Grecia Antiga - Rumo a Democracia

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GRÉCIA – A CAMINHO DA DEMOCRACIA L.Otavio Heringer de Oliveira Cordeiro RESUMO

O trabalho foi elaborado com a intenção de averigüar a evolução da história política e social de Atenas, uma civilização rica e complexa, que conseguiu instaurar, em seu território, graças a inteligência de seu povo, o regime democrático.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como intuito descrever a evolução político-social de Atenas, dando um enfoque central no período clássico. O trabalho se dividirá em cinco capítulos. O primeiro tratará sobre Creta e Micenas, e das invasões indo-européias. O segundo versará sobre os poemas homéricos, e vamos analisar como ocorreu a formação da cidade ateniense. No terceiro, será estudado o período arcaico, onde será vislumbrado uma importante noção de justiça. Por fim, nos últimos capítulos veremos uma série de revoluções que impulsionaram o surgimento do regime democrático, que teve o seu auge com Péricles.

1 PRÉ-HISTÓRIA GREGA

1.1 CRETA A maior ilha do mar Egeu viu florescer em seu solo a brilhante civilização cretense (egéia). Rica e muito bem organizada, ela deixou um legado muito importante para os gregos. Vale destacar, com Fernand Braudel, o aspecto geográfico de Creta: Ao sul do mar Egeu, Creta antiga é uma ilha perdida num deserto de água salgada. Vasta, montanhosa, ela é cortada por planícies (como, por exemplo, uma ao centro, Messara, bastante longa: 40 km de comprimento por 6 a 12

2 de largura), cercada por montanhas calcárias que são como outros castelos de água1.

Creta, como vemos, estava voltada para o mar, e por causa disso desenvolveu muitos contatos marítimos, principalmente com a Grécia e com a Ásia Menor. Do século XX a.C. até XV a.C., a civilização cretense tivera grande influência comercial sobre o mar Mediterrâneo, estendendo, assim, os seus domínios até a Grécia Continental, conquistando muitas cidades. Aristóteles, na Política, afirmara a influência desta civilização sobre os gregos: “A ilha parece naturalmente disposta e bem situada para dominar o mundo grego. Domina o mar em cujo litoral se estabeleceram quase todos os Gregos” 2. Em Creta, o rei era quem detinha o poder político, e ele era designado de Minos3. A capital do reino era a cidade de Cnossos, que na época do seu auge, chegou a ter uma população de mais de cem mil habitantes. A civilização cretense deixou um grande legado para a história grega: o modelo de uma sociedade organizada e a admiração por concursos ginásticos são exemplos claros da herança deixada para os gregos. Outra amostra disso, é o legado artístico, que muito serviu de modelo para a civilização micência, e os produtos da agricultura, tais como azeite de oliva, figo, que fizeram parte da alimentação do povo helênico por muito tempo. Essas exemplificações nos demonstram uma breve noção da influência cretense no mundo grego.

1.2

MICENAS

No século XVI a.C., os aqueus, povo de origem indo-européia, estão estabelecidos na Grécia Continental, e lá fundam a cidade de Micenas. O historiador Mário Curtis Giordani, nos fornece algumas características deste povo: “Guerreiros altos, fortes, musculosos e louros, êsses indo-europeus possuem uma inteligência viva unida à grande capacidade de assimilição”4. Por volta do século XIII a.C., os micênicos invadem e dominam Creta. Neste contato com o mundo cretense, eles assimilaram muito das caracteristicas desta civilização, e por conta disso, surge na história civilização creto-micênica, que existiu entre o século XIII a.C. a XII a.C. Neste período, com a derrocada de Creta, o micênicos passaram a ter hegemonia comercial no mar Egeu, e também, acabaram por conquistar muitas cidades, principalmente da Ásia Menor

1

BRAUDEL, Fernand. Memórias do Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Multi Nova, 1998. p.133. 2 ARISTÓTELES. Política. Lisboa : Vegas, ano 1998. p. 165 3 Minos era o lendário rei de Creta. Após sua morte, todos os reis posteriores passaram a ser designados pelo mesmo nome. 4 CURTIS GIORDANI, Mario. História da Grécia. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1972. p. 89.

3 2

Em Micenas, o sistema de governo era monárquico, e o rei era chamado de Wanax . Este possuía diversas atribuições e possuái bastante poder. Era o supremo comandante do exército, e no seu palácio, ele dirigia “as encomendas de armas, o equipamento dos carros, os recrutamento de homens, a formação, a composição, o movimento das unidades”6. Além disso, ele era o principal chefe religioso, e exercia o seu poder sobre uma grande classe sacerdotal influente. As camadas inferiores da população eram compostas por pastores, carpinteiros, médicos, alfaiates, ouvires, etc. A mulher, após a adoção dos costumes cretenses, passou a ser mais valorizada no convívio social. Além dos aqueus, em torno de 1700 a.C. e 1400 a.C., outros povos de origem indo européia, chegaram no território grego: os eólios, que se firmaram na Tessália e em outras regiões, e os jônios que se estabeleceram na Ática. Vale mencionar, que os jônios, posteriormente, fundaram a cidade de Atenas, a pólis mais importante da Grécia Antiga e que vai ser o nosso objeto de estudo. Em 1200 a.C., ocorre a invasão dos dórios, último povo indo-europeu que chegou a Grécia. Estes novos invasores, eram essencialmente guerreiros e utilizavam armas de ferro. Foram os dórios, os responsáveis pela destruição da cidade de Micenas, provocando o fim do modelo de vida anterior. M. Finley assevera que “a civilização Micénica teve um final bastante abrupto, assinalado pela destruição dos palácios fortificados em muitas partes da Grécia” 7.

2 TEMPOS HOMÉRICOS Com a chegada dos dórios, teve-se na Grécia, a partir de então, um período onde as cidades foram destruídas, a arte e escrita desapareceram e o artesanato regrediu. Houve um processo de regressão, onde a sociedade voltou a uma fase rural e doméstica. Este período, se estende do século XII a.C. a VIII a.C., e é retratado, somente, pelos poemas Ilíada e Odisséia.

2.1 ILÍADA E ODISSÉIA Ninguém sabe, ao certo, quando obras homéricas foram escritas. Acredita-se, todavia, que a Ilíada foi escrita em 750 a.C. e a Odisséia em 735 a.C.. A autoria, destes poemas, é atribuída à Homero; porém este é um ponto muito controverso. Contudo, segundo estudos mais recentes, Homero seria cego, e teria ditado o texto das epopéias, para alguma pessoa que podia escrever. Ademais, provavelmente, o conteúdo do poema, tenha sido

Na sociedade micênica, devemos destacar as características do poder real: “o rei concentra e unifica em sua pessoa todos os elementos do poder, todos os aspectos da soberania. Por intermédio dos escribas, que formam uma classe profissional fixada na tradição, graças a uma hierarquia complexa de dignitários do palácio e de inspetores reais, ele controla e regulamenta minuciosamente todos os setores da vida econômica, todos os domínios da atividade social”. VERNANT, Jean–Pierre. As Origens do Pensamento Grego. 11 ed. 2

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 21-22 6 Ibid., p. 25. 7 FINLEY, M. I. Os gregos antigos. Lisboa: Edições 70, 1963. p. 14.

4 elaborado oralmente e teria sido cantado inúmeras vezes, até o momento, que ele fora registrado por Homero. Conforme Luiz Fernando Barzotto, este poeta, teve uma marcante influência no mundo grego, e principalmente, em Atenas, verbis: Homero teve um papel ímpar como poeta. Não era sem motivo que ele era denominado o “educador da Hélade”. Homero era invocado como autoridade em todoas as questões, especialmente naquelas que diziam respeito à moral e à religião. Em Atenas, a Ilíada e a Odisséia eram memorizadas pelos jovens, determinando o vocabulário moral, político, estético e religioso. 3

A primeira obra atribuída a Homero, é a Ilíada, que narra os últimos cinqüenta dias da Guerra de Tróia, relatando a cólera de Aquiles, um dos guerreiros mais temidos de toda a Grécia. Filho de Tétis, a nereida mais encantadora, e de Peleu, um simples mortal, Aquiles, que aceitou juntar-se à campanha dos gregos, pois almejava obter glória e reconhecimento, desistira de lutar na Guerra de Tróia, pois Agamêmnon, chefe dos exércitos da Grécia, havia usurpado a sua escrava, a Briseide. Este grande herói grego, tinha um amigo íntimo, chamado Pátrocolo, que estava repelindo os troianos em combate, até ser morto por Heitor, um grande guerreiro troiano. Por conta da morte de Pátrocolo, Aquiles, cheio de ódio e dor, decide voltar a guerra e vingar a morte daquele. Por isso, ele vai atrás de Heitor, e no confronto entre ambos, Aquiles atinge o guerreiro troiano ao desferir-lhe uma lança em sua garganta. Heitor, agonizante, pede à Aquiles que não deixe o seu corpo a mercê de aves e cães. O herói grego, no entanto, nega piedade e atravessa a lança novamente em sua garganta. Uma parte muito importante deste livro, se dá quando o rei de Tróia, Príamo, vai ao encontro de Aquiles, para pedir o cadáver de seu filho Heitor: Ao rei trêmulo a núncia, em voz depressa Para o não abalar: “Coragem, disse, Nada receies, Príamo. Aqui Jove Benévolo me envia, e longe embora, De ti se compadece e tem cuidado, Que resgaste Heitor ele te ordena, E o Pelides com dádivas comovas; Que vás às naus sozinho, e idoso arauto Governe andejas mulas e a caleça Onde o morto carreies: e vai sem medo, Guiar-te-á Mercúrio aos pés de Aquiles. Do herói ofensa alguma ali não temas, Nem de qualquer: sisudo, humano e atento, Um suplicante poupará benigno 4

3

BARZOTTO, Luis Fernando. Prudência e Jurisprudência: uma reflexão epistemológica sobre a jurisprudentia romana a partir de Aristóteles. Revista Direito e Justiça da Faculdade de Direito da PUCRS, Porto Alegre, ano XXIII, v. 23, p. 222, jan. 2001. 4 HOMERO. A Ilíada. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 505.

