procedimento ordinário e sumário

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OS PROCEDIMENTOS NO DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO Na doutrina processual penal, é bastante comum a afirmação de que processo e procedimento não se confundem. Enquanto o processo seria composto por três grandes categorias (ação, processo e jurisdição), o procedimento seria uma exteriorização daqueles conceitos, colocados em movimento1. Neste sentido, o procedimento corresponderia ao iter, isto é, ao caminho necessário para se chegar à finalidade do processo que é a prolação de uma decisão. Dito assim, o procedimento corresponde ao processo visto desde uma dimensão formal, isto é, desde o conjunto de atos processuais que indicam como deve o Estado proceder para que a sentença seja válida. O termo procedimento é historicamente devido a POTHIER, que empregou a expressão aplicando-a ao processo penal. Em seu Traité de la Procédure Criminelle, POTHIER definirá o procedimento como “a forma com a qual se persegue a reparação tanto pública quanto privada dos delitos, contra aqueles que os cometeram”2. A noção de procedimento também foi empregada, historicamente, pelos penalistas dos séculos XVIII e XIX, já que o processo penal como disciplina autônoma apenas apareceu no século XX, com a criação da cátedra de Direito Processual Penal na Universidade de Roma, em 1947, vindo CARNELUTTI a ser o primeiro professor ordinário. Importantes penalistas como CARRARA dedicaram um livro de seus tratados de direito penal ao procedimento penal, interpretado como mera sequência de atos. Segundo o conhecido pensamento de CARNELUTTI, o processo designa o conjunto de atos necessários para se poder determinar o castigo, enquanto o procedimento significa a ordem de atos predispostos para se assegurar tal finalidade. Um processo pode possuir vários procedimentos: perante o juiz de primeiro grau, perante o tribunal, etc3. Contudo, esta distinção entre processo e procedimento, que foi seriamente debatida por muito tempo, se encontra plenamente esgotada. Para TAORMINA, entre processo e procedimento não há diferença alguma: o processo pertence à categoria mais geral do procedimento, diferenciando-se pela sua característica de jurisdicionalidade, ou

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TUCCI, Rogério Laurie. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e Processo Penal (Estudo Sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. P. 232. 2 POTHIER, Robert-Joseph. Traité de la Procédure Criminelle. In Oeuvres Postumes de M. Pothier. t. III. Orléans: Julien-Jean Massot: Paris: Pierre Théophile Barrois, 1778. p. 347. 3 CARNELUTTI, Francesco. Lições Sobre o Processo Penal. v. 4. Campinas: Bookseller, 2004. p. 17.

seja, o “procedimento jurisdicional” corresponde ao processo4. A jurisdicionalidade, sem sombras de dúvidas, é um pressuposto importantíssimo da definição de processo penal. Contudo, avançando um pouco, além da jurisdicionalidade, o processo se caracteriza pelo contraditório. Assim, segundo FAZZALARI, o processo é um procedimento no qual participam ou estão habilitados a participar todos aqueles cuja decisão final (a sentença) possa produzir efeitos. Sempre sob a forma do contraditório, sem que o autor possa impedir tal participação5. Por esta razão, o contraditório passa a ser a grande estrutura sobre a qual se configura o processo. Assim, a qualificação de processo pressupõe a participação de todos os interessados e afetados pela decisão final. Pode-se afirmar, portanto, que o processo penal é um procedimento jurisdicional em contraditório. A sequência dos atos que devem ser obedecidos correspondem, na terminologia comumente utilizada, em “procedimentos” ou “ritos processuais”. Usaremos aqui a expressão procedimento como sinônimo de rito, isto é, da sequência de atos que devem ser obedecidos pelos sujeitos processuais, até mesmo para facilitar a leitura, uma vez que o legislador brasileiro adotou esta terminologia no Código de Processo Penal. Esta sequência de atos tem por objeto garantir a progressividade do processo e também estabelecer a forma dos atos processuais. Por progressividade quer-se dizer que o processo deve caminhar rumo a uma decisão, seu objetivo final. Todavia, tal progressão não pode ser estabelecida a qualquer custo. A desatenção para com as formas dos atos poderá ensejar justamente o oposto da progressão, ou seja, a regressão. Quando a forma que reveste os atos processuais for desatendida, haverá a possibilidade da anulação de um ou de vários atos processuais, fazendo o processo retroagir a um ponto inicial, justamente onde se verificou a violação da forma6. Isto é assim por que as formas processuais correspondem a atos processuais que disciplinam o poder punitivo, tendo finalidades tanto políticas quanto jurídicas. Desta maneira, se o legislador estabeleceu que um ato processual deve atender a forma “X”, não poderão as partes desatendê-la, pois se presume que a forma processual está disposta a proteger interesses jurídicos superiores (especialmente as garantias processuais penais).

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TAORMINA, Carlo. L’Essenzialità del Procedimento Penale. Napoli: Jovene, 1974. p. 107. FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8 ed. Padova: CEDAM, 1996. p. 82. 6 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 933. 5

Em síntese, em todo processo penal ocorre uma tensão entre a sua natureza de meio progressivo para se chegar à sentença e a hipótese de regressão a um estágio anterior quando as formas processuais forem desobedecidas (nulidade). No Brasil, apesar de coexistirem distintos ritos processuais, todos eles devem obrigatoriamente começar por uma acusação e terminar com a sentença transitada em julgado. A legislação brasileira disciplina uma primeira classificação quanto aos procedimentos (ritos) para os processos criminais de natureza condenatória7. Eles podem ser comuns e especiais. Esta é a definição introdutória dada pelo art. 394 do CPP8. Quais são os procedimentos comuns e os especiais? Como defini-los? O próprio art. 394 do CPP trata de afirmar que o procedimento comum será: a) ordinário; b) sumário; c) sumaríssimo9. O critério que define as espécies de procedimentos comuns é a quantidade de pena máxima cominada ao crime. Portanto, em se tratando de procedimento comum, ele será: a) ordinário: quando a pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade (arts 395 – 405 do CPP); b) sumário: quando a pena máxima for inferior a 4 anos de pena privativa de liberdade (arts. 531 – 538 CPP); c) sumaríssimo: quando se tratar de crime de menor potencial ofensivo, cuja definição está prevista, atualmente, na Lei 9.099/95 e que estabelece como infração de menor potencial ofensivo aquelas cuja pena máxima for igual ou inferior a 2 anos. Por seu turno, os procedimentos especiais são aqueles que possuem normas que determinam alguma modificação substancial no rito. Os ritos especiais são definidos legalmente, contemplando situações jurídicas que apresentam distinções relevantes frente aos procedimentos comuns. Quais são os procedimentos especiais no processo penal brasileiro?

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Existem outros procedimentos que o código de processo penal estabelece, como o de restauração de autos extraviados ou destruídos (arts. 541 – 548 do CPP). Saliente-se que o rito para aplicação de medida de segurança por fato não criminoso (arts. 549 – 555 do CPP), considerando a sua revogação pela reforma da parte geral do Código Penal de 1984. 8 Art. 394. O procedimento será comum ou especial. 9 § 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei.

a) Procedimento Para Apuração de Crime Cometido por Funcionário Público (arts. 513 – 518 do CPP); b) Crimes Contra a Honra (arts. 519 – 523 do CPP); c) Crimes Contra a Propriedade Imaterial (arts. 524 – 530-I do CPP e também na Lei 9.279/96); d) Crimes de Competência do Tribunal do Júri (arts. 406 – 497 do CPP); e) Crimes Previstos na Lei de Tóxicos (Lei 11.343/06); f) Crimes de Competência Originária dos Tribunais – Foro por Prerrogativa de Função (Lei 8.038/90); g) Crimes de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65); h) Crimes de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98); i) Crimes Contra a Economia Popular (Lei 1.521/51); j) Crimes de Responsabilidade do Prefeito (Decreto-Lei 201/67); k) Crimes Eleitorais (Lei 4.737/65 – Código Eleitoral); l) Crimes de Licitação (Lei 8.666/93); m) Crimes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Lei 11.340/06); É bastante difícil procurar compreender o excesso de procedimentos previstos na legislação brasileira. A falta de critérios é manifesta. Preliminarmente, para se poder investigar qual o procedimento cabível no caso, o intérprete deve buscar verificar a existência de procedimento especial. Desta maneira, pode-se afirmar que o procedimento comum é subsidiário em relação ao especial. Ou seja: aplica-se o procedimento comum quando não houver procedimento especial previsto legalmente. Assim, de acordo com o art. 394, § 2º do Código de Processo Penal10, sempre que não houver disposição expressa em contrário (seja no CPP, seja em lei extravagante), o procedimento será o comum. Outro detalhe que merece ser referenciado é que o procedimento comum se aplica exclusivamente a processos que tramitam em primeiro grau, não se aplicando às ações penais originárias que são processadas diretamente pelos tribunais nem tampouco, aos recursos, como informa o art. 394, § 4º do CPP11.

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§ 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. 11 § 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.

Como referido, o procedimento comum toma em consideração exclusivamente a quantidade de pena cominada. Veja-se que não importa a espécie de sanção legalmente prevista (reclusão, detenção ou prisão simples). Tampouco a possibilidade de aplicação de pena alternativa substitutiva da prisão (art. 44 do Código Penal) interessa para a definição do procedimento. O que importa, para se estabelecer qual dos procedimentos comuns será aplicado ao caso é unicamente a quantidade de pena abstratamente prevista para o crime. Também o procedimento comum não pode ser definido pela noção de reserva de código, isto é, procedimento comum não é aquele disciplinado exclusivamente no código de processo penal, visto que o rito sumaríssimo se encontra previsto em legislação especial e, não obstante, se trata de procedimento comum. Aparentemente, algumas questões são indispensáveis para se poder avançar. 1) As causas de aumento e de diminuição da pena devem ser computadas para se definir o procedimento? Pensamos que sim, tendo em vista que elas compõem naturalmente a quantidade de pena aplicável ao caso penal. Portanto, para se averiguar o procedimento cabível, deve-se levar em consideração não apenas a quantidade abstrata de crime mas, também, as eventuais causas de aumento e ou diminuição que serão aplicadas na terceira fase da dosimetria da pena. Portanto, tomemos como exemplo o delito de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 303 do Código Nacional de Trânsito – Lei 9.503/97). A pena máxima prevista para este delito é de dois anos de detenção. Todavia, de acordo com o art. 302, § 1º e o art. 303, § 1º da mesma lei, se a lesão corporal for praticada por alguém que não possuía carteira de habilitação, a pena será aumentada em 1/3. Como a pena máxima do crime é 2 anos, o aumento de 1/3 excederá o rito sumaríssimo, que prevê que as infrações penais de menor potencial ofensivo são aquelas cuja pena máxima é igual ou inferior a 2 anos. Tome-se um segundo exemplo. O crime de assédio sexual (art. 216-A do Código Penal) prevê a pena máxima de 2 anos de detenção. Em princípio, para tal delito se aplicaria o rito sumaríssimo, uma vez que se trata de crime de menor potencial ofensivo (pena privativa de liberdade cujo limite máximo é 2 anos). Contudo, se a vítima for menor de 18 anos, o Código Penal, em seu art. 216-A, § 2º determina o aumento da pena em 1/3. Assim como no exemplo anterior, a aplicação da causa de aumento faz com que a pena máxima (de 2 anos) extrapole o limite previsto para o crime de menor potencial ofensivo, já que neste caso, a pena máxima será de 2 anos e 8 meses.

Quando estivermos diante de causas de aumento ou diminuição variáveis (isto é, que autorizam o juiz a aplicar a causa entre um mínimo e um máximo, como no caso do concurso formal, em que o juiz aplica o aumento entre 1/6 e 1/2), há que se proceder à seguinte regra: a) quando se tratar de causa de aumento variável, a determinação do procedimento aplicável será sempre através da causa que mais aumente. No caso do concurso formal (art. 70 do Código Penal), sempre se tomará 1/2 para efeitos de determinação do rito; b) quando se tratar de causa de diminuição, como por exemplo na hipótese de arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), a diminuição prevista pela lei é de 1/3 a 2/3 . Para a determinação do rito aplicável ao caso, se tomará a fração que importe em menor diminuição, isto é, se diminuirá 1/3. A regra é bastante simples: em causas de aumento e diminuição, sempre se selecionará a que mais aumente e a que menos diminua. 2) O Concurso Material de Crimes Deve ser Contabilizado na Determinação do Rito Aplicável? A resposta é positiva. Se alguém for acusado pela prática de dois crimes em concurso material, deve-se somar as penas máximas de ambos os delitos a fim de se saber qual procedimento será cabível no caso. Assim, se alguém for acusado de ter cometido o crime de simulação de casamento (art. 239 do Código Penal) em concurso com o crime de conhecimento prévio de impedimento (art. 237 do Código Penal), temos no primeiro caso um crime cuja pena máxima é 3 anos de detenção e no segundo caso, crime cuja pena máxima é de 1 ano de detenção. Isoladamente, o primeiro crime seguiria o rito do procedimento sumário, enquanto o segundo o sumaríssimo. Como se trata de um concurso material (art. 69 do Código Penal), deve-se somar as penas máximas, o que totalizará 4 anos. Para crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos, o art. 394, I do CPP determina o rito ordinário. No exemplo, este será o procedimento aplicado. Em síntese, havendo concurso de crimes, deve-se somar a pena máxima de cada um deles para se determinar qual o procedimento aplicável. 3) Qual o Procedimento Aplicável Quando Houver Concurso Entre um Crime Sujeito a Procedimento Comum e Outro Especial?

Há uma regra (que comporta distintas exceções) que a princípio, se deve aplicar o rito processual mais amplo, que de regra é o ordinário. Aplicam-se aqui as regras de conexão e continência já analisadas. O fundamento para se eleger o rito ordinário reside em que, sendo o procedimento mais amplo, comportando mais atos processuais, não haveria prejuízo ao acusado, que passaria a contar com um rito mais completo para que fosse processado. O que não pode acontecer é a eleição do rito mais célere, pois este sem dúvidas trará como problema a supressão de atos processuais e de eventuais garantias do acusado. Todavia, esta regra sofre com as causas modificativas de competência e somente pode ser adotada com reservas. A seguir vamos passar ao exame dos procedimentos no processo penal brasileiro, começando pelos ritos comuns e pelo mais amplo deles, o rito ordinário. I – O PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO O procedimento comum ordinário será aplicável a todos os crimes que não sejam regulados por procedimentos especiais cuja pena for igual ou superior a 4 anos de sanção privativa de liberdade. Consoante já explicado, para aferir este parâmetro devem ser levados em consideração o concurso de crimes (soma de todas as penas previstas para os crimes imputados ao acusado) e a incidência de causas de aumento e diminuição (aplicação da causa de aumento na fração máxima e aplicação da causa de diminuição em grau mínimo). O procedimento ordinário, por ser mais amplo do que a grande maioria dos demais procedimentos (exceção feita ao júri), se aplica sempre que houver lacunas ou omissões. Assim, as disposições que regulam este procedimento podem perfeitamente se aplicar às demais espécies, garantindo, assim, uma aplicação subsidiária. Este é o teor do art. 394, § 5º do Código de Processo Penal12. Por disposição expressa, os crimes hediondos (tendo em vista a gravidade da pena, a maior parte deles tramitará segundo o rito ordinário, salvo os crimes contra a

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§ 5o Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.

vida) terão preferência na tramitação, exigindo-se deles maior celeridade, de acordo com o art. 394-A do Código de Processo Penal13. De acordo com o Código de Processo Penal (arts. 395 a 405 do CPP), o procedimento obedece à seguinte ordem de atos: a) Oferecimento da Denúncia ou Queixa-Crime; b) Decisão do Juiz pelo Recebimento ou Rejeição da Acusação; c) Citação do Acusado em Caso de Recebimento; d) Oferecimento da Resposta do Acusado; e) Decisão Judicial pela Absolvição Sumária ou Prosseguimento do Processo; f) Designação e Realização da Audiência de Instrução e Julgamento. Neste sentido, passa-se ao exame de cada um destes momentos isoladamente. 1. O Oferecimento da Denúncia ou da Queixa-Crime O ato de oferecimento da acusação seja ela pública ou privada coincide com o protocolo judicial. Trata-se de exercício efetivo da ação, que se esgota quando o magistrado recebe a peça inicial acusatória e, portanto, determina a citação do denunciado ou querelado para responder aos termos da imputação. Importante registrar que no caso de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, de acordo com o art. 25 do Código de Processo Penal, a representação será irretratável APÓS o oferecimento da denúncia. Assim, mesmo que ainda não instalado o processo criminal, não se poderá mais falar em retratação da representação, uma vez que o Ministério Público, contando com o consentimento da vítima ou de seu representante legal, exerceu a ação penal. No caso de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) disciplina a matéria de forma diversa. Em seu art. 1714 a Lei 11.340/06 dispõe que a retratação da representação poderá ser realizada pela ofendida até o recebimento da denúncia, desde que em audiência e perante a autoridade judiciária, dela participando o Ministério Público. Aqui a lei concede um prazo maior para a ofendida voltar atrás em sua decisão de autorizar o Ministério Público a proceder 13

Art. 394-A. Os processos que apurem a prática de crime hediondo terão prioridade de tramitação em todas as instâncias. 14 Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

contra o imputado. De toda sorte, tal retratação requer maior formalidade, exigindo a lei uma audiência, a fim de checar eventuais coações psicológicas contra a vítima, a fim de que ela volte atrás em seu consentimento. 2. O Recebimento da Denúncia ou da Queixa Crime e os Casos de Rejeição Uma vez oferecidas a queixa-crime ou a denúncia, os autos serão conclusos ao juiz, para exame da peça acusatória. A denúncia e a queixa deverão estar em consonância com os seus requisitos mais elementares, conforme o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal15, tratado no ponto sobre os requisitos da denúncia. A fim de rememorar, o Ministério Público, uma vez recebidos os autos da investigação preliminar, poderá adotar uma destas três posturas: a) poderá oferecer a denúncia; b) poderá ordenar o arquivamento da investigação preliminar16; c) poderá requisitar da autoridade policial a realização de novas diligências investigativas. O plano processual apenas se inicia, portanto, com o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime (quando estivermos diante de ação penal de iniciativa privada). Para que o juiz possa receber a denúncia, a acusação deve satisfazer TODOS os elementos presentes no art. 395 do Código de Processo Penal Brasileiro17. Deve-se ter em mente que o art. 395, ao disciplinar as causas de rejeição da denúncia serve também para identificar os requisitos e pressupostos que o acusador deve demonstrar, antes mesmo de iniciado o processo. A não satisfação destes requisitos acarreta a rejeição liminar da denúncia, isto é, a extinção do processo sem mesmo ser o réu citado. Portanto, para que

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Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. 16 A nova redação dada ao art. 28 do CPP é a que segue: Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. § 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. § 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial. 17 Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

a denúncia ou a queixa sejam recebidas, o acusador deve satisfazer cada um destes elementos. 2.1 Os Requisitos Intrínsecos à Denúncia ou à Queixa O art. 395, I do CPP fala em inépcia da denúncia ou da queixa. Ausentes estes requisitos (que já foram ao seu tempo abordados), tem-se a denúncia por inepta. Desta forma, por exemplo, uma denúncia genérica, que deixe de imputar claramente ao acusado a prática de uma conduta não pode ser recebida pelo magistrado. A denúncia genérica constitui em flagrante desrespeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório, pois não permite ao imputado o exercício pleno de suas faculdades processuais. Também não se trata de uma prática que se coaduna ao Estado Democrático de Direito, devendo ser de pronto rechaçada pela autoridade judiciária18. Como o objeto do processo penal é uma imputação, tanto a descrição dos fatos deve ser pormenorizada quanto deve haver uma clara indicação das circunstâncias em que o crime foi cometido, devendo o acusador indicar claramente o tipo penal em que incorreu o réu. No que se refere à indicação das testemunhas, não obstante se tratar de momento processual sujeito à preclusão, a ausência deste rol na peça acusatória não deve levar à inépcia da denúncia ou da queixa, uma vez que em tese, o crime poderia ser comprovado, por exemplo, pela confissão do acusado e pelo conjunto de provas documentais aportadas aos autos. Assim sendo, trata-se não de um requisito obrigatório, mas de um elemento acidental da inicial acusatória, sujeita à preclusão. Questão mais tormentosa diz respeito à ausência de testemunhas arroladas na acusação e à possibilidade de o Ministério Público complementar tal rol. No julgamento 18

Tome-se como exemplo este julgado do STJ: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41, DO CPP. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. I - A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com o que dispõem os arts. 41, do CPP, e 5º, LV, da CF/88. A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito (HC 86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 2/2/2007). A inépcia da denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito estatal ao postulado do devido processo legal. II - In casu, a inicial acusatória, pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, não preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP. Isso porque o simples fato de o recorrente dirigir motocicleta sem habilitação não possui o condão de autorizar a imediata subsunção ao tipo penal. Deveria o Parquet ter evidenciado qual foi, in casu, a conduta imprudente ou negligente que veio a ocasionar a morte da vítima (precedentes do STF e do STJ). Recurso ordinário provido. (STJ - RHC: 44990 AL 2014/0024272-8, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 07/04/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/04/2015)

do HC 37.587-SC, de 2016, o Superior Tribunal de Justiça considerou que o magistrado poderá determinar a intimação do órgão acusador para complementar o rol de testemunhas, desde que antes da citação do acusado, ou seja, antes de a “relação jurídica processual” ter se complementado. Todavia, a 6ª Turma do STJ, em decisão de 2015, entendeu em sentido completamente diverso, no âmbito do HC 320.771-RS. Há que se analisar os argumentos utilizados pelas Turmas para poder bem analisar o problema posto. A 5ª Turma, que entendeu cabível a intimação do Ministério Público para indicar a prova testemunhal, baseou o seu entendimento no fato de que o ato judicial seria válido considerando dois aspectos: a) o princípio do impulso oficial; b) de que o juiz, baseado no art.209 do CPP, poderia ouvir de ofício quaisquer testemunhas necessárias ao esclarecimento dos fatos. Há ainda que se ressaltar que este entendimento partiu da premissa de que a denúncia, dada a falta dos meios probatórios, seria declarada inepta pelo juiz, podendo acarretar a extinção do processo sem julgamento de mérito podendo vir a no futuro, ter de julgar novamente a acusação, quando integralmente obedecidos os requisitos do art. 41 do CPP. Assim, entendeu a 5ª Turma do STJ que tal conduta do magistrado seria “preventiva da extinção prematura do processo”. Tais argumentos não são os mais adequados para tratar do problema. Em primeiro lugar, há que se invocar os argumentos trazidos pela 6ª Turma do STJ, que em questão semelhante, entendeu violar o sistema acusatório a intimação do Ministério Público para que produza a prova. Além da violação ao sistema acusatório, consiste em inegável inversão procedimental, com a previsão de ato inexistente no sistema processual penal brasileiro. O que deve ser prioritário na análise do caso é que a falta de indicação de prova NÃO CONSTITUI CASO DE INÉPCIA. A falta de indicação da prova debilita a acusação, mas não se trata de um problema que possa resultar em inépcia, que se relaciona apenas com os elementos obrigatórios da acusação, e não com os facultativos. A prova consiste em um direito das partes e não em uma obrigação (daí toda a problemática etimológica que a palavra ônus enseja). Se o Ministério Público deixou de indicar elementos de prova, deve-se pressupor que agiu assim por que crê possuir razões suficientes para obter uma condenação no estado em que se encontram os elementos de convicção. Há inequívoca interferência judicial, ao verificar a ausência de provas e isso indica clara proteção de um interesse exclusivo de uma das partes. Opera na salvaguarda de uma das partes em detrimento da outra. Portanto, acertada unicamente a decisão oriunda da 6ª Turma.

