[CAROLYN DAVIDSON] UMA OPORTUNIDADE PARA AMAR

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Uma Oportunidade para Amar Carolyn Davidson

Clássicos Históricos – Especial nº. 151

CHLOE BIDDLETON ESTAVA EM UM GRANDE DILEMA!

Chloe não teve alternativa a não ser aceitar o pedido de casamento de JT Flannery. Afinal, o que podia fazer se o ingênuo do seu irmão perdera metade da fazenda para ele em um jogo de cartas? Por mais que tivesse de conviver com os erros do irmão e com o atraente caubói JT, a teimosa Chloe tinha certeza de que um marido a agradava muito menos do que um sócio. E ela fora obrigada a aceitar os dois! Mas conforme se acirrava o duelo de egos entre eles, mais aumentava a força da paixão que sentiam um pelo outro.

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Copyright © 2002 by Carolyn Davidson Originalmente publicado em 2002 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Título original: A Marriage by Chance Tradução: Sulamita Pen Editora e Publisher: Janice Florido Editora: Fernanda Cardoso Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mônica Maldonado Paginação: Dany Editora Ltda. EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 — IO2 andar CEP 05424-010 — São Paulo — Brasil. Copyright para a língua portuguesa: 2002 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Impressão e Acabamento R.RDonnelley América Latina

PROJETO REVISORAS

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida. Cultura: um bem universal.

Disponibilização: Cida Rosa Digitalização: Palas Atenéia Revisão: Nina Dina

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Prólogo

Silver City, Nevada Março, 1894. Peter Biddleton fitou as cartas que havia acabado de receber. Três damas e um par de dois. Passou a língua nos lábios e seus olhos cintilaram ante o monte de dinheiro no centro da mesa. Seguro e fácil. Primeiro apostara nas três damas, sem se incomodar com as outras duas cartas que deslizavam na sua direção. Sentiu o coração disparado ao ver a dupla que se aninhava ao lado do trio altivo de sangue azul. — Acho que vou apostar — ele falou arrastado e empurrou sua última moeda de ouro, que se juntou às outras no amontoado que lhe despertava o desejo. O homem moreno no lado oposto espiava silencioso e com olhar semicerrado, e tornava a analisar as cartas que segurava. Depois escondeu as figuras sobre a mesa e empurrou três moedas de ouro em direção à pilha. — Tem aí alguma coisa de valor que possa apostar filho? — ele perguntou, com indiferença. — Entrar na rodada pode custar-lhe caro. Peter fitou com desprezo o homem que falava. Era alto e vestia um traje usado de vaqueiro! Há duas horas chegara com ar arrogante no Molly's Saloon. Depois de observar tudo com atenção, entrara no jogo já em andamento. Naquela altura, avaliava o oponente solitário com os olhos escuros. Os outros homens que rodeavam a mesa julgavam, sem comentários, a batalha que se travava entre aqueles dois. — Não tenho mais dinheiro — Peter confessou relutante, e abaixou os olhos para o full hand, certo de que seria o vencedor. 3

As cartas queimavam em suas mãos. As damas retribuíam o olhar, triunfantes, ladeadas pelo par. — Então está fora? — o estranho perguntou sem se mover, ergueu as pálpebras e fixou-se no rosto de Peter. — Tenho metade de uma fazenda em Wyoming — Peter falou sem ao menos refletir e apontou para o bolo no centro da mesa. — Vale mais do que esta pilha toda. — Paga para ver ou passa? — o desconhecido desdenhou. O desafio não podia ser ignorado. — Aposto a fazenda — Peter afirmou, antes que a imagem de Chloe o forçasse a afastar-se da mesa e sair do bar enfumaçado. — Deixe-me ver sua escritura. — Eu não tenho — Peter admitiu. — Mas assinarei um compromisso de propriedade. — Existe algum advogado aqui em Silver City? — O homem moreno perscrutou as pessoas reunidas. — Sou advogado. — Um homem de meia-idade, enérgico e bem vestido adiantou-se por entre a aglomeração e dirigiu-se a Peter. — Tem certeza de que deseja fazer isso, filho? Peter anuiu, determinado, apesar das mãos suadas. — Onde é a fazenda? — o causídico perguntou e tirou do bolso um bloco de anotações. Registrou tudo no papel, enquanto Peter descrevia a localização e o tamanho da Fazenda B&B, herdada do pai. Depois deixou a agenda sobre a mesa. — Assine aqui — o advogado ordenou, notando os dedos trêmulos de Peter ao pegar o lápis. O homem que defendia a lei arrancou a folha do bloco. Balançou a página avulsa no ar e depositou-a em cima da pilha de moedas. O homem do outro lado da mesa passou o dedo na aba 4

do chapéu preto, inclinou-se para frente e abriu uma quadra de valetes. — Deixe-me ver o que você tem aí, rapaz.

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Capítulo I

Ripsaw Creek, Wyoming Abril, 1894. Por que meu irmão tinha de encabeçar a lista dos mais idiotas e estúpidos do mundo? — Chloe Biddleton apertou uma folha de papel nas mãos. As palavras rabiscadas refletiam uma ameaça real a tudo o que ela mais amava. — Mas que droga, Peter! Ela fez o desabafo fitando o céu brilhante, como se o irmão pudesse ser visível entre as nuvens. Depois repetiu as palavras em um murmúrio, com os olhos marejados de lágrimas. — Deixe-me ver isso. — Hogan estendeu a mão, calmo e paciente. — Deixe-me ver a carta, Chloe. O capataz da fazenda segurava as rédeas diante de Chloe. Ela lhe entregou a mensagem que tomara a forma de uma bola amassada. Hogan abriu o papel com cuidado, leu devagar as palavras borradas, com expressão sombria. — Vendeu-a também, não foi? — Hogan tornou a ler as frases, falando mais para si mesmo. — Uma droga de jogo de pôquer. O garoto nunca pôde segurar cinco cartas na mão, sem perder a camisa. Hum… Jasper Thomas Flannery. Parece mais nome de vigarista urbano. E ele reclama seus direitos. — Se Peter aparecer aqui novamente, eu juro que o mato. — O ódio de Chloe observou a casa, os celeiros e os estábulos, com ódio sem limites. — Ele perdeu metade da minha fazenda para um almofadinha, limpou nossa conta bancária e eu tenho de “entender”! Chloe abaixou os ombros, quando Hogan lhe segurou o 6

braço com a mão calejada. — Ele nunca amou essas terras como a senhora, patroa. Ela levantou a cabeça e seus olhos brilharam. — E isso explica tudo? Ele adora gastar o dinheiro que papai deixou. Deve estar se divertindo ao torrar cada centavo de nossa herança. — Isso não me surpreenderia — Hogan concordou. — Mas não se inquiete demais, patroa. Talvez esse sujeito só venha dar uma espiada e resolva ser um parceiro apático. Pode ser que nem se interesse em administrar uma fazenda. — Mas, para minha sorte, pode ser que pretenda fazer exatamente isso. Ela deveria ter imaginado que o dia seria fadado ao desastre. Logo pela manhã, um potro premiado morrera de cólica e a dor no coração fora maior do que o prejuízo financeiro. Enquanto fazia um curativo no braço de um vaqueiro que se cortara no arame farpado, esquecera no forno seis pães que se queimaram em toda superfície. Fora uma coisa atrás da outra… Ah, como gostaria de ter a seu lado a presença reconfortante de tia Lilly naquelas horas difíceis! Dar pontos em peles estraçalhadas era uma tarefa desagradável, mas não era a primeira vez que a enfrentava. Mas quando se tratava de lidar com os assados, a presença da tia era uma necessidade. E ainda faltavam algumas semanas para a volta de tia Lilly ao rancho. Hogan estava em frente à Chloe, cansado do longo trajeto à cidade, onde fora apanhar a correspondência e fazer serviços de banco para a fazenda. Felizmente, ela guardava dinheiro extra debaixo do colchão em seu quarto para as emergências e para pagamento da hipoteca. Peter não tinha conhecimento dessa reserva. A fazenda estaria 7

segura pelos próximos seis meses. Hogan pigarreou e Chloe encarou-o. Não adiantará matar o mensageiro. O antigo provérbio adquiria significado novo, enquanto ela repreendia em silêncio o homem que trouxera a carta fatídica. — Não fique com raiva de mim, Chloe — ele pediu, sabendo exatamente a intensidade do ódio que ela sentia. Ela arrefeceu os sentimentos, pegou a carta amassada da mão dele, dobrou-a com cuidado, sentindo necessidade de preservar a última ameaça a seu bem-estar. — Não é nada pessoal, Hogan. De verdade. Estou apenas cansada. Sempre soube que não poderia contar com Peter para nada. Mas nunca pensei que ele chegaria a esse ponto. Chloe deu um sorriso pesaroso para o homem que trabalhava tanto por uma recompensa tão pequena. — As coisas vão melhorar — Hogan afirmou, com segurança. — O rebanho está com boa aparência nesta primavera e quase duas dúzias de éguas já pariram suas crias. Nem posso contar os bezerros que nasceram… — E não temos feno suficiente para o primeiro corte — ela o lembrou, taciturna. — Precisamos de uma boa chuva para deixar os pastos verdejantes. Ainda bem que o rio não está seco e não teremos de carregar água. — Consegui um carregamento de feno com Hale Winters na minha ida à cidade — Hogan comentou. — Ele vai entregar amanhã. Chloe suspirou, afastou-se e subiu os degraus da varanda. — Talvez Jasper Thomas Flannery seja um velho gordo e não viva por muito tempo. Acha que ele poderia espantarse ao ver uma carga de feno vinda de fora? — A risada de Chloe foi áspera, bem diferente de seu costumeiro bom 8

humor. — Quando descobrir que não ganhou uma mina de ouro, talvez não tenha de agüentá-lo por muito tempo. — E… E quem sabe se os porcos na pocilga não o farão sair correndo. — Hogan fitou uma nuvem de poeira à distância. — Ou vamos ter companhia ou é um redemoinho de pó no meio da estrada. Chloe virou-se e olhou na direção que Hogan apontava. — Jasper Thomas em pessoa. Quanto quer apostar?

O cavalo estava exausto da jornada, os alforjes quase vazios e o estômago precisava de uma refeição quente e feita em casa. O banco de Ripsaw Creek estava mais rico por causa do depósito que fizera e, a menos que estivesse enganado, a mulher parada diante da casa branca da fazenda a uns cem metros dali era a sua nova sócia. Sempre acreditara no destino e sentara-se na mesa de pôquer por um pressentimento. Cansado de perambular, procurava um lugar que pudesse chamar de seu. Aos trinta e dois anos, decidira aplicar seus fundos em uma propriedade rural com terreno, casa e anexos, estabelecerse e fazer planos para o futuro. O que não incluía um jogo de cartas. A Califórnia o atraía com um sonho nebuloso de lar e, por que não, de uma família. Quatro valetes. Quatro pedaços de papel grosso haviam posto a Fazenda B&B em seu bolso. Metade dela, na verdade. E com uma mulher como sócia, ele ainda pensara em ficar no comando. Porém, bastou mais um olhar para a mulher que o observava para fazer sua presunção diminuir de intensidade. JT Flannery tocou na aba do chapéu, abaixou-o um pouco para fazer mais sombra nos olhos e endireitou as costas. Sabia que enfrentaria problemas. Sentia o cheiro de longe. O garoto fora um adversário simples, um fraco de 9

primeira linha, um traidor que perdera a herança da família. A irmã, contudo, era uma outra história. Esbelta, mas com aspecto vigoroso, usava calça comprida e camisa preta, e parecia prestes a explodir em ondas de mau humor. Não poderia culpá-la. Ele previra que o aguardaria, pois o homem que se dizia capataz da dona da fazenda já pegara a correspondência na cidade, e JT tinha certeza de que a carta de Peter viera no pacote. O dono do botequim geralmente sabia de todas as ocorrências e o modo como respondera às perguntas de JT fora pródigo em novidades. Vira o vaqueiro magro que fora do banco ao armazém de secos e molhados. De seu posto, a um canto do correio, vira o cenho franzido do homem ao examinar o lado externo do envelope que se encontrava entre os diversos catálogos e periódicos que tinha nas mãos. Uma hora lhe parecera um prazo suficiente para divagar pelo caminho. Daria tempo para a carta ser lida e do capacho de boas vindas ser retirado da entrada. Aquele pensamento o deixara mais tranqüilo. JT endireitara sua altura considerável na sela e partira para a fazenda. — O que deseja, estranho? — a jovem fez a pergunta, quando JT se aproximou. O grande garanhão resfolegou e espichou o pescoço para farejar a fazendeira, mas JT não se afastou, talvez para testar-lhe a valentia. — JT Flannery, senhora. Vim tomar posse de meus direitos. Pelo olhar da jovem, deduziu que não haveria a mais remota possibilidade de ser bem recebido. Na verdade, ela parecia mais disposta a acertar-lhe um tiro. JT tentou, em vão, disfarçar o sorriso de satisfação. — Acredito que a senhora não deve estar contente em me ver. — A seguir, ele mesmo anuiu em resposta. — E 10

nem poderia estar. Ao observá-la, JT repreendeu-se pela falta de atenção. Ela não estava armada, mas o homem a seu lado ostentava um revólver. E por seu aspecto, ela parecia bem capaz de tirar a arma do outro do coldre e atirar. — O senhor está certo. — A voz da jovem, apesar da calma aparente, não deixava de ser ameaçadora. JT conhecera muitas mulheres, mas aquela era especial. A irmã de Peter Biddleton não usava cabelos cacheados, pintura e nem pó-de-arroz para cobrir as sardas que lhe enfeitavam o nariz e espalhavam-se pelas faces. Era uma mulher muito feminina, mas não demonstrava preocupação com o aspecto externo. Os cabelos longos e negros estavam presos em uma trança grossa que contornava a cabeça e os olhos azuis tinham a cor do céu de inverno. Ela enfiou as mãos nos bolsos de trás da calça e JT quase sorriu à imagem que se apresentava à sua frente. Se a irmã de Peter soubesse que sua postura enfatizava a sensualidade do busto e a pequena silhueta bem feita, certamente lhe acertaria um tiro nos olhos pelas liberdades que ele tomava em pensar daquela maneira. — Então é o senhor o bastardo sem escrúpulos que trapaceou meu irmão e roubou-lhe a herança — ela deduziu, estreitando os olhos. — E acha que eu deveria dar-lhe as boas vindas e levá-lo para conhecer os arredores? JT mexeu-se na sela, apeou do cavalo com um movimento rápido e encarou-a. Determinado, levou as mãos aos quadris para melhor controlar a raiva súbita que ela desencadeara. — Em primeiro lugar, senhora… — Ele hesitou um instante. — Quando eu nasci, meu pai e minha mãe eram legalmente casados. Acredito que chamar-me de ilegítimo é 11

um insulto à dama que trocou minhas fraldas. JT notou um leve remorso no olhar da irmã de Peter que se desvaneceu rapidamente e ele assumiu uma postura menos agressiva. — Quanto à sua pergunta, “não”. Eu não esperava ser bem recebido. Mas… — ele fitou o homem ao lado da irmã de Peter —… espero ter livre acesso a todos os cantos da propriedade da qual me tornei sócio-proprietário. O que inclui a casa, os anexos e cada ser vivente dentro dos estábulos e fora deles. Chloe inspirou fundo e empalideceu. — Irei procurar um advogado na cidade para as devidas providências, Sr. Flannery. Se a sua reivindicação for válida… — E é, senhora. Eu lhe asseguro que a transferência da herança foi acompanhada por um advogado de renome de Silver City, Nevada. — Foi lá que o senhor conheceu meu irmão? — ela perguntou, seca. — Foi sim. Ele jogava pôquer no Molly's Saloon e eu me sentei à mesa para participar. Naquela altura, ele já perdera todo o dinheiro. A minha entrada não alterou a situação dele. — Eu lhe disse que o garoto não podia ver uma carta sem se encrencar — o vaqueiro alto comentou, asperamente. — O senhor é o chefe aqui? — JT indagou. — “Eu” sou a chefe — Chloe retrucou, com raiva. — Hogan é meu capataz. JT estendeu o braço na direção do homem de voz rouca. Hogan hesitou por um momento, antes de apertar a mão do recém-chegado em uma demonstração de força. — O senhor é bom no trabalho? — JT indagou, analisando o outro. 12

Hogan era bem apessoado, alto e empertigado e usava as roupas de trabalho como uma segunda pele. Seu olhar era cauteloso, o que fazia pressupor o apoio à mulher. — Eu me esforço para isso. — Ele é o melhor — a sua empregadora afirmou convicta. — Sou Chloe Biddleton. — A apresentação foi feita com má vontade. Ela tirou a carta do bolso da frente da calça. — De acordo com isso, seu nome é Jasper Thomas… — JT — ele anunciou o apelido, com voz firme e rude. — JT — ela repetiu, de queixo erguido. — O senhor deseja dar uma espiada na estrebaria e nos arredores? — Hogan perguntou. JT teve a impressão de que o homem procurava aliviar a tensão de Chloe, que parecia assolada por um vendaval, depois de ter a fé no irmão abalada e de ser obrigada, inesperadamente, a aceitar um novo sócio. — Será ótimo — JT respondeu. — Meu cavalo irá adorar uma boa massagem de escova e uma porção generosa de comida. JT olhou para Chloe, sentindo uma ponta de remorso. Cabeça erguida e lábios contraídos parecia pronta a debulhar-se em lágrimas perante um juiz. E ele não gostaria de estar no local, quando isso acontecesse. Uma mulher em prantos era uma das coisas que menos lhe agradava. As outras eram uma cascavel de tocaia e um bêbado de arma na mão. Os dois homens conduziram seus cavalos até a estrebaria enorme, onde um caubói solitário estava parado junto à entrada. Chloe observou-os dirigirem-se a furtapasso pelo pátio. Pararam ao lado da gamela e o grande garanhão enfiou o focinho na água. JT Flannery olhou Chloe de relance, com os olhos estreitados e ela enrubesceu. 13

O homem era mesmo arrogante. E se fosse apenas isso… Era alto, musculoso, mas esbelto. Não se podia negar a inteligência que brilhava nos olhos negros, quando ele a avaliara tão detalhadamente que a deixou consciente das próprias imperfeições. Chloe conhecia suas limitações como mulher. Tinha espelhos na sua casa e reconhecia sua falta de beleza. A pele clara era um convite às sardas. Chloe achava que os cabelos, de fios grossos e longos, lhe davam muito aborrecimento em troca de pouca valia. Tinha estatura abaixo da mediana e curvas um tanto exageradas, o que, na sua opinião, não lhe permitia ser considerada elegante. Por esse motivo, achara conveniente ter um homem em que pudesse confiar, para ajudá-la na administração da fazenda. E Hogan era uma pessoa que correspondia plenamente à confiança que nele depositava. Depois que o pai morrera, há dois anos, ela assumira o comando da fazenda. No ano anterior, mantivera a propriedade auto-suficiente. Até descobrir, há seis meses, que a conta bancária estava a zero e que Peter sumira da cidade com todo o dinheiro. Sem lhe deixar nem os recursos necessários para comprar provisões, fora aproveitar a vida. Ter dinheiro para o pagamento da hipoteca fora uma bênção, mas os recursos haviam terminado e Chloe teria de enfrentar a entrega do feno do dia seguinte, além da tarefa humilhante de pedir crédito ao vizinho. Felizmente, o armazém de secos e molhados concordara em vender a prazo, até ela poder reunir alguns bezerros de um ano e vendê-los. Mas naquela primavera, o peso ainda não estava no padrão que lhe permitisse obter um valor real pelos animais. Chloe suspirou, subiu os degraus da varanda e estremeceu com o vento que a alcançou no abrigo da porta 14

traseira. A tristeza que a envolvia não tinha consolo. Peter havia roubado mais do que o dinheiro que o pai lhes deixara. Ele levara nos bolsos todo o otimismo de sua mocidade. Naquela altura dos acontecimentos, teria de encarar uma luta pela sobrevivência. Uma risada irônica acompanhou as primeiras lágrimas quentes que lhe escorreram pelas faces. Pelo menos, teria um sócio para dividir o problema. JT achou que seria difícil escolher entre dormir debaixo de uma árvore ou no alojamento com seis homens que não tinham motivos para gostar de sua presença. Ele haveria de alegrar-se com a alternativa de dormir dentro da casa. Mas não esperava que Chloe lhe oferecesse um quarto assim de repente. Ela decidira esperar até a manhã seguinte para ir até Ripsaw Creek, depois escutar o aviso murmurado de Hogan. — A estrebaria ou o alojamento, senhor — ela ordenara em tom de desafio. — Ou, se preferir, debaixo de uma árvore no pomar. JT permitiu que a srta. Chloe ficasse com o que lhe restara de orgulho. Anuiu e, com o colchonete debaixo do braço, caminhou em direção ao pomar. A cavalariça era muito fechada e um estranho entre os trabalhadores não seria bem vindo. Melhor seria ficar ao ar livre, com uma vista para a casa e o alojamento. Já dormira em situações piores e o colchonete era grosso. A viagem lhe deixara somente com uma camisa limpa e, a menos que fosse até a cidade, teria de implorar à sua sócia permissão para usar uma tábua de lavar. A lua nova era uma fatia fina no céu sem nuvens. As estrelas formavam um baldaquino de lantejoulas prateadas visível por entre os ramos das árvores ainda não muito frondosas. Pelo menos não choveria. 15

JT escolheu um tronco e nele se encostou, embrulhado em uma manta, com a arma na mão. A casa estava às escuras, exceto por uma pequena janela no segundo andar, onde cortinas brancas flutuavam pela vidraça aberta. Imaginou se a mulher que dormia lá dentro fosse sua companhia. Chloe não deveria ter mais de vinte ou vinte e um anos. Muito jovem para estar incumbida da difícil tarefa de administrar uma fazenda, ainda mais sem dinheiro. Isso, se fosse verdade o que escutara no banco. Um funcionário se encarregara de dizer-lhe segredinhos ao ouvido. Relatara sobre a perfídia de Peter Biddleton contra a irmã, balançando a cabeça o tempo inteiro. O patife fugira com o dinheiro da conta conjunta e deixara Chloe de mãos vazias, com necessidade premente de fundos. O rapaz levara até o último centavo. JT observou uma silhueta vestida de branco, provavelmente com uma camisola, passar em frente à janela. A jovem mulher debruçou-se no parapeito, mirou o pátio e a estrebaria. Mesmo vestida decentemente, ela era uma tentação, JT concluiu, ensimesmado. Os homens que dormiam no alojamento poderiam fitá-la com olhares cobiçosos. Se Chloe Biddleton fosse sua mulher, ele… Mas não era, e nem haveria a menor possibilidade de vir a ser. Entretanto, era sua sócia, quer ela quisesse ou não. E ele lhe devia proteção. Sua mãe ensinara-lhe algumas coisas, antes do incêndio que causara a morte de seus pais. Uma delas era o dever de preservar a integridade do sexo feminino. Pelo jeito, sua tarefa consistiria em zelar pela segurança de Chloe Biddleton, além da responsabilidade de afastar as dívidas da fazenda. Em geral, o desjejum era simples. Chá com torradas na maioria das vezes. Naquele dia, o destino se encarregaria 16

de fazê-lo diferente. Chloe observou seu novo sócio aproximar-se da varanda, com o colchonete novamente enrolado debaixo do braço e o chapéu abaixado, o que escondia a sua expressão. — Pelos aromas, acho que a senhora não fez café — ele falou com a voz ainda rouca de dormir, do outro lado da porta de tela. Chloe arrependeu-se, por um momento, de tê-lo mandado dormir no pomar. Não haveria inconveniente nenhum esticar alguns lençóis na cama de Peter ou oferecer-lhe o sofá da sala para dormir. — Eu fiz chá. — Ela usou um tom de voz mais ameno e indicou a mesa da cozinha. — O senhor gosta? JT torceu o nariz. — Não tolero muito essa bebida. O café é bem melhor. — Ele fitou o fogão. — Sei como fazer, se tiver os apetrechos. — Na despensa — ela respondeu e a educação recebida fez com que se levantasse. — Eu mesma pego. Sente-se. Em segundos, ela lavou o bule, encheu-o de água até a metade e acrescentou café. O fogão já estava aceso e Chloe deixou a vasilha pintada de azul na área mais quente. — Isso não vai demorar muito. Quer pão? Eu os esqueci no forno ontem, quando fui atender a uma emergência. Ele fitou os pães escurecidos que ela salvara antes que se transformassem em carvão. — Eu cortarei a parte mais queimada, se me disser onde estão as facas. Chloe apontou o indicador para uma prateleira situada em cima do fogão. JT apanhou o utensílio mais longo e ocupou-se em cortar as partes mais enegrecidas do pão que ela já cortara. 17

— Hogan contou-me que a senhora costurou o braço de um homem. Foi essa a emergência a que se referiu?— ele perguntou, enquanto abria a porta do forno e deixava duas fatias grossas sobre a grade. — Foi. Não ficou muito bonito, mas consegui terminar a contento. Oito pontos. — A senhora tem um estômago forte — JT afirmou e virou-se para contemplar-lhe as mãos, enquanto ela partia uma torrada em pedaços pequenos. — Isso faz parte do trabalho — Chloe retrucou. Chloe perdera o pouco do apetite com que se sentara à mesa. A ida à cidade era uma necessidade, embora inútil. Conhecia muito bem a assinatura de Peter no documento que vira na véspera. Não havia como duvidar. Ainda assim, se houvesse uma chance, por menor que fosse, de ter uma esperança, iria persegui-la até o fim. — Daqui a meia hora, irei para a cidade — Chloe avisou-o, observando-o abrir o forno para inspecionar o pão. JT espetou uma fatia com a ponta da faca e levou-a a altura dos olhos. Chloe mostrou uma pilha de pratos sobre o bufê e o sócio seguiu a instrução silenciosa. Com o prato na mão, sentou-se em frente à Chloe, que puxou o pires com a manteiga mais para perto e ofereceu a espátula já em uso. — Obrigado — ele agradeceu e passou uma camada grossa de manteiga na superfície torrada. — Eu não jantei ontem à noite. Isto cheira bem. — Por que o senhor não foi até o alojamento? Eles tinham uma panela de carne com chilli. JT encolheu os ombros e Chloe sentiu-se culpada. A cortesia mandava que se oferecesse uma refeição a qualquer estranho recém-chegado. E ela comera a sopa, enquanto JT passara fome. 18

— Para dizer a verdade, não tinha muita certeza de como seria recebido… Achei melhor esperar até hoje, até a senhora ter certeza da legitimidade das minhas reivindicações, antes de eu me engalfinhar com os seus vaqueiros. — Como é? — Chloe segurou a xícara de café no ar. — Eles terão de decidir se querem seguir as minhas ordens, antes de eu resolver se os mantenho no emprego. — Antes de o senhor “resolver”… — Chloe quase engasgou com o pedaço de pão que começara a mastigar. — Eu contratei a maioria deles e se eles causarem algum problema, eu os dispensarei. Deixe isso por minha conta. — Talvez seja uma questão de ponto de vista. Eles terão de aceitar meu comando, senhora, ou eu os despedirei. Lembre-se de que também sou proprietário. E pretendo assumir meu posto. E ela se sentira culpada por deixá-lo no pomar durante a noite e por não ter-lhe oferecido a sopa! O chá ficou amargo e o pão tornara-se uma pasta informe dentro da boca. — Isso é o que veremos, Sr. Flannery — Chloe murmurou, já em pé. Queria cuspir a massa de glúten que lhe camuflava as palavras. Sentiu o cheiro de café fervido, pegou no bule com um pano de prato dobrado e despejou-o na pia. O líquido molhou-lhe a calça e espalhou-se na frente da camisa. A borra do café esparramou-se no chão a seus pés. — A senhora se queimou? — JT não conseguiu disfarçar uma ponta de preocupação. Chloe negou com um gesto de cabeça. Jamais admitiria o ardor que sentia na pele um pouco acima da cintura. Com um olhar feroz que ele fingiu ignorar, ela saiu da cozinha, entrou em seu quarto e fechou a porta com estrondo. Jogou a blusa no chão e mirou-se no espelho. Passou um dedo sobre a pele vermelha onde o tecido umedecido 19

deixara sua marca. Molhou a toalha pequena na água fria do jarro e segurou-a sobre a queimadura com a mão trêmula. Não por causa da dor, mas pela vergonha de parecer ridícula diante do homem que estava em sua cozinha. Desapertou o cinto e deixou a calça escorregar até o solo. Tirou os sapatos baixos, saiu de dentro da calça e, de meias, foi até a cômoda. Abriu uma gaveta, remexeu até encontrar uma outra roupa de seu agrado. Não havia muita escolha. Seus trajes de uso diário consistiam em camisas e calças todas do mesmo feitio. Voltou para frente do espelho, tirou a toalha e examinou a pele queimada. Não se formariam bolhas. Apenas ficaria sensível por um dia ou dois. Nada que não pudesse suportar. Muito mais fácil de que tolerar o caubói arrogante que viera apossar-se de sua fazenda. Ele ainda estava lá, quando Chloe entrou na cozinha, alguns minutos depois. — Tudo bem? — JT perguntou, com uma xícara nas mãos. — O senhor está bebendo meu chá? — Chloe respondeu furiosa. — O seu, não, madame. Apenas enchi minha chávena com a bebida do bule. Achei que gostaria de tomar um chá mais quente, por isso despejei o seu. Chloe notou que ele limpara o chão, torcera o pano e o deixara no canto da pia. De algum modo, o ato esfriara a raiva da fazendeira, que se limitou a encher novamente a xícara. Tomou o chá, encostada no balcão. — Irei com a senhora, se não se importa — ele avisou. — Não preciso de companhia. Dê-me o papel assinado por Peter e eu o levarei até a cidade, para mostrar ao advogado. — Minha companhia pode não a agradar, mas o 20

documento prova meus direitos. Ele não sairá de meu bolso até que escute o veredicto por si mesma. Então eu o depositarei, sob custódia, no cofre do banco. Já conversei com o presidente do banco a respeito. Chloe enrubesceu. — O senhor discutiu isso com o Sr. Webster? Disse-lhe que meu irmão jogou fora metade de minha fazenda? — Chloe perguntou, irada. — Sim, e também lhe disse para não passar a informação adiante. Para o conhecimento geral, eu comprei a parte de seu irmão. Eu também disse a Hogan que os vaqueiros se veriam em apuros, caso fizessem comentários do gênero. — Vou selar um cavalo — ela afirmou, depois de deixar a xícara em cima do aparador. — Estarei pronta em cinco minutos. Chloe enfiou as botas que estavam na porta dos fundos, tirou uma jaqueta do gancho e vestiu-a. — Sugiro que o senhor faça o mesmo. E não se esqueça de trazer aquela droga de papel. Capítulo II

— Para mim, não parece haver irregularidades, Chloe. Reconhece a assinatura de Peter? — Paul Taylor devolveulhe a carta e apanhou o documento que JT oferecera como prova de seus direitos. Chloe olhou mais uma vez o papel amassado, com o coração aos pedaços, e afirmou: — Reconheço. Peter tem uma escrita característica e muito pessoal. O que posso fazer a respeito? — Hum… Acho que nada — Paul afirmou, depois de ler as anotações do advogado de Silver City. — Tudo em 21

ordem, eu diria. Está claro que Peter abdicou dos próprios interesses na fazenda. — Virou-se para JT com olhar gélido. — O senhor não tirou vantagem do rapaz, tirou? Chloe mexeu-se a seu lado e JT resolveu engolir as palavras ásperas. — Na verdade, não — JT murmurou. — Parece-me que o garoto estava empenhado em jogar fora tudo o que tinha. Então achei que valeria a pena gastar algumas horas para ajudá-lo. Eu lhe dei um suporte financeiro quando o jogo terminou e avisei-o de que deveria ir para casa. Pelo jeito, ele não aceitou o conselho e escreveu esta carta para a irmã. Paul refletiu por alguns instantes, estendeu o documento para JT e confirmou: — Está tudo muito claro, senhor. Faça bom proveito de seus ganhos. — O advogado virou-se para Chloe, interessado. — Posso ajudar em mais alguma coisa? — Não — ela respondeu com secura. — Considero-me esclarecida sobre os pontos que me pareciam obscuros. Mais de uma vez, Paul Taylor demonstrara pretensão de fazer-lhe a corte. Embora se tratasse de um homem agradável e educado, Chloe não o encorajava. Virou-se e saiu do escritório de Paul. JT despediu-se, foi atrás dela e alcançou-a já perto do cavalo. — Calma, minha senhora. Deixe-me levar isto ao banco e voltaremos juntos. — Não quero a sua companhia e nem pretendo perambular pela cidade com o senhor. — Chloe levou a montaria até a beira do passeio de madeira, pisou no estribo e montou. JT deu uma risada que a deixou furiosa. — Acho que deveria carregar consigo um suporte para montar. Ou então, usar um cavalo mais baixo. 22

Chloe virou a égua negra, encarou-o e disparou: — Tenho vários cavalos menores, mas prefiro este. Guarde seus conselhos para si mesmo, Sr. Flannery. Tenho certeza de que fará bom uso deles, quando começar a trabalhar na fazenda… Chloe detestou a insolência no sorriso de JT. — Eu nunca afirmei ter experiência em administrar uma fazenda. Mas estou muito desejoso de aprender os mínimos detalhes com a senhora. — Pensei que o senhor quisesse mudar a minha maneira de agir — ela escarneceu e puxou as rédeas com firmeza. A égua curveteou de lado, lutando com o bocado do freio. JT segurou as rédeas debaixo do maxilar da égua. — Neste assunto, estou qualificado para dar-lhe um pequeno conselho, senhora. A primeira coisa a fazer é afrouxar a brida. Não jogue sua raiva em cima do animal que pretende cavalgar. A égua estará espumando, antes mesmo de sair da cidade. O animal sacudiu a cabeça e JT levantou a aba do chapéu, para observar Chloe dar meia-volta e afastar-se, soltando as rédeas. Ele se admirou com a perícia de Chloe sentada na sela. Era como se houvesse nascido ali. De cabeça erguida, ela acenou para vários transeuntes e chegou rapidamente à saída da cidade. JT foi ao banco, fechou o título de propriedade em um envelope e esperou o Sr. Webster depositá-lo no cofre forte. Depois dirigiu-se à loja central, onde escolheu calças, camisas, ceroulas e meias. — Quanto é? — ele perguntou à mulher que o atendia. — Deixe-me ver — ela fez as contas de cabeça. — Quatro dólares. — Ela pegou o dinheiro e hesitou. — O senhor está hospedado na Fazenda B&B? 23

— As notícias andam depressa, não é? Sim, sou o sujeito que comprou a parte de Peter Biddleton. Cheguei ontem. — O garoto é um tratante — a mulher afirmou. — Ele sempre deu muito trabalho, mesmo antes de o pai morrer. Pelo menos, ele teve uma bondade. Deixou a irmã administrar a fazenda. — A srta. Chloe parece bastante capaz de fazê-lo. — E foi bom mesmo ela ter assumido a direção. O garoto passava mais tempo jogando cartas do que trabalhando na fazenda. De acordo com o Sr. Webster, o pai estava a ponto de deserdá-lo, mas morreu de repente sem ter tempo de tomar as providências legais. Se quer saber, não foi correto o rapaz herdar metade de tudo. — Bem, não se pode prever os acontecimentos, não é mesmo? — JT apanhou o pacote. — Eu lhe asseguro que farei a minha parte com afinco na condução da fazenda. A srta. Chloe ficará em melhor situação comigo do que com o irmão. — Chloe tem sido a alma da fazenda desde os dezesseis anos, quando a mãe dela morreu. Todos aqui têm muito carinho por ela — a mulher falou, a guisa de aviso. — Tenho certeza disso — JT concordou, com simpatia. — Ela parece uma mulher admirável. JT saiu consciente dos ouvidos atentos. Fez uma careta ao pensar que na certa perderia uma discussão, assim que fechasse a porta. Dera à cidade um motivo novo em folha para os mexericos, sem ter oferecido nada como base para especulações. Dali até a fazenda, era uma viagem de cerca de duas horas. Pensou com que freqüência Chloe percorria aquele trajeto. Ela não se lembrara de fazer as compras necessárias. 24

Iria para casa de mãos vazias, tendo como companhia apenas a frustração e o ódio. Quando chegasse à fazenda, provavelmente estaria muito preocupada, preparando-se para fazer da vida dele um inferno. JT teria de agir com cautela, principalmente quando anunciasse a sua intenção de mudar-se para o interior da casa. A sua nova sócia não era alta e nem gorda, mas apostava que ela sabia usar uma arma. E a idéia de ter uma espingarda de cano grosso apontada em sua direção não o deixava muito confortável. — A senhora vai fazer o quê? — Hogan exasperou-se. Chloe deu de ombros. — Vou arrumar um lugar para o Sr. Flannery dormir dentro da casa. Digamos que o dono da metade da fazenda tem o direito de ocupar o quarto de Peter. — Quando é que decidiu ser tão complacente? Na última vez em que conversamos a senhorita estava bem decidida a fazer da vida dele um inferno. Achei que fosse mandá-lo ficar na estrebaria ou no alojamento. — Sei disso. Mas ele prestou auxílio a Peter depois do jogo de pôquer e avisou-o de que deveria voltar para casa. Pelo menos, foi o que disse a Paul Taylor. Acredito que ele não tenha nenhum motivo para mentir sobre isso. Chloe fitou a estrada que levava à cidade e por onde o grande garanhão iria aparecer, e achou que fizera bem em esquecer um pouco sua raiva. Justiça deveria ser feita. Se JT tentara agir corretamente com Peter, merecia ao menos uma consideração que ela teria com qualquer outro. Hogan ficou em silêncio por alguns instantes, enquanto digeria a generosidade de JT. — Ele me parece um bom homem — Hogan deduziu. — Acho que tudo dará certo, se ele não pensar em se intrometer onde não for chamado. — Não conte com isso — Chloe declarou lembrando-se 25

dos comentários do novo sócio. — Ele deve querer fazer uma administração à sua maneira. — Suspirou, pensando nas tarefas que a esperavam na casa. — Quando tia Lilly voltar, estarei livre para ajudá-lo na marcação do gado. — E eu ficarei mais sossegado. Não gosto da idéia de Flannery ficar dentro de casa com a senhora — Hogan resmungou. — Não quero nem imaginar os comentários que surgirão a esse respeito… Será preciso mudar a mobília ou qualquer coisa assim? Posso mandar um dos garotos ajudá-la. — Não se preocupe. Ele vai usar o quarto do jeito que está. Providenciarei lençóis limpos e é só. E quanto ao decoro, venho fazendo trabalho de homem há alguns anos, Hogan, e, por isso, sendo motivo de falatórios. Acho que muitos nem mesmo me consideram uma mulher. Sou apenas uma fazendeira. E acho ótimo que seja assim. Hogan sacudiu a cabeça, exasperado. — Talvez sim e talvez não. Poderia ser até conveniente a senhora interessar-se por assuntos femininos, em vez de executar serviços tão rudes. Outra coisa. Vai preparar a comida para Flannery ou ele fará refeições no alojamento? Chloe hesitou e lançou outro olhar para a estrada. — Vou fazer comida em casa. Se fosse Peter, eu também o faria. O homem é meu sócio, quer eu goste ou não. E quando tia Lilly chegar, ela vai cozinhar para todos como sempre. — Chloe? — JT chamou-a, em pé no degrau inferior da escada curva. Ouviu passos leves no pavimento superior. Uma porta foi aberta e fechada. Quando Chloe apareceu no alto e apoiou-se na balaustrada, ele falou: — Hogan disse que a senhora estava arrumando um quarto para mim… É verdade?! Ela desceu devagar, apoiada no corrimão, parou dois 26

degraus acima de JT, fitou os cabelos negros que tocavam o colarinho e limitou-se a dizer: — Estava começando a imaginar que seu chapéu fazia parte de sua cabeça. — Eu o tiro de vez em quando. E sempre, para comer e dormir. — Ele não lhe deu passagem, paciente, à espera de uma resposta que não veio. — O que a fez mudar de idéia? — Sobre o quarto? — Chloe levantou um ombro. — O senhor tem direito à metade da casa. O mínimo que eu poderia fazer era dar-lhe um lugar para dormir. JT recuou, deu-lhe passagem e seguiu-a pelo saguão amplo até a cozinha. Encostou o ombro no batente da porta, observou-a tirar um avental do gancho ao lado da despensa e lavar as mãos na pia. — Estou esquentando sopa de galinha de ontem à noite. Se quiser tomar um pouco... Mais tarde começarei a fazer o jantar, mas enquanto isso, poderá tapear o estômago. — Aceito, obrigado. JT percebeu que Chloe não usava mais o tom agressivo. Analisou-lhe a fisionomia, para localizar indícios do humor atual. Mulheres eram um enigma e aquela não deveria ser uma exceção. — Há algum motivo especial por ter permitido meu acesso à casa? Chloe parou à porta da despensa, com latas de conserva de frutas nas mãos. — Eu já expliquei. — Chloe colocou as coisas no balcão com força. — O senhor também é proprietário da fazenda. Ou pelo menos, da metade da parte que não está hipotecada. JT foi até a mesa redonda situada no meio do recinto. — Eu não sabia que havia uma hipoteca. Peter não me contou. 27

Ele a fitou de esguelha, enquanto puxava a cadeira meio escondida pela toalha de oleado circular. Hesitou, antes de oferecer ajuda. — Quer que eu pegue os pratos? — Tudo bem. — Chloe levantou a tampa de uma caçarola que estava em cima do fogão e inspecionou o conteúdo. — Está quase pronta. Tenho bolo e fiz biscoitos. — Tirou um abridor de latas de uma das gavetas do guarda-louça e apontou as vasilhas de pêssegos enlatados sobre o aparador. — Sabe como usar isto? — Calculo que sim. — Atirou a peça para cima e pegoua no ar. — Levo sempre um no meu alforje, desde que descobri as suas múltiplas utilidades. — Seus alforjes pareciam um tanto vazios. — Chloe ergueu uma sobrancelha. — O senhor viaja com pouca bagagem. — Descobri que não vale a pena carregar muita coisa — JT afirmou, abrindo uma das latas. — Onde quer que eu ponha? Chloe apontou uma vasilha azul em cima do balcão. — Ali. As tigelas de sopa estão na porta à esquerda e as colheres estão naquela jarra. — Ela pegou a concha, levantou novamente a tampa e esperou o vapor sair. — Quer pegar as tigelas, por favor? JT largou os pêssegos, fez o que ela pediu e depois pegou de volta um dos recipientes já com a sopa quente. Por um instante sentiu a suavidade da pele da jovem sob sua palma calosa. Apesar da pressa com que Chloe tirou a mão, ele não pôde deixar de experimentar prazer no contato cálido. Deixou a tigela na mesa com cuidado e inalou o aroma delicioso. Engraçado. Não estava em seus planos a consciência de pensar em sua sócia como mulher. Ele a avaliara na 28

véspera, esperando cair em suas graças e com esperança de levar adiante os planos, sem muitos traumas. O que se mostrou uma conjetura inútil, levando-se em conta a fúria com que Chloe o recebera. Além disso, sentir simpatia por uma mulher estava muito longe de ser uma atração. E o porquê desse fato estava além de seu entendimento. O que não o impediu de reconhecer um calor sutil que lhe acenava como uma ponta de desejo. — Vou tirar os biscoitos do forno — ela avisou, passando por trás de JT. Ele se virou e pegou a segunda tigela. Dessa vez, a jovem afastou a mão antes e evitou olhá-lo. Ela tirou as guloseimas do forno com movimentos ágeis, como alguém familiarizado com as tarefas domésticas. Para quem teria Chloe cozinhado?, JT perguntou-se. Pelo visto, Peter já saíra de casa há tempos. Chloe ficara sozinha. Com um bando de vaqueiros e uma responsabilidade enorme de tornar lucrativa uma fazenda, mesmo sem uma conta bancária estável. Droga. Peter Biddleton tinha muita culpa nisso. — Quem é tia Lilly? — JT fez a pergunta, enquanto tirava uma colher do jarro. — E a irmã de meu pai. Quem lhe falou sobre ela? — Hogan me disse que ela voltaria em breve. — Ele tez uma careta. — Isso foi para avisar que haveria uma dama de companhia para manter-me na linha. — Pois o senhor trate de comportar-se — Chloe fuzilouo com o olhar —, senão acabará no alojamento. — Pegou a colher e experimentou a sopa. — Ela veio para cá depois de que papai morreu, pôs mãos à obra e tomou conta dos afazeres domésticos. E eu tomei o lugar de meu pai. Naquele ano, no começo do inverno, ela foi de trem para a casa da filha que mora no sul. Dessa vez, fez a mesma 29

coisa, antes do Natal e da primeira nevasca. Recebi uma carta a semana passada, dizendo que voltaria assim que o tempo melhorasse, provavelmente em duas semanas. — Já pensou em oferecer-lhe um cargo permanente?— Ele resolveu fazer graça. Chloe fitou-o, enquanto passava manteiga em um biscoito. — Se o vir aqui, ela não sairá mais da fazenda. Tia Lilly é muito rigorosa, quando o assunto é respeitabilidade. Certamente não vai gostar da idéia de compartilharmos a casa. — Na verdade, eu não esperava uma decisão tão rápida de sua parte. A senhora surpreendeu-me. — Eu aprendi que, gostando ou não, temos de conviver com algumas coisas. Acho que o senhor está na minha lista, JT Flannery. Willie era um jovem arrogante, sem a menor sombra de dúvida. — Senhora? — Ele se dirigiu a Chloe de queixo erguido, quando ela entrou no celeiro. — Precisa de alguma coisa? — Não. — Chloe foi seca. — Estou procurando Hogan. — Ele está lá fora, conversando com Lowery. JT não gostou do olhar do garoto para as costas de Chloe enquanto ela saía do galpão e nem de seu sorriso malicioso. Inspirou fundo e fechou os punhos, ao sair do local onde se guardavam os arreios. Willie fitou-o e o sorriso desapareceu. — O senhor precisa de mim, JT? — o rapaz perguntou, maneiroso. — Eu ia limpar as baias. — Faça isso mesmo. — Flannery viu Willie pegar um forcado da parede e voltar para o compartimento mais próximo. — Espero que se lembre de seu lugar, meu rapaz. Faz três dias que o observo. 30

Willie olhou-o por cima do ombro. — O que quer dizer com isso? — As palavras foram ditas em tom de desafio. — A srta. Chloe é a dona desta propriedade e está fora de seu alcance. Willie sorriu, matreiro. — Não tenho culpa de saber admirar uma mulher bonita, não?! — Se der um passo na direção de minha sócia, ficará seriamente encrencado, filho. — Uma atitude um tanto espantosa, para quem acabou de chegar e do jeito como o senhor veio — Willie retrucou, apoiado no forcado de maneira indolente. — Sou legalmente proprietário da metade desta fazenda. Está pensando em desafiar a minha autoridade? — JT indagou, com voz grave. Flannery abriu o punho e esfregou a palma na coxa, à espera de que o rapaz retrucasse com aspereza. Mas não foi o que aconteceu. Willie sacudiu a cabeça, enfiou a ferramenta sob um monte de palha ensopada e despejou-a em um carrinho de mão. Depois voltou a espetar a forragem. JT passou por ele e espiou Chloe. Com as mangas da blusa xadrez enroladas, ela estava do lado de fora e discutia com dois homens. — Diabos, eu tenho enfrentado coisas piores! — o caubói ruivo gritou, agitando o antebraço enfaixado. — Não acho — Hogan respondeu com rispidez. — Que tal alguma tarefa mais leve? — JT aproximou-se do trio. — Eu resolverei o problema, obrigada. — Ela foi ríspida. — Sei disso, senhora… — JT foi cauteloso. — Eu só queria mencionar que a sala dos arreios precisa de alguma atenção. Uma tarefa suficiente para manter um homem 31

ocupado por uns dois dias. — Eu gosto de fazer jus ao meu sustento — Lowery afirmou com frustração, pálido sob as sardas. — Também já ouvi falar disso — JT mentiu. — Ninguém está dizendo o contrário, Lowery. Apenas acho que deve deixar a ferida cicatrizar da maneira correta. — Empurrou a aba do chapéu para trás e encarou o homem. — Cada trabalho na fazenda tem igual valor. Tanto cuidar dos cavalos como limpar as baias para mantê-los saudáveis. O que acha, sócia? Os olhos de Chloe brilharam de indignação, mas ela deu um sorriso forçado. — Não quero discutir o tema — ela replicou e virou-se para Hogan. — O senhor pegou mais feno hoje com o Winters? Hogan hesitou, ao fitar JT. — Achei que talvez fosse melhor a senhora conversar com ele. Se levar a carroça, os homens dele terão de fazer o carregamento. — E por que não vamos juntos? — JT perguntou com suavidade, enquanto a levava pelo braço para trás da estrebaria. Achou que não era um assunto que deveria ser tratado na frente dos empregados, mesmo que Hogan soubesse da precária situação financeira. — Pagaremos em dinheiro ou esperaremos até a próxima viagem à cidade? — Ele vai esperar — Chloe murmurou e desvencilhouse de JT. — Eu não me importo que o senhor vá junto. Afinal, já sabe mesmo de tudo. — Vamos dar uma volta — JT viu, por sobre o ombro de Chloe, que Willie estava parado à porta. — Está bem. Eles foram até o curral e sentaram-se sobre a cerca. Três novilhos moviam-se sem cessar dentro da área 32

confinada. — Quanto acha que podem valer? — Chloe perguntou. — De quanto precisa? — JT quis saber, com a mão longe da dela. — De imediato, o suficiente para um carregamento duplo de feno. Posso vender esses três na cidade. — Não é um bom negócio. — Eu sei — ela concordou. — Mas não quero tirar vantagem de um vizinho. JT anuiu, julgando o peso dos animais que Hogan cercará. Olhou para as mãos de Chloe e reparou no contraste. Eram esguias, bronzeadas e femininas, ao lado das suas, largas e marcadas por inúmeras cicatrizes. Um dos cortes fora feito por uma garrafa atirada na sua direção e que merecera uma série de pontos. Outra mais pálida, conseqüência de uma facada, da qual conseguira escapar com vida. Chloe passou o indicador na cicatriz de bordas irregulares e em alto relevo. — Já se machucou bastante, não é, caubói? — Nunca tive ninguém a meu lado para suturar minhas feridas — ele comentou, rindo. — O velho Lowery não sabe como é feliz. Para falar a verdade, não sou um caubói. Talvez um jogador ocasional que passa o tempo ao ar livre, arrebanhando o gado em troca de parte dos lucros. Mas nunca um caubói. — Eu não pretendi insultá-lo. Apenas achei que as marcas fossem fruto de uma coleção normal de um vaqueiro. — De quanto a senhora precisa? — ele repetiu a pergunta. — Eu já lhe disse. O suficiente para um carregamento duplo de feno. — Chloe descansou a mão sobre a coxa e JT lamentou o afastamento da pele cálida e sedosa. 33

— Acho uma pena vender um bezerro que não tem peso suficiente para alcançar um bom preço. — E acha que não sei disso? Mas temos de fazer o que é preciso. — Mas não será necessário, Chloe. Eu pagarei pela carga e mais tarde acertaremos as contas. Eu tenho um pouco de dinheiro guardado. Chloe fitou o novilho à sua frente, com os lábios cerrados. — Eu abrirei uma folha em meu livro de registros — ela respondeu mal-humorada. — Não pretendo lesá-lo. JT anuiu. — Outra coisa, Chloe… Ela o fitou com um brilho diferente nos olhos azuis. — O que é? — perguntou em voz baixa. — Não gosto muito de Willie. — Nunca me causou problemas. E jovem e um pouco insolente, mas a mãe dele precisa do dinheiro de seu salário. — Bem, ou ele pára de olhá-la como se a senhora fosse uma mercadoria à venda, ou terá de procurar outro lugar para trabalhar. — Que bobagem… JT deu uma risada áspera. — Ou a senhora é mais inocente do que pensei que fosse ou… — Não sou nenhuma criança, Flannery. Posso lidar com ele. — Chloe deslizou da cerca para o chão e arrumou a calça por cima das botas. — Se é só isso, agora tenho de fazer alguma coisa para comer, antes de atrelar a carroça e buscar o feno. — Pode fazer a comida, que eu apronto a carroça. Se estou pagando, quero ver a qualidade da forragem. Chloe afastou-se e JT observou as curvas sob a calça 34

de brim e concordou com Willie. Era mesmo uma mulher bem-apessoada. — Estive pensando… — Chloe falou, assim que JT segurou as rédeas. Os cavalos se moveram para frente e ela virou a cabeça para olhá-lo. — Talvez precisássemos elaborar um acordo. — Pensei que já o tivéssemos feito — ele afirmou e descansou um dos pés calçados com botas no frontão de madeira da carroça. Chloe evitou olhar para a coxa que se delineava sob a calça. — Hogan é uma pessoa boa e de confiança. Quero que o deixe encarregado do que já está fazendo. —Tudo bem, mas sob uma condição. — E do que se trata? — Ele terá de cumprir minhas ordens e verificar se os homens farão o mesmo. — E quanto às minhas? Tenho por hábito encontrar-me diariamente com Hogan para acompanhar o que se passa. Muitas vezes, cavalgo ao lado dos homens e trabalho junto com eles. — Não mais — ele se expressou com rudeza. — A senhora amansou seu último bezerro. Vi uma cicatriz em sua mão que não deveria estar ali. Chloe examinou as mãos espalmadas. — Tenho várias, fruto do trabalho. — Ela passou o dedo no “B” delineado na palma. — Fiz isso quando estava com dezesseis anos. Foi a primeira vez que meu pai me deixou ajudar a marcar o gado. — Isso não é correto. A senhora é uma mulher e não um vaqueiro… — Sou uma fazendeira — ela o lembrou. — Não quero ser tratada como uma flor frágil, Flannery. Embora não seja 35

grande perita na cozinha. — Ela passou a mão na altura do estômago. — Queimou-se com o café, não foi? — Não, apenas uma marca vermelha. Nada demais… Bem, quando tia Lilly voltar, ficarei livre para trabalhar na fazenda o dia inteiro. — Há alguns tipos de tarefas que eu preferia que não fizesse. Treinar cavalos é uma coisa. Amansar bezerros é outra bem diferente. — Aposto que o senhor tem em mente que devo me dedicar apenas aos livros contábeis — Chloe afirmou com sarcasmo e pensou em si mesma trancada no escritório, adicionando e subtraindo fileiras de números. Nos últimos meses, a subtração fora mais freqüente. — Pode até ser. — Ele ignorou o tom irônico. — Faremos isso juntos e decidiremos o que deverá ser feito. — Agora não há muito que decidir, “sócio”. O senhor sabe que não há mais dinheiro disponível. Meu irmão limpou a conta bancária, antes de sair da cidade. Teremos de trabalhar a crédito, até a marcação do outono. — Eu já imaginava isso — ele comentou e bateu as rédeas, fazendo os cavalos saírem em trote rápido. Os arreios tilintavam e as rodas da carroça trepidavam sobre os sulcos da estrada da cidade. Chloe agarrou-se na beirada para não sair do lugar. — Peter é muito jovem para suportar a pressão à qual o submeti na tentativa de fazer dele um homem — Chloe admitiu. — Quantos anos ele tem? Achei que tivessem quase a mesma idade. — Somos gêmeos. Completamos vinte e dois. — E ele é jovem e a senhora não? — Ele não assumiu a responsabilidade. Tomar conta de uma fazenda não foi sua primeira escolha. 36

— Então qual era? Chloe pensou, mediu as palavras e depois riu, sem entusiasmo. — Digamos que Peter não é muito aficionado das tarefas árduas que uma fazenda exige. Teria se saído melhor se papai o houvesse mandado estudar no leste. Tenho certeza de que se tornaria um bom profissional na área em que escolhesse. — Banqueiros e advogados também trabalham duro, Chloe — JT lembrou-a. — Não existe no mundo nenhum tipo de trabalho que não envolva grande dedicação e esforço pessoal. Acredito que tenha protegido demais seu irmão. Talvez fosse melhor para Pete, se você conseguisse analisá-lo com mais cuidado e reconhecesse suas falhas. — O nome dele é Peter e eu conheço exatamente as suas deficiências. — Chloe desistiu da posição descontraída no assento e empertigou-se. — Um homem da idade dele já deveria ter amadurecido o suficiente para não ser chamado mais pelo apelido de infância. Quando ele deixar de ser Pete e achar seu caminho, serei o primeiro a respeitá-lo. — De qualquer modo, o senhor não terá oportunidade de encontrá-lo. Eu lhe garanto que ele está muito longe de Ripsaw Creek. — Pois escreva o que eu lhe digo. Um dia ele voltará… — JT resmungou. — Quando o dinheiro que lhe dei acabar pode ter certeza que ele virá pedir abrigo. E quando isso acontecer, Chloe, será um barulho dos diabos. Ele perdeu a parte dele da fazenda em um jogo de cartas em frente a testemunhas. E a senhora não poderá lhe dar mais nenhuma fatia do bolo. — Droga! — Ela se irritou e cerrou os dentes para evitar mais alguma imprecação. — O senhor não tem a palavra “chefe” impressa em sua testa, Flannery! E ser meu sócio 37

não lhe dá o direito de controlar o que faço ou deixo de fazer com a minha participação na fazenda. — Não vamos brigar por causa disso, vamos? — JT puxou as rédeas e parou no meio da estrada. — E o que esperava? Que eu ficasse aqui sentada e depois executasse as suas ordens? Nada disso, Flannery. Pode pegar seus mandados e… JT agarrou-a pelos braços e pisou nas rédeas com uma bota, para evitar que os cavalos se movessem. Puxou-a mais para perto e Chloe perdeu o equilíbrio, caindo de encontro a ele. JT estreitou os olhos e suas narinas dilataram-se. Espantada, Chloe percebeu o brilho estranho no olhar. — Não diga isso — ele advertiu, com voz baixa e rouca. — Não fale mais nada. Mantenha a boca fechada. — Dane-se! — ela retrucou, por entre os dentes. JT inspirou fundo, fitando os lábios carnudos de Chloe. — Eu disse “nada”, nenhuma palavra — ele sussurrou, em tom hostil. Ele curvou a cabeça e pressionou a boca firme contra a de Chloe. Ela arregalou os olhos e sufocou um grito angustiado. — Shh… — JT sussurrou e permitiu que Chloe respirasse por uma fração de segundo. Depois beijou-a novamente, de maneira mais persuasiva e suave, os lábios quentes e úmidos. Ao abraçála, ergueu-a do assento e encostou-a junto ao peito. Chloe agarrou-se na camisa de Flannery para não cair e teve certeza de que se ele não a estivesse segurando, escorregaria para baixo do banco. — Nunca foi beijada? — ele perguntou, afastando o rosto e fitando-a intensamente. Chloe sacudiu a cabeça, ciente de que estava corada da garganta até a raiz dos cabelos. O coração batia em 38

descompasso dentro do peito. JT a segurava com firmeza e ela sentiu o calor do corpo musculoso, mesmo através das camadas de roupa que os separavam. — Da próxima vez, mostrarei mais eficiência. Odeio dar a impressão de que isso é o melhor que sei fazer. JT segurou-a com delicadeza, ergueu-a um pouco, ajeitou-a novamente no assento e arrumou-lhe a gola desalinhada da blusa. Próxima vez? Chloe estremeceu. Se aquilo fosse um exemplo das habilidades de Flannery, ela teria de evitar uma nova demonstração. — Acredito que está esperando desculpas — ele comentou, com um ligeiro tremor no canto dos lábios. — Duvido que obterei algo parecido. Chloe fechou as mãos trêmulas até machucar a palma com as unhas. Os lábios formigavam e a visão estava borrada com um nevoeiro de lágrimas. Respirou com dificuldade e escutou o impensável. — Sinto muito por tê-la perturbado, Chloe. Mas não posso dizer que esteja arrependido por tê-la beijado. E gostaria de fazer alguma coisa para acalmá-la. Acalmar? Na verdade, Chloe nunca se sentira tão agitada como naquele momento. Teve certeza de que nada haveria que pudesse acalmar aquela pulsação desordenada.

