Bob Hutchinson - Procura-se um solteiro (Mirella 01)

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PROCURA-SE UM SOLTEIRO Straight to the Heart

Bobby Hutchinson

Ela estava à procura de um solteiro... e ele queria fugir de todas as mulheres! Eric Stewart não conseguia acreditar que suas irmãs houvessem colocado o nome dele na lista dos homens disponíveis na agência matrimonial mais conhecida da cidade. Agora, a única maneira de esse solteirão se vingar delas seria fazer com que fosse rejeitado por todas as garotas que a agência apresentasse a ele. No entanto, ao encontrar Tessa McBride, seu plano cai por terra... A garota que o humilhara no passado reaparece em sua vida... E o pior é que ela está mais linda e atraente do que nunca! Que lugar melhor para Tessa encontrar seu príncipe encantado do que uma agência matrimonial? Quando Eric entrou em seu escritório, ela não teve dúvida de que estava no lugar certo. Agora, não seria tímida como no passado e estava pronta para provar a ele que era mais do que um joguete para seus esquemas... e que estava preparada para mostrar o que ele perdera durante todos aqueles anos!

Digitalização: Nelma Revisão: Simone Chagas

Mirella 01 – Procura-se um Solteiro – Bob Hutchinson

Querida leitora, Além das novidades apresentadas em fevereiro, temos ainda algumas novidades que vocês não conhecem. Dentre elas, está a série Mirella, que será trimestral e que possui histórias eletrizantes com conteúdo e informação! Autoras renomadas no mundo todo foram escolhidas para fazer parte desta nova série. O papel, branco-palha, presente em todos os romances de 2004, marca sua presença juntamente com o lay-out de capa. Outra novidade é que nos novos romances você sempre encontrará no final do livro um trecho da história da próxima edição da série! Tudo isso para fazer sua leitura cada vez mais agradável e divertida! Fernanda Cardoso Editora

Copyright © 2003 by Bobby Hutchinson Originalmente publicado em 2003 pela Kensington Publishing Corp. PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY, NY - USA Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: Straight to the Heart Tradução: Nancy Alves Editora e Publisher: Janice Florido Editora: Fernanda Cardoso Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Monica Maldonado Paginação: Dany Editora Ltda. Ilustração de Capa: © Lucky in Love/Daeni, Pino via Agentur Schlück GmbH EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524-10° andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil Copyright para a língua portuguesa: 2004 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Impressão e acabamento: RR DONNELLEY AMÉRICA LATINA Tel.: (55 11)4166-3500

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Capítulo I

Alice não mora mais aqui Na manhã do sábado em que comemorava seu aniversário, Eric Stewart passou a imaginar que talvez sua alucinada irmã Anna estivesse certa quanto aos tempestuosos efeitos que Urano estava causando em seu mapa astral. Não que ele soubesse alguma coisa a respeito de Urano, a não ser, é claro, as tolices que ouvia sua irmã alardear, mas, com certeza, havia turbulência no ar... — Não quero um relacionamento! Quero apenas sexo! — quase gritava Nema, arremessando perigosamente o pedaço de cano que ele estava guardando para fazer o rabo do cachorro que esculpia com as rebarbas de ferro. Eric ganhava a vida com lixo reciclado e não gostava de ver os pequenos pedaços do que antes fora entulho sendo uma ameaça em potencial ao seu redor. Precisou abaixar-se para evitar que o objeto o acertasse. E ela olhava ao redor, como se procurasse por mais munição para suas atitudes intempestivas. — Já discutimos esse assunto. Por que não consegue manter-se ligado à idéia inicial? Judô e reflexos rápidos ajudavam-no às vezes. Como agora. Eric conseguiu abaixarse mais uma vez, evitando outro arremesso furioso. Nema não era alta, tinha o corpo bem-proporcionado, musculoso, e ele deu-se por feliz por não ver uma arma em suas mãos. E imaginou que ela seria uma figura perfeita para aqueles espetáculos de mundo-cão que certos programas vespertinos gostavam de apresentar na televisão, nos quais pessoas enfurecidas voltavam toda sua raiva contra antigos namorados, maridos, amantes etc. Eric a conhecera em uma festa na qual a maioria dos convidados era atores. E acabara imaginando que fora convidado para ser o centro das atrações, uma vez que o idiota que dava a festa o apresentava a todos como sendo "o homem do lixão". Pouca sorte a do fulano, pois Nema o deixara para voltar para casa em companhia de Eric... E, no caminho, ela disse: — Então, você é, mesmo, um sujeito que lida com lixo? — E passou os dedos por seus cabelos, observando: — Tem um belo corte, mechas claras, olhos azul-bebê... Oh, mas você não se parece com um lixeiro em hipótese alguma! — Estou disfarçado — Eric disse, tentando não perder o bom humor. — E tomei banho antes de ir para a festa. Na verdade, sou dono de uma companhia de reciclagem de lixo, a Reciclagem Total Ltda. — Oh, puxa, um verdadeiro empresário! Um homem mais alto e mais forte do que eu e ainda atraente! — Essas tinham sido as últimas palavras de Nema antes de praticamente agarrá-lo ali mesmo, no carro, como uma louca esfaimada por sexo.

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Mas isso acontecera havia oito semanas e, agora, seu entusiasmo por ela já havia quase desaparecido. — Não quero estar presente em sua festa de aniversário! — gritou ela, em tom de ameaça. — E muito menos conhecer suas irmãs! Não vou nem falar a respeito. Não vou representar para elas e nem para ninguém, não quero falar sobre teatro, cinema, roteiros ou livros! Não quero ficar olhando para o lixo que você faz com peças tiradas do lixo! Quero apenas tirar minha roupa e me divertir com você! Posso saber agora que parte do que eu disse você não entendeu? Nema olhou pela sala, procurando mais alguma coisa para jogar contra ele, mas, felizmente, tudo o que estava a seu alcance parecia pesado demais para ser arremessado. Fora uma boa idéia Eric ter escolhido peças bem pesadas para trabalhar naquela semana... — Calma, meu bem — disse, sabendo, devido aos anos de experiência que tinha por ter criado três irmãs, que, quando uma mulher ficava tão enlouquecida quanto ela estava, não adiantava usar a razão. Também não adiantava ser suave e aproximar-se com carinhos, mas, como não custava tentar... — Por que não se acalma e conversamos a respeito? Para sua surpresa, o rosto bonito de Nema se contraiu, e ela se deixou cair sobre uma cadeira que ele fizera com restos de encanamentos. E passou as mãos pelos cabelos vastos, enquanto tentava manter os olhos secos. — Era tão bom no começo, Eric — queixou-se, já chorando. — Por que tem de estragar tudo com essa festa de aniversário, sua família e conversa tola, que não leva a nada? Ele respirou fundo, imaginando se seria sensato sentar-se junto dela. Afinal, Nema poderia se enfurecer novamente sem aviso prévio... Era melhor permanecer em pé e ficar a uma distância prudente, concluiu. Procurava encontrar uma boa estratégia para lidar com a situação. Não podia dizerlhe que estava entediado e aborrecido por ser considerado apenas um objeto sexual, que não queria sempre agir apenas para agradá-la. Como convencê-la de que, mesmo sendo saudável e viril, seis vezes em um único dia era demais para ele? Tinha, sim, lido livros a respeito de sexo que leva ao Nirvana, mas sabia que havia uma corrente de pensamento que dizia que era insensato e perigoso acabar com sua essência de vida dessa forma... Além do mais, ele estava cansado de tanto repetir a dose. Havia, acima de tudo, que se considerar seu orgulho e também seu temperamento. Que homem em seu juízo perfeito iria querer admitir que juntar pedaços de ferro velho podia ser mais interessante do que fazer sexo com uma mulher como Nema? — Você é uma bela mulher — elogiou-a, o que lhe pareceu bastante seguro, dandolhe tempo para imaginar o que mais poderia dizer. — Sei. Sou bonita, mas...? Porque, definitivamente, estou ouvindo você demonstrar que há um "mas" nessa história toda! — Os olhos negros dela cerraram-se um pouco mais, em uma expressão perigosa, e sua boca se apertou, formando uma linha que parecia determinar o limite entre a vida e a morte. — Não, não é nada disso... — Eric tentou dissuadi-la. — Não há "mas" nenhum! A verdade é que devo estar passando por alguma espécie de crise, sabe? Coisas da idade, afinal, já vou completar trinta e cinco... — Isso não era tecnicamente verdadeiro, pelo menos, Eric esperava que não fosse, mas lembrava-se de ter assistido a um programa de televisão que discorria sobre a "menopausa masculina precoce", dias atrás, e esse poderia 4

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ser um bom argumento. — Não é uma bobagem, sabe? Isso não tem nada a ver com você! Mas tem tudo a ver comigo! Na verdade, estou questionando uma série de coisas em minha vida nos últimos tempos. E a maior parte do que questionava tinha a ver com a possibilidade de conseguir financiamento para dois novos caminhões e quarenta outras caçambas, o que lhe permitiria expandir seus negócios até Vancouver! Isso significaria que a Reciclagem Total Ltda. poderia ser líder na atividade de remoção de lixo entulho! Eric já tinha quatro caminhões e empregava alguns motoristas. Possuía noventa caçambas que podia deixar onde quer que as pessoas necessitassem delas. Estava ganhando mais dinheiro do que jamais imaginara ser possível quando tinha dezesseis anos, época em que deixara a escola para comprar um caminhão velho por uma ninharia. Fora então que iniciara seu negócio de sair juntando lixo pela cidade, retirando entulho de terrenos e, assim, sendo capaz de pagar as prestações do tal caminhão, que, mesmo barato, era caro para suas poucas posses. Naqueles tempos, Eric jamais parara para pensar que não havia limites para o negócio de lixo e ferro velho. As pessoas continuavam jogando coisas fora e sempre continuariam, alimentando, dessa forma, os que estivessem dispostos a juntar as tralhas todas e levá-las para longe das vistas de quem as produzira. E havia tantas coisas na sociedade moderna que podiam ser jogadas fora! Assim, agora, Eric valia, no papel, um milhão e meio de dólares, e a parte mais irônica em tudo isso, era que ainda suava frio na hora de fazer e pagar as contas todo final de mês. Mas sabia que conseguiria equilibrar seus negócios quando conseguisse acabar de pagar os dois últimos caminhões que comprara. O problema, porém, era quando pensava em expandir suas atividades. Seu cunhado, Bruno Lifkin, que também era seu contador, tinhalhe garantido que os negócios estavam ótimos quanto à parte financeira. O lixo dera a Eric, além de tudo, um hobby que ele adorava. Uma garota com quem saíra algumas vezes e de cujo nome não conseguia mais se lembrar com precisão, conseguira arrastá-lo, certa ocasião, para uma exposição de arte contemporânea e fora lá que ele vira, pela primeira vez, o que um sujeito fizera com partes velhas de carros antigos. Esculturas estranhas, mas encantadoras, que o tinham enchido de inspiração. Eric era um homem prático. As coisas que tirava de seus caminhões e que acabava juntando em diferentes formas, agora estavam mobiliando seu apartamento: eram mesas, cadeiras, luminárias, até seu próprio sofá! O cachorro que estava fazendo era, de fato, a primeira peça que não tinha uma utilidade funcional. Juntar pedaços inúteis de metal para formar alguma coisa interessante enchia-no de uma energia renovadora que o excitava. Também tinha a sensação de estar criando alguma coisa do nada, e isso parecia lhe dar esperança em seu próprio futuro. E realmente lamentava que Nema não mais o excitasse tanto quanto aquelas peças de metal! — Estive pensando muito e até achei que deveria falar com alguém, sabe? — comentou. Mas... esse alguém poderia ser um gerente de banco, seu cunhado Bruno, quem sabe na segunda-feira bem cedo... Não estava, em hipótese alguma, referindo-se à ajuda profissional de um psicanalista, por exemplo. Isso nem lhe passava pela cabeça, embora deixasse no ar essa impressão.

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— Está falando de um analista? — Havia horror na expressão de Nema, e Eric compreendeu que, por fim, estava no caminho certo. Deu de ombros e tentou forçar uma expressão depressiva. — Exatamente — confirmou, fingindo pena de si mesmo. — Análise... Minha última chance, eu acho... — Análise! — Nema repetiu, em tom estranho e baixo. Então se levantou, colocou no ombro a grande bolsa de tecido que sempre levava consigo, cheia de coisas, até mudas de roupas, para o caso de ficar para uma noite de sexo impessoal... Não parecia mais disposta a ficar, e explicou: — Acho que vou embora daqui. Já passei por uma situação parecida com outro sujeito antes, e acabamos nos sentando no sofá do escritório dele e nos queixando de nossas mães! Não quero passar por isso outra vez. Mas, afinal, o que está acontecendo com os homens hoje em dia? Escute, pode me ligar, mas apenas quando superar essa sua crise, está bem? Segundos depois, ela batia a porta atrás de si, deixando a sala. Eric arregalou os olhos, deixou sair o ar que prendera nos pulmões por algum tempo, e sentou-se pesadamente no sofá. Dali podia, através das altas janelas, ver a rua movimentada lá embaixo, naquela manhã de junho, carregada de um vento teimoso, tentando imaginar o que, de fato, significava ser deixado por Nema. Podia estar cometendo um grande erro, seu orgulho podia estar ferido... De repente, a porta se abriu com fúria, batendo contra a parede, até. Seu coração teve um sobressalto, e ele se levantou pronto para tudo, até mesmo para sair correndo, ou, se fosse o caso, esquivar-se de mais algum objeto voador. — Eu me esqueci. Aqui estão suas chaves — disse Nema, parecendo indiferente, enquanto lançava o chaveiro e as chaves dentro de uma escultura côncava que ele produziu com pedaços de latão. — Tenha uma bela vida. E, se conseguir reencontrar seu equilíbrio, sabe muito bem qual é meu telefone. A porta bateu outra vez, com mais força ainda, e Eric olhou para as chaves que tinham acabado de ser-lhe devolvidas. Pareceu-lhe que, agora, a separação era definitiva. Uma sensação de alívio o invadiu, enquanto tentava se lembrar se Nema tinha deixado alguma coisa no banheiro ou no quarto. Não, imaginava que não, afinal, tinha muito cuidado para que as mulheres jamais deixassem algo em seu apartamento. Geralmente preferia ir ao delas, dormir em seus quartos, pois assim podia, quando bem entendesse, na manhã seguinte ou durante a noite, levantar-se e voltar para casa. Mas Nema tinha quatro colegas de quarto e havia ficado mais tempo no apartamento dele do que ele gostaria. Nunca se importara se alguma mulher ficasse de sexta-feira para sábado, mas o domingo à noite era sagrado: elas já deviam ter ido embora, levando tudo que lhes pertencia. Costumava chamar essa sua atitude de "norma de domingo" e gostava dela. Não queria que suas eventuais namoradas se mudassem para sua casa e era sempre bem mais fácil manter as coisas em ordem se criasse certas regras. Costumava estar bastante atento a qualquer tipo de coisa que elas pudessem deixar para trás, como apetrechos de maquiagem e roupas íntimas e, em contrapartida, jamais deixava mais do que uma lâmina de barbear na casa delas. Já se culpara inúmeras vezes por ter dado uma cópia das chaves para Nema, mas ela as conseguira através de uma pequena chantagem, tempos atrás, em um momento de vulnerabilidade. Ainda não era meio-dia, mas achou que merecia uma refeição depois do que acontecera. Além do mais, era seu aniversário, e com que freqüência um homem completava trinta e cinco anos, afinal? Assim, levantou-se, caminhou até o freezer, de onde 6

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tirou uma embalagem de comida pronta, da qual tirou o rótulo para depois colocar no forno microondas. Tomou a sentar-se, para pensar na vida. Acabou cochilando e teve um sobressalto quando o interfone soou. Assustado, imaginou que Nema estava de volta. Pensou em se esconder, mas, como nunca fora um covarde, caminhou até a porta e a abriu com cautela, imaginando que teria sido bem melhor se tivesse pegado uma caneca ou algo parecido. Ela vacilaria em atacá-lo... Já a vira praticando artes marciais e sabia que era uma visão aterradora. — O que há? Está com algum problema de coluna que o impede de se movimentar depressa? — reclamou Rocky Hutton, notando, com certa surpresa, que Eric parecia proteger partes mais sensíveis de sua anatomia com as mãos. — Não. Apenas achei que fosse Nema. — Ele olhou para ambos os lados do corredor, respirando mais aliviado quando viu que não havia nem sinal dela. — Vamos, entre. — O que houve? Brigaram? — Rocky pegou a caixa de restos de encanamentos que trouxera e entrou, carregando-a. — Feliz aniversário! Ah, a propósito, trouxe-lhe estes restos. Imaginei que poderia fazer grandes coisas com eles. — Rocky era encanador e costumava trazer canos para o amigo. — Não vou ficar — anunciou, mostrando-se apressado. — Você e Nema vão querer fazer as pazes quando ela voltar. — Não. Ela foi embora para sempre. E, se eu tiver sorte, não vai nem pensar em voltar. — Eric foi até a geladeira e pegou uma lata de cerveja para si mesmo e outra para Rocky. — Vamos, sente-se, estou comemorando hoje! — Pelo fato de ela ter ido embora? — Rocky tirou o boné de beisebol e passou a mão por entre os cabelos. Não devia nem fazer idéia de que sua vasta cabeleira negra tinha se amoldado ao formato do boné. Como sempre, os fios estavam amassados em cima e espetados sobre as orelhas e na nuca. — Bem, no momento, parece-me uma bênção ela ter ido, mas posso mudar de idéia daqui a duas semanas, quando sentir falta de sexo novamente. Mas, por enquanto, estou bem. Esse negócio de ficar o tempo todo na cama com ela já estava me deixando exausto. Rocky assentiu, comentando sem muita convicção: — É... Isso pode ser um problema. Bem, mas quantas garotas já teve desde janeiro? Eric ergueu as sobrancelhas, fazendo contas. — Acho que seis. Sete, se eu acrescentar aquela garota dos correios, mas ela só ficou em minha vida por duas semanas. As belas pernas da garota o haviam encantado, bem torneadas e sedosas. Devia ser por andar tanto, ponderou, mas falar sobre códigos postais e peso de malotes acabou sendo extremamente cansativo. — Deve ter algo a ver com os cabelos loiros e cacheados — Rocky comentou, bebendo grandes goles de sua cerveja. — Sabe, estou pensando em clarear meus cabelos, fazer um permanente... Detesto confessar, amigo, mas Sophie tem razão quanto a você e esse seu costume de fisgar e soltar. — Sophie sempre foi muito esperta. Sua irmã Sophie era médica em um pronto-socorro e criara sua teoria sobre o irmão enquanto retirava um anzol da orelha de um pescador. O sujeito dissera a ela que um pescador pesca pelo prazer e, quando fisga um peixe, apenas retira o anzol e joga o animal de volta à água, porque está praticando um esporte, não mantendo sua sobrevivência. A boca do peixe até podia ficar um tanto machucada, mas acabava sarando... 7

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Fisgar e soltar... Eric até achava a frase interessante, mas suas irmãs tinham uma opinião bem diferente a respeito. Tinham ultimamente se acostumado a contar as mulheres com quem ele saía e, por isso, nos últimos meses, ele acabara ocultando parte delas. — Sophie sabe sobre Nema? — Rocky quis saber. — Não. Nenhuma de minhas irmãs sabe. Eu ia apresentá-la esta noite, em minha festa de aniversário, mas agora já não há mais motivos para mencionar seu nome. Elas acabam se entreolhando com aquela expressão de "eu já sabia" estampada em seus rostos e, depois, quando meus namoros acabam é sempre a mesma história, tenho de ficar ouvindo seus comentários sobre como sou instável, sobre como a pobre garota deve estar se sentindo, e, pior ainda, sobre como a vida está passando, e eu, ficando para trás. — Entendo perfeitamente, companheiro. — Rocky sabia tudo sobre os livros de autoajuda. — Elas se preocupam com você. Eu mesmo queria ter irmãs assim, tão dedicadas. Eu e meu pai estamos ficando dois velhos rabugentos, calvos e solitários. — Acho que sua cabeça ainda está muito bem servida de cabelos. Além do mais, você e Fletcher vivem bem, sem o aborrecimento de uma mulher reclamando em seus ouvidos que precisam se ligar a alguém, que a vida passa, que a solidão é terrível... — É, mas também não temos garotas deliciosas como Nema por perto. — E quanto a Chloe? — Ah, já virou passado. — Rocky empregara Chloe como secretária em sua pequena firma de encanamentos e tinham acabado namorando. Saíram juntos durante alguns meses, mas fazia tempo que Eric não ouvia falar dela. — Juntou-se aos Hare Krishnas e decidiu viver no celibato, não lhe contei? Agora vive naquele templo em Marina Drive. Eric arregalou os olhos e soltou um assobio de admiração. — E ela usa aquelas batas brancas e fica dançando nos aeroportos? — Ele sempre achara Chloe fora do normal, mas aquilo era demais. — Ah, sim, ela usa as batas, mas não sei se canta nos aeroportos. Onde foi que viu Hare Krishnas cantando e dançando em aeroportos? — Cantam, dançam e vendem livrinhos. Puxa, mas Chloe é tão bonita, tão esperta! Quem poderia imaginar? — Pois é. Mas essa coisa do celibato é que me deixa preocupado. Puxa, sempre achei que fazíamos um sexo maravilhoso! A não ser, é claro, que ela fingisse. — Ah, as mulheres fazem isso às vezes. Mas, diga-me, não há mais ninguém em vista? Rocky era alto e musculoso, mas não chegava a ser atraente. Porém, seu rosto gentil e seus grandes olhos castanhos esbanjavam bondade. Eric o conhecia desde os tempos do ginásio e confiava totalmente no amigo. Muitas vezes, na verdade, quase confiara a vida a ele. Chegara até a pensar na possibilidade de serem cunhados, se Rocky passasse a sentir com prazer o cheiro do anti-séptico que, em Sophie, era como perfume. Mas, havia anos os dois não se sincronizavam. Quando Sophie não estava saindo com alguém, Rocky estava... e vice-versa. — Não, no momento, não estou com ninguém — ele confessou, terminando sua cerveja. — Dê tempo ao tempo. — Mas Eric sabia que, nesse caso, esse não era, de fato, o melhor conselho. Rocky se casara com sua namoradinha dos tempos de escola, Melanie, logo depois da festa de formatura e ela morrera em um acidente de carro dois anos mais 8

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tarde, e, um mês depois disso, a mãe de Rocky tivera um ataque cardíaco fulminante. Assim, Rocky fora morar com o pai, Fletcher. Os dois tinham compartilhado sua dor juntos e ficaram juntos desde então. Quinze anos depois, ainda eram companhia um para o outro. — Suas irmãs se sentem culpadas por terem dado tanto trabalho a você quando pequenas — Rocky argumentou. Não gostava de falar de si mesmo quando os problemas de Eric estavam na ordem do dia. E, não tendo irmãos ou irmãs, Rocky adorava falar das do amigo. — Pois elas têm bons motivos para se sentirem culpadas. Aprendi o pior do gênero feminino com elas. É de se admirar que eu não tenha me transformado em um alcoólatra, ou careca, depois de tudo que elas me fizeram passar. Era também um milagre ele não ter se tomado homossexual, analisava, embora não tivesse nada em especial contra eles. Criar suas irmãs fora suficiente para enlouquecer qualquer ser humano. Ainda sentia calafrios ao se lembrar de que, com elas três, era óbvio que sempre alguma estava em TPM, o que significava que, em três semanas por mês, uma ficava absolutamente insuportável e que a semana restante não era muito melhor. Por isso, tinha certeza, nenhum de seus relacionamentos tinha durado mais do que vinte e oito dias. — Eu apenas gostaria que elas ficassem fora de minha vida amorosa. Nenhuma delas é uma perita em assuntos sentimentais. Não consigo imaginar Sophie encaminhando-se para um altar! — Muito embora ela até pudesse, um dia, se aquele seu tolo amigo a pedisse em casamento... Mas Rocky nem parecia achar Sophie atraente. — Ela ainda está com aquele cirurgião?— indagou ele, olhando pela abertura da latinha, para ver se ainda havia algumas gotas de cerveja dentro dela. Eric percebeu que Rocky sabia exatamente como ia a vida amorosa de Sophie. — Não. O caso acabou há algumas semanas. Ela disse que o tal médico não tinha senso de humor. Rocky assentiu, parecendo animado, e perguntou: — E quanto a Anna e Bruno? Já estão casados há um ano, não? — Catorze meses, para ser exato. Estão indo bem. — E ela já tem clientes? — Não que eu saiba. Anna deixara recentemente de ser professora primária para abrir um escritório onde dava consultas sobre astrologia. Pelo menos, pretendia dá-las. Mas, como isso agora era problema dela e do marido, Eric nem queria pensar muito a respeito. Afinal, ela passara tempo demais fazendo cursos e mais cursos sobre taro, leitura de cartas, regressão a vidas passadas... Eric achou que, ao se casar com um sujeito ponderado como Bruno, Anna poderia esquecer aquele assunto, o que, obviamente, não acontecera. — E Karen? — Rocky perguntou, deixando a latinha sobre a mesa de centro. — Está bem. A irmã mais nova de Eric era mãe solteira e tinha dois meninos lindos. E era com ela que se preocupava mais. — Vai aparecer para minha festa de aniversário esta noite? — perguntou ao amigo, procurando mudar de assunto. — Não. Karen até ligou, convidando a mim e a meu pai, mas achamos melhor encontrá-lo mais tarde, em um barzinho. Esses jantares de aniversário são muito familiares. 9

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— Pena. Com minhas três irmãs na mesma sala, acho que eu e Bruno teremos de ser verdadeiros heróis. — Vão se sair bem. Você é muito competente quando se trata de mulheres, amigo. — Rocky pegou o boné e levantou-se, na intenção de ir embora. — Já vou indo. Preciso instalar uma hidro esta tarde. Depois que ele se foi, Eric terminou sua cerveja, jogou as duas latinhas no lixo, e, sentindo o cheiro da comida pronta, caminhou para a cozinha. Tinha uma nova leva de quinquilharias com que trabalhar e poderia terminar a escultura do cachorro antes do anoitecer. O jantar começaria apenas às seis. Sentiu-se mais animado. Foi para o canto de seu apartamento reservado para seu hobby e, com a máscara especial, passou a soldar as partes que lhe interessavam. Minutos depois, estava assobiando, contente. Lembrava-se da frase preferida de Anna: "Seja o que for que lhe esteja acontecendo no momento, é a coisa certa para você". Talvez ela tivesse razão. Às sete horas daquela mesma noite, Eric descobriu que, como sempre, Anna "não" tinha razão. Os costumes da família mandavam que os presentes fossem abertos quando o bolo fosse servido. Junto com a cobertura dupla de chocolate, Sophie lhe entregou também um envelope branco. Ele olhou-o e depois ergueu os olhos para as irmãs, que o observavam com curiosidade. Aqueles seis olhos azuis, idênticos, fixavam-no. As meninas, todas mulheres-feitas, mas sempre meninas para ele, estavam usando os cabelos em seu tom loiro natural no momento e não se podia negar que eram bonitas, embora Karen fosse magra demais e Anna houvesse engordado alguns quilinhos. Ela alegava ser efeito de sua atual elevação espiritual, mas Eric sabia que seu peso mais acentuado tinha a ver com seu gosto por doces e massas. — Vamos, abra, irmãozinho! — Karen o instigou. Todas sorriam, mostrando os dentes perfeitos que tinham sido corrigidos por aparelhos caríssimos que ele pagara. Eric sentiu-se gelar, porque conhecia aqueles olhares e sorrisos, afinal, elas os tinham usado muitas e muitas vezes quando pequenas, sempre que tinham "aprontado" algo para ele. E até mesmo Bruno parecia ter uma certa expressão de preocupação no rosto. — O que você ganhou, tio Eric? — perguntou Simon, seu sobrinho, acrescentando, amuado: — Mamãe não quis nos contar o que era, disse que era surpresa. — Surpresa! — repetiu lan, de três anos, com a boca cheia de bolo, espalhando migalhas para toda parte. — Não fale de boca cheia, seu tonto! — Simon o repreendeu, empurrando o braço do irmão. — Simon me bateu! — lan queixou-se, em tom de choro, quase cuspindo o restante do que mastigava. — Ele me chamou de tonto! — Agora já chorava. — Você é que é tonto, seu bobo! — E, fechando a mão rechonchuda em punho, agrediu o braço do irmão. — Parem com isso! — Karen admoestou, mas, como sempre, os meninos não lhe deram ouvidos e os golpes continuaram, de ambas as partes. — Não se xinguem! Os meninos, porém, sabiam há muito tempo que quem mandava na casa não era sua mãe... Por sobre os gritos dos pequenos, Karen pediu ainda mais alto: — Eric, fale com eles!

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— Vão querer sair da mesa agora mesmo e ficar em seus quartos até meu aniversário acabar? — ele esbravejou, olhando-os muito sério. Os meninos calaram-se, amuados e negaram com as cabecinhas ruivas, fingindo-se de amedrontados. Eric não gostava de parecer o tio mandão, mas Karen simplesmente não conseguia controlar Simon e lan. — Desculpe — murmurou Simon ao irmão, de cara amarrada. — Desculpe você! — lan rebateu, sem entender nada, mostrando a língua. Por fim, os dois se calaram, e Eric tomou a prestar atenção ao envelope que tinha em mãos. Abriu-o, retirou a folha dobrada que estava dentro dele e teve de lê-la duas vezes antes de conseguir acreditar. A mensagem datilografada dizia que ele acabava de se tomar membro de alguma entidade chamada "Sincronia". E, de repente, ele se deu conta de que estava sendo convidado a ir pessoalmente à agência, para uma entrevista e, depois dela, seria colocado na lista de prioridades para encontrar seu par perfeito. A carta estava assinada por Clara Beckford, com uma letra elegante e rebuscada. E, logo abaixo, em letras grandes, maiúsculas, estava escrito: CUPIDO PROFISSIONAL

Capítulo II

Ao som de palmas — Mas o que significa isto? — Eric reconhecia em sua voz um som horrorizado, mas não conseguia reagir de maneira diferente. — Vocês deram meu nome a uma agência matrimonial? — Ele sentia sua pressão sangüínea subindo e olhava para suas irmãs, incrédulo. — Isto é alguma espécie de piada? — Ora, não exagere! — Sophie tentou acalmá-lo com seu tom de médico profissional. — Respire fundo e vamos lhe explicar exatamente o que isto significa. Na verdade, é tudo muito simples: mais e mais pessoas hoje em dia estão contratando o serviço desse tipo de agência. Estão todos muito ocupados para cuidarem de forma apropriada da própria vida e, quando encontram alguém, é sempre em algum barzinho, o que pode ser muito perigoso. — Para mim, esse tipo de vida é ótimo — Eric argumentou, sem conseguir enxergar o que havia de errado em encontrar uma mulher desconhecida em um barzinho. — Mas será que preciso falar mais? — Sophie irritou-se. — Tenho certeza absoluta de que você se beneficiaria muito entrando em contato com uma agência matrimonial. — Concordo inteiramente — Anna apoiou. — Mas acho que essa tal Clara devia auxiliar o próprio trabalho com astrologia. Por exemplo, se eu olhasse a ficha de alguém, eu saberia logo se essa pessoa é ou não compatível com Eric... E isso pouparia muito tempo perdido com bobagens. Na verdade, a astrologia é algo muito mais científico, é o mapa de nossas vidas! — Ela lançou os longos cabelos para trás, adquirindo uma expressão de sabe-tudo que costumava ter quando falava de seu assunto preferido. —

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Assim que indicarem alguém para você, Eric, vou desenhar os mapas astrais dos dois para ter certeza se foram ou não feitos um para o outro. Eric encarou-a e engoliu sua indignação, preferindo adquirir um tom mais racional porque sabia que qualquer pessoa normal perceberia que Anna estava saindo dos limites da sanidade. — Parece que ninguém aqui notou, mas não tenho problemas para conhecer mulheres. — Não, não tem, mas tem sérios problemas para ficar com elas — Bruno opinou, entrando na batalha contra Eric. — Você as descarta com a mesma facilidade com que joga fora lenços de papel usados. Eric olhou para o cunhado, que lhe sorria. Conhecia-o desde o ginásio e achava que o amigo estava bem mais sem graça desde que se casara com Anna. O pior era que ele parecia estar achando aquela situação divertida! Por isso fuzilou-o com o olhar, notando sua camisa azul-escura, com punhos em tom mais claro. Tinha certeza de que Bruno seria um caubói na próxima encarnação. Afinal, ele era o único contador que usava botas de caubói no escritório... — Bruno tem razão — Sophie interferiu, séria. Ela, a única das irmãs que parecia ter algum bom senso! Aquilo era uma traição total, sem sombra de dúvida! E ela continuou, parecendo mais profissional do que nunca: — Já nem sequer nos importamos em nos lembrar dos nomes de suas namoradas! Não se trata de quantidade, meu irmão, mas de qualidade. É qualidade que você está perdendo com esse troca-troca de mulheres o tempo todo! Não conhece mulheres sérias, que poderiam querer um compromisso, o tempo está passando, e essa agência matrimonial pode realizar maravilhas! Eric entreabriu os lábios, disposto a dizer alguma coisa sobre a parte em que Sophie mencionara um compromisso, mas Sophie, quando começava a falar, era pior do que um rolo compressor: — A Sincronia garante que você conhecerá mulheres muito interessantes. Além do mais, Eric, você sempre sai com uma, não é? Por que, então, não experimenta as que a agência lhe oferecer? — Os olhos muito azuis dela pareciam desafiá-lo. — Gosto das mulheres com quem saio agora — teimou, mas ninguém lhe deu ouvidos. Simon e lan estavam aos gritos, pedindo sorvete, e Bruno levantara-se para pegar o pote para eles. Anna estava comentando algo com Sophie sobre o fato de Plutão estar ficando retrógrado. — Achamos que seria um presente de aniversário diferente — disse Karen, sentada ao lado de Eric. Ela piscava nervosamente, em um hábito que adquirira recentemente. E suas mãos, levemente manchadas em um tom de púrpura, com certeza devido a alguma tintura do salão de beleza, mexiam, com nervosismo, nos talheres ao lado de seu prato. — Talvez devêssemos ter lhe perguntado antes, não? Com certeza, ele ponderou, respirando fundo. Mas, ao olhar para o rosto de Karen, percebeu logo que aquele não era o melhor momento para dizer-lhe tal coisa. Não a magoaria por nada no mundo, por isso tentou esboçar um sorriso. Além do mais, o papel que acabara de receber era apenas um presente... Eric olhou para seus sobrinhos, que comiam como nunca. Sabia que os meninos imitavam tudo que ele e Bruno falavam e faziam e precisava ter cuidado com suas palavras. Precisava ser educado, recomendava a si mesmo. Simon e lan já tinham ouvido muitos sermões sobre como se comportar e precisava dar um bom exemplo. 12

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— Estou apenas... surpreso, meu amor — disse — Sei o quanto se preocupam comigo, em especial sobre esse assunto e fico agradecido. Obrigado. Obrigado mesmo. — Ah, até parece que gostou do presente... Embora ele tenha sido bem caro! — Bruno zombou, mas gemeu quando Anna chutou-o por debaixo da mesa. Eric reconsiderou tudo o que pensara até então, pois ainda não imaginara quanto aquela inscrição para a agência matrimonial custara a suas irmãs. A situação parecia ficar pior a cada instante, avaliou. Sophie ganhava muito bem como médica, mas pagava um financiamento imobiliário enorme com a casa maravilhosa que comprara no verão anterior. Eric sabia, por que fora seu fiador. Karen, no entanto, mal ganhava para pagar o aluguel, a comida e a garota que contratava, às vezes, para cuidar dos meninos. Sabia disso também porque eram freqüentes às vezes em que tinha de emprestar dinheiro a ela. Jimmy Nicols, o semvergonha que vivera com ela apenas para fazer dois filhos, praticamente nem queria saber se os meninos estavam vivos ou não. E Anna usava o dinheiro do marido para tentar montar seu tão sonhado escritório de astrologia, portanto, com certeza, tinha sido Bruno quem pagara a parte dela naquele fiasco matrimonial. Sabia também que o casal tinha acabado de comprar uma casa, porque emprestara um de seus caminhões e seu melhor motorista para fazer a mudança. De repente, a idéia de que sua família tinha gastado bem mais do que podia naquela coisa estúpida, desnecessária e inútil realmente o constrangeu. Seu único consolo era pensar que deveria haver um modo de devolver-lhes o dinheiro gasto. Era fácil: iria até a agência e diria que não queria mais fazer parte de seus clientes. Na terça-feira! Isso, iria até lá na terça-feira, porque, na segunda, tinha um compromisso financeiro de sua empresa. Depois do jantar, a garota que cuidava dos meninos chegou e, com ajuda de Bruno, levou os dois pequenos para o banho e depois para o quarto. Assim, Eric e sua família puderam ir para um barzinho conhecido por todos, chamado Riley's. Quando chegaram, Eric começou a se preocupar com a gozação que teria de aturar de Fletcher e Rocky por causa da história da agência matrimonial. O lugar estava abarrotado de gente, afinal, era sábado, mas as pessoas que ali estavam naquela noite pareciam diferentes das de costume, com tatuagens por toda parte, roupas de couro cobertas de correntes e anéis de metal prateado. Rocky e seu pai tinham separado uma boa mesa redonda e fizeram sinais aos amigos assim que os viram chegar. — Sente-se aqui, Sophie — Rocky convidou, separando uma cadeira para ela. Eric percebeu que a irmã se animou de imediato, perguntando logo sobre os negócios de Rocky. — Ah, o mesmo de sempre... Canos entupidos, cotovelos trocados, tubos novos... Nada de novo. — Quase igual ao meu trabalho — opinou ela. — Artérias entupidas, feridas hemorrágicas, pessoas com problemas psíquicos. Sabe, devíamos trocar idéias qualquer noite... — É... E a conversa, que podia ser bem melhor, pareceu terminar por aí. — Feliz aniversário, Eric — saudou Fletcher, estendendo a mão para ele. — Trinta e cinco anos é uma bela idade para um homem. Agora, eu, com sessenta e cinco...

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Fletcher tinha o bigode farto, os cabelos avermelhados, começando apenas a rarear no alto da cabeça. Ele mais parecia um hippie dos anos sessenta do que o advogado praticamente aposentado e de sorriso fácil que era. — É, mas você nem parece ter mais do que sessenta e três, pai — Rocky brincou, fazendo todos rirem. Eric não estava prestando muita atenção ao tom alegre da conversa. Ainda estava aborrecido com o presente que ganhara e praticamente bebeu sua primeira cerveja de uma só vez. Não costumava beber muito. Aprendera há muito tempo que uma ressaca dolorida era um castigo temível, um preço alto demais para se pagar por alguns minutos de boa bebida. No entanto, naquela noite, sentia vontade de se desligar do mundo, mesmo que apenas por algum tempo... Precisava também de certos esclarecimentos. Karen, sentada a seu lado, estava calada, também distante da conversa dos demais, e ele aproveitou para segredar-lhe: — Diga-me, querida, como foi que essa coisa da tal agência acabou acontecendo? — Bem, estávamos conversando, e eu mencionei uma amiga que trabalhava em uma agência matrimonial. Como precisávamos escolher seu presente, Sophie achou que seria uma boa idéia colocá-lo na lista dos clientes da agência. — Então a idéia foi de Sophie? — Ele estava pasmo. — Se fosse Anna, eu entenderia, mas... Sophie? — Também achei que era uma boa idéia. — Ela lhe sorriu, sem graça. Eric meneou a cabeça e tomou a mão da irmã na sua, acariciando as manchas de tintura. — Esqueceu-se de usar luvas outra vez? — perguntou, em tom suave, mas de censura. — Essa química toda não deve ser boa para sua pele. Às vezes, Eric achava que uma vida simples não era adequada à sua irmã caçula. Ela tornara a emagrecer, estava tão magra agora que ele chegava a ficar preocupado, mas não queria tocar no assunto para não aborrecê-la. — Faz tempo que não pede um aumento para aquela bruxa para quem trabalha? — perguntou. — Na verdade, nunca pedi. Não tenho coragem. — Karen não o encarava. Pegou seu copo de cerveja e tomou alguns goles, parecendo triste. Depois explicou: — Junella não tem estado muito feliz ultimamente. Mas vou falar com ela, preciso apenas escolher o melhor momento. — Karen, você é uma excelente cabeleireira! Sabe que pode encontrar um bom emprego a qualquer hora em salões muito melhores. Não precisa ficar trabalhando para essa sovina. Você ganhou muitos prêmios quando estava na escola de cabeleireiros, lembra-se? Isso significa alguma coisa, não? Mas ela negou de leve com a cabeça, explicando: — Há muitos estilos novos hoje em dia, Eric. Mesmo a escola em que me formei já não existe mais. No salão de Junella, estou próxima de casa, posso ir e voltar em minha bicicleta e ficar algum tempo com meus filhos. Junella não é assim tão má, e o ramo é difícil, muito competitivo. Acho que as coisas mudaram muito enquanto eu estava com Jimmy, tendo meus filhos e cuidando da casa... Eric devia ter percebido logo que havia algo de errado entre Karen e Jimmy. Ele não trabalhava regularmente e estava sempre de mau humor. Mas, na época, ele andava 14

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preocupado com sua firma, um dos motoristas estava tentando dar-lhe um golpe e não conseguira perceber o problema de sua irmã. Até a noite em que ela ligara para Sophie, para dizer que Jimmy a golpeara com violência demais. Eric praticamente voara até lá, mas, ao chegar, Jimmy já havia desaparecido. Isso já fazia dois anos e meio, e Karen ainda parecia não estar recuperada. Tanto Eric quanto suas irmãs tinham tentado convencer Karen de que ela deveria tentar saber onde Jimmy estava para exigir pensão para os meninos, e, por fim, havia duas semanas apenas, ela acabara concordando em pedir a Fletcher que preparasse toda a documentação necessária. — Recebeu um cartão de aniversário de mamãe e papai? — ela quis saber. — Não. Seus pais, músicos hippies, viviam a maior parte do tempo no México e tinham comprado uma casa em um lugar chamado Malachi. — Você sabe que eles nunca se lembram de data alguma, mesmo referindo-se a nós. Karen assentiu, pensativa. Definitivamente, concluiu Eric, ela estava triste. Conhecia aquela expressão e sentia um aperto no peito que o fazia ter vontade de pegá-la no colo e abraçá-la como fazia quando ela tinha apenas quatro anos de idade. — Mandei as fotos de Simon e lan para eles — disse ela, em um murmúrio. — Aquelas que você tirou na festinha de Natal da escola de Simon, lembra? Karen era a única que escrevia regularmente para Sonny e Geórgia, esperando que, apesar de tudo, eles ainda pudessem amadurecer e se tornar pais de verdade, mesmo achando que era tarde demais para isso. Mas esperava que o casal se lembrasse de que tinha dois netinhos... — Depois disso, não tive mais notícias deles. Eric assentiu pensativo, imaginando, como tantas vezes antes, que seus pais não tinham mais jeito. Dissera isso a Karen inúmeras vezes, bem como Sophie e Anna, mas ela ainda esperava, a despeito de tudo. Era como se existisse uma garotinha desesperada dentro dela, que não crescia nunca, que não acreditava ter um pai estúpido, um tolo que ainda sonhava ser outro Bruce Springsteen, e uma mãe que se dedicava a um orfanato mexicano, mas que não se lembrava de que colocara quatro filhos no mundo. Assim, Eric passou um braço sobre os ombros da irmã e a trouxe para junto de seu corpo, lembrando-se, por sua vez, das muitas cartas que mandara a seus pais, das fotografias das meninas que sempre colocava dentro delas, e que teriam emocionado até um casal de bandidos como Bonnie e Clyde, e lembrando-se também das contas que pagara durante tantos anos, contas que deviam ter sido pagas por Sonny. — Acho que eles vivem em seu próprio mundo da fantasia, Karen — acabou por dizer. — Sabe, tenho pesadelos, às vezes, sobre um dia, no futuro, em que terei de trazê-los de volta a Vancouver e colocá-los em uma casa para velhinhos que aceite um vovô guitarrista e uma vovó cantora. Ele achava que seu comentário a faria sorrir, mas, ao contrário, sentiu que ela se retesava como se houvesse sido picada por uma agulha. Pareceu ouvi-la soluçar e olhoua. Não, não era um soluço. Era um susto que a fizera quase engasgar com a cerveja; porque, no barzinho, acabara de entrar Jimmy Nicols.