Diverso encaminhamento deveria ser dado caso o próprio Ministério Público, percebendo o equívoco e antes mesmo da citação se realizar, juntasse petição registrando o equívoco e requerendo a produção da prova. Não parece que neste caso haja interferência judicial ou proteção exclusiva de uma das partes. Entretanto, se o mandado de citação já foi expedido, deverá a autoridade judiciária providenciar que outro mandado seja dirigido ao acusado, pois além de o réu ter direito a acessar o conteúdo da imputação, deverá ter conhecimento dos meios de prova que a acusação contra ele pretende produzir. 2.2 A Ausência de Pressupostos Processuais De uma maneira geral, os pressupostos processuais, mais do que uma desgastada categoria que nasce da concepção do processo como relação jurídica (veja-se que a obra de BULOW19 traz justamente a expressão em seu título), é absolutamente imprópria e inadequada ao processo penal. Tais críticas já foram realizadas no momento oportuno. Tratando de aplicar tal fenômeno – por mais inadequado que se apresente – ao processo penal, a denúncia deve ser rejeitada quando não existentes os mencionados “pressupostos processuais”. Pode-se defini-los a partir dos pressupostos de existência do processo e os pressupostos de validade. Tanto os pressupostos de existência quanto os de validade, conforme o pensamento de DIDIER podem ser subjetivos ou objetivos. Os pressupostos de existência subjetivos seriam: a) juízo ou investidura do juiz; b) capacidade jurídica do autor. Os pressupostos de existência objetivos seriam: a) existência de demanda (ação). Por seu turno os pressupostos de validade, de acordo com o autor seriam igualmente divididos em subjetivos e objetivos. Seriam pressupostos de validade subjetivos: a) juiz (competência e imparcialidade); b) partes (capacidade processual e postulatória) e objetivos: a) respeito ao formalismo processual; b) perempção, litispendência, coisa julgada, convenção de arbitragem (aplicados em sentido negativo, isto é, o pressuposto objetivo de validade implicaria a ausência destas situações jurídicas)20. Mesmo assim, como se pode perceber, a sua transposição ao processo penal é completamente equívoca. Desta forma, a fim de tentar alinhar a redação do art. 395, II 19

BULOW, Oskar von. La Teoría de las Excepciones Dilatórias y los Presupuestos Procesales. Buenos Aires: E.J.E.A, 1964. 20 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Pressupostos Processuais e Condições da Ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005.. p. 121.

do CPP com uma base teórica de processo penal, os pressupostos processuais devem ser lidos da seguinte maneira: 1) Pressupostos Jurisdicionais; 2) Pressupostos de Impulso Jurisdicional; Relativamente aos pressupostos jurisdicionais, tem-se o exame dos requisitos mínimos para que um processo penal possa nascer. Assim, tais requisitos são: a) obediência ao princípio do juiz natural (vedação aos juízos e tribunais de exceção e além disso, observância das regras que orientam a definição da competência); b) inexistência de coisa julgada; c) inexistência de litispendência; d) atendimento do princípio da imparcialidade, através da inexistência de causas de suspeição e impedimento.

Como

se

pode

ver,

cuidam-se

de

pressupostos

da

própria

jurisdicionalidade em sentido rigoroso ou estrito. Por seu turno os pressupostos de impulso jurisdicional ou de acesso à jurisdição correspondem à exigência de uma acusação e a capacidade postulatória do acusador. Não entram aqui as análises sobre a legitimidade para a ação (ad causam) que, na lógica da legislação brasileira, corresponde a uma das condições da ação. A capacidade postulatória corresponde à legitimidade da representação do acusador. Como nas ações penais públicas o Ministério Público age em nome da coletividade, evidentemente não se pode falar em procuração. A capacidade postulatória apenas tem sentido em se tratando de ação penal privada, quando o art. 44 do Código de Processo Penal disciplina os requisitos da queixa-crime21. A falta destes requisitos corresponde não à inépcia da queixa-crime (se ela conter todos os requisitos do art. 41 do CPP), mas se trata de caso em que ausente um dos pressupostos processuais, a saber: a capacidade postulatória22. Saliente-se que a rejeição da queixa-crime por defeito na procuração não interrompe o prazo decadencial (aliás, no processo penal, não existem causas interruptivas da decadência), podendo acarretar a extinção da punibilidade pela decadência do direito de

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Art. 44. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal. 22 A jurisprudência brasileira tem sido bastante rígida com os requisitos da procuração na queixa-crime. Como exemplo, podemos citar este aresto do STJ: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A HONRA. QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO. IRREGULARIDADE DO INSTRUMENTO DE MANDATO. ART. 44 DO CPP. DECADÊNCIA. I - A falha na representação processual do querelante pode ser sanada a qualquer tempo, desde que dentro do prazo decadencial (Precedentes do STJ e do STF). II - In casu, verifica-se que o instrumento procuratório juntado aos autos não contém a descrição das condutas delituosas, a tipificação dos crimes, nem a indicação dos querelados, em desatendimento ao disposto no art. 44 do CPP. Recurso especial desprovido. (STJ, REsp n.º 879749, Órgão Julgador: 5.ª Turma, Ministro Relator FELIX FISCHER, DJ 03.09.2007 p. 214).

queixa (art. 107, IV e art. 103 do Código Penal23 e art. 38 do Código de Processo Penal24). 2.3 Ausência das Condições da Ação Ainda seguindo com a análise do inciso II do art. 395 do CPP, o juiz deverá rejeitar a denúncia ou a queixa-crime quando não estiverem presentes as condições da ação. Embora também o tema das condições da ação ofereça grandes dificuldades ao processo penal, questão esta já explicada quando examinamos mais detidamente este conceito, as condições da ação têm sido tratadas pela doutrina processual penal como um modelo tripartido, no qual se poderia identificar: a) a legitimidade ad causam; b) o interesse de agir (ou interesse processual); c) a possibilidade jurídica do pedido. Deixando de lado as críticas que já foram realizadas em momento oportuno, cumpre neste momento apenas identificar quando deve o magistrado rejeitar a denúncia ou a queixa-crime pela ausência das condições da ação. 2.3.1 Da Ausência da Legitimidade Para o Processo: A legitimidade ad causam, no processo penal, tendo em vista a difícil transposição para o processo penal (trata-se de teoria elaborada por LIEBMAN para o processo civil), acaba adquirindo notável dificuldade para ser estabelecida. Do ponto de vista do autor, a questão fundamental para exame é se o tipo penal objeto da imputação é um crime cuja ação é de iniciativa pública ou privada. Desta maneira, em primeiro lugar, deve o magistrado rejeitar a denúncia oferecida pelo particular, fora dos casos do art. 29 do CPP25, pois o particular não é sujeito legitimado para a propositura desta ação

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Art. 103 - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia 24 Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia. 25 Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

penal. O mesmo sucede quando o Ministério Público propõe denúncia em caso de ação penal de iniciativa privada, pois não é parte legítima para promover a acusação. No campo da legitimidade ativa, quiçá a maior dificuldade ocorra quando se está diante de crime de ação penal pública condicionada. Neste ponto, OLIVEIRA assinala que tanto a representação do ofendido quanto a requisição do Ministro da Justiça nos casos de crime contra a honra do Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro (art. 145, § único do Código Penal) caracterizariam condições de procedibilidade26. Como já assinalado em ponto específico, carece de fundamento a criação de outras condições da ação, amplificando ainda mais a precariedade de conceitos próprios ao processo penal. Tanto a representação quanto a requisição do Ministro da Justiça integram a própria legitimidade do Ministério Público para o oferecimento da ação penal. Vale dizer: se o ajuizamento da denúncia possui como condição a manifestação de vontade do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça, o Ministério Público, enquanto não satisfeita esta condição, é parte ilegítima. Em síntese, a ausência da representação ou da requisição do Ministro da Justiça devem acarretar a rejeição da denúncia, uma vez que falta legitimidade ativa ao órgão do Ministério Público. Legitimidade esta que aparece quando o titular do direito de representação ou da prerrogativa (no caso da requisição) a manifesta. Quanto à legitimidade passiva, não há muitas dúvidas de que ela se confunde com o próprio mérito do processo, de forma que não poderia – nem seria prudente – que o magistrado analisasse uma questão complexa como a autoria em sede de recebimento da acusação. Contudo, uma única questão aqui pode sinalizar um uso útil da rejeição. Em sede de análise preliminar, pode o magistrado deixar de receber a denúncia ou a queixa quanto tais peças forem exercidas contra sujeito incapaz de assumir o polo passivo. Como exemplo, a queixa-crime ou a denúncia oferecida contra pessoa jurídica, fora do âmbito dos crimes ambientais merece – dada a impossibilidade de a pessoa jurídica atualmente figurar como sujeito passivo em ações penais fora do contexto destes delitos – ser rechaçada de plano. Com efeito, até mesmo por economia processual, de nada valeria instruir o processo para ao final se prolatar sentença que chegasse à conclusão de que a pessoa jurídica não pode figurar no polo passivo. De toda sorte, no campo de análise da legitimidade passiva, apenas situações flagrantes que não

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OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 117.

encontram sustentação no direito brasileiro autorizariam uma rejeição liminar pela falta de legitimidade passiva para o processo. 2.3.2 Da Ausência do Interesse de Agir Pelas razões já invocadas, a doutrina brasileira, em sua grande maioria, ainda está presa à noção de interesse de agir, elaborado por LIEBMAN para especificar as condições da ação no direito processual civil27. O alinhamento doutrinário que concebe o interesse de agir, afirma que ocorre a ausência de condição da ação sempre que o fato criminoso for atingido por uma causa de extinção da punibilidade (Ausência de utilidade/necessidade do processo). Costuma-se analisar o interesse processual a partir da noção de efetividade da futura sentença condenatória. Assim, exemplificativamente, a prescrição seria uma circunstância jurídica que evitaria um provimento útil em caso de condenação do acusado. 2.3.3 Da Falta de Possibilidade Jurídica do Pedido A doutrina tradicional analisa a possibilidade jurídica do pedido como a exigência de o fato ser típico, de o pedido ser juridicamente possível e para certo setor doutrinário, de estarem presentes as “condições de procedibilidade”. Inicialmente, para esta concepção, o juiz deve rejeitar a denúncia ou a queixa quando se tratar de fato manifestamente atípico. Em que pese alguns doutrinadores inserirem a tipicidade como causa resolutiva de mérito, a própria sistemática adotada pelo atual código de processo penal brasileiro conduz a situações paradoxais. Levando ao pé da letra a tipicidade como causa exclusivamente vinculada ao mérito, o juiz, então, deveria determinar a citação do réu para se defender de fato absolutamente atípico. Apenas com a resposta à acusação poderia o juiz, então, proferir sentença absolutória. Como se pode perceber, se trata de uma solução de difícil sustentação, mormente levando-se em consideração o princípio de economia processual bem como a necessidade de se evitar que o acusado venha a sofrer uma acusação desde sempre 27

Análise sobre estas condições da ação aplicada ao processo penal podem ser encontradas em CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 275. Tão imprecisa é a tentativa de justificar uma teoria geral do processo que no caso do interesse processual, tais autores indicam a falta de justa causa como causa passível de reconhecimento de ausência de condição da ação. Idem. Ibidem. p. 275.

infundada, tendo que sofrer com custos psicológicos, sociais, além de econômicos. Cabe ao magistrado, em sua função de controle jurisdicional sobre os atos de poder, desde logo abortar procedimento criminal natimorto. Desta maneira, DEVE o juiz rejeitar a denúncia quando se tratar de fato evidentemente atípico. A análise judicial, neste momento, deve se ater à aparência de tipicidade, não devendo verticalizar a sua análise se tal reflexão importar em análise da prova, pois a análise da tipicidade é compatível com o mérito do processo. Portanto, há que se distinguir entre tipicidade aparente, que é condição da ação e a tipicidade como juízo relativo à constatação, em sede de cognição exauriente, dos requisitos que lhe são componentes: o tipo penal objetivo e o subjetivo. Ainda dentro da possibilidade jurídica do pedido, afirma-se que o pedido deve ser juridicamente possível, isto é, que a acusação deva postular condenação compatível com o ordenamento jurídico. O exemplo caricato dado por esta doutrina é a do Ministério Público que em seu pedido postula a pena de morte. O exemplo é de todo imprestável, pois como já referido diversas vezes, a tentativa de compatibilizar o processo penal com o processo civil conduz a becos sem saída. Nas ações penais condenatórias (isto é, processos de conhecimento), o pedido do Ministério Público ou do querelante nas ações penais de iniciativa privada tão somente pode ser o de condenação. Evidentemente que podem existir pedidos secundários, como a representação pela prisão cautelar do acusado, o pedido de deferimento de provas etc. Todavia, o pedido principal na ação penal condenatória é sempre a condenação do acusado. Como tal, o Ministério Público não tem faculdade processual de requerer um quantum de pena. Por exemplo, o Ministério Público não tem um direito subjetivo a requerer de um acusado por latrocínio que a pena seja aplicada em 25 anos e 6 meses de reclusão. O Ministério Público requer apenas a condenação, cabendo ao magistrado a aplicação da pena, podendo dela recorrer se verificar ter havido equívoco no processo de dosimetria da pena. Logo, enquanto no direito processual civil o pedido pode ser efetivamente impossível, dada a natureza da ação (e se deve considerar a multiplicidade de ações de natureza civil), no direito processual penal, o acusador não reclama um bem da vida, não reclama um direito que lhe pertence. Portanto, o exemplo de impossibilidade jurídica do pedido baseada em requerimento para aplicação de pena não reconhecida pelo direito brasileiro é bizarra e inaplicável, não passando de um exemplo inadequado. Por fim, alguns doutrinadores entendem que a possibilidade jurídica do pedido deve ser também informada pela presença das condições de procedibilidade. Tais

condições seriam a representação do ofendido nos crimes de ação penal pública condicionada e a requisição do Ministro da Justiça (art. 100, § 1º do Código Penal28 e art. 24 do Código de Processo Penal29), a entrada do agente brasileiro em território nacional, quando se tratar de crime cometido no exterior (art. 7º, § 2º do Código Penal30), a sentença civil de anulação do casamento, nos casos do crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento (art. 236, § único do Código Penal31), o exame pericial homologado pelo magistrado nos crimes contra a propriedade imaterial (em consonância com o art. 529, caput do Código de Processo Penal32). Todas estas exigências legais constituem, a rigor, não casos de “impossibilidade jurídica do pedido”, mas de condições específicas da ação penal nos casos legalmente tratados, pois além dos elementos gerais exigidos, têm-se outros. Como já referido em tópico anterior, prefere-se aqui sustentar outro modelo de condições da ação aplicáveis ao processo penal, até mesmo por serem eles mais próximos das exigências contemporâneas deste ramo do direito, sem a necessidade de se fazer malabarismos intelectuais infrutíferos para tentar acomodar os conceitos. Assim, a noção de interesse de agir e de impossibilidade jurídica do pedido podem ser substituídas por dois elementos: a) o injusto aparente e b) a punibilidade concreta. 2.4. Da Rejeição da Denúncia Por Ausência do Injusto Aparente Segundo Jacinto COUTINHO, uma das condições da ação no processo penal é a “tipicidade objetiva”33. Segundo esta perspectiva, o juiz, mesmo em sede de recebimento da denúncia, deve proceder a uma análise que identifique o fato típico como aparentemente possível de ser aplicado à conduta descrita na acusação. 28

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. § 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. 29 Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. 30 § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; 31 Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento. 32 Art. 529. Nos crimes de ação privativa do ofendido, não será admitida queixa com fundamento em apreensão e em perícia, se decorrido o prazo de 30 dias, após a homologação do laudo. 33 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Lide e o Conteúdo do Processo Penal. Curitiba: Juruá, 1989. p. 145.