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Capítulo III

Durante uma semana, Chloe evitou encontrá-lo. Cuidar dos livros de despesas era uma tarefa diária meticulosa e desgastante, ainda mais quando se estava próximo do fundo do poço. E a descoberta de uma nota de compra enfiada no meio do livro razão a fez levantar da cadeira, possessa. — Droga, droga e droga… — ela murmurou, saindo em direção da estrebaria. — E para isso que servem os sócios? — ela perguntou, controlando a raiva, ao deparar-se com JT no meio do grande galpão. Lowery entrava e saía do compartimento dos arreios e, se ela bem o conhecia, estava atento a tudo o que se passava. Pelo jeito, JT era da mesma opinião, pois a segurou pelo cotovelo e levou-a para o lado de fora das portas amplas. — Não vamos discutir na frente dos empregados — ele argumentou em voz tão baixa que não chegou aos ouvidos dos homens. — Se tem algo a me dizer, faça-o aqui no pátio, onde não há audiência. — Se? — O monossílabo foi significativo e Chloe inspirou fundo para não estourar. Deixou cair no chão o pedaço de papel amarelo que trazia amassado entre os dedos. — O senhor sabe muito bem sobre o que vim lhe falar. Explique-me, por gentileza, por que imaginou que poderíamos dar-nos ao luxo de comprar um garanhão justo agora? Com tantas prioridades pela frente? — Eu não lhe pedi nenhum centavo — JT respondeu com calma. — Eu o comprei com meu dinheiro. — E suponho que terei de lançar a despesa em seu 40

nome. O que lhe dará um crédito, já que ficarei devendo o investimento de seu dinheiro! — ela sibilou. — Chloe, essas éguas da fazenda estão parindo potros que não valem nada. Só servem para puxar uma charrete ou levar crianças para a escola. Espere até ver esse reprodutor. A senhora precisa de sangue novo ou seu plantel jamais terá valor. — E não poderíamos utilizar o seu garanhão, por exemplo? O fato de JT estar com a razão não importava, Chloe ponderou com raiva. O reprodutor de seu pai estava mesmo velho e vinha cruzando com as éguas há vários anos. Porém comprar um garanhão novo era um investimento grande e JT encarava a chegada iminente do cavalo como se esperasse um belo presente de Natal. — Eu já lhe disse… A linhagem dele não é a que precisamos. Nós também o usaremos, mas o garanhão novo é uma garantia de que teremos um grupo de cavalos de boa raça que renderá dinheiro daqui a dois anos. — O senhor planeja ficar aqui todo esse tempo? — Chloe indagou, mordaz. JT apertou os maxilares e os punhos. Por um momento, Chloe refletiu se não o provocara além da conta. — A senhora é sempre assim tão irritante ou está assumindo essa atitude de propósito? Ele a conduziu em direção à casa, segurando-a com a mão firme, calosa e forte. Chloe não teve outra alternativa a não ser correr para acompanhar-lhe as passadas largas. Quando alcançaram a varanda dos fundos, JT praticamente largou-a no degrau superior. — Não gosto de ser tratada com brutalidade — ela falou com firmeza, desvencilhou-se e sentou-se. — Não é por ser um homem grande que o senhor pode ficar me empurrando e puxando por aí a seu bel-prazer! 41

Mas ele podia e fizera. Pelo menos, por alguns minutos. JT estreitou a boca e os lábios estremeceram involuntariamente. Estava em pé na frente de Chloe, com a imponência de sua altura e a irritação que emergia de todos os poros. — Eu não a empurrei, não puxei e nem a deixei marcada, srta. Arrogância. — JT curvou a cabeça e espioulhe o rosto. — Mas nunca se esqueça do que vou lhe dizer agora. Não pense que poderá me dar ordens, quando eu resolver gastar o “meu” dinheiro, ganho com o “meu” suor. — O senhor não tem o direito de… — Tenho todo o direito! — ele berrou. — A droga do cavalo estava em leilão. Se eu não houvesse dado o lance e arrematado o infeliz, teria perdido a oportunidade de conseguir um reprodutor desse porte. E quer lhe agrade ou não, ele é exatamente o que a sua manada precisa. — E o que ele vai fazer por minhas éguas? Encher a barriga delas com potrancas e potros puro-sangue? JT balançou a cabeça. — Melhor do que isso, senhora. Dentro de cinco anos, teremos o pasto cheio de cavalos malhados, pequenos e ágeis, que serão conhecidos por toda a parte, depois que os treinarmos. Sabia que qualquer caubói que se preze pagará cinqüenta dólares a mais por um cavalo desses, do que por qualquer outro? Um brilho de interesse fez arrefecer a raiva que Chloe sentia. — Por quê? — ela indagou, com rudeza. — Um malhado com um bom treinamento é o melhor cavalo que se pode comprar. Os comanches caçam búfalos com eles há anos. Teremos filas de compradores à porta. JT sentou-se ao lado de Chloe, com a irritação substituída pelo entusiasmo. Ela escutava, cada vez mais participante. 42

— Usaremos os melhores para a procriação e venderemos os que não nos interessarem. Sempre há compradores procurando montarias comuns. Quando eliminarmos o supérfluo e o indesejável da manada, teremos uma safra de potros na próxima primavera que fará brilhar estes seus olhos azuis. — E quando começaremos esse programa de reprodução? — Chloe perguntou. — O cavalo já foi despachado? — Hogan o trará ainda hoje para casa. — Hogan sabia de tudo? JT fez a gentileza de mostrar-se envergonhado e passou a mão nos cabelos negros e ondulados. Chloe, distraída em observá-lo, custou a entender as palavras. — Ele me avisou que a senhora ficaria furiosa. Então achei melhor “amaciá-la” antes de ele chegar. — E por acaso estou parecendo “amaciada”? Ele a analisou de um modo geral e depois se fixou no rosto ansioso. — A senhora parece “macia” nos lugares certos, Chloe, mas acho que ainda está furiosa. — JT virou a cabeça de lado e levantou os cantos dos lábios em um sorriso maroto. — Não posso culpá-la. Eu suspeitei que a senhora ficaria irritada. Só não queria que armasse uma confusão em frente dos peões. — Eu não fiz nada disso! — Chloe protestou. Lembrouse de que estavam sozinhos no galpão, a não ser por Lowery, que entrava e saía. Mais uma vez, JT pareceu ter o mesmo pensamento que ela. — Lowery estava na sala dos arreios e Willie, do lado de fora da porta traseira. Não quero discutir nossas diferenças perante eles. Uma batalha campal no meio da cavalariça não faz parte de meus planos. 43

— Eles o escutam — Chloe afirmou, olhando de lado, para que Flannery não reparasse na expressão de desagrado. — Homens sempre se entendem melhor com homens. Exceto em algumas coisas como… Ela se virou depressa, curiosa para ver o que ele diria. — Sim… — Como… — Flannery hesitou. Chloe admirou-se com aquela falta de palavras. JT nunca pensava duas vezes antes de falar e sempre tinha frases preparadas na ponta da língua. Ele a observou com cautela e ela sentiu diminuir a raiva reticente, substituída por um calor gerado por seu olhar aprovativo. — Por exemplo… A minha reação à sua presença — JT finalmente alegou, com uma ponta evidente de arrependimento pelo que dissera. — Há alguma coisa na senhora que me atrai muito. — Ele balançou a cabeça. — E não é uma coisa que se deva revelar a uma sócia. — Atrair? — Chloe surpreendeu-se. — Bem, seja lá o que for, eu lhe digo que não há nada em mim que lhe interesse. Além do mais, o senhor exaspera-me além da conta. Não importa o que eu faça, o senhor quer tem sempre a última palavra. Como se eu não entendesse nada do que se passa por aqui. O que acha que eu fazia, antes de o senhor chegar? Chloe sentiu mais uma vez as lágrimas de raiva e piscou para afastá-las. Mesmo empenhada em defender-se, não queria demonstrar fraqueza diante dele. — O que lhe parecia certo, e dava o melhor de si para isso — JT respondeu com simpatia. — Com certeza fez um belo trabalho. E teve a sorte de contar com Hogan. Ele é um homem excelente e a senhora pode dar-se por feliz de tê-lo a seu serviço. JT apagou o vento que alimentava a fogueira do rancor. 44

No momento em que Chloe se preparava para um novo acesso de cólera, ele tratou de ser agradável, fazendo-a perder a motivação da resposta. — Por falar nisso, eu aumentei o salário dele — JT avisou, sem desfitá-la para avaliar-lhe a expressão. — Bem, o dobro do que ele recebeu este mês seria igual a zero — ela riu com amargura. — Eu já lhe disse que, enquanto não tivermos algum lucro, não haverá dinheiro para remuneração dos empregados e nem para qualquer outra coisa. Nos últimos três meses mal consegui pagar os funcionários mais novos. E agora, estou literalmente sem um vintém sequer. JT admirava-se pelo discernimento administrativo de Chloe. Apesar de saber que despertaria um novo ataque de cólera, decidiu revelar tudo de uma vez. — Eu depositei dinheiro na sua conta. Chloe empalideceu e cerrou os maxilares para não expor o ódio que sentia. — O senhor está cavando um buraco para mim, Sr. Flannery! E se eu não conseguir sair? O que o senhor fará então? Tomará posse da fazenda inteira? JT segurou-lhe a mão, em uma demonstração de carinho. — Eu sabia que acabaria pensando dessa maneira, Chloe. Mas não foi essa a minha intenção. Apenas achei que não poderíamos manter os homens aqui por muito mais tempo, se não os pagássemos. Não seria justo e a senhora não haveria de querer arriscar-se a perder Hogan, Lowery ou Shorty. Os outros poderão ser substituídos, mas esses três não. Chloe concordou com um gesto de cabeça e deixou-se ficar com a mão entre as dele. Havia muito pouco a ser dito. Tinha de admitir que Flannery estava certo, embora sentisse a própria autonomia cada vez mais ameaçada pela 45

presença daquele homem e pela influência que ele exercia em todos os setores de sua vida, até então calma e bem planejada apesar das dificuldades financeiras. Inclusive a descoberta de si mesma como mulher. Aquele pensamento deixou-a apreensiva. Flannery a beijara uma vez, há uma semana, e depois agira como se nada houvesse acontecido. Simplesmente ignorou o episódio e não mais se referiu a ele. Até há poucos momentos. Chloe tirou a mão, apoiou-a no colo e lembrou-se das palavras que ele dissera com voz rouca: A senhora parece macia nos lugares certos, Chloe… Há alguma coisa na senhora que me atrai muito. JT a enfeitiçara com aquela lisonja. Era só isso. Adulação, pura e simples, destinada a fazê-la fraquejar. Chloe empertigou-se. — Chloe? Será que teremos de discutir mais sobre o assunto? Será que não podemos deixar as coisas transcorrerem em paz, pelo menos até classificarmos o rebanho e decidirmos quais os animais que desejaremos vender? — O quê? A pergunta pegou-a desprevenida. Sua mente estava longe de bois, empregados e salários. Chloe vacilou e procurou concentrar-se nas palavras de Flannery. Ele fazia planos, enquanto ela especulava sobre a tolice que acabava de ouvir. — Não pretendo forçá-la a nada — JT argumentou. Talvez não estivesse mesmo, Chloe refletiu. Entretanto, Flannery mostrava-se pronto para a ação, absorvido em planejamentos e aquilo a inquietava. Por um motivo bastante simples. Ela não tinha nenhum conhecimento a respeito de um programa de reprodução do modo como ele explicara. Chloe levantou uma das mãos, para assegurá-lo de sua 46

concordância, enquanto procurava raciocinar. — Eu preferia falar sobre isso mais tarde. Talvez depois do jantar. — Dar-se por vencida com facilidade não fazia parte de sua natureza. JT a encurralara e ela teria primeiro de concatenar as idéias. O alívio na expressão de Flannery foi evidente e ele até sorriu. — Como queira — ele comentou, amável. — Hogan deve chegar logo e eu preciso preparar uma baia para o garanhão. Nós o manteremos no curral por um dia ou dois, até decidirmos quais éguas ele irá cobrir, e então poderemos começar. Chloe assentiu com um gesto e deixou-se contagiar pela exuberância do sócio. — Eu gostaria de acompanhá-lo. — Está certo. Não há muito o que fazer agora, mas de qualquer modo será interessante conhecê-lo. Uma hora mais tarde, ela cogitou estar à espera de uma criatura de tamanho majestoso ou pelo menos um animal mais impressivo do que o malhado de porte pequeno que seguia o cavalo de Hogan. — Ele não é muito grande, não é mesmo? — O tamanho nem sempre é qualidade, quando se trata de um bom cavalo para pastoreio — JT afirmou, enquanto passava as mãos sobre as costas e a ilharga do garanhão branco e preto. Ele ergueu um casco após o outro e Chloe percebeu os tremores que percorriam os pêlos macios. O garanhão recuava ao toque de JT. — Ele está ótimo — ele comentou com Hogan. — Deulhe algum trabalho? — Nada muito angustiante. Não vejo a hora de poder montá-lo. O camarada do leilão disse que ele é um dos melhores de seu gênero. Os olhos de JT brilharam de satisfação. 47

— Venha amanhã cedo. Terá a sua chance. Acredito que o melhor que temos a fazer é alimentá-lo e deixá-lo descansar. Chloe mal podia conter o desapontamento. Depois de reconciliar-se com as idéias de Flannery, ficara novamente apreensiva. Observou Hogan conduzir o cavalo até a estrebaria. Virou-se, ao ouvir o relinchar agudo do garanhão. Em um pasto próximo, uma égua respondeu ao desafio. Hogan agarrou a guia e esquivou-se de levar uma cabeçada. O animal balançava a cauda e, curvando as pernas traseiras, parecia querer livrar-se de quem o segurava. JT adiantou-se depressa e agarrou o cabresto, rindo alto. Puxou a cabeça do cavalo até seu peito e murmurou palavras suaves, empenhado em tranqüilizar o recémchegado. — O esperto parece saber para que finalidade está aqui, não é? — Hogan perguntou, arfante por causa do esforço. Sorriu para Chloe e depois reconsiderou suas palavras. — Perdoe-me, senhora… Chloe percebeu que ele se divertia, apesar das desculpas polidas ditas em voz baixa. Chloe não estava acostumada àquela explosão de emoções masculinas, fossem elas de um animal ou de seres racionais. Sentiu-se agitada ao pensar no que aconteceria ali nas próximas semanas. O acasalamento sempre fora confinado às pastagens, à discrição das éguas e do garanhão, com o único propósito de criar uma nova vida a cada primavera. Naquela altura, era de se prever que haveria uma programação. Enquanto se apressava a voltar para casa, Chloe teve a confirmação de que a mudança era um fato. JT Flannery lançava-se em um projeto que faria corar de vergonha o esquema fortuito e natural de seu pai. 48

E ela lhe dera autorização para implementá-lo. Horas mais tarde, JT entrou na cozinha e viu a mesa posta para três. Intrigado, fitou Chloe. — A senhora está esperando visita? — Não. Foi só tia Lilly que chegou há uma hora. Howie Anderson foi buscá-la na cidade. — Chloe abriu a porta do forno e tirou uma caçarola. — Está se aprontando lá em cima e perguntou pelo senhor. — Por mim? — ele fez um careta, puxou uma cadeira e sentou-se. Os músculos fatigados de duas semanas de trabalho árduo protestavam, ainda mais depois de ter sido derrubado no chão poeirento do curral por um cavalo não inteiramente domado. — Como é que ela ficou sabendo de mim? — Howie deu-lhe todos os detalhes sobre o meu novo sócio, no trajeto da cidade até aqui — Chloe explicou, calmamente. JT observou-a lidar com o conteúdo da assadeira. Chloe lhe pareceu ser tão perita na cozinha como em cavalgar e costurar braços rasgados de vaqueiros. Batatas e cenouras circundavam a carne assada. A visão era tentadora e JT rezou para que tia Lilly tivesse os mesmos dotes culinários de sua sócia. — Ela aprovou seu novo sócio? — ele perguntou e ouviu em seguida passos que se aproximavam pelo saguão da frente. O perfume de lilases precedeu a mulher, assim como a voz forte e as palavras de advertência. — Se ele for uma pessoa imprestável como o outro, tenho uma espingarda de caça que garantirá a sua curta permanência. A senhora mais idosa que apareceu à porta era vigorosa, com cabelos grisalhos, encaracolados e fartos. Examinou-o atentamente com os olhos da cor do azulão. 49

Na certa procurava os mínimos defeitos ou eventuais marcas escondidas. De onde estava sentado, JT teve a impressão de que a mulher teria cerca de um metro e oitenta de altura. Uma figura impressionante por ser do sexo feminino. Usava vestido estampado com muitas flores e sapatos pretos, clássicos, de salto baixo e quase masculinos. JT ergueu-se e inclinou a cabeça em um cumprimento respeitoso. — Madame… — Ele usou de polidez. — Sou o camarada em que a senhora pretende atirar, se o comportamento não for adequado. JT teve de esforçar-se ao máximo para não rir pela imagem que via à sua frente. Tia Lilly parou a uma certa distância de JT e olhou-o de alto a baixo. Ele notou uma expressão aprovativa bastante rápida e um gesto de assentimento brusco que não desmanchou os cachos frisados. Depois de certificar-se de que a inspeção se completara, ele puxou uma das cadeiras à mesa. — Quer sentar-se, madame? Era impossível existir alguém mais educado do que JT Flannery. — Não. Primeiro vou ajudar Chloe. — Está tudo pronto, tia Lilly. A travessa fumegante e aromática já estava no centro da mesa. Ao lado, tigelas com compota de maçãs e outras com verduras. — Só falta fazer o café. Lilly aproximou-se e permitiu que JT se esmerasse no papel de cavalheiro. Ele segurou a cadeira e esperou-a sentar-se. — De onde o senhor é rapaz? — ela perguntou, com brusquidão. — Parece uma pessoa muito bem-educada. — Minha mãe ensinou-se a ser cortês — ele respondeu, 50

com um sorriso. — Sei o suficiente para não limpar a boca com a manga da camisa e também aprendi a pedir um favor com educação. — Bem, isso conta muitos pontos em seu favor. — Tia Lilly, quase convencida, fitou Chloe sentada à sua frente. — Você fez biscoitos, minha filha? — Não, mas temos pão de ontem — Chloe afirmou. — Por favor, pegue-o, depois vamos agradecer a Deus pelo nosso alimento. — Tia Lilly abaixou a cabeça de imediato e derramou-se em palavras de agradecimento ao Todo-poderoso pelo jantar preparado por Chloe. JT recostou-se na cadeira e, divertido, observou os movimentos rápidos de Chloe, que desenrolava a toalha do pão. Apanhou a faca e em instantes cortou quatro fatias, deixou-as sobre um prato que levou até a mesa. — Há manteiga fresca, tia Lilly — Chloe avisou e descobriu o prato de vidro. JT convenceu-se de que era fácil saber quem estava no comando. A cozinha era o domínio de tia Lilly e Chloe aceitava a sua vontade de uma maneira surpreendente. A senhora idosa passou um pouco de manteiga em uma das fatias do pão e tornou a falar com a sobrinha. — Você emagreceu um pouco, filha. Deve ter trabalhado duro, aposto. Chloe riu alto. — Eu poderia ter perdido mais alguns quilos, tia Lilly. E agora que a senhora voltou, emagrecerei mais. Tenho muito trabalho a fazer com os potros novos. Hogan diz que temos um belo grupo de crias. JT avaliou que o entusiasmo de Chloe talvez se devesse ao fato de pensar que se veria livre da cozinha. — Acho que se tornou uma boa cozinheira — Lilly fez o comentário depois de experimentar a carne assada e inspirar o aroma delicioso. — Você usou folhas de louro? 51

Chloe anuiu, dócil e bem-humorada. — Exatamente como a senhora faz. Também usei dente-de-leão fresco, ainda com o orvalho nas folhas. JT parou de mastigar. As verduras haviam subitamente perdido o sabor. — Eu estou comendo “dentes-de-leão”? — Somente as folhas — Chloe explicou com paciência. — São excelentes para a saúde. — O que houve com as folhas de nabo e as de couve? — Ainda é muito cedo para elas — Chloe respondeu, sem perder a calma e espetou o garfo na verdura, com expressão maliciosa. — É um tônico milagroso. Os índios comem isto em abundância. — Não tenho muita certeza se preciso de um tônico, qualquer um que seja. — JT levou mais uma garfada à boca. — Minha mãe obrigava-me a tomar óleo de rícino, quando as árvores começavam a perder as folhas. — Mastigou por um momento, engoliu com ar de dúvida e remexeu o conteúdo do prato com o utensílio de metal. — Mas era só uma dose. Será que terei de comer dente-deleão todos os dias? — Se o senhor desejar, posso encomendar um vidro de óleo de rícino. — Lilly fingiu ajudar e divertiu-se com a ojeriza de Flannery pela escolha feita por Chloe dos vegetais para a refeição. — Obrigado, madame. Agora já sou crescido e estou muito bem sem o óleo. — Parece mesmo — ela concordou. — Veio do sul, não é? JT hesitou. Não costumava dar detalhes de seu passado. — Sim, talvez se possa dizer isso. — Quando cheguei de trem de Saint Louis e encontrei meu marido pela primeira vez, ele disse que sempre 52

desejara uma beldade sulina para enfeitar sua mesa. — Lilly deu uma gargalhada. — Ele procurava por alguma jovem refinada com cachinhos e um chapéu para evitar que o sol estragasse a pele alva. Em vez disso, encontrou a mim, com meu bronzeado da Geórgia e com um metro e oitenta de altura. — Aposto que ele não ficou desapontado — JT aventurou-se. A história o agradava. — Não depois de uma semana ou duas… — Lilly admitiu, com um sorriso. — Deus abençoe seu coração. Passou a acreditar que eu era a mulher ideal da qual precisava. E me deu a graça de conceber três belos meninos e uma linda garota da metade do meu tamanho. Sr. Flannery, dou minha cabeça como o senhor tem uma miscigenação escondida sob essa fala arrastada do oeste. — A senhora está certa. Minha mãe era uma dama sulina. Chloe prestou atenção à novidade. Era a primeira vez que ouvia qualquer alusão ao passado de JT. De maneira sutil, mas propositada, ele arrancara detalhe por detalhe sobre a administração da fazenda, sobre a afinidade de Peter com o pôquer e com o súbito ataque que matara o pai. Naquela tarde, não conseguira esconder as lágrimas, enquanto falava da morte de John Biddleton. Contara sobre a terrível falta de ar, o tom azulado da pele e a dificuldade do pai para respirar. Foi então que JT a impediu de prosseguir, antes da parte final da história. Segurou-a pelo antebraço e sacudiu a cabeça, em um pedido mudo para ela interromper a narrativa, ao perceber-lhe o sofrimento. E diante daquele homem mais do que discreto, tia Lilly conseguira, com astúcia, em dois minutos o que Chloe não obtivera em duas semanas. — Onde moram seus pais? Ainda no sul? — foi a vez de 53

Chloe perguntar. JT fitou-a e ela sentiu o retraimento, mesmo antes de ele responder. — Eles morreram em um incêndio. A casa pegou fogo e meus pais não conseguiram sair. Ele tomou um gole de café e pareceu imune ao líquido quente. — Quantos anos o senhor tinha? — O suficiente para cuidar de mim mesmo. Isso aconteceu há muito tempo e não vale a pena remexer no passado. Desde então, venho trilhando caminhos diversos e longos por esta vida. Aquilo seria provavelmente o máximo que ouviria, Chloe refletiu, totalizando um conhecimento sucinto sobre a existência de JT. Era um jogador e conhecia cavalos. Além disso, e do pouco que revelara, mostrava-se como um verdadeiro quebra-cabeça. Os olhos negros guardavam segredos e seu corpo longilíneo tinha estrutura musculosa. Bonito e bem-falante, era a arrogância na forma mais fina. E muito mais masculino do que todos os que conhecera em seus vinte e dois anos de vida. Pensar nas mãos fortes em sua pele ou nos lábios que a beijaram, foi suficiente para trazer a Chloe um nível de ansiedade que ela se recusava a considerar. Mesmo durante as horas negras da noite, quando ela se virava de um lado para o outro na cama e lembrava-se do único beijo que haviam trocado, teve de admitir a atração insidiosa de sua presença. Que bobagem. Ele era apenas seu sócio. E nem parecia inclinado a pressioná-la para aceitar uma situação mais íntima. — O senhor já foi casado? A pergunta de tia Lilly surpreendeu Chloe. A jovem teve certeza de que JT se ressentiria do assunto ventilado. Só que ele sorriu, sem nenhum traço de severidade. 54

— Um homem que vagueia pelo mundo não deve carregar uma esposa junto com ele. — O senhor não é mais um cavaleiro errante — a tia insistiu. — Um camarada que se torna dono de metade de uma fazenda deve estar procurando criar raízes e pensando no futuro. Chloe engasgou com um pedaço de carne e puxou para trás a cadeira. Tossindo e com dificuldade para respirar, ela foi até a porta dos fundos, de onde ouviu a cadeira de JT raspar no chão. Curvou-se sobre a balaustrada da varanda e procurou respirar fundo. Sentiu a palma quente às suas costas. — Está melhor? — ele indagou, divertido, mas ansioso. — Estou — Chloe já tossia menos. —— O senhor deve ter percebido que minha tia lhe providenciará um casamento. — Imagine só. Quando eu decidir amarrar-me, eu farei minha própria escolha, parceira. — JT deslizou a mão para cima e descansou-a no ombro de Chloe. — E pode acreditar, srta. Chloe, será a primeira a saber.

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Capítulo IV

— Patrão, estão faltando umas doze cabeças de gado ou mais. — Shorty Kendrick apeou do cavalo e parou diante de JT com os punhos cerrados, segurando as rédeas. Ele tinha certeza de que Shorty ainda o considerava um estranho no ninho, mas nem por isso não brindaria o mensageiro com sua indignação. Recebeu a notícia sem se alterar e cerrou os dentes para não demonstrar a fúria que o corroía por dentro. —Dentro dos limites da pastagem mais longínqua? Tem mesmo certeza quanto à contagem? Nem passou pela cabeça de JT desconfiar de Shorty. Ele era provavelmente o melhor caubói da fazenda. Os talentos de Hogan e Lowery eram dirigidos ao treinamento dos cavalos, mas quando se tratava do gado, o peão era superior. — Não tenho dúvida. Não tiramos os olhos dos animais, por causa dos bezerros que andavam para todos os lados. — Shorty encolheu os ombros. — Deixei Tom e Corky no barracão a noite passada, mas eles afirmam não ter ouvido nada. — Eles são confiáveis? — JT lamentou não saber a resposta àquela pergunta. Shorty torceu os lábios e tornou a encolher os ombros. — Tanto quanto os outros dois vaqueiros. Eles foram contratados no inverno e estão trabalhando por casa, comida e cinco dólares mensais. — Um salário muito baixo. “O que pode ser um bom incentivo para roubar algumas reses, como se a elas tivessem direito.” — Os ordenados de inverno são baixos. Mas Chloe está 56

certa. Eles não se queixaram, pois sabiam que o salário seria elevado, quando o trabalho aumentasse. Com exceção de Hogan, certamente os outros não conheciam a situação financeira real de Chloe - Pelo que o capataz dissera, havia apenas um pouco de dinheiro sob o colchão de Chloe e devia ser de lá que ela tirara os cinco dólares mensais para cada um. — Vou fazer uma inspeção por aí — JT afirmou. — De qualquer modo, precisamos apartar o rebanho. Podemos começar a fazer isso agora. — O senhor está pensando em trabalhar com o reprodutor hoje? — Shorty fitou com olhar brilhante o curral onde o cavalo testava os limites de sua liberdade. — Um vaqueiro que se interessa por meu garanhão novo? — Aposto como ele será pai de belos potros! — Shorty entusiasmou-se. — Gostaria de chegar a cavalgar algum deles. Já ouvi muitas histórias sobre a agilidade extrema dos pequenos cavalos malhados. Um camarada me contou que eles são capazes de virar-se em direção contrária em um piscar de olhos. Adoraria ver esse animal em ação. — Por que não sela minha montaria e vamos dar primeiro uma espiada no rebanho? Depois decidiremos o que fazer com o garanhão. — O que está acontecendo? — Chloe apareceu na entrada, nervosa. — Shorty veio avisar que estão faltando algumas reses na pastagem mais afastada. Chloe franziu o cenho, na certa calculando o prejuízo. — Quantas? — ela quis saber e depois foi até o quarto dos arreios. — Eu, resolvo isso, Chloe — JT falou com serenidade e dirigiu-se a porta. Chloe virou-se para encará-lo, já com a sela enorme 57

apoiada no chão à sua frente. — É meu gado, também, e eu vou junto. — Ela levantou o queixo em desafio. — Não há necessidade. Vou examinar a cerca para ver se há alguma passagem aberta. Falarei com os dois homens que passaram a noite na cabana, para saber se ouviram ou viram alguma coisa. — Quem estava lá fora? Tom? — Chloe pegou as rédeas. — A minha sócia é mesmo uma mulher determinada. — A fazenda é minha e se temos gado faltando, o maldito lucro também vai diminuir. Só isso. Eles se entreolharam e JT notou o brilho gelado nos olhos azuis e o colorido das faces. Ele não a culpava por estar furiosa. Tinha o direito de sentir-se traída e de acreditar que seu espaço fora invadido. Ainda assim, não gostaria que estivesse por perto, quando ele fosse confrontar-se com os dois homens. — Por que não me deixa resolver isso? — JT procurou não demonstrar irritação. — Não sou nenhuma criança, JT. Sei como usar uma arma e posso cavalgar tão bem quanto um homem. E preciso estar por dentro dos problemas de minha fazenda. JT aproximou-se e amaldiçoou a sela que estava entre eles. — Sei disso. — Ele a acariciou no rosto. — Mas não quero vê-la metida em confusões. Não me trate como um mau elemento, Chloe. Apenas não gostaria que se machucasse. Ele a segurou pelos ombros e ela estremeceu. Com um rompante, afastou-a para o lado, para fora da presença restritiva da peça grande de couro. Chloe arregalou os olhos e entreabriu os lábios, pela falta de cerimônia com que ele a segurava. Não conseguiria 58

sair do aperto daqueles braços musculosos. Pequena, mas decidida, estreitou os olhos e desafiou-o. — Largue-me, seus brutamontes. O único homem que ousou pôr as mãos em mim está na minha frente — ela murmurou, irada, porém trêmula. — Eu nunca a machuquei. — Apesar da afirmativa, JT soltou-a. Chloe era suave e macia, mesmo sob a enorme camisa de algodão que vestia. Mas o vigor feminino com que ela se desvencilhou o atraía tanto quanto o corpo sinuoso ou o azul luminoso de seu olhar. Chloe recuou de maneira desajeitada e tropeçou. JT deu um passo largo e segurou-a novamente, dessa vez abraçando-a pelas costas, e sucumbiu à tentação. Abaixou a cabeça e procurou a suavidade dos lábios carnudos. Escutou um leve gemido e sentiu o odor adocicado de chá. — Não lute comigo, doçura — ele pediu, com voz arfante e rouca. O coração de JT disparou ainda mais, quando sentiu o busto macio de encontro ao peito. Com a ponta da língua tocou nos lábios de Chloe, que deu um gemido gutural, o que trouxe a JT uma grande satisfação. Mas Chloe cerrou os dentes e não lhe permitiu a entrada. Tornou-se novamente um feixe de resistência feminina em seus braços. JT achou que já insistira demais. A fragrância de Chloe era delicada e ele saboreou o aroma que seu corpo pequeno exalava. Chloe tinha o poder de atraí-lo, mas fora uma tolice tomar aquela atitude no meio da sala dos arreios, sem tempo para preliminares. Novamente ele lhe acariciou a boca com a língua e sugou-lhe o lábio inferior. Chloe descontraiu-se e ergueu as mãos espalmadas para tocar-lhe o peito. Um som leve escapou da garganta 59

de Chloe e JT tornou a beijá-la, enlevado pela intimidade que provocava mesmo sem um consentimento evidente. — Isso não é correto. O senhor sabe que não posso lutar contra a sua força — ela sussurrou e abriu os olhos. O desafio sumira. Os cílios estavam molhados pelas lágrimas da emoção que ele despertara. — Eu nunca experimentei nada parecido com isso, mas eu diria que o senhor é perito no assunto. — A afirmação foi feita com voz trêmula. — Perito em beijar? — JT perguntou, ainda com o sabor de Chloe nos lábios. — Eu diria que um pouco e de vez em quando… Provavelmente não como a maioria dos homens. Sou um pouco exigente quando se trata de mulheres. — E então decidiu que sou merecedora de sua atenção. — Chloe endireitou-se e abaixou os braços. JT segurou-a pela cintura em um abraço folgado e quando ela procurou recuar, soltou-a de uma vez. — Gostaria que soubesse Chloe, que na outra noite, era na senhora que eu pensava. O comentário de tia Lilly não me aborreceu em absoluto. JT afastou-se e levantou a sela pesada com uma mão, sem fazer esforço. — A senhora é uma mulher atraente e não entendo por que ainda não se casou. — Não vou dividir com ninguém a minha parte na fazenda — ela asseverou de cabeça erguida, demonstrando independência. — O casamento me transformaria em uma mulher hipócrita, daquelas que ficam restritas a cuidar da casa e dos filhos. JT riu ao imaginar Chloe com qualquer outro tipo de comportamento que não fosse aquele com o qual estava acostumado. — A senhora jamais será nada disso, não importa o que aconteça. É uma pessoa corajosa e não permitiria que um marido a dominasse. 60

— Pode ser, mas não sou tola. Sei que teria de enfrentar uma batalha. Uma vez assinada a certidão de casamento, eu não teria mais como defender-me. A lei é clara. O homem ganha o patrimônio e ainda por cima a mulher que vem junto. Eu não arriscarei minha herança em troca de um anel de casamento. — Bem, suponho que seria inútil tentar, não é mesmo? JT saiu, sem esperar resposta. Decidiu que seria melhor esquecer o assunto por algum tempo e depois pegá-la desprevenida. O casamento não estava em seus planos, em um futuro próximo. Mas a idéia de trazer um clérigo da cidade e atar um cabresto na srta. Chloe não deixava de ser atraente. Ela conseguira, mesmo de maneira inconsciente, deixá-lo intrigado. Dois beijos tinham sido o suficiente para aguçarlhe ainda mais o apetite. E Chloe passara a ocupar um espaço maior em seus pensamentos, deixando-o impaciente durante o dia e invadindo seus sonhos durante a noite. — Qual o cavalo que pretende usar, sócia? — JT perguntou, com ar casual. — O senhor não vai fazer um estardalhaço por causa disso? — ela perguntou e apressou-se, com as rédeas nas mãos. — Não vale a pena — JT fez um gesto de pouco caso, enquanto ela parava em frente à baia da égua alta e preta. — Preciso resolver o assunto e, sem a amarrar em um poste, não sei de outro método para persuadi-la a permitir que eu vá sozinho. — Se eu fosse o senhor, nem tentaria. — Chloe aceitou o desafio. JT tirou a alavanca do gancho. Escovou com energia e rapidamente o local onde ficaria a sela de Chloe. — Tem aí uma manta? 61

Chloe tirou um quadrado de lã grossa do cavalete. Agitou-o com força para tirar a poeira e entregou-o para JT. Em segundos, ele jogou a proteção de lã e a sela sobre o lombo do animal. Prendeu o estribo no arção dianteiro. Com movimentos rápidos e fortes, apertou a barrigueira e tirou a égua da baia. Chloe pôs o freio no lugar e a fêmea abaixou a cabeça, para receber o cabresto. JT seguiu-a até onde estava seu garanhão impaciente por causa das rédeas amarradas no trinco da porta larga da cocheira. O baio sacudia o rabo, como se quisesse atrair a atenção da égua que passava. O animal relinchou, mas não obteve resposta favorável. Chloe deu um sorriso maroto e montou depressa, depois de subir em uma tora de madeira que devia estar lá a propósito, juntou as rédeas e virou a égua. JT tentava acalmar o garanhão, sem muito resultado. — Tem certeza de que não pretende usá-lo para acasalamento? Ele ficará infeliz de perder a chance com as fêmeas. — Ele sobreviverá — JT resmungou e agarrou a crina para montar. — Este cavalo foi tão mimado que se tornou imprestável. Eu deveria ter-me livrado dele há tempos. Poderia tê-lo trocado por um capão. Chloe reprimiu uma risada. — Sabe muito bem que nunca faria isso. O senhor não passa de um falastrão, Flannery. — Ele se comportaria melhor se soubesse como esteve perto de ser vendido. Vamos embora. Ele precisa gastar energia. — Quantas cabeças estamos perdendo? — Chloe perguntou, fazendo a égua acompanhar o trote rápido do garanhão. JT virou-se para ela e Chloe pensou por um momento que havia uma grande semelhança entre homem e cavalo. 62

Ambos eram espécimes magníficos. Esguios, musculosos e com longas pernas. — Segundo Shorty, cerca de doze. Chloe imaginou que JT cavalgava qual um centauro, como se fizesse parte da criatura esplêndida que estava sob ele. Impaciente, JT abaixou a aba do chapéu, fez um aceno para Chloe e tomou a dianteira. Cruzaram a campina e JT abaixou-se para abrir a porteira da cerca da pastagem, esperou que Chloe fosse à frente e em seguida fechou-a atrás de si. — É apenas um barracão? — ele perguntou, enquanto cavalgavam lado a lado. — Nunca precisamos de mais. Até agora foi suficiente para a quantidade de animais que possuímos. Nós só o usamos durante a contagem e a marcação — Chloe explicou, como se falasse com uma criança. Atravessaram a grande pastagem e de novo ele abriu e fechou uma porteira. Diante deles descortinava-se a parte setentrional da fazenda. Apenas arame farpado circundava os limites mais remotos. Chloe reconheceu que seria fácil cortar a cerca e passar o gado pela abertura. O problema seria encontrar o buraco e consertá-lo o mais depressa possível, antes que o rebanho escapasse para a fazenda vizinha de Hales Winters. JT soltou as rédeas e o garanhão galopou a toda velocidade, seguido de perto pela égua de Chloe. Os animais estavam ávidos para gastar a energia acumulada. Chloe congratulou-se por ter vestido o casaco. O vento da primavera era frio e ela fechou o botão superior com a mão livre e abaixou o chapéu para proteger o rosto. Se não fosse o propósito daquela inspeção, ela se alegraria pela cavalgada matinal. JT virou-se e, pelo olhar de satisfação, Chloe entendeu 63

que ele partilhava da alegria de montar. Ele estreitou os olhos e diminuiu a marcha do cavalo. Fez um sinal para que ela o imitasse e iniciaram um trote mais suave, em silêncio. —Nós formamos uma boa parelha, Chloe — JT afirmou depois de algum tempo. — Tenho certeza de que fará qualquer coisa para preservar sua parte da fazenda. O olhar penetrante de JT deu a Chloe a impressão de que ele se referia à discussão na sala dos arreios. — E somos, Flannery, quer gostemos ou não — ela respondeu com frieza. — E posso cuidar muito bem da minha parte da fazenda sem a sua ajuda. — Nunca fiz isso antes — ele resmungou para si mesmo, com os maxilares cerrados. — Acho que não fui muito claro. — Se está falando em casamento, pode esquecer — Chloe avisou-o, ciente da linha de raciocínio dele. Cutucou a égua com os tornozelos e o animal aumentou a velocidade. — Além do que — ela gritou, por sobre o ombro —, temos coisas mais importantes para nos preocuparmos por ora. JT ultrapassou-a. O garanhão estirava os músculos das pernas, com as narinas alargadas, e deixou a égua negra para trás. Chloe não se incomodou pelo fato de seu cavalo correr atrás das ancas largas do baio, porque, assim, lhe foi proporcionada uma bela visão de JT Flannery. Ao chegarem a um ponto do pasto, constataram que o arame, de fato, fora cortado. E, se é que se podia acreditar nas palavras de Tom, fora difícil reparar o estrago. Ele e Corky haviam se esforçado ao máximo para fazer o conserto. Usando luvas grossas de couro, conseguiram enrolar os cordões cortados com alicates. Assim mesmo, apresentavam cortes. A camisa de Tom estava manchada de sangue e no rosto de Corky ainda escorria o líquido vermelho e vital. 64

— Ninguém escutou nada? — JT perguntou pela segunda vez. — Se eu tivesse ouvido — Tom, o mais velho dos dois vaqueiros, impacientou-se, visivelmente irritado —, acha que não teria usado minha espingarda? Não havia nenhum motivo aparente para montar guarda. Trabalhamos duro durante o dia inteiro e dormimos dentro da choupana. Os ladrões de gado haviam cortado a cerca e cavalgado mais de um quilômetro para dentro da Fazenda B&B, antes de sair com os animais por um regato estreito e curvo em direção ao sul. Espertos, não levaram mais cabeças para não serem descobertos. JT seguiu as pistas por dois quilômetros em um terreno cheio de pedregulhos, mas elas se misturaram com as de outras reses que haviam passado por lá, fazendo-o perder as marcas e desistir da procura. Corky ofereceu um pedaço de carne de boi entre duas fatias grossas de pão e JT aceitou com alegria. — Quer comer? — ele perguntou a Chloe. Ela estava sentada junto à parede da cabana, ao abrigo do vento, com a luz do sol refletida em seu rosto. Permanecia pensativa, com o chapéu sobre um joelho. — Quer? — ele repetiu e recebeu um olhar de desdém para o sanduíche grosseiro. — Estou enjoada de carne e hoje estou sem fome, só de pensar em todos os problemas que têm acontecido. — Eu tenho biscoitos que sobraram do desjejum — Corky ofereceu, empoleirado em um cepo, mas Chloe não aceitou. — Bem, então suponho que não está mesmo com fome — JT deduziu, mordeu mais um pedaço de sua refeição improvisada e limpou a boca com o lenço de pescoço. — É a primeira vez que lhe roubam gado? — A primeira e a última, espero. Fico furiosa em pensar 65

que me roubam uma coisa que custou tanto esforço para criar. — Teremos de trazer o rebanho mais para perto e fixar alertas. — E mesmo uma droga! Ninguém tem olhos nas costas. Se eu pudesse — ela o olhou, como se ele fosse o culpado —, amarraria os ladrões na árvore mais próxima. — Isso seria ótimo, mas primeiro teríamos de apanhálos. E certamente a polícia irá preferir que deixemos a lei tratar disso. — Meu pai sempre dizia que a carabina dele era a lei nesta fazenda. — Chloe fitou a espingarda atrás de sua sela. — Acho que ele é quem estava certo. JT mastigou e engoliu. — A senhorita sempre concordou com essa teoria? — Não. Sempre fui pela lei e pela ordem — ela confirmou frustrada e com raiva. — Mas isso foi até ontem. — Claro, sentir a perda faz diferença nos pontos de vista. — JT engoliu o último pedaço do sanduíche, levantou-se e ofereceu-lhe a mão. — Venha, Chloe. Vamos voltar. Não há muito o que fazer por aqui. Mandarei Willie e Shorty para cá esta tarde. Em quatro, poderão fazer a contagem de boa parte do rebanho e levá-los para um pasto mais próximo de casa. — Está bem. — Ela aceitou a mão estendida e ficou em pé. JT apertou a cilha da égua e foi até onde o garanhão estava amarrado. Chloe segurou as rédeas na mão esquerda e fitou o estribo alto. No mesmo instante, JT chegou por trás, ergueu-a pela cintura e deixou-a em cima da sela. Chloe segurou-se no arção e deslizou a perna para o outro lado. — Madame precisa de um cavalo mais baixo — JT avisou com um sorriso e enfiou-lhe as botas nos estribos. 66

Chloe lembrou-se do que ele dissera na cidade. — Se for preciso, posso montar sem auxílio de ninguém — ela se defendeu, mas depois usou um tom mais brando. — Não sei bem o motivo, mas adoro esta égua. Ela é um pouco geniosa, mas eu a conheço bem. A mãe morreu quando ela nasceu e eu a criei com mamadeira até que outra égua a aceitasse. Além disso, Hogan treinou-a muito bem para mim. — Geniosa, hein? — JT montou no garanhão e obsevou a petulância do animal e da amazona. — Tem toda razão. Micah Dawson ostentava uma estrela de prata, que há muito não via um polimento, espetada no bolso da camisa. JT concluiu que o homem não devia ser muito dado a incomodar-se com aparências. — Nós enforcamos mais de um ladrão de gado em Risaw Creek, nos velhos tempos — ele disse em voz baixa, mas com um olhar que deu a JT a certeza de que não brincava em serviço. Flannery conhecia alguma coisa sobre homens em geral e sobre os da lei em particular. A arma do xerife era bem cuidada e seu cavalo, ágil e bem tratado. O homem que vinha montado demonstrava saber o que estava fazendo. — O senhor encontrou pistas? — Micah perguntou, enquanto os dois galopavam da cidade em direção à fazenda. — Não muitas — JT confirmou. — Eles tomaram um atalho por entre as pedras e quando cheguei do outro lado, encontrei vários tipos de marcas. Hale Winters mantém o gado perto da linha divisória, do mesmo jeito que Chloe e seu pai fazem há anos. — Será que animais de Hale também foram furtados? — Micah inspecionava o horizonte, à medida que cavalgavam, com a aba do chapéu abaixada para evitar a 67

luz do sol da tarde. — O senhor sabe que esta ronda me fará perder o jantar, não é? — Ele fitou JT, pigarreou e ajeitou-se na sela. — Ouvi dizer que Lilly está de volta à fazenda. Será que ela fará frango frito para esta noite? JT sorriu. — O senhor deve ter se sentado mais de uma vez à mesa de Lilly. E, por falar nisso, eu a vi matando dois frangos hoje de manhã. — Aquela mulher é uma pessoa de ótimas qualidades. Acho que John Biddleton pode descansar em paz, sabendo que Lilly está ajudando na fazenda. — O senhor a conhece há muito tempo? — A família inteira dela veio em um comboio. Lilly morou por aqui, quando era solteira. Depois do casamento, mudou-se para o sul. Fiquei triste em saber que se tornara uma viúva, mas não posso dizer que não me alegrei por ela ter voltado. Um cavaleiro apontou no norte, cumprimentando com a mão erguida. — Agora é Hale Winters — Micah resmungou. — Posso apostar que mais alguma coisa aconteceu. O homem atravessou o campo aberto em diagonal e o caminho dos três se cruzou perto da longa alameda que levava à Fazenda B&B. — Olá, Micah. O vizinho de Chloe era, normalmente, um homenzarrão caloroso e simpático. Mas a carranca daquela tarde estava longe de indicar bom humor. — Problemas? — Micah perguntou e deteve o cavalo. — Malditos ladrões de gado roubaram perto de vinte das minhas melhores reses e parece que fizeram isso em plena luz do dia. — Hale também parou o cavalo, tirou o chapéu e bateu-o na coxa. Passou os dedos nos cabelos grudados na cabeça. — Estou suado de tanto correr atrás 68

deles. Eu os perdi nos contrafortes e suspeito que eles estão escondidos em um desfiladeiro. Seria uma estupidez ir até lá e servir-lhes de alvo. — Como foi que aconteceu? — Micah perguntou. — Meus homens reuniram o gado e estavam prontos para começar a marcação com ferro em brasa. Algum idiota disparou a espingarda e os animais se assustaram e começaram a mover-se em círculos. Alguns foram para o rio. Meus garotos dividiram-se em seis caminhos diferentes, tentando trazer os animais de volta. Quando conseguiram trazer o rebanho de volta, alguém notou que o número de animais diminuíra. — Quantas cabeças o senhor tem lá? — JT indagou. — Mais de duzentos naquele lote. Nós já havíamos trazido os bezerros e os animais de um ano. Meu rebanho contava com cerca de cinqüenta novilhos. Os bandidos levaram gado de primeira. — Bem, adeus ao frango frito — Micah grunhiu. — Precisamos dar uma olhada no alto do canyon e ver o que poderemos encontrar. — Virou-se para JT. — O senhor tem alguns homens para ceder? JT concordou, com um gesto de cabeça. — Iremos até onde Tom e Corky estavam trabalhando. Eles o acompanharão. Também poderá fazer uma inspeção por lá, mas duvido que ache mais do que eu lhe relatei. — JT cutucou o cavalo. — Vou até a casa avisar tia Lilly que viremos jantar mais tarde. — Bem mais tarde — Micah resmungou e virou o cavalo para seguir Hale de volta ao norte. — Ela não vai se importar. Vá à frente. Eu os alcançarei. JT não esperou resposta. Soltou as rédeas e voou até a casa. Encontrou Chloe e explicou a situação. — Quero ir junto — Chloe afirmou determinada. JT percebeu que ela resistiria a uma negativa. 69

Mas que porcaria! Chloe precisava aprender a ser mais flexível e deixá-lo administrar os assuntos mais perigosos. Mas, pelo visto, aquele não seria um dia apropriado para convencê-la. Na varanda, com as mãos na cintura, ela observava o cavalo de JT beber água na gamela. — Não quero impedi-la, Chloe, para que não se aborreça — ele declarou, alerta à imagem provocante da jovem. Admitiu que Chloe representava pelo menos metade de seus problemas. Todas as vezes que ele espiava os quadris arredondados, a cintura estreita e as curvas generosas do busto, perdia-se em pensamentos perturbadores. Talvez fosse melhor levá-la junto do que ficar preocupado com ela durante o tempo em que estivesse fora. Nos últimos dois dias Chloe cismara em trabalhar com os cavalos recém-amansados. Pensar em ferimentos naquela pele sedosa e ossos quebrados no corpo bem torneado seria um grande peso em sua consciência. Chloe percebeu que JT abrandara a expressão. Estava cansada de lutar com ele por cada centímetro conquistado. — Vou buscar meu casaco — ela avisou, decidida. — Peça ao Willie para encilhar meu cavalo. Flannery concordou e levou o garanhão até a estrebaria. Chloe entrou correndo na cozinha e tirou o casaco do gancho. — Jantaremos mais tarde, tia Lilly. Não se preocupe. — Eu deveria imaginar — a tia respondeu. — Os frangos já estão no tempero. Depois que estiverem fritos, deixarei na parte de trás do fogão, para que não esfriem. — Fitou a sobrinha com expressão reprovativa. —Vai levar uma arma? Chloe acenou afirmativamente com a cabeça e pegou a espingarda que estava no canto. 70

— Estamos falando em ladrões de gado, tia Lilly. Confie em mim. Nós nos protegeremos, mas teremos de ir muito bem armados atrás deles. Chloe enfiou a carabina na bainha de couro e subiu na sela. Seguiu JT pelo pátio. Passaram pelo curral e atravessaram o pasto a galope. Até que não era de todo ruim permitir que JT Flannery assumisse a liderança, Chloe refletiu. Bem, “permitir” não era bem a palavra adequada, quando se tratava de seu sócio. Flannery cavalgava ereto e soberbo. Era um homem forte. Apesar disso, ele fora cuidadoso pela manhã na sala dos arreios. O beijo a surpreendera. Gentil a princípio e persuasivo diante de sua recusa em permitir a intimidade que ele iniciara. Ele a segurara com firmeza, mas devia ser imparcial e reconhecer a veracidade de suas palavras. Eu nunca a machuquei. Era verdade. Ele a presenteara com calor humano e uma pincelada de paixão. Uma pequena parte inviolável de si mesma fora convocada. O toque das mãos e dos lábios de JT Flannery fizeram-na tomar conhecimento imediato de locais íntimos e profundos de seu corpo de mulher. Ele representara uma tentação e ela se rebelara contra o ímpeto de consentir naquelas carícias. Droga, ele continuava a tentá-la, Chloe zangou-se consigo mesma. Galopar na frente dela com aquela arrogância deveria ser desconcertante ou, pelo menos, ser um motivo de desagrado. E acontecia exatamente o contrário. Chloe não conseguia desviar os olhos do talhe longo, musculoso, rijo e dos quadris estreitos. Precisava concentrar-se na perda de parte de seu rebanho e, no entanto estava com pensamento e olhar fixos no corpo de um homem. E com mais um agravante. Ele a constrangera com um beijo e um abraço que jamais deveria 71

ter acontecido. JT Flannery despejara um caldeirão fervente que ela não conseguia controlar. E somente o fato de tê-la soltado e o olhar pesaroso a impediram de submeter-se à sua persuasão. Eram sócios e sobre isso não havia dúvidas. Mas a presunção de Flannery de que poderiam se envolver em uma parceria de maiores proporções era totalmente fora de questão. O casamento a deixaria em absoluta desvantagem. Chloe procurava refrear a tentação que a sensibilizava sempre que se recordava de como ele a tocara. Desde que se tornara uma jovem casadoura, já recusara vários homens da região que pretendiam invadir seu território. Procuravam fazer-lhe a corte ou se ofereciam, em alto e bom som, para resolver-lhe os problemas em troca de um anel de casamento. Chloe estava bem consciente do valor da fazenda e sabia o que os tornava tão cúpidos. Não era nenhuma beldade e o espelho no qual se mirava todas as manhãs não a deixava esquecer das sardas no rosto e das feições comuns. Mas aprendera a conviver consigo mesma e achava a vida muito satisfatória, mesmo sem a aprovação masculina. Até aquele dia, quando se vira dentro dos braços de JT Flannery… A senhora é uma mulher atraente. E não fora aquele o cumprimento mais fantástico que já recebera? Pelo menos ele fora honesto e não rodeara a afirmativa com enfeites supérfluos. Sua personalidade obstinada, a aparência comum e a determinação em administrar a fazenda a seu modo certamente não a credenciavam como esposa perfeita para a maioria dos homens. Mas… JT Flannery não era como a “maioria”, certo? 72

