Shirley Parenteau - IMAGENS DO PARAISO

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica

Imagens do Paraíso (Shirley Parenteau)

Título original: Hemlock Feathers

Emoção e aventura, um fascinante retrato do início do século. Um homem sem escrúpulos, um assassino! Com esse julgamento formado, Nina Wallace infiltrou-se num campo madeireiro no Oregon, disposta a desmascarar Gavin McKenna. As imagens que registraria com sua câmera seriam suficientes para colocar o “barão da madeira” atrás das grades! Longe de se intimidar, Gavin partiu para o contra-ataque. A explosiva hostilidade da jovem fotógrafa o estimulava. Cansado de mulheres deslumbradas com sua fortuna, ele aceitou o desafio de conquistar a mulher que pretendia arruiná-lo!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica

Disponibilização do livro: Rosangela Digitalização: Polyana Revisão: Madalena

A Autora Famosa por seus romances contemporâneos, Shirley Parenteau entra agora no campo excitante dos livros históricos. Sem dúvida, Shirley é a pessoa certa para escrever sobre os campos madeireiros do noroeste dos Estados Unidos, junto à costa do Pacífico. Há mais de meio século, sua mãe chocou a família Quaker por fugir de casa para se casar com um madeireiro cinco ano, mais novo que ela. Shirley cresceu numa pequena cidade madeireira, no Oregon. Atualmente vive na Califórnia, numa casa de fazenda construída há oitenta anos, que ela e o marido restauraram pessoalmente. Copyright © 1989 by Shirley Parenteau Publicado originalmente em 1989 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra, salvo os históricos, são fictícios. Qualquer outra semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Tradução: Dulce de Andrade Copyright para a língua portuguesa: 1991 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3? andar CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil Caixa Postal 2372 Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento no Círculo do Livro S.A.

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CAPÍTULO I "Toda garotinha que responder ao nosso Concurso Linda Portland receberá, no sábado,.um passeio de trole, um saquinho de doces, um lindo emblema e uma belíssima buzina. Um fotógrafo estará presente para preservar a lembrança do feliz acontecimento.” H. Sharp, Mercantil. Notícia publicada no Jornal Oregon, no dia 5 de março de 1904. O comerciante de artigos secos tinha escolhido um lindo dia. Embora o Pacífico estivesse coberto de nuvens, Portland aquecia-se sob um sol tão lindo que o monte Hood, com o pico coberto de neve, brilhava como uma miragem além dos limites da cidade. Junto a um grupo ansioso de garotinhas e suas mamães, Gavin McKenna parou o par de baios que pedira emprestado. Mantendo os impacientes animais imóveis, ele se inclinou para frente. — Elmo, aí está o que precisamos. Relutante, o banqueiro gorducho, ao lado dele, tirou os olhos dos cavalos suados. Quando havia sugerido que seu passageiro tomasse as rédeas, não pensara que ele fosse exigir tanto dos animais. Mas não estava em posição de antagonizar a cabeça da Madeireira McKenna. O banco não ia tão bem a ponto de poder ficar sem o apoio de um de seus mais ricos clientes. Está querendo que a Madeireira McKenna patrocine um concurso, também? — Witt franziu a testa. — Não vejo como isso poderia desmascarar um ladrão. — Não é isso — exclamou o barão da madeira. — Onde está sua inteligência, homem? Não consegue enxergar um palmo adiante do nariz? Sem se ofender, Elmo Witt fitou o companheiro. O sotaque irlandês na voz de McKenna mostrava que o jovem barão da madeira estava relaxado e de bom humor. Uma grande mudança na disposição de momentos atrás. — É a fotógrafa — McKenna explicou, com um gesto impaciente. O banqueiro olhou para a moça de cabelos arruivados, presos debaixo de um chapeuzinho que parecia prestes a voar. Com a mão enluvada, ela ajeitou a pesada

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica câmera. Witt respirou fundo. Só mesmo a tal de Wallace para querer competir com a multidão esfuziante e o barulho dos troles. — Fotografias! Cinqüenta centavos — a moça gritou, quase sem ser ouvida em meio à balbúrdia. — Com uma câmera, um homem pode ir de um lado para o outro de um campo de madeira, sem que desconfiem dele — McKenna comentou. — É, parece ser uma boa idéia. — O banqueiro escondeu uma certa inquietude. Sua mulher e sua filha ficariam aborrecidíssimas se não levasse McKenna até sua casa, e logo. Já não bastava o fato de o sujeito ter resolvido se disfarçar de um simples madeireiro, chegando ao extremo de até alugar um quarto de pensão? McKenna mostrou os dentes num sorriso que desanimou ainda mais Witt. — Elmo, quanto tempo você acha que vou levar para aprender a fotografar com essa moça? O riso do banqueiro soou mais preocupado que divertido. — Com ela, é impossível. Quando a sra. Wallace ouvir o seu nome, vai deixá-lo falando sozinho. — Ela é casada? — Viúva. E com um gênio de dar medo! Gavin recostou-se no assento de couro. — Foi um acidente numa madeireira? Famílias de luto geralmente culpavam o dono de uma madeireira por seu sofrimento, especialmente se esse dono morava numa cidade tão distante quanto San Francisco. Elas pareciam achar que a presença .física do dono teria, de algum modo, impedido a tragédia. O que dava a McKenna uma estranha sensação, pois ele mesmo perdera um sócio de longa data, sob o peso de uma tora rolando montanha abaixo. — Quando foi que isso aconteceu? — A última coisa que McKenna queria era aumentar o sofrimento recente da moça. Witt pensou um pouco. — Acho que há quatro anos. — Quatro?! — Gavin endireitou o corpo tão depressa, que os cavalos se assustaram, tendo de ser contidos. — Quatro anos é tempo mais do que suficiente para uma garota deixar a mágoa para trás. — Nina Wallace tem um pai que é uma lembrança constante de sua perda. Ele foi ferido no mesmo acidente e agora está numa cadeira de rodas. É um homem amargo, que enche a cabeça da filha com idéias hostis à Madeireira McKenna. Para o seu próprio bem, Gavin, eu o aconselho a ficar longe dessa família. A moça olhou para eles então, os fios soltos de cabelo parecendo chamas em volta de seu rosto. Gavin achou que sua boca tinha um ar vulnerável, se bem que forte.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Mesmo daquela distância, os olhos de longas pestanas atraíram-no. De que cor seriam, para competir com aquela tonalidade de cabelos? De repente, ele se decidiu. — Acho que o risco vale a pena, Elmo. Só acho melhor você não me apresentar, até eu fazer negócio com ela. — Minha nossa! Você não ouviu nada do que eu disse?! Sorrindo, ele entregou as rédeas ao companheiro e pulou para a calçada. O banqueiro ainda gritou, atrás dele: — Acredite em mim, seu charme irlandês não vai adiantar nada, desta vez! Aposto dois dólares nisso! Garotinhas com chapéus de fitas e babados agrupavam-se como uma ninhada de gatos, tocando buzinas e soltando gritinhos de excitação. Sinos de troles badalavam, e o barulho de rodas de metal ressoava no ar. Vindos de uma região vizinha, cavalos puxavam pesadas carroças de mercadorias, os cascos ferrados batendo ruidosamente no calçamento. As ruas da cidade eram sempre barulhentas, mas naquele dia, na opinião de Nina, estavam demais. As poucas mulheres que tinham olhado em sua direção haviam recusado seu convite para tirar uma fotografia. E não podia culpá-las por isso, pois as garotinhas estavam terrivelmente impacientes para subir nos troles, parados junto à calçada. Nina refletiu se não teria mais chance de atrair fregueses, quando o grupo voltasse. Em sua mente surgiu a imagem de crianças cansadas, com os rostos vermelhos e os vestidos sujos de doce. Não haveria clientes, mais tarde. Mas desistir de tudo estava fora de questão. Se não pagasse o farmacêutico, ficaria sem material para fazer as fotos. Ela poderia passar sem comida, se fosse necessário, mas não sem material fotográfico. Respirando fundo, Nina preparou-se para gritar novamente. Ao mesmo tempo, o som de trombetas encheu o ar. Na esquina, apontaram homens e mulheres do Exército da Salvação, cantando o mais alto que podiam. A cada passo, uma mulher espadaúda batia um tamborim de encontro ao joelho, coberto pela saia pesada do uniforme azul. Um garoto de mais ou menos doze anos, com os cabelos cor de palha aparecendo debaixo de um boné, corria atrás dela, tocando uma gaita. Atrás dos dois, uma banda formidável abafava todos os outros sons, com o ruído de suas trombetas e tambores. Obviamente, a meta dos recém-chegados era um salão na outra esquina, mas sua missão impedia que Nina fosse ouvida, e os troles deveriam partir a qualquer momento. — Droga! — ela murmurou.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Você não é uma fada, então, capaz, de trazer um pouco de sensatez a esta loucura? Surpresa, Nina virou-se para encarar o estranho. Os olhos dele sorriam sob os cabelos de um castanho-claro. Ele era um sujeito incrivelmente atraente. Esse pensamento a surpreendeu ainda mais. A viuvez havia se tornado tão definitiva em sua vida quanto a luta para pagar o farmacêutico. Há muito tempo deixara de classificar os homens pelo potencial de atração que tinham. No entanto, não pôde deixar de notar que o casaco caro, de lã, e o colete de seda cobriam-no como uma segunda pele. Vendo que ela hesitava, o sorriso masculino tornou-se mais persuasivo. — Não, só uma fada poderia ter olhos tão lindos... da cor da floresta... e cabelos de um ruivo tão glorioso, que nem um chapéu consegue esconder. Nina sabia que, naquele ano, os chapéus grandes eram a moda, mas um chapéu pequeno convinha mais a seu trabalho, e não pôde deixar de levar a mão a ele, num gesto protetor. A admiração nos olhos do estranho era evidente, e ela corou, lamentando não ter colocado uma roupa melhor. Tinha um conjunto lindo no armário, com um laço vermelho no pescoço, que terminara de fazer alguns dias atrás. De repente, censurando-se, ela interrompeu esse pensamento. Era uma sorte o pai não estar ali. Se estivesse, ele na certa lhe diria que era um desatino uma mulher de quase um quarto de século de idade corar daquela maneira. Ainda assim, foi-lhe impossível impedir a volta dos pensamentos. Aquele homem tinha uma vitalidade incrível. Uma vez, ela fora pega por uma onda de paixão e derrubada na areia. Agora, tinha a mesma sensação de perigo e antecipação. O estranho, no entanto, tomou sua reação como aborrecimento pela falta de fregueses e continuou com uma expressão mais gentil: — O que você precisa é de uma ajuda, amor. Sem esperar resposta, ele se misturou com o grupo. Apesar da balbúrdia, Nina ouviu as frases ditas com o sotaque doce da Irlanda, que fizeram as mulheres olharem com muito mais interesse para sua câmera. — Nunca mais sua filhinha querida terá esse ar de encantamento no rostinho bonito! Não acha que vale a pena capturar essa felicidade? Doçura saía da boca.do estranho, com a mesma facilidade com que a água da chuva deslizava pelos telhados de Fortland. Nina não despregava os olhos dele. Sua governanta, que adorava o romantismo, na certa o chamaria de "perfeito cavalheiro". Ele devia estar com trinta e poucos anos, tinha a pele queimada de sol, os ombros largos e o rosto bem barbeado, com malares que sairiam muito bem em um retrato. Isso, naturalmente, se ele conseguisse posar o tempo necessário para ser retratado. Ele era a imagem da energia, movendo as mãos o tempo inteiro para

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica enfatizar suas palavras e com um sotaque que tornava fascinantes as frases mais banais. Uma mulher num vestido de seda marrom avançou apressada em direção a Nina, puxando uma criança gorducha. Obviamente, o método do estranho funcionava. Nina forçou um sorriso agradável. Quando os troles se afastaram com o grupo de meninas, sete tinham sido fotografadas. Quando Nina entregava ao comerciante a comissão que lhe devia, o irlandês se aproximou, seguido de perto pelo banqueiro. — Sr. Witt — Nina exclamou, cheia de surpresa. O banqueiro suava, apesar da brisa gostosa que soprava do rio Willamette. — Sra. Wallace. — Ele tirou o chapéu, apertando os lábios num gesto de nervosismo. — Minha cara sra. Wallace, eu gostaria de lhe apresentar um hóspede de nossa cidade. Ele... ele tem uma proposta a lhe fazer e pediu-me que a apresentasse. — Pois não. Elmo Witt passou a mão pelo colarinho. Ele parecia estar a caminho da forca. Nina não conseguia imaginar por quê. Ele tinha uma hipoteca, de sua casa, mas nos encontros anteriores nunca o vira daquele modo. Até o olhar divertido do estranho mudara, assumindo uma expressão levemente apreensiva. Ela resolveu tomar a iniciativa, — Parece que o sr. Witt perdeu a voz. Acho melhor o senhor mesmo se apresentar. McKenna começou a estender a mão, mas depois pensou melhor. — É um grande prazer conhecer uma das mais lindas rosas de Portland. — Ele tirou o chapéu, segurando-o junto ao peito.— Gavin McKenna, de San Francisco, onde me informaram que os habitantes do Oregon são quase tão hospitaleiros quanto os da Irlanda. A princípio, o nome nada lhe disse. Depois, a rua inteira escureceu diante dos olhos de Nina. Se não fosse grande seu autocontrole, na certa teria desmaiado. Quando voltou a enxergar, os pensamentos atropelavam-se em sua mente. Aquele homem seria mesmo Gavin McKenna? O barão da madeira não podia ser tão moço, com um olhar tão amigável e palavras tão cheias de alegria. McKenna, que mandava homens inexperientes executar um trabalho perigoso. McKenna, que não mandava inspecionar equipamentos que levantavam toras pesando mais de oito toneladas. McKenna, que exigia velocidade sem cuidar da segurança. Todo o horror da morte de seu marido voltou-lhe à mente.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica De novo, viu Johnny no caixão, muito pálido, o corpo inteiramente quebrado, a alegria de viver esmagada. Johnny, que sempre brincava que tinha se casado com uma solteirona de vinte anos, cujo gênio forte havia afastado os pretendentes mais tolos. Haviam tido apenas quatro meses juntos, antes que ele morresse num dos campos de McKenna. E, para sua grande tristeza, sem deixá-la grávida. A dor explodiu no peito de Nina. Ela pensou no pai, que passara dias angustiantes num hospital, lutando para sobreviver. E com a dor veio a amargura, lembrando-a de dívidas que provavelmente jamais poderia saldar. A voz do irlandês soava distante. Ele parecia estar perguntando sobre lições de fotografia, o que fazia menos sentido ainda. Elmo Witt havia recuado vários passos. Estranho. A apreensão nos olhos do desconhecido, de McKenna... de repente começou a fazer sentido, Com uma raiva que quase a sufocou, Nina disse: — O senhor me colocou na rua, sr. McKenna. Ele ergueu a sobrancelhas. Sabia muito bem o que ela queria dizer. Nina avançou para ele, as mãos enluvadas apertadas com força. — Meu equipamento é valioso. Não me faça arrebentá-lo na sua cabeça! A expressão nos olhos dele mudou. Será que a achava divertida? Virando-se para as pessoas na calçada, ela berrou: — Estão vendo as roupas finas deste homem? O alfinete .de gravata de diamante? A gravata de seda? Ele é um barão da madeira, que enriquece à custa das vidas dos empregados! A acusação surpreendeu-o, mas ele rebateu com delicadeza: — Não quer pensar no que eu lhe disse? Seu tempo seria bem recompensado. A charrete que Nina tinha alugado parou junto à calçada. Com os lábios brancos de tensão, ela respondeu a McKenna: — Prefiro ir para o inferno, a aceitar seu dinheiro, Mesmo sabendo que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por encontrá-lo lá! Jogou o equipamento dentro da charrete, enquanto, para sua surpresa, McKenna aproximava-se novamente. — É óbvio que temos muita coisa a conversar. Permite que a leve até o seu estúdio? Nina fitou-o com um olhar mortífero. Que não surtiu o menor efeito, deixando-a mais zangada ainda. Sentando-se ao lado do charreteiro, ela agarrou as rédeas e chicoteou os cavalos. Quando a charrete já desaparecia em meio ao tráfego da rua Morrison, Gavin recolocou o chapéu na cabeça, assobiando baixinho.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Uma mulher e tanto, Elmo! Viu o fogo no rosto dela? E que mão ela tem com cavalos! O banqueiro não conteve um suspiro de alívio. caro.

— Esta é a última vez que você vai vê-la. Acabo de ganhar dois dólares, meu Gavin apoiou-se nos calcanhares, sem tirar os olhos da ma Morrison. — Ainda não, Elmo. Ainda não.

CAPÍTULO II As sete crianças de Molly correram para recebê-lo, quando Gavin chegou à pensão onde estava hospedado. Colocando Amy, a garotinha de quatro anos, nos ombros, sorriu para as outras. — Ei, que tipo de recepção bagunçada é esta? Vocês vão afugentar todos os hóspedes de sua mãe, se começarem a pular em cima deles como uma ninhada de cachorrinhos novos! O comentário não diminuiu o entusiasmo de ninguém. Todos já sabiam que ele gostava de crianças e viviam pedindo que as carregasse nos ombros e contasse histórias da Irlanda. Alvoroçadas, as crianças o seguiram escada acima, várias agarradas a seu casaco. Na sala de jantar, encontraram Molly colocando uma terrina fumegante de minestrone sobre a mesa. — Deus do céu! Que confusão. O senhor não deve permitir que eles façam isso, sr. McKenna. — Não devo?! — Gavin acariciou a cabecinha ruiva do garotinho de seis anos, Harry. — Eu tenho alguns talentos, Molly, mas não posso dizer ao vento para não soprar, aos rios para não correrem, ou a suas crianças para não seguirem o próprio instinto. Ele colocou Amy no chão, sendo imediatamente saudado por gritos de dois outros meninos, que queriam tomar o lugar da irmã. Mas a mãe os despachou para lavar as mãos, antes do Jantar. Gavin aproximou-se de um carrinho, inclinando-se para acariciar o mais novo dos Richard, um garotinho de quatro meses.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Este dia é uma bênção de Deus, Molly. Me disseram que ia chover, mas o ar está suave e perfumado como o hálito de uma mulher. Ela riu. dia?

— Isso é coisa de homem apaixonado! Onde foi que passou este "maravilhoso" Ajeitando o cobertor em volta do bebe, Gavin não conteve um sorriso.

— Com todas estas crianças, não duvido que você conheça, as razões do coração, Molly, mas estou a caminho dos bosques, não de um casamento. Hoje descobri um jeito de entrar nos acampamentos, sem que saibam quem eu sou. Ela o fitou, preocupada. Percebendo, ele disse depressa: — Não precisa ficar assim, Molly. Não há motivo. Mas vou lhe pedir uma coisa: que me empreste alguns dos seus filhos. — O quê?! — É só por uma manhã. Tenho de convencer minha futura sócia a me ajudar, e sua numerosa família deve ser capaz de quebrar o gelo de qualquer mulher. — Então, existe mesmo uma mulher! — Divertimento substituiu a preocupação no olhar de Molly. — Claro que lhe empresto as crianças. Mas não vejo como um bando de selvagens como eles pode ajudar um namoro a começar. — Não é um namoro, Molly, é uma sociedade. Gavin sorriu, quando ela mostrou ar de dúvida. Não podia culpá-la. Ele mesmo não estava certo de ser esta a razão. No momento, no entanto, tinha coisas mais importantes em que pensar. Como encontrar-se com Whip, no salão do Erickson, na noite seguinte. O bom humor de Gavin desapareceu. Era irritante saber que o rapaz não queria mais voltar para junto da família. Afinal, fora ele que o levara para os campos madeireiros. Trabalhando como "escalador" no Campo Três, Whip ficara em condições de avisá-lo de roubos de madeira e até coisas piores. Gavin sabia de cor todas as palavras do telegrama do rapaz, que recebera em San Francisco: "Toras da exposição estragadas de propósito, depois roubadas. Pode haver relação com morte Thompson. Preciso investigação urgente". Sentindo que apertava as mãos, Gavin fez um esforço para relaxar. Não havia explicado a Molly o assunto complexo que o trouxera a Portland. Nem mesmo Witt sabia de tudo. A primeira coisa que Nina sentiu, ao chegar em casa, foi o cheiro delicioso de pão recém-saído do forno. Por pior que fossem suas finanças, Alma Davis sempre dava

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica um jeito de fazer pão fresco, aos domingos. E sempre assobiando. Quanto mais problemas tinham com cobradores, mais ela assobiava. Naquele momento, no entanto, não estava assobiando. Estava gritando: — Drew Emerson, você é um teimoso de marca! Papai respondeu, ao berros, obviamente adorando a troca de palavras: — Você é paga para limpar, mulher, não para me criticar! Nina entrou logo, antes que Alma tivesse oportunidade de retrucar que há semanas não era paga. Papai estava sentado em sua cadeira, muito rígido, apontando o indicador, cheio de censura, para a governanta. Alma, por sua vez, tinha as mãos na cintura e parecia estar se divertindo tanto quanto ele. — O que foi que. aconteceu? — Nina exclamou. O jornal da manhã estava aberto sobre a mesa, mostrando o desenho de uma enorme cabana de toras, com os dizeres: "CIDADÃOS DE PORTLAND PROTESTAM CONTRA O TEMPLO DE TORAS". — O mesmo de sempre. Nina estendeu as mãos para o jornal, mas o pai pegou-o 'antes. — Esses tolos do jornal vão acabar com a celebração do centenário de Lewis e Clark. Dê uma olhada nisto! Primeiro eles acham ótimo homenagear as madeireiras com a construção de uma cabana de toras grande o suficiente para abrigar Zeus. Depois, ficam em dúvida... E logo agora, que as toras já estão vindo dos acampamentos. Os olhos azuis de Alma brilharam. — Como sempre, ele ficou fora de si com as cartas ao editor. Não sei como uma pessoa pode ficar tão brava, quando outros manifestam uma opinião. — Eu também não — Nina concordou, recebendo um olhar zangado do pai. Por mais que ele gostasse daquelas discussões, elas não lhe faziam bem. Pensando nisso, tomou o jornal, lendo em voz alta: — "Os visitantes poderão gostar das delicadas estruturas planejadas para a exposição, mas com certeza rejeitarão esta feia cabana de toras". Drew deu um tapa no braço da cadeira. — Se acreditam nisso, eles não conhecem o povo. É do feio e do estranho que eles mais gostam. — Então é por isso que os homens correm para ver a dança daquela mulher egípcia — Alma comentou, com uma piscadela marota para Nina. — Não vejo outro motivo para ela ter sido convidada a vir para cá. Acho até que vou escrever uma carta para o editor, a esse respeito. Rindo, Nina inclinou-se para beijar a testa do pai.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — A exposição só vai ser daqui a um ano. Espero que vocês não briguem, cada vez que uma notícia a respeito aparecer nos jornais. Tirando as luvas.e o chapéu, ela se dirigiu ao corredor interno da casa. Estava cansada. Não, falara de Gavin McKenna ao pai, nem falaria. Tinha medo da reação dele. Além do mais, não confiava nos próprios sentimentos. Com seus olhares calorosos e palavras líricas, o irlandês fizera com que se sentisse bonita. Uma crueldade do destino, que ele fosse quem era. Nina dormira pouco aquela noite e, depois dos acontecimentos da manhã, não estava com disposição para ouvir tiradas contra o Templo de Toras. O horror da morte de Johnny jamais seria completamente esquecido. Ele fora seu amigo de infância, admirador da adolescência e único amante. Mais uma vez, ela amaldiçoou o insensível barão da madeira. Johnny morrera porque um cabo gasto arrebentara, soltando a tora que segurava. Papai e outros ainda tinham tentado ajudar, mas a tora se movera, esmagando a pélvis de Johnny. Mais tarde, os companheiros de Johnny tinham feito contribuições, para ajudar a pagar as despesas médicas. Da companhia, nada viera. Se McKenna pagasse alguma coisa, abriria não só um precedente, como também seria uma admissão de culpa. Nina achava bom o pai ter comprado o equipamento fotográfico, durante os anos em que trabalhava na madeireira. Ainda que de um modo diferente, ele agora podia continuar a perseguir seu sonho. Um grito ressoou pela casa, vindo da sala; — Nina! Você vem ou não vem? Temos de trabalhar num artigo para o jornal. Temos que nos fazer conhecidos e... Que diabo é isso?! Gritos de crianças vinham da rua, logo seguidos pelo barulho de passos na varanda da frente. Alguém riu. A campainha da porta tilintou. — Ponha esses diabinhos daqui para fora — Papai bradou. — Nem no domingo, um homem consegue descansar em sua própria casa! Alma caminhou para o hall, mas Nina ultrapassou-a. — Pode deixar, Alma. — A campainha tocou outra vez, antes que abrisse a porta. — Olhem aqui, crianças, isto não é lugar... Sua voz morreu. Atrás do grupo de crianças, Gavin McKenna cruzava o portão, empurrando um carrinho de nenê. Ele estava com o mesmo terno, mas trocara o colete por outro de brocado, que parecia refletir o sorriso irresistível com que a fitava. — Cheguei, afinal! Com esta turma, um homem menos forte já teria ido parar no hospício.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Por um instante, Nina chegou a pensar que seus pensamentos o tinham feito materializar-se ali. Mas nunca sonhara com aquele mar de crianças, que pareciam uma escadinha, indo de dois garotinhos gêmeos a uma menina de mais ou menos sete anos. — Quem... quem são eles? — perguntou, encontrando a voz, afinal. — São tantos! — São, mesmo. O dobro do número com que comecei. Pelo menos é o que parece. — Gavin levantou o carrinho para a varanda. Um bebê chorou, e ele olhou para Nina, esperançoso. — Você tem idéia do que posso fazer, para esse menino parar com isso? — Pegue no colo — a garota mais velha mandou. — Ele sempre pára, quando a gente faz isso. — Não, pega eu! — um dos gêmeos gritou, puxando o paletó de Gavin. O outro deu-lhe um empurrão que por pouco não o fez cair da varanda. — Que é isso? — Nina censurou. — Você não disse uma palavra a respeito deles, esta manhã. Gavin explodiu numa gargalhada que fez as crianças pararem de se empurrar, para fitá-lo. — Você está pensando que eles são meus! Como se eu tivesse tempo e disposição para arranjar um tribo destas! Não, amor. Não tenho esposa nem filhos. — Ele fez uma pausa, correndo os olhos pelo grupo. — Se bem que, pensando melhor, é até uma pena. Nina ficou ainda mais confusa, vendo a ternura com que Gavin olhava as crianças. Como podia um homem daqueles ser duro nos negócios? Seriam dois homens com o mesmo nome? Mas ele dissera que era de São Francisco onde ficava o quartelgeneral da Madeireira McKenna. E Elmo Witt havia hesitado, ao apresentá-lo. — Estamos aqui para tirar uma fotografia -— explicou a garota mais velha, com impaciência. ""-. — Elas são ótimas crianças... a maior parte do tempo — Gavin disse, segurando os gêmeos, para impedir que continuassem a se esmurrar. — Não estou entendendo — Nina murmurou. — Mas eu já disse — repetiu a garota. — Estamos aqui para tirar uma fotografia. — Isso mesmo, meu bem. — Gavin sorriu para Nina. — Por favor, diga que não vai nos mandar embora. A mãe deles, Molly Richard, é a dona da pensão onde estou. Ela tem sido muito gentil comigo, e eu queria retribuir com uma fotografia do grupo todo. — Ele fez uma pausa, mostrando pela primeira vez alguma insegurança. — Você acha que é possível?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina ficou sem saber o que responder. Os gêmeos se debatiam, procurando se libertar. O garotinho mais velho já estava a meio caminho do telhado, subindo pela treliça da trepadeira. Uma das meninas estava de joelhos num canteiro de terra, espiando embaixo da varanda. O garoto mais velho deu um passo para trás, para espiar o irmão na treliça, calculou mal e despencou escada abaixo. O bebê aumentou o volume do choro. Da casa, Papai gritou: — De onde veio esta criança? O que é que ela está fazendo aqui? Nina girou nos calcanhares. Na sala, a voz da garota mais velha soou claramente. — Por que a sua cadeira tem rodas? Parece o carrinho do nosso bebê. — Nina!!! Ela não conteve o riso. — Minha nossa! — murmurou, recostando-se no batente da porta. — Papai, e nós que estávamos desejando um cliente! Enquanto as crianças entravam, riso dela foi se acabando. — Sr. McKenna, nós vamos fotografar as crianças de Molly Richard. Mas se o senhor, por acaso, tem outro motivo para estar aqui, é melhor dizer logo. Meu pai está mal de saúde e não gosta de madeireiros. — Você também não gosta, pelo que vi. Só espero que ainda mude de idéia. Gavin apoiou a mão no batente, ao lado dela. Nina era mais bonita do que se lembrava, com aquele ar de fragilidade e a expressão ardente no olhar. Ele já vira muitas mulheres bonitas, mas nunca uma que combinasse tanta beleza e espírito. — Preciso de sua ajuda — começou. E, vendo os olhos dela se apertarem, continuou, apressado. — Pelo menos escute o que eu tenho a dizer, amor. — Depois, sr. McKenna. Agora, é melhor eu entrar. Não quero nem pensar no que aquelas crianças estão fazendo na minha casa. Virou-se, mas Gavin agarrou-a pela mão. Enquanto ela tentava se libertar, ele baixou os olhos e foi tomado por uma onda de compaixão, ao ver-lhe os dedos amarelados. — Ouvi dizer que o revelador de fotografias mancha a pele. Seu pai não pode se encarregar desta parte? Ela corou, como se estivesse a ponto de perder a paciência. — O que é que o senhor realmente quer, sr. McKenna? Ele queria continuar segurando a mão dela, mas sabia que era melhor não dizer isso.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Acho que vai gostar de saber que eu ando sendo vítima de um ladrão de toras, amor. Mas a perda é de Portland, também, por isso vou apelar para o seu dever de cidadã. — Gavin fez uma pausa. — Vai ser uma grande festa, essa que vocês estão planejando. Vai chamar a atenção até da imprensa internacional. Enquanto ele falava, Nina refletia. Estava com dificuldades para manter a compostura. Sua mão parecia formigar, no ponto que estava em contato com a dele. Talvez o líquido revelador tivesse afinado sua pele. Afinal, Papai insistia para que cada fotografia fosse lavada dezesseis vezes, para evitar que amarelasse, no futuro. Que suas mãos amarelassem, no presente, não tinha a menor importância. Ela se forçou a escutar. McKenna estava falando de fotografias novamente, sobre ir para os campos de madeiramento com uma câmera. — Você vê, amor, os ladrões estão de olho nos antiqüíssimos abetos destinados ao Templo de Toras e à glória de Portland. Pensei em me apresentar como madeireiro, mas isso me deixaria muito pouco tempo livre para investigar. — É verdade. As madeireiras McKenna esperam que seus empregados trabalhem da manhã à noite. — É assim em todas as madeireiras — ele começou, mas logo se conteve. A última coisa que queria, no momento, era discutir com ela. — Quando vi a sua câmera, percebi que era o que estava procurando. Que tal gastar alguns minutos me ensinando a usá-la, amor? É pelo bem de Portland e da exposição. — Alguns minutos?! Quer aprender a fotografar em alguns minutos? O senhor me diminui, sr. McKenna. — De jeito nenhum! — Gavin exclamou, com tanto sentimento que ela quase o desculpou. — É que eu não preciso saber muito, amor. Quero passar como fotógrafo entre pessoas que não entendem nada do assunto. Então é só saber segurar uma câmera e apontar as lentes para outra coisa que não o seu peito — Nina replicou, zangada consigo mesma por permitir que ele segurasse sua mão. Além disso, perdia o fio do pensamento todas as vezes que fitava seus olhos. — Não, não responda agora, amor. Pense um pouco. Ela negou com a cabeça, apressando-se a entrar. Alma havia controlado as crianças, e Papai estava parado na porta do quarto escuro, com uma expressão interrogativa no rosto magro. — Este cavalheiro é amigo de Molly Richard, papai, e quer tirar uma fotografia das crianças para dar de presente a ela.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Nós viemos de trole a maior parte do caminho — Gavin explicou, pegando Harry quando o garoto já tentava se afastar do grupo. — Eles gostaram bastante. A única coisa desagradável foi que o bebê mordeu a mão da senhora que tentou fazê-lo parar de chorar. É incrível o número de dentes que tem uma criança deste tamanho! Nina lançou um olhar de dúvida para o carrinho, enquanto Papai se refugiava no quarto escuro, para preparar as chapas, Gavin continuou sua história, enquanto Nina arranjava as crianças diante de um fundo preparado com tecido azul-escuro. — Harry e eu estávamos baixando o carrinho para a calçada, quando os gêmeos agarraram as orelhas de um cachorro vadio e começaram a correr com ele. — Minha nossa! E o cachorro não mordeu? — Não. Quem mordeu de novo foi o bebê. E logo a mão de um policial que estava tentando nos ajudar. Gavin colocou o garoto mais velho sobre a plataforma de madeira, onde Nina já estava tentando arrumar os gêmeos. Ela se virou, batendo acidentalmente nele. Foi como se tomasse um choque. Gavin fitou-a por um longo momento, depois continuou: — Mas o pior foi quando o Harry resolveu fazer o bebê parar de chorar, correndo com o carrinho. Ele tropeçou numa pedra, caiu e o carrinho continuou sozinho, assustando todo mundo. Harry riu. — Foi a única hora em que o bebê parou de chorar. A garota mais velha entrou na conversa. — Aí o policial pegou o carrinho, e ele recomeçou a chorar. Nina meneou a cabeça. Aquele homem não combinava com a idéia que fazia do detestável barão da madeira. O homem de sua imaginação nem pensaria em arriscar sua sanidade reunindo aquelas crianças para uma fotografia. No máximo, ele permitiria que elas limpassem suas botas. De testa franzida, tirou o bebê do carrinho e colocou-o no colo da irmã mais velha. Um clarão iluminou a sala. Piscando, ela se virou. — Papai, ainda não estamos prontos... Por trás do suporte de flashs, Harry sorriu. — Puxa, que clarão! — Você não pode... — Nina girou nos calcanhares, quando o cenário atrás das crianças caiu para trás.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica O bebê gritou, e a irmã, que estava sentada num banquinho, empurrou-o para a ponta dos joelhos. — Não vou segurar esse menino, se ele continuar gritando. Aquilo era como segurar um punhado de água, Nina pensou. Por isso estava tão nervosa, sobressaltando-se a cada vez que Gavin chegava perto. Quando, afinal, o grupo ficou pronto, deu um passo para trás, contando: — Um, dois, três... Ei, vocês não são sete? — O Harry foi embora —disse uma das meninas. Ao mesmo tempo, Papai gritou: — Você aí: saia de perto dessa câmera, menino! As pernas de Harry apareceram debaixo do pano negro. Gavin agarrou-o e devolveu-o à plataforma. — Pelo amor de Deus, tire logo essa fotografia! Nina suspirou. — Tarde demais. Os gêmeos estavam se arrastando debaixo do banco da irmã. Alma adiantou-se. — Vou falar com eles. “O que ela disse para as várias orelhinhas soava como ''biscoitos". Logo depois, as crianças estavam em posição. Um flash estourou. Com um suspiro de satisfação, Papai retirou a primeira chapa. — Vamos bater outra, para garantir. — Podemos tentar. — Nina ajeitou melhor o bebê no colo da irmã. — Agora, fiquem quietos. Quando a sessão terminou, Gavin insistiu em pagar dobrado. — Pelo seu trabalho, por qualquer dano causado e pelo empréstimo da sua filha, para me ajudar a voltar com essa turma, senhor. Isto é, se ela concordar em me ajudar. Nina hesitou. Ele estava mesmo em dificuldades e fora gentil, trazendo as crianças para uma fotografia. Só que pretendia ganhar alguma coisa com aquela gentileza. — O senhor conseguiu vir até aqui. Tenho certeza de que vai conseguir voltar. Foi um balde de água fria, pois Gavin estava quase certo de que ela concordaria. Durante a última hora, seus olhares haviam se encontrado várias vezes, partilhando o humor de certas cenas, apesar de ele ser quem era. Meio triste, conduziu as crianças para a porta. — Está bem, amor. Não precisa ter medo, que não vou mais amolar você. Parto amanhã, bem cedo.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina fechou a porta, resistindo à vontade de dar uma última espiada em Gavin e nas crianças. — Pela sua cara, o rapaz deve ter lhe feito uma proposta indecorosa — Papai comentou. — Se bem que, no meio daquela turma, não faço a menor idéia de como ele conseguiu. Ela respirou fundo. Talvez estivesse errada, procurando proteger o pai de toda e qualquer irritação. — Esse sujeito lida com madeira e colocou na cabeça a idéia de levar uma câmera para os bosques. Queria que eu lhe desse alguns minutos de aula. Como se fotografar fosse tão simples assim! Em vez de soltar o berro que esperava, Papai fitou-a com um olhar estranho. — Eu mesmo o ensinaria, se pudesse convencê-lo a fotografar provas de descuido. A idéia quase a fez rir. Imaginem, McKenna fotografando a própria negligência! A cadeira rangeu, quando Papai se inclinou para a frente, dando um tapa na perna inutilizada. — Por Deus, se eu pudesse entrar nos bosques com uma câmera, faria um trabalho que deixaria McKenna e toda sua raça arrepiados! A idéia que tomou forma na mente de Nina era tão improvável, que ela até sacudiu a cabeça, tentando pensar melhor. Uma mulher não podia ir para os acampamentos madeireiros, por mais capacitada que fosse. Era bobagem pensar nisso. Uma cópia do jornal O Foco, sobre a mesinha da sala, atraiu seu olhar. Nele havia a história do trabalho de uma mulher em Buffalo, Nova York. Jesse Tarbox Beals levara sua câmera para fábricas, cais e transportadoras, para vender aos trabalhadores retratos deles mesmos. Não seria a mesma coisa ir para os bosques? Os madeireiros também deviam estar ansiosos para tirar uma fotografia junto aos gigantescos abetos. Isso daria lucro, bem como a chance de fotografar negligências por parte da direção do acampamento. Mas era impossível. Colocando um avental, ela se fechou no quarto escuro. O esforço de lavar as chapas acabaria por tirar essa idéia louca de sua cabeça. O retrato mostrou ser um dos melhores trabalhos de Papai. Nina o examinava, quando teve a impressão de ver a figura mudar, assumindo a forma de uma enorme árvore. Piscou depressa, afastando a imagem. Estaria ficando louca? A idéia de ir para os bosques com uma câmera era tão insana quanto a idéia do pai, de pedir a Gavin McKenna que fotografasse provas de sua própria negligência. Ela endireitou o corpo, uma nova possibilidade tomando conta de sua mente. McKenna vivia em São Francisco. E se ele não soubesse o que passava nos bosques? E

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica se quisesse verificar a segurança de seus acampamentos? Ele era o único que podia melhorar qualquer coisa. Precisava falar com ele. Colocando a fotografia num envelope, Nina foi atrás de Alma, na cozinha. — A fotografia das crianças está pronta. Vou pegar minha bicicleta e dar um pulo à casa de Molly. Depressa, trocou a roupa com que estava pelo casaco de veludo marrom e calças em estilo turco, que usava para andar de bicicleta. Papai não gostava de vê-la mostrando as botas, por isso preferiu sair por uma porta lateral. A alegria de Molly Richard, ao ver a fotografia, foi imensa. Impulsivamente, ela abraçou Nina. — Não consigo acreditar que a minha turminha ficou quieta o tempo suficiente para esta fotografia ser batida. Você e seu pai devem ser mágicos! Rindo, Nina retribuiu o abraço. — McKenna disse a mesma coisa, quando nos conhecemos. Ele está em casa? Preciso falar com ele. — Ele saiu agora há pouco. Disse que ia ao salão do Erickson, conversar com os madeireiros que estivessem lá. Se quiser esperar, será um prazer. Só não sei se ele vai voltar cedo. É mais provável que demore. E muito, Nina pensou. Não podia ficar andando pelas ruas da cidade, depois do anoitecer. Além disso, não sabia em que estado Gavin voltaria. — Quer deixar um recado? Mas como ter certeza de que ele entenderia? Ou saber a resposta? Nina respirou fundo, tentando reunir coragem. — Obrigada, Molly, mas é melhor eu ir até o Erickson e pedir para alguém chamá-lo.

CAPÍTULO III Na rua Burnside, a confiança de Nina começou a diminuir. Duplas de cavalos puxavam carroças pesadas por entre a multidão, com o barulho de doer os ouvidos. Havia homens recostados em batentes e até mesmo deitados nas calçadas. Em algum

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica lugar, uma mulher gritou. O grito foi logo seguido pela voz de um homem, praguejando pesadamente. Cheia de medo, Nina obrigou-se a continuar. McKenna tinha de ouvir. Quando ele descobrisse a verdade, faria modificações nos acampamentos, o que impediria que outros homens morressem como Johnny. Tabuletas alegres indicavam a entrada de várias casas de tatuagem. Afinal, ela localizou o salão do Erickson, a dois quarteirões do rio. Uma vez, o pai lhe dissera que o lugar tinha cinco entradas, dando para três ruas, e um bar com fama de ser o maior do mundo. Ao anoitecer, a enorme estrutura tinha um ar estranho. Gritos e risos espalhavam-se pela rua, quando homens abriam caminho para entrar ou sair. Nina parou, do outro lado da rua. Como poderia mandar um recado para Gavin? Na casa de Molly achara que não teria dificuldade. Agora, a idéia lhe parecia impossível. Os sons suaves de uma gaita chegaram a seus ouvidos parecendo completamente fora de lugar e abafados pelos gritos vindos do salão. Mas não podia ficar ali, parada. Tinha de fazer alguma coisa, mesmo que fosse a coisa errada. salão.

Criando coragem, Nina atravessou a rua e encostou a bicicleta na parede do

— A senhora não deve entrar — uma voz exclamou. — Lá dentro só existe pecado. Assustada, Nina olhou em volta. Um garoto saiu das sombras. Tinha cabelos loiro-amarelados, que pareciam palha saindo de sob um boné militar. A luz iluminou uma gaita em sua mão. —Eu já vi você antes, garoto. Estava com o Exército da Salvação. — Meu nome é Perry. Eu estava, mesmo, mas eles só têm sopa e pão para comer. — Ele ergueu os olhos ansiosos para Nina. — Sei que é uma fraqueza, mas a gente se cansa de comida simples. Foi por isso que vim para cá. — Quantos anos você tem, Perry? — Doze, e sou mais forte que boi que eles estão servindo lá dentro. — Quantos?! — Doze, e... — Perry! Você tem dez anos, não é? A indignação do garoto quase fez Nina rir, — Tenho onze! E sou grande para a minha idade.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — E também prefere bebida a uma boa comida? — Isso, não! — Com ar realmente ofendido, ele levou a gaita ao coração. — Bebidas foram inventadas pelo diabo, para nos levar direto para o inferno. — De novo, os olhos ansiosos voltaram-se para o salão. — Eles estão servindo um boi assado inteiro lá dentro. E salsichas com pedaços de pão, que a gente pode pegar à vontade. Além de queijo. Tudo isso com um molho de mostarda tão bom, que faz um homem pensar que foi para o céu. Divertida, Nina brincou. — Você já pegou a sua parte? O menino baixou os olhos. — Isso é só para quem bebe, e eu não tenho dinheiro para isso, mesmo que quisesse. — Ergueu o rosto, o olhar mais ansioso do que nunca. — E eu lhe garanto que não quero. O pessoal do Exército sempre diz que a bebida é capaz de mandar os melhores homens para a sarjeta. Nina notou que ele era um garoto forte, obviamente bem nutrido, apesar da comida simples do Exército da Salvação. — Onde você mora, Perry? — Em lugar nenhum. Desde que fugi do meu tio e da minha tia, não tenho casa. — Ficou em silêncio por um instante, depois brindou Nina com um sorriso de amolecer corações. — As Escrituras dizem para não poupar a vara de marmelo, mas um sujeito bom como eu não tem motivo para agüentar isso, tem? Nina deu-lhe um tapinha no ombro, imaginando se o jantar de Alma seria suficiente para mais um. — Perry, eu tenho de falar com um homem que está aí dentro. Se levar um recado para mim, eu lhe arranjo um bom jantar, — Verdade?! Claro que eu levo o recado. E depois vigio sua bicicleta, enquanto a senhora conversa com os seus amigos. Ele ouviu com atenção, enquanto ela descrevia McKenna, depois correu para o interior do salão. Nina aproximou-se mais da bicicleta, consciente de cheiros e barulhos que não notara, antes. Usando os cotovelos, Gavin abriu espaço no balcão polido do bar do Erickson. Uma fumaça pesada cobria tudo, e uma escarradeira de metal deslocou-se"com um tinido, quando um homem a sua esquerda atingiu-a com uma cusparada certeira. — Com cinqüenta garçons, pensei que pudesse conseguir um drinque — o sujeito rosnou. Gavin deu de ombros, enquanto uma mulher se encostava nele. Tinha os cabelos presos no alto da cabeça e um decote até quase o umbigo. Ele segurou-a pela cintura.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Talvez você possa me ajudar, benzinho. Estou procurando um madeireiro, um sujeito alto, chamado Whip. — Tem certeza que não é a mim que quer? — ela perguntou. E quando ele não respondeu, fez beicinho. — Deve ser o sujeito que está lá em cima. Só quer beber. Estranho, não acha, alugar um reservado só para isso. — Ela apertou os olhos. — Me diga, por que dois bonitões como vocês querem ficar sozinhos, lá em cima? Antes que a suspeita da mulher alertasse os homens que bebiam por perto, Gavin colocou-lhe uma moeda na palma da mão. — Que reservado? Um garçom interrompeu-os. — Vocês não podem ficar neste andar, mocinha. É melhor subir. Depois de uma olhada para a moeda, a moça mostrou a língua ao garçom e agarrou o braço de Gavin. — Venha comigo, benzinho. Vou mostrar onde está o seu amigo. Gavin gostou da sensação do corpo dela junto ao seu,, enquanto subiam a escada, mas não tanto quanto seria de esperar. Nina Wallace o enfeitiçara? Ou a culpa era do negócio que tinha a tratar? Com uma leve palmada no traseiro feminino, entrou no reservado. No interior do local limitado por cortinas, Whip ergueu-se de um salto. Um sorriso brilhou por trás de seu vasto bigode, enquanto segurava os ombros de Gavin, exclamando: — Como é que você pode manter essa forma, sem trabalhar? Gavin retribuiu o sorriso. — É bom ver você, garoto. Uma coisa que a sua família também gostaria muito de fazer. O sorriso sumiu do rosto de Whip. — Você veio aqui para falar de madeira, não é? — É verdade. Não estou aqui para reabrir velhas feridas. Gavin sentou-se no divã forrado de veludo vermelho, ao lado do amigo. O rompimento entre Whip e os pais começara antes mesmo do naufrágio que tirara a vida do irmão mais velho do garoto, quatro anos atrás. Mas fora a recusa de Whip, de voltar ao mar, que finalmente o afastara da família. Gavin se sentia responsável por isso. O garoto era hábil em subir e descer de mastros de navios, e Gavin sugerira que ele trabalhasse em um acampamento madeireiro até a dor da perda diminuir. Mas Whip se tornara um vagabundo, indo de um acampamento para outro, e a simpatia de Gavin começava a decrescer. Whip estava

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica com quase vinte e dois anos, idade mais que suficiente para começar a procurar seu lugar no mundo. — Sei que é uma aventura e tanto escalar os abetos mais altos, mas você não acha que já fez isso demais, Whip? Um tom irritado surgiu na voz do rapaz. — Este mundo é estranho, Gavin. A facilidade com que os navios afundam me levou para as florestas... e tirou você delas. — O que talvez tenha sido um erro, para nós dois. Gavin ficou em silêncio. Seu próprio pai morrera num navio que havia afundado. Mesmo assim, fora a perda de um segundo navio, com o irmão de Whip a bordo, que o levara a fazer alguma coisa. Deixando os acampamentos madeireiros a cargo de Ellery, ele concentrara seu tempo e energia na construção de navios mais confiáveis. Teria sido um erro? Inclinando-se para a frente, Gavin apoiou as mãos nos joelhos. — O que descobriu a respeito de Ellery? O seu telegrama insinuava que a morte dele não foi acidental. Whip tomou o último gole de cerveja, colocando a caneca sobre a mesinha. — Ele andava estranho. Falava muito sozinho. Eu mesmo ouvi Ellery murmurando que não ia olhar sempre para o outro lado. Que a tolerância de um homem tinha limites. Gavin apertou os lábios. Ele também notara mudanças no sócio. Devia ter pedido explicações. — O que aconteceu? — Droga, eu estava naquele acampamento há três meses. Menos, até. Você devia ter perguntado a Ellery. Ele morreu quando estava observando o burro mecânico jogar toras no cais. Alguns dizem que o sujeito do apito errou. Outros culpam o operador da máquina. Me disseram que uma tora ficou presa no cais e o resto da pilha rolou. A maior parte dos homens pulou fora. — O Ellery não pulou. — Não — Gavin concordou. — O Ellery não pulou. Será que vai chover?, pensou Nina. O ar estava úmido, mas talvez fosse por causa do vapor vindo do odioso salão. De repente, a voz de Perry chegou a seus ouvidos, — Mas eu preciso entrar!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina virou-se a tempo de ver a porta abrir-se, liberando uma nuvem de ar viciado. Um sujeito enorme surgiu logo em seguida, empurrando o garoto para fora. — O que você precisa é de comida na barriga, que está roncando mais que uma serra. Só que não é aqui que vai achar, mocinho, e não ser que gaste dinheiro bebendo. Com isso, o sujeito deu um safanão na orelha de Perry, que se encolheu todo. Indignada e sentindo-se responsável pela dor da criança, Nina tirou a sombrinha da cesta da bicicleta e avançou para ele, com a atitude de um espadachim. — Mas que brutalidade maltratar uma criança! Surpreso, o sujeito recuou um passo, o que permitiu a Nina atravessar a porta. O salão era enorme. Centenas de marinheiros, madeireiros e fazendeiros agrupavam-se junto a um enorme bar retangular. Ela sempre achara que estavam exagerando, quando diziam que quinhentos homens podiam beber ao mesmo tempo, no bar do Erickson, mas agora via que era verdade. Como poderia encontrar Gavin? Seu olhar encontrou um enorme quadro a óleo, exibindo uma incrível cena de nudez. Depressa, virou-se para o outro lado; enervando-se ainda mais com a visão de uma orquestra feminina, tocando sobre um tablado profusamente iluminado. A voz do leão-de-chácara soou atrás dela. — Acho que a senhora se enganou, moça. Nina fitou-o. Era um sujeito enorme, com um avental branco limpíssimo, um vasto bigode e cara de poucos amigos. Elásticos prendiam as mangas de sua camisa imaculada. — Mulheres não são bem-vindas aqui, moça. Mesmo embaraçada com os sorrisos e olhares curiosos dos presentes, Nina enfrentou-o. — O senhor não entendeu. Estou procurando um homem. As risadas explodiram em volta deles. De todos os lados, homens ofereceram seus préstimos. O leão-dechácara avançou, forçando Nina em direção à porta. — Mulheres de vida livre ficam no segundo andar. — Mulheres de... — Entendendo, ela ergueu os olhos para os reservados, ao longo da galeria acima deles. A poucos passos, um homem gritou com voz de bêbado: — Eu levo você até lá, benzinho. Outro adiantou-se: — Não, anjinho. Sou eu quem você está procurando. Risos explodiram novamente, enquanto o coração de Nina gelava. Um homem acabava de sair de um dos reservados. Apesar da fumaça, seus cabelos castanhos e o paletó bem talhado eram

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica claramente visíveis. Ele fez sinal a um garçom, depois desapareceu atrás das cortinas. Não havia dúvida. Era Gavin McKenna, o homem que ela pensara ser respeitável. No reservado, Gavin voltou a se sentar. Já sabia que acertara na decisão de querer visitar os acampamentos incógnito. — E as toras, Whip? Você estava dizendo que viu alguns homens estragando os troncos, quando o trem ia para o rio? Ambos silenciaram enquanto um garçom entrava e colocava sobre a mesa dois uísques, um prato de salsichas e um potinho de mostarda. Whip tomou um gole de um dos copos. — Foi como eu lhe disse, Gavin. Eu estava no topo de um pinheiro, a uma boa altura, quando ouvi o apito da máquina Shay. Vi logo que só podia ser uma das toras especiais. Tinha uns vinte e quatro metros de comprimento e cobria dois carros. No reservado ao lado, uma mulher riu. O riso foi logo substituído pelo ranger de molas. Com evidente esforço, Whip ignorou os sons eróticos. — Eu estava admirando os troncos, quando notei dois sujeitos junto deles. Não dava para ver quem eram, mas deduzi que deviam ser mais dois desistentes, tomando uma carona de volta à cidade. - E agora, o que você acha? . — Quando ficamos sabendo que as toras tinham sido rejeitadas, foi um inferno, no acampamento. Todo mundo culpava todo mundo. Para mim, não há a menor dúvida. Aqueles dois estragaram os troncos. Gavin concordou. — E depois, uma serra transformou tudo em lenha. Alguém teve um bom lucro. — Se Ellery estava nisso, não estava sozinho. Mas não consigo acreditar que ele tenha enganado você. Pensando a mesma coisa, Gavin levantou-se. — Quando nos encontrarmos no acampamento, faça de conta que nunca me viu. — Certo. — O escalador franziu a testa, como se estivesse em dúvida sobre o que ia dizer. — Gavin, não existe nada em que se possa pôr o dedo, mas eu teria cuidado, se fosse você. Fique de olho no dirigente do acampamento, um sujeito chamado Robertson. — Dandy Robertson? Um dos protegidos de Ellery. Um bom homem, apesar de vaidoso e convencido.. — Gavin fez uma pausa, depois acrescentou: — Ellery costumava dizer que ninguém conhecia o negócio de madeira melhor que o Robertson. — Pode ser que eu esteja errado, mas tenha cuidado, está bem?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Ellery Thompson confiou o Acampamento Três a Robertson, mas eu nunca vi o sujeito. Acho que está na hora de corrigir esse erro. Gavin saiu para a galeria e o barulho inusitado, mesmo naquele local, chamou sua atenção. Parou, ouvindo, e Whip juntou-se a ele. — Já ouvi esta voz de mulher — Gavin disse, de repente, imaginando como ela podia ter vindo parar no Erickson. Inclinou-se sobre a grade e avistou uma cabeça ruiva, cercada por uma multidão de cabeças masculinas. Ao mesmo tempo, tomou consciência dos palavrões, da conversa livre e do cheiro de suor e bebida. Aquele não era lugar para uma mulher, nem mesmo uma tão determinada quanto Nina Wallace. — Alguém viu o sr. Erickson? Preciso falar com ele.— Nina ergueu o olhar desesperado para a galeria, de onde McKenna a fitava, obviamente atônito. Ao lado dele, um rapaz de bigode sorria abertamente. — Vocês viram Erickson? — um dos homens que rodeava Nina perguntou. Outro piscou. — Ele acaba de subir. Venha comigo, benzinho. Vou levar você para onde quer ir. Rindo, eles se aproximaram ainda mais. Em vão, Nina tentava afastá-los. De repente, Gavin McKenna rompeu a barreira masculina. Uma onda de alívio assolou-a, apesar das palavras estranhas que ele proferiu. — Nellie! Prima Nellie! Deve ter acontecido alguma coisa terrível, para você vir atrás de mim, aqui. — Ele a puxou para junto de si. — Fique calma, meu bem. Não chore. de si.

Nina ergueu a cabeça, indignada, mas ele tornou a puxá-la, com força, para junto

— Desculpem, cavalheiros, mas esta moça é filha da irmã de minha mãe. A coitadinha está completamente fora de si. Humilhada e enraivecida, Nina manteve-se em silêncio, enquanto os homens abriam caminho para eles. A maioria parecia envergonhada, como se nunca tivessem sonhado que ela pudesse ser uma mulher honesta. McKenna conduziu-a por entre as mesas de jogo, até uma porta lateral. — Podemos conversar aqui, prima. — Mas quando a porta se fechou, a gentileza dele desapareceu. — Minha nossa, mulher, você perdeu a cabeça?! Ele estava muito zangado para ouvir a voz da razão, Nina decidiu. Talvez a visita ao andar de cima não tivesse corrido bem. Em sua mente, ela o viu nos braços de uma mulher de vida livre, e foi tomada pela decepção. Tentou afastar essa imagem. Se

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica queria que sua ida ao Erickson desse resultado, era melhor controlar os próprios pensamentos. Gavin começou a andar de um lado para o outro do pequeno escritório, lutando para dominar a raiva. Ver aqueles homens mexendo com Nina lhe dera uma vontade louca de distribuir socos. Agora, no entanto, estava era com vontade de sacudir aquela tola, até fazê-la ranger os dentes. Fitou-a. — Você deve estar completamente louca, para entrar num lugar destes! No fundo, ela lhe deu razão, mas não pretendia admitir. — Sr. McKenna, eu tive um trabalhão para encontrar o senhor. O mínimo que pode fazer é deixar que eu lhe explique por que resolvi ajudá-lo. — Incrível! — Percebendo a altura de sua própria voz, Gavin fez uma pausa, passando a mão pelos cabelos. — Da primeira vez que nos vimos, você gritou que nunca mais queria pôr os olhos em mim. Esta tarde, só faltou me jogar para fora da sua casa. Agora, não só diz que mudou de idéia, como ainda invadiu o Erickson para me encontrar. Foi ou não foi? — Foi. — Deus me ajude! Bem que Elmo Witt me avisou que você era um perigo. E eu não lhe dei ouvidos. — Com uma câmera, o senhor pode andar com mais liberdade pelo acampamento — Nina insistiu. — Quer discutir o assunto, sr. McKenna, ou ofendi demais a sua sensibilidade, vindo até aqui? — Vamos conversar. — Gavin respirou fundo, procurando se acalmar. Witt falara de uma hipoteca. Devia ser grave, para Nina correr o risco de vir até ali. Ela achou que Gavin tinha os olhos fixos em seus tornozelos, cobertos apenas pelas botinhas. Muito corada, entendeu os. protestos de Papai, sempre que a via com aquela roupa. — Se... se o senhor for até o estúdio, amanhã cedo, podemos começar as lições. Gavin fitou-a, procurando enxergar além da postura orgulhosa. Então ela decidira que seu dinheiro valia tanto quanto qualquer outro. Devia ter perguntado a Witt o montante da hipoteca. — Diga seu preço, amor. Concordo com qualquer quantia justa. Nina hesitou. Vira raiva, divertimento e compaixão nos olhos dele, mas agora havia uma indecifrável expressão no rosto masculino. Meu preço é uma promessa. Gavin enrijeceu.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Aprendi, muito tempo atrás, a tolice de se fazer promessas, sem saber tudo a respeito delas. — Quero, sr. McKenna, que me prometa que vai andar pelos acampamentos, de olhos bem abertos! — Ah! — Ele se apoiou na janela, mais descontraído. Ela passara por uma tragédia e tinha esperanças de colocar a culpa na Madeireira McKenna. — Sei o que está pensando, amor, mas este tipo de trabalho é perigoso. Como aprendera, à própria custa, seu amigo Ellery Thompson. Teria Whip razão, ao julgar criminosa a morte dele? Nina avançou um passo, apertando os punhos. O meu Johnny morreu por causa de um cabo enferrujado, que deveria ter sido substituído há muito tempo. — Como sabe? — Papai estava lá, é eu acredito nele. Ela apertou ainda mais os punhos. Seria um prazer enfiá-los no homem a. sua frente. McKenna estendeu uma das mãos. — Pelo menos uma vez, tente acreditar em mim, amor. Minhas ordens são para checar todo o material e substituir tudo o que apresentar o menor sinal de desgaste. Não há lucro em acidentes, Nina Wallace. Por menos que você me considere, reconheça que sou um homem de negócios cuidadoso. Sem dúvida, ele era um homem de negócios. E Johnny estava morto por causa desses negócios. — Então, prometa verificar se suas ordens estão sendo cumpridas. — Vou fazer isso, de qualquer maneira. Ela ignorou a rispidez com que foi feita a afirmação. — Quero que veja, também, se os homens não estão sendo designados para trabalhos perigosos, sem o devido treinamento. E se a exigência de rapidez não faz com que eles derrubem as árvores muito perto de outros, encarregados de cortá-las em pedaços e... Com um aperto firme, Gavin segurou as mãos dela. — Seu pai é um homem amargo. Sinto muito, pela dor dele e pela sua. Mas, como mulher, você não faz idéia do que acontece num acampamento madeireiro. — Lembrando-se dos avisos de Whip, ele pensou que nem mesmo o dono da McKenna tinha idéia do que ocorria nos acampamentos. — Acidentes são uma infelicidade, capaz de acontecer em qualquer atividade.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina puxou as mãos, assolada por uma onda de raiva. Era um absurdo que ele dissesse, e acreditasse, numa coisa daquelas. Mas, também, o que podia esperar de um homem que freqüentava os reservados do salão do Erickson? — Madeireiros não são bebês — Gavin prosseguiu. — São homens que confiam na própria capacidade de se proteger. Nenhum deles agüentaria, o tempo todo, um chefe lhes dizendo o que fazer. Com os olhos cheios de lágrimas e furiosa por isso, Nina avançou para a porta. — Mas que droga, mulher! — Gavin exclamou. — O que você quer que eu faça? Ela girou nos calcanhares. — Me leve com você. O pedido assustou os dois, mas deu a Nina um novo alento. — Os homens vão querer fotos deles mesmos e o dinheiro desse trabalho viria a calhar para mim. Além do mais, ninguém desconfiaria do seu disfarce, se viajasse com a sua "prima". Você nem teria de aprender a fotografar. Eu me encarregaria disso, e você poderia sair pelos bosques, à procura de novos ângulos para a câmera. — Eu já lhe disse e repito: você está completamente louca! — Mas Nina percebeu que ele estava amolecendo e aumentou a pressão. — A câmera pesa quinze quilos e a caixa de filmes quase trinta. Vai querer carregar tudo isso, enquanto corre atrás de um ladrão? Gavin franziu a testa, imaginando a dramática situação financeira dela para chegar aquele extremo. A não ser que estivesse decidida a provar que o pai e o marido tinham sido vítimas de negligência por parte da madeireira. Ainda assim, a idéia não era má, pois lhe daria acesso a todos os madeireiros e locais de trabalho. Fitou-a nos olhos. — Em troca, eu lhe daria a chance de fotografar a minha suposta negligência. É isso, amor? — É. Concorda? — Eu não teria condições de questionar a sua escolha do que fotografar. — Gavin meneou a cabeça, sufocando a vontade de rir. — Ah, eu deveria ter ouvido os conselhos de Elmo Witt! — Eu tenho a minha meta e você tem a sua. Basta me deixar no acampamento, com as minhas coisas, e poderá ir aonde quiser, atrás do seu ladrão. Gavin fitou o rostinho ansioso diante do seu. Um acampamento madeireiro não era lugar para mulheres. Principalmente se houvesse um assassino escondido por lá. Mas ainda era cedo para levantar essa suspeita.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Acho que não entendeu, amor — replicou, com gentileza. — Um acampamento não é um jardim. É um lugar rude, cheio de homens mais rudes ainda. Seria difícil proteger a sua honra. — Eu sei tomar conta de mim. Gavin examinou-a com mais atenção. O que movia aquela mulher? Nunca encontrara uma tão determinada. Conhecia mulheres frágeis, que se agarravam a seu braço e ameaçavam desmaiar ao menor aborrecimento. Nina traçara um plano arriscado, mas fingindo-se de parente próximo, poderia protegê-la. — Sabe mesmo, Nina? Tem certeza? E o que faria, se um madeireiro a insultasse assim? Inclinando-se, segurou-a pelos ombros e beijou-a de leve, nos lábios. Pretendia fazer um simples teste, mas, ao senti-la ceder, aumentou a pressão do beijo, descendo as mãos para a cintura. Nina reagiu instintivamente, moldando o corpo ao dele. O calor da carícia aumentou, fazendo-a experimentar emoções que há anos não sentia. E tudo por um homem que, momentos atrás, acariciava uma mulher da rua. Revoltada, ela ergueu as mãos e empurrou Gavin para longe. — Se um madeireiro me faltasse com o respeito — fez uma pausa para controlar a respiração e dar ênfase ao que ia dizer —, logo teria o troco. Erguendo as mãos juntas, deu-lhe um tremendo murro no peito jogando-o no chão. Gavin fitou-a, tão surpreso quanto ela, pelo resultado da agressão. — Como vê, sr. McKenna, não preciso de ninguém para me proteger. Estarei pronta para partir em dois dias. Ele ergueu-se de um salto. — Você não vai a lugar nenhum como minha prima, Nina Wallace! Se quiser, vai como minha irmã. E estará pronta em um dia. Até terça-feira de madrugada, na estação. Procure sua passagem com o bilheteiro. Exultante, Nina enfrentou-o. — Deixe duas passagens, sr. McKenna. Vou levar um garoto, de costas fortes para carregar os filmes.

