mou. Então, ela atreveu-se a responder: – Eu também te amo, Mikos – suspirou. Os dias seguintes fundiram-se entre eles numa bruma de felicidade. Mikos mostrou-lhe mais da ilha paradisíaca.

Passearam, navegaram e fizeram amor em todo o lado. Um dia, quando o ar era sufocante por causa do calor, levou-a terra adentro. Protegidos do sol por um dossel de pinheiros, subiram a ladeira da colina que havia atrás da casa e quando chegaram ao pé de uma pequena cascata, tiraram a roupa e mergulharam nas suas frescas profundidades. Depois, sentaram-se numa rocha direita e comeram figos e queijo e conversaram sobre as coisas de que gostavam, desde livros e música, até filmes e cores. – Quando é o teu aniversário, Gina? – perguntou numa altura, deitado de barriga para baixo e com a cabeça

apoiada sobre os seus braços dobrados. – A cinco de Agosto – deu-lhe um beijo terno na cicatriz provocada há anos por um pistoleiro enlouquecido. – E tu? – A vinte e três de Abril. Ou seja, vais fazer vinte e nove anos dentro de algumas semanas. – Sim. – Achas que alguma vez te casarás? O seu estado de espírito voou impulsionado por uma esperança súbita. A única vez que ele mencionara o casamento fora para lhe dizer que não era para ele. Significaria aquela segunda menção que tinha mudado de ideias? – Não sei – respondeu com cuidado. –

Tal como estão as coisas com a minha mãe, seria pedir demasiado a qualquer homem que fosse parte da minha família. – Se te amasse o suficiente, fá-lo-ia – afirmou Mikos. – Não nasceste para estar sozinha. Mais cedo ou mais tarde, o homem certo encontrar-te-á. «Mas não serás tu!» Sentiu um aperto no coração e virou a cara para olhar para a cascata e esconder a sua desilusão. Era o homem mais atraente que alguma vez conhecera. O seu sorriso enchia-a de luz. Quando a tocava, derretia-se. Admirava a sua integridade, a sua inteligência. Adorava a camaradagem que mostrava com os meninos pobres na rua. A sua

generosidade, o seu fogo e a sua paixão pelas coisas em que acreditava. Mas só o tinha emprestado por um momento, e esse aviso de que não era dela atravessou-a como uma seta de dor aguda que esteve quase a aniquilá-la. – Eh – ele virou-se e passou-lhe o dedo pela curva das costas. – O que é que aconteceu? Porque é que, de repente, tu estás aí e eu aqui? Quero-te perto de mim – a sua voz tornou-se rouca. – Quero-te nos meus braços, Gina. Quero fazer amor contigo. «Para teu próprio bem, diz-lhe que não!», insistiu o seu sentido de sobrevivência. Mas tornara-se uma viciada nele e não conseguiria rejeitá-

lo, tão certo como ser impossível impedir o dia de se transformar em noite. No sábado, na véspera do regresso a Atenas, a serpente encontrou o caminho para o Paraíso, e entrou sem convite enquanto Mikos e ela se preparavam para o seu último jantar em Petaloutha. Como Voula se deu ao trabalho de lhes preparar um festim de despedida, vestiram-se com mais formalidade do que era costume. Em vez de uns calções e uma t-shirt, Mikos vestiu umas calças de um cinzento claro e uma camisa branca que realçava a sua pele bronzeada. Gina vestiu um vestido que encontrara naquela mesma manhã no mercado de

Ermoupolis, um vestido de algodão de cor creme adornado com uns miosótis azuis, apertado à cintura, e que chegava aos tornozelos. Durante o almoço, Mikos tirara um pequeno estojo do bolso e tinha-lhe oferecido um fio de ouro. – Vá lá, Gina! – protestara quando lhe dissera que não podia aceitar um presente tão caro. – Primeiro, aqui o ouro não custa tanto porque os nossos artesãos trabalham por menos dinheiro. Segundo, quero que tenhas uma lembrança das Cícladas e do tempo especial que passámos juntos. Acho que podes deixar que te ofereça isso, não? Ela, que sempre se orgulhara de

encarar os factos, enganou-se a pensar que, uma vez que acabasse o seu idílio grego, poderia partir sem pena nenhuma. Mas ali, na praça lotada, a verdade alcançara-a, e teve de reconhecer que o que começara como uma escapatória temporária se entrançara com a sua vida «real» até se transformar numa parte essencial dela. De algum modo, obrigou-se a aceitar o fio. A sorrir e a agradecer-lhe. A esconder a dor que a rasgava. De pé perante o espelho do toucador no quarto dele, colocou o seu antigo pendente no fio e depois pô-lo em redor do pescoço. – Perfeito – disse Mikos, ao sair da casa de banho para se colocar junto a

ela e sorrir para o reflexo de ambos. – Que magnífico casal formamos, neh? – Neh – conveio Gina com uma voz mal audível. Depois, sem conseguir conter-se, acrescentou: – Sentirás a minha falta quando me for embora, Mikos? O sorriso dele desvaneceu-se e os olhos esconderam a sua expressão. – Tanto, que me recuso a pensar nisso – reconheceu com voz lúgubre. – Como deixei que te tornasses parte de mim quando sempre soube que chegaria o dia em que teria de te deixar ir? «Pede-me que fique! Diz-me que as dificuldades com a minha mãe não são insuperáveis e que podemos resolvê-las

para que todos possamos ser felizes!», gritou o coração dela. Pedia o impossível. Não havia finais milagrosos e felizes, nem para a sua mãe nem para ela. – Talvez tenhamos sido parvos ao pensar que poderíamos brincar com o fogo sem nos queimarmos – disse ele como se lhe lesse a mente. – Mas digote uma coisa, minha adorável Gina... nunca te esquecerei e, se houvesse lugar para o casamento na minha vida, a mão que pediria seria a tua. No entanto, não tenho, não mais do que tu na tua. Por isso vamos, emana mou. Esta noite é nossa. Aproveitemo-la ao máximo. Sentou-se frente a frente com Mikos a brindarem com os copos de vinho,

quando um hidroavião quebrou a serenidade da noite. – Que raios...? – Mikos levantou-se com o sobrolho franzido. – Esperas visitas, Voula? – perguntou à governanta que, ao ouvir o barulho, viera à porta para ver o que se passava. Ela moveu a cabeça. – Ohi. – Então, quem demónios pensa que pode aparecer sem ser convidado? Não demorou a obter a resposta. O hidroavião aproximou-se do barco e desligou os motores. Um momento depois, com a ajuda de um homem que sem dúvida era um dos seus guardas de segurança, Angelo Tyros saiu do

aparelho e subiu pelo atalho em direcção à casa.

Capítulo 9

Mikos foi o primeiro a falar. – Em nome de Deus, o que te traz aqui, Angelo? – perguntou, ao aproximar outra cadeira da mesa para ele se sentar. – Aconteceu alguma coisa? Estás bem? – Tão bem como pode estar um homem da minha idade – disse e, ao ver que Voula ainda continuava na soleira da porta, dirigiu-lhe o comentário seguinte. Além da palavra ouzo, Gina não entendeu o que disse, mas a expressão

severa da governanta e a sua resposta seca deixou bem claro que pouco lhe importava a atitude altiva do velho Angelo. Com um gesto irado, deu meia volta e regressou à cozinha. Gina tinha vontade de chorar. Na última noite que iam passar em Petaloutha, não lhe interessava partilhar Mikos com ninguém, e muito menos com Angelo. Mas este foi alheio à sua recepção silenciosa e observou o ambiente como se a ilha lhe pertencesse. – Bonito lugar que tens aqui, Mikolas – concedeu com condescendência. – Faz com que lamente ter demorado tanto a vir visitar-te. Nesse momento, Voula regressou com uma bandeja com uma garrafa de ouzo,

um jarro de água gelada e um copo. Colocou-a na mesa e depois dirigiu-se a Mikos. – Haverá um convidado para jantar? – É claro que haverá, mulher – disse Angelo num tom irascível. – Achas que voei até aqui com o estômago vazio para me ir embora da mesma maneira? – Efharisto, Voula – Mikos sorriu-lhe como que a pedir desculpa. – Por favor, não tenhas mais trabalho. Tenho a certeza de que o que já preparaste será suficiente para três. – Nunca aprendeste a tratar os subordinados – resmungou Angelo, enquanto servia uma quantidade generosa de ouzo diluído com um pouco

de água, quando Voula voltou a abandonar o pátio. – Não se pedem coisas aos empregados, ordenas... de forma inequívoca! – E tu ainda não me disseste o que fazes aqui – recordou-lhe Mikos com frieza. – Christos! Dá-me um momento para recuperar o fôlego e pôr algo no estômago. Não demorarei a ir ao cerne da questão – bebeu um gole do aperitivo e depois concentrou a sua atenção em Gina. – Bem, querida – comentou, a observá-la de maneira implacável da cabeça aos pés. – Vejo que estás bem alimentada e descansada. Assumo que aproveitaste bem o teu tempo em Petaloutha.