Capítulo V

Por efeito de algum milagre, o frango ainda estava tostado por fora e macio por dentro, o molho espesso e quente e as batatas conservaram-se cremosas. Micah estalou os lábios em aprovação, quando levantou o garfo e saboreou o primeiro bocado resultante dos esforços de Lilly. — Apreciei muito o seu convite para jantar — O xerife foi caloroso. — Reconheço que sou merecedor desta recompensa por ter ido ao encalço dos bandidos, subindo e descendo aqueles desfiladeiros. — Eu teria ficado ainda mais contente se tivéssemos conseguido algo além de uma porção de pistas — JT confessou, sério. — Pequenos fazendeiros não podem se dar ao luxo de perder cabeças de gado, mesmo que sejam poucas. — Tenho a suspeita de que os pequenos é que são os alvos preferidos dos ladrões de gado. Os fazendeiros de grande porte têm muitos vaqueiros espalhados pela propriedade — Micah alegou, encolheu os ombros e pegou mais um pedaço de frango. — Quando não se tem muitos homens para vigiar a divisa, fica difícil mantê-la sob controle — JT concluiu. — E quanto a Tom e Corky? — Micah perguntou, fitando Chloe. — Acha que eles estão acima de qualquer suspeita? — Pelo menos até agora, sim. Eles não estão aqui há muito tempo, mas têm trabalhado de modo satisfatório. — Tenho a impressão de que Tom é experiente — JT comentou — e que mantém Corky na linha. Eu me preocupo mais com Willie do que com aqueles dois. — Willie é vizinho — Chloe protestou. — Sua família é 73

composta de boas pessoas. A mãe trabalha duro e toma conta de tudo. — E onde está o pai? — JT perguntou. — Al Harper machucou-se há alguns anos e desde aquela época está preso a uma cama — Micah respondeu. — A mulher se esfalfa para conseguir manter as coisas em ordem. — Por que Willie trabalha aqui, em vez de fazê-lo na própria casa? — Curioso, JT fitou Micah e depois Chloe. — O emprego lhe prove meios que, junto com o negócio da manteiga e dos ovos da mãe, consegue manter a vida equilibrada. A mãe cuida da criação que ainda restou e Willie ainda trabalha quando vai para casa no final de semana. — Nesse caso ele deveria procurar comportar-se um pouco melhor — JT murmurou —, sabendo como o emprego é importante para ele. — O que quer dizer isso? — Lilly perguntou com aspereza e fitou Chloe. — Ele fez nova tentativa? — Willie é um bom rapaz — Chloe respondeu, exasperada e fulminou JT com o olhar. — Ele não tem segundas intenções. Ele não passa de uma criança. — Uma “criança” que tem olhos para a patroa! É preciso distinguir a diferença entre um menino que ainda não aprendeu o que é autocontrole e um homem que sabe se manter em seu lugar — JT expressou-se com rispidez. — Quem está descrevendo, Sr. Flannery? — Chloe indagou, irritada. — Será que Willie deveria tomar lições com o senhor? Micah pigarreou, desconcertado, e pediu para mudar o rumo da conversa: — Lilly, eu gostaria de comer um pouco mais de feijões verdes. A senhora os prepara de modo muito saboroso. Chloe enrubesceu, abaixou a cabeça e não tirou mais 74

os olhos do prato. Desejou não ter aberto a boca e ter guardado os comentários para si mesma. A defesa de Willie fora automática, baseada apenas na admiração pela Sra. Harper. Percebera muito bem os olhares lânguidos que ele lançava em sua direção desde o ano anterior, e em como também ele se tornava cada dia mais confiado. Além do atrevimento dos comentários que ficavam situados no limite entre a amizade e a corte amorosa. — Estou apenas querendo dizer que Willie deveria concentrar-se mais no trabalho, Chloe. Não quero nenhum homem atrevido trabalhando aqui — JT falou em tom acusatório e firme. — Isso é muito grave — Micah comentou, com o garfo no ar. — Será que não se trata de um erro de interpretação? — Será mesmo? — JT fitou Chloe que retribuiu, de queixo erguido. — Não tenho medo de Willie — ela revidou, com calma. — E também não gostei de o senhor ter ventilado esse assunto. — Pelo que me lembro, não fui eu quem o defendeu. De qualquer modo, acho que não podemos perder de vista um jovem que precisa de dinheiro como ele. Detesto pensar que Willie tem alguma coisa a ver com o roubo, mas valerá a pena vigiá-lo. — Então o senhor poderá ficar encarregado disso, “sócio”. Tenho coisas mais importantes a fazer. Chloe levantou-se e afastou a cadeira com um forte ruído. Lançou outro olhar fulminante na direção de JT e saiu, batendo a porta da varanda dos fundos. O vento do norte estava frio e ela permaneceu agarrada na grade, tremendo. — Vista o casaco — JT falou atrás dela e ajeitou-lhe o 75

agasalho de lã sobre os ombros. Chloe enfiou os braços nas mangas e aqueceu-se com o forro de veludo. As mãos de JT, mesmo por cima do tecido grosso, davam-lhe uma sensação de segurança. Flannery transmitia uma estranha mistura de conforto e perturbação. E, desde o começo, os elementos básicos de conflito na parceria. — Obrigada… — Não precisa me agradecer — JT murmurou, deslizou as mãos pelos braços de Chloe e terminou por abraçá-la pela cintura. Ele abaixou a cabeça e Chloe sentiu a respiração em seus cabelos que se tornaram sensíveis ao calor de JT. Virou a cabeça e escutou seu nome sussurrado pelos lábios que lhe tocavam a testa. — Acho que deixei o Sr. Micah sem jeito. JT casquinou umas risadinhas. — Duvido que ele se importe, ainda mais agora, sozinho com Lilly. A senhorita não me contou que ele tem certo entusiasmo por sua tia. — É isso que o senhor acha? — Chloe descontraiu-se. — Em se tratando de Micah, me parece uma dedução adequada para seus olhares ternos. — Ele hesitou e apertou-a entre os braços. — Agora, se falarmos de mim e da maneira como a tenho olhado nos últimos dias, acho que poderia sugerir uma descrição melhor. Chloe mexeu-se e JT afrouxou o abraço. Ela levantou os braços, apoiou as mãos no peito másculo e afastou-o. — Não. Não que ela não gostasse da sensação cálida em sua pele. Não que se sentisse ameaçada. Mas aquela pequena carícia falava pelas intenções de JT e nas quais vinha pensando sem cessar, mesmo quando cavalgavam pelos despenhadeiros. 76

— Eu não pretendi insultá-la, Chloe — ele afirmou, sem a soltar. — Não sei quantos homens já desfrutaram de sua companhia, mas acredito que a lista não deve ser muito longa. Ao ver que ela se preparava para responder, fechou-lhe os lábios com um dedo. — Não quero saber, doçura. Se alguém pretender reivindicar sua atenção, vai ter de me enfrentar primeiro. Chloe inspirou fundo, quando ele tirou o dedo de sobre seus lábios e novamente segurou-a pela cintura. — Isso tem alguma coisa a ver com a “sua” reivindicação? JT ficou em silêncio por um momento e depois a beijou no rosto. — Digamos que sim — ele sussurrou e riu, sem graça. — Eu já falei sobre isso antes, mas agora, pensando bem, devo confessar que… Enquanto ele procurava as palavras adequadas, Chloe sorriu diante da perturbação de Flannery. Ele não estava acostumado a passar por situações humilhantes e ela não pretendia facilitar-lhe nenhuma tarefa. — Do que está rindo? — JT perguntou, ríspido e segurou-a pelos ombros. Apesar do cenho franzido visível sob a luz do luar, ela não conseguiu deixar de sorrir. Chloe perdeu a visão da luz da janela da cozinha, quando ele curvou a cabeça e a beijou na testa. — Continue rindo… — ele murmurou. — Eu já lhe disse que para mim é a primeira vez. Nunca havia considerado a idéia de casamento, até agora. — Bem, a prática se adquire com o tempo. Quando encontrar alguém disposto a arriscar-se nesse jogo, saberá o que dizer. — Não gostaria de assumir o risco? Eu mesmo já estou 77

gostando da idéia. — JT fez uma trilha de beijos leves em seu rosto e Chloe prendeu a respiração, ciente do propósito dele. — Eu vou beijá-la, Chloe. Mesmo sabendo que corria perigo, o apelo era irresistível. Por alguns segundos, ressentiu-se de imaginar que aqueles poucos momentos com JT Flannery se destinassem a ficar restritos na memória. Os lábios quentes vieram ao encontro dos seus e quando o prazer a invadiu, ergueu a cabeça para aceitar a carícia oferecida. JT abriu um pouco a boca quente, úmida e experiente, e mordeu-lhe de leve o lábio inferior, o que a deixou arrepiada. Depois umedeceu-o com a língua e sugou-o com cuidado. Somente o soltou para mergulhar em um beijo suave. JT Flannery não exigiu nada e pareceu satisfeito com o roçar dos lábios. Ergueu a cabeça, inspirou fundo e fitou-a com intensidade. — Chloe, quer pensar sobre isso? Se não fosse o vigor dos braços que a seguravam, Chloe teria caído. Seus lábios estavam frios por causa da brisa que tocava a superfície úmida. Sonhadora, refletiu em como um simples toque de lábios podia proporcionar tal deleite. — Pensar sobre o quê? Se JT inclinasse a cabeça mais alguns centímetros e se encostasse mais um pouco, aquela boca generosa poderia mais uma vez… A risada suave de Flannery trouxe-a de volta à realidade. — Será que ainda não entendeu que foi pedida em casamento duas vezes em um dia? — Verdade? Pensei que uma proposta verdadeira incluísse as palavras: Quer se casar comigo? 78

— Acho que está com a razão. Não estou agindo de forma correta, estou? — Provavelmente não, mas isso não faria muita diferença — Chloe afirmou. — Eu já lhe disse antes, JT, que eu não quero me casar. Por mais que eu tenha gostado de seu beijo, isso não irá persuadir-me a aceitar um compromisso. Chloe pressionou-lhe o peito com firmeza e JT abaixou os braços. — Será que adiantaria se eu dissesse as palavras de acordo com o figurino? — A provocação estava presente em cada sílaba. Chloe ficou surpresa com a falta de interesse nos pontos de vista alheios. — Não sei como me expressar ainda com mais clareza — ela ergueu a voz, certa de que se arrependeria Por recusar. Mesmo assim, não importava o quanto JT suplicasse, nem o fascínio de suas carícias e de seus beijos. Não poderia permitir que ele a convencesse com palavras doces a aceitar uma aliança impossível. Já perdera metade da fazenda e arriscar o que lhe restara de seu patrimônio estava completamente fora de seus planos. — O senhor provavelmente será um marido excelente para qualquer mulher — ela contornou o impasse com exagerada paciência —, mas não para mim. JT fitou-a com a testa franzida. — Não esteja tão certa, querida — ele confidenciou com ternura e acariciou-lhe o rosto. — Não costumo desistir tão facilmente. Sobretudo quando desejo tanto… Chloe agarrou-lhe os pulsos e tentou sacudi-lo, sem sucesso. — Droga, Flannery, mas eu não quero! — Chloe gritou e a mentira feriu-lhe a garganta. 79

Ela o empurrou e pegou-o desprevenido. JT perdeu o equilíbrio, bateu com as costas na balaustrada e levou Chloe com ele. — Será que é tão difícil assim de acreditar? — ela perguntou, em um fio de voz. A porta foi aberta com força. — Não escutaram a senhora chamar? — Micah parou na entrada e JT anuiu, sem nada responder. Flannery pendeu os braços para os lados e Chloe fechou os olhos, profundamente envergonhada. Endireitouse e recuou, infeliz, com o coração apertado ao reconhecer o sucesso de sua negativa. — Chloe, vamos entrar. Era uma ordem que Chloe não podia ignorar, dado o respeito que Lilly merecia. Passou por Micah e caiu nos braços da tia. Elas entraram, a tia fechou a porta e indicoulhe para uma cadeira. — Agora conte-me o que estava acontecendo lá fora, minha filha. Não pude acreditar em meus ouvidos, quando percebi o comportamento inadequado de vocês dois. Micah e eu ficamos furiosos. — JT quer casar-se comigo — Chloe explicou, desanimada, fitando as mãos trêmulas no colo, enquanto lágrimas quentes deslizavam pelas faces e brilhavam sob a luz da lamparina. A gargalhada de Lilly surpreendeu Chloe, que levantou a cabeça. — O que esperava menina? O homem está apaixonado! Não tira os olhos de você o tempo inteiro. Percebi isso no momento em que o conheci. Chloe piscou para afastar as lágrimas e nada mais viu além de um borrão. Assim mesmo, tentou focalizar os olhos da senhora idosa. — Tia Lilly, não posso me arriscar a ficar sem a minha 80

metade da fazenda. Se eu me casar, perderei totalmente o controle do que acontece aqui. Quando penso no que Peter fez comigo, tenho vontade de virá-lo do avesso. . — Pelo amor de Deus, minha criança! Não pode culpar Peter por você ser uma cabeça-dura. JT não está interessado na sua metade da fazenda. Ele só quer você. Será que é tão difícil de entender? Chloe cerrou os dentes ao considerar as palavras de Lilly e balançou a cabeça em uma negativa. — Ele pensa que pode me beijar, fazer macaquices comigo e pronto. Fica tudo resolvido. Tia Lilly, ele faz minha cabeça girar com tantos absurdos. — Isso se chama desejo, minha querida, na falta um termo melhor. Não há nada errado em ter sentimentos e anseios por um homem. Ele quer fazer tudo certo, não quer? Ele não tentou levá-la para baixo dos lençóis sem uma cerimônia de casamento, tentou? Chloe sacudiu a cabeça com veemência. — Claro que não. É eu também jamais consentiria. Embora, para ser bem honesta, mais alguns minutos em seus braços e teria mudado de opinião. O que teria feito para contornar o desastre seria uma outra questão. Procriar cavalos e gado era muito diferente daquilo que acontecia entre homens e mulheres. Mesmo uma moça ingênua como ela sabia disso. O jantar do dia seguinte transcorreu quase em silêncio. JT saiu da mesa e deixou Chloe entregue a seus pensamentos. — Chloe, venha ver! Impaciente, tia Lilly despertou-lhe a atenção, segurando aberta a cortina da janela, o que permitiu à sobrinha observar o pátio. Um homem chegara a cavalo, os ombros caídos, a aba do chapéu sobre os olhos. A silhueta familiar do irmão a fez sufocar um grito de 81

surpresa. — Eu vou… — ela começou, mas ficou sem voz. — Mas é mesmo Peter? Chloe abriu a porta e saiu na varanda, seguida pela tia. — Em pessoa — Lilly comentou, seca. — Eu lhe disse que ele voltaria. Quanto quer apostar que vai tentar convencer JT a empregá-lo? — Por que ele iria querer aproximar-se de JT? — Chloe atalhou, apressada. Os saltos das botas ecoavam enquanto ela caminhava. — Peter faz parte da família e não tem de implorar nada para ninguém. Sempre haverá um lugar para Peter nesta fazenda. — Pensei que fosse virá-lo do avesso — a tia comentou, irônica. — Agora está pronta para saudá-lo como se fosse o filho pródigo. Chloe parou e virou-se para a tia. — Ainda estou furiosa com ele, mas eu me alegro de ver que Peter está bem. Esperarei até mais tarde para conversarmos mais seriamente. Chloe atravessou o pátio a passos largos, escavando jorros de poeira atrás de si, sem tirar os olhos da figura magra do irmão. — Peter? — ela chamou, apreensiva. Peter endireitou os ombros e virou-se. — Olá, Chloe… — A saudação foi feita em voz baixa, na defensiva, como se duvidasse que fosse ser bem recebido. — Mandei Willie procurar pelo novo patrão. Eu não sabia como você reagiria à minha chegada. — Você será sempre bem-vindo quando voltar para casa — ela afirmou com sinceridade. Achou que o irmão parecia mais jovem, inseguro e muito cansado. — Tia Lilly tem uma caçarola com sopa em cima do fogão. Por que não entra para comer? JT o encontrará dentro de casa tão facilmente quanto fora. 82

— Eu preferia falar com ele primeiro — ele falou, com ar sombrio. JT apareceu na entrada da porta larga. — Por que não conta para Lilly que Peter voltou? — JT perguntou para Chloe, estreitando os olhos de raiva. Era uma maneira clara de mandá-la embora. — Ela já sabe. — Chloe não se mexeu. — Gostaria de ouvir o que o senhor tem a dizer para Peter. — Acho que não vai lhe agradar — JT afirmou. E para sua surpresa, Peter concordou, taciturno. — Vá para casa, Chloe. Se eu quisesse a sua participação, teria ido para casa primeiro. Chloe sentiu uma pontada de dor. Era capaz de suportar as palavras ásperas de JT. Na verdade, aquele episódio serviria para erguer uma barreira entre eles, o que na verdade seria muito bom. Mas ser rechaçada pelo irmão fora uma flechada certeira no coração. Ela mal teve forças para virar-se e entrar em casa. JT notou os maxilares cerrados de Chloe e observou-a caminhar até a varanda. O sofrimento da rejeição a atingira e, mesmo assim, ela se mantinha ereta, de cabeça erguida. Teve pena da jovem, apesar de saber necessários aqueles momentos de privacidade com Peter Biddleton. A raiva ameaçou explodir, quando se voltou para o jovem montado. O ressentimento era visível na fisionomia de Peter e um ódio violento brilhava em seu olhar. — O senhor deve imaginar por que estou aqui — Peter falou. — Por que não me conta o motivo e me poupa do trabalho da adivinhação? — JT resmungou. — Não esperava vê-lo nas redondezas. Parece que já deu motivos suficientes de sofrimento para a sua irmã, isso sem falar se veio à procura de alimentos, como um mendigo. — Não vim pedir esmolas. Tenho expectativa de ganhar 83

o meu sustento — Peter revidou, com firmeza. — O que quer dizer com isso? Desembuche, garoto. — Preciso de um emprego — Peter confessou. — Acredito que haverá alguma coisa para eu fazer aqui, já que se trata da minha casa. JT sacudiu a cabeça. — É aí que está o engano, filho. Este não é mais o seu lar. Lembra-se? Eu me recordo de que jogou tudo fora, arriscando um full hand contra os meus quatro valetes. — Imagino que o senhor teve dias proveitosos, contando para quem quisesse ouvir como conseguiu a melhor parte dos Biddleton, não é? A acusação petulante machucou a sensibilidade de JT, por não ser verdadeira. — Tenho dito às pessoas que você me vendeu a sua parte da fazenda. Acredite, se quiser, rapaz. Uma expressão de alívio suavizou o ódio do olhar de Peter e ele se mexeu na sela. — Bem, a verdade é que preciso de um trabalho. Sou um bom caubói. Pode perguntar ao Hogan. Além do mais — o sorriso de Peter foi leve, mas provocante —, minha irmã ficará mais furiosa que um touro bravo se o senhor não me der uma oportunidade. — Chloe não me diz o que devo fazer, quando se trata de contratar empregados. Fizemos um acordo. — Ah, era de se supor que fizesse isso mesmo. Acho que imaginou Chloe como uma pessoa doce e maleável, não é mesmo? Uma mulher indefesa e solitária, tentando administrar uma fazenda. Garanto que o senhor lhe deu corda para que ela ficasse boazinha. JT cerrou os dedos das mãos na palma e resistiu à vontade de arrancar Peter do cavalo. Socá-lo contra a porta da estrebaria poderia melhorar sua raiva, mas isso não iria melhorar em nada seu relacionamento com Chloe. 84

— Deixe sua irmã fora disso. Se está procurando emprego, tenho de dizer-lhe que os salários não são muito bons. Como deve estar lembrado, o senhor encarregou-se de esvaziar a conta bancária há alguns meses, quando saiu da cidade. Sua irmã vem trabalhando com dinheiro emprestado. — Eu somente peguei o que era meu. E se não fosse pelo senhor, eu ainda seria o responsável por aqui. — Não me diga?! — JT empertigou-se, apoiou as mãos fechadas em punho na cintura, com um sorriso cínico. — Gostei de ouvir isso, garoto. Está dizendo que eu o obriguei a deixar a sua parte da fazenda em cima da mesa em Silver City? Peter hesitou. — Estou dizendo que o senhor pode ter tido uma pequena ajuda nos seus quatro valetes, Flannery. Não tenho nenhuma prova concreta, mas isso parece mais claro do que o sol que brilhava naquele dia. — Muito bem, filho — JT falou de modo arrastado. — Quando resolver fazer a acusação avise-me e estarei pronto para enfrentá-lo. Enquanto isso vá até a casa e deixe sua irmã acariciar-lhe a cabeça e dizer o quanto o príncipe é maravilhoso. — Enquanto o senhor decide se devo ficar em uma cama no alojamento? — Peter corou e agitou as rédeas.— Não vou dormir lá, sendo que tenho um quarto dentro da casa, Flannery. JT deu um sorriso, deliciado pela idéia de revelar a verdade ao jovem presunçoso. — Tenho de dizer-lhe que estou ocupando o seu antigo aposento. Se eu permitir que fique na fazenda, será como um trabalhador qualquer, Pete, não como o filho pródigo. E se isso não é de seu agrado, pode voltar por onde veio e achar algum ombro amigo para chorar. Imagino que deve 85

ter deixado Chloe banhada em prantos, mas a mim não impressiona. — Ora, seu… — Pode parar por aí — JT interrompeu-o. — Mais uma palavra e pode tratar de esquecer o assunto. Goste ou não, é assim que terá de ser. Hogan é o capataz e responde por mim. Qualquer objeção terá de ser feita aqui e agora. Mas não lhe dou o direito de questionar as virtudes de minha mãe em nenhum momento. Peter apeou do cavalo e levantou a mão para saudar alguém por trás de JT. Fitou Flannery e falou com arrogância para o homem que saía da cocheira. — Olá, Willie. Venha até aqui e leve meu cavalo, está bem? Vou até em casa. — Não é assim que as coisas serão daqui para frente. Terá de cuidar de seu cavalo, Pete. — Quando eu resolver que preciso de apelido, avisarei. — Peter, com olhar frustrado, passou por JT rumo à estrebaria. JT fez um sinal imperceptível para Willie. O jovem enfiou as mãos nos bolsos quando Peter se aproximou e, com um murmúrio, foi para o fundo da cavalariça. Peter voltou e subiu os degraus da varanda onde Chloe o esperava, ansiosa. O irmão abraçou a irmã e fitou JT com um olhar indignado que o atingiu através do pátio. Chloe ergueu a cabeça, abriu a porta e entrou, seguida por Peter. JT sabia que isso aconteceria algum dia. Mas aquela não era a hora ideal para a confrontação. Chloe gostava muito do irmão e acabaria inclinada na direção dele. Peter sempre venceria pelo afeto, por mais atraída que ela estivesse pelo novo sócio. E a atração era um fato. Ele estava ciente disso desde o primeiro beijo. Chloe poderia ser cortejada e acabaria 86

cedendo. Depois dos breves momentos na varanda na noite anterior, JT sentira o sabor de vitória. A lembrança de seu corpo macio e de seus lábios carnudos, quentes e desejosos não o abandonara. Chloe era uma mulher para ser tratada com carinho. Ela era exatamente o que ele sonhara naquelas longas noites em que se permitira dar vazão a seus anseios, quando imaginava um lar e uma esposa. Chloe era competente, determinada e enérgica. Poderia trabalhar a seu lado e dar-lhe filhos. A sociedade que se danasse. Chloe valia qualquer esforço que ele fizesse para persuadi-la a aceitar sua proposta. — Seu irmão vai mesmo ficar aqui? JT era uma sombra alta sob a luz do luar. Chloe observou-o caminhar de encontro a ela, com os sentidos em alerta. De todas as provocações de JT, a falha maior era o seu julgamento a respeito de Peter, ou Pete, como ele murmurara durante o jantar, quando ela o chamara pelo nome. Depois do jantar, com o alforje na mão, Pete fora para a estrebaria. Chloe subira a escada e trouxera um travesseiro de plumas, um dos acolchoados da mãe e um jogo de lençóis. Ela fitara JT com um estranho senso de alívio. Admitiu para si mesma que Flannery era melhor capacitado para lidar com seu irmão voluntarioso, o que tirava um peso de seus ombros. Seu pai se desesperara com seu único filho que sempre lhe causara problemas. Admitir que Peter não se emendaria fora muito doloroso para John Biddleton. Sua mãe o estragou com tantos mimos, ele dissera dias antes de sua morte. Ela sempre o favoreceu e você sempre foi mais forte. Preciso protegê-la, filha. Pedirei a Paul Taylor para mudar meu testamento um dia desses. Assim você 87

poderá administrar a fazenda e manter as mãos de Peter fora de tudo. Mas ele não teve tempo de fazê-lo. Talvez a intuição de que o pai faria o mesmo que JT, se ainda estivesse vivo naquela tarde, fez Chloe ficar mais conciliadora perante o homem que estava à sua frente. — Ele vai ficar? — JT repetiu a pergunta. — Acho que sim — Chloe respondeu, com voz baixa. — Ele levou seus equipamentos para a estrebaria. Tirei as roupas velhas do sótão hoje pela manhã. Eu havia limpado o armário e empacotado tudo quando o senhor chegou. — Ela tentou sorrir, sem sucesso. — Meu irmão não trouxe quase nada com ele. — E verdade. Mas eu também vim com muito pouco. — O senhor tem dinheiro para gastar. Pete, não. — A senhorita mudou o nome dele. — JT pareceu satisfeito e Chloe anuiu. — Ele me pediu isso, lembra-se? Acho que foi obra sua. — Sim, mas eu não sabia como a senhorita reagiria à idéia. — O senhor me disse, um dia, que ele deixaria de ser Pete quando se tornasse um homem. Se ele realmente quiser que isso aconteça, farei o que for possível para ajudá-lo. Chamá-lo de Pete me fará lembrar do caminho que ele tem a percorrer. — Espero que ele corresponda às nossas expectativas — JT afirmou, sério. — Não quero vê-la sofrer, Chloe. Ela levantou a cabeça e encarou-o sem piscar. — Já aconteceu antes… Tornará a acontecer. — Não se eu puder fazer alguma coisa. As palavras firmes de JT trouxeram um grande conforto para Chloe. Conforto esse que não se podia permitir acalentar. A sua simples presença era uma sedução variada. Ela recuou tarde demais, para não sentir a 88

fragrância do sabão de barbear, do aroma de couro e de roupa limpa, que faziam parte daquele homem. JT raramente se aproximava com cheiro de cavalo ou gado. Embora ela não tivesse aversão ao cheiro de estábulo e estéreo. Fora criada na fazenda e crescera em meio aos animais que forneciam os meios de subsistência. JT fazia questão de tomar banho e se arrumar todas as noites para o jantar. E não era a primeira vez que Chloe percebia-lhe os esforços para agradá-la. JT sentiu-a hesitar e abraçou-a pela cintura. Chloe usava um roupão que vestira após o jantar, depois de passar quase uma hora dentro da tina de madeira. Por baixo, vestia roupas íntimas, calçola e camiseta. Não usava meias e estava na sombra da varanda com os pés descobertos. Os dedos se curvaram na poeira do caminho, sentindo na pele o calor da palma das mãos de JT, apesar das camadas de tecido. — Nós combinamos não fazer mais isso — ela o lembrou, incapaz de impedir-lhe os avanços, apesar dos esforços para rejeitá-los. — Eu nunca falei nada sobre isso — ele sussurrou. — Foi você quem pôs os empecilhos na outra noite. Eu lhe avisei que não desistiria facilmente, não foi? — Ele afastou a cabeça e o luar iluminou o rosto de Chloe. — Além do mais, Clô, você comentou que,, eu seria um marido excelente para qualquer mulher. Continuo pensando que essa mulher poderia ser você. O sussurro de seu nome de maneira tão doce quase a convenceu. Quase. A rebelião que brotava em seu íntimo prevaleceu e reorganizou-se contra a tentação que ele oferecia. Triste, sacudiu a cabeça devagar. — Não. Agora que Pete está aqui, há ainda mais motivos para que eu me dedique aos negócios da fazenda. Não posso me permitir essa liberdade. Será que entende o 89

que eu quero dizer? Já estou lhe devendo dinheiro da compra do garanhão e do pagamento dos salários. Se eu me casar com o senhor… — Pare… — JT silenciou-a com um beijo leve. — E pare de chamar-me de senhor. Eu já lhe disse… Chloe virou a cabeça, procurando escapar da sedução do beijo. — Eu sei muito bem o que “você” me disse — ela argumentou, angustiada. — Mas não posso arriscar. — Nem mesmo se fizermos um acordo escrito? — JT contestou, irritado pelas dúvidas que, afinal, não deixavam de ser uma afronta pessoal. — Eu torno a dizer-lhe que não me interessa a sua parte da fazenda, Chloe! Chloe escutou a voz dele pronunciar seu nome e lamentou por ele não a chamar mais pelo diminutivo. — E o que você quer? Que eu desempenhe as tarefas na cama e na cozinha, enquanto fica tomando conta da fazenda? Se JT a impedisse de continuar com o trabalho que fora obrigada a enfrentar, e aprendera a gostar, durante seis anos, estaria cometendo um atentado contra a sua natureza. O sorriso foi breve e logo substituído pelo movimento firme dos lábios que pronunciaram as palavras que a deixaram sem fôlego. — Eu quero você, pura e simplesmente. Você, Clô. Na minha cama, ao meu lado, à mesa pela manhã e em meus braços, sempre que for possível. — Você me quer — Chloe repetiu a afirmativa de JT com voz trêmula e considerou as palavras desprovidas de qualquer emoção, exceto pelo desejo. — Isso não deveria surpreendê-la. Eu fui bem claro. Você é a mulher que eu venho procurando há anos. — Mas não foi o que você pensava antes — ela 90

contestou as pretensões de Flannery. —Vi a maneira como me olhou no primeiro dia. Descartou-me como se eu fosse uma mulher simplória incapaz de batalhar junto a um homem como você. — Você realmente pensou isso? — JT perguntou, com um sorriso. — E eu admirei seus cabelos bonitos e trançados ao redor da cabeça, e fiz o impossível para tentar contar as sardas de seu nariz. Chloe desejava muito acreditar nas palavras de Flannery, mas não se deixou levar pela lisonja. — Eu não sou nenhuma tola — ela assegurou —, vejome no espelho todas as manhãs. Apesar de consciente da minha aparência, não me queixo. Aprendi a conviver com a mulher simples, de rosto comum e cheio de sardas, e com uma estatura abaixo da média. — Não há nada de errado com seu corpo ou seu aspecto, querida — JT murmurou. — Você tem as curvas nos lugares certos e acontece que eu gosto de sardas… — Suponho que o próximo passo é dizer que se apaixonou por mim à primeira vista — ela escarneceu. JT sacudiu a cabeça devagar. — Não, senhora. Eu não mentiria para você. Eu nem mesmo tenho certeza se entendo o que é “paixão à primeira vista”. Mas sei que a desejo como esposa e gostaria de passar o resto de minha vida sendo um bom marido para você. — Bem, tudo isso é encantador, Flannery — Pete afirmou, escondido nas sombras laterais da casa —, mas eu gostaria que tirasse as mãos de cima da minha irmã. Tenho uma arma na mão, caso o senhor necessite de um certo grau de persuasão.

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Capítulo VI

— Não creio que pretenda atirar em mim, garoto — JT soltou Chloe e virou-se para encarar o rifle apontado em sua direção. — Pelo menos, não, com sua irmã na linha direta do tiro. Você não seria tão irresponsável. — Por que não se afasta dela, grande homem? Assim poderemos ficar mais à vontade… — Pete indicou a direção com o cano da arma. Chloe recuperou a voz. — Largue essa arma, seu tolo. Papai se viraria no túmulo, se o visse agindo desta maneira. — Chloe afastouse de JT, foi até a extremidade da varanda, arrancou a espingarda das mãos do irmão e apontou-a para o alto. — Não sou mais criança, Pete, e sou responsável por meus atos. Agora volte para o alojamento e comporte-se. Se quer um emprego aqui, levante-se ao alvorecer, disposto a enfrentar longas horas de trabalho duro. Não tente criar confusões, por favor! Apesar do evidente desapontamento, Pete demonstrou a raiva que sentia. — Papai deveria preocupar-se mais com você. Fica aí se atirando nos braços de um reles jogador e bancando a tola na frente de quem quiser ver. — Muito bem, filho. — JT aproximou-se de Pete. —Eu diria que nada disso é de sua conta. Será melhor seguir a sugestão de sua irmã e voltar para o dormitório. — Pegou a carabina das mãos de Chloe e ajeitou-a na dobra do cotovelo. — Onde conseguiu isto? — Era de meu pai — Pete explicou, desafiador. — E ainda existem outras no lugar de onde tirei esta. “Eu diria” que posso pegar qualquer uma que me agradar. 92

— Pois “eu digo” que será mais conveniente manter as mãos afastadas de tudo o que está dentro desta casa. Pensei ter sido bem explícito ao explicar que nada daqui lhe pertence, Pete. E se não fui convincente da primeira vez, não me importo de repetir. Você perdeu sua parte, isso é límpido e certo. Agora é pegar ou largar. Chloe teve vontade de repreender JT, ao mesmo tempo em que desejava consolar o menino que fora seu companheiro desde o nascimento. O bom senso a fez ficar calada e ela enfiou as mãos nos bolsos fundos do roupão, trêmula pelas emoções que a acometiam. Pete fitou-a e ela abaixou a cabeça. Não queria minar a autoridade que acabava de conferir a JT com seu silêncio. Mesmo assim, ansiava para oferecer conforto ao irmão. Chegou a abrir a boca, mas desistiu. Pete dirigiu-se para o galpão de janelas iluminadas, onde os outros homens já estavam acomodados para o descanso noturno. A noite viera acompanhada de ar frio. O rolo de fumaça que saía da chaminé fina garantia um calor agradável no fogão. Quando Pete abriu a porta, ouviu-se o som de risadas e a voz alta de Lowery. — O que acha que eu disse a ela? — ele perguntou. Minha mãe não criou nenhum tolo. Eu a segui escada acima e… A porta foi fechada e Chloe fitou JT, intrigada. — Conversa de homens, Clô. Vamos entrar. Certo que não esqueceria tão depressa quanto ela das palavras iradas e das atitudes de Pete, JT pôs o rifle debaixo do braço e voltou para dentro, de mãos dadas com Chloe. O bule de café estava em cima do fogão. Chloe serviu a bebida forte em duas xícaras, antes de sentar-se à mesa. A lamparina que pendia do forro derramava um círculo de luz. — Você não vem? — ela perguntou. — Quer falar sobre Pete? — JT estava em pé ao lado 93

da janela. Chloe deu de ombros e passou a ponta do indicador na beira da chávena. Reconhecer a verdade e aceitar as falhas do próprio irmão causava sofrimento e tristeza. — Suponho que deveríamos. Mas não há mais para ser dito. — Ela suspirou. — Pete errou e sabe disso. Meu irmão sempre teve problemas com autoridade. Desde os tempos de garoto, quando papai precisava repreendê-lo por não desempenhar as tarefas. Não sei o que mais você poderia ter feito esta noite. Mais aliviado, JT aproximou-se da mesa coberta com oleado xadrez, puxou uma cadeira e sentou-se. — Não tinha certeza se me apoiaria, Clô. Não tinha intenção de ferir seus sentimentos, mas Pete desafiou minha autoridade. — Sei disso — ela concordou, com os olhos marejados. Chloe piscou, levantou a xícara para tomar um gole e as lágrimas que lhe escorriam pelas faces brilharam sob a luz bruxuleante. Fitou o líquido escuro, como se pudesse achar a solução para seus problemas debaixo da superfície escura. — Pete está errado em muitas coisas — ela continuou —, e se não começar a amadurecer, não sei o que será dele. — Ele a acusou de atirar-se em meus braços — JT resmungou. — E a verdade é completamente outra. Eu é que a tenho seguido como um cachorrinho sem dono e você é que tem rejeitado todas as minhas propostas. JT estendeu os braços, tirou-lhe a chávena das mãos e apertou-as entre as suas. — Se nos casássemos, Clô, talvez Pete entenda o que está acontecendo. Se ele souber que estou aqui para ficar, poderá acalmar-se. — Ou então, poderá sumir outra vez — Chloe lastimou, 94

com os lábios trêmulos. — Tenho medo de perdê-lo. Ele é tudo o que tenho neste mundo. O silêncio de Flannery foi mais eloqüente do que se ele houvesse contestado a afirmativa. Chloe reparou na seriedade que denunciava um desalento interior. Ele a olhava, com as pálpebras semicerradas e acariciava-lhe a superfície das mãos. — Tem mesmo certeza que ele é “tudo” para você, Clô? Será que eu não mereço nem um pouco de sua estima? Haverá alguma possibilidade de eu partilhar sua vida? Você permitiria que isso acontecesse? — JT hesitou, à espera de que Chloe meditasse em suas indagações e depois sorriu. — Acho que estou malhando em ferro frio, não é? JT soltou-lhe as mãos com delicadeza e levantou-se da cadeira devagar. — Boa noite, Chloe. Ele caminhou com cuidado sobre o piso de tábuas do vestíbulo, para não chamar a atenção de tia Lilly. Subiu a escada sem fazer ruído e apenas um pequeno estalo do terceiro degrau denunciou a passagem dos Pés calçados com botas de vaqueiro. Chloe continuou sentada sob a lamparina quente, de costas para o fogão. Escutou os passos de JT no quarto que ficava em cima da cozinha e o rangido da cama, quando ele se sentou em cima do colchão. Curvou a cabeça, aninhou o rosto sobre os braços e deixou as lágrimas escorrerem livremente. Nas duas semanas seguintes, Chloe aturou-o, pelo menos na aparência. Acatou as ordens de JT, aceitou suas idéias, mesmo quando delas discordava. Preferia afastarse, em vez de discutir. E aquela atitude o irritava além da conta. Não se repetiram os dias em que ela implicava ferozmente com os menores detalhes e lutava para manter a posição de 95

administradora da Fazenda B&B. Fitava o irmão amado com olhos tristes e JT não encontrou nenhuma alternativa para consertar os estragos que ameaçavam romper a paz que ele chegara a conhecer dentro da casa da fazenda. As refeições eram feitas em um verdadeiro campo de batalha silencioso, no breakfast e no jantar, com todos os homens reunidos. Com a volta de Lilly, eles não comiam mais no alojamento. O trabalho foi intensivo no final da primavera. Vários homens passavam a manhã treinando cavalos para serem vendidos. Montavam no curral, ao som de gritos e risos. Revezavam-se com Chloe no trabalho de amansar os animais. Cavalgavam pela extensão do campo, ida e volta. Os braços de Chloe doíam de tanto usar as rascadeiras e as escovas nos pêlos lisos. Mesmo assim, ela não desistia da tarefa. Tratar dos cavalos era uma parte essencial do treinamento deles. Acostumar os animais ao toque humano era um método progressivo que envolvia várias etapas e não apenas a tentativa de montá-los. E ela sempre gostara das horas passadas com os eqüinos, quando se permitia murmurar as esperanças e os sonhos em ouvidos atentos e discretos. Chloe supôs que aquele dia não seria diferente, exceto por suas expectativas de felicidade futura, que pareciam mais distantes do que nunca. Jamais se interessara por nenhum homem, sempre receosa que metade dos sentimentos deles pudesse estar centrada na Fazenda B&B. Seria o mesmo que reconhecer que seu maior encanto era a habilidade em conduzir éguas saltitantes de volta ao pasto. Tirou o cabresto do animal brincalhão e bateu-lhe carinhosamente nas costas. A égua de patas brancas foi direto para o riacho que corria na extensão do campo 96

coberto por gramíneas. Cavalos pastavam, abrigados sob as árvores. Chloe fechou devagar a porta de madeira gradeada, atenta à variedade dos animais de pelagem de cor única. Por causa da afirmação de JT que um malhado auferia mais lucros, o novo garanhão era usado diariamente para cobrir as fêmeas. Chloe mantivera-se longe da área de cruzamento. Delegara aos homens o encargo de amarrar as fêmeas e acolchoar os cascos do garanhão. Seu pai simplesmente soltava o garanhão no campo e deixava a natureza seguir seu curso. JT tinha uma maneira diferente de planejar a cobertura. Só o tempo diria qual método funcionava melhor. Chloe trancou a cancela e voltou para a estrebaria, onde Lowery se ocupava em amarrar a sela em um dos animais jovens e castrados. — Está aprontando o cavalo para eu dar uma volta?— ela perguntou e sorriu, quando o cavalo focinhou a manga de Lowery. — Ele é muito genioso, srta. Chloe. Será melhor manterse de sobreaviso. — Lowery, onde meu irmão está trabalhando hoje?— Era uma pergunta inútil. Pete desaparecia durante horas na maioria dos dias e Chloe admitiu que JT aguardava o momento mais propício para repreendê-lo. — Não saberia lhe dizer, senhora — Lowery respondeu, evitando encará-la. — A pedido de JT, nós estávamos ocupados com os jovens touros… — O homem corou e o encolher de ombros foi eloqüente. — Eu sei que estão marcando os touros. Pode ser que Pete esteja lá. — Duvido. Ontem ele reclamou estar cansado de trabalho sujo. — Lowery sorriu, pesaroso. — Seu irmão não 97

gosta muito das ocupações da fazenda, sejam elas quais forem, não é verdade? — E, sim, infelizmente. — Está pronto, senhora. — Lowery passou o cabresto no capão, apertou a fivela e amarrou uma corda de comando. — É todo seu. Ela tirou a correia da mão do caubói e Lowery virou-se na direção da sala dos arreios, carregando a sela e a brida. Chloe saiu rapidamente da cocheira. O cavalo brincava de dar cabeçadas em seu ombro, o que afastava a melancolia. Descontraída pelas cabriolas do animal, riu alto e, alegre, ralhou com ele. — Você não tem dado muitas risadas ultimamente— JT sussurrou, ao surgir ao lado da porta da estrebaria e vir ao encontro de Chloe. O coração da fazendeira bateu ainda mais forte, quando ele lhe afastou uma madeixa de cabelos da testa. Chloe engoliu em seco, mas o nó na garganta não sumiu de onde se instalara há duas semanas. Naqueles quinze dias, ela se mantivera à beira de uma crise de choro o tempo inteiro. Somente o trabalho intenso com os animais aliviava-lhe a tensão. Mas com o calor excedente trazido pela presença de JT, as lágrimas não puderam mais ser contidas. Ela tossiu e virou a cabeça para não revelar a própria fragilidade, mas não adiantou. — Clô? — Ele segurou-lhe a mão agarrada na correia. — Olhe para mim, por favor. — Não posso — ela sussurrou, piscando muito para afastar as gotas salgadas. — Claro que pode. A convicção de JT e as carícias no rosto feitas por ele com a mão livre convenceram-na. Mas o cavalo puxou a correia, soltando o tênue aperto de mãos. 98

— Mas que droga, Chloe! — JT praguejou. — Preciso muito falar com você. — Conversaremos na hora do jantar. — Ela procurou mostrar firmeza na voz. Empertigou-se e puxou a tira de comando. — Lowery! — JT gritou e em segundos a resposta veio de dentro da estrebaria. — Estou aqui, JT. O que houve? — O homem ruivo saiu do galpão, com uma brida na mão e um laço na outra. — Eu pretendia ir para o pasto laçar outro animal do rebanho. Achei que teria muito tempo… — Ele hesitou, ao ver a expressão de JT. — Venha pegar este cavalo e trate de acalmá-lo. Chloe eu temos uma tarefa urgente para fazer. — Claro, patrão, não se preocupe. — Lowery tirou a correia da mão de Chloe com calma e deu um assobio que ecoou pelo campo. O cavalo o seguiu alegre e obediente. JT, com a mão na cintura de Chloe, levou-a até o pomar. As árvores frutíferas estavam frondosas e floridas em todo o seu esplendor. A relva nova crescia sob os ramos desfraldados das copas. Sem maiores cerimônias, JT puxou-a e ambos se sentaram no tapete exuberante. — Agora, Clô, fale comigo. Diga-me o que devo fazer para que acredite em mim. — JT trouxe a mão de Chloe até o próprio joelho e segurou-a com firmeza. Com os dedos calosos acariciou-lhe a pele macia e limpou uma pequena mancha de poeira. Suspirou e levou a mão delicada aos lábios. Chloe fez um gesto brusco, mas JT não a soltou. — Eu já lhe disse uma vez para não se fazer de valente comigo. Não precisa me provar como o “senhor” é forte. JT limpou-lhe uma lágrima do rosto e Chloe inspirou fundo. 99

— Por que as lágrimas? — ele perguntou, com ternura, ignorando a rispidez. — Um cisco no meu olho — ela mentiu, com os dentes cerrados em busca de controle. — Não gosto de vê-la chorar, Chloe. Quero saber o que há de errado com você — ele afirmou, com a impaciência decorrente das noites mal dormidas e dos dias extenuantes. — Já que insiste, eu lhe direi. Tenho chorado mais nas últimas semanas, depois que você apareceu, do que em minha vida inteira. Ainda por cima, eu me culpo por desejar que Pete não tivesse voltado. Fico com raiva dele e ao mesmo tempo rezo para que tudo se acerte. Ela levantou a mão livre para afastar nova enxurrada de lágrimas da face. — E, bem lá no fundo, sei que isso nunca acontecerá, JT… Quando Chloe levantou a cabeça, ele notou as olheiras escuras que sombreavam o rosto cheio de sardas. — Está tudo errado!— ela se exasperou. — Pete não tem cumprido a parte dele do acordo e você tolera isso, quando não deveria fazê-lo! — Talvez não mesmo, Clô, mas ele é seu irmão. Eu tenho agüentado por entender que, no momento, ele está furioso com o mundo. — Ele nunca será um fazendeiro. — Chloe desvencilhou-se dos dedos de JT e passou os dedos nas folhas de gramíneas a seu lado. — Meu pai queria tanto que Pete se interessasse pela fazenda… Mas meu irmão nunca teve aptidão para o trabalho rural. — Você sempre acompanhou seu pai nas tarefas? — Sempre. Nós tínhamos os mesmos gostos e ideais. Todas as manhãs observávamos os campos da varanda dos fundos e na maioria das vezes eu podia adivinhar o que ele pretendia fazer naquele dia. Papai era um fazendeiro 100

excelente, embora não tivesse idéias avançadas como as suas. Ele era mais conservador e achava melhor deixar as coisas acontecerem naturalmente. Depois empenhava-se em cuidar dos bezerros e dos potros recém-nascidos. — Ele não era um criador. — Acho que não. Ele nunca pensou em aperfeiçoar o rebanho ou trazer sangue novo para a fazenda, como você fez. JT pigarreou e tornou a segurar-lhe a mão. — Estive pensando em comprar um touro de boa estirpe. Talvez no ano que vem possamos cuidar disso. Assim teríamos maior quantidade de bezerros. Se cruzarmos as vacas logo depois da parição, em dois anos teremos muitas reses para vender. — Você está aplicando muito dinheiro na fazenda. Assim vai acabar sendo dono de tudo. — Você está enganada, Chloe. Minha única intenção é tornar-me um sócio eficiente. Venho planejando o investimento em animais desde que cheguei aqui, mas o estoque atual terá de sustentar-nos até que o sangue novo faça a diferença. Nunca se pode ter certeza absoluta do sucesso, mas se trabalharmos com afinco, eu diria que poderemos ter uma operação bem sucedida em três anos. — Acredita que a criação programada poderá despertar o interesse de Pete? JT hesitou e acariciou-lhe a mão. — É possível, quando ele se cansar de receber ordens. Talvez ele esteja quase chegando a esse ponto, querida. — E verdade — Chloe concordou. — Ele me preocupa muito. Pete está confuso e some por longos períodos. Ninguém sabe para onde ele vai ou o que está fazendo. Eu esperava que você lhe chamasse a atenção. JT deu uma risada seca e apertou-lhe a mão entre as suas. 101

— Não terá de esperar muito por isso. Ele está consumindo os últimos cartuchos da oportunidade que lhe dei. Uma discussão vinda da estrebaria chamou-lhes a atenção. — Assim não é possível, Pete! — Era a voz irada de Hogan. — Mandei que percorresse a extensão da cerca e trouxesse os animais desgarrados, e novamente você volta com as mãos vazias. O que diabos você fez a manhã inteira? — Não tenho de dar satisfações a um capataz — Pete retrucou com rispidez. Pete olhou para o local onde Chloe e JT estavam sentados. Eles ficaram em pé, depois de ouvir o diálogo áspero. — Por que não pergunta à minha irmã o que ela tem feito nos últimos dias? — Pete ironizou. — Parece que ela e o novo sócio não fazem outra coisa a não ser sentar-se embaixo das macieiras e jogar conversa fora. JT saiu de perto de Chloe e em menos de cinco segundos segurou com força a frente da camisa de Pete. Levantou-o do chão e atirou-o de encontro à parede da cavalariça. — Eu lhe ensinarei a ter mais respeito por sua irmã — ele murmurou, agarrado na camisa escura e com a junta dos dedos sob o queixo de Pete. — JT… — Chloe aproximou-se e segurou-o pelo antebraço. — Deixe-o — ela pediu, sem irritar-se. JT fitou-a e atendeu à solicitação. Pete fitou os vaqueiros com ar triunfante. Apreensivos, Lowery e Hogan esperavam na entrada da estrebaria a reação de JT. — Acho melhor você fazer o que Hogan mandou ou terá que empacotar suas coisas e sair daqui — JT avisou-o, 102

sem se alterar. — Não quero ter um homem na fazenda que não sabe dar valor ao que come. — É mesmo? — Pete desafiou, com as mãos na cintura. Estreitou os olhos para fitar a irmã. — O que acha disso, Chloe? Vai deixar o jogador mandar-me embora da fazenda? Chloe estava dividida entre a atitude correta de JT e a certeza de que a partida de Pete seria para sempre. — JT está encarregado da administração da fazenda — ela finalmente falou. — Você terá de entender-se com ele, Pete. Ela sentiu o coração apertado, ao ver Pete virar-se. — Já resolveu, filho? — JT perguntou, enquanto Pete entrava no galpão. —Não tenho escolha — Pete resmungou. — Terei de percorrer a extensão da cerca à cata de bois perdidos, durante todos os dias da semana. O rapaz tirou de novo o cavalo da baia, voltou para o pátio e montou. Com expressão dura e o maxilar cerrado, abaixou a aba do chapéu sobre os olhos. — Voltarei para o jantar — ele falou com Hogan. — Arrastarei todos os animais perdidos atrás de mim. Espero que isso a faça feliz, irmãzinha. Depois das palavras sarcásticas, Pete virou o cavalo com um puxão das rédeas, passou pelo curral em direção da pastagem. — Pensei que ele iria embora — Hogan comentou com JT, enquanto observava o jovem afastar-se. — Ele nunca foi de aceitar ordens, mesmo quando partiam do pai. — Já ouvi falar nisso — JT respondeu. — E será melhor manter os olhos abertos. Talvez um dos homens pudesse vigiá-lo por alguns dias. — Daremos um jeito, embora não tenhamos vaqueiros em número suficiente para brincar de ama-seca — Lowery 103

replicou, com aspereza. — Pete tem abusado muito. Se quer minha opinião, ele está procurando encrenca. O jantar transcorria com tranqüilidade. Pete chegou tarde, depois da refeição ter começado. Chloe estava em pé ao lado do fogão e segurava a travessa, enquanto tia Lilly tirava os pedaços de carne de porco da frigideira enorme. Chloe virou-se ao ouvir a porta ser aberta. — Olá, pessoal — Pete saudou a todos, animado. — Localizei doze animais desgarrados para você, Chloe. Deixei todos no pasto para serem conferidos. Pete sentou-se à mesa, puxou o prato, lotou-o com verduras e legumes das tigelas, e temperou-os com molho. — Notou algum problema por lá? — Hogan perguntou, levantando o garfo. Espiou Pete passar manteiga em uma fatia grossa de pão. — Algum pedaço de cerca cortada? — Não vi nada de anormal. Os ladrões de gado já devem ter sumido. Aposto que venderam tudo antes de percorrer trinta quilômetros. — Não acredito — Hogan declarou, asperamente. — Os animais são marcados. Nenhum fazendeiro das redondezas comprará gado ferreteado. Homens honestos, é claro. — De qualquer modo, não é necessário armar um escândalo por causa disso — Pete respondeu, no mesmo tom. — O que são algumas cabeças, quando as pastagens estão cheias de animais? — Você não seria tão generoso com eles, se o gado fosse seu — JT retrucou, irritado. — Acho que precisa colocar suas idéias em ordem, garoto. Pete afastou a cadeira da mesa e ficou em pé. — Não sou garoto! Tenho mais direito a isso aqui do que um jogador insignificante que faz do jogo seu meio de vida. Flannery, esconder quatro valetes na manga podem ter feito do senhor uma pessoa importante, mas eu não me 104

impressiono com isso. — Quatro valetes que me foram destinados pela sorte não me fizeram uma pessoa importante. Tornaram-me dono da metade desta fazenda. — JT levantou-se devagar e afastou a cadeira sem ruído. — Agora, se quiser sair e falar sobre como trapacear no jogo, eu o esperarei atrás da estrebaria. Pete fitou Chloe, que estava arfante e infeliz pela escolha que teria de fazer. — Não faça isso, Pete. Retire a mentira absurda que acaba de dizer, antes que as coisas terminem mal. — Você acredita mais nele do que em mim? — Pete estava vermelho de cólera. — Ele é um jogador, um camarada nojento que só sabe blefar. Ele me fez de bobo e ficou com a minha parte da fazenda. — Não tenho nenhum motivo para achar que ele está mentindo… Chloe tomou uma decisão que poderia custar-lhe o amor do irmão e muito sofrimento. Mas ficar ao lado de JT impediria Pete de continuar jogando um contra o outro e a situação acabaria por melhorar. —… pois vou casar-me com ele — Chloe completou com serenidade, notando os punhos cerrados de JT que, surpreso, virou-se para ela com os olhos brilhantes de satisfação. — Amanhã iremos até a cidade, procurar o reverendo. — Oh, Deus, finalmente! — tia Lilly exclamou e levantou os braços. — Você já desperdiçou tempo demais, Chloe. JT apertou os lábios e corou, fitando Lilly de esguelha. — Para mim está ótimo. — Ele mirou Chloe com os olhos brilhando de emoção. — Achei que você pão quisesse dizer a todos, até o compromisso estar firmado, querida — JT declarou e enlaçou-a pela cintura. — Mas o que você resolver, estará resolvido. 105

Hogan sorriu do outro lado da mesa e Lowery não conteve um sorriso de satisfação. — Vou até a cavalariça. — Willie levantou-se da cadeira e abaixou a cabeça. — Tenho coisas mais importantes para fazer do que ficar escutando bobagens. — Bem… — JT acenou a ordem para o rapaz sair. —… não considero “bobagem” a decisão de uma mulher em se casar. Na verdade, eu gostaria de propor um brinde para a futura Sra. Flannery. JT levantou a xícara de café e os homens o imitaram com os copos e canecas. Pete deixou a cadeira cair no chão e saiu, batendo a porta de tela atrás de si. Hogan riu com vontade e levantouse. — Eu não sou muito entendido em fazer brindes — o vaqueiro desculpou-se —, mas desejo que a felicidade do casamento se perpetue durante todos os dias, até o fim de suas vidas. Chloe será uma ótima esposa, patrão. E nós ficaremos vigiando para ver se o senhor a trata bem. — Ele tomou um gole de cerveja escura e limpou a boca com as costas da mão. — Agora vou terminar de comer esta carne de porco deliciosa, Lilly, e servir-me de mais um pouco de feijão verde. Com um sorriso de satisfação, Hogan tornou a sentarse. Os homens continuaram a comer, rindo e contando piadas ao redor da mesa enorme, aparentemente determinados a não permitir que a saída apressada de Pete empanasse a alegria de todos. — Será que ele está bem? — Chloe murmurou para JT, para os outros não ouvirem. JT encolheu os ombros. Admitia a sua incapacidade em compreender os atos de Pete. — É difícil prever. Mas ele terá de fazer uma escolha, 106

querida. Ou ele trabalha na fazenda ou vai embora. E você nada pode fazer por ele. — Pete está com ódio de mim. — O sussurro de Chloe foi lastimável. — Você imaginou as conseqüências do que acabou de fazer. — JT segurou-a com mais firmeza pela cintura e levou-a até a cadeira que ela ocupara antes. — Vamos comer. Você já fez tudo o que podia. Pete é um homem e terá de aprender a conviver com seus erros, como todos nós fazemos. Chloe atendeu ao pedido e sentou-se. JT acomodou-se a seu lado. Os outros passaram as travessas e começaram a conversar com eles, dispostos a levantar-lhes o ânimo. — Faz anos que não vou a um casamento — Hogan afirmou, com um sorriso escancarado. — Chloe, a senhora pretende caprichar na festa, com comida e dança para todos os vizinhos? — Pode apostar — JT afirmou com simpatia e um olhar caloroso para Chloe. — Vai ser uma celebração e tanto! — Eu não lhe deixei nenhuma escapatória, não é mesmo? — Chloe encostou-se na parede lateral da casa e fitou JT. — E quem disse que eu queria uma? Eu a tenho impelido nessa direção, desde que cheguei aqui. Nem posso dizer que esteja infeliz com o desenrolar dos acontecimentos. Na verdade, tenho até de agradecer a seu irmão pelo desenlace. Chloe observou o pátio onde o pomar vicejava e a florada pálida brilhava sob a luz do luar. — Eu receava expor você ao ridículo, ao fazer o anúncio na frente de todos. — E por acaso eles pareceram surpresos? — As palavras de JT soaram um tanto presunçosas. — Chloe, eles adivinhavam o que eu queria, desde o começo. Nunca 107

fiz nenhuma tentativa de esconder o que eu sentia a seu respeito. — E o que você sente? — ela indagou, corajosa por estar no escuro. O coração de Chloe batia forte à espera da resposta, embora sem cogitar de uma declaração amorosa. Afinal, ele sempre se jactara de que apaixonar-se não era de seu feitio. — Eu sinto que estou para tomar a atitude mais sensata de minha vida. Você é bonita, determinada e inteligente. E me atrai mais do que qualquer outra mulher que conheci. Se pensa que vai ser um grande sacrifício de minha parte fazer amor com você, prepare-se para uma grande surpresa. Tudo aquilo por uma afirmação de amor, Chloe refletiu, olhando a paisagem sem ver. — Não tenho dúvida quanto a isso, JT. Mas eu sempre acreditei que teria de amar um homem antes de aceitar seu nome ou ir para a cama com ele. — Não quero pressioná-la, querida — ele falou com um traço de desapontamento. — Nunca exigi nada de uma mulher. E não será agora que o farei. Chloe virou-se e fixou-se no olhar intenso e escurecido pela aba do chapéu. — Está querendo dizer que ficará em cima e que eu dormirei sozinha no quarto de meus pais? JT balançou a cabeça. — Eu não quis dizer isso. Afirmei que não exigiria nada de você. Não falei que não tentaria convencê-la… Ele sorriu e, mesmo na obscuridade, podia-se ler o aprazimento de seu olhar. — Eu partilharei de sua cama, Chloe. E nem poderia ser de outra forma, com Lilly e mais seis homens espiando meus passos. Eles saberiam de imediato se nos 108

despedíssemos na beira da escada e tomássemos caminhos diversos todas as noites. Eu levarei minhas coisas para o seu quarto, assim que nos casarmos.