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CAPÍTULO IV Na terça-feira, o trem chegou debaixo de uma chuva forte, lançando vapor para o ar. Junto às portas da estação, Nina Wallace levantou a gola de seu casaco marrom, grata pela proteção que ele lhe dava contra o frio. Perdera muito tempo decidindo o que usar, e só se resolvera ao perceber que estava mais preocupada com a opinião de Gavin McKenna do que com o próprio conforto. Por toda a estação, mulheres de vestidos surrados despediam-se de homens usando casacos de lã e calças pesadas, que terminavam no topo de suas botas. Bebês choramingavam e crianças pequenas agarravam-se aos pais. Nina não esperava encontrar tanta gente ali, àquela hora da manhã. Junto a sua bagagem, Perry montava guarda. Ele já manifestara seu desagrado da multidão, principalmente dos homens solteiros, esperando o trem para o acampamento. — É uma gente sem parada — ele dissera à Nina. — Todo mundo sabe que os acampamentos têm três equipes: uma trabalhando, uma chegando e outra saindo. Nina já ouvira falar nisso, mas sua preocupação era com Gavin McKenna. Estava chegando a hora da partida, e ele ainda não dera sinal de vida. Ao que parecia, ela teria de enfrentar a multidão e ir até o bilheteiro. Eventualmente, depois de várias cotoveladas, ela chegou ao homem de óculos de aro de metal, deu seu nome e explicou que um certo sr. McKenna havia reservado passagens para eles. O bilheteiro examinou, alguns papéis. — Estão aqui — disse, afinal. — Mas ele vai ter de assinar o recebimento. — Mas ele não está aqui! — Não é por minha culpa. O próximo! Um sujeito avantajado empurrou Nina para o lado. Quando ela conseguiu se equilibrar, já estava de novo no meio da multidão. Frustrada, voltou para junto de Perry, declarando: — Vamos ter de esperar. O garoto fitou-a com ar inseguro. — A senhora tem certeza de que ele vai pagar a minha passagem?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Eu já lhe disse mais de mil vezes que sim! — De imediato, arrependeu-se de seu tom e levou a mão ao braço do menino. — Temos de ter fé, Perry. O sr. McKenna prometeu e não há motivo para duvidarmos dele. Nenhum motivo, a não ser que o trem já estava na estação e MacKenna não. Observando a multidão em torno, Nina lembrou-se da cena no salão do Erickson. Primeiro McKenna ficara zangado com ela, depois a insultara, alegando que precisava testar sua capacidade de se proteger. Mais uma vez uma onda de vergonha assolou-a. Naquele momento, McKenna bem podia estar tomando o café da manhã e rindo da humilhação que ela sentiria, quando descobrisse que ele não ia aparecer. Esse pensamento trouxe outros, piores ainda. Alma Davis ficara escandalizada com sua idéia de ir para o acampamento madeireiro. E seu pai só aprovara seu plano depois de muita discussão e porque queria se vingar de McKenna. — Senhorita — Perry disse, timidamente. — O pessoal já está embarcando. — Perry, não há nada que eu possa... Uma mulher pesadona, usando um casaco masculino, empurrou-a com tanta força que ela quase caiu sobre Perry. Sem uma palavra de desculpas, a mulher foi parar diante de um homem de barba, com roupas de madeireiro. — Dois dólares, sr. Johnson! O senhor me deve dois dólares por comer e se alojar debaixo do meu teto! Na opinião de Nina, o homem estava realmente envergonhado. Tinha bastante experiência em dever aos outros para saber que aquele sujeito não era do tipo que foge de uma dívida. A mulher aproximou-se ainda mais dele. — Eu vou chamar a polícia, sr. Johnson! Enquanto ela fazia sinal a um guarda, o homem tirou um lenço vermelho do bolso e enxugou a testa. — Eu sei o que lhe devo e já teria pago, madame, se não tivessem roubado o meu dinheiro. — Isso não é problema meu! — É, sim, porque a senhora vai ter de esperar eu trabalhar uma semana, para receber o que é seu. De um salto, a mulher agarrou a sacola do madeireiro. — Quando o senhor me pagar, eu lhe devolvo isto aqui! — As minhas botas estão aí, minha senhora! — A voz do homem elevou-se. — Eu não posso trabalhar sem elas. Enquanto a mulher marchava para a porta, ele apelou para o guarda.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Ela pode fazer isso? O guarda deu de ombros. — Ela está fazendo, não está? Junto à plataforma da estação, a locomotiva soltou mais uma nuvem de vapor. Nina abriu a bolsa e tirou duas moedas de ouro, tudo que lhe restava do que ganhara fotografando as garotinhas. Ficaria inteiramente à mercê da generosidade de McKenna. Isso, se ele resolvesse aparecer. — Perry, leve este dinheiro ao cavalheiro ali adiante. Diga que ele deixou cair, quando tirou o lenço do bolso. O homem procurou Nina com os olhos, quando Perry se aproximou dele. A luta no rosto masculino era visível. A mulher já estava quase na porta, quando ele gritou: — Senhorita espere por mim! Preciso lhe falar! Nina assentiu, e só então ele saiu atrás da mulher. - Dona, olhe aqui o seu dinheiro! Devolva as minhas botas! Mais animada, Nina voltou-se para Perry. — Vamos levar nossa bagagem para perto do trem. Temos de estar prontos para embarcar, quando o sr. McKenna chegar. Com uma expressão bem menos confiante que a dela, o garoto ergueu a caixa de filmes. Nesse instante, a porta mais distante abriu-se, deixando entrar a chuva e o ar frio. A voz cantada de uma garota ergueu-se acima da confusão geral. — Eu não lhe disse que chegaríamos em tempo, Gavin, querido? Não havia motivo para você ficar tão zangado. A satisfação interior de Nina desapareceu por completo, quando o barão da madeira avançou com uma moça, vestida na última moda, agarrada a seu braço. — Trudy Witt — murmurou, por entre os dentes. E, percebendo o olhar curioso de Perry, inclinou-se para pegar um tripé. Mesmo assim, sua atenção continuou presa à filha do banqueiro, uma moça de dezessete anos, voluntariosa e mimada pelos pais. Uma moça que chegara ao cúmulo de flertar com Papai no ano anterior, quando fora tirar um retrato. Nina apertou os lábios. Não lhe cabia julgar as companhias escolhidas por McKenna. Mesmo assim, esperava que Trudy não demorasse muito por ali. Sem dar a impressão de estar procurando, o olhar do barão da madeira percorreu a multidão, indo se deter em Nina. — Aí está o sr. McKenna — Nina disse a Perry. — Não vá se esquecer de que ele é meu irmão e um fotógrafo. Se isso é certo ou errado, nós discutimos depois. Agora, pegue as nossas coisas.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Pela primeira vez, ela se sentiu grata pela multidão que enchia o local. Era ridículo que seu coração batesse tão forte. E mais ridículo ainda que não resistisse a uma rápida olhada para trás, antes de seguir parar junto do trem. A filha do banqueiro tinha os lábios erguidos para cima, num convite impertinente. McKenna riu, depois tirou o chapéu e, e, usando-o para barrar os olhares curiosos, beijou a moça nos lábios. Com o coração estranhamente apertado, Nina virou-se para a porta. Bem que tinham lhe ensinado a vida toda a não ser indiscreta. Se não tivesse olhado para trás, não teria motivos para estar tão deprimida. Carregando a câmera e o tripé, foi para onde Perry a esperava, junto ao vagão de bagagens. A locomotiva silvava, soltando vapor como se estivesse ansiosa para partir. Há muitos anos ela não saía de Portland e estava começando a se sentir prestes a viver uma aventura. Por isso, não deixaria que um beijo desavergonhado diminuísse sua alegria. No entanto, as primeiras palavras que disse, quando o barão da madeira se aproximou, momentos depois, não foram nada prudentes. — Estou vendo que ainda não perdeu a simpatia por crianças indisciplinadas, sr. McKenna. Ele riu, apoiando-se num caixote. — Ah, as delícias inesperadas de uma mulher honesta! O diabo sempre instiga a verdade a sair de sua boca, Nina Wallace? De repente, Nina sentiu-se presa numa armadilha. McKenna tinha o mesmo olhar que exibira no salão do Erickson, momentos antes de beijá-la. Desconcertada, ela fitou o casaco fino, de lã, que cobria os ombros másculos e deixava entrever um colete de brocado vermelho. — Já esteve num acampamento madeireiro, sr. McKenna? As suas roupas são mais apropriadas para a cidade. — Graças a você, amor, não vou trabalhar como madeireiro. — Um brilho divertido surgiu nos olhos cor de mel. Não precisa se preocupar com o meu conforto. Por baixo destas roupas, tenho outras, da mais macia lã. Ela corou. — O que não me interessa nem um pouco, sr. McKenna. — Pois um irmão sempre se interessa pelo bem estar da irmã. Está com roupas bem quentes, amor? Sentindo-se em desvantagem e não querendo que ele percebesse, Nina reagiu com brusquidão.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Esse comentário é bem próprio de um homem que procura as mulheres do salão do Erickson! — Eu não estava com uma mulher. Eu estava com um homem. — Sr. McKenna! — Mal acabou de falar, Nina se arrependeu. Não deveria demonstrar que tinha conhecimento de tal tipo de relações. Engolindo em seco, acrescentou: — Um homem? Para quê? Os lábios masculinos ergueram-se nos cantos. — Ah, esse é um segredo que prefiro não revelar. Nina animou-se. Fosse qual fosse o motivo que o levara àquele reservado no salão do Erickson, não fora para encontrar prazer nos braços de uma... uma "mulher manchada". E nenhum homem capaz de beijar como ele podia esconder um interesse anormal por outro homem. Rugas de riso surgiram em volta dos olhos de McKenna. Nina achou que ele havia adivinhado seus pensamentos e estava achando graça. Antes, no entanto, que pudesse conduzir a conversa para assuntos mais seguros, o madeireiro de barba abordou-a. — Meu nome é Johanson, senhorita, mas quase todo mundo me conhece por Mike. Michigan Mike. — Ele corou. — E agora estou em débito com a senhorita. Se me disser onde mora, posso lhe mandar o dinheiro. Contente por ver que estava certa e o homem era realmente honesto, Nina tentou pô-lo à vontade. — Foi um prazer ajudá-lo, sr. Johanson. Gavin entrou na conversa. — Não está falando com estranhos, está, maninha? — E enquanto ela o fitava, aborrecida, estendeu a mão para o lenhador. — Minha irmã muitas vezes esquece o bom senso e se deixa levar pelo coração. Meu nome é... Wallace. Posso saber qual a natureza de seu negócio com a minha irmã? Mais embaraçado do que nunca, o lenhador começou uma explicação totalmente desnecessária, no entender de Nina. Por que McKenna tinha de saber dos detalhes? Ele não era seu protetor. Graças a Deus! — Então, seu destino é o Acampamento Três? — Gavin exclamou. — Mas que tremenda coincidência! Nós também vamos para lá, tirar fotografias dos que quiserem nos pagar cinqüenta centavos. Enquanto o homenzarrão confirmava a intenção de pagar Nina, Gavin media-o mentalmente. Ele parecia ser um sujeito honesto, trabalhador, mas quanto menos gente soubesse de sua. verdadeira atividade nos bosques, maior sua chance de pegar o ladrão de toras. Quando Mike subiu no vagão, Gavin olhou em torno de si. Onde estaria Whip? Do modo como ele se embebedara no salão do Erickson, bem podia agora estar a caminho

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica do Oriente. Mas arranjar marinheiros à força não fazia parte das atividades de Erickson, e Whip era sensato o bastante para não freqüentar bares piores. O olhar de Gavin pousou em Nina, que passava o tripé para Perry, já no vagão. A chuva havia molhado os cabelos dela, mas os fios avermelhados ainda brilhavam como raios de sol, em volta do rostinho bonito. Nem a roupa pesada de lã era capaz de disfarçar-lhe as formas deliciosas, feitas para preencher os braços de um homem. ' Gavin lembrou-se da resistência oferecida pelo espartilho — a invenção do diabo —, quando a segurara, no salão do Erickson. Como a maioria das mulheres, ela era escrava da moda. Mas ele poderia jurar que, ali, não havia necessidade de nenhum espartilho. Nina virou-se, e ele fitou-lhe os lábios macios e rosados. De imediato, uma onda de calor assolou-o. — Espere, maninha — falou, bruscamente. — Eu lhe dou uma mão com isso. Nina ajeitou as luvas. — Não sei se sabe, mas acaba de se nomear meu cunhado. Wallace era o nome do meu marido. Gavin sorriu. — Ah, mas que alívio! Ia ser difícil explicar a falta de sotaque na sua linda voz. Nina nada disse, e ele continuou: — Wallace. Então, minha santa mãe é que veio da Irlanda. Sem dúvida foi um grande escândalo na família, quando ela se casou com um inglês. Ela fitou-o, erguendo as sobrancelhas num gesto de desafio, e Gavin sorriu novamente. — Bem atrevidinha você, hein? Mas é bom que seja. Vai precisar disso para sobreviver num acampamento madeireiro. E era verdade. Durante as últimas horas, ele se perguntara mais de mil vezes como pudera ceder àquela loucura. Nina Wallace era mais independente que a maioria das mulheres, mas mesmo assim seria difícil protegê-la. Se tivesse sorte, no entanto, descobriria o ladrão antes que o esforço se tornasse impossível. Aí, teria tempo de sobra para conhecer melhor a provocante fotógrafa. — Muito bem, amor. Já que tem tudo sob controle por aqui, vou subir e guardar lugares para nós. Assobiando baixinho, Gavin embarcou. Nina seguiu-o com um olhar zangado. Ele poderia ter ao menos se oferecido para ajudá-la. Não que precisasse, é claro. Perry.

— Tome. Esta é a última — murmurou, empurrando uma mala na direção de — E aquela caixa grande? Não vai?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — É a minha câmera. Não vou me arriscar a deixá-la com a bagagem. — Ela ergueu a caixa do chão. — Venha, Perry. Vamos procurar nossos lugares. Percorrer todos os vagões à procura de McKenna não ajudou em nada a melhorar a disposição de Nina, mas, como ele estava com as passagens, ela não teve outra escolha. No fim, quando já estava arrependida de não ter-lhe pedido para carregar sua câmera, ouviu-o chamá-la da parte da frente de um vagão. — Eu já estava ficando preocupado com vocês dois. — E ele sorriu. — Mas acho que vão ficar contentes de saber que consegui um lugar junto da janela. Perry sentou-se no primeiro lugar vago, enquanto Nina .deslocava-se pela passagem cheia de gente. O sorriso de McKenna desapareceu, diante da câmera. — O que foi? O, vagão de bagagem está completamente cheio? Nina forçou um sorrisinho. irmão.

— Um fotógrafo jamais deixaria sua câmera seguir com a bagagem, meu querido

Um movimento súbito do trem jogou-a para a frente. McKenna segurou-a pela cintura, usando o outro braço para firmar a câmera. - Coloque isso no chão, então. A força dele surpreendeu-a. Obviamente, não passava o tempo todo atrás de uma escrivaninha. E o cheiro que o envolvia, de limpeza e loção após a barba, era delicioso. — Eu vou levar a câmera no meu colo — ela declarou, fazendo o possível para não demonstrar o que sentia. Outros passageiros, entre eles Michigan Mike, olharam-nos com curiosidade. O trem movimentou-se novamente, e Nina quase fez Gavin perder o equilíbrio. — Pelo amor de Deus, sente-se, mulher! — Tirando a câmera das mãos dela, ele a depositou no chão. baixa.

Ciente de que os outros passageiros se divertiam com eles, ela manteve a voz — Vou ficar no corredor, perto do meu equipamento.

McKenna deu a impressão de que ia discutir, depois desistiu, sentando-se junto à janela. O trem deu um salto para a frente. Nina caiu no banco, mas endireitou-se logo, apertando as mãos no colo. -— Relaxe, amor. Temos uma longa viagem a nossa frente. Tirando uma moeda do bolso, McKenna começou a jogá-la para o alto. O gesto aborreceu Nina, que acabou comentando:

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Eu gostaria que você parasse com isso! Sorrindo, ele enfiou a moeda no bolso do colete. - É o resultado de um jogo, amor. Tem de me desculpar, se me sinto feliz comigo mesmo. —. Então você é um jogador, também. — Além de lenhador, construtor de navios, financista e acompanhante das mais lindas mulheres de San Francisco. — Fitou-a, acrescentando animado: — Até que, como substituta para elas, você não está mal. Indignada, Nina ia responder, quando um rapaz esbelto entrou no vagão. Era o mesmo que estava com McKenna, no salão do Erickson. Acima de um enorme bigode, ele apertava os olhos castanhos, injetados, e não era difícil deduzir que estava sofrendo as conseqüências de uma noite desregrada. Nina puxou a saia para o lado, quando o rapaz avançou, aos tropeções. Se ele não viu a câmara e perdeu o equilíbrio devido ao movimento do trem, não ficou claro, mas a verdade é que chutou o instrumento com toda força, caindo de joelhos. De imediato uma explosão de palavrões encheu o ar, levando Michigan Mike a se levantar de um salto. — Cuidado com o que fala, Whip. Há uma dama a bordo. O recém-chegado olhou para Nina com desgosto, enquanto ela examinava a câmera. — Que droga de mulher deixa suas coisas no caminho desse jeito, para um homem quebrar a perna? Mike agarrou o braço do rapaz. — Peça desculpas! O cheiro de álcool atingiu Nina, quando Whip exclamou: — Nunca pedi desculpas na minha vida e não vou começar agora. Principalmente com uma vagabunda que quase quebrou a minha perna. Nina já havia ouvido dizer que a segunda melhor diversão de um lenhador era uma boa briga, mas não estava com vontade de ver uma. Virou-se para McKenna. — Não dá para você fazer alguma coisa? Ele olhou de um homem para o outro, depois sorriu. — Eu? Mas você não me garantiu que é capaz de tomar conta de si mesma, maninha? — E puxando o chapéu sobre os olhos, preparou-se para dormir. Ela quase engasgou de raiva. — Você é o sujeito mais desagradável que já tive a infelicidade de encontrar! Ele sorriu com mais vontade, mas não respondeu.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Mais uma vez o cheiro de álcool chamou a atenção de Nina, fazendo-a virar-se para o rapaz. Ele parecia estar tremendamente arrependido, .— Desculpe, senhorita. Não queria ofendê-la. O olhar dele para McKenna explicou a súbita mudança de atitude, e Nina meneou a cabeça. O rapaz pulou a câmera e foi se sentar na fileira de trás. Arrepiada, ela não resistiu a uma olhada. Ele a fitava e correspondeu com uma piscadela malandra. Nina endireitou-se abruptamente, tirando um jornal da bolsa, abrindo-o num artigo sobre Jessie Tarbox Beals. Pela décima vez, inteirou-se das dificuldades enfrentadas pela fotógrafa. Se a Sra. Beals havia conseguido, Nina Wallace também conseguiria. Se bem que a Sra. Beals provavelmente não tivera de agüentar homens tão insuportáveis quanto Gavin McKenna e seus companheiros.

CAPÍTULO V O trem mal havia tomado a direção oeste, ao longo das planícies pantanosas onde o rio Willamette se junta ao Colúmbia, quando McKenna empurrou o chapéu para trás e encarou Nina. Concentrando-se na paisagem, ela tentou ignorá-lo. O barulho de conversas e roncos enchia o ambiente. Um pouco adiante, dois homens discutiam, baixinho, sobre um jogo de cartas. Quando o trem começou a subir uma colina, ela se deu conta do olhar insistente de Gavin. Pouco à vontade, refugiou-se nas páginas de uma revista. Gavin sorriu diante da recusa de Nina em fitá-lo. Achava divertida a determinação de provar sua negligência nos negócios. Mas a teimosa logo aprenderia que só utilizava o melhor equipamento, dando ordens para inspeções freqüentes e troca de tudo que não estivesse em ótimas condições. Muitas vezes, até sofria críticas de seu contador, pelos gastos que esse procedimento ocasionava. Ele esperava, ansioso, pelo gostinho de ouvir um pedido de desculpas, da parte de Nina Wallace. Um espírito vivaz escondia-se debaixo daquele cabelo glorioso e ar comportado. Preocupava-o saber como ela se portaria no acampamento. Como também o preocupava a possibilidade de Ellery Thompson ter traído sua confiança. Que significado poderia ter o que Whip ouvira? Gavin procurou afastar as dúvidas da mente. Ellery e ele eram amigos e sócios há mais de dez anos. Não fosse por Ellery, ele ainda estaria numa praia da Califórnia,

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica guardando toras para um pai que jamais voltaria para vendê-las. A morte de Ellery o magoara muito. Se não tivesse sido um acidente... Ele voltou a atenção para Nina. Até o momento, ela ainda não usara seu nome de batismo e poderia traí-lo, chamando-o de McKenna. Disposto a resolver o problema, pôs-se a murmurar: — Susana... Não. Betânia... Também não. É um nome muito meigo. Astríd, talvez. A indiferença de Nina desapareceu abruptamente. — Do que é que você está falando? Um brilho divertido surgiu nos olhos dele. — Nada, amor. Só estava imaginando um nome para você. Acho estranho seu pai ter escolhido um tão suave. Paciência!, Nina disse a si mesma. E forçou-se a imaginar um jardim cheio de flores, o que lhe deu tempo para se acalmar. Afinal, fitou-o. — Como minha mãe morreu ao me dar à luz, não havia ninguém para impedi-lo de me batizar Nina. De novo um sorriso surgiu no rosto de McKenna. — Talvez eu tenha errado era, questionar o nome que seu pai lhe deu. Ele combina com o Brilho de porcelana da sua pele e o formato delicado dos seus cílios, sobre a curva das maçãs do rosto. Elogios assim na certa virariam a cabeça de Trudy Witt, mas não havia sinceridade neles. Nina respondeu com firmeza: — Não creio que eu tenha recebido esse nome por causa de uma peça de louça. — Então deve ter sido por causa da beleza das bonecas que as mulheres costumam deixar sobre suas camas. — Por favor, não me diga onde foi que ficou sabendo disso. E também não me tome por uma boneca de cabeça vazia. Animado, McKenna continuou: — É isso mesmo! Dolly é o nome certo para você. Minha irmãzinha caçula, Dolly. De todos os nomes, o que Nina mais detestava era Dolly, provavelmente por causa de uma coleguinha da infância. — Se precisa mesmo me tratar de um modo tão familiar, é melhor usar o nome que meu pai me deu. Qualquer esperança de que sua idéia fosse acatada desapareceu quando ele falou:

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Ah, minha Dolly! É evidente que seu lugar é sobre um travesseiro de rendas e não nesta perigosa viagem. Nina respirou fundo. — Sr. Mc... — Não, amor. Já está na fora de você me tratar de outra maneira. De usar meu nome próprio. — Minha imaginação não é tão boa assim. Talvez o rapaz de bigode, aí atrás, consiga pensar num nome apropriado para você. Nina esperava que ele se zangasse, mas McKenna limitou-se a suspirar e ajeitarse melhor no banco. Ela olhou pela janela. O dia estava mais claro, com pedaços do céu azul aparecendo por entre as nuvens. Sem dúvida um bom sinal. Resolvendo oferecer uma trégua, ela disse: — Olhe... Gavin. Parou de chover. O sorriso dele foi triunfante, mas não a provocou por ter cedido. — Confesso que estou louco para lhe mostrar a mata, Dolly. Você vai gostar como fotógrafa. Há árvores tão grandes, que mal dá para ver a ponta. Tomando-lhe uma das mãos, Gavin levou-a aos lábios. Nina estremeceu, puxandoa depressa e apertando-a no colo, embaraçada com o divertimento dele. — A mata é um lugar silencioso. O orvalho da manhã cai dos pinheiros em gotas silenciosas, e algumas árvores são tão grossas que seis homens, de mãos dadas, não conseguem abraçá-las. Homens grandes, não pequenos como eu. — McKenna suspirou, sem se dar conta do olhar de Nina, que media seus ombros largos e seu mais de um metro e noventa de altura. — É um lugar lindo, místico, onde o sol quase não penetra. Onde o sol quase não penetra. Nina ouvira essa frase antes, e, em sua imaginação, a grandeza descrita por McKenna foi substituída por uma cena mais dura, de toras tombadas, árvores quebradas e, frequentemente, homens despedaçados. Talvez Papai e a governanta tivessem razão, ao condenar seus planos. Não pensara na possibilidade de testemunhar os sofrimentos de um homem. Tomara Deus pudesse completar sua missão sem que isso ocorresse. O trem emergiu de um túnel de árvores, correndo ao lado do rio. Um apito agudo anunciou que estavam se aproximando de uma cidade. Logo, um velho moinho apareceu. Em seguida, as casas, alegradas por jardinzinhos cheios de margaridas e primaveras. Quando o trem se deteve, meia dúzia de homens desembarcou. Apesar de ainda não ser visível, a proximidade do mar era anunciada pela presença das gaivotas, planando ao sabor da brisa suave. Uma escuna de quatro mastros, com as velas

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica enfunadas, cortava o rio. De onde eles estavam o terreno subia em direção às colinas verdes, cobertas por densa vegetação. Nina observou os lenhadores se dirigirem ao local onde uma locomotiva Shay esperava, soltando vapor no ar. — Que trem estranho! Parece uma centopéia. Gavin desceu a caixa de filmes para a plataforma da estação, depois virou-se para olhar a locomotiva e as dezenas de rodas acopladas a ela. — Uma centopéia, hein? Imagino o que um engenheiro ia achar disso. As rodas são dos vagões de carga, amor. Elas se afastam, aumentando o comprimento do vagão, de acordo com a necessidade. Agora estão juntas, porque as toras foram descarregadas. — Eles vão buscar outra carga? — Vão, e não vamos deixá-los esperando. Que tal darmos uma olhada na locomotiva? O vagão de passageiros já está superlotado. Os lenhadores que haviam viajado com eles se comprimiam num vagão aberto. Nina foi com Gavin até a locomotiva e gritou para o homem troncudo, de cabelos brancos, que estava à janela: — Bom dia! Podemos viajar com o senhor? Enquanto o maquinista a fitava, surpreso, Gavin adiantou-se. Dando o nome de Wallace, explicou que ele e a irmã pretendiam tirar fotos dos homens do Acampamento Três. O maquinista balançou a cabeça. — Vão precisar de sorte. Dandy Robertson não é homem de permitir distrações em seu acampamento. — Com os olhos brilhando, virou-se para Nina. — Me desculpe, moça, mas a senhora é uma distração e tanto! — Eu sou uma fotógrafa, isso sim! . — Não vamos perder tempo com isso, maninha. Guarde seus argumentos para o chefe do acampamento. — Ergueu os olhos para o maquinista. — Podemos ir com o senhor? O vagão de passageiros está muito cheio para uma dama. O sorriso do homem alargou-se. — Claro que podem. Levar uma moça como essa vai me dar assunto para muita conversa. Meu nome é Dutch. O foguista aqui é Jake. Suba dona. Vai ser um prazer levar a senhora. Nina olhou para trás e viu Michigan Mike ajudando Perry a embarcar a bagagem no vagão aberto. E não conteve uma exclamação de susto, ao sentir as mãos de Gavin em sua cintura. Com facilidade, ele a colocou na locomotiva e subiu atrás.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica A aventura estava se tornando realidade. Estava a caminho de um acampamento de madeireiro. Dali em diante, tudo era totalmente novo. E seu futuro estava nas mãos de Gavin McKenna. Se isso seria motivo de alegria ou de tristeza, só o tempo poderia dizer. Vapor elevou-se no ar, quando o maquinista ajustou a máquina. A locomotiva avançou, puxando os vagões. Os trilhos escuros estendiam-se diante deles, subindo em direção às montanhas. Pinheiros erguiam-se em meio a outras árvores e, aqui e ali, pipocavam touceiras de flores. Nina prendeu a respiração, quando o trem saiu de uma curva e entrou num pontilhão de madeira. Sessenta metros abaixo, um rio corria por entre pedras. O pontilhão começou a tremer debaixo deles e ela se encostou na caixa de carvão. Nunca se sentira à vontade em lugares altos. Mais adiante, uma rede de toras e vigas de madeira estendia-se de um canyon a outro, parecendo um teia frágil demais para aguentar o peso de um trem. A estrada serpenteava, ora à vista, ora escondendo-se em meio à vegetação. Gavin inclinou-se, o hálito tocando-lhe o rosto, enquanto apontava um veadinho em meio às árvores; Nina tentou dar-lhe atenção, mas o pontilhão, mais adiante, dominava seus pensamentos. Com certeza não haveria perigo, sendo o pontilhão sólido e seguro. Ainda encostada à caixa de carvão, perguntou: — É muito longe, o acampamento? — Uns dez quilómetros, dona — respondeu o maquinista. — Quase tudo de subida, por isso é melhor se segurar. Mas não precisa ter medo, que estava belezinha aqui não é de saltar dos trilhos com muita frequência. — Ah, que bom... O pontilhão apareceu de novo, quando a Shay fez uma curva. — Bela ponte vocês têm, lá em cima — Gavin comentou, enveredando numa conversa sobre construção com o maquinista. Para Nina, o pontilhão parecia cada vez mais alto e menos sólido. Sua garganta estava seca. Por um lado, ela detestava a idéia de chegar lá; por outro, queria já ter chegado e estar do outro lado, sã e salva. Percebendo o olhar do maquinista, sorriu com o máximo de entusiasmo possível. A expressão dele abrandou. — Não deixem o Dandy Robertson botar vocês para fora de lá. A semana passada, levei um vagão fechado para o acampamento. Dandy quer fazer dele uma dispensa, mas acho que dá para vocês arrumarem seu equipamento do outro lado.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina ficou grata pela sugestão, mas pretendia fotografar os lenhadores em meio à floresta. As fotos impressionariam mais e forneceriam a evidência de que precisava. — Mas seja lá o que for que Dandy disser — Dutch continuou —, é um prazer levar uma moça bonita como a senhora. Não é mesmo, Jake? A ansiedade de Nina aumentou, quando se aproximaram de outra ponte, mais alta que a primeira. As vigas pareciam um amontoado de palitos de dente, incapazes de agüentar o peso da locomotiva. A madeira rangia debaixo deles e havia espaço aberto de ambos os lados. — É só um instante — Gavin consolou-a. — Logo estaremos do outro lado. Ela queria enterrar o rosto no peito dele, mas estava paralisada pela idéia de que, se tirasse os olhos dos trilhos, a locomotiva mergulharia no espaço. Logo, as rodas atingiram chão sólido, fazendo outra curva. Esforçando-se para manter um tom de voz normal, Nina quis saber: — Há muitas pontes como esta? — Só mais uma, dona. — O maquinista fitou Gavin, perguntando-se como ele tivera a idéia de trazer uma mulher de nervos tão delicados para um acampamento madeireiro. Gavin estava pensando a mesma coisa, quando Nina endireitou o corpo, dizendo: — A vertigem me pegou de surpresa. Da próxima vez, não vai ser assim. —. Belas palavras, amor — Gavin aplaudiu. Em parte para desviar a atenção dos outros, em parte para não pensar no outro pontilhão, ela perguntou a Dutch: — Há muitos acidentes no acampamento McKenna? — O mesmo que nos outros, dona. Afinal, a regra nesses lugares é botar as árvores no chão. testa.

— Um trabalho bastante perigoso — comentou Gavin. O maquinista franziu a

— E que se torna mais perigoso ainda, pelo fato de sempre haver uma equipe nova chegando. — Como assim? — Gavin quis saber. — O senhor acha que os donos são negligentes? — Costumam dizer, lá em cima, que não importa o lenhador morrer, desde que o equipamento não se quebre. — Mas isso é um aviso para os homens não se arriscarem desnecessariamente!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Pode ser... — O maquinista fez uma pausa, que usou para aumentar a velocidade da máquina. — Só sei que ando transportando muitos "caçadores" feridos ou às portas da morte. — O que é um caçador? — quis saber Nina. Gavin tinha os lábios apertados, a expressão fechada. Sua resposta foi mais ríspida que de costume — É um "macaco" de cabo. — Obrigada. Entendi tudo! O sarcasmo teve o efeito de amainar a zanga dele. — Você vai entender, quando chegar lá. Afinal, você tem jeito para fazer os homens falarem o que sabem. Ele a estava censurando por forçá-lo a revelar o próprio conhecimento, diante do pessoal do trem? — Já se esqueceu de tudo que lhe contei, sobre o verão que passei na mata? Ah, maninha, estou vendo que sua cabecinha combina mais com os brincos e perfumes! Nina deu-lhe as costas, irritada, e Gavin riu. — Mas já que você quer saber, vou lhe explicar. Os cabos são feitos de aço e servem para puxar as toras do chão para a plataforma onde é feito o carregamento. O "caçador" é o sujeito que solta os cabos das toras. — E por que isso é tão perigoso? O maquinista respondeu. — Por quê? Porque os cabos podem arrebentar e fazer um estrago dos diabos. Ou as toras podem rolar. E por cima dos homens. Nina estremeceu. Nesse momento, a locomotiva fez outra curva e avançou para o pontilhão que ela tanto temia. De perto, tudo parecia mais frágil ainda, como um brinquedo de criança. Cenas vívidas encheram sua mente, fazendo-a lembrar-se das histórias contadas pelo pai, de trens saltando para fora dos trilhos e pontilhões ruindo como um castelo de cartas. A mão de Gavin pousou em sua cintura, procurando transmitir conforto, mas ela mal percebeu. De cada lado, abria-se o abismo. Lá embaixo, o rio espumava entre as pedras. A qualquer momento a máquina podia despencar no canyon, levando os vagões. Nina sentiu um frio na boca do estômago. Uma eternidade depois, o trem chegou ao outro lado. Com os olhos enigmáticos, Gavin examinou-lhe o rosto.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Esta foi a última? — Foi, amor. Estamos perto do acampamento. — A ternura expressa no tom de voz emocionou-a, e ela teve de se esforçar para lembrar que McKenna não era nem nunca poderia ser seu amigo. Os canyons cobertos de vegetação cederam lugar a áreas desmatadas, que impressionaram Nina pela sua feiúra. Aquilo podia estar ajudando o país a crescer e construindo milhares de casas, mas era uma pena que tivesse que acontecer. — As árvores vão crescer de novo — Gavin comentou, adivinhando-lhe os pensamentos. E num tom mais íntimo: — Nossos netos poderão desmatar estas montanhas de novo. — Não os meus. Nenhum dos meus filhos ou netos vai trabalhar nisso, muito menos num acampamento McKenna. Nina sentiu o rosto em chamas. Como se ela pudesse ser, um dia, avó... e por extensão, mãe dos filhos dele! — Olhe lá — Gavin exclamou, virando-a para a janela. Mas não foi a paisagem que chamou sua atenção. Por um instante, ela fechou os olhos, concentrada apenas no toque das mãos dele em seus ombros. Que loucura. O último pontilhão devia ter alterado sua sanidade. Fazendo um esforço para se controlar, fitou as construções esparramadas pelo sopé da montanha. A estrada de ferro continuava, passando por um amontoado de toras, que devia cobrir uns quatrocentos quilômetros, perdendo-se na distância. Esta parte aqui já está quase desmatada — Dutch comentou. — Logo, logo, vamos passar por um trecho interessante. — Onde os homens estão cortando, agora? — Gavin quis saber. O maquinista indicou um ponto além do acampamento. — Ali, mais ao norte. Uma parte da equipe já está abrindo caminho para o outro canyon. Mais algumas semanas, e vamos estar puxando toras de lá. — Cheio de orgulho, ele informou: — Várias toras foram destinadas à exposição. Se vocês conseguirem ficar, vão ter a oportunidade de vê-las. Nina sentiu a tensão tomar conta de McKenna. Aquelas eram as toras que ele viera proteger. — Os jornais estão sempre falando na exposição. O senhor acha que vai ser possível levar as toras até lá, sem que elas sejam danificadas? Mal acabou de falar, ela se arrependeu. Dutch tinha a testa franzida e seu sorriso morreu. — Elas podem ser danificadas na hora do corte ou do carregamento, mas não no meu trem. Qualquer homem que diga isso vai ter de se haver comigo. — Diminuiu a velocidade da máquina, começando a frear. — O chefe do acampamento mora naquela

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica cabana à direita. Ele deve estar por aí. Pode ser que deixe vocês ficarem, mas duvido muito. Acho mais certo que vocês desçam comigo, quando eu voltar. E cruzar de novo aqueles pontilhões? Nina apertou os punhos. De boa ou má vontade, o chefe do acampamento teria de permitir que eles ficassem.

CAPÍTULO VI No momento em que Gavin ajudou-a a descer do trem, Nina sentiu o cheiro pungente de serragem. A chuva havia intensificado o cheiro, misturando-o com o aroma dos pinheiros e da terra recém-cavada. Depois de uma vida na cidade, aquele era o mais exótico dos perfumes. Havia também sons, mas muito diferentes dos da cidade, e ela fechou os olhos, saboreando o meio-ambiente. Quando os reabriu, deu com Gavin à fitá-la. — Outro ataque de vertigem? Ela não tentou disfarçar o estado de encantamento. — Eu não esperava... Não sei o que eu esperava. Isso aqui é lindo! Gavin riu, contente. tanto!

— Eu esperava que você ficasse contente em colocar os pés no chão, mas não Ela riu também, colocando a mão no braço dele. — Vamos, maninho. Vamos procurar esse tal de Robertson.

Quando rodeavam a locomotiva, um apito agudo ecoou, vindo do canyon. Ainda assustada, Nina deu um salto, agarrando-se a Gavin. — O que é isso?! Tranqüilizador, ele segurou os dedos femininos. — É a máquina que chamamos de "burro". Os lenhadores, no meio da vegetação, não enxergam nada. O apito serve para avisar que um gancho, preso a um cabo de aço, vai ser lançado. O apito podia ser um som comum para os lenhadores, mas Nina não conteve um arrepio. O perigo estava sempre presente, naquele local. Respirando fundo, ela se virou para examinar a fileira de dormitórios. O edifício maior, junto aos trilhos, devia ser o restaurante, a julgar pela fumaça saindo da chaminé.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Ainda bem que existem calçadas — murmurou, vendo o passeio de madeira que ligava o restaurante aos dormitórios. — É verdade. As botas ferradas revolvem a terra e, com a chuva, tudo vira um lamaçal. Mas você não pretende se afastar daqui, não é mesmo? '— Claro que pretendo... — Nina começou, mas foi interrompida pelas vozes altas, junto ao trem. A maior parte dos lenhadores já havia se dispersado, mas o rapaz chamado Whip estava perto da locomotiva, ouvindo o sermão de um homem baixo, mais velho do que ele. dois!

— Você pode ser grande como um urso, Whip, mas também é preguiçoso como — Esse deve ser o Robertson — Gavin murmurou. .

O apelido "Dandy" provavelmente viera do colete amarelo e dos suspensórios vermelhos que o chefe do acampamento costumava usar, mas Nina achou que também se relacionava à postura do homem. Ele era arrogante e mantinha os braços de um jeito típico de quem gosta de usar os punhos. Era baixo, mas possuía a agilidade necessária para sobreviver na mata. Whip, por sua vez, tinha um ar cauteloso. Apesar de ser jovem e queimado de sol, no momento exibia uma palidez doentia, provavelmente causada pelos excessos que cometera na cidade. Num dado momento, cambaleou e teve de se apoiar no trem, para não cair. Mas não encontrou simpatia da parte do chefe. Em meio a uma explosão de palavrões, Robertson exigiu que ele lhe dissesse por que se atrasara um dia na volta. Afinal, mandou: — É melhor arrastar essa sua carcaça para a nova área. Quero o topo daquela árvore serrado e derrubado. E quero isso no prazo de uma hora! Chocada, Nina exclamou: — O senhor não pode querer que ele suba numa árvore, do jeito que está! Gavin murmurou qualquer coisa, ao mesmo tempo que o chefe se virava, perguntando: — Quem é você? — Sem lhe dar tempo para responder, voltou-se novamente para Whip. — Ainda está aqui? Faça o que mandei ou pode dar o fora do meu acampamento! — Mas ele está doente! — Nina insistiu. — Ele está é de ressaca — o chefe corrigiu, pondo-se a dar sua opinião sobre os fracotes incapazes de agüentar em pé o que bebiam. Quando terminou, olhou para

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina de cara fechada. — Quem é você? E o sujeitinho do seu lado? O que estão fazendo no meu acampamento? Michigan Mike apareceu junto dele, carregando o equipamento de Nina. Perry vinha atrás, os olhos cheios de preocupação. Deviam ter ouvido tudo, é claro! — Eles são fotógrafos, chefe — Mike disse. — Vieram tirar nossos retratos. Robertson ficou vermelho, e Nina preparou-se para mais uma enxurrada de palavrões. Foi quando Gavin adiantou-se tirando um papel do bolso. — Meu nome é Wallace, senhor. Tenho uma carta aqui, assinada por um G. McKenna, dando permissão para eu e minha irmã visitarmos seu acampamento e registrarmos os feitos heróicos de seus homens. E claro que só faremos isso fora do horário de trabalho deles. Robertson não se impressionou. Agarrando o papel das mãos de Gavin, picou-o em pedaços e jogou tudo no chão. — Na carta, McKenna pedia a sua cooperação — Gavin comentou, num tom amigável. — Como é que o McKenna quer que eu faça o meu trabalho? Isto aqui não é uma sala de visitas! Não posso ficar pajeando gente sem juízo até para olhar por onde anda! Nina prendeu a respiração. Por quanto tempo McKenna manteria sua identidade secreta, suportando insultos de um empregado? Mike colocou o equipamento fotográfico junto aos trilhos. — Sr. Robertson, eu bem que gostaria de mandar um retrato meu para o Michigan, para a minha Nelly não se esquecer de mim. — Se há uma coisa de que não precisamos neste acampamento é distração. Nada de câmeras por aqui. Nem mulheres. — A moça podia se acomodar no restaurante — Whip interferiu, arriscando-se a outro sermão. — E no dormitório oito tem dois leitos vagos, para o irmão dela e o menino. Com um olhar assassino para o rapaz, Robertson rugiu: — Não quero saber de câmera nem de mulher aqui! Este é o meu acampamento. Eu decido quem fica e quem não fica. E este bando não fica. — Virou-se para Nina. — Volte imediatamente para o trem, moça! Mike adiantou-se. — Isso não é jeito de tratar uma dama, chefe. — Quem lhe disse que ela é uma dama?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica A tensão instalou-se no ambiente. Até as árvores pareciam estar prendendo a respiração. Apesar do aviso do maquinista, Nina não esperava uma resistência tão grande. Seria possível vencê-la? Ou Gavin teria que se identificar, antes disso? Os berros do chefe haviam atraído os poucos lenhadores que ainda estavam no acampamento. Até um dos cozinheiros apareceu, com uma enorme colher de metal na mão. — Sr. Robertson — disse Nina —, o senhor parece ser um homem razoável. Meu... irmão e eu ficaremos felizes em seguir todas as instruções que nos der. Depressa, Gavin continuou: — O senhor está fazendo história, aqui. Cada machadada cada movimento das serras aumenta a grandeza do nosso país. Trabalhos como o seu transforma simples aglomerados de tendas e barracos em grandes cidades. Vocês são grandes heróis e devem ser retratados para receber a admiração das gerações futuras. O burro distante apitou mais uma vez, enquanto Robertson apertava os lábios. Estaria ele pensando em impressionar possíveis netos não apenas com histórias, mas também com fotografias? Não, provavelmente pensava em impressionar mulheres da vida. — Podemos fotografar o senhor diante de um tronco caído — falou Nina, surpresa com o prazer que sentia por estar lutando ao lado de Gavin. — Com um machado nas mãos. — Isso mesmo —Gavin aprovou. — Será um prazer retratar um grande madeireiro como o senhor. Sem cobrar nada, claro. Mexer com a vaidade do homem provou ser um argumento bastante persuasivo. Mesmo assim, ainda de cara fechada, Robertson virou-se para os homens. — Estão pensando o quê, que é dia de piquenique? Já para o trabalho, todos vocês! — Só então, dirigiu-se a Gavin: — Se alguma coisa acontecer a vocês, vão reclamar com o McKenna. Só vou deixar que fiquem porque essas belezinhas que tenho aqui querem tirar umas fotos. Mas não dêem um passo sem a minha permissão. Entendido? Gavin e Nina assentiram. Os passos a serem dados poderiam ser discutidos depois. Afinal, Robertson não teria condições de vigiá-los o tempo todo. O apito da máquina soou novamente. Ninguém ligou, mas Nina arrepiou-se da cabeça aos pés. — O cozinheiro vai lhes dizer onde ficar. E onde comer. — Robertson virou-se para Whip. — Já estou indo, chefe. Vou subir naquela árvore tão depressa, que o senhor vai pensar que foi um relâmpago que subiu por ela.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Ou desceu, Nina pensou, duvidando que um homem tão doente tivesse condições de realizar qualquer trabalho. — Eu vou ajudar eles aqui, com o equipamento — declarou Mike. — Eles trouxeram até aqui, podem muito bem... O chefe se interrompeu,, tenso. O apito agudo tornou a soar, uma.:, duas... três vezes. E outras. — Sete — Nina contou. — O que é isso, Gavin? — Um acidente. Vão parar o trabalho, enquanto trazem o ferido para cá. O chefe e os outros homens já corriam em direção ao canyon. Perry começou a rezar baixinho. Nina fitou Gavin, imaginando que sua preocupação devia-se às horas de trabalho que seriam perdidas. Mas logo constatou seu engano. — Pobre coitado — Gavin murmurou, passando o braço pelos ombros dela. — Sinto muito que a sua chegada tenha coincidido com uma coisa dessas. Nina tremia, mas manteve a voz controlada. — É exatamente por isso que estou aqui. O olhar dele mudou, mas limitou-se a dizer: — Você está nervosa, e não é de admirar. Lembrando-se de que era Gavin McKenna, o barão da madeira, que tinha o braço em seus ombros, ela deu um passo para o lado, tentando se afastar. Aquele acampamento era apenas um dos muitos que contribuíam para a riqueza daquele homem. Riqueza que custava a vida de muitos homens. Gavin deve ter sentido a mudança em Nina, pois virou-se para Perry, dizendo: — Venha, Perry. Vamos levar estas coisas para o restaurante. Tomara que eles tenham um lugar para elas. — Não seria melhor nós esperarmos para ver o que aconteceu? — O melhor é ficarmos fora do caminho. — Gavin inclinou-se para pegar a câmera e o tripé. — Não esperem uma recepção calorosa. Os cozinheiros provavelmente são tão antipáticos quanto o chefe. Com um sorriso sem graça, Nina aproximou-se do homenzarrão parado à porta do restaurante, com uma expressão tão feia quanto seu avental manchado de gordura. Gavin cumprimentou-o animadamente. — Meu nome é Wallace. O sr. Robertson nos pediu que o procurássemos para saber onde devemos comer e dormir, enquanto estivermos aqui. — Não ouvi ele dizer isso, não.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica O corpanzil bloqueando o caminho de Nina trouxe-lhe de volta imagens do salão do Erickson. — Nós somos fotógrafos impressionasse o sujeito.



explicou,

duvidando

que

a

informação

Gavin. deu um passo a frente, parecendo prestes a perder a paciência. — Não vamos começar tudo de novo. O próprio McKenna nos deu permissão para vir até aqui. E o seu chefe também já deu a dele. Portanto, faça o favor de sair da porta. O cozinheiro limpou a colher no avental, fitou-os com ar carrancudo e voltou para dentro do restaurante. Respirando fundo, Nina seguiu-o, acompanhada por Perry e Gavin. Uma mulher veio ao encontro deles. Tão gorda quanto o cozinheiro, mas um pouco mais amigável. — Meu velho me disse que vocês vão ficar. — A senhora é... a esposa do cozinheiro? — E cozinheira assistente — ela retrucou, com uma pontinha de orgulho. — Os homens vão ficar no dormitório oito. A senhorita vai ter de ficar aqui. — É muita bondade sua nos ajudar, madame — Gavin interferiu. — Se me mostrar onde fica o alojamento da minha irmã, vou levar estas coisas para lá. Parecendo uma escuna com as velas enfunadas, a mulher enveredou por entre as mesas compridas, cobertas por linóleo. Dois ajudantes colocavam os pratos para a refeição noturna. — A senhora organiza bem as mesas — Gavin elogiou. Á resposta da mulher foi um grunhido que fez Nina temer os dias que viriam. Temor que aumentou quando ela abriu a porta de um cubículo sem janelas, abarrotado de suprimentos. — Não tenho mais colchões — ela disse, olhando para Nina como se esperasse vê-la sair correndo dali para o trem. — Vocês vão ter de arranjar penas de pinheiros. Sem entender, Nina fitou Gavin. — Isso não é problema — ele assegurou, colocando a câmera num dos poucos lugares disponíveis. Disfarçando seu horror pelo cubículo, Nina aceitou a vela e o pires que a cozinheira lhe estendia.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Nós levantamos às três e meia da manhã. O café é servido antes do dia amanhecer. Os homens trabalham do nascer ao pôr-do-sol. Têm de estar alimentados e na mata, antes de clarear. — Do nascer ao pôr-do-sol — Nina repetiu, com uma olhadela para Gavin. — Um longo dia de trabalho, principalmente no verão. — Mas é preciso, por causa do perigo de fogo — a mulher explicou. E colocando as mãos na cintura: — Dandy deve estar ficando louco para permitir gente da cidade como vocês no acampamento! — Madame — Perry entrou na conversa —, o sr. Robertson disse que a senhora nos mostraria onde sentar, para comer. E o cheiro que vem da sua cozinha é de fazer Esaú desistir do seu direito de primogenitura! Para surpresa de todos, a" mulher sorriu. — Nenhum homem ou garoto sai das minhas mesas com fome. Venha comigo, menino. Você está bem magrinho, mesmo. Nina suspirou, vendo os dois saírem. Pelo menos, Perry merecera uma recepção mais calorosa. Gavin olhou ao redor. — O lugar é pequeno, mas aconchegante. Só não sei se você vai conseguir se esquentar. — Nina notou a malícia nos olhos dele e abriu: a valise, num impulso, tirando um minhocão de lã cinzenta. — Claro que vou, maninho querido. Como vê, este minhocão é ótimo, macio por dentro e — virou-o do outro lado — com uma abertura bem conveniente na parte de trás. Talvez tivesse ido longe demais, mas foi uma delícia ver o barão da madeira corar. Sem dúvida, ele estava imaginando como ela ficaria na roupa. Foi a vez de Nina corar. Mas valia a pena, só para ver Gavin McKenna embaraçado. Do lado de fora, veio o murmúrio de vozes. Logo, a porta do restaurante se abriu e vários lenhadores entraram, carregando uma maca. Robertson passou à frente, tirando pratos do lugar e indicando aos homens onde colocar sua carga. — É um dos "caçadores" — alguém disse. — Um cabo arrebentou e as toras se soltaram. O estômago de Nina revirou. Outro ferido no acampamento McKenna. E só depois de uma longa viagem de trem receberia ajuda médica. McKenna separou-se do grupo de homens e voltou para junto dela. Mas estacou ao ver-lhe a expressão acusadora, perguntando num tom de voz tenso:

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Você está bem, Nina? — Estou. Só quero saber se o ferido também está. Uma expressão de dor escureceu o rosto de Gavin, fazendo-a cogitar a hipótese de tê-lo julgado mal. Mas foi só por um segundo. — O garoto ficou com o quadril imprensado entre duas toras. Acho que a coisa é séria. — McKenna fitou-a por um instante, antes de prosseguir: — Talvez fosse bom você falar com ele. Ele vai descer na Shay, mas daqui até lá, algumas palavras de conforto não vão lhe fazer mal. — Eu?! — Então era por isso que McKenna a tinha fitado daquele modo, como se estivesse avaliando sua coragem. — Claro. O que posso fazer para ajudar? — Vá lá e converse com ele. O coitado está chamando pela mãe. Nina fechou os olhos, respirando fundo. O momento não era para medo ou egoísmo. Pensando nisso, avançou até o grupo de homens, que abriu espaço para permitir sua passagem. Enrolado num cobertor, o ferido gemia baixinho, de olhos fechados. Era pouco mais velho que Perry e ainda não tinha barba. Chocada, Nina virou-se para McKenna. — Ele é uma criança! A dor nos olhos de McKenna não podia ser disfarçada pela expressão dura. Ela se sentiu mal. Teria, subconscientemente, desejado que um fato daqueles ocorresse, para mostrar o quanto o acampamento era perigoso? Lutando contra as lágrimas, aproximou-se mais do garoto. dona.

— O nome dele é Charlie — alguém revelou. — É um garoto muito trabalhador,

Nina arrancou as luvas e pegou numa das mãos do menino. Não era muito maior que as suas e estava suja de terra e musgo. — Tente ser corajoso, Charlie. Logo, logo, você receberá socorro — murmurou, rezando para que isso fosse verdade. Ao som de sua voz, o garoto abriu os olhos, parando de rolar a cabeça de um lado para outro. Nina sentiu a mão de Gavin em seu ombro e foi invadida por uma onda de gratidão, pelo apoio. Da porta, Robertson gritou: — Já viraram a máquina? — A resposta deve ter sido afirmativa, pois ele se voltou para Nina: — Seria bom se pudesse ir com ele até lá, moça. — Claro. — Com a mão livre, ela acariciou a testa úmida de suor do garoto.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Os homens levantaram a maca. Soluçando de dor, Charlie apertou a mão de Nina com mais força. — Calma — ela recomendou, para ele e para os homens. Quando eles desciam a escada para a calçada, a mulher do cozinheiro apareceu, ofegante. — Cuidado, gente! Não vão tropeçar. — A dureza havia desaparecido do rosto da mulher. — Não se preocupe, Charlie, que você vai voltar. Vou guardar o seu lugar na mesa. Os lábios do menino tremeram. Nina tinha os olhos tão embaçados de lágrimas, que ficou com medo de cair. Só quando o trem descia a montanha é que teve coragem de se deixar dominar pela emoção. Escondida atrás de um vagão vazio, começou a socar as paredes de madeira, exclamando: — Não! Não... não... não! De repente, braços fortes a envolveram e Gavin disse baixinho: — É melhor você chorar bastante e desabafar, amor. Ela faria exatamente isso, se ele não tivesse sugerido. Com enorme esforço controlou-se, virando-se para fitá-lo. — A culpa de você estar assim é minha, amor. Eu não deveria ter trazido uma criaturinha tão sensível para este inferno. Com as mãos apoiadas no peito dele, Nina tentou protestar. Não conseguiu. — A Shay logo vai estar de volta. Eles ainda têm de levar um carregamento de toras, e você vai junto. Não é bom que vá sozinha, mas é melhor que ficar aqui. Ela desviou as mãos para o lado, fechando os braços em volta da cintura dele. Sua consciência protestou. Que fraqueza era aquela? — Ele é só um menino! A voz de Gavin expressava imensa tristeza. Nina encostou o rosto no peito dele, procurando forças. Talvez ele estivesse certo e fosse mesmo melhor ir embora dali. Acariciando-a na nuca, Gavin tinha plena consciência de sua vulnerabilidade. Não deveria tê-la trazido para o acampamento. Mas como poderia adivinhar que presenciariam um acidente, e logo no primeiro dia? Há pouco tempo Ellery tinha morrido numa situação semelhante. Que não se devera a um acidente, na opinião de Whip. Mas não podia revelar a Nina a desconfiança que tinha de Robertson. — É uma pena que o garoto seja tão novo — disse, procurando desfazer a impressão de que era um bruto insensível, capaz, de colocar um rapazote numa tarefa tão difícil quanto a de "caçador". — Robertson vai ter de responder por isso. Eu não quero que empreguem garotos. Eles assumem mais riscos que homens amadurecidos.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina jogou o corpo para trás, gelada, lembrando-se de tudo: a morte de Johnny... Papai numa cadeira de rodas... o rapazinho descendo a serra... e McKenna negando qualquer responsabilidade. Não, não iria embora na Shay. Não era tão fraca assim. Firmando a voz, desconversou, usando para isso o comentário da cozinheira sobre falta de colchões. — Vou precisar de um machado ou de uma faca? O barão da madeira estreitou os olhos. — Para quê? — Para as penas de pinheiro, seja lá o que isso for. Preciso delas para fazer a minha cama. McKenna empurrou o chapéu para trás. — Você pretende ficar, então. Não posso dizer que estou surpreso. Sua ida ao salão do Erickson mostrou que é uma mulher de coragem. — Eu vou ficar — Nina afirmou. — E vou agüentar tudo que tiver de ver e ouvir, pelo tempo que for para obrigar a Madeireira McKenna a pagar pelo que faz!