– Muito – concedeu com rigidez. – E agora está a acabar. Por algum motivo, sentiu um calafrio. Imaginava uma ameaça na voz dele ou eram os preconceitos nascidos do desagrado que lhe inspirava? – Não totalmente – interveio Mikos. – Ainda temos quase vinte e quatro horas. E o que me dizes de ti, Angelo? Como foi a tua viagem? O velho dedicou-lhe um olhar matreiro. – Interessante – explicou. – Muito interessante. – Quando regressaste? – Esta manhã. – Então estou ainda mais

surpreendido por te ver aqui. Geralmente, não te afastas muito de casa depois de uma viagem. A propósito, como está Penélope? – Colaboradora, para variar – mostrou os dentes sujos de nicotina num sorriso mais parecido com uma careta brincalhona. – Damo-nos tão bem, que acabei por me perguntar porque me tinha divorciado dela. Penélope – continuou antes de voltar a concentrar subitamente a sua atenção em Gina – foi a minha terceira esposa, caso estejas a perguntar-te. Estivemos juntos muitos anos antes de me cansar dela. Gina lembrou-se de várias respostas, nenhuma agradável, e por isso plantou um sorriso na sua cara com a esperança

de que a ajudasse a esconder a sua antipatia. – Mantém-se em contacto com todas as suas ex-mulheres? Ele soltou uma gargalhada aguda. – Só com as que ainda respiram. Não demorarei a encontrar-me com as outras. «Não será suficientemente cedo para mim», pensou ela. E quando Voula apareceu com uma bandeja de mezedes, aproveitou a ocasião como via de escape. Afastou a cadeira da mesa e levantouse. – Por favor, diz a Stavroula que já teve demasiados problemas, Mikos, e que vou à cozinha dar-lhe uma ajuda.

– De maneira nenhuma – ordenou ele. – Ela não o permitirá, nem eu. Senta-te. Um grego arrogante à mesa era mais que suficiente. Não pensava aturar outro. – Caso não tenhas reparado, Mikos – repôs, a pronunciar claramente cada sílaba, – eu não sou o que, com desprezo, o teu chefe alude como uma subordinada, e por isso, apesar da sua exortação, peço-te que não me dês ordens. A boca dele moveu-se divertida. – Se dissesse efharisto e explicasse que sentiria muito a tua falta se fosses, ficarias, calli mou? – Espero que sim – declarou Angelo, a servir-se de azeitonas e polvo fumado

no prato, – já que ela é a razão por que vim. Essa resposta, mais do que a de Mikos, foi a que persuadiu a sentar-se outra vez. – Sim? – Neh. A última vez que estivemos juntos, disse que queria uma oportunidade para falarmos – nos seus olhos brilhou um fulgor hostil. – E descobri que eu também tenho muitas coisas que gostaria de te dizer e por isso pensei, que melhor lugar para esse intercâmbio que esta pequena ilha, onde nenhum dos dois pode fugir e esconderse do outro? Daquela vez não imaginava coisas. O velho irradiava maldade e era toda

dirigida contra ela. Mas não a intimidava. – Não poderia estar mais de acordo – olhou para ele sem pestanejar. – Portanto porque não nos deixamos de rodeios e vamos directamente à questão? Mikos reconheceu a atitude de Angelo. Era a que adoptava quando se preparava para acabar com um oponente que, de propósito ou não, conquistara a sua inimizade. Mas permitir-lhe-ia que o seu alvo fosse Gina? Nunca enquanto tivesse um último fôlego de vida! – Se vieste até aqui em busca de um

confronto com alguém, Angelo – disse, – então que seja comigo. Com Gina não. Angelo passou um pedaço de pão pelo azeite do seu prato. – Gina – repôs Angelo imperturbável – és uma mentirosa ou uma ladra, ou ambas as coisas. – Christos! Nunca bati a um homem com metade do meu tamanho e com o dobro da minha idade, Angelo, mas... – com o punho fechado, levantou-se da mesa com uma raiva a incendiar-lhe o sangue. – Quando é que uma agapetikia, uma simples amante que descartarás como já fizeste com outras, te importa mais do que eu, que te transformou no homem que és agora? – desabafou Angelo. –

Como é que tens tão pouca confiança no meu julgamento ou no afecto que sinto por ti, Mikolas, que duvidas por um segundo que faria tal afirmação sem ter como justificá-la? – Está tudo bem, Mikos – disse Gina com calma. – Deixa-o acabar – olhou para Angelo. – Por favor, continue, senhor Tyros. Explique sobre o que menti, ou o que roubei, ou ambas as coisas. E quando acabar de me difamar, esclarecerei umas quantas verdades que já é hora que saiba. Mikos hesitou e, durante um longo momento, a sua amante e o seu benfeitor olharam-se com olhos cintilantes de raiva. Angelo foi o primeiro a romper o

silêncio. – Aquele artigo de joalharia que a tua amante exibe com tanto descaramento em redor do pescoço não é, tal como ela afirma, um legado de um membro da família a outro. Pertence-me e desapareceu da minha casa há mais de sessenta anos. – Deves estar enganado – repôs Mikos. – De certeza que só se parece com um que uma vez tiveste. Angelo colocou a mão no bolso. – Receio que não, yio mou. Tenho os brincos a condizer, que dei a Penélope no dia do nosso casamento. Amavelmente, emprestou-mos para corroborar a minha história, porque sabia que tu não acreditarias que te

tinham enganado com tanta facilidade. Atirou a prova sobre a mesa: umas ametistas com diamantes engastados em ouro. – Examina a parte de trás e depois pede à tua amante que te deixe fazer o mesmo com o pendente dela. Verás que todos têm gravado o brasão da minha família. Mikos afastou os brincos. – Uma coincidência, pura e simples. Recuso-me a submeter Gina a tamanha indignidade. – Significa assim tanto para ti? – Angelo arqueou o sobrolho com incredulidade. Mikos reconheceu para si mesmo que

Gina chegara ao ponto de significar tudo para ele. Tinha pensado que poderia despedir-se dela e seguir a sua vida onde a deixara. Mas ao vê-la nesse momento, vulnerável a um ataque, compreendeu como isso seria impossível. – Sim, significa muito. – E tens a certeza de que a conheces tão bem para saíres assim impetuosamente em sua defesa? – A certeza absoluta. – Então, entristece-me ter de ser eu a desiludir-te. – Duvido que alguma vez consigas fazer isso, Angelo. – Veremos – passou a vez a Gina. – Tirarás o pendente, rapariga, ou tenho

de o fazer por ti? Sem dizer uma palavra, ela desabotoou o fio e estendeu-o com o pendente, não para Angelo, mas para Mikos. – Não é necessário, agape mou – disse ele. – É um erro. – É necessário, Mikos. O tom de voz dela gelou-lhe o coração. Com crescente consternação, aceitou o pendente, inspeccionou a parte de trás e reconheceu que Angelo dissera a verdade. O brasão dos Tyros via-se com clareza. Levantou a vista e cruzou-se com o olhar dela, que não pestanejava. – Sabias disto, Gina?

– Sabia que estava gravado. Não sabia o que significava o brasão. – Como chegou às tuas mãos? – Exactamente como disse. Esteve sempre na minha família. Em criança costumava brincar com ele. – Memore! – trovejou Angelo. – Isso foi-me roubado por uma mulher que achou que, pelo facto de ter ido para a cama com ela, me podia chantagear para que casasse com ela! – Essa mulher – informou-o Gina com os olhos brilhantes de ira, – era a minha avó, Elizabeth Beecher. E se eu soubesse a origem desta... desta coisa, nunca teria manchado a minha pele ao usá-la.

Angelo abriu a boca para responder, mas voltou a fechá-la. – Vejo que reconheces o nome – continuou Gina com frieza. – Que pena que não tivesses a decência de reconhecer a tua filha, que ela trouxe ao mundo e criou sozinha numa época em que as mães solteiras eram tratadas como proscritas de uma sociedade decente – fez uma leve pausa. – Sabes uma coisa? Estou aqui para te fazer pagar por esse esquecimento. – O que estás a dizer? – perguntou Mikos, a empalidecer. – É muito claro – indicou Angelo. – Veio cá com essa história ridícula com a esperança que me oferecesse para

comprar o silêncio dela. Não imaginou que a desmascararia antes que pudesse executar o seu plano – olhou outra vez para Gina. – Admite-o, mulher! Procuras o meu dinheiro, não é? – Sim – repôs ela sem rodeios. – E bastante. Virando-se num só movimento, Mikos entrou em casa e foi ao escritório onde nem se incomodara em entrar desde o dia em que levara Gina Hudson para a ilha. Uma vez lá, com a porta fechada entre ele e a disputa que estava a acontecer lá fora, andou de um lado para o outro, a recriminar-se por não ter seguido o seu primeiro instinto, que lhe dizia que não se podia confiar nela. Enganara-o desde o começo, e o

único culpado era ele. Regressou passados poucos minutos. Ao ver a raiva que lhe distorcia as feições, Gina encolheu-se no seu lugar. Não era assim que quisera que as coisas acontecessem. Pensara que tinha todas as cartas e que poderia atacar Angelo de surpresa quando ela assim decidisse. Mas fora ele quem a surpreendera e, mesmo que não tivesse a gravação que assim o demonstrasse, a afirmação de que o pendente lhe pertencia avivara uma lembrança da sua infância que corroborava a verdade daquelas palavras. «Não deverias deixar Gina brincar

com isso», a sua mãe repreendera a sua avó. «É demasiado valioso». «Oh, deixa-a brincar com ele. Para começar, foi um ganho mal adquirido», fora a resposta crítica de Elizabeth, «e não me serve para nada a não ser para a satisfação temporária de saber que lhe tinha levado alguma coisa de que gostava muito, muito mais do que alguma vez gostou de mim». – Então, querida – começou Mikos, a sentar-se outra vez à mesa, – apresentaste-te perante mim a fazeres-te passar por jornalista e agora reconheces com descaramento que vieste cá com o único propósito de tirar dinheiro a Angelo. – Não fingi nada – protestou ela. –

Encarregaram-me mesmo de cobrir a festa. – És uma oportunista, é tão simples como isso – replicou ele com aspereza. – Se não tivesses conseguido ultrapassar o cordão de segurança com um passe de imprensa, terias encontrado algum outro modo de o conseguir, porque o teu único objectivo desde o começo era chegar até Angelo. – Não foi exactamente assim – disselhe. – Então, como foi exactamente? Explica-me isso, por favor, porque sou demasiado idiota para descobrir por mim mesmo – disse com desprezo. – Já, Gina!