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Capítulo VII

— O que você está fazendo? — JT encostou-se no batente da porta e observou Chloe separar uma pilha de roupas. As gavetas da cômoda estavam abertas em posições diferentes e o conteúdo das mesmas, espalhados sobre a cama. Exasperada, Chloe olhou para a desorganização com uma expressão de desagrado. — Procurando espaço para guardar suas coisas. — Eu não imaginei que isso envolveria tanta reorganização — JT entrou no quarto, desconfiado. — Achei que você iria esvaziar uma parte da cômoda para minhas meias e ceroulas. Eu posso pendurar minhas camisas e calças em um gancho na parede. — Você não vai estragar a parede de meu quarto com pregos — Chloe assegurou, severa. — Terá de usar o guarda-roupa. — Na próxima vez em que eu for para a cidade, prometo que comprarei trajes novos — JT apressou-se em avisar. — Você já deve ter notado que eu só tenho duas camisas. Ele havia notado que Chloe estava nervosa naquela manhã. Depois da noite anterior, JT previu que a situação ficaria mais calma. Pelo visto, se enganara. — Pretende ir até a cidade hoje, tomar algumas providências? Chloe virou-se de súbito e mostrou uma irritação que ele não soube interpretar. — Foi o que eu disse, não foi? JT preferiu fingir que nada percebia, em vez de forçar 110

uma discussão. Mirou a futura esposa dobrar algumas calças. Ela procurou esconder as mãos trêmulas no meio do tecido de algodão e virou-se para a janela. — Quando pretende ir? — ele perguntou. Chloe não respondeu e JT resolveu não deixar o assunto para depois. Aproximou-se e segurou-a pelos ombros, que pareceram frágeis demais sob suas mãos, e puxou-a de encontro ao peito másculo. — O que houve? Mudou de idéia, querida? — As palavras foram ditas em tom áspero. Chloe, de cabeça baixa, procurou soltar-se, mas JT segurou-a com mais força e ela enrijeceu o corpo. — Eu não a deixarei, Chloe — ele a avisou. — Nós nos casaremos. Depois do almoço iremos juntos à cidade, fazer o que for necessário. Você precisa de um vestido novo e estou pronto para enfrentar um terno. Assim poderei estar à altura de uma noiva linda e enfeitada. — Eu nunca serei assim — ela murmurou. — Clô, não é certo rotular-se de acordo com seu próprio ponto de vista — ele declarou. — Eu a vejo de modo completamente diferente. Quando encontrarmos um belo vestido para você e uma roupa “de domingo” para mim, deixaremos esta cidade boquiaberta. Clô tenho certeza de que será a noiva mais bela das redondezas. — Eu tenho sardas — ela falou, desanimada. — E elas não estão apenas no meu rosto, JT. — E acha que me importo com isso? — ele perguntou, procurando não rir por causa da confissão. — Eu gosto dessas pequenas manchas de sol — ele falou em voz baixa e Chloe levantou a cabeça, surpresa. — Estou planejando beijar cada uma delas, amanhã à noite. Chloe soltou-se e virou-se para encará-lo. O rosto estava corado e os olhos fuzilavam. — Pensei que houvéssemos concordado… JT 111

interrompeu-a com um beijo. Os lábios dele mostraram-se exigentes e marcaram-na com calor, como se tomassem posse do que lhes era devido. Ele a abraçou e puxou-a de encontro ao peito. Chloe percebeu que estava sendo erguida. Os pés balançaram no ar e ela procurou apoio, apertando com os dedos o tecido da camisa de JT. Ele já a beijara antes. Beijos que o deixavam excitado, embora tivesse procurado não deixar as coisas irem longe demais. Testara o sabor da boca de Chloe, sugara-lhe os lábios e ouvira os sons doces da paixão. Ela abrandara a postura agressiva e despertara para o conhecimento dos próprios anseios. Naquele momento, movia-se em busca do corpo do futuro marido e convidava à intimidade. O bom senso de JT emergiu e fez com que a deixasse no chão. Era preciso cuidado ou acabaria com Chloe na cama larga e experimentaria aquela maciez pressionada contra seu peito, antes do casamento. Os seios quentes e redondos atraíam suas mãos e sua boca. Bem em frente da porta aberta do quarto. Chloe endireitou-se e deixou escapar um murmúrio de protesto, embora relutasse em impedir a continuação do assédio. Sua boca úmida abriu-se para os lábios e a língua que a exploraram. JT não conteve um gemido de prazer. Mas a razão prevaleceu mais uma vez e ele se recordou do quarto escancarado. — Chloe, eu… — Mas o que diabos está acontecendo aqui? A voz de Pete, repleta de censura, impediu a tentativa de JT em afastar-se de Chloe. Foi ela quem abaixou as mãos e fitou-o, aturdida. No mesmo instante, Flannery sentiu Pete agarrar-lhe a camisa por trás e escutou as ameaças murmuradas. — Chega! Uma única palavra dita em tom imperioso foi o suficiente 112

para Pete perceber que pisava em terreno perigoso. Quando JT se virou, o jovem já abaixara as mãos. — Nunca mais interfira no que acontece entre sua irmã e mim! Entendeu? Com semblante feroz, Pete fitou a irmã em pé ao lado de JT. — Pareceu-me que o senhor estava tirando proveito dela — ele acusou e deu um passo atrás. — O que acontece entre nós não é da sua conta — JT falou por entre os dentes cerrados, com calma apenas aparente. Rezou para sua raiva não explodir em seus punhos apertados. — Da próxima vez em que puser as mãos em cima de mim, não terá condições nem de saber o que o atingiu. Pete anuiu, com o semblante sombrio. — O que você quer, Pete? — Chloe perguntou em voz baixa, passou por JT e postou-se entre os dois homens. Uma barreira viva entre dois oponentes cuja hostilidade estava pronta para estourar em um conflito aberto. — Falar comigo? Chloe empurrou Pete que, relutante, se deixou levar para a entrada. Ela se virou e lançou na direção de JT um olhar de advertência, embora seus lábios ainda estivessem úmidos do beijo e os cabelos, desmanchados. JT, ainda envolvido em uma mistura de desejo e ódio, virou-se para a janela, assim que ela saiu para o corredor. Seu autodomínio, uma virtude que se orgulhava de possuir, estava no limite de romper-se. Que absurdo! Estivera a ponto de esquecer tudo o que o rodeava, por causa do corpo sinuoso de Chloe entre seus braços. Não fazia parte de seus planos deixar a paixão por uma mulher dominá-lo. Nem mesmo em se tratando de Chloe. JT olhou em volta. As roupas de Chloe estavam 113

esparramadas em cima da cama e na cômoda. Abaixou-se e pegou a calça que ela estivera dobrando. Inalou o aroma de frescor e sabão, e o odor residual de Chloe. Tornou a dobrá-la e deixou-a sobre a cama. No dia seguinte ocuparia aquele quarto e suas coisas estariam arrumadas nos lugares determinados por Chloe. E a porta ficaria fechada. O espelho refletia a imagem de uma mulher que ela não conhecia. Com o olhar arregalado e temeroso, enrolou no dedo um cacho que balançava ao lado da orelha. Virou-se para examinar o perfil e abaixou a cabeça para ver o tecido que lhe delineava as curvas. Corou e os olhos brilharam. Admitiu que parecia quase bonita. Fez uma prece silenciosa em agradecimento a Deus por JT não precisar envergonhar-se de sua esposa. Uma voz eivada de zombaria veio da porta e, com impacto, interrompeu-lhe os pensamentos. — Não pensei que você fosse levar isso adiante. Na verdade, achei que estivesse me fazendo de bobo — Pete confessou, de mau humor. Chloe viu-o aproximar-se devagar e examiná-la com frieza. — Não precisa fazer o sacrifício de casar-se com esse canalha só para me assustar. Ele não passa de um valentão. Não tenho medo dele. Não foi o que me pareceu na véspera, Chloe pensou e levantou o queixo. — Pete, você não sabe do que está falando. JT tomou conta da fazenda e aliviou-me de uma série de responsabilidades. Ele investiu dinheiro dele no rebanho e trabalha duro junto com os outros homens, além de pagar os salários deles. Se você tivesse metade do interesse de JT na fazenda, eu não precisaria casar-me com ninguém 114

hoje. Continuaríamos sócios e nada disso teria acontecido. Pete sorriu com escárnio e fitou-a de alto a baixo, com raiva. — Pelo jeito, Flannery caprichou na compra do vestido de noiva. Eu diria que o homem tem uma poderosa influência sobre você, minha querida irmã. Chloe enrubesceu e abaixou o olhar. Os momentos de alegre orgulho perderam-se com as palavras de Pete. — Pete, sou uma mulher e agrada-me ficar bonita no dia de meu casamento — ela sussurrou. Não pretendia transformar-se em uma mulher de beleza arrebatadora, mas o vestido de seda em cor creme que JT escolhera, na loja de roupas femininas de Ripsaw Creek, acariciava-lhe a silhueta sinuosa como se houvesse sido feito por encomenda. Sylvia Madison, a costureira local, tivera apenas de apertar a cintura e fizera o serviço em duas horas. Entusiasmara-se por ter sido chamada para ajustar o traje de Chloe. — Eu confesso, minha jovem — Sylvia afirmara —, ter acalentado esperanças de que encontrasse um homem decente. Mas ele… — dera um suspiro —… ultrapassou as minhas expectativas, se me permite dizer. Embora não houvesse pedido a opinião de ninguém a respeito de JT, Chloe envaidecera-se ao escutar a tagarelice incessante de Sylvia, apesar da costureira não ter muito gosto no quesito masculinidade. Seu marido era baixo, atarracado e desprovido de atrativos. Ou talvez isso a fizesse mais consciente do fato de existirem homens como JT Flannery. Sylvia sacudira o vestido ao terminar o trabalho. A luz do sol que entrava pela janela iluminara, dera vida ao tecido fino e brilhante. — Muito bem, Chloe, vamos experimentá-lo. 115

Chloe ficara emudecida com o efeito que vira no espelho. Virara-se de um lado a outro, admirando o caimento e a maciez da seda. E, naquele momento, quando enfrentava a fisionomia do irmão carregada de desprezo, sentia que perdia o entusiasmo. — Pete, vou casar-me com JT por minha livre e espontânea vontade. Pretendo ter uma família e um marido sentado à mesa do café todas as manhãs. Um parceiro que me valorize e que seja leal a mim. Como JT demonstrara na véspera, na cidade, quando assinara o acordo final de sociedade sob as instruções de Paul Taylor. — E acha mesmo que Flannery corresponderá a seus anseios? — Pete perguntou, descrente e com os lábios apertados. — Ele acabará vendendo todos os animais no dia em que estiver cansado de bancar o bom moço, a deixará de mãos vazias. — Como você fez? Abandonando-me sem nenhum centavo e com um pacote de contas para pagar? O tom amargo de Chloe deixou Pete vermelho como um pimentão e ele apertou as mãos em punhos. — Eu somente peguei o que era meu — Pete se defendeu. — Você levou tudo. Esvaziou a conta bancária! Se eu não tivesse guardado o dinheiro da hipoteca, você o teria levado também. — Bem, se a minha presença aqui não se faz mais necessária, vou tratar de ir embora. — Por que não pode ser apenas meu irmão, como na nossa infância e adolescência? — Chloe perguntou, com os olhos marejados. — Será que seria tão difícil fazer seu trabalho, receber o salário, viver em paz com JT e tentar ser bem-sucedido aqui? 116

Chloe aproximou-se para abraçá-lo e Pete mexeu os pés calçados em cima do tapete trançado. — Talvez eu possa tentar, Chloe — ele falou em voz baixa. — Só quero que você seja feliz. Mas não acho que Flannery seja o homem ideal para você. — Bem, foi a escolha que eu fiz — ela afirmou, determinada. — E gostaria que você aceitasse o fato — acrescentou. Depois sorriu e ficou na ponta dos pés para beijá-lo no rosto. — Vamos… Você é quem vai me conduzir ao altar. Está lembrado? Pete deu de ombros, com pouco ânimo. Acompanhou-a escada abaixo, pelo saguão e ofereceu-lhe o braço para entrar na sala de visitas. O recinto estava apinhado de gente. Fazendeiros das redondezas e suas esposas, além de cidadãos de Ripsaw Creek. O ministro, em pé diante das janelas abertas e com uma Bíblia pequena entre as mãos, observava a entrada dos irmãos. — Ah, já estão aqui a noiva — o sacerdote avisou — e o Sr. Flannery. JT aguardava, ao lado de Hogan, o momento decisivo. Um pianista executava melodias suaves no instrumento afinado e o religioso ergueu as mãos como sinal. Chloe adiantou-se ao ritmo da música e JT veio ao seu encontro, acompanhado por Hogan. Tia Lilly, que estava na primeira fila dos convidados, foi para o lado esquerdo de Chloe. O ministro pigarreou, abriu o livro e procurou as palavras que escolhera. — Meus queridos… — Ele fitou os presentes, depois Chloe e JT, com um sorriso nos lábios. — Estamos aqui reunidos para celebrar a união deste homem e desta mulher nos deveres sagrados do matrimônio. Pete mexeu-se e deu uma tossidela. O sacerdote fez uma pausa e Chloe advertiu-o com um olhar. — Quem entrega esta mulher… — o pastor reiniciou a 117

cerimônia. Pete não esperou, o outro terminar de falar, murmurou a resposta adequada e pressionou a mão de Chloe na palma de JT. Afastou-se e seu rancor foi palpável. Chloe sentiu certo pesar. Ou seria o pressentimento de uma tristeza? Mas as palavras do clérigo acabaram por envolvê-la em sua beleza e pela promessa de modificar para sempre sua vida. Ela murmurou as respostas, escutou as de JT ditas em voz rouca e sentiu a frieza da aliança de ouro que ele lhe deslizava no dedo anular. JT beijou-lhe os lábios de modo breve e formal, mas com muito carinho. Depois a beijou na face e murmurou algumas palavras ao seu ouvido. — Você não vai se arrepender. Prometo. A cerimônia terminou e os convidados revezaram-se nos cumprimentos. Os homens, com tapas amistosos nas costas de JT e beijos leves no rosto de Chloe. As damas da comunidade cumularam JT com atenções e convidaram-no para fazer parte do círculo social de Ripsaw Creek. Chloe pensou na exigüidade dos divertimentos da cidade, enquanto observava a animação das damas jovens e das mais velhas que o rodeavam. De vez em quando, um baile no Grange Hall ou uma festa de sorvete na igreja. Ah, e é claro, o dia da Independência, quando a banda desfilava pela Main Street seguida pelas crianças que agitavam bandeiras e pela profusão de carroças enfeitadas. Naquele ano, ela estaria entre as damas que incentivavam a vitória dos maridos no Campeonato Anual de Beisebol realizado na pastagem de Robbie Wilson, na saída da cidade. — Você sabe jogar beisebol? — ela murmurou, erguendo-se na ponta dos pés, para ser ouvida. JT não escondeu a surpresa. — Eu, jogar bola? 118

— Sim, terá de tomar parte no jogo depois do Desfile da Independência. Eu imaginei… JT caiu na gargalhada. — E você não quer passar vergonha se eu atirar a bola para o outro lado do mundo, não é? — ele se divertiu. — Está com medo de que eu me exponha ao ridículo, Sra. Flannery? Falhar logo na primeira vez? O rosto corado de Chloe chamou a atenção de vários espectadores. Tia Lilly adiantou-se. — O que o senhor disse, que deixou a minha pobre sobrinha tão vermelha? — Nada, tia Lilly. Foi apenas uma brincadeira. Na verdade, Chloe até entendia ter feito um mau entendimento das palavras de JT. Ela passara os últimos dois dias imaginando situações que os dois teriam de enfrentar. Juntos. Sentar-se na igreja. Passear nas ruas da cidade aos sábados à tarde ou à noite. E como seria na cama… “todas” as noites. A imagem proibida invadiu-lhe a mente mais uma vez. Mesmo com os beijos da véspera, quando tivera idéia da paixão de JT, não conseguira visualizar bem como seria. Em poucas horas, a idéia tomar-se-ia uma realidade. Os habitantes de Ripsaw Creek haviam se despedido, cansados de dançar durante três horas ao som da rabeca de Howie Henderson. As felicitações ainda ecoavam em seus ouvidos. Naquela altura, somente permaneciam os trabalhadores da fazenda, armados com copos e um galão de cerveja. Pelas risadas que ouvia debaixo da janela, Chloe achou que ainda iria demorar para o noivo aparecer para reclamar o seu prêmio. Ela havia subido para o quarto um pouco antes, para se preparar para a primeira noite em que dividiriam a grande cama de casal que havia no seu quarto. Os preparativos 119

incluíram uma grande quantidade de tecido de algodão, laços e rendas na forma de uma camisola volumosa, presente de tia Lilly. E, na última hora, JT lhe pedira para remover os grampos, desmanchar os cachos e deixar os cabelos soltos. Chloe sentiu a tensão percorrer-lhe o corpo, enquanto se olhava no espelho e escovava, sem conseguir domar, as madeixas negras e revoltas com mãos trêmulas. Tudo porque tia Lilly insistira em fazer um penteado alto e elaborado, cheio de rolos e grampos, onde se equilibrava uma grinalda de flores do campo que alcançava o meio das costas. De repente, a realidade caiu sobre ela com força total. Nervosa com a expectativa, Chloe deixou o pente cair e sentou-se no chão diante do espelho. O reflexo mostrava uma criatura assustada em meio a uma nuvem de tecido macio. Sob a camisola enorme, um corpo inexperiente de uma jovem, de beleza comum, que não tivera tempo de acostumar-se ao pensamento de satisfazer as necessidades de um marido. A idéia de mantê-lo na expectativa, até que estivesse pronta para consumar o casamento parecia ter naufragado. Não havia dúvida de que JT pretendia ficar naquele quarto para sempre. Na noite anterior, ele descera a escada com seus objetos de uso pessoal e os arrumara na gaveta da cômoda por ela indicada. Pendurara as camisas novas no guarda-roupa e as calças ainda sem uso dobradas em outra gaveta. As roupas de baixo de JT dividiram o espaço com as suas e Chloe lembrou do momento em que ele acariciara o tecido fino e as rendas das camisas femininas.. Sabia que seu marido não aceitaria um “não” como resposta e também não era um homem para ser enganado, ainda mais na noite de núpcias. 120

O homem alto que ela viu refletido no espelho entrou nos domínios da noiva e, decidido, fechou a porta. — Chloe? — ele chamou, com voz arrastada. Ela ouviu seu nome murmurado em sílabas que destilavam desejo. Virou a cabeça e ofereceu a visão de uma mulher assustada e confusa. JT sorriu e teve a impressão de que a imagem era semelhante a um anjo sentado no meio de uma nuvem branca. Mas não era nenhum ser celestial. Tratava-se de uma mulher inocente e jovem… A sua Chloe. Ela se levantou depressa e disfarçou o embaraço alisando os incontáveis metros de tecido. Um sorriso trêmulo iluminou-lhe o rosto, enquanto apertava as mãos com energia. Em seu olhar havia uma sombra indicativa de medo, embora JT apostasse que Chloe nunca temera ninguém ou alguma coisa na fazenda. Exceto talvez o desconhecido. Ela se preocupava com Pete, com o que ele poderia fazer. Receara pela compra do garanhão malhado até ser convencida das vantagens da aquisição. E na noite de seu casamento, ela demonstrara uma expressão de incerteza que era tocante. Chloe temia o que pudesse acontecer entre marido e mulher. JT sorriu para a esposa, sentado na cadeira próxima à porta, enquanto tirava as botas. Atirou-as na direção do guarda-roupa e observou Chloe apressar-se para endireitálas uma ao lado da outra. Na certa preferia ocupar-se com qualquer coisa em vez de ficar à espera do início de seu futuro. Tirou as meias e deixou-as perto da cadeira, sem nenhuma pressa e sem perder a esposa de vista. Ela tropeçou no pente que estava no chão e abaixou-se para apanhá-lo, novamente corada. — Fico feliz por ter deixado os cabelos soltos — ele comentou. — Quer que os escove? 121

Chloe fitou o marido e depois a porta fechada. — Estão muito emaranhados — ela comentou, procurando adiar ao máximo o momento de ficar perto de JT. — Sente-se na cama e eu a ajudarei — ele ofereceu-se. Ele se levantou e caminhou até a cama coberta com o grosso acolchoado de plumas. Bem à vontade, ele tirou a camisa e deixou-a cair no chão, antes de sentar-se na beira do leito, à espera de Chloe. Ela se aproximou devagar, arrastando levemente os pés no tapete trançado e quando chegou perto de JT, ficou parada, todos os músculos de seu corpo enrijecidos, parecendo uma estátua. — Querida, sente-se no chão na minha frente e eu poderei executar melhor a tarefa. Chloe anuiu e entregou-lhe a escova. Deslizou para sentar-se aos pés do marido. Cobriu os joelhos levantados com a parte inferior da camisola. JT refletiu que ela ficara com a aparência de uma criança escondida em um banco de neve. Mas tratava-se apenas de uma jovem mulher sem mãe para aconselhá-la, que tivera um pai que a tratara como filho e cuja grande experiência com os homens consistia, na certa, nos poucos beijos em que haviam trocado. JT procurou desembaraçar-lhe os cabelos, mecha por mecha, puxando a escova pelo comprimento das ondas escuras e sedosas. Teve de refrear a vontade de virar-lhe a cabeça para trás e cobrir-lhe o rosto de beijos. Mas isso a assustaria. Haveria tempo para ensinar-lhe os jogos do amor. Ele continuou a tarefa agradável por alguns minutos e os movimentos pareceram deixá-la à vontade. Depois levantou-a do chão com os braços sob os de Chloe. Ela escorregou, o marido amparou-a, mas ambos acabaram 122

caindo sobre a largura do leito. Ela, corada, com os olhos arregalados e a boca entreaberta, era um convite irrecusável. — Querida, está com medo de mim? — ele perguntou, ao vê-la apertar os dentes no lábio inferior para disfarçar o tremor. — Acho que não — ela sussurrou. — Mas… Eu não sei o que você espera de mim e não tenho muita certeza do que faremos esta noite. — Eu também não — ele admitiu. — Eu quero fazer amor com a minha esposa, mas se você disser “não”, eu entenderei. E provavelmente a frustração me matará, pensou. — Pensei que iríamos apenas dividir a cama, para ninguém ficar pensando… — Eu me importo com o que “você” pensa, Clô. E se não estiver preparada para ser minha esposa, eu esperarei. Mas não é o que eu quero, droga! — Nem mesmo sei se algum dia estarei “preparada” — ela admitiu. — Quando conversamos no outro dia, pensei que apenas partilharíamos meu quarto por algum tempo, talvez por algumas semanas antes… antes… JT teve certeza de que morreria com aquela tentação à sua frente. — Acho que você já está pronta — ele afirmou e curvouse para beijá-la, acariciando-lhe o rosto. Chloe sorriu e distraída com os carinhos que JT lhe fazia esqueceu as inibições. Ele não cabia em si de felicidade. Nunca a vira tão à vontade. Além disso, Chloe, com toda a sua inocência maravilhosa, conseguira invadir a última muralha de suas defesas e derrubara suas intenções de manter-se distante e controlado. — Chloe? — ele chamou, com timidez não usual. — 123

Posso tirar o resto de minhas roupas? Se a resposta fosse negativa, JT simplesmente teria de recolher-se em sua frustração. Mas esperava, de todo o coração, poder proporcionar-lhe uma noite de núpcias inesquecível. Chloe piscou e consentiu com um gesto de cabeça. JT levantou-se da cama e assoprou a lamparina que estava sobre a mesa. No escuro, escutou a respiração arfante de Chloe. Falou sobre fatos não relevantes, a comida, as danças e os presentes deixados sobre a mesa da sala. Tirou a ceroula e parou ao lado da cama. Chloe era perfeitamente visível no meio do leito enorme, vestida na camisola branca, o rosto oval e pálido emoldurado pelos cabelos negros. — O que quer que eu faça? — ela perguntou. Não acostumado àquele tipo de pergunta, JT sentou-se ao lado de Chloe, puxou-a para seu colo e aninhou-lhe a cabeça contra seu ombro. — Apenas que se sinta bem no tempo que passarmos juntos. Clô, você tem idéia do que seja fazer amor? — Não, acho que não. — A confissão foi um murmúrio triste. — Bem, então será muito simples. Faça apenas o que eu lhe disser, está bem? A hesitação durou alguns segundos. — Está bem. — Desabotoe a camisola, querida. — A voz calma de JT não traiu a ansiedade que ele sentia. Chloe, em geral ágil com as mãos, pensou que tivesse vinte dedos nas mãos, tal a dificuldade para alcançar os botões e tirá-los da abertura. — Pronto. — Ela suspirou, como quem terminava uma tarefa extremamente difícil. JT deslizou uma das mãos sob o tecido branco e Chloe 124

fez um movimento brusco. Ele a acalmou com beijos leves. Ela ergueu o rosto para melhor receber-lhe os lábios e JT encontrou o tesouro oculto que procurava. Redondo e firme, o seio encheu a palma grande de sua mão. Era uma glória, ele pensou exultante. Beijou-a com maior intensidade e abriu-lhe os lábios com a língua. A resposta favorável de Chloe foi imediata. Ela permitiu a intimidade prazerosa e abraçou-o pelo pescoço. — Você tem gosto de licor forte — ela sussurrou, sem conseguir respirar direito, enquanto ele fazia um caminho de beijos por seu rosto. — E como você sabe o gosto disso? — JT perguntou, rindo, enquanto acariciava o mamilo túrgido com a ponta do polegar. — Eu experimentei uma vez, escondida, é claro, de meu pai, mas não gostei. Mas agora acho que não é tão ruim. — Sua boca é tão doce quanto o bolo que a Lilly fez para o nosso casamento. Será que eles têm o mesmo sabor? — JT indagou, apertando gentilmente o conteúdo de sua mão. Chloe inspirou fundo. — Nunca ouvi uma coisa dessas. Você quer beijar-me… aí? JT acreditou que seria um longa noite. A única maneira de fazer algum progresso era tirar Chloe de dentro de seu invólucro e seduzi-la. — Você descobrirá o prazer logo, logo. Mas acho que temos de livrar-nos primeiro desta peça enorme que a envolve. JT segurou a barra da camisola e levantou-a devagar, sobre o comprimento das pernas. Depois de várias mudanças de posição por causa do excesso de tecido, cócegas e beijos para acalmar-lhe os risinhos, ele conseguiu tirar-lhe a roupa de dormir pela cabeça. A seguir, 125

abaixou a própria ceroula, atirou-a no chão e deitou-se sobre Chloe, pressionando-a sobre o colchão de penas. Desejou ardentemente ter deixado a lamparina acesa. O corpo de Chloe estava quente debaixo do seu, o busto contra seu peito másculo. JT ergueu um joelho e abriu-lhe as pernas esguias com sua coxa musculosa. Ela prendeu a respiração, com um som audível. — Eu a machuquei? — ele murmurou, no seu ouvido. — Oh, não. É que… bem, achei estranho. — Enquanto falava, Chloe levantou o quadril e apertou a perna de JT entre as dela. — Mas estranho bom ou ruim? — ele indagou, divertido. — Ah, bom… eu acho. — Ela o fitou e estreitou os olhos para tentar ver-lhe a expressão sob a luz fraca da lua e das estrelas que entrava pela janela. — Você está caçoando de mim? — Não, querida. Eu só queria que fosse… — JT procurou a palavra certa. — Perfeito, absolutamente perfeito. Ele abaixou a cabeça e roçou o nariz na superfície aveludada e roliça dos seios. JT provocou os mamilos com a ponta da língua e Chloe mal respirava, para melhor aproveitar a sensação desconhecida. Ele sugou os mamilos endurecidos, tocando-os com a ponta dos dentes e foi recompensado com um murmúrio de prazer. Chloe tapou a boca para abafar o som, mas JT afastoulhe os dedos do rosto. — Querida, eu quero saber se você está gostando. Se ficar com a mão na boca, não poderei ouvi-la. — Ah, Jay… JT foi agraciado com um presente inesperado. Chloe acabava de pronunciar o nome com o qual a mãe costumava chamá-lo na infância. — Jay? — ela repetiu e acariciou-lhe o rosto, em uma 126

mensagem implícita. Chloe pretendia iniciar aquela jornada com o marido. Com os dedos, ela cavou túneis nos cabelos negros de JT e agarrou-os com a energia de uma mulher ágil e forte. E mesmo assim ela era macia, curvilínea e feminina. JT alisou-lhe o ventre e passou a ponta do dedo ao redor do umbigo. Em seguida acariciou-lhe os quadris sedosos e, depois de levantar-lhe uma perna, fez o mesmo com a pele fina de trás do joelho. Subiu os carinhos pela coxa bem torneada. Chloe estremeceu e parou de respirar por um instante. — Chloe? — JT roçou os tufos de pêlos encaracolados, a pele escondida e macia, e escutou os murmúrios suaves. — Você confia em mim? Ela assentiu, fez um movimento brusco e respirou, arfante. Sentia-se à beira de um precipício, dividida entre atirar-se ao desconhecido ou recuar para os caminhos familiares. JT tornou a sugar-lhe os seios, enquanto provocara o tecido úmido e quente de sua feminilidade. Chloe se contorcia ante os movimentos ágeis da mão do marido e seus gemidos baixos avisavam-no que ela descobrira nova fonte de prazer. JT afagou com maior profundidade o local que passaria a ser exclusivamente dele. A manifestação do desejo masculino fez-se ainda mais presente e pressionou o quadril de Chloe. Ele respirou com dificuldade e procurou controlar-se. Ainda não, ainda não, sua mente repetia. Cerrou os dentes contra a tentação de possuir a esposa sem mais demora. Ainda não, ainda não. JT sabia que conquistara sua confiança e atingir a satisfação pessoal sem dar-lhe prazer destruiria tudo o que 127

ele se empenhara em conseguir. Assim, ele deixou sua ansiedade em estado latente e continuou com os carinhos que a levavam à loucura. Escutou-lhe os gemidos e sentiu que ela pressionava o corpo contra o dele, à procura da satisfação plena. — Gosta? — JT sussurrou, enquanto aprofundava a exploração com pequenos acréscimos. Até alcançar a barreira reveladora que proclamava a virgindade da esposa. — Faça alguma coisa — Chloe pediu, em um fio de voz, com movimentos ansiosos, enquanto ele experimentava a textura um tanto elástica. — Está bem, querida. JT ergueu-se sobre ela e levantou-lhe as pernas para permitir melhor acesso. Um grito veio do pátio, bem embaixo da janela do quarto. JT hesitou e virou a cabeça. Do lado de fora, os homens se reuniam e montavam seus cavalos. Mais um brado. E escutou que o chamavam.

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Capítulo VIII

Chloe enrijeceu-se debaixo do marido e, com uma das mãos, agarrou o lençol. Com a outra pressionou-lhe o peito. — Jay, o que houve? — Droga, eu não sei — ele esbravejou. — Mas é bom que seja um fato de grande importância, senão haverá um derramamento de sangue lá fora. JT encostou a cabeça no rosto de Chloe. — Sinto muito, querida — ele murmurou. JT levantou-se, saiu da cama, vestiu a calça e a camisa, enfiou os pés nas botas, enquanto lutava com os botões. Do leito, Chloe admirou a rapidez dos movimentos e assustou-se com os sons dos homens no pátio. Enrolou-se nos lençóis, levantou-se, foi até a janela e postou-se de lado para poder espiar. — Estão trazendo seu cavalo da estrebaria — ela o avisou. — Não saia daqui, Chloe. Se for realmente um conflito sério, não a quero no meio disso. Chloe já recebera ordens de JT antes e sempre encontrara uma maneira de persuadi-lo a esquecer as restrições. Mas o tom da voz do marido foi uma advertência contra qualquer espécie de protesto que ela pudesse interpor. — Eu quero dizer — ele foi enérgico — que é para você ficar em casa… Em segurança. — Está bem. Ceder à vontade dele era o mínimo que poderia fazer. JT saiu pisando duro e a porta bateu às suas costas. Chloe procurou a roupa íntima que estava na cadeira, por baixo do vestido de noiva. Tirou uma calça e camisa de 129

uma das gavetas da cômoda e vestiu-se rapidamente. Se ele mudasse de idéia, estaria pronta para ir com ele. Na pressa, tropeçou e quase caiu no tapete do saguão, levantou-se rapidamente e, ignorando a dor no pé, chegou à porta da cozinha. Pela porta de tela dos fundos, viu JT apertar a barrigueira. Um dos homens pendurara uma lamparina na porta da cavalariça. Os rostos que apareciam sob a luz eram severos e raivosos. — Quantas cabeças? — ela escutou JT perguntar, enquanto montava no garanhão. — Tom não tem certeza do número exato. Talvez umas cinqüenta. — Maldição! Não podemos permitir uma coisa dessas! — JT falou com rispidez e olhou para a porta onde Chloe se encontrava. Virou o cavalo e foi até a varanda. — Ladrões de gado — ele explicou, furioso. Chloe fitou os homens a cavalo. — Onde está Pete? — Isso é o que eu gostaria de saber — JT respondeu, seco. Ele e mais cinco homens dirigiram-se para o norte, onde a maior parte do rebanho da Fazenda B&B ficava na pastagem de verão. Não poderiam fazer muita coisa no escuro e somente nas primeiras horas da manhã é que conseguiriam rastrear pistas. Chloe teve certeza de que assim mesmo eles tomariam providências. Era a maneira dos fazendeiros protegerem sua propriedade. E não teve inveja de quem fosse merecedor da fúria de JT. Inclusive Pete. Ou melhor, principalmente Pete, dado o fato de a lealdade familiar ser muito representativa. Antes de tudo, JT protegeria os interesses de Chloe. Fechou os olhos, recapitulando os acontecimentos da noite. Pete estivera presente na cerimônia e até no baile. 130

Ela o vira no pátio, comendo, depois de servir-se na mesa farta. Será que ele estivera entre os dançarinos? Vira os vaqueiros dançando com as moças da cidade. Somente Corky estivera ausente, pois permanecera vigiando o rebanho. Pensando bem, nem Pete estivera entre os que se divertiam no celeiro, com os pés quase flutuando ao som da música e do canto de Howie. — Onde será que aquele malandro se meteu? — tia Lilly fez a pergunta às costas da sobrinha e somente lhe aumentou os receios. — Sei que ele estava contrariado com o casamento, mas pensei que, uma vez o fato consumado, ele haveria de conformar-se. Acho que me enganei. Carrancuda, Lilly amarrou com mais força o avental na cintura larga. — Eu nem mesmo o conheço mais. — Chloe afastou-se da porta, enquanto tia Lilly acendia a lamparina em cima da mesa. — Talvez seja melhor que ele tenha ido embora. — Ou então… estará andando com más companhias — Lilly profetizou. A tia cheirou o bule de café, franziu o nariz e jogou fora o conteúdo. Lavou a cafeteira e mediu um punhado de grãos frescos. Segurou o recipiente salpicado de azul sob a bomba da cozinha e encheu-o de água. Chloe procurou pedaços pequenos de lenha, de acendimento mais rápido, na caixa das madeiras e escutou o barulho do bule quase jogado em cima do fogão. Virou-se com as mãos cheias. Tia Lilly levantou a tampa do fogão e Chloe pôs os gravetos em cima do fogo circunscrito. — Menina, é melhor amarrar os cabelos — Lilly avisou, com um sorriso torto, o que enrugava ainda mais os cantos dos olhos. —Acho que esqueceu de trançá-los, antes de rastejar na cama. 131

Chloe afastou as madeixas soltas que lhe caíam no rosto, puxou-as para trás e fez uma trança com mãos de perita. — JT pediu-me que os deixasse soltos — murmurou Chloe. — Os homens são todos iguais. — A tia pegou um rolo de barbante de cima do balcão, cortou um pedaço e entregou-o para Chloe. — O pior é que sua noite de núpcias ficou estragada, com toda essa confusão aí fora. Chloe enrolou o cordel na ponta dos cabelos trançados e amarrou-o com firmeza. — Eu tinha certeza de que a senhora diria isso. Mas o que na verdade aconteceu… — Ela enfrentou a expressão entendida da tia. — Bem, eu não sabia o que uma mulher sentia em tais ocasiões. Nunca me disseram o que esperar de um marido e JT teve de tocar piano de ouvido. — Sei que deveríamos ter tido uma conversa — Lilly comentou, com um suspiro. — Mas imaginei que JT desempenharia bem a tarefa. Apesar disso, está tudo bem, não está, minha filha? — Ainda não conheço uma porção de coisas sobre o casamento — Chloe admitiu —, mas se o resto for como… — ela corou e interrompeu-se. — Eu não deveria estar falando sobre isso, não é? — Não vejo por que não — Lilly retrucou, amável. — Sou sua parente mais próxima e posso até ser considerada como sua mãe. — Virou-se para o fogão, levantou a tampa para verificar o fogo e tornou a abaixá-la. — Talvez devêssemos fazer uma assadeira de pães de canela para a volta dos homens. A massa terá tempo de crescer antes da aurora. Lilly estreitou os olhos e fitou a sobrinha. — E poderemos passar o tempo, conversando um pouco. 132

Os primeiros raios de sol encontraram a cozinha recendendo a pão fresco de canela. Chloe abriu a porta dos fundos pela enésima vez e saiu para a varanda. Espiou na direção norte, de onde os homens provavelmente viriam. — Não adianta ficar de olhos colados no horizonte. Você não os trará de volta mais cedo — Lilly falou, sentada à mesa da cozinha. — Venha comer. Você se sentirá melhor. Lilly empurrou a cadeira para trás e com grande ruído pôs uma caçarola enorme em cima do fogão. — O que vai fazer? — Chloe espiou mais uma vez o norte por sobre o ombro, antes de voltar para dentro. — Salsicha com molho. Os rapazes chegarão famintos. Por que não faz uma fornada de biscoitos? É bom manterse ocupada. Chloe concluiu que a tia estava certa, enquanto abria a massa das bolachas. Deixou as tiras dispostas na outra ponta da mesa. Com uma faca cortou pequenos quadrados que foram levados para assadeiras untadas. Era melhor curar a melancolia com o trabalho, em vez de corroer-se de preocupação e andar de um lado para outro com o pé machucado. Na verdade, os dedos haviam ficado com hematomas e inchados, por causa do tropeção no tapete do vestíbulo. Esperava que o pé ainda coubesse na bota. Abriu a porta do forno e deslizou para dentro as assadeiras. — Tia Lilly, a senhora não imagina como odeio não saber o que está acontecendo. Não sei se a coisa mais inteligente que fiz foi ter prometido a Deus, diante de todos os presentes à cerimônia, que iria obedecer ao meu marido. Tia Lilly deu uma gargalhada com as lamentações de Chloe. O som caloroso deve ter saído pela janela e ultrapassado a varanda. Dali a segundos, ouviu-se uma voz grossa e o rosto de Lilly ficou corado. 133

— O que há de tão engraçado por aqui? Fui tirado da cama, arrastado até a fronteira para caçar ladrões e as madames fazendo comemorações! Um cavalo relinchou no pátio de trás e Chloe inclinou-se para espiar a janela lateral, a tempo de ver Micah Dawson chegar. — O xerife! — Chloe anunciou o óbvio e reparou no tom rosado das faces da tia. — Não que isso lhe importe, não é? — É sempre agradável ter um homem da lei por perto — Lilly explicou, alegre. — Não seja atrevida, Chloe. Deve-se sempre tratar bem um policial. Nunca se sabe quando precisaremos de sua ajuda. Micah parou em frente à porta de tela e espiou para dentro da cozinha. — As damas devem ter-se levantado bem antes do amanhecer — ele deduziu e ironizou —, ou então a governanta recém contratada passou a noite inteira fazendo pães de canela. — Agarrou a maçaneta e limpou os pés cuidadosamente no capacho. — Será que teremos café para acompanhar estas delícias? — Depende… — Tia Lilly fez ar de dúvida. — Prendeu os ladrões? — O pior é que não — Micah resmungou. — Eles devem ter ido para o sul. Também levaram um bom número de cabeças do rebanho de Hale Winters. Ele mandou um caubói até a cidade para acordar-me no melhor do sono. — Puxou uma cadeira e sentou-se. — Estou começando a acreditar que há pessoas dentro da fazenda que facilitam o roubo para o bando. Micah viu a expressão assustada de Chloe e abaixou as sobrancelhas. — Não se trata de seu irmão, querida — ele assegurou. — Pelo menos é o que parece. Estou mais inclinado a 134

pensar em Corky, embora JT pense de modo diferente. Mas aquele camarada tem a fala muito macia para um caubói. Ele não me inspira confiança. — O senhor não acha que Pete esteja envolvido? — Chloe perguntou, esperançosa, e sentou-se perto de Micah. — Não consegui me lembrar em que momento ele sumiu da festa ontem à noite. Mas aposto o que quiser que JT está convencido de que existe uma conexão com ele. Micah segurou a mão delicada de Chloe com seus dedos grossos. — Minha querida, seu irmão não é tão esperto para engendrar um tipo de operação como essa. Não posso afirmar que ele não faça parte do esquema, mas posso garantir que os chefes são bandidos com experiência no ramo. Lilly deixou na frente do policial uma caneca de café fumegante e Chloe notou que ele agradeceu com um brilho diferente no olhar. Micah curvou a cabeça para olhar os pães que descansavam sobre a parte de trás do fogão. — A senhora se incomodaria se eu roubasse um desses pães? Lilly ofereceu-lhe um prato e uma faca. — Corte um, Dawson, e depressa. Se não me engano, acabo de ouvir vozes adiante do curral. — Ora, mas vejam só! — ele resmungou. — Isso quer dizer que não terei tempo para um desjejum, não é? Micah tomou um gole de café, ficou em pé e alcançou a porta com passos rápidos. Chloe refletiu que ele era muito ágil para a idade. — A senhora guarda um desses para mim? — ele pediu a Lilly. Ela anuiu e o xerife saiu para a varanda. — Acho que teremos problemas… — A voz dele foi ouvida na cozinha. 135

Chloe levantou-se e seguiu-o. O sol já iluminava o alto das árvores. Uma fileira de vaqueiros montados passou pelo curral e pela frente da estrebaria. Três homens, desconhecidos para Chloe, vinham com Hale Winters. Desmontaram e amarraram os cavalos no poste e depois, como se fossem uma só pessoa, cruzaram o pátio e vieram ao encontro de Micah, que descia os degraus da varanda. Cansados, suados e furiosos. Assim como os caubóis da B&B. Todos apearam de suas montarias exaustas. JT vinha atrás, conduzindo um cavalo que vinha com um sujeito embrulhado e jogado sobre a sela. Os animais foram conduzidos para a cavalariça. Os homens falavam todos ao mesmo tempo, mas JT estava calado. Ele desmontou e segurou as rédeas do garanhão e do cavalo que trouxera. Quando o baio passou, ela viu uma parte de uma cabeça loira sobre o animal. Não é Pete, pensou. A sensação de alívio desgrudou-a do chão. Chloe desceu depressa a pequena escada e correu pelo pátio. — JT? A voz de Chloe seguiu-o até a estrebaria. Ele espiou por sobre o ombro e usou toda sua força para tirar o homem inconsciente de cima da sela e deitá-lo no chão. A voz do marido a deteve na porta larga do galpão. — Não entre aqui, Chloe. Lowery adiantou-se e, se ela não o conhecesse, teria receio da ira que viu em seu rosto. — A senhorita não deveria estar aqui. Nós levaremos Corky até a cidade para ser examinado pelo Dr. Whitaker. Um excesso de cuidados para um infeliz que nos traiu dessa maneira. — Ele segurou no braço de Chloe e os olhos azuis pareciam ter endurecido como o aço. — E melhor não falar com JT agora, senhora. Ele está enfurecido até não poder mais. 136

— O que aconteceu com Corky? — Chloe perguntou e fitou a mão que lhe apertava o braço. — JT o deixou desacordado — Lowery murmurou. — Nós o surpreendemos no momento em que saía da fazenda rumo ao norte com intenção de encontrar-se com os homens para quem estava trabalhando. — Olhou para trás, onde JT esfregava o garanhão com uma estopa seca. — O patrão avançou sobre ele sem conseguir raciocinar. Foram necessários dois homens para afastá-lo de Corky. — Corky é um grandalhão e mais alto do que JT. Não imagino como JT conseguiu derrubá-lo. — O outro não teve chance de abrir a boca. Fez apenas um comentário a seu respeito e depois tudo foi rápido demais. — Sobre mim? — Chloe indagou, atônita. Ela sempre tratara os homens com respeito. Corky fora o último homem contratado e embora fosse um pouco irritante, mostrava-se satisfeito em trabalhar na fazenda. — Nunca fiz nada contra ele — Chloe protestou, fitando as mãos grandes do marido, enquanto ele tirava a sela do cavalo de Corky. — Não, não foi a senhora. Ele estava furioso por ter sido apanhado — Lowery garantiu e levou-a até onde estavam Micah e os outros. Micah disparava perguntas e Hale Winters respondia a todas. — Um dos meus homens foi ferido ao tentar perseguilos. Ele está na cidade, no consultório do Dr. Whitaker. — Vai sobreviver? — Ao que tudo indica, sim. Foram duas balas na perna, mas conseguimos deter a hemorragia — Hale respondeu, ríspido, tirou o chapéu e bateu-o na coxa. — Será melhor para eles serem julgados pela corte, pois se os apanharmos… 137

— O que houve lá? — Micah apontou para a entrada do galpão de onde JT saiu, tirou as luvas e guardou-as no bolso. Hale fitou Chloe, hesitou e escolheu as palavras com cuidado. — JT arrancou Corky a laço de cima do cavalo, quando ele tinha acabado de passar os limites setentrionais da fazenda da srta. Chloe. O idiota praguejou e pronunciou indelicadezas sobre a esposa de JT. Acredito que JT quebrou-lhe o queixo com o primeiro soco. Corky chegou a esboçar uma reação com alguns golpes, mas foi apagado como uma lamparina. — Bem, o cara mereceu o que teve. — Micah fitou Chloe com ternura. — As damas têm um bule cheio de café e comida quente. — Vou ajudar minha tia — Chloe ofereceu-se, ao ver JT aproximar-se da casa, com o olhar fixo nela. Ficaria envergonhada de mirar o marido na frente de uma porção de homens. Foi depressa para a cozinha, onde os biscoitos já estavam fora do forno e Lilly ocupava-se em quebrar ovos sobre uma tigela, enquanto a manteiga chiava em outra caçarola. — Todos estão famintos — Chloe avisou-a. — Eu já imaginava. Farei ovos mexidos e as salsichas no molho já estão prontas. — Lilly olhou para trás. A mesa fora aumentada no centro com mais duas tábuas tiradas da despensa. — Será que todos caberão aí? — Se não der, alguns podem comer na varanda — Chloe comentou, enquanto tirava os pratos do guarda-louça e os espalhava ao redor da mesa. — Mas acho que há lugares suficientes. Eles podem usar as cadeiras da sala de jantar. — Não os deixe entrar na cozinha com as botas sujas — Lilly advertiu-a. 138

Os homens se acotovelaram para comer. Lilly encheu a tigela maior com as salsichas e tratou de cozinhar mais outro tanto. Os pequenos pães de cadela receberam elogios e exclamações. Micah pegou o maior deles, deixou-o ao lado de seu prato e recostou-se na cadeira. — JT, acho que vou trazer meu colchonete para o seu alojamento — ele falou arrastado, lambendo o glacê dos dedos. — Se este é o tipo de comida a que terei direito todos os dias, não me importaria em trabalhar para o senhor. — Bem, na verdade estamos mesmo precisando de ajuda — JT afirmou, sério. Aquelas foram as primeiras palavras pronunciadas por ele, desde que entrara na casa. Chloe serviu-lhe mais uma xícara de café. — Você está bem? — ele murmurou, com as pálpebras semicerradas. Chloe anuiu e sentiu-se corar, quando ele a tocou na perna. — E você? — ela perguntou. A mão direita mostrava equimoses e os nós dos dedos estavam esfolados. Chloe mal podia conter a curiosidade. — Podemos falar, mais tarde? JT acenou em concordância. Quando ele levou o garfo à boca, Chloe percebeu sangue coagulado no canto dos lábios. A intuição de que JT protegeria tanto a ela quanto a fazenda se concretizara. Emocionada, voltou para o fogão, onde deixou o bule de café. O afeto e atração que sentia pelo marido aumentavam muito. Se aquilo poderia ser chamado de “amor”, não tinha certeza de estar preparada para usufruí-lo. Naquele momento, estava atolada em dúvidas. Será que valeria ter assumido o risco do casamento? 139

— Comida excelente, Sra. Lilly — Tom comentou, respeitoso. Afastou a cadeira, levantou-se, agradeceu a refeição e foi até a porta. — Patrão, vou atrelar a carroça e levar Corky até a cidade. Voltaremos ainda hoje? — Sim… E quero os bezerros vigiados perto das pastagens — JT avisou-o. — Levará alguns dias para fazer isso, mas não podemos perder mais nenhum animal. Teria sido melhor vendê-los! — Calculo que eles levaram uma centena da minha fazenda — Hale afirmou, circunspecto. — Eu gostaria de ter posto minhas mãos naquele camarada que está no celeiro. — Algum de vocês pode me ajudar? — Tom gritou, do pátio. — Corky acordou e está dando trabalho. JT e Hale ergueram-se ao mesmo tempo, mas Micah impediu-os de sair. — Fiquem aí, senhores. Shorty, vá lá fora e veja o que pode ser feito. Não precisamos de mais derramamento de sangue por aqui. JT hesitou, mas o olhar severo de Micah convenceu-o a sentar-se novamente. Dali a minutos, ouviram o rangido da carroça que deixava o pátio. — Tivemos de amarrá-lo e atirá-lo no estrado — Shorty explicou, já de volta. — Pensei que ele fosse mais esperto. Imaginem, tentar fugir! Nem mesmo conseguiria selar o cavalo. — Bem, voltarei para a cidade — Micah disse. — Enviarei telegramas a todas as localidades do sul. Temos de alertar as autoridades para que mantenham vigilância sobre qualquer animal que tenha as marcas de suas fazendas. Inspecionarei com meu assistente os caminhos para o leste e o sul, à procura de pistas. — Acho que é uma causa perdida — Hale garantiu com amargura. — Talvez eles nem mesmo estejam pensando em voltar. Normalmente fazem ataques em série para 140

depois sumir, à procura de pastos mais viçosos. O anoitecer encontrou JT dentro da tina grande de madeira. Instalada antes da morte do pai de Chloe, ficava em um recinto junto com as tábuas de esfregar e as caldeiras de cobre, logo depois da cozinha. A água servida escorria por um cano que saía pelo lado de fora da casa e terminava em um fosso raso. Desse modo, não era necessário esvaziar manualmente a água do banho. JT aquecera a água no fogão da cozinha e carregara a caldeira pesada e cheia até a banheira funda. Depois esfriara a água com baldes enchidos na bomba. Chloe parou à porta e observou-o deslizar para dentro da água, no recinto mal iluminado. Hesitou, sem saber o que fazer. — Entre, Clô… — JT pareceu sentir a presença da esposa atrás de si e sentou-se. — Posso persuadi-la a esfregar minhas costas? — Claro, eu estava mesmo refletindo em como ajudá-lo aliviar a tensão. Chloe abaixou-se para tirar das mãos do marido o esfregão de banho e o sabonete. Ele a puxou mais para perto. — Um beijo ajudaria — ele murmurou. E aquilo foi o suficiente para reacender as emoções que ela tentara extinguir durante o dia inteiro. JT inclinou a cabeça para trás. Seu rosto estava pálido na obscuridade. Chloe tocou-lhe os lábios com os seus e escutou um murmúrio de prazer. O convite era óbvio e ela prendeu-lhe a língua com a ponta dos dentes. Continuou ansiosa e incerta quanto aos jogos de amor em que ele a iniciara na véspera. Aquele fora provavelmente o dia mais longo de sua vida, 141

Chloe pensou, ao ajoelhar-se sem afastar os lábios. JT segurou-lhe a nuca com a mão úmida e virou-lhe um pouco a cabeça para beijá-la com maior intensidade. — A senhora é uma aluna aplicada, Sra. Flannery — ele roçou-lhe a língua no lábio inferior, quando ela se afastou. — Não acha que podemos continuar isso no quarto? Será que está com muito sono? Pelo que sei, você também não dormiu. Chloe esfregou o sabonete no esfregão com energia e formou bastante espuma. Empurrou a cabeça do marido para frente, para melhor alcançar-lhe os ombros. — Curve-se — ela ordenou, com a boca úmida do beijo e o coração disparado pelo convite. Chloe lavou os ombros com movimentos circulares e fortes. JT ergueu-se mais um pouco para ela fazer o mesmo com as costas. — Agora os cabelos — ela se ofereceu, limpou os lados do pescoço e entregou o pano felpudo nas mãos dele. JT curvou a cabeça bem para a frente. Chloe fez bastante espuma nos cabelos negros e massageou o couro cabeludo com a ponta dos dedos. — Milady, acaba de conseguir um emprego — ele assegurou, com palavras indistintas. — Nunca me esfregaram a cabeça e estou pensando em um serviço regular. Chloe disse a si mesma que não se surpreenderia se ele adormecesse dentro da banheira. Achou graça na idéia e enxaguou os cabelos do marido com a água quente de um balde que estava ao lado da tina. — Você tem alguma coisa para vestir? — Chloe perguntou, procurando vestígios de roupas ao redor. Levantou-se, ao ver somente uma pilha de roupas sujas. — Vou buscar uma vestimenta limpa. — Não será necessário — ele garantiu, tirou o tampão e 142

levantou-se. — Vou enrolar-me na toalha. Veja se Lilly não está na cozinha. JT saiu da banheira. Chloe tirou uma toalha do monte guardado para aquele fim e entregou-lhe, sem tirar os olhos do rosto do marido. — Que tal secar as minhas costas? A boca de JT contraiu-se ao perceber que Chloe evitava encarar a sua nudez. Virou-se e ofereceu-lhe a visão de nádegas firmes e ombros largos. Ela pegou outra toalha e passou-a com firmeza e várias vezes, da nuca até a cintura e depois na transversal. — Pode continuar — ele falou com suavidade e virouse, ao sentir-lhe a hesitação. — Eu secarei o resto das costas, se você fizer o mesmo com a frente. Chloe fitou-o, fascinada. Os olhos dele faiscavam e deixaram em chamas todas as noções de como passariam a próxima meia hora ou mais. O olhar semicerrado de JT refletia o desejo intenso que não mais conseguia reprimir. — Está bem — ela concordou, em um fio de voz. Passou a toalha no peito musculoso, fitando as próprias mãos. O tecido felpudo absorvia as gotículas de água dos pêlos escuros que enfeitavam o físico de JT. Ela lhe enxugou os braços e os lados. Curvou-se um pouco para repetir a operação nos quadris estreitos. A toalha pendurada na frente de JT mostrou-se uma cobertura providencial para a parte que ela mais desejava ignorar. — Você não vai terminar? — ele perguntou, ao vê-la ereta e imóvel por alguns segundos. — Quer que eu seque suas pernas também? JT compadeceu-se da esposa e ergueu-lhe o queixo. Fitou-a com tal intensidade que ela sentiu os joelhos fraquejarem. — Agora não, Clô. Eu estava pensando em algo mais, mas reconheço que já abusei demais de você por hoje. 143

Ele tirou outra toalha da prateleira, enrolou-a nos quadris e deu um nó de lado. — Veja se Lilly não está por aí. Acabo de perceber que estou louco para cair na cama.