CAPÍTULO VII Gavin viu a expressão de Nina mudar. Estava pronta para lutar pelo que queria. Era bom ver isso, mas, no momento, o melhor era se apressar em oferecer-lhe ajuda para cortar os ramos de pinheiro. Caso contrário, outros se ofereceriam, inclusive Whip. — Um machado dá. Mas os seus sapatos, não. Só com as caminhadas por aqui, eles já estão bem judiados. Uma onda de ternura invadiu-o, ao pensar nos pés femininos dentro dos sapatos umedecidos pela lama. Queria carregá-la para um lugar seco, tirar-lhe os sapatos e aquecer-lhe os pés com as próprias mãos. Mas bem podia imaginar a indignação que causaria se fizesse isso. — Um machado — Nina repetiu. — Vou pedir ao sr. Robertson para me emprestar um. — O quê?! Não creio que ele seja tão louco a ponto de pôr um machado nas mãos de uma mulher!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Quem você acha que cortava lenha, lá em casa? Uma cena desenhou-se na mente de Gavin e ele a imaginou cortando toras compridas em pedaços menores, inclinando o corpo e tencionando os músculos delicados. Machados eram pesados. E afiados. Podiam escorregar das mãos dela. — Mas que droga, mulher! Você não podia contratar um homem? Devagar, Nina esboçou um sorriso. — Ótima idéia! Acho que Mike vai ficar contente com a oportunidade de trabalhar para me pagar o que deve. — Não vou deixar que amole Mike! — Não? E com que direito? Avançando, Gavin ergueu-a nos braços. Ela era mais leve do que esperava, mas estava tensa como uma serra. — Me ponha no chão. Agora! — Na lama? — Agora! Ela ainda estava em débito com ele, por tê-lo derrubado, no Erickson, e a idéia de retribuir dominou-o. Mas foi só por um instante, pois era uma ação indigna de um McKenna. — Como minha irmã, você vai fazer o que eu mandar — declarou, levando-a até a calçada. — Vou coisa nenhuma! — Vai, sim. A menos que queira dormir na madeira nua. Nina olhou ao redor. Os lenhadores tinham voltado para o trabalho, e o local estava deserto. — Enquanto você pensa nisso, vou ver se encontro um machado. Nina seguiu-o com os olhos, fumegando de raiva. Seu corpo reagira à proximidade dele, de tal modo que ainda estava com as.pernas bambas. O fascínio de McKenna equivalia à sua arrogância, e ela se colocara nas mãos daquele homem. Quanto a seus sapatos... Inclinou-se para olhá-los. Arruinados. E pagara uma fortuna por eles! Ainda bem que trouxera suas roupas de ciclismo. As botinas, mais resistentes, teriam de agüentar, enquanto estivesse por ali. Erguendo a cabeça, inalou o odor de serragem recém-cortada. Tudo ali cheirava a isso. Mas a não ser pelos apitos do burro a vapor, não havia sinal de derrubada de madeira. Provavelmente por que os homens estavam trabalhando num canyon meio distante, como dissera Dutch.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Um par de gaios começou a cantar, e Nina ergueu os olhos para as montanhas verdes. Havia milhares de árvores, tantas que pareciam cobrir o Estado inteiro. Nem com todos os aparelhos modernos seria possível acabar com elas. O barulho de passos fez com que se virasse a tempo de ver McKenna chegar. Tirara o casaco e a gravata, e trazia um machado ao ombro. O homem da cidade desaparecera, mas seu lugar não fora preenchido por um rude lenhador. Mais atrás vinha Perry, dizendo com orgulho: — Vamos fazer colchões para todos nós, senhorita. E eu vou ajudar a trazer os galhos. — Que bom! — exclamou, aliviada por não ter de entrar na mata só com McKenna. E prosseguiu, depressa, quando viu que ele havia notado sua reação: — Como é, Perry? A comida daqui é tão boa quanto a do Erickson? — Espere só para ver, senhorita! E o melhor é que não tem o cheiro do pecado. A dona Apple disse que neste acampamento não entra uma gota de álcool! — Dona Apple? — O nome dela é Apollonia, mas o apelido é Apple. — E o marido dela? — É o Buck, Os dois ajudantes são Slats e Red. Aparentemente, os cozinheiros não eram tão antipáticos quanto sugeriram na primeira impressão. Pelo modo de Perry falar, o pessoal da cozinha parecia uma alegre família. Nina olhou em volta de si, com o ânimo renovado. O dia já estava mais quente e as nuvens deixavam passar os raios de sol, que douravam a floresta. Até as construções surradas pelo tempo haviam adquirido uma certa beleza. Do local onde a estrada de ferro cruzava uma ponte baixa, Gavin indicou um ponto mais acima. — Buck tem um cano de água que vem do riacho, lá em cima, até a cozinha. — Com uma tela cobrindo a entrada de água.— Perry acrescentou. — Para insetos e gravetos não entrarem. Nina não achou a notícia tranqüilizadora. Mas viera para o acampamento com um objetivo e não desistiria por causa de alguns insetos na sopa. — Lá estão nossos colchões. — Gavin apontou para um pinheiro ainda novo, com galhos baixos. — É lindo! — exclamou Nina. — E tem mil utilidades. — Gavin lançou um olhar para os sapatos dela. — Espere aqui, que Perry e eu vamos buscar os galhos.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica De novo ele estava agindo como se ela fosse mais criança que Perry. Só não protestou por causa do garoto. Detestaria destruir seu entusiasmo. — Ah, senhorita! Vou pegar tantos galhos, que dormir vai ficar com gosto de pecado. Num impulso, Nina abraçou-o. — Duvido que consiga pensar em pecado, quando estiver rodeado pelo cheiro da natureza. Atrás dela, Gavin concordou, não deixando dúvidas quanto ao significado de suas palavras: — Não é o pecado que domina meus pensamentos, embora homens como o seu pai possam achar que seja. Nina encarou-o. — Pecado, sr. McKenna, é fazer homens assumirem riscos desnecessários, trabalhando de sol a sol para lhe dar condições de gastar tempo pensando! — Você gosta de se repetir, hein? — Meneando a cabeça, ele ajeitou o machado no ombro e entrou na floresta, seguido por Perry. Nina recuou alguns passos, abaixando-se abruptamente para evitar uma aranha enorme, presa a uma teia que ia de um galho até a terra. Daí em diante, prosseguiu com mais cautela. Pouco depois, um movimento chamou sua atenção. Eram formigas, entrando e saindo apressadas de um tronco oco. Alguns centímetros além, um besouro acenava com suas antenas. Um mosquito rodeou-a. Ela o afastou com tapas, provocando uma revoada de pernilongos de sob uma moita. Agitando os braços, ela começou a recuar, mas logo parou. Não tinha jurado que não seria desencorajada pelos insetos? Com passos decididos, ergueu um pouco a saia e enveredou pela floresta. Musgo e agulhas de pinheiro acolchoavam seus passos. Parou ao chegar junto de uma arvorezinha, olhando na direção de onde vinha o som do machado. Perry viu-a e acenou. Nina avançou mais um pouco, dizendo a si mesma que sua perturbação era causada pelo fato de estar num ambiente tão diferente do da cidade. Durante anos, encontrara prazer em seu trabalho. Agora, só tinha um vazio dentro de si. Nem conseguia mais visualizar o rosto do marido com clareza. Por culpa de McKenna! Ele possuía uma personalidade tão forte, que chegava a lhe bloquear o passado. Ele havia enrolado as mangas da camisa e trabalhava com a prática de quem está acostumado à tarefa. Antes, ela havia se perturbado com a visão do pescoço dele. Agora, com a visão dos braços nus. Braços que a tinham erguido e carregado, ainda que contra sua vontade.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica McKenna devia estar com trinta e poucos anos. Mas não era casado. Ou era? Seu coração se apertou, ante essa possibilidade. Mas não, casamento implicava responsabilidade, e ele evitava responsabilidades tanto na vida pessoal quanto nos negócios. Era um homem atraente, feito mais para se relacionar com mulheres como Trudy Witt do que para assumir compromissos sérios. Gavin trabalhava com descontração, deslizando a mão pelo machado como se o acariciasse. Não tinha o menor sinal de barriga e, a cada movimento, os músculos firmes de suas coxas enrijeciam. Ela o observava como que hipnotizada, os pensamentos num verdadeiro caos. Johnny fora um rapaz esbelto, mal saído da adolescência, completamente diferente de McKenna. De repente, a consciência de que estava comparando os dois atingiu-a. Como podia trair o marido, comparando-o logo com o barão da madeira? Nina freou a imaginação. Nesse instante, o pinheiro rangeu e começou, devagarzinho, a se inclinar. Gavin deu um passo para trás. — Madeira! — gritou Perry. Depois, sorriu para Nina. — Nunca pense que está sozinha na mata, senhorita. Segundo Whip, esse é o primeiro mandamento de um madeireiro. Sem resistir, ela trocou um sorriso com McKenna mais logo virou-se para olhar a árvore. Ela tombou... e tombou, até atingir o chão, agitando o ar em volta. Uma nuvem de serragem ergueu-se, brilhando aos raios do sol. Nenhum cheiro era tão delicioso ou tinha uma pureza tão grande a ponto de trazer lágrimas aos olhos de uma pessoa. Nina avançou até o toco que havia restado, pondo-se a acariciar a superfície recém-revelada. McKenna fitou-a por alguns instantes, depois foi para junto do pinheiro derrubado, voltando a manejar o machado. Logo em seguida, oferecia a ela um ramo decorado com os frutos castanhos da árvore, em forma de cone. — Não são rosas — disse —, mas não perdem delas em beleza. Nina aceitou o presente num silêncio que se estendeu entre eles. Sua meta não parecia mais tão urgente. Como seria bom poder demorar-se naquela floresta, observando a mudança da luz no musgo e nas agulhas dos pinheiros... — É — Gavin continuou, baixinho —, este ramo combina mais com você do que um buquê de rosas. Você não tem a natureza espinhosa das rosas, mas a energia dessas árvores. O elogio agradou-a mais que o presente, embora se sentisse meio sem jeito de aceitar os dois. O conflito deve ter transparecido em seu rosto, porque a voz dele se tornou mais seca. — Acho que não pode haver desafio maior para um homem do que tentar dominar as árvores.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Dominar! Nina soltou o galho como se a queimasse. Hesitante, Perry comentou: — Acho que a senhorita não gostou de ser comparada a uma árvore. O tom do garoto fez com que ela segurasse a língua. Se McKenna queria que se descontrolasse com aquele comentário, ia ter uma surpresa. Sua resposta seria um silêncio desdenhoso. O tempo se encarregaria de mostrar quem dominaria, entre eles. Gavin ergueu o machado. — É melhor nos mexermos, que o dia tem fim. Logo, Perry sorria por cima de uma braçada de galhos. Nina pôs-se a ajudá-lo, recolhendo os ramos e, uma hora depois, seus músculos já protestavam contra o trabalho a que não estavam acostumados. Seria bom dormir. Gavin parou para esfregar um dos punhos na testa suada. O gesto fez com que parecesse vulnerável, e Nina perguntou-se se seria capaz de dormir, sabendo que estavam tão próximos. De imediato censurou-se pelo pensamento. No caminho de volta, Perry transmitiu, feliz, todas as informações que conseguira com dona Apple. — Quando os pinheiros daqui acabarem, vamos para outro local. Por enquanto, os lenhadores levam sacolas de comida para onde estão trabalhando. E cada um escolhe o que quer, de uma mesa. Há sanduíches, queijo, bolinhos... E doces, também. Dona Apple disse que eu posso pegar o que quiser. — Os olhos do menino brilharam. — Ah, senhorita, tomara que eu nunca mais tenha de comer feijão na minha vida! O sol já ia alto e o estômago de Nina roncou. Tomara o café da manhã muitas horas atrás. Para seu alívio, Apollonia acenou para eles, da porta do restaurante. — Entrem e comam alguma coisa, antes que fiquem doentes e me encham de vergonha. Fatias grossas de pão, queijo e vários tipos de carne assada logo acabaram com a fome dos três. A tensão entre Nina e o barão da madeira diminuiu. Num repente de generosidade, ela se virou para a cozinheira: — O dono da madeireira deve ser generoso, para providenciar uma alimentação tão boa. — Homens não trabalham, se não forem alimentados. Gavin fitou a cozinheira, concordando. — Comida ruim acaba com uma madeireira mais depressa que um contador desonesto. — Até hoje, ninguém reclamou da nossa comida — a mulher retrucou envaidecida. — No dia em que alguém reclamar, eu e Buck desistimos da profissão.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina passou o resto da tarde arrumando os ramos mais macios debaixo de seus cobertores. Quando terminou, já estava escuro e acendeu uma vela para clarear o quarto. Mas quase a derrubou quando ouviu um tremendo barulho de metal contra metal. Assustada, chegou ao refeitório a tempo de ver Buck entrando, com dois pedaços de ferro nas mãos. Ele sorriu, ao vê-la. — Estou chamando os lenhadores para jantar, senhorita. As mesas estavam pesadas de comida. Um cheiro delicioso erguia-se, de carnes assadas e ensopadas. Tigelas de verduras e legumes cozidos rivalizavam com cestas de pães recém-saídos dos fornos. Diversos bolos, tortas e sonhos cobriam a última porção da mesa. Sem dúvida, Perry encontrara seu paraíso. Enquanto os lenhadores entravam aos borbotões, Apollonia disse a Nina: — É melhor você comer na cozinha. Os homens não têm tempo para delicadezas. É entrar, comer e sair. O chão rangia e tremia sob as botas de pregos, mas Nina hesitou. No entanto, logo viu que aquela não era uma ceia de igreja. Os homens agarravam rapidamente o que queriam, sentando-se para comer. O aroma da comida foi substituído pelo cheiro acre de suor, sujeira e roupas não lavadas. Os lenhadores usavam calças de lona, presas por suspensórios e esfregadas com graxa para se tornarem impermeáveis. As camisas de trabalho também tinham recebido o mesmo tratamento, mas a maioria as havia trocado por camisas de lã. Nina acabou aceitando o convite para comer na cozinha. Se tivesse de disputar a comida com os homens, na certa acabaria com fome. Gavin e Perry pareciam estar se saindo bem, e ela não conseguiu conter um sorriso, quando seu olhar se encontrou com o de Gavin. Era mais fácil continuar brava com ele quando não o fitava. Então não olhe para ele, pensou, entrando na cozinha e servindo-se de um prato de cozido. Minutos depois, a voz de Robertson inundou o ambiente. — Ouçam, rapazes! Nina foi até a porta. Para sua surpresa, todos os garfos haviam parado a caminho das muitas bocas, e o silêncio era total. Interrupções daquele tipo deviam ser raras. — Quando vocês acabarem de encher a barriga — Robertson prosseguiu —, vão ver que há uma dama em pé, ali atrás. É uma viúva decente e quero que a tratem de acordo. Nina corou, debaixo de sessenta pares de olhos. Em toda sua vida, nunca fora examinada tão abertamente. Suas roupas pareciam ter se tornado invisíveis e uma vontade enorme de correr para seu quartinho e trancar-se lá dentro a assaltou. Como reagiria Jessie Tarbox Beals numa situação daquelas?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin viu Nina suportar os olhares com dignidade, apesar de muito embaraçada, e foi tomado pela vontade de ir até lá e protegê-la com o próprio corpo, desafiando os homens a se comportarem ou arcarem com as conseqüências. O que seria uma tolice. Ela estava ali por livre e espontânea vontade, e teria de aprender a suportar o desconforto da situação. Nada disso, entretanto, explicava seu ciúme vendo os homens a desnudarem com os olhos. Mas estavam passando por irmãos, não estavam? Ele tinha o direito de protegê-la. Gavin estava começando a se levantar, quando Robertson apontou para ele. — Aquele é o irmão dela. Ele é fotógrafo. Nina suspirou de alívio quando os homens se voltaram, dessa vez para examinar McKenna. — E este aqui é ajudante deles. Os três estão aqui para tirar fotos de suas caras feias, se quiserem pagar por isso. Alguns lenhadores recomeçaram a comer; outros retomaram a inspeção de Nina. Mas Robertson ainda não havia acabado. — Ouçam, e com atenção: eu não gosto dessa história de fotografias, e se pegar um de vocês relaxando no trabalho para sorrir para a câmera... ou para a sra. Wallace... está despedido! — Você vai posar conosco, benzinho? — um dos sujeitos mais descarados perguntou. Nina engoliu em seco, evitando olhar para Gavin. Sabia que ele devia estar se divertindo. Afinal, não a avisara de que os lenhadores eram um grupo rude? E ela não insistira que sabia tomar conta de si mesma? Endireitando o corpo, Nina avançou um passo. Pela segunda vez, os lenhadores se imobilizaram, prestando atenção. — As fotos custam cinqüenta centavos cada, cavalheiros. Me... irmão e eu temos muito orgulho da qualidade de nosso trabalho. — Ela ergueu mais a voz, procurando abafar os comentários: — Somos artistas com a nossa câmera, como os senhores são artistas com o machado e a serra. É a sua habilidade que queremos capturar para sempre. Eles estavam em silêncio de novo e, encorajada, ela continuou: — Todos vocês deixaram alguém para trás. Mãe, esposa ou namorada. E todas gostariam de conhecer a grandeza dessas árvores. Um dos homens gritou: — A louca da Annie fica mesmo excitada com tudo que é grande.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Cale a boca — outros revidaram. — A moça é uma dama. Nina esperou que eles silenciassem. — Tenho certeza de que vocês já falaram a suas mulheres do perigo que correm, diariamente. Vários acenaram afirmativamente. — Pois bem, nós estamos aqui para retratar a sua coragem, a sua capacidade e a sua força, tendo como fundo a própria natureza, as árvores gigantes que vocês desafiam e conquistam todos os dias. O murmúrio de vozes elevou-se, mas num tom bem diferente do inicial. Gavin juntou-se a Nina. — Muito bem, maninha. Enquanto ele discutia alguns pontos com Robertson, ela voltou para a cozinha. Já estava na porta, quando foi abordada por Whip. — Sra. Wallace, eu não tenho esposa nem namorada, e não posso mandar uma foto para a minha mãe, porque ela pensa que estou no mar. — O sorriso dele aumentou. — Mas considero um privilégio ser seu primeiro freguês. Assim, quando a senhora ficar famosa, vou poder me gabar disso. Nina explodiu numa risada. — O senhor me surpreende! Isso é mais que um elogio. Ele apertou o chapéu, os olhos cheios de admiração fixos no rosto feminino. — Que a senhora merece. Afinal, quantas mulheres do seu nível teriam coragem de enfrentar um acampamento madeireiro, pelo bem de sua carreira? Ela riu novamente. — É que tive um bom treinamento em superar dificuldades. Trabalhei muitos anos fotografando crianças. Elas são uns amores, mas posso lhe contar histórias de arrepiar os cabelos. McKenna intrometeu-se entre ambos. Suas palavras foram educadas, mas tinham um tom seco ao se dirigirem a Whip. — Sei que suas intenções são boas, garoto, mas não posso permitir que vire a cabeça da pobrezinha da minha irmã viúva. Nina ferveu de raiva, mas pelo modo como os dois se fitavam, percebeu que havia algo mais por trás daquela atitude. O ambiente estava tenso, e os dois se conheciam, com certeza. Tinham se encontrado no Erickson, por motivos que Gavin nunca havia explicado. Mesmo não tendo nada a ver com aquilo, ela não gostava de ser enganada.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nesse momento, Whip fitou-a e piscou, sorrindo com ar matreiro. Um sorriso que aumentou quando Gavin, deliberadamente, colocou-se entre eles, escondendo-a com o corpo. Mais que depressa, Nina deu a volta. Não ia deixar que Gavin agisse a seu belprazer. — Seu nome é Whip, não é? Meu irmão não vai achar ruim que você pose para nós. Para dar mais autenticidade à foto, até gostaríamos que você posasse com a sua roupa de trabalho, por mais gasta que esteja. Gavin não poderia protestar sem se trair, mas seu olhar mudou de expressão. Arrepiada, Nina deduziu que ele já estava pensando num meio de atrapalhar os planos que tinha feito, com tanto cuidado.

CAPÍTULO VIII O aroma da floresta embalou o sono de Nina e, em seus sonhos, ela se viu na beira de um canyon, olhando as encostas verdejantes das montanhas. Sentia-se bem, mas repentinamente foi transportada para outro local, onde as árvores haviam sido completamente devastadas. Gritos agoniados de homens elevavam-se acima do barulho produzido por gaios e gaviões. De súbito, começou a cair, mas foi agarrada pelos braços de Gavin McKenna. Deveria acusá-lo de causar os gritos de agonia, mas o olhar dele minava sua vontade. — É apenas negócio — ele disse, puxando-a para mais perto de si. Ela o fitava, fascinada, quando os olhos dele começaram a mudar de cor de mel para castanhos. Assustada, inclinou-se para trás, descobrindo que quem a segurava era Whip, e não Gavin. — Minha mãe não sabe que estou trabalhando com madeira — ouviu-o explicar — , mas vai ficar contente se você me tratar bem. — Minha mãe — ele repetiu, mas era a voz de Johnny. Seus olhos azuis estavam cheios de dor e confusão. Com um gemido, Nina torceu o corpo, quase caindo da cama. Acordada, permaneceu imóvel por algum tempo, tentando analisar as emoções trazidas pelo sonho. Afinal, adormeceu novamente. Acordou com o barulho na cozinha depois do que lhe pareceram alguns minutos. Tampas batiam, o fogo crepitava e uma fumaça cheirosa

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica espalhava-se pelo ambiente. Bocejando, acendeu uma vela e abriu a tampa do relógio. Três e meia. O dia de Buck e Apollonia já havia começado. Certa de que não dormiria mais, saiu da cama, tremendo ao ar frio da manhã. Deixara preparadas sua roupa de ciclismo e as botas. Vestiu-se rapidamente e prendeu os cabelos, colocando sobre eles um gorro de pele. Era a única mulher, além de Apollonia, num local exclusivamente masculino. Melhor não descuidar da aparência. Pensando que aquele dia daria o tom de sua visita, correu para o calor da cozinha. Buck, que enchia um latão de leite, fitou-a. — Pensei que fosse uma dessas mulheres cheias de fricotes. Parece que não é. Seria um elogio? Com Buck era difícil dizer. Enquanto Nina se aquecia junto ao fogo, Apollonia apareceu com uma peça de bacon nos braços. — O café, aqui, é feito com dois baldes de água — anunciou, à guisa de cumprimento. — É melhor ir buscar logo. Não existe lucro em ficar à toa. Nina não gostou da sugestão de que estava à toa, mas resolveu não discutir. Agarrando um balde e saiu para a escuridão da madrugada. O cheiro de terra molhada e de plantas sobrepujava o de serragem, e ela olhou em torno, procurando água. A luz dos lampiões do restaurante, a guiaram até a parte lateral do edifício, onde um cano derramava água sobre uma rocha achatada. O balde se encheu rapidamente mas, ela logo descobriu que a água estava cheia de gravetos e insetos. A tela devia ter se soltado, na outra ponta do cano. Aborrecida, jogou tudo fora e tentou de novo. Pouco depois, Apollonia apareceu. — Pensei que um urso tinha comido você. Por que essa demora com a água? — Insetos e gravetos. — Nina fez uma careta, preparando-se para despejar a água mais uma vez. Com uma rapidez surpreendente, Apollonia agarrou o balde. — Insetos e gravetos! Uma mulher que se preocupa com isso não tem nada a fazer num acampamento madeireiro — murmurou, voltando para a cozinha. Enquanto Buck e Apollonia preparavam o café da manhã, Nina e os ajudantes distribuíram o almoço por uma longa mesa, junto da porta Slats já era velho, enquanto Red não passava de um rapazinho, mas os dois trabalhavam com extrema eficiência. Enquanto Nina cortava o pão, eles traziam carnes, queijos e maçãs para a mesa. — Vamos precisar de mais de cem sanduíches — Slats avisou, quando viu Nina fazer uma pausa. Sacudindo os dedos adormecidos, ela pegou outro pão. O velho riu.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Pode ser que você gostasse mais de carregar água para as bacias dos homens se lavarem, na frente dos dormitórios. — Meneou a cabeça, — Ah, mas não ia dar! Uma coisinha linda como você ia perturbar o sono deles. Ainda rindo, ele se foi. Nina seguiu-o com um olhar irritado. Obviamente, não passava de uma diversão para o acampamento. Ajudava porque não conseguia cruzar os braços quando todos trabalhavam. Mesmo assim, jamais conseguiria se adaptar àquela vida. Não que isso tivesse importância. Não precisava ser aceita para tirar as fotos de que precisava. Nina pensou que estava preparada para o sinal do café da manhã, mas quase bateu no teto com o pulo que deu, de tanto susto. O céu ainda estava escuro, quando o som metálico ecoou pelo local. Os homens chegaram logo depois, as botas ferradas arranhando o chão. Muitos, embora não todos tinham jogado água no rosto e exibiam cabelos e bigodes molhados. A maioria fitou com atrevimento seus tornozelos cobertos por botinas, mas todos a cumprimentaram respeitosamente. — Bom dia, madame. Começou a ficar cada vez mais tensa com a aproximação do momento em que veria Gavin. Mas estava decidida: não o deixaria interferir sobre o que podia ou não fotografar. Whip parou ao lado dela, os olhos brilhando acima do bigode de pirata. — Bom dia, sra. Wallace. A senhora está com ótima aparência. Espero que não se importe que eu diga. Ela sorriu meio incerta. A chegada de Perry salvou-a de responder. Ele também tinha os olhos cheios de admiração, mas pela mesa rica em alimentos. — Ah, senhorita! Tomara que eu fique aqui um tempão. No dormitório a união é maior do que a que existia entre os irmãos de José. Whip pousou a mão no ombro do garoto. — Vamos lá, menino. Vamos comer enquanto ainda tem comida. Gavin chegou com Robertson, cumprimentando Nina com entusiasmo. Ela retribuiu de forma mais discreta, não gostando da companhia em que ele estava. Qual seria o motivo daquela súbita camaradagem com o chefe? O café da manhã durou pouco. Os lenhadores deram cabo de uma quantidade espantosa de panquecas, bacon, ovos, biscoitos, pão e geléia. Nina manteve-se fora do caminho, enquanto eles selecionavam o que pôr em suas sacolas de almoço. Quando o último saiu, só restavam migalhas sobre a mesa.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Segurando-a pelo cotovelo, Gavin levou-a para fora. — Está uma linda manhã, Dolly, querida. Ao contato, Nina teve a impressão de que uma chama a percorria da cabeça aos pés. Até o odioso apelido lhe pareceu melhor. Mas logo se dominou, convencida de que teria de passar o resto da visita não só em guarda contra Gavin, como também contra os próprios sentimentos. Lá fora, o céu estava translúcido, mas o sol ainda não havia dado cor ao amanhecer. O cheiro de bacon e madeira queimada enchia o ar, e um barulho alegre vinha da cozinha. Aborrecida com suas reações ao barão da madeira, Nina resolveu encará-lo. — Quero começar a trabalhar assim que a luz for boa. E vou começar com Whip, como prometi. O brilho no olhar de Gavin não prenunciava nada de bom. O que teria ele combinado com Robertson? — Ah, maninha, é que você não sabe das boas novas que tenho para lhe dar. Por incrível que pareça, Dandy Robertson também é capaz de ser sensato. — Gavin envolveu-a num olhar cheio de admiração. — Com certeza foi a sua beleza que o convenceu. — Convenceu do quê? Está brincando comigo, não é? — A idéia é tentadora, amor, mas não. Eu estou falando do vagão vazio. Robertson disse que podemos nos instalar lá. Será nosso estúdio. Você não terá mais de sujar seus lindos sapatinhos. Nem teria a oportunidade de fotografar qualquer coisa que valesse a pena, tanto em relação aos homens quanto ao equipamento. O que seria ótimo para o barão, mas não para ela. Nina foi assolada pela raiva. — Não me provoque, irmão querido. Estou acordada desde as três e meia e já me chamaram de preguiçosa, por dormir até tão tarde. Carreguei água cheia de gravetos e nem sei mais o quê, para fazer café, e cortei pão suficiente para dar vinte voltas em torno da sua árvore mais grossa. Dá para entender, portanto, por que não estou com disposição para discutir o trato que fiz no Erickson, com um homem que julguei honesto. — Com um homem que você julgou um libertino, isso sim! — Não vou dizer que não, — Ela o desafiou, com o olhar. — Se você tem medo da minha câmera, é porque tem muito a esconder. Não vou ficar trancada num vagão, enquanto homens se machucam e morrem.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica A expressão dele mudou de tal maneira que Nina ficou com medo de ser agarrada e levada, à força, para o vagão. Mas uma coisa era certa: ele não seria capaz de obrigá-la a ficar lá. — Que o diabo a carregue,mulher! Você tem uma língua ferina nessa linda boca. Não lhe disse que acidentes acontecem e não podem ser evitados? Suas fotos não podem mudar essa infeliz realidade. — Então, por que tem medo delas? — Eu não tenho medo das fotos, tenho medo de que você saia ferida. Será que não dá para entender? — Irritado, ele socou uma das mãos na outra. — Está bem, então. Mas a culpa será sua, se alguma coisa lhe acontecer. — Pode deixar. — Erguendo o queixo, Nina chamou: — Perry, quer trazer a minha câmera? E o pó do flash, também. Está na hora de começarmos. — É muito arriscado usar flash — interferiu Gavin. — O chão está coberto por uma camada enorme de agulhas secas, debaixo dos pinheiros. Nina olhou para a calçada molhada de orvalho. Não acreditava que qualquer coisa por ali pudesse pegar fogo, mas deixou o comentário passar. — Não esqueça de trazer o tripé, Perry. Se não podemos usa-las aqui debaixo das árvores vamos precisar de uma longa exposição. Buck apareceu na porta do restaurante, com um bule na mão. Enquanto jogava fora o que havia restado do café, comentou, de cara fechada: — Pensei que o senhor fosse o fotógrafo, moço, mas acho que me enganei. Gavin lançou um olhar de advertência para Nina. Ela ainda não se dera conta do perigo de mostrar a própria habilidade e usava termos técnicos com a maior inocência. Para a segurança de ambos, ele teria de contê-la e fazer-se passar como o fotógrafo principal. — É jeito de mulher — disse a Buck, com uma piscadela. — E nós temos de agüentar, para que elas fiquem contentes. Deus sabe que elas têm a cabeça completamente oca. Ele teve o cuidado de não olhar para Nina, e evitar um olhar furioso. Porém, ela não era tola e com certeza pensaria duas vezes, antes de atrai-lo. Rindo, o cozinheiro voltou para dentro. Perry colocou a câmera e o tripé na calçada e voltou para pegar as chapas. — Era mesmo preciso me diminuir tanto? — Nina perguntou, enfezada. Gavin virou-se. Como já esperava os olhos dela pareciam lançar fogo.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Era. Mas o que me espanta é você ter ficado de boca fechada por quase um segundo. Ganhou juízo, de repente? — Senhor... — ela começou. Mas interrompeu-se abruptamente, lembrando-se do cozinheiro. — Muito bem, maninha! Eu sei que é duro, mas você consegue ficar de boca fechada. E não se esqueça de que, de agora em diante, não passa de minha assistente. Nina apertou os lábios, o olhar dizendo mais que qualquer palavra. Nesse instante, Gavin quase cedeu ao impulso de beijá-la. Afinal, não estavam passando por irmãos verdadeiros. Quem poderia condená-lo por querer consolar a infeliz viúva de seu falecido irmão? Ela deu um passo para trás, como se adivinhasse a intenção dele. — Acho que já está mais do que na hora de começarmos, maninho querido. Fica longe o lugar onde os homens estão trabalhando? — Você é teimosa, hein? Está bem, vamos começar por uma visita ao burro a vapor. Ele não está muito longe. Gavin não conteve um sorriso, ao ver a satisfação de Nina. Ela estava certa de ter levado a melhor. Mas não o conhecia muito menos o processo de madeiramento. Depois de um dia na companhia daquele monstro de metal, na certa estaria rezando pelo conforto do vagão. Só esperava que ela não desmaiasse de medo, quando o burro começasse a funcionar. Um ano atrás, ele levara um repórter a um de seus acampamentos, na Califórnia. No momento em que uma tora, presa ao burro por um cabo de aço, pulara para a frente passando pelo meio das árvores e indo atingir um local a poucos metros de onde estavam, o rapaz jogara o caderninho para o alto e saíra correndo como um louco. Mais uma vez, Gavin fitou-a. Não podia se esquecer de ficar por perto para pegá-la, quando desmaiasse. — Traga a câmera, Dolly querida — disse animado. E levantando o tripé, que era bem mais leve, enveredou por uma trilha.

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CAPÍTULO IX Nina estava acostumada a carregar a pesada Speedgraphic. Se a intenção de McKenna era desencorajá-la, deixando que ficasse com o maior peso, não perdia por esperar. Feliz, ela respirou fundo o ar refrescante da montanha. O dia clareava depressa, as árvores e a terra adquirindo mais cor à medida que o sol abria caminho em direção ao topo das montanhas mais altas. Um pouco além das toras empilhadas junto aos trilhos da estrada de ferro, uma nuvem de fumaça elevava-se no ar. — Deve ser o burro — disse Gavin. — Parece o hálito de um dragão — Nina comentou, maravilhada, Perry estremeceu. Já era possível ouvir a fornalha rugindo acima do barulho metálico das muitas peças mecânicas. — Vamos, Perry — ela chamou, excitada. Estava a poucos passos do lugar onde as histórias de seu pai iam adquirir vida. Vozes ressoavam pelo ar. — Diminua a velocidade! — Role a tora! Era muito mais excitante que o trabalho no restaurante, que mais parecia o de uma casa comum. Esquecendo-se de que estava zangada com McKenna, Nina exclamou: — Precisamos capturar tudo isso com a câmera! — Lembre-se de que o fotógrafo sou eu.— Havia surpresa no rosto dele. — Pensei que você não fosse gostar dessa barulheira. Não gostar? Ela mal podia conter a vontade de sair correndo à frente deles. Queria registrar aquele espetáculo em fotos Por quanto tempo teria de manter a farsa de ser assistente de McKenna? Se bem que não estava ali para fotografar o diaa-dia comum, e sim acidentes. Deixando a trilha junto à estrada de ferro, eles começaram a caminhar por entre galhos caídos e moitas esmagadas. Raízes desenterradas erguiam-se no ar, a mais de três metros de altura, enquanto toras enormes jaziam entre elas, como crocodilos gigantescos esquentando-se ao sol da manhã.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Alguns homens gritaram para Nina. Ela lhes acenou, cheia de satisfação. O burro a vapor era magnífico. Parecia uma locomotiva Shay, sem as rodas, assentada sobre esquis gigantescos de madeira, com quase um metro de largura cada um. Cordas ligavam-na às árvores próximas, como que contendo uma besta indomável. Um rolo de fumaça saía de um buraco aberto no teto de metal. A besta estava momentaneamente quieta. O maquinista, com ferramentas na mão, apertava parafusos que tinham se soltado. Junto à porta de um dos esquis, um lenhador enfrentava Dandy Robertson. Nina .prendeu a respiração. E se o chefe do acampamento os mandasse embora dali? Virou-se para Gavin, imaginando se não era isso mesmo que ele queria. Ele negou com um gesto de cabeça, lendo-lhe os pensamentos. Robertson gritava ordens para o lenhador: — Você tem de pôr mais força nesse maldito machado! Resmungando, o lenhador se afastou. Foi quando o chefe os viu. — O que é que vocês estão fazendo aqui? Gavin adiantou-se. — Não se esqueça de que somos artistas, senhor. Nada melhor que a natureza para servir de fundo para as fotos da sua equipe. — Eu só posso estar ficando louco! Devia ter mandado vocês embora, ontem mesmo. — De cara fechada, Robertson gritou para o maquinista: — Ike, fique de olho nestes três. Não deixe que fiquem no caminho. — E para os três, novamente: — Não quero vocês perto do lugar onde está havendo derrubada, hein? Eles concordaram, e Robertson se foi, na direção do acampamento. Encantada, Nina aproximou-se mais do burro a vapor, procurando ângulos para fotos. — Não quer vir até aqui, sra. Wallace? — o maquinista convidou. — Se quero! Mais que depressa, ela apoiou as mãos na plataforma da máquina, tentando subir. Rindo, o maquinista ajudou-a. Foi o bastante para Gavin protestar. — Você não é um lenhador, maninha. Esta máquina parece um touro bravo, quando começa a funcionar. — Você fala demais, maninho. Me ajude, a subir. — A responsabilidade é sua, então- — Agarrando-a pela cintura, ele a colocou s'obre a máquina, subindo atrás. Do alto, a floresta não parecia tão agitada. Nina agarrou-se ao braço de Gavin, para manter o equilíbrio. O sorriso de Ike alargou-se. — Sente aqui comigo, madame, que eu lhe mostro como se traz uma tora.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Sorridente, Nina aceitou, sentando-se ao lado dele no banco de metal. Gavin posicionou-se atrás dela. — Isto aqui não é um cavalinho manso — avisou. Ike riu. — Não se preocupe, madame. A senhora está tão segura aqui, quanto na sua própria cama. Gavin disse qualquer coisa, mas foi ignorado. A atenção de Nina estava presa ao maquinista. — Assim que ouvirmos o sinal de que os homens saíram do caminho, vamos pôr esta beleza para funcionar. Segundos depois, uma série de apitos ressoou. Rindo, Nina virou-se para Gavin. Ele estava sério, como que pronto para segurá-la. O que esperava? Que ela saísse correndo, gritando de medo? — Os homens já saíram do caminho? — Já, sim. Agora, a senhora coloca as suas mãos em cima das minhas, que vamos puxar um tronco. Nina obedeceu, e Ike começou a puxar alavancas, dando mais força à máquina. O jato de vapor aumentou. Com um enorme rangido, uma roda começou a girar, enrolando um cabo grosso como o polegar de um homem. A máquina inteira tremia e pulava. Vapor começou a escapar pelas juntas. Não era de admirar que o maquinista tivesse tantos parafusos para apertar. O burro parecia lutar contra as cordas que o prendiam. O cabo principal cantava, tamanha a tensão que suportava. Nina foi tomada por uma incrível sensação de poder. Do canyon, lá embaixo, veio um estalar estranho como se um animal monstruoso estivesse abrindo caminho entre as árvores. A poucos passos, Perry observava com os olhos arregalados de espanto. Nina sorriu para Gavin. — Nunca senti tanto poder! Ele olhava para o canyon de tal modo que ela se virou, não contendo uma exclamação: — Meu Deus! Uma tora subia a ravina, no fim do cabo de aço. Tinha quase dois metros de diâmetro e cento e vinte de comprimento. Saltava sobre os troncos e as raízes, destruindo as moitas e pequenas árvores do caminho. Parecia voar impossível de ser detida.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina queria pular do banco e jogar-se nos braços de Gavin. O barulho da máquina tornou-se ensurdecedor. O maquinista continuava a puxar alavancas. O tronco deteve-se em seu vôo. Por alguns instantes, pairou acima da terra. Nina fitou Gavin. A admiração que sentia estava refletida no rosto masculino,,mas ele estava olhando para ela, não para o tronco. — Agora, madame — Ike chamou —, é só puxar esta alavanca aqui, que levamos o tronco para o lugar dele. Apesar da incredulidade de Gavin, Nina segurou a alavanca. A máquina pulsava, balançando tudo e todos. De repente, ela teve a impressão de que seria capaz de fazer qualquer coisa que quisesse. Jogando a cabeça para trás, gritou de alegria; então, usando as duas mãos, empurrou a alavanca. O tronco juntou-se à pilha que estava perto dos trilhos, Ike sorriu, orgulhoso como um pai de primeira viagem. Gavin estava espantado. Que tipo de mulher era Nina Wallace? Sua coragem superava qualquer expectativa. Divertira-se com tudo, e ele só lamentava não ter sido a causa de tanto entusiasmo. Como se sentiria, vendo-a fitá-lo daquele modo? De repente, percebeu que estava com ciúme do maquinista e da máquina. Olhou em torno, com medo de que alguém percebesse sua reação. Mas não precisava se preocupar. Todos os homens presentes tinham os olhos fixos em Nina Wallace, cheios de adoração. E quando o resto do acampamento ficasse sabendo do que acontecera sem dúvida se renderiam a ela. Daquele dia em diante, cada vez que brigasse com Nina, na certa teria de dar explicações a todos aqueles homens. Uma onda de inquietude assolou-o. Em seu próprio acampamento, entre seus próprios homens, o poder havia mudado de mãos. Através da admiração que despertava nos lenhadores, Nina Wallace passara a ter Gavin McKenna a sua mercê. Gavin endireitou o corpo. Ele nunca fora dominado por uma mulher, e ela não seria a primeira. Tendo chegado a esta decisão, inclinou-se e disse baixinho, no ouvido dela: — Dolly, querida, está na hora de começarmos a trabalhar. Nina se levantou, os olhos brilhantes. — Ainda não sei como vamos mostrar tudo. Mas deve haver um jeito. — Que nós vamos encontrar. Gavin pulou para o chão e virou-se para pegá-la. Nina foi para os braços dele, rindo, os olhos cheios de alegria.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Nunca houve uma flor tão linda — ele murmurou, achando difícil respirar. — Nem que estivesse tão longe do jardim que merece. — Flor, hein? Quando é que você vai entender que não sou nem um pouco frágil? Acima deles, a porta da fornalha bateu, e o vapor aumentou. Nina sentiu vontade de subir de novo na máquina. Se tentasse mais uma vez, talvez conseguisse não só colocar como também trazer uma tora, sozinha. — Está na hora de fazermos a nossa parte — Gavin disse. E tinha razão. Ela era uma fotógrafa, não operadora de um burro a vapor. Nesse instante, teve uma idéia. — Você viu o cabo que ligava a máquina à tora? E os outros que prendem a máquina? Eles formam um ângulo que chama atenção para o centro. Quando o sol surgir por cima daquelas árvores, poderemos tirar uma foto magnífica. Seu entusiasmo diminuiu, ao ver que Gavin controlava a impaciência com esforço. — Estou vendo que tenho uma assistente e tanto. Só queria saber como um homem já conseguiu tirar uma fotografia, sem ter uma mulher para indicar a melhor pose. Nina ergueu o queixo. — Está bem, você já havia pensado nisso. Mas eu seria uma assistente muito ruim, se ficasse quieta. — Certo. Fale, então. Mas é melhor perder um pouco desse entusiasmo, a não ser que queira cegar os homens com o brilho do seu olhar! A equipe estava toda parada por perto, observando-a com evidente admiração. Num impulso, Nina piscou para eles, enquanto Gavin olhava para o céu, pedindo paciência a Deus. Mesmo com o passar do tempo, o entusiasmo de Nina não diminuiu. O barulho dos troncos, subindo a ravina, era o clímax de uma hora de trabalho recolhendo cabos de aço e ajeitando ganchos. Eles almoçaram sanduíches, como o resto da equipe. Ela recebeu um pedaço de queijo e uma maçã de presente de dois lenhadores. Outro lhe ofereceu uma garrafa de uísque, cheia de água. — Tome um gole. Ajuda o pão a descer. Ela aceitou, sem olhar para Gavin, certa de que ele desaprovaria, apesar de o lenhador ter limpado o bocal da garrafa. Mas ele só se manifestou ao ficarem novamente sozinhos. — Espero que não deixe essa atenção toda lhe subir à cabeça. Afinal só com Apollonia no acampamento os homens têm de se sentir atraídos pelos seus cabelos. — Sei — Nina murmurou, os olhos mais brilhantes que nunca. O fato de os homens gostarem dela estava irritando o barão da madeira. Será que ele achava que poderia se aproveitar disso?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Durante a tarde, o trabalho continuou. De tempos em tempos, Ike ou um dos outros homens gritava por um garoto apelidado, merecidamente, de Encrenca. Ele queria ser escalador de árvores e, sempre que podia, fazia exatamente isso, deixando o próprio posto. — Estou aqui — o garoto gritou pela décima vez naquele dia, do alto de uma pequena árvore. E logo acrescentou, entusiasmado: — Ei, Whip! O rapaz caminhava em direção a eles, pelos trilhos. Tinha os olhos fixos em Nina, mas acenou para o menino. — Olá. Pensei em vir dar uma mãozinha a vocês — disse a Robertson. — Não é um trabalho muito preso à terra, para você? — 4 Gavin perguntou, num tom áspero. — Não. Eu sou um sujeito que gosta de beleza, e a mais bela vista, normalmente, você tem do topo de uma árvore. O que não está acontecendo, hoje. — Whip acariciou o bigode, com ar provocante. — Além disso, deduzi que a sra.Wallace devia estar achando difícil encontrar alguém digno de uma fotografia, no meio desta turma de feiosos. Nina riu, enquanto o chefão dizia: — Se você veio trabalhar, Whip, chegou na hora. Vamos mudar aquele bloco para a ravina da direita. O rapaz sorriu para Nina, antes de pular para cima de um tronco e desaparecer do outro lado. Um pouco adiante, havia um bloco de ferro, usado para prender os cabos que puxavam as toras. Nina subiu em outro toco, enquanto Whip se juntava à equipe de trabalho. Mentalmente, focalizou a cena com sua câmera. O chefe acharia ruim, se pedisse aos homens para fazerem uma pose? Melhor não. A foto seria interessante, mas pouco dramática. — É melhor verificar esse bloco — Whip gritou para um dos homens, de repente. — Já está bem gasto. Nina girou nos calcanhares, lembrando-se do que o pai costumava dizer: "Sob tensão, um bloco de ferro pode se partir como um biscoito". Seu estômago virou. Estava aproveitando tanto, que se esquecera do motivo que a trouxera ali. Procurou Gavin, com o olhar. Ele já se encaminhava para o bloco, na companhia do chefe daquela equipe, que berrava: — Você é medroso como uma garota, Whip. O bloco não está ruim. Ainda agüenta umas puxadas. — Não, comigo por perto — Whip declarou.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Então ninguém fica por perto. Preparem o bloco. Ele não vai ser substituído tão cedo. Nina colocou uma placa na câmera, surpresa com a firmeza de suas mãos. Lembranças de seu pai, de Johnny e dos anos de solidão que seriam seu futuro dominavam sua mente. E diante dela estava McKenna, bonito, atraente, negligente. Whip e McKenna trocaram um olhar, mas Nina não ligou. Estava prestes a tirar uma foto valiosa, a primeira prova que teria da negligência criminosa. Quando McKenna voltou, Nina já se preparava para mudar a câmera de lugar. Os dois se fitaram um mundo de acusações e negativas no olhar. Afinal, ele disse seco: — O que está querendo, agora? — Uma visão melhor. — Você não vai chegar perto daquele bloco! Ele não imaginara que a verdade pudesse ser provada tão depressa, pensou satisfeita. — Por que não? Por causa do perigo? — Está havendo um engano, aqui. — Gavin segurou-a pelos ombros para dar mais força ao que dizia, mas manteve a voz bem baixa. — Nunca foi minha intenção que os homens trabalhassem com equipamento gasto. Tudo vai ser esclarecido, quando chegar a hora. As palavras eram tão convincentes quanto a pressão das mãos... e falsas. Nina afastou-se, com um safanão. — Perry! Me ajude a mudar a câmera. Whip se ofereceu para posar e temos de aproveitar a oportunidade. Whip sorriu, parecendo hão estar mais preocupado com o bloco. — Sra. Wallace, vai ser um prazer estar na sua foto, McKenna poderia ajudá-la. Por isso, limitou-se a dizer, erguendo a câmera: — Pode deixar que eu levo, Perry. Com uma postura que deixava seu desagrado patente, Gavin levou o equipamento para perto do bloco e firmou o tripé na terra, num dos lados. Nina avaliou o sol e a sombra incidindo sobre a cena e viu que o barão da madeira havia escolhido o lugar de onde menos seria possível evidenciar o estado do bloco, — Maninho querido — sugeriu, em seu tom mais meigo —, acho que o nosso tripé vai ficar mais firme do outro lado.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Exatamente, Dolly, querida. — Ele a surpreendeu com a volta ao bom humor. — Que olho bom você tem! Ela aceitou a gozação sem se alterar. Se McKenna achava que ia se livrar da responsabilidade usando charme, se enganava. Gavin exagerou nos cuidados, ao mudar novamente a câmera do lugar, depois disse, com toda a polidez: — E agora? O que acha do sol? Devemos aproveitar o fato de estar coberto por uma nuvem, que suaviza a luz? — Acho que o contraste com a luz forte vai ser melhor. Vamos esperar a nuvem passar. Com um sorriso para a equipe, Gavin explicou: — Desculpem, rapazes, minha irmãzinha quer aprender a arte da fotografia e não posso lhe negar a chance de praticar. Nina ignorou o riso dos homens. Quanto a McKenna, o troco seria dado quando apresentasse suas fotografias nos jornais. Devagarinho, o sol voltou a cair sobre o grupo, iluminando os galhos caídos, a superfície áspera do toco e, afinal, o bloco de ferro. Nina mergulhou sob a capa da câmera para ajustar as lentes, depois endireitou o corpo. — Muito bem, senhores. Fiquem exatamente como estão por favor. O grupo estava enfileirado diante do toco, Whip à vontade, os outros nem tanto. Antes que a foto fosse batida, porém, Whip mudou de posição, apoiando um pé no bloco de ferro. — Não entendi bem como quer a nossa pose, sra. Wallace. Acho melhor a senhora pegar a minha mão e colocar onde acha melhor. Os outros riram, e Gavin exclamou: — Fique assim mesmo, que está bom. Nina olhou o sol e, devagarinho, apertou o bulbo do cabo pneumático ligado à câmera. Satisfação fluía por todo o seu corpo. Estava num campo familiar, exercendo sua profissão. No meio da tarde, Nina já estava achando o barulho do burro a vapor tão natural quanto o canto dos pássaros nas árvores. Mesmo assim, não continha a admiração, quando uma tora subia pela encosta da montanha. Mas estava vigilante. Desde o aviso de Whip, as palavras do pai não lhe saíam da mente. Segundo ele, todo aquele equipamento era feito para aguentar cargas monumentais. Não tinham elasticidade. Ou puxavam a carga, ou não. E se não puxavam, havia alguma coisa errada com a máquina ou os cabos.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica À medida que o trabalho ia sendo realizado, no entanto, a sensação de desastre iminente foi passando, e Nina voltou a sentir prazer no que fazia. Provavelmente tivera uma reação muito grande, para um motivo pequeno demais. Então, sem aviso, quando o sol já desaparecia atrás das montanhas do oeste, o bloco cedeu. Estilhaços voaram em todas as direções. Nina sentiu-se jogada ao chão, protegida pelo corpo de Gavin. Ele agira no instante exato da explosão. Barulhos surdos encheram o ar, enquanto pedaços de ferro atingiam árvores e desapareciam na terra. O cabo de aço, solto, serpenteava pelo ar, um chicote mortal. Homens gritavam avisos. Passaram-se apenas alguns segundos, apesar de parecerem séculos antes que tudo se aquietasse. Os braços do barão da madeira envolviam Nina e, apesar do desconforto, ela tomou consciência da intimidade em que estavam. Chocada, ela gritou: — Saia de cima de mim! — Você está bem? O hálito masculino, aquecendo-lhe o rosto, despertou nela uma reação completamente em desacordo com a situação. — Vou ficar melhor quando você sair de cima de mim! Erguendo-se, Gavin estendeu-lhe a mão. Mas Nina levantou-se sozinha. — Todo mundo bem? — gritou o chefe da equipe. Nina virou-se para Gavin. — A culpa disso é sua! Ele se manteve em silêncio, enquanto os lenhadores respondiam, depois exclamou, com alívio: — Nenhum ferido. — Desta vez. — Não foi o fim do mundo. Só o fim de um bloco de ferro. — Só?! — Nina explodiu, mas logo se controlou. Não daria motivos para ser criticada por histeria. — Está vendo aquele buraco no teto do burro? Já pensou se o pedaço de ferro que passou por ali tivesse atingido um homem? — Olhe, se a culpa fosse minha, eu não diria nada. Mas nunca dei ordens para usarem equipamento gasto. Se alguém está ganhando dinheiro pondo em risco a vida dos homens, eu vou descobrir antes de sairmos daqui. 98

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Whip disse que o bloco era perigoso e você não fez nada para impedir que fosse usado. — Eu? Um simples fotógrafo? Acha que Robertson ia me dar atenção? Nina estava tão tensa que seu corpo doía. Não se importava mais que fossem ouvidos. — Identifique-se! Feche isto aqui até todo o equipamento ser, examinado e o que estiver ruim, substituído. — Nina... — Tomando-lhes as mãos, ele a puxou para mais longe da equipe. — Será que não entende? O que estamos fazendo não é uma brincadeira. É mais fácil ficarmos sabendo da verdade se esperarmos que ela se revele. Hostilidade queimava entre eles. Nina meneou a cabeça repetidas vezes, querendo gritar que ele era o barão da madeira, o homem responsável por tudo aquilo. Gavin segurou-lhe as mãos com mais força. — Ainda não percebeu que isto pode ser parte do problema que nos trouxe aqui? Ou já se esqueceu do roubo das árvores? — Que é uma árvore em comparação com a vida de um homem? De repente, Nina reviu Johnny em seu caixão, branco e imóvel, com os cabelos castanhos mais penteados do que jamais haviam estado. Dezenove anos ele tinha. "O cabo arrebentou, e a tora se soltou. Ele não teve a menor chance." De novo, ela ouviu as palavras do pai. Uma onda de dor assolou-a. Soltando-se, caminhou até a câmera e tirou-a do tripé. Revelar a identidade de McKenna não levaria a nada, mas suas fotos diriam a verdade. Teria o prazer de incriminá-lo. Voltando para o acampamento, Perry e Gavin conversavam baixinho. Nina sabia que o que era dito ao garoto, na verdade, dirigia-se a ela. — Madeiramento é um trabalho perigoso. Já morreram mais homens nas matas do que morreram na Guerra da Independência. Não é coisa para os fracos, só para os fortes e audaciosos. É um dos melhores jeitos de mostrar a própria coragem. Nina permaneceu em silêncio, deprimida demais para discutir. Na porta do restaurante, Gavin parou-a. — Você está mais branca que os biscoitos de Buck. Bem que eu lhe disse que este lugar não é para você. Após uma longa pausa, esperando uma resposta, ele continuou: — Bem, não vou dizer mais nada. Deixe que eu e Perry levamos o equipamento para o seu quarto. Aquele cubículo. Ela não estava com disposição para voltar para lá. Cabisbaixa, caminhou para junto do cano de água para lavar as mãos. De repente, o fluxo cessou.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — O que foi, agora? — Nina murmurou. Uma rã caiu nas mãos dela, os olhos enormes destacando-se no corpo gorducho, liso e escorregadio. Com um grito agudo, ela jogou o animal longe, limpando as mãos na saia. Estava tudo horrível. Teria de passar outra noite naquele cubículo abafado e ainda acordar com o barulho insuportável dos metais de Buck. Era demais! Ajoelhou-se no chão no escuro e as mãos apertando a saia de veludo. Estava tão deslocada, ali, quanto suas roupas. Mas não desistiria. Se pelo menos não tivesse de enfrentar outra noite naquele quartinho... Havia uma alternativa! O vagão vazio. Nele, poderia dormir melhor e ter uma certa privacidade. Se não houvesse uma cama disponível, colocaria seu colchão de agulhas de pinheiro no chão mesmo. Ergueu-se de um salto, tomada por novo ânimo. Gavin McKenna, Dandy Robertson e Buck não se negariam a atender um pedido simples como aquele.

CAPÍTULO X Buck, que estava enchendo uma fila de lampiões a querosene para os dormitórios, fez uma pausa para responder à pergunta de Nina. — Faz muito frio no vagão, mas pode ser que o ferreiro consiga um fogão. Gavin reagiu com um grito que fez a maioria dos homens sorrirem. — Daqui a pouco também vai querer cortinas e outros fricotes. Nunca vi uma mulher que não tentasse embelezar um lugar. Mas aqui não vai ser assim, A senhora vai ter uma cama e um fogão, só. Gavin recostou-se na porta do cubículo, enquanto ela fazia as malas. — Mas que droga, mulher! Será que é demais pedir que fique onde está segura? Segura! Ela se virou para ele, a voz cheia de emoção. — A troco de que devo ser a única pessoa, neste acampamento, a estar segura? — Está bem! Vou falar com o carpinteiro para arrumar uma barra para a porta. E você não vai se esquecer de usá-la! — Bobagem. Os homens me respeitam. Da parte deles, não corro mais perigo do que com... com Perry

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica O garoto que desfazia a cama dela a fitou com ar solene. — A senhora nunca viu os homens falando como a acham bonita. E o bom Deus pôs os homens na terra para se reproduzirem. Nina corou. — Pelo amor de Deus, Perry! Está bem, eu vou trancar a porta. A mudança para o vagão deixou-a contente. Todos se ofereceram para ajudá-la, inclusive Buck. Ele gostava de ordem, e sua presença provavelmente o atrapalhava um pouco. Só Gavin manifestou-se contra, mas ele não tinha autoridade sobre ela. Foi preciso quase o dia inteiro, para que o vagão ficasse pronto. Quando voltou para lá, depois do jantar, Nina ficou surpresa com a quantidade de homens em seus novos domínios. Alguns rodeavam o fogão, falando do melhor modo de acendê-lo, enquanto outros ajudavam o carpinteiro com a cama. Havia pregos numa das laterais para pendurar roupas. Um lampião a querosene brilhava, preso a um gancho, no teto. Nina agradeceu-lhes calorosamente, não contendo a emoção ao ver a cama. O carpinteiro esculpia uma rosa na cabeceira. — É linda — exclamou emocionada, recompensando-o com um abraço. Da porta Gavin protestou de um jeito que mais parecia Robertson; — O que é que vocês estão fazendo aqui! Saiam, todos! Minha irmã nem pode respirar! Os homens começaram a sair, muitos com um sorriso uma piscada ou a promessa de voltarem. McKenna ficou para trás. — Quero ver a porta. Vou dormir melhor se souber que você está em segurança. Nina esperou que ele fechasse a porta e experimentasse a barra, deslizando-a de um lado para o outro. A presença dele enchia o vagão, atraindo seu olhar fascinado. O que era um absurdo! censurou-se. — Chega! Eu sou uma mulher adulta, não uma garotinha inocente, capaz de ser levada na conversa por alguns lenhadores. Ele sorriu de uma forma tão encantadora que ela teve de se esforçar para não corresponder ao sorriso. — Isso eu sei que você não é, amor. Afinal, consegui resistir a todos os meus argumentos, até agora. — Ótimo. Agora, boa noite, sr.McKenna! Deixando a porta trancada, ele se encostou no vagão e fitou-a. — Ainda é cedo e temos muita coisa a conversar.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Conversar? É... afinal você só sabe fazer isso. Foi um erro, que ela logo percebeu ao ver o sorriso dele desaparecer. O vagão não lhe parecera tão pequeno quando estava cheio de lenhadores. — Está bem, fale — cedeu, num tom mais fraco do que pretendia. — É isso que você quer, não é? cama.

— Era — Gavin concordou, avançando e fazendo-a recuar até se encostar à

O modo como ela olhou lembrou-o de um esquilo que encontrar uma vez, preso. Quisera libertá-lo, mas o bichinho lutara com tanto desespero contra suas mãos, que chegara a pensar que ele fosse morrer de medo. Agora, como o animalzinho Nina Wallace estava presa numa armadilha. Por que ela não ficara no restaurante por mais apertado que fosse? Buck podia não ser um sujeito muito amigável, mas na certa a defenderia de faca na mão, se fosse preciso. A luz do lampião arrancava reflexos avermelhados de seus cabelos. Desde Portland, notara seu desprezo, mas nunca sentira uma necessidade tão grande de provar não ser o monstro que ela imaginava. Erguendo uma das mãos, acariciou-lhe o queixo. Nina estremeceu, mas mantevese imóvel como uma presa ameaçada. Tinha a pele delicada como pétala de rosa, apesar da língua que cortava como o pior dos espinhos. — Você não tem o direito de me tocar — Nina disse afinal, com uma indignação que o fez baixar a mão. Os olhos dela brilhavam como fogo e Gavin lembrou-se de como a vira junto ao burro a vapor, observando o trabalho dos homens com o rosto cheio de entusiasmo. Iluminada pelo sol poente e com os galhos de pinheiro erguendo-se ã.sua volta, ela parecia Vênus saindo do mar. A essa imagem seguiu-se outra: Uma cena saída do inferno: o bloco se rompendo e o rosto feminino se contorcendo de dor, enquanto sangue fluía de feridas indescritíveis. Gavin estremeceu, tomando-lhe o rosto nas mãos, apesar da resistência que ela oferecia. — Nina, amor... Não podemos trabalhar juntos? Daqui a alguns dias os trilhos vão chegar ao lugar onde estão as árvores para a exposição. Nós dois não podemos ficar assim. — Nós dois vamos estar sempre assim — rebateu ela já com menos ímpeto. Ele a encarou longamente, desejando revelar que seus sentimentos iam muito além de admiração pela beleza. Só de imaginá-la ferida ficava completamente

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica arrasado. Sabendo, no entanto, que sua declaração não seria bem recebida, limitou-se a dizer: — Talvez uma noite de descanso melhore o seu estado de espírito. E, nisso, eu posso ajudar. Nina arregalou os olhos e Gavin riu. — Sua imaginação é bem fértil. Eu só estava pensando em ajeitar o seu colchão. Ela baixou a cabeça, corada de vergonha. McKenna tinha um jeito irritante de insinuar as coisas e depois dizer que não passavam de produto de sua imaginação. — Meu colchão está bom. Inclinando-se, ele empurrou as cobertas para o lado. — Está parecendo um ninho de ratos achatado, isso sim — murmurou, jogando tudo no chão. — Não fique aí parada, de boca aberta. O colchão é seu. Sente-se e me ajude a quebrar os galhos em pedaços de mais ou menos um palmo. Nina cedeu e, em silêncio, ambos começaram a trabalhar. A presença dele era enervante e, depois de algum tempo, vendo o riso no olhar dele, ela advertiu: — McKenna, se estiver brincando comigo, vai se arrepender. — Não, amor, eu só estou pensando no seu conforto. — O brilho nos olhos dele aumentou ainda mais. — E no meu, se por acaso conseguir convencê-la a dormir comigo. Nina ergueu-se de um salto. — Fora! Fitando a pilha de galhos como se não a tivesse ouvido, Gavin comentou: — Está bom, para começar. Deve dar uma boa cama. — Começou a ajeitar os galhos sobre o estrado, mas logo parou, para dizer: — O que há com você? Já lhe disse, a cama é sua. Trate de me ajudar. Surpreendendo a si mesma, ela se ajoelhou e começou a ajudá-lo. De repente, sua mão roçou a dele. Puxou-a depressa, como se tivesse levado um choque, fitando-o com cautela. Para seu alívio, ele nada manifestou, continuando a trabalhar. O cheiro delicioso de pinho envolveu-os. Quebrando galhos tornaram-se companheiros numa tarefa nada convencional. Mas o mundo civilizado estava tão longe... Respirando fundo, Nina sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Andava muito sensível. A rosa do carpinteiro a emocionara, e o fato de McKenna estar refazendo seu colchão lhe provocava sentimentos ainda mais fortes.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Sem dúvida, McKenna tinha a intenção de que sonhasse com ele. Ou coisa pior ainda. Não brincara, falando em dormirem juntos? Só que não achara a menor graça e jamais concordaria com isso. — Pronto, amor. Uma cama onde poderá dormir como um anjo. Vendo Gavin se erguer, Nina imitou-o, consciente como nunca da proximidade em que estavam. Não sabia o que fazer com as mãos e acabou colocando-as na cintura. — Obrigada — murmurou, sentindo que ele esperava mais do que um agradecimento. Gavin olhou em torno de si. — Acho melhor verificar se não há nada embaixo da cama. Alguém do povo miúdo pode ter conseguido entrar, quando não estávamos olhando. — Eu... eu não acredito no povo miúdo... Ele avançou um passo e ela recuou outro. — Mas em alguma coisa você deve acreditar. — Estendendo a mão, ele se pôs a acariciar uma mecha dos cabelos ruivos que havia se soltado. — E não há dúvida de que um demônio da natureza tornou-a deliciosa esta noite. O ar cheirava a pinheiro e pecado. Nina estendeu os braços, com a intenção de empurrar Gavin, mas ambos perderam o equilíbrio e caíram sobre a cama. — Você é impulsiva demais, doçura. Se era isso que queria, só tinha de pedir. — Você me empurrou! — Não, amor, você me puxou. — Com uma expressão mais gentil, ele começou a acariciar-lhe o rosto. — Ficou uma grande cama, não? — Grande. Nina estava sob o corpo dele, presa fisicamente e hipnotizada pelo olhar que a observava. Não protestou quando ele baixou a cabeça e encostou a boca na sua. Na verdade, até o enlaçou pelo pescoço, sentindo-se completamente mole. Logo, Gavin procurou o pescoço alvo, beijando-o com suavidade e despertando um mundo de sensações. Nina já tinha a blusa aberta e os cabelos soltos. Foi nesse instante que veio o som de uma batida na porta e a voz de Whip declarando: — Nina, eu trouxe uma coisa para enfeitar seu vagão. Ela se sentou abruptamente, tremendo da cabeça aos pés. Incapaz de olhar para Gavin, tentou fechar a blusa e arrumar os cabelos. O que ele não deveria estar pensando dela? Quanto a isso não havia dúvidas, e ela se censurou por ter permitido que a situação chegasse a esse ponto. — Preciso me arrumar — murmurou, ouvindo outra batida na porta.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Nina... amor — Gavin disse, com toda gentileza. E num tom mais rouco: — Você não precisa abrir a porta. — Não? Claro que preciso. O que... o que aconteceu nunca deveria ter acontecido. — De um. salto, ela foi até a porta — Entre, Whip. Por favor! Whip lançou um olhar divertido para Gavin, antes de mostrar a garrafa de uísque contendo um ramo de flores amarelas. — Vi estas flores perto do riacho e achei que você ia gostar. — São lindas! — De novo ela expressou sua alegria com um abraço. O carpinteiro ficou momentaneamente sem reação, mas retribuiu o abraço com entusiasmo, fazendo com que Gavin interferisse. — Foi muita gentileza sua trazer essas flores para minha irmã, mas já é tarde e ela precisa descansar. Nina reagiu de imediato, apavorada. Não podia ficar só com ele, de novo. — Não, é cedo! Fique mais um pouco, Whip. O rapaz olhou em volta, com interesse, mas não deu o menor sinal de ter notado a cama desarrumada. — Os rapazes fizeram um bom trabalho, Nina. Isso prova que você ganhou o coração de todos. — Num gesto gracioso, levou a mão ao peito. — Inclusive o meu. Há muito tempo, os amigos e a família de Nina tinham lhe dito que estava madura demais para casar-se. Agora, a atenção de tantos homens levava-a a reconsiderar essa opinião. Mas não. Como McKenna dissera, os lenhadores reagiriam do mesmo modo a qualquer mulher que se aventurasse por ali. Como ele. A ternura que sentira nele tinha origem na carência de quem vive afastado da civilização. Precisava aprender a preservar-se. Enquanto Nina colocava as flores sobre a mesa, McKenna dirigiu-se a Whip, sem esconder sua irritação. — Você desconhece a situação de minha irmã, rapaz. Ela enviuvou e não tem interesse em receber visitas masculinas. Nina girou nos calcanhares, atônita. — Essa é uma decisão que só eu posso tomar! Como se nada tivesse ouvido, Whip testou a cama. — Este colchão precisa de mais alguns galhos. Seu irmão deve ter se cansado, antes do trabalho terminar.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Os dois homens trocaram um olhar hostil. Depois de alguns segundos de silêncio, Whip comentou: — Ele deve estar doente. Nunca o vi tão quieto. Nina aproveitou a oportunidade para ver se descobria alguma coisa a respeito dos dois. — Vocês já tinham se encontrado, antes de virem para cá? — Uma ou duas vezes. Os lenhadores estão sempre se encontrando. — Claro. Só que ele é fotógrafo. Com um olhar apologético para McKenna, Whip pôs-se a acariciar o bigode. — Eu devia estudar fotografia. Como lenhador, nunca achei uma irmã bonita para escoltar por aí. — Boa noite, Whip — disse Gavin. Rindo o rapaz pegou uma das mãos de Nina e levou-a aos lábios. — Whip, por que você disse que sua mãe acha que está no mar? — perguntou ela, na intenção de retê-lo e não deixá-lo sair antes de Gavin. Ele recuou um passo, novamente sério. — Por que minha família se ocupa do mar. Cargueiros. Mas não serve para mim. Nina lembrou-se de uma conversa que tivera com o pai, a respeito de lenhadores. Segundo ele, entre os lenhadores podia-se encontrar todo tipo de gente: homens de negócios falidos, ovelhas negras de boas famílias e políticos em desgraça. Não raro, muitos eram estudados. Com outro interesse, ela fitou o rapaz. Seria ele a ovelha negra de alguma família de posição? — Sempre achei que cargueiros eram um negócio rendoso. Por que você veio embora? Deliberadamente, Whip assumiu uma postura atrevida. — Aqueles navios ficam no mar meses a fio. Não agüento tanto tempo sem mulher. — É? — Com um tom irônico, Gavin entrou na conversa. — Só por isso? . O sangue subiu ao rosto do rapaz. — Olhe aqui, posso ter uma dívida para com, você, mas... — Com um olhar para Nina, interrompeu-se, apertando os punhos.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica A tensão era evidente entre os dois homens. Sem dúvida, ambos se conheciam de longa data. Quanto à impaciência de Gavin... Seria possível que o barão da madeira acreditasse que, por ser mais velho, tinha o direito de dirigir a vida do rapaz? Cheia de simpatia por Whip, murmurou: — Cavalheiros, por favor... Perdendo a expressão dura, Gavin deu de ombros. — Desculpe, Whip. Você sabe que eu só quero o melhor para você. — É mesmo? — Nina encarou-o com ar de dúvida. — Então, por que não impediu que ele fosse quase morto por aquele bloco? Para sua surpresa, o rapaz virou-se para ela, soltando os punhos apertados. — Ora, Nina, é o perigo que um homem não conhece que o mata. — E você sempre vê o perigo? — Ainda estou vivo, não estou? Os olhos brilhando, Gavin contou: — Ela está achando que o dono deste acampamento não mantém o equipamento em boas condições. Whip olhou de um para o outro — Eu gostaria de poder ajudá-la, mas, no fundo, sou um nômade. Estou aqui há menos de três meses. — Tempo mais que suficiente, não acha? — Nina insistiu. — Bem... se alguém tem culpa, não é o proprietário. Isso eu lhe garanto. Cansada, Nina deixou-se cair numa cadeira. Era óbvio que Whip não ia dizer nada. Afinal, ele mesmo confessara que tinha uma dívida para com McKenna. — Foi um longo dia, e o amanhã começa antes do sol nascer. Venha comigo, Whip. Minha irmã está precisando do abraço de Morfeu, não o de simples mortais. — Gavin pousou a mão no ombro dela, num gesto de conforto que logo se tornou uma carícia, quando deslizou os dedos para acariciar-lhe a nuca. O coração de Nina deu um salto. Ela tentou encontrar algo cortante para dizer, mas estava sem forças. — Não se esqueça de trancar a porta. — Sem dúvida lamentando o rumo que a situação havia tomado, Gavin saiu atrás de Whip e fechou a porta. Nina apertou os dentes, irritada com as próprias reações. O homem era responsável pela morte de Johnny! Tinha de se lembrar disso, manter essa lembrança sempre viva em sua mente. Deliberadamente, ela se pôs a relembrar o rapaz e a garota que tinham sido amigos desde a infância, que aos catorze anos haviam decidido se casar. Mas Johnny

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica insistira em economizar o suficiente para lhe dar conforto, e o tempo havia passado. No seu vigésimo aniversário, ele a abraçara, dizendo: — A madeireira McKenna paga não só pela madeira derrubada, como também pela rapidez dos lenhadores. Sou jovem e forte. Aposto que sou capaz de derrubar árvores mais depressa que a maioria dos homens. Assim, eles haviam se casado, e nos quatro meses em que viveram juntos tinham sido amigos, confidentes e amantes. Ela só lamentava que ele não a tivesse deixado grávida. E que não tivesse rejeitado os prêmios de McKenna por rapidez. Nina correu os olhos pelo vagão. Como era diferente do conforto a que estava acostumada. Mas isso não tinha importância. Importava descobrir o ponto vulnerável do barão da madeira. Aliás, já descobrira. O orgulho de McKenna foi abalado e Nina era tão frágil quanto os sonhos que Johnny tinha acalentado. Sorriu. De agora em diante, ou Gavin McKenna aprenderia a fotografar ou ficaria tão entediado que a deixaria sozinha. E apostava na última!