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Capítulo III

Adoro a dor porque é tão bom quando ela passa! Nicols, um homem alto e forte, estava acompanhado de um sujeito ainda mais vigoroso, de aparência sinistra. Jimmy passou os olhos por todo o ambiente do bar, viu Karen, e encaminhou-se até a mesa onde ela estava com a família. Tinha um maço de papéis nas mãos, e suas feições de menino sapeca tinham se fechado, no que parecia ser uma máscara de seriedade e ameaça. Parou junto da mesa e disse, em voz forte: — Se queria me processar por alguma coisa, por que não me procurou para conversarmos? Para que mandar a lei me procurar? Ela estava trêmula, e Eric levantou-se de imediato. Aproximou-se do cunhado e disse, a meia-voz, mas em tom definitivo: — Você a agrediu, seu idiota, e depois fugiu, como um covarde! — Em seguida, seguindo apenas seus impulsos, segurou Jimmy pelo colarinho, com raiva, e, sem pensar em mais nada, deu-lhe o murro com que vinha sonhando há bastante tempo. Depois murmurou, satisfeito: — Isto é por ter batido em minha irmã. Foi como se um esguicho de sangue houvesse sido aberto dentro do nariz de Nicols, manchando a camisa de Eric. Jimmy era um estivador, portanto, muito forte, e seus músculos provavam isso. Em uma reação imediata, ele afastou a mão direita, fechada em punho, na intenção de devolver o golpe recebido. Mas, por infelicidade sua, errou. O soco acertou o ombro de Eric apenas, mesmo assim o fazendo cambalear. No mesmo instante, o homem que acompanhava Jimmy agarrou Eric e aplicou-lhe uma gravata de lutador. Como se agissem em sincronia com o amigo agredido, Bruno e Rocky levantaram-se, partindo para cima de Jimmy. Para Eric, puxar o sujeito que o agarrava e lançá-lo para frente foi uma reação instintiva e automática. Aprendera, em uma das aulas de judô que fizera, que aquele era o melhor meio de se livrar de um ataque por trás. O sujeito, mesmo forte, voou por cima de seus ombros e caiu sobre uma mesa próxima, quebrando-a, bem como algumas cadeiras que foram atingidas. Um garçom que passava sentiu o esbarrão violento e acabou caindo com sua bandeja cheia de copos e garrafas. Logo, havia cerveja, vinho e cacos de vidro por toda parte. A confusão estava feita. Mulheres gritavam, homens levantavam-se, prontos para brigar ou fugir, conforme sua personalidade mandava. Eric percebeu, com o canto dos olhos, que Jimmy se livrara de Bruno e Rocky e que avançava em seu caminho. Na confusão reinante, viu que Rocky tomava a agarrar Jimmy, mas que era golpeado com violência no rosto por mais um dos golpes horrendos do estivador. O homem que atendia no bar já estava ao telefone, pedindo que a polícia viesse com urgência. Eric sabia que isso era um mau sinal, mas agora já não havia como voltar atrás. Sabia que, se houvesse ajudado Rocky, talvez pudesse ter abatido o sujeito com aparência de gigante, mas foi nesse momento que sentiu um golpe na cabeça, caiu sobre si mesmo 16

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e rasgou a mão em um enorme caco de vidro que estava no chão. Estava completamente tonto e acabou mordendo a língua. Perdeu a noção do tempo, e logo um policial o estava ajudando a se levantar enquanto sua parceira, uma oficial miúda, soprava um apito com toda a força de seus pulmões. Mas ninguém no bar estava disposto a prestar atenção àquele apito. A briga era generalizada agora, cada um lutando por si só, e o policial, metódico, tirou um spray de pimenta do bolso, com calma, passando a espirrá-lo contra todos que estavam ao seu redor, sem querer saber exatamente quem estava, de fato, envolvido na confusão. De repente, Eric já não conseguia respirar, muito menos, ver. Mas seus ouvidos estavam em perfeita forma. — Todo mundo para fora! — gritava a oficial, com mais força do que soprara seu apito. — Quem permanecer aqui por mais dois minutos será levado para a delegacia! Atordoado por causa do spray, respirando com grande dificuldade e tossindo muito, Eric não conseguia ver a porta, mas alguém providencialmente o empurrou para a saída. O ar da noite foi como uma bênção entrando em seus pulmões congestionados. Ele sentiu Karen agarrando-lhe o braço. — Mas o que você fez lá dentro, Eric? — ela perguntou, em tom assustado e repreensivo. Suas unhas praticamente entravam na pele do irmão, tão tensa se encontrava. Eric podia senti-la tremer com violência e agora que já era tarde demais, arrependiase por ter agido tão impensadamente. Karen continuava falando, sem parar: — Não preciso que saia por aí batendo em Jimmy para me defender! Ele tem um temperamento violento e nunca simpatizou com você. Agora, aposto que irá procurar um advogado para mover uma ação contra você por danos físicos! Ou pior ainda! Vai esperálo em algum lugar abandonado e agredi-lo até se sentir vingado! Eric gostaria de poder responder: "Ele que tente!", mas sua língua estava inchada e o que pôde dizer soou incompreensível. O grupo de amigos e familiares que tinha se reunido para comemorar seu aniversário agora estava no pátio do estacionamento, junto ao carro esporte de Sophie. Ela tinha sua maleta médica no porta-malas e foi buscá-la, com seu jeito profissional tomando conta novamente de suas atitudes. — Meus olhos estão queimando! — Rocky queixou-se, as mãos apertando as órbitas. Bruno, por sua vez, murmurava coisas sem sentido, tossindo como um louco. — Onde está Fletcher? — Eric quis saber, ainda sem conseguir enxergar direito. Seus pulmões ardiam, e a sensação que tinha era de que poderia morrer a qualquer instante. Havia muitas lágrimas em seu rosto, quentes, e sua garganta se fechava a cada nova tentativa de respirar melhor. Sua língua parecia ser muito maior do que o espaço interno de sua boca, o que lhe dava a impressão de que devia tê-la pendurada para fora como a de um cachorro sedento em um dia quente. — Estou aqui — Fletcher adiantou-se. Não parecia muito atingido pela confusão. — Parece que a ação que movo teve efeito... Isso é bom. Mas precisarei mandar outros documentos para ele, já que os que trazia na mão acabaram se espalhando pelo bar inteiro. Eric tossiu muito, até conseguir indagar: — Meninas, vocês estão bem?

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— Fletcher nos tirou de lá pouco antes de o policial espirrar o spray, e nenhuma de nós foi atingida — Sophie explicou, calma. — Agora, não esfreguem os olhos! Nenhum de vocês! Vai ficar ainda pior se o fizerem. — Voltando-se para uma das irmãs, ela acrescentou, diligente: — Anna, vá depressa até aquele mercadinho na esquina e compre dois ou três litros de leite. Como é alcalino, é a melhor coisa contra spray de pimenta. — Não posso correr, meus sapatos têm plataformas muito altas — Anna avisou logo. — Além do mais, meu mapa astral para hoje indica a possibilidade de pequenos acidentes. — Está bem! Vá andando, então! — Sophie começava a perder a paciência. — Integral, desnatado, ou semidesnatado? — Integral, Anna! — Não tenho muito dinheiro comigo... — Ela anunciou em seguida. — Bruno, tem dez dólares, querido? Eric, sem poder esbravejar por causa da língua ferida, e louco por poder esfregar os olhos, mas contendo-se a custo, enfiou a mão no bolso e tirou sua carteira, lançando-a na direção em que vinha a voz de Anna. Esperava acertá-la em cheio, e sabia que Bruno, com certeza, entenderia seu gesto. No entanto, errou o alvo, porque a ouvia dizer apenas: — Obrigado, Eric. Importa-se se eu comprar um pouco de acetona, já que vou estar lá? Minhas unhas estão machucadas, já... — Anna, pelo amor de Deus, vá logo! — Bruno interferiu, parecendo estar tão ou mais desesperado do que Eric. — Será que não percebe que estamos quase morrendo aqui, enquanto você se preocupa com suas unhas? — Ora, não precisa falar assim! Afinal, não foi minha culpa se fomos expulsos dessa maneira do bar! Eu bem que avisei sobre os efeitos temíveis que Saturno preparou para hoje! Por fim, ela deu as costas ao grupo e encaminhou-se para o mercadinho. Eric podia ouvir-lhe os passos e também a risada abafada de Fletcher. Sophie pareceu levar uma eternidade cuidando de Rocky, depois se voltou para o irmão. Passou um líquido que ardeu como fogo sobre sua mão e comentou: — Acho que seria bom dar uns pontos aqui. Vou fazê-lo quando voltarmos à casa de Karen. — E enrolou gaze no ferimento. Instantes depois, ela se voltava para Bruno. — Vamos, abra a boca, quero olhar seus dentes. Deixe-me ver... Parece que uns dois estão um tanto abalados... Vai ser difícil mastigar por uma semana, mais ou menos, mas vão ficar bons por si mesmos. E bocheche água salgada para cicatrizar esse corte dentro de sua boca. — Ainda bem que os policiais não se importaram em documentar o incidente — Fletcher comentou, de repente. — Assim, não precisarei acordar cedo amanhã para ir diante de um juiz, solicitar que saiam da cadeia. Provavelmente receberiam uma acusação por bebedeira e desordem. Anna voltou depois de muito tempo, respirando fundo, com as caixas de leite nas mãos. Assim que parou, foi dizendo: — Eric, havia dois sujeitos lá, mendigando dinheiro porque estavam famintos e eu dei vinte dólares a cada um deles, está bem?

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— E enfiou a carteira de volta no bolso dele. — Sempre é bom fazer caridade, você sabe. Tudo que se dá, se recebe de volta. Eric não conseguiu responder. Sophie deu-lhe dois curativos de gaze embebida em leite, e ele os pressionou sobre os olhos. Muito lentamente, o ardor foi passando e ele conseguiu olhar ao redor. Seus amigos estavam tão mal quanto ele próprio. A camisa em estilo caubói de Bruno estava rasgada, e sua boca estava inchada e sangrando. O rosto de Rocky estava vermelho e inchado também. Os olhos de ambos pareciam estar sangrando, de tão avermelhados, e ainda lacrimejavam sem parar. — Aquele grandalhão devia estar usando uma armadura de ferro — Bruno comentou, por entre os dentes. Segurava uma das mãos com a outra e queixou-se: — Acho que devo estar com dois dedos quebrados. Sophie imediatamente segurou-lhe a mão e examinou-lhe os dedos. — Ai! Devagar! — ele protestou. — Não estão quebrados, apenas contundidos. Vocês precisam de gelo e de um bom analgésico. — O que todos precisam é de um transplante de cérebro — Karen rebateu, com voz chorosa. — Como posso ensinar a meus filhos que não devem bater nas pessoas quando seus próprios tios saem agindo por aí como se fossem Rambo? Eu não queria acionar Jimmy desde o princípio, lembram-se? Eu não queria vê-lo nunca mais! — E ele? Onde está? Para onde foi com seu amigo brutamontes? — Eric perguntou, quase mordendo de novo a língua para poder falar. — Eu os vi pegando um táxi — Sophie respondeu. — Jimmy deve estar agora na sala de emergência do Hospital St. Joe, consertando seu nariz quebrado. Pena eu não estar de plantão esta noite... Sabe, às vezes, consertar um septo desviado pode ser um procedimento bastante doloroso para o paciente. Bem, pessoal, acho melhor voltarmos todos à casa de Karen, para terminarmos com os curativos. Deixe seu carro aqui, Eric. Pode vir pegá-lo amanhã. Não pode dirigir com uma mão só, muito menos enxergando tão mal. Depois eu o levarei para casa. Eric agradeceu a Fletcher e Rocky por seu apoio. Anna já levara Bruno até seu carro, e os dois já tinham partido. Na casa de Karen, Sophie colocou gelo sobre o ferimento na mão de Eric e deu-lhe alguns pontos. — Sinto por ter-lhe causado essa confusão, Karen — murmurou ele. — Mas, afinal, como Nicols soube onde poderia encontrá-la? — A babá disse que um homem ligou para cá e perguntou onde eu estava. E ela lhe disse. — Então, vou ficar aqui esta noite, para o caso de ele decidir voltar. — Eric sabia que seria terrível dormir no pequeno sofá da sala, mas não a deixaria sozinha. — Também posso ficar — Sophie ofereceu. — Não, não, ninguém vai ficar aqui. Jimmy não vai aparecer. E depois, coloquei trancas novas nas portas. — Um de nós devia ficar com você — Eric teimou. — Nada disso. Por favor, vão para suas casas, não preciso de babá. Preciso, isso sim, ficar sozinha por algum tempo. 19

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Eric ia insistir, mas Sophie tocou-lhe o braço e negou de leve com a cabeça. E, quando já estavam de saída, ele ainda forçou sua língua mais uma vez: — Karen, obrigado pelo jantar de aniversário. Estava excelente. — Todos trouxeram um prato — ela explicou, sorrindo. — Fiz apenas o bolo. Mas fico feliz por ter gostado. — Karen ficou na ponta dos pés e beijou-lhe o rosto. Entregou-lhe mais uma vez o envelope com o convite para ir à agência matrimonial, e pediu: — Não se esqueça disto. Ele já se esquecera, e agora, ponderando a respeito, achava até que o spray de pimenta não fora tão ruim assim. O caminho até sua casa não era longo, e ele e Sophie o fizeram em silêncio. Quando ela estacionou diante do prédio, Eric indagou, antes de deixar o carro: — Será que Karen vai ficar bem, sozinha? — Acho que ela precisa de algum tempo para se acalmar. — Ela bateu de leve no braço do irmão e sorriu, acrescentando: — Não diga nada a Karen, mas acho que bater em Nicols foi um grande jeito de comemorar seu aniversário, irmãozinho. Eu mesma sempre tive vontade de dar uns murros no sujeito. — Nunca entendi por que Karen ficou com ele por tanto tempo... — Não? Bem, ela estava grávida quando decidiu ir viver com ele, lembra-se? — Sophie inclinou-se e deu-lhe um beijo no rosto, vendo-o sair do carro. — Mas, se ele insistir em fazer ameaças, ainda guardo as radiografias de quando ele bateu em Karen. Vamos ver quais serão suas desculpas quando o juiz as vir. Não esqueça: gelo, leite e analgésicos, certo? Vai se sentir bem pior pela manhã, mas... é o preço que se paga, certo? — Com mais um sorriso, ela acenou e partiu. Como sempre, quando se tratava de assuntos médicos, Sophie estava certa. Ao se levantar, na manhã seguinte, Eric imaginou que todo seu corpo devia estar quebrado, seu cérebro achatado, e seus olhos infeccionados. Sua língua ainda estava inchada e o atrapalhava quando fez a primeira coisa que lhe veio à mente: ligar para Karen. — Estou fazendo o desjejum para os meninos — disse ela. — E estamos todos bem. Jimmy não vai aparecer aqui, portanto, pare de se preocupar, está bem? — Certo. — Eric não sabia como ela podia ter tanta certeza, mas preferiu nem perguntar. Desligou, levantou-se e foi para o chuveiro. Os pontos, em sua mão, arderam como fogo. Suas juntas estavam inflamadas, sua cabeça doía demais e, ao olhar-se no espelho, não conteve o riso. Ao redor dos olhos, a pele estava escura, intumescida, suas bochechas tinham manchas roxas e, com a barba por fazer, sua aparência era abominável. Mas havia um lado bom em tudo aquilo, analisou. Na terça-feira, quando pretendia ir à agência para recuperar o dinheiro que suas irmãs tinham pago pela inscrição como cliente, ainda não estaria muito bem. A dona do negócio o olharia, sentiria arrepios em ter um cliente assim, e lhe daria o dinheiro de volta sem problemas. Afinal, que tipo de agência matrimonial gostaria de ter um bagunceiro brigão como cliente? Seu aniversário podia ter sido um desastre, mas havia dias melhores pela frente. Em um escritório pequeno, no segundo andar, no qual a única concessão à moderna tecnologia eram dois telefones, um minúsculo forno microondas e uma secretária eletrônica ultrapassada, Tessa McBride estava com grande dificuldade para manter sua solene 20

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promessa de não voltar a fumar. Tinha de haver dias melhores à frente, pensava, porque o que estava vivendo, mostrava ser, até o instante presente, terrível. Clara Beckford, sua chefe e proprietária fundadora da Agência Matrimonial Sincronia, o serviço mais pessoal do ramo em Vancouver, geralmente mantinha Tessa na linha, vigiando-a de perto, para mantê-la longe dos cigarros. Clara lembrava Tessa o tempo todo de que beijar uma pessoa fumante era como lamber cinzeiros usados, e que o cheiro do fumo não era um afrodisíaco; assim, se ela desejava ter um relacionamento duradouro, significativo e sincero com alguém, como dissera muitas vezes, precisava primeiro limpar seus pulmões. Ela também insistia em dizer que, se visse Tessa fumando no escritório, ela a demitiria no ato. Mas Clara não vinha ao escritório havia seis dias, e existiam muitas reclamações de clientes, o que contribuía para o estresse pelo qual Tessa estava passando. — Eu não fazia idéia de que Louie usasse dentaduras! — lamentava-se ela para Rebecca Hyacinth, que apenas ligara para reclamar, preferindo não fazê-lo pessoalmente, como todos os outros. — Na verdade, ele nem mencionou o fato em sua ficha de inscrição... estou com ela bem diante de mim. Não havia nada diante dela. As fichas estavam no arquivo, no outro lado da sala. Tessa ficou apenas olhando para o bloco de anotações que tinha a sua frente, ouvindo enquanto a mulher de quarenta e três anos prosseguia em suas reclamações, contando que fora jantar com o par que a agência lhe tinha arranjado e que, no meio do segundo prato, a dentadura superior de seu parceiro caíra! Rebecca não pudera evitar a náusea, uma vez que havia restinhos de espinafre na coisa! Tessa ergueu as sobrancelhas, imaginando por que, afinal, eles estariam comendo espinafre no primeiro encontro. As pessoas, com certeza, faziam coisas inacreditáveis! Às novas reclamações, Tessa rebateu: — Ele estava usando terno verde e meias azuis? Ah, e sapatos marrom também? Ele não mencionou ser daltônico... Nesse aspecto, Rebecca até poderia ter razão, mas ela também não era um modelo de beleza. Usava os cabelos presos em um coque e tinha uma barriga tão proeminente que se poderia dizer que estava grávida de nove meses, o que a tomava uma das clientes mais difíceis de conseguir encaixar em um encontro... Tessa não diria isso, é claro, mas a vontade de fumar se acentuava conforme ouvia a mulher do outro lado da linha. O lápis que tinha na boca já estava todo mordido. Tinha excelentes dentes, mas, no ritmo em que as coisas iam, não sabia por quanto tempo os teria saudáveis. — Não, não — explicou, pela oitava vez naquela manhã. — Clara não está no escritório, está ainda se recuperando de uma gripe. — Pensou em dar o telefone da casa de Clara para a cliente, mas desistiu da idéia de pronto. "Meu negócio é muito pessoal", Clara sempre dizia, orgulhosa. "As pessoas não gostam de deixar mensagens em máquinas quando estão se sentindo ansiosas ou decepcionadas. Todos querem falar comigo! E não me importo se ligarem para minha casa." Não havia dúvidas de que Clara fosse um tanto megalomaníaca, mas a situação agora era diferente, e Tessa não sabia ao certo como proceder. — Sim, Rebecca, claro que vou recolocar seu nome na lista, e assim que Clara voltar ao trabalho, ela vai lhe arranjar um novo encontro. Entrarei em contato com ela e lhe explicarei sobre seus anseios e preocupações, está bem? Certo, certo. Até mais, então, querida. — Após desligar, respirou fundo e comentou: — Oh, por que não vai me procurar na China, Rebecca querida? 21

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Nos dez meses em que trabalhava na agência, houvera outras ocasiões em que Clara tinha deixado tudo em suas mãos pouco experientes, mas agora a situação parecia-lhe pior. Tessa tinha a impressão de que o problema de sua chefe era sentimental. No mês anterior, fora como se uma luz houvesse se apagado nos olhos muito negros de Clara. Sua atitude sempre vivaz desaparecera, seu andar tomara-se mais lento, quase arrastado, seu otimismo desaparecera, sua decisões, sempre rápidas e certas, pareciam vacilar. Não vinha trabalhar com regularidade e parecia não estar se importando quando Tessa lhe telefonava, perguntando se estava melhor. Um desastre parecia estar a caminho. Clara tinha critérios específicos quanto a manter contato com os clientes e, quando estava bem, tudo funcionava às mil maravilhas. Mas na semana anterior, Tessa passara tensas horas, tentando imaginar quem tinha sido colocado com quem, e quando. Por fim, compreendera que boa parte das informações referentes aos casais formados pela agência devia estar apenas registrada na mente de Clara. O fato era que Tessa estava furiosa por Clara se recusar a usar computadores, ou mesmo permitir que Tessa tivesse um em sua mesa. A alegação para isso era a mesma de sempre: informatizar a agência daria a ela a mesma aparência impessoal de tantas outras da cidade. Mas Tessa apenas achava que os computadores trariam a Sincronia para o século vinte e um, onde deveria estar. A empresa que já contava com mais de cem inscritos e conquistava novos clientes, precisava de um sistema de cruzamento de dados eficiente, o que, no mínimo, evitaria que outro pobre sujeito como Louie, que usava dentadura e meias azuis pudesse ser colocado em um encontro com alguém como Rebecca. Ela também poderia brincar de paciência enquanto atendia telefonemas aborrecidos como o que acabara de suportar. A princípio, Tessa não tivera ilusões quanto, a saber, que uma agência de encontros como aquela sempre tinha mais reclamações a ouvir do que presenciar finais felizes. Clara lhe tinha explicado a atitude mais "zen" possível nesses casos, na qual a pessoa que preparava os pares simplesmente fazia o melhor possível e precisava conviver com o fato de que apenas um ou dois por cento dos pares formados efetivamente pudesse dar certo. Em resumo, a Sincronia devia sua existência mais a pessoas que queriam alguém e não conseguiam do que a pessoas que encontravam sua alma gêmea. Porque eram exatamente os que não conseguiam nada que renovavam suas fichas com regularidade. E Tessa e Clara continuavam se esforçando por encontrarem os pares perfeitos, embora isso fosse extremamente difícil. Nem Deus conseguia, como Clara sempre dizia. Tessa, porém, imaginava que Deus não devia passar a maior parte de seus dias ouvindo reclamações enfadonhas e intermináveis ao telefone ou pessoalmente, muito menos tentando encontrar o par perfeito para todos. Levantou-se, respirou fundo, pegou mais uma xícara de café e outro lápis para morder e discou o número de Clara. Precisava saber onde estavam os arquivos que não conseguira encontrar, se é que eles existiam. Também queria saber quando sua chefe planejava voltar ao trabalho e quantos clientes tinham ligado para ela para reclamar dos pares que Tessa formara. No entanto, quando o telefone foi atendido, depois do quarto toque, não foi a voz de Clara que Tessa ouviu, mas a de seu marido, Bernard Beckford, o que fez com que Tessa se arrepiasse. Bernard era a exceção à regra de que todo ser humano tem uma parte boa dentro de si. — Olá, Bernard. Clara está em casa? Aqui é Tessa.

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Ela sabia que estava sendo fria, mas, sempre que ouvia a voz forte do marido de Clara, não conseguia deixar de se lembrar do Natal passado, quando saíra do banheiro que ficava na parte superior da casa dos Beckford, para cair diretamente nos braços de Bernard. Como podia um chefe de cozinha ser tão forte? Ela imaginara de imediato. E antes mesmo que pudesse esboçar uma reação, ele a apertara e a beijara com violência. Ainda agora Tessa sentia calafrios ao se lembrar. Ele a segurara como um animal no cio, e a fizera sentir nojo ao demonstrar caladamente estar excitado. Ao completar trinta e dois anos, uma mulher sabe muito bem reconhecer qualquer tipo de situação que envolva um homem. E Tessa tinha experiência nisso, mas ser agarrada daquela forma pelo marido de sua chefe, uma mulher de quem gostava muito, tomava a situação muito pior. Normalmente, ela teria se livrado dele com um tradicional e eficiente chute, mas Bernard a surpreendera completamente e ela acabara sem ação. Tentara ser educada, mas isso de nada adiantara. Cerrou os lábios, virou o rosto, mas ele era insistente. Quando, por fim, vira que ele não seria desencorajado com facilidade, empurrou-lhe o peito e chegou a erguer o joelho, mas o que, de fato, afastou-o, foi a voz de Clara, perigosamente próxima. — Bernard, meu amor, ainda temos daquelas tortinhas de morango tão deliciosas? — Desculpe, querida, mas tenho que ir — Bernard dissera, com um sorriso lascivo para Tessa, como se ela o houvesse agarrado. E era essa mesma voz nojenta que lhe respondia agora: — Clara ainda está de cama, querida. Por que não liga mais tarde? Tessa desligou sem dizer nem mais uma palavra. — "Querida" — murmurou, indignada. — Seu nojento, quem lhe deu o direito de me chamar de querida? A campainha soou, e Tessa imaginou que outro cliente furioso deveria estar chegando. O lápis que começara a morder, para substituir o cigarro, já tinha marcas profundas ao longo de sua extensão. Apertou o botão do interfone e preparou-se para a próxima batalha. Segundos depois, a porta do escritório era aberta. Tessa abriu a boca para cumprimentar o recém-chegado, mas não o fez, fixando o olhar horrorizado no rosto dele. Estava olhando para Eric Stewart e sentiu que seu cérebro sofreu uma pane momentânea. Seu coração batia desesperadamente, e ela precisou engolir várias vezes antes de se recuperar. De repente, Bernard Beckford já não era mais o primeiro em sua lista de desafetos. Se o caso era ser desprezível, o sujeito que acabara de entrar na agência não tinha concorrentes à altura.

Capítulo IV

O tempo fere todos os curativos... 23

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Tessa não via Eric Stewart desde que deixara Vancouver, aos dezoito anos, e Clara havia prometido que ela não teria de lidar com ele na Sincronia. Quando as irmãs dele tinham comprado sua ficha de inscrição, Clara tinha prometido que ela própria sempre cuidaria dele. No entanto, agora, ali estava ele, e Clara estava em casa, doente... Em casa com o desprezível número dois. — Você! — Eric exclamou, de forma involuntária, mostrando que estava tão chocado quanto Tessa. Mas recuperou-se mais depressa e tentou manter um tom casual: — Ora, se não é Tessa McBride! — Tem boa memória, Eric. — A menos que houvesse feito um bom curso de arte dramática enquanto administrava seu negócio de reciclagem de lixo, ele parecia acabar de saber naquele instante que ela trabalhava na Sincronia. — Karen não mencionou que eu trabalho aqui? Eric negou com a cabeça e acrescentou: — Acho que ela imaginou que seria uma surpresa... E que surpresa! Então... como vai, Tessa? Ela pigarreou, olhou-o diretamente e tentou parecer adulta e civilizada: — Estou muito bem, obrigada. — Mas não graças a ele... — Não quer se sentar? Ele o fez, e Tessa pôde olhá-lo melhor. Nos anos desde que o vira pela última vez, Eric deveria ter envelhecido, engordado, se acabado. Mas, ao contrário, ele ainda se mantinha alto, com os ombros muito largos, muito bem-apessoado. E, mesmo estando agora avermelhados, os profundos olhos azuis mantinham o mesmo brilho e estavam fixos, como se pudessem penetrar na alma de quem os via, e saber mais do que deveriam... Tessa engoliu em seco. — Então... imagino que você e Karen tenham mantido contato nesses anos todos — Eric avaliou. — Desde que você voltou para cá, suponho... — Na verdade, não. Nos encontramos por acaso no Shopping Oakridge, um dia desses, acho que há um mês ou mais. Antes desse encontro fortuito, elas não se tinham visto durante anos. Tinham morado em cidades diferentes, Tessa se casara, Karen encontrara Jimmy, vivera com ele, tivera filhos... e agora estavam ambas sozinhas. Tomaram café em um local agradável, tentaram rememorar o passado, mas pouco ficara. Karen estava diferente, Tessa também. Mas, durante a conversa, Karen falara do irmão e dissera que ele não tinha se casado. E, se Karen não lhe houvesse contado que a firma de reciclagem de Eric era um sucesso, ela teria imaginado hoje, por sua aparência, que ele vinha passando por momentos muito difíceis na vida. Estava usando uma calça jeans extremamente gasta, quase rota, sua gravata estava manchada, seus olhos estavam avermelhados, com bolsas inchadas logo abaixo das pálpebras e a barba estava por fazer havia um ou dois dias, com certeza, até porque seu queixo e suas bochechas estavam consideravelmente inchados. Ele falava como se sua língua fosse maior do que sua boca e em uma das mãos, trazia uma atadura enorme, malfeita, que devia encobrir um ferimento de trabalho... — Sofreu um acidente, Eric? — Tessa perguntou, apontando vagamente para sua mão. Ele fez uma careta ao responder. — Não. Foi uma briga, mesmo. Bem, mas... tem visto Karen com certa regularidade desde que voltou? Quando pequenas, vocês duas costumavam ser como unha e carne...

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— Não. Nos encontramos apenas essa vez que mencionei. — Ela se ressentia um pouco por perceber que Karen nem mencionara ao irmão o encontro que tinham tido. — Achei que você estivesse vivendo em Calgary. Ouvi dizer que se casou. Talvez seu sobrenome nem seja mais McBride. Ele ainda mantinha uma expressão adorável, um sorriso quase infantil, mas que era matreiro, malicioso, e que fazia parecer que estava o tempo todo pensando em sexo quando, de fato, estava pensando em... sexo. — Mantive meu nome — explicou. — Isso me poupou muita papelada inútil quando meu casamento acabou. Voltei a Vancouver há, exatamente, treze meses. Ela perdera um marido, e ele nem mesmo perdera parte dos cabelos, avaliou, o que não lhe parecia justo, já que achava que os homens maus deviam ter o que mereciam. Mas aqueles cabelos já não eram longos, nem estavam amarrados em um rabo-de-cavalo, como no passado. Continuavam vastos, porém. Loiros, macios e sensuais. Onde estava a justiça em tudo isso? — Sinto muito por seu casamento não ter dado certo. — Aprendi muito com a experiência. — Tanto quanto aprendera com ele próprio, Tessa gostaria de acrescentar. Lembrava-se muito bem de que, aos dezoito anos, em uma festa na qual acabara de romper com o namorado, pouco depois de sua formatura, sentiase uma tola, por ainda ser virgem e estar sozinha. Eric aparecera com alguns de seus amigos, usando uma jaqueta de couro preta, calça jeans justa, muito usada, e botas. Tessa conhecia bem os boatos, sua mãe já a alertara. Eric Stewart podia ser um excelente irmão, mas era um terror com as garotas. Era perigoso, muito perigoso. — Não teve filhos? — ele quis saber. — Não. — Ela demorara sete anos para perceber que seu marido jamais iria querer ter filhos. Uma pena. Tempo perdido. — Não tive filhos. E você? — Filhos? Não, não! Estou mais livre do que nunca. É meu estilo, você sabe. Sim, ela sabia. Como sabia! Lembrava-se muito bem de seu estilo. Ele a convidara para darem uma volta naquela noite, na festa, e ela aceitara. Eric estacionara em um lugar escuro e a beijara, e, quando avançara em intimidades, ela permitira, gemendo entre seus beijos ardentes e incendiários. Sim, ele tinha muito estilo... Um estilo voltado inteiramente para o sexo. E agora, ali, diante dele, Tessa ainda podia sentir seu corpo reagir à lembrança daquela noite, dos beijos, dos carinhos... E por isso sentiu raiva de si mesma. Queria poder gritar contra as injustiças da vida. For que ela ainda conseguia se lembrar de como eram os beijos dele, as carícias dele em seu corpo? Não conseguia lembrar momentos assim ardentes com seu ex-marido, Gordon. E fora casada com ele durante sete longos anos! Naquele momento, não conseguia sequer se lembrar de como era deitar-se com ele! E tinha feito sexo com ele muitas vezes, mesmo levando-se em conta a pouca freqüência de seus encontros, já que Gordon tinha o apetite sexual bem reduzido, para dizer o mínimo. Mas seu corpo traidor lembrava-se, e muito bem, mesmo depois de tantos anos, como era estar com Eric Stewart. Precisava acabar logo com aquilo e colocá-lo depressa para fora do escritório! — Bem, Tessa, como é que veio trabalhar aqui?

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Até em uma pergunta tão simples parecia haver calor, ela pensou, sentindo-se ainda mais quente, mas pretendia mostrar-se distante, ficar imune. Aos dezoito anos, não conseguira. Ergueu o queixo, tentando visualizar apenas o cliente a sua frente, e falou em um tom mais profissional: — A Sra. Beckford precisava de uma assistente, e eu precisava de um emprego. — Assim que acabou a frase, ela se achou uma idiota. Afinal, dera o motivo mais óbvio para estar ali. Na verdade, achara que, ao trabalhar em uma agência matrimonial, poderia encontrar um homem inteligente, sensual e alegre. Fantasias, lastimava-se, porém. Havia homens, sim, mas até o momento, mesmo com os conselhos, a ajuda de Clara e acesso livre aos arquivos, Tessa ainda não tinha encontrado ninguém que tivesse pelo menos duas das características que desejava. — Gosta de trabalhar aqui? — Eric perguntou. — Adoro. — Mas seu emprego estava perdendo o encanto naquele exato momento... Ele, obviamente, não sabia mais o que dizer ou perguntar, e Tessa não conseguia falar porque estava experimentando um momento de pura raiva contra Clara, que lhe prometera jamais ter que ficar frente a frente com Eric Stewart. — Bem, Eric, preciso que preencha esta ficha. — Havia doçura em sua voz. Mas uma doçura como a dos adoçantes artificiais: doce a princípio, amarga logo em seguida. Com cuidado, ela colocou a ficha sobre a escrivaninha, deixando uma caneta sobre ela, para evitar contato com Eric. Ele afastou o papel sem, ao menos, olhá-lo. — Foi tudo um grande mal-entendido, Tessa — disse. E, por um alucinado momento, ela achou que se referia ao que havia acontecido entre eles. Mas, é claro, estava enganada. — Minhas irmãs se enganaram ao comprar esse certificado de cliente da agência para mim. Não preciso dos serviços de uma agência matrimonial e seria uma grande perda de tempo para todos continuarmos com isso. É melhor desfazermos tudo. Assim... posso receber o dinheiro que elas pagaram? Ou, pelo menos, transferir esse certificado para os nomes de Sophie ou de Karen? As duas estão solteiras e poderiam usufruir a oportunidade muito mais do que eu. Ele não perdera seu charme, de forma alguma. Fixando seus lindos olhos azuis nos dela, suavizando a voz até que ela não passasse de um murmúrio acariciante, Eric estava usando de sua força masculina para conseguir o que queria, como sempre. Isso poderia funcionar com qualquer mulher, Tessa avaliou, mas não com ela, não, mais. E tinha orgulho disso. — Sinto muito, mas acho que seria impossível — respondeu. E era bom demais poder contrariá-lo! — Tenho certeza de que leu o artigo referente a multas no contrato. Lá, afirmamos que não devolvemos o dinheiro pago nem permitimos que o certificado seja transferido a outra pessoa. Tenho certeza de que Clara falou sobre todos os detalhes com suas irmãs e deve ter insistido, como sempre faz, para que elas pensassem durante quarenta e oito horas sobre se, de fato, queriam comprar o certificado, antes de pagarem. Ela sempre age assim, é muito correta. Também há o artigo, no contrato, que fala sobre os três meses... Tenho certeza de que deve conhecê-lo, se leu o contrato inteiro. — Sim, li. Mas vamos rever alguns pontos aqui: se não conseguir encontrar um par perfeito para mim dentro de três meses, a agência me devolve o dinheiro, certo?

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— Não totalmente. Nossa agência tem três meses para encontrar "possíveis" companheiras para você antes que o contrato seja anulado. Se não conseguirmos alguém para você dentro de três meses, então devolveremos parte do dinheiro. — E quantas vezes isso aconteceu? — Desde que entrei aqui, nunca. — Ela sorriu cínica. — Clara é a melhor neste ramo de negócios, não sei se sabe. Temos muitos clientes. Não garantimos que alguém possa encontrar seu par ideal em três meses, isso não existe. Mas vamos, com certeza, colocar nossos clientes em contato com pessoas que possam ser compatíveis com eles. — E, especificamente no caso dele, isso seria um grande desafio, ponderou. — Se as candidatas que apresentarmos a você forem completamente inadequadas, é claro que não esperamos que continue se encontrando com elas. Mas pedimos que dê a cada uma pelo menos a oportunidade de mais três contatos para que elas possam conhecê-lo melhor. É sempre difícil conhecer estranhos e sabemos por experiência que três encontros evitam erros cometidos por impetuosidade. — E se a mulher em questão se recusar a sair comigo na segunda vez? — Bem, ela pode fazê-lo, é claro, e você também. Mas sabemos que os candidatos querem se conhecer, estreitar seus relacionamentos. É por isso que procuram nossa agência, afinal. Ele se inclinou para frente. Parecia tenso. — Escute Tessa, vou ser bem direto com você. A última coisa de que preciso no mundo é de uma agência matrimonial. Estou muito bem agindo por conta própria. Otimamente bem, diga-se de passagem. Eric não passava de um macho arrogante, Tessa avaliou. Em seguida rebateu: — Suas irmãs parecem pensar de forma diferente. — Eu sei, mas elas não andam grudadas em mim. Portanto, por favor, diga-me apenas como posso conseguir o dinheiro delas de volta. — Bem, você teria de conversar a respeito com Clara. Mas eu, antes de fazê-lo, pensaria bastante sobre o que isso poderia causar aos sentimentos de suas irmãs. Afinal, elas lhe deram nosso certificado de cliente como presente de aniversário. Os olhos dele cerraram-se um pouco, bem como seu maxilar. Por fim, ameaçou: — Posso pedir a meu advogado que reveja as condições desse contrato. Acho que ele pode ser refutado diante de uma corte. Tessa também avaliava consigo mesma a legalidade daquele contrato. Clara costumava agir por conta de suas próprias regras, mas Tessa não admitiria jamais a Eric qualquer coisa que pudesse deixá-la em uma situação pouco confortável. — É claro, é livre para agir como bem entender. Vá em frente e trate o presente que recebeu de suas irmãs com desrespeito e desprezo. Eu, pessoalmente, acredito que você tenha uma obrigação moral com elas e que deva pensar muito antes de agir. No entanto, se quer feri-las rejeitando um presente tão gentil, tão generoso, decida por si só. Ela o encarou como se esperasse, de fato, que ele tivesse uma atitude grosseira, e o efeito desse seu olhar pareceu funcionar, porque ele voltou a se recostar na cadeira e respirou fundo, aquiescendo. — É, tem razão, foi um presente generoso — murmurou.

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Tessa ergueu as sobrancelhas. Parecia haver um resquício de humanidade nele. Que progresso! Empurrou a ficha novamente para Eric. Ele retirou sua própria caneta dourada do bolso da camisa e leu o formulário, murmurando: — Culpado, culpado. Todas vocês, mulheres, sabem como fazer com que os homens se sintam culpados. Deve ser genético. Tessa nada disse, observando-o enquanto lia, franzia a testa e voltava à primeira página. — Mas, o que é isto, afinal? — Eric protestou. E leu: — "Descreva as qualidades da pessoa que você, no momento, considera ser seu melhor amigo." O que meu melhor amigo tem a ver com isso? Ele é homem, eu sou homem... Sim, e ela sabia muito bem que Eric não era; nunca fora, gay. Manteve a voz suave e conciliatória, embora sentisse vontade de rir: — Nunca pensou que uma companheira de muito tempo pudesse ser também, sua melhor amiga? Sabendo sobre as qualidades que você valoriza em um amigo, poderemos ter uma boa imagem do tipo de mulher que o atrairia. Eric ergueu as sobrancelhas, respirou fundo, e continuou a ler, fingindo prestar absoluta atenção. — Vejamos... — disse, como para si mesmo. — O que mais gosto em Rocky? Ele é bom, é gentil com os idosos e com bebês... trabalha muito, joga futebol muito bem, não costuma reclamar... E jamais tenta me fazer sentir culpado por alguma coisa nem me forçar a fazer algo. Ele estava zombando. Tessa sentia vontade de poder erguê-lo e lançá-lo para fora dali. Mas sabia que isso seria completamente impossível. Olhou para seu relógio com ênfase, para que ele percebesse. — Se pudesse terminar isso antes da meia-noite... — pediu. — Tenho mais um cliente chegando em alguns minutos. Talvez tivesse, ela não se lembrava. Queria que Eric saísse dali o quanto antes para poder quebrar seu recorde de um dia, quatro horas e vinte e cinco minutos de abstinência. Havia uma loja de conveniência do outro lado da rua. Iria comprar um maço de cigarros assim que Eric saísse da agência. Por fim, ele começou a escrever rapidamente, e Tessa teve quase certeza de que ele não estava sendo sério em nenhuma de suas respostas. Em poucos segundos, levantou e entregou-lhe o papel preenchido por inteiro. — Pronto, terminei — avisou como se fosse necessário. — Agora posso sair e brincar? O tom de brincadeira não funcionou com Tessa, que respirou fundo, muito séria, e respondeu: — Clara e eu analisaremos seus dados cuidadosamente e poderemos formar seu tipo de personalidade, bem como o tipo de mulher que possa se enquadrar no que deseja. Entraremos em contato com elas e lhes daremos o seu nome e número. Pedimos que marque um encontro o quanto antes depois do primeiro contato. Eric assentiu. — Certo. Foi bom revê-la, Tess. — Os olhos dele admiraram-na rapidamente de cima a baixo, e, em seguida, ele murmurou: — A propósito, você está muito bem. 28

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E se foi, antes que ela pudesse pensar em uma resposta educada e igualmente dura. Lá fora, Eric sentiu vontade de bater sua cabeça, que latejava, na parede. Por que, em nome de Deus, Karen não lhe tinha dito que a amiga que trabalhava na agência era Tessa McBride? E, se era, de fato, uma boa irmã, deveria ter-lhe dito que sua amiga se transformara em uma mulher belíssima! Ele dissera que ela estava "muito bem". O que acontecera com os adjetivos que tão bem conhecia e usava como "estonteante, maravilhosa, sensacional"? Ou por que, simplesmente não murmurara "uau!"? Dissera apenas "Foi bom revê-la, Tess". Que coisa idiota! Ela, provavelmente, devia ter achado que estava zombando. Precisava de um café bem forte. Queria esquecer Tessa McBride e concentrar-se em sua intenção anterior, que era a de conseguir o dinheiro das irmãs de volta; mas não esperava rever a mulher que jamais quisera reencontrar, sentada atrás daquela escrivaninha! Se quisesse fazê-lo, não teria deliberadamente ido até a agência vestido como um pobre-coitado, com a barba por fazer, as roupas velhas, gastas, enquanto ela usava um elegante conjunto de seda, com um decote drapeado que tomava quase impossível fixar os olhos em seu rosto. Tessa sempre fora sensual, mas agora ela estava demais! Acabou entrando na primeira lanchonete que encontrou. — Bom dia, senhor! O que vai ser? — perguntou o jovem atendente, com um sorriso. — Um café preto, bem forte. O rapaz se foi, e a mulher que também estava atrás do balcão, de formas generosas, sorriu-lhe. Depois foi para dentro e ela mesma lhe trouxe a caneca com o café. Eric lembrava-se de que, no passado, Tessa fora quase como ela. Agora estava mais magra, sensual, e seus seios estavam mais fartos. Lembrava-se muito bem dos seios dela. Seu corpo reagia ao pensar nisso. Não se conformava com o que acontecera no passado, fora apenas uma vez e deixara-se levar como um perfeito idiota. Ela tinha lábios perfeitos. Os cabelos estavam da mesma cor, embora mais compridos. Eram escuros e estavam penteados, embora estranhamente livres, soltos, sem compromisso. Poderiam ser assim antes e depois do sexo... Precisava parar de pensar nisso, precisava perceber que um problema se avizinhava. Tessa era seu nome. Ela era linda, sensual, e a agência estava com o dinheiro das garotas. Tessa estava com a razão quando dizia que o certificado fora um presente e que ele não deveria magoar suas irmãs. Envolver Fletcher na situação não fora uma boa idéia, ainda mais porque ele acabaria rindo muito daquilo tudo. Mas devia haver um meio de fazer com que a agência desistisse e lhe devolvesse o dinheiro. Seu celular tocou. Era Bruno. — Recusaram o financiamento para os novos equipamentos — ele anunciou, em tom sombrio. — Keller disse que devemos tentar de novo dentro de alguns meses. Quer tentar outro banco? Ele é novo, sabe? O antigo gerente nos teria dado o dinheiro. — Talvez isso tenha a ver com nosso aspecto depois daquela briga. Ele me pareceu ser do tipo que valoriza demais a aparência — comentou. — Podemos tentar em outro lugar. Não estamos casados com Keller... Eric pensou por segundos. — Não, vamos esperar mais um pouco. — Talvez a notícia não fosse tão ruim assim, afinal, ponderou. Queria e sabia usar o dinheiro emprestado pelo banco, mas detestava não estar no completo domínio de seus negócios. 29

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— E então, como foi na agência? — Bruno quis saber. Eric já contara ao cunhado sobre o que pretendia fazer, mas não queria entrar em detalhes naquele momento e, por isso, disse apenas: — Quase igual ao que aconteceu no banco. — Não vão devolver o dinheiro? — É complicado... Mas acho que há uma chance, se eu recorrer a uma espécie de sabotagem. As mulheres com quem eu sair vão voltar correndo para a agência, dizendo que jamais vão querer me ver novamente. Quando muitas delas o fizerem, o jogo estará terminado. — Você é quem sabe. — Bruno, você me parece distraído. Há algo de errado? — Não, não. Tive uma discussão com Anna, nada sério, eu acho. Ela quer que eu faça aulas de ioga, você acredita? Não me interesso por esse tipo de coisa, você sabe. — Pois devia começar a se interessar, porque ela vai insistir... e muito. — É, eu sei. Bem, boa sorte no jogo com a agência. Espero que consiga sair dele em breve. Depois de desligar, Eric saboreou seu café, pensando no assunto. Parecia fácil poder desencorajar as mulheres, mas, depois de praticamente ter criado as irmãs, a única coisa que sabia, com certeza, sobre o dito sexo frágil, era que, quando se acha que se sabe tudo sobre elas, as mulheres acabam agindo de forma absolutamente contrária ao que se espera. Não, não seria tão fácil assim, avaliou. E, pela primeira vez, sentiu-se ansioso com seu projeto. Era um desafio, não havia dúvidas, e estava disposto a encará-lo, embora o fato de Tessa McBride estar envolvida o incomodasse um pouco. Sabia que ela faria de tudo para tomar as coisas mais difíceis para ele. O que poderia fazer a respeito? Pediu um segundo café e continuou pensando. Não era bom ter Tessa como inimiga, ela tinha muitas cartas na mão dentro daquela agência. Podia ligar para ela mais tarde, insistir na devolução do dinheiro... Não, não. Poderia falar sobre seu passado, dizer que já fazia muito tempo, que não deviam guardar mágoas... Mas, o que estava imaginando? Poderia citar Anna, quando ela dizia que carregar emoções antigas não fazia bem para a alma. Isso! Podia dizer isso a Tessa! Talvez fosse verdade, afinal, porque seu coração ficara acelerado o tempo todo em que estivera perto de Tessa hoje. Talvez essa agitação fosse um efeito retardado do spray de pimenta... O problema era que seu corpo também reagira de forma muito mais intensa e sensual. E o que isso poderia significar?