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Capítulo IX

Chloe despertou nos braços de JT e com a cabeça apoiada em seu ombro. Escutou um ressonar suave e aconchegou-se mais de encontro ao marido. O busto nu estava protegido pelo peito coberto de pêlos sedosos. Enrijeceu-se ao perceber que estava sem roupa. Moveu um pouco uma perna e tentou desvencilhar-se com movimentos ínfimos. Curvou-se um pouco para procurar o traje de dormir, que não sabia onde deixara. — Não se mexa tanto, querida. Não estou com vontade de levantar e acho que você também não. A voz baixa e rouca e o aperto no braço só serviram para aumentar o ímpeto de Chloe. — Quero minha camisola — ela murmurou, teimosa, procurando lembrar-se dos acontecimentos noturnos. Além de um sonho indistinto no qual JT tirava-lhe as roupas antes de se deitarem para dormir, não se recordava de mais nada. — Acho que deve estar na gaveta. Mas você não precisa dela agora. — Ele a abraçou pelas nádegas, puxoua mais para cima e beijou-lhe o rosto, — Eu a aquecerei e você a mim. Bem, talvez fosse melhor mesmo ficar onde estava, ela refletiu. Afinal, ele não lhe concedia nenhuma outra opção. Convencida disso, Chloe passou o braço por baixo dele e acariciou-lhe as costas. O sol começava a erguer-se no horizonte e alguns minutos a mais não iriam fazer diferença. — Eu não me lembro de ter vindo para a cama — ela sussurrou e virou a cabeça de lado, ao sentir o marido passando a língua na ponta de sua orelha. — Hum, não me admira… — JT respondeu no mesmo 145

tom, bem-humorado. — Lembra-se de ter me beijado quando entramos no quarto? Chloe parou de acariciá-lo. Lembrou-se de um abraço sensual e de como encostara a cabeça no peito do marido. — Eu o beijei? JT riu e Chloe sentiu a vibração das risadas. — Por que não tenta de novo e refresca a memória? — Ele mordiscou-lhe a ponta da orelha. — O que aconteceu? Ela sentou-se de uma só vez e, reconhecendo o resultado da ação repentina, ocultou os seios com a colcha. JT achou graça na modéstia e depois se enterneceu. — Você estava dormindo em pé, Clô. Eu tirei suas roupas e a cobri com os lençóis. — Nós não… — Não, “nós não” — JT garantiu, com um sorriso terno. — Minha querida, eu jamais me aproveitaria de você. Além disso, eu nem mesmo sabia se a opção era viável. Mas começo a pensar nisso agora. — Já é quase dia claro — Chloe falou depressa. Certamente ele não imaginava que a esposa estaria pronta para finalmente consumar o casamento à luz do sol que entrava pela janela e iluminava a cama. — Isso importa para você? — JT indagou, avaliando a reação de Chloe. — Acho que sim — ela confessou, em voz baixa. — Talvez quando todos estiverem dormindo e eu não precisar preocupar-me com os homens do lado de fora ou com tia Lilly na cozinha. Acredito que assim seria melhor. — Você é quem manda — ele caçoou, embora entristecido com a recusa. — E mesmo? — Chloe sentiu-se aliviada com a aceitação do adiamento por parte do marido. Curvou-se e beijou-o rapidamente. — Ainda bem. Depois de suas 146

atitudes dominadoras de ontem, pensei que havia perdido todo meu poder por aqui. — Você tem muito mais poder do que imagina, Clô. As palavras ditas em tom suave a deixaram ainda mais curiosa. — Acho que não entendi o que quer dizer. — Talvez seja melhor assim. JT puxou o lençol. Relutante, Chloe permitiu que o marido abaixasse o tecido. Ele fitou-lhe os seios e ela sentiu calafrios, quando o marido rodeou, com a ponta do indicador, a auréola enrugada. — Agora, pense nisso durante o dia — ele falou com voz gutural — e quando nos deitarmos nesta cama à noite, retomaremos o assunto de onde paramos. — Senhora? Willie, parado a uma certa distância da varanda posterior, segurava com força a aba do chapéu na frente do peito, como se temesse perdê-lo. Chloe levantou o olhar do livro de registros que descobrira no escritório do pai. John Biddleton começara a anotar o número de potros paridos e depois desistira de continuar a tarefa. Absorta em examinar as inscrições algumas vezes ilegíveis, ela viajara no tempo. A voz de Willie chamou-a de volta. Ela fechou o livro com um estalido, como se não quisesse repartir com ninguém sua descoberta, embora Willie não mostrasse nenhuma inclinação para espiar o conteúdo. Na verdade, parecia mais disposto a desaparecer da face da terra. — O que houve, Willie? — Chloe perguntou com semblante sério, para evitar qualquer tentativa de familiaridade, embora o comportamento do rapaz estivesse longe de merecer uma reprimenda. 147

— Acho que preciso desculpar-me, srta. Chloe. Eu me lembro de como JT ficou aborrecido comigo quando pensou que eu a desrespeitei. Acho que ele estava com a razão. Por isso resolvi falar com a senhora e garantir que não lhe causarei mais problemas e nem olharei para a senhora de maneira inadequada. Chloe estava simplesmente atônita e não encontrou as palavras certas para responder. — Bem, tenho certeza… Não, na verdade, não estou bem certa… Sei que você discutiu com JT, mas desde então não tive o menor motivo para recriminá-lo, Willie. O jovem corou e apertou os lábios. — Fico muito contente por isso, senhora. Minha mãe precisa do salário que recebo aqui. Não quero que pense que não gosto de trabalhar na fazenda. — Tudo bem, Willie — Chloe anuiu e, de repente, um pensamento ocorreu-lhe. — Tem medo que eu possa estar pensando que você tem ligações com os ladrões de gado? — Mas eu juro que não estou! Às vezes tenho uma boca grande e minha mãe diz que muitas vezes sou espevitado demais para o gosto dela e sempre fico falando o que não devo, mas eu jamais faria nada para prejudicar a B&B — Willie falou tudo de uma vez, sem respirar, demonstrando sinceridade. — Eu acredito em você, Willie. Já falou com JT a respeito? Apesar do incidente, não acho que ele suspeite de qualquer traição de sua parte. — Não, ainda não falei com ele. JT não estava exatamente bem-humorado da última vez em que o vi. Juro, senhora, pensei que ele fosse matar Corky. Eu… — o garoto desviou o olhar —… eu ouvi o que Corky disse sobre a senhora e pensei que JT estivesse enfurecido comigo também e que eu não teria nenhuma chance de sair vivo do episódio. 148

— Então você achou melhor redimir-se dos pecados — Chloe comentou, achando graça no jeito de Willie, que não parava de mudar os pés de lugar. — Sim, acho que se poderia dizer isso. — Considere-se redimido, Willie. E diga à sua mãe que ela o educou muito bem. Da próxima vez, procure flertar com alguém mais jovem e disponível. Além de ser mais velha, nunca me mostrei “à disposição” de ninguém. — Sei disso, senhora. — Ele pôs o chapéu na cabeça, visivelmente aliviado. — Tenho encontrado a srta. Francis Higgins na igreja. Ela tem apenas dezessete anos, mas obteve o consentimento do pai para passear comigo nas tardes de domingo. — E eu tenho certeza de que sua mãe aprovará. Chloe achou ótimo o entrevero ter terminado e certificou-se de que JT tivera uma ótima influência sobre os caubóis. E pouco importava o que fora dito sobre ela. O principal era que ele a defendera, sem hesitar e talvez até em excesso. Nunca tivera o apoio de um paladino e a experiência era gratificante. — O que houve? — Lilly perguntou, da porta da cozinha, quando Willie saiu em direção à estrebaria, aparentemente satisfeito por contar de novo com a simpatia da esposa do patrão. — Willie e eu tivemos um desentendimento algum tempo atrás. Para ser mais exata, ele se comportou de modo desagradável e JT repreendeu-o. Ele se arrependeu e voltou a freqüentar a igreja com Francis Higgins, a filha do banqueiro. Solene, Chloe mirou a tia por sobre o ombro. — Acho que fui trocada por uma mulher mais jovem. Francis tem dezessete anos. — Você sobreviverá — tia Lilly caçoou. — E na certa lhe será mais conveniente um homem que não embaralhe os 149

pés e nem fique vermelho como um jovem. — Bem, JT sabe manter a postura. Quanto a isso, pode ficar sossegada, tia. — Chloe levantou-se, com o livro apertado de encontro ao busto. Lilly segurou a porta aberta para a sobrinha passar. — Você ainda não efetivou seu casamento, não é? — Eu recusei JT nesta manhã. Já sei, já sei… — Chloe riu e levantou a mão espalmada. — Quando conversamos ontem, a senhora me disse para ficar descontraída e deixar as coisas acontecerem naturalmente. Mas eu não consegui, com a claridade, os peões andando pelo rancho… sei lá, tia Lilly, fiquei inibida. — E ele ficou nervoso, não é mesmo?! — Na verdade, Lilly não perguntou, mas afirmou. — Acho que até os vaqueiros têm um pouco de medo dele. Chloe sentou-se e abriu o livro de registros sobre a mesa da cozinha. — Você não tem medo dele, tem, Chloe? — JT não me faria nenhum mal. Ele nunca me fez grandes promessas. Pensando bem, somente uma. E eu acredito nele, tia Lilly. Eu não sei por que ele perdeu o controle lá na divisa da fazenda. Mas ninguém parece estar contra ele e eu também não ficarei. — Está verificando os registros de seu pai? — Satisfeita com o estado de espírito da sobrinha, Lilly mudou de assunto. — Não deve haver muitas anotações aí. Pelo que me lembro, ele preferia guardar tudo de cabeça. — Estou pensando em registrar quais as éguas que JT está cruzando e quantas foram as crias resultantes. Isso nos dará uma idéia melhor de nossos lucros, quando chegar a hora de vender os cavalos. Ele acredita que já temos fêmeas prenhas em número suficiente para pagar o investimento que ele fez com o garanhão e ainda sobrar dinheiro. 150

— Como é que ele sabe de tudo isso? — Lilly admirouse. — Pensei que ele não fosse um fazendeiro por formação. — E não foi. Acredito que há homens com talento inato e visão para administrar uma fazenda. Estou contente de saber que JT é um deles. — Minha filha, percebo que está recuando e deixando que JT tome conta de tudo. Não sei se você agüentará isso. — Agrada-me que ele seja o chefe aqui, tia Lilly. Mas farei os registros e manter-me-ei a par dos fatos. A fazenda também é minha e pretendo participar das decisões. Quer Pete goste ou não, é assim que será. — Pete… Esse é outro problema. Onde você acha que ele pode estar? — Lilly puxou uma cadeira e sentou-se de uma vez. — Estive pensando muito sobre o menino e não gostei nada do rumo dos acontecimentos. — Tia, a senhora acha que ele pode estar envolvido com os ladrões de gado? Se estiver, no mínimo acabará na prisão. — Chloe estremeceu, preocupada. — Nem quero pensar na hipótese de ele ter me traído dessa maneira. Para ser franca, nem sei em que pensar. — Será que os homens vão prolongar as buscas durante a noite? — Lilly fez a pergunta, de cenho franzido. — Ao sair, JT não disse se deveríamos esperá-lo para o jantar. — Não sei. — Chloe balançou a cabeça. — Ele deixou Willie encarregado de algumas tarefas e foi com os outros para a cidade. Winters foi junto e levou um grupo de homens. Eu lhe garanto que não gostaria de estar na pele de Corky hoje, com todos aqueles homens esquentados loucos para pendurá-lo pelo pescoço. — Faz muito tempo que não temos um enforcamento por aqui — Lilly comentou, sombria. — Eu odiaria ver isso acontecer outra vez, embora o bandido bem que mereça 151

uma punição. Acredito que brevemente teremos acesso a um outro tipo de justiça. — Bem, se o roubo de gado sair de moda, talvez a prisão de Laramie fique com algumas celas vazias. Mas até lá, suponho que manterão os escroques trancados para que reflitam sobre suas sinas. Chloe fechou o livro. A prioridade do dia não era atualizar e melhorar os métodos de seu pai. — Vivemos em um mundo cruel, tia Lilly. Acho que precisamos ser fortes. Chloe levantou-se e espiou o fogão, onde uma panela estava fervendo no queimador de trás. — A sopa está pronta? Vou tomar um pouco, antes de sair para trabalhar com os cavalos. — Deve estar. — Lilly ergueu a tampa e examinou o conteúdo. — Quando sair, pergunte ao moço se ele quer comer. Ele merece um agrado, depois de reunir tanta coragem para desculpar-se. Willie tomou duas tigelas de sopa e limpou a vasilha com uma fatia de pão, muito agradecido pelo convite. Com a ajuda do rapaz, que se esforçava para mostrar as boas qualidades, Chloe refrescou e escovou os cavalos. Uma nuvem de poeira aproximou-se e Chloe viu chegar seis cavaleiros, em vez dos cinco que haviam partido. Parou seu trabalho e observou-lhes a chegada, segurando o cabresto do jovem capão no qual passava a escova. JT deteve o garanhão ao lado de Chloe, procurando decifrar-lhe a expressão. — Tudo bem? — ele perguntou com voz rouca, como se as palavras estivessem envoltas em pó. Chloe anuiu, envergonhada por estar sendo o foco de atenção dos outros homens, que logo trataram de desviar a atenção. Mas o estranho continuou a fitá-la com curiosidade. 152

— Quem é ele? — Chloe perguntou para JT em voz baixa. — Nós o conhecemos na cidade. Micah disse que ele estava procurando um lugar para trabalhar. Imaginei que poderia ser interessante preencher as lacunas, já que estamos no verão e sem braços suficientes para dar conta do recado. JT fitou o cavaleiro alto e fez menção para que se aproximasse. — Esta é minha esposa — ele foi seco. — Ela é dona de metade da fazenda e os homens a chamam de srta. Chloe. — Senhora? — O cavaleiro tirou o chapéu e tornou a colocá-lo, na cortesia usual para uma dama. O olhar casual e sombreado não evitou que Chloe percebesse neles um interesse. — Meu nome é Cleary. Tenho experiência com cavalos e gado e trabalho por um salário conveniente. Seu marido disse que eu poderia fazer um teste de uma semana. — Por mim, tudo bem. — Chloe retrucou. Voltou-se para JT e percebeu sua postura rígida. — O que você acha? — Com o canto do olho, viu Cleary rumar em direção à estrebaria, montado no cavalo que ia em marcha lenta. — Será que é uma boa pessoa? Ele não me parece um vaqueiro. — Veremos isso com o passar dos dias. — JT desmontou e caminhou ao lado de Chloe pela alameda. — Não conseguimos descobrir nada. Corky nada revelou, mais por causa do queixo quebrado. Talvez uma sessão com o juiz o ajude a lembrar-se do nome dos amigos, mas também pode ser que não. JT desamarrou o lenço e limpou o rosto. — Quanto a Cleary… É um camarada calmo, um bom cavaleiro e sabe empunhar uma arma. De bagagem apenas 153

dois alforjes, mas a sela e as botas são de primeira linha. O que conta muito a favor de um homem. E pelo que pude ver, cuida bem de seu cavalo. — Ele a fitou com uma interrogação implícita. — Gostaria de dar-lhe uma semana para provar sua habilidade? — Você já deu — ela suavizou as palavras com um sorriso. — Não quero interferir mais. Esse é seu departamento. Já cansei de contratar e escolher homens para o trabalho. Corky foi o último e veja no que deu. Acho que fui infeliz na escolha. Willie chegou, trazendo o último cavalo do curral. Saudou-os, ao desmontar. — Quer que leve este para dar uma volta, Sra. Chloe? Acredito que terá muito o que fazer, com os homens indo e voltando. — Será ótimo, Willie — ela agradeceu. — Vou passar a escova neste capão e deixá-lo na pastagem, antes de entrar. JT seguiu-a até a estrebaria, segurou-a pelo braço e encostou-a em um canto. — A senhora tem um lindo derrière, milady — ele lhe sussurrou ao ouvido. — Hoje de manhã percebi que ele se ajusta perfeitamente na minha mão. Chloe fitou-o na luz obscura. — Você perdeu o juízo? Estamos no galpão com três homens a menos de dez passos de distância e você fica falando sobre as partes de meu corpo? — Eles não podem me ouvir. Quero apenas que saiba que não pude me concentrar em nada durante o dia, só de lembrar… JT tirou-lhe a correia da mão e falou com o caubói mais próximo, sem desfitá-la. — Shorty, que tal levar esses cavalos, dar uma boa escovada neles e levá-los para fora? A Sra. Flannery e eu 154

vamos para casa tratar do jantar. — Certo, chefe — Shorty disse alegremente. — Quanto antes a srta. Chloe puser a comida na mesa, mais eu vou gostar. Já faz muito tempo que tomei um café. — Lilly tem algumas coisas no fogão, Shorty — Chloe assegurou. — Teremos tudo pronto em quinze minutos, no máximo. — Então daqui a pouco estaremos lá — Shorty garantiu, alegre. — Vou limpá-los lá fora. Num instante, eu os deixarei enfileirados na gamela para tirar o pó. JT e Chloe saíram da estrebaria, ele com o braço no ombro da esposa. — Escurecerá daqui a quatro horas — JT afirmou, apontando para o sol do oeste. — O que você quer me dizer? — Chloe perguntou, fitando o marido. Os olhos escuros brilhavam e, sob o impacto da emoção, estavam quase negros. Mesmo assim, seu controle pareceu sobrepujar o desejo. — Você é encantadora, Sra. Flannery. Estou pensando em pedir-lhe para lavar as minhas costas novamente depois do jantar. Isso lhe mostrará onde é o seu lugar. — E onde é? — Chloe perguntou, subindo os degraus da varanda. Depois virou-se e agarrou-o pelos ombros. JT segurou-a pela cintura e Chloe sentiu-se presa pela força daquelas mãos. O olhar do marido a fez sentir de novo um crepitar na boca do estômago. — Seu lugar é ao meu lado — ele afirmou, resoluto. — Seja na mesa do jantar ou na cama. Quando eu sair pela manhã, se não estiver comigo durante o dia, quero saber que estará esperando por mim quando eu entrar por esta porta. — E onde é o seu lugar em minha vida? — ela 155

perguntou com a seriedade que o assunto exigia. — Clô, eu prometi cuidar de você e honrá-la. Sou seu marido, e pode ter certeza de que todos os homens que a olharem o farão com respeito. Temos uma sociedade na fazenda em partes iguais. Independente disso, estarei sempre a seu lado. Chloe estava admirada com o tamanho da responsabilidade que ele assumira. No começo, chegara a pensar que Pete perdera metade da fazenda para um jogador oportunista. Mas, sem hesitar, ele se propusera a injetar dinheiro no empreendimento e demonstrara intenções honestas. E em todas as horas, ainda com mais eloqüência do que na cerimônia de casamento, JT oferecia sua total lealdade e esperanças para o futuro. E, fazendo isso, ele conseguira transformá-la em uma criatura que ela jamais pensara em vir a ser. Uma mulher apaixonada. — Willie falou com você hoje? — JT perguntou, fechando a porta do quarto. Virou-se e, com satisfação evidente, fechou a tranca nova que instalara logo depois do jantar. Em seguida encostou-se na barreira sólida. Chloe fitou o adereço brilhante de latão e enrubesceu. — Fiquei imaginando o que você estava fazendo aqui. Haverá alguma razão especial para este ferrolho? — Quero que fique sossegada, quando estivermos aqui dentro. A nossa privacidade estará garantida. Uma explicação simples e mais um exemplo de como ele se importava em suprir-lhe as necessidades. — Está bem. — Chloe virou-se para deixar na mesa-decabeceira a lamparina que trouxera. — Sim, Willie veio em casa na hora do almoço e fez um grande discurso para desculpar-se por sua atitude intempestiva. Contou-me também sobre uma namorada da cidade. 156

Chloe percebeu o olhar de satisfação do marido. — Você mandou-o fazer isso? — Apenas sugeri, educadamente, que ele deveria falarlhe com boas maneiras e desculpar-se por suas tolices. Acredito que ele se deu conta dos erros cometidos. JT saiu de perto da porta e foi até a cama. Desabotoou a camisa e deixou-a sobre uma cadeira. — Se a senhora vier até aqui, eu lhe ajudarei a tirar sua blusa, Sra. Flannery — ele se ofereceu. — Não até eu tirar minha camisola da gaveta e a lamparina estiver apagada — Chloe teimou. — Além disso, se eu consegui fechar, também poderei abrir. Mas primeiro a luz. Não vou ficar em exposição para alguém que resolva espiar pela janela. — Esta noite não vou discutir sobre deixar a lamparina acesa ou não. Pode apagá-la, assim que estiver pronta. Mas a camisola, querida… Você não precisa dela. JT abriu com agilidade os colchetes da blusa e, sempre que podia, tocava na pele macia com a ponta dos dedos. Nesses momentos, estreitava os olhos, afinava os lábios e ficava corado. Com murmúrios quase inaudíveis, ele a chamou pelo nome ao tocar com a língua nacos de pele exposta da clavícula. Segurou-a diante de si e seu olhar faminto fez com que o corpo de Chloe assumisse um brilho quente. — Você arrumou um noivo muito ansioso, minha querida. Um homem que tem esperado mais do que qualquer outro. Estou muito aflito para levá-la até a cama e consumarmos o casamento. — Estive pensando em várias coisas durante o dia. Primeiro, sobre os ladrões de gado e depois… O marido tocou-lhe os lábios com a ponta dos dedos e balançou a cabeça em uma negativa. — Agora não, querida. Falaremos pela manhã ou, se 157

quiser, mais tarde… Mas agora, só você, eu e algumas horas para torná-la minha esposa. JT curvou-se sobre a lamparina, levantou o globo e assoprou a chama. O quarto mergulhou na escuridão e os sons de inspirar e expirar tornaram-se mais altos com o silêncio que se seguiu. A blusa de Chloe foi ao chão. Depois JT lutou com a braguilha da calça. Com dedos ágeis soltou os botões e o tecido grosso de algodão escorregou pelo comprimento de suas pernas. Chloe continuava em pé na frente do marido. Ele a puxou mais para perto, sentou-se na cama, com Chloe entre seus joelhos. — Tire sua roupa… — ele murmurou, fitando a elevação pálida dos seios iluminados pela luz das estrelas que penetrava pela janela. — Agora a calçola… — ele continuou no comando. Chloe obedeceu e constrangeu-se com as roupas ao seu redor. Ele se inclinou e sua respiração aqueceu-lhe o ventre, fazendo-a estremecer, quando tocou o interior sensível do umbigo com a ponta da língua. A seguir, ele acariciou-lhe a perna e levantou uma por vez para tirar as meias e as botas. — Eu já lhe disse que tem um belo traseiro, não é? — JT falou, entre suspiros e apertou-lhe os músculos macios com os dedos ásperos, trazendo novas sensações à vida. Chloe gemeu, encostou a cabeça na do marido. JT olhou para cima, com a face contraída e os lábios reduzidos a uma linha fina. Poderia ser encontrada ali uma semelhança com o amor? Ele sentiria o mesmo desejo que corria furioso dentro do corpo da esposa? Ou seria apenas a necessidade masculina pela satisfação que o guiava? — Não sei por quanto tempo poderei esperar, Clô. Nunca desejei ninguém dessa maneira em toda a minha vida. 158

JT gemeu de encontro à pele macia do ventre, onde ele escondera o rosto. Chloe experimentou a sensação da barba por fazer na epiderme sensível. Depois ele acariciou a parte inferior do ventre e afastou-lhe as coxas. JT abaixou mais a cabeça e a respiração quente roçoulhe o triângulo escuro e sedoso. Ele segurou-a com maior firmeza e passou a língua de um lado para o outro, mal tocando os pêlos encaracolados. — Jay… Ela mesma escutou o pânico que acompanhou aquela simples palavra e agarrou-se nos seus cabelos. Pelo espaço de um segundo, que parecia nunca terminar, ele hesitou e depois ergueu o rosto. Naquele instante e pela primeira vez, Chloe sentiu apreensão perto do marido. O toque tornou-se mais suave e ele voltou a acariciarlhe os quadris, quando ela se endireitou. As mãos que prometiam prazer tornaram a abarcar-lhe a circunferência firme dos seios. JT rodeou-lhe as costas na altura da cintura e afagou-a com beijos leves, quase castos. Chloe teve a impressão de flutuar, quando ele a levantou nos braços e deixou-a delicadamente no centro do acolchoado. Chloe observou-o tirar a calça, a cueca larga, depois sentar-se na beira da cama para tirar as meias e jogar tudo no chão. — Eu a farei minha esposa, Clô — ele sussurrou, curvado em sua direção. —Ao acordarmos pela manhã, não haverá mais fronteiras entre nós. O que fizermos aqui, neste quarto, será para nós, para o prazer que usufruiremos neste leito. JT empurrou-lhe os fios de cabelos soltos para trás e passou os dedos pelo comprimento da trança. Desmanchou-a e os cabelos se espalharam como um leque pelo travesseiro. 159

— Quero proporcionar-lhe a maior satisfação deste mundo, doçura. Eu a completarei de tal maneira que jamais terá de perguntar-se por que motivo estou ao seu lado. E onde ficarei, até o dia de minha morte. Chloe jamais sonhara em ouvir de nenhum homem aquelas palavras ditas em tom gutural. E a certeza de que ele falara com sinceridade a fez confessar, sem poder mais conter-se. — Eu o amo, Jay. Até agora, eu não tinha idéia do que fosse amar um homem. E você não precisa dizer o mesmo em troca. Será suficiente saber como me sinto a seu respeito. Chloe passou-lhe as mãos nos cabelos e puxou-lhe a cabeça mais para perto, e continuou: — Você é um homem e já sabe que não tenho nenhum conhecimento em tais assuntos. Mas tudo o que lhe agradar, pode ter certeza de que me proporcionará a mesma satisfação com que pretende brindar-me. JT gemeu com paixão e seu corpo enrijeceu-se com um desejo que ele não fez o menor esforço de esconder. Abaixou-se sobre ela, apoiando o peso do corpo nos antebraços e beijou-lhe a boca. A língua impaciente começou a explorar, como se tivesse vida própria, os lugares secretos que tinham apenas sido imaginados há duas noites. Chloe foi arrebatada pelo redemoinho da paixão do marido. Respirando com dificuldade, deixou-se levar pelas carícias que ele derramava generosamente por seu corpo sinuoso. Não conteve os murmúrios suaves de prazer, quando JT descobria lugares que ela nunca imaginara serem fontes de sensações tão extraordinárias. E ele os acarinhava, lambia e sugava. Aquela seria de fato a primeira noite. Mas não haveria chamadas no pátio, nem vozes para perturbar o auge da 160

ternura, da paixão e do poder de posse do marido. Chloe sentiu uma dor aguda e JT deteve os movimentos. Depois ele pressionou mais fundo e, com um gemido forte, recuou e tornou a invadir a carne tenra que lhe era oferecida. Como se houvesse uma montanha à sua frente, Chloe lutou para encontrar o ritmo necessário para chegar ao pico e poder voar nas alturas. A tensão crescente que JT despertava deveria na certa levar a uma realização. Seu grito foi abafado pelos lábios do marido, enquanto ela procurava algo desconhecido e impalpável para dar um fim à ânsia desenfreada. E naquela busca, ela se contorcia de encontro ao corpo másculo. Os murmúrios guturais do marido aumentavam-lhe a necessidade de movimentar-se. Agarrou-se nos ombros dele com toda a força e imaginou que não poderia suportar mais a tensão com a qual se debatia. Então seu corpo foi envolvido por uma onda de prazer convulsivo e intenso que a deixou ser ar. — Jay! — Chloe gritou. Um gemido foi abafado na pele úmida do ombro de JT e Chloe sentiu que as convulsões internas diminuíam, enquanto o marido se impeliu contra ela uma, duas, três vezes para finalmente estremecer com violência pela libertação. Chloe comprazeu-se com o peso do marido sobre ela. Ambos estavam brilhantes de suor e a brisa que fazia adejar as cortinas ajudava a refrescar os corpos. JT fez menção de levantar-se e ela o prendeu pelas costas. — Não vá — ela pediu, em voz baixa. — Não me deixe ainda. — Eu não estava nem pensando em fazer isso… JT ergueu-se o suficiente para não machucá-la e deixála respirar. Beijou-lhe os lábios, as faces e a testa com infinita ternura. Eram gestos que expressavam palavras que ele não conseguia pronunciar. 161

E era o suficiente.

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Capítulo X

— Não há muita coisa a ser feita, Hogan — JT assegurou, sem esconder sua frustração. — Até Micah autorizar-nos a prosseguir, o caso fica restrito a ele. Estamos de mãos e pés atados até o juiz chegar no final da semana para interrogar Corky. — E vamos ficar parados e deixar esse bando de forasda-lei dar o golpe e escapar tranqüilamente? — Hogan perguntou com aspereza e raiva. JT negou, com um gesto enérgico de cabeça. — Claro que não. Vamos duplicar o número de homens de guarda à noite e outros, inclusive nós, faremos serviços dobrados, pois temos uma fazenda para administrar. Mas eu não me chamo JT Flannery, se não conseguir acabar com esses roubos. JT caminhou a passos largos até a cocheira e Hogan teve dificuldade em acompanhá-lo. — Quero todos os homens armados até os dentes, e providencie para que todos tenham munição suficiente para usar, se for necessário. Deixe os novos contratados com Willie. Não sei quais deles precisam ser vigiados de perto e tenho a impressão de que Cleary será de um valor considerável, se for acossado. Micah não o teria recomendado, se não confiasse nele. — O que o senhor ordenar, será feito, patrão. Winters contratou dois homens que parecem mais pistoleiros do que caubóis. Acho que muito antes do que esperamos, teremos uma batalha campal na região. — Hogan franziu a testa em sinal de preocupação. — Pode ser — JT concordou. — Mas devemos estar preparados, de um jeito ou de outro. Deixarei duas 163

espingardas de caça com Chloe e Lilly, isso as deixará em melhores condições de defesa. Também procurarei ficar sempre por perto da casa. Você ficará encarregado de todo o esquema tático fora daqui. JT apontou o norte, onde o rebanho fora reunido em uma área menor, onde seria melhor vigiado. — Eu me incumbirei de seguir as pegadas dos cavalos e de quem quer que seja. Organize turnos de guarda e certifique-se de que os vaqueiros não adormecerão naquela droga de cabine, na próxima vez que alguém decidir cortar a cerca. — O senhor sabe tão bem quanto eu que Corky facilitou as coisas para os bandidos. O pior será se Tom… — Hogan interrompeu-se, como quem se arrependia do que iria dizer. — Bem, nem sei mais o que teria feito diferença. Todos nós pensávamos que o homem agia com honestidade. E sei muito bem que Chloe está se culpando por tê-lo contratado. — Acredito que ela está preocupada com Pete — JT assegurou. — Não se sabe onde ele se encontra e nem o que está arquitetando. — Acha que ele pode estar envolvido com os ladrões de gado? — Hogan fez a pergunta com ar sombrio e as mãos em punho na cintura. Fitou o caminho por onde Chloe chegava puxando um cavalo com rédea curta. De cabeça abaixada, ela cochichava com o animal e afagava-lhe os pêlos lustrosos. — Ela parece muito abatida com os acontecimentos, não é verdade, patrão? — É — JT concordou. JT sabia que parte do aspecto desfavorável da esposa se devia à falta de sono da noite anterior. Apesar de assumir a responsabilidade pelo fato, não sentia remorso pelos momentos de prazer que encontrara nos braços de Chloe. Acordara-a com palavras suaves, incapaz de conter 164

o próprio desejo, acariciara-lhe a pele sedosa, beijara-lhe a boca e novamente haviam feito amor. E ela correspondera plenamente. Aos primeiros clarões do amanhecer, ao vê-la adormecida, teve certeza de que, ao acordar, ela estaria com os olhos brilhantes pelas lembranças do prazer que ele despertara no seu corpo virginal. Chloe era uma mulher especial e, quanto mais a conhecia, mais a admirava, sob todos os pontos de vista. Jurou a si mesmo que sempre a trataria da melhor maneira possível. — Todos saíram, Hogan? — ela perguntou, parando na frente deles. — O senhor mandou todos para o norte? — Sim, tentaremos proteger a manada da melhor forma possível. Estou a caminho de fazer a verificação dos cavalos. E uma pena que não tenhamos mais gente para ir até a divisa setentrional da fazenda. Os camaradas estão tentando cobrir a maior parte da região que for possível. — E o recém-chegado? — Chloe perguntou, com a testa franzida. — Acho que trabalha bem — Hogan explicou. — JT é da mesma opinião. Ele está acompanhando Willie, que nos últimos dias mostrou um ótimo comportamento. Hogan deu um sorriso leve e JT lançou-lhe um olhar de advertência. Seria melhor Chloe não ficar sabendo do teor da conversa que tivera com o garoto. Os outros vaqueiros também guardariam segredo e Willie não cometeria mais enganos. — Não seja muito duro com ele — Chloe pediu. — Ele é apenas um menino querendo parecer importante. Aposto que a jovem srta. Francie Higgins o manterá na linha. E se ela não puder, a mãe dele o fará com certeza. Chloe deu meia-volta e, com o capão no seu encalço, fitou em silêncio as paisagens da fazenda que a rodeavam. 165

— Bem, queiram desculpar-me, tenho de verificar o que se passa com os cavalos. — Hogan foi até onde sua montaria o esperava, selada, ao lado da porta do celeiro. Montou, abaixou mais a aba do chapéu e incitou com os calcanhares os flancos da égua preta. Chloe e JT se afastaram. Distraída, ela acariciou o focinho do animal que conduzia. — Não sei o que eu teria feito sem ele, depois que papai morreu. — Ele é um homem extremamente leal, minha querida — JT salientou, convicto do que dizia. Ele dava muito valor ao homem em que Chloe confiara a fazenda durante os dias difíceis que enfrentara até ficar em condições de assumir o comando. — Quantos cavalos você tratou esta manhã? — ele perguntou, com a cabeça inclinada para fitá-la. — Você está bem? Receio que… Chloe deu uma gargalhada. — Nem tente desculpar-se, Flannery. Manter-me acordada metade da noite foi a melhor coisa que você poderia ter feito. E não vejo a hora de você trancar novamente a porta esta noite. JT sentiu um alívio enorme e fez uma careta engraçada. — Você não está machucada? — ele murmurou. A alegria do sorriso assegurou-o da negativa. Não se conteve e tomou-a nos braços. Chloe aconchegou-se e ergueu o rosto como se procurasse o sol e o houvesse encontrado. — Você me faz muito feliz, Jay. Não quero repetir o que lhe disse ontem à noite para não aborrecê-lo, mas saiba que as palavras saíram do fundo de meu coração. Comovido pela sinceridade da esposa, JT murmurou promessas doces ao seu ouvido e beijou-lhe os lábios carnudos. 166

Cleary bateu na porta da cozinha com o nó dos dedos, na hora do almoço. — Entre! — Lilly gritou. — Você não precisa de convite, garoto. Está na hora de comer e parar um pouco de trabalhar. — É por isso que estou aqui — ele afirmou, com timidez. — Hogan pediu que eu viesse buscar o almoço dos vaqueiros. Ele mandará metade deles de volta na hora do jantar. Mas se a senhora quiser mandar comida extra, poderemos ficar lá durante a noite. — Ainda há mantimentos na cabana? — Lilly perguntou e fez uma lista mental do que teria de mandar com ele. — Quando estive lá pela última vez, vi algumas latas de feijões e um recipiente cheio com café — Chloe interveio, em pé na porta. — Eles podem fazer sanduíches com o que sobrou de carne assada. Acho que há o suficiente para os homens ficarem alimentados por esta noite. Há bastante pão, biscoitos e pernil para cortar. Ah… e salada de batata! — Senhora, isso para mim tem o som de banquete — Cleary afirmou, com veemência. — São as melhores notícias do dia. — Alguma novidade por lá? — Por enquanto, tudo calmo. Os camaradas estão fazendo patrulhas regulares na área, sem perder o rebanho de vista. Não é fácil controlar os animais em uma região tão ampla quanto aquela, mas os vaqueiros estão dando o melhor de si. — O senhor me parece um excelente caubói, Cleary. O homem deu de ombros, com modéstia. — Eu enfrento qualquer trabalho, srta. Chloe — ele declarou, sem sombra de falsidade. Chloe achou estranho que ele fosse melhor do que aparentava, mas se Micah e JT estavam satisfeitos com 167

ele, não seria ela a discordar. — Aposto que sim. Chloe encerrou o assunto e foi em socorro de Lilly, que saía da despensa. Ajudou-a a carregar a vasilha cheia de salada de batata e ambas fatiaram o pernil, o pedaço de carne assada e embrulharam em papel encerado. As embalagens bem feitas não deixariam o sumo e os molhos se perderem. As carnes continuariam úmidas e comestíveis durante o dia todo. — Esta comida sustentará a todos até amanhã — Cleary garantiu. Acomodou as carnes nos alforjes que trouxera. Depois o pão e a salada enrolados em toalhas separadas. E não esqueceu dos biscoitos. Ergueu as sacolas pesadas de couro e deu um sorriso endereçado a Lilly. — Aposto que nunca lhe deram um dia de folga, não é, senhora? — Ultimamente, não. — Ela suspirou. — Mantenha os olhos abertos em cima daquelas reses, senhor. Assim pelo menos Chloe poderá descansar. — E o que eu farei. Chloe sentiu uma certa hesitação por parte do rapaz. Ele abriu a porta e olhou para trás. Qual seria a mensagem que ele pretendia passar?, ela se perguntou, vendo-o se afastar. JT estava certo. O homem sabia cavalgar. Com poucos movimentos suaves, fazia o cavalo obedecer a seus comandos. Um ligeiro puxar de rédeas ou um leve aperto nas ilhargas. As botas e a sela eram de boa qualidade, também como JT dissera. Gostaria de ter certeza de que o homem também era. — Eu queria saber onde Micah o encontrou — ela falou mais consigo mesma de que com Lilly. Pôs três pratos na mesa e arrumou a cozinha para o almoço. JT não tardaria a chegar. Dali a pouco puxou a 168

corda do sino, fazendo o badalo tocar só uma vez de cada lado. O som deveria anunciar o almoço e não uma emergência. Ainda ouvia as palavras da resposta de Lilly. — Micah deve ter alguma coisa escondida na manga. Algo me parece estranho. E olhe que não sou nem mesmo uma jogadora. Nos dias que se seguiram a atividade foi incessante. A carga de trabalho aumentara. Os homens faziam vigília dobrada, o que aumentara as tarefas de Chloe. Algumas vezes JT e Lowery ajudavam-na no trabalho com os cavalos. Ambos cavalgavam com movimentos precisos, flexíveis e elegantes na sela, como se dançassem em uníssono com os animais. Naquele dia, Lowery ficara com a tarefa de treinar os animais recém-amansados e fazê-los desfilar. Esperavam um comprador, representante de fazendeiros de Montana. JT esmerava-se na escolha dos melhores cavalos para vender. Já fizera uma previsão para a próxima safra de potros que nasceriam no ano seguinte, como resultado do cruzamento com o novo garanhão, mantido perto da estrebaria. Chloe começava a partilhar daquele ânimo, apesar da preocupação com os ladrões de gado e do trabalho adicional ocasionado por eles. Os braços doíam de tanto escovar pelagens e as pernas ardiam de tanto andar com os cavalos para exercitá-los. E sua mente fervilhava com pensamentos que não ousava pôr sobre os ombros largos de JT. Por mais que ele fosse um ouvinte atento, não tinha coragem de expressar em voz alta as imagens apavorantes e nítidas que a acordaram no meio da noite. Pete balançando, pendurado em uma corda. Gemeu alto ao lembrar-se do rosto contorcido e que lhe parecera tão real, mesmo sabendo 169

tratar-se de um sonho. — Uma moeda por seus pensamentos, querida… — JT trouxe-a de volta à realidade. Chloe assustou-se de ver que sua mente estava muito longe do animal que deveria estar tratando. — Você não gostaria de saber — ela murmurou, voltando para sua tarefa. — Mas também não quero ficar na ignorância — ele garantiu e segurou-a pelo braço, para impedi-la de continuar a escovação. — Dá a impressão de que você acabou de perder o melhor amigo. E disso eu estaria informado, coração. — Você é o melhor amigo que já tive — Chloe afirmou com veemência, escovando com mais força a barriga do cavalo com a mão livre. — E depois da noite passada, não creio que eu esteja em perigo de perdê-lo. JT gargalhou. — Agora está melhor. Eu declaro, madame, que suas faces estão tão rosadas quanto as flores que Lilly cultiva na varanda. — Preciso mesmo que me alegre — ela admitiu. — Tenho pensado em muitas coisas tristes ultimamente. — Pete? — ele desconfiou e Chloe anuiu. — Você não pode fazer nada, Clô, exceto atrair coisas boas com pensamentos positivos. Mesmo assim, não tenho muita certeza se ajudarão. A menos que volte logo, tenho receio de que será considerado uma parte do bando de meliantes que rondam a região. — Soube alguma coisa de Micah? — Chloe lembrou-se de Corky na prisão da cidade. — Sim. Acho que Corky não terá chance. Micah disse que o juiz chegou e sentenciou-o à prisão. Deu-lhe três dias de prazo para revelar os nomes dos outros. Prometeu-lhe uma sentença menor, se ele confessasse. Mas eu não 170

acredito que Corky vá revelar tudo o que sabe. Vamos esperar para ver. — Micah falou com você pessoalmente? — Não. Hale Winters foi quem me contou isso, ontem à noite, e Lowery trouxe as novidades. Acho que Micah está prevendo algum acontecimento na cidade. Talvez uma fuga da cadeia. Os ladrões de gado devem estar pensando em pôr as mãos em Corky. Devem ter medo de que o comparsa fale demais. — O juiz ainda está na cidade? — Sim. Ele pediu a Micah que contratasse outro auxiliar e deixasse um homem vigiando a prisão durante vinte e quatro horas. — O que você acha? — Chloe perguntou, com o coração disparado. — Que devemos estar preparados para qualquer coisa, Clô. O jantar transcorreu em silêncio, com somente quatro pessoas à mesa. Hogan apressou-se em voltar para o alojamento. Pretendia dormir um pouco, antes de outro longo dia que o esperava. — Vou sair cedo para render Lowery — ele avisou JT e virou-se para Lilly. — Será que a senhora poderia fazer uma fornada de biscoitos para os homens? Naquela distância, qualquer alimento fresco tem o sabor de manjar dos céus. Ele levantou a mão, quando Chloe se preparava para falar. — Ninguém está se queixando, Chloe. São apenas fatos da vida. Nós os mimamos demais com boa comida. Mas eles merecem. Não é fácil manter aquele gado todo sob controle e fazer revezamento contínuo de guarda. — E Cleary? — Tem feito Willie trabalhar com afinco. — Hogan deu 171

uma risadinha. — É perito no laço e seu cavalo é bem treinado. Tomara que ele fique por aqui, quando tudo isso terminar. Um homem como ele, ou talvez mais alguns, serão muito úteis quando estivermos a pleno vapor, treinando os potros novos que pretendemos vender daqui a dois anos. JT saiu com Hogan e Lilly acenou para Chloe segui-los. — Pode deixar, eu arrumarei a cozinha. Vá sentar-se um pouco lá fora. Aproveite o ar frio e espere até JT voltar. Era uma sugestão agradável. Chloe saiu da cozinha e foi até a extremidade da varanda. Olhou para o céu e fixouse nas estrelas que apareciam aos poucos. A tristeza veio com a escuridão e Chloe pensou novamente em Pete, com o coração apertado. Concluiu que o irmão nunca fora um forte. Talvez houvesse ficado em posição de inferioridade há alguns anos, quando ela e o pai estavam muito unidos. Mesmo assim, ela sempre esperara que o início íntimo, quando partilhavam do ventre da mãe, pudesse ter inspirado em Pete um amor maior por sua irmã. Lembrouse das falhas de Pete, de seu estado de rebelião permanente. Ponderou com tristeza sobre o que poderia ter feito para ajudá-lo, durante a última estadia na fazenda. Talvez o casamento com JT fora a última gota de água. Pete deveria ter sentido que estava do outro lado do muro. Mesmo assim, não se arrependia em nenhum momento pela decisão tomada. — Mas se… No momento em que seus lábios pronunciaram as duas palavras melancólicas, viu um cavaleiro que se aproximava devagar. Saiu correndo do canto onde se encontrava e apressouse em saudar a figura solitária, sem importar-se com o perigo. 172

— Pete? — ela chamou, esperançosa. — E você, Pete? — Sim, sou eu — ele respondeu, disfarçando a voz, com medo de ser descoberto. Parou debaixo de uma árvore ao lado da casa, desmontou e, sem largar as rédeas, ficou observando Chloe aproximar-se. — Eu não sabia se você falaria comigo… — Onde foi que você esteve? — Mesmo sem querer, o tom foi acusatório e ele voltou para a sela. — Espere! — Ela o agarrou pela camisa. — Estive muito preocupada com você. Não fique bravo, Pete. Fique aqui e vamos conversar. Pete manteve-se ereto, apesar do esforço que ela fazia para puxá-lo. Chloe queria desculpar-se pelas palavras ásperas. — Você sempre me acusa primeiro, não é verdade? — Pete não escondeu a ira. — Tudo o que acontece de errado é culpa minha. — Não é verdade — Chloe negou a injustiça. — Foi você quem fugiu e me deixou na miséria. Se não fosse JT… — Droga de JT! Tudo isso começou por culpa dele. Ele me ludibriou, ficou com meu dinheiro e com a fazenda. Chloe procurou respirar com mais calma, ao reconhecer a fúria que Pete irradiava. — Por que o odeia tanto? — Chloe fez a pergunta com muita tristeza. — Foi o destino que o fez estar lá naquele dia. Se não fosse ele, teria sido qualquer outro. E este poderia não ser tão bom quanto JT é. — Estou vendo mesmo como ele é “bom” — Pete zombou. — Arrancou-a da prateleira, disse algumas palavras diante do sacerdote, tomou conta de tudo e carregou o bando todo para seu lado. — Nós já conversamos sobre isso e não adiantou nada, não é? — Chloe afastou-se dele, ao pressentir a inutilidade 173

do discurso. — Por que voltou desta vez? Não tenho dinheiro e com os roubos… — Ah, os roubos… — Ele foi brusco. — O que houve agora? Por acaso está pensando que eu me envolvi em uma coisa dessas? Ela pressentiu que ouvia uma falsidade, mas não poderia acusar sem provas. — Não sei em que pensar — Chloe balançou a cabeça. — No dia do meu casamento, ladrões de gado atacaram durante a festa e nós perdemos um grupo de reses nos limites ao norte. — Eu não tenho nada a ver com isso — Pete declarou, de cabeça erguida. — Então para onde o senhor foi, quando desapareceu naquela noite? — Uma voz sombria ecoou pela noite e JT aproximou-se, vindo do lado contrário de Pete. — Não é da sua conta, “irmão” — Pete declarou com sarcasmo, encarando o outro, que era bem mais alto. — Bem, acontece que eu acho que é — JT persistiu. — Você fugiu e depois de algumas horas perdemos uma boa fatia do rebanho. — Eu sei. E segundo ouvi falar na cidade, Corky é o camarada que deve ser acusado! E que também foram comprar uma corda nova. — Ele irá para a prisão, Pete. Não irão enforcá-lo.— JT suavizou o tom de voz. — Por acaso está com medo que ele o denuncie? — Não tenho nada a ver com isso — Pete reiterou, malhumorado. — Parem! — Chloe não suportou mais. Espalmou a mão no peito de JT que inspirou fundo, na medida de seu ódio. — Não façamos nada esta noite. — Ela se virou para o irmão e indicou o alojamento. — Vá até lá, Pete, e tenha uma bela noite de sono. Falaremos amanhã cedo. 174

Pete concordou, depois de mirar JT com superioridade. Conduziu o cavalo até o galpão fechado. Chloe sentiu às costas a fúria frustrada do marido. Ele a virou com força, mas ela o encarou com altivez. Impossível aquilo estar acontecendo! Ele se comoveu ao ver as lágrimas rolarem. A raiva feneceu, ao mesmo tempo em que se preocupava com a mulher que permanecia entre o irmão e o desastre. — Chloe… Ela se jogou em seus braços e rompeu em soluços incontroláveis. — Querida, não deixe que ele jogue areia nos seus olhos. Você tem um coração bondoso demais em relação à Pete e ele se aproveita disso. — Você acha mesmo que ele faz parte do roubo, não é? — Chloe levantou a cabeça para fitá-lo. — Eu acho que sim. JT não se sentia tranqüilo em hospedá-lo, mesmo sendo só por uma noite, dentro dos limites da fazenda. Era como se deixasse o inimigo atravessar os portões. Ainda assim, mantê-lo à vista poderia ser mais seguro. — O que ele queria? — JT perguntou. — Ele não explicou. Apenas disse que… Ela hesitou e fitou a estrebaria. Dentro, a lamparina brilhava. Podia ver-se Pete desencilhando o cavalo. — Eu não sei por que ele voltou — ela comentou, desanimada. — Fiquei apenas contente por vê-lo e pensei que ele não apareceria, se fosse culpado de alguma coisa. — Deu uma risada áspera e cobriu a boca com a palma da mão. — Tem razão, sou mesmo uma tola. JT suspirou, aliviado. Talvez ela estivesse começando a enxergar Pete sob uma nova luz. — Nada disso. É apenas a bondade que a orienta. Vou dar uma volta e pedir a Hogan que fique atento. 175

Conversaremos amanhã cedo. Pete terá de esclarecer algumas coisas, senão terá de ir embora daqui. Uma hora depois, JT foi dormir. Chloe estava encolhida no meio da cama, com a cabeça quase coberta pelo lençol. Ele a aconchegou de encontro ao peito e percebeu que ela se descontraía, após alguns instantes de hesitação. — Ainda acordada? — ele murmurou a pergunta, tiroulhe os cabelos do rosto, curvou-lhe a cabeça para trás e beijou-a. Cálida e macia, Chloe retribuiu não com paixão ou desejo. Mas como se necessitasse do conforto de sua presença. Ele a beijou, sem fazer exigências, apesar da ânsia. Chloe não se oporia em ser acalentada, pois era o que ela mais desejava. Conduzi-la a um estado de ansiedade amorosa poderia requerer algum esforço e JT estava determinado a reforçar a intimidade entre ambos. De acordo com o ponto de vista de JT, deveria ser formada uma barreira contra a influência de Pete, e esta seria erguida mais facilmente se continuassem a aumentar o teor explosivo do relacionamento. — Acho que não estou com vontade — ela confessou, quando ele lhe mordiscou a ponta do lábio inferior. — Claro que está, doçura — ele insistiu, em voz baixa e convincente. — Preciso de você, coração. JT acariciou-lhe as costas, levantou a camisola até encontrar a pele suave dos quadris. Chloe mexeu-se e sacudiu a cabeça, relutante. JT não se deu por vencido. Murmurou palavras de admiração e, recostado no cotovelo, esboçou um rosário de beijos pequeninos pelo rosto e pescoço da esposa. Chloe deitou-se de costas. Ele lhe acariciou as coxas e, depois de erguer-lhe uma perna, fez carinhos na panturrilha. — Você é tão macia, querida — ele murmurou. Ele passou a ponta dos dedos na pele lisa da parte 176

interna das coxas e beijou-a novamente. — Beije-me, minha querida Clô… Por favor. E ela o fez, hesitante a princípio. Mas estremeceu ao sentir que ele tocava nas suas partes mais delicadas e íntimas, e deixou escapar um soluço. — Você não está agindo de modo correto. — Apesar da relutância, ela era incapaz de resistir. A onda de desejo evidente na voz deixou JT satisfeito. — Esta noite eu não queria. — Empurrou-lhe o peito, mas roçar os pêlos escuros deixou-a arrepiada. — Clô, se quiser, eu posso parar, mas eu não gostaria de fazê-lo. Acho que você precisa tanto quanto… — Eu sei… Mas estou percebendo que as coisas não estão certas e não sei como consertá-las. — Não pense nisso agora. De jeito nenhum, minha querida. Apenas permite que eu a ame. — Quando se casou comigo, não foi só por isso, foi?— Chloe perguntou, com tristeza. — Vindo de você, eu quero qualquer coisa, doçura.— JT afirmou com sinceridade. — Nunca precisei tanto de uma mulher. — Precisar? — A palavra era melancólica. Ele ergueu a cabeça e entendeu a argumentação oculta. — Querer seria o termo mais exato? Eu gosto de você, querida. Quero fazer parte de sua vida até a minha morte. Mas não a obrigarei a fazer nada contra a sua vontade. Diga uma só palavra e eu lhe darei um beijo de boa noite. Chloe suspirou e passou a mão levemente no rosto do marido. — Sou uma rabugenta, não é mesmo? Agindo como uma criança idiota, quando na verdade o que eu quero é… ser sua esposa, Jay. Quem sabe se não estou precisando de alguma persuasão. Chloe enterrou os dedos nos cabelos de JT e, com 177

pressão suave, trouxe-o para frente de sua camisola. JT tocou o tecido macio com a boca e mordeu um botão. — Acho que não vai desabotoar… Ele riu quando Chloe enfiou os dedos na casa, debaixo da boca do marido. Ela continuou a tarefa de soltar os pequenos botões e ele aguardou, impaciente, até ver exposta a pele alva. O corpete abriu-se por inteiro e JT encostou o rosto não barbeado na tez macia. — Você é maravilhosa — ele sussurrou. Ele virou o rosto e prendeu levemente entre os dentes o bico rígido e róseo. Chloe deu um gemido e agarrou-lhe a cabeça. Era tudo que JT precisava. Aquele som simples deu-lhe a certeza de que a esposa o acompanharia. — Jay… O desejo de Chloe se fazia presente e JT regozijou-se com aquela generosidade. Ainda assim, ele agiu devagar. Não gostaria de pressioná-la depressa demais na direção dos movimentos finais do ato de amor. Faria com que as preliminares durassem bastante, arrancaria gemidos de prazer e satisfaria a necessidade pulsante que sentia sob suas mãos. As dobras lisas e úmidas exigiam uma posse imprescindível. O desejo tornou-se urgente. Chloe segurou-lhe a cabeça com mais força e ergueu os quadris de encontro a ele. JT respondeu com um som baixo, faminto e rouco que morreu na garganta e que era uma mistura de desejo e triunfo. E na sua entrega, ele recebeu uma dádiva. No prazer, encontrou satisfação além da expectativa. Os gritos de paixão de Chloe não poderiam ser mais significativos. JT compreendeu que a esposa trilhara um caminho muito difícil para atingir seu coração ressecado. Aquilo lhe deu a certeza de que não era mais um ser solitário e que 178

acabava de se deparar, após uma longa busca, com a finalidade de sua vida. Aquela mulher o tornara vulnerável. E temeroso.