CAPÍTULO XI Apoiando o cotovelo sobre a máquina, presa ao tripé, Gavin olhou para a porta aberta da cabana do afiador de serras. Nunca, em toda sua vida, ouvirá falar de um afiador que revelasse os segredos de sua profissão. A maioria mantinha a porta fechada, e até o chefe do acampamento batia e esperava que lhe dessem permissão para entrar. No entanto, ali estava Owen mostrando a Nina como dar fio a uma lâmina. Numa banqueta, com os cabelos ameaçando cair sobre as mãos dele, ela seguia as explicações com a atenção de quem depende delas para viver. De repente, Nina ergueu a cabeça e o fitou. — Vamos precisar do flash para retratar Owen trabalhando, não acha, maninho? Que tal você arrumar uma pose do lado de fora? Gavin franziu a testa. Por acaso achava que ele ia tentar bater uma foto lá de dentro, com aquela falta de luz? E se ela começasse outra frase com "que tal você", naquela vozinha doce que sugeria que ele era burro, logo, logo, ele explodiria de raiva. Fagulhas saltavam da pedra de amolar, com um brilho tão intenso quanto o dos olhos femininos. Foi nesse momento que Gavin percebeu: Nina o provocava de propósito. Redobrava os esforços para mostrá-lo como um vilão, e não fora apenas por causa da troca de alguns beijos.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin endireitou o corpo, aceitando o desafio. — Você faz mal em duvidar da minha capacidade, Dolly, querida. Esta é uma oportunidade de ouro de fazer uma foto contrastando a delicadeza de sua presença com a dureza do trabalho de Owen. — Muito sério, ele levou a câmera para mais perto da porta e ajeitou-a. — Não se mexa, maninha. A nitidez da sua posição vai fazer um grande contraste com o borrão das mãos de Owen se movimentando. Entendendo, ela começou a se levantar, mas Gavin fez sinal para que ficasse onde estava. — Não, fique aí. Afinal, o fotógrafo sou eu. E não vai demorar. Você só tem de ficar imóvel por... vinte minutos! Fitando-a através da câmera, ele pensou que, se pudesse captar o brilho dos olhos dela, na certa estaria fazendo um estudo de uma mulher planejando um assassinato. Durante o resto da tarde, eles brincaram de gato e rato. Em todas as perguntas de Nina a Owen e outros, Gavin ouvia uma nota de desconfiança. Ela sempre queria saber há quanto tempo eles trabalhavam para McKenna e em que acampamentos. Para quê? Já ficara evidente, também, que ela pretendia livrar-se dele. Só que isso ia ser um bocado difícil. No sábado Nina fez um balanço da situação. O resultado não a agradou. Questionando os homens, conseguira alguns pontos de vantagem, mas perdera todos para McKenna, que fizera melhor uso das informações obtidas. Enquanto ele estivesse por perto, nada daria certo. As boas oportunidades eram raras. O incidente com o burro a vapor levara Robertson a insistir para que não se aproximassem do local de derrubada das árvores. Ela queria desobedecer, mas Gavin lhe pedira um pouco de paciência. Sem dúvida, teria de passar a perna nos dois homens. No fim daquela tarde, Perry ajudou-a a levar as placas com os filmes batidos até a Shay, para que chegassem às mãos de seu pai, em Portland. Depois disso, foram jantar e ela voltou para o vagão. De repente, ao longe, vozes masculinas começaram a soar acompanhadas por um violino. Seriam os lenhadores? Eles haviam trabalhado às doze horas de sempre, o que era outro motivo de irritação para ela. Três anos atrás, o governo decretara oito horas de trabalho diárias, para todos os contratados. Por que McKenna desobedecia a lei? Quando o questionara, ele respondera que ela não entendia nada de negócios e trabalhadores. Provavelmente estava certo, porque se os homens estivessem tão cansados quanto ela julgava, não estariam cantando.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Minutos depois, tendo se vestido e prendido novamente os cabelos, aproximouse da fogueira acesa diante dos dormitorios, protegida pelas sombras. Trazidas pelo vento, as palavras dos lenhadores eram claras: "Quem fornece o dinheiro, para uma boa bebedeira, do primeiro Ao último lenhador?" A resposta elevou-se em coro: "Quem? Gavin McKenna." Nina sabia que metade dos homens tinha pego uma carona na Shay até Portland, mas a outra metade ali estava, reunida em um semicírculo junto de um toco de quase dois metros de diâmetro. Em cima do toco, com as pernas separadas para melhor equilíbrio, um dos lenhadores puxava a canção, com sua voz de tenor. A resposta em coro era sempre a mesma: "Quem? Gavin McKenna". "Quem vai conosco Para dentro de um salão E ouve as damas perfumadas chamarem? Quem? Gavin McKenna." Atrás dos homens, a floresta erguia-se contra o céu escuro. O vento soprava entre as folhas e as chamas da fogueira criavam sombras de formas bizarras e assustadoras. Ajeitando a gola do casaco, Nina ergueu-se na ponta dos pés, para ver melhor. Lá estava Perry, parecendo meio inseguro, mas batendo palmas no ritmo da música. Gavin também estaria lá ouvindo seu nome servir de refrão numa piada cantada? Ele possuía muito senso de humor, mas tudo tinha limite. A voz do tenor continuou: "Quem caminha conosco Para os fundos do salão E sobe as escadas Para o segundo andar?" Os lenhadores berraram: "Quem? Gavin McKenna." Nina sufocou o riso. A canção era deliciosa, mas haveria por trás dela algo além de um simples divertimento? Teria a identidade de McKenna sido descoberta? Ouvindo o couro animado dos lenhadores, Gavin sorriu. Ele estava apoiado a uma árvore, na periferia do agrupamento de homens. Já ouvira aquela canção e outras semelhantes, com o seu nome ou o nome de outros lenhadores servindo de refrão. Os rapazes faziam uma piada e sentiu-se melhor. Talvez até ficassem com uma disposição melhor, em relação ao patrão. Quando a voz do tenor começou outro verso, um movimento junto ao dormitório mais próximo chamou a atenção de Gavin. As chamas elevaram-se iluminando mais longe e arrancando reflexos avermelhados dos cabelos da pessoa que lá estava.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina? Como sempre, uma curiosidade infernal a trouxera para onde não deveria estar. E contra todos os seus avisos. Pelo menos, desta vez ela estava com os cabelos presos. Ver os longos fios arruivados soltos, captando a luz da fogueira, seria de enlouquecer qualquer homem. De repente, Gavin enrijeceu. Outra sombra havia se aproximado da primeira. "Quem entra conosco debaixo de lençóis perfumados e cavalga conosco as..." Chega, rapazes — Whip avisou, de trás de Nina. — Há uma dama presente. Nina virou-se, surpresa, pois não o vira chegar. Tomando-lhe a mão, Whip puxou-a para a luz. Alguns homens começaram, a se levantar, mas se detiveram a um sinal dela. — Não parem por minha causa. Por favor, continuem. — E para o tenor: — Você tem uma linda voz. O sr. McKenna também ia achar, se estivesse aqui. O riso explodiu entre eles, em meio a gritos de que McKenna tinha tanta chance de gostar do cantor quanto de aparecer por ali. — Eu estou neste acampamento há três anos — berrou o ferreiro —, e nunca pus os olhos em McKenna. — Três anos? — Nina repetiu. — Ele não deve ter muito interesse por este acampamento... ou pelos homens que trabalham para ele. Whip sorriu. — É que nós somos tão bonzinhos, que ele nem precisa vir aqui. Os outros gritaram sua aprovação. — Os rapazes estão animados, esta noite — Whip disse para Nina. Os trilhos avançaram. Vamos para a nova área a qualquer momento. A nova área! Nina foi tomada pelo excitamento. Era lá que cresciam as árvores para o Templo de Toras. McKenna encontraria a solução para o dano que vinha ocorrendo aos troncos? Seria uma pesquisa perigosa. — Está com frio? — Whip perguntou, vendo-a estremecer. — Não é de admirar, com o vento soprando desse jeito. Mas eu conheço um jeito de aquecer você. Ela o fitou, desconfiada, e ele riu. — A verdade é que eu conheço mais de um jeito, mas você vai gostar desse. — Piscou, cheio de malícia. — Como provavelmente gostaria dos outros. — Sem esperar por uma resposta, puxou-a em direção ao toco, gritando: — Vamos lá, Joe. Toque algo animado! Enquanto o violinista ajeitava o instrumento, Whip colocou Nina sobre ò toco e pulou para junto dela. Segundos depois, ambos dançavam ao som de uma música animada, acompanhados pelos gritos e palmas dos outros lenhadores.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica As chamas da fogueira erguiam-se alegres como a música, alimentadas por várias achas de lenha, mas contidas de modo seguro por um círculo de pedras. Os lenhadores conheciam o perigo do fogo. Pensando nisso, Nina segurou as saias e deixou que a música tomasse conta de seus pés e de seu corpo de uma maneira que nunca permitira, em casa. Vendo Nina dançar, rindo, iluminada pelas chamas, Gavin chegou à conclusão de que venderia a alma ao demônio para se livrar da atração que ela exercia sobre seus sentidos. Não deveria estar ali, mas acampado junto às árvores destinadas à exposição. O fato de os troncos anteriores terem sido danificados a caminho de Portland não significava que outros não pudessem ser danificados em outro momento. Mas não podia deixar Nina desprotegida. Nem deixá-la aos cuidados de Whip, que considerava uma mulher bem cuidada quando suspirava de prazer em seus braços. Não, não deixaria Nina, embora ela andasse minando sua paciência. Durante os três dias em que se fizera passar por fotógrafo, ela não perdera uma única chance de expor a farsa. A tal ponto que todos já o fitavam com curiosidade, talvez até com divertimento. Seu orgulho estava terrivelmente ferido. — Fotografar é observar a luz — ela dissera naquele tom doce que o taxava de incompetente. E outra vez: — Se você vira a câmera na direção do sol, não vai encontrar nada além de um clarão no vidro. E ainda, num tom de suave reprovação: — Não há-duvida de que você é um artista muito criativo, maninho. Ela usava as palavras para ferir e a câmera para focalizar os piores aspectos do acampamento. — Encontrar defeitos é fácil — ele dissera, afinal. — No seu estúdio não há nenhum equipamento gasto? Não obtivera resposta. Jogava um jogo diabólico, cujas regras ela ditava! Afastando-se do tronco em que se apoiara, Gavin abriu caminho entre os lenhadores e pulou para o alto do toco. Nina errou o passo. Tinha os olhos verdes escuros como a mata e o vento brincava com seus cabelos, jogando-os contra a curva de seu pescoço e a forma delicada das orelhas. Quando Whip recuou, Gavin segurou-lhe a mão, puxando-a para si. Ao contato, uma corrente de vibração estabeleceu-se entre seus corpos, e, devagarinho, os dois começaram a circular pelo toco. Aos poucos, o violinista aumentou a rapidez do ritmo. Na dança, Gavin se tornou o senhor, o que foi um bálsamo para seu orgulho. Ele a desafiou com passos difíceis,

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica aprendidos nos salões mais inventivos de San Francisco. Ela o seguiu com aparente facilidade, os olhos brilhantes de animação. Nina tinha uma das mãos no ombro, a outra entre os dedos de Gavin. Um calor espalhou-se por todo seu corpo e teve a impressão de mal tocar o solo com os pés. Obviamente, ele queria vencê-la na dança, como não conseguia na fotografia. O orgulho masculino estava ferido e, com sua postura, ela o desafiava a continuar. O violinista tocava cada vez mais depressa, fazendo a noite vibrar com sua música. Os pés de Nina, voando, seguiam os de McKenna. A fogueira queimava as chamas cada vez mais altas. A dança era uma batalha que Nina não poderia vencer, embora não quisesse admitir a derrota. Eles giraram perigosamente perto da beirada do toco, e ele a jogou em direção à escuridão, puxando-a depois de volta para a luz e seus braços. Ela sustentou o olhar dele, enquanto correspondia a cada gesto com paixão e velocidade. Os lenhadores batiam palmas num ritmo primitivo que parecia ressoar no sangue de Nina. O roçar do corpo de Gavin no dela intensificou essa sensação. Ela achou que havia errado o passo, no entanto, acompanhou-o. Aos poucos, o ritmo tornou-se mais lento. A música ganhou a profundidade de uma sinfonia. Os lenhadores deixaram de fazer parte do mundo de Nina, restando apenas a sedução dos passos de McKenna e a resposta de seus pés. A música parou. Por um instante, ela se sentiu desorientada. Então, a realidade voltou. McKenna inclinou-se para trás, até que seus cabelos, agora completamente soltos, encostaram-se no toco. Sob os gritos de aprovação dos homens, ele a puxou novamente, recebendo-a nos braços. De repente, Nina sentiu-se exposta e recuou as mãos tremulas procurando prender novamente os cabelos. Vários lenhadores pularam sobre o tronco para dançar, os que iam fazer papel de mulher com um lenço vermelho amarrado ao braço. Nina aproximou-se da beirada. Gavin pulou para o chão, depois estendeu os braços para ajudá-la. Ela hesitou, mas se ficasse ali teria de dançar novamente, o que não desejava. Segurando-a pela cintura, Gavin colocou-a no chão e afastou-a um pouco do grupo. O violinista atacou um fandango. Observando os pés dos lenhadores voarem ao ritmo acelerado, ela procurou se concentrar no que via. Acampamentos madeireiros tinham feito parte da vida de seu marido. Uma parte que ela nunca havia partilhado nem pensara em partilhar. — Johnny adorava dançar — murmurou. Suas palavras tinham um tom de acusação. Voltando-se, ela viu que McKenna a observava. Mas ele estava com o rosto nas sombras e não podia ver-lhe a expressão.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica disse:

Hostilidade era a única arma de defesa que possuía, e foi pensando nisso que

— É verdade o que o ferreiro falou? Faz mais de três anos que você não vem a este acampamento? Gavin suspirou. — Não culpe McKenna pelo que ele não pode evitar. Afinal, ele é um só. — Ele é um homem com responsabilidades — Nina rebateu, ciente de que ele não poderia discutir, por medo de ser ouvido. — Diga-me uma coisa — Gavin murmurou, logo depois: — Como era Johnny? Ela observou os homens que dançavam sobre o toco. A agilidade mantinha-os vivos na floresta e fazia com que dançassem tão bem. E.Johnny? Também dançava? Com certeza. Era impossível imaginá-lo sentado, olhando apenas. Mas não conseguia lembrar-se bem do rosto, com McKenna tão perto. A sensualidade que sentira no barão da madeira, aquela noite, criava uma barreira que a impedia de recordar, com clareza, o rapaz com quem havia se casado! Com aspereza, para esconder sua confusão, Nina respondeu: — Ele era meu amigo. O que não constituía uma resposta. Precisava descrever Johnny de maneira que McKenna entendesse a intensidade de sua perda. Mas como? Johnny ria com freqüência, gostava de bons cavalos, adorava brincar e sabia ser alvo de uma brincadeira. Esperava ganhar uma fortuna para ela, mas não conseguia conservar um dólar no bolso. Uma descrição que o faria parecer um rapaz irresponsável. Frustrada, exclamou: — Ele nunca teve chance de crescer! — Sei... O que foi uma pena, principalmente se você se entregou de coração. — Eu era uma menina, quatro anos atrás. Acha que continuei a mesma, com meu marido na cova e meu pai numa cadeira de rodas? Gentilmente, McKenna acariciou-lhe o pulso. Nina fitou-o. Estava atônita com as sensações despertadas por aquele toque. — Fico triste, sabendo que você sofreu. Por minha culpa ou não. — Fez uma pausa, depois acrescentou: — Mas você ganhou em espírito. Agora, é.uma mulher rara, refinada pelo sofrimento. Ela puxou a.mão. — Você não sabe como sou muito menos como era antes!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Não? Pois eu sei, pelo menos, que você não gostaria de passar o resto da sua vida escolhendo rendas, planejando chás ou indo a bailes. Pela necessidade, desenvolveu um grande talento para a fotografia. Podia ser verdade, embora ele não fizesse idéia da agonia que a perda de Johnny lhe causara. — O que você sabe de necessidade? Aposto que nunca lhe faltou nada! — É, parece que conhecemos pouco um do outro. — Gavin fez uma pausa. Depois acrescentou, quando ela já se virava: — Uma coisa é certa: se o seu Johnny voltasse, agora, você não se sentiria atraída por ele. Nina foi assolada pela fúria. — Não tem o direito de dizer isso! — quase gritou, erguendo a mão espalmada e atingido-o em cheio no rosto. Gavin agarrou-a pelo pulso. — Como toda mulher, você se recusa a verdade, quando ela não lhe agrada! Soltando-se, Nina girou nos calcanhares e começou a caminhar para o vagão. Mas ele a seguiu., — Você não vai andar à noite pelo acampamento sozinha! — E você não vai me dar ordens! — Vou acompanhá-la até o vagão. Ela respirou fundo, pronta para lhe dizer uma ou duas verdades. Robertson interrompeu-os. — Como? Uma briga de família? O homem era furtivo como uma raposa, Nina pensou, engolindo as palavras ásperas que estivera prestes a dizer. Gavin, por sua vez, colocou-se instintivamente entre Robertson e Nina. De onde o homem viera, tão de repente? Seria possível que também pretendia cortejar Nina? Lutando contra a raiva, conseguiu responder ao chefão sem se trair. — Não é nada sério. A. minha irmã acha que pode andar pelo acampamento, sozinha, à noite, mas eu acho melhor acompanhá-la até o vagão. — Ele tem razão, moça. Nunca se sabe que tipo de animal anda solto pela noite. O sorriso de Robertson causou um arrepio em Nina, e ela não teve outra escolha a não ser permitir que o "irmão" a acompanhasse até a porta de sua casa temporária.

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CAPÍTULO XII Robertson vira os dois deixando-a dança? Gavin pretendia deixar claro, a todos os homens, que Nina não estava desprotegida. Empurrando a pesada porta de madeira, ele a segurou pela cintura e colocou-a no interior do vagão. Durante toda a caminhada pelo acampamento, sentira a resistência silenciosa da parte dela. Sem lhe dar tempo para protestar, entrou também. — Acenda o lampião. Quero verificar se nenhum animal veio se esconder aqui. Nina obedeceu, não sem disfarçar a indignação. — Só há dois homens, aqui, em quem eu jamais confiaria: Robertson e você. — É melhor você não confiar em mim, mesmo. Afinal, todos sabem que tenho um fraco por mulheres de cabeça oca. Ele correu o vagão, olhando debaixo da mesa e até atrás da pesada capa que ela havia dependurado num prego. O lampião, balançando, tornava a luz mais intensa ora num ponto, ora noutro. A lembrança da dança que haviam partilhado ainda era muito recente. Querendo acabar com a ilusão, Nina fez um comentário mordaz: — Entre nós, todos sabem quem é o cabeça oca. — O ar quente do vagão ajudaria a agitar os ânimos. — Pode ir, agora. Gavin recostou-se na porta. — Ainda não sei se Robertson não nos seguiu. O vagão era muito pequeno. Ela recuou e bateu na mesa. A garrafa com as flores balançou antes de cair ao chão. — Robertson está do lado de fora e eu sou perfeitamente capaz de trancar uma porta. Assim que você sair, é claro! — É mesmo? Gavin começou a abrir a porta, depois fechou-a novamente, passando a tranca num gesto firme e decidido. — O que foi? Ficou louco? Você não pode ficar aqui, McKenna! Ele cruzou o espaço que os separava e pegou a garrafa. Com todo o cuidado, ajeitou as flores e recolocou-as sobre a mesa. O cheiro de serragem, sempre presente

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica no ar, parecia mais intenso, afrodisíaco. Com os sentidos aguçados, Nina tomou consciência do cheiro do corpo masculino, aquecido pela dança. De longe vinham as vozes dos lenhadores, unidas numa canção. — O que é que você está fazendo, McKenna? Tão perto que chegava a encostar a manga do paletó nós seios dela, Gavin estendeu a mão para o lampião. Por um instante, seus olhares se encontraram. Depois, ele abaixou a chama, envolvendo o ambiente numa penumbra mais própria a um quarto de dormir. O controle que Nina mantivera com tanto esforço, durante toda a noite, diminuiu. Á voz masculina soou suave como veludo. — Eu sei exatamente o que estou fazendo. Ele segurou o rosto dela entre as mãos, fazendo-a sentir os novos calos que havia adquirido. — Você não pode ficar. A luz tinha um tom dourado, que iluminava os cabelos de Gavin, mas escurecia o seu olhar. — Não posso? Tem certeza? Baixando as mãos, ele acariciou-a dos ombros à cintura. Então, com uma pressão sutil, puxou-a para si. Nina fitou-lhe o pescoço másculo e foi tomada por uma emoção que nunca havia experimentado. Devagarinho foi cedendo, e a distância que os separava acabou. Estava nos braços dele, exultante com o contato, os lábios correspondendo com avidez ao beijo. A paixão que sentira, dias atrás, não era nada comparada à emoção que começara com a dança e fora alimentada pela briga. Parecia-lhe impossível beijá-la com a intensidade necessária para satisfazer o desejo que crescia em seu íntimo. Suas roupas tornaram-se uma barreira irritante, e a frente de seu vestido foi aberta por seus dedos e pelas mãos masculinas. O casaco de Gavin roçou seus mamilos, e ela abraçou-o, adorando a sensação. Afastando-a, ele acariciou-lhe os seios com suavidade e provocante lentidão. Ela estremeceu, fechando os olhos. Em sua mente, uma voz ergueu-se, protestando, mas logo foi silenciada. O ar noturno, que tocava sua pele, cedeu lugar aos lábios e à língua de Gavin despertando uma excitação alucinante. Nina nunca sentira verdadeiramente desejo por um homem. Em sua experiência, fazer amor era algo cheio de ternura, que a deixava com uma vaga insatisfação e que sempre associara a sua esperança frustrada de engravidar. O que vivia, no momento, era tão diferente que a assombrava. Tomada por uma ânsia quase desesperadora, mergulhou os dedos nos cabelos de Gavin, puxando-o para mais perto. Com a sensibilidade à flor da pele, sentiu-se

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica impelida a tocá-lo como ele a estava tocando. Impaciente, abriu-lhe o colete e a camisa, alcançando o peito forte, onde o coração batia apressado. O resto de suas roupas caiu ao chão, juntamente com as de Gavin. — Ah, você é linda! — ouviu-o dizer, a voz cheia de admiração . Estranhamente, não estava embaraçada. O prazer nos olhos dele permitia que seus próprios olhos fizessem suas explorações, descobrindo onde a pele mais bronzeada se encontrava com a mais clara, dourada pela luz do lampião. Mas nenhum dos dois tinha disposição para longas observações. Nos braços de Gavin, Nina sentia a força do desejo masculino, tão grande que a espantava e excitava ao mesmo tempo. Não houve necessidade de palavras, antes que se dirigissem à cama. Entre eles, as palavras sempre traziam discussões. O melhor era confiar na linguagem de seus corpos que, instintivamente, buscavam uma união completa. Na cama, o perfume dos galhos de pinheiro envolveu-os. Trêmula, Nina perguntou-se até que ponto a levariam emoções tão intensas. Gavin deslizava os lábios úmidos por seu corpo, procurando e encontrando uma resposta ardente em cada ponto sensível. Gostava do cheiro dele e ela inspirou, deliciada. Depois, num impulso, mordeuo no ombro. Rindo baixinho, Gavin puxou-a para cima de si. Os cabelos dela se soltaram, espalhando-se sobre ele. — Mas que geniosa, heim? Ela corou, embora soubesse que ele não estava zangado. Longe disso, na verdade. Lentamente, ele fez com que ela se deitasse sobre seu corpo, até seus lábios se unirem. Surpreendendo a si mesma, Nina percorreu-lhe a boca com a ponta da língua, criando coragem, depois, para explorá-la por dentro. Uma carícia íntima à qual ele correspondeu transformando-a num beijo de ardoroso arroubo. Gavin rolou o corpo, ajoelhando-se sobre o colchão. Nina sentiu-o tremer. Levada, não pela experiência, mas pelo instinto, guiou para dentro de si, dando início à sedução do amor. De novo, sua mente foi tomada pela música vivaz do violino lá fora. Ela e Gavin tinham se desafiado enquanto dançavam, aproximando-se, separando-se, provocando um ao outro. Agora, a provocação se repetia, sensualmente, na intimidade máxima partilhada entre um homem e uma mulher. Gavin esforçava-se para se controlar, para diminuir o ritmo, mas a excitação acabou por vencê-lo, fazendo-o mergulhar num arrebatamento de prazer. Logo em seguida, foi a vez de Nina. Ela teve a impressão de que todos os seus nervos se incendiavam, os sentidos transportando-a para um mundo desconhecido, de paixão avassaladora.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin aconchegou-a nos braços quando a explosão dos sentidos cessou, deixando-a ofegante, finalmente apaziguada. Sentia-se dominado pela ternura e a exultação. Desde que a vira pela primeira vez, quisera tê-la assim, mas nunca imaginara que a sensação pudesse ser tão maravilhosa. Seu prazer era tão grande que dava para pensar em alianças e casamento, assuntos nunca antes cogitados. Gostaria de dar a ela o mundo. Ao mesmo tempo, queria envolvê-la em rendas e veludo e escondê-la de todos. Mas ainda havia o problema de Robertson para resolver. Pensando no chefe do acampamento, Gavin puxou-a para mais perto de si, num impulso de proteção. Gentilmente, afastou-lhe os cabelos úmidos da testa. Aquele não era um momento para assustá-la, revelando a verdadeira razão de sua investigação no acampamento. Ele estava tão certo de que ela acabaria reconhecendo o erro de culpá-lo pelos acidentes que não fizera nada para convencê-la do contrário. Agora, lamentava essa atitude. Contudo, ela não poderia ter correspondido a suas carícias com tanta paixão, se ainda o julgasse culpado. Mas precisava ouvi-la admitir isso. Teria de acordá-la, mas valeria a pena. — Amor, não imagina como estou contente em descobrir que nossas brigas não passavam de uma farsa. Para sua surpresa, ela não só acordou como sentou-se abruptamente. Tentou segurá-la, e ela recuou para a beirada da cama. — Nina! O que foi? — Uma farsa! — Vendo-o mover-se, ela agarrou o cobertor e pulou para fora da cama. — Não aconteceu! Não pode ter acontecido! Eu fui traída! Foi este lugar, este acampamento primitivo! Se conseguisse segurá-la, talvez pudesse acalmá-la. Devagar, foi até a mesa e aumentou a chama do lampião. Com a claridade, viu-a encostada no canto mais distante, o cobertor apertado em volta do corpo. Tinha os olhos arregalados e uma expressão incapaz de ser decifrada. — Nina... Nina, o que aconteceu, agora há pouco, foi a única coisa certa que houve entre nós. — Vá embora! Por favor. Coloque suas roupas e vá. Quero esquecer este... este pesadelo. — Pesadelo?! — Ele mesmo percebeu o orgulho ferido em sua voz. — Pois eu acho que foi um sonho, um presente que partilhamos. Nina estremeceu. Presente... Pois sim! Ela se portara como uma mulher à toa. Traíra Johnny. O que dera nela, para ser tão... Só podia ser aquele lugar.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Apertando o rosto de encontro ao cobertor, tentou não ouvir o barulho de Gavin se vestindo. Havia tanta mágoa e zanga nos movimentos dele! Procurando deixar seus sentimentos de lado, Gavin fez mais um esforço para começar uma conversa sensata. — Já é tempo de encararmos os fatos, Nina. É por que sou dono de uma madeireira que você antipatiza comigo? Pois saiba que há anos estou tentando formar urna associação de donos de madeireiras. Tantos problemas de conforto e segurança dos homens precisam ser discutidos! E um dia isso vai acontecer. Pelo menos, é o que eu quero que aconteça. — Eu não sei o que você quer, só sei que deste acampamento... que é seu... muitos homens saem mortos ou feridos. — Não vou me desculpar por coisas de que não tenho culpa — ele rebateu cheio de amargura. — E assim tão difícil para você encarar o assunto com uma mentalidade mais aberta? Ela não respondeu. Mas ele a viu tremer, sob o cobertor, e foi tomado por uma vontade imensa de protegê-la. — Pense bem no que aconteceu, Nina. Pode ser que, à luz do dia, tudo lhe pareça melhor. Ao fechar a porta atrás dele, Nina tentou convencer-se de que só estava sentindo alívio. Apertando mais o cobertor de encontro ao corpo, procurou a camisola. Depois, com os cabelos já trançados, juntou as roupas espalhadas pelo vagão, queimando de vergonha. Se as mulheres tivessem sido feitas para ter as sensações que havia experimentado aquela noite, teria descoberto isso durante seu casamento. O fato de ter sido McKenna a excitá-la tanto só mostrava que ele era um libertino. Nunca mais permitiria que ele entrasse no vagão. Com dedos trêmulos, recolocou, o cobertor sobre a cama. Por mais que tentasse, não conseguia se esquecer do que acontecera.

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CAPÍTULO XIII Nina passou a noite em claro revirando na cama. A afirmação de Gavin, de que não desejaria o marido se o tivesse de volta, invalidava seu amor e sua mágoa. Uma afirmação que ele tentara provar ser verdadeira, despertando nela uma paixão que nunca experimentara. O que tinha acontecido com ela? Mudara, naqueles quatro anos? Claro. Por necessidade. Fora obrigada a batalhar duro por cada centavo que entrara em sua casa. Uma situação pela qual McKenna, na certa, jamais havia passado. Mesmo assim, se pudesse fazer voltar o tempo, gostaria de ser de novo a garota despreocupada que havia se casado com Johnny? Sim. Sim? Gostaria, e muito! Nem McKenna, nem as carícias que haviam trocado ameaçariam essa verdade. Decidida a encontrá-lo com o orgulho intacto, ela entrou na cozinha de queixo erguido. — Hoje é domingo e nós não trabalhamos, dona - disse um lenhador, ao vê-la. — Se quiser, posso lhe mostrar os maiores tocos desta área. — Não, venha comigo — outro convidou. — Posso lhe mostrar uma relva mais macia que coxa de moça. — De imediato, ele corou. — Desculpe, dona. Nina sorriu ciente de que a garota que se casara com Johnny, quatro anos atrás, ficaria terrivelmente ofendida, ouvindo esse comentário. E McKenna? Teria notado sua falta de rubor? Um olhar pelo ambiente mostroulhe que ele não estava ali. Na certa continuava dormindo, coisa que ela não conseguira fazer, a noite toda. Sentou-se ao lado de Perry, que parecia um esquilo, enchendo a boca de panquecas. Irritando-o, serviu-se de uma. Já estava na segunda, quando Michigan Mike parou ao seu lado. — Sra. Wallace, eu queria lhe pagar os dois dólares que me emprestou. Muito obrigado. Com um largo sorriso, Nina aceitou o dinheiro. Estaria mais segura e menos dependente de McKenna, com ele. — Foi um prazer ajudar, Mike. Mike lançou um olhar ao prato dela, antes de acrescentar.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Seu irmão está pedindo para a senhora andar depressa, que ele está a sua espera. Todo o desconforto da noite anterior voltou. — Está, é? — Ele quer ir até o lugar das árvores grandes, antes da tempestade cair. As árvores grandes! A excitação invadiu-a. Nos quatro dias que passara no acampamento, sentira-se tão presa quanto na cidade. O que na certa tivera influência em seu abominável comportamento, na noite anterior. Mas agora poderia andar por um trecho da floresta intocado pelo homem. vai.

— Eu é que vou levar vocês até as árvores — Mike esclareceu. O garoto também

Lá fora, nuvens escuras cobriam o céu. Mike tinha razão em apressá-la. Mas não seria fácil encarar McKenna. Precisava mostrar a ele que nada mudara que continuava a mesma. E continuava mesmo! — Vamos, Perry. Não podemos perder tempo. Enquanto atravessava o acampamento, com Mike e Perry, a noite anterior voltou a sua mente. Corando, procurou se lembrar, em vez disso, da sensação de sua mão atingindo o rosto de McKenna. A imagem, porém, a fez recordar o cheiro de madeira queimando, de um violino tocando e... da cena que viera depois. Imaginando como Gavin a receberia, Nina respirou fundo. Quando fora embora, estava zangado e com o orgulho ferido. Mas o que esperava? Que ela o cumprimentasse pela proeza de possuí-la. De novo, o sangue subiu-lhe ao rosto. Precisava conter as próprias emoções. Era uma viúva, não uma garotinha imatura. Devia esquecer o incidente e continuar sua vida. Torcendo para que McKenna fizesse o mesmo, é claro. Sua determinação se abalou quando o viu ao lado da locomotiva conversando com Dandy Robertson, Naquela manhã, o barão da madeira mostrava o que era. Cada linha de seu rosto expressava autoridade. O chefe do acampamento não percebia que McKenna era um mero fotógrafo? Talvez não. A seu modo, Robertson parecia ainda mais arrogante, com um pé apoiado na locomotiva e os olhos desafiando-a a fitar o lado interno de sua coxa. Nina ficou sem saber se manifestava indignação ou fingia não ter percebido nada. Enquanto hesitava, Robertson empurrou o chapéu de feltro para trás cumprimentando: — Bom dia, sra. Wallace. Sua presença é um raio de sol, neste dia escuro. Para seu alívio, Mike chamou-o para perguntar alguma coisa sobre a litorina.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Você está um pouco abatida, maninha — McKenna comentou, fingindo preocupação. — Não dormiu bem, naquele vagão frio? Ela respirou fundo ah, como gostaria de lhe dar a resposta que merecia! — Dandy concordou em posar para o retrato que queremos. No fim da linha, há um grupo de árvores que vão fazer um fundo perfeito. — Então é melhor não ficarmos aqui fazendo hora, maninho querido. Esta claridade não vai durar muito tempo. — Tem toda razão, sra. Wallace. — Agarrando o braço de Nina, Robertson empurrou-a para a locomotiva. — Mais uma hora e aquelas nuvens vão estar bem em cima de nós. Ela avançou aos tropeções, quase perdendo o equilíbrio. Ignorando o sorriso de McKenna deixou-se cair ao lado de Perry. — O vento é forte, quando a litorina começa a se mover — McKenna comentou, colocando-se de modo a protegê-la. Más Nina, não estava disposta a aceitar favores. — Tenha a gentileza de sair da minha frente. Eu gosto de ver para onde estou indo. Em questão de minutos, a litorina corria pelos trilhos. Robertson começou a apontar lugares de interesse, mas Nina mal o ouvia, assustada com a velocidade que haviam atingido. Além disso, McKenna estava a apenas alguns centímetros dela. Se estendesse a mão, poderia tocá-lo. Para não ceder à tentação, entrelaçou as mãos apertando-as com força no colo. Canyons completamente sem árvores estendiam-se de ambos os lados, enquanto tocos erguiam-se em meio a um mar de galhos abandonados. Uma paisagem feia, onde a cor de serragem dominava tudo. Ainda assim, várias mudas podiam ser vistas, aqui e ali. Logo a área estaria verdejante de novo. Os trilhos avançavam em direção à encosta de uma montanha, onde a floresta virgem estendia-se a perder de vista. As árvores, de tão altas, pareciam tocar as nuvens. Impulsivamente, Nina virou-se para Gavin. — Estive pensando nessas árvores especiais. O que acha de fazermos uma série de fotografias mostrando todos os estágios da viagem delas, da floresta até a exposição? — Você não ouviu o Dandy? Ele não nos quer onde os homens estão trabalhando. Gavin moveu-se, e seu ombro roçou o dela. Nina encolheu o corpo, o que o fez fitá-la com uma certa tristeza. Não queria aborrecê-la. Durante a noite, dormira mal,

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica perturbado pelos sentimentos que haviam partilhado. Ambos tinham se deixado vencer pelo desejo mútuo, no entanto ela jamais reconheceria isso. Mais uma vez, lembranças da noite anterior o assaltaram. Ela o afetara mais do que esperava, e um acampamento madeireiro não era lugar para começar um caso amoroso. Aliás, Nina não parecia disposta a ter um caso amoroso com ele, apesar de sua resposta ardente às carícias. Depois, agira como se tivesse sido insultada... Gavin suspirou, decidindo se concentrar nos problemas que o haviam trazido ao acampamento. A idéia de Nina de tirar a série de fotos era boa. Pena que Robertson não os quisesse no local da derrubada. A litorina entrou na floresta virgem. De ambos os lados, árvores enormes erguiam-se em direção ao céu, os galhos mais baixos a mais de trinta metros do chão. Pouco tempo depois, no entanto, alcançaram uma clareira. — Todo o acampamento vai se mudar para cá — Robertson disse, quando Mike parou a litorina. — Os homens vão render mais, quando não tiverem de andar tanto tempo para chegar ao local de trabalho. — Como vocês dão importância à velocidade — comentou Nina. Sem responder, Robertson pulou para o chão e afastou-se em direção a floresta. Segurando a câmera fotográfica, McKenna desceu e estendeu a mão para Nina. ajuda.

Mesmo de botas, você vai achar difícil andar aqui. É melhor aceitar a minha

O gesto a irritou, embora agradecesse o apoio logo depois, quando tiveram de descer uma trilha lisa e lamacenta. O vento não penetrava entre as árvores, mas balançava as copas, criando um barulho alto e característico de folhas roçando umas nas outras. McKenna guiou-a por cima de um tronco caído e para um trecho da floresta onde o sol coloria tudo com seu brilho. O cheiro rico de terra úmida envolveu-os. Encantada, Nina avançou mais alguns passos. — Cuidado — Mike avisou. — Aqui está cheio de espinhos. Enquanto McKenna ia falar com Robertson, que estava mais adiante, Nina inclinou o corpo para trás tentando ver o topo da árvore a sua frente. Precisou apoiar-se em Mike para não cair, antes que conseguisse. — É incrível! Um segundo tronco erguia-se mais adiante, aparentemente encostado ao primeiro. Mas quando ela olhou com mais atenção, viu que as árvores estavam bem espaçadas. O tamanho delas criava essa ilusão.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — McKenna doou estas cinco árvores para a exposição — Robertson falou tão perto que ela quase deu um pulo de susto. — Uma besteira na minha opinião. Estes troncos valem muito dinheiro. McKenna adiantou-se, examinando um dos troncos. — Vai ver que ele vai ganhar muito, junto à opinião pública. Quando é que vai começar a derrubada? Nina teve vontade de socá-lo. Como ele podia falar com tanta despreocupação em destruir aquelas maravilhas? Mesmo que elas fossem ganhar vida novamente, na exposição, despertando a admiração dos que as vissem. Robertson aproximou-se mais de Nina, ostensivamente, para mostrar onde as árvores iriam cair. Ela se encolheu, tentando evitar que a tocasse. Para um homem que quisera expulsá-la do acampamento, mostrava-se muito interessado em sua companhia. Quanto a McKenna, ou não se importava, ou não havia notado a situação. O que não fazia a menor diferença, Nina pensou, achegando-se a Mike. — Cuidado com os espinhos, dona — ele avisou novamente. E depois, fitando-a nos olhos: — Senti muito a morte de seu marido. Jon era um bom rapaz. — Meu marido?! Você conhecia Jon Wallace? — Conhecia. Robertson interrompeu-os. — Afinal, vocês vieram aqui para passear ou tirar fotos? Vai chover a qualquer momento. O sol havia sido encoberto pelas nuvens, e o ar estava mais frio. O vento tinha aumentado sua força, e Nina percebeu que suas perguntas teriam de esperar. Num tom de dúvida, murmurou: — Há pouca luz. Quando olhava para Nina, Gavin achava difícil pensar em fotografias. Ali, na escuridão da floresta, os cabelos dela brilhavam como uma fonte de luz, formando uma imagem encantadora. Tão encantadora quanto à imagem que gravara em sua mente a bordo da litorina, quando ela inclinara a cabeça para receber o vento no rosto. Revivera a sensação que tivera com ela nos braços, e uma onda de culpa invadiuo. Foi quando notou as atenções exageradas de Robertson e a reação dela à aproximação do sujeito. Ainda bem que Nina não simpatizava com ele. Pelo que dizia, Robertson tomara birra de mulheres, após um mau casamento. Quanto a Mike, estava preocupado com o comentário que o ouvira fazer. Apesar de corajosa, Nina era muito vulnerável e sofreria se ouvisse uma descrição detalhada do acidente do marido. Deliberadamente, resolveu desafiá-la.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Vamos ver o que aprendeu durante estes dias, Dolly. Vai ser um bom teste. Onde acha que Robertson ficaria melhor? De imediato, Nina entendeu o motivo do convite. Pensando em Jon e em seu verdadeiro objetivo para estar ali, olhou em torno. — Ah, não sei, maninho. É difícil, num lugar como este. — Pense, maninha. Tenho certeza de que vai acertar. Ela inclinou a cabeça para o lado, fingindo estudar a questão. — Não sei... — E depois de mais uma pausa, para assustá-lo: — Se afastarmos a câmera, para mostrar o tamanho das árvores, o sr. Robertson vai ficar tão longe que nem será reconhecido. — Assim não vou impressionar as damas — Robertson reclamou. — O objetivo da fotografia é retratar Dandy como um herói — lembrou Gavin. — Mas se ficarmos perto — Nina prosseguiu — só vamos mostrar um monte de raízes enormes. Gavin fitou a árvore, como se a visse pela primeira vez. — Exatamente, maninha. O que propõe, então? Nina pensou por mais alguns momentos, examinando os troncos. O pai lhe falara desses pinheiros gigantescos, cujo corte se fazia bem no alto, onde a madeira utilizável começava. De repente, teve uma idéia. Se voltasse quando os homens estivessem preparando a derrubada... — Se pudéssemos colocar o sr. Robertson acima das raízes, acho que daria certo — arriscou. — Eu ficaria a pelo menos trinta metros do chão. Acho que a sua irmã está me confundindo com um anjo, Wallace. Um erro que poucas mulheres cometeram. Para alegria de Nina, Mike sugeriu exatamente o que ela tinha na cabeça. — Chefe, nós não vamos colocar os andaimes para o corte? Se o senhor ficar em cima de um deles, vai dar certinho. Nina sentiu vontade de abraçá-lo. — Excelente idéia! Podemos voltar com os homens, quando a tempestade passar. A luz também vai estar melhor, depois. Robertson empurrou o chapéu para trás e coçou a testa, enquanto Gavin aprovava: — Eu não disse que conseguiria maninha? Só resta o problema do ângulo da câmera. Não queremos fotografar só os pés de Dandy. — Os olhos dele brilharam. — Vai ver fui eu quem você confundiu com um anjo.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Se ele pensava em mantê-la afastada do lugar da derrubada, enganava-se. Principalmente quando já estava quase conseguindo convencer o chefão. — Não acredito que exista alguma irmã capaz de chamar o irmão de anjo. Principalmente um como você. Aposto que já havia pensado em colocar Dandy num andaime e só estava esperando para caçoar de mim, se eu não arrumasse uma solução. — Arregalando os olhos do jeito que vira Trudy Witt fazer, acrescentou: — E já deve ter resolvido o problema de onde colocar a câmera, também. É ou não é? Ela sabia muito bem que ele ainda não havia pensado em nada. Mas com sua imaginação fértil, provavelmente encontraria uma saída. Mike salvou-o. — E se nós colocarmos uns andaimes na árvore em frente? O sr. Wallace poderia ficar lá, com a câmera. Gavin sorriu. — Exatamente o que eu ia sugerir! Você já pensou em ser fotógrafo, Mike? E desperdiçando o seu tempo, aqui. — Mas que droga! Que negócio é esse de querer roubar meu homem? — Dandy exclamou. E fitando as árvores: — Acha que os andaimes vão dar certo? Você não tem medo de altura, tem? Nina sorriu ante a indignação de Gavin. Enquanto ele assegurava ao chefe que poderia subir nos andaimes, ela se pôs a considerar os ângulos para a câmera. Dentro de alguns dias, todo o acampamento estaria ali e teria de dar um jeito de fotografar o que pudesse, com ou sem a ajuda de McKenna. Uma lufada de vento penetrou entre as árvores. — Acho que o sol foi embora, por enquanto — ela comentou. — Foi uma boa decisão termos combinado de voltar, depois. — Você não precisa voltar, maninha. Afinal, eu é que vou subir no andaime. Você não tem cabeça para alturas. — Ah, não senhor. Não vou perder essa chance de aprender, por nada no mundo. Vai haver muito problema em relação a ângulos e exposição, e eu quero ver como vai resolvê-los. — Coisa que ele não poderia fazer, sem a sua ajuda. Seus olhares se encontraram por um instante, depois ele cedeu. — Está bem, maninha. — Desculpe, minha gente, mas a tempestade está chegando — avisou Mike. O céu escurecia depressa, e quando Nina levantou a cabeça, uma gota de chuva atingiu-a no rosto.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Corram! — Dandy agarrou-a pelo braço. Com o rabo dos olhos, Nina viu que Gavin também havia estendido a mão para ela e não pôde conter uma pontinha de decepção, quando ele desistiu e virou-se para pegar a câmera e o tripé.

CAPÍTULO XIV Enquanto eles subiam na litorina, uma cortina de chuva despencava sobre as colinas distantes. Mais a oeste, relâmpagos iluminavam o céu escuro. Mike inclinou-se sobre as alavancas. — Vai ser uma tempestade e tanto! Desta vez, Nina não reclamou quando Gavin procurou protegê-la do vento. Eles chegaram ao acampamento minutos à frente da tempestade. Assim que pararam, Nina se levantou: — Você me ajuda a acender o fogão, Mike? Sempre me atrapalho com ele. Gavin viu o rosto do lenhador se iluminar. Seria possível que não percebesse a manipulação? Nina era mestra nisso. Só o convidava para saber detalhes da morte do marido e levantar provas que incriminasse a madeireira. Agarrando a câmera, Gavin seguiu-os pelo acampamento. Vários lenhadores estavam junto ao vagão de Nina, esperando para vê-la. Quando ela abriu a porta, entraram também, até não caberem mais. Satisfeito, Gavin colocou a câmera sobre a mesa. Com tanta gente, ela estaria a salvo e não poderia interrogar Mike. — Venha, Perry — disse, depois de ajudar o garoto a tirar a mochila com os filmes. — Vamos ver se Apollonia nos deixa almoçar mais cedo. Apesar da chuva e do vento chicoteando a copa das árvores, as equipes saíram para trabalhar, na manhã seguinte. Em seu íntimo, Nina sentiu a apreensão crescer. Estava esperando por alguma coisa,, embora não soubesse o quê. Descobriu no meio da manhã. Os sete apitos soaram, sinistros. Quando os homens entraram com a figura imóvel no restaurante, ela saiu correndo em meio à chuva. Gavin parou-a na porta. — O vento arrancou o galho de uma árvore e o rapaz foi atingido no pescoço — explicou, com o sotaque irlandês acentuado.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina apertou a mão de encontro à boca, horrorizada. O vento parecia soprar mais forte, ameaçando arrancar as janelas. — Eles não vão mais trabalhar. Só continuarão quando a tempestade parar. Os lenhadores se agruparam em volta do companheiro ferido. Nina fitou-o, aquele acidente não podia, realmente, ser atribuído à falha no equipamento. Durante o resto daquele dia e o próximo, a tempestade manteve os homens no acampamento. Muitos visitaram o vagão de Nina para cuidar do fogo, fazer cadeiras ou simplesmente conversar. Ela percebeu que Gavin os mantinha sob discreta vigilância, apesar de não fazer o menor esforço para que ficassem a sós. Exatamente o que queria. Exatamente! À noite, quando a maioria ainda estava jantando, Mike chegou com um punhado de lenha, e Nina resolveu aproveitar a oportunidade para interrogá-lo. — Fique um pouco, Mike. Você disse que conheceu Jon e eu gostaria que me falasse dele. O lenhador olhou ao redor embaraçado, como se não esperasse encontrá-la a sós. — Eu conheci seu marido muito pouco. Não fiquei muito, daquela vez. Uma equipe trabalhando, outra chegando, e uma terceira indo embora. Durante o pouco tempo em que estava ali, ela já vira várias substituições. No entanto Mike lhe parecera um bom trabalhador, do tipo que não se demite a cada pagamento. — Este mês, fez quatro anos que Jon morreu. Você se lembra de onde os homens estavam trabalhando? — Não dá para esquecer. Eles estavam lá embaixo, perto do moinho. Num lugar que o McKenna tinha acabado de comprar. — Você disse que Jon era um garoto. Por quê? Ele era muito novo para ser cuidadoso? Ela esperou a resposta com a respiração suspensa. Se a culpa fora de Johnny, apesar de tudo o que seu pai dissera seu caso contra a McKenna estaria encerrado. O rosto honesto do lenhador corou. Agachando-se junto ao fogão, ele se pôs a ajeitar as lenhas em brasa. — Não foi só ele. Jon juntou-se à equipe numa hora ruim. Dandy não estava se dando bem com a mulher, que morava em Portland. Ela gastava muito, e ele estava sempre endividado. No fim, ele deu sorte. Ela fugiu com um desses rapazes da moda, que tinha um carro motorizado.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Não era de admirar que Robertson implicasse tanto com o sexo feminino. Mas uma coisa Nina não entendera. — E uma pena que isso tenha acontecido, mas qual a relação entre os problemas pessoais de Robertson e a segurança dos homens? Mike levantou-se, pesadamente. — Eram os bônus. Os homens ganhavam mais por cada tora que saía do acampamento, E Dandy também. Por isso ele obrigava todo mundo a trabalhar mais, e os homens caíam tão depressa quanto as árvores. Quem se queixava, perdia uma parte do pagamento. Eu não gostei daí juntei minhas coisas e procurei outro emprego, — Ele fez uma pequena pausa, depois acrescentou: — Sinto ter deixado a senhora triste. Seu irmão não queria que eu lhe falasse disso, mas achei que a senhora merecia saber da verdade. — Meu irmão se preocupa demais comigo. Eu só quero saber mais uma coisa, Mike: quando isso aconteceu, onde estava o dono da madeireira? — Ele ia e vinha. Acho que nunca percebeu o que estava acontecendo. — Mike fitou a pilha de lenha, num canto, depois disse, num tom que encerrava a discussão: — Acho que a lenha dá, para esta noite. Nina acompanhou-o até a porta, depois trancou-a e foi se sentar junto ao fogão, para pensar. Seu pai tinha razão, acusando a madeireira? McKenna lhe pedira para não ser parcial. Ele gostava de provocá-la, mas, para ser justa, tinha de reconhecer que não ficava atrás. Além disso, inúmeras vezes ele se mostrara um homem cuidadoso, preocupado com os outros. Já Dandy Robertson sempre lhe causara má impressão. E ele obtivera um lucro pessoal, incentivando as equipes a trabalharem por bônus. Teria sido esta a razão por que a esposa o abandonara? No entanto, não era possível escapar da verdade. A madeireira pertencia a McKenna, que, em última análise, era responsável por tudo. O sono inquieto de Gavin foi interrompido quando um galho solto bateu de encontro à parede do dormitório. Assustado, sentou-se na cama. Por todo lado, tábuas rangiam, enquanto o vento assobiava em volta do edifício, penetrando por todas as frestas que encontrava. Há dois dias a tempestade castigava a região, mas nunca daquela maneira. Parecia-lhe incrível que os homens pudessem continuar a dormir, como se nada estivesse acontecendo. Um trovão ribombou, e ele pensou em Nina. Seria melhor ir até lá? Provavelmente não. Na certa ela não abriria a porta. Recostando-se na cama, Gavin pensou na primeira vez que a vira, em Portland. Na época, Nina lhe dissera que o veria no inferno, antes de aceitar qualquer coisa da parte dele. Depois, no entanto, por motivos próprios, acabara por aceitar sua

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica proposta, e ele aprendera que o inferno era desejar um sorriso da mesma boca que o atingia com palavras ferinas. Como fora capaz de perder todo o senso de delicadeza, aquela noite, no vagão? Comportara-se como um escolar. Sem dúvida o marido sempre a acariciara com mais autocontrole. Uma onda de ciúme assolou-o, diante da idéia de outro homem na cama de Nina. Seria impossível competir com uma lembrança. Além do fato de ela considerá-lo responsável pela perda que sofrera. No entanto, Ellery é que estivera na dire-ção daqueles acampamentos, durante os últimos quatro anos. Se lhe contasse, ela poderia perdoá-lo? Gavin ajeitou-se melhor na cama, inquieto. Contar a verdade à Nina seria perigoso, avaliou. Ela já não gostava de Robertson, sem saber de nada, e com certeza não poderia disfarçar a antipatia, ao se inteirar da verdade. Alguma coisa atingiu a janela, com um tremendo barulho. Gavin pulou da cama, começando a se vestir. Podia ser tolice, mas precisava ir ao vagão, ver se Nina estava bem. Agarrando o casaco e o chapéu, ele se pôs a correr em meio à chuva. Junto ao vagão, a água era tanta que passava por cima de seus pés. Mesmo sem esperança de que ela o ouvisse, ele bateu à porta. Para sua surpresa, a porta abriu-se de imediato. — Entre! — A agitação de Nina mostrava que qualquer um seria bem recebido. — O fogo apagou e eu não consigo acendê-lo. Ela recuou, tropeçando na ponta do cobertor que enrolara no corpo. Mas assim que ele entrou, bateu a porta. O barulho causado pela tempestade não diminuiu, com a porta fechada. O lampião balançava loucamente, cada vez que o vento atingia o vagão. O fogão estava aberto, seu interior escuro. — A lenha deve estar molhada — ela se queixou dando um passo para trás, ao ser atingida pela água que caía da aba do chapéu de Gavin. — Desculpe, amor. Gavin dependurou o chapéu nuns pregos, resistindo à vontade de tomá-la nos braços. O modo como ela segurava o cobertor remetia-se à noite em que se amaram. Mas nessa noite não perderia o controle. Ajoelhando-se diante do fogão, ele tirou a lenha não queimada e, com um canivete, foi arrancando lascas. Em pouco tempo, tinha uma pilha que pegou fogo com facilidade.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina aproximou-se, ele levantou os olhos para ela, examinando-lhe as curvas delicadas. Uma onda de calor invadiu-o. — Nina, querida, eu nunca quis lhe causar mal — declarou, baixinho. — Então, me diga a verdade. Estive conversando com Mike. Onde você estava, quatro anos atrás? Não é possível que não soubesse que Robertson dirigia o acampamento como um louco, por causa de seus problemas.. Gavin não podia revelar a resposta, nem mesmo a ela. Não tinha o direito de ser tão indiscreto, contando o problema de Whip, que se tornara um bêbado aos dezoito anos por causa do irmão, que morrera afogado. Ele havia jurado jamais voltar ao mar, mas acordava todas as noites suando de medo, vendo-se novamente agarrado a uma tábua, enquanto o irmão e o navio em que viajavam afundavam. — Quatro anos atrás? Eu estava no Oriente, cuidando de um assunto pessoal. Mas ele poderia ter se poupado o trabalho. Os pais do garoto haviam se limitado a chorar a perda do filho querido sem mostrar a menor alegria pela sobrevivência do outro. — Um assunto pessoal? — A voz de Nina vibrou no ar. — Espero que ela tenha valido a pena. Trocaram olhares de acirrada hostilidade. — Você se arrependeria do que disse se soubesse da verdade. — É? E qual é essa verdade? — Não posso lhe dizer. Não tenho esse direito. — Gavin empurrou duas cadeiras para junto do fogão e esperou que ela se sentasse, antes de se acomodar, também. — Uma coisa, no entanto, eu posso lhe dizer: durante aquele ano, dei aulas na Faculdade de Administração Florestal, na Universidade de Yale. Ele não podia acrescentar que fizera isso para que Whip continuasse a estudar. O que fora outro desperdício. O garoto estava muito abalado para se concentrar. Inclinando-se, Gavin segurou a mão de Nina. — A noite não está boa para discussões. Ela corou. — Não? Pois eu acho que está perfeita! Gavin voltou à posição anterior. Ela brigava para esconder emoções mais ternas? Fosse o que fosse, seria capaz de fazer-lhe frente. E começaria abordando um assunto neutro. — Sabe? Existe muita gente contra a construção do Templo da Madeira, na exposição. As chamas cresceram, iluminando o rosto de Nina, e ele viu os olhos dela brilharem.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Eu sei. E você tem de admitir que uma cabana gigantesca não combina com as outras estruturas. — Por que tudo tem de ser parecido com a saleta íntima de uma mulher? Madeiramento é uma atividade rude, que deve ser apresentada assim. — Uma atividade perigosa, isto sim! E a exposição não deve ter lugar numa cabana feiosa. — Deve, sim! E a cabana vai ser magnífica. Aquele assunto também não era dos melhores, e, virando-se, Gavin jogou outro nó de pinho no fogo. À luz mais intensa, viu que Nina se descontraíra um pouco. Eu li as cartas endereçadas ao jornal — ela contou. — Existem muitos cidadãos importantes entre os que protestam contra a cabana. A esse ponto doloroso, Gavin não escondeu a amargura. — Inclusive meu amigo Elmo Witt. Ele queria pintar as toras de branco, para ficarem mais bonitas! Como se o trabalho de Deus não fosse bonito o suficiente... Nina sorriu. — Você devida mandar Perry falar com ele. Gavin retribuiu o sorriso, incapaz de tirar os olhos dela. A ciência ainda seria capaz de inventar uma câmera capaz de captar tanta delicadeza? Provavelmente não. O balanço da lanterna havia diminuído, e a tempestade também. Devagarinho, ele estendeu a mão para acariciar o rosto feminino, iluminado pelas chamas. §ua garganta se apertou. Um homem sensato já teria ido embora e ele não encontrava forças... Logo depois, o vento se foi, deixando em seu lugar um silêncio fantasmagórico. — Acabou — murmurou Nina. — Não, amor. Está só começando. Aos poucos, seus rostos se aproximaram. Nina fechou os olhos para receber o beijo a que deveria resistir a percepção aguçada pela mão de Gavin em seu ombro. Os dedos masculinos despertavam sensações que se espalhavam por todo seu corpo, fazendo-a desejar que a barreira do cobertor não existisse. Estava errada, pensou, tentando trazer o rosto de Johnny - à mente. Em vez disso, ouviu a música excitante de um violino. Os lábios de Gavin exploravam os seus, com uma doçura incrível. Entrelaçando os dedos aos dela, ele puxou-a devagarinho. Uma pressão leve, mas irresistível. Sem interromper o beijo, ela foi para o colo dele.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Você cheira a rosas, amor. A emoção na voz dele atingiu-a. Estava atordoada, confusa pela sensualidade. Com mãos tremulas, Gavin ajeitou o cobertor que a cobria. — Amor, seria uma delícia ficar aqui, saboreando a doçura dos seus lábios... Mas não podia, enquanto ela continuasse a duvidar de suas palavras. A expressão de Nina, no entanto, quase destruiu sua resolução. Tinha a pele tão macia e cheirosa que não resistiu e começou a beijá-la novamente. No fogão, um nó de pinho explodiu como um fogo de artifício. — O que é isso? — Um nó de pinho — ele explicou. Ela endireitou o corpo, olhando em torno como se só naquele instante tomasse consciência do que fazia. — Se pensa que vai me fazer calar com... com beijos, está muito enganado! — Respirou fundo, ganhando forças para continuar o ataque. — Por que deixa Robertson dirigir o seu acampamento? Ele não é bom. — A sua pergunta é complexa demais para ser respondida com meia dúzia de palavras. — Devagarinho, Gavin começou a desfazer as tranças de Nina. — Se quer conhecer meu trabalho temos de recuar quinze anos no tempo. Tudo começou com meu pai. Ele era um tolo, que perdeu quase toda a fortuna que meu avô construiu com navios de carga. Eu tinha dezessete anos, quando o último navio se foi. — Sinto muito... Pelo navio e pelo dinheiro. Gavin fitou-a. Os cabelos dela pareciam seda, em suas mãos. — Não é pena que quero de você, amor. É compreensão. Meu pai me deixou com a madeira que havíamos descarregado numa praia, perto de San Francisco, com a intenção de voltar para buscar mais. O navio afundou com ele a bordo durante a travessia da barra. — Fez uma pausa, depois continuou: — É um acontecimento mais ou menos comum. Há quatro anos, o irmão de Whip se afogou no mar, num lugar cheio de recifes, parecido com aquele onde meu pai morreu. Nossas famílias são amigas há anos. Nossos avós começaram seus negócios ao mesmo tempo. Foi a morte do irmão de Whip que me levou a entrar na construção de navios. É bom saber que contribuo para a segurança de homens e cargas, com minhas idéias. Nina notou o orgulho na voz dele. Mas sua mente e seu coração ainda estavam presos à imagem de um rapazinho, órfão de pai aos dezessete anos. — O que aconteceu com você, depois que ficou com aquela carga?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Eu tive a felicidade de ficar sócio do dono de uma pequena madeireira, ali perto. Com o tempo, desenvolvemos um negócio que teria agradado meu avô e surpreendido meu pai, se os dois ainda estivessem vivos. — Então você deveria entender os trabalhadores. — É mesmo, amor? Durante anos eu trabalhei de catorze a dezesseis horas por dia, sete dias por semana. Como fazia o meu sócio, Ellery, apesar de ser vinte anos mais velho do que eu. No fim, conseguimos comprar nossa primeira serraria e cortar nossa própria madeira. — Lembranças encheram-lhe a mente, e ele disse, mais para si do que para Nina: — Ellery Thompson tinha um fraco pelos pobres e oprimidos, Eu não fui o único a ser ajudado por ele. Gavin franziu a testa, pensando que Dandy Robertson fora outro a ser ajudado por Ellery. Mas teria Ellery se sentido tão responsável por Dandy, a ponto de encobrir-lhe os erros? Se a resposta era afirmativa como fora essa bondade retribuída? As perguntas teriam de ser feitas com todo o cuidado, e ainda havia o problema das mudanças constantes da equipe. Nina não era a única a encontrar dificuldades na procura de informações sobre a organização do acampamento. Num tom impaciente, Gavin acrescentou: — Reconheço que não entendo, mesmo, um operário. Eu nunca trabalharia uma semana para gastar o que ganhasse me embebedando na cidade. Nina ergueu-se, ajeitando o cobertor com gestos nervosos. McKenna tinha o rosto nas sombras, mas era impossível ignorar o tom de censura com que fizera o último comentário. — Você pede compreensão e não demonstra nenhuma pelos outros. O seu amigo Whip pode gastar tudo que ganha com bebidas e mulheres, mas Mike economiza cada tostão para se casar com a namorada que deixou para trás. O lampião, balançando, fazia as sombras dançarem enquanto o vento assobiava pelas frestas do vagão. Gavin ajoelhou-. se para verificar o fogo, antes de perguntar: — O que você quer? Que eu mime um bando de lenhadores irresponsáveis? — Irresponsáveis? Você acha morrer uma irresponsabilidade? — Está sempre pronta a me acusar. Vou ter de repetir, mais uma vez, que esse trabalho é perigoso? Nina endireitou-se apertando mais o cobertor de encontro a si. — Johnny achou bom que a Madeireira McKenna oferecesse bônus pela rapidez dos lenhadores. Ele era forte e ágil, e achou que ganharia uma fortuna. — Se não me engano, Mike disse que ele era jovem. Ela respirou fundo.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Será que não dá para você enxergar a realidade? Bônus encorajam a imprudência, principalmente aos inexperientes. — Eu não seguro a mão dos homens que resolvem trabalhar para mim. Cada um decide como prefere trabalhar. Exatamente como eu fazia, durante meus anos mais difíceis. — Você se orgulha disso, mas eu não creio que orgulho seja um bom motivo para alguém acabar morrendo. — Nina viu a expressão dele mudar, mesmo assim continuou: — Era evidente, desde o começo, que você e Whip se conheciam bem, apesar de se tratarem como estranhos. Também é evidente que ele gosta muito de lidar com madeiras. Nunca passou pela sua cabeça que ele pode ter mais dom para este tipo de trabalho do que para lidar com navios de carga? — Impossível! A negativa despertou-lhe uma onda de raiva. Não era de admirar que os dois não se entendessem, com tanta intolerância da parte de Gavin. — Então, é com Whip que você se preocupa — Gavin murmurou, sem esconder o ciúme. — Obviamente, andei perdendo uma boa parte das suas atividades. Nina respirou fundo e os olhos faiscando. — Nós estamos falando de você, McKenna. Da sua falta de compreensão cornos trabalhadores, até mesmo com um que é seu amigo pessoal. Nem o ciúme impediu Gavin de se divertir, observando a emoção no rosto dela. Sorrindo, brincou: — Isso, vá em frente! A zanga faz a sua pele ficar cor-de-rosa. Indignada, ela deu um passo à frente. bem!

— No dia em que chegamos, Whip teve de subir num pinheiro e não estava nada

Whip de novo? O contentamento de Gavin desapareceu. O objetivo daquela conversa era enumerar vantagens para o rapaz? Sem dúvida, homens-audaciosos prendiam a imaginação feminina, e Nina acabava de provar isso. — Whip tinha de estar pronto para trabalhar quando entrou no acampamento. Aqui, cada homem depende da disciplina dos outros. — Uma disciplina que permite que eles trabalhem com material gasto? O dono disto aqui deveria ser o mais disciplinado. Gavin apertou os punhos. Se ela duvidava de seu autocontrole não tinha a menor noção da própria beleza. Aproveitando que uma acha de lenha havia se deslocado, dentro do fogão, ele aproveitou para arrumá-la e ganhar alguns minutos, antes de responder:

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Se você está achando ruim eu estar aqui com outro nome, fique sabendo que não vou revelar minha identidade até conseguir meu objetivo. — Ou seja, guardar algumas árvores. Nunca pensei que uma cabana de toras pudesse significar tanto na vida de um homem! — Ela agarrou a garrafa com as flores e jogou-a, mas ele se desviou a tempo. — Fora daqui! Saia do meu vagão! Fora! Gavin segurou-a com tanta força, que ela quase perdeu o equilíbrio. O forro reverberava sob a violência da chuva. — -Quem é você? Uma criança mimada? Eu esperava coisa melhor. A resposta de Nina foi encoberta por um trovão. De novo, ela gritou: — Fora daqui! Gavin abraçou-a, forçando os lábios sobre os dela. Nina tentou empurrá-lo, mas quando se deu conta abraçava os ombros largos, puxando-o para junto de si. O cobertor caiu, e a emoção dominou-os. Ela nunca sentira tanta delicadeza num beijo. Com uma ansiedade febril, acariciou os cabelos escuros com a ponta dos dedos, descendo em direção à nuca. Incapaz de resistir entreabriu os lábios, permitindo que ele invadisse sua boca com a língua. Uma intimidade que a fez estremecer. Perdida, sentindo-se arder, abraçou-o com mais força. Podia estar brincando com fogo, mas não tinha importância. Nesse momento só importava a emoção que os unia... até o rosto de Johnny surgir em sua mente. O rosto meigo e os olhos azuis pareciam tão reais que não conteve uma exclamação de vergonha. Trêmula, afastou-se de Gavin, dizendo, aflita: — Eu jurei que isso não ia acontecer de novo. Não posso trair Johnny assim! Gavin precisou de toda a sua força de vontade para se controlar. Depois, confessou: — Você não imagina como invejo seu marido. Atônita, Nina pensou em seu casamento. As atitudes apaixonadas de Gavin faziam com que desconfiasse que havia muito mais, num relacionamento a dois, do que tinha experimentado com Johnny. Envergonhada, assumiu uma atitude defensiva. — As tempestades despertam muitas emoções fortes. Mas tudo passa, amor. — Gavin abriu a porta e examinou o céu. O dia seguinte seria mais bonito. — Amanhã, vou me mudar para a nova área de desmatamento. Só não fui, até agora, por sua causa. — Virou-se para fitá-la, a expressão cheia de tristeza. — Mas não tem sentido ficar para lhe dar proteção, quando represento o maior perigo. Em silêncio, com o corpo enrolado no cobertor, Nina seguiu-o com os olhos até vê-lo desaparecer.