Capítulo V

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Se você me abandonar, posso ir junto? Era tudo culpa da falta de computadores, Tessa avaliou, aborrecida. Não fosse pelas idéias retrógradas de Clara a respeito da informatização, aquela situação toda com Eric Stewart não teria acontecido porque os arquivos estariam organizados, os clientes marcariam hora para irem até a agência, ela poderia consultar os dados e saber que Eric viria, e, então, ter fugido pela porta dos fundos. Estava com a ficha dele diante de si, na mesa, e tinha um cigarro que ainda não acendera entre os dedos da mão direita. Com a esquerda, discou mais uma vez o número de sua chefe, e dessa vez ela atendeu. — Clara, é Tessa. Liguei antes, mas foi Bernard quem atendeu. — É mesmo? Ele nem me disse... — Não havia expressão na voz de Clara, como se ela não se importasse que Bernard, o desprezível, estivesse mantendo seus recados em segredo. E pareceu impaciente ao perguntar: — O que houve? Por que está ligando para mim? — Talvez, porque seja minha chefe e queira estar sempre a par de tudo que acontece por aqui, — Tessa imaginou, em segundos de silêncio. Olhou, então, para o telefone, como se ele fosse algum objeto estranho, e depois tragou o cigarro, ainda apagado. Clara jamais fora tão fria, sempre a tratara como uma amiga querida e uma boa auxiliar. Sua nova atitude deixava Tessa inquieta. Procurou, porém, manter o tom casual: — Liguei antes porque alguns dos arquivos não estão aqui e imaginei se você teria, por acaso, levado-os para casa por engano. E preciso também falar sobre o novo cliente, Eric Stewart. Aquele cujas irmãs compraram o certificado da agência para lhe dar de presente, lembra-se? Já falamos a respeito. Houve uma longa pausa do outro lado da linha, até que Clara respondeu: — Oh, sim, eu me lembro dele. Na verdade, lembro-me das irmãs. — Exatamente. Sophie, Karen e Anna. — Tessa não entendia o que estava acontecendo. Clara nunca se esquecia de nome algum! Procurou por seu fósforo, mas não o encontrou, sabendo que já o tinha jogado no lixo. — Bem, ele esteve aqui para uma entrevista preliminar esta manhã, e acho que você não deveria mantê-lo como cliente. Ele é... — Pensou em um bom adjetivo para descrevê-lo com exatidão. Por fim, acabou dizendo: — Ele é beligerante e negativo, além de sarcástico. Não quer conhecer mulher nenhuma. Diz que está muito bem por conta própria, provavelmente saindo com garçonetes o tempo todo. Tratou o questionário com desdém. Em sua profissão, escreveu: lixeiro, e sei que ele possui uma firma de reciclagem de lixo. Quando tinha de escrever as três coisas de que mais gosta em si mesmo, escreveu: "meu pênis, meu apetite sexual e meu nível de testosterona". Será que Clara a ouvia? Tessa parou por segundos, esperando por uma reação que não veio. Então prosseguiu determinada: — E quando se pede que diga o nome de uma pessoa que ele considera bemsucedida em um relacionamento, escreveu que é seu melhor amigo, Rocky, mas que a parte sexual desse relacionamento não conta. E ficou perguntando o tempo todo como poderia receber o dinheiro de suas irmãs de volta. Tentou até me ameaçar, dizendo que pediria a um advogado para averiguar a validade de nosso contrato. Ele o considera ilegal. — Mas é claro que é! — Clara declarou, por fim. — Nosso contrato é apenas um aperto de mãos entre a firma e o cliente, nada mais. E eu sempre quis que fosse assim. É um contrato honesto! — Ela parecia irritada, mas não com Eric. Com Tessa! 31

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Fosse o que fosse que estava acontecendo, Tessa não estava gostando daquilo. — E, quanto à devolução do dinheiro, espero que tenha feito o possível para evitá-la. — Foi o que fiz. Disse que ele teria de falar com você e... — Não devolvemos nada, você sabe disso! — Clara a interrompeu. — A agência não pode ficar desperdiçando dinheiro assim! Até onde Tessa sabia, a Sincronia estava em boa situação financeira. Os clientes, de maneira geral, ficavam satisfeitos, com exceção do que ocorrera nos últimos dias. Alguns casais até chegavam a se casar! — Muito bem, Clara, diga-me: o que está acontecendo? — Tessa perguntou, sem agüentar mais a situação. — Está furiosa comigo, sei que tem havido algumas reclamações, mas estou fazendo o possível, e esse problema com os arquivos me deixou confusa! Precisamos conversar sobre... Um choro estranho se ouviu do outro lado da linha, e Tessa ficou boquiaberta. Sua chefe estava soluçando e tentando dizer algo que parecia ininteligível. Clara só chorava em casamentos de clientes, e eram lágrimas programadas, que desapareciam assim que a cerimônia terminava! As lágrimas que estava chorando agora, porém, vinham do mais íntimo de seu ser. Tessa apertou tanto o telefone que suas juntas chegaram a doer e acabou mordendo forte a ponta do cigarro, cortando o papel que o enrolava. — É... É Bernard! — Clara conseguiu dizer, por fim. — Ele está me abandonando, trocando-me por uma tal de Lolita! Uma garota, que o auxilia na cozinha há seis meses. Uma vagabunda! Ouvir Clara falando assim era prova mais do que suficiente para mostrar o quanto ela estava desesperada. Era sempre elegante, refinada... — Bernard disse que ela é tudo que ele sempre quis na vida! Disse que não sou mais interessante, que não dou atenção a ele, que já não me deseja! Tessa sentia uma profunda raiva do desprezível sujeito. Continuava ouvindo, pois Clara falava sem parar: — E aí vem o problema do dinheiro. Ele quis um equipamento novo para seu restaurante, e eu lhe emprestei uma quantia enorme! Tirei o dinheiro de minha agência e ele ainda não me devolveu nem um centavo! Não fizemos um contrato por escrito, afinal, ele é meu marido... e agora ele diz que eu lhe devia isso porque me ajudou no começo, há anos, quando iniciei a Sincronia. E ele ajudou, mesmo, mas foi com muito menos dinheiro e paguei-lhe tudo! Mas... mas não tenho registro algum disso... Tessa não precisava de detalhes. Sabia que Bernard certamente era capaz de qualquer atitude inescrupulosa, como era capaz de sair com outras mulheres. Mas Clara ainda não terminara: — E agora ele diz que quer metade do que nossa casa vale e não sei como vou conseguir o dinheiro para comprar a parte dele! Precisarei fazer uma hipoteca se quiser pagá-lo. A agência está indo bem, mas há tantos concorrentes, com essa coisa ridícula de internet arranjando encontros também! Tessa ergueu as sobrancelhas. Com certeza, aquele não era o melhor momento para dizer a sua chefe que precisavam informatizar o escritório... Continuou ouvindo, em silêncio: — Eu nem devia estar contando tudo isto para você, Tessa, mas não consigo suportar! Não sou mais capaz de tomar decisões! Apenas não prometa devolver dinheiro algum. Vou 32

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procurar para ver se tenho alguns arquivos por aqui e, se tiver, vou mandá-los a você. Prometo arranjar tudo o mais cedo possível, está bem? Clara desligou, ainda chorando muito. Tessa meneou a cabeça, pensando na perfídia masculina e no fato de que mastigar um cigarro não tinha o mesmo efeito de fumá-lo. Levantou-se e foi ao banheiro, para cuspir os pedacinhos de fumo e escovar os dentes. Enquanto o fazia, ponderava: quanto devia custar para mandar castrar um sujeito que não prestasse? Porque Bernard, o desprezível, merecia passar o resto de sua vida como um eunuco. Se houvesse a menor possibilidade de castrar Eric Stewart, isso também deveria ser feito! Uma estranha voz interior lhe sussurrou que seria um grande desperdício... Respirou fundo, reconhecendo que estava novamente pensando nele e de uma forma que não devia. Teria de lidar com aquela situação, afinal, já que Clara estava realmente em apuros, mas não seria fácil. Cerrou um pouco os olhos, pensativa. Precisava apenas armar sua estratégia, encontrar os pontos fracos dele e manter seu coração e seu corpo afastados do alcance daquele outro desprezível ser humano. Para conhecer seus pontos fracos, precisava conhecê-lo melhor, e isso poderia ser feito estreitando novamente seus laços de amizade com Karen, que lhe dera os números de telefone de sua casa e de seu emprego. Estava decidida. Um bom começo seria conhecer os filhos da antiga amiga. A campainha soou, e ela saiu do banheiro às pressas. Precisava mais do que nunca de um cigarro!

Capítulo VI

O que você vê, não é sempre o que você consegue... No salão de beleza Tesoura Feliz, era absolutamente proibido fumar, mas a freguesa de Karen, Myma Bisaglio, ignorava os pedidos de Karen e os avisos pendurados em todas as paredes quanto a isso. Estava acendendo seu terceiro cigarro, e Karen tornou a lhe dizer que não o fizesse, mas Myma apenas a olhou, soltou a fumaça em seu rosto e bateu as primeiras cinzas no potinho de porcelana usado para guardar grampos. — Meus cabelos ainda não estão no tom que eu pedi, querida — reclamou a seguir, olhando-.se no espelho. — Pode refazer tudo? Se o fizesse, seria pela terceira vez nesse dia, avaliou Karen. — Sinto muito, mas seria impossível, Myma. Seus cabelos estão frágeis agora. Se eu os descolorir e aplicar nova tinta, vão ficar quebradiços. Karen falava com suavidade, mas estava irritada. Suas mãos tremiam. Já descolorira, tingira, lavara, secara e penteara a mulher por duas vezes seguidas! Estava com aquela cliente havia cinco horas.

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Não iria repetir o processo. Fosse o que fosse que fizesse nos cabelos, Myma continuaria horrível. Será que ninguém nunca lhe dissera isso? Havia outras freguesas esperando para serem atendidas, e Karen tinha uma entrevista com a professora de Simon às quinze para as quatro. Imaginava que o filho houvesse dito palavrões na escola novamente, mas, agora, a professora não lhe dissera o motivo de tê-la chamado. Pior de tudo porém, era ter Junella olhando-a o tempo todo, com expressão aborrecida, porque era norma do salão manter as freguesas sempre satisfeitas. — A química dos produtos iria estragar seus cabelos — insistiu. — Bem, então acho que vou voltar amanhã — Myma comentou, com expressão aborrecida. — Acho que ainda será muito cedo. Vou dar-lhe alguns produtos para revitalizar e fortalecer a raiz, e então esperaremos mais ou menos um mês. — Um mês? — Myma gritou, chamando a atenção de todas as mulheres que estavam no salão. —Não vou ficar com estes cabelos horríveis por um mês! Quando marquei hora, Junella disse-me que você trabalhava muito bem e agora, olhe para isto! E saiba que tenho um coquetel esta noite! Escute, querida, não quero parecer rabugenta, mas não vou pagar enquanto meus cabelos não ficarem da cor que quero! Isso significava que Junella iria deduzir o valor do salário de Karen, e ela tinha a conta do dentista das crianças para pagar. Teria de pedir dinheiro a Eric novamente... Karen sabia que precisava se manter calma e contornar a situação. — Vou cobrar apenas pela escova, então. O que acha? — propôs. — Não vou pagar por nada, querida. O que você fez não é o que pedi. Vou conversar com Junella sobre isto. — Faça isso. — Karen tentava se lembrar das dicas que Sophie lhe dera sobre como controlar a raiva, e estava fazendo o possível para não gritar com a freguesa. Voltou-se para a dona do salão e chamou: — Junella! Myma gostaria de falar com você. Junella veio depressa. Tinha um sorriso nos lábios, mas seus olhos eram glaciais. — Algum problema? — indagou, sabendo que havia um, sim. Aliás, todo mundo no salão sabia qual era o problema. Karen podia sentir os olhares de suas colegas, com pena de sua situação. Todas sabiam, como ela mesma, que Junella lhe dera aquela freguesa impossível de agradar porque Karen precisava demais de seu emprego para recusá-la. Todas ali sabiam que outra garota tinha pedido demissão havia dois meses justamente por causa de Myma Bisaglio. Junella jamais defendera uma de suas empregadas contra uma freguesa, Karen lembrou, esperando pelo pior. Afastou-se, deixando que as duas conversassem, tentando esconder as mãos que ainda tremiam muito. Foi atender Emily, uma adorável senhora que tinha pouco cabelo e se satisfazia com facilidade. Ao terminar, trocou de sapatos, porque Junella exigia que todas as suas funcionárias trabalhassem de saltos altos, e depois pegou sua bolsa e encaminhou-se à porta dos fundos, onde deixara sua bicicleta. — Karen! — Junella chamou-a. — Eu gostaria de falar com você, por favor. Mas ela fingiu não ouvir, apressando os passos até a porta. Sabia que, se tivesse de enfrentar Junella naquele momento, acabaria perdendo as estribeiras. Do lado de fora, olhou para todos os lados, sentindo o coração acelerado. Desde a briga no bar, adquirira um pavor enorme de que Jimmy pudesse estar esperando por ela 34

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depois do expediente, furioso ainda com os papéis do processo e agora também por causa do nariz que Eric lhe quebrara. — Um sujeito comum não tem a menor chance com você, muito menos com Eric por perto — Jimmy costumava dizer, sorrindo com desdém. Ele fora uma criança abandonada, criado em casas de auxílio, sem nunca saber o que era ter uma família. Karen chegara a imaginar que poderia amá-lo o suficiente para suprir tal vazio e, que, ao ter filhos, Jimmy se sentiria realizado, mas, ao contrário, ele ficara ainda mais inseguro. Bebia, eles brigavam, e ela acabava, sim, comparando-o a Eric. E, naquela terrível briga final, quando ele a golpeara com tanta violência, soubera que tudo estava definitivamente terminado. Então, perguntava-se, por que levara tanto tempo para mover uma ação contra ele? Talvez, no íntimo, tivesse ainda esperança de que Jimmy mudasse, que se tornasse o homem que ela o imaginara ser no princípio. Mas os meses, e depois os anos, foram passando, e ele não moveu um dedo para revê-la, nem aos garotos, muito menos oferecera algo para sustentá-los, e Karen percebera que Eric e suas irmãs estavam com a razão. Jimmy não era um homem talhado para ser marido e pai, mas tinha de ajudá-la com as crianças. Aceitara a intervenção de Fletcher, assinara os papéis da ação e agora tinha de enfrentar as conseqüências. Sabia que Jimmy não iria até sua casa, e dizia sempre aos meninos para não abrirem a porta até terem certeza de que era ela quem chegava. O caminho até a escola de Simon, na bicicleta, ajudou-a a se acalmar um pouco. Tinha combinado com Tessa que ela conheceria seus filhos nessa noite e mal podia esperar para rever a antiga amiga. Eric também iria até sua casa para pegar os meninos e levá-los ao shopping para comprar-lhes chuteiras, e ela e Tessa teriam muito tempo para conversar sobre antigamente. O que diria a sua amiga sobre sua união fracassada com Jimmy? Sophie costumava dizer que ele era um psicopata, mas Karen diria a Tessa que nunca se arrependera de ter vivido com ele por causa de seus filhos. E Tessa entenderia. Dissera a mesma coisa a suas irmãs, certa vez, e Sophie a olhara como se estivesse louca. — Podia ter se casado com um homem normal e tido filhos também — rebatera ela. — Mas eles não seriam Simon e lan... — Não, não seriam — Anna interferira, com suas concepções astrológicas. — Toda alma tem seu próprio padrão astrológico. Ninguém é igual a ninguém. — E, voltando-se para Sophie, explicara, como se Karen não estivesse ali: — Ela escolheu seu caminho como em uma drástica lição de auto-estima. O universo é assim, às vezes. Karen precisava ficar com Jimmy para conhecer seu próprio valor. — Mas isso me parece tão louco quanto bater a cabeça na parede só para ter a sensação agradável quando a dor passar... — Sophie argumentara, sem entender. — E o universo tem algum tipo de respeito por seu conforto pessoal? — Anna finalizara, com toda sua sabedoria. Sua irmã tinha um marido que a adorava, mas, mesmo com toda sua sabedoria quanto aos outros, Anna não percebera ainda que Bruno mudara desde que ela passara a se dedicar dia e noite a esses assuntos esotéricos. Karen percebia, pela forma como Bruno tratava seus filhos, que ele queria ter uma família. Anna queria filhos, mas não agora. E, como já tinha trinta e três anos, não podia ficar esperando muitos mais para começar...

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Era isso também o que Sophie dizia em relação a Eric. Não havia dúvidas de que a família Stewart não estava administrando bem os relacionamentos. Havia seis semanas, Sophie dissera, ao saber que o irmão se livrara de uma mulher de quem a família não gostava: — É uma causa perdida tentar que ele se relacione de forma estável com alguém. Precisamos fazer algo para ajudá-lo. E assim, todas as irmãs começaram a pensar nas mulheres que, possivelmente, poderiam ser elegíveis para Eric. As amigas de Anna eram esquisitas demais para servirem de opção e foram descartadas. Pensaram em uma médica amiga de Sophie, mas descobriram depois que o interesse dela era pelo mesmo sexo e deixaram-na de lado. Karen também pensara em algumas colegas de trabalho, mas sabia que elas eram muito diferentes de Eric para que um romance desse certo. Foi então que se encontrou por acaso com Tessa e lembrou-se de que ela fora apaixonada por Eric havia muitos anos. Tessa estava sozinha agora, era inteligente, sensual e heterossexual. Mais do que isso: era taurina, o que Anna logo aprovou, dizendo ser o par perfeito para Gêmeos, o signo de Eric. Precisavam apenas colocá-los em contato sem que seu irmão desconfiasse de alguma coisa. Foi Sophie quem apareceu com a idéia brilhante de comprarem um certificado para ele na agência em que Tessa trabalhava. E explicou, esperta: — Se ele desconfiar que estamos tentando aproximá-lo dessa moça, vai pular fora de imediato. Mas, se lhe dermos um certificado, vai ter de, pelo menos, falar com ela. Oh, é perfeito! Ele vai detestar esse presente de aniversário, vai ficar preocupado porque gastamos dinheiro e vai tentar recebê-lo de volta. Como não vai conseguir, vai fazer de tudo para afastar todas as mulheres que lhe indicarem e, o tempo todo, Tessa estará lá, diante de seu nariz. Mas escutem, nem mencionem o nome dela! E Karen não mencionara. Também não dissera a ninguém que sua antiga amiga a visitaria nessa noite. Mas temia pelo que Eric pudesse fazer, por isso indagou às irmãs: — Não acham que deveríamos dar umas dicas a ela sobre o que estamos tentando fazer? — Se queremos que dê certo, não podemos deixar que eles desconfiem de nada — Sophie disse, definitiva. E assim foi, ainda mais porque Anna, fazendo rapidamente o mapa astral de Tessa em seu computador, interferiu: — Não sei ao certo o momento do nascimento de Tessa, mas, mesmo sem ele, sei que ela e Eric são compatíveis. Seu relacionamento está na nona casa, e seu destino está selado. — Estão vendo? — Foi a palavra final de Sophie. — Quem somos nós para irmos contra o destino? Tessa já não sabia o que argumentar diante de Shelby Goodlight, que descrevia, horrorizada, as roupas com que o dentista que lhe fora apresentado pela agência estava usando em seu segundo encontro. Era estranho colocar uma mulher que tinha dentes tão grandes como par perfeito para um dentista, ponderou ela, mas nada disse, continuando a ouvir o monte de bobagens que Shelby dizia. — Ele sugeriu que eu usasse aparelho nos dentes — dizia ela. — Para quê, se estou bem assim até hoje? Ele podia era dar descontos especiais para toda minha família em 36

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seus tratamentos de canal, isso sim. Além do mais, Tessa, dentistas não são sensuais. Podem ganhar muito dinheiro, mas ficam observando nossos dentes o tempo todo! Oh, por favor, não me coloque mais com nenhum deles, está bem? Tessa prometeu, sorrindo e, poucos minutos depois, Shelby deixou o escritório. Tessa comeu uma barra de chocolate para recobrar suas forças e contrabalançar a vontade de fumar. O telefone tocou e quase deixou que a secretária eletrônica atendesse, mas a responsabilidade falou mais alto e correu para pegar o aparelho. Era sua mãe. Talvez, imaginou, tivesse sido melhor deixar a máquina atender... — Tessa, está ocupada? — Não, mãe. Não muito. Maria era uma boa mãe, adorava a filha, preocupava-se com ela, queria o melhor para sua vida, mas colocara na cabeça que, por ser divorciada como Tessa, e por viverem na mesma cidade, deviam ser amigas inseparáveis. Queria que saíssem juntas todas as sextas-feiras à noite, e Tessa estava tentando demovê-la da idéia já fazia algum tempo. Adorava a mãe, mas não via como mãe e filha podiam agir como se fossem duas amigas da mesma idade, com os mesmos interesses. Na última vez em que tinham saído juntas, numa das tais sextas-feiras, Maria, inclinando-se sobre a mesa à qual comiam uma pizza, dissera: — Tessa, acha que devo comprar um vibrador? E Tessa ficara absolutamente sem resposta. — Bem, eu... acho que esse é um assunto pessoal. E, se está, mesmo, pensando em gastar nisso... Não era natural discutir esse assunto com a mãe, analisava. — Vou ligar para você amanhã — sua mãe avisou. Tessa logo pensou que fosse para marcarem outra saída noturna e explicou: — Sinto muito, mãe, mas não vou poder. Tenho um encontro. Três semanas atrás, Clara separara para ela um sujeito chamado Alistair Famsworth, um milionário da informática. Tessa estivera por duas vezes com ele, e o achara enfadonho demais, mas sabia que devia tentar um terceiro encontro, já que a agência aconselhava assim. — Você não entendeu, querida. Também tenho um encontro amanhã — Maria lhe explicou. Surpresa e interessada, Tessa sorriu: — Que bom, mãe! É alguém que eu conheço? — Bem... Trata-se de Walter. — Walter? — Tessa tentava lembrar-se de algum senhor com esse nome, mas não lhe ocorria nenhum, até que arregalou os olhos ao se lembrar de Walter McBride, seu pai. — Papai? Vai sair com papai? — Não conseguia entender. Seus pais tinham brigado durante toda sua infância como gato e cachorro, depois tinham trocado farpas na justiça durante cinco anos, tempo que durou seu longo processo de divórcio, e não conseguiam ficar na mesma sala por cinco minutos sem trocarem ofensas. Três semanas atrás, quando visitara seu pai, havia uma garota loira no apartamento dele, às dez horas da manhã do domingo, e ela parecia estar muito à vontade... — Por que acha que isso seria uma boa idéia? — perguntou à mãe, desconfiada. 37

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— É sua avó, Belinda... — Mãe, ela morreu há dezesseis meses! — Eu sei, eu sei. Como não saberia quando minha sogra morreu? Mas acho que perder a mãe fez seu pai mudar muito. Conversamos e chegamos à conclusão de que estamos mais velhos e mais sábios e que devemos, pelo menos, ser amigos. Pelo bem da família, sabe? Pelo bem da família... Tessa era filha única, e os únicos membros dessa família eram ela própria, sua mãe e seu pai. — Por favor, não diga que está fazendo isso por mim, mãe, porque estou bem com o fato de vocês serem divorciados. Afinal, se separaram quando eu tinha doze anos! Naquela época, eu os detestei, quis ser órfã, mas foi apenas uma reação de adolescente. Além do mais, quando estava muito triste, eu tinha vovó Blin e... — Ela parou de falar, emocionada com a lembrança suave da avó. Fora exatamente quando a avó morrera que Tessa deixara seu emprego enfadonho e voltara a Vancouver, para morar na casa que ela lhe deixara por herança, um adorável chalé cor-de-rosa, cuja mobília e decoração eram tão suaves quanto sua antiga dona. — Bem, aonde vão se encontrar? — perguntou por fim. Pensar na mãe e no pai juntos dava-lhe vontade de fumar. — Vamos a Bellingham. — A Bellingham? — Era uma cidade próxima à fronteira com os Estados Unidos. — Mas por que vão até lá? — Lá havia um barzinho onde costumávamos ir antigamente. Queremos ver se ainda existe. Tessa respirou fundo. Pelo menos, os dois estariam fora de Vancouver e não haveria a menor possibilidade de ela e Alistair encontrarem seus pais em algum restaurante... Pensou em dizer à mãe que levasse dinheiro extra para poder voltar para casa sozinha, caso o encontro acabasse, como sempre, em uma discussão violenta, mas calou-se. — Quero que saiba onde está meu testamento, Tessa — disse Maria, muito séria. — Está na segunda gaveta de minha escrivaninha. Deixo tudo para você. Sabe que meu advogado é Trudy Hopman e... — Mãe, do que está falando? Certamente, sua mãe não achava que seu pai pudesse matá-la nesse encontro. Mesmo brigando muito, ele jamais usara de violência contra ela. — É que... vamos na motocicleta de seu pai...

Capítulo VII

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Posso ter sorte com você? Tessa arregalou os olhos e sentiu um aperto no peito. — Mamãe, diga que não está falando a sério — pediu. — Sabe que papai já conseguiu várias multas por excesso de velocidade naquela coisa e, se vão a um barzinho... Acho que essa não é uma boa idéia! — Bem, você já sabe onde está meu testamento e é só com isso que me preocupo. Walter sempre pilotou motos e foi exatamente isso que me atraiu nele a princípio. Essa era a primeira coisa favorável que Maria dizia sobre o pai de Tessa e, ainda assim, não soava bem... — Espero que tenha, pelo menos um capacete — observou contrariada. Mal podia imaginar sua mãe na garupa de uma moto, mesmo que fosse com seu pai. — O que pretende vestir? — Vou comprar uma calça jeans. E Walter tem dois capacetes. Sim, ele devia ter, Tessa analisou. Ainda mais se andasse com a garota do apartamento para cima e para baixo naquela moto... — E ele me prometeu que, se beber, vai ficar por lá e só voltar no dia seguinte — sua mãe prosseguia, parecendo animada. — Há um motel até que decente lá perto, que costumávamos ir quando namorávamos. Tessa assentiu, tentando não imaginar o que poderia acontecer ou o que tinha acontecido entre seus pais em um dos quartos do tal motel. — Bem, mamãe, preciso desligar. Alguns clientes estão a minha espera — mentiu. Desligou e respirou fundo, tirando um cigarro do maço, mas, antes de acendê-lo, o telefone tocou. Talvez fosse sua mãe novamente, imaginou, talvez ela tivesse tomado juízo e voltado atrás com a história da motocicleta... — Mãe? — Não, é Eric. O humor de Tessa piorou de imediato. — Se ligou para saber se já encontrei uma mulher para sair com você neste fim de semana, saiba que ainda não consegui. Mas prometo encontrar alguém até lá, está bem? — Não estou ligando por isso. Estive pensando e acho que precisamos conversar. Tratando-se de outra pessoa que não Eric, Tessa teria certeza de que estava tendo alucinações. Homens não gostavam de conversar, isso era coisa de mulher... Ele devia ter alguma em mente. — Conversar sobre o quê? Estou ocupada no momento. Pode esperar? — Quero esclarecer certas coisas... sobre nós — ele esclareceu. — Sobre as duas noites em que saímos, quando ainda éramos crianças. — A voz dele estava baixa e intensa. — "Eu" era uma criança, porque você já tinha vinte e um anos — ela corrigiu. — Bem, esse é o tipo de observação que toma ainda mais difícil pedir-lhe desculpas, Tessa. — Quer se desculpar? — ela estranhou. Esperara muito tempo para ouvir isso. — Muito bem, vá em frente, então. — Ela tinha um nó no estômago. — Prefiro fazê-lo pessoalmente. Podemos nos encontrar depois do expediente?

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Sim, ela podia. Precisava estar na casa de Karen só às seis horas, mas estava vacilando em aceitar o convite. — Por favor — Eric insistiu. — Está bem. Onde? — Vou buscá-la no escritório. A que horas prefere? Ela olhou para o relógio pendurado na parede à sua frente. Passava pouco das quatro, estava na agência desde às oito e meia da manhã, e nada tinha dado certo nesse dia. Estava cansada. — Daqui a meia hora — respondeu, achando que devia enfrentar logo a situação. Gostaria, porém, de estar usando outras roupas. A saia cinzenta e a blusa vermelha de lã eram novas e bonitas. E a saia era satisfatoriamente curta. Teria de colocar as meias finas, porém, para parecer mais bronzeada. — Certo — Eric concordou, desligando logo em seguida. Vinte minutos depois, ele tocava a campainha e abria a porta que Tessa destravou através do interfone. Ela usara a meia hora anterior para lavar o rosto e refazer a maquiagem, além de calçar as meias. Eric estava bem melhor do que dois dias atrás, notou. Estava barbeado, não havia manchas escuras ao redor de seus olhos, e vestia roupas esportivas e elegantes. Tessa notou a jaqueta de couro que o deixava com os ombros ainda mais largos. Devia exercitarse todos os dias, ponderou. Ninguém podia ter ombros assim, e um abdome reto, se não malhasse muito. Ele até cheirava a algo tentador, um perfume que parecia ser... culpa atrasada? — Olá, Tessa. Está pronta? Sim, ela estava, mas estava tensa também e apenas assentiu. — Vamos, então? — Para onde? — Para algum lugar onde possamos conversar. Quer beber alguma coisa? — À tarde? — Ora, e por que não? Como não havia motivo aparente, ela concordou: — Está bem. — Estava se sentindo nervosa e uma bebida a ajudaria a relaxar. — Mas não gosto de barzinhos... — Há uma cafeteria em uma esquina próxima daqui. Tessa assentiu, e saíram ambos em silêncio do prédio, também em silêncio seguiram pela calçada até a cafeteria, que era um lugar aconchegante, silencioso e estava quase vazio. Sentaram-se em uma mesa de canto, e Eric escolheu um vinho do cardápio quase que sem preocupação alguma. — Uma garrafa inteira? — Tessa estranhou. Talvez ele houvesse se tornado um alcoólatra, ponderou logo em seguida. — É que isto é uma espécie de comemoração, sabe? Imaginei que pudéssemos deixar toda aquela bobagem para trás e recomeçar de hoje. — Toda aquela bobagem? É assim que pretende se desculpar? — Ela se levantou, pegou a bolsa e anunciou: — Bem, vou embora. Até mais. 40

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— Espere! — Eric levantou-se depressa, segurando-lhe o braço. — Desculpe se pareci grosseiro. Sente-se, por favor. Vou tentar de novo, está bem? Ela se acalmou e tornou a se sentar. Obviamente, Eric não tinha prática alguma em se desculpar. O garçom voltou com a garrafa de vinho, que apresentou como se fosse o Santo Graal, depois fez uma cerimônia enorme para colocar as duas taças sobre a mesa e abrir a garrafa para servi-las. Só depois de sorrir, satisfeito consigo mesmo, foi que o sujeito desapareceu. Tessa experimentou seu vinho com cuidado. — E então? É bom? — Eric indagou. — Com todo aquele cerimonial, achei que, talvez, o garçom estivesse querendo me enganar ou coisa parecida. Tessa tomou mais um gole, fingindo apreciar a bebida com mais cuidado ainda, depois comentou: — Para um simples "vinte anos", tem um sabor suave, penetrante, e um buquê evocativo, de madeira velha. Eric ergueu as sobrancelhas. — Puxa! — E tomou seu primeiro gole. — É. Acho que não está mal, mas me parece um tanto doce. Você deve conhecer vinhos... Ela sorriu diante do comentário, e confessou: — Sei três coisas sobre os vinhos: são doces, suaves, ou secos. Ele riu, parecendo mais à vontade. — Ah, conhece tanto quanto eu, então. — Bebeu mais um gole, colocou a taça na mesa e encarou-a. — Escute Tessa, não quero que haja ressentimentos entre nós. Acho que podemos ter um bom recomeço. O que me diz? — Digo que você falou alguma coisa sobre me pedir desculpas... — Puxa, você é difícil. Vai me forçar a ir direto ao ponto, não é? Ela apenas assentiu. — Está certo, então. Eu sinto muito pelo que aconteceu no passado. Não devia tê-la levado para dar uma volta naquela primeira vez em que nos encontramos. Você era amiga de minha irmã mais nova, e eu não estava pensando direito naquela noite. Tinha bebido umas cervejas a mais. Mas você era tão... Ele estava arranjando desculpas. Tessa o encarava, sabendo que ele tentaria reverter a situação e acusá-la, mas, se o fizesse, o vinho que ainda estava na taça iria manchar a linda camisa que ele usava! No entanto, Eric a surpreendeu: — Você era tão linda! — Ele não a olhava agora. Estava enchendo a taça mais uma vez, e depois acariciou a borda da mesa com os dedos. Tessa engoliu em seco, ouvindo: — Você era linda, suave e sensual. Sua boca era... — Eric interrompeu o que dizia e endireitou-se na cadeira. — Eu não pretendia deixar que fôssemos tão longe, mas acabei perdendo o controle de uma forma que... Bem, você sabe como são os rapazes. — É, sei... Mas, naquela época, ela ainda não sabia disso. Aprendera com Eric. E agora ele apenas assentia. 41

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— Mas isso não explica a descompostura que me passou depois. Já era mais do que tempo de ele saber o quanto isso a afetara. A lembrança ainda a deixava ardendo de vergonha, mas agora podia enfrentar-lhe o olhar. — Eu me senti uma idiota, Eric. Você me disse todas aquelas bobagens que seus amigos imbecis falavam sobre as garotas que faziam sexo no primeiro encontro. Falou coisas horríveis! Disse que todos iriam ficar sabendo, repetiu os nomes horríveis que as garotas como eu recebiam. — Essa acusação ainda doía em Tessa. —Você disse até, que eu não era companhia para sua irmã! Depois dirigiu como um louco até minha casa e machucou meu braço quando me empurrou até a porta da frente. Nunca fui tão humilhada em toda minha vida. Eric passou a mão pelos cabelos. Ainda não a encarava. — Fui um idiota — reconheceu. — É tudo o que posso dizer. Eu me preocupava tanto com minhas irmãs, temia que alguma delas acabasse ficando grávida, ou que fugisse de casa, ou que se envolvesse com gente da pesada. E Karen acabou fazendo tudo isso... Eric olhava para a toalha da mesa, e Tessa lembrou-se da amiga, sentindo compaixão por ela. Certa vez, quando meninas, elas tinham fingido durante um dia inteiro que trocavam de vida. Karen era filha de Maria naquele dia, sendo repreendida por ter sujado seus sapatos brancos novos, e Tessa tinha duas irmãs mais velhas e um irmão que costumava fazer-lhe trancas sem deixar a carranca de lado. Essa era ainda uma das melhores lembranças que Tessa tinha de sua infância. — E eu acabei seduzindo a melhor amiga de minha irmã — Eric continuava, em voz baixa. — Fiquei horrorizado comigo mesmo, envergonhado. — Só então ele ergueu os olhos para encará-la. — Além de tudo, você disse que me amava, Tessa. Lembra-se disso? Disse que sempre me amaria... E isso me deixou apavorado. Tessa sentiu um calor infernal subir-lhe ao rosto. Aquela primeira noite com Eric não fora a sua primeira vez, mas nunca fora tão bom estar com alguém. Ficara emocionalmente perturbada, entregue, e acabara revelando a verdade. — Eu gostava de você — confessou, tentando impor um tom não tão grave à situação. — As pessoas dizem que é amor de infância, mas, na época, parecia-me bem real e verdadeiro. Eu sempre gostei de você enquanto éramos pequenos. Você era o irmão mais velho de Karen, e eu o idolatrava, como ela mesma. — Um aperto na garganta quase a fez interromper-se, mas manteve o controle e completou: — Bem, parabéns, porque você me fez superar bem depressa tudo aquilo. Eu poderia ter ficado lamentando o que aconteceu e perder boa parte de minha vida. — Eu não tinha a menor idéia de como você se sentia até aquela noite. — Ele a olhava estranhamente. — Bem, como eu disse, eu superei — Tessa mentiu. Achou que ele havia percebido sua mentira, mas talvez já fosse o efeito do vinho, que a fazia ver coisas. Já beberá duas taças e ainda estava tensa. Bebeu mais um gole e, para quebrar o silêncio que caíra entre ambos, acabou dizendo, de repente: — Se estava tão envergonhado e horrorizado como disse, por que me ligou duas semanas depois e me pediu para sairmos novamente? Pode explicar isso também, Eric?

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Capítulo VIII

Há uma linha tênue entre a dor e o prazer... Eric parecia ainda mais desconfortável em sua cadeira. — Nem me lembre — pediu. — Esse foi meu segundo maior erro. — Tratava-se apenas de sexo, não é? — Mesmo aos dezoito anos, Tessa tinha percebido isso. — Queria apenas fazer sexo comigo outra vez e achou que seria fácil, portanto... por que não tentar? Ele demorou a responder e, quando o fez, era óbvio que se sentia envergonhado: — Não é que eu a achasse uma garota fácil, Tessa. Mas... bem, você era, de certa forma, tem que admitir isso. E quanto ao sexo... puxa, era incrível! E me deixava alucinado. Eu mal podia acreditar que pudesse ser tão bom assim, e queria mais. Ouvi-lo admitir que havia sido bom deixava-a satisfeita de certa forma, mas ainda havia muito a ser dito. — Então achou que podia me levar para jantar naquela lanchonete, como era mesmo o nome? Lulu, não é? E depois poderíamos ficar em algum local bem escondido e fazermos sexo ali mesmo, no banco da frente de sua caminhonete. Ele pareceu pensativo. — Minha velha Ford — murmurou. — Eu devia ter ficado com aquele carro. — Mas, vendo a expressão de desagrado no rosto dela, acrescentou depressa: — Bem, vamos deixar bem claro aqui que você queria tanto quanto eu. Será que planejou tudo aquilo, Tessa? Ela sorriu. — Sim — admitiu, com um sorriso. Precisara representar bastante, já que estava furiosa e envergonhada, além de muito magoada, naquela época. — Você me fez ir até a porta de sua casa para apanhá-la naquela noite — ele relembrava. — E sua mãe foi dura comigo, dizendo que eu devia levá-la de volta antes da meia-noite. Tessa lembrava-se muito bem, assim como se lembrava do vestido azul extremamente curto que usava, da forma como praticamente se jogara sobre Eric, ansiosa por seus beijos e carícias. — Foi você quem insistiu para que parássemos o carro naquela praia deserta, onde tínhamos estado duas semanas antes. — É, foi. — E fora com raiva e fúria travestidas de sensualidade e ardor, que ela se lançara sobre ele, deixara-o louco, e se vingara. — Lembro-me bem de tudo que me disse naquela noite, Tess. Perguntou-me o que me fazia pensar que você quisesse transar novamente em meu carro. Ela assentiu, lembrava-se também. Aquele fora seu melhor momento. 43

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— Eu repeti para você o que tinha me dito antes... — Exatamente. Disse que nada no mundo poderia persuadi-la a estar comigo outra vez. Que nunca mais queria me ver. — De fato. Como eu disse, Eric, você me ensinou muita coisa sobre os homens. E uma das lições eu jamais vou esquecer: o que os homens dizem e o que fazem são duas coisas completamente diferentes. — Nem sempre. Talvez apenas quando jovens. Tessa percebia, pelos olhos dele, que Eric acreditava no que estava dizendo. E era de admirar que ele não a houvesse deixado voltar a pé para casa naquela noite, há tantos anos... Dirigira como um alucinado, calado e tenso, mas, dessa vez, ao parar diante da casa dela, Tessa saíra do carro antes mesmo que ele pudesse pensar. E ele saíra dali fazendo os pneus da caminhonete cantarem. Jamais saberia que ela chorara tanto naquela noite quanto na primeira em que tinham saído juntos. Devia estar se sentindo vitoriosa sobre ele, mas, ao contrário, sentia-se destruída, como se seus sonhos de menina estivessem todos perdidos no tempo. — Eu me senti um tolo, um imbecil — ele comentou. Tinha um sorriso que revelava sua amargura. —E devo admitir que levei anos para ter minha autoconfiança de volta. Para ela, demorara ainda mais. Crescera elegante, refinada, para manter disfarçada a insegurança. E se casara com o primeiro sujeito que aparecera, sem nem mesmo conhecê-lo bem, porque sua auto-estima estava extremamente baixa e achava que nenhum outro apareceria. Eric inclinou-se em direção a ela. — Escute... Se servir de alguma coisa, Tessa, ainda me sinto muito mal com o que lhe fiz. Quase enlouqueci e, quando consegui superar isso, percebi que tinha agido como um grande idiota. Queria dizer-lhe que sentia muito, mas você já tinha se mudado para Calgary. — Podia ter escrito uma carta ou telefonado. Karen sabia onde eu morava. — Eu sei. Devia tê-lo feito. Mas, quanto mais tempo passava, mais difícil ficava. Outras coisas foram acontecendo, e eu deixei de pensar a respeito. — Sorte sua. — Doía saber que ele podia deixar de pensar no que lhe fizera. Houve um breve silêncio, até que Eric indagou: — Não está tentando dizer que arruinei sua vida, está? Ela ia dizer-lhe que sim, mas percebeu que, de fato, não era verdade. Ninguém arruinava a vida de ninguém, a própria pessoa era responsável por sua vida. — Vamos, Tessa, já faz tanto tempo! Éramos tão jovens... Estou tentando melhorar a situação entre nós... Tessa ainda sentia vontade de continuar alfinetando-o, de guardar o ressentimento que nutrira por tantos anos, mas sabia que ele tinha razão. Era melhor deixar as armas de lado. Tinha marcado com Karen de estar em casa dela dentro de uma hora, queria refazer essa amizade, sem que Eric fosse motivo para complicações. Ele era irmão de sua amiga e seria muito ruim reatar com Karen e ainda manter maus sentimentos em relação a Eric. Além de tudo, havia a agência para cuidar. Clara não deveria voltar em breve, como chegara a imaginar. Seria bem melhor se conseguisse manter um bom relacionamento com Eric, já que ele era cliente da Sincronia. 44

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— Está certo — aquiescendo. Eric olhou-a por segundos, um tanto desconfiado, depois sorriu daquele jeito só seu e estendeu-lhe a mão, por sobre a mesa. — Amigos? — propôs. — Amigos — ela aceitou. Apertaram-se as mãos e, ao sentir a dele grossa, firme, dura, Tessa puxou a sua, sem saber se não gostara, ou se gostara demais da sensação que a invadiu. — Puxa, sinto-me bem melhor agora — ele confessou aliviado. — Vamos brindar a nós! Beberam mais uma taça, e ele comentou, logo em seguida: — Sabe, sobre essa coisa de agência matrimonial... Eu estava pensando em Karen, ela viveu algum tempo com um malandro, acho que você não chegou a conhecê-lo, e acho que agora ela precisa conhecer alguém que saiba gostar dela de verdade. Talvez pudéssemos... — Não, não podemos. Então, foi por isso que me trouxe aqui de fato, não? Para poder arranjar um meio de escapar do presente que suas irmãs lhe deram? Não pode transferir seu certificado para Karen, portanto, nem me peça para fazê-lo! — Calma, calma! Está enganada, Tessa! Não era isso que eu ia dizer. Eu queria saber sobre como comprar um certificado para ela também. Mas nem vou mencionar a agência novamente se isso a faz ficar assim tão alterada. Eu só achei que... — Está bem, desculpe-me. É que... não confio em você. Mas se quer mesmo comprar um certificado de cliente para Karen, acho que deve perguntar primeiro a ela se aceita. Porque não quero passar novamente por todo aquele processo de explicar que não posso devolver o dinheiro já pago. — Vou falar com ela, então. Na verdade, vou vê-la dentro de uma ou duas horas, porque prometi levar os meninos para comprarem chuteiras novas. — Vai até a casa de Karen? Também vou! — Tessa não se sentia muito à vontade com a idéia. Karen não dissera que Eric estaria lá, nem devia ter se importado com o fato, afinal, ele era seu irmão. — É mesmo? E a que horas vai? — Marcamos às seis. Ela disse que queria me apresentar aos meninos. — Deve ter se esquecido de que eu ia levá-los ao shopping. Ou talvez achou que vocês duas poderiam conversar melhor sem eles por perto. São dois espetinhos, aqueles meninos. Quer que eu a leve até lá? — Por favor. Nunca venho trabalhar com meu carro porque não temos estacionamento no prédio. — Tessa começava a se sentir mais à vontade. Que mal poderia haver em uma carona, afinal? — Está com fome? — Eric perguntou, servindo-lhe vinho novamente. — Vamos ver se servem algo de bom por aqui. — Está bem. — Tessa planejara não jantar, porque não fumar mais do que um cigarro por dia já a fizera engordar dois quilos, mas o vinho sempre lhe dava apetite. Bebeu mais uma taça e imaginou que poderia prosseguir em sua dieta no dia seguinte. — Os meninos de Karen jogam futebol, então — comentou. — E você se tomou um tio... Que sorte! Acho que, se meus pais tivessem tentado mais e melhor, eu também seria 45

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tia agora. — O vinho estava destravando sua língua. — Às vezes, fico louca da vida com eles por ter sido filha única. Eric riu. — Sou o técnico do time em que Simon joga — explicou. — Os garotinhos do time de lan ainda não sabem jogar direito. Estão aprendendo as regras agora. — Eu gostaria de ter sobrinhos. — Ela sentia vontade de chorar. Esse era outro efeito do vinho em seus sentidos. — Ou sobrinhas. Gostaria de ter ambos, na verdade. — Não quis ter filhos? Quero dizer... quando estava casada... — É claro que quis. Por que acha que me divorciei? Eric ergueu as sobrancelhas e arriscou: — Talvez porque vocês não pudessem ter filhos? — Ele não "queria" ter filhos. — Isso a deixava triste e furiosa. Serviu-se de mais vinho, querendo aliviar a tensão que falar sobre Gordon sempre lhe provocava. — Não quer ter filhos um dia, Eric? — Não. — Ele respondeu, olhando com atenção para o cardápio. — Cuidar de minhas irmãs já foi suficiente para mim e agora tenho os filhos de Karen para cuidar. Já fiz minha parte. Algo dentro de Tessa se contraiu. Precisaria fazer uma observação na ficha de Eric. Não adiantava colocá-lo com uma mulher que queria engravidar. Mas essa decisão seria um desperdício, afinal, ele tinha olhos tão lindos! O que havia de errado com os homens? Lastimou-se. Sua vontade de chorar era maior agora. Devia ter bebido muito vinho; mais do que Eric, talvez, e precisava ir ao banheiro. Levantou-se, tentando encontrar o caminho até lá, mas o carpete do chão parecia estar enrolado. Perdeu o equilíbrio e procurou segurar-se na mesa, mas não conseguiu e acabou por bater contra o ombro de Eric. Um ombro firme, quente e amigo... mas ele não queria ter filhos, o desprezível! Ele se levantou, ajudando-a a encontrar o banheiro. Ela demorou lá porque estava tonta demais e se esquecera do que estava ali para fazer. Depois, foi até diante do enorme espelho e lavou o rosto, dando-se conta de que esquecera de trazer a bolsa. Não poderia retocar a maquiagem, Eric a veria de rosto limpo. Que fosse! Não estava, mesmo, tentando impressioná-lo, ele nem queria filhos... Ele a estava esperando, segurando seu casaco e bolsa, do lado de fora do banheiro. — Vamos andar um pouco, clarear os pensamentos, talvez achar um lugar melhor, o que acha? — propôs. — A menos que queria comer massas. Só servem massas por aqui hoje. — Oh, não, não quero massas. — Tessa estava consciente o suficiente para perceber que Eric sugerira caminharem por sua causa, para que pudesse espairecer e fazer com que o efeito do vinho passasse. Eric passou o braço por seus ombros, e Tessa não protestou, porque a calçada parecia estar se movimentando. Era bom sentir o braço dele sobre seus ombros. — O vinho me faz sentir sensual, sabia? — comentou, sem conseguir segurar a língua. — E isso não tem absolutamente nada a ver com você. Ele riu. 46

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— Obrigado por esclarecer — observou. Caminharam um pouco, mas o ar fresco não a deixou sóbria, não conseguia manter os passos em linha reta. Ria quando Eric a desviava das pessoas e de hidrantes ocasionais. Jogou beijos para um policial que fazia a ronda em uma rua e também para dois bebês que eram levados em carrinhos por suas mães. Em dado momento, cheia de bons sentimentos, parou, puxou a cabeça de Eric para si e beijou-o, mas não nos lábios, porque errou a mira e atingiu-lhe a face. Eric segurou-lhe o rosto entre as mãos e, sem vacilar, beijou-a. Um calor intenso e repentino a tomou, fazendo-a querer mais. Mas o beijo foi rápido demais. Eric já se afastava... No entanto, ele ainda a segurava bem junto a si, e Tessa podia sentir-lhe o coração batendo forte, ou talvez fosse o seu, imaginou sem muita certeza de nada. Mas então se lembrou de que ele não queria filhos e se afastou. — Há uma lei que proíbe cenas eróticas nas ruas — disse, tentando manter o tom sério, mas sabia que não estava dizendo exatamente as palavras que queria. — Podemos ser presos. — Talvez valha a pena... Tessa não estava ouvindo. Precisava falar com ele, afinal, amigos deviam saber coisas a respeito uns dos outros, mesmo que não fossem ter filhos juntos. Falou-lhe sobre Gordon, como ele comia o mesmo desjejum todos os dias, e como ele tinha listas para tudo, e como sempre lia jornais, apenas jornais e como já se esquecera de todos os seus sonhos... — Então, o que queria com esse sujeito? — Eric perguntou atônito. — Queria que ele comprasse passagens para Cuba em uma tarde de sexta-feira, ou que fizesse aulas de violão, ou ioga, ou que começasse a usar uma dessas saias escocesas... Queria que ele comprasse um carro vermelho, que fizesse sorvete de limão para mim, um grande sundae cheio de amendoim e caramelo e me servisse o sorvete na cama... Mas ele não queria ter filhos, porque não queria modificar sua rotina. E tudo estava sempre errado: a lavanderia colocava goma a menos em seus colarinhos, os outros motoristas o cortavam na rua, o garçom de qualquer restaurante era sempre rude... Tessa sabia que estava falando demais, mas sabia que sua conversa era agradável quando bebia vinho. Em seguida, falou a Eric sobre sua decisão de parar de fumar antes que seus dentes amarelassem, seu hálito tivesse mau cheiro e sua pele apresentasse rugas. — Além do mais — acrescentou — fumar tira a vontade de fazer sexo pela manhã, e eu gosto de fazer sexo pela manhã. Você não gosta? — Ah, claro... — A voz dele estava rouca e precisou pigarrear para clareá-la. — À tarde e à noite também é bom. Nos feriados então, muito melhor. — Eric a olhava fixa e significativamente, mas Tessa estava longe de perceber qualquer coisa. — Diga-me uma coisa, Eric: você se acha extremamente sensual ou normal? Ele a achava definitivamente tão divertida quanto imaginara que fosse. — Isso é um programa de perguntas e respostas, Tess? — Faço pesquisas para meu emprego, sabe? — Bem, não sei a quem me compara para saber se sou ou não sensual, mas...