5 Já a Odisséia, trata do retorno de Ulisses para a sua casa, após o término dos conflitos com Tróia. Ulisses era um renomado guerreiro grego, rei de Ítaca, que muito desejava regressar para o seu pequeno reino, tendo em vista a vontade de reaver sua esposa, Penélope, e seu filho, Telêmaco, pois não os via desde o início da guerra. Toda esta obra, gira em torno de Ulisses, que era o único guerreiro grego, que não desejava ir para guerra, pois estava vivendo de maneira hamôrnica, com sua família, em seu reino. Em sua volta para a casa, após a guerra, este herói grego se depara com muitas aventuras e obstáculos, que fazem ele ficar mais dez anos fora do seu lar. Neste trecho que vamos reproduzir, se dá o reencontro de Ulisses, com a sua esposa, que no primeiro momento, não reconhece o seu marido, já que havia se passado muitos anos que eles não se viam: Em prato o colo do marido abraça, E o beija e diz: Ulisses, foste aos homens O exemplo de prudência, não te enfades. Irmos juntos logrando os flóreos dias O céu nos invejou; perdão se ao ver-te Não fui logo lançar-me no teu seio; De que outrem, com discursos me iludisse Tremia sempre; os dolos não falecem. A Dial Grega Helena o toro nunca Do estranho compartira, a ter previsto. 5

Essas duas obras da Antigüidade clássica são grandes fontes de estudo, para historiadores ou admiradores do mundo grego. Vale ressaltar, que a Ilíada, teve muita importância para os gregos, tanto que todos os livros pós-homero, acabaram a citando, e era muito comum ver os gregos antigos com muitos exemplares deste livro.

2.2 Fundação de Atenas

Na Ática havia muitas famílias, que viviam em absoluta independência, sendo que cada uma tinha a sua própria religião, seu próprio chefe e sua própria assembléia. Um exemplo disso, era a família dos Cecrópidas, que habitavam o rochedo aonde mais tarde seria fundada Atenas, e que possuíam seus costumes próprios e tinham como divindade protetora a deusa da guerra Atenas, e o deus do mar, Posêidon. Com o tempo, vê-se que estas inúmeras famílias que estavam situadas na Ática, encontraram-se reduzidas a doze confederações, sendo que o grupo acima citado, o dos Cecrópidas, através de lutas e conquistas, obtivera mais poder e importância, e por isso, conquistou a supremacia sobre as demais confederações.

5

HOMERO. A Odisséia. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 394

6 6

Neste período, eis que aparece Teseu , herdeiro dos Cecrópidas, que teve o mérito de reunir estas doze confederações que viviam na Ática, e os fez adotar o culto de Atenas Polias. Foi ele, então, o fundador da pólis ateniense, fazendo “com que o pritaneu de Atenas fosse o centro religioso de toda a Àtica” 7. Para fundar a pólis ateniense, foi necessário seguir algumas linhas de cunho religioso. Primeiramente, o fundador Teseu consultou o oráculo de Delfos, para saber qual era o local mais apropriado para se fundar a cidade. Após a consulta, os deuses revelaram a sua vontade, que foi seguida. Com a chegada do dia da fundação, e escolhido o local para a criação da cidade, que se deu no topo de uma colina, se realizava um sacrifício que era ofertado aos deuses. Logo em seguida, depois de uma série de ritos, todas as pessoas presentes na solenidade, cavavam um fosso no local aonde seria nascida a cidade, e enterravam nele uma pequena porção de terra trazida do seu lar. Este torrão que era trazido por todos, representava o lar antigo, que era o local onde os antepassados de cada um haviam vivido e estavam enterrados. Fustel de Coulanges, explica o porquê da realização desta prática religiosa: O homem não podia se mudar sem levar consigo o seu solo e seus ancestrais. Era preciso observar esse rito para, ao mostrar o novo lugar que havia adotado, poder dizer: esta é ainda a terra de meus pais, terra patruum, patria; aqui é a minha pátria porque aqui estão os manes de minha família 13.

Ao enterrar no fosso, um punhado de terra trazido da sua antiga casa, os antigos acreditavam que ali ficaria residindo as almas dos seus heróis, e estas iriam proteger a urbe que estavava sendo criada. Após, no mesmo local aonde estavam enterradas as almas dos antigos, se eregia o altar, e se ascendia o fogo sagrado. E era em volta deste fogo, que se erguia a cidade. Cada família reunida, mantivera o seu culto antigo, suas crenças, seus chefes e o seu direito a reunião. Contudo, todos eles ficaram vinculados a um culto comum, e ao governo central da cidade de Atenas.

2.3 A CIDADE 2.3.1 Conceito

6

Na mitologia, Teseu se encanta com a beleza de Helena, e é mencionado como um guerreiro muito virtuoso: “Teseu, o herói respeitado por todos os povos da Grécia; Teseu, o rei de Atenas, o matador do terrível minotauro da ilha de Creta; Teseu, o guerreiro implacável que tinha libertado a Àtica dos bandidos e salteadores ferozes. Teseu era um homem maduro que já tinha vivido os seus cinqüenta invernos; depois de tantas proezas, depois de tantas façanhas, ele chegou à conclusão de que só lhe faltava um troféu, só lhe faltava um prazer: dormir com com uma filha de Zeus”. MORENO, Cláudio. Tróia: o romance de uma guerra. Porto

Alegre: L&PM, 2004. p. 74-75. 7 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2004. p 142. 13 Ibid., p. 147.

7 8

A cidade, segundo Aristóteles, é a forma de comunidade mais completa e perfeita que existe, pois ela visa o maior bem, a saber: assegurar a vida boa para cada um dos seus membros. Por conta disso, respalda-se que é só na cidade que o cidadão vai poder se realizar plenamente como ser humano, por que graças a ela, é dado a todos, a oportunidade de viver bem e de encontrar a felicidade suprema (eudaimonia). Com o passar do anos, e com o aumento da população, o termo cidade passa a abranger não só o topo da colina, aonde estava o palácio do rei, os templos religiosos e as fortificações, mas também passa a designar o local onde os gregos residiam e plantavam. Por esta razão, e para diferenciar, surge a palavra pólis que referia-se a cidade alta, e a expressão astú que se relacionava com a cidade baixa. Assim, deve-se levar em conta, as sábias palavras de Gustave Glotz, que faz uma ótima análise lingüística e histórica destes termos: Por outro lado, a cidade alta não se contentou em absorver a cidade baixa “de largos caminhos”. O nome fluido de pólis comunicou-se a todos os povoados rurais que viviam à sua sombra. Por uma progressão inevitável, acabou por se estender a toda a região que obedecia à autoridade do mesmo chefe. A palavra que servira inicialmente para designar a acrópole termina por denominar uma cidade15.

2.4 REGIME MONÁRQUICO

O primeiro regime instituído em Atenas, foi a monarquia. Isto se explica pela religião. Como na cidade, quem primeiramente cuidou de tudo que estava relacionado com o aspecto religioso, presidindo ritos e cerimônias, e fazendo o culto, era o fundador, nada mais natural, que ele se tornasse o primeiro chefe da pólis, se tornando o rei, ou basileus, no dizer grego. O rei era o sumo sacerdote da pólis, e seu poder estava totalmente vinculado com a religião. Era ele que cuidava do fogo sagrado, e era o único que sabia das fórmulas sagradas das orações. Ademais, os gregos consideravam o rei como um ser sagrado, pois ele interegia com os deuses e sabia de suas vontades. Sua autoridade, não provinha do direito divino e nem da força física, mas governava em função da tradição. Junto ao rei, havia o Areópago que era um órgão consultivo, composto pelos mais importantes chefes de família, e a Ekklêsía que era a assembléia dos cidadãos, que ouvia todas as decisões tomadas pelo rei 9.

2.5 ESTADOS SOCIAIS

8

Para o conceito de comunidade, podemos dizer que é o conjunto de famílias, ou de outros grupos, que se unem para buscar determinado bem. 15 GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988. p. 9. 9 Esta são as primeiras instituições gregas que conhecemos. Entretanto, não temos muitos dados históricos que nos forneçam uma análise mais profunda do funcionamento e competência destes órgãos institucionais.

8 Em Atenas, existiam vários grupos sociais distintos. O primeiro deles, que iremos citar, era os eupátridas, que eram os descendentes dos fundadores, e por isso gozavam de privilégios na sociedade. Eles detinham o poder político e possuíam grandes propriedades de terra. Abaixo na escala social, aparece os tetas ou clientes, que viviam junto dos eupátridas, estando submetidos ao poder deles e recebiam proteção. Não possuíam propriedade e nem direitos políticos. Também, havia os georgoi, que eram pequenos proprietários de terras, que as cultivavam pessoalmente, e os demiurgos que eram trabalhadores livres, proprietários de pequenas oficinas. Infelizmente não sabemos como surgiram estas duas classes importantes, que foram responsáveis por grandes transformações que em breve iremos tratar 10. Todavia, Fustel de Coulanges expõe algumas causas prováveis que ocasionaram o surgimento desta classe: Por fim, na cidade de Atenas, mais posteriormente, surgiu duas classes: a dos metecos, que eram quaisquer pessoas que não tivessem nascido em Atenas; e a dos escravos, que em linhas gerais, eram prisioneiros de guerra e que trabalhavam para os eupátridas.