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CAPÍTULO XV Dandy plantou-se diante de Nina, quando ela entrou no refeitório, aquela manhã. — Ouvi dizer que seu irmão foi até as árvores procurar ângulos para a câmera. Cautelosamente, Nina assentiu. Um brilho desagradável surgiu nos olhos dele, dando-lhe vontade de recuar. Mas agüentou firme, torcendo para que seu rosto não revelasse nada. Gavin mostrara muito de si mesmo, na noite anterior. Tanto, que ela começara a se sentir próxima dele. Aí, haviam brigado. O que era inevitável. O que se seguira, no entanto, não era inevitável. Não podia ser. Ele despertava nela uma emoção da qual nunca desconfiara e cuja existência não queria reconhecer. • Dandy fitou-a da cabeça aos pés. — Pois me parece que ele está perdendo os melhores ângulos, exatamente aqui. Nina engoliu uma resposta desaforada. Gostasse ou não, dependia da boa vontade do chefe do acampamento. Foi salva pela presença de Whip, que se aproximou, dizendo: —- Quer que eu tire a ponta daquele pinheiro hoje, chefe? ___Eu já lhe disse que sim! Está com um parafuso solto na cabeça, por acaso? — Nina continuou, sem ligar para a grosseria do chefe —, se não se incomoda, vou dedicar esse trabalho a você. — Se é assim, eu gostaria de fotografá-lo. Dandy fechou a cara. — Não vai ser possível. A ponta pode cair em qualquer lugar. — Vou ficar longe, senão não consigo pegar a árvore inteira. O brilho nos olhos de Dandy aumentou. — Nós vamos puxar o burro para o plano e não precisamos de nenhuma mulher em volta, para atrapalhar. Além disso, vamos começar a limpar o terreno onde as árvores vão cair. Não vai haver lugar seguro para uma dama ficar. Com uma das mãos, ele segurou o queixo de Nina. Ela sentiu dor, mas vendo Whip enrijecer, nada manifestou. — Você vai ficar aqui mesmo. Não quero ser responsável por nada de mau que possa lhe acontecer — Dandy terminou, abaixando a mão.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina esperou-o sair do refeitório, antes de esfregar o queixo. O aperto brutal fora um aviso? Ou apenas ressentimento por ter hóspedes indesejados no acampamento? Em voz baixa, Whip comentou: — É verdade, Nina. Está mais segura aqui, com Buck e os outros. E não se preocupe com Gavin, Eu fico de olho nele. — Meu... meu irmão sabe tomar conta de si mesmo. Ela estava irritada, e muito. Queria fotografar tudo por ali, mas todos os homens pareciam dispostos a impedi-la. Aquela semana Nina teve de se contentar em fotografar os preparativos para a mudança do acampamento. Uma vez, evitando o olhar vigilante do chefão, levou a câmera à plataforma de embarque, onde uma equipe carregava os vagões. No entanto, por mais que fizesse, seus dias eram vazios. Discutira tanto com Gavin, que agora tinha a sensação de estar sem uma parte de si. O acampamento parecia-lhe mais grosseiro, mais barulhento, com cheiros mais intensos e desagradáveis. Então, Gavin mandou buscar o equipamento fotográfico. Ela não conseguiu pensar num motivo válido para não mandar, e quase chegou a desejar que tudo caísse do alto de uma árvore. Mas sabia que isso não aconteceria. Gradualmente, percebeu que nunca estava só. Pensou que Dandy havia dado ordens para que a mantivessem longe do local de ação, mas depois descobriu que Gavin havia designado homens de confiança para protegê-la. Talvez Whip tivesse falado do comportamento de Dandy, no refeitório. Sentindo-se inquieta e sozinha no vagão, ela adquiriu o hábito de se juntar aos homens, depois da refeição noturna. Em volta de uma fogueira, sentados em troncos cortados ao meio, eles conversavam despreocupadamente, às vezes contando casos que a faziam se preocupar muito com a segurança de Gavin, na mata. Michigan Mike e seu companheiro deveriam derrubar as cinco árvores escolhidas para a exposição, um motivo de orgulho que despertou muitos comentários brincalhões da parte dos outros. Enquanto eles afiavam os machados na sexta-feira, Nina e Perry se acomodaram num toco ali perto. O garoto estava tão encantado com a vida dos lenhadores que o obrigou a lembrá-lo mais de uma vez que era seu assistente, não de algum dos homens ali. — É — Mike disse, respondendo ao comentário de um dos companheiros —, você se gaba, mas até o garoto ali é capaz de cortar mais do que você. — Nós não temos árvores do tamanho das suas, mas vamos cortar mais, eu lhe garanto! — foi à rápida resposta. — Pois isso eu quero ver! Quanto quer apostar? Apostar e trabalhar mais depressa, para ganhar, pensou Nina. E não resistiu a perguntar:

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Como é que vocês podem colocar dinheiro acima da segurança? Os homens a olharam como se estivessem vendo um monstro de duas cabeças. Depois, o que estava conversando com Mike falou: — Você não vai conseguir pegar o meu dinheiro. Quando aquela árvore cair, não vai ter para onde fugir. Vai ser esmagado como uma aranha. Nina apertou as mãos, ciente de que parte de seu medo era por Gavin. Mas ele conhecia a mata, estava a salvo. Ou não? Mike levantou os olhos do machado que estava afiando. — Você acha que não vou escapar, hein? Pois fique sabendo que vou. Eu e o Leo não somos como uns e outros, por aqui. Nós derrubamos uma árvore exatamente onde queremos. É ou não é, Leo? — Claro que é — concordou Leo. — Aquelas árvores vão se deitar direitinho, como uma mulher se deita por uma moeda de ouro. — O quê?! Você está pagando demais por suas mulheres — alguém gritou, causando uma gargalhada geral. Nina sorriu, apesar de tudo, contente pelos lenhadores não se sentirem mais embaraçados em sua presença. Nesse instante, Whip sentou-se a seu lado. — Eles estão apostando as próprias vidas. Por quê? O rapaz jogou o corpo para trás, apoiando-se nos cotovelos. — Os homens sempre apostam dinheiro na própria capacidade. Mas não espero que você, como mulher, entenda isso. Ameaçando-lhe o estômago com os punhos fechados, ela avisou: — Acho que você não está em posição de diminuir as mulheres. Rindo, ele agarrou-lhe os pulsos e sentou-se à moda índia. — O céu está cheio de estrelas. Que tal nós dois nos afastarmos um pouco do fogo, para vermos melhor? Nina suspirou, sentindo a vitalidade do corpo de Whip. Era fácil imaginá-lo escalando uma árvore gigantesca e derrubando-lhe a ponta a machadadas, sem nem pensar na própria vida. Um arrepio percorreu-a da cabeça aos pés. Depois daquelas pontes, na subida de trem, não conseguia se imaginar no topo de uma árvore. — Você está tremendo — Whip notou. — Eu estava pensando em você. — De imediato ela corou, percebendo que havia sido mal interpretada. — Eu estava pensando no seu trabalho. Gostaria de vê-lo no alto de uma árvore. Ao mesmo tempo, acho que ficaria muito assustada.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Não existe árvore ou mastro que eu não possa subir, mas fico muito grato pela sua preocupação. — Mastro? Você sente saudade do mar, não é? Convulsivamente, os dedos dele fecharam-se com mais força sobre os seus. — As únicas ondas que quero ver de novo são as criadas pelo vento, no topo das árvores. — Fixou os olhos num ponto distante, depois acrescentou, num tom apaixonado: — Além disso, não quero ser responsável por mandar outros homens para o fundo do mar. Se um sujeito cai de uma árvore e morre, pelo menos tem o conforto de saber que seu corpo será encontrado. Whip permaneceu em silêncio por algum tempo, depois levantou-se de um salto, puxando Nina para a escuridão. Ia tão depressa, que ela mal conseguia acompanhá-lo. No céu, as estrelas brilhavam, parecendo estar no mesmo nível do topo das árvores. — Você quer discutir alguma coisa comigo? — ela perguntou afinal, assustada com a idéia de se afastar demais dos outros. — Todas as vezes que cruzo com Gavin, ouço um sermão. Ele é seu irmão. — Por seu tom, Whip não deixou dúvidas de que sabia da verdade. — Ele ouve você? — Raramente. Se é que ouvia, ela emendou em silêncio. Mas queria falar de Gavin, e Whip era o único ali com quem isso era possível. — Você me surpreendeu, Whip. Pensei que Gavin reservasse todos os sermões para mim. — De jeito nenhum. — O rapaz fitou-a com olhos brilhantes, depois envolveu-lhe o rosto com as mãos. — Nina, eu gostaria muito de beijar você. — Mas que mudança rápida de assunto! Embaraçada, Nina achou melhor não levar o assunto a sério. Whip exibia um estado de espírito volátil, e ela tinha a impressão de estarem sozinhos na mata, apesar de ainda poderem distinguir as vozes dos homens. — O que ele significa para você? — Ele é um... um amigo. — Ela hesitou, lembrando-se do ciúme de Gavin quando defendera a preferência de Whip pelas matas. Depois, com mais firmeza, acrescentou: — Como imagino que ele é para você. — Gavin é um ótimo amigo, e eu não quero cortar a âncora dele. Mas, queridinha, não estou vendo a bandeira desse meu amigo tremulando em cima de você. Nina zangou-se. — Ninguém tem âncora ou bandeira amarrada a mim! Acima deles, uma coruja piou. Num gesto rápido, Whip puxou-a para si e pressionou os lábios aos dela. Nina

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica preparou-se para empurrá-lo, mas o beijo era tão gentil que não viu necessidade disso. Gentil... e resultado de muita experiência. Os lábios masculinos moviam-se de leve, acariciantes, mas além da surpresa não sentiu qualquer emoção. Afastando-se, disse baixinho: — É melhor voltarmos. — Se é isso que você quer... Eu sou um homem paciente. Ela não acreditou, mas sorriu, gostando do fato de ele não tentar forçar uma situação constrangedora. Na manhã seguinte, havia outro homem no lugar de Charlie. Até aquele dia, o prato do garoto fora mantido no lugar, esperando seu retorno. Agora, estava cheio de panquecas, sendo usado por um rapaz ruivo e espadaúdo. Vagarosamente, Nina foi até a cozinha. A primeira pessoa que viu foi Apollonia, que logo disse: — Não tinha sentido continuar guardando o lugar de Charlie. Ele não vai mais voltar. — O que houve com ele? — Segundo o médico, o garoto não vai mais andar. Nina sentiu o mundo girar. Teve de se apoiar na porta, para não cair. — Mas ele é tão jovem! — Ele vai receber uma indenização da companhia. — De McKenna?! É nova essa indenização para os feridos? — Feridos ou mortos — Buck esclareceu. — E existe desde que trabalho para a McKenna, há mais de cinco anos. Apollonia assentiu, com ar de aprovação. — A McKenna é a única. Nas outras madeireiras, o máximo que um homem pode esperar é o último pagamento, e assim mesmo com os dias parados descontados. Seria possível que a McKenna fosse diferente? Não houvera nenhuma indenização para ajudar seu pai ou cobrir os gastos do sepultamento de Johnny. Se um cheque fora feito, outra pessoa ficara com ele. Cheia de determinação, Nina jurou a si mesma que Charlie receberia o dinheiro devido a ele. Com a garganta apertada, ela ouviu de novo a voz de McKenna dizendo-lhe que o garoto chamava pela mãe. Quem seria o próximo a sair ferido? O aperto em sua garganta aumentou. Era um absurdo que acidentes fossem tomados como acontecimentos naturais, não apenas ali, como em todos os acampamentos madeireiros.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Para lutar por mudanças precisava-se mais do que uma máquina fotográfica. Seriam necessárias centenas de câmeras, em centenas de acampamento com centenas de jornais dispostos a publicar as fotos reveladoras. — Como está pálida, sra. Wallace. — Robertson falou, aproximando-se. — Deve ser porque ouviu dizer que vamos colocar os andaimes em volta da primeira árvore, hoje. Não se preocupe. Não vai ter de voltar lá. Seu irmão vai se encarregar de tudo. — Vai se encarregar de tudo?! Como assim? — Nada que possa lhe interessar — acrescentou, e saiu do refeitório, obviamente satisfeito por tê-la colocado em seu lugar. Ou fora Gavin? Seria possível que ele tivesse abandonado o conforto do acampamento para mantê-la longe da ação, em vez de protegê-la, como havia alegado? Que estivesse tentando impedi-la de fotografar o trabalho de Mike e Leo, enquanto ela se preocupava com a segurança dele? E o que dissera, exatamente, ao chefe do acampamento? Dandy já estava quase na trilha junto à estrada de ferro, quando o alcançou e deteve, segurando-o pelo braço. — Sr. Robertson, eu lhe agradeceria se me explicasse o que está havendo. Ele fechou os dedos sobre os dela. — Pois não. Afinal, é o mínimo que posso fazer, depois que se deu ao trabalho de correr atrás de mim. — Dandy fitou-a com ar insolente e não conteve o riso, quando ela puxou a mão, num gesto brusco. — Vá andando comigo, meu bem, que eu lhe conto tudo que seu coraçãozinho quer saber. Nina deu um passo para trás e ele sorriu, de um modo surpreendentemente alarmante. — Gostaria de lhe mostrar um lugar interessante, logo à frente. Sei que começamos mal, mas agora estou sendo sincero. Robertson se pôs a caminhar, ao longo dos trilhos. Ela hesitou, depois o seguiu. — Sr. Robertson, eu sei que o senhor entende o quanto é importante para mim observar o trabalho do meu irmão. O sol tocava o pico das montanhas, tingindo as árvores de dourado. Pelo menos outra meia hora se passaria, antes que as cores do dia alcançassem o acampamento encoberto pela névoa. Nina disse a si mesma que era por isso que estava tremendo, enquanto esperava a resposta. Dandy indicou um ponto além. — Dê uma olhada lá. Já notou que só há um pinheiro em pé? Que todos os outros foram derrubados?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica visto.

Ela fixou os olhos no pinheiro. Não havia pensado a respeito, apesar de já tê-lo

— Há um ninho, perto do topo — ele explicou, como se estivesse oferecendo um presente. — Os ovos estão a ponto de quebrar. Assim que fiquei sabendo, disse aos rapazes para deixarem o pinheiro, que nós voltaremos para pegá-lo quando os pássaros forem embora. Como vê, não tenho o coração tão duro quanto pensa. Ele segurou a mão dela, que tentou, em vão, se libertar. — Por favor, sr, Robertson! — Por favor! Você diz isso tão bonitinho, doçura. E eu me emociono, porque tenho um coração mole. Aflita, Nina tentou voltar ao assunto das fotografias. — O senhor sabe que estou aprendendo a tirar fotos. Preciso observar o trabalho do meu irmão... aprender... — E precisa da minha permissão. — Dandy umedeceu os lábios grossos com a ponta da língua. — O que não é problema, doçura. Você me deixa ver o que quero, e eu a deixo ver o que quer. — Como assim? Não estou entendendo. O senhor sabe que sou uma viúva respeitável. E meu irmão espera que o senhor mantenha a sua palavra. — Você é tão chegada aquele seu irmão. Aposto que ele sabe que uma viúva jovem e bonita, como você, se sente muito sozinha. Nina gelou. Sempre tivera medo de que Robertson soubesse mais do que devia sobre seu relacionamento com Gavin. Apelando para a frieza que reservava aos credores que vinham bater à porta de seu pai, disse: — Como já deve saber, o sr.Wallace era irmão do meu marido. E eu não gostei da sua insinuação. — Doçura, você gostaria mais, se me conhecesse melhor. Torcendo-lhe a mão, ele a puxou para a frente. Nina tropeçou, e foi agarrada pelos cabelos. Ignorando a dor lancinante, procurou se libertar, mas seus esforços só serviram para diverti-lo. — Doçura, você é capaz de ser mais amável do que isso. Robertson inclinou-se para beijá-la, e Nina foi assolada pelo nojo. Se os lábios dele tocassem os seus, na certa vomitaria. Desesperada, deu-lhe um chute. Ele desviou-se, mas perdeu o equilíbrio no cascalho solto e ambos foram ao chão. Quando ela viu, estava deitada entre os trilhos, com Robertson em cima de si. gosto.

— Estou vendo que gosta de jogo duro, doçura. Pois está com sorte. Eu também

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica A cabeça latejando, Nina pasmou a mão pelo cascalho, procurando uma pedra grande o suficiente para causar algum dano. Robertson já estava ajoelhado entre suas pernas, com a mão direita erguida. Ela percebeu que ia apanhar e agarrou um dos trilhos, decidida a não gritar. Não havia ninguém por perto e ele se divertiria com seus gritos. De repente, sob a palma de sua mão, o trilho começou a vibrar. O trem. A força das rodas de metal, pulsando ao longo dos trilhos, fez renascer sua energia. Enrijecendo os músculos, agarrou um punhado dos cabelos de Robertson e puxou, girando o corpo, ao mesmo tempo, e jogando-o para o lado. Com um baque surdo, a cabeça dele atingiu o chão. Empurrando as pernas que pesavam sobre as suas, ela se levantou e tentou fugir. Mas ele já estava em seu encalço e segurou-a pela saia, puxando-a para baixo. A resposta que obteve foi um chute no joelho. Neste momento, o trem surgiu na curva, detendo os dois. — Se contar a alguém o que aconteceu, vai se arrepender amargamente — Robertson avisou entre os dentes. Nina estava certa de que Gavin revelaria sua identidade de imediato, se ficasse sabendo o que acontecera. Seria um grande prazer ver Robertson despedido, mas... e depois? Depois, não teria mais necessidade de prosseguir com aquela farsa, e sua esperança de conseguir fotos reveladoras morreria. Como desapareceriam os motivos para continuarem juntos. língua.

Por mais prazer que pudesse sentir em destruir Robertson teria de conter a

— Sr. Robertson, eu não tenho a menor vontade de contar a alguém o que aconteceu aqui. Não foi nada interessante. Os olhos dele assumiram uma expressão sombria, e Nina foi obrigada a reconhecer que fizera um inimigo.

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CAPÍTULO XVI Quando Nina andava ao longo dos trilhos, o corpo muito ereto e rígido, a voz de Dutch soou, vinda da locomotiva. — Eu tenho algumas surpresas para a senhora, sra. Wallace. De repente, a vontade de descer a serra com Dutch tornou-se enorme. Por que não deixar o acampamento e todos os problemas para trás? Não, não deixaria Dandy Robertson afugentá-la. No dia de sua chegada, jurara que enfrentaria tudo, por mais difícil que fosse, até atingir seu objetivo. Além do mais, se fosse embora, nunca mais veria Gavin... Whip saiu do refeitório com o andar descontraído de sempre, mas com uma expressão atenta. — Nina, você perdeu o café da manhã. E logo hoje, que pensei que teria a sorte de me sentar ao seu lado. — Eu não estava com fome. Estranhando seu tom de voz, ele fixou os olhos num ponto além. Se adivinhou o que havia acontecido, preferiu se calar, dizendo com ar brincalhão: — Não é possível! Uma mulher precisa de um pouco de carne nos ossos, para encher os braços de um homem! — Vendo-a estremecer, ele acrescentou: — O que foi, Nina? Você está bem?. — Estou. Ela se virou para Dutch, que descia da locomotiva, com um sorriso de orelha à orelha. — Eu trouxe as suas fotografias, menina. E uma caixa marcada "câmera". E não foi só isso. Nesse instante, Trudy Witt emergiu da locomotiva. Girando uma sombrinha enfeitada com rendas, no tom exato de seu vestido lilás ela avançou para eles. Um chapéu magnífico, de rendas e veludo, com uma aba que balançava suavemente a cada passo, cobria-lhe os cabelos escuros. — Pura encrenca — Whip murmurou, com evidente prazer.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina lembrou-se do beijo que a moça havia trocado com Gavin, em plena estação de trem. Estariam os dois apaixonados? Quando Gavin a visse, ela, Nina, deixaria de existir para ele? Cada vez mais aflita, viu o irmão de Trudy, Lionel, e mais dois rapazes, descerem da locomotiva. Todos estavam vestidos na última moda e olhavam em torno como se tivessem acabado de desembarcar num lugar exótico e estranho. — Eles vão expor Gavin - ela murmurou. Whip, atordoado, apenas olhava os recém chegados boquiaberto. Dominando a vontade de dar-lhe um beliscão, Nina adiantou-se. — Mas que surpresa! —- Fingindo alegria, ela abraçou a garota e cochichou: — Gavin McKenna está aqui como meu irmão, usando o nome Wallace. Não o traia. — Que divertido! — Trudy fechou a sombrinha, arregalando os olhos. — Mas, Nina, querida, você perdeu o seu chapéu! Instintivamente, Nina levou a mão aos cabelos. Doze dias naquele acampamento tinham feito com que se descuidasse de sua aparência. Teria sido por isso que Dandy se atrevera a tomar tantas liberdades? Com um humor cheio de amargura, ela se imaginou lutando com ele, enquanto um chapéu como o de Trudy balançava sobre seus olhos. Enquanto Nina ajeitava os cabelos, Lionel aproveitou para examiná-la. — Trudy, maninha, você ainda não me apresentou a esta visão de feminilidade. — Realmente — disse um dos outros. — Um tesouro inesperado — acrescentou o terceiro. Nenhum deles tinha mais de vinte anos de idade. Para Nina, não passavam de adolescentes. Robertson, na certa, não os deixaria ficar. — Cavalheiros — Trudy falou, batendo os longos cílios —, esta é minha querida amiga Nina Wallace, irmã do famoso fotógrafo de Portland, Gavin Wallace. De imediato, os rapazes entenderam. — É um honra, srta. Wallace. — Lionel inclinou-se para beijar-lhe a mão. — Um artista extraordinário, o seu irmão — o segundo disse, adiantando-se para cumprimentá-la. Em seguida, foi a vez do terceiro. — A senhorita também gosta de trabalhar com uma câmera? Não posso crer que seja tão cruel a ponto de esconder tanta beleza atrás de um aparelho daqueles. Nina não se deu por achada. — Por que vieram?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Estamos fazendo um excursão — Trudy explicou, os olhos mais risonhos do que nunca mostrando de quem fora a idéia do passeio. — A cabana de toras está causando polêmica e nós resolvemos ver, pessoalmente, se os troncos são mais bonitos ao natural ou pintados. O olhar dela pousou em Whip. Relutante, Nina apresentou-o: — Este é um dos nossos "escaladores". E este é o sr. Robertson, responsável por todo o acampamento. — Um acampamento que não tem nada a ver com um salão de chá — Dandy apressou-se a dizer. — Não sei o que imaginaram, mas é melhor esquecer. Não temos lugar para garotos mimados, aqui. Sob a aba do chapéu, Trudy lançou-lhe um olhar encantador. — O senhor está sendo muito rude. Vou perdoá-lo, sr. Robertson, se prometer me levar para ver as árvores da exposição. Dandy juntou as sobrancelhas, e ela aumentou o próprio poder de sedução. — Por favor, diga que sim! Não existe nada mais importante que o trabalho que está fazendo para a exposição. Portland inteira só fala no senhor! Nina duvidava que alguém, em Portland, já tivesse ouvido falar em Dandy, e foi com surpresa que o viu endireitar o corpo, cheio de orgulho. — Aposto que ela vai conseguir — sussurrou Whip. — É melhor você avisar Gavin. — Vou mandar alguém. Daqui eu não saio, enquanto essa lindeza não for embora. — Mas que volúvel você é, Whip — Nina rebateu desanimada. E para Trudy: — O sr. Robertson acha este acampamento muito perigoso, para permitir que curiosos andem por aqui. Robertson fitou-a, cheio de antipatia. Será que ia permitir que os visitantes ficassem, só para provocá-la? Decidindo deixar que eles resolvessem os próprios problemas, recuou para junto do vagão onde Dutch e Jake trabalhavam. Sorridente, Dutch descarregou um engradado cheio de patos vivos. — Estes aqui vão ficar uma delícia, depois que passarem pelas mãos de Dona Apple. — Coitadinhos! — Nina exclamou. Endireitando o corpo,, Jake lançou uma olhar para o grupo junto à locomotiva. — Dandy está uma fera, hein? Nós achamos que ele não ia gostar, quando concordamos em trazer aquela gente.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Seria melhor terem trazido só os patos. Rindo, Jake tirou do vagão um enorme envelope. — Acho que estas são as fotografias de seu irmão. Ela recebeu o envelope com uma pontinha de amargura. Quando voltassem a Portland, ninguém teria dúvidas sobre quem era o fotógrafo. — Pronto — Dutch anunciou, puxando outra caixa do vagão. — Está marcado câmera, aqui. — Ótimo. Assim vou ter alguma coisa para fazer, enquanto meu irmão trabalha. Mal acabou de falar, já se envergonhava de seu sarcasmo. Não era justo culpar Jake e Dutch pela chegada de Trudy. Deve ter sido embalada em duas caixas — Dutch comentou —, ou então são duas câmeras. Ele tirou outra caixa do vagão, colocando-a ao lado da primeira. O que seu pai queria? Que ela abrisse um loja de câmeras? Sentando-se numa das caixas, Nina abriu o envelope. Dentro, havia uma nota. "As fotografias estão excelentes", seu pai havia escrito. Fotos maiores vão mostrar melhor a grandeza do paisagem. Por isso, estou mandando uma câmera Eastman, também. É mais pesada, mas acho que você não vai ter dificuldade em encontrar alguém para ajudá-la a carregar o equipamento. Uma onda de triunfo invadiu-a, abafando a depressão de momentos atrás. Ali estava sua chance de trabalhar novamente. E com possibilidades muito melhores, já que também recebera uma câmera Folmer e Schwing de Circuito, que se deslocava num trilho circular, para fotos panorâmicas. Sua imaginação criou uma coleção gloriosa, cada foto uma obra-prima de beleza e simplicidade, provando a negligência da Madeireira McKenna. Um grito alegre de Trudy interrompeu seus pensamentos. — Ah, sr. Robertson, o senhor é um amor! Nina quase gemeu alto. Aqueles quatro não podiam ficar. Guardando a carta do pai, voltou para junto do grupo. Em pé, cora as pernas separadas, Robertson havia assumido uma postura atrevida e autoritária. — Os rapazes vão ficar loucos, quando virem uma mulher tão bonita no acampamento. É melhor a senhorita se cuidar até a hora de voltarem com Qutch, às três. O sorriso de Trudy alargou-Se mais ainda. — Nós vamos ver as árvores, srta. Wallace. Não quer ir conosco?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Agora? Enquanto os homens estão trabalhando? — Nina olhou para Dandy. Durante quase duas semanas ele havia se recusado a permitir que fosse até lá. Robertson retribuiu o olhar dela com frieza. — Vai ser pura perda de tempo à senhora ir junto. Ninguém vai descer da litorina. Uma olhada nas árvores, e todos voltam para cá. — Mesmo assim, não quero perder o passeio. Não haveria tempo de avisar Gavin. Nina ainda tentou lançar um olhar significativo para Whip, mas ele estava muito encantado com Trudy para notar. No entanto McKenna muitas vezes se mostrara capaz de contornar situações difíceis. Ele só teria de usar esse talento, novamente. O grupo levou uma eternidade para se acomodar em duas litorinas. Robertson responsabilizou-se pela que levava Trudy e os rapazes. Depois de uma queixa bemhumorada, Whip assumiu o controle da que tinha Nina e Perry a bordo, mantendo-se tão perto quanto possível do grupo de Portland. Quando eles chegaram ao terreno plano, já desmatado, Trudy ergueu-se, no centro da litorina, e abriu os braços, como que para abraçar o cenário. Seu rosto brilhava de excitação. — Ouçam! Tudo parece tão vivo! Dos dois lados vinha o barulho de madeiramento. O burro a vapor pulsava, os cabos de aço cantando acima do ruído dos machados e o rugir das serras. Homens gritavam ordens e avisos. Um tronco atingiu a plataforma de embarque com tal violência, que eles sentiram as litorinas tremerem. Os rapazes não estavam tão entusiasmados, quanto Trudy. Um deles mostravase claramente nervoso. Quando a litorina parou, a moça desceu e correu para a beirada do canyon. Robertson saiu atrás dela. Nina.

— Moça! — ele rugiu. — Já se esqueceu do que eu disse? Perry puxou a manga de

— Eu conheço todos os sinais do burro. Encrenca me ensinou, para eu não ser atingido por um tronco. Vou procurar o sr. Gavin. Antes que Nina pudesse decidir se deixava ou não o garoto se arriscar, Perry saiu correndo da litorina, descreveu um arco ao largo de Robertson e Trudy e desapareceu no canyon. Mordendo o lábio, Nina correu os olhos pelo cenário. Muita coisa mudara, desde sua última visita. Mike e Leo tinham falado em abrir caminho para as árvores, mas nunca imaginara uma devastação tão grande. Uma* sensação de perda assolou-a, logo seguida por outra, mais intensa, de desconfiança.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica O gesto de Gavin, acampando ao lado das árvores, impedira-a de fotografar o trabalho dos homens. Fora tudo planejado? Mesmo assim, em pé ali, na litorina, olhando o canyon, ela foi tomada por uma vontade enorme de estar com ele. Gostaria de seguir o exemplo de Trudy, pular da litorina e correr para o canyon. Em vez disso, ficou onde estava, quieta e submissa. Whip a abandonara. Estava agora com Trudy, que não se intimidara com o sermão de Robertson. Sua sombrinha girava no ar, enquanto seus olhos iam de um objeto a outro. Girando subitamente nos calcanhares, ela se dirigiu ao burro a vapor. O grito de Robertson foi ouvido acima do barulho da máquina. Rindo, Whip levantou a garota nos braços e levou-a para a litorina. Os olhos brilhando, ela o encarou, depois puxou-lhe as pontas do bigode. — Um esporte e tanto, não acha, srta. Wallace? — comentou Lionel, aproximando-se de Nina. Esporte! Nina teve vontade de dar-lhe um safanão. — É sra. Wallace. E o que está vendo não é uma diversão. Há muito perigo nesse trabalho. Os olhos dele brilharam. aqui?

— Perigo me atrai, minha encantadora sra. Wallace. O seu marido também está — Eu não tenho...

Ela parou de falar, quando Gavin apareceu na entrada do canyon. Detendo-se com a cautela de uma pantera, ele examinou o grupo. Nina nunca vira tanto desânimo em seu semblante. Apesar disso, a força e vitalidade que ele emanava chamavam a atenção. Os cabelos escuros pareciam ter sido penteados apenas com os dedos, e o colarinho, desabotoado, deixava à mostra o pescoço rijo e queimado de sol. Uma onda de ternura invadiu-a. A diferença entre ele e aqueles... filhinhos de papai era gritante. Desde quando Gavin viera para aquele local, Nina vivera com medo de ouvir os malditos apitos anunciando um acidente com ele. Dúvidas e desconfianças perderam importância. Nesse momento só queria sentir os braços dele em torno de seu corpo. Lionel continuava falando, mas nem o ouvia. O olhar de Gavin encontrou o seu. Por um instante, partilharam uma união tão perfeita que os outros deixaram de existir. Vagarosamente, ela se levantou do banco da litorina, onde havia se sentado. — Gavin! — Trudy berrou.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Dando a volta em Whip, ela correu para o barão da madeira e jogou-se nos braços dele. Sua sombrinha foi para um lado e o chapéu, para o outro. Rindo, Gavin levantou-a no ar, enquanto Whip corria atrás do chapéu, que o vento tocava para longe. Nina voltou a se sentar. A voz excitada de Trudy ergueu-se acima do barulho geral. — Estávamos conversando com a sua irmã, querido. Depois de tantos rumores, tínhamos de ver com nossos próprios olhos. Além do mais, tenho sentido muita saudade de você. Faz quase duas semanas que não nos vemos! Lionel riu, assustando Nina, que se esquecera por completo dele. — Trudy tem tantos apaixonados, que daria para encher um estádio. Mas duvido que ela consiga fisgar McKe... seu irmão. Na verdade, fiz até uma aposta contra ela. Pela primeira vez, Nina sentiu uma certa simpatia por Lionel. O apito agudo do burro soou, assinalando o intervalo do almoço. A notícia de que havia mulheres na plataforma de embarque das toras já havia corrido, e logo os lenhadores chegaram. Todos simpatizaram com Trudy, que, deliciada, aceitou metade do sanduíche de um dos homens, depois tirou uma mordida da maçã de outro. Gavin foi até Nina e apoiou um dos pés na litorina, inclinando-se para a frente. — Você por acaso perdeu o juízo, mocinha? O que foi que lhe deu, para trazer esse bando para cá? Ela o fitou, incrédula. — Eu?! E como é que eu ia impedi-los? — Ora, vamos... Wallace... — Lionel protestou. — Você está exagerando, não acha? O olhar de Gavin foi resposta suficiente, mas Lionel ainda disse: — De qualquer maneira, a responsável foi Trudy. Gavin endireitou o corpo. — Então, não há nada a ser feito, a não ser manter a garota sob controle. Nina teria concordado com mais entusiasmo, se ele não tivesse se encaminhado para a outra litorina, evidentemente satisfeito com a tarefa. Tendo ficado sem o café da manhã, ela aceitou, grata, o sanduíche oferecido por Michigan Mike. Enquanto o comia, Robertson abriu caminho entre os homens e levantou o pé calçado com bota para subir na litorina. Pedaços de madeira foram arrancados, a um centímetro da mão de Nina. Obviamente, ele teria gostado de esmagar-lhe os dedos. Respirando fundo, ela resolveu ignorá-lo. Seria insensato amolar Gavin com queixas sobre ã brutalidade de Robertson. A voz excitada de Trudy Witt ergueu-se acima das outras.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Preciso ver os homens trabalhando. E agora! O grupo que a rodeava seguiu-a em direção ao canyon, e Robertson disparou atrás. — Onde é que vocês pensam que vão? A pergunta não fez a menor diferença. Os homens estavam em seu tempo livre e Trudy queria ver as árvores. Nina aceitou o braço de Lionel. O rapaz tinha um ar preocupado. Talvez estivesse começando a perceber que uma visita à mata não era tão inofensiva quanto pensara. O estado do local onde estavam às árvores para a exposição entristeceu Nina. O aroma gostoso de terra fora completamente sobrepujado pelo cheiro de madeira recém-cortada. Os quatro pinheiros que ainda estavam em pé dominavam a paisagem devastada, com uma aparência grandiosa e vulnerável, principalmente o mais próximo. Os lenhadores já haviam começado a trabalhar nele, e o corte profundo, no tronco, quase a fez chorar. Tomando cuidado com as agulhas pontiagudas dos galhos, ela caminhou ao longo da árvore caída. Michigan Mike e Leo tinham feito um bom trabalho. O tronco maciço jazia entre tocos de árvores menores, que poderiam tê-lo lesado. A terra sem dúvida tremera, quando o gigante viera ao chão. Whip colocou Trudy sobre o tronco. Rindo, ela se pôs a dançar com passos rápidos, enquanto os lenhadores batiam palmas, marcando o ritmo. — Imaginem só! — ela gritou. — Quando esta árvore maravilhosa chegar à exposição, vou poder dizer a todos que dancei em cima dela. — Fez um beicinho. — Só que ninguém vai acreditar. Gavin e Whip riram, enquanto vários homens garantiam que socariam quem duvidasse. — Sr. Robertson — Nina manifestou-se, de repente. — Acaba de me passar pela cabeça que esta é uma ótima ocasião para tirar a sua foto. Os olhos de Gavin brilharam. — Grande idéia, maninha! Perry, vá buscar a câmera, na minha barraca. — O senhor vai posar comigo, não vai, sr Robertson? — Trudy perguntou, enquanto esperavam. — É a primeira vez que vejo um homem da floresta. Ele concordou, mas depois de posar com Trudy sobre uma faixa de terra ensolarada, exigiu uma foto só dele. Com certeza percebeu que sua foto, na companhia de uma linda jovem, não despertaria admiração nas outras mulheres. Nina estudou o corte feito com o cuidado de um escultor no pinheiro mais próximo. As superfícies pareciam polidas, de tão lisas.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Este corte é tão grande que dá para um homem se ajoelhar nele — comentou. — Por que o senhor não tira a foto aqui, segurando o machado de Mike? Gavin aprovou, perguntando baixinho: — Onde você colocaria a câmera? — No único lugar possível, maninho. No toco da árvore caída. — Que incrível! — Lionel exclamou. Os olhos dele brilhavam tanto que Nina ficou com medo que fosse ele, e não a irmã, a traí-los sem querer. Enquanto Gavin subia agilmente no toco, Nina virou-se para Lionel. — Por favor, me dê um impulso. Quero ver os ângulos que meu irmão vai escolher para a foto. Mais que depressa, o rapaz levantou-a pela cintura. Ao mesmo tempo, Gavin, que já havia chegado ao topo, estendeu a mão e puxou-a para junto de si. Por um instante, suas mãos apertaram-se com força. Para Nina, tudo o mais perdeu a importância. O ataque de Robertson, o flerte de Trudy e até mesmo o fato de Gavin ter se apossado de sua câmera..O calor da mão dele fez desaparecer toda a intranqüilidade dos últimos dias. — Você fica toda animada, quando está perto do seu irmão — Robertson comentou, num tom agressivo. Se fico! ela concordou, em pensamento. Delicadamente, Gavin soltou a mão de Nina e voltou-se para a câmera. Ela fez as sugestões necessárias baixinho, resistindo à vontade de tocá-lo. Foi quase um alívio quando Lionel e os amigos dele surgiram no alto do toco, apesar do aperto em que ficaram. Gavin deu um passo para trás. — Estou vendo que fotografar significa muito para você. Quer fazer esta? O coração de Nina deu um salto. Entrando debaixo da capa da câmera, ela verificou as lentes. Ao sair, encarou Robertson. Ele estava ajoelhado no corte, emoldurado pelo pesado tronco. Um machado de quase um metro e meio apoiava-se na perna. Seu queixo estava erguido, e a arrogância brilhava em seus olhos. Por mais que tivesse sofrido no passado, isso não justificava a grosseria de atacar uma mulher que cometera o erro de ficar sozinha com ele. — Não se mexa — Nina pediu. E num tom mais enfático, acrescentou: vamos tentar tirar uma foto que mostre o tipo de homem que o senhor é.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Sentindo o olhar interrogativo de Gavin, ela foi tomada pela vontade de encostar o rosto no ombro dele e ficar assim por toda a eternidade. Em vez disso, sustentou o olhar de Robertson e apertou, devagarinho, o bulbo pneumático da câmera. Logo em seguida, o apito do burro chamou a equipe de volta ao trabalho. Robertson inclinou-se para a frente. —- Vocês aí, os bonitinhos! Todos de volta para as litorinas. Os rapazes apressaram-se em obedecer, mas Trudy ainda não estava pronta para ir embora. — Deixe-nos ver os homens completarem o corte, sr. Robertson. — Juntando as mãos sob o queixo, ela arregalou os olhos. — Que perigo pode haver? Nós ficamos do outro lado. Tolamente, Nina protestou: — Trudy, isso é bobagem! E percebeu seu erro, quando Robertson rebateu, num tom meloso: — É bom ver uma moça tão interessada num trabalho masculino como esse srta. Trudy. Pode ficar e olhar um pouco. Mas longe dos pedaços de madeira, que vão pular, hein? Gavin segurou o ombro de Nina, de um modo que não causou prazer. — Péssima idéia — murmurou, com ar sombrio. — E por acaso a culpa é minha, irmãozinho querido? Ah, por que Gavin tinha sempre de achar que a culpa de tudo recaía nela? Ela não convidara o grupo. Nesse momento, Lionel voltou para o alto do toco. — O que significa isso? Uma discussão familiar? Não pode ser, minha gente! Irmãos têm de ser amigos. À frente deles Mike e Leo acomodaram-se nos andaimes mais altos, um de cada lado do corte, e recomeçaram a trabalhar. Camisas de tecido xadrez esticavam-se sobre os ombros musculosos, enquanto os homens brandiam seus machados, num dueto espantoso. Lascas enormes saltavam de sob as lâminas. O ritmo das machadadas encontrava eco no sangue de Nina. Até Trudy silenciou e, ao lado de Whip, pôs-se a observar o trabalho com admiração. Gavin juntou-se a eles. Logo, o suor começou a manchar as camisas dos lenhadores, fato que embaraçou os rapazes de Portland. Seus comentários infantis adequavam-se a um jardim da infância, Nina pensou. Seria possível que nunca haviam trabalhado o suficiente para suar a camisa?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Apertados no alto do toco acabaram derrubando o tripé. Exasperada, ela exclamou: — Lionel, dá para você parar de respirar em cima de mim? Gorando, ele deu um passo para trás e quase caiu. Os amigos o seguraram. De imediato, Nina arrependeu-se do que dissera. — Não se preocupe, Lionel. Eu sei que a culpa não é sua. — Não é mesmo — um dos outros disse, tentando ser engraçado. — Ele nasceu para aborrecer as mulheres. Rindo, o rapaz pulou do tronco, perseguido por Lionel. Para alívio de Nina, o terceiro integrante do grupo logo foi atrás. Na cidade, as brincadeiras deles podiam ser apreciadas, mas ali, em meio a homens que trabalhavam duro, no mínimo provocavam irritação. Aproveitando a oportunidade, Gavin aproximou-se mais dela. — Os rapazes a aborreceram? — Eles não fizeram por mal. Só são um pouco superficiais... — disse, observando os cabelos castanhos despenteados. Com esforço, controlou o desejo de enterrar os dedos nos fios sedosos. Estendeu as mãos tremulas para a câmera, que quase derrubou. — Isso eles são — Gavin concordou. — Afinal, eles têm mais ou menos a idade que tinha o seu Johnny. Nina virou-se bruscamente, mal percebendo que a saia batia no tripé. Não fosse por Gavin, a câmera teria caído. eles!

— Johnny não era como eles! Eu nunca teria me casado com um homem como Nesse instante, o som dos machados cessou e Robertson berrou: — Agora chega! Quero todos vocês nas litorinas.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica

CAPÍTULO XVII "Ah, rapaz, você conseguiu de novo!", Gavin disse a si mesmo, observando Nina adiantar-se até a beirada do toco. O sol delineava-lhe o corpo esbelto e os cabelos brilhantes. Sua aparência era tão elusiva e cheia de encanto quanto a da borboleta que voava a seus pés. A voz grave de Nina elevou-se: — Sr. Witt, pode me ajudar a descer? O irmão de Trudy avançou depressa, os braços estendidos. No instante seguinte, o prazer de Gavin aumentou dez vezes. Lionel achou que Nina tropeçou deliberadamente, para cair-lhe nos braços. O rapazote quase explodiu de alegria. Por acaso tinha a ilusão de que seria capaz de lidar com uma mulher como Nina Wallace? Gavin fitou o par, cheio de arrependimento. Sem dúvida fora um erro pressionála para definir os próprios sentimentos. Acabara por gostar do espírito rebelde de Nina e agora ela lhe parecia por demais submissa. Por causa dos visitantes? A expressão doce merecia ser vista. Nina fingia gostar das atenções de Witt. . Talvez se sentisse mais segura sendo alvo das atenções do rapaz. A reação apaixonada que tivera durante sua noite de amor devia tê-la chocado. Gavin estendeu a mão para a câmera. Enquanto Nina escondesse de si mesma que era uma mulher completa e não mais a garota de quatro anos atrás, nenhum homem alcançaria seu coração. Evidentemente, Lionel estava apreciando a oportunidade de tentar. Não tirava o braço da cintura dela, enquanto subiam a trilha em direção às litorinas. — Gavin, querido — Trudy chamou. — Venha conosco! — De braço dado com Whip estendeu-lhe a mão livre, de cujo pulso pendia a sombrinha enfeitada com rendas. Gavin colocou a câmera e o tripé no ombro. Apesar da suposta importância que aquela aparelhagem tinha para ela, Nina não hesitara em deixar tudo para trás. — Com prazer, srta. Witt. É muita generosidade sua querer partilhar sua companhia comigo. Mas os pensamentos de Gavin continuavam sombrios. A visita de Trudy representava uma complicação inesperada. Mas censurá-la por isso não levaria a nada, só acentuaria seu mau-humor. A convicção de que estava isenta de todos os males

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica dava-lhe muito atrevimento e pouco bom senso. E ele, agora, tinha nas mãos duas mulheres para preocupá-lo. Uma delas partiria quando a Shay saísse com o próximo carregamento de toras. Uma pena que não pudesse mandar a outra junto. Mas... queria mesmo mandar Nina embora? Afinal, não podia nem olhar para ela, sem imaginar a sensação deliciosa de têla nos braços. Quando o grupo se preparava para subir nas litorinas, Gavin levou a mão de Trudy aos lábios. — Dê lembranças minhas ao seu pai. Trudy arregalou os olhos. — Gavin! Você não vai até o acampamento conosco? — Não, amor. Tenho trabalho a fazer aqui. Ele ergueu os olhos para Nina, deliciando-se com a beleza do rosto feminino e o modo como o sol iluminava-lhe os cabelos. Trudy falava sem parar, tentando convencêlo a descer com eles. Fazendo um esforço, voltou a atenção para ela.— É que planejamos uma grande seqüência de fotografias, amor. Vamos documentar a viagem das árvores desde a floresta até a exposição. Idéia da minha irmã. — Sua irmã é muito inteligente — comentou Trudy, o ar risonho cheio de malícia. — Se é. Tão inteligente quanto bonita. O divertimento de Trudy inquietou-o. Não seria bom, para Nina, se o povo de Portland ficasse sabendo de sua estada no acampamento. Mesmo assim, não queria nem pensar em mandá-la embora. Tirando o relógio do bolso, Robertson gritou para Whip: — Faça essa litorina andar! Já estamos atrasados. Cheio de relutância, Gavin recuou um passo e observou as litorinas entrarem em movimento, levando Nina e o resto do grupo. Examinando, então, o próprio relógio, foi tomado pela apreensão. Dutch costumava voltar com a Shay para a cidade às três horas. No entanto, já passava muito dessa hora. Quando as litorinas chegavam ao acampamento, Whip disse a Nina: — Veja só! Olhando para frente, ela viu que a máquina e os vagões haviam desaparecido. — Mas Dutch sabia que ele tinha de levar essa gente! Como pôde ir embora? — Agora ele só volta segunda-feira de manhã — informou Whip, sorridente. — Ao que parece, vamos ter a companhia dos visitantes por mais alguns dias. — Que maravilha...

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Trudy saltou da segunda litorina, borbulhante de prazer. — Vejam só acho que perdemos o trem! — Riu, piscando para Whip, antes de voltar sua atenção para Robertson. — Que coisa! Mas o senhor tem um lugar para nós dormirmos, não tem, sr. Robertson? Eu juro que só vamos ter elogios para fazer ao senhor, quando voltarmos a Portland. Dandy perdeu a voz afinal, optou por afastar-se pisando duro, deixando o grupo entregue à própria sorte. — É melhor falarmos com o cozinheiro, Buck. Ele vai arranjar um lugar para vocês dormirem — Whip disse. E sorrindo novamente, acrescentou: — Se Buck não puder lhe arrumar um lugar, srta. Trudy, terei o maior prazer em recebê-la na minha cama. De imediato, ela lhe deu um cutucão com a sombrinha. — Pois se isso acontecer, eu não vou aceitar sr. Escalador! O senhor é muito atraente para ser dono de alguma força de caráter. Não me surpreenderia se me dissessem que a sua reputação não é das melhores. Ò rosto de Whip iluminou-se de prazer, e Nina meneou a cabeça. Que facilidade tinham mulheres como Trudy para flertar! Seria possível que nascessem com esse dom? Se ela tentasse um diálogo parecido sem dúvida provocaria riso em Whip. — Srta. Witt, existe um pequeno depósito no restaurante, onde poderá dormir — Nina disse, baixinho. — Um depósito? — Trudy franziu o nariz. — E a senhora? Onde dorme, sra. Wallace? Nina não teve como mentir. — Naquele vagão. Ele foi arrumado para mim. — Um vagão? Inteirinho? Ah, vai ser ótimo! Vamos ser como duas irmãs, partilhando todos os nossos segredos. — Os olhos brilhantes, ela virou-se para Whip. — É claro que vamos ter de verificar se as paredes não têm ouvidos. Nina respirou fundo. Aquela noite prometia ser interminável. De imediato, Trudy tornou-se a queridinha do acampamento. Sua personalidade vibrante atraiu todos para ela. Depois do jantar, ela se sentou sobre o toco diante dos dormitórios, enquanto Owen despertava a noite com seu violino. A luz do fogo atingialhe os cabelos escuros, arrancando reflexos adoráveis e iluminando-lhe o rosto animado. Era evidente que estava adorando a música e o músico. Tão evidente quanto a inveja que todos sentiam de Owen, naquele momento. Todos é claro, menos o grupo que tinha vindo com ela de Porfland. Claramente entediados com a rotina do acampamento, haviam se sentado atrás dela e, sem o menor ânimo, dedicavam-se a um jogo de pôquer.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Ao contrário dos rapazes, Trudy se divertia a valer. Sua vivacidade despertava o que havia de melhor nos homens. A maioria havia tomado banho e penteado os cabelos. Os palavrões, que sempre temperavam as conversas, tinham sido quase que completamente abolidos. O rapaz que havia tomado o lugar de Charlie no restaurante avançou por entre os lenhadores. Seu colete desabotoado deixava à mostra uma camisa branca e uma gravata vermelha. Parando junto de Owen, ele prendeu a lâmina de um serrote entre os pés e, com as mãos, pôs-se a arrancar dela notas chorosas, que se espalharam pela noite. Trudy apertou as mãos de encontro ao peito. Até os rapazes de Portland pararam de jogar, para ouvir. Nina fechou os olhos e deixou-se envolver pela música. A lâmina do serrote cantava pelos homens feridos nas matas e as encostas devastadas das montanhas. Ela ouvia a própria dor ecoando na música melancólica. Durante todo o dia, mantivera a lembrança do ataque degradante de Robertson no fundo da memória, mas nesse momento as lágrimas ardiam em seus olhos. De repente, da escuridão atrás dela veio a voz de Gavin. — Nina? Ela se virou, assustada. Emoções que havia sufocado o dia inteiro envolviam-na por completo. A expressão de Gavin também mostrava um traço dos sentimentos melancólicos despertados pela música. Nina procurou parecer casual. — Pensei que fosse ficar lá em cima. — Mike está vigiando as árvores. — Ele se sentou ao lado dela. Tinha as mangas arregaçadas e, distraído, coçou uma picada de inseto no pulso. — Fiquei sabendo que Trudy ainda estava no acampamento. Uma notícia desagradável. — Fitou-a — Para nós dois, na minha opinião. — Eles estão todos aqui — Nina falou, aborrecida por ele ter citado apenas Trudy. — A Shay foi embora enquanto você estava flertando com aquela gracinha. O olhar que ele lhe lançou fez o coração de Nina acelerar. — Não estava flertando com Trudy. — Fez uma pausa, depois acrescentou, num tom mais baixo: — Se é que flertar é a palavra certa para descrever a sensação de estar derretendo por dentro, cada vez que eu olhava nos olhos verdes de uma mulher. — Reclinando-se, apoiou a cabeça na parede do dormitório, como se não tivesse dito nada de excepcional. — E claro que você precisa servir de dama de companhia da menina, enquanto ela ficar no acampamento. -— De jeito nenhum! — Nina estava abismada. Como podia ele falar de amor e no mesmo instante dar uma ordem daquelas?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Ele arqueou as sobrancelhas, divertido, mas firme em seu propósito. — Não? Você não é mais velha do que ela? —- Mais velha do que ela? Claro que sou! Em idade e bom senso. — Exatamente! Nina ergueu-se de um salto. Percebendo que chamava a atenção, falou baixinho: isso?

— Deixe que o irmão dela lhe sirva de dama de companhia! Como ousou me pedir Gavin suspirou-

— Não confio nele, para mantê-la a salvo. E como o pai dela é meu amigo, provavelmente vou ter de vigia-lá pessoalmente. Com o coração apertado, Nina virou-se para a garota que continuava sentada sobre o toco, encantada pela música. Talvez ainda viesse a sofrer, mas* até aquele momento a vida poupara Trudy Witt. De repente, Nina entendeu por que o papel de dama de companhia a desgostava tanto. Não era pela dificuldade de.vigiar uma garota irrequieta, mas porque essa função delimitava as fronteiras entre a juventude e a maturidade. Até aquele instante, ainda se julgava adolescente. Gavin preocupava-se, incerto, se Trudy tinha juízo suficiente para pensar em mais do que na alegria de um flerte, caso um lenhador a convidasse para um passeio pela floresta. Ela mesma, Nina, entrara na mata com Whip, depois cometera o erro de seguir Dandy Robertson pelo caminho junto aos trilhos. — Trudy vai dormir comigo, no vagão. Pelos menos isso já foi providenciado. Quando o fitou, Gavin sorriu com tanta ternura, que Nina sentiu o coração mais leve. Feliz, retribuiu o sorriso. Dividir o vagão com Trudy Witt foi pior que o esperado. Era incrível que uma garota que chegara sem bagagem pudesse espalhar pertences por todo o local. Mais enervante, no entanto, era a crença de Trudy de que ela e Nina se tornariam confidentes. Em vão Nina tentou conter a tagarelice da garota. Enquanto costurava um rasgo na saia, ela não teve outra alternativa a não ser ouvir a conversa de Trudy. Trudy a tratava como se fossem iguais, no entanto cada vez que falava em Gavin, deixava bem clara a diferença social entre Nina e o barão da madeira. — Sua casa em San Francisco é linda, digna de ser vista. Está sempre superlotada de primos. Até parece que ele gosta de receber, mas a verdade é que raramente fica por lá.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Trudy fez uma pausa para arrumar novamente, nas costas de uma cadeira, sua capa de seda. Depois, continuou: — Estranho, Gavin se comporta como se tivesse de trabalhar para viver. Eu sei que você trabalha duro e não quero ofendê-la, Nina, mas Gavin é rico! Não precisa passar o tempo todo naquele estaleiro fedido. Se bem.que ele desenvolveu um tipo muito resistente de navio, próprio para carregar madeira. Papai diz que nós devemos nos orgulhar da capacidade de Gavin. Aquela tarde, o carpinteiro do acampamento havia feito outra cama, que agora estava cheia de pontas de pinheiro e coberta por dois cobertores ásperos. Trudy testou a estrutura de madeira com ar de dúvida, franziu a testa e sentou-se nos pés' da cama de Nina. — O que é que você acha, Nina? Está tão quieta! Pensativa, Nina cortou a linha com os dentes. — A capacidade de Gavin não me surpreende. Quanto às razões dele para se dedicar à construção de navios, acho que têm muito a ver com a perda de vidas no mar. Quando o irmão de Whip morrera afogado, Gavin devia ter revivido a própria dor com a morte do pai, em circunstâncias semelhantes. Quanto mais o conhecia, mais difícil achava incriminá-lo pelos excessos de Robertson. Ainda assim, ele continuava a ser o dono da madeireira. Trudy recomeçou a falar, agora sobre peças e óperas a que havia assistido em companhia da família, durante uma viagem que tinham feito a San Francisco. Nina só voltou a prestar atenção quando o nome de Gavin tornou a ser mencionado. — Acho que ele é muito sozinho. E talvez mereça ser. Afinal considera as mulheres meros objetos decorativos. — Ah, não! Nós servimos para mais alguma coisa — Nina protestou, rindo, apesar de si mesma. Trudy riu, também. — Eu sei. Mas somos muito bem educadas para falar desse tipo de coisa, não somos? Nina inclinou-se sobre a costura, torcendo para que Trudy atribuísse seu rosto corado à timidez e não a uma lembrança pessoal. — Ele não é casado, então? — acabou perguntando, casualmente. — Não. E pelo que sei, não tem inclinação para o casamento. Mamãe diz que Gavin amadureceu tão depressa e trabalhou tanto que acabou perdendo a suavidade de sua personalidade. — Trudy suspirou. — Gavin não tem tempo para pessoas que não trabalham tanto quanto ele. Acho até que ele considera o coitado do Lionel um indisciplinado.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Uma crença da qual Nina partilhava. Lionel levava um vida fútil, provavelmente igual à que Whip costumava levar. Não era de admirar que o escalador gostasse tanto do ar fresco e da liberdade encontrados num acampamento madeireiro. — Vamos, Nina, confesse! Você acha Gavin adorável. Só pode achar. Todas as mulheres acham. — Então, todas essas mulheres podem ficar com ele — Nina retrucou, com uma certa aspereza. Na verdade, essa idéia fazia seu coração se apertar. Trudy deu um risinho. — Não pense que não vi o modo como ele olha para você! E vocês estão juntos aqui, longe das restrições da sociedade. Existe algo mais romântico que isso? Nina arrepiou-se de alto a baixo. Longe dos olhos da sociedade, um homem como Gavin podia dançar e beijar uma mulher que nunca notaria, na cidade. E essa mulher seria uma tola se esperasse dele mais do que uma ligação temporária. Pegando o chapéu de Trudy sobre a mesa, Nina dependurou-' o num dos pregos presos à parede. — Se fosse ficar mais tempo aqui, srta. Witt, veria que um acampamento funciona como uma cidade, com regras bem definidas no que se refere a mulheres decentes. Mas a sensação de mal-estar ainda a perturbava. E se Trudy voltasse a Portland e começasse a falar de Nina Wallace, a mulher que vivia num acampamento madeireiro e que havia capturado a atenção de Gavin, pelo menos por algum tempo? Era fácil imaginar a história correndo de um salão para 6 outro. O estúdio com certeza perderia muitos fregueses; nenhuma pessoa decente iria até lá. Nina ajoelhou-se para ajeitar a cama de Trudy. Como ela estava apenas de passagem, ninguém se dera ao trabalho de quebrar os ramos de pinheiro em pedaços pequenos. A garota com certeza dormiria mal, acostumada, como devia estar, a colchões macios. — Seu sangue é mais azul que o meu — Nina brincou. — Até me dá vontade de lhe emprestar a minha cama, que é mais macia. — Você também leu a história da princesa e do grão de ervilha, quando era criança? — Li. Mas você é mais jovem do que eu e vai ter de se contentar com esta cama. — Nina! Você não é tão mais velha que eu. — Trudy inclinou a cabeça, os olhos brilhando, cheios de malícia. — Gavin, pelo menos, não a considera velha. Nina convidou a garota a se deitar. Então, usando seu tom de voz mais grave, disse com firmeza:

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Gavin McKenna nem mesmo dorme aqui no acampamento. Ele está preocupado com as árvores, não com um interlúdio romântico. Trudy ajeitou-se na cama, como um gatinho ajeitando-se numa almofada. Depois, sorriu por cima do ombro. — Pode ser que a senhora esteja precisando se esforçar mais um pouco, sra. Wallace. Com um movimento abrupto, Nina apagou o lampião e deixou-se cair na própria cama. O cheiro de pinheiro envolveu-a, trazendo lembranças perturbadoras. Não se deu ao trabalho de dar uma resposta ao comentário de Trudy, mas um longo tempo se passou, antes que conseguisse dormir. No domingo, o grupo voltou ao local de trabalho dos lenhadores,, para mais fotografias. Depois de ver as câmeras, Trudy insistira para que todas fossem usadas. Nina cedera, principalmente porque estava ansiosa para usá-las. Como os lenhadores não estavam trabalhando naquele dia, Robertson não tivera motivos para negar permissão. Na verdade, ele até gostou de vê-los sair do acampamento, e por uma boa razão. Os rapazes provavelmente voltariam a Portland com um caso grave de "varíola do lenhador", ou seja, cheios de marcas de sapatos ferrados por todo o corpo, se voltassem a se dirigir com tanta arrogância aos lenhadores. No local onde estavam as árvores, Trudy flertou igualmente com todos, enquanto pedia para ser fotografada em uma pose difícil atrás da outra. Nina achou que ela resolvera provocar Gavin, simplesmente para saber até onde poderia ir. A garota não escondia a curiosidade a respeito de um possível romance entre Gavin e Nina. Apesar de não revelar a ninguém que os dois não eram irmãos, observavaos com ar malicioso, sempre que falavam um com o outro. Nina foi tomada por uma tristeza intensa, ao fitar a árvore que Mike e Leo derrubariam na segunda-feira. O corte feito na base do tronco, para dirigir a queda, era liso e polido. Um segundo corte fora feito no lado oposto, de modo que os homens só teriam de serrar um pedaço bem menor do tronco para obter o que desejavam. Em intervalos andaimes agarravam-se como carrapatos à casca áspera do tronco. Trudy insistiu para que Whip a colocasse no mais baixo, depois começou a pular numa das pontas com tanta animação que Nina achou que ela seria lançada em direção à vegetação rasteira. Mais tarde Nina viu-se na companhia de Trudy e Whip sobre o toco que estavam usando como plataforma fotográfica. Gavin conversava com Mike, perto da árvore que já fora derrubada. Lionel há muito se aborrecera com aquilo e voltara para a litorina, para um jogo.de pôquer com os amigos. De tempos em tempos, suas vozes chegavam até os que haviam ficado para trás.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Até Trudy tinha um aspecto cansado, com uma das faces sujas de poeira. Mas seus olhos mantinham o brilho animado de sempre, enquanto observava o lugar, à procura de outro cenário para uma pose. — A luz está ficando ruim — Nina avisou-a. — É melhor voltarmos para o acampamento. — Só mais uma — Trudy pediu. — Nunca mais vou ter uma oportunidade como esta. Whip, coloque Nina no andaime, para que ela possa me fotografar neste toco enorme. Whip lançou um olhar de dúvida para o andaime, e Nina protestou: — Não. Não tenho a menor intenção de me equilibrar naquela tábua estreita, Trudy. — Mas Nina, pense só no ângulo que vai conseguir! — Não quero arriscar meu equipamento. A garota riu. — Está falando da sua câmera ou do seu corpo? toco.

— Acho que você só tem serragem na cabeça — Nina exclamou, descendo do — Espere!