O exercício de controle jurisdicional sobre a acusação – longe de ser um exame exclusivo sobre o mérito, como queriam por exemplo GRINOVER34 e JARDIM35 cuida-se de uma tarefa jurisdicional inadiável. Em sendo o processo uma pena em si mesmo, a rejeição liminar de fato aparentemente carente de tipicidade corresponde a um verdadeiro dever do Estado. Evidentemente, não se está exigindo uma cognição exauriente sobre a tipicidade. De toda forma, a ausência de controle sobre a tipicidade, em um primeiro momento, implica em assumir que toda e qualquer imputação seja admissível, o que é absolutamente infenso aos princípios democráticos que devem instruir um processo penal em consonância com as diretrizes constitucionais. Segundo Luis Alberto MACHADO, “não se pode pressupor a validade de uma denúncia, ou queixa-crime, sem um mínimo de vislumbre da concretude do direito material cujo reconhecimento se busca”36. Ou seja, tem-se aí o fundamento para que a distinção entre tipicidade aparente e tipicidade estejam a serviço de um processo penal mais democrático. Dito isso, deve-se levar em consideração que a tipicidade corresponde apenas a um dos elementos que compõem o injusto penal. Além da tipicidade, a ilicitude é um dos elementos que se encontra na estrutura do injusto. Desta maneira, é possível ao juiz rejeitar a denúncia quando, mesmo diante de um fato típico, seja flagrante a ocorrência de uma causa excludente da ilicitude, como destaca com precisão LOPES JÚNIOR37. Isso é assim porque o injusto penal não pode ser fragmentado. Ele é unitário. Portanto, a tipicidade aparente pressupõe a ilicitude como consequência natural. Contudo, há certos casos (art. 23 do Código Penal38) em que o fato típico foi praticado ao abrigo de uma flagrante causa excludente da ilicitude. Em tais casos, o juiz pode, em tese, rejeitar a denúncia ou a queixa, embora tal decisão seja, na prática, bem difícil de ocorrer, a menos que o acusado tenha participado ativamente da investigação preliminar, trazendo

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GRINOVER, Ada Pellegrini. As Condições da Ação no Processo Penal. São Paulo: Bushatsky, 1977. p. 69. A autora mudou o seu posicionamento em 2007, afirmando que a tipicidade é um problema relativo à possibilidade jurídica do pedido. GRINOVER, Ada Pellegrini. As Condições da Ação Penal. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 69. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 35 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 36 MACHADO, Luis Alberto. Prefácio. In COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Lide e o Conteúdo do Processo Penal. Curitiba: Juruá, 1989. p. XI. 37 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 368. 38 Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

elementos de convicção indefectíveis. Seja como for, se trata de uma causa de absolvição sumária (art. 397 CPP), que será mais adiante analisada. 2.5 Da Ausência de Punibilidade Concreta A expressão punibilidade concreta, como já examinada, é adotada por autores como LOPES JÚNIOR39, SILVEIRA40 e COUTINHO41, que entendem o conceito a partir da insuficiência e dos problemas trazidos por uma tentativa de esquematização do processo penal às influências do direito processual civil. Isto é, a tentativa de equalizar o processo penal aos conceitos originários do direito processual civil leva, de forma inexorável, a um conjunto de equívocos que não valem a pena ser perpetuados. Por isso, estamos de pleno acordo com os autores, que procuram apresentar um novo modelo. A punibilidade concreta corresponde à ausência das causas extintivas da punibilidade (art. 107 do Código Penal). Comumente associado ao interesse de agir, as causas extintivas da punibilidade correspondem à ausência de elemento capaz de conduzir a uma decisão efetiva e portanto, exequível. O advento da prescrição ou ainda, a morte do agente são causas que impedem tanto o nascimento do processo criminal quanto o seu desenvolvimento, quando ocorrem no curso do processo. Embora o art. 397 do Código de Processo Penal tenha inserido a extinção de punibilidade como causa de absolvição sumária, evidentemente que ninguém é “absolvido por morrer” ou “absolvido pelo advento da prescrição”. Ao que parece, o legislador procurou inserir todos as circunstâncias jurídicas que produzem a resolução judicial de mérito – e com isso, a coisa julgada – em um só artigo, pecando pela falta de técnica. O juiz deve rejeitar a denúncia ou a queixa quando estiver diante de um fato à toda evidência atingido por uma das causas extintivas de punibilidade. Novamente, é absurdo que um processo possa seguir adiante quando o juiz se depare com a causa extintiva. Seria cômico que o juiz estivesse obrigado, quando se verifica a morte do agente, que determinasse a citação do acusado falecido. Da mesma maneira, dar seguimento a um processo flagrantemente prescrito resulta em custos psicológicos, sociais e econômicos que podem, rectius, DEVEM ser evitados pelo magistrado, 39

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 365. SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. Por Uma Teoria da Ação Processual Penal: aspectos atuais e considerações sobre a necessária reforma acusatória do processo penal brasileiro. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018. P. 323. 41 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Lide e o Conteúdo do Processo Penal. Curitiba: Juruá, 1989. p.145. 40

quando por algum erro o Ministério Público ou o querelante ajuizaram ação penal carente de punibilidade concreta. De forma esquemática, a doutrina tradicional traça os contornos das condições da ação da seguinte forma: a) legitimidade para o processo (ativa e passiva); b) interesse de agir (constatação da inexistência de causa extintiva da punibilidade); c) possibilidade jurídica do pedido (fato criminoso; pedido de pena ajustada ao ordenamento jurídico; preenchimento das condições de procedibilidade). Contudo, adotamos um modelo diverso, em que devem ficar demonstrados: a) Legitimidade para o processo; b) Injusto Aparente; c) Punibilidade Concreta. d) Demais Condições da Ação Específicas Para Certos Crimes (chamados pela doutrina tradicional de “condições de procedibilidade). 2.6. Da Rejeição da Denúncia por Falta de Justa Causa A previsão contida no art. 395 do Código de Processo Penal42 trata de uma medida que não encontra parâmetro no cenário do direito processual civil. E isto é assim porque o nascimento do processo penal, que em si mesmo é uma pena, precisa trazer ao conhecimento do magistrado elementos mínimos que atribuam a autoria e a materialidade do crime ao réu. Trata-se de um conjunto mínimo de indícios capazes de determinar a instauração de um processo criminal, a fim de ampliar a cognição sobre o caso penal. Neste sentido, a justa causa representa certo nível de proteção contra acusações infundadas. Sobre o tema já o examinamos anteriormente. 2.7 Dos Efeitos da Rejeição da Denúncia ou da Queixa-Crime Verificando o magistrado concorrer ao menos um dos requisitos presentes no art. 395 do CPP, deverá rejeitar a peça acusatória. Esta decisão, que deve ser fundamentada, é passível de recuso. Assim, o Ministério Público ou o querelante poderão interpor o

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Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (...) III - faltar justa causa para o exercício da ação pena.

recurso em sentido estrito (art. 581, I do CPP43) para postular, perante o tribunal, a reversão do julgado, determinado assim, o órgão de segundo grau, o recebimento da acusação. Ademais, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 70744, que estabelece a necessidade de intimação do denunciado ou querelado para apresentar as suas contrarrazões, sob pena de nulidade. A necessidade de intimação do denunciado é tão forte que nem mesmo a nomeação de um defensor dativo para o réu pode suplantar a exigência de intimação. Trata-se de caso de nulidade absoluta, pois representa grandiloquente afetação do direito de defesa como um todo, que se expressa no caso através do contraditório e da ampla defesa. Veja-se que mesmo que não se possa falar ainda de um acusado em sentido técnico – haja vista que a acusação não fora recebida pela autoridade judiciária – havendo recurso por parte da acusação, deverá o juiz de primeiro grau, que é a autoridade legítima para o recebimento do recurso em sentido estrito intimar o potencial acusado para oferecer contrarrazões ao recurso do acusador. Isto é assim pois é nítido o interesse de alguém que, em havendo o provimento do recurso da acusação, se tornará réu. Desta forma, para se garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, corolários indefectíveis de um processo acusatório e democrático, o juiz deve garantir a intimação do réu para, desejando, oferecer suas contrarrazões recursais e futuramente apresentar memoriais e fazer a sustentação oral no tribunal. Saliente-se que existem regimentos internos de distintos tribunais que não preveem a possibilidade de realização de sustentação oral em sede de recurso em sentido estrito. Todavia, como já assentou o STJ por ocasião do julgamento do habeas corpus nº 17.702-RR, julgado em 2004 e de relatoria do Ministro Gilson Dipp, a proibição do advogado (ou se fosse o caso, do membro do Ministério Público) em realizar a sustentação oral, havendo pedido expresso para tanto constitui uma ofensa ao art. 610 do Código de Processo Penal45. Assim, mesmo que não haja previsão expressa

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Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: I - que não receber a denúncia ou a queixa; 44 Súmula 707 STF: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo. 45 Art. 610. Nos recursos em sentido estrito, com exceção do de habeas corpus, e nas apelações interpostas das sentenças em processo de contravenção ou de crime a que a lei comine pena de detenção, os autos irão imediatamente com vista ao procurador-geral pelo prazo de cinco dias, e, em seguida, passarão, por igual prazo, ao relator, que pedirá designação de dia para o julgamento. Parágrafo único. Anunciado o julgamento pelo presidente, e apregoadas as partes, com a presença destas ou à sua revelia, o relator fará a exposição do feito e, em seguida, o presidente concederá, pelo prazo de 10 (dez) minutos, a palavra aos advogados ou às partes que a solicitarem e ao procurador-geral, quando o requerer, por igual prazo.

no regimento interno do tribunal, o CPP garante às partes o direito de fazer uso da palavra. Havendo limitação, não há como deixar de se evidenciar a existência de cerceamento de defesa. 2.8 A Decisão que Examina a Queixa-Crime e a Denúncia: necessidade de motivação e nulidade decorrente de sua inexistência A decisão que recebe a queixa-crime deve ser fundamentada, mesmo que superficialmente. A grande questão aqui é que a autoridade não pode deixar de fundamentar, mesmo que de forma mais genérica. Isso não se confunde com a ausência completa de qualquer espécie de fundamentação, uma vez que o que se quer evitar é o processo de recebimento automático de acusações, sejam elas denúncias ou queixascrime. A ausência completa de qualquer fundamentação constitui casa de nulidade absoluta, conforme recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso ordinário em habeas corpus nº 80526/RJ46. Todavia, repita-se, a fundamentação que recebe a denúncia não pode se confundir com a decisão de mérito, que enseja uma análise mais profunda. A 5ª Turma do STJ, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 999859/ SP, seguindo na mesma linha do julgado anterior, mas não acolhendo a tese de nulidade proposta pela defesa, ensaiou precedente perigoso, por afirmar que a decisão que recebe a denúncia, tendo em vista o seu caráter interlocutório, não estaria ao abrigo do art. 93, IX da

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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PECULATO-DESVIO. DECISÃO QUE AFASTA A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. OCORRÊNCIA. MANIFESTAÇÃO JUDICIAL GENÉRICA. AUSÊNCIA DE MENÇÃO, AINDA QUE CONCISA, À TESE DEFENSIVA. NULIDADE DECRETADA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECLAMO. 1.A decisão que afasta a absolvição sumária deve ser sucinta, limitando-se à admissibilidade da acusação, evitando-se, assim, o prejulgamento da demanda. 2. Apesar de não demandar motivação tão exauriente a ponto de caracterizar o julgamento antecipado da causa, a decisão deve ser fundamentada de forma mínima a rechaçar tese suscitada na resposta à acusação. 3. É nula a decisão genérica que sequer identifica a tese jurídica que está rejeitando. 4. No caso, a autoridade judicial cingiu-se a afirmar que não estariam presentes quaisquer hipóteses de absolvição sumária, deixando de indicar, ainda que sucintamente, as razões pelas quais afastou tese defensiva e deu prosseguimento ao feito, o que viola o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. 5. Com a anulação da decisão, resta prejudicado o exame da apontada falta de justa causa à persecução criminal e seu respectivo trancamento. 6. Recurso parcialmente provido para anular a decisão, para que outra seja prolatada, analisando a tese suscitada na resposta à acusação. RHC 80526/ RJ. DJe 18/02/2019. Min. Rel. Jorge Mussi.

Constituição da República, que determina devam todas as decisões judiciais ser motivadas47. O argumento é falho por diversos motivos. Não é a natureza jurídica atribuída a um determinado ato processual que recebe a incidência ou não do art. 93, IX da Constituição. Da mesma maneira, existe uma diferença abissal entre ausência de fundamentação e fundamentação sucinta. Enquanto a primeira não atende aos requisitos constitucionais do dever de motivar, a segunda atende para os fins a que se destina o ato: como filtro de controle de acusações descabidas, não sendo necessário, como determinam os julgados, exame vertical sobre todos os elementos presentes na denúncia ou na queixa-crime. Assim, a decisão que recebe a acusação DEVE ser motivada, sob pena de nulidade. Contudo, não se exige dela grande profundidade. 2.8.1 In Dubio Pro Societate? Os Resquícios de um Modelo Processual Penal Autoritário A jurisprudência brasileira tem decidido, a contrario sensu de inúmeros dispositivos de ordem constitucional, que o juiz deve, na dúvida, receber a denúncia, pois em tal fase vigeria um “princípio” denominado de in dubio pro societate. No momento do recebimento da denúncia, como já mencionado, o juiz deve receber a denúncia ou a queixa-crime quando presentes os elementos especificados no art. 395 do CPP. Um destes requisitos anteriormente analisados é a tipicidade aparente. Sendo o fato aparentemente típico, tem-se como preenchido um dos elementos essenciais para que uma acusação possa avançar. Contudo, a afirmação de que o fato aparentemente típico satisfaz a uma das condições da ação se diferencia drasticamente da alegação de 47

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL GRAVE. DECISÃO QUE RECEBE A DENÚNCIA. MOTIVAÇÃO COMPLEXA. DESNECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento de que a decisão que recebe a denúncia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita o pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397) não demandam motivação profunda ou exauriente, considerando a natureza interlocutória de tais manifestações judiciais, sob pena de indevida antecipação do juízo de mérito, que somente poderá ser proferido após o desfecho da instrução criminal, com a devida observância das regras processuais e das garantias da ampla defesa e do contraditório. 2. Conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e na esteira do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, consagrou-se o entendimento de inexigibilidade de fundamentação complexa no recebimento da denúncia, em virtude de sua natureza interlocutória, não se equiparando à decisão judicial a que se refere o art. 93, IX, da Constituição Federal. 3. Agravo regimental não provido. Garga no AREsp 999859/SP. DJe 15/02/2019

que neste momento processual, deve o juiz dar seguimento ao processo, tendo em vista a incidência de um “princípio” denominado como in dubio pro societate. A expressão in dubio pro reo ou in dubio pro societate não encontra amparo nem mesmo nos textos romanos48. Em primeiro lugar, quem for pesquisar as origens desta máxima as encontrará, em alto e bom som no trabalho de Giuseppe MAGGIORE, um dos penalistas italianos mais radicais que apoiavam o direito e processo penal fascista. Em um escrito publicado na Revista Italiana de Direito Penal (1939), intitulado Direito Penal Totalitário no Estado Totalitário o autor afirmará a necessidade de o Estado italiano operar com a figura do “in dubio pro repubblica”. Nas palavras do autor, “em caso de incerteza do direito ele se apoiará no princípio in dubio pro repubblica, que toma o lugar, no Estado Totalitário, do antigo in dubio pro reo. Na incerteza, se torna fonte de direito, para a legislação alemã, o “são sentimento do povo” (gesundes Volksempfinden). Para nós poderia ter valor de fonte a vontade do Duce, a qual se pode obter de suas palavras, do seu ensinamento, de sua doutrina”49. Para qualquer doutrina minimamente familiarizada com a pesquisa histórica, não é muito difícil encontrar os fundamentos de um in dubio pro societate nos Estados autoritários. Este “princípio” corresponde a uma irracional abolição do princípio político da presunção de inocência ocorrida nas transformações políticas sofridas pelos Estados no início do século XX. Afirmar se tratar de um “princípio” não é apenas desconhecer a formação discursiva das ideias autoritárias. É manter viva a chama do autoritarismo que inebria tais dispositivos. Tal princípio é uma ficção criada pelos Estados autoritários para suprimir a odiada presunção de inocência. Portanto, com todas as palavras, tal princípio NÃO EXISTE, a não ser na alma dos que cultivam gostos antidemocráticos ou que perpetuam uma prática acrítica. De acordo com Fernando GARCÍA CORDERO, qualquer sociedade que viva sob o império da lei, ou seja, em um Estado Democrático de Direito, existe o in dubio pro reo. Trata-se da instauração de um direito fundamental que atribui o devido respeito às garantias próprias do processo penal. “O princípio oposto, caso existisse, in dubio pro societate, seria uma redução ao absurdo, o atropelo do império da lei e a negação do

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PITOMBO, Sergio. Pronúncia e o In Dubio Pro Societate. In Boletim dos Procuradores da República. v. 4. n. 45. São Paulo, 2002. 49 MAGGIORE, Giuseppe. Diritto Penale Totalitario Nello Stato Totalitario. In Rivista Italiana di Diritto Penale. v. XVII. Padova: CEDAM, 1939. p. 159.

Estado de Direito”50. Também para PITOMBO o aforisma é um absurdo lógicojurídico51, ou seja, “se o acusador não conseguiu comprovar o fato, constitutivo do direito afirmado, posto que conflitante despontou a prova; então, se soluciona a seu favor, por absurdo”52. A literatura crítica, no campo do direito processual penal é farta no sentido de apresentar a incompatibilidade do in dubio pro societate com uma ordem constitucional democrática53. Além de tudo o já dito, o in dubio pro societate não encontra – nem mesmo minimamente – qualquer amparo normativo54. O que se deve levar em consideração é a eficácia do direito fundamental à presunção de inocência. O argumento, se assim é possível dizer, da aplicação do in dubio pro societate na fase de recebimento da denúncia estaria no fato de que até que o juiz elimine a dúvida, o processo deve prosseguir. Contudo, tal raciocínio é falho justamente porque ignora o fato de que existem momentos processuais muito relevantes no processo, e que não se confundem com a sentença de mérito. A questão, como bem pondera MORAES55, se relaciona com a legitimidade para que uma investigação ou um processo continuem de forma legal e constitucional. Assim, nas palavras do autor, “são momentos em que a lei determina que se fala na verificação judicial da legitimidade acusatória, uma vez que, como é cediço, a própria existência da persecução é um mal (social, moral, jurídico, econômico, entre outros)”56. E essa legitimidade da persecução depende, de forma estreita, do material probatório existente. A progressividade do processo penal exige que a mudança de status da pessoa assujeitada ao processo penal tenha contra si um incremento de material probatório: somente assim é que poderá

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GARCÍA CORDERO, Fernando. Anteproyecto del Código Federal de Procedimientos Penales del Instituto de Investigaciones Jurídicas, UNAM: breves comentários. Disponível em https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/1/479/15.pdf. Acesso em 09.03.2019. p. 151. 51 PITOMBO, Sergio. Pronúncia e o In Dubio Pro Societate. In Boletim dos Procuradores da República. v. 4. n. 45. São Paulo, 2002. p. 62-63. 52 PITOMBO, Sergio. Pronúncia e o In Dubio Pro Societate. In Boletim dos Procuradores da República. v. 4. n. 45. São Paulo, 2002. P. 63. 53 Apenas como exemplos podemos citar FRAGA, Felipe Consonni. O (Falso) Princípio in Dubio Pro Societate. São Paulo: Scortecci, 2015; BRETAS, Adriano Sergio Nunes. Estigma de Pilatos: a desconstrução do mito in dubio pro societate da pronúncia no rito do júri e a sua repercussão jurisprudencial. Curitiba: Juruá, 2010; FERNANDES, Paulo Thiago. A Decisão de Pronúncia Baseada no In Dubio Pro Societate: um estudo crítico sobre a valoração da prova no processo penal constitucional. Florianópolis: Emais, 2018. 54 Neste sentido MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 412-413. 55 MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 414. 56 Ibidem.

passar da figura de suspeito para indiciado, de indiciado para denunciado, de denunciado para acusado e deste para condenado. Eventual dúvida no tocante ao recebimento da denúncia corresponde à incerteza quanto ao material probatório colhido pela polícia judiciária e examinado pelo acusador. Sendo assim, este estado de dúvidas corresponde à ausência de demonstração da justa causa para o prosseguimento do processo, isto é, para que o denunciado assuma o posto de réu. Havendo dúvidas, por ausência de justa causa, deve o juiz rejeitar a denúncia. Como aponta com razão BARTOLI, a adoção do in dubio pro societate é usada até mesmo como uma espécie de “desculpa”, tendo em vista o excesso de trabalho, ao que se deixará para depois analisar o conjunto probatório57. Contudo, este procedimento automático de recebimento da denúncia é altamente ilegítimo, pois se bem verdade é que há excesso de trabalho e uma estrutura judiciária que deixa a desejar no atendimento das mínimas condições, o problema se acentua quando devido a tais práticas, quem ao final sofre é o próprio indivíduo. Como acentua MORAES, não se pode compensar um mal com outro: as falhas estruturais não podem ser compensadas com a reiteração do in dubio pro societate que não guarda relação alguma com processos de corte acusatório e democrático. Daí por que deve não apenas deve o juiz proceder ao exame da denúncia ou da queixa-crime como também deverá analisar, mesmo que não profundamente, o conjunto de elementos probatórios trazidos pela acusação. Em não havendo pressupostos mínimos de autoria e materialidade do delito, não deve o magistrado – pela mais absoluta falta de legitimidade constitucional e democrática para tanto – fundamentar a sua decisão em um aforismo sem qualquer espécie de fundamento, fruto de práticas autoritárias e incompatíveis com o atual grau civilizatório que atingiu o processo penal contemporâneo. Neste sentido, exemplar a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC nº 175.639-AC, julgado pela 6ª Turma em 2012. Ali, nas palavras da relatora, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura afirmou que “por mais que se queira propalar a máxima de que, no átrio da ação penal, teria força a máxima in dubio pro societate, em verdade, tal aforisma não possui amparo legal, nem decorre da lógica do nosso sistema processual penal, constitucionalmente orientado”.

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BARTOLI, Márcio Orlando. O Princípio do In Dubio Pro Reo na Pronúncia. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 0. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 132.