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— Minha chefe diz que sexo é algo biológico. Devíamos usá-lo para uma aproximação. — De minha parte, acho que sexo serve para dar prazer. Sua chefe deve ter formado pares errados durante muito tempo. — Não, não. Ela errou apenas uma vez. — Tessa contou-lhe sobre Bernard e sobre a festa de Natal, mas Eric não achou a história engraçada como imaginou que ele acharia. — Esse sujeito merece um belo pontapé no traseiro, isso sim — ouviu-o comentar, e isso, por algum motivo, deixou-a feliz. — Um sujeito assim poderia causar-lhe sérios problemas, Tess. Ela entreabriu os lábios para dizer-lhe que o desprezível Bernard já estava com outra, mas lembrou-se de que essa informação devia ser mantida em segredo. Por isso preferiu falar-lhe sobre a resistência que Clara tinha a computadores e como seu serviço ficaria bem mais simplificado se a agência fosse informatizada. — Devia ir até meu escritório e falar com meu gerente, Henry. Ele é um mestre em informática. Criou um programa excelente para minha firma e acaba de fazer outro, astrológico, para Anna, o que, no entanto, acabou não sendo tão bom assim. — Por que não? Vou querer que Anna faça meu mapa astral. Quero saber quando vou começar a viver feliz para sempre. — Ela já estava feliz naquele momento, porém. Pulava as rachaduras na calçada e achava isso muito divertido, viu um caminhão de sorvete passar e gritou para o motorista, acrescentando para Eric: — Isso me faz lembrar de quando eu era pequena e me sentia extremamente feliz, achando que tudo na vida era possível. Mas depois, crescemos, e vemos que não é bem assim. De repente, Tessa começou a chorar e usou os lenços de papel que Eric lhe deu e que ela nem soube de onde ele tirou. — Estou me divertindo muito, mas acho que você precisa comer alguma coisa, Tess. Ela pediu um hambúrguer com refrigerante, o que Eric comprou para ambos em uma lanchonete de esquina. — A gordura vai fazer meu estômago se acalmar — dizia ela, comendo. — Ou talvez seja o azeite de oliva, não sei bem. Minha avó Blin sempre dizia que o azeite é um santo remédio para ressacas. Mas agora não me lembro se ele deve ser tomado antes ou depois de se beber... Podia ser a gordura, ou as batatas fritas, ou o sorvete da sobremesa... mas Tessa só percebeu que o bom mesmo para curar ressaca era o café quando tomou a segunda xícara, depois do lanche. Já não estava tonta, mas estava, definitivamente, embaraçada. Cobriu os olhos com as mãos e gemeu, cheia de vergonha. — Está com dor de cabeça? Tenho analgésico aqui comigo — Eric ofereceu. — Não, não. Estou bem. O problema é que estou envergonhada. Fiquei bêbada. Você me embebedou. Ele assentiu. — Claro. Mas não me aproveitei de você, não é mesmo? Não que isso não lhe houvesse passado pela mente, avaliou Tessa. E seria como encontrar um porto seguro em uma tempestade em alto mar, concluiu. O vinho a deixava excitada! Como pudera beijá-lo daquela forma, encostando-se no corpo másculo bem no meio da avenida? Por que não era do tipo de bêbado que não se lembra de nada depois de beber? 48

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— Já é tarde demais para irmos à casa de Karen? — quis saber. — Não. Vou ligar para ela e avisar que estamos a caminho. As crianças vão esperar. Tessa notou-lhe as mãos no telefone celular. Eric tinha mãos de trabalhador, grandes, com as veias à mostra por debaixo da pele grossa, e leves ferimentos nas juntas. Mas eram mãos limpas também, gostava de estar com um homem que tinha mãos limpas, mas que não fazia as unhas em uma manicura. Surpreendeu-se ao constatar que Eric não tinha um carro esporte, como chegou a imaginar. — Aqui está meu orgulho e minha alegria — anunciou ele quando chegaram ao estacionamento onde deixara sua van simples e prática. — É um clássico, modelo 1974, confiável, e ótima para se carregar as coisas por aí. A mãe de Henry, Gladys, foi a única dona. E, como ela queria comprar um Cadillac vermelho, acredite, vendeu-me esta belezura por uma bagatela. Tessa achou o carrinho horrível, mas era, como o dono, muito limpo, e levou-os sem problemas a seu destino. Afinal, quem era Tessa para criticar Eric em seu gosto por carros? Ela, pessoalmente, preferia o gosto de Gladys, porque adorava Cadillac. O prédio onde Karen morava tinha sido pichado, e havia rachaduras no pátio que levava à porta principal. lan e Simon receberam o tio com gritos de alegria. Simon era um menino alto e forte para seus cinco anos, tinha os olhos azuis do tio e o sorriso meigo de Karen. lan era magro e tinha jeito angelical. Os dois tinham cabelos vermelhos, encaracolados. Karen apresentou-os a Tessa e, depois de se agarrarem durante algum tempo ao tio, os meninos passaram a dar mais atenção a ela. — Você é uma das namoradas de meu tio Eric? — Simon perguntou de repente. — Não, claro que não! — ela se precipitou, rindo com certo nervosismo. — Ele apenas me deu uma carona até aqui. — Porque tio Eric tem muitas namoradas. Tia Sophie diz que ele as pega e depois as solta. Como se faz com peixes, sabe? Só que tio Eric faz isso com as moças. — Simon começou a rir, e lan o imitou de imediato. — Meninos, podem ir parando com isso, ouviram? — Eric protestou, pegando cada um deles sob um dos braços. — Até mais, garotas. Nós nos veremos mais tarde. Quando eles se foram, Karen sorriu e desculpou-se: — Desculpe-nos, Tessa. Mas é que os meninos têm tanta energia! Venha, vamos nos sentar na sala. Fiz café agora mesmo. Tessa concordou, mas seus pensamentos não estavam no que a amiga dizia. Pensava apenas nas informações passadas por Simon: muitas namoradas, "pega e solta", como se faz com os peixes... Era bom não se aproximar muito de Eric, avaliou. Ele era, com certeza, um destruidor de corações. Pouco antes das dez, Eric entrou em seu apartamento. O que Karen e Tessa teriam conversado nas duas horas em que ele e os meninos tinham estado fora? Indagava-se. Ela o beijara no meio da rua, perguntara sobre suas preferências sexuais, mas depois ficara fria como um bloco de gelo, quando voltara para a casa de sua irmã e sugerira dar-lhe outra carona. Esperava poder estar a sós com ela novamente, ouvira quando ela e sua irmã riam, ao chegar com os meninos. No entanto, quando sugerira levá-la para casa, ela

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praticamente o fuzilara com o olhar. Dissera já ter chamado um táxi. Como entender as mulheres? De volta para casa, decidiu passar em um clube masculino, para ver algumas garotas seminuas dançando, mas elas já não lhe pareceram tão sensuais. O prédio em que morava era tão velho que nem havia elevador, o que o fez sentir-se aliviado por morar no piso térreo. Pelo menos, ninguém reclamava do lixo que trazia para dentro. Toneladas de ferro retorcido que reciclava em sua estranha arte de esculpir. Entrou no apartamento, acendeu as luzes e, indo até a cozinha, tomou um grande copo de água. Olhou para o cachorro de ferro que estava ganhando forma em suas mãos e decidiu não mexer nele nessa noite. A luz intermitente da secretária eletrônica avisava sobre os telefonemas registrados, mas não estava com vontade de ouvir nenhum deles. E estava já a caminho do chuveiro quando o telefone tocou. — Eric? — Era a voz de Karen, e a tensão que sentiu nela colocou todos os seus nervos em alerta. — Por onde esteve? Estou ligando tanto! A polícia esteve aqui logo depois que você saiu! — Ela fez uma pequena pausa, que deixou o coração de Eric acelerado, e depois completou, como se precisasse de fôlego para falar: — Eric, Jimmy está morto!

Capítulo IX

Não sei se durmo ou se vou jogar boliche. Um breve momento se passou até que Eric pudesse entender a notícia em sua crua realidade. Mas poderia um sujeito morrer por causa de um nariz quebrado? Não, não podia ser. Poderia ligar para Sophie e perguntar... Talvez demorasse uma semana inteira para que todo o processo acontecesse. — E do que ele morreu? — conseguiu perguntar por fim. — Ele estava andando pela rua — Karen informou. — O detetive que esteve aqui disse que a polícia está tratando do caso como morte suspeita. O legista ainda precisa fazer exames para determinar a causa da morte antes que se possa ter certeza. Eric engoliu em seco. — Estou indo para aí — disse e ia desligar, mas Karen comentou: — Anna já está aqui, não precisa vir também. Eu só queria que você soubesse. Eric mordeu o lábio inferior. Anna conseguiria acalmar Karen? Talvez ficasse falando sobre estrelas e coisas escritas pelo destino. Isso seria de alguma ajuda? Karen ainda dizia ao telefone: — Liguei para ela quando não consegui encontrá-lo. Ela vai dormir aqui esta noite. — Ela falava como uma garotinha assustada. — Preciso trabalhar amanhã. — Não, não precisa querida. Tire o dia de folga. Vou ligar para sua patroa e explicar o motivo de sua falta. 50

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— Não, não! Preciso ir trabalhar! Houve um problema com uma freguesa, e preciso conversar com Junella. — Ela estava tensa, era óbvio, e talvez fosse melhor deixá-la trabalhar para não pensar tanto no que acontecera, afinal. — E os meninos? Quer que eu os leve a algum lugar para você poder ficar em paz? — Não. Sophie vai levá-los a uma exposição científica. Anna já ligou para ela. — O que mais os policiais disseram, querida? — Fizeram muitas perguntas sobre a briga que houve lá no bar, já sabiam sobre ela. Perguntaram se eu tinha visto Jimmy esta semana, mas a última vez em que o vi foi no bar. Mesmo morto, Jimmy ainda causava problemas, Eric analisou. — Anna está vendo meu horóscopo em seu computador — Karen prosseguia. — Ela disse que estou passando por uma fase difícil, mas que vai terminar logo. — Que bom. — Eric cerrou os olhos. Alguém tinha de dizer aos policiais para falarem com Anna, avaliou, com ironia. Talvez ela poupasse tanto trabalho ao legista. — Pediramlhe para identificar o corpo ou algo assim? — quis saber. Agora Nicols era apenas "o corpo". Não parecia mau para um sujeito como ele. — Bruno fez isso por mim. Eric respirou aliviado. Graças a Deus Bruno havia se casado com Anna! — Tem certeza de que não quer que eu vá até aí esta noite? — Não, não, estou bem. Anna trouxe calmantes para mim. Disse que vai me ajudar a dormir, e Sophie disse que não haverá problemas, que posso tomar. — Deixe-me falar com Anna por um minuto, sim? E ligue se precisar, certo? A qualquer hora! Quer que eu vá pela manhã para conversar com os meninos? — Ah, sim, Eric, por favor! Eu mesma vou falar com eles sobre Jimmy, mas quero que você fale com eles também. Venha bem cedo. Vou fazer panquecas para nosso desjejum. Os olhos dele se encheram de lágrimas. Karen sabia que ele adorava panquecas e, apesar de tudo pelo que estava passando, queria agradá-lo. Aquela irmã querida! O que faria com ela? Karen passou o telefone à irmã e, enquanto ela falava com Eric, ficou imaginando o que, na verdade, estava sentindo quanto à morte de Jimmy. Estava chocada, não havia dúvidas, e horrorizada. Ninguém merecia ser assassinado, se é que fora isso que acontecera. Mas havia também uma sensação de alívio invadindo seu peito, seguida de perto por um sentimento de culpa. Jimmy era o pai de seus filhos. Tinha dormido com ele, sabia como ele respirava, como roncava à noite, como gemia quando faziam amor. A princípio, fazer amor com Jimmy era incrível, ela se lembrava bem. Vivia feliz porque sentia que ele a queria e acreditava nele, em seus sonhos de ficar rico, comprar uma casa maravilhosa para viverem. Jimmy sempre dizia que seria alguém na vida e seus olhos brilhavam, quando falava assim, mas isso fora no começo, quando tinha emprego fixo, quando, aos domingos, costumavam passear de bicicleta ao redor do lago. Karen tinha boas lembranças dessa época. Karen pensava nos filhos, que estavam dormindo. Simon mal se lembrava do pai, e lan não tinha lembrança dele. Jimmy nunca fora um pai dedicado e nem sequer queria pegar os meninos no colo. E, depois daquela última e terrível briga, ele nunca mais voltara para vê-los. 51

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Naquele dia, ele estava desempregado, tinha bebido e deixado as crianças na casa de uma babá. Ao chegar em casa, cansada do trabalho, Karen ficara furiosa por não encontrar os meninos. Jimmy chegara pouco depois e, bêbado, deitara-se no sofá, querendo dormir. Karen o acordara, e a briga começara. Pouco depois, Karen recebia os socos no rosto e no corpo. Como não tinha conseguido falar com Eric, Karen chamara Sophie, que viera, colocara gelo em seus ferimentos e chamara a polícia. Depois ligara para Eric, ignorando as ameaças que Jimmy murmurava, erguendo um punho fechado diante de seu rosto. — Não tenho medo de você — dizia ela, sempre forte. — Vai para a cadeia muito antes do que pensa! E, se fosse você, eu sairia daqui agora mesmo, antes que Eric chegue! E ficaria bem longe, se tivesse amor por minha saúde! Jimmy enfiara algumas roupas em uma mala e saíra com o velho Toyota que tinha, abandonando sua casa antes de os policiais chegarem. Nunca mais voltara. Nunca mais voltaria. Anna tinha desligado o telefone e preparava um bule de chá de camomila. — Fiz o mapa astral de Jimmy, certa vez, quando vocês tinham se conhecido havia pouco tempo—comentou, abrindo a geladeira para pegar o creme que colocaria em seu chá. Era a única pessoa que Karen conhecia que colocava creme no chá de camomila. — E era um mapa tão ruim, que achei que tinha cometido algum erro. — Anna colocou o chá em duas canecas e entregou uma a Karen. Era bom ter a irmã ali, mas era também desconfortável, porque agora Karen teria de falar, responder, pensar, fingir que não estava a ponto de desabar. — Os planetas indicavam violência e tragédia, mas nunca lhe contei Karen. Acho que deveria ter contado, agi mal. — A polícia perguntou se eu conhecia alguém que poderia ter interesse na morte dele — Karen se lembrava. Tentou sorrir para a irmã e tomou um pequeno gole de chá. Suas mãos estavam trêmulas. — Eu respondi que, com exceção de minhas irmãs e meu irmão, eu não me lembrava de alguém que pudesse querer vê-lo morto. Anna encarou-a, de olhos arregalados. — Que bom, Karen! Eu sempre quis saber como era uma cela de prisão, mesmo! — Não, eu não disse nada disso a eles. Estava só brincando com você — Karen explicou. — Mesmo sendo verdade, disse que não sabia de alguém que pudesse querer matá-lo. Fizeram perguntas sobre a briga no bar, sobre Eric ter batido em Jimmy. Se eu sabia que Jimmy apareceria naquela noite, se Eric sabia... Mas eu disse que não sabia de nada. Eu nem teria ido ao bar se soubesse que ele iria aparecer por lá. E Eric faria o mesmo. — Não há acidentes, você sabe. Tudo que acontece, tem seu motivo. Alguém acabaria matando Anna um dia qualquer se ela continuasse dizendo coisas assim, Karen ponderou, em silêncio. — Não podem achar que Eric tenha algo a ver com a morte de Jimmy, podem Anna? — Seja o que for que pensem, não poderão mudar a verdade. Eric não é do tipo de pessoa que fere as outras, é pacífico, e seu mapa astral mostra isso claramente. Neste momento, há muita confusão no mapa dele, mas tudo ligado a Vênus, que é o planeta do

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amor. Teria de haver confusão ligada a Marte para que ele tivesse problemas com a lei, o que não está acontecendo. Karen sentia-se aliviada, embora desconfiasse que a irmã pudesse estar inventando boa parte do que dizia. Queria perguntar o que seu próprio mapa mostrava, queria ouvir de Anna que iria fazer uma longa viagem, que havia um homem atraente em seu futuro, que acordaria uma manhã sabendo como lidar com os meninos, em especial quando eles pegavam seu potinho de creme para fazer neve de brincadeira no tapete da sala, ou quando colavam dezenas de band-aids na parede rachada do corredor, ou ainda quando colocavam a caixa toda de sabão em pó na máquina de lavar e ficavam olhando, os olhinhos brilhantes, vendo a espuma subir até o teto. Amava-os muito, mas eles chegavam a assustá-la. Não sabia como controlá-los. Não queria que crescessem como Jimmy, nem como ela mesma, amando muito, mas nunca se sentindo bem ou fortes o suficiente. — A professora de Simon me disse, esta tarde, que ele é uma criança especial. Vai indicá-lo para aulas especiais. — Eu bem que poderia ter previsto isso há anos. A observação de Anna trouxe lágrimas aos olhos de Karen. Sabia que a irmã amava os meninos, mas ela nunca queria ficar com eles, brincar, levá-los a passear, como Eric e Bruno faziam. Karen, Anna e Sophie eram muito próximas, mas muito diferentes também. Basicamente, Anna e Sophie eram espertas, e Karen, não. Sophie passara pela faculdade de Medicina como um furacão de inteligência e praticidade. Anna formara-se com louvor em pedagogia. Karen, porém, mal conseguira terminar o colegial. O que aconteceria, ela se perguntava quando Simon começasse a ter lições de casa nas quais ela não conseguisse ajudá-lo? Karen também contara a Tessa o que a professora de Simon dissera sobre o menino. Tessa também nunca fora uma aluna brilhante. As duas detestavam as matérias ligadas a números e apenas decoravam as que eram da área de humanas. — Simon tem sorte por ter você como mãe — Tessa dissera, porém, e estava sendo sincera. — Poderá ensinar a ele coisas que os sujeitos inteligentes jamais vão saber: coisas ligadas à afeição, abraços, surpresas, elogios, alegria... — Amor — Karen concordara. Tessa a fazia sentir-se melhor, de uma forma que suas irmãs não conseguiam. — Se eu pudesse escolher — ela confessou à amiga — gostaria que meus filhos crescessem e ficassem como Eric. Ele sabe amar. Tessa assentira, mas Karen podia ver que ela não estava convencida disso. Estaria, porém. Era apenas uma questão de tempo... Depois, Tessa a fizera rir muito, contando-lhe sobre o sujeito com quem saíra logo depois de se divorciar. Ele a convidara para jantar e viera buscá-la em uma motocicleta. Comprara bifes e batatas e queria que Tessa preparasse o jantar! Tessa saíra com ele pedira para que parasse em uma quitanda, dizendo que queria comprar verduras para uma salada, e saíra pela porta dos fundos, deixando o sujeito a sua espera para sempre. Nunca mais o vira, e saíra com o dono da quitanda, que facilitara sua fuga, por duas vezes. Karen imaginava se, algum dia, ela própria iria querer sair com alguém. Eric lhe perguntara se queria ser cliente da agência matrimonial onde Tessa trabalhava, mas ela não aceitara que ele lhe comprasse um certificado. Agora se sentia viúva. E isso era estranho... 53

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Também era estranho querer que fosse Tessa e não Anna que estivesse a seu lado agora. Talvez, juntas, pudessem imaginar qual seria a melhor maneira de uma mãe inteligente contar a seus filhos que o pai deles morrera.

Capítulo X

Formar, combinar e despachar Simon e lan foram receber o tio na porta na manhã de sexta-feira. Já passava das sete, e eles ainda vestiam seus pijamas. O de Simon era azul e tinha a figura de Batman no peito e o de lan era amarelo, com os Teletubbies. Cada um deles segurou uma das mãos de Eric, pulando ao seu redor, animados. — Tio Eric, adivinha o que aconteceu? — perguntaram juntos. Eric esperou que eles dissessem, tentando imaginar o que lhes diria. E Simon se precipitou: — Tia Sophie vai nos levar ao Mundo da Ciência. Lá tem uma boca enorme e se pode entrar nela, escorregar lá dentro, passar pelo estômago e depois sair pelo bumbum... Os dois meninos riam sem parar. Simon acrescentou, então: — E mamãe disse que um policial veio aqui e falou que o papai morreu e não vamos mais ficar perto dele. Porque a gente não vê mais as pessoas nem fica perto delas quando elas morrem. — É, sua mãe já me contou. Sinto muito, companheiros. Eric foi com os dois até o quarto. Passara a noite acordado, imaginando como falar com as crianças sobre o assunto. Era um momento traumático em suas vidas e imaginara que seria melhor se falasse com honestidade, embora não soubesse o que lhes dizer se perguntassem sobre o céu. Era difícil imaginar Jimmy em um lugar que se parecesse com o céu. Sentou-se na cama de Simon, e os meninos penduraram-se em seus joelhos, olhando-o com inocência. Então começou: — Como vocês se sentem quanto à morte de seu pai? — Bem — disse Simon, de ombros encolhidos. — Ele nem morava aqui conosco. E mamãe pode arrumar outro. A mãe de Jenny, da escola, arrumou um pai novo para ela. — É, outro — lan repetiu, assentindo gravemente. — É... bem, isso acontece — Eric comentou. — As pessoas se casam outra vez... depois de certo tempo, sabem? Simon se afastara para pegar um carrinho de cima da cômoda.

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— Ele tinha seguro de vida, tio Eric? — perguntou, deixando Eric pasmo. — Porque o pai do meu amigo Kyle tem e, se ele morrer, Kyle vai ganhar dinheiro. Acho que cem dólares. Kyle vai até comprar um jogo novo. Atônito, Eric olhava para o sobrinho, sem saber o que responder. — Não sei nada sobre seguros, Simon — disse, por fim. — Mas acho que seu pai não tinha. Mas... não é bom pensar em dinheiro quando uma pessoa morre. — Por que não? A professora disse que as pessoas mortas não podem usar dinheiro, e outras pessoas usam dinheiro por elas... Eric assentiu, boquiaberto. A professora devia ser, com certeza, do tipo prático. — Sim, claro... É verdade, mas... geralmente ficamos tristes quando alguém morre. Quero dizer, ficamos mais tristes do que preocupados com o dinheiro. — Você está triste porque meu pai morreu? Eric sentiu-se parar no tempo. Olhou para o menino e assentiu gravemente, sabendo que uma mentirinha de vez em quando não matava ninguém. E afirmou: — Estou, sim. — Agora, não precisamos mais ficar olhando pelo olho mágico para ver se é ele, não é? — Simon indagou, trazendo o carrinho cujas rodas arrancara, até a cama. — Não, não precisam mais olhar pelo olho mágico — Eric repetiu. — Não vamos mais olhar pelo olho mágico — lan repetiu, e os dois meninos caíram na risada. Eric passou os dedos pelos cabelos, sem saber como agir. Por que nunca falara com os garotos sobre Jimmy? Repreendia-se. Devia tê-lo feito, porque os meninos estavam com idéias muito estranhas. Tentaria depois, agora estava de estômago vazio e precisava comer. — Já tomaram seu desjejum? — perguntou aos meninos. — Não. Mamãe disse que íamos esperar você chegar. Ela está fazendo panquecas, e temos geléia e manteiga de verdade. — Está bem, então vamos trocar de roupa antes de comermos nosso desjejum, está bem? — Tia Anna dormiu aqui! — Simon anunciou, sorrindo. — Ela e tio Bruno trouxeram a geléia. Tia Sophie também está vindo. Da outra vez, ela trouxe sorvete. Você também trouxe alguma coisa para nós, tio Eric? Sim, ele trouxera a melhor das intenções, Eric analisou. Ia explicar-lhes sobre a morte de seu pai, sobre o que é tristeza e sobre o prosseguimento da vida. Pretendia tomar tudo mais suave para eles, mas se esquecera de que não era capaz de enganar crianças. — Não, eu não trouxe nada, companheiros. Mas amanhã vou levá-los ao parque para treinarmos um pouco com as chuteiras novas, o que acham? — Vai ser legal, mas não temos bola... — Não têm bola? Bem, vamos comprar uma, então. Os meninos começaram a gritar de alegria. Na segunda-feira pela manhã, Tessa decidiu que estava mais do que na hora de dar um adeus gentil, mas definitivo a Alistair Famsworth. Era isso ou morrer de tédio ao lado do 55

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milionário, apesar do entusiasmo inicial de Clara. Ela dizia que o sujeito era saudável, atraente, que deveria ser inteligente para ter conseguido ganhar tanto dinheiro na vida, e alegava que ele parecia sincero e disposto de fato a encontrar uma companheira. Tessa deveria tentar... O que teria a perder? Naquele exato momento, ela atendeu ao telefone, segurando-o entre o ombro e o pescoço, enquanto verificava algumas fichas para ver se encontrava alguém para sacrificar em um encontro com Eric. Ouvia Alistair dizer que uma de suas firmas acabava de descer de quatro dígitos para meros pontos decimais na Bolsa de Valores. E ele já estava no mesmo assunto havia cinco minutos... — Byron Burbank, aquele expert americano em investimentos está na cidade, acredita, Tessa? — continuava ele, animado. — Vai dar uma palestra em Hyatt amanhã, que vai ser muito interessante. Já comprei ingressos para nós dois. Poderemos ouvir boas dicas de como investir dinheiro, e você poderá usá-las em relação ao dinheiro que recebeu quando de seu divórcio. Passarei para pegá-la às oito em ponto. — Obrigada, Alistair, mas não poderei ir. O que havia de errado com a cabeça daquele sujeito, além de estar perdendo tanto cabelo? Indagou-se. Alistair achava que ela iria a uma palestra de um tal sujeito chamado Byron Burbank, sobre altos e baixos do mercado financeiro? Talvez até pudesse fingir certo interesse se Alistair fosse sensual ou se ela tivesse, de fato, algum interesse no assunto. Mas não tinha, e Alistair não era sensual. Ponto. Tinha sua adorável casinha, que recebera como herança de sua avó querida, também possuía um Beretta modelo 89, e seu talão de cheques tinha saldo suficiente para suas despesas mensais, desde que não gastasse muito em lingerie. A quantia que recebera quando de seu divórcio estava muito bem aplicada em uma conta de poupança, juntando juros pequenos, mas constantes. Podia, até, receber conselhos de Alistair, mas não queria arriscar nada no mercado de ações. Estava muito bem para seus próprios padrões. Sua avó sempre dizia que o dinheiro valia exatamente a alegria que conseguia proporcionar a alguém e, vendo-se por essa perspectiva, Alistair Famsworth era paupérrimo. Mas ele insistia: — Não se preocupa com sua aposentadoria, Tessa? Não, definitivamente não. Podia se preocupar com seus ovários, mas não com sua aposentadoria. — Sinto muito, Alistair, mas já tenho um compromisso para amanhã à noite. Sim, ela estaria muito ocupada cortando as unhas dos pés e passando o aspirador no sofá. Não queria ver Alistair novamente. Não. Pelo resto de sua vida, não! Respirou fundo, imaginando como dizer isso a ele. Era tão enfadonho dispensar um homem, eles sempre ficavam aborrecidos, prometendo tudo, implorando muito. — Sabe, Tessa — ele, inocente de suas intenções, prosseguia — você é uma mulher maravilhosa, e um homem, um dia, terá a sorte grande de conhecê-la e passar o resto de seus dias a seu lado, mas acho que a química entre nós dois não está funcionando... Tessa quase deixou o fone cair. Ele estava usando uma das melhores frases criadas por Clara para terminar o relacionamento! Nem ela mesma tivera tempo ainda para lembrarse daquela pérola! Miserável. Como ousava dar-lhe o fora antes mesmo que ela o fizesse? E Alistair nem mesmo esperara uns cinco minutos, fingindo estar de coração partido antes de acrescentar:

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— Acha que poderia arranjar um novo encontro para mim com outra garota até o final desta semana? Afinal, sou cliente da agência... O acordo que fizemos foi de que vocês encontrariam alguém que combinasse comigo. Tessa encarou o fone, colocou a língua para fora e fez uma careta, antes de continuar a conversa, em um tom que pretendia ser o mais cordial e casual possível: — Mas é claro, Alistair! Pode ter certeza de que vou procurar alguém interessante para você. Ligarei assim que conseguir, está bem? — E esperou que ele desligasse para fazê-lo também e mostrar novamente a língua ao aparelho. Aquele infeliz! Podia, ao menos, ter sido cavalheiro e deixado que ela o dispensasse primeiro! Folheou as fichas, determinada a encontrar uma mulher detestável para ele. Não seria tão difícil assim, havia várias clientes com um perfil parecido... Mas havia também telefonemas a dar, clientes em perspectiva a conquistar e a necessidade premente de encontrar alguém para sair com Eric. Era o décimo dia em que Clara estava ausente da agência, parecendo que ela não mais se importava se seus clientes estavam ou não saindo com alguém. Sempre que Tessa ligava para ela, Clara parecia estar deitada, com um pano amarrado no nariz. Por que simplesmente não dava um pontapé no traseiro de Bernard, o detestável, e continuava com sua vida? Olhou as fichas com atenção e parou na de Margaret Westwall, uma mulher interesseira, detestável o suficiente para o milionário. Margaret era viúva, não era bonita, e sua ficha dizia que estava interessada em homens ricos que trabalhassem com o mercado de ações. Claro que não devia querer que perdessem dinheiro antes que ela própria os aliviasse de uma boa quantia, Tessa concluiu. Margaret queria viajar muito e considerava-se simpática. Tessa ligou para o número de telefone anotado na ficha. A voz feminina que atendeu, na secretária eletrônica, era pouco educada e fanhosa. Talvez o mercado de ações não estivesse tão bom assim no dia em que ela fizera a gravação, Tessa ponderou, sorrindo. Margaret seria o par perfeito para Alistair, por isso deixou uma descrição mais do que favorável dele na secretária de Margaret, dando ênfase especial a sua conta bancária e acrescentando: — Se achar que este atraente cavalheiro possa ser de seu interesse, Margaret, por favor, ligue para nós e deixe seu recado, para que possamos passar seu número a ele. Contente, Tessa desligou e pegou a bolsa, em busca de um cigarro. Vasculhou dentro dela, até se lembrar de que jogara o maço fora naquela manhã. Era o terceiro que desperdiçava dessa forma. Alistair, com certeza, diria que ela poderia ter investido esse dinheiro em ações de uma companhia de cigarros. Agora precisava encontrar uma mulher para Eric, para agradar o rei do "pega e solta". Era assim que o menino se referira ao tio, não? Pela boca das crianças eram reveladas as mais terríveis verdades, avaliou. Tola, disse a si mesma. Chegara a começar a acreditar em Eric antes de Simon fazer tal revelação. Estava até gostando um pouco dele! Continuou procurando nas fichas e, por fim, encontrou a de Sylvia Delacroix. Loira, com belos dentes e olhos exuberantes, roupas discretas, elegantes... Uma especialista em movimentação bancária, embora Tessa não entendesse muito bem o que era essa profissão. Clara, com seu constante otimismo, acrescentara que Sylvia era inteligente, atraente e sofisticada.

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Tessa ligou para o número anotado na ficha, e a voz adocicada que a atendeu quase lhe causou um ataque de diabetes. Com o dobro de doçura, descreveu Eric para a mulher, tomando o cuidado de alardear as virtudes dele, quase o fazendo parecer uma mistura de Mel Gibson e Super-Homem. Não disse, porém, que ele considerava as mulheres dispensáveis. Afinal, por que não seria assim? Indagou-se, ele era dono de uma companhia de reciclagem, não? Também não disse que ele não pretendia espalhar sua preciosa semente na intenção de procriar. Sylvia, porém, nem se importaria com isso. Afinal, não era do tipo maternal. Deveria mencionar o carro horroroso que ele possuía? Talvez não fosse o momento ainda... Ao desligar, Tessa simbolicamente lavou suas mãos com o sabonete perfumado do banheiro e depois tragou um palito de fósforos, soltando a fumaça imaginária diante do espelho. Tudo que precisava fazer agora era esperar por uma ligação de Sylvia. Com a descrição que dera de Eric, esse telefonema viria muito em breve, tinha certeza, e fez uma aposta consigo mesma de que Sylvia ligaria ainda antes do meio-dia. Depois ligaria para Eric, dando as boas-novas. Animada, voltou para o escritório e já estava prestes a sair para comprar um novo maço de cigarros quando Clara entrou. Tessa abraçou-a de imediato, agradecendo a Deus por ter evitado que ela sucumbisse ao vício mais uma vez. — Clara, querida, como você está? Na verdade, a aparência de Clara era horrível. Os cabelos brancos, muito curtos, geralmente bem penteados e macios, não tinham sido penteados, muito menos enrolados, e a maquiagem ao redor de seus olhos estava borrada. Sorriu de leve para Tessa, tentando parecer melhor do que estava. — Não estou em meus melhores dias, minha cara. Isso era óbvio. E, não fosse Clara quem era, Tessa não teria suportado a meia hora seguinte, na qual cada sentença que sua chefe dissera começava ou terminava com "Bernard". Por fim, Tessa já sentia vontade de vomitar. — Bernard vai deixar nossa casa — disse Clara ainda, enquanto Tessa tentava mostrar-lhe quais clientes iriam se encontrar naquele final de semana. — Ele já iniciou os procedimentos do divórcio e está pedindo uma quantia absurda em dinheiro! — E o que seu advogado diz sobre isso? — Tessa confiara totalmente em seu advogado, Sheldon Winesapp, em seu próprio processo de divórcio. — O que os homens acham que podem conseguir e o que de fato conseguem são duas coisas bem diferentes, Clara. — E citou as palavras de Sheldon: — "A lei protege as mulheres ainda mais nos dias de hoje do que há alguns anos". Como quando Maria e Walter tinham se divorciado, por exemplo. A mãe de Tessa jurara durante anos que tinha sido ludibriada no acordo conseguido em seu divórcio. E Tessa sempre imaginara o que poderia acontecer se seus pais, um dia, viessem a se casar novamente e, depois tomar a se separarem. Talvez acabassem os dias acusando-se ou querendo saber quem ficara exatamente com o quê... — Vou consultar um advogado, mas primeiro quero conversar com você, Tessa. — Clara fez uma pausa dramática e depois acrescentou: — Decidi vender a agência e quero que você a compre. Você é a única pessoa a quem eu confiaria esta minha obra.