Trudy correu atrás dela, mas tropeçou e caiu de cabeça. A vegetação lá embaixo amorteceu sua queda, mas ela gritava de dor, enquanto tentava se livrar dos espinhos. — Josafá! — berrou Mike. — Ela mergulhou num espinheiro. Enquanto Nina se agarrava ao toco, horrorizada, os homens retiraram a garota do espinheiro. Depois, Gavin levou-a até o centro da clareira. — Whip, corra até a cozinha e arranje um pouco de maisena. — Droga, isso vai demorar muito! — Correndo até a trilha junto à estrada de ferro, ele pegou um punhado de terra úmida e voltou. — Aqui, srta. Trudy. — Pôs-se a cobrir as partes avermelhadas no rosto dela com a terra. — Isto vai acabar com a dor. Se erguer a saia, posso colocar um pouco nas suas pernas, também. — Não, senhor — Nina interferiu. — Eu faço isso. E vocês todos vão ficar de costas. Trudy sorriu por entre lágrimas, cheia de gratidão. — Ah, Nina, está ardendo tanto! — Eu sei, querida. Com toda a gentileza, ela aplicou a lama nos braços e pernas de Trudy. Aos poucos, a garota foi parando de chorar e começou a rir.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Até parece que andei brincando de fazer torta de lama. Nem pense em tirar um foto minha, agora. — Mas Trudy, um fotógrafo está sempre alerta para registrar o que não é comum. — Sentando nos calcanhares, Nina examinou seu trabalho. — E você se encaixa como nunca nessa classificação. Ambas riram, e Trudy impulsivamente abraçou Nina, transferindo a ela uma parte da lama que a cobria. Apesar do acidente, na manhã seguinte Trudy já estava ansiosa por novas aventuras. Como as equipes tinham voltado ao trabalho, Robertson proibiu a saída dos visitantes do acampamento. — Nós não podemos ficar aqui o dia inteiro, esperando pelo trem — Trudy protestou. Nina estava tão impaciente quanto ela. A segunda árvore ia ser derrubada, e Gavin voltara para lá. A vontade de fotografar o trabalho dos rapazes era tão grande, que, se não fosse por Trudy, Nina teria dado um jeito de ir. Logo depois do café da manhã, Dutch chegou com a Shay ao acampamento. O maquinista estava ressabiado, como se esperasse ouvir um sermão e tanto, por ter deixado o grupo de Portland para trás, no sábado. E não ficou desapontado. A voz de Robertson, zangada, ecoou por todo o local. Lionel recebeu o trem com alívio. — Civilização, afinal! Trudy fez beicinho. — Que coisa! Mas ainda faltam algumas horas para partirmos, não é, Nina? O que vamos fazer até lá? — Acho que você pode ajudar Buck a limpar e encher os lampiões de querosene — Nina sugeriu. E escondeu um sorriso, ao ver a expressão horrorizada da outra. Com seu ar indolente, Whip aproximou-se delas. — Bom dia, moças. Pelo que vejo, a srta. Trudy já se recuperou do acidente de ontem. — Já me recuperei, mas estou aborrecidíssima. Imagine que o sr. Robertson quer que fiquemos aqui como... como pedaços de madeira, até o trem partir. E isso ainda vai levar horas! Nesse momento, ela viu Robertson chegando. Corou, mas não perdeu o ar teimoso. Ele, por sua vez, não deu sinal de tê-la ouvido. — Você ainda não foi trabalhar? — perguntou, ríspido a Whip. — Estou indo. Mas me diga uma coisa, chefe: por que não deixa as moças observarem nosso trabalho, da litorina? — O escalador virou-se para Trudy, sorrindo. — Ver o topo de uma árvore cair é emocionante. — Seu rosto assumiu um ar

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica despreocupado e orgulhoso. — Acho que sou o único homem nestas matas usando ferros para subir, em vez de andaimes. Pedi ao ferreiro para fazê-los especialmente para mim. E digo mais, srta. Trudy: só a subida já é um espetáculo digno de ser visto. Trudy entrelaçou as mãos diante do peito, depois transferiu seu olhar encantado para Robertson. — Por favor, diga que podemos ir! Robertson franziu a testa, mas seu tom de voz foi menos áspero do que Nina esperava. — Para vocês entrarem mata adentro, correndo o risco de serem esmagadas ou coisa pior? — Nós vamos ficar exatamente onde o senhor mandar — a garota prometeu, com fervor. — Não vamos, Nina? O olhar de Robertson voltou-se para ela, e Nina se arrepiou com o sorriso ameaçador. — Vocês duas vão fazer o que eu mandar? Se fizerem, posso arrumar alguma coisa. Não há dúvida de que é um espetáculo o topo de uma árvore caindo. Nina não precisou forçar a imaginação para ver o sujeito obrigando-as a aceitar suas atenções, enquanto Whip escalava a árvore, sem nada notar. — Está bem, vocês podem vir. — Robertson dirigiu-se à litorina. — Mas andem logo, que o dia já vai longe. Os olhos de Trudy brilharam. — Ande logo, Nina — exclamou. E agarrando a saia, correu para a litorina. Nina teve vontade de detê-la. Não o fez sabendo que sua atitude seria tomada como uma preocupação sem sentido. Mesmo que descrevesse o ataque de Robertson, Trudy diria que daquela vez seria diferente, que teriam outras pessoas por perto. Outras pessoas! — Trudy não devemos ser egoístas. Lionel e os outros também devem estar ansiosos por um divertimento. O olhar com que Robertson a brindou fez até a companhia de Lionel parecer atraente. A árvore que teria o topo derrubado ficava a alguma distância das árvores escolhidas para a exposição. — Os rapazes virão para cá a semana que vem — Dandy falou. E se pôs a explicar como a árvore derrubada seria atada a cabos vindos do burro mecânico e puxada até a plataforma de embarque.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Uma explicação completamente inútil. Os rapazes de Portland não estavam interessados, e a atenção de Trudy se voltava exclusivamente para o escalador. Com uma piscadela para Trudy, Whip prendeu os ferros de escalar nas solas de suas botas e ao longo de suas pernas. Com um machado pendendo de seu largo cinto de couro, ele passou uma corda em torno do tronco da árvore de mais de um metro e oitenta de diâmetro. Nina ficou tão atônita quanto Trudy, quando o rapaz começou a subida. Ele jogava a corda para cima e ia andando, num ritmo firme, os ferros prendendo-se à casca da árvore. — É quase como pular corda — Trudy comentou. — Só que diferente. — Ele é rápido — disse Dandy. — É por isso que agüento as atitudes dele. Trudy apertou as mãos, os olhos brilhantes, quando Whip parou, quarenta metros acima do solo. O barulho do machado começou a ecoar pela floresta. Minutos depois, o galho mais baixo caiu. Ele avançou até o galho seguinte, e recomeçou. Dandy limpou a garganta. — Como vê, srta. Trudy, se a árvore ainda estivesse inteira, quando o burro mecânico começasse a trabalhar, os galhos poderiam se desprender e cair sobre os rapazes. Ele franziu a testa, quando a garota não respondeu. Era óbvio que ela estava fascinada com o escalador. Whip chegara ao ponto em que teria de derrubar o topo da árvore. O tronco já estava tão fino, que a corda achava-se quase que inteiramente enrolada em seu cinto. Ele se inclinou para a frente, os ferros bem presos ao tronco escuro. Nina prendeu a respiração, ao vê-lo dar início ao corte final. — O vento está soprando forte, lá em cima — Trudy murmurou. Nina assentiu. Whip se agarrava ao tronco, a corda e os ferros os únicos apoios a mantê-lo a salvo. Até Lionel e os outros tinham silenciado, para vê-lo trabalhar. O ritmo das machadadas ecoava acima deles. De repente, Trudy perguntou: — E se ele errar e cortar a corda? Robertson riu. — Ora, srta. Trudy! Se isso acontecer, teremos de providenciar outro escalador. Trudy lançou-lhe um olhar horrorizado, que o fez encher o peito, orgulhoso por, afinal, capturar a atenção da garota. — Eu me lembro de um escalador que tivemos, um ano atrás. Ele estava trabalhando na encosta de uma montanha. O dia era como hoje, de muito vento.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina ignorou-o, esperando que os outros a imitassem, mas Lionel perguntou: — O que foi que aconteceu? — Ah, não muito. — Robertson fez uma pausa para cuspir o tabaco que mascava, depois ergueu os olhos para Whip. — O rapaz estava tirando o topo da árvore, quando uma rajada de vento jogou-o quase do outro lado. Mais uma pausa. Só o barulho das machadadas enchia o ar. — O coitado acabou dando com o machado bem na corda. Quase fez um buraco no chão, quando caiu. Cheia de repulsa pela história, Nina lançou um olhar preocupado para Trudy. Se Robertson esperava que a garota desmaiasse para ter o prazer de reanimá-la, se desapontou. Depois de uma exclamação chocada, ela se recuperou e o encarou. — Minha nossa, sr. Robertson, o senhor é um magnífico contador de histórias. Deveria estar no palco. Antes que o chefão pudesse dizer mais alguma coisa, Lionel berrou: — Lá vai! Todos os olhares concentraram-se no escalador. O som de madeira se partindo veio da árvore. As últimas fibras romperam. Whip deslocou-se para um local abaixo do corte, segundos antes do topo se desprender e ir ao chão com estrondo. A ponta do tronco começou a balançar de um lado para o outro, descrevendo um arco cada vez menor no ar. O escalador voltou a subir, com agilidade. Quando o tronco parou de balançar, colocou-se sobre o corte e acenou com os braços, gritando entusiasmado. Trudy gritou, também, e acenou, pulando sobre a litorina. Nina queria cobrir os olhos, mas não teve coragem de se mover até Whip voltar para a lateral do tronco. Ele afrouxou a corda e deixou o corpo cair um certo tanto, enterrando os ferros na casca escura. Em seguida, foi repetindo o procedimento até chegar ao chão, um homem novamente, mas o êxtase dos deuses brilhando no rosto. Não era de admirar que ele não quisesse voltar para os navios mercantes, Nina pensou. O que tinha um navio a oferecer que pudesse se comparar com aquilo? Quando eles voltaram para o acampamento, encontraram Gavin ao lado da Shay, falando com Dutch. Nina adorou vê-lo ali. Ainda tomada pela excitação do que vira, juntou-se a ele. — Acabamos de ver Whip tirar o topo de uma árvore. O senso de equilíbrio dele é fantástico! — Gavin riu, divertido. — Não está pensando em tomar o trabalho dele, está? Ela retribuiu o sorriso. Gavin estava mais bronzeado do que quando chegara ao acampamento. Parecia forte e

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica confiante. Ela também mudara, mas não o bastante para querer tomar o trabalho de Whip. vez.

— Eu vim para me certificar de que nossos amigos não vão perder o trem, desta

O olhar dele envolveu-a, transmitindo a saudade que sentira, sua admiração, sua vontade de abraçá-la. — Estou contente por você ter vindo — Nina replicou, em voz alta. Trudy aproximou-se deles, o olhar indo de um para o outro. De leve, bateu em Gavin com a sombrinha. A excitação daquele dia ainda estava em sua voz, quando brincou: — Gavin McKenna, acho que você, afinal, perdeu seu coração! Ela percebeu o erro de imediato e, com os olhos arregalados, apertou o cabo da sombrinha de encontro à boca. No silêncio que se fez, Robertson rugiu, do outro lado da locomotiva: — Muito bem, belezinha, todos a bordo. No que diz respeito a vocês, o show acabou.

CAPÍTULO XVIII O rumor da locomotiva, o escapar do vapor e o apito distante do burro mecânico envolviam o grupo. Talvez ninguém tivesse ouvido Trudy chamar Gavin de McKenna. — Que barulho! — comentou Whip. — Não dá para ouvir nada, aqui. Gavin concordou. — Parece impossível que os lenhadores não tenham ficado surdos, trabalhando no meio de tanto barulho. Nina sentiu sua ansiedade diminuir. O que Trudy fizera não podia ser desfeito, mas talvez os homens estivessem certos e o barulho tivesse abafado tudo. Uma onda de ternura pelos dois invadiu-a. Eles eram uns amores, tentando tranqüilizar a garota daquele modo. E Robertson não dera sinal de tomar conhecimento de que o dono da madeireira se encontrava ali. Continuava com a cara amarrada de sempre, enquanto esperava alguns metros abaixo, que o grupo de Portland embarcasse. Nina quase chegou a desejar que Robertson tivesse escutado. Assim, ele não arriscaria a posição na companhia, maltratando-a.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Abraçando Trudy, disse: — Sabe? vou sentir sua falta. Lágrimas surgiram nos olhos da garota. vocês!

— Você tem de me visitar em Portland. Ah, como vou sentir falta de todos

Afinal, a Shay enveredou montanha abaixo, os vagões de tora dando-lhe a aparência de uma enorme centopéia de madeira. Trudy inclinou-se na janela do vagão de passageiros, acenando freneticamente. Nina supôs que Lionel e os amigos já estivessem presos a um jogo de cartas, alegres com a volta à civilização. Com certeza um longo tempo se passaria, antes que um deles concordasse em participar de outra excursão sugerida por Trudy. Whip permaneceu junto aos trilhos. Mas não foi um olhar de despedida que Nina viu em seu rosto, e sim de especulação, o que a inquietou. Enquanto pensava no que o rapaz poderia estar planejando, Gavin segurou-a por um dos pulsos. — Amor, eu vou voltar para as árvores... — Ele hesitou, depois acrescentou, com mais aspereza: — Tome cuidado para não se meter em encrenca. — Você também. Gostaria que não fosse. Trudy... — Nina interrompeu-se. — Repetir o erro de Trudy seria totalmente desastroso. Enquanto ela procurava as palavras certas para expressar sua apreensão, foi tomada por um estranho sentimento. Era como se os dias anteriores tivessem desaparecido. Visualizou o corpo de Gavin, nu e "quente, junto ao seu, fazendo amor com inacreditável paixão. O sangue subiu-lhe ao rosto. — Gavin, não... — começou, para logo interromper-se de novo, sem saber o que dizer. Quando ele deslizou os dedos por seu pulso, tomando-lhe a mão, teve a impressão de desmaiar de emoção. — Maninha, você me ensinou melhor do que pensa. — O sorriso dele perdeu a alegria. ™ Vou tirar suas fotografias, não importa o destino que você queira dar a elas. — Mas eu quero tirar as minhas fotos! Gavin meneou a cabeça. — É um lugar muito perigoso para você. Ela quase lhe disse o quanto o acampamento podia ser ainda mais perigoso. — Leve a câmera de grande foco, então, e deixe a Speedsgraphic comigo. Quem sabe eu tire mais algumas fotos dos patos de Apollonia. Ele concordou animado, como se tivessem resolvido a questão. Mas Nina sabia, no fundo, que não tinham. E enquanto o observava caminhar com passos firmes para a litorina, foi assolada pelo desapontamento. Queria ir com ele!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Aquela noite, sentada num dos bancos diante dos dormito-, rios, ouvindo a música e as brincadeiras dos lenhadores, Nina teve a impressão de que a floresta se fechava em torno dela, sufocando-a. Era a primeira vez que isso acontecia. A fogueira já se reduzia a brasas. Reclinando-se, ela permitiu que a magia da noite dominasse seus sentidos. Na quinta-feira, a segunda das árvores destinadas à exposição foi derrubada. Ouvindo os lenhadores comentaram o assunto em volta da fogueira, ela fumegava de raiva. Que Gavin McKenna fosse para o inferno! Robertson não mentira ao dizer que seu "irmão" pretendia fazer as fotos sem a sua ajuda. Precisava encontrar um jeito de estar presente. Todo o acampamento se preparava para mudar para lá num ritmo bem mais lento do que esperava. Tão lento, que as árvores já podiam ter sido todas derrubadas, quando a mudança ocorresse. Robertson andava muito ocupado, resolvendo problemas referentes à mudança. E, para seu alívio, deixava-a em paz. Por outro lado, ela sentia falta da companhia de Whip. O escalador mostrava-se quieto e arredio. Na quarta-feira, quando entrou no refeitório, Nina ficou surpresa com o burburinho causado pela conversa. Os lenhadores raramente falavam, durante o café da manhã. Na verdade, conversas eram desencorajadas. Só pensavam em comer e sair. Ela parou para ouvir, e Red aproximou-se, excitado. — A senhora nunca vai adivinhar o que aconteceu, sra. Wallace! — Mas você vai me contar, não vai? Ele sorriu, mostrando uma falha nos dentes. — É aquele escalador, o Whip. Pegou uma litorina. Disse que vai de litorina até Portland visitar aquela garota que esteve aqui. Nina lembrou-se da expressão que vira no rosto de Whip, dois dias atrás. Então era isso que ele planejava enquanto Trudy acenava da janela do trem. E os lenhadores já estavam fazendo apostas. A maioria duvidava que ele tivesse músculos suficientes para tocar a litorina até Portland, mas alguns achavam que sim. Enquanto Red se afastava, Perry chamou: — Sra. Wallace? — Ele se virou um pouco no banco onde estava, o garfo cheio de panqueca pingando calda de amora no chão. — A senhora acha que Whip vai voltar? — É melhor ele voltar, senão como vocês irão acertar as apostas? Novos comentários sobre a força necessária para mover uma litorina irromperam entre os lenhadores. Nesse instante Robertson entrou no restaurante, empurrando Nina para o lado, com toda grosseria.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Em nome do diabo, o que está acontecendo aqui? Vamos, tratem de parar com isso e sair para o trabalho! Lembrando-se de seu salário, os homens levantaram-se depressa. Nina aproximou-se de Perry. — Termine seu café, depois vá buscar as placas de filme para a Speedgraphic. O garoto empurrou as panquecas para a beirada do prato, aborrecido. — Vamos tirar fotos dos patos, de novo? Nina escondeu um sorriso. Os patos de Apollonia tinham comido tantos insetos e caramujos, que agora quase se arrastavam pelo chão. Para Perry, provavam o mal da gulodice. — Chega de patos, Perry. — Inclinando-se, cochichou: — Nós vamos ver os homens derrubarem a próxima árvore. Ele arregalou os olhos. . — Mas como? Vamos arranjar uma carona até lá? — O que um escalador pode fazer, nós dois também podemos tentar. Vamos tomar emprestada uma litorina. O garoto ficou tão surpreso que não conseguiu dizer nada, limitando-se a fitá-la. O coração de Nina disparou, quando passava diante dos edifícios onde ficavam o ferreiro e o amolador. Acenou para ambos, contente por eles não darem sinal de quererem lhe falar. O plano que lhe ocorrera, inspirado na deserção de Whip, era bem simples. No entanto, uma vez a bordo da litorina, sua confiança diminuiu. Nem todo o seu peso conseguiu fazer as rodas se moverem. Aí Perry jogou-se sobre a manivela e, vagarosamente, começaram a andar. Uma vez colocada em movimento, a litorina não precisou mais de tanta força para continuar. Nina sabia que logo alcançariam uma subida, mas o início a encorajou. Até que enfim estavam a caminho. Mike e Leo trabalhavam com a harmonia de companheiros há muito acostumados um com o outro. Gavin observava, maravilhado, o ritmo que desenvolviam, enquanto faziam o corte inferior no terceiro pinheiro gigante. Nina ficara desapontada, quando lhe dissera que faria as fotos sozinho. Ela queria tanto tirar aquelas fotos que na certa faria um trato com o próprio diabo, se achasse que assim iria conseguir. .Mas Nina não tinha nada a fazer ali. Mike e Leo eram bons demais em seu trabalho, para correrem o tipo de risco que ela esperava fotografar. Seu único

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica equipamento consistia nos andaimes e nos machados de cabo longo, que cada um deles afiava e conservava durante a noite debaixo do que usavam como travesseiro. Gavin colocou um filme no local apropriado, examinou a luz e calculou o tempo de exposição. Com um sorriso irônico, pensou que, se perdesse a madeireira, agora poderia ganhar a vida como fotógrafo. Um lenhador taciturno, chamado Max, estava dividindo a árvore caída em toras. Com uma vara de dois metros e meio, mediu sete pedaços e meio. Nina gostaria de ter uma foto do sujeito trabalhando, Gavin refletiu. Levando a câmera no ombro, ele se pôs a abrir caminho entre a vegetação. A segunda árvore caíra sobre uma camada de arbustos, em vez de atingir a terra sólida. Quando o tronco fosse serrado, desceria quase um metro. Seria bom não haver ninguém em seu caminho. Max recebeu-o com um aceno de cabeça. Já estava começando o primeiro corte. Logo depois, parou para jogar gotas de querosene ná lâmina do serrote, a fim de fazêlo deslizar melhor. Quando o corte aumentou, parou para introduzir uma estaca na abertura. Gavin enrijeceu. Uma estaca de ferro. Ele proibira seu uso. Com o tempo, elas tendiam a enfraquecer e acabavam se rompendo. Um estilhaço daqueles podia cegar um homem. Ali estava uma foto que encheria Nina de prazer. Uma foto que ele também poderia usar, antes que o problema de equipamento gasto fosse resolvido. Com a voz de Nina ressoando na mente, posicionou a câmera de modo que a linha do tronco dirigisse os olhos do observador para o homem e a serra. Em seguida, firmou o tripé e desapareceu debaixo da capa da máquina, para checar as lentes. — Você aí! — Robertson berrou. — Você... Wallace! Está ficando louco? O chefão abriu caminho entre a vegetação, o rosto vermelho de raiva. — Se este tronco escorrega, esmaga você como um sapo. Mas, sendo da cidade, não sabe disso, não é? Embora com vontade de questionar o uso das estacas de ferro, Gavin se conteve. O sujeito não devia ter ouvido Trudy chamá-lo de McKenna. Senão, procuraria manter a paz entre eles, não cobri-lo de insultos. — Eu lhe agradeço pelo aviso, senhor. É que Max ainda tem muito a cortar, e achei que daria tempo de tirar uma foto. Robertson franziu a testa mas se afastou. Minutos depois, James, outro cortador, gritou: — Desculpe, sr. Wallace, mas agora não pode mais ficar aí. Vai ter de recuar um pouco, até... até aquele foco de luz.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica O chefão estava a alguma distância, observando de olhos apertados. Gavin percebeu que a ordem viera dele. O maldito gostava de dar ordens. Mas usaria outro tom, quando soubesse da verdade. Ele só estava esperando. Quando Nina estivesse a salvo, longe dali, ele se identificaria. Afinal, havia o perigo de que outras pessoas estivessem trabalhando com Robertson. Por enquanto, só podia agir como um fotógrafo. O suor escorria pelas costas de Nina. Só a força de vontade a animava a continuar. A seu lado, Perry também se esforçava, gemendo. Quando chegaram, ela não sabia se se agachava, rezando para que ninguém os visse ou ficava em pé, cheia de altivez e orgulho. Afinal, tinham conseguido! Dizendo a Perry para parar a litorina aos poucos, ela se pôs na ponta dos pés, espiando o canyon e as árvores que ainda restavam. Só os pinheiros gigantes ainda estavam em pé. E um deles cairia naquele dia. A vegetação e as árvores menores tinham sido retiradas para abrir lugar, e o local mais parecia um campo de batalha. Da outra extremidade da encosta veio o apito agudo do burro mecânico, puxando outra tora para a plataforma de embarque. Colocando a Speedgraphic ao ombro, ela desceu da litorina e caminhou, apressada, até a beirada do canyon. Lá, cheia de cuidados, parou para olhar em torno, à procura de Robertson ou McKenna. O chefão estava a meio caminho, encosta abaixo. A alguns metros dele, Gavin ajeitava a câmera para fotografar um serrador. Nina sentiu o coração acelerar, como sempre acontecia, quando o via. Ao mesmo tempo, foi tomada por uma onda de gratidão por ele estar a salvo. Entregou a Speedgraphic a Perry. — Vamos deixar esta aqui. A câmera maior é mais adequada. Gavin acostumara-se com o barulho próprio das derrubadas. No entanto, enquanto ajustava a câmera, distinguiu um novo som. Um som rangente, deslizante, que logo cessou. Mas que recomeçou, minutos depois. Sem atinar com o que se passava, examinou melhor o tronco a seu lado. Algo se movia de encontro à casca. Algo que produzia um som raspante, na parte de baixo da árvore. Numa reação instintiva, pulou para trás e escondeu-se atrás de um toco. Ao mesmo tempo, um pinheirinho, que ficara preso sobre o tronco gigantesco, libertou-se e saltou como um chicote, esmagando o visor da câmera e lançando estilhaços de vidro e madeira para todos os lados. Depois, com um estranho som cantante, o pinheirinho voltou a posição normal, ereto. Erguendo-se, Gavin foi até a câmera arruinada. Ouviu os gritos dos lenhadores e viu dois correndo em sua direção.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Seu idiota! — Robertson rugiu. — Eu não disse que ainda ia acabar se matando? Um único pensamento ocupava a mente de Gavin. Como explicaria a Nina o estrago na câmera? Num momento, Nina entregava a Speedgraphic a Perry. No outro, estava paralisada pelo horror. Onde estava Gavin? Não tinha tirado os olhos dele por mais que um segundo! — Ah, meu Deus! — murmurou. A seu lado, Perry repetiu o lamento. Quase que de imediato, Gavin ergueu-se. Mas ela precisava certificar-se de que estava bem. Disparou trilha abaixo, escorregando na lama e tropeçando nos galhos que tinham sobrado. — Gavin! Você está bem? Ele se virou, incrédulo. Um serrador respondeu: — Deve ser a sorte dos irlandeses, dona. Seu irmão está ótimo. Gavin tremia de fúria, mais por causa do acidente do que pela presença de Nina. Na verdade, desejava abraçá-la e tranqüilizá-la com beijos. Em vez disso, perguntou com rispidez. — O que está fazendo aqui? Os olhos verdes estavam sombrios de preocupação. O lábio inferior tremia, e ela teve de respirar fundo, antes de responder: — Vim por causa das fotografias. Mas não esperava fotografar você como vítima. — Segurando-o pelo braço, examinou-o de alto a baixo antes de acrescentar: — Estava preocupada com você. Gavin sentiu-se tremer e teve de se conter para não abraçá-la. Controlando-se, disse com mais aspereza ainda: - Como você sabe muito bem, acidentes acontecem. Em sua imaginação, ele tornou a ouvir o raspar do pinheirinho. E se Nina estivesse ao lado da câmera, naquele momento? Poderia tê-la perdido. Uma idéia que aumentou sua tensão. O nervosismo transpareceu em sua voz: — Já não lhe disse que este lugar é perigoso? No entanto você veio para cá, com a tranqüilidade de quem faz um passeio no domingo! O que foi? Perdeu o pouco juízo que tinha? Nina sentiu o rosto arder.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Se você fosse um pouquinho mais lento, séria a sua cabeça que estaria rolando pelo chão! Uma imagem tão arrasadora, que ela lamentou tê-la colocado em palavras. Mas a raiva dele a magoara. Ele podia ter morrido e só conseguia pensar que ela não respeitara a promessa de ficar no acampamento. — Você vai voltar para o acampamento e ficar lá! Nina ouviu os lenhadores rirem e replicou, por entre os dentes cerrados: — Não vou! Os risos transformaram-se em gargalhadas, quando Gavin jogou-a sobre o ombro e começou a subir a trilha. Nina lutou, procurando se libertar, mas os braços dele pareciam de ferro. Então, pensou na câmera destruída. Seu estômago revirou. Gavin poderia estar ferido... ou morto. Gavin colocou-a na litorina, com brusquidão. Indignada, Nina levantou-se depressa. — Você vai voltar para o acampamento e ficar lá! Entendeu? — E se eu me recusar? — Vou ficar tão zangado, que lhe darei uma surra aqui mesmo, na frente de todo mundo! Ela não duvidava. Sabia que estava tenso por causa do acidente, mas jamais poderia perdoá-lo pela humilhação. Fumegante de raiva, jogou-se sobre a manivela. Mais uma vez, precisou da ajuda de Perry. Felizmente, na viagem de volta só havia descidas. Nina passou o dia seguinte andando de um lado para o outro do acampamento agitada como o vento que balançava a copa das árvores. Gavin tinha novamente a Speedgraphic, já que ela, convenientemente, levara-a até o alto da montanha e a deixara por lá. Só ficara com a câmera panorâmica motorizada, muito lenta para um trabalho de campo. Pela centésima vez, disse a si mesma que estava furiosa com Gavin. Por isso todas as noites, sentava-se diante dos dormitórios, esperando ouvir alguém falar dele. Na quinta-feira, o apito do burro mecânico soou, em seu aviso agonizante de um acidente. Por um instante, Nina achou que seu coração ia parar. Depois, correu para junto dos trilhos. Uma litorina chegava a toda velocidade, com alguns lenhadores inclinados sobre a pessoa ferida. Era Gavin. Sabia que era Gavin! Ofegante, aproximou-se mais, perguntando: — É... É...

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — É o Leo, dona — esclareceu um dos lenhadores. — Caiu do andaime, quando começava o corte inferior na quarta árvore. Está com um corte fundo, feito pelo machado. Leo ergueu-se nos cotovelos, os olhos zangados destacando-se no rosto muito branco. — Caí coisa nenhuma! Ainda está para chegar o dia em que vou cair de um andaime. Um dos outros riu. — Acho que está na hora de você deixar esse trabalho para os mais jovens. Faixas de tecido, manchadas de sangue, envolviam a perna de Leo. Como podiam eles brincar? Para alívio de Nina, os rapazes ajudaram Leo a entrar no restaurante, onde Buck o trataria com o máximo desvelo. No sábado, o acampamento mudou-se para o novo local. Nina aproveitou para tirar uma fotografia panorâmica, quando seu vagão estava sendo conduzido à linha principal. As várias construções, inclusive o restaurante e os dormitórios, tinham sido colocados sobre vagões abertos. Os patos de Apollonia foram capturados e fechados em engradados. Uma tarefa fácil, já que as tolas criaturas estavam gordas demais para fugir. Quando Dutch chegou com a Shay, no sábado, engatou todos os vagões e puxouos para cima. Do centro do velho acampamento, Nina tirou uma foto da estranha carga. Parecia-lhe que uma eternidade já se passara, desde os tempos em que não fotografava nada mais interessante que um bando de crianças arreliantes. Terminou seu trabalho, agarrou a câmera e correu para o trem, que se movia vagarosamente. Um dos lenhadores estendeu a mão para a máquina, e outro puxou-a para bordo. Rindo, ela pulou para junto deles. Recolocar as construções em terra firme levou quase o dia inteiro. Sempre que Robertson aparecia, Nina saía. Aquela noite, o violino de Owen despertou nela uma estranha ansiedade. Gavin estava acampado a uma pequena distância dali, junto de suas preciosas árvores. Queria falar com ele! Fazia tanto tempo que não ouvia sua voz. Seria possível que tivesse se ferido? Uma onda de pavor assolou-a. Então, lembrou-se da força dele, quando a carregara para a litorina. Não podia estar ferido. E também não devia mais estar zangado com ela. Sendo assim, por que não vinha vê-la? Os patos, debaixo do vagão, faziam um barulho infernal. Tinham começado a dormir lá e se agrupavam junto aos tornozelos de Nina, cada vez que ela entrava ou saía.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica dizia.

— Se vocês querem agrado, vão ter de perder alguns quilos — ela sempre lhes

Muitos lenhadores desceram a montanha com Dutch, pensando em gastar o salário da semana em Portland. Os que ficaram reuniram-se em volta da fogueira. Nina juntou-se a eles, ouvindo, apreensiva, o relato do último acidente. Este ocorrera no local das árvores especiais. Uma serra, prendera-se no corte e o homem que a manejava sofrera distensão no pulso. — Dandy estava louco da vida — um dos lenhadores contou. — Mas a culpa não é minha, se os palitos dele estão demorando a chegar à cidade. Sou o chefe da equipe de cortadores e sei que meus homens são bons. Sou capaz de jurar que Max não se esqueceu de botar óleo na serra. Leo apareceu junto ao fogo, mancando, mais uma infeliz testemunha dos acidentes com os pinheiros gigantes. Apesar das bandagens que iam de seu joelho ao tornozelo, parecia tão sólido quanto uma árvore, quando encarou o chefe de sua equipe. — Me ponha de novo no trabalho, sr. James. O senhor sabe que sou o melhor cortador na minha especialidade. James cuspiu nas chamas, depois respondeu, sorrindo: — Está na hora de você se juntar à turma em terra, Leo. Está ficando muito velho para esse negócio de subir. O cortador apertou os punhos. — Em dez anos de trabalho, nunca pisei fora de um andaime com o tamanho certo. — Olhou em torno, como que desafiando alguém a fazer mais uma piadinha. — Quando eu pegar o sujeito que cortou aquela tábua mais estreita, uma coisa eu garanto: ele vai se arrepender! Enquanto os Lenhadores riam, Nina voltou para o vagão. Jamais entenderia como eles podiam brincar à custa do ferimento de um companheiro. Quanto à acusação de Leo, devia ser infundada, causada pelo seu orgulho ferido. Afinal, não era possível que alguém achasse graça -em causar um acidente. Ela ajeitou melhor o cobertor em volta do queixo, imaginando onde estaria Gavin e se ele, também, acabaria sendo vítima de uma brincadeira daquelas.

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CAPÍTULO XIX Ao meio-dia de domingo, os lenhadores que tinham ficado no acampamento dormiam ou estavam presos a um jogo de cartas. Nina aproveitou a oportunidade para levar vários baldes de água quente para a banheira suspensa sobre estacas e rodeada por uma parede de madeira, que ficava atrás do restaurante. Com um pouco de sorte, conseguiria tomar um banho, antes que a água esfriasse. Usando seu casacão de viagem por cima das roupas de baixo, ela atravessou o restaurante e chegou à casa de banho, dividido em dois cômodos. Um prego enorme, na parede, recebeu seu casaco. Rezando para que a fechadura fosse melhor do que parecia, tirou as roupas e empilhou-as, com as meias e os sapatos, num banco junto à porta que dava para fora. Segurando um pedaço do sabão pisou no chão de tábuas do local de banho. Sem perder tempo, puxou a corda que destampava a banheira acima de sua cabeça e sentiu a água quente cascatear por seus ombros. Aos poucos, sentiu-se relaxar. Inclinando-se para frente, Nina apressou-se em tirar o pó e a serragem dos cabelos, antes que a água acabasse. Logo, o fluxo diminuiu e parou. Torcendo os cabelos, ela os prendeu no alto da cabeça. Foi quando um movimento chamou sua atenção. Olhando para baixo, viu uma cobrinha verde deslizar por entre as tábuas do chão e enrolar-se em seu tornozelo. Com um grito apavorado, sacudiu a perna no ar, livrando-se da cobra. Sem esperar para ver onde o animal tinha ido parar, correu para o cômodo externo. Ao mesmo tempo, Gavin irrompeu pela porta que dava para fora e estacou abruptamente. — Minha Virgem Santíssima! Nina imediatamente escondeu-se atrás da casaco. — Uma cobra — disse, sentindo o corpo inteiro queimar de vergonha. Ele examinou o outro cômodo e balançou a cabeça. — Como quase todos nós foi ela que saiu perdendo, nesse encontro com você. — Fitando os pés descalços, acrescentou: — Você colocou os pés em cima da coitadinha? Nina respirou fundo, lutando para recuperar a dignidade. — Um cavalheiro não notaria a minha falta de sapatos. Gavin não conteve o riso. — Além de muitas outras coisas deliciosas. É uma sorte eu não ser um cavalheiro.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Estou ficando com frio. — A culpa não é minha, amor. Foi seu grito que me trouxe até aqui. Com toda discrição possível, Nina puxou o casaco. Ouviu o tecido rasgar, mas não teve coragem de erguer o braço para tirá-lo do prego. Jamais imaginara, em todo o tempo que passara ansiando para ver Gavin, que o reencontrasse de modo tão constrangedor. — Nunca pensei que você pudesse me espionar no banho! — Eu? Eu nunca espionei ninguém, em toda a minha vida. Só estava por perto, foi porque a vi trazer água para cá e achei melhor ficar de olho, para que.ninguém a perturbasse. — Muito gentil da sua parte. — A voz dela soou fria como gelo. — Imagine só meu susto, quando você começou a gritar como uma louca. Franzindo a testa, Nina puxou novamente o casaco. — Levante-o um pouco mais, para a esquerda do prego — Gavin disse, prestativo. — E um pouco mais para o meu lado. Com um olhar frustrado para as roupas empilhadas fora de seu alcance, Nina enrolou-se mais no casaco. — Você bem podia ajudar, em vez de ficar aí, me amolando. Não! Fique onde está! Melhor ainda, saia-já daqui! Ele riu. — Você desperdiça muito tempo me mandando sair de lugares que não tenho a menor intenção de deixar! Gavin sabia que Nina estava mais embaraçada do que zangada. O que era bom, pensou, observando-a encolher-se ainda mais, sob o casaco. Nos últimos tempos, tinham trocado muitas palavras duras. Já não bastavam as dificuldades na investigação da morte de Ellery? Pelo menos, a câmera destruída tornara mais fácil abordar o assunto com a equipe. Quanto a Nina, aquela situação convidava a uma reaproximação. Estendendo a mão, ele trancou a porta externa. — Quem seria capaz de adivinhar que uma cobra tão pequena me daria uma visão tão linda do paraíso? — Ela deu um puxão no casaco, e ele acrescentou, amavelmente: — Acho que o prego perfurou o tecido. Quer que eu tire o casaco para você? — Fique longe de mim!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina estava ciente da aspereza do tecido, de encontro a sua pele sensível. O desconforto era grande, tão grande quanto o causado por seus pensamentos. Era mesmo o roçar da lã que fazia seus mamilos enrijecerem? Fazendo um esforço, afirmou a voz: — Vá embora, me deixe sozinha. Gavin se divertiu com a situação. — De jeito nenhum, amor. Pois não fui educado para sempre socorrer uma dama? — Avançou um passo. — Livrar seu casaco desse prego vale bem um beijo. Dos seus lábios, talvez. Ou dos meus... na curva deliciosa do seu ombro. — Sr. McK... — Ela se interrompeu, tentando sufocar a onda de excitação. Queria sentir a carícia dos lábios dele e experimentar as sensações que o beijo evocariam. Com muito esforço, acrescentou: — Suas palavras são estranhas, para um irmão. — Irmão pelo casamento, não de sangue. E é uma boa coisa, manter seu afeto na família. — Gavin avançou mais, parando a alguns centímetros de Nina. — Minha mente guarda uma lembrança deliciosa, de nós dois abraçados, partilhando um momento muito especial. No entanto, o tempo e o bom senso me dizem que tudo não passou de um sonho. — Bem que eu gostaria que tivesse sido! Mas seria mais adequado chamar essa lembrança de pesadelo. — Nina, você não pode estar falando sério. Gavin fitou-a de tal modo que ela baixou a cabeça. Logo, sentiu a mão dele em seu queixo, mas recusou-se a encará-lo. — Amor, você não tem de se envergonhar pelo que aconteceu entre nós. Não há motivo para isso. O rosto dela estava em chamas. Já bastava ter correspondido a ele como... como uma mulher vulgar? Ele não tinha o direito de insistir em falar sobre aquilo. — Por que essa carinha? Você lamenta mesmo a alegria que partilhamos? — Aposto que você jamais abordaria Trudy Witt num banheiro. — Trudy?! A exclamação foi tão cheia de surpresa que ela acabou levantando o rosto para fitá-lo. E viu a expressão surpresa ser substituída por outra, de pura ternura. — Claro que eu não a abordaria. E por um único motivo: não tenho a menor vontade de fazer isso. — Você a respeita.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Com uma gentileza infinita que a manteve hipnotizada, ele se pôs a acariciar-lhe a nuca. — Amor, será que não percebe que a considero dez vezes mais especial que Trudy Witt? Não percebe que é a dona do meu coração? Você não sai dos meus pensamentos. Passo os dias lembrando seus encantos, e com isso o dia passa tão depressa, que sempre me surpreendo quando anoitece. Mas eu gosto da noite, porque é quando eu sonho. Quando Gavin se inclinou para ela, Nina teve a impressão de estar suspensa no ar. Ele acariciou seu rosto com os lábios, com uma delicadeza surpreendente. Devagarinho, desceu os dedos por seu pescoço, passando por um ombro e chegando à curva sedosa de um dos seios. Mas não se deteve. Logo, ergueu as mãos e envolveu seu rosto. — Eu sofro muito, sabendo que me julga mal, amor. Sei que a culpa é minha, mas você me encantou de tal maneira, que não consegui me controlar e a tratei com a gentileza de um urso e não a de um amante. Ela sorriu da comparação, incitando-o a acariciar seus lábios com o polegar. — O que acha de recomeçarmos tudo, amor? Nesse momento, para surpresa de ambos, o prego saltou da parede e o casaco caiu. Mais que depressa, ela se enrolou nele. — Quem sabe? — disse, afinal. — De qualquer maneira, não vai ser aqui e agora. Passando por ele, pegou as roupas e correu para a porta. Mas parou, antes de levantar a tranca. — Abençoe os duendes da sua terra natal, Gavin. Ao que parece, eles também foram educados para vir em socorro de uma dama em apuros. - Eles que cuidem da própria vida e nos deixem em paz. Estendendo a mão, Gavin agarrou-a pelo casaco. Nina soltou uma exclamação indignada, quando ele começou a puxá-la para si. — Se há uma coisa de .que não tenho a menor intenção, amor, é de deixar você livre. Com isso, virou-a de frente e prendeu-a pela cintura. — Você não tem o direito de me segurar — Nina protestou. E arregalou os olhos, alarmada, quando sentiu a pressão das mãos aumentar. — Gavin! Um banheiro não é um lugar apropriado para... isso! Gavin sentiu o desejo crescer. Não poderia deixá-la ir. — Tem razão, amor, mas tenho tanta vontade de beijar você...

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Enquanto falava, ele foi soltando os cabelos dela e passando as mãos pelos longos fios. — Isso é uma loucura — ela sussurrou, o coração batendo desvairadamente. seios.

Gavin desceu o casaco até a cintura e contemplou a perfeição dos ombros, dos

— Ah, amor! Nunca vi uma criatura tão linda. Minha vontade é beijar você inteirinha e sentir sua pele cheirosa se arrepiar de prazer. Incapaz de resistir, ele se inclinou e envolveu o bico de um dos seios com os lábios, pondo-se a acariciá-lo com a língua. Nina não podia mais afastá-lo. A excitação assaltava-a em ondas crescentes e só conseguiu gemer em resposta ao toque enlouquecedor. Sem soltá-la, Gavin foi deslizando os lábios para cima, até falar baixinho, a boca quase roçando a dela. — Ah, amor, um homem é capaz de se manter a vida inteira satisfeito, com tantos tesouros! Ela o queria. Quisera-o desde o primeiro dia, por mais que tentasse negar. A ansiedade de Gavin espelhava a sua. Quando ele se recostou na parede, puxando-a consigo, pressionou os quadris aos dele, sentindo a rigidez do membro masculino. Numa febre de desejo, desabotoou-lhe a calça e, com dedos trêmulos, guiou-o para dentro de si. — Não posso... É muito cedo, mas... Ah, amor! Estremeceu, levantando-a para amoldá-la a si. Tinha os olhos fechados e a cabeça jogada para trás, de encontro à parede. Nina viu-o chegar ao êxtase e instantes depois juntava-se a ele naquela alucinante explosão dos sentidos. Abraçando-a carinhosamente, Gavin beijou-a com suavidade na testa, vendo que o prazer, depois, foi substituído pelo embaraço. — Está vendo, amor, acabamos descobrindo que qualquer lugar pode ser um grande lugar para nós. Ela olhou em volta, à procura do casaco, embora quisesse continuar no aconchego dos braços fortes. — Dessa vez não vai se arrepender, amor. — Gavin acariciou-lhe os quadris, o corpo ainda unido ao seu. — Não dava mais para manter as mãos longe de você. Nina foi tomada por uma onda de calor. Tentou se afastar e ele permitiu, mas só o bastante para poder contemplá-la.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Você podia ter morrido naquele acidente, Gavin — ela falou, ainda confusa com as emoções contraditórias que a dominavam. — Eu me preocupei, fui correndo ver como estava e você me ameaçou com uma surra. — Uma idéia tentadora. — Bateu-lhe de leve no traseiro, sorrindo, divertido. — Isso demonstra, amor, onde estavam meus pensamentos. Onde estão sempre, desde que nos conhecemos. Ela se libertou, com brusquidão. — Pois não é onde os meus têm andado! — Adorável mentirosa! — O sorriso dele alargou-se ante a indignação nos olhos muito verdes. — Na verdade, você é adorável em tudo. Tem cabelos rebeldes e adoráveis. Olhos da cor da floresta e adoráveis. Lábios úmidos e adoráveis. Se... — Chega — Nina o interrompeu. — Você pode ter muitos defeitos, mas a falta de palavras sem dúvida não é um deles. Abaixou-se para pegar o casaco, que vestiu rapidamente. — Se você tiver um pouco de retidão... o que eu duvido... vai ficar aqui até eu voltar para o vagão. — Está bem, amor. — Gavin abaixou-se de repente, levantando-se com a cobrinha na mão e um ar vitorioso no rosto. — E se for interrogado, posso contar que minha irmã armou um escândalo e tanto, só por causa de uma cobrinha. Ela fechou melhor o casaco, dirigindo-se à saída. Mas parou à porta um instante. — Faça isso, Gavin. Só não se esqueça de fechar a calça, antes de sair. Ele riu, seguindo-a com os olhos. Apesar de todas as dificuldades que enfrentara nas últimas semanas, sua querida Nina Wallace não perdera o senso de humor. Quanto a amá-lo... ela acabaria aprendendo.

CAPÍTULO XX O novo acampamento se localizava dentro da floresta densa e quase não recebia a luz do sol. Nina ainda não conseguira se acostumar com a paisagem sombria. Faltava apenas um pinheiro gigante para ser derrubado. Logo, os cortadores se dedicariam a outras árvores, nos dois lados do canyon. Nina estava triste. Quando o último dos gigantes seguisse para Portland, teria de ir, também.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin voltaria a San Francisco, sem dúvida para se dedicar novamente à fabricação de navios. E ela se fecharia no quarto escuro, para preparar sua exposição sobre a Madeireira McKenna. Uma idéia que não mais a atraía. Na segunda feira de manhã, Whip voltou a bordo da Shay, os olhos cheios de uma amargura que nem o sorriso matreiro conseguia mascarar. Para surpresa de Nina, foi incorporado à equipe como se não tivesse abandonado o trabalho, no meio da semana anterior. Lembrando-se, no entanto, de seus feitos no bosque, entendeu. A habilidade de Whip estava se tornando lendária. Como Leo, Whip foi vítima de algumas brincadeiras rudes. — Você tocou aquela litorina até Portland? — um dos rapazes perguntou. — Mas diga a verdade, hein? Tem muito dinheiro dependendo da sua resposta. Whip flexionou os músculos. — Toquei e me sobrou força suficiente para dar uma lição a qualquer um que duvide. — É? E como vai aquela garota? — Sorrindo, o rapaz desenhou uma figura de mulher no ar, com as mãos. — Vamos, Whip — outro gritou. — Dez para um como o pai dela ficou sabendo que você não passava de um lenha-dor e botou você para correr! Um segundo depois, os dois lenhadores rolavam no chão, numa briga amigável. Enquanto os outros gritavam encorajamentos, Nina recuou para a tranqüilidade de seu vagão. Sentando-se à porta, tentou ignorar os gritos distantes e gemidos, dedicandose a jogar migalhas de pão aos patos, que estavam sempre mais dispostos a comer do que a brigar. Para seu alívio, Robertson logo interrompeu a briga, — Quero aquele pinheiro sem a ponta, e logo — ele berrou. — E quero que seja feito por um homem com dois olhos bons, não com um olho inchado por um murro! Quando Whip passou pelo vagão, pouco depois, Nina viu que Robertson teria de se contentar com um homem com apenas um olho bom. O outro já estava inchando. Mesmo assim, o rapaz assobiava alegremente, como se a luta tivesse ajudado a livrá-lo da depressão que o acompanhava desde Portland. Impaciente, Nina jogou o resto das migalhas para os patos. Jamais entenderia os lenhadores. Gavin descrevera-os como um grupo agitado, ousado e amante do perigo. Também dissera muitas outras coisas, cuja simples lembrança a fazia corar. Mortificada, relembrou a expressão dele, ao entrar na sala de banho. De novo, ouviu a admiração na voz dele e sentiu a carícia sensual dos lábios e das mãos masculinas em sua pele.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Logo, no entanto, censurou-se por esses pensamentos, dizendo a si mesma que seria melhor gastar sua energia tentando localizar Perry. Mike e o novo companheiro já haviam começado o corte inferior no último pinheiro destinado à exposição e queria estar com a câmera pronta, quando ele caísse. Infelizmente, a localização do novo acampamento favorecia a tendência do rapazinho de se embrenhar na mata, geralmente em companhia de Encrenca. Era raro ele estar por perto, quando o chamava. Erguendo a saia acima dos tornozelos, Nina dirigiu-se à encosta coberta pela mata, acima do acampamento. O som de machados enchia o ar. De vez em quando o grito de "Madeira!" fazia com que olhasse ao redor, cheia de nervosismo. Quando uma árvore caía, o chão vibrava. Ela se mantinha sempre a distância, pois uma árvore podia bater em outra, ao cair, e lançar longe galhos letais. Deparando com um tronco caído, Nina pensou em subir nele, para ter uma visão melhor. Nesse momento avistou Perry e Encrenca lado a lado, um pouco acima de onde estava. Encrenca observava de braços cruzados, enquanto Perry manejava uma das linhas sinalizadoras. O apito a vapor respondeu, chamando para o almoço. Vozes começaram a ecoar através da floresta subitamente calmo. Um grupo de cortadores havia se sentado para comer, do outro lado do tronco. Um deles comentou: — Sorte de irlandês. Só podiam estar falando de Gavin McKenna. — Até parece que ele está procurando encrenca — outro disse. Nem que quisesse, Nina poderia sair dali. Com ênfase, o segundo lenhador prosseguiu: — Se quisesse quebrar aquela câmera, ele não podia ter pensado num lugar melhor. Nina sentiu um gosto amargo na boca. Enterrando as unhas no tronco escuro a sua frente, .lutou para manter a compostura. Seja sensata, disse a si mesma. Ele não estragaria a câmera de propósito. Não seria capaz disso. No entanto, viera até aqueles confins para provar que ele era um criminoso. Engolindo em seco, tentou desviar o curso dos pensamentos. Porém eles lhe martelavam a mente. Seria ele capaz de destruir, deliberadamente, uma câmera capaz de registrar provas incriminadoras? E os acidentes haviam acontecido, principalmente nos últimos dias. Uma onda de desconfiança envolveu-a. Aqueles acidentes bem podiam ter sido "programados" para mostrar que o destino, e não a Madeireira McKenna, provocava as tragédias nos acampamentos.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Ela fez o caminho de volta, decidida a enfrentá-lo. No íntimo, debatia-se num terrível conflito. Ele não poderia ter causado os acidentes, pensava. Mas havia se beneficiado com um deles. Leo devia ter pisado fora da tábua, por distração. E agora, para salvar o orgulho, dizia que alguém a cortara alguns centímetros mais estreita. Mas não fora capaz de provar nada. Quanto a Max, na certa se esquecera de jogar óleo na serra. Ou então jogara alguma coisa que fora colocado no lugar do óleo, alguma coisa que não impediria a serra de dobrar. Mas não! Não acreditaria em tal coisa, da parte de Gavin. Ele havia negligenciado os acampamentos, nos últimos anos, mais daí a causar um acidente, deliberadamente, ia uma longa distância. Gavin não faria isso. Não Gavin. Era mais fácil acreditar que o odioso do Robertson fosse o culpado. Mas o homem seguia uma programação e ganhava prêmios para mantê-la. Gostando de dinheiro como gostava, certamente seria o último a querer prejudicar o trabalho. Mas Gavin? Enquanto a razão apontava sua culpa, o coração recusava-se a julgar. Nina não conteve um sobressalto ao vê-lo em pé, do outro lado do acampamento, junto à beirada do canyon. Sentiu vontade de ir até lá e tirar satisfações sobre o estrago da câmera. Não o fez pois Gavin estava com um grupo de lenhadores. Teria de esperar. Nesse momento, Perry saiu da floresta, atrás dela. — A senhora estava me procurando? •-- Estava — ela respondeu, bruscamente. Mas depois continuou, amenizando o tom: — Por favor, leve a Speedgraphic para a beirada do canyon. Quero fotografar a queda do último pinheiro. — A senhora está bem? Está falando de um jeito tão estranho... — Eu estou ótima! Vá buscar a câmera. Um dos lenhadores interceptou-a, quando se aproximava do grupo formado por Gavin e os outros. — Quer entrar na aposta, sra. Wallace? — Minha irmã não é mulher de apostas — disse Gavin, recebendo-a com um sorriso que fez aumentar seu sofrimento. — Eu lhe agradeceria, se não respondesse por mim. Sua voz soou áspera, e ela viu a surpresa, depois um brilho interrogativo, surgir nos olhos dele. O nervosismo a levara a falar impulsivamente. E para não colocar suas suspeitas em palavras na frente dos homens, acabou dizendo: — Que aposta é essa?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica O lenhador apontou para o canyon, onde Mike e o novo companheiro estavam em pé sobre andaimes, cinqüenta metros acima do chão. Ambos pareciam homens em miniatura, acertando machadadas, em turnos, no outro lado do pinheiro gigantesco. Quando aquela área enfraquecesse o suficiente, o peso da árvore faria, com que se quebrasse e caísse. — Está vendo aquela estaca lá, sra. Wallace? — O lenhador apontou para um determinado ponto. — Mick colocou aquela estaca a setenta metros do pinheiro. E garantiu que vai bater nela com a ponta da árvore, quando ela cair. — E no que é que você está apostando? O lenhador sorriu. — Que ele vai conseguir, é claro. — De jeito nenhum — outro rebateu. Enquanto eles discutiam, Gavin puxou Nina para o lado. — Se quer mesmo apostar, podemos fazer uma aposta entre nós. Nesse momento, Perry chegou. Com movimentos bruscos, Nina pegou o tripé e fincou-o na terra. O barulho dos machados era enervante, e a morte de uma árvore magnífica já não despertava mais sua admiração. Sentindo-se cada vez pior, foi se sentar num tronco, ali perto. Gavin ajoelhou-se junto dela. — Nossas apostas podem ser estabelecidas depois — brincou, como que decidido a fazê-la conversar, enquanto os lenhadores prosseguiam na briga. Nina apertou as mãos no colo, para impedir-se de tocá-lo. Concentrando-se, fixou o olhar nos homens prestes a derrubar o último gigante. Não queria olhar para Gavin, apesar da vontade Os bonitinhos da cidade voltaram? Foi a vez de Whip responder. — Só um. — Ela vai voltar agora mesmo — Gavin rebateu. — Nessa altura, o pai dessa mocinha já deve ter Portland inteira atrás dela. — Bobagem — Trudy protestou, sorrindo. Além do mais, você não teria coragem de me mandar para casa desacompanhada. — Você chegou desacompanhada. Mas ela marcara um ponto. Sua presença no acampamento era um fato consumado, e Gavin, como amigo da família, tornara-se responsável por sua segurança. Não podia mandá-la de volta sozinha. calma:

Antes que Gavin sugerisse que acompanhasse a garota, Nina disse, com toda a

— A srta. Witt pode ficar comigo. Dutch deve dizer aos pais dela que ela vai conosco a semana que vem, quando as toras gigantes forem levadas para Portland. A semana que vem. Seu trato com Gavin tinha apenas mais uma semana de validade e nesse meio tempo quase não teriam chance de ficarem a sós. Trudy não se conteve e abraçou-a. — Ah, Nina, você é um amor! Eu sabia que não ia me deixar na mão. — Apesar de tudo, Nina correspondeu ao entusiasmo da garota. Talvez fosse providencial tê-la por perto para afastá-la da tentação. Horas depois, Trudy ficou sabendo da vigilância noturna das árvores e insistiu em participar. — Diga que sim, Nina — implorou, ao voltarem do jantar. — Que sim? Você só pode estar brincando! — De jeito nenhum. Podemos levar cobertores, sentar debaixo das estrelas e trocar confidências. Vai ser bem mais divertido do que ficar por aqui, com esses patos horrorosos. Você não tem medo de sujar seus sapatos, cada vez que sai do vagão? Nina lançou uma migalha de pão, e os patos se jogaram sobre ela, numa barulheira infernal. — Você não tem medo de ursos? — Ursos? Com os lenhadores sacudindo a floresta eles já devem estar a quilômetros de distância. — Trudy fez uma pausa, depois continuou, sabiamente: — Se houvesse um único urso por perto, estas criaturas horrorosas não estariam por aqui.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — E as aranhas. É só você entrar no canyon, que esses bichinhos adoráveis vão se deliciar com seu laços e rendas. — Bobagem. Até as aranhas precisam dormir. Pare com essa atitude de velha rabugenta, Nina. Irritada, Nina exclamou: — Não é comigo que você tem de falar, é com Gavin. E ele nunca vai concordar. — Ele vai, se eu pedir. Triunfante, Trudy foi ao encalço do amigo. — Ela está perdendo tempo — Nina falou, tendo apenas os patos para ouvir. Mas eles também a abandonaram, abrigando-se debaixo do vagão para dormir. Nina apoiou o queixo na mão. Não tinha motivos para não gostar da idéia de.Trudy e Gavin juntos e sozinhos. Só uma louca se atormentaria, relembrando aquele beijo de despedida, na estação de Portland. Trudy era amiga de Gavin, há anos. Os pais dela eram amigos dele. E ambos faziam parte de um mundo que Nina só conhecia através de fotografias. No entanto, à medida que a noite avançava, Nina começou a se preocupar com a garota. Verdade que concordara em recebê-la no vagão, não em fazer papel de amaseca. Mesmo assim, estava cada vez mais escuro. E se Trudy tivesse saído com Whip? "Seja honesta", Nina censurou-se. "Você ficaria contente em saber que ela está com Whip e não com Gavin". De uma maneira ou de outra, os pais da garota não ficariam contentes. Portanto, teria de ir atrás dela. Nina descia do vagão, quando ouviu os passos de Trudy, pela calçada de madeira. Aliviada, voltou a sentar-se na porta. — Está tudo arrumado — Trudy declarou. — Vamos substituir Mike, agora mesmo. Depois do trabalho duro de hoje, duvido que ele conseguisse ficar acordado por muito tempo. Gavin concordara! Como? Como Trudy conseguira convencê-lo? Por um instante, Nina prendeu a respiração. Enquanto Trudy entrava correndo para pegar os cobertores, ela apertou os punhos com força, enterrando as unhas na palma das mãos. Mas a onda de ciúme foi logo substituída pela raiva de si mesma. — Lembre-se de quem ele é murmurou, cheia de mágoa. — Lembre-se de por que você está aqui. Trudy apareceu com os cobertores, toda animada.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Vamos ter de ir tateando — explicou, quando já estavam a caminho. — Mas é mais fácil do que você pensa. Os homens deixaram uma trilha bem marcada. A garota, muito à vontade, agia como se Nina fosse a visitante. O vulto de Mike ergueu-se no meio das raízes de um toco gigantesco, que lhe servia de abrigo. — Boa noite. Se estão pensando em mudar de idéia, agora é a hora, senhoras. — De jeito nenhum — Trudy logo respondeu. — Vá em frente e durma um pouco. Você tem de trabalhar amanhã, mas nós podemos dormir o dia inteiro, se quisermos. — Se é assim... Nina estava cheia de dúvidas. Ela e Trudy embarcavam numa aventura perigosa. No entanto, Gavin concordara. Por quê? Apelou para Mike. — Quer dizer que você não viu sinal de nossos supostos bandidos? Ele não era mais que uma sombra na escuridão, mas ela o viu menear a cabeça. — Seu irmão... Acho que ele se preocupa demais. As outras toras foram danificadas na viagem de trem, e é isso que vai acontecer com estas. Se é que vai acontecer alguma coisa. — Sei... Nina o seguiu com os olhos, enquanto se afastava, notando os ombros caídos e os passos pesados. Trudy tinha razão. Mike estava precisando de descanso. E, provavelmente, não existia nenhum perigo em montar guarda na floresta. A garota estendeu o cobertor entre duas enormes raízes. — O chão está macio, com tantas agulhas de pinheiro. Vai ser divertido! Venha, Nina, sente-se aqui comigo. Nina aceitou, ajeitando a saia em volta de si. O cheiro de musgo impregnava o ar do lugar, bem mais claro do que havia imaginado. As árvores derrubadas haviam deixado um enorme vazio na mata. — Veja só, Trudy, a luz das estrelas nunca atingiu este chão, antes. — Hum... — Trudy murmurou, distraída. Seus olhos estavam fixos na trilha. Não demorou muito, Whip surgiu da escuridão. — Ora, vejam! Vocês parecem duas borboletas, surpreendidas depois do escurecer. Trudy riu, mas Nina foi severa. — Whip, este turno é nosso. Você pode dormir um pouco. Um sorriso largo desenhou-se nos lábios do rapaz.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Por que sonhar com a doce Trudy, quando posso me sentar ao lado dela? Para desgosto de Nina, ele se ajeitou no cobertor. Suspirando, Trudy aproximou-se mais dele. — Se quiser, posso fazer o seu turno, Nina — Whip propôs. — Não, obrigada. Ela não estava gostando da idéia de ser dama de companhia, mas tentou pôr um pouco de humor em sua voz. Depois de ajeitar outro cobertor em volta dos ombros, ignorou o parzinho, estudando as estrelas. Nesse instante, o murmúrio de Whip chegou a seus ouvidos. — Ah, Trudy, se seu pai me deixasse cortejar você, como eu a amaria! — Diga, eu quero saber... — Primeiro, eu soltaria seus cabelos e deixaria que cobrissem minhas mãos. Ela suspirou. - Acho que você virou poeta. E depois? Ele se levantou, puxando-a junto. — Vamos andar um pouco. Você não se importa, não é, Nina? Não vamos sair do seu campo de visão. — É bom que não saiam, mesmo. Nina balançou a cabeça. No fundo, não podia culpá-los. Compreendia bem a ansiedade de quem estava apaixonado. Mesmo achando que Gavin McKenna era a última pessoa com quem deveria se envolver, queria estar nos braços dele, amá-lo e deixar-se amar como fizeram da última vez. Uma onda de calor invadiu-a. Suspirando, afastou o cobertor. — Sua boca é tão macia, querida. Você é toda macia. Por que o som tinha de chegar a seus ouvidos? Impaciente, Nina, olhou para o casal. Estavam abraçados e Trudy brincava com os botões da camisa de Whip. Não, ela pretendia abri-los! Preocupada com o que estava para acontecer, resolveu interferir. — Trudy — chamou — Whip, já é hora de você voltar para o acampamento. Do jeito como as coisas estão, alguém podia tocar fogo nas toras, que vocês nem notariam. Whip replicou, sem se abalar: — Mas sou eu que estou ardendo em chamas! — Não é verdade! Nós só estávamos conversando, Nina — Trudy protestou com ar inocente.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Posso lhes parecer antiquada, mas gostaria que vocês mudassem de assunto. Eles continuaram a sussurrar, muito juntos. Nina desconfiou que trocavam beijos, cada vez que olhava para o outro lado. — O que é que está acontecendo aqui?! A voz zangada do barão da madeira não era produto de sua imaginação. Nina ergueu-se de um salto, mas tropeçou numa raiz e caiu. Mais que depressa, tornou a levantar-se, descobrindo McKenna, a alguns passos de distância. — Quem foi que deixou você vir para cá? — Foi... — ela interrompeu-se, tentando organizar os pensamentos. Há quanto tempo ele estava ali? Com a sensação de ter falhado, baixou a cabeça, deprimida. — Gavin, querido, não fique zangado — Trudy pediu. — Nina está nos vigiando. E você não pode querer que fique sentada naquele vagão horroroso, a noite inteira! Discretamente, Whip permaneceu em silêncio. Até Trudy se encolheu quando Gavin falou: — Será que nenhum de vocês tem um pingo de juízo? Evidentemente, Trudy não conseguira a permissão dele para a noitada. Devia ter falado só com Mike e Whip. Enquanto Nina se censurava pela ingenuidade, Gavin voltou-se para ela. — Eu esperava mais de você. Não percebeu o perigo? — Pensei... — Mais uma vez ela se interrompeu, profundamente consciente da proximidade dele. Quanto ele chegara a ouvir da conversa amorosa de Trudy e Whip? Parecendo relutante em chamar a atenção de Gavin, Whip se manifestou. — As toras são danificadas na viagem de trem. Eu já lhe disse isso. — Disse, mas como sabe que elas não vão ser danificadas antes, desta vez? Trudy disse baixinho: — Mike não acredita que exista perigo, aqui. Nem Whip. Para você, suas preciosas toras significam mais do que... do que nós! Gavin olhou-a, ameaçador: — E por que acha que estou tão contente em chegar cedo para o meu turno e encontrar vocês aqui, se não é por me importar com a sua segurança?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Estendendo a mão subitamente, ele puxou Nina para si. Havia raiva e desespero na pressão de suas mãos, como se a idéia de que ela corria perigo o abalasse mais do que era capaz de confessar. Trudy voltou a se manifestar. — Veja só, Whip. Acho que nós é que precisamos servir de companhia a estes dois. Gavin soltou Nina tão abruptamente quanto a segurara. — Whip vai levar vocês duas até o vagão. Quero que fiquem lá, até amanhecer. Percebendo que a garota ia discutir, Nina interferiu. — Venha, Trudy. Whip colaborou com um empurrãozinho. Dando de ombros, Trudy subiu a trilha. Antes que Nina pudesse segui-los, Gavin a deteve. Mais uma vez, puxou-a para si e pressionou seus lábios num beijo selvagem. Um excitamento febril espalhou-se pelo corpo de Nina. Abraçou-se mais a ele, sem conseguir reprimir o desejo. Mas quando fez menção de puxá-lo para que deitassem, ele se afastou com um gemido angustiado. — Não, Nina. Vá com eles. Vigie Trudy e nunca mais venha para cá à noite. Ela não teve coragem de protestar. Sentindo-se desorientada, correu atrás do casal, que se mostrava estranhamente submisso.