3 PERÍODO ARCAICO

3.1 MILAGRE GREGO

Nos tempos homéricos, os gregos romperam contatos com outros povos. Pouco se soube o que realmente houve com os gregos. A únicas fontes históricas, daquele momento, são as obras de Homero. Todavia, no período arcaico, que se estende do século VIII a.C. ao século VI a.C., é sabido, que os gregos já estão estabelecidos em cidades, falando uma língua que não era semita, desenvolvendo práticas comerciais, como a venda de vinhos, azeitos e vasos decorados, e adotando um sistema de escrita fonética dos fenícios. Ainda, é sabido que os gregos voltam a se relacionar com outros povos do mundo antigo. Braudel salienta que a “Grécia que estivera

10

Fustel de Coulanges expõe algumas causas prováveis que ocasionaram o surgimento desta classe: “A religião doméstica não se propagava; nascida no seio da família, ali permanecia; era preciso que cada família formasse sua crença, seus deuses e seu culto. Ora, pode muito bem ter ocorrido que algumas famílias não tivesse capacidade espiritual para criar essa divindade, instituir o culto, inventar o hino e o ritmo de oração. Tais famílias ficariam, só por isso, em estado de inferioridade em relação às que possuíam uma religião, e não puderam fazer sociedade com elas. Pode igualmente ter acontecido que algumas famílias tenham perdido o culto doméstico, quer por negligência e esquecimento dos ritos, quer em consequência de algum desses crimes ou máculas que proibiam ao homem aproximar-se do fogo sagrado e continuar com o culto. Enfim, poderá ter acontecido que clientes, tendo sempre seguido o culto de seu pater e não conhecendo outro, tenham sido expulsos da família, ou a tenham abandonada involuntariamente. Acrescentamos ainda que o filho de casamento civil, sem ritos, era considerado bastardo como o de uma mulher adúltera, e sabemos que, para ambos, a religião doméstica não existia. Todos esses homens excluídos das famílias e postos à margem do culto, caíram na classe dos homens sem lar”. COULANGES, op. cit., p. 260.

9 separada do mundo oriental, retoma contacto com ele, graças às cidades da costa síria, AlMina em particular”11. É neste período que vemos mudanças muito importantes no território grego e grandes transformações sociais, que passaremos a tratar agora.

3.2

PERÍODO OLIGÁRQUICO

A realeza ateniense perdurou por bastante tempo, até que os eupátridas acabaram por usurpar o poder do basileus. O rei acabou perdendo as suas atribuições, ficando restrito as funções religiosas. Não sabemos como ocorreu e o motivo que fez o poder real se enfraquecer; todavia, acredita-se que o rei tenha se aproximado muito das classes populares, concedendo privilégios e benécies, e isso gerou revoltas por parte dos eupátridas que conseguiram tomar o poder político para si. Assim. no século VII. a.C, já sabemos que ao lado do basileus, havia o arconte polemarco que tinha poder militar e o arconte epônimo que se tornara a maior autoridade individual do Estado. Ao lado deste arcontes, o Conselho do Areópago continuava exercendo suas funções, sendo “que todo magistrado, ao término do mandato, ingressava no Conselho do Areópago e aí ficava até o fim de seus dias” 19. Com a chegada dos eupátridas ao poder, eles exerceram o “domínio sobre toda a população da Ática, enquanto a massa trabalhadora – camponeses, artesãos, escravos – não possuía qualquer poder de decisão política” 12. Graças a esse supremacia dos nobres, que detinham a maior parte das terras e do poderio econômico, muitos membros do povo ateniense, para obter melhores condições de vida, se dirigiram para outros locais, mais precisamente para regiões do Mediterrâneo ocidental, e fundaram várias cidades, como Tarento e Siracusa.

3.3 MORAL ARISTOCRÁTICA

O nobre, é descendente dos fundadores, dos heróis gregos, possuindo status e privilégios dentro da comunidade. Para fazer jus a sua importância social, o nobre tinha que ser um modelo a ser seguido por todos. Por isto, em suas atitudes, ele sempre procurava fazer o bem e,

11

BRAUDEL, op. cit., p. 261.

19

CASTRO, José Olegário de Freitas. Estudos econômicos políticos e sociais. Belo Horizonte: Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, 1959. p. 55. 12 AQUINO, Leão R. S; FRANCO, Denize A.; LOPES, Oscar G. P. C. Historia das Sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. p. 190. 21 WERNER. Jaeger. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.25.

10 principalmente, visava alcançar a arete. De acordo com Werner Jaeger, não há na língua portuguesa um termo equivalente para a ‘arete’, todavia explica o autor que: [...] a palavra “virtude”, na sua acepção não atenuada pelo uso puramente moral, e como expressão do mais alto ideal cavaleiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro, tavez pudesse exprimir o sentido da palavra grega21.

A arete é a virtude, e é um atributo próprio da nobreza, sendo que nenhum escravo, meteco, ou qualquer outro elemento do povo ateniense, poderia aspirar a obter tal mérito. Até mesmos aqueles que foram de origem ilustre, mas caíram na escravidão, não puderam alcançar este atributo. Todo nobre queria alcançar a arete, pois se almejava obter a glória (kleos) e a boa fama (doxa) na pólis, para se tornar inesquecível e imortal no mundo grego. Esse modelo de moral, exigia que a nobreza apresentasse, no campo da batalha, seus talentos e qualidades, tais como a coragem e astúcia, e tivesse no convívio social, atitudes corretas e que viessem de auxílio ao bem da pólis. Havia o sentimento de dever, entre eles, de ir em busca do ideal da arete. Inclusive, ter este dever, era motivo de orgulho, pois ele significava a busca constante a um ideal que iria fazê-los ser reconhecidos pela história perpetuamente13.

3.4 CRISE SOCIAL

Por volta do século VII a.C., se tem em Atenas, uma importante luta de classes, que vai traçar o destino de todos atenienses. Inicialmente, vemos neste século a troca da economia natural pela economia de caráter monetário. Com isso, se teve o incremento do comércio e do artesanato, que fez com que pessoas alheias a nobreza, pudessem enriquecer. Exemplo disto são os atenienses que se direcionaram para outros locais da Grécia, em busca de melhores condições. Eles, com a prática do comércio, e com o esforço do seu trabalho, retornam para Atenas, com uma situação financeira muito agradável. Também, no mesmo período, importante mencionar que muitos membros das classes demiurgos e georgois, pediam empréstimos para os nobres, e davam como garantia ao cumprimento da dívida, a sua própria pessoa. Infelizmente, muitos não conseguiam solver a dívida, e por conta de tal situação, acabavam por se tornar escravos dos seus credores. Estes dois fatos acima citados, geraram crise em toda a pólis ateniense, pois começa a se surgir grandes reinvidicações por parte de toda a população. Os novos ricos, querem

13

O historiador Voltaire Schilling, assevera que este ideal aristocrático perdurou por muito tempo na Grécia Antiga, vinculando inclusive, grandes filósofos: “O fato de Atenas bem mais tarde ter implantado uma democracia não alterou profundamente a concepção de herói herdada dos tempos da Grécia Arcaica e de domínio aristocrático. Seus dois maiores filósofos, Platão e Aristóteles, educadores do Ocidente, por igual

11 participar da vida política e querem privilégios, e os escravizados desejam melhorias em suas condições. Esta crise, vai provocar profundas mudanças na estrutura política social em Atenas e é graças a ela que podemos ver surgir importantes noções jurídicas, que trataremos no próximo tópico.

3.5 FORMAÇÃO DA NOÇÃO DE JUSTIÇA

3.5.1 Thêmis

Na epopéia homérica, Thêmis é a deusa da justiça, que vive no Olimpo, e é uma das companheiras de Zeus. Ela era responsável pelo equílibrio e pela ordem dos cosmos, e

continuaram presos à ética arcaica do valentão nobre e destemido como um ideal a perseguir, sendo que o último a considerou como um norte aplicável à vida dos filósofos. Muito dela foi, por igual, absorvido pelos atletas olímpicos que mantiveram as pistas de corridas e os saltos de obstáculos como um pacífico substitutivo dos campos de batalha, mantendo ente si os mesmos princípios estabelecidos pelo Código dos Cavaleiros. Grande parte da retórica democrática continuou influenciada pelos mesmos ideais éticos, de fazer com que também na política os cidadãos seguissem as regras da convivência cavalheiresca, o mesmo acontecendo com os constantes duelos verbais travados entre os homens cultos contidos nos "Diálogos" de Platão ou ainda entre os grandes oradores da cidade”. SCHILLING, Voltaire. Homero e a busca da virtude. Disponível em:

. Acesso em: 14 set. 2007.

dava decretos divinos só para as famílias proprietárias de terras, ou seja, somente para as genos. Émile Benveniste, em sua clássica obra, assevera que Thêmis é “a prescrição que fixa os direitos e deveres de cada um sob a autoridade do chefe do génos, quer seja na vida cotidiana dentro de casa ou em circunstâncias excepcionais: aliança, casamento, combate” 14. Nota-se, a partir do conceito acima citado, que Thêmis é uma justiça indiferenciada, mais familiar do que pública, não ligada ao território, e que prescreve a conduta a ser tomada. O seu plural é thémistes, que: indica o conjunto dessas prescrições, código inspirado pelos deuses, leis nãoescritas, compilação de ditos, de decretos pronunciados pelos oráculos, que fixam na consciência do juiz (no caso, o chefe da família) a conduta a seguir sempre que estiver em jogo a ordem do génos24.

As thémistes são decretos que enunciam a Thêmis. Ambas são de origem divina, e não são inventadas por aqueles que as devem aplicar.

3.5.2 Hesíodo

14

BENVENISTE, Émile. O Vocabulário das Instituições Indo-Européias. São Paulo: Editora da Unicamp, 1995. p. 104. 24 Idem, Ibidem. 25 JAEGER, op.cit., p. 87.