2.9 Efeitos da Decisão que Recebe a Denúncia: O principal efeito desencadeado pelo recebimento da denúncia é a interrupção do prazo prescricional58, devendo ser computado o prazo entre a data do cometimento do crime e o efetivo recebimento da acusação tomando-se por base a prescrição abstrata do crime, cujo marco temporal se encontra estabelecido no art. 109 do Código Penal59. Logo, para se determinar se o crime está prescrito, entre o cometimento do delito e o recebimento da denúncia não podem ter se passado os prazos ali indicados, sempre se regulando pela pena máxima (isto é, contabilizando-se as causas de aumento da pena em fração máxima e as causas de diminuição em nível mínimo). Um segundo efeito que apenas ocorre com o recebimento da queixa-crime é a verificação do exercício do direito de queixa no tempo disciplinado no art. 38 do CPP, ou seja, nos seis meses após o ofendido tomar conhecimento de quem é o autor do fato. Eventual rejeição da queixa-crime por falta de uma das condições da ação implicará na passagem do lapso temporal decadencial, a menos que a parte atenda a todas as condições da ação e submeta o exame do caso novamente ao juiz, no prazo de 6 meses. Como efeitos secundários do recebimento da acusação, é possível que o juiz aplique sobre o acusado a prisão preventiva, quando requerida pelo Ministério Público ou ainda, as medidas cautelares diversas da prisão, consoante o art. 319 do Código de Processo Penal. Tais efeitos secundários não derivam propriamente do ato de recebimento da acusação, mas sim de eventuais requerimentos feitos pelo titular da ação penal ou ainda, do contexto de cautelaridade verificado pelo juiz, pois na dinâmica do CPP, ainda que não seja a melhor das estruturas, autoriza-se o magistrado a determinar medidas cautelares de ofício, o que acaba por trazer diversos prejuízos, especialmente em termos de pré-julgamento. Saliente-se que a decisão de recebimento não é recorrível quanto ao mérito. Contudo, isso não significará que o acusado deverá permanecer de braços cruzados. 58

Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (…) I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificandose: I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. 59

Preliminarmente, da decisão de recebimento da denúncia ou da queixa-crime omissa, obscura ou lacônica, caberá, tanto para o Ministério Público quanto para a defesa do acusado a oposição de embargos de declaração no prazo de 2 dias contados da intimação da decisão. Tal recurso serve para que questões processuais obscuras sejam aclaradas pelo órgão judicante, evitando futuros problemas quando à interpretação desta decisão. Além disso, a defesa poderá manejar a ação constitucional de habeas corpus quando entender que o magistrado recebeu uma acusação que deveria ter sido rejeitada. Neste ponto, fala-se em habeas corpus para o trancamento do processo (muito embora, de forma tecnicamente imprecisa, a jurisprudência fale em “trancamento da ação”60). O trancamento do processo corresponde a uma forma de extinção anômala ou sui generis do processo. Verificada a existência de caso no qual seja aplicável quaisquer umas das hipóteses do art. 395 do CPP, o tribunal poderá conceder a ordem de habeas corpus para “trancar” o processo, ou seja, determinar a rejeição da acusação em segundo grau. 3. Recebimento da Acusação e Mandado de Citação Recebida a denúncia ou a queixa-crime, o juiz deve determinar a citação do réu para responder aos termos da acusação. Já analisamos anteriormente as formas de citação bem como a sua configuração geral. Neste momento, o que importa é que o mandado citatório deve indicar que o réu tem o prazo de 10 dias para oferecer resposta à acusação, de acordo com o at. 396 do Código de Processo Penal61. Trata-se de um prazo muito exíguo, considerando que em processos de larga escala, com denúncias que atingem centenas de páginas e a investigação preliminar possuindo milhares, o tempo é muito restrito para se poder satisfatoriamente, examinar a integralidade do processo. Em se tratando de um procedimento criminal muito volumoso, mesmo não contendo previsão no Código de Processo Penal, nada impede que o juiz conceda prazo mais amplo do que a legislação permite, a fim de garantir ao acusado a mais ampla possibilidade de exame e refutação da acusação. O que não pode acontecer é justamente o oposto: a redução do prazo legal, sob o entendimento de que se trata de caso pouco complexo. Também deverá acompanhar o mandado uma cópia da 60

Saliente-se que após o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, a ação penal já foi exercida e já esgotou a sua função. Logo, após o recebimento da denúncia tem-se a instauração do processo. Por isso, o correto é trancamento do processo e não da ação. 61 Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

denúncia ou queixa, para que o acusado tenha ciência da imputação o mais breve possível. É bom frisar que o prazo para a resposta à acusação contará da data em que o acusado foi efetivamente citado, não sendo aplicável a regra geral do direito processual civil que estabelece a contagem de prazos a partir da juntada aos autos do mandado cumprido. Neste ponto, A Súmula 710 do STF é bastante clara a respeito: “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”. Outro ponto de distinção quanto ao processo civil é que a contagem do prazo se dá em dias corridos, não se aplicando a regra originária do direito processual civil de contagem em dias úteis. Em se tratando de acusado citado por edital, o prazo de 10 dias para oferecimento da resposta à acusação será contado da data do comparecimento do réu em juízo ou de seu defensor técnico, de acordo com o que dispõe o art. 396, § único do Código de Processo Penal62. Trata-se de hipótese raríssima, mas, vindo o acusado a se defender, restará sem aplicação o art. 366 do CPP, que determina a suspensão do processo criminal e do respectivo prazo da prescrição. Neste ponto, o prazo para oferecimento da resposta conta do comparecimento pessoal, seja do advogado, seja do próprio réu. O comparecimento pessoal constituirá caso em que o processo penal deverá prosseguir normalmente, uma vez que o acusado teve conhecimento do processo instaurado contra ele e, assim sendo, o ato processual citatório atingiu a sua finalidade. O grande problema sucede em que, sendo o réu citado por edital e nomeando o juiz defensor para apresentar resposta, em realidade, tal peça não será mais do que uma defesa formal, vazia. A não ser relativamente a eventuais matérias de direito, o defensor nomeado, sem contato com o acusado, não teria sucesso em levantar hipóteses e indicar provas. Neste sentido, absolutamente inviável prosseguir-se com o processo, devendo ser aplicado o art. 366 do CPP63. A grande questão que deve ser questionada é: imaginando que o acusado seja futuramente localizado, ele assumiria o processo no estágio em que encontrou? Teria ele direito à complementação da resposta à acusação oferecida por defensor dativo ou defensor público? A resposta deve ser positiva, tendo em vista os princípios da ampla defesa e do contraditório. É intolerável no Estado 62

Art. 396 Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. 63 Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

Democrático de Direito que o acusado possa ter contra si instaurado um processo, que a comunicação por edital não lhe garanta ou conceda o direito de indicar provas e exercer a ampla defesa. Neste sentido, o art. 396, § 2º do CPP apenas pode ter validade e eficácia quando se tratar de citação pessoal ou citação com hora certa. Sendo o acusado citado por edital, não há como escapar do art. 366 do CPP, de forma que deverá ser o processo suspenso. 4. A Resposta à Acusação A resposta à acusação é um dos momentos mais relevantes para o acusado no processo penal. Nela é que o acusado se manifestará pela primeira vez no procedimento e poderá atacar a acusação desde distintos pontos. De acordo com o caput do art. 396-A do Código de Processo Penal64, o acusado poderá: a) indicar as provas com as quais pretende rebater a acusação; b) opor as exceções, ou seja, as defesas de natureza processual; c) proceder à defesa de mérito, postulando ser sumariamente absolvido. A resposta à acusação é o momento adequado para a defesa indicar a prova que pretende produzir. Assim, o rol de testemunhas deve ser indicado juntamente com a peça, sob pena de tal direito precluir. No procedimento ordinário, a defesa poderá indicar até 8 testemunhas por imputação. Isto é, havendo conexão (independentemente de sua natureza) de crimes, cada um deles, que corresponde a um fato diverso, poderá dar ensejo à oitiva de oito testemunhas. Se cada crime resultasse em uma acusação isolada, discussão alguma haveria sobre a quantidade de testemunhas a ser arroladas. O instituto da conexão, cujo resultado é a unificação em um só procedimento de fatos criminosos diversos, se apresenta como um mecanismo de reunião processual, cuja finalidade é evitar decisões penais contraditórias entre si. Entretanto, cada um dos fatos imputados ao acusado continua sendo absolutamente independente, de forma que a contagem do número de testemunhas deve ser por cada fato isolado, o que, a depender do número de crimes conexos, pode dar ensejo a um número expressivo de testemunhas a serem ouvidas. Seja como for, a conexão não pode servir como um instrumento que reduz ou diminui o direito da defesa à prova, sendo caso claro de cerceamento de defesa a limitação das testemunhas a ser ouvidas sob o argumento do excessivo rol.

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Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

A defesa poderá, em virtude de dificuldade de contato com o acusado (especialmente em se tratando de acusado preso), juntar aos autos a resposta à acusação, requerendo a indicação completa do rol de testemunhas a posteriori. Evidentemente, deve a petição explicitar os motivos pelos quais deixou de juntar o rol, devendo, tão rápido quanto possível, indicar as testemunhas que serão ouvidas pela defesa. Nesse caso, não há que se falar em preclusão, pois a defesa não permaneceu inerte. Este foi o teor do julgado proferido pelo STJ no curso do Recurso Especial nº 1.433.533-RS, de 2015 e de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Contudo, deve-se reiterar que os motivos devem ser justificados por escrito na resposta à acusação. A defesa também poderá juntar documentos. A lei, com precisão, fala em poderá. A prova documental, ao contrário das demais, não está sujeita ao instituto da preclusão e, portanto, deverá o defensor avaliar o momento mais adequado para proceder à juntada aos autos do referido meio de prova65. O mesmo se aplica ao órgãom acusador. Importante referir que a existência de pluralidade de acusados com procuradores distintos não garante o benefício do prazo em dobro66, da mesma maneira que não garante ao Ministério Público tampouco, contar com este benefício67. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já admitiu, no julgamento da Ação Penal Originária nº 470 (Caso Mensalão), a possibilidade de aplicação analógica do art. 191 do Código de Processo Civil de 1973 (hoje art. 229 do atual Código de Processo Civil), admitindo a formação de um litisconsórcio passivo. Contudo, por se tratar de uma decisão em caso excepcional, é mais seguro para o advogado oferecer a resposta no prazo de 10 dias contados da citação do réu. Ademais, poderá o acusado opor exceções, alegando questões de ordem eminentemente processual. As exceções são tratadas no art. 95 do Código de Processo Penal68 e são cinco: a) suspeição e impedimento (apesar de não estar regrada no CPP); b) incompetência do juízo; c) litispendência; d) ilegitimidade de parte e e) coisa julgada. 65

Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. 66 O STJ no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 785.960-MS, julgado em 23.05.2017, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz definiu a inaplicabilidade deste benefício. 67 O STF, no julgamento do HC nº 120.275, julgado em 15.05.2018, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, sustentou a inaplicabilidade da contagem em dobro para o Ministério Público, ressaltando que o benefício é exclusivo da Defensoria Pública. 68 Art. 95. Poderão ser opostas as exceções de: I - suspeição; II - incompetência de juízo; III - litispendência; IV - ilegitimidade de parte; V - coisa julgada.

As exceções deverão ser opostas em peças em apartado. A razão deste procedimento é permitir o seu processamento em separado da causa principal, como preceitua o art. 111 do Código de Processo Penal69 e o art. 396-A, § 2º70, além dos artigos 108, caput71 e o art. 110, caput72, ambos do Código de Processo Penal. O mesmo artigo afirma que normalmente tais questões não terão como efeito a suspensão do processo. A exceção de suspeição do magistrado deverá obrigatoriamente conter poderes especiais ou ser assinada pela própria parte, de acordo com o art. 98 do Código de Processo Penal73. O recebimento da denúncia não significa que após a juntada aos autos da resposta do acusado o magistrado não possa acolher qualquer uma das teses invocadas, deixando, neste ponto, de receber a acusação. Exemplificativamente, poderia o juiz, ao examinar as alegações da defesa, considerar a inexistência de justa causa para o prosseguimento do processo, sendo então, caso de rejeição da denúncia. Em assim procedendo, estaríamos diante de uma decisão terminativa do processo sem resolução de mérito, operando os mesmos efeitos do art. 395 do CPP. Conforme já assentou a 6ª Turma do STJ no Recurso Especial nº 1.318.180-DF, julgado em 2013 e de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, o recebimento da denúncia não impede que o juiz, após analisar a resposta à acusação, aplique uma das causas do art. 395 do CPP e extinga o procedimento sem análise de mérito. A resposta à acusação, por se constituir como um dos momentos mais relevantes do processo penal para o acusado, surge como uma peça obrigatória, não podendo o processo penal prosseguir sem ela. Se, devidamente citado o réu deixou de juntar aos autos a resposta à acusação, torna-se fundamental o juiz designar defensor dativo ou defensor público para oferecê-la, sob pena de nulidade absoluta. Em tais casos, evidentemente o prazo para oferecimento da nova resposta será de 10 dias contados da intimação, não se podendo considerar intempestiva a peça74.

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Art. 111. As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal. 70 § 1o A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. 71 Art. 108. A exceção de incompetência do juízo poderá ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa. 72 Art. 110. Nas exceções de litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, será observado, no que Ihes for aplicável, o disposto sobre a exceção de incompetência do juízo. 73 Art. 98. Quando qualquer das partes pretender recusar o juiz, deverá fazê-lo em petição assinada por ela própria ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas. 74 § 2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.

Importante sinalizar que o exame da resposta à acusação deve ser analisado e fundamentado pelo magistrado, sob pena de nulidade. Ou seja, o juiz deve examinar as teses defensivas e apreciá-las de forma justificada. Trata-se de caso de nulidade absoluta, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça no exame do RHC 46.127MG, julgado em 201575. Deve o juiz dar vista ao Ministério Público sobre a resposta do acusado? O Código de Processo Penal brasileiro não prevê qualquer hipótese para que o órgão acusador seja intimado para se manifestar acerca da resposta do réu. Contudo, tal prática pode ser facilmente verificada inúmeras vezes na prática forense. O grande problema em tal modo de proceder é produzir ato processual que colaborará ainda mais para a demora processual, que no caso brasileiro nunca é pequena. De toda sorte, não se trata de procedimento que traga, à luz do atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, alguma espécie de nulidade, consoante o julgamento proferido no HC 107.739-RJ, proferido em 2012, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. 5. As Hipóteses de Absolvição Sumária Um dos conteúdos que podem ser trazidos pela resposta à acusação corresponde à defesa de mérito, na qual se pretende o reconhecimento imediato de uma causa de absolvição sumária. As causas de absolvição sumária estão disciplinadas no art. 387 do Código de Processo Penal76. Inicialmente, deve-se dizer que as hipóteses dos incisos I, II e III do art. 387 correspondem tecnicamente aos casos de absolvição sumária, considerando que tratam 75

Após a fase de apresentação de resposta à acusação, o magistrado, ao proferir decisão que determina o prosseguimento do processo, deverá ao menos aludir àquilo que fora trazido na defesa preliminar, não se eximindo também da incumbência de enfrentar questões processuais relevantes e urgentes. De fato, na fase do art. 397 do CPP, nada impede que o juiz faça consignar fundamentação de forma não exauriente, sob pena de decidir o mérito da causa. Contudo, o julgador deve ao menos aludir àquilo que fora trazido na defesa preliminar. Incumbe-lhe, ainda, enfrentar questões processuais relevantes e urgentes ao confirmar o aceite da exordial acusatória. Com efeito, a inauguração do processo penal, por representar significativo gravame ao status dignitatis, deve, sim, ser motivada. Dessa maneira, suprimida tão importante fase procedimental, preciosa conquista democrática do Processo Penal pátrio, de rigor é o reconhecimento da nulidade. RHC 46.127-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/2/2015, DJe 25/2/2015. 76 Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.

de julgar improcedente a denúncia. O caso descrito no inciso IV, de absolvição sumária em decorrência do advento de causa extintiva da punibilidade é tecnicamente equivocado, pois não se pode dizer que alguém é absolvido, verbi gratia, quando se constata ter havido prescrição. Ou ainda, quando o acusado é falecido. As causas extintivas de punibilidade impedem o exercício da ação penal, constituindo, a rigor, causa de ausência de punibilidade concreta (ou na doutrina tradicional, falta de interesse de agir). Seja como for, o magistrado não deveria receber denúncia ou queixa-crime quando verifique estar o fato acobertado por uma destas causas previstas no art. 107 do CP. Todavia, independentemente do caso, qualquer um dos incisos produzirá coisa julgada material, não podendo ser posteriormente revisto. Aliás, o inciso IV do art. 397 corresponde exatamente ao teor do art. 61 do Código de Processo Penal77, que estabelece deve o juiz extinguir a punibilidade do acusado quando, em qualquer fase do processo, se depare com causa extintiva, podendo inclusive declará-la de ofício. De regra, todas as causa de absolvição sumária, em tese, estão já presentes no art. 395 do CPP. A hipótese de aplicação, portanto, deve-se ao conteúdo da resposta à acusação, que traz para apreciação do juiz questão que não foi por ele percebida quando examinou o recebimento da denúncia ou da queixa-crime. De toda forma, nada impede que a defesa junte no processo provas documentais que possam dar a questão por encerrada. Assim, por exemplo, a defesa pode trazer um áudio, em uma acusação de corrupção ativa, que demonstre que era o funcionário público que exigia que o acusado fizesse o pagamento de propina, sob pena, por exemplo, de se ver fora da disputa da licitação. Ou ainda, a juntada do documento comprobatório da menoridade do agente, o que acarretará a inimputabilidade penal do acusado. Enfim, muito embora não seja a regra no cenário forense brasileiro, a absolvição sumária poderá ser decretada quando se verificar não existir requisito para que o fato seja considerado crime. De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.206.320-ES, julgado em 2012 e de relatoria da Ministra Maurita Vaz, sinalizou que a absolvição sumária apenas tem cabimento quando o caso penal não necessite de dilação probatória. Havendo, portanto, a exigência da instrução processual para dirimir determinadas questões, não é cabível a absolvição sumária. Assim, em síntese, a

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Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

absolvição sumária, para poder ser decretada pelo juiz, deve ser estreme de dúvidas, ou seja, não deixar margem para questões duvidosas que dependem de material probatório. Portanto, nos casos dos incisos I, II e III, o juiz poderá desde o momento em que a resposta à acusação é ofertada, absolver o acusado quando o fato for atípico, quando houver a presença manifesta de alguma causa excludente da ilicitude, ou ainda, quando o juiz estiver presente diante de uma causa excludente da culpabilidade, exceção feita, segundo o próprio art. 397, II refere, à inimputabilidade. Sobre a inimputabilidade, deve-se registrar que se a arguição realizada pela defesa se der sobre fator biológico, isto é, a menoridade, e, vindo acompanhada de documentos que comprovam a idade do acusado, nenhum óbice se faz quanto ao reconhecimento da absolvição sumária do agente, dada a falta de capacidade penal do acusado. O óbice trazido pelo CPP corresponde à arguição de inimputabilidade derivada de alguma patologia mental (art. 26 caput do Código Penal), pois neste caso a comprovação do estado de saúde do sujeito torna imprescindível a realização do incidente de insanidade mental do acusado, nos termos do art. 149, caput do Código de Processo Penal78. Notadamente, o § 1º do art. 149 do Código de Processo Penal79 concede legitimidade à autoridade policial para requerer ao juiz a instauração, antes mesmo de oferecida a acusação, do respectivo incidente. Embora não se trate de prática comum, caso houvesse a realização do exame ainda na fase de investigação, concluindo pela inimputabilidade do acusado, nenhum óbice haveria à absolvição sumária reconhecendo a incapacidade penal do agente, desde que a defesa consinta ou ela própria alegue a tese da inimputabilidade. Isso é assim porque o simples fato de o sujeito ser incapaz penalmente não significa que o fato por ele praticado deva ser considerado típico ou ilícito. A defesa pode ter razões para levar adiante o processo, desejando postular uma causa de absolvição própria (ao invés de postular a absolvição imprópria, que é aquela em que o sujeito tem decretada a sua absolvição, em virtude de alguma moléstia de ordem mental, mas ao mesmo tempo sofrendo medida de segurança). Questão importante é a possibilidade de se decretar a absolvição sumária fora dos casos apresentados pelo rol do art. 397 do Código de Processo Penal. Parece-nos 78

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal. 79 § 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.

que o rol não pode ser considerado exaustivo, por dois argumentos pertinentes. Em primeiro lugar, os casos de rejeição da denúncia, sistematicamente, se apresentam de forma muito mais ampla do que os casos de absolvição sumária. Em sendo assim, nada mais correto do que se interpretar ambos os artigos de forma harmônica. A grande questão seria a necessidade ou não da instrução criminal para se poder determinar ter ocorrido ou não a causa suscitada pela defesa. Como já referido, sendo a questão apresentada pela defesa em sede de resposta à acusação duvidosa, requerendo ampliação da cognição através da instrução, o magistrado deve rejeitar a tese defensiva. Contudo, quando ela se apresenta indene de dúvidas, não há motivos, por conta de um formalismo estéril, passar-se a um procedimento, que pode inclusive durar anos. Tome-se o seguinte exemplo. Imaginemos alguém acusado de praticar um determinado crime. A defesa, na resposta, demonstra que o acusado se encontrava, na data do fato, em viagem ao exterior (aportando aos autos os bilhetes aéreos e as estadias). Além disso, demonstra a defesa que o réu foi imputado por um equívoco, demonstrando ser um caso de homonímia (isto é, possui o mesmo nome do verdadeiro autor do delito). Deveria o juiz proceder com a instrução por que tal tese (negativa de autoria) não está presente no rol do art. 397 do Código de Processo Penal? A resposta deve ser negativa. Nenhum problema em o juiz absolver sumariamente o acusado, cujo andamento do processo somente corresponderia a uma injustiça agravada. O segundo argumento pode ser extraído do procedimento do tribunal do júri. Sendo o tribunal do júri bifásico, o juízo de admissibilidade da acusação se faz após o procedimento de instrução criminal. Ao decidir, o juiz pode decidir pela impronúncia, julgando não ser o denunciado o autor do fato80. Desta maneira, analogicamente, é possível reconhecer a negativa de autoria, como causa de absolvição sumária, desde que: a) existam elementos que de forma induvidosa indiquem que o réu não concorreu para o crime; b) seja desnecessário e não recomendável o prosseguimento do processo, ou seja, a tese defensiva não seja abalada por dúvidas ou incertezas. Impedir que o processo avance contra quem sabidamente é inocente é a medida mais justa para se tentar diminuir os efeitos de um erro cometido pelo sistema de justiça criminal brasileiro. Prosseguir com o processo não é apenas insistir no erro, mas aumentá-lo exponencialmente, fazendo o acusado sofrer psicológica e socialmente com um procedimento injusto.