CAPÍTULO XXI No café da manhã, Gavin já se mostrava afável. Trudy estava alegre e vibrante como sempre. Se não tivesse presenciado a cena da noite anterior, Nina iria achar que havia sonhado. Whip resolvera fazer uma serenata para Trudy, e só fora embora quando Nina, finalmente, empurrara a garota para a cama e o mandara dormir. Daí em diante, passara as horas esperando que Trudy tentasse se juntar a ele, mas a garota contentou-se em suspirar um milhão de vezes. De manhã, quando Nina obrigou Trudy a acordar, o cheiro dos galhos de pinheiro, agora meio secos, espalhou-se pelo ar. E tornou-se impossível não pensar em Gavin, não relembrar o dia em que dançaram, não pensar nos momentos de paixão.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Ali, no refeitório, parecia a única que não tinha descansado. Precisava, isso sim, ocupar a mente com o trabalho. Um maço de fotografias tinha chegado do estúdio, e pediu a Trudy que a ajudasse a pregá-las na parede externa de um dos dormitórios. A garota queria ficar com Whip, mas portou-se com inesperada solicitude. Alguns lenhadores apareceram durante o intervalo para o almoço, ansiosos para verem as fotos e pedirem cópias. No entanto, nuvens negras juntaram-se no horizonte, e Nina resolver transferir as fotos para o restaurante. Trudy ofereceu-se para embrulhar os filmes que iriam para Portland, a fim de serem revelados. Com olhos cheios de entusiasmo, declarou: — Sabe que este é meu primeiro emprego? Nunca pensei que fosse tão divertido trabalhar! Nina sorriu, certa de que ela mudaria de idéia, se tivesse de depender de um salário para comprar roupas e comida. — Evidente que não se compara com o trabalho do meu Whip — a garota admitiu. — Imagine o que ele me disse. Que cada vez que chega à ponta de um pinheiro gigante, sussurra meu nome ao vento. Não é um amor? _ É — Nina concordou, desconfiada de que muitas outras mulheres já tinham ouvido essa declaração. Com ar sonhador, Trudy passou o barbante no pacote. — Você se lembra do dia em que ele gritou, no topo da árvore? Se eu fosse um homem, teria feito o mesmo. — Como mulher, nem pense nisso — Nina declarou, já com medo de que Whip fosse tolo o bastante para deixar a garota tentar subir num dos pinheiros. Agarrando as pontas soltas do barbante, prendeu-as com força. — Isso deve agüentar bem, até Portland. Trudy fitou-a com ar ausente. Seu coração e seus pensamentos deviam estar no topo de uma árvore, com Whip. Lembrando-se da depressão do rapaz, ao voltar de Portland, Nina ficou apreensiva. Trudy fugia para vir ter com e!e, atraída também pela aventura da fuga. O que seria do amor desses dois? Havia esperança para Trudy, quando para ela, Nina, não havia nenhuma? — Ora, vejam! Lá está Gavin -— a garota exclamou, aparentemente sem notar o estremecimento de Nina, ao ouvir o nome do barão da madeira. — Eles vão embarcar a primeira tora. Whip também está lá. Venha, vamos ver! Sem esperar resposta, Trudy pôs-se a correr pela calçada, até juntar-se aos homens aglomerados perto de dois vagões vazios.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Uma mulher sensata continuaria com seu trabalho, Nina tentou convencer-se. Mas foi atrás. Afinal, que grau de sensatez tinha, quando até voltara a usar anáguas, só para se mostrar feminina tanto quanto Trudy? rosto.

Gavin correu os olhos pela calçada de madeira, o entusiasmo refletido em seu

— Você viu que arranjo inteligente? — perguntou, depois de cumprimentar Nina. Puxando-a para o seu lado, apontou para o emaranhado de cabos, presos ao burro mecânico. — Robertson ganhou um bom prêmio, inventando este sistema. Nina pouco se importava com linhas e cabos, muito menos com Robertson, mas a felicidade de Gavin era contagiante. Assim, teve vontade de capturar o momento numa foto. — Está vendo que perfeição? Os cabos estão presos ao burro mecânico, depois passam por baixo da tora e voltam ao burro. Quando o motor puxar a ponta daquelas linhas, a tora vai rolar pelas tábuas até os vagões. Nina olhou, não para os cabos, mas para o rosto de Gavin, adorando os olhos brilhantes e a expressão entusiasmada. — Ei, não quer olhar? — ele quis saber, impaciente — Isto é a própria história deste país! — Estava pensando que devíamos tirar uma foto. — Depois. Quando for colocada a próxima tora vamos tirar uma foto juntos, para preservar a lembrança deste dia. Quando as toras fossem embarcadas para Portland, seu trabalho estaria encerrado. Que ironia, pensou. Viera até ali para trabalhar contra ele, não com ele. — Olhe lá, Nina! Ela olhou a tempo de ver os cabos começando a se retesar. A tora gigante estremeceu. Vagarosamente, centenas de quilos rolaram para a frente. O mato foi esmagado, no caminho, e o cheiro de terra fresca encheu o ar. Nina foi envolvida peio suspense de embarcar uma tora duas vezes mais longa que o habitual e pesando várias toneladas. Apesar de toda sua antipatia por Robertson foi obrigada a reconhecer sua capacidade. Alguns passos adiante, Trudy apertou as mãos sob o queixo. — Quem vê, pensa que a tora vai puxar o burro mecânico para o fundo do canyon. — O burro está bem firme — Whip garantiu. Nina mal se atrevia a respirar. A tora foi subindo e subindo. Com o rugir de um trovão, caiu sobre os vagões.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Os lenhadores aplaudiram, enquanto Gavin jogava o chapéu para o alto e envolvia Nina pela cintura, pondo-se a dançar. — Conseguimos! E sem um arranhão na casca! Whip abraçou Trudy para um beijo de triunfo, que por pouco não se transformou numa carícia apaixonada. Nina invejou a sorte da amiga quando Gavin a soltou para ir admirar o tronco, deixando-a com a fria sensação de abandono. Na manhã seguinte as nuvens carregadas varreram as montanhas com chuva, e os lenhadores foram obrigados a trabalhar com suas capas oleadas. Gavin combinou com Mike e Whip para continuarem a vigilância secreta. Mas proibiu, terminantemente, as mulheres de participarem. À noite, no entanto, o vento já havia limpado o céu, e os lenhadores acenderam de novo a fogueira, deliciados com a brisa fresca e o cheiro gostoso de terra molhada. Nina ficou contente em poder deixar a umidade do vagão. Enquanto Trudy dançava com Whip, sentou-se junto de Mike, para apreciar a música de Owen. Todas as toras gigantes, menos uma, tinham sido embarcadas, e uma sensação de melancolia apossou-se dela. Trocara algumas palavras com Gavin, aquela noite, antes do jantar. .Ele lhe parecera distraído, e ela deduziu que já devia estar com o pensamento em San Francisco. Um dos cortadores gritou para Mike: — E você, que achava que, aquelas belezinhas não iam agüentar, hein? Agüentaram, e muito bem. Mike jogou um nó de pinheiro no fogo, antes de responder. — A última tora ainda não embarcou. Aqueles cabos estão aguentando uma tensão e tanto. Nina sentiu um aperto no coração. — Como assim? O que quer dizer com isso, Mike? — Que os cabos ainda podem acabar cedendo. — Não diga! —brincou James. E virando-se para Nina: — Desde que Leo caiu daquela tábua, Mike anda vendo fantasmas. Os outros lenhadores se juntaram para caçoar de Leo, que ainda insistia que fora vítima de uma brincadeira sem graça. Franzindo a testa, Nina recostou-se no banco.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Seria possível que os cabos usados fossem gastos o suficiente para ceder, quando submetidos a uma tensão maior? De quem vinha à ordem para substituí-los ou não? De McKenna? Em seu primeiro dia no acampamento, vira um bloco de ferro explodir. Jamais se esqueceria da visão horripilante dos estilhaços se espalhando no ar. Nem do que sentira, quando Gavin a protegera com o próprio corpo. Quanto aquele acontecimento a influenciara, depois? Continuara a procurar evidências para acusá-lo ou para provarlhe a inocência? Ao meio-dia, na sexta-feira, as equipes se prepararam para embarcar o último tronco gigante. Enquanto Nina fixava a Speedgraphic perto do burro a vapor, Gavin levou a câmera panorâmica para o canyon. Instalando-a de modo a obter uma ampla visão do burro e.dos cabos, recostou-se num toco, para esperar que ela completasse o lento percurso em seu trilho. Um lento percurso! Palavras que descreviam com exatidão seus próprios esforços, no acampamento. Levara semanas para localizar os lenhadores que estavam trabalhando lá, quando Ellery Thompson morrera. Quanto aos que haviam presenciado o acidente, nem era bom falar. Por isso, estava tão longe da verdade agora quanto um mês atrás. Ellery deveria ter exigido que a maior parte do equipamento ali imediatamente substituídos, estacas de ferro, cabos de aço de baixa qualidade. gastos. E ainda havia o caso dos homens obrigados a trabalhar com vento quando as árvores caíam do lado que o destino resolvesse derrubá-las, sem a previsão de direção.

fosse Blocos forte, menor

Se não fosse por Ellery, no entanto, só Deus para saber por onde ele, Gavin, andaria agora. Mas Ellery era um sujeito de coração mole, principalmente quando se tratava de amigos. Seria possível que depois de salvar a vida de Robertson numa briga feia, na frente do.Erickson, e dar-lhe um emprego na Madeireira McKenna, tivesse fechado os olhos aos métodos do chefe de acampamento? O olhar de Gavin procurou o local onde estava Nina. Era difícil raciocinar com clareza, quando seus pensamentos sempre convergiam para ela. Bastava vê-la para desejar beijá-la, tocá-la, soltar-lhe os cabelos e mergulhar o rosto nos fios sedosos. Respirou fundo. Precisava manter as mãos longe da adorável fotógrafa. Quando o problema com Robertson fosse resolvido, teria tempo para pensar no futuro, embora isso significasse enfrentar o ódio do pai dela. Sua amada era obcecadamente leal ao homem que ficara paralítico num acampamento McKenna. Inquieto com esse pensamento, perguntou-se pela centésima vez, se conseguiria chegar ao coração dela.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Lá em cima, Nina surpreendeu-se ao ver Robertson assumir o lugar do maquinista do burro mecânico. A voz dele ressoou pelo ar. — Sra. Wallace, não vou impedir que a senhora e seu irmão tirem fotografia desta ocasião histórica. Só quero que tire uma foto bem clara minha, trazendo aquela tora para cima. Que vaidade assombrosa! Eles deviam ter desconfiado que Robertson roubaria a glória do maquinista que fizera a maior parte do trabalho. Se não fosse a última tora, ela cederia à tentação de não bater a foto. Contra a vontade, aceitou a placa com filme das mãos de Trudy e colocou-a no lugar apropriado. Robertson espiou para dentro do canyon. — Onde está aquele maldito ajudante? De uma árvore próxima, Encrenca gritou: — Aqui, sr. Robertson. O rapazinho deslizou para o chão e, sorrindo para Perry, correu para o toco onde varias cordas, destinadas à sinalização, estavam amarradas. Vendo o garoto menor correr atrás do amigo, Trudy riu. — Esse encrenca! Que malandrinho! É um páreo duro para Lionel. Nina invejou a despreocupação da garota. Os comentários feitos por Mike, na noite anterior, continuavam a atormentá-la. Só ficaria em paz quando a última tora fosse embarcada. Depois da chuva, o sol voltara a brilhar, e os sons da rotina do acampamento eram tranqüilizadores. Pensando nisso, Nina mudou a posição da câmera, de modo que as lentes focalizassem o burro a vapor e os vagões. No canyon, Encrenca puxou a linha de sinalização e o apito do burro soou. Nina foi atingida por uma sucessão de sons e imagens: o burro mecânico esticando os cabos, em meio ao rugido criado pela saída de vapor; o estalido das placas de filme se soltando; o som cantante produzido pelos cabos esticados; os olhos arregalados de Perry e, mais que tudo, Gavin. Ele estava junto da câmera panorâmica quando a tora começou a se mover, devagarinho. — Pare! — Perry gritou, pondo-se a correr pelo meio dos arbustos. — Sr. Gavin! Sr. Gavin, saia daí! O enorme tronco tremeu. Com um estalido que Nina jamais esqueceria, os cabos se partiram. Homens mergulharam no chão para se proteger, quando o metal explodiu. Pedaços voaram para todos os lados, passando em volta dela, mas Nina estava paralisada.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin agarrou sua câmera e pulou para o lado. O cabo principal rompeu, também, e o tronco gigante desceu para o fundo do canyon. A vegetação rasteira, tocos e árvores foram despedaçados pela força de seu avanço, enquanto galhos eram arrancados e lançados ao ar. Foi um desses galhos que atingiu Perry, O garoto foi jogado violentamente para trás, enquanto o tronco continuava seu caminho, a uma velocidade espantosa. Não bateu no toco atrás do qual Gavin se escondera por uma questão de centímetros. Um rugido de madeira sendo destruída encheu o canyon. Observando, horrorizada, Nina viu o tronco atingir uma árvore maior e partir-se em dois, cada metade descendo ainda vários metros, antes de parar. O clamor parecia não acabar mais. Agarrando a saia, Nina desceu, correndo, a encosta da montanha, Ao chegar até Gavin, abraçou-o, num silêncio grato e comovido. Ele estava são e salvo. Só algum tempo depois, quando seu coração já batia um pouco mais lento, foi que perguntou, tremula de susto: — E Perry! Onde está Perry? O garoto foi encontrado soterrado sob uma montanha de galhos quebrados. Tinha a camisa e a calça rasgadas e ensangüentadas. O sangue escorria-lhe de um corte profundo na testa, em tal profusão que chegou a manchar a saia de Nina. Enquanto Gavin afastava os galhos, Nina arrancou um pedaço de seu saiote e apertou-o de encontro à ferida, murmurando: — Perry! Perry! Eu não devia ter trazido você para cá. — Sr. Gavin? -- o menino falou, com dificuldade. dor.

— Aqui, garoto. — Gavin segurou-o pelo ombro. Perry sorriu, um sorriso cheio de — Não chore, senhorita. Eu não vou morrer.

No momento seguinte, ele desmaiou. Piscando para conter as lágrimas, Nina olhou para Gavin. Ele tinha os olhos marejados e não conseguia falar. Com esforço controlou a emoção. — Não vai, não, menino — disse num tom rouco, passando a mão pelo rosto de Perry. — Não vamos deixar que isso aconteça. Nina soluçava incontrolavelmente, quando alguém gritou, lá de cima: — É o menino! Logo, estavam rodeados pelos lenhadores. — O garoto ficou no caminho — disse um.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Robertson podia ter controlado melhor o burro. Colocou muita tensão nos cabos — comentou outro. Gavin ajudou Nina a se levantar, enquanto Perry era colocado sobre uma tábua e carregado, com todo o cuidado, para o acampamento. Ela seguiu o grupo, grata pelo apoio do braço de Gavin, em volta de sua cintura. — A culpa foi de Perry? Ainda não entendi o que aconteceu. Por que ele correu para o canyon Gavin meneou a cabeça. — Espero que ele possa nos dizer. Trudy aproximou-se correndo os olhos grandes chocados. — Ele está... Ele está... Nina' apertou as mãos da garota entre as suas. — Ele é corajoso. Vai lutar. A garota estremeceu da cabeça aos pés. — Eu não sabia que havia perigo. Nunca pensei que... Nina tinha a impressão de estar coberta por uma camada de gelo. Seria preciso muito pouco para trincar a superfície. Quando o grupo de lenhadores, carregando Perry, entrou no restaurante, eles entraram atrás. Enquanto Gavin e Buck se inclinavam sobre o menino, Nina e Trudy se mantiveram de lado, juntas. O rumor das vozes masculinas enchia o ar. Em sua mente, Nina ouviu, mais uma vez, Mike dizer que os cabos estavam a ponto de ceder. E tinham cedido, mandando o tronco montanha abaixo. Ela poderia ter perdido Gavin e Perry. Mas Gavin estava salvo. Sorte de irlandês, alguém repetira. E Perry ficaria bom. Tinha de ficar bom! Piscando, lutou para afastar as lágrimas. Whip juntou-se a elas e tomou Trudy nos braços. Logo depois, Buck endireitou o corpo. Os homens silenciaram. A expressão de sofrimento de Gavin fez o coração de Nina disparar. — O menino está muito ferido — Buck comunicou, com ar sombrio. — Por dentro, na minha opinião. E na cabeça. É melhor ele ir para Portland. — Está bem — Gavin concordou. — E se não houver um médico capaz de tratá-lo em Portland, vou levá-lo para San Francisco. Trudy começou a soluçar, e a emoção de Nina aumentou. Gavin tomaria conta de Perry. Então lembrou-se de Charlie, e, antes dele, Johnny. Pagamentos em favor deles

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica tinham sido feitos, mas nunca recebidos. Ela prometera a si mesma que Charlie receberia o que era dele, por direito, mas nunca fizera nada neste sentido. Avançando um passo, abruptamente, ela enfrentou o chefe do acampamento. — Quem vai pagar o tratamento deste menino? Dandy apertou os olhos. — Eu não tenho nada a ver com isso. O menino não faz parte da minha equipe. Os lenhadores começaram a murmurar, e ele fechou ainda mais a cara, antes de acrescentar: — Eu não sou um homem duro. Não gosto de ver o menino machucado, mas a culpa foi dele. Não devia ter corrido para o canyon. — Mas por conta de quem vão correr os cuidados médicos? — Nina insistiu. Muito vermelho, Dandy olhou de um lenhador para o outro. — Eu não estou dizendo que o menino não merece ajuda. Só que não posso fazer nada. Quem tem de decidir isso é o McKenna. Nina teve de se controlar, para não virar para Gavin. — Meu pai foi ferido num acampamento McKenna e meu marido morreu... — Sua voz falhou e ela respirou fundo procurando recuperar o autocontrole. O acidente de Perry estava trazendo o passado à tona. — Nunca recebemos um tostão para cobrir os gastos médicos ou as despesas com o enterro de Jon. Lágrimas encheram seus olhos. Zangada, enxugou-as com as costas da mão. Estava tão emocionada que mal percebeu Gavin passando o braço por seus ombros. — Foi um mal pedaço, amor, e o acidente de hoje fez com que se lembrasse de tudo. Mas não pode brigar com o sr. Robertson por causa disso. Nina percebeu o aviso nas palavras de Gavin. Ele sabia que Robertson a atacara ou tinha outros motivos para querer que se calasse? Robertson falou com surpreendente suavidade: — A senhora está aborrecida, sra. Wallace. Qualquer mulher ficaria, no seu lugar. Se está precisando conversar, acho melhor deixarmos para outra hora, quando não estiver tão emocionada. — Eu estou ótima. — Livrando-se do braço de Gavin, agarrou Robertson pelo suspensório vermelho. — Mandaram dinheiro para pagar as contas de Charlie? Com um gesto brusco, o chefão arrancou o suspensório das mãos dela. — Wallace, veja se tira a sua irmã daqui. Ela está fora de si. Gavin abandonou o esforço para manter a paz. — Talvez o senhor não tenha ouvido a pergunta de minha irmã — rebateu, desafiador. — Afinal, um homem honesto não teria motivos para não responder.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica A tensão aumentou entre eles. Há muito o chefe do acampamento estava merecendo uma confrontação. Nesse instante, Leo avançou, mancando. — Gente, vocês não entendem o que é uma madeireira. Seria melhor se fossem para casa, para seus amigos e festas. Isso aqui não é lugar para uma dama. Mais uma vez, Nina interferiu, com voz tremula: — Acho que não é lugar nem para um homem. — Não, não é — Robertson gritou. — E vocês não vão ganhar nada ficando aqui, seus moloides. Tirem a bunda do assento e voltem ao trabalho, se é que querem receber alguma coisa. — E virando-se para Nina, acrescentou, com sarcasmo: — Espero que perdoe a minha linguagem rude, madame! Nina teve a impressão de estar prestes a ser atingida por uma tempestade. Gavin apertou seu ombro, ao mesmo tempo em que Perry deixava escapar um gemido. Inclinou-se sobre o menino, tomando cuidado para não tocar o braço que Buck já havia imobilizado. — Perry, nós vamos levar você para casa. — Eu não tenho casa. — Nina tomou a mão boa do garoto entre as suas. — Tem, sim. Sua casa é a minha. Ele desmaiou, antes que pudesse assimilar o que acabava de ouvir. O local foi se esvaziando, à medida que os homens voltavam ao trabalho. Nina esfregou a testa dolorida com a mão, dizendo a Trudy: — Eu gostaria de ficar com Perry. Nós vamos partir amanhã, de manhã. Dá para você empacotar as placas de filmes que usamos hoje? A garota fitou~a com os olhos inchados de tanto chorar. — Até acho bom ter alguma coisa para fazer. — Eu ajudo, querida — Whip prometeu. Com um sorriso trêmulo, Trudy permitiu que ele a levasse para fora do restaurante. Gavin pousou a mão na nuca de Nina, e ela reclinou-se para trás, permitindo-se aproveitar a massagem delicada. Seus músculos estavam totalmente rígidos. — Vou guardar as câmeras no vagão — ouviu-o murmurar. Mas parecia não ter pressa em deixá-la. — Se precisar de mim, mande alguém me chamar. Mal Gavin saiu, Nina teve vontade de ir lhe pedir para que não a deixasse. Ainda bem que Robertson voltara para junto da equipe porque sua vontade era esmurrá-lo. Mas que vantagem teria em fazer isso? Lembrou-se de Gavin, apoiando-a quando

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica pedira satisfações ao chefe do acampamento. O assunto ainda não fora resolvido, mas pelo menos tinham tocado na verdade. Os minutos se transformaram em horas, enquanto ela acariciava os cabelos e segurava as mãos de Perry. Eventualmente, os ajudantes de Buck apareciam, para acender os lampiões a querosene, ou trazer água. Perry agitou-se quando o chamado para o jantar ressoou, mas logo voltou à inconsciência, apesar do barulho dos homens. Nina suspirou desalentada. O garoto estava muito pálido. Não era certo a rotina do acampamento continuar como se nada tivesse acontecido. Trudy e Whip vieram com as placas fotográficas e pediram a Buck um rolo de barbante, trancando-se, em seguida, no depósito junto da cozinha. Deveria ir atrás deles, mas não tinha ânimo. Na cozinha, Apollonia remexia as panelas, afogueada. Lá de dentro, berrou para Nina, num tom autoritário: — Precisa descansar um pouco, sra. Wallace. Eu vou ficar por aqui e tomo conta do garoto. A senhora vai poder ajudar mais, amanhã, se estiver descansada. A mulher estava certa, mas Nina não tinha intenção de dormir. Robertson não era o único a não explicar nada, por ali. Gavin também tinha muito a explicar, com seus silêncios, ausências do acampamento e avisos ocasionais. E ele mesmo dissera que um homem honesto não tem motivos para guardar segredos. O corpo rígido pela longa imobilidade, Nina se levantou. Já era hora de exigir uma explicação clara de McKenna.

CAPÍTULO XXII Tomado por emoções desencontradas, Gavin observou Nina avançar pelo acampamento coberto pela noite. Uma leve garoa caía, fazendo brilhar os cabelos dela, quando passava junto de uma janela iluminada. Lentamente, ele se ergueu sob o encerado que protegia sua barraca. Toda aquela deliciosa meiguice, pensou com tristeza. Podia ter perdido para sempre a chance de vê-la. Não tinha mais dúvidas de que Robertson era responsável por muitos danos, no acampamento. Mas poderia vê-lo escapar por entre seus dedos, se o enfrentasse precocemente. Os arquivos precisavam ser examinados ali e em Portland, para que se juntassem provas irrefutáveis. A única alegria que lhe restava, de toda aquela situação, era saber que os lenhadores não estavam de acordo com o infeliz.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica E Nina, como faria para convencê-la de que estava isento de culpa quanto aos crimes ai cometidos? Como convencê-la a aceitar seu amor? O acidente de Perry agravara seus problemas. Agora ela poderia voltar-se totalmente contra ele. Teria de ser paciente, principalmente porque Nina Wallace não possuía muita. Bastava olhar para ela naquele momento, avançando com o corpo ereto e os olhos verdes faiscantes para temer uma tempestade. Ele sorriu, admirando-lhe o porte. Mas notou que sua mão tremia, quando a estendeu para ela. Mais do que nunca dependia da força de persuasão de suas palavras. No entanto, o desejo de beijá-la atrapalhava seus pensamentos. Como poderia formar uma frase e convencê-la de alguma coisa, quando só conseguia pensar nos lábios doces e no corpo quente dessa mulher? Engolindo em seco, Gavin encontrou a própria voz. — Venha cá, amor. Sente-se aqui. Precisamos conversar. — Fico contente em saber disso. Dos dormitórios chegou o som distante de um riso masculino. Pouco à vontade, ela se sentou no cobertor, ao lado dele. Abruptamente, falou: — Mike me disse que os cabos iam arrebentar, que eles já estavam gastos. Foi por isso que Perry saiu ferido? Gavin surpreendeu-a, ao não discutir. — Pode ser que sim. Ela o fitou, atônita, e puxou a mão com um gesto brusco, quando ele tentou tocá-la. Estava muito escuro para ver-lhe a expressão, mas não foi difícil deduzir que ele estava magoado, quando o ouviu dizer: — Fique descansada, que vou cuidar de Perry. — Eu vou. Eu o trouxe até aqui, é minha responsabilidade. — Está bem. Sei que ficará melhor com você. Mas pagarei todas as despesas. Pareciam discutir a posse de um filho no fim de um casamento. O pensamento a fez corar. Para disfarçar, perguntou .depressa: — E Charlie? Você também vai pagar as despesas dele? — Não acredita? — Gavin respirou fundo. — Pode ser que, no passado, alguém tenha ficado com o dinheiro destinado aos homens feridos. É mais um crime, entre os muitos que preciso resolver. Nina pressionou mais. — Acho que alguém diminuiu a tábua em que Leo estava, e não foi para fazer uma brincadeira.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Pode ser... Bem acima do chão, era possível ver a ponta dos pinheiros, desenhada contra o céu noturno. Ela fixou os olhos nesse ponto. — E o óleo na serra? — Sua voz estava rouca demais. Tentou novamente: — Max pode ter se esquecido de lubrificar a serra? — Não. Os dois acidentes foram planejados para atrasar o trabalho. — Apoiando um dos braços nos joelhos, Gavin deixou o olhar perder-se na distância. — Desde o início, fiquei preso entre a minha consciência e os compromissos que havia assumido. Pensei que o disfarce de fotógrafo me daria oportunidade de flagrar o culpado pelos roubos. Nunca me passou pela cabeça que, em meio a isso, acabaria entregando meu coração a uma mulher que quer se livrar de mim. As palavras queixosas tocaram-na de tal modo que Nina foi obrigada a se forçar a continuar: — Nas últimas semanas, o único acidente que não podia ser prevenido foi o do homem atingido por um galho arrancado pelo vento. Não foi? Gavin riu, mas sem alegria. — Tem certeza? A equipe teve ordens de trabalhar quando ameaçava uma tempestade. Esse acidente também pode ser atribuído ao chefe do acampamento. O graveto, com o qual ela estivera brincando, quebrou-se entre seus dedos. — Acha mesmo que a culpa é de Robertson? Por que nunca me disse nada? — Amor, eu nunca quis enganar você, só impedir que saísse ferida. — Com um sorriso um pouco mais alegre, acrescentou: — É uma delícia ver você enrubescer com o fogo do combate, como agora. Ela não mordeu a isca. — Eu não sou Trudy, para ser mimada e protegida. Gavin jogou os pedaços do graveto fora, antes de segurar-lhe as mãos. Gostaria tanto de acabar com a tensão que a atormentava! — Exato, você não tem nada a ver com Trudy. Você é do tipo que enfrenta a vida com garra e a força a tomar o rumo que determina. Não me surpreenderia, se me dissessem que no Erickson ainda estão falando da mulher furacão, que conseguiu passar por jumbo O'Rivey e entrar no salão. — Não assuma este tom comigo! Não se esqueça de que vivo com um homem amargo, preso a uma cadeira de rodas. A Madeireira McKenna me deve honestidade, pelo menos. Tinha ela idéia da dor que deixava transparecer em suas palavras? Provavelmente, não. Era muito orgulhosa para isso.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Nina, amor, obter respostas não é fácil. Os homens atraídos pela vida de lenhador gostam do desafio representado pelo trabalho duro e condições perigosas. Isso é um fato que até você tem de aceitar. De minha parte, preciso verificar se neste acampamento eles enfrentam um perigo maior que o necessário. — Se até agora ainda não descobriu, duvido que consiga. Acima do cheiro forte da serragem, Nina sentiu o aroma primitivo da vegetação agreste e da terra molhada pela chuva leve. Uma dor forte oprimindo-lhe o peito a fez olhar para Gavin, buscando seu apoio. Quando ele a abraçou, aconchegou-se em seu peito. Gavin inclinou-se e beijou-a nas pálpebras e nas faces. — Pode ser que você tenha razão, amor. — Ele soou desanimado. Passava os dedos, distraído, pelos braços delicados, como se não tivesse noção das emoções que despertava. — Quando saímos de Portland, eu pensava que seria fácil localizar os homens que haviam presenciado o acidente que matou Ellery Thompson, neste acampamento. — A pressão de seus dedos aumentou, dolorosamente. — Hoje, no entanto, sei muito pouco além do que sabia antes. Ela estremeceu, mais por simpatia do que de dor. Arrependido, ele á apertou nos braços com ternura, como que pedindo desculpas. — Talvez a culpa seja minha, afinal. Passei mais tempo pensando em você do que nos problemas do acampamento. Nina arrepiou-se da cabeça aos pés, mas procurou manter a objetividade. — Ellery Thompson... Ele foi seu sócio, o homem que o ajudou, quando você tinha dezessete anos, não foi? Não me lembro de ouvir você dizer que ele tinha morrido. — Ele morreu neste acampamento, há três meses. Gavin fitou o horizonte, com um ar distante e os lábios apertados. Nina passou a mão por seu queixo, fazendo com que mudasse de expressão. Beijou-lhe os dedos, um a um, depois aninhou-a de encontro a si. — Ah, amor! Foi uma bênção você entrar na minha vida. boba.

— Você não vai mais pensar assim, se insistir em me tratar como uma criança Ele riu. — Ellery teria gostado do seu gênio. — Fale-me dele.

— Ellery... Ellery era um homem grande, de feições rudes, com uma risada que se ouvia do outro lado da madeireira. Foi casado com uma mulher que morreu ao dar à

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica luz, antes de nos encontrarmos. A criança também morreu. Por ser só, ele estava sempre querendo ajudar quem não tinha ninguém. Um longo silêncio desceu entre eles. Depois, Gavin continuou, baixinho: — Meu pai me deixou em má situação, com muitas contas a pagar. Eu fui atrás de Ellery, na esperança de vender a madeireira. Em dois segundos, ele conseguiu que eu lhe contasse toda a minha vida. No mesmo dia, me levou para a casa dele, um lugar grande e espaçoso. Havia mais gente lá, pessoas como eu, completamente perdidas na vida, além de uma governanta que fazia o possível para rirmos mais do que brigávamos. Um quadro melancólico, cheio de doçura, foi se desenhando na mente de Nina. Queria saber tudo sobre o homem que amava. Porque ela o amava, não podia mais negar. — Eu entendi o que Ellery estava planejando para o futuro e me espelhei nele. Trabalhávamos bem, juntos. Notando a mágoa na voz de Gavin, procurou oferecer consolo. — Você nunca pensou — disse, formulando as palavras devagar — que retribuiu a bondade do seu amigo, ajudando Whip? O olhar dele registrou surpresa. — Pode ser, mas em Ellery eu sempre vi a vontade de progredir, de ir para a frente. Whip não se interessa pelo que eu possa pensar dele. — Está enganado. Ele te admira, Gavin. Só não quer ser você. — Sabia que é encantadora, sra. Wallace? Contente, ela viu que o divertimento havia substituído a tensão. — Acha mesmo que subir na ponta das árvores é o melhor futuro para Whip? Ele não vai ser ágil a vida inteira. — Não é bem assim. Acho que ele vai ouvir seus conselhos, mas só quando estiver pronto para isso. Gavin refletiu por um instante, depois suspirou. — Ah, amor, não devíamos perder tempo falando de Ellery e Whip. — Beijou-a na testa, acariciando-lhe a pele macia, atrás da orelha. — Sempre evitei aborrecê-la com minhas dúvidas sobre a morte de Ellery. Você já sofreu muito. Nina endireitou o corpo tão depressa que bateu com a cabeça no queixo dele. Gavin friccionou-o, fitando-a com ar interrogativo. — Dúvidas? Você acha que Ellery foi assassinado. É isso que está dizendo? Não veio até aqui para vigiar as árvores. Veio atrás de respostas. Ele a segurou pelos ombros, preocupado.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Não quero que você investigue nada, está ouvindo? — Não vou ter tempo, mesmo. Nós vamos embora amanhã. Gavin puxou-a novamente para si. — Isso não será o fim de tudo. Suas bocas estavam tão perto que roçaram uma na outra, enquanto ele falava. Nina queria pedir promessas, mas não podia. Logo, seus lábios se uniram e ela o abraçou com força, correspondendo ao beijo com o ardor de sua paixão. Surpresa, Nina não tardou a perceber que Gavin estava excitado. Começou a lhe acariciar os seios e a abrir o vestido. Lutando para não perder o controle, ela murmurou: — Eu... eu não vim até aqui para isso. — Não? É uma pena. Os laços de sua combinação se desfizeram, sob as mãos de Gavin. Ele beijou a curva macia dos seios. Com um suspiro de prazer, ela apoiou o rosto nos cabelos dele. Logo depois, Gavin afastou-se e refez os laços, com decepcionante eficiência. — Estou vendo que você conhece bem a indumentária feminina — Nina comentou, procurando mostrar censura em vez de decepção ou ciúme. — Faz anos que as mulheres deixaram de ser um mistério para mim. Mesmo assim, com você eu me sinto mais inseguro do que quando era adolescente. Nina, amor, quando vai entender que é a luz da minha vida? — Essas mulheres que você conhece tão bem... Elas... Elas ficam quietas nos seus braços, enquanto você... enquanto você... enquanto você... O sangue subiu-lhe ao rosto. Onde estava com a cabeça, para perguntar uma coisa dessas? Gavin abraçou-a com força. — Amor, meu amor! Nada dá mais prazer a um homem do que o fato da mulher que o acompanha, em público, gostar de suas carícias, quando estão sozinhos. Nina ainda estava embaraçada, mas as palavras dele a tranqüilizaram um pouco. Era mesmo possível que mulheres decentes se permitissem um comportamento tão... indecente? Sua mãe não vivera para lhe dizer, e Alma, há muito viúva, preferia não tocar nesse assunto. A única vez em que se atrevera a lhe fazer uma pergunta sobre sexo estava entrando na adolescência. Brandindo o garfo como se fosse uma arma, Alma lhe respondera alguma coisa sobre fechar os olhos, deitar-se de costas e recitar os nome dos Estados da União. No entanto, não surpreendera um brilho de malícia nos olhos da governanta? Vários pensamentos acrescentava, com fervor:

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desfilaram

pela

mente

de

Nina,

enquanto

Gavin

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Amor, o sentimento que nós partilhamos é tão especial quanto as emoções que inspiram os poetas. Tem sido muito difícil, para mim, pensar em outra coisa. Abafando a consciência, ela cedeu à necessidade de tocá-lo. Fitando-o, deslizou as mãos pelos ombros e então acariciou-lhe o peito sentindo a maciez do colete de cetim. Os lábios de Gavin pressionaram os seus, quentes, insistindo para que cedesse e lhe desse passagem. Quando a doce invasão se consumou, trouxe a imagem de uma invasão ainda mais íntima. Louca para tocar-lhe a pele nua, enfiou as mãos por baixo da camisa de algodão. — Essas mulheres que você mencionou... — murmurou, acariciando-o enquanto ele a beijava no pescoço. — Elas... elas também fazem isso? — Isso e muito mais — disse, segurando as mãos dela e levando-as para baixo, ao longo do próprio corpo. Nina hesitou, mas depois permitiu que a curiosidade e a pressão delicada das mãos dele a guiassem até o membro masculino. Engoliu em seco. — Mulheres decentes fazem isso? — Mulheres muito decentes. Com as mãos, Gavin envolveu-lhe os seios, depois inclinou-se para sugar um dos mamilos. Impulsivamente, ela perguntou: — O que mais elas fazem? — Quem? Gavin, ofegante, mal conseguia manter a atenção à conversa. — As mulheres decentes, que estávamos falando. Ele respirou fundo e disse, os olhos brilhantes. — Algumas mulheres... mulheres decentes... colocam os lábios onde suas mãos estão. — Os lábios? Mal acreditando na própria ousadia, Nina moveu-se devagarinho, distribuindo beijos pelo peito masculino até atingir o ventre. Aí, hesitou, mas logo prosseguiu. Com um gemido, Gavin puxou as duas partes do encerado, fechando-os numa escuridão total. Em seguida, ergueu a saia de Nina e passou as mãos quentes pela calça de algodão. Quando a tocou entre as coxas, ela não conteve uma exclamação abafada. — Algumas mulheres — sussurrou — gostam de serem beijadas aqui. Substituiu a carícia das mãos pela dos lábios, e Nina começou a gemer, sentindo que não demoraria a sucumbir àquela onda crescente de prazer.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Foi premente a necessidade de senti-lo dentro de si, de senti-lo compartilhar o auge da satisfação. — Acho — murmurou — que a maioria das mulheres imploraria a você para amálas, agora. As roupas masculinas caíram, amontoando-se no chão. Logo, ele se deitava sobre ela, penetrando-a e perdendo-se com Nina naquela paixão que não conhecia limites. — Amor — ele cochichou em seu ouvido, pouco depois — será que existe algum outro casal que consiga chegar às estrelas? Feliz, com as pernas entrelaçadas nas dele, ela sorriu e pensou um pouco antes de responder. Compreendia o que ele queria dizer. Mesmo na sua inexperiência, tinha certeza de que apenas poucos conseguiriam alcançar aquela sintonia perfeita. — Alguns privilegiados — disse afinal. — Que não tiveram medo de se entregar — ele emendou. Em paz com o mundo, ela acariciou os pêlos do peito e pousou a mão sobre o coração que batia forte mas tranqüilo. Como seria bom ficar ali, dormir com o homem que amava, aquecida por seu calor! Mas à medida que os minutos passavam, lembrou-se de Trudy. — Acho que falhei completamente, como dama de companhia. Gavin suspirou e sentou-se, puxando-a junto. — Uma tarefa ingrata que a aconselho a reassumir. Só espero que eles não estejam juntos, no seu vagão. — Acha justo, falar assim? — ela brincou, contornando a boca dele com a ponta dos dedos. — Ela não passa de uma criança. Depois de um beijo demorado, Gavin levantou-se e ajudou-a a se vestir. De braços dados, tomaram a trilha em direção ao acampamento. Paravam de quando em quando, para trocar um beijo, relutantes em abandonar a magia em que mergulharam. Uma onda de dor assolou-a, ao lembrar-se de que partiriam no dia seguinte. Dessa vez, não escondeu de Gavin sua tristeza. Ele mal chegou a comentar o assunto. Soltou-a de repente, dizendo apreensivo: — Escute, amor! Desorientada, Nina agarrou-se ao braço dele. Sufocando a sensação de perda, notou que os patos estavam completamente agitados quando deviam estar dormindo. Acima da algazarra que provocavam, outro barulho, como de algo se quebrando, se fazia ouvir.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin beijou-a na testa. — Espere aqui, amor. Vou ver o que está acontecendo com os bichinhos. Meio zonza, ela o seguiu com o olhar, enquanto corria ao lado dos vagões abertos, carregados com os troncos gigantescos. Não, não conseguiria assistir àquilo passivamente. Súbito, o som de vidro se estilhaçando encheu o ar. Ela franziu a testa, tentando clarear a mente e atinar com o que se passava. Gavin parou nas sombras, atrás do vagão. Nina juntou-se a ele e percebeu a luz que vinha lá de dentro. Algo arrebentou-se de encontro a uma das paredes. — Minhas câmeras! Gavin saltou para a frente. A luz desapareceu. Os patos se espalharam e Nina tropeçou num deles, caindo pesadamente sobre os trilhos. Ao mesmo tempo, um vulto irrompeu do vagão e desapareceu atrás do dormitório mais próximo. Gavin gritou e partiu atrás do fugitivo, enquanto ela lutava para se levantar. Espantando os patos, Nina agarrou-se à porta aberta. O coração batendo forte, passou as mãos, com todo cuidado, pelo chão. Pedaços de vidro cortaram seus dedos. Horrorizada, parou, incapaz de continuar a exploração. Minutos depois, Gavin estava de volta. — Perdi o sujeito. E não consegui ver quem era. — Acendeu um fósforo, inclinando-se para olhar o interior do vagão. — Ele fez um bom serviço. Uma pena, amor... A chama bruxuleante revelou câmeras quebradas e placas fotográficas despedaçadas. Como confete, fotos rasgadas cobriam os estilhaços de vidro e o pó de flash espalhado por toda parte. — Todo meu trabalho! Por quê?! Gavin acariciou-lhe os cabelos, tomado por uma raiva surda e silenciosa. — Seja qual for o motivo, não vou dar a ele outra chance de chegar perto de você. Pegue o que precisa para esta noite, amor. Você e Trudy vão dormir no depósito do restaurante, perto de Buck e Apollonia. Percebendo que ela começava a formular argumentos contra a decisão, ele disse, com severidade: — Nina, você não vai dormir no meio desse caos, preocupada com cada som diferente que ouvir. Se não- fosse por Trudy, Gavin teria limpado o vagão e passado a noite com ela. Queria tomá-la nos braços e fechar a porta. Queria cobri-la de beijos e fazê-la esquecer aquele ato brutal. Mas não seria o melhor a fazer.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Em silêncio, ambos percorreram o caminho até o restaurante, Trudy e Whip estavam lá, saboreando chocolate quente e olhando-se nos olhos. Gavin respirou aliviado ao vê-los. A expressão surpresa e assustada do casal levou Nina e Gavin a darem-se conta do desalinho de suas roupas. Para cortar os comentários, Gavin explicou, de imediato: — Surpreendemos um intruso, mas não conseguimos pegá-lo. As câmeras foram destruídas. As placas, também. E as fotos foram rasgadas. Trudy soltou uma exclamação abafada, enquanto Whip se levantava, de um salto. — Vamos revistar o acampamento. O sujeito ainda deve estar aqui. — Concordo — replicou Gavin. — E ele, provavelmente, tem todo direito de estar aqui.. Mas como vamos descobrir quem é, com tanta gente no acampamento? Whip, que em longas passadas já havia alcançado a porta, parou e voltou. — Tem razão. — Sentando-se a cavaleiro num banco, apoiou as mãos nas pernas. — Por onde quer começar? — Pensando em quem pode ganhar com isso. Enquanto ele falava, Nina aproximou-se de Perry. Gavin viu-a passar a mão pela testa do garoto, que dormia, inquieto. Estava abatida, com o rosto pálido. Trudy passou o braço pelos ombros dela, confortando-a como ele gostaria de fazer. Tensa, Nina comentou: — Papai tem as placas que mandei para casa. Outras fotos podem ser feitas. A maior perda são as câmeras. — As placas que Whip e eu embrulhamos estão a salvo, aqui. Ainda bem que não aconteceu nada com você. — Uma coisa eu não entendo — disse Whip: — por que alguém haveria de querer prejudicar Nina? No olhar do rapaz, Gavin viu a mesma desconfiança que passara por sua mente: Robertson. O sujeito não gostava de mulheres, e Nina o humilhara na frente de toda a equipe. Ela não era capaz de conter as palavras, quando chegavam à ponta da língua. Fora Robertson. No entanto, sem provas, não haveria como prendê-lo. Se bem que naquele momento, gostaria de acordar o acampamento inteiro e acusá-lo de seus crimes. Mas ainda era cedo. Quando as moças estivessem em casa, a salvo, seria a vez de Robertson se explicar. Abrindo a porta, Gavin olhou os vagões carregados. — Enquanto estamos distraídos com o estrago no vagão de Nina, é bem possível que o ladrão esteja pensando em danificar as toras.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Você só pensa nessas toras! — Trudy exclamou. — E pretendo ficar de olho nelas a noite inteira — Gavin admitiu. Se pudesse, ficaria com Nina. Virando-se para Whip, perguntou: — Você não se importa de vigiar as moças, não é? Na expressão do rapaz era evidente que não apenas não se importava, como gostava da tarefa. A cor tinha voltado ao rosto de Nina. Indo até ela, Gavin segurou-a pelo queixo. — Não é fácil deixá-la, amor — disse, e lhe diria muitas outras coisas, se Trudy e Whip não estivessem por perto. Nina passou a noite com a cabeça apoiada nos braços, inclinada sobre uma das mesas. Apesar de Trudy insistir que fosse para a cama arrumada no depósito, Nina preferiu ficar junto de Perry. Sentia-se mais útil ali e, caso houvesse algum problema com as toras, logo ficaria sabendo. Contrariando a própria expectativa, acabou dormindo. Mas teve um sono perturbado por pesadelos, que continuaram a atormentá-la, quando acordou. Seu coração bateu forte, com a lembrança da destruição do equipamento fotográfico. A chuva castigava as colinas, aumentando sua disposição sombria, enquanto ela esperava, com Trudy, para embarcar na Shay. Os troncos gigantescos tinham um aspecto rude, com ' a água escorrendo pelas cascas escuras, mas aparentemente haviam atravessado a noite sem sofrer danos. Enquanto o pessoal do trem engatava a locomotiva aos vagões carregados, Trudy despediu-se chorosamente de Whip. Dois lenhadores colocaram Perry num vagão coberto. Ele gemia, a cada passo, o que levou Nina a pedir aos lenhadores, com voz alterada, para terem mais cuidado. Depois, ela sorriu, meio embaraçada. Os dois estavam fazendo o melhor que podiam. Já no vagão, Nina trocou o curativo na cabeça do garoto. Ele estava mais pálido do que na noite anterior. Sua preocupação com a viagem que tinham pela frente aumentou. Enquanto ela cuidava de Perry, alguém pousou a mão em seu ombro. Assustada, quase deu um pulo antes de reconhecer Gavin, numa capa preta, com o chapéu enterrado na cabeça. — Calma, amor. Conseguiu dormir um pouco, esta noite? — Consegui, sim. Você vai conosco para Portland, não vai? Tinha muitas perguntas a fazer que não havia tempo para isso, agora.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Vou. Foi durante o transporte que as outras toras foram danificadas. — Baixou os olhos para Perry. — Como está o garoto? — Não muito bem. Os olhos dela marejaram, e Gavin acariciou-lhe o rosto. — Seus ombros têm recebido uma carga maior do que deveriam, amor. Já está na hora de ir para casa, para junto do seu pai. — Se acha que não tenho nada com que me preocupar, lá, está completamente enganado! Seria possível que ele estivesse tão ansioso assim para livrar-se dela? Gavin sorriu, e ela desconfiou que as palavras dele tinham sido ditas de propósito, para zangá-la. Gentilmente, mas de um modo rápido, ele a beijou. — Tenho de dar uma palavrinha com Dutch. Quando o trem for partir, volto para cá. Gavin pulou para o chão e pôs-se a andar ao longo dos trilhos, a cabeça inclinada para se proteger da chuva. De uma janela, Nina acompanhou-o sem ligar para o vento forte e o fato de estar se molhando. Uma profunda sensação de perda invadiu-a, mas logo, censurando-se, voltou para junto de Perry. Usaria melhor seu tempo vigiando o menino do que sonhando bobagens. O apito soou quando ajeitava o cobertor em volta de Perry. A fumaça ergueu-se acima dos vagões, e o trem, aos trancos, entrou em movimento. No último instante, Whip agarrou Trudy pela cintura e colocou-a a bordo. A garota recostou-se na porta do vagão e disse, desconsolada: — Ah, Nina! Será que vou ver Whip de novo? Não havia resposta para isso. Pelo menos, não havia uma resposta que Trudy quisesse ouvir. Nina limitou-se a menear a cabeça, cheia de pena, antes de voltar a atenção para Perry. — Você sabe, nós não somos da mesma classe social — Trudy explicou, com um suspiro. — Papai e mamãe dão muita importância a isso. — Muita gente dá. As palavras da garota encontraram um eco desagradável na mente de Nina. Gavin fingira ser fotógrafo, mas pertencia à classe dos privilegiados. A acusação que lhe fizera em Portland voltou para atormentá-la: "Estão vendo as roupas finas deste homem? Ele é um barão da madeira."

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Quando chegassem à cidade, ele seria de novo um barão da madeira, reassumindo uma vida de riqueza e prestígio, enquanto ela continuaria como fotógrafa, lutando para pagar as contas do dia-a-dia. — Não é justo — Trudy continuou. — Whip é um rapaz bom, e trabalhador. Papai trabalha no banco. Não é a mesma coisa? A relação era a mesma que podia haver entre a dona de um estúdio fotográfico e o proprietário de uma cadeia de acampamentos madeireiros. Suspirando, Nina passou a mão pela testa de Perry. — Você talvez ache que deixei Whip me beijar muito cedo, mas é que eu o amo. Papai pode falar o que quiser, continuarei amando Whip. Trudy era mesmo muito criança, Nina pensou, surpreendendo-se com a própria tolerância. Seu ressentimento inicial, em relação à garota, transformara-se em profunda simpatia. Mais que isso, estava certa de que os beijos que Trudy havia trocado com Whip pouco tinham da paixão insana que ela mesma experimentara, nos braços de Gavin. Uma paixão tão grande que seu corpo parecia queimar, só com as lembranças. Havia nomes diferentes para as mulheres que permitiam que os homens as usassem livremente. Nomes dos quais Trudy nunca ouvira falar. E havia riscos. O calor abandonou seu corpo com tanta rapidez, que ela estremeceu. Ainda se lembrava de uma vizinha não casada, que se cobrira de vergonha ao dar à luz uma criança. Na época, sentira pena da moça, apesar de também, no fundo, censurar seu comportamento. Agitada, Nina mudou de posição. Sua maior mágoa sempre fora não ter engravidado de Johnny. E agora? Tinha motivos para se preocupar? Provavelmente não. Como também não havia sentido na leve sensação de desconsolo que acompanhou seu raciocínio. A vivacidade natural de Trudy voltou quando Gavin pulou a bordo do vagão, que se movia lentamente. Ela se juntou a ele numa das janelas, os cabelos escuros brilhando sob a chuva. — Você acha que vamos encontrar um ladrão? Já pensou que excitante! Vai lutar com ele, Gavin? Podemos ver? Apesar dos pensamentos que a atormentavam, Nina ficou contente em ver a alegria de Trudy e ouvir a resposta divertida de Gavin. — Whip se sairia melhor, lidando com os bandidos. Mas prometo dar o máximo para não fazer feio. Nina aproximou-se de outra janela. O sol desaparecera e seus raios atravessavam a camada de chuva, que continuava a cair. Alguns metros adiante estava a primeira ponte de madeira. Uma onda de medo assolou-a. . Com o barulho característico das rodas de metal sobre os trilhos, os vagões e sua carga gigantesca

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica seguiram a locomotiva, atravessando a ponte. Para aumentar ainda mais o medo de Nina, a treliça de madeira começou a ranger. Se os ladrões realmente atacassem as toras, o que Gavin pretendia fazer? Sem dúvida só identificá-los. Não era possível que pretendesse passar do vagão em que estavam para os outros, que levavam as toras. Ou era? Para seu alívio, ninguém tentou pular a bordo. Ela teve a impressão de que Gavin ficou desapontado. Trudy, com toda certeza, ficou, mas logo arranjou outra coisa em que pensar. — Lá está o rio Colúmbia — ouviu-a gritar. — Estamos quase no fim da descida, Nina. — Fez uma pausa, depois acrescentou: — Ai, ai vou ter de dar algumas explicações, quando chegar em casa. — Vai, mesmo — Nina concordou. Teve vontade de abraçar a garota, mas antes de alcançá-la viu que Trudy havia se encerrado num mundo à parte, onde não havia lugar para ninguém, além de Whip. Na junção ferroviária, Gavin supervisionou a transferência de Perry para o último vagão de um trem de passageiros. As mudanças já haviam começado a ocorrer, Nina notou. Ele estava com uma postura diferente, mais autoritária. Até as feições pareciam mais altivas. Como Trudy, ele voltava a assumir um papel mais familiar. Momentaneamente, os olhos de Gavin brilharam com o entusiasmo que ela aprendera a amar. Da cor do mel, fizeram Nina pensar no verão, apesar de ainda estar chovendo. Logo em seguida, ele olhou na direção do rio, e sorriu os cabelos agitados pelo vento batendo-lhe na testa. — Daqui em diante as toras vão pelo rio. Creio que, no fim, conseguirão chegar à exposição, sem um arranhão. Inclinou-se para Nina, e a água escorreu pela aba de seu chapéu. Pedindo desculpas, ele o tirou e sacudiu. Lembranças de outra tempestade deixaram Nina sonhadora. Por que o tempo passava tão depressa? A locomotiva apitou. Uma nuvem de vapor ergueu-se de sua chaminé. Lá na frente, soou o grito do guarda-freio. —Nina — Trudy avisou. — Estamos baldeando. - É, amor — Gavin disse, gentilmente. — Não podemos perder o trem. — Tomando-a pelo braço, levou-a até o vagão e ajudou-a a subir. Mais uma vez, ela sentiu uma barreira erguer-se entre eles. ,A locomotiva corria em direção a Portland, e a cada metro aumentava a distância entre o bem-humorado fotógrafo que ela aprendera a amar e o poderoso barão da madeira, que mal conhecia.

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CAPÍTULO XXIII Quando eles desembarcaram na estação de Portland, Trudy foi a primeira a ver Lionel encostado a uma das paredes, flertando com uma ruborizada viajante. Ela ainda abriu a sombrinha na esperança de se esconder, mas ele a viu e aproximou-se, sorrindo. — Sra. Nina, nunca a vi tão encantadora quanto esta manhã! Ao lado de Nina, Trudy gemeu. — Não te mandaram até aqui para me levar de volta para casa, não é, Lionel? Diga que não. — Sinto muito, mas foi isso mesmo, maninha. Papai teve uma conversa com o maquinista daquele trem madeireiro. Ficou sabendo que as toras para a exposição iam chegar hoje, bem cedo. — Com um gesto brincalhão, fingiu dar um soco no queixo da irmã. — Você abalou um bocado o amor paternal, queridinha. Trudy agarrou-se a Gavin. — Venha para casa comigo. Você tem de vir! Papai vai acreditar no que disser. — Lágrimas brilharam em seus olhos adoráveis, enquanto os lábios tremiam. — Por favor, Gavin. Por favor! Ele é capaz de bater em mim. Não é possível que você queira uma coisa dessas! Nina viu-se dividida entre a pena por Trudy ter se metido em tal encrenca, e a necessidade de contar com a presença de Gavin para ajudá-la com Perry. Sem dúvida, os ferimentos do menino eram mais importantes que os castigos imaginados por Trudy. Afinal, era pouco provável que ela os recebesse. Gavin devia ter pensado a mesma coisa, pois falou com firmeza: — A coisa mais importante a fazer agora é localizar o melhor médico de Portland. Subitamente envergonhada, Trudy explicou: - É aquele menino, o Perry. O ajudante de Nina. Ele foi gravemente ferido ontem, Lionel. A garota levou um lenço de renda à boca, incapaz de se controlar. As lágrimas corriam por seu rosto. — Que coisa horrível, sra. Wallace — Lionel exclamou. — Se quiser, pode usar meu carro motorizado. Está lá fora, sem dúvida com todos os meninos da rua passando

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica as mãozinhas sujas em sua pintura. Com ele, em dois tempos estaremos no consultório do médico. O garoto pode ir deitado no banco de trás. Gavin levou a mão ao ombro de Lionel. — Vou ajudar você a trazer o menino, depois vou ver se arrumo uma carruagem de aluguel para Trudy e eu. — Virando-se para Nina, acrescentou: — Vá para a sua casa, que eu levo o médico até lá. Os minutos seguintes foram agonizantes. Apesar do cuidado que Lionel e Gavin tiveram, Nina achou que morreria de aflição, antes que o garoto fosse acomodado no banco de trás do carro. Consciente, agora ele tentou, com toda coragem, esconder a dor que sentia. Nina ajoelhou-se a seu lado, na esperança de impedir que fosse muito sacudido, no trajeto até sua casa. Em qualquer outra oportunidade, ela teria se impressionado com o barulho, a fumaça e a velocidade do carro motorizado. Naquele momento, no entanto, só se importava com o fato de Perry chegar a sua casa, em segurança, e ser logo atendido pelo médico. No minuto em que Nina desceu do carro, Alma apareceu correndo na varanda. Enquanto as duas mulheres trocavam abraços chorosos, o pai de Nina aproximou-se perigosamente da escada, em sua cadeira de rodas, exigindo saber por que ela havia voltado e quem era o sujeitinho com aquela carroça dos infernos. Entre lágrimas e riso, Nina abraçou-o com força. — E tão bom estar em casa! — Isso eu lhe disse, antes de você partir. Agora, vai responder minhas perguntas ou vou ter de socar aquele mocinho, para descobrir o que quero? — Papai! — ela protestou, enquanto Lionel corava. Quando a história estava acabando de ser contada e Papai e Lionel não mais se olhavam com cautela e antipatia, Gavin apareceu, numa carruagem de aluguel. Um homem a cavalo vinha atrás, e Nina alegrou-se constatando que trazia uma maleta médica presa à sela. Os homens carregaram Perry para um quarto no segundo andar. Um longo tempo depois voltaram. — Meu Deus, que caras! — Trudy exclamou. Enquanto Papai fitava Gavin, numa hostilidade silenciosa, o médico deu suas explicações. — Como já expliquei ao sr. McKenna, o menino está gravemente ferido. Trudy empalideceu, e Nina procurou a cadeira mais próxima para se apoiar. Gavin foi até ela e disse depressa: — Apesar de tudo, o doutor acha que ele vai se recuperar.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — É uma questão de tempo — o médico concordou, olhando para Gavin com ar de aprovação. — O ferimento foi bem cuidado, no acampamento. Nina percebeu que ele estava bem impressionado com a postura do barão da madeira. Aliás, Gavin agora vestia um terno impecável, que pusera antes de sair do acampamento. A aparência combinava com o ar autoconfiante. Nina sentiu um aperto no coração. Quando Gavin McKenna se fosse, não tinha motivos para acreditar que o veria de novo. Apertando os lábios, forçou-se a prestar atenção nas palavras do médico. Tendo elogiado o trabalho do cozinheiro do sr. McKenna, ele dizia: — O ferimento na testa foi grave, mas seu amiguinho está consciente, agora. Não estou preocupado com a possibilidade de ferimentos internos, mas recomendo que não o movam novamente. Sem dúvida, podem proporcionar a ele os mesmos cuidados que teria num hospital. Foi a vez de Alma se manifestar. — Coitadinho! Claro que cuidaremos dele. — Mantenham o menino quente e quieto. Vou deixar um medicamento para ele tomar. Passo aqui amanhã, de manhã. — De novo, ele sorriu para Gavin. — O sr. McKenna foi muito generoso, providenciando o tratamento do menino. Neste sentido, vocês não têm com que se preocupar. O respeito do médico pelo barão da madeira deixou Nina com os nervos à flor da pele. — Ele não podia agir de outra forma. O acidente ocorreu num acampamento dele. Gavin enrijeceu, e Nina arrependeu-se da própria rudeza. Falara impulsivamente devido à própria insegurança. Mesmo assim, não conseguiu pedir-lhe desculpas. Lionel interferiu: — Está ficando tarde. Papai já deve estar zangadíssimo por eu ainda não ter chegado com Trudy. Os olhos aveludados da garota brilharam. — Venha conosco, Gavin. Você vem, não é? Tem sido tão bom para Perry... Não é possível que não seja comigo, também. Gavin apoiou a mão dela em seu braço. — Com todo o prazer, srta. Witt. Quer ir comigo ou com Lionel? — Com você. Lionel não é um escudo tão seguro.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica No que pareceu a Nina um átimo de segundo, o grupo já estava na varanda. Lionel foi para seu carro, enquanto o médico se dirigia, apressado, ao cavalo que deixara amarrado à cerca. — Vá indo para a carruagem, menina — Gavin disse a Trudy. — Alcanço você num minuto. Enquanto ela se afastava, ele tomou as mãos de Nina entre as suas. — Existem arquivos que pretendo examinar. Robertson vai pagar pelo que fez, eu lhe prometo. — Por um instante, voltou a ser o companheiro brincalhão das primeiras semanas no acampamento. — Só espero ter a oportunidade de pagar pelo que fiz, também. O rangido da cadeira de rodas preveniu-os da aproximação de Papai. Num gesto rápido, Gavin ergueu a mão de Nina e beijou, não os dedos, mas a pele sensível da palma. — Vai ter notícias minhas logo, amor. Prometo. Virando-se, ele dirigiu-se ao pai dela. — Sr. Emerson, não tenho palavras suficientes para elogiar a coragem e a capacidade da sua filha. Também quero lhe agradecer por sua hospitalidade, recebendo o menino ferido. — Achou, por acaso, que eu não faria isso, senhor? A voz de Drew Emerson soou como um trovão. Para horror de Nina, ele fechou ainda mais o semblante. — O rapazinho e eu temos muita coisa em comum. Nós dois temos motivos para odiar o nome McKenna. — Papai! Com um olhar angustiado para Nina, Gavin retrucou, simplesmente: — Em breve espero lhe provar que está enganado, senhor. Girando nos calcanhares, ele se juntou a Trudy, na carruagem, afastando-se sem um olhar para trás. Nina passou quase o domingo inteiro com Perry, lendo para ele, abrindo as janelas para permitir a entrada de ar fresco, afofando os travesseiros e tentando-lhe o apetite com vários pratos feitos por Alma. — A senhora está bonita — o menino comentou, num dado momento. Ela deu uma volta para exibir o vestido de algodão verde-claro. — Para ser honesta, Perry, não vou ficar triste se nunca mais puser meu conjunto de ciclismo ou o vestido de lã.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — É uma pena o sr. Gavin não estar aqui para ver a senhora. Será que ele ainda vem, hoje? — Não sei. A alegria abandonou-a. O médico estivera ali e se fora, sem tocar no nome do barão da madeira. E ela não conseguia livrar-se da imagem de Gavin se afastando, com os ombros muito rígidos, depois de ouvir a declaração furiosa de Papai. Mas piores ainda eram as outras, criadas por sua fértil imaginação. Imagens de mulheres... decentes, é claro!... que haviam, no passado, e haveriam, no futuro, de partilhar a cama de Gavin. No entanto, se seu romance terminara, ela ainda podia encontrar prazer no afeto que sentia junto a seu pai e Alma. Depois do jantar, no domingo à noite, tentou verificar se sua intuição correspondia à realidade. — Vocês precisam me contar tudo o que aconteceu, enquanto estive fora. — Realmente, aconteceu uma coisa muito boa. — Pousando a colher em seu prato de sopa, Papai sorriu, cheio de satisfação. Nina fitou-o, ansiosa. — O editor da Tribuna de Portland quer comprar as suas fotografias. — Minhas... minhas o quê?! Estivera tão preparada para ouvi-lo falar de outro assunto que demorou a assimilar a novidade. — Suas fotografias — Papai repetiu, como se estivesse falando com uma criança tola. — Sua coleção de fotos sobre a Madeireira McKenna. Nina teve a sensação de que estava flutuando no ar. — Minha coleção de fotos? Já meio impaciente, Drew Emerson quis saber: — Nina, você está se sentindo bem? — Ela está cansada demais — diagnosticou Alma. — E não é de admirar, coitadinha! Viver naquele fim de mundo, quase um mês, é de abalar qualquer um. Nina tremia tanto que teve de devolver a colher ao prato. O editor da Tribuna de Portland queria publicar suas fotos. As fotos que incriminavam a Madeireira McKenna. Fotos de problemas dos quais ele não tinha culpa! Mas acreditava mesmo nisso? Toda a indústria americana estava longe de ser inocente.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica sopa>.