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Capítulo XI

— O patrão perdeu o juízo! Onde já se viu, deixá-lo ficar aqui! — Irado, Hogan deu sua opinião com o chapéu empurrado para trás e as mãos fechadas em punhos na cintura.— O senhor soltou um coiote no galinheiro. Sei que Chloe se enternece quando o assunto é Pete, mas eu lhe creditava maior raciocínio, JT. JT ignorou a falta de respeito daquelas palavras, certo de que a raiva de Hogan era honesta. Em outras circunstâncias ou épocas, sua reação seria bem diversa. Mas Hogan era parte integrante da Fazenda B&B, tanto quanto Chloe. — Não quero entrar em mais conflitos com o irmão dela — JT explicou com tranqüilidade, embora concordasse com as declarações de Hogan. — O que não dispensa a exigência de vigiar o rapaz. — Em hipótese alguma vou ficar atrás dele como uma babá! — Hogan declarou, com olhar desafiante.— Ontem à noite o senhor concedeu-lhe um lugar para dormir, então será melhor resolver o assunto sozinho. Hogan inspirou profundamente e, do pátio onde se encontravam, mirou Pete e Chloe conversarem na varanda. Estremeceu e resmungou uma praga. Depois recuou e fitou o patrão silencioso que estava na sua frente. — O senhor vai despedir-me? — Claro que não — JT retrucou, com uma gargalhada. — Seria como prejudicar a mim mesmo só para vingar-me de alguém. Você orienta os homens e faz funcionar esta fazenda, Hogan. Por que eu iria cometer uma tolice dessas? — Não pretendo desculpar-me, patrão — Hogan avisou180

o. — Nem eu esperava que o fizesse. Um homem tem o direito a expressar a própria opinião. Pete levantou e estreitou os olhos, ao perceber os dois homens que se aproximavam. Depois tornou a falar com Chloe e disparou um olhar faiscante na direção de JT. Flannery mais sentiu do que viu a mensagem fugaz. — Vamos ao trabalho, Pete. Se quer merecer a hospedagem, terá um longo dia pela frente. Tarefas é que não faltam — JT avisou-o com rispidez e não mudou sua postura, ao ver Pete pular os degraus e vir em sua direção. — Quero a estrebaria limpa e os arreios cuidados. Os outros vaqueiros estão muito ocupados vigiando o rebanho. Sobrará bastante serviço para amanhã também. — Quer manter-me por perto? — Pete irritou-se ainda mais. — O que é? Está com medo eu faça alguma trapaça na divisa da fazenda? JT fechou os punhos e conteve a vontade de esmurrá-lo para arrancar-lhe do rosto a expressão de escárnio. — O meu receio, rapaz, é que os camaradas ponham as mãos em você e o deixem em frangalhos. Eu diria que, atualmente, você não goza de muita popularidade entre eles. — Não havia problemas até o senhor chegar — Pete anunciou, com desprezo. Dito isso, o jovem passou pelos dois homens, foi até a cavalariça e tirou um forcado da parede. Pegou o carrinho de mão e caminhou para os fundos do galpão. JT olhou para Chloe, que continuava na varanda. Ela levou uma das mãos ao bolso, com movimentos lentos. — Ele cairá em si — ela comentou e JT concordou. — Já estou indo — Hogan avisou-o, desamarrou o cavalo e ajeitou com cuidado os sacos com as provisões pendurados dos lados do alforje. 181

— JT… — Hogan segurou com firmeza as rédeas do cavalo impaciente que se empinava. — Quer que eu mande Cleary de volta? Talvez seja melhor ele estar de prontidão. Sabe como é, no caso de Pete resolver fazer algo errado… — Hogan, você está pensando a mesma coisa que eu. Esqueça. Cleary está aqui por um pedido de Micah para empregá-lo e tenho fé no bom senso do xerife. Não devemos pôr mais lenha na fogueira. Conte-lhe apenas sobre Pete e não poupe os detalhes. Ele precisa saber o que estamos imaginando. Quer Chloe goste ou não, Pete tem de assumir um comportamento digno. Caso contrário ele terá de haver-se com todos e não só comigo. — O senhor disse bem, patrão. Hogan soltou as rédeas e o cavalo pôs-se a caminho. Em alguns instantes, animal e cavaleiro sumiram em uma nuvem de poeira. Os dias passavam devagar. JT observava e aguardava. Suas suspeitas aumentavam, assim como a tensão entre a mão-de-obra escassa. Dividido entre ficar por perto sem perder de vista Chloe e Pete ou trabalhar com os homens, Flannery escolheu a primeira opção. Passava horas no treinamento e mantinha Pete ocupado com as mais diversas tarefas. O jovem permanecia a maior parte do tempo em silêncio, mas os olhares lúgubres traíam a raiva. Indeciso, JT teve a impressão de andar na corda bamba, embora tivesse quase certeza de que seus instintos apontavam na direção certa. Micah apareceu no terceiro dia. Tirou o chapéu e fitou a casa, com esperança de ver Lilly. — Como estão as coisas? — ele perguntou, inclinou-se sobre o arção e notou a impaciência de JT. — O senhor é que tem de me dizer — JT foi direto. — Corky ainda está na cadeia? 182

— Sim. O juiz deu-lhe mais alguns dias para refletir sobre seus pecados. Corky está cada vez mais impaciente. Esta manhã, muito irritado, procurava inteirar-se dos acontecimentos. Talvez a idéia do juiz de deixá-lo na ignorância do que se passa seja mesmo boa. Acredito que o resto do bando deve estar ansioso para resolver o assunto e rezando para Corky manter a boca fechada. Micah estremeceu e continuou: — Nesta altura, eles devem estar em Silver City contando o dinheiro. — É um jogo de paciência — JT afirmou. — Acredito que Pete ainda aprontará alguma. Durante dois dias ele não tirou os olhos de cima de mim, como se estivesse esperando eu me afastar, para poder agir. — Ele está trabalhando ou apenas engana? — Micah perguntou, reparando na estrebaria. — Eu diria que um pouco de cada coisa. Ele procura cair nas boas graças de Chloe. — Como está ela? — Micah perguntou e, de esguelha, fitou a porta dos fundos e seus olhos brilharam. — Olá, Lilly. Será que tem uma xícara de café para um velho? Lilly, sempre uma forte presença, parou atrás da porta de tela e JT sorriu. — Entre e fale com ela, Micah. Dê-lhe algo para pensar que não seja a preocupação com Chloe. Micah não esperou por um segundo convite. Apeou do cavalo, amarrou o animal no poste e apressou-se até a varanda. Lilly segurou a porta aberta e deu-lhe passagem. Depois soltou-a e a tela bateu no traseiro de Micah. JT ouviu o riso abafado de Lilly. — Perderemos a cozinheira, se continuar a encorajá-lo — Chloe chamou a atenção do marido, aproximando-se 183

pelas costas. Ela empurrou o chapéu para trás e sorriu para JT, que se virara. Um sorriso que não se via há três dias. Um encanto de dentes brancos e lábios curvados. JT não resistiu e tomou-a nos braços. — Já havia esquecido de seu sorriso —— ele murmurou, curvou-se para beijá-la no rosto e depois a soltou. — Agora que estou pensando no assunto, lembro-me de que você sorriu ontem à noite. — Como é que você sabe? — Chloe apertou os lábios e corou, como a recordar-se dos fatos. — Estava escuro. — Eu percebi, Chloe. E isso me fez muito bem. — É como eu me sinto — ela admitiu. — Você é bom para mim, JT, e eu lhe agradeço por isso. Sei que não tem sido fácil tolerar a presença de Pete aqui na fazenda. Fico imaginando onde é que você consegue a paciência necessária para lidar com ele. E continuo esperando para ver o que acontece. — Você também? — Isso mesmo. — Ela passou a ponta do indicador na camisa do marido. — Tenho escovado os cavalos até ficar com os braços doloridos. Tenho observado você cavalgar e trabalhar e fico imaginando por quanto tempo ficaremos marcando passo dessa maneira. O que acontecerá? — Eu não saberia dizer. Mas sinto que há uma tempestade em formação e isso não é bom. O tempo está mudando e o rebanho está cansado de ficar confinado. Apenas um raio será suficiente para causar problemas e ficaremos com um barril de pólvora nas mãos. — Por que não vai até lá para ver in loco o que está acontecendo? Aqui não temos maiores problemas e Micah certamente ficará ainda por um tempo. — Até pode ser — JT hesitou e decidiu-se. — Está bem. 184

Mas primeiro falarei com Micah. Ouviram um relinchar estridente vindo dos fundos da cavalariça. Era o garanhão malhado. Chloe virou-se e viu Pete ao lado da porta. — Seu padreador também está impaciente, Jay. Será que está cansado de ficar afastado das éguas? — Talvez. Lowery quer montá-lo para pastorear o rebanho e até seria um bom exercício para o animal. Mas prefiro mantê-lo perto do galpão. Dali a quinze minutos, JT despediu-se com um beijo rápido. Chloe observou-o sumir na estrada e depois foi até o galinheiro. As galinhas, reunidas em volta de um recipiente largo e raso no meio do terreiro cercado, cacarejavam e apanhavam com o bico o alimento oferecido pela manhã. A água da gamela escoava por um vertedouro. Ela abriu o portão, espiou em volta e afastou as aves com o pé, antes que escapassem para o pátio. Curvou-se, encheu a bacia e viu todas se aproximarem para beber. Inclinaram a cabeça para trás e deixavam a água escorrer pelas goelas. — São umas tontas — Chloe murmurou, rindo. — Não fazem outra coisa a não ser botar ovos, comer e deixar-se caçar. O galo estirou as longas pernas debaixo de uma sombra, depois se empertigou por entre os membros de seu harém e afugentou-as com uma bicada. — Velho ranzinza — Chloe disse e atirou um pouco de água em sua direção. A ave cantou e Chloe poderia jurar que fora em desafio. Riu alto. — Os homens são todos iguais — ela o repreendeu. — Não existe diferença entre você e aquele garanhão… E JT Flannery, não conseguiu deixar de pensar. Era verdade que sorrira a noite anterior, mas ele 185

também era um grande convencido, Chloe refletiu, enquanto abria e fechava a portinhola, com a mente repleta de lembranças dos beijos, carinhos e da posse. O homem escondido na sombra da estrebaria observava e praguejava, ao imaginar o que se passava na cabeça da irmã. — Ele a está fazendo de boba — Pete murmurou. — E eu o pegarei, usando seu ponto fraco. A tempestade devia estar chegando aos limites da fazenda. Os relâmpagos iluminaram o céu. — Droga! — JT exclamou e levantou-se depressa da cama. — Isso não poderia ter vindo em pior hora. Impaciente, passou os dedos por entre os cabelos. — No meio da noite… Será difícil segurar a manada no lugar com esse tipo de tormenta. — Você não pode fazer nada — Chloe afirmou, ainda deitada. — Não tem sentido molhar-se à toa. Os homens darão um jeito… — Estou muito inquieto — ele afirmou, à procura da calça que atirara no chão, logo depois de ter escurecido. Ela se sentou ereta, e suspirou. — Vou fazer um café. — Não se preocupe. Levarei a capa e… — JT estremeceu, com a atenção fixa em uma luminosidade estranha do lado de fora. Pulando em uma perna só, segurou e levantou a calça, e espiou pela janela. — Alguma coisa está acontecendo na estrebaria. A porta está balançando de um lado para outro e há luz dentro. — Deve ser Tom inspecionando os cavalos — Chloe sugeriu. — Ele é o encarregado esta noite. — Não, não parece ser Tom. 186

JT enfiou as pernas da calça, as botas e tirou uma camisa da gaveta da cômoda. Abotoou-a, enquanto se dirigia para a porta. Chloe agarrou o robe e vestiu-o sobre o corpo desnudo. Não teria tempo de procurar outra roupa. Queria acompanhar o marido. A cozinha estava escura e Chloe providenciou uma lamparina. Riscou um fósforo e acendeu o pavio. Pôs o globo de vidro no lugar. JT vestiu a capa, com o chapéu já enterrado na cabeça. Chloe sentiu um momento de apreensão ao ver a testa franzida e a expressão tensa do marido. JT abriu a porta e saiu, sem dizer nada. A esquadria de tela bateu atrás dele. Uma rajada de vento passou pelo pátio e ela viu um balde girar no ar e bater em uma árvore. Por cima da cabeça de JT, uma chama elevou-se na noite e Chloe conteve um grito de horror. Fogo. A palavra terrível que sobressaltava a todos os fazendeiros que tivessem estrebarias e criação para proteger. Era uma das piores ameaças a seus meios de subsistência. JT correu naquela direção, com a capa voando atrás de si. Chloe vestiu o manto impermeável por cima do roupão e calçou as botas que deixara ao lado da porta dos fundos. — O que está acontecendo? — Lilly chegou afobada, vinda do vestíbulo, coberta com uma colcha que certamente tirara de cima da cama. — Fogo! Quatro letras que demonstravam a extensão de uma tragédia que se avizinhava. Chloe saiu correndo e parou na varanda. Incrédula, observou as labaredas que saíam pela janela do palheiro e curvavam-se sobre o telhado da cavalariça. E espalhavam-se rapidamente. Tão depressa quanto a destruição que deixavam em seu caminho. Sentiu187

se mal ao ouvir o relinchar desvairado de cavalos dentro da estrebaria e o som dos coices que davam nas divisórias das baias. A maioria estava no pasto, mas a estrebaria abrigava a vaca leiteira. E também o garanhão, a menos que JT já o houvesse deixado em segurança. Duas éguas, tentadas pelo cheiro do capim-rabo-degato, haviam avançado pela cerca em busca da cura para a dor de barriga. JT as deixara em uma baia isolada, depois de medicá-las. Ao chegar à porta da estrebaria, Chloe escutou os lamentos agudos das duas e abaixou-se para evitar ser atingida por um pedaço de madeira incandescente que caiu a seu lado. — Estou aqui, meninas. — Ela ergueu a saia com uma das mãos, imaginando para onde JT teria ido. Soltou a primeira égua e, antes de chegar na porta, ouviu um gemido atrás de si. — JT? O homem que se ergueu do chão ao lado da parede não era seu marido. Tom cambaleou em meio à vermelhidão do fogo, com uma das mãos na cabeça. — Tom! — Ela foi para o lado dele, junto com a fêmea assustada, e agarrou-o pelo braço. — Vamos, Tom. Você precisa sair daqui! Ele a acompanhou, abriu a porta pesada e, já do lado de fora, tomou-lhe as rédeas das mãos. — Deixe que eu levo, srta. Chloe. Chloe voltou para dentro e chegou até a vaca. Paciente e de cabeça baixa, o pobre animal parecia implorar por sua libertação. — Já cheguei, Bessie — Chloe entrou na baia com a segunda égua. Sem se importar com os movimentos frenéticos da 188

cavalgadura, preocupava-se apenas em salvar as duas do forro cheio de feno que ameaçava vir abaixo. — Chloe, saia desta estrebaria maldita! — JT chamou-a com voz estridente, das proximidades. Ela correu, tropeçando, e levou a égua até a entrada. — Pegue-a! — Chloe ordenou, assumindo o comando. — Vou buscar a vaca — ela gritou e agradeceu a Deus por dar a JT o bom senso de fazer o que ela pedira, sem discutir. Trazer Bessie foi uma tarefa simples. Chloe teve apenas de soltar a engenhoca de madeira que mantinha a vaca prisioneira. Em minutos, ambas estavam do lado de fora. A chuva abençoada e torrencial tirou-lhe o fôlego, quando Chloe deixou a cavalariça em chamas e olhou para o céu, agradecida. A água batia no telhado e dele se elevavam nuvens de vapor, enquanto a madeira era resfriada e o feno ficava ensopado. — Isso será o suficiente para apagar o fogo? — ela perguntou, quando JT a alcançou. — Acho que sim. Se o vento não afastar a chuva para longe das chamas. A janela do palheiro estava aberta e Chloe achou que as labaredas estavam mais baixas. JT segurou-a, com um olhar de advertência. — Não volte para lá. Peça a Tom que entre, assim que ele melhorar da pancada na cabeça. Verei o que posso fazer. A frente da estrebaria estava avariada. A parte queimada da parede permitiu que o feno se molhasse e não pegasse fogo. Depois de alguns momentos, ela viu JT jogar pela janela os últimos materiais ainda incandescentes. Sentiu o odor pungente e imaginou como ele conseguia ficar no meio daquela fumaça, onde certamente o cheiro deveria sufocar-lhe os pulmões. 189

JT havia coberto a boca e o nariz com o lenço que sempre trazia amarrado no pescoço. Tom subiu e, seguindo os comandos do patrão, ajudou-o a carregar para fora os fardos de feno restantes que ainda ofereciam perigo em seu interior. Depois os homens pararam e olharam para cima. A chuva que continuava a cair penetrava pelo forro, atingia o piso e, no trajeto, molhava as roupas já coladas nos corpos robustos. Estava tudo terminado e sob controle. Chloe fechou os olhos e murmurou uma prece de agradecimento pela misericórdia divina. — O fogo foi provocado — Lilly afirmou, melancólica, ao aproximar-se de Chloe e externando em palavras o receio da sobrinha. — Pode ter sido um relâmpago. — Chloe recusou-se a aceitar a outra possibilidade. — Você e eu sabemos que não foi — a tia argumentou, severa. — Pete? — O sussurro de Chloe soou como um grito desesperado em sua mente. Preocupava-se com a ausência do irmão e, a menos que ele apresentasse uma boa desculpa, o dedo da suspeita apontava para ele. — E sim… Pete. — JT repetiu o nome do cunhado, da porta da estrebaria. — Ele pôs fogo na cavalariça, Chloe, e levou o garanhão malhado. Tom, ao lado do patrão, anuiu com um gesto desanimado de cabeça. — Ele me nocauteou, srta. Chloe. Pete saiu do alojamento e eu o segui até aqui. Eu o surpreendi a caminho da baia do garanhão, carregando uma sela. — Com que ele o atingiu? — Chloe perguntou, antecipando a resposta. — Com a sela, srta. Chloe. Eu estava desprevenido. 190

— Ele poderia tê-lo matado — ela afirmou, pensando em Tom desacordado no chão do galpão em chamas. — O que certamente não teria importância para ele. Mas acredito que Pete encontrará dificuldade em montar o malhado. — O que pretende fazer? — Chloe fez a pergunta, mirando as duas éguas que perambulavam pelo pátio e a vaca que se dirigia lentamente para uma árvore ao lado da casa. — Selar dois cavalos e rumar para o norte, onde está o rebanho. Acho que não há mais nada a fazer por aqui. Se esquecemos de alguma coisa, a chuva se encarregará da tarefa. Chloe, procure amarrar as éguas em algum lugar ou deixe-as no pasto com a vaca. — Está bem — ela concordou, sem pretender atrasá-lo. — Vá e que Deus o proteja. Faça o que achar melhor. JT foi até a porteira da cerca e assobiou. Meia dúzia de cavalos se aproximaram, o seu garanhão no meio deles. Conduziu dois até a estrebaria, amarrou-os no poste, à espera de que Tom trouxesse as selas e as rédeas. As mantas cheiravam fumaça, mas o compartimento dos arreios não fora atingido. Ao inteirar-se do fato, Chloe deu graças aos céus. Rezou em silêncio, pedindo a proteção de Deus para todos, enquanto os dois homens se afastavam na escuridão. Apesar de arrasada pelos acontecimentos, não pôde evitar que a ira contra o irmão crescesse. Confiara nele durante a vida inteira. Sempre perdoara o comportamento rebelde de Pete, em quaisquer circunstâncias. Mas daquela vez, não conseguiu encontrar motivos para desculpar-lhe os atos. Aflita por não saber o que acontecera, Chloe viu os dois homens se aproximarem, antes do meio-dia. Lowery tirou o chapéu, com um certo ar de satisfação em seu semblante. 191

— Srta. Chloe, o patrão mandou avisar que voltará assim que puder. Ele foi até a cidade para conversar com o xerife. Hale Winters e seus homens foram junto. Eles estão levando seis ladrões de gado para a cadeia. — O olhar de Lowery faiscou de ódio. — Tentaram roubar-nos de novo ontem à noite, mas nós os pegamos e conseguimos trazer a maior parte do rebanho de volta. Chloe teve medo de perguntar os detalhes e os nomes. Hogan não lhe deu tempo de expressar o receio. Tirou o chapéu e encarou-a com o rosto sombrio que antecipava o teor da narrativa. — Trouxemos o garanhão de volta, senhora. Pete largou-o bem longe daqui. O garoto deve estar louco, para fazer uma coisa dessas com um cavalo. Eu me admiro que o animal não tenha fugido. Hogan desmontou e acenou para Lowery, que pareceu aliviado por não ter de prosseguir na conversa desagradável. Lowery pegou as rédeas de Hogan e virouse. — Mas que estrago, hein? — ele murmurou, ao ver a frente queimada da estrebaria. — Nada que não possamos arrumar em pouco tempo — Hogan garantiu. — Eu gostaria que o resto fosse tão fácil de consertar. Hogan aproximou-se de Chloe, na varanda. Ela permanecia sentada, imóvel, arfante e prevendo as más notícias. Hogan sentou-se a seu lado e segurou-lhe as mãos. — Querida, pensei em deixar JT contar-lhe o que houve. Mas pela lealdade a seu pai e por estarmos juntos há tanto tempo, acredito que devo ser eu o encarregado de relatar o acontecido. Deveria ser pior do que imaginara. Muito angustiada, Chloe sentia dificuldade para respirar. Na certa Pete 192

acabaria na prisão, se fosse cúmplice dos ladrões de gado. E ela não sabia se conseguiria encarar o sonho que a perseguia nos últimos dias tornar-se realidade. — Pete era um deles, não era? — Na verdade, não se tratava de uma pergunta, mas da constatação de um fato. — Hogan, mesmo que eu não queira aceitar, acho que não é preciso responder. Eles o deixarão na cadeia ou… irão enforcá-lo? — Chloe terminou a frase em voz baixa. — Nenhuma das duas coisas, srta. Chloe — Hogan explicou com tristeza. — Pete não conhecerá a decisão do juiz. Ele participou do tiroteio e levou um tiro na cabeça. — Ele está ferido? — Chloe entendeu a idiotice de sua pergunta. Mesmo assim, continuou: — JT levou-o a um médico? Hogan sacudiu a cabeça. — Chloe, querida, por favor, não me obrigue a dizer o que a senhora já sabe. Pode ter certeza de que não foi culpa de ninguém. Pete procurou seu destino. Roubar o garanhão malhado foi sua última façanha. Usar o animal para subtrair o gado da fazenda foi o toque final. A visão de Pete na ponta da corda apagou-se e uma outra surgiu, ainda mais trágica. A do irmão sendo aprontado para o sepultamento. — Ele está morto? — A pergunta inútil foi sussurrada e não merecia resposta. Mesmo assim, Hogan teve a sensibilidade de explicar. — Ele e mais dois outros morreram, srta. Chloe. JT foi prestar declarações ao xerife e levar os prisioneiros ao juiz. Ele não vai demorar a voltar para casa. A ferida profunda no coração de Chloe continuava a impedir-lhe a respiração normal. Era a culpada por tudo aquilo. Mesmo que a idéia pudesse parecer ridícula para outra pessoa, sabia que o fato de aceitar JT em sua vida a afastara de Pete. As atitudes finais do irmão tinham sido 193

executadas na razão inversa de sua felicidade. Ele fora incapaz de aceitar o casamento dela com o homem que o despojara da herança. — Srta. Lilly? — Hogan pediu ajuda e Chloe fitou-o, sem compreender o motivo do pânico. — Srta. Lilly, será que poderia vir até aqui fora? Lilly saiu e deixou bater a porta de tela. Olhou espantada para o capataz e depois para a sobrinha. Chloe se dobrara ao meio, a cabeça sobre os joelhos, dando a impressão de que seus ossos não tinham força de segurála ereta. Lilly ergueu Chloe com uma força surpreendente. — Querida, respire profundamente. Vamos… procure acalmar-se. Hogan segurou-a por um braço e Lilly, pelo outro. Assim Chloe foi levada até a porta. Seus pés se arrastaram pelas tábuas e Chloe notou a poeira que se erguia. As pequenas partículas lembraram-na de que não varrera a varanda pela manhã. A seguir os sapatos de Lilly chamaram-lhe a atenção. Eram masculinos, mas garantiam o conforto dos pés enormes da tia. Tentou acompanhar os movimentos dos calçados pretos de amarrar que caminhavam a seu lado. Chloe não entendeu como surgiu a porta da cozinha. Largou-se em uma cadeira e ouviu o murmúrio de vozes a seu lado. Sentiu uma toalha molhada na nuca e ao curvarse para frente, tentou focalizar as flores delicadas do oleado que cobria a mesa. Amarelas, com miolo branco, elas se repetiam em um arranjo interminável. Procurou fixar os olhos para enxergar o ponto final, ou seria o inicial?, da profusão de margaridas em cima da mesa enorme. — Respire fundo, criança — Lilly tornou a ordenar, massageando-lhe as costas. — Não posso — Chloe respondeu, em um fio de voz. 194

Era muito doloroso inalar. A dor da traição e da morte sobrepujava o seu instinto natural de sobrevivência. Chloe deitou o rosto no oleado frio e fechou os olhos. Tentou conter os soluços que ameaçavam romper com exuberância. Queria guardar o sofrimento só para si, junto com a imagem do outro Pete, aquele que ela gostaria que fosse. Ela ouviu a porta dos fundos ser aberta e depois um som abafado de passos anunciando a chegada de outra pessoa. Sem abrir os olhos, sentiu a presença de JT a seu lado, a ternura de suas mãos sobre sua cabeça e seus ombros. Depois foi erguida nos braços dele. O marido carregou-a para o quarto, no mais absoluto silêncio. Deitou-a na cama e, sem pressa, tirou-lhe a roupa, deixando-a somente com as meias. Cobriu-a com um lençol. JT sentou-se a seu lado, segurou-lhe as mãos, esfregou-lhe os dedos. Pareceu a Chloe que a respiração dele era irregular. Ele esperava. Mesmo sem vê-lo, Chloe adivinhava-lhe a expressão sombria. E deu-se conta de que o coração descontrolado dentro do peito formava lesões que jamais se fechariam. Pela perda de Pete e pela certeza de que se abria um abismo entre ela e o marido. — Pode fechar a porta — ele pediu a alguém em voz baixa. Ouviu a porta ser fechada, o barulho do coldre sendo pendurado na cadeira e o som de roupas que eram tiradas. JT afastou as cobertas e deitou-se ao lado da esposa. Abraçou-a e puxou-a de encontro ao calor vibrante de seu corpo. Não adiantou. Ela não mais se aqueceria.

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Capítulo XII

O caixão estava coberto por uma camada de terra e uma braçada de flores que Chloe jogara na vala aberta. Em pé, corajosa, observava os homens que atiravam terra com as pás e cobriam os restos mortais de seu irmão. Uma chaga eterna. O local era privilegiado com as bênçãos da chuva e dos raios de sol. Mas naquele solo estéril não cresceriam flores e nem gramíneas. O cemitério fora das cercanias de Ripsaw Creek era um recanto triste e solitário que merecera visitas freqüentes nos últimos anos. Sua mãe fora enterrada ali. A sepultura de seu pai era encostada na da esposa. A de Pete estava um pouco mais distante. Uma pedra simples ostentava o sobrenome da família. Chloe inclinou-se para tirar a poeira da superfície da lápide. Sem se importar com nada, esfregou a mão no vestido preto que Lilly encontrara no fundo do armário e que dissera ser apropriado para o mais lastimável dos dias. JT estava parado diante da única árvore que marcava o topo da colina. Ele esperava em silêncio, enquanto ela falava com o povo da cidade, a maioria das pessoas constrangida na presença de Chloe. Não sabiam para onde olhar e nem o que dizer para confortá-la. Na passagem, batiam-lhe nas costas de maneira canhestra. Felizmente a fila dos conhecidos e dos curiosos era pequena, pois não lhe agradava ser objeto da piedade de ninguém. Pete podia ter sido um velhaco. Um imprestável, no dizer de Lilly. Ainda assim era seu irmão e seu coração estava em frangalhos pela vida desperdiçada e ceifada tão cedo. A reputação arruinada. Sem nenhuma palavra de arrependimento ou reconciliação antes da morte. 196

Chloe percebeu o olhar desprovido de emoção do marido, com um curioso distanciamento. O rosto que se tornara tão querido nos últimos meses era, naquela altura, o de um estranho. Não viu nele pesar ou remorso. Apenas uma postura de espera e observação. A aba do chapéu abaixada sobre os olhos, o cinturão da arma à vista, o coldre amarrado na coxa, JT representava o símbolo de tudo o que ela desprezara até aquele momento. O triunfo da lei sobre os indisciplinados, a mão da morte que atingira sua família. Ela lhe dissera aquilo. Sentiu um aperto no coração, quando se lembrou das próprias palavras ao amanhecer da véspera. JT, não importa quem puxou o gatilho. Você estava lá e poderia ter impedido que ele morresse. Ela falara sem premeditação, influenciada apenas pela amargura e pelo sofrimento. Ele se limitara a escutar e depois saíra. — Não deveria ter dito isso para ele, Chloe — tia Lilly afirmara, desgostosa. — Ele se preocupa com você e o que ouviu acabará por afastá-lo. Talvez tia Lilly estivesse certa, Chloe refletiu. JT mal lhe tocara na cintura, enquanto subiam a colina para o sepultamento, na hora passada. Embora ele lhe oferecesse um apoio silencioso, ela ignorara a presença do marido. Mergulhada em um vazio onde só havia lugar para a dor, Chloe não suportaria ser confortada. A menos que esquecesse, por um instante que fosse, a raiva que sentia. JT aproximou-se de onde ela se encontrava, desolada e sozinha, observando a última pá de terra ser jogada sobre a sepultura. Onde a terra inculta falava sobre o homem ali enterrado e sobre o pesar da mulher que chorava. As lágrimas começaram a rolar por seu rosto depois que tudo terminou e os visitantes voltaram a seus afazeres diários em Ripsaw Creek. Os soluços eram incontroláveis. 197

Nem cobrir a boca com a mão evitou o desespero. Agarrou o lenço que JT lhe oferecia para limpar os sinais externos de sua dor, embora a houvesse trancado dentro do peito. — Vamos, Chloe. Você não pode fazer mais nada — o marido falou com severidade. Mas foi gentil ao afastá-la da cova. Chloe caminhou a seu lado até a charrete parada no sopé do outeiro. JT suspendeu-a pela cintura e deixou-a sentada no assento, em uma confusão de saias que se enrolaram nas pernas. — Deixe-me ajudá-la. — Ao mesmo tempo em que falava, ele puxava e esticava o grande volume de dobras. Chloe não achou necessário discutir. Deixou-o terminar e endireitou-se, olhando para frente. O marido subiu, sentou-se e pegou as rédeas. O trajeto de volta à fazenda transcorreu em silêncio, depois de Chloe recusar a idéia de uma reunião posterior, em que haveria comida e palavras triviais de consolo despejadas aos borbotões. JT parou o veículo diante da porta dos fundos e novamente pegou-a pela cintura, dessa vez para descer. Sem reação, Chloe fixou-se na frente do casaco preto. JT vestira uma camisa branca e gravata preta que já estava desamarrada debaixo do colarinho engomado. A respiração fazia o peito inflar e desinchar. — Chloe… Ela sacudiu a cabeça com movimentos abruptos. — Não, por favor, não diga nada. Não sei se quero falar com você agora. JT soltou-a e recuou. — Quer que eu me mude para o alojamento? — ele perguntou, indiferente. Chloe fitou-o e tornou a balançar a cabeça. — Não posso mandá-lo para fora de casa. Você é dono da metade de tudo, lembra-se? 198

— Está bem. Flannery anuiu e inclinou a cabeça, em um gesto que pareceu a Chloe eivado de sarcasmo. Com os lábios crispados que não permitiam argumentos em contrário, seguiu-a até a varanda, segurou aberta a porta da cozinha para ela passar e ficou em silêncio, enquanto ela se dirigia para o saguão. — O que houve depois, JT? — Lilly perguntou, chocada. — Eu não agüentava mais ver aqueles homens enchendo a sepultura de terra. Pedi a Micah que me trouxesse de volta para preparar o jantar. — Ficamos até o fim — JT respondeu. — Onde está Micah? Chloe entrou no quarto deles, fechou a porta e não escutou mais as conversas na cozinha. Encostou-se no painel grande e almofadado, fechou as pálpebras com força, disposta a deixar as lamentações para trás e a ocupar-se com o trabalho. Jogou o vestido preto no chão. Depois amassou-o em formato de bola. A visão daqueles infindáveis metros de tecido do traje de luto era uma abominação. Quanto antes os queimasse, melhor. Com movimentos enérgicos, tirou a roupa de baixo, deixou de lado as anáguas e tirou de uma gaveta uma calça e uma camisa. Vestiu-as, sem perda de tempo. Arrancou as meias pretas e compridas e jogou-as na pilha que deixara ao lado da porta. Sentou-se para calçar as meias brancas de algodão e as botas. Como se estivesse em meio de um sonho, relanceou um olhar a seu redor à procura de algum vestígio de traje de luto. Pegou o lenço de JT e largou-o em cima do monte de roupa preta. Passou pela cozinha com a trouxa apertada junto ao peito, sem olhar para Lilly e empurrou a porta de tela com o pacote. Um murmúrio seguiu-a no pátio, mas ela ignorou o 199

que se passava. JT desceu os degraus da varanda atrás da esposa, mas ela não lhe deu atenção, preocupada em achar um local onde pudesse concretizar seu propósito. — Chloe… — ele a chamou, tocando-lhe levemente o ombro. — O que está fazendo? Ela se desvencilhou do marido e entrou na estrebaria. — Willie, você está aí? — Senhora? — O jovem entrou pela porta dos fundos e aproximou-se. — Em que posso servi-la, srta. Chloe? — Quero acender uma fogueira. Por favor, traga-me querosene e fósforos. Willie arregalou os olhos e, sem dizer nada, procurou a aprovação de JT, que anuiu. Willie tirou a lamparina do gancho em que estava pendurada e seguiu Chloe pela extensão da estrebaria. Saíram sob o sol brilhante e foram até o curral, onde havia um monte de estéreo e lixo, usados para acender fogo. Sem hesitar, Chloe jogou o pacote de roupa em cima da pilha de dejetos e fez sinal para Willie. Obediente, ele espalhou querosene por cima dos trajes negros e entregou para Chloe a caixa de fósforos que ela pedira. — Vá embora — ela murmurou, sombria. O jovem recuou depressa e lançou um último olhar para JT, que esperava junto à portinhola da cerca. — Cuidado para não se queimar — JT avisou, com certa ternura. Chloe riscou um fósforo e jogou-o no meio da roupa umedecida com o líquido inflamável. O querosene pegou fogo imediatamente e os tecidos começaram a retorcer-se em meio a pequenas labaredas que dançavam com alegria, indiferentes à sua origem. Chloe observava a cena, hipnotizada, e quando as chamas começaram a aumentar, JT pegou-a pelo cotovelo e afastou-a da pira. Chloe piscou para diminuir o desconforto da fumaça que 200

deixava os olhos ardentes. Tossiu, quando o vento trouxe a névoa causticante em sua direção. As cinzas se levantavam com a brisa e tornavam a cair sobre o monte incandescente. A fogueira ganhou impulso e queimou papéis e sobras que Lilly havia jogado fora na véspera. — Vamos — JT ordenou. — Seja lá o que for que você pretendia realizar já foi feito. Você enterrou Pete e provavelmente a si própria com ele. Mas não tem sentido ficar aqui inalando toda essa fumaça e asfixiando-se com os restos mortais de uma esperança. — Não preciso de ninguém para dizer-me o que devo ou não devo fazer. Sempre foi assim, antes de você chegar aqui e continuará sendo depois que você for embora. — Eu não vou a lugar nenhum. — JT virou-lhe o rosto e Chloe foi obrigada a encará-lo. — Já lhe disse há muito tempo que vim para ficar. Independente de eu a agradar ou não, você é minha esposa e ficaremos juntos. — Pois então… fique. — Chloe sentiu mais suavidade na mão que lhe segurava o queixo. — Você fará o seu serviço e eu farei o meu. Quanto a ser sua esposa… — ela cerrou as pálpebras para não enfrentar os olhos escuros e penetrantes —… está tudo certo, eu acho, mas eu não terei de… Chloe não conseguiu se expressar e nem mesmo imaginar como seria a situação da qual falava. Mesmo assim, se JT reclamasse os direitos legais, ela não poderia negá-los. — Não, Chloe — ele concordou amável —, você não terá de fazer nada que não queira. Espero somente que você volte a seu juízo normal qualquer dia e abra os olhos para a verdade. Antes que seja tarde demais. Chloe passava muito tempo cuidando dos cavalos. JT já fizera os acertos para a vinda dos compradores e a venda 201

dos animais deixaria a fazenda com saldo credor. O rebanho bovino voltara à região setentrional da Fazenda B&B e os homens se revezavam na fronteira. Alguns ficavam lá durante alguns dias e voltavam para executar os trabalhos cotidianos, depois de outros que vinham para substituí-los. A pele de Chloe ficou bronzeada nos lugares onde ficava exposta. Nos braços até os cotovelos, onde as mangas permaneciam enroladas, e na base do pescoço e na nuca, não cobertos pela sombra da aba do chapéu. Ela deixava os cabelos trançados, sem penteá-los por dois ou três dias seguidos. Somente afastava os fios esvoaçantes do rosto e os prendia no lugar. Os músculos doíam à noite, mas ela não se importava. Agradecia a Deus pelo sono abençoado no qual mergulhava, assim que encostava a cabeça no travesseiro. Muitas horas depois que se deitava, Chloe sentia a presença de JT a seu lado na cama enorme. Ele não a tocava e nada dizia, apenas usava o local para o repouso noturno. Quando acordava, já não o via. Os únicos sinais de sua presença eram a marca da cabeça no travesseiro e a roupa de cama desarrumada no lugar onde ele dormira. Chloe decidira que seria desagradável pedir-lhe que fosse dormir em outro quarto. Na certa, JT também não estava interessado em perpetuar o casamento, o que lhe pareceu muito conveniente. Estremecia só em pensar que teria de negar-lhe os direitos matrimoniais. Mas sentir novamente as mãos de JT em seu corpo seria inaceitável. Ela o amara. E bem no fundo de sua alma, admitia que talvez ainda o amasse. Mas a barreira que ele mesmo erguera ao deixar tudo acontecer era um impedimento vigoroso à volta da normalidade. — Veio tomar o desjejum? — Lilly perguntou, quando Chloe chegou à entrada da cozinha. 202

Era mais um daqueles dias maravilhosos, em que o sol iluminava não só as copas das árvores, mas a humanidade inteira. Chloe mexeu no cinto e achou que precisaria fazer mais um furo no couro. — Não estou com fome — ela afirmou, distraída, e puxou a calça para cima. — Elas estão largas. — Você emagreceu — Lilly comentou. — Não tem comido nada estes dias. — Imagine. Eu me alimento o suficiente. Está muito calor e não dá para comer demais. — Bem, a mim parece que a raiva é que a está alimentando — a tia afirmou, severa. — Tem mantido JT à distância e os outros não se aproximam. Nem mesmo tenho certeza se ainda gosta de mim. — Não seja tola. — Chloe aborreceu-se com as palavras da tia. — A senhora sabe que a amo, tia Lilly. Sem a senhora, eu não poderia fazer nada por aqui. — Sim, eu sei que “precisa” de mim! Apenas acho que não se incomoda com nada e nem com ninguém, a não ser você mesma. A dor pela reprimenda aumentou e Chloe segurou-se no espaldar de uma cadeira. — Sinto muito… Não pretendia dar essa impressão errônea. — Ela afastou a cadeira da mesa e sentou-se. — Se sobrou alguma coisa, eu gostaria de comer. — Deixei a sua parte separada, como sempre faço. Lilly tirou o alimento quente da parte de trás do fogão. Ovos mexidos com bacon e torradas. E, com total falta de cerimônia, ela colocou o prato na frente da sobrinha. — Pegue um garfo e coma — Lilly ordenou e foi para a pia. — JT pediu para eu avisá-la que ficará na pastagem da fronteira o dia todo, caso esteja interessada em saber. Ela estava. Pela primeira vez em duas semanas, sentiu uma ponta de culpa, enquanto mastigava e engolia. Teve 203

consciência do desgosto de Lilly pela situação tensa naquela casa. — O que houve por lá? — Chloe perguntou depois de bebericar um gole de café que foi deixado diante do seu prato. — Nada de especial. JT vai apenas decidir qual a parte do rebanho que irá para os currais de guarda temporária e depois para o leilão. — E eu não tenho nada com isso? — Chloe recordou-se dos tempos em que andava atrás do pai e de Hogan, enquanto eles selecionavam os bezerros da manada. — Pelo jeito ele achou que isso não lhe importaria. Afinal, desde o enterro, você mal lhe dirige a palavra — Lilly acusou-a. — Ele deve ter imaginado que iria preferir ficar com os cavalos. Escovando-os, andando com eles e sofrendo em silêncio. — Sofrendo em silêncio… — Chloe repetiu e suspirou. — E isso que a senhora pensa? — Para ser sincera, não sei. Só tenho certeza de uma coisa. Você não é mais a menina que eu conhecia. Você jogou a raiva que sentia de Pete em cima do melhor homem que já pisou nesta fazenda. E não tem a mínima idéia, e nem faz questão de ter, de quanto sofrimento está causando não só a ele, mas também aos demais. — Minha raiva de Pete? — Chloe alteou a voz e levantou-se. — Meu irmão morreu, Lilly. E pelo que sei, a bala que o matou saiu da arma de JT! — E por tudo o que você também sabe, poderia ter saído da espingarda de pelo menos seis homens! Você preferiu acusar JT, em vez de dirigir seu ódio para quem de direito. E, por falar nisso, estou cansada e enjoada deste seu comportamento absurdo. Lilly pôs uma chaleira em cima do fogão e acionou vigorosamente a alavanca da bomba que ficava ao lado da 204

pia. A água esguichou na bacia de lavar louça e Lilly passou a mão no rosto. — Bem, pelo menos agora sei a quantas ando — Chloe afirmou. Ciente da irritação da tia e sem admitir os próprios erros, saiu da cozinha, atravessou a varanda e o pátio pisando duro, e dirigiu-se à cavalariça. Parou no meio do caminho e fitou o céu azul e os flocos de nuvens brancas. Piscou diante da luminosidade do sol e sentiu os olhos lacrimejantes, quando inspirou o ar da manhã. Seu pai dissera uma vez que a vida era para os vivos. E depois de ele morto, ela tivera de prosseguir sozinha. Vivendo. Naquela altura, sofrerá uma outra grande perda e teria de caminhar para frente. A vida continuava e a fazenda preparava-se para um futuro promissor. Sob a direção de JT, os homens, os rebanhos de bois e de cavalos, seguiam o regime imposto pelo programa do patrão. Isso não poderia ser esquecido. — Vai ajudar-me hoje? — Lowery perguntou, conduzindo um cavalo — Este precisa de um bom cuidado. Chloe avaliou que o animal já demonstrava sinais de uma sessão intensa de treinamento. As narinas alargadas, a pelagem brilhante e suada pela hora passada sob o peso de Lowery. — Agora não — ela respondeu, distraída. — Vou até o norte, verificar o rebanho. Tia Lilly disse que JT foi para lá de manhã. — E, foi. — Lowery analisou-a com espanto. — O que aconteceu, srta. Chloe? Não tem saído há semanas. — Bem, então está em tempo de fazê-lo, não acha? — ela retrucou, com rispidez. Ela assobiou e, em instantes, a sua égua aproximou-se, desconfiada. Já desacostumado a ser selado, o animal 205

inquietou-se e resistiu ao trabalho de Chloe, que achou ótimo ter de duelar com a égua birrenta. De cabeça baixa e o rabo largado, a égua saiu, desanimada. Chloe sentiu-se viva novamente e caiu na gargalhada. O animal hesitou, fez força contra o bocado do freio e Chloe deu-lhe a liberdade exigida. O trajeto foi feito em um galope forçado. Chloe curvou-se sobre o pescoço do animal e estreitou os olhos por causa do vento. O chapéu caíra para trás e estava preso apenas pela tira de couro. No alto de uma elevação, Chloe puxou as rédeas e a égua curveteou, ansiosa para prosseguir. Chloe pôs o chapéu no lugar e mirou a região norte, à procura de pontos em movimento no horizonte que pudessem indicar-lhe a localização de seu rebanho. Nada se mexia sob a luz forte do sol. Soltou as rédeas e permitiu que a égua descesse a ladeira e trotasse pela região de pastagens exuberantes. A chuva abençoada permitira o crescimento de um pasto denso por todos os lados. Havia também flores em abundância e uma fileira de árvores que acompanhavam um riacho que corria do norte ao sul, no lado leste da propriedade. Chloe virou-se naquela direção e acompanhou o regato raso até onde a profundidade aumentava e permitia a formação de uma lagoa onde os homens costumavam banhar-se. Ela apeou do cavalo e conduziu o animal até a beira do ribeirão. Só se ouviam os chilreios dos pássaros e o barulho da água que corria por entre as pedras. A égua curvou o pescoço e sacudiu a cabeça para beber, espalhando gotículas do líquido precioso para cima. Chloe abaixou-se e afundou a mão no arroio transparente, um pouco acima de onde a égua saciava a sede. Molhou o rosto e esfregou as mãos, até limpar a poeira. A sua esquerda, uma sombra moveu-se. Imediatamente 206

ela se virou, consciente de que estava sendo observada. Uma figura masculina aproximou-se. Pernas longas, panturrilhas que se estendiam até as coxas e estas até os quadris… Ela levantou a cabeça e viu quem estava à sua frente. — JT… — Chloe sussurrou. Ele deu um sorriso irônico de boas-vindas. — Ora, ora. Não imaginei que a encontraria aqui. — Ele apontou a lagoa. Os pêlos de seu corpo brilhavam por causa da umidade aderida. — A manhã estava muito quente e não pude resistir à idéia de um mergulho. Eu precisava me acalmar. Chloe sentiu o perigo nas entrelinhas. — Acalmar? Um outro tópico chamou a atenção de Chloe e deixou-a apreensiva. JT era alto, forte e musculoso. E ela estava em posição desvantajosa. A sós com um homem que a despia com o olhar. Um homem que tinha o direito de jogá-la sobre a relva, se quisesse, e pressionar aquela perfeição toda em cima de seu corpo frágil em uma espécie de dança de posse masculina. — Não tenho tido muito refrigério pela tensão que a senhora tem gerado ultimamente, Sra. Flannery. JT deu um passo à frente e Chloe recuou, tropeçando em uma pedra. Ele agarrou-a pelo braço e impediu-a de cair, segurando-a de encontro a si. — E agora a senhora surgiu e oferece-me a oportunidade de… — Não estou oferecendo nada — ela rebateu, com secura. — Vim até aqui para saciar a sede da égua. Eu estava começando a aproveitar a paz e a quietude, quando o senhor apareceu. — Eu cheguei aqui primeiro — ele a lembrou com voz suave, embora seus olhos estivessem ensombreados. 207

Chloe achou que seu rosto estava macilento, mas ele manteve a pose orgulhosa e o queixo erguido. — Além do mais, talvez eu não queira esperar por uma oferta — ele completou. JT soltou a cintura de Chloe e tirou-lhe o chapéu da cabeça. Começou a tirar os grampos, jogou-os no chão e entreteve-se em desmanchar a trança que rodeava a cabeça. — Não faça isso. — Ela se rebelou e sacudiu a cabeça, apenas para sentir a dor dos cabelos sendo puxados. — Você mesma é quem está se machucando. Fique quieta. — Ele a sacudiu pelos ombros e surpreendeu-a pela violência. JT continuou a lidar com os cabelos trançados até conseguir desmanchá-los. Uma cascata negra caiu sobre os ombros e as costas e fez o couro cabeludo doer. Chloe sentiu-se desgrenhada e sem ar. Teve plena consciência de que o marido tinha em mente algum tipo de ritual que só terminaria quando ele quisesse. — Tire a roupa — ele ordenou. — Você precisa de um banho. Chloe nem tentou retrucar, sabedora de que ele não recuaria em seu propósito. Desabotoou a blusa, observada por JT que não conseguia disfarçar a impaciência. Com rudeza, ele tirou-lhe a camisa e, resmungando, abaixou-lhe a calça sem soltar o cinto. — Você está com a pele sobre os ossos — ele afirmou, enquanto a despia. — Então, não deve ter muitos atrativos, não é? — Ela procurou ser esperta. — Eu não disse que iria pedir-lhe para abrir as pernas — ele retrucou, com total falta de sensibilidade. — Apenas afirmei que precisava de um banho. Faz dois dias que não penteia os cabelos. E está com cheiro de cavalo. 208

— Você também — ela mentiu, mal-humorada. JT estava limpo e com um odor almiscarado, masculino, irresistível. Chloe sentiu o rosto em fogo ao considerar a acusação e as palavras de desdém. Era verdade. Descuidara de si mesma, tomava banhos ocasionais, lavava-se aos pedaços, como se aquilo pouco importasse. O que não deixava também de ser uma realidade. Chloe aguardou, com olhar de desafio, mas também de antecipação. JT segurou-lhe o corpo desnudo sem machucá-lo e ergueu-a nos braços. Entrou na beira do regato e abaixou-a dentro da água. Sentou-a no fundo arenoso e os cabelos dela flutuaram sobre a cabeça. Chloe cuspiu água e levantou-se, irada. — Está tentando me afogar? O olhar penetrante de JT pareceu desnudar-lhe a alma. — O que você acha? Ele se virou, alcançou um pedaço de pano e uma barra de sabão que deixara na margem e esfregou um contra o outro, até formar espuma abundante. Tocou-a no ombro e ela estremeceu. Friccionou-lhe as costas e ela se retesou. Quando o marido passou o pano na curva de um seio, Chloe segurou a respiração. O tecido era rústico, mas o toque, gentil. Ela permaneceu em pé, com a água ao redor do umbigo e permitiu que ele continuasse a tarefa. A cada instante, JT voltava a ensaboar o trapo. Passouo no outro seio, no ventre e nos quadris, atento ao que fazia. Suas mãos moviam-se com suavidade e a pressão dos dedos fazia voltar à vida a carne que ela julgava morta ao toque do marido. Chloe arrepiou-se com a brisa que soprava sobre a pele molhada. Não pôde impedir que seus seios ficassem túrgidos e se projetassem ainda mais para frente. Percebeu 209

que JT, perdido na contemplação do busto, se excitava. Sob a superfície do regato, a masculinidade manifesta vibrava e cutucava-lhe o quadril. JT afundou o pano na água e lavou-lhe as nádegas. A espuma flutuou e desintegrou-se. Mesmo assim, ele continuou a esfregar-lhe o pedaço de pano sobre a pele, como se os movimentos contínuos da mão sobre o corpo da esposa o hipnotizassem e lhe dessem prazer. Quando ele se curvou, Chloe ouviu um gemido familiar e retesou-se com brusquidez. Fitou-o e reconheceu a mensagem intensa e primitiva nos olhos escuros. — Não quero — ela afirmou com determinação, embora reconhecesse a derrota na própria ansiedade. — Você quer — JT contestou. Ele a ergueu, segurando-a pela cintura e de encontro ao peito largo, até Chloe abraçar-lhe os quadris com as pernas para equilibrar-se. — Entregue-se. Aquela foi uma ordem que ela pensara jamais ouvir do marido. Nem um traço de ternura, apenas paixão dura e cruel. O desejo que deixava o olhar dele incandescente desencadeou um fogaréu no interior do corpo de Chloe. Uma reação que imaginara extinta para sempre. Chloe afastou as pernas e envolveu-o. A profundeza atingida com apenas uma investida foi como se uma espada lhe perfurasse a alma. Não houve dor, pois estava desejosa e pronta para recebê-lo. A apreensão e a raiva mesclaram-se com uma excitação incontida. Ele recuou ligeiramente e tornou a pressionar-se. Ela o prendeu com a força dos músculos internos que pareciam ter adquirido vida própria. Chloe gritou e JT beijou-a com violência, varrendo-lhe o interior da boca com a língua desvairada. O que deveria têla enojado, deu-lhe prazer enorme. Era mister sentir-se 210

desgostosa por ser usada, porém ela gemeu e agarrou-se em seus ombros. A força flamejante do desejo de JT, expresso com impacto impiedoso, deveria tê-la desanimado. Em vez disso, levou-a, em instantes, a um clímax que a fez soluçar e impediu-a de respirar. Ele se impulsionou com vigor e a realização foi poderosa demais para ser manifesta em silêncio. Um rugido de desafio cortou o ar como se fora o de um animal em luta pela supremacia, cujo triunfo deveria ser espalhado pelo mundo. Depois de alguns instantes JT abraçou-lhe com força o corpo trêmulo, saiu do riacho e carregou-a até a sombra das árvores que os escondeu. Chloe foi incapaz de mover-se e mal podia respirar. Vacilante, estremeceu dentro do círculo protetor. Sua mente afogava-se na certeza apavorante de perceber a natureza dos liames que a prendiam a JT Flannery. Não eram os braços musculosos que a cingiam ou a estrutura física vigorosa contra a qual se encostava… com satisfação. Eram homem e mulher, marido e esposa. Ela era sua companheira e ele acabava de unir-se a ela em uma fusão primitiva dos corpos, marcando-a para sempre como sua propriedade. Chloe teve de admitir que se tratava de um entendimento de sabor inigualável.

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Capítulo XIII

Chloe vestiu-se em silêncio, sem compreender os motivos da paz que a invadia. Permitir que JT esgotasse nela a frustração represada era um pensamento que a acovardava. Mesmo assim, no recôndito de sua alma, era obrigada a reconhecer a própria participação no ato que se desenrolara em meio à natureza luxuriante. Não podia e nem deveria acusá-lo injustamente. Afinal, ela não gritara por misericórdia e nem implorara para que o marido interrompesse o desenrolar do comportamento agressivo. Na verdade, fora impelida para além da própria capacidade de resposta e deixou que JT trilhasse o caminho pretendido. Corou intensamente enquanto vestia a calça e dava um nó desconfortável no cinto de couro. Escutou as risadinhas caçoístas de quem a observava. — Eu disse que estava magra demais — ele afirmou e curvou-se para desatar o nó. — Espere que farei mais um furo. JT tirou a faca do bolso e fez a esposa sentar-se no chão a seu lado. Ajoelhou-se a seu lado, estendeu o cinto em cima de uma pedra e segurou a ponta da faca no lugar certo. Com um movimento brusco, fez um furo minúsculo e alargou-o. Em segundos, terminou a tarefa, guardou a lâmina no bolso e ofereceu-lhe a mão. Chloe levantou o rosto e procurou decifrar a expressão de JT. A impassibilidade a deixou indecisa entre aceitar ou não o oferecimento de ajuda. Acabou segurando a mão estendida com os dedos trêmulos. O calor da pele do marido era envolvente, ela refletiu ao 212

ficar em pé a pouca distância dele. — Não me olhe assim, Clô — JT pediu muito sério, deixando a emoção presente em cada sílaba. — Como é que devo olhá-lo? — Chloe indagou e pegou a blusa, nem um pouco ansiosa para vestir a peça suada. Mas não suportava ficar despida diante de JT. Ele pareceu decifrar-lhe os pensamentos e sentir-lhe a aversão pela roupa imunda. — Se quiser, tenho uma camisa limpa — ele ofereceu. Chloe segurou a veste de algodão xadrez diante do busto com ar de dúvida e depois anuiu. — Tia Lilly ficará admirada de me ver voltar com outra blusa. Hoje de manhã, estava muito aborrecida comigo. — Pode culpá-la? — JT perguntou. Ele deu alguns passos até o alforje que estava ao lado de sua roupa amontoada, debaixo de uma árvore. Curvouse, indiferente à própria nudez e remexeu dentro da sacola de couro, de onde tirou uma camisa amassada, porém limpa. Voltou-se e entregou-a a Chloe. — Não. — Ela enfiou os braços nas mangas e fechou os botões. A fralda quase alcançou os joelhos. Pensou em Lilly e no gesto de reconciliação. — Ela guardou meu café da manhã. — Lilly tem feito isso todos os dias. Você a fez sofrer,Clô, e não sei se tomou alguma atitude hoje de manhã para redimir-se. Mas creio que tem um débito para com ela que provavelmente lhe consumirá o resto da vida para pagar. — E acha que não sei disso? — Chloe fez beicinho, enquanto enfiava com dificuldade o excedente de tecido da camisa para dentro da calça. Depois fechou a fivela do cinto no furo recém-feito. — Suponho que lhe devo um também. — Em meu livro de registros não consta nada. Você não me deve coisa alguma. 213

JT voltou para onde estavam suas roupas. Enfiou os pés na calça e balançou-se para levantá-la por cima das coxas. Virou-se. Desprevenida, Chloe corou, por estar de olhar fixo no físico musculoso do marido. — Segundo as probabilidades, você está esperando desculpas, não está? — JT perguntou. A dureza do tom surpreendeu-a. Chloe negou com um gesto de cabeça, desviou o olhar e enrolou as mangas para cima. — Você não me forçou a nada — ela falou, depois de alguns instantes, de olhos fixos nas mãos de JT fechadas em punhos nos quadris. — Reconheço que fui muito rude. — Foi… — Talvez eu tenha deixado marcas. Chloe anuiu. — Você não pediu permissão, mas… — Mas o quê? Clô, você detestou o que houve? Será que a perdi inteiramente, que a forcei demais? — Não, Jay. Sou sua esposa. Você teve todo o direito de fazer o que fez. Eu o evitei durante semanas. Quando o encontrei aqui, tive a intuição de que estava acossado e que não agüentaria por mais tempo. Chloe suspirou, sentou-se no chão, procurou as meias, vestiu-as e depois fitou-o com um sorriso esmaecido. — Talvez eu precisasse saber que ainda estou viva. Pelo menos será um motivo para uma reflexão. Meu pai costumava dizer… que a vida é para os vivos. — Chloe levantou-se. — Pete está morto, mas eu continuo respirando. Há uma fazenda para ser administrada, cavalos para serem cuidados e tia Lilly em casa à minha espera. — E eu estou aqui, Clô. Chloe procurou na fisionomia do marido algum traço da raiva anterior, mas só encontrou uma lassitude que a surpreendeu. 214

— Sei disso, Jay. Como também sei que não deve ter sido você quem disparou o tiro que matou Pete. Mas não consigo afastar o círculo de culpa em que o envolvi. Lilly disse que eu transferi a raiva que sentia de Pete para você. Talvez ela esteja certa. — Você tem de resolver isso por você mesma. Eu não devo influenciá-la e nem brigar com você. Mas tenho de desculpar-me por minha atitude intempestiva de há pouco e que pode ter-lhe causado algum sofrimento. Embora eu não me arrependa do que aconteceu entre nós. Se isso diminui a minha imagem de homem a seus olhos… JT levantou as mãos em um gesto de desânimo. — Eu quero que fique irada, Clô, e que essa fúria incendeie as barreiras que você erigiu entre nós. Acredito até que eu possa ter tido um pequeno sucesso. — JT pôs a mão no ombro da esposa e virou-a na direção da égua cujas rédeas se arrastavam pelo chão. — Vá para casa. Voltarei para a divisa, ajudarei por mais algum tempo e a verei no jantar. — Quando levará os bezerros a leilão? — Chloe perguntou, com as correias nas mãos. — Talvez em uma semana. Ficaremos fora uns dez dias. — Eu já imaginava. Cheyenne é bem longe daqui. — Você sempre ia com seu pai? Chloe anuiu e procurou uma mensagem oculta na pergunta. Pôs o chapéu na cabeça e montou. — Sempre, mas não quero ir dessa vez. Com aquela resposta curta, Chloe entendeu que fechava mais uma vez a porta de acesso à felicidade. O caminho para casa foi feito pela égua. Chloe nada enxergava por causa das lágrimas amargas que lhe turvavam a vista. Depois do jantar JT decidiu esquecer os dias passados, 215

pelo que acontecera naquela manhã e pelas linhas de comunicação novamente abertas. Sentado na varanda, observava a figura esbelta de Chloe confinar as aves no galinheiro para passarem a noite. Ela segurava a frente do vestido afastada do corpo como um apoio para os ovos recolhidos dos ninhos. Na obscuridade, ela se aproximou, subiu os degraus da varanda e chegou até a porta dos fundos. — Eu trouxe ovos frescos — ela avisou Lilly. — Deixe-os na vasilha de barro — a tia falou, enquanto analisava um catálogo aberto sobre a mesa. Chloe fez o que a tia pediu. Lilly olhou pela janela e JT mexeu-se, para se fazer notado. — Vou até a sala de visitas — a tia anunciou, com o periódico na mão. — Está bem — Chloe respondeu, de dentro da despensa. — A senhora precisa de alguma coisa do defumadouro para o desjejum? — Uma peça de presunto viria a calhar — Lilly murmurou, fitando a varanda. — Peça a JT que traga um daqueles grandes que estão pendurados. — Eu posso fazer isso — Chloe afirmou, saindo da cozinha. — Eu sou mais forte — afirmou JT, levantando-se. Ele foi com a esposa até o recinto onde se defumavam as carnes e os peixes. Segurou a porta aberta para ela entrar e seguiu-a. Era um local escuro, quase fantasmagórico, com as carnes penduradas nos caibros. Sombras estranhas se formavam depois que os olhos se acostumavam à penumbra. A pouca luminosidade vinha apenas do luar que se infiltrava pela abertura do teto. — Estão muito altas — Chloe resmungou. — Pode pegar aquela para mim? JT alcançou a peça apontada por Chloe e deduziu que 216

ela deveria aborrecer-se por sua baixa estatura impedi-la de conseguir o intento. — Você não gosta de ser pequena, não é? — ele perguntou e escancarou a porta para permitir a entrada de ar. — Eu odeio — Chloe suspirou e olhou para cima. — Veja, uma estrela cadente… Ele a viu sob um novo ângulo, em um momento de vulnerabilidade. — Fez algum pedido? — JT desejou que ela fosse atendida. — Bobagem — ela murmurou e fitou-o. — As coisas que sempre almejei agora me parecem tolas. — Por exemplo? JT encostou-se na porta para receber o impacto do que Chloe diria. O olhar dela teve laivos de desdém. — Felicidade para sempre. E aprendi que isso não existe. Pensei que meu pai iria viver eternamente, que meu irmão se modificaria e que formaríamos uma equipe afinada. — Nunca pretendeu nada para você em particular? — Tudo isso seria para mim. — Nunca se sentiu atraída por vestidos bonitos, homens que a cortejassem ou uma família? — Não sou como as outras mulheres. Não preciso de coisas extravagantes e nem de palavras lisonjeiras. Nada disso me agrada. — Concordo que você é diferente de todas as que já conheci. Você é mais corajosa, valente e mais capaz do que quatro delas juntas. Mas é mulher e por isso talvez precise de um pouco… JT hesitou, procurando as palavras adequadas que funcionassem como um bálsamo para aquele coração solitário. 217

— Acho que você precisa de carinho, Clô. — Como o de hoje? — ela perguntou, mordaz. — Não, claro que não. Aquilo foi deflagrado pela necessidade, pela raiva e pelo sofrimento. Querida, acho que não fiz nada para agradá-la. — JT falou com hesitação, enquanto ela fitava a janela convidativa e iluminada da casa. — Sonhos de infância algumas vezes se tornam realidade, Clô. Os meus se tornaram. — Os seus? — Sim — ele afirmou, enquanto voltavam a casa, com a mão no ombro da esposa. — Fui uma criança normal, com idéias comuns. Queria ter cavalos e ser dono de um sítio, sem ter que receber ordens de ninguém. Meu pai trabalhava duro na terra e as colheitas assumiam importância máxima. Chloe diminuiu os passos, quando se aproximaram da casa, e escutou, interessada. Encorajado, JT continuou a lembrar-se dos dias da infância. — Papai usava mulas na maior parte das vezes. Tinha uma égua para puxar a charrete, mas ganhar dinheiro sempre foi a sua prioridade na vida. Dizia que brincar com cavalos era tolice. E que eu deveria dedicar-me ao cultivo de algodão para “fazer” dinheiro. — Você morava no sul? Ah, é claro que sim. Eu já deveria ter adivinhado. — É assim tão evidente? — ele perguntou, com um sorriso malicioso. Chloe cruzou os braços sobre o peito, sorrindo também. — De vez em quando, eu percebia… uma pista. — Devia ser quando eu esquecia de mim mesmo. De qualquer forma, o decorrer dos acontecimentos não foi dos mais felizes. Minha casa pegou fogo e foi destruída. Meus pais estavam dentro, quando tudo aconteceu. Minha mãe… JT pensou na mulher que lhe dera a vida. 218