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Capítulo XI

Sempre bom olhar os dentes de um cavalo dado... Boquiaberta, Tessa olhava para sua chefe sem acreditar. — Vai vender a Sincronia? Mas você adora isto! Não se precipite Clara! Vai mudar de idéia assim que esta fase ruim passar, você vai ver. Havia lágrimas nos olhos de Clara, mas ela negou com a cabeça, teimando. — Já me decidi. Estou muito abalada e não consigo mais acreditar no amor. Prometa não contar nada a ninguém sobre a venda, porque, se Bernard souber o que pretendo fazer, vai exigir ainda mais dinheiro no acordo de divórcio. Nós duas poderemos chegar a um acordo entre amigas, e tudo vai ficar bem. Eu não venderia a Sincronia a mais ninguém, mas como a amo, vou fazer um preço especial. Ninguém precisa saber, ouviu? Tessa sentia sua cabeça rodar. Sentia pena de Clara, mas não sabia se seria certo comprar a agência sem o conhecimento de Bernard. No entanto, lembrou-se, tratava-se do desprezível Bernard, o que isentava sua alma de qualquer preocupação. Além do mais, estava interessada em saber como seria ter seu próprio negócio. Poderia instalar computadores, fazer melhorias, abrir uma página da agência na internet! Podia comprar a agência sem maiores problemas, pois, como Alistair acabara de lembrá-la, tinha o dinheiro de seu divorcio no banco. A última coisa que queria, no entanto, era tirar vantagem de Clara em um momento de dor. — Já pensou em um preço? — perguntou. Clara disse-lhe o valor, que a tomou de surpresa, porque era praticamente tudo de que dispunha no banco. E precisaria de dinheiro para instalar, pelo menos, um computador. — Bem, nunca faço negócios sem pensar bastante sobre eles — comentou, lembrando-se de que se casara sem pensar muito no assunto e acabara arranjando um grande problema. — Será que posso pensar por, pelo menos, uma semana? Clara não lhe pareceu muito satisfeita, mas concordou. — Desde que mantenha nosso acordo em segredo... — impôs. Tessa assentiu, embora soubesse de antemão que estava mentindo. Assim que Clara deixou o escritório, ligou para seu advogado, Sheldon Winesapp, em Calgary. Saíra com ele duas vezes e, mesmo percebendo que ele não era o homem certo, tinham se separado como amigos porque ela tivera de mudar para Vancouver. — Sheldon, é ilegal uma mulher fazer um negócio e não contar a seu marido? — perguntou a ele, sem perder tempo. — Quero dizer, se ele for um sujeito desprezível, que anda com qualquer pessoa que use saias? E, é claro, estou falando de um negócio que não pertence ao sujeito em questão. Felizmente, ele tinha experiência em ouvi-la quando estava excitada daquela maneira. — Olá, Tessa! Quanto tempo! Bem... há um acordo de separação? Há advogados envolvidos no caso? — Ainda não. Talvez haja do lado do sujeito, mas, com certeza, não do lado da esposa. 59

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— As transações não contam antes de um fato desencadeador. — Sei. E o que é um fato desencadeador? — Um pedido formal de divórcio, assinado pelos dois cônjuges. — Portanto, não há nada de errado se a mulher em questão me vender sua agência sem o conhecimento do marido? Nada poderia me acontecer se eu a comprasse? — Nada. Pode haver um pequeno problema para a mulher se o advogado vier a descobrir depois do acordo de divórcio assinado, mas, de antemão, nada. E você estaria fora do problema de qualquer forma. Tessa sentia vontade de sair pulando pelo escritório. Ao invés disso, porém, agradeceu a Sheldon, sem se dar conta de que estava sendo por demais efusiva. — Sinto saudade de você, Tessa — disse ele. — Estarei em Vancouver para assistir a um julgamento em duas semanas. O que acha de me mostrar a cidade? — Ah, claro... — Nada animada, Tessa sabia que tudo que ele queria ver em Vancouver era seu corpo. Sheldon era um tremendo chato, mas, fosse como fosse, pensaria nisso depois. Consultou o relógio assim que desligou o telefone. Ainda não era meio-dia e já tinha sido chutada por um milionário, cantada por seu antigo advogado e estava em vias de comprar seu próprio negócio. Ah, claro! Traíra uma colega do sexo feminino ao colocá-la como opção para Eric Stewart. Que manhã! Era apenas meio-dia de segunda-feira, e Eric estava absolutamente cansado. Não dormira direito desde que soubera da morte de Jimmy Nicols e por isso viera trabalhar mais cedo do que de costume. Passara o final de semana ensinando seus sobrinhos a jogarem futebol, cuidando de Karen e depois indo dormir com a impressão de que os policiais logo apareceriam para ligá-lo, de alguma forma, à morte de Nicols. A parte racional de sua mente dizia-lhe que isso seria impossível, mas, no meio da noite, a razão cedia à emoção. E ele sabia que muitos sujeitos inocentes acabavam na cadeia. Passou a manhã tratando de serviço burocrático em sua empresa e ouvindo Henry e sua mãe discutindo em um dialeto que desçonhecia. Contratara Gladys para trabalhar três dias por semana, mas ela aparecia os cinco. Ia contar a eles sobre a morte de Nicols, já que Henry e a mãe provavelmente conheciam sua famflia melhor do que ele mesmo, mas acabou desistindo, imaginando que a notícia causaria um frenesi do qual não estava disposto a participar. Eles iriam querer saber de todos os detalhes, fariam mil perguntas, e Eric já estava farto da história. Pouco antes do meio-dia, um cheiro delicioso de algo puramente asiático atraiu-o até a cozinha. Henry estava à mesa, preparando-se para comer com dois palitos longos entre os dedos. — Olá, chefe. Como vai tudo? — saudou ele, com os olhos orientais sumindo quando sorriu e ergueu as bochechas fartas. — Quer dividir meu almoço? Mamãe trouxe agora há pouco. Já viu Vince por aí? Eric serviu-se da comida que ainda restava na panela e sentou-se ao lado do amigo. — Não, ainda não o vi. Por quê? — Vince Klavinski era um bom motorista e já trabalhava para Eric havia três anos. Não era muito esperto porém, o que era um problema comum na empresa que Eric possuía. Afinal, quantos garotinhos brilhantes sonhavam em dirigir caminhões de lixo quando crescessem? 60

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— Parece que um sujeito o agrediu — Henry informou. — Um freguês encheu demais a caçamba, e o caminhão não conseguiu erguê-la. Vince pediu que o homem tirasse um pouco do lixo, o homem não gostou. Foi o que ele disse. Eric sabia que a história ia além disso. Vince era um sujeito enorme, com um temperamento que mal cabia em seu corpanzil e que estourava com qualquer provocação. — E o que Vince fez então? — indagou. — Bateu no sujeito também e quebrou-lhe alguns dentes. O sujeito está nos processando agora. Foi bom fazermos aquele seguro. Eric colocou um pouco de comida na boca, assentindo. Ele mesmo discutira com Henry para não fazer o tal seguro, que agora provava ser benéfico à empresa. Calado, ele pensava no incidente entre Vince e o tal sujeito. Pelo menos, o homem não era parente de Vince, como Nicols fora seu... E se o seguro cobrisse brigas com ex-cunhados que viriam a morrer alguns dias depois? Indagou-se, sabendo que isso seria impossível. — Vou conversar com Vince — murmurou pensativo ainda. — Talvez tenhamos de mandá-lo embora... Henry meneou a cabeça e disse condescendente: — Vá com calma com ele, patrão. Vince disse à mamãe que sua mulher foi embora com um sujeito da companhia telefônica, e ele está uma fera por causa disso. Mamãe deulhe alguns conselhos. Escute, não se preocupe, quando os representantes da seguradora ligarem, eu mesmo falarei com eles. — É, será bem melhor assim. E seria, de fato. Henry lhes perguntaria sobre cada detalhe, não uma, mas milhões de vezes, até que os sujeitos se cansassem e acabassem pagando o seguro. Henry era bom no que fazia, extremamente minucioso, metódico. — Onde está Gladys? — Assistindo a Velozes e Furiosos, mas vai chegar logo. Cinco anos antes, Eric havia comprado o terreno que até agora pagava, bem como uma propriedade vizinha. Mandara construir o espaçoso escritório da firma ali e contratara uma assistente para Henry, a qual reclamara muito, com razão, que havia trabalho demais ali para uma única pessoa. A primeira assistente ficara na firma por três dias, as três seguintes, um dia cada. Henry dizia não entender por que ninguém conseguia trabalhar com ele. As candidatas à vaga informavam a Eric que Henry as controlava demais, que era manipulador, bisbilhoteiro, mandão e que não havia condições de trabalhar com ele. Uma chegou a queixar-se de que ele comia o dia inteiro e, como resultado, ela acabara engordando. Henry Wong era tudo o que elas diziam, e era também totalmente confiável, inteligente como ninguém mais que Eric conhecia, e absolutamente leal. Sabia tudo o que era necessário sobre lixo e instalara uma central de computadores que funcionava às mil maravilhas. Era o único que realmente entendia seu programa, e isso o tomava impossível de ser substituído. Eric incumbira Henry de encontrar sua própria assistente, o que resultara com a contratação de Gladys. Aos sessenta e quatro anos, Gladys Wong era tão miúda quanto seu filho era grande. Parte do tempo, os dois brigavam como gato e cachorro, gritando um com o outro e batendo portas. Mas, entre as brigas, administravam o escritório como uma máquina perfeita e

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conseguiam contratos maravilhosos graças as suas conexões com a comunidade chinesa. Os Wong podiam ser dois grandes chatos, mas Eric era grato a eles. — Chefe! — Gladys chamou, quando Eric terminava seu almoço. — Anna está ao telefone. Ele atendeu em sua sala, imaginando se os policiais já teriam aparecido. Não tinham, o que foi um grande alívio. — É que verifiquei seu mapa astral, e Saturno ainda está causando certos transtornos — Anna informou, como se estivesse dando a notícia mais importante do mundo. — Por isso você teve esse problema com Jimmy. Saturno está trazendo à tona todos os antigos problemas de sua vida. Imaginei que um leve tratamento com ervas poderia ser benéfico para você. Tenho uma amiga que prepara infusões e bálsamos maravilhosos. Ela até faz supositórios de café. — O quê? — Eric não acreditava no que estava ouvindo. — Desde quando as pessoas deixaram de beber café para colocá-lo... lá? — Oh, Eric, não seja tolo. Café é um santo remédio, sabia? Não o recuse antes de experimentá-lo. Eric pensou em dizer à irmã o que achava sobre tudo aquilo, mas sabia que com isso ela faria uma admoestação imensamente longa sobre a ignorância da população em geral quanto às terapias alternativas. Por isso, preferiu apenas agradecer e desligar, imaginando se ela teria convencido o pobre Bmno a experimentar uma daquelas coisas de café. Tomara que seu cunhado fosse resistente quanto às idéias malucas de sua irmã. Eric estava começando a sentir uma leve dor de cabeça. Precisava sair do escritório por algum tempo, gostava de dirigir seus caminhões, afinal, a base de seu negócio era o lixo. Não tinha receio de sujar as mãos e, por isso, ao encontrar uma ordem de serviço, não vacilou e logo se colocou atrás do volante para ir trabalhar. Eric seguiu até o local indicado, fez o carregamento e, depois de enfrentar o trânsito e transportar sua carga, sentia-se bem melhor. Ligou o rádio do caminhão quando entrou em uma rua muito congestionada, sintonizou uma emissora country e passou a cantar junto com alguém que não queria mais viver se não amasse seu homem, o que lhe pareceu um tanto extremo... E, de repente, Tessa apareceu em sua mente, sem convite algum, com os cabelos revoltos como se houvesse acabado de acordar, os olhos sonolentos, como na quinta-feira, depois de beber todo aquele vinho. Pena ela não estar bêbada o tempo todo, lastimou-se. Sóbria, ela era tão diferente! E, com Tessa em mente, seu humor piorou. Praguejou baixinho, tentando mandá-la de volta ao limbo de onde viera, mas ela era tão teimosa na imaginação quanto na realidade. Por fim, Eric desistiu e a deixou ficar. E, por mais impossível e absurdo que pudesse parecer, ela começou a tirar a roupa! Pelo menos, não o estava interrompendo com respostas mal-educadas, mas aqueles seios incríveis o estavam deixando desconfortável. O que mais o surpreendeu foi o impacto sexual que a imagem em sua mente possuía. Ali estava ele, sob o sol muito claro de junho, passando por uma ponte agora, pensando em uma mulher da forma mais erótica possível. E uma mulher da qual, na verdade, ele queria distância. Voltou a seu escritório, e o dia acabou tomando um rumo bastante adaptado a suas fantasias. 62

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— Uma mulher ligou para você — Gladys informou. — Nunca tinha ligado antes. Aposto que é nova... — Gladys sorriu com malícia. — Aqui está o nome e o número que ela deixou. Disse para você ligar assim que possível. O papel amarelo que Gladys lhe entregava tinha o nome Tessa McBride e o número 439-9934. Eric se arrependeu de imediato por ter dado o número de seu escritório à agência. O problema era que dar o número de seu celular parecera-lhe ainda pior naquele dia. — Tessa é sua nova garota, chefe? — Gladys quis saber. — Está ficando cada vez mais esperto, porque Nema era terrível! — E o que a faz pensar que não tenho mais nada com Nema? O rosto redondo de Gladys pareceu sorrir por inteiro. — Ela não tem aparecido por aqui com aquela capa de chuva... Deve tê-la dispensado. Mas foi bom porque ela não tinha um bom chi. A capa de chuva fora mencionada com segundas intenções. Nema nunca usava nada por debaixo dela e o escritório não era à prova de ruídos... Eric nem se importou em perguntar a Gladys o que seria "chi", e não adiantaria dizer a ela para ficar fora de sua vida pessoal, como já tentara fazer antes. Isso porque Gladys simplesmente fingia não entender o sentido da palavra "bisbilhoteira". Ele levou o bilhete para seu escritório, onde surpreendeu Henry sentado confortavelmente em sua cadeira, com os imensos pés calçados em tênis desamarrados cruzados sobre a mesa, em uma pilha de faturas. O funcionário lia uma carta cujo envelope estava claramente endereçado a Eric, o qual disse, firme: — Fora daí! Henry foi até bem rápido para seu tamanho todo e, em frações de segundo, atingia a porta. Vendo-se sozinho e em segurança, Eric discou o número que Tessa deixara. Ela atendeu depois de dois toques: — Sincronia. Tessa falando. — E sua voz, como muitas vezes antes, fez o corpo todo de Eric vibrar. — Olá, Tess. É Eric. Como vai? — De imediato, ele imaginou se deveria contar a ela sobre a morte de Jimmy. Talvez ela já estivesse com um humor melhor do que aquele da outra noite... Mas não estava. Sem cumprimentá-lo, e em um tom absolutamente gelado, disse-lhe: — Tenho uma mulher adorável, chamada Sylvia, que deseja sair com você. — Ela fazia a notícia parecer um verdadeiro milagre, e Eric decidiu não lhe contar sobre a morte do cunhado. Tessa descreveu-lhe, em poucas palavras, as qualidades físicas e intelectuais da mulher em questão que, se fosse realmente assim, devia viver rodeada de guarda-costas para se defender dos homens que, com certeza, deveriam apinhar-se em torno dela. — Sylvia gosta das boas coisas da vida — prosseguia ela, obviamente lendo as informações que dava. — Adora jantar fora, ir ao teatro e a espetáculos de música clássica. Gosta de desenhar e de trabalhar para a Sinfônica de Vancouver, angariando fundos para a orquestra. — Sei, sei. E qual é o segredo? — Eric comentou, sem se interessar pelo que a tal mulher mais gostava de fazer. 63

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— Como disse? — Bem, se ela é assim tão perfeita, por que precisa de uma agência matrimonial? — Já lhe ocorreu que ela possa apenas ser seletiva demais? Eric riu. — Ah, entendo. Não é de se admirar que a tenha escolhido para mim, então, Tessa. Um par perfeito, certo? Puxa, você é boa no que faz! — Ele usava de ironia, mas achava a situação até engraçada. Ouviu-a murmurar algo muito parecido com um palavrão, e observou, divertido: — Será que a ouvi praguejar ou foi impressão minha? — O número do telefone dela é 926-5926 — Tessa respondeu, a ponto de explodir de irritação. — Já passei a ela o seu telefone. Esforce-se para ser educado se ela ligar. — E, sem nada mais dizer, desligou. Eric imediatamente pressionou a tecla para refazer a ligação. Gostava de torturá-la, era muito melhor do que ficar esperando que a polícia viesse prendê-lo como suspeito da morte de Nicols. Tessa havia ligado a secretária eletrônica. Depois do sinal, sua voz suave atendeu, e Eric disse: — Desculpe, mas não consegui anotar o número dela, Tess. E estou muito disposto a ligar, sabe? Sylvia parece ser do tipo de que gosto. Três segundos depois, o telefone tocou. Rindo, ele atendeu, mas foi uma voz masculina quem disse: — O número que pediu é 926-5926. A Srta. McBride não pode atender no momento. Eric desligou, sem entender. Tessa era esperta, avaliou. Mas de quem seria aquela voz de homem? Ela teria algum funcionário cuja função específica seria atender telefonemas indesejados? Alguém bateu à porta do escritório, e Henry logo colocou a cabeça para dentro. Pela primeira vez, seus olhos estavam bem visíveis em seu rosto gordo e redondo. Mais do que visíveis, até, arregalados. — Puxa vida, chefe! Há um detetive da polícia aqui e ele quer lhe falar! O nome dele é Michaels. O que houve? Matou alguém? — E saiu rindo do que considerava ser uma boa piada. Eric sentiu como se toda a alegria desaparecesse de sua vida...

Capítulo XII

Napoleão disse a seu camareiro: "Vista-me bem devagar, porque estou com pressa".

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— Obrigada, Kenneth — Tessa agradeceu ao meigo senhor que estava sentado a sua frente. — Devo-lhe esta por ter atendido para mim. — Eu gostei, mesmo sem saber do que se tratava — explicou Kenneth Zebroff, com seus pequenos olhos verdes brilhando. Como sempre, seus cabelos brancos estavam impecavelmente penteados, as roupas eram esportivas e elegantes, e a pele, bem bronzeada. Aos sessenta e dois anos, era ainda um homem atraente, inteligente e engraçado. Fora farmacêutico antes de se aposentar, havia três anos, e sua aposentadoria viera forçada, depois de um grave acidente que o deixara puxando de leve a perna esquerda. Por isso usava uma bengala. Para completar a maré de azar de Kenneth, sua terceira esposa tinha morrido de repente havia um ano. Tivera má sorte com todas elas, enviuvara nos três casamentos. Tessa gostava muito dele, ainda mais porque fora o primeiro cliente para quem conseguira um encontro ao vir trabalhar com Clara. No entanto, a idade e o problema com a perna eram sempre um empecilho para que seus encontros dessem certo. Clara tinha uma teoria para isso: dizia que as mulheres acima dos sessenta que ainda se sentiam ativas e sensuais, tinham piques de atividade que poderiam deixar cansada uma moça com metade de sua idade. Elas queriam homens jovens. E as mulheres com menos de sessenta não queriam sair com um homem acima dessa idade porque estavam tendo crises de meiaidade. A idade era sempre uma questão importante a considerar naquele tipo de negócio, e um homem com uma bengala, um caso a parte. Sem conseguir encontrar alguém melhor, Tessa começara a separar para Kenneth as mulheres com problemas de auto-estima, ou que se julgavam pouco atraentes. Mesmo assim, não estava funcionando. — Obrigada pela rosa — disse ela ao gentil cliente, colocando a flor no vaso. Ele sempre lhe trazia uma flor. — Sinto muito por não ter dado certo com Olga. — Tessa imaginava que Olga devia sentir-se satisfeita por estar saindo com alguém que pelo menos respirasse. Era tão rica quanto aborrecida e infeliz, e se queixara de Kenneth, dizendo que ele tentara beijá-la e que estava querendo um companheiro, não um velho assanhado. Tessa perguntara a ela se tinha mencionado em sua ficha que queria um relacionamento platônico, e Olga lhe dissera não conhecer outro tipo de relacionamento entre pessoas idosas. Assim, irritada com a mulher, Tessa enfiou sua ficha no fundo de uma gaveta, não sem antes escrever em letras garrafais: FRÍGIDA. E agora o pobre e querido Kenneth ali estava, ainda sozinho. Tessa queria tanto encontrar alguém especial para ele! E, depois de tomarem um café juntos e ele ir embora, chegou a pensar em por que ela mesma não saía com o bom senhor. Mas havia tantos anos de diferença entre ambos! Bem, ela compraria a agência, colocaria computadores nela e contrataria Anna como consultora astrológica e, com certeza encontraria alguém para Kenneth. Sim, muitas coisas mudariam por ali! — Não há nada com que se preocupar, chefe — consolava Henry. — Bateu em seu cunhado e quebrou o nariz dele. Uma semana depois, ele apareceu morto. Que culpa você pode ter? — Ele meneou a cabeça, cruzou os braços e recostou-se à cadeira no escritório de Eric. Como fora o próprio Eric que fizera a cadeira, com barras de aço, não havia receio de que o peso enorme do chinês fosse quebrá-la. — Esse sujeito era um abacate podre! Não conseguia nem pagar uma pensão para os meninos de Karen, chegou a bater nela! 65

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Eric agradecia a solidariedade, mas não via lógica no que seu empregado dizia. — Abacate podre... — repetiu, depois, afastando a idéia, comentou: — Gostaria que o detetive Michaels pensasse como você, Henry. Cheguei a perguntar a Sophie se alguns murros e um nariz quebrado podiam matar um sujeito. Ela disse que é raro, mas que poderia acontecer. Disse que poderia haver uma hemorragia cerebral. — Mas o detetive disse que ainda estão fazendo a autópsia. Devia ter me deixado ficar na sala quando conversaram, chefe. Eu teria dito a ele que você é um homem honesto e decente. Eric assentiu, sabia que Henry tinha ouvido toda a conversa por detrás da porta. — Bem, seja como for, não me prenderam ainda — avaliou, embora se sentisse muito mal com toda a história. Mesmo detestando Nicols, não desejara vê-lo morto. — Não podem prendê-lo sem argumentos — Gladys entrou na sala, opinando. — Vejo sempre os seriados policiais na tevê e é sempre assim. Esses policiais estão atirando para todos os lados, para verem se acertam em alguma coisa. Não têm evidências. — Vai precisar de um bom advogado criminalista — opinou Henry, pensativo. — Conhecemos um, primo da cunhada de minha mãe. Ele conseguiu libertar aquele político, lembra? O que foi acusado de matar a esposa. Mas Gladys negou com a cabeça e argumentou em chinês com o filho, ele rebateu e mais uma discussão acalorada começou entre ambos. Quando o telefone tocou, o barulho no escritório era terrível e, como seus assistentes estavam ocupados demais decidindo seu futuro criminoso, ele próprio atendeu a ligação. Fez-lhes um sinal para que parassem, mas foi em vão. — Bom dia — teve de praticamente gritar. — Sim, é daqui. — Eric Stewart, por favor — pediu uma voz de mulher, fria, profissional. — Sou eu. Pode falar. — Meu nome é Sylvia Delacroix. A Agência Sincronia sugeriu que eu ligasse para você, mas a ligação está péssima. Quer que eu desligue e ligue outra vez? Eric fez gestos bruscos e caretas a seus empregados, apontando para a porta. Henry e Gladys obedeceram lentamente, e, é claro, não fecharam a porta atrás de si. Assim que saíram, porém, o silêncio foi total. Eric sabia que eles estavam colados à parede, ouvindo. — Está melhor agora, não? — perguntou, indo até a porta e fechando-a com violência para depois trancá-la. Não sabia o que dizer. — Bem... obrigado por ter ligado, Sylvia. — Sentia-se um idiota e queria envenenar suas irmãs por ter de passar por essa situação. Não, não, não queria! Tinha de afastar qualquer idéia de assassinato de sua mente! — Recebi seu número através da agência. Você me parece interessante — continuou Sylvia. Interessante? Ela nem podia imaginar..., mas talvez devesse saber. Talvez devesse dizer a ela de imediato que estava envolvido em uma investigação de assassinato, mas era difícil abordar o assunto, ainda mais porque Sylvia não parecia ser do tipo falante. — Quando quer que nos encontremos? — Ela era direta também. — O que acha desta noite? — Era melhor acabar logo com aquilo. Eles poderiam beber um café no Starbucks. Contaria logo a ela sobre a morte de Nicols e poderia estar em casa a tempo de assistir ao jogo de futebol. Itália contra Escócia. Muito bom! Poderia esquecer seus problemas. 66

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— Esta noite não posso — ela acabou com seus sonhos. — Tenho reuniões todas as noites desta semana, a não ser na quinta. Poderíamos assistir à Orquestra Sinfônica na quinta-feira. O que me diz? Tenho ingressos antecipados. Você poderá me reembolsar por eles depois. Eric estava começando a sentir arrepios com aquela conversa. O que a mulher estava pensando? Que era um tolo qualquer sem cavalheirismo algum? Sylvia devia ser um terror, não era de admirar que tivesse procurado uma agência matrimonial. Os homens deviam fugir dela como o diabo da cruz. E isso era bom, porque não ficaria com peso algum na consciência quando lhe desse um fora logo depois do tal concerto. — Quinta-feira está ótimo para mim — aceitou. — Ótimo. Vou anotar para não esquecer. Eric podia ouvi-la escrevendo, como se ele realmente fosse alguma coisa que se esquecesse em um piscar de olhos. E Sylvia acrescentou: — Seria melhor se você me encontrasse no Teatro Rainha Elizabeth. O programa começa às sete. Podemos jantar depois, há um bom restaurante francês na esquina do teatro, chamado Lavanderia Francesa. Já ouviu falar? Pelo menos, a mulher tinha bom gosto para restaurantes, Eric avaliou, com desdém. Aquele era um de seus locais preferidos, mas não o disse por que não queria que Sylvia soubesse muito a seu respeito. — Perfeito — respondeu. — Estarei no saguão de entrada às seis e quarenta e cinco e vou usar um conjunto social preto com um grande broche de brilhantes no formato de estrela na lapela. Vou deixar sua entrada na portaria. Peça por ela em meu nome. — Está certo. Até quinta, então. — Eric desligou, respirou fundo e, olhando para o telefone, acrescentou: — Sim, sargento! Uma nova idéia estava surgindo em sua mente. Pensara em dispensar todas as mulheres rapidamente, mas, se tinha de ir em frente com esses encontros, podia, pelo menos, se divertir. Poderia contar os lances mais engraçados a seus companheiros de cela quando fosse preso pela morte de Nicols. Foi depressa até a porta e a abriu, mas Henry foi rápido o suficiente para parecer inocente, sentado junto a sua escrivaninha. Depois voltou e se sentou em sua cadeira, pensando. Ela estaria usando um conjunto preto, certo? E ele? O que usaria? Pensou por alguns minutos, depois ligou para Bruno. — Poderia me emprestar algumas roupas? — pediu. Sabia que botas de caubói eram algo impressionante. Naquela mesma tarde, algumas horas depois, Eric experimentava uma camisa de cor azul-turquesa com botões prateados, uma gravata fina, à moda do oeste, um chapéu branco de caubói que Bruno comprara em um rodeio alguns anos antes de conhecer Anna, e um paletó preto cujo corte e estilo não poderiam ser mais country. O paletó estava um tanto justo nos ombros e no peito, mas Eric achou que seria até melhor se parecesse ser grande para as roupas que usava. E, conforme Bruno lhe mostrava as muitas peças de roupa que tinha guardadas no fundo do baú, ia falando sobre a visita que o detetive Michaels também lhe fizera. — Ele fez perguntas sobre a briga no bar e indagou se você teria feito ameaças contra aquele infeliz, e eu lhe expliquei que, além de dizer que Nicols devia ser castrado, esquartejado e depois afogado, você não pronunciou nada contra ele. 67

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Eric ergueu as sobrancelhas. — Obrigado pela ajuda — murmurou. Bruno riu de sua própria brincadeira, depois disse: — Agora, falando a sério: como acha que Nicols foi morto? — Nem imagino. Eric experimentava o chapéu em diferentes ângulos, avaliando que já estava farto daquela história sobre o cunhado, estivesse ele vivo ou morto. Henry e Gladys o estavam deixando louco com comentários sobre o ocorrido. — Pelo menos, ainda não me prenderam — observou. — Perguntei a Fletcher se isso era possível, e ele disse que não... Pelo menos, até que os relatórios da autópsia estejam prontos. Sabe de alguma coisa sobre isso? — Não. E, olhe, não quero mais falar sobre Nicols. Vou me distrair planejando esse encontro com a tal Sylvia. — Como se fosse seu último desejo? Eric encarou-o, e Bruno riu antes de acrescentar: — Aposto que essa mulher tem uma queda por caubóis. A maioria delas tem. Essa devia ser a razão pela qual Anna não permitia que o marido vestisse aquelas roupas com freqüência. — Elas não estão atrás das roupas, mas do que está por debaixo delas — Eric rebateu. — É, você deve saber. Afinal, é quem costuma sair com quase todas... Escute, os policiais procuraram Sophie? Rocky já me perguntou isso umas três vezes. — E por que ele não liga para ela e pergunta pessoalmente? Afinal, Sophie fez aqueles docinhos para ele, em seu aniversário, e ele nem entendeu a dica! Seria bem-feito para ele se ela desistisse e se casasse com algum cardiologista que nos deixaria a todos aborrecidos até a morte, falando sobre colesterol e doenças do coração. — Quem sabe Marte e Plutão estejam interferindo de alguma forma. Eric encarou-o mais uma vez. — O que há? Anna continua aborrecendo você com esses assuntos? — Não sei ao certo. Talvez ela esteja certa, talvez eu não leia muito, mas ela nunca se queixou disso antes de nos casarmos. — Escute... — Bruno ia dizer que sua irmã era uma figura estranhíssima, mas estavam falando da esposa de seu amigo também, e preferiu ser mais suave: — As mulheres mudam o tempo todo. Não é culpa delas, foram feitas assim. Ignore essa astrologia toda o quanto puder, e logo Anna estará se interessando por outra coisa. — Talvez... E é isso o que mais me assusta. — Ele vasculhou no armário mais uma vez. — Por que não usa este cinto? Ele combina com a gravata. A fivela é de prata, peça de colecionador. Comprei-o em Reno, quando viajei para lá, lembra-se? Não, Eric não se lembrava. Mas a fivela tinha o formato de uma pedra mortuária e nela estava gravada a inscrição "descanse em paz". Talvez servisse a seu propósito.

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Capítulo XIII

Uma bela mulher em total controle de si mesma Na terça-feira pela manhã, Sophie ligou antes que Eric saísse para o trabalho. — Pode ficar tranqüilo, irmãozinho — disse ela. — Nicols morreu devido a um aneurisma, uma artéria defeituosa em seu cérebro se rompeu. A informação veio de uma amiga minha que trabalha com o legista. Ela leu o relatório da autópsia para mim, e a morte dele nada teve a ver com a briga no bar. Eric sentiu-se eufórico por um momento, estava livre de Jimmy Nicols finalmente. — E agora o que vai acontecer com Karen? Será que ela vai precisar arcar com o enterro do infeliz? — Na verdade, a preocupação de Eric era que ele mesmo acabasse tendo de pagar pelo funeral do ex-cunhado. Afinal, Karen não tinha dinheiro para isso. — Acho que, legalmente, ela não tem dever algum quanto a isso, mas você sabe como ela é. Vai se sentir moralmente obrigada a enterrá-lo. — Tem razão. Bem, mas, pelo menos, será o fim de tudo. — A não ser que Anna esteja certa quanto aos espíritos dos mortos perturbados ficarem rondando o mundo dos vivos... — Sophie tinha um estranho senso de humor. — A propósito, Eric, como vão as coisas na agência matrimonial? — Tenho um encontro na quinta-feira e estou ansioso. — Bravo! — Era estranho, mas ela não parecia muito entusiasmada. — Talvez você encontre seu destino, afinal... Se o destino tivesse alguma ligação com uma calça preta agarrada e um par de botas extravagantes de caubói, então, ele ia encontrá-lo, sim. Acabou de se arrumar, usando o que Bruno lhe emprestara. Lembrara-se de comprar um charuto enorme e enfiou-o no bolso da camisa. Tinha visto muitos filmes de faroeste e sabia imitar o andar de um vaqueiro muito bem. Estacionou sua van no pátio do teatro e enfiou o charuto apagado no canto da boca. Sentiase uma verdadeira aberração, e os olhares que o seguiam, ao passar pela portaria e pelo guichê, onde pegou seu ingresso, mostravam-lhe que devia, de fato, parecer assim. Isso era bom. Como imaginara, o saguão do teatro estava apinhado de gente elegante, homens usando fraques, mulheres em vestidos de gala. Avistou Sylvia a um canto e seguiu até ela, resoluto. Era uma mulher elegante, vistosa, alta e loira, e estava muito bem em seu conjunto negro. Os olhos dela dirigiram-se a Eric e mediram-no de cima a baixo, para depois se desviarem. Era difícil para ele não rir. Parou diante dela e tocou o chapéu. — Srta. Sylvia? — Estendeu a mão, passando o charuto de um lado para o outro da boca. — Sou Eric Stewart. É um grande prazer conhecê-la, senhora. 69

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A primeira impressão dela foi de horror. Estava visível em seu rosto, mas em seguida se controlou. — Eric Stewart... Como vai? — Tocou-lhe a mão, e ia retirá-la depressa, como se ele tivesse algum tipo de doença, mas Eric segurou-a, e sacudiu seu braço com força, na saudação. — Muito bem, muito bem mesmo — comentou ele, falando mais alto do que o normal. — É bom sair com uma dama refinada como você. Ah, antes que eu me esqueça, é melhor resolvermos logo a questão do dinheiro. — E tirou um maço de notas do bolso, entregando várias a ela. — Acho que isto cobre nosso acordo, certo? As pessoas estavam observando-os. Sylvia estava mais corada e visivelmente embaraçada com a situação. — Aqui... Agora não — sussurrou. — Mas faço questão! Nós, Stewart, sempre pagamos nossas contas! Ainda mais quando uma bela dama está envolvida no caso. — Eric piscou para ela, exagerado. Sylvia era do tipo que ficava muito ruborizada quando irritada. Pegou as notas da mão dele e, furtivamente, enfiou-as na bolsa. — Quanta gente, não? — Ele fez um gesto amplo em direção ao bar nos fundos do saguão. — Posso pagar-lhe uma cerveja? — Não, obrigada. O programa já vai começar, e devemos ir para nossos lugares. Eric tomou-lhe a mão e enfiou-a em seu braço dobrado. — Então vamos! Vou abrir caminho para nós por entre essa multidão! Sylvia nem respondeu, seguindo com ele escadaria acima. Os lugares eram excelentes, praticamente os mesmos que ele ocupava quando ia à sinfônica, algumas vezes por ano. — Mas que idéia boa a sua! — exclamou, procurando manter o jeito mais bronco possível. — Já estive em concertos antes, sabe? Da última vez, foi no Pacific Coliseum, onde sempre há jogos de hóquei. Puxa, adoro hóquei! Bem, mas fui ver Garth Brooks lá. Já o viu em um palco, Sylvia? Ela apenas negou com a cabeça. Estava tão afundada em seu assento, que mal podia ser vista, e esse devia ser seu real objetivo. — Olhe, vamos vê-lo quando ele vier para cá novamente. Puxa, aquele sujeito canta e toca como ninguém! — Eric insistiu. Bruno lhe dera todas as informações sobre o cantor country que era uma lenda viva da música caipira americana, que usava um guindaste para ser erguido no palco, e que quebrava seu violão no fim de cada espetáculo. Eric contou tudo isso a Sylvia, e arrematou: — Tenho até um pedacinho do violão, que veio parar perto de mim! — Que maravilha! — ela murmurou, olhando para frente. Mas olhou-o de relance, para comentar: — Sabe que não é permitido fumar aqui dentro, não sabe? — Sei, sim, mas gosto de ficar mordendo a ponta do charuto. O problema é que não há lugar para cuspir aqui e, quando um pedacinho de fumo fica muito mastigado... Ela cerrou os olhos por um longo momento. Depois perguntou:

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— Não acha melhor tirar seu chapéu para não incomodar as pessoas que estão atrás de você? Ele a encarou como se acabasse de ouvir um absurdo, depois aquiescendo: — Dificilmente o tiro, mas, como é para agradá-la... — E tirou o chapéu, colocando-o no colo. As luzes começavam a se apagar, e o maestro fez seus primeiros movimentos. Eric fez questão de aplaudir com força e chegou a enfiar os dedos na boca e assobiar. Quando o viu fazendo isso, Sylvia cobriu os olhos e murmurou: — Oh, meu Deus! Eric olhou-a de soslaio, esperando que não estivesse ao lado de uma mulher de coração fraco. Um enfarte naquele momento seria o fim! Quanto a ele, estava se divertindo muito. Não pensara em Nicols, nem em Karen, muito menos em Tessa até o momento, e a música que ouvia era belíssima. No entanto, quando acordes mais românticos e tristes encheram o teatro, uma profunda sensação de solidão o invadiu. Seria tão bom se pudesse estar ali, sentado ao lado de uma mulher de quem realmente gostasse, partilhando aqueles momentos maravilhosos de excelente música! Seria melhor ainda dirigir de volta para casa e depois fazer amor com ela, lembrando-se das sensações provocadas pela melodia. O problema era que a mulher que estava sempre em suas fantasias era Tessa McBride. Talvez fosse melhor dar uma chance a Sylvia, dizer-lhe que estivera brincando até agora, rir com ela e acabar a noite de forma perfeita. Mas olhou para ela e mudou de idéia. Ela estava sentada o mais distante dele possível, de braços cruzados e expressão aborrecida. Pensara, antes, que se ela fosse capaz de rir, de aceitar sua farsa como caubói do asfalto, poderia deixar a máscara cair e ambos teriam um fim de noite agradável, engraçado. Mas ela acreditara em sua representação e mostrava-se irritada. Não se surpreendeu quando, no intervalo, ela se desculpou e disse: — Estou com uma enxaqueca terrível. Prefiro ir para casa agora mesmo. — Quer uma carona? — Era a única coisa que Eric poderia dizer. — Não, não, obrigada. Vou de táxi. Eric a acompanhou até a escadaria de fora do teatro, chamou-lhe um táxi e entregou uma nota de cinqüenta ao motorista. Tocou o chapéu, em um cumprimento, mas Sylvia o ignorou. Quando ela se foi, voltou à platéia, pois a segunda parte do espetáculo ia começar, e aproveitou o restante do concerto. Sentia-se aliviado. Assim que Tessa pôs os pés no escritório, na manhã de sexta-feira, o telefone tocou. — Bom dia! Sincronia — atendeu. Não tinha dormido direito porque passara boa parte da noite pensando na possível compra da agência, e estava cansada. Sylvia Delacroix estava do outro lado da linha, espumando de raiva. — Como puderam marcar um encontro para mim com um caubói idiota como aquele? — gritava. — Nunca me senti tão humilhada na vida! Não parecia possível, mas estavam falando de Eric. — O sujeito fala e age como se fosse John Wayne — prosseguia ela. — Usa um chapéu horrível e aquela jaqueta, ou paletó, sei lá, que parece ter saído de um faroeste antigo. E aquele charuto em sua boca? Oh, que horror!

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Tessa franziu a testa. Desde quando Eric trocara seus caminhões por cavalos? Jurara não tocar no maço de cigarros nesse dia, mas estava começando a se sentir louca por um. Pegou um lápis e passou a mordê-lo nervosamente, ainda ouvindo: — Como puderam fazer isso comigo? Eu devia ter tratado de tudo pessoalmente com Clara! Ela me garantiu que a agência tinha tantos cavalheiros como clientes, e você me fez sair com aquele brutamontes que grita em vez de falar! Ele enfiou dinheiro em minhas mãos bem ali, no saguão do teatro! O que as pessoas ao redor pensaram de mim? Nem sei como poderei encarar o comitê da sinfônica novamente. Estou culpando-a diretamente pelo que aconteceu, ouviu Bess? — Tess. — Ela mordeu com mais força a ponta do lápis, sentindo uma vontade imensa de desligar, mas a agência seria sua em breve e teve de se conter para não perder a cliente. — Ele estava usando botas, acredita? Botas! — Sylvia prosseguia, enfurecida. — E aquela camisa azul-turquesa, então? Oh, Deus, como sofri! Tantas pessoas ali me conheciam. Tessa fez ruídos solidários, horrorizados e confortadores, enquanto tentava evitar a risada que sentia vontade de soltar. Cruzou as pernas, admirando-as, enquanto Sylvia continuava sua descrição de horrores. Quando ela terminou, já tinha uma perfeita imagem de como Eric se vestira e se portara, e também sabia perfeitamente bem por que quatro homens já haviam se recusado a continuar saindo com Sylvia Delacroix. E o pior era que a tonta nem desconfiara de que Eric estivera fingindo o tempo todo. Eric não era tolo, cuidara de cada detalhe para irritar Sylvia e tivera sucesso. Devia até estar engraçado, mas o que a deixava zangada era a maneira como ele fizera a agência, e ela mesma, passarem por idiotas. Assim que se viu livre de Sylvia, discou o número da empresa dele, sem nem mesmo precisar verificar os algarismos. Uma mulher com voz estranha atendeu, parecia ainda muito jovem. — Vou ver se ele pode atendê-la, moça — disse ela e, sem tampar o fone, perguntou: — Patrão, uma de suas namoradas está ao telefone e quer lhe falar. Está aqui ou não? Profundamente irritada, ainda mais por ter sido confundida com "uma das namoradas" dele, Tessa esperou, dentes cerrados, expressão ameaçadora. E, quando ele atendeu, foi direto ao ponto: — Que tipo de brincadeira pensa estar fazendo, Stewart? Cuido para que encontre uma mulher interessante, e você trata a situação como se fosse uma grande piada, uma que apenas seu cérebro de formiga poderia considerar engraçada! Sei muito bem o que pretende, mas saiba que não vai funcionar! Portanto, desista! Nossa agência não vai devolver-lhe o dinheiro e ponto final! Vou tentar encontrar-lhe a mulher ideal e, se tiver um pouco de consideração e respeito, vai parar de agir como um completo canalha! — Calma Tessa — pediu ele, ao encontrar uma brecha entre as palavras dela. — Talvez eu tenha passado um pouco do limite com Sylvia, reconheço, mas não foi por falta de respeito a ela. Apenas quis me divertir um pouco e fazê-la rir também, mas ela é severa demais! Quem poderia imaginar que uma mulher inteligente como ela levasse tudo o que fiz tão a sério? — Ela me disse que você estava usando botas de caubói, na apresentação da orquestra sinfônica! E o charuto? Você escreveu, em sua ficha, que "não" fuma! E foi o que eu disse a ela! Ela detesta fumantes! Na verdade, todos os nossos clientes detestam fumantes.

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— Bem, você não disse nada disso quando a descreveu para mim, lembra-se? Não fumo desde os vinte e três anos, mas isso não quer dizer que eu não possa ficar mordendo um charuto apagado. Pior ainda, Tessa imaginou, jogando o lápis destruído no lixo. — Se pensa que vou ficar desperdiçando meu precioso tempo lhe arranjando encontros interessantes para que você possa colocar em prática suas fantasias juvenis, pode esquecer! Houve um momento de silêncio que pareceu a ela tenso e longo. Em seguida, ele murmurou: — Desculpe-me, Tess, foi uma brincadeira inocente. E depois... Eu só me desculpo com você, já percebeu? E nada fiz de errado. — Talvez isso tenha algo a ver com sua personalidade maldosa. — Isso quer dizer que estou fora da lista de clientes da agência? Ela sabia que Eric estava rindo. Sabia que precisava encontrar outra pessoa para ele, porque era parte do ridículo contrato feito por Clara. A primeira coisa que faria quando comprasse a agência seria mudar esse contrato imbecil. — Pode apostar que vou encontrar outra mulher que combine com você — avisou. — Vai ter que fazer uma tentativa melhor da próxima vez. — Ou então, o que vai fazer? — ele perguntou, com voz suave. — Parece que está me ameaçando... — E estou. — Vou ligar para suas irmãs e dizer-lhes exatamente como está desperdiçando o dinheiro que gastaram. — Ai! Você realmente sabe como ferir um sujeito! Está bem, então, prometo me comportar de agora em diante, está bem? — Como se eu pudesse acreditar em qualquer promessa sua... — arrematou ela.

Capítulo XIV

Garotas boazinhas vão para o céu; garotas más vão a qualquer lugar . — Ainda bem que não disse nada pior, Tess — comentou Eric. — Cheguei a ficar preocupado que o fizesse. — E imaginava quanto tempo mais levaria para que ela começasse a lhe chamar de nomes não muito agradáveis. — Esperava por isso, tanto quanto esperava para ter que pagar pelo funeral de Jimmy Nicols.

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Houve um tenso momento de silêncio, e ele imaginou que Tessa devia estar rangendo os dentes de raiva e pensando no que lhe responder. Mas, quando ela falou, parecia mais controlada: — Ainda está interessado em dar um certificado de cliente da agência a Karen? Porque tinha razão: ela precisa de alguém em sua vida. E então? O que me diz? — Falei com ela, mas parece que Karen não está interessada. Mas, mesmo que tivesse aceitado, não sei se seria uma boa idéia agora. —Talvez não neste momento, mas, quem sabe, daqui a algumas semanas... Posso falar com ela a respeito. Afinal, nem todos nossos clientes homens são como você. Posso encontrar alguém perfeito para ela. — Não tem falado com ela nos últimos dias, não é? — Não... — Pois é... Jimmy Nicols faleceu de um aneurisma. Os serviços funerários serão no sábado às dez horas. Se quiser comparecer... Como Sophie sugerira, Karen quisera cuidar de tudo, e o pior era que Anna apoiara sua decisão, dizendo que, assim, estaria se livrando da ligação que tinha com ele. E Eric tivera de concordar também porque Karen andava muito triste e nervosa. — O sujeito que quebrou o nariz dela antes de se separarem? — Tessa perguntou, sabendo a resposta de antemão. — Exatamente. — Fiquei surpresa por saber que você mesmo não o houvesse matado. — Obrigado... — Eric ironizou. — Os policiais até chegaram a pensar que tivesse sido eu, porque tivemos uma briga há alguns dias e quebrei o nariz do infeliz com um murro. No princípio, acharam que a briga e a morte dele pudessem ter alguma ligação. Mais alguns instantes de silêncio do outro lado da linha, depois Tessa tornou a falar, agora com voz suave: — Sinto muito. Eu e minha língua solta... Eu não fazia idéia disso, não quis dizer que achava, de fato, que você pudesse matar alguém. Eric franziu a testa. Estava recebendo um voto de confiança de Tessa McBride? — É que você sempre protegeu tanto suas irmãs — ela continuou. — Lembro-me de quando eu e Sophie estávamos com nove anos e aquele garoto chamado Paterson atirou pedras em nós. Você o perseguiu e o assustou quase até a morte, depois o obrigou a se desculpar. Sempre invejei Sophie por ela ter um irmão mais velho que a defendia de tudo. — Verdade? — Eric estava gostando da conversa agora. De repente, Tessa estava sendo gentil. Devia ter-lhe dito que desconfiavam dele antes. — Sabe que Paterson acabou sendo um excelente jogador de basquete? Eu sempre desejei que ele esquecesse aquele incidente. Tessa riu, e a alegria de Eric foi intensa. Queria fazê-la rir mais, mas ela ficou novamente séria e continuou: — Eu não devia estar rindo. É triste saber sobre a morte de Jimmy Nicols. Há algo que eu possa fazer por Karen?

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— Vá vê-la, faça-a rir um pouco. Ela gostou muito quando você foi até lá na outra noite. — Claro. Acho que vou contar a ela a história de um cliente que fingiu ser um caubói bronco, em um espetáculo da orquestra sinfônica. — Ela estava rindo e o fez rir também. — Está bem, vá em frente, pode zombar o quanto quiser. — Está bem, John Wayne. Vou procurar nos arquivos e encontrar outra garota para você. — Há um modo bem melhor, não sei se sabe. Poderia sair você mesma comigo, já que é perita em encontros perfeitos. Poderia dar-me dicas sobre o que tenho feito de errado. O que acha? — Você é um homem perigoso, Eric Stewart. Nem consigo imaginar o que poderá sugerir em seguida... — Seria uma boa ação, uma atitude altruísta. Poderia começar esta noite! Poderíamos ir ao cinema, depois comermos uma pizza. O que me diz? — Nem pensar, Eric. Até mais. Eric meneou a cabeça. Pelo menos, tentara. Assim que desligou, o telefone tomou a tocar. Pegou o aparelho e disse de imediato: — Eu sabia que mudaria de idéia. Pego você às... — Eric? — Era a voz de Sophie, e estava tensa. — Será que pode vir até a casa de Karen agora mesmo? Uma descarga de adrenalina passou pelo corpo dele com uma velocidade incrível. — O que houve? Aconteceu alguma coisa com ela? Com os meninos? — precipitouse. — Ninguém está ferido fisicamente, mas houve um problema no salão de beleza e Karen me parece histérica. Já lhe dei um remédio. Anna também está vindo para cá, com Bruno. Acho que precisamos ter uma reunião em família. Pouco mais de quinze minutos depois, ele estava entrando na casa da irmã mais nova. — Mas o que está acontecendo? — perguntou, assim que Sophie abriu a porta. A primeira impressão que teve foi de que tudo estava bem. lan e Simon estavam sentados à mesa, comendo sanduíches de pasta de amendoim, um de cada lado de Bruno. Anna estava servindo chá a todos. — Vocês dois, peguem seus lanches e seu chá e vão assistir à televisão — Sophie ordenou aos meninos, sem margem à discussão. — Não podemos comer lá dentro — Simon explicou, porém. — Mamãe proibiu porque lan derrubou biscoitos em todo o tapete. — Desta vez, podem. Podem deixar que assumirei a culpa se derrubarem alguma coisa, mas procurem se comportar. — Sophie acompanhou os meninos até a sala. Na cozinha, Eric sentou-se na cadeira antes ocupada pelo sobrinho mais velho, mas levantou-se de pronto, ao perceber que sentara em uma poça de leite. — Droga! — murmurou, pegando um pano de prato para secar a calça molhada. — Muito bem, o que está havendo? Onde está Karen?