Mantendo o rosto voltado para o prato, Nina pôs-se a movimentar a colher pela

— Se está cansada demais para conversar, é melhor ir para a cama — o pai recomendou. — Podemos discutir este assunto amanhã. Cautela juntou-se ao cansaço, e ela resolveu subir. Não tinha dúvidas de que a publicação de suas fotos melhoraria, e muito, a situação financeira do estúdio. Mas culpar McKenna por todos os problemas do acampamento? Tinha de pensar mais a respeito. Além disso, Gavin precisava de tempo para verificar os crimes de Robertson. Ao passar pelo quarto de Perry, entrou para dar uma olhada. Ele dormia, inquieto, os cabelos claros escapando de sob as bandagens, espetados no ar. Inclinouse para arrumá-los, e a já conhecida sensação de culpa, por ter colocado o menino em perigo, assolou-a. — Você pode me perdoar — murmurou — mas eu não me perdoei. Para sua surpresa, Perry abriu os olhos. — Que é? Ajoelhando-se ao lado da cama, Nina fitou-o, ansiosa. — Perry, querido! Como está se sentindo? — Como Jezebel, depois que os cachorros a pegaram. Ele sorriu e ela esforçouse para corresponder. Mas o garoto não era bobo. — Por que foi que a senhora disse aquilo? Não está arrependida por termos ido para o acampamento, está? — Estou arrependida, porque você se machucou lá. — Ajeitou o cobertor dele. — Agora, feche os olhos, querido. Você precisa dormir. — Pois eu não me arrependo. Quando ficar bom, vou voltar para lá. Encrenca disse que eu posso ficar no lugar dele, quando ele começar a escalar as árvores. Ela queria perguntar a Perry por que ele entrara correndo no canyon, aquele dia, mas achou melhor deixar para outra ocasião. O garoto estava com o rosto vermelho e os olhos brilhantes demais. — Durma, agora. — Está bem. Obediente, ele fechou os olhos. Mas quando ela se dirigia à porta, na ponta dos pés, disse: — Sabe? a senhora não deve se arrepender. Ir para lá foi bom demais. Sem responder, Nina fechou a porta atrás de si. Preocupada demais para dormir, foi para o estúdio e entrou na câmara escura, pensando em revelar as últimas fotos tiradas no acampamento. Felizmente, a paixão de Trudy por Whip as salvara da destruição.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Já passava da meia-noite e as fotos reveladas estavam presas a uma linha, secando, quando Papai entrou, em sua cadeira de rodas.. — Então, o senhor ainda vaga pela casa de noite — Nina brincou. —- E com razão. Mas você, que não sofre as minhas dores, o que está fazendo fora da cama? Contente pela companhia, ela explicou as fotos e sentou-se num banquinho, esperando que ele as examinasse. Ao longo dos anos, Papai desenvolvera a habilidade de detectar traços de personalidades, simplesmente observando fotos. Era capaz de descobrir a infelicidade nos olhos de um cliente, apesar da fisionomia aparentemente satisfeita. Via o antagonismo, a autodefesa e até o medo, no modo como outro cruzava os braços sobre o peito. Se um marido desviava o olhar da esposa, ou pais inclinavam-se para um filho, deixando uma filha de lado, seus comentários tornavam-se ácidos. Observando-o, naquele momento, Nina não pôde deixar de se perguntar o que ele via, nas fotos do acampamento. — Olhe para isso! — Ele indicou a foto de Robertson no controle do burro mecânico, depois apontou para a tomada panorâmica da câmera de circuito. — Você disse que estas fotos foram tiradas na hora do acidente do garoto? — Disse. Nina franziu a testa, tentando ver o que ele queria. Mas só conseguiu reviver aqueles horríveis momentos, quando o tronco gigantesco tinha despencado em direção a Gavin, jogando galhos para o alto, um dos quais havia atingido Perry. — A fotografia panorâmica mostra, claramente, o operador da máquina. O sujeito não precisava de nenhum aviso para saber que o fotógrafo estava trabalhando abaixo do tronco. A visão dele era perfeita. No entanto, a foto da Speedgraphic mostra que ele estava dando força total à máquina. Note a tensão no corpo dele. Devia, ser tão grande quanto a tensão nos cabos. Era um homem inexperiente? Inexperiente?! Robertson era o chefe do acampamento. Nina adiantou-se para olhar melhor a foto. Pensara que Robertson estava ansioso para receber as glórias de puxar o último tronco gigante. Em sua mente, ouviu Perry gritar de novo, avisando Gavin. Ele devia ter visto Encrenca sinalizar uma espera e -ser ignorado por Robertson, que dera força total à máquina. — Os lenhadores disseram que ele deu força total para segurar o tronco, porque Perry tinha entrado no canyon. Mas não foi isso. Robertson queria que os cabos arrebentassem, papai. Ele queria que Gavin morresse! A mente de Nina começou a passar de uma idéia para outra.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Robertson caçoara dela, mandando que tirasse sua foto. Por quê? Porque já havia planejado destruir essa evidência? Mas ele não sabia que Trudy havia deixado as últimas fotos no depósito do restaurante, enquanto flertava com Whip. — Tenho de avisar Gavin para não voltar ao acampamento sozinho. — Estava tão aflita que o chão parecia oscilar sob seus pés. Para se firmar, agarrou-se à pia da câmara escura. — Não sei onde ele está, mas Elmo Witt deve saber. — Já passa da meia-noite — Papai lembrou, — Tarde demais, para mandar um recado. Todos já devem estar dormindo, por lá. Além do mais, está chovendo. É melhor deixar isso para quando amanhecer. Com as fotos num envelope, Nina partiu a pé, sem esperar pelo café da manhã. As ruas ainda estavam molhadas, e o pavimento brilhava sob a fraca luz do dia. Carroças e carruagens já circulavam por toda parte, as rodas de ferro e as ferraduras dos cavalos parecendo-lhe mais barulhentas que os machados dos lenhadores no acampamento madeireiro. Ela poderia ter ido de bicicleta, se não fosse pelo fato de Alma ter mandado sua roupa de ciclista para a lavanderia, depois de muito resmungar sobre o estado terrível em que voltara. Em vez da roupa de ciclista, estava com um vestido de lã, de cintura justa. A cada passo, varria a calçada com a barra de babados. Sem dúvida, teria de lavá-lo, depois desta caminhada. Um chapéu de abas largas balançava no topo de, seus cabelos erguidos, como um navio enfrentando um mar tempestuoso. Uma comparação, segundo ela mesma, que combinava maravilhosamente com seu estado de espírito. Quando deixou para trás a parte comercial da cidade, a caminhada tornou-se mais agradável, ainda que montanha acima. Mas ainda assim sentia falta do cheiro de serragem. Será que algum dia conseguiria se livrar do acampamento madeireiro? Aumentou a velocidade dos passos, decidida a falar com Gavin antes que ele cometesse a tolice de voltar. Mansões solitárias erguiam-se em glorioso esplendor, em alamedas ao longo da rua Dezenove. Torres e cúpulas apontavam para o céu acinzentado, enquanto janelas com vitrais brilhavam, lavadas pela chuva recente. Dobrando uma esquina, ela seguiu o muro baixo da casa dos Witt até a entrada de carruagens, que ia dar numa elegante cocheira. Luzes brilhavam nas janelas de uma das salas. Mas não andara toda aquela distância para não ser recebida, caso os Witt estivessem com visitas. Depois de uma

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica ligeira hesitação, desistiu da porta da frente e procurou a porta de trás. Quando um criado atendeu, mostrou o envelope, — O sr. Witt me pediu para trazer isto aqui, pessoalmente. Guiada por um corredor de paredes recobertas com madeiras exóticas, ela esperou, sozinha, numa saleta. Sua impaciência foi crescendo, à medida que andava de um extremo do cômodo a outro. Ouviu o som de risos e vozes e perguntou-se se Gavin estaria lá. Foi até o corredor, entrevendo, pelas portas abertas, móveis finos e tapetes orientais. Um vaso de jade. ocupava um pedestal de mármore. Não era de admirar que o sr. Witt considerasse Whip um mau partido para a filha. A situação do rapaz parecia-se tanto com a sua! Suspirou, desalentada. Tomara que Gavin não ficasse tão chocado em vê-la ali, a ponto de se recusai' a ouvir o que tinha a dizer, pensou. O riso de mulheres, junto com o som mais grave de vozes masculinas, quase encobria a música de harpa e violinos. Tentou distinguir a voz de Gavin entre as outras, mas não conseguia ouvir qualquer coisa, além da sangue latejando em seus ouvidos. Afinal, respirando fundo, passou pelas portas de vidro e entrou no salão de música superlotado. Prismas faiscavam acima de um bufe. Luzes refletidas dançavam sobre porcelanas, pratas e cristais. Poucas vezes se sentira tão fora de lugar. Homens e mulheres, elegantemente vestidos, ocupavam lugares junto ao bufe ou sentavam-se a pequenas mesas, distribuídas -entre vasos de samambaia. Uma voz trovejou junto dela. — É a sra. Wallace, não é? Eu seria capaz de reconhecer esses cabelos em qualquer lugar! Virando-se, ela viu um homem grandalhão, que sorria envolto pela fumaça de um charuto. — Seu pai me mostrou o seu trabalho, minha querida. Fiquei entusiasmado com a sua habilidade. Se continuar assim, seu nome logo será conhecido. — Ele baixou a voz. — Precisamos conversar a respeito da sua coleção de fotos, em outro local. Nosso anfitrião é muito amigo do cavalheiro envolvido. Desde já — a voz dele voltou ao normal —, posso lhe garantir a primeira página de meu jornal. Nesse instante, Nina admitiu definitivamente que seu pai errara, ao julgar McKenna. Dandy Robertson não fizera mais que confirmar sua intuição. — Espero que minhas fotos mostrem todo o heroísmo dos homens que derrubam aquelas árvores — disse, com convicção. — Quero estimular toda a indústria madeireira a adotar regras de maior segurança. Não pretendo usar minhas fotos numa

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica campanha vingativa, visando atingir uma única empresa. O rosto do editor registrou total aprovação. — Leve seu trabalho ao meu escritório, sra. Wallace. Nós pensamos da mesma maneira. O que Gavin diria disso?, ela pensou, olhando o editor se afastar. Sem dúvida encorajaria seu trabalho. A menos que Robertson o matasse, antes. A sala girou a sua volta, mas uma voz de mulher fez com que voltasse à realidade. — É a sra. Wallace? A fotógrafa? A mãe de Trudy levou a mão ao peito, como se a inesperada descoberta de Nina Wallace entre seus convidados fosse um choque grande demais para sua frágil constituição. Recuperando o autocontrole, Nina declarou: — Tenho algumas fotos de sua filha, sra. Witt. Posso falar com ela? — Fotos — a mulher repetiu, como se falasse de algo desagradável. — Sinto muito, mas não poderei ficar com elas. Passo mal, só de pensar na minha filhinha entre aquela gente rude. Pela mente de Nina passaram os rostos de Mike, Leo, Owen e muitos outros. Homens sérios, trabalhadores, cuja companhia lhe era mais grata do que a da maioria dos homens presentes naquela sala. A sra. Witt franziu a testa. — Pelo que entendi, a senhora viveu no acampamento. E tornou-se muito, muito íntima do nosso querido Gavin, não é? Foi como se o chão se abrisse sob os pés de Nina. Era ruim que a mãe de Trudy a julgasse mal, mas pior ainda pensar que Gavin havia discutido seu romance com os amigos. Não, ele não agia dessa forma. Gavin jamais se prestaria a fuxicos. Alguém tentou tirar o envelope de suas mãos. Segurou-o com mais força, correndo os olhos pela sala. Ao localizar Lionel, pediu: — Sr. Witt, por favor, me ajude a corrigir alguns preconceitos sobre os lenhadores. Para seu alívio, Lionel abriu caminho entre a multidão. — O que significa isso, mamãe? Onde estão suas boas maneiras? A sra. Wallace mal pode respirar, de tanta gente em volta. Qualquer um pensaria que estão assistindo a um show do Erickson. De imediato, a sra. Witt protestou:

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Lionel! Ignorando a mãe, o rapaz curvou-se diante de Nina, numa pequena mesura. — Posso lhe oferecer alguma coisa, sra. Wallace? Uma xícara de café, talvez? Enquanto ele a tirava do meio daquele grupo, Nina murmurou, ansiosa: — Preciso falar com Gavin McKenna. Ele está aqui? — Não, minha encantadora senhora. Vai ter de se contentar comigo. Tirando duas xícaras fumegantes da bandeja trazida por uma criada, o rapaz entregou uma delas a Nina. — Lionel, ouça o que eu tenho a dizer! — Ela devolveu a xícara à bandeja e ergueu o envelope com ambas as mãos. — Estas fotos apontam o culpado pelos crimes no acampamento. Preciso falar urgentemente com Gavin! — Mas ele não está aqui. — Lionel fitou a porta. — Aí vem a louca da minha irmã. Nina virou-se e viu Trudy se aproximando, muito delicada num vestido branco enfeitado com laços cor-de-rosa. — Trudy... Srta. Witt... Preciso falar com você. — É Trudy, mesmo. Não somos amigas há séculos? Mas vamos sair daqui. Na Alcova Turca ficaremos mais à vontade. Lionel seguiu-as quando passaram por baixo de um elaborado arco em madeira, que dava para um cômodo cheio de almofadas. Trudy puxou Nina para uma delas, enquanto o rapaz acomodava-se no lado oposto. Antes que Nina tivesse tempo para respirar, a garota agarrou-a pelas mãos, derrubando o envelope com as fotos no tapete. — Você tem de me ajudar, Nina! Sou uma prisioneira nesta casa. E quero tanto ir para junto de Whip! Lionel riu. — Suas chances são mínimas, maninha. Trudy fez beicinho. — Lionel se recusa a me ajudar, apesar de ter ganho um carro de papai. — Se papai me deu o carro, não foi para ajudar você a sair correndo atrás de um namorado pobre. — Ele não é pobre. Gavin conhece a família dele há anos. É gente importante, têm uma frota de navios cargueiros. — Trudy voltou-se para Nina. — Whip precisa de mim. Você não entende? Tenho de convencê-lo a voltar para a família. Gavin já tentou e não conseguiu. Nina não agüentou mais.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Vocês querem fazer o favor de me ouvir? — quase gritou. — Temos de avisar Gavin para não voltar ao acampamento. Pelo menos, para não voltar sem ajuda. — Mas ele já voltou! Nina agarrou o envelope e ergueu-se de um salto. — Quando? — Agora de manhã — disse Lionel. — E estava de péssimo humor. — Por causa do Robertson — Trudy explicou. — Gavin examinou os livros da loja de equipamentos, onde costuma comprar maquinário e descobriu que há anos o homem vem comprando menos do que diz. — E ficando com o resto do dinheiro. — Gavin foi falar com ele sobre isso? — Nina apertou o envelope de encontro ao peito. — Ele não sabe que Robertson quer matá-lo, como deve ter matado Ellery Thompson. — Sua voz elevou-se: — Tenho de ir ao acampamento. — Eu não lhe disse que íamos precisar do seu carro, Lionel? _ Trudy disse ao irmão, antes de voltar-se novamente para Nina. — No carro de Lionel, podemos chegar ao entroncamento ferroviário antes do Dutch sair com a Shay. Lionel olhou feio para a irmã. — Você não precisa ir. — Claro que preciso. Nina não pode ir sozinha com você. Obviamente, nem Trudy nem Lionel acreditavam que Gavin McKenna pudesse estar em perigo. Nina foi assolada pelo pânico e só com muito esforço conseguiu se controlar. Amava aquele homem de corpo e alma. Nada mais tinha importância, a não ser o fato de que precisava impedi-lo de enfrentar Robertson sozinho.

CAPÍTULO XXIV — Vou dizer à mamãe que vamos levar a sra. Wallace para um passeio. — Trudy saiu correndo, mas parou na porta. — Nós duas precisamos de echarpes. O vento é terrível, num carro. Apressados, Lionel e Trudy levaram Nina até o reluzente Maxwell. Espremida no banco de,couro entre os dois, ela segurou o chapéu com uma das, mãos e as fotos com a outra, lamentando não poderem ir ainda mais depressa.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica O carro fazia muito barulho, impedindo que mantivessem uma conversa. Alguns pedestres acenavam para eles, outros sacudiam os punhos no ar. Num desses momentos, Lionel apertou a buzina. Um cavalo refugou, e Nina achou bom que não ouvissem os gritos do cavaleiro. Duas crianças e um cachorro correram atrás deles, mas logo ficaram para trás. Num tempo incrivelmente curto, estavam na estrada, fora da cidade. Nina meneou a cabeça imaginando uma rua cheia de veículos como aquele. Os ricos podiam encontrar prazer em carros motorizados, mas, sem dúvida, as pessoas sensatas preferiam cavalos e carruagens. Uma hora se passou, depois outra. Até o carro motorizado parecia ir devagar. O coração de Nina apertou-se. Conseguiriam chegar ao entroncamento antes do trem partir? E se chegassem, Gavin ouviria a voz da razão? Afinal, um pouco antes de fazerem a última curva, avistaram nuvens de fumaça erguendo-se em direção ao céu. Agarrando o pára-brisa, Trudy ergueu-se. — Estou vendo, Nina! A Shay ainda está lá! Nina estava com os joelhos trêmulos demais para ficar em pé num carro em movimento, mas inclinou-se para a frente, apertando os olhos para ver melhor. Realmente, lá estava o trem. Lionel parou o carro diante da estação, em meio a uma nuvem de poeira e explosões barulhentas. — Contra explosões — ele explicou. — Nada com que se preocupar. Deu sorte, sra. Wallace. É a primeira vez que percorro uma distância tão grande sem furar um pneu. Aliviada, tão zonza quanto se tivesse acabado de sair de um barco, ela pisou em terra firme. À frente, nuvens de fumaça erguiam-se no ar, liberadas pela Shay. O sino tocou. — Depressa! — Trudy falou. — Boa sorte, meninas. Só não vou com vocês, porque não posso abandonar o carro aqui. McKenna traz vocês de volta para casa, sãs e salvas. Trudy pôs-se a correr em direção à plataforma. Agarrando a saia, Nina seguiu-a. Quase alcançavam os trilhos, quando Gavin desceu da locomotiva. E não estava nem um pouco contente. Dutch riu. — Parece que temos companhia, sr. McKenna.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — É o que elas pensam. — Com ar severo, Gavin observou as duas se aproximarem. — Uma delas, sozinha, já é problema mais que suficiente. Juntas, são capazes de deixar um homem louco. Ele andava com os nervos à flor da pele. Passara quase a noite inteira examinando registros da loja de ferramentas, doente com o que via. Descobrira que Robertson era culpado de roubo e que Ellery sempre soubera disso e nada fizera para detê-lo. Logo, ouviria a versão de Robertson, para não comprar o equipamento encomendado. E o criminoso teria de responder pelo que fizera. No momento, porém, teria de lidar com Nina e Trudy. As duas, sem dúvida, estavam colocando em prática outra idéia brilhante. Mas representavam uma complicação com a qual não pretendia arcar. Acenando para Lionel, gritou: — Vire seu carro na direção de casa, sr. Witt. As moças vão voltar com o senhor. Trudy lançou-se numa série de explicações, mas Gavin fez-lhe sinal para se calar, dirigindo-se a Nina. — Sei que você achou o acampamento um lugar muito agradável, mas não entendo como pode querer voltar para lá tão cedo. Por um instante ela não conseguiu falar, o coração exultante de alegria por revê-lo. As chamas rugiam-na fornalha da Shay. Nuvens de vapor subiam para o céu. O apito tornou a soar. Trudy recomeçou a falar, e Gavin voltou a pedir que se calasse. — Não quero mais mulheres no acampamento. E vocês não vão discutir minha decisão. — Mas Gavin... — Trudy protestou. Nina interrompeu-a. — Ainda bem que chegamos em tempo! Você não pode ir para lá. — Enfiou a mão no envelope, retirando as fotos. — Olhe! Veja a tensão em Robertson. Ele forçou demais os cabos, de propósito. Queria que o tronco se soltasse. — Sua voz começou a tremer de emoção. — Ele queria matar você. Não pode lhe dar outra chance, agora! Gavin estudou as fotos com toda atenção, antes de devolvê-las. — Mais um motivo para eu falar com ele. — Segurou a mão enluvada de Nina. — Volte para casa com Lionel. Não quero ter de me preocupar com você. Ela observou o rosto cansado porém cheio de determinação. Seu coração se apertou. — Peça ajuda a alguém. Não vá sozinho. Por favor! — Sozinho? O acampamento está cheio de homens.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — E um deles é Whip. — Trudy lembrou. — Isso mesmo. A verdadeira razão pela qual você está aqui. — Um brilho divertido surgiu nos olhos de Gavin. Mas logo se voltou para Nina. — Confio em você, para impedir que esta criança faça uma besteira. — Não é Trudy que está pensando em fazer besteiras. Nina apertou as mãos enluvadas. Gavin pegou-as e, gentilmente, forçou-a a abri-las. — Você não tem motivos para se preocupar. Não vou fazer nada, só dar uma olhada nos registros do cronometrista. Shay.

Inclinando-se para a frente, beijou-a nos lábios e, depressa, subiu a bordo da

Trudy soluçava alto, enquanto o trem se afastava. Mas Nina não tinha tempo para lágrimas. — Se Gavin pensa que vou ficar aqui, enquanto ele se coloca em perigo, está muito enganado! O último vagão de carga passou. Atrás vinha o vagão destinado ao pessoal do trem, numa velocidade que ela não teria dificuldades em acompanhar. Rapidamente, agarrou a saia com uma das mãos e levantou-a acima dos tornozelos. Com a mão livre, agarrou e grade da escada de acesso ao vagão de pessoal e subiu a bordo. — Espere! Trudy saiu correndo e pulou atrás dela. Nina segurou-a pelos braços e ajudou-a a subir. No interior do vagão, o guarda-freio olhou-as com censura. — Dutch não vai gostar, quando encontrar vocês a bordo. Trudy pôs-se a limpar a poeira da saia. — O sr. McKenna vai explicar tudo. Ele é o dono deste trem e do acampamento madeireiro. — E também não vai ficar contente, quando nos encontrar a bordo — Nina arrematou. — Mas nós já estamos aqui. O trem estava começando a ganhar velocidade, e ela se deixou cair num banco. Trudy sentou-se também, os olhos brilhantes de ansiedade. — Whip vai gostar de me ver. Eu sei que vai. Ele me ama. Ele mesmo me disse. — Não duvido que ele ame você, Trudy. Só não se esqueça de que ele também ama os bosques. — A culpa de tudo é da família dele. — A garota endireitou o corpo, os olhos mais brilhantes ainda. — Ouça, chegamos ao primeiro pontilhão! — Ergueu-se de um salto, indo a uma das janelas. — Você sabia que Whip quase morreu afogado, junto com o irmão? O navio deles afundou, quando bateu num banco de areia.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Eu sei. Foi terrível para ele. — Nina fez uma pausa, depois continuou, cautelosa: — É isso que você precisa entender; Whip resiste, com todas as forças, a tudo que esteja ligado à navegação. — Os pais dele querem que ele volte para o mar. — Trudy cruzou o vagão para olhar do outro lado, depois voltou para junto da amiga. — Whip me contou que passou semanas vagando em bares de cais, depois que escapou do naufrágio. Teve sorte em não ser drogado e levado para trabalhar num desses navios que existem por aí, antes de Gavin encontrá-lo. Estava completamente bêbado, mas Gavin levou-o para casa, curou-o da bebedeira e depois foi até o Maine, tentar convencer os pais dele a não mandá-lo de volta para o mar. Mas eles não quiseram ouvir, e Whip acabou indo para as montanhas. Suspirando, a garota recostou-se numa das paredes do vagão, "Onde você estava, quatro anos atrás?", Nina lembrou-se de ter perguntado a Gavin. E quando ele lhe respondera que estava no Oriente, por motivos pessoais, replicara, com acidez, que esperava que a mulher atrás de quem ele fora tivesse valido a pena. De novo, Trudy pôs-se em movimento, indo para uma das janelas. — Estamos quase chegando. Estou tão nervosa, Nina! Gostaria que já estivéssemos no acampamento. — Inclinando-se para fora, ela gritou: — Lá está! Vamos cruzar o último pontilhão, o mais alto de todos. — Calou-se por um instante, depois prosseguiu: — O trem está perdendo velocidade. O que será que aconteceu? Nina estremeceu, ao notar que estavam mesmo perdendo velocidade. — O pontilhão está em ordem, Trudy? — Está. Dá para ver daqui. A garota inclinou-se mais, para ver melhor, depois virou-se para fitar o guardafreios. O homem meneou a cabeça. — Eu não fiz nenhum sinal para eles, dona. Aos trancos, os vagões pararam. Trudy deu outra olhada para fora e comprimiu o corpo de encontro à parede. — É Gavin! Ele vem vindo para cá. O guarda-freios riu. — Não fui eu que chamei. Mas até que vai ser divertido ver o que vai acontecer. Tomada por uma súbita esperança, Nina ergueu-se. — Ele deve ter mudado de idéia. Percebeu que é um erro ir até lá. Gavin podia ser decidido, mas não era tolo. Na certa voltariam todos a Portland, e as autoridades competentes seriam notificadas para cuidar do caso. — Mas nós estamos tão perto. — Os olhos de Trudy encheram-se de lágrimas. — Será que ele vai fazer o trem voltar até a estação?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin subiu a bordo, e Nina estremeceu diante de sua expressão. Estava furioso! Obviamente, não pretendia voltar a Portland. Era um cabeça dura, no fim das contas. — O que é que vocês duas são, afinal? Ladras de trem? Não foram convidadas a subir a bordo! Trudy abraçou-o, sem se intimidar. — Não fique zangado. Foi tudo minha idéia. Você precisa nos levar junto. Diga que leva, Gavin, querido! — Trudy, se há uma coisa de que eu nunca duvidei é que você está por trás desta loucura — ele afirmou, desvencilhando-se. — Mas a sra. Wallace é uma mulher adulta e deveria ter mais bom senso. — Como você! — Nina exclamou. — Deve estar louco para ir em frente sem a ajuda das autoridades competentes! O olhar dele mudou, tornando-se sombrio. — No que diz respeito a Robertson, eu sou a autoridade competente. — Olhou de uma para a outra. — Vocês duas vão descer aqui e ficar esperando a volta de Dutch. Podem passear pela floresta e colher algumas flores, enquanto isso. Ou podem começar a descer a montanha, ao longo dos trilhos. Por um instante, os três ficaram em silêncio. Depois, com um humor amargo, Gavin dirigiu-se a Nina: — Com o pavor que você tem de pontilhões, duvido que tente ir a pé até o acampamento. — Empurrou Trudy, que protestava, para o chão, e fez um gesto impaciente para Nina. — Preciso descarregar você, como se fosse um saco de farinha? Ela começou a andar, com toda a dignidade, mas logo parou. De que lhe valia o orgulho? Só Gavin tinha importância, agarrou-lhe o braço num gesto de desespero. — Por favor, não seja tolo! — Amor, seria ótimo se a sua confiança em mim fosse tão grande quanto a sua preocupação. Acredite, não pretendo me colocar nas mãos de Dandy, só estudar os registros do acampamento. Segurando-a pela cintura, ele a colocou no chão. Depois, inclinou-se para fora e fez sinal a Dutch para seguir em frente. A fumaça elevou-se, e as rodas de metal começaram a se movimentar. — Gavin! — Trudy gritou, acima do barulho. — Não nos deixe! Você não pode fazer isso! — Já fiz. — À medida que o trem ganhava velocidade, ele gritou, quase com animação: — A sorte de vocês é que o tempo está bom!

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Nina não se conteve. — Vá para o inferno, Gavin McKenna! Seu cabeça dura, seu... Interrompeu-se, notando o olhar fascinado de Trudy. Talvez tivesse passado muito tempo entre os lenhadores, mas se existiam momentos para se xingar aquele era um deles. Num silêncio cheio de infelicidade, as duas observaram o trem cruzar o pontilhão. — Colher flores! — Trudy murmurou, marchando pelos trilhos. — Eu não vou fazer nada disso! Eu vou é andar até o acampamento. O espírito de luta de Nina arrefeceu um pouco. — Vai cruzar o pontilhão a pé? — Por que não? A separação entre as traves é de uns quinze centímetros, no máximo. Não dá para uma pessoa cair e passar pelo meio delas, mesmo que queira. — Dá para cair pelo lado. Nina sentiu o estômago se contrair e engoliu em seco. Tinham chegado à beirada do canyon. De lá, as encostas inclinavam-se abruptamente. Embaixo, a água espumante do rio batia nas rochas, numa corrida atemorizante. — Bobagem. — Trudy pisou no pontilhão, tendo o cuidado de se manter bem no centro. — Não tem nada demais, Nina. Você só não pode olhar para baixo. Mantenha os olhos fixos nas traves, um pouco adiante dos seus pés. — E acrescentou, a título de encorajamento: — Só Deus sabe o que Robertson está pensando em fazer com Gavin. Nina arriscou-se na primeira trave. Sessenta metros abaixo, o rio espumava sobre pedras pontiagudas. Todo seu corpo enrijeceu, antes que fosse capaz de dar o primeiro passo. — Vamos, Nina! Você é capaz. O encorajamento levou Nina a ir em frente, com todo o cuidado, um passo hesitante atrás do outro. Então, olhou para baixo. Um arrepio percorreu-a da cabeça aos pés. Ficou gelada, tomada pela horrível sensação de que ia cair. Ajoelhou-se, devagarzinho, e agarrou-se às traves. — Vá indo, Trudy. Não se preocupe comigo. — Mas, Nina, não há problema algum! — A garota adiantou-se alguns metros, rapidamente, depois voltou. — Venha, tente de novo! Lá embaixo, o rio se agitava. Nina queria deitar-se sobre as traves e arrastarse de volta para a segurança da margem. Sua saia ia enroscar em algum coisa. Ela ia cair.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Debaixo de sua mão, o trilhos começaram a vibrar. Chocada, ergueu os olhos para Trudy. — O trem. Já está voltando. Atravesse. Depressa! Dutch não pode nos ver aqui. Trudy olhou em volta, ergueu-se na ponta dos pés, depois imobilizou-se na viga bem à frente de Nina. — Eu não vou, sem você. Cruze comigo ou ele vai passar por cima de nós duas. Arrancando a saia de sob os joelhos, Nina avançou alguns centímetros. Seu coração batia forte, mas o outro lado do canyon parecia estar mais perto. Tornara-se mais fácil continuar. Logo, o chão começou a aparecer, abaixo das traves. O rio ficara para trás. Erguendo-se num ímpeto, ela cruzou as últimas traves, em direção à segurança. Trudy soltou um grito de triunfo, abraçou-a com força e correu para uma litorina, parada alguns metros adiante. Apoiado às alavancas, estava Whip. Puxando Trudy para si, ele sorriu feliz. agora.

— Ora, viva, Nina! Só falta você querer meus ferros para escalar uma árvore, Nina deixou-se cair na litorina, fraca de alívio. — Trudy, há quanto tempo você sabia que ele estava aqui? A garota riu, feliz.

— Eu o vi, do pontilhão. E sabia que não ia passar por cima de nós. — Erguendo a cabeça, fitou-o. — Você não vai nos mandar de volta, depois de um ato de heroísmo desses, vai? Enquanto eles se beijavam, Nina perguntou: — O que Gavin disse a você? rio.

— Que eu ia encontrar vocês do outro lado do pontilhão e devia levá-las até o — Ele não contou que Robertson tentou matá-lo?

— Como?! O que foi que aconteceu? Ele não me disse nada. Não havia tempo para longas explicações. — Temos de ir para o acampamento. Você nos leva até lá, Whip? Ele não pode enfrentar Robertson sozinho. O rapaz agarrou uma das alavancas e Trudy, a outra. Juntos, os dois puseram a litorina em movimento.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica

CAPÍTULO XXV A litorina voava ao longo dos trilhos, mas sua velocidade não vencia a ansiedade de Nina. Afinal, surgiram as primeiras construções do acampamento. A enorme estrutura do restaurante dominava a área central, além da qual erguiam-se construções menores: o ferreiro, o afiador, a loja da companhia. Ainda se lembrava da primeira vez que vira o acampamento. O lugar, agora tão familiar, lhe parecera cheio de mistério. A litorina rolou até parar onde os trilhos se dividiam, uma linha atravessando o centro do acampamento, a outra seguindo marginalmente até a última plataforma de embarque de troncos. — Está tudo quieto — Whip comentou. — Gavin deve estar verificando os registros. Vocês duas fiquem no restaurante, que vou ver onde anda Robertson. Já é tempo de botarmos tudo em pratos limpos. Nina desceu da litorina, deliciando-se com o cheiro pungente de serragem. Tinha tanta vontade de esperar, agora, quanto tivera ao ficar do outro lado do pontilhão. — Já que estamos aqui, vamos ver se Apollonia tem uma xícara de café para nós — Trudy sugeriu. — Vá indo. Ela e Buck vão querer notícias de Perry. Eu prefiro procurar Gavin. Segurando a saia acima dos tornozelos, Nina se pôs a caminhar pela calçada que ladeava as construções. Lá do alto, da encosta coberta de árvores, vinham os sons da derrubada: o barulho ritmado, dos machados, o raspar e o gemer das serras. Sons musicais, depois dos sons da cidade. Lá estava seu vagão parecendo intocado desde que o deixara. Saíra do acampamento às pressas, sem tempo para limpá-lo, e a imagem que tinha, das câmeras quebradas e placas fotográficas estilhaçadas, era entristecedora. Uma onda de nostalgia assolou-a. Fora feliz ali. Quando chegou ao fim do prédio da cozinha, um movimento no meio da encosta da montanha chamou sua atenção. Parou e, instintivamente, encostou o corpo à parede. Viu Robertson atrás de um enorme tronco usando um colete amarelo vivo. O que estaria fazendo, lá em cima? Estreitando os olhos, tentou identificar o objeto de metal reluzente que o homem trazia nas mãos. Um rifle, conjecturou, verificando, então, tratar-se de uma alavanca que, freneticamente, Robertson acionava, levantando-se e abaixando-se tão depressa, a ponto do colete dar a impressão de flutuar. Aos poucos, compreendeu a situação.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Homens trabalhando a sós ou aos pares às vezes derrubavam árvores, acima dos rios, e usavam alavancas para fazer com que descessem a encosta. Uma vez deslocados, os troncos não paravam mais, esmagando tudo em seu caminho,,até chegar à água. Nesse exato instante, um tronco enorme moveu-se um pouco, esmagando a vegetação logo à frente. Nina imaginou o caminho que ele percorreria. Um pouco abaixo, localizava-se a cabana solitária, que abrigava os arquivos e onde o cronometrista fazia o pagamento dos homens. O tronco estremeceu novamente, e uma onda de raiva assolou-a. Desesperada, olhou ao redor. Não havia ninguém à vista. Tinha de correr, avisar Gavin. Se gritasse ele não ouviria, em meio ao barulho dos homens trabalhando. Se pelo menos pudesse chamar um deles... Uma idéia tomou forma em sua mente, quando começava a correr. Estacando abruptamente, voltou para a varanda da cozinha e agarrou a barra de metal usada por Buck para bater nos trilhos para o chamado das refeições. Logo o som estridente ressoou pelo ar. Sentindo a vibração espalhar-se por todo o corpo e uma dor aguda atingir os ouvidos, Nina prosseguiu batendo, batendo... Antes que o primeiro som encontrasse seu eco, os homens ' que estavam no acampamento surgiram de todas as portas. Buck apareceu a toda velocidade na frente do restaurante, indignado, e parou, atônito. Na encosta da montanha, Gavin saiu da cabana do cronometrista. O coração de Nina encheu-se de medo e aflição. Os ouvidos latejando, ela deixou cair a barra. Seus braços tremiam e foi com dificuldade que os levantou, apontando para a montanha no exato instante em que o tronco deslocava-se, terra e galhos voando para todos os lados, enquanto suas vinte toneladas ganhavam velocidade. Gavin pulou para o lado. Vendo que Nina estava prestes a cair, Buck amparou-a. Todos os olhares se fixaram na enorme massa de madeira. Árvores menores cediam sob seu peso, enquanto torrões de terra erguiam-se no ar. Trovejando como uma tempestade, o tronco passou pela cabana. Se todas as árvores da encosta tivessem caído ao mesmo tempo, não teriam feito um barulho tão grande. Tábuas arrebentaram-se, e o fogão de ferro explodiu em meio de uma chuva de brasas alaranjadas, as chamas subindo em direção ao céu. Uma nuvem de poeira se formou, obscurecendo a visão que Nina tinha de Gavin. Ela lutou para se desvencilhar de Buck, ansiosa para juntar-se a Gavin. O cozinheiro, contudo, manteve-a presa nos braços. No interior do restaurante, Trudy gritava, em pânico. Antes que o pó assentasse, alguns homens corriam no encalço de Robertson, que desapareceu, enquanto outros rumavam para a cabana despedaçada. Gritos juntavamse ao barulho do tronco em sua descida final. Foi parar na linha da estrada de ferro,

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica balançando entre um trilho e outro, até se deter por completo. . Libertando-se com um safanão, Nina correu para o amontoado de pó e pedaços de madeira, a que se reduzira a cabana. Gavin jogou algumas tábuas para o lado e ergueu-se. — Deus do céu! — ele disse, limpando a poeira da calça. — Meu chapéu ficou lá dentro. Nina quase o derrubou novamente, ao se jogar em seus braços. A emoção forte roubou as palavras e trouxe lágrimas aos olhos de ambos. No beijo que trocaram expressaram todo seu alívio, todo seu amor. Os lenhadores começaram a chegar, fitando abismados as chamas alaranjadas que se erguiam em vários pontos. Passado o primeiro choque, correram atrás de pás e baldes de água. Na cozinha, Apollonia gritou para os ajudantes: — Vamos precisar de muito café fresco, muito café! Buck, junto ao cano de água, enchia um balde atrás do outro. O chão estava coberto por serragem, agulhas secas e casca de pinheiro, e o fogo podia se alastrar perigosamente. Um lampião a querosene explodiu dentro da cabana. Enquanto os homens jogavam tábuas para o lado, Gavin gritou: — Salvem todos os papéis que puderem! Deixando Nina, juntou-se à equipe, tomando o comando da situação. Se algum dos trabalhadores ainda não fora informado sobre sua identidade, ficaria sabendo naquele instante ao observar a autoridade com que as ordens eram dadas. Buck levou um homem para a varanda do restaurante. O infeliz tinha um ombro atravessado por um graveto e a camisa escura de sangue. — Sente-se, Joe. Temos de tirar isso daí. Muito pálido, Joe resmungou: — Para quê? Está com falta de palitos de dente? A coragem do lenhador diante do sofrimento fez Nina envergonhar-se de seu egoísmo. Até então, apenas Gavin ocupara suas preocupações. Precisava ajudar, trabalhar como os outros. — Pode deixar que aqui eu dou conta — Buck apressou-se a dizer quando ela se ofereceu a ajudá-lo no tratamento dos feridos. — Venha, Trudy — decidiu. — Vamos ajudar a salvar os arquivos. A garota acompanhou-a sem protestos, mas suas mãos tremiam, quando começou a retirar as páginas chamuscadas sob uma trava de madeira. O cheiro desagradável tinha o peso da destruição.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Havia arquivos espalhados por uma área bem grande, a maioria chamuscada ou quase inteiramente queimada. Gavin empurrou para o lado um pedaço de madeira, mas quando pegou o livro que estava embaixo, as páginas se desfizeram. Mesmo assim, entregou-o a Nina, que começava a organizar uma pequena pilha de documentos resgatados. De tempos em tempos, um dos homens ia até a cozinha, em busca de café ou tratamento para cortes e queimaduras. Whip reapareceu com o grupo que tinha saído em perseguição a Robertson. — Está faltando uma litorina. Duvido que vejamos o cafajeste de novo. O rosto fechado, Gavin suspirou. Os homens fecharam um círculo à sua volta, especulando sobre o destino tomado pelo chefe do acampamento. Um pouco adiante, Whip e Trudy discutiam, em voz baixa. — Você não pode querer que eu viva num vagão! O protesto de Trudy chegou aos ouvidos de Nina, que se assustou. A garota não devia amar Whip de verdade, ponderou. Anunciando que ia ajudar Apollonia a preparar sanduíches para os homens, Trudy marchou para a cozinha. O olhar infeliz de Whip encontrou-se com o de Nina. — Meu amorzinho ainda tem de crescer um pouco — disse ele. E com um sorriso contrafeito, acrescentou: — Ela acha o mesmo de mim. Temos de nos dar mais tempo. Baixinho, Nina perguntou: — Ela queria que você se reconciliasse com sua família? Whip ficou em silêncio por alguns instantes, depois murmurou: — Já que todas as pessoas que me são queridas acham que devo me reconciliar com meus pais, é melhor eu ir procurá-los. Quem sabe? Eles podem até ter mudado, nestes quatro anos. — Muito bem! — Gavin pousou a mão no ombro de Whip, dizendo mais com esse gesto do que com palavras. — E se descobrir que o mar não é mesmo do seu agrado, lembre-se de que estou precisando de um homem de confiança para tomar o lugar de Dandy. O rapaz assentiu, os olhos espelhando felicidade. Quando se afastou, Nina abraçou Gavin, mal contendo a emoção. — Amo você! Oh, Deus, pensei que fosse perdê-lo! Suja de carvão e fuligem, surpreendeu-se ao receber um olhar cheio de admiração. — Eu pensei que a tinha deixado longe do perigo.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Nós cruzamos o pontilhão a pé. Whip nos trouxe para cá, quando ficou sabendo de Robertson. - Nina engoliu em seco, lembrando-se do horror que vivera. — Eu o vi na encosta da montanha. Não tinha ninguém para me ajudar. Percebi que ele queria... ele queria... — Me matar? Ele ficou furioso, quando me viu de volta ao acampamento. Ainda assim, não pensei que fosse fazer o que fez. Incapaz de apagar da mente a visão do tronco despedaçando a cabana, Nina agarrou-se mais a ele. Torcia para que Robertson tivesse ido embora para sempre. Ao mesmo tempo, queria-o atrás das grades. — Com toda aquela poeira, eu não podia ver direito. Nunca fiquei tão apavorada. Gavin beijou-a na testa. — Que sorte a minha, hein? Consegui conquistar o seu amor, apesar de todos os defeitos que me atribui. — Você não tem nenhum defeito. Ele riu, surpreso. — Você deve ter levado um susto maior do que pensei. Quer que eu lhe arranje um copo de água com açúcar? — Não brinque! Não há nada de engraçado, nisso. Você quase morreu! — E você salvou a minha vida, amor. Estou aqui. Estou aqui, preocupado com a perda de alguns arquivos, quando mal se agüenta em pé. Tomando-a nos braços, encaminhou-se para o vagão onde ela vivera, durante quase um mês. — O vagão ainda não foi arrumado, mas a destruição ficou quase toda de um lado só. Pelo menos, vai poder descansar. A porta rangeu ao ser empurrada, e o som desagradável de pisar sobre estilhaços acompanhou-os. Naquele momento, nada além da vida tinha importância. Gavin colocou-a sobre a cama. Os galhos secos de pinheiro receberam o peso dela. E o dele. Uma luz fraca entrava por entre as tábuas do vagão, e o barulho dos homens, trabalhando na cabana destruída, parecia vir de muito longe. — Seu rosto está sujo de carvão — Nina murmurou, molhando o dedo na boca para retirar a mancha. Rindo, Gavin beijou-a no pescoço. — Vai ser preciso mais que isso, para limpar o meu rosto. Enquanto descansa vou ver se arrumo um pouco de água quente. — Ainda não.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Gavin envolveu-lhe o rosto com as mãos e beijou-a. Foi uma carícia tão cheia de ternura que a emocionou. Emoção que aumentou, quando o ouviu murmurar com evidente falta de-controle: — É melhor pararmos por aqui, amor. — Por quê? Eu quero que você faça amor comigo. Preciso. Ele sorriu e fechou os olhos por um instante. Era um sonho ouvir aquilo, era tudo o que havia desejado: saber-se importante para ela. — Faz só um mês que a vi com os cabelos brilhando ao sol, debaixo de um chapeuzinho minúsculo? Seus lábios me falaram do inferno, mas seus olhos me prometeram o paraíso. Acho que foi naquele momento que me apaixonei por você. A mulher que lutara contra a amargura durante quatro anos, cada vez mais difíceis, deixou de existir. Em seu lugar ficou outra mulher, cheia de vitalidade, ansiosa por sensações, vibrante em seus desejos e completamente satisfeita em seu amor. Por um breve momento, cheio de nostalgia, ela se encheu de tristeza por Johnny. Mas logo o rosto risonho, de garoto, sumiu de sua mente. O doce sentimento que existira entre eles sempre teria um lugar especial em seu coração. Com Gavin, a vida assumia outros contornos. Com Gavin experimentava a magia da união completa. Gavin apoiou-se no cotovelo para fitá-la. Como uma mulher tão delicada podia ter tanta força? Será que sempre iria surpreender-se com aquela criaturinha... indomável? — Ouvi, mesmo, você dizer que cruzou o pontilhão a pé? — Perguntou. — Hum-Hum. — Nina aconchegou-se melhor a ele. — O que foi só um pouquinho mais apavorante do que arriscar a minha vida, no carro de Lionel. — Tudo isso para pôr um pouco de juízo na cabeça de um irlandês teimoso? — Tudo porque eu te amo. Depois de mais um beijo, Gavin abraçou-a com força. — Amor, seu pai me despreza. Ele não vai gostar nem um pouco disso. — Eu gosto. Com relutância, ele se ergueu. — Preciso ver se há notícias de Robertson. Fique aqui, amor, que eu volto logo. Temos de conversar. — Eu não sou boa nesse negócio de ficar para trás.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Dá para se notar, amor — Gavin comentou enquanto se vestia, vendo-a fazer o mesmo. De combinação, Nina segurou-o por trás e arrastou-o até a cama. Ele se virava para abraçá-la quando, de repente, a . porta abriu-se, com violência, e Robertson entrou. Armado.

CAPÍTULO XXVI Nina puxou o cobertor até o queixo, enquanto Gavin se levantava de um salto. — Mas o quê... — Seus homens são mais burros que você, McKenna. O olhar de Robertson deslizou maliciosamente por Nina, voltando-se depois para Gavin. — Nenhum deles teve a idéia de que eu podia voltar para cá. O revólver parecia totalmente estranho, naquele local. Nunca, em toda sua vida, Nina se imaginara com uma dessas armas apontada em sua direção. Seu olhar aterrorizado foi do objeto metálico até o rosto do chefe do acampamento. Crueldade e volúpia se mesclavam em sua expressão. Indignada, perguntou-se como aquele sujeito se atrevia a entrar no seu vagão! E por que estava ela ali, encolhida e cheia de medo? Num gesto súbito, jogou o cobertor para o lado e levantou-se. A barra de sua combinação roçou seus tornozelos, lembrando-a de que estava quase nua, o que tornou sua voz ainda mais dura. — O senhor não tem o direito de estar aqui! Nina sentiu o olhar incrédulo de Gavin, mas manteve seus olhos frios fixos no chefe do acampamento. Ele ficou tão surpreso quanto Gavin, mas logo um sorriso curvou seus lábios. A falsa doçura do tom que usou, logo em seguida, a fez sentir-se mal. — E você, parecendo tão bonita quanto uma rosa orvalhada! Não sei se sabe, benzinho, mas este revólver é tão bom quanto o convite mais gentil. — E acrescentou, num tom mais agudo, para McKenna: — Não se mexa, McKenna! Gavin interrompeu o movimento para a frente, e passou um dos braços pela cintura de Nina. — Você perdeu o juízo, Robertson? O que acha que vai ganhar com isso?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Aquele tronco acabou com o problema dos arquivos. A não ser pelos que você tem na cabeça, McKenna. E estes não vão durar mais que você. Robertson mudou o peso de um pé para o outro, as botas ferradas arranhando o chão. Seus.olhos pousaram novamente em Nina, desnudando-a. Naquele instante, Nina lamentou o gesto impulsivo de Gavin. A necessidade que ele sentia de protegê-la colocava-o numa posição extremamente perigosa. Pensando nisso, tocou-lhe o peito com uma das mãos, pedindo, silenciosamente, para que fosse cuidadoso. — Há uns sessenta homens a sua procura, Robertson — Gavin avisou. — E estão todos procurando nos lugares errados. — Com a cabeça, ele fez um gesto impaciente em direção à porta. — Andando! Nós vamos descer a montanha. Nina respirou fundo, criando coragem. — Assim, sem sapatos? Mas o chão está cheio de agulhas de pinheiro e gravetos! . Ao mesmo tempo, Gavin exclamou: — Você não precisa dela! O riso áspero de Robertson foi um insulto. — Não preciso, hein? — Ele firmou o revólver. — Ponham os sapatos, vocês dois. E nada de gracinhas, viu? Se Robertson desviasse o olhar durante um segundo, Gavin poderia.atacá-lo. Mas o sujeito manteve uma boa distância, enquanto ele calçava as botas. Os sapatos de Nina estavam perto do fogão. Sorrateiramente, ela estendeu a mão para uma acha de lenha. — Nem pense nisso — Robertson avisou. Ela puxou a mão de imediato, os pensamentos formando-se freneticamente. Enquanto calçava os sapatos, deu um jeito de esconder um fósforo em um deles. — Não posso sair daqui só de combinação — murmurou em seguida. Morta de medo de ser atingida por uma bala a qualquer momento, caminhou para a parede onde havia dependurado o casaco, acima das caixas de pó do flash. A atenção mais em McKenna, Robertson tornou a prevenir: — Cuidado, McKenna! Nina virou-se. Gavin tinha pego a camisa e a segurava esticada entre as mãos, como se estivesse pronto para torcê-la em volta do pescoço de Robertson. Seus olhos diziam claramente suas intenções, se tivesse a menor chance. O ar vibrava entre eles.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Vendo que não era observada, Nina aproveitou para esconder uma caixa de pó de flash no bolso fundo do casaco. — Deixe Nina para trás — Gavin pediu. — Ela não significa nada para você, — Ela é mais, para mim, do que você pensa, McKenna. Você não ficou com ela o tempo inteiro. Nina percebeu que, se não estivesse presente, Gavin teria atacado Robertson. E teria levado um tiro. Em vez disso, rígido de fúria, vestiu a camisa. Ela deveria ter lhe contado sobre a tentativa de estupro. Cheia de amargura, lembrou-se de que silenciara para evitar problemas entre ambos,-Mas a expressão de Gavin lhe dizia sobre o amor e confiança que lhe dedicava. Nenhuma acusação de Robertson mudaria seus sentimentos. Gavin desceu para os trilhos e virou-se para ajudá-la. — Ela não é uma florzinha frágil — Robertson quase gritou. — Eu sei. Por isso, vá andando. O sujeito devia ter sentido que Gavin pretendia jogá-la de lado,.assim que descesse do vagão, Nina pensou. Seu estômago estava contraído de pura frustração. Um rápido olhar para a calçada acabou com sua esperança de que pudessem ser vistos. Ela e Gavin haviam ficado no vagão por mais tempo do que pensara. Estava tudo vazio. Até a Shay fora levada para mais longe. Na cozinha, Apollonia gritava ordens para os ajudantes. Mas mesmo que algum deles pensasse em olhar para fora, nenhuma janela se abria para o lado em que estavam. Num tempo curtíssimo, os três seguiam uma trilha difícil, descendo o canyon, pisando sobre a vegetação rasteira e abrindo caminho em meio a tocos enormes. Quando o acampamento sumiu de vista, Nina sentiu a coragem diminuir. A trilha não era mais que a rota de veados mateiros, encoberta, muitas vezes, pelo mato. Logo depois, seu casaco prendeu-se a um galho cheio de espinhos, obrigando-a a parar abruptamente. Robertson empurrou-a para a frente, com força. Ela nem sentiu a pressão dos botões do casaco na garganta, tal o medo que teve de que o pó de flash fosse descoberto. Junto à seu tornozelo, o palito de fósforo dava a impressão de ser enorme. Gavin avançou para eles. — Mas que droga, deixe Nina em paz! Robertson levantou o revólver e ele parou, apertando os punhos. — Isso mesmo, patrão. Vá devagar. Enquanto Robertson acariciava o gatilho, Nina soltou o casaco dos espinhos. No ar parado, podia ouvir a respiração entrecortada de Gavin. — Seja sensato, Robertson. Nada disso vai ajudá-lo. O que você quer?

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Só um naco da boa vida. Nina recomeçou a andar, e Robertson seguiu-a, falando. — Consegui fazer um bom pé de meia, usando o equipamento por mais tempo. Pretendo aproveitar essas economias. Imagens do pai e do marido tomaram conta dos pensamentos de Nina. Lembrouse também de Perry, lutando para mostrar coragem, apesar da dor que sentia. Furiosa, girou nos calcanhares. — A vida dos homens não significa nada para você! Os olhos de Robertson tinham uma expressão tão mortal quanto as balas escondidas no tambor do revólver. — Você achou que eu não valia nada, não é, moça? Pensou que eu era um lenhador burro e sem dinheiro. Dulcy também pensava assim. Era uma tola. — Dulcy?! — Nina estava confusa. Gostaria de se agarrar a Gavin, mas sabia que tinha de ser forte. Jogando os cabelos para trás, disse com frieza: — Era a sua esposa? Ouvi dizer que você foi casado. Ela o abandonou, não é? Quatro anos atrás. Um pouco antes de Johnny morrer. — Minha mulher tinha cabelos como os seus. Não tão brilhantes, mas quase tão vermelhos. Gavin aproximou-se dela, apertando o braço em volta de sua cintura. O ódio parecia queimar, no rosto do outro homem. Mas havia outra coisa, também: uma mágoa intensa que o destruíra, corroendo os sentimentos que um dia tivera. Pedir por suas vidas não levaria a nada, Nina pensou. Teriam de achar um jeito de pegá-lo de surpresa. Se conseguisse acender o pó de flash... Mas ele o observava sem trégua. Robertson fez sinal para que continuassem. Quando Nina se afastava de Gavin, enroscou o casaco novamente. Robertson soltou-o com um pontapé, rasgando o tecido. Aproveitando a oportunidade, Nina puxou o casaco para cima e enfiou a mão no bolso, abrindo a caixa do pó. Seu coração batia alucinado, quando ouviu Gavin dizer: — Deixe Nina em paz! É a mim que você quer. — E separar dois pombinhos? Não tenho um coração tão duro! — O sujeito fez uma pausa, depois acrescentou, numa voz estranhamente vazia de emoção: — Pessoas que se amam devem ficar juntas. Dulcy... Ela vai voltar para mim, quando me vir com um carro motorizado. Vai voltar correndo, mas vai ter de rastejar, antes que eu deixe que fique. O medo de Nina cresceu. Ele era mais perigoso quando falava de Dulcy do que quando brandia o revólver. Num esforço desesperado para mudar de assunto, perguntou;

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — O que aconteceu com os troncos da exposição? Robertson sorriu. — Seu namorado não é muito esperto, benzinho. Ele procurou os ladrões por todo o país, quando os amigos ricaços dele é que são os culpados. Witt e o resto. É para eles que você deve fazer essa pergunta. Gavin lançou-se em direção a um galho solto, mas Robertson foi mais rápido. Empurrou o cano do revólver no queixo de Nina com tanta força, que ela quase caiu para trás. Agarrando-a, ele gritou: — Não me faça matá-la, McKenna. Ainda não é hora. Por um segundo que pareceu interminável, os dois homens se encararam. Gavin jogou o galho para o lado. Vendo que sua única esperança estava em manter Robertson falando, Nina disse: — Homens como Elmo Witt não se dão com lenhadores. Como foi que conseguiu se entender com ele? A pressão em seu queixo diminuiu. — Foram as cartas nos jornais que me deram a idéia. Ela não conseguia se concentrar no que ele dizia. O choque de ter o revólver em sua garganta a deixara atordoada. Agora, porém, todos os seus sentidos estavam aguçados. O orgulho na voz de Robertson chamou sua atenção. — Witt e os amigos dele não gostaram da idéia de uma cabana de troncos no meio da sua feira grã-fina. Sendo um homem de boa natureza, eu me ofereci para ajudá-lo. Eles me deram um bom dinheiro para impedir a chegada dos troncos ou fazer com que eles estivessem muito estragados para serem usados. — Você roubou os troncos pensando no lucro que ia ter. — Gavin rebateu. — Eu não podia deixar uma madeira tão boa se estragar. — Ele riu, um riso completamente sem alegria. — E não foi só Witt nessa história. Você devia ter vigiado melhor o seu sócio, McKenna. O tom de voz de Gavin deixaria qualquer um amedrontado. — Matar alguém é fácil, para você. Aposto que providenciou o acidente que matou Ellery Thompson. — Ele disse que estava com dor de consciência. Um frouxo, porque não tinha perdido nada de que precisasse. Achou que muita gente estava saindo ferida. — Os olhos de Robertson assumiram uma expressão perigosa. — Amizade não vale mais nada, neste mundo. É cada um por si, e só existe um jeito de saber que ninguém vai dizer nada. A emoção no rosto de Gavin apavorou Nina. Ele encontraria a morte, e por um homem que já estava morto. — Por favor — sussurrou.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica Os dois a fitaram, Gavin como se tivesse se esquecido da presença dela ali. A vontade louca de vingar a morte do amigo passou, mas o que pensava estava claro em seu rosto: se Robertson o matasse, não sobraria ninguém para proteger Nina. Por entre as árvores à frente deles, Nina avistou o pontilhão e gelou. O rio não estava a mais que alguns metros de distância. O olhar de Robertson acompanhou o de Nina. Cheio de satisfação, ele apontou para diante. — O pessoal vai ficar muito triste quando souber que vocês dois pularam do penhasco. Alguém é até capaz de fazer uma música a respeito. — Você está louco — Nina murmurou. Gavin tomou-lhe a mão. — Está muito enganado, se acha que vai convencer alguém de que pulamos espontaneamente. — Um par de românticos como vocês? Claro que vão acreditar. — Bruscamente, Robertson virou-se para Nina. — Pode ser que eles achem que vocês começaram a lutar e acabaram caindo... Todo mundo ouviu você dizer que McKenna matou o seu marido. Furiosa, ela o enfrentou. — Não! A culpa foi sua. Você mandou um homem inexperiente para um trabalho perigoso. Você roubou o dinheiro destinado ao novo equipamento. Você forçou os homens a trabalharem com material gasto. — Afastando-se de Gavin, ela avançou alguns passos. — Você matou o meu marido. Robertson firmou o revólver. — Você devia estar se preocupando é com a sua pele! Durante toda a descida do canyon, os olhos dele só haviam expressado ódio. Agora, mostravam um brilho ainda mais apavorante. Nina apertou o casaco de encontro ao peito. Robertson parecia enxergar através do tecido, não a caixa de pó, mas o seu corpo. Como a confirmar essa impressão, ele passou a língua pelos lábios secos. — Nem preciso de Dulcy, com uma frutinha saborosa como você por perto. Gavin avançou. — Você vai apodrecer no inferno, antes disso! — Continue assim e eu vou fazer amor com ela morta. Deus sabe que não sou exigente. O rugido de Gavin foi tão apavorante quanto a expressão nos olhos de Robertson. Nina sabia que ele morreria antes de deixar que o outro homem a tocasse, e não podia permitir que isso acontecesse. Se ela ou Gavin tinham de morrer, a perda menor seria a de sua vida.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica A ameaça representada pelo corpo de Robertson, pressionado ao seu, fez-lhe tanto mal que teve medo de vomitar. O pó de flash desceu por sua coxa, mas ela forçou-se a pensar com frieza. Fossem quais fossem as conseqüências, para si mesma, tinha de acender o pó. O clarão distrairia Robertson e Gavin teria sua chance. Mais adiante na trilha, havia uma raiz colocada de forma a fazer tropeçar uma pessoa desavisada. Deliberadamente, tropeçou, caindo de joelhos sobre uma rocha. Mais uma vez, seu casaco ficou preso nos espinhos. — Livre-se dessa droga — Robertson gritou. E apontando a arma para Gavin: — Calma! Logo, logo, vocês vão estar juntos. Tremendo, Nina puxou o casaco. Escondida pelas dobras do tecido, tirou o fósforo do sapato. Com um rápido olhar, viu que Gavin se adiantava em direção a Robertson, tomado pelo desespero. — Você vai ter de me matar, antes de encostar a mão nela! Era a chance que Nina esperava. Com os nós dos dedos brancos, a respiração suspensa, riscou o fósforo na rocha. Uma chama apareceu, tornou-se mais forte. Tremendo da cabeça aos pés, ela introduziu o fósforo no bolso. Robertson riu. Um som que irritou ainda mais seus nervos à flor da pele. O fósforo escorregou de seu dedos, e o composto de magnésio explodiu, jogando-a para trás. Um tiro soou. Acima de sua cabeça, a casca de uma árvore foi arrancada. Folhas, gravetos e pedaços de tecido choveram, enquanto ela lutava para clarear os sentidos. Os dois homens estavam brigando pela posse do revólver, rolando pelo chão e sobre os espinheiros. Os ouvidos latejando, Nina procurou se levantar. Os homens tinham de ter escutado. O eco nas montanhas era forte e estavam a uma boa distância do acampamento, mas eles tinham de ter ouvido. Pequeninas chamas surgiram entre as folhas secas, como se a chama do fósforo tivesse se multiplicado inúmeras vezes. Nina começou a jogar terra sobre elas, mas não conseguia tirar os olhos dos homens que lutavam. Seu coração batia forte, estava a ponto de desmaiar. Os braços de Gavin eram mais longos, mas Robertson tinha a agilidade de um coiote. Quase gritou de alívio, quando Gavin fechou a mão sobre o revólver. Aí, Robertson girou o corpo e mandou o pé, com a bota ferrada, para a frente. O revólver voou longe, enquanto a mão de Gavin se cobria de sangue. Pondo-se de joelhos, ele levou o punho ao queixo de Robertson. Nina ouviu o barulho de osso contra osso e sentiu-se mal. Robertson limitou-se a balançar a cabeça, o rosto manchado pelo sangue, e continuou a lutar. Foi quando ela saiu correndo atrás do revólver. Era mais pesado do que esperava, mas, reunindo toda sua coragem, ergueu-o com as duas mãos.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica — Parem! Nenhum dos dois lhe deu atenção. Robertson dirigiu um chute à cabeça de Gavin, que desviou o corpo e retribuiu com um murro certeiro no queixo do outro. Robertson recuou, aos tropeções, e agarrou-se a Gavin. Os dois foram ao chão, esmurrando-se com selvageria. Nina mirou um ponto acima deles, prendeu a respiração e puxou o gatilho. O coice da explosão jogou-a para trás, fazendo com que soltasse a arma. Assustados, os dois homens pararam. Gavin recuperou-se primeiro. Agarrando o outro pelo colarinho, socou-o com toda a força. Nina procurou a arma. Descobriu-a em meio a um espinheiro, ao lado de um tronco caído. Mas quando ia pegá-la, deteve-se, horrorizada, uma nuvem de fumaça erguia-se atrás de uma árvore derrubada pelo vento, subindo em direção ao céu. .— Não! Por que não olhara com mais cuidado? As chamas deviam ter continuado por baixo da camada de folhas e agulhas de pinheiro e reaparecido mais adiante. Enquanto olhava, o fogo consumiu um galho caído e foi passando de um lado para o outro, com uma velocidade incrível, até disparar para cima. Um espiral grossa de fumaça flutuou na direção deles. A garganta apertada Nina recuou. — Gavin! Fogo! Como que para zombar dela, as chamas deram a volta a um arbusto, depois subiram como um raio cor de laranja. Levantadas pelo vento, pequeninas brasas começaram a se espalhar pela floresta. Os olhos de Nina, muito vermelhos, ardiam. Tossindo, aos tropeções, ela recuou ainda mais. Muitos focos novos de incêndio haviam surgido e, a cada momento, tornavam-se mais fortes. Desesperada, Nina voltou-se para Gavin, o coração enchendo-se de esperança ao vê-lo jogar Robertson de encontro a uma árvore. O criminoso escorregou para o chão, um filete de sangue saindo-lhe da boca. Gavin inalou profundamente, tentando recuperar o fôlego. — Atire de novo — disse, com dificuldade. — Três vezes. É o sinal para os homens. Atirar de novo? Seu braço ainda doía do tiro anterior. O revólver estava ao lado do tronco. Pegou-o, assustando-se ao perceber que não lhe parecia mais estranho. Enrijecendo o corpo, firmou-o com ambas as mãos e apontou para o céu. Puxou o gatilho. Seus braços quase foram arrancados, com o coice da arma. Mas agüentou firme e atirou de novo. E de novo.

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Shirley Parenteau – Imagens do Paraíso – Clássicos da Lit. Romântica As explosões reverberaram pelas montanhas. Logo depois, um novo som sobrepujou o estalido das chamas. Nina reconheceu o apito do burro mecânico, dando um sinal que nunca ouvira antes. Homens começaram a surgir entre as árvores. Com pás, serras, machados. Soltando palavrões, puseram-se a lutar contra as chamas. Com um rápido olhar para Robertson, que alguns lenhadores arrastavam para o acampamento, jogou-se nos braços de Gavin. — O fogo pegou tão depressa. E o modo como se espalhou! Gavin tirou a camisa e cobriu-a. — É só um foguinho. Os homens logo vão estar no controle de tudo. Ela aconchegou a camisa ao corpo. — Fui eu que causei o incêndio. — É mesmo? Uma boa troca, pelas nossas vidas. — Com os olhos brilhando, Gavin levantou o rosto dela e fitou-a. — Vai ser uma grande história para contar aos nossos filhos. O cheiro acre da fumaça não teve nada a ver com a súbita contração da garganta de Nina. Possessivamente, Gavin apertou-a nos braços, —- É claro que vou me casar com você... para que não cause danos a mais ninguém, a não ser ao meu coração. Não havia nada que ela desejasse mais do que passar o resto da vida com ele. Em San Francisco ou num acampamento madeireiro. Os arbustos enegrecidos e os lenhadores suados sumiram de seu campo de visão. Nada mais importava a não ser o amor que via no rosto de Gavin. Depois de um beijo que provocou a admiração dos homens, Gavin disse baixinho: — Há uma coisa, amor. Você tem de prometer continuar com as minhas lições de fotografia. Se for ter uma mulher com paixões divididas quero entender meu rival. Nina tinha esperança de que ele não se aborrecesse muito, quando soubesse que pretendia visitar outros acampamentos e documentar práticas que podiam custar a vida de muitos homens, A fotografia seria uma arma vital, uma arma que poderiam partilhar. Havia tempo suficiente, mais tarde, para discutirem esse assunto. Por enquanto, nos braços de Gavin, preferia sussurrar, com ardor: — Meu bem, nos próximos anos as lições serão sobre prazeres muito íntimos para serem fotografados.

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FIM

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Shirley Parenteau - IMAGENS DO PARAISO

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