12 Hesíodo nasceu na Jônia, mas acabou vivendo na Beócia, onde levou uma vida de camponês, trabalhando em sua pequena propriedade rural. Ele foi um grande poeta popular, que deixou escritas algumas obras, que tiveram muita importância para os gregos, como: Os Trabalhos e os Dias,Teogonia e Ergas. As obras de Hesíodo são dirigidas para as pessoas de sua condição social, e se destacam, principalmente, por enaltecer o trabalho e a vida no campo. Graças a elas, conseguimos ter uma boa representação de como era a vida no campo, no seu tempo: havia uma nobreza que detinha o poder político, e agricultores e pastores que viviam do seu trabalho e que tinham “uma independência espiritual e jurídica considerável” 25. Habitualmente, esta classe humilde, se reunia no mercado e na praça e lá comentavam sobre diversos assuntos, tanto públicos como privados. Um aspecto muitíssimo importante que está presente nos poemas deste grande poeta, é que os verdadeiros heróis são os trabalhadores, pois eles que possuem a árdua tarefa de fazer cultivar alimentos nos difícieis solos da Grécia. Por isso, ao contrário de Homero, onde a arete estava relacionada com a nobreza guerreira, vemos que nos poemas de Hesíodo, a arete está intimamente ligada com o homem trabalhador, que tem no dia a dia, a difícil missão de conseguir trazer o sustento para a sua casa. O trabalho passa a ser consagrado como a única forma de se adquirir a arete, sendo que tal atributo passa, a partir de Hesíodo, a se valer para toda as classes mais simples. Além desta nova concepção de virtude, vemos neste autor, uma importante noção de justiça, que esta muito relacionada com um acontecimento marcante em sua vida. Ao falecer, o pai do poeta, deixou como herança, para ele e seu irmão Perses, as suas terras. Perses, que era detentor de péssimas características tais como a invejosa e preguiçosa, saíra muito beneficiado quando houve a partilha destes bens, pois ele havia subornado os juízes. Em virtude deste fato, Hesíodo em sua obra Os Trabalhos e os Dias, se dirige ao seu irmão, e faz inúmeras críticas, tentando convencê-lo de que a desonestidade não é o melhor caminho a seguir: Ó Perses! Mete isto em teu ânimo: a Luta malevolente teu peito do trabalho não afaste para ouvir querelas na ágora e a elas dar ouvidos Pois pouco interesse há em disputas e discursos para quem em casa abundante sustento não tem armazenado na sua estação: o que a terra traz, o trigo de Deméter. Fartado disto, fazer disputas e controvérsias contra bens alheios poderias. Mas não haverá segunda vez para assim agires. Decidamos aqui nossa disputa com retas sentenças, que, de Zeus, são as melhores. Já dividimos a herança e tu de muito mais te apoderando levaste roubando e o fizeste também seduzir reis comedores-de-presentes, que este litígio querem julgar.

13 Néscios, não sabem quanto a metade vale mais que o todo nem quanto proveito há na malva e no asfódelo. 15

Neste poema, nota-se que Hesíodo tem grande esperança e fé no direito, pois sabe que Zeus protege e ampara a justiça. Para ele, não é através de atitudes injustiças que o homem vai alcançar a verdadeira prosperidade, mas sim, quando “ajustar as suas aspirações à ordem divina que governa o mundo” 27.

3.5.3 Diké Outra palavra que designa justiça é Diké, que de acordo com a mitologia, é filha de Zeus e de Thêmis. Antes de explicar a abrangência deste termo, deve-se ter presente as noções explicadas no tópico: - crise social. Com o enriquecimento de inúmeras pessoas alheias a nobreza, inclusive daqueles que saíram da pólis em busca de condições melhores, começou-se a ver em Atenas a adoção de novos valores, tais como a liberdade, vivacidade e iniciativa pessoal. Este novos ricos, junto com as classes mais humildes de Atenas, que haviam tido contato com as obras de Hesíodo, não desejavam mais que o monopólio do direito estivesse na mão dos nobres, já que “administravam a justiça segundo a tradição” 16. Estas camadas populares, que não tinham privilégios, e que muito trabalhavam para sobreviver, começaram a reivindicar leis escritas, pois sabiam, que “direito escrito era direito igual para todos” 29, e com isso, iria se reduzir as arbitrariedades e abusos que haviam na sociedade. Nessas reinvidicações que estavam ocorrendo na pólis ateniense, via-se, que toda a classe popular invocava e queria Diké, termo que também significa justiça, e que estava sendo usado, neste momento, como lema de uma classe que lutava contra o sistema oligárquico que pairava sobre Atenas. A palavra Diké é originária da linguagem processual, e tem uma conotação mais ampla, por ser a justiça pública, e não a do grupo. Ela significava uma justiça individual e concreta que é dada por uma sentença emanada pela autoridade pública. Entretanto, o que é mais importante, é a noção de igualdade que está implícita nesta palavra, e que deriva da idéia que “se tem de pagar igual com igual, devolver exatamente o que se recebeu e dar compensação ao prejuízo causado” 30. Esta idéia de igualdade, integrada na concepção de justiça, se tornou, plataforma de reivindicações. Todos os membros da pólis, usam a expressão Diké, para postular melhorias e, principalmente, igualdade jurídica e social já que todos devem ter os mesmos direitos.

15

HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. São Paulo: Iluminuras, 1991. p. 25. JAEGER, op.cit., p.101. JAEGER, op.cit., p.134. 29 Idem, Ibidem. 30 Ibid., p.135. 27 16

14 3.5.4 Dikayosine

Com a criação de leis, assunto que iremos tratar em breve, surge o termo dikayosine, que é derivado de Diké, e significa virtude da justiça. Assim, para que seja adquirida a virtude, é necessário ter obediências às leis, pois assim, se será justo e, via de regra, se pensará no bem de outros. Esse novo ideal, vai ser extendido e prevalecerá por todo o período democrático, na noção de isonomia, vigorada, principalmente, na época de Péricles. É, nesta orientação, o pensamento de Luis Fernando Barzotto: De fato, diz-se que o homem que conforma sua conduta com as leis é justo, na medida em que a lei impõe atos de virtude, como a coragem (não abandonar o posto) e a temperança (não cometer adultério ou furto). Assim a justiça é a disposição de cumprir os atos virtuosos prescritos pela lei, tendo em vista o bem de outrem. 17

4 ATENAS : PALCO DE GRANDES TRANSFORMAÇÕES

4.1 INÍCIO DA EVOLUÇÃO POLÍTICA E SOCIAL No capítulo anterior, vimos que havia um descontentamento geral, por parte da população, que não aguentava mais o poderio dos eupátridas. Neste momento vivido pelos gregos, se almejava mudanças políticas e sociais. Para isso, urgia a necessidade de leis escritas, pois elas seriam de conhecimento de todos, e poderiam ajudar a solucionar os problemas que estavam ocorrendo na pólis 18. Por conta dessas reinvidicações sociais, fora nomeada uma comissão, que tinha seis membros chamados de tesmotetes, que junto ao rei, ao polemarco e arconte-epônimo, vieram “a constituir uma espécie de colégio, denominado Arcontado”19. O Arcontado, então, ficara encarregado de elaborar um código escrito. Todavia, com o tempo, observa-se que o código prometido nunca era promulgado. Assim, em 630 a.C, o eupátrida Cilon, que era ligado aos interesses populares, e se valendo da crise social, armou uma conspiração com o objetivo de tomar o poder. A reação aristocrática, liderada pela família 17

BARZOTTO, Luis Fernando. O Direito ou o Justo- O direito como objeto da Ética no pensamento clássico. São Leopoldo: Anuário do Programa de Pós-graduação em Direito, 2000. p.165. 18 José Olegário, em seu livro, refere o contexto que acabamos de assinalar: “Em meados do século VII a.C. Atenas atravessa grave crise social. As classes menos favorecidas – camponeses endividados e ameaçados de se transformarem em escravos, comerciantes ricos, mas destituídos de qualquer poder efetivo no Estado – revoltam-se contra a dominação dos eupátridas, exigindo a feitura de um código escrito que regulamentasse o complicado direito consuetudinário atácio, cuja interpretação, evidentemente ideológica, era prerrogativa exclusiva de exegetas nobres”. CASTRO, op.cit., p. 55. 19

Idem, Ibidem.

15 Alcmeónidas, foi ríspida, e os conspirados foram mortos, exceto Cilon que foi condenado ao exílio. Esta conspiração teve uma consequência muito importante: ela demonstrou para a nobreza que havia uma grande descontentamento social. Por isso, em 621 a.C, Drácon, que era um dos tesmotetes, conseguira fazer com que seu código fosse promulgado.

4.2 AS LEIS DRACONIANAS Drácon, era um arconte, e fora o responsável pelas primeiras leis escritas na Grécia. Suas leis foram muito importantes para a história dos atenienses, por que elas tiraram toda a competência judiciária da genos e dos outros grupos primitivos, e a transferiu para o governo da cidade. Com isso, muitos crimes que eram julgados pelo chefe da família, passaram a ser julgados pelos magistrados da pólis de Atenas. Ainda, devido ao código de Drácon, todos atenienses passaram a ter contato e conhecimento das leis, pois elas foram anexadas na Ágora. Aquino, faz uma ressalva sobre este tema:

As leis draconianas, por serem escritas e afixadas na Ágora, tornaram-se do conhecimento de todos e, assim, limitaram, ou, se preferirmos, ocultaram mais o despotismo da aristocracia territorial. Entretanto, a partir de então poderia haver maior rigor no controle público sobre a aplicação das leis, antes submetidas aos critérios arbitrários e pessoais dos juízes.20

Entretanto, muito embora os avanços conseguidos, a legislação draconiana não obteve o resultado esperado, pois manteve os principais privilégios da aristocracia, e continuou determinando penas graves para qualquer delito. Além disso, a situação dos camponeses e dos ricos comerciantes continuava a mesma, e ainda permanecia a escravidão por dívidas.

4.3 SÓLON

O código de Drácon teve uma consequência importante: motivou as classes populares a prosseguirem em suas reivindicações. Então, no ano de 594 a.C, Sólon foi eleito como Arconte, e teve o grande mérito de implantar reformas inovadoras e ambiciosas. Sólon vai ter que trabalhar, em um contexto social, que tem de um lado a maioria da população, que quer reformas radicais, e do outro, os nobres, que almejam a manutenção de seus privilégios.

4.4 REFORMAS POLÍTICAS DE SÓLON 20

AQUINO; FRANCO, LOPES, op. cit., p. 191.

16 4.4.1 Abolição do Código de Drácon

As leis de Drácon, não provocaram muitas mudanças no modelo social ateniense. Além disso, este código continha muitos excessos em suas leis. Por isso, Sólon, revogou a maior parte do código, e deixou inserido na vida dos atenienses, apenas a parte que dispunha sobre os homícidios dolosos. 4.4.2 Criação do Conselho dos Quatrocentos

Em Atenas, o Conselho do Areópago tinha muita força. Ele existia desde o período monárquico, e seus membros eram todos aristocratas. Aristóteles relata alguma das características deste órgão: O Conselho do Areopago tinha o dever de velar pelas leis e possuía amplos e importantes poderes na cidade, uma vez que punia e multava os faltosos sem apelação.21

Para fazer com que o povo participe mais da vida política, Sólon criou o Conselho dos Quatrocentos, ou Boulé, que tinha em sua composição membros do povo, com mais de 30 anos, e que eram sorteados pelas tribos. Infelizmente, neste período inicial, não sabemos quais eram atribuições deste conselho; todavia na época democrático, se conhece bem as suas funções, e ele se torna um importante instrumento político do povo.