– Deixa-te dessa atitude – replicou ela, desconcertada por, depois do que significaram um para o outro, poder pensar o pior dela com tanta facilidade. – Ao contrário do que parece pensar Angelo, não sou a tua amante e não te devo nada a não ser o dinheiro que me emprestaste e que te pagarei logo que seja possível. Olhou-a como se estivesse a vê-la pela primeira vez e não o impressionasse o que via. – O dinheiro é a única coisa em que pensas sempre ou não me entendes? – Não – sussurrou. – Penso na tua mãe e... em ti. E tu é que não me entendes. – Então, explica-te. E antes que

comeces... – Deixa-a falar, Mikolas – cortou Angelo, a fixar a vista em Gina. – Em frente, rapariga. Começa desde o início e demora o tempo que for preciso. Temos toda a noite. Suspirou e relatou o mais friamente que conseguiu a situação da sua mãe e a promessa que lhe fizera de nunca a abandonar. – Mas tudo isso mudou no dia em que voltei para casa do supermercado e descobri que não estava – expôs. – Esteve desaparecida dois dias e duas noites – calou-se uns instantes. – No final, a polícia encontrou-a na Ilha de Vancouver, em Parksville, sem ter ideia de como chegara até lá, de onde vinha

ou até de quem era. Levava um casaco, os seus melhores sapatos, as suas pérolas e mais nada. Descobriram quem era graças à pulseira e à etiqueta que eu pusera no casaco dela. Voltou a calar-se com um nó na garganta. Nenhum dos homens pronunciou uma palavra que fosse. Observavam-na impassíveis. – Então soube que chegara o dia tão temido. Para sua própria segurança, tinha de me retractar da minha palavra e internar a minha mãe numa instituição – para sua vergonha, começaram a cairlhe as lágrimas. – Para mim não era mais que abandono! Como poderia fazer-lhe isso?

– Uma decisão difícil, reconheço – disse Angelo num tom menos cáustico. – Mas, querida rapariga, o que tem isso a ver comigo? Porque deveria ir em seu auxílio? – Porque é a tua filha! – atirou-lhe à cara. – Não ouviste nada do que eu disse? É a filha a quem viraste as costas, e precisa do tipo de ajuda que só tu lhe podes proporcionar! – Se isso for verdade – interrompeu Mikos com secura, – porque esperaste tanto para te apresentares? – Porque eu mesma apenas recentemente descobri que ele é o pai dela. – Que oportuno! Descobres que

Angelo é o pai da tua mãe precisamente quando vens a caminho da Grécia para o entrevistar. – Não foi assim! Tinha-a levado a um exame de rotina com o nosso médico, e enquanto esperávamos para o ver, ela ficou a olhar para uma revista de negócios – lançou um olhar furioso a Mikos. – E antes que digas uma palavra, a minha mãe era uma mulher inteligente e culta antes da sua doença. Pouco acontecia no mundo a que ela não estivesse atenta. – Onde queres chegar? – insistiu sem rasto de simpatia ou compreensão. Incapaz de suportar olhar para ele, concentrou-se em Angelo. – Na revista aparecia uma fotografia

sua com um rodapé em que se anunciava o iminente aniversário que ia celebrar. E a mamã... – engoliu em seco, – agitouse. Começou a chorar e a abraçar a revista e a gritar que o pai dela não a amava. – E é essa a tua prova de paternidade? – Mikos riu-se com desdém. – Poderias arranjar melhor, não? Olhou-o furiosa. – Sei que soa frágil, e estive disposta a atribuir o incidente a outro sinal da sua demência, mas quando contei ao nosso médico, ele corroborou a história. – Quanto tiveste de lhe dar para o comprares?

– Scasmos! – gritou Angelo. – Por amor de Deus, Mikos, cala-te e deixa-a falar. Continua, rapariga. – Em vez de levar vergonha à sua família por dar à luz um bebé fora do casamento, a minha avó deixou o seu lar no leste do Canadá e mudou-se para a Costa Oeste, para a ilha onde eu cresci. Toda a gente pensava que era viúva. A única pessoa a quem contou a verdade foi ao seu médico, o pai do nosso médico actual, que cuidou dela durante toda a gravidez e trouxe a minha mãe ao mundo. – Uma história comovedora – manifestou Mikos, – mas continua a não ser uma prova contundente de que

Angelo era o pai. A única certeza que há é que essa mulher não tinha marido e que a filha dela era ilegítima. – Parecido com o que aconteceu com a tua mãe e tu, então, não é? – replicou sem pensar por causa da dor. – Deixa a minha mãe à margem disto! – Claro – teve de fechar as mãos para não o esbofetear. – Assim que tu reconheças que a minha mãe já tem demasiadas coisas para suportar na sua situação actual sem teres de lhe acrescentar essa etiqueta. – Quando é o aniversário da tua mãe? – interveio Angelo sem a sua estridente arrogância. Sem que ninguém se apercebesse, levantou-se e, pálido, estava apoiado na

mesa. – Nasceu a vinte e oito de Março de 1948 – respondeu ela. – E como não esperava que aceitasse a minha palavra sem a questionar, dei permissão ao nosso médico para lhe entregar todo o historial médico da minha mãe incluindo os resultados da análise de ADN, que autorizei antes de vir para cá. – Christos! – desequilibrou-se um pouco mas voltou a segurar-se à beira da mesa imediatamente. – Então, és mesmo minha neta? Mikos não lhe deu tempo para responder. – Não tires nenhuma conclusão, Angelo. Até agora, só temos a sua

palavra, e já percebemos que é boa a esconder a verdade. – No entanto, Mikolas, vejo nela uma parecença comigo quando tinha a idade dela. Mikos soltou um suspiro desdenhoso. – Tem o cabelo e os olhos escuros, é verdade, mas se isso é o que é preciso para confirmar uma paternidade, poderias ser pai de três quartos da população grega – pegou no braço de Angelo e insistiu para que se sentasse. Angelo afastou a mão dele. – Digo-te que se parece comigo! E também tem uns ares de Rhoda. – Rhoda? – A avó dela. Em inglês, chamam-lhe Rose.

Mikos aproveitou a oportunidade para tentar desmascará-la. – Disseste que se chamava Elizabeth – acusou Gina. – É verdade. Elizabeth Rose. E se também é preciso prova disso, encontrarás os seus dois nomes na sua cédula de nascimento e na sua certidão de óbito. Cresceu como Rose, mas as pessoas na ilha conheciam-na só como Elizabeth, suponho que porque queria ter um começo novo. Angelo trocou um olhar com Mikos. – Primeiro o pendente, e agora as datas, os nomes, a parecença familiar. A história da rapariga tem o cunho da verdade, Mikolas.

Ao princípio, pensou que Mikos insistiria em negá-lo, mas no final assentiu de mau humor e dirigiu-se à beira do pátio. – Falta um pormenor que provavelmente não interessa nada – disse Gina em tom de desafio atrás dele, – mas parece que me baptizaram em honra da minha avó. O meu nome completo é... – Angelina – concluiu por ela. – Eu sei. O que mostra como fui tolo em não estabelecer a ligação até agora. – Como é que sabes? – perguntou ela desconcertada. – Está no teu passaporte. – E como sabes isso, se o meu

passaporte estava no cofre do hotel? – Não estava quando pedi a um agente da minha equipa que te investigasse. – O quê? Ele virou-se e sorriu-lhe de uma forma gelada. – Não és a única que tem segredos, Gina. Enquanto percorríamos Evia na noite do aniversário de Angelo, pedi que inspeccionassem o teu quarto. Ou pensaste que fora a tua fascinante beleza que me manteve perto de ti até ao amanhecer? – É mentira! O director do hotel nunca teria permitido que um desconhecido entrasse no meu quarto sem a minha permissão. Ele soltou uma gargalhada

brincalhona. – O homem que mandei não precisava de permissão. Simplesmente teve de usar a tua chave, a que pensaste que tinhas perdido. Mas não foi assim. Tirou-ta da mala enquanto dançavas comigo. – E com que objectivo? – Para ter a certeza que eras quem dizias ser. – E que outra coisa pensaste? – gritou. – Que era uma assassina secreta de que queria acabar com o teu querido Angelo numa sala cheia de gente? – Não terias sido a primeira a tentálo. E não pensava envolver-me com alguém em quem não podia confiar.