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— Na cama — Anna respondeu. — Estava gritando e rindo sem parar, como uma louca, então Sophie deu-lhe um remédio bem forte, que funcionou logo em seguida. Não concordo com o uso de tranqüilizantes, sempre é melhor quando a pessoa consegue entender os próprios sentimentos e entrar em harmonia com eles. Assim pode-se enfrentar os problemas e... — Anna, pode parar de divagar e me dizer exatamente o que aconteceu? — Eric interrompeu-a. Sophie voltou da sala, parecendo calma. Aliviado por ainda ter uma irmã em perfeita saúde mental, Eric voltou-se para ela: — O que houve, Sophie? Ela se sentou e respirou fundo. — Recebi um telefonema de Junella, a chefe de Karen. Ela estava gritando, dizendo que Karen tinha enlouquecido e que eu devia passar pelo salão para pegá-la antes que ela a encaminhasse para um hospício. Pedi que alguém ficasse em meu lugar no hospital e, quando cheguei ao salão, encontrei um verdadeiro pandemônio. — Ela passou os dedos por entre os cabelos. — Havia clientes correndo para todos os lados com toalhas penduradas e cabelos espetados, Junella estava espumando de raiva e havia uma mulher um tanto careca no meio das outras, gritando que iria chamar seus advogados. Por fim, Junella me contou o que tinha acontecido: Karen estava trabalhando nos cabelos dessa mulher, Myma Bisaglio, e, pelo que parece, ela estava deixando Karen louca com suas reclamações. As outras cabeleireiras me disseram que, de repente, Karen pegou um cortador elétrico e passou-o pelo centro da cabeça da freguesa. A mulher ficou com o couro cabeludo à mostra em boa parte da cabeça. Houve um silêncio absurdo, enquanto Eric tentava digerir as informações que acabara de receber. Foi Anna quem começou a rir primeiro. Cobriu os lábios com a mão, mas não se conteve e, dentro de alguns segundos, estavam todos rindo. Mas foi Eric quem conseguiu se controlar primeiro e tentou pensar com lógica. — Junella deve ter algum tipo de seguro que cubra uma coisa dessas — observou. — Mas sei que vai fazer com que Karen tenha de pagar. Vou ligar para Fletcher para saber o que ele pode nos dizer a respeito. — Boa idéia — Sophie concordou. — Junella gritou, quando estávamos saindo, que Karen está demitida e que não quer vê-la nunca mais em sua frente. Aposto que não vai querer pagar seus direitos também. — Vamos ver se vai ou não. — Se ela realmente estiver demitida, deve ser para melhor — Anna opinou. — O universo deve ter arranjado tudo isso para que Karen possa ter um novo começo de vida, encontrar outro lugar onde seus dotes como cabeleireira possam ser verdadeiramente apreciados, onde haja potencial para um crescimento espiritual. Naquele salão, Junella sempre estava com inveja de nossa irmã. Ela sempre projetou seus problemas nos outros, precisa começar a aprender com suas projeções. Às vezes, Eric imaginava se Anna viveria na mesma dimensão do resto do planeta. Bruno revirou os olhos e encontrou os do cunhado. — Karen precisa de umas férias — Sophie comentou. — Precisa ficar algum tempo sozinha. Isso, sim, fazia sentido, e Eric assentiu, apoiando:

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— Ela está com seu lado emocional abalado, sem dúvida. — E o que podemos fazer? — Bruno perguntou sempre prático. — De quanto tempo acha que ela precisa para se recuperar bem? — Uma idéia estava começando a surgir na mente de Eric, mas precisaria da colaboração de todos para colocála em prática. — Umas seis semanas seriam ótimas — declarou Sophie, aceitando uma xícara de chá que Anna lhe dava. — Um mês, com certeza. — Ouçam minha idéia: Karen sempre diz que sente falta de mamãe e papai, não sei por que, mas ela sente. Vou comprar uma passagem aérea para o México, para que ela os visite e dar-lhe algum dinheiro para que não precise depender em nada dos dois enquanto estiver por lá. Cuidarei de suas despesas daqui para que não tenha de se preocupar com isso. Os meninos ficam. Ela precisa saber que eles estão sendo bem cuidados, ou não vai querer ir. — Tenho férias vencidas no hospital e posso ficar com eles por uns dez dias. Simon já terminou o ano escolar e posso levá-los a parques e lugares divertidos. — Ótimo! — Eric voltou-se para Anna, afinal, ela era a única que não tinha um emprego com horas fixas. Mas ela estava arrancando esmalte das unhas, de cabeça baixa, e assim permaneceu. Foi Bruno quem interferiu por ela: — Podemos ficar com eles o resto do tempo, não é, Anna? Ela respirou fundo antes de dizer: — Bem, tenho aquele curso intensivo de energia e espiritualismo para o qual fiz a inscrição no mês passado e não posso cancelá-lo agora. É um curso de duas semanas. Além do mais, não estou convencida de que mandar Karen para outro lugar seja a melhor solução. Afinal, onde quer que você vá, lá estará você, não é mesmo? Eric pensou por segundos e foi mais prático: — Quando, exatamente, é seu curso? — Estava imaginando se ele próprio poderia ficar com os sobrinhos. Teria de contar com a ajuda de Henry e Gladys, com certeza, porque os meninos não eram nada fáceis. — Nas duas primeiras semanas de agosto — Anna respondeu. — Isso significa que os meninos podem ficar duas semanas com você e depois poderão ficar comigo. Ela ainda dava atenção às unhas. — Não sei... — avaliou. Mas Bruno, mais uma vez, adiantou-se a suas palavras: — Posso ficar em casa e fazer parte do meu trabalho lá. Vou cuidar de lan e Simon. — Maravilha! Obrigado, Bruno. — O que estava errado com Anna, afinal? Eric ponderava. Esperara que ela se oferecesse para passar todo o verão com os sobrinhos! — Podemos levá-los para um passeio, fazer camping — Bruno sugeriu animado. — Podemos ir àquele local onde ficamos em nossa lua-de-mel, lembra-se, Anna? Os garotos iriam adorar! Mas Anna parecia infeliz. — Não sei... tenho tantos compromissos para este verão. 77

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— Anna, pelo amor de Deus, estamos vivendo um momento difícil em nossa família! — Bruno olhava para a esposa sem acreditar no que ouvia. — Ligue para as pessoas com quem tem compromissos, diga-lhes que antecipem ou adiem o que têm a fazer com você! Os planetas não vão entrar em greve porque você vai mudar alguns encontros com gente que quer ver seus mapas astrais! — Honestamente, Bruno, isso só demonstra o pouco respeito que você tem por mim e por meu trabalho! — ela se irritou. — Só porque não estou mais em um emprego regular, isso não significa que não esteja trabalhando! Só porque meu trabalho é diferente, não quer dizer que seja menos importante! — Sei disso, não comece com essa história outra vez. Já discutimos bastante esse assunto. — Bruno cruzou os braços, sua expressão era firme e teimosa. — Quero ficar com os meninos, quero levá-los para pescar! Quero brincar com eles! Quero levá-los a acampar, sentar-me com eles em volta de uma fogueira, assar milho, contar histórias de fantasmas! Quero levá-los ao cinema, ir nadar com eles! Anna respirou fundo e levantou-se. — A mim, parece que você quer entrar em contato com sua criança interior, isso sim! Quer voltar a ser criança! Precisa analisar o que está lhe acontecendo, Bruno. De onde vem essa sua vontade de voltar ao passado, de regredir? Para surpresa de Eric, Bruno olhou com raiva para a esposa e declarou: — Para mim, já chega dessas bobagens! Suas teorias são uma coisa, mas este assunto de família, é outra! Anna encarou-o desafiadora, mas nada mais disse.

Capítulo XV

As tulipas são a vodca das flores... — Muito bem, muito bem, vamos ficar com eles — disse Anna, por fim. — Mas quero estar de volta a tempo de freqüentar meu curso. O instrutor assegurou que tenho potencial para canalizar, e quero desenvolver minha mediunidade. Eric ergueu as sobrancelhas. Sua irmã precisava aprender muito, a começar sendo menos egoísta e amando mais a família, além de saber o que era generosidade, espelhando-se em seu marido, mas nada disse, temendo que ela viesse a mudar de idéia novamente. — Então, parece que tudo está arranjado — declarou. — Isso, se Karen concordar. O funeral de Nicols é amanhã e... Acha que ela estará bem para comparecer, Sophie? — Vamos deixar que ela mesma decida. Escute, você vai ligar para nossos pais e avisar que ela está indo para o México, ou prefere que eu faça isso?

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— Não, não, eu mesmo faço. — Provavelmente não adiantaria nada dizer a eles que Karen precisava de sua ajuda, mas Eric o faria mesmo assim. — Mas acho que você poderia falar com Karen, para que ela não teime em levar os meninos. — Acho melhor deixarmos que ela durma por enquanto, pois está exausta, física e emocionalmente. O remédio que lhe dei vai agir por mais algumas horas ainda. Preciso voltar ao hospital, mas estarei de volta às seis e pretendo ficar para o final de semana. Bruno olhou para Anna com ar desafiador. — Vou levar os garotos até o parque e depois vou levá-los para comer um lanche — disse. — E quem sabe, depois ainda os levarei a um cinema para ver esse filme sobre dinossauros que está fazendo tanto sucesso. Quero vê-lo também. Vai conosco, Anna? — Agora? Sabe que não posso. Preciso meditar e depois tenho aula de ioga. — Está bem, então. Vou sozinho com os meninos. A campainha tocou, e Anna foi depressa atender. — Vou ver quem é. Tenho mesmo que sair, adeus a todos. — Acenou para Bruno, mas nem mesmo o olhou. Todos a observaram pegar a bolsa e sair depressa pelo corredor que terminava na porta da frente. — Estão na cozinha — informou a quem chegava. — Vá direto em frente. Segundos depois, Tessa aparecia na cozinha. Estava trazendo um enorme ramalhete de rosas e tulipas vermelhas, e Eric percebeu que ela ficou constrangida ao encontrar a família toda reunida. Levantou-se e caminhou em sua direção, pedindo: — Dê-me seu casaco, vou pendurá-lo. — Lembra-se de Bruno Lifkin, marido de Anna? — Sophie perguntou. Tessa negou com a cabeça, e Sophie fez as apresentações, oferecendo em seguida: — Quer um café? Um chá? Ah, deixe-me pegar essas flores. São lindas! Karen vai adorá-las! — Onde está ela? — Tessa quis saber, entregando o ramalhete. — Dormindo. Venha, sente-se aqui que lhe explicaremos tudo. — Eric apontou a cadeira em que Anna estivera a seu lado. Ela se sentou, e seu perfume o atingiu. Cruzou as pernas, que ele sempre achara magníficas e, já que estava notando quase tudo nela, notou também suas mãos, quando ela pendurou a bolsa no encosto da cadeira. Belas mãos, firmes e sem anéis. Tessa era uma bela mulher, avaliou. — Há algo de errado? — A voz dela parecia hesitante. — Pensei em passar aqui depois do expediente. Tentei encontrar Karen no salão e liguei para lá, mas acho que devo estar com o número errado, porque a mulher que atendeu disse que Karen não trabalhava mais lá. — Não trabalha, mesmo — Sophie explicou, servindo uma xícara de café que acabara de fazer a Tessa. — Ela perdeu o controle no trabalho hoje, e sua chefe a demitiu. Ela está dormindo agora, dei-lhe um tranqüilizante. — O que posso fazer para ajudar? Posso levar os meninos para passarem o final de semana comigo? Eric sentiu vontade de sorrir. Tessa era tão diferente de Anna! 79

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— Obrigada, mas estamos com tudo arranjado quanto aos garotos — Sophie agradeceu. — Mas, se você e Eric pudessem ficar por aqui por mais algum tempo... — Claro. — Preciso voltar ao ambulatório, Bruno vai sair com Simon e lan, mas alguém deve estar aqui quando Karen acordar. O sedativo que lhe dei é bom, mas não dura muito. Vou voltar depois do trabalho. Bruno saiu da cozinha, em busca dos meninos. Pouco depois, Sophie saía também, e os garotos, animados com o passeio, entraram na cozinha como dois pequenos tornados, em busca de sapatos e jaquetas. Depois de alguns minutos de uma pequena confusão, na qual lan procurou e encontrou um boneco vestido de soldado, que insistia em levar consigo, Bruno conseguiu levá-los, e um silêncio pesado caiu na cozinha. Até aquele momento, Eric não havia notado a cor suave do amarelo das paredes, nem os vasinhos com plantas na janela, muito menos as migalhas que tinham ficado sobre a pia, marcas de dedinhos nos armários, peças de Lego espalhadas por debaixo dos armários e as três folhas de desenhos presas à porta da geladeira por ímãs que representavam animais e flores. As rosas e tulipas estavam na água, sobre a pia, e Eric sentia-se mais vivo, ali, a sós com Tessa. Com sorte, Karen dormiria até a volta de Sophie, e ele teria algum tempo com Tessa. Qual seria a reação dela se tentasse se aproximar mais do que o normal? — Quer mais café? — ofereceu, mas ela negou com a cabeça. — Já ingeri muita cafeína hoje — Tessa explicou. — Tive um dia difícil na agência, muitas reclamações. — É, já ouvi falar a respeito. — Ele tinha nos lábios aquele sorriso maroto de sempre. Eric se levantou, colocou as xícaras usadas na pia, e depois se sentou na cadeira diante de Tessa, já que lhe pareceu ridículo voltar a ficar do lado dela quando não havia mais ninguém na cozinha. A distância maior, porém, incomodou-o. — Pode me contar o quê, exatamente, aconteceu com Karen, ou é algo confidencial? — perguntou ela, preocupada com a amiga. — Não, não é segredo. Mas é algo não que deveria ser colocado em evidência nas paredes dos salões de beleza. — Eric contou-lhe a história, gostando da expressão de surpresa e admiração que se estampava no rosto dela. Gostava muito quando ela entreabria os lábios. — Meu Deus! Eric ouviu-a murmurar quando terminou e via que ela tinha dificuldade para conter o riso. Tessa não conseguiu mais se conter e precisou levar as mãos aos lábios, para encobrilos. — Desculpe-me, mas é que fico imaginando... — E riu de vez. — É bem o jeito de Karen, e acho que ela agiu bem, embora tenha perdido o emprego. Será que vai ter dificuldade para encontrar outro? — Quem pode saber? A perda do emprego não me preocupa em nada, o problema foi ela ter perdido o controle por completo, ter ficado histérica. — Eric explicou, então, o que a família pretendia fazer por Karen. — Sabe, adoro a forma como vocês se apóiam mutuamente. 80

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— Imagino que todas as famílias se unam em momentos de crise. — Não, não, a minha, não. Pelo menos, não da mesma forma. Mas imagino que deva ser ainda mais difícil quando há apenas uma criança envolvida. — Mais ainda quando o casal está separado. — Nem seria tão difícil se o casal decidisse, de uma vez por todas, que vai permanecer divorciado. — A voz e a expressão de Tessa demonstravam seus sentimentos. — Acredita que, enquanto estamos aqui, conversando, minha mãe está na garupa da motocicleta de meu pai, seguindo para uma cidadezinha de fronteira? E que ele já tem duas multas por excesso de velocidade? — Mas o que Maria está fazendo na garupa de Walter? — Eric estranhou. — Estão saindo juntos! Depois de anos odiando-se, agora decidiram sair juntos de novo. Ele sentia vontade de rir, mas não ousou fazê-lo. — O que acha que tomou esse armistício possível? — preferiu perguntar. — Não sei. Durante anos, eu a ouvi se queixar dos defeitos dele, da pouca idade que tinha quando se conheceram, da forma como ele se aproveitara de sua inocência, de como pôde se casar com ele, embora, é claro, já estivesse grávida... E isso sempre me fez sentir um tanto responsável pela confusão que foi o casamento deles, sabe? E outro dia ela me contou que estavam namorando de novo... — Tessa respirou fundo, inclinou-se sobre a mesa, apoiando-se a ela. Eric não pôde deixar de achar uma pena que ela usasse uma blusa com decote tão alto... — Acho até que estão dormindo juntos, Eric — ela continuou, em tom de queixa. — Vão para um barzinho que costumavam freqüentar na fronteira e vão dormir por lá. Minha mãe até me deu o nome do motel onde vão ficar, para qualquer emergência. É tão absurdo! — Estão dormindo juntos? Que idade têm? Uns cinqüenta? — Ele estava brincando, e não conseguiu deixar de rir. Logo, ela ria também. — É que a idéia de saber que eles estão na cama juntos me faz... ter vontade de correr para um berçário! Eric encarou-a por longos minutos. Imaginava-a em uma cama também. — Eu pensaria mais no assunto, se fosse você — murmurou. — Um berçário não é uma boa idéia. Poderia pensar em queimar alguma coisa... — Ele continuava brincando e imaginava-a queimando suas roupas de baixo. — Quem sabe eu não pudesse queimar minha certidão de nascimento? — Tessa embarcava na brincadeira. — Ótima idéia. Aliás, sempre achei que ter filhos devia, mesmo, ser uma operação com licença obrigatória. — Está dizendo isso porque seus pais sempre foram um tanto ausentes, não é? Sempre achei tão romântica a maneira como eles viviam e o fato de eles serem músicos. Meus pais sempre foram tão chatos! Uma vendedora e um corretor. Imagine! — Pois eu teria trocado meus pais pelos de qualquer outra pessoa. Crescemos cercados de instrumentos musicais, e sempre vivemos andando de cidade em cidade porque eles excursionavam. Só ficavam um pouco mais em algum lugar quando minha mãe 81

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tinha uma criança. Ainda bem que alguém deve tê-los alertado quanto a controlar isso, porque, senão, eu ainda estaria criando irmãos... — Lembro-me de uma mulher que estava sempre com vocês, sempre vestida de preto, com cabelos ruivos. Karen costumava chamá-la de tia Mô. — Sim, era nossa tia Maureen, irmã de meu pai. Nunca se casou e se imaginava uma grande artista. Pintava muito, mas não vendia nada. Meu pai a convenceu a vir morar conosco quando eu estava com catorze anos, assim não teriam tanto trabalho com os filhos. Mas Mô gostava de beber, passava a maior parte do tempo em seu quarto. Coitada. Sophie diz agora que ela era alcoólatra e depressiva. — Ela ainda vive? — Não. Morreu de câncer no fígado quando eu estava com vinte e poucos anos. Ficou doente por algum tempo. Naquela época, só eu e ela ficávamos em casa. As meninas já tinham se mudado, Sophie e Anna estavam morando no campus da universidade, e Karen vivia em um apartamento com outras três meninas que freqüentavam a escola de cabeleireiros com ela. Eu estava começando meu negócio de reciclagem, nos fundos de casa. Logo depois da morte de Maureen, meus pais venderam o lugar e eu tive de encontrar outro onde abrir meu escritório. — Não ficou magoado com eles? — Ah, sim, por muito tempo. Ainda estou eu acho. Tessa apoiou-se ainda mais na mesa. — Primeiro, eles o deixam com suas irmãs, que acabou de criar, depois despejam-no de casa. Parece um romance de Dickens, de tão triste! O que há com seus pais, afinal? Eric não queria pensar neles, muito menos analisar seu comportamento porque isso sempre o deixava tenso. — É simples — explicou brevemente. — Certas pessoas não deviam ter filhos. — Bem, mas eles permaneceram casados. Isso deve significar alguma coisa. — Talvez seja mais fácil permanecer casado quando não se tem responsabilidade. — Mas você sempre foi responsável, e eles sabiam disso. Fez um bom trabalho criando suas irmãs, eu gostava da maneira como cuidava delas. Como ainda cuida, na verdade. — Não deve se lembrar direito. Eu costumava ser muito exigente com elas, demais, até. Afinal, um menino de catorze anos não sabe como ser pai. É por isso que tudo deu errado para Karen, eu acho. E Anna, então? Está sempre no mundo da lua! Depois do que vira há pouco, Eric começava a imaginar se Anna não seria exatamente como os pais. Começava até a se preocupar com o casamento dela. — É por isso que não quer ter filhos, Eric? Porque acha que não seria um bom pai para eles? Tessa fora direto ao assunto, mas Eric não queria falar sobre aquilo. As mulheres o irritavam. Havia as Nemas, que não queriam conversa em hipótese alguma, e havia Tessas, que conseguiam ler os pensamentos de um homem com uma breve conversa. — Nunca pensei muito a respeito — mentiu. — Mas acho que é uma reação automática. — Ele sabia que precisava mudar de assunto, e rápido. — Mas, chega de falarmos sobre mim. E você? Gosta disso que faz? Quero dizer, a agência matrimonial. Vai fazer disso a carreira de sua vida? 82

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Ela recostou-se na cadeira e cruzou as pernas. Por frações de segundo, Eric sentiu sua mente vazia. — Bem, antes de você aparecer, eu até estava gostando do negócio — Tessa brincou, mas sem sorrir. — Não é bem como achei que seria, mas há sempre alguma ação. Acho que gosto, sim. — Ela o encarou por segundos, depois indagou: — Você é bom com segredos? — Tenho três irmãs, lembra-se? Se não soubesse ficar de boca fechada, já estaria morto. Tessa tomou a se inclinar para frente, entrelaçando os dedos uns nos outros. — Vou comprar a agência — anunciou. — Clara está com problemas e me ofereceu o negócio. — Parabéns! É sempre um grande passo, comprar um negócio! — Estou um pouco preocupada e gostaria de falar com seu encarregado para ter uma idéia sobre computadores pois pretendo modernizar a agência. Tenho muitas idéias novas. Bem, mas... eu nem deveria estar lhe dizendo isto, afinal, é cliente também. Não por muito tempo, Eric avaliou de pronto. — Sou seu amigo também — explicou. — E fico honrado por merecer sua confiança. — Ele próprio se admirava de tanto cavalheirismo. Sua vontade era de pular sobre ela ali mesmo, na cozinha, na mesa, no chão! — Você tem seu próprio negócio, tem experiência, eu preciso de conselhos. Como conseguiu que sua empresa fosse o que é hoje? Eric não respondeu de imediato, porque precisou de algum tempo para parar de pensar em fazer sexo com ela ali mesmo. — Bem, ainda não sou exatamente um milionário — brincou. — Mas acho que soube tirar vantagem de boas oportunidades e, às vezes, arrisquei-me um pouco. Limpei apartamentos que ninguém queria tocar, fui de porta em porta perguntando se havia lixo que quisessem que eu retirasse por um bom preço, coloquei cada centavo que ganhei novamente no negócio. Tenho tido cuidado para não crescer depressa demais. Bruno é meu contador e tem sido de grande valia. Ele poderá dar-lhe conselhos financeiros, se precisar. Vou comprar a oficina que cuida de meus caminhões porque não consigo encontrar uma que seja confiável. — Por que ele revelara isso? Nunca comentara sobre esse seu pequeno sonho com ninguém. — Sempre trabalhei fora de meu apartamento até poder comprar o terreno grande em que estou agora. Conheci gente em quem pude confiar e paguei bem pelo que queria. Quando vai querer conhecer Henry? Ele poderá lhe arranjar as melhores oportunidades com computadores da cidade. Ela ergueu os ombros, o que movimentou seus seios de maneira provocativa. — Estou tocando a agência sozinha, não posso sair de lá no meio do expediente. — Vamos abrir amanhã. Sábados são ótimos dias para limpeza de lixo. — Ele se lembrou do funeral do cunhado. — Vou estar em meu escritório depois do enterro de Nicols. — Normalmente, não trabalhava nos fins de semana, mas, se ela ia até lá, trabalharia com prazer. — Acho que vou ao funeral também, quero dar apoio emocional a Karen. Depois irei ao seu escritório, se não se importar. —Ótimo! Quer que eu vá buscá-la em casa para levá-la à capela conosco?

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— Não, não. Vou em meu próprio carro, obrigada. Ele encontrou um pedaço de papel, anotou o endereço da capela e do cemitério, entregou-o a Tessa e, por frações de segundo, sentiu-se agradecido a Nicols. Não era um encontro, é claro, mas era um começo. — Eric? — Era a voz de Karen, que aparecia na cozinha. — Oh, olá, Tessa! — Ela estava usando um roupão de toalha, que parecia muito grande para seu corpo frágil. Estava pálida, e seus olhos estavam vermelhos. — Onde estão os meninos? — Olá, Karen — Eric saudou-a, levantando-se e indo até a irmã, a qual abraçou. — Bruno levou-os ao parque. Tessa veio para vê-la, mas você estava dormindo. Trouxe-lhe aquelas flores. Está com fome, querida? Karen olhou para as flores. — São lindas! Obrigada, Tessa. Lembrou-se de que gosto de tulipas... — Ela tentou sorrir, mas acabou chorando. — Eu... desculpem... Tessa levantou-se e abraçou-a. Eric afastou-se um pouco, e o perfume dela perturbouo mais uma vez. Era estranho como ela conseguia atingi-lo apenas com sua proximidade. Queria que os braços dela estivessem ao seu redor... — Sinto tanto por você não estar bem — dizia Tessa à amiga. — Sei que não é um bom momento, vou embora agora e, se precisar, é só me chamar. Virei outro dia, para conversarmos melhor, está bem? Karen assentiu, e Eric, sentindo o peito apertado por ela estar indo embora, disse: — Fique e coma alguma coisa conosco. Sei fazer ovos mexidos como ninguém! Mas ela apenas sorriu e negou com um gesto de cabeça. Já pegava sua bolsa. — Karen precisa ficar a sós com você — disse suavemente. — Até mais, Karen. Até mais, Eric. — Ela o olhou, e uma energia nova pareceu passar entre ambos, aquecendoos. Mas logo depois ela saía, e Eric sentiu-se frustrado, com uma intensa sensação de perda e solidão. Sentia falta dela, e ela acabara de sair! O que estava acontecendo? Não costumava sentir falta de mulher alguma, na verdade, sentia-se aliviado quando elas iam embora. Mas isso sempre acontecia depois de terem-no deixado quase louco por algum motivo tolo. Precisava encontrar um meio de fazer com que Tessa o deixasse quase louco para parar de sentir falta dela!

Capítulo XVI

A ausência dele é uma boa companhia... Eric preparou ovos mexidos e fez um café novo para ele e Karen, enquanto ela esperava, sentada à mesa. Depois, enquanto comia e via ela revirar o prato sem apetite algum, contou-lhe sobre os planos da família. 84

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Karen cobriu o rosto e recomeçou a chorar, a soluçar, partindo-lhe o coração. Abraçou-a, sabendo que teria de usar um outro plano, porque aquele, obviamente, não ia funcionar. — Calma — consolou-a. — Não precisa ir para o México, foi só uma idéia... — Mas sei que tenho de ir... Minha vida está uma confusão e talvez, lá, eu consiga pensar no que fazer. Estou chorando porque estou emocionada com a bondade de todos vocês e porque estou com medo também. Mas, obrigada mesmo assim, obrigada mesmo! — E abraçou-o como se ele fosse o objeto mais sólido do universo. Eric deixou-a chorar à vontade. Conhecia as mulheres o suficiente para saber que aquelas lágrimas eram produtivas. Ela se sentiria aliviada e logo estaria melhor. Anna também não ficaria muito pior, e Tessa estava começando a gostar dele. No dia seguinte estariam enterrando Jimmy Nicols, para encerrar de vez essa etapa de sua vida e de Karen. Tudo parecia estar voltando ao normal. Sentada em um dos bancos da pequena capela, Karen imaginava se, algum dia, poderia se sentir bem outra vez. Estava um pouco melhor do que no dia anterior. Decidira não trazer os meninos porque eles mal se lembravam do pai e não havia caixão, nem corpo. Ele tinha sido cremado, e aquilo era apenas um serviço em memória do falecido. Não havia muitas pessoas presentes. Apenas Bruno, Eric, Anna, ela própria e Tessa. Havia também o homem que estivera com Jimmy na noite da briga no bar, e outros dois companheiros seus, provavelmente amigos de Jimmy nas docas. Ele não fizera muitos amigos na vida e não tinha família. O pastor disse algumas palavras bonitas, leu um salmo e perguntou se alguém queria dizer alguma coisa sobre o morto. Ninguém quis. Quando o pastor já ia encerrar o serviço, Karen levantou-se porém, e foi até diante do altar. Mal acreditava que tivesse conseguido chegar lá. — Jimmy Nicols foi meu companheiro — disse, em voz fraca. — Tive dois filhos com ele e, como diz minha irmã Anna, as pessoas não vêm por acidente para nossas vidas. Vêm para nos ensinar algo, mesmo que não seja algo muito bom. Assim, acho que Jimmy esteve em minha vida para me ensinar alguma coisa, que ainda não sei o que é. É difícil agradecer a ele porém, porque foi muito duro comigo. Mesmo assim, eu lhe agradeço por Simon e por lan. — Então ela começou a chorar, e todos se levantaram e a rodearam. Pouco depois tudo estava acabado. Tessa ainda estava chorando ao dirigir até a firma de Eric. Karen tinha problemas, mas também tinha fibra, avaliava com admiração. Tinha também uma família que lhe dava grande apoio. Vira Eric abraçá-la, secar-lhe as lágrimas, segredar-lhe algo ao ouvido que a fez sorrir muito de leve, mesmo em meio às lágrimas. Depois ele viera abraçá-la também, e Tessa tivera novamente aquela sensação forte que sempre tinha quando ele estava por perto. Eric agradecera sua presença, olhara-a com seus olhos incríveis e explicara que Bruno e Anna iriam passar o dia com Karen e que poderiam seguir para o escritório em breve. Tessa assentira. Ao ver Eric naquele terno, com a camisa clara e a gravata elegante, tinha a impressão de estar diante de um modelo fotográfico. Mas, por debaixo de sua beleza viril havia substância, ela sabia, e era forçada a vê-lo de forma diferente agora. Não queria, queria vê-lo somente como um homem egoísta e conquistador barato, mas continuava enxergando o herói que havia nele. Revia-o quando ainda era criança, o rapaz que a levara, com Karen, a seu primeiro baile na escola naquela caminhonete velha e que as pegara fumando certa vez. Ao invés de ficar furioso, ele as fizera fumar o maço todo, e as duas

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tinham ficado tão enjoadas que mal podiam manter-se em pé. Tessa não fumara durante anos depois disso. Começara, anos depois, e sabia bem por quê. Fora na primeira semana depois de seu casamento, quando despertara ao lado do marido, sentindo-se sensual e ardente. Abraçara-o, tocara-o, mas ele a afastara e se levantara. Gordon lhe dissera que fazer amor pela manhã não era uma coisa saudável, e ela soubera então que tinha cometido um grande erro. Levantara-se, tomara banho e saíra, para comprar seu primeiro maço de cigarros. Gordon detestava mulheres que fumavam. Mas ele já não estava em sua vida, e ela estava deixando de fumar. Nos dois últimos dias conseguia vencer o vício. Sempre que sentia vontade, pensava em beijar Eric e via-o torcer a cara diante do gosto em sua boca. Isso era suficiente para detê-la. Quando chegaram à firma, notou a placa, escrita a mão, e os caminhões parados no pátio. O local do escritório era discreto, mas firme. Uma construção no centro do terreno. Ao entrar, percebeu a decoração simples, quase rústica, com peças de metal que pareciam reaproveitadas. Eric não devia ter gastado muito com ornamentos. Havia uma mulher asiática, muito pequena, sentada atrás de uma escrivaninha. Ela estava atendendo ao telefone, mas seus olhos estavam grudados na televisão ligada sobre uma mesinha de canto. Falava com um provável cliente e fez um sinal a Tessa para que se sentasse. Desligou, então, mas seus olhos se recusavam a se afastar da tela, na qual um casal seminu deitava-se em uma cama, aos beijos. — Boa tarde, moça. Posso ser útil? — perguntou, um tanto absorta. — Vim para falar com Eric. Ele está a minha espera. — Vou ver se ele está. Deve estar, acabou de voltar do enterro do cunhado. Final feliz para um sujeito infeliz devo dizer. Vai começar uma série nova. Assista e depois me diga o que aconteceu, está bem? — Ela se foi pelo corredor, enquanto um homem entrava, trazendo duas caixas de comida chinesa. Ele era baixo, gordo e sorria, escondendo os olhos em dois pequenos riscos. — Olá, meu nome é Henry — saudou ele — Já foi atendida? — Sim, obrigada. Já foram avisar a Eric que estou aqui. — Tessa não pôde deixar de perguntar: — Por quê? Ele costuma sair pela porta dos fundos se não quer receber a pessoa? — Bem, nunca se sabe com nosso patrão. Ele é meio... escorregadio. Ah, mas você está com sorte, lá vem ele. Olá, chefe, eu trouxe o almoço. O novo restaurante que abriu é ótimo e barato também. Fizeram um acordo conosco. Eu disse que entregaríamos alguns panfletos deles e fizeram um bom desconto. Eric o ignorou por completo: — Tessa, eu estava a sua espera, mas Sophie ligou dizendo que tinha perdido lan no centro comunitário e estava aflita. Mas já o encontrou. — Ele lhe sorria. Tinha trocado o terno por uma calça clara e uma camisa de mangas curtas, o que deixou Tessa um tanto decepcionada. — Pelo visto, já conheceu Henry Wong, meu gerente. Esta é a mãe de Henry, Gladys. Tessa McBride. A chinesa sorriu para Tessa, apertou-lhe a mão, e voltou sua atenção novamente para a televisão. — Foi bom eu trazer bastante comida, então — disse Henry. 86

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— Vamos todos para a cozinha, para almoçarmos enquanto está quente. Ele seguiu na frente até a pequena cozinha e começou a espalhar pratos sobre uma mesa de fórmica. Gladys veio em seguida, colocando uma chaleira com água no fogo. — Chá verde é ótimo contra o câncer — informou, sorrindo. — Mas não está doente, está, Tessa? — Não que eu saiba. — Tessa não sabia o que era pior: o funeral ou o pessoal que trabalhava para Henry. Achou ótimo quando Eric se sentou a seu lado. Tinha receio de que se Gladys o fizesse, começasse a perguntar se tinha algum caroço pelo corpo... Gladys serviu o chá, e Henry destampou as embalagens de comida, que Tessa imaginou ser demais para quatro pessoas. Mas, quando ele começou a comer, entendeu que não haveria sobra. Gladys também tinha bom apetite, servindo-se muito bem. — Conhece nosso patrão há muito tempo? — Henry perguntou, enquanto comia. — Desde que éramos pequenos. — E ele era um menino bom ou mau? — Gladys interferiu interessada. — Bem, quando era bom, era muito bom; e quando era mau, era terrível. — Sei. E você é casada? — Divorciada. — Há quanto tempo? — Quatro anos. — Tessa começava a se sentir interrogada pela mulher. — Tem filhos? — Não. — Tessa estava com problemas para encontrar tempo para comer. — Mas pretendo ter um dia. Talvez uns quatro. — Oh, vejo que é uma mulher esperta! Eu só tive Henry porque tinha problemas de ovário, sabe? Falta de sorte. E no que trabalha? — Sou assistente em uma agência matrimonial chamada Sincronia. Encontramos pessoas compatíveis para gente solitária. — Tessa notou que Eric começava a sentir-se embaraçado. Até fez breves sinais negativos com a cabeça a ela, para que não revelasse mais nada. Mas ela preferiu ignorá-lo, torturá-lo um pouco. Talvez seu pessoal nada soubesse sobre ele ser membro da agência. — Ah, então foi por isso que você se encontrou com aquela Sylvia, patrão! — Gladys afirmou, revelando a Tessa o que ela queria saber. — Henry me disse que você se vestiu de caubói. Não é bom fazer piadas com as pessoas assim, sabia? — Usam a internet em seu trabalho? — A pergunta mais profissional veio de Henry. — Não. A agência ainda não está informatizada. Eu bem que gostaria, mas minha chefe não gosta de computadores. Na verdade, talvez eu venha a comprar a agência e imaginei se você poderia me ajudar a encontrar um computador bom com um preço acessível. — Mas claro! Quanto quer pagar? — O menos possível. — O que quer fazer com a máquina?

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Tessa explicou-lhe sobre as fichas dos clientes e sobre uma forma de combiná-los, usando astrologia e compatibilidade básica. — Conhece algum programa que faça isso? — Henry quis saber. — Não, mas gostaria de instalar um. — Acho que posso ajudá-la. E então? Quanto vai pagar pela agência? Tessa avaliou que estava diante de uma pessoa sem muitos limites. — Um preço justo — respondeu vagamente. — E quanto é isso? — Gladys tomou a interferir. Não. Estava diante de duas pessoas sem limites concluiu, e olhou para Eric como pedindo-lhe socorro. — Ainda não está definido — disse ele. — E Tessa acha que terá má sorte se ficar falando disso agora. — Ah, ela é supersticiosa! — Gladys quase gritou. — Superstições são boas companheiras! Nós, chineses, somos muito supersticiosos, sabia? E sempre usamos a astrologia nos casamentos. Até já tentei, com Henry. Minha amiga Susie tem uma filha cujo mapa astral se encaixa ao dele. É uma boa garota, sabe cozinhar bem. Mas ele não quis, disse que ela era gorda demais. Olhe para ele! Como pode dizer que alguém é gordo, não é mesmo? Se conhecer alguma garota que ache compatível com ele, avise-me, está bem? Henry disse algo em chinês, e Gladys respondeu no mesmo idioma, começando uma nova discussão. Tessa deixou de lado o prato, uma vez que havia perdido completamente o apetite. — Já teve o bastante? — Eric perguntou, e ela não soube dizer se ele se referia à comida ou à companhia. Fosse como fosse, assentiu para ambas as possibilidades. — Então, venha. Vou mostrar-lhe a firma. — Obrigada pelo almoço, Henry — Tessa agradeceu, levantando-se. — Foi um prazer conhecê-la, Gladys. Os dois pararam de discutir. Henry levantou-se, e fez uma ligeira mesura, enquanto sua mãe sorria para Tessa. — Vamos falar mais sobre os computadores — Henry prometeu. — Tenho ótimas sugestões. — Volte aqui mais vezes — Gladys convidou. — Foi bom conhecê-la pessoalmente. Agora sei com quem meu patrão está falando quando você liga. E como a discussão recomeçou do nada, Eric e Tessa deixaram a cozinha, aliviados por poderem escapar dali. Ela murmurou de olhos arregalados, conforme caminhavam: — Eles são sempre assim? — Sempre. Tomam a atmosfera de trabalho extremamente calma, não acha? — Por que empregou a ambos? E onde está o Sr. Wong? — Na verdade, não contratei Gladys. Henry o fez. O Sr. Wong faleceu há muitos anos, aposto que muito satisfeito por estar se afastando desses dois. — Eric abriu uma porta e deu passagem a Tessa. — Este é meu escritório. Tessa entreabriu os lábios, agradavelmente surpresa. A escrivaninha era de carvalho, a cadeira, de couro, havia uma interessante luminária feita de metal, e uma velha televisão 88

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fora transformada em aquário, onde peixes lindos nadavam com suavidade. Havia fotografias de toda a família de Eric, coladas na parede atrás de sua mesa. Também havia uma planta muito bem cuidada junto a janela e, ao lado dela, um sofá que tinha sido um dia o banco de algum automóvel. — Eric, onde conseguiu estas peças? — Ela estava francamente admirada.

Capítulo XV

Aquele que vacila é um grande tolo Eu que fiz praticamente tudo, é meu hobby. Faço coisas novas com material usado. Chamo de "arte do lixo". — Eric sorria enquanto explicava. Fechou a porta e trancou-a, para garantir que não seriam perturbados. E, como Tessa notasse sua preocupação, disse: — Gladys e Henry gostam de me espionar. Tessa olhou tudo ao seu redor com mais atenção. — Já expôs seu trabalho? — quis saber. — Não, claro que não! Faço essas peças por prazer, nada mais. — Tem um estúdio? — Não. Uso meu próprio apartamento. Quebrei duas paredes e agora tenho espaço suficiente para desenvolver minha "arte". — E o dono da casa não reclamou? — Não. Até gostou da nova decoração. — Não mencionou seu hobby na ficha da agência. Vou procurar uma mulher que também goste de arte. — Embora ela própria soubesse que mesmo gostando de tudo aquilo, não se sentiria bem morando em um apartamento cheio daquelas coisas. — Nós dois combinamos, Tessa. O que acha de sairmos juntos? Tessa apenas sorriu. Sim, havia uma grande atração entre ambos, mas ela continuava lembrando-se de que ele não queria ter filhos, dirigia uma van horrorosa e, agora, revelava seu estranho hobby. — Prefiro que sejamos apenas amigos — disse por fim. — Amigos podem sair juntos... — O fato é que ainda me lembro do que seu sobrinho disse sobre a maneira como trata suas namoradas. Como peixes, lembra-se? — Por favor, não coloque meu passado contra mim. Talvez, conosco, tudo seja diferente. — Talvez não, e eu sou do tipo que quer um compromisso, filhos...

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— Mas pode se divertir enquanto esse compromisso não chega... — Não, Eric. Já cometi todos os meus enganos. — Escute... Karen vai viajar amanhã, comprei-lhe uma passagem em uma excursão. Sophie estará com os meninos, mas tem um compromisso na terça à noite. Prometi sair com eles, mas vou precisar de ajuda. Se quiser vir conosco... Não seria um encontro... Apenas um ato de bondade. Os meninos iriam gostar, comentaram sobre seus cabelos... — Ele ergueu a mão e tocou-os de leve. Tessa se afastou, sentindo uma carga energética muito forte entre ambos. Ela pensava. Não queria aceitar, mas estava tentada. — Você disse que queria ajudar — Eric insistia, jogando sujo. — E os pobrezinhos vão sentir falta da mãe... — Isso é chantagem emocional! — É o único jeito de ter sucesso neste mundo. — Oh, está bem! — Ótimo! Vou ficar ansioso esperando pela terça, sabia? Tessa respirou fundo. Tinha dois dias para se preparar: fazer as unhas, depilar-se, tirar as sobrancelhas... Beleza era sempre um transtorno, mas o faria pelos meninos. Claro. Olhou para Eric. Ele era um bom sujeito, afinal. Tão bom, que até os cachorros da rua poderiam segui-lo. Em especial se fossem fêmeas. Se, ao menos, não soubesse como era fazer amor com ele... — Pegarei você às quatro — ele prometeu. Tessa precisaria fechar o escritório mais cedo. Eric estava muito perto ou era o escritório dele que era pequeno demais? Afastou-se, prudente, porque seus pensamentos insistiam em trazer as doces lembranças do passado. — Vou levar os meninos a um parque de diversões que tem uma feira logo ao lado. Faz tempo que não vai a um local assim, Tessa? — ele indagou, parecendo ainda mais próximo. — Podemos conseguir algumas peças para minha arte por lá... e depois de deixarmos os meninos em casa, poderemos jantar. O que me diz? — Você é insistente, não? — ela comentou embaraçada. — Só quando quero muito conseguir algo. Sair com ele sem os meninos não era uma boa idéia, ela sabia. — Está bem, mas vai ser apenas para jantar — declarou. — Maravilha! Prometo que vai gostar. Esse era o maior medo dela. Eric estava tocando seu braço, fingindo que nem percebia o que estava provocando. Tessa sentia vontade de esquecer tudo o mais, fechar os olhos e deixar que a onda de loucura que a tomava naquele momento seguisse em frente. E se o tratasse como todos os homens mereciam, considerando apenas o sexo, sem nenhum envolvimento emocional? O que ele faria se o abraçasse ali mesmo, e oferecesse a boca a seus beijos? A porta estava trancada, ninguém os perturbaria... Ele a fitava com aqueles olhos maravilhosos quando, de repente, murmurou: — Tess, você me deixa louco. Tenho tentado ficar longe de você, mas não estou conseguindo. — E puxou-a para si, sem encontrar resistência. 90

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Tessa deixou-se levar, recostou-se a ele e sentiu seu corpo rígido. De repente, estavam como há muitos anos, próximos demais, sentindo o cheiro um do outro, desejandose como no banco daquela caminhonete que ele tinha quando ainda eram muito jovens. E um beijo intenso e ardente os uniu. Tessa sentiu-lhe o gosto da boca, e seu corpo se acendeu. Um desejo incontrolável a tomou, fazendo-a praticamente entregar-se em seus braços. Eric colocou-a sobre sua escrivaninha, sem deixar de beijá-la. Suas mãos a acariciavam com paixão. As lembranças de ambos iam para o passado e vinham dele, aquecendo-os porque agora estavam revivendo momentos maravilhosos, que jamais tinham se apagado por completo de seus corpos, de suas mentes. De repente, uma idéia a fez desconcentrar-se. Ele tinha tanta prática, devia ter estado com tantas mulheres... Não, não podia pensar nisso agora. Queria apenas aproveitar o momento, entregar-se, fazê-lo gemer como no passado... Gemer com ele. Os beijos continuavam, as carícias eram cada vez mais ousadas. Logo seriam um só corpo, sentindo um prazer maravilhoso. E, sem saber como, nem de onde, Tessa notou que ele abria uma embalagem de preservativos. O quê? Ele os tinha assim à mão, ali? Devia fazer isso com outras mulheres em seu escritório! Não, não podia pensar, não queria se desconcentrar, e não o fez. Em poucos segundos, estavam ambos sem fôlego, atingindo um prazer supremo, delicioso, como tinham provado tantos anos antes. Um silêncio longo se seguiu, enquanto voltavam ao normal. Tessa respirava fundo, sentindo o mundo parar de girar ao seu redor. Escorregou da escrivaninha para ficar em pé no chão e percebeu que Eric estava em pior estado do que ela. Afastaram-se, e ele fez um sinal para uma porta lateral, murmurando: — Há um banheiro ali. De repente, ele se voltou para a porta e gritou: — Henry, seu pervertido, saia daí! Vou demiti-lo, ouviu bem? Demití-lo! Da porta do banheiro, ela se voltou, pedindo, quase sem voz: — Não o demita antes que ele arranje o computador para mim. — E entrou no banheiro, onde viu no espelho sobre a pia a imagem de uma mulher satisfeita, bem amada. Respirou fundo, sabendo que teria de passar por Henry e Gladys para voltar a seu carro. No entanto, minutos depois, quando saiu do escritório, com Eric, que insistiu em acompanhá-la até o pátio, viu que Gladys tinha toda sua atenção voltada para o seriado da televisão, e Henry simplesmente desaparecera. — Até outro dia, Gladys — despediu-se. — Foi um prazer conhecê-la, Tessa — respondeu a chinesa, sem desgrudar os olhos da tela. Quando ela já entrava no carro, Eric perguntou: — E então? Nosso passeio de terça ainda está em pé? Parecia haver hesitação e medo na voz dele, e Tessa soube que aquele era o momento para negociar. Fazer sexo com ele era uma coisa bem diferente de saírem juntos... Mas ele pareceu ler seus pensamentos, porque acrescentou depressa: — Você tinha prometido... — Está bem. Quatro horas, terça-feira. Pegue-me no escritório. 91

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Ela acabava de decidir que poderia prosseguir com aquilo porque seria apenas sexo, ainda mais quando ele se inclinou e deu-lhe um beijo ardente nos lábios.