4.4.3 Criação do Tribunal Heliae

Este tribunal, instituído por Sólon, tinha o intuito de reduzir a arbitraridade das decisões dos juízes. Por isso, qualquer cidadão que tivesse sido injustiçado em um julgamento, poderia apelar a Heliae, que iria revisar o caso. Também, vale respaldar, que não possuímos muitas informações sobre a estrutura e a maneira de agir deste tribunal, na época de Sólon.

4.4.4 Classificação Censitária

A legislação soloniana dividiu a população de acordo com a sua renda, a saber: Pentacosimedinas, são os que possuíam renda de 500 dracmas anuais; Cavaleiros cujas rendas eram de 300 dracmas; Zeugitas que tinham renda de 200 dracmas; e por fim, os tetas que não detinham rendimento suficiente para figurar nas classes acima citadas, sendo que não podiam ser eleitos para nenhum cargo.

21

ARISTOTELES. Constituição de Atenas. São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 257.

17 4.4.5 Seisachthéia A seisachthéia é a medida tomada por Sólon que proibira todo o empréstimo de dinheiro com garantia da pessoa do devedor. É assim que Aristóteles alude: Quando assumiu o poder, Sólon libertou o povo naquele momento e para o futuro apostando na certeza da liberdade ilegal das pessoas; passou leis e instituiu um cancelamento de dívidas, tanto particulares quanto públicas, que os homens denominaram de seisachtheia porque os livrou de seu peso. 22

Esta medida foi muito importante para o povo ateniense, pois ela tinha efeito retroativo, e todos que estavam, até então, escravizados por dívidas, puderam conquistar a liberdade almejada. Além disso, importante frisar, que muitos pequenos agricultores, em épocas anteriores e na de Sólon, tiveram que hipotecar as suas terras, pois não haviam conseguido pagar os empréstimos, com juros exorbitantes, feitos com os eupátridas. A legislação de Sólon, declarou ilegais as hipotecas realizadas e com isso, foi devolvida a posse e a propriedade destas terras para esses pequenos lavradores. Fustel de Coulanges, na obra Cidade Antiga, muito referida por nós, entende que a seisachthéia, foi muito mais ampla. Para ele, ela excluiu todos os laços de dependência dos clientes entre os eupátridas, tornando aqueles livres.

4.5 A TIRANIA

Por volta do ano de 560 a.C., aproveitando-se de uma manobra muito inteligente, e deste momento de discussão e revoltas político-partidárias, Pisístrato, assume o poder, tornandose tirano. Entre todas as tiranias existentes no mundo antigo, a mais valoroza e importante, foi a de Pisístrato. Aristóteles nos conta, que para tomar o poder, ele, de maneira ardilosa, mas não violenta, desarmou toda a população e assegurou-lhes que ele se encarregaria de dirigir a pólis ateniense.

4.5.1 Medidas Políticas

No que se refere as medidas tomadas por Pisístrato, em seu governo, pouco sabemos. Contudo, se tem a informação de que ele regulamentou a toda questão agrária; ponto este, não tratado na legislação soloniana. Acredita-se que este tirano distribuiu para as camadas mais simples da população, parte das terras pertencentes aos eupátridas, pois no período de seu governo, se vislumbra um grande aumento de pequenas propriedades em Atenas. 22

ARISTOTELES.op. cit. p. 258.

18 Além disso, Pisístrato fora responsável por grandes obras públicas. Houvera a construção de estradas, templos religiosos, aquedutos, esgotos, portos e forticações, que empregaram a força de trabalho de muitas pessoas, e tornaram a cidade de Atenas o maior centro urbano de toda a Grécia. Ao morrer, em 527 a.C., Pisístrato foi substituído pelo seu filho Hippias. Este governou até 510 a.C., sendo que uma revolução os expulsou da pólis ateniense. Pisístrato era uma pessoa humanitária. voltada para o bem, que ajudava muitos gregos 23. Em seu governo houve paz e prosperidade, e Atenas atraiu inúmeros artistas e poetas, passando a ser a maior referência cultural da Grécia.

5 A ERA DEMOCRÁTICA No ano de 508 a.C., Iságoras, líder dos pedianos, foi nomeado Arconte. Em seu governo, ele

concedeu

privilégios aos aristocratas, e tentou fechar o Conselho dos

Quatrocentos. Em virtude de sua política, o povo foi a luta e o expulsou do cenário político.

5.1 CLÍSTENES: O INÍCIO Em decorrência do péssimo governo de Iságoras, entra em cena, no ano de 506 a.C, Clístenes, que fora eleito Arconte, e ficou encarregado de fazer reformas políticas e sociais em Atenas. Ele é importante para a história, pois promoveu a paz, e a pólis vai se tornar novamente virtuosa, pois todos vão obedecer as leis. Clístenes, em seu primeiro ato como governante, dividiu toda a população ateniense em dez novas tribos, que em seu interior, eram compostas por várias circunscrições territoriais, chamadas demos. As demos, nada mais eram que uma “centena de circunscrições territoriais de extensão heterogênea, compreendendo número também diversos de famílias” 38. Antes desta importante criação, havia a velha divisão social: tinha-se quatro tribos, doze fatrias e duzentas ou trezentas gentes. Estas estruturas socias antigas, nascidas com a religião, eram puramente aristocráticas e vinculavam todas as pessoas, principalmente as mais humildes, em suas decisões e no seu agir, no dia a dia. Nelas, encontravam-se de um lado os eupátridas, descendentes dos heróis e responsáveis pelos cultos, e de outro os homens de condição inferior, como os clientes e servos, que graças a Sólon estavam livres,

23

Há um acontecimento muito interessante, ocorrido na vida do tirano ateniense, que demonstra muito as características de sua personalidade: “De vez em quando ele acompanhava os magistrados, e foi num desses circuitos que se deu o incidente com um fazendeiro do Monte Himeto e a terra mais tarde denominada “isenta-de-imposto”. Pisístrato viu alguém trabalhando numa região que era pura pedra e, surpreendido, disse ao seu servidor que fosse perguntar o que aquela terra produzia. “Sofrimento e dor”, respondeu o fazendeiro. “Pisístrato deveria receber seus dez por cento de sofrimentos e dores, também”. O homem deu essa resposta sem saber que estava respondendo a Pisístrato que, delicado com tanto espírito e franqueza, isentou-o de todos os impostos”. ARISTOTELES.op. cit. p. 267. 38 OLEGÁRIO, op,cit.,p. 64.

19 mas, em contrapartida e em virtude da religião, ainda se matinham sob o poder e autoridade dos eupátridas. Por isso, Fustel de Coulanges, nos configura um exemplo: A velha religião apoderava-se do homem à saída da assembléia onde havia livremente votado e lhe dizia: Está ligado ao eupátrida pelo culto; deves-lhe respeito, deferência, submissão; como membro de uma fatria, tens ainda um eupátrida por chefe; na própria família, na gens em que os teus antepassados nasceram e da qual não podes sair, encontras ainda a autoridade de um eupátrida24.

Também, as pessoas, como os metecos, que estavam fora dessas associações primitivas, sofriam bastante, pois ficavam em estado de inferioridade moral em relação aos outros. Então, Clístenes, para resolver esta situação acima descrita, criou as demos e dez outras tribos, com o intuito de reagrupar todas as classes sociais nessas novas ordens. Assim, com essa divisão populacional, ele conseguira fazer com que as antigas associações perdessem a sua importância e seu valor, e por consequência, se romperam todos os laços de dependência, criados pela religião, que havia entre os homens livres e os eupátridas, e que tornavam aqueles inferiores perante a estes. Ao misturar todas as classes sociais nessas novas tribos e demos, todos puderam estar em estado de igualdade, participando da vida política, pois o critério utilizado para incluir a população nestes novos agrupamentos, não era mais o do nascimento, como antigamente, mas sim o do domícilio de cada um. Por isso, não importa mais ser descendente dos fundadores da pólis e ter o culto hereditário, mas sim, é necessário, estar contido dentro de uma demos, para poder usufruir da cidadania e dos direitos decorrentes dela. Assim, a partir da criação das demos todos os homens livres atenienses gozavam da mesma liberdade e direitos. Agora, para poder usufruir dos direitos inerentes a cidadania, era necessário ter dezoito anos, estar registrado no livro oficial de uma das várias demos existentes em Atenas, e não ser nem escravo, nem mulher e nem estrangeiro. As demos, foram fundamentais para a sociedade ateniense. Elas que de fato implantaram a democracia, pois permitiram que todos, inclusive os menos favorecidos, pudessem conquistar a tão esperada liberdade plena. Por isso, se pode afirmar que: Essa reforma definiu de vez a queda da aristocracia dos eupátridas. A partir desse momento deixou de haver casta religiosa: não mais houve privilégios de nascimento, nem na religião, nem na política. A sociedade ateniense estava inteiramente transformada40.

Outra medida importante de Clístenes, foi a criação do ostracismo, para proteger a democracia. Assim, qualquer cidadão que fosse perigoso para o modelo democrático, seria condenado ao exílio por dez anos. O exilado não perdia nem as suas propriedades e nem os

24 40

COULANGES, op.cit., p. 308. Ibid.,p. 309.

20 seus bens, sendo que passado o prazo de dez anos, ele poderia voltar a pátria e participar da vida política. Além disso, esse legislador reduziu o poder político do Areópago, pois foi tirado da sua competência, o julgamento de crimes realizados contra a segurança do Estado. Por outro lado, ele reformulou totalmente a Boulé, que passou a contar com quinhentos membros, que eram escolhidos por sorteio, à razão de cinqüenta conselheiros por cada tribo. Esta instituição passou a ter amplos poderes, e era responsável pela formulação de projetos de leis, que seriam votados pela Assembléia popular. Por fim, vemos que a Assembléia do povo foi valorizada, e tinha em sua composição atenienses, maiores de dezoito anos, devidamente registrados nas demos. Ela votava os projetos de leis, criados pela Boulé, tornando-se um órgão muito importante e atuante para o modelo democrático. Conclui-se que Clístenes implantou a democracia em Atenas. Ele que era um nobre, convenceu-se que para a pólis ser virtuosa, era necessário a ampliação do regime democrático. Por isso vemos, que através dele as antigas associações que diferenciavam as pessoas, foram suprimidas, a Ecclesia tornou-se soberana, e o Conselho da Boulé desempenhava um papel relevante para a sociedade.