Ela sentiu um vazio terrível. – Santo Deus, estás a falar a sério! – sussurrou. – Completamente. E, aparentemente, as minhas suspeitas confirmaram-se. A confissão dele atravessou-a tão profundamente, que pensou que o seu coração se ia partir. Todo aquele tempo... todas as noites passadas nos seus braços, as vezes em que a chamou d e agape mou... Tudo fora possível porque na primeira noite mandara um dos seus subordinados invadir o quarto do hotel onde se alojava em busca de provas de que era merecedora da sua atenção. – Tu também mentiste! – recordou-

lhe. – Disseste que me amavas, Mikos! – É o tipo de coisas que um homem diz quando está dominado pela paixão – respondeu com frieza. – Calem-se os dois! – rebentou em ira Angelo e deu um murro na mesa. – Não permitirei que a minha neta e o homem que amo como um filho se ataquem dessa maneira. Já se cometeram demasiados erros sem necessidade de acrescentar ainda mais. Gina virou-se para ele para lhe dizer que ele se comportara de igual maneira, e que no dia em que abandonara a sua avó e a sua mãe fora o dia em que perdera todo o direito a reclamar um parentesco com ela. Mas o que viu não foi o monstro que

se convenceu de que era. Era um homem velho, com a comoção a extinguir o fogo dos seus olhos, a deixá-lo trémulo. – A tua mãe está mesmo doente? – perguntou com voz trémula. – Oh, sim, isso comprovei – confirmou Mikos. – E estão com dificuldades financeiras. Ela dirige uma hospedaria, mas a casa precisa de uma reabilitação tão profunda, que este ano não se incomodou em anunciar a oferta de quartos para o Verão. A enormidade da traição de Mikos enraiveceu-a. Não tinha mais vontade de lutar contra ele do que de comer os frutos do mar que Voula pusera sobre a mesa.

– Tens razão – disse a Angelo com pesar. – Cometeram-se muitos erros, fez-se muito mal. Demasiado para que alguma vez possa ser reparado. Então virou-se e dirigiu-se para o quarto que partilhara com Mikos, mesmo que soubesse que ele não se juntaria a ela, nem nessa noite nem em nenhuma outra.

Capítulo 10

– Sei que o fizeste por mim, mas dizer-lhe que a tinhas investigado... Magoaste-a, Mikos. Fizeste-lhe muito mal. Ele sabia. Lembrar-se como ela ficou pálida ao descobrir fez com que o lamentasse imediatamente. Mas depois olhou para Angelo e, a recear pelo coração do velho, endureceu o seu. – Não estás bem, Angelo. A primeira coisa que faremos amanhã será levar-te a Atenas e a um hospital.

– Não preciso de um médico. – Tens o coração frágil. – O meu coração não é o problema neste momento, Mikolas. O teu é que é. Tentou sorrir, mas o esforço era demasiado para a forma como se sentia. – Tive uma aventura que correu mal. Não há nada de muito grave nisso. – Ou, talvez – murmurou Angelo, – te tenhas apaixonado. – Por uma artista da fraude? – comentou com desdém. O seu orgulho sofrera um rude golpe. Profissionalmente deveria tê-lo antecipado. Mas pessoalmente...? Cerrou os dentes numa fúria impotente. A observá-lo e a medir com precisão

as emoções que o dominavam, Angelo disse: – Nem sempre conseguimos controlar o nosso destino, Mikolas. Eu mesmo acabo de o descobrir. Eu gostaria de pensar que aprenderás a lição para não repetires os meus erros. Daquela vez riu-se com sinceridade. – Pensava que tu nunca cometias erros, yarro. – Aparentemente fi-lo quando me recusei a reconhecer que poderia ser o pai do bebé que Rhoda esperava. – Achas mesmo que é uma hipótese? – Mais do que uma hipótese. Passámos um Verão juntos. Como tu passaste as últimas semanas com a jovem que muito bem pode ser minha

neta – concluiu num tom algo sombrio. – Bem, ela não está grávida, se é isso que queres dar a entender – respondeu à defesa. – Não dou a entender nada nem estou em posição de emitir um julgamento – apoiou a cabeça nas costas da cadeira e fechou os olhos. – O que vou fazer é certificar-me de que essa jovem tenha dinheiro suficiente para cuidar da mãe dela. – Mesmo não tendo a certeza de que é da tua família? – Não importa se é ou não. Uma vez virei as costas a uma mulher que suplicou pela minha ajuda, e todas as provas apontam para que tenha sido o

maior erro da minha vida. Agora está morta por isso não posso compensá-la, mas não é demasiado tarde para ajudar Gina. – Estás a pôr-me nervoso, Angelo – olhou para ele com cautela. – Não é típico em ti. Angelo abriu os olhos e trespassou-o com o olhar. – Olha para mim, Mikolas, e diz-me o que vês. – Um homem que devia ser visto por um médico. – Não – descartou a sugestão. – Tenho oitenta anos, a saúde fragilizada e estou sozinho. O meu único filho morreu. As minhas ex-mulheres só me aturam quando querem algo de mim.

Além de ti, não há ninguém no mundo que se importe, se continuo vivo. Mas há dúzias que se alegrariam com a minha morte. O meu dinheiro, a minha influência e o meu poder são os meus únicos activos. Se não contar com isso, sou um velho tolo que tenta enganar-se ao pensar que as mulheres ainda o acham atraente e que os homens querem ser seus amigos. Mas durante todo este tempo, tive uma família que precisava de mim e que poderia ter gostado de mim por mim mesmo, se lhe tivesse dado essa oportunidade. Tens ideia de como isso me faz sentir? – Sei que estás magoado e confuso por tudo o que aconteceu aqui esta noite.

Mas acabas de admitir que o dinheiro não pode comprar o amor, Angelo. – Não tento comprar nada. Só tento fazer o que é correcto, para variar – suspirou. – Vai procurar a rapariga, Mikolas. Trá-la aqui. Quero resolver isto esta noite. Encontrou-a à porta do quarto, precisamente quando se inclinava para pegar na mala que deixara no chão. – Para onde pensas que vais? – perguntou com frieza. – Para longe daqui – respondeu, erguendo-se com um esforço sobrehumano para manter a compostura. – A esta hora? – esboçou um sorriso

amargo. – Não chegarás longe, a menos que planeies ir a nadar até Andros. – Pedirei a Dimitri que me leve de manhã cedo e até lá dormirei na praia. Ele revirou os olhos. – Poupa-me o drama, Angelina. Dormirás aqui. – Contigo? – a esperança surgiu no seu interior, breve e brilhante como uma estrela fugaz. – Não, obrigado. Esqueces que tenho cabanas para os convidados. Costumam ser práticas em momentos como este. O orgulho salvou-a, e permitiu-se imitar o tom cínico dele. – E poderes acusar-me de te ter expulsado do teu próprio lar, além dos meus outros pecados e omissões? Nem

me passaria pela cabeça. – Porque não? – perguntou ele com súbita fúria. – Fizeste coisas piores no breve tempo em que estiveste aqui. Gina fez uma careta de dor. – Amei-te – forçou as palavras. – Independentemente do que possa ser culpada, pelo menos isso é verdade. – Tolices! – bramou. – Não fui mais que o teu intermediário para chegares a Angelo! – Talvez fosses ao princípio – agarrou-se ao braço dele, desesperada para que a entendesse. – Vi-me apanhada entre dois extremos impossíveis. Não me culpes por querer fazer o melhor para a minha mãe,

quando sabes que tu terias feito o mesmo na minha situação. Mas afirmares que te usei? Tu sabes que isso não é verdade. Com os polegares e indicadores, afastou a mão dela do seu braço como se fossem um insecto. – Perdoa-me se me custa acreditar nisso. – Então culpa-te a ti mesmo por seres tão tolo! – gritou. – Se despertei em ti tantas suspeitas que te levaram a investigar-me, porque te incomodaste em ter uma aventura comigo? Uma nuvem momentânea de incerteza passou pelos olhos de Mikos. – Não me peças que te explique algo que nem eu mesmo entendo. O que tivemos pode ter sido bom enquanto

durou, mas já acabou, e isso é a única coisa que conta. – Então, porque estás aqui, a impedir que me vá embora, quando a única coisa que quero é mesmo ir? – Porque não vais, ainda. Angelo quer ver-te antes. – Porquê? – Isso dir-te-á ele. Eu sou só o mensageiro – com o dedo polegar indicou a casa de banho. – Vai lavar a cara e controla-te. Não precisa de te ver como a ira de Deus. Já lhe causaste dor suficiente por uma noite. – Tem de estar sempre tudo à tua maneira, não é, Mikos? – acusou. – Manipulaste os acontecimentos desde o

início para que encaixassem com o que tu querias, e continuas a fazê-lo. Interceptaste-me quando tentei ir ao Grande Bretagne sem ti. Praticamente me raptaste com a limusina e obrigasteme a ficar toda a noite contigo... sob falsos pretextos. Pressionaste-me para que me mudasse para tua casa, e não me deixaste enquanto não aceitei, depois insististe em trazer-me para aqui, onde podias controlar cada um dos meus movimentos. – Não se pode dizer que tenhas sofrido muito – comentou sem paixão. – É verdade. Desde que me adaptasse aos teus planos e aos teus desejos, reinava a harmonia. Mas como me atrevi a opor-me, a ser mais ardilosa do que tu,

vê como reages! – Scasi... cala-te! – soltou. – Cala-te e despacha-te de uma vez. Angelo não tem a noite toda, e eu também não. Ao ouvir o que Angelo planeara, Gina negou-se a ter algo a ver com o assunto. – Muito obrigada, mas não – manifestou com altivez. – Se não te importares, não quero mais favores. – Não podes dar-te ao luxo de rejeitares, rapariga – informou-a com impaciência. – Não se a tua mãe te importa tanto como dizes. De um canto do terraço, Mikos observava com toda a imparcialidade que conseguia mostrar, procurando a

parecença familiar entre ambos algo que Angelo tinha a certeza que existia. E, de repente, encontrou-a, não de uma forma clara, mas em pequenos detalhes que passariam facilmente despercebidos para um homem que não soubesse o que procurar. Gina herdara umas linhas muito mais delicadas do que as de Angelo, mas a boca generosa, o ângulo orgulhoso da cabeça, as maçãs do rosto elevadas eram típicos dos Tyros. Quanto ao ar de desafio dos seus olhos escuros, era-lhe tão familiar como o de Angelo. – Se fores mesmo uma Tyros, deves ser suficientemente inteligente para reconheceres algo bom quando o tens debaixo do teu nariz – desafiou Angelo.