Capítulo XVIII

Quanto mais as coisas mudam, mais permanecem iguais... Eric viu-a sair com o carro do estacionamento. Sentia-se emocionado, o que acabara de viver com Tessa fora explosivo e fenomenal. Sentia os joelhos trêmulos e voltou devagar para o escritório, pensativo. Quando entrou, as palavras de Gladys o deixaram pasmo: — Então, chefe, finalmente encontra uma moça com cérebro, e a trata da mesma forma como Nema o tratava! Mudo, ele sabia que não poderia argumentar contra a verdade, e um peso enorme caiu sobre sua consciência. Gladys continuou implacável: — A moça é esperta, tem humor, deve cozinhar bem. Tem, até, algum dinheiro! E gosta de você mesmo depois de conhecê-lo há tanto tempo. Ah, você não sabe mesmo reconhecer algo de bom nem quando está diante de seu nariz! Eric engoliu em seco, e a única coisa que conseguiu dizer foi: — Tessa não é como Nema. — Claro que não! "Você" é! Eu bem sei que ninguém muda, as pessoas só ficam mais e mais parecidas consigo mesmas... Ele franziu a testa, sem entender. O que era aquilo? Gladys andava conversando com Anna? Preferiu dar as costas à chinesa e voltar a seu escritório. Passou os olhos por ele, lembrando-se dos momentos ardentes que passara com Tessa. Fora bom, sexo era muito bom, melhorava a saúde. Fazer sexo com Tessa fora maravilhoso. Não queria mais se sentir como um objeto sexual, e nem queria que alguém se sentisse assim por sua causa. Com Tessa tudo era diferente. Ela o agradava e, ao mesmo tempo, excitava-o demais. Não entendia o que lhe estava acontecendo, mas achava que devia haver algo além do sexo. Queria algo a mais com Tessa. Sexo também, é claro, e muito. Mas algo mais. No domingo à tarde ele acompanhou Karen até o aeroporto e depois voltou para casa pensando em Tessa. Estava ansioso quanto ao encontro deles. Ligou para o restaurante francês Lavanderia Francesa e reservou uma boa mesa para terça-feira. Consultou a previsão do tempo, pois se chovesse, a feira não seria um bom programa, e Vancouver estava tendo um verão chuvoso. A previsão era de um dia quente com possíveis pancadas de chuva, nada definitivo. Preferiu comprar um grande guarda-chuva, para qualquer eventualidade. À noite, limpou o carro com esmero, vasculhando o porta-luvas, onde encontrou um sutiã preto. Graças a Deus teve a idéia de limpá-lo, avaliou. Nema gostava de despir-se enquanto estavam no trânsito. Isso o fez pensar em seu apartamento. E se houvesse mais peças íntimas por lá? Tessa poderia querer conhecer onde ele morava... Precisou 92

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contratar uma empresa especializada em faxina para que seu apartamento ficasse livre de farpas de ferro, lascas de madeira e outras coisas restantes de seu hobby. Na terça-feira, não quis se atrasar de forma alguma. Chegou vinte minutos antes à casa de Sophie, que cuidava de Simon e lan e, quando ela abriu a porta, sua primeira frase foi: — Esses seus sobrinhos acabam de tirar a tinta da minha sacada e jogar os pedaços nos vizinhos do andar inferior, que estavam saindo para um casamento. Ofereci pagar o serviço de lavanderia para eles, mas estavam tão furiosos que disseram que não posso ter crianças em casa e que vão dar queixa ao síndico. Detesto fazer parecer que você seja mau, mas eu disse aos meninos que você falaria com eles quando chegasse. Eu estava tão furiosa que nem queria chegar perto deles. E eles riam, acredita? — Onde estão? — No quarto. E, pelo amor de Deus, não ameace deixá-los em casa! Não pretendo ficar aqui, você sabe. Tenho um encontro. Na verdade, é uma reunião de médicos para decidirmos se entraremos ou não em greve. Eric consultou o relógio, tenso. Não queria se atrasar para pegar Tessa. — Olá, tio Eric — saudou Simon, alegremente, parecendo totalmente despreocupado. — Escute aqui, garoto, que história é essa de descascarem a tinta da sacada e jogarem nas pessoas? Simon arregalou os olhos. — Quero que se desculpem com sua tia e que prometam nunca mais fazerem o que fizeram! Caso contrário... Os dois meninos o encaravam, à espera da ameaça. — Bem, caso contrário, vou confiscar os brinquedos de que mais gostam. — Está bem, tio Eric, eu prometo — Simon disse logo. — Pois é melhor que cumpra sua promessa! Porque, se não o fizer, seu game boy vai para meu apartamento! E o mesmo vai acontecer com aquele boneco guerreiro! — Eric voltou-se para lan, que prendeu a respiração. No entanto, segundos depois, o pequeno rebateu: — Se tirar meus brinquedos, vou dizer aos policiais que está abusando de mim! Eric encarou-o boquiaberto. — Onde foi que ouviu isso? — perguntou indignado. — A babá falou! Ela disse que as crianças têm que dizer a polícia quando sofrem abusos. — lan estava com o queixo trêmulo, a ponto de chorar, e acrescentou: — Quando mamãe vai voltar? Quero ficar com ela! Eric engoliu em seco. — Ela vai mandar-lhe uma carta em breve, lan. — O carteiro vai trazer? — Sim, vai. Fosse pelo motivo que fosse, isso acalmou o menino, que pediu desculpas pelo episódio da sacada e prometeu ainda fazer xixi apenas na privada. Assim, quando terminou de vestir os meninos, ajudar a procurar o boneco que lan tanto adorava e encontrar os tênis 93

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favoritos de Simon, Eric tinha apenas quinze minutos para encontrar Tessa no serviço. Pensou em ligar para ela e avisar sobre um provável atraso, mas preferiu não fazê-lo. Apostou no tempo que levaria no trânsito, mas teve uma surpresa desagradável ao encontrar várias ruas congestionadas. Além do mais, dirigia mais devagar por estar com os meninos, os quais admoestava e avisava para que não chorassem, não fossem maleducados, e não reclamassem de nada enquanto estivessem com Tessa. No restante do tempo, quando um silêncio estranho caiu dentro do carro, passou a pensar em Tessa e no que ela poderia estar pensando sobre tudo o que acontecera no escritório. Talvez ela estivesse embaraçada quando o visse, talvez tivesse de fazer um esforço extra para deixá-la à vontade, mas queria divertir-se com as crianças e com ela. Simon e lan estariam cansados quando os levasse para casa e depois haveria o jantar. Ele e Tessa conversariam, e ele a convidaria para conhecer as peças de seu apartamento, mal podia esperar para lhe mostrar o cachorro que estava terminando. Não haveria sexo, prometeu-se, haveria amizade e respeito. Embora bastasse se lembrar de como tinha sido bom no escritório, para seu corpo reagir de imediato. Quando chegou e tocou a campainha, a porta demorou a ser aberta, e ele teve medo de que Tessa pudesse ter desistido do encontro e ido embora. Mas, por fim, alguém destravou a porta e ele subiu com os meninos. Tessa não estava no escritório, em seu lugar estava uma mulher que usava uma calça de couro preta e uma camiseta da mesma cor colada ao corpo. Ela usava muita maquiagem e tinha os cabelos curtos, pintados de uma estranha cor alaranjada. Eric encarou-a, achando que a conhecesse, mas não conseguia imaginar quem ela poderia ser... Mas ela o conhecia... — Eric Stewart, certo? E, de repente, ele se lembrou: — Sra. McBride! Como vai? — Deus! Era a mãe de Tessa, e ela parecia ter saído do filme Anjos do Inferno! Lembrava-se muito bem do olhar de desaprovação que ela lhe dera da última vez em que se tinham visto e que ela repetia agora. Mas o olhar da senhora se desviou para os meninos, e sua expressão se suavizou: — São seus filhos, Eric? — Não, não, são meus sobrinhos, lan, Simon, esta é a Sra. McBride. O que devem dizer a ela? lan encarou-a e perguntou à queima-roupa: — Você é uma bruxa? Eric apressou-se em perguntar: — Tessa já está pronta? — Está no banheiro, arrumando-se e logo estará aqui. A campainha tocou, e Maria atendeu, abrindo a porta lá de baixo. Pouco depois, o pai de Tessa, Walter, entrava no escritório. Ele logo sorriu, estendendo a mão que Eric aceitou de imediato. — Que bom revê-lo, Eric. Como vão as coisas?

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Eric sempre gostara de Walter, de sua conversa agradável. Notava que também ele estava usando roupas de couro e que seus cabelos quase totalmente brancos estavam presos à nuca em um rabo-de-cavalo bem fino. — Viu minha máquina lá embaixo? — perguntou ele, bem-humorado. — Eu estava acabando de olhar a motocicleta. Sempre é bom evitar possíveis transtornos com ladrões, não é mesmo? Eric não notara nada do lado de fora do escritório, mas não custava ser educado: — Oh, aquela belezura é sua? Bela máquina, de fato. — É, sim. Eu e Maria fomos dar um passeio e decidimos passar por aqui para dizer "olá" a Tessa. Naquele momento, ela saiu do banheiro. Eric olhou-a, tentando sorrir. — Está atrasado — reclamou ela. — Como estão, garotos? Simon foi quem respondeu: — Nada está bem, Tessa. Jogamos pedaços de tinta nos vizinhos, e tia Sophie ficou brava. Tio Eric também ficou nervoso quando ficou sabendo, e disse que vai tirar nossos brinquedos se fizermos aquilo de novo. Ah, e não podemos reclamar, nem chorar, nem arrotar, nem sermos malcriados. — É, Simon, há gente sem nenhum senso de humor neste mundo, não é verdade? — ela comentou, encarando Eric. Ele nada disse, preocupado apenas em se concentrar para que a reação em seu corpo não fosse notada, já que Tessa usava uma blusa de seda cor-de-rosa que evidenciava seus seios e o deixava louco. — Mamãe, temos de ir e preciso fechar o escritório — disse ela, sem cerimônia. — Nós já estávamos de saída, mesmo — Walter comentou. — Não queremos estar na rua se chover o tanto que a previsão avisou. — Chover? — Eric estranhou. — Mas não vai chover! Vamos ao parque, onde está havendo uma feira típica! Tessa olhou feio para ele, reprovando a revelação. — Bem, ouvi dizer que choveria... — Walter repetiu. — Se tivermos sorte, porém, isso não vai acontecer. Disse que está havendo uma feira típica? Puxa, faz tempo que não vou a uma. Quer ir, Maria? — Não, se vai chover. Tessa, você deveria usar algo mais grosso. Essa blusa me parece fina demais para a noite. Tessa a ignorou. Já estava no corredor, levando os meninos pela mão. E de lá chamou: — Você vem ou não, Eric? Ele despediu-se depressa do casal e desceu a escada. Junto a seu carro, Tessa apressou-o: — Vamos logo, antes que eles decidam ir conosco! Só depois de estarem longe do escritório e de não haver sinal de uma motocicleta atrás do carro, ela se sentiu aliviada.

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— Acredita no que viu? — perguntou. — Viu os cabelos de minha mãe? E suas roupas? Se for isso que a menopausa faz a uma mulher, quero morrer antes de chegar lá! Ou então, mudar de sexo! — A gente pode mudar de sexo? — Simon perguntou, no banco de trás. Tessa olhou assustada para Eric, e ele respondeu ao menino: — Às vezes, certas pessoas fazem uma operação e mudam de sexo, sim. — E elas fazem isso porque estão doentes? — insistiu o garoto. — Não. Essa gente é operada porque quer. — Você vai fazer uma operação dessas um dia, tio Eric? — Não. — E eu posso fazer uma quando crescer? — Só se quiser muito. Agora, por que não fica quietinho enquanto eu converso com Tessa? Silêncio, no banco da frente e no de trás. Pouco depois, Eric comentou: — Seus pais parecem estar felizes. — Não sabia o que mais dizer. Eles pareciam estar além de qualquer descrição. — Felizes? Eles estão senis! Andam por aí naquela máquina infernal, estão sempre de mãos dadas, parece até que vão morar juntos de novo, esquecendo-se do que aconteceu quando viveram juntos no passado. Passei anos de minha vida ouvindo um praguejar contra o outro e agora... isto? — Talvez, com o tempo, a novidade deixe de ser interessante para eles — Eric comentou, baseado em sua própria experiência. — Não sei... Mas, mesmo que seja assim, tenho medo de que, durante esse tempo, minha mãe acabe engravi... — ela se interrompeu abruptamente. — Tio Eric, não fizemos nada errado... — Simon anunciou enfático. — Meu pai morreu — lan disse, sem se saber por quê. — É, eu ouvi falar. Sinto muito, lan — Tessa respondeu, voltando-se para o menino. — Não precisa sentir — lan rebateu. — Tia Sophie disse para a tia Anna que a morte dele foi uma bênção disfarçada. Eu sei o que é bênção porque o padre sempre nos dá uma na missa, mas... o que é disfarçada, tio Eric? — É o contrário de "farçada" — Eric respondeu sem querer esclarecer o assunto. — Agora, vão contando quantos carros vermelhos passam por nós, certo? Dou cinco centavos a cada um de vocês por carro vermelho que consiga me apontar. Os garotos aceitaram com alegria a proposta, e Eric começou a relaxar, mas só até chegarem ao local onde ficava a feira. Seria um problema encontrar um lugar para estacionar. Deu algumas voltas sem sucesso, e por fim propôs: — Vou deixar vocês por aqui e tentar achar um lugar. — Deu vinte dólares a Simon e disse: — Seja um cavalheiro e pague as entradas, certo? Vou encontrá-los junto à barraca de cachorro-quente que fica logo ao lado dos portões. — Certo! Ele os deixou e só conseguiu um lugar para estacionar o carro a onze quadras do parque. Trancou o carro e já tinha andado seis quarteirões quando começou a chover e ele 96

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se lembrou do guarda-chuva que tinha comprado e deixado na van. Correu os últimos quarteirões, esperando que seu desodorante fosse bom de fato e, ao entrar no parque, sob uma leve garoa, ouviu o comentário animado do vendedor de entradas: — Boa noite! A feira não está muito lotada, acho que as pessoas estão com medo da chuva. — É, mas não vai chover — Eric teimou. — Foi apenas uma garoa e já está parando. Avistou Tessa e os meninos a certa distância. Simon estava falando sem parar e ela ria, o que demonstrava que o garoto não estava dizendo algo terrível, pela primeira vez na vida. Os meninos já tinham balões coloridos nas mãos. Quase sem querer, Eric imaginou que seria exatamente assim se aquela fosse sua família. Sua mulher, seus filhos... Mas logo voltou ao seu normal. Precisava tomar uma aspirina, respirar fundo e deitar-se até que a idéia absurda tivesse passado... — Adoro cheiro de pipoca — Tessa comentou quando ele se aproximou. — E adoro o gosto também. — Os olhos dela brilhavam e, em seus cabelos, gotículas de chuva reluziam. — Vamos comprar pipocas, então — ele sugeriu. Passaram a caminhar pela feira. Eric ganhou um ursinho na barraca de bolas de bilhar e sentiu-se um verdadeiro herói, pois Tessa aplaudiu seu desempenho e adorou o bichinho. Os meninos perderam algum dinheiro em máquinas caça-níquel, depois foram todos à pescaria, e, em seguida, Eric comprou cachorros-quentes para todos. Tessa sujou o queixo com catchup, e ele esperou até que os meninos não estivessem olhando para lambê-lo. Ela não se afastou, o que demonstrou que gostara do gesto. — Você tem o queixo mais sensual que já vi — ele comentou. E a resposta veio rápida, pegando-o de surpresa: — Aposto que diz isso a todas que passam por sua escrivaninha. Ela não podia ter conversado com Gladys a respeito, podia? Foram a outros brinquedos, ela sempre com lan no colo, e ele, com Simon, portanto não houve como ficarem juntos. Em um brinquedo mais violento, ela gritou e o menino abraçou-a, como que para protegê-la. Eric viu e imaginou que era uma loucura, mas estava com ciúme de seu sobrinho de cinco anos de idade! — Vamos à montanha-russa? — Simon sugeriu em seguida, e Eric já enxergou segundas intenções no menino, que, na verdade, não existiam. — Não. Eu tenho medo. Quero ir na roda-gigante! — lan protestou e Eric aceitou, porque também não gostava da montanha-russa. Não por medo, claro, mas por não gostar de perder o controle. — Vou ficar com Tessa desta vez! — Simon anunciou, e Eric pensou em protestar, mas calou-se. Afinal, teria Tessa para si quando levassem os meninos para casa. Ao lado do tio, lan falava sem parar enquanto as cadeirinhas iam subindo. Lá em cima, Eric achou que o brinquedo tinha parado para que tivessem uma boa vista da cidade. Mas a roda estava parada e assim ficou por muito tempo, até que se tornou claro que havia algo de errado com o mecanismo giratório. Simon logo gritou para o irmão, na cadeira da frente: — Está quebrada, lan! Vamos todos cair! lan começou a gritar. 97

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— Não, não vamos! — Eric gritou, embora não tivesse muita certeza disso. — Cale a boca, Simon! Não assuste seu irmão assim! Mas era tarde. lan estava aos gritos e Eric tentava acalmá-lo. Houve uma pequena rajada de vento, e as cadeirinhas balançaram. Estava frio lá em cima e, como se não fosse suficiente, a chuva recomeçou, agora um tanto mais forte. Logo, chovia mais, muito mais. — Que aventura, não? — Tessa gritou para os meninos, tentando parecer tranqüila, mas não estava. Alguém com um megafone, lá embaixo, desculpava-se e dizia que não havia motivos para preocupação porque houvera um pequeno problema com as engrenagens, mas os mecânicos já estavam consertando tudo. Duas adolescentes em cadeiras mais para baixo começaram a gritar, e uma mulher que devia ser formada só de pulmões começou a berrar que queria descer. Ela dizia ter medo de altura, o que fez Eric imaginar por que, afinal, ela entrara naquela roda gigante. A chuva e o vento se acentuaram, e as cadeiras balançaram mais. Os meninos estavam usando jaquetas impermeáveis, como a de Eric, mas Tessa estava ficando ensopada. Os cabelos dela estavam colados à sua cabeça, e seu rosto estava molhado ao se voltar para olhar para Eric. Ela tentava sorrir, mas estava visivelmente amedrontada. — Vamos morrer! Sei que vamos morrer! — gritou um homem que estava na cadeira acima, e também Simon começou a chorar aos gritos. Alguém gritou: — Cale a boca, seu infeliz! Está assustando meu filhinho! Eric sentia os ossos gelados e ouviu Tessa perguntar, por entre a chuva agora torrencial: — Eric, acha que estas cadeiras estão bem presas? — Claro que sim! Há regras de segurança nos parques e feiras! As cadeiras são verificadas todos os dias! Ela jamais saberia que ele estava mentindo, avaliou. Pelo menos, morreriam todos juntos, os quatro, e estava feliz por saber que Tessa seria a última mulher com quem tinha transado. Pela primeira vez, entendia o que Anna queria dizer quando desfilava seu rosário de besteiras astrológicas e dizia que havia ligações fortes demais entre as pessoas predestinadas.

Capítulo XIX

Bom, bonito e barato ? Leve dois! Quando todos já estavam angustiados demais para chorar, gritar, ou mesmo conversar, houve um movimento repentino, que assustou a todos e, depois, bem devagar,

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a roda recomeçou a se mover. Alguns gritos e assobios animados se ouviram das pessoas que assistiam a tudo, do chão, e, depois de duas horas, estavam todos em terra. Eric sentia as pernas fracas, mas, mesmo assim, teve de erguer Simon de seu assento. Tessa estava tremendo e abraçava Ian. — Precisamos levar os meninos para casa — Eric sugeriu. — Eles precisam de um banho quente. — Eu também — disse Tessa. — Vamos procurar um abrigo para vocês ficarem enquanto vou buscar o carro. Estarei de volta logo. — Ele despiu a jaqueta e colocou-a sobre os ombros de Tessa. Depois levou a todos a uma lanchonete dentro do parque, pediu chocolates quentes, hambúrgueres e batatas fritas, sorvetes e tudo o mais que pudesse manter os garotos ocupados até que estivesse de volta. — Leve sua jaqueta — Tessa ofereceu, porque ainda chovia muito. — Não, não. Fique com ela. Eric até pensou em tomar um táxi que o levasse ao carro, mas não havia nenhum, portanto precisou correr. Ao chegar à rua em que deixara sua van, uma dúvida terrível o atormentou: não fora ali que estacionara? Se fora, onde estava seu carro? Deu algumas voltas pelas ruas vizinhas, mas não encontrou mais sua adorada van. Aos poucos, a idéia de que ela tinha sido roubada começou a se concretizar em sua mente transtornada. Mas como algum ladrão poderia ter tamanho gosto por carros e levar seu orgulho e alegria daquela forma? Indignado, lembrou-se de que deixara seu celular no porta-luvas. Idiota! Repreendeuse. Depois de amaldiçoar-se mais algumas vezes, olhou ao redor, procurando um telefone público. Mas que parte de Vancouver era aquela, onde não havia um telefone a sua disposição? Precisaria bater à porta de alguém, convencer essa pessoa de que não era um malfeitor e pedir para que deixasse usar o telefone para chamar a polícia e comunicar o roubo de seu carro. Absurdo! Consultou seu relógio, pensando em Tessa e nos meninos. Eles não eram famosos pela paciência, avaliou preocupado. Detestava deixar sua preciosa van à mercê do mundo, mas, no momento, não tinha outra alternativa a não ser tomar um táxi e voltar para o parque. Depois de levar Tessa e os meninos para casa, falaria com a polícia. Mas onde se enfiavam todos os táxis quando se precisava de um? Começou a voltar a pé e já estava quase nos portões do parque quando conseguiu parar um táxi. Pediu ao motorista que esperasse enquanto ia buscar Tessa e os meninos, mas o sujeito disse que não sabia se ele, Eric, iria voltar, por isso Eric deu-lhe uma nota de dez dólares, como garantia. À porta do parque, o funcionário queria cobrar-lhe uma segunda entrada. — Mas já paguei! Vim apenas buscar minha família. Vê? Aquele táxi está esperando por nós. — Então, onde está o canhoto da entrada que comprou antes? Eric respirou fundo, vasculhou os bolsos da calça molhada, e lembrou-se de que deixara o canhoto no bolso da jaqueta que ficara com Tessa. Tentou explicar a situação educadamente ao funcionário do parque, mas de nada adiantou. Sem o canhoto, ele teria de pagar novamente. E como tinha aprendido que não vale a pena dar murros no nariz de alguém porque as pessoas podiam, simplesmente, vir a morrer uma semana depois, mesmo que de outra coisa, decidiu pagar. Ao se aproximar de Tessa, na lanchonete, ela pareceu-lhe furiosa. 99

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— Demorou muito! — queixou-se. — Os meninos estão congelando, e lan já está tossindo! Acabou de vomitar toda a comida! Eric viu a poça de vômito logo abaixo da mesa. — Vomitei em Tessa também — lan explicou. — Nós a limpamos com água, mas ela ainda está fedendo como eu. — Tessa, desculpe-me — Eric implorou. — Depois explico porque demorei tanto para voltar. Agora, há um táxi esperando por nós do lado de fora do parque, e o motorista não me pareceu ser do tipo paciente. — Um táxi? Mas onde está seu carro? — Sumiu. Acho que o roubaram. Minutos depois, estavam todos entrando no táxi que, para seu alívio, ainda estava esperando. Eric seguiu na frente com o motorista, deu-lhe o endereço de Karen, e o sujeito saiu quase que em disparada. — Calma, amigo, devagar! — Eric protestou. — Temos crianças aqui dentro! O motorista diminuiu, mesmo porque estavam entrando em ruas de tráfego difícil. E, segundos depois, sem ninguém saber por que, um carro em frente ao táxi parou de repente, e o motorista, que agora não falava mais inglês, mas hindu, sua primeira língua, acabou não conseguindo brecar a tempo. Tessa e os meninos começaram a gritar apavorados. Não foi uma batida muito grave, mas o motorista parecia extremamente preocupado. — Oh, senhor! Estão todos bem? Alguém se feriu? Oh, Deus! Logo, a motorista do carro atingido pelo táxi desceu e veio até a janela do hindu, e, mesmo tendo ele recomeçado seu discurso de mil perdões com ela, acabou sendo atingido pelos socos mal direcionados da velha senhora. — Seu irresponsável! — gritava ela, irritada. — Seu louco! Lunático! Veja o que fez ao carro novo de meu namorado! Quero o nome de todos que estão aqui para serem testemunhas! Um carro-patrulha apareceu, vindo do nada. Os meninos ainda gritavam, mas a visão do carro chamou-lhes a atenção e ficaram quietos e atentos. O policial eficiente que vinha no veículo redirecionou o trânsito para que os dois carros acidentados parassem junto ao meio-fio, onde a aborrecida senhora anotou os nomes, sobrenomes, telefones, endereços de todos ali presentes. Por fim, Eric convenceu o policial de que precisava levar os meninos para casa e, assim que outro táxi pôde ser encontrado, levou a todos para a casa de Karen. Tessa ficou no carro, desta vez dirigido por uma mulher muito paciente e educada, e Eric levou os meninos, um a um, para dentro. Sophie já estava lá para recebê-los. — Tivemos um pequeno acidente — Eric explicou. Simon, como uma metralhadora, passou a descrever tudo que acontecera, não necessariamente na ordem dos fatos, e Sophie ficou sem saber o que dizer ou fazer. — Vou vomitar de novo! — lan anunciou, e ela correu com o menino para o banheiro. Simon foi atrás, dizendo: — Tio Eric não vai fazer uma mudança de sexo, mas ele disse que eu posso, quando crescer. 100

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Eric revirou os olhos, ouvindo lan vomitar no banheiro e, sem esperar por mais nada, voltou para o táxi. Chegou a imaginar que Tessa já houvesse ido embora, mas ela estava lá e, quando sentiu o braço de Eric em seus ombros, deixou-se relaxar. — Não chegue perto de mim — avisou. — Estou cheirando muito mal. Meus sapatos estão estragados, minha calça está manchada de lama e vômito, acho que minha blusa de seda está encolhendo e meus cabelos, se é que ainda tenho algum, estão absolutamente colados em minha cabeça. Aqui está sua jaqueta. Obrigada. Cuidado, porque não consegui tirar todo o vômito dela. Eric tentou pensar em algo suave para dizer. — Está com fome? — perguntou. — Oh, Deus, não! Meu estômago é fraco! Acho que nunca mais vou conseguir comer outra vez! — Puxa, Tessa, eu queria que tudo tivesse dado certo... — E deu. Foi a tarde e noite mais perfeitamente horríveis que já vivi. — Suponho que não queira, então, ir a lugar algum comigo... Bem, não posso culpála. — Eric, deve haver algo de errado com você. Por que não se benze ou coisa assim? — Só preciso de um pouco de ajuda. O que acha de me ajudar? — Lá estava ele, de novo, mesmo na pior das situações, tentando conquistá-la. Tessa encarou-o e viu seu sorriso. Como resistir? — Está bem, mas vou cobrar por isso — disse. — Quanto? — Bem, vejamos... Estou insegura quanto à compra da agência e preciso de conselhos. Pode arranjá-los para mim? — Bem, tenho um amigo que é advogado. O que acha de irmos ao cinema amanhã? Posso falar com ele e, depois do cinema, conversaremos. — Eric lembrou-se, então, de sua van roubada e sentiu um aperto no peito. — Acho que terei de pegá-la em casa com um de meus caminhões — queixou-se. — A não ser que prefira que eu alugue uma limusine... — É uma boa idéia, mas acho que seria bem melhor se fosse a minha casa e assistíssemos a um vídeo. Podemos pedir uma pizza também. Assim, haverá menos chances de acidentes... O que me diz? — Ótimo! O táxi parava diante da casa dela, e Eric sabia que deveria apenas beijá-la e ir embora. Seria melhor assim. Mas, quando a beijou, aquela velha e intensa chama ardeu em ambos e, ao ouvir o convite de Tessa para entrar um pouco e tomar um café quente, não hesitou. Pagou a motorista e, minutos depois, estava com Tessa embaixo do chuveiro, aproveitando cada minuto daquilo que, sem entender bem o motivo, achava que não daria certo. Uma hora e quinze minutos depois de receber os sobrinhos em um estado lastimável, Sophie já os tinha lavado e estavam os dois sentados como anjinhos rosados e cheirosos diante da televisão. O telefone tocou, era do hospital. Um médico amigo seu dizia que uma de suas pacientes tinha voltado ao hospital dizendo que Sophie a medicara de forma errada. Ela preferiu continuar a ligação da cozinha, porque os sons do desenho que os meninos assistiam estavam interferindo em sua compreensão da situação. Mas, na cozinha, ouviu risadinhas e tinha aprendido, nos últimos dias, que risadinhas eram um péssimo sinal. 101

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Desligou, voltando para a sala, onde os meninos estavam ajoelhados diante da lareira, tentando apagar chamas que começavam a devorar o tapete em frente à lareira. Assustada e furiosa, ela mandou os meninos para a cama, apagou as chamas e respirou fundo, exausta. Jurou que não haveria desenhos pela manhã e que os dois teriam um castigo ainda pior. Podia lidar muito bem com cortes sangrando, membros arrancados, esquizofrenia, mas ficava trêmula de raiva ao ter que cuidar de dois meninos pequenos. Como era possível? — Precisamos fazer xixi, tia Sophie! — ouviu Simon pedir, do quarto. — Vão logo então! Eles foram, trancaram-se no banheiro, e logo Sophie pôde ouvir as torneiras, da pia e da banheira, abertas por completo. — Abram essa porta! — gritou. — Abram ou vão se arrepender! Ela ameaçou, gritou, chantageou, mas nada funcionou. Tentou ligar para Eric, mas ele não estava em casa, e seu celular não respondia. Quando a água começou a sair por debaixo da porta, Sophie cedeu à histeria e ligou para Rocky. Ele estava em casa, atendeu o celular e, no caminho até a casa de Karen, foi lhe dando instruções de como encontrar o registro geral de água. Quando conseguiu fazer com que as torneiras parassem de inundar o apartamento, Sophie respirou fundo, mas estava exausta. Oferecera-se para ficar dez dias com os sobrinhos, mas há quatro não dormia, há quatro estava mais e mais desesperada com as peraltices das crianças. Queria apenas que eles ficassem longe! Quando a campainha tocou e ela foi atender, quis jogar-se nos braços de Rocky, soluçando, mas ele estava carregando uma imensa caixa de ferramentas. — Oh, graças a Deus você chegou! Eles são verdadeiros demônios, Rocky! Não é de admirar que Karen tenha ficado louca! Oh, há água por toda parte, e eles ainda estão trancados no banheiro! Rocky deixou a caixa no chão e abraçou-a. — Calma, vou tirá-los de lá. — E, soltando-a, seguiu para o banheiro. — Meninos, tio Rocky chegou! — E, em poucos minutos, abriu a porta do banheiro com uma ferramenta. Os meninos estavam brincando na banheira cheia até a borda, nus, e Simon anunciou, sorrindo: — Somos bruxos! Estamos fazendo poções mágicas! — Por que está aqui, Rocky? — lan quis saber, com ar de inocente. — Porque vocês dois molharam toda a casa, seus feios! Meninos bonzinhos não fazem essas coisas, e vocês são meninos bonzinhos, não são? — Somos! — gritaram os dois em coro, fazendo com que Sophie rangesse os dentes. — Então, vão me ajudar a limpar isto tudo. Primeiro, vão soltar as tampas da pia e da banheira para que a água vá para o ralo, que é onde deve ir. Os dois meninos desnudos o fizeram, parecendo animados. — Agora, vamos usar toalhas para secar esta água toda do chão — Rocky organizava. Sophie deu as costas à cena e refugiou-se na cozinha, contando até dez. Sentiu-se tonta e imaginou que sua taxa de açúcar devia estar baixa. Serviu-se de suco de laranja 102

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com vodka, precisava daquilo porque ter Rocky assim tão perto a deixava mais tensa do que lidar com aqueles garotos infernais. Olhou-se, achando-se a mais horrível das criaturas, por estar sem maquiagem, vestida em roupas simples, de casa, e ainda, provavelmente, cheirando a vômito. Ouvia Rocky falando com os meninos com tranqüilidade, ensinandolhes coisas sobre a tubulação da casa. Ela mesma poderia ter-lhes ensinado algo sobre pontos energéticos de anestesia para que ficassem praticando um no outro, ponderou. Aos poucos, a casa foi ficando limpa e seca, e os meninos até ajudaram muito, no processo. Sophie sentia-se um fracasso como tia. Não fracassara em mais nada na vida. Não, apenas em outra coisa: em fazer com que Rocky a notasse. Foi para a sala, levando o copo consigo e tramando uma forma de ver-se livre dos meninos. Diria que outro médico estava doente, que precisava substituí-lo. Bruno e Anna poderiam ficar com os meninos. Afinal, eram dois e ela era uma só... Meia hora depois, os meninos vieram para a sala e ficaram diante dela, ainda nus, olhando-a como dois querubins inocentes. Não. Ela jamais acreditaria que as crianças pudessem ser inocentes. — Tia Sophie, sentimos muito pelo que aconteceu — disse Simon. — Devem sentir, mesmo — ela rebateu. — Tento ser uma boa tia para vocês. Eu os levo para nadarem, para comerem no McDonald's, e... — Desculpe! — os dois exclamaram juntos. — Nunca mais vamos inundar a casa — lan prometeu. — Também não vamos mais colocar fogo no tapete. Não, eles não o fariam, ela sabia, fariam algo bem pior, com certeza e, por isso, iria mandá-los para a casa de Anna no dia seguinte. — Vistam seus pijamas e vão dormir. — Rocky disse que somos ajudantes tão bons que ele vai nos levar amanhã para ficarmos com ele o dia inteiro! — Simon anunciou feliz. — Mas só se você deixar. Por favor, tia Sophie, deixe! Por favor! Ela respirou fundo. — Vou falar com Rocky sobre isso — disse, sem prometer nada. Recebeu beijos e abraços, mantendo-se firme para não sucumbir ao poder daquelas boquinhas rosadas, e decretou: — Para a cama já! Eles obedeceram, e ela foi procurar Rocky. Tudo parecia ter voltado ao normal na casa, e ele estava acabando de colocar as toalhas molhadas na máquina de lavar. — Rocky, esqueci de dizer, mas os meninos mexeram na lareira, chegaram a queimar parte do tapete, e acho que colocaram álcool na lenha também. Tenho receio de verificar. Pode fazê-lo para mim? — Claro. — Ele lhe sorria com aquele sorriso encantador de sempre. Sophie caminhou até o quarto para verificar se os meninos estavam bem e, com surpresa, viu que eles já tinham adormecido. Contra si mesma, ela se curvou e beijou-os, acariciando-lhes os cabelos cacheados. Ao voltar à sala, a lareira já estava em ordem.

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— Não sei como lhe agradecer — Sophie murmurou, sabendo como "gostaria" de agradecer. — Quer beber alguma coisa? Estou tomando suco de laranja com vodca, e também há cerveja na geladeira. — Vou tomar vodca com você. — Ele se sentou no sofá e tirou o boné, deixando os cabelos amassados. Sophie reparou na camiseta sem mangas que ele usava e que deixava seus bíceps à mostra. Achou-o tão à vontade, tão confiável, tão sensual ali, sentado, descansando... Mas ele era tímido. E muito. Lembrava-se de ter pedido a Anna que fizesse seu mapa astral junto com o de Rocky, e eles tinham se revelado compatíveis. Anna chegara a comentar: — É, vocês podem dar certo juntos, mas ele é inseguro. Veja este asteróide em seu caminho. Lembra-se de que Rocky era disléxico na escola? Acho que a única coisa que você pode fazer é mentalizar vocês dois juntos, com muita, muita energia, e, quem sabe? Ou, talvez, possa encontrar um bom momento para embebedá-lo e tirar proveito da situação. Sophie podia ser muito corajosa em sua profissão, mas, na vida pessoal, hesitava demais. Sabia disso. Serviu um copo de suco e vodca a ele e sentou-se a seu lado no sofá. — Simon disse que você quer ficar com eles amanhã, e me sinto na obrigação de avisar de que eles dão um bocado de trabalho. — Acho que se eu lhes der algo para fazer, vão se sentir felizes e o tempo vai passar depressa. Prometo alimentá-los bem e cuidar para que se sintam à vontade. Posso leválos? — Bem, eu cheguei à conclusão de que não sou boa com crianças. — Sophie sentia lágrimas vindo a seus olhos. — Engraçado, sempre achei que eu pudesse, um dia, ser uma boa mãe... — Ora, as mulheres sempre sonham em ter filhos, e você, que sempre faz tudo com tanto carinho, vai ser uma mãe incrível também, vai ver. Ela passou as mãos pelo rosto onde as lágrimas escorriam, imaginando se dizia ou não a ele o que havia de pior em si mesma, antes de começar a agarrá-lo ali mesmo. — Sabe, ontem quando estávamos no carro, o trânsito estava horrível, e os dois não paravam de se bater. Eu avisei para que parassem três vezes, e eles não o fizeram. Então parei o carro e os mandei saírem, dizendo que teriam de voltar a pé para casa. Ficaram assustados, começaram a chorar, mas fui em frente, e os fiz sair mesmo. Até fingi que ia deixá-los lá. Estavam desesperados quando permiti que entrassem novamente. Oh, Deus, acho que sou um monstro! — E chorou ainda mais. — Sabe, eles têm só cinco e três anos, Rocky... podia haver pervertidos na rua. Sou adulta e devia estar cuidando de meus sobrinhos! Ele pensou por alguns segundos, depois perguntou: — E eles pararam de brigar? Sophie assentiu e soluçou. — Então funcionou — ele concluiu. — Não se estresse. Lembro-me de que, certa vez, meu pai fez a mesma coisa comigo e meu primo, só que ele foi embora de verdade, e estávamos em Surrey, a quilômetros de casa. Ele nos deixou na estrada por dez minutos. — E você nunca teve pesadelos por causa disso?

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Rocky riu antes de explicar: — Nós dois sabíamos que merecíamos aquilo. Sabíamos que meu pai ia voltar também. — O braço dele estava apoiado no encosto do sofá, por detrás de Sophie, mas não a tocava. — Simon e lan fazem essas coisas porque sabem que podem confiar em você. Você é uma pessoa confiável, Eric sempre diz que você é a mais ponderada da família. Sophie não gostava de ser rotulada de ponderada ou confiável. — E acho que, sendo médica, você deve ter nervos de aço também. Ela ouviu-o acrescentar, prestando atenção a como ele bebia devagar seu suco e querendo recostar-se a seu peito, sentir os pêlos que pareciam formar um tapete sobre seus músculos. — Eu sempre a admirei, sabia? — Rocky prosseguia. — Eu jamais conseguiria ser médico, lidar com acidentes, gente doente... Admiro-a mesmo! Ele admirava seu intelecto? Sua capacidade de lidar com doentes e acidentados? Ela queria que admirasse seu corpo, seus olhos, sua boca, seus seios! Precisava encontrar uma forma de fazê-lo olhar na direção certa. Encheu-se de coragem, então, e começou: — Rocky, lembra-se de quando Eric conseguiu aquele primeiro contrato grande e nós saímos para comemorar, bebemos muito e então você me beijou? Houve uma longa e tensa pausa na conversa. Sophie sentiu seu coração quase parar. Ele devia ter se esquecido, mas era um cavalheiro e jamais admitiria. — Sim, eu lembro — murmurou Rocky, por fim, com uma voz rouca e séria. — Lembrome muito bem. Talvez houvessem chegado ao que Anna costumava chamar de "momento decisivo".

Capítulo XX

Não estou jogando duro para ganhar; estou jogando duro para machucar! Sophie sentia o coração acelerado. — Então, por que nunca me beijou de novo? — perguntou. — Eu quis muitas vezes, mas tenho esse negócio de dislexia, lembra? Não consigo ler direito... pensei em convidá-la para sair, mas... sabe, você é medica, e eu sou apenas um encanador. Não me pareceu certo. Sobre o que iríamos conversar? — Oh, Rocky, sobre qualquer coisa! Sobre o que acha que converso? Não falo de medicina o tempo todo. Até poderíamos falar, mas poderíamos falar também sobre encanamentos, crianças, minha família, qualquer coisa! Rocky encarou-a e, muito lentamente, retirou das mãos de Sophie o copo que ela ainda segurava e que tremia, porque ela toda estava tremendo. Passou o braço ao redor 105

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dela e puxou-a para si com suavidade, mas firmeza. Beijou-a e, de repente, os dois pareciam terem sido incendiados, pois os beijos ficaram famintos, as mãos, frenéticas, os corpos, enlouquecidos. Rocky levantou-se com ela no colo, procurando pelo quarto. Nenhum dos dois se lembrava mais dos meninos, mas vagamente. Sophie pensou neles, abençoando aquela idéia maluca que tinham tido de inundar a casa. Não fosse por eles, Rocky não teria vindo, e ele ia levá-los no dia seguinte, o que significava que teria de trazê-los de volta! Ela faria o jantar, Simon e lan estariam exaustos e logo adormeceriam, e ela estaria novamente, como agora, deitada com Rocky, fazendo amor. Muito amor. Na quarta-feira pela manhã, Eric disse a seu gerente: — Henry, que tipo de cuidados uma pessoa deve ter ao pensar em comprar um negócio? — Ele mesmo nunca comprara um. Começara o seu do nada. Henry estava mastigando alguma coisa, mas respondeu mesmo assim: — Deve-se ter muito cuidado, chefe, não se pode confiar em ninguém. É preciso fazer muita pesquisa, ponderar a situação financeira e os concorrentes. Eric sabia que Tessa era muito fiel a sua atual patroa, que gostava dela, mas também sabia que o marido da tal senhora não era nada confiável. — Pode deixar comigo, chefe. Eu mesmo cuidarei de tudo. O bom e velho Henry já entendera toda a situação. Isso era bom nele, apesar de tudo. Eric podia dedicar-se a pensar em seu carro, então. A polícia não fazia idéia de onde sua amada van poderia estar e não parecia se importar muito. A mulher que o atendera na chefatura chegara a sugerir que sua van estivesse naquele momento jogada em algum buraco, que era onde acabavam carros assim antigos. Desgostoso, Eric enfrentou mais um problema: tinha de ir até a casa onde Nicols vivia antes de morrer para esvaziá-la. Prometera a Karen que o faria. Começava a imaginar se, algum dia, estaria livre de vez do sujeito. Ele era quase mais problemático morto do que vivo! Fletcher estava cuidando da papelada, da certidão de óbito e de alguma coisa de valor que, se possível, aquela criatura pudesse ter deixado aos filhos... Ridículo! Não devia haver nada. Nicols morava, nos últimos tempos, em um cubículo bem afastado do centro de Vancouver, e Eric, sem carro e sem caminhões que estavam todos sendo usados, convenceu Gladys a emprestar-lhe o Cadillac, que lhe avisou antes de dar-lhe a chave: — Nada de sexo em meu carro! Saiba que sinto o cheiro de longe! — Pelo amor de Deus, Gladys, o que acha que sou? E Tessa está trabalhando agora. — Tentava parecer sério, mas tinha de admitir que, se Tessa estivesse livre, adoraria levála para dar umas voltas no carro e, quem sabe, fazer amor com ela no banco de trás. Tinha o atestado de óbito consigo, para qualquer eventualidade, mas o dono da casa deixou-o entrar sem fazer nem uma pergunta sequer. A sala do apartamento era pequena, não cheirava muito bem, mas estava limpa. A cozinha era pequena e a louça estava lavada no escorredor. A cama estava feita e, quando abriu o guarda-roupa surpreendeu-se por ver as roupas de Nicols arrumadas. — Ora, até psicopatas podem ser organizados... — comentou consigo mesmo.