— Ambos morreram naquele dia. Quando soube do que acontecera, já era tarde demais. Só me restou a tarefa de esquadrinhar as cinzas. Mas não pude continuar mais lá, nem para reclamar minha herança ou o que restava dela. Fui embora e trabalhei no norte e no oeste, à procura de um lugar onde pendurar meu chapéu. — Bem, você achou um. Você queria seu próprio espaço e conseguiu ganhá-lo em um jogo de pôquer — Chloe comentou em tom monocórdio. — Isso mesmo — JT admitiu. — Na ocasião, eu já tinha dinheiro para comprar terras, mas a B&B caiu em meu colo. E não sou nenhum idiota para rejeitar uma coisa certa quando a vejo. — E eu? Também sou uma “coisa certa”? — De jeito nenhum. No começo achei que fosse atirar em mim. Nunca vi uma mulher tão furiosa. — Eu tinha o direito de estar irada. — Chloe subiu o primeiro degrau da varanda e parou. — Ou talvez não — ela sussurrou, encarando o marido. — Eu dirigi minha raiva para a pessoa errada, Jay. Chloe tentou pegar a peça de carne da mão de JT. — Pode deixar que eu levo. Ele achou que seria mais seguro não concordar com a opinião da esposa. Ela já estava em condições de admitir seus erros. Não seria necessário insistir no assunto. Seguiu-a pela cozinha e foi até a despensa. Pendurou a carne defumada no gancho que pendia do forro. Chloe virou-se e assoprou a lamparina, voltou para o hall e deu boa-noite para Lilly antes de ir dormir. Na porta do quarto, ela hesitou com a mão no trinco e curvou a cabeça, deixando a nuca exposta. Atrás dela, JT observou-lhe a respiração que lhe ergueu os ombros e sentiu a hesitação que a fez retardar a entrada no quarto. De repente, ele se rotulou como o último dos 219

homens, ao recordar-se do tratamento rude que lhe dispensara na lagoa. Tinha quase certeza de que Chloe trazia marcas pelo corpo. E estava novamente pronto para renovar o assédio. Seu corpo palpitava cheio de desejo, que ela provocava por sua simples presença. — Jay? — Ela se virou para encará-lo. Na escuridão, o som de seu nome nos lábios de Chloe era um verdadeiro convite. — Sim. JT aprendera cedo na vida a fazer valer as vantagens e era o que vinha fazendo nos últimos meses. Não era hora de recuar, não quando ela permanecia vacilante e ele a tomaria de assalto. Cruzou a soleira e fechou a porta. Observou Chloe andar pelo quarto e dar a volta na cama. Sua camisa era uma sombra pálida na penumbra. Ele se sentou na cadeira, tirou as botas e jogou-as no chão. Levantou-se e tirou a roupa. Já despido, aproximouse de Chloe e ergueu-lhe o rosto. Segurou-lhe a cabeça por entre os cabelos ondulados. Curvou-se com a boca ávida, faminta e investigante. Chloe gemeu, os lábios atormentados sob os dele, e agarrou-se nos pulsos do marido. Os corpos estavam separados e a união era apenas boca a boca. Foi então que ela fraquejou, como se as pernas não mais a sustentassem. — Clô, agora as coisas serão diferentes — ele prometeu em voz baixa, mas firme, tornando-a consciente de suas intenções. — Quando eu entrar nesta cama, não ficarei imóvel no meu lado. Não a deixarei mais sozinha. Entenderei quando estiver sofrendo por seu irmão. Se você tiver vontade de chorar, eu lhe concederei amparo. Só não posso aceitar a culpa por sua morte. — Não estou chorando. 220

Era verdade. A voz não demonstrava vestígios de lágrimas. Porém era lógico permanecer a tristeza e Chloe ergueu o rosto. — Eu não me negarei mais ao meu marido — ela prometeu e fez uma advertência triste. — Mas não sei quais serão meus sentimentos. — Está bem — ele aceitou, triunfante. Ganhar a aceitação de Chloe era tudo o que desejava. Reforçar os laços que estabelecera não seria difícil. Daquela vez, ele prometeu a si mesmo, teria paciência e faria emergir cada gemido e sussurro de desejo que pudesse arrancar de seu interior. Daquela vez… Acariciou-a com gentileza e tirou-lhe a roupa. Levantou-a e levou-a para o leito. Chloe abriu os braços em um convite. Daquela vez… O marido cobriu-a e protegeu-a do ar frio da noite, envolvendo-a em um abraço de corpo inteiro. Capturou os sons suaves da paixão, quando ela ergueu os quadris para ir ao encontro da rigidez e do impacto de seu desejo. Daquela vez… Não houve pressa em possuí-la, nenhuma loucura ou precipitação em aceitar o que ela entregava aos seus cuidados. Apenas cortejaria suave e ternamente uma mulher que, para ser conquistada, valia qualquer sacrifício. — Tem certeza de que não quer ir junto? JT estava ao lado de sua montaria e oferecia a última oportunidade para ela mudar de idéia. Chloe sacudiu a cabeça em gesto negativo e um traço de desapontamento escureceu os olhos do marido. — Tenho muito o que fazer por aqui. — Ela sorriu. — Quando você voltar, o interessado do Bar X estará aqui, com o dinheiro na mão, para comprar o lote excedente de 221

cavalos. — Se ele vier antes de eu voltar… Chloe interrompeu-o, erguendo a mão. — Eu já sei. Eu o farei esperar. — Os lábios de Chloe estremeceram. — Nos últimos meses, Jay, aprendi algumas coisas. Você é mais valente do que eu e respeito-o por isso. — Você ficará bem mesmo? Já estou com saudade.Lowery tomará conta do que for necessário por aqui e atenderá às suas ordens. Willie e Tom ficarão por lá, atentos ao resto do rebanho, e Cleary… — JT fitou o caubói alto que estava perto da estrebaria. — Cleary será o responsável por todos. — Por que ele? JT deu de ombros. — Porque ele está aqui, só por isso. Micah fica mais sossegado quando Cleary está por perto e não vou discutir com ele. Não enquanto não tivermos certeza de que o último ladrão foi preso e termos todo o gado de volta. Micah acha que os bezerros estão em um desfiladeiro ao norte daqui. — E você, o que acha? — Bem, eu não sei. Estou apenas ansioso para vender o rebanho e as coisas voltarem ao normal. Quando eu voltar, provavelmente daremos mais uma volta por lá. Nesse meio-tempo, Micah manterá os olhos abertos. O pessoal do Winters vai se juntar a nós no caminho. Quando chegarmos a Cheyenne, separaremos os rebanhos. JT curvou-se para beijar-lhe os lábios e ela correspondeu. Embora ciente de que eram observados pelos vaqueiros, não queria que ele fosse embora sem o calor da despedida que lhe devia como esposa. Ele pulou na sela com um movimento ágil, endireitou o chapéu e brindou-a com um olhar de satisfação. Ele era mesmo petulante, Chloe concluiu. Mesmo assim, não poderia negar-lhe o direito de ostentar a 222

arrogância que lhe caía como uma luva. JT Flannery era dono de uma masculinidade agressiva e confiante. Por um momento, arrependeu-se pela decisão de permanecer na fazenda, pelo orgulho que não a permitiu seguir no seu encalço durante aquela aventura e pelos dias que passaria sem o marido. As noites foram mais longas do que os dias. Micah aparecera duas vezes na primeira semana e ficara na cozinha com Lilly. Chloe se desculpara e fora tratar dos cavalos. Naquela manhã, ele tornou a vir, inspecionou tudo e cumprimentou-a com alegria. Depois entrou depressa na casa e Chloe teve a impressão de que estava sobrando. Empoleirada na cerca que rodeava o pasto, ela riu quando um capão meio domado dava patadas no chão. Chloe ouviu o rangido de couro atrás de si e virou a cabeça. Lowery se aproximava. Ele estava abaixado na sela e girava a corda em uma órbita lenta. Chloe abriu a porteira e ele passou. O animal sacudiu a cabeça. Lowery jogou o laço em um círculo largo sem fazer esforço e apanhou o pescoço do capão. Depois puxou com firmeza, quando seu cavalo empacou. O capão laçado estremeceu antes de render-se à tração exercida em seu pescoço e seguir Lowery até o portão. — O senhor faz tudo parecer tão fácil. Chloe apressou-se em levantar a tranca de novo. Segurou a porteira aberta e fechou-a depois da saída de Lowery em direção à estrebaria. — Nunca tive muito sucesso em jogar o laço. Meu pai dizia que o segredo estava no pulso. — Que nada, a senhorita tem muito bom desempenho. Já a vi laçar um ou dois bezerros. Lowery apeou do cavalo e aproximou-se do animal castanho que havia domado. Enfiou devagar o bocado na 223

boca do animal e o freio foi para o lugar. — Este aqui já aprendeu alguma coisa. Será um bom pastor de rebanhos. O capão sacudiu a cabeça e relinchou. — O senhor gosta do que faz — Chloe afirmou, enquanto Lowery amarrava as rédeas em um anel metálico ao lado da cavalariça. — Tenho feito isso a vida inteira — Lowery respondeu, enquanto alisava uma manta no lugar, antes de levantar a sela pesada do chão. — O senhor acha que estamos preparados para os compradores? — Sem dúvida nenhuma — ele garantiu, apertando a cilha. Saiu de lado quando o capão, inquieto, começou a mover-se sem cessar. — Não se preocupe, srta. Chloe. Aqueles fazendeiros sabem o que os espera. Seu pai sempre teve bons exemplares e a fama correu longe. Não é qualquer um que cria cavalos. A maior parte dos fazendeiros das redondezas concentra-se em negócios com bois. — E quando os potros nascerem na primavera? — Chloe indagou. — JT acredita que o garanhão malhado nos dará um bando de cavalos para treinar. — Ele está certo — Lowery anuiu, com entusiasmo. — O patrão sabe o que está fazendo, srta. Chloe. — Ele levou o capão até o curral e virou-se, antes de abrir o portão. — A senhora agiu com inteligência ao casar-se com ele. Ou talvez o inteligente tenha sido ele. Não sei bem. — Chloe? — Micah chamou-a. Ela atravessou a estrebaria e foi ao encontro do xerife do lado de fora das portas enormes. Micah espiava a pintura nova das tábuas. — A reforma está sendo muito bem-feita. — Logo terminaremos — ela também examinou os 224

detalhes. — Ainda falta refazer o piso e uma parte do telhado. O pior foi perder todo aquele feno. Foi um prejuízo e tanto. Mais um pecado para adicionar na lista de Pete, Chloe pensou com amargura. — Ontem recebi um telegrama de Cheyenne. JT pediu para avisar-lhe que está voltando para casa. Deve demorar apenas uns dois dias, agora que estão sozinhos. — Por isso é que o senhor veio até aqui? Chloe achou, e não pela primeira vez, que ele parecia cansado. — Em parte. Também queria ver Lilly. Mas antes queria falar com você, Chloe. Como os filhos dela estão longe, você é a única pessoa da família por aqui. — O que houve, Micah? O senhor idoso segurou-a pelo ombro, para tranqüilizála. A pele bronzeada de Micah pareceu ficar vermelha e as narinas se dilataram. Os olhos azuis a fitavam com ansiedade. E, pela primeira vez desde que o conhecera, achou que Micah Dawson não encontrava palavras para expressar-se. — Nada errado, Chloe. Na verdade, tudo está melhorando. É que sua tia Lilly e eu… estivemos conversando sobre algumas coisas. E eu lhe disse que falaria com a senhorita. Chloe percebeu qual seria o assunto. E deu uma risada, ao imaginar o sorriso enorme de Lilly às palavras de Micah. — Vamos lá, posso adivinhar do que se trata. O senhor quer casar-se com minha tia, depois quer vir morar aqui com ela, pois Lilly não pretende mudar-se para a cidade. É isso? Micah pareceu desapontado, apoiou as mãos na cintura da calça e puxou os suspensórios com um estalido. — Puxa, Chloe, você nem me deixou fazer o discurso 225

que eu estava preparando! — Estou certa? Quer mesmo casar-se com minha tia? — É isso mesmo. — Micah olhou em direção à casa e sorriu. Lilly abriu a porta de tela e apareceu na varanda. — Tudo certo — ele gritou e acenou-lhe. — Venha até aqui. Chloe correu para abraçar a tia no meio do caminho. Com as mãos nos bolsos do avental, Lilly espiou Micah parado mais atrás. Ela admirou-se de ver o olhar de afeição da velha senhora. Quando se encontraram, Chloe foi prensada de encontro ao busto amplo e rodeada por braços carinhosos. — Eu disse para o velhote que você ficaria contente — Lilly afirmou, com seu vozeirão. — Mas ele quis fazer tudo da forma correta. — Ela afastou Chloe para fitar-lhe o rosto. — Você já sabe que não vamos morar na cidade. Micah pode mudar-se para cá. Acho que temos quartos vagos em número suficiente. A menos que você comece a ter filhos e a ocupar todos os aposentos superiores. Não era para admirar-se que o telegrama de JT estivesse em segundo plano. Micah estava interessado em assuntos mais importantes. — Estou feliz pela senhora, tia — Chloe falou, antes de ser apanhada em novo abraço majestoso. — Mas Micah não precisa ficar perto da cidade? — Ele pretende aposentar-se — Lilly anunciou. — Uma vez terminada essa confusão com os ladrões de gado e quando tudo estiver resolvido, ele entregará o distintivo. Acredito que você e JT poderão contar com mais um braço por aqui. — Lilly, você disse que ficaria fora desse assunto — Micah reprovou a noiva. — Eu mesmo tratarei disso, quando JT voltar. — O senhor pode mudar-se quando quiser — Chloe apressou-se em dizer. — Sou sócia desta fazenda e posso 226

contratar quem eu bem entender. — Ela hesitou. — Bem, acho que será melhor se casarem primeiro. Quando pretende fazê-lo, tia? — Logo — Micah respondeu. Uma só palavra e que deixava claras as suas intenções, Chloe pensou. Lowery aproximou-se, conduzindo o capão manchado de suor, e escutou as novidades. Chloe deixou-o conversando com Micah, enquanto levava o cavalo de volta. JT está voltando para casa, pensou. As palavras cantavam em sua mente enquanto caminhava e ela as escutou inúmeras vezes, no ritmo de seus passos. Calculou a distância e reconheceu, com um sorriso, que talvez JT chegasse no dia seguinte. Atrás dela, o cavalo sacudiu-se com barulho e Chloe riu ao ver as partículas de suor flutuando no ar. — Você teve um belo treinamento, não é, amigo? — O animal sacudiu a cabeça. — Que tal uma boa fricção? Chloe foi recompensada pelo focinho que lhe acariciou o ombro e depois a pressionou para frente. Ao chegar à gamela de água, ela parou até o capão saciar a sede e depois voltaram à cocheira. — Srta. Chloe? — a voz ansiosa chamou-a. Um cavaleiro aproximou-se, vindo do leste. Tom, com as feições escondidas sob a aba do chapéu, desmontou rapidamente. — Micah está aqui? — Lá em casa. O que há de errado, Tom? — Muita coisa… — ele completou a frase com uma imprecação. — Temos problemas novamente e Cleary pediu que eu viesse atrás de Micah e Lowery. Ele disse para a senhorita ficar alerta e manter a espingarda à mão. — Vou buscar outro cavalo — Chloe avisou-o, apanhou 227

as rédeas e amarrou-as na cerca. Dali a minutos, ela voltou com um capão preto e Tom aproximou-se, com um pacote embrulhado em uma toalha. — Obrigado, senhora. Lilly entregou-me algo para comer, mas terei de levar comigo. — Tom fitou o curral. — Precisamos de Lowery na divisa. Será melhor mandá-lo até lá. Chloe deu seu consentimento. — Eu trouxe uma manta. A sua precisa secar. — Com movimentos precisos e rápidos, Chloe jogou o tecido de lã sobre as costas do cavalo e Tom pegou a sela. — Deixe-me segurar a comida — Chloe ofereceu e afastou-se, enquanto o caubói trabalhava. — O que aconteceu? — Encontramos pistas de um pequeno rebanho a nordeste. Cleary apressou-se a sair no encalço dos animais. Hogan e Willie estão vigiando a manada. — Tom apertou a barrigueira e empurrou os estribos para baixo. Montou e pegou o pacote que Chloe segurava. — Obrigado, srta. Chloe. Desculpe-me ter deixado meu cavalo para a senhora cuidar. Diga a Lowery que vá o mais depressa possível. — Ele irá em seguida — Chloe afirmou e afastou-se. Tom virou-se em um círculo apertado e juntou-se a Micah. O xerife acenou para a casa e os cavalos saíram a galope. — Deixei o baio no pasto, srta. Chloe. Ele está em ótima forma. Mas o que está acontecendo aqui? — A voz de Lowery soou aguda e curiosa. Chloe repetiu o que Tom lhe dissera. Lowery escutou-a com ar de dúvida e sacudiu a cabeça como quem pretendia desafiar as instruções. — Não gosto nada da idéia de deixá-la sozinha e tenho certeza de que JT também não gostaria. — Talvez fosse melhor eu ir também, Lowery — ela 228

considerou, aflita para juntar-se aos homens. Sentia-se frustrada em pensar que ficaria esperando dentro de casa, enquanto outros se encarregavam de tudo. — Não acho que seria uma boa idéia, senhora — ele opinou. — Mas, Lowery, é meu rebanho e minha fazenda. Terei de fazer o que tem de ser feito. — Senhora, é melhor fazer o que Cleary pediu. O patrão incumbiu-o de ficar como responsável lá na divisa e eu, por aqui. — Bem, nenhum deles está aqui. Tia Lilly poderá encarregar-se da vaca e das galinhas, enquanto eu estiver fora — Chloe falou com determinação. Lowery anuiu, com expressão cada vez mais intrigada. — Então esperarei pela senhora. — Não, vá na frente. Vou preparar comida e mais algumas coisas para levar. Sairei daqui à uma hora. Chloe empinou o queixo, em um gesto de desafio. Antes de se voltar, Lowery lançou-lhe um olhar de esguelha.

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Capítulo XIV

Não foi agradável deixar tia Lilly sozinha, ainda mais com as predições de acontecimentos terríveis feitas em tom lúgubre. Teimosa, Chloe empacotou uma grande quantidade de alimentos em um saco e encaminhou-se à estrebaria. Viu sua bela égua negra perto da cerca e aproximou-se, de cenho franzido. O animal balançou a cabeça e a cauda, e deu um relincho agudo. Chloe abriu a cancela e chegou mais perto. — O que aconteceu, garota? — ela perguntou, com o braço estendido. A égua adiantou-se, coxeando. — Deixe-me ver. Chloe segurou e curvou para trás a perna delgada para verificar o casco. Havia um corte com sangue coagulado e escuro. — Não posso montá-la hoje, não é? — Chloe passou com o animal pelo portão, em direção à cavalariça. — Será melhor cuidarmos desta pata. Chloe caminhou devagar para não forçar a égua que mancava. E impacientou-se ao pensar que demoraria a chegar onde os vaqueiros lutavam para manter a situação sob controle. Trouxe a caixa de remédios que ficava na sala de arreios e limpou o ferimento. Depois aplicou uma camada espessa de pomada e uma atadura. Envolveu o casco com um pano limpo e prendeu a égua em uma baia. O feno na manjedoura e uma boa porção de grãos serviriam de distração para o animal trancado. — Agora é preciso encontrar outro cavalo — Chloe murmurou, retornando ao pasto. 230

Os capões recém-amansados não constituíram item de primeira escolha, pois requeriam uma atenção muito grande do cavaleiro, por ainda não terem recebido treinamento completo. A um canto da pastagem, o garanhão malhado estava de cabeça abaixada sobre o gramado. Chloe observou-o e refletiu que JT teria um ataque de fúria se ela resolvesse montar o animal. Mesmo assim, era a perspectiva mais viável. Chloe ficava mais ansiosa à medida que o tempo passava e a exasperação só piorava seu mau humor. O cavalo ligeiro solto no pasto levantou o pescoço e observou-a aproximar-se. Chloe parou diante dele com o freio na mão. O animal curvou a cabeça e Chloe deslizou o bocado entre os dentes. Seria fácil montar sem sela, com o laço na mão. O garanhão fitou-a com suspeita, quando ela chegou mais perto, com o rabo a meio-pau e focinho erguido. Ficou evidente que o animal não gostou do círculo de corda que lhe rodeou o pescoço. Empinou-se, ao comprovar que era ele o objetivo do cerco e retornou ao solo com o impacto das patas dianteiras. O cavalo estremeceu, com a corda presa em seu pescoço. Com pulso firme, Chloe voltou-se, passou pela porteira com o malhado e foi até a estrebaria. — JT vai ficar furioso quando descobrir que você montou este animal — Lilly predisse alguns momentos mais tarde, ao atender o chamado da sobrinha na varanda, com as mãos na cintura e semblante de poucos amigos. — E se você for arremessada do cavalo, quem irá ajudá-la? Apesar de contrariada, Lilly trouxe a sacola com os alimentos e entregou-a a Chloe já na sela, receosa de levar uma cabeçada do garanhão. — Eu não serei atirada de lugar nenhum, tia — Chloe assegurou. — Minha égua não pode cavalgar e os outros não são confiáveis. 231

— Não acredito que não haja outro cavalo no pasto para ser montado. A jovem teve a dignidade de mostrar-se aborrecida. — Provavelmente devem existir alguns, mas nenhum tão rápido quanto este. Tive vontade de montá-lo desde o primeiro dia em que chegou aqui, mas não apareceu a oportunidade. — Ou melhor dizendo, JT jamais aventou essa hipótese. Chloe deu de ombros. — Agora não faz diferença. Tenho de ajudá-los a impedir que o resto da manada se disperse. Eles estão em pequeno número e não vai acontecer nada, se eu fizer alguma coisa para ganhar o meu sustento. Chloe soltou as rédeas ao lado do pescoço do malhado e ele se virou de imediato. O seu treinamento foi evidente ao curvar a cabeça e erguer as patas em movimentos rápidos. O coração de Chloe bateu forte e ela corou pela ansiedade de cavalgar aquele animal vigoroso e sensível ao seu comando. Chloe galopou como se o vento a impulsionasse, em harmonia com o cavalo que parecia sentir a excitação da amazona experiente. Sem despender muito esforço, ele voou pelas campinas e contornou os bosques de pinheiros altos. Ela estava admirada com a velocidade e a energia do garanhão que demonstrava seu valor. Chloe escutou o mugir do gado antes de ver as primeiras cabeças espalhadas além do terceiro cômoro atravessado. Micah não estava à vista. Lowery cavalgava a oeste e Tom, a leste. No meio deles, o rebanho se movia e mudava de posição sem nenhum motivo aparente. As reses, normalmente pacatas e silenciosas, estavam agitadas, como se uma tempestade se avizinhasse ou alguma força invisível as impelisse para fora da pastagem. Chloe deteve o cavalo e fitou os homens que, ajudados 232

pela precisão dos movimentos dos cavalos treinados, rodeavam o perímetro para perseguir os animais que se desgarravam do bando. Mais adiante, erguia-se outra crista e ao norte havia uma série de desfiladeiros. Se o rebanho fosse para lá, seria um verdadeiro desastre. Manter o grupo compacto era a única maneira de ter algum tipo de controle. Era preciso muita perícia e perseverança para manter o gado no mesmo lugar. — Senhora? — a voz baixa chamou-lhe a atenção e ela virou o garanhão para ver quem era o homem às suas costas. Não reconheceu o caubói montado que a olhava com atenção e que tirou o revólver do coldre amarrado na coxa. O camarada ergueu a arma mortal e a apontou em sua direção. Por um momento, ela se sentiu humilhada. Afinal, a cena a pegara desprevenida. Mas em seguida, a raiva dominou-a. — Quem é o senhor? — ela fez a pergunta em voz alta e sentiu a inquietação da montaria que curveteava sob suas pernas. — Isso não importa — o homem falou, de olhar fixo no garanhão malhado e mão firme que continuava apontando o revólver. — A senhora vai à frente, bem quietinha, e vai deixar que seus homens vejam a arma às suas costas, entendeu? Chloe não conteve a fúria. — Se o senhor pertence ao bando de ladrões de gado que já conseguiu levar uma parte de meu rebanho, pode ter certeza de que não vou ajudá-lo a roubar mais nada! Pode matar-me, se quiser. Não sei o que poderá fazer contra aqueles dois homens de prontidão. Tom e Lowery olharam para cima, não se sabe se atraídos pelas palavras quase gritadas ou se pelo instinto que percebia os movimentos anormais. 233

— Srta. Chloe — Tom gritou —, o que está acontecendo aí em cima? Ele deu meia-volta e galopou para onde estava a patroa, ao mesmo tempo em que tirava a espingarda da bainha de couro amarrada atrás da sela. O bandido levantou a arma na direção de Tom e Chloe enterrou os calcanhares nos flancos do malhado. Os cavalos colidiram e o garanhão desviou-se. O ladrão perdeu o equilíbrio e o tiro não atingiu o alvo. Quando o homem mirou novamente, Chloe reconheceu ser ela mesma o objetivo daquela vez. — Chame-o! — o malfeitor ordenou, ríspido. Não foi necessário. Tom parou o cavalo, ao reconhecer o perigo que ameaçava Chloe. — Se encostar em um fio de cabelo dela, considere-se um homem morto — Tom avisou-o, com voz calma e firme. — JT Flannery não descansará enquanto não o encontrar e certamente fará picadinho de sua carne podre. — Não pretendo matá-la, a não ser que o senhor me obrigue — o homem explicou com rudeza, segurando as rédeas justas, o que deixava o cavalo inquieto. — A senhora vai na frente. Quanto a você, caubói volte para onde estava. Agora! — Tom, faça o que ele disse — Chloe pediu e virou-se para o desconhecido. — E se atirar nele, farei com que o enforquem por assassinato. — Senhora, eu não preciso de uma corda em meu pescoço. Só quero que faça o que eu mandei. Tom olhou de um para o outro e, por sobre o ombro, percebeu que Lowery acompanhava a movimentação inesperada do rebanho. Os animais rodavam em um círculo apertado, assustados com o tiro perdido. Seu cavalo mordeu o bocado e sacudiu a cabeça, enquanto a manada se movia a esmo. 234

O facínora apontou a pistola para cima e mais um tiro foi disparado. O rebanho disparou a toda velocidade rumo ao norte. — Detenha-os, Tom! — Chloe gritou a ordem. — Ajude Lowery! O salteador agarrou-lhe as rédeas e puxou a cabeça do garanhão para seu lado. — Vamos, eu já lhe disse! O malhado não resistiu à pressão do bocado em sua boca e seguiu o homem ladeira abaixo e para o oeste. Chloe caiu para frente, quando o cavalo tropeçou na encosta. Ela se agarrou no arção dianteiro da sela e guinou para o lado. O garanhão sacudiu o pescoço e deu coices com as patas traseiras, em um esforço inútil de liberdade, até Chloe ser atirada para fora do lombo do animal. O solo cresceu a seu encontro e uma dor aguda vibrou dentro de sua cabeça. Pensou escutar o som impetuoso de águas em movimento e confundiu-se. Ela lutou para ficar em pé e tornou a cambalear para frente. Atrapalhou-se, não conseguiu impedir a queda e estatelou-se com toda força no chão. Depois de um grito abafado, Chloe ficou estendida no declive, com a testa ferida pela ponta de uma rocha. — Droga! Ela está sangrando igual a um porco ferido! Chloe acreditou que o pronunciamento se referisse a ela. Não ousou abrir os olhos, temendo que a luz tornasse a dor ainda mais intensa. Deu um gemido, indiferente se era ouvida ou não. — Quando se abre a cabeça, sangra mesmo desse jeito — uma outra voz explicou. — Um de vocês amarre um lenço na testa da moça e aperte com força. Chloe sentiu braços rudes que a viraram de costas sem cuidado e gritou de dor por causa dos membros superiores torcidos que ficaram por baixo. Entreabriu os olhos e viu, 235

dentro de um círculo vermelho, um rosto rude e violento curvado sobre ela. Não conteve murmúrios de ódio. — Cale essa boca, madame! Se não se comportar, eu a deixarei sangrar até morrer. Mãos ásperas encostaram um enchimento de pano na testa e depois amarraram uma tira para segurar o curativo tosco no lugar. Chloe achou que devia ser o próprio sangue que coloria a imagem do camarada. Pensar nisso não lhe trouxe nenhum consolo. A dor irradiava-se pela cabeça, descia pelo pescoço, espalhava-se pelos ombros e convergia nos músculos doloridos de tanto rebelar-se contra a corda que lhe prendia os pulsos. Seria inútil tentar soltar-se. Estava muito bem amarrada e, na verdade, como um animal. As pernas cruzadas na altura dos tornozelos, os joelhos dobrados e amarrados com a mesma corda. — Fique quieta, senhora. — A voz mais suave já se tornava familiar e tinha até um certo grau de educação. Ah, se pudesse deitar as mãos naquele miserável… Não conseguiu encontrar castigo suficiente para puni-lo pelo crime. Reconhecia que fora muito descuidada, indiferente ao que se passava ao redor, preocupada unicamente com os homens que lutavam para manter o gado sob controle. E permitira que aquele ser desprezível a dominasse. O ódio contra si mesma era do mesmo nível da fúria que a assolava, quando ouvia o homem falar. — O senhor sabe que, no mínimo, acabará na prisão, não é verdade? — Chloe perguntou com voz rouca. Sua mente estava confusa por sentir duas fontes de dor, o que a deixava ainda mais enraivecida. As mãos e os braços doíam por estarem amarrados e a cabeça latejava com violência. Piscou para afastar a nuvem rosada que lhe atrapalhava a visão e resistiu à vontade de mover a cabeça. 236

— A senhora está tornando tudo mais difícil para si mesma — o fora-da-lei afirmou, lançando um olhar para os outros que aguardavam a poucos metros adiante. Chloe inspirou, reconhecendo a veracidade das palavras do camarada e procurou ser razoável. — Quer me virar? Minhas mãos estão… Ela parou de falar quando ele se abaixou e atendeu-lhe o pedido. Ela foi virada de lado como se fosse um pacote. Percebeu os dedos dele mexerem nas cordas que a amarravam e sentiu que elas eram afrouxadas. Encolheu e soltou os dedos em uma tentativa de fazer voltar a sensibilidade. Era quase impossível não derramar lágrimas de dor e de ódio. Mas saber que seria objeto de escárnio ao demonstrar falta de energia se implorasse por clemência anulou todo e qualquer sinal de sofrimento. Chloe apertou os dentes e mordeu a parte interior do lábio. Aquelas criaturas monstruosas jamais a veriam fraquejar! — Deixe-a — o que parecia ser mais violento ordenou, apontando um dedo torno na direção do homem que estava ao lado dela. — Logo, logo, ela não sentirá mais nada. — Você disse que não iríamos matá-la — o ladrão de fala mansa acusou o outro. — Não quero ser preso por causa da morte de uma mulher. — Se você quer que ela descreva para o mundo a sua aparência, esse é um problema seu. Eu, pelo menos, não lhe darei a oportunidade de desenhar minha cara em um cartaz de “Procurado”. Não quero ver tão cedo meu retrato pendurado na parede do gabinete do xerife do condado. JT, onde quer que esteja, saiba que estou precisando muito de você. O grito angustiado de seu coração reverberou em seus ouvidos. 237

— Jay — ela murmurou, com os lábios ressequidos. Chloe percebeu que as muralhas do desfiladeiro eram escarpadas, quando foi jogada no dorso de um cavalo e ficou balançando de um lado para o outro da sela. O indivíduo desclassificado lhe desamarrara as pernas e ela sentiu um formigamento intenso, enquanto a circulação voltava ao normal. Procurou equilibrar-se e não desabar, quando o animal iniciou um trote ligeiro. Cair seria um desastre. Não teria como proteger a cabeça. Com os músculos tensos das pernas tentou agarrar-se na sela achatada de couro sob seu corpo. Não havia sol. A profundidade do cânion por onde viajavam tornava impossível saber qual era a hora do dia. Sombras a rodeavam e ela escutou o mugir do gado no alto. Provavelmente o rebanho B&B, Chloe refletiu, irada. Os homens cavalgavam em fileira e o cavalo que a levava era o último da tropa. Felizmente não era o garanhão malhado. Ele jamais se comportaria de modo tão pacífico como o burro de carga que estava debaixo. De qualquer modo não veria JT ter um ataque, quando descobrisse que o garanhão fugira. Talvez fizesse um estardalhaço maior pela perda de seu procriador de que pela de sua incontrolável esposa. Também não era bem assim, ela se admoestou. Tinha certeza do afeto de JT. Nenhum homem se mostraria tão atencioso e preocupado como ele, se não se incomodasse com a mulher com quem dormia. Chloe tentou ver a imagem do marido, onde quer que estivesse. Voltando para casa, com o dinheiro da venda dos bezerros no bolso. Certamente parará no banco da cidade, para deixar a quantia aos cuidados do Sr. Webster. E deveria ter recebido a notícia, ao chegar nas cercanias da cidade. Num raio de quilômetros, todos saberiam da 238

existência de problemas nas divisas ao norte. Quando JT descobrisse a enrascada em que ela se metera, certamente sairia à sua procura. E se ele morresse por sua causa… Chloe apertou os dentes diante de pensamentos tão funestos. A cabeça balançou sobre a sela, lembrando-a da ferida que ainda sangrava. Gemeu involuntariamente pela dor, sem querer atrair a atenção sobre si mesma. Não adiantou. O último cavaleiro, o que segurava a corda que arrastava seu cavalo, parou e puxou-lhe o corpo inerte mais para perto. — A senhora é sinônimo de encrenca, madame, pingando sangue por toda a parte. E era só isso que lhe faltava ouvir! Chloe fechou os olhos. A cabeça continuava a latejar e parecia que seus braços tinham sido cortados na altura dos cotovelos. O homem abaixou o tom de voz e ela se esforçou para ouvir os sussurros. — Eu vou tirar a senhora daqui. Não quero ser cúmplice da morte de uma mulher. Mantenha os olhos abertos e esteja preparada. Dito isso, ele se moveu para a frente e o animal dócil seguiu-o. Mantenha os olhos abertos. Tonta de ver sempre a paisagem do mesmo ângulo, Chloe ignorou a ordem. O caminho era rochoso e estreito. Tentou imaginar por onde cavalgavam, lembrando-se da época em que seu pai lhe mostrara aquela região erma do país. Os desfiladeiros eram formações muito semelhantes que se espalhavam pela paisagem e o pai sempre lhe dissera que ali seria fácil perder-se. JT não conhecia o território além das divisas da fazenda e ele se perderia se tentasse encontrá-la. Com Micah, a história era diferente. O xerife estava acostumado com 239

aquela área desolada. Ele arriscara muitas vezes sua vida, em busca de homens que procuravam se esconder da lei. E era naquele fio de esperança que ela se apoiava. Nisso e no fato de que um dos ladrões tivera um acesso de remorso. JT entrou no saguão pomposo do banco e encontrou o Sr. Webster de cenho franzido. — Pensei que o senhor estivesse mais apressado em voltar para casa — o banqueiro apertou a mão estendida de JT. — Pelo que eu soube, Micah e os outros estão vasculhando os desfiladeiros, à caça dos outros bandidos e de sua mulher. JT estacou, procurando entender. — Mas sobre o que o senhor está falando? — ele perguntou, áspero. — Por que minha esposa estaria perdida em um cânion? — Ela não está perdida — o Sr. Webster explicou. — Foi tomada como refém, pelo que eu entendi. — Mas por quem? — Não se sabe ao certo. Ela desapareceu ontem à tarde. Os bandidos estavam de tocaia e quando a senhorita chegou, um camarada deu dois tiros e espantou o rebanho. A srta. Chloe disse para os vaqueiros tomarem conta dos animais e evitar uma fuga. Quando tudo foi controlado, ela não foi mais encontrada. Deveria ter imaginado que ela se meteria em alguma encrenca, por ter ficado sozinha, JT refletiu, tentando dar um sentido à história. E onde estava Cleary, o homem que deveria estar vigiando tudo? Até chegar à porta, seus passos ecoaram no piso de mármore. Hogan o esperava apreensivo. — Já encerrou o assunto de negócios? — Hogan perguntou e deu as rédeas para JT. 240

— Droga, esqueci. — JT enfiou a mão no bolso e tirou os motivos de sua parada no banco. — Entregue isso ao Sr. Webster. Diga-lhe que eu quero um recibo e depois vá para casa. Vou levar Shorty comigo. Aconteceu uma coisa muito grave! O garanhão estava cansado, mas, mesmo assim, JT levou o animal aos limites e deixou Shorty para trás, no caminho até a Fazenda B&B. Em silêncio, amarrou o cavalo no poste. Quando tentou entrar na cozinha, encontrou a porta dos fundos trancada. Bateu com força e escutou a resposta de Lilly. Os passos vibraram na varanda, enquanto ela atravessava a cozinha. — Deixe-me entrar, Lilly. O que houve? Ela o fitou através da tela com olhos inchados e vermelhos e o semblante sulcado de preocupação. Abriu a porta, agarrou-o pelo braço e puxou-o para dentro. — JT, nunca na minha vida fiquei tão feliz por ver alguém. Todos saíram ontem à tarde. Micah foi com eles e Chloe, uma hora depois. Flannery pouco se importava com os outros. Queria saber onde encontrar Chloe. — Para onde ela foi? — Um peão de Winters passou por aqui hoje bem cedo e disse que Chloe foi levada por um homem armado. Tom e Lowery lutavam para evitar que o rebanho fugisse para o norte. Tiveram medo de atirar e ferir Chloe. — Onde está Cleary? Lilly encolheu os ombros e sacudiu a cabeça. — Não saberia dizer-lhe nada além do desaparecimento de Chloe e do empenho de Micah em procurá-la. — Por favor, prepare alguma comida para viagem — JT pediu, perto da porta. — Para três. Levarei Hogan e Shorty comigo. Mas primeiro trocarei de cavalo. O meu está 241

exausto. — Não adianta procurar o garanhão malhado — Lilly avisou. — Chloe saiu daqui com ele. — Chloe montou-o? — JT não conseguiu esconder a fúria. Não que ela não fosse uma boa amazona, mas naquele momento, o cavalo seria a sua salvação. — Eu a encontrarei, Lilly. O olhar de JT Flannery foi uma promessa. — Vamos lá, dona. Coma ou passará fome — um deles rosnou a seu lado. Chloe ergueu o olhar para o ladrão de cara achatada. Os olhos dele cintilavam, ávidos. A boca mole estava molhada. Era um ser repulsivo e ela estremeceu. Ele se agachou, cutucou-lhe a perna com a ponta da bota e passou-lhe a mão nos cabelos. Chloe não pôde impedir um movimento brusco e reflexo, ao afastar a cabeça dos dedos imundos. Ele deu uma risada áspera e curta. — Não seja tão orgulhosa, dona. Talvez esteja querendo que alguém lhe faça alguns carinhos, antes que tudo isso termine… As palavras recheadas de insinuações foram acompanhadas por um sorriso lascivo e ele se deteve na contemplação de seu busto. Chloe estremeceu só em imaginar que o homem pudesse tocá-la. — A senhora dormiu bem a noite passada? — ele perguntou e ela negou, com um gesto de cabeça. — Eu deveria ter vindo para fazer-lhe companhia — ele sugeriu. — Talvez esta noite. JT, onde está você?, ela se perguntou várias vezes, apavorada com as insinuações ameaçadoras. Nisso, o camarada levantou-se e foi embora, deixando-a 242

com a boca cheia de feijões que ameaçavam engasgá-la. Atrás dos cinco homens em círculo, havia alguns cavalos dentro de um curral cercado com cordas e entre eles, o garanhão malhado. Pareceria um cavalo comum, se não fossem a cor e as manchas pretas que o diferenciavam dos demais e denunciavam a sua ancestralidade. Se pudesse encontrar uma maneira de montá-lo, ele deixaria para trás facilmente o resto dos cavalos. Mesmo sem uma sela e com somente o freio para controlá-lo, Chloe almejou uma oportunidade de poder escapar. De fato, ela concluiu, sombria, só dependia de um cabresto e de um pedaço de corda. — Vamos, dona. — O captor aproximou-se com a mão estendida para segurar o prato. Chloe comeu o resto dos feijões e bebeu o café. — Preciso de um pouco de privacidade — ela avisou, sentindo-se enrubescer. Ela se mexera e se contorcera o mais possível, para conter o desconforto. Mas beber o café tornara impossível refrear a necessidade. — O senhor precisa desamarrar minhas pernas. Tenho de encontrar um lugar para… O homem anuiu rapidamente. — Hum, entendi. Já volto. Dali a instantes, ele lhe desatou as pernas, afrouxou a corda que estava na cintura e puxou-a para a frente. Chloe tropeçou ao caminhar para uma área onde o afloramento das rochas proporcionava abrigo. — Vou ficar segurando a ponta da corda, dona — ele avisou, brusco. Não havia tempo para discussões. Assim que ele se virou, Chloe procurou um lugar adequado para aliviar-se. Um puxão na corda apressou-a. Abotoou rapidamente a calça e fechou o cinto. Olhou o furo que JT fizera, naquele 243

dia na lagoa. Parecia ter sido há séculos. Cerrou os olhos por um momento, lembrando-se do prazer que lá encontrara. As lembranças assolaram-lhe a mente, agridoces. Os cavalos estavam sendo selados, quando ela voltou para onde estavam os outros. Temeu ser jogada de novo como um pacote sobre um cavalo, mas não foi o que aconteceu. Mãos rudes a ergueram e deixaram-na sobre a sela. Mas para seu desgosto, não sobre o garanhão malhado. Seu companheiro seria um cavalo negro coberto de poeira e com a crina emaranhada que demonstrava a falta de cuidado do dono. O homem amarrou-lhe as mãos no arção dianteiro e conduziu-a até onde o grupo esperava. Chloe escutou os mugidos das reses no alto. Um dos homens montados aproximou-se, cutucou o cavalo preto e cavalgou para a frente, puxando a montaria de Chloe pela corda. — Quer ver o que estamos levando para o mercado, dona? — ele a provocou. Eles faziam o trajeto em um gargalo revestido de pedra. Adiante, o desfiladeiro se alargava e fechava-se como uma grande caixa. Com paredões de rocha de três lados, o gado estava na verdade engaiolado por muralhas retilíneas. Os bezerros moviam-se lentamente e em círculos dentro de um curral fechado por cordas. Uma fogueira brilhava a um lado e Chloe viu os ferretes no meio do carvão incandescente. Outra parte do rebanho pastava a centenas de metros adiante do sítio improvisado. Chloe amargurou-se ante aquela visão. Não duvidava de que suas reses estivessem ali no meio à espera de uma nova marca que apagasse a da B&B e tornasse possível a venda dos animais, sem deixar pistas que os levasse de volta à fazenda. Era uma operação bem 244

maior do que todos poderiam imaginar. Os homens que estavam na prisão de Ripsaw Creek eram uma pequena parte do grupo. Chloe vacilava na sela. A cabeça latejava no ritmo da andadura pesada do cavalo. Quando o animal parou, ela ficou satisfeita de ser apeada. Foi forçada de novo a sentar junto a uma árvore. Os pés foram amarrados e uma segunda corda manteve-a ereta. Na frente dela, prosseguia a marcação dos animais. Era um processo lento, pois tratava-se de bezerros bem desenvolvidos que não se deixavam dominar facilmente como os jovens novilhos. Chloe avaliou que os mugidos e os gritos dos homens que ecoavam pelos paredões do cânion deveriam ser bastante audíveis a uma boa distância. Mesmo assim, os homens não pareciam preocupar-se com o barulho, enquanto trabalhavam, suados e sujos. Ela levantou a cabeça e espiou o topo das muralhas, na esperança de ver algum sinal, por menor que fosse, de que havia alguém a observá-los. Chloe passou a tarde na expectativa, estreitando os olhos para ver melhor, atenta a qualquer mudança no alto do precipício. Focalizava com atenção cada pedaço de formação rochosa. Relanceava olhares repentinos para os lados, para não perder nenhum reflexo de cor diferente, uma sombra ou algum brilho metálico. No fim da tarde concederam-lhe mais alguns minutos de isolamento. Não deixou de ficar agradecida a Gus por sua tênue bondade. Mantenha os olhos abertos e esteja preparada. Teria sido um sonho ou ouvira mesmo aquelas palavras sussurradas na véspera? Observou Gus assumir o turno da marcação. Notou o silêncio dele, enquanto os outros faziam piadas e olhavam-na com olhares lascivos. Só lhe restava ignorar o que se passava e esperar. 245

JT, onde está você1? — Ela está embaixo daquela árvore de ramos baixos. As palavras de Micah trouxeram esperança a JT, que seguia as direções murmuradas e apontadas pelo xerife. — Não parece muito machucada — Micah encorajou-o. — Não vejo nenhuma maneira de chegar até ela — JT comentou e o ódio foi substituído pelo desânimo. — Cleary está a caminho — Micah garantiu. — Lá embaixo, na boca do desfiladeiro. Fique alerta e mantenha o rifle a postos.

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Capítulo XV

— Senhora? Daqui a pouco, recomeçaremos a viagem. Com expressão sombria, Gus parou em frente de Chloe, curvou-se e desamarrou-lhe os tornozelos. Ela esticou as pernas e mexeu os artelhos para reanimar a circulação. — A senhora vai cavalgar na frente, bem na linha de fogo, para evitar a ação de seus homens que porventura estejam nas proximidades. Chloe manteve-se silenciosa, alerta a qualquer mudança na atmosfera. Os ladrões de gado levantaram acampamento e começou um verdadeiro êxodo do lugar onde se encontravam. Seu algoz levantou-a do chão e ela cambaleou. Os joelhos não tinham firmeza e os pés ainda sofriam os efeitos de terem ficado amarrados. O homem puxou-a para a frente e, quando ela tropeçou, segurou-a rapidamente, encostando-a nele. — Mantenha os olhos abertos — Gus murmurou em seu ouvido e apontou para um grupo de cavalos. O garanhão malhado pastava em um pequeno trecho de grama. Um dos bandidos tirou o cabresto do animal e tornou a colocá-lo com um freio. Gus levou-a pelo braço até o garanhão e ela mal conteve a excitação que a invadiu. Rapidamente, ele soltou-lhe as mãos e amarrou-as pelos pulsos, na frente. — A senhora irá sem sela — ele resmungou, levantou-a com facilidade e deixou-a sobre o lombo do cavalo. — Terá de equilibrar-se como puder. Gus segurou as rédeas do garanhão, montou em outro cavalo e levou-a para diante. — O que está acontecendo? — JT perguntou a Micah, 247

ambos escondidos no alto do cânion. O pequeno grupo de cavalos deixou o esconderijo encravado no desfiladeiro e rumou de volta à saída do outro lado. Chloe vinha montada no garanhão malhado, sem sela e só com a crina do animal para agarrar-se. Na frente de Chloe vinham dois homens, um deles levando a reboque uma besta de carga. O outro segurava as rédeas do garanhão malhado. — Estão partindo — Micah falou em voz baixa. — Conseguiram uma manada de bom tamanho. Acredito que eles pretendem fazer de Chloe seu salvo-conduto. Micah afastou-se da beira do precipício e acenou para os homens que esperavam cem metros atrás. — Precisamos sair daqui rapidamente e sem fazer barulho — o xerife explicou. — Em meia hora atingiremos o outro lado da garganta do cânion, onde tomaremos as providências necessárias. — Eles levarão uma hora para passar com o gado pelo desfiladeiro. Por que a deixaram na frente? — JT fez a pergunta, sabendo muito bem qual era a resposta. — Chloe é o escudo deles. — Correto — Micah concordou. — Eles sabem que não iniciaremos nenhum ataque, enquanto ela estiver na dianteira. — Então… — JT hesitou, segurando as rédeas em uma das mãos. Lembrou-se de Cleary. — Será que eles não perceberão a presença de Cleary? Micah deu um sorriso largo. — Mas é claro que sim. Ele é o sentinela da retaguarda. Chloe cavalgava ao lado de Gus, tomando cuidado para não bater os calcanhares nos flancos do garanhão. Prestava atenção à direita, à esquerda e nos rochedos que, no alto, enfeitavam o despenhadeiro. À frente, um cavaleiro 248

saiu de um matagal, montado em um cavalo claro de crina e cauda escuras. Cleary. Chloe reconheceu o caubói alto e seu coração confrangeu-se ao entender que JT fora enganado por um homem em quem confiava. Levantou o rosto e encarou-o com ar de desafio, mesmo sabendo que teria de ser dócil e obediente perante aqueles homens. Cleary não deu o menor indício de reconhecimento ao fitá-la com olhar casual e sombrio. — Vejo que está levando uma refém — Cleary falou com Gus. — Isso mesmo — Gus respondeu. — Ela é a patroa e caiu em nossas mãos como um pêssego maduro. Acreditamos que o marido não permitirá que nada aconteça à sua esposa. — Agarrou as rédeas do garanhão e puxou Chloe para a frente. — O irmão dela contou-nos que o homem gosta muito dela. Meu irmão? Chloe arrepiou-se e fechou os olhos, certa da traição de Pete. Gus prosseguiu o caminho, levando o malhado a reboque. Ao chegarem na boca do cânion, afastou-se com Chloe para um lado, sem tirar os olhos do gado que se aproximava às costas deles. — Quero dizer-lhe uma coisa, senhora. — Os lábios de Gus mal se moviam e ele fingiu estar atento ao rebanho. — Seu irmão estava tentando sair desse negócio na noite do incêndio na estrebaria. Quando seus homens encontraram os nossos, houve uma verdadeira batalha e muitos dos nossos fugiram. Seu irmão levou um tiro, mas não foi de seu pessoal. — Está vendo alguma coisa aí em cima? — Gus perguntou para Cleary em voz alta. 249

O outro sacudiu a cabeça em negativa e Gus voltou-se novamente para a entrada do desfiladeiro. — Acho que eles ainda estão na divisa, tentando seguir as pistas. Mas eu apaguei todas no caminho para cá — Cleary afirmou. Gus olhou por sobre o ombro, levantando a mão para Cleary e para o segundo cavaleiro. — Vamos pelas passagens estreitas. Quero estar na frente do rebanho, quando os animais saírem do outro lado. Chloe não podia esquecer as palavras de Gus: …mas não foi de seu pessoal. E Pete tentara emendar-se. Pensando nisso, agarrou-se como pôde na crina do garanhão e seguiu Gus, ciente de Cleary atrás e do gado que mugia não muito longe. — Antes de mais nada, precisamos ter certeza de que Chloe está fora da linha de tiro — Micah afirmou. Fora uma cavalgada árdua. Galoparam ao longo do alto do desfiladeiro até onde o solo se inclinava aos poucos, ao sul da formação rochosa. No trajeto, levaram mais do que os trinta minutos pressupostos por Micah. No momento, rodeavam um arvoredo ao pé do cômoro. — Espalhem-se e fiquem em maior número ao sul da boca daquele cânion — Micah avisou em voz baixa aos seus comandados. — Fiquem de olho em Cleary. Ele está encarregado de tirar Chloe dali. — O senhor deveria ter-me avisado antes, xerife — JT esbravejou. — Sinto-me um idiota por ter contratado Cleary, sem saber do que se tratava. Micah fitou-o com uma expressão que poderia lembrar remorso. — Não tive escolha, filho. Cleary chegou aqui a mando do gabinete do delegado federal. Eu só cumpri ordens. Os homens espalharam-se e esconderam os cavalos 250

atrás de formações rochosas e dentro do bosquete. JT esperava que nenhum dos quase vinte homens, com espingardas apontadas na entrada do despenhadeiro por onde Chloe sairia, tivesse comichão nos dedos para apertar o gatilho. Micah encostou o ouvido no solo, levantou a cabeça para espiar a abertura abaixo e depois curvou-se para escutar de novo. — Os cavalos estão chegando — ele murmurou. — Escutei um ruído baixo, surdo e prolongado. Talvez seja o do rebanho que vem chegando. JT arrastou-se para o lado do rocha alta que lhe servia de abrigo e estreitou os olhos na direção do esconderijo que se estendia diante dele. Notou um ligeiro movimento na entrada. Um cavalo trotava rápido e o cavaleiro puxava um animal de carga. Ao lado, um segundo homem montado vinha com as rédeas de um animal malhado nas mãos. Temeroso, JT fitou quem estava em cima do garanhão. Chloe vinha curvada para a frente, as mãos atadas e agarradas na crina. Atrás, o homem que ele contratara como caubói. Cleary estava com o chapéu enterrado na cabeça e o rifle em uma das mãos. O homem da lei perscrutou discretamente o lado de cima, passou e tornou a fitar a beira rochosa onde JT se encontrava. Ergueu um pouco a arma em uma saudação, enquanto se aproximava mais de Chloe. JT ficou tenso, quando Cleary chamou o segundo homem do grupo. — Gus, agora eu a levarei. A ordem foi dada em um tom de voz que não admitia desobediência. Gus não demonstrou ter prestado atenção ao comando. Em vez disso, puxou o garanhão para mais perto e agarrou-lhe as mãos. 251

— O que está acontecendo? — JT sussurrou, espantado, ao ver os dois disputando Chloe entre eles. Nisso, Cleary sacudiu a cabeça em concordância e uma faca afiada apareceu na mão de Gus. Sem diminuir a marcha o malhado virou-se para a direita, quando Chloe se inclinou e agarrou as rédeas com as mãos livres das cordas que a amarravam. Às suas costas, Cleary parou de repente e virou a arma contra o primeiro cavaleiro. Este olhara por sobre o ombro, ao ouvir o tumulto atrás de si. Tirou a arma do coldre, mas Cleary já lhe apontara o rifle. O alvo foi certeiro. O homem caiu do cavalo e rolou no chão, largando a corda da besta de carga. Na boca do desfiladeiro começavam a aparecer as reses aos borbotões, que se espalharam ao chegar em campo aberto. Dispersos entre os animais, cavaleiros se moveram para o lado de fora do rebanho, para as manobras. Ocupados em manter o gado sob controle, os homens não perceberam o que se passava entre Cleary e o outro. JT notou que Cleary se inclinava na direção de Chloe e que ela fazia um gesto de concordância com a cabeça. Gus olhou na direção deles e cavalgou até o ladrão estendido no chão, ao lado do cavalo. Apeou de sua montaria, levantou o homem ferido e dobrou-o sobre a sela. Apanhou as rédeas e tornou a montar. — Não o mate, Cleary — Chloe pediu. — Desde o começo, ele me dizia que me ajudaria a escapar. — Saia daqui — Cleary ordenou com rispidez. — Esconda-se atrás daquelas árvores. Vou em seguida. Ela virou o garanhão, mas encontrou resistência. O treinamento do cavalo incitava-o em direção ao rebanho que vinha posteriormente. E no meio do barulho tonitruoso da manada que avançava veio o grito. — A mulher está fugindo! 252

Um dos facínoras virou a montaria em meio-círculo apertado e foi na direção de Chloe. Ela se agarrou na crina do malhado e cutucou os calcanhares nas laterais do animal que já percebera a, condução pelas rédeas. Abaixou-se sobre o pescoço do cavalo e galopou direto para o sul, conforme as instruções que recebera de Cleary. Atrás dela, tiros eram disparados e homens gritavam. Correndo lado a lado com Chloe, um dos ladrões vinha montado em um cavalo ruço. O homem praguejava alto e apontava-lhe a arma, forçando-a tomar o rumo de uma área cheia de rochas. Um tiro veio de trás e o homem caiu do cavalo. Chloe espiou à direita e viu Cleary passar depressa. Em seguida, horrorizada, viu-o cair sobre o pescoço do cavalo. O sangue cobriu-lhe o ombro, ensopou a manga e ele soltou a arma. Chloe virou o garanhão e voltou até onde estava o cavalo de Cleary com as rédeas soltas. O animal revirava os olhos e escarvava o solo com as patas. Ela chegou o mais perto possível, agarrou o cinto de Cleary e chamou-o pelo nome. — Conseguirá montar atrás de mim? Ele estreitou os olhos e mexeu os lábios para falar. — Sim. — O murmúrio pareceu gastar-lhe todo o resto de energia. O garanhão manteve-se imóvel como as rochas que os rodeavam, enquanto Cleary se erguia da sela e caía por cima do cavalo de Chloe. — Vá — ele murmurou com voz ainda mais fraca e curvou-se para o outro lado da barriga do malhado, atrás de Chloe. Ela cavalgou com cautela por causa do tiroteio e rezou para o rebanho que avançava pesadamente não se desviar do caminho. Ela contornou o bosquete e, já oculta pelas árvores, 253

diminuiu o passo do garanhão, quando chegou ao sopé de um talude. Parou debaixo de uma árvore e espiou para ver se não tinham sido seguidos. Com um suspiro de alívio, apeou do cavalo. Encostou a testa no pescoço do animal e murmurou palavras elogiosas. Depois amarrou as rédeas em um galho baixo. Cleary escorregou da montaria e largou-se aos pés dela, enrolado em si mesmo. Chloe curvou-se ao lado de seu salvador. O sangue escorria da frente do ombro. Ela alargou o buraco na vestimenta no lugar por onde a bala saíra, levando junto tecido muscular. Tirou rapidamente a própria camisa, rasgou duas tiras da fralda e amarrou-as uma na outra. Depois, rasgou mais um pedaço, que transformou em uma almofada grossa com que pressionou o ferimento. E por cima amarrou a faixa que ia do ombro, passava pela cintura do lado oposto e por trás das costas. Cleary a observava. Com a respiração pesada, ele levantou a cabeça e gemeu, quando Chloe o virou, para amarrar a bandagem. Ele suava em profusão e seu semblante se tornava cinzento. Enquanto ela terminava de fazer o curativo, Cleary desfaleceu e sua cabeça tocou o solo com um baque surdo. Seria impossível carregá-lo de volta ao cavalo. Chloe ajoelhou-se a seu lado e rezou para que aparecesse alguma ajuda. — Chloe? Ela tirou as mãos ensangüentadas do homem deitado no chão e levantou-se depressa, ao ouvir a voz familiar. JT abaixou-se para passar sob o ramo de uma árvore e depois se endireitou. Ainda montado, fez uma rápida avaliação do estado geral da esposa. Chloe não conseguia deixar de fitálo. 254

— Eu fiz pressão sobre o ferimento, mas ainda está sangrando — ela explicou para o marido. JT desceu do cavalo, mirou Cleary, abriu o alforje e tirou uma toalha. Dobrou bem o tecido grosso e substituiu o enchimento feito com o pedaço da blusa de Chloe. — Isto deve resolver o problema até que possamos levá-lo para casa. — O que aconteceu? Você pegou todos os bandidos? — Dois deles foram baleados. Os outros fugiram, ao ver que não teriam muita chance de passar por nós. — Eles iam usar-me como refém — Chloe explicou. — Se não fosse por Gus e Cleary… Ela inspirou profundamente ao pensar nos homens que se importaram tão pouco com seu bem-estar e que lhe expuseram a vida ao perigo. — Micah sabia que Cleary não a perderia de vista— JT falou, enquanto tomava a pulsação de Cleary no pescoço. — Teria sido muito difícil para ele, se Gus não houvesse cortado as cordas que me prendiam os pulsos. E Gus disse-me… — Mais tarde — JT interrompeu-a. — Precisamos carregar Cleary e levá-lo ao médico. — Vou procurar o cavalo dele! Chloe saiu correndo por entre as árvores, até onde se podia ouvir os gritos dos homens e os lamentos dos animais. Nisso, parou ao ver Lowery, que trazia o capão de Cleary. Mais adiante, alguns homens cercavam o gado. Outros permaneciam em círculo, com as mãos sobre as cabeças, enquanto dois caubóis tiravam-lhes as armas e amarravam-lhes as mãos. — Aqueles camaradas vão fazer um passeio. Os rapazes de Hale Winters os levarão para a cidade — Lowery assegurou e percebeu JT ajoelhado ao lado de 255