Ela encheu o peito e gritou-lhe: – Não me levantes a voz. Talvez tenha sangue dos Tyros nas veias, mas isso não significa que tenha de aturar as tuas tácticas de valentão. Ele afastou-se, aparentemente demasiado desconcertado para responder e, no breve silêncio, já depois da meia-noite, soou o telefone. Um som estridente e detestável àquela hora. Aquele número não constava em lista nenhuma, e as poucas pessoas que o conheciam sabiam que só deviam usá-lo em casos de extrema urgência. – Quem demónios telefona a meio da noite? – resmungou Angelo, a olhar para Mikos.

– Já descobrirei – dirigiu-se para o seu escritório. Dez minutos mais tarde regressou ao terraço, e antes que falasse eles viram a gravidade das notícias que trazia. – Está tudo bem? – Angelo foi o primeiro a falar. A andar relutantemente, aproximou-se da mesa. – Receio que tenha havido um acidente. Foi tudo o que disse, mas Gina empalideceu. – A minha mãe? – murmurou. – Sim. Acabo de falar com o médico dela. – Está...? – não conseguiu acabar.

– Não – respondeu ele com firmeza. – Não está morta... mas está muito ferida. – Está hospitalizada? – Sim. – Oh, Deus! – enterrou a cara nas mãos e quando ele tentou consolá-la, afastou-se como se a tivesse esbofeteado. – Conta-nos o que se passou – pediu Angelo. Superando a resistência dela, Mikos pegou-lhe nas mãos. Estavam geladas. – Caiu do parapeito de uma janela. Aparentemente saíra para tentar limpá-la e perdeu o equilíbrio. Alguém que passava pela rua a viu cair e chamou uma ambulância. Aconteceu esta manhã

às nove. A pessoa que contrataste para cuidar dela pensava que a tua mãe estava a dormir e estava na cozinha a preparar o pequeno-almoço. – Oh, Deus! – gemeu, a suplicar o perdão divino. – A culpa é minha. – Foi um acidente, Gina. Ninguém tem culpa. – Enganas-te. Nunca deveria tê-la deixado – afastou-se dele e, a cruzar os braços à altura da cintura, começou a balançar-se, torturada pela culpa. – Se lá estivesse, nunca teria acontecido. – Não sabes isso, calli mou – abraçou-a. – Tu mesma me contaste que se tornou demasiado imprevisível e que já não eras capaz de velar pela sua segurança. Foi a razão que te trouxe aqui

em busca da ajuda de Angelo. Mas ela estava inconsolável. – Digo-te que tê-la deixado é culpa minha! Só confiava em mim e abandonei-a com uma desconhecida – com os olhos muito abertos, lutou por voltar a libertar-se. – Quero ir para casa. Tens de me ajudar, Mikos. Preciso de voltar para casa imediatamente. Vendo que tremia como uma folha numa tempestade, Angelo serviu um pouco de brandy num copo. – Faremos com que voltes. Amanhã à noite estarás junto da cama da tua mãe, prometo-te. Mas até que amanheça não há nada que possamos fazer e agora estás dominada pela emoção – empurrou

o copo pela mesa. – Bebe isso, menina. Ajudar-te-á a acalmar os nervos. Uma sombra obscureceu a luz que saía da casa. Ao levantar a vista, Mikos viu que Voula e Dimitri se aproximavam com expressões de preocupação. – Ouvimos tudo – murmurou Voula. – Eu cuidarei dela enquanto você trata dos preparativos – acariciou a face de Gina. – Venha comigo, kiri mou. Deixe-me cuidar de si – levou-a com gentileza pela mão. – É grave? – perguntou Angelo assim que ficaram sozinhos. – Parece que sim. Está em coma. Não esperam que recupere. – Thee mou! – Angelo passou a mão pela cara. – Encontro uma filha e perco-

a antes de conseguir reparar o mal que causei? – Deixa de falar dessa maneira – repreendeu Mikos. – És um lutador, Angelo, tal como eu. E agora espera-nos uma árdua tarefa, por isso ponhamos mãos à obra. Assim que tivermos feito tudo o que pudermos por Gina e pela sua mãe teremos tempo para nos recriminarmos. O jacto da empresa esperava-os na pista. Às dez da manhã no dia seguinte, estavam a bordo do aparelho e aguardavam permissão para levantar voo. Até à altura, tudo correra conforme o planeado. Aterraram o helicóptero no

telhado do complexo de escritórios de Tyros e, de acordo com as instruções dadas na noite anterior, esperava-os um carro no estacionamento. Primeiro tinham ido ao hotel procurar o passaporte de Gina, fizeram uma paragem rápida para Angelo apanhar a mala que o seu mordomo lhe preparara e acabaram nas águas-furtadas, onde Mikos enfiou umas quantas coisas numa mala e reuniu os seus próprios documentos. Durante todo aquele tempo, Gina permanecera aninhada no banco de trás, tão paralisada pela dor e preocupação que parecia morta. Assim que o avião alcançou velocidade de cruzeiro, Mikos tentou que ela comesse algo.

– Um pouco de fruta ou um bolo, pelo menos – insistiu. Ela virou a cabeça e olhou pela janela. Do outro lado da cabina, Angelo observava mas não dizia nada. – O que posso fazer? – perguntou-lhe Mikos em voz baixa. – Estar lá para a apanhares quando cair – respondeu. – É uma crise que está para além da força das nossas vontades, Mikolas. Está nas mãos de Deus.

Capítulo 11

A intensidade do Verão chegara à Costa Oeste na ausência dela. Os gerânios enfeitavam os vasos de barro que pendiam nos candeeiros de ferro fundido que se alinhavam nas ruas. Os turistas enchiam os passeios. Os autocarros vermelhos de dois andares e as carruagens puxadas por cavalos lotavam Government Street. Mas não havia flores na Unidade de Cuidados Intensivos do hospital. Na ala onde estava a sua mãe, afastada do resto

por uma cortina, flutuava um silêncio mortal. – Uma ferida na cabeça muito grave – dissera-lhes o médico num tom sério. – Receio que não possa oferecer-vos esperança nenhuma. Nenhuma. A manter a calma por pura força de vontade, Gina aproximou-se da cama. – Mamã, sou eu – murmurou, a pegarlhe na mão e a desejar poder transmitirlhe a sua própria força vital. – Olha quem te veio conhecer. É o teu pai. Abre os olhos e diz-lhe olá. Pelas feições da sua mãe não ouvira nada. – Mamã – repetiu, mais alto daquela vez, com um laivo de pânico na voz. – Acorda, por favor!

Mikos apertou-lhe o braço. – Gina, karthula mou, não te consegue ouvir. – Não te atrevas a dizer isso! – gritou, e afastou-lhe a mão. – Continua a respirar. O seu coração ainda bate. Naquela vez, ele apoiou as duas mãos nos ombros dela. – Porque está com respiração assistida. Querida, ouviste o que nos disse o médico. Mantiveram-na com suporte vital até tu chegares, mas... – Não acredito! – Pelo teu próprio bem, tens de acreditar. Deixa-me ajudar-te a aceitar o que não pode ser mudado, agape mou. – Não quero a tua ajuda – sussurrou

com ferocidade. – Vai-te embora e deixa-nos sozinhas. O teu lugar não é aqui. Ao princípio, não se mexeu. Depois suspirou derrotado. – Muito bem. Se mudares de ideias estarei na sala de espera. Do outro lado da cama, Angelo emitiu um som leve. Olhando para ele, Gina não viu o poderoso milionário que atravessara as alfândegas do Canadá e Atenas como uma faca quente em manteiga, mas um homem velho que não conseguia controlar as lágrimas que se amontoavam nos seus olhos. – Não! – suplicou. – Que ela não te veja chorar. Pensará que está a morrer e que viemos despedir-nos dela.

– Ela já se despediu de ti ontem – afirmou ele, a olhar para ela nos olhos. – O cérebro da tua mãe está morto, pequena. Deixa que se vá embora em paz. Já sofreu tempo suficiente. Gina sentiu-se envolvida por uma desesperança negra. – Não consigo – chorou. – Não sei como o fazer. Ele levantou-se devagar da cadeira que ocupara ao entrar e rodeou a cama para ficar junto dela. – Ajudar-te-emos, Mikolas e eu, se tu nos permitires. Confia em nós, Angelina. É para isso que estamos aqui – então inclinou-se e beijou a testa da mãe de Gina. – Lamento não te ter tratado bem –

murmurou com uma voz trémula. – Perdoa-me, minha filha. Adio, pethi mou. Que Deus esteja sempre contigo. Benzeu-se três vezes e depois, com lágrimas nos olhos, deixou Gina para que tomasse uma decisão que era apenas dela. Ela manteve vigília durante quase duas horas antes de conseguir libertar a sua mãe da prisão que durante tanto tempo suportara. – Não te direi adeus, mamã – murmurou com voz chorosa, – porque sei que estarás sempre comigo. Na manhã seguinte, Gina estava na sua casa da ilha. Os dias passaram como