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Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato

A absolvição sumária, assim como o recebimento da denúncia ou da queixa, pode ser parcial ou total. Afirma-se ter havido a absolvição sumária parcial quando o juiz, em caso de conexão de fatos delituosos, aplica o art. 397 sobre uma ou algumas das imputações, recebendo a denúncia para as demais. Também é caso de absolvição sumária parcial quando o magistrado, por exemplo, reconhece ter havido a prescrição porque o acusado já possuía 70 anos de idade, tendo o seu prazo prescricional diminuído pela metade (art. 115 do CP). Importante referir que expressamente no art. 397 do CPP não há previsão de recurso específico contra a absolvição sumária. Assim, para se poder definir o recurso cabível, importante questionar a natureza jurídica do fundamento que ensejou a absolvição. Nos casos dos incisos I, II e III do Código de Processo Penal, tem-se uma sentença absolutória, que resolve o mérito do procedimento. O mesmo pode ser dito na hipótese de absolvição sumária em caso de negativa de autoria (quando há certeza sobre não ser o acusado autor do fato e quando desnecessária a dilação probatória). Em todos estes casos, o recurso cabível é a apelação, com fundamento no art. 593, I do Código de Processo Penal81. A falta de melhor tratamento sistemático da reforma do CPP trouxe uma difícil questão. E se o magistrado absolve sumariamente o acusado de uma ou algumas das imputações, recebendo a acusação no que se refere aos demais crimes imputados? Há aqui, como já referido, caso de absolvição sumária parcial. Havendo recurso de apelação por parte do acusador, como se deve proceder? A primeira hipótese é a manutenção do procedimento em primeiro grau, com a formação de instrumento apenas no que se refere ao teor da impugnação (ou ao acusado absolvido), tomando-se como paradigma o art. 587 do Código de Processo Penal, que disciplina o recurso em sentido estrito. Acresça-se que nesta hipótese, imprescindível que o recurso de apelação, que sobe por instrumento, seja munido de efeito suspensivo, já que não se poderia cogitar de o procedimento ter seguimento em primeiro grau, a prova ser coletada e posteriormente, toda a instrução renovada a partir do recebimento pelo tribunal das imputações que foram objeto de absolvição sumária. A segunda hipótese é o recurso de apelação subir integralmente ao segundo grau, mesmo que determinados fatos tenham sido recebidos pelo juiz. Esta parece ser a solução mais simples e correta. Veja-se que em primeiro lugar, o recurso de apelação, 81

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular;

para poder subir por instrumento, deveria ensejar a aplicação da norma do art. 587 do CPP, mais o efeito suspensivo (a fim de não ter de se renovar toda a instrução probatória em caso de reforma da decisão). Desta maneira, a fim inclusive de poupar tempo, deve o recurso subir integralmente para apreciação no segundo grau. Em se tratando de absolvição sumária parcial que tenha por objeto declarar a improcedência da acusação quanto a um dos acusados, nada obsta que o recurso de apelação suba por instrumento, devendo o juiz de primeiro grau cindir o processo, tendo em vista que consoante a orientação jurisprudencial da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (RHC nº 34.233-SP, julgado em 2014 e de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura), não se aplica o princípio da indivisibilidade à ação penal de natureza pública. Caso seja reformada a decisão de absolvição sumária pelo tribunal, o processo deve prosseguir, garantindo-se, com a cisão processual, o bom andamento do feito. Por outro lado, o inciso IV do art. 397, por não se tratar de uma causa tecnicamente correta de absolvição sumária, mas de decretação da extinção da punibilidade, desafia recurso diverso. Isso é assim porque o art. 581, VIII do Código de Processo Penal82, ao estabelecer as hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito, prevê expressamente este meio de impugnação. Entretanto, caso o Ministério Público recorra da decisão, utilizando a apelação (art. 593, I do CPP), deverá o recurso ser conhecido, tendo em vista que não se trata de erro grosseiro. Havendo dúvidas inclusive doutrinárias sobre o assunto, não se deve deixar de receber o recurso, como já decidiu a 5ª Turma do STJ, por ocasião do Recurso Especial nº 1.182.251-MT, julgado em 2014 e de relatoria do Ministro Jorge Mussi, que aplicou o princípio da fungibilidade à apelação interposta contra rejeição da denúncia. Importante salientar que em havendo reforma da decisão, o tribunal que examina o caso não pode ele próprio proceder à condenação do acusado, o que seria um absurdo gigantesco. A decisão que reforma o caso de absolvição sumária apenas pode determinar ao juiz de primeiro grau o recebimento do processo, não cabendo proceder à análise do mérito. Aliás, este foi o teor do julgado do HC 260.188-AC pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2016, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro. Se o tribunal invadir a seara do mérito tem-se caso de julgamento manifestamente inconstitucional,

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Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: VIII - que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade.

que suprime do acusado o primeiro grau de jurisdição, não havendo hipótese plausível para se sustentar tal modo de proceder. Por fim, em caso de rejeição das hipóteses de absolvição sumária arroladas na resposta à acusação, o CPP não prevê nenhum meio recursal do qual se possa valer o acusado. Contudo, isso não significa dizer que a decisão é imutável. O réu poderá utilizar-se do habeas corpus, que terá como objeto o trancamento do processo. O prosseguimento de procedimento criminal que falece de justa causa e que encontra ótimas razões para desde o momento inicial ser rejeitado configura coação pessoal indireta, sendo o juiz que recebe a acusação e afasta teses robustas de absolvição sumária, a autoridade coatora. O principal empecilho, neste ponto, seria o argumento recorrente de que o habeas corpus não comporta análise de prova. Em primeiro lugar, sobre o âmbito da cognição em sede de habeas corpus, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu, no julgamento do Recurso Especial nº 1.046.892-CE (2012) e de relatoria da Ministra Laurita Vaz que esta ação de natureza constitucional se presta à discussão: a) da inocência do acusado; b) da atipicidade da conduta; c) de causas extintivas da punibilidade. Basta que a prova seja pré-constituída e que não existam elementos probatórios conflitantes entre si. Havendo unidirecionalidade da prova pré-constituída, o habeas corpus pode ser manejado contra a decisão que desacolheu a absolvição sumária, mesmo através do habeas corpus. Aliás, no julgamento do HC 95.003-MG (julgado em 2008 e de relatoria do Ministro Cezar Peluso), o Supremo Tribunal Federal decidiu ser possível o exame da tese de negativa de autoria em sede de habeas corpus, pois a prova pré-constituída não requeria o confronto com outros meios probatórios. Por fim, a decisão que acolhe ou rejeita a absolvição sumária deve ser, obrigatoriamente, fundamentada, mesmo que a fundamentação não seja exaustiva. Nesse sentido destaca-se o julgamento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do HC 183.555-MG (2012), de relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze (relator originário) e Ministro Adilson Vieira Macabu (desembargador convocado do TJ-RJ), que indicou que corresponde à negativa de prestação jurisdicional a falta de exame das teses contidas na resposta, caracterizando-se, com isso, nulidade absoluta. Por fim, não é incomum se encontrar na prática forense decisões que postergam a análise das causas de absolvição sumária à decisão de mérito. Em primeiro lugar, não há previsão expressa para a autoridade judiciária postergar decisões. O bom andamento processual indica todo o contrário. Trata-se de decisão que viola o princípio da

inafastabilidade do controle do Poder Judiciário, ocasionando violação expressa ao art. 5º, XXXV da Constituição da República. Contra tal decisão, além do cabimento de embargos de declaração (lacuna da decisão que deixa expressamente de analisar tese defensiva), caberá o habeas corpus por se tratar de decisão ilegal. 6. A Audiência de Instrução e Julgamento: ordem, audiência una e princípio da identidade física do juiz Depois de o juiz examinar a resposta à acusação, não sendo caso de rejeição da denúncia nem de absolvição sumária, o juiz deverá designar audiência de instrução e julgamento, em consonância com o art. 399 do Código de Processo Penal83. De acordo com a sistemática adotada pelo CPP, esta audiência deve ser aprazada em 60 dias a contar do despacho que a fixa, segundo o art. 400, caput do Código de Processo Penal84. Também no próprio art. 400, caput, o Código de Processo Penal indica a ordem dos atos processuais a serem realizados na audiência, devendo o magistrado zelar para que eles aconteçam exatamente nesta ordenação, consoante veremos. A audiência de instrução e julgamento é, na maior parte dos procedimentos criminais, o momento máximo de produção probatória, tendo em vista que a prova testemunhal é, de regra, a prova mais frequente e importante. Esta audiência, na tentativa de reforma dos procedimentos datada de 2008, tentou unificar esta audiência em um único grande ato de coleta probatória. Apesar dos esforços legislativos no sentido de se racionalizar os atos processuais, há enorme dificuldade na concentração dos atos processuais probatórios em um único evento, de forma que é raridade encontrar processos que se perfectibilizam em uma única audiência de instrução. Contudo, a fragmentação da audiência não constitui causa de nulidade do ato, desde que não haja a inversão da ordem indicada pelo art. 400 do CPP. Importante questão igualmente trazida pela reforma foi a introdução do “princípio da identidade física do juiz”,

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Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. 84 Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

estabelecido no art. 399, § 2º do Código de Processo Penal85, que indica que o magistrado que preside a audiência e o que profere a sentença deve ser o mesmo. Em princípio, a violação ao art. 399, § 2º do CPP tem admitido inúmeras exceções pelos tribunais superiores. Em específico, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido que outro juiz profira a sentença em casos justificados de afastamento do juiz que presidiu a coleta da prova. Desta maneira, atos de remoção, promoção, convocação são exemplos que na análise do STJ não tem força suficiente para caracterizar a nulidade da sentença proferida por juiz distinto. Este o teor da decisão proferida pelo tribunal no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 1.294.801-SP, julgado em 2019 e de relatoria do Ministro Jorge Mussi e que se coaduna com a decisão no RHC nº 78.603-MS, julgado em 2017 e de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz. O Supremo Tribunal Federal também tem admitido a flexibilização do referido princípio, como no julgamento do HC 110.804-SP (2013), de relatoria do Ministro Luiz Fux. No caso, a instrução presidida por juiz substituto, por conta das férias do titular, configura motivo pelo qual este, quando de seu retorno, deve prolatar a sentença. Tais decisões se alinhavam à disciplina da matéria pelo Código de Processo Civil de 1973, mais especificamente no art. 132, que estabelecia os casos de remoção, afastamento, promoção, licença, aposentadoria e afastamento motivado como as causas legais de mitigação do referido princípio. Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 não recepcionou, ao menos formalmente, o referido princípio. E, a partir de então, o complemento normativo ao art. 399, § 2º do CPP, que encontrava no art. 132 do CPC revogado deixou de existir. O problema é grave, tendo em vista que a revogação do art. 132 conduz, aparentemente, a uma dupla possibilidade: a) ou bem o princípio da imediatidade, já que o CPP não trata das causas de exceção vale não se admitindo em hipótese alguma a sua violação, ou b) ele passaria a ser materialmente revogado no processo penal, tendo em vista a revogação do complemento normativo estabelecido no antigo CPC. Evidentemente, nenhuma das soluções é a melhor. Assim, mesmo formalmente revogado o art. 132 do CPC-1973, grande parte dos julgados ainda faz referência às hipóteses ali contidas, de forma que se trata, ainda que partindo de norma revogada, de uma base que minimamente oferece algum marco hermenêutico para orientação. Assim,

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§ 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

em princípio, as causas de mitigação do princípio da identidade física do juiz devem ser similares àquelas encontradas no antigo CPC. Salienta-se, contudo, que conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.678.595-PA, julgado em 2017 e de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, eventuais decisões em regime de mutirão do poder judiciário não devem se subordinar ao princípio da identidade física do juiz, o que inclusive seria de se esperar das ações de “mutirão”. 6.1 A Tomada das Declarações do Ofendido O art. 400 do CPP traz uma ordem que não poderá ser invertida. O primeiro elemento probatório a ser realizado na audiência de instrução e julgamento, no rito ordinário é a coleta da palavra do ofendido. O primeiro elemento que deve ser analisado é a necessária combinação do art. 400 com o art. 201 do Código de Processo Penal86. Nesse dispositivo, verifica-se que não existe cogência na tomada do depoimento do ofendido. Trata-se de ato que deve preferencialmente ser realizado, não sendo de caráter imprescindível, à luz do art. 201 do CPP. É possível que a vítima tenha falecido, tenha mudado de domicílio desconhecido do juízo, etc. O que importa destacar é que a tomada de depoimento do ofendido não prejudica o andamento da audiência, ou seja, não se trata de ato processual obrigatório, podendo dela abrir mão o órgão da acusação. Ademais, importa que a vítima seja ouvida obrigatoriamente antes das testemunhas da defesa, cuja inversão poderá acarretar a nulidade do processo. O ofendido, que deve ser arrolado pela acusação, não integra o número máximo de testemunhas, justamente por não se tratar de prova testemunhal. A teor do art. 201, caput do CPP, ao passo que a testemunha presta depoimento, o ofendido presta declarações. Importante também referir que o ofendido não tem, como a testemunha, a obrigação de falar a verdade. Como o ofendido não presta o compromisso de dizer a verdade significa que não estará sujeito ao delito de falso testemunho (art. 342 do CP). Entretanto, isso não significa que a vítima estará “livre” para mentir, acusando alguém de forma injusta. O ato de dar causa à investigação e consequentemente, ao processo

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Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

penal, através de uma imputação falsa conduz o ofendido a responder pelo crime de denunciação caluniosa, nos termos do art. 339 do CP. Não há óbices para que se aplique por analogia o art. 220 do Código de Processo Penal, que regula os casos de testemunhas impossibilitadas de deporem em juízo87. Acreditamos também ser possível a aplicação analógica do art. 225 do Código de Processo Penal88, que disciplina a cautelar de produção antecipada de provas. Questão controversa é se o ofendido habilitado como assistente de acusação deve prestar declarações. A princípio, o simples indicativo de que o ofendido que, em se habilitando como assistente de acusação, demonstra interesse na punição do culpado não poderia ser ouvido é insuficiente quanto aos fundamentos que tornariam o ato inadmissível. Preliminarmente, sustentar-se que o ofendido habilitado como assistente de acusação teria interesse na punição do acusado – embora não seja uma premissa errônea – resvala na pressuposição de que, então, o ofendido não habilitado como assistente de acusação não teria interesse nesta mesma punição. Aqui sim se tem uma premissa de todo infundada. No processo penal, é de se presumir que a vítima tenha o interesse na punição do acusado, por isso não prestando compromisso e não sendo considerada testemunha. Contudo, há que se diferenciar entre a impossibilidade jurídica de tomada de depoimento e o valor probatório que se atribui à prova. Neste sentido, não nos parece ser prova ilícita a tomada do depoimento da vítima, mesmo que habilitada como assistente de acusação. Contudo, o valor probatório que se deve dar ao depoimento da vítima, neste caso, deve ser valorado com redobrada cautela, tendo em vista o flagrante interesse da vítima na obtenção da condenação do réu, o que inclusive a motivou à contratação de profissional para auxiliar o Ministério Público no êxito do procedimento criminal. Outra importante questão quanto ao tratamento dado ao ofendido no processo penal reside na possibilidade de as partes realizarem perguntas sobre o fato imputado ao acusado. Embora o art. 201, caput do CPP mencione que apenas o juiz perguntará ao ofendido, não restam muitas dúvidas de que um processo penal arvorado em um modelo acusatório deve não apenas possibilitar, mas incentivar que a prova seja trabalhada pelas 87

Art. 220. As pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer para depor, serão inquiridas onde estiverem. 88 Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.

partes. Isso sem falar-se nos princípios da ampla defesa e do contraditório. Apesar da ausência de dispositivo legal que outorgue às partes a possibilidade de fazer questionamentos, também não há nenhuma vedação expressa. Impossibilitar as partes de realizar contraditório em casos nos quais em muitas oportunidades, as declarações do ofendido constitui-se como um dos poucos materiais probatórios à disposição dos sujeitos processuais significa restringir o alcance da qualidade do acervo probatório posto ao juiz para exame. A própria qualidade da sentença depende do trabalho das partes, que poderão explorar elementos, circunstâncias ou fatos aparentemente pouco relevantes na ótica judicial, mas que poderão determinar importantes acréscimos ou mudanças no curso do processo. Por tal razão, a possibilidade de fazer perguntas ao ofendido deve ser interpretado como exercício do direito fundamental à prova89. Sua limitação corresponde, então, a uma limitação não expressa a direito fundamental, o que constitui, por via de consequência, em inexorável cerceamento de defesa, tratando-se inclusive de proibição que viola frontalmente as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Por fim, ainda em consonância com o disposto no art. 201, § 1º do Código de Processo Penal90, será possível a condução coercitiva do ofendido à audiência para prestar declarações. Trata-se de um dispositivo bastante contraditório com a tentativa de “valorização da vítima” no processo penal brasileiro, movimento que timidamente afetou a estrutura do CPP brasileiro a partir da reforma de 2008. Existem múltiplas razões pelas quais a vítima poderia não desejar prestar declarações judicialmente. Seja por que deseja esquecer o acontecido, seja por vergonha (não são raros os casos de vítima que se sentem “culpadas” pelo fato ocorrido, seja inclusive a fim de evitar o processo de revitimização que de regra ocorre em processos criminais). Entretanto, qual a forma jurídica dada pelo CPP à vítima quando ela não se apresenta para a audiência? O CPP possibilita a condução coercitiva da vítima, ou seja, ser ela conduzida com o emprego de força. Certamente não se trata do melhor tratamento jurídico, o que inclusive é o caso de reforço de todos os sentimentos de revitimização. Por tal razão, sendo as declarações da vítima vitais para o processo, no entender dos sujeitos processuais, a melhor saída é deixar de realizar a audiência aprazando-se nova, bem como intimando pessoalmente o ofendido da nova data. A condução coercitiva é medida 89

Sobre o direito à prova no processo penal recomendamos GOMES FILHO, Antônio Magalhães. O Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 90 Art. 201 § 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.

que não convém a um procedimento no qual se procura “valorizar a participação da vítima”. Trata-se de um procedimento que reforça a estigmatização e coloca a vítima em estado de tutela jurídica deficiente. Importante referir, por fim, que o depoimento da vítima, quando criança ou adolescente, implica na aplicação do denominado depoimento especial, regulado pela Lei 13.431/17, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo normas específicas para a tomada de declarações. Como já visto em ponto específico, existem diversas questões e problemas oriundos desta lei. Inclusive, de regra em havendo depoimento especial (orientado pela tentativa de evitar-se a revitimização), existe a possibilidade de fracionamento da audiência, uma vez que se tem admitido a tomada do depoimento especial na forma de cautelar de produção antecipada de prova. 6.2 A Tomada de Depoimento das Testemunhas Após a vítima prestar declarações, o segundo ato da audiência de instrução e julgamento determina a oitiva das testemunhas. Primeiramente serão ouvidas as de acusação, posteriormente as de defesa. Consoante já referido, o número máximo de testemunhas no procedimento ordinário é de 8 por fato imputado. Neste número devem ser excluídas as testemunhas que por algum motivo não prestam compromisso, na forma do art. 401 e seu § 1º do Código de Processo Penal91. As testemunhas não compromissadas são aquelas disciplinadas no art. 208 do Código de Processo Penal92, ou seja, aos menores de 14 anos, às pessoas acometidas por alguma doença mental que possa resultar na pouca credibilidade que o seu testemunho possa vir a assumir, bem como as testemunhas que guardem alguma relação próxima de parentesco ou de amizade com o acusado ou com o ofendido. Saliente-se que as testemunhas referidas (art. 209 do Código de Processo Penal93) não estão incluídas neste número. No que diz respeito à forma de inquirição, quanto às testemunhas de acusação, primeiramente deverá perguntar o Ministério Público ou o querelante, e havendo assistente de acusação na ação penal de iniciativa pública, deverá perguntar após o

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Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa. § 1o Nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as referidas. 92 Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206. 93 Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.