Cleary. — Eles não o mataram, não é? A preocupação do fiel servidor era evidente. Chloe balançou a cabeça. — Não. Ele ainda está vivo, mas tem um ferimento grave no ombro. — Aposto que ele estará em cima do cavalo em uma semana — Lowery garantiu. — Acho que não deve ser a primeira vez que o atingem. Vai demorar um pouco até separarmos os animais, srta. Chloe. Será melhor a senhora e o patrão levarem Cleary de volta para casa. Lowery virou o cavalo e voltou para o meio dos animais desnorteados. …a senhora e o patrão… Chloe refletiu sobre aquelas palavras, enquanto JT levantava o homem ferido e deitava-o atravessado no cavalo. Seu marido assumira o controle da situação com o seu consentimento. Assim mesmo, aquilo a incomodava. Lilly achou que não havia necessidade de chamar um médico tão tarde! Deitaram Cleary em uma cama no segundo pavimento, depois de o sol ter-se escondido no poente. Lilly lavou o ferimento com ácido fênico e suturou as bordas estraçalhadas com linha grossa. Chloe ficou feliz em poder contar com a experiência da tia. Embora já tivesse feito atendimentos similares no passado, Chloe empalideceu enquanto observava as mãos eficientes de Lilly. JT segurou-a no exato momento em que as pernas não suportaram mais o peso do corpo. Sentou-a em uma cadeira, com a cabeça entre os joelhos. Agachouse ao lado da esposa, apertou-lhe a testa com um pano molhado, e com a outra mão segurou-a na nuca. — Fique sentada e quieta — JT ordenou, severo. — Não quero ter de erguê-la do chão. 256

— Não sei o que está acontecendo comigo — ela murmurou. — Nunca fraquejei à vista de sangue. — Deve ter sido por causa dos dois dias difíceis que você passou — ele afirmou, com sarcasmo. — Ou então por ter resolvido sair por aí com o garanhão e ter-se metido em uma grande enrascada. E ainda por cima tornar-se o motivo para um homem ser baleado ao tentar salvá-la. — Vai ficar furioso comigo para sempre ou será que posso ter esperança de contar com um pouco de simpatia? — Não posso acreditar que seja uma criatura não teimosa, Clô. Você quase levou um tiro. Eu lhe disse… Ela levantou a cabeça de repente e o pano molhado caiu no chão. — Escute aqui, Flannery. — Ela o fuzilou com o olhar. — Você não vai passar o resto de nossas vidas dizendo-me o que devo fazer e é melhor acostumar-se com isso desde já! JT fitou-a intensamente e notou as equimoses em seu rosto. Afastou-lhe os cabelos desgrenhados para trás e seu coração parou, ao ver a protuberância na testa e o sangue coagulado no corte que terminava na raiz dos cabelos. — O que aconteceu com sua cabeça? —ele perguntou, cortando-lhe o protesto iminente. — Fui atingida, caí e bati em uma pedra. — Chloe afastou a mão do marido e limpou as lágrimas ainda mais teimosas do que ela mesma. — Não toque no ferimento — ele avisou, com medo que a sujeira penetrasse na ferida aberta. — Por que não me disse que precisava de alguns pontos na testa? — Você não perguntou. — Chloe levantou-se de cabeça erguida. Foi até a cômoda, levantou o jarro com água fresca. Nisso, sentiu que lhe tiravam o frasco das mãos. — Deixe que eu faço — JT ordenou, depois de encher a 257

tigela pela metade. — Eu me lavei lá embaixo. Minhas mãos estão limpas. Chloe fitou-o e JT teve consciência de que seu coração se enternecia. A raiva que sentira fora um disfarce para a sua preocupação com a esposa. A fisionomia cansada e pálida implorava por um pouco de compreensão. Ele pegou um pano limpo, mergulhou-o na água e puxou uma cadeira. — Sente-se, Clô — ele pediu, com carinho. — Deixe-me limpar o ferimento e ver como ele está. — Já cicatrizou — Chloe falou em voz baixa e obedeceu. Na verdade, não agüentava mais ficar em pé. Levantou o rosto e fechou os olhos. JT abaixou-se, afastou-lhe os cabelos da testa e lavou as bordas da ferida. — Precisam de mim aí? — Micah perguntou, na porta, supervisionando os dois pacientes. — Acho melhor eu voltar para a cidade. Nem sei onde vamos trancafiar aquele bando todo. Se fosse por mim, já mandaria pendurar metade amanhã cedo, logo depois da audiência com o juiz. Mas acho que não vai ser bem assim. Provavelmente serão despachados para a prisão em Laramie. — Micah! — Chloe mexeu-se na cadeira de maneira abrupta e fez um esforço para levantar-se. JT segurou-a pelos ombros, para impedi-la de concretizar o intento. Micah virou-se de cenho franzido, ao perceber o pânico na voz da Sra. Flannery. — Qual é o problema, srta. Chloe? Sei que é contra enforcamentos, mas lei é lei. E, maldição, esses já deveriam ter sido enforcados há anos. E acho que seria uma ótima idéia atualmente. A afirmação de Micah não foi contestada e ele acreditou que a opinião de JT coincidisse com a dele. — Aquele homem, Gus… — Chloe começou com voz 258

trêmula —… o que cortou a corda das minhas mãos. Ele disse que me ajudaria, Micah. Afirmou que não concordava em machucar uma mulher. JT concordou com a esposa. — Eu vi quando ele a libertou, Micah. — E não foi só isso que ele falou — Chloe sussurrou e JT curvou-se para escutar melhor. — Gus assegurou-me que Pete foi morto por um dos ladrões e que estava tentando abandonar o grupo naquela noite. JT reconheceu que lhe tiravam um peso de cima dos ombros. Ele mesmo nunca tivera certeza de que não fora sua arma que arrancara Pete da sela. Por tudo o que fosse mais sagrado, jamais atiraria no garoto intencionalmente. Mas no calor do tiroteio, a possibilidade existira. E fora por isso que seu casamento quase fracassara. Chloe encostou a cabeça no ombro do marido. JT anuiu para Micah, por cima da cabeça de Chloe. — Verei o que posso fazer, minha filha — o xerife prometeu, com a testa franzida. — Deixarei Gus em uma cela separada e se o juiz quiser escutar, estudaremos a possibilidade de conceder-lhe uma permanência mais curta em Laramie do que a determinada para os outros. Direi que ele merece um crédito, mesmo sendo um ladrão de gado. Talvez ele tenha uma veia de bondade dentro de si. Chloe estremeceu e JT abraçou-a. — Vamos, querida. Deixe-me fazer o curativo, depois a levarei para a cama. Chloe não protestou. Apenas se arrepiou quando JT lavou a contusão aberta com ácido fenólico, que fez arder sua pele delicada. Ele seguiu as instruções de Lilly e cobriu a ferida com uma atadura lambuzada com uma camada grossa de ungüento. Eles saíram do quarto e JT teve a impressão de que a esposa parecia uma criança de olhar arregalado, sem eira 259

nem beira. — Ela é uma mulher formidável — Cleary comentou, vendo-os sair. Lilly resmungou uma resposta qualquer, que nem Chloe e nem JT entenderam. A roupa de Chloe estava imunda e JT jogou tudo na pilha para a remoção matinal. Ela tremeu, desnuda diante do marido. JT lavou-a com água e sabão, suavemente, de cima a baixo, deixando intocados apenas os cabelos. Muito emaranhados e cheios de poeira, necessitariam de uma lavagem prolongada e especial. JT acreditava que a esposa não estava em condições de suportar mais nada naquela noite. A camisola, cuidadosamente guardada na gaveta, não vinha sendo usada. Relutante, JT desdobrou-a, imaginando que Chloe gostaria de aquecer-se com o tecido grosso. Vestiu-a pela cabeça e, pesaroso, cobriu o busto firme e os quadris arredondados que tanto o atraíam. A barra deslizou para baixo, o que somente deixou expostos os dedos rosados dos pés. Afastou o acolchoado e os lençóis, e em segundos Chloe estava repousando sob a roupa de cama limpa. Mal encostou a cabeça no travesseiro, Chloe fechou os olhos e deixou escapar um suspiro. Ansioso para sentir o corpo da esposa junto ao seu, JT fez as abluções com presteza, assoprou a lamparina e deitou-se ao lado da esposa. Mesmo dormindo, ela se aconchegou e JT abençoou o dia em que encontrara um lugar na vida de Chloe. Abraçou-a e apertou-a contra o peito. Sem acordar, ela trançou os pés nas panturrilhas do marido e a camisola subiu, deixando expostas as curvas insinuantes de seu derrière. JT segurou-a com gentileza e determinação. Deixou as próprias necessidades para trás e sussurrou palavras 260

suaves em ouvidos surdos. Não importava que ela não o ouvisse desfiar as frases ternas que brotavam instintivamente. Nem que ela adormecesse durante a ladainha de preocupação e sofrimento que ele explicava ter sentido, ao vê-la lutar para manter-se em cima do malhado com as mãos amarradas e o corpo dolorido. Quando ele murmurou palavras elogiosas pela coragem de tirar Cleary do meio do conflito, Chloe deu um leve gemido e encostou-se ainda mais. JT sorriu ao pensar na mulher decidida com quem se casara. A energia a levava a fazer o que achava conveniente, sem avaliar as conseqüências. O futuro na verdade seria muito interessante, JT calculou. Você não vai passar o resto de nossas vidas dizendome o que devo fazer. Aquelas palavras ditas por Chloe não deixavam a menor dúvida de que ela defenderia os próprios pontos de vista por muitos anos. Mas naquela noite, ele permitiria que ela ocupasse o espaço necessário. Naquela noite, ele seria capaz de trazer a lua até sua mão, se ela pedisse.

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Capítulo XVI

Chloe e Lilly dividiram a tarefa de cuidar do paciente. Coube a Chloe a tarefa de levar para cima as bandejas de comida, depois de comprovar a dificuldade com que tia Lilly subia a escada com as mãos ocupadas. — Pode deixar, eu irei até lá quantas vezes forem necessárias. Lilly não ofereceu a menor resistência. Tia Lilly cuidava de Cleary à noite, pois os quartos de ambos no mesmo corredor ficavam um de frente para o outro. Antes de dormir, trocava o curativo do ferimento e alegrava-se em explicar que a cicatrização progredia bem e que havia apenas uma pequena inflamação que provocava uma febre baixa. Mas aquilo também cederia, graças aos cataplasmas que ela e Chloe aplicavam diariamente. Depois do quarto dia de vigília, Cleary estava em condições de levantar-se para fazer a refeição da manhã. Ele desceu a escada com o braço apoiado no ombro de Chloe, o que fez o sangue de JT ferver! Atenta e cuidadosa aos passos hesitantes do doente, ela pronunciou palavras carinhosas e Cleary deu boas risadas. — Sua esposa é muito prestativa — Cleary declarou, já sem vontade de rir, ao ver a expressão de JT. — Também acho. E esse é um dos motivos por que ela é minha esposa. — JT eriçou-se e ficou ainda mais irritado ao ver o ar de desaprovação de Chloe. — Não imaginei que fosse deixar-nos tão cedo. Chloe fitou-o com o cenho franzido, diante do sentido implícito de despedida. — Lilly afirmou que serão necessários mais um ou dois 262

dias de repouso para o meu ombro, antes de poder montar — Cleary declarou, procurando disfarçar que se divertia com o ciúme de JT. — Acho que precisamos conversar — JT afirmou, com secura. — Depois do café, no escritório. — Ele fitou Chloe com ar severo. — A sós. Chloe ignorou as insinuações do marido e o desjejum transcorreu com animação. Cleary, com muito apetite, devorou boas quantidades de presunto com ovos, sem descuidar de um prato cheio de panquecas à sua frente. Lilly deliciou-se com as palavras elogiosas à sua comida e cercou-o de mimos. Excessivos, no entender de JT. Chloe levantou-se rapidamente, quando percebeu a xícara de café do hóspede vazia. O fato de ela ter enchido primeiro a chávena do marido era um fato de menor importância. Cleary era obviamente o homem do momento. Meia hora mais tarde, o representante do delegado federal dos Estados Unidos sentou-se muito à vontade em uma poltrona ao lado da escrivaninha, no gabinete da fazenda. JT achou intolerável o sorriso despreocupado do convalescente. — Como já deve saber, fiquei muito aborrecido pelo fato de ter vindo até aqui sob a máscara de um homem à procura de emprego — JT jogou as palavras, antes de sentar-se atrás da mesa enorme. — Inclusive eu já expressei o meu descontentamento para Micah. — Eu apenas cumpri ordens — Cleary declarou, enquanto cruzava as longas pernas e examinava a ponta das botas. — Fui enviado pela Associação dos Proprietários Rurais de Wyoming. Para agir, segundo eles, como um detetive em relação ao gado. Eles me chamaram, quando surgiram os problemas por aqui. Recebi instruções de meu chefe para infiltrar-me entre os ladrões, na medida do possível. E depois, empregar-me em uma fazenda e 263

trabalhar como caubói por um tempo. Micah conhece a história. — Bem, isso poderia ter causado problemas — JT afirmou. — Eu quase disparei minha arma, quando o vi no fundo do cânion e imaginei que estivesse fazendo um jogo duplo. Trabalhando comigo e com os marginais. Cleary deu de ombros. — Foi um bom disfarce e eles acreditaram na minha história. E era a única maneira de eu descobrir onde o rebanho estava escondido. Agora, permita que “eu” lhe diga uma coisa. — Ele fez uma pausa. — Se eu não estivesse aqui, Flannery, não sei o que teria acontecido à sua esposa. Apesar da boa vontade de Gus, não sei se ele teria sido capaz de mantê-la longe dos projéteis. — Eu não gosto que me façam de tolo. E o fato de ter mentido para mim, coloca-o em posição desfavorável a qualquer tipo de amizade entre nós. — JT resolveu falar tudo de uma vez. — Ah, e outra coisa. Não gosto da maneira como você olha para a minha esposa. — Olhar não tira pedaço de ninguém, Flannery. E no caso de sua esposa, é ponto pacífico que ela só tem olhos para o marido. Ela é uma mulher excelente. Se lhe causa espécie o fato de eu ser amável com a Sra. Flannery pelos cuidados que ela tem me dispensado, então talvez fosse melhor reconhecer que a srta. Chloe é maluca pelo senhor. JT analisou a suposição de Cleary quanto aos sentimentos de Chloe. — Cleary, se eu duvidasse um minuto de suas intenções, já estaria estendido de costas no chão. Cleary sorriu, com cautela. — Não sei se meu pobre ombro agüentaria isso — ele ironizou. — Bem, se eu estiver em condições, irei para a cidade amanhã cedo. Micah disse-me ontem que o juiz voltou. Será um julgamento rápido e eu terei de 264

testemunhar. — Será que Gus será mandado para a prisão de Laramie, junto com os outros? JT evitara o assunto nos últimos dias, mas parecia-lhe o momento certo de deixar a esposa mais tranqüila. Chloe mantivera um certo distanciamento depois de ter sido libertada e, dali para a frente, ele teria um único objetivo na vida. Trazer de volta a Chloe com quem se casara. — Tenho idéia de falar a favor dele — Cleary afirmou. — Apesar de tudo, ele protegeu a srta. Chloe. Com certeza, nenhum dos outros prestava muita atenção nela. — Exceto você — JT foi ríspido. — E nós, que estávamos observando o que se passava. Cleary encolheu os ombros como pôde e sorriu. — Flannery, eu estava apenas fazendo o meu trabalho. E sua esposa retribuiu o favor, quando permitiu que eu me jogasse sobre o cavalo atrás dela. Isso sem falar no fato de ela haver estancado a hemorragia. —Cleary mexeu-se na cadeira, muito sério. — No frigir dos ovos, acho que devo minha vida à Sra. Chloe Flannery. — Ela é uma mulher corajosa e enérgica. E uma fazendeira em todos os sentidos. O pai a educou dessa maneira. — E você, Flannery, é um camarada de sorte de ter conseguido casar-se com ela. Mulheres como Chloe não se encontram todos os dias. JT anuiu. — Aconteceu de eu estar no lugar certo, na hora certa. E também tive inteligência para saber aproveitar a situação que a Sra. Sorte deixou na minha frente. Micah apareceu na tarde seguinte antes do jantar e teve uma pequena discussão com JT na varanda dos fundos. Ele imaginara que JT estivesse ciente de seu pedido de 265

casamento. Mas depois de mencionar que falara com o pastor da pequena igreja da cidade, seguiu-se um silêncio mortal. Foi só então que JT leu nas entrelinhas. — O senhor vai dar o golpe do devoto? — Eu freqüento a igreja há anos — Micah defendeu-se. — Então por que o senhor foi falar com o ministro? Está acontecendo alguma coisa que eu não posso saber? JT percebeu que Micah fitava Chloe com olhar inquisidor. Ao que parecia, ela viera até a porta da cozinha chamá-los para jantar. Mas limitou-se a levantar as mãos e voltar, deixando Micah à mercê de Flannery. JT continuava irritado. A partida de Cleary não melhorara seu humor. Chloe e Lilly, com muita simpatia, haviam feito mil recomendações para Cleary procurar o médico na cidade. E para piorar, Micah resolveu aprontar uma confusão na ordem do dia. — Pedi a Lilly para casar-se comigo — Micah afirmou de queixo erguido, pronto para qualquer desafio. — Vamos marcar a data esta noite. — Acho que o senhor deveria ter falado com Chloe primeiro. Afinal, Lilly é a sua única família. Sei que Lilly já é crescida o suficiente para tomar as próprias decisões, mas estamos pensando em cortesia. — Eu já falei — Micah garantiu, com ar de evidente satisfação. — E ela adorou a idéia. Disse que Lilly e eu seríamos muito bem-vindos para morar aqui depois do casamento. Contou que há vários quartos vazios em cima e que não iria permitir que Lilly se mudasse da fazenda. Acredito que Chloe precisa da tia. — E o senhor vai fazer esse trajeto de ida e volta todos os dias? — JT perguntou, cético. — Acho que será muito cansativo. — Tem razão. Aliás, já estou mesmo cansado. Está na hora de me aposentar. Ripsaw Creek está crescendo e 266

começará a exigir mais cuidados do que eu tenho para oferecer. Micah tirou o chapéu e JT notou, pela primeira vez, que os cabelos brancos dominavam os castanhos. — Acha que está ficando velho para trabalhar? — JT não resistiu ao comentário sarcástico, embora reconhecendo as razões de Micah. O homem devia ter seus sessenta anos ou mais e tinha todo o direito de pensar em uma vida mais calma. — De jeito nenhum. Pretendo manter-me em atividades produtivas até o dia de minha morte. Mas cansei de jogar bêbados na cadeia aos sábados à noite e de caçar bandidos. Isso é uma tarefa para homens mais jovens. — E que tipo de trabalho o senhor está procurando?— JT empurrou o chapéu para trás, recostou-se na cadeira e cruzou as pernas na altura dos tornozelos. Micah pigarreou. — Talvez até houvesse um lugar nas redondezas para um homem que entende um pouco de cavalos. — É mesmo? — JT endireitou-se e ficou em pé. — As duas já aprontaram o jantar. Vamos ver o que Lilly fez para hoje. Hogan e Tom chegaram, vindos do alojamento. — Está na hora de comer, rapazes. Eu já ia tocar o sino. Micah permaneceu pensativo durante a refeição, o que agradou a JT. Mais do que nunca, dar a última palavra agradava-o sobremaneira. — Você ainda fala comigo? — Chloe perguntou, olhando no espelho o reflexo de JT que entrava do quarto. — Eu poderia contar nos dedos de uma só mão o número de vezes que me dirigiu a palavra nos últimos cinco dias. — Você tem estado muito ocupada e eu não a tenho 267

visto muito. Suponho que também não há muitas coisas para serem ditas. JT desabotoou a camisa e deixou-a caída sobre a calça, enquanto se sentava para tirar as botas. Com gemidos abafados tirou uma, depois a outra, sem fitar a esposa. Aquela devia ser, é claro, a tarefa mais importante do mundo, Chloe refletiu, escovando os cabelos com fúria. Despido, JT atravessou o quarto e postou-se atrás dela. — Vai ficar a noite inteira escovando os cabelos? — ele perguntou com fala arrastada proposital. JT tentou tirar-lhe o cabo de madeira da escova da mão, mas Chloe não a soltou. — Sei muito bem escová-los sem a sua ajuda — ela respondeu à altura do gênio intratável do marido. — Não duvido — ele respondeu, com voz rouca, depois de conseguir o intento. Segurou as pontas com uma das mãos e escovou as madeixas com a outra. — Eu apenas me pergunto o porquê dessa impaciência. Chloe corou. JT puxou-lhe os cabelos e a cabeça com um movimento brusco que lhe trouxe lágrimas aos olhos. Ela levou as mãos para trás para impedi-lo de continuar e, além de uma coxa musculosa, encontrou a masculinidade inteiramente desperta. Chloe prendeu a respiração. — Achou algo de seu agrado? JT soltou-lhe os cabelos, passou os dedos suavemente pelas mechas, virou-a de frente para ele e largou a escova sobre a penteadeira. Chloe sentiu calor e desejou que o marido não lhe percebesse a confusão e a vergonha. — Há dias não tenho podido comprovar se ainda me agrada ou não. Chloe apertou os lábios e arrependeu-se imediatamente pelo que acabava de dizer. Não tinha a menor intenção de expressar os sentimentos que a atormentavam. Como sempre, as provocações de JT deixavam-na irritada. 268

Ele sorriu e começou a desabotoar-lhe a camisola com movimentos precisos. — Acredito que possamos reparar a falta em pouco tempo, querida. Não adiantou nada Chloe agarrar a frente do robe e da camisola. A força e o poder do desejo do marido eram mais potentes. Ele jogou os trajes de dormir em cima da cadeira e Chloe empertigou-se, enquanto JT fazia uma longa vistoria no corpo da esposa. — Eu diria que a senhora é a mulher mais bem-parecida que já conheci, Sra. Flannery — ele falou com voz baixa e insinuante. — E não vejo nenhum machucado que me impeça de fazermos amor esta noite. Algum problema? Chloe sentiu um momento de fúria genuína, quando ele a levantou a jogou-a no meio da cama. Depois cobriu-a com o peso do próprio corpo, o que a fez conter a respiração. — Vou contar-lhe um segredo, minha senhora. Nos últimos dias, eu tenho lutado com a minha vontade de tomá-la nos braços. E tudo o que eu vi foi esse encanto todo afastar-se de mim e andar atrás daquele idiota que atirou em si mesmo para conseguir um quarto nesta casa. Chloe sentiu-se agitada diante daquele olhar escuro e intenso que sugeria uma tênue separação entre o desejo e a ofensa. O grande tolo estava com ciúme!, ela refletiu, deliciada. Ela se mexeu debaixo dele e afastou as pernas. — Você é minha esposa e nunca se esqueça disso — ele sussurrou, segurou-lhe o rosto e abaixou a cabeça para beijá-la. — E acha que eu poderia? — Chloe conseguiu murmurar, apesar da língua provocativa de JT. — Aquele homem não tirava os olhos de você e eu não gostei nada disso. Chloe sorriu e JT rodeou-lhe a face com beijos 269

minúsculos. — Não o culpo, mas pode ter certeza de que não há nada com o que se preocupar. — Chloe acariciou-lhe ternamente o rosto. — Se alguma mulher olhasse para você, eu teria um acesso de fúria e a faria correr para o resto da vida. JT levantou a cabeça. — E mesmo? Um rompante de raiva, hein? Ambos sorriram. — Era o que você experimentava? — Chloe quis saber, quando passava a ponta dos dedos nos pêlos encaracolados do peito do marido. — Hum, acho que sim. Eu fiquei de mal com o mundo desde a chegada de Cleary. Principalmente quando você e Lilly dispensaram-lhe um tratamento principesco, depois de ele ter contado tantas mentiras e ter jogado em duas frentes. — Cleary estava cumprindo ordens. Achei que ele houvesse explicado isso para você. — Explicou, mas não fez muita diferença. — E depois Micah revelou suas intenções e você achou que fora excluído da história, não é? — Chloe abraçou-o pelo pescoço e enterrou os dedos nos cabelos dele. — Aconteceram tantas coisas, que nem tivemos oportunidade de conversar sobre Lilly e Micah. A culpa foi minha, Jay. Eu deveria ter-lhe falado sobre isso. Você me perdoa? — A senhora sabe mesmo como me enrolar, Sra. Flannery. Eu me disponho a passar-lhe um sermão e, com algumas palavras, você consegue deixar meu barco à deriva. E eu começo a pensar em ser agradável, em vez de irritadiço. — Eu também estava pensando em atormentá-lo — Chloe admitiu. — Depois entendi que precisava muito de você e não deveria perder tempo discutindo. 270

— Querida, não pode imaginar o que significa ter dito que “precisa” de mim! Já estou excitado. Faz muito tempo que não sinto seus braços à minha volta. Meu único consolo foi aconchegar-me às suas costas nas últimas noites. — Você fez isso? Pensei que houvesse dormido quietinho no seu lado da cama. — Depois que você adormecia, eu pensava em tirar um pouco de vantagem — ele admitiu. — Era um absurdo aquele espaço enorme de colchão entre nós. — E isso é pouco, Flannery? Eu diria que o senhor aproveitou-se demais! — Quem, eu? — ele fez a pergunta, mexendo os quadris em cima de Chloe. JT era atrevido e arrogante. Apesar de tudo isso, Chloe amava-o mais do que poderia imaginar. Uma onda enorme de emoções impediu-a de respirar normalmente, quando ele a fitou. A ternura que viu em seu olhar encheu-a de alegria. — Você sabe que eu o amo, não sabe? — ela perguntou, tocando-o no rosto. JT tornou a beijá-la nos lábios e depois beijou-lhe o pescoço. — Jamais me interessei por outro homem, Flannery. Serei sua, sempre que me quiser. — Sim, concordo com isso e aceito de bom grado. — Ele se arrepiou quando Chloe passou a ponta dos dedos nos pequenos botões escondidos entre os pêlos encaracolados do peito. — Aí mesmo, querida. Depois, já impaciente, JT virou-se de costas, ergueu-a com facilidade e sentou-a, escarranchada, sobre ele. — A lamparina ainda está acesa — ela comentou, em voz baixa. — Podemos dar um jeito nisso. Incline-se e assopre. O 271

sorriso dele provocou-a. Chloe olhou pela janela. O quarto ficava na frente da casa, mas a probabilidade de alguém estar espiando à distância era quase nula. Mesmo assim, não queria se arriscar. Ela se abaixou na direção da pequena mesa-de-cabeceira e expôs os seios muito próximos dos olhos do marido. JT ficou imóvel, esperando o quarto escurecer. Moveuse, ao escutar o ruído da manga do lampião tocando a base. Segurou-a pela cintura, depois acariciou-lhe as laterais do busto. No mesmo instante, Chloe sentiu-se aprisionada pela boca do marido. Os dentes e a língua brincavam de desenhar curvas desconexas na pele sensível. Ela gemeu, experimentando as sensações quentes e violentas. Cada movimento de JT desencadeava correntes que faziam um pequeno conjunto de músculos estremecer em resposta. — Gosta disso, não é? — ele murmurou. Chloe nem chegou a responder. Ele se aconchegou mais e encontrou o companheiro do mamilo endurecido que havia sugado com tanta maestria. Ela se contorcia de encontro a ele e tinha certeza de que o calor interno a consumiria se o marido continuasse a torturá-la. -Jay! JT endireitou-a e acomodou-a novamente sobre seus quadris, pressionando a ereção de encontro às pernas afastadas de Chloe. Ela meneou o corpo e JT gemeu alto. Ela levantou o derrière para capturar o desejo manifesto, mas não conseguiu o objetivo. Um murmúrio escapou de seus lábios. — Você não deveria usar este tipo de linguagem. — Ele se ergueu para facilitar-lhe a manobra. — Eu não costumo praguejar. — Chloe sussurrou, ofegante, enquanto ele lhe acariciava os seios e o ventre — 272

Só digo isso quando fico frustrada. — Ninguém jamais dirá que deixo minha esposa frustrada — JT resmungou, procurando fazer coincidir com os dedos a manifestação máscula com o canal estreito. — Ahh… — Depois de atingir a meta, ele a penetrou com maior profundidade. Levantou-a alguns centímetros e tornou a deslizá-la para baixo. Executou mais duas vezes os mesmos movimentos. — Hum… é maravilhoso. Chloe não acreditava que pudesse haver tanto prazer. Acompanhava a cadência do marido, com as mãos por cima das dele que a seguravam pela cintura. — Jay… — ela soluçou e curvou-se sobre ele. — Não agüento mais. Chloe abraçou-o com força e apertou as unhas nas suas costas. Arfante, tentava respirar normalmente e estremeceu com as batidas fortes de seu coração. JT virou-se com ela. De costas, sob o marido, envolveu-o com as pernas. Arqueou as costas para receber os impulsos e pressionoulhe as mãos nas costas. Era inacreditável, ela conseguiu pensar, com a sensação de plenitude e conclusão que a rodeavam. Experimentou um formigamento intenso. O busto cheio e retesado de encontro ao peito largo. Tremendo, ansiosa e excitada pelas palavras de satisfação murmuradas pelo marido, Chloe colou-se nele. Sentiu a canção de triunfo queimar dentro de si, quando ele a chamou e, com os lábios colados nos dela, continuou a dizer-lhe o nome. — Eu a amo, Clô — JT declarou em voz alta, para não haver mais dúvidas. E para certificar-se de que ela ouvira, repetiu. — Você é minha esposa e eu a amo. — Ele levantou a cabeça. — Você escutou? Chloe anuiu, com os olhos cheios de lágrimas de alegria. Eles repetiram mais uma vez as palavras mágicas, daquela vez, em uníssono. Sentiram que os votos do 273

casamento tinham sido renovados naquele momento. Chloe sorriu no escuro e apertou-o com muito amor. No dia seguinte, foram para a cidade, a pedido de Micah. Ele teria ficado satisfeito apenas com a presença de Flannery, mas Chloe insistira em acompanhá-lo. O pequeno tribunal estava lotado de fazendeiros que haviam sentido na carne a ferroada de ter parte do rebanho roubado. Para vender as reses, várias marcas tinham sido alteradas. A recuperação dos animais para muitos fora apenas parcial. Estavam reunidos para ver a justiça ser aplicada. Se esperavam por um enforcamento coletivo e rápido, ficaram decepcionados. Porém os ladrões foram sentenciados a mais anos de reclusão na prisão territorial de Laramie do que teriam de vida. Com exceção de Gus, que foi agraciado com uma pena menor a ser cumprida no Colorado. — Eles deveriam ser todos mortos aqui mesmo — um dos fazendeiros pronunciou-se com amargura, depois de Cleary fazer seu depoimento no banco das testemunhas. — Há alguns anos, teriam sido enforcados, em vez de serem levados com toda a mordomia para Laramie. — As coisas mudaram — JT confidenciou para Chloe, enquanto as sugestões de violência se sucediam na corte. O juiz bateu o martelo na mesa e franziu o cenho para os fazendeiros. Um representante da Associação dos Proprietários Rurais de Wyoming estava presente e fez um relatório contundente baseado no testemunho de Cleary. — O principal é que o bando foi desbaratado e que os homens responsáveis passarão muitos anos na cadeia — o cavalheiro discursou para os ouvintes. — Ainda existe uma justiça vigilante nas redondezas e neste caso, nosso representante manteve-se firme. Estamos satisfeitos com os resultados. — E você? — JT curvou-se para sussurrar no ouvido de 274

Chloe. — O que acha da pena destinada a Gus? Ao fazer a narrativa a respeito da libertação de Chloe, Cleary explicara com detalhes a participação de Gus. E quando a sentença mais branda fora pronunciada, Gus fitara Chloe e agradecera de longe com um gesto de cabeça, antes de sentar-se. — Mesmo sendo um ladrão — Chloe comentou —, não posso deixar de ser grata pelo que ele me contou sobre a morte de Pete. Seria impossível evitar a prisão, mas fico satisfeita por saber que o juiz foi clemente com ele. O sol brilhava do lado de fora do tribunal. JT apertou a mão de vários fazendeiros, mesmo dos que antes não conhecia, e recebeu cumprimentos de todos que entenderam tratar-se do marido de Chloe. — Sempre gostei muito do velho Biddleton — um deles afirmou, tirou o chapéu e fez um gesto de cabeça para Chloe. — Ele teria ficado feliz de ver o bom marido que a senhora encontrou. — Na verdade, não tenho muita certeza de quem foi que encontrou quem — Chloe alegou com um sorriso —, mas eu também estou feliz. Cleary saiu do prédio acompanhado do juiz e parou, ao ver JT. Os dois homens se encararam e Chloe sentiu uma ponta de apreensão. Cleary despediu-se do magistrado e aproximou-se do casal, com a mão estendida. JT estreitou os olhos, mas acabou por retribuir o gesto. — Acho que não nos encontraremos novamente. Por isso aproveito a ocasião para desejar-lhes felicidades — Cleary declarou. JT rodeou a cintura de Chloe com o braço livre e puxoua mais para perto de si. — Eu já tenho o que de melhor um homem poderia desejar — JT retrucou com firmeza. — O mais importante em minha vida foi haver ganho o prêmio maior, ao casar-me 275

com Chloe. — Nem penso em discutir com o senhor a respeito — Cleary concordou, com um sorriso. — Sra. Flannery, por acaso não terá alguma irmã escondida? — Piscou para Chloe, balançou a cabeça e enfiou a mão no bolso.— Não deve ter mesmo. A senhora é representante única da espécie. Bem, já estou de partida. Foi muito bom conhecêlos. Cleary fitou o xerife. — E o senhor também, Micah. — Uma pena que não possa ficar para o casamento — Micah lamentou. Os três ficaram parados e observaram Cleary montar o cavalo e rumar para fora da cidade.

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Capítulo XVII

— Não tenho grandes habilidades para costura — Chloe falou para Lilly, ambas sentadas na varanda. — Se dependesse de eu fazer o vestido de noiva, o casamento seria realizado somente na próxima primavera. — Quando, certamente, você terá assuntos mais importantes com que se preocupar — Lilly comentou. A tia levantou a agulha para ver melhor na claridade, enfiou a linha, deu um nó, curvou a cabeça e voltou a costurar. Chloe observou-a, enquanto descascava ervilhas que deixava em uma tigela apoiada no colo. — Do que é que a senhora está falando? — a sobrinha perguntou, depois de alguns instantes. — Minha filha, eu me admiro que ainda não tenha reparado — Lilly comentou. — Ultimamente, tem se queixado de mal-estares freqüentes. E, a menos que eu muito me engane, as regras não têm lhe visitado desde que se casou. Chloe ficou imóvel. Fitou o marido debruçado na cerca do curral ao lado de Hogan. De cabeças quase encostadas, observavam Lowery exibir um cavalo. O comprador de Montana era aguardado para aquele dia e JT fora até mais cuidadoso com a aparência. Vestira uma camisa passada e tirara a melhor calça da gaveta. E naquele momento, a tia acabava de lançar um pensamento novo e perturbador em sua mente. Referências às mudanças que já começara a notar no próprio corpo. Voltou um olhar carrancudo para Lilly. — Tudo isso pode ser conseqüência da aflição toda por que temos passado ou mesmo pelo casamento em si. — 277

Chloe levantou o queixo. — Além disso, tenho outras coisas em que pensar. Por exemplo, nos lucros que auferiremos com a venda dos cavalos para o comprador que deve chegar hoje. — Tem razão. E dentro em pouco, você estará mesmo precisando de alguns dólares mais — Lilly afirmou com uma segurança que deixou a sobrinha arrepiada. — Não sei do que a senhora está falando — Chloe teimou. Lilly largou a costura no colo. — Acho que sabe sim, minha querida. Se sua mãe estivesse viva, estaria lhe dizendo exatamente as mesmas coisas, não é? — Mas se… — Chloe apoiou as palmas das mãos no rosto. Considerar aquela hipótese fez seus pensamentos girarem em um verdadeiro redemoinho. — Não sei se estou preparada para um acontecimento dessa natureza e também não conheço os pontos de vista de JT a respeito do assunto. — Vá falar com ele, minha filha. Não será tão difícil, se você mesma aceitar a idéia. — Lilly inclinou-se para frente. — Acho que você está esperando um filho, Chloe. Não posso imaginar por que isso lhe parece tão distante. — Não me sinto grávida — Chloe assegurou, com um olhar para a barriga. — E nem aparento estar. — É muito cedo ainda para uma modificação aparente — Lilly comentou, fazendo uma careta. — Daqui a alguns meses estará redonda como uma bola. — E como farei para dar conta de meu trabalho? — Chloe murmurou. — As mulheres têm feito isso há séculos. Dia após dia, você se acostumará com a idéia. E mais depressa do que pensa, terá um bebê dentro de casa e uma família para cuidar. 278

— Nunca planejei ter filhos. Pelo menos, nunca pensei muito no caso. — Bem, é melhor começar a refletir sobre isso agora. — Lilly retomou a costura e esmerou-se em alguns pontos delicados. — Eu farei roupas pequeninas e barras nos cueiros e nas fraldas. E um acolchoado para aquele berço antigo que está guardado no sótão. Lilly deteve-se por um momento, com pensamentos longínquos e depois sacudiu a cabeça. — Nunca terminarei este vestido, se ficar aqui sentada, falando. Por favor, filha vá até a cozinha e veja se o assado já não passou do ponto. Se eu não estiver enganada, acho que teremos companhia para o jantar. Lilly apontou o caminho ao longe. — Veja aquela nuvem de poeira na estrada que leva à cidade. Deve ser aquele importante comprador de Montana que está chegando. Chloe ficou em pé e virou a tigela de ervilhas no chão, para ver a silhueta do homem montado que se aproximava. Depois percebeu JT falar com Hogan e voltar para casa. — Acho que o nosso homem vem vindo — JT anunciou com um sorriso largo e subiu os degraus da varanda. Abraçou Chloe pela cintura, ergueu-a com facilidade, curvou a cabeça e beijou-a nos lábios. — Doçura, acho melhor você dar uma última espiada naqueles cavalos. Eles mudarão de dono e renderão para nós uma bela quantia no banco. Então poderemos pensar na próxima safra de potros para encher o pasto. — E não é só isso que vocês têm de planejar — Lilly resmungou, com um olhar astuto para JT. — Lilly, o que está querendo dizer com isso? — ele perguntou, erguendo as sobrancelhas. — Acabará descobrindo sozinho — Lilly sugeriu com alegria. — Agora, filho, trate de desfilar aqueles cavalos na 279

frente do homem para ganhar o seu pão. Sua esposa e eu temos de cuidar da comida. JT deixou Chloe no chão e ela sentiu o coração bater em descompasso. Naquela noite, quando estivessem sozinhos no quarto e a casa em silêncio, falaria com o marido. Flannery elaborava planos para uma pastagem cheia de potros na próxima primavera. Estaria preparado para a idéia de ter um filho nos braços? Exultante, JT despediu-se de Clive Stewart com a impressão de que iria alçar vôo. O fazendeiro representava um grupo de pecuaristas de Montana e, mediante uma procuração deles em seu nome, comprou todos os cavalos que Lowery fez desfilar à sua frente. Os animais de três e quatro anos, com as pelagens brilhantes à luz do sol, agitavam as crinas e as caudas, como se soubessem que estavam sendo avaliados. — Teremos muito interesse em ver os resultados de seu programa de reprodução. — Stewart, já montado, abaixouse e estendeu a mão para JT. — Quando eu chegar à cidade, mandarei um telegrama para casa. Dentro de uma semana, seis homens virão buscar os cavalos. Uma vez em Cheyenne, poderão levá-los de trem até Butte. — Nós os deixaremos preparados — JT garantiu, despediu-se mais uma vez, pôs as mãos nos bolsos e observou o fazendeiro afastar-se. — Contente? — Chloe perguntou-lhe, depois de descer da varanda e apoiar-se em seu braço. — Não dá para disfarçar, não é? — Com um sorriso largo, JT estendeu-lhe o contrato. — Assinado, selado e quase entregue. Dinheiro no banco para nós, querida. — Graças a você. Chloe perguntou-se por quanto tempo ele ainda iria sorrir, depois de ela contar-lhe as novidades. — Não posso levar sozinho os louros dessa vitória. 280

Você e Lowery fizeram a maior parte do trabalho e os cavalos já estavam aqui quando eu cheguei. No futuro, quando pusermos à venda os primeiros malhados, eu aceitarei uma parte maior nos créditos. — Você movimentou os negócios, Jay — ela o lembrou. — Eu não teria pensado em fazer contato com os fazendeiros de Montana. — Mas pensou em muitas outras coisas. — JT abraçoua com carinho. No caminho para casa, Chloe tropeçou. — Clô? Aconteceu alguma coisa? — ele perguntou, já perto da escada, com o semblante preocupado. — Está tudo bem? JT olhou-a de cima a baixo, deteve-se no busto e sorriu. — Você está ótima — ele respondeu à própria pergunta. — Acredito que já ganhou um pouco de peso. — Eu não estou gorda — ela resmungou. — Não foi o que eu disse. Gosto da sua aparência, meu amor. Não pretendi criticá-la. Subiram os degraus e entraram na cozinha, onde Lilly se ocupava em limpar a superfície da mesa. — Lilly, não acha que Chloe está com boa aparência esses dias? — Você também notou? — Lilly torceu o pano de lavar pratos na pia. — Parece que o mundo está de fato uma maravilha. Atrás da tia, Chloe sorriu decidida a aguardar o momento propício. — Muito bem, o que está acontecendo? JT a abraçara e beijara. Mostrara-se compreensivo e simpático diante do mau humor de Chloe. Ainda assim, ela nada dissera. Ele se deitou de costas e Chloe apoiou a cabeça no seu ombro. Ela lhe acariciou os pêlos do peito e 281

deixou escapar um suspiro profundo. — Jay, o que você acharia de termos uma família? — Família? Está falando em ter filhos? Ela fez movimentos afirmativos com a cabeça. — Sim… ter filhos. Um de cada vez. A começar na próxima primavera. — Próxima primavera? — JT repetiu, com o coração aos saltos. — Chloe? Está me dizendo que teremos um bebê na primavera? — Lilly acha que sim. Ele deu uma volta completa e Chloe ficou debaixo dele. — E você, o que acha? — Eu não sei — ela sussurrou. — Nunca tive filhos e nem mesmo cheguei a cogitar nisso. E agora, se Lilly estiver certa, é melhor começarmos a pensar no assunto. — Um bebê. Ele pronunciou as palavras como se nunca houvesse pensado naquela hipótese. E repetiu-as, com reverência, como se fora presenteado com um presente além de sua compreensão. — Um bebê? — JT ergueu-se sobre as mãos e examinou-lhe as feições sob a luz do lampião. — Você e eu? Um filho? Você também quer, não é? Ele se deu conta da hesitação de Chloe. Os olhos azuis haviam escurecido e ele notou que refletiam preocupação. — Claro que sim. Mas eu não sei quais as conseqüências que advirão, como por exemplo, o trabalho da fazenda e… — Chloe, você somente fará o que tiver vontade. A prioridade será cuidar de si mesma e do bebê e depois, fazer o que lhe parecer correto. Lilly poderá ajudar. E ela o fará com a maior boa-vontade. E se precisarmos de mais alguém para ajudar, nós contrataremos. O seu bem-estar e sua tranqüilidade é que importam. Esse bebê será uma 282

parte de nós mesmos, por estarmos casados e juntos. E agora seremos três. JT achou que deveria estar atoleimado, ao reconhecer o sorriso sem graça que mal lhe curvou os lábios. Pensou no ser pequenino que estava dentro do corpo da esposa. — Posso senti-lo? — ele perguntou e ergueu-se o suficiente para espiar-lhe o ventre. — Ainda não, seu bobo. Ela ainda é muito pequena, não faz nem diferença. Mas Lilly afirmou que, em poucos meses, vou estar igual a uma bola. — O que você quer dizer com “ela”? Nós vamos ter um menino, não é? Micah cuidou dos preparativos e Lilly terminou de fazer o vestido novo. A cidade inteira compareceu ao casamento. Micah era um homem muito popular em Ripsaw Creek e a pequena igreja estava lotada para ver os noivos pronunciarem os votos. A recepção teve lugar no centro comunitário, local onde se realizavam os eventos mais importantes do local. As mesas exibiam inúmeras bandejas de pratos e petiscos variados feitos pelas mulheres, prazerosas em abrilhantar a festa com seus quitutes. JT e Chloe resolveram não contar as novidades, para não ofuscar as atenções dirigidas aos noivos. Mas foi Micah quem se encarregou de espalhar a notícia. Com um copo na mão, depois do ponche generosamente servido por Hale Winters, levantou um brinde. — A minha noiva e à minha nova família. Principalmente a Lilly, que fez de mim o homem mais feliz da face da terra. Os presentes riram e aplaudiram, e Micah virou-se para Chloe e JT. — E a estes dois, que me farão titio na próxima primavera. 283

Um grito entrecortado e um momento de silêncio seguiram-se àquelas palavras. E de repente, a balbúrdia recomeçou. As mulheres rodearam Chloe e empurraram JT para o lado, na euforia de oferecer palavras de congratulações. — Talvez seja bom você brindar comigo — Micah estendeu para JT uma taça com ponche. — Na próxima primavera, meu amigo, você ocupará uma posição secundária diante de um bebê. E pode apostar que eu também. A risada de Micah era contagiosa. Enquanto observava as mulheres da cidade fervilharem em volta de Chloe e Lilly, JT achou que ostentava de novo o mesmo sorriso tolo. Flannery desatou o nó da gravata e aceitou a dose da bebida. — Ao futuro — ele disse para Micah e olhou para a esposa que também o mirava. — Para Chloe.

284

Epílogo

Na opinião de JT, aquele inverno, apesar de estar apenas se iniciando, seria a mais rigoroso que já enfrentara. Era um desafio que jamais enfrentara na vida, e ele se envaidecia de poder lutar contra os elementos. Todos fizeram o impossível para manter os animais alimentados. Trabalhavam sob tempestades de neve, levavam feno para as pastagens e quebravam o gelo até formar grandes buracos de água nos locais onde o rebanho estava reunido. O vento uivava durante as noites e o quarto se tornava um lugar de refúgio para o casal que dormia no grande leito. Ambos forjaram novos laços de união durante as horas do repouso, sussurrando esperanças e sonhos. Chloe florescia sob os cuidados ternos do marido. Nem sempre reinava a paz, pois tinham temperamentos muito parecidos e algumas vezes havia discussões. Mas a reconciliação era sempre deliciosa para Chloe, e JT estava aprendendo a moderar sua tendência de dar ordens. A neve acumulava-se ao longo das cercas e, na pastagem próxima, os cavalos amontoavam-se sob o abrigo construído para a proteção dos animais. As éguas engordavam e a expectativa aumentava, à medida que os meses passavam. Na primavera nasceriam os potros tão esperados. Para Chloe, a gravidez parecia não ter fim. O bebê em seu ventre tornava-a pesadona e ela torcia para chegar a hora do nascimento. Espantava-se com seu instinto maternal, que julgava inexistente. Cortava e costurava trajes minúsculos, além de embainhar cueiros e fraldas. Quando março chegou, tiveram de chapinhar na lama, 285

pois a terra degelava e congelava, alternadamente. No fim de abril, as crias começaram a chegar. A primeira foi uma surpresa. Em uma manhã ensolarada, Lowery embarafustou-se pela cozinha antes do desjejum. — Nasceu um potro! O mais lindo que já vi! — O olhar do caubói brilhava de excitação. — Onde foi? — JT perguntou, pegando o casaco. — No pasto. Eu o vi, ao fazer a inspeção rotineira. Debaixo da mãe, ele mamava com as pernas abertas. — Esperem por mim — Chloe pediu e levantou-se da cadeira com dificuldade por causa de uma dor enjoada nas costas que não a deixara dormir durante a noite. JT hesitou, já na porta, mas não teve coragem de negar. Tirou o casaco da esposa do gancho e segurou-o para que Chloe deslizar os braços nas mangas. O marido atrapalhouse na hora de abotoar a jaqueta, mas Chloe permitiu que ele tivesse o pequeno prazer de ajudá-la. JT diminuiu os passos e ofereceu-lhe, o braço para descer os degraus da varanda. — Segure-se bem, doçura. Não quero que leve um tombo. Passaram pela estrebaria e saíram pela porta dos fundos, em direção à cerca da pastagem. Logo atrás da barreira, uma égua preta estava com a cabeça abaixada, enquanto um potrilho desengonçado mamava debaixo dela. A pelagem branca brilhava ao sol e o pequeno animal não negava a sua origem. Manchas grandes e escuras espalhavam-se pelo talhe esguio. — O que me dizem disto? — JT emocionou-se. — Não é um verdadeiro malhado? — O tom de voz de Flannery foi reverente. Eles se debruçaram na cerca e Chloe encostou a cabeça no ombro do marido. — Acho que ficaremos ocupados nas próximas 286

semanas — JT deduziu. — O cruzamento foi tardio, mas antes assim. Eles se desenvolverão melhor com um tempo mais quente. JT abaixou a cabeça e fitou a esposa, preocupado. — Está sentindo alguma coisa? Parece-me um pouco pálida esta manhã. — Eu não dormi bem… Chloe estremeceu quando a dor das costas caminhou e alojou-se debaixo do ventre pesado. O latejar teve início em ritmo lento e depois assumiu a forma de uma contração forte. O ato reflexo foi prender a respiração. — Acho que pode ser… — A voz de Chloe sumiu durante o espasmo. — Pode ser o quê? — JT quase gritava. — Está entrando em trabalho de parto? Os lábios de Chloe tremeram com a violência do marido. — E como é que eu vou saber? Nunca tive filhos antes. — Ela endireitou-se e agarrou-se na manga de JT. — Vamos voltar para casa. Deixei meu café na mesa e estou com fome. JT atendeu-lhe o pedido e segurou-lhe o braço, enquanto caminhavam de volta. — Escute, Clô. Não vou sair daqui hoje, se o bebê estiver para nascer. Precisamos saber o que está acontecendo. — Tem certeza de que vai ficar? Lilly disse que o processo pode ser muito demorado. — Chloe parou no meio do pátio. Outra contração apertou-lhe os músculos e deixou o ventre retesado. Depois de alguns momentos, tornou a falar. — Eu estava pensando que você poderia ir até a cidade e avisar o médico. Naquele instante, Chloe sentiu um líquido quente escorrer pelas pernas. Consternada, olhou para baixo e murmurou qualquer coisa ininteligível. 287

JT chamou Lilly aos gritos e a voz ecoou na manhã silenciosa. Depois abaixou-se, passou-lhe os braços sob os joelhos e os ombros, ergueu-a e dirigiu-se à varanda. Lilly abriu a porta, enquanto eles subiam a pequena escada e segurou-a para entrarem na cozinha aquecida. — Vamos ter um bebê, hein? — Lilly fez graça. JT deixou a esposa no chão, ao lado de uma cadeira. — Agora estou bem — Chloe afirmou. — Só preciso trocar de roupa. — Você precisa lavar-se muito bem e vestir a camisola — Lilly recomendou com ar entendido. — Pode dar algumas voltas ao redor da casa. Andar fará a criança nascer mais cedo. E você — ela se virou para JT —, trate de levar a charrete até a cidade e trazer o médico. Cinco minutos depois, Chloe tirava a roupa molhada e agradecia a Deus pela eficiência de Lilly. JT despediu-se com um beijo leve nos lábios um abraço cauteloso. Outro acesso de dor teve origem nas costas e pareceu envolver a criança no interior do ventre. — Não pensei que acontecesse tão rápido — ela confessou, enquanto Lilly a ajudava a vestir a camisola. — O médico chegará a tempo? — Ah, sim — Lilly assegurou. — Acredito que você não vai ficar o dia todo para essa criança nascer. Pelo jeito, trata-se de um rapaz apressado. — A tia riu. Dito e feito. Antes do meio-dia e do almoço ficar pronto, Chloe estava imersa em contrações quase contínuas. E gritou pela primeira vez, quando JT já estava em frangalhos, de tanto andar de um lado para o outro e de esfregar-lhe as costas nos intervalos. A dor beirou os limites do insuportável. — O senhor não pode fazer nada? — JT berrou para o médico atento à mulher que sofria na cama. — Ela está fazendo tudo sozinha — Dr. Whitaker 288

explicou para JT, com um sorriso. Chloe retesou-se com outro ataque de dor violenta. O médico encorajou-a com palavras suaves e trabalhou com mãos experientes. JT curvou-se sobre a esposa, desejou para si todo o sofrimento e, desesperado, sussurrou-lhe a pretensão ao ouvido. — Venha ver, Sr. Flannery — o médico pediu, alguns instantes depois de Chloe ter gritado com a dor final. — O senhor é pai de um menino. Com Lilly a seu lado, o Dr. Whitaker amarrou e cortou o cordão umbilical, e o bebê desaprovou claramente aquela atitude. Exausta, mas maravilhada, Chloe riu alto. — Ora, bolas! Teremos de tentar novamente, se eu quiser uma menina. Lilly enrolou o corpinho vermelho do recém-nascido em um cueiro de flanela. Ele se contorcia e seus gritos ressoavam no quarto, enquanto a tia-avó ajeitava-o nos braços da mãe. — Ele não é lindo? — Chloe perguntou, com voz trêmula, e levantou a cabeça para ver melhor o rosto minúsculo. JT, sentado na beira da cama, tocou a cabeça pequenina e coberta por uma penugem escura. A pulsação sob seus dedos lembrou-o da vulnerabilidade inerente a uma criatura tão pequena e JT Flannery foi acometido por reações emotivas que jamais pensara existir. Amava Chloe com todas as forças de seu coração. E aquela criança indefesa, fruto de sua semente, despertou nele uma onda repentina de emoção dolorida, possessiva e protetora que chegava a ser assustadora por sua intensidade. — Qual o nome que daremos a ele? — o pai perguntou, com voz rouca, acariciando-lhe a cabeça ainda um pouco 289

ovalada. — Poderia ser John — Chloe falou pausadamente —, como meu pai. E se você quiser, poderíamos acrescentar Thomas… como o seu. — Tem certeza de que não se importa de ter sido um menino? Chloe balançou a cabeça. — Ele é lindo e parece saudável. O que mais eu poderia querer? — Chloe levantou um pouco o pacote precioso. — Quer segurá-lo? — Eu? — O espanto foi espontâneo e Chloe tornou a rir. — Você é o pai. Ele precisa conhecê-lo desde o começo. Vocês terão de ficar muito tempo juntos. — Vamos para a cozinha, JT — Lilly chamou-o. — Terá sua primeira lição de como dar-lhe um banho. — Eu só ficarei olhando, eu acho — JT desconfiou, com o filho nos braços. O médico esperou os três saírem do quarto. O mais interessante foi observar o homem alto carregar com cuidados extremos o fardo pequenino. — Chloe, agora faremos a higiene e depois você poderá dormir um pouco. O sono será mais do que merecido. O nome escolhido foi mesmo John Thomas. As letras escuras e firmes no certificado batismal atestavam a veracidade do fato. JT exibiu o documento aos amigos reunidos na casa da fazenda para a celebração daquele dia. — Outro JT — Micah anunciou. — Pensei que um só fosse a tolerância máxima suportável. — Nós o chamaremos de John — Chloe argumentou, séria. — Eu tenho condições de lidar com apenas um JT. O sol quente do começo de verão foi um coroamento para os fatos agradáveis que se sucederam. Os convidados masculinos agruparam-se para ver a safra de potros e 290

potrancas no pasto. Os rebentos malhados brincavam na tarde quente e JT aceitou orgulhosamente as congratulações dos fazendeiros vizinhos e dos amigos da cidade. Mesmo assim, foi bom observar a partida do último dos convidados, JT admitiu mais tarde, quando as charretes deixavam o pátio e os cavalos seguiam seus caminhos. Lilly serviu uma refeição fria com o que sobrara do lauto almoço por ela preparado. Antes do anoitecer, Chloe mostrou-se cansada e com vontade de dormir. Ela embalou o bebê mais uma vez e acomodou-o com carinho no berço que JT trouxera do sótão. Cobriu John com o acolchoado esplêndido que Lilly fizera. O bebê esfregou a pequena mão no nariz e finalmente enfiou o polegar na boca rosada para sugar. — Está com sono? — JT perguntou, quando Chloe virou-se para ele e descansou a cabeça em seu peito. Ela levantou a cabeça e ostentou um sorriso cálido. — Eu até poderia segurar meus olhos abertos por mais tempo. — Suficiente para seu marido dar-lhe alguns abraços e beijos? O que acha? Chloe anuiu. — Já faz mais de um mês. Lilly avisou que seria necessário cicatrizar bem, antes de pensar em… outras coisas. Acredito que amanhã poderei dar um passeio em volta do pasto e proporcionar um pouco de exercício para a minha égua. — Eu quero ser atendido primeiro. — JT simulou estar aborrecido. — Ela não se melindra com facilidade. — Posso dar um jeito. Não perdi meu estilo, só porque sou mãe. JT curvou-se e procurou-lhe a boca. Chloe correspondeu ao beijo e o marido não perdeu tempo. 291

Afastou a cabeça com um sorriso terno, tenso de ansiedade. — Não perdeu mesmo, minha querida. Nem um pouco. No escuro, ele confessou o tamanho de seu desejo, abraçou-a e acariciou-lhe o corpo macio com suavidade. Procurou os mistérios da boca carnuda da esposa com os lábios ávidos. Não se rendeu às respostas imediatas de Chloe. Aguardou primeiro a realização dela e depois pensou em si. No santuário do leito matrimonial eles voltaram a regozijar-se com o prazer de completar-se inteiramente. No auge da paixão, ambos chamaram um pelo nome do outro. Chloe estava feliz nos braços do marido, certa de ser amada. — Eu o amo — ela falou e sorriu, quando JT tornou a beijá-la. — Obrigado, Chloe. — Por amá-lo? — Por isso também. E por John Thomas. Por ter me abençoado com uma família. E não fora por acaso que JT chegara até ela, Chloe refletiu e elevou preces de agradecimentos aos céus. Depois cerrou as pálpebras e adormeceu, com a certeza de amar e de ser amada. 

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[CAROLYN DAVIDSON] UMA OPORTUNIDADE PARA AMAR

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