numa bruma, cheios de lembranças de uma vida vulgarizada pelo negócio da morte. Mikos e Angelo acompanharamna, apesar de ter desejado que se fossem embora e a deixassem em paz. Não queria ninguém ao seu lado. Mas nenhum deles ligou. Cuidaram dela como se receassem que pudesse partir-se, e à medida que se espalhava a notícia da morte da sua mãe, os residentes da ilha juntavam-se a eles e passavam pela casa com bolos, sopa e simpatia. E como se conseguissem ler-lhe a mente, tentaram consolá-la. «A culpa não foi tua, Gina». No tempo livre que sobrava entre resolver os assuntos da mãe dela e

preparar o funeral, comia qualquer coisa, mas só porque Mikos insistia com ela para o fazer, e nunca comia muito. Dormia muito e profundamente, às vezes caindo sobre a cama muito cedo, às oito da noite, para acordar mais de doze horas depois, ainda esgotada. Uma noite, acordou levemente quando a lua estava alta e viu Mikos deitado a seu lado, mas desaparecera quando abriu os olhos de manhã, e alegrou-se. Sabia que o que fazia era impulsionado pela culpa. Via-o nos olhos e ouvia-o na voz dele quando pronunciava o seu nome e tentava abraçá-la. Não conseguia aguentar. Tinha culpa

pessoal suficiente sem ter de suportar também a dele. Uma vez, tentou beijá-la como costumava fazer antes. Mas ela virou a cara para que não se aproximasse da sua boca. – Deixa de me afastar! – exclamou com frustração. – Quero ajudar-te. Amote, Gina! Na verdade, não a amava. Só o dizia por pena. – Se queres ajudar – respondeu, – por favor, traz a minha mãe para casa. Eu iria, mas... – É claro que o farei – olhou para ela. – O que precisares, agape mou, pedeme e eu tratarei disso. No dia seguinte, deixou-a a sós com

Angelo e foi até Victoria buscar as cinzas da mãe dela. Na ilha não havia nenhum crematório. – Sabes que te ama, não sabes? – perguntou-lhe o avô depois de se sentarem no jardim a beber limonada. Ela cravou a vista na maravilhosa paisagem de neve do este. – Sente compaixão por mim – repôs sem emoção na voz. – Claro que sente! Todos sentimos, pequena! E o que é que isso tem a ver com o assunto? «Tudo», pensou. Porque não tinha nada a ver com o amor. O amor devia ser tempestuoso e glorioso. – Estás a castigar-te e usa-lo para

cumprires o castigo – avisou Angelo. – Continua assim, e perdê-lo-ás. É demasiado orgulhoso para continuar assim indefinidamente. E, mais tarde ou mais cedo, levará o seu coração maltratado para a Grécia, e se não acreditas que lá haverá mulheres de sobra à espera para o consolar, não és suficientemente inteligente para te chamar minha neta. – Angelo, hoje nada de sermões, por favor – pediu cansada. – Agora mal tenho forças suficientes para aguentar o dia de amanhã. – O serviço fúnebre, sim – suspirou aflito. – Sei quão difícil será, pequena. Mas far-te-á bem, vais ver. A tua mãe herdou o espírito da tua avó, e tu

herdaste-o dela. Tinha razão... até certo ponto. Aguentou o serviço e os pêsames oferecidos pelas mais de duzentas pessoas que enchiam a igreja e que depois foram à recepção. Fingiu beber a sua chávena de chá e lembrou-se de agradecer a todos a amabilidade demonstrada. E quando tudo acabou, desmaiou. O seu médico de família era um dos que fora honrar a sua mãe. – Tensão e esgotamento – disse-lhes depois de Mikos a levar para a pequena sala de espera que havia atrás do corredor da igreja. – Tendo tudo em conta, espanta-me que tenha aguentado

tão bem. Passou uns anos muito duros, com raros momentos de escape. Quanto tempo vão ficar cá? – O tempo que precisar de nós – respondeu Angelo. – Sou o avô dela. – Supus isso – comentou pouco impressionado. – Suponho que mais vale tarde do que nunca – fechou a sua mala, vestiu o casaco e dirigiu-se a Mikos. – Não acho que precisem de se preocupar. Dêem-lhe alguns dias para se recuperar da tensão emocional do funeral e ficará bem. – Não está bem desde que saiu da Grécia – disse ele. – Não tem apetite, carece de energia. E perdeu peso. – Não me surpreende, dadas as circunstâncias. Mas, para termos a

certeza, leve-a ao meu consultório para lhe fazer uma avaliação completa. Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. – Como se quisesse fazer qualquer coisa que eu lhe diga! – comentou Mikos num tom sombrio para Angelo. – Diria que antes pelo contrário. Não tenho a certeza de que lhe faça algum bem ao ficar aqui. – Talvez não – interpôs Angelo sem rodeios. – Talvez o melhor seja os dois irmos para casa, porque, sem importar o quanto desejemos ficar, não podemos tirar-lhe a dor dela, yio mou. É algo que deve fazer sozinha, ao seu próprio ritmo. E se a nossa presença aqui o atrasa,

então não lhe faremos qualquer favor por ficarmos. Não conseguia acreditar no que ouvia. – Sugeres que a abandonemos? – Não. Digo que deveríamos dar-lhe espaço para respirar, para se curar e talvez para que sinta a nossa falta – encolheu os ombros, impotente. – Talvez isso seja necessário antes que possa reconhecer perante si mesma que precisa de nós. Quis discordar mas, no fundo do seu coração, sabia que Angelo tinha razão. Quanto mais tentava reduzir o abismo que os separava, mais ela se afastava. – Combinado, vamos. Mas não antes de o médico dela a ver. Tenho de saber que está bem.

– Estou bem – disse-lhes quando os três se sentaram para jantar. – Se isso é verdade – disse Mikos a observar com olho crítico a minúscula fatia de frango e os dois espargos que havia no prato dela, – porque tens tão pouco apetite? E porque estás sempre cansada? – Estou um pouco abatida, é só isso, mas o doutor Irving receitou-me umas vitaminas. Podem regressar a casa descansados. Voltarei a ser eu em pouco tempo. «Em pouco tempo» seria em Março

do ano seguinte, porque essa era a data em que chegaria o bebé. – Grávida? – olhara espantada para o médico quando acabara de a examinar e a levara de volta ao consultório para lhe dar a notícia. – Como pode ser? – Geralmente, é através do acto sexual – repôs ele conciso. – Estás a dizer-me que não tiveste nenhum? – Bem... eu... hum... – fechou a boca até que conseguiu deixar de gaguejar. – De facto, tive uma... aventura na Grécia. Mas tomámos precauções e fomos cuidadosos. Excepto quando tinha surpreendido Mikos no duche! Mas mal tivera tempo de a penetrar antes de terminar, e de certeza que com

a quantidade de água que caía à volta deles, as possibilidades de conceber... – Não o suficiente, receio – o doutor olhou para ela do outro lado do secretária. – Conheço o pai? Ela corou. – Sim. Conheceu-o no serviço fúnebre da minha mãe. – O jovem grego. Já imaginava. Há alguma hipótese de se casarem? – Nenhuma. – E quando descobrir que estás grávida? – Não descobrirá. – Porque não? – Porque tudo acabou entre nós. O meu avô e ele regressarão à Grécia

muito em breve. – Compreendo. Ela insinuara-lhe a possibilidade de que, se descobrisse que tudo a ultrapassava, abortaria. Mas ela sabia que nunca se desfaria do bebé de Mikos. Mikos falou e devolveu-a ao presente. – Que tipo de vitaminas? – insistiu. – As habituais – engoliu em seco. – Deixa de me interrogar, Mikos. Não estou num tribunal. – Talvez não, mas sentir-me-ia muito mais tranquilo se falasse pessoalmente com o teu médico. Embora isso pusesse Gina nervosa, conseguiu responder com calma. – Força. Mas não fales com ele sobre mim, porque a minha vida não te diz

respeito. E embora não pretenda saber nada sobre a prática da profissão médica na Grécia, juro-te que não há um só médico neste país que pense em violar a confidencialidade de um paciente sem autorização específica deste – e para não despertar as suas suspeitas, acrescentou: – Embora no meu caso não haja nada para revelar. – Deixa-a estar, Mikolas – disse o avô dela. – Angelina tem razão. Não te diz respeito. – Muito bem – disse ela no silêncio que se seguiu, – agora que me declaraste sã, já não há muito que te prenda cá, não é verdade? Por isso, quando pensam partir?

– Porque tens tanta pressa em veres-te livre de nós? – questionou-a ele. – Somos assim uma companhia tão desagradável? – Não, claro que não. Estou muito, mas mesmo muito, agradecida aos dois pelo apoio que me deram nestas três últimas semanas. Mas, mais cedo ou mais tarde, tenho de aprender a tratar de mim e acho que quanto mais depressa o fizer, melhor. – Que raios! – exclamou ele. – Se pensas mesmo assim, podemos ir já embora amanhã. Não foram no dia seguinte já que o piloto precisava de algum tempo para traçar um plano de voo e preparar o

jacto. Mas na primeira quarta-feira de Agosto, muito cedo, colocaram as malas no carro alugado e despediram-se. – Tu e eu ainda não acabámos, prometo-te – jurou Angelo ao dar-lhe um beijo em cada face. – Continuaremos em contacto. – Vou sentir a tua falta – e surpreendeu-se ao descobrir que era verdade. Era toda a família que lhe restava e tornara-se próxima nas semanas da morte da sua mãe. Ao apanhá-la entre o porta-bagagem e o seu corpo, Mikos deu-lhe um beijo apaixonado. – Não esperes que repita os sentimentos de Angelo – soltou. – Não farei promessas.