5.2 CONSEQUÊNCIAS DAS GUERRAS MÉDICAS

As guerras médicas foram travadas entre os persas, que também eram chamados de medos, e os gregos, perdurando do ano de 492 a.C. até 451 a.C. Os gregos, apesar de serem os grandes vencedores desta batalha, ainda tinham receio de que os persas pudessem retornar. Então, para se defenderem, algumas cidades e ilhas gregas, criaram a Confederação de Delos 25. Esta Confederação, tivera grande êxito ao derrotar, por definitivo, os persas no ano de 468 a.C. Sua sede, ficava na ilha de Delos, onde se localizava o oráculo que era muito consultado pelos gregos. Para a manutenção financeira da Confederação, toda cidademembro tinha que contribuir com homens, navios e dinheiro. Este tesouro comum, passou a ser administrado por Atenas, que tinha posição hegemônica dentro da liga.

Sobre a Confederação, Finley explica: “Os persas tinham sido vencidos a custo; não foram dizimados. Era opinião geral que regressariam para um terceira tentativa (que, por fim, o não tenham feito deveu-se em grande parte a problemas internos no seu império, que não podiam ter sido previstos). A prudência normal requeria, pois, medidas antecipatórias de conjunto e, uma vez que tinham de ser tomadas no Egeu e na costa da Ásia Menor, mais do que no continente, era natural que se entregasse o comando a Atenas. Organizou-se uma coligação sob a hegemonia de Atenas, com um centro administrativo na ilha de Delos (daí ser denominada pelos historiados como Liga Délia”. FINLEY, op. cit., p. 54. 25

21 Uma consequência marcante ocasinada pelas guerras médicas, foi a criação por volta de 500 a.C., dos estrategos, que eram magistrados militares que cuidavam de todos os assuntos relacionados à vida militar26. Também, ressalta-se que neste período conturbado, o conselho do Areópago, aproveitandose da ameaça exterior, voltou a ter prestígio e poder. José Olegário nos explica o porquê disso: O fato é que durante as três primeiras décadas do século V a.C. a vida política da cidade volta a ser dirigida por ex-arcontes, em detrimento do Conselho dos Quinhentos e da Ecclesia. Mas êsse ressurgir do Areópago era, àquela época, de tal forma anacrônico, que bastou desaparecer o perigo exterior que voltasse à sua posição inferioridade ante os órgãos democráticos do governo43.

5.3 ÉPOCA CLÁSSICA: O AUGE DA EXPERIÊNCIA

5.3.1 Noções Gerais sobre Democracia Segundo Aristóteles, o homem é um animal político (zôon politikón). Ele precisa viver em comunidade para poder se aperfeiçoar e viver bem. Como já vimos, a forma de comunidade mais perfeita e completa, é a cidade, e é nela que o homem poderá encontrar a felicidade suprema27. No interior de cada uma das cidades, existe a possibilidade de haver três regimes puros: a monarquia, oligarquia e democracia. Para o nosso trabalho, relevante é a democracia, que é o regime onde muitos governam em vista do interesse de todos. Em outras palavras, e sendo mais completo, podemos dizer que a democracia não é simplesmente o regime da maioria, mas sim é o regime onde todos os homens livres e pobres, independente da sua riqueza, tem supremacia e soberania, e visam ao bem comum. Conforme Aristóteles, esse regime surgiu quando as pessoas se deram conta de que eram iguais e começaram a requerer o reconhecimento dessa igualdade: Neste sentido, a democracia teve origem devido àqueles que se sentiam iguais num determinado aspecto, se convencerem que eram absolutamente iguais em qualquer circunstância; deste modo, todos os que são livres de um modo semelhante, pretendem que todos sejam, pura e simplesmente, iguais.45

O principal valor da democracia, é a soberania do povo. É o povo que é o fundamento do poder, e todo o poder tem que ser a ele referido. Na Antígona, obra de Sófocles, um dos maiores intelectuais de Atenas no século V, vemos nítidamente e constantemente esta idéia. Esta tragédia grega conta a história de Antígona, jovem moça, que se opõe a um tirano,

26

CASTRO, op.cit.. 67. 43 Idem, Ibidem. 27 ARISTÓTELES. Política. Lisboa : Vegas, ano 1998. p.53. 45 Ibid., p. 349.

22 chamado Creonte, que lançara um decreto em Tebas que proíbia que todos os traidores da pátria fossem enterrados. O irmão falecido da personagem central, Polinice, em vida, havia se voltado contra a sua pátria, e por isso, de acordo com o decreto, ele não era digno de receber um sepultamento. Antígona triste com esta situação, e não querendo deixar seu irmão abandonado e imune as aves famintas, decide enterrá-lo, mesmo sabendo que podia ser punida. Nessa história, contada por nós de maneira lacônia, há um trecho, bastante relevante, onde Ismene fala a sua irmã, Antígona, que não quer ajudá-la a sepultar o seu irmão, pois ela não deseja ir contra o decreto do rei que fora aceito por todos os cidadãos: “Não pratico atos desonrosos, mas; afrontar a autoridade dos cidadãos me é impossível” 28. Na sua fala, vemos que Ismene não quer desobedecer a lei elaborada pelo poder político, porque ela cumpre e respeita aquilo que foi decidido pelo povo, mesmo que venha a ter dor e sofrimento por causa de sua atitude. Através da brilhante tragédia de Sófocles, conseguimos concluir que o pensamento do homem ateniense do período democrático era o de respeitar o que era querido pelo povo, pois ele é o titular e o fundamento do poder, e é ele que participa ativamente das instituições políticas, sempre visando ao bem da comunidade. A democracia ateniense garantia a igualdade de todos os cidadãos, que pode ser muito bem expressa através de três princípios básicos: isocracia, isonomia e isegoria. A isocracia é igualdade quanto o poder. Em Atentas, em virtude deste princípio, todos os cidadãos podiam exercer qualquer função pública. Por isso, se vislumbra-se que para participar na Assembléia e na Heliae, todos os membros, eram sorteados, e não eleitos, pois assim qualquer cidadão teria chances iguais de participar destas instituições. Só em casos excepcionais, e para determinadas magistraturas, que se procedia através de eleição. A isonomia é a igualdade jurídica, ou a igualdade perante a lei. A ordem jurídica ateniense tratava todos da mesma forma, concedendo-lhe iguais direitos, e punia-os sem privilégio de foro. Em razão disso, os atenienses respeitavam e obedeciam as suas leis, pois elas sem distinção, irradiavam, perante a sociedade, os seus efeitos justos e igualitários. A isegoria ao nosso entender é o princípio mais importante. Ele representa o direito de falar, a liberdade de expressão. Todos, na Assembléia, podiam expressar as suas idéias e debater publicamente os assuntos políticos para tentar resolver os problemas da pólis e achar soluções para uma vida mais próspera na comunidade. Ademais, valorizava-se também o direito de ser ouvido por todos, no momento em que se está falando na praça pública, na Àgora.

5.4 As Reformas Políticas de Péricles

28

SÓFOCLES, Antígona. 1 ed. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1999. p.12.

23 Péricles foi o magistrado mais importante de Atenas. Em seu governo, ele confirma as idéias que existiam na época de Clístenes, e passa a se preocupar com os problemas da pólis. Sob o seu comando: O Estado se tornou-se ainda mais democrático; ele privou o Areópago de alguns dos seus poderes e dirigiu o Estado principalmente para o poder naval, com o resultado de que o povo teve coragem de tomar todos os campos do governo em suas mãos29.

Vimos que Clístenes reduzira bastante o poder do Areópago. Todavia, em 462 a.C, Péricles através de uma lei, retira a principal atribuição deste orgáo, que era o de ser o guardião da constituição. Sem essa prerrogativa, esta instituição aristocrática não pode mais interferir-se na vida política e jurídica da pólis. Além disso, este legislador reduziu todas as competências secundárias do Aerópago, fazendo com que ele apenas tratasse das questões referentes ao patrimônio sagrado, e tivesse competência sobre o julgamento de crimes religiosos48. Outra reforma importante de de Péricles, foi permirtir o acesso de todas classes censitárias no Arcontado, pois a legislação soloniana, somente permitia que a 1ª classe censitária, a dos pentacosiomedimnos,

figurasse neste órgão colegiado. No que se refere as outras

magistraturas, qualquer cidadão, independente da sua renda, podia exercê-las49. Também é graças a Péricles, que foi implantada a mistoforia, uma medida bastante importante, que conseguiu efetivar verdadeiramente o acesso de todos no modelo democrático estabelecido. Embora, todos os cidadãos tivessem o direito de comparecer nas assembléias e em outros órgãos, muitos não participavam da vida política, por que não podiam perder um dia de trabalho. Isso acontecia, principalmente, com o camponês que tinha que se deslocar de longe e não possuía escravos para fazer o serviço em sua ausência, quando ele fosse participar das questões políticas. Para evitar esta situação, Péricles passou a remunerar quem participasse das funções públicas. Com isso, todos cidadãos, puderam abandonar temporariamente os seus trabalhos, e ir participar da política da pólis. Esta medida fora bastante relevante, por que se ela não existisse, o pobre ia continuar tendo o direito a participar da vida pública, mas jamais iria conseguir exercê-lo, e a política continuaria nas mãos dos ricos.