Ministério Público e antes da defesa. O art. 212 do Código de Processo Penal94 instituiu o denominado exame cruzado (cross examination), técnica de coleta probatória que tem como paradigma o sistema adversarial anglo-saxão, e cuja finalidade é atribuir às partes processuais a responsabilidade pela produção da prova, eximindo o magistrado de se imiscuir nesta fase. De toda forma, o magistrado estará autorizado – embora deva se eximir de fazê-lo - a realizar perguntas, de acordo com o art. 212, § único do Código de Processo Penal95, limitado a eventuais esclarecimentos que a testemunha possa fornecer, após a inquirição pelas partes. Quando se estiver diante de testemunhas arroladas pela defesa, a ordem se inverte, devendo primeiramente a defesa fazer os seus questionamentos, em seguida o Ministério Público ou o querelante e, por último, o assistente de acusação nos casos em que ele estiver habilitado em crimes de ação penal de iniciativa pública. Caso uma das testemunhas de acusação não compareça à audiência, temos algumas possibilidades. A primeira delas corresponde ao juiz questionar ao órgão da acusação sobre a desistência da oitiva daquela testemunha faltante. Desta maneira, se assim se proceder, deferindo o juiz a desistência (consultado o defensor do acusado), a audiência poderá prosseguir com a oitiva das testemunhas de defesa. Caso a acusação não abra mão da oitiva da testemunha faltante, a tomada de depoimento das testemunhas de defesa apenas poderá prosseguir com a concordância de todos os defensores, sob pena de se projetar a inversão da ordem de coleta probatória, gerando hipótese de nulidade por ofensa ao art. 400 do CPP e também ao devido processo penal. O que não se pode admitir, sob pena de ofensa à ampla defesa, é a continuidade da audiência sem que uma destas duas situações tenha ocorrido, ou seja, a determinação imperativa para que a audiência prossiga sem o consentimento da defesa ou a desistência da testemunha de acusação. O prejuízo que os tribunais superiores exigem para a decretação de nulidade se encontra presente não apenas na forma do desrespeito aos comandos legais que disciplinam a ordem da coleta probatória. O prejuízo acontece quando a defesa se vê obrigada à exposição de suas teses – que são expostas de forma direta ou indireta através da inquirição de suas testemunhas – garantindo ao órgão acusador explorar a sua prova após tomar o conhecimento dos elementos nos quais a defesa acredita estar 94

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. 95 Art. 201 Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

arrimada. A única hipótese em que não ocorreria prejuízo à defesa é a oitiva posterior da testemunha de acusação (após a oitiva das testemunhas de defesa e sem o consentimento da defesa), quando o seu depoimento não traz elemento algum ao processo. Em outras palavras, o prejuízo da inversão não consentida das testemunhas de acusação e defesa somente deixa de ocorrer quando a testemunha de acusação, ouvida por último, é incapaz de trazer qualquer informação útil ao processo, como por exemplo afirmar não se recordar do fato, quando afirma não ter presenciado o fato, etc. A inversão da ordem da oitiva das testemunhas não pode ter como único fundamento a celeridade. Contudo, sendo o interrogatório do acusado o último ato de instrução, e devendo ser ele realizado tão somente após o coleta integral do material probatório, a busca pela celeridade acaba sendo inútil, pois não há dúvida de que, mesmo ouvindo as testemunhas de defesa antes de esgotar as testemunhas de acusação, a audiência já não mais será una. Assim, recomenda o bom senso que, havendo a mais absoluta necessidade de uma nova audiência, que esta audiência finalize a coleta probatória sem se proceder à inversão da oitiva das testemunhas, o que garante uma instrução processual sem prejuízos à ampla defesa. Importante ressaltar, no que diz respeito à ordem da oitiva das testemunhas, que o depoimento tomado a partir de carta precatória, consoante entendimento jurisprudencial amplamente majoritário, não é considerado na sucessão de atos ou seja, não pode ser considerado como evento apto a causar a inversão da oitiva das testemunhas. O art. 400 do CPP traz ressalva expressa no caso das testemunhas ouvidas por carta precatória, ao referir-se ao art. 222 do Código de Processo Penal96. OLIVEIRA assenta posicionamento em franca dissonância com o conteúdo do art. 400 do CPP, afirmando que a proibição da inversão da coleta probatória deve se estender às testemunhas ouvidas por carta precatória. Segundo o autor, “é que, como se sabe, não pode haver prova produzida pela acusação, sem a possibilidade de a defesa poder confrontá-la. Assim, não se pode pensar na juntada posterior de carta precatória de testemunha arrolada pela acusação, quando já ouvidas as testemunhas de defesa. Haveria violação ao contraditório e à ampla defesa”97. E assiste razão ao autor, pois os fundamentos que determinam a exaustão dos meios probatórios da acusação antes da

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Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes. 97 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 427.

produção dos de defesa são os mesmos, independentemente da forma de obtenção dos testemunhos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é farta no sentido de que a inversão da produção da prova não deve levar em conta as cartas precatórias. Exemplo recente desta orientação pode ser encontrado no julgamento do RHC nº 105.154-SP (2018), de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior. O juízo deprecante, ao expedir a carta precatória, deve fazê-lo com prazo para cumprimento do ato, devendo agendar a audiência de instrução após a expiração daquele lapso temporal. Isto garantiria uma tentativa de se tentar coadunar os atos do juízo deprecante com os do deprecado, com isso dando máxima eficácia à ampla defesa. O agendamento de audiência para oitiva de testemunhas antes do prazo para o retorno das cartas precatórias constitui hipótese de inversão que não deve ser tolerada. O mínimo que se exige da autoridade judiciária é envidar os esforços necessários para garantir o fiel cumprimento do trâmite processual e a obediência à ordem de produção da prova. De toda sorte, a expedição da carta precatória, nos dizeres do art. 222, § 1º do Código de Processo Penal98, não suspende o andamento do processo. Uma interpretação rígida e literal deste dispositivo autoriza que a instrução siga e inclusive seja encerrada, podendo em tese o juiz sentenciar sem o retorno da carta precatória. Tal procedimento compromete os interesses em jogo, de forma que pode gerar uma decisão que deixa de apreciar fonte de prova absolutamente fundamental. Aliás, tal dispositivo viola, além do direito à ampla defesa, o direito fundamental à prova, de maneira que o dispositivo é inconstitucional pela afetação dos referidos direitos fundamentais. Inclusive, desde o ponto de vista do sistema de justiça criminal, o encerramento da instrução com a prolação da sentença pode também violar o princípio de economia processual. Imaginemos, partindo de uma análise literal do dispositivo, de que o juiz está autorizado a prolatar a sentença mesmo quando a carta precatória não tenha retornado. Imaginemos que a carta precatória seja requerida para a oitiva de testemunha arrolada pela defesa. Em sendo o acusado condenado e imaginando que a carta precatória seja cumprida e o depoimento da testemunha tenha conteúdo capaz de garantir a absolvição do acusado, então, duas questões se aproximam. A primeira delas é que o tribunal, em apelação, a princípio não teria condições de examinar este depoimento, uma vez que a sentença condenatória não o examinou, o que acarretaria supressão de instância (ou seja, não

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Art. 222 § 1o A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.

poderá o tribunal em grau de recurso examinar circunstância que não tenha sido analisada pelo grau inferior). A segunda possibilidade seria esperar o trânsito em julgado da condenação e sob o fundamento de prova nova superveniente à condenação, ajuizar a revisão criminal. Seja como for, nos dois casos teremos custos de tramitação processual absolutamente desnecessários, inclusive com a possibilidade de aplicação sobre o acusado de sanção injusta. Para a solução do problema, pensamos que a melhor atitude do tribunal será a anulação do processo por cerceamento de defesa e pela violação ao direito fundamental à prova, determinando que então o juiz aprecie a carta precatória antes de prolatar a sentença. Deve-se perceber claramente que há um grave problema de fundo em encerrar a instrução processual e prolatar a sentença, podendo causar danos irreparáveis, mormente quando se discute a possibilidade da “execução provisória da sentença condenatória” após o julgamento em segundo grau. De acordo com o art. 221, § 3º do Código de Processo Penal99, será possível ouvir-se a testemunha residente fora da comarca e mesmo assim garantir-se a obediência à ordem prevista no art. 400 do CPP. Basta que se utilize o depoimento por videoconferência, podendo ser agendado na mesma data em que as demais testemunhas serão ouvidas. É possível que alguma das testemunhas arroladas, seja pela acusação seja pela defesa, não seja localizada. O antigo art. 397 do CPP autorizava a substituição da testemunha nestes casos. Entretanto, após a reforma de 2008, o artigo foi revogado deixando uma lacuna relevante no corpo da disciplina da prova testemunhal. Em que pese a ausência de norma expressa que autorize a substituição da testemunha, não parece haver óbice lógico para que o juiz conceda a substituição. Em primeiro lugar, deve ficar muito claro, a substituição de testemunha somente é admissível quando houver justificativa para legitimar a permuta. No julgamento da Ação Penal Originária nº 1.002, de competência da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, as testemunhas que figuram no rol da peça defensiva apenas podem ser substituídas havendo motivação idônea. Neste caso, o STF aplicou analogicamente o art. 451 do Código de Processo Civil, que admite a substituição da testemunha apenas em caso de falecimento, enfermidade ou não localização da testemunha.

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Art. 222 § 3o Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.

De acordo com este entendimento e em consonância com a interpretação integrativa que se deu ao art. 451 do CPC, a não localização da testemunha constitui motivo idôneo para se postular a substituição, devendo ser autorizada pelo magistrado. Esta orientação já tinha sido contemplada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal Originária nº 470. Neste caso, o relator do processo à época, Ministro Joaquim Barbosa, autorizou o Ministério Público a postular a substituição de testemunha não localizada. Sobre o recurso interposto pela defesa, o relator se manifestou afirmando que a substituição deveria ser concedida, “até porque não houve uma revogação direta expressa do antigo texto do artigo 397, mas sim uma reforma de capítulos inteiros do código por leis esparsas”. Neste ponto, a ausência de lei que expressamente autorize não constitui fundamento suficiente. Isto porque, novamente, há que se aferir o direito fundamental à prova como o pano de fundo que deve orientar todas as regras procedimentais sobre os elementos de convicção no CPP. As partes poderão desistir da oitiva das testemunhas que arrolaram. Este é o teor do art. 401, § 2º do Código de Processo Penal100. A primeira questão polêmica que advém do respectivo dispositivo é se a desistência constitui ato unilateral e potestativo (uma espécie de renúncia) ou se se trata de um direito que pode ser controlado pela parte contrária ou pelo juiz. Em uma análise preliminar, a redação dada pelo art. 401, § 2º dá a entender que se trata de um direito unilateral e cuja simples manifestação pela parte interessada já acarretaria a renúncia ao meio de prova. A questão é mais complexa, pois é possível afirmar-se a existência de um princípio de comunhão da prova, isto é, cuida-se de matéria que passa a ingressar no conjunto do acervo probatório, não pertencendo às partes. Esta maneira de proceder traz como benefício evitar-se que o processo se transforme em instrumento de chicana, com uma das partes arrolando testemunha do interesse da outra e, no momento decisivo, percebendo que a outra parte não arrolou aquela mesma testemunha, desiste de sua oitiva, causando prejuízo. De acordo com GIACOMOLLI, “é possível a desistência de testemunhas (art. 401, § 1º do CPP) desde que haja concordância da outra parte e homologação judicial, na medida em que as pessoas, após terem sido arroladas, desvinculam-se do interesse processual das partes”101. Com efeito, assiste razão ao autor, há que se buscar uma interpretação conforma a Constituição deste dispositivo, como acentua LOPES 100

Art. 401 § 2o A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código. 101 GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do Processo Penal: considerações críticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

JÚNIOR102, a fim de se garantir ao máximo o contraditório sobre os meios de prova que passam a integrar o processo. Se por um lado é facultado às partes indicar os meios de prova que pretendem produzir, uma vez admitido o meio de prova, ele pertence ao processo, não podendo mais as partes interferir, de forma unilateral, na sua produção. Insista-se: as partes têm inicialmente a mais ampla faculdade de indicar os mais diversos meios de prova, que reflitam o seu interesse no resultado do processo. Contudo, esta faculdade exercita-se e se extingue após o deferimento judicial que acolhe a sua admissibilidade. O artigo 401, § 1º do CPP também traz uma redação orientada pelo art. 209 do Código de Processo Penal103, que regula as chamadas testemunhas referidas. O juiz, de acordo com este dispositivo, poderia ouvir as testemunhas que, apesar de não terem sido arroladas pelas partes, foram mencionadas por outras testemunhas. Existem muitos julgados que têm aplicado a possibilidade de desistência unilateral da testemunha104, aplicando o art. 401, § 1º de forma absolutamente literal, o que não é a melhor solução, uma vez que como já referido, implica em violação ao direito fundamental à prova e ao art. 8.2 “f” da Convenção Interamericana de Direitos Humanos105, que também disciplina o direito das partes de inquirir testemunhas que puderem contribuir para o esclarecimento do caso. Apesar de a redação do art. invocar o art. 209 do CP, de forma inadequada, o verdadeiro fundamento pelo qual deve haver anuência da parte contrária sobre a dispensa de testemunha está relacionada ao direito à prova e não à possibilidade de o juiz inquirir testemunhas referidas. Isto por que no caso em hipótese, as testemunhas cuja desistência fora requerida foram arroladas pelas partes, faltando, portanto, suporte normativo para a aplicação do art. 209 do CPP, que trata de ato de ofício do juiz. A jurisprudência tem falado também em desistência tácita da oitiva das testemunhas. A desistência tácita da prova testemunhal aconteceria quando, havendo despacho judicial que tenha requerido a uma das partes a manifestação sobre determinada questão, ela se mantenha inerte. Assim, exemplificativamente, ocorreria a desistência tácita da prova testemunhal quando arrolada a testemunha sem o endereço 102

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 673. Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes. 104 Citam-se como casos o julgamento da Apelação Criminal nº 10312130006355001-MG; do julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº 3.309.106-PE; do julgamento da Correição Parcial nº 7.0068.893.049RS. 105 Art. 8.2 f da CADH: direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; 103

completo, o magistrado determine a intimação para que a parte ofereça o endereço completo, interpretando-se a omissão como desistência106. Em nosso juízo, a desistência tácita, da forma com que vem sendo aplicada, parte do pressuposto de que a desistência das testemunhas é um ato potestativo (unilateral). Nesse sentido, não parece em sintonia com o direito fundamental à prova. De toda sorte, para que possa ser aplicada tal interpretação, seria imprescindível que a parte contrária também seja intimada da decisão, para que querendo, possa discordar da possível desistência “tácita”, nos mesmos termos em que a desistência ocorreria em audiência ou previamente à ela. A questão que mais suscita problemas é o descumprimento do disposto no art. 212 do CPP, ou seja, quando o magistrado, ignorando a reforma do sistema de coleta probatória, inicia as perguntas, somente então, após esgotados os seus questionamentos, passa a palavra às partes. O objetivo da reforma em 2008, no que se refere à forma como a prova deve ser coletada, era deixar o modelo de inquirição mais próximo do sistema adversarial, mais compatível com um processo de partes e evitar os inúmeros problemas epistêmicos derivados da adoção dos processos de corte inquisitorial. Pouca dúvida resta de que um sistema no qual as funções são concentradas na figura do julgador condiciona negativamente as respostas jurisdicionais. Quanto maior a participação das partes no processo penal, mais horizontes e amplitude teremos quanto às diversas perspectivas que podem ocorrer no campo da prova. Isto é, quanto maior a atuação das partes, menos fechada a cognição que o juiz terá relativamente ao fato imputado ao acusado. Evitar o solipsismo do julgador e as clausuras epistêmicas decorrentes de um modelo no qual o julgador é o único destinatário da prova corresponde abraçar, ao menos minimamente, os horizontes de um sistema acusatório. Como se não bastasse o problema estrutural e político de tentativa de aproximação do processo penal a um modelo acusatório, a redação do artigo oferece poucas dúvidas sobre a atuação judicial secundária. As perguntas do juiz, na redação do § único do art. 212 do CPP indicam que elas servem para que certas questões oriundas do depoimento sejam esclarecidas. Para se ter esclarecimentos é preciso que a testemunha tenha falado algo anteriormente. Então, as perguntas judiciais devem ser sempre posteriores às das partes, numa atuação subsidiária e não primária. O eixo central do sistema de exame cruzado é justamente o papel reservado às partes e ao juiz.

106

A desistência tácita já foi reconhecida pelo TJMG no julgamento da Apelação Criminal nº 1.0024.121.198.030.001-MG e pelo TJSC, no julgamento da Apelação Criminal nº 00.199.957.820.138.240.008-SC. Existem fartos exemplos aplicando tal procedimento.

O antigo sistema brasileiro era o presidencialista, no qual o magistrado tentava esgotar o depoimento da vítima, apenas então passando às partes o direito a exercer as perguntas. Este modo de estrutura da tomada de depoimento é coerente com o modelo inquisitório, que concebe o juiz como o grande ator processual, reservando aos demais sujeitos o papel de coadjuvantes. Em um modelo acusatório, o núcleo central orbita em torno das partes, impulsionando o processo para um modelo no qual estas e não o juiz tenham primazia. Assim sendo, a adoção do sistema presidencialista não pode ser aplicado, sob pena de nulidade absoluta. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC 111.815-SP (2017), de relatoria do Ministro Marco Aurélio, entendeu que o descumprimento do sistema de exame cruzado consiste em nulidade relativa. Veja-se que na discussão do acórdão, o Ministro Alexandre de Moraes, inquirido pelo Ministro Luís Roberto Barroso se a ordem das inquirições alterava o produto final (isto é, se a atuação do juiz antes das partes alterava o teor do depoimento), afirma: “eu fiz milhares de audiências como promotor criminal, altera substancialmente a correlação de forças. Na verdade, dependendo de como é o magistrado instrutor, ele ignora, depois, totalmente as outras perguntas, é já como se fosse um ato...não era nem presidencial antes, era ditatorial”107. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento alinhado ao

do

STF,

ao

informar que se trata de nulidade relativa. Diante deste cenário, e considerando-se que o no julgamento do HC 111.815-SP houve anulação da audiência, forçoso identificar que para que haja o reconhecimento da nulidade a parte interessada: a) consigne em ata a inconformidade quanto ao modus de proceder da autoridade judiciária; b) que alegue a nulidade em audiência, a fim de que não ocorra a preclusão. A grande dificuldade é a demonstração de prejuízo. No acórdão paradigma exarado pelo Supremo Tribunal Federal, não houve análise de prejuízo efetivo, mas apenas do prejuízo potencial, tendo em vista que a forma com que o ato processual de oitiva da testemunha foi realizado, indicava pressuposições de perda da imparcialidade e fechamento da autoridade judiciária para as perguntas das partes. Nesse sentido, a argumentação utilizada pelo STF para se anular o julgamento serve para todo e qualquer caso, uma vez que os pressupostos do acolhimento do habeas corpus e da decretação da nulidade poderiam ser aferidas em qualquer procedimento.

107

HC 111.815-SP, página 11.