Então sentou-se diante do volante, ligou o carro e foram-se embora. Ela não soube se em algum momento ele olhou para trás: a dor nublava-lhe a visão. As tempestades de neve outonais chegaram mais cedo naquele ano, com chuva e temperaturas baixas, e obrigaram os turistas a regressarem a casa no fim de Setembro. Com o passar do tempo deixou de esperar cartas com selo estrangeiro. O seu coração deixou de acelerar de cada vez que o telefone tocava. Depois da morte da mãe dela, o seu primeiro pensamento fora vender a casa,

regressar a Vancouver e reatar a sua carreira. Mas ao descobrir que estava grávida, mudou de ideias. Queria ficar em casa com o seu bebé e gerir uma hospedaria se conseguisse. E assim pintou os três quartos grandes e o piso de cima para os visitantes do Verão seguinte e transformou o pequeno alpendre do seu próprio quarto num quarto de bebé, projectos que foram possíveis graças a uma inesperada entrada de dinheiro de uma apólice de seguros que a sua mãe fizera há anos atrás. A segunda segunda-feira de Outubro amanheceu ensolarada para variar, com uma ligeira brisa procedente do Estreito e uma leve insinuação de temperatura

agradável. Por toda a ilha, as pessoas tinham decorado as suas casas para a celebração do dia de Acção de Graças, mas ela não se incomodou, tal como em anos anteriores. No entanto, alguém se incomodou em levar-lhe um enfeite. A meio da manhã, a esposa do doutor Irving, Heather, passou por lá para lhe deixar um vaso de barro com uns lindos crisântemos amarelos. – Quando os vi no viveiro de Fax, soube que ficariam perfeitos aqui – disse, e deixou o vaso de barro junto à porta recém-pintada de azul. Depois, enquanto limpava a terra das mãos, ergueu-se e dedicou a Gina um olhar

prolongado. – Como estás, querida? Não voltei a ver-te desde o funeral da tua mãe. Gina apontou para o pincel e para a lata de tinta branca que havia junto ao corrimão do alpendre. – Como pode ver, estou a arranjar a casa. Receio que nos últimos anos tenha descuidado as coisas, mas agora que tenho tempo, tento pôr tudo em dia. – Não esta tarde! Vais descansar para celebrares o dia de Acção de Graças em nossa casa, com peru assado e tarte de abóbora. Precisas de ganhar uns quilogramas. Estás demasiado magra... apesar dessa pequena barriga que a tua camisa larga não consegue esconder completamente.

Envergonhada, levou as mãos à barriga. – Foi Sam que lhe contou? – Não era preciso. Mas começa a notar-se, querida. Em pouco tempo, toda a gente na ilha saberá que estás grávida. E – acrescentou sem rodeios, – se pensas que nos importa que não estejas casada, subestimas o quanto gostamos de ti. A única coisa que nos importa é que sejas feliz. És feliz? – Pelo bebé, sim. – Percebo aí um «mas», de que falaremos mais tarde. Agora tenho de voltar para tratar do condenado peru. É tão grande que talvez Sam tenha de lhe amputar ambas as patas para que caiba

no forno. Ver-nos-emos às quatro, Gina. Não chegues tarde... e vai faminta. Foi-se embora mas deixou uma esteira de calor que ultimamente faltara na vida de Gina. «Talvez vá», pensou. Como dizia velho ditado, a vida continuava, e ela não podia hibernar para sempre. Reuniu os utensílios de pintura, guardou-os na garagem e depois foi para casa com um andar mais vivo. Sem dúvida que era temporário, mas naquele momento não se sentia nem feliz nem desventurada, mas num meio-termo. Sentia-se... satisfeita. – Satisfeita – parou na porta e repetiu a palavra. Deslizou com facilidade pela sua

língua. Gostou da sua cadência gentil e da sensação de paz que a embargou ao aceitá-la no seu coração. Decidiu que era muito mais duradoura do que a felicidade. E muito menos exigente do que o êxtase.

Capítulo 12

Anoitecia quando Mikos desceu o carro alugado pela rampa do ferry. Perguntou-se se Gina continuaria na ilha. E se não estivesse, onde poderia encontrá-la. Irritado pela onda de ansiedade que lhe percorria a pele, passou pelo quartel dos bombeiros demasiado rápido, assustando um veado que pastava a um lado do caminho e fazendo com que fugisse para o outro lado.

Skata! Precisava de controlar as suas emoções antes de voltar a vê-la. Mas a verdade era que as tinha descontroladas desde que a tinha deixado. Naquelas primeiras semanas tinha pegado no telefone mais de cem vezes para falar com ela, momento em que intervinha o orgulho e lhe recordava que ela deixara bem claro que não o queria na sua vida. Só nos últimos dias tinha reconhecido a si mesmo que a queria o suficiente na sua vida para se arriscar a uma segunda rejeição. Tomou a direcção paralela à praia e meteu-se no beco sem saída que levava a casa de Gina. Só quando viu a janela

aberta é que parte da tensão abandonou o seu corpo. Pelo menos estava em casa. Gina saiu de casa dos Irving às nove horas, carregada com restos de peito de peru, molho de arandos e um bolo de abóbora inteiro. «Se por acaso depois te der fome», dissera Heather quando Sam e ela a acompanharam ao carro. Não encontrou muito trânsito no trajecto de volta. A temperatura tinha descido depois do pôr-do-sol, deixando um frio húmido no ar. Depois de estacionar, subiu apressada os degraus do alpendre. – Não devia deixar as janelas abertas, afinal de contas – murmurou enquanto

procurava a chave na mala. Havia uma festa a três casas da sua, mas foi outro ruído muito mais próximo que a fez virar no momento em que uma silhueta escura se endireitou do banco no outro extremo do alpendre, meio oculta pelas sombras. – Não, claro que não – declarou uma voz profunda. – Deixar uma casa aberta desta maneira é um claro convite para que alguém entre. Eu mesmo me senti tentado a fazê-lo, mas supus que já tinha cometido demasiados erros contigo para acrescentar mais um à lista. O grito sobressaltado que estivera prestes a soltar morreu na sua garganta. – Mikos? – ofegou surpreendida. Ele aproximou-se com a sua típica

elegância e inclinou-se para apanhar a chave que ela deixara cair. – Esperavas outra pessoa, agape mou? – inquiriu, colocando a chave na fechadura e abrindo a porta. – Não – aflita, permaneceu onde estava, lutando por devolver alguma ordem à sua mente incoerente. – O que queres? – conseguiu perguntar finalmente. – A ti – repôs. – Quero-te a ti. – Porquê? – Porque sem ti não sou nada. Sentiu um aperto no coração e teve um calafrio. – Não queres entrar? Acho que preciso de me sentar.

Escoltou-a até à sala e acendeu o candeeiro que estava próximo da poltrona que ela ocupou. – Fecho as janelas? – Sim, por favor. E acende a lareira, se não te importares. – É claro – aproximou um fósforo dos ramos e da lenha já preparada e aguardou até que as chamas se mantiveram antes de se virar outra vez para ela. – Posso servir-te alguma coisa? Um pouco de brandy, talvez? – Não, obrigada. Durante algum tempo, ficou a caminhar pela sala, mais inquieto do que nunca.

– Então, posso servir um para mim? – perguntou finalmente. – Percorri um longo caminho para te despir a minha alma, Gina, e quero que o que tenho para te dizer saia bem. Mas agora que estou aqui, não me sinto tão seguro como pensei que estaria. – É claro. Já sabes onde estás. Ele assentiu. – Na porta da direita do aparador da sala de jantar. Uma vez sozinha, parou de se conter. Pela primeira vez, captava um laivo de incerteza na atitude cosmopolita de Mikos. Apesar das palavras dele ao ir-se embora, voltara para ela. E não via

compaixão nos sinceros olhos verdes. Nem rasto de culpa. Só o tipo de vulnerabilidade inerente a uma sinceridade absoluta. A raiva tinha desaparecido da sua voz. No seu lugar havia uma certeza serena que não tinha nada a ver com o que o rodeava, e sim com um homem que finalmente se reconciliara com quem era e do que precisava. – Fechei as janelas da sala de jantar – disse ele do corredor. – Já que estou aqui, é melhor fechar também as de cima. Há uma brisa intensa a soprar de noroeste. Só então se lembrou que tinha fechado o terraço do quarto dela para o transformar no quarto do bebé.

– Não, Mikos – gritou alarmada, pondo-se de pé para ir atrás dele. – Deixa-as como estão! Quero-as abertas. A meio caminho da escada, ele parou e regressou até onde ela ofegava e se agarrava ao corrimão como se aquilo fosse a sua vida. Olhou para ela surpreendido. – Está bem, Gina. Não te enerves. Só pensei que os quartos estariam frios, apenas isso. – Mas eu gosto do quarto fresco. – Perfeito. Como queiras. Não vim para te dizer como deves viver na tua casa. Gina atreveu-se a agarrar na sua mão, e inclusive um contacto tão leve bastou

para reacender a electricidade que sempre houvera entre ambos. – Porque não me contas exactamente porque estás aqui? – sugeriu. Já não podia evitar. Pegou no copo de brandy da consola no corredor e seguiua até à sala. A lareira banira o frio e projectava reflexos quentes sobre a superfície lustrosa da mesinha de meio. Ela regressou ao sofá, arranjou as dobras do seu bonito vestido vermelho e olhou para ele. Ele apoiou-se contra o suporte e bebeu um gole de brandy, desejando saber por onde diabos começar. Nunca tivera problema algum em dizer o que

era preciso para finalizar uma relação. Mas declarar-se? Era algo que nunca imaginara fazer e não fazia ideia de como fazê-lo. – Quero casar-me contigo, Gina – expôs sem rodeios, antes de perder a coragem. A boca bonita dela ficou aberta. – Porquê? – sussurrou. – Porque te amo, senti mais a tua falta do que alguma vez achei possível e não consigo imaginar o resto da minha vida sem ti – quando ela ia falar, parou-a com um gesto. – Antes que digas alguma coisa, deixa que acrescente o seguinte: não te culparia se me rejeitasses. Sei que te magoei muito com a minha condenação naquela noite em Petaloutha.