5.5 INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS NO AUGE DA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA

5.5.1 A Assembléia Popular

A Assembléia dos cidadãos, ou Ecclesia, foi o órgão que representou experiência democrática vivida pelos atenienses. 29

ARISTOTELES. Constituição de Atenas. São Paulo: Nova Cultural, 2004. p.277. 48 CASTRO, op.cit., p. 69 49 Idem, Ibidem.

esplêndor da

24 Para participar da Assembléia, se fazia necessário ser ateniense, e ter mais de dezoito anos de idade. A mulher e o escravo, não podiam participar dela, pois como já vimos, não eram considerados cidadãos. As sessões eram públicas e se realizam na ágora, que era a grande praça central de Atenas. No que tange ao seu funcionamento, as sessões da Ecclésia iniciavam-se com um ato religioso, onde era imolado vários porcos que eram oferecidos aos deuses. Em seguida, o secretário lia o roteiro do dia e apenas citava os projetos de leis que foram preparados pelo Conselho dos Quinhentos. O presidente da Assembléia, que era denominado pelos gregos de epistato dos pritanos, entrava em cena para apresentar e explicar, as peculiaridades dos projetos de lei que iam para votação. Após isto, ele abria a possibilidade para que, qualquer um dos presentes, explanasse as suas questões relativas ao projeto, e perguntava se havia, ou não, a necessidade de reformá-lo ou alterá-lo. A partir daí, se iniciava as dicussões, e todos tinham direito de narrar as suas idéias. Este momento era muito importante, e por isso Fustel de Coulanges dispõe que: Os atenienses, como nos diz Tucídides, não acreditavam que a palavra prejudicasse a ação. Sentiam pelo contrário, a necessidade de ser esclarecidos. A política não era mais, como no regime anterior, um negócio de tradição e de fé. Era preciso refletir e ponderar sobre as razões. A discussão era indispensável, porque sendo toda a questão mais ou menos obscura, só a palavra podia clarear a verdade. O povo ateniense queria que cada questão lhe fosse apresentada sob todos os seus diferentes aspectos e que lhe mostrassem claramente os prós e os contras.30

Terminada as discussões, e o projeto tendo sido aceito, iniciava-se as votações. O voto era aberto, e se dava com o levantamento de mãos. No entanto, quando se tinha questões graves a serem votadas, o voto se tornava secreto51. Os gregos não gostavam de delegar poderes a seus representantes, como hoje, nós fizemos com os nosso governantes. Eles gostavam de participar da vida política, e discutir os problemas da comunidade, pois almejavam ter uma vida com paz e prosperidade. A Assembléia popular era o órgão máximo da democracia ateniense que se fazia presente em vários aspectos da política grega. José Olegário, nos fornece o campo de atuação e a competência desta instituição: A soberania exercida pela Assembléia abrange os principais setores da vida pública, pois a ela compete: o poder de legislativo, parte importante do poder judiciário, a orientação das relações exteriores e o contrôle do executivo, exercido por meio de vigilância contínua sôbre os magistrados 31.

30 51 31

COULANGES, op. cit. p. 356. CASTRO, op.cit. p. 76. CASTRO, op.cit., p. 77.

25 A Assembléia podia legislar sobre todos os assuntos. Todavia, para se alterar as leis que estavam em vigor, se tinha que passar por um processo árduo. Isso se justifica pelo respeito e lealdade que os gregos tinham com as suas leis 32. No campo judiciário, a Ecclesia julgava as questões de crimes de natureza política. Também era ela que condenava alguém ao ostracismo e julgava os casos envolvendo alta traição ao Estado. No que tange as relações exteriores, a Assembléia tinha competência para firmar alianças com outros Estados, declarar guerra e paz, e nomear os embaixadores. Contudo, na realidade, quem tratava e cuidava das relações exteriores era a Boulé, pois os atenienses achavam mais correto e prudente, deixar este órgão, que era permanente e mais restrito, tratar desses assuntos que eram profundamente importantes 54. Por fim, era a Ecclésia que controlava os magistrados de Atenas. Durante dez vezes ao ano, todos os magistrados tinham que prestar contas de sua gestão.

5.5.2 Magistraturas

Antes de tratarmos das características das magistraturas, devemos dizer que os gregos temiam que alguém, em virtude de seu poder político, viesse a ser tornar muito poderoso, e pudesse pôr em risco a vida democrática. Por esta razão, se vê a imposição de grandes limitações ao poder discricionário dos magistrados.

5.5.2.1 Características As magistraturas atenienses eram colegiais, sendo que cada colégio tinha em sua composição dez membros. Dessa forma, toda tribo, podia ter um representante em cada cargo magistral. No que se refere aos mandatos, estes eram de curta duração, sendo geralmente de um ano. Assim permitia-se que várias pessoas pudessem ser magistrados em algum dia. No entanto, importante mencionar que era proíbido o magistrado ser reeleito no mesmo cargo, como também, acumular outros da mesma natureza.

32

Para entender como se procedia a revogação de leis, no direito grego, devemos ler o texto a seguir: “O cuidado de procurar as modificações que poderiam ser de utilidade à legislação cabia especialmente aos tesmótetas. Suas propostas eram apresentadas ao Senado, que tinha o direito de rejeitá-las, mas não de convertê-las em lei. Em caso de aprovação, o Senado convocava a assembléia e comunicava-lhe o projeto dos tesmótetas. Mas o povo nada devia resolver imediatamente; adiava a discussão para outro dia, e entretanto escolhia cinco oradores com a missão especial de defender a antiga lei, enfatizando os incovenientes da inovação proposta. No dia fixado, o povo reunia-se de novo, e escutava em primeiro lugar os oradores encarregados da defesa das leis velhas, e depois os que apoiavam as novas. Ouvidos os discursos, o povo não se pronunciava ainda. Contentava-se com nomear uma comissão, muito numerosa, mas exclusivamente composta de homens que tivessem exercido as funções de juiz. Essa comissão reexaminava o assunto, ouvia de novo os oradores, discutia e deliberava. Se rejeitasse a lei proposta, seu julgamento não tinha apelação. Se a aprovasse, reunia-se novamente o povo pela terceira vez, que devia enfim votar, e então os sufrágios transformavam a proposta em lei”. COULANGES, op cit., p. 357. 54 CASTRO, op.cit., p. 79.

26 Claro, que dentre essas características gerais, exista a configuração de exceções. Exemplo disso se dá no caso do estratego autocrator, que era uma magistratura desempenhada por apenas uma única pessoa, em casos de perigo na pólis

33

.

Agora, sobre o processo de escolha dos magistrados, existia duas formas: o sorteio, ou a eleição. O sorteio era necessário, pois conforme sustenta José Olegário Ribeiro de Castro, permitia a participação de todos na gerência das questões públicas. Além disso, ele realçava a idéia de isonomia, um dos princípios mais importantes, da democracia grega. Já a eleição, era necessária somente nos cargos que se exigia determinado conhecimento especial. Isso acontecia com os magistrados militares, e encarregados de função técnica. As eleições ocorriam na Assembléia, durante uma sessão especial, ocorrida na 7ª ou 8ª pritânia de um ano. Todos os cidadãos que podiam ser eleitos ou sorteados para a magistratura, passavam por um processo chamado de dokimasia, que tinha com intuito, averiguar se a pessoa tinha bom comportamento no convívio social 34.

5.5.2.2 Principais Magistraturas

Neste trabalho já tivemos a oportunidade de tratar das magistraturas mais importantes. Todavia necessário fazer novas considerações, a começar pelos arcontes. Como vimos, o arcontado teve grande importância, no período arcaico, pois ele que se apodereu de quase todos os poderes do rei. Todavia no século V, vemos que este órgão perdera seu efetivo poder, para os estrategos. Havia nove arcontes a saber: o arconte epônimo, o arconte rei, o arconte polemarco e os arcontes tesmotetas. Passaremos a tratar especificadamente de cada um agora. O arconte epônimo tinha a função de regular o calendário e tinha competência para tratar dos processos de direito de família. O arconte rei, era o líder religioso de Atenas. Ele que presidia o Areópago, e cuidava de todos os sacríficios e ritos religiosos da cidade. Ainda, era ele quem julgava os crimes de homícidio, já que esses eram considerados crimes religiosos. O arconte polemarco era o supremo comandante do exército. Com a criação dos estrategos, ele perdera suas atribuições militares. Todavia, continuou detendendo jurisdição sobre os casos atinentes aos metecos. Por fim, havia os tesmotetas, que possuíam bastante atribuições. Mário Curtis Giordani, as revela: 33 34

CASTRO, op.cit., p.85. José Olegário nos informa com mais precisão, como se dava este processo: “durante o processo de

dokimasia tôda a vida pregressa do cidadão indiciado era passada em revista. Os quesitos que lhe eram propostos iam desde a legitimidade de sua cidadania até seu comportamento na guerra, na vida privada e no eventual exercício anterior de outras magistraturas. Qualquer cidadão podia apresentar-se como acusador, apontando incompatibilidades do candidato com o exercício do cargo. Cabia ao Tribunal ou ao Conselho, conforme o caso, aceitar ou não as possíveis acusações, isto é, confirmar ou negar a escolha do magistrado”.

Ibid., p. 87.

27 1)Codificam as leis e assinalam os defeitos encontrados na legislação, tais como lacunas, contradições, etc 2) Fixam os dias em que os tribunais devem funcionar 3)Supervisionam o sorteio dos magistrados. 4)Tem jurisdição sôbre a maior parte dos crimes que dizem respeito ao estado.35

Além dos arcontes, outros magistrados importantes eram os estrategos, que em número de dez, possuíam um poder imenso. Líderes supremos do exército, eles tinham autoridade diplomática, e podiam aplicar penalidades de qualquer natureza. Para atingir essa magistratura, exigia-se algumas peculiaridades, a saber: Para ser estratego eram exigidas condições especiais: o candidato devia ser filho de família tradicional, que já houvesse evidenciado suas virtudes cívicas, e devia possuir fortuna própria. Certamente pensava-se que o portador de tais qualidades teria razões mais fortes para defender a cidade. Por outro lado, não se seguia o princípio geral de escolher os magistrados na razão de um por tribo, o que era feito a fim de que o único critério a dirigir a eleição fôsse o valor pessoal do candidato 58.