Em nosso juízo se trata de nulidade absoluta, que deve ser reconhecida independentemente de qualquer demonstração de prejuízo concreto. Veja-se que a infração ao dispositivo é uma das mais graves que um juiz poderia tomar no curso do processo, vez que repristina um modelo revogado, o que equivale a afirmar que ele se nega a aplicar uma reforma processual de nítidos contornos políticos. Igualmente o modelo presidencialista de coleta probatória é incompatível com a própria redação do art. 212 do CPP, sendo expressão de não reconhecimento de que o processo penal deve evoluir rumo à acusatoriedade, replicando lógica inquisitória marcadamente autoritária. Ademais, a nulidade absoluta decorre, como advém da própria argumentação levantada pelos Ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, de que a forma antiga e revogada sequer se deveria chamar presidencial, mas ditatorial! Como não poderia ser tal descumprimento uma causa de nulidade absoluta? De toda sorte, caso haja a anulação pelo descumprimento da forma processual, a audiência de instrução e todos os atos posteriores deverão ser refeitos, podendo haver a contaminação de toda uma gama de atos processuais subsequentes. Contudo, o descumprimento da forma e a nulidade gerada somente adquirem relevância se o conteúdo das testemunhas for relevante no processo. A própria utilização de trechos do depoimento da testemunha em eventual sentença condenatória poderá indicar a superveniência do prejuízo, mormente quando em contraste com as respostas às perguntas das partes e mais especificamente neste caso, da defesa. 6.3 Dos Esclarecimentos dos Peritos Após a oitiva das testemunhas, a próxima etapa da coleta probatória corresponde aos esclarecimentos a ser prestados pelos peritos. A previsão legal se encontra no art. 400, § 2º do Código de Processo Penal108 e deve ser interpretada em conjunto com o disposto no art. 159, § 5º, I também do Código de Processo Penal109. Existem dois momentos distintos para que se proceda à oitiva dos peritos. O primeiro deles consiste no pedido de admissão da prova. Assim, compete ao Ministério Público requerer a oitiva dos peritos na própria denúncia. O mesmo vale para o querelante quando se tratar 108

Art. 400 § 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes. Art. 159. § 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; 109

de ação penal privada. A defesa, por seu turno, deverá requerer a oitiva dos peritos na resposta à acusação. Estes são os momentos processuais cruciais quando a perícia já foi elaborada e integra o corpo da investigação preliminar. Por outro lado, se a perícia foi juntada após o recebimento da denúncia, as partes poderão requerer o depoimento dos peritos em prazo não inferior a 10 dias antecedentes à audiência. Neste caso, deve-se proceder ao pedido já trazendo no corpo da petição os quesitos que a parte deseja sejam respondidos pelos peritos. Assim, após o pedido das partes, o juiz poderá determinar sejam os peritos ouvidos em juízo – devendo depor após as testemunhas – ou então, poderá o juiz determinar que eles respondam os quesitos das partes, podendo fazê-lo em laudo complementar. Contudo, para que os peritos respondam aos quesitos, há prazo preclusivo previsto em lei, ou seja, deverá a parte juntar aos autos os questionamentos em até 10 dias antes da audiência de instrução. Superado esse prazo, preclui para a parte o direito de formular as indagações. 6.4 Das Acareações O art. 400 do CPP também disciplina a possibilidade de que seja determinada, por pedido das partes ou pelo próprio juiz, a acareação, que possui regulação no art. 229110 e 230111 do Código de Processo Penal. As acareações têm cabimento quando há divergência importante no depoimento de testemunhas, entre acusados e ofendido ou ainda, entre ofendido e testemunha e acusado e testemunha. Talvez a maior dificuldade prática da realização da acareação é a imediata dispensa da testemunha tão logo tomado o seu depoimento. Não estando mais ela presente, se torna impossível a realização da acareação. Como forma de acautelar, deveria o juiz garantir que a testemunha permanecesse até o final da audiência, pois 110

Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes. Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação. 111 Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.

segundo a norma prevista no art. 400, caput do CPP, sendo possível a acareação entre testemunha e ofendido, a dispensa da testemunha e do ofendido apenas poderia acontecer após o encerramento da instrução. Caso a testemunha seja dispensada, haveria a necessidade de nova produção probatória, em nova audiência a ser designada, acarretando maior retardo no andamento do processo. Em que pese a possibilidade hipotética de acareação em que uma das partes é testemunha ouvida por carta precatória, este ato praticamente é sem sentido, uma vez que provavelmente haverá ratificação do depoimento anterior. O objetivo da acareação é colocar as partes em contato direto com o juiz quando evidenciada divergência relevante para o curso do processo penal. Portanto, a acareação “indireta” constitui unicamente meio de retardo processual sem prováveis benefícios, podendo ser indeferida pelo juiz, como aliás já decidiu ser possível o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC nº 144.847-SP (2011), de relatoria do Ministro Jorge Mussi. Diferente é o caso em que duas testemunhas serão acareadas na mesma comarca ou seção judiciária, havendo a deprecação do pedido de acareação (ali elas serão confrontadas perante um mesmo juiz). Também acreditamos que bastante controversa é a acareação entre testemunhas e ofendido ou réu, e entre réu e ofendido, já que tanto a vítima quanto o acusado não tem a obrigação de imparcialidade. Quando a divergência se der entre testemunhas, aí então pode ser necessário o confronto entre ambas, a fim de identificar e solucionar os pontos de divergência. 6.5 Do Reconhecimento de Pessoas e Coisas O reconhecimento de pessoas, o art. 226 do Código de Processo Penal112 disciplina a forma como se deve proceder ao ato. Há um gravíssimo problema que

112

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

ocorre na tomada usual do reconhecimento de pessoas no processo penal brasileiro. De regra, sem obediência a qualquer espécie de controle sobre os atos, na tomada de declarações da vítima, é costume a autoridade judiciária pedir para a vítima localizar na sala de audiências o autor do fato, geralmente resultando em identificações “positivas”. O Superior Tribunal de Justiça mantém uma linha interpretativa que é extremamente perigosa, uma vez que desalinhada dos estudos mais avançados sobre reconhecimento pessoal, colocando em situação de risco o acusado que comparece à audiência. Segundo o tribunal, não há nulidade na inobservância do reconhecimento “informal” feito pelo ofendido em sala de audiência. Nesse sentido, a jurisprudência do tribunal se mantém refratária a todo o conjunto de indícios levantados por estudos empíricos, demonstrando não apenas a fragilidade do reconhecimento pessoal, mas o que é mais grave: de um reconhecimento pessoal ainda mais fragilizado pela inobservância de regras técnicas cujo escopo é resguardar, ao menos minimamente, as chances de um reconhecimento equivocado. Cita-se como precedente que vai nessa linha o julgamento do HC nº 426.067-SP (2018), de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, que dispensa o magistrado de proceder em consonância com o disposto no art. 226 do CPP. O Supremo Tribunal Federal também tem feito vistas grossas para a disciplina do reconhecimento pessoal do acusado, conforme se pode constatar no julgamento do Recurso Ordinário em HC nº 119.439-PR (2014), de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, no qual se afirmou que a recomendação de que o réu seja colocado juntamente com outras pessoas é somente uma possibilidade, não um comando legal. Em primeiro lugar, o reconhecimento pessoal do acusado, se feito pela testemunha, deve vir antes de seu depoimento, em sala especial e se garantindo ao acusado o direito de ser colocado ao lado de pessoas fisicamente semelhantes. É ilógico que a vítima primeiramente deponha, faça contato visual com o acusado na sala de audiências e tão somente depois se proceda à identificação, o que certamente conduzirá a um reconhecimento por ratificação, pois é muito provável que a vítima acabe reconhecendo justamente aquele que estava em audiência. Pelos motivos expostos quando do exame do reconhecimento pessoal do acusado, reportamo-nos ao exame que lá foi realizado sobre erro judiciário e as diversas

Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

tentativas de minimizar as chances de condenação de um inocente através deste meio de prova. Quanto ao reconhecimento de coisas, há previsão nos artigos 227 e 228 do Código de Processo Penal113. Aqui, a forma não necessita ser tão rigorosa como na anterior, devendo se ter o cuidado para que a vítima ou testemunha descreva brevemente o instrumento utilizado no crime e que o instrumento seja colocado em meio a outros, como disciplina o art. 226, II do CPP. 6.6 O Interrogatório do Acusado O interrogatório do acusado se constitui como o último meio de prova a ser produzido durante a instrução processual. Ressalte-se que até 2008, o interrogatório era o primeiro ato processual. Alguns procedimentos ainda mantém esta estrutura, que não é a mais recomendada. A primeira questão, a saber, é por que foi deslocado este ato para apenas o final do processo? A resposta corresponde ao fato de o interrogatório se constituir, substancialmente, como meio de defesa do réu. E, sendo assim, a sua colocação como o último ato de instrução lhe oferece condições de avaliar o quadro probatório produzido e, querendo, proceder à confissão, após mesurar suas chances de absolvição e condenação. Trata-se de um meio de defesa denominado de defesa pessoal, oportunidade que se concede ao acusado para que possa oferecer a sua versão dos fatos independentemente da defesa técnica. Portanto, o interrogatório se exprime como um direito inafastável do réu, que terá a faculdade – jamais a obrigação – de se manifestar sobre a acusação. Se o objetivo do interrogatório como último ato da instrução é dar o mais amplo conhecimento ao acusado do quadro probatório contra ele existente, natural que se deva proceder à este ato apenas após os retornos das cartas precatórias. Muito embora como já comentado anteriormente, o art. 222, § 1º do CPP autorize o juiz a prosseguir com a instrução, uma vez que a expedição de carta precatória não teria o condão de suspender o processo, o bom senso determina que o efetivo direito à defesa pessoal apenas se 113

Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável. Art. 228. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.

complementa quando o acusado tem conhecimento de todos os elementos de prova produzidos. A ausência da carta precatória pode diminuir as condições de compreensão do acusado sobre a integralidade dos meios probatórios. Tecnicamente, também é objetável prosseguir no depoimento do interrogatório do acusado sem o retorno das cartas precatórias. Isso é assim, pelo fato de que o interrogatório não se caracteriza como ato instrutório, mas como meio de defesa exclusivo do acusado, a denominada defesa pessoal. O interrogatório deverá ser preferencialmente realizado com a oitiva pessoal do acusado, mesmo que preso, conforme o art. 185, § 2º do Código de Processo Penal114. A presença do acusado para a realização da defesa pessoal é ato de extrema importância, por isso, deverá o juiz, em se tratando de acusado preso, requisitar o seu comparecimento, em conformidade com o art. 399, § 1º do Código de Processo Penal115. Constitui direito do acusado não apenas o denominado direito de autodefesa, mas o direito de presença, ou seja, de participar de toda a instrução processual, auxiliando o defensor da tarefa de identificar pontos controversos e a formular questionamentos às testemunhas. Por isso o ato deve, sob pena de injusto cerceamento do direito de presença, ser realizado pessoalmente pelo acusado na presença do magistrado. Todavia, a forma com a qual o CPP regulou a matéria (ao tentar dar unidade à audiência) é totalmente inadequada. Segundo o CPP, mais especificamente no art. 185, § 1º do Código de Processo Penal116, a primeira opção (e de longe a mais inconveniente) é a realização do interrogatório do acusado preso no próprio presídio. Para tanto, devem concorrer uma série de condições, todas elas cumulativas. Em primeiro lugar, deve o presídio possui sala própria para a realização do ato (o que já elimina a imensa maioria dos presídios brasileiros). Em segundo lugar, deve haver a garantia da segurança do juiz, do promotor e dos serventuários da justiça, bem como a presença do defensor, sustentando-se a publicidade do ato. Francamente, além de tal deslocamento dos sujeitos processuais ao presídio constituir o fracionamento da audiência (o que significa 114

Art. 185 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: 115 Art. 399 § 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação. 116 Art. 185 § 1o O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.

também que o acusado não teve a possibilidade de acompanhar a produção da prova em audiência), constitui-se como inviável desde as condições de operação dos presídios brasileiros. Na lógica do CPP, não sendo possível o interrogatório do acusado no presídio, o CPP prevê a possibilidade de interrogatório por videoconferência, disciplinado no art. 185, § 2º do Código de Processo Penal117. Na estrutura do CPP, apenas em impossibilidade de interrogatório no presídio e, posteriormente, na impossibilidade do interrogatório por videoconferência seria possível a realização do interrogatório na sede do juízo, sendo o preso transportado até lá. Apesar desta ordem, a efetivação máxima do direito de autodefesa e de presença do acusado apenas se dá com o seu traslado ao juízo, de maneira que sempre se deverá dar preferência à esta forma de ato processual. Outra circunstância deve ser sopesada neste caso. Como muito bem observa BADARÓ, “embora a chamada lei da videoconferência – Lei 11.900-2009 – seja posterior à Lei 11.719/2008, que alterou o procedimento comum, estabelecendo audiência una, o projeto que redundou na lei que disciplinou o interrogatório por videoconferência tinha em vista o antigo procedimento comum ordinário, em que o interrogatório era realizado em audiência destinada exclusivamente para tal finalidade, no início do procedimento, logo após a citação”118. A preferência pelo interrogatório do réu em juízo deve também estar atento à celeridade processual, bem como a concentração de atos. O interrogatório no presídio depõe justamente em contrário a tais finalidades. Como já visto no momento apropriado, o interrogatório do acusado é constituído pelas perguntas sobre a qualificação, de acordo com o art. 187, caput e § 1º do Código de Processo Penal119 e pelos questionamentos sobre o mérito da acusação, ou seja, sobre 117

O Segundo o art. 185, § 2º, o interrogatório por videoconferência deverá atingir uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública. 118 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 625. 119 Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. § 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.

o objeto da denúncia, como dispõe o art. 187, § 2º do CPP. O interrogatório, diversamente da forma com a qual se conduz a tomada da prova testemunhal, não se regula pelo sistema de exame cruzado. Assim, o juiz iniciará as perguntas, devendo, após esgotados os seus questionamentos, passar a palavra às partes, conforme a disciplina do art. 188 do Código de Processo Penal120. Em que pese ter havido omissão do legislador ao deixar de especificar a ordem em que as partes formulam as perguntas ao acusado, pode-se contemplar o art. 474, § 1º do Código de Processo Penal121, que apesar de tratar do procedimento especial do tribunal do júri, oferece ajuda para resolver a questão. No procedimento em plenário, o acusado será interrogado pelo juiz e, na sequência, pelo Ministério Público ou o querelante, pelo assistente de acusação e por fim, pelo defensor. Além das perguntas feitas ao próprio cliente por ocasião do interrogatório, o defensor poderá formular perguntas também aos demais corréus, consoante já sinalizava o Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do HC nº 94.016-SP (2009), de relatoria do Ministro Celso de Mello e também por ocasião do julgamento do HC 238.479-PE (2012) pelo Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Ministra Laurita Vaz e do HC nº 198.668-SC (2012), julgado pela 5ª Turma do STJ e de relatoria do Ministro Jorge Mussi. A ampla defesa do acusado se constituiria em mero esboço de garantia caso não fosse autorizado o defensor a proceder a questionamentos dirigidos aos demais acusados, de forma que se trata nulidade insanável, devendo os atos de interrogatório ser novamente realizados se não garantido ao advogado esta prerrogativa. 6.7 A Dupla Posição do Colaborador Premiado Uma figura que tem causado diversos problemas no processo penal brasileiro é a figura do colaborador premiado. Sabe-se que tal figura aparece na Lei 12.850/13, reformada pela Lei 13.964/19. Havendo, no processo, o requerimento para tomada de depoimento do colaborador premiado, qual a ordem a ser obedecida? Apesar da alteração dada ao instituto da colaboração premiada no âmbito da Lei 12.850/13, não houve qualquer espécie de alteração quanto aos ritos processuais, mormente quanto à ordem de produção probatória. 120

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante. 121 Art. 474 § 1o O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.

A primeira desmistificação que deve ser realizada é a inexistência de um estatuto unívoco do colaborador premiado. Vale dizer, que a natureza jurídica do depoimento do colaborador depende da posição jurídica que ele assume. Se o colaborador for denunciado, neste processo em que ele é réu o seu depoimento será tomado na fase de interrogatório. Tomando-se como norte o disposto no art. 4º, § 10-A da Lei 12.850/13122, o interrogatório do réu colaborador deve ser obrigatoriamente realizado antes dos interrogatórios dos acusados delatados. No habeas corpus nº 166.373-PR, de relatoria do Ministro Edson Fachin, julgado em 26.09.2019, o STF decidiu que o réu colaborador deve ser ouvido antes do acusado delatado. Parte do problema levantado partiu da problematização de o CPP não possuir qualquer regulação – nem fazer qualquer espécie de distinção – entre réus colaboradores e delatados. De fato, neste sentido apriorístico, realmente há omissão legislativa. Entretanto, a ausência de solução legislativa é integra justamente o problema que originalmente conduziu o caso ao STF. Portanto, sequer é um argumento no sentido estrito da palavra. É uma constatação. Desta maneira, qual o momento oportuno para o colaborador falar no processo? Preliminarmente, há que se atentar para o procedimento que tem sido utilizado no Brasil. De regra, os colaboradores são denunciados e acabam, pelo menos no sentido formal ocupando a posição de réus. O problema é a confusão conceitual entre a posição formal assumida e a posição material realmente assumida pelos colaboradores. A primeira questão é que o termo de colaboração é que estabelecerá os benefícios concedidos ao colaborador e as condições de eficácia deste acordo, que serão analisados na sentença123. Não há menor dúvida de que o colaborador possui interesse na condenação dos demais delatados (condição de eficácia do acordo a ser valorada na sentença). Tampouco surge alguma dúvida de que o colaborador agirá como se fosse um órgão acusatório, no sentido de proceder à incriminação e à produção de provas que possam incriminar os demais acusados. Neste sentido, a verdadeira natureza jurídica do acusado colaborador é a de um assistente de acusação. Assim sendo, sob pena de se produzir uma espécie de litisconsórcio ativo nos processos em que existam réus colaboradores, ele deverá ser ouvido logo após a tomada de depoimento do ofendido (caso exista) e antes mesmo das

122

Art. 4º § 10-A Em todas as fases do processo, deve-se garantir ao réu delatado a oportunidade de manifestar-se após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou. 123 Art. 4º § 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.

testemunhas de acusação e de defesa. Repita-se: não se deve confundir a posição jurídica formalmente assumida pelo colaborador (ter sido denunciado e, portanto, assemelhá-lo à figura do acusado) de sua participação efetiva (como verdadeiro assistente de acusação). Ademais, deve-se registrar que a sua participação, sob pena de aumentar ainda mais o ônus sobre os réus delatados deverá seguir fielmente o disposto para o instituto da assistência à acusação, com a sua atividade probatória e recursal cingida unicamente a subsidiar o Ministério Público e não a se erigir em um segundo acusador (privado e que operaria por interesse próprio). Os problemas não param por aí. A segunda possibilidade existente é o colaborador não ter sido denunciado no processo em que fora intimado para depor. Neste caso, não sendo réu, o colaborador participará como uma espécie de testemunha não compromissada, isto é, no jargão forense, como “informante”. O Supremo Tribunal Federal, desde o momento de aplicação da Lei de Proteção às Testemunhas já admitia que a oitiva dos colaboradores tomaria a forma do depoimento testemunhal, consoante se pode verificar do julgamento da Questão de Ordem Terceira na Ação Penal nº 470124. De igual maneira o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a natureza jurídica de prova testemunhal que recai sobre o colaborador que não é parte no mesmo processo criminal125. Logo, o depoimento de colaborador que não é réu no processo deverá ser realizado após a oitiva das testemunhas de acusação e compulsoriamente antes da oitiva das testemunhas de defesa, sob pena de se proceder à inversão da produção probatória, com danos inevitáveis à ampla defesa e ao contraditório. A oitiva do colaborador após as testemunhas de defesa constitui nulidade insanável, devendo a instrução ser refeita caso não se respeite a ordem de produção probatória.

124

“O fato de não terem sido denunciados nestes autos não retira dos envolvidos a condição de corréus. Daí a impossibilidade de conferir-lhes a condição de testemunhas no feito. 7. De todo modo, por não terem sido ouvidos na fase do interrogatório judicial, e considerando a colaboração prestada nos termos da delação premiada que celebraram com o Ministério Público, é perfeitamente legítima sua oitiva na fase da oitiva de testemunhas, porém na condição de informantes” (STF, Ap nº 470 QO-terceira/MG, Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 23.10.2008, m.v., RTJ 211/37). 125 “II -O sistema processual penal brasileiro impede a oitiva de corréu na qualidade de testemunha, na mesma ação penal, em razão da incompatibilidade entre o direito constitucional ao silêncio e a obrigação de dizer a verdade imposta nos termos do Código de Processo Penal. III -No entanto, não há impedimento ao depoimento de colaborador como testemunha, na medida em que, não sendo acusado no mesmo processo em que o recorrente figure como réu, sua oitiva constitua verdadeira garantia de exercício da ampla defesa e do contraditório dos delatados, ao mesmo tempo que também consubstancia mecanismo de confirmação das declarações e de validação dos benefícios previstos no acordo de colaboração” (RHC 67.493/PR, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j.19.04.2016, v.u.)