Mas apaixonar-me jamais estivera nos meus planos a longo prazo e não sabia como lidar com isso. Quando morreu a tua mãe, tentei convencer-te de que te amava, e ao não quereres ouvir-me, fuime embora como um menino malcriado que não quer jogar com nenhuma regra que não seja a dele própria. Mas a verdade não é fácil de descartar e estou aqui para te repetir que te amo, Gina. Amo-te com todo o meu coração. Não porque sinta pena de ti nem porque me sinta culpado. Mas porque não consigo evitá-lo. E se conseguires perdoar-me pelas coisas cruéis que disse, prometo que jamais voltarei a fazer-te chorar. Ela sentiu que os olhos se

humedeciam. – Antes de te dar a minha resposta, há algo que precisas de saber. – Sei que te amarei o resto da minha vida. Isso é a única coisa que importa. Ela abanou a cabeça. – Eu também te amo, Mikos. Acho que te amei desde a primeira vez que te vi. Mas uma vez tentei ocultar-te a verdade e isso acabou por magoar os dois. Não correrei o mesmo risco outra vez, e ainda menos com tudo o que há em jogo agora – levantou-se. – Anda comigo – disse. – Há algo que quero que vejas. Seguiu-a até ao quarto dela, que dava para o mar. Pintara-o desde a última vez que estivera lá e tinha colocado

cortinas. – Estiveste ocupada – comentou. – Mais do que imaginas – repôs e abriu a porta que dava para o terraço fechado. – Dá uma vista de olhos e dizme o que pensas. – É muito bonito – comentou ao ver as paredes de um amarelo-claro e o tapete branco, com as mesmas cortinas que cobriam as janelas do quarto. Mas então reparou nos móveis. Uma simples e confortável cadeira e um candeeiro com um coelho. Uma espécie de mesa num canto e estantes por cima, cheias de coisas que os bebés usariam. E ao lado, um daqueles berços com dossel. – Sim, – disse ela ao ver o seu olhar

desconcertado. – É o quarto de um bebé. Estou à espera de um bebé. Pareceu-lhe difícil. Desafiante, até. E ele soube porquê. Estava a testá-lo. Já a desiludira demasiadas vezes. – Não, calli mou, estás à espera do nosso bebé – afirmou. – E mesmo que fossem dois, a minha proposta continuaria de pé. – Tens a certeza? – Neh. Absoluta. Gina sorriu-lhe, um sorriso luminoso que lhe transformou a cara. – Então, sim, casar-me-ei contigo. Abraçou-a como se nunca fosse capaz de a soltar. – Obrigado – murmurou.

Nunca tinham feito amor em casa de Gina. Nunca tinham contemplado as estrelas que brilhavam para além da janela. – Porque não me contaste? – perguntou-lhe Mikos. – Receava que ficasses comigo por obrigação e que me odiasses por tentar prender-te a um casamento que jamais tinhas desejado. – Terias permitido que vivesse na ignorância de que tinha um filho? – Não sempre. Todas as crianças têm o direito de ter um pai, e todo o pai disposto a assumir a responsabilidade tem o direito de conhecer o seu filho. Mas só te contaria a verdade depois do

parto. Estes últimos meses foram os mais difíceis da minha vida, Mikos. Precisava de saber que era suficientemente forte para continuar sem ti caso fosse necessário. Precisava de me recuperar. – E fizeste-o, meu amor? O suficiente para deixares o passado para trás? – Ainda sinto a falta da minha mãe – um sentimento de dor turvou a sua felicidade. – Sentirei sempre. Mas aceitei a sua morte. Sei que ninguém tem a culpa. De certa forma, o modo como morreu foi uma bênção, porque durante muito tempo fora uma alma perdida apanhada num inferno vivente sem escapatória. O médico falou comigo e ajudou-me a entender que, apesar do

terrível acidente, a sua morte foi rápida e misericordiosa, não um pesadelo duradouro que só poderia piorar e que poderia ter durado anos. Portanto para te responder, talvez ainda não tenha deixado tudo para trás, mas estou bastante perto para saber que percorrerei essa distância – tocou na barriga. – Tenho de o fazer. Há um bebé a caminho. Ele seguiu a curva do corpo dela com a mão até a pousar sobre o seu peito e continuar até ao contorno arredondado que era o bebé na barriga de Gina. – E tu tens-me a mim – murmurou com ternura. – Os dois têm-me, e será sempre assim.

Dominada pela necessidade, ela tocou-o onde era mais vulnerável. – Demonstra-me – murmurou. Salvo quando tinham concebido, jamais conheceram a liberdade de agradar ao outro sem pensar primeiro numa medida anticoncepcional. Senti-lo deslizar-se nela, tocando-a, a quente semente correndo pelo seu interior e unindo-a mais a ele, contribuiu com um elemento de intimidade para o acto sexual que nunca existira. Muito depois, adormeceu nos seus braços. Na manhã seguinte, acordou sentindo uma satisfação lânguida. Os raios de sol através da janela projectavam reflexos

dourados sobre o corpo grande e poderoso de Mikos. Com o cuidado de não o acordar, foi à casa de banho, vestiu o robe e os chinelos e desceu para preparar o pequeno-almoço. Ele continuava com o horário grego e o mais provável era que dormisse um pouco mais. Tinham conversado até tarde, fazendo planos. Decidiram fazer um casamento tranquilo ali mesmo no prazo de um mês, e imediatamente depois a lua-de-mel em Petaloutha. Teriam uma casa em Evia com um jardim grande e vista para o mar, suficientemente perto de Angelo para que este pudesse visitar e conhecer o seu bisneto. Mas manteriam as águasfurtadas, caso quisessem passar alguma

noite na cidade. E aquela casa, na qual tinha crescido? – Estou preparada para a deixar – dissera-lhe. – A partir de agora, o meu lar está contigo. – Mas esta casa significa muito para ti, meu amor. Não tens de te desfazer dela. Contratarei uma governanta para cuidar dela. – O que importa são as lembranças que guardo, Mikos, e que me acompanharão onde eu estiver. – Não decidas agora – acariciou-lhe a cara. – Tens tempo antes de tomar uma decisão. Talvez tivesse razão. Talvez não conseguisse cortar os laços com tanta

facilidade. Ele continuava deitado, com os olhos fechados, quando Gina regressou com uma bandeja, apesar de ao sentar-se no colchão, a mão dele tivesse saído disparada para lhe segurar o pulso. – Onde estiveste? – resmungou com voz sonolenta. – Estendi o braço e não te encontrei. – Trouxe-te o pequeno-almoço. Sumo de laranja fresco, café canadiano, que provavelmente odiarás, e gofres com os últimos arandos da temporada. Ele sorriu. – Que mulher! Já te disse que me fazes muito feliz e que te amo? – De facto, não, não me disseste isso. Puxou-a até a deitar em cima ele.

– Fazes-me muito feliz e amo-te, Angelina. Casas comigo? Os poemas, as canções, todos diziam que quando se encontra o amor verdadeiro, a outra metade, o coração acelerava. Pelo menos para ela, era verdade. Sabia que o seu coração tinha concluído a busca. – Sim. Cheios de amor, decidiram que deviam telefonar a Angelo para lhe dar a notícia. – Onde diabos estás? – resmungou o velho ao ouvir a voz de Mikos. – Na cama com a tua neta.

– Canalha! Não tens nenhum sentido de decência? – Muito – repôs. – Por isso farei dela uma mulher decente. Pedi-lhe que se casasse comigo. – Casar, eh?! – soltou um falso suspiro de irritação. – Já estava na hora. Não vou viver para sempre, sabes? Aproximou-se de Gina. – Vamos ter isso em conta. Por isso na próxima Primavera dar-te-emos um bisneto. Achas que conseguirás resistir tempo suficiente para lhe outorgares a tua bênção? Reinou um momento de silêncio através da linha. Depois, a voz de Angelo soou trémula. – Gina está grávida?

– Oh, sim! – respondeu. – De quatro meses. Cancela a tua agenda e prepara o jacto, Angelo. Precisamos de ti aqui para o casamento, a menos que queiras que a tua neta percorra sozinha o corredor até ao altar. – Estarei aí amanhã, mesmo que tenha de subir a bordo numa cadeira de rodas – afirmou. – Abraça a menina por mim, e não te esqueças nunca do tesouro que encontraste. És um homem sortudo. Mikos estudou a mulher aninhada ao seu lado, resistente como o aço temperado, delicada como o suspiro de um bebé, o rosto radiante com um júbilo interior, o corpo maduro para a maternidade iminente.

Consciente do seu olhar, ela sorriu e deu-lhe um beijo no ombro. – Amo-te – sussurrou. Quase cego pela emoção que o embargou, Mikos voltou a concentrar-se no telefone. – Sim, sou sortudo – disse a Angelo. – O homem mais sortudo do mundo.

Se gostou deste livro, também gostará desta apaixonante história que cativa desde a primeira até à última página.

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Table of Content Página de título Créditos Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Volta
Seducao planeada - Spencer, Catherine (Sabrina 1042)

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