5.5.3 Conselho dos Quinhentos

Junto da Assembléia, outra instituição de fundamental importância foi o Conselho dos Quinhentos ou a Boulé. Este orgão se tornou indispensável para o modelo democrático, pois a Ecclêsia não tinha como tratar de todos os assuntos relevantes da pólis, ante a sua complexidade e burocracia. Este Conselho era composto, logicamente, por quinhentos membros, sendo que de cada tribo, saía por sorteio, cinqüenta membros. Além disso, para participar, era necessário ter no mínimo trinta anos, pois acreditava-se que nesta idade o cidadão já gozava de experiência e maturidade. Para facilitar o seu andamento, a Boulé, se dividia em dez comissões, que abarcavam cada uma cinqüenta senadores. Cada comissão recebia o nome de pritania, e os senadores que a compunham, eram designados por prítanes. . O Conselho, tinha inúmeras atribuições, mas a mais relevante e importante, era a preparação da pauta e dos trabalhos da Assembléia. Qualquer projeto de lei, que ia para votação na Eclêsia, era elaborado pelo Conselho. Também, a Boulé julgava os funcionários acusados de roubo de dinheiro público, bem como tinha competência nos processos de dokimasia. No tocante as questões executivas, o Conselho cuidava das cobranças de impostos, e investia dinheiro em obras civis e militares.

5.5.4 Tribunal da Heliae

35 58

GIORDANI, op.cit. p. 75. CASTRO, op.cit., p. 93.

28 Criação de Sólon, esta instituição continha, em seu interior, uma grande presença popular. Composto por seis mil cidadãos, que eram sorteados na razão de 600 por tribo, esse Tribunal aplicava, nos casos de sua competência, as leis votadas pelo povo na Assembléia. Para fazer parte deste órgão, era necessário que o cidadão tivesse trinta anos de idade, e que tivesse em pleno gozo dos seus direitos civis e políticos. Além disso, para a melhor fruição dos trabalhos, o Tribunal era dividido em dez seções, que eram denominadas dicastérios, tendo cada uma delas seiscentos membros. No tocante ao seu funcionamento, cabe explicar as duas espécies de ações que existiam na época: as ações públicas (graphai) e as ações privadas (dikai). Nas ações públicas, buscava se proteger os interesses do Estado. Por isso, qualquer cidadão podia ter iniciativa de propositura. As multas aplicadas a qualquer condenado, nesse tipo de ação, seriam pagas por ele ao Estado, e o acusador receberia apenas uma porcentagem. Já as ações privadas, protegiam o interesse de uma família ou somente de um cidadão, sendo que era o(s) ofendidos que tinham legitimidade para apresentá-las. Se o condenado tivesse que pagar multa, esta seria totalmente direcionada para o ofendido 36. Sobre o número de jurados, nas cortês, sabemos que variava: de acôrdo com o processo em pauta. Para as ações privadas era costume convocar apenas parte de um dicastério; geralmente, 201 dicastas. Quando, todavia, fôsse atribuído à ação valor superior a 100 dracmas, exigia-se que maior número de jurados opinasse. Formavam-se, então côrtes com 401 ou mais membros. Tôdas as ações públicas eram também julgadas por côrtes numerosas.37

Por fim, salientamos que as decisões da Heliae eram consideradas irrevogáveis. Todavia, era permitido recurso a Ecclesia, mas esta para analisá-lo tinha que ter quórum no mínimo de seis mil votantes.

5.6 ATENAS CLÁSSICA EM SEU ASPECTO SOCIAL No período clássico, havia nitidamente a presença de três classes sociais distintas em Atenas: os cidadãos, metecos e escravos. Os cidadãos, eram aqueles que exerciam plenamente os direitos civis e políticos. Possuíam ampla liberdade e estavam divididos nas diversas classes censitárias estabelecidas por Sólon. Para se obter o título de cidadão, vale relembrar, era necessário nascer em Atenas, estar registrado em uma demos, ter pai ateniense – e não ser nem mulher e nem escravo. Vale lembrar, que graças a uma lei de Péricles, do ano de 451 a.C. a mãe do cidadão, passou também a ser considerada ateniense. 36 37

CASTRO, op.cit., p. 97 Ibid., p. 98.

29 Já o direito à cidadania, vinha a ser adquirido após o jovem ateniense ter completado os dezoito anos, mas também, podia ser concedido através de decreto. Atingida a maioridade, o cidadão, durante dois anos, prestava serviço militar, e após disso, podia participar da Assembléia dos Cidadãos. Entre as ocupações, não custa dizer, que muitos dos cidadãos figuravam na agricultura, comércio, indústria e artesanato. Outra classe social importante, que convivia no período clássico, é a dos metecos, que eram os estrangeiros que estavam domiciliados em Atenas. Ao contrário de outros povos, os atenienses acolhiam e recepcionavam muito bem os estrangeiros, tanto em que várias regiões da cidade, vislumbra-se a presença de vários fenícios, frígios e egípcios

38

.

Os metecos em relação ao Estado de Atenas, tinham que cumprir alguns deveres como o a prestação de serviço militar no exército, e o pagamento de algumas obrigações financeiras. Além disso, não podiam se casar com as atenienses, e nem tinham o direito de ser proprietários territoriais 39. Em casos excepcionais, e devido a obtenção de êxito em relação a serviços prestados para o Estados, se concedia para os metecos certos privilégios, como a igualdade com os cidadãos em matéria fiscal e a possibilidade de se adquirir bens imóveis

40

.

No que tange as suas ocupações, os metecos, em sua grande parte, desempenhavam, atividades comerciais e industriais. Também cumpriam funções de médicos públicos, de empreitores públicos, e muitas outras relacionadas com as funções do Estado. A classe dos metecos desempenhou papel de relevância na história ateninese. Faziam inúmeras funções que auxiliavam no incremento da vida econômica da pólis, e combatiam junto dos atenienses no exército. Eles eram admiradores do regime democrático, já que indiretamente podiam influenciar, e se orgulhavam de viver na cidade mais hegemônica da Grécia. Abaixo dos metecos, na camada social, encontramos os escravos. Sobre eles, Aristóteles, na Política, salienta como os gregos encaravam a escravidão: É um escravo por natureza aquele que pode pertencer a outro (e é esta a razão por que pertence de facto) e também aquele que participa da razão o suficiente para apreender sem, contudo, a possuir; os animais distintos do homem nem sequer são capaz de participar da forma sensitiva da razão; apenas obedecem passivamente às impressões. Quanto à utilidade, escravo e animias domésticos pouco diferem; prestam ambos auxílio ao corpo, na medida das nossas necessidades. 41

38

GIORDANI, op.cit. p. 170. Ibid., p. 171. 40 GIORDANI, op.cit. p. 171. 41 ARISTÓTELES. Política. Lisboa : Vegas, ano 1998. p.65. 65 GIORDANI, op.cit. p. 194. 39

30 Através da leitura do texto aristotélico, se nota que a escravidão não era considerada injusta, mas sim algo comum e natural da vida. No período clássico de Atenas, observamos que a maioria da população não tinha muitos escravos. Apenas os que detinham uma considerável situação financeira, eram que possuíam uma grande quantidade deles. Um dado curioso, sobre isso, é o que nos revela Mário Curtis Giordani, ao dizer que Platão deixou por testamento quatro escravos a seus herdeiros, e Aristóteles tinha consigo no mínimo nove65. Os escravos domésticos, criavam um vínculo de amizade com os seus donos, e por isso, sempre eram bem tratados. Eles na casa, ajudavam a mulher ateniense nos seus afazeres domésticos. Preparavam os alimentos, limpavam a casa, sendo que alguns, inclusive, auxiliavam o seu senhor nos negócios. Nas grandes propriedades rurais, vemos uma boa quantidade de mão-de-obra escrava. Nelas, era somente os escravos que realizavam integralmente os trabalhos. Todavia, era na exploração de minas que se via o maior contigente de escravos. Lá eles trabalhavam em péssimas condições e não recebiam os cuidados necessários contra acidentes. Para a democracia grega, essa classe escrava foi extremamente fundamental, pois ao fazer os trabalhos do seu dono e ao ajudar em casa, eles permitiam que os cidadãos pudessem participar da vida política, sem prejuízo de seu sustento. Por isso que sem a presença dos escravos, o modelo democrático instaurado na pólis, jamais iria progredir e ser esplêndoroso.

5.7 IMPORTÂNCIA DE PÉRICLES

Graças a Péricles, Atenas chegou ao auge do modelo democrático. Em decorrência das medidas adotadas por ele, todos os cidadãos, conseguiam ir participar da Assembléia, e muitos puderam figurar nas magistraturas e na Boulé. Por isso, para finalizar, encerramos com as palavras proferidas por essa magnífico magistrado, em um dos seus dicursos: Nossa constituição é chamada de democracia porque o poder está nas mãos não de uma minoria mas de todo o povo. Quando se trata de resolver questões privadas, todos são iguais perante a lei, quando se trata de colocar uma pessoa diante de outra em posições de responsabilidade pública, o que vale não é o fato de pertencer a determinada classe, mas a competência real que o homem possui42

CONCLUSÃO

42

MOTA, Myriam B; BRAICK, Patrícia Ramos. História das cavernas ao terceiro milênio. 1ed. São Paulo: Editora Moderna, 2000. p.39

31 A história político e social de Atenas até ao auge da democracia, foi marcada por muitas revoltas e avanços. Para compreendê-la é necessário percorrer um longo e intenso caminho, que nos remete sempre a brilhantes descobertas. Podemos dizer, que atingimos ao nosso objetivo, com o presente trabalho. Conseguimos entender e explicar como se procedeu a evolução político-social ateniense, e tivemos a chance de compreender que a democracia era motivo de orgulho e respeito por parte de todos os cidadãos. As instituições e magistraturas eram desempenhadas pelos seus membros com muito diálogo e entusiasmo, pois sempre se tentava ir em busca do bem de toda a comunidade política.

REFERÊNCIAS

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32 HOMERO. A Ilíada. São Paulo: Martin Claret, 2005. ______. A Odisséia. São Paulo: Martin Claret, 2005.

HOOD, Sinclair. OS MINÓICOS. Lisboa: Editorial Verbo. MORENO, Cláudio. Tróia: o romance de uma guerra. Porto Alegre: L&PM, 2004. p. 74-75. MOTA, Myriam B; BRAICK, Patrícia Ramos. História das cavernas ao terceiro milênio. 1ed. São Paulo: Editora Moderna, 2000. SCHILLING, Voltaire. Homero e a busca da virtude. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2007. WERNER. Jaeger. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003. SÓFOCLES, Antígona. 1 ed. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1999. VERNANT, Jean–Pierre. As Origens do Pensamento Grego. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
Grecia Antiga - Rumo a Democracia

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