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Levara algumas caixas de papelão consigo e começou a enchê-las com o que havia no móvel. Depois foi para a cômoda e abriu a primeira gaveta. Lá, entre cuecas e meias, estava uma fotografia de Karen, segurando lan recém-nascido e Simon logo ao lado. No canto da gaveta estava outra foto, de Karen e Jimmy logo que se conheceram. — Pena não ter apreciado o que tinha, seu idiota — Eric murmurou, sentindo o peito se apertar. Guardou tudo em uma das caixas e continuou a limpeza das gavetas. Na última, encontrou uma caixa de papelão com recibos, contas e carnês. Nada de contas bancárias ou heranças. Claro, nem pensaria em encontrar algo assim. Ajeitou no carro tudo que pudesse interessar a Fletcher ou Karen e sentiu-se feliz por deixar as roupas em um escritório do Exército da Salvação. Assim que voltou a sua firma, Gladys pegou as chaves do carro e foi verificá-lo, certamente cheirando-o todo. Henry entregou-lhe um papel onde havia o nome Mary Jo Louise e explicou: — Tessa deveria ligar para esta moça porque ela trabalhou para a Sincronia no passado. Seria bom saber sua opinião a respeito da agência. — Como conseguiu este número? — Eric perguntou. — Tenho amigos em lugares que nem vai querer saber, chefe. Eric enfiou o papel no bolso e só se lembrou dele novamente quando estava em seu sofá, com Tessa, assistindo a um filme de suspense. E isso era bom porque Tessa estremecia nas cenas mais fortes e ele estava lá, para abraçá-la, sentir suas curvas, inflamar-se de paixão... Quando o filme terminou, lembrou-se do papel e entregou-o a ela, dizendo: — Henry disse que seria bom conversar com ela. É a garota que trabalhou na agência antes de você. — Mas Clara me disse que esta garota nem era honesta, que precisou demiti-la! O que poderíamos conversar? — Isso é o que Clara disse. Se vai comprar o negócio, tem de saber tudo de várias fontes. — Mas conheço Clara e confio nela! Eu me sentiria traindo sua confiança se fosse bisbilhotar com esta antiga funcionária. — Não precisa acreditar no que essa garota pode dizer. Basta ligar e falar com ela. Tessa prometeu pensar no assunto e guardou o papel. Depois se aproximou, envolvente, e Eric deixou de se preocupar com qualquer outra coisa. Sua vida estava uma maravilha. Na noite anterior, dormira na casa dela, agora ela viera até seu apartamento porque ele estava sem carro. — Sabe por que gosto desse filme? — perguntou ela, abraçando-o. — Porque esses grandes vilões dos filmes sempre são tão vulneráveis, tão perigosos e poderosos! São heróis, e mulheres gostam de heróis. — Bem, eu posso ser perigoso... — Eu sei. Mas você não quer um envolvimento maior. Eric traduzia as palavras dela e se arrepiava. Tessa queria um compromisso. — Mas não faz mal — ela continuou, acariciando-lhe os cabelos. — Sei muito bem que nosso relacionamento é baseado apenas em sexo. 107

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— Isso me parece um tanto frio — ele comentou, lembrando-se de imediato de Nema. — Há algo mais além de sexo entre nós. — Mesmo? E o que seria? Mas ele não pôde responder, porque já a estava beijando como um louco. Sim, era apenas sexo, puro e simples, e delicioso. Mas sentia-se, de certa forma, magoada, depois que tudo terminava e ele lhe oferecia algo para comer. Não, não tinha fome. Queria apenas voltar para casa, não gostava do apartamento dele. No dia seguinte poderia tentar encontrar alguém através da agência. Talvez fosse um homem chato, que não a animasse em nada. Talvez morresse sem encontrar seu par ideal, sem ter filhos... Isso doía. Podia, também, continuar aquele relacionamento físico com Eric e ter algo de bom para se lembrar quando estivesse velha. Aceitou a refeição rápida que ele lhe ofereceu desta vez e viu-o seguir para a cozinha nu em pêlo, lindo como sempre fora. Estava louca por ele, sim, não adiantava mais negar. Loucamente apaixonada. Cobriu os olhos com as mãos e gemeu, aborrecida consigo mesma. Mas já não havia como voltar atrás... Eric vasculhou o que havia na geladeira, tentando lembrar-se de que não gostava quando uma mulher ficava tempo demais em seu apartamento. No entanto, com Tessa, tudo lhe parecia diferente, não deveria, mas parecia. E queria que ela ficasse. Assim, ignorou suas próprias normas e aproveitou mais aquela noite ao lado de Tessa. Ela não gostava de estar atrasada, mas sempre havia uma primeira vez. Entrou apressada no escritório na manhã de sexta-feira e surpreendeu-se por encontrar Clara lá. Desculpou-se pelo atraso, sorriu pela presença da chefe, e recebeu o sorriso de volta. — Não há problema, querida. Eu trouxe estes papéis de venda para você assinar e acho que poderemos ter resolvido a transferência da agência para você até o fim de semana. — Ótimo. — Tessa achava tudo um tanto precipitado, nem dissera com certeza a Clara que compraria a Sincronia, mas não conseguia pensar direito porque o que vivera com Eric nessa noite ainda estava em sua mente e a perturbava. — Ah, recebi um telefonema esta manhã, Tessa, dizendo como você tem feito casais maravilhosos em minha ausência. Você nasceu para isso, querida! Vai ser um sucesso no mercado! Tessa estranhou tais palavras. — Quem ligou? — quis saber. — Margaret Westwall. Ela disse que saiu com Alistair Famsworth quatro vezes e que o achou maravilhoso. Tessa ergueu as sobrancelhas, surpresa. — E agora há esse problema com Kenneth Zebroff... É claro que não vai afetar a agência, mas deve estar preparada caso alguém ligue e pergunte. — Kenneth? Do que está falando, Clara? — Ora, saiu até nos jornais de ontem, não viu? A cunhada dele está afirmando que ele teve algo a ver com a morte da esposa, parece que a envenenou. Estão exumando o corpo hoje, e a polícia está investigando as mortes de suas outras esposas também. Não

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me parece uma situação confortável para ele, afinal, é farmacêutico, você sabe, e deve saber tudo sobre venenos. Tessa estava estática. Kenneth, o cliente de quem mais gostava! Um criminoso! — Como ele nunca saiu mais de uma vez com qualquer das mulheres que lhe indicamos, acho que não haverá complicações para a Sincronia — Clara continuava. — Essas coisas acontecem, mesmo com todo o cuidado que tomamos. Tessa estremeceu. Chegara a pensar em apresentar Kenneth a sua mãe! — Algo assim já lhe aconteceu antes, Clara? — perguntou, ainda chocada. — Não exatamente, mas há sempre situações desconfortáveis que não podemos antecipar. Clara parecia alegre, e Tessa estava pensando em um modo de lhe perguntar sobre seu divórcio quando o telefone tocou. Ao mesmo tempo, um novo cliente chegou, ainda um tanto tenso. A manhã mostrava-se agitada. Por fim, na hora do almoço, houve uma pequena calmaria. — Por que não tira duas horas para almoçar? — Clara sugeriu. — Há papéis aqui que preciso verificar antes da venda da agência, e você tem trabalhado tanto! Merece um descanso. Vá e divirta-se um pouco, querida. Tessa aceitou a idéia e, já na rua, voltou a pensar em Kenneth. Ele era inocente até que se provasse o contrário, é claro, mas a polícia estava investigando e devia haver algo de obscuro no caso. Confiara tanto nele! Também confiava em Clara, mas começou a ter dúvidas e lembrou-se do papel que Eric lhe dera. Deixara-o no bolso do short que usava e que deixara no apartamento dele. Ligou de seu celular para ver se ele saberia o número de cor. Ele não sabia, mas Henry, sim, por isso transferiu a ligação para o gerente. Minutos depois, ela não só tinha o número de Mary Jo Louise, como também uma explicação sobre todos os possíveis concorrentes em Vancouver, bem como uma visão geral de todos os cuidados que deveria ter com o negócio que pretendia adquirir. — Arranje um advogado e não faça nada precipitado — Henry aconselhou-a. — As pessoas normalmente não formam filas para comprar uma agência desse tipo, principalmente porque tudo que ela vende é boa vontade, e mesmo com computadores, máquinas e fax-símiles, ainda assim, trata-se apenas de um negócio que envolve gente. Depois de desligar, Tessa começou a ficar preocupada. Clara estava tão diferente, parecia com pressa em vender a agência. Sentindo-se menos culpada, ligou para Mary Jo e, meia hora depois estava entrando em uma lojinha do centro, e apresentando-se à vendedora detrás do balcão. — Mary Jo está lá atrás, vou chamá-la — disse ela solícita. Mary Jo era descendente de asiáticos, miúda e bonita. Não parecia má pessoa, mas Tessa já estava desconfiada de sua própria capacidade de julgamento. Ela sorriu para Tessa, mas havia certa reserva em seu olhar. — Então, está trabalhando na Sincronia agora... — comentou. — Aceita um café? — Serviu a ambas e, quando estavam instaladas em uma pequena mesinha nos fundos da loja, perguntou: — O que deseja saber? — Estou pensando em comprar a agência e achei que seria interessante conversar com alguém que já trabalhou lá. Por quanto tempo esteve na Sincronia?

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— Seis meses. Então, Clara disse que Bernard estava tendo um caso e que ela não suportava mais. Estavam se divorciando, e ela me propôs comprar o negócio. Quando eu não aceitei, ela me demitiu. Tessa teve de engolir em seco. — Mas foi exatamente isso o que ela me disse — murmurou. — É, eu imaginei que sim. Ela vem tentando vender a agência há alguns anos. É um negócio difícil de administrar e de dar lucro. — Mas... ela e Bernard. Ele é desprezível! Acho que está, sim, tendo um caso com uma moça. — Talvez esteja, ou talvez seja Clara quem esteja, quem pode saber? Mas eles têm uma espécie de acordo. E quem sabe o que pode haver em um casamento assim? — Como sabe disso tudo? — Porque minha mãe conhece a mulher que faz faxina na casa de Clara. Não acreditaria nas coisas que acontecem por lá. Tessa engoliu em seco, lembrando-se da festa de Natal. — Quanto ao negócio, não é mau — Mary Jo prosseguiu. — Se é que pretende passar sua vida assim. O fato é que a agência ainda está na Idade Média, nem um computador há ali! Eu mesma não gostava de ficar ouvindo aquelas reclamações e de ter o trabalho de arranjar encontros para gente que não conhecia. Por isso preferi abrir este lugar. É pequeno, mas é meu e já está começando a dar lucros. Quanto a Clara, não fique chocada. Ela não é má, apenas esperta. — Quanto ela lhe pediu? Tessa disse-lhe, e Mary Jo arregalou os olhos. — Um roubo — comentou. — Quer mesmo a agência? — Achava que sim, mas já não sei mais nada... — Pense muito, então, e ofereça a ela menos da metade desse preço. Sei que ela e Bernard têm problemas financeiros porque vivem esbanjando o que não têm. Ela vai aceitar. — Mary Jo escreveu um nome em um pedaço de papel e disse: — Esta é uma boa advogada, que conhece muito bem o mercado financeiro. Foi ela quem me ajudou a começar minha loja. Fale com ela antes de assinar qualquer coisa. Três horas depois, Tessa entrava na firma de Eric, sentindo-se a mais infeliz das criaturas. Ia levar Eric a algum lugar por causa do carro roubado, estava cansada disso e tudo o mais. Foi Henry quem a recebeu. — Olá, Tessa! Falou com Mary Jo? Gladys baixou o som da televisão e voltou-se, curiosa: — Vai comprar o negócio? — Não use seu próprio dinheiro — Henry aconselhava. — Vá ao banco, use o dinheiro deles. Deixe o negócio pagar o empréstimo. Eric apareceu, sorrindo. — E então? Falou com a mulher? Chegou a algum acordo com Clara? — Fui demitida — disse ela, sem expressão. Todos se calaram, o que foi uma bênção, porque ela estava a ponto de gritar.

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— Eu disse a Clara que ela estava pedindo muito dinheiro pela agência e ela se ofendeu, dizendo que estava fazendo um preço baixo especialmente para mim. Mas eu disse que ia falar com uma advogada e lhe ofereci bem menos, e ela ficou furiosa e me demitiu. Ela nunca vira Clara furiosa antes e não queria mais ver. Não era uma bela visão. Chegou até mesmo, por alguns segundos, a sentir pena de Bernard. — Ela vai se arrepender se voltar a procurá-la — Henry comentou, casual. — Só está tentando assustá-la — Gladys completou. — Vamos sair daqui — disse Eric, atendendo ao mais profundo desejo de Tessa no momento. Lá fora, ela entregou-lhe as chaves do carro. — Você dirige — disse. — Vamos para meu apartamento ou para sua casa? — Para a minha casa. — Ela não queria ficar olhando para aquelas estatuetas estranhas. — Já achou outro carro? — Um de meus motoristas encontrou um Volkswagen antigo que está parado na garagem de uma tia sua há algum tempo. Vai dar um pouco de trabalho para deixá-lo no ponto, mas vai ficar uma beleza! Tessa ergueu as sobrancelhas. Talvez fosse bom que seu relacionamento com Eric não fosse algo sério, um compromisso, porque estava farta de carros velhos e estátuas de restos de metal. — Quer falar sobre o que aconteceu com Clara? — ele indagou. — Posso falar com Fletcher e perguntar se ele pode fazer alguma coisa, processá-la por demissão injusta, talvez. — Não, nem quero pensar a respeito. — Ela repetiu-lhe a história toda, porém, palavra por palavra. Lembrou-se também de Kenneth e contou-lhe sobre o caso. — Nem sei, entre Clara e Kenneth, em quem confio menos agora. Eric tomou-lhe a mão e apertou-a de leve. — Isso tudo vai passar. São percalços no caminho, nada mais. Mas ele não disse "pode confiar em mim", e isso a magoou. Mas, o que devia esperar dele, afinal? Se o que Eric oferecia não era o suficiente, não podia culpá-lo. Ela esperava demais, isso sim, precisava acabar com isso. — Pensando melhor, vamos até seu apartamento — disse. — Vou deixá-lo lá e seguir para casa. Acho que preciso ficar sozinha por algum tempo. — Mas é sexta-feira! Achei que íamos sair e jantar. Além do mais, você precisa de alguém com quem conversar, teve um dia difícil. — Obrigada, mas estou com dor de cabeça. Estavam parados em um semáforo, ele se inclinou, beijou-a de leve e murmurou: — Conheço um remédio ótimo para dores de cabeça... Sim, ele sabia, conhecia todas as táticas, Tessa reconhecia. Por isso sorriu-lhe, aceitando aquele carinho.

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Capítulo XXI

Ela não fica triste; faz os outros ficarem... Aborrecido, Eric entrou em seu apartamento, sem ainda entender por que se deixara convencer de modo tão tolo. Queria passar a noite com Tessa. Olhou para sua secretária eletrônica, cuja luz estava piscando e atendeu. Era Karen. — Olá, Eric. Pode ligar para mim? Precisamos conversar. Ele discou os números e, como era de se esperar, seu pai atendeu, em espanhol. Reconhecendo o filho, saudou-o alegremente: — Ora, como vai meu garoto? No passado, quando ainda era muito jovem, ele achava que seu pai quisesse, de fato, uma resposta honesta para essa pergunta. Agora, nem se importou em responder: — Karen está por aí? — Está bem aqui! Estamos vendo fotos antigas. Segundos depois, ela pegava o fone. — Você está bem? — Eric quis saber de imediato. — Estou, sim. Não fiquei histérica nem cortei os cabelos de ninguém até o couro, o que já é um bom sinal, não acha? Mas estou preocupada com os meninos. Sophie diz que eles estão sendo bonzinhos, mas não acredito. Por isso achei que, com você, saberia da verdade. — Não falo com Sophie há dois dias, mas saberia de algo, se estivesse com problemas. — E contou-lhe brevemente o que acontecera no fatídico passeio ao parque. Depois acrescentou: — Eles vão ficar com Anna e Bruno a partir de quarta-feira. Vão todos acampar. — Que bom. É que nunca fiquei longe deles por tanto tempo... Sinto saudade. — Eles também, querida. E você? Está se divertindo? Esses nossos pais malucos já lhe pediram dinheiro emprestado ou coisa parecida? — Não, ainda não. Mas está tudo bem por aqui. O sol é forte, estou ficando bronzeada. Há um pátio interno na casa, com um jardim. Mamãe tem um jardineiro chamado Miguel. Tenho um quarto na parte de trás da casa e posso caminhar até a praia pela manhã. Vou nadar todos os dias, sabia? Mamãe e papai dividem os dias no orfanato. Pela manhã, ela

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cuida dos bebês e, à tarde, ele diverte os maiores com seu violão. E eu já cortei os cabelos de muita gente por aqui. — Ora, então eles se dedicam mesmo ao orfanato! Nunca foram muito amigos de crianças, pelo menos não com as suas próprias... Perguntaram sobre Simon e lan? — Eu trouxe muitas fotos para eles verem. — Não espere muito deles, querida, não lhes empreste dinheiro e não os deixe explorá-la com esse negócio de ficar cortando cabelos de graça, ouviu? E não se deixe emocionar. Eles não merecem. — Eu ouvi, mas não concordo. Não se preocupe comigo, está bem? A cozinheira de mamãe. Consuela está me ensinando a fazer pratos mexicanos maravilhosos. Quando voltar, vou fazer todos vocês ficarem gordos de tanto comer. Sabe alguma coisa de Junella? Ela ou Myma pretendem me processar? — Fletcher está tratando de tudo com Junella. Ela cometeu uma série de infrações salariais com você, portanto, nem se preocupe. E Myma não pode processá-la porque o salão tem um seguro para qualquer tipo de acidente com as freguesas. Não se preocupe com nada. Quando voltar, tudo já estará resolvido. — Agradeça a Fletcher por mim e diga-lhe que vou cortar-lhe os cabelos de graça pelo resto da vida, embora não haja tanto assim para cortar, não é verdade? Era bom que ela já conseguisse brincar. — E como vão as coisas na Sincronia? — Karen quis saber. — Arranjaram um encontro para mim com uma mulher chamada Sylvia, mas não deu certo, e Tessa me colocou em seu arquivo de fracassados. Ela riu, deixando-o feliz por vê-la tão melhor. — Está bem. Diga a ela que sinto saudade também. Agora vou desligar. Adoro você, Eric. — Também a amo, querida. Ligarei de novo em dois dias, certo? E não se esqueça do que eu lhe disse sobre Sonny e Geórgia. Quando Karen desligou, sentia-se aliviada. Tudo parecia estar indo bem em Vancouver. Pensava muito em seus filhos e nas fotos que levara para mostrar a Sonny e Geórgia. Mas seus pais as tinham deixado de lado depois de uma breve olhada para mostrar-lhe outras, que tinham tirado com artistas famosos no passado. Sempre achara que, se ficasse perto dos pais, eles viriam a amá-la, a se preocupar com ela, mas agora sabia que isso era apenas um sonho. Olhando-os, agora, imersos em suas recordações, abraçados, percebia que eram egoístas, que estavam envelhecendo de forma patética e triste e que nem se davam conta disso. O que notava também era que os dois se amavam de verdade. Estavam casados havia quarenta anos e ainda se amavam! Às vezes, à noite, de seu quarto, podia ouvi-los fazendo amor. Eles se tocavam, durante o dia, porque queriam se tocar, nada mais. E saber disso deixava-a muito solitária, embora lhe desse uma sensação positiva. Eric e Sophie referiam-se aos pais como gente sem sentimentos, sem amor pelos filhos, o fato é que só a segunda parte dessa afirmação era verdadeira, agora entendia. Como entendia também por que eles não tinham sido bons pais, simplesmente porque as crianças drenam toda a energia de um casal, seu afeto, seu tempo. Era sempre necessário saber balancear o quanto de amor e de tempo se podia dar a um filho. Sonny e Geórgia não tinham dado 113

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nada porque davam um ao outro tudo que tinham de bom. Lembrava-se de ter lido, em algum lugar, que filhos de amantes são sempre órfãos. E era verdade. O bom em sua vida fora o fato de ela e suas irmãs terem Eric, mas ele mesmo, até agora, não encontrara alguém que o amasse tanto a ponto de partilhar sua vida a seu lado. Eric era teimoso, tinha medo do amor porque temia sofrer se não fosse amado também. Se, ao menos, ele se deixasse apaixonar por Tessa... Era meio-dia de sábado, e Eric ainda não recebera um telefonema de Tessa. Isso o incomodava muito, mas não queria ceder e ligar para ela. Começara a esculpir uma estátua que chamaria simplesmente de "Mulher", a qual ficaria sem nada no meio do peito, onde deveria haver um coração, mas não estava conseguindo concentrar-se em seu hobby. Olhou para o telefone e, zangado, caminhou até ele. Precisava esclarecer certas coisas com Tessa. Aquela história de sorrir e de deixá-lo sem uma resposta, quando a vira pela última vez, deixava-o confuso. — Olá, Tessa, sou eu — disse, quando ela atendeu. — Oh, Eric... Ainda estou de cama, com dor de cabeça. Por que não vem até aqui e me cura? Vou deixar a porta dos fundos apenas no trinco. Ele desligou pasmo. Entendera tudo errado? Apressou-se a colocar uma troca de roupa em uma maleta e correu para a porta, lembrando-se, então, de que não tinha um carro. Mas tinha caminhões! E tinha um negócio em franco progresso! Podia comprar um carrinho simples! Assim, pegou um táxi, parou em uma concessionária e comprou um Jetta. Chegou à casa de Tessa em poucos minutos, parando seu carro novo diante do jardim. O dia estava quente, e Tessa estava, sim, na cama, usando uma roupa transparente e nada mais. — Por que demorou tanto? — ela perguntou. — Porque tive de parar para comprar um carro. E, assim que sua dor de cabeça passar, poderemos sair para darmos um passeio. — Que carro comprou? Algo da pré-história? — Não, é novo! — Novo? Achei que só gostasse de carros velhos. — Um homem tem o direito de mudar de opinião às vezes, não? — Oh, Eric, carros novos são tão sensuais! — Mesmo? Vai me mostrar quanto? — Deite-se aqui. Ele se deitou, e tudo que ficou de lembrança daquela tarde foram longas horas de delicioso delírio nos braços de Tessa McBride. Mas Tessa queria muito mais dele do que uma longa tarde cheia de prazer carnal. Queria compromisso, a certeza de que passariam a vida juntos. Seu pai ligara na noite anterior, de Reno, dizendo que ele e sua mãe tinham se casado novamente. Ficou chocada, mas não tão desapontada quanto pensou que ficaria. E chegou mesmo a chorar quando sua mãe pegou o telefone e, chorando também, disse-lhe o quanto

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estava feliz. Era estranho, mas tudo que Tessa queria era a felicidade de seus pais e tivera medo de aceitar isso o tempo todo. Seu silêncio, enquanto pensava nisso, deixou Eric apreensivo: — Você está bem? Sua dor de cabeça não passou? Quer alguma coisa? Ela estava deitada junto dele, as pernas passadas pelas de Eric, sensualmente. A única coisa que queria era um compromisso com ele, nada mais. — Meus pais se casaram ontem, disseram que estão apaixonados outra vez. Já esteve apaixonado, Eric? Ele não respondeu e, depois de alguns minutos, Tessa afastou-se e sentou-se na cama. — Estou sem dor de cabeça alguma — disse. — Devia patentear esse seu remédio. Vamos sair para comemorar seu carro novo e meus pais recém-casados? Quero usar um vestido que comprei e ainda não estreei. De que cor é o carro? — Vermelho. — Ah, adoro carros vermelhos! — Eu sei, já me disse isso antes. E seus pais? Como está encarando essa atitude deles? — Ah, eu os amo. Já têm mais de dezoito anos, desta vez minha mãe não está grávida e estou otimista quanto a esse novo casamento. Venha, vamos tomar banho juntos. E depois do longo e sensual banho, saíram os dois para andar no carro novo, que ela adorou. Eric entregou-lhe as chaves e deixou-a dirigir, o que foi ainda mais adorável para Tessa. Na quarta pela manhã, Anna sentou-se à mesa de sua cozinha com seu computador e conferiu seu horóscopo. Havia uma mudança abrupta graças a Urano. Claro, Sophie logo chegaria com os meninos. Júpiter indicava retrocesso espiritual, e Saturno também não indicava bons fluídos. Acabara de discutir com Bruno, era isso. E tudo porque dissera que não queria que os meninos a tocassem quando estivessem na casa. Bruno a olhara como se estivesse vendo um fantasma. Alegara que ela tinha estudado para ser professora, então, como podia tratar os sobrinhos assim? Mas os alunos iam para casa, no fim do dia, e não eram monstrinhos como Simon e lan, ela rebatera, ao que Bruno dissera que podia praticar para quando tivesse seus próprios filhos. Ela gostava de crianças, só não queria viver com elas! Dissera isso a Bruno também. Era uma pena, mas sentia que seu marido não estava tendo o mesmo crescimento espiritual que ela, e isso estava causando grandes problemas entre ambos. Dissera-lhe isso também, o que fizera Bruno afastar seu desjejum e sair para o quintal. Levantou-se da mesa e caminhou até a janela para vê-lo. Ele estava colocando uma tabela de basquete próximo demais dos lírios que ela tinha plantado com tanto carinho no mês anterior. Sentiu um aperto no estômago. Duas semanas. Duas semanas inteiras com Simon e lan! Pronto, ali estavam eles! Sophie acabava de chegar. Minutos depois, ela entrava na cozinha, pela porta dos fundos. — Olá, Anna! Tudo bem? Tem café aí? 115

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Café não fazia bem ao sistema nervoso central, Anna sabia, mas acabara de passar o segundo bule. Teria de fazer meditação para se purificar quando tudo aquilo terminasse. — Que manhã maravilhosa, não? Ah, Vancouver é simplesmente magnífica quando o sol brilha assim! — Sophie estava radiante. — Posso saber o que há com você? — Anna indagou, desanimada diante da perspectiva de cuidar dos sobrinhos. — Parece iluminada. — Talvez ela estivesse assim porque ia se ver livre dos meninos, afinal. — Ah, você não vai conseguir adivinhar o que aconteceu, Anna! Estou nas nuvens! Rocky finalmente se declarou. — O quê? Ele a convidou para sair? — Não. Temos saído com os meninos, mas, na verdade, estamos dormindo juntos! E, sabe do que mais? Ontem à noite, ele me pediu em casamento! — Na cama? — Claro. — E ele estava sendo sincero? Sophie encarou-a como se estivesse olhando para uma lunática. — Mas é claro que estava, e eu estou muito feliz! Por que acha que ele não estaria sendo sincero? — Não sei... os homens dizem qualquer coisa depois de fazerem sexo. Porque o sexo abre todos os seus chacras, sabe? — Ela e Bruno costumavam abrir seus chacras assim, mas quando percebeu que muito sexo não era bom para o desenvolvimento espiritual, Anna diminuíra a freqüência das relações. — Não, não — Sophie insistiu. — Ele falou a sério. Vamos nos casar no próximo sábado, vai ser apenas uma cerimônia civil, no cartório. — Assim tão depressa? — Rocky não quer esperar mais. — Você não quer um casamento de verdade? Quero dizer, no cartório me parece tão impessoal. Não quer se casar aqui em casa? Na sala! Conheci uma juíza de paz nas aulas de ioga, ela é fantástica! Também conheço a dona de um buffet. Ela teria de cuidar de um casamento e de dois sobrinhos! Anna lembrou-se de repente. Não, não poderia cuidar dos sobrinhos, isso já estava definido. Mas do casamento poderia cuidar, se Bruno a ajudasse. — Não, não... Você e Bruno vão ficar com os meninos — Sophie rebateu. — Vão acampar, não vão? — Podemos adiar o acampamento. — Bem, eu adoraria me casar aqui, mas não acha que deveria falar com Bruno antes? — Ele vai ficar aborrecido se vocês não se casarem aqui, pode ter certeza. — Ela sempre admirara esse apego que Bruno tinha com a família. Pena ela própria não o ter quando se tratava de Simon e lan.—Está decidido, então! Vou ligar para toda a família! — Obrigada, Anna! — Sophie abraçou a irmã, extremamente feliz. — Vou sair mais cedo do hospital hoje e comprar um vestido para mim e outro para você. Sei do que gosta e o que lhe cai bem. Vai ser meu presente por estar fazendo isso por mim. Rocky quer que Eric seja seu padrinho, e você será minha dama de honra. Oh, eu gostaria que Karen 116

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estivesse aqui. Vou ligar para ela esta noite. Flores! Que tipo de flores acha melhor colocarmos como enfeites? — Há lírios e rosas em meu quintal. Podemos usá-los. — Estou tão feliz porque os meninos estarão na cerimônia! De repente, Anna sentiu um verdadeiro pavor. Pensar nos sobrinhos causava-lhe arrepios e mal-estar. Bruno se oferecera para cuidar deles e era isso o que faria, para deixála livre para tratar do casamento. Sophie foi embora pouco depois, e ele entrou com Simon e lan. — Tio Bruno vai nos levar à loja de esportes para comprarmos uma bola de basquete — Simon anunciou, animado. — E tia Sophie vai se casar com Rocky — lan completou, em tom aborrecido. — Por que ele não pode se casar com nossa mãe e morar conosco? Bruno estava feliz com a notícia do casamento e até já se esquecera da discussão que tivera com Anna. Aproximou-se e deu-lhe um beijo nos lábios, perguntando: — O que vamos dar de presente a eles? Mais uma vez, Anna se lembrou de outro motivo pelo qual o amava, Bruno era muito generoso. Mais tarde, quando fazia almoço para eles, mais animada, o telefone tocou. Bruno atendeu e, por sua expressão, ela soube que teria de ficar sozinha com os meninos. Entrou em pânico. — Você prometeu que ia ficar aqui todos os minutos do dia! — acusou. — Anna, preciso ir. É um de meus melhores clientes e está com um problema gravíssimo. Preciso ir até seu escritório para levar algumas faturas. É urgente. — Um cliente de Vancouver? — Não... Na verdade, vou ficar dois dias fora, mas prometo estar de volta no sábado de manhã. — Oh, não! — Dois dias inteiros com os meninos! Ela não poderia suportar. Anna fez tudo o que pôde: chantagem emocional, lágrimas, soluços, súplicas, mas Bruno se foi. Assim que se viu a sós com os sobrinhos, Anna passou a ditar-lhes regras de tudo que não podiam fazer. Por fim, arrematou: — Se forem bonzinhos, vão poder tomar dois sorvetes por dia. — Não gosto de sorvete — lan queixou-se. — Fico com vontade de vomitar, como no parque. Quero ir trabalhar com Rocky. Quando mamãe vai voltar? — E começou a chorar. Trêmula, Anna levou-os para o quarto e depois se recolheu ao seu, para meditar por vinte minutos. Quando saiu, os meninos tinham colocado suco de laranja no aquário e matado três peixes. Colocou-os para fora, mas, lá, eles começaram a destruir as flores. Brigou com eles, mas Simon alegou que havia insetos comendo as plantas, e entregou o irmão, que tinha feito xixi na fonte do jardim. Atormentada ao extremo, e sem conseguir lembrar qualquer mantra para poder se acalmar, Anna chegou a pensar em ligar para Karen, mas desistiu, sabendo que a irmã precisava descansar. Depois ligou para Sophie, mas ela estava ocupada em uma emergência e sugeriu que Anna chamasse Rocky, passando-lhe o número de seu celular.

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Subitamente aliviada, ela ligou para Rocky, contando-lhe, com um rosário de lágrimas, o que estava acontecendo. Ele explicou que estava em um serviço complicado, em um local onde não permitiam a entrada de crianças. Disse a ela para ser paciente, não ameaçar os garotos, e mostrar a eles quem mandava. Mas, como ela poderia fazer tudo isso sem ir à loucura? Ao desligar, viu que os meninos estavam picotando as folhas de sua preciosa planta energizante, na sala. Quis gritar de raiva, e decidiu pedir o divórcio a Bruno, afinal ele não conseguia manter suas promessas. Respirou fundo, pegando os meninos pelo braço e sentando-se com eles no sofá. — Por que não me contam sua aventura no parque com tio Eric? Isso pareceu funcionar, porque os dois queriam falar ao mesmo tempo, interessados no assunto, em especial na parte em que lan tinha vomitado. Ele, ao terminar sua parte da história, queixou-se: — Quando mamãe vai voltar? Percebendo a carência do menino, Anna lembrou-se de que, na universidade, chegara a exercitar seus dons psíquicos. Poderia tentar uma comunicação telepática com Karen. Mesmo ela, Anna, quando pequena, sentira falta da mãe muitas vezes, e Geórgia nunca estava a seu lado para acalmá-la. De repente, um entendimento maior da situação a fez estremecer. Talvez não quisesse ter filhos porque tinha medo de ser como sua mãe. Não fora uma boa professora, não seria uma boa mãe. Na verdade, não era boa em nada, nem mesmo como esposa. Anna sentiu-se solitária e infeliz. Estava ali, presa com seus sobrinhos, da mesma forma que eles estavam com ela. — Por que não desenhamos sua mamãe em pedaços de papel colorido e depois vamos ao correio para colocar os retratos em um envelope e mandar para ela? — sugeriu, achando que a idéia era muito boa. E, vendo que os meninos se animavam, decidiu-se a mentir para a irmã na carta que colocaria com os desenhos, dizendo que tudo estava bem. Que os meninos eram ótimos e que Bruno estava se divertindo muito com eles. Quanto ao marido, continuaria ligando para ele e, quando conseguisse falar-lhe, seria dura, muito dura. — Tia Anna, tio Bruno vai voltar logo? — Simon perguntou, quando já estavam desenhando os retratos de Karen. — Pode apostar que sim, Simon. Pode apostar que sim.

Capítulo XXII

Confie em Deus, mas amarre seu camelo... Eric estava absolutamente surpreso com a notícia que Fletcher acabava de lhe dar, quando passara por ali para saber se Rocky precisava de alguma coisa, por causa do 118

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casamento apressado. Rocky não estava, tinha ido cortar os cabelos, e Fletcher acabava de passar um café. — Pois é — disse o advogado, servindo a ambos. — Eu achava que Karen fosse receber algum dinheiro da companhia das docas, onde Nicols trabalhava, mas naquela caixa que você me trouxe, havia notas de que ele vinha, já há algum tempo, pagando bônus extras para o fundo de pensão. Ela vai receber por volta de trezentos e cinqüenta mil, o que não é uma fortuna, mas um bom, ou melhor, excelente recomeço de vida! E com a morte dele, as prestações do apartamento estão automaticamente quitadas. Mesmo não sendo casados, eles tinham uma vida em comum de mais de cinco anos, o que garante a ela todos os direitos. Ele devia saber, pelo visto tinha certo senso de responsabilidade, afinal. Eric assentiu, mesmo sem gostar de reconhecer algo de bom no falecido. — Vou ligar para Karen e dar-lhe as boas-novas — disse. — Ela vai ficar surpresa. Sabe, Rocky vai levar a maior parte de suas coisas para a casa de Sophie esta noite. Gostaria de nos ajudar? Minhas costas já não são tão boas quanto foram... — Claro. Vai ser bem diferente para você, morar aqui sozinho, não? — Acho que vou vender a casa, mudar-me para um apartamento pequeno. Eric assentiu, olhando tudo ao redor. Uma casa onde só viviam homens era bem diferente de uma casa onde havia, pelo menos uma mulher, avaliou. E pensou em Tessa, como vinha fazendo com freqüência nos últimos dias. Por pensar nela, comentou: — Rocky lhe contou que Tessa vai comprar a agência matrimonial? Ela contratou uma advogada especializada no assunto e conseguiu entrar em um acordo com a antiga patroa. — É, ele me disse. Dê os parabéns a ela. Talvez eu mesmo entre nessa agência, para ver se encontro alguém. Diga-me uma coisa: Tessa não é a mulher pela qual você tem esperado esse tempo todo, Eric? Irritado, Eric encarou-o. O que o fazia pensar que tivesse esperado por alguém? — Somos apenas amigos — mentiu. — Nada sério, sabe? Não sou do tipo que se casa, gosto de ficar sozinho. Gosto de liberdade também e estou surpreso por você pensar em perder essa maravilha de vida, entrando para a Sincronia. — Eric, um bom casamento é uma forma de liberdade. Fui feliz com minha esposa e, depois que ela morreu, minha vida não foi mais a mesma. Por isso quero encontrar alguém como ela. Sabia que os homens casados vivem mais do que os solteiros? Primeiro, o pai de Tessa, depois Rocky, agora Fletcher... O que estava acontecendo com os homens que conhecia? Analisou Eric, pasmo. Consultou o relógio, lembrando-se de que prometera a Tessa pegá-la no escritório da advogada onde ela estava assinando os papéis com Clara. — Agora preciso ir — avisou. — Voltarei às seis horas para ajudar com as coisas de Rocky, está bem? Eric ia almoçar com Tessa, para comemorarem a compra do negócio, depois iriam a um shopping, para ela comprar um vestido para o casamento. Ele também compraria sapatos novos, mesmo não estando nem um pouco animado para o casamento. Anna ligou para ele, no celular, quando estavam almoçando. E Eric percebeu que tivera, de fato, um pressentimento ruim quanto ao casamento.

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— Mamãe e papai estão aqui — anunciou ela, deixando-o irritado de imediato. — Trouxeram Karen para o casamento. Vieram de carro e estão cansados, chegaram há meia hora. Era por isso que ele não tinha conseguido conversar com a irmã mais nova nos últimos dois dias. — Disse a eles que não foram convidados? — indagou, procurando manter a calma. — Oh, Eric... Os meninos estão tão felizes com a volta de Karen, e ela está tão linda, tão bronzeada! — Você os convidou para ficarem em sua casa? — Sim, Bruno os convidou, mas eles preferiram ficar com Karen, porque ela quer que conheçam Simon e lan melhor. — Ora, Anna, eles nem se lembram de quantos filhos tiveram. Sophie sabe que eles estão aqui? — Eric ergueu os olhos para Tessa, que o olhava, muito séria. — Sim, já a avisei, e ela ficou feliz. — Feliz! Que bom que vocês, meninas, estão tão prontas a perdoar e esquecer, mas deixem-me fora disso, certo? Não quero contato com Sonny ou Geórgia e vou dizer-lhes isso pessoalmente se for necessário. — Eric, pelo amor de Deus, é o casamento de Sophie! E foi exatamente isso o que Tessa disse quando ele desligou. — Não importa o que eles fizeram, ainda são seus pais — continuava ela, deixandoo ainda mais irritado. — É natural quererem estar aqui. — Quando se trata de Sonny e Geórgia, não use as palavras "pais" e "natural", está bem? — Eu entendo como se sente, mas lembre-se de que não deve estragar o casamento de sua irmã. Ele assentiu, lembrando-se do que estavam conversando quando o telefone tocou. — Esse advogado de Calgary que está na cidade... Vai mesmo jantar com ele amanhã? — Ah, sim. O nome dele é Sheldon Winesapp. Prometi levá-lo aos melhores lugares da cidade. E, como você e os rapazes vão fazer a despedida de solteiro de Rocky amanhã à noite, achei que você não iria querer sair conosco. — Mas nem me perguntou... — Porque não vi necessidade de fazê-lo. Além do mais, Eric, o que há entre nós é algo temporário, sem compromisso, certo? Eric tornou a assentir. Era verdade, mas não gostava da situação. — Eu e Sheldon nos conhecemos há tanto tempo! — ela tentava explicar. — Não vamos sair como um casal, você sabe... Não, ele não sabia, não queria saber. Iam jantar fora, dançar talvez, beber, e ele sabia qual era o efeito do vinho em Tessa... Também, ele era amigo de Tessa e estava dormindo com ela. Imaginá-la na cama com outro o deixava louco. Olhou-a muito sério então, e perguntou: — Lembra-se de quando me perguntou se eu já tinha estado apaixonado? 120

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— Sim. E você não respondeu. — Porque eu estava tentando entender... Sabe, sou meio lento nesse assunto. Mas agora sei bem o que sinto, e estou apaixonado por você. Ele achou que Tessa ficaria feliz e que talvez lhe dissesse a mesma coisa, mas surpreendeu-se com sua reação. — Eric, se isso é uma artimanha sua para que eu não saia com Sheldon, saiba que não vai funcionar! De repente, ele estava assustado. Podia, sim, perdê-la! — Tessa, case-se comigo — pediu, surpreso consigo mesmo por sua precipitação. Ou talvez não estivesse sendo precipitado, mas sensato... Ela demorou a responder: — Não posso, Eric. Quero ter filhos, e você não os quer. Já me casei com outro que também pensava como você e não quero repetir meu erro. Amo você também, mas... não posso abrir mão de meus sonhos. Eric podia ver que ela estava sofrendo, ele mesmo também estava. O problema era que não podia voltar atrás e dizer-lhe que queria ter filhos, porque isso não era verdade. — Vamos embora — sugeriu. No carro, não disseram quase nada. Apenas combinaram o horário em que ele a pegaria para o casamento, no sábado, às onze horas. O casamento era à uma. Eric não queria ir, mas era o padrinho de seu melhor amigo, sua família toda estaria presente e jamais se sentira tão mal em toda sua vida, nem mesmo quando pensara ter provocado a morte de Nicols. Tessa chorou durante toda a cerimônia. Geórgia aproximou-se e lhe deu alguns lenços de papel, já que ela também estava chorando e usando-os. A seu lado estavam Gladys e Henry, que usavam suas melhores roupas e exibiam as expressões mais sérias que conseguiam formar. Se fosse mais magro, ela avaliou, Henry seria um chinês bonito. Poderia apresentá-lo a Mary Jo, eles poderiam se casar... e chorou ainda mais. Logo atrás de si, ela ouvia Simon reclamar que estava com fome e que queria sair logo da sala. lan, por sua vez, indagava à mãe se, depois de se casar com Sophie, Rocky poderia desposá-la também. — Crianças são criaturas lindas, não? — Geórgia comentou, sorrindo entre as lágrimas. Tessa não esperava gostar dela, mas gostara. Os pais de Eric pareciam-lhe velhos e agradáveis hippies. Alegres, despreocupados, um comportamento completamente oposto do filho. Pensar em Eric deixava-a ainda mais triste. Ele fora pegá-la e se comportara como um estranho bem-educado. Mal notara seu vestido... E não tocara no nome de Sheldon, o que era mau sinal. A cerimônia terminou, houve um brinde aos noivos e Tessa ergueu seu copo, avistando Eric. Ele ficava tão bem de terno, avaliou. Ele não sorria nem falava tampouco. Sonny pegou seu violão e, acompanhado do canto melódico e afinado de Geórgia, cantou para os recém-casados. Todos aplaudiram, eles cantaram mais algumas canções, e a atmosfera da casa se suavizou ainda mais. Tessa, ouvindo as canções, todas de amor, lembrava-se de que estava apaixonada por um tolo que não queria ter filhos, e isso a deixava arrasada. Para todos os lados em que olhava, sentia harmonia, amor e afeto.

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Sonny e Geórgia cantavam e se olhavam, como eternos apaixonados. Fletcher estava conversando, interessadíssimo, com a juíza de paz. Bárbara Thormand. Bruno e Anna se abraçavam, Rocky e Sophie se beijavam. Eric mantinha a carranca, afastado de todos. Tessa respirou fundo, deixou o copo sobre uma mesinha e, quando voltou a olhar para Eric, ele já não estava na sala... Karen viu o irmão saindo para o jardim e o seguiu, depois de deixar os filhos comendo na cozinha. Eric estava ao lado da pequena fonte, os braços cruzados, a expressão firme. — Olá, irmãozinho, o que está fazendo aqui fora? — perguntou, abraçando-o pela cintura. — Olá, querida. Parece que engordou um pouquinho em sua temporada no México. — Oh, mas que coisa desagradável para se dizer a uma mulher! — Mas você está ótima assim! Como está se sentindo? Pensei que fosse ficar mais tempo por lá... — Eu já não agüentava de saudade dos meninos, e me sinto bem recuperada. O dinheiro que Jimmy deixou veio a calhar. Agora posso procurar um bom emprego com calma, sabendo que tudo vai ficar bem. Mas e você? Por que está aqui sozinho? — Não me sinto bem perto de Sonny e Geórgia. — Sabe, Eric, essa viagem que fiz foi maravilhosa. Aprendi muito. Aprendi, por exemplo, que não se deve ficar atado ao passado, que se deve deixar a vida seguir para que o futuro possa ser bom. E aprendi tudo isso em relação a Jimmy e em relação a nossos pais também. Eu queria coisas deles que eles não podiam me dar, como amor incondicional, atenção e aprovação. Acho que foi por isso, até, que me casei. Achava que, tendo um marido, eu estaria suprindo minha carência emocional e, quando não deu certo, eu o culpei por tudo. — Não penso assim. Jimmy foi um cretino com você, e Sonny e Geórgia escolheram seu caminho. Tudo poderia ter sido diferente, se eles quisessem. — Eu sei, mas eles não quiseram e não podemos mudar isso, Eric. Não podemos deixar que a escolha deles nos torne infelizes. E a coisa mais estranha nisso tudo é que eles são muito felizes! Eles acreditam que fizeram tudo certo conosco, só não sabiam como agir de forma diferente. Mas nós sabemos. — Como assim? O que quer dizer? — Com nossos filhos! Nós sabemos como criá-los! Quantas pessoas sabem tanto sobre como educar crianças como nós? Porque sabemos o que "não" devemos fazer! — Está falando como Anna. Deve ser algum tipo de vírus ou coisa parecida... Ela riu e tomou-o pela mão. — Venha, vamos entrar e dançar. Afinal, é o casamento de nossa irmã, e ela está muito feliz. Ele aceitou e, assim que entrou, aproximou-se de Tessa e tirou-a para dançar. A princípio, ela pareceu resistir, mas, aos poucos, seu corpo foi se moldando ao dele. Fazia parte dele, afinal, de sua vida. — Tessa — Eric murmurou-lhe ao ouvido — não consigo mais viver sem você. Pode ficar com meu carro se quiser, se casar comigo e ter meus filhos.

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Ela quase pisou nos pés dele ao errar o passo da dança. Olhou, encantada, para Eric, e ia dizer-lhe que sim, que se casaria com ele quando quisesse, mas naquele momento Simon veio correndo, agarrou a ponta do paletó de Eric e anunciou que seu irmão tinha acabado de cair na fonte. A fonte era funda, e todos correram para fora, Eric e Sonny à frente. Eric tirou o menino da água, desesperado, vendo-o já inerte, e Sonny colocou-o no chão, fazendo respiração boca-a-boca. lan, com ar de riso, abriu os olhos e disse: — Enganamos você, vovô! Eu caí, mas tia Sophie tinha nos ensinado a boiar e nadar! Todos estavam ali, ao redor da fonte, com expressões que iam do desespero à irritação, lan levantou-se, saiu correndo em direção ao irmão, e os dois passaram a rolar pelo gramado, rindo sem parar. Sonny deixou-se cair sentado sobre a grama, olhando-os, sem palavras. Eric estava tremendo e, sentindo as pernas fraquejarem, sentou-se também. E como seu coração parecesse querer sair pela boca, olhou para o pai e perguntou, imaginando que ele devesse estar no mesmo estado: — Você está bem? Sonny olhou-o e apenas assentiu. Eric já não se lembrava de quando havia, pela última vez, olhado assim diretamente nos olhos de seu pai. Notou que eles eram da mesma cor dos seus. Sonny lhe sorriu e estendeu-lhe a mão: — Vamos lá, meu garoto, ajude-me a me levantar. Eric assim o fez, sorrindo também. Tessa estava a seu lado e passou o braço pelos ombros dela, olhando para os sobrinhos travessos e perguntando: — Quanto aos filhos que disse querer ter... Quantos mesmo seriam? — Acho bom começarmos com um só — disse ela feliz, beijando-o com paixão.

FIM

Bobby Hutchinson sempre gostou de escrever. Quando começa a criar, esquece de tudo! Ela entra no seu escritório, fecha as portas, pede para não ser incomodada e deixa a imaginação fluir!

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Bob Hutchinson - Procura-se um solteiro (Mirella 01)

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