6.8 Saneamento do Processo e Diligências Supervenientes à Instrução É possível que a instrução processual tenha produzido elementos de convicção que devam ser explorados antes do fechamento da coleta probatória. O art. 402 do Código de Processo Penal126 explicita esta possibilidade, marcando prazo preclusivo para o requerimento de diligências consideradas imprescindíveis. O suporte fático para que sejam postuladas novas diligências deve estar intimamente conectado à emergência de prova nova, conhecida apenas após o advento da instrução criminal. Estes requerimentos poderão ser feitos por todos os sujeitos processuais. Apesar de o CPP indicar uma ordem, trata-se de texto legal inútil, pois a ordem destes requerimentos é absolutamente irrelevante, já que se tratam de pedidos endereçados ao magistrado e que deverão ser individualmente analisados. O juiz poderá, em havendo complexidade dos elementos de prova, suspender o andamento da audiência para poder decidir. Em se tratando de requerimentos mais simples, caso haja o deferimento para a produção da prova, haverá a necessidade de produção desta prova em nova audiência a ser designada ou então, em se tratando de prova exclusivamente técnica e documental, aguardar a sua juntada aos autos. Assim, teremos a obrigatoriedade da apresentação de memoriais no prazo de 5 dias cada um, conforme dispõe o art. 403, § 3º do CPP, tendo o juiz, a partir da juntada aos autos de todos os memoriais, de julgar em 10 dias (art. 404, § único do CPP). Contudo, se o juiz indeferir os pedidos poderá passar imediatamente aos debates orais, devendo proferir sentença em audiência. 6.9 As Alegações Finais As alegações finais, conforme o art. 403, caput do Código de Processo Penal127, serão preferencialmente realizadas através de debates. Na lógica da reforma de 2008, os debates orais garantiriam maior celeridade processual, além também de incrementar o princípio da oralidade no processo penal. Contudo, a prática forense tem assistido à substituição, na maior parte dos casos, dos debates pela apresentação de memoriais 126

Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. 127 Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.

escritos, como prevê o art. 403, § 3º do Código de Processo Penal128. Além da enorme dificuldade histórica de implementação de um juízo oral no Brasil, o acúmulo de serviço dos agentes estatais torna a opção pelos memoriais mais frequente. Também haveria a necessidade de que ambos os sujeitos processuais estivessem preparados para os debates, já produzindo ao menos um esboço das principais teses, especialmente aquelas questões ditas “de direito”. Realizando-se os debates, o CPP estabelece o prazo de 20 minutos para a acusação, que poderão ser prorrogados por mais 10 minutos. O acusador, seja ele o Ministério Público ou o querelante, tem o prazo de 20 minutos prorrogáveis por mais 10 para cada um dos acusados, o que oferece um tratamento isonômico relativamente à defesa. Este mesmo prazo é estabelecido para a defesa. Havendo mais de um acusado, o prazo será individual, conforme estabelece o art. 403, § 1º do Código de Processo Penal129. Se tivermos apenas um defensor para dois ou mais réus, em que pese não haver norma expressa neste sentido, como o prazo está direcionado ao número de acusados, deve-se manter a contagem individualizada do tempo. Veja-se que o prazo para o assistente de acusação é de apenas 10 minutos130, que não poderão ser prorrogados. Embora não exista menção expressa, havendo assistente de acusação que faça valer o seu tempo, deve ser dado mais tempo à defesa para se manifestar, garantindo que tanto acusação e defesa disponham do mesmo período de tempo para as suas alegações. Em obediência ao que fora objeto de exame, o prazo concedido a réu colaborador deve ser exatamente aquele do assistente de acusação. Se, contudo, o prazo que lhe foi outorgado for o previsto em lei para a defesa (20 minutos), este mesmo prazo deve ser acrescido para cada um dos acusados imputados, sob pena de desequilíbrios das chances processuais (ou seja, o Ministério Público contará com um réu que fará as vezes de acusador, burlando a simetria das chances processuais). As alegações finais consistem na principal peça do processo penal. Ali será possível alegar todas as matérias e examinar todos os elementos de prova, sem restrição. Daí que não se possa admitir defesas genéricas, que consistam apenas em pedir absolvição, sem fundamentar, em “confessar o crime em nome do acusado”, em “pedir justiça”, etc. Em se deparando o magistrado com a precariedade visível da peça 128

§ 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. 129 Art. 403 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. 130 Art. 403 § 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.

defensiva, deve nomear defensor dativo ou público para oferecer a peça, sob pena de nulidade absoluta diante da insuficiência de defesa substancial. Gize-se que as alegações finais correspondem ao momento preclusivo para a arguição das nulidades relativas, não podendo a parte deixar de atacá-las neste momento, sob pena de preclusão. A ausência de alegações finais por parte do acusado atrai a incidência da Súmula 523 do STF, que estabelece que “no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Neste ponto, verificando o juiz que as alegações finais não foram oferecidas pelo acusado, deverá proceder à sua intimação para constituir novo defensor, advertindo de que não apresentando novo defensor, ser-lhe-á nomeado defensor público. Além disso, o juiz poderá oficiar à Ordem dos Advogados do Brasil para instauração de comissão destinada a apurar infração administrativa cometida pelo advogado. Por seu turno, a falta das alegações finais por parte do Ministério Público constitui infração de dever funcional, devendo o magistrado comunicar ao Procurador Geral. Contudo, a questão a saber é: em não havendo alegações finais por parte do Ministério Público, como se deve proceder? Vários julgados indicam que a ausência de alegações finais por parte do Ministério Público não configura motivo passível para anular o processo. Tal entendimento pode ser encontrado no julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

das

apelações

criminal



0000291-32.2002.8.17.0470

e

281620068171260, em que apesar da inexistência da peça processual acusatória, mesmo assim, o juiz condenou o acusado. Tecnicamente estamos diante de um esvaziamento da acusação. A ausência das alegações finais por parte do Ministério Público corresponde a um pedido de absolvição implícita. E como tal deve ser tratado, tendo em vista em não se pode presumir, em desfavor do acusado, que o promotor de justiça postularia a condenação do réu, ausente peça processual expressa neste sentido. Um sistema acusatório deve trazer como consequência inarredável de que a ausência de interesse da acusação na condenação do acusado, seja através do pedido de absolvição expresso ou como neste caso, tácito, inviabiliza a condenação do acusado, apesar da inconstitucional subsistência do art. 385

do Código de Processo Penal131, talvez o mais inconstitucional dos artigos ainda vigentes no atual CPP. Em se tratando de ação penal de iniciativa privada, a ausência de alegações finais por parte do querelante ou mesmo a juntada das alegações finais sem o pedido expresso de condenação são causas de extinção da punibilidade do querelado, como disciplina o art. 107, IV do CP e mais especificamente, o art. 60, III do Código de Processo Penal132. A ordem da apresentação das alegações finais também não pode ser alterada. Em nosso sentir, trata-se de causa de nulidade absoluta. Sobre este ponto o Superior Tribunal de Justiça tem manifestado o entendimento de que a simples inversão da ordem não é causa demonstrativa, por si só, do prejuízo que deve acompanhar a arguição de nulidade. Neste sentido podem-se citar como precedentes o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1295765-PR (2015), de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, bem como o Agravo Interno no Recurso Especial nº 1753685 / SP (2018), de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro. No mesmo sentido tem sido a orientação do Supremo Tribunal Federal, em que se cita como precedente o julgamento do HC 130433-SP (2017), de relatoria do Ministro Marco Aurélio. No HC 166.373-PR, de relatoria do Ministro Edson Fachin e julgado em 02.10.2019, o STF entendeu que há direito dos réus delatados em apresentar as suas alegações finais após o oferecimento desta peça pelos réus colaboradores. Eis aí mais um sentido que indica a real natureza jurídica do colaborador denunciado no processo penal – assistente de acusação. A alteração realizada na Lei 12.850/13 não deixa mais dúvidas sobre a necessidade de o colaborador premiado oferecer as suas alegações finais antes dos acusados delatados, consoante o art. 4º, 10-A:”Em todas as fases do processo, deve-se garantir ao réu delatado a oportunidade de manifestar-se após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou”. Possível inversão desta ordem acarreta a nulidade absoluta do processo, em todo e qualquer caso: provoca assimetria das posições jurídicas de acusação e defesa, inviabiliza o contraditório sobre manifestação substancialmente acusatória (repita-se: as alegações do colaborador equiparam-se às do assistente de acusação). 131

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. 132 Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: II - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;

Apesar do posicionamento dos tribunais superiores quanto à inexistência de prejuízo manifesto, se os próprios tribunais reconhecem que a inversão na coleta da prova pode suscitar a nulidade, como não se poderia decretá-la no caso de inversão processual no momento mais importante do processo penal? O prejuízo é decorrente da violação à própria estrutura acusatória e da lógica que pode ser encontrada mesmo no mais mal-acabado e mais rudimentar procedimento criminal: a defesa fala por último. O réu, em toda espécie de procedimento deve falar por último, pois justamente não há defesa se não houver acusação. Admitir que a defesa se manifeste primeiro e somente depois do acusador, acentuando que não haveria nesta inversão qualquer espécie de prejuízo corresponde a autorizar que a forma mais básica e elementar de um processo de estrutura acusatória seja desprezada. Por tal razão, é inerente ao processo penal que a ordem das manifestações seja mantida, sob pena de o próprio procedimento não encontrar razão de sua existência. Inversão da ordem de alegações finais é a mais grave inversão que poderia ser encontrada no processo penal. Portanto, fora de dúvidas que o prejuízo é manifesto, ou se se quiser, presumido, não cedendo a qualquer prova em contrário. Havendo pluralidade de acusados, e sendo substituídos os debates orais pelos memoriais escritos, o prazo de 5 dias para a defesa, de acordo com o CPP, é um prazo em comum. No campo do processo eletrônico, tal questão não oferece maiores dificuldades, posto que a intimação se dará de acordo com a abertura do prazo pelo próprio advogado no sistema. Além disso, o acesso à integralidade do procedimento não oferece dificuldade alguma, sendo plenamente aceitável que o prazo de alegações finais seja comum. Questão mais complexa ocorre quando se está diante de processo físico. O grande problema do prazo em comum para todos os acusados em processo físico é a impossibilidade de acesso individualizado ao seu conteúdo, o que pode em certos casos dificultar ou até mesmo inviabilizar a ampla defesa. Contudo, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, esta forma de proceder (concessão do mesmo prazo para todos os acusados) não causa nulidade, tendo em vista que esta circunstância por si só não seria apta a gerar o prejuízo. Neste sentido temos a decisão do STJ no julgamento do HC 113.655-MT (2008), de relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze. Contudo, havendo complexidade do caso, deve o magistrado garantir a extensão do prazo das alegações finais, a fim de permitir a consulta local aos autos bem como a preparação da peça defensiva. Desta maneira, como no caso do julgamento do HC 171.346-RS (2012), pelo Superior Tribunal de Justiça e de relatoria da Ministra

Laurita Vaz, tratava-se de caso no qual o prazo em comum para os réus apresentarem as alegações finais foi triplicado, garantindo ao menos, a possibilidade de exame mais detido do caso. Outro ponto que merece ser destacado no que diz respeito às alegações finais é a inexistência de um direito das partes à conversão dos debates orais em memoriais. Trata-se de faculdade judicial, que em virtude da complexidade do caso e do número de réus (art. 403, § 3º do CPP), decide por finalizar a audiência concedendo às partes processuais o prazo para que sejam oferecidas as suas alegações finais. Nesse sentido tem-se posicionamento unívoco da 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça, como no julgamento do HC 418.911-SP (2017), de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas e do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 33.922-RN (2015), de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro. 6.10 A Sentença no Procedimento Ordinário Como visto, existem duas possibilidades conferidas ao juiz após o encerramento da instrução. A primeira delas é conceder a palavra às partes e proceder aos debates orais. A segunda é converter os debates orais em memoriais. No primeiro caso, o juiz deve proferir a sentença logo após encerrados os debates. Em se optando pelo oferecimento de memoriais, o juiz terá o prazo legal de 10 dias após a juntada dos memorias da defesa. Recorde-se que a regra geral estabelecida no art. 399, § 2º do CPP é a de que o juiz que instruiu o processo deverá julgar, admitindo a jurisprudência, uma série de exceções que devem ser justificadas. Sobre a sentença recomendamos a leitura do tópico específico sobre o tema. II – O PROCEDIMENTO COMUM SUMÁRIO O procedimento sumário, de acordo com a regra fixada pelo CPP, traz a pena máxima do crime como fator de sua determinação. O procedimento sumário está regulado entre os artigos 531 e 538 do CPP. Este procedimento, como disciplinado no art. 394 do CPP, se aplica para os crimes cuja pena máxima seja inferior a 4 anos. A redação do CPP é defeituosa, pois existem dois procedimentos que podem ser aplicados para infrações penais cuja pena máxima seja inferior a 4 anos: o procedimento sumário e o sumaríssimo. No caso do procedimento sumaríssimo, que cuida do

julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, a competência também é fixada tendo em vista a quantidade de pena a ser aplicada. E, de acordo com o art. 61 da Lei 9.099/95133, a competência dos Juizados Especiais Criminais é para processamento e julgamento das infrações penais cuja pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos. Assim, em princípio o procedimento sumário teria a sua aplicação originária restrita a um número muito pequeno de casos, pois a pena máxima do crime sujeito a este procedimento não pode ser igual a 4 anos nem pode ser inferior a 2 anos. Portanto, os limites legais do procedimento sumário se aplicariam originariamente, aos crimes cuja pena fique em 3 anos. São pouquíssimos os casos em que o rito sumário se aplica. Como exemplo, seria possível mencionar o crime de injúria qualificada por preconceito (art. 140, § 3º do CP) e a lesão corporal praticada em situação de violência doméstica (art. 129, § 9º do CP). Contudo, apesar de aparentemente poucos crimes previstos no Código Penal se encaixar nas balizas legais, o procedimento sumário tem sua aplicação mais ampla devido a outros dois critérios, ambos derivados, ou seja, não originais. Em primeiro lugar, o rito sumário será aplicado nos crimes em que originariamente a competência seria do Juizado Especial Criminal, mas que por alguma razão não podem lá ser processados. Assim, como exemplo podemos citar o crime de ameaça no âmbito da violência doméstica (como será mais adiante analisado, os crimes de violência doméstica contra a mulher não admitem a aplicação dos institutos da Lei 9.099/95) e os crimes de menor potencial ofensivo em que não foi possível a citação pessoal do acusado (como veremos, a única forma de citação admitida pela Lei 9.099/95 é a pessoal). Além disso, será aplicado o rito sumário às infrações penais que a princípio possuem a pena máxima de até dois anos, mas com incidência de causas de aumento que fazem com que o tipo penal ultrapasse os limites do procedimento sumaríssimo. Assim, apesar da pequena incidência do procedimento sumário, ele encontra aplicação em alguns crimes do código penal e lei extravagante, aplicação esta estendida aos casos que não podem ser processados através do rito sumaríssimo e com o

133

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

consequente deslocamento de competência para uma vara criminal comum Aliás, este o conteúdo do art. 538 do Código de Processo Penal134. 2.1 O Rito Sumário: semelhanças e diferenças com o rito ordinário O rito sumário inicia a sua disciplina legal no art. 531 do Código de Processo Penal, guardando enorme semelhança com aquele previsto para o rito ordinário135. Embora o CPP não faça menção, toda a fase de ajuizamento, recebimento, citação, juntada da resposta à acusação, análise da resposta à acusação, tudo é idêntico ao procedimento ordinário. O fundamento se encontra positivado no art. 400, § 4º do CPP. Por isso o CPP inicia a partir da designação da audiência de instrução e julgamento. A primeira diferença entre os dois ritos é bem sútil. Trata-se do prazo para designação da audiência de instrução e julgamento. Enquanto no rito ordinário este prazo é de 60 dias a contar do despacho que analisa a resposta à acusação, no procedimento sumário o prazo para agendamento da audiência é de apenas 30 dias contados do despacho. Não há vedação alguma aos meios probatórios admitidos no procedimento ordinário, ou seja, todas as provas admitidas no rito ordinário são cabíveis no sumário. Todavia, há uma segunda diferença importante. O art. 532 do Código de Processo Penal limita o número de testemunhas a cinco136. Enquanto no rito ordinário é possível arrolar até 8 testemunhas, o rito sumário limita este número a 5, estabelecendose as mesmas regras para a consideração do número legal. Trata-se, pois, da segunda diferença específica entre os dois ritos. Há uma terceira e importante diferença entre o rito sumário e ordinário. No rito ordinário, o art. 402 do CPP autoriza, em caso de superveniência de prova durante a instrução, do requerimento de novas diligências, antes de findar a instrução. Tal

134

Art. 538. Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo. 135 Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate. 136 Art. 532. Na instrução, poderão ser inquiridas até 5 (cinco) testemunhas arroladas pela acusação e 5 (cinco) pela defesa.

providência não é contemplada pelo rito sumário. Assim, a audiência de instrução deve findar e, automaticamente, passar o juiz para os debates orais, sem dilação probatória. A quarta diferença entre os dois procedimentos se encontra na possibilidade – de acordo com o art. 403, § 3º do CPP, de substituição dos debates orais no rito ordinário pelos memoriais. Não existe previsão semelhante no rito sumário, de forma que a conclusão, ao menos em consonância com o texto legal, é a de inexistência da referida conversão. Esta é a disposição do art. 534 do Código de Processo Penal137. Contudo, na prática forense, esta distinção tem sido praticamente abolida, passando os juízes a converter os debates orais em memoriais, mesmo sem previsão legal. Por fim, a quinta e última diferença. Sendo os debates orais a única previsão para o rito sumário, a sentença deve ser prolatada oralmente em audiência, sem previsão dela ser escrita. Estas são as diferenças básicas entre o procedimento ordinário e sumário, sendo questionável a existência de um procedimento diverso com diferenças tão pequenas. De uma maneira geral, eis uma síntese do procedimento sumário: a) Oferecimento da Denúncia ou Queixa; b) Recebimento da Denúncia ou Queixa. Alternativamente, pode haver a sua rejeição; c) Citação do Acusado Para Oferecer Resposta à Acusação; d) Oferecimento da Resposta à Acusação; e) Exame Judicial da Resposta à Acusação. Poderá haver a absolvição sumária do acusado. f) Audiência de Instrução e Julgamento; g) Debates Orais e Sentença. Quanto à audiência, que deve ser aprazada em até 30 dias do despacho que analisa a resposta à acusação (art. 531 do CPP) e que rejeita as hipóteses de absolvição sumária, a ordem das provas e os meios de prova admitidos são todos exatamente os mesmos do rito ordinário. Exceção: o número de testemunhas, que no rito sumário é de apenas cinco (art. 532 CPP). Ainda, na audiência de instrução não se aplica o art. 402 do CPP, isto é, não há previsão de diligências complementares. Após o fim da audiência, deve-se proceder aos debates orais, sem a previsão da conversão dos debates em oferecimento de memoriais escritos.

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Art. 534. As alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.

Nos debates orais, o prazo dos debates segue a orientação do rito ordinário, segundo o art. 534 do CPP: 20 minutos para a acusação prorrogáveis por mais dez. A defesa possuirá o mesmo tempo. Em havendo assistente de acusação, o prazo para as suas manifestações será de dez minutos, conforme o art. 534, § 2º do Código de Processo Penal138. Esse prazo deverá ser concedido evidentemente à defesa. Em havendo mais de um acusado, o prazo será individual, assim como o procedimento ordinário. É o que estabelece o art. 534, § 1º do Código de Processo Penal139. Logo após os debates orais, deverá o juiz proferir sentença oralmente, de acordo com o art. 534 do CPP. Há que também se observar a presença eventual de colaboradores, cuja ordem de tomada de depoimentos e apresentação de alegações finais deve ser aquela do rito ordinário (a configuração de organização criminosa, de regra aplicável apenas a crimes que extrapolariam a quantidade de pena inferior a quatro anos do rito sumário é relativizada para os casos de infração penal transnacional. Contudo, a acusação por participação em organização criminosa já afastaria a incidência do rito sumário). Uma última questão importante deve ser referida. Apesar de o CPP não prever a possibilidade de realização de diligência complementar considerada imprescindível pelas partes, cuja descoberta tenha ocorrido na audiência, não se pode esquecer do direito fundamental à prova. E neste ponto, apesar de o rito sumário ser marcado por uma celeridade maior do que o rito ordinário, a aceleração do procedimento não deve ser tal que se ignore importante fonte de prova em homenagem ao formalismo célere da legislação processual penal brasileira (e que não resultou em reflexos visíveis na prática forense). Tal falta de previsão depõe contra a segurança jurídica e contra a própria qualidade da prestação jurisdicional. Quanto maior o conjunto de elementos probatórios contidos nos autos, maior a qualidade da sentença, pois mais amplo o campo de cognição do julgador. Desta maneira, crê-se que tal falta de previsão legal não pode constituir-se em um impedimento por si mesmo à dilação probatória, mesmo que com o sacrifício da concentração dos atos processuais, afinal, em jogo está a liberdade do acusado e a prática de uma conduta delituosa, que deve ser julgada com o máximo de cuidado e presteza pelo Estado. A grande questão é como eventualmente impugnar a decisão judicial que não admite a produção de prova reputada relevante se o procedimento não deve ser 138

Art. 534 § 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. 139 Art. 534 § 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.

fragmentado. Nesse ponto, a parte que se sentir prejudicada deve formalizar o requerimento na ata de audiência para, no futuro, poder arguir tal questão como preliminar de apelação. Como o rito é concentrado e não há, ao menos legalmente a possibilidade de fragmentação da audiência, os meios impugnativos acabam sendo limitados, devendo ser incorporados ao teor de eventual apelação da parte que recorrer da decisão judicial.
procedimento ordinário e sumário

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